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NEIDE HISSAE NAGAE
DE KATAI A DAZAI:
APONTAMENTOS PARA UMA
MORFOLOGIA
DO
ROMANCE DO EU
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
São Paulo - 2006
Tese apresentada como exigência parcial para obtenção do
Grau de Doutor em Teoria Literária e Literatura Comparada
à Comissão Julgadora da Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, sob
orientação do Prof. Dr. Homero Freitas de Andrade.
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De Katai a Dazai; Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Agradecimento
II
AGRADECIMENTOS
A realização deste trabalho só foi possível com o apoio e o incentivo, a
compreensão e a colaboração e, acima de tudo, o carinho de pessoas preciosas que
acompanharam a minha trajetória, e é com o mais profundo reconhecimento que
agradeço a todos, em especial:
Ao Prof. Dr. Homero Freitas de Andrade, meu orientador, que em todos os momentos
soube me conduzir com sabedoria, dedicação e paciência;
Aos Professores e funcionários do Departamento de Letras Modernas da Faculdade de
Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Campus
de Assis;
Aos Professores e funcionários do Departamento de Teoria Literária e Literatura
Comparada da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de
São Paulo;
Aos Professores e funcionários do Centro de Estudos Japoneses da Universidade de São
Paulo;
Às amigas e colegas da Área de Japonês da UNESP, Cecília Kimie, Eliza Atsuko e
Mônica Setuyo;
À Milana Satie, que auxiliou na elaboração de parte do Apêndice, à Graziela e Ana
Luiza pela leitura do trabalho.
Aos meus familiares;
Aos meus pais Ricardo (in memorian) e Olga;
E ao meu marido Kunio e às minhas filhas Charlene, Susana e Jéssica a quem dedico
estas páginas.
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De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Página de Avaliação
III
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Sumário
IV
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO ........................................................................... 01
CAPÍTULO I
O SURGIMENTO DO ROMANCE DO EU
NA LITERATURA JAPONESA......................................... 04
CAPÍTULO II
TIPOLOGIA DO ROMANCE DO EU............................................. 34
Narrador e protagonistas............................................. 36
Narrador e foco narrativo............................................ 62
Vida Pessoal, representação literária, verossimilhança 71
CAPÍTULO III
PÔR-DO-SOL DE DAZAI OSAMU
— PARA ALÉM DOS HORIZONTES DO ROMANCE DO EU... 88
CONCLUSÃO.................................................................................. 130
BIBLIOGRAFIA............................................................................... 139
APÊNDICE
A prosa japonesa e as influências estrangeiras
ANEXOS
Imagem 1
Imagem 2
Imagem 3
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Resumo
V
RESUMO
O presente trabalho constitui um estudo sobre um conjunto de obras
pertencentes ao gênero japonês de cunho autobiográfico denominado Romance do
Eu, com o intuito de traçar características comuns a essas obras que sirvam como
apontamentos para uma morfologia desse gênero surgido no início do século XX.
Num primeiro momento, situamos o Romance do Eu no contexto histórico-
literário do Japão e apresentamos as discussões de estudiosos japoneses na fase
inicial de desenvolvimento dessa forma literária, além da visão de dois estudiosos
estrangeiros sobre o gênero. Nesse percurso, traçamos ligações entre as obras
estudadas com a repressão ideológica e o exercício da liberdade de expressão na
postura acuada e resignada dos protagonistas, encontradas num conjunto de obras
analisadas num segundo momento, que vão desde 1906, com a obra Futon
(Acolchoado), de Tayama Katai, até o final da Segunda Guerra Mundial. Tais obras
revelaram uma sensível e rica diversidade quando analisadas pelos elementos da
narrativa que estruturam o texto, mas não foi possível encontrar textualmente
aspectos que identificassem o protagonista da obra com seu autor. Na realidade, elas
se mostraram uma forma velada de contestação ao sistema autoritário do Japão ao
centrarem seu conteúdo em fatos da vida pessoal do autor e parodiarem os romances
europeus introduzidos na época. Esse dialogismo do Romance do Eu desenvolve-se
também no nível textual da obra de Dazai Osamu, intitulada Pôr-do-Sol, escrita em
1947, logo após a rendição do Japão e ainda sob a ocupação das tropas norte-
americanas, incumbidas de iniciar a democratização do país. O estudo desenvolvido
nesse terceiro momento mostra que o autor utiliza, ainda, outras formas literárias que
privilegiaram a ficção na literatura japonesa, elabora personagens que são
desdobramentos de si mesmo e que dialogam entre si e faz uso de diferentes formas
narrativas, que se mesclam à intertextualidade de obras japonesas e ocidentais,
criando, assim, uma obra que dispensa o rótulo de Romance do Eu e assegura a
sobrevivência dessa forma narrativa na prosa moderna do Japão.
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Resumo
VI
ABSTRACT
From Katai to Dazai: Notes for Morphology of the Novel of the Self consists
of a study on a set of literary works belonging to the autobiographical character
Japanese genre denominated Novel of the Self, aiming at outlining common
characteristics to these works that serve as notes for a morphology of this genre
started in the beginning of the XX century.
In a first instance the Novel of the Self is placed in the Japanese historical-
literary context and the discussions of Japanese scholars in the initial development
phase of this literary form are presented, as well as the vision of two foreign scholars
about the genre.
In this trajectory are outlined connections of the works studied with the
ideological repression and the exercise of the freedom of expression in the cornered
and acquiescent posture of protagonists, being these connections found in a set of
works analyzed in a second instance, comprehending 1906 with the work of Futon
(Quilt) by Tayama Katai, up to the end of the Second World War.
Such works have revealed an insightful and rich diversity when analyzed by
the elements of the narrative which structure the text, but aspects that could identify
the work’s protagonist with its author have not been possible to find textually.
As a matter of fact, they have revealed a veiled way of contest to the Japan’s
authoritative way as they have focused their content on facts of the author’s personal
life and parodied the European novels introduced at that time.
This dialogism in the Novel of the Self is also developed on the textual level
of the work of Dazai Osamu entitled Sunset, written in 1947, right after the surrender
of Japan while under the occupation of the American troops charged with the task of
beginning the country’s democratization.
The study developed in this third instance reveals that the author uses, in
addition, other literary forms that benefit the fiction in the Japanese literature, makes
up characters that are developments of himself and that also talk among themselves,
and makes use of different forms of narratives that merge to the intertextuality of
Japanese and Western works, creating, as a result, a work that excuses the label of
Novel of the Self and, assures the endurance of this narrative form in the Japans
modern prose.
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Apresentação
1
APRESENTAÇÃO
Neste trabalho desenvolve-se um estudo sobre a narrativa de ficção de
inspiração autobiográfica conhecida no âmbito da Literatura Japonesa como
Watakushi Shōsetsu, ou Shishōsetsu, e que doravante chamaremos de Romance do
Eu. Visando encontrar características comuns ao conjunto de obras assim designadas
e que sirvam de apontamentos para uma morfologia desse gênero, delimitamos nossa
pesquisa às obras que surgiram entre o início do século XX, consideradas inaugurais,
e os primeiros anos do pós-Segunda Guerra Mundial, começando pela obra Futon
(Edredon, 1906), de Katai Tayama, e terminando em Shayō (Pôr-do-Sol, 1947), de
Osamu Dazai.
Watakushi Shōsetsu, que também permite a leitura de Shishōsetsu em função
da leitura opcional dos ideogramas que o compõem, é uma expressão que surgiu por
volta de 1920. Watakushi significa “eu” e designa a primeira pessoa do singular com
uma denotação de modéstia. O termo Shōsetsu significa, literalmente, “história
pequena”, e foi utilizado pela primeira vez em 1885, pelo estudioso Tsubouchi
Shōyō, como tradução da palavra inglesa novel. Desde então, passou a ser utilizado
também como correspondente do francês roman e do alemão Roman e, em sentido
amplo, para designar várias obras narrativas. Até então, existiam outros termos,
como monogatari (narrativa), sōshi (escritos), hon (livro) e bun (texto), para designar
a forma em prosa. O termo “prosa” em si, que em japonês é sanbun, foi utilizado um
pouco antes, em 1871, por Nishi Amane, mas apesar de já aparecer em textos
chineses não era muito utilizado e só consolidou-se muito depois de shōsetsu.
Os japoneses subdividem os shōsetsu em longos (chōhen ou taiga shōsetsu),
médios (chūhen) e curtos (tanpen), que poderíamos considerar grosso modo como
romance, novela e conto, considerando apenas o critério da extensão e não as
características internas e estruturais que são consenso nos estudos literários do
Ocidente. Em geral, todos, independentemente de sua extensão, são simplesmente
chamadas de shōsetsu e, embora reconheçamos que não seja um termo tão adequado,
demos preferência para “romance” como seu correspondente para diferenciá-lo de
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Apresentação
2
“narrativa”, que em geral é a tradução dada para as obras literárias clássicas
conhecidas pelos nomes de monogatari e setsuwa.
Inicialmente, procuramos traçar um breve perfil histórico sobre as obras e os
autores desse gênero, que foi uma das novidades da prosa japonesa moderna e alvo
de reiteradas discussões no meio literário do Japão, no âmbito da crítica japonesa e,
mais modestamente, da crítica estrangeira. Assim, acompanhamos o percurso do
Romance do Eu desde o surgimento desse gênero e dessa expressão na literatura
japonesa até as duas classificações mais conhecidas, formadas a partir de uma
interpretação de estudiosos japoneses centrada na crise do protagonista, ou seja, na
obra que descreve o processo da crise ou de sua superação. Nesse percurso,
apresentamos três momentos de discussões sobre as obras da fase inicial que teriam
consolidado o gênero, as discussões geradas no mundo literário em torno do
Romance do Eu e a visão de estudiosos estrangeiros.
Depois de situar brevemente o Romance do Eu no universo literário japonês,
procuramos traçar uma tipologia do gênero estudando algumas obras assim
consideradas pelos críticos japoneses e tecendo considerações sobre seus aspectos
narrativos mais significativos, com citações de alguns fragmentos das obras
analisadas para ilustrá-los. Nessa busca, encontramos uma diversidade além da
esperada para essas obras ditas simplórias e, por isso, tentamos mostrá-las por um
prisma de elaboração artística que normalmente lhe é negado. Além de sua natureza
autobiográfica, que necessita de um cotejo com a história pessoal do autor, nada foi
encontrado concretamente no próprio texto que servisse para identificar o autor com
a personagem principal tão mencionada pelos estudiosos japoneses e que costuma
servir de base para a leitura dessas obras.
Verificamos, ainda, que os escritores japoneses merecem o crédito de terem
contornado as autoridades com seu protesto silencioso e seus críticos com obras que
aparentavam ser imitações malfeitas dos modelos mais modernos e valorizados do
romance europeu, estando limitadas aos relatos da vida pessoal do autor. Com isso,
procuramos, de um lado, inserir o Romance do Eu como um produto do contexto
histórico de perseguição e censura ideológica vivida pelos japoneses desde a abertura
do Japão ao Ocidente até a chamada democratização do país pelas tropas de
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Apresentação
3
ocupação norte-americana, ocasião em que a liberdade de expressão é assegurada
pela constituição; de outro, mostrar que as obras pertencentes ao gênero não se
restringem a narrar a vida pessoal do autor de modo simples e linear, sem nenhuma
elaboração artística, e que, em seu alicerce, ocultam raízes da secular literatura
japonesa.
Por fim, estudamos a obra Pôr-do-Sol, que narra a vida de uma família de
nobres decadentes e foi escrita logo após o término da Segunda Guerra Mundial,
quando o Japão passou por um novo período de transformações. Osamu Dazai, seu
autor, é pseudônimo literário de Shūji Tsushima, o sexto filho mais novo dos rapazes
dentre os dez filhos de uma rica família da nobreza rural de Tsugaru, na região
nordeste do Japão. Por causa da saúde fraca de sua mãe, foi criado pela tia e pela
ama-de-leite, e cresceu nesse ambiente peculiar do “narrar” dessas mulheres de uma
região que é uma das poucas do Japão onde os contadores de histórias fazem parte do
cotidiano do povo. Dazai deve ter sofrido desde cedo com as relações humanas, por
receber um tratamento diferenciado como filho de um homem poderoso, mas
também por depender financeiramente dos irmãos mais velhos e por ser mimado pela
tia e por duas irmãs mais novas. Ainda jovem, Dazai participou de movimentos
sociais e misturou-se à camada popular que contestava a posição de sua origem
familiar, vivenciando, com isso, um conflito interior de uma pessoa sem lugar no
mundo. Tentou o suicídio várias vezes, conseguindo concretizá-lo às vésperas de
completar 39 anos.
Em nossa análise de Pôr-do-Sol, procuramos defendê-la como uma obra que
alcança um grau de sofisticação em que o autor utiliza vários elementos em sua
composição, mesclando, na obra, uma síntese de sua vida e de seus pensamentos
pessoais por meio de diferentes formas narrativas e criando uma intertextualidade
entre obras japonesas e ocidentais na história das quatro personagens principais,
como apelo para uma nova vida da protagonista e da prosa de ficção japonesa em um
novo tempo.
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Capítulo I – O Surgimento do Romance do Eu na Literatura Japonesa.
4
CAPÍTULO I
O SURGIMENTO DO ROMANCE DO EU NA LITERATURA JAPONESA
Como quer que se traduza a expressão Watakushi Shōsetsu, ela sempre
causará estranhamento ao estudioso pouco habituado à terminologia própria da
literatura japonesa. Mesmo no âmbito dos estudos literários japoneses, a expressão
Romance do Eu e mais especificamente a forma literária que ela designa provoca
controvérsias entre críticos e estudiosos. Não há como negar, porém, a importância
da forma no processo de modernização da prosa literária japonesa, iniciado nas
primeiras décadas do século XX.
No mundo literário japonês, a expressão
1
surgiu no início da década de 1920
e foi seguida por outras similares, como watakushi wa shōsetsu (eu sou o romance) e
“watakushi” shōsetsu (romance do “eu”). Nessa época, os estudiosos japoneses
voltaram sua atenção para as obras de cunho autobiográfico,
2
preocupados que
estavam com sua disseminação. Segundo esses estudiosos, a falta de preocupação
dos autores com a estruturação da obra e com a criação da personagem principal,
uma vez que tomavam a si mesmos como modelos, poderia causar “prejuízos” ao
desenvolvimento literário japonês, pois tais obras traziam um narrador-protagonista,
entendido como o próprio autor, e partiam do pressuposto de que o leitor tinha
conhecimento da vida do escritor. Daí, mediante a introdução do “eu” na obra, todo o
conteúdo restante deveria ser interpretado como fato verídico relativo ao autor. O
mesmo tom de reprovação foi dirigido às obras
3
pertencentes à categoria jistumei
shōsetsu (romance com nome real), publicadas a partir de 1919. Eram um misto de
“romance da vida real”, uma espécie de registro escrito sobre a vida dos membros
1
A expressão é assinada por Hirano Ken, que se baseia na pesquisa de Ogasawara Masaru e Enomoto
Takashi, em Kōichi ISOTA, Shinchō Nihon Bungaku Jiten (Dicionário Shinchō de Literatura
Japonesa), p.1388-1343.
2
Essas obras começaram a aparecer no início do século XX.
3
Podem ser citadas: Ano Koro no Jibun no Koto (Fatos Pessoais Daquela Época), de Akutagawa
Ryunosuke; Tomo to Tomo no Aida (Entre Dois Amigos), de Kikuchi Kan; Ryōyū Akuyū (Bons e
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Capítulo I – O Surgimento do Romance do Eu na Literatura Japonesa.
5
dos círculos literários. Seus autores acreditavam pertencer a uma elite, e despertavam
nos leitores o interesse e a curiosidade pelo que diziam ou faziam, ou seja, pela vida
do escritor. As críticas ao Romance do Eu, em parte, tiveram origem nesse matiz
negativo de seu histórico, associado às obras que se limitavam a descrever fatos da
vida cotidiana do autor.
Assim, com o crescente número de obras que narravam a vida privada do
escritor, sobretudo revelando aspectos obscuros e utilizando personagens com nomes
de pessoas reais, a expressão “Romance do Eu” tornou-se tema de discussão dos
círculos literários japoneses à época, inicialmente com um sentido depreciativo de
romance simplório e com uma conotação discriminatória e pejorativa pela falta de
elaboração formal e por problemas ligados à ficcionalidade, ao caráter ficcional.
O verbete assinado por Ino Kenji em Nihon Kindai Bungaku Daijiten
(Grande Enciclopédia da Literatura Japonesa Moderna) começa expondo a
dificuldade de se “definir” o Romance do Eu, principalmente quando se trata de
enquadrá-lo na idéia de romance ao estilo ocidental. Diz tratar-se de um romance de
cunho autobiográfico, um romance em primeira pessoa, e para explicá-lo usa a
designação alemã Ich Roman, que, no caso da literatura japonesa, mais complica do
que esclarece, pois o Ich Roman é a narrativa escrita em primeira pessoa, mas que
não narra necessariamente fatos da vida real de seu autor.
A principal dificuldade de se explicar a expressão decorre, no âmbito dos
estudos japoneses, da confrontação da crítica e dos leitores da obra literária com
acontecimentos da vida do autor.
Nesse sentido, uma das visões mais adequadas, do nosso ponto de vista, é a
de Oikawa
4
, que coloca o Romance do Eu, com base em critérios que levam em
conta a técnica narrativa, ao lado do romance de formação, do romance psicológico,
do romance de idéias e do romance epistolar.
De modo geral, no entanto, a discussão em torno do que seja o Romance do
Eu mistura-se com as avaliações de juízos sobre essa forma narrativa, sua origem e
Maus Amigos), de Kume Masao; Zenshin Akushin (Bons Sentimentos, Maus Sentimentos), de Satomi
Ton.
4
OIKAWA, Bungei Yōgo no Kiso Chishiki 88 (Conhecimentos Básicos de Termos Literários) p. 358-
9.
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Capítulo I – O Surgimento do Romance do Eu na Literatura Japonesa.
6
seu desenvolvimento no processo de modernização da literatura, que resultou na
versão japonesa do Naturalismo, cujas primeiras manifestações datam de 1906. O
Romance do Eu impõe-se como gênero durante a fase experimental do assim
chamado Naturalismo japonês.
Hauser diz:
O naturalismo não é uma concepção homogênea e bem definida de arte,
sempre baseada na mesma idéia de natureza, mas muda com os tempos, visando
sempre um objetivo específico e imediato, preocupado sempre com uma tarefa
concreta e limitando suas interpretações de vida a determinados fenômenos.
Professa-se uma crença no naturalismo não porque se considere uma
representação naturalista mais artística a priori do que uma estilização, mas
porque se descobre na realidade um certo traço, uma certa tendência a que se
gostaria de dar maior ênfase, que se gostaria de promover ou de combater. [...] O
naturalismo não ter por alvo a realidade como um todo, não a “natureza” ou a
“vida” em geral, mas a vida social em particular, ou seja, aquela província da
realidade que se tornou especialmente importante para essa geração.
5
A despeito desses estudos sobre a escola naturalista, convém ressaltar as
limitações de acepção que esse movimento teve no Japão. O estudioso Nakamura
Mitsuo traça, por exemplo, o perfil do Naturalismo francês como originário da
influência do Positivismo e das ciências naturais e adotado na literatura em meados
do século XIX, formando escritores que acreditavam que introduzir o método das
ciências naturais na literatura era um meio para a pesquisa da verdade. Segundo
Nakamura, ao aplicar a teoria de Claude Bernard, Zola tornou-se a figura central do
Naturalismo, pregando que a psicologia e a ação humana são determinadas pela raça
e pela sociedade e que o romancista deveria pesquisar a hereditariedade e o meio
para apreender a verdade humana, propondo que ele saísse da observação simples
para que, por meio da experiência, apreendesse a verdade do ser humano e a vida em
sociedade. Cita Maupassant, Flaubert e os irmãos Goncourt como os escritores que
mais exerceram influência no Japão depois de Zola.
5
Arnold HAUSER, História Social da Arte e da Literatura, p. 749-51.
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Capítulo I – O Surgimento do Romance do Eu na Literatura Japonesa.
7
Tentativas anteriores de utilização dos procedimentos típicos da escola
naturalista foram defendidas inicialmente pelo crítico Tsubouchi Shōyō e pelo
escritor Mori Ōgai, que explicitou aspectos do Naturalismo praticado por Zola, em
1889, das obras dos autores da Kenyūsha
6
— que focalizaram os problemas
decorrentes da industrialização e do capitalismo nos anos precedentes e posteriores à
guerra sino-japonesa (1894 a 1895) —, bem como no romance social que tratava
diretamente das relações do indivíduo com a sociedade. Outras influências da obra de
Zola, ainda que em menor intensidade, podem ser percebidas a partir de 1897, nas
obras de Tokutomi Roka, Kunikida Doppo e Shimazaki Tōson.
No prefácio de Hatsu Sugata (Primeira Silhueta, 1900) e na obra Hayari Uta
(Canção da Moda, 1902), Kosugi Tengai fez uma breve explanação do método de
representação realista em que apresenta a hereditariedade e o meio como condições
determinantes da vida. Nagai Kafū, por sua vez, segue o mesmo caminho em Jigoku
no Hana (Flores do Inferno, 1902). A procura por uma vida melhor e a revelação da
natureza animal do homem moldado pela hereditariedade e pelo meio são elementos
pertinentes a essas obras, que têm o objetivo de buscar a verdade do ser humano —
como queria Zola. Tanto para Tengai como para Kafū, o escritor francês serviu de
modelo e também de pretexto para o reconhecimento do homem como parte da
natureza e como ser biológico, a fim de libertá-lo da moral preestabelecida e da
estética tradicional, na tentativa de separar definitivamente a literatura do moralismo
e do utilitarismo que a crítica lhe atribuía como funções. Tanto é que, para o
historiador literário Takagi Ichinosuke,
7
o Naturalismo japonês não passou de uma
imitação superficial do Naturalismo de Zola.
Já para o historiógrafo da literatura Hisamatsu Sen’ichi, não obstante a
tentativa de representar o ser humano sob o enfoque da ciência e livre de
maniqueísmos, sob a crença de que estariam combatendo as convenções e a
hipocrisia, essas obras constituem apenas objetos de interesse da história da
literatura.
6
Primeira associação literária do Japão moderno formada em 1885 sob a liderança do escritor Ozaki
Kōyō. V. Apêndice, p. 51.
7
Ichinosuke TAKAGI, Nihon Bungaku no Rekishi (História da Literatura Japonesa, 1967), p. 351.
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Capítulo I – O Surgimento do Romance do Eu na Literatura Japonesa.
8
Independentemente do recorte que faz o estudioso Nakamura Mitsuo
privilegiando a influência de Zola, pode-se dizer que a escola naturalista no Japão,
por meio das obras de Kunikida Doppo e Tayama Katai, desenvolveu também outros
aspectos do Naturalismo europeu, pinçados nas obras de autores como Maupassant,
Turguéniev e Flaubert. Pôs a “sinceridade” acima de tudo, imprimindo um sentido
moral à idéia de “natureza” descoberta nos poetas românticos ingleses. No período
da guerra contra a Rússia (1904 a 1906), “Naturalismo” e “Natureza” foram palavras
que, baseadas numa visão positivista, penetraram em diversas camadas da sociedade
japonesa e atraíram os jovens como idéias que se opunham ao poder das convenções,
das formalidades e das tradições e que eram vistas como sinônimos de Verdade,
Liberdade e Oposição.
O auge da escola naturalista no Japão se dá de 1908 a 1909, tendo o Romance
do Eu como forma narrativa predominante. Destacam-se, nesse período, obras como
Futon (Acolchoado, 1907), escrito por Tayama Katai; Haru (Primavera, 1908) de
Tōson, que reforça essa tendência; Sei (Vida, 1908) também de Katai; Hōrō (Errante,
1910) de Iwano Hōmei; e Kabi (Bolor, 1912) de Tokuda Shūsei, que elaboram
conteúdos recolhidos na esfera da vida privada.
8
O uso e o abuso de procedimentos do Naturalismo acabaram, entretanto,
gerando movimentos antinaturalistas marcados pelas obras de escritores como Izumi
Kyōka, Natsume Sōseki e Mori Ōgai e das correntes estética Tanbi
9
, estética, e
Shirakaba
10
, idealista e humanista, surgidas em 1910. A hegemonia do Naturalismo
durou apenas dois ou três anos, mas pode-se dizer que as críticas das tendências
opostas a ele constituíram uma extensão da própria escola naturalista, o que se
evidencia, por exemplo, na concepção de mundo de escritores da corrente Tanbi, de
que o homem é escravo de suas paixões e sentimentos, e pela presunção dos
escritores da corrente Shirakaba, que enxergaram a si mesmos como representantes
da humanidade eleitos para libertar os homens. Como se pode ver por meio do estudo
8
Os novos escritores, como Masamune Hakuchō, Mayama Seika e Chikamatsu Shūkō, também foram
regidos pelo Romance do Eu, mas sem apresentar novidades.
9
V. Apêndice, p.59-60.
10
Idem, p. 56-59.
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Capítulo I – O Surgimento do Romance do Eu na Literatura Japonesa.
9
das obras de escritores pertencentes a essas duas correntes, não eram grandes suas
diferenças, pois elas também tinham como ponto de partida as concepções da própria
escola naturalista.
A partir de 1912, percebe-se uma coexistência ou quase fusão das várias
correntes na literatura; alguns anos mais tarde, a diferença artística entre Hakuchō,
Tanizaki e Shiga deixa de estar na ideologia ou na escola a que pertenciam e passa a
residir na individualidade de suas naturezas. Entre 1912 e 1925, várias obras
representativas do Naturalismo — como Arakure (Confusão, 1915), de Shūsei; as
cinco obras de Hōmei; Momoya (Infinidade de Noites, 1927) de Katai; e diversas de
Hakuchō — foram escritas quando o movimento já estava supostamente terminado.
Isso mostra como esse movimento desenvolveu suas possibilidades de modos
diversos e por que o Romance do Eu foi uma das formas ideais dos escritores do
período moderno e continuou deixando obras expressivas depois de 1925, como
Yoakemae (Antes do Alvorecer, 1929), de Tōson; Desenho Reduzido (Shukuzu, 1941)
de Shūsei; e várias obras de Hakuchō, contendo materiais de sua viagem ao exterior.
Assim, o desenvolvimento do Naturalismo confunde-se com a trajetória do
Romance do Eu desde seu nascimento, ou seja, com as primeiras obras produzidas
após Futon: em 1908, Haru, de Tōson, e Sei, de Katai; em 1909, Tandeki
(Libertinagem), de Hōmei, e Tsuma (Esposa), de Katai; em 1910, Ie (Família), de
Tōson, e Hōrō (Errante), de Hōmei.
Os historiadores e críticos literários evitam mencionar qual teria sido o
primeiro Romance do Eu, possivelmente pela própria dificuldade de defini-lo e por
se tentar fazê-lo mediante uma explicação de seu processo de desenvolvimento
dentro da história da literatura japonesa. Pelo senso comum, Futon é tida como a
primeira, mas, pela exposição acima, Haru mostra-se a mais provável, embora não
haja pronunciamentos explícitos nesse sentido.
O fato é que os estudiosos utilizam uma forma de expressão diferente para
citar qual seria “o Romance do Eu”, que pode ser muito bem identificado ou
confundido com “o primeiro”, segundo a interpretação de cada qual sobre sua
origem. Segundo Nakamura Mitsuo, Kabi é a obra modelo. Hirano Ken, por sua vez,
defendeu que a cristalização do Romance do Eu mais representativo surge com
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Capítulo I – O Surgimento do Romance do Eu na Literatura Japonesa.
10
Giwaku (Suspeita, 1913), de Chikamatsu Shūkō (1876-1944). Já o estudioso Odagiri
Hideo atribui a esse estudioso o mérito de ter definido quando e que obra deu início
ao Romance do Eu. Reconhece-a como tal não apenas porque apresentou uma
história baseada na experiência do escritor, mas porque expõe abertamente a
gravidade da falha humana e sua sordidez, revelando detalhes de atos indecorosos do
autor que chegam a constranger o leitor — uma obra de destruição sem propósito,
impraticável por uma pessoa comum, algo que, antes dele, ninguém havia feito.
Odagiri diz, porém, que o surgimento de Giwaku teve seu terreno preparado um ano
antes por Kasai Zenzō, que publicou Aishiki Chichi (Meu Saudoso Pai, 1912) na
revista Kiseki, e teria sido a primeira se não tivesse caído no esquecimento da crítica
em razão da extinção da revista logo no primeiro ano de sua criação, e só veio a ser
considerada anos mais tarde.
O Naturalismo foi visto como um movimento que liderou a vida literária
japonesa por um curto período e logo dividiu o espaço com outras correntes e
autores, que se opuseram ou se mantiveram alheios a ele. Mesmo assim, durante os
anos seguintes obras naturalistas continuaram a ser produzidas de modo expressivo,
sendo reconhecidas como parte da corrente principal, ao passo que as demais, apesar
de valorizadas, continuaram como correntes secundárias. O Romance do Eu
manteve-se como o gênero mais representativo.
As discussões sobre o Romance do Eu, como conjunto de obras literárias,
tiveram início na mesma época em que surgiu a expressão que o designa, ou seja, por
volta de 1920. Como já visto, a tendência do Romance do Eu se concretizou com
Futon, obra naturalista de 1907 escrita por Tayama Katai, que já em 1904 – em
Rokotsunaru byōsha (Uma Descrição Nua e Crua) – defendia que tudo precisava ser
revelado abertamente, ser verdadeiro e natural.
Katai inspirou-se na obra
11
do escritor alemão Gerhart Hauptmann para criar
Futon, pondo em prática a idéia que o atormentava havia quase três anos: escrever
sobre sua “Anna Mahr”, ou seja, Okada Michiyo, sua discípula de 19 anos na vida
real. Para o papel de Johannes, com quem o autor se identificava, criou o
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Capítulo I – O Surgimento do Romance do Eu na Literatura Japonesa.
11
protagonista Takenaka Tokio, pai de família desencantado com a vida de casado e
escritor ainda à espera de produzir sua obra-prima; para alvo de sua paixão, a
discípula Yoshiko. Nessa época, Katai acabara de voltar da guerra russo-japonesa e
arriscou sua reputação com essa idéia, que lhe abriu um novo horizonte e na qual foi
bem sucedido. Futon foi uma obra que marcou época.
Os comentários foram de enaltecimento e admiração pelo modo tão aberto
com que o autor havia se exposto (uma atitude que até então nenhum escritor tivera
ao registrar suas próprias experiências) e pela coragem de sacrificar a vida particular
em prol da arte. No entanto, como não poderia deixar de ser, a obra provocou
escândalo, e Katai foi ridicularizado por aqueles que entendiam a obra de arte como
modelo de vida e pelos adeptos do bom senso. Estes últimos não admitiam uma
revelação tão aberta, como a de Futon, sobre o desejo sexual de um homem de meia-
idade, casado, com filhos e dono de grande saber e discernimento, com uma posição
a preservar. Esse, porém, foi o diferencial da obra que descreveu um homem
contemporâneo, revelando as minúcias de seu conflito psicológico. Depois desse
feito de Katai, todos se sentiram à vontade para descrever suas próprias experiências
e as de outros.
A obra causou à época um alvoroço inédito em mais de vinte anos de vida
literária japonesa moderna. Shimamura Hōgetsu e mais dez escritores e críticos da
Waseda Bungaku, principal revista da corrente naturalista da época, planejaram uma
avaliação conjunta, e também Yosano Tekkan e outros quatro escritores da Myōjō,
principal revista da corrente antinaturalista. Outras revistas, como Teikoku Bungaku e
Shinsei, apresentaram suas visões sobre Futon durante aproximadamente meio ano,
até sua publicação como obra principal da Coletânea de Katai, em março de 1907.
Mesmo depois de décadas, a obra ainda suscita discussões.
12
A idéia de que não existia uma literatura tão verdadeira quanto aquela que
descrevia as experiências vividas diretamente pelo autor era muito forte na época e
11
Katai revela a identificação que tinha com Johannes, de Einsame Menschen (1891), obra que lhe
deu a inspiração para escrever Futon, em Trinta anos de Tóquio. Cf. Katai TAYAMA, Futon;
Ippeisotsu, p. 107-10.
12
Tsuneo SŌMA, Kaisetsu (Explicação) In: Katai TAYAMA, Op. cit., p. 111-117.
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Capítulo I – O Surgimento do Romance do Eu na Literatura Japonesa.
12
prevaleceu a imagem de que os romances como Futon representavam o Naturalismo
europeu recém-introduzido.
Na interpretação de Odagiri em Watakushi Shōsetsu to Shinkyō Shōsetsu
(Romance do Eu e Romance Introspectivo, 1958), a obra não se encaixava na
fórmula do Romance do Eu, em que o protagonista é o autor; por isso, viu nela a
possibilidade de a prosa japonesa manifestar um espírito crítico voltando-se para
outros temas, mas diz que isso não ocorreu em razão do clima de perigo e de tensão
da época, pois quando o frágil ego moderno tentou se expandir, aproveitando o
crescimento da auto-estima dos japoneses após a guerra com a Rússia, o Japão
entrava na fase de dominação capitalista opressora, sob a qual o desejo de liberdade
continuou mantido, por parte de alguns poucos intelectuais afastados da sociedade,
numa esfera fechada. Os escritores estavam expostos ao risco de não obter bons
resultados em suas produções por falta de preparo ideológico e de sensibilidade para
apreender a essência e a estrutura da ordem dominadora que os afastava da sociedade
e para confrontar o sistema cruel de censura e controle ideológico que existia desde
os primeiros anos do governo Meiji (1868 a 1911).
Diante disso, a tendência de Futon, em 1907, foi confirmada por Shimazaki
Tōson no ano seguinte, com Haru, obra que descreve os sofrimentos que o autor
enfrentou na juventude. A tendência de escrever sobre a própria vida teve
continuidade nas obras posteriores de Tōson. Em Shinsei (Renascimento, 1918), ele
revela a paixão que sentia pela própria sobrinha.
Hakai (Quebra de Convenções, 1906), focaliza o preconceito social ao narrar
o sofrimento do protagonista Segawa Otomatsu, que vive atormentado por ser
descendente da casta das eta.
13
Com essa obra, escrita um ano antes de Futon, Tōson
poderia ter dado outro rumo à prosa japonesa moderna que não o do Romance do Eu,
mas ele já vivia o clima que cerceara Katai e todos os escritores que foram induzidos
a transformar o romance em palco das confissões da vida privada do autor,
contribuindo, assim, para consolidar o posição do Romance do Eu no meio literário.
Nakamura Mitsuo, em Nihon no Kindai Shōsetsu (Romance Moderno
Japonês, 1954), interpretou que o autor pretendia revelar sua vida íntima ao usar a
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Capítulo I – O Surgimento do Romance do Eu na Literatura Japonesa.
13
cidade interiorana onde vivera como cenário da obra, e que, nesse sentido, Hakai
também demonstrava a possibilidade de o autor adotar o Romance do Eu, como de
fato o fez nas obras posteriores. Diferentemente de Odagiri, Nakamura acredita que,
como a literatura romântica no Japão não se desenvolveu a contento, a valorização da
“realidade” associada à idéia de “natural” do romantismo tornou a “confissão” um
novo caminho atraente para os escritores. Katai, por exemplo, conseguiu, com Futon,
encontrar uma fórmula fácil e adequada para atender às exigências da literatura da
época, enxergando a si mesmo como “natureza” e confessando os “fatos” de sua
vida.
Tagaki, o historiógrafo literário já citado, também insere o Romance do Eu
no desenvolvimento do Naturalismo japonês, afirmando que passaram a ser criadas
muitas obras que descreviam a vida pessoal do autor ou a vida individual isolada do
contexto nacional e social. Ele cita Tayama Katai e Shimazaki Tōson como
precursores do gênero na literatura japonesa. No âmbito da história cultural do Japão,
os críticos Kitazumi Toshio e Kikuda Shigeo mostram uma visão idêntica à de
Takagi e Nakamura.
Com a publicação de Hakai em 1906, Shimazaki Toson consolida a
literatura naturalista que se transformou num grande movimento literário, a
principal corrente entre 1907 e 1917. Hakai é uma obra do realismo autêntico que
estabeleceu um tema sobreposto (duplo), um reflexo do próprio autor que escreve
sobre a tristeza dos que despertam e também uma crítica aguçada sobre as
contradições da sociedade que envolvem os habitantes dos vilarejos (burakumin).
Entretanto, Toson, na sua obra seguinte que é Haru, direciona-se para um estilo
autoconfessional (jiko kokuhaku bungei) juntamente com Futon de Katai,
abandona o interesse pela sociedade e escolhe o caminho para a literatura
confessional. Tokuda Shūsei, Iwano Hōmei, Masamune Hakuchō, Mayama Seika
também apresentam essa forte tendência para a autoconfissão e a visão de vida
niilista com postura contemplativa não idealista/insolúvel e da tristeza da
revelação da realidade, abandonam a ficção e focalizam a verdade da vida
.
Shimamura Hōgetsu, Hasegawa Tenkei, Katayama Tengen e outros
defenderam várias teorias com base em suas lógicas. Chikamatsu Shūkō, Kasai
13
Famílias que se ocupavam do abate de animais e eram consideradas inferiores.
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Capítulo I – O Surgimento do Romance do Eu na Literatura Japonesa.
14
Zenzō e outros aumentam os elementos confessionais que descrevem o desejo
amoroso e a dificuldade da vida e tomam um rumo cada vez mais acentuado para
o romance do eu, simbolizando o destino do Naturalismo.
14
A orientação para o Romance do Eu foi reforçada pelos já mencionados
escritores naturalistas Iwano Hōmei, Tokuda Shūsei e Chikamatsu Shūkō, os quais,
após a publicação de Futon, seguiram a tendência confessional. A obra Tsukimono
(Encosto), de Hōmei, é apresentada por Nakamura Mitsuo
15
como um Romance do
Eu perfeito, no sentido de ter sido escrito do princípio ao fim sob a visão subjetiva do
autor. Shūsei, como um dos representantes máximos do Naturalismo, foi alvo das
atenções com Arashotai (Nova Família, 1908). Passou a escrever Romance do Eu a
partir de 1910, retratando a vida de sua esposa na obra Ashiato (Rastros). Mas, como
já foi mencionado, para o crítico Nakamura Kabi é a obra mais representativa desse
autor e também o modelo do Romance do Eu naturalista. Nessa obra, Shūsei mostra
como símbolo da vida sem ideal e sem solução a história do protagonista Sasamura e
seu desdobramento, um homem casado e atormentado pelo insucesso profissional
como escritor que a tudo suporta passivamente e sem esperanças. Reconhecido em
1910 com Wakareta tsuma ni okuru tegami (Carta Enviada a minha Ex-esposa),
Chikamatsu Shūkō dedicou-se ao Romance do Eu, escrito com uma grande dose de
lirismo subjetivo — um escritor que revelou a fraqueza masculina sem a menor
hesitação.
A corrente Shirakaba costuma ser citada pelos livros de história da literatura e
pelos críticos literários como fonte do Romance do Eu ou como movimento que o
impulsionou e o desenvolveu. Especialmente as obras do escritor Shiga Naoya,
16
que
foi mais descritivo e fiel a seus sentimentos e lutou contra as pressões e injustiças das
quais se sentia vítima. Hirano Ken, por exemplo, em Geijutsu to Jisseikatsu (Arte e
14
Kindai Bungei no Keisei (Formação da Arte Literária Moderna). In: Ichiro Ishida. Nihon Bunkashi
Gairon, Capítulo 30.
15
Op. cit. p. 12.
16
Muito mais que um segundo foco que dá continuidade ao Romance do Eu, Shiga é visto como o
autor que, principalmente com a obra Kinosaki nite (Em Kinosaki), de 1917, desenvolveu e consolidou
o romance introspectivo, um desdobramento do Romance do Eu, que será examinado nas páginas
seguintes.
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Capítulo I – O Surgimento do Romance do Eu na Literatura Japonesa.
15
Vida Real), de 1958, considera que o Romance do Eu só se formou quando, ao
Naturalismo, foi acrescido o individualismo e o humanismo da corrente Shirakaba.
Odagiri observa que quando os escritores da corrente Shirakaba não
conseguiram expandir suas idéias, desgastadas pelos embates com a realidade que os
cercava, eles tenderam a expressar sua interioridade, aumentando o número de obras
que passaram a narrar o estado de espírito de seus escritores por meio da observação
do “eu” e das oscilações de seus sentimentos diante dos fatos particulares.
Apesar de ou de tanto se discutir sobre o Romance do Eu, sua origem acabou
cercada de indefinições, cada crítico apontando uma obra como inaugural. Como já
foi mencionado, na visão de Odagiri Hideo, Kasai poderia ter sido o criador do
primeiro Romance do Eu se Shūkō não tivesse sido reconhecido, já em 1910, com
Wakareta Tsuma ni Okuru Tegami, do qual Giwaku é uma continuação. A estréia
literária de Kasai ficou sendo em 1918, com a obra Ko o Tsurete (Levando as
Crianças). Nas obras desse autor, o lirismo é substituído por abnegação e desapego
às coisas materiais, e essa propensão dos autores para imprimir na literatura a
peculiaridade e a energia de sua individualidade, como fez esse autor, é uma
característica fundamental do Romance do Eu. Kasai é um exemplo de quem viveu
numa época em que o desenvolvimento das revistas e dos jornais exigia uma
quantidade maior de obras produzidas em um curto espaço de tempo, e exemplo de
uma escrita a respeito do sofrimento de não conseguir escrever e também sobre ele
próprio narrando esse sofrimento. Em, Kindai Sakka ni Miru “Watakushi”: Tayama
Katai to Tokuda Shūsei (O “Eu” nos Escritores Modernos: Tayama Katai e Tokuda
Shūsei), o estudioso Enomoto
17
diz que com Suikyōsha no Dokuhaku (Confissões de
um Decadente), publicada em 1927, já próximo a sua morte, Kasai mostrou que a
arte e a vida são inseparáveis e que havia decidido iniciar a partir da destruição.
Em Hirano Ken Sakka Ron Shū (Coletânea de Teses Sobre Autores por
Hirano Ken) de 1971, a atitude de Shūkō é vista como uma exposição extrema de
quem abandona o convívio em sociedade sem receio nenhum. De acordo com
Hirano, essa coragem destruidora, associada ao isolamento no círculo literário, serviu
como linha principal e como padrão do Romance do Eu, gerando a confusão que
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Capítulo I – O Surgimento do Romance do Eu na Literatura Japonesa.
16
levou o leitor a interpretar o “eu” protagonista como sendo o próprio autor. A
premissa de que o “eu” é o autor era indispensável no chamado registro entre amigos
do círculo literário, e o crítico a inclui entre os fatores que deram origem ao
Romance do Eu e que ajudaram a criar essa forma de recepção na qual a
identificação do “eu” com o autor leva à dedução de que todo o conteúdo restante é
verídico.
A auto-exposição fiel presente nesse tipo de romance surgido entre 1919 e
1920 foi sustentada pela crença dos autores da Shirakaba de que a expansão do ego
ligava-se à vontade da humanidade, bem como pela certeza que os escritores tinham
de que suas palavras e ações atraíam o interesse dos leitores. Dessa maneira, o
Romance do Eu que se baseava na depreciação da vida de seus autores e o Romance
do Eu repleto de otimismo motivado pela consciência de que os escritores
pertenciam a uma elite tornaram-se comuns e geraram sucessores nesse período,
também com a ajuda da formação dos círculos literários que se isolavam da
sociedade. A propósito da formação de círculos literários com tais características, e
por extensão, do Romance do Eu, Hirano levanta a suspeita de que eles seriam
resultado de um desvio da literatura naturalista, que passou pela perseguição aos
socialistas e anarquistas em 1900 e levou centenas de pessoas à prisão, sendo 26
processadas por traição ao Imperador e 24 condenadas à morte.
Segundo Hirano,
18
a profusão do Romance do Eu não significou que ele
preenchera os quesitos para ser importante tendência literária, pois não chegou de
fato a ser alvo das considerações dos escritores e críticos. Somente por volta de 1923,
ou seja, praticamente dez anos depois da publicação de Giwaku, o Romance do Eu
passa a ser visto por todo o círculo literário como uma idéia ou princípio literário,
mas sem qualquer teorização a respeito, porque ainda continuava sendo uma questão
secundária. Tal demora foi decorrente da falta de estrutura da crítica da época, que se
limitava a pareceres baseados em impressões.
O ano de 1916 é visto por Odagiri como de transição na história da literatura
moderna japonesa, pois a “literatura trabalhista” alcançou nível artístico, com a obra
17
Takashi ENOMOTO, Revista Kokubungaku Kaishaku to Kanshō, v. 36, n.10, p, 50.
18
Ken HIRANO, Watakushi Shōsetsu no Niritsu Haihan, p.229.
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Capítulo I – O Surgimento do Romance do Eu na Literatura Japonesa.
17
Kōfu (Carvoeiro), de Miyajima Sukeo; a arte popular começou a ser discutida; e
surgiram teorias sobre a extinção da literatura de entretenimento do período pré-
moderno. Shiga Naoya, que havia se afastado do meio literário, indo para Abiko,
retomou suas atividades de escritor em 1917, adotando um estado de espírito mais
sereno. Enquanto autores como Katai, mudaram o foco para a religião, a nova
geração naturalista composta por autores como Hirotsu Kazuo continuou com uma
visão obscura do homem, ao mesmo tempo em que se aproximava do egocentrismo e
do idealismo da corrente Shirakaba. Promovendo a aproximação dessas idéias com a
vida popular, esses autores convergiram para temas amorosos humanistas,
sentimentais e acompanhados de crítica social. Esses movimentos ligaram-se ao
desenvolvimento do povo e da classe trabalhadora e desencadearam a assim chamada
literatura proletária nos anos de 1925.
As discussões sobre o Romance do Eu começaram aproximadamente nessa
época, em que surgem a literatura proletária e os movimentos literários modernistas
da corrente Neo-sensorialista
19
, com o intuito de renovar e reformular o Romance do
Eu e o romance introspectivo, e quando aumenta a demanda dos meios de
comunicação, ávidos por publicar um maior número de obras. Nakamura Murao foi
um dos pioneiros nessas discussões, escrevendo Honkaku Shōsetsu to Shinkyō
Shōsetsu (Romance Autêntico e Romance Introspectivo), em 1924. Ele definiu o
romance introspectivo como um romance que, em vez de narrar uma vida ou uma
sociedade, preocupava-se unicamente em narrar o estado de espírito do autor, e
observou que essa tendência se fazia presente de modo significativo nas obras de
Satō Haruo, Kasai Zenzō, Nagai Kafū, Hirotsu Kazuo, Shiga Naoya e Uno Kōji.
Coloca o “romance autêntico” acima do romance introspectivo, defendendo-o como
o verdadeiro caminho da arte literária, e critica o rumo tomado pelo Romance do Eu
como uma frustração para o círculo literário.
Em 1925, Kume Masao contesta a teoria de Nakamura Murao com Watakushi
Shōsetsu to Shinkyō Shōsetsu (Romance do Eu e Romance Introspectivo).
20
Nessa
obra, Kume explica que utilizou o termo shinkyō — em tradução literal, “estado de
19
V. Apêndice, p. 63.
20
Masao KUME, Nihon Gendai Bungaku Zenshū 57 Kikuchi Hiroshi; Kume Masao Shū, p. 406.
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Capítulo I – O Surgimento do Romance do Eu na Literatura Japonesa.
18
espírito” — para expressar o estado de espírito no momento da composição da obra,
buscando explicar melhor o Romance do Eu, pois, na época, o leitor confiava na
veracidade dos romances como expressão do sentimento e das impressões do autor
no momento da elaboração da obra, acreditando que ele expunha os fatos tal qual
tinham acontecido na realidade, expressando seu próprio “eu” com sinceridade e sem
disfarces. O estudioso tentou caracterizar o Romance do Eu como uma obra na qual o
autor revelava-se integralmente, mas não como numa autobiografia ou numa
confissão. Reconstituiria a vida do autor consciente de seu “eu” interior, sem
distorções, exagero ou falta, mas não em seu estado bruto; passaria por um processo
de elaboração que condensaria e filtraria esse “eu”, fazendo-o renascer mediante uma
contemplação sólida e desprovida de erro. Parece-nos que essa visão de Kume
aproxima-se do que disse Antônio Cândido, ao traçar o percurso do romance:
Para o estudo do romance moderno é importante assinalar que as
narrativas e os romances antigos e medievais se propunham como obra de pura
fantasia. Por isso não havia limites à imaginação. O romance propriamente dito
aparece quando estabelece limites à fantasia e quando procura aproximar-se da
realidade. Nos séculos XVI-XVII, quando o romance começa a abandonar a
fantasia, tem uma subordinação excessiva à realidade. Assim, os romances e
romancistas procuram dar a impressão de que narram histórias verídicas. [...] O
romance só adquire as características atuais quando admite uma terceira atitude:
é uma obra de fantasia, que procura aproximar-se o mais possível da realidade.
21
Na prática, no entanto, acreditava-se que o Romance do Eu ou o romance
introspectivo não eram produto de técnicas realistas e sim obras verídicas, fiéis à
vida do autor.
Odagiri diz que as visões de Nakamura e de Kume possuíam em comum a
ênfase na função do “eu” do autor dentro da obra e a negligência para com o
conteúdo da obra e a realidade do “eu”. Por isso, discutiam apenas as questões
externas à obra. Vários críticos continuaram a fazer o mesmo, mudando apenas as
formas de apresentação.
21
Antônio CÂNDIDO, Análise Crítica do Romance, p. 3.
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Capítulo I – O Surgimento do Romance do Eu na Literatura Japonesa.
19
Ainda por volta de 1925, pareceres favoráveis como os de Uno Kōji
22
e Satō
Haruo
23
surgiram ao lado de Kume Masao,
24
e não favoráveis, como o de Ikuta
Chōkō,
25
ao lado de Nakamura Murao.
26
Ao final dessa fase de prós e contras, o
Romance do Eu tornou-se uma expressão literária conhecida na literatura moderna
japonesa, e autores de diversas correntes literárias o escreveram em situações as mais
variadas. Mesmo assim, o tom de reprovação da crítica continuou tanto em relação a
seu valor e o que ele representava quanto a sua falta de elaboração estrutural, sua
natureza alheia ao contexto social e político do país, ou ainda à alienação de seus
escritores fechados nos círculos literários.
Com o avanço da assim chamada literatura proletária a partir de 1925 e sua
liderança momentânea no âmbito literário, as discussões sobre o Romance do Eu
desapareceram das revistas literárias durante algum tempo, mas mesmo no auge da
literatura proletária Kamura Isota, Takii Kōsaku e Kajii Motojirō continuaram com
suas produções. Enomoto
27
expõe que Chichi o Uru Ko (Pai que Vende Filho), 1924,
de autoria de Makino Shin’ichi, e Gyōku (Sofrimento), de Kamura Isota, 1928, são
obras que ainda tratam do tema da família, nos moldes do Naturalismo, exemplos
raros que conseguiram reconhecimento no auge da literatura proletária e se
estabeleceram vencendo as novidades da mencionada corrente Neo-sensorialista e da
corrente Modernista
28
surgida logo em seguida.
Em 1932, época da revolta da Manchúria, o movimento que impulsionava a
literatura proletária, que produziu obras expressivas como Kani Kōsen (Navio de
Caranguejos, 1919), de Kobayashi Takiji, e Taiyō no Nai Machi (Cidade Sem Sol,
1929), de Tokunaga Sunao, e que contou com a atuação de escritores como Nakano
Shigeharu e Miyamoto Yuriko, é extinto após receber fortes pressões
22
Kōji UNO, Watakushi Shōsetsu Shiken (Minha visão sobre o “Romance do Eu”), Revista
Shinchō, outubro de 1925. Aqui, o estudioso mostra uma visão oposta à apresentada em 1920.
23
Haruo SATO, Shinkyō Shōsetsu to Honkaku Shōsetsu (Romance Introspectivo e Romance
Autêntico), Revista Chuō Kōron de março de 1928.
24
Masao KUME, Op. Cit. P.406-411, publicado pela primeira vez na revista Bungei Kōza, jan. 1925.
25
Chōkō IKUTA, Nichijō Seikatsu o Henchō Suru Akukeikō (Uma tendência que superestima o
cotidiano), Revista Shinchō, julho de 1924.
26
Murao NAKAMURA, Honkaku Shōsetsu to Shinkyō Shōsetsu (Romance Autêntico e Romance
Introspectivo), Revista Shin Shōsetsu, janeiro de 1924.
27
Takashi ENOMOTO, Shōwa Bungakushi - Watakushi Shōsetsu no Isō (História da Literatura
Shōwa - Posição do Romance do Eu), p. 51.
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Capítulo I – O Surgimento do Romance do Eu na Literatura Japonesa.
20
governamentais, que culminaram com a prisão e execução de Kobayashi Takiji, um
dos nomes mais expressivos dessa tendência. Em seu lugar, surgiu a chamada
literatura de conversão, composta pelos antigos escritores do movimento proletário,
obrigados a abandonar seus pensamentos e suas convicções políticas. Seikatsu no
Tankyū (A Busca pela Vida, 1937) de Shimaki Kensaku, e Kokyū Wasureubeki (Não
se Deve Esquecer a Terra Natal, 1935) de Takami Jun, são algumas das obras
escritas depois que a Liga dos Escritores Proletários foi dissolvida pelo governo em
fevereiro de 1934, sendo que muitos deles passaram a escrever seus sofrimentos de
modo aberto por meio da literatura do Romance do Eu.
O recuo da literatura proletária traz de volta o vigor do Romance do Eu e do
romance introspectivo, com a atuação de Tokuda Shūsei e Uno Kōji, e a retomada
das discussões sobre o gênero. Incitados pela trivialização do romance, Yokomitsu
Riichi escreveu Junsui Shōsetsu Ron (Teoria do Romance Puro) e Kobayashi Hideo,
Watakushi Shōsetsu Ron (Teoria do Romance do Eu), em 1935. Kobayashi repensou
o Romance do Eu em termos comparativos com a literatura moderna européia e
mostrou que ele era conseqüência não apenas de uma natureza subjetiva do povo
japonês, mas também de uma sociedade sem estruturas para criar um pensamento de
tipo europeu e de escritores que não sentiam necessidade de se envolver com novas
idéias. Diante disso, novamente, Kume Masao
29
saiu em defesa do Romance do Eu
como habilidade extra de alguém que é levado a expor seu estado de espírito.
A partir dessa época até o início da guerra com a China, em 1937, Tokunaga
Sunao e Nakano Shigeharu, ex-escritores da literatura proletária, encontraram meios
de focalizar as contradições sociais, escrevendo sobre suas próprias vidas cercadas de
pressões sociais, em Romances do Eu ou romances introspectivos. Itō Sei, por sua
vez, apresenta uma nova possibilidade para o Romance do Eu como busca da
verdade por meio do realismo psicológico defendido pelo Neopsicologismo,
30
e tenta
executar esse método como escritor nas obras Yūki no Machi (Cidade de Monstros),
de 1937, e Tokunō Gorō no Seikatsu to Iken (A Vida e a Opinião de Tokunō Gōrō),
28
V. Apêndice p.63-64.
29
Masao KUME, Jun Bungaku Yogi Setsu (Teoria da Habilidade Extra na Literatura Pura), revista
Bungei Shunjū, abril de 1935.
30
V. Apêndice, p. 64.
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Capítulo I – O Surgimento do Romance do Eu na Literatura Japonesa.
21
de 1941, raridades durante a guerra, de escassa produção literária. Nelas, focalizou
várias questões dos conflitos entre o Japão e a China, a vida e o pensamento de um
intelectual da época. Itō diz tê-lo feito com o intuito de descrever a vida de um
homem contemporâneo a partir do modelo de Joyce, e não de fazer um Romance do
Eu, como diz Enomoto em Watakushi Shōsetsu no Isō.
Com o aumento das pressões do militarismo durante a Segunda Guerra
Mundial, os Romances do Eu foram produzidos e lidos como paliativos para a
tristeza. Após a guerra, apesar de os autores não terem sido capazes de se
desvencilhar por inteiro da limitação egocêntrica desse estilo de romance, mostraram
maior maturidade, e a maioria das obras ficou na esfera do romance introspectivo
com Kanbayashi Akatsuki, Dazai Osamu e Tanaka Hidemitsu, autores novos que
tentaram ressaltar a pureza da autodestruição.
Em 1948, o Romance do Eu recebeu dois modelos de classificação com
Shōsetsu no Hōhō (O Método do Romance), de Itō Sei: o conflituoso e o harmonioso.
Os escritores que se isolaram da sociedade e viveram no e para o círculo literário
foram descritos como “escravos fugitivos” que conseguiram revelar sua voz interior
de forma mais autêntica e franca nesse ambiente de proteção, em que as obras
literárias que buscavam o sentido da vida humana eram valorizadas. Transpor suas
experiências para o papel era expor o lado mais obscuro de suas próprias vidas e
também das de seus familiares ou amigos, era fazer revelações que não permitiam
arrependimentos. Assim, as obras, favorecidas pela comoção que causavam no leitor,
mas que ao mesmo tempo expunham seus autores à possibilidade de desgraçar a
própria vida, foram classificadas pelo estudioso no “modelo conflituoso”, e as obras
que descreviam a vida do autor levando em consideração sua posição como seres
socialis, no “modelo harmonioso”. Seus autores foram denominados “gentlemen
disfarçados”.
Em 1950, Nakamura Mitsuo escreveu Fūzoku Shōsetsu Ron (Teoria do
Romance de Costumes), no qual traça as origens e o desenvolvimento do realismo
moderno nas obras dos autores japoneses, identificando o nascimento do Romance
do Eu a partir de um desvio representado pela obra Futon, de Katai, que acabou
servindo de modelo para muitos autores que, independentemente do pensamento ou
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Capítulo I – O Surgimento do Romance do Eu na Literatura Japonesa.
22
da corrente literária a que pertenciam, quiseram se adequar à literatura ocidental,
julgando que a fórmula mais fácil era escrever sobre si mesmos. Hidaka Shōji
31
diz
que Nakamura foi original por ter introduzido como fundamento do Romance do Eu
“o pensamento de que não há coisa mais certa do que escrever sobre si mesmo, pois
tratando-se de fatos reais, é impossível que sejam mentiras”.
Seguindo uma linha semelhante a de Itō, Hirano Ken expôs, em 1958, na obra
Geijutsu to Jisseikatsu, que o Romance do Eu e o romance introspectivo eram obras
que aparentemente abordavam temas do cotidiano, mas que no fundo nenhuma delas
trazia fatos cotidianos, ordinários. Ou seja, ambas apresentavam uma situação de
crise ou de risco e um desejo de salvação ou de superação. No Romance do Eu, essa
crise podia manifestar-se ligada à esfera familiar ou sob a forma de uma revelação da
situação enfrentada pelo próprio autor, buscando sua salvação e superação na arte.
No romance introspectivo, a crise já estaria superada e seria apresentada como
processo de busca do equilíbrio na vida real. Nesse sentido, pode-se dizer que Hirano
associou o Romance do Eu ao “modelo conflituoso”, e o romance introspectivo, ao
“modelo harmonioso” de Itō.
Segundo Asami, foi a partir desse desdobramento que o romance
introspectivo assumiu um sentido novo, diferente do de Kume em 1925, ou seja, uma
expressão para explicar o estado de espírito do autor no momento da criação da obra,
tornando-se distinto do Romance do Eu, que, a partir de então, passou a designar as
obras que relatavam a crise no exato momento em que ela era enfrentada, sem uma
certeza de resolução — uma literatura produzida por escritores que abriam mão do
convívio em sociedade e buscavam a salvação na arte, cujo exemplo era a linhagem
que ia de Chikamatsu Shūkō a Dazai Osamu, passando por Kamura Isota. O romance
introspectivo, ao contrário, relata a superação da crise, e por conseguinte busca a
salvação na vida real, o que para Asami teve origem na literatura da corrente
Shirakaba idealista e seguiu a linhagem que foi de Shiga Naoya até Ozaki Kazuo,
passando por Takii Kōsaku.
31
Shōji HIDAKA, “Kindai Shōsetsu” Riron no Shosō (Aspectos Teóricos do “Romance Moderno”),
in: Kōza Shōwa Bungaku Shi 3 Yokuatsu to Kaihō – Senchū kara Sengo e, p. 171.
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Capítulo I – O Surgimento do Romance do Eu na Literatura Japonesa.
23
Como demonstrou Asami, portanto, o Romance do Eu é uma expressão
genérica que abrange o “modelo conflituoso” — o Romance do Eu no sentido restrito
— e o “modelo harmonioso” — o romance introspectivo.
Tanto a concepção de Itō Sei quanto a de Hirano são extremamente ligadas à
sociedade, à relação ou à postura que o autor tem ou assume para com ela; nesse
sentido, podemos dizer que eles focalizaram a relação entre obra e vida no Romance
do Eu.
A relação íntima que a obra apresenta com a vida na literatura japonesa foi
observada por Odagiri como proporcionada por um terreno propício, o mesmo que
levou à formação do Romance do Eu: a poesia lírica dos poemas japoneses como o
tanka
32
e o haiku
33
e as obras em prosa que buscaram efeitos líricos. Segundo ele, a
literatura japonesa possui uma tendência marcante a se afastar da realidade social e
objetiva, e que os japoneses buscam a satisfação por meio do lirismo em torno de si
mesmos, tocados pelas experiências pessoais e pelos fatos que os cercam. Cita como
exemplo o lirismo das expressões utilizadas por Murasaki Shikibu na cena de dor do
Imperador pela morte de Kiritsubo,
34
o que tornou secundária a triste história de
amor entre o casal, e afirma que a natureza lírica dominou a literatura japonesa em
todas as épocas muito mais do que se imagina, com obras que privilegiaram o prazer
das oscilações do estado de espírito e da resignação serena, evidenciando essa forte
tendência para o “eu”.
Devemos lembrar que os diários literários japoneses e os ensaios, que
ocuparam parte significativa do período clássico, foram manifestações literárias que
procuraram retratar as experiências do cotidiano do autor para representar a realidade
vivida, seja pela descrição de acontecimentos relevantes ou marcados por algum
evento ou, ainda, fatos considerados comuns, mas que apelam para a sensibilidade
dos que compreendem os mesmos sentimentos e vivências e compartilham deles. O
diário surgiu no século X e firmou-se como literatura que privilegiava os fatos
32
Poema composto por 31 sílabas dispostas em versos de 5, 7, 5, 7 e 7 sílabas.
33
Poema com 17 sílabas dispostas em versos de 5, 7 e 5 sílabas.
34
Personagem feminina de Genji Monogatari (Narrativas de Genji), que se torna a preferida do
Imperador e atrai para si o ciúme e o ódio de suas outras esposas, o que a leva à morte. V. Apêndice,
p. 31, 32 e 35.
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Capítulo I – O Surgimento do Romance do Eu na Literatura Japonesa.
