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VIVIANE LAMEU RIBEIRO PACCINI
CAMINHOS PARA UMA PRÁTICA INCLUSIVA DE
LEITURA E ESCRITA NA ESCOLA
MARÍLIA – SP
2007
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VIVIANE LAMEU RIBEIRO PACCINI
CAMINHOS PARA UMA PRÁTICA INCLUSIVA
DE LEITURA E ESCRITA NA ESCOLA
MARÍLIA – SP
2007
Dissertação apresentada à Comissão Julgadora do
Programa de Pós-Graduação em Educação da UNESP –
Universidade Estadual Paulista, como exigência para a
obtenção do Título de Mestre em Educação.
Área de Concentração: Ensino na Educação Brasileira.
Orientador: Profª Drª Raquel Lazzari Leite Babosa
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VIVIANE LAMEU RIBEIRO PACCINI
CAMINHOS PARA UMA PRÁTICA INCLUSIVA DE LEITURA E
ESCRITA NA ESCOLA
COMISSÃO JULGADORA
DISSERTAÇÃO PARA OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE
___________________________________
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___________________________________
Marília, 06 de junho de 2007.
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A Jesus Cristo, Mestre dos mestres, que
mostrou com a própria vida, que o melhor
ensino é aquele que se faz, não só com
sábias palavras, mas com atitudes
transformadoras.
À Vitória, ‘amor-perfeito’ que faz da
minha vida uma constante primavera e
que me ensinou a entender o
incomensurável e incondicional amor de
Deus.
Ao André, Amo-te, meu amor... não
cante o coração humano com mais
verdade... Amo-te como amiga e como
amante. Numa sempre e diversa
realidade.
(Vinícius de Moraes)
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AGRADECIMENTOS
Primeiramente, a Deus, presença fiel e perene em minha vida e que nela faz
toda a diferença.
À Profa. Dra. Raquel Lazzari Leite Barbosa, que tem me orientado desde a
graduação, com muita atenção e disposição.
À Profa. Regina Aparecida Ribeiro Siqueira, por tudo o que me ensinou, como
Educadora e colega, e por ter acreditado em mim, sempre.
Aos professores Dr. Dagoberto Buim Arena e Dra. Stela Miller, pela forma
criteriosa e pertinente com que analisaram o relatório encaminhado para o Exame de
Qualificação, bem como pelos caminhos apontados, que muito contribuíram para esta
pesquisa.
À Rosana Rocha Ferreira Mota, por toda atenção e disponibilidade no decorrer
desta pesquisa, tornando-a possível, e às demais companheiras, que tanto se
envolveram na luta pela efetivação do processo de inclusão escolar.
A todos os professores participantes dos encontros de formação continuada,
pela confiança e cooperação no fornecimento dos dados pertinentes à pesquisa.
Ao meu maior referencial de Educadora, a tia Neth, por ter me ajudado a “fazer o
mel”, dispondo de um tempo que nem tinha, sempre me ensinando e estimulando, com
tanto amor e dedicação.
Aos meus maravilhosos pais, Valmir Machado Ribeiro e Rosalina Lameu
Ribeiro, pelo amor sem limites, demonstrado em palavras, gestos e atitudes, ao longo
de toda a minha vida, especialmente, orando por mim.
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Aos meus segundos pais de coração, Urubatan Lopes Paccini e Margareth
Dias Kanthack Paccini, por toda ajuda e cuidado e, principalmente, por terem me
acolhido com tamanho amor.
Aos meus irmãos Vanessa, André, Marina e Danilo: meus melhores amigos.
Aos meus amados avós, Moacyr, Noêmia, Waldir e Hilza (saudades...),
exemplos de integridade, longanimidade e temor a Deus.
Ao Pedro e à Jose, pelo companheirismo e afeto de todos os momentos.
À minha família amada, André e Vitória, meu tesouro mais precioso, a quem
dedico este trabalho: sou grata por ter, ao meu lado, um marido tão presente e especial,
e uma filha, nossa mas linda criação, que compreendeu os momentos de minha
ausência, sempre com um sorriso nos lábios.
Enfim, a todos aqueles que, direta ou indiretamente, colaboraram no
desenvolvimento deste trabalho, desejo expressar meu profundo reconhecimento e
gratidão.
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PACCINI, V. L. R. Caminhos para uma prática inclusiva de leitura e escrita na
escola. Marília, 2007. 177p. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de
Educação, Campus de Marília, Universidade Estadual Paulista.
RESUMO
O presente trabalho é fruto de pesquisa e colaboração em um programa de formação
continuada para professores de Língua Portuguesa, da rede pública estadual de ensino
da região de Assis-SP, que trabalham com alunos surdos em suas salas de aula. Trata-
se de um estudo qualitativo, que se realizou nos moldes da pesquisa-ação, por meio do
qual, analisou-se tal processo de formação continuada e seus efeitos na prática
pedagógica dos professores participantes, buscando-se também verificar aspectos
comuns e contraditórios nesse processo. Além disso, esta pesquisa consistiu em
analisar as dificuldades encontradas e as estratégias utilizadas por esses professores,
bem como as mudanças ocorridas em suas práticas, suas concepções sobre leitura e
escrita e a relevância dos estudos de L. S. Vigotski e M. Bakhtin para uma prática
pedagógica que possibilite a aprendizagem de todos os alunos, especialmente no
tocante à leitura e à escrita. Por meio da observação nos encontros de formação
docente, de questionários, de visitas a escolas e salas de aula e da coleta de material
escrito produzido pelos alunos surdos, foi possível constatar a necessidade de dar
continuidade a esses encontros de formação em serviço e de ações políticas
educacionais efetivas que viabilizem o processo de inclusão escolar. Entre as
dificuldades, a maior reside na problemática comunicação entre professor e aluno surdo
e, por isso, as estratégias utilizadas estão mais voltadas a amenizar tal problema. Ao
longo dos encontros, pôde-se verificar mudanças na prática docente, para uma melhor
compreensão e desenvolvimento educacional do aluno surdo. Constatou-se, ainda, um
discurso pedagógico que aponta para uma concepção de escrita enquanto simples
transformação de fonemas em grafemas e de leitura enquanto ato de decodificação, o
que viria a dificultar a aprendizagem do aluno surdo e, por isso, os trabalhos de L. S.
Vigotski e M. Bakhtin se dão como um importante referencial teórico que aponta
caminhos para uma prática inclusiva de leitura e escrita na escola.
Palavras-chave: Formação continuada, Inclusão, Leitura-escrita.
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PACCINI, V. L. R. Ways for an inclusive practice of reading and writing at school.
Marília, 2007. 177p. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação,
Campus de Marília, Universidade Estadual Paulista.
ABSTRACT
This work is the result of researching and collaborating whith a continuous formation
programme for Portuguese language Teachers inserted in the state Teaching in the
region of Assis – SP who taught deaf students in their classrooms. It is a qualitative
study based on the action research, which was used to analyse such continuous
formation process and its effects over the pedagogical practice of teachers involved, as
well as to verify common and contradictory aspects in this process. Apart from this, the
research aims to analyze the difficulties that came across and the strategies employed
by the teachers. It was also considered the changes ocurred in their practice, their
conception of reading and writing an the importance of L.S. Vigotski and M. Bakhtin’s
studies in order to develop a pedagogical practice which makes possible every student’s
learning, specially in which concerns reading and writing. Through the observation
performed during the teaching formation meetings, questionnaires, school and
classroom visits and the collection of written materials made by the deaf students, it was
possible to establish a necessity of keeping on doing the formation meetings and also
effective political – educational actions which make feasible the school inclusion
process. Considering the difficulties, the greatest one lies on the teacher and the deaf
student. That is the reason why the strategies employed focus on reducing such
problem. As the meetings went by changes in the teaching practice were set up towards
a better comprehension and educational development of the deaf students.
Furthermore, it was noticed the presence of a pedagogical speech that points out to the
written conception as a mere transformation of phonemes into grammatical structures
and whose reading conception is grounded on the act of decoding. For this cause, the
deaf student learning process is made difficult. Therefore, the words by L.S. Vigotski and
M. Bakhtin are a remarkable theoretical reference which puts forward ways for an
inclusive practice of reading and writing at school.
Keywords: continuous formation, inclusion, reading – writing.
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LISTA DE TABELAS
TABELA 1 – Distribuição dos professores estudados, segundo o sexo................... 64
TABELA 2 – Distribuição dos professores estudados, conforme a idade................. 64
TABELA 3 – Distribuição dos professores, conforme as cidades em que
lecionam....................................................................................................................66
TABELA 4 – Distribuição dos professores, de acordo com o tempo de experiência
profissional................................................................................................................ 67
TABELA 5 – Distribuição dos professores, conforme o tempo de trabalho com
aluno(s) surdo(s).................................................................................................... ...67
TABELA 6 – Distribuição dos professores com relação à sua indicação sobre o grau
de surdez de seus alunos.......................................................................................... 71
TABELA 7 – Distribuição das respostas dos professores sobre a interação do aluno
surdo em sala de aula............................................................................................... 74
10
LISTA DE QUADROS
QUADRO 1 – Caracterização dos professores por município em que residem, em que
trabalham, tempo de docência, tempo de trabalho com alunos surdos,
série em que lecionam e escola............................................................... 65
QUADRO 2 – Caracterização da formação teórico-profissional dos professores............ 68
11
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO............................................................................................................ 12
2 UM PARALELO ENTRE A EDUCAÇÃO DOS SURDOS E A EDUCAÇÃO COMUM
NO BRASIL................................................................................................................... 17
3 DIFERENTES CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM E PRÁTICA DE LEITURA E
ESCRITA....................................................................................................................... 28
4 VIGOTSKI E BAKHTIN: CAMINHOS PARA UMA PRÁTICA INCLUSIVA DE LEITURA
E ESCRITA NA ESCOLA............................................................................................... 35
4.1 O homem como ser sócio-histórico-cultural............................................................. 36
4.2 A linguagem e seu papel central na constituição da consciência humana.............. 43
4.3 O sentido como um campo mais amplo da significação.......................................... 56
5 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS: OS ENCONTROS DE FORMAÇÃO
CONTINUADA................................................................................................................ 59
5.1 Caracterização dos professores participantes da pesquisa..................................... 63
5.2 Resultados e discussão............................................................................................ 69
5.2.1 A situação do aluno surdo em sala de aula: as estratégias e dificuldades dos
professores..................................................................................................................... 71
5.2.2 Concepções sobre o aluno surdo e sobre prática de leitura............................... 102
5.2.3 Avaliação dos encontros de formação continuada e do processo de inclusão
escolar de alunos surdos.............................................................................................. 129
6 CONCLUSÃO............................................................................................................ 156
REFERÊNCIAS............................................................................................................ 165
ANEXOS....................................................................................................................... 173
12
1 INTRODUÇÃO
A inclusão social é um tema que tem sido amplamente discutido nas últimas
décadas. Conseqüentemente, a escola, por ter o papel de criar oportunidade para o
processo de interação social e por ser um lugar propício a transformações sociais, tem
sido o principal foco de toda essa discussão.
A literatura sobre integração escolar indica que um dos maiores obstáculos para
essa prática se concretizar é o despreparo do professor. O reconhecimento desse
despreparo, por sua vez, aponta para duas necessidades básicas. A primeira seria a
reformulação dos currículos dos cursos que têm formado os educadores, para que
estes tenham mais conhecimentos para um trabalho que considere as diferenças,
sejam elas físicas, psicológicas, culturais ou sociais. A segunda necessidade, com que,
inclusive, proponho-me a trabalhar, diz respeito à formação continuada de professores
que já estão atuando com alunos especiais e que, inseguros, necessitam de uma
preparação que lhes traga conhecimentos teóricos e práticos sobre o ensino para esses
alunos.
No período de 2002 a 2004, por meio do Projeto de Educação de Jovens e
adultos – PEJA / PROEX, integrado pela UNESP, campus de Assis, e também no
desenvolvimento de projeto apoiado pela CNPq / PIBIC, trabalhei com letramento de
jovens e adultos surdos. Esse grupo, composto por quinze alunos de faixa etária entre
17 e 45 anos, recebeu o nome de GIS – Grupo de Integração do Surdo. Esse trabalho
se desenvolveu baseado no método bilíngüe, em que a LIBRAS (Língua Brasileira de
Sinais), considerada língua materna do surdo, é utilizada para a comunicação e o
ensino da língua de maior uso, no caso, a Língua Portuguesa. Seus resultados foram
de tal forma interessantes, que me motivaram a buscar novas maneiras de agregar
conhecimentos nesta área e também a questionar e refletir sobre alguns pontos como,
por exemplo, a inclusão escolar.
Tive, então, a oportunidade de ser contatada pela Assistente Técnico-
Pedagógica de Língua Portuguesa da Diretoria de Ensino da região de Assis-SP, que
me convidou a participar, desde o ano de 2005, de encontros de formação continuada
13
para professores de Língua Portuguesa, da rede estadual de ensino, que possuíam
alunos surdos em suas salas de aula, visando a sua inclusão.
Com a oportunidade de participar desses encontros de formação continuada,
oficinas técnico-pedagógicas denominadas Ensino de Língua Portuguesa para surdos,
surgiu a idéia de realizar esta pesquisa, a fim de analisar a formação continuada no
processo de inclusão escolar e seus efeitos.
A Secretaria da Educação do Estado de São Paulo tem promovido encontros de
orientação a coordenadores e assistentes técnico-pedagógicos e tem distribuído livros,
visando a uma melhor formação de professores de Língua Portuguesa que têm
trabalhado com alunos surdos em suas salas de aula, especialmente, em relação ao
ensino de leitura e escrita. Assim sendo, o objetivo de tais reuniões de formação
docente foi dar subsídios, orientações teóricas e práticas, constantes reflexões e trocas
de experiência, a fim de que, conjuntamente, um conhecimento educacional relevante
seja construído para o enfrentamento do desafio da inclusão escolar.
No decorrer dos anos, a legislação avançou no sentido de especificar a
integração do aluno com necessidades especiais na rede regular de ensino. Além da
Declaração de Salamanca, de junho de 1994, muito significativa nesse processo de
integração, destaca-se a lei 9.394/96 de Diretrizes e Bases da Educação, por
preconizar que os alunos especiais sejam atendidos, preferencialmente, no ensino
regular.
De acordo com os dados do Censo Escolar do Ministério da Educação/INEP, a
participação do atendimento inclusivo vem crescendo no Brasil. O número de
matriculados cresceu 229% entre o ano de 1998, quando o censo analisou a situação
dos alunos especiais pela primeira vez, e o ano de 2003. Conforme o Censo Escolar, a
participação de alunos com necessidades especiais, em escolas regulares, passou de
43.923, em 1998, para 144.583 estudantes, em 2003 (BRASIL, 2006; COLLUCCI,
2007).
Ainda, de acordo com os dados do Censo Escolar MEC/INEP (BRASIL, 2007b),
o número de escolas que matriculam alunos portadores de necessidades especiais em
classes comuns cresceu 27,6%, entre 2002 e 2003. Segundo o censo, o crescimento foi
maior entre as escolas que fazem a integração e possuem sala de recurso para
14
atendimento a esses alunos: 29%. Nesse mesmo período, o aumento das matrículas de
alunos com necessidades especiais foi de 31,1%
A democratização do ensino trouxe consigo um grande desafio: uma educação
de qualidade. Nesse sentido, o processo de inclusão escolar de alunos portadores de
necessidades educacionais especiais tem exigido urgente suporte e preparação para os
educadores envolvidos nela.
Segundo as “Diretrizes Nacionais para a Educação especial na Educação
Básica”, o movimento de inclusão tem como princípios: a celebração das diferenças, a
igualdade para todos, a valorização da diversidade humana, o aprendizado cooperativo,
a solidariedade, a igual importância das minorias em relação à maioria e a cidadania
com qualidade de vida (BRASIL, 1994). Para que esses princípios façam parte da
realidade das escolas, é necessário que haja mudanças educacionais, de modo que
novas alternativas e práticas pedagógicas sejam definidas e postas em ação, a fim de
que todos os alunos tenham a possibilidade de aprender e se desenvolver,
independentemente de suas diferenças.
Para Karagianis, Stainback e Stainback (1999, p. 22), pesquisadores
extremamente favoráveis à ação inclusiva na escola, “a simples inclusão de alunos
com deficiências em sala de aula do ensino regular não resulta em benefícios de
aprendizagem”, é necessário que haja um mínimo de condições adequadas para que,
tanto o aluno dito como “normal” quanto o especial, tenham a possibilidade de
desenvolver-se e atingir seu potencial. Vale destacar aqui, que os referidos autores, em
sua citação, referem-se ao termo inclusão, de maneira geral, como sendo sinônimo de
inserção ou integração. Porém, neste trabalho, optou-se por considerar tais diferenças,
de forma que tal movimento é nele referenciado como processo de inclusão escolar,
como algo que ainda não foi concretizado, mas que está em andamento.
Nesse sentido, a formação continuada passa a ser um elemento imprescindível
nesse processo, pois é, especialmente, por meio dela, que os professores da rede
regular de ensino poderão construir um conhecimento teórico e prático importante que
poderá auxiliá-los e fazê-los repensar sua prática pedagógica e suas concepções sobre
leitura e escrita.
Assim sendo, os objetivos do presente estudo foram:
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a) analisar o processo de formação continuada para professores de Língua
Portuguesa, da rede estadual de ensino da região de Assis-SP, que possuem
alunos surdos em suas salas de aula, bem como os efeitos desse processo;
b) verificar quais as maiores dificuldades encontradas pelos professores
participantes e se tais dificuldades foram superadas ou, minimamente,
amenizadas;
c) verificar quais as estratégias utilizadas pelos professores em sua prática
pedagógica;
d) analisar as possíveis mudanças no trabalho docente;
e) analisar as concepções de leitura e escrita;
f) analisar como a abordagem histórico-cultural de Vigotski e o sócio-
interacionismo de Bakhtin poderiam reorientar a ação pedagógica, no tocante
ao desenvolvimento da leitura e escrita de todos os alunos.
As hipóteses que direcionam este trabalho de pesquisa estão relacionadas a
duas questões que perpassaram todo o processo. A primeira diz respeito à dificuldade
de comunicação entre professor e aluno surdo como determinante do insucesso no
processo de ensino e de aprendizagem da leitura e da escrita. A segunda aponta para
as lacunas na formação do professor e a sua resistência na aceitação do processo de
inclusão do surdo em salas regulares.
No segundo capítulo deste trabalho, realizou-se um paralelo entre a educação
dos surdos e a educação comum, no Brasil, buscando caminhos que se cruzam e que
se distanciam, na trajetória de ambas, e destacando os principais aspectos históricos e
as principais correntes filosófico-educacionais da educação dos surdos.
Em continuidade, no terceiro capítulo, são definidas duas diferentes concepções
de linguagem e suas implicações, no que diz respeito ao ensino de língua, ainda
relacionando-se a educação dos surdos à educação comum e a influência desta ou,
mais precisamente, das representações dos ouvintes sobre o trabalho educacional para
surdos.
16
Aspectos relevantes dos estudos de L. S. Vigotski e M. Bakhtin constituem o
quarto capítulo deste trabalho, em que se procurou apresentar referenciais teóricos, na
busca de caminhos para um prática pedagógica inclusiva de leitura e escrita, a partir
dos trabalhos dos referidos autores, destacando-se a profunda sintonia entre eles e a
concepção de ambos sobre o homem e sobre a linguagem.
No quinto capítulo, constam a apresentação do material e método utilizado no
presente trabalho, a caracterização dos professores participantes da pesquisa, bem
como considerações sobre a realização da análise dos dados obtidos. Os resultados
obtidos, por meio da observação e participação nos encontros de formação continuada,
dos questionários realizados, dos textos produzidos pelos alunos surdos e da
observação em algumas de suas salas de aula, também serão descritos, analisados e
discutidos, nesse momento do trabalho.
Finalmente, as conclusões sobre o presente trabalho constituem o sexto capítulo.
17
2 UM PARALELO ENTRE A EDUCAÇÃO DOS SURDOS E A EDUCAÇÃO COMUM
NO BRASIL
Mesmo que as ações possam ser reproduzidas, no decorrer do tempo,
essa reprodução é apenas aparente, pois cada época carrega consigo os
significados das suas ações e, estas, a multiplicidade dos fatores que as
determinaram, e é exatamente isto o que caracteriza uma época.
(SOARES, 1999, p. 5).
Analisando as trajetórias da educação comum e da educação dos surdos, no
Brasil, pode-se observar caminhos que se cruzam e que se distanciam. A proximidade
entre ambas se deve, principalmente, ao pano de fundo, aos contextos políticos e
sociais em que suas histórias se desenrolaram. Já o distanciamento se deve,
especialmente, às diferentes finalidades de seus trabalhos.
Embora o foco desta parte do trabalho esteja voltado aos aspectos e
acontecimentos que envolveram a educação comum e a educação de surdos no Brasil,
é impossível ignorar fatos importantes que aconteceram em outras partes do mundo,
mesmo porque, toda a história da educação brasileira foi sempre muito influenciada por
idéias e acontecimentos estrangeiros. Sendo assim, alguns destes acontecimentos
serão destacados, de modo a complementarem o presente estudo.
A primeira diferença que se pode citar entre a educação comum e a educação de
surdos é que esta sempre foi marcada pelo caráter assistencialista e filantrópico. Uma
forte concepção que predominou na história da educação dos surdos é a clínico-
patológica, segundo a qual a surdez é vista como uma patologia, e os surdos,
considerados como doentes que precisam de tratamento.
As práticas consideradas como as primeiras iniciativas educacionais para surdos
correspondem a ações caridosas de religiosos e a atuações médicas. Estas se
iniciaram na Europa, em meados do século XVI, época em que começaram os estudos
sobre a anatomia humana. Dentre os que se dedicaram a pesquisas sobre a audição,
tem-se Gerolamo Cardano (1501-1576), considerado como um dos primeiros
educadores de surdos. Soares (1999) destaca sua atuação, por ter sido ele
considerado como o primeiro a afirmar que a surdez não é impedimento para a
18
aprendizagem do surdo e que esta se realiza melhor por intermédio do ensino da leitura
e da escrita.
Apesar da afirmação de Cardano sobre a capacidade do surdo de ser instruído,
as representações clínico-patológicas acabaram por transformar o espaço escolar em
“territórios médico-hospitalares” (SKLIAR, 2001). Assim, a história da educação dos
surdos avançou no sentido de priorizar a aquisição da linguagem oral em detrimento da
instrução escolar. A escrita foi considerada como um recurso muito eficiente adotado
por médicos de diferentes países da Europa, assim como gestos e sinais datilológicos
também o foram por um período de tempo, porém a finalidade era única e
exclusivamente a aquisição da oralidade pelos surdos, conforme a análise crítica de
Soares (1999).
Foi o Congresso de Milão, em 1880, que legitimou a prática que já era comum
em muitos países: o uso exclusivo do Oralismo puro e o rechaçamento do gestualismo.
Segundo Moura, Lodi e Harrison (1997), uma das conseqüências do congresso foi a
demissão dos professores surdos, inclusive, com a finalidade de impedi-los de qualquer
manifestação contra o Oralismo. Tal medida eliminou a pouca participação dos surdos
em relação à sua educação, desvalorizando-os como seres incapazes de educar e
compartilhar de decisões importantes que diziam respeito à sua própria vida e daqueles
que faziam parte de sua comunidade.
Em 1857, Hernest Huet fundou, no Rio de Janeiro, o Instituto Nacional de
Surdos-Mudos (INSM), primeira instituição brasileira criada para esse fim. O INSM foi e
é, atualmente com o nome de Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), um
centro de referência para a educação de surdos no país, tendo criado o primeiro curso
de formação de professores de surdos no Brasil.
O INMS teve como referência o INMS de Paris, fundado no século XVIII, pelo
abade Michel de L’Epée, que baseava seu trabalho no uso de “sinais metódicos”. Este
sistema de linguagem era composto pelos sinais utilizados pelos surdos e por sinais
criados por ele próprio, os quais incorporavam elementos gramaticais da língua falada,
a fim de que os surdos tivessem acesso à linguagem escrita. O instituto de Paris
privilegiou o gestualismo desde o início dos trabalhos desenvolvidos nele. Porém, com
a crescente divulgação do método oral e, principalmente após a forte influência do
19
Congresso de Milão, anteriormente citado, a instituição foi implantando, gradualmente,
o Oralismo até que ele abrangesse todas as turmas.
No início dos trabalhos realizados pelo INSM, os alunos surdos eram educados
por meio da língua escrita, do alfabeto manual (datilologia) e de sinais. Porém, aos
poucos, o uso da língua de sinais foi sendo proibido. De 1930 a 1947, o instituto passou
a permitir somente o uso do alfabeto datilológico, a escrita e a fala, proibindo a
utilização dos sinais. O método escrito era especialmente utilizado para o trabalho com
os surdos que demonstravam níveis inferiores nos testes de aferição da capacidade
mental, auditiva e lingüística dos alunos. É interessante mencionar que testes também
foram criados para a educação comum, com o auxílio da psicologia. Porém, enquanto
estes consistiam em uma avaliação da capacidade de aprendizagem, os da educação
de surdos eram utilizados para verificar a aptidão para a fala.
Finalmente, em 1950, além dos sinais, o alfabeto manual também foi proibido de
ser utilizado e o método oralista, que já estava em grande ascensão, acabou sendo
incorporado pelo instituto brasileiro. A partir da gestão da professora Ana Rímoli, que
corresponde ao período entre 1951 a 1961, o Oralismo foi definitivamente adotado pelo
instituto como método único e exclusivo, especialmente, por influência de algumas
experiências que estavam sendo realizadas com surdos, nos Estados Unidos. Foi
também neste período que se criou o Curso Normal de Formação de Professores para
Surdos.
A principal marca de distanciamento entre a educação de surdos e a educação
comum foi, conforme já citado acima, a diferença entre as finalidades de ambas.
Enquanto a educação comum seguia com o objetivo de instruir, a educação de surdos
objetivava a aquisição da oralidade:
Enquanto a escola comum foi encarada como local para obtenção de um
tipo de saber acumulado historicamente, sendo este conhecimento de
extrema importância para a inserção do indivíduo na sociedade moderna,
[...] a escola para os surdos-mudos não foi vista da mesma maneira nem
foi criada com fim semelhante. (SOARES, 1999, p. 65).
Nos anos 50, por conta da intensificação da industrialização e urbanização, o
saber escolar passou a ser mais exigido e muitas campanhas foram criadas a fim de se
acabar com o alto índice de analfabetismo do país. O saber passou a ser considerado
como um importante meio, se não o único, para que o indivíduo pudesse ser incluído na
20
sociedade, no mercado de trabalho e, consequentemente, a falta de escolaridade
contribuía para o processo de exclusão do indivíduo do contexto social. Apesar de todo
este discurso já vigente naquela época, a instrução escolar continuou a ser
desconsiderada em detrimento da oralização, ainda o prinicipal objetivo do “ensino” aos
surdos.
Várias campanhas foram lançadas para a educação de adolescentes, adultos e
rurais. Então, em 1957, na comemoração do 1
o
centenário de fundação do já
denominado Instituto Nacional de Educação dos Surdos (INES), foi instituída a criação
da Campanha de Educação do Surdo Brasileiro, em decreto pelo então Presidente da
República, Juscelino Kubitschek de Oliveira. A partir de 1958, provavelmente pela
contribuição da própria campanha, houve, realmente, a disseminação do atendimento
do surdo para todo o país, sendo que outras instituições especializadas foram criadas e
muitas classes especiais para surdos foram abertas. Em 1954 e 1956 se haviam
diplomado as duas primeiras turmas do Curso Normal de Professores para Surdos e,
em 1956, segundo relatório da diretora do instituto, o país já contava com cerca de 348
professores especializados (SOARES, 1999, p. 90).
Em 1961, foi aprovada a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional. Os artigos 88 e 89 desta lei atestam o direito dos “deficientes” à educação,
objetivando sua integração à comunidade. No artigo 89, o governo se compromete em
ajudar as organizações não-governamentais a prestarem serviços educacionais aos
especiais.
Em 1962, foi elaborado o I Plano Nacional de Educação, estabelecendo normas
para distribuição de verbas destinadas à educação primária, média e superior. E, em
1965, o Governo garantiu que 5% dos recursos da Educação Primária fossem
destinados à Educação Especial.
Embora se faça presente ainda hoje, o Oralismo foi perdendo sua força,
passando a ser muito criticado por ter fracassado no oferecimento de condições
efetivas para a educação e desenvolvimento dos surdos, fazendo destes, apenas
“iletrados funcionais” (SACKS, 1998). Na década de 60, por meio de pesquisas norte-
americanas que compararam os surdos de pais ouvintes e os surdos de pais surdos, foi
observado que estes eram expostos à Língua de Sinais desde o nascimento, sendo
21
normalmente colocados em escolas oralistas e acabando por ter o melhor desempenho
acadêmico em comparação com aqueles que não eram expostos à Língua de Sinais, os
filhos surdos de pais ouvintes.
As crescentes críticas ao Oralismo e as novas pesquisas que “redescobriram” a
importância da Língua de Sinais levaram a novas propostas para a educação de
surdos. Primeiramente, surgiu uma nova abordagem desenvolvida nos Estados Unidos,
por William Stockoe, e denominada comunicação total. No Brasil, a corrente da
Comunicação Total passou a se expandir em meados do século XX e não era
considerada somente como uma metodologia, mas como uma filosofia educacional,
cujo núcleo lingüístico compreende a linguagem falada, o alfabeto digital, sinais e
linguagem escrita, a fim de se ensinar a língua majoritária e permitir o acesso a outras
áreas curriculares (GÓES, 1999).
Baseando-se em Ciccone, Góes (1999) aponta que, na filosofia da comunicação
total o surdo deixa de ser concebido clínico-patologicamente e passa a ser
compreendido como uma pessoa que apresenta a marca da surdez, sendo que esta
traz repercussões de ordem social e, por isso, se configura como um fenômeno social.
Sendo assim, privilegia os surdos nas suas necessidades, aceitando as formas que
eles próprios utilizam para se comunicar. Porém, estudos como o de Trenche (1995)
demonstram que muitos professores que se orientaram por esta abordagem
conservaram concepções oralistas, investindo, ainda, na aquisição da fala.
Mesmo nos Estados Unidos, onde esta abordagem foi desenvolvida, a proposta
inicial de se usar a Língua de Sinais foi abandonada e foram criados sistemas que
representassem melhor a língua oral. A seguinte afirmação de Moura, Lodi e Harrison
(1997) elucida bem a situação da Comunicação Total, como método educacional de
surdos, segundo as intenções políticas americanas:
Esta filosofia contentava as necessidades americanas de promover uma
melhor educação e desenvolvimento para a criança surda, ao mesmo
tempo em que a fala era contemplada. Não interessava para a política
americana o fortalecimento de uma cultura dos surdos, cuja
representação maior é a Língua de Sinais. (MOURA; LODI; HARRISON,
1997, p. 340).
A partir da proposta da comunicação total e, provavelmente, com a influência que
o Oralismo ainda exercia na educação de surdos, surgiram vários sistemas de
22
comunicação e outros métodos para a aprendizagem da língua majoritária. Dentre eles,
destaca-se o método bimodal, que diz respeito ao uso da língua majoritária
desenvolvida na modalidade falada e na codificação daquela em sinais, em
correspondência exata aos segmentos da fala. No Bimodalismo, espera-se que o surdo
venha a desenvolver suas habilidades lingüísticas por meio da língua oral
acompanhada de sinais, sendo feito todo um trabalho de aproveitamento de restos
auditivos e de fala (Moura; Lodi; Harrison, 1997, p. 341).
O Artigo 9º da Lei 5692, de 11 de agosto de 1971, para os ensinos de 1
o
e 2
o
graus, preconiza o tratamento especializado nas escolas, aos alunos que apresentam
“deficiências”.
Em 1973, dá-se a criação do Centro Nacional de Educação Especial, como uma
oportunidade para que a Educação Especial fosse representada administrativamente.
Posteriormente, em 1986, este centro é transformado em Secretaria de Educação
Especial, com o órgão central, de direção superior, do Ministério de Educação.
Em 1977, foi criada a FENEIDA, Federação Nacional de Educação e Integração
dos Deficientes Auditivos, até então composta apenas por ouvintes envolvidos com as
questões da surdez.
Em 1983, a comunidade surda criou a Comissão da Luta pelos Direitos dos
Surdos, uma entidade não legalizada que reivindicou a participação efetiva dos surdos
como membros da Diretoria da FENEIDA. Apesar de ter sido negada esta reivindicação,
por falta de confiança na capacidade dos surdos, a Comissão formou chapa e
conquistou, em Assembléia Geral, a presidência por um ano. Em nova Assembléia
Geral, em 16 de maio de 1987, o Estatuto foi reestruturado e a entidade ganhou a
denominação de FENEIS, Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos,
com sede no Rio de Janeiro. A FENEIS passou a ser definitivamente dirigida por
surdos, como uma instituição de direito privado, sem fins lucrativos, com o fim exclusivo
de servir às pessoas surdas, tendo caráter educacional, assistencial e sócio-cultural.
O ano de 1981 foi proclamado, oficialmente, pela Assembléia geral das Nações
Unidas, como o Ano Internacional das Pessoas Deficientes. Isto demonstra que os
temas ligados às pessoas especiais passaram a se tornar cada vez mais presentes no
cenário mundial. Nessa mesma época, estabeleceu-se no Brasil um Plano de Ação com
23
objetivos que deveriam ser atingidos ao longo da década de 80: conscientização,
prevenção, educação, reabilitação, capacitação profissional e acesso ao trabalho,
remoção de barreiras arquitetônicas e legislação.
Em 1986, instituiu-se o F.U.N.D.A.U. - Fundo Especial para a Integração
Deficientes da Audição, e também a C.O.R.D.E. – Coordenadoria Nacional para
Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, cujas atribuições eram coordenar e
assegurar o pleno exercício dos direitos básicos e de integração social à pessoa
portadora de deficiência e, também, elaborar um Plano, com o objetivo de implantar
uma política de integração do portador de deficiência no contexto educacional.
Entre 1986 e 1987, vários documentos sobre os problemas das minorias foram
enviados à Constituinte por diferentes comissões e associações, entre as quais:
Comissão Paulista de Defesa dos Direitos dos Surdos (COPADIS), Associação
Brasileira de Lingüística (ABRALIN), Associação para Deficientes de Áudio Visão
(ADEFAV) e Associação dos Pais e Amigos dos Deficientes Auditivos (APADA). É
interessante observar que o respeito pela língua de Sinais e pela cultura do surdo
aparece como um requerimento comum entre os vários documentos enviados. Destaca-
se o que foi enviado pela ABRALIN, propondo-se, em síntese, uma educação baseada
no princípio de se preservar a pluralidade lingüística e cultural, vedando-se a
discriminação, a inclusão da Língua de Sinais como primeira língua utilizada pelos
surdos, o acolhimento, sem discriminação de todas as variedades lingüísticas
manifestadas tanto na fala quanto na escrita dos alunos e a garantia do direito de todo
cidadão atuar em sua língua materna, devendo o Estado providenciar intérprete em
todos os casos em que diferenças lingüísticas impeçam o cidadão de compreender as
leis ou de se fazer compreender (BROCHADO, 1996).
Por meio do que foi citado acima e das mudanças ocorridas em relação ao
método educacional de surdos, pode-se perceber uma busca pela valorização da
Língua de Sinais, como língua materna dos surdos, que possui, um valor cultural que
deve ser preservado e considerado. Nesse sentido, a partir da década de 80,
pesquisadores brasileiros começam a estudar sobre a educação dos surdos. Dentre
eles, destaca-se Lucinda Ferreira Brito, lingüista da UFRJ considerada como a
24
brasileira pioneira no estudo da Língua Brasileira de Sinais, que faz criticas à
Comunicação Total em seus trabalhos, defendendo o Bilingüismo.
A introdução de programas baseados nas diretrizes da Comunicação Total fez
com que os sinais, cuja importância havia se perdido desde o final do século XIX,
recuperassem um espaço considerável nas discussões relacionadas à educação de
surdos. Porém, a sua utilização se deu de maneiras muito variadas. Basicamente,
incorporaram-se aspectos da Língua de Sinais e foram criadas novas sinalizações
baseadas na estrutura da língua falada, as quais, inclusive, eram utilizadas
simultaneamente com a fala. Como já foi citado, esta prática faz parte da proposta
bimodal, que está inserida na filosofia da Comunicação Total.
Góes aponta diferentes contradições baseadas em pesquisas e discussões
sobre a prática do Bimodalismo:
[...] privilegiam a língua majoritária, mas não propiciam seu uso e
conhecimento, num nível satisfatório; viabilizam ganhos em termos de
amplitude de itens lexicais na língua majoritária, mas criam ambigüidades
quanto às regras de construção desta; abrem espaço para os sinais, mas
os instrumentalizam para servirem à incorporação (não propriamente
efetivada) das modalidades falada e escrita; ao subordinarem e
descaracterizarem a língua de sinais, concedem e negam à pessoa surda
o reconhecimento de sua condição bilíngüe. (GÓES, 1999, p. 56).
Das críticas ao Bimodalismo e seus resultados, surge uma nova proposta: o
Bilingüismo. Ao contrário das propostas oralista e bimodal, as quais, segundo Quadros
(1997), constituem as duas primeiras fases da história da educação de surdos no Brasil,
o Bilingüismo é uma proposta de ensino que preconiza o acesso a duas línguas no
contexto escolar, considerando a Língua de Sinais como a língua natural dos surdos e
partindo desse pressuposto para o ensino da linguagem escrita. Esta proposta
educacional leva em consideração a condição bilíngüe e bicultural do surdo, garantindo
a este o direito de ser ensinado em sua própria língua. Dessa forma, a Língua
Portuguesa, no caso dos surdos brasileiros, é considerada como uma segunda língua a
ser adquirida, por intermédio de sua primeira língua, a Língua Brasileira de Sinais –
LIBRAS.
