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UNIVERSIDADE SÃO FRANCISCO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM EDUCAÇÃO
Linha de Pesquisa:
MATEMÁTICA, CULTURA E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS
Débora de Oliveira Andrade
CONTANDO HISTÓRIAS: PRODUÇÃO/MOBILIZAÇÃO DE
CONCEITOS NA PERSPECTIVA DA RESOLUÇÃO DE
PROBLEMAS EM MATEMÁTICA
Itatiba
2007
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Ficha catalográfica elaborada pelas Bibliotecárias do Setor de
Processamento Técnico da Universidade São Francisco.
371.399.51 Andrade, Débora de Oliveira.
A566c Contando histórias: produção/mobilização de conceitos
na perspectiva da resolução de problemas em matemática /
Débora de Oliveira Andrade. -- Itatiba, 2007.
164 p.
Dissertação (mestrado) – Programa de Pós-Graduação
Stricto Sensu em Educação da Universidade São Francisco.
Orientação de: Regina Célia Grando.
1. Educação matemática. 2. Aulas de matemática.
3. Contar histórias. 4. Resolução de problemas.
5. História virtual do conceito. I. Grando, Regina Célia.
II. Título.
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UNIVERSIDADE SÃO FRANCISCO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM EDUCAÇÃO
Linha de Pesquisa:
MATEMÁTICA, CULTURA E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS
Débora de Oliveira Andrade
CONTANDO HISTÓRIAS: PRODUÇÃO/MOBILIZAÇÃO DE
CONCEITOS NA PERSPECTIVA DA RESOLUÇÃO DE
PROBLEMAS EM MATEMÁTICA
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-
Graduação Stricto Sensu em Educação, da Universidade
São Francisco, sob orientação da Profa. Dra. Regina Célia
Grando para obtenção do título de Mestre em Educação,
na linha de pesquisa: Matemática, Cultura e Práticas
Pedagógicas.
Itatiba
2007
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ANDRADE, Débora de Oliveira. Contando Histórias: Produção/Mobilização de Conceitos na
Perspectiva da Resolução de Problemas em Matemática. 2006, 164p. Dissertação (Mestrado em
Educação) Programa de Pós Graduação Stricto Sensu em Educação, linha de pesquisa:
Matemática, Cultura e Práticas Pedagógicas. Itatiba, São Paulo; Universidade São Francisco.
__________________________________
Profa. Dra. Regina Célia Grando
Orientadora e Presidente
__________________________________
Profo. Dr. Manoel Oriosvaldo de Moura
Examinador
___________________________________
Profa. Dra. Adair Mendes Nacarato
Examinadora
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AGRADECIMENTOS
Aos meus pais, Salomão e Vanilde, que mesmo com todas as dificuldades, sempre
acreditaram e incentivaram cada um de seus filhos na busca do conhecimento. Obrigada por
vocês existirem.
Ao meu marido, José Antônio Araújo Andrade (meu Zé), pela paciência, incentivo,
patrocínio e contribuições teóricas. Amo-te.
Aos meus irmãos Diléia e Salomão Junior, que sempre estiveram prontos a me ajudar e
dar forças para eu continuar. Amo vocês.
A minha orientadora, amiga e incentivadora Dra. Regina Célia Grando, sem voeste
trabalho não seria possível. Obrigada por tudo.
A examinadora e amiga Dra. Adair Mendes Nacarato, suas contribuições foram valiosas
durante todo o período que estive no programa.
Ao examinador Dr. Manoel Oriosvaldo de Moura, pela paciência e contribuições no
Exame de Qualificação que possibilitaram um aprofundamento teórico.
Aos professores do Programa de Pós-Graduação, especialmente a professora Dra.
Gabriela.
A secretária do Mestrado em Educação Marcela e do Mestrado em Psicologia Rose, pela
paciência e disposição.
Aos alunos da pós-graduação, especialmente, Denise, Fábio Storani, Eleonora Dantas,
Tetsuo Araki, Paulo Penha, Cláudia, Silvia, Jorge e Pedro.
A minha amiga Rosana Maria Mendes pelo incentivo, broncas, risadas, piadas,aulas
extras e o mais importante, uma amiga para toda a vida.
A minha amiga Adriana A. Molina Gomes pelas trocas teóricas, ajuda constante,
hospedagem, por tudo. Nunca vou esquecer o que passamos juntas e como vofoi importante
neste momento.
Aos alunos da graduação em Matemática da USF Luana (amiga sempre), Miriam
Tomazetto, Diego Molina e Thiaguinho.
A Viviane Cardim e Paulo, pelas viagens, conversas e risadas nas aulas de inglês.
As integrantes do grupo IniciAção da Educação Infantil na USF.
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A todos os alunos que participaram da aplicação de cada uma das histórias e cada aluno
que fez parte da minha constituição como professora, até o momento. As inquietações para esta
pesquisa existiram graças a cada um de vocês. E ao professor Adanias que me fez acreditar que
eu poderia ser contadora de histórias.
As professoras Di e Adri, por abrirem suas salas prontamente. A cada dia admiro mais o
trabalho de vocês.
A cada pessoa que contribuiu nos congressos para o (re)pensar desta pesquisa.
Aos meus cunhados Cida, Douglas, Agnaldo e Zelinda, por estarem sempre prontos a
ajudar, de diferentes maneiras, porém constante.
Aos meus amigos Edileuza e Marcos, pelas correções, sempre com disposição e paciência.
Vocês são muito importantes.
Aos meus amigos César, Alice, Silvio, Dalila, Valéria, e Denise, pela torcida constante e
viva, e mais por acreditarem na Educação responsável e crítica.
Ao meu sobrinho Augusto Salomão, por compreender as ausências, e muitas vezes, me
fazer refletir sobre o processo de desenvolvimento de uma criança.
A toda minha família, por compreender as minhas ausências durante os últimos três anos.
A Deus pela proteção, saúde, força e vitória.
Ao apoio financeiro da Capes.
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ANDRADE, Débora de Oliveira. Contando Histórias: Produção/Mobilização de Conceitos na
Perspectiva da Resolução de Problemas em Matemática. 2006, 164p. Dissertação (Mestrado em
Educação) Programa de Pós Graduação Stricto Sensu em Educação, linha de pesquisa:
Matemática, Cultura e Práticas Pedagógicas. Itatiba, São Paulo; Universidade São Francisco.
RESUMO
A presente pesquisa buscou investigar as potencialidades pedagógicas das histórias virtuais do
conceito na perspectiva da resolução de problemas nas aulas de matemática. Histórias virtuais do
conceito são entendidas como lendas, mitos, contos ou histórias da matemática que desencadeiam
a produção/mobilização de conceitos a partir da resolução do problema (MOURA, 1996). A
pesquisa teve como objetivos: (1) analisar em que medida a resolução de situações–problema
propiciadas pelas histórias virtuais do conceito possibilitou a produção/mobilização de conceitos
matemáticos; (2) investigar a produção do registro escrito e oral pelos alunos na resolução dos
problemas vivenciados em situação lúdica de aprendizagem para compreender os sentidos e os
significados que os alunos produzem a partir das histórias virtuais do conceito para a matemática
em si e para o contexto no qual a situação–problema se insere. A pesquisa foi desenvolvida em
uma abordagem qualitativa; os sujeitos foram alunos da Educação Básica de Escolas Públicas. As
histórias virtuais foram aplicadas (total de 4) na Educação Infantil (5 e 6 anos), Ensino
Fundamental I (2ª e 3ª séries) e Ensino Fundamental II (6ª e 8ª séries). As histórias foram
produzidas e/ou adaptadas pela pesquisadora, que assume o papel de contadora de histórias para
os sujeitos em situações de sala de aula. A documentação da pesquisa é composta por histórias
virtuais do conceito “O Negrinho do Pastoreio”, “Os Ovos em Questão”, “Liberdade para as
Galinhas” e “Pedro Malazarte em Veneza”, registros dos alunos (pictóricos e/ou textuais), diário
de campo da pesquisadora, transcrição dos dados audiogravados das falas dos sujeitos durante a
resolução e/ou socialização dos problemas e entrevistas com alunos. As entrevistas com alguns
alunos se fizeram necessárias para elucidar os registros textuais e/ou pictóricos. A análise dos
dados coletados, estruturados como episódios em cenas para cada contação da história em sala de
aula de matemática, possibilitou evidenciar os seguintes aspectos potencializadores: a resolução
de problemas na Educação Infantil e no Ensino Fundamental, a comunicação de idéias nas aulas
de matemática, o registro textual e/ou pictórico de diferentes estratégias, a produção e/ou
mobilização de conceitos matemáticos, compartilhamento de significados e sentidos atribuídos do
coletivo para o individual e desenvolveu nos alunos a necessidade de se colocarem em
movimento do “fazer matemático”.
Palavras-chave: Aulas de Matemática; Contar Histórias; Atividade; Resolução de Problemas;
História Virtual do Conceito.
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ANDRADE, Débora de Oliveira. Contando Histórias: Produção/Mobilização de Conceitos na
Perspectiva da Resolução de Problemas em Matemática. 2006, 164p. Dissertação (Mestrado em
Educação) Programa de Pós Graduação Stricto Sensu em Educação, linha de pesquisa:
Matemática, Cultura e Práticas Pedagógicas. Itatiba, São Paulo; Universidade São Francisco.
ABSTRACT
The present research sought to investigate the pedagogic potential present in the concept's virtual
stories, for Mathematics class problem solving. Concept virtual stories are understood as legends,
myths, tales and stories that produce or mobilize concepts in problem solving (MOURA, 1996).
The research aimed to: (1) analyse to what extent resolution of problem situations offered by the
concept's virtual stories enabled the production of mathematical concepts; (2) investigate the
written and oral record production by students who solved problems through a ludical learning
situation, so that meanings produced by them could be understood, as well as the contexts in
which the problem situation is embedded. The research was carried out through a qualitative
approach; the subjects were students from public elementary schools (2nd and 3rd degrees) and
upper elementay/junior high schools (6th to 8th grades). Virtual stories were produced and/or
adapted by the researcher, who takes the role of the storyteller in classroom. Documentation is
composed by virtual concept stories "O Negrinho do Pastoreio", "Os Ovos em Questão",
"Liberdade para as Galinhas" and "Pedro Malazarte em Veneza", as well as by student's pictorial
or written records, researcher field diary, transcripts of subject's speech during problem solving
and interviews. The interviews, conducted with part of them, aimed at elucidating aspects related
to writtenand pictorial records. The analysis of collected data, structured as episodes related to
each story applied in the Mathematics classroom, enabled us to bring to light the following
potentiating aspects: Child and Elementary education problem-solving, communication of ideas
in Mathematics classes, pictorial or written records of different strategies,
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SUMÁRIO
ERA UMA VEZ... Trajetória profissional, o caminho percorrido até a definição da
pesquisa....................................................................................................................................
Contar história e busca por subsidio teórico...........................................................
Então encontrei... O mestrado, espaço de formação “fora da escola”....................
Capítulo 1: Enquanto isso... Contar histórias e a aprendizagem matemática..................
1.1 O contador de histórias nas aulas de Matemática.............................................
1.2 Conta-se que... Contar histórias como atividade ..............................................
1.3 Sentido e significado no contar histórias..........................................................
1.4 Histórias virtuais do conceito como atividade de ensino..................................
1.5 Os conceitos científicos e a escola....................................................................
1.6 Lá vem a história... Resolução de problemas....................................................
1.7 Enfim... O que envolve as potencialidades pedagógicas do contar histórias nas
aulas de matemática..........................................................................................
Capítulo 2: Quando de repente... Metodologia....................................................................
2.1 O desenvolvimento do estudo piloto.................................................................
2.2 A contação de cada história..............................................................................
2.3 A elaboração das histórias virtuais do conceito................................................
2.4 A seleção das classes para a aplicação das histórias.........................................
2.5 Documentação da pesquisa...............................................................................
Capítulo 3: Mergulhamos nas histórias... A classe em aulas de matemática como um
ambiente de resolução de problemas....................................................................................
Episódio 1: o estudo piloto que se transformou no primeiro estudo da pesquisa...
Episódio 2: contação da história “Os Ovos em Questão”.......................................
Episódio 3: contação da história “Liberdade para as Galinhas”.............................
Episódio 4: contação da história “Liberdade para as Galinhas” em outra turma..
Episódio 5: contação da história “Pedro Malazarte em Veneza...........................
E viveram felizes para sempre... E quem quiser que conte outra!...................................
E quem ajudou a contar essas histórias... Referências bibliográficas.............................
Anexos....................................................................................................................................
01
05
06
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21
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49
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66
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146
151
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LISTA DE FIGURAS
Figura 1.1: Representação da generalização do conhecimento dos alunos....................................
Figura 1.2: Os aspectos potencializadores do contar histórias nas aulas de matemática...............
Figura 2.1: A história “O Negrinho do Pastoreio”.........................................................................
Figura 2.2: A história “Pedro Malazarte em Veneza”....................................................................
Figura 2.3: A representação do galinheiro.....................................................................................
Figura 2.4: A história “Liberdade para as Galinhas”.....................................................................
Figura 2.5: A história “Os Ovos em Questão”...............................................................................
Figura 3.1: primeiro registro do aluno W.......................................................................................
Figura 3.2: primeiro registro da aluna M........................................................................................
Figura 3.3: primeiro registro do aluno A........................................................................................
Figura 3.4: primeiro registro do aluno AP......................................................................................
Figura 3.5: segundo registro da aluna M........................................................................................
Figura 3.6: primeiro registro do aluno R........................................................................................
Figura 3.7: primeiro registro da aluna A........................................................................................
Figura 3.8: primeiro registro da aluna C.........................................................................................
Figura 3.9: segundo registro do aluno R.........................................................................................
Figura 3.10: primeiro registro do aluno G......................................................................................
Figura 3.11: segundo registro do aluno G......................................................................................
Figura 3.12: primeiro registro do aluno P......................................................................................
Figura 3.13: segundo registro do aluno P......................................................................................
Figura 3.14: primeiro registro do aluno S......................................................................................
Figura 3.15: primeiro registro do aluno M.....................................................................................
Figura 3.16: primeiro registro do aluno R......................................................................................
Figura 3.17: segundo registro do aluno R......................................................................................
Figura 3.18: primeiro registro do aluno JV....................................................................................
Figura 3.19: segundo registro do aluno JV.....................................................................................
Figura 3.20: primeiro registro do aluno P.....................................................................................
Figura 3.21: primeiro registro da aluna J......................................................................................
Figura 3.22: primeiro registro do aluno M...................................................................................
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74
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95
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11
Figura 3.23: primeiro registro do aluno M...................................................................................
Figura 3.24: primeiro registro do aluno W...................................................................................
Figura 3.25: primeiro registro dos alunos K, S, KL e I................................................................
Figura 3.26: desenho da fuga........................................................................................................
Figura 3.27: objetos usados para fuga..........................................................................................
Figura 3.28: primeiro registro dos alunos K, S, KL, KC e I........................................................
Figura 3.29: registro do grupo AP, B, G e S................................................................................
Figura 3.30: registro do grupo C, J, M e W.................................................................................
Figura 3.31: registro do grupo A, J, JT e ME..............................................................................
Figura 3.32: registro do grupo P, M e L......................................................................................
Figura 3.33: registro do grupo C, J, P e PB..................................................................................
Figura 3.34: registro do grupo A, AC, P e R................................................................................
Figura 3.35: registro das alunas J, D e A......................................................................................
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111
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120
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13
ERA UMA VEZ... TRAJETÓRIA PROFISSIONAL, O CAMINHO
PERCORRIDO ATÉ A DEFINIÇÃO DA PESQUISA.
Em minha trajetória profissional como professora da rede pública, desde 1995, e privada,
desde 2000, do estado de São Paulo, percebo a necessidade de estarmos constantemente
refletindo e analisando a nossa própria prática, em busca dos subsídios teóricos que a sustentam.
Nota-se que os cursos de graduação pouco contribuem para a formação inicial do professor,
mesmo porque, com a nova categoria profissional docente na rede pública do estado de São Paulo
- professor eventual - o licenciando, muitas vezes, passa a ser professor da Educação Básica no
seu primeiro mês de ingresso no Ensino Superior, sem nenhuma formação para isso. Em minha
formação inicial, mais de dez anos, a realidade não era muito diferente, pois, quando assinei a
matrícula para ingressar na Graduação, fui convidada para lecionar em uma escola pública do
estado de São Paulo com aulas de a 8ª série. Mas, os professores da graduação não promoviam
discussões que me levassem a refletir sobre a prática de ensino e repensar minha prática em
classe na regência dos estágios.
A primeira proposta governamental de mudança na formação continuada docente que
pude vivenciar como professora aconteceu com o PEC-PUC/SP
1
(Programa de Educação
Continuada) entre 1997 e 1998. O programa despertou-me para um repensar sobre minha prática,
uma vez percebendo que usava sempre a estratégia do “medo” da Matemática com os alunos e
acabava dando aulas apenas para quem tinha facilidade em aprender. Culpava os alunos da escola
1
O PEC (Programa de Formação Continuada), tratava-se de um programa ministrado aos professores da rede pública
em que, durante os encontros com os capacitadores, eram discutidos conteúdos de matemática, bem como eram
apresentadas propostas metodológicas para serem aplicadas na classe, tais como: jogos, resolução de problemas, uso
de calculadoras, etc.
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pública por não conseguir dar “aulas melhores”. Assim, angustiada, necessitava de maior
motivação.
No ano 2000 comecei a ministrar aulas em uma escola particular. Acreditava que a escola
particular iria resolver os meus problemas. A cobrança era ainda maior e sentia-me sozinha uma
vez que o acompanhamento do desenvolvimento do aluno era precário e os professores não
tinham horário para discussões coletivas. Mesmo assim não desanimava, sempre procurava
atividades que considerava “diferentes” para os alunos. Hoje percebo que essas “aulas diferentes”
eram propostas metodológicas diferenciadas com o intuito de mobilizar os alunos para a
aprendizagem matemática. Eu, na verdade, estava reproduzindo muito das coisas que havia
aprendido no PEC; entretanto, não encontrava na escola um ambiente propício à (re)significação
de tais conteúdos e à reflexão sobre a minha própria prática.
Em classe, procuro ser bastante dinâmica. Acredito que a expressão, em diferentes
linguagens do professor – verbal, corporal, pictórica –, de certa forma, contribuem para motivar e
envolver meus alunos nas situações-problema matemáticas propostas. No ano 2000, em uma
conversa informal, um professor de Artes da escola particular, me despertou a atenção ao dizer
que eu deveria ser uma contadora de histórias.
Pensei sobre o que aquele colega havia me dito, mas precisava integrar Matemática à
perspectiva de contadora de história(s) e, então, depois de alguns dias, procurei esse professor e
comentei que eu poderia ser contadora de histórias de matemática. Ele, com toda sua experiência,
disse-me que isso provavelmente daria certo, uma vez que seria “pura magia” uma criança ouvir
histórias de matemática de uma contadora de histórias. Essa idéia, naquele momento, foi
“congelada”. Ainda não me sentia segura de que seria possível contar histórias e trabalhar um
conteúdo matemático, mesmo porque a concepção de matemática que eu tinha e que perpassava a
minha ação pedagógica envolvia poucas problematizações. Estava mais relacionada à aplicação
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da matemática por meio de fórmulas e algoritmos, ensinando meus alunos a resolver exercícios e
problemas.
No ano letivo seguinte, fiz algumas tentativas, mas a escola tinha uma proposta
pedagógica baseada em um sistema didático apostilado que pouco possibilitava um trabalho
diferenciado. Sentia-me sem autonomia para desenvolver qualquer proposta pedagógica
diferenciada.
No ano de 2003 mudei de escola, fui para uma outra escola particular, na cidade de
Franco da Rocha, na Grande São Paulo, para atuar em e séries. Na aula inicial o
envolvimento foi total, conversamos sobre as proporções áureas, as problematizações foram
surgindo conforme eu mostrava as relações em diferentes obras de arte, construções e figuras
geométricas. Durante aquele ano, com inspiração nos livros paradidáticos, levei algumas histórias
e personagens para as aulas de matemática.
Um fato curioso me chamava a atenção: os alunos constantemente diziam que eu deveria
estudar teatro, pois a forma como eu interpretava os personagens, de alguma maneira, os envolvia
nas discussões matemáticas.
Um dos personagens que levei para a 6ª série foi o Pepe, um skatista franzino de
perninhas finas, mas que fazia manobras radicais. Conheci esse personagem na coleção “Pra que
serve a Matemática?” do autor Luis Márcio Imenes, da editora Scipione. Interessante foi que o
conhecimento quanto aos ângulos se tornou muito divertido, que construímos coletivamente
uma história de vida para o Pepe e suas manobras com o skate. Os alunos ficaram motivados e,
para minha surpresa, quando fomos retomar o conceito de ângulos na série, logo os alunos se
recordaram do Pepe e das relações de ângulos que o Pepe fazia em suas manobras. Isso me fez
acreditar que existia algo além da simples motivação, essas histórias significariam melhor
16
aprendizagem no ensino de matemática. Hoje percebo que meus alunos haviam se apropriado do
conceito de ângulos de forma lúdica, representado pelo personagem que havíamos criado.
Semelhantemente, trabalhei com a lenda do xadrez e os grãos de trigo
2
na série para a
introdução do conceito da potenciação, houve também um grande envolvimento das crianças e
estas passaram a se referenciar à lenda em vários momentos que abordávamos as propriedades de
potenciação.
Estes fatos me fizeram refletir: Como essas histórias e os diferentes personagens das
histórias poderiam ajudar em minhas aulas? Em que faixa etária essa prática estaria mais
adequada? Como deveria acontecer? O que fazer após contar a história? Como sistematizar? Em
que medida as respostas dos meus alunos aos problemas propostos pelos personagens não seriam
semelhantes às respostas de alunos de outras turmas, escolas, diferentes contextos socios-
econômicos e culturais, ou mesmo, em outro momento histórico?
O interesse pelo tema foi aumentando, principalmente quando iniciei a minha participação
17
de contar histórias de matemática pelo professor oferece potencialidades e limites para o ensino
da Matemática.
Contar histórias e a busca por subsidio teórico
Um dos primeiros livros com que tive contato, relacionado às inquietações iniciais, foi o
“Contar histórias: uma arte sem idade”, de Betty Coelho. Este livro discute qual história escolher,
como estudar uma história para contar e como fazer a apresentação da história para os alunos,
que, até aquele momento, eu não tinha feito cursos que possibilitassem desenvolvimento como
contadora de histórias. Esse livro contribuiu para eu repensar a cnica que usava para prender a
atenção dos alunos ao contar histórias.
Era importante naquele momento refletir sobre o papel do contador de história nas aulas
de matemática, mas as cnicas do contador de histórias não eram suficientes para as mesmas,
pois existia um conteúdo matemático para ser desenvolvido no contexto da história.
Ao procurar um referencial teórico que subsidiasse meu trabalho de professora e que
desse conta de responder, teoricamente, minhas angústias, notei que as idéias desenvolvidas por
Moura (1996a) sobre histórias virtuais do conceito vinham ao encontro dos meus interesses. Para
esse autor, a história virtual do conceito se constitui em situações-problema colocadas por
personagens de histórias infantis, lendas ou da história da matemática e que possibilitam colocar
a criança em movimento de resolução do problema, que faz parte do conteúdo da história. Dessa
forma, as histórias virtuais do conceito são desencadeadoras do pensamento da criança.
Assim, o conceito de história virtual do conceito na perspectiva de Moura, possibilitava,
em parte, a minha compreensão quanto aos possíveis encaminhamentos teórico-metodológicos
para compreender a minha prática docente enquanto “contadora de histórias de matemática”.
18
Mas, qualquer história e/ou qualquer personagem poderia colocar meus alunos em movimento de
resolução?
Ainda me faltavam subsídios teóricos para pensar em uma prática diferenciada e, naquele
momento percebi que não era em um trabalho pedagógico isolado e sem interlocução com outros
professores, ou mesmo, com a literatura sobre o assunto que eu poderia me sentir segura. Busquei
outros espaços de formação, “fora da escola” que pudessem me propiciar uma aprendizagem.
Então encontrei... O mestrado, espaço de formação “fora da escola”
Esse espaço de formação “fora da escola”, foi o Programa de Pós-graduação Stricto Sensu
em Educação, na Universidade São Francisco. Tudo começou durante o semestre de 2004,
quando ingressei no programa como aluna especial
3
. Então tive contato com os alunos
regularmente matriculados no programa e as professoras doutoras Adair Mendes Nacarato e
Regina Célia Grando.
A disciplina que eu cursei foi: Ensino da Matemática: Tendências e Linhas de
Investigação; que tinha como objetivo (1) caracterizar a área da Educação Matemática, (2)
identificar as características de cada uma das linhas de investigação presentes na Educação
Matemática e (3) analisar uma investigação (Dissertação ou Tese) sobre cada uma das linhas de
investigação da Educação Matemática. Nesta disciplina fazíamos discussões sobre os textos lidos,
análise de dissertações ou teses sobre cada tendência e produzíamos registros reflexivos
4
, que
3
Aluno especial é uma modalidade existente no PPGSSE (Programa de Pós–Graduação Stricto Sensu em Educação)
da USF (Universidade São Francisco). O aluno deve estar matriculado em uma disciplina indicada por ele e a seleção
é feita através de entrevista com os professores que lecionam a disciplina. O aluno tem as mesmas obrigações do
aluno regularmente matriculado, que são as seguintes: fazer leituras, entregar trabalhos e ser avaliado. No entanto, só
pode cursar duas disciplinas nesta categoria, sendo que as mesmas podem ser validadas para o futuro aluno regular
do Programa.
4
Os registros reflexivos eram produções escritas individuais que eram disponibilizadas no Teleduc a cada 15 dias,
aproximadamente. Nestes registros eram articuladas as discussões do grupo, as leituras, a pesquisa e a prática
19
possibilitavam a escrita de uma reflexão sobre os textos lidos relacionada às discussões realizadas
durante as aulas e a prática educacional.
O movimento desta disciplina possibilitou a aproximação das discussões sobre a pesquisa
em Jogos e Resolução de Problemas e a entender melhor a investigação em classe. Isso
contribuiu para a definição do anteprojeto de pesquisa e o ingresso como aluna regular no
Programa.
Para tanto, a partir deste momento me posicionarei no plural como a
professora/pesquisadora e não mais no singular, como anteriormente, para discutir a minha
prática. Entendo que não estava só, mas que esta prática foi construída com outros, pois “toda
relação consigo é também uma relação com o outro, e toda a relação com o outro é também
relação consigo próprio” (CHARLOT, 2000, p. 46-47).
Essas inquietações, os referenciais teóricos dos quais fomos nos apropriando e o desejo de
investigar as potencialidades das histórias virtuais do conceito enquanto pesquisa, possibilitou-
nos a definição do seguinte problema de pesquisa:
Quais são as potencialidades pedagógicas das histórias virtuais (do conceito) na
perspectiva da resolução de problemas em aulas de matemática?
A presente pesquisa tem como objetivos: (1) analisar em que medida a resolução de
situações–problema propiciadas pelas histórias virtuais do conceito possibilita a
produção/mobilização de conceitos matemáticos; (2) investigar a produção do registro escrito e
oral pelos alunos na resolução dos problemas vivenciados em situação lúdica de aprendizagem
para compreender os sentidos e os significados que os alunos produzem a partir das histórias
virtuais do conceito para a matemática em si e para o contexto no qual a situação–problema se
educacional. Também na plataforma Teleduc ocorria um debate entre os alunos das disciplinas a partir da leitura dos
registros dos colegas.
20
insere. Entendemos significado e sentido na perspectiva leontieviana, sendo a “significação (...) a
forma sob a qual um homem assimila a experiência humana generalizada e reflectida”
(LEONTIEV, 1978, p. 94) e sentido é “uma relação que se cria na vida, na actividade do sujeito”
(Ibidem, p. 97). Compreender os sentidos que os alunos produzem a partir das histórias virtuais
para a matemática em si e para o contexto no qual a situação–problema se insere implica em nos
apropriarmos do que seja o sentido de um conhecimento matemático na resolução do problema
que, segundo Charnay se define como:
não pela coleção de situações em que este conhecimento é realizado como a
teoria matemática; não só pela coleção de situações em que o sujeito o encontrou
como meio de solução, mas também, pelo conjunto de concepções que rejeita,
de erros que evita, de economias que procura, de formulações que retoma, etc
(1996, p. 36).
A partir do problema de pesquisa e seus objetivos podemos entender que a mesma está
inserida na perspectiva histórico-cultural, na medida em que as relações intersubjetivas são
centrais para a resolução do(s) problema(s) presente(s) nas histórias virtuais. Na pesquisa, as
resoluções coletivas e individuais dos alunos, bem como a produção de uma rede de significados
e sentidos para a construção dos conceitos matemáticos constituem um eixo norteador de análise
da presente pesquisa.
A pesquisa foi desenvolvida em uma abordagem qualitativa. Os sujeitos são alunos da
Educação Básica de Escolas Públicas de diversas séries e idades. As histórias virtuais foram
produzidas e/ou adaptadas pela pesquisadora que se posicionou como contadora de histórias para
os sujeitos.
A documentação da pesquisa é composta por: histórias virtuais do conceito (“O Negrinho
do Pastoreio”, “Os Ovos em Questão”, “Liberdade para as Galinhas” e “Pedro Malazarte em
Veneza”), registros dos alunos (pictóricos e/ou textuais), diário de campo da pesquisadora,
transcrição dos dados audiogravados das falas dos sujeitos durante a resolução e/ou socialização
21
dos problemas e entrevistas com alunos. As entrevistas com alguns alunos se fizeram necessárias
para elucidar os registros textuais e/ou pictóricos.
Para tanto, estruturamos a apresentação da pesquisa da seguinte forma:
Na introdução discutimos a trajetória profissional da professora/pesquisadora para
entendermos como foi a sua aproximação com o contar histórias e com o referencial teórico para
o desenvolvimento desta pesquisa.
O primeiro capítulo toma como referência teórica o conceito de atividade, segundo
Leontiev (1988), a fim de analisar como a atividade principal se relaciona com o contar histórias
nas aulas de matemática na perspectiva da resolução de problemas, bem como analisar a história
virtual do conceito em uma perspectiva de atividade de ensino (MOURA, 1996, 1998, 2001). E
traremos uma discussão sobre as diferentes perspectivas teóricas sobre a resolução de problemas
e em que medida as histórias virtuais do conceito possibilitam colocar os alunos em um
movimento para resolver os problemas propiciados pelos personagens da história.
O segundo capítulo apresenta a metodologia da pesquisa. Discutiremos como as histórias
virtuais do conceito foram produzidas e aplicadas, alguns dos conceitos matemáticos envolvidos
em cada uma delas, a caracterização dos sujeitos - aqui denominados de alunos - a descrição da
coleta dos dados e a explicitação de uma proposta de análise dos dados.
O terceiro capítulo apresenta a análise e descrição dos dados coletados de cada uma das
histórias aplicadas. Optou-se pela análise de episódios em cenas para cada aplicação da história
em sala de aula de matemática.
E as considerações finais em que são discutidas algumas reflexões finais e conclusões da
pesquisa e, também, algumas contribuições para as investigações referente ao contar histórias nas
aulas de matemática, atividade, resolução de problemas e história virtual do conceito.
22
1. ENQUANTO ISSO... CONTAR HISTÓRIAS E A APRENDIZAGEM
MATEMÁTICA
Neste capítulo iremos discutir teoricamente o processo de envolvimento dos alunos no
momento de ouvir histórias e elaborar estratégias de resolução de problemas colocadas em
movimento pelas histórias virtuais. Buscamos entender esse processo à luz da teoria da atividade,
na perspectiva de Leontiev (1988).
1.1 O contador de histórias nas aulas de Matemática
Conforme apresentado anteriormente, contar histórias passou a ser uma inquietação na
minha vida profissional depois que um professor disse que a minha voz alta deveria servir para eu
contar histórias.
Mas, como ser contador de histórias nas aulas de Matemática? O que é ser contador de
histórias? Ainda existem ouvintes de contadores de histórias?
Segundo Café
5
(2000), mesmo com as mudanças no universo da comunicação, tanto no
conteúdo como na forma, tais mudanças influenciam nas relações entre pessoas e comunidades,
transformando a cultura. Essas mudanças na maneira de ver, viver e comunicar-se no mundo,
possibilitaram avanços, assim como, o abandono de práticas de milhões de anos, como contar
histórias, cantigas de roda, brincadeiras na rua, construção de brinquedos, etc.
5
Ângela Barcello Café (2000), publicou a dissertação “Dos Contadores de Histórias e das Histórias dos Contadores”.
Seu objetivo é analisar os espaços possíveis para o contador de histórias na sociedade atual e como o professor de
Educação Física pode enriquecer suas práticas a partir das reflexões do contar histórias.
23
Contar histórias sempre foi uma prática comum para a humanidade. Segundo Café (2000),
desde a pré-história, contavam-se histórias por grunhidos e gestos, depois com palavras,
desenhos, narrativas de experiências. Com o registro escrito as histórias poderiam ser repetidas.
