Download PDF
ads:
WANDERLÉA OLIVEIRA SANTOS
PROTOCOLOS DE LEITURA: UMA
PROPOSTA INTERDISCIPLINAR
Mestrado em Língua Portuguesa
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
São Paulo
2007
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
2
2
WANDERLÉA OLIVEIRA SANTOS
PROTOCOLOS DE LEITURA: UMA
PROPOSTA INTERDISCIPLINAR
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de
Mestre em Língua Portuguesa, Linha de Pesquisa Leitura, Redação e Ensino
de Língua, sob a orientação do Profº Drº João Hilton Sayeg de Siqueira.
PONTÍFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
São Paulo
2007
ads:
3
3
Protocolos de leitura: uma proposta interdisciplinar
Wanderléa Oliveira Santos
Aprovada em / /
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________
_________________________________________
_________________________________________
4
4
Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou
parcial desta dissertação por processos de fotocopiadoras ou eletrônicos, desde que
citada a fonte.
Wanderléa Oliveira Santos
Assinatura: ____________________________
Local e Data: __________________________
5
5
DEDICATÓRIA
Ao Profº João Hilton com carinho.
Agradeço a Roberto, meus pais e amigos pela dedicação e compreensão.
A Beatriz com amor.
6
6
RESUMO
As dificuldades em trabalhar a leitura em sala de aula motivaram esta
pesquisa sobre a leitura, que centra-se nas práticas de leitura de professores
de História. Trata-se de averiguar como fatos históricos e sociais são
mediados através do texto. O objetivo é incentivar uma prática pedagógica
de leitura a partir da criação de protocolos de leitura, numa perspectiva
interdisciplinar, entre as disciplinas de Língua Portuguesa e História, no
Ensino Fundamental. A construção de protocolos de leitura exige uma visão
múltipla sobre leitura, em que a ética seja capaz de superar cânones e
construir uma interpretação crítica. Esta submetida à retórica, verdade,
textualidade e razão, contribuindo para a formação de um sujeito-leitor, num
trabalho coletivo entre educandos e educadores.
Palavras-chaves: leitura, protocolos de leitura, interdisciplinaridade.
7
7
ABSTRACT
Reading protocols: an interdisciplinary proposal
The difficulties to work with reading activity in classroom motivated this
research about reading, which focuses the reading practice of History teachers.
It investigates how historical and social facts are mediated through the text. The
aim is to encourage a reading pedagogical practice from the creation of reading
protocols, in an interdisciplinary proposal, between the subjects Portuguese
Language and History in the primary school. The construction of reading
protocols demands a multiple vision about reading, in which the ethic is able to
surpass canons and build a critical interpretation. This one submitted to the
rhetoric, truth, textuality and reason, contributing to the education of a subject-
reader, in a collective work among educators and students.
Key- words: reading, reading protocols, interdisciplinary.
8
8
Sumário
Introdução .................................................................................................... 09
1. Fundamentação teórica
1.1. Reflexões teóricas sobre a leitura na escola .................................................. 11
1.2. Concepções de leitura ................................................................................... 21
1.3. Protocolos, estratégias e diversidades de leitura ........................................... 25
1.4. Uma aproximação entre estratégias e protocolos .......................................... 38
2. Procedimentos de leitura dos professores de História em sala de aula
2.1. Introdução ..................................................................................................... 43
2.2. O perfil da escola e da professora A ............................................................. 45
2.2.1. A proposta de leitura A ................................................................................. 46
2.2.2. Análise da proposta A ................................................................................... 49
2.3. O perfil da escola e da professora B ............................................................. 51
2.3.1. A proposta de leitura B ................................................................................. 53
2.3.2. Análise da proposta B ................................................................................... 55
2.4. O perfil da escola e da professora B1 ........................................................... 56
2.4.1. A proposta de leitura B1 ............................................................................... 57
2.4.2. Análise da proposta B1 ................................................................................. 58
2.5. O perfil da escola e da professora C ............................................................. 60
2.5.1. A proposta de leitura C ................................................................................. 62
2.5.2. Análise da proposta C ................................................................................... 63
2.6. O perfil da escola e da professora D ............................................................. 64
2.6.1. A proposta de leitura D ................................................................................. 66
2.6.2. Análise da proposta D ................................................................................... 67
2.7. Uma perspectiva interdisciplinar de proposta de leitura: Língua Portuguesa
e História ....................................................................................................... 69
3. O texto
3.1. Introdução ..................................................................................................... 80
3.2. Dona Leocádia enfrenta a Gestapo. (Olga, de Fernando Morais, trecho do 80
capítulo 17)...................................................................................................
4. Uma leitura de Olga
4.1. Introdução ..................................................................................................... 82
4.2. Uma leitura .................................................................................................... 83
5.
Algumas conclusões .................................................................................... 94
6.
Bibliografia .................................................................................................. 97
9
9
Introdução
Este trabalho pretende investigar como o professor de História, por meio
da leitura, constrói percursos de sentidos para o texto, em sala de aula, no
Ensino Fundamental.
A escolha da disciplina História não foi aleatória. Trata-se de averiguar
como fatos históricos e sociais são mediados através do texto na sala de aula.
Comumente, os trabalhos de leitura centram-se na disciplina de Língua
Portuguesa, e pretende-se verificar como textos são trabalhados em outras
disciplinas quanto a procedimentos de leitura.
Inicia-se pela disciplina de História por ser uma matéria que trabalha
quase que essencialmente com textos no tratamento de seus conteúdos. Esse
direcionamento possibilitará um caminho interdisciplinar entre História e Língua
Portuguesa, o qual será a base para a construção de protocolos de leitura.
Nosso tema é a construção de protocolos de leitura, numa perspectiva
interdisciplinar. Ler é uma ação que pode ser praticada individualmente ou em
grupo, dentro ou fora do ambiente escolar, que utiliza nossa língua e lida com
os sentidos da visão ou audição. Entretanto, foca-se no professor a
necessidade de uma prática pedagógica que permita ao aluno o
desenvolvimento crítico sobre os textos trabalhados na escola.
Assim, foi definido o problema central deste trabalho: as dificuldades em
trabalhar a leitura em sala de aula. Como o professor constrói uma
interpretação crítica? Boa parte das dificuldades é motivada pela falta de uma
ação pedagógica que permita o desenvolvimento de práticas críticas de leitura.
O professor é peça-chave no processo de construção da interpretação
do texto, considerando as diversas leituras, e possibilitando uma leitura crítica e
não apenas informativa para o aluno. Justifica, pois, analisarmos percursos
para a construção de protocolos de leitura, numa perspectiva interdisciplinar
entre Língua Portuguesa e História.
10
10
No capítulo 1, apresentaremos a fundamentação teórica necessária às
reflexões históricas sobre a leitura na escola, concepções de leitura, protocolos
e diversidades de leitura e, também, uma aproximação entre protocolos e
estratégias.
No capítulo 2, investigaremos os procedimentos de leitura de cinco
professoras de História, através da elaboração de suas propostas de leitura.
Para ampliar a análise dessas práticas em sala de aula, traçaremos um perfil
de cada escola e professora.
Abordaremos também, neste capítulo, uma perspectiva interdisciplinar
de leitura entre disciplinas de Língua Portuguesa e História para a construção
dos protocolos de leitura.
No capítulo 3, selecionaremos o livro Olga, de Fernando Morais. Essa
biografia revela fatos marcantes do cenário político nacional, os quais fazem
parte do conteúdo programático da maioria das escolas de ensino fundamental,
ciclo II, na oitava série. Analisaremos apenas um trecho, em que Luís Carlos
Prestes está na prisão. Ele recebe a carta de Olga e descobre que ela está viva
e tem uma filha.
No capítulo 4, realizaremos uma leitura do trecho, capítulo 17, de Olga,
de Fernando Morais, conscientes de que outras leituras são possíveis e que a
nossa revela apenas uma proposta neste tempo e espaço em que vivemos.
Finalizaremos com algumas conclusões sobre as práticas de leituras das
professoras, práticas estas que revelam aspectos fundamentais à nossa
reflexão sobre construção de protocolos de leitura.
11
11
1. Fundamentação teórica
1.1. Reflexões históricas sobre a leitura na escola
Todo o mundo a nossa volta é passível de leitura. Lemos os outdoors, as
expressões fisionômicas, as artes plásticas, as emoções, os panfletos, notas
fiscais, rótulos de alimentos, sinais de trânsito e outros. Nosso mundo é um
mundo de leitura!
Nessa leitura de mundo cabe a reflexão de Paulo Freire (2003) sobre a
importância do ato de ler. Ele nos lembra que é um processo que envolve “uma
compreensão crítica, a qual não se esgota na decodificação pura da palavra
escrita ou da linguagem escrita, mas antecipa e alonga-se na inteligência do
mundo. Uma compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura crítica
implica a percepção das relações entre texto e contexto”.
Para o educador, a consciência pessoal sobre compreensão crítica
construiu-se ao longo de sua vida, desde a infância na leitura do mundo e
depois com a leitura da palavra, esta que nem sempre foi ao longo de sua
escolarização, como ele mesmo denomina, a leitura da “palavramundo”.
As lembranças do garoto Paulo permitiam “ler” o mundo em que vivia de
forma significativa; nas palavras do autor “re-crio e re-vivo”, experiências
anteriores à leitura da palavra escrita. Desse contexto, fazia parte o universo da
linguagem dos mais velhos com os seus gostos, receios e valores.
Paulo Freire revela-nos que a decifração da palavra fluiu naturalmente
para da “leitura” de seu mundo particular. Foi alfabetizado no chão do quintal
de sua casa, à sombra das mangueiras, com palavras de seu próprio mundo e
12
12
não do mundo de seus pais. O chão foi seu quadro-negro; gravetos, o giz.
Quando chegou à escolinha, estava alfabetizado, porém com a professora a
leitura da palavra, da frase, da sentença, jamais significou a ruptura com a
“leitura” do mundo.
Através da professora, a leitura da palavra foi leitura da “palavramundo”,
nos primeiros anos escolares. Depois veio a percepção crítica, durante o
chamado curso ginasial, em que não havia “lições de leitura, no sentido
tradicional dessa expressão. Eram momentos em que os textos se ofereciam à
inquieta procura de professor e alunos”.
Atuando como professor, nosso mestre Paulo Freire, comenta que os
termos gramaticais não eram reduzidos a “tabletes de conhecimento” que
deveriam ser engolidos pelos alunos. Tudo era proposto à curiosidade de forma
“dinâmica e viva” no corpo dos textos estudados ou elaborados pelos próprios
alunos.
Sua crítica recai também sobre ler um texto como descrição de um
objeto para uma memorização mecânica. Esta não resulta em conhecimento,
assim como a insistência na quantidade de leitura sem o devido
aprofundamento nos textos. É uma crítica à “magicização (sic) da palavra”, a
qual para combater requer “ler sempre e seriamente, os clássicos neste ou
naquele campo da saber, de nos adentrarmos nos textos, de criar uma
disciplina intelectual, sem a qual inviabilizamos a nossa prática enquanto
professores e estudantes”.
Suas experiências de leitura formaram uma “arqueologia” sobre a
compreensão do complexo ato de ler, presente em sua proposta de
alfabetização de adultos. Esta, acima de tudo, um ato político e um ato de
conhecimento que não podem ser reduzidos à memorização mecânica. A ajuda
do educador não pode significar aos educandos uma anulação da criatividade e
responsabilidade deles na construção de sua linguagem escrita e na leitura
dessa linguagem.
Essa
proposta conjuga um ato de ler crítico e político, carregado de
significação da experiência existencial de cada educando e não do educador;
14
14
Sobre o ensino formal da leitura e as relações de poder e política,
Manguel (op. cit) revela-nos uma prática muito comum herdada da escolástica,
entre os séculos XII e XIII por filósofos, em que “pensar é uma arte com leis
meticulosamente fixadas”. Era um método de leitura capaz de conciliar à
religião católica aos argumentos da razão humana, numa concordia
discordantium, harmonia entre opiniões divergentes. O que para o autor era
uma forma de preservar idéias e não trazê-las à tona.
A escolástica seguia os preceitos da retórica de Aristóteles, que era a
arte de persuadir em qualquer questão. Para Manguel, “a essência do método
escolástico consistia em pouco mais que treinar o estudante a considerar um
texto de acordo com certos critérios preestabelecidos e oficialmente aprovados,
os quais eram incutidos neles à custa de muito trabalho e sofrimento”.
Aprender a ler dependia mais do esforço e perseverança do aluno do
que de sua inteligência. Até o século XVI, a escolástica esteve presente em
todas as universidades européias e aparatos católicos. O início dessa prática
de leitura dá-se com a queda do sistema romano, por volta do século IV e V, e
ganha força no século IX, após Carlos Magno ordenar que todas as igrejas e
catedrais ofereçam treinamento para clérigos nas artes da leitura, escrita, canto
e cálculo.
Mesmo após o crescimento das cidades, um século depois, as escolas
continuavam como Carlos Magno concebeu: fisicamente, as aulas eram
ministradas em grandes salas, o professor à frente, no alto, num atril, com um
livro aberto e uma vara de vidoeiro à mão e seus pupilos em bancos.
As escolas voltavam-se para a educação dos meninos a partir dos seis
anos até treze ou catorze, quando iam para universidade. As meninas ficavam
sob os cuidados das mães. Era comum as meninas aprenderem a ler,
principalmente, se fossem destinadas à carreira de freira. Caso contrário, às
leituras não sagradas, havia o temor de trocas de correspondências
indecorosas e apaixonadas.
Na escolástica, a leitura era ensinada a partir do lectio: identificação de
elementos gramaticais de cada frase, depois a littera, o sentido literal do texto
15
15
para depois atingir o sensus, significado do texto segundo interpretações
preestabelecidas. Por fim, a sententia, discussões sobre as opiniões de
comentadores aprovados.
Esse método de ensino não se estruturava sobre leitura de textos
originais e nunca atingia um ponto de vista pessoal. Era comum saber recitar e
comparar interpretações, porém falar e escrever latim eram quase inatingível.
Contribuíam para isso, por exemplo, a pouca pontuação do texto, uso
irregulares de maiúsculas e minúsculas. As abreviações aleatórias também
dificultam, o aluno devia saber não as sílabas como também uma infinidade
de abreviações, que ocorriam por economia de papel e até pressa dos jovens
em anotar o que o mestre falou.
A situação do ensino da leitura começa a alterar-se quando os ideais do
Humanismo passaram a valorizar as interpretações humanas. Entretanto, os
alunos ainda não tinham autonomia para interpretar plenamente. Como na
escola francesa de Sélestat, por volta de 1400, em que as regras de gramática
passaram a ser explicadas e não simplesmente decoradas e copiadas da
lousa. Descartaram-se as glosas e comentários tradicionais em favor dos
textos clássicos dos Pais da Igreja, e valorizou-se e a orientação e discussão
desses textos.
Crato Hofman, professor de Sélestat, anos mais tarde, tinha como
prioridade desenvolver em seus alunos a capacidade de ler com fluência,
correção e inteligência, habilmente “ordenhando o texto para cada gota de
significado”. Todavia, a caligrafia, “arte de escrever belamente”, não era
deixada de lado; incentivava também a elaboração de um Index rerum et
verborum (Índice das coisas e verbos), a fim de que os alunos pudessem
interpretar e traduzir com autoridade.
Nesse período, a invenção da imprensa facilitou o acesso e aumentou a
quantidade de livros. Uma mudança que gerou uma comunidade leitora capaz
de absorver a ideologia católica e um conhecimento humano mais abrangente.
As escolas de tradição alemã, por exemplo, no século XIV, estavam
abertas a todos: ricos ou pobres, meninos e meninas, a partir dos doze anos de
16
16
idade, que aprenderiam ler, escrever, cantar e aritmética. Até o século XVII, o
latim ainda era a língua de maior prestígio. Porém, no início do século XVI as
línguas vernáculas começam a ganhar força, graças a Martinho Lutero, que
publicou a Bíblia em alemão. Através de decretos governamentais, Suécia e
Dinamarca determinaram leitura em vernáculo da Bíblia, nas igrejas e, assim, o
latim vai perdendo seu espaço.
Para Manguel, a passagem do método escolástico para sistemas mais
liberais de pensamento alterou também o papel do erudito e do professor em
que a busca do conhecimento era sucumbida a certas regras, cânones e
sistemas aprovados de ensino. Os humanistas passavam avante uma leitura
“correta” e comum estabelecida, mas também ofereciam aos alunos a
perspectiva humanista mais vasta e pessoal. Os alunos reagiram
circunscrevendo o ato de ler ao seu mundo e experiência íntimos e afirmando
sobre cada texto sua autoridade de leitores individuais.
Para ilustrar ainda mais o ensino da leitura, Manguel (1997:105-111)
conta-nos como, no fim século XIX, certo jovem adorava ler e odiava a escola.
Primeiro vamos caracterizar, através de Manguel, o “alicerce”, ideais históricos
desta escola, fundados em 1782, quando o imperador José II promulgou um
érido, o Toleranzpatent, que teoricamente aboliu a maioria das barreiras entre
judeus e não-judeus no Sacro Império Romano, com a intenção de assimilá-los
à população cristã.
A nova lei tornou compulsória para os judeus a adoção de nomes e
sobrenomes alemães, o uso oficial da língua alemã, o alistamento militar e a
freqüência às escolas seculares alemãs. Um culo após essa lei, em 15 de
setembro de 1889, na cidade de Praga, o menino Franz Kafka foi matriculado
na escola, aos seis anos de idade.
Ao longo dos estudos, esse jovem foi aprovado facilmente por todos os
anos e do seu ponto de vista conseguiu “esgueirar-se do primeiro para o
segundo ano do ginásio, depois para o terceiro e assim por diante”. Ele
completa: “agora que chamei por fim a atenção deles, evidentemente logo serei
17
17
posto na rua, para a imensa satisfação de todos os homens honrados, livres de
um pesadelo”.
A escola incomodou profundamente Kafka. Na época, o ano escolar era
composto de dez meses, com um terço dedicado às línguas clássicas. O
restante do tempo distribuído em aulas de alemão, geografia, história e um
pouco para aritmética. Tcheco, francês e educação física eram opcionais,
porém o pior era ser obrigado “a decorar a lições e vomitá-las quando exigido”,
reclamava.
Os professores culpavam os alunos pela falta de apreço e os tratavam
com desprezo, segundo carta de Kafka à sua noiva, em que escreveu:
“Lembro-me de um professor que ao ler a Ilíada para nós costumava dizer: ‘É
uma pena ter que ler isto para gente como vocês. Vocês não podem
compreender, e mesmo se pensassem que podem, não entendem nada. É
preciso ter vivido bastante até compreender um fragmento mínimo’”.
Amigo e biógrafo de Kafka, Max Brod, considerava o ensino religioso
fraco. Uma vez que os alunos judeus eram em maior número que os
protestantes e católicos, eram eles que ficavam na sala para ouvir uma síntese
das aulas da história judaica, em alemão, e recitação de orações em hebraico,
uma língua desconhecida para eles.
O jovem Kafka libertou-se somente mais tarde quando desenvolveu suas
próprias leituras. Buscava muitos sentidos e não somente o literal de cada livro.
Fez uma ponte entre com os antigos talmudistas, para quem a Bíblia continha
uma multiplicidade de sentidos e cuja busca contínua era o objetivo de nossa
viagem na Terra. Kafka revela a um amigo: “Lemos para fazer perguntas”.
A tradição talmúdica tinha o objetivo de explorar e elucidar o texto em
todos os níveis concebíveis de sentido e discutir os comentários feitos desde o
texto original. A literatura talmúdica transformou em textos auto-regeneradores
que se desdobravam a cada leitura, não substituindo, mas incluindo todos os
anteriores, segundo Manguel.
18
18
Escritor e voraz leitor de livros, Kafka, em 1904, escreve ao amigo
Oskar Pollak: “No fim das contas, penso que devemos ler somente livros que
nos mordam e piquem. Se o livro que estamos lendo não nos sacode e acorda
como um golpe no crânio, por que nos darmos ao trabalho de lê-lo? Para que
no faça feliz, como diz você? Meu Deus, seríamos felizes da mesma forma se
não tivéssemos livros. Livros que nos façam felizes, em caso de necessidade,
poderíamos escrevê-los nós mesmos. Precisamos é de livros que nos atinjam
como o pior dos infortúnios, como a morte de alguém que amamos mais dos
que a nós mesmos, que nos façam sentir como se estivéssemos sido banidos
para a floresta, longe de qualquer presença humana, como um suicídio. Um
livro tem de ser um machado para o mar gelado de dentro de nós. É nisso que
acredito”.
