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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Uma de nossas maiores intenções neste estudo foi trazer, sempre que possível,
dizeres de pessoas surdas, acreditando que deixando-as falar sobre si mesmas seja a
melhor maneira de conhecê-las. Nesse sentido, queremos mais uma vez evidenciar a
existência de um discurso surdo, registrado nas páginas de um livro ainda pouco conhecido
por ouvintes. Assim, nos trechos que seguem, reproduzimos a história narrada no livro
Patinho Surdo
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, na íntegra, apenas grifando alguns pontos, pois temos receio de que
algum detalhe precioso possa ser perdido se fizermos uma resenha que, novamente,
apresentaria o nosso discurso ouvinte.
Em uma linda manhã, um bando de patos migraram para a Lagoa dos Patos, no
Rio Grande do Sul. No bando, havia um casal surdo. O pato e a pata namoraram muito
na Lagoa dos Patos. Resolveram preparar um ninho para a pata botar os ovos. A pata
então botou os ovos, e o casal ficou feliz com o ninho cheio, cuidando para que nenhum
predador chegasse perto. Certo dia, a pata foi passear pela lagoa... De repente, ela
começou a sentir cólicas e resolveu voltar para casa, mas, infelizmente, não conseguiu
chegar até seu ninho. Desesperada, ela procurou um outro ninho. Resolveu sentar
naquele ninho desconhecido e botar ali um ovo, aliviando assim suas dores. A pata não
sabia, mas aquele ninho pertencia a um cisne ouvinte. A pata estava desesperada e,
em prantos, gritava em sinais: “Perdi um ovo!” A mãe cisne voltou para seu ninho e
esperou o tempo passar. Um belo dia, os ovos começaram a quebrar, e os filhotes
começaram a nascer. O primeiro cisne, saindo do ovo, falou: “Oi!” Os outros cisnes
também disseram: “Oi!”, “Oi!”, “Oi!”... Mas ainda estava faltando um ovo... Após algum
tempo, nasceu o patinho surdo, e os cisnes ficaram olhando para ele. A mamãe cisne
falou: “Oi! Bem-vindo à lagoa!” Mas o patinho surdo nada respondeu. A mamãe insistiu:
“Oi!” Mas ele continuava sem falar! O casal ficou apreensivo! O patinho então sinalizou:
“Oi, mamãe! Oi papai!” Os cisnes ficaram assustados! Pai cisne estava desconfiado, pois
aquele filho tinha cores diferentes, não falava, mas fazia sinais! Ficou em silêncio e
saiu dali pensativo! Mãe cisne mandou os filhotes passearem pela lagoa à procura de
comida. Os dias foram passando, e os pais ensinavam os filhotes a cantar. Mas o
patinho surdo não cantava, e por isso resolveu passear sozinho pela lagoa. Sozinho, ele
questionava: “Por que sou tão diferente dos meus irmãos? Eu acho que não sou
daquela família!” Ele se aproximou e sinalizou: “Oi!” Os patinhos responderam: “Oi!”
Começou a observar que eles tinham o seu jeito, as suas cores, o mesmo bico, o
mesmo olhar! Aos poucos, o patinho surdo começou a aprender a Língua de
Sinais da Lagoa (LSL). O patinho voltou para sua casa. Durante aquela noite, só
pensava: “A gente consegue se comunicar! Eles parecem meus irmãos, minha família!
No outro dia, o patinho surdo saiu novamente para nadar, foi ao encontro dos amigos e
começou a fazer alguns sinais: “Oi! Tudo bem?” Eles responderam: “Oi! Tudo bem!
Estamos felizes em reencontrá-lo!” A pata pediu que todos olhassem para ela, porque
queria contar um segredo. Ela sinalizou: “Você é meu filho, e esses são seus irmãos! A
história é essa: você nasceu em outro ninho... Quá, quá, quá... Quá, quá, quá...” Patinho
surdo ficou espantado com a história, mas a mãe consolou: “Fique calmo, vamos logo
conversar com a tua mãe cisne. Vou explicar tudo a ela”. Contrataram o sapo
intérprete e foram todos até o ninho dos cisnes. Chegando lá, uma longa conversa
aconteceu, e todos entenderam o que havia acontecido. O patinho surdo estava feliz em
conhecer sua família e a Língua de Sinais da Lagoa! E assim, na Lagoa dos Patos, patos
e cisnes viveram felizes! Fim.
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ROSA, Fabiano Souto; KARNOPP, Lodenir Becker. Patinho Surdo. Canoas: Ed. ULBRA, 2005.
Livro escrito por Karnopp (ouvinte) e Rosa (surdo) com ilustrações de Maristela Alano (surda).