Assim, foi possível contar histórias o que significa uma possibilidade de manter a história da
humanidade.
No mundo de hoje,
do tudo pronto, o texto, a imagem, o sentimento impõem ao homem uma rápida
ingestão de idéias e mercadorias, limitando a possibilidade de escolha, de
seleção, segundo seus próprios critérios. (...). A sociedade, voltada inteiramente
para as imagens, ingere ícones em uma velocidade tal qual parece impedir seu
metabolismo. (...). Por comodismo ou pela lei do menor esforço, o homem
abdica da capacidade que lhe é inerente, passa a pensar por meio de quem, na
imaginação, está agindo. A grande conseqüência é uma progressiva inanição da
cultura, empobrecimento do conhecimento, da sensibilidade e da criatividade do
homem
(CAFÈ, 2000, p. 2-3).
Consideramos este como um modelo de sociedade atual. A questão que se coloca é: Qual
o papel assumido pelo contador de histórias nessa sociedade?
Segundo Café (2000), os contadores de histórias são importantes “na atualidade, pela
possibilidade de, em sua atuação, mediante a linguagem corporal, expressa pelo gesto e pela voz,
restabelecer uma comunicação que traz enriquecimentos culturais, pois mobiliza a imaginação, o
sentimento, a cognição e a criatividade” (p. 3).
Ser contador de histórias é possibilitar ao ouvinte imaginar situações não vivenciadas,
relembrar momentos vividos, a possibilidade de levar o conhecimento da história passada,
principalmente da história da humanidade. Nas aulas de matemática é propiciar um outro olhar
para o aprender Matemática com ludicidade, envolvimento, imaginação e criatividade. Ou ainda,
possibilitar o conhecimento da matemática científica e dos seus processos de produção, que se
encontram tão distantes das práticas escolares.
24
Os alunos ainda querem ouvir histórias. Não como uma simples pesquisa escolarizada
sem sentido ou discussão, mas com o envolvimento de quem conta e com a possibilidade de
diálogo entre o contador da história e os alunos.
Por essa razão, contar histórias nas aulas de matemática requer intencionalidade, uma
busca pela melhor história, ou por uma história diferente, que faça sentido ao aluno para que
25
aderem ao ato motor uma dimensão semiótica, operam, possivelmente, uma
transformação na intenção da criança, de agir para brincar, fazer de conta”
(ROCHA, 2005, p. 63).
Nem tudo que a criança deseja fazer igual ao adulto é possível através do objeto, então ela
se apropria destas ações através da atividade lúdica, do brinquedo, do jogo (ROCHA, 2005).
Segundo Rocha (2005), “a atividade lúdica é, assim, uma das formas pelas quais a criança
se apropria do mundo, e pela qual o mundo humano penetra em seu processo de constituição
enquanto sujeito histórico” (p. 66-67).
O faz-de-conta, também acontece como atividade lúdica, ocorrendo quando contamos
uma história e a criança e em movimento objetos, gestos e a cultura dos mais experientes. Por
isso, podemos considerar o contar e ouvir história como uma atividade de jogo, de faz-de-conta.
A criança pequena se apropria do mundo pela atividade lúdica, e o faz-de-conta faz parte
desta constituição da criança. Acreditamos que quando a criança está no processo de ouvir uma
história e se posicionar como um personagem dessa história, ela está em atividade lúdica, sendo
possível a ela penetrar em seu processo de constituição enquanto sujeito histórico.
Quando nos referimos ao conceito de atividade atividade lúdica, ou mesmo, o contar
histórias como atividade –, nos apropriamos do sentido atribuído pela tradição da filosofia
marxista de atividade, cuja expressão maior é o trabalho, sendo concebido como a principal
mediação nas relações que os sujeitos estabelecem com o mundo objetivo. Assim, na perspectiva
vygotskyana, “o surgimento da consciência está relacionado com a atividade prática humana, a
consciência é um aspecto da atividade laboral” (LIBÂNEO, 2004, p. 7).
Davídov (re)significa o conceito de atividade ao se apropriar das contribuições de outros
psicólogos
6
:
6
Rubinstein e outros psicólogos da década de 1920-1930
26
A essência do conceito filosófico-psicológico materialista dialético da
atividade está em que se reflete a relação entre o sujeito humano como ser
social e a realidade externa uma relação mediatizada pelo processo de
transformação e modificação desta realidade externa. A forma inicial e
universal desta relação são as transformações e mudanças instrumentais
dirigidas a uma finalidade, realizadas pelo sujeito social, sobre a realidade
sensorial e corporal ou sobre a prática humana material produtiva. (...) O sujeito
individual, por meio da apropriação, reproduz em si mesmo as formas histórico-
sociais da atividade
(DAVÍDOV apud LIBÂNEO, 2004, p. 12).
Nesse sentido contar e ouvir histórias ou mesmo assumir o papel de um dos personagens a
criança está em atividade, que segundo Leontiev é
aquela em conexão com a qual ocorrem as mais importantes mudanças no
desenvolvimento psíquico da criança e dentro da qual se desenvolvem processos
psíquicos que preparam o caminho da transição da criança para um novo e mais
elevado nível de desenvolvimento
(1988b, p. 122).
Leontiev (1988a) caracteriza uma atividade como:
“em cuja forma surgem outros tipos de atividade e dentro da qual eles são
diferenciados” (p. 64).
“aquela na qual processos psíquicos particulares tomam forma ou são reorganizados”
(p. 64).
“a atividade na qual dependem, de forma íntima, as principais mudanças psicológicas
na personalidade infantil, observadas em um certo período de desenvolvimento” (p.
64-65).
Leontiev (1988a), opta por caracterizar uma atividade, apenas para
processos que, realizando as relações do homem com o mundo, satisfazem uma
necessidade especial correspondente a ele. (...) designamos os processos
psicologicamente caracterizados por aquilo a que o processo, como um todo, se
dirige, coincidindo sempre o objetivo que estimula o sujeito a executar esta
atividade, isto é o motivo
(p. 68).
27
Para que um processo seja chamado de atividade, o sujeito envolvido deve ter um motivo,
querer fazer aquela atividade, deve ser uma necessidade deste sujeito. Sem estas características
esta não se caracteriza como atividade.
Acrescenta ainda que só o motivo não determina que esta seja uma atividade, outro
aspecto é a ação da atividade que
é um processo cujo motivo não coincide com seu objetivo, (isto é, com aquilo
para o qual ele se dirige), mas reside na atividade da qual faz parte. (...) Porque o
objetivo de uma ação, por si mesma, o estimula a agir. Para que a ação surja e
seja executada é necessário que seu objetivo apareça para o sujeito, em sua
relação com o motivo da atividade da qual faz parte. Além disso, esta relação
também é refletida pelo sujeito de forma bastante precisa, a saber, na forma de
conhecimento do objeto de ação como um alvo. O objeto de uma ação é, por
conseguinte, nada mais que seu alvo reconhecido
(LEONTIEV, 1988a, p. 69).
A ação é busca pelo objetivo da atividade, o sujeito além de querer, ter um motivo,
necessita uma ação, uma atitude para atingir seu alvo.
Porém, para que a atividade exista querer e saber o que quer, não bastam, necessita-se do
“como”. Estas são as operações entendidas como
o modo de execução de um ato. Uma operação é o conteúdo necessário de
qualquer ação, mas não é idêntico a ela. Uma mesma ação pode ser efetuada por
diferentes operações e, inversamente, numa mesma operação podem-se, às
vezes, realizar diferentes ações: isto ocorre porque uma operação depende das
condições em que o alvo da ação é dado, enquanto uma ação é determinada pelo
alvo
(Ibidem, p. 74).
Relacionando estes aspectos ao contar/ouvir as histórias, podemos conceber o motivo
como aquele em que o aluno quer e sente a necessidade de resolução do problema do personagem
da história. A ação nesta atividade é caracterizada pelo objetivo alvo, resolver o problema e a
operação seria o meio usado para a resolução do problema, sendo que esses são produzidos
durante a resolução compartilhadas nos grupos e/ou mobilizados a partir de resolução de
problemas semelhantes vivenciados anteriormente.
28
Nesse sentido, o contar/ouvir histórias é entendido como atividade, pois se relaciona às
necessidades que impulsionam os motivos, levando os alunos ao objetivo de resolver o problema
do personagem da história, colocando diferentes operações em movimento. O contexto da
história são as condições concretas da atividade que determinarão as operações vinculadas a cada
ação (LIBÂNEO, 2004).
Leontiev (1988a) discute que a ação na atividade favorece condições para a imaginação e
dá origem a ela. Por isso, a resolução do problema da história possibilita colocar em movimento o
imaginário, visto ser o contexto da história essa ação.
Este imaginário posto em movimento propicia outro fenômeno discutido por Leontiev: o
de obscurecer o real significado, ou seja, a criança sabe o significado real do objeto, mas, para a
resolução do problema daquela história, ela atribui outro sentido ao objeto, sendo esses sentidos
tão reais que os seus argumentos/estratégias na resolução do problema são convincentes.
Exemplificando esse conceito Leontiev utiliza a brincadeira de montar em um cavalinho de pau e
uma vara representando um cavalo real.
O objeto do brinquedo retém seu significado, isto é, a vara permanece uma vara
para a criança. Suas propriedades são conhecidas da criança, o modo de seu
possível uso e da possível ação a ser executada com ela é conhecido. É isto que
forma o significado da vara. Ocorre, porém, que o significado não é
simplesmente concretizado no processo lúdico. No brinquedo, as operações com
a vara fazem parte de uma ação bastante diferente daquela para a qual elas são
adequadas. Da mesma forma, a vara, conservando seu significado para a criança,
adquire para ela, ao mesmo tempo, um sentido muito especial nesta ação, um
sentido que é tão estranho ao seu significado quanto à ação lúdica da criança o é
para as condições objetivas nas quais ela ocorre; a vara adquire o sentido de um
cavalo para a criança. Este é o sentido lúdico. A ruptura entre o sentido e o
significado de um objeto no brinquedo não é dada antecipadamente, como um
pré-requisito da brincadeira, mas surge realmente no próprio processo de brincar
(1988b, p. 128).
A história contada e vivenciada pela criança como personagem, possibilita a realização
dessa atividade imaginária em que o significado real dos objetos e personagens perdem suas
29
características e passam a assumir outros papéis, como, por exemplo, uma galinha poder falar ou
um menino poder voar. Assim, é possível à criança, ao assumir o papel de um personagem da
história obscurecer o real significado e criar outro sentido para o objeto que possibilita a
resolução do problema.
Nessa pesquisa, estamos interessadas em evidenciar os sentidos e significados produzidos
pelos sujeitos na resolução dos problemas, na perspectiva leontieviana. Assim, entendemos que
ao contar histórias para os alunos o motivo é a resolução do problema, um problema do
personagem, e as operações podem ser caracterizadas por sentidos atribuídos a objetos, com um
significado apropriado socialmente.
1.3 Sentido e significado no contar histórias
Eu era ainda criança quando ouvi, pela primeira vez, a frase “cabeças vão rolar”.
Confesso que fiquei muito assustado! (...). Para mim, então as cabeças que iriam
rolar eram, de fato, cabeças de verdade. Cabeças reais. E aquelas cabeças reais
iriam rolar de verdade, como realmente rolavam as bolas de verdade nos campos
de futebol de verdade
(MIGUEL, 2006, p. 16).
Partindo da citação de Miguel, percebemos como a criança faz uso da palavra com base
no seu significado, e com a apropriação da palavra, a frase como “cabeças vão rolar” vai
assumido um certo sentido para ela, dependendo da sua história.
Mas o que se entende por significado e sentido?
Para Vygotsky significado e sentido estão relacionados a palavras e a formação de
conceitos da palavra (GÓES; CRUZ, 2006).
Vygotsky desenvolveu uma Psicologia geral, possibilitando o desenvolvimento da
Psicologia com base na importância da linguagem para o desenvolvimento do sujeito, pois, ”o
pensamento não se exprime na linguagem, ele se realiza na linguagem” (VYGOTSKY apud
30
CLOT, 2006, p. 22). Mas, esta linguagem é constituída socialmente, na coletividade e o sujeito se
apropria do conhecimento historicamente constituído mediatizado pela linguagem (CLOT, 2006).
Essa Psicologia geral é denominada histórico-cultural, uma vez que acredita-se que a
espécie humana é humanizada, pois “a herança cultural não ocorre geneticamente, as novas
gerações para se tornarem seres humanos, necessitam se apropriar da objetivação social e
histórica” (SERRÃO, 2006, p. 150).
Para que ocorra esta apropriação do conhecimento humano Vygotsky vincula o conceito à
palavra, sendo o conceito de
origem social e sua formação envolve antes a relação com os outros, passando
posteriormente a ser de domínio da própria criança. Primeiro, a criança é guiada
pela palavra do outro e, depois, ela própria utiliza as palavras para orientar seu
pensamento.
No início do desenvolvimento da elaboração conceitual, a palavra da criança
possui apenas uma função nominativa, designativa, que implica a referência
objetiva. Semanticamente, o significado possibilita a remissão a objetos,
independentemente de um funcionamento categorial, em que os significados têm
alto nível de generalidade. Esta independência é fundamental para a imersão da
criança nas interações verbais, que o acordo entre a criança e adulto sobre o
referente da palavra garante a possibilidade de compreensão mútua, apesar das
diferenças de formas de significação dos sujeitos
(GÓES; CRUZ, 2006, p. 33-
34).
Por isso, Miguel (2006) na nossa história inicial, quando criança, entindia a frase
“cabeças vão rolar”, semanticamente e possibilitava a remissão a objetos que ele se refere, como
31
significado da palavra ] uma generalização, que reflete a realidade num
processo diferente daquele que envolve o sensorial e o perceptual que
prenderiam o homem às condições situacionais imediatas. Por isso, a
generalização é concebida como o fundamento e a essência da palavra
(GÓES;
CRUZ, 2006, p. 36).
A questão que se coloca é: Quais os sentidos atribuídos pelo sujeito aos significados da
palavra? Ou ainda, qual o sentido atribuído por Miguel (2006)?
Para Vygotsky este significado apropriado pelo sujeito diante da palavra é o sentido que
estabelece “distinções e relações entre a linguagem interna e externa, as características funcionais
e estruturais da fala para o outro e para si. (...) salienta a significação da palavra no contexto de
seu uso e nas condições de interação dos falantes” (GÓES; CRUZ, 2006, p. 38).
Todo sujeito fala para si e para o outro. Esta ação possibilita a interação que determina “o
caráter dinâmico da palavra, concretizada no acontecimento das interações verbais, re-situa a
relação significado-sentido” (Ibidem).
Vygotsky denomina o significado como uma pedra do edifício do sentido. E o sentido fica
assim definido ”como a soma de todos os eventos psicológicos evocados na consciência graças a
ela [palavra]. Portanto, o sentido é sempre uma formação dinâmica, variável, que tem diversas
zonas de estabilidade diferente. O significado é apenas uma dessas zonas do sentido, a mais
estável, coerente e precisa” (VYGOTSKY apud GÓES; CRUZ, 2006, p. 39).
Já, Leontiev (1978) refere-se à significação e ao sentido, como:
A significação é a generalização da realidade que é cristalizada e fixada num
vector sensível, ordinariamente a palavra ou a locução. É a forma ideal,
espiritual da cristalização da experiência e das práticas sociais da humanidade. A
sua esfera das representações de uma sociedade, a sua ciência, a sua língua
existem enquanto sistemas de significações correspondentes. A significação
pertence, portanto,
antes de mais nada, ao mundo dos fenômenos
objectivamente históricos (p
. 94).
32
Leontiev determina como significação tudo que o sujeito tem contato, que foi
desenvolvido historicamente pelo homem como uma necessidade. “A significação é, portanto, a
forma sob a qual um homem assimila a experiência humana generalizada e reflectida” (1978, p.
94).
Mas, para Leontiev a significação tem, também, um caráter generalizante, “a significação
é entrada na minha consciência (mais ou menos plenamente e sob todos os seus aspectos), o
reflexo generalizado da realidade elaborado pela humanidade e fixado sob a forma de conceitos,
de um saber ou mesmo de um saber-fazer (‘modo de acção’ generalizado, norma de
comportamento, etc.)” (LEONTIEV, 1978, p. 95-96, grifo nosso).
Cada sujeito está imerso na experiência humana, mas todos são transformados pela
experiência da mesma maneira?
Para Leontiev (1978), depende de um sentido pessoal,
O facto da minha vida, é que eu me aproprie ou não, que eu assimile ou não uma
dada significação, em que grau eu assimilo e também o que ela se torna para
mim, para a minha personalidade; este último elemento depende do sentido
subjetivo e pessoal que esta significação tenha para mim
(p. 96).
Para Leontiev o sentido é “uma relação que se cria na vida, na actividade do sujeito”
(1978, p. 97), este exemplo possibilita entendermos melhor essa relação da significação com o
sentido pessoal que o sujeito determina na sua atividade.
Imaginemos um aluno lendo uma obra científica que lhe foi recomendada. Eis
um processo consciente que visa um objectivo preciso. O seu fim consciente é
assimilar o conteúdo da obra. Mas qual é o sentido particular que toma para o
aluno este fim e por conseqüência a acção que lhe corresponde? Isso depende do
motivo que estimula a actividade realizada na acção da leitura. Se o motivo
consiste em preparar o leitor para a sua futura profissão, a leitura terá um
sentido. Se, em contrapartida, se trata para o leitor de passar nos exames, que
não passam de uma simples formalidade, o sentido da sua leitura será outro, ele
lerá a obra com outros olhos; assimilá-la-á de maneira diferente
(Ibidem).
33
O sentido pessoal determinado para uma atividade vai depender do motivo que o sujeito
atribui para a atividade. Para Leontiev (1978) o sentido pessoal e a significação “estão
intrinsecamente ligados um ao outro, mas apenas por uma relação inversa da assinalada
precedentemente; ou seja, é o sentido que se exprime nas significações (como o motivo nos fins)
e não a significação no sentido” (p. 98).
Conforme evidenciado em Miguel (2006), a significação que ele teve para a ação de
“cabeças vão rolar”, foi constituída historicamente, porém o sentido pessoal foi por ele atribuído
e dependeu da sua experiência pessoal como criança, porém este sentido pessoal foi alterando-se
conforme a sua experiência pessoal foi possibilitando mais tarde as cabeças rolantes passariam
também a ser vistas para mim como construções textuais que poderiam sugerir diferentes
significados e interpretações, segundo diferentes campos hermenêutico-semântico de que
pudessem participar” (MIGUEL, 2006, p. 16, grifo nosso).
Assim, nesta pesquisa iremos analisar como cada sujeito (aluno) diante da história
contada/ouvida colocara em movimento o sentido da palavra e dos objetos para a resolução do
problema do personagem. Entendemos que o significado é de conhecimento histórico e social,
mas o sentido é pessoal e dependerá da experiência histórico-cultural de cada sujeito (aluno).
Portanto, para evidenciar este sentido discutiremos, a seguir, a perspectiva de história que
usaremos para a pesquisa, que entendemos que esta deve ser uma história que possibilite a
resolução de um problema do personagem e que propicie uma necessidade do aluno de se colocar
em ação, a fim de analisarmos as operações para a resolução do problema.
1.4 Histórias virtuais do conceito como atividade de ensino
3
4
O conceito de história virtual do conceito foi proposto por Moura (1996a) como uma das
situações lúdicas de aprendizagem da atividade orientadora de ensino.
Para Moura (1996b) a atividade de ensino é “como a materialização dos objetivos e
conteúdos, define uma estrutura interativa em que os objetivos determinam conteúdos, e estes por
sua vez concretizam esses mesmos objetivos na planificação e desenvolvimento de atividades
educativas” (p. 30).
A escola ao desenvolver a atividade de ensino propõe
uma solução construída de uma situação-problema (...). A situação-problema do
aluno é a aprendizagem, e a do professor, o ensino. O conjunto de dados para a
solução do problema é o nível de desenvolvimento do professor e o do aluno que
permitem a articulação destes dados. Constituem-se planos de solução do
problema ensinar-aprender estabelecido na atividade desenvolvida em sala de
aula
(MOURA, 1996b, p. 32).
Mas, como analisar se o processo de solução do problema ensinar-aprender acontece com
todos os sujeitos (alunos) envolvidos na atividade de ensino?
Para o autor, o objetivo do aluno no processo de ensinar-aprender, é a aprendizagem e
para atingir este objetivo considera-se “que os sujeitos, ao interagirem, mediados pelo conteúdo,
o fazem a partir de referenciais próprios, nos quais estão estabelecidas as necessidades e motivos”
(MOURA, 2001, p. 155).
Portanto, “requer do professor a criação de situações que possibilitem partilhar
significados” (Ibidem).
Como o as atividades de ensino que possibilitam partilhar significados pelos sujeitos
(alunos) envolvidos?
Moura (2001) chama essas de: atividades orientadoras de ensino. Uma atividade
orientadora de ensino é aquela
35
que se estrutura de modo a permitir que sujeitos interajam mediados por um
conteúdo negociando significados, com o objetivo de solucionar coletivamente
uma situação-problema (MOURA, 1996). É atividade orientadora porque define
elementos essenciais da ação educativa e respeita a dinâmica das interações que
nem sempre chegam a resultados esperados pelo professor. Este estabelece os
objetivos, define as ações e elege os instrumentos auxiliares de ensino, porém
não detém todo o processo, justamente porque aceita que os sujeitos em
interação partilhem significados que se modificam diante do objeto de
conhecimento em discussão. A atividade orientadora de ensino tem uma
necessidade: ensinar; tem ações: defini o modo ou procedimento de como
colocar os conhecimentos em jogo no espaço educativo; e elege instrumentos
auxiliares de ensino: os recursos metodológicos adequados a cada objetivo e
ação (livro, giz, computador, ábaco, etc.)
(p. 155, grifo do autor).
A atividade orientadora de ensino possibilita que os sujeitos estejam no movimento de
resolução de um problema, mediado pelo professor. A busca pela resolução do problema, pelo
aluno, será determinante de necessidades (motivo), estes desencadeiam “ações, elegem
instrumentos e, por fim, avaliam se chegou a resultados adequados ao que era desejado”
(MOURA, 2001, p. 155).
Concordamos com Moura (1996b) que
existe um motivo primeiro para educar alguém: [que] é possibilitar que este
desenvolva a capacidade de lidar com informações, o que, em última análise, é a
capacidade de resolver problemas não do ponto de vista matemático, mas
também do ponto de vista da construção social do conhecimento humano. O
sujeito, enquanto membro de um grupo social, precisa produzir conhecimento,
saber defender o conhecimento produzido, e saber também difundi-lo. A ação do
professor como resolvedor do “problema” do ensino é, neste sentido, tornar
evidente que o conjunto de saberes produzidos nada mais é do que dados que
poderão ser utilizados em situações-problema que o homem enfrenta e
enfrentará. Desta forma, a ação primeira do educador é transformar o ensino em
atividade significativa. E fazer isto é dar a oportunidade que o aluno tome a ação
de aprender como uma necessidade para integrar e ter acesso a novos
conhecimentos. E mais: que a criança ou o aprendiz perceba o conhecimento
como uma referência no processo de humanização, cujo passo inicial é a
compreensão o conjunto de saberes produzidos como patrimônio da humanidade
(p. 34).
Entendemos que este processo de tornar o ensino significativo para o aluno não é tarefa
fácil. É necessário desencadear um conflito que gere a busca da resolução do problema. Moura e
36
Lanner de Moura (1998) propõem situações lúdicas no processo de desenvolvimento da atividade
orientadora de ensino, uma delas é a história virtual do conceito. A história é o contexto do
problema principal a ser resolvido pelo aluno. É uma história contada para a criança, colocando-a
“diante de uma situação-problema semelhante àquela vivida pelo homem ao ter que controlar
quantidades contínuas e discretas” (p. 13).
Esta atividade proposta propicia o desenvolvimento do conhecimento da criança, pois “o
conteúdo é o conhecimento concretizado em uma determinada forma que ganhou significado e
que, por isso passou a ser compartilhado com outros” (MOURA; LANNER de MOURA, 1998, p.
14).
Para esta pesquisa realizaremos uma análise da história virtual do conceito como uma
possibilidade de investigação sobre o contar histórias na aula de matemática em uma perspectiva
histórico-cultural.
Concordamos com as concepções de Moura e Lanner de Moura, que caracterizam a
história virtual por:
uma situação-problema vivida por algum personagem, dentro de uma história.
Esta, por sua vez, revela uma semelhança com algum problema vivido pela
humanidade. A história virtual é, portanto, uma situação-problema que
poderia ser vivida pela humanidade em algum momento. Por isso, ela é
virtual: é como se fosse a situação real (
1998, p. 14, grifo dos autores).
Essa definição, no entanto, pode levar ao equívoco de se compreender a história virtual do
conceito em uma perspectiva recapitulacionista, que, segundo Miguel e Miorim (2002), trata-se
de uma tendência,
da necessidade ou não de estabelecimento de um vínculo invariante entre a
produção do conhecimento matemático na filogênese e a produção do mesmo na
ontogênese, qualquer que seja a natureza deste vínculo. Conseqüentemente, em
casos de defesa da necessidade de estabelecimento de uma subordinação do
presente em relação ao passado mediante um vínculo invariante entre ambos, as
diferentes possibilidades de justificação de um tal ponto de vista
recapitulacionista está condicionada sobretudo pela concepção que se tem do
37
modo como se produz o conhecimento matemático nesses dois domínios
(p.
195).
Segundo Moura e Lanner de Moura (1998), a história virtual do conceito não se insere
nessa tendência, uma vez que
o objetivo principal da história virtual do conceito é colocar a criança diante de
situações que a façam refletir sobre o papel das gerações passadas na criação de
saberes que hoje ela usufrui comodamente. Queremos, com isso, que a criança
se torne mplice do processo de produção do conhecimento da humanidade
(p.
13).
Para que a criança se torne cúmplice do processo de produção do conhecimento é
necessário que ocorra a apropriação por parte dela, que, segundo Leontiev (1978) é o processo da
interiorização das acções, isto é, a transformação gradual das acções exteriores
em acções interiores, intelectuais, realiza-se necessariamente na ontogênese
humana. A sua necessidade decorre de que o conteúdo central do
desenvolvimento da criança consiste na apropriação por ela das aquisições do
desenvolvimento histórico da humanidade, em particular das do pensamento e
do conhecimento humano
(p. 184).
Mas, esta apropriação, não acontece naturalmente, como fato dado, porém depende do
outro, este outro propicia o conhecer, o experimentar e o saber, para apropriar-se. Para Sforni
(2003),
esta apropriação inicial está vinculada à participação do indivíduo na
coletividade onde aquele instrumento ou signo é socialmente significativo. Por
meio do processo de interiorização, a realização da atividade, que era coletiva e
externa, converte-se em individual, e os meios de sua organização, em internos,
ou seja, a atividade tanto externa quanto interna tem uma base material e um
caráter socioindividual
(p. 6).
É a necessidade de o sujeito primeiro compartilhar para depois apropriar-se como um
saber individual. Por isso, ao propor a resolução de um problema que tem por base uma lenda,
mito ou outra história qualquer, a criança atribui significados e/ou sentidos ao conceito
matemático tratado, sendo a resolução compartilhada e negociada no grupo, naquele momento
38
muito importante, pois na ação coletiva da turma as discussões suscitam relações, conceitos e
ideologias. Nesse momento, segundo Moura e Lanner de Moura (1998, p. 14), “a criança precisa
perceber o valor da produção de soluções coletivas de problemas, para que valorize o
compartilhamento de saberes”.
A história virtual do conceito tem esse papel coletivo valorizado, pois para a resolução do
problema, os conceitos apropriados por cada criança são mobilizados e colocados “em
movimento” na busca da resolução, isto é, na interação que “não tem o sentido de adaptação ao
meio, mas de diálogo, de participação consciente, de possibilidade de intervenção” (SFORNI,
2003, p. 1).
No momento da ação compartilhada, as crianças fazem uma apropriação particular, ou
seja, (re)significação daquele contexto dentro de suas crenças e valores, e então estes saberes
compartilhados transformam-se em saber individual.
A riqueza deste momento de interação, inicialmente em um grupo menor e depois na
socialização da resolução do problema para toda a classe “é reveladora da diversidade existente
entre ambos, cada um dos elementos tem que se confrontar com as diferenças entre as suas
respostas e as respostas do outro, o que implica também aprender a gerir aspectos relacionais”
(CARVALHO, 2005, p. 17).
Este movimento da interação pode ser entendido “como o confronto entre dois pontos de
vista distintos quando dois sujeitos, (...), se debatem um com o outro, em relação a uma tarefa que
ambos têm de resolver” (CARVALHO, 2005, p. 16).
Na classe, quando os alunos são “chamados” para resolver um problema do personagem
da história virtual é gerado um confronto, em que são colocados, em movimento, os diferentes
saberes e competências possuídas por cada um dos alunos, fruto das suas vivências e experiências
pessoais, para negociar significados e representações.
39
Portanto, o contexto da classe durante a atividade do contar/ouvir histórias
não é neutro em relação ao desempenho que podemos observar nos sujeitos nem
tão pouco pode ser limitado ao espaço físico onde a interacção acontece, que
se modifica à medida que a própria interacção se vai desenrolando. Uma nova
definição do contexto, mais dinâmica, torna-se necessária uma vez que este é
(re)criado pelo próprio desenvolvimento da interacção à medida que os parceiros
envolvidos na situação vão fazendo interpretações do que está a acontecer, fruto
das vivências pessoais de cada um e dos conhecimentos que individualmente
possuem e precisam mobilizar naquele momento
(CARVALHO, 2005, p. 17).
Esta interação ainda possibilita outro aspecto relevante ao processo na classe, a
comunicação de idéias nas aulas de matemática, entendida nesta pesquisa “como a produção de
mensagens por esses sujeitos na classe utilizando linguagem própria (misto de linguagem
corrente e linguagem matemática)
7
” (SANTOS, 2005a, p. 117).
A comunicação possibilita a resolução do problema e o desenvolvimento do ato de
justificar, conjecturar, argumentar, partilhar e negociar com os outros alunos seja no registro
escrito e/ou pictórico e/ou no momento da socialização das idéias e estratégias sobre a resolução
do problema.
Para tanto, nesta pesquisa, serão produzidos registros desta resolução. Os registros
pictóricos serão analisados na perspectiva histórico-cultural, entendida nesta pesquisa como a
análise não apenas do desenho como fase do desenvolvimento da criança, mas como em uma
perspectiva vygotskyana (a representação daquilo que a criança sabe sobre os objetos)
(FONTANA; CRUZ, 1997).
Se a criança desenha sobre o que sabe do objeto nas resoluções do problema representadas
no desenho, ela irá desenhar sobre o que sabe do problema. Segundo Gobbi,
Linguagem pode ser entendida como a criação social que utiliza símbolos, também criados socialmente. A
linguagem matemática é uma sistema simbólico de caráter formal, cuja elaboração é indissociável do processo de
construção do conhecimento matemático e tem como função principal converter conceitos matemáticos em objetos
mais facilmente manipuláveis e calculáveis possibilitando inferências, generalizações e novos cálculos que, de outro
modo, seriam impossíveis
(SANTOS, 2005a, p. 117).
40
a construção do desenho infantil é ao mesmo tempo biológica e cultural,
resultando que desde os primeiros desenhos produzidos pelas crianças temos um
ato individual que compreende atos socializados. Esses atos devem ser
questionados pelos educadores, levando a criança a refletir sobre a produção
(apud IAVELBRG, 1997, p. 17).
A criança além de desenhar sobre o que sabe, traz como base do desenho a linguagem
verbal, daí a importância de ouvir o que as crianças falam durante a produção do desenho e sobre
o seu desenho (FONTANA; CRUZ, 1997).
Nesta pesquisa, entendemos a importância das vozes dos alunos em relação à
interpretação do seu desenho. A interpretação acontece quando os alunos socializam os desenhos
para a classe, sendo o aluno o responsável por interpretar seu desenho e comunicar suas idéias.
O objetivo da análise do desenho, nesta pesquisa, será trazer à tona o contexto dos alunos
de que “a criança, ao desenhar, ainda que pelo mero prazer de rabiscar e produzir inúmeras
figuras, estará expressando o contexto no qual está inserida, assim como as coisas a que está
sendo exposta” (GOBBI, 1997, p. 16).
Logo, entendemos que a análise dos desenhos deva ser feita dando voz aos alunos, os
protagonistas desta pesquisa, aos quais não podemos deixar de analisar o contexto de produção
deste registro textual e/ou pictórico.
Assim, entendemos a importância desta comunicação como potencialidade para a leitura e
escrita. Segundo Santos (2005b), “a linguagem escrita pode ser vista tanto como um instrumento
para atribuir significados e permitir a apropriação de conceitos quanto uma ferramenta alternativa
de diálogo, na qual o processo de avaliação e reflexão sobre a aprendizagem é continuamente
mobilizado” (p. 128).