Manguel acredita que o crucial para Kafka ser o Kafka, que lemos hoje,
foi sua experiência de leitura, sua insatisfação com o tratamento dado a leitura
e a formação de leitores na escola em que freqüentou. Sua ira ao ler e reler os
livros que ceifaram suas expectativas iniciais e renasceram em múltiplas
leituras, sentidos
.
Para nós, fica cada vez mais evidente como a leitura foi tratada na
escola até então. Entretanto, associar ao ensino da leitura a leitura da palavra
“palavramundo”, a um ato de ler político e a um ato de nos compreender, ainda
exige mais reflexões sobre o ensino da leitura, mais precisamente sobre o
ensino brasileiro e o perfil histórico do leitor brasileiro.
Nesse aspecto, Nunes (1998) traçou um perfil do leitor brasileiro na
escola, considerando duas noções propostas por Orlandi (1988): a história do
sujeito-leitor e a história das leituras.
Desse modo, “o sujeito se constitui como leitor dentro de uma memória
social de leitura”, que, conforme Nunes, há diversos exemplos: o leitor na Idade
Média localizado no espaço religioso. Na época moderna, o leitor entre o
espaço literário e o científico. Além da conjuntura mundial, nacional, regional
19
19
historicidade de sentidos, por sua sedimentação histórica, assim como a
intertextualidade.
Para o autor, ao traçar o perfil do leitor brasileiro na escola, ficou óbvio a
presença de três instâncias ideológicas: jurídica, econômica e política. Essas
ideologias não estão fundamentadas no sentido de “falsidade” nem de “visão
de mundo”, tampouco de “idéias”. Elas são feitas de práticas, um espaço
ideológico contraditório em que estão intrínsecas diferentes formações
discursivas. A leitura convive num espaço entre prática escolar e outras
práticas correntes em nossa sociedade.
No espaço jurídico, a leitura, a interpretação e o ensino de gramática são
constantemente julgados e avaliados pelo educador. Os testes e as provas
moldam o leitor da instituição escolar. Outra característica é a restrição quanto
ao trabalho de arquivo e memória que, segundo o autor, revela uma herança
do período colonial. Este com uma história particular de construção de
arquivos, marcada pela censura, pela dependência externa e pela escassez de
material.
Nos primeiros séculos de colonização eram permitidas a circulação
de livros religiosos e de textos indicados pelas normas da Companhia de
Jesus. Na história recente, o Brasil viveu sob ditaduras que deixaram marcas
em seus arquivos e bibliotecas. Enquanto enfatizava-se nas escolas o caráter
experimental (ao modo das “feiras de ciências”), as bibliotecas e os próprios
laboratórios das escolas públicas se extinguiam.
No espaço econômico, a leitura e o livro são tratados como algo que se
pode vender, trocar, emprestar, guardar, acumular. Por isso, revela o comércio
de lojas e editoras, ou seja, um mercado que visa à produção e à venda. Por
outro lado, revela que cabe às bibliotecas a manutenção, a valorização e o
empréstimo. Há uma administração, conforme interesses em jogo.
Outro aspecto relevante, nesse espaço, segundo Nunes, é que a leitura
está determinada pelo fortalecimento de certos setores econômicos como a
indústria eletrônica, de informática e comunicação, bem como com as editoras
e os jornais.
20
20
Além disso, há uma divisão entre a escola pública e a escola privada em
que os fatores econômicos determinam as diferentes práticas de leitura:
aquisição de livros, formação de bibliotecas, gastos com pessoal, entre outros.
E ainda, vendo a leitura como trabalho, percebe-se em diversos domínios a
construção e a sustentação de interpretações com finalidades específicas: na
escola, na administração pública, na propaganda, na universidade, nas
instituições religiosas. um trabalho social da leitura que em sua divisão
configura diferentes perfis de leitores.
Na administração da leitura, o livro é um bem de consumo sujeito ao
comércio. O livro é um produto que pode vender bem ou não e conforme
interesses determinados por apoio editorial. o leitor, é localizado em meio
às relações de produção do modo capitalista “produtividade”, “rendimento”,
“organização”, “competência”, “eficiência”, “rapidez”. Esses termos metaforizam
o campo da leitura e do espaço econômico, são gestos que orientam para as
práticas de administração de empresas, de gerenciamento das forças
produtivas, presentes na escola, nos meios de comunicação, no cotidiano.
Na escola, esses gestos de leitura estão presentes nas avaliações,
controles em diário de classes, boletins, históricos, nas técnicas de estudo e
memorização; em práticas de ensino que envolve a elaboração de fichas,
contagem de livros lidos, avaliações dos textos, eleição de frases e palavras-
chaves, modelos interpretativos em forma de perguntas e testes de múltipla
escolha.
Esses procedimentos, para Nunes, estimulam uma burocracia da
interpretação, e podem levar o educando à mecanização da leitura, asfixiado
nas malhas administrativas e inserido na repetição da construção dos bancos
de dados.
Nesse espaço econômico o autor ainda salienta a apropriação das
novas tecnologias nas práticas de leitura, que estão alterando as relações entre
leitor e texto. softwares para fins de armazenagem e gerenciamento de
dados, edição de textos, elaboração de tabelas, e também possibilitam técnicas
21
21
de composição, montagem, editoração, conjugando texto, imagem, sons,
organização de funções enunciativas, e outras.
As novas tecnologias, sob o aspecto econômico, aparentam neutralidade
porque é preciso considerar os fatores de oferta e demanda, circulação e de
modo de tratamento dos textos, segundo interesses particulares. Na escola, a
aquisição de livros está sujeita às verbas que dispõe. Freqüentemente, opta-se
por edições mais baratas, de impressão inferior, ou pacotes de livrarias
especializadas. A demanda do leitor parte de sistemas de distribuição através
de perfis socioeconômicos, leitores ideais, consumidores virtuais.
O perfil do leitor da escola pública no Brasil tem se caracterizado pelo
aspecto de ensino de massa, homogeneizado, imagem produzida pela política
educacional e pelas condições econômicas em vigor no país.
No espaço político, Nunes aborda dois aspectos: a leitura como discurso
que em si constitui uma forma política, a qual produz sentidos por sujeitos e
para sujeitos, e o aspecto de dominação política e sua relação com práticas de
leitura.
Em diversos domínios culturais o autor analisa a proliferação de práticas
de leitura definidas por especialistas, os quais estabelecem sentidos e técnicas,
enquanto que grupos anônimos repetem esses gestos e sustentam essas
interpretações.
dominação do discurso Liberal na leitura, numa ilusão de que
se pode ler “tudo” e “o que quiser” com conhecimento de “todos sentidos”,
numa imagem de leitor “heróico”, que por sua própria iniciativa, sem limitações
da censura ou condições financeiras.
Essas práticas colocam em cena a formação individual do sujeito-leitor,
a “edificação” do leitor em confronto com a administração da leitura,
despontando como resultado a falta de uma política que conduz a deficiência
institucional. Por isso, na opinião do autor, os professores dedicam-se ao fazer
individual do aluno.
22
22
A ausência de bibliotecas, de recursos para aquisição de livros, de
funcionários, de coordenação pedagógica, aliada ao desinteresse político dos
governantes influencia a prática do professor, submetendo-o a essa situação.
Então, a história particular do leitor brasileiro é marcada pela o-
legitimidade de uma tradição lingüística da oralidade, pela dependência
econômica e tecnológica, pela desigualdade de condições de leitura, pela
utilização não-crítica de modelos interpretativos, segundo Nunes (op.cit).
1.2. Concepções de leitura
“Não restam dúvidas de que é isto a leitura:
reescrever o texto da obra dentro do texto de nossas vidas.”
Roland Barthes
Pensar em trabalhar leitura em sala de aula implica uma postura aberta
às diversidades, sejam de teorias, sejam de posturas pedagógicas. Ao longo da
história humana o conceito sobre leitura foi sendo alterado e expandido. Em
Orlandi (2001), encontramos a noção polissêmica de leitura, capaz de
acomodar, se não todas, pelo menos boa parcela das diversas correntes
teóricas.
Para Orlandi (2001:7-9), leitura, numa visão mais ampla, é a atribuição
de sentidos, tanto para a escrita quanto para a oralidade; concepção usada
para dizer “leitura de mundo”, que carrega posturas ideológicas; no sentido
acadêmico, é a construção de um aparato teórico e metodológico de
aproximação de um texto e que possibilita várias leituras; também leitura
veiculada à alfabetização em que se aprende ler e escrever.
em Scholes (1989:22-25), numa apresentação socioconstrutivista, a
leitura é conceituada a partir do momento em que “se quisermos ler de facto,
temos de ler o nosso próprio livro no texto que temos diante de nós; que se
23
23
torná-lo pessoal, trazê-lo à nossa própria vida e pensamento, ao nosso juízo e
acções pessoais”.
De modo geral, o autor expõe e aceita o princípio de Derrida, para quem
“nada existe fora da textualidade”. Porém, também afirma que “o leitor sempre
se encontra fora do texto”. Este aparente paradoxo, na verdade, revela
estarmos sempre fora do texto, mas não fora da trama da textualidade. Esta
relaciona tudo o que vivemos, somos e nunca se finda, segundo Scholes.
O autor também ocupa-se da leitura como atividade intertextual em que
“a leitura não se limita à redução de um texto ao cerne de qualquer propósito
predeterminado”. A leitura vista como ligação de sinais de um texto ao conjunto
de outros sinais, percepções. Neste ponto de vista, se a percepção for um tipo
de leitura, esta seria rudimentar, pré-consciente, uma abertura de caminhos em
que leitura é simplesmente “ler a vida” em que devemos extrair o máximo de
c6436( )-62.1998(a)5.67474(o)-4.3311735(d)5.67718(e)556.00811(e)5.67718(m)833.001]TJ-261.754 -20.76 Td[(q)6.002]TJ-288.29 -20707070707076436( )-62.1998(a)5.6771032(i)1.87122(m)-7.49466(o-4.3-4.33117e)5294974(558:331..39556)1.87178]TJ-247.706 -32.64 3122(m)-7.85(t)-2.16558(a)-4.333117(a)-4.331.871295585(e)-4.33117(g)5.67474(u)-4.15(e)-4.-4.33117( )-22.1762(c)-0.295585(12.229(m)-7.49[(q)6.002]TJ-2849[(q)6.0027.84154(36( )-62.1998(a)5.6771032(i)1.2.64 3122]TJ-276.2827)1( )-1222.80439((e)-4.j7J-284982.80439((e)-4m122]TJ-276e)-4.3315.67474(9( )-102.223(p)-4.2.80561(a)-4.33117(l)-4.3315.67474(9( )-117(l)-4)-10585(t)032(i)1.87122(m)9( )-102.2237(i)1.87122(r)2.80439( )-122.235(o)-4.331 ref4860 6663(m)-7.49466(a)-4b)-4.331 6663(m)-7.49466(a)-4b)-33117(a)f4860 6663(m)-4)-10585(t)032(i)1. ama npd85(t)032(i)é0663(m)fram e prom im 33117(a)2.223(q)5.67474(u)-4.33117(a)(v188(f)-2.16436(o)-4.3(i)1.863(mref4860 6608.67 50 1)3( )-2032(i)1.88(m)3( )-2032331174 -20.76 Td[(q)6.00117( )-112.231(e)-4.33056(i)1.87(t).67 50 1)3( )-20u804.49466(a)-4bm(R14 12 Tf0.99941 0 (e)-4.33117( )E9466(a)-4b)72x.8040 50 1 02]TJ-288-4.33117(n)5.67474(d4gTd[(q)6.001187(t).633117( )-42.188(p)-r)2.80439(n)5.6747-276eh04.49466(a3117(r)2.866(a)-4b)72x.8040 666f4860 6v6.002]117( )-42.188(p)-roe pnt . r m pe
24
24
Para Scholes (op.cit.), “é impossível penetrarmos nos textos que lemos,
porém eles são capazes de entrar em nós; é isso que precisamente constitui a
leitura”. Desse modo, existe a necessidade de aprofundarmos nos meandros
da composição do texto e o relacionarmos com o nosso mundo, numa visão
particular de cada leitor.
Solé (op.cit.), pressupõe que “para ler é necessário dominar as
habilidades de decodificação e aprender as distintas estratégias que levam à
compreensão”. Também supõe que “o leitor seja um processador ativo do
texto, e que sua leitura seja um processo constante de emissão e verificação
de hipóteses que levam à construção da compreensão do texto de
comprovação de que a compreensão realmente ocorre”.
Para Orlandi (op. cit.), o que delimita os sentidos atribuídos à leitura é a
idéia de interpretação e de composição. Se muitos são os sentidos, a autora
faz um recorte na perspectiva discursiva. Sendo assim, a leitura seria
trabalhada e o ensinada. A escrita e a oralidade fazem parte da instauração
de sentidos. Há um sujeito-leitor com suas especificidades e história, sentidos e
sujeitos são historicamente determinados. múltiplos e variados modos de
leitura e, enfim, a vida intelectual relaciona-se com os modos e efeitos de
leitura de cada época.
O ponto de partida em Orlandi é que a leitura é produzida e para tal
esbarra na legibilidade. Esta, para ser alcançada, depende da relação
estabelecida entre texto e leitor. Um leitor virtual que pode ser “cúmplice ou
adversário” do autor do texto. A interação inicia-se no jogo entre leitor virtual e
leitor real, que por si é um embate crítico, de confronto. Existirão
interlocutores no desencadeamento do processo de atribuição de sentidos, em
que sujeitos e sentidos ocorrem simultaneamente.
Portanto, nesse jogo, as regras e os lances mais bonitos dependem do
que um autor quis dizer e o que realmente o texto despertou no leitor. Um
sujeito-leitor capaz de inferir e confrontar a intencionalidade do escritor. Capaz,
também de relacionar seu tempo e sua história para construir sentidos
25
25
conforme o texto lido. Esses interlocutores serão sempre mediados pelo texto,
que este revelará ao leitor o que seu escritor pretendia expor.
Por isso, é necessário avaliar essa relação ora conflitante ora
reconfortante, de confronto, que nos leva para um mundo imaginário, ou não,
porém sempre significante. Através dessa relação, sujeito-leitor e texto, o leitor
poderá lançar um olhar mais crítico sobre seu cotidiano. Há personagens,
histórias e autores que nos acompanham para o resto vida, sempre nos
ensinando, remodelando e criticando.
O contexto e os objetivos são fundamentais no momento da leitura,
porque sujeitos e sentidos são elementos do processo da significação. Por
isso, Orlandi (op. cit.) alerta-nos sobre a impossibilidade de pensar num autor
controlador de toda a significação de seu texto, bem como a existência de um
texto transparente e de única significação e um leitor onisciente capaz de
absorver todos os sentidos.
Além disso, “existe uma tensão entre paráfrase e polissemia”. Na
primeira, há reprodução ou reconhecimento de um sentido que se supõe dado
pelo autor. A segunda define-se por atribuição de múltiplos sentidos e, ambas,
estão inseridas na idéia de produção de leitura. Uma produção que deriva de
posições relativas, histórica e socialmente, determinadas, que unem o
simbólico (lingüístico) e o imaginário (ideológico), nas palavras de Orlandi.
O que percebemos num texto, porém não é imediatamente detectado.
Orlandi (op. cit) chama de relações de forças, em que os interlocutores têm seu
lugar social e os sentidos são determinados pelos que produzem. É daí que
nasce a relação entre discurso e formações ideológicas, que produzirá
diferentes leituras.
Acreditamos que todos s, professores, pretenderíamos abordar todas
as intenções do texto, da visão do autor. Ainda, assim, permaneceriam
questionamentos sobre a visão do leitor, dos leitores, de cada um de nossos
alunos. Estes sujeitos são capazes de relacionar um texto ao seu universo
particular e durante a leitura produzem sentidos diversos.
26
26
Para expandir um pouco mais sobre o conceito de leitura e a produção
de sentidos, Scholes (op. cit.) recorre a metáforas de movimentos, como linhas
retas, em vai e volta, e também um movimento circular de posturas centrípetas
e centrífugas.
A leitura centrípeta concebe o texto em sua intenção original, no centro,
reduzindo-o ao seu puro núcleo de intencionalidade não mesclada. na
centrífuga, a vida do texto percorre a circunferência constantemente,
possibilitando novos significados.
Enfim, a leitura é antes de tudo um processo, contudo criativo e crítico,
dialético. Indo mais além, a leitura é um esforço c
27
27
livres, com autonomia suficiente para enfrentar os mais diversos textos que são
distribuídos e consumidos em nossa sociedade.
Scholes (1989-66:67) centra Jacques Derrida na possibilidade de
criação de protocolos de leitura. A expressão protocolos de leitura é de Derrida,
a qual Scholes debate e centraliza, claramente, em seu trabalho.
”A leitura é transformadora... Mas tal transformação não pode
efectuar-se de qualquer maneira; exige protocolos de leitura. Por que não dizer
francamente: não encontrei ainda um que me satisfizesse”. Jacques Derrida
A franqueza de Derrida talvez desanime muitos e muitos educadores
que esperam encontrar protocolos, regras de leitura, capazes de uma ação
interpretativa. A busca de protocolos torna-se quase impossível, justamente
porque seu objetivo seria a interpretação, a existência da verdadeira
interpretação.
Por isso, Scholes alerta-nos que a estrutura do ser humano ergueu-se
sob a interação. Comunicamos e temos a necessidade de permutar
significados àqueles que identificamos como semelhantes.
Entretanto, a alternância entre escritor e leitor equilibra e contraria nosso
desejo de comunicação, porque “como leitores não podemos ignorar as
intenções dos escritores sem incorrer num acto de violência textual que
ameaça a nossa própria existência como seres textuais”, segundo Scholes.
Reside nessa alternância o aspecto importante de criarmos protocolos como
criamos outros códigos e hábitos.
Se a missão é difícil, não cremos que seja impossível. Ela, talvez, não
seja unilateral. Sobre os protocolos, Scholes (1989:92-104) diz que ele mesmo
precisa ler Derrida de forma centrífuga ou exorbitante. Ou seja, afastar-se-á do
centro da discussão de acordo com sua própria leitura e interesse.
Scholes cerca-se de seu próprio aparato científico. Pergunta-nos se é
possível estabelecer uma relação entre teoria e prática interpretativa. O ponto
crucial é sabermos se como metodizar e ensinar a melhor prática
28
28
interpretativa. Para esse embate há, em princípio, oposição entre leitura
rigorosa e leitura centrífuga ou exorbitante.
Uma leitura centrípeta movimenta-se no centro e duplica o sentido
original do texto com respeito e fidelidade. Porém, como somos incapazes de
ser respeitosos, necessitamos da leitura centrífuga, da margem da esfera com
múltiplas possibilidades, que caracteriza a leitura exorbitante (ou rigorosa).
Esta considerada uma boa prática e capaz de superar os cânones.
Para Orlandi (op.cit) uma tensão entre o processo de leitura
parafrástica e polissêmica. Tensão entre o mesmo e o diferente, o que constitui
a linguagem. É preciso esclarecer, que para a autora, não há oposição e sim
tensão. Esta é sociohistoricamente constituída, razão pela qual ela se muda e
mantém a mesma.
Através desta idéia de tensão, podemos estabelecer uma relação
dialética entre os conceitos das leituras parafrástica e polissêmica,
conceituadas por Orlandi, e centrípeta e centrífuga, por Scholes, fundamental à
nossa intenção de criar de um processo de leitura, ou melhor, um protocolo.
Essa relação é possível porque a tensão, própria da linguagem, para
Orlandi equivale à oposição de Scholes, esta apenas uma oposição inicial,
superficial, que buscará uma união nas circunferências do texto na construção
de uma interpretação.
A parafrástica, que nos oferece o sentido literal do texto dado pelo autor,
equivale à leitura centrípeta, que se centra no original, na intencionalidade não
mesclada do autor. A polissêmica que possibilita múltiplos sentidos ao texto,
está diretamente relacionada à centrífuga, que percorre uma circunferência,
abrindo diversos significados. Unidas são capazes de proporcionar um
processo de leitura mais abrangente de um texto.
Para esse processo de leitura mais abrangente ainda precisamos
estabelecer quais são os interlocutores, os objetivos de leitura, as condições de
produção, as condições histórico-sociais e ideológicas. É preciso ressaltar,
neste momento, que Solé (op.cit.) baseia-se na interação entre o texto e o
29
29
leitor, que julgamos também essencial ao cruzarmos os conceitos destas
leituras.
Então, o primeiro passo para criação de um protocolo de leitura é ter
uma visão ltipla sobre leitura. Visão esta que englobe a multiplicidade de
conceitos teóricos, conforme abordagem no tópico anterior deste trabalho.