24
verídicos, como demonstrou a autora de Kagerō Nikki (Diário do Pirilampo),
35
que,
se dizendo farta das obras do mundo do faz-de-conta, resolveu registrar sua vida na
esperança de servir de referência ou exemplo para a posteridade. Precedido em
alguns anos pelo ensaio, seu gênero contemporâneo, compõe com este parte da
famosa literatura feminina palaciana que floresceu no Japão entre os séculos XI e
XIII. Passado esse momento próspero, o diário tornou-se um gênero menos
expressivo nos séculos seguintes, mas manteve-se como um hábito muito comum
não apenas dos escritores, mas também dos japoneses de um modo geral.
O ensaio recebeu novo enfoque dentro da Literatura Budista dos Retirados,
nos séculos XIII e XIV, e deixou Hōjōki (Registro da Cabana de Nove Metros
Quadrados), escrito em 1212 por Kamono Chōmei (1155 ou 1153-1216), e
Tsurezuregusa (Anotações no Ócio), de 1331, de autoria de Urabe Kenkō (+1283-
1350). Essas duas obras expressivas compõem a Literatura dos Retirados (Inja
Bungaku) ou a Literatura da Cabana (Sōan Bungaku) da Idade Média japonesa.
Ambas discorrem sobre a efemeridade, mas a primeira lamenta a inconstância deste
mundo, ao passo que a segunda valoriza a inconstância e a diversidade. Nakamura
36
acredita que os escritores intuíram que só garantiriam sua individualidade fugindo de
uma realidade dominada pela moral social, e que a “forma ensaio” lhes serviu para
expressar sua voz interior. O ensaio é um modelo adequado para garantir a
integridade dos escritores se pensados como “escravos fugitivos” ou os “gentlemen
disfarçados” de Itō Sei no contexto social em que foram escritos.
Pela natureza do conteúdo dos ensaios e dos diários, constatamos que
constituem registros que partem do ponto de vista subjetivo do autor; os primeiros
abordam temas mais gerais, como a efemeridade da vida, ao passo que os outros
focalizam temas ligados à vivência cotidiana do autor ou da autora, como é mais
comum nos diários do período clássico, abordando suas relações pessoais e suas
emoções de maneira bastante realista e com uma dose de lirismo reforçada pelos
poemas que muitas vezes quase exercem a função de “diálogos” na comunicação
35
Obra composta por três tomos e que retrata a vida de alegrias e tristezas da autora, conhecida apenas
como mãe de Fujiwara no Michitsuna. V. Apêndice, p. 19-20.
36
Mitsuo NAKAMURA, Fūzoku Shōsetsu Ron
Kindai Riarizumu Hihan (Teoria do Romance de
Costumes: Crítica do Realismo Moderno), p. 67.
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Capítulo I – O Surgimento do Romance do Eu na Literatura Japonesa.
25
entre as personagens. Por essa ligação mais direta do diário com o lado emocional de
seus autores, sentimos que eles têm uma proximidade maior com o Romance do Eu,
diferentemente do que ocorre com o ensaio, de natureza mais filosófica.
Ainda no entender de Enomoto, a tradição dos diários e dos ensaios também
serviu para direcionar o Romance do Eu para um mundo de auto-isolamento, no qual
os intelectuais não tinham um lugar público para atuar em meio à pressão do
governo; para eles, a autoconfissão não significava um confronto com o sistema de
valores públicos e sociais desse mundo, e sua consciência crítica buscou um caminho
de salvação oriental por trás da bela expressão “espírito de busca”. O Romance do Eu
produzido durante a guerra foi visto pelo estudioso como resultado da fuga dos
intelectuais, ou como deformação de seus sofrimentos, que não conseguiram
expressão na sociedade, sendo sua peculiaridade vista como demonstração de uma
técnica de alto nível e com grande força de penetração espiritual e mental.
Odagiri viu o afastamento dos literatos, alheio à vontade deles, como
característica da tradição literária do Japão, um país constantemente dominado pelo
autoritarismo. Diante dessa situação de rígido cerceamento ideológico e psicológico,
o desejo de liberdade teve de ser expresso esteticamente numa forma que garantisse a
autopreservação e num ambiente isolado da sociedade. Como é do conhecimento
geral, a liberdade de pensamento e expressão no país só foi adquirida após o final da
Segunda Guerra Mundial, e durante o período moderno o “eu” do autor não tinha
forças para tratar das questões humanas ou sociais, muito menos para derrubar a
ordem imposta, de modo que o autor anulava a si mesmo como ser social.
Em termos estruturais, o Romance do Eu apresenta o foco narrativo tanto na
primeira quanto na terceira pessoa do singular, mas a fórmula “protagonista = autor”,
que garante a veracidade da obra, gera alguns contrapontos. Não é estranho que
apresente um narrador homodiegético, como é o caso do narrador-protagonista, pois
temos um autor-narrador falando sobre si mesmo, como numa autobiografia, num
romance epistolar ou num livro de memórias. No entanto, o foco narrativo do
Romance do Eu na terceira pessoa é inusitado. O protagonista tem um nome que não
é o do autor, mas a identidade deste com a do protagonista continua mantida pela
fórmula dessa forma de romance, por fatores externos à estruturação da obra que,
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Capítulo I – O Surgimento do Romance do Eu na Literatura Japonesa.
26
nesse caso, não leva o narrador em consideração. Em termos de classificação feita
pela narratologia, o Romance do Eu teria tanto o narrador homodiegético quanto o
heterodiegético, pois o foco das considerações japonesas está nos elementos
extratextuais, e a identidade entre o autor e protagonista serve sobretudo para garantir
a veracidade da obra. Por isso, no caso do Romance do Eu, a diferença entre o
narrador homodiegético e o heterodiegético foi irrelevante nos estudos feitos pelos
críticos japoneses.
Sabemos que, como diz Wellek e Warren:
Mesmo quando uma obra de arte contém elementos que possam com
segurança ser identificados como autobiográficos, tais elementos estarão de tal
modo reelaborados e transformados na obra que perdem o seu significado
especificamente pessoal e s tornam apenas material humano concreto, partes
integrantes da obra. [...]
Pode demonstrar-se que é falsa a própria concepção de que a arte é auto-
expressão pura e simples, a transcrição de sentimentos e experiências pessoais.
Até quanto entre a obra de arte e a vida de um autor exista uma estreita relação,
tal não pode ser interpretado como querendo dizer que a obra de arte é uma mera
cópia da vida. O método biográfico esquece-se de que uma obra de arte não é
apenas a incorporação da experiência: é sempre a mais recente obra de arte
numa série de obras de arte; é um drama, um romance ou poema, determinado
e só na medida em que o pode ser , mas, ainda assim, determinado pela tradição
e pela convenção literárias.
37
Mesmo sendo uma obra que quer garantir sua veracidade e autenticidade
acreditando na sinceridade do autor para relatar suas experiências pessoais, seja na
forma de aproveitamento de pequenos episódios ou de sua vida como um todo como
obra literária, ela é ficção nos termos definidos por Wellek e Warren quando
discorrem sobre a natureza da literatura
38
. Por isso, entendemos o Romance do Eu
como representação da vida do autor e, portanto, uma obra de ficção.
Nesse aspecto, devemos lembrar Hayden White, quando diz que até a
História que pretende ser verdade é ficção. Diz o pesquisador:
37
René Welle &Austin Warren, Teoria da Literatura, p. 95.
38
Idem, p. 25-34.
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Capítulo I – O Surgimento do Romance do Eu na Literatura Japonesa.
27
Trata-se, obviamente, de uma ficção do historiador, a suposição de que os
vários estados de coisas que ele constitui na forma de começo, meio e fim de um
curso do desenvolvimento sejam todos “verdadeiros” ou “reais” e que ele
simplesmente registrou “o que aconteceu” na transição da fase inaugural para a
fase final. Porém tanto o estado inicial de coisas quanto o final são
inevitavelmente construções poéticas e, como tais, dependentes da modalidade da
linguagem figurativa utilizada para lhes dar o aspecto de coerência. Isto implica
que toda narrativa não é simplesmente um registro “do que aconteceu” na
transição de um estado de coisas para outro, mas uma redescrição progressiva de
conjuntos de eventos de maneira a desmantelar uma estrutura codificada num
modo verbal no começo, a fim de justificar uma recodificação dele num outro
modo no final. Nisto consiste o “ponto médio” de todas as narrativas.
39
À luz das palavras de White, consideramos uma vez mais que o Romance do
Eu é um trabalho semelhante ao do historiador que tenta reconstituir a “verdade”,
mas acaba criando uma ficção. Como diz o estudioso que defende o texto histórico
como artefato literário:
a narrativa histórica não reproduz os eventos que descreve; ela nos diz a direção
em que devemos pensar acerca dos acontecimentos e carrega o nosso pensamento
sobre os eventos de valências emocionais diferentes.
Isso porque o
modo como uma determinada situação histórica deve ser configurada depende da
sutileza com que o historiador harmoniza a estrutura específica de enredo com o
conjunto de acontecimentos históricos aos quais deseja conferir um sentido
particular. Trata-se essencialmente de uma operação literária, vale dizer,
criadora de ficção.
O norte-americano Donald Keene, um dos primeiros e renomados estudiosos
estrangeiros da literatura japonesa, dedica um de seus volumes sobre a história da
literatura japonesa ao Romance do Eu dentro do período moderno e contemporâneo.
Ao apresentar o Romance do Eu nessa obra, ele questiona a falta de definição
a seu respeito, mas acaba dando sua própria definição, afirmando que, de um modo
geral, ele consiste em uma narração do autor sobre o que ocorreu em sua vida, mas
39
Hayden WHITE, Trópicos do Discurso: Ensaios sobre a Crítica da Cultura, p. 115.
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Capítulo I – O Surgimento do Romance do Eu na Literatura Japonesa.
28
expondo os fatos nua e cruamente sob a forma de confissão. Acredita que seus
escritores sentiam prazer nesse ato de escrever sobre aspectos que jamais revelariam
em situações normais. Para ele, o que distingue outras obras autobiográficas do
Romance do Eu é que estas se originam do Naturalismo japonês, e apresenta outra
corrente
40
ligada intimamente com a experiência do autor, que consiste em buscar o
sentido profundo nos atos mais singelos e nas pequenas nuanças das palavras
41
.
Assim, Keene insere o Romance do Eu como um fenômeno com data e local
de nascimento e diz que obras como Maihime (A Dançarina, 1890), de Mori Ōgai,
escrito em primeira pessoa, não fazem parte desse “gênero”. Na realidade, ao
explicar o Romance do Eu, o estudioso apresenta seus autores, na medida em que
define serem esses os que escreveram não apenas uma obra autobiográfica, como fez
Tanizaki, mas várias, e que não se satisfazendo com uma ou duas confissões
debruçaram-se numa repetida auto-análise. Tais revelações da intimidade dos
autores, narradas sem algo que se podia considerar como enredo, obtiveram, por
vezes, efeitos poéticos, e é isso que, em seu entender, distingue claramente a
literatura naturalista prosaística do Romance do Eu, que se limita a bater na mesma
tecla, de uma outra corrente do Romance do Eu, desenvolvida dentro dos círculos
literários, os chamados romances de registros entre amigos, e os romances com
nomes reais escritos a partir do pressuposto de que o leitor sabe quem são as
personagens do romance e por isso teria interesse em sua leitura.
Para Keene, Futon é visto como Romance do Eu ou como seu precursor
porque foi escrito segundo o modelo de Einsame Menschen, de Hauptmann, e por
isso tem um ar de algo fabricado;
42
também não é uma ou algumas obras
confessionais que fazem um autor romancista do Eu, pois, segundo ele, a confissão é
uma característica comum na literatura moderna japonesa.
40
Keene não menciona qual, mas dá a entender que seja o romance introspectivo (shinkyō shōsetsu).
41
Donald KEENE, Nihon Bungaku no Rekishi 14 (História da Literatura Japonesa 14). v. 5. p. 13-16.
42
Nakamura Mitsuo, como já foi visto, também faz uma análise de Acolchoado como modelo dessa
obra do escritor alemão.
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Capítulo I – O Surgimento do Romance do Eu na Literatura Japonesa.
29
Ao falar sobre o surgimento da expressão, Keene salienta que “a invenção de
um novo termo não garante o surgimento de uma nova forma”
43
– mas seu
comentário a esse respeito não chega a ser desenvolvido.
Keene diz que Hirano considera Giwaku, de Chikamatsu Shūkō, a obra
inaugural do romance japonês, bem como que Katai e Tōson tentaram manter um
distanciamento entre vida e obra, pois não conseguiam ficar indiferentes aos olhos da
sociedade, ao contrário de Shūkō, que não deu a menor importância ao julgamento e
à opinião alheios. Por isso, na opinião de Keene, Giwaku define a característica do
típico Romance do Eu, com sua confissão fria e indiferente, “sem vergonha” de se
expor. Já no caso dos escritores do romance introspectivo, eles descobriram o sentido
profundo e a beleza das coisas cotidianas, e Keene sobre isso comenta, dizendo que o
crítico japonês Hirano elevou a vivência comum descrita por eles à categoria de
sabedoria oriental, segundo a tradição ensaística. Continuando seus comentários
sobre os estudiosos japoneses, salienta que Kume considerou o ato de escrever
romances como algo que proporciona paz e tranqüilidade e que a leitura deles
implica uma confiança integral, uma certeza de que o conteúdo descrito é verdadeiro,
e também que Kobayashi acreditou na não-internalização da ideologia ocidental por
parte dos escritores, que apenas colheram impressões e idéias que só puderam existir
na técnica. Por isso, Keene afirma ser esse o motivo pelo qual o Romance do Eu
convergiu para o romance introspectivo. As confissões ou as narrativas de
experiências sobre a vida foram aprimoradas em direção à purificação do “eu”.
Kasai e Kamura são citados como exemplos de autores que seguiram ao
extremo a linha do Naturalismo, resultando na descrição de escritores covardes,
autodestrutivos, incapazes de escrever, e que aproveitam a vida decadente como
material para suas obras. Em sua visão, o escritor Uno Kōji, como os anteriores,
conseguiu criar sua individualidade sacrificando sua vida em sociedade.
Pode-se dizer que, de um modo geral, Keene aceita a visão japonesa de que o
Romance do Eu constitui a literatura da destruição, e o Romance Introspectivo, a
literatura da salvação; além disso, que essas obras geralmente são curtas para não
43
Donald KEENE, Nihon Bungaku no Rekishi 14 (História da Literatura Japonesa 14). v. 5, p. 16.
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Capítulo I – O Surgimento do Romance do Eu na Literatura Japonesa.
30
descondensar a experiência e que tanto uma quanto a outra requerem o interesse do
leitor pelo autor.
Para a estudiosa alemã Irmela Hijiya-Kirschnereit, o uso da expressão não diz
respeito apenas ao uso da primeira pessoa, no qual o narrador-personagem diria
watashi ou watakushi, e não shi, em função das duas leituras variadas para uma única
grafia, mas ao conteúdo (enredo) dessa narrativa – que gira em torno da vida do “eu”
como personagem/narrador/autor – e também à própria história dos termos que se
deu no mesmo fenômeno literário (gênero), como o “Eu sou o ‘romance’”. Pela
explicação de Hijiya-Kirschnereit, normalmente tem-se nesse gênero a narração de
uma experiência real ou uma história baseada em fatos reais que retratam a vida do
protagonista, independentemente de serem narradas em primeira ou terceira pessoa.
Hijiya-Kirschnereit enfatiza que Katai não adotou o Naturalismo europeu e
que a literatura européia também não “tingiu” a literatura japonesa, mas que esta
absorveu a aproximação com a realidade, a veracidade, e a descrição psicológica. A
diferença cultural gerou uma distorção, um engano na interpretação do que era o
Naturalismo, e Katai desenvolveu suas obras em torno das concepções de natureza e
objetividade. Em seus livros ele cita Darwin e os positivistas Taine e Comte, que
influenciaram o método de observação científica do Naturalismo, idéias que
estiveram presentes no Japão desde 1890. Mesmo assim, a estudiosa afirma que, nas
obras dos escritores naturalistas, não é possível observar o interesse por uma
descrição “analítica = científica” de fatores deterministas como a hereditariedade, o
meio e as condições históricas; o natural aparece como um automatismo misterioso
em suas obras, que ficam em torno da expressão Grande Natureza, e o conceito de
natureza racionalista, originário do Naturalismo, acabou desaparecendo nessa
compreensão tradicional de natureza ou em meio ao misticismo, ao anti-racionalismo
e à predestinação.
A idéia de objetividade também é interpretada de modo distorcido, segundo
Hijiya-Kirshnereit. Na estética naturalista, o que se exigiu, segundo a base da ciência
naturalista como ciência física, foi a apreensão correta da realidade que devia ser
retratada. Mas esse ponto de vista científico não significou nada no caso de Katai.
Para a estudiosa, a “narração nua e crua” exigida por ele dizia muito mais respeito à
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Capítulo I – O Surgimento do Romance do Eu na Literatura Japonesa.
31
idéia de que “tudo deve ser explícito, verdadeiro e natural”, e a objetividade passou a
ser vista como sinônimo de “coragem, ousadia”, “sem receio de ocultar nada”, de
“modo direto”; em resumo, uma auto-revelação, e foi isso que concretizou a forma
literária na obra Futon.
Hijiya-Kirschnereit entende que essa leitura modificada dos conceitos do
Naturalismo teria sido feita inconscientemente por Katai, pois ele tinha a convicção
de que estava adotando um modelo da literatura européia (por isso criou-se esse
fenômeno curioso que era o de seguir o modelo europeu), mas, que na realidade,
refletiu, no máximo, um estímulo para que se retornasse de modo despercebido para
os elementos tradicionais da literatura e história do próprio Japão. E a autora defende
que esse diagrama de recepção aconteceu com o Naturalismo japonês como um todo,
e não apenas com Katai. Os jovens aspirantes a escritores debruçaram-se sobre os
romances de auto-revelação que surgiram como uma novidade, pois eram um modelo
fácil de ser seguido. Hijiya-Kirschnereit cita Yoshida Seiichi
44
para comentar que
Futon foi uma inédita no sentido de obra autobiográfica, comovendo as pessoas ao
revelar sinceramente toda a intimidade, pois ninguém, antes, tivera a coragem de
expor o seu lado obscuro de modo tão aberto. É desse modo que, segundo a
estudiosa, durante alguns anos, o mercado literário ficou repleto de obras de cunho
autobiográfico e de romances confessionais.
A estudiosa diz ainda que há uma concordância entre os estudiosos japoneses
sobre a definição do Romance do Eu, pois vê os textos críticos japoneses sobre o
tema como tentativas de caracterizá-lo de um ponto de vista geral e trazem apenas
informações parciais em meio a uma compreensão tácita. Ela comenta que o
princípio do Romance do Eu é constituído pelo reconhecimento de algumas
características inerentes a ele, mas que não existe uma reflexão sobre a
interdependência delas. Sua definição é formada simplesmente por uma somatória
dessas características, conferindo-lhe um espaço dentro da prosa literária. Isso
significa que há uma indefinição quanto a uma obra ficar fora ou não da classificação
do gênero caso lhe falte uma ou mais características ou que tipo de característica.
Essa aporia, segundo Hijiya-Kirschnereit, vai sendo reproduzida na forma de
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Capítulo I – O Surgimento do Romance do Eu na Literatura Japonesa.
32
diferentes expressões, como escritores do Romance do Eu, romancistas do Eu e
Romance do Eu e obras ao estilo do Romance do Eu.
Ao levantar o que, no entendimento japonês, caracteriza o Romance do Eu,
Hijiya-Kirschnereit verificou que não ocorreram mudanças no pensamento a seu
respeito durante dezenas de anos, e ainda hoje a visão formada nos anos 1920
continua a ser o apoio para seu estudo. Segundo ela, os parâmetros mais importantes
para distinguir um Romance do Eu são: “ficção × realidade”, “narração em primeira
pessoa × terceira pessoa”, natureza autobiográfica, subjetividade e proximidade com
a poesia.
Na questão “ficção × realidade”, Hijiya-Kirschnereit inseriu o Romance do
Eu na categoria da realidade; mas, por outro lado, diz que é muito ampla a esfera de
possibilidades de interpretação sobre o que entra na categoria do termo artístico
literário “real” (veracidade/verídico). Toda a ficcionalidade é eliminada limitando a
matéria aos “fatos” que dizem respeito à “experiência vivida pelo autor”, pois a isso
liga-se a forte exigência de “escrever apenas a verdade”.
A compreensão sobre o que é o “real” já apresenta uma divisão tripartite. A
primeira delas diz respeito ao caso em que os acontecimentos literários e os
acontecimentos relacionados ao universo de vida coincidem um a um. Nesses casos,
ainda há pessoas que admitem várias lacunas nos fatos. A segunda delas é a que
considera a realidade como um estado psicológico da personagem principal como
realidade interior. Quando isso é objeto da obra, a fidelidade à realidade acaba sendo
fator secundário, pois o acontecimento passa a ter uma função simbólica. A terceira
não está na relação da obra com o autor, mas em como a obra atua no leitor. Outro
aspecto levantado é que o romance possui “realidade” quando a obra é vista como
“natural”, “não fabricada”. Ela diz que o maior representante dessa visão é o grande
romancista do Eu, Shiga Naoya, que elogia uma obra que não parece ser arranjada e
rejeita outra que diz ser “fabricada”.
Por fim, Hijiya-Kirschnereit diz que, diante de tantas interpretações, até a
tentativa de definir o padrão de “realidade” a partir da distinção com seu par oposto,
que é a ficção, acaba frustrada.
44
Seiichi, YOSHIDA, Kindai Nihon Bungaku Jiten, p. 60.
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Capítulo I – O Surgimento do Romance do Eu na Literatura Japonesa.
33
Como pôde ser visto até aqui, o Naturalismo japonês tomou um rumo distinto
do Naturalismo europeu e não se baseou no espírito científico. Mesmo partindo dele,
desenvolveu características próprias, valorizando os fatos, a verdade e a sinceridade.
Para tanto, adotou o método realista de representação, apresentou a não-solução, o
não-idealismo, voltando-se para a descrição dos instintos sexuais e da realidade dos
fatos, gerando obras centralizadas no relato das experiências pessoais dos autores.
Fundindo-se e confundindo-se com o Naturalismo em suas origens e
processos de desenvolvimento, o Romance do Eu ocupou uma posição significativa
no cenário da literatura moderna japonesa e passou a ser discutido pelos estudiosos e
críticos literários, muitas vezes em tom de frustração, em razão de suas
características contrárias ao rumo que eles desejaram para a prosa literária japonesa,
isto é, seguiam o modelo da literatura ocidental, considerada artística em função de
seu alto nível de elaboração e construção e de engajamento social. Com o passar do
tempo, contudo, tais insatisfações tornaram-se aspectos secundários diante de seu
reconhecimento como forma literária peculiar ao Japão, que resultou de uma
adequação ao contexto social e político e à própria tradição literária japonesa.
Assim, os estudos japoneses em torno do Romance do Eu classificam as obras
quanto a sua natureza e apresentam ou focalizam questões genéricas abordando suas
influências, sua relação com a realidade e a vida do autor. Tais fatores são
primordiais nesse romance, mas são avaliações e julgamentos também genéricos,
pouco palpáveis, que não auxiliam o leitor a elucidar os aspectos formais desse
gênero para que se possam identificar e classificar as obras como romances do eu
sem se ater a informações extratextuais.
Donald Keene apresentou uma definição bem geral do Romance do Eu e do
romance introspectivo com base nas afirmações dos estudiosos japoneses e focalizou
mais os romancistas do Eu do que as obras em si. Hijiya-Kirschnereit, por sua vez,
tentou encontrar características comuns entre as obras, mas no final expôs uma visão
genérica de que os romances do Eu constituem um ritual de auto-revelação,
conforme o título de seu livro.
Situar o Romance do Eu e as discussões em torno dele desde seu surgimento
não é tarefa fácil, de modo que este capítulo procurou apresentar a visão de
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Capítulo I – O Surgimento do Romance do Eu na Literatura Japonesa.
34
estudiosos japoneses e estrangeiros sobre o tema, por meio de informações
introdutórias e necessárias.
Um dos grandes problemas encontrados no estudo do Romance do Eu
consiste na confusão existente entre ele e o romance introspectivo, ambos vistos
como tendências literárias que deveriam ter se limitado a um período, ou seja, ao
Naturalismo japonês que lhes dera origem, e no incômodo que o Romance do Eu tem
causado ao longo do tempo, tendo em vista sua presença persistente. Outra questão
diz respeito ao interesse pelo conteúdo verídico oferecido pelo Romance do Eu e não
pela verossimilhança interna que manteve sua estrutura praticamente indefinida e
muito dependente das informações sobre a vida e o pensamento do autor dadas por
ele mesmo ou pelas considerações dos críticos japoneses. Nosso interesse centrou-se
na questão da verossimilhança interna do Romance do Eu, que será abordada no
capítulo seguinte, em que faremos o estudo de várias obras de autores e períodos
diversos para, mediante análise, tentar propor uma tipologia do Romance do Eu que
dê subsídios para identificar ou reconhecer a obra como pertencente a esse gênero.
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Capítulo II – Tipologia do Romance do Eu
35
CAPÍTULO II
TIPOLOGIA DO ROMANCE DO EU
Como foi visto no capítulo anterior, os teóricos japoneses começaram a
discutir o Romance do Eu por volta de 1920, e apontaram como berço o Naturalismo
japonês, que teve início com a introdução das novas idéias ocidentais em virtude da
abertura do país no final do século XIX. Houve época, inclusive, em que se
questionou a validade literária do Romance do Eu em virtude do surgimento de
muitas obras que se julgavam escritas sem qualquer elaboração e nas quais o autor
simplesmente relatava sua vivência em um ou mais episódios e que, por influência
do Naturalismo europeu, apresentavam uma tendência para os relatos de aspectos
“negros” da vida dos escritores.
Assim como os romances sociais, fantásticos e políticos, o Romance do Eu é
definido pela natureza de seu tema (enredo), que é basicamente autobiográfica,
memorialista, e, em alguns casos, epistolares. Pode-se dizer que é um romance
baseado em fatos verídicos, reais, colhidos na vida privada do autor.
O caráter ficcional do Romance do Eu, contudo, não é questionado neste
trabalho; muito pelo contrário, é aceito. Objetiva-se, no entanto, descobrir qual é ou
quais são as peculiaridades desse gênero japonês, pois os estudiosos japoneses
costumam usá-lo como referência para definir outras obras, classificando-as como
pertencentes ou não a esse tipo ou aproximando-as dele.
Para tanto, escolhemos um conjunto de obras com base na produção e nos
escritores apontados pelos críticos e estudiosos da literatura japonesa, ou seja, a
partir do cruzamento de dados obtidos por meio da lista de obras elaborada por
Nakamura Mitsuo, das obras dos escritores do Romance do Eu apontados por Hirano
Ken e das obras mais mencionadas por historiógrafos literários como Takagi
Ichinosuke, Yoshida Seiichi, Okuno Takeo e Takahashi Hideo. Levamos em conta,
ainda, as obras relevantes pelo aspecto histórico do surgimento e desenvolvimento
desse gênero, conforme visto no primeiro capítulo, e os autores e as obras
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Capítulo II – Tipologia do Romance do Eu
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comumente mencionados nos dicionários de literatura e nos livros de história da
literatura japonesa.
Assim, neste capítulo, partir-se-á do estudo das primeiras obras consideradas
como Romance do Eu, em 1906, até a época em que sua produção diminui em razão
do crescimento da chamada literatura proletária ligada aos movimentos trabalhistas e
socialistas, por volta de 1927; em seguida, as obras que surgiram por volta da década
de 1930, após o declínio desses movimentos, até os primeiros anos do pós-Segunda
Guerra Mundial.
Narrador e protagonistas
Os protagonistas do Romance do eu vivem casos de amor, questões
familiares, problemas financeiros, dificuldade de produzir novas obras literárias e
questões ligadas à saúde são os enredos mais comuns dessas obras, que abordam a
vida cotidiana do ser humano.
A insegurança e o temor em relação ao desconhecido e ao inevitável cercam a
vida das personagens, sobretudo a do protagonista. O ponto central de todas essas
questões é a angústia, a incapacidade ou a impossibilidade de vencer os reveses e os
percalços diante das quais só lhe resta a resignação aceitar o que a vida lhe impõe,
incapaz de qualquer reação. Trata-se de um abatimento, uma prostração que tende a
manter o sofrimento ou aumentá-lo, mas jamais reduzi-lo e amenizá-lo, e muito
menos ultrapassá-lo. A única alternativa é suportar sem nunca enfrentar a situação,
reagir para vencer e obter o sucesso ou superar-se e sair o vencedor. A presença de
uma visão pessimista em relação à vida é mais forte que o momento de prazer que o
protagonista poderia sentir.
Quando narrado na terceira pessoa do singular, o protagonista pode ter um
nome e sobrenome ou ser identificado apenas como kare “ele”. Um caso
interessante é a narração com foco alternado entre otto “o esposo” e tsuma “a
esposa” , embora com ênfase maior no primeiro, para o casal que protagoniza Ie no
Naka (Dentro de Casa, 1959) de Shimao Toshio, obra que ficou fora de nossa
delimitação cronológica. Obviamente, o uso da terceira pessoa cria um
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Capítulo II – Tipologia do Romance do Eu
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distanciamento e uma neutralidade maior do que o uso da primeira pessoa, e a
atribuição de nome e sobrenome às personagens reflete a intenção do autor de
aproveitar esse ato, realizado por todo pai ao dar o nome a um filho, na construção da
personagem, ou seja, que contenha parte da natureza ou do destino que se pretende
dar a sua criação. Nesse aspecto, o uso do kare dispensa até certo ponto essa
possibilidade e, de modo geral, a caracterização dos protagonistas identificados como
kare, ao contrário do que se poderia esperar, são relativamente menos detalhadas.
Nas obras em primeira pessoa, o “eu” narrador ou o narrador-protagonista usa
watakushi,
1
jibun
2
ou boku
3
algumas variantes possíveis para a primeira pessoa do
singular em japonês equivalentes ao pronome sujeito “eu”. Como os protagonistas
das obras em questão são todos do sexo masculino, a diferenciação de gênero no uso
desses pronomes sujeitos não vem ao caso, e sim o resultado da opção por um deles,
que implica uma sensação de proximidade maior com o uso do boku; de
distanciamento e modéstia, com watakushi; e de isolamento e auto-confiança, com o
jibun. No caso de Otoko to Kyūkanchō (O Homem e o Pintassilgo, 1963) vez ou
outra o narrador protagonista utiliza também a terceira pessoa do plural, envolvendo
seus dois companheiros num ambiente de cumplicidade, mas essa obra foi uma
exceção entre as estudadas.
De uma maneira ou de outra, o protagonista é passivo, fica à deriva dos
acontecimentos. Diante das pessoas, é o observador, o ouvinte, o que acata a vontade
e segue alguém. Quando age, é por estímulo externo. Tudo vai acontecendo em sua
vida. Não é ele que faz acontecer. Falta-lhe iniciativa diante dos fatos e dos outros
quando se trata de algo do cotidiano ou do nível da realização humana, e fica à mercê
do tempo quando o assunto depende das circunstâncias e do destino regido pelo que
está fora da alçada humana.
Em Futon (Acolchoado, 1906), nem a avidez pelo novo amor acalentado por
Takenaka Tokio faz que ele tome a iniciativa de abordar a discípula Yoshiko. É ela
quem lhe manda a carta como aspirante à carreira literária, é ela quem insiste em ser
1
Forma de modéstia do “eu” masculino ou feminino que imprime maior formalidade.
2
Equivale à forma polida watashi, em relação a watakushi, e significa “eu mesmo”, “eu próprio”,
também na forma polida, usada pelo sexo masculino ou feminino.
3
É a forma comum de watashi, com a diferença de ser usada apenas pelo sexo masculino.
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Capítulo II – Tipologia do Romance do Eu
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aceita por ele. Quando ela sai do interior para morar em sua casa, Tokio se encanta,
mas não age, e desperdiça duas chances de manifestar seu sentimento por ela.
Mesmo com a insinuação do interesse de Yoshiko, ele é incapaz de tomar uma
atitude. Quer, mas não vai atrás. E ele é obrigado a se resignar quando a moça acaba
arrumando um namorado, e a faz voltar para a guarda de seus pais. Fica o
arrependimento. Só lhe resta cheirar o acolchoado que fora dela e afogar suas
mágoas enrolado no quimono que ela usava para dormir.
O protagonista é uma personagem dividida entre o querer e o poder, o ser e o
parecer. É um escritor de ficção que ainda não escreveu a grande obra de sua vida e
trabalha para uma editora produzindo livros de geografia. É homem, mestre, marido
e pai insatisfeito. Em nome de satisfazer seus anseios por uma nova paixão ou seus
desejos sexuais, é capaz de manifestar sentimentos cruéis, como imaginar que a
esposa morra no parto de seu terceiro filho, ainda em gestação. Premido pela moral
no âmbito profissional e familiar, ele oculta a atração pela jovem e consegue manter
as aparências perante a esposa quando ela se mostra incomodada com a presença da
moça, defendendo-a como modelo das mulheres modernas, mas quando fica sabendo
que ela já se entregara ao namorado tortura-se por não ter aproveitado as chances que
teve de ter Yoshiko em seus braços. No entanto, não assume o interesse amoroso e
sexual pela discípula e camufla o desespero de tê-la perdido para o jovem Tanaka
Hideo por causa da bebedeira que toma, preocupado que está com o futuro de sua
discípula.
Como diz seu próprio nome, Tokio (toki que significa “hora”, “momento”,
“tempo”, e o, “homem”), ele é um homem do momento, do instante, muda como o
tempo e permanece dentro do bambu, como revela o sobrenome Takenaka (take que
significa “bambu” e naka, “dentro”, “interior”), incapaz de romper a casca e assumir
seus desejos. Por isso, é um indivíduo obrigado a viver de modo dissimulado,
mergulhado em seu egoísmo masculino e cruel. Em nenhum momento da obra é
revelado qualquer sentimento seu de carinho pela família, esposa, filhos ou cunhada,
nem de respeito em relação aos pais de Yoshiko. Sua preocupação é apenas consigo
mesmo, com seus desejos e sua reputação perante a sociedade. É obstinada a maneira
como ele quer afastá-la de Hideo, chega a faltar ao trabalho para fazer a mudança
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Capítulo II – Tipologia do Romance do Eu
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dela e prefere entregá-la aos pais a deixar que fique em Tóquio, perto de si mas
continuando a ver o namorado. Contudo, ele nada faz para ficar efetivamente com
ela.
Sugita Kojō, o protagonista de Shōjobyō, (Doente por Meninas, 1907) é tão
passivo quanto Takenaka Tokio, cujo pseudônimo é Kojō. Sugita, como Takenaka, é
casado, tem filhos e está entediado com a vida conjugal. Vive da alegria de observar
as meninas na rua, na condução, e se satisfaz com pequenas alegrias, como passar
perto delas e ter breves momentos de contato. Kojō não chega a querer um
envolvimento com alguma delas, mas sua fixação pelas moças e mulheres mais
jovens é tão grande que o leva à morte. Distraído que está olhando para uma moça,
cai nos trilhos e é atingido por um trem.
Em comparação com essas obras de Tayama Katai, as de Shimazaki Tōson
apresentam maior detalhamento dos protagonistas, um número superior de
personagens e enredos que abrangem um tempo da narrativa mais extenso.
Kishimoto Sutekichi, de Haru (Primavera, 1907), e Koizumi Sankichi, de Ie
(Família, 1910), do mesmo modo que Tokio e Kojō, revelam-se literatos no próprio
texto: Kishimoto, por exemplo, submetendo sua mais recente obra à apreciação dos
companheiros da revista que editam juntos, e Sutekichi pelos comentários dos
parentes sobre a praticidade de seu trabalho, que pode ser levado com ele para onde
for. No caso de Tokio, a obra como um todo está relacionada a sua carreira de
escritor, em Kojō, sua profissão ligada às letras aparece na forma de lembrança da
fisionomia dura do editor da revista em que trabalha.
Os títulos das duas obras de Tōson Haru, “primavera”, e Ie, “família”
são, respectivamente, os próprios assuntos. Em Ie, a vida do protagonista gira mais
em torno das relações familiares e daí o uso do nome Sankichi, que reproduz o
tratamento informal, de proximidade. Já o protagonista de Haru, que tem a vida mais
centralizada em sua relação com os amigos, literatos ou não, e conhecidos do que
com a família, é denunciado pelo uso predominante de Kishimoto, seu sobrenome
como indivíduo, com foco na primavera de sua vida, a primeira paixão e as
amizades. Ao contrário, porém, da conotação positiva do título como o período
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Capítulo II – Tipologia do Romance do Eu
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alegre e cheio de esperanças, ironicamente ela é, para esse jovem, uma fase amarga e
cheia de decepções, perdas e sofrimento.
O envolvimento de Kishimoto com Katsuko, aluna da escola em que ele
começou a carreira como jovem professor, obriga-o a sair em viagem e manter-se
afastado dos familiares e dos amigos. Ao retornar, consegue encontros furtivos com
ela, arranjados pelo amigo, sem que ao menos ele os tenha solicitado. É incapaz de
tomar qualquer iniciativa durante o encontro e só depois o sorriso, os gestos e as
palavras dela são relembrados longamente, em detalhes. Sua atitude é de aceitação.
Katsuko já tem um noivo que admira e, apesar de desejarem que a relação entre eles
fosse possível e aceita pela família e pela sociedade, Kishimoto não lhe pede em
momento nenhum que abandone o noivo, nem é essa a intenção da moça. Ela
também sofre como ele por esse amor impossível, casa-se com o noivo a quem
estava prometida e morre precocemente, mas sua vida com Kishimoto é inconcebível
para ela.
Na carreira literária, Kishimoto sente-se inferior em relação aos
companheiros. Aoki é alvo de seu respeito, dele são as obras apresentadas
textualmente, e os poemas e obras que ele admira são os transcritos na narrativa. A
vida desse amigo que se suicida também é a que ocupa maior número de páginas
entre as partes destinadas às demais personagens. Na ocasião em que Kishimoto
ficou desesperado e andou sem rumo, pensando até na morte, sendo acolhido pelo
casal Aoki, o amigo também vivia uma situação difícil. Depois de uma separação
temporária, em função das dificuldades financeiras, Misao, esposa de Aoki, havia
acabado de voltar para junto dele e não conseguia entender porque o marido era
incapaz de desfrutar da alegria de estar com a família. Aoki dava aulas e ajudava um
missionário com algumas tarefas, mas não produzia nada de seu trabalho. Quando
tentava escrever, sentia dores de cabeça e ia deixando os trabalhos inacabados. Para
Aoki, o país é apenas um túmulo para os jovens, e Kishimoto chega a estranhar uma
ocasião em que o vê sério como nunca, fazendo ataques a vários pensamentos presos
aos velhos costumes e formalidades. Se destruíssem tudo, talvez algo novo pudesse
surgir. Misao, por sua vez, vivia preocupada com o marido improdutivo no trabalho
de que tanto gostava. A doença dele era invisível. Mostrava-se bem na companhia
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Capítulo II – Tipologia do Romance do Eu
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dos amigos, mas sozinho não tinha ânimo para nada, e Misao chegou a dizer a
Kishimoto que ele se parecia muito com o marido.
Nessa obra, o protagonista é impotente diante das dificuldades da vida. Seus
pensamentos e anseios são conhecidos por intermédio do amigo Aoki, que manifesta
suas insatisfações muito mais do que ele, e vive encurralado, sem nunca achar uma
solução para seus problemas, até que acaba pondo um fim à vida. Seu pensamento
pode ser visto em passagens como “Aoki sentiu uma negligência muda, mas ao se
comparar com o amigo bem sucedido, não se sentiu inferior”,
4
quando está andando
com Kishimoto na rua e um ex-colega do curso de Ciências Políticas passa com ar de
superioridade em uma carruagem, ou quando Aoki deixa de lecionar e de escrever e
responde a Ichikawa, que lhe perguntara se não tinha nada para publicar na revista:
“Se me mandarem, escrevo o quanto for necessário. Por mais que escreva, não é a
mesma coisa?”.
5
Depois do caso com a aluna Katsuko, fato que o obrigara a sair de casa, com
vontade até de morrer, Kishimoto passa um longo tempo na região oeste. De volta a
Tóquio, Tamisuke, o irmão mais velho, recebe-o bem e acompanha-o até a casa do
tio que o criara desde menino e aguardava ansioso por seu retorno. Durante sua
ausência, a mãe e os irmãos haviam deixado a terra natal para morar com Tamisuke
na capital; como o irmão fora preso por utilizar títulos públicos falsos por influência
dos patrões, Kishimoto retorna ao seio familiar, que deixara aos dez anos de idade. A
partir de então, irá atender ao pedido da mãe e da cunhada e manter Tamisuke
animado e forte, até que seja solto, e acompanhar o longo período de clausura desse
irmão, que não tem a menor noção das conseqüências sofridas por toda a família
desde sua detenção. O que temos na vida do protagonista é o enfrentamento da
realidade mais dura do adulto, que sem sombra de dúvida leva-o ao amadurecimento,
mas com momentos de prazer e de alegria quase nulos.
Já Sankichi é um jovem escritor em início de carreira, penúltimo filho da
família Koizumi, que tenta manter a ajuda mútua entre os irmãos depois da morte dos
pais. De um modo geral, as demais personagens de Ie desempenham papéis de igual
4
Tradução nossa, Haru, p.347.
5
Idem, p.348.
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Capítulo II – Tipologia do Romance do Eu
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relevância, mostrando a constituição familiar e os problemas enfrentados com a
chegada dos novos tempos. O protagonista desempenha suas funções de componente
da família e sofre a tristeza de ver a ruína da família Hashimoto, à qual pertence
Otane, a irmã mais velha, abandonada pelo marido, que parte para a Manchúria e
enfrenta o desgosto de ver o primogênito Kōsaku e a nora mudarem todo o método
de trabalho construído durante longos anos. Além disso, ela perde também Shōta, o
filho caçula que era a sua esperança e que morre vítima de doença.
O próprio Sankichi também tem uma vida de sofrimento ao formar nova
família junto com Oyuki, em casamento arranjado por Minoru, o irmão mais velho.
Após o casamento, opta por viver no interior como professor e lá descobre que, antes
de se casar, a esposa mantinha uma paixão por Tsutomu, que acaba tornando-se seu
cunhado ao casar-se com a irmã mais nova dela. Sankichi pensa em separação.
Mesmo após o nascimento de Ofusa, a primeira filha, mantém o desejo de desfazer a
família, mas o irmão faz que ele desista. Continua com Oyuki, com quem tem uma
prole numerosa, três meninas e três meninos, sendo que as três primeiras filhas
falecem após o nascimento do quarto filho, quando ele já voltara a morar em Tóquio
a pedido de um amigo e de um jornalista. Sankichi pensa em conservar um amor de
irmão com Oyuki e volta para casa satisfeito depois de levá-la a um restaurante
francês, mas percebe que depois de tanto tempo a mulher ainda não entende o que ele
pensa.
Minoru, o irmão mais velho, é preso e, depois de libertado, vai para a
Manchúria tentar a vida, como fizera Tatsuo depois de abandonar Otane; durante sua
ausência, a filha Tsuruko falece e Oshun, sua outra filha, não pode ser a sucessora da
família porque já estava prometida em casamento. Sōsuke, o terceiro irmão, tem
problemas mentais e vive na dependência dos irmãos mais velhos. Quando o irmão
Morihiko vem pedir dinheiro emprestado, Sankichi sugere a ele que pare de ajudar os
outros e refaça sua vida no interior: “Nós sempre estamos carregando a velha
família”.
6
O protagonista de Ie acompanha os acontecimentos, mantém-se como
expectador, vendo sua vida e a de sua família passar.
6
Tradução nossa, Ie, p. 467.
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Capítulo II – Tipologia do Romance do Eu
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O dilema de Sasamura em Kabi (Bolor, 1912) também se passa na esfera
familiar. Ainda sem estabilidade financeira como escritor, pensa em constituir sua
própria família e acaba por formá-la meio ao acaso, mas não se trata de uma história
de amor com uma relação planejada. Conhece Ogin, filha da senhora que o ajuda
com os afazeres domésticos, depois que se muda para a casa construída por um
amigo. Ogin já era separada, e os dois acabam tendo um envolvimento quando a
senhora vai cuidar de um irmão enfermo no interior. Ogin engravida, e o menino
Shōichi nasce contra a vontade de Sasamura. Ele tem a intenção de dar o filho para
adoção e de não ficar com Ogin, mas entre propostas de casamento e de separação
Ogin engravida novamente, dessa vez dando à luz uma menina. Logo depois, Shōichi
adoece e precisa ser internado, exigindo muita dedicação e amor dos pais, que
continuam juntos levados pelas circunstâncias.
Essa obra narra um período decisivo para o protagonista: o início de uma vida
de responsabilidades e compromissos que esse escritor ainda em início de carreira
reluta em assumir. Sasamura mostra-se permanentemente insatisfeito em relação a
Ogin, seja pelas vontades materiais que ele não pode atender, seja pelos
inconvenientes que a família dela causa a ele. Ogin, apesar de pouco instruída, é uma
boa dona de casa e mãe dedicada. Após dar à luz a segunda criança, ela perde o viço
e o encanto. Em Sasamura, temos a figura de um homem despojado dos valores tão
caros para Ogin, como seguir as tradições e preservar a imagem. Só que Sasamura
não dá a conhecer diretamente quais são seus valores. É um homem acuado, incapaz
de agir e de enfrentar a vida, que não sabe impor aos outros o que deseja para si
mesmo.
As famílias de Ogin e de Sasamura são do interior e vêem, na cidade grande,
uma oportunidade não encontrada em suas regiões para ganhar o sustento. É o caso
do sobrinho de Sasamura, do irmão e do pai de Ogin. Os amigos e
companheiros de trabalho de Sasamura não possuem uma vida tão melhor que a dele.
Alguns se sobressaem um pouco mais, como é o caso de I, que afinal só serve para
Sasamura sentir-se diminuído: “Sente entusiasmo na voz de I e um vazio ainda
maior”.
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Capítulo II – Tipologia do Romance do Eu
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Não se trata de um mundo distante e inexistente, muito pelo contrário. As
situações do dia-a-dia são bastante comuns. Sasamura sofre do estômago, tem dores
de cabeça. A sogra quebra os dentes ao sofrer uma queda. Ogin e Shōichi freqüentam
o dentista. Os últimos dias do professor M,
7
desenganado com câncer, são mostrados
de modo bastante natural. Seus discípulos compartilham dos momentos finais da vida
de M, pois isso faz parte da vida, assim como a doença de Shōichi, a perseguição de
Ogin pelo ex-marido, a proximidade ou distância de Sasamura com o amigo
Miyama, de acordo a situação pequenas questões como dores de dente, compras,
passeios.
Antes de conhecer Ogin, o irmão mais velho e a cunhada que moram em
Osaka recomendam a Sasamura que se case; na viagem de volta, ele também
presencia a felicidade conjugal de um velho amigo, na casa de quem se hospeda de
passagem pela cidade de Quioto.
O texto apresenta uma forte relação de amizade e ajuda mútua entre os
amigos, seja no caso dos não identificados, como o que transmite o recado de
Yamada para que Sasamura ocupe a casa de K, amigo de infância e dono da casa,
ainda universitário, ou no caso de um amigo mais velho a quem Sasamura auxilia nos
estudos para o concurso em uma vaga num lugar distante, que lhe deixa utensílios
domésticos para montar a casa nova ao deixar o alojamento. Com a família ocorre o
mesmo. Um sobrinho do interior vem para estudar e mora com ele; os familiares de
Ogin vêm para trabalhar e ficam alojados em sua casa. Sasamura hospeda também o
amigo Miyama até ele arrumar uma casa na vizinhança. A relação de M com seus
discípulos é enternecedora. Eles sempre se reúnem em sua casa e Sasamura ajuda o
professor em seu trabalho.
Os relacionamentos pessoais e as descrições demasiadamente detalhadas
deixam a narrativa confusa, prolixa, mas enfatizam a vida de penúria que revela o
fracasso profissional de Sasamura. Na realidade, a família, ou pelo menos a mãe, que
ficou no interior, espera pelo seu sucesso tanto ou mais que ele. Deseja dar o filho
para adoção, mas acaba ficando com o menino por insistência de Ogin, que lhe
7
Segundo informa a nota que acompanha a obra, trata-se de Ozaki Kōyō, mestre de Tokuda Shūsei e
líder da Associação Ken’yū, um dos maiores e mais influentes círculos literários do Japão.
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Capítulo II – Tipologia do Romance do Eu
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mostra as vantagens de manter a família unida apesar dos sacrifícios que lhe são
impostos. A vida de quem sai do interior em busca de uma oportunidade como
escritor na cidade grande não é nada fácil. E, do mesmo modo que ele, pessoas das
mais diversas profissões vão tentar uma nova vida nos centros urbanos.
O quadro de frustração da vida profissional e familiar do protagonista é
angustiante. É a vida do dia-a-dia, sofrida, cheia de decepções, em meio à pobreza, à
doença e às desavenças. Apesar de ser permeada de alguns poucos momentos de
alegria, o que prevalece é o sofrimento e a tristeza. A descrição do filho é bastante
negativa. Ogin é cheia de vontades que não podem ser satisfeitas. Sasamura sofre
calado, impotente diante das amarguras que precisa enfrentar.
Mudam de casa diversas vezes, e a maioria delas são achados econômicos.
Uma delas tem bolor nos armários, mas compensa pelo jardim agradável. Outra foi
palco de dois assassinatos e serviu de depósito dos cadáveres até o antigo inquilino
descobri-los. Os raros exemplos de felicidade que Sasamura pode proporcionar a
Ogin são desejos comuns: a primeira visita ao santuário com o filho, ato muito
comum no Japão, equivalente a um batismo, mas sem nenhum cerimonial, e a ida ao
restaurante, para que ela saboreie um de seus pratos preferidos, o que torna mais
evidente ainda a situação de pobreza enfrentada por essa família.
Sasamura mantém-se indeciso do começo ao fim. Ora pede Ogin em
casamento, ora fala em separação, em dar os filhos para adoção, em cada qual ficar
com um deles, em libertar Ogin e ele próprio cuidar dos filhos. É a doença de
Shōichi e a observação dos sofrimentos alheios que acabam por unir o casal durante
a hospitalização do menino.
O número de personagens de Kabi é bastante reduzido, como em Furo Oke
(Banheira, 1924), que tem apenas o protagonista Tsushima, um escritor já idoso que
sente próximo o final da vida, e sua esposa Sakuko. A obra centra-se na
concretização de um desejo de longa data de um pai de família que durante muito
tempo teve dificuldades em acomodar a família composta por dez pessoas e que, de
modo inesperado, consegue uma casa no mesmo terreno que a sua, onde finalmente
dispõe de espaço para a banheira ofuro, o que não é um luxo e sim uma necessidade
do dia-a-dia. Tal sonho deve-se à impossibilidade de adquirir uma banheira nova, já
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que as duas anteriores foram danificadas há muito tempo, e ter que passar pelo
desconforto de levar as crianças ao banho público.
Tsushima vive com os nervos à flor da pele e não consegue nem sequer
concentrar-se numa conversa com outra pessoa. Os dias não têm graça, e ele fica
insatisfeito em saber que as coisas boas, como as flores da primavera, só virão no ano
seguinte. Assim, o momento em que a esposa está dando instruções ao pedreiro é
alvo da atenção de Tsushima, e ao mesmo tempo motivo para irritação. O que se
poderia chamar de diálogo ocorre uma única vez, quando ele reclama da voz alta que
ela usava para falar com o pedreiro, pois ele conseguira ouvi-la da casa, do outro
lado do terreno, e imaginou que os vizinhos também. Ela retruca, afirmando que não
falara alto e que, mesmo que fosse o caso, não havia problema nenhum, pois não
estava dizendo nada de mais. A insatisfação diante de pequenas coisas é decorrente
de problemas financeiros e agravada pelas atitudes do cunhado, irmão mais novo da
esposa, que apesar de ter recebido muitos cuidados de Tsushima causou-lhe prejuízos
financeiros sem o menor pudor e gerou um clima de conflito com a esposa.
O protagonista sabe que as freqüentes dores de cabeça de Sakuko são
decorrentes de suas agressões físicas, mas mesmo assim não consegue deixar de
descontar sua irritação na esposa e atribui isso a fatores hereditários. Tsushima muda
de idéia e destrói os preparativos feitos pelo pedreiro para iniciar a obra, e somente
meio ano depois a banheira é instalada. O protagonista pergunta a si mesmo se não
terá que fazer nenhuma outra até o final de sua vida, e imerso na banheira tem a
impressão de que ela era seu ataúde. Observamos, nessa obra, um protagonista sem
controle emocional, premido pelas privações do dia-a-dia que sofre há longos anos e
que, quando consegue finalmente realizar um sonho simples, já atingiu a velhice e só
lhe resta esperar a morte bater a sua porta.
O protagonista de Aishiki Chichi (Pai Digno de Compaixão, 1912),
identificado por “ele”, separou-se da esposa há pouco tempo. O filho de quatro anos
fica sob os cuidados da avó, no interior, e não se faz nenhuma referência à mãe da
criança. Enfermo e sozinho numa casa miserável, pequena e escura, na capital, o
protagonista se lembra do filho olhando os aquários com peixes ornamentais. Tudo
que tem limita-se a uma cama, uma escrivaninha e uma prateleira vazia feita de
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Capítulo II – Tipologia do Romance do Eu
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paulônia. Como os protagonistas das obras anteriores, é impotente até com o filho.
Para não se sujeitar ao desafeto da criança e atender a seu desejo de ganhar uma
roupa ocidental, desfaz-se da prateleira de paulônia, única peça que lhe restara para
conseguir dinheiro a fim de manter-se vivo.
Essa obra narra algumas semanas da vida desse protagonista, que se intitula
“pai digno de compaixão”, e reitera ao longo do livro, de seis capítulos, que é kodoku
na shijin, “poeta solitário”, e kurai shijin, “poeta triste”. A morte, sua ameaça
iminente, é lembrada em diversas situações que o deixam inseguro. Só no sonho
consegue ser positivo. Não tem perspectivas de longo prazo. Seu objetivo é imediato,
conseguir dinheiro suficiente para ir ao litoral e por isso, mesmo com muito custo,
começa a freqüentar a biblioteca, mas quatro ou cinco dias depois já acorda com
febre e sente-se mal. O tempo passa e ele continua tentando escrever poemas. É um
homem mergulhado em dificuldades e acomodado, incapaz de ter forças para superar
e melhorar de vida.
Diferentemente dos protagonistas que não têm coragem de assumir a paixão
fora do casamento, Keichirō, de Gake no Shita (Sob o Precipício, 1928), abandona a
família em sua terra natal e foge com Chitose para Tóquio. No entanto, é incapaz de
mostrar a ela que se preocupa com o filho e com o pai. Depois de algum tempo sem
emprego fixo, quando já está sem dinheiro até para a condução, consegue trabalho
num jornal e depois na revista Bungei. Resolvidos os problemas financeiros, são
obrigados a deixar a moradia, que ficava num lugar conveniente, porque a
proprietária torna-se rude com eles depois que Chitose acaba descobrindo por acaso
um defeito físico que ela mantinha em segredo. Keichirō culpa Chitose e não tem
coragem de enfrentar a situação. Procuram vários lugares para morar, mas só
conseguem uma casa num lugar afastado, bem abaixo de um grande barranco, por
indicação da esposa de um médico, freguesa de Chitose.
A infelicidade maior, porém, não era a casa que estava em péssimas
condições, mas o amigo que morava no alto do barranco e que aconselhara Keichirō
a não tomar decisões precipitadas, assumindo uma vida em comum com Chitose.
Vem o arrependimento, e ele fica encurralado, sem poder conciliar a situação. Tem
receio de que Chitose fique sabendo que a irmã o mantém informado sobre a ex-
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Capítulo II – Tipologia do Romance do Eu
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esposa, o filho, que tinha um tumor no cérebro, e o pai, já idoso, que ficaram em sua
terra. Ao sonhar com o filho, que estaria chamando por ele, acorda preocupado, sem
saber se Chitose o ouviu pronunciar o nome do menino. Chitose, no entanto, é
compreensiva e pensa no futuro, na velhice. Acha que Keichirō precisa ir ao encontro
do filho, para que não restem mágoas. Keichirō sente medo das conseqüências de
seus atos e do ódio que a ex-esposa e o filho teriam dele. Ao mesmo tempo,
preocupa-se com Chitose, que não tem ninguém que possa ampará-la. Ele está
perdido e tenta encontrar consolo numa pintura de Rafael iluminada pelo sol.
Shimaki Shinkichi, de Kareki no Aru Fūkei (Paisagem com Árvores Secas,
1933), é um pintor de paisagens que criou um centro de pesquisas de pintura com
alguns colegas, entre os quais Koizumi Keizō, amigo desde os tempos da escola de
belas-artes, com talento para figuras humanas, a quem admira e respeita. Esse amigo
faleceu, deixando inacabada um nu e um quadro que receberia o título de Paisagem
com Árvores Secas, exatamente o nome dessa obra, que mostra a história do
protagonista com esse amigo. É dele que Shimaki sempre se lembra e, enquanto está
pintando uma paisagem com neve, recorda-se de um quadro de quatro ou cinco anos
antes, no qual Koizumi utilizou a neve, e de alguns episódios dos 23 anos que
conviveu com ele. Nos últimos tempos, o amigo, doente, havia deixado de participar
dos encontros no centro de pesquisas.
A ênfase fica na surpresa que Shimaki tem quando ele está diante da
“Paisagem com árvores secas” ainda em esboço, que é a nova experiência que
Koizumi estava realizando para pintar paisagens. Apesar de se mostrar debilitado
fisicamente nos últimos anos, ele trabalhava simultaneamente naquelas duas obras e
também pintava um grande número de quadros sob encomenda, arranjados pela
esposa, mas sua produção aumentara quantitativa e qualitativamente. Assim, nessa
visita que faz à casa de Koizumi, o protagonista entendeu que não deveria baixar a
guarda diante daqueles olhos caídos e da falsa modéstia do amigo. O protagonista
mostra dois sentimentos paralelos em relação a ele: a tranqüilidade por Koizumi ser
mais talentoso com as figuras humanas e daí manter-se no mesmo nível do colega de
trabalho, a quem admira e respeita, e a preocupação de vê-lo como ameaça e como
rival a partir do momento em que ele amplia seu leque de trabalho e passa a explorar
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Capítulo II – Tipologia do Romance do Eu
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as paisagens, pois, embora divida o espaço com o colega, o protagonista parece viver
na sua sombra, sentindo-se sempre diminuído em relação a Koizumi, retratado como
pessoa cativante e bem-sucedida.
A caminho do funeral de Koizumi, na companhia de outros dois amigos,
Shimaki ouve os elogios que eles fazem ao falecido e fica absorto em seus
pensamentos. Admira-se com o fato de uma pessoa tão perspicaz e habilidosa como
Koizumi viver fechado em sua própria casa naqueles últimos anos, subjugado pelas
vontades de sua esposa, e ainda assim deixar trabalhos maravilhosos. Há um misto de
louvor e de inveja, e é por isso que, diante daqueles dois quadros inacabados
expostos na sala em que estava o ataúde de Koizumi, Shimaki admira mais o Retrato
de um Nu Feminino do que a Paisagem com Árvores Secas.
A obra Giwaku (Suspeita, 1913) tem um narrador-protagonista que é
abandonado pela esposa e não se satisfaz até confirmar a suspeita de que ela fugiu
com o estudante Kojima Sekijirō, que se hospedava em sua casa. Antes de sair à
procura dela, reescreve, como consolo de todos os dias, a cena do momento em que
será preso pelo homicídio da mulher. É tão passivo que somente dois anos depois vai
à polícia solicitar a busca de Shin. Obcecado, ele procura por pistas da mulher na
cidade de Nikkō, onde julga conseguir mais informações acerca de seu paradeiro.
Sem disposição para ler ou escrever, consegue, com muito custo, arrumar o dinheiro;
depois de meses de procura pelas hospedarias, ajudado por funcionários muito
solícitos e já sem dinheiro nem para a refeição, consegue confirmar sua suspeita.
Sente que sua vida tomou um rumo e um misto de alegria e de raiva invade seu
coração. Encontra o cadastro em que consta o nome de sua mulher alterado para
Suma, com o sobrenome do amante e com as idades alteradas. Não se incomoda em
expor o fato vergonhoso às pessoas da hospedaria em que encontrou o registro da
mulher e do amante nem de sofrer humilhações. A amargura daqueles dois anos
desaparece, e ele fica aliviado diante da possibilidade de encontrá-los no endereço
que constava no registro. Percebemos que mesmo diante dessa confirmação e de
perceber por si mesmo que fora ingênuo demais em não perceber que Shin sentia
atração pelo estudante há muito tempo, ele ainda continua a alimentar esperanças de
encontrar a mulher.
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Capítulo II – Tipologia do Romance do Eu
50
Como ocorre em Giwaku, o “eu” protagonista de Kurokami (Cabelos Negros,
1922) também vive atormentado pela suspeita; Essa obra fala sobre a sinceridade de
uma gueixa de Quioto ao homem que propõe que deixe o trabalho para se casar. A
profissão do protagonista não é revelada textualmente, mas trata-se de alguém que
reside em Tóquio, distante cerca de 300 km de Quioto, com tempo disponível
suficiente para ir ao encontro dela e ficar longos períodos fora da capital. Solitário,
tem sede de ambiente familiar e sujeita-se a uma demorada espera pela decisão dela
sobre o momento certo. O relacionamento já dura quatro anos, e eles trocam cartas.
Quando finalmente parece que vão ficar juntos, em vez de alívio o protagonista
começa a ter dúvidas maiores sobre o que haveria ocorrido nesses anos em que
aguardava pela resposta.
Os diálogos em Kurokami restringem-se a conversas telefônicas, de uma
ligação feita por ela para combinarem um local de encontro, e aos momentos do
próprio encontro, que, na realidade, servem para protelar uma conversa séria e
definitiva entre eles, principalmente pela vontade dela. No entanto, no último
capítulo, criam uma tensão dramática no diálogo em que finalmente parecem falar de
algum assunto específico, ou seja, da existência de um admirador casado e com
filhos que se propusera a sustentá-la e de uma gravidez e nascimento supostamente
falsos de uma menina. No entanto, como não era do feitio da mulher fazer
brincadeiras com assuntos sérios, o protagonista martiriza-se pensando quem seria o
pai e por que a criança não era dele. Quando está se lamentando pelo fato de ela,
apesar de sua insistência, não ter abandonado a profissão a tempo de evitar
problemas semelhantes, ela diz:
Quer que eu lhe mostre a criança?
Quero. Mostre-me. Onde está? É menina ou menino?
É uma menina. Se você quer, vou buscá-la
disse, e levantou-se.
Fiquei pensando de onde ela a traria e fixei olhar nela enquanto me dava
as costas, tirou uma caixa comprida que estava sobre o armário, abriu a tampa e
tirou uma boneca típica de Quioto bem grande.
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Capítulo II – Tipologia do Romance do Eu
51
Que absurdo! Está me fazendo de tolo!
disse rindo em voz alta ao
sentir que a agonia que trazia no peito havia se desfeito de imediato.