Nesse sentido,
a produção de textos nas aulas de matemática cumpre um papel importante para
a aprendizagem do aluno e favorece a avaliação dessa aprendizagem em
41
processo. Organizar o trabalho em matemática de modo a garantir a
aproximação dessa área do conhecimento e da língua materna, além de ser uma
proposta interdisciplinar, favorece a valorização de diferentes habilidades que
compõem a realidade complexa de qualquer classe
(SMOLE, 2001, p. 29).
Esse ambiente proporciona o desenvolvimento do conteúdo; e, esse é o objetivo maior do
professor ao propor uma atividade de ensino com a história virtual do conceito. Segundo Moura e
Lanner de Moura (1998, p. 15),
na história virtual do conceito, o conteúdo é um dos elementos principais do
ensino. O professor que o elege deve ter presente, porém, que ele é um
objetivo
possível de ser desenvolvido em situação escolar (IRES, 1991). O conteúdo é a
concretização do objetivo mais geral de uma sociedade que faz com que
determinados saberes sejam preservados, por serem importantes para continuar a
resolver os problemas, colocados pela vida em sociedade e por possibilitar a
construção de novos conhecimentos. Os conteúdos escolares são mutáveis
justamente pelo fato de o conjunto dos problemas, vividos pelo homem,
sofrerem constantes modificações. A transformação destes conteúdos, do nível
geral para o escolar, é uma questão política e ideológica, pois envolve tomada de
decisão sobre o que considera como prioritário para ser divulgado, preservado
ou aprofundado no campo do saber.
Sendo o conteúdo escolar o objetivo maior do professor ao contar a história virtual do
conceito, podemos dizer que esta forma de ensinar faz com que o aluno aprenda os conceitos
científicos.
Para Vygotsky, assim como a escrita foi determinante de rupturas e transformações no
homem, o domínio de conceitos científicos também propicia tais transformações. Sendo o
elemento novo, destas transformações, possibilitado pela qualidade que a aprendizagem de
generalizações conceituais confere ao pensamento (SFORNI, 2003).
Mas, o que Vygotsky chama de conceito científico?
Vygotsky faz uma diferenciação entre conceitos espontâneos e conceitos científicos. O
primeiro, os conceitos espontâneos, são aqueles que se iniciam na esfera empírica e vão da coisa
42
ao conceito e são formados no enfrentamento da criança com as coisas, não existe o ato de pensar
sobre o conceito, não existe a explicação da razão do seu uso (SFORNI, 2004).
Mas os conceitos científicos
têm início numa atividade mediada em relação ao objeto. Começam na esfera do
caráter consciente e da intencionalidade e dirigem-se à esfera da experiência
pessoal e do concreto.
O acesso ao conceito científico ocorre via instrução; é, portanto, um
conhecimento que se adquire de forma desvinculada da experiência imediata, em
momentos organizados com o fim explícito de ensinar e aprender. A relação da
criança com o conceito científico é mediada por outros conceitos elaborados
anteriormente
(SFORNI, 2004, p. 78-79).
Entendemos ser necessário nos aprofundar nesta discussão, apesar da diferenciação feita
anteriormente.
1.5 Os conceitos científicos e a escola
O homem, sujeito social, se constitui no desenvolvimento cultural. Para Sforni (2004) “a
tendência é a de considerar como cultura toda construção humana que permeia a relação dos
homens com outros homens e destes com a natureza” (p. 20).
Sendo assim, o homem se torna homem ao entrar em contato com o conhecimento
cultural acumulado e
o indivíduo não escolhe os elementos de sua constituição, mas se apropria
daqueles que o meio social lhe oferece. Quanto mais isolado for seu grupo social
e mais rudimentares forem os meios de interação com a natureza, menos e mais
simples serão os elementos culturais necessários à sua constituição como ser
social e mais diretos serão os meios de aquisição desses elementos culturais
(SFORNI, 2004, p. 21).
Historicamente o homem necessitava de um lugar para a transmissão deste conhecimento
que vai além do cotidiano e que é resultado do desenvolvimento científico. Este lugar se
43
constituiu como escola. Sua importância passa a ser como um lugar para ensinar os
conhecimentos científicos. É o “lócus” de possibilidade de interação do professor e os alunos
com o conhecimento científico.
Na escola, o objeto do ensino é a cultura, seu conteúdo e sua justificativa (SFORNI,
2004).
Para a autora, a apropriação da cultura é propiciada pela educação, tendo a educação
escolar um papel significativo. Dessa forma o acesso ao ensino não é apenas direito do cidadão,
ou apenas necessário à formação para o trabalho; nem se destina a desenvolver resistência ou
adequação do indivíduo à sociedade; mas é condição para a aquisição de instrumentos cognitivos
que permitam o trânsito consciente no interior da sociedade em que está inserido, é o meio de se
adquirir competência no uso de signos, códigos e instrumentos desenvolvidos socialmente. “Por
ser humano, somente por ser humano, cada indivíduo, estando em uma sociedade letrada, deve
ter acesso a essa cultura” (SFORNI, 2004, p. 23-24).
Como dimensionar este espaço escolar, seus atores, seus ritos e suas dinâmicas para que a
apropriação da cultura aconteça de maneira a possibilitar ao indivíduo o desenvolvimento
intelectual?
A escola, hoje, está inserida em uma crise, de não entender o seu papel social. Esta foi
ocasionada, dentre outras coisas, pelas políticas públicas, que ora entendem a escola como
possibilidade de espaço limitado para alguns, ora como uma escola para todos, mas sem
qualidade de ensino. Conseqüência destas orientações políticas é o descrédito da sociedade por
este espaço, pois entende-se que aprender pode acontecer em qualquer lugar. Acreditamos que
existem diferentes modos de aprender. No entanto, a escola, tem o papel culturalmente
estabelecido de ensinar os conceitos científicos que foram construídos ao longo da história.
44
Portanto, o objetivo prioritário da escola para os que por ela passam deve ser o desenvolvimento
do conhecimento significativo que
é aquele que se transforma em instrumento cognitivo do aluno, ampliando tanto
o conteúdo quanto a forma do seu pensamento. (...). O ensino formal faz parte
dessa cultura, portanto, também contribui para a formação dos sujeitos. Nas
sociedades escolarizadas, a escola exerce papel especial na possibilidade de
inserção do homem na coletividade como cidadão pleno, sendo ela considerada
a maior responsável pela construção de bases para o desenvolvimento psíquico
(SFORNI, 2004, p. 12, grifo nosso).
A escola tem o papel social de possibilitar a cidadania plena. Desta forma, podemos
entender o seu papel como um espaço social que é responsável pela construção de bases para o
desenvolvimento psíquico. É na escola que o aluno irá ter acesso a um tipo de desenvolvimento
único, por isso não é qualquer escola e não é só estar na escola que o desenvolvimento é
garantido, mas é o “bom aprendizado é somente aquele que se adianta ao desenvolvimento”
(VYGOTSKY, 1991, p. 101).
As perspectivas de trabalho pedagógico, na sua maioria, defendem o discurso do
desenvolvimento para então inserir a aprendizagem “adequada” para aquela fase. Mas, na
perspectiva vygotskyana qual a relação entre aprendizagem e desenvolvimento?
a aprendizagem não é, em si mesma, desenvolvimento, mas uma correta
organização da aprendizagem da criança conduz ao desenvolvimento mental,
ativa todo um grupo de processos de desenvolvimento, e esta ativação não
poderia produzir-se sem aprendizagem. Por isso, a aprendizagem é um momento
intrinsecamente necessário e universal para que se desenvolvam na criança essas
características humanas não-naturais, mas formadas historicamente
(VYGOTSKY, 1988, p. 115).
Enquanto a escola espera do aluno desenvolver aprendizagens significativas adequada ao
seu desenvolvimento, Vygotsky (1991) declara que o desenvolvimento acontece porque existe
uma aprendizagem, logo a criança (aluno) se desenvolve não naturalmente, mas porque existe a
aprendizagem.
45
Este olhar para o desenvolvimento e aprendizagem mudam o foco da escola. Nesta
perspectiva, deve existir a intencionalidade da organização de aprendizagem para então ocorrer o
desenvolvimento do aluno. Por isso, é importante que os conhecimentos científicos sejam
ensinados na escola.
Concordamos com Sforni (2004) que
os conceitos científicos compõem os sistemas simbólicos que medeiam a ação
do homem com as coisas e fenômenos. Quando pensamos, não lidamos com a
coisa em si, mas operamos mentalmente com a sua representação, o que nos
permite pensar sobre as coisas que não estão imediatamente presentes no tempo
ou no espaço. Os conceitos são representações da realidade rotuladas por signos
específicos as palavras; procedem de um dado objetivo e constituem uma
forma culturalmente determinada de ordenação e designação das categorias da
experiência
(p. 48).
Logo, se apropriar de conceitos científicos possibilita ao aluno o pensamento abstrato,
este que determina a generalização dos objetos.
Segundo Libâneo (2004), as pesquisas desenvolvidas por Davídov, criticam a
“organização de ensino assentada na concepção tradicional de aprendizagem, que leva à
formação do pensamento empírico, descritivo e classificatório” (p. 16). Logo, a escola pouco
valoriza o pensamento abstrato e a generalização. No desenvolvimento dos conteúdos é comum
partir do particular para o geral, não garantindo que estas generalizações contribuam para a
resolução de novos problemas.
A orientação didática, segundo a concepção de Davídov, a fim de superar a dificuldade do
aluno em transitar do geral ao particular, é de
quanto mais abstrata for a generalização, maior a necessidade de concretização.
O ato de concretizar é efetuado no processo de aplicação do conceito, ou seja,
resolver o problema de inserir nos fatos singulares ou revelar aos alunos os
princípios gerais da base em dados concretos. O autêntico domínio do
conhecimento abstrato opera-se à medida que este se enriquece de conteúdo
sensorial-concreto. (...) A amplitude e diversidade de informes sobre as
manifestações sensoriais-concretas do geral serve como indicativo do nível a que
se domina o conceito
(SFORNI, 2004, p. 56).
46
Nessa concepção “acredita-se que, quanto mais ricas forem as percepções, mais sólidas
serão as representações e mais seguras as generalizações” (Ibidem).
Para esta concepção poderíamos elaborar o seguinte esquema, com base em Sforni (2004),
para representar a generalização do conhecimento pelos alunos:
Figura 1.1: Representação da generalização do conhecimento dos alunos.
Este esquema não pode ser entendido como estanque e nem mesmo linear, uma vez que
um aluno pode ser capaz de representar um objeto, mesmo sem o conceito e vice-versa. A idéia é
entender que os itens descritos no esquema não determinam a idéia de seqüência para a
generalização.
Se a representação e percepção contribuem para que ocorra a generalização e elaboração
do conceito, este esquema contribui para entendermos a resolução de problema do personagem,
que é uma situação particular, e possibilita evidenciar a aplicação de um conceito generalizado
para o particular.
Aluno diante do
objeto
representação
47
Entendemos que a partir de uma história virtual seja possível uma mediação pedagógica
que envolve o conhecimento científico o qual o aluno possa se apropriar, uma vez que as histórias
vêm carregadas de intencionalidade e possibilita a resolução de problema do geral para o
particular. Mas isto não garante o bom aprendizado, o contexto da sala de aula na apropriação
deste conhecimento, necessita ser “especial”, por isso a importância do aluno ouvir a história,
pensar sobre a resolução do problema da história, socializar a resolução no ato coletivo da classe
e representar novamente a sua solução em um momento posterior.
Percebemos nesta discussão as potencialidades das histórias virtuais como perspectiva
para contar/ouvir histórias nas aulas de matemática ao atingir o objetivo de desenvolver nos
alunos o conhecimento científico, bem como ao sistematizar este conhecimento cientifico, o
conteúdo, de maneira lúdica e valorizando a comunicação entre os alunos e o contador de
histórias.
1.6 Lá vem a história... Resolução de problemas
Neste item faremos um breve histórico sobre as discussões relacionadas à perspectiva
teórica da resolução de problemas nas aulas de matemática. Analisaremos a “resolução de
problemas como arte” (STANIC; KILPATRICK, 1989), como uma perspectiva de resolução de
problemas assumida nesta pesquisa, e discutiremos como a resolução de problemas entendida nas
diferentes práticas sociais, inclusive a escolarizada, pode propiciar a emancipação do aluno e do
professor.
48
O que está envolvido no processo de resolver problemas? Em que medida propiciar
situações de resolução de problemas na aprendizagem escolar possibilita a formação de um
cidadão e favorece uma prática libertadora?
Hoje muito se discute sobre a metodologia de resolução de problemas e, aliada a ela, os
processos de investigações matemáticas propiciados por situações-problema. Apresentam-se as
questões: Sempre fo.66321(d)-4.-6.46825(e)1o335851(r)3.8141õad, Speetogologia Se es ls
49
Já na década de 1930, com o movimento da Escola Nova, o treino, a repetição, passaram a
ser condenados no ensino da Matemática e “o aluno devia entender o que fazia. Mas, o professor
falava, o aluno escutava e repetia, não participava da construção de seu conhecimento. O
professor não havia sido preparado para seguir e trabalhar as idéias novas que queriam
implementar” (ONUCHIC, 1999, p. 201).
Segundo Onuchic (1999), nesta época, resolver problemas tornava-se um meio para
aprender matemática.
Nas décadas de 1960 e 1970, o Movimento da Matemática Moderna em que a
Matemática é apresentada de maneira estruturada e algébrica, com um excesso de formalismo,
linguagem e sem sentido para o aluno significou um abandono da possibilidade de formar
sujeitos capazes de resolver problemas, passando a valorizar o excesso, a resposta certa e a pouca
reflexão acerca do pensamento matemático (FIORENTINI, 1995).
O objetivo do ensino da matemática nesta época era o de desenvolver
habilidades e atitudes computacionais e manipulativas, capacitando o aluno para
a resolução de exercícios ou de problemas-padrão. (...). Caberia, portanto, à
escola preparar recursos humanos “competentes” tecnicamente para este
sistema. Ou seja, não é preocupação desta tendência formar indivíduos não-
alienados, críticos e criativos, que saibam situar-se historicamente no mundo
(p. 17,
grifo nosso).
Em decorrência do tecnicismo, o ensino adquiriu um caráter mecanicista e pragmático.
Porém nos fins dos anos 1980, emerge para a discussão a Resolução de Problemas, envolta às
preocupações com o currículo de matemática (FIORENTINI, 1995). Estas discussões eram
conseqüência do fracasso da tendência didático-pedagogica formalista moderna, era o refluxo
deste movimento. As discussões deste fracasso se iniciara, aproximadamente, em meados da
década de 1970 (PIRES, 2000).
No Brasil, segundo Onuchic (1999), na metade dos anos 1980,
50
os estudos relativos ao ensino de resolução de problemas seriam iniciados, de
modo mais efetivo, (...). Esses estudos restringem-se, quase que absolutamente,
a trabalhos traduzidos em dissertações de Mestrado e teses de Doutorado
(apud
FIORENTINI, p. 205).
Na década de 1980 nos Estados Unidos houve, também, o movimento a favor do ensino
de resolução de problemas e foi nomeada a Commission on Standards for School Mathematics a
fim de elaborar as normas sobre os conteúdos fundamentais que deveriam ser incluídos no
currículo de matemática das escolas americanas (ONUCHIC, 1999).
Nestas normas, o foco central da matemática escolar era a resolução de problemas. Desde
os anos de escolaridade K-4, o que equivale no Brasil, desde a Educação Infantil até a 3ª série do
Ensino Fundamental, o documento traz uma norma descrevendo a importância da resolução de
problemas:
A resolução de problemas deve ser o foco central do currículo de Matemática.
Como tal, é um objectivo prioritário do ensino da Matemática e uma parte
integral de toda a actividade matemática. A resolução de problemas não é um
tópico distinto, mas um processo que atravessa todo o programa e fornece o
contexto em que os conceitos devem ser aprendidos e as competências
desenvolvidas
(NCTM, 1994, p. 29).
Está primeira norma, apresentada anteriormente, demonstra a preocupação desta comissão
no desenvolvimento das normas curriculares relacionada a resolução de problemas.
A norma relacionada à resolução de problemas permanece para os outros anos de
escolaridade, como no K 5-8, que equivale a escolaridade no Brasil da a série do Ensino
Fundamental. Em que a
resolução de problemas é um processo pelo qual os alunos m a possibilidade
de verificar a potencialidade e a utilidade da matemática no mundo que os
rodeia. É igualmente um processo de investigação e aplicação, sempre presente
ao longo das Normas com o fim de proporcionar um contexto consistente para a
aprendizagem da Matemática. As situações problemáticas podem estabelecer
uma “necessidade de saber” e reforçar a motivação para o desenvolvimento de
conceitos
(NCTM, 1994, p. 89, grifo do autor).
51
Nos anos de escolaridade K 9-12, da série do Ensino Fundamental ao 3º ano do Ensino
Médio no Brasil, a norma relaciona a resolução de problemas como o sinônimo de fazer
matemática. As estratégias aprendidas nos anos anteriores devem estar interiorizadas e
integradas, de maneira que constitua uma base para o aluno, para que ele sempre utilize em uma
atividade matemática (NCTM, 1994).
Ainda, esta norma traz explícita a importância do processo para desenvolver no aluno o
fazer matemático.
Nesta perspectiva, a resolução de problemas é muito mais do que a aplicação de
técnicas específicas para resolver problemas tipo. É um processo pelo qual o
edifício da matemática, tal como é identificado nas normas curriculares que se
seguem, é simultaneamente construído e reforçado
(NCTM, 1994, p. 163).
Para a aplicação destas normas nas escolas americanas surgiram recursos didáticos para o
professor, tais como, coleções de problemas, listas de estratégias, sugestões de atividades e
orientações para avaliar o desempenho em resolver problemas.
na década de 1990, no Brasil, “os pesquisadores passaram a questionar o ensino e o
efeito de estratégias e modelos. Começam a discutir as perspectivas didático-pedagógicas da
resolução de problemas” (ONUCHIC, 1999, p. 207).
Em 1997, foram elaborados os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), que, em
Matemática, assim como nos Standards Americanos, “apontam a resolução de problemas como
ponto de partida da atividade matemática, identificando-a com as situações que possibilitam o
desenvolvimento de estratégias de resolução, em contraposição à produção de definições e
demonstrações precoces” (PIRES, 2000, p. 59).
Segundo Onuchic, “ensinar matemática através da resolução de problemas é a abordagem
mais consistente com as recomendações do NCTM e dos PCN, pois conceitos e habilidades
matemáticas são aprendidos no contexto da resolução de problemas” (1999, p. 207).
52
Para tanto, mesmo com os Standard Americanos e os PCNs no Brasil, indicando
claramente a importância da resolução de problemas no ensino da matemática, poucas mudanças
ocorreram na prática docente, “sabemos, (...), que professores que, individualmente ou em
grupos, têm iniciativa para buscar novos conhecimentos e assumir uma atitude de constante
reflexão que os leve a desenvolver práticas pedagógicas mais eficientes” (Ibidem, p. 212). Ainda
hoje, nota-se um ensino de matemática bastante influenciado por uma tendência didático-
pedagógica tecnicista pautada na memorização de regras e procedimentos, com pouca
contribuição para o desenvolvimento do pensamento matemático (ERNEST, 1998).
Portanto, se os documentos oficiais não são acompanhados de uma política de
implementação e condições de trabalho adequadas (docentes, institucionais), não mudam a
postura do professor e pouco interferem no currículo em ação.
Mesmo as pesquisas em resolução de problemas, segundo Onuchic (1999),
em sua maioria sempre foram desenvolvidas em ambientes laboratoriais. Poucos
estudos têm sido desenvolvidos em classe. Pesquisas e práticas em Resolução de
Problemas quase não têm abordado questões de natureza cio-político-cultural
em seus estudos, atendo-se apenas a questões de natureza cognitiva
(p. 212).
Ensinar na perspectiva da resolução de problemas não é tarefa fácil, que exige do
professor uma metodologia diferenciada de ensino, provavelmente não vivenciada pelo professor
durante sua formação.
Dentre as diferentes perspectivas quanto ao papel da resolução de problemas nos
currículos de Matemática das escolas, Stanic e Kilpatrick (1989), destacam:
Resolução de problemas como contexto: é a idéia de usar a resolução de problemas
como meio para atingir os fins importantes, podendo ser classificada como: justificação,
em que se justifica o aprender matemática para resolver problemas; motivação, quando o
problema é introdutório de uma lista de algoritmos, a qual procura-se com esta atitude
53
atrair a atenção dos alunos; atividade lúdica, caracterizando os desafios que muitas vezes
permitem um divertimento com a matemática; veículo, quando um novo conceito deve
ser aprendido; e, finalmente, prática, quanto mais problemas os alunos resolvem melhor
fica seu desempenho, sendo que estes problemas têm a característica de treino.
Resolução de problemas como capacidade: a matemática é vista como possibilidade de
melhorar o pensamento e, dessa forma, acredita-se que os problemas do mundo real
serão resolvidos com maior facilidade.
Resolução de problemas como arte: valoriza a heurística na resolução de problemas, é o
saber fazer matemático, é a possibilidade do pensar sobre o fazer. Destaca-se o nome de
George Polya na década de 1950, com a arte de resolver problemas.
Nessa pesquisa trabalhamos a resolução de problemas como arte que, segundo Kilpatrick
e Stanic, teve Polya (1956) como o seu grande representante. Acreditamos ser possível
relacionarmos as etapas da heurística sobre resolução de problemas apresentadas por Polya e o
processo de contar histórias e resolver problemas dos personagens. Ressaltamos entendermos tais
etapas como momentos importantes para o movimento de resolução de problemas sem uma
linearidade pré-definida. Assim, poderíamos caracterizar com base nas etapas de Polya (1995):
Compreender o problema: significa para o aluno se sentir desafiado a explorá-lo,
buscar estratégias de resolução identificando os elementos que contribuirão para
isso.
No contar histórias a compreensão do problema está relacionada ao contexto da história,
possibilitando estabelecer conexões com conceitos conhecidos colocados em movimento
pelo aluno para compreender o problema, e, ao assumir o papel do personagem da história, pelo
faz-de-conta – jogo simbólico – o aluno é desafiado a resolvê-lo.
54
Estabelecimento de um plano: o caminho à resolução, e neste caminho é feito o
levantamento de estratégias à resolução do problema, podendo ser ou não
validadas a princípio pelo aluno e, posteriormente, pelo grupo de alunos. Este
caminho está ligado a problemas semelhantes resolvidos, que possibilitam ao
aluno variar, transformar e modificar o problema.
O estabelecimento de um plano de resolução do problema gerado pela história aparece
quando os alunos estão desenvolvendo as propostas para resolver o problema do personagem da
história, em que o aluno está em grupo e os planos são colocados em discussão para ser validados
pelo grupo (sentidos atribuídos pelos alunos à resolução).
Na execução do plano: o aluno precisa estar convicto de que seu plano atingiu os
objetivos, ou seja, deve examinar cada detalhe dele até não restar nenhuma dúvida
de que é a resolução do problema, e esteja satisfeito com o plano após sua
execução.
A execução do plano no contar a história acontece quando os alunos registram seu plano e
socializam para toda a classe, ou mesmo com a validação do plano pelo grupo.
Retrospecto/Avaliação: momento em que o aluno volta à resolução do problema
analisando se seu resultado final é concebível, ou se existe outra possibilidade de
resolução, pensando ainda como a resolução deste problema se relaciona com
outros problemas e como isso pode ocorrer.
Na socialização de cada grupo à classe sobre a resolução do problema ocorre o retrospecto
no contar a história. Neste momento os alunos do grupo são questionados pela classe e seus
argumentos quanto à resolução do problema são colocados em “xeque”, possibilitando a análise
da resolução pelo grupo que elaborou e executou.
55
Para Polya, segundo Stanic e Kilpatric,
nem a resolução de problemas por si só, sem uma orientação, conduz a um
melhor comportamento, nem o estudo da Matemática pela sua natureza própria,
nos eleva o nível geral da inteligência. Em vez disso, reconhecia que as técnicas
de resolução de problemas precisam de ser ilustradas pelo professor, discutidas
com os alunos e praticadas de uma maneira compreendida e não mecanizada
(1989, p. 16).
Para tanto, Polya entendia o professor como peça importante para o ensino, pois “ensinar
também é uma arte, ninguém pode programar ou mecanizar o ensino da resolução de problemas;
ela permanece uma actividade humana que requer experiência, gosto e julgamento” (STANIC;
KILPATRIC, 1989, p. 17).
Mas, as discussões feitas por Polya em seu livro não evitaram que muitos autores de
manuais e de guias para professores fizessem distorções quanto às etapas da heurística e essas
reduzissem à técnica ou algoritmo para resolver problemas.
No entanto, Stanic e Kilpatric fazem uma aproximação das idéias de Polya com Dewey
10
,
no sentido de garantir ao processo heurístico proposto por Polya uma ação reflexiva, na
concepção deweyana.
Dewey não usou o termo resolução de problemas, para ele era o pensamento reflexivo e
dava importância à experiência da criança para a resolução de problemas,
a experiência da criança contém em si mesma elementos factos e verdades-
exactamente do mesmo tipo dos que entram no estudo formulado... e [ainda mais
importante] as atitudes, os motivos e o interesse que operam no desenvolvimento
e organização da matéria no lugar que agora ela ocupa (
STANIC;
KILPATRIC, 1989, p. 19).
10
Segundo Stanic e Kilpatric (1989), Dewey foi o principal filósofo americano da educação do século XX. Algumas
pessoas o acusam de erros na educação americana, ocasionados por uma distorção na leitura sobre os seus escritos.
56
Se para Dewey a experiência da criança era central, e para ser (re)construída requeria o
pensamento reflexivo (resolução de problemas), como ficaria o papel do professor para esta
dinâmica?
A ênfase, para Dewey, também está no professor, mas o professor deve levar aos alunos a
informação relevante e vital para a experiência deles.
Assim como para Polya, para Dewey, o professor deve ter a intencionalidade, ele deve ser
sensível e levar problemas para os alunos possibilitando a resolução como arte garantindo uma
postura mediadora entre os alunos e o conhecimento.
Dewey complementa as idéias de Polya relacionadas às etapas da heurística da resolução
de problemas com a experiência da criança que deve ser considerada à resolução do problema.
Esta experiência desencadeia os motivos e atitudes para a criança colocar-se em movimento
frente à resolução do problema.
Portanto, as etapas da heurística para a resolução de problemas desenvolvidas por Polya e
complementadas pelas idéias de Dewey, não podem ser pensadas como etapas estanques, mas
como possibilidades de movimento à resolução do problema do personagem da história. A
experiência do contexto de vida dos alunos possibilitará diferentes interpretações, análises e
resolução de problema.
O que propomos é que esteja presente a intencionalidade do professor desde a adaptação
e/ou criação da história virtual do conceito até a análise do registro. A intencionalidade deve estar
também na mediação do professor, sendo compreendida como a interação entre aluno e o
contador de história e entre alunos para possibilitar a reflexão sobre a resolução do problema.
Esta interação deve ser entendida como organismo vivo em busca da resolução do
problema. Não é um processo estático, mas é apropriar-se do conhecimento, que está em
movimento, que possibilita o aluno pensar (MOURA, 1992).
57
Segundo Ernest (1998), a perspectiva do trabalho em classe de matemática, a partir da
formulação e resolução de problemas, desencadeia as seguintes conseqüências para a educação:
1) a matemática escolar para todos deve estar essencialmente relacionada com a formulação e
resolução de problemas; 2) a inquirição
11
e a investigação devem ocupar um lugar central no
currículo de matemática; 3) o fato de a matemática ser uma construção falível e em permanente
evolução deve ser explicitamente aceito e incorporado no currículo; 4) a pedagogia utilizada deve
ser centrada nos processos e na inquirição, caso contrário, existe contradição com as implicações
anteriores.
A responsabilidade do professor em atividades de resolução de problemas em uma
perspectiva emancipadora aumenta, uma vez que, segundo Ernest (1998), este professor passa a
contribuir para que o aluno assuma uma postura de investigação (inquirição) e de matemática
para todos passe para matemática por todos.
Um dos grandes problemas apontados pelos professores atualmente, quanto ao trabalho
com a resolução de problemas com base nas etapas da heurística de resolução de problemas
elaboradas por Polya, refere-se ao tempo dispensado para tal, justificando que este tempo gasto
comprometeria a lista de conteúdos feitas no planejamento escolar. Para tanto, as pesquisas
demonstram que as aulas com uma abordagem conteudista não atingem a todos os alunos e não
propiciam o pensar sobre o saber fazer matemático, ainda mais, os alunos não são levados a
justificar sua forma de pensar nem tampouco comunicar suas idéias (ERNEST, 1998).
Analisando estes aspectos, Ernest (1998) propõe a pedagogia de formulação e resolução
de problemas em que o professor pode usar as “brechas” do sistema educacional, visto que no
Currículo Nacional não está declarado qual pedagogia usar.
11
Na tradução do texto, inquirição equivale em português “inquiry”, segundo Houaiss e Villar (2001) inquirir é:
fazer perguntas, interrogar, perguntar, indagar, pesquisar, investigar.
58
(...) este facto abre uma ‘janela de oportunidades’. Uma pedagogia de
formulação de problemas, baseada numa filosofia matemática apropriada, pode
cumprir aquilo que é oficialmente obrigatório e ser ao mesmo tempo
emancipadora. Desde que o conteúdo curricular seja encarado em termos de uma
epistemologia social-construtivista, ou pelo menos absolutista progressiva, esta
filosofia pode reflectir-se na abordagem pedagógica adoptada
(p. 41).
Hoje, diferentes autores escrevem sobre o uso de histórias infantis, principalmente na
Educação Infantil e nas séries iniciais, por contribuir para o aprendizado da língua materna,
escrita e falada. Além de permitir que a criança mantenha uma relação de confronto entre a
linguagem escrita e falada (SMOLE et al, 2004). Mas, pouco ou quase nada, se discute em
relação ao uso destas histórias como potencialidade pedagógica no ensino da Matemática.
Acreditamos que a proposta do uso do contar histórias nas aulas de matemática na
perspectiva das histórias virtuais do conceito propicia uma pedagogia de formulação e resolução
de problemas, tendo em vista que os alunos são colocados em atividade em termos de uma
epistemologia social-construtivista
12
, caracterizando uma postura emancipadora, permitindo
atingir os objectivos sociais mais importantes da educação matemática. Estes
objectivos incluem a realização do potencial dos indivíduos como seres
humanos, um passo para uma maior consciência das questões sociais e da
necessidade da mudança social, e para a luta contra a injustiça, especialmente o
racismo e o sexismo
(ERNEST, 1998, p. 46).
Neste contexto se insere esta pesquisa, ou seja, a resolução de problemas possibilitando
uma postura emancipadora do aluno e uma possibilidade da pedagogia de formulação de
problemas.
Portanto, os alunos com o contar histórias buscam intencionalmente a resolução do
problema; são suas ações. Estas possibilitam transformar o objeto, criar modelos e a
12
Segundo Ernest (1998), a epistemologia social-construtivista é uma reflexão sobre o conhecimento humano que
“identifica a matemática como sendo uma instituição social que resulta da formulação e resolução de problemas pelo
Homem” (p. 25).
59
Teoria da Atividade
(Leontiev, 1988)
Significados e
Sentidos
(Leontiev, 1978;
Góes; Cruz, 2006)
Comunicação de idéias
nas aulas de matemática
(Santos, 2005; Gobbi, 1997)
transformação destes modelos, e para tanto os alunos adquirem os modos gerais de resolução de
problemas semelhantes ao da história.
1.7 Enfim... O que envolve as potencialidades pedagógicas do contar histórias
nas aulas de Matemática
O esquema a seguir sintetiza o que estamos entendendo, nesta pesquisa, como
potencialidade pedagógica do contar histórias nas aulas de matemática na perspectiva da
resolução de problemas.
Resolução de problemas como arte
(S
tanic; Kilpatric, 1989)
Figura 1.2: Os aspectos potencializadores do contar histórias nas aulas de matemática.
Anteriormente discutimos cada um destes aspectos separadamente, entendemos que a
proposta da pesquisa é interrelacioná-los.
Contar Histórias:
Histórias Virtuais
(Moura; Lanner de Moura,
1998)
Conhecimento científico
matemático escolarizado
(Vygotsky, 1988; Sforni,
2004)
60
O contar histórias na perspectiva das histórias virtuais do conceito possibilita ao aluno se
envolver no enredo da história e estar imerso em um universo de resolução de problema,
problema que é do personagem, que envolve, intencionalmente, um conhecimento científico
matemático escolarizado e resolvê-lo torna-se para o aluno uma necessidade, a necessidade
desencadeia ações e estas operações, assim caracterizando a resolução deste problema como uma
atividade principal. Estar em atividade principal mediada pelo pesquisador-professor-contador de
histórias garante a comunicação de idéias nas aulas de matemática, tanto na linguagem corrente e
na linguagem matemática, expressas pictórica, oral e/ou textualmente. A comunicação das
estratégias da resolução do problema permite a análise dos significados e sentidos atribuídos
pelos alunos à palavra e aos objetos para a resolução do problema.
É a análise destes diferentes aspectos que potencializa o contar histórias nas aulas de
matemática, na perspectiva das histórias virtuais do conceito, por isso, entendemos que a história
virtual do conceito é um “recurso da atividade, isto é, as ferramentas que o sujeito coloca a seu
serviço, transformando os artefatos em instrumentos” (CLOT, 2006, p. 24).
