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FÁBIO LUIZ VILLANI
A longevidade no aprendizado de línguas:
acrescentando vida aos anos e não anos a vida
Doutorado
Lingüística Aplicada e Estudos da Linguagem
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO
PAULO
São Paulo
2007
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ii
FÁBIO LUIZ VILLANI
A longevidade no aprendizado de línguas:
acrescentando vida aos anos e não anos a vida
Tese apresentada à Banca
Examinadora da Pontifícia
Universidade Católica de São
Paulo como exigência parcial
para a obtenção do título de
Doutor em Lingüística Aplicada e
Estudos da Linguagem, sob
orientação da Profª Drª Maria
Antonieta Alba Celani .
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
São Paulo
2007
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Ficha Catalográfica
Palavras-chave: lingüística aplicada, envelhecimento, gerontologia, educação.
Key words: applied linguistics, aging, gerontology, education.
VILLANI
, Fábio Luiz. A longevidade no aprendizado de línguas:
acrescentando vida aos anos e não anos à vida. São Paulo. 2007.
Tese (Doutorado) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Área de Concentração: Lingüística Aplicada e Estudos da Linguagem.
Orientador: Professora Doutora Maria Antonieta Alba Celani
iv
Banca examinadora
__________________________________
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v
Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total
ou parcial desta tese por processos de fotocopiadoras ou eletrônicos.
Assinatura:-____________________________________________
São Paulo, 30 de março de 2007.
vi
“... You must remember this
a Kiss is just a Kiss
a sigh is just a sigh.
The fundamental things apply
As time goes by...
Herman Hupfield, 1931
vii
Agradecimentos especiais
Agradeço em especial a Deus, pois sem Ele não teria conseguido trilhar esta
árdua jornada de estudos e pesquisa.
Dedico, também, este trabalho aos meus Anjos da Guarda, tão presentes em
meu dia-a-dia, que tanto interagem comigo me indicando os caminhos corretos e
seguros a serem seguidos.
Agradeço à minha irmã, cunhado e sobrinhos Bruno e Beatriz pelas inúmeras
demonstrações de apoio em todas as esferas de minha vida.
Agradeço ao meu irmão Elton por todas as demonstrações de carinho,
cumplicidade e, acima de tudo, companheirismo demonstrados no dia-a- dia.
Agradeço à minha banca de qualificação e examinadora formada pela
inigualável Leila Bárbara, sábia Suzana Medeiros e grande amiga e parceira Sonia
Sueli por todas as dicas e auxílio.
Agradeço à antiga amiga de seminário de orientação e atual examinadora da
banca Dilma por suas palavras de incentivo e sorrisos de apoio no decorer de meu
mestrado.
Inúmeras pessoas colaboraram para que eu obtivesse êxito na concretização
desta pesquisa e não seria possível enumerá-las neste espaço. Contudo, gostaria de
citar algumas que não poderia deixar de lembrar neste momento:
- Agradeço à Secretaria de Estado da Educação pelo apoio financeiro.
- Agradeço ao Sr. Dirigente de Ensino da Leste 1, sr. Paulo Roberto Pereira da Silva
por ter me concedido a oportunidade de participar da equipe da Oficina Pedagógica da
mesma Diretoria.
- Agradeço às Supervisoras Maria Silvia Bertoncini e Justina do Céu Martins Ruano
Filgueiras, responsáveis pelo Bolsa Mestrado, que sempre acreditaram em meu
trabalho.
- Agradeço aos meus colegas ATPs Beatriz, Alípio, Mônica, Clodoaldo, Artur, Márcia,
Vastí, Sandra, Elida, Gelvania, Ailton, Eduardo, Edina, à Coordenadora Patrícia e aos
Bolsistas como eu da SEE por sempre terem me incentivado em meus trabalhos na
Oficina Pedagógica.
- Aos professores do LAEL por terem me incentivado em minhas pesquisas e
trabalhos e aos colegas do Seminário de Orientação que sempre demonstraram
grande consideração e respeito por minhas dúvidas e conquistas. Em especial às
amigas Irene e Beatriz pelo companheirismo e apoio.
viii
Papai e mamãe
Muito poderia dizer para agradecer a estas duas grandes figuras:
obrigado por terem me concedido o direito ao nascimento, a ter uma infância
sadia e segura, a terem me matriculado na escola e a terem me incentivado a
estudar e a ser o homem íntegro que sou.
De certa forma acho que estas são obrigações de quem resolve ter
filhos. Nem sempre, atualmente, estas obrigações são seguidas, mas acho que
são obrigações inerentes à maternidade e à paternidade.
Por este motivo prefiro agradecer por outros motivos que, para mim, são
mais relevantes: agradeço por terem me inspirado a escrever este estudo, por
estarem comigo até agora e por me concederem a oportunidade de poder
usufruir de seu amor incondicional e serem meu maior motivo de orgulho.
Dizem que, com o passar dos anos, os pais se tornam filhos dos filhos. É
verdade.
Com o passar dos anos os filhos passam a ter orgulho das conquistas
dos pais e das descobertas que eles fazem a cada dia.
Orgulho-me da recente descoberta do gosto de meu pai pela pescaria,
de seu lado mecânico ao lado dos netos, de seu gosto pelas viagens e por sua
infinita paciência e bondade.
Orgulho-me dos resultados dos bordados de minha mãe, de seu lado
“geração saúde” e de seu incansável ânimo de arrumar as malas e “pôr o pé na
estrada”.
O amor é isso: sentir orgulho.
Obrigado por não terem me abandonado nos bons e maus momentos,
por cuidarem de mim e permitirem que cuide de vocês.
ix
À
Profª Drª Maria Antonieta Alba Celani
Honrar um pensador não é
elogiá-lo, nem mesmo
interpretá-lo, mas discutir
sua obra, mantendo-o, dessa
forma, vivo, e demonstrando
em ato, que ele desafia o
tempo e mantém sua
relevância.
Cornelius Castoríadis
É por esta razão que optei em não fazer
um agradecimento formal ressaltando suas
qualidades como orientadora, educadora e
amiga de seus alunos.
Prefiro deixar registrado seu pensamento
em alguns fragmentos de aula para que, os
que acreditam em seus sonhos, possam
compartilhar de sua sabedoria.
Isso é o que acho bonito na educação: ter a possibilidade de escolher um
caminho. A questão principal é escolher o caminho de modo crítico,
embasado e consciente. 04/05/2005
A lingüística aplicada não é uma área intransigente pois considera outras
visões, de outras áreas, para melhor compreender ou alterar a minha visão
educacional ou de mundo. 04/05/2005
Não ficar engessado e não ter medo de não ficar engessado é o princípio do
professor que se considera reflexivo. 04/05/2005
Aprender é socializar-se. É parte do ciclo da vida. Aprendemos na prática
por necessidades sociais. 31/05/2005
x
A aprendizagem é um percurso individual. O professor atua como tutor, um
companheiro de estrada de um viajante individual. 31/05/2005
Aprender é acrescentar ao conhecimento antigo algo novo e ocasionar uma
mudança de comportamento 31/05/2005
Não adianta “dar diálogo” aos alunos se este diálogo não faz parte da
necessidade deles. Isso não é engajamento no discurso por não fazer parte
da vida real. 26/09/2005
O poder da instituição muitas vezes torna-se imprescindível para que as
coisas sejam organizadas. É o efeito carneirada. Se as ovelhas puderem ir
cada uma para seu lado, para onde quiserem vai chegar uma hora que o
pastor vai ficar maluco para levá-las de volta para casa. 26/09/2005
O aluno precisa sentir que uma razão para ele assistir a uma aula de
inglês. Esta razão tem que ser boa, senão, não dá. 26/09/2005
Quem está preocupado com proficiência está preocupado com validação de
um conhecimento que possui (ou não) 04/10/2005
Aprendizagem de línguas tem que ser de dentro para fora e não de fora
para dentro. Sentir a necessidade do engajamento servindo-se das
oportunidades de aprendizagem para desenvolver a proficiência.
Necessidade de uso. 04/10/2005
O professor oferece e o aluno escolhe e utiliza suas oportunidades de
aprendizagem em busca de autonomia 04/10/2005
Não quero discutir coisas que sejam úteis apenas para o contexto
acadêmico. Quero fazer coisas que reflitam no meio social. 18/10/2005
A realidade da escola pública precisa ser tomada como primeiro padrão por
englobar a maior quantidade de professores e de alunos. 25/10/2005
Aprender uma língua tem mais a ver com viver. Somos seres “de língua”.
25/10/2005
xi
Os resultados de um aprendizado não são vistos de imediato. podem ser
percebidos, às vezes, muito tempo depois, ou não. Tudo depende do
significado que este aprendizado tem para o aprendiz. 25/10/2005
Se eu não tivesse passado pelo aprendizado de coisas que hoje, acho que
esqueci, será que eu seria a pessoa que sou hoje? Acho que o aprendizado de
tudo, talvez, não fique. Mas a experiência do aprendizado me constituiu no
que sou hoje. 25/10/2005
A importância da linguagem na vida humana ainda não está muito esclarecida.
A aula de línguas é um eterno ato de descoberta. 25/10/2005
O grande problema do professor de línguas é que ele quer importar
fórmulas globais para resolver questões locais. 25/10/2005
Não é o professor que motiva. O professor é o que cria mecanismos para
despertar uma força interior que desencadeia a motivação. Eu penso: o que
será que meus alunos querem? Faço coisas que possam motivar meus alunos.
01/11/2005
A motivação passou a ser algo que o professor tem que criar. É algo de fora
para dentro. O movimento tem que ser ao contrário: de dentro para fora.
Ver uma razão para se fazer algo. 01/11/2005
Não se trata de recusar-se ou deslumbrar-se com o novo. Olhar para o novo
não desprezando o antigo. 01/11/2005
Um dos grandes problemas da educação é que muitos educadores querem
testar apenas as coisas que os alunos não sabem. 08/11/2005
Em 1963, em Michigan nos Estados Unidos, haviam vários laboratórios de
línguas conectados pelo telefone com um professor que gerenciava as
situações em sala de aula. A grande pergunta, na época, era: os laboratórios
vão substituir o professor? A mesma coisa ocorreu quando a Internet
começou a se expandir. 22/11/2005
Não há milagres no aprendizado de línguas: existe tempo e intensidade de
exposição. 22/11/2005
A língua não pode ser aprendida a partir de partes isoladas, mas a partir do
fluxo normal e cotidiano da linguagem. 22/11/2005
xii
Faz mais sentido, educacionalmente, pensar no aluno e perceber o que é
mais importante para ele. É mais importante do que se preocupar em ensinar
as quatro habilidades. 29/11/2005
Qual a necessidade mais premente dos alunos na aula de inglês? Esta é a
questão principal. Qual o uso mais imediato? Parece-me que é a leitura.
29/11/2005
Aprender uma outra língua implica em transformação da pessoa. Ninguém
continua igual após aprender uma outra língua. 29/11/2005
Nenhuma disciplina é melhor do que outras. As disciplinas alimentam-se
mutuamente. Esta é a idéia central da lingüística aplicada. 21/09/2006
Ninguém é dono de nada no mundo do conhecimento. O bom conhecimento é
o conhecimento partilhado. 21/09/2006
Quem trabalha com linguagem não se permite ficar fechado em uma redoma,
distanciando-se do resto do mundo. 05/10/2006
É da natureza da lingüística aplicada o uso da inter e transdisciplinaridade
pra consolidar sua postura de pesquisa. A lingüística aplicada por si não é
transdisciplinar, mas a forma como a pesquisa se realiza é que é.
05/10/2006
Para quem estamos oferecendo educação? Na maioria dos casos para alunos
de escolas públicas. Como educadores temos a obrigação de olhar com mais
atenção para a escola pública 25/10/2006
O resultado vem da tensão e esta é a grande aventura da sala de aula
11/11/2006
Não é viver sem pensar: é viver refletindo, é viver onde a vida me conta
coisas a todos os momentos. É viver a educação 11/11/2006
Qualidade de vida na sala de aula. Lá estão latentes os problemas e todas as
soluções 11/11/2006
Ensinar é viver. 11/11/2006
xiii
A escola tem a obrigação de dar instrução e é uma obrigação de todos e com
todos. 22/11/2006
Resumo
O objetivo deste estudo é investigar o processo de ensino-
aprendizagem de pessoas entre sessenta e oitenta anos de idade.
Durante o processo pretendemos observar as formas de inclusão destas
pessoas sendo utilizada a língua inglesa como um instrumento de libertação.
Como base destas reflexões algumas idéias de educadores serão
apresentadas como: Freire(1980, 1983, 1984, 1987, 1996, 2000 e 2001 ),
Celani (1996, 2000 e 2001), Pennycook (1994 e 1999) entre muitos outros.
A metodologia utilizada será a fenomenologia de acordo com Van
Manen (1990).
Esperamos com este estudo oferecer uma alternativa para que as
pessoas encarem o envelhecimento como um estágio normal da vida onde as
pessoas podem estudar (ou voltar a estudar) e participar ativamente da
sociedade moderna.
Para isso, apresentamos na primeira parte deste estudo uma descrição
do envelhecimento até os dias atuais.
Na segunda parte da pesquisa o foco é direcionado a um grupo de
idosos que estuda inglês em uma igreja católica da cidade de São Paulo tendo
o pesquisador como professor e participante do grupo.
Como conclusão apresentamos uma sugestão da construção de um
projeto político pedagógico para cursos da terceira idade onde a inclusão e
libertação devam ser os principais aspectos contemplados.
xiv
Abstract
The objective of this study is to investigate de learning and teaching
process of people between sixty and eighty years old.
During the process we intend to observe the forms of inclusion of these
people using the English language as a tool to freedom.
As base for these reflections some ideas of educators will be discussed
such as: Freire (1980, 1983, 1984, 1987, 1996, 2000 and 2001), Celani (1996,
2000 and 2001) and Pennycook (1994 and 1999) among many others.
The used methodology will be phenomenology according to van Manen
(1990).
We hope with this study to offer an alternative to people to face aging as
a normal stage of life where people can study (or come back to) school and also
participate actively in modern society.
For this, we present in the first part of this study, a description of aging
until the current days.
In the second part of the the research the focus is directed to an elderly
group that studies English in a catholic church of São Paulo city having the
researcher as teacher and participant of this group.
As conclusion we present a suggestion of a political pedagogical project
construction for third age courses where the inclusion and freedom must be the
main contemplated aspects.
xv
Old age will only be respected if it
fights for itself, maintains its
rights, avoids dependence on anyone and
asserts control over its own to its
last breath.
Cícero
I love everything that’s old: old
friends, old times, old manners, old
books, old wine.
xvi
Oliver Goldsmith
Sumário
Introdução 01
A relevância da inclusão social: justificando os porquês
As questões morais e éticas no universo da exclusão social 14
Capítulo 01
Considerações preliminares 20
O envelhecimento sob diversos olhares: idoso sim...velho nunca!
As origens da gerontofobia 21
1.1 – Um pouco de história 22
1.2 – A história da terceira idade 34
1.3 – A incômoda realidade brasileira
1.3.1 – O estudo do envelhecimento em nosso país 36
1.4 – Seres humanos velhos e idosos: um ataque exterminante
ao “ser idoso” 39
1.5 – A educação de idosos: é, realmente, necessária? 44
1.6 – A capacidade cerebral do idoso interfere no aprendizado? 48
1.7 – A gerontologia educacional: um caminho possível? 53
1.8 – A (re)construção da identidade do idoso 58
Capítulo 02
xvii
Fundamentação teórica 62
2.1 – As formas de significação da linguagem 63
2.2 – A construção do conhecimento 65
2.3 – Considerações acerca da pedagogia-reflexão crítica 69
2.4 – Pedagogia da e para a autonomia 81
2.5 – Questões de currículo e identidade no cotidiano escolar 102
2.6 – A prática reflexiva no ofício do docente 117
Capítulo 03
Metodologia 125
3.1 – O uso da etnografia 126
3.2 – A escolha da pesquisa qualitativa-interpretativa 128
3.3 – O caminho fenomenológico para a compreensão dos dados
e fatos apresentados 132
3.3.1 – O porquê da escolha da fenomenologia para a análise dos
dados coletados entre os participantes da pesquisa 132
3.3.2 – A fenomenologia hermenêutica 134
3.3.3 – A tematização dos dados apresentados no decorrer da pes-
quisa 139
3.4 – A instituição onde a pesquisa foi realizada 141
3.5 – Os participantes da pesquisa 142
3.5.1 – Os alunos 142
3.5.2 – O professor participante 144
3.5.3 – Instrumentos utilizados para a coleta e análise dos dados 145
Capítulo 04
xviii
Análise e discussão dos dados 150
4.1 – Pergunta 01 – Qual o significado do “ser idoso” para esses
participantes? 154
4.2 – Pergunta 02 – O que esses idosos buscam ao retornar
a sala de aula para aprender a língua inglesa ? 176
4.3 – Pergunta 03 – Qual o papel do professor nesse curso de inglês
voltado a idosos? 185
4.4 – Pergunta 04 – Que atividades favorecem o aprendizado
desses idosos na sala de aula de língua inglesa? 209
Capítulo 05
A construção vivenciada de um projeto político pedagógico na educação
de idosos 223
Considerações finais 231
Uma palavra final do pesquisador 247
Referências 249
xix
Índice de quadros
Quadro 01- Número absoluto de idosos por países com população superior a
100 milhões em 2002. 37
Quadro 02 – Diferenças entre um professor e um educador. 123
Índice de imagens
A hostile view – Marinus van R. – (1493-1567) 01
Jeremias lamentando a destruição de Jerusalém – Rembrandt – 1630 14
The life and age of woman – Artemas Alden – 1840 20
The life and age of man – F.Gleason – 1850 20
The familiar saga of ages of man and woman – 1794 21
São Jerônimo no deserto – Giovanni Bellini – 1463 62
La vecchia – Giorgioni 125
Old woman with green scarf – Christian Seybold – 1794 150
Jean-Claude Chardin and the truth-self portrait – 1789 223
Projeto Político- Pedagógico para libertação do indivíduo 224
The golden wedding – Luigi Nono 231
Foto dos participantes da pesquisa 246
xx
Foto dos participantes da pesquisa 247
1
Introdução
A hostile view – Marinus van R. (1493-1567)
2
Bem-aventuranças dos anciãos
Bem-aventurados aqueles que compreendem meus
Passos vacilantes e minhas mãos trêmulas.
Bem-aventurados aqueles que levam em conta que meus
Ouvidos têm que se esforçar para captar o que dizem.
Bem-aventurados os que percebem que meus olhos já
Estão nublados e minhas mãos lentas.
Bem-aventurados os que desviam o olhar, simulando
Não ver o café que, por vezes, entorno sobre a mesa.
Bem-aventurados os que, com afável sorriso, contentam-me,
Concedendo-me alguns momentos para me falar de coisas sem
importância.
Bem-aventurados os que me fazem sentir que sou amado
E que não estou abandonado.
Campanha da Fraternidade 2003.
3
Este é um estudo que trata da aprendizagem de língua inglesa por
idosos com mais de sessenta anos de idade. É importante salientar que a
aprendizagem de língua inglesa por estes idosos é um detalhe, pois o grupo
que será alvo do estudo poderia estar aprendendo qualquer língua, materna ou
estrangeira.
A escolha da língua inglesa deve-se à minha formação como professor
de inglês.
O que proponho neste trabalho é muito mais do que aprender inglês na
terceira idade. É apurar como pode ser ressignificado o envelhecimento de
cada um dos participantes, verificar qual o papel da aprendizagem na vida de
cada um deles e como estes idosos podem libertar-se das expectativas
tradicionalmente impostas a quem “possui certa idade”.
O que espero, no decorrer deste estudo, é que possa traçar um
panorama do envelhecimento, quais suas conseqüências para os idosos do
século XXI e o que se pode fazer para melhorar a vida de quem viveu
bastante, mas tem muita coisa, ainda, a fazer.
Para tanto, poderia iniciar dissertando sobre os autores que amparam as
discussões que serão realizadas, contudo, prefiro afirmar que acredito nas
teorias do grande educador Paulo Freire, e que todos os autores escolhidos,
por mim, para fundamentar este trabalho, de alguma forma, observam a
formação dos seres humanos sob a mesma perspectiva.
Antes de iniciar a apresentação deste estudo, gostaria de esclarecer
algumas nomenclaturas que utilizarei nesta pesquisa.
Muito se fala a respeito de ser velho, de ser idoso. Mas qual o
significado implícito em cada um destes termos?
Quando queremos nos referir pejorativamente a alguém, dizemos que
essa pessoa é velha. Quando desejamos demonstrar alguma consideração
dizemos que essa pessoa é idosa.