8
O diálogo continua até o final da obra, como se dali por diante eles fossem
realmente mantê-lo com freqüência, frente a frente, sem segredos. Mas a realidade é
bem outra. Ele encontra fotos suspeitas de dois homens dentro do altar budista.
Ei, quem são estes?
perguntei a ela que estava de costas guardando os
quimonos.
Mal ela se virou, levantou-se na minha direção.
Não é para ficar olhando essas coisas
disse meio contrariada e tomou
aquelas fotos de minhas mãos.
9
Esse é o fim de Kurokami. As suspeitas que o protagonista tinha da
sinceridade da mulher até aumentam, mas nada indica que ele a deixará ou que
tomará alguma atitude em relação ao engodo. Ele foi e continuará sendo vítima de
sua própria passividade.
Em Kinosaki ni te (Em Kinosaki, 1917), o protagonista é levado a um período
de repouso nas termas de Kinosaki, depois de um acidente de trem quase fatal. Faz o
que lhe resta fazer: esperar o tempo para saber o resultado. Durante a estada, tem a
oportunidade de refletir sobre a morte e constatar que teve mais sorte que a abelha, o
rato e a lagartixa d’água que observou nas termas. Ele vê que poderia ter enfrentado
qualquer das três situações que envolvem a morte desses animais. Poderia ter sido
encontrado morto como a abelha e ficar ignorado por seus iguais, que continuariam
com suas tarefas até que ele fosse levado para um local fora do alcance da visão
deles; poderia sofrer a dor e a agonia que antecedem a morte premeditada, como
aconteceu com o rato, que tinha um espeto atravessado na garganta e tentava
desesperadamente fugir das pessoas que lhe arremessavam pedras; ou poderia ter
uma morte acidental, como a da lagartixa d’água atingida por uma pedra que ele
arremessou com o simples desejo de fazer que o animal voltasse para a água. No
entanto, seu caso fora bem diferente. Não desenvolveu a doença que seria fatal e teve
a vida poupada. Resignou-se e foi obediente na hora em que precisou aguardar, e
recebeu com serenidade a noticia de que restabelecera a saúde. Submete-se às
8
Tradução nossa, Kurokami, p. 372.
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Capítulo II – Tipologia do Romance do Eu
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circunstâncias como lhe é permitido e aguarda com paciência, sem desperdiçar o
tempo. O protagonista de Kinosaki ni te tenta não mostrar sua impotência perante o
destino mediante uma serenidade e aceitação dos fatos que estão fora da esfera de
sua atuação.
Seguidor de Shiga, Ozaki Kazuo parece ter se inspirado nessa obra para
escrever Mushi no Iroiro (Diversidade dos Insetos, 1948), fazendo reflexões pessoais
por meio da observação de alguns animais. Trata-se de uma obra em primeira pessoa,
que usa a comicidade para atenuar um assunto sério e desconhecido, vida e morte,
questão enfrentada pelo “eu”, narrador-protagonista da obra, quando está
convalescendo da nevralgia e reumatismo no espaço restrito de sua casa, onde passa
o tempo observando os insetos, que servem para uma reflexão sobre o
comportamento deles e dos seres humanos. O protagonista mostra-se resignado com
sua situação e reconhece-se na pulga, apesar de desejar ser a aranha, que suporta um
longo tempo mesmo sem ter o que comer e, na primeira oportunidade escapa ligeira,
ou como o zangão, que voa sem saber que é incapaz, desafiando as leis da física.
Questiona se a liberdade existe e se a sua depende de quem a escreve, existe ao acaso
ou é cerceada. A única certeza é a morte. Imagina se há alguém que o observa e o
controla, assim como ele fez quando encontrou a aranha aprisionada na janela. Se
esse ente existe ou somos nós mesmos que o fabricamos, ou ainda no qual nos
transformamos, é algo que ninguém lhe pode ensinar. E encerra a narrativa com a
façanha tragicômica de aprisionar as patas de uma mosca com as rugas da testa,
levando a esposa e os filhos às gargalhadas. A situação cômica deixa-o mal-
humorado e não sem motivo. O alvo do riso vai além dessa situação momentânea de
comicidade, é ele mesmo, que continua na incerteza e sob a ameaça da morte que
pode vir a qualquer momento, sem que ele possa agir ou reagir.
Em Remon (O Limão, 1924), temos um protagonista quase sem perfil. É
alguém que possui uma doença pulmonar, mas não atribui seu obscurantismo a ela e
muito menos a qualquer possível distúrbio psicológico ou às dívidas que contraiu. É
menos passivo que os protagonistas das obras anteriores, pelo menos no que se refere
à criatividade. Ele age em seu mundo de faz-de-conta como se fosse uma criança que
9
Idem, p. 373.
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Capítulo II – Tipologia do Romance do Eu
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brinca de plantar uma bomba um limão californiano que, quando tocado, lhe
proporcionou um frescor agradável, livrando-o do mal-estar no lugar que mais
apreciava antes de sentir a insatisfação aparentemente infundada que tomava conta
de seu ser, a livraria Maruzen, para destruir tudo que incomodava o protagonista e
dar a mesma sensação agradável proporcionada a ele pelo fruto. Nessa vida de
degradação, que é sua realidade do momento, satisfaz seu sonho na esfera da
imaginação. Associa os vidros coloridos que vê pela cidade à infância reprimida
pelos pais, mas também protegida por eles, quando vivia sem as responsabilidades do
adulto no qual se tornou.
O narrador-protagonista de Koi (A Carpa, 1926) louva Aoki Nanpachi por
meio dos cuidados que dispensa a uma carpa que esse amigo lhe trouxe de uma
pescaria, sobretudo depois de seu falecimento. Para isso, utiliza o próprio título da
obra, A Carpa, que faz homofonia com “amor” em japonês. No final, aproveita o
gelo e a neve para representar a cor da carpa e da pureza de seus sentimentos pelo
amigo. A dedicação pelo peixe e a demonstração de carinho por ele é mostrado com
o trabalho que o protagonista tem em “abrigar” a carpa. Depois de deixá-la no lago
do alojamento que ocupava, levou oito dias para conseguir pescá-la quando se
mudou; deixou-a no lago da casa da namorada de Aoki por não ter outro abrigo para
a carpa; quando o amigo faleceu, seis anos mais tarde, precisou de vários dias para
resgatá-la. Solta-a no lago artificial da Universidade Waseda, e no verão, enquanto
esteve desempregado, ia à tarde passar o tempo junto ao lago, mas sem saber se a
carpa continuava viva. Acha o peixe nadando como se fosse um rei, seguido por
outros peixes, e fica orgulhoso e emocionado. Suas visitas prosseguem durante o
outono, mesmo quando a visão fica impedida pelas folhas que cobrem a água, e
também no inverno, quando a superfície do lago fica congelada. Certa manhã de
neve, ele pega uma vara de bambu e resolve desenhar um peixe com mais de cinco
metros na superfície do lago, seguido por outros peixes menores, uns sem nadadeiras,
outros sem olhos ou boca. É assim que ele homenageia o amigo, pela sublimação da
carpa branca seguida pelos peixes imperfeitos. Nesse ato de louvor por Aoki, o
protagonista diminui a si mesmo como se fosse um dos peixes imperfeitos seguindo a
magnífica carpa branca.
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Capítulo II – Tipologia do Romance do Eu
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O narrador-protagonista de Fugaku Hyakkei (As Cem Paisagens do Monte
Fuji, 1939) narra sua ida no outono de 1938 a Misaka Tōge, a 1 300 m de altitude,
considerada uma das três vistas mais famosas do Monte Fuji, onde visita Ibuse
Masuji,
10
que estava trabalhando no local desde o verão e que o aguardava para ir a
Kōfu apresentar-lhe uma moça. Durante os dois meses aproximadamente em que
permanece no local para escrever, vai mudando o pensamento que tinha em relação
ao monte sagrado a cada experiência nova. Quando chegou ao local, e o viu pela
primeira vez, não gostou; na segunda vez, quando subiu a 1700 m com Ibuse, não
pôde vê-lo por causa da cerração. O primeiro sentimento positivo lhe vem
exatamente quando está na casa da moça, e Ibuse chama-lhe a atenção para uma foto
do monte na parede atrás dele. Ao voltar para a posição anterior, depois de ver a foto,
consegue observar bem o rosto da moça, que não conseguira enxergar quando entrou,
e fica agradecido ao Fuji.
A segunda ocasião em que simpatiza com o Monte Fuji ocorre depois da
visita de Nitta, um amigo romântico de 25 anos de idade e seus amigos. Nittao
comenta que estava admirado de ver que ele era sério e firme, pois Sato Haruo
11
dizia, num de seus romances, que ele era decadente e de natureza destrutiva.
Chamado de mestre, sente-se digno do título pelo menos no tocante ao sofrimento
pelo qual já passou. Indo com os jovens a Yoshida, uma cidade comprida e com
muitos lagos, conta-lhes sobre a protagonista de um romance de Maupassant, que
todas as noites atravessava um rio a nado para ir ao encontro de seu amado príncipe,
e discutem sobre uma peça japonesa em que um moço fica separado por um rio de
Kiyohime, sua amada e corajosa princesa de 14 anos. Naquela noite, não conseguiu
dormir. O Fuji estava maravilhoso no céu enluarado e ele saiu andando, cheio de
auto-estima. Nem se importou com a moedeira que deixara cair e resgatou-a, fazendo
o mesmo trajeto de volta para a hospedaria. Contou tudo o que aconteceu durante
esse passeio à dona da hospedaria de Misaka, e ela o acordou, numa manhã de neve,
para que ele passasse a gostar da paisagem do Fuji visto do local.
10
O autor utiliza o nome do próprio escritor Ibuse Masuji, que serviu de protótipo para essa
personagem, e o texto insere seu nome como se dispensasse apresentações.
11
O nome dessa personagem tem um protótipo com o mesmo nome na vida real, que é o escritor Satō
Haruo, e na obra ele é mencionado sem qualquer explicação, como personalidade bastante conhecida.
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Capítulo II – Tipologia do Romance do Eu
55
O protagonista achou muito bom e jogou sementes de prímula amarela
12
na
entrada da hospedaria para que florissem no ano seguinte. Passou a perceber a
existência dessa planta quando desceu a montanha para pegar correspondências e ao
voltar de ônibus para a hospedaria. Nele, uma senhora de aproximadamente 60 anos
estava sentada afastada dos demais passageiros e olhava para o penhasco, ignorando
as explicações que a guia do ônibus dava sobre o Monte Fuji. Ela disse: “Olha,
prímulas. E o protagonista sentou-se a seu lado, para olhar aquela flor amarela que
desabrocha no verão e lhe mostrar que também compartilhava de sua indiferença
pelo Fuji. Sentimento semelhante é descrito também enquanto tentava prosseguir
com o trabalho que não avançava, e sentia-se atraído mais pelas folhas vermelhas e
outonais da montanha do que pelo Fuji. Por isso, achou que não valia a pena escalar
as montanhas da região para apreciá-lo. Seu sentimento em relação ao visual do Fuji
não mudou muito; o que mudou foi o significado que ele passou a ter. Depois de ser
alvo de gratidão, o monte transformou-se numa espécie de divindade, à qual ele fez
pedidos de proteção. Foi essa a postura que tomou em relação ao grupo de mulheres
que chegou à hospedaria no final de outubro. Pediu ao Fuji que cuidasse delas.
Nessa época, seu casamento com a moça apresentada por Ibuse já estava
acertado, e ele sabia que não poderia contar com a ajuda financeira da família.
Precisaria de pelo menos 100 ienes, e desceu a montanha até à casa da moça para
contar que não receberia auxílio nenhum. Recebeu a compreensão da futura sogra,
que se sentiu aliviada em saber que a família dele queria apenas que ele arcasse com
os gastos, e não se colocou contra o casamento. Nesse dia, sua noiva fez uma
brincadeira com ele e esse momento de felicidade ocorreu diante do Monte Fuji. O
casamento seria organizado por um amigo veterano, uma cerimônia simples, mas,
para ele, muito nobre. No dia anterior ao de sua partida, chegaram duas moças que
ficaram magnetizadas ao olhar para o monte e lhe pediram para tirar uma foto.
Diante do imenso Fuji e das duas papoulas as moças vestidas de casaco vermelho
12
O nome utilizado em japonês significa “erva que olha a lua”, e apreciar a lua no outono, estação em
que se insere essa narrativa de Dazai, é um hábito cultivado pelos japoneses desde os tempos antigos.
Essa planta natural da América do Norte que atinge cerca de 60 cm dá flores de várias cores, mas são
as amarelas que, no verão, montam um lindo cenário no sopé do Monte Fuji e que, ironicamente,
afirmam “não olhar” para o tão soberbo monte. V. Anexo, Imagem 1.
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Capítulo II – Tipologia do Romance do Eu
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, ele não hesitou em focalizar só o monte e tirar a foto, despedindo-se e
agradecendo a ele.
Em Sei Yohane Byōin ni te (No Hospital São João, 1946), o “eu” protagonista
relata o período em que acompanha o período de internação da esposa cega e já
bastante debilitada no Hospital São João até conseguir sua transferência para um
hospital público. As alegrias do dia-a-dia giram em torno dos alimentos, e os
desprazeres também. A paciente recebe as refeições do hospital e o protagonista leva
sua refeição preparada de casa com os alimentos distribuídos pelo governo. Vez ou
outra consegue algo diferente, repartido por algum vizinho, e aproveita para dividir o
presente valioso com a esposa. Assim, ora presenciamos a beleza do espírito de
compartilhar a comida, ora a descrição dos ressentimentos de não querer ceder o que
pertence a cada um.
Há momentos de reflexão sobre os enganos do julgamento, quando ele é
confundido com um dos doentes mentais do hospital e quando, por sua vez, pensa
que um dos internos é uma pessoa sã. Da mesma forma que ocorrem esses erros de
juízo e ao contrário do que deveria acontecer, é ele quem tira o proveito maior com
as idas que faz ao hospital para ajudar a esposa. Ela separa para o marido parte do
que é mais raro, como o leite, e ele sente-se favorecido, pois na época de escassez em
que vivem é graças a ela, a sua necessidade de hospitalização, que ele consegue se
manter melhor do que poderia estar. Na ocasião em que se atrasou e encontrou o
hospital fechado, é ela quem o auxilia a entrar. As posições se invertem entre o
ajudante e o ajudado. Apesar de querer ser mais amável com a esposa, de se anular
por ela, o protagonista fica desnutrido e cansado, sem condições de continuar com o
acompanhamento quando a esposa é transferida para o hospital público, e a obra
termina antes de mostrar o inevitável desfecho infeliz para os dois.
Dessa maneira, o protagonista do Romance do Eu geralmente é um homem
ligado ao ramo das letras, um literato: escritor, poeta ou redator mais raramente,
um pintor. Em geral, não são bem sucedidos e enfrentam dificuldades financeiras. O
grande ponto em comum é sua natureza submissa, passiva. Incapaz de reagir, o
protagonista é vítima de sua própria inércia, que gera insatisfações e desgraças. O
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Capítulo II – Tipologia do Romance do Eu
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protagonista e os acontecimentos relativos a sua vida são o foco, mas não há
qualquer enaltecimento em relação a sua pessoa. Ele é pequeno, impotente.
Encontramos nesses protagonistas “o caráter como interação personagem-
autor” e “o tipo como forma de interação personagem-autor” a que se refere Bakhtin.
O estudioso denomina
caráter uma forma de correlação entre o autor e a personagem, que realiza o
desígnio de criar o todo da personagem como indivíduo determinado, e note-se
que esse desígnio é fundamental: desde o início a personagem nos é dada como
um todo e desde o início o ativismo do autor se movimenta nas fronteiras
essenciais dela; tudo é percebido como um elemento de caracterização da
personagem, tem função caracteriológica, tudo se resume e visa a responder a
pergunta: quem é ela?
13
.
O protagonista do Romance do Eu segue o tipo de construção do caráter
romântico, e “a personagem é passiva, apenas passa pela vida”,
14
como foi possível
constatar nas obras estudadas. Da mesma forma, o protagonista desse gênero japonês
mostra-se como o descreve Bakhtin: “o tipo (está) no presente; o ambiente do caráter
é um tanto simbolizado, o mundo material em volta do tipo tem foros de inventário.
O tipo é a posição passiva de um indivíduo coletivo”.
Tal protagonista é o resultado de uma paródia das obras estrangeiras. Na
tentativa de criar obras em prosa que se assemelhassem aos romances estrangeiros,
valorizados no processo de modernização e ocidentalização do Japão, os escritores
recorreram à imitação; ao fazê-lo, reproduzem o que já existia na tradição japonesa
vinda dos diários e dos ensaios da literatura clássica. Retratam as tristezas de suas
vidas. Atingem o leitor pelo sentimento de compaixão que despertam nele e pela
identificação deles com o protagonista, que é impotente diante das circunstâncias. As
demais personagens podem ser mais fortes, mais talentosas e terem mais sucesso;
eles, não.
Nas obras, as mulheres assumem um papel de maior firmeza e decisão que os
protagonistas, defendendo uma mudança social com a valorização das mulheres. Elas
são caracterizadas como figuras que estão se emancipando, modelos de novas
13
Mikhail BAKHTIN, Estética da Criação Verbal, p. 159-60.
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
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mulheres que surgem no cenário japonês e são apoiadas pelos escritores. O número
de personagens do Romance do Eu, quando não se limita ao próprio narrador-
protagonista, é reduzido, e a maioria das obras traz figuras femininas marcantes.
Comecemos por Yoshiko, de Futon, que é modelo da nova mulher,
condizente com a modernidade da época. Ela é uma jovem interiorana de 19 anos,
natural de Niimi-machi, em Bitchu, mas conhece as alegrias do Natal, sabe rezar e
estudou em Kōbe, num internato feminino cristão bem liberal em matéria de
literatura, fazendo muitas leituras e aprendendo a criar um ideal para si. Escreve
bem, está disposta a enfrentar as dificuldades da carreira pretendida de escritora e é
esperta. Mais do que bela, tem um rosto expressivo, diferente das mulheres de quatro
ou cinco anos antes, que só sabiam demonstrar ira ou alegria com três ou quatro tipos
de expressões diferentes. Além de ter um coração jovem e ser apaixonada por
histórias românticas, seus olhos são expressivos e cheios de brilho; usa o penteado
moderno da época, conhecido pelo nome de hisashigami; além de estar sempre
perfumada, enfeita-se com pentes e laços. É vista pelo protagonista de Futon como a
“nova” mulher Anna Mahr, personagem de Einsame Meschen.
Para realçar ainda mais as qualidades desejadas para a nova geração de
mulheres japonesas, a esposa do protagonista é dada a conhecer na comparação com
Yoshiko e com as outras esposas jovens de seus amigos. Representa a mulher antiga,
que nem nome tem na obra, a namorada de antigamente que recebeu educação
feminina tradicional e tem vergonha de andar ao lado do marido. Os temores dessa
mulher em relação à jovem discípula do marido aparecem, mas de modo bastante
inexpressivo, comprovando sua natureza dócil e obediente, fiel e casta.
Em Haru, temos mulheres fortes e batalhadoras, como Mineko, a quem
Kishimoto pediu auxílio financeiro, e Tsutsumi, a jovem poetisa que estreou na
revista dos companheiros do protagonista. A irmã mais velha compunha poemas
waka e passara a escrever romances, e a família era mantida pela força das mulheres.
Misao casou-se com Aoki contra a vontade da família dele, e é o esteio do marido.
Mantém-se firme mesmo diante da proposta da sogra de que ela volte para a casa de
seus pais e ajuda o marido com as aulas que dá para as moças da vizinhança, mas
14
Ibidem, p.166.
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sabe que isso é insuficiente para o sustento e incentiva Aoki para que ele consiga sair
para o trabalho.
Ogin, de Kabi, não é mencionada como a mulher moderna, mas é ela quem
resolve deixar o marido e assumir o filho com Sasamura para criar uma família. Sai à
procura do que acredita ser necessário, e mesmo presa aos costumes tradicionais quer
desfrutar do prazer de mantê-los e dar o melhor que pode a seus filhos.
Enquanto o protagonista de Giwaku faz papel de otário durante dois anos,
Shin, a esposa que o abandonou, teve a coragem de assumir um novo amor com um
estudante mais jovem que ela e de deixar o marido sem que ele percebesse que estava
sendo enganado.
Os defeitos das mulheres são minimizados, não são eles os motivos da
insatisfação ou do sofrimento do protagonista. O problema está nele mesmo, na sua
falta de ação. Quando se põe em evidência seu interesse pelas mulheres, podemos
associá-lo à busca do que antes estava a seu alcance, do que lhe era permitido e
deixou de sê-lo; que passou a ser um desvio de conduta moral, como no caso de
Shōjo Byō.
A mulher como objeto do desejo e a família como responsabilidade
indesejada e causa do sofrimento masculino fazem parte dos aspectos focalizados por
algumas obras do Romance do Eu. Mais do que uma auto-revelação, como diz a
estudiosa alemã Hijiya-Kirschnereit, essas obras assemelham-se a um desabafo por
escrito feito junto a amigos e colegas que inicialmente compunham os círculos
literários japoneses, uma reunião de colegas de uma faculdade ou de grupos
organizados em torno de um escritor ou poeta renomado.
Constatamos a descrição dos desejos libidinosos masculinos das obras
naturalistas japonesas como vergonha na vida conjugal. Nesse aspecto, é possível
notar um aproveitamento da confissão cristã utilizadas pelos fiéis para se redimir dos
pecados, com a diferença de que a confissão é feita em segredo no confessionário a
um representante de Deus, e os autores representam a revelação de seus segredos
diante do público, como se quisessem obter a compreensão dos leitores.
Em termos históricos, no entanto, sabe-se que o Japão foi tradicionalmente
poligâmico, e a mudança para o sistema monogâmico ocorrida após a abertura para o
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Capítulo II – Tipologia do Romance do Eu
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Ocidente no final do século XIX, principalmente em função da moralidade sexual
cristã, traz novas regras nas relações matrimoniais, criando uma realidade nova para
o povo japonês, especialmente para os homens. Nesse sentido, vale observar que não
há Romances do Eu escritos por mulheres pelo menos os críticos e estudiosos
japoneses não apontam romancistas do eu femininas nem obras suas, pelo menos na
fase inicial.
Obviamente, nenhuma mudança ou regra de conduta é aceita e praticada de
imediato e com tranqüilidade, e as obras já vistas de Katai mostram o conflito
interior vivido pelos homens com a incorporação desses novos conceitos. Isso pode
ser constatado, ainda, pela existência, desde 1868, de uma instituição cristã feminina
de moralização que, de um lado, lutou pela lei seca; de outro, por mudanças nos
códigos Civil e Penal, incluindo o pedido de adoção de um só nome, da monogamia e
do controle das prostitutas estrangeiras. Em 1916, formou-se, inclusive, um grupo
dentro da instituição para erradicar o sistema de reconhecimento legal de amantes.
Tal mudança vai de encontro com o homem japonês, porque gera repressão
sexual e moral. Cria-se um atrito entre o desejo de manter o casamento e a família e,
ao mesmo tempo, de desfrutar do prazer de amar e de satisfazer os instintos sexuais.
A degradação está mais no aspecto social e ético do que no nível socioeconômico,
como acontece no Naturalismo ocidental, embora este último também apareça sob a
forma da pobreza dos escritores como causa de seu sofrimento e de seus familiares.
Encontramos, assim, o homem casado que se apaixona por uma jovem em
Futon; o homem casado que é louco pelas moças e morre atropelado enquanto olha
para uma delas em Shōjo Byō; o homem que deixa a família no interior para viver
com a amante, mas precisa passar pelo sofrimento de não ver mais o filho, em Gake
no Shita; o homem solteiro que é obrigado a casar-se com a mãe de seu filho e,
mesmo contra a vontade, continuar com a família, em Kabi.
As revelações sobre os escândalos amorosos e sexuais poderiam ser alvo de
interesse geral naquela época, quando fazê-lo publicamente por escrito ainda era
novidade, mas o mais interessante nessas obras é que elas parodiam as obras
naturalistas ocidentais, inserindo elementos próprios dos japoneses que obviamente
não viviam as mesmas condições de produção histórica e social dos países
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Capítulo II – Tipologia do Romance do Eu
61
estrangeiros que tentavam seguir. Sujeitos à repressão ideológica, os escritores
ficaram limitados e retrataram a vida sóciopolítica do Japão, voltando-se para a
escrita de si mesmos. No entanto, esse ato de reclusão em seus sentimentos torna-se
revelador da própria situação histórica que eles vivenciaram, num país que tenta
alcançar a riqueza material e o avanço tecnológico ocidental para se manter como
independente e progressista, com o sacrifício do povo em prol de uma política
expansionista militar.
É por isso que o protagonista do Romance do Eu sente mais e pensa menos,
pois até o final da Segunda Guerra Mundial o japonês teve sua liberdade de
pensamento e de expressão controlada. Ele é fadado a ficar circunscrito no espaço
restrito da família, dos amigos, ou seja, na esfera particular, e é a visão desse
ambiente que as obras nos proporcionam.
Apesar das críticas bastante comuns ao Romance do Eu pela falta de
caracterização das personagens, Haru, por exemplo, é uma obra que não se encaixa
nesse modelo. Descreve os traços físicos, as vestes, a aparência, a natureza e as
atitudes de um número grande de personagens, que não são meros figurantes. Cada
personagem tem sua história, e não apenas o protagonista. O narrador desenvolve os
acontecimentos ao longo dos 132 capítulos numa seqüência paralela ao fio condutor
da história, que é a vida de Kishimoto, mas focaliza a vida de uma e outra
personagem, que têm suas histórias interligadas, em especial a de Aoki. A
caracterização de Kishimoto e de seus familiares, bem como a dos amigos Aoki,
Ichikawa e Suge e os irmãos Okami, é bastante elaborada, bem como das esposas e
namoradas. Mesmo sem as caracterizações do tipo de Haru, a referida crítica não é
devidamente adequada, pois a obra literária é muito mais ampla e dispõe de infinitas
possibilidades para a composição de suas personagens, e as obras mostram o
despojamento e a criatividade dos escritores nessas variedades desconhecidas e
inovadoras para aquela situação.
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Capítulo II – Tipologia do Romance do Eu
62
Narrador e foco narrativo
O Romance do Eu apresenta duas variantes narrativas: a primeira e a terceira
pessoa do singular. As obras iniciais foram escritas na terceira pessoa, muito
provavelmente estimuladas pelos romances estrangeiros que chegaram ao Japão da
época, mas é interessante observar que essa forma, mais adequada para criar um
distanciamento entre o autor e o protagonista, foi a escolhida para apresentar um
conteúdo que se pretende autobiográfico. As obras em terceira pessoa apresentam
resultados mais diversificados na técnica narrativa. Em Futon, por exemplo,
predomina a narração em terceira pessoa, mas há uma mistura de autor onisciente
intruso e narrador onisciente neutro, que se transformam em onisciência seletiva
múltipla. O primeiro capítulo começa pelo final da história, com a reflexão do
protagonista Takenaka Tokio sobre o malogro com sua jovem discípula, bonita,
inteligente e moderna, vinda do interior. O fato já havia ocorrido há dois ou três dias,
mas permanece o questionamento sobre o que ele poderia ter feito naqueles três anos
antes de perdê-la. Focaliza o protagonista em sua rotina, a caminho do trabalho,
enquanto ele se desespera, indignado com o resultado. Acompanhamos sua “descida”
denotativa e conotativa, decepcionado com o desfecho dessa história que vem
diretamente de sua mente por meio de uma seqüência de vários parágrafos em
sumário sobre seu estado psicológico e as impressões que os fatos e as pessoas
deixaram.
A narrativa em terceira pessoa cita o pensamento do protagonista Takenaka
Tokio, identificado nesse momento como “ele”. É um misto de sentimento de
indignação consigo mesmo, pai de família, por ter-se envolvido com a discípula
Yoshiko, então identificada como “ela”, e de esperança de que a moça o amasse.
Reconhecemos aí o narrador onisciente seletivo múltiplo.
Tais exemplos, em que o autor traduz detalhadamente os pensamentos,
percepções e pensamentos filtrados pela mente do protagonista, podem ser
encontrados ao longo da obra. Um exemplo está logo no início:
Inúmeras cartas cheias de sentimento
uma relação a dois nada comum.
Não virou uma paixão desenfreada porque envolvia esposa, filhos, sociedade e a
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Capítulo II – Tipologia do Romance do Eu
63
relação entre mestre e discípula, mas por trás do coração palpitante durante as
conversas e do brilho nos olhares trocados, havia o furor de uma tempestade.
Uma única oportunidade seria suficiente para romper de uma vez por todas com a
moral perante a esposa e os filhos, a sociedade e também essa relação do mestre
com a sua discípula.
15
A exemplo de muitas outras pequenas intromissões do narrador, como “Um
literato que redige livros de geografia?”,
16
esse trecho é intercalado por “Pelo menos,
o homem assim acreditava.”.
17
E prossegue com o sumário na mesma linha,
apresentando a história pela visão do protagonista:
Não é fácil entender a psicologia de uma moça jovem. Aquele amor
caloroso e alentador poderia ser resultado de um desenrolar natural das coisas,
muito peculiar às mulheres; a beleza do olhar expressivo, a atitude afetuosa, tudo
poderia seria inconsciente, desprovido de sentido, como a gentileza que a flor, na
natureza, faz a quem a vê. Mesmo que ela o amasse, estivesse apaixonada, ele era
mestre, e ela, discípula, ele tinha esposa e filhos, ela era uma bela flor no auge do
esplendor. Não havia condições de nenhum dos dois se permitirem agir
conscientemente. Ou melhor, pensando de modo mais ousado, aquela carta
ardente revelava por inteiro o seu coração hesitante, como se a força da natureza
pressionasse este corpo aqui, e quando veio transmitir seu último sentimento, este
corpo não decifrou esse mistério para ela. Que condições ela teria de se
aproximar de modo ainda mais aberto se a natureza da mulher é ser discreta.
Pode ser que movida por essa psicologia, ela tenha se decepcionado e levada a
fazer tudo o que fez.
18
Nesse trecho, o pronome oblíquo “o” e o pronome pessoal “ele” são
revestidos pela própria ambigüidade ou pela natureza contextual característica da
língua japonesa, que utiliza o termo jibun para referir-se a si mesmo ou a outrem.
Assim, poderíamos “ler” também como “mesmo que ela me amasse, estivesse
apaixonada por mim (aqui preferimos omitir o objeto indireto na primeira tradução),
eu era o mestre e ela, a discípula, eu tinha esposa e filhos, ela era uma bela flor no
auge do esplendor”. Da mesma maneira, “este corpo” no contexto pode ser visto
15
Tradução nossa, Futon, p.71.
16
Idem, p. 72.
17
Idem, p. 71.
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Capítulo II – Tipologia do Romance do Eu
64
como “este meu corpo”. Se nos perguntamos “que corpo?”, “de quem?”,
naturalmente chegamos à conclusão de que se trata do corpo de Takenaka Tokio,
com uma sobreposição do autor onisciente seletivo múltiplo. Esse sumário demonstra
bem esse tipo de narração e acrescenta, ainda, todo um erotismo na forma de
expressão escolhida.
Ao final desse trecho, surge a fala: “Seja como for, a oportunidade se foi, ela
já é de outra pessoa”,
19
e o romance continua com sumários até o final do primeiro
capítulo, que se encerra com uma fala semelhante: “Não adianta mais, está tudo
perdido!”.
20
Essas falas nada mais são do que expressões verbalizadas da reação de Tokio
diante do desenrolar dos acontecimentos que ele está rememorando.
O narrador de Futon segue o ponto de vista do protagonista. O que ele pensa
e sente começa sendo introduzido com o pronome ou o nome dele, mas logo temos a
impressão de que o próprio protagonista assumiu a narração. O narrador fica limitado
em relação às demais personagens, o que pode ser percebido por expressões
atenuantes, como “rashii” e “sō”, ao comentar sobre os pensamentos e sentimentos
delas, quando não é possível inserir um diálogo para que elas mesmas possam se
expressar ou, ainda, uma carta, à qual recorre muito para dar voz à Yoshiko. Por
exemplo, as informações sobre as demais personagens chegam ao leitor como
suposições ou impressões do narrador, que as transferem para a personagem. No dia
seguinte à chegada do pai de Yoshiko, que viera para buscá-la, o narrador diz:
“Yoshiko parecia ter dormido mal, pois na manhã seguinte estava pálida e sem
fome”
21
. O narrador vê a moça pelos olhos de Tokio.
O discurso indireto livre também ajuda a identificação do pensamento do
protagonista com o do narrador.
O nome do protagonista, até então identificado como “ele”, só aparece a
partir do segundo capítulo, que começa a narrar a história que teve início três anos
18
Idem, p.71-2.
19
Idem, p. 72.
20
Idem, p. 73.
21
Idem, p. 97.
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Capítulo II – Tipologia do Romance do Eu
65
antes. A partir daí, a onisciência seletiva múltipla continua freqüente, como se pode
notar por várias passagens, das quais destacamos:
Após o jantar, o pai retornou à hospedaria. Naquela noite, a angústia de
Tokio foi imensa. A irritação era grande de pensar que havia sido enganado.
Ou melhor, ao perder o sentimento e o corpo de Yoshiko, ela por inteiro para um
estudante, sentiu raiva de ter mantido a sua paixão com respeito e seriedade. Se
fosse assim, se fosse para ela ter entregado o seu corpo àquele homem, nem
precisaria ter respeitado a virtude de sua virgindade. Poderia ter aproveitado ao
máximo e satisfeito sua vontade sexual. Ao pensar desse modo, viu a bela Yoshiko
até então colocada num pedestal como uma prostituta e chegou a suspeitar do
corpo dela e até mesmo de suas belas atitudes e expressões. Naquela noite,
mortificou-se tanto que quase não dormiu. Vários sentimentos invadiram seu
coração como uma nuvem negra.
22
Na narração final da obra, que mostra a paixão e o desejo de Tokio por
Yoshiko quando ela já partiu com o pai e o caso está definitivamente encerrado,
predomina, no entanto, um sumário das ações e pensamentos do protagonista com
mais clareza no uso do pronome pessoal “ele” ou do nome do protagonista Tokio,
como se o narrador quisesse retomar a objetividade perdida e distanciar-se do
protagonista. Por exemplo, depois de receber uma carta formal e respeitosa de
agradecimento de Yoshiko citando o haikai de Issa “Neve bem alta, / mais de
metro e meio./ Enfim, é meu lar” para descrever o percurso.
Tokio imaginou o longo caminho montanhoso sob a forte nevasca e a
cidade interiorana no meio da montanha quase inteira sob a neve. Subiu ao andar
superior que continuava igual depois da separação. Tamanha era a saudade e a
paixão que pensara em reavivar as lembranças tênues que dela haviam restado.
Era um dia frio com ventos fortes que sopravam de Musashino, e as árvores
antigas do quintal faziam um barulho intenso como o da maré. Ao abrir a parte
leste da janela de proteção contra a chuva como fizera no dia da separação os
raios de luz invadiram o aposento. A escrivaninha, a estante de livros, o frasco, a
vasilha de ruge, tudo estava igual. Era possível pensar que a pessoa amada
estaria, como sempre, na escola. Tokio abriu a gaveta da escrivaninha. Nela
22
Ibidem.
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Capítulo II – Tipologia do Romance do Eu
66
encontrou abandonado um laço de cabelo manchado de óleo. Tokio pegou-o e
cheirou. Depois de algum tempo, levantou-se e abriu o armário. Três grandes
baús de vime estavam prontos para serem despachados, e, ao lado, o acolchoado
que Yoshiko usava. Embaixo, o de forrar com desenhos chineses de crisântemos e
sobre ele, a veste noturna com enchimento espesso de algodão com a mesma
estampa. Tokio tirou-os do armário. O cheiro de óleo e de suor da saudosa mulher
fez o coração de Tokio palpitar de modo inexprimível. Ele encostou o rosto no
local mais sujo da gola de veludo da veste noturna e cheirou o quanto pôde o olor
da saudosa mulher. Logo, o desejo, a tristeza e o desespero tomaram conta de
Tokio. Tokio forrou aquele acolchoado, cobriu-se com a veste noturna e chorou
com o rosto mergulhado na gola de veludo gelada e suja. O quarto estava meio
escuro. Lá fora, o vento soprava violento.
23
No início da obra, quase não há cenas com diálogos; elas aparecem mais do
meio para o final da obra e desaparecem por completo no último capítulo.
O curto diálogo entre Tokio e Yoshiko na segunda oportunidade que lhe fora
dada pela moça para abordá-la serve para imprimir o caráter de realidade e
objetividade, para não dar margem a suspeitas de que o encontro a sós com a
discípula na ausência da cunhada tivesse sido fruto de sua imaginação. No entanto, o
discurso em si suscita dúvidas se ela realmente tinha interesse por ele e, isso sim,
poderia ter sido um mero desejo acalentado que lhe pareceu real na fala e na atitude
gentil da moça. O mesmo pode ser dito do que ele considerou como a primeira
chance de confessar seu amor por ela. Yoshiko envia-lhe uma carta dizendo que não
servia para ser sua discípula e não estava à altura de retribuir a gratidão que sentia
por ele; assim, seria preferível voltar para o interior, virar esposa de um agricultor e
ficar confinada em sua terra. Há, portanto, uma prova, mas não muito garantida, em
termos de objetividade, de que ela queria chamar sua atenção, pois não aparece
transcrita na íntegra como a que Yoshiko endereçara ao mestre pedindo desculpas
por ter decidido, sem consultá-lo como deveria, buscar o namorado que a avisara de
sua chegada, na última hora, por telegrama, e solicitando sua intervenção junto aos
pais para que pudessem continuar com o namoro, e de outras que ela lhe enviou em
diferentes ocasiões.
23
Idem, p. 101.
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Capítulo II – Tipologia do Romance do Eu
67
Em Shōjo Byō, cena e sumário se intercalam, mas a onisciência seletiva
múltipla aparece em muitas passagens, que mostram os sentimentos, pensamentos e
percepções do protagonista diretamente, das quais destacamos duas:
Como era bela expressão dos olhos da moça mais velha. As estrelas, as
estrelas do céu, comparadas a ela perderiam o seu brilho, pensou. A barra de
crepe de seda de cor chamativa de glicínia que descia bem esticada da região dos
joelhos; seu tamanco de três camadas que deixavam as meias brancas com o
calcanhar mais alto e principalmente ao imaginar que na região em que o peito
estava claramente mais alto desde a parte final da gola branca ficavam seus
lindos seios, sentia como se o corpo inteiro fosse tomado por um comichão.
24
Ao fumar um cigarro entediado com a solidão daquele quarto meio escuro
e triste, uma fumaça lilás paira ocupando uma grande extensão. Olhando-a
fixamente, as imagens da moça de Yoyogi, das estudantes e da beleza de Yotsuya
se misturam e se confundem, parecendo a figura de uma pessoa. Não deixa de
pensar que é uma tolice, mas também não parece que é desagradável.
Depois das três, próximo ao horário de saída, pensa na casa, depois, na
esposa. Que coisa mais sem graça! É muito triste ter envelhecido. De que adianta
ter vivido a juventude sem se importar e agora se arrepender. Que coisa mais sem
graça
repete. Por que não vivi uma paixão intensa quando jovem? Por que
também não cheirei o suficiente o perfume da carne? De que adianta pensar nisso
agora? Já tenho 37 anos. Ao pensar assim, tenho vontade de arrancar os cabelos
de tanta irritação.
25
Diferente dessas obras de Katai, Haru, de Shimazaki Tōson, que um ano
depois confirmou a tendência apresentada por Futon, também é escrita em terceira
pessoa, mas com um narrador onisciente neutro. A técnica bastante usada pelo
narrador é mostrar o pensamento ou a fala das personagens em forma de citação. O
ponto de vista da narração é objetivo. A descrição das personagens é acompanhada
de verbos discendi e, quando se trata dos pensamentos e sentimentos da personagem
descrita, o sujeito está bem marcado pelos pronomes pessoais ou pelo próprio nome
da personagem em foco. Essa diferença extrema com Futon pode ser notada em Ie,
24
Tradução nossa, Shōjo Byō, p. 68.
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Capítulo II – Tipologia do Romance do Eu
68
também da autoria de Tōson. Ainda em Haru, merece destaque a técnica narrativa de
despertar a curiosidade do leitor com a inserção de pequenos indícios ao longo do
enredo que vão sendo desenvolvidos no desenrolar da história. Isso ocorre com as
mulheres com as quais Kishimoto se envolve amorosamente, que ficam incógnitas
para o leitor quando são mencionadas nas conversas com os amigos, ou com os
indícios dos problemas de Aoki apresentados desde o início da narrativa, mas
invisíveis aos amigos até que sejam revelados claramente.
Podemos dizer que as demais obras com narração em terceira pessoa não
apresentam grandes novidades na narração, mas Kokyū Wasureubeki (Não se Deve
Esquecer o Passado, 1935) é uma exceção.
Nessa obra, Takami Jun cria um narrador intruso que começa a obra fazendo
um longo sumário inicial sobre Ozeki, o protagonista que precisa cortar o cabelo e
finalmente resolve ir ao barbeiro. Lá, o narrador apresenta várias lembranças do
passado do protagonista e em dado momento, interrompe a narração para retomar um
assunto com um novo parágrafo referindo a si mesmo como “o escritor/este escritor”:
[...]
Bem, o escritor desviou sem querer do assunto, e pediria ao leitor que
mais uma vez entrasse no referido refeitório do alojamento estudantil. Em seu
interior, várias mesas compridas enfileiram-se [...]
26
Mais adiante, começa a falar de Shinohara Tatsuya, que era bastante amigo de
Ozeki, mesmo depois que foi para a faculdade, e continua com a intromissão depois
dos parênteses usados para fazer a seguinte observação:
[...]
(normalmente, as amizades do colégio acabam sendo rompidas devido às
diferentes escolhas das carreiras) e por ele ser uma personagem que em um
capítulo posterior deste romance irá ter um pequeno desentendimento com Ozeki,
prefiro omitir a apresentação de sua natureza e característica física, mas ele,
pouco depois, deu o ar da graça de seu corpo comprido. Ao sentar-se [....]
27
E a intromissão continua no parágrafo seguinte:
25
Idem, p. 70.
26
Tradução nossa, Kokyū Wasureubeki, p. 32.
27
Ibidem, p. 32-33.
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Capítulo II – Tipologia do Romance do Eu
69
[...]
Pensando bem, que desvio mais tolo o escritor acabou fazendo! Enquanto
o escritor desperdiçou saliva, não é que o nosso protagonista Ozeki Kenji
terminou há muito tempo o seu corte de cabelo e já voltou para a sua casa sem
graça? Não tenho palavras de excusas ao leitor, pois isso também decorre
unicamente da ignorância do escritor, pois acabei com delongas quando poderia
ter resumido toda a falação anterior dizendo simplesmente que essa hesitação de
Ozeki em entrar na barbearia, que foge um pouco dos padrões, não é causada, de
maneira alguma, pela anormalidade física dele. Durante certo tempo, ele chegou
a pensar que estaria doente, mas [...]
28
E assim o autor prossegue a narração com interferências semelhantes, nas
quais se dirige diretamente ao leitor ou dá explicações em parênteses, técnicas essas
que lembram as empregadas por nosso célebre Machado de Assis.
Como autor engajado que foi obrigado pelo governo japonês a fazer a
chamada “conversão”, deixando de participar dos movimentos proletários e
marxistas, Takami Jun, nessa obra, mostra a vida precária do protagonista assalariado
de baixa renda que mora no subúrbio com a esposa e a mãe e que reencontra, no
hospital em que vai fazer tratamento capilar, o amigo Shinohara, um ex-ativista que
está bem de vida e é dono da revista Vogue. Por meio de longos flashbacks
intercalados, narra as relações dos dois amigos e de outros companheiros que criaram
uma associação de pesquisa socialista e editavam uma revista chamada Botsuraku
Jidai Época de Decadência e as idéias que eles defendiam e as atividades que
desenvolviam.
O recurso utilizado pelo autor é bastante inteligente, pois ele consegue tornar
público o movimento marxista no Japão com personagens como seus ex-integrantes
e, mantendo-se como narrador intruso, inserir observações como a de que
o fato narrado diz respeito à época, e que depois de tantos anos Shinohara e
Tomonari dos dias atuais não mantêm mais os traços do passado, isso não é
engano do escritor, mas culpa das inúmeras adversidades que sofreram.
29
28
Idem, p. 33.
29
Idem, p. 85.
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Capítulo II – Tipologia do Romance do Eu
70
Kabi, Aishiki Chichi e Giwaku
30
foram escritas muito próximas umas das
outras, mas enquanto as duas primeiras obras foram escritas na terceira pessoa do
singular, com a diferença de que o protagonista da primeira tem o nome de Sasamura
e o da segunda é identificado como kare, “ele”; a terceira obra tem a narração na
primeira pessoa, com o uso de watakushi. Tanto em Kabi como em Aishiki Chichi
predomina o elemento descritivo, e os sumários do narrador onisciente seletivo são
centrados no ponto de vista do protagonista para mostrar seus sentimentos e
pensamentos. A narração limita-se à descrição objetiva das ações e dos sentimentos
dos protagonistas, Sasamura ou “ele”, ou das personagens, como Ogin de Kabi. O
mesmo ocorre na exposição do sonho que o protagonista de Aishiki Chichi tem com
o filho, da carta da mãe e da resposta que o protagonista envia para a mãe, que
aparecem na forma de sumários.
Em termos cronológicos, Giwaku é a obra que iniciou o uso do narrador-
testemunha com a primeira pessoa do singular watakushi, em 1913. Emprega um
ponto de vista subjetivo, como a do narrador homodiegético, que foi seguido pelos
Romances do Eu posteriores, como Kinosaki ni te, obra em primeira pessoa escrita
por Shiga Naoya com base em uma história verídica do autor e que serviu para
consolidar o gênero. Nela predomina o sumário, em que vamos acompanhando os
pensamentos solitários e depressivos, mas ao mesmo tempo serenos e agradáveis, em
meio ao clima outonal em que começa a narrativa, com o protagonista já nas termas.
Ao encarar a morte como um fato inevitável e diante da incerteza de quando ela
poderá ocorrer, constata que deveria haver alguma razão para ter sobrevivido ao
acidente e estar, naquele momento, aguardando para saber seu futuro. Isso o leva a
reflexões sobre sua situação a partir da observação de uma abelha já morta, de um
rato diante da morte iminente e da morte de uma lagartixa d’água causada
acidentalmente por ele.
Embora esse tipo de recurso narrativo criasse a impressão de maior
proximidade do narrador-protagonista com o autor e devesse ter sido o escolhido
30
Respectivamente Bolor, 1912, de Tokuda Shūsei, apontada por Nakamura Mitsuo como o típico
Romance do Eu naturalista; Pai Digno de Compaixão, 1912, de Kasai Zenzō, considerado o mais
representativo por Odagiri Hideo; e Suspeita, 1913, de Chikamatsu Shūkō, como a mais
representativa, na opinião de Hirano Ken.
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Capítulo II – Tipologia do Romance do Eu
71
pelos primeiros escritores para obras de cunho autobiográfico, só foi empregado
muito depois, como comprova Giwaku, o que nos leva a seguir o caminho da
confirmação de que, no início, as obras japonesas parodiaram as obras estrangeiras e,
depois, dispensaram os modelos para seguir o caminho de uma consolidação como
produto literário japonês. A partir de então, seguem as duas variantes de narração, na
primeira e na terceira pessoa do singular, narração essa que se desenvolve no
universo das diversidades possíveis.
Podemos destacar Sei Yohane Byōin, de Kanbayashi Akatsuki, entre as obras
com narrador-testemunha que fogem ao padrão das anteriormente citadas. O autor
brinca com o leitor, fazendo o narrador-protagonista relatar textualmente que
conseguiu concluir sua décima obra literária enquanto a esposa está internada
naquele hospital e que costuma ler as obras para ela. Mas, como suas obras versam
sobre ela, constrange-se e lê apenas algumas partes. O narrador-protagonista vai mais
longe ainda, dizendo que foi no quarto da esposa que escreveu o posfácio que integra
essa obra, ou seja, a própria Sei Yohane Byōin, e que, a seu pedido, lê outro trecho
transcrito na obra. O texto traz, ainda, um apêndice que esclarece que a mulher foi
transferida em outubro para o terceiro hospital. Estava pele e osso, bem leve, mas
melhor. Só não estava satisfeita com a transferência. No entanto, ele já estava
desnutrido e não conseguia mais fazer o serviço de acompanhante. E a obra termina a
caminho do referido hospital, com a esposa estranhando a respiração ofegante do
cachorro, que ela pensa ser um cavalo que a está transportando na carroça. Esse tom
humorístico final é ajudado pelo uso do boku para o narrador-protagonista, que cria
maior proximidade com o leitor e ameniza a situação trágica desse casal, que vive a
doença e a pobreza em tempos de guerra.
Vida pessoal, representação literária, verossimilhança
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Capítulo II – Tipologia do Romance do Eu
72
Em A Arte da Ficção, Henry James diz: “A única razão para a existência de
um romance é a de que ele tenta de fato representar a vida”
31
. O Romance do Eu
compartilha desse pensamento, na medida em que é verossímil e também baseado
numa vivência, numa experiência real, continuando, contudo, a ser uma
representação da realidade e dos fatos. Mas o principal esteio nos comentários sobre
as obras do Romance do Eu é justamente sua identidade com a vivência do autor.
Segundo as próprias declarações de Katai, Futon partiu da idéia de revelar sua
paixão recente por uma jovem discípula, mesmo arriscando sua reputação de homem
casado e com filhos e preocupando-se com a reação da moça, que na época já havia
retornado para a casa dos pais, no interior. Ele tomou a decisão de escrever a obra já
pronto para desistir desse amor.
32
Trata-se da jovem discípula Okada Michiyo, nascida em 10 de abril de 1885,
com quem inicia a troca de correspondência a partir de julho de 1903. No final de
fevereiro de 1904, a moça é trazida pelo pai Kanjirō (fundador do banco Jōge, da
Província de Hiroshima) e, desde então, passa a morar no andar superior da casa de
Katai e freqüenta o curso na instituição de ensino conhecida como Tsuda Juku. Em
março, Michiyo vai para a casa de Asai, irmã mais velha da esposa de Katai, que
mora em Kōjimachi Dote, 3 banchō, exatamente como está na obra. No final de
março, Katai vai para a guerra e retorna em março do ano seguinte. Em setembro de
1905, novamente hospeda Okada Michiyo em sua casa, em função da vinda de Eidai
Shizuo, o namorado dela, a Tóquio. Em janeiro de 1906, envia a moça de volta para
casa e em setembro do mesmo ano visita a discípula quando está em viagem pela
região. Os estudiosos japoneses afirmam também que essas pessoas são o protótipo
das personagens de Futon.
Pelas notas que acompanham a edição publicada na coleção Nihon no
Bungaku, em Haru, o protagonista Kishimoto Sutekichi é o próprio Shimazaki
Tōson, que em outubro de 1892 tem um caso com Satō Sukeko, sua aluna, protótipo
31
Henry JAMES, A Arte da Ficção, p.21.
32
No 47
o
dia de falecimento de Katai, ocorrido em 9 de junho de 1930, Maeda Noboru comentou que
essa obra foi resultado da proposta recebida pelo autor da revista Shinshōsetsu logo depois de ter
retornado da guerra contra a Rússia. Katai viu nela a oportunidade de retomar as atividades de escritor
ao lado de seus colegas já consagrados literariamente, como Doppo e Tōson. Kaidai (Esclarecimento).
Trinta Anos de Tóquio (Tóquio Sanjūnen). In: Katai TAYAMA,. Futon; Ippeisotu. 107-10.
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Capítulo II – Tipologia do Romance do Eu
73
de Katsuko na obra, motivo pelo qual Tōson pediu demissão, em janeiro de 1983, e
saiu em viagem a Kansai e Shikoku. Esse fato consta da obra, que tem início com o
retorno de Kishimoto dessa viagem. Praticamente todos os amigos do protagonista
têm um protótipo correspondente na vida real. Kitamura Tōgoku (1868-1894), crítico
que mais influenciou Tōson, é o protótipo de Aoki Shun’ichi; Ishizaka Mina, de
Misao; Hirata Tokuboku (1873-1943), companheiro da revista Bungakugai, na época
estudante do colégio Daiichi Kōtōgakkō, que ficou conhecido como tradutor de
literatura inglesa e ensaísta, é o protótipo de Ichikawa Senta; Togawa Akibone
(1870-1939), companheiro da Bungakukai e tradutor de literatura inglesa e ensaísta,
de Suge Saburō; Hoshino Tenchi (1862-1950), patrocinador da revista e colega da
Universidade Meijigakuin; de Okami (o mais velho); Hoshino Yūkei, de Okami
Seinosuke (mais novo); Baba Kochō (1869-1940), companheiro da revista
Bungakukai e colega da Universidade Meijigakuin, de Adachi Yumio. Ueda Bin
(1874-1916), companheiro da Bungakukai, assumiu a posição de líder da revista após
a morte de Kitamura Tōgoku; Higuchi Ichiyō (1872-1892), escritora representativa,
era amiga de Kochō e Akibone e teve a obra Takekurabe publicada na Bungakukai.
Togawa Zanka (1855-1924), membro convidado da revista Bungakukai, poeta,
historiógrafo e divulgador do cristianismo, é o protótipo de Suge Chiharu.
Assim, para os críticos, as personagens, desse modo, nada mais são que
pessoas reais trazidas para a obra com nomes alterados. O Romance do Eu segue
com a sina de ser visto como simples registro da vida do autor, o que se pode
observar pelas palavras de Yamamoto Kenkichi, que afirma que Shimazaki Tōson foi
o único na historia do Romance do Eu, que já tem meio século, a pôr em prática as
palavras de Itō Sei (que Yamamoto afirma terem sido escritas na explicação sobre
Sei Yohane Byōin): “as obras são curtas, mas lendo-as como continuidade, trata-se de
uma longa narrativa sobre a vida de um escritor, de um pensador” não em
seqüência cronológica, desde o nascimento até a velhice, pois escreveu Oitachi no Ki
depois de Haru e Ie. Ele afirma ainda que Kanbayashi Akatsuki é o típico romancista
do Eu, muito mais do que Tonomura Shigeru e Ozaki Kazuo
33
.
33
Kenkichi YAMAMOTO, Gendai Nihon Bungaku Zenshū, Takii, Tonomura, Ozaki e Kanbayashi
Shū, p. 401.
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Capítulo II – Tipologia do Romance do Eu
74
Ie passa por explicações semelhantes relativas às personagens e aos
protótipos da vida real, trazendo uma árvore genealógica elaborada pelo estudioso
Nakano Yoshio
34
para identificar as famílias Koizumi, Hashimoto e seus membros
com os protótipos dos membros da famílias Shimazaki e Takase.
De modo semelhante, sabe-se que Giwaku e Kurokami, de Chikamatsu
Shūkō, ambas narradas em primeira pessoa, relatam episódios da vida do autor por
informações externas ao texto e também pela abordagem do mesmo conteúdo em
outras obras que precederam Giwaku, como Wakareta Tsuma ni Okuritaru Tegami
(Carta Enviada à Minha Ex-esposa) e Zoku Wakareta Tsuma ni Okuritaru Tegami
(Carta Enviada à Minha Ex-esposa – Continuação).
É muito conhecido, também, o fato de que Kinosaki ni te foi escrito em 1917
por Shiga Naoya com base em uma história verídica pessoal, quando ainda tinha
dúvidas quanto a seu restabelecimento de um acidente de trem sofrido três anos
antes. Com uma narrativa curta em primeira pessoa identificada apenas como jibun,
ou seja, “eu” ou “eu mesmo”, Kinosaki ni te apresenta, de modo concreto,
informações reconhecíveis como parte da vida do autor Shiga Naoya, que é a autoria
real de uma obra literária mencionada textualmente, mas mesmo assim sem uma
auto-apresentação do narrador-protagonista como autor. Além do próprio enredo,
criado a partir da experiência do autor, encontramos em Kinosaki ni te outros dados
ligados à realidade de sua vida: o cemitério de Aoyama, em Tóquio, onde fica o
jazigo da família Shiga. Na ocasião, ele diz pensar muito sobre o ferimento:
Se algo tivesse saído errado, a essa altura estaria sob o solo de Aoyama
de barriga para cima. Com a cara pálida, gelada e dura, com os ferimentos no
rosto e também nas costas. Os restos mortais de meu avô e minha mãe ao meu
lado. Mas agora, sem qualquer relação entre mim e eles. Tais são as coisas que
me vêm à mente.
35
Han no Hanzai (O Crime de Han), escrito um pouco antes dessa obra, e An'ya
Kōro (Trajetória em Noite Escura), romance no qual vinha trabalhando há muito
tempo, também são mencionados:
34
Yoshio, NAKANO, Kindai Nihon Bungaku Kan. Shimazaki Tōson I. p. 522.
35
Tradução nossa, Kinosaki ni te, p. 109.
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Capítulo II – Tipologia do Romance do Eu
75
Pouco tempo atrás, eu havia escrito um conto chamado Han no Hanzai. Era
sobre um chinês chamado Han que assassina a esposa pelo ódio da relação que
tivera com um amigo seu antes do casamento, e também por uma pressão fisiológica
própria. Naquele conto, escrevi principalmente sobre os sentimento de Han, mas
agora sentia vontade de escrever focalizando os sentimentos da esposa de Han e a
sua quietude sob a sepultura depois de assassinada.
Pensei em escrever “Han ni Korasareta Tsuma” (A Esposa de Han
Assassinada por Ele). Acabei não escrevendo, mas essa exigência tomava conta de
mim. Fiquei sem ação, pois o sentimento dela era muito diferente daquele do
protagonista do romance longo que eu já havia iniciado.
36
Um fato interessante é que o autor utiliza os verbos no presente para relatar
alguns fatos que se referem a Kinosaki. Por exemplo, no 1
o
parágrafo usa vim no
lugar de “fui” a Kinosaki, como se estivesse fazendo o relato no momento em que
está no local, e traz algumas descrições, como a do telhado e da movimentação das
abelhas, para o presente. O mesmo acontece com os fatos que mostra como se
fossem atualizados no momento em que está escrevendo, ou seja, três anos depois,
como se pode ver no 2º parágrafo: Atama wa mada nandaka hakkiri shinai. (Minha
cabeça/mente continua confusa.) Ou no na 6ª linha do 3º parágrafo: Shikashi sore
niwa shizuka na ii kimochi ga aru. (Mas nisso tudo, encontro uma sensação serena e
agradável.)
Para o Romance do Eu, a recepção foi um elemento importante na história da
literatura japonesa, pois os autores aproveitaram-se do interesse que o público tinha
pela vida dos artistas e exploraram a emoção que a obra poderia proporcionar,
buscando uma identificação do escritor com o protagonista, principalmente nos
aspectos que deveriam ser mantidos em segredo, como é o caso da paixão amoral de
Takenaka Tokio, da humilhação sofrida pelo protagonista de Giwaku, que procura
pela mulher que o traiu, ou mesmo da situação deprimente do protagonista de Aishiki
Chichi, que se preocupa com sua reputação diante do filho.
Como foi visto, entretanto, a relação entre a obra e a vida do autor é fabricada
por elementos externos, e no nível formal, as obras não permitem nenhuma
36
Idem, p. 111-112. Han no Hanzai foi escrita em 1913, e An'ya Kōro foi iniciada em 1912 e
concluída em 1937.
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Capítulo II – Tipologia do Romance do Eu
76
identificação precisa entre as personagens e seus protótipos tirados da vida real.
Algumas, como a obra Koi, de Ibuse Masuji, e Fugaku Hyakkei, de Dazai Osamu,
apresentam elementos diferenciados, como a inserção do protótipo com seu próprio
nome na vida real, ou seja, uma personagem que tem o nome de uma pessoa que fez
parte da vida real do autor e foi utilizada como protótipo dessa personagem.
É o caso de Aoki Nanpachi, em Koi, e de Ibuse Masuji, em Fugaku Hyakkei,
ambos escritores japoneses contemporâneos dos autores das respectivas obras.
Na obra, Aoki é o amigo que deu a carpa ao protagonista em Koi e que traz,
ao lado de seu nome, a informação entre parênteses de que faleceu no ano anterior.
Aoki Nanpachi, o protótipo dessa personagem que tem o mesmo nome que ele, é o
amigo de Ibuse Masuji, o autor, que no início da carreira literária submete a sua
apreciação as obras que escreve utilizando animais. Falece pouco depois, em 1922.
Koi foi publicada em 1926, na revista Zuihitsu Zasshi, e em 1928 na revista Mita
Bungaku, mas foi escrita no ano seguinte ao falecimento de Aoki Nanpachi, de quem
Ibuse se tornou amigo íntimo no primeiro ano em que cursava a Universidade
Waseda, em 1919. A utilização do nome real desse amigo do autor, que na obra
exerce o mesmo papel, de amigo do protagonista, possibilita uma aproximação do
autor e protagonista, mas mesmo assim sem uma identificação precisa dada no
próprio texto. Na vida real, a amizade do autor e de Aoki durou quatro anos, segundo
mostra a cronologia do autor, mas conforme consta na primeira frase da obra a carpa
que ganhara do amigo é uma preocupação de mais de dez anos. Vemos, então, que na
elaboração o que prevaleceu foi a idéia de mostrar que a amizade entre eles é muito
mais longa e, por isso, aumentada, como para justificar o enaltecimento do
protagonista pelo amigo.
Em Fugaku Hyakkei, a personagem Ibuse Masuji é o escritor que apadrinha o
casamento do narrador-protagonista com uma moça da cidade de Kōfu. O
protagonista chega à hospedaria em Misaka Tōge, em 13 de setembro de 1938, para
ir ao encontro de Ibuse, que já estava lá há mais tempo. Na vida real, o eminente
escritor Ibuse foi mestre e padrinho de casamento de Dazai Osamu, o autor dessa
obra, conhecida como um registro relacionado a sua união com Ishihara Michiko.
Segundo a cronologia de Dazai, ele conheceu a moça em 19 de setembro, quando ela
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Capítulo II – Tipologia do Romance do Eu
77
tinha 26 anos e ele, 29. O noivado ocorreu em 6 de novembro e o casamento, em 8 de
janeiro de 1939. Na obra, no entanto, a data em que o protagonista conhece a moça,
em Kōfu, consta apenas como “dias” depois de sua chegada, e a data do noivado e do
casamento nem são mencionadas.
Tsushima só pode ser identificado com o autor pelo leitor que conhece sua
história, pois ela não apresenta nenhum registro que torne possível sua identificação
e somente afirmações
37
como as de Aono,
38
segundo quem é um Romance do Eu de
Tokuda Shūsei, um modelo do romance introspectivo, no qual a descrição é tensa e
as nuanças delicadas de seu estado de espírito estão extremamente condensadas e
tornam possível a classificação dessa obra como Romance do Eu.