A partir desse momento, trataremos esse processo de leitura como um
passo essencial à criação de um protocolo de leitura. Razão pela qual,
adotaremos o termo protocolo, apesar de ainda não formalizadas todas as suas
instâncias.
Na visão de Scholes, o rigor de Derrida é uma oposição à verdade, a
uma verdade como revelação, fora de um tempo e lugar. Uma valorização
disfarçada da hermenêutica niilista. Uma “ausência da verdade, idéia de
verdade apenas como amuleto indispensável e não como garantia
extratextual”.
Ele afirma que “Derrida é um hermenêuta-niilista”, uma caracterização
que nos revela ser aparentemente contraditória. Isto, porque a Hermenêutica
surge, no século XIX, como salvaguarda da verdade depois que ficou
insustentável a visão fundamentalista do texto. Ou seja, inicialmente, opõe-se
ao fundamentalismo, sem conotações religiosas, que previa um escritor
infalível e uma linguagem perfeita, num contexto intemporal, e este perpetuaria
o verdadeiro significado.
O fundamentalismo textual carrega consigo a dificuldade do leitor
perceber todos os propósitos do escritor, quer propósitos conscientes quer
inconscientes. Foi essa dificuldade que modelou os princípios da
Hermenêutica, que passa a rejeitar a possibilidade da verdade interpretativa e
da verdade fundamental, resultando num ceptismo. Esse termo, Scholes
concilia com niilismo, assentado na descrença e dúvida sobre a existência de
uma verdade suprema.
Um niilismo comum em que não existe a verdade; bem como, o erro,
resultando na validade de todas as convicções, ou melhor, todas as práticas
30
30
interpretativas. Entretanto, para Scholes, o termo hermenêutica-niilista é uma
necessidade, apesar de ser paradoxal, frente à criação de novos protocolos de
leitura. Haja vista, Derrida afirmar que “a recuperação do significado de um
texto equivale à busca de uma verdade susceptível de ser garantida apenas
por um absoluto platônico impossível”.
A hermenêutica-niilista possibilita o rigor derridiano, uma leitura rigorosa
que se opõe a noção de verdade, leva-nos à desconstrução, que se constitui
de sinais.
A desconstrução é a différance, esta mera asserção sobre linguagem,
em termos históricos como atividade puramente diferencial e diferenciadora,
uma meta-racionalidade. Contrapõe a noção de código, contexto, presença,
respectivamente.
Segundo Scholes, o rigor, pensamento aparentemente contraditório de
Derrida, revela a necessidade dos protocolos de interpretação ou cânones.
Estes necessários à interpretação e ao ensino da leitura, porém ainda não
encontrados.
Para atingir uma leitura exorbitante sobre Derrida, Scholes o lerá à luz
de seus próprios interesses pessoais e métodos; fragmentará, confrontando e
contrastando os pensamentos derridianos com os de outros filósofos.
O rigor, para Scholes, faz Derrida aproximar-se dos protocolos de leitura
porque busca de união entre leitura rigorosa, exorbitante, centrípeta e
centrífuga para que nós, professores, possamos ler e continuar a ensinar
outras pessoas a assim procederem, numa busca de seus próprios protocolos,
de forma crítica.
A teoria não será capaz de impor protocolos nem crítica, porém a prática
obrigar-nos-á a recorrer à teoria para entendermos como e por que elaboramos
nossos protocolos, segundo Scholes.
Desse modo, o ser humano não está fora da textualidade. O cerne da
investigação de Scholes (op. cit) é “a leitura encarada como permuta, onde a
textualidade actua como meio. Sob a designação de retórica, consideraremos a
31
31
leitura como uma economia textual, onde prazer e força são permutados entre
produtor e consumidores de textos, tendo sempre em vista que os escritores
têm de consumir a fim de produzir e que os leitores têm de produzir a fim de
consumir”.
Para um discurso ainda mais retórico, o autor considera a ética
interligada e dependente da retórica em que nos deparamos com os problemas
das funções, dos efeitos e dos objetivos da leitura e da escrita. Assim, ele
analisará se é possível sabermos para que serve a leitura e se existe uma ética
capaz de conduzir a leitura em todas as situações ético-políticas.
Há controvérsia sob o debate da ética e retórica. Algumas considerações
sobre Retórica são importantes para ampliarmos o conceito de desconstrução,
elaborado por Derrida, fundamentado na ética, para essa nossa busca sobre os
protocolos de leitura.
Como nos ensina Tringali (1988:38-40), na Retórica Sofística, verdade e
justiça são relativas, não importando o justo ou injusto, cobiçando apenas
ganhar a causa, e desconsiderando os aspectos éticos sob a égide do discurso
persuasivo.
Platão combateu esses princípios retóricos, em que o discurso
persuasivo deve agir sobre o conteúdo; o conteúdo salva ou condena a
persuasão. A Retórica deve ser justa e a justiça é a suprema felicidade do
homem. Sob o império da Dialética, no sentido platônico, a Retórica é a ciência
suprema do Bem, da Justiça, da Verdade, do Amor.
Sócrates tenta conciliar os sofistas com Platão, pois a sabedoria de
nada nos valeria sem a Retórica, e esta é uma arte de bem pensar, bem viver e
bem falar. Depois dessa tentativa reconciliadora, Aristóteles, sem desvalorizar
a elocução, mais dignidade ao conteúdo que a expressão. A Retórica passa
a ser a arte de descobrir, em qualquer questão, os meios de persuadir. Quanto
às objeções platônicas, responde que o mau uso que se faça de uma coisa não
a invalida. Desse modo, Aristóteles opõe dialética à persuasão, à busca da
verdade.
32
32
Na Retórica Antiga, fundamentada por Aristóteles, a discussão é
baseada no provável, e leva-nos à dialética aristotélica, entre a verdade e
aparência da verdade. É preciso ser persuasivo. Como a persuasão distancia-
se da verdade, para ganhar o embate não basta, somente, ser justo ou
verdadeiro. É preciso ser convincente diante do auditório. Este identificar-se-á
e será mobilizado pelo ethos, caráter, do seu orador. O discurso persuasivo
age através do logos, a razão, e move o auditório através dos que falam
(ethos), e estes que despertam pathos, paixão.
Na visão de Scholes (1998:118-119), Derrida preocupa-se com uma
ética da leitura e não com uma leitura da ética em que reside uma diferença
entre leitura e ação. Na desconstrução, existe uma relutância em entre deixar
ler e lançar um livro a outra pessoa, relutância em interromper a ação da
textualidade e aceitar as limitações da ação. A desconstrução está fora de uma
ética extratextual, a fim de preservar sua liberdade.
A Retórica também será importante para Scholes confrontar com a
poesia, abordando a questão da desconstrução e da ética. Para o autor, uma
retórica da leitura está baseada num contraste binário do que chamamos
poesia, literatura ou arte. A retórica ocupa a parte negativa desse binarismo.
Para Scholes, em Aristóteles encontramos a opinião de que retórica e
dialética representam “contrapartidas”, e sugere que retórica e a poesia sejam
íntimas aliadas, concebidas para suscitarem paixões. Ao contrário de Platão,
que afirma que a dialética é um meio de purificação do pensamento. A retórica
aristotélica concebeu três tipos de persuasão: baseado na personalidade do
orador, no domínio da emoção da assistência e do raciocínio ou argumentação.
Scholes afirma que a razão manifesta-se sempre textualizada em
conjunto com a emoção, como tecido numa teia de fios da razão entremeada
de fios da emoção. Esta constitui a metáfora de “economia textual”, uma
permuta de valores.
A economia textual é marcada por trocas de força ou poder e de prazer
ou deleite. A retórica da economia textual está baseada no fluxo de prazer e da
força gerados por qualquer texto. Essa idéia de retórica envolve certo desvio de
33
33
soberania textual. Ocorre quer o texto seja um poema, quer um anúncio
publicitário.
A economia de força e prazer é idêntica, e todas essas trocas textuais
iniciam-se por um momento inebriante, catártico. É necessário um
restabelecimento após este momento inebriante, em que se a análise
crítica. Os textos são retóricos se permutarem tanto força como prazer. Não
fronteira nítida entre retórica e arte, como não há entre vida textualizada e vida
vivida.
Para Scholes, a teoria da retórica ajuda-nos a decidir se um texto é bem
ou mal concebido, mas não nos diz se ele advoga objetivos bons ou maus.
Ela também auxilia-nos a perceber as trocas de prazer e de energia em
qualquer situação textual, mas não esclarecerá se tais permutas são ou não
válidas. O que nos elucidará a esse respeito?
Na visão do autor, Hegel enfrentou ainda outro problema o da
textualidade estar tão inexoravelmente condicionada à mudança histórica que
as melhores versões da ética e de política perdem a eficácia ao longo do
tempo, havendo necessidade de reformulá-las. O problema é relacionar um
dado texto com um código de comportamento geral.
Scholes esclarece o que pretende dizer é que todos os discursos éticos
sem a
34
34
inevitavelmente às exigências da retórica e às vicissitudes da interpretação,
sujeitá-los ao regime completo da temporalidade e da textualidade.
A própria ação de pensar nesses protocolos de leitura, de imaginá-los e
de construí-los é também textualizá-los. Tudo quando se exprime no capítulo
da ética tem de ser provisório, estando na totalidade comprometido com uma
dialética histórica sem garantia de uma teleologia do absoluto à qual
pretendamos ter acesso.
Concluindo, após a desconstrução através de Scholes, a construção de
protocolos exige a mesma postura diante as leituras, as interpretações e as
críticas: o uma verdade suprema. A diferença entre verdade e mentira
dependerá das estruturas sociais, ideológicas, políticas e históricas de cada
leitor.
O que para Scholes demonstrará que “dentro dessas estruturas, certas
leituras revelam-se melhores do que outras, e certos textos melhores do que
outros, por motivos que devemos persistir em articular. de se continuar a
ler, a reescrever os textos que lemos nos textos das nossas vidas e também a
reescrever estas à luz de tais textos”.
Como dissemos no início deste capítulo, a motivação da criação de
protocolos de leitura é a interpretação. Professor algum, como observamos,
poderá impor uma verdade suprema à interpretação de seus alunos. A verdade
sucumbida à interpretação é relativa, varia conforme o tempo e a sociedade de
cada leitor.
As leituras poderão oferecer interpretações melhores ou piores conforme
nossa capacidade retórica, interesses, poder e política, em nossa sociedade.
Um protocolo de leitura ou de interpretação é a desconstrução. É Uma busca
da verdade submetida à ética, uma leitura ética.
Após este aprofundamento na criação de protocolos de leitura,
passaremos a analisar a questão das estratégias. Solé (1998) aborda o
trabalho com a leitura sob o uso das estratégias, que os professores deveriam
35
35
ter em mente ao iniciarem seus trabalhos. O que é melhor: um protocolo ou
uma estratégia?
De modo geral, é ponto pacífico para a autora que, para ler,
necessitamos apreender habilidades de decodificação e estratégias capazes
de promover a compreensão, bem como, supõe que o leitor seja um
processador ativo do texto, ou seja: um leitor que verifica se suas hipóteses
confirmam-se ou não, sempre ciente do controle da sua compreensão.
Então, para a autora “assumir o controle da própria leitura, regulá-la,
implica ter um objetivo para a leitura, assim como poder gerar hipóteses sobre
o conteúdo que se lê. Mediante previsões, aventuramos o que pode suceder o
texto. Graças à sua verificação, através dos diversos indicadores existentes no
texto, podemos construir uma interpretação, compreendemos. Por isso, a
leitura pode ser considerada um processo constante de elaboração e
verificação de previsões que levam à construção de uma interpretação”.
Para Solé (op. cit.), estratégias são “procedimentos de caráter elevado”,
ações coordenadas e finalizadas que necessitam de objetivos. Por isso, é
fundamental ter em mente que precisamos ensiná-las para que nossos alunos
possam atingir a compreensão leitora.
As estratégias envolvem procedimentos cognitivos e metacognitivos, ou
seja, somos capazes de conhecer nosso próprio conhecimento, refletir sobre
nossas ações e planejá-las, temos controle e regulamentação. Dessa forma,
elas não podem ser vistas como receitas ou técnicas prontas e infalíveis.
Devemos ensiná-las como uma capacidade de representar e solucionar
problemas, tendo flexibilidade para encontrar soluções durante nossas ações.
Para muitos educandos, um texto é um amontoado de problemas a
serem resolvidos. Desde um levantamento léxico até a idéia-núcleo. Então, que
recursos devemos lançar para facilitar a compreensão leitora? É fundamental
considerar três aspectos relevantes em pessoas alfabetizadas, segundo Solé,
comuns numa perspectiva cognitivista/construtivista demonstradas a seguir.
36
36
O primeiro aspecto, uma propriedade denominada considerate texts, por
alguns autores, corresponde a clareza e coerência dos conteúdos do texto, da
familiaridade ou conhecimento da sua estrutura e do nível aceitável de seu
léxico, sintaxe e coesão interna. Na promoção de uma aprendizagem
significativa, essa compreensão está dentro da “significatividade lógica” do
conteúdo que deve ser aprendido.
O segundo, revela o grau de conhecimento prévio do leitor em relação
ao conteúdo do texto, numa aprendizagem significativa é denominada como
37
37
2. Ativar e aportar à leitura os conhecimentos prévios relevantes para os
conteúdos em questão. Que sei sobre o conteúdo do texto? Que sei sobre
conteúdos afins que possam ser úteis para mim? Que outras coisas sei que
possam me ajudar sobre o autor, o gênero, o tipo do texto?
3. Dirigir a atenção ao fundamental, em detrimento do que pode parecer
mais trivial (em função dos propósitos perseguidos; v. ponto 1). Qual é a
informação essencial proporcionada pelo texto e necessária para conseguir o
meu objetivo de leitura? Que informações posso considerar pouco relevante,
por sua redundância, seu detalhe, por serem pouco pertinentes para o
propósito que persigo?
4. Avaliar a consistência interna do conteúdo expressado pelo texto e
sua compatibilidade com o conhecimento prévio e com o “sentido comum”.
Este texto tem sentido? As idéias expressadas neste têm coerência?
5. Comprovar continuamente se a compreensão ocorre mediante a
revisão e a recapitulação periódica e a auto-interrogação. Que se pretendia
explicar neste parágrafo subtítulo, capítulo? Qual a idéia fundamental que
extraio deste? Posso reconstruir o fio dos argumentos expostos? Posso
reconstruir as idéias contidas nos principais pontos? Tenho uma compreensão
adequada destes?
6. Elaborar e provar inferências de diversos tipos, como interpretações,
hipóteses e previsões e conclusões. Qual poderá ser o final deste romance?
Que sugeriria para resolver o problema exposto? Qual poderia ser por
hipótese o significado desta palavra que me é desconhecida? Que pode
acontecer com este personagem?
A todos esses itens, a autora acrescenta que as estratégias devem
ajudar o leitor a escolher seus próprios caminhos ao se deparar com problemas
na leitura. Além de que, devido à utilidade, está subjacente a idéia de revisão e
mudança da própria direção quando fosse necessário.
Segundo a autora, as estratégias também podem ser selecionadas
conforme o desenvolvimento da leitura em sala de aula. As estratégias
38
38
pertinentes e prévias à leitura seriam as que permitem estabelecermos os
objetivos e os conhecimentos prévios.
Durante a leitura, são importantes as que permitem estabelecer
inferências de diferentes tipos, rever, comprovar a própria compreensão
enquanto se , e tomar as decisões adequadas diante do erro ou falhas de
compreensão. Além de, durante e depois da leitura, utilizar estratégias
dirigidas a recapitular o conteúdo, a resumi-lo e a ampliar o conhecimento.
Para Koch (2002:32-39) estratégicas textuais relacionam-se a
organização da informação, de formulação, de referenciação, de
“balanceamento” (“calibragem”) entre o explícito e implícito.
Ela discorre sobre as estratégias de organização da informação, ressalta
o dado/novo. Uma informação dada, responsável pelo que vai ser dito no
espaço cognitivo do interlocutor, se introduz uma nova, criando isotopias sobre
os conhecimentos já partilhados.
Nas estratégias de formulação encontramos funções cognitivas e
interacionais para vários tipos de inserção e de reformulação, as quais facilitam
a compreensão dos interlocutores e coordenam de uma estrutura referencial,
sem ser supérfluo.
As estratégias de referenciação, um tipo de remissão através de
recursos gramaticais ou léxicos. Há, ainda, estratégias de “balanceamento” do
explícito/implícito.
É também essencial ter clara a noção de gênero textual porque cada um
vincula uma seleção de idéias, que produzirá efeitos de sentidos. Além disso, o
professor deve refletir sobre os conhecimentos necessários ao processamento
textual: lingüístico, enciclopédico e interacional.
Dessa maneira, o professor focalizará melhor seu trabalho de leitura
porque “balanceará” os implícitos, que podem ser recuperáveis por meio das
inferências.
39
39
Nossa sociedade exige determinadas situações e convenções
discursivas. Um aluno, ao ler um texto do gênero requerimento na escola, não
utilizará o mesmo conhecimento para ler uma crônica ou carta de reclamação a
um banco. Haja vista que os papéis sociais alteram-se conforme as posições
desempenhadas pelos interlocutores de um texto.
Os sentidos de um texto são construídos num jogo interativo entre os
interlocutores. Não vamos ignorar as diversas concepções sobre texto.
Entretanto, adotaremos a concepção de interação entre os sujeitos, que
desempenham uma atividade sociocomunicativa com objetivos sociais.
Assim, segundo Koch (2003:17), “há lugar, no texto, para toda uma
gama de implícitos, dos mais variados tipos, somente detectáveis quando se
tem como pano de fundo, o contexto sociocognitivo dos participantes da
interação”.
Costa Val (1994:4-16), chama textualidade um conjunto de
características que tornam um texto realmente um texto e não um amontoado
de frases. São fatores pragmáticos envolvidos no processo sociocomunicativo
e ocorrem sob três aspectos: pragmático, semântico-conceitual e formal.
Intencionalidade, aceitabilidade, situacionalidade, informatividade e
intertextualidade são fatores relacionados ao material conceitual e lingüístico
do texto sob a noção de coerência pragmática.
No aspecto semântico conceitual temos a coerência textual que
relaciona aspectos lógicos, semânticos e cognitivos, o conhecimentos
partilhados entre os interlocutores que promoverão sentidos através das
inferências e pressuposições ativadas durante a leitura.
No aspecto formal encontramos a coesão, manifestação lingüística da
coerência, relacionada à conectividade do texto em suas articulações
gramaticais e lexicais.
Um texto, aparentemente, compreensível para o educador poderá ser
considerado, extremamente, difícil para o educando. Coerência, coesão e
40
40
todos os demais fatores de textualidade de um texto dependerão das conexões
estabelecidas pelo educando.
Entretanto, acreditamos que essas conexões podem e devem ser
mediadas e discutidas pelo educador, expandindo sua prática de leitura em
sala de aula.
Uma prática social de leitura influencia a construção de sentidos e dos
textos da nossa sociedade. Os textos trabalhados em sala de aula têm
relevância na construção e percepção de mundo de nossos educandos.
Estarão produzindo, ou reproduzindo, discursos e efeitos de sentidos conforme
lêem e discutem os textos apresentados e mediados pelo educador.
Os educandos poderão reproduzir o senso-comum ou o poder
dominante, porém preferimos uma prática que leve à construção de uma visão
crítica a partir dos conhecimentos e sentimentos deles.
1.4. Uma aproximação entre estratégias e protocolos
Todos os educadores, quaisquer que sejam suas disciplinas, devem
assumir a responsabilidade do ensino e do uso da linguagem, além de estar
engajados em todo o processo de leitura e sentidos construídos durante a
utilização de um texto oral ou escrito.
Ao trabalhar leitura em sala de aula, é necessário averiguar os sentidos
que vão sendo construídos. A ação do professor é fundamental, porque ele é
um leitor, que em sua posição social promoverá a interpretação de textos,
numa comunidade escolar. É importante sabermos como e qual interpretação o
professor desenvolve.
Sobre a busca de protocolos, verificamos com Scholes, no item anterior
deste trabalho, que a dificuldade maior seria a existência da verdadeira
interpretação. Esta que, jamais, será atingida porque nossas interpretações
estarão sujeitas a um leitor, inserido num momento histórico-social e, por isso,
alteram-se os princípios da ética e da política.
41
41
A busca da ética leva-nos a um protocolo de leitura, a uma leitura ética.
Esta baseada numa economia textual, em trocas de força e prazer. Então, os
protocolos dependem da retórica e das interpretações. Dessa forma, cabeao
professor um papel retórico em que a interpretação estará vinculada à leitura,
sujeita à razão e à emoção.