61
2. QUANDO DE REPENTE... METODOLOGIA
Neste capítulo apresentaremos o delineamento metodológico da pesquisa, a descrição da
documentação, bem como o delineamento da proposta de análise.
A pesquisa está sendo desenvolvida em uma abordagem qualitativa (BOGDAN;
BIKLEN, 1994).
Nessa pesquisa, a fonte direta foi a sala de aula de matemática, em que a pesquisadora
assume também o papel de professora-mediadora no desenvolvimento das atividades com as
histórias virtuais do conceito.
A documentação da pesquisa é composta por dados descritivos, tais como: registros dos
alunos (textuais e/ou pictóricos), as audiogravações dos momentos de socialização e o diário de
campo da pesquisadora.
Os dados foram analisados a partir do material coletado em contraste com aspectos
apontados pelo referencial teórico. A análise é do tipo inferencial e apresenta uma das
interpretações possíveis de serem realizadas. Existe uma preocupação em descrever
exaustivamente os dados para que possam ser fonte de outras análises.
2.1 O desenvolvimento do estudo piloto
Inicialmente havíamos planejado trabalhar com uma história virtual do conceito em um
estudo piloto, a fim de melhor organizar os instrumentos de coleta de dados e analisar as
possibilidades que tais instrumentos poderiam oferecer. Ludke e André (1986) analisam essa
etapa como sendo aquela em que são abarcadas as primeiras observações, com a finalidade de
62
adquirir maior conhecimento sobre o fenômeno e possibilitar a seleção de aspectos que seriam
mais sistematicamente investigados.
Outro objetivo foi de analisar como alunos de séries iniciais se comportavam diante de um
contador de histórias que não era seu professor e como se envolveriam na resolução do problema.
Mas, era necessário ter uma história para contar aos alunos. Então, ao ler os trabalhos de Moura e
Lanner de Moura (1998), que vêm realizando pesquisas com diferentes histórias virtuais,
escolhemos, dentre elas, a história do Negrinho do Pastoreio.
A partir de um site
13
que apresenta as lendas brasileiras dispostas por região, encontramos
a lenda do Negrinho do Pastoreio na versão do Sul do país e por isso houve a necessidade de
fazer adaptações no vocabulário usado e de criar um problema que possibilitasse o envolvimento
dos alunos ao ouvir a seguinte história
14
:
O Negrinho do Pastoreio
63
chamavam somente o Negrinho. A este não deram padrinhos nem nome; por isso o Negrinho se
dizia afilhado da Virgem, Senhora Nossa, que é a madrinha de quem não a tem. Todas as
madrugadas o Negrinho galopeava, e depois conduzia os animais ao pasto, à tarde sofria os maus
tratos do menino, que o judiava e ria. Um dia o Negrinho ao levar os animais no pasto, percebeu
que aumentava o tanto de animais e que daqui um tempo não iria mais saber o tanto de
animais que deveria voltar para o curral. Mas o Negrinho do Pastoreio não sabia contar, no
entanto, tinha certeza que se algum animal não voltasse ele seria castigado pelo fazendeiro.
Então, vamos ajudar o Negrinho do Pastoreio a encontrar uma forma de saber se todos os
animais eram recolhidos para serem levados para o curral.
Figura 2.1: A história “O Negrinho do Pastoreio”.
O objetivo maior do problema da história era identificar se os alunos eram capazes de
criar estratégias para o controle da variação de quantidades, sendo possível estabelecer a
correspondência um-a-um (MOURA; LANNER de MOURA, 1998). Moura e Lanner de Moura
(1998) consideram como o “objetivo maior” de uma atividade de ensino o conhecimento
matemático produzido/mobilizado naquela atividade, reconhecendo, também, outros objetivos
envolvidos, como aspectos sociais e afetivos. Além disso, entende-se que o controle de variação
de quantidades é uma estratégia produzida pela criança semelhante a estratégia “experimentada”
pelo homem historicamente.
O estudo piloto com a história do Negrinho do Pasto
64
refletem a ação vivenciada corporalmente pelo contador de histórias e a evolução do registro dos
alunos.
Além disso, notamos que os alunos deste nível de escolaridade apresentam uma certa
“espontaneidade” de registro, tanto oral quanto pictórico. Estas reflexões decorrentes da análise
desse estudo piloto possibilitaram-nos um re-direcionamento da pesquisa quanto aos
instrumentos necessários para a coleta e análise dos dados. Optamos por incluir as entrevistas
com alguns dos sujeitos, a fim de evidenciar elementos que aparecem nos registros de alguns
alunos e que são fundamentais para a resolução do problema, mas são difíceis de serem
interpretados pela pesquisadora.
Outra mudança foi quanto aos sujeitos da pesquisa, que inicialmente, seriam alunos das
séries finais do Ensino Fundamental e ao observarmos que não houve problemas de envolvimento
da professora/pesquisadora com os alunos em relação à presença de uma contadora de histórias
que não era a professora da classe, optamos por pesquisar também a Educação Infantil e séries
iniciais do Ensino Fundamental. Além disso, este estudo piloto passou a ser considerado como o
primeiro estudo da pesquisa, devido à riqueza de dados e as estratégias de resolução do problema
que foram possibilitadas pelas características desta classe.
Portanto, o re-direcionamento da pesquisa possibilitou desenvolvermos diferentes
histórias virtuais do conceito em classes variadas do Ensino Fundamental e que tivessem
características receptivas frente à Resolução de Problemas.
2.2 A contação
15
de cada história
15
Entendemos por contação o ato de contar a história para os alunos e toda a dinâmica de desenvolvimento da
resolução de problemas do personagem da história virtual do conceito.
65
Após o estudo piloto ficou definido que a contação das histórias virtuais do conceito
aconteceriam na seguinte dinâmica:
Contar a história para os alunos: neste momento o contador de
história/pesquisadora conta a história para os alunos e observa se estes estão
atentos e envolvidos com o enredo da história.
Elaborar o primeiro registro em grupo: os alunos são convidados a resolver o
problema do personagem da história, em grupos com quatro alunos e registrarem
suas resolução. A professora/pesquisadora durante este momento realiza as
mediações nos grupos de maneira a levar os alunos a resolver o problema e
registrar minuciosamente a resolução.
Socialização das estratégias de resolução do problema: os alunos são convidados a
socializar as diferentes formas de resolução do mesmo problema e a classe pode
fazer questionamentos para os alunos que estão socializando as suas estratégias de
resolução do problema. Nessa discussão coletiva, as estratégias para a validação de
significados são produzidas e compartilhadas.
Elaborar o segundo registro em grupo: os alunos fazem o segundo registro depois
da socialização. O objetivo é analisar se, após as discussões, os alunos se
apropriam das várias formas de resolução e validam as estratégias, possibilitando
um sentido pessoal para a resolução do problema.
2.3 A elaboração das histórias virtuais do conceito
Depois do estudo piloto percebemos que a história deveria ter um enredo envolvente e a
resolução do problema do personagem deveria ser uma necessidade dos sujeitos (alunos) que
66
ouviam a história. Por isso desenvolver a história virtual do conceito não era tarefa fácil, envolvia
pesquisa e imaginação, uma vez que não poderia ser qualquer história, mas “uma situação-
problema que poderia ser vivida pela humanidade em algum momento
” (
MOURA; LANNER DE
MOURA, 1998, p. 14), virtualmente como se fosse real.
Idealizamos uma história que resgatasse algum algoritmo constituído historicamente e que
sua prática tivesse sido abandonada por algum motivo, a fim de identificar os sentidos e
significados produzidos para aquele algoritmo. O algoritmo escolhido foi a multiplicação e então
nos aproximamos da gelosia, técnica de multiplicar, difundida historicamente e, atualmente,
pouco valorizada na escola. Mas, como seria o enredo da história?
Este ficou relacionado ao fato da gelosia ser disposta em um quadro que se assemelha às
janelas encontradas na cidade de Veneza. E quem seria o personagem?
O personagem foi inspirado nas histórias de Pedro Malazarte
16
, personagem do folclore,
mas que, provavelmente, seria pouco conhecido pelos alunos, possibilitando uma aproximação
com um personagem do folclore brasileiro.
A história
17
a seguir pôde ser considerada uma criação da professora/pesquisadora:
Pedro Malazarte em Veneza
Pedro Malazarte era um menino muito arteiro e maldoso, que nada passava
desapercebido. Em uma de suas artes conheceu o Senhor Viajante, um homem que
andava por todo o mundo, com uma mochila nas costas e uma bota de solado grosso.
Vivia a viajar por isso era chamado de Senhor Viajante. Conheceu o Pedro Malazarte e o
convidou para uma viagem que iria iniciar naquele dia, o destino era Veneza. Então,
iniciou-se a viagem, Pedro Malazarte não via a hora de chegar e durante o percurso não
fez arte alguma, afinal sabia que o Senhor Viajante poderia desistir da viagem. Chegando
16
Acessado no site: www.jangadabrasil.com.br/novembro39/im39110c.htm, no dia 10.jan.2006.
17
A história completa está em anexo 2.
67
lá, ficou deslumbrado com aquele lugar, o rio que corta a cidade, como as pessoas
falavam, como se vestiam e um cheiro característico que ele sentiu naquele lugar, era
tudo diferente do Brasil. E nos seus passeios em Veneza algo o intrigava, eram as janelas
pareciam todas iguais. Um desses dias, passeando por Veneza um menino o chamou e
disse: De onde você é? Pedro Malazarte percebeu que o menino sabia falar português e
ficou muito feliz e respondeu: - Sou do Brasil estou conhecendo Veneza. E você o que faz
aqui? O menino respondeu: - Eu moro aqui faz muitos anos e estou precisando de ajuda. -
Pedro Malazarte disse: - Eu posso te ajudar, diga o que lhe angustia. O menino disse: -
Uma mulher me deu esta folha com estes dois quadros, que mais parecem duas janelas
das casas aqui de Veneza. Disse que era para eu descobrir porque os números estão
colocados desta maneira. Estou dias intrigado para saber o que acontece com esses
números e nada! Por isso estou te pedindo essa ajuda. Pedro olhou, olhou e olhou, nada
entendeu, então disse: - A mulher não deu nenhuma dica? O negócio estranho! Os dois se
debruçaram sobre a folha e começaram a discutir possibilidades para a organização
daqueles números na folha e chegou a solução. Vocês saberiam me dizer por que os
números estão dispostos dessa maneira? Ajude o Pedro Malazarte nessa empreitada.
Figura 2.2: A história “Pedro Malazarte em Veneza”.
68
O objetivo maior do problema era identificar se os alunos eram capazes de criar
estratégias, identificar regularidades e levantar argumentações para resolver o problema dos
personagens, bem como analisar como os alunos relacionavam a representação dos números no
quadro e como seria a aceitação do algoritmo da multiplicação, até então “desconhecido” para
eles, mas muito utilizado em outro momento histórico.
Para a contação desta história ficou definido que os alunos iriam ver fotos de Veneza em
que fosse possível verificar a semelhança das janelas e o algoritmo. Além disso, foram entregues
as folhas com os quadros da gelosia, de forma semelhante aos entregues ao Pedro Malazarte.
Assim, notamos que outros recursos passaram a serem indispensáveis ao processo de
contar histórias: imagens e esquemas.
Outra história elaborada foi uma adaptação do filme “A Fuga das Galinhas”
18
. Ao assistir
ao filme buscamos elementos possíveis para torná-lo uma história virtual do conceito.
A questão que surge é: Qual seria o problema do personagem? Seria igual ao do filme? Os
alunos não iriam copiar a solução do filme para o problema proposto? Esses eram os nossos
questionamentos iniciais.
Porém, ao assistirmos ao filme, percebemos a sua potencialidade para a resolução de
problemas que envolvem o espaço, pois deveria existir uma fuga em um espaço imaginário, que
era o galinheiro, mas cujas dimensões e pontos de referência não eram passíveis de definição.
Apesar dos questionamentos, concluímos que uma história virtual do conceito a partir de
um filme possibilitaria outra análise para a resolução do problema proposto pela personagem e
que poderíamos analisar os significados que os alunos atribuem às estratégias apresentadas no
filme.
Esta história
19
foi adaptada da seguinte forma:
18
Título Original:Chicken Run; Ano de Lançamento (EUA): 2000.
69
Liberdade para as Galinhas!
Em um pequeno lugarejo, chamado “Vivo Feliz”, havia um sítio, que estranhamente era
cercado com arames e vigiado dia e noite por seguranças que eram acompanhados de cães
ferozes. A proprietária deste tio era a Dona Marisvalda uma senhora brava, que além de
dona do sítio também era dona da Granja dos Silva, D. Marisvalda sempre estava de cara
fechada e preocupada com o aumento dos lucros de sua granja, e não podendo esquecer
que a sua granja era a maior da região. D. Marisvalda sempre estava aos gritos com o seu
irmão Astolfo que seguia suas ordens à risca, afinal ele conhecia muito bem sua
“irmãzinha”. E é claro que não poderíamos deixar de falar das galinhas, estas que
aumentavam o lucro de D. Marisvalda. Elas tinham deveres diários, que eram: comer,
botar ovos e manterem-se felizes para que a produção sempre fosse a melhor possível. O
trabalho era em um regime ”militar” de vida, já que se não cumprissem a meta de botar os
ovos diariamente eram mortas, sem piedade, com uma machadada no pescoço, pois para
D. Marisvalda a galinha não tinha mais serventia. Com esta vida, cada uma das galinhas
sabia que poderia ser a próxima vítima. Então, a Galinha Matusquela iniciou uma conversa
séria com as galinhas. - Temos que fugir deste lugar e vermos o que existe de belo do
outro lado do morro, fugir desta vida escrava, de botar, botar, botar, botar e morrer. Então
tentou vários planos: fugir por debaixo da cerca, mas não deu certo foram pegas, aliás, a
Galinha Boliviana ficou entalada no arame, também estava acima do peso. Tentaram
abrir o portão, mas não conseguiram porque o portão era pesado sempre eram pegas. Em
uma das tentativas noturnas, quando todas corriam para novamente passarem por debaixo
da cerca eis que do nada, aliás, do céu surge, aparece, emerge, chega o Galo Rocky. Galo
Rocky era artista de circo e seu nome artístico era Galo Rocky Roll Voador, sua habilidade
era de voar, pelo menos foi o que concluiu a Galinha Matusquela, que logo, lhe fez uma
proposta, pois do outro lado da cerca na casa de D. Marivalda chegavam os donos do
circo querendo revistar tudo para ver se encontravam o Galo Rocky. A proposta era a
seguinte: Ensine-nos a voar e não o entregaremos ao circo. - Há, , até parece que
alguém vai me pegar aqui. Logo todas as galinhas correram para o galinheiro, pois a
invasão dos homens do circo iniciava-se, então Galo Rocky não tinha saída, e respondeu
19
A história completa está em anexo 4.
70
para a Galinha Matusquela: - Fechado. Eu ensino vocês a voar. No raiar do dia, iniciou-se
a maratona de exercícios, tudo comandado por Galo Rocky. Afinal voar passando por uma
cerca de 2,5 metros não é coisa pouca para essas galinhas, pois algumas estavam fora de
forma e galinhas voam muito baixo. A maratona não foi fácil, era galinha reclamando para
todos os lados. Ai minha perna! Meu Deus eu não agüento mais de dores nas asas. E a
Galinha Matusquela dando sempre muita força para as amigas. Vamos lá, iremos
conseguir, precisamos nos esforçar. O Astolfo observava que algo de estranho acontecia
naquele galinheiro, mas se falasse algo diriam que estava louco, afinal onde se viu
galinhas se mobilizarem em busca da liberdade? Enquanto isso, D. Marisvalda teve uma
idéia, que para ela, era genial. Correu para o galinheiro e fez a contagem dos ovos e
chamou as galinhas, que sabiam que alguém iria para o machado. Mas o contrário disto
ela fez a medição da barriga da Boliviana, e disse: - Está ótima! Logo depois, chegou no
galinheiro a melhor ração, todas as galinhas comeram feito loucas e Galinha Matusquela
gritava: Não percebem, vamos morrer aqui, galinhas gordas não voam, parem de comer.
No outro dia chegava no sítio uma máquina de fazer empada de galinha. Galinha
Matusquela ficou desesperada e lançou uma assembléia para o galinheiro dizendo: - A
fuga é emergencial, senão viraremos empadas da Granja Silva. Esta é a representação do
galinheiro. Crie um plano a partir da representação para as galinhas fugirem e
71
Para a contação desta história ficou definido que os alunos iriam receber a representação
do galinheiro (figura 2.3).
O objetivo maior desse problema era identificar se os alunos seriam capazes de criar
estratégias para a resolução do problema dos personagens, ou seja, desenvolver um plano de fuga
a partir da representação do galinheiro; bem como, analisar o uso do referencial espacial que
fazem, relacionando obstáculos como tamanho do muro, tempo para fuga e as deficiências físicas
de uma ave para fugir usando objetos do “nosso uso”. Além disso, entende-se a elaboração de
planos de fuga e mapas de localização como estratégias produzidas pelos alunos semelhantes às
estratégias experimentadas pelo homem historicamente.
A terceira história
20
foi elaborada a partir de uma adaptação da história do livro “O caso
dos Ovos”
21
, de que tomei conhecimento em um dos encontros do Grupo IniciAção
Matemática
22
.
Os Ovos em Questão
Dom Coelho chegou ao Supergalinheiro, todo esbaforido: - Por que não entregaram os
meus ovos, Madame? perguntou, nervoso. - Os nossos ovos corrigiu a Galinha-Mãe,
uma Legorne muito distinta. Enquanto não estiverem entregues, os ovos ainda não são
seus, Dom Coelho. - São meus, sim! Eu fiz a encomenda com dia marcado, e ela não foi
entregue. Por que, heim, Madame? insistiu ele, irritado. - Porque não ficou pronta, Dom
Coelho – respondeu a Galinha-Mãe, tranqüila. - O quê?! Faltam sete dias para a Páscoa e a
encomenda não ficou pronta? E o pior, eu encomendei ovos deste galinheiro, se vocês
não começarem a produzir estes ovos hoje será que poderemos cumprir os prazos? E vocês
produzem no máximo onze ovos por dia, não é?! - Explique-se, Madame! gritou Dom
Coelho, bravo. - Calma, eu explico, afinal são tantas perguntas: é que as galinhas,
quando não estão felizes e contentes, não conseguem botar ovos falou a Legorne. - Não
20
A história completa está em anexo 5.
21
BELINKY, Tatiana. O caso dos ovos. 6ª ed. São Paulo: Editora Ática, 1996.
22
Grupo constituído por professores da rede pública de Itatiba, alunos da graduação em Pedagogia (USF), alunos da
Pós-Graduação em Educação (USF) e professoras formadoras.
72
botam porque não querem! intrometeu-se a Galinha Garnisé, belicosa. - Não querem!
Essa não! berrou Dom Coelho, com os olhos vermelhos de raiva. - Eu tenho prazos a
cumprir, sabiam? O Coelho-Pintor está ordenhando o Arco-Íris, colhendo as tintas pra
colorir os ovos! A Coelha-Cesteira já enfeitou um cento de cestas com laços de fita! E para
cada cesta irão cinco ovos no máximo. Tudo está pronto para o despacho e falta o
principal: os ovos! OS OVOS! E vocês me vêm com essa história maluca de não botarem
ovos porque não estão contentes! Expliquem-se, senhoras galináceas! E já! As galinhas
começaram a cacarejar todas ao mesmo tempo. - Tou fraca, tou fraca, tou fraca, de tanto
agüentar exploração! queixava-se a Galinha-d’Angola, muito aflita. - Nós não vamos
mais trabalhar desse jeito declarou a Galinha Caipira decidida. - Não mais pra aturar
tanta injustiça! cacarejou a Galinha Carijó, indignada. - Mas do que estão falando?
Espanou-se Dom Coelho, atordoado com a zoeira. – Qual é a injustiça? Não sei de
injustiça nenhuma! - Ah, não sabe? – provocou a Garnisé. – Então tire esses óculos
escuros e veja! Foi aí que Dom Coelho viu um grande grupo de jovens galináceas de todas
as raças, que vinham carregando faixas com letreiros que diziam: Estamos em Greve;
Galinha Bota Ovo e Coelho Leva a Fama; Não Botamos Mais Ovos Para os Coelhos;
Queremos Justiça. Que que é isso! exclamou Dom Coelho, alarmadíssimo. Madame,
pense bem! Como é que nós vamos servir as crianças na Páscoa, se as galinhas se recusam
a fornecer os ovos?! - Os coelhos que botem seus próprios ovos! gritou uma Garnisé,
com as asinhas nos quadris. Dom Coelho ficou escandalizado: - Coelho não bota ovo, dona
Garnisé. Coelho não é ovíparo e sim vivíparo. Vi-ví-pa-ro, viu? - Não adianta falar difícil,
Dom Coelho. Ovíparo, vivíparo, não interessa. Do jeito que está, não botamos mais ovos,
pronto, fim de papo! - E as criancinhas? falou Dom Coelho, com a sua voz mais melosa.
Vocês não pensam nas criancinhas, coitadas? Com o quê que elas vão brincar nesta
Páscoa? Heim? Heim? - Com ovos de tartaruga! cacarejou uma franga. - Com ovos de
jacaré! piou um pinto. (ou seria uma “pinta”?) - Com ovos de jararaca! cocoricou um
galeto. Dom Coelho fez uma última tentativa: - Então vocês querem mesmo deixar o
negócio à concorrência? E logo às cobras e lagartos? Que horror! Que vexame! - O
vexame será todo seu, Dom Coelho, não acha? falou a Galinha-Mãe, sempre tranqüila.
Que tal entrar em negociações? Dom Coelho viu as coisas mal paradas e entregou os
pontos: - Está bem, está bem. Vamos negociar quais são suas condições? - Ah, isto são
73
outras falas disse a Galinha-Mãe. Quais são as condições que devem ser dadas pela
Galinha-Mãe para que as galinhas voltem a botar ovos para os coelhos na Páscoa? Quantos
ovos as galinhas devem botar por dia para que Dom Coelho cumpra os prazos de entrega
até a Páscoa?
Figura 2.5: A história “Os Ovos em Questão”.
O objetivo maior do problema da história era identificar se os alunos eram capazes de
levantar hipóteses quanto à quantidade de ovos necessários até a Páscoa, a medida do tempo para
o fornecimento dos ovos e a possibilidade de reivindicações de melhores condições de trabalho.
Além disso, entende-se que as estimativas que envolvem o controle de quantidades em um
determinado tempo, bem como, as condições sociais de trabalho interferem em uma melhor
qualidade de vida e se evidenciam nas estratégias produzidas pela criança semelhante à estratégia
experimentada pelo homem historicamente.
Para a contação desta história foram utilizadas como recursos imagens dos personagens da
história reproduzidas em transparências. As imagens nas transparências são as ilustrações do livro
“O caso dos ovos”.
2.4 A seleção das classes para a contação das histórias
A escolha das séries ficou determinada de acordo com os objetivos de cada história. Além
disso, procuramos estabelecer uma variabilidade de séries a fim de evidenciar as potencialidades
da história virtual do conceito para diferentes faixas etárias.
Assim, a história “Pedro Malazarte em Veneza”, por envolver um algoritmo de
multiplicação não convencional, ficou definida para contação na 8ª série do Ensino Fundamental.
74
Escolher a 8ª série para a contação da história deveria adequar-se a alguns critérios
discutidos por nós, tais como: alunos envolvidos com as práticas da resolução de problemas, de
comunicação de idéias nas aulas de matemática, assim como de organização em grupo.
Por isso, a classe escolhida foi uma 8ª série do Ensino Fundamental (13 a 15 anos) de uma
escola pública estadual na cidade de Louveira. Escolhemos essa sala após conversarmos com a
professora e nos ter sido revelado que a classe tinha o hábito de trabalhar com algumas tarefas de
cunho exploratório-investigativo
23
em uma perspectiva de resolução de problemas; por isso
optamos por desenvolver a atividade com esses alunos, pois não haveria estranhamento.
Na história “Liberdade para as galinhas”, cujo objetivo é a interpretação da representação
do galinheiro e produção de mapas de fuga, optou-se por trabalhar em 2 turmas com idades
variadas. Foi aplicada em uma série e em uma série, ambas do Ensino Fundamental. Os
critérios para a escolha das classes foram os mesmos que da 8ª série.
Uma das classes foi uma série do Ensino Fundamental (9 e 11 anos), na qual havia sido
aplicado o primeiro estudo, porém com outra professora. Essa escolha aconteceu por
entendermos que a classe foi receptiva no estudo piloto.
A outra classe foi uma série do Ensino Fundamental (11 a 15 anos). A razão desta
escolha foi a presença da mesma professora de rie onde foi aplicado o estudo piloto, agora
como professora de Matemática desta classe. Para nós ficou evidente que a professora mantêm
um ambiente de comunicação de idéias nas aulas e o trabalho em grupo é comum em suas
turmas.
23
A professora da classe denomina tarefas de cunho exploratório-investigativas, as tarefas envolvendo problemas do
tipo ‘aberto’, as quais os alunos lançam mão de conjecturas e buscam a validação das mesmas. Sua riqueza esna
variedade de estratégias e processos de argumentação, validação e comunicação de idéias que emergem durante o
trabalho.
75
A última história, “Os ovos em questão”, revelou-se adequada a crianças de classes de
Educação Infantil, pois envolvia uma situação com animais que falavam (jogo de faz-de-conta), e
seu enredo era característico dessa faixa etária: coelhos da Páscoa.
Por esta razão, escolhemos uma classe com alunos de 5 e 6 anos, em uma escola
municipal. Esta escolha se deu, também, por conhecermos o trabalho da professora e
identificarmos em sua didática uma valorização do ensino da Matemática na Educação Infantil,
na perspectiva da resolução de problemas.
2.5 Documentação da pesquisa
Em síntese, para a realização da análise da pesquisa, dispusemos dos seguintes
instrumentos:
Registros dos alunos (pictóricos e/ou textuais). Esses registros foram produzidos pelos
alunos nos pequenos grupos após o momento de contar a história. Nesses registros os
alunos se ocuparam de explicitar estratégias e possibilidades de resolução para o
problema apresentado pelo personagem da história;
Diário de campo da pesquisadora. Onde foram realizadas anotações pela
professora/pesquisadora durante e depois da contação da história. Contém notas de campo
das professoras das classes onde foram aplicadas as histórias. São relatados momentos de
descrições, reflexões, análises, inquietações e frustrações da pesquisadora. Destacam-se
também, aspectos que possibilitaram um (re)direcionamento das situações de contação.
Transcrição dos dados audiogravados das falas dos sujeitos durante a resolução e/ou
socialização da resolução dos problemas. A análise desse material leva em conta o
76
processo de comunicação de idéias nas aulas de matemática, em uma perspectiva de
resolução de problemas.
Entrevistas com alguns alunos, a fim de elucidar alguns registros, principalmente
pictóricos, de difícil análise e interpretação pela professora/pesquisadora.
Histórias virtuais do conceito elaboradas e/ou adaptadas pela pesquisadora, sendo: “O
Negrinho do Pastoreio”, “Os Ovos em Questão”, “Liberdade para as Galinhas” e “Pedro
Malazarte em Veneza”.
A análise deste material coletado, juntamente com o referencial teórico adotado, visa
investigar quais são as potencialidades pedagógicas das histórias virtuais na perspectiva da
resolução de problemas nas aulas de matemática. Objetivamos: 1) analisar em que medida a
resolução de situações–problema propiciadas pelas histórias virtuais possibilita a
produção/mobilização de conceitos matemáticos; (2) investigar a produção do registro escrito e
oral pelos alunos na resolução dos problemas vivenciados em situação lúdica de aprendizagem,
para compreender os sentidos e os significados que os alunos produzem a partir das histórias
virtuais para a matemática em si e para o contexto no qual a situação–problema se insere.
No capítulo seguinte, apresentaremos a descrição e análise dos dados coletados. Segundo
Fiorentini e Lorenzato (2006),
a fase da análise envolve, inicialmente, a organização das informações obtidas
por meio de observação etnográfica, entrevistas transcritas, questionários
respondidos, notas de campo, fichas de informações obtidas a partir de
documentos, entre outros. Sem essa organização ou separação do material em
categorias ou unidades de significado, torna-se difícil o confronto das
informações, a percepção de regularidades, padrões e relações pertinentes
(p.
133).
A análise dos dados coletados está estruturada em episódios que “são reveladores sobre a
natureza e qualidade das ações” (ARAUJO apud MOURA, 2003, p. 59). Os episódios
selecionados foram organizados em cenas que buscam destacar como foi se desenvolvendo o
77
processo da resolução do problema do personagem da história virtual do conceito, “em diferentes
momentos, em um conjunto específico de ações. Cada episódio contempla, igualmente, diferentes
momentos da” contação de cada história (ARAUJO, 2003, p. 59).
Os episódios foram divididos da seguinte maneira: o estudo piloto, que se transformou no
primeiro estudo da pesquisa; contação da história “Os Ovos em Questão”; contação da história
“Liberdade para as Galinhas”; contação da história “Pedro Malazarte em Veneza”.
No primeiro estudo da pesquisa (inicialmente, estudo piloto), não haverá cenas, pois não
houve registro oral audiogravado, o que compromete a seqüência de ações dos alunos para a
análise. Logo, o episódio será composto da análise dos registros textuais e pictóricos e das
anotações do diário de campo da pesquisadora.
Nesta pesquisa optamos por apresentar cada uma das histórias virtuais do conceito
separadamente, analisando-as a partir do confronto dos dados com a teoria, em termos dos
aspectos indicados no esquema 1.2, apresentado no capítulo 1.
78
3. MERGULHAMOS NAS HISTÓRIAS... A CLASSE EM AULAS DE
MATEMÁTICA COMO UM AMBIENTE DE RESOLUÇÃO DE
PROBLEMAS.
Nesse capítulo apresentamos as análises e descrição dos dados coletados de cada uma das
histórias aplicadas. Essa análise foi realizada em cada uma das histórias separadamente, estando a
mesma estruturada em episódios e cenas, que possibilitaram a análise das ações dos sujeitos
(alunos) com começo, meio e fim. Essas cenas são compostas por momentos de diálogos entre os
alunos, entre os alunos e a professora-pesquisadora, entre a professora da sala e os alunos, bem
como por alguns registros realizados pelos mesmos. Acredita-se que seja possível, dessa forma,
refletir sobre os sentidos e significados atribuídos pelos sujeitos (alunos) na resolução do seu
problema, bem como perceber que as diferentes características dadas a essa resolução
dependeram do ponto de vista dos grupos para o objeto de resolução. Dessa forma, esse olhar foi
situado, localizado, temporal e historicamente, ou seja, esse olhar foi situado de acordo com a
classe na qual foi aplicado o problema; sua resolução foi local, porque dependeu da forma como
os alunos enxergaram o mesmo; e, finalmente, temporal e histórico, pois ocorreu somente
naquele momento em que foi aplicado.
Episódio 1: o estudo piloto que se transformou no primeiro estudo da
pesquisa.
79
A contação
24
da história foi feita pela professora/pesquisadora. Essa contação tinha como
objetivo ser o estudo piloto e analisar como os alunos se comportariam diante de uma contadora
de histórias, que não era a sua professora da sala; bem como, se os mesmos se mobilizariam para
a resolução do problema que era proposto pelo personagem da história.
Para atingir esses objetivos do estudo piloto a classe onde seria a contação da história
deveria atender os seguintes critérios: os alunos deveriam estar acostumados a ouvir histórias
contadas pela professora e a classe deveria ser de séries iniciais.
O perfil de classe foi encontrado. Era uma 2ª série do Ensino Fundamental com quarenta e
quatro alunos freqüentes com idades entre 8 e 10 anos, no período matutino; que segundo a
professora da classe, era uma sala heterogênea em relação aos níveis de aprendizagem e também
quanto às suas histórias de vida. Porém, esses aspectos pouco interferiam nas relações
interpessoais dos alunos, fazendo com que lidassem muito bem com as “diferenças” no grupo.
A classe estava habituada a trabalhar com histórias, uma vez que esta atividade era uma
prática da professora. Nesse sentido, podemos dizer que esse aspecto facilitou a aceitação desse
tipo de proposta de trabalho.
Para aplicar a história fui para a classe apenas com o diário de campo da pesquisadora, no
dia 31 de maio de 2005.
Cheguei na escola com a professora da classe e ela foi buscar os alunos que estavam no
pátio a sua espera, em fila, como é de rotina. Quando adentraram na sala ficaram surpresos, não
com a presença de uma outra pessoa, pois a professora havia conversado com eles sobre a
minha ida até a classe, mas com a semelhança física entre a professora e a
professora/pesquisadora.
24
Entendemos por contação o ato de contar a história para os alunos e toda a dinâmica de desenvolvimento da
resolução de problemas do personagem da história virtual do conceito.