Informações no texto acerca do protagonista e que remetem a um conteúdo
extraliterário da obra, que faz parte da vida do próprio autor, são encontradas em
obras como Kinosaki ni te, Koi, Fugaku Hyakkei e Sei Yohane Byōin ni te. Embora
ainda seja necessário ter o conhecimento do fato real para identificar o conteúdo da
obra como parte da vida do escritor, a existência desse seu elo registrado
conscientemente na hora da elaboração mostra sua intenção de deixar uma marca da
vida real, detectável a quem interessar, mas ainda assim sem revelar sua autoria de
modo concreto.
Como ficou evidente, no entanto, nem as obras com foco narrativo em
terceira pessoa nem aquelas em primeira pessoa do Romance do Eu trazem uma
fórmula semelhante à do pacto autobiográfico de Philipe Lejeune, que identifica
autor = narrador = protagonista, como é o caso de As Confissões, de Rousseau, que
traz a identificação do narrador com nome e assinatura, ou do narrador de Baú de
Ossos, que dá a data de nascimento e a filiação de Pedro Nava, seu autor.
37
Wada Yoshie, ao escrever Na época de Bolor (publicado no Geppō, n. 26 de fevereiro de 1955 do
Gendai Nihon Bungaku Zenshū), comenta que na época em que a obra foi publicada, quando tinha 42
anos, o escritor e sua esposa estiveram presentes à cerimônia de casamento de Mishima Shimokawa,
personagem identificada como Miyama e depois como M, na edição de bolso. Em dado momento,
Shūsei agrediu a esposa na presença de várias pessoas porque achou que ela estivera mostrando
intimidade demais com Ayabe, repórter da revista Taiyō e padrinho de Mishima, embora nenhum dos
presentes tivesse achado nada de íntimo no comportamento dos dois. E ela vê esse fato da vida
retratado em Bolor e em Rastros, anos mais tarde, comentando que é uma obra representativa do
Naturalismo, criada à custa do sofrimento de alguém.
38
Shūkichi AONO, Gendai Nihon Bungaku Zenshū 10 Tokuda Shūsei shū, p.422.
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Capítulo II – Tipologia do Romance do Eu
78
No Romance do Eu, a identificação autor = narrador = protagonista se faz
tão-somente pela autoria do livro, ou seja, o nome que a obra traz assinado é sua
única garantia se é que assim pode ser considerada mas frágil, inconsistente. O
autor não assume textualmente a identidade do narrador quando a obra é escrita em
primeira pessoa, nem a identidade do protagonista quando traz o foco narrativo em
terceira pessoa. A obra é elaborada como ficção e, embora se diga que foi criada em
cima do pressuposto de que o leitor conhece ou reconhece o enredo como parte da
vida do autor, um episódio narrado em fato verídico, o pacto no estilo de Lejeune não
existe no texto. Se é que tal pacto é possível, ele acontece na esfera extraliterária
entre o autor e o leitor, ou entre o crítico e o leitor, o que poderia significar que o
Romance do Eu só é viável dentro de um contexto limitado e definido que precisa ser
complementado por informações extras acerca da biografia do autor. A obra sozinha
não possibilita a um leitor lê-la como uma obra que expõe um fato verídico da vida
do próprio autor, a não ser que ele disponha de informações sobre a história da
formação do Romance do Eu e do jogo de criação e recepção dessas obras, que
inicialmente estiveram circunscritas aos círculos literários japoneses, com suas
revistas formadas por pequenos grupos de literatos, e tente fazer associações e
comparações.
Embora tenhamos conseguido observar que as obras estudadas do Romance
do Eu possuem uma verossimilhança interna, entendemos que, para os críticos
literários japoneses, o Romance do Eu cria sua verossimilhança fundamentando a
obra numa suposta verdade sobre a vida do autor. Entretanto, as obras são uma
representação da realidade e possuem sua própria autonomia, como foi demonstrado,
em especial no tocante às personagens e ao foco narrativo, que mostram que “o autor
primário (não criado) – natura non creata quae creat
39
– não pode ser nem o “autor
secundário (imagem de autor, criada pelo autor primário) – natura creata quae
creat
40
nem “imagem da personagemnatura creata quae non creat
41
, como diz
Bakhtin:
39
Natureza não criada que cria. Mikhail BAKHTIN, Estética da Criação Verbal, p.400.
40
Natureza criada que cria. Ibidem.
41
Natureza criada que não cria. Idem, 384.
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Capítulo II – Tipologia do Romance do Eu
79
O autor de uma obra só está presente no todo da obra, não se encontra
em nenhum elemento desse todo e menos ainda no conteúdo separado do todo. O
autor se encontra naquele momento inseparável em que o conteúdo e a forma se
fundem intimamente, e é na forma onde mais percebemos a sua presença. A crítica
costuma procurá-lo no conteúdo destacado do todo, que permite identificá-lo
facilmente com o autor-homem de uma determinada época, que tem uma
determinada biografia e uma determinada visão de mundo. Aí a imagem do autor
quase se funde com a imagem do homem real.
O verdadeiro autor não pode tornar-se imagem, pois é o criador de toda
imagem, de todo o sistema de imagens da obra. É por esta razão que a chamada
imagem de autor não pode ser uma das imagens de dada obra (é verdade que é
uma imagem de tipo especial). [...] O autor-criador não pode ser criado na esfera
em que ele próprio é o criador. Trata-se da natura naturans*
42
e não da natura
naturata.**
43
Vemos o criador apenas em sua criação, nunca fora dela.
44
().
A presença do velho e do novo
Nas obras, o Japão moderno está em vias de integração com o Ocidente. A
atmosfera da época de grande contato com o que é ocidental se faz presente de
diversas maneiras. A sala de trabalho de Takenaka Tokio fica numa fábrica em estilo
ocidental, aludindo à industrialização japonesa nesse período. Há várias obras
ocidentais que servem como referência para o pensamento e o sentimento dos
protagonistas, demonstrando uma intenção clara de criar uma intertextualidade com a
obra. Em Futon, Fausto, de Turguéniev, foi ensinada a Yoshiko, mas ele nem chegou
a indicar Einseme Meschen, drama lido também três anos antes, antes mesmo de
conhecê-la e considerá-la sua Anna Mahr e não poder ser o Johannes dessa obra de
Hauptmann. Na Véspera, de Turguéniev, é a obra mencionada como estudada por
Yoshiko quando Tokio se faz passar por mestre, zelando pelo namoro dela com o
rapaz.
42
Natureza geradora.(N. da ed. port.)
43
Natureza gerada. (N. da ed. port.)
44
Mikhail BAKHTIN, Estética da Criação Verbal, p. 399-400.
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Capítulo II – Tipologia do Romance do Eu
80
Yoshiko compra livros de Turguéniev, e em sua estante vemos as obras
completas de Ozaki Kōyō Ozaki, Sewa Jôruri, de Chikamatsu Monzaemon e livros
didáticos de inglês.
Tokio tomava Magda de Sudermann, Nora de Ibsen e Helene de Turguéniev,
moças cheias de vontade e sentimento, como modelos para dizer a Yoshiko que ela
precisa ser moderna e livre, mas ter consciência e não ser dependente como as
mulheres que saem da casa do pai para a casa do marido. Achou-se como o “homem
supérfluo”
45
de Turguéniev quando vira um beberrão, totalmente impaciente, que
desiste até de reclamar da esposa e fica totalmente alterado. Tem acessos de ternura e
de violência, sem noção do que faz, pois chega a cair e dormir no chão do banheiro
enrolado num edredom. Antes, incapaz de perder a razão, arrepende-se por ser
dominado por essa natureza. Sofre, mas as pessoas vêem-no como pessoa íntegra e
digna de confiança, gerando um conflito interior.
Na Véspera, de Turguéniev, que foi programação diária dos estudos de
Yoshiko, faz com que ela se identifique com a história de amor de Hèlene e de seu
fim triste. Quando reflete sobre sua triste relação com a esposa, temos sobre a mesa a
obra de Maupassant Fort comme la mort, e ele se lembra de Le père, do mesmo
autor, que conta que uma jovem se entrega e depois chora quando pensa no que
aconteceria se revelasse sua paixão.
No final da obra, enquanto aguarda a partida de Yoshiko, recorda-se de Púnin
e Babúrin, de Turguéniev, que ensinara a Yoshiko, e o sentido da vida descrito por
esse grande escritor russo toca seu coração.
Ao mesmo tempo em que há uma introdução massiva dessas obras
estrangeiras, as obras japonesas não deixam de fazer parte do cenário. O autor usa o
haicai de Kobayashi Issa para descrever a paisagem da neve mencionada por
Yoshiko na carta que envia depois de chegar em sua terra. Também é citado
textualmente que Yoshiko, no internato feminino de Kobe, chegara a ler romances
45
Protagonistas da literatura russa como Stavróguin, de Os Demônios, de Dostoiévski, descrito como
“egoísta” consciente e “pessoa ociosa”; “homem enfastiado”; que “estava na moda”; “olha com
zombaria e ceticismo”; “cétilo e Don Juan, mas só que desolado” e “personagem enigmática e
romântica. Cf. Os Arquétipos Literários, p. 242-3.
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Capítulo II – Tipologia do Romance do Eu
81
proibidos pelo Ministério da Educação, como Makaze Koikaze
46
(Vento Feiticeiro,
Vento da Paixão, 1903, no Yomiuri), de Kosugi Tengai, e Konjiki Yasha
47
(Monstro
Dourado, 1898, no Yomiuri/1903, continuação no Shinshōsetsu), de Kōda Rohan; e
dessa maneira traz a personagem para um plano próximo à situação do leitor da
época.
A modernidade e as mudanças que se processam no Japão não estão restritas
a Tóquio como grande capital e centro dos acontecimentos. Yoshiko é natural de
Niimi-machi, “Cidade Nova”, mostrando que ela deve ser diferente da geração
passada. Kobe, a oeste do Japão, e a cidade interiorana de Yoshiko também respiram
as novas influências, e nesse aspecto podemos ver que não há uma oposição entre
cidade e interior.
Já em Haru, as manifestações literárias anteriores à geração dos
companheiros de Kishimoto são atacadas por eles. Enquanto bebem juntos, Aoki
começa a atacar a febre Genroku, ou seja, a influência de Ihara Saikaku (1642-1693)
manifestada nas obras dos escritores Ozaki Kōyō (1867-1903) e Kōda Rohan (1867-
1947). Fala da necessidade da religião, não no sentido de seguir cerimônias e
formalidades, mas de ter forte compaixão forte pela humanidade e ser crítico em
relação à vida. Apesar das controvérsias, eram seguidores de Homero, Shakespeare e
dos poetas Saigyō (1118-1190) e Matsuo Bashō. Todos foram antigos fiéis do
cristianismo, e Ichikawa dizia que eles precisavam pensar em por que a literatura
Genroku havia reaparecido. Eles tinham que destruí-la. Aoki exemplifica o que pensa
citando Crime e Castigo, obra traduzida por Uchida.
48
O grupo tem preferência pelos artistas estrangeiros, e Shakespeare e Byron
são lidos e fazem parte dos assuntos discutidos pelos companheiros de Kishimoto. As
obras estrangeiras não aparecem apenas mencionadas pelo título, como ocorre na
maioria dos romances vistos, mas apresentadas por meio de textos originais e de sua
tradução. Ao falar sobre Ofélia, Aoki começa a recitar aquele poema formoso,
46
Tragédia amorosa da estudante Hagino Hatsuno e sua amiga Natsumoto Yoshie com seu noivo
Natsumoto Togo.
47
Hazama Kan’ichi torna-se agiota para se vingar de Miya e da sociedade com o poder do dinheiro,
depois de ter a noiva, Shigisawa Miya, roubada por Tomiyama Tadao, que era rico.
48
Uchida Roan, 1863-1929, crítico e romancista, aparece com o nome real.
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Capítulo II – Tipologia do Romance do Eu
82
exibindo um lenço branco no lugar do buquê de flores. Vem a transcrição do poema
no original que faz parte do canto de Ofélia, na Cena V do Ato IV de Hamlet: “How
should I true love know/ From another one?/ By his cocke hat and ataff,/ And his
sandal shoon. [...]”, seguida pela tradução do poema com um parênteses no final,
indicando como fonte Omokage, uma antologia de poemas traduzidos pelo grupo da
Shinseisha centralizado em Mori Ōgai, publicado em 1889. Todos gostam e recitam
junto.
O poema Child Harold, de Byron, também aparece no próprio original
seguido da tradução em japonês, com parênteses indicando a tradução de Kanbara
Ariake.
49
O trecho narra a ocasião em que Aoki vai com Kishimoto até a praia
declamando o poema:
Roll on, thou deep and dark Ocean – roll!
Ten thousan fleets sweep over thee in vain;
Man marks the earth with ruin – his control
Stops with the shore; upon the watery plain
The wecks are all thy deed, nor doth remain
A shadow of man’s ravage, save his own,
When, for a moment, like a drop of rain,
He sinks into thy depths with bubbling groan,
Without a grave, unknell’d, uncoffined, and unknown.
Em Kurokami, a personagem Koharu, da peça Amijima Shinju (Suicídio em
Amijima), vem à lembrança do protagonista, juntamente com a descrição da
paisagem noturna, quando está ao lado da mãe da gueixa que vai se casar com ele.
Cumpre observar que a obra mostra o lado prisioneiro da vida das gueixas, que
precisam comprar sua liberdade, como ocorre com as gueixas de País das Neves, de
Kawabata Yasunari, ou resolver os problemas advindos de uma gravidez indesejada.
A presença do cristianismo no Japão moderno aparece de modo recorrente
nas obras dessa época. Em Futon, os familiares de Yoshiko e o namorado freqüentam
a Igreja de Kobe. Em Haru, Kishimoto e seus colegas da revista literária participam
49
Kanbara Ariake (1876-1952) aparece com o nome real. Traduziu o poema especialmente para ser
inserido em Haru.
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Capítulo II – Tipologia do Romance do Eu
83
da igreja cristã, e o funeral de Aoki, ocorrido em 17 de maio,
50
foi feito pelo pastor
da igreja a pedido de Misao, mesmo com a família dele sendo de outro credo. O
salmo entoado na ocasião é transcrito na íntegra.
É visível a oposição entre o antigo e o novo, as diferenças de época entre os
jovens da época e de outrora e entre as mulheres da nova e da velha geração, mas
também o entrelaçamento e a coexistência desses pares na vida dos japoneses.
Em termos de significado temático do cronotopo, o Romance do Eu tende
para o enfoque da vida cotidiana individual do homem moderno em meio a suas
insatisfações e temores. Segundo Bakhtin:
O tempo é o princípio condutor do cronotopo na literatura, na qual ocorre a
fusão dos indícios espaciais e temporais, num todo compreensivo e concreto. Aqui o
tempo condensa-se, comprime-se, torna-se artisticamente visível: o próprio espaço
intensifica-se, penetra no movimento do tempo, do enredo e da história. Os índices
do tempo transparecem no espaço, e o espaço reveste-se de sentido e é medido com
o tempo. Esse cruzamento de séries e a fusão de sinais caracterizam o cronotopo
artístico
.
51
Bakhtin entende o romance como prosa literária em constante formação e
devir que supera as limitações canônicas dos gêneros. Na “Arte e
Responsabilidade”
52
identificamos ressonâncias com os Romances do Eu, e
especialmente nos cronotopos bakhtinianos encontramos a razão da existência dessas
produções literárias japonesas que começam a surgir com a introdução de novas
tendências e conceitos tão logo ocorre a abertura do país para o Ocidente, já que o
estudioso russo entende que o texto literário dialoga com seu contexto social.
O protagonista do Romance do Eu vive um drama interior; a trama acontece
no nível do embate entre o sentimento e a razão que vão se manifestar em
determinadas atitudes e comportamento dentro da narrativa. Normalmente, a solução
para o conflito interior é a resignação que se reverte em aceitação da condição que
lhe é imposta pela situação. Nesse aspecto, é interessante apresentar a visão de Stam
50
Tōgoku morreu em 16 de maio de 1894.
51
Mikhail BAKHTIN, Questões de Literatura e de Estética, p. 211.
52
Mais precisamente em “O autor e a personagem na atividade estética” em Estética da Criação
Verbal.
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Capítulo II – Tipologia do Romance do Eu
84
de que o discurso é produzido dentro de um contexto social, “engloba o textual, o
intertextual e o contextual”
53
.
Mais do que refletir uma situação pró-textual, o discurso é uma situação
pró-textual, o discurso é uma situação. A elocução artística é uma interlocução,
um meio-termo entre o texto e um leitor cuja compreensão receptiva é buscada e
antecipada, e de quem o texto depende para sua concretização. Tanto Bakhtin
como a teoria da recepção resistem ao isolamento formalista do texto; eles
postulam leitores reais, ativos, com a diferença de que Bakhtin dá uma densidade
social mais específica dos leitores “virtuais”, “implícitos” e “ideais” da teoria da
recepção, munindo-os de um endereço concreto, um nome, um gênero, uma classe,
uma nação.
54
Além disso, é outra “vantagem das categorias conceituais de Bakhtin,
identificação com a diferença e a alteridade, sua afinidade intrínseca com tudo o que
é marginal e excluído”
55
. O estudioso esclarece que “Bakhtin passou a associar arte
com espaço aberto, com liberdade, com alternativas utópicas para a cultura oficial”
56
,
e isso tem muito a ver com o Romance do Eu. Stam diz que, “na relação entre eu e
outro, Bakhtin argumenta que cada um de nós ocupa um lugar e um tempo
específicos no mundo e que cada um de nós é responsável, ou ‘respondível’ por
nossas atividades”.
57
E continua: “O que vemos é determinado pelo lugar de onde
vemos. Diálogo – necessidade e produtiva complementaridade de visões,
compreensões e sensibilizações. O eu se constrói em colaboração. A palavra é
sempre ideologia por natureza. Segundo Bakhtin: a literatura não pode ser
compreendida fora do contexto global da cultura de uma determinada época”.
58
Stam
afirma, ainda, que é “só através dos olhos de uma outra cultura que uma cultura
estrangeira se revela da maneira mais completa e profunda”.
59
O estudioso Ueda Makoko afirmou que a obra de Katai chamou a atenção por
expor abertamente a sexualidade, um tema novo, inexplorado. Contudo, antes do
53
Roberto STAM, Bakhtin, da Teoria Literária à Cultura de Massa, p.13.
54
Ibidem.
55
Idem, p. 14.
56
Idem, p. 16.
57
Idem, p. 17.
58
Idem, p. 75.
59
Idem, p. 78.
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Capítulo II – Tipologia do Romance do Eu
85
contato do Japão com as correntes literárias ocidentais, a prosa japonesa já se via às
voltas com o mesmo tema, como é o caso de Kōshoku Ichidai Otoko (Um Homem
que se Deu ao Amor), do século XVII. Nessa obra é exposta a vida erótica de
Yonosuke, filho de um rico comerciante e de uma prostituta, desde os 7 até os 60
anos, parodiando a obra Genji Monogatari (Narrativa de Genji)
60
do século XI.
No que diz respeito à questão da sexualidade abordada nas obras literárias,
nota-se, como já foi dito, um peso maior da influência do cristianismo
61
em sua
corrente protestante introduzida nesse período, uma vez que ela foi alvo do interesse
de intelectuais e da classe dominante, e grande número de escritores e poetas
conheceu a fé cristã. Uns receberam o batismo, outros foram apenas simpatizantes
em algum momento de suas vidas, mas, com exceção de pregadores como Uchimura
Kanzō e de fiéis como Arishima Takeo, a maioria acabou por abandoná-la. É natural
que os princípios que regeram o comportamento dos japoneses durante séculos não
fossem abandonados da noite para o dia. O protestantismo ia de encontro a outros
“ismos” enraizados na cultura japonesa, como o confucionismo, o budismo e o
xintoísmo. Feito a religião oficial do país nessa época, o xintoísmo prestou-se mais a
levar o povo à obediência incondicional ao Imperador e aos governantes.
Fruto de um conflito interior que beira a contradição do novo e dos velhos
“ismos”, o intelectual cristão japonês precisava se converter (de modo radical) ou
tornar-se simpatizante apenas de parte de seus ensinamentos. Esse conflito é o que
pode ser constatado na atitude do protagonista de Futon.
Kabi, de Tokuda Shūsei, obra também do período inicial do gênero, apresenta
traços diferentes da obra de Katai e incita a curiosidade para um universo de
possibilidades diversas. O protagonista envolve-se com a filha de uma “empregada”,
mas aquela não é nem a bela virgem nem inatingível. Dessa relação nasce o primeiro
filho do casal, que ora se desejou abortar, ora abandonar, dando-o para ser criado por
alguma família. O que faz que duas obras como essas, narradas respectivamente em
terceira pessoa e em primeira pessoa, fiquem lado a lado numa única denominação
Romance do Eu?
60
Escrita pela dama da corte Murasaki Shikibu em 1001. V. Apêndice p.
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Capítulo II – Tipologia do Romance do Eu
86
Pode-se constatar que essas duas obras apresentam influências do
cristianismo ao defender a família e o sistema monogâmico. O protagonista de Futon
não sofreria com tal conflito se não conhecesse esse princípio cristão e o código civil
não tivesse alterado os hábitos nipônicos, pois os japoneses foram poligâmicos desde
sempre, até a abertura para o Ocidente. O mesmo pode-se dizer do jovem Sasamura,
que queria se desvencilhar de Ogin e do filho que teve com ela, mas acaba sendo
persuadido, obrigado a ficar com ambos. O cristianismo também começa a fazer
parte dos rituais do cotidiano dos japoneses, como podemos ver pelo funeral de Aoki,
realizado pelo ritual cristão.
O cristianismo continuou a ser divulgado, chegando a ter hospitais como o
São João, em que a esposa cega do protagonista de Sei Yohane Byōin ni te ficou
internada. Mesmo assim, os tradicionais conceitos confucionistas de giri “dever”
e de ninjō “sentimento humano” , e de honne “sentimento verdadeiro” e de
tatemae “manutenção da aparência” são mantidos na vida dessas personagens,
acrescidos dos novos elementos da moral cristã que penetram de tal maneira que eles
não são capazes de ir contra os novos preceitos e agir conforme seus sentimentos
autênticos. É possível ver, nessas atitudes, os princípios de awase “junção” e
kasane “sobreposição”, “combinação” apresentados por Matsuoka Seigo
62
, como
ocorreu com o kami, divindades japonesas, e com Buda, no Japão.
Ligados a esses dois últimos conceitos, podemos, ainda pensar em outros
fatores que levam os escritores e prosadores japoneses a centrar tanto seus enredos
em suas experiências pessoais. Como homens representantes de uma época, suas
vidas são facetas da vida do povo que vive um mesmo contexto histórico-social, no
caso um momento de grande repressão e de censura ideológica. A liberdade de
expressão não existe. Militantes e religiosos são os principais alvos das perseguições,
mas a censura japonesa está atenta aos escritores e intelectuais, que têm plena ciência
disso. Portanto, usam o tatemae para mostrar o honne. É nesse sentido que Shiga
61
A igreja católica foi introduzida pela companhia de Jesus, que chegou ao sul do Japão no século
XVI e formou um grande número de fiéis, mas foi banida com o isolamento do país.
62
Seigo MATSUOKA, NHK Ningen Kōza – Omokage no Kuni, Utsuroi no Kuni, Nihon no Henshū
Bunka o Kangaeru (Curso Ser Humano – País dos Vestígios, País das Transposições - Reflexões
sobre a Cultura da Edição do Japão, TV NHK).
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Capítulo II – Tipologia do Romance do Eu
87
Naoya, considerado o “deus do romance”, nunca deixou de escrever e de vender suas
obras. Era divino em saber o que e como escrever. E os demais escritores também
lançaram mão desse recurso cada qual, utilizando-se de seus próprios recursos. Dazai
Osamu, por sua vez, cria uma obra inusitada com Pôr-do-sol, escrita em 1947, como
veremos no capítulo seguinte.
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu.
Capítulo III – r-do-Sol de Dazai Osamu – para além dos horizontes do Romance do Eu
88
CAPÍTULO III
PÔR-DO-SOL,
1
DE DAZAI OSAMU
— para além dos horizontes do Romance do Eu.
Pôr-do-Sol (Shayō) foi escrito por Dazai Osamu em 1946. Após o final da
Segunda Guerra Mundial, Kazuko, a narradora-protagonista, e sua mãe,
2
nobres
arruinadas, são obrigadas a vender a mansão em Tóquio e morar em Izu, a cerca de
100 km da capital. Naoji, o irmão mais novo, é um literato iniciante que foi
convocado para combater numa ilha do sul do Pacífico e volta recém-recuperado de
sua dependência de ópio. Ele vive sem rumo, sempre fora de casa, às voltas com
bebida e mulheres, acompanhando o escritor decadentista Uehara Jirō, por quem
Kazuko foi cortejada no passado e por quem ainda nutre certa paixão. Ela decide ir
atrás desse amor, mas adia o intento por causa da enfermidade da mãe, que adoece e
morre logo depois da volta de Naoji. Kazuko, então, resolve seguir o destino que
escolheu: ser amante de Uehara e ter um filho dele. Decepciona-se com a vida
desregrada que ele leva, mas consegue engravidar e encontra a razão de viver lutando
contra as convenções, à espera do filho.
Para estudiosos como Okuno Takeo, essas quatro personagens principais são
desdobramentos do autor, e “As personagens dessa história são faces de Dazai: Naoji
é a sua imagem da fase inicial, Uehara da fase final e Kazuko e a Mãe mostram o
verso e o reverso da mentalidade da sua fase intermediária.”
3
Em Omoide (Recordações, 1933), a respeito do sofrimento causado pelo
vazio que não conseguia preencher Dazai afirma: “Eu tinha dez ou vinte máscaras, e
consegui arrumar uma válvula de escape que era a criação literária”.
Pôr-do-Sol inicia focalizando a questão da nobreza japonesa, pois é seu
declínio e sua extinção que a obra retrata por meio dessa família de nobres
1
Título da obra em português, traduzido do original Shayō por Antonio Nojiri, em edição particular
sem data.
2
Utilizamos a maiúscula sempre que se tratar dessa personagem não nominada, exceto quando
identificada em relação aos filhos, Naoji e Kazuko.
3
Okuno TAKEO, Shinchō Nihon Bungaku 35, Dazai Osamu Shū, p. 648
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu.
Capítulo III – r-do-Sol de Dazai Osamu – para além dos horizontes do Romance do Eu
89
decadentes composta pela Mãe, Kazuko e Naoji, que são amparados por Wada,
irmão da Mãe.
Na obra, a mãe de Kazuko é uma mulher que representa a nobreza decadente,
mas uma nobreza nos moldes ocidentais. Essa família também é resultado de uma
somatória de conseqüências histórico-sociais. Não pertence à nobreza tradicional,
ligada por laços consangüíneos com a família imperial. São os novos-ricos que
adquirem a posição pelo poder aquisitivo e passam a fazer parte da elite.
Kazuko e Naoji não se consideram nobres autênticos e sim Mendigos da
Classe Alta, incapazes de imitar a Mãe, que é um modelo de nobreza e demonstra
classe em tudo o que faz, até ao tomar a sopa de modo errado no final virando a
ponta da colher para colocá-la na boca , segurar o frango com os dedos para comer
ou urinar em pé, no meio dos arbustos e flores. Mas toda essa nobreza e classe assim
são vistas como tais por Kazuko, que é filha, e não aos olhos da sociedade. “Sua
maneira de tomar a refeição difere absolutamente das que vêm recomendadas nas
revistas elegantes.” (Cap. I)
4
A língua japonesa apresenta uma natureza hierárquica bastante marcada e o
autor se vale disso para brincar com as expressões. “Ilustríssimo mendigo da classe
alta”
5
corresponde, em japonês, a kōtō on kojiki. O prefixo on
6
atribui o tratamento
de respeito e consideração aos termos ligados a pessoas que se quer elevar ou
valorizar, e no caso em questão seria equivalente a “Excelentíssimo, Ilustríssimo”,
normalmente com sentido valorativo, mas é usado justamente para kojiki
4
Todos os trechos citados da obra estudada neste capítulo foram extraídos de DAZAI, Osamu. Pôr-
do-Sol. Trad. Antonio Nojiri. ed. particular, s.d. Assim, a citação será seguida apenas pela indicação
do capitulo correspondente.
5
Na edição em língua portuguesa, Antonio Nojiri usa a expressão “Mendigos de Primeira Classe”.
6
O que está aqui, em jogo, é a aparência. Não é a aparência, as atitudes e os modos da mãe que lhe
dão a classe que ela tem inata, assim como não é o fraque ou o linguajar afetado usado pelos amigos
condes e viscondes de Naoji, que exibem os títulos que demonstram sua nobreza. A Mãe é dotada de
pureza de sentimentos. Quem é nobre de verdade não precisa usar de subterfúgios: “O nobre legítimo
jamais se vale da desastrada afetação que vê num tipo como Iwajima”.(Cap. I) Corresponde ao
ideograma que, além de on, possui as leituras de mi, o e go, de mesmo sentido, mas usados de modo
distinto; geralmente, on, mi e o para as palavras japonesas e go e gyo para as palavras de origem
chinesa. Exemplos: ontoki (hora, momento), miyuki (saída, passeio de suas altezas reais), omizu
(água), ohanashi (fala, pronunciamento), gohan (arroz cozido), goen (afinidade), gyohitsu (escrita ou
caligrafia).
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu.
Capítulo III – r-do-Sol de Dazai Osamu – para além dos horizontes do Romance do Eu
90
“mendigo” , que não pertence ao mesmo campo semântico e não receberia nenhum
tratamento dessa natureza.
A obra começa em média res, num jantar com mãe e filha na casa em Izu,
para onde acabaram de se mudar:
De manhã, na sala de jantar, mamãe sorveu uma colherada de sopa e
soltou uma débil exclamação:
Oh!
Cabelo?
perguntei, supondo tivesse encontrado algo desagradável.
Não.
A partir desse pequeno diálogo, é inserida toda uma reflexão da narradora-
protagonista sobre a questão da nobreza, rememorando as palavras do irmão, tecendo
suas próprias considerações a respeito do assunto, mas tendo em mente o leitor que
acompanha sua narração. Por isso, antes de retomar a narrativa no ponto em que
parou, a narradora introduz a observação “Desviei-me bastante da conversa sobre a
sopa desta manhã” e segue com mais um comentário sobre a nobreza da mãe, que
reproduz os hábitos da época dos reis Luís franceses. É como se a narração
interrompesse suas reflexões, e não o contrário.
E, assim, voltamos à narrativa:
Está salgada?
[...]
Está muito bem feita.
Esse início é bastante elaborado. A descrição da mãe e filha, nobres
decadentes, à mesa de jantar introduz a situação do Japão derrotado na Segunda
Guerra Mundial. A sopa que a Mãe toma é de “conserva de ervilhas distribuída dias
antes pelos americanos”, numa alusão clara à ocupação norte-americana no pós-
guerra em nome da reconstrução e democratização do Japão. Sua exclamação ao
tomar a primeira colherada vem da preocupação com o filho Naoji. Ele “fora
convocado quando cursava a universidade e partira para as ilhas do sul”. Mesmo com
o término da guerra, ainda não tinham notícias dele.
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu.
Capítulo III – r-do-Sol de Dazai Osamu – para além dos horizontes do Romance do Eu
91
Outro “Oh!”, que Kazuko deixa escapar na seqüência do diálogo com a mãe,
serve para atualizar a informação do leitor sobre o passado da narradora-
protagonista, divorciada há seis anos.
Kazuko mostra, logo nessas primeiras páginas, que se sente menosprezada
pela mãe, que quer mais bem ao filho, apesar de ele ter sido motivo de constantes
preocupações.
A cobra é o símbolo de mau agouro no Japão desde os tempos antigos. A
inserção feita a respeito do incidente com as cobras no início da narrativa já era o
prenúncio de morte. Elas estavam presentes em grande quantidade no jardim da casa
quando o pai de Kazuko faleceu, dez anos antes, e quatro ou cinco dias antes do
início da narrativa ela tentara queimar cerca de dez ovos de cobras achados pelas
crianças da vizinhança. Elas pensaram que os ovos eram de uma serpente conhecida
como mamushi, único espécime venenoso do Japão. Descoberto o engano pela filha
de um agricultor, Kazuko desiste de queimar os ovos e, com as crianças, faz um
túmulo e um funeral para os ovos, acreditando assim haver neutralizado a má ação.
Sua intenção de proteger a casa de uma ameaça futura, contudo, não evitou
que a Mãe, apesar de não ser supersticiosa, visse os ovos de cobra, animal que lhe
passara a causar aversão desde a morte do marido. A Mãe, ao observar o enterro dos
ovos, comentou que Kazuko era uma pessoa cruel. O resultado foi até negativo, pois
a moça acabou atraindo para si maior rejeição da mãe, que certamente teria
“pressentido algum sucesso funestíssimo”. Kazuko nada sente em relação às cobras.
Elas não têm, para ela, o mesmo sentido que têm para a Mãe, que sente “um temor
reverente” pelos ofídios. Diante, porém, do aparecimento de uma cobra, que parecia
ser a mãe dos ovos enterrados, sente um mau-presságio e pensa:
Ah, o rosto dela [da mãe de Kazuko] tem qualquer coisa daquela cobra
triste (que perdeu a cria). E a outra, feia como um mamushi que habita meu peito,
haveria um dia de matar a cobra-mãe tão triste e tão linda.(Cap. I).
Esse mau-presságio é um sinal da morte da Mãe. A existência de Kazuko não
é suficiente para manter a mãe viva. Ela aguarda o filho e só morre, serenamente,
depois de tê-lo perto de si. O incidente com a cobra poderia ter aparecido depois,
como explicação dos fatos, mas estando no início tem um efeito bem maior, assim
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu.
Capítulo III – r-do-Sol de Dazai Osamu – para além dos horizontes do Romance do Eu
92
como o pequeno incêndio causado por Kazuko pouco tempo depois, como prenúncio
que vem a confirmar o destino de sua família.
Dazai recorre à tradição dos contos populares e maravilhoso que deve ter
ouvido quando criança de sua mãe de criação e da ama-de-leite, que viveram na
região do extremo norte da ilha principal do Japão, famosa por seus contadores de
histórias.
Essas crendices populares aparecem também na morte da Mãe, que só ocorre
depois que o filho Naoji volta para o seio familiar, no outono. A Mãe gosta da
acácia-de-Constantinopla, uma flor do verão que ela não tem no jardim da casa em
Izu. A única flor dessa estação que está ali é a espirradeira, que ela não aprecia. A
Mãe comenta com Kazuko, que está cuidando do jardim:
Dizem que quem gosta de flor de verão, morre no verão. [...] Eu prefiro as
rosas. Só que, como elas florescem nas quatro estações, a pessoa que gosta de
rosas morre na primavera, morre no verão, morre no outono, morre no inverno:
tem de morrer quatro vezes, sabe? (Cap. II).
E, assim, ela poderia morrer em qualquer época, desde que tivesse o filho
Naoji perto de si.
Essa pequena família, que já não tinha o esteio e chefe, vivia amparada pelo
tio Wada e, por recomendação dele, vendeu a casa da família em Nishikata, Tóquio,
e mudou-se, no início de dezembro de 1945, para a casa que compram do visconde
Kawada, localizada à beira da linha férrea entre Suruga e Izu, cerca de 100 km a leste
de Tóquio, onde tem início a narrativa.
As expressões usadas na obra e que remetem a essa época “ano em que o
Japão se rendeu incondicionalmente”; “Terminada a guerra, e operada a
transfiguração do mundo” (Cap. I) dizem respeito a um período muito
controvertido na história do Japão, pois o fim da guerra pareceu a salvação para uns e
a perdição total, para outros. Dazai pertence ao segundo grupo, que vê, na
democratização e na reconstrução japonesa comandada pelo General MacArthur, o
subjugar do povo japonês.
Okuno comenta que, com a derrota na guerra, Dazai sentiu vergonha de ser
japonês e se conscientizou de que era a chegada a hora da revolução, que o homem
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu.
Capítulo III – r-do-Sol de Dazai Osamu – para além dos horizontes do Romance do Eu
93
precisava mudar radicalmente e que Pandora no Hako (A Caixa de Pandora, 1945)
foi escrita com o desejo de renascimento dos japoneses. Decepcionou-se com o fato
de que, mesmo depois da derrota, os japoneses e a sociedade não mudaram
absolutamente. Revoltou-se contra os Estados Unidos e voltou-se para a
autodestruição, a autonegação, como forma de demonstrar sua verdadeira revolta,
negação e contrariedade pelo sistema vigente. Nessa época em que procurou virar do
avesso toda a moral, surgiram em suas obras expressões como Gi no tame asobu
(Viver de brincadeiras para fazer justiça), Kodomo yori oya ga daiji (Os pais são
mais valiosos que os filhos), Katei no kōfukuwa shoaku no moto (A felicidade da
família é a origem de todos os males), Utsukushii mono wa horobosaneba naranu
(Tudo que é belo deve ser destruído), Ningen wa koi to kaikaku no tame umarete kita
(O ser humano nasceu para a paixão e para a revolução),
7
esta última existente em
Pôr-do-Sol.
É como se a colonização do Japão estivesse acontecendo depois de ter sido
adiada por décadas e numa época em que a maioria das colônias já havia se tornado
independente. A ditadura japonesa terminara, mas começava a ocupação americana
oficial. A luta pela liberdade nunca haveria de chegar. Não havia esperanças. Naoji
não tinha forças para enfrentar a realidade. O estudioso Watabe apresenta uma
canção que esteve na moda no Japão por volta de 1946 e que Dazai inseriu na obra
Haru no Kareha (Folhas Secas de Primavera) escrita nesse mesmo ano. Anata já/nai
no yo/anata já/ nai/ anata o/ matte/ ita no já nai/. (É você/ não, é não/ é
você/não/você/o esperado/não era.). O próprio Dazai teria comentado que “você” se
referiria aos Estados Unidos,
8
mas muito mais que as tropas de ocupação e a cultura
americana que invadiram o país, o estudioso acredita que deve haver um sentido
mais profundo, ou seja, que “você estaria indicando a cultura leviana do Japão do
pós-guerra e essa própria época, contra a qual Dazai se revoltava
9
.
Aparentemente, a mãe de Kazuko aceitara a nova situação com
desprendimento, confiando às cegas no bom-senso do irmão, mas depois de tudo
7
Takeo OKUNO, Shinchō Nihon Bungaku 35 Dazai Osamu Shū, p. 643.
8
Segundo Okuno Takeo, Dazai teria dito pessoalmente a Yoshimoto Takaaki.
9
Yoshinori WATABE, Nihon Bungaku Shiryō Sōsho, Dazai Osamu II, p. 56.
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu.
Capítulo III – r-do-Sol de Dazai Osamu – para além dos horizontes do Romance do Eu
94
resolvido e prontos os preparativos para a mudança, na véspera da partida, ela
mostrou uma fraqueza assustadora e Kazuko ficou sem ação:
Com uma voz envelhecida e fraca, mamãe disse então coisas
surpreendentes, que me deixaram estupefata:
Sabe? Vou a Izu porque você está... porque você está comigo; só porque
você está comigo.
Senti um choque no coração e, sem querer, perguntei:
E seu eu não estivesse?
Ela pôs-se a chorar de repente:
Melhor morrer. Eu também queria morrer nesta casa em que seu pai
faleceu.
Depois de dizer essas coisas entrecortadamene, seu choro se tornou mais
forte.
Até então, ela nunca demonstrara semelhante fraqueza, nem jamais
chorara assim na minha frente; fosse por ocasião do falecimento de papai; fosse
quando me casei, ou mais tarde, quando voltei para junto dela com um bebê no
ventre: quando a criança nasceu morta no hospital; quando caí doente e fiquei de
cama; e nem mesmo chorara quando Naoji praticou más ações; jamais ela se
mostrou tão fraca. Nos dez anos que se seguiram ao falecimento de papai,
mostrou-se sossegada e meiga como sempre. Prevalecemo-nos disso e crescemos
mimados. Entretanto, mamãe já não tem mais dinheiro. Gastou tudo em nosso
proveito, meu e de Naoji, sem nem sequer hesitar. E, dessa maneira, saindo desta
casa onde vivemos tantos anos, teremos de recomeçar a vida, abandonadas, sós,
numa casinha de campo em Izu. Se ela fosse maldosa e sovina, se fosse dada a nos
censurar e, ainda, se, às ocultas, pensasse apenas em amealhar dinheiro; nesse
caso sim, jamais ficaria com vontade de morrer, por mais voltas que o mundo
desse; e, no entanto, ai que inferno horroroso, miserável e sem salvação é a gente
ficar sem dinheiro! Como se o tivesse sentido pela primeira vez na vida, com o
coração opresso, querendo chorar e sem podê-lo de tanto pesar (seria esta a
sensação do que chamamos a austeridade do viver?), era como se me encontrasse
paralisada; fiquei quieta como uma pedra, deitada com o rosto voltado para cima.
(Cap. I)
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu.
Capítulo III – r-do-Sol de Dazai Osamu – para além dos horizontes do Romance do Eu
95
Essa descrição mostra quão grande foi a dor dos nobres que se viram
obrigados a se desfazer de toda a riqueza para sobreviver com as regras da nova
sociedade democrática que surgia no Japão.
A mesma dor de Dazai pode ser vista nas palavras de Kazue
10
, a protagonista
da peça teatral Fuyu no Hanabi (Fogos de Artifício do Inverno), escrita em 1946:
[...] Dizem que o Japão perdeu, perdeu, mas eu não acho assim. Ruiu,
entende? Desmoronou, sabe? Mesmo com o território do Japão sendo ocupado de
cabo a rabo, e todos nós, sem exceção, sendo reféns, bem, não se sente vergonha;
[...] Afinal, para que estamos vivendo? É realmente incompreensível.
11
Foi em dezembro de 1945 que o Quartel General publicou o memorando
sobre a reforma agrária, cuja primeira fase teve início em fevereiro do ano seguinte.
Logo no início de 1946 ocorreu a declaração pública do Imperador negando sua
ascendência de origem divina; em março, foi promulgada lei de controle de preços e
interrompeu-se a circulação da antiga moeda iene; em julho, o projeto de lei da
segunda reforma agrária foi aprovado pelo Gabinete do Primeiro Ministro; em
novembro, a Constituição do Japão foi promulgada.
As novas mudanças e as reformas tiraram todos os privilégios da classe
nobre. Não foi sem razão, portanto, que a mãe de Kazuko entrou em estado
depressivo e, ao vê-la, a protagonista disse: “A chorar, desejei verdadeiramente
morrer ali mesmo, em companhia dela. Já nós duas não precisávamos de nada. Achei
que nossa vida havia terminado quando saímos da casa da rua Nishikata” (Cap. I).
Na nova casa em Izu, mãe e filha passaram o inverno e receberam o Ano
Novo, a primavera, com a vida aparentemente em ordem e feliz em meio ao ar puro,
o clima agradável e a gente hospitaleira do vilarejo. E foi nela que ocorreu a cena da
sopa em que a mãe soltou o “Ah?”, estopim para toda a reflexão até o momento da
narradora-protagonista, incomodada com o sentimento que a mãe nutria por Naoji e
que levava no peito a ferida aberta de uma rejeição que se tornou natural em função
dos costumes: a valorização do primogênito e o descaso para com os demais,
sobretudo para com a mulher.
10
Kazue é composto pelo ideograma kazu, “número”, e e, “galhos”. Kazuko tem ideograma apenas
para ko, que significa “filha” ou “criança” e serve como sufixo nos nomes femininos.
11
Tradução nossa. Trecho extraído de Norio OKUBO. Nihon Bungaku Kenkyū Shiryō Sōsho, p. 87.
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu.
Capítulo III – r-do-Sol de Dazai Osamu – para além dos horizontes do Romance do Eu
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Kazuko revoltou-se ainda mais com essa sua condição quando a mãe lhe
contou que tivera notícias, pelo tio Wada, de que Naoji estava vivo e voltaria depois
de se tratar do vício de ópio. Para não dar despesas à família, a Kazuko só restava
como alternativa deixar o lar, e o convívio da mãe e do irmão para ir viver como
agregada na casa de um príncipe com laços consangüíneos, servindo como
professora particular da princesa. Sentiu-se usada, ludibriada pelo amor de sua mãe,
que afirmara optar pela continuidade de sua vida em Izu porque tinha a ela, Kazuko;
agora, que o filho protegido estava para voltar, era descartada sem a menor hesitação.
Kazuko recusou-se a acatar tamanha arbitrariedade e decidiu resolver o problema por
conta própria e sair de casa. Essa decisão, no entanto, foi adiada ao fazer as pazes
com a mãe e com a chegada do irmão, o que ela caracterizou como o início do
“verdadeiro inferno” (Cap. II) para eles.
A guerra não foi penosa apenas para Naoji, que combateu nas ilhas do sul,
região considerada a pior de todas as frentes de batalha. Kazuko também prestou
serviços braçais mediante convocação “na época em que a evolução da guerra atingiu
finalmente um ponto desesperador.” (Cap.II)
Todo o povo japonês teve sua parcela de sacrifício durante a guerra, em maior
ou menor escala. Não podemos esquecer que o Japão esteve em sucessivas guerras
desde o final do século XIX, iniciadas a partir da guerra sino-japonesa em 1894.
Apesar dos intervalos entre uma e outra, a militarização e o avanço ao continente
chinês em busca da dominação não deram trégua ao povo.
Kazuko assumiu uma postura de não falar sobre a guerra, mas acabou
contando o episódio de sua convocação,
12
referindo-se a ele como “relato de
preciosas experiências”,
13
pois naqueles dias de trabalho árduo de baixo de sol e de
chuva ela descobriu que era capaz de enfrentar qualquer trabalho pesado. O poema
utilizado por Kazuko para retratar suas lembranças sobre aqueles tempos da Segunda
Guerra é bastante elucidativo.
12
Em julho de 1939 foi promulgada a lei de convocação da população para a guerra; internamente, o
Japão mobilizava o povo como recurso.
13
Na edição em língua portuguesa do Pôr-do-Sol, “preciosas experiências” estão diluídas no contexto.
Seguimos o original em termos de resgatar a expressão kichō naru taiken dan, que vem entre aspas.
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu.
Capítulo III – r-do-Sol de Dazai Osamu – para além dos horizontes do Romance do Eu
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No ano passado não houve nada
14
.
No ano retrasado
15
não houve nada.
E no ano anterior a esse, também não houve nada.
A vida para o povo japonês não deve ter sido diferente. Não sendo donos da
própria vida, nada, realmente, haveria de acontecer de interessante ou de importante
para eles, além da continuidade da situação. E podemos ir um pouco além do “não
houve nada” que ressoa desses versos em japonês, nani mo nakatta se
observarmos que a expressão também significa “não tinha nada”. Isso equivale a
dizer que era um vazio total, no nível material ou no psicológico e espiritual.
Naoji voltou aparentemente curado do vício de ópio e demonstrou seu carinho
e preocupação com a mãe, forçada a viver naquele mundo que ele considerava
inadequado para ela. Apesar disso, Naoji continuou com a vida ociosa, sempre
recebendo mesada da mãe e se ausentando por vários dias. A guerra, para ele, era
uma página virada. Convidado por Kazuko a falar a respeito, ele respondeu:
Não me lembro de nada. Não me ficou nada. Esqueci-me de tudo.
Cheguei ao Japão, tomei o trem, e, da janela, os arrozais irrigados me pareceram
deslumbrantes. Só isso. Desligue a luz. Não posso dormir assim. (Cap. III)
A mãe era atenciosa e obediente em relação ao filho e Kazuko não continha
sua raiva. Seus dias também eram cercados pela sensação de desamparo e vontade de
morrer. E ela descobriu que desde muito tempo Naoji também vivia às voltas com o
desespero e via a morte como solução.
Kazuko encontrara um caderno do irmão intitulado “Diário de Yūgao”
16
cerca
de seis anos antes, quando ele se tornara dependente de ópio; ao lê-lo, recordou-se de
14
Grifo nosso. Em japonês, nani mo nakatta significa também “não tinha nada”.
15
Cf. Pôr-dol-sol. Cap. II. “No ano anterior” constante no segundo verso, corresponde a issakunen,
ano retrasado. No poema como um todo, percebe-se que se trata do ano anterior ao mencionado no
primeiro verso, mas para enfatizar a idéia de retrocesso no tempo preferimos utilizar “No ano
retrasado”.
16
Calonyction aculeatum, tipo de trepadeira de flores lilases que se abrem ao final do dia.
Literalmente, “rosto do entardecer”. No Japão, trepadeiras semelhantes a ela recebem o nome popular
de acordo com o momento em que as flores desabrocham. Assim, temos asagao, “rosto da manhã”;
hirugao, “rosto da tarde”; e yūgao, nome popular de yorugao, “rosto da noite”. V. Anexo, Imagem 2.
Em Pôr-do-Sol, a nota explica que se trata da corriola, flor que se abre ao entardecer e que faz alusão
ao capítulo de mesmo nome do Genji Monogatari. Mais precisamente, trata-se do Caderno 4, e Yūgao
é o nome da moça que é morta por um espírito que se apossa de seu corpo. Vizinha da ama do
príncipe Hikaru Genji, o protagonista da obra, ele a conhece quando vai visitar a ama enferma e se
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu.
Capítulo III – r-do-Sol de Dazai Osamu – para além dos horizontes do Romance do Eu
98
que, recém-casada com Yamaki, ela, atendendo aos pedidos desesperados do irmão,
passou a dar-lhe dinheiro para saldar as dívidas com as drogas, vendendo inclusive
jóias e roupas. Foi então que ela ficou sabendo da existência do escritor Uehara Jirō,
aos cuidados de quem deveria enviar as remessas de dinheiro para Naoji que ela
mandava a criada entregar. Um dia, preocupada com os valores que só aumentavam,
foi à casa do escritor, encontrando-o sozinho a esposa e filha tinham ido receber
suprimentos. Saíram juntos, e beberam em clima agradável e tranqüilo. Antes de
pegar o táxi de volta, Uehara beijou-a, e isso se tornou seu segredo e também seu
alento, e acarretou a separação com Yamaki e a volta para a casa da mãe.
Quando resolvera sair de casa ao brigar com a mãe, assim que soube do
retorno de Naoji, Kazuko mencionara que ela tinha um segredo e a mãe desejou que
esse segredo desse bom fruto. Esse segredo foi revelado somente no capítulo
seguinte, com a lembrança de que o vício de Naoji teria sido o motivo da separação
de Kazuko com o marido, motivo esse mencionado no momento em que começou a
expor esses acontecimentos, que servem de ponte para o leitor acompanhar a vida de
Kazuko até aquele instante e para sinalizar em direção ao futuro dela.
Kazuko, como narradora-protagonista, vai contando a história, e a partir de
uma cena desenvolve um sumário que pode ser do momento presente da narrativa ou
que traz um fato passado, uma informação para atualizar o conhecimento do leitor. A
narração segue o curso da memória, mas não em termos de fluxo de consciência, em
que os fatos vão surgindo sem uma conexão aparente. A memória é resgatada no
momento oportuno, revelando um alto nível de elaboração para a composição da
seqüência narrativa, trabalhando com sinais e informações que vão sendo
complementadas aos poucos.
O capítulo IV é integralmente destinado às três cartas que Kazuko enviou a
Uehara. Podemos dizer que elas são as três partes de uma única carta, na medida em
que não são datadas e uma complementa a outra. Dirigidas a esse escritor, as cartas
revelam a necessidade e o desejo de Kazuko de arrumar sua vida junto a um tal M.C.,
a quem ela ama e que diz ser casado e com filhos, como Uehara, e conhecido por ele.
apaixona por ela, como por muitas outras que dão nome aos rolos que compõem essa famosa narrativa
da dama da corte Murasaki Shikibu. V. Apêndice, p. 33.
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Capítulo III – r-do-Sol de Dazai Osamu – para além dos horizontes do Romance do Eu
99
Ao apelar ao destinatário que interpele M.C., Kazuko age conforme o lema que se
propôs a seguir, “prudente como as serpentes e símplice como as pombas”, palavras
estas que ela diz serem proferidas por Jesus e que também menciona na carta. Ela
expôs seu amor por Uehara, como se esse amor fosse dirigido a M.C., mas recorreu à
sensibilidade dele, trazendo à baila o alento que adquiriu no primeiro e único
encontro que tiveram seis anos antes, com aquele beijo inesperado. Para isso, usa
figuras de linguagem:
Um dia, há seis anos, um arco-íris delicado e esmaecido desenhou-se no
meu peito, e muito embora não se tratasse nem de amor nem de bem-querer, à
medida que passavam os meses e os anos, esse arco-íris foi carregando as suas
cores com grande beleza, e, até agora, jamais o perdi de vista. O arco-íris que
surge no céu limpo depois de uma chuva tem existência efêmera e logo se apaga,
mas o que nasce no coração da gente parece que não. Por favor, peço-lhe que o
interpele, O que acha realmente de mim? Será que me tem em conta de um arco-
íris de depois da chuva? Que se apagou já há muito tempo?
Se assim for, eu também tenho de apagar o meu arco-íris. Mas sinto que
ele não quer sumir-se antes de eu mesma terminar com a minha vida. (Cap. IV)
Ela apelou à memória de Uehara e, ao endereçar a carta ao destinatário no
final, como é de praxe nas correspondências japonesas, escreveu: “Ilmo. Sr. Uehara
Jirō (Meu Tchékhov. My Chekhov. M.C.)”, deixando claro o alvo de seu amor, ou
seja, ele mesmo.
Por que Tchékhov, afinal? Isso é colocado em suspense para ser elucidado
paulatinamente nas cartas seguintes, que cobram uma resposta ainda não recebida e
complementam as razões do coração de Kazuko.
Na segunda carta, a protagonista tentou desfazer a impressão de oferecida e
interesseira deixada na primeira, contando que já tivera um pretendente velho e rico,
um grande artista plástico, que ela recusara. Reproduziu na carta o diálogo com esse
pretendente, em que lhe revelou o desejo de ter um filho e dinheiro suficiente para
criá-lo; mencionou, ainda, uma carta na qual Tchékhov teria pedido a sua esposa para
que tivessem um filho. Aproveitou também para dizer que atingira os 30 anos, idade
recomendada para viver um amor sem sofrimento, segundo o alerta que recebera aos
19 anos de sua professora, que regressava para a Inglaterra. Essa recordação também
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu.
Capítulo III – r-do-Sol de Dazai Osamu – para além dos horizontes do Romance do Eu
100
é inserida num passe de mágica, durante seu diálogo com o pretendido. A narração é
conduzida de modo tão habilidoso que acabamos esquecendo que se trata de um
parêntese, usado nas já mencionadas situações. O comentário maldoso que o
pretendente faz sobre uma possível venda da propriedade nos traz de volta ao diálogo
que estava sendo travado entre os dois.
Novamente, porém, somos surpreendidos pela citação da famosa peça de
Tchékhov, O Jardim das Cerejeiras (1903-4),
17
comédia em quatro atos, e da
personagem Lopakhin, comerciante que adquire em leilão esse jardim “mencionado
até nas enciclopédias”,
18
do qual se orgulha sua proprietária Liubov Andréievna
Raniévskaia, que diz: “Em toda a região não há outro jardim de cerejeiras tão
grandioso quanto o nosso”,
19
contrariando o amigo, que acha melhor derrubar as
cerejeiras. Segundo ele, a “grandiosidade desse jardim resume-se ao fato de ele ser
tão grande. Mas a produção de cereja é boa só a cada dois anos, quando muito, e
mesmo então não se sabe o que fazer com ela. Ninguém a compra”.
20
Enfim, uma
inutilidade para os tempos capitalistas, como o é a propriedade da família de Kazuko.
Grandiosa, de elevado valor sentimental, mas que mantida como estava não servia
para sustentá-la.
A estudiosa Yanagi Tomiko,
21
que focaliza a recepção de Tchékhov por
Dazai, apresenta sua visão de que a imagem de O Jardim das Cerejeiras está em
Pôr-do-Sol, visão essa que ela diz ser compartilhada pelos estudiosos Okuno Takeo e
Kamei Katsuichirō. Yanagi Tomiko atribui a influência das obras de Tchékhov na
produção dessa obra de Dazai, que associa a destruição de sua casa à do sentimento
do autor, com base nas cartas escritas em 1944, como a endereçada a Ibuse Masuji,
em 15 de janeiro, dizendo: “Minha casa em Kanagi, por exemplo, é um Jardim das
Cerejeiras”. Uma carta de abril, enviada a Kawamori Yoshizō, conta sobre sua
releitura das obras completas de Tchékhov. Na ocasião, no final da Segunda Guerra
17
Usamos o título da tradução de Gabor Aranyi, em Teatro II – As Três Irmãs/O Jardim das
Cerejeiras, publicado pela Editora Veredas, em 2005.
18
Fala de Gaiev, irmão de Liubov Andréievna, a protagonista proprietária de terras. Cf. O Jardim das
Cerejeiras, p.82.
19
Trecho extraído de O Jardim das Cerejeiras, p. 82.
20
Idem.
21
Tomiko YANAGI, Nihon Bungaku Kenkyū Shiryō Sōsho Dazai Osamu, 166-176.
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu.
Capítulo III – r-do-Sol de Dazai Osamu – para além dos horizontes do Romance do Eu
101
Mundial, Dazai estava refugiado em Kanagi, sua terra natal, e de lá acompanhou a
queda dos nobres decorrente das mudanças ocorridas em todo o Japão.
A estudiosa menciona a tese de Usui Yoshimi para mostrar que Dazai
construiu um romance peculiar com um material bem conhecido e próximo a ele; em
uma das personagens, incutiu seu sonho (dōkei); em outras duas, seu espírito, sua
alma (tamashii); e na quarta, sua própria imagem (onore no sugata). Segundo ela, ao
fazer isso o autor fragmentou sua própria essência e enfraqueceu a independência de
cada uma das personagens.
Yanagi Tomiko aponta que a mãe de Kazuko foi construída tendo em mente
Raniévskaia, protagonista de O Jardim das Cerejeiras, pois as duas damas são
pessoas sem qualquer noção do valor monetário. Para ela, Dazai aproxima-se desse
autor russo, que tem os olhos na destruição e que descreve o ser humano que desistiu
por completo de lutar para viver e que vive à mercê da correnteza, sem ao menos
pensar em sair dela. A estudiosa, para mostrar a semelhança entre Raniévskaia e a
Mãe, cita a fala de Ánia e de Kazuko, personagens que respectivamente fazem o
papel de suas filhas, criticando a falta de noção de suas mães em matéria de dinheiro.
Os trechos correspondentes ao mencionado por Yanagi são:
Em Ánia:
A essa altura já tinha vendido há muito tempo a casa de campo em
Menton e não lhe restava nada, mas nada mesmo. A mim tampouco sobrara um
único copeque, e foi um milagre divino termos conseguido de algum modo voltar
para casa. E além disso, mãezinha não faz a mínima idéia sobre nada...
estamos nós sentados no carro-restaurante para comer alguma coisa, e é claro
que ela pede logo o prato mais caro e dá um rublo de gorjeta a cada um dos
garçons.
22
E em Kazuko, “[...] mamãe, que em matéria de dinheiro entende menos que
uma criança”. (Cap. I)
Desse modo, para Yanagi Tomiko, Tchékhov e Dazai enfatizam essas duas
protagonistas femininas como portadoras da beleza de não possuir consciência sobre
a classe nobre a que pertencem e de não ser exibicionista, e a originalidade de Dazai
22
Extraído do Primeiro ato de O Jardim das Cerejeiras, p. 77.
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu.
Capítulo III – r-do-Sol de Dazai Osamu – para além dos horizontes do Romance do Eu
102
em relação a Tchékhov estaria no momento da morte da Mãe, ao qual o autor japonês
deu um acabamento diferente da personagem de Tchékhov. Diz a estudiosa que,
depois que a mansão passou para mãos alheias, a mãe de Kazuko consegue suportar a
vida numa casa de campo onde não tem liberdade, mas talvez pelo cansaço mental
fica doente do pulmão e morre serenamente. Dazai põe o sentido disso nas palavras
de Kazuko:
Ai, não terminaria como mamãe, não conseguindo sobreviver daqui para
diante, pessoas que, sem lutarem contra os homens, os odiarem e nem sequer se
sentirem despeitadas, consigam pôr termo à existência de uma forma assim bela e
triste? Quem está morrendo torna-se belo. O fato de viver, o fato de permanecer
vivo, isso é que me parece extremamente feio; cheira a sangue; é nojento. (Cap.
V).
Yanagi Tomiko afirma que, no mundo de Ranievskaia, o pecado e o amor e a
destruição e a beleza estão entrelaçados, e neles reside a tristeza do ser humano.
Tchékhov valoriza a realidade de Ranievskaia como ser humano, ao passo que Dazai
cria a beleza da Mãe, eliminando sua natureza de fêmea voltada para o amor do sexo
oposto, retirando-lhe a fetidez humana; para Tchékhov, a destruição e a beleza estão
ligadas, mas não de modo absoluto; para Dazai, a vida liga-se à feiúra, e a morte,
equivalente à destruição, liga-se à beleza.
As palavras de Kazuko resumem bem as características de sua mãe: “Os maus
vivem muito. As pessoas belas morrem logo” (Cap. I). Como mulher da nobreza, a
mãe de Kazuko e de Naoji apresenta um requinte digno de sua classe, mas sem
perder a simplicidade e a inocência. Ela é uma mãe afetuosa, que ama os filhos de
modo incondicional, amparando o filho dependente de drogas e de álcool, que não
cria sua independência, e a filha, que volta para casa depois de uma separação
conjugal. Vela pelos dois e deles recebe o mesmo amor. Dentro dos limites possíveis,
nenhum dos filhos quer abandoná-la. Kazuko adia seu intento de sair à procura de
Uehara quando a mãe adoece e espera até que ela melhore; Naoji só decide pelo
suicídio depois da morte da mãe. Apegada à casa da família e às lembranças dos
tempos de glória, já à beira da morte, a Mãe ainda deseja ver a foto do Imperador,
publicada em um jornal ela acredita que ele estaria mais feliz, agora que é livre , e
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu.
Capítulo III – r-do-Sol de Dazai Osamu – para além dos horizontes do Romance do Eu
103
não se esquece de deixar palavras carinhosas para Kazuko, atarefada com os
cuidados para com ela e os visitantes.
Yanagi Tomiko observa, ainda, um aproveitamento em Pôr-do-Sol das
personagens principais de A Gaivota,
23
comédia em quatro atos, também de
Tchékhov, escrita entre 1895 e 1896.
Kazuko, segundo Yanagi Tomiko, corresponderia a Nina, protagonista jovem
e bela que troca o namorado Trepliov por Trigórin, personagem correspondente a
Uehara, escritor de meia-idade que se lhe apresentava como oportunidade para
concretizar seu desejo de ser atriz. Descreve-a como alguém que vive o perigo da
destruição por seguir seus impulsos e ser fiel a sua voz interior, livre dos padrões do
senso comum. A estudiosa admite que Kazuko não corresponderia a Nina se for
considerada a afirmação de Kazuko “Eu não estou amando um autor como a Nina
de A Gaivota
24
e a existência de Ota Shizuko como protótipo dela, mas defende
que Dazai criou Kazuko tendo Nina em mente, alegando que em Hi no Tori (Pássaro
de Fogo), romance inacabado de Dazai, o autor havia criado a personagem Takano
Sachiyo, que faz papel de uma atriz que lembra muito Nina.