A verdade textual talvez não exista, porém não significa que devemos
desistir de procurar a diferença entre verdade e mentira. A verdade varia
conforme fatores sociais, políticos e históricos. O educador deve ser alguém
capaz de situar-se em seu tempo na busca da melhor interpretação,
relacionando texto, homem e sociedade. Formando, assim, uma leitura crítica,
um leitor crítico.
Conforme Solé (op.cit), necessitamos de um procedimento em que “a
leitura pode ser considerada um processo constante de elaboração e
verificação de previsões que levam à construção de uma interpretação”,
também citada no tópico anterior. A autora destaca sempre a necessidade de
estabelecermos objetivos para o trabalho com a leitura. Ressalta que “o leitor
constrói o significado do texto. Isto não quer dizer que o texto em si mesmo não
tenha sentido ou significado”. Também lembra-nos sobre a importância de
reconhecermos as diferentes estruturas do texto, estas que veiculam, impõem
e restringem a escrita. Por isso, mesmo que intuitivamente auxiliam na
compreensão das informações veiculadas pelo texto.
A essa altura cabe, nesta análise, definir o que é um procedimento. Solé
recorre a Coll (1987:89) sobre o que seria um procedimento: regra, técnica,
método, destreza ou habilidade. Mais precisamente, um procedimento
consistiria um conjunto de ações ordenadas e finalizadas, isto é, dirigidas à
consecução de uma meta.
Para a autora, alguns procedimentos, como amarrar o cadarço do tênis,
são realizados de forma automatizada. Tanto que se pararmos para pensar e
realizar essa ação passo a passo será difícil e demorada. Outros
procedimentos, como cozinhar, seguimos instruções que nos garantem a
42
42
execução de um objetivo em que nossa ação é praticamente controlada por
essas instruções.
Entretanto, ao decidir se é melhor buscar o filho na escola antes de fazer
compras e levar uma cópia de um artigo a um colega que o pediu, ou
invertemos a ordem dessas tarefas para melhor ação e execução, estamos
falando de procedimentos, porque repensamos, alteramos e executamos uma
série de tarefas conforme melhor julgamos.
Para ligarmos, pois, o termo procedimento à estratégia cabe unir
componentes essenciais para Solé: autodireção e autocontrole. Ou seja, há um
objetivo e a consciência deste, bem como supervisão e avaliação do
comportamento em função dos objetivos que o guiam e da possibilidade de
modificá-lo, em caso de necessidade. Desse modo, percebemos que os
procedimentos são também papéis essenciais no trabalho de leitura do
educador.
Numa concepção construtivista do ensino e da aprendizagem escolar,
Sole (op.cit) expõe três idéias fundamentais sobre o uso de estratégias para
ativar a compreensão leitora, que veremos a seguir.
A primeira considera a situação educativa com um processo de
construção conjunta, o qual educadores e educandos compartilham
progressivamente significados mais amplos e complexos e dominam
procedimentos com maior precisão e rigor. Ambos também tornam-se
progressivamente mais adequados a entender e incidir sobre a realidade
presente nos textos. Sendo um processo de construção, não se pode pedir que
tudo se resolva adequadamente e de uma vez; bem como, parece claro,
embora o educando seja o protagonista, o educador também desempenhará
um papel de destaque.
Na segunda idéia, o educador exerce uma função de guia, à medida que
garante o elo entre a construção que o educando pretende realizar e as
construções socialmente estabelecidas. Estas, por sua vez, traduzem-se nos
objetivos e conteúdos prescritos pelos currículos. Estamos perante um
processo de construção conjunta que caracteriza por constituir participação
43
43
guiada em que a situação educativa ajude o aluno a contrastar e relacionar seu
conhecimento prévio com o que vai ser necessário abordar essa situação.
A terceira idéia, que se aproxima da anterior, o processos de
andaimes. Uma metáfora do “andaimeé empregada por Solé
3
para explicar o
papel do ensino com relação à aprendizagem do educando. Durante uma obra,
os andaimes são colocados um pouco acima e contribuem para a construção;
depois do edifício pronto, os andaimes são retirados sem deixar rastros e sem
que o edifício caia. Dessa forma, processar-se-ia a ajuda do ensino, à medida
que o educando torna-se competente, serão retirados os andaimes para
garantir a autonomia do educando.
Solé une essas três idéias, situações de ensino–aprendizagem, em torno
das estratégias de leitura como processos de construção conjunta, em que se
estabelece uma prática guiada através do qual o educador proporcionará aos
educandos os andaimes necessários para que possam dominar
progressivamente essas estratégias e utilizá-las depois da retirada das ajudas
iniciais.
Nesse momento, é possível responder o que é melhor: protocolo ou
estratégia. Do nosso ponto de vista, a união dos dois. Protocolo ou estratégia é
um desafio de leitura para educadores e educandos na busca da melhor
interpretação, na construção de sentidos. No melhor entendimento e a análise
do educando enquanto sujeito-leitor, na relação estabelecida entre o texto e
seu mundo pessoal, social e político.
Esse desafio deve ser perseguido em parceria entre educadores e
educandos, à luz da descoberta, da criatividade, da curiosidade e da ajuda
mútua da melhor prática de leitura. A leitura pode e deve ser praticada fora ou
dentro do ambiente escolar. Entretanto, nosso interesse, nesse momento,
centra-se na leitura desenvolvida em sala de aula pelo educador.
Gostaríamos de aproximar os termos protocolo e estratégia como
recursos. Por um lado, temos a necessidade de aprofundarmos nos textos lidos
3
A autora faz referência a WOOD, D. J.; BRUNER, J. S.; ROSS, G. (1976) The role of tutoring in
problem solving. Journal of Child Psychology and Psychiatry, 17, p. 80-100.
44
44
para que seja possível estabelecer as mais diversas conexões entre o texto e
nosso mundo, na construção de uma interpretação crítica. Por outro, o
desafio do educador ser capaz de acionar essas conexões.
O trabalho do educador é muito grande: formar leitores. De nossa parte,
um protocolo de leitura deve garantir uma compreensão leitora que nos
conduzirá à formação de cidadãos críticos, autônomos e felizes em relação à
leitura. Queremos que as práticas de leitura nas escolas sejam livres, porém
debatidas, contestadas e contextualizadas tanto por educadores quanto por
educandos.
45
45
2. Procedimentos de leitura das professoras de História
em sala de aula
“O bom leitor é aquele que sabe que há outras leituras”.
Eni PulcinelliOrlandi
2.1. Introdução
Para este trabalho, realizado ao longo dos anos de 2005 e 2006,
solicitamos a cinco professoras, da disciplina de História, que elaborassem
uma proposta de leitura para o trecho inicial do capítulo 19, de Olga, de
Fernando Morais, para as oitavas séries, do ensino fundamental, ciclo II.
Alguns critérios foram necessários para a seleção das escolas. O
primeiro, é que as todas pertencessem à rede pública de ensino da Grande
São Paulo. O segundo que, preferencialmente, elas pertencessem a Diretoria
Guarulhos –Norte, da rede estadual, do município de Guarulhos, São Paulo. A
partir disso, foram escolhidas três unidades escolares, numa delas temos a
colaboração de duas professoras.
Na busca por mais uma escola, encontramos a disponibilidade de uma
professora de uma unidade pública municipal, do bairro de São Miguel, próximo
a Guarulhos. Totalizando, quatro escolas públicas e cinco professoras da
oitava série.
Quando as professoras souberam deste trabalho, aceitaram dar suas
contribuições prontamente. Acreditamos que não é necessário expor os nomes
46
46
delas nem das escolas, apesar de que ambas as partes consentiram no amplo
uso acadêmico das informações prestadas
.
Antes de expor as propostas, gostaríamos de acrescentar que nos
preocupamos em traçar um perfil destas professoras em relação às propostas
de leituras que desenvolvem, em sala de aula, bem como dos alunos.
Nenhuma delas trabalha, exclusivamente, com o livro didático. Elas
têm uma prática de utilizar textos diversos, extraídos de jornais, revistas ou
livros. Quando oferecemos o trecho da biografia de Olga, solicitamos que cada
uma escrevesse como trabalharia este texto, descrevendo todas as etapas da
leitura com os alunos. Realizamos, também, uma pequena entrevista,
individualmente, com as seguintes perguntas:
a) Há quanto tempo trabalha na educação?
b) Há quanto tempo trabalha nesta unidade escolar?
c) Qual sua formação acadêmica?
d) O que é texto?
e) O que é leitura?
f) Quando trabalha a leitura o que é mais importante?
g) Como a leitura é avaliada?
h) Quais dificuldades são encontradas na leitura de um texto?
i) Como as dificuldades são superadas?
Contudo, ainda restava traçar um perfil leitor dos alunos. E, por isso,
recorremos ao SARESP (Sistema de Avaliação do Rendimento escolar do
Estado de São Paulo), aplicado no ano de 2005, quando conversamos com as
professoras. Analisamos somente os índices obtidos, pela oitava série, do
Ensino Fundamental, da Diretoria Guarulhos–Norte, na prova de Leitura, a qual
o período matutino obteve índice de aproveitamento 53,5%, o vespertino 56,5%
e o noturno 48,5%.
47
47
Nessa avaliação, com 26 questões de múltiplas escolhas, o utilizados
alguns gêneros textuais, como crônica, histórias em quadrinhos, mapas e
outros para mediar habilidades leitoras, como reconhecer o tema do texto;
identificar o conflito gerador do enredo; inferir uma informação implícita e
explicita; reconhecer os efeitos de sentidos do uso de recursos gráficos,
sonoros, semânticos ou estilísticos; distinguir causa/conseqüência, fato/opinião
ou definição/exemplo; reconhecer os elementos organizacionais e estruturais
do gênero; associar uma palavra ao seu referente; identificar a ordem
seqüencial de procedimentos e fatos.
Na escola municipal, do bairro de São Miguel, houve uma sondagem
diagnóstica, do Projeto Ler e Escrever, da rede municipal de ensino, no ano de
2006. Nesta sondagem há, praticamente, as mesmas habilidades leitoras
exigidas no SARESP, além de contar também com as exigências de
habilidades escritoras. Então, o perfil leitor dos alunos das escolas
selecionadas foi apontado através de uma análise das avaliações das
instituições públicas.
2.2. O perfil da escola e da professora A
A primeira escola selecionada, que denominamos escola A, inclusive,
esta e as demais denominações não expressam valoração alguma, está
localizada bem próximo ao Aeroporto Internacional de Guarulhos, onde um
conjunto habitacional de apartamentos, de classe média baixa.
Esta escola, atualmente, atende alunos do ensino fundamental e médio,
dos ciclos I e II. No prédio há quadras poliesportivas, cantina, pátio, sala de
informática, biblioteca, entre outros espaços.
No SARESP, esta escola obteve aproveitamento de 60,1%, na oitava
série, do período matutino. Média superior a Diretoria Guarulhos-Norte que foi
de 53,5%, no período vespertino.
Nossa primeira professora, denominada, também A, durante a entrevista
realizada, na escola, revelou que dez anos trabalha no magistério e dois
48
48
anos na mesma escola. Possui licenciatura plena em História e Geografia e até
o momento não fez especialização alguma, apesar de ter interesse.
Sobre o que é texto, respondeu que é “uma coisa que você passa, lê,
explica, texto é contextualizar as vertentes que achei. É o que está no
conteúdo”.
Sobre o que é leitura, respondeu “interpretação do texto”. Ao trabalhar o
texto, o mais importante na leitura é o que “o aluno aprende, que entenda a
minha linguagem. Se estou com um texto, estou trabalhando o contexto, pego
as partes mais importantes para contextualizar. A ele (o aluno) cabe criticar, a
crítica é muito importante, principalmente, a crítica construtiva quando parte do
aluno. Até para eu ir melhorando a cada dia. É uma reflexão”.
Essas concepções sobre texto e leitura e a importância da leitura, em
sala de aula, demonstram que, intuitivamente, para a professora texto é uma
interação entre os sujeitos, mesmo que de forma parcial, numa perspectiva
socioconstrutivista do conceito sobre leitura.
A avaliação da leitura é feita de forma escrita e falada, sobretudo
valorizando a interpretação do educando. Não uma nota específica, muitas
vezes, “um ponto a mais por ler e se dedicar à leitura do texto trabalhado”.
Nesse aspecto, a professora realiza o que Solé (op.cit) chama de avaliação
inicial, obtém uma informação sobre a bagagem do que o aluno aprendeu.
Entretanto, não há menção sobre uma avaliação somativa nem formativa
sobre o processo da leitura.
Sua maior dificuldade refere-se ao livro didático, considerado “muito
fraco”, além de poucos livros paradidáticos serem enviados para as escolas,
bem como jornais e revistas. Estes periódicos poderiam dar “estrutura melhor”
em sala de aula. Assim, teríamos “outros tipos de textos para trabalhar os
mesmos assuntos”. Essa dificuldade é sanada com a utilização de jornais,
revistas e livros da sua casa.
Até este momento podemos analisar que uma preocupação em
utilizar diversos gêneros textuais, apesar de não vincular, ou destacar, esta
49
49
necessidade à melhor compreensão leitora. uma percepção da professora
sobre as instâncias ideológicas de distribuição e consumo dos livros na escola,
conforme Nunes (op. cit.).
Sobre a interpretação dos textos, é interessante que seu ideal é
construí-la a partir de uma visão crítica do aluno. Demonstrando, certa
consciência sobre o ato de ler como uma forma política e ética. Entretanto, este
aspecto será bem analisado mais adiante sobre a proposta de leitura.
2.2.1. A proposta de leitura A
A proposta de leitura entregue pela professora foi estruturada da
seguinte forma:
a) Antes da leitura do texto, ela conversou com os alunos sobre o
assunto que seria abordado na sala de aula: a biografia de Olga Benário,
explicando, primeiro, os seguintes tópicos:
CONTEXTO HISTÓRICO
Alemanha;
Regime totalitário (nazismo);
Estado Forte;
Suspensão do individualismo e da liberdade.
CAUSAS
Crise econômica de 1929;
Nacionalismo frustrado (Versalhes).
CARACTERÍSTICAS
Totalitarismo;
50
50
Anticomunismo;
Unipartidarismo;
Militarismo;
Racismo;
Eliminação da oposição e das raças consideradas inferiores,
segundo o governo nazista (judeus e negros, por exemplo).
CARACTERÍSTICAS BRASILEIRAS
Descontentamento com as metas e planos do governo Getúlio
Vargas;
Formação de grupos de oposição ao governo AIB (Ação
Integralista Brasileira) e ANL (Aliança Nacional Libertadora);
b) Logo após a explicação destes tópicos a professora fez, na lousa, um
quadro comparando as características dos dois principais grupos ideológicos
na época do governo de Getúlio Vargas.
AIB ANL
Líder Plínio Salgado Luís Carlos Prestes
Tendência Fascista Esquerdista
Nacionalismo Nacionalismo
Totalitarismo Reforma Agrária
Unipartidarismo Governo Popular
Idéias
Anticomunismo Não pagamento da dívida
51
51
c) Explicou este quadro e comentou outros itens: Tentativa de chegada
ao poder por parte da ANL (Intentona Comunista); Repressão do movimento
pelo Governo Central; Prisão de suspeitos ligados com a ANL, entre eles Luís
Carlos Prestes e sua companheira, Olga Benário Prestes, de origem judaica,
que, mesmo estando grávida, foi entregue à Alemanha nazista de Hitler.
d) Depois dessa explicação, a professora relatou que, quando Olga
estava na Alemanha, redigiu uma carta a Prestes, a qual dava notícias acerca
da filha que tiveram juntos. A seguir, ela distribuiu uma cópia do texto para os
alunos lerem.
e) Nessa última fase, trabalhando leitura e interpretação da carta dentro
do contexto histórico, a professora esperou os alunos lerem o texto. Em
seguida, debateu com eles a censura praticada pelas forças armadas e pelos
regimes ditatoriais e opressores, tanto no Brasil como na Alemanha, sobre a
dificuldade com que uma carta saia da Alemanha e chegava até a cela de um
preso político no Brasil ou em outros países.
A professora debateu também que há, na atualidade, a atuação de
grupos de oposição a regimes vigentes, como os ataques de onze de
setembro, nos Estados Unidos, prisão em Guantánamo, Al Qaeda, Guerra no
Afeganistão e no Iraque, Ato Patriótico estadunidense, grupos extremistas,
entre muitos outros existentes na conjuntura mundial.
Depois comentou sobre os direitos e garantias fundamentais versus
governos autoritários. Questionou os alunos sobre até que limite os governos
podem ser autoritários a ponto de suprimirem direitos e garantias fundamentais
dos indivíduos. Garantias estas de natureza histórica, conquistadas desde os
primórdios da existência humana.
Citou a liberdade de expressão, liberdade de ir e vir, direito à vida, direito
de viver, entre muitas outras garantias asseguradas pela nossa atual
constituição federativa, a dignidade humana, os preceitos de sua existência,
prisões de presos políticos versus dignidade humana. Abordou também a
história das Constituições Federais brasileiras, sobretudo as Constituições de
52
52
1934, 1937 e 1988, similaridades e divergências e as conquistas adquiridas
pela população ao logo do tempo e da história.
2.2.2. Análise do procedimento A
Observamos que houve a preocupação da professora em elaborar e
aplicar um planejamento prévio como proposta de leitura, que vamos
considerar como um procedimento:
Para Solé (op. cit), estratégias são procedimentos de caráter elevado,
essenciais à autodireção e ao autocontrole. A autora demonstra que, para os
alunos atingirem uma compreensão leitora, é preciso estabelecer objetivos,
utilizar estratégias antes, durante e depois e incentivar o educando a uma
interação com o texto, levando-o a uma leitura crítica.
A primeira estratégia da professora ocorre antes da leitura do texto,
através dos quatro primeiros itens, quando ela explica o contexto histórico e
político do Brasil e da Alemanha em que Olga viveu e expõe na lousa o quadro
comparativo dos dois principais grupos ideológicos na época do governo de
Getúlio Vargas.
Fica clara a intenção da professora em contextualizar a postura da
Alemanha e do Brasil, situando para o aluno a falta de liberdade de expressão,
como durante o nazismo, que a liberdade foi suprimida em nome de uma nova
ordem, segregando os valores universais em favor de uma ideologia racista e
intolerante às diferentes religiões e ideologias.
A origem desse contexto é expressa pelo fim da Primeira Guerra
Mundial, quando a Alemanha sofre um duro golpe político. O Tratado de
Versalhes, arquitetado pela França e pela Inglaterr
53
53
É o contexto de unipartidarismo, que faz com que Prestes não se
encaixe naquela época. Ele representa uma ideologia díspar. Por isso, no
capítulo três, mencionamos a oposição “um Prestes x Prestes múltiplo”. Um
homem indefinido, num cárcere, até aquele trecho do texto.
Colocar Luís Carlos Prestes na prisão representa isolar um sujeito à
parte ao domínio de um regime de caráter fascista, impulsionado pela AIB
(Ação Integralista Brasileira), liderada por Plínio Salgado, que preza o
totalitarismo e o anticomunismo. Não espaço para divergências políticas e
criticas.
Na época, os movimentos brasileiros de esquerda apoiavam idéias
nacionalistas e apontavam para a necessidade do país fazer um governo
popular, com uma reforma agrária e o fim do pagamento da dívida externa.
Mesmo demonstrando em seu perfil que se preocupa com a diversidade
de gêneros textuais, a professora não comenta sobre o que é uma narrativa,
biografia ou carta. Pressupõe que os alunos saibam ou não seja importante
esta questão em seu trabalho. Intuitivamente, ela sabe e pratica a leitura de
diversos gêneros.
Sua segunda estratégia acontece após a entrega do egv a l mde 4(a)-4.33117( )-402.40aaao té, nsté, nUm ev(U)1.57té,m é,n r l Po.o s
54
54
nesta altura do texto, a leitura deveria ser menos informativa, sobretudo, mais
formativa de um leitor-sujeito, no ambiente escolar.
Seria oportuno abrir espaço, explicitamente, para a fala dos seus alunos.
As estratégias da professora poderiam prever este espaço, anotando na lousa
os tópicos principais do que os alunos expressam. Assim, poderia ativar
conhecimento prévio e inferências sobre o texto ou fatos da época. Num breve
momento, esta oportunidade esvai-se quando ela cita o ataque de onze de
setembro aos Estados Unidos. Este fato, com certeza, conhecido pelos alunos,
porém não desencadeia um balanceamento sobre o texto.
2.3. O perfil da escola e da professora B
Passaremos agora à análise do perfil da segunda escola selecionada,
localizada num bairro da periferia, cercada por favelas, a oito quilômetros do
Aeroporto Internacional de São Paulo, na cidade de Guarulhos.