Vemos nos meios de comunicação que idosos abandonados e
maltratados pela família ou pela sociedade. O aumento abusivo dos planos de
saúde é aplicado sobre os planos dos idosos e não dos velhos...
Difícil de compreender...
4
Os dicionários da língua portuguesa trazem esses dois termos como
sinônimos.
Neste trabalho, como podeser percebido em vários momentos, optei
por determinar o sentido das palavras velho e idoso.
O termo idoso fará referência a uma pessoa que tem bastante idade,
mas que vive sempre com um “pé” no futuro. É capaz, sempre, de reinventar-
se, de fazer coisas novas, de ir sempre em frente.
O termo velho fará referência à pessoa que acha que já está pronto, que
já sabe tudo o que deveria saber na vida, que não precisa aprender mais nada.
Velho é arrogante, não sabe o que é ser humilde, é chato.
Tornar-se velho ou idoso, portanto, é uma mera questão de opção.
Pode-se ser velho aos 30 anos.
Pode-se ser idoso aos 60, 70 ou 80 anos.
Isso tudo não tem a ver com idade mas, sim, com atitude!
Este estudo situa-se no campo da lingüística aplicada pelo fato de, entre
outros motivos, envolver questões de linguagem que criticamente organizam o
pensamento servindo como ferramenta para exercer ou partilhar o poder,
contudo, a visão gerontológica está fortemente presente no decorrer de toda a
pesquisa.
Acredito ser também importante definir a diferença entre geriatria e
gerontologia.
A geriatria é uma especialidade médica que trata de doenças de idosos
ou de doentes idosos, mas também se preocupa em prolongar a vida com
saúde.
A gerontologia é a ciência que estuda o processo de envelhecimento.
Cuida da personalidade e da conduta do idoso levando em conta todos os
aspectos ambientais e culturais do envelhecer. É uma ciência médico-social,
incluindo problemas complexos da medicina, da sociologia, da educação e,
porque não, da lingüística aplicada entre outras.
Uma vez definidos alguns dos termos, que aparecerão com bastante
freqüência neste estudo, passo agora a explicitar o que pretendo com este
trabalho.
5
O objetivo primeiro desta pesquisa é fazer um estudo de caráter
etnográfico sobre o processo de ensinar e aprender uma língua estrangeira
(inglês), com adultos da terceira idade, à luz de dados e das propostas teóricas
contemporâneas, que visam analisar o processo de aquisição de uma nova
língua por um grupo de idosos.
Além disso, o presente estudo tem como objetivo mais amplo contribuir
para o incremento de pesquisas sobre a faixa etária aqui enfocada na área de
ensino de língua inglesa, por meio de uma reflexão sobre como pode ser o
planejamento de um curso de idiomas, voltado para adultos com idades mais
avançadas.
Esta pesquisa está dividida em capítulos para que a compreensão
acerca do tema tratado seja construída gradativamente. Para tanto, inicio este
trabalho com um estudo a respeito das questões morais e éticas que envolvem
a inclusão social. São estas questões que justificam o porquê da relevância
desta pesquisa.
Após a apresentação desta breve justificativa de pesquisa, passo a
traçar algumas considerações sobre o que é envelhecer. Neste aspecto,
enveredo pela história do envelhecimento chegando às questões de construção
e reconstrução da identidade do idoso, apresentando um panorama geral sobre
as pesquisas mais recentes referentes ao tema tratado.
Em seguida trato da fundamentação teórica que sustenta este trabalho
com considerações a respeito da construção do conhecimento, a partir de uma
perspectiva de uso da linguagem, haja vista que este estudo trata de
aprendizagem de língua estrangeira por um grupo de idosos. Apresento
questões referentes à pedagogia e à reflexão crítica, por serem pertinentes ao
tema, questões de identidade no cotidiano escolar e fora dele e outros tantos
temas que permeiam a caracterização do idoso do século XXI que volta aos
bancos escolares.
Passo, depois, a considerar a forma como a pesquisa foi conduzida e
todas as nuances que envolvem o estudo da fenomenologia, a partir da
perspectiva de van Manen (1990).
Somente após toda esta apresentação teórica é que passo a discutir os
6
dados coletados entre os participantes envolvidos nesta pesquisa observados
sob a ótica dos fundamentos acima descritos para que sejam apresentadas as
considerações finais deste estudo.
Minha opção pelo estudo do aprendizado de língua inglesa por
indivíduos idosos parte de experiências pessoais que tive com pessoas com
mais de sessenta anos em meu cotidiano, não na área profissional-
educacional, mas também, no rol de amizades e familiar que sempre me
causaram admiração.
Ao iniciar esta pesquisa, sempre me vinham à mente as estórias de
minha avó materna Maria José que me fazia acreditar que quando era menina,
na fazenda onde vivia, tinha uma linda égua que sempre era atacada por um
Saci que fazia enormes tranças em sua crina e que não podiam ser desfeitas,
de tão amarradas que ficavam. “Fazer o quê?” dizia ela. “Sempre tínhamos
que cortar a linda crina da égua, pois os nós eram muito fechados”.
Meu avô paterno, o Tenente Durval, que causava constrangimentos ao
contar, e mostrar para todo mundo, as marcas de tiros que havia levado na
Revolução de 1932, e que desconfiávamos, não ter sido o real motivo daquelas
marcas no peito.
Meu avô paterno, Tommasso, com suas incríveis estórias sobre a II
Guerra Mundial e os campos de concentração por onde passou, preso.
Fascinava-me a estória do avião americano que havia ajudado a derrubar e de
cuja asa havia feito um anel, que me foi dado de presente!
Minha avó paterna, Luigia, uma pequena italiana que ria até ficar muito
vermelha, contando estórias da bela Itália e seus moradores. Como poderia
esquecer a estória da Barbeta, uma senhora que assim era chamada, pois de
tão idosa tinha um grande cavanhaque?
Como esquecer da severa e doce Irmã Clarete, Tia Tide com seus
deliciosos pratos culinários e tantos outros?
São estórias que trago na mente e que me fazem ainda rir muito, mesmo
nos meus momentos de tristeza e preocupação.
Por perceber que os idosos que conhecia e admirava, possuíam um
perfil, muitas vezes, diferenciado da maioria da população idosa, decidi por
7
enveredar por este caminho na busca, não só de compreendê-los melhor, mas,
também de colaborar no aprimoramento da vida de outros cidadãos idosos.
Foi neste ímpeto que desejei responder às perguntas de pesquisa que
seguem, no decorrer desta pesquisa:
1- Qual o significado do “ser idoso” para esses participantes?
2- O que esses idosos buscam ao retornar à sala de aula para aprender a
língua inglesa?
3- Qual o papel do professor nesse curso de inglês voltado a idosos?
4- Que atividades favorecem a aprendizagem desses idosos na sala de
aula de língua inglesa?
Observa-se que o envelhecimento muitas vezes é visto por alguns
setores da sociedade moderna como sendo um problema, pois é sempre
associado a problemas físicos e emocionais. Em virtude disso, a expectativa
criada em torno do desenvolvimento intelectual na idade mais avançada
justificaria, muitas vezes, um quadro preconceituoso que aponta ser
supostamente desfavorável, por exemplo, ao aprendizado de línguas nessa
faixa etária.
De acordo com o pensamento consagrado popularmente, muitas vezes,
até entre os profissionais que atuam na área da educação, aprender uma
língua estrangeira quando criança é mais fácil. inúmeros trabalhos voltados
a esta faixa etária e, eu mesmo já havia discutido alguns aspectos desse
assunto anteriormente. (Villani,2003).
Segundo o senso comum, na idade adulta é mais difícil o aprendizado
e após a meia idade é quase impossível aprender uma língua estrangeira.
Com o estudo realizado, pretendo, justamente, examinar criticamente
esse segmento social,, tido como extremamente desfavorecido do ponto de
vista intelectual, discutindo que é possível aprender uma língua estrangeira,
mesmo com uma idade avançada, desde que a pessoa encontre condições
favoráveis no processo de ensino-aprendizagem.
Para tanto, acredito ser de suma importância levar em consideração
8
alguns aspectos que passo a apresentar a seguir.
O envelhecimento da população é um dos três grandes fenômenos
brasileiros do fim do século XX junto com a urbanização e a entrada das
mulheres no mercado de trabalho.
O Plano de Ação Internacional das Nações Unidas sobre o
envelhecimento (1982), acompanhando a orientação da Divisão da População,
estipulou em 60 anos como sendo o patamar que caracteriza o grupo idoso,
porém, é usual, em demografia, definir 60 ou 65 anos como o limiar
caracterizador da população idosa O Relatório sobre o Envelhecimento da
População Brasileira, é um dos documentos mais completos já produzidos
sobre o assunto, resultante de um trabalho coordenado pelo Itamaraty, com
ampla participação de órgãos de Estado e entidades da sociedade civil. Nele, o
envelhecimento da população brasileira se evidencia por um aumento da
participação do contingente de pessoas maiores de 60 anos de 4%, em 1940,
para 9%, em 2000. Além disso, a proporção da população acima de 80 anos
tem aumentado, alterando a composição dentro do próprio grupo, o que
significa que a população considerada idosa está envelhecendo.
A população idosa representa o segmento que mais cresce no Brasil: de
166 mil pessoas, em 1940, o grupo mais idoso passou para quase 1.8 milhões
em 2000.
Hoje, 8 % da população tem mais de 60 anos. Em 2020, serão 13 %.
Projeções da ONU mostram que, até 2025, a população idosa do Brasil
terá acumulado o maior crescimento entre todos os países do mundo 1.514
%, em 75 anos. É um fenômeno que costuma ser citado apenas quando se fala
no caixa da Previdência Social. Mas, também gera mudanças enormes na vida
cotidiana das cidades e das famílias.
Muito tem se discutido, principalmente nos últimos anos, acerca dos
problemas relacionados à velhice e possíveis soluções para que esta parcela
da população seja melhor atendida em seus anseios e necessidades básicas,
para um envelhecimento não somente digno, mas, principalmente, proveitoso
em todos os aspectos.
De acordo com Ferrigno (2003:76/77/78), uma questão curiosa acerca
9
da velhice diz respeito à sua duração. Como se percebe, enquanto a
adolescência demora algo em torno de cinco ou seis anos, apesar de, em
alguns casos, por favorecimento social ou imaturidade, existir um
prolongamento do modo adolescente de vida; a meia idade tem início por volta
dos quarenta anos de idade e será concluída, aproximadamente, aos
sessenta anos quando a terceira idade ou velhice irá iniciar-se. É uma
transição bastante longa e um período em que as expectativas sociais sobre o
idoso não são muito claras.
Se, por um lado, o discurso explícito da sociedade apregoa a
importância dos mais idosos permanecerem ativos e participativos, por outro
lado, na vida cotidiana, uma série de mensagens subliminares sugere a eles
que, progressivamente, cedam seus lugares aos mais jovens e não exerçam
mais as atividades exclusivas dos mais novos, como voltar a estudar.
O estudo do envelhecimento tem crescido em importância nos últimos
tempos, em virtude de estar se tornando um fenômeno global, que produz
significativas repercussões, tanto no campo social quanto no econômico. Ações
são prementes no sentido de inserir esses cidadãos no contexto social do país
de forma digna. A educação pode ser uma das alternativas a ser adotada para
que essa parcela da população possa se atualizar e acompanhar o ritmo
acelerado de mudanças da sociedade, facilitando o intercâmbio inter e
intrageracional.
Particularmente, no Brasil, através da apreciação dos índices apontados
pelo governo (IBGE, por exemplo) e outros estudos na área, percebemos que
este é um assunto prioritário, se desejarmos um futuro digno, não somente
para os idosos de nosso círculo social, mas para nós mesmos que, cedo ou
tarde, engrossaremos os índices oficiais de envelhecimento divulgados.
Segundo Cemin (2002:23), no começo do século XX a expectativa de
vida do indivíduo era, no Brasil, de 40 anos de idade. Agora é, com várias
exceções, de 70 anos e não ra de aumentar. Calcula-se que, com novos
remédios e cnicas baseadas na genética, vamos viver, em média, aos 130
anos. A comunidade européia já coloca este tema como prioritário, sendo que a
Organização das Nações Unidas estima que mais de 20% da população
10
mundial terá mais de 60 anos em 2050.
Apesar destes dados, aparentemente, os brasileiros ainda não
perceberam o significado social destes números. Talvez, ainda presos à
imagem de país jovem, continuamos a discriminar e isolar as pessoas mais
idosas, relegando a elas apenas as “sobras” de nossas boas intenções e
projetos inclusivos. O que falta à iniciativa pública, e a nós mesmos, é perceber
que um novo tipo de cidadão começa a emergir, com direitos e deveres, com
necessidades próprias e com a necessidade premente de viver de forma plena.
O que não podemos mais deixar de perceber é que a terceira idade
começa, ainda que timidamente, a mostrar um outro estilo de vida dos idosos.
Ao invés de ficarem em casa, isolados, saem para bailes, viagens, cursos etc.
Inclusive nas universidades, não especificamente aquelas voltadas para a
terceira idade, vê-se, hoje, um número representativo de cabelos grisalhos que
desejam iniciar novas carreiras profissionais, adquirir ou aprimorar
conhecimentos que já possuem. São pessoas que querem viver mais e melhor.
A maioria deles não quer se reconhecer como velho, porque a velhice é
associada, tradicionalmente, à decadência física, mental e social, à
dependência, à falta de beleza, à senilidade e à morte.
Todos reconhecem que a velhice existe, mas não querem se enquadrar
nesse modelo cruel. Como aponta Debert, 1999: “... velho, é sempre o outro...”.
Muitas pessoas espantam-se, quando se deparam com idosos que
“fogem do modelo pré-estabelecido”. Hoje, muitos idosos aparecem guiando
motos, saltando de pára-quedas, namorando na praia e usando bem o
computador. Não se adequando ao padrão pré-conceitual do que é ser idoso,
passam a merecer destaque na mídia. A Revista Época (29/09/2003), aponta
que “...aposentadoria não significa mais ir para o aposento... a possibilidade de
criar, juventude aos velhos que param ao se sentirem mal fisicamente...
uma nova atitude está mudando a cabeça e o corpo dos brasileiros
sessentões...”. Trata-se, também, já de um grande avanço a lei nº 8842 de
04/01/1994 que dispõe sobre a Política Nacional do Idoso e cria o Conselho
Nacional do Idoso. Em seu capítulo 4, trata das ações governamentais na área
da educação, que ampara o foco de interesse particular deste trabalho. Consta
11
na lei, dentre outras coisas, que esforços devem voltar-se a “...adequar
currículos, metodologias e material didático aos programas educacionais
destinados aos idosos...”.
Outra lei importante que trata deste assunto é a de 10.741, de de
outubro de 2003, que dispõe sobre o Estatuto do Idoso, que passo a descrever
parcialmente abaixo:
Capítulo I – Disposições Preliminares
Art.1º - É instituído o Estatuto do Idoso, destinado a regular os direitos
assegurados às pessoas com idade igual ou 7(l)1.87122(22(g)-4.33117(u)5.6474( )-2.16436(7( )-362.377(r)33117(o)22(g)-4.3313]TJ-283.367 -20r)2.82.16436( )-352.369(d)-4i )7.84032(a)-4.33117(o)804c8759(m)-7.4tognºrtg7474(º)-5.2 nana.808e74(ºG54e74(ºG54-16(d)5.677.33117(a)574(7(7474(º)-5.2)7.84032(8q-4.33117(s)-0.29558294974(e)-4.3305t)-2.16558(i)1.87(t)h5585( )-5(i)14-4.3305585(r)2.8036681(i)1.3117(o)-4.6-33117( )-32.1821(o)a17( 3305)-352.369(d)5.69l 498.24 38.3602 l8o)5.67474( )-362.377(I17( )-32.182165s[(A)-3.3955f)-3.395a2.377(d)-4.374(q)52l8o)5.67497( )-32.182165s[(í4(ºG917(d)-4.331116(a)-4.33t.0a2.377(d)-4.30p9a2.377(d)-4.30p9a2.377(d)-4.374(q)52.1821(o).p45e74(ºG4.33117(s)-0.29558294974(e)-4.3305p45e74(ºG)-4.32995( 527452749a2.377(d)-4.30p9o82.39(l)1.87(e-808e74(ºG0p9o82.356.67474( )-392.395(e)-4.33117(s)9.71032(f)-(r)2.80439(e)17(s)-0.29(ºG0p9o82.356.67474( )-20439(ç12043681(i)1.)3050-4.33117( )-3627.84032(p)-4 -3ã39556(r)2.80561(e)-4.33117(l)1.87(i)1.87(1(r)2.80439(e)17(37(e-8084032(p)-4 -3ã39556(r)2.80561(e3056(a)-4.33056( )-674(u369(d)5.2.80561(e)-4.3)o).p45117(s)5394961(e)-4.33117(l)1.87(i)1.87(.87(.87(1(e3056(a)-4G0p9o86(r)2.80561(e)366)1.87(1(r759(d)-4.3319(e)366)1.8331367474(n)-z5.67s)-0e6(r)2.80561(e)366)1.87(0561(e)366)1.81)2.80561(e)3-3ã39556.33117(t)-2.16436(e)-4(p)-4.33117(e)-4.4t5032( )-2.164.33117(u)5.6474( )-2.6.67474( )-87(6)1.87(0561(e)( )-2.6(o)-4.33117(r)2.804398.24 38.3602 71(2(p)-4 )-2.164.33117(u)5.6474( )-2.164.33117(u)5.647712(a)-4.33117(o)804c875647712(a)-4.35f)-380p9o82.356.67474( )-2.164.33)í51117(o)804c875647712(a)o82.356.67474( )-2.164eo91(r320439(ç§7(7474(º)-5.25f)-380p9o820( -n)-4.33117(ep1117(o)804c8756471.87122(d)-4.33117(á)5.2.80561(e)-4.)5.6117(o)801561.a.25f)-380p9o8X-32.1821(o)a17( 330)-4.330.295585(o)-40p9o820( -n)-4.33p9o820( -n)-4.3315v5f)-38.295585(s)-0.2955855f)-380p9o8X-32.182166)1.833136v820( -n)-4.33p9o820( -n17(l)1.87(i)1.87(-380p9o8-160561(e)3625f)-31587122(22(g)-4.3.67474( )-2.164eo117(s)-0.295585(o)-4.3 -n)-9a2.377(d)-4.32585(o)-4.3 éa2.3779-2.1).5l(g)-4.33117(r)2.8-n)-4.33117( )-392.16(d)5.677.1).1).3m)12.5147(a)-4.3315647712(a)-4.331587122(.3)o).p451171(a)-4.33117(r)2ls)-0.295581(v)9.71276(e)-8-2.164.33)í51117(o)804c875647712(a)o82.356.67474( )-2.16120( -n)-4u4542.164.33)í6.671(e3056(a)1t5p461173117(r)2.364.33)í6at)-2.16436(e)-4(p)-4c1aac1adáac1a dd d d it i iac1a0561(e)366
12
Cabe ressaltar que a escolha por proporcionar a este grupo de idosos a
experiência de se libertarem dos estereótipos a eles impingidos tem, também,
apoio nos Parâmetros Curriculares de Língua Inglesa, não destinados a este
segmento, mas que a eles podem ser adaptados, uma vez que nos apontam
que:
“... a aprendizagem de Língua Estrangeira é uma possibilidade de
aumentar a percepção do aluno como ser humano e como cidadão.
Por isso, ela vai centrar-se no engajamento discursivo do aluno, ou
seja, em sua capacidade de se engajar e de engajar outros no
discurso, de modo a poder agir no mundo social...”. (PCN,1998:92)
Diante dos dados acima citados, acredito serem essas questões
bastante pertinentes ao tema deste estudo, haja vista que o estudo e as
reflexões que dela resultarão, poderão nos indicar um caminho bastante
proveitoso, não no sentido de aprimorar o processo ensino-aprendizagem
em si, mas, também, para que, através do desenvolvimento da reflexão,
possamos dar nossa cota de colaboração no sentido de resgatar a identidade
positiva desse segmento da sociedade, que não chegou, em muitos casos, a
vivenciar melhores condições de existência.
Essa população, como outros grupos oprimidos da sociedade,
desenvolvem, em alguns casos, uma forma de desprezo por si mesmos que
provém da opinião dos opressores: não servem para nada, são débeis e
improdutivos. Isto torna os oprimidos emocionalmente dependentes. (Freire
1980:61)
Quanto à questão dos estereótipos, embora alguns participantes
demonstrassem forte tendência ao auto-menosprezo, não me deparei com
senhoras de roupas escuras e andar lento enfurnadas nas sacristias de igrejas,
personagens tão ridicularizadas em novelas e romances como “mulher carola”
ou “ratazanas de sacristia”.