Yanagi Tomiko aproxima Kazuko de Nina em sua atitude de arriscar a vida,
de não preservar a si mesma; nesse aspecto, observa que Dazai segue outro rumo:
Nina concentra-se em seu objetivo de ser atriz sem que as portas estejam fechadas
para ela, ao passo que Kazuko foge para um mundo fora dos padrões convencionais,
apoiando-se em Uehara e levada por um niilismo desesperado. A estudiosa mostra o
sentimento de Kazuko no trecho: “Ideologia destrutiva. A destruição é triste e causa
compaixão, mas é bela.” (Cap. V). Na obra de Dazai, não existe um único ser
humano que ande em direção a um objetivo. Todos hesitam diante da destruição e
estão tomados pela natureza da própria destruição.
Nina, ainda segundo Yanagi Tomiko, tem a profissão de escritor em alta
consideração e acha que a fama é algo maravilhoso, mas Trigórin não lhe dá razão e
revela à moça que não sabe o que é ter tranqüilidade e que é infeliz, sempre
23
Utilizamos a tradução de Rubens Figueiredo, publicada pela Editora Cosac&Naify em 2004.
24
Cf. Pôr-do-Sol, segunda carta de Kazuko a Uehara no Capítulo IV.
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu.
Capítulo III – r-do-Sol de Dazai Osamu – para além dos horizontes do Romance do Eu
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perseguido pela idéia fixa de que é preciso continuar escrevendo dia e noite.
25
Kazuko vê Uehara como uma pessoa que “encharcava-se de saquê todas as noites,
escrevia somente obras cada vez mais imorais e era maldito e odiado pelas pessoas
de bem” (Cap. V) no entender da estudiosa, a figura inconteste dos últimos anos de
Dazai.
Naoji, por sua vez, teria seguido o modelo de Trepliov, jovem literato
admirador de Trigórin e que tinha razões concretas para se suicidar, diz Yanagi
Tomiko. Sua mãe é amante de Trigórin, para quem ele também perdeu sua amada
Nina, cujo amor tenta recuperar em vão. Ele enfrenta a decepção no nível
profissional quando começa a ser alvo do interesse das revistas e percebe que sua
busca pelas novas formas continua arraigada às formas antigas. Por fim, perde a
vontade de viver diante do conflito com a mãe, da decepção amorosa e da
incapacidade de descobrir sua missão. No caso de Naoji, há motivos semelhantes aos
de Trigórin, mas, como ele próprio diz: “a custo vivo ao ar livre e ao sol desta vida”
(Cap. VII). Essa personagem apresenta a insegurança de um ser humano fraco e sua
relação com a mãe e a irmã não dá mostras de que ele tenha um conflito forte o
suficiente que o leve ao suicídio. Nele, a destruição está nas profundezas da
consciência. Yanagi Tomiko explica que, tanto no “Diário de Yūgao” quanto no
testamento, são inseridas experiências do próprio Dazai, o que faz que a devastação
mental e a psicologia do suicídio de Naoji sejam diferentes do que ocorre com
Trepliov.
Dessa maneira, Yanagi Tomiko interpreta que Dazai acrescentou uma dose
mais forte de destruição no sentimento de Kazuko, Uehara e Naoji do que a de
Tchékhov em Nina, Trigórin e Trepliov.
Sem dúvida, a interpretação de Yanagi Tomiko quanto à utilização das
personagens das duas obras de Tchékhov por Dazai demonstra que a proximidade
observada é resultado da inspiração que o autor japonês obteve nessas obras russas, e
que a distância entre elas evidencia seu trabalho de elaboração em Pôr-do-Sol.
25
Cf. A Gaivota, longo diálogo entre Nina e Trigórin no Segundo Ato. Yanagi deu apenas um resumo
do conteúdo discutido pelas duas personagens.
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu.
Capítulo III – r-do-Sol de Dazai Osamu – para além dos horizontes do Romance do Eu
105
É preciso lembrar, no entanto, que é comum Dazai fazer uso de outras obras
em suas criações, como ocorre com a obra Otogizōshi (Contos Maravilhosos, 1945).
Ela é composta pelo prefácio e quatro partes que parodiam quatro contos
maravilhosos antigos, todo com um fundo moral, e usam títulos semelhantes.
Kobutori aproveita o enredo de Kobutori Jiisan (Velhinho que Extraiu o Calombo)
também baseado no Oni ni Kobu Toraruru Koto, do Rolo I da coletânea Uji Shūi
Monogatari, do século XII a história de um velhinho que se livra de um grande
calombo que tinha na face graças aos ogros que encontrou na floresta. Urashima San
(Sr. Urashima) segue a história de Urashima Tarō, personagem lendária que aparece
em Yūryakuki, Tango Fudoki, Man’yōshū e Urashimako Den, um pescador que foi
levado ao Palácio do Dragão no fundo do mar. Ali, viveu cercado de todo conforto
durante três anos, ao lado de uma linda mulher, que na hora da despedida entrega-lhe
uma caixa conhecida pelo nome de tamatebako, que ele promete não abrir jamais.
Voltando a sua terra natal, no entanto, ele quebra o juramento e dela sai uma fumaça,
que o transforma num velhinho.
Kachikachi Yama (Monte Duro como Pedra) usa o mesmo nome do original,
provavelmente escrito por volta do século XV, que narra o mérito de um coelho que
ajuda um velhinho a vingar sua esposa morta por um texugo. Shitakiri Suzume (O
Pardal de Língua Cortada) também tem o mesmo título do original, escrito
supostamente no final de Muromachi, que narra a história de um pardal que teve a
língua cortada e foi banido por uma velhinha que alegava ter ele ciscado a papa de
arroz. O velhinho vai visitar o pardal em casa, e este lhe dá cestos como lembrança.
O velhinho escolhe o mais leve e dele saem tesouros. Invejosa, a velhinha resolve
visitar o pardal e dele ganha um cesto bem pesado de onde saem cobras, taturanas e
outros animais peçonhentos.
Na visão do estudioso Watabe Yoshinori,
26
porém, a obra de Dazai não tem
vilões como nas originais. Na história de Kobutori, não há nenhum incidente ruim, as
pessoas são boas e nem o velhinho beberrão nem os ogros praticam más ações; o
mesmo ocorre em Shitakiri Suzume. Para os demais pardais, a mulher que cortou a
26
Yoshinori WATABE, Nihon Bungaku Kenkyū Shiryō Sōsh,Dazai Osamu II, p. 56.
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu.
Capítulo III – r-do-Sol de Dazai Osamu – para além dos horizontes do Romance do Eu
106
língua do colega não é má, só estava mal-humorada naquele dia. Ela também recebe
a consideração do velhinho, que lhe é grato por estar vivendo bem no momento.
A respeito dessa obra de Dazai, o estudioso Tōgō Katsumi explana:
O Prefácio já contém o tema da obra. Como mostra a combinação de
Bōkū Zuka (Esconderijo Antiaéreo) com Monogatari (Narrativa), observa-se a
oposição entre realidade e sonho, a vida comum do dia-a-dia e a vida incomum. A
mãe (esposa) “reclama” ao pai (esposo), que é o próprio autor, do aperto que é o
esconderijo antiaéreo. O pai, no dia-a-dia, é um inútil que não consegue nem
cavar uma vala. Mas, mesmo fraco e incapaz na vida cotidiana, ele “não é pouca
coisa” em matéria de “possuir a técnica fabulosa de criar uma narrativa” que
está além da realidade. O conflito entre uma família realista e um homem que
“não é pouca coisa” apesar de inútil no dia-a-dia, é um padrão que se encontra
no Otogizōshi com algumas variações. O velhinho Kobutori é um beberrão
solitário, “sempre com cara de insatisfeito” mesmo vivendo numa casa
“magnífica” com uma velhinha “solene” e um filho que é “um santo”. Urashima
Tarō, um “primogênito de uma família tradicional famosa” sai de casa
respondendo algo incompreensível como “as pessoas possuem um destino” às
críticas da irmã e irmão mais novos que são realistas. Kachikachi Yama tem uma
montagem um pouco diferente das outras três histórias, mas mesmo assim o
texugo, feio, tosco e comilão, recebe o troco impiedoso e cruel da coelha, uma
linda virgem de 16 anos de idade. E o velhinho do Shitakiri Suzume, na realidade,
é “o terceiro filho de um milionário” e no momento é considerado pela família
como “tolo frágil e problemático” que também sempre é alvo dos ataques da
“velhinha realista”. Em suma, essa obra é a história da fuga dos homens
imprestáveis que não conseguem viver bem no mundo real.
27
Dazai traz as personagens do conto de fadas para a realidade do presente. A
felicidade só existiria antes do nascimento e depois da morte. Ou no fundo do mar,
no palácio do dragão em que a “consciência” já não existe e, conseqüentemente, a
censura, a cobrança, a reclamação que geram o medo da vida. As pessoas são como:
Urashima que procura um lugar em que as pessoas não censurem umas às outras
e segundo a tartaruga, o palácio do dragão é o local em que isso não acontece. A
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu.
Capítulo III – r-do-Sol de Dazai Osamu – para além dos horizontes do Romance do Eu
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“censura” é a “palavra” que, segundo a tartaruga, “é o que nasceu do medo de
viver”. Sendo assim, a palavra é a própria consciência, e o medo de Dazai
provém da cisão da existência e da consciência. E esse “medo” cria a “palavra”
que gera o “cômico”. Por conseguinte, o mundo sem “palavras” é o mundo onde
não existe a “consciência”. E qual seria esse mundo de “claridade opaca” da
inconsciência em que não existe a “palavra”? Em termos dogmáticos, seria algo
próximo do útero materno antes do surgimento da consciência ou o mundo da
morte, após a destruição da consciência.
28
Encontramos uma fala semelhante de Kazuko, que mostra a felicidade como
algo incompreensível e, portanto, inexprimível. Trata-se do momento em que
Kazuko está tricotando para disfarçar a apreensão pela morte já aguardada da mãe,
ao ouvi-la dizer que não tem nem lágrimas para chorar vendo a foto do Imperador,
que ela acreditava ter sido libertado com o fim da guerra, e “rir como se sentisse
soledade”. Kazuko pensa:
Não estaria ela feliz agora? [...] Isso que se chama sensação de
felicidade não seria algo como pepitas de ouro (pó dourado) a brilhar
soturnamente (frouxamente) no fundo de um rio de tristezas? Passado o último
degrau da tristeza, a estranha sensação de felicidade; então, sua majestade,
mamãe e eu certamente somos agora felizes. Manhã quieta, outonal. Quintal de
outono, onde batem os raios de sol, suaves. Deixei de fazer tricô, e contemplei o
mar brilhando à altura do meu peito. (Cap. V).
Para concluir: “A vida é incompreensível”. E ser complementada pela mãe:
“Eu não a compreendo. Não há quem a compreenda, não será assim? Por mais que
passe o tempo, todos somos crianças. Não compreendemos coisa alguma” (Cap. V).
A tristeza traz o riso, e a felicidade está submersa n’água como o palácio do
dragão no fundo do mar, brilhando soturnamente. Só se pode ter a certeza de que se
tratam de pepitas de ouro se mergulhar para encontrá-las. E o brilho soturno pode
levar para um outro mundo, o mundo do palácio do dragão, onde Urashima poderia
ter encontrado a felicidade ou a morte, uma vez que, em Dazai, a fórmula Vida =
Fealdade, Infelicidade e Morte = Beleza, Felicidade é plenamente aplicável e água
27
Katsumi TŌGŌ, Nihon Bungaku Kenkyū Shiryō Sōsho, Dazai Osamu II, p. 212-3.
28
Ibidem, p. 214.
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu.
Capítulo III – r-do-Sol de Dazai Osamu – para além dos horizontes do Romance do Eu
108
revela-se como elemento purificador, uma conexão com as tantas frases retiradas da
Bíblia que Dazai também utilizou como mais uma obra que merecia ser destacada.
Por isso, consideramos que essa obra que leva no título o nome do diário de Ōta
Shizuko, e vai além de um aproveitamento das personagens das obras de Tchékhov.
Em Pôr-do-Sol, Dazai parodia sua própria vida, parodiando também as obras
que quis enfatizar. Nessa obra, particularmente, observamos uma consonância da
conhecida natureza dissimulada do autor japonês, com as duas comédias de
Tchékhov. Dazai, como décimo filho de onze irmãos, sexto entre os homens, era a
sobra que não fazia diferença na família. Sempre foi reconhecido por sobressair-se
nos estudos, mas por volta dos 20 anos sentia-se um peixe fora d’água no convívio
com os irmãos. Começou a questionar a vida alegre da família e dos amigos em meio
às falsidades. Decepcionou-se com o mundo dos adultos, revoltou-se e sentiu-se
inseguro. Não se conformava em ter de aceitar esse mundo sujo e questionava o que
é o ser humano, a justiça, a beleza, a verdade e o amor. Tentou manter, por tempo
indeterminado, a fraqueza, a pureza e a autenticidade humanas. Achando-se diferente
de todos, recorreu ao disfarce de palhaço para tentar manter um relacionamento com
as pessoas. Podemos, por isso, dizer que em Pôr-do-Sol o autor é esse mesmo
zombador que revela a seriedade, o desespero e o sofrimento.
Não é preciso ter a informação de que Dazai Osamu releu as obras completas
de Tchékhov durante o refúgio em sua terra natal logo após a Segunda Guerra
Mundial, mais precisamente entre 1
o
de agosto de 1945 e 14 de novembro de 1946,
para explicar que ele usou as duas peças russas, A Gaivota e O Jardim das
Cerejeiras, como referência para escrever Pôr-do-Sol. Os títulos dessas duas
comédias vêm citados textualmente nos contextos que lhe são pertinentes; as alusões
a suas personagens como Nina, da primeira, e Lopakhin, da segunda são claras e
o nome de Tchékhov surge num primeiro instante como camuflagem pelas iniciais
“M.C.” e como revelação pela expressão “My Chekhov”, segundo a grafia do
inglês que é a mais comum no Japão. Por fim, a carta endereçada a Uehara no final
da obra descortina a multiplicidade do M.C. também como “My Comedian”, ou seja,
alusão ao dramaturgo russo dessas duas comédias sérias mencionadas. A aparente
contradição entre o tema da destruição abordada por esse gênero é explicada por
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu.
Capítulo III – r-do-Sol de Dazai Osamu – para além dos horizontes do Romance do Eu
109
Rubens de Figueiredo, o tradutor de A Gaivota, no Pósfácio. Tchékhov advertia
Konstantin Stanislávski, diretor da companhia de teatro que também representou o
papel de Trigórin, que:
Trigórin devia usar um sapato furado, vestir calça xadrex e fumar charuto
fedorento, em vez de mostrar-se como um dândi. O dramaturgo também reprovou
a concepção de Stanislávski para o final do terceiro ato
a cena da despedida
,
em que o diretor imaginara trazer para o palco um grupo de mães e crianças
chorosas. No geral, Tchékhov insistia em que os atores evitassem toda ênfase no
sentimento. Isso talvez ajude a esclarecer uma dúvida freqüente entre os seus
leitores: a rubrica que Tchékhov acrescentou ao título da peça – “comédia”.
Afinal, são raros os momentos de riso ou de mera alegria em A Gaivota,
ao passo que não faltam, para as personagens, motivos para tristeza ou mesmo
para o desespero. O problema pode se tornar compreensível se lembrarmos que a
noção rigorosa de comédia equivale menos ao riso do que ao estilo baixo
em
contraste com o estilo elevado, da tragédia. Tchékhov negava crédito aos ideais
alçados além da medida do cotidiano e da vida comum. Não pretendia pôr em
cena gênios, heróis ou mártires desses ideais, nem os vilões que por força os
acompanham. Em vez de fazer soar, no palco, falas graves a todo instante em
meio a uma sucessão de acontecimentos terríveis, Tchékhov imaginara
personagens que comentavam o calor, o frio ou as doenças, calavam-se por falta
de assunto e pouco agiam em uma história quase desprovida de acontecimento.
Pois assim a vida se mostrava, na maior parte do tempo, aos seus olhos.
A rigor, em A Gaivota, há antes coisas que não acontecem, em um enredo
que parece não caminhar para parte alguma. No entanto, entre diálogos triviais,
aspirações e desavenças corriqueiras, apenas rompidas por reflexões idealizadas
sobre a atividade do artista, uma crise obscura se avoluma pouco a pouco.
29
Como se pode ver na terceira carta, que termina com “M.C. (não são iniciais
de “My Chekhov”. Não estou amando o autor. “My Child”)” (Cap. IV), as iniciais
são ampliadas para conter o desejo de Kazuko, que quer um filho de Uehara.
Quanto às obras japonesas e estrangeiras mencionadas no livro, há um
número expressivo que, diríamos, serve para criar uma intertextualidade e também
29
Rubens de FIGUEIREDO, Posfácio de A Gaivota, p.108-9.
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu.
Capítulo III – r-do-Sol de Dazai Osamu – para além dos horizontes do Romance do Eu
110
ampliar o conteúdo da obra. Esse tipo de recurso mostra-se comum na tradição
literária japonesa, pois o estudioso Kamei Hideo
30
comenta que os autores pré-
modernos
31
do Japão utilizaram o chamado modoki, um tipo de reescrita muito
apreciada por eles para facilitar a leitura dos clássicos e que, intencionalmente ou
não, acabou criando paródias dessas obras. Ele diz que Dazai também fez uso dessa
técnica de modo muito interessante em obras como Onna no Kettō (Duelo de
mulheres), utilizando a tradução feita pelo escritor Mori Ogai da obra de mesmo
nome de Oirenberugu Herbert para reescrever sua obra, em que o autor do original e
ele próprio, Dazai, são personagens.
Nessa mesma linha, existe ainda o recurso estilístico conhecido pelo nome de
honka dori, empregado nos poemas waka de 31 sílabas, desde a época clássica, e que
basicamente consiste na técnica de composição poética que aproveita uma parte de
um poema antigo visando à complexidade e à sobreposição de expressões e de
sentimento, para trazer a imagem do mundo ao qual esse poema antigo pertence”.
32
Independentemente da forma escolhida, o aproveitamento do original sempre deve
ser feito sem exagero, mas também sem tanta discrição que o deixe passar
despercebido.
33
Dazai Osamu seguiu essa recomendação em Pôr-do-Sol, selecionando títulos
e autores que serviam a seu propósito entre os mais famosos e conhecidos, como é o
caso do pintor Ogata Kōrin (1658-1716), um dos grandes nomes do inovador estilo
Rin, surgido na cultura Genroku entre meados do século XVII e início do XVIII. A
Kōrin, nos últimos tempos gloriosos dos nobres, a família de Kazuko solicitou que
fizesse uma pintura numa porta interna da casa. Entre as obras literárias presentes em
Pôr-do-Sol que produzem efeito semelhante a essa técnica poética clássica
encontram-se Man’yōshū, a antologia de poemas do século VIII, Genji Monogatari,
30
Hideo KAMEI, Nihon Bungaku Kenkyū Shiryō Sōsho, Dazai Osamu II, p. 79-84.
31
Podemos citar Muō no Rigyo, que faz parte de Contos da Chuva e da Lua, escrito em 1778 por
Ueda Akinari (1734-1809) e publicado pelo Centro de Estudos Japoneses da USP, e Nise Murasaki
Inaka Genji (Falsa Murasaki, Genji Interiorano, 1829), de Ryūtei Tanehiko (1783-1842). V.
Apêndice, p. 41.
32
Waka Bungaku Jiten (Dicionário de Literatura Waka), organizado por Tamotsu ARIYOSHI, 1982.
33
Neide H. NAGAE, Recursos estilísticos da poesia japonesa — o kakekotoba e o honkadori, p.345.
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu.
Capítulo III – r-do-Sol de Dazai Osamu – para além dos horizontes do Romance do Eu
111
a narrativa escrita pela dama da corte Murasaki Shikibu em 1008, e Sarashina Nikki,
diário de 1060 da autoria da filha de Sugawarano Takasue.
A referida antologia de poemas e a narrativa de Murasaki Shikibu são citadas
na terceira carta de Kazuko a Uehara:
Quero encontrar-me com o senhor mais uma vez, e, então, caso não me
queira, diga-o claramente. O fogo do meu peito foi o senhor que acendeu, peço
portanto que se vá depois de o apagar. Com minha força apenas, não conseguirei.
Seja como for, serei salva se nos encontrarmos, se nos virmos. Isto que estou
dizendo pareceria a coisa mais natural do mundo se vivêssemos na época de
Mannyoo ou de Genji Monogatari. Meu desejo: tornar-me sua amante e ser a mãe
de um filho seu. (Cap. IV).
Nesse caso, o desejo da narradora-protagonista de ser amante desse escritor e
ter um filho dele é extremamente natural em todo o período anterior ao século XX no
Japão, que tem a poligamia masculina como tradição. Sobretudo entre os séculos
VIII e XI, a que essas obras pertencem, a literatura japonesa focalizou a vida das
mulheres, que em sua grande maioria eram fadadas a ser amantes, quando muito a
segunda, terceira ou quarta esposa. Nos diários femininos, encontramos o relato do
sofrimento dessas mulheres, que ironicamente e contrariando o curso natural dos
fatos, Kazuko afirma não sentir. A “carta de amor” enviada por ela a Uehara resgata
uma prática comum do cortejo amoroso registrado em muitas obras literárias da
mesma época. O homem enviava poemas de sua própria autoria para a moça que
desejava cortejar, e esta deveria responder-lhe com outro poema, mostrando sua
inteligência, sensibilidade e habilidade poética para incitar e manter o interesse de
seu admirador. Essas correspondências poéticas eram trocadas antes de se iniciar o
relacionamento, ou melhor, eram o próprio relacionamento que havia antes do
encontro íntimo.
Notamos que Kazuko revelou-se por inteiro nas cartas endereçadas a Uehara,
mostrando possuir os requisitos, e sendo eles suficientes ou não, ela se propôs a ser
sua amante à força, sua esposa à força. Como não poderia deixar de ser, a regra dos
antigos foi totalmente transgredida. Uehara já havia encostado os lábios nos de
Kazuko teria sido esse o “poema” dele? Seguindo a lógica da obra, esse “beijo”
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu.
Capítulo III – r-do-Sol de Dazai Osamu – para além dos horizontes do Romance do Eu
112
teria sido algo semelhante ao kaimami, espiar a dama de longe, pelas frestas da
cortina, para ver se vale a pena iniciar a corte, dos tempos modernos, esta, é claro, às
avessas. O beijo foi a motivação que Kazuko guardou na lembrança e que, seis anos
depois, levou-a a tomar a iniciativa de demonstrar seu interesse por meio da carta;
diante do silêncio de seu amado, foi procurá-lo pessoalmente para se impor como
amante.
Sarashina Nikki, o nome do diário, é o qualificativo que Kazuko recebeu de
uma colega que cortara as relações com ela quando a moça devolveu-lhe o livro de
Lênin sem ler. Recordou-se do episódio para dizer que desde então já haviam se
passado doze anos e nada tinha evoluído. Continuava como a protagonista do diário,
a jovem sonhadora encantada pelo mundo maravilhoso das narrativas, mas se
decepcionou com a vida de seus pais, o servir na corte, a vida de casada e o rigor da
sociedade, se apoiou em Buda e esperou pela salvação na vida após a morte. É esse o
registro de cerca de 40 anos dessa autora, que viveu entre 1008 e 1056 sem outra
designação que não fosse o de filha de seu pai.
Cabe lembrar que as mulheres que criaram o glorioso universo da literatura
feminina daquela época fizeram parte de um grupo seleto que era preparado para
servir na corte e arrumar um bom casamento, se possível com o herdeiro do trono ou
o próprio Imperador. Mesmo assim, Murasaki Shikibu, Sei Shōnagon e Izumi
Shikibu, por exemplo, não são nomes próprios. Shikibu e Shōnagon são nomes de
cargos governamentais; Murasaki é alusão ao Caderno Murasaki no Ue da Narrativa
de Genji. Sei é a leitura chinesa do primeiro ideograma que compõe o sobrenome
Kiyohara; Izumi é tirado do nome da região de onde o primeiro marido da autora foi
governador. São mulheres sem identidade própria. Nesse sentido, há um salto de
Kazuko: da menina Sarashina para a mulher que vai à luta.
Por isso, depois de ler o livro de Lênin tanto tempo depois, Kazuko acredita
que “é mister que se faça uma revolução” (Cap. V) e diz: “Quero convencer-me de
que o homem nasceu para o amor e para a revolução”.
34
Assim, tomou a decisão de
seguir seu destino mediante uma mescla da mulher do Japão antigo e do que a
encantou na leitura de Rosa Luxemburg:
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu.
Capítulo III – r-do-Sol de Dazai Osamu – para além dos horizontes do Romance do Eu
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[...] a coragem desassombrada de ir destruindo, uma a uma, todas as velhas
ideologias, sem nenhuma hesitação. [...] que mesmo contrariando de todas as
maneiras os preceitos morais, fosse correndo, sem titubear e indiferente a tudo, para
junto do seu amado. (Cap. V)
Kazuko adiara seu encontro com Uehara em função da doença da mãe, que
acabou resultando em sua morte. Não havia mais o que protelar. Esse período de
incubação serviu para ela ganhar mais força e coragem e confirmar sua determinação
de buscar seu amor. Ela mostra-se realmente decidida a encontrá-lo, pois saiu apenas
com algumas referências que conseguira de Naoji. Depois de passar na casa de
Uehara e enfrentar sua esposa, que está com o marido ausente há vários dias e
vivendo em péssimas condições, vai de bar em bar a sua procura, tendo que fazer e
refazer caminhos.
Quando finalmente o encontrou, ela ficou na porta de entrada, observando-o:
Senti-me como um sonho. Estava diferente. Seis anos! Tornara-se uma
pessoa completamente diferente.
Era este então o meu arco-íris, M. C., aquela pessoa que me fez viver?
Seis anos! Os cabelos soltos continuam os mesmos de antigamente, mas estão
tristemente ruivos e ralos; o rosto amarelecido e inchado; em torno dos olhos há
irritações avermelhadas; está banguela; incessantemente, move e remove a boca.
Parecia um velho macaco sentado com as costas arqueadas ao canto do quarto.
(Cap. VI).
O homem que ela procura não é encantador. Vai se sentar ao lado dele na
companhia dos que compartilhavam a mesma mesa e, ao brindarem com copos de
saquê, o clima não era de comemoração.
E logo começa o coro: “Guillotine, guillotine, shur-shur-shur” (Cap. VI), que
servia de compasso para o som dos copos brindando com força e virados de uma só
vez garganta abaixo. Como explica a nota de tradução, “shur-shur-shur” é a
onomatopéia imitando a queda da lâmina da guilhotina. E essa canção que Kazuko
chama de absurda é cantada incessantemente a cada trago de bebida. Esses beberrões
que escolheram como alternativa “grudar no Jiro Uehara e beber saquê até se
34
O itálico é do próprio texto em Pôr-do-Sol. Cap. V.
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu.
Capítulo III – r-do-Sol de Dazai Osamu – para além dos horizontes do Romance do Eu
114
esborrachar” (Cap. VI) são, na realidade os que fizeram a quarta opção, quando a
primeira seria voltar à lavoura; a segunda, o suicídio; e a terceira, virar um rufião.
Observa-se que o coro é um enaltecimento ao símbolo da Revolução Francesa
que decapitou os nobres. A respeito da guilhotina, encontramos em Kunō no Nenkan
(Anuário de Sofrimento), escrito por Dazai em 1946: “[...] Todos os ricos são ruins.
Apenas o povo sem dinheiro é correto. Eu apoiei o levante com as armas. Não há
sentido numa revolução sem guilhotina”.
Na visão do estudioso Komashaku Kimi:
Guilhotin, guilhotin, sur, sur, sur não expressa uma traição à classe social
e nem a sensação de inferioridade. O símbolo da guilhotina, muito mais que um
sentido de classe, tem um sentido de sofrimento fundamental da existência
humana.
35
Podemos ver a duplicidade de sentido que ele carrega. Para os que desejam a
cabeça dos nobres, uma revolução sem guilhotina não tem sentido. Por outro lado,
para os nobres que foram destituídos no Japão, a guilhotina é o golpe de
misericórdia, que abreviaria o sofrimento, conforme preconizou o médico francês
Guillotin (1738-1814), nome do qual deriva esse instrumento.
A teoria da revolução de Dazai nada tinha a ver com o maxisimo ou o
leninismo. A ditadura proletária era apenas uma novidade. “Um modo de pensar que
se liga à lógica do diário de Naoji”,
36
defende o estudioso Okiura Kazuteru.
37
Uehara é um décadent, que confessa achar horrível o saquê, apesar de bebê-lo
de manhã à noite, e que acha que chegou ao “crepúsculo da vida. O crepúsculo da
arte. O crepúsculo da humanidade”. E diz: “Em todo o mundo, tem-se a impressão de
que caiu uma geada extemporânea” (Cap. VI).
Filho de lavradores do interior, Uehara diz detestar os nobres por serem
arrogantes, e apesar da consideração que tem por Naoji acha difícil conviver com ele.
Kazuko conta-lhe que agora ela também é uma pobretona do interior que lavra a terra
em sua horta. Ao estar finalmente ao lado do homem no qual depositara tantas
35
Kimi KOMASHAKU, Nihon Bungaku Kenkyū Shiryō Sōsho, Dazai Osamu, p. 43.
36
“A lógica, no final das contas, não passa de amor à lógica. Não amor ao homem.” Pôr-do-Sol. Cap.
III.
37
Kazuteru OKIURA, Nihon Bungaku Kenkyū Shiryō Sōsho, Dazai Osamu, p. 3.
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu.
Capítulo III – r-do-Sol de Dazai Osamu – para além dos horizontes do Romance do Eu
115
esperanças, Uehara perguntou a Kazuko se ela ainda gostava dele e se queria um
filho seu e a beija. Kazuko sentiu-se humilhada com a brutal demonstração do desejo
sexual de Uehara e chorou, mas acabou se entregando a ele, na casa do pintor em que
o escritor foi arrumar pernoite. Identificando o mesmo cheiro que sentia da mãe
enferma, Kazuko perguntou a Uehara se ele estava tuberculoso. Confirmando, ele lhe
revelou que ninguém sabia da doença:
Bebo porque estou disposto a morrer. Não agüento a tristeza de estar
vivo, entende? Solidão, soledade
não se trata dessas coisas de luxo. Apenas
sinto-me triste. Quando se ouvem, aos quatro cantos, lúgubres suspiros de
lamentações, não é possível arranjar-se uma felicidade particular, só da gente.
Quando se compreende que, enquanto está vivo, jamais se pode ter felicidade ou
gloria próprios, que havemos de sentir? Esforço
isto apenas servirá de pasto às
feras esfomeadas. Há gente miserável em excesso! (Cap. VI).
Uehara reconheceu que só o amor, o amor de que falava Kazuko na carta, traz
a felicidade. Sobre esse amor, Kazuko não sabia o que escrever no final do primeiro
capítulo, quando disse que “queria escrever tudo, claramente, sem ocultar coisa
alguma”, concluindo: “Amor escrevi, e notei que não conseguia escrever o resto”.
Esse amor que, quando amanhece junto a quem considerara seu amor, “tinha-se
apagado” (Cap. VI). Mas o amor por quem ela chama de “meu arco-íris”, “My
Child”, que estava ali diante dela, com o rosto de quem à beira da morte, fatigado e
sacrificado, e ainda parece-lhe o mais belo de todos, ressurge como “Triste, triste
realização do amor” e ela não quer mais se separar dele:
Sou feliz agora. Apesar das lamentações que se ouvem aos quatro
cantos. Esta minha felicidade acha-se no ponto de saturação. Sou feliz a ponto de
espirrar.
Ele riu:
Mas como já é tarde! Crepúsculo.
É manhã. (Cap. VI).
Para Uehara, o sol está se pondo, não há mais esperanças, só resta esperar
pela morte. Para ela, é o alvorecer, o raiar de uma nova vida, apesar da morte de
Naoji, ocorrida no mesmo momento, e apesar de ser abandonada por Uehara, a quem
considera uma vítima da “época de transformações morais” e que deveria “merecer
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu.
Capítulo III – r-do-Sol de Dazai Osamu – para além dos horizontes do Romance do Eu
116
dos pósteros alguma palavra de agradecimento”. Foi ele quem lhe acendeu a chama
da vida para, com o filho que traz no ventre, continuar a “lutar sem tréguas com a
velha moral” na revolução que considera incompleta e que faz de suas vítimas o que
há de mais belo no mundo em que ela vive.
Naoji renegou sua classe nobre, mas nem assim conseguiu misturar-se ao
povo. É uma pessoa sem lugar no mundo, que recorreu às drogas e ao álcool para
passear no mundo da fantasia e lá tentar encontrar a alegria e a vontade de viver que
não consegue obter no mundo real, no qual também não consegue sobreviver.
Decepcionado com as pessoas e com o mundo, a morte é o único caminho que lhe
resta seguir, um direito que ele reclama para si como o direito que qualquer homem
tem de viver. A morte significa estar livre da vida desagradável.
É estranha a observação de Yanagi Tomiko, que inclui como um dos motivos
concretos que Trepliov tinha para cometer o suicídio o amor rejeitado por Nina, que
seria o diferencial com Naoji, que morre sem um motivo palpável. Em seu
testamento no último capítulo, temos a revelação que ele faz à irmã acerca de seu
amor platônico por Suga, a esposa de um pintor amigo, ansiando por quem
representa o amor honesto;
38
é obrigado mergulhar na diversão com outras mulheres
para tentar esquecê-la, mas em vão.
Não deixamos de admitir que a imagem do autor está presente em Naoji, mas
salientamos que ela não é mera transposição. Naoji é um verdadeiro fracasso na
profissão e no amor, a vida inteira:
Eu, que não passo de um capim, a custo vivo ao ar livre e ao sol desta
vida. Para continuar vivendo, careço de algo em algum lugar. Algo me falta.
Consegui viver até agora, e isso mesmo a muito custo.
Entrei no colégio e, ao defrontar-me pela primeira vez com amigos, fortes
e rijos como plantas crescidas numa classe social completamente diferente
daquela onde me criei, vi-me impelido pela força deles, mas, não querendo
perder, tomei entorpecentes e resisti qual um louco. Depois, quando me tornei
soldado, ainda aí me vali do ópio como último recurso para continuar a viver.
Para a mana, acho, tudo isto deve ser incompreensível.
38
O itálico é do próprio texto: Pôr-do-Sol. Cap. VII.
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu.
Capítulo III – r-do-Sol de Dazai Osamu – para além dos horizontes do Romance do Eu
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Queria tornar-me deselegante. Queria ficar forte. Não, brutal. E pensei
que este seria o único meio para me converter num igual do povo. [...]
Tornei-me deselegante. Passei a dizer palavrões. Entretanto, metade
disso, não, sessenta por cento, não passava de pobre pretensão. Desastrados
artifícios! Para a turba, eu continuava sempre um homem constrangido, afetado e
pretensiosamente composto. Ela não se digna de brincar comigo, abertamente. E
todavia, já não posso regressar ao ambiente que abandonei. [...] Já não posso
suportar, um segundo sequer, a elegância asquerosa da chamada alta roda. [...]
Sem poder voltar à vida que reneguei, do povo só recebi um lugar no auditório
cheio de maldade e solenemente idiota. [...]
Os homens são todos iguais. (Cap. VII)
Diz o estudioso Isogai Hideo que a busca do absoluto de Dazai não admitia o
meio-termo era a perfeição ou o nada e que o autor não crescia, não se tornava
adulto, porque não aceitava a relatividade das coisas. Sua revolta era com a falta de
sensibilidade da sociedade e não com a estrutura social, e por isso ficava fora tanto
do mundo aristocrático burguês como da massa popular.
39
De fato, nas entrelinhas, as
palavras de Naoji revelam essa natureza desconfortável e desesperada de Dazai.
As cartas que Kazuko escreve a Uehara não são inserções ilustrativas.
Exercem mais do que uma função complementar, são elos entre as demais partes.
Localizando-se exatamente no centro da obra, no quarto capítulo de um total de sete,
elas desenvolvem o texto e encaminham-no para o desfecho: a decisão de viver
unicamente pelo amor. É assim que ela se torna a sobrevivente dessa família de
nobres decadentes: despojando-se da moral antiga, transgredindo as regras, indo à
luta.
Cabe lembrar que na terceira carta é retomada a questão do “devasso”
(“libertino”),
40
quando Kazuko conversa com a mãe sobre a alegria que sente ao
39
Hideo ISOGAI, Nihon Bungaku Kenkyū Shiryō Sōsho, Dazai Osamu, p. 13-4.
40
Substituímos a tradução de “libertino” por “devasso”, mas não por discordar da tradução de Antonio
Nojiri, pois “devasso” tem acepções semelhantes à de libertino. Procuramos apenas fazer um uso
distinto de “libertino”, porque esse termo em japonês é empregado para denominar a corrente ou
grupo no qual Dazai Osamu é classificado, ou seja, buraiha (no sentido de “vadio”, “fora-da-lei”),
ideogramas que recebem a leitura de riberutan (do francês libertin), pois em japonês o vocábulo
correspondente é furyō.
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu.
Capítulo III – r-do-Sol de Dazai Osamu – para além dos horizontes do Romance do Eu
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recordar-se dos elogios que recebeu, e ela, sem qualquer conexão lógica, pergunta-
lhe: Como é o professor de Naoji?
Senti um calafrio.
Não o compreendo bem, mas deve ser um devasso (libertino) fichado, já
que é mestre de Naoji.
“Fichado”
murmurou ela, os olhos irradiando alegria.
Que expressão divertida! Que ele seja fichado; então pode-se ficar mais
tranqüila. Até chega a ser adorável, pois parece um gatinho com seu sino
amarrado no pescoço. O que me dá medo é o devasso (libertino) sem ficha. (Cap.
IV).
Nesse diálogo, que parece irracional, é como, se sem o saber, a mãe tivesse
aprovado o amor de Kazuko, o segredo que ela disse possuir e pelo qual ela torcera
que viesse a dar certo. Kazuko conta, na carta, a alegria que sentiu. Depois, afirma
que gosta dos devassos (libertinos), especialmente dos fichados; que ela também
deseja sê-lo e que, sendo ele o maior devasso (libertino) fichado do Japão, seu
interesse por ele é ainda maior.
A palavra “devasso” (“libertino”) é mencionada inicialmente no “Diário de
Yūgao”, de Naoji, sob a forma de indagação, como que justificando sua própria
natureza: “Haveria alguém que não seja devasso (libertino)?” (Cap. III). Tempos
depois, Kazuko imaginou se o irmão não seria mais feliz se acabasse por se tornar
um devasso assumido (completo libertino), constatando ser também ela uma devassa
(libertina), assim como o tio e a mãe. “Devasso” (“Libertino”) afinal, não quer
dizer meiguice?” (Cap. III), concluiu ela.
A ligação de “devasso” ou mesmo de “libertino” com “meiguice” soa
estranha em razão de uma aparente contradição que se vê entre essas palavras. No
entanto, yasashisa, o correspondente a “meiguice”, tem várias acepções em
japonês,
41
e em português
42
também encontramos diversas acepções para meiguice, a
41
Segundo o dicionário japonês Kōjien, da Editora Iwanami: ficar retraído, envergonhado; ficar diante
de uma situação que é de um requinte constrangedor; ser obediente, condescendente, quieto, tímido,
dócil, submisso, complacente; ser sensível, ter compaixão; excelente, ficar admirado com um
santuário, um sermão; ter um sentimento de veneração, misterioso, sobrehumano.
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu.
Capítulo III – r-do-Sol de Dazai Osamu – para além dos horizontes do Romance do Eu
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palavra utilizada na tradução. É possível verificar que, de alguma forma, “devasso” e
“meiguice” cruzam-se no sentido de ser condescendente com seus próprios
sentimentos, ser brando e não lutar contra eles.
É essa a natureza de Naoji revelada em seu diário. Naoji é capaz de escrever
bem e levar o leitor à comoção, fazendo um romance perfeito, mas prefere deixar
essa prepotência de lado:
Ah, as boas obras são justamente aquelas que não aparentam compostura.
Eu, só pelo prazer de ver o rosto de meu amigo risonho de real alegria, falho de
propósito na elaboração de um romance, escrevo desastradamente, e ponho-me
em fuga aos tombos, coça-coçando a cabeça. Ah, o rosto feliz do amigo nessa
ocasião!
Péssimo estilo, ordinária apresentação pessoal de quem fica a tocar
corneta de brinquedo, eis aqui o maior burro do Japão; tu, entretanto, ainda tens
salvação, sê feliz por que este meu amor ao próximo? (Cap. III).
Naoji quer ser gentil e amável com as pessoas e segue esse seu sentimento
sem opor resistência, mas ao mesmo tempo não consegue se sentir confortável junto
às pessoas e sujeita-se ao isolamento, na bebida e na diversão com mulheres, até que
chega a seu limite:
Quando fingi precocidade, os homens comentaram que eu era precoce.
Quando fingi preguiça, comentaram que eu era preguiçoso. Quando fingi não
saber escrever romances, comentaram que eu não sabia escrevê-los. Quando me
fingi mentiroso, comentaram que eu o era de fato. Quando me fingi rico,
comentaram que eu era rico. Quando fingi insensível, comentaram a minha
insensibilidade. Mas, quando, sofrendo verdadeiramente, soltei um gemido sem
querer, os homens comentaram que eu fingia sofrer.
De todo jeito, não dá certo.
Não é que a única solução para o caso é o suicídio?
Estou sofrendo. Só me resta o suicídio. Penso nisso, grito e choro. (Cap.
III)
42
Pelo Dicionário Houaiss eletrônico, da Editora Objetiva: dotado de sentimentos gentis, ternos;
carinhoso. Inspirado pela bondade, gentileza; afável, meigoso. Que causa impressão agradável; suave,
ameno, brando.
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu.
Capítulo III – r-do-Sol de Dazai Osamu – para além dos horizontes do Romance do Eu
120
Naoji mostra seu lado gentil com as pessoas, de ficar na posição de servi-las,
uma característica que Dazai manifestou em toda sua vida, ao lado da já comentada
postura de se fazer passar por palhaço, mas nem assim conseguiu se aproximar das
pessoas e viver bem com elas. A vida é pura frustração e sofrimento. Essas linhas
escritas que Kazuko encontrou no diário de Naoji são apenas confirmadas no
testamento que ele deixou antes de se suicidar, na manhã em que a irmã encontrou
alento para viver. Diferentemente de Kazuko, que “é capaz de dizer o que pensa a
quem quer que seja” (Cap. IV), Naoji só consegue revelar seus sentimentos por meio
da escrita. As poucas e curtas falas dessa personagem no texto são tão diretas,
irônicas, que chegam a ser agressivas. Quando volta da guerra, depois de tanto tempo
fora de casa, vai entrando pelo portão dos fundos sem qualquer aviso, como se as
circunstâncias que o levaram à separação da família fossem muito naturais, como se
sua presença ali fosse extremamente normal. Cumprimentou a irmã com as palavras:
Ué, horrível! Que casa de mau gosto. “Mansão Chinesa”. “Temos
shao-mai”. Bote isso numa tabuleta. (Cap. III).
O reencontro com a mãe nem nos é dado presenciar. Indagado por Kazuko
sobre o que achara da mãe, ele disse:
Mudou. Mudou. Mortificou-se. Devia morrer logo. Num mundo como
este, alguém como ela não pode viver mais, de jeito nenhum. Tanta pena me dá
que nem consigo ficar olhando para ela. (Cap. III).
De fato, ele mantevem distância o quanto pôde, até a morte da mãe, e isolou-
se da família e do mundo, afogando-se na bebida.
É por meio do Diário de Yūgao e do testamento que são lidos por Kazuko que
conhecemos seus pensamentos e sentimentos, expressos de modo fragmentado mas
tão incisivo quanto suas palavras presentes nos diálogos. A vida real equivale ao
nada. A vida é sofrimento e ele busca a solução na morte.
A narrativa de Pôr-do-Sol, como foi visto, é intercalada não só por textos
como o diário e o testamento de Naoji e as cartas de Kazuko, mas também por
referências a obras literárias e religiosas, seja por seu título, pelo nome de suas
personagens, citações ou menção de partes da obra que ampliam as esferas da
narração por meio da intertextualidade, do dialogismo, criado por elas.
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu.
Capítulo III – r-do-Sol de Dazai Osamu – para além dos horizontes do Romance do Eu
121
Um fato curioso a ser registrado é que temos a voz feminina de Kazuko, um
método utilizado por Dazai Osamu em outras obras, como Tōrō, Yuki no Yoru no
Hanashi, Joseito e Villon no Tsuma, citadas pelo estudioso Yanagita Tomotsune ao
tecer elogios ao autor, que “utiliza de forma habilidosa a forma confessional
feminina, adequando a narração de suas personagens de acordo com a faixa etária e a
natureza da personagem”
43
.
Pelas datas de Tōrō (Lamparina, 1937), Yuki no Yoru no Hanashi (História
de uma Noite de Neve), Joseito (A Estudante, 1939 ) e Villon no Tsuma (A Esposa de
Villon, 1947), observamos que Pôr-do-Sol é a última de uma série de obras na qual
ele emprega a voz narrativa feminina, mas podemos dizer que, como demonstrado
em várias passagens da estruturação e montagem dessa obra, sua forma narrativa
apresenta um elevado grau de apuração, que alude ao método empregado na obra
Tosa Nikki (Diário de Tosa),
44
a primeira obra em voz feminina na literatura
japonesa, escrita em 935 por Ki no Tsurayuki (870-945), um dos antologistas da
Kokin Wakashū (Coletânea de Poemas de Outrora e Hoje, 905), a primeira das 21
editadas por ordem imperial
45
no período clássico.
Renomado poeta da corte, Ki no Tsurayuki compôs um grande número de
poemas, mais de 300 constando de coletâneas editadas por ordem imperial. Essa obra
inaugurou o novo gênero conhecido como nikki (diários), utilizado principalmente
pelas damas da corte, que criaram um período de glória da literatura feminina
japonesa já mencionada. Narra a viagem de Tsurayuki e sua comitiva de retorno à
capital Quioto, depois de cumprido o mandato como Governador de Tosa, atual
Província de Kōchi, de onde partiu em 21 de dezembro de 934.
Tsurayuki foi inovador ao parodiar os diários burocráticos escritos em chinês,
denominados niki, e criar um diário poético que abandonou os ideogramas e
empregou a voz narrativa feminina como disfarce para justificar essa obra inovadora
escrita com os fonogramas hiragana, utilizada, no início, exclusivamente pelas
mulheres. Ao mesmo tempo, encenou a vontade das mulheres da época de imitar os
homens em seus diários oficiais, registrando os 55 dias de viagem com inserções
43
Tomotsune YANAGITA. Nihon Bungaku Kenkyū Shiryō Sōsho, Dazai Osamu, p.217.
44
V. Apêndice, p. 18-19.
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu.
Capítulo III – r-do-Sol de Dazai Osamu – para além dos horizontes do Romance do Eu
122
introdutórias e explicativas sobre os poemas supostamente compostos em momentos
memoráveis, do início ao fim da viagem.
46
Em Pôr-do-Sol, enxergamos uma intenção semelhante de Dazai de tornar
Kazuko a porta-voz dessa história em que ela é a única sobrevivente do mundo
japonês em transformação após a Segunda Guerra Mundial. Dazai cria essa
narradora-protagonista, que não deixa de ser uma de suas faces em interação com
suas outras faces, que são a mãe, o irmão mais novo e o amante.
Já em Villon no Tsuma, por exemplo, temos uma narradora construída de
maneira secundária, na figura de Sachiko como esposa de Otani, um escritor que se
ausenta por vários dias seguidos de casa às voltas com mulheres e bebida, deixando-a
com o filho deficiente mental passando necessidades. Ela é semelhante aos
protagonistas das obras analisadas no capítulo anterior, uma mulher submissa que,
apesar de tudo, se importa com o marido e se sujeita ao trabalho pesado para pagar as
dívidas dele, sem, contudo, pensar que se trata de um sofrimento ou sacrifício. Como
personagem, é o retrato da mulher dedicada que ama incondicionalmente, e
observamos nisso uma intenção de criar uma figura ideal. Em termos de elaboração,
porém, a obra limita-se a narrar os fatos de modo linear e sem a inserção de
elementos que contribuem para seu enriquecimento, como é o caso de Pôr-do-Sol.
Sustentado pelo irmão mais velho até o final da guerra, Dazai mantém-se
como um jovem cheio de orgulho e muito sensível, o que normalmente não é viável
quando se precisa enfrentar a necessidade do dia-a-dia e batalhar pelo próprio
sustento. Dazai não se sente confortável com sua própria condição de descendente da
nobreza rural quando começa a ter contato com o comunismo, por volta de 1926,
época em que freqüentava o colegial. Essa relação foi mantida na faculdade e depois
dela, até meados de 1932. Depois da união com Oyama Hatsuyo, em fevereiro de
1931, logo após sua primeira tentativa de suicídio com uma garçonete, que acaba
morrendo na ocasião, os movimentos ilegais de Dazai mudam. Ele despista a polícia
com sua vida de cidadão comum, mas oferece a casa como ponto de agitação, local
de reunião; por isso, foi detido diversas vezes. Em 1935, faz a segunda tentativa de
45
V. Apêndice, p.15.
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu.
Capítulo III – r-do-Sol de Dazai Osamu – para além dos horizontes do Romance do Eu
123
suicídio. Quando ingressa no curso de Francês da Universidade de Tóquio, chega a
fazer panfletagem, e correm boatos de que ele era filiado ao partido comunista, mas
não se sabe ao certo até que ponto ele fazia parte do movimento. Ele se identificou
com o comunismo por achar que travava a mesma luta com a realidade, mas não por
ideologia.
Dazai viveu um período de grande repressão ideológica, que se intensificou a
partir do golpe militar de 26 de fevereiro de 1936, quando foi reformulada e
promulgada a lei de proteção e observação contra os crimes ideológicos e a vida
econômica da população passou a ser controlada. Com o confronto das tropas
japonesas e chinesas na noite de 7 de julho de 1937 na Ponte Marco Pólo próximo a
Pequim, teve início a guerra do Japão contra a China. Ao contrário da solução rápida
que era divulgada, a guerra só intensificava-se. Novas perseguições ideológicas se
repetiram, com o intuito de unificar o pensamento dentro do país, e as prisões se
multiplicavam.
Ao mesmo tempo, as revistas foram alvo de censura, sofrendo apreensões e
proibições de venda. Em abril de 1938, foi promulgada a lei de mobilização nacional,
sendo concluídos os preparativos para situação de guerra em todos os setores da vida
da população. Em 1939, foi lançada a diretriz para mobilizar o povo diante da guerra
e promulgada a lei de controle de distribuição de arroz. A grande derrota para a
Rússia em setembro de 1939 numa batalha iniciada desde maio na região de
Nomonhan foi mantida em segredo. Em julho de 1939 foi promulgada a lei para
convocação da população para a guerra e o Japão entrou no sistema de mobilização
do povo também para prestar serviços em geral. Além dessas pressões provenientes
do poder político, os círculos literários e o mundo jornalístico também sofreram
represálias desde o período áureo do marxismo nos anos de 1926, com o poder que
obrigava os profissionais a abandonarem suas ideologias, as acusações sobre aqueles
que se manifestavam de modo liberal, acrescidas pelas denúncias anônimas que
chegavam às instâncias que cuidavam do controle de pensamento.
46
Neide H. NAGAE, O Surgimento do Diário como Obra Literária na Literatura Clássica Japonesa, p.
93.
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu.
Capítulo III – r-do-Sol de Dazai Osamu – para além dos horizontes do Romance do Eu
124
À medida que a Segunda Guerra Mundial foi se intensificando, Dazai se
tornou mais dócil. Em Shishin (Minhas Crenças, 1941), explana que procurou seguir
seus sentimentos e viver de modo reto, simples, para aproveitar cada dia da melhor
maneira possível ante a ameaça da destruição; em Ichimon Ichitō (Resposta para
uma pergunta, 1942), declara:
Nos últimos tempos, sinto ainda mais que o ser humano precisa ser
honesto. [...] A vida torna-se difícil e complicada porque as pessoas tentam usar
de subterfúgios. Se formos honestos no que dizemos e no que fazemos, a vida
torna-se muito simples. [...] Ter desprendimento também é importante.
47
Esse sentimento de Dazai, presente, por exemplo, em Fugaku Hyakkei,
abordado no capítulo anterior, parece estar latente em Pôr-do-Sol, que, segundo o
estudioso Watabe Yoshinori
48
, foi criado a partir da simplicidade, retidão e
sinceridade consigo mesmo, presentes em suas obras, alicerçadas no amor e na
beleza do sentimento humano. Esse espírito se manifestou de modo mais acentuado
nas obras de 1939 a 1940 e foi mantido em novo formato em obras como Otogizōshi.
Em Pandora no Hako, os mesmo elementos surgiram como a imagem do ser humano
ideal, perseguida durante longos anos por Dazai, mas é esmagada pela podridão da
sociedade, ressurgindo depois em Pôr-do-Sol de maneira exemplar.
De acordo com Yoshinori, as quatro personagens também são partes de
Dazai. Uehara mostra seu lado mundano, é um beberrão mulherengo, inseguro e
desleixado, que vive uma vida decadente, mas não sofre porque é narrado com a
devida distância, de modo objetivo. Naoji, na visão do estudioso, é o porta-estandarte
do sofrimento, uma personagem que carrega o ideal de derrota de Dazai numa busca
desenfreada pelo que é o verdadeiro amor e o verdadeiro ser humano; critica o
mundo torturando a si mesmo mental e fisicamente, e vai derrubando tudo que é
mundano. Incompreendido pelo mundo, continua a vida decadente e solitária até se
matar.
A Mãe é o contraponto de Naoji, diz Yoshinori. Ela concretiza a imagem do
ser ideal que abandonou a vida e a ambição e que se encontra no estado de
47
Yoshinori WATABE, Op. cit., p. 53.
48
Ibidem, p. 65.
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu.
Capítulo III – r-do-Sol de Dazai Osamu – para além dos horizontes do Romance do Eu
125
“resignação santa”,
49
desprovido de “orgulho” e de “ostentação”. Naoji e a mãe são a
imagem de ser ideal: ela representa o lado positivo; ele, o negativo. No entanto,
ambos morrem, e Kazuko nasce a partir da fusão dessa imagem idealizada do
positivo e do negativo, revestida com as qualidades de cada um deles: a Kazuko
dotada da sinceridade, alegria e meiguice da mãe, e que inicia a luta na segunda parte
do romance; após a morte da mãe, mostra as características de Naoji, que tenta lutar
contra os valores mundanos em prol da revolução do amor e da moral.
A imagem ideal da mãe e de Naoji, conforme Yoshinori, não teriam nenhuma
chance no mundo real, e somente Kazuko, que os utiliza como trampolim, pode ter
forças para viver. Por isso, o estudioso afirma que Kazuko é a imagem ideal do ser
humano que Dazai preconizou e não conseguiu concretizar em Pandora no Hako. É
a nova imagem do ser humano tão ansiado por Dazai, mas que ele não conseguiu
encontrar na sociedade japonesa do pós-guerra. Essa imagem do ser humano e
também de uma sociedade repleta de pessoas como ela é alcançada em Pôr-do-Sol,
mas, como mostra o título, ela é, segundo Yoshinori, a beleza do ocaso do astro rei
flamejante que é Dazai e estava fadada a se apagar pouco depois.
Com a criação das personagens de Pôr-do-Sol, Dazai Osamu vai além dos
protagonistas dos romances do Eu vistos como formas de revelação de seus próprios
autores em suas respectivas obras, sejam eles narradores-protagonistas ou
protagonistas narrados e que, como mostramos no Capítulo II deste estudo, não são
os esperados narcisistas em nenhum momento, e compartilham de uma natureza
passiva e resignada diante de suas dificuldades e de seus sofrimentos, resultantes
mais do contexto social e político, do que familiar. Essas obras não transmitem
simplesmente o que o autor sente relatando acontecimentos ligados a sua vida e
menos ainda constituem pura confissão.
Nossa visão a respeito das quatro personagens de Pôr-do-Sol assemelha-se à
de Yoshinori em alguns aspectos, mas difere em relação a vários pontos que resultam
numa interpretação diferente no conjunto. Para nós, a Mãe seria o pólo positivo,
como diz o estudioso, mas não como pólo oposto de Naoji. Vemos Naoji como pólo
49
Esse termo também é utilizado por Tōgō Katsumi em sua análise sobre o Otogizōshi, citada
anteriormente.
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu.
Capítulo III – r-do-Sol de Dazai Osamu – para além dos horizontes do Romance do Eu
126
negativo em relação ao positivo que é Kazuko, e os dois estariam nos dois extremos
de uma linha horizontal, ou melhor, Naoji em algum ponto negativo e Kazuko em
outro ponto positivo de uma ordenada X; a Mãe, por sua vez, estaria em algum ponto
positivo de uma coordenada Y e Uehara, em algum ponto negativo dessa linha
vertical. Dazai Osamu, o autor, seria a totalidade desse gráfico XY, isto é, estaria em
todos os pontos dos quatro quadrantes de uma circunferência que se funde com a
representação do mundo, do globo terrestre, com seus quatro pontos cardeais
principais principais porque são limitadas em número, mas permitem infinitas
possibilidades.
Em nossa cruz, assim formada pelas quatro personagens-símbolo, a Mãe, com
todas as características de pureza, amor e simplicidade sem ostentação, expressa pela
“resignação santa”, representa a nobreza japonesa em extinção em algum ponto do
pólo positivo da linha vertical, uma vez que os nobres poderiam estar acima, abaixo,
à esquerda ou à direita, em qualquer um dos pontos, de acordo com suas respectivas
naturezas. Uehara, filho de lavradores, representa a camada popular japonesa, no
pólo negativo da mesma linha da Mãe, valendo para ele as observações já feitas a
respeito do lugar ocupado pela personagem. Naoji e Kazuko representam uma nova
geração descendente de nobres em transformação. Naoji tenta ocupar seu espaço
junto às camadas populares, mas não consegue defini-lo; no testamento, diz ser um
nobre, sem um lugar no mundo, e opta pela morte. Kazuko é aquela que herda traços
da mãe e do irmão e não teme as transformações; luta pela revolução e pelo amor e
opta pela vida. Ela dará origem à imagem ideal do ser humano sonhada por Dazai.
Nesse cruzamento
50
, inserimos Uehara, representante do povo, no pólo
negativo da coordenada Y por sua origem rural ligada à terra, no oposto da Mãe, que
se liga à elite, considerada superior nas relações hierárquicas, mas também por ser
descrita como uma imagem sublime em termos dos pontos cardeais, o Norte
tradicionalmente se impõe como superior ao Sul, onde se situa Uehara. Naoji, como
pólo negativo, está no Oeste, o poente. A ele só restam átimos de existência visível.
Kazuko, no Leste, tem a positividade a seu favor. Começa a tornar-se visível e será
iluminada pelo radiante calor do sol. Cada qual em sua posição, segue seu próprio
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu.
Capítulo III – r-do-Sol de Dazai Osamu – para além dos horizontes do Romance do Eu
127
sentimento, sem opor resistência, o que significa que cada um e todos têm o direito
de fazer sua escolha. Isso liga-se ao anarquismo, mas ao mesmo tempo à liberdade.
Dazai reconhece o respeito ao direito de cada ser humano fazer sua própria
opção, como mostra Pôr-do-Sol. Situadas como pares de opostos nas ordenadas e
coordenadas, as personagens dialogam entre si e ampliam o diálogo de Dazai consigo
mesmo, que simbolicamente não ocupa nenhum lugar dessa circunferência traçada
pelas quatro personagens, mas existe como essência de todas elas e está em todos os
quadrantes como possibilidade de cruzamentos infinitos. Ao alojar a semente de
Uehara em seu ventre, Kazuko dará à luz um herdeiro híbrido, resultado de uma
mutação de sua origem nobre e da origem profana de Uehara. É por isso que Kazuko
diz, em sua última carta a Uehara:
penso ter rechaçado a velha mora, ainda que em diminuta proporção, na primeira
batalha desenvolvida até agora. E estou com intenção de me acometer à segunda
e à terceira lutas com a criança que agora vai nascer.
O fato de dar à luz o filho de uma pessoa amada e de criá-lo constitui o
coroamento da minha própria revolução moral. [...] Quem passou em meu peito o
arco-íris da revolução foi o senhor. Quem também me deu a motivação para viver.
[...] a revolução ainda não está, de modo algum, completa. Parece-me que serão
necessárias mais e mais vítimas nobres a lamentar.
No mundo atual, o que há de mais belo são as suas vítimas. (Cap. VIII).
A criança, sim, é a imagem do homem ideal que Kazuko irá dar à luz, e terá
“uma vida radiosa como o sol”.
Sendo Kazuko, a narradora-protagonista da obra, podemos dizer que a
começar pelas obras O Jardim das Cerejeiras e A Gaivota, de Tchékhov, Pôr-do-Sol
dialoga com Fausto e Sarashina Nikki para sugerir aspectos que fazem parte da
natureza das personagens e insere citações de muitas outras, de autores como Fausto,
Byron, Rosa Luxemburg e Turguéniev, assim como várias passagens da Bíblia e
crendices populares reveladoras dos pensamentos e tendências que movem as
personagens em cada situação. Man’yōshū e Genji Monogatari são exemplos de mais
50
Mokiti OKADA, O que é limite, p. 472.
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu.
Capítulo III – r-do-Sol de Dazai Osamu – para além dos horizontes do Romance do Eu
128
obras que remetem a contextos de outras épocas a fim de serem reconsiderados e
comparados com o momento histórico retratado na obra.
Nessa malha de textos de Dazai emergem registros das próprias personagens,
nas formas de diário, carta e testamento. O diário e o testamento de Naoji servem
como material informativo sobre alguém que não consegue interagir com as pessoas
e ser compreendido por elas. Seus memorandos são, em sua maioria, momentos
tristes de registros de insatisfações, lembranças desagradáveis e deprimentes, desejos
frustrados, manifestações de revolta e desespero diante da situação vivida. Ao revelar
esse lado negro da vida, Dazai trabalha como Tchékhov. Compõe uma comédia. A
postura palhaça de Dazai aparece aqui, não pelos gracejos que ele fazia para
conseguir se socializar, mas por meio da escrita imitativa baixa. Ele não vê a
autoconfissão como forma de salvação, mas como alvo do riso.
As cartas de Kazuko posicionadas no centro dos demais capítulos assumem
múltipla função como cerne da obra, unindo também conteúdo e forma. Além de
declarar seu interesse por Uehara e seus propósitos, atualiza a informação do leitor
sobre acontecimentos relativos ao irmão, à Mãe e a ela mesma, sem interromper o
desenvolvimento da narrativa. É nelas que grande parte da intertextualidade da obra
se faz presente.