Essa unidade escolar atende crianças e adolescentes que freqüentam
da quinta série do Ensino Fundamental ao terceiro ano do Ensino Médio.
uma quadra, pátio com um pequeno refeitório, biblioteca, salas ambientes e,
recentemente, a sala de informática estava desativada, devido a reformas em
todo seu prédio.
Na avaliação do SARESP, sobre leitura, a escola teve aproveitamento
de 48,7%, na oitava série, período matutino. Média inferior ao aproveitamento
geral da Diretoria de Ensino Guarulhos-Norte que foi de 53,5%.
A professora denominada B informou que possui licenciatura em História
e complementação pedagógica. dezesseis anos trabalha no magistério e
nesta escola oito. Deixou a unidade escolar recentemente, e trabalha em
outra como vice-diretora.
Sobre o que é texto, respondeu que é informação, orientação: “São as
informações contidas no corpo, em formato de escrita, que passam informação
e orientação, aí temos texto acadêmico, texto informativo e outros”.
55
55
A professora acredita que texto é informação, que pode ser vinculada
em diversos gêneros textuais. por leitura, ela entende ser “a interpretação
do texto”.
Ao trabalhar a leitura o mais importante para essa professora é “a
interpretação em si e que o aluno saiba ler a mensagem implícita, as
entrelinhas”.
Sobre o processo de avaliação, a professora disse que “a leitura em si
não é avaliada, mas as atividades dadas posteriormente exigem o
conhecimento do texto e são avaliadas com nota”.
Desse modo, até esta etapa, percebemos que ela própria não tem uma
consciência clara sobre sua prática de leitura, que se estende até a produção
textual do seu aluno.
Sua maior dificuldade ao trabalhar a leitura em sala de aula é “o
desinteresse, falta de motivação, preguiça, literalmente, por parte do aluno.
Eles gostam se há uma questão bem fácil com resposta, facilmente, localizada
no texto. Como, por exemplo, ‘quem descobriu o Brasil? ’ Ai, eles acham
escrito lá‘ quem descobriu o Brasil foi Pedro Álvares Cabral’. Eles ficam felizes
e contentes acham que a resposta é muito cil. Agora se pergunto: ‘de que
forma? Como aconteceu? ’, exigindo nova leitura e interpretação para lançar a
resposta, fica complicado. A dificuldade do aluno é a preguiça mesmo, ou falta
de interesse, para ir a fundo. Esta disciplina força ler as entrelinhas, como em
qualquer texto seja uma reportagem de jornal, na TV”.
Essa dificuldade é driblada com constantes esclarecimentos sobre a
importância de ler e da disciplina de História. “Vou apontando para o aluno, que
numa atividade utilizo questões chamadas ‘bobas’, exigindo a localização de
uma informação explícita. Achou? Agora vamos avançando nas atividades e no
grau de dificuldade. Tanto que, sempre a última atividade é a produção de um
texto, sobre as informações geradas no primeiro plano. Assim, vão
contextualizando”.
56
56
Percebemos, até este trecho, que a visão dessa professora sobre seu
trabalho com a leitura se aproxima, como na proposta anterior, de uma visão
interacionista, em que os educandos deveriam construir sua interpretação a
partir do texto, esta motivada pela ação do educador. Ela se preocupa com a
diversidade de gêneros textuais e como as idéias são vinculadas pelos textos.
Busca ajudá-los a construir sentidos inferidos através dos implícitos, “das
entrelinhas” e dos explícitos “questões bobas”.
A professora percebe a necessidade de avançar e retroceder ao texto
para construírem uma interpretação. Entretanto, não estabelece, junto aos
educandos, o objetivo para a leitura que poderia instaurar um elo entre o texto
e os seus alunos, como recomenda Solé (op.cit).
A professora ainda ressaltou, ao final de nossa conversa, que seus
alunos têm muitas dificuldades. “Eles empacam na própria disciplina, pois não
fazem uma ponte entre o passado e o presente. Vira um bicho de sete
cabeças, primeiro acham que redação não tem em História”.
Esse trecho nos revela que ela tem consciência sobre seu papel em
relação à leitura. Entretanto, vamos analisar em seguida sua proposta para
verificar se há relação entre esta dificuldade e o desenvolvimento de seu
trabalho.
2.3.1. A proposta de leitura B
Nessa proposta também um planejamento prévio por parte da
professora que esquematiza como conduzirá a leitura em sala de aula do
começo ao fim do processo.
a) Primeiro os alunos recebem a cópia do texto e o lêem em sala de
aula.
b) A professora retoma partes do texto e aos poucos estabelece a
contextualização através de algumas palavras a situação do Brasil, naquela
época. Destaca primeiro os trechos que apontam o esquema de segurança no
57
57
governo Getúlio e a conjuntura internacional (2.ª Guerra). Comentando as
seguintes palavras relacionadas ao Brasil: tribunal, Prestes (partido
Comunista), prisão, Sobral Pinto (advogado), cartas censuradas e Filinto Müller
(integralismo). Sobre o cenário internacional, destaca: Gestapo, nazista, Cruz
Vermelha.
c) Depois dessa explicação sobre o contexto político com base nas
informações retiradas do texto Olga, a professora destaca outros principais
pontos, como a temporalidade: 1937, ano relacionado ao governo
constitucional, integralismo versus aliancismo (Prestes), Intentona Comunista,
prisão do casal.
d) solicitação de uma atividade: os alunos devem elaborar um texto
ou roteiro que localize o leitor historicamente no tempo.
e) Outra atividade é solicitada para ser desenvolvida em casa: levantar
informações através de pesquisa em sites de busca da Internet sobre a
conjuntura internacional no período em questão. (Europa nazismo Adolf
Hitler).
f) A professora utiliza o CD-room A 2.ª Guerra holocausto na sala de
informática para visualizar os horrores dos campos de concentração nazista.
g) A professora exibe em sala de aula o filme Olga, de Jaime Monjardim.
Após a sessão propõe uma discussão sobre o filme e destaca a cena
relacionada ao texto.
h) Após a releitura do texto solicita que os alunos relatem a experiência
do que é ler um texto, imaginar a cena, e depois assistir um filme, o qual toda a
cena já vem construída.
i) Os alunos deverão realizar mais uma atividade: Elaborar um desenho
ou história em quadrinhos sobre a primeira parte do texto, que relate a emoção
de Prestes com a leitura da carta de Olga.
58
58
2.3.2. Análise da proposta B
Nessa proposta fica clara uma distância entre a visão
interacionista que a professora possui e sua prática de leitura em sala de aula.
Ela ressalta em seu perfil a importância dos gêneros textuais, porém em
momento algum seu trabalho foca as idéias vinculadas ao gênero do texto
trabalhado. Essa oportunidade perde-se, principalmente, quando ela, no item b,
acertadamente destaca palavras essenciais do texto, relacionando, por
exemplo, tribunal a situação da justiça brasileira e a prisão de Prestes.
A oportunidade de trabalhar o gênero passa mais uma vez, no item c,
em que a professora traça uma linha temporal entre texto e contexto. Ou seja,
a abertura de uma carta explicita o lugar, data e destinatário, como Olga
demonstra “
(27)
Berlim, abril de 1937.
(28)
Meu Carli”.
Entretanto, a professora preocupa-se somente com as informações do
ano governado por Getúlio Vargas, relacionando-o ao integralismo, este
alinhado ao pensamento fascista, em contraponto a Prestes e seu aliancismo,
um movimento de oposição ao governo. Acreditamos que suas explicações
foram motivadas pelo texto, porém não um posicionamento claro sobre a
narrativa ou sobre a carta.
No item d, a professora inicia um processo de leitura que Solé (op. cit.)
julga essencial: avaliações que possam mediar todo o processo de leitura. Os
alunos deverão elaborar um texto (ou roteiro) para situarem-se no tempo,
instaurando, assim, um princípio de leitor-sujeito.
Depois, em casa, deveriam consultar sites de buscas da internet sobre
Europa, nazismo e Hitler, prosseguindo na coleta de informações. No final,
solicitação de uma história em quadrinhos ou desenho sobre a emoção de
Prestes. Nesta última atividade, a professora preocupa-se com a emoção do
aluno, numa tentativa de identificação pessoal.
Nos itens f e g, a professora abandona o texto e inicia um trabalho com
CD-room e o filme de Olga. Ou seja, o gênero inicial é descartado para ser
59
59
relido numa comparação com o filme. Do nosso ponto de vista, filme passa ser
um subterfúgio à leitura do texto.
2.4. O perfil da escola e da professora B1
Esta escola é a mesma do item anterior, da professora B. Por
isso, prosseguiremos somente com os dados desta professora denomina B1.
A professora informou que é formada em Estudos Sociais, com
licenciatura em História, possui pós-graduação, lato sensu, em Estudos dos
Problemas Brasileiros e Geografia e trabalha na Educação desde 1985. Está
nesta unidade escolar há um ano, apenas, e não tem cargo efetivo, situação
oposta de sua colega.
Sobre o que é texto, respondeu que é “linguagem e leitura “é
interpretação do texto”. O mais importante em seu trabalho com a leitura é que
o aluno seja capaz de relacionar a História com nossa sociedade, que ele
tenha uma visão crítica.
Durante as leituras desenvolvidas, percebeu que “a maior dificuldade é a
pouca compreensão que os alunos têm das palavras do texto, sendo que
alguns ainda apresentam dificuldade com a língua”, relatou.
Percebemos que a professora tem uma visão voltada para a
comunicação. Acreditamos que ao usar o termo “linguagempensa na forma
escrita que transmite uma mensagem a alguém. Sobre leitura, verificamos que
está relacionada à interpretação, a qual seu aluno deveria comparar com a
sociedade em que vive.
A avaliação é feita conforme a participação dos seus alunos nos debates
em sala de aula e nas atividades de escrita e pesquisa, que solicita após o
assunto abordado.
Sobre a forma como supera as dificuldades, ela disse que recorre ao
“uso do dicionário e retorno ao texto”. Desta forma, percebemos que a
60
60
professora se prende muito ao sentido explícito, literal, das palavras. Talvez,
porque alguns alunos ainda apresentam dificuldades de decodificação da
língua.
Outro problema enfrentado refere-se ao pouco interesse dos alunos.
“Eles não se expõem, preferem ficar despercebidos. Para incentivá-los, levo-os
à biblioteca para pesquisa. Seleciono outros textos interligados com o assunto
trabalhado. Às vezes, também peço ajuda do professor de Português ou de
Leitura”.
Do nosso ponto de vista, esse modo de agir tira o foco do texto
selecionado e volta-se para o conteúdo, ou informação, da matéria. Todavia,
vamos analisar sua proposta para ampliar essa idéia.
2.4.1. A proposta de leitura B1
A proposta entregue pela professora revela, assim como as outras, um
planejamento prévio, o qual estabelece como conduzirá a leitura, que
solicitamos ao longo de suas aulas.
a) A professora inicia o trabalho com uma leitura individual do texto: A
Revolução de 1930 (visão dos tenentes), e General Waldomiro Castilho de
Lima, interventor federal no estado de São Paulo.
b) Depois uma nova leitura é solicitada, desta vez a carta escrita em
agosto de 1929, por Luís Carlos Prestes. In: Mary Del Priore. Documentos de
História do Brasil de Cabral aos anos 90, São Paulo, Scipione, 1997.
c) Nesta fase, a professora faz uma série de comentários sobre a
atuação da Coluna Prestes. Inclusive, utiliza um mapa para situar o território
percorrido, destacando as dificuldades enfrentadas na maioria dos estados.
Ressalta que, somente no Maranhão e no Piauí, a Coluna teve certa adesão
popular, porque a população interiorana estava atrelada a uma estrutura
coronelística. Situa que esses fatos ocorrem entre os anos de 1924 e 1926.
61
61
d) A professora distribui o trecho do texto Olga, de Fernando Morais,
para uma leitura em grupo.
e) O próximo passo é assistir um recorte do filme Olga, de Jaime
Monjardim, que destaca o trecho em que Olga é deportada para a Alemanha e
embarca num navio da Alemanha nazista.
f) A professora faz um esclarecimento sobre o momento político do
casal, que a esta altura fazia parte do Partido Comunista. Destaca o “ir e vir”, o
momento político e a ameaça comunista.
g) A proposta termina com a solicitação de uma atividade: elaboração de
uma charge com o tema “Ideologia do Partido Nazista”.
h) A professora sugere duas propostas de leituras: Uma epopéia
brasileira: A coluna Prestes, de Anita Leocádia Prestes. Moderna, e Rebeliões
tenentistas, de Eline Maira Ianni Segatto e José Antônio Segatto, Ática.
2.4.2. Análise da proposta B1
Verificamos que a proposta da professora foge completamente do texto
solicitado por nós. Primeiro, uma preocupação com o conteúdo da
disciplina. Sabemos que este está relacionado ao texto oferecido; por isso,
nosso trabalho volta-se para as práticas de leitura em sala de aula.
Essa preocupação com a transmissão de informação fica óbvia nos itens
a e b, em que ela trabalha com a leitura de outros textos para resgatar a
trajetória de Prestes.
Segundo, no item c, a professora continua com as informações e utiliza
um mapa do Brasil para mostrar a extensão territorial percorrida por Prestes e
seu desempenho político.
Somente no item d, ela distribui o texto para uma leitura em grupo.
Dessa forma, fica evidente que o texto é somente um pretexto das abordagens
em sala de aula. Não verificamos nada que ao longo desse processo os textos,
62
62
quaisquer textos, tivessem um encaminhamento para despertar uma leitura
pessoal, criativa ou dialética, como diz Scholes (op.cit).
É uma leitura que se encerra na informação e na decodificação da
língua, como se esta fosse capaz de criar uma significação ou interpretação. A
professora procede desse modo porque, conforme relatou-nos, sua maior
dificuldade “é a pouca compreensão que os alunos têm das palavras do texto”.
Do nosso ponto de vista, ocorre nessa proposta o que Freire (op.cit.)
chama de “magicização da palavra”, o há “a inquieta procura de professores
e alunos” para a construção de uma interpretação. A quantidade de textos
selecionados e indicados não revela “adentramento” em nenhum deles.
Essa proposta contraria todas as correntes teóricas, aceitas e discutidas
neste trabalho sobre leitura. Sobretudo, o que Paulo Freire acredita sobre um
“ato de ler crítico e político, carregado de significação da experiência existencial
de cada educando e não do educador; um movimento do mundo à palavra e
vice-versa”.
Os itens seguintes (e, f, h) confirmam essa análise. A professora exibe
parte do filme Olga, comenta sobre o momento político e a conjuntura política.
Talvez, até nesse momento, esse filme pudesse resgatar ou despertar o
interesse sobre o texto. Entretanto, o texto não é abordado direta ou
indiretamente.
A professora explica o que foi o Nazismo, mas não observa esse tópico
presente no texto quando Prestes revela:
(19)
“Pelo menos os nazistas daqui
terão de arranjar um tradutor para censurar minhas cartas,
(20)
desafiou”.
As informações sobre o Nazismo são importantes e caracterizam a
ideologia da política alemã da época. Não garantias de que essas
informações despertarão sensibilidade e crítica sobre o sofrimento de Olga,
que ficou esquecida nas linhas do texto.
A atividade solicitada margem para que o aluno assimile o Nazismo
como quiser, porém sem embate crítico algum. Uma charge sobre a ideologia
63
63
nazista pode ser simplesmente uma banalização dos momentos mais
contundentes de nossa história humana.
Temos consciência de que a professora jamais pensaria ou provocaria
banalização de propósito. Entretanto, sua prática inconsciente de leitura, em
sala de aula, conduz a uma leitura superficial do texto. Ela tem conhecimento
crítico e político sobre o assunto, mas a proposta não revela uma leitura crítica
para seus alunos.
2.5. O perfil da escola e da professora C
Esta escola chamada C está localizada na periferia de Guarulhos,
também a oito quilômetros do Aeroporto Internacional de o Paulo. Possui
uma quadra poliesportiva, uma cantina, biblioteca (com uma funcionária
designada para o atendimento de alunos), sala de informática, pátio com
refeitório e outras acomodações de praxe na rede pública.
Na avaliação de leitura do SARESP obteve aproveitamento de 55%, no
período matutino, média um pouco superior a Diretoria de Ensino Guarulhos-
Norte, que foi de 53,5%.
Durante a entrevista a professora informou que trabalha na Educação
seis anos e. nesta unidade escolar, quatro anos. Ela possui licenciatura
plena em História e não tem especialização.
Sobre o que é texto, respondeu que “é um conjunto de informações,
informações diversas”. E sobre Leitura disse que “está relacionada ao texto.
Para você entender o texto, tem que ler. Para mim é isso, leitura de um texto,
qualquer tema. Para se chegar a uma interpretação, a leitura seria o veiculo”.
Quando ela trabalha a leitura em sala de aula, o mais importante é “a
interpretação do aluno. Para isso, acho fundamental saberem o significado das
palavras. Como havia dito, anteriormente, sempre peço para eles trazerem
mini-dicionário. Às vezes, eu mesma pego na direção. Para que à medida que
65
65
dicionário: “Dificuldades de interpretação de textos, eles têm dificuldades.
Acredito que seja por não saberem o significado das palavras”.
Essa dificuldade de interpretação também tem outra hipótese formulada
pela professora: “Às vezes, é preguiça. Eles respondem qualquer coisa,
para dizer que responderam. Aí, quando leio está tudo errado. falta de
interesse”.
A superação dessas dificuldades está relacionada à avaliação: “Como
disse, dou nota para ver se isso estimula, mas infelizmente, às vezes, o
funciona. Aquele aluno que não está a fim de estudar pouco se importa”.
Acreditamos que o uso do dicionário pode auxiliar a leitura dos
educando ao longo de todo o processo de leitura, porém nesta proposta não
espaço para eles descobrirem os sentidos inferidos e não somente literais.
2.5.1. A proposta de leitura C
A proposta entregue pela professora inicia com um
esclarecimento sobre seu modo de pensar e agir sobre a Leitura, em sala de
aula, entremeados ao esquema da aula.
a) A professora esclareceu que sua metodologia de ensino, inclui
solicitar aos alunos, que tragam sempre às aulas um mini-dicionário de
Português. Independentemente, se são do ensino fundamental, do ciclo II, ou
do ensino médio, e também da série em que estão cursando.
b) Nesse item, a professora esclarece sua concepção de Leitura, a qual
se não conseguimos compreender o que estamos lendo, fatalmente não
conseguiremos aprender. Também comenta que desde que lhe impuseram
adotar livros didáticos, de História, para o ensino fundamental, do ciclo II, não
teve mais argumentos e acabou cedendo.
c) Ela passou a dar nota de leitura. A cada frase ou parágrafo, pede uma
pausa ao aluno e vai esmiuçando, enfatizando sempre o significado das
66
66
palavras, seus sinônimos, conceitos, que derivam de determinados verbos.
Indaga “onde está o sujeito oculto” (sujeito desinencial ou implícito), brinca que
está “testando a Língua Portuguesa”. Também entra na área de Matemática,
ensina o cálculo entre quantidade de anos e séculos, através de operações
simples para calcular quantos anos viveu determinada personagem da História,
o tempo que ela viveu fora de seu país, a porcentagem de terras ociosas no
Brasil, entre outros.
d) No caso da carta de Olga Benário Prestes para o marido Luís Carlos
Prestes, primeiramente pede que a leiam e juntos. Analisa e questiona trechos,
explica o significado de Gestapo, Comunismo, Nazismo, Fascismo e os
relaciona com a ditadura militar no Brasil, mais precisamente o governo de
Getúlio Vargas.
e) A proposta encerra-se com a solicitação de um trabalho de pesquisa:
ler ou assistir a biografia de Olga.
2.5.2. Análise da proposta C
Ao descrevermos a proposta como foi-nos entregue, confirmamos a
concepção de Leitura vinculada à alfabetização, a uma decodificação da língua
que nos levaria a compreensão de informações, como revelam os dois
primeiros itens.
Em seguida, a professora demonstra consciência sobre a imposição de
certas leituras, “instâncias ideológicas de economia”, através da distribuição e
consumo de livros na escola. Acreditamos que certa insatisfação com os
conteúdos e qualidade dos livros, apesar de que não houve espaço para
ampliar essa idéia.
A professora também demonstra preocupação em fazer um trabalho
atualizado, interdisciplinar. No seu ponto de vista, os conceitos e
conhecimentos de outras matérias são importantes, porém tudo é realizado por
67
67
ela mesma. Curiosamente, é no item c que percebemos algumas estratégias
de leitura.
Nesse momento, mais rico de sua prática de leitura, demonstra que
pára a leitura a cada instante, faz comentários, relaciona o significado das
palavras ao texto, busca informações sobre qual é sujeito desinencial ou
implícito, situa seu aluno no tempo, calculando os anos de diferença entre eles
e a personagem.