Ferreira-Brito (1993), considerada como representante do Bilingüismo, aponta a
língua gestual-visual como única possibilidade para a realização das potencialidades
25
lingüísticas dos surdos, desempenhando a importante função de suporte do
pensamento e de estimuladora do desenvolvimento cognitivo e social.
Dois dispositivos legais de âmbito federal, promulgados nos anos 1989 e 1990,
prevêem o direito dos portadores de deficiência à educação. Entre eles, tem-se a Lei
7853, de 24 de outubro de 1989, que estabelece os Direitos das Pessoas Portadoras de
Deficiência, e a Lei 8069/90, que instituiu o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Em maio de 1993, em São Paulo, foi realizado o Simpósio Internacional de
Língua de Sinais e Educação dos Surdos, promovido pela Sociedade Brasileira de
Neuropsicologia. Dele, participaram especialistas do Brasil, Estados Unidos, Argentina,
Uruguai, Venezuela e Inglaterra, os quais, fundamentados cientificamente,
consideraram que o surdo possui inteligência e capacidade lingüística normais,
devendo, por suas peculiaridades, ser expostos a um meio lingüístico apropriado.
Neste sentido, foi reforçada no simpósio, de forma consistente, uma proposta
educacional bilíngüe, em que se utilize a Língua de Sinais, já cientificamente
reconhecida como a língua natural dos surdos, e a linguagem escrita, então concebida
como uma linguagem de que se pode apropriar sem ter como base a oralidade, a
audição.
De acordo com Ferreira-Brito (1993), se na aprendizagem da escrita, a oralidade
serve apenas como suporte, pode ser perfeitamente substituível pela Língua de Sinais,
a qual representaria para o surdo o que a oralidade representa para o ouvinte,
possibilitando todas as funções cognitivas necessárias para a alfabetização. Segundo a
autora, a escrita veicula o significado independente da fala (FERREIRA-BRITO, 1993).
Quatro meses depois, em setembro de 1993, foi realizado, no Rio de Janeiro, por
iniciativa da UFRJ, o II Congresso Latino-Americano sobre Bilingüismo, com a
participação de lingüistas e pedagogos brasileiros, argentinos, uruguaios, chilenos,
venezuelanos e americanos.
A fim de reafirmar o direito à educação de todas as pessoas e de minimizar as
dificuldades das pessoas com necessidades educacionais especiais, foi realizada a
Conferência Mundial da Educação Especial, de 7 a 10 de junho de 1994, em
Salamanca, Espanha, de cujas discussões se originou a Declaração de Salamanca
sobre Princípios, Política e Prática em Educação Especial, que atesta, no artigo 13:
26
a educação integrada e a reabilitação apoiada pela comunidade
representam dois métodos complementares de ministrar o ensino a
pessoas com necessidades educativas especiais. Ambas se baseiam no
princípio da integração e participação e representam modelos bem
comprovados e muito eficazes em termos de custo para fomentar a
igualdade de acesso das pessoas com necessidades educativas
especiais, que faz parte de uma estratégia nacional cujo objetivo é
conseguir a educação para todos. (BRASIL, 2007a, p. 6 e 7).
Em 20 de dezembro de 1996, tem-se a Lei 9394 de Diretrizes e Bases da
educação, a partir da qual, instituíram-se algumas mudanças na educação brasileira,
principalmente, no tocante à educação especial, por preconizar que o atendimento aos
alunos com necessidades educacionais especiais deve ser oferecido,
preferencialmente, no ensino regular. Esta LDB estabelece que os sistemas de ensino
deverão assegurar professores especializados ou devidamente capacitados, que
possam atuar com qualquer pessoa especial na sala de aula.
Em 19 de dezembro de 2000, por meio da lei nº 10.098, denominada como Lei
da acessibilidade, ficam estabelecidas normas e critérios básicos para a promoção de
acessibilidade das pessoas portadoras de necessidades especiais, mediante a
supressão de barreiras e de obstáculos nas vias e espaços públicos, no mobiliário
urbano, na construção e reforma dos edifícios, nos meios de transporte e também na
comunicação. Sobre este último aspecto, vale destacar que, além dos mecanismos e
alternativas técnicas estabelecidos para tornar acessíveis os sistemas de comunicação
e sinalização, também se pode destacar o compromisso firmado pelo Poder Público na
implementação da formação de profissionais intérpretes de linguagem de sinais, como
ainda era denominada, de escrita em braile e de guias-intérpretes, conforme disposto
no artigo 18.
Essa Lei de acessibilidade já significou um avanço na valorização da língua
utilizada pelos surdos. Porém, em 27 de novembro de 2001, foi promulgada a Lei
Estadual nº 10.958, do Estado de São Paulo, por meio da qual, a Língua Brasileira de
Sinais – LIBRAS passou a ser reconhecida oficialmente como meio de comunicação
objetiva e de uso corrente da comunidade surda.
Finalmente, em 24 de abril de 2002, por meio da Lei Federal nº 10.436, a
LIBRAS foi reconhecida, nacionalmente, como meio legal de comunicação e expressão.
Também se estabelece, segundo o artigo 4º, que o sistema educacional federal e os
27
sistemas educacionais estaduais e municipais devem garantir a inclusão, nos cursos de
Educação Especial, de Fonoaudiologia e de Magistério, do ensino da Língua Brasileira
de Sinais, como parte integrante dos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs.
As leis promulgadas, no decorrer dos anos, legitimam ações que representam as
tendências e idéias presentes em cada época. Nesse sentido, é possível verificar, a
partir de todos os dados citados, que a legislação brasileira avançou no sentido de
especificar, cada vez mais, a situação da educação das pessoas com necessidades
especiais e seus direitos, e esse fato demonstra que a educação especial passou a ser
uma questão cada vez mais discutida, ao longo dos anos. Ainda, é importante salientar
que o caminho percorrido pela legislação, no tocante à educação dos especiais, vai
culminar no processo de integração destes à sociedade. Atualmente, principalmente,
após a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996, mencionada
anteriormente, a integração das pessoas com necessidades especiais deve começar na
escola, sendo que estes devem ser, preferencialmente, atendidos na rede regular de
ensino.
Embora seja positivo o fato da crescente discussão acerca da educação e
inclusão das pessoas com necessidades especiais, mesmo considerando-se o longo
tempo que levou para que isso acontecesse, não se pode negar que muito ainda
precisa ser feito para que a educação e a inclusão deixem de ser apenas ideais ou
segmentos da legislação. É preciso muito engajamento de todas as partes envolvidas
para que esse direito se concretize na vida das pessoas especiais.
28
3 DIFERENTES CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM E PRÁTICA DE LEITURA E
ESCRITA
A educação dos surdos foi sempre marcada pelas representações dos ouvintes
acerca da surdez e dos surdos e, assim, sempre muito influenciada pelos mecanismos
de poder e conhecimento daqueles. Nesse sentido, pensando-se nas práticas
pedagógicas para os surdos, é interessante observar que, além de ter focalizado, por
muito tempo, a aquisição da oralidade como seu maior objetivo, a educação dos surdos
também compartilhou da mesma concepção de língua adotada na educação comum,
concepção que enfatiza a importância da oralidade na aprendizagem da leitura e da
escrita.
Embora, atualmente, pareça equivocado centrar a aprendizagem no que falta ao
aprendiz, foi assim que a educação de surdos se deu por um longo período, valorizando
exatamente o que lhe faltava: a audição.
Segundo Pereira (2000), a literatura lingüística refere duas concepções mais
comuns de linguagem/língua: a concepção de linguagem como instrumento de
comunicação e a concepção de linguagem como atividade discursiva.
Discorrendo sobre a comunicação humana, Barros (2004) comenta sobre as
várias concepções de linguagem, desde o século XIX até os dias de hoje. A autora
destaca as diferenças entre o modelo linear e o modelo circular da comunicação.
O modelo linear corresponde aos modelos da teoria da informação, que são
considerados essencialmente lineares, por entenderem a linguagem como um
instrumento de comunicação, por meio do qual um emissor comunica a um receptor
uma mensagem, sendo a transmissão de informações a principal função da linguagem.
Nesta concepção, a língua é vista como um código regido pelo sistema de formas
fonéticas, gramaticais e lexicais. Toda a reciprocidade característica da comunicação
humana é desconsiderada, pois a língua se encontra fora do fluxo da comunicação
verbal. Este modelo representa a concepção de linguagem como instrumento de
comunicação, abordado por Pereira (2000), conforme foi citado acima.
29
Ainda conforme Barros (2004), o modelo circular da comunicação surge, nos
Estados Unidos, a partir de 1950, principalmente, com B. Bateson, E. Hall, e E.
Goffman, enfatizando as noções de base de retroação e realimentação na
comunicação, ou seja, a reciprocidade característica da comunicação humana.
Conforme esse modelo, a comunicação deve, então, ser considerada como um sistema
interacional, em que não importam apenas os efeitos da comunicação sobre o receptor,
mas também os efeitos que a reação do receptor produz sobre o emissor.
O modelo circular da comunicação representa uma considerável mudança no
modo de se conceber a linguagem, porém, segundo Barros (2004), o russo M. Bakhtin
é considerado como o pioneiro nos estudos da interação, mostrando que a interação
verbal é a realidade fundamental da linguagem. Nesse sentido, a linguagem é
concebida como atividade, como lugar de interação humana, sendo que nesse
processo de produção de discursos, os interlocutores, considerados como sujeitos
históricos e ideológicos, vão se modificando e se construindo. A mensagem - termo
utilizado na teoria da informação – considerada no modelo linear, prioritariamente, no
plano expressivo, como um código a ser decodificado pelo receptor, passa a se
denominar discurso ou texto, possuindo, então, duas faces: a da “expressão ou dos
significantes” e a do “conteúdo ou dos significados”.
Pereira (2000) ressalta que a adoção de uma ou de outra concepção de
linguagem tem implicações na prática educativa, tanto com alunos ouvintes como com
alunos surdos.
Até o final da década de 80, a concepção predominante nas escolas era a de
linguagem como instrumento de comunicação, que corresponde ao modelo linear citado
acima. Dentro dessa concepção de ensino que valoriza a relação fonema-grafema,
segue-se uma ordem de complexidade estabelecida hierarquicamente, ou seja,
ensinam-se letras, que formarão sílabas que, por sua vez, formarão palavras, as quais,
posteriormente, formarão textos. O texto é considerado simples produto da codificação
de um emissor a ser decodificado pelo leitor ou ouvinte que, para tanto, precisa apenas
conhecer o código (KOCH, 2001).
Assim, durante muito tempo, tanto os surdos quanto os ouvintes foram ensinados
nessa seqüenciação ‘aditiva’. Ambos foram submetidos a um trabalho que valorizava a
30
simples decodificação das palavras para se chegar ao sentido do texto, como se este
fosse apenas um conjunto de palavras, cujo sentido resultasse da soma do significado
isolado de cada palavra (CORACINI, 2002). Estes alunos também foram levados a
decorar as regras do funcionamento da língua, sendo que, no caso dos surdos, o
31
todo. Esse fato confirma as palavras de Góes (1999, p. 24) de que os próprios surdos
acabam por incorporar a noção de que “aprender português é aprender palavras (itens
lexicais)”, o que faz com que o aluno conceba o texto como um conjunto de palavras
que devem ser decodificadas, uma após a outra.
Conforme já foi citado, a concepção da escrita como transcrição de unidades
sonoras, adotada na educação dos ouvintes, também fez parte da educação dos
surdos. Foucambert (1994, 1998) faz críticas a essa concepção e a toma, inclusive
como um entrave na aprendizagem da leitura. O autor cita um trecho de “A razão
gráfica”, de Jack Goody, em que este fala sobre a escrita como o instrumento de um
pensamento reflexivo, completamente diferente do que seria uma simples transcrição
do oral:
A semiótica da escrita não é um desdobramento material da semiótica da
fala. [...] Saussure insistia na linearidade da linguagem falada
(‘significante, sendo de natureza auditiva, desenvolve-se no tempo’), o
que o levava a ignorar o uso específico que a dimensão espacial e visual
da escrita cria para escapar das restrições da sucessão temporal.
(FOUCAMBERT, 1998, p. 47).
Foucambert considera a leitura como a exploração da escrita de uma maneira
não linear e aponta que tal exploração não é possível quando se privilegia a passagem
pelo oral (FOUCAMBERT, 1994, p. 6). Se conceber a escrita como mera transcrição da
oralidade pode prejudicar o desenvolvimento e a prática de leitura dos ouvintes, que
dirá dos surdos, que também foram submetidos a um trabalho que adotou essa mesma
concepção. Certamente, devido a essa insistência em se relacionar a escrita com a
oralidade, a leitura e a escrita passaram a ser processos muito desprazerosos e
frustrantes para muitas crianças surdas (FERNANDES, 1999).
No Brasil, a partir do final da década de 80, algumas autoras, como Mary Kato
(1986), Leda Tfouni (1995), Ângela Kleiman (1995) e Magda Soares (1995, 2002,
2003), entre outros, introduzem o termo letramento ou alfabetismo, cujo conceito vai
além da alfabetização ou apropriação da tecnologia da escrita, correspondendo,
outrossim, ao uso efetivo dessa tecnologia em práticas sociais que a envolvem.
Conforme Soares (2003), pode-se definir alfabetização como o processo de
aquisição do conjunto de técnicas necessárias para a prática da leitura e da escrita, que
vão desde habilidades de uso de instrumentos, como lápis, caneta, borracha, até
32
habilidades de codificação de fonemas em grafemas e de decodificação de grafemas
em fonemas.
Por outro lado, as habilidades que estão envolvidas no processo de letramento
correspondem às práticas sociais de leitura e escrita, como por exemplo, a capacidade
de ler ou escrever para atingir diversos objetivos, já que, segundo Britto (2003),
pertencer à cultura escrita significa mais que possuir a soma dos conhecimentos e
capacidades individuais no uso da leitura e da escrita.
Porém, salvo exceções, as práticas didáticas de leitura na escola tem
desenvolvido apenas uma pequena parcela das capacidades envolvidas nas práticas
letradas exigidas pela sociedade. De acordo com Rojo (2004), geralmente, as práticas
de leitura na escola são lineares e literais, objetivando, principalmente a localização de
informação em textos e a sua repetição ou cópia em respostas de questionários. Em
contrapartida, a referida autora ressalta a importância de se considerar inúmeras outras
capacidades envolvidas na leitura:
A leitura passa, primeiro, a ser enfocada não apenas como um ato de
decodificação, de transposição de um código (escrito) a outro (oral), mas
como um ato de cognição, de compreensão, que envolve conhecimento
de mundo, conhecimento de práticas sociais e conhecimentos lingüísticos
muito além dos fonemas. (ROJO, 2004, p. 3, grifo da autora).
Realmente, nos últimos 50 anos, diversos estudos e pesquisas vêm destacando
outras habilidades envolvidas na leitura, além da decodificação. Pereira e Karnopp
(2003) ressaltam que, segundo pesquisas recentes sobre a compreensão de leitura de
alunos surdos, a prática baseada na concepção de leitura como atribuição de sentido
tem trazido mudanças significativas, tanto na relação com a leitura quanto no
desempenho desses alunos. Portanto, tanto o aluno surdo quanto o ouvinte devem
contar com esse conjunto de conhecimentos para que possam incorporar as práticas de
leitura e escrita, adquirir competência para utilizá-las, envolvendo-se com as práticas
sociais da linguagem escrita.
Com relação à aprendizagem da escrita, é interessante salientar que a
concepção de escrita como transcrição da oralidade levou os profissionais envolvidos
com a educação de surdos a investirem em um treinamento auditivo e de fala, conforme
o já exposto no capítulo anterior do presente trabalho. Segundo Pereira (SÃO PAULO,
2005, p.59), visando ao estabelecimento da relação fonema-grafema, treinavam-se os
33
fonemas, as sílabas e os vocábulos que seriam, posteriormente, trabalhados na escrita.
Também é importante ressaltar que, até recentemente, os vocábulos e as estruturas
frasais trabalhados pelos professores eram escolhidos por eles, obedecendo-se um
critério que segue do mais simples para o mais complexo. Mesmo os textos trazidos
para as salas de aula eram controlados sintaticamente, sendo criados e escritos de
acordo com o grau de dificuldade desejado ou simplificados para a leitura dos surdos.
Como resultado desse trabalho, os surdos passam a usar frases estereotipadas,
pois embora consigam utilizar as palavras e as frases trabalhadas, não conseguem
fazer uso da língua, de maneira efetiva, acabando por empregá-las
inconvenientemente, em situações erradas.
Ainda conforme Pereira (SÃO PAULO, 2005), no final dos anos 80,
principalmente por influência das idéias de Vigotski (1989, 1995, 2001) e Bakhtin (1986;
1992), a linguagem passa, então, a ser concebida como lugar de interação humana, de
interlocução, entendida como espaço de produção de linguagem e de constituição de
sujeitos. De acordo com essa concepção, a língua não é dada ao sujeito como um
sistema pronto de que ele precisa se apropriar para, depois, usar. Ao contrário, o sujeito
se apropria enquanto a usa, pois a língua é construída na própria atividade de
linguagem.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa da Educação
Básica, de 1997, enfatizam que:
se o objetivo principal do professor é melhorar o uso da Língua
Portuguesa pelos alunos, as situações didáticas devem centrar-se na
reflexão sobre a língua em situações de produção e interpretação e não
em atividades complementares desvinculadas do uso. (BRASIL, 1997, p.
13).
Apesar das influências dos estudos de Vigotski e Bakhtin e do fato de que os
Parâmetros Curriculares Nacionais estão priorizando um ensino centrado no uso,
embora estes não estejam fundamentados em um
34
de compreender a escrita do outro e de se fazer compreender por ele (MARTINS,
1998).
Geraldi (1993) considera a importância do professor ensinar sobre os aspectos
sistemáticos da língua. Contudo, o autor coloca que o professor deve privilegiar a
compreensão do aluno em relação ao fenômeno lingüístico em estudo e não o domínio
das terminologias. Especialmente, neste momento, em que alunos com necessidades
especiais estão sendo inseridos no ensino regular, os professores podem procurar
meios de tornar o seu ensino o mais significativo possível, buscando que a
compreensão e a aprendizagem não sejam privilégio de poucos, mas, ao contrário,
estejam ao alcance de todos.
Nesse sentido, os estudos de Vigotski e Bakhtin apontam caminhos importantes
que devem ser considerados nesse processo de inclusão escolar, a fim de que se
possa promover uma aprendizagem inclusiva, especialmente de leitura e escrita, na
sala de aula.
35
4 VIGOTSKI E BAKHTIN: CAMINHOS PARA UMA PRÁTICA INCLUSIVA DE
LEITURA E ESCRITA NA ESCOLA
A concepção histórico-cultural, abordada por L. S. Vigotski (1989, 1995, 2001) e
o sócio-interacionismo de M. Bakhtin (1986, 1992) podem contribuir para uma
reorientação da prática pedagógica e, conseqüentemente, para concretizar o ideal de
36
representam pontos importantes que serão discorridos, a seguir, a fim de que se possa
elucidar a importância dos estudos de Vigotski e Bakhtin para a prática pedagógica,
especialmente, em salas de aula que fazem parte do processo de inclusão escolar.
4.1 O homem como ser sócio-histórico-cultural
Para Vigotski e Bakhtin, o homem é um produto pessoal de seu tempo, dos feitos
que ocorrem e o influenciam, da forma com que ele os vivencia, os interpreta e os
concebe. As condições históricas e sociais determinam a formação do homem e o
transformam, ao mesmo tempo em que este contribui ativamente para que tais
condições se mantenham ou se transformem.
Assim, o homem é um produto de suas experiências e de suas concepções do
mundo, da sociedade e de si próprio, as quais vão se formando ao longo de toda a sua
vida.
O desenvolvimento psicológico humano é essencialmente um
desenvolvimento histórico-cultural, único e irrepetível para cada ser
humano e produto das vivências pessoais que o contexto social e cultural
produzem nos que vivem, mediado por seus conteúdos psicológicos já
formados. (BEATÓN, 2005, p. 55, tradução nossa).
Segundo a lei geral das Funções Psíquicas Superiores (FPS) de Vigotski, estas
se desenvolvem em dois planos consecutivos: o plano social, que corresponde ao
processo interpsicológico, e o plano individual que, por sua vez, corresponde ao
processo intrapessoal. Segundo o autor, “a natureza psíquica do homem vem a ser um
conjunto de relações sociais transladadas ao interior e convertidas em funções da
personalidade e em formas de sua estrutura”. (VIGOTSKI, 1995, p.151, tradução
nossa). Todas as funções psicológicas se originam como relações entre seres
humanos. De acordo com Baquero:
[...] o sujeito parece se formar na apropriação gradual de instrumentos
culturais e na interiorização progressiva de operações psicológicas
constituídas inicialmente na vida social, isto é, no plano interpsicológico;
mas, reciprocamente, a cultura se “apropria” do sujeito na medida em que
o forma. (BAQUERO, 2001, p. 32).
37
Conforme as conclusões de Vigotski, a fala egocêntrica não é um processo
involutivo, mas, sim, evolutivo, que vai culminar em linguagem interior. De acordo com o
autor, a fala egocêntrica ou fala auto-orientada vai se distingüindo funcional e
estruturalmente da fala para o outro e não desaparece, mas transforma-se em fala
interior. Assim, tem sua origem nas relações com o outro, servindo apenas para o
contato social e a descarga emocional, e passa a constituir as relações da criança
consigo própria, assumindo a função de organizadora do comportamento individual,
passando a permitir que a criança tome sua própria atividade como objeto de atenção.
A linguagem interior é um “plano individual específico de pensamento verbal, que
medeia a relação dinâmica entre pensamento e palavra.” (VIGOTSKI, 2001, p. 473).
De acordo com Montoya (1995), a linguagem interior é:
[...] resultado de um processo de mudanças estruturais e funcionais que
levam as estruturas da fala, previamente aprendidas pela criança, a se
converterem nas estruturas básicas de seu pensamento. Assim, as
estruturas lingüísticas previamente dominadas seriam as que determinam
a natureza específica das funções psicológicas superiores. (MONTOYA,
1995, p. 30)
Vigotski ressalta a importância da experiência sócio-cultural da criança no
desenvolvimento de seu pensamento e da linguagem: “[...] basicamente, o
desenvolvimento da linguagem interior depende de fatores externos [...]. O
desenvolvimento do pensamento da criança depende de seu domínio dos meios sociais
do pensamento, isto é, da linguagem.” (VIGOTSKI, 2001, p. 149). Porém, o
desenvolvimento da linguagem interior não é a simples continuação direta do
pensamento pré-verbal da criança de tenra idade. Pelo contrário, de acordo com o
autor, a natureza do pensamento pré-verbal, fase na qual as ações obedecem a leis
biológicas e mecânicas, não continua e nem influencia as construções futuras, sendo,
na verdade, “submetido à ação de uma fonte superior mediante a função instrumental
do signo e dos elementos sócio-culturais [...]. A natureza do próprio desenvolvimento se
transforma, do biológico para o sócio-histórico.” (MONTOYA, 1995, p. 30).
A partir dessas conclusões, o autor ressalta que o caminho real do
desenvolvimento da criança não é a socialização gradual, mas a individualização
gradual que surge com base na sociabilidade interior da criança. Assim, a
38
aprendizagem começa no nível interpessoal, ou seja, coletivamente, e deve culminar no
nível intrapessoal, em que ocorre a internalização.
Vigotski acentua o papel do adulto (professor, pai, mãe, etc.) e dos colegas mais
avançados como importantes interlocutores que possibilitam que o aluno passe de uma
experiência social a uma experiência pessoal sintética e unificadora (FREITAS, 1994).
A esse respeito, é importante ressaltar o que Vigotski denominou como Zona de
Desenvolvimento Imediato (ZDI), por muito tempo já conhecida como Zona de
Desenvolvimento Proximal, termo que chegou ao Brasil com a tradução em Inglês de
seu livro “Pensamento e linguagem”, e que depois foi reconsiderado por Paulo Bezerra,
em sua tradução integral e direta do texto russo (VIGOTSKI, 2001).
Vigotski rejeita a noção de desenvolvimento humano como processo de
construção individual, incluindo, nesse aspecto, as funções psicológicas emergentes,
que se constroem nas relações interpessoais. Assim, a Zona de Desenvolvimento
Imediato (ZDI) corresponde a um espaço aberto pelo processo de aprendizagem, em
que o aluno consegue resolver mais facilmente certas atividades, em colaboração com
outra pessoa mais experiente. Considerando as relações sociais como fator
determinante no desenvolvimento do indivíduo, o autor destaca a importância de não se
levar em conta apenas as funções já maduras nas crianças, mas também, e de maneira
especial, aquelas que ainda estão em processo de maturação. Segundo as próprias
palavras do autor: “a zona de desenvolvimento imediato tem, para a dinâmica do
desenvolvimento intelectual e do aproveitamento, mais importância que o nível atual do
desenvolvimento dessas crianças.” (VIGOTSKI, 2001, p. 327).
Ainda, conforme o autor: “Em colaboração, a criança se revela mais forte e mais
inteligente que trabalhando sozinha, projeta-se ao nível das dificuldades intelectuais
que ela resolve [...]” (VIGOTSKI, 2001, p. 329). Porém, existem alguns aspectos que
precisam ser bem esclarecidos quanto a esse assunto. Um deles corresponde à
diferença que o autor coloca entre a imitação intelectual consciente e a cópia
automática. Ou seja, as atividades devem partir do que a criança é capaz de fazer com
a ajuda de outras e sua participação deve ser racional e consciente.
Baseando-se no conceito de apropriação, de Leontiev (1964, p. 172), cujo
processo corresponde à “reprodução das aptidões e propriedades do indivíduo, das
39
propriedades e aptidões historicamente formadas pela espécie humana, incluindo a
aptidão para compreender e utilizar a linguagem”, Baquero afirma que tal processo, por
ser ativo, necessita da participação do sujeito em atividades sociais, em situações de
atividade conjunta para que ocorra (BAQUERO, 1998).
Vigotski aponta que ensinar a uma criança o que ela não é capaz de aprender é
tão estéril quanto ensiná-la a fazer o que ela já sabe fazer sozinha.” (VIGOTSKI, 2001,
p. 337). Por isso, é importante que o professor conheça as potencialidades de seus
alunos e não apenas o seu nível atual de desenvolvimento, para que possa incidir sobre
a sua ZDI, proporcionando situações de aprendizagem ao interagir com eles e ao
possibilitar interações entre eles. Neste último caso, um bom exemplo são as atividades
em grupos, que devem ser bem estruturadas, de forma que o aluno menos experiente
também possa participar, mesmo que tal participação seja, inicialmente, sobre alguns
aspectos da atividade como um todo.
Pesquisas desenvolvidas no Brasil e no exterior indicam que um número
significativo de alunos surdos apresenta competência para aspectos acadêmicos muito
aquém do desempenho de alunos ouvintes, apesar de suas capacidades cognitivas
iniciais serem semelhantes (CAPELLINI; MENDES; SALGADO, 2006; COLL;
PALACIOS; MARCHESI, 2004; LEÃO; COSTA, 2005; MELLO, 2007; entre outras).
Tendo em vista o acima exposto, atividades em dupla ou em grupos heterogêneos
podem se tornar uma excelente estratégia para o desenvolvimento de alunos surdos,
no processo de inclusão escolar. Porém, faz-se necessário que sejam bem estruturadas
e que o professor esteja atento ao tipo de ajuda recebida pelo aluno surdo, tanto de sua
parte como da parte dos colegas, para que estes não se habituem a dar respostas
prontas das atividades pedidas em aula ou até a fazê-las por eles, impedindo, assim, a
aprendizagem e o desenvolvimento do aluno.
Baquero também retoma o dispositivo de suporte, originalmente formulado por
D. J. Woods, J. S. Brunner e G. Ross em 1976, como um elemento importante em
relação às características que o sistema de interação deveria reunir para promover o
desenvolvimento da ZDI. Segundo Baquero, “a idéia de suporte se refere, portanto, ao
fato de que a atividade se resolve ‘colaborativamente’, tendo no início um controle
40
maior dela, ou quase total, o sujeito especializado, mas delegando-o gradualmente ao
novato” (BAQUERO, 1998, p. 104).
A amplitude da zona também aumenta ou diminui, em função do estímulo
recebido e da qualidade deste, portanto, o novo desenvolvimento real
estará também influindo na formação da amplitude da zona de
desenvolvimento próximo. (BEATÓN, 2005, p. 233, tradução nossa).
Segundo Beatón (2005), existem diferentes níveis de ajuda que vão desde uma
simples atitude do professor para lembrar o aluno sobre o objetivo de uma tarefa a ser
realizada, até uma explicação mais detalhada de como se faz a tarefa, por exemplo. O
autor afirma que a ajuda tem de ser correspondente à possibilidade que o aluno tem de
trabalhar independentemente.
Em qualquer sala de aula e, principalmente em uma sala de aula “inclusiva”,
existem diferentes alunos, com diferentes níveis de desenvolvimento real ou atual, bem
como diferentes amplitudes de ZDI, ou seja, alunos em diferentes níveis de
aprendizagem, com diferentes conhecimentos e habilidades, e por isso, é importante
que o professor conheça tais diferenças e as considere em seu trabalho pedagógico,
para que este tenha êxito.
Incidir sobre a ZDI é conhecer as diferentes habilidades e conhecimentos dos
alunos, propondo atividades que tenham como base o que o aluno já conhece, mas que
demandem a construção de novos conhecimentos. Quando o professor de Língua
Portuguesa inicia um trabalho sobre algum aspecto formal da língua, interagindo com
seus alunos, a partir de textos produzidos por eles, por exemplo, e não com a mera
exposição da teoria sobre aquela determinada norma lingüística, totalmente
desvinculada de seu uso, ele está certamente proporcionando um ensino-aprendizagem
mais significativo, que parte de uma experiência do aluno com a língua, sua produção
escrita, que também deve ter sido realizada em um contexto significativo, com um tema
relacionado à sua vida, interesses ou necessidades. Conforme afirma Beatón:
O caráter de utilidade ou inutilidade de um conhecimento não provém da
ênfase dada a ele pelos pais, mães, os professores e os adultos em
geral, mas sim pelo valor que tenha para os alunos [...] em termos
histórico-culturais, que chegue a possuir um sentido e um significado para
o sujeito, tenha sido vivenciado positivamente. [...] Assim, aqueles
conhecimentos cuja utilidade é desconhecida por quem os possui, não
têm um sentido para o sujeito, não têm produzido vivências positivas, são
rapidamente varridos da memória de sua atividade cognitiva. (BEATÓN,
2005, p. 254).
41
Como já foi citado, propiciar atividades em grupos que tenham um certo grau de
heterogeneidade, ou seja, unir alunos com níveis diferentes de um mesmo
conhecimento que se tenha como objetivo desenvolver, também é uma importante
estratégia para se trabalhar sobre a ZDI dos alunos, permitindo uma interação que pode
resultar em ganhos para todos eles. Aos menos experientes que aprendem com os
mais experientes, e aos mais experientes que, ao ensinarem àqueles, têm a
possibilidade de refletir sobre o seu conhecimento e desenvolvê-lo ainda mais. Porém,
não se pode esquecer, como também já foi exposto, de que se deve sempre considerar
os níveis de ajuda apontados por Beatón (2005) para que o ensino-aprendizagem não
se dê como um processo estéril, conforme Vigotski (2001). Portanto, a diferença entre
os níveis de conhecimento dos alunos não deve ser tão pequena que não permita uma
interação produtiva, mas também não deve ser tão grande, de forma que os menos
experientes não consigam participar de nenhum aspecto da atividade proposta,
vivenciando uma situação que não possibilite a sua aprendizagem e desenvolvimento.
Contudo, o que se nota na grande maioria das salas de aula, é um trabalho
homogêneo, baseado em aulas expositivas, por meio das quais, há uma apresentação
homogênea dos conteúdos, supondo-se que toda a classe apropriou-se destes,
independentemente de suas diferenças, que não costumam ser relevadas. A questão
de que existem diferenças individuais já é fato notório, há muito tempo, especialmente
para os que estão envolvidos com Educação, porém, salvo exceções, tais diferenças
não têm sido trabalhadas nas salas de aula, principalmente porque estas costumam ser
encaradas como obstáculo para o desenvolvimento, quando na verdade, servem para
indicar como o aluno deve ser estimulado e com que níveis de ajuda se deve começar e
a que níveis chegar, para que se alcance uma maior autonomia e independência no
desenvolvimento do aluno, conforme Beatón (2005).
Beatón (2005) afirma que o ensino-aprendizagem é um processo de interação
entre o professor e o aluno, sendo que àquele cabe organizar e dirigir esse processo,
de tal maneira que o aluno tenha uma participação ativa no processo de construção de
conhecimento. Contudo, deve-se mais uma vez ressaltar que, para que o professor seja
capaz de organizar e dirigir o processo ensino-aprendizagem eficientemente, é
necessário que ele conheça o desenvolvimento anterior e atual do aluno, ou seja, as
42
experiências vivenciadas e o conhecimento acumulado, para que possa atuar em sua
ZDI, propiciando sua aprendizagem e, conseqüentemente, seu desenvolvimento, pois o
enfoque histórico-cultural não identifica desenvolvimento com aprendizagem e ensino,
mas define que estes é que promovem o desenvolvimento, sendo que ambos não se
dão na mesma condição e nem mesmo no mesmo momento, embora sejam processos
estreitamente relacionados (BEATÓN, 2005).
A partir do que postulam Vigotski e Bakhtin, o aluno deve ser considerado como
um ser histórico, que pertence a uma sociedade, a um grupo social, a uma cultura. É
importante que ele seja compreendido, em suas diferenças e peculiaridades, já que o
conhecimento que ele traz consigo está relacionado com as oportunidades e condições
que o meio social lhe permitiram.
A respeito do processo de inclusão de alunos surdos no sistema regular de
ensino, Silva (2001) ressalta que este não deve ser norteado pela igualdade em relação
aos ouvintes, mas pelas diferenças sócio-histórico-culturais que existem entre ambos.
Com relação aos surdos, é importante destacar que estes convivem em
comunidades de surdos e de ouvintes e, por isso, o bilingüismo e o biculturalismo estão
presentes em sua identidade.
O surdo que utiliza a Língua de Sinais para se comunicar deve ser considerado
bilíngüe, porque, nesse caso, a LIBRAS é considerada como sua primeira língua,
sendo a Língua Portuguesa, a segunda. A percepção sensorial do surdo é
essencialmente visual e, por isso, seu acesso à modalidade oral do português é restrito
ou inexistente. Conseqüentemente, o surdo tende a apresentar um domínio restrito
sobre a Língua Portuguesa. O conhecimento sobre esse fato é de extrema importância,
especialmente, para que o professor possa compreender e atribuir sentido às
produções escritas de seus alunos surdos, as quais envolverão alternâncias e
justaposições de ambas as línguas, especialmente da de sinais, já que esta assume um
caráter mediador e de apoio para a produção escrita, mesmo não possuindo registro
escrito.
Baseando-se em Vigotski, Góes (1999) afirma que a oportunidade de
incorporação de uma Língua de Sinais, pelo surdo e, principalmente, nas situações de
surdez congênita ou precoce em que há maiores problemas com relação ao acesso à
43
linguagem falada, é extremamente necessária, para que o surdo tenha condições mais
propícias a expandir suas relações interpessoais, visto que destas dependem o
funcionamento nas esferas cognitiva e afetiva e a construção de sua subjetividade.
Apoiando-se, ainda, nas discussões de Vigotski sobre pensamento e linguagem, a
autora ressalta:
[...] o que importa é o uso efetivo de signos, de quaisquer formas de
realização, que possam assumir papel correspondente ao da fala. A
linguagem não está necessariamente ligada ao som, pois não é
encontrada somente nas formas vocais. (GÓES, 1999, p. 36).
A condição bicultural do surdo também está ligada ao seu desenvolvimento com
as duas comunidades, de ouvintes e de surdos, e com as línguas oral e gestual que
essas comunidades utilizam, respectivamente. Góes comenta que:
[...] análises relativas à condição bilíngüe do surdo tem recentemente
orientado as atenções para a sua experiência cultural peculiar [...]
Embora possam ocorrer separadamente, esses dois fenômenos se
entrelaçam, no caso da surdez, pela vinculação de considerações sobre
língua e identidade cultural, sobre participação em comunidades de
ouvintes e de surdos. (GÓES, 1999, p. 44).
Essas colocações sobre a identidade dos surdos e, especificamente, sobre o
inevitável vínculo entre língua e identidade cultural, apontam para a importância da
linguagem no desenvolvimento humano, como será considerado a seguir.
4.2 A linguagem e seu papel central na constituição da consciência humana
Tanto para Vigotski quanto para Bakhtin, a linguagem é que constitui o
pensamento, a consciência. Segundo Vigotski, é por meio da linguagem que o indivíduo
ingressa em uma sociedade, internaliza conhecimento e modos de ação, organiza e
estrutura seu pensamento. Bakhtin, por sua vez, afirma que sem o signo não há
consciência, enfatizando também a importância da linguagem na constituição da
subjetividade, tomando o processo de interação como o lugar produtivo da linguagem e,
ao mesmo tempo, como centro organizador e formador da atividade mental. Ambos os
44
autores não concebem a linguagem apenas como instrumento de comunicação, mas
como uma função reguladora do pensamento.
Para Vigotski, o pensamento e a linguagem são dois processos que se
entrecruzam a partir de certo momento de desenvolvimento e se relacionam de forma
dialética, numa relação de constituição recíproca (VIGOTSKI, 2001).
A fala da criança se desenvolve no plano das interações sociais e, ao ser
internalizada, participa da organização das ações sobre os objetos, da
construção do plano de funcionamento interno e das transformações dos
processos mentais (GÓES, 1999, p.30).