Vemos, portanto, que Pôr-do-Sol emana raios de luz, resultantes do
entrelaçamento dos fios narrativos de que é tecido, e esses raios de luz não são fortes
e ofuscantes a ponto de cegarem os olhos; são antes uma luz visível, como o são as
obras escolhidas para tecerem sua narrativa. Nesse aspecto, a estrutura desta obra vai
além da linearidade geralmente encontrada nos Romances do Eu estudados no
capítulo anterior. Não só, o uso recorrente de elementos de intertextualidade reforça
o caráter lietário da obra com o intuito de desvincular a realidade ficcional da
realidade factual.
Nessa obra, Dazai revela que o romance não permite o monólogo genérico,
mostra que há um diálogo entre os textos admitidos pelo sistema canônico literário e
os que não se inserem nele como os diários, os textos religiosos e qualquer forma de
expressão inscrita em qualquer cultura de qualquer sociedade.
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu.
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Ainda que aponte para a esperança, para a realização do sonho na
concretização da imagem do ser humano ideal, a obra reveste-se de uma tristeza
profunda, e o título acentua essa sensação.
Depois de Pôr-do-Sol concluiu mais duas obras: Ōtō (Cereja, 1948) e Ningen
Shikkaku (Ser Humano Desqualificado, 1948), esta última uma espécie de testamento
ou auto-retrato que escreveu consciente de que sua vida não iria durar muito. Já
tuberculoso e castigado pela insônia e pelo cansaço devido ao excesso de trabalho e o
desgaste físico com a bebida, o autor, sem terminar de escrever a cômica obra
Guddobai (Adeus), suicidou-se
51
jogando-se nas águas do Rio Tamagawa em Tóquio
no dia 13 de junho de 1948, como se tivesse mergulhado em busca da pepita de ouro
no fundo do rio ou do Templo do Dragão que Urashima encontrou no fundo do mar.
Misteriosamente, seu corpo só foi encontrado no dia 19 de junho,
52
data de seu 39
o
aniversário.
51
Anteriormente, Dazai havia feito três tentativas de suicídio. Em 1930, no mar de Kamakura onde se
joga com uma garçonete que morre na ocasião; em 1935 nas matas de Kamakura onde tentou
enforcar-se e em 1937, depois de ter descoberto que fora traído por Oyama Hatsuyo enquanto esteve
internado nas termas de Tanikawa em 1936 para cuidar da dependência de morfina e da tuberculose
nas termas de Minakawa em 1936. Hatsuyo morava com ele há seis anos, desde que ele a fizera deixar
o trabalho de gueixa.
52
No primeiro ano de seu falecimento, foi realizado um encontro em sua memória diante de seu
sepulcro e desde então, é realizado anualmente sob o nome de Cerimônia Ōtō.
De Katai a Dazai: para uma Morfologia do Romance do Eu
Conclusão
130
CONCLUSÃO
Nos primórdios da formação da literatura a herança chinesa inspirou os
gêneros e formas da poesia. A prosa iniciou-se com os diários, as narrativas, os
setsuwa
1
e os ensaios, sobretudo depois da criação da escrita fonogramática, que
facilitou a expressão escrita dos japoneses. Essa configuração permaneceu até o
isolamento japonês, ocasião em que surgiram novos gêneros de grande popularidade,
os quais deram lugar a uma literatura de entretenimento baseada na moral
confucionista, mas asseguraram a continuidade da composição de poemas em chinês
e o estudo da literatura chinesa.
Com a abertura para o Ocidente, as formas literárias assumem outra
“roupagem”. O estilo ocidental invade aos poucos a arte literária do período anterior,
até constituir nova divisão, em que prevalece a prosa constituída por diversos tipos
de romances. Na poesia, permanecem os poemas japoneses e chineses e passam a ser
produzidos os poemas shi, que seguem a forma ocidental.
Terminado o período de publicação das últimas obras que representavam o
período anterior, começa o período de “iluminação”, com traduções de obras
ocidentais que promovem a divulgação da cultura ocidental e os romances
traduzidos. Surgem publicações das modernas concepções ocidentais produzidas
pelos próprios japoneses que foram estudar na Europa e nos Estados Unidos, e uma
variedade de romances políticos (seiji), de idéias (kannen), trágicos (hisan),
românticos, idealistas e de costumes (fūzoku) são produzidos. Formam-se círculos
literários, como a Kenyūsha, de Ozaki Kōyō, e posteriormente grupos de escritores e
poetas reunidos em revistas literárias, que começam a assumir o formato de círculos
literários. O Romance do Eu surgiu nesse contexto. Do ponto de vista filosófico e
“ideológicos”, no entanto, o que se manteve foi o espírito japonês, que institui o
xintoísmo como religião oficial.
1
A chamada Narrativa Setsuwa é formada por pequenos episódios budistas ou seculares e que tem
Nihon Ryōiki (Os Relatos Milagrosos do Japão), da autoria do bonzo Kyōkai, como a primeira do
gênero, surgida por volta de 824, e várias obras até o início do século XIV. V. Apêndice, p. 26-28.
De Katai a Dazai: para uma Morfologia do Romance do Eu
Conclusão
131
O espírito japonês se manteve desde os primórdios da cultura japonesa, mas o
conhecimento chinês que o acompanhava foi substituído pelo conhecimento
ocidental. Se considerarmos que mesmo no período do isolamento os meios literários
ainda idolatravam os poemas e textos chineses, podemos dizer que a mudança radical
se dá efetivamente com a introdução das novas influências da literatura ocidental.
Tais influências, contudo, não são absorvidas de imediato e muito menos de modo
integral; sofrem adaptações, como ocorreu com a cultura chinesa, introduzida nos
primórdios da história do Japão.
Surgido numa época em que o Japão acabara de abrir os portos ao Ocidente,
quando, então, entraram simultaneamente o Romantismo e o Naturalismo, o
Romance do Eu, de caráter autobiográfico, nasce como os romances biográficos e
autobiográficos, que, assim como o romance de formação, são, segundo Bakhtin,
produtos do século XVIII.
Pode-se dizer que é um gênero híbrido, resultante desse novo contexto
literário, de novas idéias que se fundem ao que já existia no mundo literário japonês,
moldado pelas contingências sociais e políticas da época em que o Romance do Eu
surgiu e veio a se desenvolver. Sua fama de romance escrito por autores alienados da
sociedade tem uma razão de ser, e ele pode ser visto como um subterfúgio, uma
camuflagem.
Não seria exagero, portanto, afirmar que o Romance do Eu é resultante da
repressão ideológica e política, já que, ao fazer uma contestação contra o regime
vigente, os autores o fizeram de maneira velada, nas entrelinhas do texto. Nas
primeiras obras, foi possível observar que essa forma literária centrada na vida
pessoal do autor é também um fenômeno de repressão social, no nível das relações
amorosas, pela modificação no pensamento que rege o casamento, a família, as
convenções sociais.
Escritores desse período inicial do contato com o Ocidente e, por extensão, da
transformação de valores de todo um povo e de toda uma cultura manifestam, em sua
produção literária, aspectos shōjo (modo menor, hinayana, do budismo). Olham para
suas angústias, seus sofrimentos, seus sentimentos agravados por uma discordância
com a política nacional, fazendo parecer “uma falta de interesse ou de
De Katai a Dazai: para uma Morfologia do Romance do Eu
Conclusão
132
compromisso”, uma alienação do mundo do qual deveriam fazem parte. Contudo,
esse contestar no nível individual, que afeta o cotidiano de uma pessoa, de um
cidadão, revela-se uma forma de dizer “não” a todas as mudanças que influenciaram
diretamente a vida do povo. É quase uma doença, sintoma de um mal que acomete a
sociedade intelectual. Eles se negam a pensar?
Como já mencionado, a repressão ao livre pensamento foi muito intenso no
Japão. Os líderes das novas religiões desse período foram tão reprimidos quanto os
cristãos, que “abandonavam” a fé ou morriam, no período em que o Japão começou a
se fechar para o Ocidente, no governo militar do século XVI. Essa situação não foi
diferente para os escritores. A liberdade de pensamento e de expressão só foi obtida
após o término da Segunda Guerra Mundial. Não é possível que nada disso tenha
deixado de influenciar essa classe pensante. Só resta admitir que ela tenha sido
obrigada a ser submissa, pelo menos na aparência. Isso aconteceu em várias fases da
história do Japão: a força bruta e tirana do governo sobrepondo-se, impondo-se ao
povo. Mesmo quando a assim chamada literatura do proletariado, baseada em idéias
socialistas, surge, ganhando força no cenário nacional, os escritores são obrigados
em seguida a retratar-se, e a maioria deles passa a escrever Romances do Eu.
Nota-se, nesse gênero, que a escolha do foco narrativo em terceira pessoa é
menos comprometedora. Ao passar para o discurso indireto livre, o narrador assume
os atos e sentimentos do personagem principal, mas sempre será uma terceira pessoa
e não a primeira pessoa, o autor. O Romance do Eu é uma tentativa de enxergar-se a
si mesmo, pois cada um enxerga o que está ao alcance de sua visão sem, contudo,
enxergar o que o outro vê.
O Romance do Eu, no entanto, não é puro monologismo. Dialoga com seus
pares, que estão em consonância com os sentimentos do protagonista, pessoa acuada
e sem poder de ação, porque é reprimida e tolhida. Parodia as obras estrangeiras
européias que entram no Japão, mas insere o que há de mais inato no japonês, seu
próprio eu, a tradição dos ensaios, diários e o lirismo poético.
O enredo do Romance do Eu é um fragmento da vida cotidiana. Focaliza os
acontecimentos de um determinado período, que pode ser curto, como o da crônica,
ou mais longo, para dar conta da duração do evento ou fato que se quer relatar:
De Katai a Dazai: para uma Morfologia do Romance do Eu
Conclusão
133
situações que a vida impõe com as circunstâncias, conseqüências de ações do
sentimento, muito mais do que da razão. Pode ser de qualquer período da vida,
infância, juventude, meia-idade ou velhice, mas com menor freqüência sobre a
infância e a tenra juventude, pois, em geral, as narrativas abordam um passado quase
imediato ao da escrita. Não há começo, meio e fim muito definido. O que há é um
recorte do conteúdo que se pretende expor.
O mundo em volta e as personagens secundárias muitas vezes transformam-se
em pano de fundo para a personagem central. O protagonista fala de si mesmo, de
fatos que o cercam no cotidiano, na vida privada. Nota-se uma dificuldade de sair
dessa esfera particular, familiar, e de se expressar sobre o alheio, sobre o mundo em
que vive. Encontramos, no oculto background do protagonista e das personagens, o
que fica evidente por esse modo ensimesmado de se expor ao mundo. Não há espaço
para que o autor fale de outros assuntos além daqueles que pertencem à esfera de sua
intimidade; quando esse espaço parece existir, o autor prefere restringir o relato a
fatos passados, de uma narrativa em terceira pessoa, de um protagonista criado com
nome e sobrenome para manter o distanciamento.
Encontramos, nas obras, um testemunho da realidade às avessas; revelar,
mantendo-se calado; mostrar sua vida particular, a de um pequeno círculo de amigos,
para não mostrar a vida do povo; restringir-se aos assuntos da família, para não tocar
nos assuntos coletivos; denunciar, sem nada declarar. A crítica social àquele mundo
em transformação, no qual os próprios escritores iniciam sua ascensão, ocorre
subliminarmente. Os dados que encontramos nas páginas da narrativa não nos
permitem de fato identificar o protagonista com o próprio autor, embora esse
elemento de indissociabilidade entre a vida real do escritor e a sua representação
literária tenha sido cultivado pelos círculos literários da época, se isso pudesse
conferir mais credibilidade à narrativa e acentua sua verossimilhança.
As obras do Romance do Eu normalmente são curtas em extensão e em tempo
da narrativa. As mais curtas assemelham-se às crônicas e aos contos. Algumas obras
fazem um registro preciso das datas em tempo histórico, seguindo uma ordem
cronológica, mas a maioria trabalha o tempo da narrativa de modo criativo, ora
iniciando pelo desfecho, ora dando a impressão de que estamos acompanhando a
De Katai a Dazai: para uma Morfologia do Romance do Eu
Conclusão
134
escrita, ora à mercê do vaivém temporal da narração, e situa a narrativa sem grande
distanciamento temporal da escrita da obra. Por isso, retrata o momento histórico
contemporâneo de modo sincrônico.
O espaço privilegiado do Romance do Eu é o urbano, da atualidade no caso,
Tóquio, capital do Japão, localizada no leste do país, e outros centros, como Quioto e
Osaka, na região oeste. Quando o espaço é instaurado num lugar distante desses
centros, está implícito que esse é um lugar ao qual um escritor radicado na cidade é
levado pelas circunstâncias. Vemos, ainda, que a cidade é o grande centro da vida
literária, o local procurado pelos aspirantes à carreira. A cidade em processo de
ocidentalização, os trens, um dos grandes marcos da modernização do Japão, tudo é
focalizado com muitos exemplos concretos presentes na vida das personagens, e esse
foco, que é mais nítido nas obras iniciais, vai-se diluído nas mais recentes o que era
japonês vai ficando cada vez mais para trás, mas continua presente no cotidiano.
As transformações sociais e culturais decorrentes do processo de
ocidentalização levam os escritores a uma séria de indagações a respeito da própria
identidade e de seu papel na nova sociedade em formação. As peregrinações em
busca do “eu verdadeiro”, constituem, grosso modo, um ritual de passagem presente
nesse tipo de narrativa. Nessa atitude, enxergamos um costume cultivado desde os
tempos antigos por várias pessoas, a começar pelos imperadores, o chamado shukke,
ou seja, abandonar o convívio com a família e a sociedade depois de certa idade,
optando pela vida voltada ao aprimoramento espiritual em algum templo, ou na
reclusão, como fizeram os famosos bonzos Kamono Chōmei e Yoshida Kenkō,
autores dos ensaios budistas Hōjōki e Tsurezuregusa
2
.
Assim, poderiam assemelhar-se às personagens do romance de viagens, que,
segundo Bakhtin, “é um ponto que se movimenta no espaço, ponto esse que não
possui características essenciais nem se encontra por si mesmo no centro da atenção
2
Conhecida como zuihitsu, essa forma literária foi iniciada no século XI e ganhou maior expressão a
partir do século XIII com essas duas obras, respectivamente, de 1212 e 1331, que discorrem sobre a
efemeridade, mas a primeira lamenta a inconstância deste mundo, e a segunda valoriza a inconstância
e a diversidade. V. Apêndice, p.17-18.
De Katai a Dazai: para uma Morfologia do Romance do Eu
Conclusão
135
artística do romancista”,
3
mas distingue-se dele porque não “tem como característica
uma concepção puramente espacial e estática da diversidade do mundo”.
4
Da mesma forma, algumas personagens do Romance do Eu alcançam a
satisfação não encontrada na vida real, levados a reflexões existenciais,
principalmente por meio da observação e do contato com a natureza, enquanto estão
à espera de uma definição sobre o futuro. Outras não são capazes de enfrentar o
mundo real, pois este não lhes dá alternativas senão manterem-se em segundo plano,
como é o caso das obras com teor laudatório a outrem ou que mostram a
autoflagelação. Os dois tipos de protagonistas continuam dependentes, à mercê dos
acontecimentos, e não apresentam uma mudança. Como mostra Bakhtin sobre as
peculiaridades das modalidades de construção biográfica, ele “continua
essencialmente inalterado”; a narrativa “se concentra nos afazeres”
5
que apresentam
os infortúnios vividos, a crise mencionada por Bakhtin, mas sem o renascimento
6
no
sentido positivo, pois a marca comum do Romance do Eu é que existe a crise, mas
não o renascimento para as personagens.
As obras narram a aparência, tatemae, sem deixar de mostrar o sentimento
verdadeiro que vai no íntimo, honne. Os que conseguem um equilíbrio, ou algo
próximo ao equilíbrio em suas vidas, mantendo as aparências, sobrevivem apenas
sobrevivem; não alcançam a notoriedade nem o sucesso artístico, a satisfação
individual em termos profissionais ou familiares. São epicuristas, na maior parte das
vezes.
Os heróis não são originários da nobreza. Muitos são do interior, e os que já
possuíam posição social privilegiada são igualmente submissos e resignados. São
protagonistas do Japão moderno na pele de um artista. O fechamento em si mesmo
das personagens, e também o de seus autores, é um “suicídio em vida”, num Japão
que não oferece oportunidades de inserção social, com as intermináveis e sucessivas
guerras, realizadas em nome da soberania e do crescimento do país, contra a China,
entre 1894 e 1895, e contra a Rússia, entre 1904 e 1905, seguidas pela Primeira
3
BAKHTIN, Mikhail. Estética da Criação Verbal, p. 205.
4
Idem, p. 206.
5
Idem, p. 215
6
Idem, p. 214.
De Katai a Dazai: para uma Morfologia do Romance do Eu
Conclusão
136
Guerra Mundial, pela invasão japonesa ao continente chinês e pela criação do
Império da Manchúria, até chegar na Segunda Guerra Mundial. Essas identificações
com a localização histórica definida se fazem presentes de modo sutil nas obras do
Romance do Eu. O presente não é a bem-aventurança, a felicidade está sempre por
vir. Por isso, as personagens não são impressionantes por suas virtudes e feitos
grandiosos, mas por suas fraquezas e insucessos.
Em Pôr-do-Sol, o autor utiliza a voz feminina para narrar a ruína da nobreza
imediatamente após a guerra, por meio de personagens que podem ser vistas como
seu desdobramento, cada qual com peculiaridades que se complementam e interagem
entre si e cujas características são ampliadas por uma intertextualidade variada que
abrange obras japonesas e estrangeiras. O texto de Dazai dialoga com essas obras, e
as personagens dialogam entre si. O autor dialoga com ele mesmo nas quatro
personagens principais como imagens representativas de seu desdobramento,
formando pares de oposição, como vimos no Capítulo III, conforme a ilustração
abaixo, à esquerda.
Se interpretarmos a cruz mediante expressões como enten katsudatsu
“movimento giratório sem obstruções” e rinne tenshō “vida que muda de lugar
de modo cíclico” , o modelo pode ser ampliado para a ilustração abaixo, à direita,
em movimento anti-horário, que também é o da suástica budista.
Mãe (+)
Naoji() (+)Kazuko
Uehara () Manji
De Katai a Dazai: para uma Morfologia do Romance do Eu
Conclusão
137
A cruz com as quatro personagens principais nas extremidades, em mútua
interação neste mundo que, segundo o conceito budista, é de sofrimento, em que se
deve amar ao próximo como a si mesmo, seguindo os preceitos confucionistas de ser
uma pessoa dotada de amor fraternal e não deixar de retribuir o bem que lhe foi feito
, transforma-se em manji ou tomoesimbolizada pelo ideograma
7
ou a figura
8
que possibilita dois movimentos
9
opostos, negativo ou positivo.
Ideograma Esquerdo Direito
Em movimento centrípeto, a personagem volta para si mesma, encarando a
vida como sofrimento, e o romance fica preso num redemoinho que não encontra
saída; em movimento centrífugo, gera uma força de expansão que simboliza o amor
infinito que se liga à renovação da vida, ampliando os horizontes da personagem e do
romance.
Apesar do título, Pôr-do-sol não é o fim, é a esperança de um novo dia, de um
novo tempo, porque a vida é cíclica. O chamado estado de Izunome
10
, “equilíbrio”,
formado pelo cruzamento do positivo e do negativo, e, por extensão, do Oriente e do
Ocidente, do horizontal e do vertical, – shōjo e daijō – simbolizado pela união de
duas classes, é a concretização do que Naoji almejou, e ele renascerá como filho de
Kazuko com Uehara no novo mundo que está surgindo.
As obras do Romance do Eu na fase inicial acentuam a prática de associação
da vida pessoal do escritor com o material narrado, fato este extraliterário, sem
dúvida, que contribuiu para a aceitação do gênero. De um lado, a vida pessoal do
escritor confere credibilidade à narrativa pela simples referência ao escritor como ser
7
O ideograma tomoe está no centro da circunferência.
8
Há vários tipos de figuras. V. Anexo 3.
9
Mokiti OKADA, Obediência ao Caminho Perfeito, p. 455.
10
Mokiti OKADA, Espírito de Izunome, p. 193.
De Katai a Dazai: para uma Morfologia do Romance do Eu
Conclusão
138
humano; de outro, torna aceitável ao público uma forma que não é japonesa e que
estava sendo introduzida.
Décadas depois, subvertendo os modelos originais e carnavalizando seus
elementos compositivos, Dazai renova as possibilidades de sobrevivência da
narrativa de cunho autobiográfico no âmbito da ficção. Ele utiliza o Romance do Eu
e o romance introspectivo, além de autores como Natsume Sōseki e Mori Ōgai,
contemporâneos ao surgimento dessas formas e que privilegiaram a ficção,
pretendendo com isso garantir o lugar do Romance do Eu na prosa moderna
japonesa, para além do rótulo que inicialmente o identificava.
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
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De Katai a Dazai; Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Apêndice – A Prosa Japonesa e as Influências Estrangeiras
1
APÊNDICE
A PROSA JAPONESA E AS INFLUÊNCIAS ESTRANGEIRAS
Neste apêndice será apresentado, de modo panorâmico, o desenvolvimento
peculiar da literatura japonesa, que ocorreu à parte do modelo ocidental, sobretudo
em torno das formas literárias em prosa, sob a influência da cultura chinesa, até o
final do isolamento do Japão no final do século XIX e, em seguida, o novo processo
de formação do mundo literário japonês com a introdução das literaturas européia e
norte-americana. O objetivo é situar o Romance do Eu, objeto de nosso estudo, que
criou formas próprias como produto cultural e histórico nascido no início do século
XX, mantendo como base características próprias da literatura japonesa cultivada até
então.
As influências chinesas
Sabe-se que o intercâmbio com o continente chinês e a península coreana já
existia desde o século I — fato comprovado pela existência de um sinete de ouro do
Imperador Kōbu, da dinastia Gokan (25-220), que foi recebido pelos emissários que
um dos “Estados” japoneses do norte da ilha de Kyūshū enviara à China — e que o
Japão, inclusive, já recebia chineses e coreanos que nele fixaram residência a partir
dos séculos IV e V.
A adoção consciente da cultura chinesa sob a forma do envio de japoneses
com a finalidade específica de estudar essas culturas mais avançadas para
desenvolver o Japão e manter relações diplomáticas com a China foi, no entanto,
iniciativa de Shōtoku Taishi, o Príncipe regente da Imperatriz Suiko. Em 607, ele
iniciou o envio de japoneses a Zui, nome da dinastia chinesa da época; o Japão
continuou o intercâmbio até 894, quando foi abolido.
Com essas comitivas compostas por estudantes e religiosos, que perfizeram
cerca de quinze viagens durante as dinastias Zui e Tang à China, o Japão é
organizado política e administrativamente com a ajuda de chineses e coreanos, que
também foram recebidos para implantar novas técnicas nas mais diversas áreas. Tais
De Katai a Dazai; Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Apêndice – A Prosa Japonesa e as Influências Estrangeiras
2
importações geraram inovações na cultura, na indústria e na tecnologia, e por
extensão no pensamento e na religião, com a introdução da fórmula do budismo
originário da Índia aclimatado na Ásia Central, China e Coréia, da ética
confucionista e da filosofia Roso. A crença Ying-Yang do modelo taoísta e o
xamanismo coreano contribuíram para dar forma ao xintoísmo primitivo, que ainda
permanecia na esfera da religião natural.
Todas as novidades, contudo, passaram pela devida adequação ao pensamento
e às tradições japonesas. Esses aspectos diferenciados podem ser vistos em vários
setores. O primeiro exemplo é o sistema político-administrativo Ritsuryō, um tipo de
código penal e civil, que teve que eliminar alguns cargos desnecessários entre os oito
ministérios e instituir outros inexistentes no sistema. Mesmo assim, esse sistema
político-administrativo logo passou por modificações e reformulações para ser
mantido e no final, serviu para criar a hegemonia do Clã Fujiwara, que ocupou o
centro do governo nas funções de Tutor e Conselheiro, retirando o Imperador do
poder executivo. Outro exemplo é a capital japonesa Heiankyō, na cidade de Quioto,
que seguiu em grande parte o modelo chinês sem, no entanto, deixar de inserir o
gosto e as características do próprio Japão. O pavilhão Daigokuden, que servia para
as cerimônias oficiais, foi construído segundo padrões chineses, mas o palácio Dairi,
que servia de residência do Imperador, seguiu os padrões japoneses.
O mesmo fenômeno pode ser observado nas primeiras obras literárias. O
Japão, sendo um país ágrafo, produziu essas obras após o contato com a cultura
continental chinesa, tomando-lhe de empréstimo a escrita, que já teria entrado muito
antes do século V. Durante um longo processo de assimilação do chinês como língua
estrangeira e do uso dos ideogramas, vê-se uma adaptação dos mesmos com a
criação de regras de leitura para os textos chineses (kanbun) para grafar a língua
japonesa de sistema sintático e fonético distinto. Inicialmente, os japoneses leram e
redigiram em chinês, como mostram os documentos de teor burocrático, para então
desenvolverem uma leitura adaptada à língua japonesa. Foram criadas leituras
japonesas conhecidas como kun, para os ideogramas de mesmo significado no
chinês, e os fonogramas chamados man’yōgana, para representar os sons do japonês.
Para registrar o vernáculo na ordem sintática japonesa, elaborou-se a forma de escrita
De Katai a Dazai; Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Apêndice – A Prosa Japonesa e as Influências Estrangeiras
3
senmyōgaki, com a aplicação da leitura pelo significado ao ideograma e com a
inserção das flexões e de outros morfemas gramaticais, com o man’yōgana em
tamanho menor no canto inferior direito do ideograma.
Pode-se dizer que mesclas sino-japonesas estiveram presentes durante todo o
período de importação dos elementos chineses, pois seria natural que a influência das
poucas pessoas que retornavam da China ficasse restrita a um pequeno grupo da elite
japonesa que sua propagação ocorresse de modo mais lento e que seu aproveitamento
sofresse adequações que preservaram diversos elementos japoneses.
As primeiras obras escritas
A literatura japonesa criou formas literárias próprias por volta do século VIII,
à parte do conhecido desenvolvimento da literatura ocidental com origem na poesia
épica e lírica da antiga Grécia. Da mesma maneira, ela não seguiu os movimentos
literários, como o Arcadismo, o Romantismo, o Realismo e o Modernismo. Na prosa,
algo semelhante irá ocorrer somente após o contato com a literatura ocidental,
iniciado em fins do século XIX.
Partir-se-á, então, do primeiro grande momento histórico que influenciou a
arte literária japonesa, ou seja, o período que antecede o século IX, quando o Japão
passou a ter os primeiros contatos com a cultura chinesa e resolveu introduzi-la de
modo consciente, enviando estudantes e religiosos para a corte chinesa de Zui e Tang
e contratando especialistas chineses e coreanos para atuar em diversas áreas de
conhecimento para o desenvolvimento do país. Os primeiros contatos com a cultura
chinesa continental resultaram nas chamadas culturas Asuka, Hakuhō e Tenpyō, entre
os séculos VII e VIII.
Dessa maneira, sob a influência da cultura chinesa e a ajuda da escrita
chinesa, os primeiros registros escritos da literatura japonesa surgem com obras de
teor histórico-literários e geográficos, coletâneas de poemas japoneses e de poemas
chineses e teorias poéticas, das quais podem ser mencionadas como mais
representativas Kojiki (Registro de fatos antigos); Nihonshoki (as Crônicas do
De Katai a Dazai; Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Apêndice – A Prosa Japonesa e as Influências Estrangeiras
4
Japão); Fudoki (os Registros de costumes); Kaifūsō (a Coletânea de poemas
chineses) Manyō’shû (a Coletânea de poemas de mil folhas) e Kakyō Hyōshiki (Os
apontamentos poéticos), que serão abordadas nos parágrafos seguintes. Kojiki, obra
concluída em 712, foi escrita em chinês modificado, hentai kanbun, uma mistura das
leituras chinesas e japonesas dos ideogramas. A exceção foi a introdução redigida em
chinês, kanbun, e os antropônimos e os poemas, em manyō’gana.
Empossado em 672, o Imperador Tenmu incumbiu Hieda no Are (?-?) de
pesquisar e organizar a genealogia da família imperial e os registros das sucessões ao
trono (Teiki), bem como de uniformizar a mitologia, as lendas e histórias
transmitidas dentro e fora da corte (Honji). Vinte e cinco anos mais tarde, o
Imperador Genmei deu continuidade ao empreendimento de Tenmu designando Oo
no Yasumaro (? –723) para registrar os estudos de Hieda. Elaborado em três
volumes, o primeiro deles conhecido como O Volume da Era das Divindades, é
composto pela introdução e pelas lendas que começam com o início da criação do
céu e da terra e vão até o nascimento de Jinmu, considerado o primeiro dos
imperadores. O segundo e o terceiro volumes são conhecidos como Os Volumes da
Era dos Homens. O segundo registra o período entre 660 a C. e 313 d.C. e traz a
genealogia da casa imperial e as lendas desde o primeiro Imperador Jinmu até o 15
o,
Imperador Ōjin, e o terceiro volume, entre 313 e 628 do 16
o
Imperador Nintoku até a
33
a
geração, que corresponde à da Imperatriz Suiko.
Cogita-se que o conteúdo do primeiro volume tenha sido escrito por volta do
século VI para legitimar o poder político do imperador, e grande parte dos registros
mais novos posteriores ao século VI teve por base os registros históricos. Sua
elaboração mostra um fio condutor que enfatiza o princípio de monarquia hereditária
com origem na divindade ancestral, peculiaridade esta distinta do pensamento
político chinês que acredita no poder revolucionário de um escolhido dos céus para
tomar o lugar de um governante inadequado.
O Kojiki possui também um grande número de poemas que seguem a tradição
oral com temas como a luta, o amor, o encômio e o divertimento, e apesar da falta de
uniformidade métrica a maioria é uma espécie de cantiga em versos de 3 e de 4
sílabas cheios de musicalidade, resultante das repetições e dos pares de oposição. Em
De Katai a Dazai; Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Apêndice – A Prosa Japonesa e as Influências Estrangeiras
5
conjunto com os poemas que compõem a obra Nihonshoki, eles formam o Kikikayō
(Grupo de Poemas do Registro e das Crônicas), num total de aproximadamente 190
composições poéticas se desconsideradas as que se repetem nas duas obras.
A obra Nihonshoki — segundo a história da literatura japonesa, a primeira das
seis crônicas produzidas por ordem imperial conhecidas pelo nome de Rikkokushi
(Seis Crônicas Nacionais) — foi concluída em 720 por ordem imperial e teve vários
organizadores, mas os principais são o Príncipe Toneri (676-735) e Ō no Yasumaro.
Composta por 30 volumes, foi baseada em documentos escritos sobre diversos
assuntos, entre os quais a genealogia da família imperial, as lendas, os registros de
família de diversos clãs e a origem dos templos e dos santuários. Os dois primeiros
volumes concentram-se nas lendas, e os demais registram os feitos dos imperadores
desde Jinmu, o primeiro, até Jitō, o 41
o
. Contudo, os fatos históricos confiáveis são
apenas os posteriores a Ōjin e Nintoku. A obra foi redigida em chinês e em ordem
cronológica, segundo os modelos dos livros de história da China, com o intuito de
afirmar a soberania nacional do Japão perante os países estrangeiros, em especial a
China.
Os seis livros que contam a história nacional conhecidos como Rikkokushi (
as Seis Crônicas Nacionais) são Shokunihongi, de 794, que vai do 42
o
Imperador
Monmu ao 50
o
Imperador Kanmu; Nihon Kōki, de 840, com início no 50
o
e término
no 53
o
Jun’na; Shoku Nihon Kōki, de 869, que registra o reinado do 54
o
Imperador
Ninmyō; Nihon Montoku Tennō Jitsuroku, de 879, do 55
o
Imperador Montoku;
Nihon Sandai Jitsuroku, de 901, que abrange do 56
o
Imperador Seiwa ao 58
o
Imperador Kōkō.
Portanto, apesar da proposta de apresentar a história do Japão tendo por
modelo os livros de história da China, o Kojiki e as Nihonshoki revestem-se de um
teor ficcional, com objetivos políticos, que insere os fatos temporais imprecisos em
ordem cronológica; observa-se, desde essa época, um esforço de niponizar a grafia
chinesa.
Outra obra encomendada por ordem do Imperador Genmei em 713 foi o
Fudoki, uma pesquisa geográfica que as diversas regiões japonesas deveriam
elaborar sobre seus produtos, a situação das terras aradas, a origem dos topônimos e
De Katai a Dazai; Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Apêndice – A Prosa Japonesa e as Influências Estrangeiras
6
as lendas locais para ser oferecida ao Imperador quando concluída. Restaram apenas
cinco, de Harima, Hitachi, Bungo, Bizen e Izumo, que correspondem,
respectivamente, às atuais províncias de Hyōgo, Ibaraki, Ōita, Saga e Shimane,
sendo o Izumo no Kuni Fudoki (Registro de Costumes de Izumo) datada de 733 o
único completo.
Os primeiros registros históricos e geográficos foram produzidos por ordem
imperial, ao passo que o poema japonês tem origem na tradição oral. Ligados à
crença no poder das palavras (kotodamashinkō), surgiram os ritos (jushi), do qual
fazem parte as orações (norito), as palavras de felicitações dirigidas ao Imperador
(yogoto) e os éditos imperiais escritos no vernáculo (senmyō), que se desenvolveram
para letras de cantigas com composições rítmicas e se consolidaram como canções
(kayō). É digno de se observar que estas foram utilizadas no evento anual da época
conhecido pelo nome de “Cercado de poemas” (utagaki), no qual homens e mulheres
se reuniam para desfrutar dos poemas e da dança e revelar seu amor.
Pertencem também à tradição oral as lendas (shinwa) oriundas da crença nas
divindades que dominavam a Natureza e nos “causos” (setsuwa), centradas nas
narrações sobre a história dos clãs e dos ancestrais.
A primeira antologia de poemas chineses, Kaifūsō (Reminiscências da China)
— única que restou das que se diz terem existido —, foi produzida no Japão em 751
e contém aproximadamente 120 composições de 64 poetas provenientes da classe
dominante, ou seja, dos intelectuais, da nobreza e dos religiosos. A literatura
japonesa considera que os poemas dessa obra são pobres em criatividade, e a maioria
foi elaborada conforme o modelo dos poemas antigos, com 5 sílabas, produzidos na
época das seis dinastias (rikuchō) da China, ou seja, entre 220 e 588.
A Coletânea de Poemas Manyō’shū, o mais antigo registro coletivo de
poemas japoneses, concluído por volta de 760, compartilha de 28 dos 64 poetas da
obra Kaifūsō e teve vários compiladores, dentre os quais Ōtomo no Yakamochi
(717?-785). Geny Wakisaka, dedicou um estudo sobre essa coletânea que pode ser
conhecido em Man’ yōshū – Vereda do Poema Clássico Japonês publicado em
português em 1992. Existiram outras antologias anteriores ao Man’yōshū, de
natureza privada, como a Coletânea de Poemas de Kakinomoto no Ason Hitomaro,
De Katai a Dazai; Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Apêndice – A Prosa Japonesa e as Influências Estrangeiras
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elaborada por volta de 700, e a Coletânea de Poemas de Kasa no Ason Kanamura.
Com a forma original provavelmente elaborada antes da Era Nara, que começou no
século VII, e os dois primeiros tomos, no início da mesma Era, a obra assumiu a
atual forma, composta por 20 tomos com cerca de 4 500 poemas, após várias edições
ampliadas. Supõe-se que posteriormente ainda possa ter passado por algumas
revisões.
Com exceção das canções transmitidas desde eras antigas, reúne poemas que
abrangem um período de mais de 130 anos, compostos por pessoas provenientes das
mais diversas camadas sociais, desde o Imperador e a família imperial até autores
desconhecidos da camada popular, que utilizam temas variados como o amor, os
encômios, as estações do ano e as viagens. A maioria dos poemas possui versos que
seguem a métrica de 5 e 7 sílabas. Cerca de 90% dos poemas são elaborados na
forma do poema curto tanka (5, 7-5, 7-7), e os demais em outras variantes
conhecidas pelo nome de poema longo chōka (5, 7-5, 7...5, 7-7), katauta (5, 7-5),
sedōka (5, 7-7, 5, 7-7) e bussokusekika (5, 7-5, 7-7, 7). Utilizam os recursos
estilísticos do makurakotoba, palavra composta geralmente por 5 sílabas, que serve
para introduzir determinado termo, metaforizando-o, e do jokotoba, formado por
termos de extensão indefinida que atraem também outros termos, por uma relação
semântica ou fonética. Nota-se ainda que os poemas longos recorrem muito aos pares
de oposição e às repetições.
O surgimento de um grande número de poemas japoneses reunidos numa
antologia da dimensão do Man´yōshū quase imediatamente após a primeira coletânea
de poemas chineses demonstra que, paralelamente ao esforço de imitar a poesia
chinesa, houve uma elaboração artística fundamentada no sentimento do povo
japonês, que reproduziu as mais profundas emoções em sua própria língua, auxiliada
pela recém-introduzida escrita estrangeira, já com as primeiras adaptações
mencionadas anteriormente.
A última obra a ser apresentada entre as primeiras produções referidas é o
mais antigo tratado de poesia, intitulado Kakyō Hyōshiki. Foi escrito por Fujiwara no
Hamanari (724-790) em 772 e trata da versificação chinesa aplicada aos poemas
De Katai a Dazai; Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Apêndice – A Prosa Japonesa e as Influências Estrangeiras
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japoneses, com indicações acerca dos aspectos negativos das composições poéticas
da época.
Assim, podemos ver que os primeiros registros japoneses só se tornaram
possíveis com a introdução dos conhecimentos adquiridos no continente chinês
adaptados à realidade japonesa para trabalhar com a mitologia, as lendas e as
histórias da tradição oral. Logo nesse primeiro momento, o Japão utiliza seu
potencial tanto no sentido de assimilar as novidades como no sentido de aplicá-las no
próprio desenvolvimento, gerando produções resultantes da imitação dos modelos
chineses, mas indo além, com a criação de obras que representam as peculiaridades
do povo japonês, seja no âmbito da poesia ou da prosa.
Tais elementos encontrados nos primórdios da história da literatura japonesa
confirmam a visão de Ienaga Saburō (1968:114) sobre a manutenção da cultura
popular tradicional transmitida desde os tempos antigos, apesar da implantação da
cultura do continente asiático, e também sobre a manutenção desse impulso cultural,
responsável pelo novo desenvolvimento da cultura japonesa a partir do século VII,
com a mesma intensidade no século VIII. O estudioso entende que o governo adotou
a forma político-administrativa da China e buscou no budismo a solução espiritual
para os receios e as preocupações originadas pelas contradições geradas no interior
do próprio sistema, e explica que os direitos adquiridos pela aristocracia acarretavam
um ônus muito grande para a população. Isso acabou gerando disputas de poder e
conflitos no interior da corte. Para ele, o budismo servia, outrossim, como
demonstração do poder da nova nação japonesa, não apenas no interior do país como
também nos países estrangeiros, por meio da construção de grandes pavilhões e de
imagens budistas. Tudo isso só foi possível com a concentração da riqueza material e
do controle da mão-de-obra.
No início do século VIII, houve um esforço ainda maior para fomentar o
budismo. O ofício religioso que pedia pela segurança do país por meio do poder do
sutra Konkōmyō é instituído como evento nacional na época do Imperador Tenmu e
Jitō; a partir de 741, são construídos em todas as regiões (kuni) os templos
Konkōmyō para a proteção do país, ou seja, os famosos templos de monges
Kokubun, e também os templos para eliminação dos pecados por Hōke, isto é, os
De Katai a Dazai; Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Apêndice – A Prosa Japonesa e as Influências Estrangeiras
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templos de monjas Kokubun. O budismo, na realidade, propaga-se para atender à
necessidade política do governo. Os templos mais poderosos recebiam propriedades
e terras da corte em troca da proteção religiosa do país, e o budismo deveria atender
somente a essas funções religiosas. A divulgação entre a população só terá início
com Gyōki (668-749), um dos primeiros bonzos a pregar o budismo nas ruas,
seguido por alguns discípulos, a partir da primeira metade do século VIII, que irão
preparar o terreno para a propagação dessa crença religiosa entre o povo (entre os
séculos XI e XII mantém-se a crença nos sutras e nas orações, até que surja o novo
budismo, centralizado no século XIII com Shinran (1173-1262) e Nichiren (1222-
1282)).
O período áureo da cultura influenciada pela dinastia Tang correspondeu à
época do Imperador Saga e continuou com resquícios ainda na época de Montoku e
Seiwa até Uta e Godaigo. Nas esferas sociais mais elevadas, ela alcançou as leis
públicas, a produção de “textos”, os cerimoniais e rituais; nas inferiores, a
alimentação, a moradia e vestuário da vida cotidiana, os gostos e as diversões. O
estudo da época consistia na aquisição de conhecimento sobre os sutras (Kyōgaku e
Myōkyōgaku) com a leitura das obras chinesas Jiga —que explica os termos das
doutrinas da China antiga — e Monzen — livro ue classifica detalhadamente os
textos e poemas de um período de mil anos a partir da dinastia chinesa Shū (1100 a.
C.-256 d. C.) — e na intelecção de livros de história da China, como Shiki, Kanjo e
Gokanjo, todos registros históricos chineses.
As figuras representativas dessa época na literatura eram funcionários do
governo. Shiki é o primeiro registro histórico oficial que cobre desde o período
lendário, há mais de 1500 anos a.C., até o Imperador Bu, nos últimos séculos que
precedem a era Cristã. Kanjo, escrito no século I, e Gokanjo, no século V, são
continuações do Shiki e apresentam, como ele, uma divisão da história por conteúdo.
Houve uma valorização muito grande dos textos, entendidos como literatura e arte
literária, imprescindíveis na educação masculina. Várias coletâneas de poemas
chineses foram organizadas por ordem imperial, com conteúdos que variavam entre
as saídas e passeios do Imperador, diversões, caça esportiva e despedidas. Na
literatura chinesa, os poemas não eram lidos e apreciados como estavam, ou seja,
De Katai a Dazai; Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Apêndice – A Prosa Japonesa e as Influências Estrangeiras
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com a leitura chinesa. Sua intelecção era realizada procedendo-se a uma tradução do
chinês para o japonês. Para a composição dos poemas chineses, certamente ocorria o
mesmo, no sentido inverso.
Pode-se concluir, portanto, que não houve uma adoção integral da literatura
continental chinesa, muito menos um abandono total das tradições e da língua
japonesas. A literatura chinesa passou por um processo de adoção imitativa e de
assimilação, ao final da qual surge uma literatura híbrida em que prevaleceram os
elementos japoneses.
Nesse contexto, a decadência da dinastia chinesa Tang foi uma grande
oportunidade para o Japão, que já apresentava uma forte tendência de manter e
preservar a cultura nacional e de começar a criação de uma literatura autóctone. Em
termos históricos, Sugawara no Michizane (845-903), que servia ao Imperador Uta,
cancela as dispendiosas e arriscadas viagens a Tang em função da decadência dessa
dinastia e também das dificuldades econômicas baseadas na distribuição de terras,
que foi se tornando impraticável.
Desse modo, objetivou-se apresentar, não apenas no âmbito da prosa, obras
que surgiram nesse contexto específico da formação da literatura japonesa, a fim de
salientar a importação de elementos estrangeiros, neste caso do continente chinês e
da península coreana e, sobretudo, de observarem-se os resultados.
No aspecto formal, foi possível constatar que as primeiras produções
consideradas literárias são classificadas, grosso modo, em prosa e poesia. Os
registros de caráter histórico recebem tratamento distinto das obras poéticas, mas os
poemas são uma presença marcante nas duas primeiras obras históricas, a ponto de
merecerem um tratamento à parte como “poemas do Registro e das Crônicas”.
Tratando-se de registros históricos, é natural que as composições poéticas dos
japoneses tivessem sido alvo de preservação tanto do Kojiki quanto do Nihonshoki.
No entanto, elas não são apenas inscritas. Os poemas aparecem como composições
feitas pelas personagens no momento em que são apresentadas.
É o caso do famoso poema (Yakumo tatsu Izumo Yaegaki tsuma gomi ni
yaegaki tsukuru sono yaegaki o), que Susanoo no Mikoto compõe no momento de
felicidade, em sua nova residência em Izumo, com a princesa Kushinada, que aceitou
De Katai a Dazai; Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Apêndice – A Prosa Japonesa e as Influências Estrangeiras
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se casar com ele, tendo sido salva da cobra monstruosa que já havia devorado oito
moças; dos poemas (“Yamato wa kuni no mahorobo tatanazuku aokaki
yamagomoreru yamato shi uruwashi” e “Sanesashi Sagamu no ono ni moyuru hi no
honaka ni tachite toishi kimi wa mo”) compostos pelo heróico Yamato Takeru no
Mikoto e pelas personagens presentes em seu episódio, como a princesa
Ototachibana no Hime no Mikoto, que fazem parte do Kojiki; ou da tristeza do
Príncipe Arima no Miko, composta em poema (Ie ni areba ke ni moru ii o
kusamakura tabi ni shi areba shii no ha ni moru) na praia de Iwashiro quando é
enviado para junto do Imperador, depois de ter sido traído por Soga no Akae que, na
noite anterior, lhe havia proposto derrubar o Imperador.
O desabrochar das novas formas literárias a partir do século X
O período subseqüente ainda continuou na esteira das primeiras obras durante
aproximadamente um século A partir do século X, que coincide com o encerramento
das expedições culturais à China em 894 e com o final da importação intencional da
cultura chinesa, houve, porém, um aumento e uma diversificação na produção
literária, motivada pela invenção de uma nova forma de escrita. Criaram-se
denominações e classificações próprias para esse grande número de obras em prosa e
em poesia e surgiram reflexões teóricas sobre a literatura, que resultaram em livros
de poética e de crítica literária.
A nova escrita em fonogramas (kana) foi desenvolvida entre o final do século
IX e início do século X a partir do já mencionado man’yōgana, ou seja, dos
ideogramas usados para representar os vocábulos e os fonemas japoneses.
É possível perceber que a nova escrita começou a ser utilizada primeiro nos
poemas, em seguida nos diários literários e, por último, nas narrativas. Cumpre
observar que o termo “narrativa” é utilizado de modo amplo na literatura japonesa e
serve para designar tanto as obras de cunho histórico como as de natureza literária.
Taketori monogatari (Narrativa do Cortador de Bambu), considerada a “ancestral
das narrativas”, surgiu entre 900 e 902 e ainda foi escrita com os ideogramas
De Katai a Dazai; Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Apêndice – A Prosa Japonesa e as Influências Estrangeiras
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chineses utilizados em sua leitura adaptada para o japonês (kanbun no kundoku
buntai). A primeira obra posterior a ela foi Ise monogatari (Narrativa de Ise), datada
de 946, possivelmente em função de sua autoria masculina, o poeta Ariwara no
Narihira. Já o Diário Literário que fez uso dos fonogramas em kana teve sua
primeira obra, Tosa Nikki (Diário de Tosa), escrita por volta de 935 pelo renomado
poeta Ki no Tsurayuki (870-945). Kokin Wakashū (Coletânea de Poemas Waka de
Outrora e de Hoje) foi elaborada ainda mais cedo, entre 905 e 913.
O uso do fonograma propiciou novo impulso à literatura, gerando um grande
número de obras produzidas especialmente pelas mulheres, sobretudo pelas damas da
corte. Pode-se dizer que a literatura feminina desse período esteve intimamente
ligada ao sistema político centralizado nos Tutores e Conselheiros, no qual eles
garantiram a manutenção do poder em suas mãos casando suas filhas com o
Imperador. Aliado ao sistema poligâmico para os homens vigente na época, que
serviu de mola propulsora para tamanha produção expressiva da literatura feminina,
é possível notar que as grandes obras literárias desse momento histórico são de
responsabilidade quase total das mulheres. Criadas e instruídas com o máximo de
zelo para servirem na corte e tornarem-se futuras esposas do Imperador, elas
gozavam inclusive de privilégios até maiores que os homens dentro da família.
Esse período é conhecido como a fase de distanciamento da cultura do
continente e de criação de uma cultura japonesa propriamente dita. A escrita
hiragana é produto dessa elaboração e se estabelece pelas mãos das mulheres
instruídas da corte Heian. Akiyama (1974) diz que os japoneses começam a ter o
domínio da expressão escrita manifestando livremente seus sentimentos e
pensamentos por meio da escrita hiragana, mas os homens demoraram a se
desvencilhar dos textos estrangeiros escritos em chinês.
Poesia
Depois da primeira coletânea, Kaifūsō, os poemas chineses atingiram o
período áureo no século IX com as três antologias compiladas por ordem imperial —
Coletânea Ryōun Shinshū, de 814, obra em volume único com 91 poemas
De Katai a Dazai; Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Apêndice – A Prosa Japonesa e as Influências Estrangeiras
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compilados por Ono no Minemori, Sugawara no Kiyotomo, Isayama no Fumitsugu e
outros, por ordem do Imperador Saga; Coletânea Bunka Shūreishū, de 818, com 148
poemas organizados por temas em três volumes por Fujiwara no Fuyutsugu,
Sugawara no Kiyotomo, Isayama no Fumitsugu e outros compiladores, também
segundo ordem do Imperador Saga e Coletânea Keikokushū, de 827, com poemas de
178 pessoas organizada em 20 volumes por Yoshimine no Yasuyo, Minabuchi no
Hirosada, Sugawara no Kiyotomo e outros compiladores, por ordem do Imperador
Jun’na —, e outras antologias particulares de poemas chineses — Coletânea
Shōryōshū, de 840, da autoria de Kūkai; antologia Kanke Bunsō, de 900; e Kanke
Kōshū, de 903, da autoria de Sugawara no Michizane — e uma poética chinesa —
obra intitulada Bunkyōhifuron, de 820, na qual Kūkai coligiu os estudos lingüísticos
da China e sistematizou as regras de composição do poema chinês. No início do
século X, contudo, os poemas chineses foram se tornando cada vez menos
expressivos e acabaram saindo do cenário literário japonês no início do século XI,
para reaparecerem no século XIV entre o círculo restrito dos monges zen-budistas de
Gozan, em Quioto, que recebiam a proteção do Governo Militar de Muromachi.
Voltaram a ser produzidos pela última vez no século XVII, pelos estudiosos e
pesquisadores japoneses do Confucionismo e dos estudos chineses, e permaneceram
até a ocidentalização e modernização do Japão, no século XX, para então
desaparecerem do panorama literário japonês.
Após as três coletâneas compiladas por ordem imperial no século IX, os
poemas japoneses waka (ou yamato uta), que haviam sido superados pelos poemas
chineses desde o século VIII, quando foi elaborada a coletânea de poemas
Man’yōshū, voltaram a assumir de modo gradativo a posição dominante a partir da
segunda metade do século IX. Além da facilidade proporcionada pela escrita em
fonogramas, eles começaram a ganhar força com as Reuniões Poéticas, que se
tornaram os centros das atrações da aristocracia. Nesses embates literários era
avaliado o talento poético para a composição imediata dos poemas waka mediante
uma tarefa proposta, e o resultado dessas ricas produções foi compilado em
coletâneas como Minbu gyōke utaawase, de 885; Kanpyō no oontoki Kisai no miya
De Katai a Dazai; Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Apêndice – A Prosa Japonesa e as Influências Estrangeiras
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utaawase, de 893; e Teino no In no utaawase, de 913, as mais representativas dessa
época e que levam o nome das reuniões poéticas.
Ajudado pela escrita fonogramática, o poema japonês assumiu a posição
dominante na literatura palaciana. Na introdução de Kokin Wakashū — primeira
antologia poética organizada por ordem imperial em 905, com cerca de 1 100
poemas produzidos pela classe nobiliárquica, dentre eles 450 de autores anônimos —
, Ki no Tsurayuki, um de seus organizadores, apontou o nome dos seis poetas mais
brilhantes — Ariwara no Narihira, Sōjō Henjō, Ono no Komachi, Fun’ya no
Yasuhide, Monje Kisen e Ōtomo no Kuronushi — do início do século X e a
predominância da forma poética waka em 31 sílabas. Diante da necessidade de
adotar critérios estéticos e estilísticos, teorias poéticas foram produzidas pelos
elaboradores das coletâneas e das antologias e pelos juízes das Reuniões Poéticas.
Ao lado de muitas coletâneas particulares, foram compiladas por ordem
imperial, 21 grandes coletâneas de poesia waka conhecidas pelo nome de
Nijūichidaishū que contaram com a participação de poetas e poetisas de notoriedade.
São elas:
1. Kokin Wakashū (Coletânea de Poemas Waka de Outrora e de Hoje), 905 (ordem)
+913 (entrega ao imperador)
2. Gosen Wakashū (Coletânea de Poemas Waka Escolhidos), 951
3. Shūi Wakashū (Coletânea de Poemas Waka Reunidos), +1005
4. Goshūi Wakashū (Coletânea de Poemas Waka Reunidos II), 1086
5. Kin’yō Wakashū (Coletânea de Poemas Waka Folhas de Ouro), 1127
6. Shika Wakashū (Coletânea de Poemas Waka Palavras Poéticas), 1151
7. Senzai Wakashū (Coletânea de Poemas Waka Infinidade), 1186
8. Shinkokin Wakashū (Nova Coletânea de Poemas Waka Outrora e de Hoje),
1201(ordem) +1210 (conclusão)
9. Shinchokusen Wakashū (Nova Coletânea de Poemas Waka por Ordem Imperial),
1235
10 Shokugosen Wakashū (Coletânea de Poemas Waka Escolhidos – Continuação),
1251
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Apêndice – A Prosa Japonesa e as Influências Estrangeiras
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11. Shokukokin Wakashū (Coletânea de Poemas Waka Outrora e de Hoje –
Continuação), 1265
12. Shokushūi Wakashū (Coletânea de Poemas Waka Reunidos – Continuação),
1278
13. Shingosen Wakashū (Nova Coletânea de Poemas Waka Escolhidos), 1303
14. Gyokuyō Wakashū (Coletânea de Poemas Waka Folhas Preciosas), 1312
15. Shokusenzai Wakashū (Coletânea de Poemas Waka Infinidade – Continuação),
1320
16. Shokugoshūi Wakashū (Coletânea de Poemas Waka Reunidos II – Continuação),
1326
17. Fuga Wakashū (Coletânea de Poemas Waka Requinte), 1349
18. Shinsenzai Wakashū (Nova Coletânea de Poemas Waka Infinidade), 1359
19. Shinshūi Wakashū (Nova Coletânea de Poemas Waka Reunidos), 1364
20. Shingoshūi Wakashū (Nova Coletânea de Poemas Waka Reunidos II), 1384
21. Shinshokukokin Wakashū (Nova Coletânea de Poemas Waka Outrora e de Hoje –
Continuação), 1439
Até o início do século XIII, foram oito grandes antologias conhecidas pelo
nome de Hachidaishū, as Oito Grandes Coletâneas de Poemas Waka, entre as quais
incluem-se as três primeiras chamadas de Sandaishū, as Três Grandes Coletâneas de
Poemas Waka. As demais são chamadas de Jūsandaishū, as Treze Grandes
Coletâneas de Poemas Waka, compiladas entre os séculos XIII e XV.
Depois dessa rápida passagem pelo desenvolvimento da poesia no Japão,
apresentaremos em blocos as novas formas literárias e suas nomenclaturas,
estendendo-os e aprofundando-os mais ou menos em função da pertinência de cada
gênero neste trabalho, e logicamente, da dimensão das obras abordadas, com o
intuito de dar a conhecer o desenvolvimento dessas formas.
Registro Histórico e Narrativa Histórica
Inicialmente, as obras históricas continuaram nos mesmos moldes do
Nihonshoki, dando continuidade ao registro das eras imperiais a partir do 42º até o
De Katai a Dazai; Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Apêndice – A Prosa Japonesa e as Influências Estrangeiras
16
58º Imperador, e mantiveram uma regularidade em sua produção com cinco obras
entre o final do século VIII e início do século IX: Shokunihongi (Nihonshoki –
continuação. Parte I, 794, e Parte II, 797); Nihon Kōki (Crônicas Posteriores do
Japão, 840); Shokunihon Kōki (Crônicas Posteriores do Japão – continuação, 869);
Montoku Jitsuroku (Registros Verídicos da Era Montoku, 879); e Sandai Jitsuroku
(Registros Verídicos de Três Gerações, 901), que juntamente com Nihonshoki fazem
parte dos Rikkokushi (Seis Livros da História Nacional).
É possível considerar esses registros históricos como as primeiras narrativas
históricas (ou os primeiros romances históricos) do Japão, seguidas por outras obras
criadas em época posteriores, com nomes e classificações diferentes segundo a
nomenclatura adotada pela literatura japonesa.
No período seguinte, outras obras que seguem a linha do registro histórico são
produzidas sob o nome de Rekishi Monogatari, ou seja, Narrativa Histórica. Fazem
parte desse grupo o conjunto de obras conhecido como Shikyō (Quatro Espelhos) —
constituído por Ōkagami (Grande Espelho, 1086 ou 1115); Imakagami (Espelho do
Presente, 1170); Mizukagami (Espelho D’água, 1196) e Masukagami (Espelho
Adicional, 1376) —,Eiga monogatari (Narrativas de Glória da Família Fujiwara I e
II, 1028-1107), Gukanshō (Excertos Históricos de Jien, 1220) e Jin’nō Shōtōki
(Registro da Legitimidade da Linhagem Imperial da Corte do Sul, 1339).
Na Narrativa Histórica, observa-se que Narrativas de Glória da Família
Fujiwara, Espelho D’água e Espelho Adicional seguem a ordem cronológica,
adotada no Grande Espelho e Espelho do Presente. Os espelhos posteriores ao
Espelho do Presente seguem a forma narrativa em diálogos, como ocorre no Grande
Espelho.
A Narrativa Histórica tem uma preocupação mais literária que o Registro
Histórico, e de um modo geral focaliza uma coletividade representada pela família ou
por um grupo, mas algumas apresentam a vida particular de personalidades como
Minamoto no Yoshitsune ou dos irmãos Soga que os livros de história literária
japoneses consideram exceções.
De Katai a Dazai; Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Apêndice – A Prosa Japonesa e as Influências Estrangeiras
17
Ensaio Literário
O primeiro Ensaio Literário é Makura no sōshi (Livro de Cabeceira), obra de
1001, da autoria da dama da corte Sei Shōnagon (965?-1025?), que serviu à
Imperatriz Teishi e teria sido incumbida por ela de escrever a obra registrando fatos
ligados a essa Chūgū — nome mais utilizado para Hi (com origem na família
imperial), a mais importante depois da esposa oficial, chamada de Kōgō. Na
seqüência, vinham Fujin (portadora do título acima do Grau 3), mais conhecida
como Nyōgo, e Hin (portadora do título acima do Grau 5), chamada comumente de
Kōi. O termo “sōshi”, que significa encadernação, folhas rascunhadas, escritos em
kana, e que vai designar diversos tipos de obras em prosa na idade pré-moderna, já
aparece na composição do nome dessa obra, intitulada Makura no Sōshi, literalmente
“rascunhos do/ao/no travesseiro”.
O Livro de Cabeceira registra as observações da autora sobre a vida no
Palácio de Trás com grande inteligência, despojamento e humor, mas suas avaliações
quase impessoais se restringem a impressões críticas. A obra discorre sobre assuntos
relacionados à Imperatriz Teishi em forma de recordações, reúne escritos temáticos
sobre a natureza e sobre fatos interessantes (okashi), surpreendentes (susamajiki) e
confiáveis (atenaru) e registra observações e impressões sobre a natureza, as pessoas
e assuntos variados. Suprime os predicados com muita freqüência e utiliza a forma
de associação de idéias na exposição dos assuntos. A obra possui cerca de 300
capítulos. Classificada como ensaio, ou seja, zuihitsu, na realidade é a única que
representa esse “gênero” na Idade Antiga, pois o zuihitsu vai ganhar maior expressão
a partir do período seguinte.
O ensaio recebeu novo enfoque dentro da Literatura Budista dos Retirados,
nos séculos XIII e XIV, e deixou Hōjōki (Registro da Cabana de Nove Metros
Quadrados), escrito em 1212 por Kamono Chōmei (1155 ou 1153-1216), e
Tsurezuregusa (Anotações no Ócio), de 1331, de autoria de Urabe Kenkō (+1283-
1350). Essas duas obras expressivas compõem a Literatura dos Retirados (Inja
Bungaku) ou a Literatura da Cabana (Sōan Bungaku) da Idade Média japonesa.
De Katai a Dazai; Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Apêndice – A Prosa Japonesa e as Influências Estrangeiras
18
Kamono Chōmei discorre sobre a efemeridade e a transitoriedade (mujō) da
vida observando as calamidades naturais e humanas que assolaram a capital japonesa
e sobre os seus sentimentos vivendo longe da sociedade da qual antes fazia parte e a
sua vida na pequena cabana no meio da mata.
O autor de Tsurezuregusa era versado no confucionismo, budismo e taoísmo,
e, fundamentado em seu vasto conhecimento, escreveu sobre a natureza e a vida, as
lembranças do passado, tecendo críticas e expondo suas teorias dé composta por 243
capítulos. Seu autor um indivíduo muito instruído
Diário Literário
Inaugurado como novo gênero por Ki no Tsurayuki, com Tosa Nikki (Diário
de Tosa), concluído em 935, o Diário Literário costuma ser dividido em diário
poético (uta nikki), a partir do qual parece ter se desenvolvido ao registrar
lembranças pessoais com os poemas, kotobagaki (as anotações concernentes aos
contextos dos mesmos) e diário de viagens (tabi nikki), que posteriormente vêm a
constituir a chamada literatura de viagem (kikō bungaku).
Tosa Nikki registra, em kana, a viagem de regresso de um oficial do governo
ao término de seu mandato, narrado na terceira pessoa do singular por uma integrante
da comitiva com inserções introdutórias e explicativas sobre os poemas que
recordam emoções pessoais do passado. Apresenta, assim, características diferentes
dos diários burocráticos denominados niki, escritos em chinês pelos oficiais do
governo, pelo abandono do estilo típico de registro para conseguir um meio de
expressar com maior liberdade os sentimentos pessoais que não lhe seria permitidos
registrar como oficial do governo no cumprimento do dever e pelo emprego da voz
narrativa feminina, como que justificando o uso dessa forma de escrita e
manifestando a vontade feminina de imitar os homens no registro de seus diários.
Essa obra narra a viagem de 55 dias de volta do próprio Tsurayuki e sua
comitiva para a capital ao término de seu mandato como governador da Província de
Tosa (atual Província de Kōchi). Contém 61 poemas waka, apresentados como
composições feitas em diversas situações ao longo da viagem pelos integrantes da
De Katai a Dazai; Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Apêndice – A Prosa Japonesa e as Influências Estrangeiras
19
comitiva, o que imprime uma dose de subjetividade ao texto, num misto de relatos de
impressões e emoções demonstradas nas alegrias e nas angústias, nos encantos e
decepções, temores e expectativas.