Em seguida, no item d, um bom momento em que a professora e
alunos lêem o texto juntos. Ela explica o significado explícito de palavras
importantes (Gestapo, Comunismo, Nazismo, Fascismo), relacionando texto a
contexto.
A professora desconsidera os significados implícitos, como
“(29)
Antes de
tudo”, no início da carta de Olga, que se refere ao contexto político que a
protagonista está inserida e devido à censura não pode ser criticado. Esse
implícito na carta relaciona-se a Gestapo, Comunismo, Nazismo e Fascismo.
Entretanto, esses últimos itens perdem-se com a solicitação de um
trabalho de pesquisa: ler ou assistir a biografia de Olga. Do nosso ponto de
vista, ficam vagos os objetivos da leitura. E antes da leitura instaurar-se como
processo acaba em leitura de outros textos.
O final dessa proposta desconsidera os conhecimentos prévios e
inferências que os alunos podem ativar e revela uma tentativa de que eles
sozinhos construam uma interpretação, bem como, não relação ao gênero
textual.
A concepção de leitura como alfabetização, no final das contas, limita
todo o processo de leitura do texto. Seus pronunciamentos também revelam a
falta de identificação dos alunos com a leitura e aproximam-se dos comentários
da professora anterior.
Sobre esses fatos há, novamente, presença da “magicização da palavra”
e falta de “adentramento” e de “inquieta procura” na construção de uma
interpretação.
68
68
2.6. O perfil da escola e da professora D
Passaremos agora a nossa quarta escola, uma unidade municipal, que
está localizada em São Miguel, bairro da zona leste da capital paulista. Essa
unidade está cercada por um enorme e popular conjunto habitacional, em que
parte significativa de seus moradores, que compõem a comunidade escolar, é
oriunda de favelas.
A unidade atende alunos do ciclo I, II, em turmas regulares e EJA
69
69
palavras. Outra dificuldade é a compreensão, interpretação. Eles não
conseguem analisar e refletir”.
A superação dessas dificuldades ocorre “trabalhando com projetos
integrados com outros colegas. Colocando outras formas de leitura, como
cinema, teatro, dança e sica, mas sempre em parceira com os colegas de
português, geografia e arte”.
Questionamos também se, com esse processo, que envolve os colegas,
o assunto trabalhado é retomado. Ela explicou que “normalmente, com esses
projetos, a gente coloca um tema gerador e cada um fica com uma parte, etapa
desse projeto”.
De acordo com as informações da professora, verificamos que suas
idéias conduzem à noção polissêmica de leitura, de Orlandi (op. cit.). Além de
que a construção de seu processo de interpretação vincula princípios da visão
socioconstrutivista de leitura, de Scholes (op. cit.).
O trabalho realizado de forma conjunta com demais professores revela-
nos os princípios da interdisciplinaridade, na qual os professores dividem
conhecimentos e tarefas, durante o trabalho da leitura.
Seu modo de avaliação demonstra que uma preocupação com a
verificação da leitura ao longo de etapas, porém vamos observar se isso
procede após a análise da proposta, bem como, se a questão da alfabetização
é tratada como as professoras B1 e C.
2.6.1. A proposta de leitura D
A professora entregou-nos uma proposta dividida em três etapas:
trabalho individual, trabalho em grupo e explorando a interdisciplinaridade, que
contem o seguinte:
1) PROPOSTA DE TRABALHO INDIVIDUAL
a) Ler o texto e situar o momento histórico brasileiro e analisá-lo;
70
70
b) Identificar as causas da prisão de Luís Carlos Prestes;
c) Relacionar a conjuntura mundial com a situação brasileira.
2) PROPOSTA DE TRABALHO EM GRUPO
Assistir, em classe, o filme Olga e em grupos:
a) Coletar dados sobre o período 1930 -1945;
b) Comparar a carta com a respectiva cena do filme (proposta
individual);
c) Organizados os itens 1 e 2, os grupos elaborarão painéis que serão
expostos em murais na escola.
Esse processo requer pesquisa e os alunos deverão fazer consulta à
Internet, ao livro Olga, de Fernando Morais, ao livro didático e outros
disponibilizados pelo grupo.
3) EXPLORANDO A INTERDISCIPLINARIDADE
a) Nas aulas de Português, os alunos realizarão a reescrita da carta;
b) Utilizando o laboratório de informática, as cartas serão digitadas e
enviadas por e-mail aos colegas da turma;
c) Nas aulas de história e geografia ocorrerão debates sobre:
globalização e avanços tecnológicos.
2.6.2. Análise da proposta D
71
71
Durante a análise dessa proposta, ficou evidente que essa professora,
assim como as demais, preocupa-se em elaborar um esquema para esta aula,
que consideraremos um procedimento de leitura.
Verificamos que na primeira etapa, denominada proposta de trabalho
individual, pouco valor ao texto. Este funciona mais como um pretexto das
informações sobre a conjuntura política e a prisão de Prestes.
Essa análise do item A é confirmada através da próxima etapa, trabalho
em grupo, em que o texto passa a ser o filme Olga, de Jaime Monjardim. O
primeiro objetivo torna-se a coleta de dados sobre o período de 1930 a 1945.
É um período extremamente longo em que diversos acontecimentos
políticos, como: prisão do casal Prestes, deportação e morte de Olga, golpe do
Estado Novo, consolidação de regimes de caráter fascista em alguns países
europeus e no Brasil, anistia de Prestes, Segunda Guerra Mundial e outros.
Portanto, todas essas informações devem ser assimiladas pelos alunos
através dos comentários da professora e da utilização de textos, como trecho
da biografia de Olga, de Fernando Morais, que foi substituído pelo filme Olga,
este transferido para livros didáticos e textos da Internet.
Acreditamos que a diversidade textual e de leituras são benéficas para
os alunos, porém cada uma deve seguir um objetivo específico com começo,
meio e fim.
Nesse item B, também notamos a presença da primeira tarefa:
elaboração e exposição de painéis. Um momento interessante que pode
mediar a leitura do aluno, que está no meio de um processo. Todavia, a
quantidade de informações dispersa a atenção ao primeiro texto.
Na última etapa, ocorre o momento mais rico e interessante da proposta
dessa professora. O primeiro texto é retomado com ênfase a sua segunda
parte, a carta de Olga. A professora de Língua Portuguesa entra no processo
com a reescrita da carta, a qual, certamente, trabalhará as características do
gênero carta.
72
72
As cartas dos alunos serão digitadas e enviadas por e-mail, que é um
73
73
2.7. Uma perspectiva interdisciplinar de leitura: Língua Portuguesa e
História
Ao pensarmos numa proposta interdisciplinar de leitura faz-se
necessário esclarecer que não vamos ignorar as diversas concepções teóricas
sobre o termo interdisciplinaridade. Entretanto, adotaremos as concepções de
Fazenda (2002:20-40) sobre o assunto.
Segundo a autora, para conceituarmos o termo interdisciplinaridade
temos de aceitar que há “variação no nome, no conteúdo, na forma de
atuação”. Na terminologia mais corrente, encontramos pluri, multi, inter e
transciplinaridade que revelam gradações na coordenação e cooperação entre
as disciplinas.
Em multi e pluridisciplinaridade encontramos uma atitude de
justaposição de conteúdos de disciplinas heterogêneas ou a integração de
conteúdos numa mesma disciplina atingindo-se quando muito o nível de
integração de métodos, teorias ou conhecimentos. num nível de
transdisciplinaridade idéia de transcendência e superioridade científica,
negando a possibilidade de diálogo, este fundamental a interdisciplinaridade.
Na interdisciplinaridade uma relação de reciprocidade, de
mutabilidade, um regime de co-propriedade, possibilitando um diálogo entre os
interessados. Para Fazenda, é “atitude”, em que a colaboração entre as
disciplinas conduz a uma “interação”, a uma “intersubjetividade”. Não
pretensão de “construção de uma superciência, mas uma atitude frente ao
problema do conhecimento, uma substituição da concepção fragmentária para
a unitária do ser humano”.
Aceitar a interdisciplinaridade como uma atitude implica em primeiro
lugar verificar qual a atitude dos professores e instituições de ensino diante
deste desafio. Indo mais além, quais seriam a utilidade, as barreiras e a
importância de uma proposta interdisciplinar, no nosso caso uma proposta
interdisciplinar de leitura entre Língua Portuguesa e História para o ensino
fundamental.
74
74
Para Fazenda (op.cit.), a interdisciplinaridade surge como “meio de
romper o encasulamento da Universidade e incorporá-la à vida uma vez que a
torna inovadora ao invés de mantenedora de tradições”. É uma proposta de
integrar o ser humano sem hiatos entre “a atividade profissional e a formação
escolar”.
Qualquer um de nós, ao relembrar os anos escolares, talvez, já tenha se
perguntado o porquê de aprendermos determinadas coisas na escola, estas
que pareciam totalmente desvinculadas do nosso mundo e sem utilidade.
O objetivo da interdisciplinaridade é resgatar a unidade do Saber. Seu
valor e aplicabilidade verificam-se tanto numa formação geral, profissional e de
pesquisadores a fim de superar a dicotomia ensino-pesquisa, permitindo uma
educação permanente em que se aprenda a aprender, com respeito à opinião
do outro para a formação de um sujeito crítico e inserido “num mundo Múltiplo
e não Uno”, como destaca Fazenda.
A autora alerta sobre o risco de confundir-se interdisciplinaridade com
integração, para “entreter” as pessoas enquanto a reflexão e a crítica são
postas de lado, perdendo a oportunidade de mudança social. A integração é
um passo anterior à interdisciplinaridade e age como possibilidade de atingir
uma “interação”. “É a integração o início de um relacionamento, é conhecer e
relacionar conteúdos, métodos, teorias ou outros aspectos do conhecimento”,
em um nível multi ou pluridisciplinar.
Já a interação, diferentemente da integração, é condição indispensável à
interdisciplinaridade, uma vez que esta é uma forma de compreender e
modificar o mundo, em que vive o homem. Superar as barreiras existentes
entre as pessoas e instituições é uma necessidade anterior à aplicabilidade da
interdisciplinaridade.
Não é tarde para relembrar que nas escolas os conhecimentos são
organizados em torno das disciplinas, num currículo que reflete nossos valores
e costumes, definidos por nossa sociedade e determinados num tempo e
espaço.
Atualmente, no ensino fundamental, ciclo II de 5.ª a 8séries, nas
escolas estaduais paulistas as disciplinas estão distribuídas, conforme
75
75
resolução SE n.º 2, de 11 de janeiro 2006, numa matriz curricular básica, em
que a Base Nacional Comum e Parte Diversificada constituem-se em: Língua
Portuguesa, Língua Estrangeira Moderna, Educação Física, História,
Geografia, Matemática, Ciências Físicas e Biológicas e Ensino Religioso.
Segundo Fazenda (op.cit.), o termo interdisciplinaridade aparece pela
primeira vez, na Legislação, do Conselho Estadual de Educação ( l3d3117(,85(t)-2.v)9.71032(e)ão(ü33117(o)-4.33117(,)-2.85(a)-4.a1
76
76
das relações do homem com a sociedade e com a cultura, dos objetivos da
Política Educacional.
Na dimensão socioantropológica, procuraria resolver em que extensão,
condições socioeconômico e culturais, implicam a construção dos currículos e
o levantamento de dados, a fim de que se equacionem os problemas e
possibilidades socioeconômicas.
A dimensão psicológica visaria à distinção de objetivos possíveis dos
improváveis de serem atingidos, além de sua operacionalização. Estabeleceria
ainda quais as experiências de aprendizagem mais significativas para o
educando, à luz do conhecimento que dele se obtenha, bem como a
organização efetiva dessas experiências. Estariam a ela afeitas inclusive as
orientações vocacional e profissional.
A autora conclui que “a indicação 1/72-CEE indica que o planejamento
curricular é produto da capacitação pessoal, recursos institucionais, materiais e
cooperação de outras instituições e, nesse sentido, faz-se necessário um
enfoque interdisciplinar, entendido como uma construção que envolve a
totalidade dos múltiplos setores componentes das instituições escolares”.
A cada dia a sociedade em que vivemos impõe novos desafios ao
trabalho do professor, às competências do ofício de ser professor. Não é o
caso de mudar tudo, porém faz-se necessária uma mudança na atitude, que
esta tenha a pretensão de formar cidadãos críticos e autônomos para vida e a
profissão, de forma conjunta.
Sobre o papel do professor, Perrenoud (2000: 13-21) convida-nos a
uma “viagem em torno das dez novas competências para ensinar”, baseada no
referencial de competências, adotado em Genebra em 1996 para formação
contínua de professores.
Perrenoud alerta-nos que esse ofício “não é imutável. Suas
transformações passam principalmente pela emergência de novas
competências (ligadas, por exemplo, ao trabalho com outros profissionais ou à
evolução didática) ou pela acentuação de competências reconhecidas, por
exemplo, para enfrentar a crescente heterogeneidade dos efetivos escolares e
a evolução de programas”.
77
77
A prova dessa mutabilidade é que o autor reconhece que 30 anos
não tratávamos de temas como tratamento das diferenças, de avaliação
formativa, de situações didáticas, de prática reflexiva, de metacognição.
Acreditamos que uma reflexão sobre as dez competências é um passo a
mais para o professor efetive um trabalho interdisciplinar na escola. Abaixo
reproduziremos um referencial completo, com os dez domínios de
competências reconhecidas como prioritárias na formação contínua dos
professores do ensino fundamental.
Competência de referência Competências mais específicas a
trabalhar em formação contínua
(exemplos)
1. Organizar e dirigir situações de
aprendizagem
Conhecer, para determinada
disciplina, os conteúdos a serem
ensinados e sua tradução em
objetivos de aprendizagem.
Trabalhar a partir das
representações dos alunos.
Trabalhar a partir dos erros e dos
obstáculos à aprendizagem.
Construir e planejar dispositivos e
seqüências didáticas.
Envolver os alunos em atividades
de pesquisas, em projetos de
conhecimento.
2. Administrar a progressão das
aprendizagens.
Conceber e administrar situações-
problema ajustadas ao vel e às
possibilidades dos alunos.
Adquirir uma visão longitudinal
dos objetivos do ensino.
Estabelecer laços com as teorias
subjacentes às atividades de
78
78
aprendizagem.
Observar e avaliar os alunos em
situações de aprendizagem, de
acordo com uma abordagem
formativa.
Fazer balanços periódicos de
competências e tomar decisões de
progressão.
3. Conceber e fazer evoluir os dispositivos
de diferenciação
Administrar a heterogeneidade no
âmbito de uma turma.
Abrir, ampliar a gestão de classe
para um espaço mais vasto.
Fornecer apoio integrado, trabalhar
com os alunos portadores de
grandes dificuldades.
Desenvolver a cooperação entre
os alunos e certas formas simples
de ensino mútuo.
4. Envolver os alunos em suas
aprendizagem e em seu trabalho
Suscitar o desejo de aprender,
explicitar a relação com o saber, o
sentido do trabalho escolar e
desenvolver na criança a
capacidade de auto-avaliação.
Instituir e fazer funcionar um
conselho de alunos (conselho de
classe ou de escola) e negociar
com eles diversos tipos de regras e
contratos.
Oferecer atividades opcionais de
formação, à la carte.
Favorecer a definição de um
projeto pessoal do aluno.
79
79
5. Trabalhar em equipe
Elaborar um projeto de equipe,
representações comuns.
Dirigir um grupo de trabalho,
conduzir reuniões.
Formar e renovar uma equipe
pedagógica.
Enfrentar e analisar em conjunto
situações complexas, práticas e
problemas profissionais.
Administrar crises ou conflitos
interpessoais.
6. Participar da administração da escola
Elaborar, negociar um projeto da
instituição.
Administrar os recursos da escola.
Coordenar, dirigir uma escola com
todos os seus parceiros (serviços
paraescolares, bairro, associações
de pais, professores de ngua e
cultura de origem).
Organizar e fazer evoluir, no
âmbito da escola, a participação
dos alunos.
7. Informar e envolver os pais.
Dirigir reuniões de informação e de
debate.
Fazer entrevistas.
Envolve os pais na construção dos
saberes.
8. Utilizar novas tecnologias
Utilizar editores de textos.
Explorar as potencialidades
didáticas dos programas em
relação aos objetivos do ensino.
80
80
Comunicar-se à distância por meio
da telemática.
Utilizar as ferramentas multimídia
no ensino.
9. Enfrentar os deveres e os dilemas
éticos da profissão.
Prevenir a violência na escola e
fora dela.
Lutar contra os preconceitos e as
discriminações sexuais, étnicas e
sociais.
Participar da criação de regras de
vida comum referentes à disciplina
na escola, às sanções e à
apreciação da conduta.
Analisar a relação pedagógica, a
autoridade, a comunicação em
aula.
Desenvolver o senso de
responsabilidade, a solidariedade e
o sentimento de justiça.
10. Administrar sua própria formação
contínua.
Saber explicitar as próprias
práticas.
Estabelecer seu próprio balanço de
competências e seu programa
pessoal de formação contínua.
Negociar um projeto de formação
comum com os colegas (equipe,
escola, rede).
Envolver-se em tarefas em escala
de uma ordem de ensino ou
sistema educativo.
Acolher a formação dos colegas e
participar dela.
81
81
Competência de referência
Competências mais específicas a
trabalhar em formação continua
(exemplos).
5
Claro está que esse referencial não esgota tampouco elucida todas as
competências, porém é uma direção e uma grande ajuda na construção de
uma identidade, às vezes perdida, necessária ao trabalho do professor. A
ausência de um referencial margem às especulações e incertezas de toda
natureza.
Qualquer professor, ao analisar o quadro, reconhecerá nessas dez
competências práticas incorporadas, bem como novidades ainda não
pensadas, entretanto, possíveis ao bom desenvolvimento de seu trabalho.
Talvez, ainda tenhamos questionamentos sobre as competências. Por
isso, Rios (2004:121-135) alerta que equivocadamente havia uma dicotomia
entre as dimensões técnicas e políticas das competências do professor. A
mediação é a existência de um caráter dialético, formando uma competência
técnico-ético-política.
Para Rios, “o professor necessita, além de dominar conhecimentos, ter
uma determinada forma de atuação que permita que o conhecimento chegue a
seus alunos. É a perspectiva técnica em que se associam teoria e prática.
Entretanto, o professor não pode ser qualificado de competente se não tiver
uma visão crítica de por que ensinar, para que ensinar, qual o significado que
tem este ensinamento no contexto social do qual se faz parte, de que
interesses se está a serviço”.
O trabalho do professor jamais será estático ou solitário, precisará de
mobilidade, diálogo, engajamento político e social, considerando nossos
valores e cultura. É no outro (docentes ou discentes) que se completa e se
expande. Por isso, necessita de uma práxis interdisciplinar.
Rios propõe um caráter coletivo da competência. O isolamento numa
atitude individualista impede a intersubjetividade, a interdisciplinaridade. Esta
5
Perrenoud (op. cit) Fonte: Arquivo Formação contínua. Programa dos cursos 1996-1997, Genebra,
ensino fundamental, Serviço de aperfeiçoamento, 1996. Esse referencial foi adotado pela instituição
mediante proposta da comissão partidária da formação.
82
82
possível somente na interlocução de duas ou mais disciplinas, de uma
interlocução criadora na qual se transcende o espaço da subjetividade para ir
ao encontro de muitas subjetividades, disciplinas em diálogo.
Nossa sociedade não comporta mais um conhecimento fragmentado em
disciplinas estanques. Vivemos num mundo globalizado que urge um saber
interdisciplinar.
Por isso, propomos uma perspectiva interdisciplinar de leitura entre as
disciplinas de Língua Portuguesa e História, no ensino fundamental. Estas
poderiam proporcionar ao educando a criação de um protocolo de leitura, em
que educadores e educandos, em parceria, construiriam uma leitura crítica.
Para essa proposta, são necessários alguns princípios analisados nos
capítulos anteriores, bem como a noção que cada educando e educador seja
capaz de construir seus próprios protocolos. Não receitas prontas e sim
alguns caminhos, comuns a todos nós, que podem ser seguidos:
Uma visão múltipla sobre leitura e nossa competência, como
educadores, para formar leitores capazes de enfrentar os diversos
textos utilizados em nossa sociedade;
A posse de uma ética para superação dos cânones, submetida à
retórica e a interpretação, bem como um estado provisório sobre
a verdade;
Uma razão textualizada à emoção, uma textualidade
condicionada a história, sociedade e tempo;
Um educando que verifica se suas hipóteses de leitura
confirmam-se, ou não, ciente da sua própria compreensão;
Estabelecimento de objetivos de leitura por parte de educandos e
educadores, numa aprendizagem significativa, na qual a utilização
de estratégias ocorra durante todo o percurso de leitura com
autodireção e autocontrole;
Um trabalho coletivo, de co-produção entre educadores e
educandos, na relação com e para o outro, numa proposta
interdisciplinar de leitura.