Segundo Vigotski, no desenvolvimento ontogenético, o pensamento e a fala têm
raízes diferentes. Pode-se constatar no desenvolvimento da fala da criança um estágio
pré-intelectual e no desenvolvimento de seu pensamento um estágio pré-verbal
(VIGOTSKI, 2001, p. 133). Nessa fase, tanto o desenvolvimento da fala quanto o do
pensamento seguem diferentes linhas, dão-se independentes um do outro.
Então, por volta de dois anos de idade, as curvas da evolução do pensamento e
da fala, até então separadas, cruzam-se para iniciar uma nova forma de
comportamento. A curiosidade ativa e repentina pelas palavras e a conseqüente e
rápida ampliação de seu vocabulário são indícios desse momento crucial em que o
pensamento se torna intelectual (VIGOTSKI, 2001). Conforme Montoya (1995, p. 27-
28), “a fala, que num primeiro momento serve à função afetiva e de contato [...] num
segundo momento adquire uma função intelectual.”
O desenvolvimento cultural só pode constituir-se na linguagem, a qual é
concebida como instância de significação na relação do homem com as coisas, com
outros homens e consigo próprio.
Em relação aos surdos, embora, inicialmente, tenha se apresentado favorável à
oralização, Vigotski acabou avançando no sentido de considerar a mica, termo que
ele utilizava ao se referir à linguagem de sinais da época, atualmente denominada
Língua de Sinais, como elemento fundamental para o desenvolvimento lingüístico e
cognitivo dos mesmos, além de mediadora na aprendizagem. Para o autor, a Língua de
Sinais, ou seja, os gestos ou sinais criados pelo surdo para sua comunicação
representam a solução para que os surdos possam comunicar-se de maneira efetiva, o
que o mesmo não notava no caso de surdos treinados na linguagem oral:
45
[...] a mímica é uma linguagem verdadeira cheia de riquezas e de
importância funcional, e a pronúncia oral das palavras, formadas
artificialmente, está desprovida da riqueza vital e é só uma cópia sem
vida da linguagem viva. (VYGOTSKY, 1989, p. 190).
Conforme já foi mencionado, por muito tempo, a primeira medida tomada em
relação à educação dos surdos foi a oralização. Por melhor que seja o trabalho de
oralização, não se pode dizer que, nesse processo, o surdo esteja penetrando na
corrente da comunicação, pois o seu contato com a língua não se dá de maneira
natural e espontânea.
Segundo Bakhtin e Vigotski, os indivíduos não recebem a língua pronta para ser
usada. Eles a assimilam de forma inconsciente e não intencional, utilizando-a
progressivamente e, assim, vão penetrando e mergulhando na corrente da
comunicação verbal, de modo que sua consciência vai sendo formada e vai adquirindo
seu conteúdo (BAKHTIN, 1986; VIGOTSKI, 2001). É dessa maneira que o surdo
adquire a Língua de Sinais, quando lhe é possibilitado o convívio com pessoas que a
utilizam.
Como já foi apontado anteriormente, a LIBRAS, já legalmente afirmada como
língua oficial da comunidade surda brasileira, segundo a Lei federal nº 10.436, de 24 de
abril de 2002, é reconhecida como a língua materna dos surdos. Porém, vale ressaltar
que ainda existem surdos que não a utilizam para se comunicar, provavelmente, por
conta da oposição à, então, Linguagem Brasileira de Sinais, durante o período em que
a oralização foi adotada como método educacional do surdo (SOARES, 1999).
Conforme foi ressaltado no segundo capítulo do presente trabalho, mesmo as
propostas que sucederam o oralismo, como a comunicação total e o bimodalismo,
embora considerassem a importância dos sinais no ensino aos surdos, não
proporcionaram uma comunicação em LIBRAS na sala de aula, utilizando, na verdade,
vários outros sistemas de comunicação criados pelos próprios professores ouvintes,
baseados na estrutura da Língua Portuguesa, para que esta fosse ensinada aos
surdos.
Contudo, como Vigotski, outros pesquisadores têm destacado a importância do
uso da LIBRAS pelo surdo, entre os quais, Ferreira-Brito (1993), Góes (1999), Lulkin
(1998), Martins (1998), Quadros (1997), Silva (2001) e Skliar (2001). É por meio dela
46
que o surdo se integra em uma comunicação efetiva, por meio da qual acontece o
despertar e a formação de sua consciência, o desenvolvimento de suas funções
cognitivas.
Quadros afirma que as Línguas de Sinais são:
[...] naturais internamente e externamente, pois refletem a capacidade
psicobiológica humana para a linguagem e porque surgiram da mesma
forma que as línguas orais – da necessidade específica e natural dos
seres humanos de usarem um sistema lingüístico para expressarem
idéias, sentimentos e ações. (QUADROS, 1997, p. 47).
A autora ressalta que as Línguas de Sinais são sistemas lingüísticos passados
de geração em geração de pessoas surdas e, como as demais línguas naturais, vão se
transformando com o passar do tempo.
Em relação às diferenças entre línguas orais-auditivas e línguas vísuo-espaciais,
é interessante destacar :
[...] que os universais lingüísticos encontrados nas línguas orais são
também identificados nas línguas de sinais, a que se associam
características sóciolingüísticas e funções pragmáticas e discursivas
semelhantes, o que vem confirmar que as línguas que utilizam a
modalidade vísuo-espacial são manifestações da faculdade de linguagem
tanto quanto as que utilizam a modalidade oral-auditiva. (SALLES et al.,
v. 1, 2004, p. 85).
Salles, Faulstich, Carvalho e Ramos (2004, v. 1) afirmam que três propriedades
se manifestam na aquisição da língua materna. A primeira é a universalidade, que
corresponde ao fato de que todas as crianças adquirem uma língua natural, em
condições normais; a segunda diz respeito à uniformidade, que está relacionada às
semelhanças no processo de aquisição, apesar das consideráveis diferenças nos
estímulos do ambiente; e, finalmente, a terceira corresponde à rapidez que, por sua
vez, define-se em comparação com a manifestação de outras habilidades como o
raciocínio com números, entre outras.
As três propriedades citadas acima demonstram, consoantemente com as idéias
de Vigotski e Bakhtin, que a apropriação da língua materna se dá de maneira natural e
não como um processo de tentativa e erro ou de imitação que, por sua vez, pode ser
observado na aquisição de uma segunda língua. Assim, a Língua de Sinais constitui a
modalidade ideal na aquisição da língua materna pelo surdo. “De fato, as
características e os estágios da aquisição da língua de sinais por surdos podem ser
47
comparados aos da aquisição da língua oral por ouvintes.” (SALLES et al., v. 1, 2004, p.
77).
Considerando que a LIBRAS é a língua materna do surdo, a Língua Portuguesa
será para ele como uma língua estrangeira, que será aprendida por intermédio da
própria Libras, a qual constitui a sua consciência lingüística. Segundo Vigotski (2001, p.
354), “O aprendizado consciente e intencional de uma língua estrangeira se apóia com
toda evidência em um determinado nível de desenvolvimento da língua materna.”
Segundo Bakhtin e Vigotski, no processo de aquisição de uma língua
estrangeira, a consciência, já formada por meio da língua materna, se confronta com
uma língua pronta, que deve ser apropriada intencionalmente (BAKHTIN, 1986;
VIGOTSKI, 2001). No entanto, como o surdo é privado do contato com a oralidade da
Língua Portuguesa, é por intermédio da linguagem escrita que sua aprendizagem se
dará e, como a Libras não possui registro escrito, é imprescindível que o surdo vivencie
situações que lhe façam compreender a função social da linguagem escrita, o seu uso,
para que ele tenha interesse em aprendê-la.
Conforme Salles, Faulstich, Carvalho e Ramos (2004, v. 1, v. 2), o letramento é
condição e ponto de partida na aquisição da Língua Portuguesa pelo surdo, sendo que
esta deve ser ensinada como segundo língua, pressupondo-se a LIBRAS como a
primeira, a qual será utilizada pelo aprendiz como apoio para o desenvolvimento da
aprendizagem e, igualmente, em suas produções escritas. Nesse sentido, convém
desenvolver estratégias de ensino que levem em consideração a situação psicossocial
do surdo e, principalmente, sua condição bilíngüe e bicultural.
Vigotski aponta que a criança pode ser alfabetizada desde que sinta a
necessidade da linguagem escrita. O autor ressalta que, na escola, não se realiza um
trabalho que leve o aluno a se conscientizar dessa necessidade de se saber ler e
escrever, que o estimule a desejar dominar a linguagem escrita. Embora Vigotski tenha
feito tais considerações há muitos anos atrás, essas se fazem bastante atuais, ao
considerarmos os problemas que a educação ainda enfrenta, atualmente, no início do
século XXI.
A crítica de Vigotski recai sobre um ensino artificial de escrita, que enfatiza o
domínio das regras ortográficas e a boa caligrafia, deixando a linguagem escrita viva a
48
um plano posterior. O autor destaca a importância de uma prática que promova a
interação do aluno com textos escritos, com o professor e com os outros alunos,
permitindo uma vivência da função social da escrita, para que, assim, o próprio aluno
compreenda a sua importância e, conseqüentemente, deseje aprendê-la e dominá-la.
Embora, nesse início do século XXI, não se note mais a existência de exercícios
de caligrafia nas escolas, a preocupação com o erro ortográfico, vocabular e gramatical
ainda tem sido central no ensino de Língua Portuguesa. O conceito de erro tem sido
discutido, já há bastante tempo, por alguns escritores e estudiosos brasileiros da língua,
como, por exemplo, Rui Barbosa (1849-1923), João Ribeiro (1921) e Mário Marroquim
(1931). Marcos Bagno (1997, 1999, 2007), entre outros, ressalta que há distância entre
o que a tradição gramatical e o ensino conservador chamam de “Língua Portuguesa”,
conjunto de regras baseadas na língua de Portugal, e a língua que os brasileiros,
realmente, utilizam.
Contudo, o que acentua ainda mais tal distância, é o modo como essas questões
normativas da língua têm sido trabalhadas, na escola. O ensino de língua tem, muitas
vezes, não apenas privilegiado as definições, as classificações, as regras normativas
como um todo, mas também tem separado essas questões da própria prática de
linguagem, como processo vivo, concreto, histórico e social.
Estudiosos como Geraldi (1993) e Jolibert (1994, v. 1, v. 2) enfatizam a
importância de ensinar a linguagem escrita, por meio de projetos pedagógicos que
envolvam assuntos do interesse dos alunos e que demandem práticas reais de leitura e
escrita, em um trabalho que evidencie a função social da linguagem escrita. Por meio
de tais práticas, pode-se refletir, de maneira mais contextualizada, sobre os aspectos
sistemáticos da língua, demonstrando a funcionalidade e importância destes no uso da
escrita.
Retomando o que já foi apontado no terceiro capítulo, referente às “diferentes
concepções de língua”, o texto passa a ser concebido como uma seqüência indefinida
de palavras e frases, e a leitura, nesse contexto, passa a ser encarada como um
processo linear de compreensão vocabular, de palavra por palavra, o que a torna
desgastante, principalmente para o aluno surdo, que possui um vocabulário mais
restrito (CORACINI, 2002; PEREIRA & KARNOPP, 2003).
49
Segundo Vigotski, a capacidade puramente mecânica de ler mais freia do que
impulsiona o desenvolvimento cultural. O autor cita a leitura de crianças com problema
mental como um claro exemplo se incompreensão do que se lê, pois se concentram em
cada palavra isolada de seu contexto e não conseguem orientar-se no sistemas de
relações do texto, seguindo para o seu sentindo.
Vigotski (1995) também comenta sobre as vantagens da leitura silenciosa sobre
a leitura em voz alta. Na primeira, os olhos fixam-se menos nas linhas, se movimentam
mais rapidamente, e retornam muito menos ao que já foi visto e, consequentemente, a
leitura torna-se muito mais rápida. Na segunda, ao contrário, a vocalização dos
símbolos visuais passa a ser uma preocupação a mais para o leitor, quando não é a
única, o que acaba atrasando e dificultando a leitura. O autor vai além, comentando
sobre uma certa relação existente entre a velocidade da leitura e a compreensão, a
qual não é, necessariamente, decorrente de uma leitura mais lenta. Pelo contrário, a
compreensão ocorre de maneira mais rápida e, por isso mais eficazmente, quando os
processos que envolvem a leitura se dão com mais rapidez. Segundo o autor, “o
símbolo visual vai se libertando cada vez mais do símbolo verbal. Se recordamos que a
idade escolar é a idade da formação da linguagem interior, torna-se evidente que meio
de percepção da linguagem interna tão poderoso temos na leitura silenciosa [...]”
(VIGOTSKI, 1995, p. 198, tradução nossa).
Pesquisadores mais contemporâneos, como Foucambert (1994, 1998) e Frank
Smith (2003), também têm enfatizado esses aspectos da leitura. Na verdade, na escola,
sempre existiu uma tendência a atribuir a qualidade de bom leitor ao aluno que
soubesse ler em voz alta, pronunciando muito bem todas as palavras, sem titubear,
desde os tempos da escolástica (MANGUEL, 1997). Dessa forma, a pronúncia era mais
valorizada do que a própria compreensão. Porém, se a leitura em voz alta pode
prejudicar a compreensão do ouvinte, que dirá do aluno surdo que, certamente,
empregará todo o seu esforço para decodificar cada fonema, provavelmente, sem muito
êxito e, o pior, sem compreender o que está apenas tentando decodificar em sons.
É certo que a leitura em voz alta é uma forma de leitura que se faz necessária
em alguns momentos e cabe à escola tornar o aluno competente em todas as suas
modalidades (em voz alta, silenciosa, para encontrar uma informação específica, para
50
um entendimento geral do texto, etc.), porém, a prática exclusiva da leitura em voz alta,
além de poder dificultar a compreensão dos alunos, acaba sendo uma forma de
exclusão dos alunos surdos.
Uma outra importante conclusão de Vigotski é que ler e escrever não é o mesmo
que realizar um hábito mecânico como vestir-se, com relações externas entre o
significante e o significado apenas, mas dominar a linguagem escrita, sendo capaz de
construir sentido ao que se lê e de expressar o próprio pensamento por meio dela.
Partindo desse pressuposto, “é preciso ensinar à criança a linguagem escrita e não a
escrever as letras”, ou seja, é preciso que o aluno vivencie a prática da escrita,
concretamente, para que possa incorporar sua função social e dominá-la (VIGOTSKI,
1995).
Com base nos estudos de Kretschmer e Kretschmer, Pereira e Karnopp
ressaltam que “os alunos surdos, como os ouvintes, aprendem a sintaxe na medida em
que se envolvem em trocas conversacionais, em escritas interativas ou em diálogos
autênticos.” (PEREIRA & KARNOPP, 2003, p. 167).
Vigotski (2001, p. 312) afirma que a escrita não é:
[...] uma simples tradução da linguagem falada para signos escritos, e a
apreensão da linguagem escrita não é uma simples apreensão da técnica
da escrita. [...] É uma linguagem de pensamento, de representação, mas
uma linguagem desprovida do traço mais substancial da fala – o som
material. (VIGOTSKI, 2001, p. 312).
Baseando-se em Delacroix (1873-1937), Vigotski critica a consideração da
escrita como uma mera representação mecânica da fala, afirmando que, na verdade, se
trata de um sistema especial de símbolos, cuja peculiaridade reside em representar, de
início, um simbolismo de segundo grau, ou seja, mais ligado à linguagem oral que,
neste primeiro momento, é a intermediária entre o símbolo escrito e o objeto
representado. Tal simbolismo pode passar, então, pouco a pouco, de segundo a
primeiro grau, transformando-se em um simbolismo direto, o que corresponde à
extinção gradual da linguagem oral como intermediária da linguagem escrita, a qual
passa a simbolizar diretamente os objetos designados, bem como suas relações
recíprocas (VIGOTSKI, 1995). No caso dos surdos, o simbolismo de segundo grau está
ligado à linguagem visual (Língua de Sinais), e não à oral.
51
O autor chama a atenção para o ensino da escrita do ponto de vista histórico e
aponta que o desenvolvimento da linguagem escrita possui uma longa e complexa
história, que se inicia antes mesmo de a criança começar a estudar a escrita na escola.
Por isso, é importante que, como já foi ressaltado, o professor conheça seu aluno e o
conhecimento que ele traz consigo, o qual será a sua base de aprendizagem e
desenvolvimento.
Segundo Bakhtin (1986), o meio social e o momento histórico determinam a
língua e são por esta refletidos, ou seja, a língua reflete e revela as características
sócio-históricas de sua comunidade.
Vigotski (2001) ressalta que a criança aprende a língua estrangeira já dominando
o sistema de significados de sua primeira língua, transferindo-o para a esfera da outra
língua. Considerando que a Língua de Sinais é a língua do surdo, suas produções
escritas, freqüentemente, apresentarão as características dessa língua que diferem das
da Língua Portuguesa em vários aspectos, como fora apontado anteriormente.
Bakhtin privilegia a “relação do signo com a realidade por ele refletida ou com o
indivíduo que o engendra” (Bakhtin, 1986, p. 83). Para ele, homem e linguagem não
são categorias estranhas uma a outra, mas, sim, produtos um do outro, e por isso,
considera o autor ou locutor de um discurso como um sujeito histórico que exprime sua
vida interior.
Dessa forma, ao se levar em conta o locutor surdo, conforme a abordagem
bakhtiniana, torna-se mais fácil construir o sentido de seu enunciado, considerando-se
que este reflete o que ele é, suas vivências e conhecimentos.
Uma das principais dificuldades que o surdo, geralmente, apresenta, em sua
produção escrita no português, é a de organizar seqüencialmente o pensamento em
cadeias coesivas, ligando palavras, orações, períodos e parágrafos. Porém, esse fato
não significa que os textos produzidos por surdos não têm coerência, pois, “embora
coesão e coerência apresentem vínculos entre si, são fenômenos com aspectos
distintos: a primeira diz respeito prioritariamente à forma, já a outra, ao aspecto
semântico-lógico. Logo, a condição básica do texto é a coerência.” (SALLES et al.,
2004, v. 2, p. 35).
52
Assim sendo, é importante que o professor valorize a coerência presente nos
textos escritos de seu aluno surdo, para que vá construindo sentido na leitura desses
textos, pois, compreendendo os enunciados do seu aluno, o professor poderá conhecer
melhor o seu nível de aprendizagem e terá maior facilidade para explicar as normas da
Língua Portuguesa de uma maneira mais significativa, ou seja, a partir das próprias
produções, para que, assim, o aluno possa progr
53
3) A partir daí, exame das formas da língua na sua interpretação
linguística habitual. (BAKHTIN, 1986, p. 124).
O autor destaca que, para se estudar as formas das enunciações, convém não
separá-las do que ele denomina de curso histórico das enunciações. Segundo Bakhtin,
cada enunciação é determinada pela situação concreta em que se realiza e por seu
auditório, ou seja, o interlocutor ou interlocutores.
Observando-se a ordem metodológica para o estudo de língua, exposta por
Bakhtin, pode-se fazer uma ligação de suas fases com as atividades lingüísticas,
epilingüísticas e metalingüísticas, respectivamente, explicitadas por Geraldi (1993).
Geraldi concebe as atividades lingüísticas como as que, “praticadas nos
processos interacionais, referem ao assunto em pauta, ‘vão de si’, permitindo a
progressão do assunto” (GERALDI, 1993, p. 20). Já, as atividades epilingúísticas,
embora também praticadas nos processos interacionais, resultam de uma reflexão que
toma os próprios recursos expressivos como seu objeto. E as atividades
metalingüísticas, por sua vez, são aquelas que tomam a própria linguagem como objeto
e, por isso, correspondem a análises sistemáticas da linguagem, construindo conceitos,
classificações, etc.
Como já foi mencionado, pode-se fazer um paralelo em que a seqüência dos
passos metodológicas de Bakhtin corresponderia, exatamente, à seqüência explicitada
por Geraldi. É interessante frisar aqui que, tanto Bakhtin como Geraldi, enfatizam as
atividades epilingüísticas como imprescindíveis para a realização das atividades
metalingüísticas. Bakhtin, por exemplo, é claro ao iniciar a descrição de seu terceiro
passo ainda referindo-se ao segundo: “A partir daí...” (BAKHTIN, 1986, p. 124), ou seja,
a partir do domínio funcional, contextualizado, das regras de uso da língua, deve-se
seguir com as atividades de metalinguagem.
Certamente, estas colocações são indispensáveis para o ensino da língua. O
aluno deve ser levado a vivenciar a função social da escrita, refletindo
“epilingüisticamente” sobre suas formas, e não apenas decorando conceitos (muitas
vezes, para um período curto de tempo, como para a realização de um teste escolar,
por exemplo), para que, assim, com base nestas reflexões primordiais, ele também
54
alcance o domínio sistemático ou metalingüístico, passando a controlar, cada vez mais
intencionalmente e deliberadamente, o uso que faz da língua.
As atividades epilingüísticas são de suma importância para o aluno surdo, para
que este compreenda o funcionamento da língua. Quando o ouvinte entra na escola,
ele já possui um conhecimento sobre a língua e seu uso, o que facilita a sua
aprendizagem, principalmente, se esse conhecimento for considerado no ensino. O
surdo, no entanto, é privado dessa relação direta com a Língua Portuguesa, de várias
informações sobre ela e também sobre o mundo.
Em seus estudos sobre o desenvolvimento dos conceitos espontâneos e
científicos, Vigotski deixa clara a importância dos conhecimentos que a criança vivencia
e adquire fora da escola (conhecimentos espontâneos) como base para os
conhecimentos que serão aprendidos dentro dela (conhecimentos científicos), e vice-
versa.
No processo de aprendizagem escolar, a criança evolui do conceito espontâneo
para o científico, troca o simples registro do fenômeno pela associação a grupos de
fenômenos e atinge o ponto fundamental da generalização, isto é, do conceito
propriamente dito, passando a ser capaz de, não apenas descrever um fenômeno, mas
de explicá-lo (VIGOTSKI, 2001).
Os conceitos espontâneos e os conceitos científicos estão interligados por
complexos e profundos vínculos internos. Os espontâneos abrem caminho para que os
científicos cresçam, pois criam “uma série de estruturas indispensáveis ao surgimento
de propriedades inferiores e elementares do conceito”. Da mesma forma, os conceitos
científicos abrem caminho para o desenvolvimento dos conceitos espontâneos,
preparando “uma série de formações estruturais indispensáveis à apreensão das
propriedades superiores do conceito” (VIGOTSKI, 2001, p. 349). Em suma, um depende
do outro para que o processo de aprendizagem se efetive. O conceito espontâneo
caminha em direção às propriedades mais superiores, à generalização, ou seja, do
objeto para o conceito, ao passo que o conceito científico caminha das propriedades
mais complexas para as mais inferiores, do conceito para o objeto, para a experiência a
que este está vinculado.
55
Nesse sentido, Vigotski aponta que “o desenvolvimento do conceito espontâneo
da criança deve atingir um determinado nível para que a criança possa apreender o
conceito científico e tomar consciência dele.” (VIGOTSKI, 2001, p. 349). Com relação
aos surdos, essa afirmação do autor implica em, pelo menos, dois pontos que devem
ser frisados ou reafirmados: a importância da Libras e a necessidade de que o
professor ensine, partindo de contextos concretos e significativos.
A Libras é indispensável para que o surdo possa compreender tudo o que está a
sua volta, para o seu desenvolvimento cognitivo e social, enfim, para que ele possa
desenvolver os conceitos espontâneos que lhe darão base para o desenvolvimento dos
conceitos científicos na escola.
O neurologista Oliver Sacks comenta sobre a importância da Língua de Sinais no
desenvolvimento do surdo:
A língua de sinais deve ser introduzida e adquirida o mais cedo possível,
senão seu desenvolvimento pode ficar permanentemente retardado e
prejudicado [...] Assim que a comunicação por sinais for aprendida, e ela
pode ser fluente aos 3 anos de idade, tudo então pode decorrer: livre
intercurso de pensamento, livre fluxo de informações, aprendizado da
leitura e escrita e, talvez, da fala. Não há indícios de que o uso da língua
de sinais iniba a aquisição da fala. De fato, provavelmente, ocorra o
inverso. (SACKS, 1998, p. 44).
O segundo ponto corresponde ao fato de que, se o surdo, como qualquer outro,
precisa atingir um certo nível de desenvolvimento dos conceitos espontâneos para
poder desenvolver os conceitos científicos, é necessário que o professor parta sempre
de um ensino contextualizado, com experiências que possam suprir a provável limitação
do aluno surdo em relação a vários conhecimentos lingüísticos e culturais, ou seja, que
o levem a atingir o nível ideal de desenvolvimento dos conceitos espontâneos, de forma
a possibilitar que os conceitos científicos se desenvolvam.
Como Vigotski, Bakhtin também faz críticas a um estudo de língua que a
considere e a apresente como um sistema homogêneo, acabado e fechado, cujas
normas, cabe ao aluno decorar. Ambos os autores concebem a linguagem, como
constitutiva e reguladora do pensamento ou consciência, enfatizando, inclusive, a
flexibilidade da língua, em que o significado das palavras não resulta de uma simples
ligação associativa entre uma forma sonora e um conteúdo concreto e estático, mas da
situação concreta em que são empregadas em um discurso, considerando-se a
56
consciência dos que nele estão envolvidos, ou seja, o sentido das palavras é construído
de maneira sócio-histórico-cultural.
4.3 O sentido como um campo mais amplo da significação
Concebendo a língua como atividade discursiva entre dois sujeitos e não como
um instrumento externo de comunicação, de transmissão de informação, Vigotski e
Bakhtin enfatizam a sua complexidade e dinamicidade.
Bakhtin (1986, p. 86) transcreve as palavras de Saussure: “A língua não é função
do sujeito falante, ela é um produto que o indivíduo registra passivamente”, e se
contrapõe a elas, afirmando que, no momento em que o locutor está construindo a sua
enunciação, a flexibilidade da língua é mais importante do que seu engessamento, ou
seja, é necessário que a forma lingüística se torne um signo adequado à situação
concreta de sua enunciação.
O autor diferencia tema e significado, sendo o primeiro referente ao sentido da
enunciação completa e determinado tanto pelas formas lingüísticas do enunciado,
consideradas como o aparato técnico do tema, como pelos elementos não-verbais da
situação. Já o significado é fundado em uma convenção e representa apenas uma
possibilidade de significar no interior de um tema concreto.
O tema corresponde a um sistema de signos dinâmico e complexo que se adapta
às condições concretas da enunciação. Nesse sentido, uma palavra representa uma
multiplicidade de significações.
Bakhtin atribui ao tema o estágio superior real da capacidade de significar de
maneira determinada. Só se apreende o tema mediante uma compreensão ativa, pois,
segundo o autor, toda palavra orienta-se para uma resposta, ou seja, solicita uma
apreensão ativa, concreta, e determina uma série de inter-relações complexas com o
compreendido, pois o discurso se produz em função do outro (MARTINS, 1998).
Nas palavras de Bakhtin:
57
A palavra está sempre carregada de um conteúdo ou de um sentido
ideológico ou vivencial. É assim que compreendemos as palavras e
somente reagimos àquelas que despertam em nós ressonâncias
ideológicas ou concernentes à vida. (BAKHTIN, 1986, P. 95).
O autor ressalta que a palavra isolada de seu contexto e aprendida por
associação com seu equivalente lingüístico, torna-se um sinal, estático e único, o que
faz com que o ato de reconhecimento acabe por adquirir um peso muito forte no
processo de compreensão, em detrimento da própria compreensão. Partindo desse
pressuposto e, tendo em vista que esse era exatamente o método mais executado no
ensino de língua aos surdos (a associação entre a palavra escrita e o seu objeto
correspondente, ou ao sinal correspondente, ou até mesmo à sua forma oralizada),
pode-se dizer que, esse trabalho realizado com os surdos resultou em uma prática de
leitura como ato de reconhecimento, e não de compreensão. É o que Pereira denomina
de compreensão vocabular, e não textual (SÃO PAULO, 2005; PEREIRA & KARNOPP,
2003).
Bakhtin aponta que um “método eficaz e correto de ensino prático exige que a
forma seja assimilada não no sistema abstrato da língua, isto é, como uma forma
sempre idêntica a si mesma, mas na estrutura concreta da enunciação, como um signo
flexível e variável” (BAKHTIN, 1986, p. 95). É o que se pode observar na ordem
metodológica proposta pelo autor, já explicitada anteriormente, em que ele ressalta que
o exame das formas da língua deve, impreterivelmente, partir de enunciações ligadas
às condições concretas em que se realizam.
Geraldi (1993) aponta que é no texto que a língua se revela em sua totalidade,
seja como conjunto de formas, seja como discurso que remete a uma relação
intersubjetiva. Para esse autor, centrar o ensino no texto é ocupar-se e preocupar-se
com o uso da língua.
Vigotski também critica as tendências que concebem o significado como imutável
e constante. Baseando-se em Paulhan (1884-1968), o autor ressalta o predomínio do
sentido sobre o significado, destacando que este é dependente da palavra, tal como é
fixada no dicionário, estando totalmente ligado a ela pelo sistema lingüístico, enquanto
que o sentido possui uma relação de maior independência da palavra, sendo, portanto,
mais dinâmico e flexível, conforme a situação contextual.
58
Conforme Vigotski (2001, p. 408), “uma vez que o significado da palavra pode
modificar-se em sua natureza interior, modifica-se também a relação do pensamento
com a palavra”. A palavra incorpora os conteúdos intelectuais e afetivos de todo o
contexto que a envolve e daí vem sua nova significação, o seu sentido que, por isso,
torna-se sempre único a cada situação que se dá.
Segundo Vigotski (2001, p. 467), “o sentido de uma palavra está relacionado com
toda a palavra e não com os sons isolados, o sentido de uma frase está relacionado
com toda a frase e não com palavras isoladas”. Trazendo essas considerações do autor
para o contexto pedagógico, o fato de um aluno conseguir pronunciar todas as palavras
de um texto, de maneira corrente, não quer dizer que ele compreenda esse texto. E não
é porque um aluno, seja ele surdo ou ouvinte, não conhece algumas palavras de um
determinado texto, que ele não esteja apto a compreendê-lo. Por isso, é importante que
haja na escola um trabalho diferenciado de compreensão textual, em que o aluno possa
fazer inferências sobre o texto que está lendo, a partir de seu contexto mais amplo, o
qual lhe permitirá preencher os sentidos das lacunas formadas pelas palavras ainda
não conhecidas, facilitando para que, então, tais palavras também passem a fazer parte
de seu repertório.
Em relação à escrita do aluno surdo, considerando-se a supremacia do sentido
sobre o significado, torna-se mais fácil construir sentido ao que esse aluno escreve,
para que, inclusive, se tenha maiores condições de ajudá-lo a melhorar suas
produções. Tanto os alunos surdos quanto os ouvintes devem ser estimulados a
escrever, e o resultado de seus textos escritos deve ser o ponto de partida para um
trabalho com a sistematização da língua, baseado nas dificuldades e necessidades que
eles apresentem (JOLIBERT, 1994, v. 2).
59
5 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS: OS ENCONTROS DE FORMAÇÃO
CONTINUADA
Tendo conhecimento de minha experiência com o letramento de surdos jovens e
adultos, durante o período da graduação, a Assistente Técnico-Pedagógica da Diretoria
de Ensino da Região de Assis contatou-me, solicitando que fosse uma de suas
colaboradoras em encontros de orientações técnicas para professores de Língua
Portuguesa da rede, que tivessem alunos surdos em suas salas de aula.
Ciente da importância e necessidade da formação continuada para professores
que estão trabalhando em salas inclusivas, bem como de estudos que enfoquem esse
complexo processo de inclusão escolar, aceitei a oportunidade, pedindo autorização
para que, além de colaboradora, pudesse também desenvolver a presente pesquisa.
Então, com a autorização da Diretoria de Ensino e com a concordância dos professores
participantes dos encontros, os quais assinaram um termo de consentimento livre e
esclarecido, autorizando sua participação e a realização do estudo, iniciou-se o
trabalho.
Os encontros de formação continuada, intitulados Ensino de Língua Portuguesa
para surdos, tiveram início no ano de 2005, com o objetivo de dar subsídios,
orientações teóricas e práticas, possibilitando constantes reflexões e trocas de
experiência, a fim de que, conjuntamente, um conhecimento educacional relevante
fosse construído, para o enfrentamento do desafio da inclusão escolar.
A pesquisa foi realizada nos encontros de formação continuada realizados em
2005 e 2006. No ano de 2005, somaram-se 24 horas de encontro e, em 2006, 40 horas,
perfazendo-se um total de 64 horas.
Considerando-se que a característica chave deste trabalho foi a união entre
investigação e colaboração, pode-se dizer que tratou-se de uma pesquisa qualitativa,
fundamentada no método dialético, em uma perspectiva sócio-histórica, tendo sido
realizada nos moldes da pesquisa-ação.
A pesquisa qualitativa nasceu e se expandiu pela busca de métodos alternativos
aos modelos experimentais e aos métodos empiristas, baseados no positivismo (GATTI,
60
2004). Essa sistemática de investigação centra-se na descrição discursiva de
propriedades intrínsecas a um objeto ou evento singular, e não na quantificação de
propriedades matemáticas modeladas próprias a uma classe de objetos ou eventos
(BROENS, PETRUCI & LEMES, 2004).
Bogdan e Biklen (1994) apontam como características essenciais da pesquisa
qualitativa: o ambiente natural como sua fonte direta de dados; o pesquisador como seu
principal instrumento; o fato de os dados coletados serem predominantemente
descritivos; a preocupação com o processo ser maior do que com o produto ou
resultado; o pesquisador considerar a visão dos fatos na perspectiva dos participantes;
a análise dos dados tender a seguir um processo indutivo.
Dessa forma, para cumprir com o principal objetivo de analisar o processo e os
efeitos de encontros de formação continuada para professores de Língua Portuguesa,
do ensino regular, que estão vivenciando, em suas salas de aula, o processo de
inclusão escolar, optou-se pela pesquisa qualitativa, já que o trabalho se desenvolveu
segundo as características acima mencionadas, ou seja:
a) o ambiente natural como fonte direta de dados: os dados foram obtidos nos
encontros de formação continuada oferecidos pela Diretoria de Ensino de Assis -
SP, sendo que parte deles são provenientes de observações realizadas nas salas
de aula de três dos professores participantes da pesquisa;
b) o pesquisador como principal instrumento: freqüentei os encontros, colhendo todos
os dados, além de ter participado como colaboradora;
c) os dados coletados são predominantemente descritivos: há descrição do ambiente,
de situações, análise descritiva dos questionários, observação de aulas;
d) a preocupação com o processo é maior do que com o produto ou resultado: tanto as
ações investigativas quanto as ações colaborativas partiram das necessidades e
situações observadas ou compartilhadas pelos professores participantes durante o
processo;
e) o pesquisador considera a visão dos fatos na perspectiva dos participantes: a partir
dos relatos dos professores nos encontros e dos questionários abertos realizados,
foi possível o acesso à situação dos docentes que vivenciam o processo de inclusão
61
escolar, suas inseguranças, dificuldades e estratégias, suas concepções sobre
prática de leitura, bem como sua avaliação dos encontros e do processo de inclusão
escolar em que estão envolvidos;
f) a análise dos dados tende a seguir um processo indutivo: na análise dos dados da
pesquisa, procurou-se relacionar dialeticamente os aspectos específicos e os
gerais, focalizando o particular como instância de totalidade. Ao compreender os
professores participantes da pesquisa, pôde-se compreender também o contexto
maior, ou seja, como o processo de inclusão escolar tem acontecido e a importância
da formação do professor, para que realmente ocorra. Também buscou-se detectar
as possíveis contradições emergentes dos dados obtidos ao longo do processo de
pesquisa. Vale ressaltar, ainda, que a partir de tais dados, procurou-se também a
relação destes com os textos teóricos utilizados, para seu questionamento ou
explicação.
Na abordagem qualitativa, o pesquisador não está em uma posição em que fala
do objeto, mas, sim, com o objeto. Trata-se, portanto, de uma relação dialógica, e não
monológica, entre ambos. Nessa relação, tanto o investigador quanto o investigado são
sujeitos em interação e têm participação ativa e determinante no processo de
investigação.
Conforme Broens, Petruci e Lemes (2004), o método dialético, em que se
fundamentou a presente pesquisa, procura contestar uma realidade posta, enfatizando
suas contradições. “Fundamenta-se numa concepção dinâmica da realidade e das
relações dialéticas entre sujeito e objeto, conhecimento e ação, teoria e prática.”
(BROENS, PETRUCI e LEMES, 2004, p. 12).
A marca principal da pesquisa-ação e de outras pesquisas colaborativas é “a
potencialidade para melhorar o desenvolvimento profissional por meio de oportunidades
para a reflexão sobre a prática, críticas partilhadas e mudanças apoiadas.” (CLARK et
al. apud MIZUKAMI, 2004, p. 209). Por isso, essa pesquisa se deu nos moldes da
pesquisa-ação, a fim de que um conhecimento educacional relevante fosse construído,
por meio da reflexão e do diálogo entre educadores (participantes e pesquisador)
desejosos em aprimorar o seu trabalho.
62
Na linha da pesquisa-ação em Educação, os professores são considerados
mediadores e produtores de conhecimento, pois somente eles, por vivenciarem os
contextos educacionais, podem contribuir com compreensões valorosas para o
processo de produção de conhecimento.
De acordo com Pádua (2004):
[...] a questão dos procedimentos é uma questão instrumental, portanto
referem-se à prática do pesquisar, como um conjunto de técnicas que
permitem o desenvolvimento desta atividade nos diferentes momentos de
seu processo. Neste sentido, as técnicas, que auxiliam e possibilitam
elaborar um conhecimento sobre a realidade, não podem se caracterizar
como instrumentos meramente formais, mecânicos, ‘descolados’ de um
referencial teórico que as contextualize numa totalidade mais ampla.