80
A discussão entre os alunos sobre como as professoras se pareciam, manteve-se durante
alguns minutos e questionavam se eram irmãs gêmeas. A professora da sala deixou a discussão
continuar e explicou que somos irmãs, com três anos de diferença. Relatamos esse fato que
auxiliou no entrosamento inicial entre a professora/pesquisadora e os alunos.
Depois, dessa discussão, expliquei que estava na classe para contar-lhes uma história do
Negrinho do Pastoreio. Todos os alunos olharam para a professora/pesquisadora que estava em
frente à sala.
A história do Negrinho do Pastoreio
25
é uma lenda na versão do Sul do Brasil, disponível
em: http:www.ifolclore.com.br
26
. Essa história foi adaptada pela pesquisadora. Resumindo-a:
O Negrinho do Pastoreio era um menino negro que vivia em uma
fazenda. Era empregado de um homem rude, que tinha um filho muito
“cargoso”, como uma mosca. Todas as madrugadas o Negrinho
galopeava, e depois conduzia os animais ao pasto. À tarde sofria os maus
tratos do filho do fazendeiro, que o judiava e ria. Um dia o Negrinho do
Pastoreio, ao levar os animais ao pasto, percebeu que aumentava a
quantidade de animais e dali algum tempo não saberia mais quantos
animais deveria voltar para o curral. Mas o Negrinho do Pastoreio não
sabia contar, no entanto, tinha certeza de que se algum animal não
voltasse, ele seria castigado pelo fazendeiro. Então, como poderíamos
ajudar o Negrinho do Pastoreio a encontrar uma forma de saber se todos
os animais eram recolhidos para serem levados ao curral?
O objetivo maior do problema da história era identificar se os alunos eram capazes de
criar estratégias para o controle da variação de quantidades, sendo possível estabelecer a
correspondência um-a-um (MOURA; LANNER de MOURA, 1998). Moura e Lanner de Moura
(1998) consideram como o “objetivo maior” de uma atividade de ensino o conhecimento
matemático produzido/mobilizado naquela atividade, reconhecendo, também, outros objetivos
envolvidos, como, aspectos sociais e afetivos. Além disso, entende-se que o controle de variação
25
A história completa está em anexo 1.
26
Acesso em 28.maio.2005.
81
de quantidades é uma estratégia produzida pela criança semelhante à estratégia “experimentada”
pelo homem historicamente.
A história do Negrinho do Pastoreio propiciou uma situação de aprendizagem lúdica,
determinada pela contadora de histórias. Esta situação não é comum nas aulas de matemática,
pois os alunos além de ouvir a história foram convidados a ajudar o Negrinho do Pastoreio a
resolver o seu problema.
Terminada a história a qual não havia nenhum outro instrumento para a contação, a não
ser a voz da contadora de história, solicitei que cada aluno registrasse em uma folha do tipo A4
como ajudaria o Negrinho do Pastoreio.
Os alunos estavam dispostos em grupos com quatro alunos cada e, após eles se
organizarem, entreguei as folhas e as perguntas iniciais feitas pelos alunos foram: Pode ser
desenho? Tenho que escrever? A folha é em pé ou deitada?
Fui para frente da classe e respondi que eles poderiam registrar como achassem melhor. E
quanto à posição da folha: em pé ou deitada, perguntei: É horizontal ou vertical?
Porém ao fazer esta pergunta percebi dúvida no olhar dos alunos. Apesar da professora ser
especialista em Matemática, nunca explicou para os alunos do que se tratava horizontal e vertical.
Expliquei a eles o que era horizontal e vertical e, também, que não tinha qualquer problema como
iriam usar a folha, o mais importante era que ajudassem o Negrinho do Pastoreio.
Após responder a estes questionamentos, os alunos se envolveram em ajudar o Negrinho
do Pastoreio e a registrar as formas de resolução do problema nas folhas. Durante este momento a
professora/pesquisadora e a professora da classe acompanhavam os grupos observando a
interação entre os alunos e se estavam envolvidos na resolução do problema proposto pela
história aplicada e, também, em fazer as anotações no diário de campo da pesquisadora.
Foram necessários cerca de 60 minutos para a resolução do problema e seu registro.
82
É nesse momento que podemos evidenciar como a perspectiva da resolução do problema
como arte se caracteriza pela busca do fazer matemático. A resolução do problema do
personagem da história possibilitou, também, a formulação de novos problemas, assim os alunos
passaram a levantar novos questionamentos, tais como: Quantos anos o negrinho tinha? Qual o
tamanho do curral? Quantos e quais animais deveriam registrar?
Esta história pode ser caracterizada como uma história virtual do conceito enquanto
atividade, pois os alunos estavam envolvidos nos
processos que, realizando as relações do homem com o mundo, satisfazem uma
necessidade especial correspondente a ele. (...) o processo, como um todo, se
dirige, coincidindo sempre o objetivo que estimula o sujeito a executar esta
atividade, isto é, o motivo
(LEONTIEV, 1989, p. 68).
A necessidade (motivo) que levou os alunos à resolução do problema coincidiu com o
objetivo que estimulou o sujeito a executar a atividade, que foi a resolução do problema do
personagem.
Analisamos que, apesar de cada aluno receber sua folha para a resolução do problema e
estarem sentados em grupos compostos por quatro alunos com o objetivo de possibilitar uma
discussão quanto às diferentes resoluções, essa discussão, não ocorreu, talvez por ser a primeira
vez que deveriam resolver um problema de um personagem da história ouvida, ou por terem de
registrar individualmente uma resolução.
Após a produção dos registros, os alunos foram convidados a socializá-los. Perguntamos,
inicialmente, quem iria explicar como ajudaria o Negrinho. Todos levantaram a mão; estavam
envolvidos e queriam socializar sua maneira de pensar.
Os alunos ao resolver o problema colocaram em movimento objetos e atitudes que tem o
seu significado social, atribuindo, assim, determinados sentidos próprios que possibilitaram a
resolução desse problema.
83
Figura 3.1: primeiro registro do aluno W.
Na figura 3.1, o aluno registra um Negrinho do Pastoreio super herói e urbano. Esta
representação foi única dos quarenta e quatro registros. Este Negrinho do Pastoreio urbano e
super herói é o próprio aluno, no dia da contação, visto que esse estava utilizando um boné e se
colocou no lugar do Negrinho do Pastoreio. O colocar-se no lugar do personagem da história que
tem o problema para ser resolvido é estar em atividade; o aluno assume o papel do personagem
da história e tem um motivo que o impulsiona a resolver o problema desse personagem. Esse
aspecto, segundo Leontiev (1989), contribui para o desenvolvimento psíquico da criança de um
nível para outro mais elevado de desenvolvimento.
Na mesma figura, identificamos, ainda, outros elementos acrescentados, como a rosa dos
ventos que havia sido trabalhada pela professora da classe dias antes da pesquisa. A questão é:
esse elemento seria importante para a análise da resolução pelo aluno ou seria somente um
elemento simbólico sem significado para o problema? Ao discutir o registro com a professora da
classe, esta se espanta e comenta que nas últimas aulas de Geografia, estava sendo discutido
sobre localização e a utilidade da rosa dos ventos. O aluno, durante a socialização, justificou a
84
necessidade de existir uma rosa dos ventos na fazenda onde o Negrinho mora, uma vez que a
necessidade de localização espacial. Assim, pudemos observar que nem todos os elementos
acrescentados ao registro foram determinantes para a resolução do problema proposto, entretanto
evidenciam como conhecimentos escolarizados tornaram-se significativos para o contexto da
história apresentada.
O aluno fez relações significativas para ele, e uma dessas relações pôde ser sobre objetos
que foram discutidos em aulas anteriores, é o processo de apropriação do conhecimento, em que
o aluno se torna cúmplice do processo de produção deste, e o coloca em movimento para a
resolução de um problema.
Em outros registros de alunos também identificamos elementos acrescidos:
Figura 3.2: primeiro registro da aluna M.
A figura 3.2 traz o elemento escola. Qual o papel da escola para este aluno? E para os
demais alunos da classe?
85
A escola, mesmo com todos os problemas socialmente discutidos e amplamente
denunciados, ainda é considerada por vários alunos, como a única possibilidade de ajudar o
Negrinho do Pastoreio, como pudemos identificar na fala de um dos alunos:
Leva o Negrinho para a escola, aí ele aprende a contar... Esta escola coloca tudo em
ordem” (aluno Lucas
27
, durante a socialização).
A escola que “coloca tudo em ordem” é a escola onde os próprios alunos estudam. A
disposição das classes, assim como, da diretoria traz à tona o modelo de escola desse aluno.
Identifica-se a valorização dos alunos quanto esta instituição. Para eles, a escola cumpre o papel
de ensinar um conhecimento científico, usado cotidianamente pelos sujeitos e para eles,
provavelmente, é a única maneira de ensinar alguém a contar.
As intervenções, naquele momento, tinham o objetivo de levá-los (alunos) a pensar se era
possível ajudar daquela maneira, levando o negrinho para a escola, e envolver o restante da classe
na reflexão proposta aquele aluno.
Além da escola os alunos reconhecem outras instituições como possibilitadoras de
“aprendizagem” para contar.
27
O nome dos alunos citado neste episódio é fictício.
86
Figura 3.3: primeiro registro do aluno A. Figura 3.4: primeiro registro do aluno AP.
Na figura 3.3 e 3.4 o elemento acrescentado é de caráter religioso, a igreja e o anjo da
guarda do Negrinho do Pastoreio.
A cidade onde está localizada a escola tem como característica marcante, o excesso de
igrejas. Estas se classificam na maioria como igrejas evangélicas. Várias garagens residenciais
são alugadas para o funcionamento das mesmas e representa o ponto de encontro de muitas
famílias no final de semana, um dos poucos lugares que elas têm para visitar.
Esses registros nos dão indícios de como alunos atribuem sentidos a questão religiosa
quando vão resolver o problema. Hoje as igrejas têm o papel social de resolver problemas básicos
e essenciais para as famílias, tais como: entregar
87
Têm-se muitas famílias com pessoas desempregadas por uma série de fatores, tais como:
transporte, (des)qualificação profissional, falta ou pouco estudo, etc.
A igreja deixou de ser um instrumento de resolução de problemas impossíveis, tidos
como milagres, como, a “cura de alguém desenganado” pelos médicos e passou, também, a
resolver problemas cotidianos, inclusive, o da escola. Logo, os alunos ao estarem diante do
problema do Negrinho do Pastoreio que não sabia contar e demoraria muito para aprender indo à
escola, sentiram necessidade da ajuda religiosa. Identificamos esse aspecto a partir das falas dos
alunos:
“Leva o Negrinho para a Igreja, Jesus o ajuda a contar” (aluno Lucas, durante a
socialização).
Uma aluna, ao justificar porque a igreja era melhor que a escola para ajudar o Negrinho a
contar, manifesta-se:
“Vamos orar pelo Negrinho, Prô” (aluna Marilene, durante a socialização).
Durante a socialização destes registros os alunos não estranhavam estas colocações dos
colegas da classe e até contribuíam com outras falas.
“Boa idéia, leva ele para a minha igreja. O pastor de ajuda todo mundo!” (aluno
Pedro, durante a socialização).
88
De maneira geral, surpreendeu-nos as diferentes maneiras de resolução, principalmente
porque em muitas delas a proposta era ensinar o Negrinho do Pastoreio a contar, mandando-o
para a escola ou pedindo ajuda a Deus, mandando-o para a igreja.
Além desses elementos acrescentados que pudemos observar no primeiro registro,
notamos que no segundo registro os alunos se preocupam em descrever ainda melhor o contexto
da fazenda para a resolução do problema.
Figura 3.5: segundo registro da aluna M.
A figura 3.5 é o 2º registro da aluna. Este foi produzido após a socialização das estratégias
para a resolução do problema. Neste registro, a aluna expressa qual foi a sua opção para controlar
a variação de quantidades de animais. Fez as marcas através de riscos no papel, em que cada
animal poderia ser controlado por uma marca.
Nesse caso, a aluna movimento ao registro de uma maneira singular, utilizando um
gênero textual próprio de “gibis”, ou seja, os balões, para expressar a fala do Negrinho do
Pastoreio. Essa fala é seqüencial, uma vez que expressa verbalmente a forma como o Negrinho
89
realizou a correspondência e resolveu o problema, admitindo aa possibilidade de analisar a
sobra de uma marca referente a um animal faltando, ou que extrapolou a sua contagem.
Além disso, acrescenta um elevador na casa do dono da fazenda, como forma de mostrar a
sua riqueza. Portanto, também no segundo registro produzido pelos alunos, pudemos identificar
elementos simbólicos como forma de representação da história.
A pesquisadora teve o cuidado de anotar na folha de cada aluno o significado que a
criança atribuía a cada elemento presente no desenho, apropriando-se de uma prática bastante
utilizada pelas educadoras de infância e que são, muitas vezes, “abandonadas” nas séries iniciais
do Ensino Fundamental. Provavelmente esse “abandono” aconteça, pois o professor dessas séries
deixa de reconhecer o desenho como um possível registro de resolução, uma vez que a criança
passa a dispor do registro escrito, em língua materna e/ou linguagem matemática (algoritmos).
Essas análises foram possíveis, porque houve um posicionamento da pesquisadora quanto
à valorização da comunicação de idéias para a resolução do problema da história aplicada. A
comunicação de idéias nas aulas de matemática é o momento de interação dos alunos da classe.
Esta pode acontecer no registro textual/pictórico ou no registro oral. Além disso, possibilita o
desenvolvimento do ato de justificar, levantar hipóteses, argumentar, partilhar e negociar as
estratégias sobre a resolução do problema.
Através de um registro pictórico que foi possível analisar a importância da expressão
corporal da contadora de história e como esta influencia no registro sobre a resolução do
problema.
91
Figura 3.7: primeiro registro da aluna A.
Na figura 3.7, o Negrinho do Pastoreio está de braços abertos. Em vários outros registros
esta maneira de representar o Negrinho se repetiu. Conversando com os alunos que representaram
o Negrinho desta maneira, sobre os motivos, os mesmos disseram, que quando era contada a
história, a contadora ficava mexendo os braços o tempo todo. Inferimos nesta situação a
ocorrência do fenômeno denominado por Leontiev (1989) de obscurecer o real, ou seja, os alunos
viam na contadora de histórias, a professora/pesquisadora com suas características físicas, mas ao
obscurecer o real, eles passaram a vê-la como o Negrinho do Pastoreio, possibilitando a
representação dele com os braços abertos como a contadora de histórias.
Ressaltamos a importância pedagógica da expressividade corporal do professor,
contribuindo para a produção/mobilização de conceitos. Os braços abertos possibilitaram a
imaginação de uma grande quantidade. Essa expressividade, inclusive, contribuiu à resolução do
problema, uma vez que possibilitou um desafio de contagem envolvido além do senso numérico.
De acordo com Chauteau (1987), o adulto, apesar do seu tamanho aparece como um igual
para a criança. Se, por um lado a criança pequena acredita ser capaz de fazer tudo, por outro, não
92
existe ainda o abismo os separando dos adultos. O apelo do “mais velho” é para ela como o apelo
“dum igual”. Portanto, para um educador não basta ser sensível e interveniente. É necessário
poder também preencher a tripla função de animador, participante e observador. Entendemos que
o contador de histórias, também possui essas funções e utiliza as expressões corporais como
forma de potencializar a compreensão do enredo da história. Esta observação evidencia uma das
maneiras de comunicação nas aulas de matemática, a expressão corporal, que, geralmente, não é
valorizada pelo professor, porém pode apontar como o aluno desenvolve outras maneiras de se
relacionar com a matemática.
Após a socialização das várias resoluções, pudemos ter indícios de que os alunos
chegaram a diferentes maneiras de controlar a variação da quantidade de animais. Despedi-me
dos alunos que mandaram abraços ao Negrinho do Pastoreio e ficaram de fazer uma votação para
darem um nome a ele. Esta contação durou cerca de 3 horas, com todos os alunos envolvidos.
Porém, ao observar os registros produzidos pelos alunos, identificamos a necessidade de
um retorno àquela turma, com o objetivo de promover um segundo momento para o registro; um
registro após toda a socialização.
Este encontro ocorreu depois de quinze dias (15/06/2005). Fui bem recebida e os alunos
se recordavam de tudo o que havia sido discutido. Então, solicitei o registro individual para
analisar como ficaria a resolução do problema após a socialização. Esta intervenção junto aos
alunos durou cerca de 2 horas.
93
Figura 3.8: primeiro registro da aluna C.
Na figura 3.8 temos a resolução do problema do controle de variação de quantidades
através das marcas com tinta, que é uma prática semelhante as marcas feitas nos animais pelos
criadores. Mesmo depois da socialização das diferentes maneiras de controle de variação de
quantidades o aluno R (figura 3.9) continua a valorizar esta forma de controle.
Podia pegar um monte de
tinta, uma de cada vez e pintar
um pouquinho de cada vez. E
pondo para ele não perder e ele
ia saber.
ele não apanha muito e
nem pouco.
94
Figura 3.9: segundo registro do aluno R.
Analisando os dois registros, percebemos como após a socialização (comunicação de
idéias) os alunos se apropriaram das resoluções compartilhadas e fizeram representações
pictóricas que evidenciavam o controle de variação de quantidades usando símbolos numéricos e
relacionando a quantidade de animais à quantidade de gravetos e/ou pedras. Isso indícios de
que essa aprendizagem se tornou significativa, desenvolvendo-se do geral para o particular.
O momento da socialização possibilitou intervenções da professora/pesquisadora e da
própria professora da classe no sentido de contribuir na resolução do problema analisando as
diferentes estratégias.
O que pudemos observar no 2º registro foi que houve uma evolução no sentido de
aprimorar estratégias e registros. Assim, os alunos se apropriam dos elementos valorizados por
outros colegas e acrescentaram outros elementos que não haviam considerado anteriormente,
considerando-se um “outro ponto de vista” sobre o mesmo problema.
95
Figura 3.10: primeiro registro do aluno G. Figura 3.11: segundo registro do aluno G.
A figura 3.10 e 3.11 são registros do mesmo aluno. O aluno separa com um traço o curral
e o pasto, mas não evidencia como seria o controle da variação de quantidades (figura 3.10). Na
figura 3.11, o aluno traz no registro o curral separado do pasto e escolhe as marcas com riscos
para controlar a quantidade de animais, observando ainda a existência de animal no curral e no
pasto, como se o Negrinho do Pastoreio estivesse guardando os animais naquele momento do
registro.
84
Figura 3.12: primeiro registro do aluno P. Figura 3.13: segundo registro do aluno P.
Já na figura 3.12, ele registra muitos animais e os símbolos numéricos, representando uma
grande quantidade de animais sem, necessariamente, desenhá-los. Entretanto o registro não
evidencia como controlar tais quantidades. Na figura 3.13, o aluno, traz o controle de variação de
quantidades através das pedrinhas, ou seja, para cada animal uma pedrinha, observando o
movimento dado pelo aluno às pedrinhas no chão e uma na mão do Negrinho. Na figura 3.12, a
casa é extremamente simples, já na figura 3.13, existe uma preocupação com a melhoria estética
da casa. Na figura 3.12, o aluno ocupa toda a folha para o registro, mas na figura 3.13, não ocupa
nem a metade da folha e desenha os animais em perspectiva, um conceito pouco, ou quase nunca,
tratado pela escola. O aluno se apropria de tal maneira do conhecimento científico, elaborando
seu registro de maneira a evidenciar, aquilo que ele sabe do objeto. Este saber é individual, mas
foi construído socialmente.
A análise deste episódio possibilitou evidenciar que esta história virtual do conceito, foi
potencializadora dos seguintes aspectos: a resolução de problemas nas séries iniciais, a
comunicação de idéias nas aulas de matemática, o registro textual e/ou pictórico de diferentes
85
estratégias a produção e/ou mobilização de conceitos matemáticos, compartilhamento de
significados e sentidos atribuídos do coletivo para o individual e desenvolveu nos alunos a
necessidade de se colocarem em movimento do “fazer matemático”.
Episódio 2: contação da história “Os Ovos em Questão”
“Os Ovos em Questão”, uma história adaptada do livro “O Caso dos Ovos
28
, considerada
assim, porque foi interrompida em uma determinada parte e criou-se um problema a ser resolvido
por um personagem da história (a galinha mãe). A síntese da história
29
é:
Um Coelho, chamado Dom Coelho, faz uma encomenda de ovos da
Páscoa a um galinheiro, mas as galinhas sentindo-se injustiçadas
resolvem não cumprir o combinado, entregar os ovos sete dias antes da
Páscoa para serem enfeitados, embalados e entregues no domingo de
Páscoa as crianças. O problema
30
surge quando a personagem da Galinha-
Mãe deve propor quais são as condições dadas para as galinhas voltarem
a botar os ovos para o Dom Coelho uma semana antes do domingo de
Páscoa.
O objetivo maior do problema era identificar se os alunos eram capazes de levantar
hipóteses quanto: a quantidade de ovos necessários até a Páscoa; a medida do tempo para o
fornecimento dos ovos; e, a possibilidade de reivindicações de melhores condições de trabalho.
Além disso, entendemos que as estimativas envolvem o controle de quantidades em um
determinado tempo, bem como que as condições sociais de trabalho interferem em uma melhor
qualidade de vida. Tanto as estimativas quanto a reivindicação por melhores condições de
trabalho representam conceitos historicamente produzidos pela humanidade.
28
BELINKY, Tatiana. O caso dos ovos. 6ª ed. São Paulo: Editora Ática, 1996.
29
A história completa está em anexo 2.
30
A problemática desta história não ficou evidente, porém este fato não foi obstáculo para o desenvolvimento da
contação da história.
8
6
Cenário: uma escola que fica num bairro da cidade povoado por uma favela. A classe
escolhida foi uma turma de Educação Infantil pertencente à rede municipal da cidade de
Francisco Morato, alocada no porão de uma igreja católica num prédio alugado. Nesse prédio
existem duas classes divididas por madeira, com as paredes rústicas e a cozinha muito próxima
das classes. O refeitório não tem janelas e é um ambiente escuro. Na sala dessa turma existe,
ainda, uma viga dificultando a visualização de toda a sala de aula. Outro fator de destaque é que
muitos alunos desta classe tiveram contato com as discussões na família sobre a invasão de terras
e a dificuldade de moradia. Além do mais, é comum às famílias dos alunos desta turma ter
criação de galinhas.
Essa turma tinha vinte e quatro alunos freqüentes com idades entre 5 e 6 anos e
funcionava no período matutino. A contação ocorreu no dia 11 de abril de 2006. Evidencia-se
que essa turma era habituada a trabalhar com histórias, sendo esse tipo de atividade uma
prática da professora dessa classe. A contação durou cerca de 3 horas.
Foi utilizado o recurso do retroprojetor para os alunos visualizarem as imagens das
galinhas e do coelho envolvido na história. As transparências eram coloridas, motivando o
registro pictórico, na maioria deles, também colorido.
Tivemos o cuidado em aplicar essa história exatamente sete dias antes da Páscoa,
conforme o enredo da história. Desejávamos nos aproximar da situação proposta na história, para
que a resolução fosse a mais próxima da situação real, porque os alunos eram bem pequenos (5 e
6 anos).
A turma foi muito receptiva à professora/pesquisadora, sendo que inicialmente ocorreu à
discussão relacionada à semelhança entre a professora da classe e a professora/pesquisadora. A
professora era a mesma em que foi aplicada a história do Negrinho do Pastoreio.
87
Destacamos a seguir algumas cenas ocorridas durante as discussões nos grupos e no
momento de socialização. Em seguida processamos a análise por contraste com os registros
textuais e/ou pictóricos.
Cena 1: Produzindo o 1º registro no grupo
P
31
: Vocês vão por aqui, na folha, o que vocês acham que o Dom Coelho tem que fazer para que
as galinhas voltem a botar. Porque senão as criancinhas não vão receber os ovos. (Pausa)
32
Então
vou dar uma folha de sulfite para cada um de vocês. E, vocês vão colocar na folha o que vocês
acham que o Dom Coelho deve falar ou fazer para que elas voltem a botar.
Joelma
33
: Eu sei.
P: Então eu vou dar a folha. Pode ser? O que está acontecendo?
Samantha: Elas botaram.
P: Ah! Elas botaram para o Dom Coelho? Por que elas botaram?
Julia: Por que ele ajudou.
P: Ele ajudou a botarem? Como que ele fez pra ajudar elas botarem?
Samantha: Ele arrumou um galinheiro. (diminuiu o tom de voz)
P: Ah! Arrumou um galinheiro. Como arrumou um galinheiro?
Samantha: Um galinheiro novo.
P: Olha. Então você acha que o Dom Coelho tem que dar um galinheiro novo para elas botarem?
Samantha: (Balançou a cabeça dizendo que sim).
Cena 2: Produzindo o 1º registro no grupo 2
P: O que você registrou aqui?
Rogério: Aqui galinha botando o ovo.
P: E por que ela botou? Elas queriam botar?
Rogério: Queriam.
P: Mas, o que o Dom Coelho teve que fazer para elas botarem? O que vocês acham?
Alunos: Ele foi embora.
P: Ah, elas botaram por que ele foi embora? (Pausa) Ah tá, mas quem vai levar esses ovos
para as criancinhas? Não era o Dom Coelho quem ia levar?
Alunos: Ele leva.
P: Mas ele volta e leva? Ah, tá! Então, ele foi embora e elas botaram, aí depois ele voltou e levou
os ovos.
Alunos: Isso.
Cena 3: Produzindo 1º registro no grupo 3
P: Vamos lá, o que aconteceu?
31
O “P” é a transcrição da fala da professora/pesquisadora.
32
No meio das falas, as escritas em itálico, são comentários da professora/pesquisadora sobre as transcrições.
33
Os nomes dos alunos citados durante as cenas são fictícios.
88
Aline: A galinha botou quando o coelho foi lá.
P: Ah é! Depois ele levou, ou levou na hora?
Lucas: Levou na hora.
P: Ah tá. (Pausa) Mas, as galinhas, as galinhas não ficaram falando que elas não iam botar? Que
elas estavam em greve, não é? Quando uma pessoa em greve, o que acontece? O que acontece
Andressa?
Andressa: Vou lembrar.
P: Por que elas voltaram a botar? O que a galinha falou pra ele? O que vocês acham que o Dom
coelho deveria fazer para que as galinhas voltassem a botar?
Lucas: Não sei.
Luis: Nada.
P: Por que elas estavam em greve? O que é estar em greve? Você ouviu falar em greve na
televisão?
Alunos: Não.
Andressa: Eu já ouvi.
P: Já ouviu?
Andressa: Os ônibus.
P: E o que acontece quando os ônibus estão em greve?
Andressa: Meu pai ficou em casa.
P: As pessoas vão trabalhar? Eles trabalham? Os ônibus andam quando estão em greve? Os
trabalhadores vão trabalhar quando o trem está em greve?
Alunos: Não.
P: Então, as galinhas estavam botando se estavam em greve?
Alunos: Não.
P: E aí, o que a galinha-mãe pediu para que elas voltassem a botar?
Andressa: Ah! Já sei agora (falando baixo)
Cena 4: Produzindo 1º registro no grupo 4
P: O que você desenhou?
Viviane: Ovos.
P: Quantos?
Viviane: 4 ovos.
P: O que está acontecendo com a galinha aqui?
Ruan: Ela tá na casa dela.
P: Tá na casa dela fazendo o quê?
Ruan: Tá botando.
P: E o que o Dom Coelho fez para elas voltarem a botar?
Ruan: Ele chamou elas.
P: Chamou elas e falou o quê? Fez o quê?
Ruan: Para elas botarem. (O aluno imita a voz do Dom Coelho ordenando que as galinhas
botem)
P: Ah, você acha isso também Rodrigo?
Rodrigo: Acho.
Cena 5: Produzindo 1º registro no grupo 5
89
P: Quantos ovos têm aqui? (apontando para o desenho do aluno)
João: Um, dois, três. (o aluno aponta para cada ovo desenhado e conta)
P: Ah! Então quantos ovos você fez?
João: Três.
P: Três ou treze?
João: Três.
Vanuza: Eu fiz treze ovos.
P: Será que treze ovos, João e Vanuza, dão para o Dom Coelho levar para todo mundo que
precisa?
Vanuza: Não.
P: Treze ovos dão para entregar um para cada aluno dessa classe?
Vanuza: Um, dois, três,... (se levanta e começa a contar em voz alta, quantos alunos tinha na
classe naquele dia).
Rodrigo: Hoje tem 22.
Vanuza: Prô não dá.
P: Então o que o Dom Coelho tem que fazer para ter os ovos?
Vanuza: Hum, ta, ta.. (falava se dirigindo para o grupo como se fossem pensar)
Cena 6: Socializando as estratégias da resolução do problema
P: Pessoal, agora nos vamos conversar sobre o que vocês acham que o Dom Coelho deve fazer
para que as galinhas voltem a botar os ovos para serem entregues na Páscoa. Quem vem?
Gabriel: Não estavam felizes, estavam bravas e cansadas de botar ovos. Dom Coelho deveria
fazer um galinheiro novo.
Rafael: O Dom Coelho achou um ovo e pediu para as galinhas. Ele não achou um ovo ele
achou 9. As galinhas estavam botando antes do Dom Coelho chegar.
Marcos Vinicius: Fez uma escada para ir de uma para outra. (de um galinheiro para outro)
Andressa: As galinhas botam os ovos, mas escondeu do Dom Coelho.
Gabriel: No Gugu no domingo eu vi ovo da Páscoa que veio da fábrica e não das galinhas.
Marcos Vinicius: Mas antes de existir fábrica de chocolate era os ovos das galinhas.
Alunos: É mesmo Gabriel.
Matheus: As galinhas vão botar mais de 22 ovos no galinheiro novo. (por conta da sua
intervenção....)
Gabriel: Eu acho que ele vai pedir: Donas Galinhas, por favor, botem os ovos (o aluno imita a
voz do Dom Coelho)
Marcos Vinicius: O Dom Coelho faz o galinheiro novo e as galinhas pegam a escada para ir onde
os ovos estão escondidos.
Andressa: Isso mesmo.
Cena 7: Validando na classe as conclusões da socialização.
P: Pessoal, o que vocês acharam dessas idéias?
Alunos: Gostamos.
90
P: Será que um galinheiro novo e pedindo, por favor, as galinhas entregam os ovos escondidos
para o Dom Coelho?
Alunos: Sim
Gabriel: Prô, aí as galinhas ficam contentes.
Rafael: E as crianças também.
P: Então, classe tudo bem com esta idéia?
Aluno: Eu gostei.
Aluna: Eu também.
P: Mas por que um galinheiro novo?
Gabriel: Cada uma vai ter onde botar e é mais limpo, tem mais lugar pra ficar. As galinhas em
casa ficam perto da cozinha porque não tem lugar pra ficar.
P: Por que não tem lugar pra ficar?
Gabriel: Não tem quintal lá em casa.
Alunos: Na minha também não (vários alunos declaram não ter quintal).
P: Com um quintal maior dá para construir um galinheiro melhor Gabriel?
Gabriel: Dá para brincar também.
P: Então com um espaço maior, para fazer um galinheiro melhor e as galinhas não vão ficar
bravas e em greve?
Alunos: É.
Cena 8: O segundo registro.
P: Pessoal, agora vocês vão fazer outro registro, depois da conversa que tivemos sobre o que o
Dom Coelho deveria fazer para as galinhas voltarem a botar.
Análise do episódio 2
Durante a análise pudemos perceber como a fala conclusiva, “Ah! Arrumou um
galinheiro. Como arrumou um galinheiro?” (professora/pesquisadora, cena 1), mascarou outro
caminho para a estratégia que os alunos poderiam ter desenvolvido, como em vez de arrumar o
galinheiro existente, ele poderia ter colocado as galinhas em outro galinheiro, não deixaria de ser
a idéia de arrumar um galinheiro, como a troca durante a compreensão e resolução do problema.
Este fato evidencia como a intervenção, muitas veze
91
Mas, na cena 2, mesmo com a intervenção da professora/pesquisadora no grupo é evidente
que os alunos não compreenderam o problema. A incompreensão do problema, o pode gerar a
discussão de estratégias, pois para o aluno a resolução deste problema não se tornou uma
necessidade. Ainda, pode ocorrer do grupo não compreender o problema (cena 3), mas a
intervenção da professora/pesquisadora, diferentemente, do grupo na cena 2, possibilitou que
uma aluna conseguisse compreender o problema e a elaborar uma estratégia coletiva ao
compartilhar seu entendimento com os colegas,“Ah! sei agora (falando baixo)”(aluna
Andressa, cena 3).
As cenas 4, 6 e 7 , evidenciam o processo de resolução e execução do plano para a
resolução do problema do personagem da história virtual do conceito. Mesmo os grupos das
cenas 2 e 3, que inicialmente não compreendiam o problema, se sentiram desafiado a explorá-lo e
as intervenções potencializaram esse desafio e levou-os a pensar e a negociar um plano que
pudesse ou não ser validado pelo próprio aluno e pelo grupo.
Pensar sobre o problema, comunicar este pensar oralmente traz à tona histórias de vida
dos alunos, que para compreender os termos usados na história recorre ao seu conhecimento de
vida, tal como a discussão sobre o que é greve (cena 3); é o jogo de faz-de-conta: uma atividade
lúdica que coloca em movimento objetos, gestos e a cultura dos mais experientes, neste caso a
experiência de ver seu pai em casa em um dia de greve, é o se apropriar do mundo humano e este
penetra em sua constituição como sujeito histórico.
As idéias de cada aluno, sobre a criação de galinhas, ficaram evidentes no registro (fig.
3.14). Nesse registro o aluno está desenhando sobre o que ele sabe das galinhas, ao desenhar, o
aluno, “ainda que pelo mero prazer de rabiscar e produzir inúmeras figuras, estará expressando o
contexto no qual está inserido assim como as coisas a que está sendo exposta” (GOBBI, 1997, p.
16).
92
Figura 3.14: primeiro registro do aluno S.
Na figura 3.14, o aluno desenha os pintinhos saindo da casca e durante a entrevista
questionado sobre este detalhe, declara: “lá em casa tem galinha e vi nascendo pintinho”
(aluno Sávio, durante a entrevista).
Figura 3.15: primeiro registro do aluno M.
Figura 3.15: primeiro registro do aluno M.
93
Na figura 3.15 o objeto semelhante a um triângulo, é a representação do tipo de lugar que
as galinhas se acomodam durante a noite. Como dito pelo Gabriel (cena 7), muitos alunos desta
classe moram em residências que não tem quintal
34
e por isso os galinheiros são desta maneira,
durante o dia as galinhas andam pelos corredores entre as casas e de noite dormem nestes
“puleiros” que ficam muito próximos à parede da casa, . Além disso, nota-se a representação dos
vinte e dois ovos, quantidade essa definida pelo número de alunos da classe, conforme a
intervenção da professora/pesquisadora “treze ovos dão para entregar um para cada aluno dessa
classe?” (professora/pesquisadora, cena 5).
Os registros pictóricos evidenciam o lugar que os alunos vivem e qual o sentido que eles
atribuem aos objetos para a resolução do problema; o sentido é pessoal que se “cria na vida, na
actividade do sujeito” (LEONTIEV, 1978, p. 96).
Durante a socialização e validação da resolução do problema (cena 6 e 7), o que
inquietava os alunos não era a quantidade de ovos necessária, já que para eles as galinhas
continuariam a botar, porém os ovos estavam escondidos do Dom Coelho (cena 6), mas, era a não
entrega dos ovos para o Dom Coelho, eles se prenderam na resolução do problema em relação as
condições de trabalho. Ter um galinheiro novo com espaço adequado para o seu trabalho é
relacionar a generalização das condições de vida, moradia e trabalho para a situação particular da
resolução do problema da história virtual do conceito. Esta é uma perspectiva emancipadora do
aluno, logo pode ser considerado um conhecimento científico matemático escolarizado, que é
“um passo para uma maior consciência das questões sociais e da necessidade de mudança social,
e para a luta contra a injustiça” (ERNEST, 1998, p. 46).
34
Segundo Houaiss e Villar (2001) quintal é terreno, com jardim ou horta, atrás de uma casa de moradia ou junto a
ela.
94
Na cena 8, ficou evidente como os alunos após a socialização e validação (cena 7) das
diferentes estratégias de resolução do problema (cena 6), desenvolvem outro registro, que
representou uma evolução.
Figura 3.16: primeiro registro do aluno R. Figura 3.17: segundo registro do aluno R.
Na figura 3.16, a galinha está de costas para o coelho com os ovos, na figura 3.17, a
galinha entrega os ovos para o coelho. Demonstra neste registro como o aluno se apropriou,
durante a comunicação de idéias na aula de matemática, da estratégia da resolução do problema
de que deveria existir uma conversa do Dom Coelho com as Galinhas, para entregarem os ovos,
além do que a quantidade de ovos no primeiro registro (9) foi ampliada no segundo registro (um
saco com muitos ovos). Estes registros evidenciam que a atividade de ensino possibilitou a
apropriação do conhecimento pelo aluno, que foi primeiro compartilhado para depois se tornar
uma saber individual.
95
Figura 3.18: primeiro registro do aluno JV.
Figura 3.19: segundo registro do aluno JV.
Na figura 3.18, o aluno representa vários objetos soltos, porém estão dentro do contexto
da história, que é o galo, galinha, ovos e galinheiro. Além disso, foi o único registro que se
aproximou de uma tentativa de se estabelecer a estimativa entre a quantidade de ovos botados
diariamente e o número de dias restantes para a Páscoa. Em seu registro notamos a quantidade
96
sete representada em vários campos: no lugar onde as galinhas botavam, no local de guardar os
ovos, bem como no registro da quantidade de ovos. O aluno que produziu este registro estava em
um grupo que não reagia as intervenções e que durante a tempestade de idéias (cena 6), não
participou das discussões. Esse fato indica que o silêncio de alguns alunos durante a aula, não
determina que ele não esteja produzindo, mas que as diferentes maneiras de analisar o registro da
resolução do problema, evidencia que o aluno, também, está envolvido e em atividade. no
registro (Figura 3.19), o aluno se apropria da resolução validada pela classe e acrescenta um carro
para a locomoção dos ovos, que seriam levados para as crianças no domingo de Páscoa. Estes
registros evidenciam como a generalização do objeto carro e a sua significação teve um sentido
pessoal para o aluno nesta situação particular da resolução do problema. Este carro serve para
locomover rapidamente os ovos de Páscoa para as crianças.
De uma maneira geral, notamos que na Educação Infantil a discussão sobre a resolução do
problema, bem como a própria compreensão do problema, fica mais expressiva durante a
socialização oral da resolução do problema (cena 6 e 7). O objetivo maior do controle de
quantidades e estimativa não foi determinante para a resolução do problema, embora a
compreensão de que a quantidade de ovos deveria ser excessiva aconteceu uma vez que, o meio
de transporte proposto pelas crianças para que o coelho levasse os ovos era o carro ou caminhão.
Episódio 3: contação da história “Liberdade para as Galinhas”
“Liberdade para as Galinhas” foi uma história adaptada do filme “A Fuga das Galinhas”
35
.
É considerada adaptada porque o filme foi assistido pela professora/pesquisadora que, partindo
dele, elaborou a história. Esta história foi aplicada no Ensino Fundamental I e II, na qual foi
35
Título Original: Chicken Run; Ano de Lançamento (EUA): 2000.
97
usada a imagem de um galinheiro para representar o espaço onde elas viviam e quais os
obstáculos encontrados à fuga.
As Galinhas desta história
36
viviam em um pequeno lugarejo, chamado
“Vivo Feliz”, onde havia um sítio, estranhamente cercado com arames e
vigiado, dia e noite, por seguranças acompanhados de cães ferozes. A
proprietária deste sítio era a Dona Marisvalda, uma senhora brava, que
além de dona do sítio era, também, dona da Granja dos Silva. D.
Marisvalda sempre estava de cara fechada e preocupada com o aumento
dos lucros de sua granja. No galinheiro de D. Marisvalda, as galinhas
viviam e trabalhavam em um regime quase “militar” de vida, pois se não
cumprissem a meta de botar os ovos diariamente eram mortas, sem
piedade, com uma machadada no pescoço. No entanto, a Galinha
Matusquela, percebendo que aquilo não era vida, chamou as outras
galinhas para uma conversa séria e iniciaram um plano de fuga. Nesse
momento foi entregue aos alunos uma representação do galinheiro (figura
2.3).
Figura 2.3: representação do galinheiro.
Os alunos
37
deviam analisar a representação do galinheiro, criar um plano de fuga para as
galinhas conquistarem sua liberdade para descobrirem o que existia atrás do morro. Este plano
36
A história completa está em anexo 3.
37
A problemática desta história não ficou evidente, porém este fato não foi obstáculo para o desenvolvimento da
contação da história.
98
deveria ser executado pelas galinhas em no máximo 24 horas, pois chegou ao sítio uma máquina
de fazer empadas que seria montada no próximo dia e este era o tempo que as galinhas tinham
para fugir ou, então, virariam empadas da D. Marisvalda.
O objetivo desse problema era identificar se os alunos eram capazes de criar estratégias
para a resolução do problema dos personagens, ou seja, desenvolver um plano de fuga a partir da
representação do galinheiro; bem como, analisar como os alunos fazem uso do referencial
espacial relacionando com os obstáculos: tamanho do muro, tempo para fuga e as deficiências
físicas de uma ave para fugir usando objetos do “nosso uso”. Além disso, entende-se a elaboração
de planos de fuga e mapas de localização como estratégias produzidas pela criança semelhante à
estratégia “experimentada” pelo homem historicamente.
Cenário: Uma das salas em que ocorreu a contação da história foi em uma série do
Ensino Fundamental, a mesma classe onde foi realizado o primeiro estudo (história do Negrinho
do Pastoreio), porém com outra professora. A turma era composta por quarenta e quatro alunos
freqüentes com idades entre 9 e 11 anos, no período matutino. Essa turma, tinha níveis de
aprendizagem diferentes, apesar de cinco alunos terem permanecido na série. O grupo, no
99
A pesquisadora retornou, no dia 28 de junho de 2006, para dar continuidade à
socialização. Os alunos estavam agitados para iniciar as discussões. Cada grupo se dirigia até a
frente da sala e explicava como deveria ser resolvido o problema. Os demais grupos faziam
perguntas oralmente de maneira a levar os colegas a analisarem se o plano era possível. A
socialização durou 3 horas aproximadamente; a professora da sala não acompanhou todas as
discussões, bem como não realizou intervenções. Dessa forma, as intervenções ficaram por conta
da professora/pesquisadora.
Notamos que não houve indisciplina e nem desinteresse, todos aguardavam ansiosos a sua
vez de discutir o plano de fuga para as galinhas.
Depois da socialização das propostas para a resolução do problema das galinhas, cada
aluno produziu um segundo registro que foi acompanhado pela professora da classe.
Cena 1: Produzindo o 1º registro do grupo 1
P
38
: Pode escrever e fazer desenho desde que vocês registrem como deve acontecer a fuga.
(Pausa)
39
Tudo certo?
Gabriel
40
: Opa, tô quase.
Anderson: Pode ser desenho?
P: Pode ser desenho ou escrever, tanto faz.
Anderson: Votação. Quem quer desenho?
Anderson: Eu.
Jessé: Eu acho melhor escrever.
P: Por que você acha melhor escrever?
Jessé: Por que sim, é mais fácil.
Anderson: Eu prefiro desenhar, porque o meu lema é desenhar, gosto mais de desenhar que
escrever.
P: E se vocês entrassem em acordo?
Anderson: Até que podia sim, ó eles dois escreviam e eu e ela desenhavamos.
P: Porque cada um vai fazer o seu.
Anderson: Eu e ela arquitetamos e eles escrevem.
38
O “P” é a transcrição da fala da professora/pesquisadora.
39
No meio das falas, as escritas em itálico, são comentários da professora/pesquisadora sobre as transcrições.
40
Os nomes dos alunos citados durante as cenas são fictícios.
100
P: Pode ser. O que é arquitetar para você?
Anderson: Arquitetar é desenhar.
P: Ah! Só arquiteta quando desenha?
Anderson: É.
Jessé: Não, arquitetar é um monte de coisas como,...
Jessé: O avião é arquitetado para fazer...
P: Fizeram um planejamento?
Anderson: É. Aqui ó (mostra a representação do galinheiro), isso aqui, é um planejamento.
P: Aqui é a casa da Dona Marivalda.
Anderson: A senhora arquitetou. (Pausa) Isso é um negócio arquitetado, agora nos temos
agilizar o plano.
P: Isso.
Anderson: A casa e a granja já estão arquitetadas.
Cena 2: Produzindo o 1º registro do grupo 2
José: Mais tem teto?
P: O que leva vocês a pensar sobre o teto nesse desenho?
José: Porque senão ficaria muito fácil.
José: E também choveria nelas.
P: Então manda ver.
José: Não Professora (pesquisadora)! Não tem teto. Porque quando aquela coisa (o Galo) estava
caindo foi aqui no meio. (mostra no desenho o meio do galinheiro)
Cena 3: Produzindo o 1º registro do grupo 3
P: E aqui? O que está acontecendo?
Augusto: É ele aqui (aponta para outro aluno do grupo), que está brigando com esse aqui que
está apagando.
Antonio: Eu não estou fazendo nada.
P: O que você quer fazer?
João: Ele estava fazendo um negócio errado aqui e ele falou para apagar.
P: Não, mais, deixa ele.
Antonio: Eu falei para primeiro conversarmos e depois desenharmos.
P: Entendi.
João: Tudo tem que ser como ele quer. Ele quer fazer o dele primeiro.
Antonio: Você quer desenhar.
P: E por que você acha importante primeiro vocês conversarem?
João: PaLT*[(J)-1.90243(o)-4.0 -138Paner desenher.
P: Por que vocisore aaisjaos
101
P: Você estudava aqui ano passado Augusto?
Augusto: Não.
P: Você entendeu como é? Eles primeiro querem conversar e discutirem o plano para depois
decidir se vai ficar assim. Então vocês decidem como será o desenho de cada um para
registrarem. Pode ser?
Augusto: Mas e se ele desenhar o que eu desenhei?
P: Não vocês vão conversar depois cada um vai fazer o seu.
Cena 4: Produzindo o 1º registro do grupo 4
Maria: Se aqui é o muro de dois metros então, nos temos que dar um jeito de passarmos pelos
cachorros, sem sermos percebidos por ele.
Severina: Mas você falou que cavando terá segurança.
Maria: E se cavar por aqui?
Severina: Para que lado fica o morro?
P: Para que lado fica o morro?
Severina: É isso que estou perguntando.
P: O morro fica de frente, temos o galinheiro (mostra o galinheiro), aqui a porteira, à frente a
saída do sítio. Porque o galinheiro é aqui, não quer dizer que o sítio acabou. Você tem a porteira
lá de saída, então na frente da porteira você tem o morro.
Severina: Então, tem mais cercas atrás?
P: Tem. Ao redor tem o restante das terras dela (D. Marisvalda).
Cena 5: Produzindo o 1º registro do grupo 5
P: Fala menino e meninas.
Bruna: O Prô! Se ela fazer um desenho, todo mundo vai ter que fazer igual o dela?
P: Não precisa ser todo mundo igual, mas vocês têm que pensar num plano de fuga. Então como
que será esse plano? Vocês pensaram e conversaram sobre isso?
Bruna: Ela tava pensando que elas podiam subir em uma escada.
P: O que?
Bruna: Fazer uma escada.
P: E quanto será que tinha que medir essa escada? Porque o muro aqui tem 2 metros e meio. E
como que elas iam fazer essa escada? O que elas iam usar? Tem que pensar nisso.
(os alunos passaram a refletir sobre as questões propostas pela professora/pesquisadora)
Cena 6: A socialização das estratégias de fuga das galinhas
P: A gente discutindo como essas galinhas deveriam fazer. Em uma dessas tentativas, em um
desses dias, chegou no galinheiro o galo Rock, o galo Rock Show Voador. E ele prometeu ajudar
as galinhas voar, mais umas das coisas que a gente percebeu é que galinha não voa tão alto. Então
nos já tivemos três propostas da fuga das galinhas não foi isso?
102
Alunos: Foi
Bruna: A catapulta.
P: A catapulta do grupo do Kevin. As galinhas iam fugir durante a noite.
Kevin: A proposta era que as galinhas fugiriam durante a noite das 04:30 às 05:00 horas. Elas
iam jogar o repolho para um lado.
P: Como as galinhas não agüentavam o repolho, elas iam por na catapulta, que era uma
ferramenta, como o Kevin explicou, muito usadas nas guerras antigas, que você lançava...
Kevin: Então as galinhas lançavam o repolho e distraiam os seguranças.
P: Outra coisa, quando a gente pensa em plano a gente tem que pensar só no óbvio?
Alunos: Não
Jesiane: Nos detalhes.
P: Tem que pensar nos detalhes. Os nossos questionamentos estão nos levando a ver que os
detalhes são muito importantes, então votem que ter um tempo esperado. E para atingir os
objetivos do plano você tem que pensar em todos os detalhes.
P: Depois foi o grupo do Pablo, não foi? Do Pablo, do Gabriel, Cauã e Ana Paula (pausa). E
qual foi à proposta deles?
Ana Paula: É, tinha uma toupeira e um gambá. O Gambá foi idéia minha e a toupeira foi idéia
dele.
P: Teve uma discussão porque eu achava que o gambá exalava cheiro no corpo, daí os meninos
me corrigiram falando que não, que ele solta um “pum” quando se sente ameaçado... É isso aí,
em uma discussão a gente vai aprendendo com o outro.
Pablo: É mesmo Prô. Então a toupeira ia cavar o buraco para que o gambá passe e quando a
toupeira chegasse perto dos seguranças o gambá ia ser ameaçado e ia exalar o cheiro e os
seguranças saiam correndo.
Ana Paula: Não, não era isso. Primeiro a toupeira começa a cavar o buraco com o rabo e depois
ela termina de cavar com a língua. que daí quando ela chegar nos seguranças o gambá vai em
cima. O Gambá ia soltar o “pum”. Talvez os seguranças iam desmaiar com o “pum”.
P: E as galinhas?
Ana Paula: Certo! E as galinhas iriam fugir pelo buraco, não era isso?
P: Fala Kevin.
Kevin: E se o chão fosse de concreto.
P: E aí? Deixa eu falar uma coisa, será que é possível um galinheiro de concreto?
Kevin: Não, você não entendeu.
P: Espera um pouquinho Kevin só para ouvir a explicação do Willian, por que Willian?
William: As galinha podem catar minhocas para comer, como vai ser de concreto?
Kevin: A D. Marisvalda tinha um chão de concreto e jogou terra em cima. É isso.
P: Mas será que se a D. Marisvalda tivesse um chão de concreto ela não estaria levantando a
hipótese de que as galinhas fugiriam um dia?
Ana Paula: É mesmo. Kevin não era de concreto.
P: É porque ela nem acreditava no Astolfo. Vocês lembram que o Astolfo nem falava que as
galinhas estavam fazendo um plano de fuga, porque todo mundo achava que ele estava ficando
louco.
Kevim: Como ficou então o plano deles (do grupo que estava expondo)?
Ana Paula: Ia só cavar para afastar os cães e chegar aos seguranças. E com o “pum” os
seguranças iam desmaiar e as galinhas iam fugir pelo buraco.
P: Tudo bem então?
Grupo: Tudo.
103
P: Próximo grupo.
P: Estamos aqui questionando um grupo e o outro por uma simples questão. É porque a gente tem
que pensar no melhor plano de fuga e às vezes quando a gente está pensando em grupo a gente
não consegue observar todos os detalhes por isso, que nos estamos questionando. Tudo bem?
Jenifer: O Pedro tava tentando a idéia das galinhas jogarem ovos na cabeça dos cachorros.
Janaina: Daí abria o portão.
Jenifer: Iam jogar ovo na cabeça dos cachorros, iam pegar a catapulta e as galinhas iam jogar os
ovos para distrair os guardas. Para abrir o portão as galinhas tinham um negócio de metal para
abrir o portão.
José: Oh! Professora que horas ia acontecer isso?
Gabriel: Tipo uma chave não era?
Jenifer: A catapulta ia lançar por cima do muro, os seguranças iam ver o que tinha ali, iam ficar
distraídos nisso e as galinhas fugiriam pelo portão.
P: Olha a pergunta do José. Que horas?
Kevin: Como elas conseguiram o material para fazer a catapulta?
José: Chama os ratinhos igual no filme.
P: Mas será que necessariamente eu preciso de outros animais pra conseguir o material, meninos?
Será que eu preciso necessariamente dos ratinhos para conseguir material da catapulta ou será
que as galinhas não são capazes de criar?
Kevim: Mais elas não precisariam dos ratinhos poderiam montar, porque não tem nenhum
segurança com três metros (o muro tem 2 metros e meio, sendo desnecessário “distrair” o
segurança).
Ester: É ninguém tem este tamanho.
P: Certo.
Kevin: Não tinha como eles verem nada lá dentro.
Ester: Elas poderiam desmontar umas casas e usar as madeiras (pensando na construção da
catapulta).
P: É uma hipótese.
William: É mesmo.
Celso: Mais e se o plano não desse certo?
Alunos em grupo: As galinhas viram torta.
Cena 7: Continua a socialização das estratégias de fuga para as galinhas.
P: Enquanto todos dormiam, as galinhas iam cavar, elas iam mesmo cavar?
Josefa: As galinhas cavam?
Alunos: Cavam.
William: Quando elas querem fazer um ninho elas precisam cavar.
P: Isso, mais aí a gente não pode esquecer que este cavar é raso, fala?
Bruna: Professora quando elas querem comida elas cavam.
P: É, uma galinha cavando faz buraco pequeno e muitas galinhas?
Kevin: Um buracão.
P: Mais não era um plano de fuga do galinheiro?
Alunos: É.
P: Isso era o desejo de uma galinha só, gente?
104
Alunos: Não.
Jenifer: O Prô e se por acaso tivesse faroletes e faróis (para vigiar as galinhas no galinheiro)?
P: Os faróis? E aí o que vocês acham? Elas iam fazer o que? Todos sabem o que é farol?
Kevin: É. Aí se encontrar alguma galinha o alarme dispara.
P: Isso aí?
Bruna: Elas podiam cavar dentro do galinheiro.
Jenifer: E colocava um tapete em cima do túnel.
Bruna: É mais aonde elas iriam arranjar o tapete?
William: Elas colocaram uma casa em cima do buraco.
P: Uma casa em cima do buraco?
Bruna: Mais como ia agüentar?
P: Mais William não é fácil elas cavarem um buraco bem feito para que todas as g258(i)-4.889-3.48005851(e)-3.6ihas
105
As intervenções da professora/pesquisadora possibilitaram uma análise das estratégias nos
grupos, desencadeando os motivos e atitudes para os alunos se colocarem em movimento de
resolução de problema (cena 1); os mesmos, validavam a importância do desenho, questionavam-
se sobre a importância de arquitetar um plano e como esta palavra tinha diferentes significados
entre os integrantes do grupo.
”Porque senão ficaria muito fácil” (aluno José, cena 2), o aluno manifesta a sua
experiência em resolução de problemas, e esta experiência altera as ações que colocaram as
operações no movimento da resolução do problema.
Ao analisar os obstáculos presentes para a resolução do problema, a
professora/pesquisadora buscava chamar a atenção dos alunos para esse fato a partir de (cena 5);
questionamentos, perguntas pedagógicas, que levaram os alunos a pensarem os diversos aspectos
do plano de fuga, colocando em evidência a experiência, o conhecimento espontâneo sobre os
materiais utilizados para a construção de uma escada e catapulta. É importante ressaltar que a
professora/pesquisadora em vários momentos solicitava uma análise matemática do problema
proposto, entretanto somente o aluno Kevin se apropriou desse tipo de análise e também fazia os
questionamentos matemáticos aos seus colegas. Assim, questões como: tempo de execução do
túnel (medida de tempo), tamanho do túnel (medida de comprimento) e dos seguranças, além da
quantidade de terra que seria extraída do túnel, eram tratadas coletivamente a partir dos
questionamentos da professora/pesquisadora e do aluno Kevin. Isso mostra que, naquele
momento os alunos estavam mais envolvidos em criar uma “situação fantástica”, imaginária e/ou
lúdica de resolução, muito mais do que analisar, por exemplo, a representação, com detalhes para
constatar a viabilidade do plano de fuga. Mas o próprio movimento de elaboração de hipóteses,
compartilhamento de sentidos e significados durante as discussões em grupo e socializadas, bem
106
como a elaboração de esboços pictóricos da fuga e os processos de validação das diferentes
estratégias, representam o próprio processo de “fazer matemática”.
As estratégias de como resolver o problema, a comunicação de idéias e a negociação de
sentidos (cena 3) necessitaram ser discutidas no grupo, precisaram ser validadas pelo mesmo.
Como existia um aluno que nunca tinha participado desse tipo de atividade em sala, ele não
entendia o posicionamento dos outros colegas frente à questão; não compreendia a importância
de primeiro analisarem as estratégias de fuga para depois registrarem. Esta situação forneceu
subsídios para analisarmos como a aprendizagem desencadeia o desenvolvimento do sujeito, o
fazer o plano de fuga, possibilita a aprendizagem sobre o “fazer matemático” que leva ao
desenvolvimento deste aluno.
Durante o desenvolvimento do registro os alunos demonstravam estar em movimento
de resolução do problema proposto a partir de uma história virtual do conceito, mas com a
socialização é que foi possível determinar que a resolução do problema possibilitou aos alunos
estarem em atividade, pois eles sentiram a necessidade de resolver o problema que era o objetivo
maior, uma ação, e cada grupo colocou diferentes operações em movimento para a resolução do
problema.
Os diferentes pontos de vista bem como as estratégias para o plano de fuga (cena 6 e 7),
podem ser considerados como o compartilhamento de significados, pois os alunos colocaram suas
vivências e experiências pessoais em movimento para negociar significados e representações. O
compartilhar significados possibilita a interação entre alunos-professora/pesquisadora e entre
alunos-alunos; mesmo assim, ainda, a professora/pesquisadora sentia a necessidade de deixar
claro que o compartilhamento de significados fazia parte da busca por um plano de fuga validado
pelo grupo de alunos.
107
“Estamos aqui questionando um grupo e o outro por uma simples questão. É porque a
gente tem que pensar no melhor plano de fuga e às vezes quando a gente está pensando em
grupo a gente o consegue observar todos os detalhes por isso, que nos estamos questionando.
Tudo bem?” (cena 6, professora/pesquisadora).
A fala anterior da professora/pesquisadora demonstra como não é fácil a criação e
desenvolvimento de situações que possibilitem compartilhar significados. Os alunos
compreenderam que foi possível aprender com o outro e este outro pode ser o professor ou um
colega. O professor, também aprende no processo de socialização, como “teve uma discussão
porque eu achava que o gambá exalava cheiro no corpo, daí os meninos me corrigiram falando
que não, que ele solta um ‘pum’ quando se sente ameaçado... É isso aí, em uma discussão a
gente vai aprendendo com o outro” (cena 6, professora/pesquisadora). “é mesmo Prô” (cena 6,
aluno Pablo). Além, de a professora aprender com os alunos, os alunos aprendem com os alunos.
Quando o aluno Kevin usa a catapulta como objeto para a fuga e explica o significado desta
palavra, este objeto passa a ser usado por outros grupos, “iam jogar ovo na cabeça dos
cachorros, iam pegar a catapulta e as galinhas iam jogar os ovos para distrair os guardas. Para
abrir o portão as galinhas tinham um negócio de metal para abrir o portão” (cena 6, aluna
Jenifer). Nesta cena a aluna Jenifer se apropria e atribui um sentido pessoal ao conhecimento do
outro, e o se apropriar possibilita o pensamento abstrato, que determina ir do geral para o
particular, promovendo a generalização de objetos.
É durante a socialização dos planos de fuga pelos grupos que se evidenciam o
conhecimento espontâneo que alguns alunos têm sobre as características das galinhas. Quando o
aluno William declara “as galinha pode catar minhocas para comer, como vai ser de concreto?”
(cena 6), “quando elas querem fazer um ninho elas precisam cavar” (cena 7), ele utiliza os
108
conceitos espontâneos - são aqueles que se iniciam na esfera empírica e vão da coisa ao conceito,
são formados no enfrentamento da criança com as coisas, não existe o ato de pensar sobre o
conceito, não existe a explicação da razão do seu uso, é desta maneira que o aluno William se
posiciona quanto aos seus conhecimentos relacionados às galinhas, porém estes podem se tornar
conhecimentos científicos. O que não ocorreu durante a contação desta história, mas poderia ter
acontecido, em outro momento das aulas, evidenciando, também, como as histórias virtuais do
conceito podem potencializar o aspecto interdisciplinar nas aulas de Matemática.
O objetivo maior da resolução do problema desta história, também, era identificar como
os alunos fazem uso do referencial espacial relacionando com os obstáculos de tamanho do muro,
tempo para fuga e as deficiências físicas de uma ave para fugir usando objetos do “nosso uso”. A
necessidade de um referencial espacial é determinante da estratégia de fuga para as galinhas,
para que lado fica o morro?”, (cena 4, aluna Severina), este referencial espacial também está
presente nos registros (figura 3.20).
Figura 3.20: primeiro registro do aluno P.
109
Elas vão fugir 4:30 da
madrugada.
Elas planejãm terminar de
surgi as 5:00 da madrugada.
Elas vão fazer uma galinha
de pano, e fugir pelo portão
principal.
Distraindo o cão com a
galinha de pano.
Apesar do registro desse aluno apresentar que as galinhas voariam sobre os galinheiros,
lançando ovos sobre os seguranças e cachorro, a pergunta que os colegas faziam é quanto à
impossibilidade das aves conseguirem voar 2,5 metros, bem como a comparação com a altura
impossível para uma pessoa “mais elas não precisariam dos ratinhos poderiam montar, porque
não tem nenhum segurança com três metros” (cena 7, aluno Kevin). Estas comparações
possibilitam o desenvolvimento de um conteúdo escolarizado, um conceito científico, que é das
unidades de medida,
os conceitos científicos compõem os sistemas simbólicos que medeiam a ação
do homem com as coisas e fenômenos. Quando pensamos, não lidamos com a
coisa em si, mas operamos mentalmente com a sua representação, o que nos
permite pensar sobre as coisas que não estão imediatamente presentes no tempo
ou no espaço. Os conceitos são representações da realidade rotuladas por signos
específicos (SFORNI, 2004, p. 48).
A maneira de representar este pensamento abstrato de um plano de fuga, também
potencializa a resolução deste problema. A figura seguinte (figura 3.21), demonstra como o
registro textual vai se tornando uma opção para a comunicação da aprendizagem dos alunos.
110
Os registros anteriores (figura 3.20 e 3.21), trazem as diferentes maneiras de comunicação
de idéias nas aulas de matemática, um registro é pictórico (figura 3.20) e o outro e textual (figura
3.21). Essa convivência com as diferentes linguagens nos registros possibilita a mobilização e
produção de conhecimento nas diferentes linguagens. Mobilizar e/ou produzir conhecimento é o
objetivo da escola.
Houve dois grupos que durante o tempo dado para a resolução do problema ficaram
preocupados em desenhar a representação do galinheiro (figura 3.22) muito mais do que a
representação de um plano de fuga. Podemos inferir que este fato ocorreu, dentre outras coisas,
pelo tipo de representação do galinheiro que foi exposta aos alunos, colorida, chamando a
atenção. O registro a seguir evidencia essa preocupação em reproduzir a figura conforme o
desenho entregue inicialmente (figura 2.3.).
Figura 3.22: Primeiro registro do aluno M.
O registro seguinte (figura 3.23) manifesta a dificuldade dos alunos em dar movimento às
situações em uma representação pictórica. O aluno preferiu escrever o plano de fuga; outra aluna
111
As 8 horas da manha as galinhas
armara um plano para fuga. E a Dona
do Galinhero assim que ela acordou
foi ver os pesos da galinha e assim que
ela entrou as galinhas pularam em
cima dela e ela começou a critar ai ai
ai. E o irmão dela ouviu e já foi la para
o galinhero e no meio de tudo isso
com comcegirão fogir 4 e 4 sobrou e
ele já elas não tava com esperança e
aquela que acha isso ficou sei
vamos jogar o osso para fugir e elas
fugirão o osso para o cachorro elas
fugiram.
do grupo, fez o registro (figura 3.24) pictórico e reclamou que não era possível entender tudo o
que aconteceu com o plano que eles haviam feito. Esta atitude demonstra que a comunicação de
idéias nesta faixa etária possibilita desenvolver a criticidade do próprio aluno quanto à melhor
representação da resolução do problema e sua postura frente ao que foi resolvido. Por isso é
importante o aluno ficar livre para escolher a sua representação e/ou estratégia de comunicação.
Figura 3.23: Primeiro registro do aluno M.
Figura 3.24: Primeiro registro do aluno W.
112
A partir da análise dos registros da contação desta história é possível perceber como os
alunos em um ambiente propício para a resolução de problemas, com um contexto do enredo da
história, mobilizam significados e sentidos evidenciados com a comunicação de idéias nas aulas
de matemática, possibilitando o compartilhamento de estratégias para a resolução do problema.
As estratégias sempre permeavam o conhecimento relacionado ao tempo para fuga, a altura que
uma galinha consegue voar, para qual lado ficava o morro para onde as galinhas queriam ir e
quais objetos usados no cotidiano humano poderiam contribuir para a fuga das galinhas. Todas
estas questões emergiram no momento do retrospecto do plano, favorecendo repensar a ação de
cada grupo para a resolução do problema.
Episódio 4: contação da história “Liberdade para as Galinhas” em outra
turma
É a mesma história anteriormente relatada (p. 97), no entanto, foi aplicada em outra
turma.
Cenário: Uma turma de série do Ensino Fundamental em uma escola pública,
localizada na cidade de Franco da Rocha, próxima a Francisco Morato, na Grande São Paulo. A
turma era composta por quarenta e quatro alunos freqüentes com idades entre 11 e 13 anos, no
período vespertino.
A contação da história durou cerca de 2 horas/aula (110 minutos) e ocorreu no dia 14 de
junho de 2006.
113
A socialização da resolução do problema feita por cada grupo ocorreu uma semana
depois, dia 21 de junho de 2006, devido a dificuldade de não haver mais aulas duplas na semana,
e uma aula (50 minutos) não seria suficiente para a socialização.
Os alunos ficaram atentos e fizeram intervenções a todo o momento da apresentação de
cada grupo. A socialização durou cerca de 3 horas/aula (aproximadamente 160 minutos). Foram
onze apresentações e todos os grupos propuseram estratégias diferenciadas.
Cena 1: Produzindo o 1º registro do grupo 1
P
41
: E aqui já pensaram?
Mario
42
: Já. A gente pensou numa galinha ajudar a outra a subir na casinha e aí da casinha
pular pro muro.
P: Só que o muro tem 2,5 metros e o galinheiro não tem nem 1,5 metro.
Silvia: Mas dá certo ela voa de cima da casa para o muro.
P: pensou se alguém vê? Porque tem o Astolfo e a D. Marisvalda, que olha elas por tudo
quanto canto, tem os cães e os seguranças.
Silvia: Se ela subisse aqui não via (apontando para a representação do telhado do galinheiro)
43
.
P: E será que aqui não tem um segurança?
Marina: A gente tava pensando.
P: Então, o muro tem 2,5 metros e o galinheiro tem no máximo 1,5 metro. E isso aqui vocês
acham que representa o quê (arcos presentes na representação do galinheiro- figura 2.3)?
Mario: Uma cerca.
P: Uma cerca? Existe uma proteção aí, né? Tem que pensar em tudo isso.
Mario: Saco! Agora ficou mais difícil ainda.
Cena 2: Produzindo o 1º registro do grupo 3
Jamil: Aqui tá torto, ela vai cair no alto?
José: Claro.
Adriana: Prô, certo aqui? A galinha tava aqui ela vai cair pra cá? Ou ela tem que cair aqui pra
ela voar, não é?
P: Aí são vocês que tem que resolver. Por que você acha que tem que ser aqui e não aqui?
Jamil: Não é, ela tem que ficar aberto aqui, não é pra ela pular.
José: Porque aqui é melhor, aqui vai por uma corda, daí ela vai pular daqui até aqui, e aqui vai ter
outra corda vamos soltar elas aqui e elas vão pular.
41
O “P” é a transcrição da fala da professora/pesquisadora.
42
No meio das falas, as escritas em itálico, são comentários da professora/pesquisadora sobre as transcrições.
43
Os nomes dos alunos citados durante as cenas são fictícios.
114
P: Ah, tá. Vocês vão soltar ela onde?
Adriana: Daqui ,oh, daqui ela vai pra outra ponta.
José: Daí vai por a medida da colher (a colher representaria um catapulta).
Adriana: É uma colher que tem amarrado uma corda.
Jamil: Aí pronto agora vou desenhar a outra galinha aqui.
Adriana: A galinha dele é da hora.
Jamil: Agora desenha uma galinha aqui no chão e essa daqui voando aqui.
P: Qual o tamanho que vocês acham que deve ser essa colher pra que de conta na hora?
Adriana: Não sei.
P: Por exemplo, se a gente fizer uma semelhante a esse aqui e por uma borracha aqui, ela vai voar
um tanto, não vai?
Adriana: Vai.
P: Então, quanto que tem que ser o tamanho disso para a galinha voar esse tanto?
Jamil: 5 centímetros.
P: 5 centímetros não é isso aqui ó (mostra na régua) de 0 a 5 na régua, como vai fazer um
negócio de 5 centímetros para galinha.
Adriana: Não, é 10 então.
P: Mais 10... o que?
Adriana: Centímetros.
P: Olha quanto vai dar (mostra 10 centímetros na régua).
José: Tem que ser 1 metro, mais ou menos.
P: Por que um metro? Quanto é 1 metro?
José: 1 metro é daqui aqui.
P: 1 metro tem quantos centímetros?
Adriana: 100.
P: 100 centímetros, então aqui tem quanto?
Alunos: 30.
P: Quantas dessa (régua) vai precisar?
José: 3 dessa e 10 centímetros.
P: É 3 dessa mais 10 centímetros. Quanto será que vai voar?
Adriana: Não sei.
P: Uma, duas, três vai dar daqui aqui, mais ou menos.
José: Vai.
P: É , vocês acham que isso é suficiente, então, pra conseguir levantar a galinha e ela voar os
2,5 metros?
Adriana: Sim.
P: Aliás, tem que ser 2,5 metros ou um pouco mais ou um pouco menos?
Jamil: Mais.
P: Um pouco mais.
Jamil: E aqui a gente coloca a galinha.
Débora: Mas quanto será que elas vão voar?
José: Que altura?
P: Isso, porque senão corre o risco dela voar e bater. Cair aqui dentro de novo.
(o objetivo, desta discussão, era que eles produzissem uma escala proporcionalmente
relacionando o tamanho da régua com o cabo da colher para a galinha ser lançada mais alto ou
não)
115
Cena 3: Produzindo o 1º registro do grupo 3
Virginia: Essa é a nossa idéia.
P: Qual?
Cláudia: Deixa, eu, explicar. É assim, professora, cada uma teve uma idéia. A Keli teve a idéia da
catapulta, eu tive a idéia de uma escada e ela teve a idéia de pular de pára-quedas.
P: Certo.
Cláudia: Eu tive a idéia de uma escada e ela teve a idéia de subir de pára-quedas. Mais a gente
planejou assim, como o galo voa um pouco mais do que a galinha (faz parte do contexto da
história que o galo Rock Show voa mais alto que as galinhas), o galo subia do chão a1,25
metros da escada (a medida foi estimada pelos alunos).
P: Certo.
Cláudia: eu tiro no meio de 1,25 metros. depois ele descia embaixo e subia com a
escada. Aí subia até o muro certo.
P: E porque 1,25?
Cláudia: Porque 1,25 tem que dar 2,5 (metade de 2,5).
P: Certo.
Cláudia: depois que subir a escada ele podia descer até a metade depois ele voava ele
pegava outra parte e juntava com essa aí dava 2,5.
P: Entendi.
Keli: Ele podia monta a catapulta em cima do muro.
P: E daí
Keli: Em cima do muro aqui de noite pela meia noite as galinhas subiam em cima da
catapulta e eram lançadas do outro lado da casa da D. Marisvalda.
E, desciam, aí elas podiam fugir.
Virginia: De pára-quedas
P: Ótimo! Agora vocês vão escrever isso também. vocês vão escrever porque pensaram na
história de 1,25, onde que tem que ficar a catapulta, onde vai ser o lado da fuga, como vai ser
usada essa roupa, tudo isso. Que horas? É um plano de fuga então tem que estar bem detalhado.
Cena 4: Produzindo o 1º registro do grupo 5
Fernando: As galinhas vão fugir de 10 em 10.
P: Quantos grupos vai ter?
Fernando: 5 grupos.
P: Então vão ter 5 grupos tem que por isso. E o tempo? Quanto tempo?
Fernando: Eu vou por cada galinha tem 5 segundos...
Dolores: Só?
P: Cada grupo vai levar quanto tempo?
Fernando: 50 segundos?
P: Por que 50 segundos?
Fernando: É 10 vezes 5.
P: E todas as galinhas?
Dolores: As 50 galinhas?
116
P: É.
Fernando: 3 minutos e 50 segundos.
P: Por que? Será?
Fernando: 5 minutos
Cena 5: A socialização das estratégias de fuga das galinhas
Alan: Resumindo cada galinha ia levar 5 segundos para saltar.
P: Certo. Todos entenderam por quê?
Alan: Ao todo, 10 galinhas 50 segundos, e quantas galinhas são?
Josemar: 50.
Alan: Então ao todo dá 2 minutos e 30 segundos.
P: Então, vamos pensar uma coisa 50 segundos para cada grupo, quantos grupos nós temos?
Alan: 5.
P: 5, são 5 grupos aí eles tão dizendo que vão levar 2 minutos e meio.
Alunos: Ao todo.
P: Tá. Tudo bem isso aqui? Vai levar 2 minutos e meio ou 250 segundos?
Dolores: 2 minutos e meio.
Fernando: 250 segundos.
P: Espera. Oh, cada grupo vai levar 50 segundos você tem 5 grupos. Você tem um grupo 50 mais
um grupo.... (explicando para a classe toda, uma vez que somente o Fernando havia estimado o
tempo aproximado)
P: Então vai ser ó, 250 segundos. 250 segundos são quantos minutos?
Alunos: 2 minutos e meio.
P: Quanto que é 1 minuto?
Alunos: 60.
P: Então 2 minutos?
Alunos: 120.
P: E 3 minutos?
Alunos: 180.
P: 180. E 4 minutos? E, 4 vai dar quanto?
Fernando: 240.
P: Deu quantos minutos até agora?
Fernando: 4.
P: 240 segundos da 4 minutos.
Fernando: Tava errado, não é 2 minutos e meio.
P: 1 minuto deu 60 segundos. Cada 1 minuto tem 60 segundos, 240 vai dar 4 minutos, sobraram
quantos segundos?
Alunos: 10.
P: 10 segundos se 1 minuto é 60 segundos e 10 segundos vai sair quanto desse minuto, vai ser o
minuto inteiro?
Fernando: Não.
Jamil: Metade.
P: Como a gente pode fazer essa escrita? 2 minutos e meio, tá certo?
Alunos: Não.
117
P: Como que é então?
Alunos: 4 minutos e 10 segundos.
P: Esse problema de segundos, minutos e horas tem que tomar muito cuidado, acaba trocando
segundos por minutos e fica tudo errado. O que iria acontecer se eles continuassem a achar que
era 2 minutos e meio?
Alunos: Errado.
Cena 6: Continua a socialização das estratégias de fuga das galinhas
Cláudia:
passo: eles confeccionaram 2 escadas de 1,25 cada ele sobe a escada para ver a altura depois
ele a levanta do chão e leva até o topo do muro e por último encaixa a outra escada na primeira
escada assim formando uma escada da altura do muro.
2º passo: construir uma catapulta no alto do muro.
passo: usar as roupas das galinhas como pára-quedas, na hora H às 11 horas da noite elas
fogem da granja, sobem a escada, pegam suas roupas, sentam na catapulta e são lançadas do
outro lado do sítio, plano bem bolado.
P: Todo mundo entendeu, gente?
Alunos: Entendemos.
Alguns alunos: Não.
Cláudia: Vamos fingir que aqui é a escada, ela tem 1,25 metros (a aluna representa na lousa
as escadas).
P: Por que é 1,25 metros?
Keli: Porque a gente fez duas escadas. No caso 1,25 metros mais 1,25 metros vai dar 2,5 metros.
Jamil: Vocês entenderam, né?
Alunos: Um pouco.
Keli: Tinha duas escadas no caso cada uma tinha 1,25 metros, no total tinha 2,5 metros, da altura
do muro, como ele voa um pouco mais que as galinhas ele subiu a primeira escada até 1,25
metros, que era a altura dela, depois ele pegou até o final e desceu até embaixo na parte debaixo
da escada ele subiu até a altura do muro e ficou um espaço aqui vazio. Neste espaço, enquanto as
galinhas estavam fazendo o que elas tinham que fazer, que era a catapulta no alto entre o muro e
a ...
Cláudia: eles construíram uma catapulta entre o muro e a casa da D. Marisvalda, no caso o
Galo Rock, aí, ele conversou com as galinhas e 11 horas da noite eles marcaram, aí, as galinhas
pegaram as roupinhas delas. Daí elas subiam a escada, chegavam na catapulta pulavam de pára-
quedas.
P: Quantos metros vocês acham que essa catapulta vai fazer as galinhas percorrerem?
Virginia: O espaço do sítio, mas é maior que o outro grupo, porque ela já tá em cima da casa.
Análise do episódio 4
118
Durante a contação desta história, na série do Ensino Fundamental II, ficou evidente
que alunos nesta faixa etária também se envolveram na resolução de problema a partir de uma
história contada. Apropriam-se dos questionamentos do professor/pesquisador e os reproduziram
durante a socialização, “vocês entenderam, né?” (aluno Jamil, cena 6), “quantos metros a
catapulta vai lançar?” (aluno Jonathan, durante a socialização, notas da professora Di
44
, no
diário de campo), “vocês não acham que o machado é muito grande para elas (galinhas)
manipularem?” (aluna Dolores, durante a socialização, notas da professora Di, no diário de
campo). O envolvimento e questionamentos dos alunos nos possibilitaram inferir que eles
estavam em atividade, uma vez que esses alunos se colocam no papel do professor a fim de
levantar novos questionamentos. Assim, a atividade não é somente de resolução do problema,
mas de formulação de novos questionamentos, limites e possibilidades da situação-problema
proposta. Portanto, os processos psíquicos particulares tomaram forma e foram reorganizados
durante toda a atividade.
Outro aspecto que ficou evidente com a contação desta história foi como os alunos ao
lidar com um conhecimento científico escolarizado, tal como a conversão de medidas de tempo,
apresentaram dificuldades para manipulá-las, visto que, durante a socialização os alunos não
perceberam o erro cometido e puderam reconhecê-lo e refletir sobre o erro, auxiliado pela
intervenção da professora/pesquisadora (cena 4 e 5). Na análise dos registros textuais/pictóricos e
audiogravações foi possível, ainda, inferir como os alunos desta classe se preocuparam, de modo
diferente dos alunos mais novos da turma de série, com aspectos relacionados a medidas de
tempo e distância (cenas 1 a 5), este era um dos objetivos da contação desta história. Para a
professora da classe esse fato, também, chamou atenção:
44
São as iniciais do nome da professora da classe.
119
passo: O galo confecciona 2 escadas de
1,25 m cada, feita com palhas. Ele sobe a
escada até sua real altura e a prega; depois
ele a levanta do chão e a leva até o topo do
muro e por ultimo encaixa a outra escada na
escada, assim, formando uma escada da
autura do muro.
passo: construir uma catapulta no alto do
muro.
passo: usar as roupas das galinhas como
paraquédas.
Na hora H:
A nove da noite elas fogem da granja,
sobem a escada, pegam suas roupas, sentam
na catapulta e são lançadas do outro lado do
sítio.
Plano bem bolado!!!
“os alunos questionam o grupo o tempo todo e o grupo usa a transparência para
justificar a distância do lugar onde estavam cavando até a Dona Marisvalda, dona do
galinheiro, que estava dormindo. Concluíram que para a fuga deve ser feito cálculo do tempo e
da distância” (notas da professora Di, no diário de campo).
O próximo registro textual (figura 3.25) demonstra como o grupo tinha validado sua
estratégia de fuga. Além disso, possibilita evidências de que durante a socialização, o grupo não
se apropriou das outras discussões para a apresentação de seu plano (cena 6). O grupo estava
convicto em relação aos seus planos para atingir os objetivos, uma vez que o plano tinha sido
executado pelo grupo.
Figura 3.25: Primeiro registro dos alunos K, S, KL, KC e I.
Para esse grupo a sua resolução foi a que fazia sentido para eles, portanto, a que foi
validada. O registro textual (figura 3.25) não foi suficiente para representar o plano e anexaram o
desenho do plano (figuras 3.26 e 3.27), juntamente com os objetos usados para a fuga.
120
Figura 3.27: objetos usados para fuga
Este grupo, também valorizou o seu plano escrevendo, entre estrelas, Plano bem
bolado!!!” (figura 3.25). Foi a valorização do plano e do registro. Este último tem um sentido no
contexto da resolução do problema que é a comunicação do plano elaborado. Ressaltamos que
essa valorização se deu com a utilização de diferentes linguagens (textual e pictórica) atribuindo
importância à escrita nas aulas de matemática. Os alunos se sentiram realizados com a sua
produção. É a possibilidade de outra linguagem de comunicação, não apenas dos símbolos
matemáticos, mas da linguagem corrente e escrita e esta também resulta em apropriação de
conceitos matemáticos.
Outro grupo, para descrever o detalhamento do plano de fuga das galinhas escreve outra
história (figura 3.28) ao se apropriar de outra maneira de resolução de problemas. Se o problema
foi apresentado aos alunos em forma de história, por que não podemos responder, também, em
forma de história? Esta situação relaciona-se ao significado e sentido que os alunos atribuíram ao
tipo de problema apresentado. Se todo sujeito (aluno) fala para si e para o outro, esta foi a
Figura 3.26: desenho da fuga
121
maneira encontrada para comunicar a resolução do problema para si e para os outros (alunos,
professora Di e professora/pesquisadora).
122
pictórica. Além disso, acreditava-se que a comunicação de estratégias da resolução do problema
oral e pictórica não existiria. Entretanto, as diferentes estratégias elaboradas pelos alunos, bem
como a utilização de instrumentais e conceitos matemáticos, principalmente medidas e
estimativas, para a resolução, evidenciam como esses alunos puderam atribuir sentidos e
significados a esses conceitos para a resolução do problema dos personagens da história.
Notamos que, diferentemente dos alunos da 3ª série do Ensino Fundamental, que buscaram
estratégias mais presas ao cotidiano ou mesmo “mágicas” e que pouco mobilizou os conceitos
matemáticos, os alunos da série se envolveram na resolução e, mesmo, formularam diferentes
estratégias de comunicação de idéias matemáticas. Entretanto, evidenciou-se as dificuldades que
os alunos apresentaram com o pensamento proporcional e com a conversão de unidades de
medida de tempo e distância.
Episódio 5: contação da história “Pedro Malazarte em Veneza”
“Pedro Malazarte em Veneza” foi uma história elaborada pela pesquisadora com
inspiração em: “Seis Aventuras de Pedro Malazarte”, de Luís de Câmara Cascudo
45
. Pode ser
considerada uma criação, pois a professora/pesquisadora inseriu uma situação-problema
46
matemática envolvendo o personagem Pedro Malazarte.
A síntese da história
47
criada se passa em Veneza:
Pedro Malazarte é um menino muito arteiro e maldoso, nada passava
desapercebido. Em uma de suas artes conheceu o Senhor Viajante, um
homem que andava por todo o mundo, com uma mochila nas costas e
45
Acessado no site: www.jangadabrasil.com.br/novembro39/im39110c.htm, no dia 10.jan.2006.
46
A problemática desta história não ficou evidente, porém este fato não foi obstáculo para o desenvolvimento da
contação da história.
47
A história completa está em anexo 4.
123
uma bota de solado grosso. Vivia a viajar, por isso era chamado de
Senhor Viajante. Nesse encontro o Sr. Viajante convidou Pedro Malazarte
para uma viagem, iria iniciar naquele dia, o destino era Veneza, na Itália.
Ao chegar em Veneza, Pedro Malazarte ficou deslumbrado com aquele
lugar, o rio cortando a cidade, como as pessoas falavam, como se vestiam
e um cheiro característico, ele sentiu naquele lugar, era tudo diferente do
Brasil. Nos seus passeios em Veneza algo o intrigava, as janelas das casas
pareciam todas iguais. Então, Pedro Malazarte em um de seus passeios
por Veneza conheceu um garoto que lhe entregou um papel. Neste papel
havia dois quadros semelhantes a duas janelas das casas de Veneza, no
qual o garoto solicitava a Pedro Malazarte ajuda, para descobrir porque os
números colocados naquelas janelas venezianas estavam dispostos
daquela maneira.
A disposição dos números, a qual estão nos quadros, referem-se à gelosia, técnica de
multiplicar, difundida historicamente e, atualmente, pouco valorizada na escola. Os alunos
deveriam analisar os quadros recebidos pelo garoto e descobrir porque os números estavam
dispostos daquela forma.
O objetivo maior do problema era identificar se os alunos eram capazes de criar
estratégias, identificar regularidades e levantar argumentações para resolver o problema dos
personagens, bem como analisar, como os alunos relacionavam a representação dos números no
124
quadro e como seria a aceitação do algoritmo da multiplicação, até então “desconhecido” para
eles, mas muito utilizado historicamente.
Cenário: A classe onde foi aplicada a história é em uma escola pública, localizada no
centro na cidade de Louveira, interior de São Paulo. A turma tinha quarenta e um alunos
freqüentes, com idades variando entre 13 e 15 anos, no período matutino. Segundo a professora
da classe, os alunos são de classe média, esforçados e buscam de forma autônoma sua
aprendizagem, muitos gostam de estudar e alguns trabalham fora, principalmente, com seus
pais, em comércio ou na roça no cultivo de alguma plantação.
A contação ocorreu em 24 de maio de 2006, com duração de 2 horas/aula
(aproximadamente 110 minutos), sendo o primeiro dia suficiente para a contação da história e
fazer as intervenções nos grupos para a resolução do problema. Neste dia, foi entregue aos alunos
uma folha com dois quadros, no qual estavam dispostos os números. A folha era semelhante à
recebida por Pedro Malazarte na história.
A classe recebeu a professora/pesquisadora, muito bem, porém os olhares eram atentos,
afinal existia, naquele momento, duas professoras de Matemática na mesma classe. A professora
da classe havia conversado com os alunos sobre a nossa proposta. Expliquei quem eu era, de
onde vinha e porque estava ali. A professora permaneceu na classe durante toda a atividade.
Apliquei a história e toda a turma ficou muito atenta. Tínhamos dúvidas, inicialmente, se os
adolescentes se envolveriam na história contada. Essa é uma prática bastante distante dos alunos,
principalmente dessa faixa etária. Como seria contar histórias para alunos adolescentes? Eles se
envolveriam ou desprezariam a minha presença em classe? Como contar a história sem
infantilizá-los? Esses eram alguns dos nossos questionamentos iniciais.
Cena 1: Produzindo o 1º registro do grupo 1
125
P
48
: Oi, fala.
Andréia
49
: Explica a teoria pra ela.
Emilia: É assim. Pode ser um código Para saber o número da casa.
P: Mas, como é esse código?
Emilia: Você soma todos os números. E dá 80.
Joelma: Dando o número da casa.
P: Então coloquem, por que vocês relacionaram os números do quadro ao número de casa.
Joelma: Porque é uma janela.
Emilia: Porque na janela tem os números.
P: Mas, os números que estão na janela são de casa?
Emilia: Não sei não, mas, sei lá, pode está lá.
Joselma: Coitado do carteiro que fosse lá.
P: Qual seria a maneira para começar? Por que o código não são números quaisquer, por
exemplo. Que caminho seguir? Vocês também devem pensar nisso, se vocês estão levantando a
hipótese que é um código, vocês devem pensar, então, em dificultadores. Veja, nos temos senha
no banco, podendo ter alguma relação com sua idade e rias outras coisas, mas, nos sabemos
o caminho disso. Então, qual a lógica deste código? Qual caminho seguir? Para se tornar
minimamente difícil, senão qualquer pessoa chegando no portão descobre o número.
Emilia: Entendi.
P: Então vocês podem pensar nisso. Se estiver somando é de qualquer jeito?
Cena 2: Produzindo o 1º registro do grupo 2
P: Tudo leva o que?
Beatriz: Ao 9.
P: Por que?
Beatriz: Porque eu somei os dois deu 81. Vezes ele mesmo. Daí deu 6561 da gente somou 6
com 5, com 6 com 1 deu 18. A gente somou 1 com 8, deu 9.
P: Olha! Então agora vocês expliquem isso que vocês fizeram.
Cena 3: Produzindo o 1º registro do grupo 3
P: O que você pensou aqui?
Gisele: Figura geométrica.
P: Por que figura geométrica?
Gisele: Porque eu acho que aqui fica se ligar os números de várias figuras da outras figura
geométrica.
Cena 4: Produzindo o 1º registro do grupo 4
48
O “P” é a transcrição da fala da professora/pesquisadora.
49
Os nomes dos alunos citados durante as cenas são fictícios.
126
Thiago: O Prô, Prô?
P: Oi.
Bárbara: É um peixe tá vendo aqui ó.
Bruna: Não, tem que montar de assim.
Bárbara: É de zoinho e tudo, o zoinho aqui ó
Thiago: Aqui um peixe.
Bárbara: A Veneza é um rio, tem peixe.
Bruna: Tem peixe.
Bárbara: É, rsrsrsrs.
Cena 5: Produzindo o 1º registro do grupo 5
P: E aí meninos?
Luís: Prô, olha aqui agora, formamos um barco, o Dona.
Silvano: Cadê o barco?
Thelma: Tá aqui ó, aqui é a tela e aqui é o barco, rsrs.
Silmara: Isso não é o problema é ou não é.
P: A gente sempre acha alguma coisa né.
Alunos: É.
P: Mais essa do barco!
Silvano: Agora apareceu um barco
P: Apareceu, mais você há de convir que eu não falei que tem um barco aqui.
Dione: Não tem nada a ver com barco.
P: Não sei mais...
Dione: Nada né?
Silmara: Água não parece.
Luís: Puxa pra cá essa perninha, então nega pareceu um barco certinho.
Silmara: É aqui ó?
Dione: Ai,...
Silmara: Aqui assim?
Alunos: Aeeeeee!!!
Silmara: Aqui assim
Alunos: Aeeeeee!!!!
P: Coloca isso aí que você ligando de tal a tal número deu o barco.
Luís: Haaaaaa.
Cena 6: Produzindo o 1º registro do grupo 6
P: E aí meninos o que deu mais?
Leonel: Nada.
P: Haaaa, vocês estavam num caminho tão próspero.
Leonel: 2 x 4 da 8, 3 x 2 dá 6, sei lá.
P: E se gente fosse daqui pra lá?
Gilmar: Como?
127
P: Você tá fazendo de dentro pra fora.
Gilmar: É.
P: E se fizesse de fora pra dentro?
Gilmar: Aí sim.
P: Vamos pensar 2 x 4?
Gilmar: 8.
P: 3 x 2?
Gilmar: 6.
P: 6 x 2?
Alunos: 12
P: E se vocês tentassem de dentro pra fora?
Leonel: Vamos tentar assim, esse de fora pra ver se chega aqui dentro.
Gilmar: Fazendo vezes vai dar 8 x 4 deu 32, certo.
P: O que mais? Você fez esse com esse, que deu?
Leonel: 32. Pegando aqui 6 x 4, olha, olha 24.
P: Agora tem que ver se dá certo no outro quadrado.
Gilmar: De fora pra dentro, igual nesse, né?
Leonel: Então, 6 x 2 dá 12, 2 x 3 dá 6 e 3 x 5 dá 15.
Leonel: 6 x 5 dá 30. Deu certo neste também.
P: Então o que está acontecendo com esses números ao redor?
Gilmar: Somando.
Leonel: Multiplicando.
Cena 7: Produzindo o 1º registro do grupo 7
P: E ai Ângela?
Ângela: Esses dois retângulos representam o mapa de Veneza e ligando esses pontos em ordem
numérica são os pontos turísticos.
P: Como ligando esses pontos?
Ângela: Assim, o zero representa o rio. De um zero para o outro, os pontos e os outros números é
como pode ir de um ponto para o outro.
Cena 8: Produzindo o 1º registro do grupo 8
P: Fala.
Olga: Eu posso levar uma folha dessa pra casa?
P: Pode. Por quê?
Olga: Quero ficar pensando nisso.
Cenário: Para a socialização das estratégias de resolução do problema a pesquisadora
voltou uma semana depois, dia 31 de maio de 2006. Os alunos, a professora da classe e a
professora/pesquisadora foram para a sala de vídeo e com o uso do retroprojetor e das
128
Nos quadrados acima se colocarmos o
triângulo 2 no lugar do 3 e multiplicarmos
o 2 com o 3 obteremos o resultado 6 que
está acima do desenho, e se fizermos ao
contrário multiplicamos o 4 e o 2 o
resultado será 8 que também aparece na
figura.
transparências com a produção de cada grupo foram feitas as apresentações. Esta dinâmica de
trazer os registros dos alunos em transparência foi proposta para facilitar a observação dos outros
alunos da classe. No entanto, fomos para a sala de vídeo, pois este espaço tem as paredes sem
cartaz, facilitando a projeção das imagens. Inicialmente os alunos estavam um pouco tímidos,
mas todos estavam atentos e valorizavam a estratégia de cada grupo. Foram 10 apresentações ao
todo, sendo que a maioria dos grupos propôs estratégias diferentes.
Cena 9: Primeiro grupo a socializar a estratégia de resolução do problema
Beraldo: A gente descobriu que se a gente multiplicar o 2 com o 3 dá 6. O resultado ta em cima e
o debaixo 4 com 2 8. Se multiplicar. E agora o debaixo a gente fez o quadradinho de cima a
gente soma os três triângulos vai dar 9 e o de cima, também. Somando o de cima e o de baixo vai
dar 9.
Figura 3.29: registro do grupo AP, B, G e S.
Cena 10: Segundo grupo a socializar a estratégia de resolução do problema
Thelma: Se você olhar assim, fica parecendo um peixe.
Alunos: Cadê o peixe?
Thelma: Olhando de ponta cabeça.
Somando os
números, eles
deram o mesmo
resultado.
129
Marisvalda: Aí o peixe tem a ver com o rio, o rio com o barco, então esses números são do barco
que o menino tinha que pegar para ir pra casa e o quadradinho é o número da casa.
P: Mas, quais os números que você tem que somar pra dar o número da casa? São todos os
números?
Thelma: Todos.
P: Os que estão dentro e os que estão fora?
Thelma: I-273.05 -i
130
Figura 3.31: registro do grupo A, J, JT e ME.
Cena 12: Quarto grupo a socializar a estratégia de resolução do problema
Alessandra: As nossas conclusões estão parecidas com as dos outros grupos. Somando 2 com 6
8. 3 com 4 7. Pêra aí, tem mais. O 4 com 2 6 . O 2 com 2 4. E o debaixo quase todas
as somas dão 9. Várias somas dão 9. Tipo assim:
6 e 3 dá 9
5, 2 e 1 dá 9
6, 2 e 1 dá 9, também.
5, 2 e 2 dá 9.
Aqui embaixo também (mostrando o 2º quadro)
50
.
Alunos: 6 e 3 dá 9.
Alessandra: É 6 e 3 9. Acabou. Mas, eu queria dizer que ficamos discutindo sobre Veneza,
entendeu. As condições geográficas de Veneza.
50
No meio das falas, as escritas em itálico, são comentários da professora/pesquisadora sobre as transcrições.
São quadrados parecidos com janelas.
Somando tudo, multiplicando, soma mais
duas vezes da sempre resultado 9.
6+5+6+1 = 18 = 9 > + = 18 = 9
= 81 . 81 = 6561 = 126 = 9
+ +
81 : 9 = 9
* Pode ser o nº da casa!
* Pode ser o nº da sorte do dono da casa!
* Pode ser o nº da rua!
* Pode ser o nº de filhos do dono da casa!
* Pode ter nascido no dia 9/9!
* Pode ser o nº do fen-shu!
131
Figura 3.32: registro do grupo P, M e L
Cena 13: Quinto grupo a socializar a estratégia de resolução do problema
Bárbara: Bom na figura pra formar um retângulo, 2 quadrados, 4 triângulos. pra formar
com os números inversos um paralelogramo. Na 2º figura. Dá pra formar um quadrado, 4
triângulos, 2 trapézios, 4 quadriláteros, 1 retângulo e 1 octógono. Na figura também pra
formar 1 barco por causa da parte de baixo, a vela faz assim e a outra vela assim. Ligando os
números. E dá para formar o peixe.
Figura 3.33: registro do grupo C, J, P e PB.
132
Concluímos que colocando o retângulo
menor abaixo do maior, podemos ligar os
números em ordens numéricas, sendo que
zero significa água, pois, não existe rua
número zero.
Isso quer dizer que ligando os números por
ordem crescente o zero vai ficar abaixo do
retângulo maior e acima do menor, ou seja,
no meio dos dois. Simbolizando o rio que
corta a cidade Veneza, e as outras ligações
(outros números) podem ser consideradas
pontos turísticos.
Cena 14: Quinto grupo a socializar a estratégia de resolução do problema
P: Vocês vão precisar desta figura Ângela?
Ângela: Não
Ângela: A gente foi ligando os números até chegar no 9. Daí todos ficaram interligados, que
nos passamos para debaixo. E nos fizemos o mapa de Veneza imaginário. Porque o zero não dava
para ser número de rua, ponte, não é nada. Daí tomamos o zero um rio. Tem um rio que corta
Veneza. Daí é o rio que corta Veneza. E esses números são os pontos turísticos.
Figura 3.34: registro do grupo A, AC, P e R.
Cena 15: Intervenção do aluno sobre as estratégias de resolução do problema
P: Fala Otaviano, espera aí.
Otaviano: Observei que os grupos estão apresentando quase à mesma coisa. Uma idéia, tipo
peixe, barco.
P: E essas idéias, você acha que estão acontecendo, por quê?
Gisele: A história
P: O que da história?
Otaviano: Tem sempre a ver com os números e alguma coisa de Veneza na história. Isso é legal.
O problema tá ajudando a resolver o próprio problema. Legal.
P: Agora outro grupo
13
3
Alunos: Nós não vamos é igual ao grupo das figuras geométrica, o nosso também, tem a ver com
o peixe e barco.
Cena 16: Sexto grupo a socializar a estratégia de resolução do problema
Leonel: Nosso grupo descobriu que os números de fora tão multiplicando 6 x 4 dá 24, 8 x 4 dá
32. E aqui a mesma coisa.
P: Explica
Leonel: Os números de fora é 6 x 1 é 6, 6 x 2 é 12 e o outro 3 x 5 dá 15 e 3 x 2 dá 6.
Leonel: E somando na diagonal dá o resultado da multiplicação. Isso é uma multiplicação.
Camila: Nossa nunca pensei nisso. (aluna de outro grupo)
Alunos: Batem palmas fervorosas.
P: Todos entenderam a explicação?
Alunos: Sim e não
P: Querem outro exemplo?
Alunos: Sim
Narrador: Foi dado um exemplo pela professora/pesquisadora para a classe e depois os
alunos sugeriram outros. Nestes exemplos, os alunos eram questionados sobre: quantos
quadrados deveriam ser divididos; qual a semelhança com o processo usado para multiplicar
hoje; se existia um limite de quantidades de algarismos para os números poderem ser
multiplicados, etc.
Então, foi explicada pela professora/pesquisadora que essa era uma técnica de
multiplicação, chamada gelosia, que foi usada durante muito tempo pela humanidade, porém foi
abandonada e pouco se sabia sobre essa técnica.
Durante toda essa conversa os alunos ficaram muito atentos e curiosos, nem parecia uma
turma de adolescentes, de 8ª série, diante de uma professora desconhecida.
Diante do fato da resolução do problema, levar a uma técnica operatória ficou resolvido
que os alunos não desenvolveriam o segundo registro, pois eles iriam registrar sobre a técnica
multiplicativa e não sobre a validação da estratégia analisada para a resolução do problema.
Análise do episódio 5
134
Neste episódio, foi possível responder a várias questões que permeavam as nossas
discussões do uso do contar histórias para os adolescentes. Uma delas era: eles vão ouvir a
história?
Todas as cenas demonstram que eles não só ouviram a história, mas tiveram como
objetivo a busca da resolução do problema. Os alunos estavam em atividade principal, eles
tiveram a necessidade, o motivo e desencadearam ações e operações para a resolução do
problema.
O conhecimento científico matemático, escolarizado esteve presente nas discussões dos
grupos. A busca pelas regularidades (cena 2 e 6) evidencia a capacidade de generalizações
teóricas do adolescente, fruto de deduções, que vão do geral para o particular.
As relações envolvendo as figuras geométricas (cena 3, 10 e 13) fazem parte do conteúdo
ao qual a professora estava trabalhando em aula, evidenciando quanto o conhecimento é
situacional, ou seja, o fato desse conteúdo estar sendo trabalhado durante as aulas, levou os
alunos a crer que todas as atividades propostas, naquele momento, estariam relacionadas com a
geometria. As deduções realizadas pelos alunos das escolas, segundo Sforni (2004), estão
permeadas pelos conteúdos com que a escola está trabalhando naquele momento. Outro registro
que se apropria do conceito geométrico que vinha sendo trabalhado em sala de aula, foi:
135
F1 = É um retângulo dividido ao meio que forma 2 quadrados que
estão divididos ao meio que formam triângulos.
F2 = Forma de um quadrado dividido em 4 partes que formam 4
quadrados que foram cortados no meio que formam triângulos no
quadrado maior foi cortado ao meio que formam 2 triângulos
grandes.
Quanto aos números se ligados uns aos outros formam
novas figuras, que enfeitam a janela.
Formam figuras geométricas, exemplo:
Triângulos, quadrados, hexágonos, pentágonos,
octógonos, formara até uma figura que parece um barco, então os
números têm a função de modificar as figuras de fora e as de
dentro, a do “barco” mostra que é o meio do transporte mais usado
em Veneza
.
Figuras que formam:
Tem uma que se arredondar fica parecendo um peixe.
Conclusão:
Esta tentando caracterizar a cidade.
Figura 3.35: registro das alunas J, D e A.
Na cena 11, os alunos relacionam os números dos quadros com adições e divisões,
trazendo a tona outro conteúdo trabalhado durante aquele semestre, as regras de divisibilidade.
Além disso, também, demonstra como para o aluno é importante existir uma resposta, mesmo
fantasiosa (cena 11 e 13). As estratégias destas cenas não estão relacionadas ao contexto da
história, mas a idéia de que um problema proposto na aula de matemática deve ter alguma
resposta relacionada a algum conteúdo estudado durante aquela série e não a uma relação com o
problema.
Mesmo as relações sendo permeadas pelo conteúdo trabalhado naquele momento na
classe, os alunos relacionaram várias estratégias ao contexto da história (cena 1, 4, 5, 7 e 15). Ou
seja, o sentido pessoal atribuído por cada grupo à história e à estratégia de resolução do problema
ficou evidenciado.
136
O enredo da história possibilitou, também, que os alunos colocassem em movimento os
conhecimentos que tinham da cidade de Veneza, “é 6 e 3 dá 9. Acabou. Mas, eu queria dizer que
ficamos discutindo sobre Veneza, entendeu. As condições geográficas de Veneza” (aluna
137
momento de ludicidade na aula de matemática. As dúvidas iniciais de que, possivelmente os
alunos se sentiriam pouco mobilizados a resolver a situação-problema, uma vez que esta estava
sendo proposta por uma história “contada” oralmente e interpretada, deixaram de existir.
Notamos que o “contar histórias”, mesmo sendo uma prática bastante distante de alunos dessa
série, envolveu-os no contexto da história e este pouco limitou as condições de resolução, mas,
pelo contrário, possibilitou momentos lúdicos de aprendizagem.
138
E VIVERAM FELIZES PARA SEMPRE...
Ao longo destes três anos no Programa de Pós Graduação, não foi fácil desenvolver-me
como pesquisadora, sinto-me, ainda nesse processo. Foram muitos obstáculos, mas eu sempre
refletia sobre o papel do objeto desta pesquisa que se mostrava como uma inquietação minha,
como professora e, agora, nossa como pesquisadora. Hoje, ao debruçar-me sobre estas
considerações, percebo como no universo de discussão possível sobre os recursos metodológicos
para a prática da resolução de problemas, o contar histórias nas aulas de matemática foi um viés
possível.
A discussão teórica realizada em como o contar histórias, uma prática comum para a
humanidade, poderia ser uma prática das aulas de matemática, possibilitou um outro olhar para o
ensinar Matemática, ou mesmo para a própria natureza do conhecimento matemático e suas
formas de produção. Nesse sentido, os questionamentos iniciais encaminharam a busca por um
referencial teórico que possibilitasse um suporte de análise para as questões mais práticas que
envolviam: “Qual o papel do professor, contador de histórias? Contar histórias para quê e por quê
nas aulas de Matemática? Qual a dinâmica possível para estas aulas? Contar histórias nas aulas de
matemática é para qualquer série?”.
A aproximação com o referencial das histórias virtuais do conceito enquanto atividade, no
sentido leontieviano, possibilitou o referencial teórico almejado. Desse modo, o professor deveria
ter a intencionalidade de como, a partir da história era possível mobilizar e/ou construir conceitos
matemáticos escolarizados, em uma proposta de resolução de problema.
O estudo piloto possibilitou o desenvolvimento da dinâmica de aula proposta a partir do
contar histórias nas aulas de matemática e ao delineamento metodológico quanto às séries e
139
turmas em que ocorreram a contação das histórias. A riqueza de dados presente nesse estudo
possibilitou uma análise desses enquanto primeiro estudo da pesquisa.
A análise deste episódio possibilitou evidenciar que esta história virtual do conceito, foi
potencializadora dos seguintes aspectos: a resolução de problemas nas séries iniciais, a
comunicação de idéias nas aulas de matemática, o registro textual e/ou pictórico de diferentes
estratégias, a produção e/ou mobilização de conceitos matemáticos, compartilhamento de
significados e sentidos atribuídos do coletivo para o individual e desenvolveu nos alunos a
necessidade de se colocarem em movimento do “fazer matemático”.
Uma das potencialidades do contar histórias nas aulas de matemática não está no melhor
contador de história, mas em todo o movimento intencional do professor, desde a criação e/ou
adaptação da história até, o mais importante, possibilitar a discussão das diferentes estratégias
desenvolvidas pelos alunos de diferentes séries.
Dessa forma, entendemos que foi possível colocar os alunos no movimento de atividade e
resolução de problemas desde a Educação Infantil até as séries finais da Educação Fundamental.
Pode-se dizer que as necessidades impulsionaram os motivos, levando os alunos ao objetivo de
resolver o problema do personagem da história, colocando diferentes operações em movimento.
Os contextos das histórias foram as condições concretas da atividade que determinaram as
operações vinculadas a cada ação. Envolver os alunos dependeu de uma intencional dinâmica de
aula envolta de respeito aos principais personagens desta pesquisa, os alunos.
A comunicação de idéias sobre a resolução do problema possibilitou inferir aspectos
relacionados ao tipo de registro que se desenvolve ao longo da vida escolar dos alunos.
Verificamos que os alunos da Educação Infantil produziram registros pictóricos e registravam o
que eles sabiam dos objetos envolvidos na resolução do problema. Durante a discussão sobre as
140
estratégias, evidenciou-se que mesmo alunos pequenos são capazes de colocar em movimento
aspectos da sua vida cotidiana, possibilitando o desenvolvimento de uma postura emancipadora.
Isso propiciou a criticidade do aluno em relação aos problemas e dificuldades com os quais se
depara, atribuindo sentidos e significados ao contexto no qual a história se insere, levando-o a
refletir sobre: injustiças sociais, condições de trabalho às quais as famílias destas crianças estão
expostas; o papel da escola, bem como do professor de matemática.
Mas também houve a situação em que os alunos estavam mais envolvidos em criar uma
“situação fantástica”, imaginária e/ou lúdica de resolução, do que analisar, por exemplo, a
representação do galinheiro, com detalhes para constatar a viabilidade do plano de fuga. Mas o
próprio movimento de elaboração de hipóteses, compartilhamento de sentidos e significados
durante as discussões em grupo e socialização, bem como a elaboração de esboços pictóricos da
fuga e os processos de validação das diferentes estratégias, representam o próprio processo de
“fazer matemática”.
De uma maneira geral, notamos que na Educação Infantil a discussão sobre o problema,
bem como sua compreensão, fica mais expressiva durante a socialização oral da resolução do
problema.
Evidenciou-se que os alunos da Educação Infantil foram capazes de resolver problemas
propostos com uma história, pensaram em estratégias de resolução nas quais muitos adultos
nunca pensariam, argumentaram, registraram e discutiram suas idéias. Esta análise foi possível
porque foi dada voz a estes alunos, as intervenções da professora Di e da professora/pesquisadora
tiveram a intencionalidade de levá-los a pensar sobre a estratégia de resolução do problema e não
de busca pela melhor resposta que tínhamos em mente. Nesse sentido, a história virtual do
141
conceito se apresenta como uma potencialidade pedagógica para as aulas de matemática na
Educação Infantil.
Analisando os registros, percebemos como após a socialização (comunicação de idéias) os
alunos se apropriaram das resoluções compartilhadas. E como a contação destas histórias
possibilitou perceber como os alunos em um ambiente propício para a resolução de problemas,
com um contexto do enredo da história, mobilizam significados e sentidos evidenciados com a
comunicação de idéias nas aulas de matemática, possibilitando o compartilhamento de estratégias
para a resolução do problema. As estratégias sempre permeavam o conhecimento relacionado ao
tempo para fuga, a altura que uma galinha consegue voar, para qual lado ficava o morro para
onde as galinhas queriam ir e quais objetos usados no cotidiano humano poderiam contribuir para
a fuga. Todas estas questões emergiram no momento do retrospecto do plano, favorecendo
repensar a ação de cada grupo para a resolução do problema.
É nesse momento que podemos evidenciar como a perspectiva da resolução do problema
como arte se caracteriza pela busca do “fazer matemático”. A resolução do problema do
personagem da história possibilitou, também, a formulação de novos problemas, como na história
do Negrinho do Pastoreio, os alunos passaram a levantar novos questionamentos, tais como:
Quantos anos o Negrinho tinha? Qual o tamanho do curral? Quantos e quais animais deveriam
registrar?
Notamos que, nas histórias que envolviam diretamente conceitos matemáticos, como o
Negrinho do Pastoreio e Pedro Malazarte em Veneza, foi possível mobilizar e produzir sentidos e
significados quanto à matemática em si e ao contexto no qual a história se inseria.
Entendemos que esses aspectos não estão desvinculados, mas possibilitam um
redimensionamento quanto ao processo de ensino e aprendizagem da matemática, uma vez que a
142
matemática não pode e não deve ser alheia aos problemas dos alunos, é necessário fazê-los
pensar sobre esses em uma perspectiva matemática, com o objetivo de atribuir um sentido pessoal
à significação social da resolução de problemas na escola.
A comunicação de idéias observadas a partir dos registros pictóricos e/ou textuais traz
muito do que os alunos estão vivendo na escola e como a concebem. Os registros são permeados
pela aprendizagem escrita e pela valorização do papel da escola na vida destes alunos. Para
muitos deles, a escola é mais do que ambiente de aprendizagem, é o lugar que organiza sua vida,
que alimenta e possibilita uma melhor condição de socialização. A análise evidencia o papel da
escola em possibilitar o acesso ao conhecimento científico escolarizado, uma vez que os alunos
da e séries, que tiveram uma experiência escolar maior foram capazes de mobilizar
conhecimentos matemáticos escolarizados para a elaboração das estratégias de resolução do
problema.
A dinâmica de desenvolvimento das aulas com o contar histórias contribuiu para os
alunos, durante a socialização, mobilizar conhecimentos de outras áreas e refletir sobre suas
estratégias. O aspecto da interdisciplinaridade, tão relegado nas aulas de matemática, esteve
presente durante a contação da história virtual do conceito. Evidenciou-se que as aulas de
matemática nesta perspectiva desencadeiam outros conhecimentos científicos que podem e
devem ser estudados na escola.
Analisamos como os alunos em um ambiente de respeito pelo desenvolvimento do seu
saber, ficam envolvidos com o “fazer matemático”. Os alunos da e séries, contrariando toda
expectativa de não envolvimento com o contar história, foram além em todos os aspectos que
imaginávamos, quer seja pelo ouvir a história, quer seja pela mobilização de estratégias para a
resolução do problema de um personagem da história. Entendemos que para os alunos da série
143
do Ensino Fundamental o processo de contar histórias e envolvê-los na resolução do problema do
personagem representou um momento de ludicidade na aula de matemática. A dúvida inicial de
que possivelmente os alunos pouco se sentiriam mobilizados a resolver a situação-problema, uma
vez que esta estava sendo proposta por uma história “contada” oralmente e interpretada, deixou
de existir. Notamos que o “contar histórias”, mesmo sendo uma prática bastante distante de
alunos dessa faixa etária, envolveu-os no contexto da história e este pouco limitou as condições
de resolução, mas, pelo contrário, possibilitou momentos lúdicos de aprendizagem. Acreditamos
que o envolvimento dos alunos foi determinado por um trabalho desenvolvido anteriormente
pelas professoras Di e Adri
51
, professoras de Matemática das classes investigadas. Ambas
caracterizam-se pelo trabalho responsável, dinâmico e respeitoso com esses alunos. Ouvi-los é
uma prática comum destas professoras, o que propiciou um não estranhamento da dinâmica de
contação da história. Essas professoras, não se retiraram da classe, valorizaram esse momento
como importante para aprendizagem de seus alunos, realizando questionamentos nos grupos,
buscando levá-los a refletir sobre suas ações e ouvindo-os sobre o que pensavam. Esse tipo de
prática adotado por essas professoras é entendido como uma tarefa semelhante ao “fazer
matemático”. Conviver e fazer matemática passa a ser para estes alunos uma tarefa comum e
prazerosa, que diferencia estas aulas e essas professoras. Nesta perspectiva, o adolescente é visto
como um sujeito social e histórico capaz de intervir criticamente e de forma emancipadora para a
resolução de problemas. Acreditar na sua potencialidade contribuiu para a aprendizagem desses
alunos e, se houve aprendizagem, esta possibilitou desenvolvimento, não físico, pois este é
natural, mas desenvolvimento do pensar e colocá-los em movimento, em atividade.
51
“Di” e “Adri”, são iniciais do nome das professoras de Matemática da classe.
144
Nas rias situações analisadas foi possível observar como o desencadeamento de uma
história virtual do conceito, na perspectiva da resolução de problemas em matemática, mediada
pela ação da professora/pesquisadora, em um ambiente de “contar histórias” para alunos da
Educação Básica, propiciou a emergência de várias estratégias de resolução que transcenderam a
mobilização/produção de conceitos matemáticos, abordando inclusive aspectos relativos às
crenças, valores e ideologias presentes em cada resolução.
Esse estudo fez-nos inferir que a resolução de problemas é uma prática emancipadora,
tanto para o aluno quanto para o professor, visto que desenvolve uma ação reflexiva e
investigativa diante dos problemas dados/elaborados a partir das histórias virtuais nas relações de
ensino. Esta ação “reflecte-se em dar poder aos alunos na classe, primeiro epistemologicamente,
e em última análise, social e politicamente, através de uma consciência crítica do papel da
matemática na sociedade” (ERNEST, 1998, p. 38).
Acredita-se, ainda, a presente pesquisa contribuiu com a análise de uma dinâmica de aula
de matemática que permite o desenvolvimento do raciocínio e criatividade dos alunos,
priorizando a comunicação de idéias, as representações matemáticas, as argumentações e a
negociação de significados e sentidos (NACARATO; LOPES, 2005).
E com a professora Débora, o que está pesquisa fez?
Todo o referencial teórico, a discussão com a orientadora e a análise dos dados
possibilitou que a professora percebesse como é importante a ação intencional e responsável do
professor durante o processo de ensinar. Acreditar no potencial dos alunos deve ser mais que
discurso, é um processo elaborado de dinâmica de desenvolvimento da atividade, que propicie
momentos de discussões sobre as estratégias, registros textuais e/ou pictóricos e orais,
oportunizando que os diferentes modos de pensar sejam colocados em movimento de resolução
145
de problemas. Compreendo, hoje, a importância da prática de ensinar com criatividade e
curiosidade, foi esta prática que me levou a refletir sobre o contar histórias nas aulas de
matemática e como o papel da escola é fazer o aluno relacionar os problemas que o rodeiam com
o “fazer matemático”, contribuindo assim, para uma postura realmente crítica do seu papel social,
escolarizado e humano. Concordo com Lima (2006, p. 181) “a pesquisadora enxergou coisas que
a professora jamais enxergaria”.
...E QUEM QUISER QUE CONTE OUTRA!
146
E QUEM AJUDOU A CONTAR ESSAS HISTÓRIAS... REFERÊNCIAS
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151
ANEXOS
152
1. HISTÓRIA VIRTUAL DO CONCEITO “O NEGRINHO DO
PASTOREIO”
História adaptada de uma lenda na versão do Sul do Brasil, estando disponível em:
<http:www.ifolclore.com.br>
O Negrinho do Pastoreio
Naquele tempo os campos ainda eram abertos, não havia entre eles nem divisas nem
cercas, somente nas volteadas se acompanhava a gadaria xucra e os veados e as avestruzes
corriam sem empecilhos.
Era uma vez um fazendeiro, que tinha muitos gados, cavalos e pratarias, porém era muito,
muito mau.
Não dava pousada a ninguém, não emprestava um cavalo a um andante; no inverno o fogo
da sua casa não fazia brasas; as geadas e o vento podiam entanguir gente, que a sua porta não se
abria; no verão a sombra de seus umbus abrigava os cachorros; e ninguém de fora bebia água
das suas cacimbas.
Mas também quando tinha serviço na fazenda, ninguém vinha de vontade dar-lhe uma
ajuda; e a campeirada folheira não gostava de conchavar-se com ele, porque o homem dava
para comer um churrasco de tourinho magro, farinha grossa e nem um naco de fumo... e tudo,
debaixo de tanta choradeira, que parecia que era o seu próprio couro que ele estava assando...
para três viventes ele olhava nos olhos: era para o filho, menino cargoso como uma
mosca, para um baio cobos-negros, que era o seu parelheiro de confiança, e para um escravo,
153
pequeno ainda, muito bonitinho e preto como o carvão e a quem todos chamavam somente o
Negrinho.
A este não deram padrinhos nem nome; por isso o Negrinho se dizia afilhado da Virgem,
Senhora Nossa, que é a madrinha de quem não a tem.
Todas as madrugadas a Negrinho galopeava, e depois conduzia os animais ao pasto à
tarde sofria os maus tratos do menino, que o judiava e ria.
Um dia o Negrinho ao levar os animais no pasto, percebeu que aumentava o tanto de
animais e que daqui um tempo não iria mais saber o tanto de animais que deveria voltar para o
curral.
Mas o Negrinho do Pastoreio não sabia contar, no entanto, tinha certeza que se algum
animal não voltasse ele seria castigado pelo fazendeiro.
Então, vamos ajudar o Negrinho do Pastoreio a encontrar uma forma de saber se todos os
animais eram recolhidos para serem levados para o curral.
154
2. HISTÓRIA VIRTUAL DO CONCEITO “OS OVOS EM QUESTÃO
História adaptada do livro: BELINKY, Tatiane. O caso dos Ovos. 6ª ed. São Paulo: Editora
Ática, 1996.
Os Ovos em Questão
Dom Coelho chegou ao Supergalinheiro, todo esbaforido:
- Por que não entregaram os meus ovos, Madame? – perguntou, nervoso.
- Os nossos ovos corrigiu a Galinha-Mãe, uma Legorne muito distinta. Enquanto
não estiverem entregues, os ovos ainda não são seus, Dom Coelho.
- São meus, sim! Eu fiz a encomenda com dia marcado, e ela não foi entregue. Por que,
heim, Madame? – insistiu ele, irritado.
- Porque não ficou pronta, Dom Coelho – respondeu a Galinha-Mãe, tranqüila.
- O quê?! Faltam sete dias para a Páscoa e a encomenda não ficou pronta? E o pior, eu
só encomendei ovos deste galinheiro, se vocês não começarem a produzir estes ovos hoje será
que poderemos cumprir os prazos? E vocês produzem no máximo onze ovos por dia, não é?!
- Explique-se, Madame! – gritou Dom Coelho, já bravo.
- Calma, eu explico, afinal são tantas peguntas: é que as galinhas, quando não estão
felizes e contentes, não conseguem botar ovos – falou a Legorne.
- Não botam porque não querem! – intrometeu-se a Galinha Garnisé, belicosa.
- Não querem! Essa não! berrou Dom Coelho, com os olhos vermelhos de raiva. - Eu
tenho prazos a cumprir, sabiam? O Coelho-Pintor já está ordenhando o Arco-Íris, colhendo as
tintas pra colorir os ovos!
155
A Coelha-Cesteira enfeitou um cento de cestas com laços de fita! E para cada cesta irão
cinco ovos no máximo.
Tudo está pronto para o despacho e falta o principal: os ovos! OS OVOS!
E vocês me vêm com essa história maluca de não botarem ovos porque não estão
contentes!
Expliquem-se, senhoras galináceas!
E já!
As galinhas começaram a cacarejar todas ao mesmo tempo.
- Tou fraca, tou fraca, tou fraca, de tanto agüentar exploração! – queixava-se a Galinha-
d’aAngola, muito aflita.
- Nós não vamos mais trabalhar desse jeito – declarou a Galinha Caipira decidida.
- Não dá mais pra aturar tanta injustiça! – cacarejou a Galinha Carijó, indignada.
- Mas do que estão falanfo? – Espanou-se Dom Coelho, atordoado com a zoeira. – Qual
é a injustiça? Não sei de injustiça nenhuma!
- Ah, não sabe? – provocou a Garnisé. – Então tire esses óculos escuros e veja!
Foi que Dom Coelho viu um grande grupo de jovens galináceas de todas as raças, que
vinham carregando faixas com letreiros que diziam:
ESTAMOS*EM*GREVE!
GALINHA*BOTA*OVO,
COELHO*LEVA*A*FAMA!
156
- Que que é isso! exclamou Dom Coelho, alarmadíssimo. Madame, pense bem!
Como é que nós vamos servir as crianças na Páscoa, se as galinhas se recusam a fornecer os
ovos?!
- Os coelhos que botem seus próprios ovos! gritou uma Garnisé, com as asinhas nos
quadris.
Dom Coelho ficou escandalizado:
- Coelho não bota ovo, dona Garnisé. Coelho não é ovíparo e sim vivíparo. Vi-ví-pa-ro,
viu?
- Não adianta falar difícil, Dom Coelho. Ovíparo, vivíparo, não interessa. Do jeito que
está, não botamos mais ovos, pronto, fim de papo!
- E as criancinhas? falou Dom Coelho, com a sua voz mais melosa. Vocês não
pensam nas criancinhas, coitadas? Com o quê que elas vão brincar nesta Páscoa? Heim?
Heim?
- Com ovos de tartaruga! – cacarejou uma franga.
- Com ovos de jacaré! – piou um pinto. (ou seria uma “pinta”?)
- Com ovos de jararaca! – cocoricou um galeto.
Dom Coelho fez uma última tentativa:
NÃO*BOTAMOS*MAIS*
OVOS
PARA*OS*COELHOS!
QUEREMOS
JUSTIÇA
157
- Então vocês querem mesmo deixar o negócio à concorrência? E logo às cobras e
lagartos? Que horror! Que vexame!
- O vexame será todo seu, Dom Coelho, não acha? falou a Galinha-Mãe, sempre
tranqüila. – Que tal entrar em negociações?
Dom Coelho viu as coisas mal paradas e entregou os pontos:
- Está bem, está bem. Vamos negociar quais são suas condições?
- Ah, isto são outras falas – disse a Galinha-Mãe.
Quais são as condições que devem ser dadas pela Galinha-Mãe para que as galinhas
voltem a botar ovos para os coelhos na Páscoa?
Quantos ovos as galinhas devem botar por dia para que Dom Coelho cumpra os prazos de
entrega até a Páscoa?
158
3. HISTÓRIA VIRTUAL DO CONCEITO “LIBERDADE PARA AS
GALINHAS!”
História adaptada do Filme: “A Fuga das Galinhas”. Título Original: Chicken Run. Ano de
Lançamento (EUA): 2000
Liberdade para as Galinhas!
Em um pequeno lugarejo, chamado “Vivo Feliz”, havia um sítio, que estranhamente era
cercado com arames e vigiado dia e noite por seguranças que eram acompanhados de cães
ferozes.
A proprietária deste sítio era a Dona Marisvalda uma senhora brava, que além de dona do
sítio também era dona da Granja dos Silva, D. Marisvalda sempre estava de cara fechada e
preocupada com o aumento dos lucros de sua granja, e não podendo esquecer que a sua granja era
a maior da região. D. Marisvalda sempre estava aos gritos com o seu irmão Astolfo que seguia
suas ordens à risca, afinal ele conhecia muito bem sua “irmãzinha”.
E é claro que não poderíamos deixar de falar das galinhas, estas que aumentavam o
lucro de D. Marisvalda. Elas tinham deveres diários, que eram: comer, botar ovos e manterem-se
felizes para que a produção sempre fosse a melhor possível. O trabalho era em um regime
”militar” de vida, que se não cumprissem a meta de botar os ovos diariamente eram mortas,
sem piedade, com uma machadada no pescoço, pois para D. Marisvalda a galinha não tinha mais
serventia.
159
Com esta vida, cada uma das galinhas sabia que poderia ser a próxima vítima.
Então, a Galinha Matusquela iniciou uma conversa séria com as galinhas.
- Temos que fugir deste lugar e vermos o que existe de belo do outro lado do morro, fugir
desta vida escrava, de botar, botar, botar, botar e morrer.
Então tentou vários planos: fugir por debaixo da cerca, mas não deu certo foram pegas,
alias, a Galinha Boliviana ficou entalada no arame, também já estava acima do peso.
Tentaram abrir o portão, mas não conseguiram porque o portão era pesado sempre eram
pegas.
Em uma das tentativas noturnas, quando todas corriam para novamente passarem por
debaixo da cerca eis que do nada, aliás, do céu surge, aparece, emerge, chega o Galo Rocky.
Galo Rocky era artista de circo e seu nome artístico era Galo Rocky Roll Voador, sua
habilidade era de voar, pelo menos foi o que concluiu a Galinha Matusquela, que logo, lhe fez
uma proposta, pois do outro lado da cerca na casa de D. Marivalda já chegava os donos do circo
querendo revistar tudo para ver se encontravam o Galo Rocky. A proposta era a seguinte:
- Ensine-nos a voar e não o entregaremos ao circo.
- Há, há, há até parece que alguém vai me pegar aqui.
Logo todas as galinhas correram para o galinheiro, pois a invasão dos homens do circo
iniciava-se, então Galo Rocky não tinha saída, e respondeu para a Galinha Matusquela:
- Fechado. Eu ensino vocês a voar
No raiar do dia, iniciou-se a maratona de exercícios, tudo comandado por Galo Rocky.
Afinal voar passando por uma cerca de 2,5 metros não é coisa pouca para essas galinhas, pois
algumas estavam fora de forma e galinhas voam muito baixo.
A maratona não foi fácil era galinha reclamando para todos os lados.
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- Aí minha perna! Meu Deus eu não agüento mais de dores nas asas.
E a Galinha Matusquela dando sempre muita força para as amigas.
- Vamos lá, iremos conseguir, precisamos nos esforçar.
O Astolfo observava que algo de estranho acontecia naquele galinheiro, mas se falasse
algo diriam que estava louco, afinal onde se viu galinhas se mobilizarem em busca da
liberdade?
Enquanto isso, D. Marisvalda teve uma idéia, que para ela, era genial. Correu para o
galinheiro e fez a contagem dos ovos e chamou as galinhas, que já sabiam que alguém iria para o
machado. Mas o contrário disto ela fez a medição da barriga da Boliviana, e disse:
- Está ótima!
Logo depois, chegou no galinheiro a melhor ração, todas as galinhas comeram feito loucas
e Galinha Matusquela gritava:
- Não percebem, vamos morrer aqui, galinhas gordas não voam, parem de comer.
No outro dia chegava no sítio uma máquina de fazer empada de galinha.
Galinha Matusquela ficou desesperada e lançou uma assembléia para o galinheiro
dizendo:
- A fuga é emergencial, senão viraremos empadas da Granja Silva.
Esta é a representação do galinheiro. Crie um plano a partir da representação para as
galinhas fugirem e conquistarem a liberdade, ou seja, conhecerem o que tem atrás do morro. Não
esqueçam, as galinhas tem 24 horas para fugirem e não virarem empadas da D. Marisvalda.
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4. HISTÓRIA VIRTUAL DO CONCEITO “PEDRO MALAZARTE EM
VENEZA”
História criada com inspiração em: “Seis Aventuras de Pedro Malazarte”, de Luís de Câmara
Cascudo. Acessado no site: <httpwww.jangadabrasil.com.br/novembro39/im39110c.htm>
Pedro Malazarte em Veneza
Pedro Malazarte era um menino muito arteiro e maldoso, que nada passava
desapercebido.
Em uma de suas artes conheceu o Senhor Viajante, um homem que andava por todo o
mundo, com uma mochila nas costa e uma bota de solado grosso. Vivia a viajar por isso era
chamado de Senhor Viajante. Conheceu o Pedro Malazarte e o convidou para uma viajem que
iria iniciar naquele dia, o destino era Veneza.
(A contadora da História deve conversar com os alunos sobre Veneza, onde fica e quais suas
características e observar nas representações desta cidade as janelas comuns, ou seja, a sua forma
é comum).
Então, iniciou-se a viagem, Pedro Malazarte não via a hora de chegar e durante o percurso
não fez arte alguma, afinal sabia que o Senhor Viajante poderia desistir da viajem.
Chegando lá, ficou deslumbrado com aquele lugar, o rio que corta a cidade, como as
pessoas falavam, como se vestiam e um cheiro característico que ele sentiu naquele lugar, era
tudo diferente do Brasil. E nos seus passeios em Veneza algo o intrigava, eram as janelas
pareciam todas iguais.
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Um desses dias, passeando por Veneza um menino o chamou e disse:
- De onde você é?
Pedro Malazarte percebeu que o menino sabia falar português e ficou muito feliz e
respondeu:
- Sou do Brasil estou conhecendo Veneza. E você o que faz aqui?
O menino respondeu:
- Eu moro aqui faz muitos anos e estou precisando de ajuda.
Pedro Malazarte disse:
- Eu posso te ajudar, diga o que lhe angustia.
O menino disse: - Uma mulher me deu está folha com estes dois quadros, que mais
parecem duas janelas das casas aqui de Veneza. Disse que era para eu descobrir porque os
números estão colocados desta maneira. Estou a dias intrigado para saber o que acontece com
esses números e nada! Por isso estou te pedindo essa ajuda.
Pedro olhou, olhou e olhou, nada entendeu, então disse:
- A mulher não deu nenhuma dica? O negócio estranho!
Os dois se debruçaram sobre a folha e começaram a discutir possibilidades para a
organização daqueles números na folha e chegou a solução.
Vocês saberiam me dizer por que os números estão dispostos dessa maneira?
Ajude o Pedro Malazarte nessa empreitada.
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