83
83
Acreditamos que a construção de protocolos de leitura é uma missão
interdisciplinar e possível de ser concretizada nas escolas. Exigirá
planejamento, co-produção e competência de todos.
3. O texto
3.1. Introdução
84
84
Para a elaboração do corpus deste trabalho sobre leitura, selecionamos
um trecho da biografia de Olga Benário, escrita por Fernando Morais. A
seleção foi motivada por alguns aspectos específicos:
a) Olga Benário constitui uma figura emblemática dos jovens de sua
época que acreditavam num comunismo internacional, este configurado numa
ideologia que se propunha alterar as relações das classes sociais;
b) A trajetória de Olga está ligada a Luís Carlos Prestes. Uma união, que
escreveu algumas páginas importantes da nossa história política brasileira,
situada num tempo de acirramento das posturas ideológicas e, portanto, fim do
diálogo e da crítica;
c) O momento histórico vivido por Olga é objeto de estudo nas nossas
escolas de ensino fundamental. Desse modo, interessa-nos as práticas de
leituras desenvolvidas pelos professores, em sala de aula, sobre um texto com
esse tema.
Para cumprir nossos, objetivos escolhemos o trecho inicial desta obra
narrativa, do capítulo dezenove: Dona Leocádia enfrenta a Gestapo. É um
trecho em que o narrador revela-nos a situação de Prestes ao receber uma
carta de Olga, informando que sobrevivia e que a filha deles estava com
quatro meses de vida; uma paternidade até o momento desconhecida por
Prestes. O trecho, reproduzido a seguir, contém algumas marcas numéricas
introduzidas por nós para auxiliar a leitura do capítulo seguinte deste trabalho.
3.2. Dona Leocádia enfrenta a Gestapo (Olga, Fernando Morais,
trecho do capítulo 17)
Dona Leocádia enfrenta a Gestapo
(1)
A notícia de que era pai,
(2)
de que Olga estava viva,
(3)
de que a mãe
e as irmãs estavam bem,
(4)
encheu
(5)
de esperança
(6)
um Prestes
(7)
às
portas da condenação por um tribunal
(8)
de exceção.
(9)
Ele releu dezenas de
vezes, a carta da mulher e da mãe
(10)
no cubículo em que
(11)
continuava
85
85
preso.
(12)
Quando
(13)
Sobral Pinto
(14)
informou-o de que tinha obtido
autorização para que respondesse à correspondência de Olga, ele fez
(15)
uma
exigência. Sabendo que as cartas eram censuradas, primeiro
(16)
pela polícia
de Filinto Müller,
(17)
no Brasil, depois
(18)
pela Gestapo, em Berlim, pediu ao
advogado que lhe comprasse uma gramática alemã e um dicionário em
alemão.
(19)
“Pelo menos os nazistas daqui terão de arranjar um tradutor para
censurar minhas cartas”,
(20)
desafiou.
(21)
Munido de apenas dois livros e
valendo-se dos
(22)
rudimentos que aprendera com Olga, passou a escrever em
alemão à mulher.
(23)
Semanas depois receberia a primeira resposta
(24)
um
bilhetinho que, passando pelo crivo da polícia nazista, fora remetido à Cruz
Vermelha, em Genebra, e depois às mãos de dona Leocádia, na França, que o
enviara ao escritório de Sobral Pinto, no Rio de Janeiro,
(25)
pousando
finalmente na
(26)
cela de Prestes:
(27)
Berlim, abril de 1937.
(28)
Meu Carli:
(29)
Antes de tudo, quero falar da
(30)
nossa menina, que tem
(31)
mais
de quatro meses. Sua aparência física é uma mistura de
(32)
nós dois.
(32)
Tem
os cabelos escuros, como os teus, a tua boca e as tuas mãos. Os olhos são
grandes e azuis, mas não claros como os meus. Os dela têm um
(34)
azul de
violetas. Tudo isso cercado por uma tez muito suave, branca, e por bochechas
cor-de-rosa, muito bonitas.
(35)
Como eu gostaria que tu a conhecesses. Mas o
mais bonito é o sorriso. Sorri tão bonito que nos leva a esquecer
(36)
tudo o que
de ruim neste mundo. Imagino como tu brincarias com ela, puxando-lhe,
tenho certeza, os cabelos
(37)
alegremente arrepiados.
(38)
Nossa mãe mandou-me tua fotografia. É freqüente eu passar horas,
com a nossa pequena
(39)
Anita Leocádia no colo, a olhar a foto, como se
estivesse a teu lado. faz mais de um ano que estamos separados, mas
acharei forças para esperar o dia feliz em que estaremos de novo juntos.
(40)
A tua, Olga.
86
86
4. Uma de leitura de Olga
4.1. Introdução
Para a realização dessa leitura, é preciso algumas considerações: Não
neste trabalho a pretensão de uma leitura única, muito menos definitiva
sobre o trecho escolhido. uma busca sobre uma leitura que considere o
trabalho dos professores de Língua Portuguesa e História, do Ensino
Fundamental, numa exploração de detalhes do texto, para uma visão crítica
sobre a vida de Olga Benário.
É uma leitura que buscou unir os sentidos de uma leitura parafrástica,
polissêmica, centrípeta e centrífuga, numa visão múltipla de leitura, numa
perspectiva interdisciplinar em que estas duas disciplinas são capazes de
ampliar conceitos, de contribuir para a formação de um sujeito-leitor, inserido
numa sociedade em que os valores e costumes estão submetidos à ética.
A ética submetida a uma atitude crítica de nossos educandos para
superação do senso comum. O objetivo é que eles próprios sejam capazes de
um questionamento sobre si, sobre o outro e com o outro.
É papel social de o educador formar cidadãos críticos, a leitura é um
caminho para esse objetivo. Sob nosso ponto de vista, a leitura de textos
poderá ser realizada de forma interdisciplinar. Que as escolas e educadores
elaborem e selecionem seus textos, seus conteúdos, suas metodologias, suas
aulas.
Um enfoque interdisciplinar de leitura eliminará as barreiras entre as
disciplinas e as pessoas para a construção de Saber integrado. Como sugere
Fazenda, numa nova metodologia e linguagem, para a construção de uma
nova Pedagogia, a Comunicação.
Não como perpetuar significados para os textos, e o trabalho com a
leitura necessita de uma ação unificadora, uma leitura da “palavramundo”,
como ensina Paulo Freire, com todos os esforços de nossos educadores. Seja
87
87
com a utilização da informática ou giz e lousa. É da competência de todos os
educadores e disciplinas o trabalho com a linguagem, é um trabalho .2116(d)-4.33117(e)-4.33117( )-92.2175(t)-2.4.33117(e)-(a)( .2116013c269839556(6.51125( )-(d)-4.33056(u)-4.3305Qu)-4.3305Qu)-47 32( )-102.6(6.51121*4u9L0 6612.67 50 1 ref4860-4.33117(*b7630l(d)-4.33056592.2187(d)-4.3311W02.2187(d)-4.3311)-102.6(f48440342488440342488412 0 Td[(,56592.2187(d)-4.3117( 17( )-92.2175(t)-2.(d74860 6672.67 50 1 ref4860 6668.67.1r)2.8056[(,)-2.16436( )8l(d)-4.3309(a)-4.33117(l)1.94(m)-7.)2.8056[(,)-2.16436((t)-2.30m)-7.)2.8056[(,)-2b5.87(s)-0889á-112.229(u)5.67474(m)-7.49“)1.87122(h)67 50 1 re4117( )-92.2175(t12m)-7.)2.8056[(,)-2b5.87(s)-0889á-112.229(u)5.67474(m)e9(u)5.67474(m)e9(u)5.67474(mT17(u)-4.33117(s)-0.295585(44414114.33056(u)-4.3305Qu.0.3305Qu)-4.333i35Qu2Qu)-4.30aU28.67.14417(s)-0.295( 403424884428.67.144”94.3305Qu1m)-7.gud 1.nãb1mm a (2187(d)-04(m)e9(u)5.67474(m)e9)2.10 1 re415.87(s)-0880638”27(l)1.94(m)-7.1367474(e)5.67474(m)]TJ292.m1 G1.229(a)-4.33117( .74(m)e9”94.3305i17(m)2.”958.925-3305i17(3117(t)-2.305Qu f(ç)-0.2(330-4.33117(s)-0.298027( )-644.67 50 1 ref(74860 6672.67 50 1 ref4860 6668.67.1r48602Qu)24860 6608.67T4ç9(a)-4.33117( .74(m).67474( )-112.231(t)-2o233117(u)-4.860 661240342488412 096094.3305i428.67.14403 0 0 cm BT/R14 12 TfTJE1f4860 6652.67 2l)1.87(i)1.87(zcu3/R14 12 TfTJ0o8..3305it)-2o67.1cu3/R14 12 TfTJdo-4.3311-102.6(f484t)-2o67m BT/R14 12 )2.”958.925-3305i3311-118.67T4ç9(a)-(.333i35Qu4218.67T4ç9(aG717(m)2.enmm BT/R14 12 017(e)-4.33117( )-m17(e)-4.3314f48474(m)]TJ292.0nmm BT/R14.26e17( )-92.v6244ã217(e)7(s)-0.2955 0 0 cm BT/R2ã23m BT/R14 12 0.9.333i35Quç414096094.33054-3305i1767T4ç9(a)-(.33dç414.333i35Qu54-3305i1767T4ç9(a8l.292.012 0 Tdi/R14 1u9L0háu9L0háu9L0háu9L0h3m BT/R14 1.333i35Qu2*â6(f484t)-2o30)-2o67.1860 6612403467.18q.3305i2955 0 0 cm BT/R22.333i205i17J014218.67T4ç9(aG7c)9.71032(o).333i205i17J0142N3i205i1162042c)9.71032(o).333i.é52.67 2l)1.4 12 enmm BT/R14 12 .3305i2955 0 cm BT/R222(a)-4.32995(s)-0.291217(e)7(s)-0.29..67 2l)1.nef4860 67041Tuf48.758.67T4ç9(a)-4.33117( .74L0háu9L0h3m B.n687(03311W0823317.)2.8056l)1.neff48.7à12.758.67T4çéff48.7à1)-2o23364m0q1)-2o7( .2116(d687(n)-4.33117465i11620427a)5.67474(b)-4.331179(a)-4.33117( .74L048474(m)]TJ2933i35Qu580562d ç41474(m)]TJ54-3305i1767T4ç9(8m BT/R1-3305i117( 1-04(m)e9]TJ54668.8-04(m)e9]TJ2Q142(a)-4.329ref-N3i205i116204-0234.38.925-3411o67.1860 662.8056l)1.neff48.7à1860 N3i205i1162l)1.87122(h)Qá309(a)-4.33117(l)1.923432(o).317(e)7(s)-0.2955 0 0 cmo67.1860 fo67.1860 neff48.73117(l)1.923432(o).2éééééé3117(l)1.923432(o).267.1860 0 cm BT/R2ã84aR624ao).2c)9.71032(o).333i.é52.6om.333i.é52.6427aousé8plt12m
88
88
Em contrapartida, na oração principal o verbo
(4)
encheu, no pretérito
perfeito, revela que algo surgiu e rompeu com a idéia de mesmice. O narrador
privilegia a ação em que algo novo aconteceu àquele homem: encheu, ou
melhor, foi preenchido um vazio. Uma ação concluída e transformadora. Esse
verbo também contribui para a coesão seqüencial do texto. nele uma
progressão da estrutura da narrativa.
um complemento verbal: “um Prestes”, que revela toda a fragilidade
da personagem. No trecho a respeito da notícia que chega para
(6)
“um
Prestes”, o uso do artigo indefinido constrói um sentido para o substantivo
subseqüente. Esse artigo constrói a idéia de desiludido, solitário e sem
perspectiva e, sobretudo, um homem retratado até esse momento do texto.
também um adjunto nominal: “de esperanças”, fundamental, que complementa
a idéia da multiplicidade de Prestes.
Ele sequer conhecia o destino de Olga. A identidade dessa personagem,
citada logo no início do texto
(2),
é revelada pela sua importância na vida de
Prestes. Essa importância pode ser notada quando o substantivo próprio Olga,
modaliza-se para
(9)
mulher. Esse substantivo comum mulher, caracteriza as
relações amorosas estabelecidas entre eles. Não se trata de uma mulher
qualquer, mas a Olga de Prestes, a mãe de sua filha. É comum, entre nós, o
uso desta palavra mulher para se referir à esposa.
Ela “estava viva”
(2)
, então, inferimos a possibilidade de morte. O que
levaria Olga à morte? Passamos analisar a gravidade das circunstâncias
daquele momento, o adjetivo “viva” remete-nos à morte. Nesta carta não
interessa se ela está bonita, feliz, mais magra ou mais gorda, se o parto foi
natural ou cesariana como ocorre com qualquer mulher que comentamos no
nosso cotidiano.
Após essa gestação, o crucial é a sobrevivência, a notícia que chega
prova que Olga sobreviveu (foi presa, enviada para a Alemanha, sob tutela da
Gestapo, submetida a torturas e trabalhos braçais). Sobre sua mãe e irmãs
(3)
consta que estavam bem, talvez seguras, e não exatamente bem, porque bem
nenhuma família fica quanto um dos seus está preso. Um singelo bem-estar
89
89
devido às circunstâncias, principalmente, porque não estavam presas como
ele.
Prestes também vislumbrava a morte,
(7)
“às portas de um tribunal de
exceção”, um fim na prisão. A esperança contagia Prestes mesmo sendo
iminente seu julgamento, porém não enfrentará um tribunal comum, e sim “um
tribunal de exceção”
(8)
. Esta locução adjetiva caracteriza a justiça da época. O
que nos leva a exceção? O senso comum nos diz que a justiça é igual para
todos, mas com Prestes estava sendo diferente. Nossa atual constituição diz
que “todos são iguais perante a lei”. A constituição da época, como quase
todas, contém a preservação dos Direitos Humanos.
Que crime ele cometeu para não enfrentar a justiça comum e
igualitária? De antemão sabemos de sua condenação, porém o julgamento
ainda nem aconteceu. Naquele momento de sua vida, restava-lhe somente o
julgamento. era dada como certa a condenação e o pouco direito à defesa,
porque vivíamos no ditatorial governo de Vargas.
Agora, no momento vivido por Prestes, renovam-se as forças com as
leituras daquelas preciosas notícias. Fica nítida a importância daquela
correspondência e a infinidade com que foi lida através da hipérbole:
(9)
“ele
releu dezenas de vezes”.
Além de o vitais aquelas notícias, o que mais faria Prestes num
cubículo
(10)
? O uso do substantivo cubículo em vez de cela já nos dá a
dimensão do pouco espaço, das mínimas condições da carceragem.
quanto tempo estaria preso? No texto fica evidente que ele
“continuava preso”
(11)
, o pretérito imperfeito, de aspecto durativo, dá uma
noção de ação prolongada, que ainda não chegou ao seu fim.
O advérbio de tempo quando
(12)
remete-nos a novo momento do texto,
há uma progressão textual, e entra em cena mais uma personagem:
(12)
Quando Sobral Pinto
(13)
informou-o de que tinha obtido autorização para que
respondesse à correspondência de Olga”
(14)
.
90
90
Sobral Pinto era o advogado que “tinha obtido a autorização”
(14)
. Esta
voz passiva do verbo demonstra a fragilidade da ação. Seu sujeito é agente
recebedor da autorização, lhe foi dada, concedida e revela a ação daquela
justiça. Não foi um direito assegurado pelo advogado, mas uma benevolência
do regime político da época.
Ciente de que se tratava de uma benevolência e não de um direito,
Prestes responderia a Olga em alemão! Era o momento de mais uma vez
resistir. Ele “fez uma exigência
(15)
, na verdade Prestes não estava em
condições de exigir nada daquele regime governamental, porém pretendia
resistir, brigar, dar trabalho, mostrar sua ideologia. Provar que era capaz de
incomodar, mostrar-se múltiplo.
Podemos inferir, primeiro, que Filinto Müller seria humilhado por não
conseguir ler a correspondência em alemão. Segundo, “pela polícia de Felinto
Müller”
(16)
, a preposição de revela-nos a origem desse aparato público. Não
era a polícia do Estado,
(17)
do Brasil, mas uma polícia personificada num
proprietário. Um opositor, neste momento antagonista de Prestes. É sabido que
Felinto Müller liderava as forças de repressão de Getúlio Vargas.
A Gestapo
(18)
, a polícia alemã, não lhe meteria medo. Ao situarmos no
texto pessoas, local e instituições (Felinto Müller, Brasil e Gestapo)
percebemos, implicitamente, que essa censura não era exclusividade
brasileira.
O trecho seguinte revela o pensamento de Prestes sobre a polícia
brasileira: Em “Pelo menos os nazista daqui (...)”
(19)
, nazista é um termo
associado à Gestapo, porém para Prestes tínhamos nazistas aqui (Brasil) e
(Alemanha). O advérbio aqui evidencia a ideologia vigente no contexto
histórico.
É evidente a intenção da personagem em dar trabalho à polícia de Filinto
Müller para lerem sua correspondência. Mostra sua resistência na finalização
do trecho: “desafiou”
(20)
. Ele não tinha fluência na língua alemã, porém o
pouco conhecimento seria suficiente.
91
91
Resistira “munido”
(21)
, verbo que nos remete ao léxico de guerra; bem
como “os rudimentos”
(22)
seriam suas armas: apenas dois livros, fechando o
cerco bélico. Dessa forma, consolida seu ethos de soldado resistente. O
mesmo, que anos antes comandou a Coluna Prestes, um movimento contra o
domínio político oligárquico, e um dos motivos de seu aprisionamento.
A exceção era a marca daquela época. A primeira resposta de Olga
chega (“semanas depois receberia
(23)
), talvez, quinze, trinta ou quarenta dias.
Não sabemos, precisamente, quantos dias. Entretanto, já imaginamos uma
infinidade de dias, seguido pelo verbo no futuro imperfeito que prolonga ainda
mais esta idéia.
O tempo voa e hoje a tecnologia, com toda a sua rapidez, fazem
algumas pessoas se esquecerem do longo percurso de uma carta, naqueles
tempos. Atualmente, apesar dos cerceamentos ainda existentes, temos
modernas e ágeis agências de correios; um celular que propicia comunicação
até entre presos comuns de dentro dos presídios brasileiros, burlando a polícia
local.
Além de tudo isso, ainda a Internet, quebrando dezenas de barreiras
e suscitando tantas outras por parte de governos receosos e restritivos. Essa
ferramenta veloz e direta é capaz de conectar pessoas em qualquer parte do
planeta. Hoje uma mensagem pela Internet permite agilidade. É provável que
até o extremista Bin Laden tenha tido a sua conexão para calcular e comandar
as ações terroristas ao World Trade Center, nos Estados Unidos.
Situação bem diferente do primeiro bilhete de Olga. Melhor, “um
bilhetinho”
(24)
. Diminuto, carinhoso e frágil, contudo sua importância não está
em seu tamanho e, sim, em seu conteúdo. O bilhetinho, não mais a
“correspondência”, como o narrador cita no início do fragmento, foi lido e
aprovado pela Gestapo, enviado à Cruz Vermelha, em Genebra, repassado à
França, onde se encontrava dona Leocádia, esta que o remete ao advogado
Sobral Pinto, no Rio de Janeiro. Somente depois de lido e, novamente,
aprovado foi entregue a Prestes.
92
92
Uma correspondência que veio de longe, depois de muitos caminhos e
vigilância acabou “pousando”
(25)
, na cela
(26)
, e não mais no cubículo. O
restrito universo de Prestes alcançou novos horizontes, graças à modalização
de cubículo para cela, ampliando horizontes.
Até esse ponto, o texto revela a mesmice e a demora para Prestes
conseguir algo. Contribuem para essa idéia a utilização de um parágrafo
extenso, construído, principalmente, por verbos no imperfeito.
Evidencia-se nessas situações a intencionalidade do autor em criar e
recriar valores semânticos no contexto histórico–político da época em que
viviam as personagens retratadas na biografia de Olga.
Como caberiam naquele bilhetinho
(24)
os sofrimentos e as privações da
prisão e da vida? Para uma militante bem treinada, como Olga era, é uma
missão simples escrever uma mensagem. Saberá encolher bem as palavras,
sem se esquecer dos que amam. Na situação em que se encontrava, ela pôde
comentar muitos detalhes sobre aquele momento de sua vida. Deveria ser
breve, esta carta não teria privacidade. Mesmo sendo breve, num bilhete, não
se desvencilhou de sua ideologia.