(PÁDUA, 2004, p. 13).
Nesse sentido, após discorrer sobre o referencial teórico em que se fundamentou
este trabalho, passarei à descrição dos instrumentos utilizados na pesquisa para a
coleta de dados, ou seja, as técnicas que permitiram o desenvolvimento da pesquisa
nos diferentes momentos de seu processo.
As interlocuções dos participantes nos encontros de formação continuada
subsidiaram esta pesquisa e, para tanto, foram documentadas por meio de registro
escrito, sendo que, nos encontros ocorridos no ano de 2006, também optou-se pela
utilização de um gravador, além das anotações de campo, para se obter maior
detalhamento dos aspectos relevantes para a pesquisa, tendo-se considerado que as
reuniões do referido ano passariam a ser mais freqüentes e também demandariam uma
maior participação de minha parte.
Questionários abertos foram realizados, ao longo dos encontros, visando ao
aprofundamento da investigação, na melhor compreensão sobre as particularidades e
os pontos comuns entre os sujeitos envolvidos.
Durante os encontros, os professores foram convidados a trazer atividades de
leitura e escrita realizadas em suas salas de aula. Tais atividades foram descritas e
analisadas, a fim de se observar as concepções de leitura e escrita nelas refletidas, se
houve aplicação do conhecimento construído por meio do material teórico proposto, do
compartilhar de experiências e das constantes reflexões, e os resultados obtidos.
Visitas às escolas de três dos professores participantes também foram
realizadas, sob a concordância da Diretoria de Ensino, dos dirigentes das escolas, bem
63
como dos próprios professores, a fim de se observar sua prática pedagógica, visando-
se alcançar mais dados que pudessem evidenciar as dificuldades enfrentadas e,
especialmente, os efeitos dos encontros de formação continuada sobre a prática na
sala de aula.
Todos os dados obtidos por gravações, observações, atividades trazidas ou
realizadas pelos professores no decorrer dos encontros e questionários abertos, foram
descritos e analisados.
Foi realizada análise comparativa entre todos os dados coletados, destacando-se
os pontos comuns e as particularidades existentes entre eles, bem como suas
contradições, buscando-se relacioná-los ao referencial teórico já exposto e ao contexto
mais amplo em que estão inseridos.
5.1 – Caracterização dos professores participantes da pesquisa
A população alvo da pesquisa corresponde a vinte e cinco professores de Língua
Portuguesa do Ensino Fundamental e Médio, de escolas estaduais da região de Assis-
SP, que possuem alunos surdos em suas salas de aula, sendo que destes, dez
participaram dos encontros de formação continuada desde o seu início, em 2005, e
quinze começaram a participar no início do ano de 2006.
Freitas (2004, p. 89) aponta para a relevância do enfoque sócio-histórico como
base para a pesquisa qualitativa. Nessa perspectiva, deve-se “focalizar o particular
como instância de totalidade social, procurando compreender os sujeitos envolvidos e,
por seu intermédio, compreender também o contexto”. Assim sendo, o primeiro
questionário aberto (anexo A) realizado na pesquisa trata, especificamente, da
formação dos professores, para que se pudesse traçar um perfil, com dados que,
certamente, auxiliarão na análise dos demais dados da pesquisa.
A descrição dos dados dos professores participantes da pesquisa é a seguinte:
Na tabela 1 é mencionada a distribuição dos professores, de acordo com o sexo.
64
SEXO Número de professores %
Feminino 23 92
Masculino 2 8
Total
25 100
Tabela 1: Distribuição dos professores estudados, segundo o sexo
O grupo ficou composto por vinte e cinco professores, como já foi mencionado,
sendo 92% do sexo feminino e 8% do masculino.
Na tabela 2, pode-se observar a distribuição dos professores participantes,
segundo a idade.
IDADE Número de professores %
Abaixo de 35 anos 4 16
Entre 35 e 45 anos 11 44
Entre 46 e 55 anos 6 24
Acima de 55 anos 2 8
Não responderam 2 8
Total
25 100
Tabela 2: Distribuição dos professores estudados, conforme a idade
Conforme a tabela 2, a maioria dos professores (44%) que compõem o grupo
estudado possui entre 35 a 45 anos.
Para possibilitar uma visão geral das características de cada sujeito da pesquisa,
sob os aspectos: município em que residem e em que trabalham, tempo de docência,
tempo de trabalho com alunos surdos, série em que lecionam e instituição educacional,
no quadro 1, os números na vertical, localizados na primeira coluna, designam os
professores participantes. Para facilitar a visão geral dos mesmos, foram designados
com a letra P, acompanhada dos números de 1 a 25.
É importante considerar que os dez primeiros professores (P1, P2, P3, P4, P5,
P6, P7, P8, P9 e P10) correspondem àqueles que participaram dos encontros de
formação continuada desde o ano de 2005, e os demais (P11, P12, P13, P14, P15,
65
P16, P17, P18, P19, P20, P21, P22, P23, P24, P25), aos que participaram dos
encontros no ano de 2006.
PROFESSORES
Município
em que
residem
Município
em que
trabalham
Tempo de
experiência
profissional
(anos)
Tempo de
trabalho com
alunos
surdos
(anos)
Série em que
lecionam
com aluno(s)
surdo(s)
Instituição
educacional
P1
Paraguaçu
Paulista
Paraguaçu
Paulista
15 Menos de 1 1
ª
série E. M.
E. E. Diva Figueiredo da
Silveira
P2
Assis Assis 25 Menos de 1 5
ª
série E. F.
E. E. Prof.a Francisca R. M.
Fernandes
P3
Maracaí Maracaí 10 2 6ª série E. F.
E. E. Profa. Maria Apa. G.
dos Santos
P4
Maracaí Maracaí 14 4 7ª série E. F.
E. E. Prof. Lourenço Luciano
Carneiro
P5
Cândido Mota Cândido Mota 11 2 7ª série E. F.
E. E. José Augusto de
Carvalho
P6
Assis Tarumã 13 2 5ª série E. F.
E. E. Vila do Lago
P7
Palmital Palmital 23 7 3ª série E. M.
E. E. Coronel José Joaquim
Bittencourt
P8
Cândido Mota Cândido Mota 15 2 5ª série E. F.
E. E. José dos Santos
Almeida
P9
Assis Assis 10 1 5ª série E. F.
E. E. Léo Pizzato
P10
Assis Assis 19 5 8
ª
série E. F.
E. E. Profa. Lourdes Pereira
P11
Maracaí Maracaí 25 Menos de 1 2ª série E. M.
E. E. José Gonçalves de
Mendonça
P12
Assis Platina 13 3 6ª série E. F.
E. E. Profa. Clarisse Pelizone
de Lima
P13
Paraguaçu
Paulista
Paraguaçu
Paulista
15 Menos de 1 2ª série E. M.
E. E. Diva Figueiredo da
Silveira
P14
Assis Assis 20 Menos de 1 7
ª
série E. F.
E. E. Profa. Carolina Francini
Burali
P15
Paraguaçu
Paulista
Paraguaçu
Paulista
20 2 6ª série E. F.
E. E. Profa. Maria
Â
ngela
Batista Dias
P16
Iepê Iepê 12 Menos de 1 7ª série E. F.
E. E. Antônio de Almeida
Prado
P17
Assis Assis 7 Menos de 1 6ª série E. F.
E. E. Antônio José dos
Santos
P18
Ibirarema Palmital 13 Menos de 1 7ª série E. F.
E. E. Prof. Oswaldo Moreira
da Silva
P19
Cruzália Cruzália 8 Menos de 1 8ª série E. M.
E. E. Joaquim Gonçalves de
Oliveira
P20
Assis Nantes 9 Menos de 1 6ª série E. F.
E. E. Rage Anderáos
P21
Palmital Palmital 22 Menos de 1 7ª série E. F.
E. E. Profa. Adalgisa C. de
Campos
P22
Maracaí Maracaí 13 1 série
E. E. Profa. Maria Apa. G.
dos Santos
P23
Assis Cândido Mota 15 2 8ª série E. F.
E. E. Rachid Jabur
P24
Ibirarema Palmital 5 Menos de 1 5ª série E. F.
E. E. Oswaldo Moreira da
Silva
P25
Assis Assis 20 Menos de 1 6ª série E. F.
E. E. Prof. Ernani Rodrigues
Quadro 1: Caracterização dos professores por município em que residem, em que trabalham,
tempo de docência, tempo de trabalho com alunos surdos, série em que lecionam e escola
Os dados contidos na quadro 1 serão analisados, a seguir, para um maior
detalhamento sobre os participantes da pesquisa.
66
Como se pode observar, os professores participantes trabalham em diferentes
cidades da região de Assis. Sendo que, dezenove professores (76%) trabalham na
mesma cidade em que residem e apenas seis (24%) não trabalham na cidade em que
moram.
Cidades Número de professores %
Assis 6 24
Cândido Mota 3 12
Cruzália 1 4
Iepê 1 4
Maracaí 4 16
Nantes 1 4
Palmital 4 16
Paraguaçu Paulista 3 12
Platina 1 4
Tarumã 1 4
Total
25 100
Tabela 3: Distribuição dos professores, conforme as cidades em que lecionam
A maioria dos professores leciona em Assis (24%), Maracaí (16%), Palmital
(16%), Cândido Mota (12%) e Paraguaçu Paulista (12%).
Com relação ao tempo de experiência profissional dos professores, a maioria dos
professores (52%) possui entre 10 a 15 anos de trabalho docente, conforme se pode
notar na tabela 4, a seguir:
67
Tempo de trabalho Número de professores %
Menos de 10 anos 4 16
Entre 10 e 15 anos 13 52
Entre 16 e 20 anos 4 16
Mais de 20 anos 4 16
Total
25 100
Tabela 4: Distribuição dos professores, de acordo com o tempo de experiência profissional
A tabela 5, abaixo, trata do tempo de trabalho docente com aluno(s) surdo(s) em
sala de aula.
Tempo de trabalho com
aluno(s) surdo(s)
(anos)
Número de professores %
Menos de 1 13 52
1 2 8
2 6 24
3 1 4
4 1 4
5 1 4
7 1 4
Total
25 100
Tabela 5: Distribuição dos professores, conforme o tempo de trabalho com aluno(s) surdo(s)
A respeito do tempo de trabalho com aluno(s) surdo(s), a maioria dos
professores (56%) encontrava-se no primeiro ano de experiência docente com tais
alunos, quando responderam ao questionário. É importante salientar que os
professores que começaram a participar dos encontros no início de 2005 responderam
ao primeiro questionário no começo do referido ano e, igualmente, os professores que
começaram a sua participação no ano de 2006, responderam o questionário no início
de 2006, já que se tratou do primeiro questionário realizado.
68
PROFESSORES
Magistério
(Curso Normal)
Graduação Pós-Graduação Curso(s) de
alfabetização e/ou leitura
P1
Não Letras Não “Ler e viver”
P2
Sim Letras
Pedagogia
Especialização em
Literatura
comparada
Não
P3
69
Dentre os professores, somente cinco (20%) freqüentaram curso de Pós-
Graduação: quatro professores fizeram especialização, sendo que dois em Ensino de
Literatura, um em Literatura comparada e o outro em Psicopedagogia e Metodologia de
ensino, e um professor possui o título de Mestre em Literatura.
É interessante observar que a maioria, quinze professores (60%), participou de
cursos sobre alfabetização e leitura, sendo que destes, nove (60%) participaram de
apenas um curso, cinco (33,3%) participaram de dois cursos e um (6,7%) participou de
três cursos.
Os cursos mencionados pelos professores, conforme a participação destes,
foram: Ler e viver, Teia do saber, Tecendo leituras, Hora da leitura e Letra e vida. Todos
esses cursos de capacitação profissional são oferecidos pelo Estado, por meio da
Secretaria de Educação e da Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas
(CENP).
Esses foram os dados mais relevantes, coletados por meio do questionário 1,
que focaliza a formação dos professores participantes da pesquisa.
Vale ressaltar, ainda, que também participaram dos encontros uma colaboradora
intérprete de LIBRAS, que iniciou o ensino da língua aos professores, uma professora
da sala de reforço para surdos da Educação Especial, que também pode contribuir
imensamente, tanto nos encontros quanto na pesquisa, além da Assistente Técnica-
Pedagógica, dirigente responsável pelas reuniões e da Supervisora de Ensino da
Educação Especial, presente em alguns encontros.
5.2 – Resultados e discussão
Neste momento do trabalho, serão descritos e analisados os dados obtidos por
intermédio dos questionários. Considerando-se a importância dos demais dados
levantados na pesquisa, por meio dos relatos dos professores e demais participantes
dos encontros de formação continuada, das visitas a escolas, das atividades dos alunos
surdos, trazidas pelos professores, e da atividade que estes desenvolveram no último
70
encontro, os dados provenientes dos questionários realizados durante os encontros
nortearão a análise de resultados e serão relacionados, quando pertinente, aos demais
dados levantados. Ou seja, a partir dos assuntos levantados na análise dos
questionários, serão feitas ligações e comparações com análises de outros dados que
venham elucidar, complementar e enriquecer este importante momento do trabalho.
Além do questionário 1 (anexo A), que enfatiza a formação dos professores, já
descrito e analisado no capítulo anterior, foram realizados mais três questionários, a fim
de que se obtivesse informações sobre as estratégias e dificuldades na prática
pedagógica, situação de comunicação em sala de aula, concepção sobre os alunos
surdos, socialização e desenvolvimento educacional dos mesmos, especialmente no
tocante à leitura e à escrita, concepção de leitura e avaliação dos encontros de
formação continuada.
Assim, esta parte do trabalho será dividida em três etapas, as quais focalizarão
os seguintes aspectos, conforme os assuntos abordados em cada questionário:
a) a situação do aluno surdo na sala de aula: as estratégias e dificuldades dos
professores (questionário 2 – anexo B);
b) concepções sobre o aluno surdo e sobre prática de leitura (questionário 3 –
anexo C);
c) avaliação dos encontros de formação continuada e do processo de inclusão
escolar de alunos surdos (questionário 4 – anexo D);
Em vários momentos, as respostas dos professores aos questionários serão
transcritas, em itálico, para elucidar os assuntos abordados na análise, procurando-se
enriquecê-la.
71
5.2.1 A situação do aluno surdo na sala de aula: as estratégias e dificuldades dos
professores
Por meio do questionário 2 (anexo B), procurou-se pesquisar se havia interação
entre o aluno surdo, o professor e os demais alunos, como ela se daria, qual o
conhecimento que o professor tem sobre seu aluno surdo, bem como qual o
conhecimento que esse aluno possui e não possui sobre a Língua Portuguesa, além de
quais são as estratégias utilizadas e as dificuldades encontradas durante a prática
pedagógica.
O questionário 2 foi respondido por vinte e três professores, sendo que sua
primeira questão trata do grau de surdez do aluno.
A tabela 6 demonstra as respostas dos professores sobre o grau de surdez de
seus alunos.
Professores Grau de surdez Número de
professores (23)
%
P2, P12, P13, P16,
P22, P23
Severo 6 26,1
P8, P10, P20
“Quase total” 3 13
P7, P11, P14, P19
Moderado 4 17,4
P25
“Pouco” 1 4,4
P1, P4, P6, P9
Responderam com
outras informações
4 17,4
P18, P21, P24
Não sabiam 3 13
P5, P17
Deixaram em branco 2 8,7
Tabela 6: Distribuição das respostas dos professores com relação à sua indicação sobre o grau
de surdez de seus alunos.
Alguns itens da segunda coluna da tabela 6 estão entre aspas por
corresponderem exatamente às respostas dadas por alguns professores.
72
Pôde-se observar uma insegurança da parte dos professores para responder
essa questão, especialmente, quanto aos termos técnicos empregados para designar
graus de surdez. Mesmo nas respostas que apontaram o grau, pôde-se notar, em
algumas delas, a tentativa de se colocar outros fatos, como o uso de aparelho auditivo,
para tornar a resposta mais segura, como nos exemplos abaixo:
“Quase total (necessita de aparelho, segundo o pai).” (P24)
“Médio (usa aparelho).” (P11)
Conforme se pode notar na tabela 6, quatorze professores (61%) apontaram o
grau de surdez de seus alunos, mesmo que, destes, quatro não tenham utilizado os
termos corretos, colocando “quase total” e “pouco”.
Conforme consta nas três últimas linhas da segunda coluna da tabela 6, nove
professores (39%) não apontaram o grau de surdez, demonstrando um não
conhecimento sobre essa informação relacionada ao aluno surdo.
Assim, quatro professores (17,3%) responderam a questão com outras
informações, possivelmente, na tentativa de que elas pudessem apontar a situação
auditiva de seus alunos, conforme as seguintes respostas:
“O aluno usa aparelho auditivo, porém antes de colocá-lo conseguia se comunicar
usando a fala [...].” (P4)
“Ela usa aparelho e os colegas me disseram que ela ouve, entende perfeitamente.” (P6)
“Usa aparelho; não fala; entende o que o professor fala lendo os lábios ou, quando
falamos alto, consegue escutar alguma coisa.” (P9)
Três professores (13%) declararam que não sabiam a respeito e, ainda, dois
(8,7%) deixaram a resposta em branco, demonstrando desconhecer tal informação.
No primeiro encontro de 2005, dia em que a primeira turma de professores
respondeu a esse questionário, uma das professoras deu o seu depoimento sobre o
início do ano letivo com uma aluna surda em sua sala, pela primeira vez. Essa
professora, participou apenas das duas primeiras reuniões, pois precisou tirar licença
médica e, por isso, não consta entre os vinte e cinco professores que responderam aos
73
questionários e participaram com freqüência dos encontros. Porém, o seu depoimento é
interessante, pois depois dele, vários professores disseram que haviam passado por
situações parecidas.
Logo que a Assistente Técnico-Pedagógica passou a palavra aos professores
participantes daquele primeiro encontro, a referida professora tomou a palavra, dizendo
que essa era sua primeira experiência com uma aluna surda em sua turma.
Demonstrou grande ansiedade, contando que ficou perdida ao pensar como, nessa
situação, poderia ensinar sobre Trovadorismo e outros assuntos de que deveria tratar
durante o ano. Disse que, no primeiro dia de aula, conversando com os alunos, fez uma
pergunta à aluna surda e percebeu algo diferente. Naquele momento, como em vários
outros no decorrer das aulas, a aluna foi assessorada pela colega ouvinte que a
acompanhava sempre, segundo a professora. Então, a pedido da professora, a colega
ouvinte respondeu pela aluna.
A professora disse que nem sequer sabia que haveria uma aluna surda em sua
turma, o que a fez sentir-se ainda mais despreparada e receosa. Ela contou, ainda, que
decidiu conversar com a professora que havia atendido sua aluna no ano anterior, “para
saber como fazia”, conforme suas palavras.
Após o relato dessa professora, vários professores se identificaram. Alguns,
dizendo que também não haviam sido sequer avisados de que trabalhariam em salas
com alunos surdos e, outros que, apesar de terem sido avisados, não receberam
informações que, verdadeiramente, lhes dessem uma melhor direção na maneira de se
trabalhar em sala de aula. E, certamente, a informação sobre o grau de surdez do aluno
com problemas auditivos pode ser considerada como uma informação básica para que
o professor compreenda o nível de dificuldade que ele pode enfrentar em sala de aula.
Em relação ao grau de surdez, esta pode ser leve, moderada, severa ou
profunda (RUSSO & SANTOS, 1994). Esse conhecimento é importante, pois
corresponde ao nível de comprometimento da audição. Góes (1999) ressalta a
importância de se considerar o período de surgimento da surdez, que pode ser pré, peri
ou pós-natal. Tal informação é muito relevante, pois indica se a surdez ocorreu anterior
ou posteriormente a um contato consistente com a linguagem oral. Ainda, a extensão
da escolarização anterior também é um dado relevante e, igualmente, o uso ou não da
74
LIBRAS pelo surdo que, segundo Oliveira (2001), entre outros, é um fator determinante
da condição lingüística e cognitiva do surdo.
Nesse sentido e em relação ao imprescindível oferecimento de condições
adequadas ao desenvolvimento acadêmico e intelectual do surdo, vale destacar:
[...] um procedimento essencial é que a escola faça o diagnóstico das
necessidades do aluno surdo, a fim orientar suas ações. Ao mesmo
tempo, é necessário desenvolver um amplo intercâmbio de informações e
experiências entre profissionais e interessados nessa questão, incluindo-
se primordialmente a própria comunidade surda e sua família, a fim de
ampliar o conhecimento da realidade do surdo, na busca do
entendimento de sua complexa situação lingüística e (multi)cultural.
(SALLES et al., 2004, v. 1, p.132).
Na segunda questão do questionário 2: “Há interação entre você, o aluno surdo e
os demais alunos? Como ela se dá?”, os resultados podem ser observados na tabela 7,
a seguir.
Professores Há interação? Número de
professores (23)
%
P1, P4, P5, P6, P7, P9,
P10, P11, P12, P13, P14,
P17, P19, P20, P21, P22,
P23, P24, P25
Sim
19
82,6
P2
Pouca 1 4,4
P8, P18
Muito pouca 2 8,6
P16
Não 1 4,4
Tabela 7: Distribuição das respostas dos professores sobre a interação do aluno surdo em sala de
aula
A grande maioria, dezenove professores (82,6%), respondeu positivamente,
afirmando que existe interação entre eles, conforme pode ser explicitado nos exemplos
a seguir:
“Há uma boa interação, quando a situação permite converso com ela sobre assuntos
pessoais, o que ela pensa a respeito de sexo, casamento, sonhos, família.” (P7)
75
“Sim [...] a princípio era agressiva. Este ano, na 8
a
série, está muito ‘enturmada’, faz
todas as atividades, consegue entender quando conversamos de frente para ela,
procura responder falando, é bastante alegre.” (P10)
“Tenho um bom relacionamento com a aluna e os alunos da sala também.” (P14)
“Pelo que pude perceber, há uma interação normal entre os alunos e eu. Ela se
relaciona super bem com a classe [...].” (P21)
No segundo exemplo colocado acima, a professora (P10) comenta que sua aluna
era agressiva e, atualmente, está bem enturmada com a classe. É interessante
observar que, durante os encontros, alguns professores, que já estavam atuando com
alunos surdos por mais tempo, comentaram mudanças parecidas de comportamento de
seus alunos surdos que, no início eram agressivos, indisciplinados e isolados da turma
e, com o tempo, acabaram tornando-se mais sociáveis, enturmando-se cada vez melhor
com a classe.
Desses dezenove professores, nove (47,4%) apontaram que a interação
acontece, mas com dificuldades, principalmente, de ordem comunicacional:
“[...] surgem dificuldades quando o professor faz explicações para a classe (levantando
hipóteses, fazendo inferências, tirando dúvidas de alunos etc...) Quando a atividade é
mais prática ela tem menos dificuldades.” (P19)
“[...] nós tentamos nos entender e há sempre alguém da sala que consegue passar
melhor as informações e que me ajuda [...].” (P22)
Conforme a tabela 7, apenas um professor (4,4%) respondeu que há pouca
interação entre o aluno surdo, ele próprio e os demais colegas, e outros dois
professores (8,6%) apontaram que há muito pouca interação, como se pode observar
nos exemplos a seguir:
“Há pouca interação entre mim e o F. Com os demais alunos é muito boa, ele consegue
se entrosar, principalmente quando há dança.” (P2)
“Muito pouca e apenas por gestos leigos e desenhos. Entre ela e os colegas também se
dá por gestos essa interação[...]” (P8)
76
“Muito pouco pois estou com a aluna há duas semanas apenas, porém percebo que com
os demais alunos a interação é maior. Tento me comunicar com ela pausadamente.
Espero que com o tempo tudo possa melhorar.” (P18)
É interessante observar que, tanto no primeiro exemplo mencionado acima
quanto no terceiro e último exemplo, os professores apontam que a interação entre o
aluno surdo e os colegas se dá melhor do que entre aquele e o próprio professor.
Analisando a todas as respostas dadas a esta segunda questão, verificou-se que, ao
todo, nove (39%) professores enfatizaram a interação entre o aluno surdo e os demais
alunos, apontando inclusive, que estes se tornam ajudadores na interação e no trabalho
do professor em relação ao aluno surdo (P2, P5, P10, P12, P13, P18, P22, P23, P24).
Fato que pode ser notado nos seguintes exemplos:
“[...] Os próprios alunos foram me ensinando como trabalhar e interagir com ele.” (P12)
“[...] A sala trata ela com o cuidado de sempre estar lhe explicando as coisas para que
ela não deixe de fazer ou ‘tentar fazer’ e ela sempre procura estar perguntando para
uma amiga quando tem dificuldades.” (P22)
“[...] os amigos que a rodeiam ajudam muito quando explico e ela não entende [...].”
(P13)
“[...] alguns alunos que já estudaram com A. dominam alguns sinais, e isso facilita minha
comunicação.” (P24)
Conforme foi discutido no quarto capítulo deste trabalho, tanto Bakhtin (1986,
1992) quanto Vigotski (1989, 1995, 2001) destacam a importância do plano social na
constituição da linguagem. Segundo Vigotski (1995, 2001), o homem não aprende
sozinho e a aprendizagem se dá da mediação do outro. Desse modo, a linguagem,
como instrumento de apropriação do conhecimento, permite a interação entre os seres,
possibilitando a apreensão dos conhecimentos historicamente produzidos.
Assim sendo, é interessante que os professores saibam aproveitar a interação
entre os alunos ouvintes e surdos, possibilitando atividades organizadas de forma a
valorizá-la. Porém, não se pode negar que a interação entre o professor e o aluno surdo
também é imprescindível para sua aprendizagem e, nesse sentido, é importante que o
77
professor não se acomode, passando uma responsabilidade que é sua aos demais
alunos.
Ainda, em relação a privilegiar a interação entre o aluno surdo e os demais
alunos, vale destacar, como também já foi apontado no quarto capítulo, que a ajuda
dada pelos demais alunos ao aluno surdo deve ser supervisionada pelo professor, para
que aqueles não façam as atividades da aula no lugar do aluno surdo e também não
dêem respostas prontas, de modo que ele não aprenda, perdendo a chance de
participar de seu desenvolvimento.
Para que o aluno surdo possa participar das atividades escolares, construindo
conhecimento sobre os assuntos trabalhados em sala de aula, é importante que o
professor considere os conhecimentos de seu aluno surdo, bem como suas dificuldades
e necessidades, ao preparar as atividades escolares. Segundo Stainback e Stainback
(1999), pesquisadores especialistas em inclusão escolar, existe uma tendência a se
encarar e a se implementar o currículo escolar com a suposição de que existem áreas
de conhecimento ou informações pré-definidas que, quando aprendidas
seqüencialmente, resultam em sucesso. Contudo, os autores afirmam que o currículo
deve adaptar-se à diversidade representada pelos alunos, sejam eles portadores de
necessidades educacionais especiais ou não. Tal diversidade é inerente às
experiências, à velocidade de aprendizagem, ao estilo e interesses de cada aluno.
Conforme Stainback e Stainback (1999), não se deve ensinar habilidades
isoladas em ambientes isolados. Os autores enfatizam uma “aprendizagem através do
envolvimento em projetos e atividades significativas, da vida real, enquanto eles
interagem e cooperam um com o outro.” (STAINBACK & STAINBACK, 1999, p. 237).
Voltando à segunda questão do questionário 2, apenas um professor (4,4%)
respondeu que a interação não acontece entre o aluno surdo, ele e os demais alunos:
“Não há interação entre mim e a aluna, pois a comunicação é quase nula. Com os
demais alunos também quase não há. A aluna se comunica apenas com uma ou duas
colegas, assim mesmo é bem pouco.” (P16)
78
Na terceira questão do questionário 2, que trata sobre o que o aluno surdo já
sabe sobre a Língua Portuguesa, a maioria dos professores (39%) apontou que seus
alunos surdos lêem e/ou escrevem, embora com dificuldades (P9, P10, P11, P12, P14,
P18, P19, P20, P21) conforme demonstram os exemplos abaixo:
“Sabe ler e escrever com as dificuldades típicas do D. A.: concordâncias e flexões. Mas
é capaz de escrever uma narrativa. Tem mais dificuldade para leitura.” (P10)
“Ele tem muita dificuldade com interpretação de textos. Está alfabetizado, mas apresenta
defasagem na leitura e na escrita.” (P20)
“Ela sabe ler e escrever, mas na aprendizagem percebi que ela tem muita dificuldade.”
(P21)
No primeiro dos exemplos acima, a professora (P10) aponta, como dificuldades
típicas do surdo, problemas com concordâncias e flexões. Como já foi colocado no
quarto capítulo, a percepção sensorial do surdo é essencialmente visual, pois seu
acesso a modalidade oral da língua é restrito ou inexistente, por isso, a LIBRAS, criada
pela comunidade surda brasileira e considerada como sua primeira língua, possui
estrutura diferente da Língua Portuguesa e, sendo aquela a base da aprendizagem do
surdo, certamente seus textos escritos trarão as características próprias dessa língua
de modalidade vísuo-espacial, sendo que, mesmo na aprendizagem da Língua
Portuguesa oral, muitas vezes, o surdo acaba assimilando apenas fragmentos (SALLES
et al., v. 1, 2004).
Tomando por base os estudos de Bakhtin (1986, 1992) e Vigotski (1995, 2001), o
aluno deve ser considerado como um ser histórico, que pertence a um grupo social, a
uma cultura, sendo também produto das oportunidades e condições que o meio social
lhe permitiram. Por isso, é muito importante que, antes mesmo de iniciar seu trabalho
em uma classe que tenha um aluno surdo, o professor tenha conhecimentos sobre ele,
sua língua e as possíveis características de seus textos escritos, para que possa
compreendê-los, não somente pelo contexto em que seu autor está inserido, mas
também atribuindo sentido a esses textos, de forma a valorizar a produção desse aluno,
tomando-a como diagnóstico sobre o seu conhecimento sobre a Língua Portuguesa e
como ponto de partida para a aprendizagem e aprimoramento de sua escrita.
79
Baseando-se na proposta sócio-interacionista, Trenche (1995) aponta que o
adulto (professor) não deve ser considerado como provedor do processo de
constituição da linguagem, mas co-autor, ou seja, aquele que interpreta os
comportamentos comunicativos da criança, atribuindo-lhes significado. Assim, seu
papel é fundamental na estruturação do discurso pela criança.
Voltando à descrição e análise da terceira questão do questionário 2 (anexo B),
vale ressaltar que oito professores (34,8%) mencionaram que seus alunos surdos são
copistas (P5, P6, P8, P13, P16, P17, P22, P23). A denominação copista é atribuída ao
aluno que apenas faz cópias, mas não produz ou realiza atividades propostas em aula.
Os exemplos abaixo demonstram esse fato:
“[...] deu pra perceber que ela só copia as atividades passadas na lousa, mas não
responde as questões dadas.” (P6)
“A aluna só consegue copiar a lição.” (P23)
“Ele é copista.” (P5)
“Ela consegue escrever algo ‘copiando’.” (P22)
É interessante observar a última resposta citada acima. Nela, a professora
relaciona o ato de escrever à cópia, demonstrando uma concepção de escrita como ato
mecânico de transcrição de letras que formam palavras, que formam frases, que por
sua vez, podem formar textos. Tanto para Bakhtin (1986, 1992) quanto para Vigotski
(1995, 2001), produzir textos, sejam verbais ou escritos, é produzir discursos. Vigotski
critica o ensino artificial da escrita e enfatiza a importância de um trabalho baseado na
linguagem escrita viva, em que se promova a interação do aluno com textos escritos,
com o professor e com os demais alunos, permitindo uma vivência da função social da
escrita. Somente por meio de tal vivência, o aluno poderá compreender a importância
da escrita e, conseqüentemente, desejar aprendê-la e dominá-la (VIGOTSKI, 1995).
Dois professores (8,7%) apontaram que seus alunos surdos ainda não estão
alfabetizados (P2, P24) e apenas um professor (4,3%) destacou que seu aluno lê e
produz textos muito bem:
80
“A aluna lê, interpreta e produz textos muito bem, quando se propõe a desenvolver as
atividades mostra-se responsável e interessada.” (P25)
Observando-se a resposta acima citada, pode-se notar a concepção de leitura da
professora (P25) que, em sua resposta, trata a leitura e a interpretação como atos
distintos, realizados em momentos diferentes, como se, primeiramente, fosse
necessário ler e somente a partir da leitura, fosse possível interpretar. Tal concepção
será enfatizada e discutida posteriormente, na descrição e análise do próximo
questionário (3), que aborda esse assunto de forma mais específica.
Um dos professores respondeu a questão da seguinte forma:
“Sabe que precisa unir letras para formar palavras, com as vogais vai bem, porém as
consoantes não consegue diferenciá-las.” (P4)
Essa resposta da professora (P4) evidencia uma concepção de linguagem como
código, em que se valoriza a importância das letras e seus sons na formação das
palavras. Conforme já foi abordado no terceiro capítulo, nessa concepção, o código é
aprendido a partir de uma constante relação entre grafema e fonema e em uma
seqüência hierarquizada, em que ensinam-se as letras que, em um outro momento,
formarão as palavras, as quais formarão frases e assim por diante, sendo que a relação
do aluno com o texto escrito só se dá posteriormente, quando se supõe que ele já está
apto a decodificá-lo (KOCH, 2001).
O aluno surdo pode apresentar problemas, trocando letras ao escrever algumas
palavras, o que ocorre, geralmente, com as consoantes, porque é mesmo difícil para ele
diferenciá-las. Como já foi ressaltado, sua exposição à oralidade é restrita ou
inexistente e isso compromete seus conhecimentos sobre a língua majoritária. Por isso,
o ensino da linguagem escrita aos surdos não deve centrar-se na correspondência
entre a grafia e o som, pois assim estaria tomando o que falta ao surdo como o
elemento essencial à aprendizagem.
Conforme considerado no quarto capítulo deste trabalho, de acordo com Vigotski
(2001, p. 467), “o sentido de uma palavra está relacionado com toda a palavra e não
com os sons isolados”. O autor critica o ensino de escrita que restringe sua prática
81
significativa, ensinando-se, seqüencialmente, as letras e depois as palavras formadas
por meio das letras aprendidas, valorizando-se a tradicional ortografia e caligrafia, e o
compara ao processo de oralização a que surdos são submetidos, enfatizando que da
mesma forma que a oralização não pode garantir ao surdo a aquisição verdadeira da
linguagem oral, ou seja, que ele consiga produzir discurso por meio dela, o ensino
artificial da escrita também não pode resultar em sua verdadeira apropriação.
Bakhtin (1986) destaca que, mesmo nas primeiras fases de aquisição da
linguagem, a forma lingüística é orientada pelo contexto. Segundo o autor, a palavra
isolada de seu contexto, inscrita em um caderno e aprendida por associação com seu
significado equivalente, torna-se sinal e não signo, sendo que, conforme o autor, o sinal
está relacionado à simples identificação enquanto que o signo está relacionado à
compreensão. Nesse sentido, Bakhtin afirma:
[...] a assimilação de uma língua dá-se quando o sinal é completamente
absorvido pelo signo e o reconhecimento pela compreensão. [...] um
método eficaz e correto de ensino prático exige que a forma seja
assimilada não no sistema abstrato da língua, [...] mas na estrutura
concreta da enunciação [...]. (BAKHTIN, 1986, p. 94 e 95)
Uma professora (P7) respondeu: “Apenas decodifica os textos”, indicando que o
seu aluno ‘pronuncia’ os textos, mas não consegue construir sentido. Essa observação
feita por ela é interessante, pois demonstra uma preocupação com que o aluno
compreenda, realmente, o que está lendo. Infelizmente, durante muito tempo, para ser
considerado bom leitor, o aluno deveria apenas pronunciar bem cada palavra do texto,
sem titubear. Sem dúvida, a leitura em voz alta pode ser um requisito importante, porém
é apenas um deles. Certamente, a compreensão deve ser o principal objetivo em
qualquer leitura. Na descrição e análise do questionário 3 (anexo C), esse assunto será
tratado de maneira mais especifica.
Somente um dos professores (4,4%) respondeu que não tinha conhecimento
suficiente sobre seus alunos surdos (P1). Porém, três (12,2%) demonstraram
insegurança em suas respostas (P6, P17, P18), como se pode ver, logo abaixo,
respectivamente:
“Ainda estou diagnosticando, pois estamos na terceira semana de aula e ambos têm
faltado bastante.” (P1)
82
“Pelo pouco tempo que eu estou trabalhando, deu pra perceber que [...].” (P6)
“É o primeiro ano que eu trabalho com ela, mas[ ...].” (P17)
“Ainda não consegui conhecê-la bem [...].” (P18)
Em resposta à quarta questão, sobre o que os alunos surdos ainda não sabem
sobre a Língua Portuguesa, cinco professores (21,7%) apontaram que seus alunos têm
dificuldades na leitura e na escrita (P4, P7, P19, P20, P23), conforme se pode observar
a seguir:
“Não consegue ler palavras inteiras nem escrever corretamente. Aluno copista.” (P4)
“Ela não sabe expressar-se bem num texto escrito, organizar as idéias, além de
apresentar dificuldades na interpretação de textos.” (P20)
“Produzir textos e interpretar.” (P23)
No primeiro dos exemplos acima, mais um professor menciona que seu aluno
surdo é copista (P4), inteirando-se nove professores (39%), ao todo. Certamente, esse
é um número considerável que demonstra que vários alunos surdos ainda não estão
conseguindo participar das aulas como deveriam.