Tosa Nikki apresenta, ainda, a característica de ser um louvor à memória da
filha de Ki no Tsurayuki, que não chega a regressar à capital —falece em Tosa —, e
também de servir como um tratado poético para os jovens iniciantes do waka,
fornecendo modelos de condições para a criação poética, ora motivado por um
acontecimento, ora por uma paisagem de grande beleza.
Após essa primeira obra inaugural de Ki no Tsurayuki, os próximos diários
foram produzidos por mulheres da aristocracia, com certeza pela invenção da escrita
em fonogramas e pelo clima propício do já mencionado sistema de governo
centralizado no Tutor e no Conselheiro instituído pela Família Fujiwara. No caso de
Kaguerō Nikki (Diário do Pirilampo), segunda obra desse gênero, surgida por volta
de 974, outros fatores motivaram a autora, conhecida apenas como mãe de Fujiwara
no Michitsuna. Considerada uma das três beldades da época, era filha de Fujiwara no
Tomoyasu e esposa de Fujiwara no Kaneie. Não se sabe ao certo sua data de
nascimento e de morte, mas parece ter vivido até os 60 anos de idade.
Ao iniciar a obra, a autora aponta os motivos que a levaram a registrar as
particularidades de sua vida: seu desejo de que a realidade por ela vivida servisse de
conforto às mulheres que sofrem o mesmo infortúnio do sistema poligâmico e seu
interesse pelas histórias verídicas em detrimento das fabricadas, tão em voga naquele
momento; assim, tem início o chamado Diário Literário Feminino.
Composto por três volumes, esse diário de 21 anos tem início em 954 e é
narrado em primeira pessoa, seguindo uma ordem cronológica com a inscrição dos
dias em que o registro foi feito e com vários poemas que começam com as cartas de
amor trocadas com Fujiwara no Kaneie. Nascida numa família da classe dos
governadores, a narradora protagonista aceita o insistente pedido de casamento de
Kaneie, que já possui ama esposa oficial, e vem a ter Michitsuna. Apesar do sucesso
profissional de Kaneie e do desenvolvimento do filho, ela sofre com os
relacionamentos amorosos que Kaneie tem com outras mulheres e tenta obter
tranqüilidade fazendo peregrinações aos templos Hase e Ishiyama. Por fim, acaba
De Katai a Dazai; Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Apêndice – A Prosa Japonesa e as Influências Estrangeiras
20
desistindo do marido e encontrando a razão de viver no amor maternal pelo filho
Michitsuna. É o registro de uma reflexão interior de busca da verdade em meio à
realidade que envolve os sofrimentos femininos.
Izumi Shikibu Nikki (Diário de Izumi Shikibu), o segundo diário feminino,
surgiu por volta de 1007. Diferentemente do primeiro, foi escrito na terceira pessoa
do singular e deixou questionamentos sobre sua autoria e seu gênero. Contudo, os
pormenores de sua vida íntima e o enredo centralizado nos poemas de sua autoria
focalizando apenas esse episódio da vida da autora fizeram que ele permanecesse na
classificação de Diário e não de Narrativa. A obra começa a partir do cortejo
amoroso do Príncipe Atsumichi, cunhado da protagonista, que tem início por volta de
abril de 1003, pouco depois do período de luto pela morte do Príncipe Tametaka, seu
esposo, e narra a vida amorosa da protagonista com o irmão mais novo de seu ex-
marido, até ser acolhida por ele, 10 meses depois, no ano novo, vencendo todas as
oposições e saindo triunfal perante a esposa oficial de Atsumichi, que deixa o palácio
quando ela se muda para lá. Em nenhum momento, a autora tem seu nome
mencionado e só é identificada poucas vezes como “a dama”. O enredo desenvolve-
se centralizado nos mais de 160 poemas, e por isso também é considerado um diário
poético.
Iniciado dessa maneira, o Diário Literário ganha espaço significativo
especialmente pelas mãos das mulheres.
Murasaki Shikibu Nikki (Diário de Murasaki Shikibu, +1010)registra as
experiências e impressões de quando Murasaki Shikibu serviu na corte da Imperatriz
(Chūgū) Sōshi, esposa do Imperador Ichijō e filha de Fujiwara no Michinaga. Vai do
outono de 1005 ao ano novo de 1007. Grande parte insere-se em 1005, quando
nasceu o Príncipe Atsunari, futuro Imperador Goichijō. Além de uma parte em forma
de diário, com informações sobre o nascimento do Príncipe e acerca da natureza das
pessoas que se reuniam no mundo de opulência de Michinaga, há uma parte em
forma de recordações, com uma avaliação sobre outras damas da corte, como Izumi
Shikibu, Akazome Emon e Sei Shōnagon, uma comparação entre a corte de Senshi e
a de outra esposa do Imperador e também uma reflexão pessoal sobre seu próprio
modo de viver. Nessa obra, as figuras humanas são expostas em seus aspectos
De Katai a Dazai; Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Apêndice – A Prosa Japonesa e as Influências Estrangeiras
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negativos, num mundo corrompido pelo orgulho, ambição e falsa modéstia, na qual a
autora não encontra lugar.
Murasaki Shikibu começou a servir na corte entre 1005 e 1006,
provavelmente com o reconhecimento de Michinaga, pai da Imperatriz Shōshi, pela
fama de as Narrativas de Genji, que ela começou a escrever após a morte de seu
esposo, Fujiwarano Nobutaka, em abril de 1001.
Midō Kanpaku Ki (Diário do Conselheiro Construtor do Templo que Abriga
Buda) de 1021 é o diário de Fujiwara no Michinaga, que registra os anos de 998-
1021, usando o calendário lunar. Recebeu o nome de Midō Kanpaku porque
intitulou-se Conselheiro kanpaku e construiu o Templo Hōsei, ou seja, o templo que
abriga Buda. Diz-se que a obra era composta por 30 volumes, mas somente 14
chegaram aos dias atuais.
Escrito pela filha de Sugawara no Takasue (1008 ? -1058) o Sarashina Nikki
(Diário de Sarashina, +1060) é um registro de cerca de 40 anos da autora, desde a
infância até a velhice. Relata a decepção de uma jovem sonhadora com a vida de
seus pais, o servir na corte, a vida de casada e o rigor da sociedade. Ela se apóia em
Buda e espera pela salvação na vida após a morte. É um retrato da tristeza da vida e
dos sonhos depositados no mundo maravilhoso das narrativas.
Jōjin Ajari Haha no Shū (Coletânea da Mãe de Jōjin Ajari, 1073) é uma
coletânea de 173 poemas em forma de diário que narram a aspiração pela carreira
religiosa de Jōjin quando aos 58 anos pretendia ir à China seguir o caminho budista,
e a tristeza de sua velha mãe, com mais de 80 anos, que não quer se separar da filha.
Ela parte em 1072 e falece em 1081, sem jamais voltar ao Japão. O registro da obra
tem início em 30 de janeiro de 1071 e termina em 1073. A autora é a mãe de Jōjin,
neta do então Ministro da Esquerda Minamoto no Takaakira e filha de Toshikata, um
dos quatro Nagon da Corte do Imperador Ichijō. Nascida em 988, desconhece-se a
data de seu falecimento. Casou-se com um poeta famoso, filho de Fujiwara no
Sanekata (provavelmente Yoshikata), e deu à luz, Jōjin e um menino. Logo depois,
seu marido falece.
Fujiwara no Nagako, neta da autora do Diário de Kagerō, tornou-se sanuki do
Imperador Horikawa em 1101, mas não se sabe sua data de nascimento nem de
De Katai a Dazai; Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Apêndice – A Prosa Japonesa e as Influências Estrangeiras
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falecimento. Sua identificação “de Sanuki” provém do fato de Akitsuna, seu pai, ter
sido governador dessa província. Sanuki no Suke Nikki (Diário de Suke da Província
de Sanuki, +1108) é composta por dois volumes, que têm na “morte” seu tema. O
primeiro descreve, em primeira pessoa, o ingresso da autora na corte, centrado em
fatos ligados à doença e morte do Imperador Horikawa desde 1107. O segundo
registra a subida ao trono do infante Imperador Toba e sua primeira atividade oficial.
Gyokuyō (Belas Folhas, 1200) foi escrito por Kujō Kanezane, que expõe
detalhes sobre a realidade política do início do período Kamakura e das famílias
Minamoto e Taira.
Kenshūmon’in Chūnagon Nikki (Diário de Kenshūmon’in Chūnagon),
também conhecido como Tamakiharu ou Kenju Gozen Nikki, é uma obra de 1219
que idolatra Kenshūmon’in, mãe do Imperador Takakura, a quem a autora, filha de
Fujiwara no Toshinari, serviu. Diz-se que foi redigida por Teika, irmão mais novo da
autora, após sua morte.
Meigetsuki (Registro da Lua de Outono, 1235) é o diário do poeta Fujiwara
no Teika, em que ele registra cerca de 36 anos (1180-1235) sobre as relações dos
nobres e militares, os costumes sobre os eventos e etiquetas e sobre o poema waka,
emitindo opiniões pessoais.
As duas obras Kaidōki (Registro (Diário) do Caminho do Leste, + 1231 ) e
Tōkanki (Diário de Viagem pela Costa Leste, + 1235-1242) parecem ter sido escritas
na primeira metade do século XIII por algum homem que tenha viajado de Quioto a
Kamakura. A segunda descreve a viagem, de ida e volta a Kamakura, de um recluso
que mora nos arredores de Shirakawa, em Quioto. Ele pega a estrada Tōkaidō no dia
4 de abril de 1223 e chega na cidade do governo militar no dia 17. Em estilo que
mistura a sintaxe japonesa e chinesa, registra com detalhes a vida dos agricultores
que encontrou no caminho, o aspecto das hospedarias, as figuras das meretrizes.
Ben no Naishi Nikki (Diário de Ben no Naishi, +1252) é composto por dois
volumes que registram seis anos da vida da narradora-protagonista a serviço da corte
do Imperador Go Fukakusa. Tem início no final do reinado do Imperador Go Saga
em 1246 e desenvolve-se centrado em poemas.
De Katai a Dazai; Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Apêndice – A Prosa Japonesa e as Influências Estrangeiras
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Izayoi Nikki (Diário da Lua da Décima Sexta Noite, +1282) foi escrito pela
Monja Abutsu. Narra, em duas partes, a viagem de Quioto a Kamakura, fazendo o
registro da viagem e o registro da estada na região leste. Com a morte do marido
Fujiwara no Tameie, surge o conflito entre Tameuji, filho mais velho do marido, e
Tamesuke, filho da protagonista com Tameie, pela posse da casa em Hosokawa na
Província de Harima, atual Hyōgo. A autora vai a Kamakura para participar da ação
judicial em 1279. Depois da viagem de 14 dias, fixa residência em Tsukigake no
Yatsu, um lugar triste, e ela registra os poemas que troca com Tamesuke e
Tamemori, que ficaram em Quioto. Na obra, a narradora critica Tameuji, que não se
submete ao pai e ao amor filial. A data do último registro gira em torno de 1280.
Nakatsukasa no Naishi Nikki (Diário de Nakatsukasa no Naishi, +1292),
escrito em volume único, tem início no ritual de confissão do Imperador aposentado
Fushimi até o retorno da autora para sua terra natal, quando sua doença se agrava.
Contém alguns poemas, mas centra-se na narração e é permeado por uma visão
obscura da efemeridade budista.
Outros diários são escritos ainda no início do século XI, com uma produção
cada vez mais escassa, mas continuada ao longo dos séculos seguintes até uma das
últimas datada do início do século XIV, que é Towazugatari de +1306 publicado em
português sob o título de As Confissões de Lady Nijō. A autora é a dama do Palácio
Nijō que serviu ao Imperador aposentado Go Fukakusa na segunda metade do século
XIII. Filha de Koga no Dainagon Masatada, ela começa a freqüentar o palácio aos
quatro anos, depois de ter perdido a mãe aos dois anos de idade; desde então, recebe
o carinho de Go Fukakusa. A obra narra sua vida na corte, as viagens idolatrando
Saigyō com elementos autobiográficos e de diário de viagem, e é composta por cinco
partes.
Essa obra caiu no esquecimento depois da Era Muromachi e só voltou a ser
reconhecida em 1940, pelo estudioso Yamagishi Tokuhei, mas com o início da
guerra não pôde ser pesquisada porque ia contra a autoridade da Família Imperial. Só
foi alvo da atenção geral em 1950, após sua publicação com notas explicativas de
Yamagishi.
De Katai a Dazai; Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Apêndice – A Prosa Japonesa e as Influências Estrangeiras
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O período entre a primeira e a terceira parte é conhecido como fase palaciana
ou amorosa. A primeira registra a vida da autora dos 14 aos 17 anos, período em que
se torna amante de Go Fukakusa e tem relações com Yuki no Akebono. A segunda
parte começa em janeiro de 1275 e vai até agosto de 1277, entre os 18 e 20 anos,
quando perde o pai; é amante de Ariake no Tsuki; recebe a visita esporádicas de
Yuki no Akebono; tem um caso com Konoe Ōdono; e sofre com os insultos dirigidos
a sua pessoa. A terceira parte descreve o período de três anos e meio até março de
1285, quando a autora tinha entre 24 e 28 anos e foi banida do palácio imperial. Suas
relações com Ariake terminam e o Imperador Aposentado começa a impor restrições.
A quarta parte, que vai de fevereiro de 1289, quando a autora está com 32
anos, até os 37 anos aproximadamente, pois a data torna-se imprecisa e há uma
interrupção de quase 10 anos até o início da quinta parte, corresponde à fase
conhecida como Vida de Aprimoramento, Peregrinação ou Viagem a diversas
regiões, que começa com sua viagem aos países do Leste, e ela torna-se monja. A
quinta parte cobre o período dos 45 aos 49 anos da autora e tem início em setembro
de 1302, com a viagem aos países do Oeste, e termina em 1306, no terceiro ano de
falecimento de Go Fukakusa, com a autora correndo descalça e aos prantos atrás do
cortejo fúnebre do ex-Imperador.
Como pode-se ver pelas obras mencionadas acima em seqüência cronológica,
a contribuição masculina aparece um pouco depois das obras femininas com Midō
Kanpaku Ki de 1021 da autoria de Fujiwara no Michinaga (966-1027) e deixa apenas
algumas obras em meados do século XIII, como Gyokuyō; Meigetsuki, Kaidōki,
Tōkanki e uma última do início do século XIX, Chichi no Shūen Nikki (Diário dos
últimos anos de meu pai, 1801) do poeta Kobayashi Issa.
Nota-se uma diferença ainda no conteúdo dos diários masculinos, que
tenderam a descrever assuntos voltados para os eventos, a classe guerreira e a
situação política, ao passo que os diários femininos abordaram o dia-a-dia da vida
particular de suas narradoras protagonistas como damas da corte e enfocando o lado
sentimental.
Pela justificativa que aparece no início da obra: “Geralmente é um homem
que escreve aquilo que chamamos de ‘Diário’, mas agora uma mulher tentará fazê-
De Katai a Dazai; Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Apêndice – A Prosa Japonesa e as Influências Estrangeiras
25
lo”, supõe-se que a intenção de Tsurayuki era a de escrever um diário de viagem
semelhante aos diários chineses dos governadores em suas idas e vindas das
províncias, para as quais eram nomeados; ao fazer que esse diário fosse escrito por
uma mulher, o autor possibilitou o abandono do estilo característico de registro para
conseguir um meio de expressar livremente os sentimentos pessoais que não lhe
seriam permitidos na posição de oficial do governo no cumprimento do dever.
O registro dos 55 dias foi ininterrupto mesmo quando consta apenas a data,
sem nenhuma informação relevante. O uso da expressão de suposição no último
poema entrega a autoria do mesmo a Tsurayuki, pois a narradora não teria
necessidade de empregá-la ao falar sobre seus próprios sentimentos. Essa mudança
de foco narrativo revela o disfarce de Tsurayuki na voz narradora feminina. Hagitani
Boku (1992) apresenta, entre outros aspectos interessantes, o de que o Diário de
Tosa é um tratado poético para os jovens iniciantes do waka.
Observa-se que Izumi Shikibu Nikki é constituído pelo relato de um único
episódio em terceira pessoa, o desenrolar do amor de uma dama com o irmão mais
novo de seu ex-amor já falecido, até sua união, com uma narrativa em torno dos
poemas. Utilizados pela classe aristocrática da época como cartas, inclusive para o
cortejo amoroso, os poemas compostos pela dama e pelo Príncipe cumprem uma
função de diálogo entre eles. São ambientados num espaço restrito, que é a casa da
dama, o palácio e o templo na cidade de Quioto e circunvizinhanças, com outros
poucos personagens: o pajem, o acompanhante do Príncipe, a pajem, a ama-de-leite e
a esposa do Príncipe. O tempo da narrativa é de dez meses, mas as marcações
temporais são diluídas ao longo do texto, que perde a característica de um diário com
datas precisas para os fatos, como acontecem com Tosa Nikki e Kagerō Nikki, seus
precursores.
Na obra, não constam informações sobre a vida da protagonista para que se
possa associar o episódio do diário à vida real de Izumi Shikibu, nem seu nome é
mencionado uma única vez. As pistas para se saber que a dama protagonista é Izumi
Shikibu são apenas o título da obra, os dois Príncipes que tiveram um caso amoroso
com ela e os poemas da autoria de Izumi, muitos dos quais reunidos em sua
Coletânea de Poemas, que ultrapassa o número de 1 500 poemas. São encontradas,
De Katai a Dazai; Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Apêndice – A Prosa Japonesa e as Influências Estrangeiras
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ainda, menções de que o pajem mensageiro das cartas do Príncipe Atsumichi é o
mesmo que havia servido ao falecido príncipe Tametaka, irmão mais velho de
Atsumichi; quase ao final, uma fala da ama-de-leite que reclama sobre as visitas do
príncipe à casa da dama lembra que o falecido irmão também saía com o mesmo
acompanhante para ir aos encontros com a dama.
Narrativa Setsuwa
Paralelamente à literatura feminina representada pela Narrativa, pelo Diário
Literário, pelo Ensaio Literário e também pelos poemas, compõe, ainda, o quadro de
novas formas a chamada Narrativa Setsuwa, formada por pequenos episódios
budistas ou seculares e que tem Nihon Ryōiki (Os Relatos Milagrosos do Japão) —
cujo título original é Nihon koku genpō zen’aku ryōiki (Registro de fatos insólitos
bons e maus e de retribuições no mundo material do Japão) —, da autoria do bonzo
Kyōkai, como a primeira do gênero, surgida por volta de 824.
Konjaku Monogatari shū (A Coletânea de Narrativas Antigas), cujos
episódios começam com a famosa frase: “imawa mukashi”, literalmente, “agora
estamos no passado”, ou “antigamente...”, tal como os contos de fada, que começam
com “era uma vez...”, imprime seu teor de relatar fatos ocorridos num tempo passado
com homens, animais e entes fantásticos, deste e do outro mundo, como diz Yoshida
(1999:66).
No sentido amplo, corresponde a obras sobre histórias mitológicas, lendárias,
seculares, narrativas de algum episódio búdico, artístico ou sobre poesia e canção,
etiqueta, entre outros temas, transmitidas oralmente e por escrito, às quais aplicaram-
se técnicas literárias. No sentido restrito, diz respeito às histórias reunidas nas
compilações de Setsuwa. Pode-se dizer que a Narrativa retrata o mundo da
aristocracia refletindo essencialmente o ideal estético da época, ao passo que a
literatura de narrativa tradicional constitui uma literatura que retrata o mundo de
maneira mais real, especialmente o do povo em geral, sem deixar de lado o mundo da
aristocracia (Yoshida:1991).
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Observa-se que tanto as narrativas Setsuwa de origem budista como as
seculares são narrativas populares, “causos” populares da literatura oral e que
também serviram de material para as narrativas palacianas. Várias obras foram
produzidas desde o século IX até o início do século XIV.
Ujishūi Monogatari, de autor desconhecido, foi escrito provavelmente entre
1213 e 1219. Composto por 15 volumes, reúne 197 narrativas que começam com
“Era uma vez...” (Ima wa mukashi ou Mukashi). Dentre elas, mais de 80 sobrepõe-se
às existentes no Konjaku Monogatari Shū e outras semelhantes aos do Kojidan,
Jikkinshō, Uchigikishū e Gōdanshō. Os volumes não possuem divisões, e as histórias
não seguem uma seqüência lógica. Além de setsuwa budistas, contém setsuwa
populares que eram transmitidos oralmente na época, como o calombo retirado pelo
ogro e a história de retribuição dos pardais. Descreve a vida das pessoas da época e
as verdades sobre a natureza humana com histórias cômicas sobre os bonzos e
personalidades sagradas, e os vários diálogos presentes na obra apresentam a
linguagem oral da época. É escrito em sentenças em japonês chamadas de
wabunmyaku, mais simples que a forma empregada em Konjaku.
Kojidan foi escrito por Minamoto no Akikane entre 1212 a 1215. Composto
por seis volumes, dividiu cerca de 460 setsuwa reunidos de grande número de livros
antigos. A maioria diz respeito a setsuwa sobrenaturais ligadas ao budismo e inclui
algumas cômicas. Escrita na chamada wakan konkōbun, uma mistura de japonês e
chinês.
Possivelmente escrito por Kamono Chōmei antes de 1215, Hosshinshū reúne
capítulos sobre a origem da conversão do bonzo e do desejo do Paraíso Búdico em
oito volumes de forte tom budista.
Jikkinshō, da autoria de Rokuhara Jirōzaemon em 1252, como diz o próprio
nome, reuniu 282 setsuwa com teor educativo a partir dos livros de história e
narrativas, a começar pela Nihon Shoki divididas em 10 volumes para servirem de
ensinamentos. Mostra os aspectos positivos de Kiyomori, Shigemori e outras
personalidades da Família Taira com ar saudosista.
Escrito por Tachibana no Narisue em 1256, Kokon Chomonjū é composto por
20 volumes. Reúne mais de 700 setsuwa antigos e do época, classificadas em 30
De Katai a Dazai; Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Apêndice – A Prosa Japonesa e as Influências Estrangeiras
28
partes. Copia a estrutura das coletâneas elaboradas por ordem imperial e utiliza
textos extraídos de vários documentos. Apresenta marcada adoração pela cultura
palaciana abordando o caminho dos poemas e canções e dos instrumentos musicais.
Shasekishū, foi escrito por Mujō (1226-1312), um bonzo zen elevado que
estudou várias religiões, viveu entre o povo, ensinando que não se deveria ter
restrições religiosas para com nenhuma delas. Foi elaborado em 1283, mas mostra
vestígios de acréscimos feitos posteriormente. Composta por 10 volumes, essa
coletânea de setsuwa budistas foi escrita com o objetivo de salvar a todos com os
ensinamentos budistas. Reúne 125 setsuwa educativos e doutrinários e recebeu
influências do caminho da poesia de Saigyō. Nela, encontram-se também setsuwa
sobre canções e poemas encadeados. Contém, ainda, assuntos cômicos sem ligação
direta com o budismo, e reflete a vida do povo e dos guerreiros da classe inferior.
Yoshino Shūi, obra de 1356, é da autoria de Fujiwara no Yoshifusa. Em dois
(ou quatro) volumes, reúne mais de 60 narrativas sobre acontecimentos e histórias de
terror ocorridas na corte do sul durante os 23 anos que vão da mudança do Imperador
Go Daigo para Yoshino em 1336 até a época do Imperador Go Murakami em 1358.
É considerada uma obra intermediária entre Setsuwa e Narrativa Histórica.
As narrativas Setsuwa desaparecem do cenário literário japonês, mas apenas
no nome. Na prática, suas histórias são resgatadas de diversas maneiras no período
pré-moderno do Japão, na literatura infantil e em alguns escritores do período
moderno, como Akutagawa Ryūnosuke, em suas obras Hana (Nariz, 1916) e Dentro
do Bosque (Yabu no Naka, 1922), esta última, com tradução em português, e pelo
escritor Dazai Osamu com a obra Otogizōshi (Contos de Fadas), escrita durante a
Segunda Guerra Mundial.
Narrativa
Como é possível observar, “narrativa” é um termo utilizado de modo amplo
na história literária japonesa, e nesta parte será abordada a Narrativa como gênero
que a literatura japonesa classifica em Narrativa Fantástica ou Ficcional (denki
monogatari) e Narrativa Centrada em Poemas (uta monogatari).
De Katai a Dazai; Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Apêndice – A Prosa Japonesa e as Influências Estrangeiras
29
As obras mais representativas da primeira são Taketori monogatari
(Narrativa do Cortador de Bambu), do final do século VIII a meados do século IX;
Utsuho monogatari (Narrativa da Toca da Árvore), de aproximadamente 983; e
Ochikubo monogatari (Narrativa do Porão), escrita por volta de 990. Da segunda,
Ise Monogatari (Narrativa de Ise), do início do século X; Yamato Monogatari
(Narrativa de Yamato), de meados do século X; e Heichū Monogatari (Narrativa dos
amores de Taira no Sadabun), da segunda metade do século XI.
Antes do surgimento da Narrativa do Cortador de Bambu, existiram histórias
populares simples e antigas sobre conteúdos semelhantes, conhecidas por nomes que
variavam entre O velho cortador de Bambu, História da Princesa Kaguya, História
do velho cortador de bambu e Princesa Kaguya do cortador de bambu. Considerado
pela Narrativa de Genji como ancestral do novo gênero da Narrativa surgido na
sociedade Heian, não se sabe ao certo quando essa obra foi escrita, mas há teorias
que começam desde 806 e chegam a 956. É composta pelos episódios do nascimento
da Princesa Kaguya, do pedido de casamento, das tarefas aos proponentes, da caça,
da ascensão da Princesa Kaguya e da poção da imortalidade que virou a fumaça
expelida pelo Monte Fuji. Parte de um pressuposto fantástico narrado em terceira
pessoa e no modelo “Era uma vez”, em que se isenta a veracidade do que é narrado.
Apresenta um estilo simples de escrita com grande número de termos budistas e de
palavras chinesas e muitas partes que coincidem com a mesma escrita do chinês com
leitura japonesa de Kojiki e Nihonshoki. Inicialmente, deve ter sido escrita em chinês.
Utsuho monogatari (Narrativa da Toca da Árvore) também é constituída por
uma história fantástica em torno dos mistérios da música narrada em terceira pessoa,
composta por pequenos episódios que começam com o modelo semelhante ao “era
uma vez”. Seus 20 volumes são divididos em duas partes. A primeira, com um tom
forte de lenda, focaliza a vida do nobre Kiyohara Toshikage, filho de Shikibu
Daisuke e Sadaiben e da Princesa Kihohara Sei, e Nakatada, seu neto. Possuidor de
dotes poéticos desde criança, aos 16 anos Toshikage é enviado para estudar na China,
enfrenta um naufrágio e pára em terras estranhas, onde vive 23 anos junto a
divindades budistas, habitantes celestiais e ermitões, com quem aprende a tocar coto
e músicas místicas. De volta ao Japão, casa-se e tem uma filha que, com sua morte,
De Katai a Dazai; Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Apêndice – A Prosa Japonesa e as Influências Estrangeiras
30
mora numa choupana. Depois, casa-se com Fujiwara Kanemasa e tem um filho,
Nakatada, muito dedicado à mãe, e que vai morar com ela na toca de um cedro em
Kitayama. Nesse local, ela utiliza o talento musical herdado do pai para ensinar o
menino a tocar coto e obter favores dos animais da mata mediante a manifestação de
fenômenos sobrenaturais. Aos 12 anos, Nakatada é recolhido à casa do pai,
juntamente com a mãe, e segue o caminho de ascensão na vida aristocrática. A
segunda parte é centrada em descrições sobre a princesa Ate(miya), que tinha muitos
pretendentes, entre os quais estava Nakatada, mas ela acaba fugindo para fora da
morada das nuvens e transforma-se na Princesa Haru. Ao final, Nakatada e a mãe
entregam a música mística transmitida por Toshikage à Princesa Onna Inu e a mãe é
designada para um cargo elevado. O fio condutor dessa obra é o mérito da música.
Trata-se de uma obra ainda incipiente, do período de transição da lenda para a
descrição, e segue a linha do Taketori, centrada nos setsuwa, e a de Ise, centrada nos
poemas.
Ochikubo Monogatari (Narrativa do Porão), de autor desconhecido, é
constituída por quatro volumes e 100 poemas e cartas muitas vezes completas. Narra
a vida da filha de Tadayori Chūnagon que sofre mal-tratos da madrasta e acaba se
casando com Shōshō Michiyori, tem dois filhos e vive feliz. O marido consegue a
reconciliação entre elas, mas a madrasta continua má até o fim. Mostra os costumes e
as relações econômicas e usa personagens nobres. É mais realista que Taketori e
Utsuho, mas ainda contém exceções como um idoso de quase 200 anos.
Todos os 29 poemas de Ariwara no Narihira coligidos na Coletânea de
Poemas Waka de Outrora e de Hoje estão presentes na Narrativa de Ise, e os poemas
foram transformados em narrativas. Dela fazem parte ainda poemas de vários outros
poetas, inclusive alguns que parece terem sido retirados do Man’yōshū e transcritos
com modificações, e algumas músicas folclóricas. Costuma-se dizer que o
protagonista da obra lembra a figura de Narihira, e com isso abre-se a possibilidade
de que ele seja um diário poético de natureza autobiográfica.
São 115 capítulos curtos com poemas de conteúdos diversos, a maior parte
sobre os sentimentos humanos: o amor pelas mulheres, pelos familiares, pela
Natureza e pelo mundo, a consideração para com o Imperador Koretaka e a nostalgia
De Katai a Dazai; Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Apêndice – A Prosa Japonesa e as Influências Estrangeiras
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da viagem. Uma parte menor é ocupada por poemas de teor espirituoso, engraçados e
irônicos e ainda por poemas utilizados em rituais e como decoração de biombos.
Yamato monogatari, Narrativa de Yamato, elaborada entre 951 e 966 por
Ariwara Shigeharu ou pelo Imperador Aposentado Kazan, também é composta por
capítulos curtos centralizados em poemas que narram episódios relativos aos poemas
compostos nas reuniões poéticas da corte. São 173 capítulos divididos em dois
volumes, e a partir do 147 tem início o segundo volume, com narrativas curtas, com
fortes características Setsuwa.
Heichū monogatari, (Narrativa dos Amores de Taiha no Sadabun +960), de
autor desconhecido é constituída por 39 capítulos de Setsuwa poéticos e histórias de
amores não correspondidos de Taira no Sadabumi, desenvolvidos em torno de 153
poemas.
Depois de obras que seguem o modelo da Narrativa Fantástica e da Narrativa
Centrada em Poemas, em 1001 Murasaki Shikibu começou a escrever a famosa Genji
Monogatari (Narrativa de Genji), vista como uma fusão dessas duas modalidades,
que as superou e tornou-se insuperável pelas que surgiram posteriormente.
Essa obra que, por volta de 1008, já era muito lida na corte feminina do
Imperador Ichijō, é composta por 54 “cadernos” divididos em duas partes. A
primeira narra a vida de Hikaru Genji, subdividida em mais duas, que vão do caderno
1 (Kiritsubo) a 33 (Fujinouraba) e do 34 (Wakana I) a 41 (Maboroshi). A segunda
parte focaliza a vida de Kaoru, filho de Hikaru com Fujitsubo, sua madrasta e vai do
caderno 42 a 54.
Abaixo, apresentamos as três partes de Narrativas de Genji contendo,
respectivamente, uma marcação histórica ficcional indicada pelo nome do imperador,
a numeração e o título dos cadernos e a idade dos protagonistas entre parênteses,
Hikaru Gengi, na primeira e segunda parte, e Kaoru, na terceira parte.
PARTE I
Imperador Kiritsubo
1. Kiritsubo (1~12 anos); 2. Hahakigi, 3. Utsusemi, 4.Yūgao (17 anos) ; 5.
Wakamurasaki (18 anos); 6. Suetsumuhana, 7. Momijinoga (18~19 anos); 8.
Hananoen (20 anos).
De Katai a Dazai; Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Apêndice – A Prosa Japonesa e as Influências Estrangeiras
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Imperador Suzaku
9. Aoi no Ue (22~23 anos); 10. Sakaki (23~25 anos); 11. Hanachirusato (25 anos);
12. Suma (26~27 anos); 13. Akashi (27~28 anos).
Imperador Reizei
14. Miotsukushi; 15. Yomogi U (28~29 anos); 16. Sekiya (29 anos); 17. Eawase, 18.
Matsukaze (31 anos); 19. Usugumo (31~32 anos); 20. Asagao (32 anos); 21. Otome
(33~35 anos); 22. Tamakazura (34~36 anos); 23. Hatsune, 24. Kochō, 25. Hotaru,
26. Tokonatsu, 27. Kagaribi, 28. Nowaki (36 anos); 29. Miyuki (36~37 anos); 30.
Fujibakama (37 anos); 31. Makibashira (37~38 anos); 32. Umegae, 33. Fujinouraba
(39 anos).
PARTE II
Imperador Kinjō
34. Wakana ue (39~41 anos); 35. Wakana shita; 36. Kashiwagi (48 anos); 37.
Yokobue (49anos); 38. Suzumushi, 39. Yūgiri (50 anos); 40. Minori (51 anos); 41.
Maboroshi (52 anos); Kumogakure, somente título; o texto não existiu ou não ficou
conhecido (morte de Hikaru Genji)
PARTE III Kaoru
42. Niou no miya (14~20 anos); 43. Kōbai (24 anos); 44.Takekawa (14~23 anos); 45.
Hashihime (20~22 anos); 46. Shiigamoto (23~24 anos); 47. Agemaki (24 anos); 48.
Sawarabi (25 anos); 49. Yadorigi (24~26 anos); 50. Azumaya (26 anos); 51.
Ukibune; 52. Kagerō (27 anos); 53. Tenarai (27~28 anos); 54. Yume no Ukihashi (28
anos).
Murasaki Shikibu descreve a vida com uma atitude realista e com uma fusão
habilidosa da natureza e do humano. Foi escrito com um estilo requintado cheio de
lirismo poético e do senso de mononoaware sob um planejamento grandioso, que
descreve um período de mais de 70 anos, que abrangem quatro reinados imperiais:
Kiritsubo, Suzaku, Reizei e Kinjō.
A história começa com a descrição da linda Kiritsubo, quarta Imperatriz e
dama preferida do Imperador, que lhe dá Hikaru Genji como herdeiro. Ela adoece
com o ódio das outras damas da corte e morre em sua terra natal. O imperador
desposa Fujitsubo para esquecer a falecida, e Hikaru encanta-se com a madrasta, que
De Katai a Dazai; Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Apêndice – A Prosa Japonesa e as Influências Estrangeiras
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se parece muito com sua mãe. Quando ele completa 18 anos, Fujitsubo está grávida e
dá à luz Kaoru, que o Imperador acredita ser seu filho. Na época, os filhos eram
proibidos de ter relações sexuais com as esposas do pai e por isso a relação de Hikaru
com Fujitsubo é incestuosa, mas Hikaru continua a desejá-la e ela, então, decide
seguir a vida religiosa ainda jovem. A vida privada do palácio revela suas desavenças
humanas, e observa-se que as mulheres enfrentam um conflito interior solucionável
apenas pela resignação e pela aceitação do destino.
Saigō Nobutsuna (1972:32-42) afirma que Murasaki Shikibu ficou presa ao
destino e todas as personagens femininas da obra, como Kiritsubo, Utsusemi, Aoi no
Ue, Murasaki no Ue, Yūgao, Suetsumuhana, Fujitsubo, Akashi no Ue, Tamakazura,
Onna Sannomiya, Ujihimegimi e Ukibune, enfrentam o destino e vivem infelizes
com a poligamia masculina e os jogos amorosos dela decorrente. Izumi Shikibu foi
exceção, mas sofreu de igual modo, deixando-se levar pela condição de mulher.
A autora de Genji Monogatari idealizou sobremaneira o protagonista, que
nasceu límpido e cristalino, cresceu de modo ainda mais ofuscante e possuía por si
mesmo beleza e talento. Sua carreira também só tendeu a ascender e, mesmo depois
de viver refugiado algum tempo em Suma, brilhou ainda mais depois do retorno. Ele
não precisou lutar para conseguir o que almejava. Era como se as portas se abrissem
porque assim estava determinado. As mulheres sofriam com seu destino, mas
encantavam-se e envolviam-se com a vida feliz e exuberante de Hikaru. Sua esposa
oficial fez as pazes com ele em seu leito de morte e a infelicidade dela foi
recompensada com o futuro de Yūgiri. A rancorosa Rokujō no Miyasundokoro, com
quem Hikaru teve uma filha, foi redimida ao se tornar Chūgū. Em suma, a desavença
acaba sendo encoberta pelo mundo harmonioso e belo de Hikaru. Quando ele se
tornou primeiro ministro e fez que todas suas mulheres morassem no Rokujōin, esse
mundo belo e harmonioso ficou completo.
A infelicidade feminina só encontrou salvação na idealização do protagonista
masculino, fazendo que ele fosse dotado de um sentimento piedoso e criasse um
mundo de Buda nesta terra. Não há elementos fantásticos nem lendários, como em
Taketori. A psicologia humana é discutida com riqueza de detalhes, especialmente
das personagens secundárias. As histórias de amor de Hikaru também tomam um
De Katai a Dazai; Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Apêndice – A Prosa Japonesa e as Influências Estrangeiras
34
rumo indefinido, até que chegam à idealização no Rokujōin. Na segunda parte,
porém, esse mundo maravilhoso começa a desmoronar. Onna Sanmiya, esposa do
ex-Imperador Suzaku, vai para o Rokujōin como esposa de Hikaru, que não pode
tratá-la com menosprezo; quem sofre e adoece é Murasaki no Ue, antes invejada por
todas as damas. Ao fim, Hikaru pensa em seguir a carreira religiosa e acaba
morrendo.
Assim, a Narrativa desenvolve-se com a Narrativa Ficcional ou Fantástica e a
Narrativa baseadas no lirismo dos poemas waka, algumas com características da
transmissão oral, como a Narrativa do Cortador de Bambu; outras, como a Narrativa
da Toca da Árvore, com elementos fantásticos; e a Narrativa do Porão, de natureza
descritiva, que reflete a sociedade da época. A Narrativa passou ainda por um
processo de transcrição da realidade, seguindo os moldes do Registro Histórico, da
Narrativa Histórica e da Narrativa Militar, e também pela inserção de elementos
fantásticos e lendários da Narrativa Setsuwa de tradição popular.
Considerações sobre a literatura feminina
As mulheres responsáveis pelo florescimento literário desse período eram
dotadas de instrução e a maioria delas serviu à corte de Heian, vivendo numa ala
denominada Palácio de Trás (Kōkyū), que abrigava as esposas do Imperador e outras
damas da corte, composta por sete Palácios (Den) e cinco Vivendas (Sha), situada na
parte dos fundos do Palácio Imperial (Dairi). Segundo o Dicionário de Pesquisa da
História Antiga do Japão, ainda são poucas as pesquisas referentes a esse assunto e
restam muitos aspectos a serem elucidados.
O Palácio Imperial de Heian seguiu o modelo do Palácio Heijō da China, mas
introduziu aspectos mais práticos e adequados aos costumes e às necessidades
japonesas. O sistema político administrativo adotado da China no período anterior
também apresenta uma diferença fundamental. Na China, ele serviu para unificar o
país em torno do imperador, ao passo que, no Japão, para criar a hegemonia política
da família Fujiwara, que utilizou suas filhas para adquirir parentesco com o
Imperador e garantir seu poder político, conforme o estudioso Mushanokoji
De Katai a Dazai; Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Apêndice – A Prosa Japonesa e as Influências Estrangeiras
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(1949:508-17) ao apontar a dificuldade de se manter a estabilidade social e
econômica nesse período.
Embora a expressão “literatura feminina palaciana” sugira que a nobreza de
Heian fosse a época de ouro das mulheres, elas não possuíam liberdade. Ao
contrário, como mostra Saigō (1949:494-507), a vida delas estava presa a preceitos
do Confucionismo e do Budismo e era muito desfavorável, como mostram a própria
dama da corte Murasaki Shikibu e a autora de Diário de Pirilampo. Na Narrativa de
Glória e Poder, a mulher era tratada como um objeto para gerar filhos. O estudioso
cita as palavras de Michinaga, o poderoso patriarca do clã Fujiwara, que esteve à
frente do sistema político de Tutor e Conselheiro durante mais de vinte anos, a
Yorimichi, seu filho, ao tentar convencê-lo de que ter sucessores era uma
necessidade e por isso ele deveria desposar a Princesa Daishi, filha do Imperador
Sanj, mesmo quando ele já possuía uma esposa que amava (a princesa Taka, filha do
Príncipe Guhei). Michinaga também fez que suas quatro filhas, Shōshi, Kenshi, Ishi
e Kishi, se tornassem esposas do Imperador para que, com o nascimento do príncipe,
ele, como parente sem laços consangüíneos, usufruísse de privilégios políticos.
Lembrando mais uma vez que a nobreza da época seguia o sistema
poligâmico para os homens e monogâmico para as mulheres, fica evidente que, por
mais que lhes fosse assegurado o conforto material, não haveria de existir a liberdade
e a felicidade para elas numa sociedade assim. É ilustrativo o destino trágico de
Chūgū Teishi, filha de Michitaka (953-995), a quem Sei Shōnagon servia, quando ela
é enganada pela Chūgū Shōshi (filha mais velha de Michinaga), ou ainda o de Kōi
Kiritsubo, personagem do início da Narrativa de Genji, que, por ter perdido o amor
do Imperador, é desprezada pelas demais nyōgo e kōi e acaba morrendo. Assim,
Chūgū Teishi não estava ligada ao Imperador Ichijō, seu esposo, mas era sustentada
pelo poder de seu pai, Michitaka, e de seu irmão Korechika (974-1010). Com a
queda de seus protetores diante de Michinaga, seu tio, Teishi também tem o mesmo
destino, e Shōshi, sua prima, assume a posição antes ocupada por ela. Essas disputas
parecem ser regra na nobreza Heian, como mostra o Diário de Pirilampo, que nada
mais é que um desabafo das mudanças geradas pela poligamia e uma confissão sobre
De Katai a Dazai; Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Apêndice – A Prosa Japonesa e as Influências Estrangeiras
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a insegurança psicológica da autora, esposa de Kaneie, pai de Michitaka e
Michinaga, meio-irmãos de seu filho Michitsuna.
Por isso, é um engano acreditar que a vida palaciana das mulheres da corte de
Heian fosse maravilhosa e cheia de esplendor.
A Narrativa de Genji descreve o destino lastimável das mulheres dessa
época, e nem Murasaki Shikibu nem a autora do Diário de Sarashina foram servir na
corte por vontade própria, idolatrando a vida na corte. Foram enviadas quase à força
e se desencantaram com a vida palaciana.
Mushanokōji diz que praticamente todas as artistas literárias da época de
Michinaga tinham ligação com o cargo de governador ou vice-governador de
províncias. Geralmente eram filhas e esposas desses burocratas, que iam a províncias
distantes e que deixavam a família servindo na corte. O dia-a-dia da classe
dominante estava no auge do esplendor, e os nobres viviam dias e noites às voltas
com as diversões em torno de poemas e cantigas, alheios à calamidade, aos crimes e
à fome existente em seu redor. Era nessa vida da corte que essas moças e mulheres
da pequena e média nobreza buscavam os recursos para auxiliar sua subsistência, e
são exatamente elas que irão sentir os primeiros indícios da queda da alta nobreza.
Pois, no período seguinte, há uma mudança significativa. Com a reação da família
imperial ao sistema político centralizado nos Tutores e Conselheiros, o Imperador
aposentado retoma o governo, e os samurais, que serviam de valiosos instrumentos
para os tutores e conselheiros, despertam para o próprio poder. Um fato bastante
comentado é o de que, no Diário de Murasaki, a dama recatada e doce que é sua
autora critica severamente as mulheres de outros grupos e até as pessoas que serviam
à Imperatriz Shōshi, como suas colegas. Mas isso não seria de estranhar se
considerarmos que todo esse comedimento e doçura eram uma armadura usada por
Murasaki Shikibu para manter a estabilidade de sua vida.
Por isso, Mushanokōji chama a atenção para o fato de que a atmosfera bela e
triste, que chega a ser estranha e que paira nas obras por criadas pelas damas da
corte, é reflexo da vida das mulheres dessa época, cujos sentimentos aguçados eram
estimulados por crescerem numa classe instável e que, apesar de maravilhosa, era
uma vida parasitária sempre indefinida. Além disso, a sociedade da alta nobreza
De Katai a Dazai; Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Apêndice – A Prosa Japonesa e as Influências Estrangeiras
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reunia essas moças e mulheres talentosas como utensílios e adorno de suas filhas,
criadas e aperfeiçoadas para competirem com seus talentos. Assim, essas obras raras
da literatura japonesa, encabeçadas pela Narrativa de Genji, pelo Diário de Izumi
Shikibu e pelo Livro de Cabeceira, não são produtos apenas da força interior dessas
mulheres cheias de genialidade que nasceram nesse meio, mas de uma força criada
artificialmente em torno delas. Nota-se que é por isso que a literatura feminina não
teve a mesma continuidade em épocas subseqüentes.
Saigō (1949b) comenta que o Palácio de Trás era um lugar propício para o
desenvolvimento das narrativas e que seu público eram as damas da corte. O Livro de
Cabeceira foi escrito segundo a vontade de Chūgū Teishi, como consta no final da
obra, e diz-se que a Narrativa de Genji foi confeccionada porque a Princesa Senshi,
filha do Imperador Murakami, queria outros textos para leitura, porque já estava farta
de ler a Narrativa da Toca da Árvore e a Narrativa do Cortador de Bambu.
Podemos, assim, dizer que grande parte da riqueza literária desse período
encontra-se na literatura feminina e que ela está intimamente ligada ao sistema
político em torno do Tutor e do Conselheiro, que garantiram a manutenção do poder
do Clã Fujiwara. As imperatrizes geravam os futuros sucessores ao trono, que seriam
regidos e aconselhados pelo avô materno.
As novidades até o final do século XIX
Desse modo, o Japão produziu seu corpus literário com gêneros e nomes
próprios a partir das contribuições recebidas da cultura chinesa, adotando seu sistema
político-administrativo, implantando o Budismo e o Confucionismo nas esferas
governamentais e empregando os ideogramas chineses para os documentos
burocráticos e para a composição de poemas que seguiam os modelos da China. Em
suas bases, contudo, preservou um pensamento eminentemente japonês
fundamentado na hierarquia que descende da divindade criadora do céu e da terra e
preservou as crenças e as formas literárias primitivas das cantigas e lendas, dando
vida e forma à língua japonesa, como se propõe a mostrar o Kojiki. Após essa fase de
introdução e assimilação, manteve uma produção baseada nas primeiras obras e criou
De Katai a Dazai; Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
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gêneros novos como a Narrativa, o Diário e o Ensaio, sustentados pelo
desenvolvimento da escrita em fonogramas e da adaptação dos ideogramas ao
vernáculo.
Durante a Idade Média, o país mergulhou em sucessivas guerras civis, e a
literatura feminina, antes muito próspera, começou a desaparecer juntamente com o
regime político dos Tutores e Conselheiros do clã Fujiwara.
Nesse período, houve uma continuidade dos mesmos “gêneros”, como já foi
visto nos respectivos itens sobre o Ensaio, o Diário e a Narrativa Setsuwa. Após a
insuperável Narrativa de Genji, vista como resultado da Narrativa Ficcional e da
Narrativa Centrada em Poemas, algumas obras que seguiram sua linhagem
continuaram a ser produzidas, como Yoru no Nezame, Hamamatsu Chūnagon
Monogatari, Sagoromo Monogatari, Torikaebaya Monogataria e Tsutsumi
Chūnagon Monogatari, até o final do século XII, quando o Japão já começava a ser
dominado politicamente pela classe guerreira.
Presume-se que Yoru no Nezame (O Despertar na Noite, +1059) foi escrito
pela filha de Sugawara no Takasue (autora do Diário de Sarashina) que descreve o
romance de Gon Chūnagon com Nezame no Ue, que significa “despertar”, utilizado
no título da obra, retratando a psicologia das personagens com riqueza de variações
na estruturação. Apresenta forte inclinação para a Narrativa de Genji.
Hamamatsu Chūnagon monogatari (Narrativa de Hamamatsu Chūnagon,
+1055), da suposta autoria da filha de Sugawara no Takasue, é uma narrativa
fantástica, em cinco volumes, sobre o lindo amor de Hamamatsu Chūnagon com a
filha de seu padrasto e a tristeza de seu amor com a Princesa Ama no Kimi, que mora
em Yoshino, no Japão, e é mãe da Imperatriz de Tang, para a qual fez juras de amor
quando foi à China, atendendo a pedido feito pelo pai em um sonho.
Provavelmente da autoria de Koshikibu, mas com dois ou mais autores,
Tsutsumi Chūnagon Monogatari (Narrativa de Tsutsumi Chūnagon) é composto por
dez volumes de narrativas curtas. O primeiro volume é de 1055, final de Heian, com
conteúdos humorísticos escritos em 3ª pessoa, mas desconhece-se a época em que foi
reunida na forma dessa coletânea com poemas.
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Apêndice – A Prosa Japonesa e as Influências Estrangeiras
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Escrito em meados do século XI, e de autor desconhecido (provavelmente
Daini no San’mi, irmã de Murasaki Shikibu, ou filha de Minamoto no Yorikuni, que
serviu ao Imperador Aposentado Rokujō Sai), Sagoromo Monogatari (Narrativa de
Sagoromo), Narra em quatro volumes a história do protagonista Sagoromo, que
nutre uma paixão não correspondida por Genji no Miya, sua prima. Mesmo depois de
ter relações com Asukai no Kimi, Ippon no Miya e outras mulheres, o príncipe ainda
não esqueceu seu antigo amor. Ao tornar-se Imperador, conhece então Ariake no
Kimi, muito parecida com a prima, e acaba se casando com ela.
Torikaebaya Monogatari (Narrativa de um Desejo de Transformismo, 1168-
1180), também de autor desconhecido, narra a história de Gon Dainagon que tem um
irmão e uma irmã de mães diferentes. O irmão é afeminado, e a irmã, masculina, e
por isso o nome da obra, que deseja que os sexos sejam trocados. É uma obra com
características fantásticas e forte tendência à decadência que imita a Narrativa de
Genji.
No século XIII, surge um novo grupo de obras, conhecido por Narrativa
Imitativa (Giko monogatari), que copiava o modelo das narrativas palacianas e era
produzido por nobres saudosistas da época de glória de sua classe. Sumiyoshi
Monogatari (Narrativa de Sumiyoshi, +1221) é de autoria desconhecida e narra os
maus-tratos de uma madrasta para com a enteada, nos moldes da Narrativa do
Porão. Seu nome é mencionado na Narrativa de Genji e no Livro de Cabeceira, e
presume-se que seja reelaboração de uma narrativa de um período antigo. Matsura
no miya monogatari, 1193?, escrito provavelmente por Fujiwara no Sadaie (Teika) é
composto por três volumes. O cenário é transportado para a China e a época, para o
período da Capital em Fujiwara, anterior ao período Nara. Imita a Narrativa da Toca
da Árvore, tanto na estrutura quanto no estilo de escrita. É uma narrativa fantástica,
com ares estrangeiros, que lembram a Narrativa de Hamamatsu Chūnagon. Há ainda
outras como Koke no Koromo (Veste de Musgos, 1271); Iwashimizu Monogatari
(Narrativa Iwashimizu , 1271?); Ama no Karumo (Veste Delicada dos Céus, ?);
Waga Mi ni Tadoru Himegimi, (A Princesa de meus Sonhos, 1271?).
De Katai a Dazai; Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Apêndice – A Prosa Japonesa e as Influências Estrangeiras
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Esse grupo, porém, logo desapareceu, ofuscado pelo brilho da Narrativa
Militar e especialmente pela Narrativa Setsuwa, que alcançaram sua época áurea
nesse período.
Entre meados do século XV e o século XVI, o Japão recebeu influências
portuguesas por meio dos padres jesuítas, que alcançam êxito suficiente para fazer
que as autoridades japonesas proibissem o Cristianismo e banissem os jesuítas do
país, sem contudo deixar influências expressivas na literatura, como ocorreu nas artes
plásticas. Desse contato com os portugueses restou a obra Isoho Monogatari
(Narrativa de Esopo), também conhecida como Fábulas de Esopo, uma edição cristã
com informações sobre o autor e as fábulas de sua autoria. Ela foi publicada pelo
Colégio Amakusa da Companhia de Jesus em 1593 e, posteriormente, elaborada
como kanazōshi no século XVII.
Entre os séculos XV e XVI, surge outra forma em prosa, conhecida por
monogatarizōshi, nome formado por “narrativa” (monogatari) e “rascunho, escritos”
(zōshi). Trata-se de uma narrativa maravilhosa com teor educativo e moral, destinada
a um público feminino e infantil, mas que também retratava a sociedade e os homens
da época. Inicialmente, fizeram parte desse gênero 23 obras publicadas, sob o nome
de Otogizōshi “escritos maravilhosos” — ou Coletânea de Narrativas de
Entretenimento, conforme usa Yoshida (1999:69) —, pelo impressor e editor
Shibukawa Seiemon, de Osaka, das quais fazem parte as obras Issunbōshi (O Menino
de Três Centímetros), Hachi Katsugi (A Carregadora de Vaso), Shuten Dōji
(Ladrões de Mulheres e Crianças) e Monokusatarō (Monokusatarō), todas de autores
desconhecidos e sem data certa de elaboração. Posteriormente, o nome otogizōshi
assumiu um sentido mais amplo de conto maravilhoso.
No século XVII, o Japão fechou-se para o mundo, mas continuou o contato
com a China por meio do comércio e com os documentos holandeses, voltados
principalmente para a medicina. Diversas medidas foram tomadas para consolidar o
isolamento do Japão, mas com maior rigor a partir das leis de 1635, que proibiu a
saída dos japoneses, e de 1639, que impediu a entrada dos portugueses. Nesse
período, dois tipos de obras em prosa seguiram na esteira do “conto maravilhoso”: o
conto com ilustração, conhecido como kusazōshi, e o conto escrito em kana,
De Katai a Dazai; Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
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chamado de kanazōshi. Ambos foram gerados nos centros cultural e econômico de
Quioto e Osaka, que floresceram na famosa Era Genroku (1688-1703).
O primeiro continuou como leitura destinada ao público feminino e infantil, e
recebeu capas de cores vermelha, preta e azul clara esverdeada, que lhe deram os
nomes de Livro Vermelho (akabon) — geralmente com histórias infantis, como
Batalha entre o Macado e o Caranguejo (Saru-kani gassen), O Pardal de Língua
Cortada (Shitakiri suzume) —, entre 1704 e 1736; Livro Preto (kurobon), entre 1748
e 1764; e, em seguida, Livro Azul (aobon), alterações essas decorrentes da política
de economizar nos custos. A partir de meados do século XVIII, nas Eras chamadas
de An’ei (1772-1780) e Tenmei (1781-1788), estes se desenvolveram para o Livro de
Capa Amarela (kibyōshi) — cuja obra mais representativa é Kinkin Sensei Eiga no
Uume (O sonho de Prosperidade do Professor Kinkin), da autoria de Koikawa
Harumachi (1744-1789), publicado em 1775 —, que com expressões chistosas e
cômicas fizeram sucesso entre os adultos, e nas Eras Bunka (1804-1817) e Bunsei
(1818-1829) passaram a ser designados como Volume Reunido (gōkan), ao
assumirem um conteúdo mais complexo e extenso, com vários tomos que
necessitavam ser compostos em um único livro. Entre 1829 e 1842, surgiu a paródia
de Genji Monogatari, intitulada Nise Murasai Inaka Genji (A Falsa Murasaki e o
Genji Provinciano), de Ryūtei Tanehiko (1783-1842), obra-prima desse gênero, mas
que não foi concluída em razão da encadernação de luxo, que infringia a lei da
Reforma de Kansei de 1787 a 1793, realizada por Matsudaira Sadanobu, que
ordenava, entre outras coisas, economizar, fazer doações, criar um fundo de
emergência para calamidades e fome, devolver para suas terras as pessoas naturais do
interior, que estavam nos grandes centros. Além disso, proibia todo tipo de
Confucionismo que não fosse o de Chu-tzu.
Kanazōshi, o segundo, durou cerca de 80 anos, produzindo obras como
Seisuishō (Episódios Cômicos), de 1628, de autoria desconhecida, com cerca de mil
episódios humorísticos; Nise Monogatari (Narrativa de Nise), de autoria
desconhecida e escrita entre 1624 e 1628, é uma recriação lingüística da Narrativa de
Ise, que já começa no título, com a proximidade sonora de Ise, nome da província, e
nise, que significa “falso”; Otogibōko (Histórias da Serva), de Asai Ryōi (+1612-
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1691), é uma coletânea de contos de terror baseados em histórias chinesas publicada
em 1666.
Kanazōshi dá lugar ao ukiyozshi, livro com predominância de textos
descritivos com características instrutivas e moralistas, que receberam classificações
por seu conteúdo. Há, ainda, o romântico e sensual (kōshoku mono), cujas obras mais
representativas são Kōshoku Ichidai Otoko (Os Amores de uma Vida Inteira de um
Homem), o primeiro do gênero, publicado em 1682; e Kōshoku Ichidai Onna (Os
Amores de Cinco Mulheres), de 1686; o misterioso e lendário (zatsuwa mono), com
Saikoku Shokoku Banashi (Histórias de Diversas Regiões do Oeste), de 1685; o que
aborda a vida e a estética dos samurais (buke mono), com Registros Transmitidos
sobre o Caminho do Samurai (Budōdenraiki), de 1686; e o que narra os sucessos e a
vida dos citadinos (chōnin mono), como Nihon Eitaikura (Riquezas Acumuladas
pelos Japoneses), de 1688.
Ihara Saikaku (1642-1693) foi o grande autor dessa vasta produção,
posteriormente substituída pela obras da editora Hachimonji, representada
principalmente pela obra Keisei Iro Shamisen (Histórias do Shamisen Erótico),
escrita em 1701 por Ejima Saseki (1666-1735). Desta última desenvolveu-se o livro
de leitura yomihon, centralizado em textos ricos e em elementos fantásticos, em leis
budistas de causa e efeito e em preceitos morais. Em Edo, ele é representado por
Ueda Akinari (1734-1809), autor de obras como Contos da Chuva e da Lua (Ugetsu
Monogatari) — com tradução em português —, de 1776, e por Takizawa Bakin
(1767-1848), que, entre outras obras, escreveu Chinsetsu Yumiharizuki (Histórias da
Lua Crescente), em 1807, e Nansō Satomi Hakken Den (Os Oito Bravos Cães do Clã
Satomi), entre 1814 e 1842, esta última inspirada na obra chinesa Suikoden
(Histórias à Margem d’Água) da dinastia Ming. Na região de Quioto e Osaka, a
primeira obra desse tipo é Hanabusa Sōshi (Escritos de Hanabusa), publicada em
1749 por Tsuga Teishō (1718- ?).
Além de dar origem aos Livros de Leitura, o kanazōshi desenvolveu uma
linhagem de prosa voltada para a sensualidade e o erotismo, com foco no
conhecimento apurado sobre o mundo das mulheres e dos clientes das zonas dos
prazeres, representada pelos Livros de Sensualidade (sharebon). Eles acabaram
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desaparecendo depois que Santō Kyōden (1761-1816) foi condenado por atentado ao
pudor, mas deixou obras como Tsūgen Sōmagaki (Histórias sobre a Casa Sōmagaki),
de 1787. Dos Livros de Sensualidade surgiram duas linhas distintas, que são os
Livros de Sentimentos (ninjōbon) e os Livros Cômicos (kokkeibon). O primeiro foi
apreciado pelo público feminino por descrever os sentimentos e os sentidos,
abordando o amor na vida do povo e os conflitos interiores dos seres humanos, mas
acabou desaparecendo por causa da repressão iniciada em 1841 com a Reforma de
Tenpō (1841-1843), realizada por Mizuno Tadakuni, que incentivou a dedicação aos
estudos, a economia e o cumprimento dos costumes, dissolveu os atacadistas e
ordenou a redução dos preços.
Tamenaga Shunsui (1790-1843), apesar de ter sofrido sanções por infringir a
moral e os bons costumes, deixou obras como Shunshoku Umegoyomi (Paisagem de
Primavera, Beleza da Ameixeira), escrita em 1832. O Livro Cômico foi
desenvolvido de modo paralelo ao primeiro, com descrições sobre os aspectos
engraçados e sensuais no cotidiano do povo. Seus principais representantes nas
regiões de Quioto e Osaka foram Jippensha Ikku (1765-1831), autor de Tōkaidōchū
Hizakurige (Viagem a Pé pela Via Tōkai), que teve a primeira parte publicada em
1802 e a continuação em 1822, e Shikitei Sanba (1776-1822), que escreveu
Ukiyoburo (Banho Público do Mundo Flutuante), em 1809. Em Edo, havia Hiraga
Gen’nai (1728-1779), que produziu a obra Fūryū Shidōkenden (Histórias Inusitadas
de Shidōken) em 1763, satirizando os costumes do povo da capital militar.
Assim, essas formas literárias, em grande parte voltadas para a diversão e
para a comicidade, geraram a literatura de entretenimento na prosa do final do século
XIX, que corresponde ao início do período Meiji, quando termina o isolamento
japonês.
Considerações sobre as formas em prosa da Idade Pré-Moderna
Apesar da grande produção de obras do gênero Setsuwa, na Idade Média
japonesa ele acabou desaparecendo. O Ensaio e o Diário Literário também perderam
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Apêndice – A Prosa Japonesa e as Influências Estrangeiras
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a força e apenas o Registro de Viagem, iniciado como ramificação do Diário
Literário, continuou a ser produzido ligado principalmente aos poemas haikai.
Na Idade Pré-Moderna, houve um crescimento admirável da erudição
“chinesa” e também uma diversificação nos nomes recebidos pela obras em prosa
desse período, que estiveram mais próximas das camadas populares.
Na classificação do estudioso Nakamura Yukihiko (1968:415-32), a prosa
pré-moderna pertenceria ao grupo comum (zokugun), em contraste com o grupo
refinado (gagun), e pela tradição que vinha desde a Idade Média este último era
reconhecido como caminho elevado e artístico (dō). O grupo comum surgiu para
suprir as necessidades literárias que o grupo refinado não satisfazia, mas era
considerado inferior por apresentar o lado utilitário que era o da lição, da divulgação
e da diversão.
Nakamura segue a linha das diferenças estabelecida entre o sagrado e o
profano, o nobre e o plebeu, e assemelha-se à classificação em superior e inferior,
que vemos em Frye: o herói é superior em espécie aos outros, no romance é superior
em grau, nos modos “altamente miméticos” da tragédia e da epopéia, superior aos
outros em grau, mas não ao ambiente, nos modos “reduzidamente miméticos” da
comédia e do realismo igualava-se a todos nós, e na sátira e ironia era inferior. O
estudioso classificou a arte literária do período pré-moderno em dois grupos: o
refinado (gagun) e o comum (zokugun). O primeiro é constituído pelos poemas
japoneses (waka), textos japoneses (wabun), poemas encadeados (renga), poemas
chineses (kanshi), textos chineses (kanbun), formas literárias tradicionais japonesa e
chinesa (wakan); o segundo, pelo poema satírico (haikai), o poema “ensandecido”
(kyōka), os escritos que foram utilizados para o teatro de bonecos (jōruri), o teatro
cabúqui e a prosa pré-moderna (kinsei shōsetsu).