Sabemos que o gênero textual carta, é uma correspondência, ligeira,
com o propósito de mencionar ocorrências de grande ou pequena importância.
Uma carta revela certa dose de formalidade, quanto à sua estrutura (local,
data, saudação, emprego do vocativo, mensagem, saudação final e
assinatura). Pode ser usada para a troca de confidências entre os amantes;
avisos restritos entre políticos ou entre funcionários de uma empresa; entre
pais e filhos para relembrar obrigações domésticas, e tantas outras finalidades.
Este, como qualquer outro gênero textual, é uma atividade humana
discursiva, que revela nossas atividades, papéis e relações sociais por meio da
linguagem (Meurer op. cit). É através da comunicação que o ser humano
transgride, refuta, concilia e critica o mundo em que vive. E marca suas
posições ideológicas relacionando o gênero, o léxico, o contexto e o seu
interlocutor.
93
93
Olga inicia sua correspondência situando-se no tempo e no espaço:
“Berlim, abril de 1937
(27)”
, como o gênero exige. Escolhera bem as palavras
porque sabe que a correspondência será lida por muitas pessoas, e ela e
Prestes estão presos.
Ela está bem distante do Rio de Janeiro, mas o início da
correspondência evidencia o grau de intimidade e afetividade entre os
interlocutores Meu Carli
(28)”.
Não se trata de um Carlos qualquer, e sim de um
Carlos específico, como oferece o pronome possessivo. Convém salientar que,
apesar desta nomenclatura, Olga emprega o pronome com caráter afetivo,
como foi dito anteriormente, e não como idéia de posse.
O que vem em seguida nos leva a inferir o profundo sentido das
dificuldades vividas pelo casal: “Antes de tudo
(27)”
. É o implícito na voz de
Olga. Este estrato gramatical está numa propriedade de hipertaxe, eleva-se de
uma simples de locução adverbial para uma idéia fundamental dentro do texto.
Se alguém quiser saber o que de fato acontece, terá que inferir o
significado desse “antes de tudo”. No discurso, essa superordenação anuncia a
censura pela qual a carta era submetida, e não será revelada. O texto segue
abordando somente as questões sentimentais em relação à família. Da
separação dos laços não só familiares como ideológicos.
A locução prepositiva “antes de” coloca-se como marcadora do tempo,
sua axiologia temporal, antes do momento presente em que se encontra a
personagem quando redigia sua correspondência. Distancia-se do passado e
revela somente o momento em que vive, conforme a preposição de com seu
traço semântico, dinâmico de origem em relação a “tudo”. E que será esse
tudo, a origem de tudo?
A garra e resistência de Olga ficam nítidas neste enunciado. Será que
primeiro falaria que o mais importante era a filha e depois o “tudo”? Esse “tudo”
é tão vital, que está implícita a questão político-ideológica e não serevelada,
obviamente.
94
94
Como falar da família sem situar-se no mundo em que vive? Esse “tudo”
de Olga é indefinido, como a vida dela nesse momento! Ficará a cargo de sua
biografia determinar seu “tudo”, porque não serão reveladas na carta as suas
últimas impressões sobre o mundo que a cerca. As relações de poder
existentes entre ela e seus adversários ficam registradas, subentendidas,
porque a forte censura da prisão não permitiria a Olga situar-se como sujeito
ativo de seus ideais e crenças.
Um aprofundamento neste “antes de tudo”, sucinta: o que viveu essa
mulher antes desta carta? Esse “tudo” revelaria sua origem, desde sua
adolescência em que preferiu a luta pelos direitos dos trabalhadores alemães
ao invés de levar uma vida tranqüila e alheia à sociedade injusta em que vivia.
Como esqueceria a adolescente militante e comunista em Munique, Alemanha,
sua terra natal?
Ela e seus jovens amigos que foram capazes de resgatar em pleno
tribunal, na prisão de Moabit, seu antigo namorado Otto Braun, acusado de
“alta traição à pátria”, em 1928. Foi assim que Olga adquiriu respeito e
notabilidade entre os seguidores do partido comunista para planejar e executar
ações. Iniciava, então, uma vida clandestina que culminaria com a chegada a
Moscou, Rússia.
O partido comunista russo, na época, sonhava transformar a sociedade,
recrutava e financiava jovens de todas as partes do mundo que pudessem
levar adiante a causa comunista, como Olga Benário. Lá, em território russo,
recebeu rigoroso treinamento militar. E destacou-se a tal ponto que foi
convocada a escoltar e a proteger um jovem brasileiro, Luís Carlos Prestes,
também treinado pelos comunistas.
Esse “antes de tudo” seria, talvez, desde quando os dois se passaram
por um jovem casal de portugueses, recém-casados, em lua-de-mel pelo
mundo com destino final no Brasil? Uma missão que virou romance.
Apaixonados, planejariam e executariam a tomada pelo poder. Um ideal que
Prestes acalentava desde a Coluna. A viagem até o Brasil uniu para sempre a
vida dos dois.
95
95
O movimento arquitetado pelos comunistas brasileiros fracassou devido
a pouca adesão, traições políticas e forte contra-ataque do Governo Vargas.
Prestes e Olga foram presos quando ela nem sabia que estava grávida. Para
vingar-se de Prestes o governo entrega Olga aos alemães.
Ela não se nega a felicidade da maternidade, nesse momento, mais do
que nunca, único. Valoriza tanto a maternidade como o amor pelo
companheiro. Todavia sua mente engajada e lutadora situa desde o início sua
frustração com o mundo que a cerca.
Na carta seria impossível traçar qualquer paralelo entre o presente e o
passado se não investigássemos as marcas lingüísticas. O futuro incerto
estava na figura da filha que acabara de nascer. E Olga afirma: “quero falar da
nossa menina
(30)”
. Não seria um assunto proibido, sendo, também, de suma
importância para o casal.
Fica clara a distância que envolve o casal: “já tem mais de quatro
meses”
(31)
que a criança nascera. Como um pai não acompanha a gestação e
muito menos o nascimento da filha? Ela o trata de forma tão carinhosa e,
portanto, a distância, então, não seria fruto de uma briga conjugal.
Não como negar a comoção que as palavras de Olga carregam.
Acreditamos que em muitas pessoas desperta a emoção que traz o nascimento
de um filho. Como Olga, qualquer família busca encontrar semelhanças e
diferenças naquele pequenino ser que chegou. É um momento superior, antes
de tudo, que não pode ser furtado nem proibido. Os laços familiares não se dão
neste trecho da carta somente por mera formalidade, sobretudo afinidade
política e ideológica. A prisão representa a separação de todos esses laços.
A fragilidade da situação, refletida também em sua filha, que ainda não
conhece o pai. A mãe sonha com o primeiro encontro familiar. Nesse momento,
a mãe vive numa pequena cela com seu bebê, a comida é racionada. As
colegas de prisão, às escondidas, colaboram com a alimentação de Olga para
que o aleitamento se prolongue ao máximo, retardando a separação fatal entre
mãe e filha.
96
96
A falta do companheiro é compensada com a personificação dele no
sorriso da criança, é o alento para Olga suportar esse momento mais
angustiante de sua vida.
Todo esse momento de privação humana levar-nos-ia a crer que Olga
não possui nada. Ela, entretanto, enumera suas posses enfatizando sempre
ser possuidora de algo, ou melhor, de alguém, e utiliza mais pronomes
possessivos em relação à filha. “Tem os cabelos escuros como os teus, a tua
boca e a tuas mãos
(32)”
.
Faz comparações, como “tem os olhos azuis
(33)”,
não como os dela,
uma mulher notadamente corajosa, porém um “azul de violetas
(34)”
. Seria esse
todo o legado do pai à filha? Não, porém era o que poderia ser mencionado.
Seria equivalente a dizer essa pequenina é Prestes também, como tua Olga.
Somos um só coração, uma mente, uma crença, uma visão de mundo.
Surge novamente o uso da palavra tudo. “(...) nos leva a esquecer tudo o
que de ruim neste mundo
(35)”!
A filha seria uma luz por tudo que estava
sendo vivido no campo de concentração alemão. O trabalho pesado, as
humilhações e o destino incerto, fatal.
Só lhe restam os pensamentos, e estes ninguém pode censurar ou
privar. Ela imagina
(36)
e muito as brincadeiras entre pai e filha. A família,
mesmo que separada, é o bem que Olga possui. Curioso quando ela diz:
“puxando-lhe, tenho certeza, os cabelos alegremente arrepiados
(37)”
. O que
são cabelos alegremente arrepiados? São os cabelos rebeldes, que por mais
que a dona tente domar agem como nasceram.
A rebeldia é o traço mais marcante da personalidade de Olga contra
todo o sistema político da época. É alegre ser rebelde, porque assim concebe e
vive o mundo à sua volta.
Era uma rebelde com causas a defender, preocupava-se com os
trabalhadores explorados e com a política sem solução. Nunca se furtou em
97
97
gigantesca. Certamente, ainda não está como ela queria, contudo houve quem
vivesse e lutasse contra aquele poder dominante.
Olga possui uma mãe, em comunhão com Prestes. É evidente o
tratamento carinhoso dado à sogra: “Nossa mãe mandou-me tua fotografia
(38)”
.
Dona Leocádia resume o ideal político e familiar, de uma união marcada não
pelo amor como pela admiração ideológica. Esta senhora envia a foto de
Prestes, que lhe serve de esperança naquele local tão aterrorizador.
Seu momento profundamente solitário mostra-lhe uma janela: a própria
maternidade e a adoção de uma mãe. Uma mãe biológica era algo
esquecido e deixado aos quinze anos, em Munique, onde a adolescente Olga
abraça a causa comunista e corta vínculos familiares.
A mãe de Olga, em sua biografia, era uma judia burguesa totalmente
avessa à atuação política da filha que, mais tarde, não se sensibilizou com os
apelos de dona Leocádia para livrar, pelo menos, a neta da prisão. O pai era
um advogado justo e atencioso às causas dos menos favorecidos, porém na
ocasião já estava morto.
Olga sabe que esse futuro é incerto. Cita o nome da filha Anita Leocádia:
“É freqüente eu passar horas, com nossa pequena Anita Leocádia no colo, a
olhar a foto, como se estivesse ao seu lado
(39)
”. A filha e a foto de Prestes é
uma presença constante.
A escolha do nome da filha demonstra o quanto ela é de luta, o quanto
queria mudar o mundo com sua garra feminina. Valoriza a história daqueles
que lutaram por um ideal. Além de militarmente preparada para acompanhar
Prestes, Olga demonstra também conhecimento e admiração pelas causas
brasileiras.
Anita Garibaldi
6
era o nome da companheira do italiano Giuseppe
Garibaldi, um dos líderes da Revolução Farroupilha. A brasileira Anita
abandonou o marido para seguir o amor e os ideais de Garibaldi. Os dois foram
para a Itália, onde lutaram e morreram pela unificação italiana.
6
MORAIS, Fernado. Olga. 17.ª ed., São Paulo, Cia. Das Letras, 1994, p.189.
98
98
Leocádia, o nome da mãe de Prestes, é a mãe que Olga adotou e
jamais encontraria pessoalmente. A mãe que do lado de fora da prisão correu o
mundo divulgando as arbitrariedades ocorridas nas prisões de Olga e Prestes.
As ações e os apelos públicos de dona Leocádia livraram Anita do campo de
concentração nazista, porém não chegaram a tempo de livrar Olga da câmara
de gás.
O ideal que levou Olga a abraçar a causa comunista e a unir-se a
Prestes move suas últimas esperanças. A prisioneira não sonha com a
liberdade como diz: “acharei forças para esperar o dia feliz em que estaremos
de novo juntos
(40)”
. Ela buscará forças para sobreviver e defender a si e a sua
criança.
O fecho de sua correspondência realça mais uma vez a idéia de união
amorosa e ideológica: “A tua, Olga”. Em quem o ethos de guerrilheiro confiaria
seu corpo e sua alma? A um companheiro!
5. Algumas conclusões
Nas propostas apresentadas pelas professoras, percebemos
semelhanças e diferenças. Um traço comum entre todas, algumas com menor
intensidade, revela que as professoras têm consciência sobre a importância
dos gêneros textuais.
Entretanto, essa importância o é resgatada na hora da leitura em sala
de aula. Predomina uma leitura de informações, sem a reflexão da
intencionalidade do autor, dos vínculos mantidos pela estrutura textual. Em
nenhum momento houve a reflexão de que todos, educadores e educandos
debruçar-se-iam sobre a narrativa de uma mulher, chamada Olga Benário.
Uma narrativa, qualquer que seja, está presente no cotidiano de nossos
educandos. Inclusive, eles próprios são donos de uma narrativa pessoal escrita
até aquele instante em sala de aula. O que há em comum ou divergente entre a
99
99
história de Olga e a história deles? Essa questão também não foi formulada,
porém poderia despertar a empatia e interesse dos educandos.
Cabe ressaltar que os textos são diferentes e posicionamos-nos
diferentemente diante deles na hora da leitura. Nossas expectativas de leitura
mediante uma poesia são diferentes de uma bula de remédios, estas, por sua
vez, também são diferentes diante uma notícia de jornal.
O texto em si também torna-se informação nas propostas, exceto na
proposta A, em que fica mais evidente um potencial de leitura a partir do texto e
contexto. Entretanto, há acúmulos de fatos históricos. Como já mencionamos, a
informação é importante, contudo o acúmulo dela sobrecarrega o
“balanceamento” da leitura. A cada passagem do texto, educadores e
educandos poderiam, aos poucos, construir uma significação, através de
sentidos explícitos e implícitos; este último, praticamente, negligenciado.
As inferências são hipóteses de leituras, que serão ou não confirmadas
pelo texto ou pela análise do professor. Essas inferências podem ser um
gancho para uma informação detalhada, mas nunca ignoradas por informações
prontas que o educando capte sozinho.
Uma dificuldade comum às propostas B1, C e D é o processo de
alfabetização que nossos educandos se encontram. Todas as professoras
apresentaram propostas de leitura para a oitava série, do ciclo II, em que a
idade gira em torno de catorze anos. Portanto, não era esperado problema tão
grave e comum como decodificação da língua.
Conscientes de seus papéis, as professoras tentam superar essa
dificuldade inicial de leitura. Entretanto, a leitura da palavra não pode ser
desvinculada da leitura da “palavramundo”. A construção de uma interpretação
sobre qualquer texto ou palavra parte de nossas experiências pessoais.
Como diz Scholes (op.cit.), se quisermos ler fato temos que ler o nosso
próprio livro no texto diante nós, de torná-lo pessoal conforme Paulo Freire
em sua consciência sobre o ato de ler como ato político, como a leitura da
100
100
palavra não desvinculada da “palavramundo”. A ortografia e sentido explícito
não conduzem sozinhos à construção de um “ato de ler”, de uma “leitura ética”.
As práticas de leituras adotadas pelas professoras são conseqüências e
influências da ausência de uma política educacional que garanta não o
acesso à escola, mas também o pleno desenvolvimento dos educandos.
Algumas propostas também indicam tarefas na sala de informática,
porém, somente na escola municipal um professor designado para esta
sala. A falta de uma pessoa responsável pelo uso desse ambiente inviabiliza e,
pelo menos, dificulta muito o desenvolvimento das propostas.
Nas escolas A, B e C são constantes também a falta de manutenção dos
computadores, que não passam de dez em cada escola. É comum o rodízio de
alunos por aula, fechamento dessas salas ou não cumprimento das tarefas por
parte dos alunos. Essa realidade cerceia as propostas e revelam as instâncias
econômicas, políticas e jurídicas para o desenvolvimento da leitura no
ambiente escolar.
As professoras demonstraram que trabalhar a leitura em sala de requer
um planejamento prévio por parte do professor. Como qualquer aula que nos
propomos a desenvolver. Assim, o uso de estratégias ou protocolos de leitura é
fundamental na construção do processo de interpretação.
Estratégias e protocolos não são objetos de aprendizado em si mesmos.
São recursos que o educador utiliza para despertar o interesse da leitura e para
instaurar o sujeito-leitor, que enfrentará os mais variados discursos e precisará
efetuar uma leitura não informativa, mas crítica.. Nesse aspecto acreditamos
que uma perspectiva interdisciplinar de leitura podeconduzir a construção de
um protocolo de leitura. Somente a escola D, da rede municipal, esboçou esta
preocupação. Acreditamos que as dificuldades encontradas sejam por falta de
uma práxis interdisciplinar.
A interdisciplinaridade pode ajudar nossos professores no
desenvolvimento de suas competências. Para isso, é preciso repensar nossa
atitude frente aos desafios de formar leitores críticos. Um trabalho conjunto,
101
101
interdisciplinar, aliviará a sobrecarga de tarefas escolares, carga horária
extensa e formação insuficiente.
A interdisciplinaridade requer tempo e dedicação para planejamento e
execução, porém acreditamos que é de grande contribuição para os
professores no desenvolvimento de suas competências. Ou pelo menos, no
reconhecimento de que o outro é parceiro, é co-produtor de um trabalho que
não deve nunca ser isolado.
6. Bibliografia
BECHARA, Evanildo. Moderna gramática brasileira. Rio de Janeiro:
Lucerna, 2003.
BENVENISTE, Émile. Problemas de lingüística geral II. Trad. Eduardo
Guimarães. Campinas: Pontes, 1989.
102
102
BRAIT, Beth (org.). Bakhtin: conceitos-chave. 2.ª ed. São Paulo:
Contexto, 2005.
COSTA VAL, Maria da Graça. Redação e textualidade. São Paulo:
Martins Fontes, 1994.
FAIRCLOUGH, Norman. Discurso e mudança social. Coord. de trad.
Izabel Magalhães. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2001.
FAZENDA, Ivani Catarina Arantes. Integração e interdisciplinaridade no
ensino brasileiro. 5.ª ed. São Paulo: Loyola, 2002.
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler. 45.ª ed. São Paulo: Cortez,
2003
_____ . Educação como prática da liberdade. 7.ª ed. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1977.
KOCK, Ingedore Grunfeld Vilaça. Argumentação e linguagem. 9.ª ed.
São Paulo: Cortez, 2004.
_____ . Desvendando os segredos do texto. 2.ª ed. São Paulo: Cortez,
2003.
_____ . O texto e a construção de sentidos. 6.ª ed. São Paulo: Contexto,
2002.
_____ e TRAVAGLIA, Luiz Carlos. A coerência textual. 15.ª ed. São
Paulo: Contexto, 2003.
KOSHIBA, Luiz e PEREIRA, Denise Manzi Frayse. História do Brasil. 7.ª
ed. São Paulo: Atual, 1996.
MAINGUENEAU, Dominique. Novas tendências em análise do discurso.
Trad. Freda Indursky. 3.ª ed. Campinas: Pontes/Editora da Universidade
Estadual de Campinas, 1997.
MANGUEL, Alberto. Uma história de leitura. Trad. Pedro Maia Soares.
São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
103
103
MEURER, José Luiz e MOTTA-ROTH, Désirée (orgs.). Gêneros textuais.
Bauru: EDUSC, 2002.
MORA, Jo Ferrater. Dicionário de Filosofia. Trad. Roberto Leal e
Álvaro Cabral. 3.ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
MORAIS, Fernando. Olga. 17ed. São Paulo, Companhia das Letras,
1994.
NADAI, Elza e NEVES, Joana. História do Brasil: da colônia à República.
13.ª ed. São Paulo: Saraiva, 1990.
ORLANDI, Eni Puccinelli (Org.). A leitura e os leitores. Campinas:
Pontes, 1998.
_____ . Discurso e leitura. Campinas: Cortez/Editora da UNICAMP,
1988.
PERRENOUD, Philippe. Dez novas competências para ensinar. Trad.
Patrícia Chittoni Ramos. Porto Alegre: ArtMed, 2000.
REBOUL, Olivier. Introdução à retórica. Trad. Ivone Castilho Benedetti.
São Paulo: Martins Fontes, 1998.
RIOS, Terezinha Azerêdo. Ética e interdisciplinaridade. In: FAZENDA,
Ivani Catarina Arantes (org.). A pesquisa em educação e as transformações do
conhecimento. 6.ª ed. Campinas: Papirus, 2004.
SAUTCHUK, Inez. A produção dialógica do texto escrito: um diálogo
entre escritor e leitor interno. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
SCHOLES, Robert. Protocolos de leitura. Lisboa: Edições 70, 1991.
SOLÉ, Isabel. Estratégias de leitura. Trad. Cláudia Schilling. 6.ª ed.
Porto Alegre: ArtMed, 1998.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo