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possibilidades da mulher, enquanto a segunda foi mais moldada pela aceitação.
Madalena permitiu que a profissão de professora imprimisse nela as marcas da
feminilização do magistério
40
, as quais embutiam as confirmações da ideologia
defendida pela sociedade patriarcal
41
, que pressupunha para a parceria conjugal
uma hierarquia respaldada pela legislação, segundo a qual o marido era o chefe,
conseqüentemente detentor de poder sobre a mulher e sobre os filhos.
Segundo Del Priore, a carreira do magistério foi delegada às
mulheres porque servia como prolongamento da maternidade: cada aluno seria
um filho
42
. A ideologia dominante se pautava em duas opiniões para eleger o
educador ideal para as crianças. Apesar de contraditórias, ambas depreciavam a
mulher para o exercício do magistério. A primeira porque formatava o dueto
professora/mãe, igualando filhos com educandos e, por analogia, submetendo a
mestra ao poder masculino. A segunda rejeitava a mulher (juntamente com os
padres) porque eram retrógrada, prejudicando assim os objetivos educacionais
que a sociedade masculina vislumbrava para os meninos destinados a serem os
homens do futuro.
Atravessando as falas da personagem feminina, presentificadas
na narrativa, encontramos a professora Madalena avessa ao modelo desejado
40 . DEL PRIORE, Mary, op. cit, p. 449.
41 . “Colocando assim no centro da vida social da colônia, o grande proprietário se aristocratiza.
Reúne para isto os elementos que constituem a base de todas as aristocracias: riqueza, poder,
autoridade. A que se unirá a tradição, que a família patriarcal, com a autoridade absoluta do
chefe, dirigindo e escolhendo os casamentos, assegura. Esta aristocratização não é apenas de
nome, fruto da vaidade e da presunção dos intitulados. Constitui um fato real e efetivo; os
grandes proprietários rurais formarão uma classe à parte e privilegiada. Cercam-nos o respeito e
prestígio, o reconhecimento universal da posição que ocupam”. PRADO Jr., Caio. Formação do
Brasil contemporâneo. São Paulo: Brasiliense, 2000, p. 296.
42 . “O processo não se dava, contudo, sem resistências ou críticas. A identificação da mulher
com a atividade docente, que hoje parece a muitos tão natural, era alvo de discussões, disputas
e polêmicas. Para alguns parecia uma completa insensatez entregar às mulheres usualmente
despreparadas, portadoras de cérebros “pouco desenvolvidos” pelo seu “desuso”, a educação
das crianças. Um dos defensores dessa idéia, Tito Lívio de Castro, afirmava que havia uma
aproximação notável entre a psicologia feminina e a infantil e, embora essa semelhança pudesse
sugerir uma “natural” indicação da mulher para o ensino das crianças, na verdade representava
“um mal, um perigo, uma irreflexão desastrosa”. Na sua argumentação, mulheres e clero viviam
voltados para o passado e, portanto, não poderiam “preparar organismos que se devem mover
no presente ou no futuro”. Outras vozes surgiam para argumentar na direção oposta. Afirmavam
que as mulheres tinham, “por natureza”, uma inclinação para o trato com as crianças de quem
elas eram as primeiras e “naturais educadoras”, portanto nada mais adequado do que lhes
confiar a educação escolar dos pequenos”. DEL PRIORE, Mary, op. cit, p. 450.