De modo semelhante, o estudioso Hinotani Hirohiko (1994:6) menciona essa
divisão das artes literárias ao expor que Takizawa Bakin, um dos grandes escritores
de sucesso entre as camadas populares, confessou que escrevia para conseguir
comprar os livros confucionistas e as coletâneas de poemas chineses considerados a
literatura por excelência, pois a sociedade da época compunha poemas em chinês e,
para ela, o sentido primeiro da Literatura era interpretá-los e apreciá-los.
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Apêndice – A Prosa Japonesa e as Influências Estrangeiras
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Como resultado das modificações ocorridas pela influência mútua desses dois
grupos, do incentivo do governo para educar o povo por meio da instrução e da
leitura, do avanço das técnicas de impressão, do esforço dos editores, livreiros e
escritores e provavelmente do interesse dos leitores, a literatura, no entanto, alcança
um desenvolvimento surpreendente nas camadas populares.
Tanto Nakamura quanto Hinotani apontam o Confucionismo como elemento
primordial que influenciou a literatura. Nakamura diz que a ciência de Chu-tzu
penetrou na sociedade depois de ter sido adotada como princípio norteador da
política cultural da fase inicial do governo Tokugawa, e as artes literárias serviram
para transmitir o caminho e formar uma sociedade moral baseada no incentivo ao
bem e na repressão ao mal, tanto na arte refinada quanto na secular. Ele diz, ainda,
que os escolásticos de Chu-tzu chegaram a condenar clássicos como as Genj
Monogatarii e Ise Monogatari como livros que ensinavam a lascívia. Hinotani
mostra que a literatura comum colocada abaixo da literatura chinesa continuava a ser
publicada em larga escala e era muito lida, e cita como exemplo as obras de autores,
como Saikaku, que continham um fundo moral proveniente do Confucionismo
expresso nos preceitos morais no final ou no meio da obra.
Segundo Hinotani (1994:6), o florescimento cultural da Idade Pré-Moderna
foi causado por quase três séculos de paz e felicidade única em toda a história do
Japão.
A preocupação com a moral continuou a existir na literatura, mas a tendência
para a diversão aumentou. Nakamura aponta que a Narrativa Militar abandonou os
registros épicos para se transformar em “causo” de samurais, como a obra Taikōki
(Registro de Toyotomi Hideyoshi), de 1625, que incluía críticas do ponto de vista da
ciência militar, da política e da moral; o Ensaio literário, os textos budistas e também
os textos com bases confucionistas e xintoístas transformaram-se em lições
adaptadas à nova sociedade; as coletâneas de Narrativa Setsuwa da Idade Média são
publicadas juntamente com as traduções desse mesmo gênero chinês; e o Registro de
Viagem transformou-se em guia de lugares pitorescos e famosos. Até as histórias de
natureza maravilhosa e de amor sofreram transformações e deram origem à literatura
jocosa, que retratava a sociedade da época com as paródias dos clássicos,
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Apêndice – A Prosa Japonesa e as Influências Estrangeiras
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denominadas Narrativa Imitativa. Em seguida, novos termos surgem para designar as
obras em prosa que se desenvolvem a partir do kanazōshi, surgido entre as eras
Kan’ei (1625-1643) e Kanbun (1661-1672).
Nakamura Yukihiko menciona outra mudança significativa que influenciou o
pensamento e a literatura da época: a afirmação da realidade no lugar da negação do
mundo terreno pregado pela religião Jōdo, predominante na Idade Média. Os avanços
da nova sociedade em que reinava a paz foram retratados e divulgados, e as
personagens tornaram-se independentes das divindades que regiam seus destinos.
Elas passaram a ser modelos de resultados obtidos pelo esforço individual e, assim, a
dar esperanças ao povo, e a linguagem oral também ganhou espaço na literatura com
seu uso na composição do haikai, dos kanazōshi e do teatro.
Na Era Genroku (1688-1703) surgiu um ar humanístico com os pensadores
confucionistas Itō Jinsai (1627-1705) e seu filho Tōgai (1670-1736), que defenderam
a literatura como expressão do sentimento humano e puseram fim à teoria do
incentivo ao bem e da repressão ao mal. O estudioso do vernáculo e poeta Keichū
(1640-1701) também valorizou o sentimento humano em suas teorias sobre o poema
waka e as narrativas, e sob a crença de que o comum e o secular transmitiam melhor
os sentimentos viu-se a publicação de coletânea de poemas dos nobres inferiores,
conhecidos por jige. Nakamura diz que os escritores representativos das artes
seculares, como Ihara Saikaku, Matsuo Bashō e o roteirista de teatro de bonecos e de
cabúqui Chikamatsu Monzaemon (1653-1724), compartilhavam de idéias
semelhantes à de Jinsai e que a narrativa do mundo flutuante (ukiyozōshi) de Saikaku
e o novo haikai de Bashō nasceram das transgressões das antigas leis e regras e do
interesse em retratar os sentimentos humanos, fossem eles eróticos, morais ou
voltados para interesses financeiros.
Até o final da Idade Pré-Moderna o povo era totalmente desprovido de
consciência sobre os assuntos do país, e Hirotani interpreta que isso poderia ser
considerado tanto uma falha do governo militar como algo digno de admiração,
tamanha era a tranqüilidade da vida do povo japonês. Como comprovação, cita o
exemplo dos agricultores da época, que não demonstraram nenhum interesse na
Guerra Boshin, de 1868, entre as tropas do governo da restauração e as tropas do
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Apêndice – A Prosa Japonesa e as Influências Estrangeiras
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antigo regime militar. Diz ele que o povo em geral ficou alheio à situação do final do
governo militar e deleitava-se com o mundo fantasioso da literatura e dos teatros, e
menciona que foi por esse motivo que a obra Shiranui monogatari, de Ryūkatei
Tanekazu, que começou a ser publicada em 1849, continuou com grande
popularidade até 1886, quase vinte anos após a Renovação Meiji.
Hirotani vê o ano de 1871 como marco que separa a Idade Pré-Moderna da
Moderna. Em 23 de março desse ano, Narushima Ryūhoku, escritor neoconfucionista
e ex-ministro do antigo governo militar, concluiu o segundo volume de Nova
História da Ponte Ryū (Ryūkyō Shinshi ou Yanagibashi Shinshi), mas sua publicação
atrasou e esse volume acabou como documento inútil, que mostrava a situação da
zona dos prazeres, quando, na realidade, criticava por meio da fala de uma artista da
zona os samurais das classes inferiores que ocupavam cargos administrativos do
governo militar. Para ele, Panela Agura de Robun, publicada em abril, marcou o fim
do kusazōshi da cultura Edo.
Desse modo, foram apresentadas as formas literárias japonesas centradas na
prosa. A partir do momento em que elas ganharam a forma escrita sob influência da
cultura chinesa importada, ainda nos primeiros séculos da Era Cristã, acompanhou-se
o surgimento de novos gêneros com nomenclatura própria, quando cessam os
intensos intercâmbios realizados com a China no final do século IX e o Japão cria um
sistema peculiar de governo, que gera uma Literatura Feminina muito próspera nesse
período.
Em seguida, viu-se uma fase transitória sem novidades significativas em
função das guerras internas japonesas até o fim do século XVI, e em seu final o
desenvolvimento de novas formas literárias voltadas para o entretenimento da
camada popular, que foi conquistando seu espaço nos grandes centros urbanos. Nessa
época, a literatura e as artes deixam de ser privilégio da classe alta. No entanto, ainda
prevalece a divisão entre o refinado e o comum, seja na prosa, na poesia ou nas artes
cênicas, estas últimas estruturadas nesse período. No entanto, as chamadas artes de
entretenimento consideradas do grupo comum alcançam um crescimento notório. Os
literatos e estudiosos continuaram a valorizar a forma poética tradicional japonesa e
os poemas e textos chineses pertencentes à esfera refinada, mas alguns se dedicam à
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criação de obras da esfera comum, que alcança uma produção variada e grandiosa
com o incentivo do governo, o avanço das técnicas de impressão e o interesse de
editores e leitores.
A partir de meados do século XIX, o Japão entrou numa nova fase histórica
ao sair do isolamento e, assim, a literatura japonesa passou novamente a receber
influência estrangeira, dessa vez dos países ocidentais.
As influências ocidentais
O Japão, após um período de isolamento de quase trezentos anos, passou por
um período de intensa transformação, com as novidades trazidas do Ocidente.
Objetivado um rápido crescimento com a modernização, contratou especialistas
estrangeiros para trabalharem no país e também enviou estudantes e pesquisadores
das mais diversas áreas à Europa e aos Estados Unidos.
O esforço em prol da “iluminação” dos japoneses resultou em trabalhos como
a tradução de Self Help, de Samuel Smiles, em 1871, publicada com o título de
Saikoku Risshihen (Motivação dos Países Ocidentais) pelo ministro do governo
militar Nakamura Masanao (1832-1891), logo após sua viagem à Inglaterra, e
Gakumon no Susume (Incentivo ao Conhecimento), escrito em 1872 por Fukuzawa
Yukichi (1835-1901). Considerada a bíblia da nova Era, essa obra defendia a
igualdade natural entre os homens e a visão utilitarista do conhecimento, mostrando a
igualdade entre nobres e plebeus, ricos e pobres, e incentivando as pessoas a se
dedicarem aos estudos e acumularem grandes conhecimentos para alcançarem a
dignidade e a riqueza.
Inicialmente, procurou-se divulgar o conhecimento ocidental por meio de
algo que recebeu o nome de Literatura Traduzida e Romance Político. Muitas obras
foram publicadas em japonês na forma de adaptações ou sem que tivessem sido
traduzidas diretamente do original. Em razão do interesse pelos movimentos de
liberdade democrática, na época defendidos pelos países ocidentais, grande número
de obras focalizava os políticos ocidentais ou os assuntos políticos, como Utopia, de
Thomas Moore. O crítico e historiógrafo literário Nakamura Mitsuo cita As
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Aventuras de Telêmaco, de Fenelon, traduzida em 1879, como exemplo precoce de
apresentação de um clássico francês.
1
. Entre os interessados pelos estudos ocidentais,
contudo, houve também quem procurasse divulgar o lado sentimental dos
estrangeiros, e as obras de Lord Litton foram das que mais ganharam popularidade
nesse período. Shakespeare também teve suas obras traduzidas e foi interpretado no
estilo dos livros da literatura do período pré-moderno japonês, que retratam os
sentimentos humanos. Júlio Verne foi alvo de grande interesse pelas aventuras e
inovações tecnológicas apresentadas.
Nas últimas décadas do século XIX, entraram em cena obras produzidas pelos
próprios japoneses, com características de romances que apresentavam ideais e
visões políticas, mas que tiveram vida curta em função das pressões governamentais.
Entre elas, estão Keikoku Bidan (Belas Histórias de Liderança Nacional), escrita em
1883 por Yano Ryūkei (1850-1931), com a brilhante atuação de Epaminondas e
Pelópidas na política da cidade de Tebas; Kajin no Kigū (Encontro Inesperado de
uma Beldade), de 1885, da autoria de Tōkai Sanshi (1852-1922), que mostra a
ameaça a que o Japão estava exposto, com base na história de sete outros países e nas
dificuldades e sucessos de um jovem político, contados por Suehiro Tetchō (1849-
96) em Setchūbai (Flor de Ameixeira na Neve), de 1886.
Essas obras substituíram a literatura de entretenimento iniciada no período
pré-moderno, antes da abertura do Japão, e que na primeira década de Meiji (1868-
1878) ainda florescia pela mão de autores como Kanagaki Robun (1829-1894) e
Narushima Ryūhoku (1837-1884), que fizeram muito sucesso com suas obras que
ironizavam e satirizavam a situação japonesa diante da proposta de modernização do
país, seguindo os moldes ocidentais. Nessa linha podem ser citadas as obras
Seiyōdōchū Hizakurige (Viagem à Pé pela Via Ocidental), de 1870, e Agura Nabe
(Panela Agura) de 1871, ambos de Robun, e Ryūkyō Shinshi (Nova História da
Ponte Ryū), escrita por Ryūhoku em 1874.
Após essa fase inicial de uma literatura utilitarista, Tsubouchi Shōyō (1859-
1935), com sua instrução de literatura inglesa, publicou o livro de crítica
Shōsetsu
Shinzui (Essência do Romance, 1885), e indicou o caminho da objetividade e da
1
Nihon no kindai shōsetsu. (Romance Moderno Japonês ,1954), p. 24.
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análise psicológica para a literatura moderna em detrimento do método utilitarista,
como lição de moral ou propaganda política de até então. Escritor, dramaturgo,
crítico e tradutor, fundou a Revista Waseda Bungaku em 1891, publicou alguns
romances como Tōsei Shosei Katagi (Natureza de um Estudante, 1885), escreveu
dramas como Kiri Hitoha (Uma Folha de Paulonia, 1894) e em 1928, traduziu as
obras completas de Shakespeare
Futabatei Shimei (1864-1909) concretiza sua teoria literária na obra Ukigumo
(Nuvens Flutuantes, 1887), utilizando a linguagem oral para descrever a interioridade
dos intelectuais que sofriam entre o novo e o antigo pensamento. Shimei contribuiu
ainda com suas traduções de Turgueniev, Gogól, Gorky, Andreev e Garsin,
consideradas trabalhos cuidadosos que foram alvo de elogio entre tantos que
sofreram modificações inadequadas.
Shōsetsu Shinzui foi uma obra fundamental para a valorização da figura do
escritor na sociedade japonesa. Na época, a literatura de entretenimento do período
anterior era desconsiderada a ponto de os escritores serem tratados como párias, mas
o romance repentinamente foi elevado à categoria de arte, como importante elemento
que contribui para a cultura, e a profissão de romancista, reconhecida como carreira
digna. Isso abriu uma nova perspectiva para os jovens japoneses, que anteriormente
só vislumbravam um futuro promissor na carreira política.
O historiógrafo literário Takagi Ichinosuke observa que a prosa japonesa foi
influenciada pelos novos pensamentos ocidentais tanto na esfera religiosa e filosófica
quanto política, e afirma que a valorização do indivíduo, o aumento do espírito
humanitário e a igualdade dos seres humanos perante Deus foram resultado do
Cristianismo. Para Takagi, Fukuzawa Yukichi divulgou o existencialismo e o
positivismo e incentivou os japoneses a buscarem o conhecimento por meio de obras
como Seiyō Jijō (Informações sobre o Ocidente, 1866) e das já mencionadas
Gakumon no Susume e Shōsetsu Shinzui, esta última conduzindo a prosa japonesa a
descrever os sentimentos humanos e os costumes da sociedade sem muito
embasamento teórico.
Com Tōsei Shosei Katagi (Natureza de um Estudante, 1885), Fukuzawa
Yukichi procurou mostrar na prática o que era defendido teoricamente em Shōsetsu
De Katai a Dazai; Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Apêndice – A Prosa Japonesa e as Influências Estrangeiras
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Shinzui. Apesar de refletir os pontos fracos dessa obra, enfocou a atitude de um
estudante perante as novas contingências de vida, mas os termos empregados e o
estilo de escrita ainda se mostram obsoletos. Takagi, comentando Ukigumo, de
Shimei, diz que essa obra aplica o que o próprio Shimei defende em Shōsetsu Sōron
(Teoria Geral do Romance, 1886) e por isso significa um avanço em relação a Tōsei
Shosei Katagi. Em sua visão, a personagem principal procura viver fiel a seus
princípios, mas se vê num beco sem saída diante das pressões dos poderes
administrativos, feudais e utilitaristas, e o autor, por sua vez, consegue ir além da
descrição do sentimentalismo humano e da situação social, na medida em que
apresenta concretamente os problemas que ele próprio enfrentou. Essa obra ficou
inacabada, mas na visão do historiógrafo marcou o início de uma literatura com
características modernas.
Quase simultânea à apresentação do realismo descritivo iniciado por Shōyō e
Shimei surgiu uma reação à onda de ocidentalização com o pensamento nacionalista,
e os literatos voltaram-se para os clássicos japoneses, especialmente com a formação
dos corporações literárias.
A primeira e maior de todas foi a Ken’yūsha, criada em 1885 sob a liderança
de Ozaki Kōyō (1867-1903), que se voltou para os romances de costumes de estilo
requintado, e Kōda Rohan (1867-1947), que utilizou as características da língua
japonesa mescladas à chinesa, concomitantemente ao toque popular com o erudito.
Em torno deles, reuniram-se vários escritores com uma relação de amizade, de
mestre e discípulo, ou ainda de apadrinhamento ou de negociação, com o intuito de
criar “discípulos de futuro”. Seus integrantes poderiam não defender os mesmos
princípios literários nem os mesmos ideais, mas formavam uma mesma organização
literária.As obras conhecidas pelo nome de romances trágicos ou graves (Hisan ou
Shinkoku Shōsetsu) e romance de idéias (Kan’nen Shōsetsu) produzidas nessa época
são da autoria dos escritores da Kenyūsha. Kurotokage (Lagarto Negro, 1895), de
Hirotsu Ryūro e Uraomote (Frente e Verso, 1895) de Kawakami Bizan, pertencem
ao primeiro tipo, e Yakō Junsa (Policial Noturno, 1895), de Izumi Kyōka (1873-
1939), ao segundo. Em 1909, Kyōka instituiu, com outros colegas, a Bungei
De Katai a Dazai; Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Apêndice – A Prosa Japonesa e as Influências Estrangeiras
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Kakushinkai (Associação de Renovação das Artes Literárias) que editava a revista
Shinshōsetsu mas desapareceu sem fazer sucesso.
Além da Ken’yūsha, existiram outras corporações literárias, como a
Min’yūsha, fundada em 1887 por Tokutomi Sohō (1863-1957), tendo a revista
Kokumin no Tomo como órgão de publicação — que, em 1890, passou a editar o
Jornal Kokumin. Essa corporação assumiu uma posição popular, defendendo a
liberdade e a igualdade do indivíduo; na área literária, contribuiu para a apresentação
da literatura estrangeira. Fizeram parte, entre outros, Uchida Roan (1868-1929), com
Kure no Nijūhachinichi (O Final do Dia 28), e Tokutomi Roka (1868-1927), com
Kokuchō (Cisne Negro, 1902). A revista encerrou-se em 1899.
A obra Maihime (A Dançarina), de Mori Ōgai (1862-1922), que acabara de
retornar da Alemanha, é publicada na revista Komin no Tomo em 1890, anunciando o
Romantismo com o protagonista Ōta Toyotarō, que apesar de amar a namorada Elise
abandona-a por não querer abrir mão de suas pretensões sociais, diferentemente de
Bunzō, de Ukigumo, que se desencanta com a vida quando suas idéias se chocam
com a sociedade em que vive, perde a namorada para o amigo e acaba vivendo à
margem da sociedade.
O Romantismo aparece expressando o ideal dos que despertaram para a
individualidade dentro do desenvolvimento moderno do Japão. São seus
representantes Kitamura Tōgoku (1868-1894), Shimazaki Tōson (1872-1943) e Doi
Bansui (1871-1952) na poesia ocidental, Yosano Tekkan (1873-1935) e Yosano
Akiko (1878-1942) na poesia tanka,
2
e Kunikida Doppo (1871-1908) e Kyōka na
prosa. O movimento romântico desenvolveu-se com base na revista Bungakukai,
editada entre 1893 e 1898, que reuniu grande número de associados e colaboradores
e deu chance a poetas jovens e angustiados de publicarem suas obras; idolatrando o
belo e vivendo pelos ideais, caminhou para a tendência de valorização da arte pela
arte.
Tōgoku tornou-se a figura central da revista Bungakukai depois de publicar
Ensei Shika to Josei (O Poeta Pessimista e a Mulher, 1892) e fez duras críticas às
contradições da modernização com Naibu Seimeiron (Tese sobre a Vida Interior,
De Katai a Dazai; Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Apêndice – A Prosa Japonesa e as Influências Estrangeiras
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1893). Higuchi Ichiyō (1872-1896) foi uma das poucas escritoras que se destacou
nesse período. Com base em sua própria experiência, retrata o sofrimento das
mulheres diante das imposições da vida, revelando a falta de esperança e a
resignação em obras como Jūsan’ya (Treze Noites, 1895) e Takekurabe (Medindo as
Estaturas, 1895). Kyōka começou sua carreira como discípulo de Kōyō, mas depois
despontou como romântico na obra Onna Keizu (Esquema da Linhagem Feminina,
1907), uma crítica ao sistema matrimonial japonês.
Mantiveram atividades literárias independentes nessa fase romântica alguns
escritores, como Takayama Chogyū (1871-1902), que iniciou com o romance
histórico e defendeu uma vida bela e sensual que satisfaz os instintos; Roka, autor de
romances familiares, como Hototogisu (Rouxinol, 1898); e Doppo, que louvou a
natureza de modo romântico em Musashino (Musashino, 1898).
Nos primeiros anos do século XX, o Naturalismo é introduzido no Japão e
desenvolve-se com base no Romantismo japonês e sob influência da literatura
naturalista da Europa, mas reflete, ao mesmo tempo, a situação social do Japão da
época. De 1907 a 1911, assumiu o papel principal no círculo literário. As primeiras
obras escritas na fase inicial, baseando-se no romance experimental de Zola, foram
Hatsu Sugata (Primeira Silhueta, 1900) e Hayari Uta (Canção da Moda, 1902), de
Kosugi Tengai (1865-1952), e Jigoku no Hana (Flores do Inferno, 1902), de Nagai
Kafū, todas de 1902. Somente depois de aproximadamente cinco anos surge o Shizen
Shugi o Naturalismo japonês —, que extrai seu material da vida pessoal dos
escritores. Apesar de manifestar uma visão social estreita, a consciência individual
presente no Naturalismo japonês mostra um espírito moderno, cujos representantes,
entre os escritores, são Tayama Katai (1871-1930) e Shimazaki Tōson. Na crítica,
Shimamura Hōgetsu (1871-1918) foi defensor da literatura naturalista antes mesmo
de Tōson e Katai tornarem-se famosos e foi graças a ele que a revista Waseda
Bungaku se tornou o foco do Naturalismo.
2
Tanka: forma poética japonesa constituída por 5 versos com, respectivamente, 5, 7, 5, 7 e 7 sílabas.
De Katai a Dazai; Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Apêndice – A Prosa Japonesa e as Influências Estrangeiras
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Tayama Katai escreve Rokotsunaru byōsha (Uma Descrição Nua e Crua,
1904), afirmando que tudo precisa estar bem às claras, ser verdadeiro e natural;
3
em
Futon (Acolchoado, 1907),
4
o autor faz uma revelação de sua experiência amorosa,
mostrando uma fase do desenvolvimento da literatura naturalista e, ao mesmo tempo,
transformando-se num modelo da tendência do Romance do Eu. Em seguida, passa a
defender um estilo objetivo que elimina a visão subjetiva do autor e a descrição
psicológica das personagens, mas a tendência emotiva própria de Katai continua
presente em Inaka Kyōshi (Professor do Interior, 1909), uma de suas obras mais
representativas.
Shimazaki Tōson, ao trocar a poesia pela prosa, descreve a vida e a natureza
em Chikumagawa no Sukecchi (Esboço do Rio Chikuma, 1911) e outras obras no
estilo romântico, mas com Hakai (Quebra de Convenções, 1906)
5
narra o sofrimento
do protagonista interiorano sob o preconceito social discriminatório à casta dos Eta,
da qual descendia seu protagonista, tentando ser fiel a si mesmo, tendo por cenário a
paisagem de Shinshū. Com Haru (Primavera, 1908), porém, mostra uma forte
tendência autobiográfica e descreve os sofrimentos que delineiam sua juventude, na
época em que é um dos colaboradores da revista Bungakukai, e publica Ie (Família,
1913), em que descreve o declínio de uma família tradicional e de si próprio sob a
pressão da família, avançando para uma literatura psicológica de auto-observação.
Contra essa tendência do Naturalismo japonês, conhecida como Han Shizen
Shugi, estavam os escritores de grande instrução e conhecimento da chamada
corrente Yoyū — Pródiga —, como Natsume Sōseki (1867-1916), que descreveu a
3
Natural (em japonês shizen = natureza): Nakamura Mitsuo esclarece que essa palavra é utilizada
como sinônimo de “às claras” e de “verdadeiro” e como idéia oposta à ordem tradicional da
sociedade.
4
Futon: Nakamura Mitsuo concorda que ela inicia o Romance do Eu, em que o autor aparece
diretamente na obra e faz confissões, tornando isso normal, pois considera que o movimento
naturalista no Japão teve a mesma função que o Romantismo na Europa e que os autores da época,
mesmo sem consciência, consideraram os românticos como pioneiros do naturalismo. Diz, ainda, que
figuras principais do Naturalismo, como Tōson, Katai, Hōmei e Doppo, antes poetas românticos,
complementaram seus trabalhos dando continuação como naturalistas, tendo por objetivo avançar em
direção ao real.
5
Hakai: Nakamura Mitsuo explica que essa obra, escrita em linguagem oral, segue as dicas de Crime
e Castigo, usando como cenário Komoru, cidade interiorana onde viveu Tōson, e usa a personagem
Segawa Otomatsu para confessar sua vida interior, da mesma forma que Doppo, que acreditava ser
impossível criar uma personagem sem a confissão do autor. Nesse aspecto, observa-se muita
transposição do autor, prenunciando um avanço rumo ao Romance do Eu.
De Katai a Dazai; Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Apêndice – A Prosa Japonesa e as Influências Estrangeiras
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vida com uma atitude racional, focalizando o problema do egoísmo e da solidão do
homem moderno; e Mori Ōgai, que abriu novos horizontes com o romance histórico,
e Ishikawa Takuboku (1885-1912),
6
que compôs o rigor da vida em seus poemas.
Após estudar na Inglaterra e lecionar na Universidade Imperial de Tóquio,
Sōseki começou a trabalhar para o Jornal Asahi, em 1907. Assumindo a posição de
escritor logo depois da guerra russo-japonesa, seus textos de caráter satírico e
humorístico, de forte teor de justiça, como Botchan (Senhorzinho, 1906), refletiam
bem a realidade cheia de contradições. Motivado pela situação do mundo, começa a
passear com sabedoria nas esferas da imaginação e do surreal nas obras escritas entre
1905 e 1910 de Rondontō (A Torre de Londres, 1905) a Mon (O Portão, 1910) ,
que apresentam um recuo nos elementos satíricos e românticos e desenvolvem uma
realidade obscura, focalizando a psicologia humana. Isso parece uma aproximação
com o Naturalismo, mas contrapõe-se a ele pela adoção de uma temática que busca a
ética.
Após a recuperação de uma úlcera estomacal, que quase lhe tira a vida aos 44
anos, Sōseki aprofunda sua visão artística e existencial e, entre 1912 e 1926, escreve
obras como Higansugimade (Até o Final da Estação, 1912), Kōjin (Viajor, 1912),
Kokoro (Sentimento, 1914), Michikusa (Desvios, 1915) e Meian (Claridade e Trevas,
1916, incompleta). Nessas obras, o escritor faz uma reflexão sobre os problemas do
egocentrismo latente no caráter humano, os aspectos negativos do ego, entre eles a
fealdade do egoísmo e do instinto e a infelicidade pelo excesso de autoconsciência. A
maior parte dessas obras trata de casos de triângulo amoroso, mas são vazadas por
uma aguçada inteligência e sentimento ético. Revela por inteiro a fealdade do ego e
busca um estado elevado mediante a anulação do eu, uma sabedoria oriental baseada
no termo “sokutenkyoshi”.
7
Esse era o tema de Meian, mas infelizmente Sōseki veio
a falecer aos 50 anos, durante sua elaboração, mas deixou talentosos discípulos da
chamda Corrente Yoyū.
Ōgai, após a fase romântica inicial escrevendo sobre a descrença em si e o
vazio sentimental em Maihime, passa a escrever algumas obras como Ita sekusuarisu
6
O poeta pertencia à Jumoku to Kajitsu, uma das revistas que mantinham o desejo irreprimível de
mudança dos movimentos democráticos e trabalhistas.
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Apêndice – A Prosa Japonesa e as Influências Estrangeiras
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(Vida Sexual, 1909), Seinen (Jovem, 1910) e Gan (Gansos Selvagens, 1911), que
mostram uma aproximação com o Naturalismo japonês pela linguagem oral e pela
descrição dos aspectos banais e desprezíveis da vida, mas que pela estrutura de
composição racional de suas obras contrasta com o método naturalista de,
normalmente, narrar os fatos numa seqüência temporal. Em 1909, Ōgai criou a
revista Subaru e reuniu novatos como Kinoshita Mokutarō, Yoshii Isamu e
Takamura Kōtarō que defendiam a chamada Corrente Kōtō (parnasiana). Continua
suas atividades posteriores, escrevendo romances históricos, como Abe Ichizoku (O
Clã Abe, 1913), Ōshio Heihachirō (Ōshio Heihachirō, 1914), Sanshō Dayū (Sanshō
Dayū, 1915), Takasebune (O Barco do Rio Takase, 1916), e biografias, como Shibue
Chūsai (Shibue Chūsai, 1916). Ōgai ultrapassa a visão humana naturalista e utiliza
uma reflexão minuciosa baseada no caráter científico, desenvolvendo um estilo de
exposição simples e elegante da descrição humana.
Surgiram também como movimentos de oposição à literatura naturalista a
corrente estética Tanbi e a corrente idealista Shirakaba, que iniciaram suas atividades
concomitantes à época do Naturalismo e continuaram a prosperar até o início da
década de 1920, uma das épocas mais produtivas dentro do romance moderno.
A revista Kaizō, iniciada em abril de 1920 pelo empresário Yamamoto
Sanehiko, lança os números: “Crítica do socialismo aos problemas trabalhistas”,
“Conquista do Capitalismo”, “Pesquisa da Federação dos Sindicato dos
Trabalhadores”, “Reconstrução da mentalidade” e outras edições especiais, pedindo a
colaboração de críticos sociais e também de estrangeiros, como Einstein, Weber,
Rodin e Shaw, entre outros. A revista Chūō Kōron, já mais antiga, começa a entrar
no mesmo ritmo e também a revista feminina Fujin Kōron, criada em 1919.
A corrente Shirakaba ocupou o cenário literário por volta de 1915, com uma
visão de vida claramente oposta ao Naturalismo e baseada num pensamento idealista
e humanista, que valoriza a individualidade e a natureza humana. O grupo surgiu em
abril de 1910, com a revista de igual nome, instituída com a união de três revistas:
Bōya (Campos de Aspirações), de autores como Mushanokōji Saneatsu (1885-1976),
Shiga Naoya (1883-1971) e Kinoshita Rigen (1886-1925); Mugi (Trigo), liderada por
7
Sokutenkyoshi: literalmente, seguir as leis divinas e anular a si mesmo.
De Katai a Dazai; Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Apêndice – A Prosa Japonesa e as Influências Estrangeiras
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Satomi Ton (1888-1983); e Momozono (Pessegal), de Yanagi Muneyoshi (1889-
1961), Koori Torahiko (1890-1924) e dos irmãos Arishima Takeo (1878-1923) e
Arishima Ikuma (1882-1974).
Logo depois, aderiram ao grupo autores como Nagayo Yoshirō (1888-1961) e
os artistas plásticos Kishida Ryūsei (1891-1929), Senge Motomaro (1888-1948) e
Kurata Hyakuzō (1891-1943), entre outros. Recebeu ainda a colaboração de pintores
como Takamura Kōtarō (1883-1965). Os componentes do grupo eram todos jovens
na faixa de vinte a trinta anos, originários de Tóquio, e pertenciam à elite
aristocrática e ao grupo economicamente dominante, o que lhes davam certa
liberdade de atuação e pensamento, mas também eram atormentados pelas
contradições ideológicas ao terem contato com o pensamento cristão, o espírito
humanista e as questões sociais que contestavam o poder da classe a que pertenciam.
A visão de vida da Shirakaba objetivava a plenitude, a perfeição e o
progresso do indivíduo, embasada pela crença absoluta de que o trabalho deles
contribuiria para o aperfeiçoamento da vida das pessoas e o progresso da
humanidade. Num primeiro momento, seus componentes fecharam os olhos à
situação do Japão e dirigiram a atenção para o mundo, pensando em termos de
humanidade, em virtude, inclusive, do contato com as pinturas e artes plásticas do
Ocidente. Na paixão que os membros da corrente sentiam pelas artes, e
especialmente pelo novo tipo de arte do Ocidente, estava o ponto em comum de seus
filiados. Pois a Shirakaba, era, além de uma revista literária, uma revista de artes
plásticas que reuniu vários artigos sobre Van Gogh, Matisse, Cézanne e Rembrandt,
entre outros, editando seu famoso número especial sobre Rodin, de novembro de
1910, no qual se acha publicada uma carta de próprio punho de Rodin.
Mushanokōji e Yanagi pregavam o estabelecimento do pensamento de
direita, da autoridade individual, e especialmente a consciência de que a nação é
insignificante perante a grandiosidade do indivíduo. Em Nihon gendaishi taikei
bungakushi (História da Literatura Japonesa na História Moderna do Japão, 1961),
Odagiri Hideo diz que, em seus romances, Mushanokōji mostra o egocentrismo
entrelaçado ao amor ao próximo. Situando-se em plena época da Primeira Guerra
Mundial, escreve o drama Sono Imōto (Sua Irmã, 1914) e Aru Seinen no Yume
De Katai a Dazai; Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Apêndice – A Prosa Japonesa e as Influências Estrangeiras
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(Sonho de um Jovem, 1916), opondo-se à guerra, clamando pela união do povo para
promover mudanças no país e protestando contra a pressão desumana do governo
japonês praticada na Ilha de Formosa em 1915. Esse seu pensamento humanista e
contestador ao poder nacional, ao capitalismo e ao imperialismo foi direcionado para
a construção de um pequeno local chamado Atarashiki Mura (Nova Vila), em 1918.
Em setembro, adquire com recursos próprios uma área de cerca de 33 mil m², em
Hinata, na Província de Miyazaki. Dezenove companheiros da revista vão para o
local, onde iniciam, em novembro, uma vida agrícola e artística, em busca de
harmonia.
Enquanto esteve na vila, Mushanokōji desenvolveu intensa produção literária,
escrevendo obras como Kōfukumono (Um Felizardo,1919), Aru Otoko (Um Certo
Homem, 1921-23), Dai San Inja no Unmei (O Destino do Terceiro Ermitão, 1921-
22), Yūjō (Amizade, 1919), Ningen Banzai (Viva aos Homens, 1922) e Aiyoku
(Desejo Carnal, 1926). Mushanokōji, porém, começa, de fato, a deparar com os
obstáculos para os quais os socialistas o alertaram, pois a vila deixa de funcionar por
problemas financeiros.
Shiga Naoya é um autor que descreveu a luta contra as pressões que o
indivíduo sofre em obras como Ōtsu Junkichi (Ōtsu Junkichi, 1912), Han no Hanzai
(O Crime de Han, 1913) e Wakai (Reconciliação, 1917). Baseado em suas próprias
vivências, escreveu Kinosaki nite (Em Kinosaki, 1917) e Takibi (Fogueira, 1920),
retratando o ser humano e a natureza com uma postura harmoniosa. Seu único
romance, An’ya Kōro (Trajetória em Noite Escura, 1
o
v., 1921, e 2
o
v., 1937), é uma
obra que descreve os sofrimentos de um protagonista que busca a harmonia com o
ser humano na natureza.
Mais velho que muitos dos componentes do grupo Shirakaba, Arishima
Takeo já estivera nos Estados Unidos e na Europa e lecionava na Escola Agrícola de
Sapporo, em Hokkaidō, quando mudou-se para Tóquio em virtude da pneumonia de
sua esposa, em 1914. Escreveu Osue no Shi (A Morte de Osue); no ano seguinte,
Sengen (Declaração) e Samuson to Derira (Sansão e Dalila); em 1916, Dai Kōzui no
Mae (Antes do Dilúvio). Nesse mesmo ano, perdeu a esposa e o pai e, livre dos laços
familiares, publicou sucessivamente grandes obras, como Shi to Sono Zengo (A
De Katai a Dazai; Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Apêndice – A Prosa Japonesa e as Influências Estrangeiras
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Morte e suas Proximidades, 1917), Jikken Shitsu (Laboratório, 1917), Meiro
(Labirinto, 1915-18) e Umareizuru Nayami (Agonia Efervescente, 1918) até criar
Aru on’na (Uma Mulher, 1911-19), uma de suas obras mais representativas, e Kain
no Matsuei (O Último Descendente de Caim, 1918). Em 1923, Arishima Takeo
suicida-se após dividir suas terras de Kaributo, ao norte do Japão, em Hokkaidō
herdadas do pai, alto funcionário da Era Meiji , entre os pequenos produtores da
região, criando o Kaributo Kyōsei Nōdan (Grupo Agrícola de Convivência).
Satomi Ton, irmão mais novo de Arishima Takeo, publica sua primeira obra
na Shirakaba de 1913, intitulada Kimi to Watashi to (Eu e Você). Em 1922, escreve
Osoi Hatsukoi (Primeiro Amor Tardio), expressando a plenitude de seu sentimento e
sua autoconfiança ao casar-se com uma gueixa que conhece em Ōsaka, contrariando
a vontade dos pais. Mais tarde, amplia seus temas, antes centrados em si mesmo, e
escreve obras como Ginsaburō no Kataude (Um Braço de Ginsaburō), de 1917, e
San’nin no Deshi (Três Discípulos), do mesmo ano, desvendando a psicologia
humana. O mesmo tipo de descrição psicológica também aparece em obras como
Zenshin Akushin (Sentimentos Bons e Maus, 1916) e Tajō Busshin (Sentimento
Búdico e Erótico, 1922).
O lado masculino e idealista da Shirakaba é mostrado por Nagayo Yoshirō,
que descreveu tragédias de heróis em dramas, baseados numa forte paixão e senso de
justiça. Como se pode ver na obra Takezawa Sensei (Professor Takezawa, 1924),
tempos depois, passou a mostrar um estilo oriental de submissão à natureza.
A corrente Shirakaba perde rapidamente sua influência quando, a partir do
final da Primeira Guerra Mundial, a situação econômica geral agrava-se e
intensificam-se os movimentos trabalhistas e sociais. O grande terremoto da região
Kantō, em 1923, assinalou o fim da revista Shirakaba, que atingiu 160 números,
mantendo-se como a mais duradoura de todos os tempos no Japão. Em 1924, a
revista Fuji é iniciada pelos antigos componentes da Shirakaba, como Nagayo
Yoshirō, Mushanokōji, Shiga, Kurata Hyakuzō e Senge Motomaro.
Na mesma época da Shirakaba, surge a corrente estética Tanbi, que defende a
voluptuosidade, o divertimento e o esteticismo. Representada por Kafū e Tanizaki
De Katai a Dazai; Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
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Jun’ichirō (1886-1965), resultou na criação da revista Subaru, em janeiro de 1909, e
das revistas Mita Bungaku e Shinshichō, em 1910.
Kafū enaltece o lado obscuro da vida nas obras Amerika Monogatari (Relatos
sobre os Estados Unidos, 1908) e Furansu Monogatari (Relatos sobre a França,
1909), mostrando, ainda, uma tendência para o deleite e a sensualidade e para a
valorização máxima da arte em Sumidagawa (Rio Sumida, 1909), Reishō (Sorriso
Gelado, 1909) e Udekurabe (Jogo de Forças, 1916). Decepcionado com a realidade,
Kafū passou a descrever os sentimentos e os costumes do mundo do meretrício de
Edo, antiga Tóquio, em tom enaltecedor, mas com uma pincelada niilista. Após ter
ocupado a cadeira de literatura da Universidade Keiō, fundou a revista Mita
Bungaku, que se tornou uma das colunas da corrente Tanbi, juntamente com a revista
Subaru.
Tanizaki representou, juntamente com Kafū, a literatura de valorização do
belo e de entretenimento. Construiu sua literatura com um gosto peculiar, perspicaz e
tenaz, de grande poder de estruturação e num estilo requintado. Shisei (Tatuagem,
1910), Kirin (Girafa, 1909), Chijin no Ai (Amor Insensato, 1934) e Sasame yuki (As
irmãs Makioka) são suas obras mais representativas.
Nakamura Mitsuo diz que a corrente literária Tanbi foi considerada uma
literatura boêmia, com suas críticas à civilização e aos moralistas, e que Tanizaki
apresenta a personagem masculina como instrumento para realçar a beleza feminina,
estando um passo à frente de Kaf
ū, que considera a mulher como instrumento de
prazer do homem. A literatura de Kafū e Tanizaki contrapõe-se ao Naturalismo numa
atitude clara de deleite e valorização do belo, e mostra uma direção rumo à libertação
dos sentidos.
Por volta de 1913, surge uma nova tendência literatura conhecida como Shin
Genjitsu Shugi — Neo-Realismo —, da qual fizeram parte as correntes Shin Shichō
— Nova Corrente de Pensamento — e Kiseki — Milagre —, que têm como
característica a apresentação do problema apreendendo a feiúra e a pequenez do ser
humano com um olhar racional de sua situação. A corrente Shin Shichō designa o
grupo de escritores que fizeram parte da terceira e da quarta revista Shin Shichō. A
terceira surgiu em fevereiro de , com a participação de Akutagawa Ryūnosuke (1892-
De Katai a Dazai; Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
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1927), Kume Masao (1851-1952), Toyoshima Yoshio (1890-1955), Yamamoto Yūzō
(1887-1974) e estudantes de literatura da Universidade de Tóquio, como Matsuoka
Yuzuru, Sangū Makoto, Naruse Shōichi e Hata Toyokichi, mas ficou sendo
conhecida apenas pelas obras de Toyoshima e Kume. A quarta revista foi iniciada em
1917 sob um movimento individualista e artístico, liderado por Akutagawa e Kikuchi
Hiroshi (1888-1948), Kume, Naruse Shōichi e Matsuoka Yuzuru. A primeira revista
Shin Shichō, de natureza artística e centrada no teatro, foi lançada em outubro de
1907 por Osanai Kaoru (1881-1928); a segunda foi composta em 1910 por Osanai,
Tanizaki, o filósofo Watsuji Tetsurō e outras pessoas ligadas à Universidade de
Tóquio, como Gotō Sueo, Imura Sōta e Koizumi Magane.
Akutagawa trata de naturezas humanas bastante diversas, tanto em narrativas
históricas como contemporâneas, com grande habilidade técnica e aproveitamento
dos clássicos. Escreveu obras como Rashōmon (Rashōmon, 1915), Hana (O Nariz,
1916) e Hanketi (O Lenço, 1916), e nos últimos anos de sua vida sua obra passa a
expressar o mundo sem esperanças de forma mais direta, revelando uma realidade
obscura, como a de Aru Ahō no Isshō (A Vida de um Tolo, 1927), que mostra uma
vida que acaba em derrota, Haguruma (Roldanas, 1927), que descreve seu estado
doentio pouco antes da morte, e Kappa (Kappa, 1927), que satiriza a triste realidade
da vida, manifestando o espírito poético próprio desse autor, que se matou em 1927.
Kikuchi Hiroshi aborda temas fortes, centralizados no caráter humano, em
narrativas históricas e contemporâneas, e produz dramas como Mumei Sakka no
Nikki (Diário de um Escritor Desconhecido, 1919), Onshū no Kanata e Tōjūrō no
Koi (Além da Vingança e A paixão de Tōjurō, 1919).
A corrente Kiseki, criada em torno da revista Kiseki, posteriormente forma a
corrente Shin Waseda, que, de certa maneira, segue o Naturalismo japonês, mas
apresenta um idealismo e uma desconfiança nos aspectos obscuros da vida. Teve
como representantes Uno Kōji (1891-1961), Kasai Zenzō (1887-1928), Hirotsu
Kazuo (1891-1968), Kubota Mantarō (1889-1963), Satō Haruo (1892-1964), Murō
Saisei (1889-1962) e Yamamoto Yūzō (1887-1974).
Em suas obras, Uno Kōji percorre um sentimento mundano e um humor
próprio. As partes obscuras da vida são narradas em forma de quadros satíricos, em
De Katai a Dazai; Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Apêndice – A Prosa Japonesa e as Influências Estrangeiras
62
obras como Kura no Naka (No Depósito, 1919), Ku no Sekai (Mundo de Sofrimento,
1919) e Kareki no aru Fūkei (Paisagem com Árvores Secas, 1933).
Embora desesperançoso com a realidade e tendendo para o niilismo, há, na
busca por um espírito humanista tenaz de Hirotsu Kazuo, um ritmo imutável em sua
literatura, como em Shinkeibyō Jidai (Época de Doenças Psíquicas, 1917).
A vida suburbana de Tóquio e o mundo dos artistas que vivem sob os
preceitos morais, o dever e o sentimentalismo, ao estilo antigo, são descritos por
Kubota Mantarō com ar de admiração e amor em obras como Uragare (Plantas
Secas, 1917) e Sabishikereba (Se Estiver Solitário, 1924).
Satō Haruo escreveu Den’en no Yūtsu (Plantações de Arroz Deprimentes,
1918) e Tokai no Yūtsu (Cidade Deprimente, 1922); Murō Saisei, a obra Sei ni
mezameru koro (Tempo de Despertar para a Vida, 1919), na qual descreve a triste
realidade perpassada por um espírito poético de forte teor selvagem, sensibilidade
aguçada e amor humanitário.
Autor de Nami (Ondas, 1928), Yamamoto Yūzō desenvolve seus temas sob
um sentimento de justiça social saudável, com muita elaboração e grande precisão
descritiva.
As obras de Kasai Zenzō, como Kanashiki Chichi (Um Pai Desolado, 1912) e
Ko o tsurete (Na Companhia das Crianças
, 1918), representam a tendência de
elaborar um espelho da vida real em uma situação extrema, mostrando a posição
favorável do Romance do Eu nas duas primeiras décadas do século XX, escrito por
muitos autores que expunham seu próprio sentimento e sua personalidade, tentando,
assim, alcançar o leitor.
Com o crescimento dos movimentos sociais, a Literatura Proletária surge a
partir de 1920, com as obras de Kobayashi Takiji (1903-1933) e Tokunaga Sunao
(1899-1958). Em outubro de 1922, é criado o periódico Tanemakuhito, com
acentuada característica cultural e didática que torna-se a força motora da literatura
proletária e avança cada vez mais na descrição socialista, dando lugar a escritores
como Maedagawa Kōichirō (1888-1957), com Santō Senkyaku (Navio de Terceira
Classe, 1920), Hayama Yoshiki (1894-1945), com Umi ni ikuro hitobito (Pessoas
que Vivem para o Mar, 1926) e Inbaifu (Meretriz, 1925),Kobayashi Takiji, com Kani
De Katai a Dazai; Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Apêndice – A Prosa Japonesa e as Influências Estrangeiras
63
Kōsen (Navio de Caranguejos, 1929), Tokunaga Sunao, com Taiyō no nai Machi
(Cidade sem Sol, 1929), e críticos, como Hirabayashi Hatsunosuke (1892-1931),
Aono Suekichi (1890-1961) e Kurahara Korehito (1902-).
No início da segunda década do século XIX, os jornais e revistas crescem e,
com eles, a literatura de entretenimento voltada para a massa popular; após 1921,
parte dos escritores liga-se ao jornalismo comercial crescente na época, adotando o
romance de costumes ligado à vida moderna.
Em 1921, é realizada a primeira assembléia geral da Associação da Nova
Mulher, e Hiratsuka Raichō (1886-1971) inicia a revista Seitō em meio à grande
quantidade de outros periódicos mensais, como Kaizō, Bungei Shunjū, e também de
semanários.
A revista Tanemakuhito é dissolvida em 1923, dando lugar a sua sucessora
Bungei Sensen, criada em 1924, descortinando uma nova fase, e o surgimento
espontâneo dos movimentos é substituído por um objetivo socialista consciente,
como o da Federação Artística dos Anarquistas Japoneses (NAP) em 1929, em torno
da revista Senki.
No cenário da crítica japonesa entre aproximadamente 1925 e 1935, surgem
figuras marcantes como Kamei Katsuichirō (1907-1966) e Miki Kiyoshi (1897-
1945), estes últimos, participantes ativos dos movimentos trabalhistas e socialistas
que passaram pela experiência de serem presos.
Por volta de 1926, surge a literatura da corrente Shin Kankaku — Neo-
sensorialista —, desenvolvida por um grupo de escritores que não pertenciam nem à
literatura proletária nem à literatura de entretenimento voltada para a camada
popular, como Yokomitsu Riichi (1898-1947), Kawabata Yasunari (1899-1972),
Nakawa Yoichi (1897-1994) e Kataoka Teppei (1894-1944), com a revista Bungei
Jidai (1924). Sua característica é representada pelas obras de Yokomitsu Riichi dessa
época, como Hae (Mosca, 1923) e Nichirin (Halo solar, 1923).
Com a dissolução da corrente Neo-sensorialista, surge, em 1930, o chamada
Clube da Corrente Modernista Shinkō Geijutsu — Artística Moderna —, formada por
32 escritores, centralizados em Ryūtan Jiyū e Nakamura Murao, que uniram as
correntes Geijutsu — Artística —, clamando pela autonomia da arte e opondo-se ao
De Katai a Dazai; Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Apêndice – A Prosa Japonesa e as Influências Estrangeiras
64
Marxismo, ou seja, à literatura proletária. Seus principais membros foram Kawabata
Yasunari, Kamura Isota, Ibuse Masuji, Kobayashi Hideo e Kajii Motojirō. Pregavam
o marxismo, mas sem uma teoria artística em especial, tendendo mais para o
americanismo comercial, o erotismo, o grotesco e o nonsense. Podemos citar, entre
outras obras, Shanhai (Shangai, 1928-32), de Yokomitsu Riichi, e País das Neves
(1935-7), de Kawabata; Sei kazoku (Família sagrada, 1930), de Hori Tatsuo (1904-
1953), e a coletânea de prosas intitulada Seibutsugaku (Biologia, 1932), de Itō Sei
(1905-1969), que apresenta a literatura neopsíquica, e outros autores, como Ibuse
Masuji (1898-1993) e Kajii Motojirō (1901-1933).
Escritores veteranos, como Kafū, Tanizaki e Tōson, continuam a produzir
sem mudança em seus estilos, mesmo em meio ao crescimento dessas correntes, e
surgem novos escritores, como Maiko Shin’ichi (1895-1936), que iniciou com obras
na linha do Romance do Eu, Takii Kōsaku (1894-1984) e a escritora Hayashi Fumiko
(1903-1951), já reconhecidos pela crítica.
Por volta de 1930, como desmembramento da corrente Geijutsu, surge o Shin
Shinri Shugi — Neopsicologismo —, que defendia o realismo psicológico tentando
se aproximar ainda mais da realidade por meio da expressão da psicologia humana.
Foram seus representantes Itō Sei e Hori Tatsuo, sendo que o primeiro tentou
apreender a interioridade do ser humano por meio da técnica literária do fluxo de
consciência e da confissão interior. Hori Tatsuo trabalhou com temas ligados à vida,
à morte e ao amor em obras como Kaze Tachinu (Sem Vento, 1936); em Sei Kazoku
(Família Sagrada, 1930), mostra aspectos psicológicos dos familiares e discípulos de
um escritor falecido.
Com o aumento da pressão do governo militarista às ideologias de esquerda
por volta de 1935, o grupo ligado à Literatura Proletária é encurralado e muitos de
seus escritores mudam de postura, dando origem à chamada literatura de conversão,
escritas no estilo do Romance do Eu. A prisão e morte de Kobayashi Takiji em 1933,
a dissolução da Federação Cultural Proletária Japonesa e as declarações de conversão
de líderes do Partido Comunista Japonês, feitas nas prisões, gera uma legião de
“desertores” do movimento proletário. Na ocasião, surgem muitos escritores que
abordam o tema, descrevendo o processo de abandono de suas ideologias, como é o
De Katai a Dazai; Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Apêndice – A Prosa Japonesa e as Influências Estrangeiras
65
caso da obra de Nakano Shigeharu (1902-1979) Mura no Ie (A casa da aldeia, 1935),
que mostra, no sentimento do protagonista, o processo de conversão. Outros
escritores representativos são Tokunaga Sunao (1899-1958), com Taiyō no Nai
Machi (Cidade sem Sol, 1929), Shimaki Kensaku (1903-1945), com Seikatsu no
Tankyū (A busca pela vida, 1937), Takeda Rintarō (1904-1946), com Nihon Sanmon
Opera (Ópera Japonesa Barata, 1932), e Takami Jun (1907-1965), com Kokyū
Wasureubeki (Não se Deve Esquecer a Terra Natal, 1935).
Por outro lado, apesar do iminente perigo da guerra, surge um período de
restauração das artes e da literatura. Em 1935 são instituídos os Prêmios Akutagawa
e Naoki de Literatura, fazendo surgir novos escritores, como Ishikawa Tatsuzō
(1905-1985), Ishizaka Yōjirō (1900-1969), Niwa Fumio (1904-), Hōjō Tamio (1914-
1937), Ishikawa Jun(1899-1986), Ozaki Kazuo (1899-1983), Nakayama Gishū
(1900-1969) e a escritora Okamoto Kanoko (1899-1939), e críticos, como Kobayashi
Hideo (1902-1983).
Nesse período, a literatura atuou em movimentos modernos na linha
desenvolvida na Europa, ou em movimentos centralizados de lutas sociais e
trabalhistas, mas todos com curta duração. Paralelamente a eles, autores já
consagrados, como Kafū, Tanizaki, Shūsei, Tōson e Shiga, continuam suas
atividades e também sob o clima adverso da guerra, quando a produção literária
decai bastante. Nesse período, destacam-se ainda obras que, atendendo à política
nacional, elogiavam a guerra, como Mugi to Heitai (O Trigo e o Soldado, 1938) de
Hino Ashihei (1907-1960). Alheios a essa política, alguns escritores continuaram a
manter acesa a chama da arte, como Itō Sei, com Tokunō Gorō no Seikatsu to Iken (A
Vida e a Opinião de Tokunō Gorō, 1940); Hori Tatsuo, com Naoko, de 1941;
Nakajima Atsushi (1909-1942), com Sangetsuki (Registros de Sangetsu, 1942).
Também são dignos de menção Fugaku Hyakkei (As Cem Paisagens do Monte Fuji,
1939), de Dazai Osamu (1909-1948); e Sōbō (Todos os Povos, 1935), de Ishikawa
Tatsuzō, que, em 1938, teve a obra Ikiteiru Heitai (Soldado Vivo, 1938) censurada e
apreendida.
Com o término da Segunda Guerra Mundial, o mundo literário ganha nova
vida com os escritores antigos, como Tanizaki, Shiga, Kafū, Kawabata, Nogami
De Katai a Dazai; Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Apêndice – A Prosa Japonesa e as Influências Estrangeiras
66
Yaeko (1885-1985), Mushanokōji e Ibuse, que voltam a atuar mediante solicitação
dos jornais. Tanizaki publica As Irmãs Makioka (Sasameyuki) em 1943; Shiga
escreve Haiiro no Tsuki (Lua Cinzenta, 1946); Kafū, Kunshō (Condecoração, 1946);
e Kawabata, Nuvem de Pássaros (Senba Zuru, 1949). Reiniciam, também, suas
atividades os ex-escritores da linha proletária, representados por Miyamoto Yuriko
(1899-1951), Tokunaga Sunao e Nakano Shigeharu, que criam a revista Shin Nihon
Bungaku em 1946 e fundam a Associação Shin Nihon Bungaku, visando à literatura
democrática. No âmbito da crítica, surgem Odagiri Hideo (1916- ), Hirano Ken
(1907-1978), Ara Masahito e Sasaki Kiichi (1914-1993), que publicam a revista
Kindai Bungaku, em que foram expostas diferentes visões sobre a literatura e a
política.
Paralelamente, despontam novos escritores que compõem a corrente Shin
Gesaku — Neodramática —, também conhecida como corrente Burai — Libertina
—, que descreveram a oposição à antiga moral e o desespero diante da vida por meio
do autoflagelo e da sátira: Ishikawa Jun, com Yakeato no Iesu (Jesus após o
Incêndio, 1946); Sakaguchi Ango (1906-1955), com Daraku Ron (Tese da Ruína,
1946); Oda Sakunosuke (1913-1947), com Doyō Fujin (Senhora Sábado); e Dazai
Osamu, com Pôr-do-Sol, de 1946.
Surge, ainda, o grupo conhecido como Dai Ichiji Sengoha — Primeira
Corrente Pós-Guerra —, que inicia suas atividades literárias centralizadas na revista
Kindai bungaku (1946), com os autores Noma Hiroshi (1915-1991), com Kurai E
(Pintura Triste, 1946), e Shiina Rinzō (1911-1973), com Eien naru Joshō (Prefácio
para a Eternidade, 1947), seguidos por Umezaki Haruo (1915-1965), com Sakura
Jima (Ilha Sakura, 1946); Nakamura Shin’ichirō (1918-), com Shi no Kage no Moto
(Sob a sombra da Morte, 1946); Takeda Taijun (1912-1976), com Mamushi no Sue
(O Fim da Serpente, 1947); Ōka Shōhei (1909-1988), com Furyoki (Registro de um
Prisioneiro de Guerra, 1948); e Mishima Yukio (1929-1970), com Confissões de
uma Máscara, de 1949, seguidos logo depois pelo grupo Dai Niji Sengoha —
Segunda Corrente Pós-Guerra —, composto por Hotta Yoshie (1918-), Abe Kōbō
(1924-1993) e Shimao Toshio (1917-1986). Com a expansão do folhetim, Inoue
Yasushi (1907-1991), Niwa Fumio, Funahashi Seiichi (1904-1976), Ishikawa
De Katai a Dazai; Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Apêndice – A Prosa Japonesa e as Influências Estrangeiras
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Tatsuzō e Hayashi Fumiko mostram um trabalho intenso na descrição dos costumes e
em obras que atendem ao gosto literário do público.
Com o período estável de pós-guerra e a vida tornando-se mais tranqüila, na
literatura, surge uma tendência de buscar as matérias no cotidiano, representada pelo
grupo conhecido como Dai San no Shinjin — Terceira Nova Geração —, composto
por escritores como Yasuoka Shōtarō (1920-), com Warui Nakama (Más Influências,
1953); Yoshiyuki Jun’nosuke (1924-1994), com Shūu (Chuva Repentina, 1954);
Shōno Junzō (1921-), com Puuru Saído Shōkei (Pequena Paisagem ao Lado da
Piscina, 1954); Endō Shūsaku (1923-), com Shiroi Hito (Os Brancos, 1955); e
Agawa Hiroyuki (1920-), com Kumo no Bohyō (Lápide de Nuvem, 1953). Nessa
época, os nomes principais da crítica literária são Fukuda Tsuneari (1912- ), que foi
contra a idéia de unir a política e a literatura, e Katō Shūichi (1919-1987), que
escreveu 1946 Bungakuteki Kōsatsu (Considerações Literárias de1946) e propõe
uma nova visão da história da literatura com Nihon Bungakushi Josetsu (Introdução
à História da Literatura Japonesa, 1975).
Após 1955, o Japão entra no período de grande crescimento econômico, e a
literatura mostra indícios de pôr um fim às lembranças da guerra, com Taiyō no
Kisetsu (Estação do Sol, 1955), de Ishihara Shintarō (1932-). Surgem escritores que
demonstram interesse pelas questões políticas e sociais, como Ooe Kenzaburō (1935-
), com Shisha no Ogori (Presente dos Mortos, 1957); Kaikō Takeshi (1930-1989),
com Hadaka no Ōsama (O Rei Nu, 1957); Kita Morio (1927-), com Dokutoru Manbō
Kōkaiki (Travessia Marítima do Dr. Manbō, 1960); e Miura Tetsuo (1931-), com
Shinobu Kawa (Rio Shinobu, 1960).
Nesse período, há um florescimento da literatura feminina, com a atuação de
escritoras como Enji Fumiko (1905-1986), Kōda Aya (1904-1990), Uno Chiyo
(1897-1996), Mukōda Kuniko (1929-1981), Ariyoshi Sawako (1931-1984), Kōno
Taeko (1926-), Ooba Minako (1930-), Hayashi Kyōko (1930-), Sono Ayako (1931-),
Takahashi Takako (1932- ), Tomioka Taeko (1935-) e Kurahashi Yumiko (1935-).
Assinalamos, nessa época, a atuação de críticos como Nakamura Mitsuo
(1911-1988), Karaki Junzō (1904-1980), Fukuda Tsuneari, Katō Shūichi, Yoshida
De Katai a Dazai; Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Apêndice – A Prosa Japonesa e as Influências Estrangeiras
68
Ken’ichi (1912-1977), Yamamoto Kenkichi (1907-1988) Yamazaki Masakazu
(1934-), Toyama Shigehiko (1923-), Ooka Makoto (1931-) e Etō Jun (1933-).
Após 1965, os escritores do pós-guerra continuam suas atividades ao lado de
uma geração intimista, representada por Furui Yoshikichi (1937-) e Ogawa Kunio
(1927-). Os grandes escritores continuam a produzir obras, publicadas
sucessivamente ao lado de novos escritores, como Inoue Hisashi (1934-), que
recebeu o Prêmio Naoki em 1972 com a obra Tegusari Shinjū (Suicídio por Amor de
Punhos Aconrrentados); Nakagami Kenji (1946-1992), laureado com o Prêmio
Akutagawa de 1975 com Misaki (Promontório); Murakami Ryū (1952-), que
despontou com o Prêmio Akutagawa de 1976 com Azul Quase Transparente;
Murakami Haruki (1949-), que iniciou a carreira com Kaze no Uta o Kike (Ouça o
Som do Vento), agraciado com o Prêmio de Estreante Gunzō em 1979 e best-seller
com Noruee no Mori (A Floresta de Norwegian); Shiina Makoto (1944-), que
consolidou a carreira literária com Inu no Keifu (Linhagem dos Cães), obra que lhe
deu o Prêmio Yoshikawa Eiji na categoria de estreante em 1988; Yoshimoto Banana
(1964-), ganhadora de diversos prêmios de literatura com a obra Kitchin de 1987 e
com Tugumi, de 1989; e Yamada Eimi (1959-), que teve uma estréia brilhante com
Bed Time AIDS e recebeu o Prêmio Naoki de 1987 com Soul Music Lovers Only.
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Anexo
ANEXO
Imagem 1 - Prímulas
Monte Fuji com as prímulas
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Anexo
ANEXO
Imagem 2 - Yūgao
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Anexo
Yūgao e Hikaru Genji
De Katai a Dazai: Apontamentos para uma Morfologia do Romance do Eu
Anexos
ANEXO
Imagem 3 - Tomoe
Um tomoe Um tomoe
esquerda direita
Ideograma tomoe Tomoe
Negativo e Positivo
Três tomoe Três tomoe
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