Nos dois últimos exemplos citados acima, os professores (P20, P23) comentam
que seus alunos surdos não sabem produzir textos escritos e têm dificuldades ou não
sabem interpretá-los. Segundo Geraldi (1993, p. 98 e 100, grifo do autor), “o texto é
uma atividade discursiva onde alguém diz algo a alguém. [...] um autor isolado, para
quem o outro inexista, não produz textos.” Para que um aluno, seja ele surdo ou
ouvinte, conceba o texto escrito conforme aponta Geraldi e, a partir dessa concepção,
se aproprie verdadeiramente da linguagem escrita, sendo capaz de “expressar-se bem”
por meio dela, ou seja, produzir discurso, é necessário que ele, primeiramente, vivencie
essa função social da escrita que faz do texto uma ponte entre o locutor e o interlocutor
(BAKHTIN, 1986), por meio de um ensino que tenha por base o desenvolvimento
natural de suas necessidades, pois, como afirma Vigotski:
[...] a escrita deve ter sentido para a criança, que deve ser provocada por
necessidade natural, como uma tarefa vital que lhe é imprescindível.
Unicamente, então, estaremos seguros de que se desenvolverá na
criança, não como um hábito de suas mãos e dedos, mas sim como um
tipo realmente novo e complexo de linguagem. (VIGOTSKI, 1995, p. 201).
83
De acordo com Geraldi (1993), é necessário criar condições para que se
recupere, dentro da escola, um espaço de interação, em que o sujeito seja verdadeiro
autor de textos, por meio dos quais ele se (des)vele. Nesse sentido, conforme foi
discutido no quarto capítulo, o autor ressalta a importância de atividades epilingüísticas,
que são o resultado de uma reflexão sobre o uso da língua, no momento em que
ocorrem as interações. Nessas atividades, o aluno tem uma possibilidade maior de
compreensão sobre a linguagem escrita e, por isso, são muito importantes para o
desenvolvimento das atividades metalingüísticas, na qual analisa-se a língua
sistematicamente, com conceitos e classificações.
Ainda, com relação aos dados obtidos na quarta questão, cinco professores
(21,7%) apontaram que a dificuldade de seus alunos reside na interpretação de textos
(P8, P9, P12, P14, P16):
“Ela não entende um texto escrito, ou então, não consegue passar se entendeu ou não.”
(P8)
“Interpretar adequadamente uma atividade, assim como alguns alunos, que não
apresentam deficiência.” (P9)
“A aluna tem dificuldade em interpretação de texto.” (P14)
Três professores (13,1%) responderam que seus alunos surdos possuem
dificuldades para escrever corretamente, conforme os exemplos abaixo:
“Não sabe escrever nada corretamente.” (P2)
“[...] Ainda não tem boa noção de verbos e conectivos (acredito que essa questão dos
elementos internos da Língua seja realmente muito difícil para qualquer aluno Deficiente
Auditivo).” (P10)
“Ela precisa ter coerência no que escreve sozinha.” (P22)
No segundo exemplo exposto acima, a professora (P10) comenta sobre a falha
de seu aluno com relação à escrita de verbos e conectivos, porém, ela própria aponta
que essa deve ser uma questão difícil para os surdos. Na LIBRAS, não existem
conjugações verbais. Há apenas a possibilidade de se utilizar os sinais para futuro,
84
presente ou passado, mas os sinais dos verbos não modificam em razão do tempo.
Conectivos também não existem em sua estrutura lingüística.
Antes de dar continuidade à descrição dos dados obtidos por meio do
questionário 2, a terceira resposta citada acima, em que a professora (P22) aponta que
o texto de sua aluna surda precisa ser mais coerente, será analisada mais
profundamente. Em um dos encontros, essa professora trouxe a seguinte atividade
realizada pela aluna:
Como se pode observar, a aluna não ordenou os quadrinhos na seqüência
correta. Analisando-se a produção da aluna, pode-se notar que a primeira frase escrita:
“Eu tenho um cão em minha casa seu nome é”, muito provavelmente, não foi a própria
aluna quem escreveu. Certamente, algum aluno ou a própria professora iniciou o texto,
85
na tentativa de ajudá-la a realizar a atividade, embora tal frase não corresponda ao
conteúdo semântico da história em quadrinhos.
Após essa primeira frase, a impressão que se tem é que a aluna a reescreve,
porém, usando suas próprias palavras: “Eu que cão de meu casa nome a”. Em todo o
restante da redação, aparecem várias palavras sem sentido, como, por
exemplo,“lorimpo”, “suigo”, “possia”, “focia” e “Mauvião”, que mais parece ser uma
tentativa de reescrever o nome do autor dos quadrinhos, “Maurício”. A aluna também
reescreve a palavra “Redação” ao final de seu texto, exatamente como havia sido
escrita pela professora, com letra maiúscula. A produção da aluna resulta em um texto
que falta coesão e coerência, como foi apontado pela professora no exemplo destacado
acima.
Porém, analisando-se um outro texto, de uma outra aluna, pode-se notar que,
mesmo com problemas relativos à coesão, um texto pode ser coerente:
86
Acima do texto escrito pela aluna existe uma gravura que foi a base de sua
produção. Observando-se tal gravura, pode-se notar que, embora o texto não apresente
alguns elementos coesivos, o que foi escrito pela aluna corresponde ao contexto
ilustrado no recorte de revista. De início, tem-se a impressão de que a aluna faz uma
descrição dos elementos contidos na figura, porém, a aluna vai além, escrevendo uma
história sobre a menina da ilustração, que namora, faz compras, vai para casa, para o
médico, pizzaria, dentista e também faz viagens. A aluna também comenta sobre o
telefone da menina, escrevendo que é muito útil, de tecnologia avançada, que ela liga
para sua mãe e para o seu pai. Todo o contexto da produção escrita pela aluna
corresponde a uma possibilidade que a ilustração pode representar e, por isso, pode-se
dizer que o texto possui coerência, embora nele faltem elementos de coesão.
87
O que se quer ressaltar, por meio da análise desses dois textos, é o fato de que
muitos professores, ao verem os problemas de coesão nos textos de seus alunos, não
conseguem perceber coerência neles. No primeiro texto analisado, ou em grande parte
deste, tanto a coesão quanto a coerência estavam ausentes, ou seja, existem, sim,
alunos surdos que ainda têm muita dificuldade de escrever e até mesmo de
compreender a função da linguagem escrita. Porém, o texto analisado remete ao fato
de que a escrita de surdos, especialmente a escrita dos que têm domínio de LIBRAS,
pode ser dotada de coerência, embora nem sempre apresente certas características
formais de coesão textual e de uso de morfemas gramaticais livres ou não, como já foi
destacado no terceiro capítulo do presente trabalho.
Nos encontros de formação continuada, foram mostrados fragmentos de textos
de pessoas ouvintes estrangeiras, aprendizes da Língua Portuguesa, retirados do
segundo volume de “Ensino de Língua Portuguesa para surdos” (SALLES et al., 2004,
v. 2, p.120). Muitos professores relataram que tais textos eram bem parecidos com os
de seus alunos surdos e isso se dá, porque as produções textuais, tanto de
estrangeiros aprendizes do português quanto de surdos usuários de LIBRAS,
apresentam características próprias, tendo em vista suas experiências lingüísticas
anteriores.
Geraldi (1993, p. 105) aponta que “as comunidades lingüísticas não são
homogêneas [...] e, portanto, operam tanto com diferentes conjuntos de noções
(sistemas de referências) quanto com diferentes formas de construção de enunciados.”
Partindo das palavras de Geraldi, pode-se afirmar que os surdos que utilizam a LIBRAS
operam com diferentes sistemas de referência e com diferentes formas de construção
de enunciados, as quais se fundamentarão nas características inerentes à sua
comunidade lingüística.
Ao afirmar que o texto é uma seqüência verbal escrita coerente, Geraldi
considera que quando um texto apresenta uma justaposição de seqüências verbais
sem ligações entre si, no processo de sua compreensão é preciso buscar nos espaços
‘em branco’ as ligações possíveis (GERALDI, 1993).
O referido autor estabelece uma distinção entre produção textual e redação,
salientando que esta não é somente produzida na escola, mas para a escola, sendo
88
que os alunos, ao escreverem-na, procuram imitar, formalmente, textos já pré-
estabelecidos pelo professor, utilizando-se de vários elementos que compõem a
estrutura da escrita, como sinais de pontuação, travessão e etc. e usando a grafia
correta de palavras. Porém, falta à redação escrita para a escola, a discursividade, um
interesse mais voltado ao que se quer contar e para quem se vai contar (GERALDI,
1993).
Nesse sentido, Geraldi (1993) faz uma comparação entre dois textos de alunos
de 1
a
série, em que o primeiro está adequado aos padrões do sistema lingüístico, mas
falha no aspecto discursivo, não articulando as concepções e experiências do aluno. E
o segundo texto, no entanto, embora apresente falhas com relação à ortografia e aos
elementos coesivos, nele ausentes, denota uma construção discursiva em que o aluno
exprime seus pontos de vista e experiências sobre o assunto proposto. A partir de sua
comparação, o autor conclui expondo sua preocupação com a ausência de pontos de
vista nos textos produzidos na escola, com a ausência de sujeitos que utilizem-se da
linguagem escrita para explicitar suas visões de mundo, argumentando, questionando,
desvelando-se.
É muito importante para o aluno surdo e, certamente, também para o aluno
ouvinte, compreender a função social da escrita, entender que esta é uma atividade
discursiva. Para tanto, é necessário que o aluno surdo seja estimulado a produzir
enunciados escritos, dentro de um contexto concreto e significativo, mesmo que,
inicialmente, tais enunciados sejam tão diferentes do modelo hegemônico de escrita.
Para que, conforme foi abordado anteriormente, a partir de suas produções ou outras
atividades que focalizem a escrita como linguagem viva e, portanto, como produto
social, cultural e histórico, esse aluno possa avançar no sentido de reorganizar a
estrutura superficial de suas produções, de acordo com as regras da língua em que
estão escritas. Afinal, conforme Salles, Faulstich, Carvalho e Ramos, “é
responsabilidade do professor desenvolver maneiras de garantir a aprendizagem de
algumas das infinitas possibilidades de (re)estruturação do texto, garantindo um direito
inalienável do surdo: o acesso a elas.” (SALLES et al., 2004, v. 1, p.36).
89
Dando continuidade à descrição dos dados obtidos por meio do questionário 2
(anexo B), ainda em relação à quarta questão, sobre o que os alunos surdos ainda não
sabem sobre a Língua Portuguesa:
Dois professores (8,7%) responderam que seus alunos não apresentam
dificuldades (P21, P15) e um professor (4,4%) apontou que seu aluno tem as mesmas
dificuldades que os outros (P11).
Dois professores (8,7%) deixaram a questão em branco (P1, P5) e cinco
professores (21,7%) responderam não saber, suficientemente, sobre seus alunos,
conforme consta nos exemplos a seguir (P6, P13, P17, P18, P24):
“Ainda não consegui detectar, pois é o primeiro ano que trabalho com ela e ela falta,
tornando mais dificultoso o trabalho de análise.” (P13)
“Como eu ainda não tive muito contato com a aluna, não posso fazer um diagnóstico
sobre a aprendizagem da mesma, a única coisa que deu pra perceber é que ela é uma
aluna copista.” (P17)
“Não tenho conhecimento disso ainda.” (P18)
“Difícil de avaliar pois ela está sendo alfabetizada e eu não tenho nenhum relatório sobre
a sua aprendizagem (nível).” (P24)
Ao todo, seis professores (26%) apontaram que não conhecem, de maneira
suficiente, o que seus alunos surdos sabem ou ainda não sabem sobre a Língua
Portuguesa (P1, P6, P11, P13, P17, P18, P24).
A quinta questão focaliza as estratégias que os professores utilizam para que
todos os alunos aprendam, inclusive o aluno surdo, e as maiores dificuldades que
enfrentam. Como alguns professores citaram mais de uma estratégia, a soma
percentual não resultará em 100%, como ocorrerá em outros momentos de análise.
Mesmo assim, optou-se por utilizar números percentuais para que se tenha uma melhor
noção sobre o total de determinadas respostas em relação ao número total de
professores.
Quase metade dos professores (43,5%) destacou a ajuda de colegas de classe
como estratégia para a aprendizagem de seus alunos surdos (P1, P5, P6, P10, P11,
P13, P14, P16, P18, P24), como se pode comprovar nos seguintes exemplos:
90
“Trabalho em grupo porque a comunicação entre os alunos ocorre com maior eficácia. É
mais natural.” (P11)
“Como faz pouco tempo que estou em contato com a aluna, tenho trabalhado em grupo
e ela sempre com alunas que já têm um bom relacionamento com ela [...].” (P14)
“[...] Os colegas são sempre prontos a ajudar, explicando com sinais ou falando mais
devagar a comanda dada para a classe [...].” (P10)
“No momento as estratégias que utilizo são as coleguinhas de A., na verdade as
coleguinhas me ajudam a transmitir. Mas fico imaginando se as coleguinhas estão sendo
coerentes com a transmissão.” (P24)
Como se pode observar, os colegas apóiam o aluno surdo e tornam-se
mediadores na comunicação entre o professor e o aluno e vice-versa. O que fica
evidente, principalmente, no quarto e último exemplo citado acima, em que as
coleguinhas” da aluna surda acabam tornando-se intérpretes da professora para a
aluna e vice-versa. Porém, a professora expressa sua dúvida em relação à qualidade
da “transmissão” das colegas.
Como já constatado anteriormente, por meio dos dados que evidenciaram a boa
interação entre os alunos surdos e os demais colegas, a grande maioria dos
professores tem dependido de outros alunos para atender ao aluno surdo. Em alguns
de seus relatos, durante os encontros de formação continuada, alguns professores
argumentam que os colegas de classe acabam passando mais tempo com o aluno
surdo e, por isso, aprendem mais facilmente a se comunicar com ele. Contudo, pode-se
perceber, por meio da resposta dada pela professora (P24), que essa dependência ou o
fato de não terem uma facilidade e, muitas vezes, a possibilidade de, eles mesmos,
poderem explicar algum assunto tratado na aula ou alguma atividade proposta, os deixa
inseguros.
De qualquer forma, esse sentimento expresso pela professora pode ser
considerado de forma positiva, pois ela demonstra saber que tem um papel importante
no desenvolvimento educacional do aluno surdo e, para ele, possivelmente, não
bastará que apenas seus colegas o auxiliem, pois a presença e ação do professor são
essenciais para qualquer aluno. Conforme já foi destacado, certamente os colegas
91
podem e devem ser considerados como importantes mediadores na aprendizagem,
porém, essa mediação precisa ser bem assistida e organizada, para que os colegas
não acabem por fazer as atividades pelo aluno surdo, impedindo assim, o seu
progresso acadêmico. Não se deve esquecer que a socialização é, sem dúvida, um
ganho muito importante nesse processo de inclusão escolar, porém, o principal objetivo
desse processo é o desenvolvimento educacional dos alunos envolvidos nele.
Além dos dez professores citados acima, por enfatizarem a colaboração dos
colegas de classe como estratégia de ensino, outros três professores (P2, P12, P22,
P23) também mencionaram a importância dessa colaboração, em respostas a outras
questões do questionário 2, perfazendo-se um total de quatorze professores, que
representa aproximadamente 67% do total.
Outras diferentes estratégias para facilitar a comunicação com o aluno surdo ou
o seu entendimento durante a aula foram citadas por oito professores (34,8%) (P1, P5,
P7, P9, P11, P13, P19, P21). Dentre elas, temos: falar pausadamente, direcionar-se ao
aluno surdo e utilizar gestos. A seguir, algumas respostas a respeito dessas estratégias:
“Tenho pedido para que ambos observem os meus lábios [...].” (P1)
“Procuro explicar as atividades olhando para ele, falando devagar e com gestos [...].”
(P5)
“Fico próxima da aluna (senta-se na primeira carteira). Articulo bem as palavras e falo
olhando para ela.” (P11)
“Falo mais devagar e direcionado a ela.” (P13)
Os problemas de comunicação entre professor e aluno surdo na sala de aula têm
sido um elemento dificultador do processo de inclusão escolar. Observando-se as
respostas citadas acima, pode-se perceber que os professores têm se preocupado com
essa questão, porém, suas estratégias para a melhor compreensão do aluno surdo
ainda estão em torno da linguagem oral. Mesmo a professora que citou o uso de alguns
gestos (P5), relatou que, olhando para a aluna surda, procura explicar as atividades
falando devagar, ou seja, embora a linguagem do ouvinte e a do surdo tenham uma
lógica ou uma sintaxe diferentes, os professores demonstram pensar que, ao falar
devagar, os alunos entenderão o que dizem. Nesse sentido, Lopes (1997) afirma que,
92
“ao considerarmos as experiências de linguagem como experiências culturais, nos
reportamos imediatamente à cultura dos ouvintes, pois são eles que definem o padrão
lingüístico que os homens (independente de suas dificuldades) devem seguir.” (LOPES,
1997, p. 96).
Dias (2006) aponta que a principal dificuldade dos surdos que freqüentam o
ensino regular é o acompanhamento das aulas. A pesquisadora frisa que mesmo os
surdos oralizados têm problemas de comunicação dentro das salas de aula e,
comparando-os com os surdos que utilizam a LIBRAS, ela ressalta que, quando podem
contar com intérpretes de LIBRAS em suas classes, o nível de dificuldade destes é
menor do que o dos surdos oralizados. Esse fato remete à importância da presença de
intérpretes nas classes envolvidas no processo de inclusão escolar e também às
implicações dessa colaboração em tais salas de aula. De qualquer forma, essas
questões serão retomadas mais adiante, na análise das dificuldades enfrentadas pelos
professores participantes da pesquisa.
Diferentes estratégias didáticas foram apontadas por oito professores (34,8%).
Entre elas, tem-se: uso de diversos textos, esquemas referentes aos conteúdos das
aulas expostos na lousa e utilização de material visual, como se pode observar nos
exemplos abaixo:
“Trabalho intertextual com diferentes tipos de textos, incluindo a exploração do
significado de figuras, cores para dinamizar a aula [...].” (P11)
“Tenho realizado mais a leitura silenciosa e costumo fazer muitos esquemas na lousa
para explicar, questionar e costumo usar gravuras também.” (P12)
“Procuro dar bastante ênfase à leitura, à interpretação e à produção de textos. Trabalho
com diversos tipos de textos, inclusive textos não-verbais e histórias em quadrinhos.”
(P20)
“Não uso só o livro didático, trabalho com jornais, revista, muita leitura.” (P17)
Existem vários aspectos que podem ser observados nos exemplos acima.
Primeiramente, o uso de material visual: figuras, cores, gravuras, textos não verbais,
histórias em quadrinhos e etc. Certamente, para o surdo, essa estratégia didática é de
93
suma importância, pois na dificuldade ou ausência da audição, é por meio do canal
visual que o surdo apreende o que está a sua volta.
É também interessante observar o segundo exemplo citado acima. Nele, a
professora (P12) declara que tem realizado mais a leitura silenciosa. Certamente, a
professora resolveu tomar essa medida, compreendendo que, ao exigir de seu aluno
surdo uma leitura oralizada, ela poderia constrangê-lo. E, de igual modo, mesmo que
ela mesma realizasse a leitura oral de um texto para a classe, provavelmente o aluno
surdo perderia grande parte do conteúdo da leitura, mesmo tentando observá-la, talvez,
com exceção dos surdos que possuem ótima leitura labial. O fato é que, mesmo para os
surdos que possuem ótima leitura labial, para os que não a possuem e também para os
ouvintes, é essencial que todos possam praticar por si mesmos, que todos leiam. E que
ao ler, a preocupação não seja a boa pronúncia de cada palavra contida no texto, pelo
contrário, que haja uma busca pelo sentido do texto, de tal forma que já não se consiga
mais enxergar neste apenas um conjunto de palavras.
É certo que essa prática de leitura ainda se faz muito distante da que é realizada
ou tentada por muitos surdos e por vários ouvintes também, mas cabe à escola
incentivá-la, torná-la possível.
Quanto ao uso de diversos tipos de textos, além de ser uma importante
recomendação dos Parâmetros Curriculares Nacionais, é fundamental para a
aprendizagem do surdo sobre leitura, escrita e sobre a relevância do papel que a língua
cumpre como instrumento de comunicação e transformação.
No último exemplo citado, a professora em questão (P17) aponta que não utiliza
apenas o livro didático, mas busca outras fontes e meios para realizar suas aulas. O
processo de inclusão escolar tem levado muitos professores a repensar sua prática. É
impossível planejar uma aula voltada para as diferenças que os alunos apresentam,
seguindo apenas o livro didático, passo a passo. Mesmo o utilizando, e existem vários
livros didáticos de ótima qualidade, é preciso criar meios pelos quais todos tenham
acesso à aprendizagem, inclusive o aluno surdo.
No primeiro encontro de formação continuada de 2006, uma das professoras
(P9) contou ao grupo sobre uma atividade chamada Semáforo Ortográfico, utilizada por
ela, já há alguns anos, como facilitadora no ensino de ortografia. A professora
94
percebeu, no entanto, que tal atividade “não funcionaria” para seus novos alunos
surdos e decidiu não realizá-la, “para não excluí-los”, conforme relatou. Em uma sala de
aula que possui alunos portadores de necessidades especiais, essa é uma situação
que todo professor consciente de seu papel passará. Com alguns anos lecionando a
mesma matéria, o professor encontra meios e materiais que acabam fazendo parte de
sua prática pedagógica, ano após ano. Porém, quando é preciso pensar nas diferenças,
no fato de que nem todos conseguem aprender da mesma maneira, surge a
95
A respeito das estratégias abordadas no parágrafo anterior, vale ressaltar que é
preciso um certo cuidado com relação a uma prática pedagógica pautada na igualdade
entre os alunos. Como se pode observar acima, três professores utilizam as mesmas
estratégias com todos os alunos, sejam surdos ou ouvintes. Porém, partindo do
pressuposto de que incluir não é apenas inserir um aluno surdo em sala de aula
regular, mas dar a ele condições de que se desenvolva, pode-se afirmar que, torna-se
necessária “a construção de um modelo pedagógico capaz de atender as necessidades
educacionais de todas as crianças, independentemente de suas variações anátomo-
fisiológicas, psicossociais e etno-culturais.” (ALMEIDA,1996, p. 78).
Em nosso último encontro de formação continuada de 2006, a Supervisora de
Ensino da Educação Especial, da diretoria de Assis, entregou aos professores o
seguinte trecho de texto de Rui Barbosa, intitulado “Tratamento desigual aos desiguais”:
A regra da igualdade não consiste senão em aquinhoar desigualmente os
desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade natural,
é que se acha a verdadeira lei da igualdade. Tratar com desigualdade a
iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não
igualdade real. Os apetites humanos conceberam inverter a norma
universal da criação, pretendendo não dar a cada um, na razão do que
vale, mas atribuir o mesmo a todos, como se todos equivalessem.
(BARBOSA, 2003, p. 19).
No texto citado acima, Rui Barbosa aponta que existe uma desigualdade natural
entre os homens e enfatiza a importância de que tais desigualdades sejam
reconhecidas, consideradas. No entanto, como também destaca o autor, invertendo a
norma da criação, os homens acabaram por tratar a todos como se todos
equivalessem, desconsiderando suas singularidades que, na verdade, os tornam
desiguais. Nesse sentido, de que não se deve tratar igualmente aos desiguais, vale
ressaltar que, como já foi considerado anteriormente, não se pode ensinar os alunos de
forma homogênea, sem relevar as diferenças específicas de cada um.
A partir da discussão gerada pela leitura do referido texto, no encontro de
formação continuada, uma professora destacou o trecho: “Nesta desigualdade natural,
é que se acha a verdadeira lei da igualdade” e disse que considerando as
desigualdades, alcançamos a verdadeira igualdade.
Com relação à outra resposta citada pelo professor (P19) sobre tratar seu aluno
como os outros, no sentido de fazê-lo cumprir seus deveres de aluno, pode-se dizer
96
que esse é um apontamento positivo, pois, muitas vezes, a atitude que se tem diante de
um aluno portador de necessidades especiais é a superproteção, o que não resulta em
ganhos para o aluno, que acaba sendo considerado como, popularmente, chamama-se
de café-com-leite. Esse tratamento, certamente, estagnaria seu desenvolvimento,
fazendo com que o aluno se sentisse incapaz, em relação aos demais.
Assim, pode-se concluir sobre esse assunto que, uma prática pedagógica
verdadeiramente pautada na igualdade, reconhece e considera as diferenças de cada
aluno, tratando-os como pessoas que, por outro lado, precisam, igualmente, de
oportunidades para desenvolverem-se, para exercerem seus direitos e deveres no
ensino-aprendizagem.
Retornando à descrição e análise explicativa da quinta questão do segundo
questionário, pode-se destacar que, com relação às maiores dificuldades enfrentadas,
apenas quatorze professores (61%) as apontaram. Destes, seis (26%) destacaram a
dificuldade de comunicação entre eles e os alunos surdos (P6, P8, P9, P16, P22, P24),
conforme os exemplos abaixo:
“[...] Procuro dar aula falando diretamente para esse aluno, mas, às vezes, sinto que ele
não está entendendo nada [...].” (P9)
“[...] Fico olhando para o seu rostinho e sempre me pergunto:
_ Será que ela está me entendendo?” (P6)
“[...] Eu não sei me comunicar com ela, até gostaria, pois vejo que ela é esforçada.”
(P16)
A comunicação entre o professor e o aluno surdo foi apontada nos relatos feitos
nos encontros de formação continuada, como a principal dificuldade em sala de aula.
Em uma das visitas realizadas na escola de uma das professoras participantes (P14),
pôde-se observar bem como esse fato tem sido real. Na aula em questão, a professora
havia pedido para que os alunos produzissem um texto escrito sobre “A importância da
liberdade”, tema já trabalhado por ela, em uma aula anterior, por meio de um texto
poético e de outro texto em prosa.
Antes de ler os textos novamente, para que os alunos relembrassem o assunto já
discutido, a docente levou o livro à carteira de sua aluna surda e, particularmente,
97
explicou-lhe sobre a atividade que estava sendo proposta, olhando em seus olhos. A
aluna respondeu positivamente com sua cabeça, ajeitando o seu material.
Após sua leitura em voz alta, a professora foi novamente até a carteira da aluna,
pedindo para que ela escrevesse, mas a aluna demonstrou que estava com preguiça e
virou-se para um colega sentado atrás dela. A professora, então, preocupada com a
possibilidade de sua aluna não ter entendido a atividade, olhou-me como se pedisse
ajuda.
Depois de um tempo, a professora voltou à mesa de sua aluna, explicou-lhe a
atividade mais uma vez, mas a aluna pareceu, realmente, não compreendê-la.
A professora decidiu, então, emprestar o livro que continha os textos trabalhados
à aluna, para que esta os pudesse ler. Porém, a professora avisou-lhe que apenas
lesse e não copiasse os textos.
Após alguns instantes, ao ver que a aluna estava debruçada sobre seu papel,
escrevendo rapidamente, a professora decidiu verificar e percebeu que sua aluna
estava mesmo copiando um dos textos. Repreendendo a aluna, a professora pediu-lhe
para que escrevesse apenas o que pensava sobre liberdade, mas a expressão da aluna
demonstrava que ela não estava compreendendo bem o que a professora lhe dizia,
embora fizesse sim com a cabeça, em alguns momentos.
Então, a professora, ainda ao lado da carteira da aluna, pediu-me para que
ajudasse a explicar. Sentei-me com a aluna e comecei a conversar com ela sobre
assuntos que envolviam o tema “liberdade”, mas que estivessem ligados ao seu
cotidiano, explicando-lhe o conceito da palavra, dessa maneira. A aluna contou que
gostava de ir passear ao shopping, mas que, às vezes, sua mãe não a deixava sair.
Depois da conversa, pedi para que ela escrevesse sobre o que havia me contado. Mas,
a aluna se recusou a escrever, de início, dizendo que não queria fazer e que não sabia.
Então, eu insisti que ela deveria tentar, dizendo-lhe que tinha capacidade para escrever
e que, como os outros alunos, ela também precisava realizar a atividade. Porém, o sinal
de encerramento daquela aula tocou. Mesmo assim, insisti novamente que ela deveria
escrever e ela prometeu que faria seu texto em casa.
98
Para minha surpresa, no primeiro encontro que houve, após a visita naquela sala
de aula, a professora trouxe-me o texto de sua aluna, dizendo que ela própria havia
ficado surpresa com a produção.
A seguir, o texto escrito pela aluna:
99
Como se pode observar, a aluna inicia sua produção, escrevendo sobre o que
havia relatado na conversa, em sala de aula. Por meio de seu texto, pode-se notar que
a aluna compreendeu o conceito de liberdade.
O texto apresenta poucos problemas ortográficos, embora possua falhas no
aspecto coesivo, sobre o qual já foi discutido, anteriormente. O conteúdo da produção,
que corresponde ao que a aluna relatou em sua conversa, e a estrutura do texto, bem
característica entre os alunos surdos, demonstram que, apesar de a aluna ter realizado
a atividade escrita em casa, o texto é mesmo de sua autoria. Esse esclarecimento
deve-se ao fato de que, algumas vezes, a casa se torna o refúgio onde o aluno
consegue obter sucesso, atendendo, assim, à expectativa do professor. Em casa, o
aluno pode contar com o apoio de adultos (pais, irmãos, etc.), que podem auxiliá-lo e
até mesmo dar as respostas da atividade proposta ou fazê-la por ele. No caso dos
alunos surdos, isso pode ser considerado comum, pois entendendo-se incapaz de
realizar algumas atividades escolares, até mesmo por não compreender suas propostas
e objetivos, o aluno surdo acaba por depender de que outros façam por ele, para que,
de alguma forma, possa cumprir com suas obrigações.
Em minha experiência no desenvolvimento do trabalho de iniciação científica
com o projeto GIS, no letramento de surdos jovens e adultos, já mencionado na
introdução do presente trabalho, alguns alunos que ainda freqüentavam o ensino
regular traziam textos que haviam passado pelo visto de seus professores e que, na
verdade, visivelmente, não haviam sido escrito por eles mesmos, comparando-se tais
produções com os textos que escreviam no projeto. Esse fato evidencia o que foi
exposto acima.
Voltando à análise do texto da aluna, pode-se notar que, a partir do segundo
parágrafo, ao escrever sobre amigo, ela transcreve um verso de uma canção: “amigo é
pra sempre como eterno é o nosso Deus” e continua seu texto como se estivesse
escrevendo uma carta: “Que deus te ilumine e te abençõe...”, transcrevendo, ainda,
mais outros versos. Também é interessante observar que, em meio aos versos, ela cita
a palavra “liberdade”, demonstrando que tem consciência de que seu texto deve estar
todo relacionado a esse tema.
100
A professora comentou que ela pode ter escrito os versos, pois sabia que o texto
me seria entregue e, por isso, possui características de uma carta. Porém, não se pode
negar o fato de que, muitos surdos acabam por escrever palavras ou frases conhecidas
ou decoradas por eles, mesmo que estas não tenham ligação alguma com o restante
do texto, para que suas produções tenham o formato e extensão de um texto
convencional.
De qualquer forma, essa experiência deixa claro que o bom entendimento entre
professor e aluno surdo é essencial para que este tenha possibilidade de desenvolver-
se, compreendendo os conteúdos e participando das atividades propostas em sala de
aula.
Quatro professores (17,4%) responderam que é difícil dar atenção especial ao
aluno surdo em uma sala de muitos alunos ou dispondo de pouco tempo de aula na
semana (P7, P9, P22, P23), como demonstram os exemplos a seguir:
“A maior dificuldade é dar uma atenção especial para ela, me sinto um pouco
angustiada, pois sinto que a J. tem muita vontade de aprender.” (P7)
“Numa sala de 5ª série, com 40 alunos (aproximadamente) fica difícil dedicar toda
atenção a um só. Por isso, noto que ele fica perdido em algumas atividades, até que eu
possa ajudá-lo e dar-lhe maior assistência.” (P9)
“O problema é que eu não disponho de muito tempo durante as aulas para dar uma
atenção especial a esta aluna surda.” (P23)
Pouca concentração e indisciplina em sala de aula foram mencionadas, por três
professores (13%), como fatores que dificultam o trabalho com o aluno surdo (P11, P20,
P22):
“As maiores dificuldades são o pequeno número de computadores (torna a
aprendizagem mais dinâmica), a falta de material, a dificuldade de concentração
apresentada pela maioria dos alunos [...].” (P11)
“A dificuldade maior é a indisciplina na sala de aula que atrapalha o aprendizado do
aluno como um todo [...].” (P20)
“A sala é um tanto tumultuada [...].” (P22)
101
Como se pode observar, o grande número de alunos em sala e a indisciplina
foram apontados como dificuldades enfrentadas pelos professores, conforme algumas
das últimas respostas citadas. A esse respeito, Paula (2006) aponta que as classes
numerosas no sistema educacional público são um fato, mesmo reconhecendo que
classes com menor número de alunos facilitariam o processo de inclusão escolar. O
autor ressalta que, em muitos casos, o professor já se sente impotente para atender
seus educandos regulares e destaca que, no processo de inclusão, o que mais interfere
na ação pedagógica é a sensação de despreparo e desamparo, de que não se dispõe
de recursos suficientes e adequados para acolher o educando com necessidades
especiais, como se pode notar a seguir.
Três professores (13%) mencionaram a dificuldade de não saber como proceder
com relação ao aluno surdo, conforme se pode notar em suas respostas:
“[...] Eu como profissional estou me sentindo insegura, angustiada, porque não sei como
ensinar esta aluna.” (P6)
“Estou bastante perdida, sinto-me incompetente diante dessa situação [...].” (P9)
“Sinceramente, não sei ainda o que fazer, como proceder. Trabalhar em uma sala com
um aluno D. A. é muito novo para mim [...].” (P18)
Pode-se perceber, nitidamente, nos exemplos citados acima, a insegurança dos
professores diante da responsabilidade de trabalhar com alunos surdos em suas salas
de aula. De acordo com Paula (2006), os sentimentos de insegurança e ansiedade têm
origem no medo do desconhecido, em que o pensamento é, geralmente, preenchido
por idéias, fantasias e expectativas frente à situação nova que deverá ser enfrentada e
que passa a ser concebida como ameaçadora. O autor destaca que a inclusão é um
processo que se realiza a longo prazo e, portanto, requer tempo e ações contínuas para
se concretizar. Paula (2006) aponta, ainda, a importância da preparação e capacitação
dos professores que, segundo o autor, deve ocorrer por meio de ações políticas
públicas, políticas educacionais e até de organizações de grupos de pessoas que,
como cidadãs, possam contribuir com conhecimentos relevantes que envolvam o
processo de inclusão escolar.
102
Finalmente, a indisposição do aluno surdo foi apontada por dois professores
(8,7%) como uma dificuldade enfrentada por eles (P4, P19) e um professor (4,3%)
destacou a heterogeneidade da classe como uma dificuldade (P20).
Apenas um professor (4,3%) respondeu que não tem encontrado dificuldades em
seu trabalho na sala de aula.
5.2.2 Concepções sobre o aluno surdo e sobre prática de leitura
Por meio do questionário 3 (anexo C), procurou-se analisar a concepção do
professor sobre leitura e sobre a leitura do surdo. Também foi analisada a concepção
do professor sobre o surdo e se, de alguma maneira, a presença desse aluno alterou a
prática docente.
O questionário 3 foi respondido por vinte e um professores, sendo que a primeira
questão trata do que pensa o professor a respeito do surdo. Em resposta a essa
questão, treze professores (61,9%) apontaram que concebem o surdo como alguém
normal e capaz como os outros, apesar da dificuldade que possui (P1, P3, P4, P5, P6,
P9, P10, P11, P12, P15, P16, P17, P20), conforme se pode observar nos exemplos
abaixo:
“É um aluno que apresenta uma dificuldade em ouvir, mas nem por isso é impedido de
aprender e se desenvolver na sociedade em que está inserido.” (P3)
“Pessoa que não ouve ou que apresenta problemas no aparelho auditivo, com
dificuldades auditivas. Porém totalmente capaz de aprender, de se relacionar e com
direito de exercer a cidadania plena.” (P4)
“Penso que o surdo é uma pessoa com necessidades especiais, mas que em todos os
demais aspectos (exceto audição e, conseqüentemente, fala) é normal e deve ter uma
convivência normal com as demais pessoas.” (P10)
103
A esse respeito, é importante ressaltar o que afirma Góes (1999) sobre os
problemas cognitivos e afetivos tradicionalmente apontados como característicos do
surdo. Segundo a autora, tais problemas são produzidos por condições sociais, ou seja,
contrariamente ao que já se afirmou sobre a pessoa surda, não há limitações cognitivas
ou afetivas inerentes à surdez, pois o desenvolvimento do surdo e, em especial, a
consolidação da linguagem, depende das possibilidades oferecidas pelo grupo social
em que o surdo está inserido.
Continuando a análise das respostas à primeira questão, vale destacar que
quatro professores (19%) afirmaram que o surdo necessita de uma atenção especial
(P9, P15, P16, P20), como demonstram as seguintes respostas:
“É uma pessoa normal, mas que necessita de uma atenção maior.” (P9)
“Penso que o surdo é uma pessoa que necessita de muita atenção para suprir suas
dificuldades.” (P16)
“É um aluno que necessita de uma atenção especial devido à sua dificuldade de
decodificar as aulas.” (P15)
Como se pode notar, na última resposta citada acima, a professora (P15) aponta
uma dificuldade do aluno em “decodificar as aulas”. Tal dificuldade parece estar
relacionada ao problema de comunicação entre o professor e o aluno, em que este não
compreende ou compreende com dificuldade o que é exposto nas aulas. Essa tem sido
apontada como uma das maiores dificuldades enfrentadas pelo professor e,
certamente, também pelo aluno surdo, conforme já foi abordado anteriormente.
Quatro professores (19%) afirmaram que o surdo possui dificuldade em
comunicar-se e relacionar-se (P9, P18, P22, P24), conforme se pode observar abaixo:
“Que é uma pessoa que encontra muitas dificuldades para se relacionar com as
pessoas, com a comunidade. É tratado, ainda, por muitos com preconceito.” (P20)
“[...] Vive num mundo extremamente visual e “auditivo” e, por isso, encontra grande
dificuldade para se inteirar ao meio em que vive.” (P9)
“[...] O difícil é inseri-la ao meio, pois apresenta grau de surdez severo.” (P22)
104
Conforme se pode observar nas duas últimas respostas citadas acima, os
professores (P9, P22) apontam a surdez como principal fator dificultador da interação
entre o surdo e os demais. Porém, na primeira resposta, a professora (P20) enfatiza o
preconceito como barreira na relação da pessoa surda com “a comunidade”.