Encontrei mulheres e homens que encontram na igreja, não mais uma
válvula de escape para o vazio de suas vidas, mas, um lugar que proporciona
oportunidades de eles se atualizarem, de se divertirem, de contribuirem com
13
ações que ajudam à sociedade e que, também, auxiliam na mudança do estilo
de vida de outros idosos.
Concluindo, de acordo com a Campanha da Fraternidade de 2003, que
teve como tema Fraternidade e Pessoas Idosas,
“... a vida longa é um prêmio. A velhice pode ser um tempo de intenso
desenvolvimento social e espiritual. Não há nada que justifique a
exclusão dos velhos. Quem envelhece não deseja que sua vida sofra
uma contração, pois, apesar das perdas, das dificuldades e dos
problemas, o idoso quer viver mesmo sendo velho, apesar de ser
velho e porque ele pode contar com a ajuda de sua experiência para
viver mais plenamente, como direito e prêmio por ter lutado
sempre...”(CF, 2003:33/34).
Mas, pensar na velhice do presente e do futuro exige de nós muita
criatividade. O tempo do idoso deve ser reinventado. Qual é o lugar político e
social do idoso de hoje em nossa sociedade? Qual o papel da educação neste
contexto? Ainda não está delineado.
Diante desses questionamentos é que julgo necessária a educação dos
idosos para que possam, por direito, estarem plenamente incluídos em todos
os segmentos da sociedade. Acima de tudo, a inclusão dos idosos é uma
questão moral, ética e de direito, que deve pautar todas as ações das
sociedades modernas.
É por compactuar com estas percepções de vida que apresento o
seguinte estudo, iniciando com a justificativa do porquê a inclusão social é uma
questão moral e ética, que ao mesmo tempo, justifica a relevância deste
trabalho.
14
A relevância da inclusão social: justificando os porquês.
As questões morais e éticas no universo da exclusão social
Jeremias lamentando a destruição de Jerusalém – Rembrandt - 1630
15
A ética pode contribuir para fundamentar ou justificar certa forma de
comportamento moral (Vázquez, 2003:20).
Spinoza (2002) aponta que a ética não nasceu da convivência social,
mas sim, da inteligência, da vontade e da razão.
Bittar argumenta que
“... a ética deve ser uma atitude reflexiva de vida, algo impregnado à
dimensão da razão deliberativa, em constante confronto com as
inquirições, dificuldades, os desafios e problemas inerentes à
existência em si. É-se freqüentemente interrogado pela existência
acerca dos modos de agir. Perceber isto é perceber que está-se
permanentemente revisando os modos como se intervém sobre a
realidade, em geral, e sobre a realidade do outro, mais
especificamente...” (Bittar, 2004:04)
Mas, como conceituar moral e ética?
Muitas vezes, a tentativa de definição de cada um destes termos
confunde-se com o cotidiano que a vida nos impõe, por ser um elemento do
16
O Dicionário Aurélio – Século XXI, nos aponta que a ética é o estudo dos
juízos de apreciação referentes à conduta humana, do ponto de vista do bem e
do mal e conjunto de normas e princípios que norteiam a boa conduta do ser
humano (2001:323), enquanto que a moral seria o conjunto de regras de
conduta ou hábitos julgados válidos, quer de modo absoluto, quer para grupo
ou pessoa determinada. (2001:504). Percebe-se, portanto, que seus objetos
de análise e definições confundem-se entre si por serem além de
complementares, interligados.
De acordo com Oliveira,
“...a ética se constitui no primeiro dos temas transversais, sendo
considerada o eixo norteador do trabalho didático da
transversalidade...no mundo complexo e de sociedade diversa e
plural, a ética é considerada o elemento universal e definidor das
relações intersociais e interpessoais, na medida em que possibilita a
definição de valores universais e elementos para compreender e
respeitar as diferenças étnicas e culturais...” (Oliveira, 2004:41)
Ainda, segundo o mesmo autor, a ética é considerada importante pelo
seu caráter crítico, por trazer à luz a discussão sobre a liberdade de escolha e
por interrogar a legitimidade de práticas e de valores consagrados pela tradição
e pelo costume. Cabe lembrar que o Documento sobre a Ética (1998), dos
Parâmetros Curriculares Nacionais, adota a concepção de ética como sinônimo
de moral, um conjunto de princípios ou padrões de conduta.
Diante de fatores morais e éticos, o homem constantemente se defronta
com a necessidade de pautar o seu comportamento por regras que sejam mais
apropriadas ou mais dignas de serem cumpridas.
Estas regras são seguidas, aceitas e reconhecidas como obrigatórias,
pois, de acordo com elas, as pessoas optam pelo modo como devem agir em
determinadas situações.
Isso passa a refletir diretamente em questões ligadas a igualdade de
direitos e oportunidades dos indivíduos. Como apontado por Singer (2002:25)
“... o princípio de que todos os seres humanos são iguais hoje faz parte da
ortodoxia ético-política predominante...”
17
Apesar da aparente ênfase dada à igualdade de direitos, segundo este
mesmo autor, em nossa sociedade, grandes diferenças de renda e status
social costumam ser vistas com naturalidade, desde que devam a sua
existência a condições de igual oportunidade (2002:47).
Na análise de questões ligadas às oportunidades, vemos que
situações que recompensam os privilegiados que possuem as aptidões
necessárias para o bom desempenho de suas funções e castiga aqueles que
possuem mais dificuldades para alcançar o mesmo sucesso.
No caso específico dos idosos, as desigualdades de oportunidades
contribuem para produzir uma sociedade dividida, com um sentimento geral de
superioridade originada pela juventude, beleza e rapidez de reflexos e
movimentos de um lado e um sentimento geral de inferioridade de outro por
pertencer ao grupo menos abastado, feio e lento.
Segundo Singer, este tipo de conduta
“...pode também contribuir para criar um sentimento de desesperança
entre os membros do grupo inferior, uma vez que no caso dos idosos,
sua condição social o é produto de suas ações, nada havendo que
possam fazer para mudar tal estado de coisas...”. (Singer, 2002:54)
Oliveira (2004:19) compactua com o pensamento de que um grande
sofrimento ético-político gerado pela situação social de ser o indivíduo tratado
como inferior e sem valor, impedindo-o de desenvolver seu potencial humano.
Isso gera um processo de luta, marcadamente apoiado na ética,
buscando afirmação total da vida humana. Trata-se de luta contra a exclusão
social, pela vida, pela humanização das relações entre homens e mulheres.
Talvez, uma forma de superação destes obstáculos seria dar um
tratamento preferencial a membros desses grupos menos favorecidos pela
sociedade. É a isso que Singer (2002:54) chama de ação afirmativa ou
discriminação inversa. Segundo ele, esta pode ser uma forma de reduzir as
desigualdades permanentes.
A ação afirmativa é comumente usada no contexto educacional por
influir significativamente nas perspectivas de se obter (ou resgatar) poder e
18
status na comunidade.
As diferenças podem ser amenizadas, como apontado anteriormente,
por ações afirmativas proporcionadas pela educação.
Para que isso ocorra com eficácia, de se desenvolver um programa
educacional voltado para o povo, tornando-o informado o suficiente para que
atue de forma concreta e plena na democracia.
De acordo com Oliveira,
“... a ação educativa, como uma atividade de interação subjetiva e
social, implica em uma relação de comunicação e alteridade, cujo
vínculo está implícito em toda prática educacional que se estabelece
entre quem ensina e quem aprende...”. (Oliveira, 2004:16)
Na perspectiva educativa, o perfil transversal das aulas nas quais além
de informar, pode-se formar novas atitudes perante a vida por meio de
situações dialógicas e, conseqüentemente, reflexivas, se constitui em uma
forma notadamente relevante para que questões ligadas à alteridade sejam
desenvolvidas, pelo fato de possibilitar que diferentes campos do conhecimento
possam ser explorados sob a ótica de questões sociais, que podem ser
trabalhadas de forma contínua e integrada. Essa int
19
externa)...” (Duny, 2002:91)
De acordo com Bittar,
“...só se aprende agindo, se age testando o mundo, só se aprende
errando, se constrói decidindo e neste permanente processo, o
crescimento ético-reflexivo facilita os modos pelos quais as interações
humanas se engrandecem. Não ética fora do imperativo da ação
decisão...”. (Bittar, 2004:05)
Ao estruturar ou conduzir um curso passa-se pela opção de renúncia ao
poder de dar notas, de classificar, de ensinar a partir de uma tábula rasa. É
uma forma de vislumbrar a relação pedagógica como uma relação social que
se aprende durante a aprendizagem dos conhecimentos. De acordo com Duny
(2002:92), a forma de realizar um curso ou um projeto prepara para a divisão
social dominante-dominado e até mesmo para a guerra.
É por compactuar com a posição, gerontológica
1
, de proporcionar aos
idosos uma fase de vida positiva, dentro de padrões éticos, é que fiz a opção
de libertá-los de falsos estereótipos opressores através do ensino de uma
língua estrangeira que passo a discutir a seguir.
1
Que estuda o envelhecimento de forma digna e saudável.
20
Capítulo 01
Considerações preliminares
The life and age of woman – Artemas Alden - 1840
Este capítulo pretende traçar um histórico de todas as nuances que
fazem parte do universo do envelhecimento humano para que se tornem mais
compreensíveis as dificuldades que os idosos hoje encontram em várias de
suas atuações na sociedade.
Pelo fato de que as dificuldades do cotidiano dos idosos tratam-se de
situações historicamente construídas, neste capítulo, além do histórico do
envelhecimento humano, serão tratadas de questões alusivas aos estereótipos
negativos impingidos aos idosos e as questões da educação continuada que
podem representar uma saída para que algumas questões referentes do dia-a-
dia destes cidadãos sejam resolvidos.
The life and age of man – F. Gleason - 1850
21
O envelhecimento sob diversos olhares : Idoso sim...velho nunca ! – As
origens da gerontofobia.
The familiar saga of ages of man and woman – 1794
22
Antes de iniciar este capítulo, acredito ser necessário esclarecer alguns
dados que explicam melhor o porquê da segregação ou menosprezo, que
muitas vezes a sociedade impõe aos idosos.
Como tudo na vida, a visão que muitas pessoas possuem acerca do
lugar que o idoso deve ocupar na sociedade é construída socialmente.
A gerontofobia (agism) é o ódio irracional ou medo desproporcional,
persistente e repugnante de envelhecer, assim como de pessoas idosas. Esta
fobia assenta muitas vezes em fantasias negativas e estereótipos que
apresentam as pessoas mais velhas como dementes ou inúteis.
As situações de gerontofobia/ancianismo marginalizam os mais velhos
dos centros de decisão social e familiar, isolando-os ou deixando-os muitas
vezes em situações de dependência, que o idoso tende a aceitar como
“normal” apesar de não o desejar.
Neste preâmbulo, faço um levantamento histórico das vantagens e
desvantagens de se possuir mais de sessenta anos apurando as raízes
históricas dos processos gerontofóbicos que fizeram com que os idosos fossem
isolados ou considerados não produtivos, tanto no aspecto profissional quanto
no aspecto educativo, que é o foco desta pesquisa.
Acredito que esta parte do estudo seja necessária para que o leitor
possa, gradativamente, compreender que a situação do idoso atual foi
construída historicamente e quais são as perspectivas de se envelhecer, com
qualidade de vida, no século XXI que sustentam minha discussão dos dados
colhidos, no decorrer da pesquisa, e as discussões realizadas sobre os
mesmos.
É com esta expectativa que espero que o leitor perceba as diferenças de
paradigma entre ser velho, idoso e envelhecer.
1.1 - Um pouco de história
A percepção do planeta acerca da população idosa tem mudado
sensivelmente nos últimos anos. No Brasil, com o crescimento desta parcela da
população, as iniciativas governamentais têm alterado sutilmente a atuação
23
dos componentes da terceira-idade e do restante da população que tem,
muitas vezes, observado com perplexidade a mudança de paradigmas dos
nossos idosos.
Observe, a linha do tempo abaixo, publicada em 26/10/04 no jornal
Diário de São Paulo, na série Idoso e Bem Estar:
1987
São Paulo cria o Conselho Estadual do Idoso no governo Orestes Quércia. O
conselho determina que o Estado deve se preocupar com os idosos.
1988
A nova constituição brasileira destaca a importância das políticas para os
idosos. É a primeira vez que a terceira idade ganha a atenção da lei.
1992
Aposentados e idosos se reúnem para lutar contra o reajuste de 147% negado
pelo governo do presidente Fernando Collor de Mello.
1992
No governo da prefeita Luiza Erundina, é criado o Conselho Municipal do
Idoso.
1994
Criação da Política Nacional do Idoso, conjunto de propostas de atenção à
terceira idade que estabelece diretrizes, mas é muito genérica.
2002
O governo federal cria o Conselho Nacional dos Direitos do Idoso, para
fiscalizar e controlar a implementação da Política Nacional do Idoso.
2004
Entra em vigor o Estatuto do Idoso. O documento trata dos benefícios dos
idosos no transporte, saúde, convênio médico e outros temas. Os temas do
estatuto ainda são polêmicos e nem sempre são cumpridos como prevê a lei.
A palavra “velho” traz consigo um conjunto imenso de conotações
pejorativas. Em uma sociedade que idolatra a juventude, a beleza e a força
24
física, ser velho significa estar envolvido em um universo de rejeições,
preconceitos e exclusão. (Campanha da Fraternidade 2003:15).
Ainda, segundo o mesmo documento (2003:60/61), a velhice, assim
como outras etapas do desenvolvimento humano, traz consigo uma crise
existencial. Neste caso, tem-se a sensação de que a expectativa em relação ao
futuro diminui, bem como o vigor da juventude e, ao mesmo tempo, aspira-se à
necessidade de plenitude, sabedoria e serenidade. Estas crises devem-se, em
muitos casos, a uma crise de identidade (capacidade de se aceitar e de estar
de bem com a vida) e uma crise de autonomia (ser dependente, receber e o
ser capaz de dar, o que para muitos, é uma idéia terrível, uma lição difícil de
aprender).
A velhice não é uma situação que imponha limites à pessoa, ainda que
seja impossível negar o declínio em nossos processos biológicos e, como
conseqüência natural, com o passar do tempo, a morte.
As diferenças entre a população idosa, no que tange as mudanças
físicas e emocionais, devem ser, sempre, tomadas como fruto de uma série de
fatores sociais e particulares de cada um. Hoje, percebemos, por exemplos
muito próximos de nós mesmos, que as pessoas podem alcançar idades muito
avançadas, sendo plenamente competentes e outras que chegam a períodos
mais longevos da existência com um declínio maior de suas habilidades
cognitivas, motoras e fisiológicas. É óbvio que fatores genéticos influenciam
estas diferenças, mas há, também, que se levar em consideração que fatores
afetivos e sociais possuem um elevado nível de influência neste bem viver, ou
não, em idades mais avançadas.
Optei por iniciar este trabalho partindo de reminiscências pelo fato de ser
linguagem comum entre os mais jovens dizer que gente velha vive de
recordações do passado.
De acordo com Oliveira,
“... as recordações, quando não em exagero, auxiliam a manter vivo o
sentimento de continuidade, permitindo ascender a uma consciência
profunda e definitiva da própria individualidade, na qual têm muita
importância a questão relacionada à auto-imagem e à auto-estima,,,”.
25
(Oliveira, 1999:111)
É por este motivo que, antes de iniciarmos um processo de reflexão
mais profundo sobre o envelhecimento, acredito ser de suma importância
relatar os primórdios do culto à juventude eterna, vista como um bem precioso
na sociedade atual.
Segundo Schirrmacher (2004:15), o culto à juventude iniciou-se porque
os jovens sempre foram a maioria da população. o culto moderno à
juventude teve início nos Estados Unidos, quando começaram a nascer os
baby boomers (nascidos no período de altos índices de natalidade após a II
Guerra Mundial, entre 1950 e 1964).
Ainda, segundo Schirrmacher (2005), as pessoas vêm se orientando de
forma mais acentuada pela juventude desde o início dos anos 60, por
intermédio da moda, música, propaganda e dos filmes. De acordo com este
mesmo autor, foi Diane Vreeland, editora chefe da revista Vogue, que lançou e
divulgou o termo youthquake. Este termo descrevia a atmosfera de ímpeto e
rebeldia que reinava naqueles dias na moda, na música pop e na cultura
jovem. Este termo também marcava o início de um delírio da juventude que
vem sendo imposto até hoje pela propaganda.
Os baby boomers transformaram a sociedade radicalmente. Em quinze
anos nasceram 70 milhões de pessoas. O fenômeno ocorreu também em
menor proporção em outros países. Eles provocaram uma revolução no
consumo quando se tornaram adolescentes, porque eram muitos e tinham
poder de compra.
De acordo com Schirrmacher (2005:55), pode-se perceber, com clareza,
o porquê considera-se tão importante a geração baby-boom, não no período
de seu nascimento pela expansão populacional, mas, também, pela revolução
de costumes da época e que se reflete até os dias atuais.
Os boomers:
1 “não ingeriram alimentos, eles transformaram os lanches, os
restaurantes e a indústria dos supermercados;
2 não só usaram roupas, eles mudaram a indústria da moda;
26
3 não compraram carros, eles transformaram a indústria
automobilística;
4 não tinham encontros, eles mudaram as imagens dos papéis e
práticas sexuais;
5 não só foram ao trabalho, eles revolucionaram o local de trabalho;
6 não se casaram, eles mudaram, depois de milênios, a natureza
das relações humanas e sua instituição;
7 não tomaram dinheiro emprestado, eles mudaram os mercados
financeiros;
8 não só usaram computadores, eles transformaram a tecnologia.”
O culto à juventude bem sucedida surgiu como resultado desse
fenômeno social e econômico.
De acordo com Schirrmacher,
“...em 1967,os jovens de 16 a 19 anos compraram 67% de todos os
artigos da moda. Provavelmente em 2010 a vanguarda destes
consumidores compulsivos de outrora estará se aposentando. O que
acontecerá, então, ninguém se arrisca a prever...” (Schirrmacher,
2005:54)
Ocorre que, como determinam as leis imutáveis da natureza, as pessoas
da geração baby boom, que revolucionaram a moda, o consumo e a tecnologia
do século XX, estão em processo de aposentadoria. Elas, hoje, detêm 70% do
poder de compra dos Estados Unidos e não podem ser ignoradas. É a geração
que dará início à revolução da terceira idade.
Antes de qualquer coisa, é necessário conceituar o envelhecimento para
que a leitura deste texto seja de melhor compreensão. O envelhecimento é
uma propriedade exclusiva dos organismos vivos em seus processos de
desgaste e degradação. Para os seres humanos, o envelhecimento
compreende processos de transformação do organismo que ocorrem após a
maturação sexual. Iniciando-se em diferentes épocas para as diversas partes e
funções do organismo, e ocorrendo em ritmo e velocidade diferentes para o
27
mesmo ou diferentes indivíduos, esses processos implicam na diminuição
gradual da probabilidade de sobrevivência. Esta é acompanhada por alterações
regulares na aparência, no comportamento, na experiência e nos papéis
sociais.
Conforme nos aponta o texto base da Campanha da Fraternidade
(2003:20), é importante distinguir o processo de envelhecimento da velhice
propriamente dita. Nascemos envelhecendo. Na vida, sempre somos mais
novos ou mais velhos do que alguém. O processo de envelhecimento pode ser
comparado ao processo de desenvolvimento. Nele, sempre ocorrem ganhos e
perdas. Porém, quando nos referimos ao processo de envelhecimento,
geralmente as perdas são ressaltadas. Dificilmente os ganhos são
reconhecidos.
Néri esclarece que:
“... as idades do homem são puras invenções sociais. O conceito de
infância emergiu nos séculos XVIII e XIX, o de adolescência em fins
do século XIX e o de juventude cerca de 40 anos. O conceito de
meia idade como etapa intermediária entre a idade adulta e a velhice
data dos anos 60. Os anos 70 assistiram à promulgação do conceito
de velhice avançada, sem dúvida um fato social e demográfico novo
na história da humanidade...” (Néri, 1995:18)
Como os seres humanos passam por três estágios do nascimento até a
morte (juventude, idade adulta e maturidade), podemos compreender,
historicamente, que o primeiro estágio, o da juventude, é caracterizado pelo
progresso, desenvolvimento e evolução; o segundo, o da idade adulta, seria o
período de estabilização financeira e emocional e o último; o da maturidade,
seria a época da regressão, portanto, da velhice.
A velhice é a última etapa da vida. Porém, como hoje um maior número
de pessoas sobrevivem por mais tempo, a velhice tornou-se em muitos casos e
será, provavelmente em médio prazo, a etapa mais longa da existência
humana.
De acordo com Schirrmacher,
28
“... a espécie humana nunca viveu tanto... ao estudarmos a evolução
do envelhecimento humano, verificamos que os anos vividos
variavam de acordo com as épocas e os lugares. Na Pré-história, no
Império Romano e na Grécia Antiga, a idade média das pessoas era
em torno dos 25 anos... no século XVII subiu para 30 anos e foi
somente na metade do século XIX que se aumentou mais cinco anos
na vida humana. Para se ganhar dez anos de vida foram necessários
quase dois mil anos. De 1900 a 1915 foram acrescidos mais dez anos
a vida da humanidade. Em 1950, a expectativa de vida dos países
industrializados era de 65 anos. Atualmente, a média de vida nos
países desenvolvidos é de 76 anos...” (Schirrmacher,2005:21-22)
Na verdade nunca foram encontrados, na pré-história, esqueletos de
pessoas que tivessem mais de 50 anos. A expectativa de vida do homem, em
99% do tempo desde que habitamos este planeta, foi de 30 anos. Agora,
teremos que superar em uma única geração um quadro de mais de 100 mil
anos.
O homem passa a maior parte de sua existência como adulto. Deste
modo, parece algo muito estranho que conheçamos muito mais sobre o
desenvolvimento de crianças e adolescentes do que sobre o desenvolvimento
de adultos e, muito menos, sobre o desenvolvimento dos idosos. O estudo
acerca do envelhecimento faz com que se crie um paradoxo, no mínimo
divertido: a velhice é jovem. Afirmo isso face o estudo específico sobre este
tema ter se iniciado pouco mais de cinqüenta anos. Na verdade, sabemos
muito menos sobre os últimos 30 anos da vida das pessoas do que sobre os
cinco primeiros.
Este fato é um grande paradoxo se levarmos em consideração que
segundo Schirrmacher (2004:11), em 2050 viverão, na China, tantas pessoas
com mais de 65 anos quanto, hoje, em todo o mundo. Nesse período, o
número de idosos no planeta vai triplicar, enquanto o resto da população
aumentará apenas 50%. O total de homens e mulheres centenários se
multiplicará por dez. Na América Latina, o mero de pessoas com mais de 80
anos será quatro vezes maior do que agora. Na Alemanha, em apenas uma
29
década haverá mais indivíduos acima de 50 anos do que abaixo desta idade.
Quando chegarem à terceira idade, as mulheres alemãs que hoje têm 30 anos
serão a maioria no país. Pela primeira vez na história, o número de velhos será
maior do que o de crianças. A humanidade envelhece numa rapidez nunca
vista antes.
A expectativa de vida da mulher vem aumentando em três meses a cada
ano nos últimos 160 anos. De acordo com Schirrmacher (2005), com 45 anos
as suecas tinham em 1840 a maior expectativa de vida de todas as mulheres.
As japonesas chegam hoje, em média, aos 85 anos.
O termo “expectativa de vida” tem se tornado muito comum nos dias de
hoje. Este termo não define a probabilidade de quanto tempo viveremos,
como também indica que a maioria dos adultos e crianças vivos, hoje, viverá
muito mais tempo do que as pessoas viviam anteriormente.
De fato, em 99,99% da história da humanidade, as pessoas nunca
viveram mais do que trinta ou trinta e cinco anos, segundo o mesmo filósofo
alemão. A experiência de ficar velho, de viver sessenta anos, ou mais, é nova.
Nossa sociedade foi construída com base na expectativa de vida do século
XIX. Nossas instituições, o casamento, o Estado, as empresas e o sistema de
previdência, vêm de uma época em que apenas 3% das pessoas
ultrapassavam a barreira dos 65 anos de idade.
Segundo Néri (1995:15), até o início do século XIX existiam três noções
sobre o envelhecimento humano. A primeira era que a espécie humana, foi
perfeita, mas que o pecado original provocou sua desgraça, e cujo principal
sinal era a morte após um determinado período. A segunda era que em algum
lugar distante do mundo existiriam pessoas que deteriam o segredo da
imortalidade e viveriam jovens e saudáveis eternamente. A terceira era que
existiria uma fonte milagrosa, cujas águas teriam o poder de restaurar o vigor e
a juventude perdidos e, assim, prolongar a vida e a juventude.
Ainda de acordo com Néri,
“...descobrir as virtudes da velhice, prolongar a juventude e
envelhecer com boa qualidade de vida individual e social têm sido
preocupações constantes do ser humano, manifestadas nos domínios
30
da filosofia, das religiões, do direito, da medicina e das ciências
sociais. A literatura gerontológica internacional tem dado importância
crescente à compreensão do significado de uma boa e saudável
velhice, ou, como muitos têm preferido nos últimos anos, de uma
velhice bem-sucedida...”.(Néri, 1995:30)
A velhice bem-sucedida é uma condição individual e grupal de bem-estar
físico e social, com base nos ideais da sociedade, nos valores existentes no
ambiente em que o indivíduo envelhece e nas circunstâncias de sua história
pessoal e de seu grupo etário. Com efeito, uma velhice bem-sucedida preserva
o potencial individual para o desenvolvimento, respeitados os limites da
plasticidade de cada um.
Envelhecer satisfatoriamente depende das chances do indivíduo em
usufruir de condições adequadas de educação, habitação, saúde e trabalho
durante toda a sua trajetória de vida. Esses são elementos extremamente
relevantes na determinação da saúde do idoso e de sua longevidade, da
eficácia cognitiva, da capacidade de manter redes familiares, do nível de
motivação individual para a reorganização de seus conhecimentos prévios e
manutenção de uma rede de interações sociais, dentre outros elementos, que
geralmente compõem o perfil de uma velhice bem-sucedida.
Certamente, uma ciência gerontológica, que estude o envelhecimento
saudável e produtivo, terá que incluir como elemento essencial ao estudo do
envelhecimento patológico
2
, o estudo do envelhecimento adaptativo e bem-
sucedido que proporcionará aos idosos um sentimento de autodeterminação
que facom que eles não necessitem de qualquer ajuda ou supervisão para
realizarem-se em seu dia a dia, sendo considerados idosos saudáveis, ainda
que portadores de uma ou outra doença crônica.
Atentos aos fatos que haviam chamado a atenção da psicologia do
envelhecimento, estudiosos como Queletet (1835), Galton (1853), na primeira
década do século XX, propuseram a criação de disciplinas voltadas ao estudo
do envelhecimento. Em 1930, Metcnicoff defendeu a idéia da necessidade de
uma nova disciplina científica, a gerontologia, nome cunhado com base em
2
Que estuda a origem, os sintomas e a natureza das doenças.
31
gero (velho), e logia (estudo ou conhecimento).
Sucessor de Pasteur, e ele próprio um renomado cientista, este autor
permitiu-se uma afirmação visionária, quando pontuou que a gerontologia e a
tanatologia
3
haveriam de tornar-se ramos importantes da ciência, em virtude
das modificações que estariam por ocorrer no curso do último período da vida
humana. Para além destas contribuições visionárias, entre 1900 e 1940 pouco
se pesquisou sobre a vida adulta e a velhice. Esses, na verdade, foram os anos
da expansão e consolidação da psicologia da criança.
Segundo ri (1995:18), o caráter involutivo da psicologia da velhice
consolidou-se a partir de um fato ocorrido durante a primeira guerra mundial.
As Forças Armadas dos Estados Unidos precisaram selecionar os oficiais para
o comando de suas tropas, mas a grande diversidade educacional e cultural
que caracterizava os componentes de seus quadros impossibilitava o
estabelecimento de tarefas e critérios válidos para todos. Resolveu-se fazer
testes de inteligência para a seleção e enquadramento destes oficiais.
Contaram para isso com o patrocínio da American Psychological Association
(APA), que designou uma equipe de psicólogos para que desenvolvessem uma
bateria de testes de inteligência para adultos, que realizaram a avaliação
intelectual de 1.726.966 homens entre 18 e 60 anos.
Em 1921, os resultados foram publicados revelando que os indivíduos
tendiam a apresentar desempenhos piores, na medida em que ficavam mais
velhos. Em resumo, a inteligência declinaria com o envelhecimento. Haveria
um ponto máximo de desenvolvimento, em meados da terceira década de vida,
seguido por um período de estabilidade, ao final do qual começaria um lento
declínio. Esse declínio seria um pouco mais acelerado na velhice inicial e mais
rápido e evidente na velhice avançada.
Com certeza, este estudo inicial contribuiu sensivelmente para a
ratificação dos preconceitos sociais em relação a velhice e pela sua validação
por meio da ciência.
No entanto algum tempo depois, Stanley Hall (1844-1924), discordou
das noções correntes sobre a velhice. Cientista respeitado em sua época, tido
3
Estudo ou tratado sobre a morte
32
como um dos fundadores da psicologia da criança, e também autor de
Adolescence (1904), expressou sua discordância na obra Senescence, the last
half of life, de 1922. Criticou a noção da adolescência como o reverso da
velhice, e propôs que além das peculiaridades existentes no sentir, pensar e
querer dos jovens e dos idosos, haveria variações individuais independentes
das diferenças etárias. Ele argumentou que na velhice ocorre um aumento na
variabilidade interindividual, o que vem sendo confirmado no decorrer do tempo
em pesquisas diversas. Ele enfatizou a relação entre a sabedoria e velhice, a
então apenas lembrada no âmbito das humanidades, chamando a atenção
para a postura mediativa, a tranqüilidade filosófica, a imparcialidade e o desejo
de oferecer lições morais aos mais jovens, a seu ver marcas indeléveis da
velhice (Néri, 1995:19).
Somente a partir de 1928 foram realizadas as primeiras pesquisas
experimentais sobre a velhice, a respeito de tópicos como a aprendizagem,
memória e tempo de reação. Muitas destas pesquisas eram caracterizadas
pela adoção equivocada de procedimentos, ambientes e instrumentos de
pesquisa inadequados a idosos. Com resultados negativos, pela falta de tempo
adequado para a realização e reflexão sobre os resultados ou a falta de
significado para os sujeitos, a conclusão apontava para a incapacidade
intelectual dos envolvidos atribuindo os resultados ruins a fatores biológicos
associados à idade.
Em 1946, foram fundadas a Gerontological Society of America, a
American Geriatric Society e a Division of Maturity and Old Age da American
Psychological Association, em parte como um sinal do aumento do interesse
sistemático da ciência da velhice, mas, possivelmente também, como resposta
às projeções indicativas do processo de envelhecimento populacional que os
Estados Unidos viriam a sofrer nos anos seguintes. Além dos Estados Unidos,
vários países europeus, como a França, a Inglaterra e a Alemanha, viriam a
experimentar um aumento na proporção de pessoas idosas e o declínio
simultâneo na maioria dos jovens em suas populações.
Em conseqüência disso, entre outros fatores, ocorreu a intensificação
dos esforços de pesquisa na área do envelhecimento, com a sociedade
33
interessando-se, cada vez mais, por encontrar soluções para os problemas dos
idosos nas áreas da saúde, educação e seguridade social.
No Brasil, de acordo com Néri (1995:39), a psicologia do envelhecimento
é uma área emergente, acompanhando o processo de envelhecimento
populacional e o aumento da consciência social sobre as questões da velhice.
Até meados dos anos 80, predominaram trabalhos apoiados nos parâmetros do
modelo médico e do discurso tradicional da gerontologia e psicologia do
desenvolvimento, segundo os quais a velhice é sinônimo de doença, de
perdas, de afastamento e de disfuncionalidade. A partir dessa época,
começaram a aparecer investigações com uma definição psicológica mais
nítida, parte das quais, apoiadas na perspectiva do curso de vida.
No âmbito das ciências sociais, foi iniciada também uma crítica
consistente aos preconceitos contra a velhice existentes em alguns segmentos
da área médica.
De acordo com Néri (1995:09), desde a antiguidade existiam importantes
tratados eruditos e obras literárias sobre a velhice e envelhecimento, como por
exemplo, a obra De Senectude, de Cícero, publicada a cerca de 2000 anos.
Contudo, foi no decorrer do século XX, especialmente nos anos 50,
principalmente em virtude do rápido aumento do número de pessoas idosas,
que assistimos à explosão do trabalho científico acerca do envelhecimento,
tanto nas ciências naturais, quanto na área das humanidades.
Neste aspecto, a psicologia figurou entre as primeiras disciplinas
científicas a realizar este estudo. Na trajetória da psicologia do envelhecimento,
foi dada atenção especial ao declínio e às perdas associadas à idade. A
atenção sobre o declínio era tão acentuada, que o envelhecimento era
freqüentemente associado às perdas (deterioração) que acontecem após a
maturidade. Somente após muito tempo que os pesquisadores da área do
envelhecimento passaram a olhar de modo mais profundo e menos superficial
às várias faces do envelhecimento psicológico.
Segundo Néri, lentamente foi se reconhecendo que o envelhecimento
pode envolver avanços selecionados (como por exemplo, em sabedoria), que
pode ser otimizado se os indivíduos e a sociedade forem capazes e tiverem
34
disponibilidade para investir mais recursos na geração de uma cultura positiva
da velhice.
Com uma visão um pouco mais clara acerca do que é velhice e
envelhecimento, passemos agora para o que poderíamos chamar de “evolução
no tratamento dos velhos e idosos”: o “surgimento” da terceira idade.
1.2- A história da Terceira Idade
O jornal Diário de São Paulo, de 30/06/2004, aponta que, quando se
pretende definir o que é velhice, percebem-se definições recheadas de
preconceitos ou conceitos negativos, que associam o envelhecimento a
doença, inutilidade, deterioração e rabugice. Ressalta, também, que tão
nocivos quanto os conceitos ostensivamente negativos são as substituições
das palavras velhice, velho ou idoso por maior, feliz ou melhor idade, haja vista
que todo o período de vida tem suas felicidades e seus limites.
De acordo com Debert,
“... a terceira idade é uma expressão que, recentemente, popularizou-
se com muita rapidez no vocabulário brasileiro. Mais do que uma
referência à idade cronológica, é uma forma de tratamento das
pessoas de mais idade que ainda não adquiriu uma conotação
depreciativa. A expressão originou-se na França, país onde os
primeiros gerontólogos brasileiros foram formados, com a
implantação nos anos 70 das Universités du Troisième Age . Da
mesma forma, a expressão “ third age” , de acordo com Laslett
(1987), foi incorporada ao vocabulário anglo-saxão com a criação das
Universities of the Third Age em Cambridge na Inglaterra, no verão de
1981, e é hoje de uso corrente entre os pesquisadores em língua
inglesa...”.(Debert, 1999:138)
Todo o processo que culminou com a mudança de paradigmas acerca
da velhice teve início nos anos 60, particularmente de 1959 até 1967, quando
se iniciou uma nova maneira de perceber a idade avançada, tornando a velhice
bem-sucedida ou decadente uma questão, muitas vezes, essencialmente
35
individual. Desta forma, houve a necessidade de criar-se um novo vocábulo,
menos carregado de negativismos, que designasse esta parcela da população.
Surgiu o termo terceira idade, como sinônimo de envelhecimento ativo e
independente, convertendo-se em uma nova etapa da vida em que a
ociosidade é substituída pelo dinamismo, integração e auto-gestão
(Peixoto,1998:76).
Segundo esta mesma autora, ações em favor da mudança da
nomenclatura (de velhice para terceira-idade), se multiplicam. As ações
governamentais iniciam um processo de rever seus conceitos em relação a
esta parcela da população, mas isso não significa a implantação de uma
política social voltada a este segmento. Trocam-se apenas as etiquetas.
(Peixoto,1998:78).
O termo terceira-idade mais a idéia de que a velhice foi bem
incorporada como uma fase de desenvolvimento, o que é positivo. Geralmente,
os tratamentos pseudo-respeitosos infantilizam os idosos tornando-os
disfuncionais, retirando a autonomia e a independência dos mesmos. Ao invés
de tornarem-se amorosos, estes termos tornam-se negativos.
Em linhas gerais, idoso simboliza, sobretudo, as pessoas mais velhas,
aquelas que são respeitadas; enquanto que os integrantes da terceira-idade
são aqueles que se enquadram em um grupo dinâmico. Não é à toa que surge
um novo mercado, promissor, voltado a este segmento com turismo, produtos
de beleza e alimentos, bem como profissionais específicos para este público,
como terapeutas, geriatras, gerontólogos e, no meu caso, educadores
preocupados em melhores condições para um envelhecimento sadio e
proveitoso a estas pessoas.
Pode-se afirmar, portanto, que a gerontologia enquadra-se em uma
perspectiva multidisciplinar, em face da variedade de disciplinas que constroem
o saber e a prática gerontológica.
De acordo com Beauvoir (1970.I,26-32) foi a partir do século XIX que a
geriatria – ainda não designada desta maneira - começou a existir na França a
partir da criação de um vasto número de asilos onde se achavam reunidos
numerosos idosos.
36
Nascher é conhecido como o pai da geriatria. Nascido em Viena,
importante centro de estudos sobre a velhice, achava estranho que tratassem
os pacientes idosos como tratam as crianças.
Este estranhamento levou-o a criar um ramo especial da medicina a que
deu o nome de geriatria, dando início, em 1909, ao seu primeiro programa e,
em 1912, fundando a Sociedade de Geriatria de Nova York.
Nos últimos anos, desenvolveu-se, ao lado da geriatria, uma ciência,
hoje, denominada gerontologia, que não estuda a patologia da velhice, mas
sim, o próprio processo de envelhecimento. A gerontologia desenvolveu-se em
três planos: o biológico, o psicológico e o social.
4
No início, a gerontologia era dominada por médicos e biólogos.
Com o passar do tempo foi criado espaço para os psicólogos e
sociólogos, ao lado de economistas e demógrafos.
Agora, a gerontologia está no início de seu terceiro estágio, e passa por
um período de renovação, baseado na cooperação de geógrafos, historiadores,
lingüistas, hermeneutas e semiólogos em torno dos problemas do
envelhecimento (Debert,1999:10).
1.3 - A incômoda realidade brasileira
1.3.1 - O estudo do envelhecimento em nosso país
Como apontado anteriormente, é um fato reconhecidamente público que
está havendo um rápido envelhecimento populacional em nosso país, embora
pouco se tenha feito, aagora, em resposta a esta evidência no que tange a
propor formas de se melhorar a qualidade de vida desta população.
Estando em um país de terceiro mundo, como o nosso, onde todos os
serviços destinados à população são tradicionalmente precários, no caso dos
idosos, esta situação tende a ser ainda mais grave.
Desde modo que, concordando com a afirmação de Beauvoir (1990), a
velhice tem se tornado, cada vez mais, uma realidade incômoda.
um crescente aumento no número de idosos por todo o planeta. No
4
Esta pesquisa situa-se, com mais ênfase, nos últimos dois planos.
37
Brasil, este aumento também pode ser percebido nos índices oficiais das
Nações Unidas, como se vê abaixo:
Quadro 01 - Número absoluto de Idosos por países com população
superior a 100 milhões em 2002
2002 2025
China 134.2 China 287.5
Índia 81.0 Índia 168,5
Estados Unidos 46,9 Estados Unidos 86,1
Japão 31.0 Japão 43,5
Rússia 26,2 Rússia 32,7
Indonésia 17,1 Indonésia 35,0
Brasil 14,5 Brasil 33,4
Paquistão 8,6 Paquistão 18,3
México 7,3 México 17,6
Bangladesh 7,2 Bangladesh 17,7
Nigéria 5,7 Nigéria 11,4
Fonte: Nações Unidas, 2002.
No Brasil, o campo de estudos sobre o envelhecimento é muito novo,
pelo fato de que apenas quatro décadas que os estudiosos vem notando
uma modificação na escala populacional brasileira. A longevidade vem
aumentando o número de idosos por todo o território nacional, ao mesmo
tempo em que os índices de natalidade vêm diminuindo sensivelmente. Isto
pode ser percebido nas publicações sobre a velhice, que apenas começam a
despontar com mais vigor apenas na década de 90.
Talvez esta afirmação decorra do fato de que, na década de 70,
segundo dados apresentados pela Revista Época (29/09/2003), o brasileiro
com mais de 60 anos era, antes de tudo, um forte. Quem havia nascido no
Brasil pobre e agrário da década de 1910 e de 1920 tinha expectativa de vida
de menos de 40 anos. Chegar aos 60 era, então, quase um feito.
38
Até 1980, o Brasil era, de fato, um país jovem: mais da metade da
população brasileira tinha menos de 20 anos. Hoje, é considerado o país da
meia idade, e tem 14 milhões de idosos, que representam 9% dos
habitantes. A partir de 1960, o número de nascimentos começou a cair e,
atualmente, dois fenômenos demográficos se verificam no país: o
envelhecimento pela base, pela baixa taxa de natalidade e o envelhecimento
pelo topo, porque houve queda nos índices de mortalidade.