Certamente, o preconceito pode ser considerado como o principal obstáculo na
aproximação entre o surdo e os ouvintes. O preconceito pode partir do ouvinte, como é
mais comum, em que este não consegue aceitar conviver com alguém que fale
diferente dele, que seja diferente. Contudo, o preconceito pode também partir do
próprio surdo, dependendo da imagem de surdo que circula dentro de seu grupo social
e, conseqüentemente, da forma como ele enxerga a si mesmo dentro desse grupo
(GÓES, 1999).
Vale destacar ainda que, além de P20, outro professor (P8) também considerou
o surdo como alguém que vive às margens da sociedade.
Voltando à primeira questão, três professores (14,3%) destacaram que o surdo
precisa de tratamento especializado (P3, P21, P23):
“É uma pessoa que precisa de um tratamento especializado.” (P3)
“É uma pessoa que precisa de um tratamento especializado e deve ser acompanhado
com muita dedicação.” (P21)
“Que o surdo é uma pessoa que precisa de um tratamento especializado.” (P23)
Conforme O’Brien e O’Brien (1999), tanto os sentimentos dos professores de
educação regular quanto os dos professores de educação especial poderiam ser
resumidos da seguinte maneira:
Estes alunos sempre foram educados junto com outros semelhantes a
eles. Tanto eles quanto seus professores trabalham de maneiras
fundamentalmente diferentes daquelas que trabalhamos [...] Ter esses
alunos aqui conosco vai nos desviar do nosso propósito real e destruir
nossa rotina. Além disso, não sabemos como ensinar tais alunos [...].
(O’BRIEN & O’BRIEN, 1999, p.48).
Segundo os referidos autores, todo esse estado de elevação da consciência, que
é inicialmente direcionado ao medo, deve ser redirecionado para a resolução de
problemas, a fim de que se promova a reconsideração sobre os limites, os
105
relacionamentos e as estruturas do ensino em sala de aula, considerando-se o aluno
que possui necessidades educacionais especiais.
Concluindo a análise dessa questão inicial do questionário 3 (anexo C) que,
conforme já foi mencionado, focaliza a concepção do professor sobre o surdo, vale
ressaltar o que aponta Góes (1999) sobre crenças estereotipadas sobre as pessoas
surdas. Segundo a autora, caracterizações negativas a respeito dos surdos acabam,
naturalmente, repercutindo sobre o quadro conceitual e a atuação do professor.
Góes (1999, p. 60) ressalta que “é preciso lembrar que também são constituídas
socialmente as barreiras que o professor enfrenta, ou cria, para um trabalho
pedagógico que atenda à complexidade dos processos linguísticos e conceituais do
aluno.” A autora enfatiza, ainda, a importância de um amplo trabalho na formação
básica e na formação continuada de professores ouvintes, para que haja mudanças nas
concepções negativas sobre o aluno surdo.
A segunda questão do questionário 3 (anexo C) trata da concepção do professor
sobre leitura.
Nesse sentido, quinze professores (71,4%) citaram a compreensão, o
entendimento, a interação, a interpretação, a atribuição de sentido e/ou a apreensão de
significados, como elementos constitutivos do ato de leitura (P1, P4, P8, P9, P10, P12,
P13, P14, P15, P16, P18, P22, P23, P24, P25). Os exemplos abaixo elucidam esse
fato:
“É a interação que o leitor faz com o texto e o mundo em que vive.” (P1)
“É interpretar e decodificar os sinais gráficos.” (P16)
“É ler e entender, interpretar.” (P13)
Destes, seis professores (28,6%) apontaram que ler é, diretamente,
compreender”(P8, P12, P13, P14, P22, P23), como se pode notar nas seguintes
respostas:
“Ler é entender e interpretar algo.” (P22)
“É o ato de entender os mais diferentes textos [...]” (P8)
“[...] Para mim, leitura é apropriação de significados.” (P10)
106
Porém, quatro professores (19%) apontaram a compreensão como sucessora da
decodificação, no ato de ler (P4, P9, P10, P15). Conforme suas respostas:
“É a capacidade de decodificar o signo escrito e compreender (atribuir sentido) o
significado do que foi decodificado [...]” (P4)
“Leitura é a decodificação de um texto e a interpretação feita a partir dessa
decodificação.” (P10)
“É ler e entender, decodificando e interpretando.”
Essa concepção de leitura como processo de etapas sucessivas remete ao
passado, onde se pode encontrar uma das raízes desse pensamento. Segundo
Manguel (1997), conforme os métodos da escolástica, desenvolvidos, principalmente,
nos séculos XII e XIII, os alunos não deveriam aprender o texto de maneira direta, pois
existia uma série de passos que deveriam ser percorridos para a realização da leitura. A
primeira etapa seria a análise gramatical, em que o aluno deveria identificar os
elementos sintáticos de cada frase (lectio). A segunda etapa, seria o alcance do sentido
literal do texto (littera). A terceira consistiria na apreensão do significado do texto,
segundo diferentes interpretações (sensus) e, por fim, viria a discussão das opiniões de
comentadores aprovados, como a quarta etapa a ser seguida (sententia).
Essa idéia de que a leitura é o resultado de várias etapas é criticada por
Foucambert (1998). O autor faz uma análise crítica aos trabalhos de um psicólogo,
Jesus Alegria, que afirma que “a análise da situação de leitura permite conceber uma
série de operações elementares que intervêm no processo de compreensão”
(FOUCAMBERT, 1998, p.96). Tais operações ocorreriam, umas antes da identificação
das palavras e outras depois da identificação das mesmas. Ao que Foucambert
responde, contrariamente, sustentando que, se ler é compreender, “só há identificação
porque há compreensão”. Para o autor, os momentos apontados por Alegria não são
sucessivos, mas sim, simultâneos. E Foucambert continua: “Identificar não é identificar
o significante, mas sim o significado, e este último não se encontra isolado do contexto
em que aparece”(p. 97)
107
Frank Smith (2003, p. 180), em sua análise psicolingüística sobre a leitura, fala
sobre os processos de identificação de letras, de palavras e do sentido. O autor coloca
que “a identificação imediata do sentido é tão independente da identificação das
palavras individuais quanto a identificação imediata de palavras é independente da
identificação de letras individuais”. Assim, conforme Smith (2003), a leitura geralmente
envolve o trazer sentido imediata ou diretamente ao texto, sem a consciência de
palavras individuais e muito menos das letras individuais em cada palavra.. Segundo os
seus estudos, as palavras são sempre secundárias ao significado, à compreensão, ou
seja, a própria compreensão, que é o objetivo básico da leitura, é que permite a
identificação imediata das palavras, tornando desnecessária a identificação prévia de
palavras individuais.
Retornando à análise dos dados da segunda questão, vale ressaltar ainda que
dois professores (9,5%) apontaram a leitura como ato, unicamente, de decodificação
(P5, P6), como se pode observar a seguir:
“Ler é decodificar o mundo letrado em que vivemos.” (P5)
“Ler é decifrar palavras [...].” (P6)
De acordo com Rojo (2004), a decodificação é um portal importante para o
acesso à leitura, mas não é a única capacidade envolvida no ato de ler. Baseando-se
em estudos realizados nos últimos cinqüenta anos, a autora afirma que a leitura deve
ser enfocada como ato de compreensão que envolve outras capacidades que não
apenas a de decodificação, como já foi citado anteriormente.
A esse respeito, é bom considerar que cinco professores (23,8%) concebem a
leitura como ato complexo que inclui outras habilidades, como o conhecimento prévio
(P3, P9, P10, P20, P21), conforme se pode observar por meio dos exemplos a seguir:
“Leitura é uma atividade complexa, que pressupõe conhecimento do código e
conhecimentos prévios sobre o assunto abordado [...].” (P10)
“Leitura é um ato complexo que envolve diversas habilidades e conhecimentos prévios
que cada um traz dentro de si.” (P20)
108
“O ato de ler é complexo. A leitura começa com os olhos, mas vai muito além disso.”
(P21)
Vigotski critica a investigação experimental de seu tempo, apontando que esta
havia se limitado a estudar a leitura como um hábito sensomotor e não como processo
psíquico de uma ordem muito complexa. Segundo o autor, na leitura, o trabalho do
mecanismo visual está submetido , até um certo grau, aos processos de compreensão.
Ainda, conforme Vigotski:
A compreensão não se reduz à reprodução figurativa do objeto e nem
mesmo à reprodução do nome que corresponde à palavra fônica;
consiste muito mais no manejo do próprio signo, em referi-lo ao
significado, ao rápido deslocamento da atenção e à separação dos
diversos pontos que passam a ocupar o centro de nossa atenção.”
(VIGOTSKI, 1995, p. 199, tradução nossa).
Vários autores (CORACINI, 2002; FULGÊNCIO;LIBERATO, 2000; KATO, 1995;
KLEIMAN, 2004; KOCH, 2003; entre outros) ressaltam a importância do conhecimento
prévio na leitura, que corresponde ao conhecimento das informações não visuais, ou
seja, ao conhecimento lingüístico, textual e de mundo que auxiliam na construção de
sentido, no momento da leitura. Kato (1995) defende a importância de o aprendiz
desenvolver sua capacidade em se apoiar em seu conhecimento de mundo, passando
a depender cada vez menos das unidades grafêmicas e silábicas, da informação visual
que corresponde ao que está escrito no texto.
Retomando a análise sobre as concepções dos professores sobre leitura, vale
considerar que esta foi apontada por sete professores (33,4%) como ato complexo que
inclui os elementos não-verbais, como por exemplo, quadros, esculturas e até o mundo
(P1, P4, P6, P10, P12, P18, P23). Isso pode ser evidenciado por meio das seguintes
respostas:
“Também é possível chamar de leitura a compreensão que se faz de um quadro,
símbolos visuais, situações (leitura de mundo).” (P4)
“Por texto, podemos entender desde uma situação rotineira, passando por um quadro,
uma escultura, uma fotografia, até chegar ao texto escrito. (A leitura do mundo que nos
cerca).” (P10)
“É ler o mundo que está à nossa volta, entendê-lo [...].” (P18)
109
Concluindo a análise dos dados obtidos na segunda questão, é interessante
destacar, ainda, a resposta de uma professora (P9):
“Leitura é um processo de visualização, audição, compreensão [...].” (P9)
Além de P9, outras duas professoras enfatizaram a importância da oralidade na
leitura (P6, P24).
Como se pode observar, referindo-se à audição como elemento constituinte do
processo de leitura, P9 enfatiza a oralidade e demonstra conceber o ato de ler como um
processo de três etapas sucessivas, no caso, a visualização, a audição e, depois, a
compreensão.
A questão da oralidade na leitura remete ao passado, à história e evolução da
prática de leitura. Nesse sentido, Manguel (1997, p. 67) comenta sobre o psicólogo
americano Julian Jaynes (1920-1997), que sugeriu que a leitura pode ter sido,
inicialmente, uma percepção aural, e não visual. O autor coloca que Agostinho,
posteriormente conhecido como Santo Agostinho, seguidor dos ensinamentos de
Aristóteles, entendia que as letras eram “signos de sons que, por sua vez, eram signos
das coisas que pensamos” (MANGUEL, 1997, p. 61). Pode-se observar aqui a
mediação do som para se chegar ao sentido do escrito. Certamente, uma questão que
está sendo amplamente discutida nos dias de hoje.
Manguel (1997) também ressalta que, desde os tempos das primeiras tabuletas
sumérias, os escritos destinavam-se a ser pronunciados em voz alta. Em “A história da
leitura no mundo ocidental”, Chartier e Cavallo (2002) colocam que a leitura mais
difundida em toda a Antigüidade era a leitura em voz alta.
Ainda, conforme Manguel, entre os séculos VI e VII, encontram-se testemunhos
da prática de leitura silenciosa, porém, somente a partir do século IX, acredita-se que
ela tenha se tornado mais habitual. A invenção do códice e a separação das letras em
palavras e frases, entre outros dispositivos criados, facilitaram esse novo modo de ler.
(MANGUEL, 1997, p. 66; CHARTIER & CAVALLO, 2002, p. 21).
110
A leitura silenciosa tornou-se, enfim, uma prática comum, determinada pelas
mudanças no material escrito, citadas acima, e também por uma mudança muito
profunda de atitude em relação à própria linguagem escrita que passou, então, a ser
concebida como uma manifestação diferente da linguagem, que possui o seu próprio
estatuto. Contudo, a oralidade continuou tendo grande influência e passou a ser,
inclusive, base para o ensi
111
envolvem a leitura se dão com mais rapidez. Nesse sentido, o autor frisa a leitura
silenciosa como mais vantajosa, especialmente, em relação à compreensão.
Retornando à análise dos resultados obtidos por meio do terceiro questionário, a
terceira questão focaliza a concepção do professor sobre a leitura do surdo. A esse
respeito, a maioria dos professores (52,4%) considerou que, para que o surdo leia, são
necessários vários recursos, como ilustrações referentes ao texto, explicações
pausadas, expressão facial e corporal, gestos e sinais, entre outros (P3, P5, P6, P13,
P15, P16, P17, P20, P21, P22, P23). Pode-se comprovar esse fato, observando-se
algumas das respostas, citadas abaixo:
“A leitura para o surdo adquire mas sentido quando esta é relacionada a alguma
ilustração. O professor tem que realizar uma leitura bem elaborada, ler pausadamente e
trabalhar bastante a expressão fisionômica.” (P6)
“Eu penso que a leitura do surdo seja mais visual, com gravuras.” (P16)
“O surdo precisa de atenções especiais para que ele possa entender e interpretar o que
lê. Precisamos utilizar a linguagem de libras para que ele entenda plenamente o texto.”
(P20)
Pode-se levantar uma série de aspectos interessantes a partir dos exemplos
citados acima. No primeiro deles, a professora (P6) inicia sua resposta mencionando
que a “leitura para o surdo adquire mais sentido quando esta é relacionada a alguma
ilustração”. Sem dúvida, a ilustração presente em um determinado texto pode ser uma
pista interessante que permite, de pronto, uma inferência sobre o sentido deste, antes
mesmo que se comece a leitura do escrito. E isso pode valer para qualquer leitor.
Na aprendizagem de língua estrangeira, por exemplo, existem duas habilidades
ou estratégias de leitura denominadas predicting (“predizendo” ou “prognosticando”) e
skimming (“lendo às pressas”) (GOODMAN et al., 1980). A primeira estratégia está
relacionada ao conhecimento prévio do leitor, por meio do qual, ele pode antecipar o
sentido que poderá ser encontrado no texto. A segunda estratégia, que também pode
ser traduzida como “passando os olhos”, corresponde a uma leitura rápida, relevando-
se as pistas textuais, para encontrar o sentido global do texto. Tais pistas textuais
podem ser, entre outras, o título do texto, as palavras mais repetidas nele, seu gênero
112
textual e também alguma ilustração que possa conter. As pistas textuais, ativadas pelo
conhecimento prévio do leitor, ajudam-no a inferir sobre o sentido do texto, ato muito
importante no processo de compreensão.
Como já foi discutido anteriormente, a Língua Portuguesa deve ser considerada
como a segunda língua do surdo, que deve ser aprendida por meio da linguagem
escrita. Sendo assim, é interessante que o professor oriente seu aluno surdo,
demonstrando a importância das pistas textuais mencionadas, para que ele pratique a
leitura como ato de compreensão e não como ato de decodificação de palavra por
palavra, o que pode lhe trazer imensas dificuldades (PEREIRA & KARNOPP, 2003).
Voltando à resposta da professora (P6) sobre a leitura do surdo, ainda é
interessante destacar que ela menciona que, na leitura do aluno surdo, o “professor tem
que realizar uma leitura bem elaborada, ler pausadamente e trabalhar bastante a
expressão fisionômica”. Porém, nesse caso, o professor é quem está realizando a
leitura e não o aluno surdo. O fato é que, geralmente, a leitura que se faz em sala de
aula é a leitura oralizada que, por sua vez, é realizada pelo professor ou por um aluno
escolhido por ele. Nessa situação, os demais alunos vão acompanhando no seu próprio
texto, ou apenas ouvem a leitura realizada. Mas, certamente, esse tipo de leitura não
alcança o aluno surdo ou, minimamente, não surte o mesmo efeito.
Nesse momento, embora já se tenha discutido a respeito da dificuldade do aluno
surdo em relação à leitura oral, vale mencionar o que foi observado nas visitas à escola
de uma outra professora (P10). Em sua classe havia uma garota surda que já era sua
aluna há cinco anos. Segundo a professora, sua aluna N. tinha boa condição financeira,
tendo recebido grande investimento da família em um longo e intenso tratamento com
fonoaudióloga, para sua oralização, que começou desde que ainda era bem nova. Além
do tratamento, N. teve oportunidade de fazer vários cursos e aulas particulares,
inclusive, de Língua Portuguesa. Sendo oralizada, N. faz leitura labial com certa
facilidade. Porém, em uma das aulas, em que a professora faz uma leitura em voz alta
de um texto contido no livro didático utilizado em sua classe, N. se mostra dispersa em
todo o tempo, voltando-se à direção da professora somente quando esta lhe chama a
atenção. De qualquer forma, como N. poderia acompanhar seu texto e os lábios da
professora, ao mesmo tempo?
113
É importante frisar aqui que, apesar de interagir muito com seus colegas na sala
de aula, conversando e trocando bilhetes, N. participa das aulas, realizando as
atividades propostas pela professora. Nas aulas que observei, N. produziu textos,
respondeu questões e até corrigiu a prova de um colega, como todos os demais
também o fizeram, segundo o comando da professora. Porém, no momento da leitura
oralizada pela professora, N. se mostrou dispersa, totalmente alheia ao texto que
estava sendo lido.
No outro dia de aula, a professora fez diferente, pediu que todos fizessem uma
leitura silenciosa do texto e, aí sim, N. demonstrou ler. Chegou a percorrer seu dedo
indicador nas linhas do texto, atenta.
O que se quer evidenciar, por meio desse relato, é que mesmo um surdo
oralizado tem dificuldade de acompanhar a leitura em voz alta, prática tão comum em
sala de aula.
Observando-se, mais uma vez, a resposta dada pela professora (P6) à terceira
questão do questionário 3 (anexo C), pode-se entender que ela também utiliza tal
prática em sala de aula, porém, tendo alguma noção da possível dificuldade do aluno,
sugere a importância de uma leitura mais “elaborada” que, segundo seu próprio ponto
de vista, corresponde a uma leitura lenta (“pausadamente”) e cheia de expressões.
Na segunda resposta citada acima, o professor entende que a leitura do surdo é
mais visual. Essa resposta é interessante, pois, como também já foi abordado, é por
meio do canal visual que a pessoa surda apreende o que está à sua volta.
No terceiro exemplo, a professora (P20) relata que o surdo precisa de auxílio
para compreender o texto escrito e aponta a LIBRAS como mediadora dessa
compreensão. É por meio dela que o professor deve discutir o assunto abordado no
texto, fazendo questionamentos que devem ser respondidos na leitura do texto,
estimulando o aluno.
Segundo Silva (2001, p. 48), “os problemas dos surdos com a aquisição da
escrita estão mais relacionados à aquisição e ao desenvolvimento de uma língua
efetiva que lhes permita uma identidade sociocultural”. A importância da Língua de
Sinais foi, especialmente, constatada em estudos que observaram as diferenças entre
crianças surdas de pais ouvintes e crianças surdas de pais surdos. Conforme tais
114
estudos, realizados na década de 60, os surdos, filhos de pais surdos, tinham melhor
capacidade para o desempenho na escola, tanto nas atividades orais e escritas,
enquanto que os surdos de pais ouvintes demonstravam maior dificuldade. Conforme
Silva:
[...] Os surdos, filhos de pais surdos, logicamente conseguiam avançar
mais, fazer ou lançar hipóteses, pois eram expostos à mesma língua,
promovendo, assim, de forma mais eficaz sua aprendizagem. Em razão
disso, chega-se à seguinte lógica: os filhos de pais surdos são mais bem
preparados, emocional, social e culturalmente, pois têm uma identidade
que é dada pela sua língua. (SILVA, 2001, p.48).
É necessário que o surdo seja exposto, o mais cedo possível, à Língua de Sinais,
que ele tenha uma língua própria, que faça parte da sua identidade. Nesse sentido, é
igualmente importante que sua língua seja considerada em seu ensino-aprendizagem.
Esse fato remete ao que foi exposto no quarto capítulo deste trabalho, sobre as
concepções de Vigotski e Bakhtin sobre o homem como ser sócio-histórico-cultural e
sobre o papel central da linguagem na constituição da consciência humana.
Salles, Faulstich, Carvalho e Ramos (2004, v. 2) fazem alguns apontamentos
importantes sobre o ensino de Língua Portuguesa aos surdos:
[...] ao conduzir o aprendiz à língua de ouvintes, deve-se situá-lo dentro
do contexto, valendo-se da sua língua materna (L1), que, no caso em
discussão, é a LIBRAS. É nessa língua que deve ser dada uma visão
apriorística do assunto, mesmo que geral. É por meio dela que se faz a
leitura do mundo para depois se passar à leitura da palavra em língua
portuguesa.” (SALLES et al., 2004, v. 2, p. 21).
Retomando a análise das respostas à terceira questão, cinco professores
(23,8%) demonstraram-se inseguros para responder à questão (P1, P8, P15, P22,
P24), conforme se pode notar nos seguintes exemplos:
“Espero aprender a pensar sobre o assunto a partir deste curso.” (P1)
“Difícil para o meu entendimento, quanto mais para a minha prática.
É bastante complexa e nova.”(P8)
“[...] sinceramente não sei o que fazer e para isso estou procurando ajuda no curso.”
(P15)
“É difícil dizer pois o surdo não escutando nada, temos que usar os recursos que
estamos aprendendo e quem sabe assim poderia falar a respeito. Acredito que lêem, só
tenho que aprender como e isso está começando aqui [...].“ (P22)
115
Por meio de tais respostas, pode-se perceber a insegurança dos professores em
relação à prática de leitura do surdo. No final do último exemplo citado acima, a
professora (P22) relata que acredita que os surdos lêem, mas precisa aprender como
isso se dá. Essa resposta demonstra que a professora percebe que há algo diferente
entre a leitura do surdo e a leitura do ouvinte. Posteriormente, esse aspecto será
tratado, mais detalhadamente, na análise das respostas dos professores à quarta
questão.
Ainda, quatro professores (19%) relataram que o surdo é capaz de ler, desde que
seja alfabetizado (P10, P13, P14, P15). A seguir, algumas de suas respostas:
“Penso que ela pode acontecer normalmente quando ele é alfabetizado [...].” (P10)
“Se ele já é alfabetizado é mais fácil [...].” (P13)
“Se ele for alfabetizado vai ler, caso contrário terá muita dificuldade.” (P14)
Embora pareça óbvio que uma pessoa só consiga ler desde que seja
alfabetizada, as respostas dos professores, na verdade, têm sentido, pois muitos
surdos passam anos na escola, mas continuam tendo muita dificuldade em ler e
escrever. Por outro lado, em relação à leitura, é importante ressaltar que o fato de os
surdos terem dificuldade em pronunciar a leitura pode fazer com que os professores
pensem que ele não lê e, como há problemas na comunicação entre eles, os
professores também têm dificuldade em certificar-se de que a leitura aconteceu, se
seus alunos surdos compreenderam o texto escrito.
Nos encontros de formação continuada, uma professora relatou que seu aluno
surdo se recusava a escrever. Quando a professora pedia que os alunos escrevessem,
baseando-se na leitura de um texto escrito, esse aluno fazia desenhos relacionados ao
conteúdo do texto, histórias em quadrinhos. Certamente, esse aluno precisará ser
ensinado e encorajado a escrever, mas o fato de desenhar de acordo com o sentido
dos textos já é um bom sinal de compreensão.
116
Voltando à análise da terceira questão, três professores (14,3%) consideraram
que a leitura do aluno surdo fica no plano da visualização ou da decodificação (P4, P9,
P10), conforme se pode observar a seguir:
“[...] O aluno consegue ler, decodificar as letras, mas não sabe o que significa.” (P4)
“Para o surdo a leitura, muitas vezes, é só um processo de visualização [...].” (P9)
“[...] em muitos aspectos essa leitura ficará no plano da decodificação, porque faltarão
informações para que o D. A. chegue ao nível da interpretação, da associação de muitas
palavras ao que elas representam.” (P10)
De acordo com o que já foi exposto no terceiro capítulo, Pereira e Karnopp
(2003) afirmam que grande parte dos surdos não consegue atribuir sentido ao que lê,
embora não apresentem dificuldades para decodificar os símbolos gráficos, exatamente
conforme as respostas dos professores, citadas acima.
Bakhtin (1986, p.94) afirma que “enquanto uma forma lingüística for apenas um
sinal e for percebida pelo receptor somente como tal, ela não terá para ele nenhum
valor lingüístico.” O autor distingue sinal de signo, afirmando que o primeiro está
relacionado à identificação e o segundo, à compreensão e, ressalta, ainda, que a
“assimilação ideal de uma língua dá-se quando o sinal é completamente absorvido pelo
signo e o reconhecimento pela compreensão.” (BAKHTIN, 1986, p. 94).
Segundo as respostas dos professores (P4, P9, P10), seus alunos estão apenas
visualizando as letras e palavras, identificando-as, mas não conseguem atribuir sentido
a elas, compreendê-las. Bakhtin (1986) aponta que, mesmo na fase de aquisição da
língua, a pura sinalidade não existe, pois mesmo nesse momento, a forma é orientada
pelo contexto. Conforme foi ressaltado anteriormente, a apropriação da língua materna
ocorre de maneira natural. Porém, enquanto para os ouvintes, a base de aprendizagem
da linguagem escrita é sua língua materna, ou seja, a Língua Portuguesa, da qual se
apropriaram de maneira natural, entrando na escola com um conhecimento prévio
importante para o desenvolvimento da linguagem escrita. Os surdos, por sua vez,
possuem um conhecimento restrito sobre a Língua Portuguesa, do qual não se
apropriaram de maneira natural, já que sua língua materna é a LIBRAS. Vale ressaltar
aqui que, mesmo os surdos que não tiveram contato com a LIBRAS, sendo submetidos,
117
exclusivamente, à oralização, não são casos de uma aprendizagem natural, mas
artificial (VIGOTSKI, 1989, 1995).
Conforme Sales, Faulstich, Carvalho e Ramos (2004, v. 1):
O aspecto mais flagrante na aquisição de uma língua oral como L2 pela
criança surda é que ela deve adquirir propriedades no nível fonológico e
prosódico que seu aparato sensorial auditivo está impedido (ou
parcialmente impedido) de apreender. (...) O letramento é, portanto,
condição e ponto de partida na aquisição da língua oral pelo surdo, o que
remete ao processo psicolingúístico da alfabetização e à explicitação e
construção das referências culturas da comunidade letrada. (SALLES et
al., 2004, v. 1, p. 77).
As referidas autoras enfatizam, portanto, que o surdo deve aprender a língua dos
ouvintes, por meio da escrita, o que deve acontecer como ensino de segunda língua,
pressupondo-se a Língua de Sinais como a primeira, cabendo desenvolver estratégias
educativas que relevem a situação psicossocial do surdo e, principalmente, sua
condição bilíngüe e multicultural. Ainda, segundo as autoras, a leitura deve ser uma das
principais preocupações no ensino de Língua Portuguesa como segunda língua para
surdos, já que constitui uma etapa fundamental para a aprendizagem da linguagem
escrita.
Retomando a análise, vale ressaltar que, em suas respostas à terceira questão,
quatro professores (19,5%) destacaram o não conhecimento do significado de muitas
palavras como principal causa da dificuldade do surdo em relação à leitura (P3, P4, P9,
P10):
“O surdo vê a leitura como algo difícil, pois apresenta dificuldade para entender os
símbolos gráficos, dificultando assim suas interpretações.” (P3)
“[...] enfrenta o problema da falta de conhecimento do significado das palavras. O aluno
consegue ler, decodificar as letras, mas não sabe o que significa.” (P4)
“[...] para que haja a compreensão é necessário que ele tenha o conhecimento das
palavras que para ele é limitado.” (P9)
Conforme foi abordado no terceiro capítulo deste trabalho, o vocabulário tem sido
considerado por professores, pesquisadores e até pelos própios surdos como o maior
obstáculo destes na prática de leitura e escrita. Como causa de tal problema,
Fernandes (1990) aponta a restrita exposição dos surdos ao léxico da Língua
118
portuguesa, tanto por não ouvirem as palavras quanto por não as lerem, por falta de
hábito ou pela própria dificuldade que têm com a leitura.
Porém, outros pesquisadores (ALMEIDA, 2000; CÁRNIO, 1995; GÓES, 1999;
PEREIRA, 2000) frisam que o problema está na ênfase dada ao vocábulo, no ensino de
leitura e escrita aos surdos. Cárnio (1995) relata que a dificuldade do surdo na
compreensão de textos se deve, provavelmente, a um trabalho voltado à compreensão
vocabular, que corresponde à leitura de palavra por palavra, sendo que o ideal seria um
trabalho de compreensão textual, por meio do qual, valoriza-se o conhecimento prévio,
a habilidade no uso das pistas contextuais e outros elementos ligados à compreensão.
Baseando-se em Lane, Hoffmeister e Bahan, Pereira ressalta:
Para ler além do nível de decodificação, os alunos surdos devem contar,
como os ouvintes, com um conjunto de conhecimentos, que envolve tanto
a língua na qual o texto é apresentado, como também conhecimento de
mundo. Tal conhecimento ajuda os alunos a criarem expectativas e
hipóteses sobre os significados dos textos, a abstraírem significado de
passagens de textos e não apenas de vocábulos isolados. (PEREIRA,
2000, p. 7).
Tanto os surdos quanto os ouvintes podem aprender a suprir as dificuldades
provenientes de palavras desconhecidas no texto, pelo contexto, pela compreensão
global do texto, possibilitada, principalmente, pelo que não está no texto, ou seja, pelo
conhecimento prévio. Por isso, também se faz importante que, antes que os alunos
comecem a ler, o professor possa enriquecer o conhecimento prévio do aluno, de
acordo com o assunto abordado no texto e seu gênero textual. O aluno deve desejar
ler, sentindo-se seguro para fazê-lo.
Concluindo a análise da terceira questão do questionário 3 (anexo C), é
interessante observar a resposta de uma das professoras:
“[...] a leitura de palavras (signos) é dificultada pela deficiência auditiva, uma vez que a
palavra escrita tem por base o som (fonema), que os surdos desconhecem.” (P4)
Pereira (2000) ressalta que, por quase cem anos, os surdos foram submetidos a
um ensino da língua majoritária por meio da audição. Porém, por conta de sua
dificuldade real de acesso à linguagem oral, as crianças chegavam à escola sem uma
língua efetiva que pudesse ser a base da constituição de seu conhecimento. Na escola,
119
a base da aprendizagem do surdo continuou sendo a oralidade e, assim, acreditava-se
que o surdo deveria ser ensinado do mesmo modo que os ouvintes, relacionando
grafemas a fonemas e vice-versa, partindo de letras e vocábulos isolados de um
contexto significativo.
Se esse método de ensino da escrita tem sido posto à prova em relação à
aprendizagem dos ouvintes, tanto mais deve ser questionado no que diz respeito ao
ensino aos surdos, já que acaba por enfatizar exatamente o que lhe falta, segundo já foi
abordado no terceiro capítulo.
De acordo com Foucambert:
Para ajudar alguém a desenvolver um saber, o primeiro passo é dirigir-se
a essa pessoa como se ela já fosse detentora desse saber. Quando o
meio ajusta suas demandas ao estado de ignorância de alguém, torna
impossível, porque inútil, qualquer desenvolvimento de novos saberes.
(FOUCAMBERT, 1994, p. 20).
Uma das professoras (P23) respondeu que a leitura do surdo é “complexa e
diferente, pois faz uso da linguagem de 5 TD0.1003]TJ escrite-0.nus
120
A quarta questão do terceiro questionário (anexo C) trata sobre as possíveis
diferenças entre a leitura dos surdos e a dos ouvintes e sobre quais seriam elas. A esse
respeito, todos os vinte e um professores (100%) que responderam ao questionário
afirmaram que há, sim, diferenças entre a leitura dos surdos e a dos ouvintes.
Sobre quais seriam tais diferenças, 12 professores (57%) responderam que os
surdos necessitam de variados recursos para que possam compreender textos escritos
(P3, P4, P5, P6, P13, P15, P16, P17, P20, P22, P23, P24). Os exemplos a seguir
ilustram esse fato:
“Sim. Porque quando o grau de surdez é elevado, há a necessidade de fazer gestos e
falar pausadamente.” (P5)
“Sim, a de surdos precisa de encenação, desenhos, e a dos ouvintes é mais fácil.” (P13)
“Sim, pois para os surdos temos que fazer a leitura através de sinais e nem sempre
estamos aptos para isso.” (P17)
É interessante notar que, em todos os exemplos citados acima, os professores
estão se referindo a diferenças em suas práticas em sala de aula, ou seja, nas leituras
em voz alta que eles próprios fazem na classe. Assim, conforme a resposta de P5, se a
surdez do aluno for leve, ele poderá compreender a leitura realizada pelo professor,
sem a necessidade de que este lhe faça gestos ou fale pausadamente.
O último exemplo deixa esse fato bem claro, em que o professor (P17) responde
“temos que fazer a leitura através de sinais”, ou seja, os professores estão comentando
sobre suas leituras em salas de aula, que tiveram de ser modificadas por conta da
presença de alunos surdos.
Certamente, é interessante que os professores considerem seus alunos surdos
em suas práticas, mas eles deveriam ter focalizado a prática de leitura do aluno surdo
em suas respostas. De qualquer forma, tais respostas são interessantes pois
comprovam o fato de que a leitura em sala de aula é, geralmente, realizada pelo
professor e de que a leitura em voz alta continua sendo a prática mais recorrente.
Vale ressaltar aqui que, ao todo, 33,3% dos professores, ao responderem a
terceira e a quarta questões, relataram sobre o que devem fazer em sua própria leitura
121
oralizada para a classe e não sobre a leitura do surdo ou sobre as possíveis diferenças
entre esta e a do ouvinte.
Dando continuidade à descrição e análise dos resultados das diferenças
apontadas pelos professores entre a leitura dos surdos e a dos ouvintes, sete
professores (33,3%) consideraram que os surdos apresentam dificuldades na
aprendizagem da escrita, na compreensão da mesma e na leitura oral, exatamente por
conta da ausência ou comprometimento da audição (P3, P4, P9, P10, P20, P22, P25),
conforme se pode notar nas respostas expostas abaixo:
“[...] o aluno surdo apresenta um espaço maior para assimilar o conhecimento
necessitando de práticas e estímulos. Já os ouvintes, muitas vezes ouve dando
imediatamente o resultado da compreensão do texto lido.” (P3)
“[...] a meu ver os ouvintes aprendem a língua materna pelo som, e na escola, aprendem
a associar som, sílaba e palavra e, posteriormente, construir a frase usando todos os
elementos, inclusive declinando verbos e usando preposições. O D. A. não usa
preposições e alguns elementos estruturais da oração e para aprendê-los encontra
barreiras difíceis de serem transponíveis.” (P4)
“[...] Todo o significado que um texto possa ter decorrente da entonação, da ênfase dada
de acordo com os sinais de pontuação do texto (o sentido decorrente da pontuação)
podem ficar comprometidos na leitura do surdo, que não faz essa imitação da fala na
decodificação.” (P10)
“Geralmente os alunos surdos têm mais resistência em realizar leitura oral em sala de
aula.” (P25)
A primeira resposta vem confirmar o que foi apontado anteriormente em relação
à prática comum de leitura na sala de aula. A professora (P3) afirma que o ouvinte
ouve dando imediatamente o resultado da compreensão do texto lido”, enquanto que o
surdo demora mais para compreender. Certamente, o surdo terá grande dificuldade em
ouvir a leitura realizada pela professora, afirmação que, inclusive, se dá como um
pleonasmo.
O segundo exemplo citado acima retrata bem o que já foi considerado,
anteriormente, como um ensino de língua baseado na concepção de linguagem como
122
código, que obedece a uma seqüenciação aditiva de conteúdos que são
hierarquizados, iniciando-se do que se concebe como mais simples (letras e sílabas)
para o mais complexo.
É interessante notar que a professora (P4) nem menciona o trabalho com textos,
pois, segundo essa concepção de
123
ler, quando se deve traduzir a escrita para compreendê-la.” (FOUCAMBERT, 1994,
p.29).
A respeito do quarto e último exemplo citado, a resposta da professora (P25)
aponta para algo mais que compreensível. Certamente, o surdo apresentará resistência
em ler em voz alta na sala de aula, pois ele tem dificuldades com a língua oral. De
qualquer forma, mesmo que sua oralidade tenha sido treinada em tratamentos
fonoaudiológicos, provavelmente, em uma leitura oral, o surdo depositará toda a sua
atenção na oralização, ao passo que sua compreensão será prejudicada. De acordo
com Vigotski:
A vocalização dos símbolos visuais dificulta a leitura, as reações verbais
atrasam a percepção, travam-na, fracionam a atenção. Por estranho que
possa parecer, não somente o próprio processo da leitura, mas também a
compreensão é superior quando se lê silenciosamente. (VIGOTSKI,
1995, p.198, tradução nossa).
Nesse sentido, ainda é interessante citar a resposta de uma outra professora
(P9) sobre a leitura vocalizada que sua aluna surda consegue realizar:
“No caso de K., ela lê as histórias em voz alta, mas fica difícil para mim, que sou leiga no
assunto, avaliar o nível de compreensão que ela obteve do texto [...].” (P9)
Se, de modo geral, a leitura em voz alta pode comprometer a compreensão,
124
A primeira delas se dá, porque a maioria desses professores, aproximadamente
67% deles, participou de cursos de alfabetização e/ou leitura, já baseados em uma
concepção de leitura como atribuição de sentido, ato que envolve outras habilidades,
como o conhecimento de mundo, por exemplo, e não como ato exclusivo de
decodificação ou como resultado posterior a esta. As respostas dos professores levam
à conclusão de que, se não houve mudança no discurso pedagógico, provavelmente
também não houve mudança na prática desses professores em sala de aula.
A segunda contradição se faz na ênfase dada, exatamente, ao que falta ao aluno
surdo, tornando mínima a possibilidade deste aluno aprender a ler. A prática docente,
baseada nessa concepção, tende a reforçar a insegurança e o sentimento de
incapacidade que muitos surdos, geralmente, apresentam para ler e para escrever.
Concluindo a análise dos resultados obtidos por meio quarta questão do terceiro
questionário (anexo C), cinco professores (23,8%) responderam que o surdo possui um
conhecimento restrito dos significados das palavras, o que pode ser observado nos
exemplos abaixo:
“O ouvinte apresenta um vocabulário vasto e vivencia muitas situações ligadas à leitura.
Já o surdo não, seu contato com os textos é mais restrito e mais dificultoso [...]” (P4)
“Os ouvintes têm mais condições se apropriar dos significados. Para os surdos, a leitura
é ‘truncada’, ele conhece apenas ‘pedaços’ de significados.” (P10)
“Os ouvintes já estão acostumados com a língua escrita, conhecem os sentidos das
palavras [...].” (P18)
Conforme já foi discutido anteriormente, o vocabulário restrito do surdo tem sido
apontado como um problema que dificulta seu uso da linguagem escrita, seja na prática
de leitura, seja na produção de textos. Porém, vale observar a primeira resposta, em
que a professora (P4) aponta que o ouvinte “vivencia” muitas situações ligadas à leitura,
e a terceira resposta (P18) em que, no mesmo sentido, destaca-se que os ouvintes já
estão “acostumados” com a língua escrita. Certamente, tal vivência e costume permitem
que os ouvintes compreendam, especialmente, a função social da linguagem escrita, o
que possibilita que também venham a desejar aprendê-la e dominá-la. No caso dos
surdos, além de entrarem na escola sem esses conhecimentos e compreensão,
125
geralmente eles são submetidos a um ensino que não valoriza esses aspectos e que,
por isso, realiza-se de maneira artificial, com palavras isoladas que, quando formam um
texto, devem ser lidas uma a uma, em um ato de compreensão vocabular e não textual,
como aponta Pereira (SÃO PAULO, 2005).
É importante que o surdo compreenda a necessidade de se aprender a ler e
escrever e, para isso, ele precisa vivenciar o uso prático da linguagem escrita, em
contextos significativos. Segundo Geraldi (1993), a leitura na escola deve acontecer a
partir de questionamentos, do interesse dos alunos. De acordo com o referido autor,
“atitudes produtivas na leitura e que fazem da leitura uma produção de sentidos pela
mobilização dos ‘fios’ dos textos e de nossos próprios ‘fios’ podem ser recuperadas de
nossa história de leituras externas à escola.” (GERALDI, 1993, p.171).
Para que o surdo não leia de forma “truncada”, conforme apontou P10, ele
precisa aprender a mobilizar os fios presentes na leitura, a usar os “pedaços de
significados” que conhece para atribuir sentido ao que lhe pareça obscuro no texto lido,
sem desistir na primeira palavra desconhecida que lhe vier à frente. Assim, ele também
poderá ter condições de aprender novas palavras em sua própria relação com o texto
escrito.
A quinta e última questão do questionário 3 (anexo C) focaliza a possibilidade de
alteração na prática docente, por conta da presença do aluno surdo em sala de aula. A
esse respeito, a grande maioria dos professores (85,7%) respondeu positivamente,
sendo que apenas três professores (14,3%) afirmaram que a presença de seus alunos
surdos não trouxe mudanças na prática em sala de aula, conforme se pode notar nos
exemplos, a seguir:
“Não. Eu apenas procuro dar mais atenção a esse aluno e tomo o cuidado de ‘resumir’ a
aula na lousa.” (P10)
“A presença de um aluno com deficiência auditiva não alterou a minha prática docente,
pois o mesmo não tem um grau de surdez total.” (P21)
“Não, pois é uma aluna que compreende muito bem o que lhe é falado.” (P25)
As três professoras referidas acima têm alunos com grau mais leve de surdez.
Até mesmo P10, que não fez essa consideração em sua resposta. O que demonstra
126
que, quanto maior o grau de surdez do aluno surdo, mais mudanças serão requeridas
na prática em sala e aula.
A mudança mais comum entre os demais professores se deu com relação a
estratégias didáticas, conforme as respostas de sete professores (33,3%) (P3, P4, P9,
P10, P13, P15, P22). A seguir, algumas dessas respostas:
“[...] precisei rever minha aula e usar maneiras diferentes com a B.” (P13)
“[...] em todas as atividades que vou preparar, tenho que pensar em como fazer para
que a aluna consiga entender as aulas.” (P15)
“[...] agora tento explicar mais detalhadamente o conteúdo.” (P20)
Pelo que se pode notar nos exemplos expostos acima, os professores passaram
a pensar sua prática docente a partir das necessidades do aluno surdo, adaptando os
conteúdos, utilizando-se de “maneiras diferentes” de ensinar, conforme apontou P13.
A colaboração dos colegas de classe foi citada como estratégia para facilitar a
comunicação e aprendizagem do aluno surdo por 7 professores (28,6%) (P1, P3, P4,
P6, P9, P10, P18), conforme os exemplos abaixo:
“[...] através de gestos e colegas da sala.” (P3)
“[...] a companhia de algum colega lhe dá mais segurança para desenvolver as
atividades.” (P5)
“[...] conversando e pedindo a ajuda dos alunos ouvintes.” (P18)
Como já foi considerado e amplamente discutido, muitos colegas ouvintes
tornam-se colaboradores dos alunos surdos, tanto em relação à interação em sala de
aula, quanto na aprendizagem destes.
Com relação à comunicação em sala de aula, vale destacar que seis professores
(28,6%) apontaram mudanças para facilitar a interação com o aluno surdo. As
respostas abaixo ilustram esse fato:
“[...] requer mais atenção ao que se fala, à posição do professor, sensibilidade para
compreendê-lo e perceber suas dificuldades, anseios e limitações.” (P4)
127
“Procurei falar mais pausadamente, olhando diretamente para ele [...].” (P18)
“[...] falar com calma, mantê-lo à minha frente.” (P24)
Como foi explicitado anteriormente, a comunicação entre o professor e o aluno
surdo se dá de maneira difícil. Por isso, sem um bom conhecimento da LIBRAS, o
professor vai criando estratégias para facilitar tal interação. Nesse sentido, é
interessante observar a primeira resposta acima, em que a professora (P4) aponta que,
além de uma maior atenção do professor em relação à sua própria fala e à sua posição
diante da sala de aula, é necessário ter sensibilidade para compreender o aluno,
percebendo suas dificuldades, anseios e limitações. Essa resposta demonstra a
preocupação e empenho da professora em conhecer o seu aluno surdo, para que este
tenha maiores chances de se desenvolver educacionalmente. Certamente, essa é uma
atitude muito importante que viabiliza o processo de inclusão escolar.
Dando continuidade à descrição e análise dos dados obtidos por meio da última
questão do questionário 3 (anexo C), vale salientar que cinco professores (32,8%)
citaram a importância de dar uma atenção especial ao aluno surdo (P8, P10, P14, P17,
P23), como demonstram os seguintes exemplos:
“[...] De agora em diante, espero que seja com uma atenção especial e que eu encontre
práticas que me auxiliem.” (P8)
“[...] eu preciso dar mais atenção a esse aluno.” (P10)
“[...] Fiquei mais preocupada com o aluno, pois não estava dando a devida atenção que
ele merecia.” (P23)
“[...] tenho uma preocupação maior com a aprendizagem dessa aluna.” (P14)
“[...] temos que dar uma atenção especial para ele, mas muitas vezes é gratificante.”
(P17)
É interessante notar que nas duas últimas respostas citadas acima, os
professores (P14, P17) demonstram já se preocupar com o aluno surdo. Porém, nas
respostas anteriores (P8, P10, P23), essa atenção especial é apontada como algo que
deve passar a fazer parte da prática em sala de aula.
128
No primeiro exemplo, a professora (P8) usa a expressão “de agora em diante”,
afirmando que a partir daquele momento procuraria dar uma atenção especial ao seu
aluno surdo. A resposta de P23 também é interessante, pois esta confessa que não
estava dando a devida atenção que seu aluno merecia. Nesse sentido, é importante
considerar que um dos principais objetivos dos encontros de formação continuada foi
fazer com que o professor refletisse sobre sua própria prática em relação ao aluno
surdo presente em sua sala de aula.
No primeiro exemplo citado, também é interessante notar a necessidade
apontada pela professora (P8) em encontrar conhecimentos práticos que a pudessem
auxiliar. A esse respeito, vale mencionar que outros quatro professores também
demonstraram um sentimento de insegurança e incapacidade, apontando uma maior
preocupação com sua prática como conseqüência de estarem vivenciando esse
processo de inclusão escolar:
“[...] no primeiro momento, senti-me incompetente para trabalhar com ele, mas aos
poucos tento superar estas dificuldades.” (P12)
“[...] tenho que pensar nele como alguém que está ali para aprender e eu preciso fazer
com que isso ocorra e tenho que alcançar algumas práticas para que isso ocorra. Não é
fácil, pois não temos, já, habilidades para isso, mas acredito que vamos adquirir.” (P22)
“A presença dele me deixou mais preocupado, pois não tinha nenhuma experiência com
surdos. Por isso eu me sentia mal diante dele e da classe.” (P16)
“[...] Sei que isso não significa nada para o aluno surdo, pois eles esperam muito mais.
Estou procurando me esforçar.” (P18)
É interessante observar que, ao responderem a esse terceiro questionário, os
professores já se referem ao sentimento de insegurança e incapacidade relacionando-o
mais ao passado ou ao início de sua experiência: “senti-me incompetente”, “me deixou
mais preocupado”, “me sentia mal
129
Certamente, a inclusão escolar não é algo fácil, exigindo esforço e trabalho
daqueles que nele estão envolvidos. Na realidade, há um desconhecimento geral sobre
a situação das pessoas portadoras de necessidades especiais, o que dificulta tal
processo. Porém, quando esse conhecimento vai sendo construído e trabalhado,
juntamente com outros saberes importantes a uma prática pedagógica inclusiva, o
processo de inclusão escolar começa a se mostrar possível e passa até a ser defendido
pelos que o vivenciam, conforme poderá ser observado na descrição e análise do
quarto e último questionário (anexo D), que serão realizadas a seguir.
5.2.3 Avaliação dos encontros de formação continuada e do processo de inclusão
escolar de alunos surdos
Neste momento, o questionário 4 (anexo D), que representa a avaliação dos
professores com relação aos encontros de formação continuada, será descrito e
analisado. Posteriormente, também será exposta uma atividade desenvolvida pelos
professores, no último encontro de 2006.
Por meio do questionário 4, procurou-se pesquisar o que deve continuar, ser
modificado ou aprimorado nas reuniões, os textos mais relevantes, a contribuição que
os encontros trouxeram aos professores, se realmente trouxeram, as mudanças
ocorridas na postura e prática pedagógica, bem como a avaliação dos professores
sobre o processo de inclusão escolar de alunos surdos.
O questionário 4 foi realizado no penúltimo encontro de 2006 e respondido por
dezenove professores. Sua primeira questão foi dividida em cinco partes, sendo que na
primeira parte, ressaltou-se o que deve continuar nos encontros de formação
continuada.
A esse respeito, quase metade dos professores (47,4%) apontou que o curso de
LIBRAS deve continuar, sendo que alguns frisaram que tais aulas deveriam ser mais
freqüentes e um professor apontou, ainda, que no momento do curso de LIBRAS ocorre
130
uma troca de informações e experiência interessante (P4, P5, P6, P10, P18, P19, P20,
P22, P23.
O grande número de professores que se referiram ao curso de LIBRAS,
enfatizando sua importância, reforça o fato de que a comunicação entre eles e seus
alunos surdos se dá, realmente, com dificuldades. Por outro lado, demonstra que os
professores têm consciência sobre sua responsabilidade em relação a esses alunos e
que entendem o conhecimento da LIBRAS como uma maneira de favorecer a
aprendizagem destes ou, minimamente, de torná-la possível.
Embora esse problema já tenha sido discutido, anteriormente, vale destacar o
relato de uma professora (P9), na primeira reunião de formação em serviço, em 2005,
antes de dar continuidade à descrição dos dados obtidos no questionário 4 (anexoD).
A professora relatou que, para melhorar a interação com seu aluno surdo,
perguntou à classe se havia alguém que sabia a LIBRAS e um aluno, que conhecia o
alfabeto manual, se apresentou para ajudar. Ao ouvir esse relato, outros professores se
identificaram, contaram suas dificuldades de interagir com seus alunos surdos e
apresentaram a necessidade e o desejo de aprender a LIBRAS para que tais
dificuldades fossem superadas. Vale ressaltar que, quando a Assistente Técnico-
Pedagógica (ATP) lhes disse, naquele mesmo encontro, que a Diretoria de Ensino
estava providenciando um curso de LIBRAS, todos se mostraram muito animados e
interessados.
Desde pouco antes do início dos encontros, a Assistente Técnico-Pedagógica
(ATP) havia tentado contratar um professor de LIBRAS federado pela FENEIS
(Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos), mas, isso não foi
possível, por falta de verba. Contudo, conseguiu-se a colaboração de uma intérprete de
dessa língua, que aceitou ministrar aulas durante os encontros, até que se fizesse
possível a contratação de um professor federado. Em cada encontro, a colaboradora
teve um momento de, aproximadamente, uma hora para suas aulas de LIBRAS.
Contudo, por meio do questionário 4, pode-se observar que vários professores
demonstraram o desejo de poder contar com mais tempo dedicado a essa
aprendizagem, que também deveria ser mais freqüente, na opinião deles. Ou seja,
131
cinco professores (26,3%) destacaram que deve haver mais tempo para as aulas de
LIBRAS (P7, P8, P15, P18, P21), segundo os exemplos abaixo:
“Eu acho que deveríamos ter mais tempo para aprender os sinais.” (P7)
“Esses encontros ajudaram muito, mas necessitamos de cursos mais intensivos para
realmente dominar a linguagem das libras, o que já está programado para o próximo
ano.” (P15)
“Eu acho que deveríamos ter mais tempo para aprender os sinais (Libras).” (P18)
“Não deve ser modificado nada, apenas ter mais aulas de Libras.” (P21)
Na última reunião do ano de 2006, pode-se contar com a presença da
Supervisora de Ensino da Educação especial que, juntamente com a ATP, contou aos
professores sobre o Curso de LIBRAS que seria realizado no próximo ano, 2007, com
um instrutor surdo da cidade de Marília-SP, federado pela FENEIS.
Ainda com relação à importância do conhecimento da LIBRAS, vale destacar o
relato de uma professora (P8), no decorrer do sétimo encontro. A docente compartilhou
que ao apresentar, em sala de aula, uma pequena estória ensinada pela colaboradora
professora de Libras, sua aluna surda se emocionou muito. A professora disse que
sentia muito o fato de ter sido “apenas aquele momento”, conforme suas palavras, em
que ela percebeu que estava sendo, realmente, compreendida pela aluna, falando sua
própria língua. Ela completou sua fala, desabafando: “Em todo o resto do ano, eu fingi
que estava ensinando e a aluna fingiu que estava aprendendo”.
Certamente, o desabafo da professora, citado acima, ilustra a situação de muitas
salas de aula que estão vivenciando o processo de inclusão escolar, pois, infelizmente,
como se pode notar, poucos são os professores que conseguem comunicar-se com
seus alunos surdos de maneira eficiente.
Os alunos surdos precisam ter acesso aos conteúdos trabalhados na classe e,
para tanto, vale frisar um outro ponto importante: faz-se expressamente necessário e
urgente que a lei que prevê a presença de intérpretes de LIBRAS em salas de aulas
que possuem alunos surdos se cumpram e, a esse respeito, é interessante destacar as
palavras de uma outra professora (P1), proferidas no quarto encontro: “[...] a Inclusão
veio de cima para baixo. O governo jogou essa responsabilidade em cima e agora tem
132
de cumprir toda a lei que assegura que haja um intérprete em sala de aula”. Alguns
professores relataram, inclusive, que os pais de seus alunos surdos estavam lutando
para conseguir intérpretes de LIBRAS nas salas de aula freqüentadas por seus filhos.
Em relação à presença de intérpretes de LIBRAS nas classes regulares, ainda é
importante fazer algumas colocações. Segundo Lacerda (2006), são poucas as
pessoas com formação específica para atuarem nessa função, sendo que o maior
número está concentrado nos grandes centros, onde tem crescido o número de cursos
oferecidos nessa área e, por isso, torna-se mais difícil encontrar intérpretes no interior.
Além disso, a simples presença do intérprete na sala de aula, atuando apenas como um
tradutor, não é suficiente.
Lacerda (2006) aponta que o intérprete de LIBRAS deve participar das
atividades, procurando dar acesso aos conhecimentos, e isso é resultado de exemplos,
sugestões e de muitas outras formas de interação inerentes ao cotidiano do aluno surdo
em sala de aula, que vão além da simples tradução em LIBRAS. Além disso, deve
haver sintonia entre o trabalho do professor e do intérprete. Na pesquisa realizada pela
referida autora, duas intérpretes de LIBRAS relatam que, “muitas vezes o professor não
assume seu papel diante do aluno surdo, delegando funções a elas ou propondo
atividades que não fazem qualquer sentido para este aluno.” (LACERDA, 2006, p. 9).
Assim sendo, para que a inclusão escolar realmente ocorra, de maneira
responsável, é necessário que, além do trabalho de intérpretes de LIBRAS nas salas de
aula, haja professores preparados e cientes das questões que envolvem a surdez e a
Língua de Sinais, a leitura e a escrita de surdos, bem como a adequação dos currículos
e dos aspectos didáticos e metodológicos, conforme abordamos no decorrer do
presente trabalho.
Voltando à análise das respostas dadas pelos professores à primeira parte da
primeira questão do questionário 4, “O que deve continuar?”, sete professores (36,8%)
afirmaram que o curso, de maneira geral, deve continuar da forma como foi realizado
(P3, P7, P9, P14, P15, P21, P25). Os exemplos abaixo assim demonstram:
“As OT’s, pois estão sendo super importantes para o nosso trabalho em sala de aula.”
(P3)
“Em primeiro lugar, os encontros, as mesmas professoras, pois elas são ótimas.” (P7)
133
“De maneira geral, os encontros, pois neles podemos não só adquirir conhecimento
sobre como lidar com os surdos como troca de experiências de sala de aula com outros
professores.” (P9)
“Os encontros e cursos para que os professores possam realmente ajudar facilitando e
realmente proporcionando a aprendizagem dos alunos com deficiência.” (P15)
A troca de experiências foi enfatizada por cinco professores (26,3%) como algo
que deve continuar nos encontros de formação continuada (P4, P8, P10, P18, P22) e
quatro professores (21%) destacaram a importância das sugestões pedagógicas (P5,
P17, P18, P23).
Dois professores (5,3%) apontaram que as leituras devem continuar (P10, P12),
outro (5,3%) ressaltou a análise de produções escritas dos alunos surdos e os
exercícios práticos dos encontros (P8) e, ainda, outro (5,3%), as atividades em dupla
(P12).
A segunda parte da primeira questão, do questionário 4 (anexo D), trata sobre o
que deve ser modificado nos encontros.
A esse respeito, cinco professores (26,3%) enfatizaram que os encontros devem
ser mais freqüentes (P3, P5, P17, P18, P23), conforme se pode notar em suas
respostas:
“Nada, está tudo jóia, embora os encontros sejam bem distantes uns dos outros...”
(P3)
“Encontros freqüentes.” (P5)
“O tempo, as orientações deveriam ser pelo menos 1 vez ao mês.” (P17)
“[...] que houvesse um período de tempo menor entre um encontro e outro.” (P18)
Na verdade, o período em que esses encontros de formação continuada
ocorreram coincidiu com a realização de muitas outras capacitações e cursos,
oferecidos pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo. Assim, não havia
tempo nem espaço para que tais reuniões fossem mais freqüentes. De qualquer modo,
esses apontamentos dos professores demonstram a importância dos encontros na sua
formação e trabalho.
134
Ainda, três professores (15,8%) apontaram que nada deve ser mudado:
“Nada.” (P4)
“Não vejo necessidade de modificação em nada.” (P10)
“Nada deve ser modificado.” (P20)
Concluindo a descrição e análise dessa primeira parte do questionário 4 (anexo
D), dois professores (10,5%) apontaram que alunos surdos deveriam participar de
alguns encontros (P19, P22).
Um professor (5,3%) respondeu que deve haver mais troca de experiências
(P14) e outro (5,3%) ressaltou que as reuniões deveriam ser abertas para todos os
professores de Língua Portuguesa (P25).
Finalmente, um professor (5,3%) respondeu que não tinha sugestão a dar (P9) e
outro (5,3%) deixou a resposta em branco (P6).
A terceira parte da primeira questão focaliza o que deve ser aprimorado nos
encontros.
Mais da metade dos professores (58%) enfatizou que o curso de LIBRAS pode
ser aprimorado (P5, P6, P7, P8, P14, P18, P19, P20, P21, P22, P23). Considerando-se,
também, as respostas dos professores ao que deve continuar e ao que deve ser
modificado nos encontros, pode-se ressaltar que, ao todo, quatorze professores
(73,7%) mencionaram o curso de LIBRAS, especialmente, destacando que este deve
ser realizado com mais tempo. Uma das professoras (P7), inclusive, apontou, como
sugestão, que deveria haver um professor de LIBRAS em cada escola, para “trabalhar
com todos os professores pelo menos uma vez por semana”, conforme suas palavras.
Três professores destacaram que deveriam ser feitas apostilas (P17, P19, P22):
“Trabalhar com apostilas, pois às vezes não lembramos de todos os sinais, tendo a
apostila, podemos estudar mais.” (P17)
“Apostilas simplificadas.” (P19)
“Apostilas e mais aulas práticas (pois esses encontros nos ajudam muito tem sido a
nossa base, mas não podemos no momento fazer esses cursos nos finais de semana).”
(P22)
135
Pode-se notar, por meio dos exemplos acima, que os professores estão se
referindo a apostilas de LIBRAS, que facilitariam a aprendizagem e prática dos sinais. A
colaboradora que se propôs a dar aulas de LIBRAS pediu para que tirassem xerox de
sua apostila que continha inúmeros sinais explicados por meio de desenhos, porém, por
falta de verba, isso não foi possível. Contudo, todos os demais textos trazidos pela
colaboradora foram xerocados e entregues aos professores.
A partir de 2007, inicia-se um curso exclusivamente dedicado à aprendizagem de
LIBRAS, em que os professores terão a possibilidade de receber suas apostilas,
conforme relato da ATP, em um dos últimos encontros.
Dois professores (10,5%) apontaram, como aprimoramento, a vivência das
atividades, na prática (P5, P23). Em suas respostas completas, pode-se perceber que,
na verdade, eles estão se relacionando à própria prática, pois ambos colocam o
relacionamento com seus alunos surdos como algo que também deve ser aprimorado,
embora a questão esteja focalizando a avaliação dos encontros e não da própria prática
pedagógica.
Um professor (5,3%) mencionou que a análise dos trabalhos dos alunos surdos e
a orientação podem ser aprimoradas (P10), outro apontou que podem ser aprimorados
diferentes modos de se trabalhar a leitura com alunos surdos (P3) e, outro sugeriu que
os encontros devem ser estendidos a todos os professores (P15).
Apenas um professor (5,3%) destacou que não há nada para ser aprimorado
(P4) e houve apenas uma resposta em branco (P25).
Vale destacar a resposta de uma professora que freqüentou as reuniões desde o
início, em 2005, e que pode ser considerada como uma retrospectiva dos encontros de
formação continuada. Sua resposta foi a seguinte:
“Tudo pode ser aprimorado, sempre! Desde o nosso primeiro encontro até este último,
muita coisa foi aprimorada. No início tivemos pouco contato com a LIBRAS, depois ela
passou a fazer parte dos encontros com as aulas da J. Esse aprimoramento ocorreu
diante da dificuldade que os professores diziam ter para lidar com os alunos surdos. Aos
poucos vamos aprimorando, pois tudo isso ainda é novo para a escola e para a
sociedade.” (P9)
136
A quarta parte da primeira questão trata sobre os textos mais relevantes, entre
os que foram abordados ao longo das reuniões.
Vale ressaltar que todos os textos abordados abaixo constarão nas referências
bibliográficas deste trabalho.
A maior parte dos professores (36,8%) apontou “Leitura e surdez” (PEREIRA &
KARNOPP, 2003) como a leitura ou uma das leituras mais relevantes.
Seis professores (31,6%) responderam que todos os textos abordados foram
relevantes, conforme demonstram os exemplos abaixo:
“Todos os textos teóricos foram relevantes. Nós, professores de surdos, partimos da
estaca zero, lidando com uma situação nova em sala de aula, portanto cada linha lida e
comentada foi de grande valia. As produções de alunos surdos lidas e analisadas pelas
capacitadoras ajudou-nos a entender e a aceitar os textos produzidos pelos nossos
alunos. Passei a analisar os textos, não só dos surdos como dos ouvintes, com mais
carinho e bom senso. Ajudou muito!” (P9)
“Todas as leituras foram válidas no sentido de enriquecer o nosso trabalho na sala de
aula.” (P15)
“Todos os textos foram relevantes para compreendermos melhor as dificuldades dos
nossos alunos surdos e a necessidade de estarmos atentos a eles.” (P25)
No primeiro exemplo, citado acima, é interessante observar como a professora
se coloca: “nós, professores de surdos”. Suas palavras demonstram que ela, não
somente aceitou o fato de ter um aluno surdo em sua sala de aula, mas já se enxerga
como uma professora de surdos, expressão que, há tempos atrás, só poderia ser
empregada por uma professora especializada em Deficiência Auditiva. Destaco esse
fato, porque, geralmente, a tendência dos professores é não aceitar essa situação, com
o principal argumento de que essa responsabilidade deve ser para os professores que
se especializaram na área da surdez ou em qualquer área voltada para alunos com
necessidades especiais.
Também vale ressaltar que, diferentemente dos outros professores, essa
professora (P9) também destacou os textos produzidos pelos alunos surdos e o quanto
137
a análise dos mesmos contribuiu para entendê-los e aceitá-los. Tal contribuição
também foi válida para o seu trabalho com as produções escritas dos alunos ouvintes.
Sem dúvida, esse é um dos pontos positivos desse processo de inclusão escolar:
permitir uma contínua reflexão sobre a própria prática pedagógica, visando a um ensino
que alcance a todos os alunos, considerando-se as diferenças destes.
“Leitura, escrita e surdez” (SÃO PAULO, 2005) foi apontada como a leitura ou
uma das leituras mais relevantes, por seis (31,6%) professores (P3, P4, P5, P12, P20,
P23).
Os dois volumes de “Ensino de Língua Portuguesa para surdos” (SALLES et al.,
2004) foram indicados por quatro (21%) professores (P4, P5, P21, P23).
Dois artigos denominados “Relato de um surdo”, em que pessoas surdas
compartilham suas experiências (SEGALA [2002?]; YAMAMOTO, [2002?]) foram
apontados por quatro (21%) professores (P5, P8, P17, P23).
O artigo “Comunicação dos surdos” (KOJIMA; SEGALA, [2002?]) foi destacado
por três (15,8%) professores (P4, P5, P23).
O artigo “Aquisição do Português por aprendizes surdos” (PEREIRA, 2000), por
dois (10,5%) professores (P7, P21).
“Definição de surdez” (PACCINI, 2006), texto produzido por mim,
especificamente para os encontros, a fim de esclarecer o assunto aos professores, foi
apontado por dois (10,5%) deles (P18, P21).
Dois professores (10,5%) indicaram “Definição de surdez”, texto produzido pela
pesquisadora, especificamente para os encontros, a fim de esclarecer o assunto aos
professores (P18, P21).
Um professor (5,3%) destacou “Aspectos lingüísticos da libras” (PARANÁ, 1996)
(P4) e outro, ainda, o “Alfabeto manual brasileiro” (KOJIMA; SEGALA, [2002?]) (P6).
Conforme foi possível observar, dos textos trabalhados nos encontros de
formação continuada, aqueles relacionados à leitura e escrita foram os mais
enfatizados pelos professores, como os mais relevantes.
A última parte dessa primeira questão, do questionário 4, focaliza como e qual foi
a contribuição dos encontros para os professores, se esta ocorreu.
138
A esse respeito, todos os professores (100%) responderam afirmativamente,
relatando que os encontros de formação continuada contribuíram em diversos
aspectos.
A grande maioria dos professores (68%) ressaltou que os encontros contribuíram
para uma mudança na sua concepção sobre o aluno surdo, bem como na sua postura
em relação ao mesmo (P4, P7, P8, P9, P10, P14, P15, P17, P18, P19, P21, P23, P25).
Os exemplos abaixo comprovam esse fato:
“A contribuição foi muito importante, pois nos mostrou como o aluno com D. A. aprende,
qual sua primeira língua, a importância de garantir vocabulário e domínio do texto
escrito.
Nos permitiu também refletir sobre o aluno, e procurar meios para ajudá-lo na sua
convivência social. ” (P4)
“Passamos a ver o deficiente auditivo de outra maneira, mais preocupação com a
aprendizagem, interação com os colegas e professores, uma cobrança maior em relação
à participação desse aluno na sala de aula.” (P7)
“Apesar de não ter podido participar de todos os encontros, esses momentos de
encontro e reflexão fizeram com que eu visse de modo diferente os alunos com
necessidade especial e procurasse buscar caminhos para atendê-los com mais
eficiência.” (P15)
É interessante notar que, nos exemplos citados acima, existem expressões,
como: “procurar meios”, “mais preocupação”, “uma cobrança maior”, “buscar caminhos”,
que demonstram que os professores passaram, realmente, a encarar o aluno surdo
como sua responsabilidade, buscando uma prática que não seja negligente, mas que
seja, sim, voltada para seus alunos e, por isso, mais eficiente.
O reconhecimento da importância da LIBRAS foi apontado, como contribuição,
por cinco (26,3%) professores (P4, P8, P18, P19, P22), como demonstram os
exemplos, a seguir:
“... Ter uma idéia da dificuldade desses alunos em aprender uma segunda língua
(português) e da necessidade da sua primeira língua no seu aprendizado.” (P18)
139
“Compreendemos melhor nossos alunos com deficiência auditiva e reconhecemos a
riqueza da Língua Brasileira de Sinais.” (P19)
“Aprendemos a olhar com “outros olhos” para nossos alunos e a reconhecer a
importância do mundo dos sinais.” (P22
As orientações teóricas e práticas foram destacadas por quatro (21%)
professores (P3, P5, P12 P23), segundo os exemplos abaixo:
“As contribuições foram as experiências transmitidas pelas especialistas para o
desenvolvimento da leitura e escrita para os alunos que apresentam essas deficiências.”
(P3)
“Dicas de aprendizagem e orientações teóricas e práticas.” (P5)
“[...] as orientações teóricas e práticas.” (P23)
A possibilidade de discussão e troca de experiências foi enfatizada por dois
(10,5%) professores (P6, P20):
“[...] Outro fator importante no decorrer do curso foi a troca de experiências entre os
participantes.” (P6)
“Sim. As discussões, as socializações das atividades que os colegas trazem foram muito
importantes para aprimorarmos, aprendermos e refletirmos sobre nossa prática em sala
de aula, em especial com os alunos com D. A.” (P20)
Um professor (5,3%) comentou que os encontros contribuíram para a reflexão
sobre as dificuldades e os benefícios da educação inclusiva (P10) e outro (5,3%), para
melhorar a comunicação e, conseqüentemente, o seu relacionamento com o aluno
surdo (P6).
A segunda questão do questionário 4 (anexo D) enfoca as mudanças ocorridas
na atitude e na prática pedagógica, durante o período em que os professores
participaram dos encontros.
140
Nesse sentido, oito professores (42%) declararam que sua prática passou a ser
mais voltada para o aluno surdo (P3, P4, P7, P9, P10, P12, P14, P15), como se pode
observar nos seguintes exemplos:
“[...] Queria ensiná-lo escrever ensinando os métodos convencionais. Somente depois
dos encontros percebi meu erro e aprendi bastante sobre as pessoas com D. A.” (P4)
“Passei a prestar mais atenção à minha aluna N. e busquei caminhos para poder
atender melhor as necessidades dela na classe[...].” (P10)
“A minha visão perante a aluna, na sala de aula, aumentou bastante, pois tive mais
cuidado com a minha didática e orientação perante a sala.” (P14)
Uma maior atenção e preocupação com o aluno surdo e sua aprendizagem foi
apontada por oito (42%) professores (P5, P6, P7, P10, P14, P20, P21, P23), como
demonstram os exemplos abaixo:
“Passei a ficar mais preocupada com a aprendizagem do aluno surdo.” (P5)
“Passei a dar mais atenção ao aluno portador de D. A., tratando-o de maneira
diferenciada[...].” (P20)
“Houve muitas mudanças, principalmente no meu comportamento e preocupação e
sensibilização diante do aluno auditivo.” (P21)
Ainda, cinco professores (26,3%) enfatizaram que passaram a conhecer melhor
o aluno surdo, sua aprendizagem e dificuldades (P4, P8, P10, P15, P25), segundo os
seguintes exemplos:
“[...] Somente depois dos encontros percebi meu erro e aprendi bastante sobre as
pessoas com D. A.” (P4)
“Comecei a entender o mundo do surdo, como é o seu entendimento das coisas e o que
a “nossa língua portuguesa” é para ele: estrangeira.” (P8)
“[...] Os textos por ela produzidos agora me parecem mais coerentes, pois passei a
conhecer as dificuldades do aluno D. A. (com relação ao uso da Língua Portuguesa).”
(P10)
141
Dos exemplos citados acima, vale ressaltar o último, em que a professora (P10)
declara que, após conhecer melhor as dificuldades do aluno surdo com a Língua
Portuguesa, passou a perceber melhor a coerência nos textos produzidos por sua
aluna. Certamente, o conhecimento que temos sobre o autor de um determinado texto
deve ser considerado como um importante fator que pode contribuir na construção de
sentido de tal texto.
Dando continuidade à descrição e análise dos dados obtidos na segunda
questão do quarto questionário, três professores (15,8%) destacaram, como mudança,
o melhor relacionamento entre eles e os alunos surdos, conforme os exemplos abaixo
(P17, P19, P22):
“Eu consegui me relacionar melhor com a aluna.” (P17)
“Nos aproximamos mais do aluno com deficiência auditiva, incluindo-o, pois as barreiras
da comunicação estão sendo superadas.” (P19)
“Nos aproximamos mais dos D. A. e tanto nós como eles aprendemos a conviver.” (P22)
Dois professores (10,5%) responderam que passaram a incentivar mais os seus
alunos surdos a participar das atividades escolares (P6, P25).
Estratégias para facilitar a compreensão do aluno surdo passaram a ser
adotadas por dois (10,5%) professores (P12, P18).
Dois professores (10,5%) apontaram uma maior preocupação com a socialização
do aluno na classe (P18, P20), outros dois (10,5%) responderam que passaram a ter
mais segurança para desenvolver seu trabalho em sala de aula (P4, P6) e um outro
professor (5,3%) destacou que passou a valorizar os progressos realizados pelo aluno
surdo (P7).
É interessante ressaltar a resposta de uma professora (5,3%), apontando a
mudança de sua concepção sobre si mesma, como professora, o que,
conseqüentemente, gerou mudanças em seu trabalho em sala de aula (P9):
“Muitas mudanças ocorreram na minha postura em sala de aula, na visão que eu tinha
do professor. Hoje eu sei que sou muito mais do que uma professora, sou uma
“educadora”. Minha função em sala de aula vai muito além do conteúdo. Procurei tornar
142
minhas aulas mais humanizadas, mais voltadas para o “ser”. Esses encontros me
fizeram refletir sobre o aluno, cada qual com suas limitações e, no caso dos surdos, com
suas necessidades especiais. A partir de então cada aluno, não só o surdo passou a ser
especial.”
Como se pode observar no exemplo citado acima, essas mudanças vivenciadas
pela professora (P9) fizeram, inclusive, com que ela enxergasse que todos os seus
alunos, sejam surdos ou ouvintes, são especiais.
A terceira e última questão do questionário 4 focaliza a avaliação dos
professores a respeito do processo de inclusão de surdos em salas regulares de
ensino. De acordo com as respostas dos professores, todos se mostraram favoráveis a
esse processo.
Pouco mais da metade dos professores (52,6%) avaliou o processo de inclusão
de surdos positivamente, utilizando expressões, como: “muito bom”, “fundamental”,
“muito válido”, “de grande importância”, “essencial” e etc., em suas repostas. A seguir,
alguns exemplos que demonstram esse fato:
“Eu avalio de maneira positiva, de grande importância esse processo de inclusão de
inclusão de surdos em salas regulares de ensino” (P21)
“É uma forma muito importante de inserir todos os alunos independentes de seus limites
e barreiras que muitas vezes impedem o nosso aluno especial de ter um tratamento de
igualdade com os demais.” (P3)
“Vejo nisso um grande avanço. Numa época em que o grande desafio é a convivência, a
inclusão de surdos em salas regulares nos obriga a repensar nossos conceitos e
possibilitar, a todos os envolvidos no processo, uma postura diferente diante de algo que
poderia ser motivo de preconceito e intolerância.” (P10)
A inclusão escolar de surdos foi apontada como uma maneira de propiciar a
convivência com as diferenças e a aprendizagem mútua, por sete professores (36,8%)
(P3, P6, P10, P15, P17, P22, P25), como se pode notar nos exemplos abaixo:
143
“Muito válido, pois dá oportunidades para que as crianças convivam com alunos que
apresentam várias outras dificuldades, provocando crescimento e uma melhor
convivência.” (P15)
“Um processo significante, pois o D. A. interage com os colegas, tendo assim uma
mudança até de postura, pois participam dos projetos, brincam. Sabemos que muitos na
sua própria casa ficam recuados, quietos sem participar de nada.” (P17)
“É muito bom que este processo esteja acontecendo, é uma maneira de propiciar a
convivência com os outros alunos. E também uma grande aprendizagem para os que
não apresentam dificuldades.” (P25)
O lado negativo e o lado positivo do processo de inclusão escolar de surdos
foram destacados por seis professores (31,6%) (P4, P5, P8, P19, P22, P23). Sendo
que, o lado negativo foi marcado pelo despreparo e, conseqüente, dificuldade, e o lado
positivo foi representado pelo avanço que tal medida representa para a sociedade, pelo
fato de se mostrar algo essencial tanto para os surdos quanto para os demais,
considerados “normais”, pela troca de aprendizagem possibilitada pela convivência de
todos e por outros benefícios provenientes da inclusão.
As expressões negativas e positivas utilizadas pelos professores citados acima,
em suas respostas, foram as seguintes: difícil / bom; (muito) difícil / necessária;
trabalhoso / de grande importância; não é algo fácil / de grande importância; traumático
/ grande avanço.
Os exemplos, a seguir, demonstram esse fato:
“Considero a inclusão em salas regulares um grande avanço, quanto ao processo, creio
que foi meio traumático para nós, professores, pois não estávamos preparados para
lidar com as diferenças, porém, os portadores de deficiência não podiam esperar. Foi
difícil mas foi bom.” (P4)
“Difícil, muito difícil para os dois lados, que depende de muita preparação, mas
necessária.” (P8)
“Não é algo fácil de ser feito, mas de grande importância já que, se não fosse essa
preocupação, ele estava ainda lá no fundo da classe sendo encarado como um
“estranho no ninho”.” (P19)
144
É interessante observar, no último exemplo exposto acima, que o professor (P19)
demonstra não considerar a inclusão como a simples inserção do aluno surdo em sala
de aula, mas sim, como um processo que visa à sua real inclusão, impedindo que seja
encarado como um “estranho no ninho”, ou seja, o simples fato de o aluno surdo, ou de
qualquer outro aluno com necessidades educacionais especiais, estar matriculado
numa classe regular de ensino não representa que ele esteja, realmente, incluído. Por
isso, no presente trabalho, optou-se pelo uso da expressão ‘processo de inclusão
escolar’, e não, diretamente, ‘inclusão escolar’, pois esta representa algo que se está
buscando, mas que ainda se encontra em processo.
O processo de inclusão escolar foi apontado como um direito dos surdos, por
três (15,8%) professores (P3, P14, P20).
“É uma forma muito importante de inserir todos os alunos independentes de seus limites
e barreiras que muitas vezes impedem o nosso aluno especial de ter um tratamento de
igualdade com os demais.” (P3)
“Muito bom, pois eles têm os mesmos direitos que os “normais”.” (P14)
“Todas as pessoas, independente de suas limitações, devem ter acesso à educação
formal. Portanto a escola não pode excluir, “fechar os olhos” a essas pessoas. Devemos
sim, procurar formas de fazer com que pessoas com D. A. interajam com os professores
e colegas de forma a tirar o melhor proveito possível e tornar-se um cidadão pleno.”
(P20)
Um professor (5,3%) considerou tal processo como difícil para o aluno surdo, se
este não receber auxílio e apoio de seus colegas de classe (P18).
Um dos professores (5,3%) enfatizou a importância da sala de recursos para que
os alunos surdos se desenvolvam melhor.
A sala de recursos é o lugar em que o professor especialista atende às principais
dificuldades educacionais apresentadas pelos alunos, ajudando-os a progredir com
atividades específicas. A esse respeito, é importante frisar que, várias vezes, ao longo
dos encontros, os professores foram informados sobre a importância da sala de
recursos e também foram bastante incentivados a verificar e estimular a participação do
aluno na referida sala. Como já foi mencionado, a professora da sala de recursos,
145
especialista na educação de surdos, participou de nossos encontros, podendo contribuir
imensamente, inclusive, dando informações mais específicas sobre cada aluno
participante de sua sala.
A sala de recursos está localizada em uma escola de Assis. Pode-se notar,
durante os encontros, que muitos surdos não estavam sendo atendidos na sala de
recursos, principalmente os que moravam em outras cidades, por falta de condução.
Esta parece ser mais uma luta que se está enfrentando, pois algumas prefeituras não
têm disponibilizado transporte a esses alunos e várias famílias não têm condição
financeira para suprir tal necessidade. Por isso, a professora da sala de recursos
relatou que tem procurado fazer um trabalho itinerante, a fim de atender ao maior
número de alunos possível. Segundo a professora, cada aluno deve freqüentar a sala
de duas a três horas semanais.
Voltando à avaliação dos professores sobre o processo de inclusão de surdos no
ensino regular, vale ressaltar, ainda, a resposta de um dos professores (P9) a essa
última questão, pois suas palavras representam uma retrospectiva de sua experiência
nesse processo, como se pode observar, a seguir:
“No início, achava um absurdo. Dizia que isso não era inclusão, era exclusão, pois o
aluno ficava isolado, desprezado. Porém, a experiência que tive com a K. jogou por terra
essa minha visão. No início da 5
a
série ela parecia um“bichinho acuado”, no canto da
sala, mas depois de um tempo ela se inteirou tanto com os colegas de sala que passou
até a falar algumas palavras, se comunicar mais... A partir dessa experiência, passei a
ver a inclusão como algo essencial e de grande importância não só para as famílias dos
surdos como para a sociedade, que deverá caminhar para uma vida mais humanizada e
menos preconceituosa.”
No início do relato, citado acima, pode-se observar uma reação que é comum,
tanto entre os professores do ensino especial quanto entre professores do ensino
regular, em relação ao processo de inclusão escolar. Segundo O’Brien & O’Brien:
Incluir os alunos com deficiências importantes nas turmas de educação
regular eleva a consciência de cada aspecto inter-relacionado da escola
como uma comunidade[...] Como bem sabe a maioria das pessoas que
enfrenta a luta pela inclusão, essa consciência elevada em geral surge na
forma de medo e defesa [...] (O’BRIEN & O’BRIEN, 1999, p. 48).
146
É interessante observar a mudança da concepção da professora sobre o
processo de inclusão escolar, a partir de sua própria experiência.
De maneira geral, ao final desse processo de formação em serviço, os
professores mostraram-se mais sensibilizados com relação à inclusão escolar e mais
conscientes de suas responsabilidades no desenvolvimento social e educacional de
seus alunos surdos.
Várias dificuldades foram apontadas, porém, certamente, o reconhecimento de
tais dificuldades representa um passo importante na busca de soluções e na luta pela
concretização de direitos, já legitimados, que viabilizem o processo de inclusão escolar.
Pode-se notar que, aos poucos, os sentimentos de medo e defesa, citados por
O’Brien & O’Brien (1999), foram sendo substituídos por uma busca de conhecimentos
relevantes e constantes reflexões sobre a própria prática pedagógica e sobre os alunos
surdos, a fim de que estes fossem alcançados e passassem a ter um papel mais ativo
em sua aprendizagem. Indubitavelmente, o processo de formação continuada foi um
importante meio para a construção conjunta de conhecimentos necessários à melhor
formação desses professores, que vivenciam o processo de inclusão escolar.
No último encontro de formação continuada de 2006, os professores também
produziram um álbum de recordações, por meio do qual expressaram, com recortes e
colagens, um pouco do que vivenciaram nos encontros. Nas páginas do álbum havia os
seguintes temas: ‘Amigos que conquistamos’, ‘Uma lição que ainda achamos difícil’,
‘Uma lição que agora achamos fácil’, ‘Algo de que vamos sentir saudades’ e ‘Nosso
projeto para o próximo ano’.
A seguir, será exposto um álbum de recordações, montado com algumas das
páginas confeccionadas pelos professores, a fim de se demonstrar, mesmo que
parcialmente, o que os professores expressaram nessa atividade.
147
“ÁLBUM DE RECORDAÇÕES”
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150
151
152
Por meio dessa montagem parcial dos álbuns produzidos pelos professores,
pode-se constatar a relevância dos encontros de formação para sua aprendizagem e
crescimento mútuos; para sua melhor compreensão sobre o processo de inclusão
escolar, como um desafio que precisa ser abraçado e incorporado; para a discussão e
adoção de medidas importantes que envolvem o desenvolvimento de projetos
pedagógicos que promovem práticas reais de leitura e escrita; para o entendimento,
respeito e valorização da heterogeneidade de suas salas de aula, acreditando e
tornando possível o desenvolvimento educacional de todos os alunos; para a
imprescindibilidade do trabalho conjunto e, enfim, para a importância vital de refletir
sobre sua prática pedagógica, antes, durante e após esta, a partir das necessidades de
cada aluno.
A realidade representada pelos professores participantes desta pesquisa remete
à situação de muitos outros professores, espalhados por todo o Brasil, que estão
enfrentando o desafio da inclusão. Representa, mesmo que parcialmente, a realidade
das escolas que, principalmente nesse início do século XXI, atendendo aos princípios
promulgados na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB) de dezembro
de 1996, estão recebendo alunos portadores de necessidades especiais.
Segundo a LDB (nº 9394/1996), os sistemas de ensino deverão assegurar
professores especializados ou devidamente capacitados, que possam atuar com
qualquer pessoa especial na sala de aula (BRASIL, 1996).
Conforme foi possível constatar, por meio dos resultados obtidos neste trabalho,
embora os professores tenham aceitado o processo de inclusão escolar, mostrando-se
favoráveis a ele, pelo menos em seu discurso pedagógico, os sentimentos de
incapacidade e insegurança permearam esse processo de formação em serviço,
especialmente em seu início.
Nesse sentido, concluindo esse momento de discussão sobre os resultados da
pesquisa, ainda é importante fazer algumas considerações sobre a formação de
professores, seja ela inicial ou em serviço, tendo em vista o processo de inclusão
escolar. A esse respeito, dois pontos podem ser destacados:
Desde o final do século XX, a formação continuada tem sido um tema
amplamente discutido no âmbito educacional e muitos professores têm participado de
153
inúmeras capacitações oferecidas pelos sistemas estaduais e municipais de Educação.
Essa ênfase dada à formação continuada pode, se não for devidamente dimensionada,
representar uma desvalorização em investimentos na formação inicial, o que significaria
uma inversão de prioridades na área de política educacional. Nessa situação, a
formação inicial, não representando o suporte necessário para a construção de
conhecimentos importantes à prática, acaba por demandar outros processos de
formação, para que então, tais conhecimentos possam ser apropriados pelos
professores.
Por outro lado, não se pode esquecer que tanto o mundo contemporâneo como,
conseqüentemente, o próprio ensino, passam por constantes mudanças nas áreas do
conhecimento, da tecnologia, na área social, que exigem da escola novas práticas, que
devem estar em sintonia com tais mudanças. E, nesse sentido, torna-se realmente
difícil a formação inicial dar conta de todos esses saberes, de forma contextualizada.
Pimenta aponta que, tanto a formação inicial quanto a formação em serviço
podem se mostrar pouco eficientes se não tomarem a prática docente e pedagógica
escolar em seus contextos (PIMENTA, 1999). O processo de inclusão de alunos
portadores de necessidades educacionais especiais já faz parte da realidade da prática
docente e pedagógica da escola, tornando necessário e até mesmo urgente que o
currículo dos cursos de formação inicial de professores contemple tal assunto.
A formação em serviço também se faz extremamente importante, principalmente
na viabilização de um processo relativamente novo e desafiante como a inclusão
escolar, sendo que a grande maioria dos professores ainda não teve acesso a
conhecimentos necessários à concretização desse processo, conforme se pôde
comprovar por meio da presente pesquisa. Além disso, na formação continuada, os
professores têm a possibilidade de compartilhar e refletir sobre suas próprias
experiências, construindo novos conhecimentos a partir das necessidades surgidas em
sua prática, no contexto de suas salas de aula.
Segundo Villa (1998, p. 31):
“a formação contínua do professor deveria ser programada com base nas
necessidades e nos pedidos específicos do centro de ensino, imersa
numa comunidade concreta, e levada adiante coma colaboração estreita
entre professores, centros de ensino e departamentos universitários de
uma mesma região [...]”.
154
Pimenta (1999, p. 18), ressalta o caráter dinâmico da profissão docente e as
necessidades e desafios do ensino como realidade e prática social. A autora fala sobre
a importância da mobilização de conhecimentos necessários à compreensão do ensino
como realidade social e do desenvolvimento da “capacidade de investigar a própria
atividade para, a partir dela, constituírem e transformarem os seus saberes-fazeres
docentes, num processo contínuo de construção de suas identidades como
professores.”
A compreensão do ensino como realidade social resulta em um ensino voltado
para as diferenças, que reconhece as individualidades dos alunos e se desenvolve de
acordo com as capacidades de cada um deles.
Todos os alunos, sejam ouvintes ou surdos, devem ser compreendidos como
seres sociais, histórico e culturais, como pessoas que possuem experiências e
conhecimentos particulares e, no caso dos surdos, uma língua própria. O currículo e a
prática pedagógica devem ser pensados, a partir da diversidade apresentada pelos
alunos, que também possuem diferentes ritmos de aprendizagem, estilos, interesses e
habilidades.
Marcondes e Tura (2004) discorrem sobre uma “idealização” da homogeneidade
nas salas de aula:
Há uma referência explícita a um ideal de padronização de atividades
acadêmicas, que reflete fortemente a homogeneização de condutas e
ritmos de aprendizagem e a ilusão de uma apropriação coletiva de
conteúdos de aprendizagem ao mesmo tempo a partir de uma didática
comum. (MARCONDES & TURA, 2004, p. 200).
Uma prática inclusiva de leitura e escrita, ao contrário, releva as diferenças e
centraliza seu trabalho nas necessidades e potencialidades de cada um, enfatizando a
função social da linguagem escrita, por meio de atividades significativas, com
finalidades concretas, especialmente, inseridas em projetos maiores, que envolvam os
interesses dos alunos e que demandem tais atividades de leitura e escrita, em seu
processo.
O professor, co-autor no processo de construção da linguagem escrita, vai
interagindo com questionamentos aos textos a serem lidos, abrindo caminhos à
atribuição de sentidos, e com questionamentos feitos a partir das produções dos
155
alunos, visando a uma melhor sistematização dos textos, conforme as necessidades
que estes apresentem ou conforme os aspectos lingüísticos que se queira trabalhar.
Embora a prática pedagógica tenha sido tradicionalmente pensada para se
manter dentro de padrões estabelecidos, na verdade, a homogeneidade não existe na
realidade escolar e, segundo Lüdke e Mediano (1992), pode ser a causa de muita
estigmatização de alunos que acabam sendo rotulados como fracos. Embora a
heterogeneidade possa ser entendida como um risco, ela representa a realidade das
salas de aula e, assim, sua aceitação é uma atitude pontual para a possibilidade de
desenvolvimento educacional de todos os alunos. Nesse sentido, aceitar um aluno com
necessidades educacionais especiais para, realmente, incluí-lo, é aceitar a diversidade
na sala de aula.
Enfim, a realidade da heterogeneidade deve ser trabalhada na formação
docente, seja inicial ou em serviço, para que os professores sejam aptos a trabalhar
com o currículo, possibilitando não só o atendimento à diversidade, mas também a
criação de um ambiente escolar favorável à aceitação do diferente (MARCONDES &
TURA, 2004). De qualquer modo, é importante ressaltar que toda essa mudança faz
parte de um longo processo que não se esgota na formação inicial, nem na formação
contínua, e muito menos depende exclusivamente dos professores, sendo também
necessárias ações políticas na área da educação, que possibilitem que a inclusão
escolar esteja realmente em processo e, qualitativamente, em progresso.
156
CONCLUSÃO
Caminhando...
O que me trouxe até aqui, foi
De tudo, uma sede eterna
Sede de conhecer e trazer à tona
O que, desde muito e ainda, precisa ser desvelado.
Da sede, se fez o caminho
No caminhar, o encontro do que se buscava
A vivência do que se mostrava
E transformava e transformava...
Transformava em nova busca
Alimento da sede eterna.
Depois de todo o caminho percorrido neste trabalho de pesquisa, nasceram-me
os versos acima registrados, os quais me inspiram a iniciar a conclusão deste trabalho,
mencionando o que o antecedeu, considerando um pouco do caminho percorrido até a
presente pesquisa, que se realizou impulsionada pela mesma sede.
Desde o primeiro ano de minha graduação em Letras, pela UNESP, campus de
Assis-SP, até a sua conclusão, participei de um projeto de iniciação científica, onde
vivenciei a docência em programa de letramento de surdos jovens e adultos que,
imersos em situações de leitura e escrita, tiveram a oportunidade de aprender a Língua
Portuguesa, por meio de sua língua materna, a LIBRAS.
Por meio desse projeto, pude verificar a dificuldade do surdo em relação à leitura
e à escrita, especialmente por não compreender a função social da linguagem escrita,
sendo que o período escolar da maioria dos alunos do projeto correspondia à fase em
que a oralização era a corrente metodológica utilizada pelos professores
especializados, cujo ensino dava exclusividade ao treinamento auditivo. Apesar de tal
dificuldade verificada, essa mesma experiência me permitiu constatar os avanços
alcançados em um ensino que considera e valoriza os aspectos históricos, sociais,
culturais e, portanto, também lingüísticos dos alunos, enfatizando a linguagem escrita
em sua prática concreta, em sua função social.
Assim, ao iniciar esse trabalho de pesquisa, trazia como bagagem tal experiência
e, ainda, duas questões que me inquietavam e me impulsionavam à pesquisa do tema
157
inclusão escolar. A primeira dizia respeito à dificuldade de comunicação entre professor
e aluno surdo como determinante do insucesso no processo de ensino e de
aprendizagem da leitura e da escrita. A segunda apontava para as lacunas na formação
do professor e a sua resistência na aceitação do processo de inclusão do surdo em
salas regulares.
Para responder a essas questões, foi necessário buscar um referencial teórico
que desse consistência às minhas hipóteses, no sentido de ratificá-las, transformá-las
ou negá-las, bem como, foi necessário também ampliar meus conhecimentos,
principalmente no que diz respeito às práticas pedagógicas dos professores que
trabalhavam com alunos surdos, as concepções sobre o ensino da leitura e da escrita
que estruturam essas práticas e as que poderiam ser suporte para estratégias de
ensino mais produtivas.
Outra preocupação a direcionar os procedimentos desta pesquisa foi a de
explicitar as contradições presentes nos discursos e na prática dos docentes, e que
poderiam ser percebidas no acompanhamento do processo de formação continuada,
oferecido pelo próprio sistema de ensino a que prestam serviço. Para isso, participei,
durante dois anos, como pesquisadora e colaboradora, de um programa de formação
de professores da rede pública estadual de São Paulo, das escolas jurisdicionadas à
DE de Assis, que ofereceu 44 horas de oficinas técnico-pedagógicas e que tinham
como conteúdo central o ensino de Língua Portuguesa para surdos. Nessas
oportunidades, pude analisar o processo de formação em serviço e seus efeitos nas
práticas docentes quando o sujeito aprendiz era um portador de necessidades
especiais auditivas.
Além desse acompanhamento realizado nos encontros presenciais com os
professores e das orientações realizadas nesse espaço, também utilizei outros
instrumentos que permitiram um olhar mais pleno sobre o meu objeto de estudo, ou
seja, a aplicação de questionários, visitas a escolas e salas de aula e a coleta de
material escrito produzido pelos alunos. Dessas fontes, pude concluir que, no que diz
respeito ao processo de formação de professores que atuam com alunos surdos, existe
uma necessidade urgente de ampliar os espaços de orientação em razão de uma
demanda apontada pelos próprios professores, sujeitos desta pesquisa, quando
158
avaliam o programa de formação, sendo que todos relataram que os encontros de
formação continuada contribuíram em sua prática docente, em diversos aspectos.
Com relação às dificuldades encontradas pelos professores participantes, pude
verificar que a maior delas diz respeito ao problema da comunicação entre eles e o
aluno surdo. O que, segundo os docentes, tem atrapalhado a compreensão deste sobre
o que é trabalhado em sala de aula.
Uma questão que fica evidente é a insegurança e o sentimento de incompetência
dos professores com relação ao desafio de trabalhar com alunos que não estão dentro
de sua referência de normalidade. Fato que evidencia o seu despreparo, conseqüente
de uma formação que, além de não ter provido conhecimentos sobre as pessoas com
necessidades especiais, já que, até então, estes ainda eram atendidos em classes
especiais, certamente também não trabalhou com a heterogeneidade, que representa a
realidade de qualquer sala de aula. Enfatizando-se, no entanto, uma prática de ensino
baseada em um ideal de homogeneidade.
Durante o desenvolvimento deste trabalho, também foi possível identificar alguns
avanços com relação à superação da insegurança e da ansiedade diagnosticada,
principalmente nos primeiros encontros de formação continuada. Tais avanços podem
ser identificados, por exemplo, no depoimento de avaliação do curso de P19: “Nos
aproximamos mais do aluno com deficiência auditiva, incluindo-o, pois as barreiras da
comunicação estão sendo superadas.”
Das estratégias utilizadas pelos professores e explicitadas em seus relatos,
destaco, principalmente, a ajuda dos colegas que auxiliam os alunos surdos e acabam
tornando-se como que intérpretes, mediando a comunicação com o professor e
apoiando-os na realização das atividades propostas, conforme foi relatado por cerca de
67% dos docentes.
Além desta, outras estratégias indicadas pelos professores evidenciam que a
comunicação é realmente a maior das preocupações no trabalho com o aluno surdo.
Nesse sentido, declaram que procuram falar pausadamente, articulando bem as
palavras, sempre de frente para o aluno, usando gestos e ilustrações.
Um outro foco deste trabalho de pesquisa foi o de tentar desvelar as concepções
de leitura e escrita que fundamentam as práticas dos docentes. Nesse aspecto, a
159
pesquisa evidenciou que existe um discurso já incorporado por parte dos sujeitos deste
estudo, que utilizam expressões indicativas de um conhecimento do vocabulário
pertencente às concepções que estão em voga nos documentos oficiais e que são
difundidos em cursos de capacitação oferecidos pelos órgãos de formação dos
sistemas de ensino.
Por outro lado, pude constatar que aproximadamente 57% dos docentes
pesquisados ainda entendem a leitura como decodificação ou como resultado direto
desta, enfatizando a importância da oralidade na leitura. A transformação simples de
grafemas em fonemas é considerada como ato de leitura por esses professores. Dessa
forma, fica evidenciada a grande dificuldade do aluno surdo quando solicitado que “leia”
a partir dessa concepção. Se o conhecimento do som das letras é a base do ato de ler,
não é possível uma inclusão real do aluno surdo nas práticas de leitura escolares. Um
exemplo de como essa concepção ainda está presente na prática dos professores é o
que dizem os seguintes sujeitos: “Leitura é a decodificação de um texto e a
interpretação feita a partir dessa decodificação.” (P10) ou “Leitura é um processo de
visualização, audição, compreensão (...)” (P9).
Essa forma equivocada de conceber a leitura como um ato que envolve
sucessivas operações, de visualização ou identificação e de oralização, para que,
destas, se dê a compreensão, parece derivar também de uma concepção de texto
como algo pronto e acabado, que deve ser entendido de forma exógena, ou seja, como
algo externo ao sujeito. Tais concepções ainda têm determinado as práticas de muitas
salas de aula, dificultando a possibilidade de se encontrar caminhos para uma prática
inclusiva de leitura e escrita na escola.
O número considerável de professores que enfatizaram a importância da
oralidade na leitura aponta para duas contradições. A primeira delas reside no fato de
que a maioria desses professores participou de cursos de alfabetização e/ou leitura, já
baseados em uma concepção que implica a atribuição de sentido, que envolve outros
conhecimentos, como o conhecimento de mundo, e não como ato exclusivo de
decodificação ou como resultado posterior a esta. A partir das respostas dos
professores, pode-se concluir que, se não houve mudança no discurso pedagógico,
160
provavelmente também não houve mudança na prática desses professores em sala de
aula.
A outra contradição se faz na ênfase que os professores deram exatamente ao
que falta ao aluno surdo: o som, trazendo a leitura do surdo às margens do impossível.
A prática docente, apoiada nessa concepção, somente reforçará a insegurança e o
sentimento de incapacidade que muitos alunos surdos, geralmente, apresentam para
ler ou escrever.
No desenrolar do processo de formação continuada, ocorreram mudanças em
relação à prática pedagógica dos professores participantes da pesquisa. As principais
mudanças estão relacionadas com atitudes que passaram a ser tomadas pelos
professores, visando à compreensão e aprendizagem dos alunos surdos, em uma
prática mais voltada a esses alunos. Tais mudanças envolvem também o
reconhecimento e valorização da LIBRAS, por parte dos professores.
Certamente, o que possibilitou todas as mudanças ocorridas na prática docente,
apontadas pelos próprios professores, foi uma outra mudança muito importante sobre a
qual também relataram: a mudança em sua concepção sobre o aluno surdo. Ainda,
conforme as respostas dos professores, como conseqüência dessa mudança de
concepção, estes também passaram a assumir melhor o seu papel, responsabilizando-
se em relação ao desenvolvimento educacional de seus alunos surdos.
Os professores, ao conhecerem melhor o aluno surdo, como sujeito social,
histórico e cultural, passaram a reconhecer a importância e necessidade de um trabalho
docente que considere esse aluno. Conhecer o aluno surdo nos aspectos referidos
acima, significa compreender a sua situação de imersão em duas culturas, ouvinte e
surda, e igualmente nas duas línguas que as representam, a língua de uso majoritário e
a Língua de Sinais, bem como a sua situação social no que diz respeito à intensidade
de suas relações interpessoais e as, conseqüentes, possibilidades de desenvolvimento
nelas oferecidas, considerando também sua subjetividade.
Nesse sentido, os estudos de Vigotski e Bakhtin são um importante referencial
teórico, que fundamentou este trabalho e que aponta caminhos para uma prática de
leitura e escrita inclusiva na escola. Embora seus trabalhos tenham sido realizados na
primeira metade do século XX, eles ainda se fazem muito atuais, levantando questões
161
preciosas para o ensino da língua(gem), a qual possui uma importância vital para
ambos os autores.
Tecendo suas teorizações com os fios do materialismo dialético, além de
compreenderem o homem como ser social, histórico e cultural, Vigotski e Bakhtin
conferem à linguagem um lugar central na constituição da consciência humana. Ambos
enfatizam a linguagem como atividade, como espaço de produção de discursos e de
constituição de sujeitos, opondo-se à concepção que a toma como algo que já está
pronto e do qual o sujeito deve primeiro se apropriar para depois usar, quando, na
verdade, é construída ou reconstruída na atividade de linguagem.
Assim, a partir das análises de Vigotski e Bakhtin sobre a linguagem e dos
princípios firmados por eles, concluo que o ensino de língua não deve se restringir ao
ensino da metalinguagem, utilizando palavras, frases ou enunciados isolados, fora de
seu contexto significativo, mas deve, no entanto, ser pensado como lugar de práticas de
linguagem, por meio das quais o aluno possa compreender a funcionalidade da
linguagem escrita, aumentando suas possibilidades de uso.
Ainda, a partir dos pressupostos dos referidos autores, também concluo que o
leitor reconstrói o texto, não de forma isolada ou individualmente, mas junto com seu
interlocutor que é o autor, seguindo pistas colocadas no texto, num processo de
interação. Considerando que homem e linguagem são produtos um do outro, pode-se
dizer que o texto reflete as características sócio-históricas de seu autor. Assim, ao ler os
textos produzidos por seu aluno surdo, os quais geralmente apresentam problemas
com relação à coesão, o professor deve considerar esse autor e, especialmente, a
interferência da Língua de Sinais em sua escrita, para que possa atribuir sentido a eles.
As dificuldades apontadas pelos professores, com relação à ausência de coesão,
e até mesmo de coerência, nos textos de seus alunos surdos, devem ser entendidas,
não como empecilho, mas como referência pedagógica para o trabalho com a segunda
língua dos surdos que, no caso dos brasileiros, é a Língua Portuguesa. As produções
escritas dos alunos, sejam surdos ou ouvintes, devem ser um ponto de partida para o
trabalho com a linguagem escrita, por meio de questionamentos realizados na
mediação do professor ou de colegas mais experientes, que levem à sua melhor
estruturação lingüística.
162
A respeito do ensino de Língua Portuguesa, constatou-se uma outra contradição.
Deseja-se, supostamente, que o aluno saia da escola dominando a linguagem escrita,
para utilizá-la em suas práticas sociais, porém parece raro o desenvolvimento de um
trabalho com a linguagem, nesse nível. Almeja-se que o aluno aprenda para a vida,
mas dificilmente a vida é trazida pra dentro da escola. Assim, sem compreender a
importância vital da linguagem escrita, o aluno pode ter mais dificuldade para aprendê-
la e, principalmente, para dominá-la. Nesse aspecto, o trabalho com projetos se faz
imprescindível, à medida que demanda práticas de leitura e escrita que partam de uma
necessidade nele envolvida.
Certamente, uma das maiores contradições que envolvem o processo de
inclusão escolar reside no fato de que as autoridades e os órgãos jurídicos prevêem
que os professores do ensino regular devem estar preparados para receber alunos com
necessidades especiais. Porém, poucos têm sido os recursos para dar suporte a esse
processo, na construção de conhecimentos e no desenvolver de ações efetivas que o
viabilizem. A concretização da inclusão escolar depende de todos os envolvidos,
depende de mudanças e ações políticas e administrativas, na escola e na sociedade
como um todo.
Nesta pesquisa qualitativa, realizada nos moldes da pesquisa-ação e
fundamentada no método dialético, não só os professores participantes tiveram
oportunidade de refletir, aprender e ressignificar-se, mas também a própria
pesquisadora. Ao longo de toda a pesquisa, também estive em processo de
aprendizagem e transformações. Nesse sentido, retomo as hipóteses firmadas neste
trabalho, citadas anteriormente.
Posso afirmar, pelo trabalho de pesquisa e colaboração desenvolvido ao longo
do processo de formação continuada, que embora tenha sido amenizada nesses
encontros de formação, a dificuldade de comunicação entre professor e aluno surdo é
real e compromete o ensino e a aprendizagem de leitura e escrita, tendo em vista a
importância das interações entre professor e aluno e, portanto, da mediação daquele no
processo educacional.
A segunda e última hipótese gerou em mim uma contradição, pois, embora tenha
constatado, nos professores, a carência de conhecimentos necessários para trabalhar
163
com alunos surdos em suas salas de aula, os quais sua formação não havia provido,
surpreendi-me com a sensibilização dos professores em relação a seus alunos surdos,
com seu desejo e empenho em aprender sobre eles, sobre sua maneira de ler e
escrever, com o esforço evidenciado em seus relatos sobre sucessos e insucessos em
sala de aula e, especialmente, por aceitarem a língua materna desse aluno, desejando
aprendê-la para utilizá-la em seu trabalho, para aproximar-se dele ainda mais. Assim,
destaco as palavras do psiquiatra norueguês, Terje Basilier (1928-1974):
Quando aceito a linguagem de outra pessoa, aceitei a pessoa... Quando
rejeito a linguagem, eu rejeitei a pessoa por que a língua é parte de nós
mesmos... Quando eu aceito a Língua de Sinais, eu aceito o surdo, e é
importante ter sempre em mente que o surdo tem o direito de ser surdo.
Nós não devemos mudá-los, devemos ensiná-los, ajudá-los, mas temos
que permitir-lhes serem surdos.
Ficam registrados, neste trabalho, os relatos desses professores que estão
vivenciando o trabalho em uma sala de aula que se pretende inclusiva. São relatos que,
em vários momentos, expressaram insegurança, ansiedade, medo do novo, sentimento
de incapacidade. Que tais relatos representem as vozes desses professores e as vozes
dos alunos surdos, que neles também está implícita.
O desejo de aprender, a vontade de comunicar-se melhor com seus alunos
surdos, a disponibilidade demonstrada pelos professores, foram evidências constantes
durante a realização deste trabalho. Tal disposição é, seguramente, indicativa de
possibilidade de melhoria das práticas pedagógicas relativas ao letramento, tanto de
alunos ouvintes quanto de alunos surdos. Para que essa melhoria se efetive é
necessária a implementação de políticas educacionais, voltadas para a inclusão, que
tenham como foco a capacitação dos docentes que têm alunos surdos em suas salas
de aula, para que estes sejam atendidos em suas demandas por uma melhor
qualificação nessa área. Também são necessários: o respaldo de toda gestão escolar e
uma melhor estruturação de apoio de pessoas especializadas, seja para atenderem os
alunos com necessidades especiais, nas salas de recurso, quando conveniente, como
também para darem suporte aos professores das salas regulares que atendem esses
alunos. Finalmente, que sejam realizadas todas as demais ações políticas,
educacionais e administrativas necessárias para possibilitar que o processo de inclusão
escolar seja uma realidade nas escolas e, conseqüentemente, na vida desses alunos.
164
Contrariando as palavras de Cecília Meireles (2001, v. 4): “Fala-se e vê-se tudo
mais longe. As palavras têm as três dimensões - e a quarta. E acontece que entre o
lábio que diz e o ouvido que escuta podem viver e morrer vários universos em espaço e
tempo”, que as vozes daqueles que estão envolvidos nesse desafio, que é o processo
de inclusão escolar, sejam ouvidas, o quanto antes, pois já se passaram muitos
“universos”, sem que o surdo pudesse contar com uma educação de qualidade. E é
este o clamor implícito neste trabalho: por uma educação democrática, inclusiva e,
efetivamente, de qualidade.
Baseando-me em Foucault (1992, p. 399), que diz: “a impressão de acabamento
e de fim, o sentimento surdo que sustenta, anima nosso pensamento [...] e nos faz crer
que alguma coisa de novo está em via de começar [...]”, encerro este trabalho, na
verdade, propondo um novo começo, pois o processo de inclusão escolar ainda é um
desafio consideravelmente recente, que ainda precisa ser bastante estudado e,
portanto, ainda há muito a se questionar, como também há muito a se dizer.
Concluo, enfim, fazendo minhas as palavras da canção :
A vida tem sons
Que pra gente ouvir
Precisa aprender a começar de novo
É como tocar o mesmo violão
E nele compor uma nova canção...
Ah! Coração
Se apronta pra recomeçar...
(Começo, meio e fim – Tavito, Ney Azambuja e Paulo Sérgio Valle)
165
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173
ANEXO A
Questionário sobre a formação dos professores
OT. ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA PARA SURDOS
DATA:______/_______/_______
Nome:_____________________________________________Idade:______________________
Cidade onde mora:_______________________________________________________________
Escola em que atua com aluno(s) Surdo(s):
______________________________________________________________________
Cidade em que se situa a escola:____________________________________________________
Há quanto tempo trabalha com o aluno(s) surdo(s) em sala de aula?
______________________________________________________________________________
Há quanto tempo leciona? _____________________
Fez Magistério? _____________
Em que curso é formado(a)?_______________________________________________________
Em que ano se formou?_______________________
Fez alguma especialização? ______ Se sim, qual? ____________________________________
Já participou ou participa de algum curso sobre alfabetização e/ou leitura e escrita?___________
Se sim, responda:
- Qual curso(s)? ___________________________________________________________
- Basicamente, o que você aprendeu no(s) curso(s)?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
174
ANEXO B
Questionário 2
OT. ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA PARA SURDOS
DATA:______/_______/_______
Nome: ___________________________________________________________
Escola: ___________________________________________________________
Nome do aluno: _____________________________________________________
Idade / Série: _______________________________________________________
1- Grau de surdez: _______________________________________________________________
2 – Há interação entre você, o aluno Surdo e os demais alunos? Como ela se dá?
___________________________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________________________
3 – O que ele já sabe sobre a Língua Portuguesa?
___________________________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________________________
4 – O que ele ainda não sabe sobre a Língua Portuguesa?
___________________________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________________________
5 – Quais estratégias você tem utilizado para que todos possam aprender, inclusive o aluno Surdo?
___________________________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________________________
175
ANEXO C
Questionário 3
OT. ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA PARA SURDOS
DATA:______/_______/_______
Nome: ___________________________________________________________
Escola: ___________________________________________________________
Nome do aluno: _____________________________________________________
Idade / Série: _______________________________________________________
1 – O que pene Tca sone Tcu(i)-8(r)io
176
ANEXO D
Questionário 4
OT. ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA PARA SURDOS
DATA:______/_______/_______
Nome:__________________________________________________________________________
Escola:__________________________________________________________________________
Nome do aluno:__________________________________________________________________
Idade/ Série:_____________________________________________________________________
1 - Faça uma avaliação geral dos encontros de formação continuada (OT - Ensino Língua Portuguesa para surdos),
destacando os seguintes pontos:
a) O que deve continuar?
__________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________
b) O que deve ser modificado?
__________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________
c) O que pode ser aprimorado?
__________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________
177
d) Dos textos abordados, quais foram os mais relevantes?
__________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________
e) Se houve contribuição, esclareça como e qual foi:
__________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________
2) Quais mudanças ocorreram em sua postura e/ou prática pedagógica, durante o período de participação dos
encontros?
__________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________
3) Como você avalia esse processo de inclusão de surdos em salas regulares de ensino?
__________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________
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