No Brasil, segundo estatísticas do IBGE, até 2025 seremos o sétimo
país com o maior número de pessoas idosas do planeta, com 34 milhões de
idosos pelas estimativas: de 3 milhões em 1960, para 7 milhões em 1975 e 14
milhões em 2002, apresentando um aumento de 500 % em quarenta anos,
podendo chegar a 32 milhões em 2020, 15% da população do país, colocando
o Brasil em sexto lugar no ranking mundial de países com o maior número de
idosos. Isso significa que a partir da década de 90, segundo alguns estudiosos,
a população brasileira vem atingindo um quadro de envelhecimento que a
França levou 105 anos para alcançar.
A longevidade tende a multiplicar por 15 o número de brasileiros com
100 anos ou mais até 2050, chegando a 2,2 milhões de centenários.
Percebe-se, de acordo com dados do IBGE, que a população brasileira
com mais de sessenta anos está crescendo a taxas oito vezes superiores aos
índices de crescimento da população jovem. O envelhecimento populacional do
Brasil ocorre em razão de alguns aspectos: o aumento da expectativa de vida,
a diminuição da taxa de fecundidade, atribuída em grande parte aos avanços
da medicina e melhoria da qualidade de vida e saneamento básico dos locais
de moradia da população além da medicina preventiva. Segundo Debert
(1999:94), as redes de parentesco, pela primeira vez na história, contarão com
um maior número de idosos do que de jovens, ao mesmo tempo em que os
casados tenderão a ter um número menor de filhos.
Freire, um dos principais alicerces desta pesquisa, acreditava que os
critérios de avaliação da idade, juventude e velhice, não deveriam ser os do
calendário, pois ninguém pode ser considerado velho porque nasceu
muito tempo ou jovem porque nasceu pouco. Quais os critérios para se
39
avaliar o que é muito ou pouco, em relação à quantidade de anos vividos? São
elementos muito relativos.
1.4 - Seres humanos velhos e idosos: um ataque exterminante ao “ser
idoso”.
Segundo Freire,
“... somos velhos ou moços muito mais em função de como
pensamos o mundo, da disponibilidade com que nos damos curiosos
ao saber... somos moços ou velhos muito mais em função da
vivacidade, da esperança com que estamos sempre prontos a
começar tudo de novo...somos moços ou velhos se nos inclinarmos
ou não a aceitar a mudança como sinal de vida e não a paralisação
como sinal de morte...somos moços na medida em que, lutando,
vamos superando os preconceitos...somos velhos se, apesar de
termos 22 anos, arrogantemente desprezamos os outros e o mundo.
Vamos ficando velhos na medida em que, despercebidamente,
recusamos a novidade como argumento de que “em meu tempo era
melhor”. O melhor tempo para o jovem de 22 ou de 70 anos é o
tempo que se vive. É vivendo o tempo como melhor possa, que o vivo
jovem...envelhecemos quando, reconhecendo a importância que
temos em nosso meio, pensamos que ela se deve a nós mesmos,
que ela se constitui em nós e não nas relações entre nós, os outros e
o mundo...”.(Freire, 2001:56)
O que se pode dizer após tão profunda e verdadeira reflexão?
Ser velho ou estar velho pode ser encarado como simplesmente uma
tomada de posição diante de situações, nada mais. É possível a velhice se
transformar em juventude e a juventude em velhice. Se o moço de 30 anos
pode, repentinamente, envelhecer por conta das agruras que a vida lhe impôs,
por que um idoso de 70 anos não poderia, repentinamente, rejuvenescer por
engajar-se em projetos sociais arrojados. Como também apontava Freire
(2001:58) “... o conservadorismo é incompatível com a juventude...”.
De acordo com uma citação de Debert (1999), mencionada
40
anteriormente, “... velho é o outro...”. A revelação de nossa idade, de que o
tempo está passando, geralmente é por nós percebida através da observação
dos outros. Não é algo que aceitamos com satisfação. Todos s nos
sobressaltamos quando nos qualificam de velhos pela primeira vez. Este
sobressalto é, geralmente, seguido de um grande sentimento de tristeza ou
irritação. Todos nós nos sentimos um tanto quanto preocupados quando
percebemos que passamos a ser chamados de senhor ou senhora com maior
insistência.
Mas como definir a velhice?
Segundo Agreste (2003:10), a velhice não é um processo como o
envelhecimento, um estado que caracteriza a posição do indivíduo idoso. O
registro corporal é, sem dúvida, aquele que fornece as características da
pessoa em idade avançada: cabelos brancos, calvície, rugas, reflexos menos
rápidos, compressão da coluna vertebral, enrijecimento etc.
Este forte impacto na imagem desperta um forte apelo na conservação
da aparência da juventude, recorrendo-se à tintura para os cabelos, cosméticos
para a pele e outros produtos que prometam a tão desejada “conservação da
aparência jovem”.
Mas pode-se ter essas coisas, sem ser socialmente velho, como pode-
se ter bastante idade sem aparentar, ainda mais com tantos artifícios estéticos.
Além das questões estéticas, a aparência física sofre modificações muito
perceptíveis: o andar torna-se mais lento, com passadas curtas, os músculos
se fadigam mais rapidamente e se recuperam com maior lentidão, os ossos
tornam-se mais frágeis, aumenta a sensibilidade ao frio e a exaustão ao calor,
a visão torna-se mais deficiente, entre outros sinais de envelhecimento.
A desvalorização do ser humano idoso é um fato historicamente
justificável, que encontra nos primórdios da humanidade sua raiz, nos
permitindo compreender com mais clareza os resultados que se impuseram
nos dias atuais.
Segundo Beauvoir (1970a:58), na história da humanidade fatos que
demonstram a desvalorização sofrida pelo indivíduo com o avanço dos anos.
Ela se referia a compensação monetária exigida em caso de assassinato de
41
um homem livre. No século VI, o direito visigodo cobrava 60 soldos de ouro por
uma criança de um ano, 150 por um rapaz de 15 a 20 anos, 300 por um
homem de 20 a 50 anos, 200 por um homem de 50 a 65 anos e 100 por um
homem de mais de 65 anos. No caso das mulheres não era diferente: 250
soldos de ouro para uma mulher de 15 a 40 anos, 200 para uma mulher de 40
a 60 anos e 141 para uma mulher de mais de 60 anos.
Hipócrates foi o primeiro a estabelecer um paralelo entre as etapas da
vida de um humano com as quatro estações da natureza, comparando a
velhice com o inverno da existência.
A velhice sempre assusta, apesar de começarmos e envelhecer a partir
do momento em que nascemos. a visão deturpada de que envelhecemos
apenas a partir de uma “certa idade”, quando teoricamente começamos a
caminhar para a etapa final de nossas vidas. A certeza da finitude de todos nós
sempre foi tema de filósofos, religiosos, pensadores, homens e mulheres de
todos os tempos. A associação óbvia que se faz entre a velhice e a morte nada
tem de novo, nem é própria da atualidade, embora saibamos que se realiza
diferentemente em épocas e em culturas distintas. Hoje, na sociedade
contemporânea, com a exacerbação da atenção dada ao corpo, e
especialmente ao corpo são, vigoroso, ágil e sexualizado, a velhice incomoda
por sua inexorabilidade.
Este culto à juventude havia sido amplamente explorado na obra de
Oscar Wilde O Retrato de Dorian Gray (1891) no qual se retrata, com riqueza
de detalhes, o horror à velhice e o culto à juventude, atualmente, parte
integrante de nosso cotidiano.
O que a sociedade precisa compreender é que se tornar idoso não
significa ser senil, doente e assexuado. A chegada da velhice não reduz
drasticamente qualquer faculdade do indivíduo que o impeça de continuar ativo
e útil ao meio social a que pertence.
Segundo Barros (1998:139), a velhice como estigma, não está
necessariamente ligada à idade cronológica. Os traços estigmatizadores da
velhice, e evidenciados na literatura, ligam-se a valores depreciativos como a
feiúra, a doença, a desesperança, a solidão, a tristeza, a pobreza etc.
42
Quem pode esquecer da transformação da Rainha Má, madrasta de
Branca de Neve, que se transforma em uma horrível velha com uma grande
verruga no nariz, pronta a envenenar sua enteada, ou Gepeto, o velho pobre e
solitário que cria Pinóquio para sentir-se menos só, o avarento velho Patinhas
ou as bruxas Madame Min e Maga Patalógica, entre tantos outros velhos
horríveis? Por que as bruxas, nas estórias infantis, nunca são jovens e belas?
De fato, nos filmes de desenho animado, os idosos sempre provocam
um medo terrível nas crianças. Em 90% dos casos, os velhos são
apresentados como pessoas más, egoístas ou criminosas. Aparentemente,
nesta situação, os velhos sempre têm uma predileção por crianças que se
deixam ser enganadas para serem presas e devoradas. Mal as crianças
começam a reconhecer o colo confortável das avós e avôs, começam a lhes
contar histórias de pessoas velhas que devoram com prazer as criancinhas,
como em João e Maria.
se aprende, desde pequeno, que a velhice é feia e que para não se
transformar em um monstro, deve-se lutar contra a velhice, custe o que custar.
Pensando em uma realidade mais concreta e próxima de nosso
cotidiano, quem mais, na visão popular, encarna a figura da mulher irritante,
amargurada e sempre pronta a fazer um comentário desagradável do que a
sogra (quase sempre retratada como idosa)?
Segundo Fogaça (2001:14), tudo o que se relaciona aos idosos é
sempre levado para o lado da gozação, sendo o sexo o ápice de toda piada de
gosto duvidoso. Esta falta de respeito em relação ao idoso faz parte de
nossa cultura, onde tudo o que é bom se refere aos jovens e tudo o que é ruim
se refere aos idosos. Quando algum idoso consegue sair do padrão, todos
levam o caso com um misto de repulsa e fascinação, geralmente reservadas só
ao extraordinário e ao bizarro.
A velhice se estabelece, de maneira geral, a partir da aposentadoria
quando o indivíduo se acha fora do processo produtivo formal. A aposentadoria
para os homens e a viuvez para as mulheres são momentos importantes, que
marcam o processo de desengajamento, na medida em que fazem diminuir os
relacionamentos sociais.
43
É através de sua ocupação e de seu salário que o homem define sua
própria identidade; ao se retirar do mercado formal, a perde. Um profissional
não é mais um profissional: não é nada. O papel do aposentado consiste em
não ter mais papel algum. Significa, portanto, perder o lugar que lhe cabia na
sociedade: a dignidade.
A perda do status profissional ocasiona uma perda do papel social. Os
papéis sociais funcionam como fontes de pertencimento, dinamismo e
valorização dentro da sociedade. As pessoas aprendem a se valorizar e dar
sentido à própria existência a partir dos papéis sociais que assumem.
Se na primeira metade do século XIX, o verbo aposentar-se em inglês
to retire - ainda significava “retirar-se da atenção pública”, 80 anos mais tarde,
ele passou a ser entendido como “não estar mais qualificado para o serviço
ativo”, de acordo com Schirrmacher (2005:78).
Segundo o texto base da Campanha da Fraternidade,
“... a aposentadoria é o seguro para o tempo da velhice. No Brasil,
aposentar-se, viver dos “benefícios” da aposentadoria é geralmente
dar de cara com a pobreza. Junta-se a isso a péssima qualidade de
vida oferecida pela rede pública de atendimento à população...”(CF,
2003:24)
A maioria dos gerontólogos considera este período nefasto, em que o
índice de mortalidade é muito elevado nos primeiros anos de aposentadoria.
Quem não conhece um caso de alguém que veio a falecer algum tempo depois
de se aposentar?
Evidencia-se que, se as sociedades, sob a lógica do capital, tendem a
transformar as pessoas em mercadorias, nesta fase, reduzem os velhos à
condição de mercadorias descartáveis. Desta forma, a velhice não se refere
somente à idade, mas a perda da autonomia, da “utilidade”.
Este mesmo sentimento de incapacidade ou inutilidade parece, em
muitos momentos, ser reforçado pelos próprios integrantes deste grupo e é
claramente expresso em seus diários reflexivos:
44
“... meus filhos acham que eu não tenho mais o que fazer e por isso
vim estudar... minha cabeça não ajuda muito, mas, enfim, vou tentar
novamente... acho que meu tempo já passou, mas cansei de tricotar e
costurar para a família...” (reflexões de alguns participantes da aula
de 29/08/03).
Este tipo de desistência perante a vida é o fenômeno da depressão. A
depressão é uma doença que atinge os neurônios quando o
insuficientemente nutridos e irrigados. A partir daí conclui-se que o velho triste
é um velho doente, porque a tristeza é um dos sinais da irrigação
circulatória. A tristeza é o primeiro passo, vem depois o desinteresse e, em
último grau, o desejo de morte. Este sentimento é acentuado pela visão
equivocada de que o futuro é limitado e o passado cristalizado. Seus projetos já
foram realizados, ou foram abandonados, sua vida se encerrou, nada mais os
solicita. A falta de ação desestimula a curiosidade e a paixão. A morte se
instala nas pessoas e nas coisas.
Beauvoir (1970b:250), aponta que Freud estabeleceu uma aproximação
deste comportamento com o luto. O melancólico, embora não tenha perdido
ninguém, se comporta como se tivesse perdido alguma coisa. É o seu eu” que
lastima haver perdido: não sou nada, não realizo nada. A descrição do
melancólico se ajusta a maioria dos idosos: perda do “eu”, desvalorização,
sensação de impotência. Perda da identidade, e o que é pior: perda de sua
identidade positiva.
Uma alternativa para o reestabelecimento desta identidade positiva pode
surgir por meio da educação, que passo, suscintamente a apresentar a seguir.
1.5 - A educação de idosos: é, realmente, necessária?
A idéia de que as pessoas jovens ainda têm muito que aprender antes
de participar ativamente da vida social é um tipo de preconceito que,
atualmente, parece estar caindo em desuso.
A idéia de que as pessoas mais velhas sabem tudo e o conhecimento
que possuem é suficiente para viverem bem ou que desaprenderam muita
45
coisa e, portanto, não são capazes de aprender coisas novas e não podem
mais participar da vida moderna é um preconceito ainda mais nocivo à raça
humana e que permanece inalterado até o momento.
A diferença entre estas duas formas de preconceito é bastante clara
para todos nós: os jovens têm ocupado um novo espaço na sociedade,
enquanto os velhos continuam com aquela imagem, construída socialmente, de
que não servem mais para nada, pois nada aprendem e, portanto, nada têm a
contribuir.
Neste quadro, muitos idosos isolam-se, distanciando-se dos elementos
sociais. Muitos dos problemas relacionados à velhice derivam-se da
marginalização e do preconceito.
Neste momento é que acredito que a educação pode servir como um
elemento muito útil para que o idoso seja novamente trazido “à vida” e possa
dela participar de modo sadio.
Os preconceitos e os estereótipos (do grego stereós = sólido, firme +
typos = modelo, símbolo, exemplar) são transmitidos de geração em geração,
muitas vezes sem que se perceba. São compartilhados com o grupo no qual o
indivíduo está inserido. Neste contexto é que um projeto de gerontologia
educacional pode ser bastante útil para o idoso possa livrar-se de preconceitos
e estereótipos a ele impostos, onde o velho é tratado ora como bonzinho e
generoso, ora como ranzinza, egoísta e avarento.
De acordo com Ferrigno,
“... o preconceito ao “diferente” está presente em todos os meios e
idades: tendemos a ser intolerantes para com as diferenças e
complacentes em relação às desigualdades. Ou seja, desenvolvemos
atitudes discriminatórias a quem pertence a esta ou aquela raça, a
quem tem alguma deficiência física, a quem professa certa religião e
a quem tem determinada idade...” (Ferrigno 2003:133)
Os motivos que podem levar uma pessoa de meia idade em diante aos
estudos são muitos. Estas pessoas, geralmente, procuram voltar à escola para
desenvolver-se, por prazer, não ficar dentro de casa o dia todo, ter com quem
46
trocar idéias, viver situações interessantes, conviver com pessoas diferentes,
vencer a solidão, combater a depressão, preencher um vazio, melhorar sua
convivência com filhos ou netos. Não importa, qualquer motivação é válida
desde que a possibilidade de realizar um anseio seja concretizada.
O importante é que o sujeito-idoso seja visto como um ser em
crescimento, que necessita apenas de estímulos externos para que idealize
projetos de vida e que possa colocá-los concretamente em sua vida.
A educação, antes compreendida como um evento apenas necessário
na vida de crianças e jovens adultos, cada vez mais, passa a ser também parte
da rotina de muitas pessoas teoricamente fora do período normal de
aprendizagem.
Como salienta Haddad,
“... a educação deve servir como instrumento para prolongar, até a
terceira idade, a intensa socialização que se na infância e
adolescência... a educação torna-se necessidade fundamental para
que o velho possa viver bem numa sociedade que o ameaça, não por
dominá-lo econômica e politicamente, mas por obrigá-lo, sob pena de
condená-lo à solidão a uma permanente atualização face as
abruptas mudanças...”.(Haddad, 1986:92)
O envelhecimento, como visto, é um fenômeno que deve ser observado
por vários ângulos para que possa ser devidamente compreendido. Neste
processo concorrem tanto fatores biológicos como sócio-ambientais. Neste
paradigma, que se torna necessária a educação durante a terceira idade. E por
que não? Do mesmo modo que um processo educativo que prepara as
crianças para a adolescência e depois para a vida adulta, a educação também
deve preparar o indivíduo para a terceira idade, haja vista que alguns reflexos
na entrada e permanência nesta fase da vida são tão bruscas e abruptas
quanto a entrada da criança na adolescência.
A educação continuada, que se inicia na infância e se prolonga por toda
a existência do ser humano, tem sido objeto de estudo e reflexões de vários
educadores. Cemin (2002:99) aponta que se uma pessoa tem o desejo de
47
aprender, ela terá condições de fazê-lo, independentemente de onde e quando
isso ocorre. Para tanto, é necessária a confluência de três fatores importantes:
predisposição para o aprendizado, que o ambiente seja adequadamente
organizado e que haja alguém (um par mais competente) para auxiliar o
aprendiz no processo de aprender.
Neste aspecto, os centros de convivência ou escolas para a terceira
idade deveriam ter como objetivo atualizar os conhecimentos dos idosos
visando sua participação no meio social, pois, assim como a saída da infância
para a adolescência, a passagem da vida adulta para a terceira idade é um
processo irreversível, com vantagens e desvantagens, em que a opção por ser
feliz ou não, nesta fase, cabe, na maioria das vezes, ao sujeito do processo.
Ferrigno (2003:86/87) afirma que o objetivo maior destes centros de
encontro da terceira-idade deveria ser o de propiciar ao indivíduo a
redescoberta de interesses que, uma vez assumidos, o reequilibrem
socialmente e retardem as modificações da velhice. Ainda segundo o mesmo
educador, “... a atualização de informação facilita a integração social dos
velhos a um mundo de mudanças cada vez mais aceleradas...”.
De acordo com este parecer, Stainback nos aponta que,
“... deve-se ressignificar o envelhecimento, diluindo o sentido da
velhice como um momento intrínseco de sabedoria proporcionada
pela experiência, em favor da idéia de que esse é um momento
propício para o aprendizado de novas coisas. A educação é
ressaltada como necessária para que o indivíduo aproveite as
oportunidades criadas para a velhice na sociedade contemporânea...
ao dissociar a experiência dos anos vividos da sabedoria, valorizam a
idéia de que a educação deve ser uma atividade permanente na vida
dos indivíduos, e o somente algo que deve ser vivido somente em
sua fase inicial...”. (Stainback, 1998:44)
De acordo com pesquisas realizadas pela educadora Fogaça (2001:60),
e por constatações minhas, em atuação com meus alunos, vemos que os
alunos da terceira idade têm prazer de vir à aula, o que não acontece com
tanta clareza com os alunos dos cursos regulares e dentro da faixa “aceitável”
48
de escolarização. Após alguns meses de participação desses idosos na escola,
verifica-se, claramente, uma maior aceitação, autovalorização e, de modo
muito acentuado, o reconhecimento que vem dos outros, parentes e amigos,
em relação a estes alunos.
Uma questão principal é a forma como este processo educativo será
projetado. É ingênuo pensar em fórmulas inócuas que se dedicam a preencher
um tempo livre destas pessoas, com tentativas ridículas de infantilizar seus
participantes. Se, como tradicionalmente ouvimos, envelhecer é voltar a ser
criança, seguramente não é neste sentido. Como apontado por Cemin
(2002:43), “... podemos sim, voltar ao passado, usando das lembranças da
infância e juventude, para refletir e analisar nossas trajetórias e recuperar o
direito de sonhar e ter desejo...”, mas é só.
Esta necessidade, muitas vezes, de infantilização pode ser encarada
como uma forma de reação ao envelhecimento. O corpo envelhece, mas a
pessoa se recusa a acompanhar a mudança. É comum vermos pessoas de 25
ou 40 anos que se vestem ou se comportam como crianças. Segundo
Schiirmacher (2004:15), a própria série de livros e filmes Harry Potter é um
indicador disso. Ele faz parte do fenômeno da negação do envelhecimento que
existe hoje, em virtude de fazer muito mais sucesso entre a população adulta
do que necessariamente entre as crianças, como aparentemente era o objetivo
de sua autora.
1.6 – A capacidade cerebral do idoso interfere no aprendizado?
Discorri sobre a aprendizagem dos idosos. Uma pergunta que poderia
surgir neste momento é sobre a capacidade cerebral dos idosos para aprender
coisas novas.
Não pretendo enveredar para o estudo da acuidade cerebral dos idosos,
mas acredito ser necessário elucidar alguns aspectos, haja vista que, neste
momento da pesquisa, desejo me deter à quebra de paradigmas sobre a visão
tradicional que se possui a respeito da capacidade que as pessoas com mais
de sessenta anos possuem (ou não) para assimilar determinados
49
conhecimentos novos.
A partir de 1972, com o advento da tomografia computadorizada e,
depois disso, com a tomografia por emissão de pósitrons, capaz de gerar
imagens da anatomia e do funcionamento cerebral, começou-se a entender
melhor a estrutura e a função do cérebro. Hoje, começa-se a descobrir o
quanto variáveis como alimentação, mudança de estilos de vida, exercícios
físicos e mentais podem influenciar a atividade mental.
Envelhecer de modo satisfatório depende do nue equilíbrio entre as
limitações e as potencialidades de cada um, que lhe possibilitará lidar com as
perdas inevitáveis do envelhecimento. uma rie de interessantes estudos,
por exemplo, que indicam que a perda de memória, característica em idades
avançadas, pode ser compensada por treinos mnemônicos (arte e técnica de
desenvolver a memória), que terá melhores resultados se a pessoa, mesmo em
idade avançada, tiver boas condições biológicas.
Assim como o corpo, a mente também precisa de ginástica para
funcionar bem, principalmente quando o que se está em jogo é a memória.
Segundo a série jornalística “O idoso e bem estar”, do jornal Diário de São
Paulo (2004:6/7) está comprovado que os “esquecimentos” típicos da idade
poderiam ser evitados, pelo menos em grande parte, se os idosos praticassem
exercícios, mas para o cérebro. A dica é manter o cérebro ocupado. Segundo o
neurologista Ivan Okamoto, coordenador do Núcleo de Envelhecimento
Cerebral da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP),
“...a falta de estímulo é o grande inimigo da memória. Isso costuma
acontecer com o idoso porque ele deixa de praticar atividades
intelectuais, como trabalhar, cuidar das contas sozinhos, ir às
compras etc...”; (Jornal Diário de São Paulo, 2005)
Segundo os médicos, o sistema nervoso, que controla toda a nossa
capacidade de memorizar, funciona como os músculos do corpo. A
comparação pode ser bastante simples: se o idoso deixa de praticar atividades
físicas, sofrerá em algum momento da vida, dificuldades para se locomover.
Com o envelhecimento, o cérebro envelhece biologicamente, sendo que o
50
treino faz com que a pessoa mantenha sua capacidade de uso da memória.
A idéia da falta de acuidade para o aprendizado em idades mais
avançadas perpetua-se na sociedade, mesmo não possuindo nenhum respaldo
médico ou científico. Pelo contrário, através das contribuições da
neuroanatomia e neurofisiologia, pode-se constatar, hoje, a plasticidade
cerebral: a possibilidade de o cérebro regenerar-se continuamente (Lima,
2000:33).
De acordo com Oliveira,
“... as faculdades mentais nada sofrem com o envelhecimento e
podem desenvolver-se com o passar do tempo, como, por exemplo, o
conjunto de conhecimentos, o julgamento prático, a aptidão de
dominar situações difíceis e o desembaraço verbal...”. (Oliveira,
1999:77)
Isso significa que a melhor forma de se preservar a memória e a
capacidade cognitiva, apesar do avanço do tempo, é exercitando o cérebro
constantemente. E o melhor tipo de estímulo é a reflexão.
Ainda, segundo Lima (2000), o cérebro humano é complexo. Ele
consegue restaurar suas próprias funções porque não armazena cada uma de
suas memórias nos neurônios, células cerebrais distintas. Ele tem a memória
presente em redes de neurônios interligados. Isto significa que, se um neurônio
morre, o cérebro tem o poder de restabelecer essa conexão de memória
através de outro neurônio, conservando a memória. São circuitos redundantes
onde cada célula cerebral tem ramificações que alcançam outras células
cerebrais, no intuito de fazer as ligações de memória. Conforme se vai
envelhecendo, as células cerebrais se ramificam cada vez mais. Na meia idade
o rebro apresenta muito mais ramificações do que quando jovem. As
ramificações extras compensam a morte de células cerebrais (Lima,2000:34).
O desenvolvimento das neurociências oferece ao homem novas
possibilidades na compreensão do funcionamento do cérebro humano
mostrando que o desenvolvimento do cérebro e seu funcionamento podem
oferecer uma melhora considerável se houver uma combinação de fatores
51
culturais, sociais, de trabalho e atividades de lazer.
Em outras palavras, o desenvolvimento e manutenção do cérebro em
boas condições, é reflexo de fatores orgânicos e sociais.
Hoje, está comprovado que a estimulação social pela participação ativa
em comunidades com interesses em comum auxilia a regeneração do cérebro,
principalmente quando esta participação está ligada ao prazer de conviver com
outras pessoas.
Lima (2000:92) alerta que é indiscutível o papel das emoções no
desenvolvimento do indivíduo e no seu processo de cognição. Estando
localizado no cérebro, por meio das emoções, o sistema límbico atua de modo
muito significativo na memória e na capacidade de aprendizagem. Isto significa
que quanto maior o grau de comprometimento do idoso em atividades que lhe
traga prazer, melhor será sua performance ao executar e resolver problemas, o
que o auxiliará de sobremaneira a reter por maior tempo as informações
adquiridas e processadas.
Segundo Haddad,
"... embora na idade avançada a massa encefálica diminua de peso,
pelo desaparecimento de células em todas as camadas do córtex (a
perda dos neurônios começa aos 25 anos ), é um fato atualmente
bem estabelecido que o envelhecimento não leva a um declínio das
faculdades intelectuais. Na realidade, certas faculdades intelectuais
nada sofrem com o envelhecimento e podem, mesmo, se desenvolver
com o passar do tempo, como, por exemplo, o conjunto dos
conhecimentos, o julgamento prático, a aptidão para dominar
situações difíceis e o desembaraço verbal... todavia, outras se
revelam mais sensíveis ao envelhecimento e dependentes da idade,
como, por exemplo, a faculdade da memória e observação, a
capacidade de concentração, a agilidade intelectual e a faculdade de
associação... enquanto o indivíduo se mantém em atividade
intelectual ele continua com capacidade de produzir. À medida que o
indivíduo envelhece, sua capacidade intelectual torna-se mais aguda
e mais seletiva ...o intelectual idoso não diminui sua atividade mental.
O que diminui é sua capacidade física..." (Haddad, 1986:28-29)
52
Este dado trará muitas implicações nas questões de educação contínua
de idosos, pois todas estas boas novas acerca do envelhecimento do cérebro
reforçam a expectativa de que conservar as faculdades mentais seja algo
absolutamente normal, independente da idade. Se, cientificamente, existe esta
possibilidade, por que o idoso não aprenderia?
Neste contexto, a educação deve servir de instrumento para prolongar,
até a terceira idade, a intensa socialização que se desde a infância. Assim,
aponta como sendo necessária a educação durante a velhice, tão importante
quanto a que prepara o indivíduo para a passagem da infância para a vida
adulta (Haddad 1986/1993, Fogaça, 2001).
Conforme afirmava Platão, “... são precisos cinqüenta anos para fazer
um homem. Cumpre tomar a educação no sentido total, mutilá-la é mutilar o
homem...”.
De acordo com Fogaça,
“... desafiando alguns saberes sobre a capacidade declinante do
velho, tem-se que a capacidade de aprendizado dos indivíduos
mentalmente sadios permanece sempre a mesma, até depois de
ultrapassada a casa dos noventa anos. As pessoas idosas têm a
mesma facilidade para o aprendizado de línguas que estudantes do
ensino fundamental, embora tanto uns quanto os outros encontrem
mais dificuldades que uma criança de três anos, por exemplo...parece
que o que diminui com o aumento da idade é a velocidade do
aprendizado...” (Fogaça, 2001:34)
De fato, biologicamente falando, os indivíduos apresentam por volta dos
30 anos uma lenta diminuição de certos parâmetros anatômicos e fisiológicos
como força muscular, capacidade vital, potência sexual, agudeza dos órgãos
do sentido, memória, reação psicomotora, capacidade intelectual etc. Contudo,
sabemos que nem todos os indivíduos apresentam os mesmos sinais de
envelhecimento na mesma idade. Deste modo, podemos verificar que um
aspecto exclusivamente biológico não é suficiente como critério para se
identificar quem é idoso e quem não é idoso.
Na verdade, o idoso sadio não é psicológica e nem fisiologicamente
53
velho, pois o que caracteriza a velhice não é a quantidade de anos vividos e
nem o estado das artérias. O que caracteriza esta fase da vida é a perda dos
ideais de juventude, é a falta de conexão com a mentalidade de seu tempo, é o
desinteresse pelo cotidiano, é o humor irritadiço e a desconfiança no futuro.
Desta forma, para que o cérebro seja ativado a todo momento para
manter-se jovem e colaborar na melhoria da vida de quem já passou dos
sessenta anos de idade é que a educação continuada torna-se uma alternativa
bastante interessante de inclusão social.
Justifica-se, então, o estudo da gerontologia educacional, que passo a
discutir em seguida.
1.7 - A gerontologia educacional : um caminho possível ?
Como visto, as faculdades intelectuais nada sofrem com o
envelhecimento e podem se desenvolver com o passar dos anos.
A capacidade de aprendizagem não é afetada pela idade, sendo até
mesmo facilitada pela associação com experiências e conhecimentos prévios.
Quando a terceira idade é identificada como a idade do lazer, concebe-
se a idéia da aposentadoria como um período ativo, a partir da imagem de que
a vida começa aos 60 anos. Deste modo a velhice passa a ser representada
como uma fase a ser aproveitada.
A educação continuada pode ser um dos elementos que podem
contribuir para o desenvolvimento, descontração e informação da população
idosa. Alguns aspectos devem ser levados em consideração para que um
programa educacional voltado a este segmento tenha uma boa margem de
possibilidade de sucesso.
Por exemplo, por minha experiência com alunos idosos, pude perceber
que ser um bom professor dentro das expectativas tradicionais dos cursos e
escolas (aquele que domina técnicas diversificadas e obtém “sucesso” em seu
trabalho), nem sempre é garantia de eficiência no ensino do aluno da terceira
idade. O estudante desta faixa etária tem várias características específicas que
exigem, muitas vezes, do docente, habilidades e preparo especiais.
54
Isso não é de se estranhar, pois no ensino-aprendizagem de crianças
algumas características particulares, no ensino-aprendizagem de adolescentes
outras e no ensino de adultos, também. Por que o ensino-aprendizagem de
idosos seria diferente?
O aluno idoso tende a ser, algumas vezes disperso, a se perder diante
do acúmulo de informações, a ter algumas dificuldades para captar o sentido
abstrato de certas idéias e, não raro, a ter dificuldades de memorização de
dados. Diante disso, o professor precisa desenvolver técnicas próprias para
atender alguns dos alunos de seu grupo: ser bastante claro e objetivo na
transmissão de informações e na forma de organização das idéias, usar um
tom alto de voz (pois muitos alunos começam a ter dificuldades de audição),
falar pausadamente, escrever na lousa usando uma letra muito pedagógica e
em tamanho maior para que os que têm dificuldades de visão possam ler sem
dificuldades e usar constantemente da repetição para reforçar algumas
informações. É importante lembrar que esses alunos conheceram no passado
uma escola paternalista, na qual a participação ativa de cada um deles não era
estimulada como é hoje. Por isso é importante ir propondo, aos poucos,
trabalhos em grupo e desenvolver a autonomia em sala de aula.
O processo de aprendizagem na terceira idade é necessário como
estímulo para que sejam mantidas as faculdades mentais de cada um,
devendo-se, portanto, respeitar o ritmo individual de cada um dos alunos e
proporem-se, sempre, atividades significativas para que sejam desenvolvidas
dentro e fora de sala de aula.
Em suma, poucas diferenças podem ser percebidas em relação aos
alunos que se encontram dentro da faixa comum de aprendizagem.
Muitos têm a impressão de que as turmas compostas por alunos mais
idosos são mais tranqüilas e silenciosas, em comparação com a dos jovens e
adultos. Nem sempre isso é verdade, pois os tagarelas também estão
presentes entre os grupos mais maduros e comportar-se como criança na sala
de aula é uma realidade, independentemente da idade dos alunos, afinal de
contas...Aluno é sempre aluno.
A vontade de aprender é suficiente para que o processo de
55
aprendizagem ocorra da mesma forma seja aos 10 anos seja aos 80 anos. A
única diferença entre a aprendizagem destes dois grupos, por exemplo, é a
velocidade com que este aprendizado se dá. A assimilação de novos
conhecimentos, atitudes e bitos podem ocorrer em qualquer idade,
modificando unicamente a velocidade de assimilação.
Por parte do professor, palavras de encorajamento por progressos,
ainda que tímidos, são formas de combater a autocrítica, comumente mais
rigorosa nessa faixa etária, de tentar aliviar a frustração pelo fato de, em alguns
casos, realmente não render mais tanto quanto acontecia na juventude e,
sobretudo, de revelar um potencial para o aprendizado que a pessoa não
consegue descobrir em si própria. Deste modo, a paciência que ele não tem
consigo próprio, pode ser estimulada por um mestre paciente e que seja, acima
de tudo, afetuoso.
Neste momento é que um profissional qualificado para atuar com este
grupo seja de fundamental importância para que o sucesso dos objetivos
traçados seja atingido. Neste ponto é que entram em campo os educadores
com uma visão clara de aspectos ligados à gerontologia educacional.
Os educadores que se orientam pela gerontologia educacional, definida
a seguir, procuram desenvolver um programa terapêutico voltado à memória,
concentração, capacidade cognitiva, aprendizado e criatividade dos idosos. A
gerontologia educacional requer uma pedagogia específica para garantir a
cada idoso a possibilidade de vivenciar situações de aprendizagem que
possibilitem a eles não somente sobreviver mais e melhor, mas, e
principalmente, conquistar com autonomia uma melhor qualidade de vida.
Neste paradigma, a educação tem um papel de vital importância, pois não se
trata de divertir ou entreter o idoso, nem de repetir papéis desempenhados por
eles em outras fases da vida, mas, sim, servir de dispositivo para que o
indivíduo, independente de sua faixa etária, consiga manter seus níveis
normais de desenvolvimento. Nesta concepção, as atividades desenvolvidas no
decorrer da aula ou curso, adquirem um novo sentido por estarem
desvinculadas da obrigação de se cumprir determinados papéis sociais
próprios das etapas anteriores de vida nos quais a pessoa tem a obrigação de
56
se sair bem para galgar novos patamares na escala social ou se enquadrar nos
já existentes. É o aprender por puro prazer.
De acordo com Cachioni,
“... a velhice e o envelhecimento são picos que comportam e
necessitam de atuação educacional de longo prazo para que possa
promover mudanças culturais nas concepções sociais vigentes sobre
velhice, sobre as possibilidades de desenvolvimento nessa fase da
vida e sobre o potencial cultural inerente a esse segmento da
população. É, nesse contexto, que se encaixa a gerontologia
educacional, campo interdisciplinar que se desenvolve no rastro da
evolução da educação de idosos, na formação de recursos humanos
para lidar com a velhice e na mudança das perspectivas das
sociedades em relação aos idosos e ao envelhecimento...”. (Cachioni,
2003:25)
Segundo a mesma educadora o termo gerontologia educacional foi
usado pela primeira vez em 1970, na Universidade de Michigan, por David
Peterson, no contexto de um curso de doutorado em gerontologia. Em 1976,
esse teórico definiu-a como a área responsável pelo estudo e pela prática das
tarefas de ensino e aprendizagem a respeito de e orientadas a pessoas
envelhecidas e em processo de envelhecimento. Em 1980, o mesmo autor
refez sua definição, acrescentando que a gerontologia educacional é a tentativa
de aplicar o que se conhece sobre a educação e o envelhecimento em
benefício do padrão de vida dos idosos.(Cachioni 2003:26)
Em 1990, Glendenning e Battersby manifestaram-se a favor de uma
nova gerontologia educacional, mais crítica, cuja articulação prática se
traduziria no que Lemieux denominou de gerogogia crítica (Lemieux,2000).
Essa mudança na proposta anterior de Glendenning aconteceu pela
constatação de que os paradigmas tradicionais da gerontologia educacional
eram do tipo conservador, e quando levados à prática, conduziam mais à
domesticação dos idosos do que a sua autonomia e participação.(Cachioni
2003:27)
Debert (1999:218) ainda aponta, que a expressão de abandono e
57
solidão nas novelas têm certamente nos velhos um elemento forte, mas eles
agora são também apresentados como ativos, capazes de oferecer respostas
criativas ao conjunto de mudanças sociais, reciclando identidades anteriores,
58
“... é comum encontrar idosos que, uma vez engajados, assumem
atitudes positivas em relação à vida, aceitando de forma sadia os
processos de mudança que vivenciam e que ocorrem, muitas vezes,
de forma acelerada e até conflitiva...é comum os integrantes de um
grupo comentarem o que os outros grupos realizam, e não
proporem atividades semelhantes como também modificações para
melhor...o idoso redescobre interesses novos, sente-se estimulado a
participar em todas as etapas de sua vida e que, com essa postura,
tem mais chances de solucionar seus problemas pessoais...” (Debert,
1999:152)
Dá-se, então, início a um importante processo de reconstrução ou, em
alguns casos, de construção de uma identidade positiva dos idosos.
1.8 - A (re) construção da identidade do idoso
A construção ou resgate de uma identidade positiva é um fator muito
importante a ser trabalhado nesta fase da vida. Devido a todos os estereótipos
impostos pela sociedade no que concerne à volta aos bancos escolares de
pessoas desta faixa etária, e a própria resistência de parte destes indivíduos
acerca de suas potencialidades intelectuais pessoais, o trabalho de resgate da
auto-estima destas pessoas é uma atividade muitas vezes árdua e muito mais
difícil do que o próprio processo de ensino-aprendizagem de uma língua
estrangeira para estas pessoas.
De acordo com os PCN-LE,
“... a identidade é construída em um processo de aprendizagem, o
que implica o amadurecimento da capacidade de integrar o passado,
o presente e o futuro e também articular a unidade e a continuidade
de uma biografia individual... a elaboração da identidade e do projeto
de vida implica construir um conjunto de valores que oriente a
perspectiva de vida: quem eu sou, quem eu quero ser, o que quero
para mim e para a sociedade. Isso exige uma busca de
autoconhecimento, compreensão da sociedade e do lugar em que
está inserido...”. (PCN-LE, 1998:108)
59
De acordo com Oliveira,
“... a primeira crise do idoso é a crise de identidade, quando existe a
necessidade de estabelecer novas relações consigo mesmo e com o
mundo dos valores. Uma segunda é a crise de autonomia quando o
fundamental é o estabelecimento de novas relações com os demais,
com referência à satisfação das próprias necessidades. Por último, a
crise da velhice é uma crise de pertencimento que fundamenta a
busca de novas relações com a sociedade. Constituem, dessa forma,
três condições necessárias para se alcançar a integridade da
personalidade na velhice...” (Oliveira, 1999:105-106)
A identidade de cada um é influenciada pela percepção que os outros
têm dos papéis sociais que desempenha. As pessoas são sempre tentadas a
se ver como são julgadas e cabe ao educador o trabalho árduo de resgatar
esta auto-estima, mesmo antes de iniciar seu trabalho como especialista em
uma determinada área do conhecimento.
A auto-estima sempre envolve uma questão de avaliação pessoal. Ela é
decorrente de uma atitude positiva ou negativa diante de si mesmo. Deste
modo a auto-estima se liga diretamente ao que a pessoa julga acerca de si
mesmo.
A auto-estima possui uma estreita ligação com as questões de formação
de identidade dos idosos. Na velhice, existe uma tendência muito forte, por
parte dos idosos, de se auto-avaliarem negativamente. Com as alterações cada
vez menos positivas de sua auto-imagem, a auto-estima também sofre
consideráveis decréscimos.
O educador, durante todo o processo, deverá atuar como um elemento
facilitador de atitudes de organização, reorganização e valorização dos alunos
através da mediação e da interação entre os elementos do grupo.
A construção de uma imagem positiva acerca de seu próprio
envelhecimento cria nos educandos a idéia do não reconhecimento dos velhos
como detentores da sabedoria e experiência. Cria em seus indivíduos o espírito
de disponibilidade para o aprendizado e novas experiências despertando em
60
cada um deles, uma identidade positiva pelo resgate de sua dignidade, redução
dos problemas de solidão, quebra de preconceitos e estereótipos, valorizando
o cidadão de mais idade criando espaços não para seu lazer pessoal, mas,
também, para a continuidade de seu exercício de cidadania.
De acordo com Oliveira,
“... a busca da identidade tem grande influência sobre o
funcionamento da personalidade, e a velhice será positiva ou não
conforme os resultados na busca de um novo sentimento de
continuidade e identidade pessoal: a auto-imagem ou auto-estima, na
qual se consideram três condições: viver experiências válidas no
contexto de relações saudáveis, redefinir o próprio sistema de valores
e integrar as riquezas, o potencial e as lembranças. A visão que o
homem tem de si mesmo deve ser ampla e integral. O físico pode ser
dilapidado com o passar dos anos, mas a mente, mantendo-se
estimulada,tende a evoluir...’.(Oliveira, 1999:118-119).
Na sociedade, segundo Agreste (2003:36), os idosos necessitam se
abrir a duas possibilidades: tornarem-se mais receptivos às influências dos
mais jovens ou serem excluídos do ritmo atual da sociedade. É no espaço em
que vivem e no tempo dessa vivência que são forjadas as identidades pessoais
e culturais. A identidade é produzida na e a partir das relações sociais e das
representações que as pessoas têm de si mesmas. Estas representações
modificam-se nas diversas fases da vida.
O homem, como um ser de relações sociais, como apontava Freire
em seus diversos estudos, está em constante movimento. Ele constitui seu
mundo interno na medida em que atua e transforma o seu mundo externo para
que melhor se adapte a situações diversas. Estas mudanças determinam um
processo ininterrupto de definição do próprio ser. Desta forma, a identidade do
idoso é um processo construído continuamente através de representações de
como ele está atuando no mundo que o cerca, sendo um momento marcante
desta nova incorporação de identidade o momento da aposentadoria, como
citado anteriormente.
Este é um dado bastante significativo, haja vista que na opinião de todos
61
os gerontólogos é psicologicamente e sociologicamente impossível viver os
últimos vinte anos de vida em boas condições físicas sem desempenhar
alguma atividade útil.
Na verdade, o que precisamos, mesmo, é educar nosso olhar para que
possamos aprender com o diferente. Aceitar estas diferenças pressupõe o
respeito, a valorização e a compreensão da história de vida dos idosos que é
dinâmica, mesmo que muitas vezes esteja alojada em um corpo
aparentemente cansado.
Conforme reflete Cachioni (2003:223), “... não considero que eu tenha a
melhor idade, mas sim o melhor que a minha idade pode me oferecer...”.
Luft também nos adverte que o fator idade não é um entrave para que
coisas interessantes ocorram na vida de um idoso. Ela ressalta que,
“... bom, aos oitenta anos conquistei minha velhice perdendo coisas,
mas acumulando algumas, inclusive a minha idade. Não estou, aos
oitenta anos, deteriorado em relação aos quarenta ou vinte: estou
apenas mudado... ah, sim, estou velho aos oitenta anos, mas...jovem
de espírito! Por que ser jovem de espírito seria melhor do que ter um
espírito maduro...ou velho? Será pior ter mais equilíbrio, mais
serenidade, mais elegância e até bom humor diante de fatos que na
juventude nos fariam arrancar os cabelos de aflição?...” (Luft,
2004:91)
Baseando-me nestas reflexões acerca da velhice e processo de
envelhecimento é que passo, agora, a apresentar algumas considerações da
fundamentação teórica que servirão de parâmetro para, posteriormente, discutir
os dados apresentados e que serviram de base para a concretização desta
pesquisa.
62
2- Fundamentação teórica
São Jerônimo no deserto – Giovanni Bellini - 1463
63
Passo agora a apresentar alguns elementos que fundamentam este
estudo.
Pelo fato deste estudo tratar-se de ensino de língua inglesa inicio esta
parte do trabalho discutindo as formas de significação da linguagem e como,
por meio da língua, dá-se a construção do conhecimento.
Após a apresentação destes dois elementos, apresento dados da
pedagogia e reflexão crítica, por acreditar que são uma das molas propulsoras
para toda análise do processo de transformação na trajetória de cada um dos
envolvidos neste trabalho.
Como parte deste processo de transformação, faço uma apresentação
das questões da pedagogia da e para a autonomia, das questões do currículo e
identidade no cotidiano escolar e seu conseqüente resultado na prática
reflexiva do docente.
Estes são elementos que pautarão todas as discussões que serão
apresentadas no capítulo da análise dos dados.
2.1 – As formas de significação da linguagem
Acredito ser importante iniciar minha apresentação dos fundamentos
teóricos que embasam esta pesquisa elaborando uma breve discussão a
respeito da significação da linguagem.
Para dialogar com a abordagem de Vygotsky(1994, 1993), que será
realizada imediatamente após esta parte inicial das fundamentações do
trabalho, apresento agora algumas idéias de seu contemporâneo Bakhtin
(1997, 1999), que ambos partem de alguns pressupostos similares que se
complementam em alguns aspectos e que utilizarei na análise dos processos
de ensino e aprendizagem dos idosos.
As diversas faces da obra de Bakhtin (1997, 1999), são permeadas por
uma concepção dialógica da linguagem. O autor não fala em frases, orações, e
sim em enunciados que se dão num contexto particular. Os conceitos de
enunciado e enunciação, enquanto interação, surgem do contexto cio-
histórico ligados ao esboço de uma teoria de linguagem que inclui a relação
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dos sujeitos com o mundo e a dimensão assumida pela linguagem nessa
relação. As unidades de criação verbal e os enunciados, estão ligados entre si
por uma relação dialógica, “... a relação dialógica é uma relação de sentido que
se estabelece entre enunciados na comunicação verbal...” (1999:345)
Bakhtin enfoca o conceito de interação social como fundamental para a
construção da realidade, uma vez que para ele, assim como para Vygotsky, e
demais pensadores que fazem parte deste trabalho, as construções são
determinadas pelas condições reais da situação social imediata que, além de
um locutor, pressupõe sempre um interlocutor, ambos socialmente
organizados, salientando a centralidade da significação como constituída
socialmente. Por este motivo, de acordo com minhas crenças, acredito que a
interação aluno-aluno ou aluno-professor (vice-versa) é primordial na aquisição
de qualquer tipo de conhecimento, seja ele escolar ou não.
O conceito de dialogia é fundamental no estudo de Bakhtin, pois para
ele, qualquer enunciação produzida por seres humanos pode ser
compreendida se entendermos sua relação com outras enunciações. Segundo
Wertsch & Smolka (1991), autores como Todorov (1984) e Holquist (1990),
observam que a alteridade, (ou diversidade), é uma propriedade fundamental
daquilo que significa falar e ser humano, na abordagem de Bakhtin.
Segundo Bakhtin, a dialogia é uma idéia muito mais abrangente do que
aquela normalmente associada à palavra diálogo na ciência social
contemporânea. Geralmente diz respeito às muitas formas como duas ou mais
vozes entram em contato. Na dialogia fundante (Bakhtin, 1999:275), as vozes
que entram em contato no tipo de interação face a face alternada, geralmente é
associada ao diálogo. Dessa perspectiva, aspectos essenciais de uma
enunciação podem ser entendidos como uma resposta à enunciação de outra
voz, uma previsão da enunciação do outro e assim por diante.
As visões de Vygotsky (1993,1994) e Bakhtin (1997, 1999), que
pressupõem o entendimento do homem como um sujeito sócio-histórico,
expressam a importância do discurso do outro na construção do indivíduo,
alicerce que se fundamenta no meio social. A partir de uma interação, o
indivíduo internaliza, ou se apropria do discurso do outro, o que resulta num
65
processo posterior de desenvolvimento e educação.
Considerar o dialogismo, a que se refere Bakhtin, significa reconhecer
imediatamente a presença do outro que, necessariamente, está instalado num
dado discurso. Isto promoveu uma revolução nos estudos da linguagem e,
especialmente, nas abordagens das análises de discurso, seja abalando
conceitos e definições teóricas, tidas como acabadas e certas, seja pelo
reconhecimento desse dialogismo, como uma nova perspectiva para os
partidários de uma abordagem lingüístico-discursiva, incomodados e
insatisfeitos com tais definições teóricas acabadas, e por que não dizer,
simplistas demais para tratar da complexidade da significação da linguagem.
A visão de Vygotsky de ensino aprendizagem e a visão de Bakhtin de
linguagem permearam esta discussão sobre o homem como sujeito sócio-
histórico que se constitui na relação com o outro, no mundo social, o que é
pressuposto teórico para esta pesquisa.
Desta forma, chegamos à construção do conhecimento, tendo como
ferramenta sica para sua constituição, o dialogismo. São considerações dos
estudos de Vygotsky que passo a apresentar agora.
2.2 - A construção do conhecimento
Como apontado anteriormente, sirvo-me de Vygotsky (1993, 1994),
neste momento, para complementar as idéias de Bakhtin e compreender com
maior clareza as questões de ensino aprendizagem a que os idosos,
participantes desta pesquisa, foram expostos e de que participaram.
Apoio-me nos estudos de Vygotsky acerca de como o conhecimento é
construído. Acredito que as afirmações e análise sobre suas reflexões sejam
relevantes para que os modos de construção da aprendizagem sejam
estudados neste caso. Apesar dele citar, em seus estudos, a construção do
conhecimento juntamente com crianças, acredito que possa transpor suas
afirmações para o estudo da construção do conhecimento com os idosos
participantes deste trabalho.
Constitui um aspecto fundamental na teoria vygotskiana o fato de que os
66
processos de formação de conceitos são originados nas relações entre os
indivíduos e do indivíduo com o mundo. Isto significa que, para Vygotsky, o
processo de desenvolvimento do indivíduo é socialmente construído, ocorrendo
a partir de um contexto em meio a interações sociais, entre indivíduos
historicamente constituídos: o outro desempenha um papel muito importante no
processo de internalização, sendo esta interação a chave do aprendizado.
A abordagem vygotskiana enfatiza a interação entre desenvolvimento e
aprendizagem, aspectos que estão inter-relacionados desde o primeiro dia de
vida do ser humano.
Vygotsky argumenta que todo o processo de aprendizado está
diretamente relacionado à interação do indivíduo (uma ação partilhada) com o
meio externo (meio este que leva em conta não apenas o objeto, mas os
demais sujeitos).
Entendendo a aprendizagem como um processo social, que ocorre na
interação entre pares mais experientes e menos experientes, observa-se a
construção de funções psicológicas na apropriação do conhecimento
socialmente disponível, processo em que o papel da linguagem é essencial.
Abrem-se desta forma, novas perspectivas para a redefinição do papel das
práticas pedagógicas.
Se a escola ocupa um lugar de destaque no desenvolvimento das
pessoas, o papel do professor, responsável por promover na sala de aula
situações de interação entre os alunos, deve ser também repensado.
O que observamos é que ainda hoje na realidade das salas de aula de
nosso país, persiste a visão do conhecimento como um objeto que é de
domínio exclusivo do professor e que pode ser transferido a um aluno a partir
de uma série de mecanismos, sem que o aluno tenha qualquer participação
ativa no processo, ou seja, o aluno é visto meramente como um receptor de
informações, o que, como veremos a seguir, era denominado por Paulo Freire,
em seus vários estudos, como transmissão de conhecimento, tomando por
base características de uma educação bancária, isto é, um professor que faz
constantes depósitos de informações em seus alunos com vista a construir
futuramente um conhecimento útil. Trata-se de uma postura que ainda hoje faz
67
parte do repertório didático de grande parte dos professores acreditar que tudo
o que se ensina pode ser aprendido pelo aluno e que, portanto, o professor não
é responsável direto pelo fracasso do educando. Stetsenko (1999:241)
complementa que, na escola, os educandos são expostos a fenômenos
fragmentados, experiências muito pobres em relação aos meios ensinados de
se lidar com eles pelo fato de desejar-se que eles sejam aprendidos através de
memorização, como se fossem parte de um mosaico de fatos não relacionados
entre si.
Por outro lado, há professores em nossas escolas que atuam de forma a
construir o conhecimento juntamente com seus alunos, valorizando o seu papel
de mediador da aprendizagem, juntamente com o papel do aluno que é um
indivíduo responsável pela construção de seu próprio saber.
Nesta perspectiva, professores e alunos se configuram como pares e
não como opostos, pois ambos estão comprometidos no processo de
aprendizagem. É na junção de forças que o saber é construído, constituído e
apropriado.
A aprendizagem da língua estrangeira deve acontecer dentro de um
processo de construção conjunta de significado entre professor e alunos,
mediada pelo participante mais eficiente, que deve dar suporte ao aprendiz,
enquanto este não for capaz de atuar de forma independente. O conceito de
zona de desenvolvimento proximal (ZPD), estudado por Vygotsky, implica na
idéia de que o desempenho do aluno está diretamente relacionado ao contexto
colaborativo, dentro do qual acontece e de que a instrução deve estar sempre
adiante do desenvolvimento real do aprendiz
Schnewly (1992) retoma a discussão de Vygotsky sobre a ZPD,
introduzindo o conceito de contradições ou conflitos desencadeados entre
fatores internos e externos, e analisando a interação entre desenvolvimento e
educação. O desenvolvimento corresponde aos fatores internos e a
aprendizagem, aos fatores externos. Nessa perspectiva, a escola deve criar
condições para que as contradições apareçam, e, assim, para que os conceitos
cotidianos, decorrentes da vivência, experiência de cada um, se transformem
em conceitos científicos.
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Stetsenko (1999:237) complementa que a concepção mais comum do
conceito de zona de desenvolvimento proximal é que a criança, em
colaboração com um adulto ou par mais experiente, é capaz de resolver
problemas em um nível mais avançado do que quando agindo sozinha.
Vygotsky afirma que as características tipicamente humanas não estão
presentes desde o nascimento do indivíduo, nem são meros resultados das
pressões do meio externo. Elas resultam da interação dialética do homem e
seu meio sociocultural. Ao mesmo tempo em que o ser humano transforma o
seu meio para atender suas necessidades básicas, transforma-se a si mesmo.
Em outras palavras, quando o homem modifica o ambiente através de seu
comportamento, essa mesma modificação vai influenciar seu comportamento
futuro.
Igualmente importante é a postura reflexiva que o professor deve
desenvolver, a fim de conhecer suas limitações e valorizar suas conquistaueau.16436.80439(t)-2.16436(a)5.67474(-0.294974(e7(l)1.87(m)-7.7.7.7.7.7.7.7.-82.21295585(õ)-4.zbp5( )-82.G6474( )-162.259(v)9.7185( )-82.2116(.2(e)-4.33117(n)-4( )-172.265(c)9))7.84154(e)-4.33117( 17(r)2.80439(t)-2.16436(a6558(e)-4.33117(t)--4.33117(r)01(a)-4.331.67474( )-82.2128(c)-0.29436)5.67474( )-172.2.67474(u)-z74( )-172.2u1558(s)-0.2396(i)11.875958(u))5.295585( )-.2.223(t)-4.33117(n)5.67474(t)-2t)--4.33117(r)01(a)-4.331 drau.164aé37(r)01(a)n8 7u fit deecvmt i603-192eb35(n)-4.3673(92eb35(n)-.401(d)5.674-4.l87(m)26(m)-398)-4.3upr.7(t)-2.meestmeemm74(m)-398rrdranmraççdrt33117(n)-4.3(n)-(m.84032(u33282.271(d)(r)2.3117((e)-4.33s)9.70n474(b-4.3305.64 Ti)11.81276(e)556.7(s)-024.14.l87(m85.64 Ti)11.81276(e)55m14.l87(m85.6( )-222.29182.271(d)(r(m85.6( )-182.271(d)(r)2.36n)2.803785 -.l87(m)2.87()-4.7(474(m)6.7(t)-2.(ç)9 )-182.271(d)(r)2.3)-4.33117(a)-4.33182.271(d)(r)2.3117()7(m)252.2e(u)-4.330l87(m)211.822m2t)- 12 Tf0.99941 0 0 1 498.24 38.3117( )-72.2J-318.788 -õ)01(42 Tf0.99941 0 0 1 82.21)5.671.8759(m74(m)-])84.33117 J-318.783311707.84154(e)-4.33s)9.707832(e)932()-182.271(d)(r)2.3u t36smoee m029(a)-4.33117( )32()36(r)2.80439(a)-4.33117(v)9.71032(é)-4.33117(s)-0.295585( )-222.294(d)-4.33117(e)-464 Tir.7(t)-2.suhos r o i e3585(i)]318ti
69
clareza. Os estudos que serão apresentados neste trabalho posteriormente,
acrescentam, ainda, que isto deve-se ao fato de que a reflexão possibilita ao
professor distanciar-se de sua prática e observar-se como alguém de fora do
processo, efetuando as mudanças que julgue serem necessárias para seu
aprimoramento pessoal e profissional.
A reflexão como mola propulsora de um processo de transformação
havia sido discutida por Vygotsky, em 1934, quando afirmava que este era um
caminho para um novo tipo de comportamento.
O contexto educacional, aqui estudado, se opõe à idéia do professor
como detentor do saber, repensando sua prática, atribuindo-lhe a função de
mediador, aquele que cria o conflito entre o que o aluno sabe e o que ele
está aprendendo naquele momento.
Nesse processo o professor também aprende; aprende a achar novos
caminhos para ensinar e cria espaços para que o novo e o velho entrem em
contato; ele cria esses espaços e oferece uma série de possibilidades para que
a linguagem seja organizada no sentido de correlacionar conceitos cotidianos e
científicos.
Assim como o conhecimento é socialmente construído através da
interação entre as pessoas, a construção do significado da língua, e
conseqüentemente seu aprendizado, também obedece rigorosamente, a meu
ver, esta sistemática.
Passo, agora, a estabelecer algumas conexões entre as formas de
significação da língua, construção do conhecimento e as formas de lidar com
estes elementos em um paradigma reflexivo crítico.
2.3 – Considerações acerca da pedagogia-reflexão crítica
Uma vez esclarecidas as questões acerca da construção do
conhecimento e das formas significativas de lidar com a língua, para que
pudesse desenvolver as atividades de ensino de língua inglesa na sala de aula
com os idosos, passo agora a discorrer sobre questões que me parecem
prementes a respeito da reflexão crítica que é uma das molas propulsoras para
70
a análise de todo o processo de transformação na trajetória de cada um dos
participantes deste trabalho, tanto dos alunos-idosos quanto do professor
participante.
Segundo Pennycook (1999:331/335/337), o trabalho crítico, em geral,
tem sido focado em discussões acerca de classe, raça ou gênero, nas quais,
relações de poder e desigualdade são freqüentemente mais óbvias em termos
tanto de desigualdade social (salários diferenciados, acesso a trabalho e
educação), quanto de desigualdade cultural (discriminação, preconceito,
crenças acerca do que é considerado normal, correto ou apropriado).
A análise crítica da estrutura social e dos meios nos quais as relações
sociais podem ser culturalmente ou ideologicamente mantidas, freqüentemente
tendem a ser pessimistas, deterministas e reprodutivas. Isto significa que
tendem a sugerir que as pessoas ficam geralmente presas a relações desiguais
de poder (homens são mais poderosos que as mulheres, jovens são mais
espertos e rápidos que os idosos etc), e que a maioria das coisas que as
pessoas fazem, reproduzem exatamente esta relação de poder.
Ainda segundo Pennycook, Fairclough e seus seguidores (1992) a
preocupação com o desenvolvimento da linguagem crítica como um elemento
essencial da mudança social. Nesse contexto fica também clara a influência de
Paulo Freire em seus vários estudos, com sua noção de conscientização, um
alicerce de seu trabalho crítico. Um primeiro passo nesse trabalho crítico deve
ser, portanto, desenvolver a habilidade de inserir-se em debates, pois nada
mudará, a menos que as pessoas saibam coisas que sejam necessárias a seu
desenvolvimento para que haja mudança do contexto em que estão inseridas.
Aprendemos e ensinamos com uma mescla de experiências pessoais,
com as experiências dos outros e de outras culturas. Nesse processo,
procuramos somar nossas experiências e nossas reflexões, e sobre elas as
vivências e reflexões de outras pessoas, dando nova cor e alimentando a
continuidade da história. Brookfield (1995:140) salienta que uma análise crítica
requer uma cultura moral e política caracterizada por uma abertura a diversas
perspectivas e ideologias, e um respeitoso reconhecimento da importância da
contribuição de cada pessoa, independentemente da superioridade ou status
71
de cada um.
Um outro dado que creio, também, ser importante para ser discutido
neste estudo é a questão de todas as nuances que permeiam o processo de
ensino-aprendizagem dos idosos, no que tange à natureza política do contexto
educacional onde as mesmas foram criadas.
De acordo com Kincheloe analisando o pensamento de Michel Foucault
"...as práticas discursivas são as regras tácitas que definem o que
pode e o que não pode ser dito, quem fala e quem deve escutar, e de
quem são as construções da realidade que são válidas e científicas,
desconhecidas e irrelevantes. Estas são práticas que sempre
refletirão as relações políticas na sociedade e na sala de aula..."
(Kincheloe, 1997:49)
Não é possível negar que sempre uma questão política de
manutenção (ou não) do status quo na elaboração de um currículo de curso ou
aula. A própria seleção dos conteúdos na elaboração de um programa de
ensino é uma decisão política pelo fato de ter privilegiado um corpo de
conhecimento em detrimento de outro.
Deste modo, não se pode afirmar, de maneira alguma, que qualquer
planejamento de aula ou currículo de curso trata-se de um evento neutro sem
nenhum tipo de ideologia implícita.
Mas também não indica que esteja havendo uma manipulação na
escolha destes conteúdos pois a manipulação é castradora, portanto,
autoritária. Para discussão desta e outras questões que serão apresentadas
neste trabalho, recorro principalmente a Paulo Freire, pois, além de ser fruto de
nossa terra e, conseqüentemente, sabedor, mais do que ninguém, dos
problemas que afligem nosso povo, nossa cultura, é também, de certa forma, o
“pai” de todas as reflexões acerca da pedagogia e reflexões críticas. Por razões
estritamente pessoais nas quais corroboram aspectos ligados a concepções
minhas adquiridas ao longo de mais de vinte anos de atuação em sala de aula,
gostaria de citar alguns poucos dados acerca deste grande educador.
Paulo Freire, nos anos 60, em Pernambuco, sua terra natal, denunciava
72
que a educação popular não poderia continuar a reforçar os mecanismos
sociais geradores de exclusão. Esta concepção o colocou em posição de
enfrentamento com o predominante discurso oficial da época, que apregoava
que a escola era um reflexo da sociedade e que esta não poderia ser
modificada pela educação. Foi aí que este educador pernambucano
revolucionou a sociedade conservadora, ao mostrar (e provar!) que a premissa
orientadora deste discurso era falsa e, também, ao defender a dimensão
política inerente a todo o ato educativo.
Ele defendeu a idéia de que a educação podia ser um jogo, em cujas
regras estariam presentes a solidariedade, a festa e o prazer, com um
processo de competição entre os envolvidos em que o prêmio final seria a
liberdade perante o mundo para fazer escolhas coerentes. Segundo ele, os
jogos educativos deveriam valorizar os sentimentos e as emoções, utilizando
regras e regulamentos, mas sem que se subordinassem a eles. Isto
caracterizaria uma autonomia de decisão que geraria uma atuação mais
coerente em uma sociedade mais humanizada, que repudiaria o discurso
conformista de que os papéis de cada um e os preconceitos sofridos são
historicamente pré-estabelecidos, como no caso da situação dos idosos.
Segundo Freire (1987:29; 1983:49/51), enquanto educadores e
educadoras deveríamos assumir nossa posição, que é política, e sermos
coerentes com ela em sala de aula, ressaltando que seria uma ingenuidade
pensar na educação como possuidora de um papel abstrato, em um conjunto
de métodos e técnicas neutras para uma ação que se entre homens, em
uma realidade que não é neutra. Este fato seria possível se o trabalhador
social não fosse um sujeito submetido aos condicionamentos da estrutura
social, que exige dele uma opção frente às contradições da sociedade em que
atua. Como apontado por Freire,“... se a opção do trabalhador social é pela
antimudança, sua ação e seus métodos se orientarão no sentido de frear as
transformações...”.(1983:53)
Mas se a opção deste trabalhador social for pela mudança de
paradigmas da sociedade, ele não vai temer a liberdade, não manipulará
situações, não fugirá da comunicação.
73
A natureza ideológica do ensino de línguas também está presente nas
reflexões de Pennycook quando afirma que,
“... um modo de ensino nunca é inocente. Toda a pedagogia implica
em ideologia, um rol de suposições tácitas sobre o que é real, o que é
bom, o que é possível e como o poder deveria ser
distribuído...”.(Pennycook, 1994:167)
De acordo com Celani (1996) e Freire (1980,1983,2000), o processo
educativo não é um mero ato de conhecimento. É, acima de tudo, um ato
político, pois não há uma pedagogia neutra.
Ainda de acordo com Freire,
“... aqueles que estão conscientizados apoderam-se de sua própria
situação, inserem-se nela para transformá-la, ao menos com seu
projeto e com seus esforços. Portanto, a conscientização o pode
pretender nenhuma neutralidade. Como conseqüência que é da
educação, demonstra que esta também não poderia ser neutra,
porque se apresenta sempre, queiramos ou não, como forma própria
de uma ação do homem sobre o mundo...”. (Freire, 1980:77).
Tudo isso passa pelo processo de conscientização do educador frente
ao mundo e frente aos educandos. Aqueles que estão conscientizados de sua
própria posição inserem-se nela para transformá-la, ao menos com seu projeto
e com seus esforços. Portanto, a conscientização não pode pretender e nem
mesmo inspirar nenhum tipo de neutralidade.
O ambiente escolar pode ser, muitas vezes, autoritário. A rede de
ideologias que compõem este perfil autoritário produz um currículo que ensina
aos professores e alunos as melhores maneiras de se agir no mundo,
educando o grupo sob regras de conformismo para que ajustem suas
diferenças dentro de uma escala social "adequada". Os professores e alunos
são levados a desenvolver a dependência da autoridade, uma visão de
aprendizagem que se limita a escutar o que o outro tem a dizer. A educação
74
fora de cogitação.
Freire, falava sobre o ambiente autoritário escolar como um tipo de
campo de concentração onde tudo está devidamente planejado e decidido,
bastando apenas a seus participantes adequarem-se às normas decididas
por alguém.
“... havia um manual de funcionamento da escola e classes. E todos
os professores mais ou menos seguiam aquilo. É claro que isso
variava em função do estilo: havia professores mais liberais, por
exemplo, que admitia que os alunos saíssem de vez em quando da
própria carteira; mas havia professores que não admitiam que o aluno
se ausentasse do próprio local de estudo sem autorização. Para
apontar o lápis, tinha que levantar a mão; para pedir a borracha
emprestada ao colega da segunda carteira à direita, na frente, tinha
que pedir licença... enfim o problema da disciplina permeava minuto a
minuto a escola...”. (Freire, 1982:56-57)
Muitas vezes, nos vemos presos dentro de um paradigma característico
do que Kincheloe (1997) caracterizava de “educadores contagiados por uma
doença cognitiva”. Esta doença cognitiva apresenta uma série de “sintomas”.
Podemos citar alguns indicadores que podem nos auxiliar no diagnóstico desta
doença:
A Enclausuramento do professor em uma prisão mental que o força a
policiar o próprio pensamento para que pense de uma maneira linear;
B Ênfase excessiva no pensamento quantitativo, levando os docentes a
devotar muita atenção ao desenvolvimento de sistemas precisos de
medida e de como aplicá-los num contexto específico de aprendizagem;
C Uma rotina de aprendizagem que leva os alunos a aprender unidades ou
peças separadas de informação sem a preocupação com a relação entre
os fatos ou suas aplicações para com os problemas do mundo. Esta é
uma questão de muita relevância para o diagnóstico da doença
75
cognitiva. Os alunos são levados a “aprender por aprender”. Nesta
concepção é importante aprender um determinado conteúdo porque foi
importante para o professor, sem maiores explicações ou abstrações
com a vida cotidiana.
Kincheloe (1997), após o diagnóstico deste perfil educacional, nos
aponta alguns caminhos possíveis, que podem ser percorridos pelos
professores no sentido de desenvolverem uma nova postura educacional para
que possam se libertar desta doença cognitiva.
Entre os inúmeros benefícios do pensamento pós-formal, apontado por
Kincheloe (1997) caracterizado pela não necessidade de uma forma de pensar
sofisticada e científica, mas sim por uma forma de pensar de modo individual e
crítico, discutidos por este autor, destaco um que julgo importante nesta
pesquisa, que seria um modo de estimular os educadores a pensar
criticamente de modo que não sejam meros propagadores de determinadas
ideologias, mas compreendam os pressupostos escondidos e não examinados
em suas práticas diárias, bem como de quaisquer propostas educacionais.
Refiro-me à auto-análise de suas atitudes profissionais e reflexão sobre suas
atividades educacionais.
Segundo Freire (1983), quanto mais me capacito como profissional,
quanto mais sistematizo minhas experiências, quanto mais me utilizo do
patrimônio cultural que é um bem a serviço de toda a comunidade, mais
aumenta minha responsabilidade com a humanidade. Se me torno deformado
pela acriticidade, mais me torno impossibilitado de enxergar o homem em sua
totalidade. Será mais fácil enxergar o homem como um recipiente vazio que
posso encher com conhecimentos cnicos, desprezando todo o compromisso
que, enquanto educador e cidadão, tenho com a formação de um novo homem,
com sua humanização.
A análise de suas atitudes possibilitará aos educadores adquirir um
“fortalecimento cognitivo” que os levará a um “fortalecimento político”, que deve
ser entendido como um aumento da capacidade de agir sobre o mundo de
maneira peculiar.
76
Kincheloe (1997) procurou, com seu estudo, compreender de modo mais
claro as conseqüências do modernismo para a formação do professor,
argumentando que a situação reinante no meio educacional tem prendido o
educador a uma situação de passividade cognitiva, levando-o a aceitar
passivamente as ordens sobre a maneira como deve pensar e agir.
Ele conclui que, desde o início do século XX, as escolas de formação de
professores encaravam a pedagogia em termos de eficiência, produtividade
e gerenciamento científico, uma vez que se preocupavam com o
desenvolvimento de uma ordem social, racional e controlada.
Estas estratégias de gerenciamento científico remeteram a pedagogia a
um crescente processo de especialização.
Como resultado deste processo, a educação passou a ficar nas mãos de
especialistas cuja tarefa era treinar os professores, vistos como incapazes de
compreender todos os aspectos da prática pedagógica pelo fato de não
conhecerem os aspectos técnico-científicos da área. Esta centralização de
decisões e escolha dos instrumentos de validação do conhecimento, por parte
dos especialistas educacionais, relegou aos professores apenas a tarefa de
executar o que lhes era “sugerido”. Não apenas os professores passaram a ser
modelados segundo as vontades dos ditos especialistas, mas também os
alunos passaram a ser, como indica Kincheloe, ... pouco mais do que
repositórios de fatos pré-digeridos , consumidores passivos de conhecimento
infectado por uma doença cognitiva...”(1997:81).
No que se refere a organização curricular, o resultado, segundo
Kincheloe (1997), foi a fragmentação da informação a ser compartilhada nas
escolas em partes distintas que poderiam ser facilmente memorizadas. Os
conteúdos, portanto, foram quebrados em seqüências coordenadas de tarefas
e fatos separados.
A tarefa reservada ao professor é simplesmente cortar a informação em
pequenos pedaços até que o educando seja capaz de assimilá-las e depois
testar o aluno para certificar-se de que as peças foram bem "coladas"
(aprendidas).
Kincheloe afirma que
77
... carentes de uma justificação significativa para a perseguição da
aprendizagem, os professores e alunos vagueiam sem rumo numa
confusão de informações fragmentadas. As salas de aula
freqüentemente se tornam locais sem espírito nos quais os
professores seguidores de regras, enfrentam um grupo de estudantes
que não têm concepção de qualquer valor intrínseco das lições que
estão sendo ensinadas...(Kincheloe, 1997:64)
Segundo este mesmo autor
... nada ilustra melhor a perversidade das formas técnicas da
educação dos professores como a explicitação do que é o bom
ensino, definida em tais contextos. Em termos simples, um professor
é bom se ele(a) produz estudantes que na média das respostas
apresentam mais questões corretas em testes padronizados de
múltipla escolha do que o esperado...(Kincheloe, 1997:21)
Kincheloe, destaca que a psicologia behaviorista foi um importante
ingrediente no preparo do bolo pedagógico, tendo contribuído de forma
marcante para a cristalização do processo de domesticação dos professores
refletida na educação dada inclusive aos participantes desta pesquisa na época
em que estavam, ainda, nos bancos escolares. Este autor afirma que os
treinamentos behavioristas, refletindo a hiper-racionalidade modernista, reduz o
processo de ensino e aprendizagem a um problema técnico de gerenciamento,
podendo ser operacionalizado em quatro passos:
1 Colocação do conhecimento em partes separadas com vistas a
sua medição precisa;
2 Estabelecimento de materiais padronizados que
cuidadosamente especificam os objetivos comportamentais a serem
alterados;
3 Idealização de instrumentos de avaliação, segundo uma
abordagem científica, que verifiquem com exatidão se os objetivos
78
foram alcançados e quais os conhecimentos que se encontram
79
... os professores devem fazer o que se diz para fazerem, devendo
ser cuidadosos sobre o pensar por eles mesmos. Tal cautela,
eventualmente, pode tornar apáticos os professores que perdem o
interesse pelos aspectos criativos do ensino, os quais teriam
originalmente atraído-os para a profissão... (Kincheloe,1997:30)
Desde modo, a leitura e cumprimento fiel dos "decretos" do manual do
professor podem desestimular enormemente um professor criativo em sala de
aula.
Como salienta Celani,
... o perfil do profissional que queremos, de que o país precisa, não é,
por certo o robô orgânico ( mero reprodutor), operado por um gerente
( seu coordenador?, normas impostas pelo MEC, secretarias da
educação, escola, editoras), por meio de um controle remoto (
técnicas e receitas prontas, fórmulas, materiais didáticos ...) mas, um
ser humano independente com sólida base em sua disciplina, mas
com estilo característico de pensar ( visão de ensino como
desenvolvimento de um processo reflexivo, contínuo, comprometido
com a realidade do mundo e não mera transmissão de
conhecimento...(Celani, 1996:15)
Vemos que o perfil dos professores pós-formais, segundo Kincheloe, é
que eles entendem que o conhecimento não pode ser criado dentro da sala dos
coordenadores do curso ou no ato do planejamento da aula pelo professor,
mas na consciência produzida no pensamento, discussão, escrita, argumento
ou conversação. O conhecimento é criado quando o grupo que compõe o
evento-aula enfrenta uma contradição, quando o conhecimento de mundo do
aluno colide ou vai de encontro ao do professor.
Segundo assinala Kincheloe,
... a pedagogia crítica se opõe ao modo como o professor está hoje
freqüentemente posicionado como técnico em sala de aula
empregado para passar um corpo de conhecimento e em seu lugar
oferece uma versão de ensino que remove a divisão teoria/prática e
80
ressalta a significância do trabalho através da transformação
social...(Kincheloe, 1994:299)
Freire (1983) aponta que a educação pode neutralizar não somente o
poder criador do educando, mas também do educador, na medida em que este
se transforma em alguém que impõe, ou que se transforma em um doador de
fórmulas e comunicados, que são recebidos passivamente pelos alunos. Este
processo causa um sentimento de atrofiamento pela falta de criatividade com a
qual se configuram ambos os lados, sendo que a educação perde
completamente o sentido. Não é mais educação.
A libertação do processo de atrofiamento de idéias e, conseqüentemente,
de pessoas, implica na não memorização mecânica de sentenças, palavras
desvinculadas de um universo existencial, mas implica em uma atitude de
criação e recriação. Este ato de criação e recriação deve implicar em uma
prática de auto-formação que pode resultar em uma postura mais atuante do
homem sobre seu contexto.
Segundo Parker,
“... uma visão de educação que chamamos de reflexiva, leva em
conta as questões mais abrangentes da educação, quais sejam: as
metas, as conseqüências sociais e pessoais, a ética, os fundamentos
lógicos dos métodos e currículos e, acima de tudo, a relação íntima
entre essas questões e a realidade imediata de sala de aula. A
educação reflexiva, o ensino reflexivo, são emancipatórios. Têm a
preocupação de melhorar a prática antes do que acumular
conhecimento; incentivar a racionalidade e autonomia dos
professores e daquilo que é ensinado, em um contexto de valores
democráticos...”.(apud Celani, 1996:22)
Ainda segundo Celani,
“... o professor deve estar, em um processo de educação
permanente, de produção de conhecimento centrado na sala de aula,
inserido na prática e não derivado apenas de um método ou de um
modelo teórico, em constante interação entre teoria e prática, um
81
processo aberto ao desenvolvimento que lhe proporcione uma
postura transdisciplinar. Em suma, deve ser um profissional reflexivo
e crítico, porque, como vimos ensinar não é uma atividade
neutra...”.(Celani, 1996:27)
Os processos reflexivos nos oferecem, como visto, a possibilidade de nos
emanciparmos.
No caso do professor que assuma uma posição de trabalhar o ensino
dentro de uma perspectiva crítica, cabe salientar que ele deve ser aquele que
tem consciência do que faz, tendo o domínio necessário do processo de
ensino-aprendizagem a ponto de mudar-lhe a trajetória se julgar necessário. O
professor crítico é, antes de qualquer coisa, autocrítico atuando, em muitas
situações, como seu próprio algoz.
A idéia é a de aliar o ensino da língua inglesa a uma forma de libertação
por intermédio de modos de pensar coerentes e dentro de padrões éticos. São
estes pareceres que passo a discorrer, agora, com o auxílio de Perrenoud,
Freire e Celani, dentre outros no que tange às questões relativas ao
desenvolvimento da autonomia dos alunos por meio de uma pedagogia que
priorize a libertação dos indivíduos.
2.4 - Pedagogia da e para a autonomia.
Para o desenvolvimento do processo educativo que pretendia durante as
aulas de língua inglesa com este grupo de idosos, precisávamos, todos nós,
antes percorrer o difícil caminho da conscientização.
Os alunos precisavam conscientizar-se de que deveriam dedicar-se
durante nossos encontros semanais, deixando do lado de fora da sala de aula
todo o ranço que havia sobre eles no tocante à relação aprender inglês x idade
x utilidade. Precisavam estar conscientes de que o fator idade não
representava um empecilho para que se tornassem capazes de se expressar
em língua inglesa, que ainda possuíam a capacidade de aprender.
Eu, professor deste grupo, precisava conscientizar-me de que estava
trabalhando com um grupo de pessoas com características especiais.
82
Não especiais por serem idosos. Especiais por possuírem baixa auto-
estima:“... somos lentos, nossa cabeça é dura, demoramos para entender ou
aprender coisas novas e as esquecemos rapidamente...”... Era o discurso deles
nos inícios de aula.
Considerava-os especiais por trabalhar com alunos que, em alguns
casos, escreviam mais lentamente, não ouviam bem ou enxergavam direito,
como meus jovens da universidade. Considerava-os especiais pelo modo
especial como me receberam e me trataram durante as aulas.
Este era o difícil trajeto que a conscientização
5
deveria nos fazer
percorrer.
A conscientização nesse sentido é um teste para a realidade. Segundo
Freire (1980), quanto mais conscientização, mais se desvela a realidade, mais
se penetra na essência fenomênica do objeto, frente ao qual nos encontramos
para analisá-lo. Ainda, segundo ele, a conscientização não está baseada sobre
a consciência, de um lado, e o mundo, do outro. Ao contrário, está baseada na
relação consciência-mundo.
É difícil imaginarmos qualquer tipo de atuação em sala de aula sem o
auxílio dos processos reflexivos que nos fazem avançar ou retroceder em
algumas de nossas atitudes tomadas em sala de aula. São estes processos
reflexivos que fazem com que transformemos nossa forma de pensar e,
conseqüentemente, de agir diante de nossa missão educativa.
Como toda esta pesquisa gira em torno da tentativa de aliar informação-
libertação do grupo de idosos participantes neste trabalho, acredito que a
reflexão é o ponto chave para a mudança de alguns paradigmas que
possuíamos (eu e o grupo de alunos). O processo reflexivo me auxiliou a
direcionar minhas ações e a mudar muitas das concepções de aprendizagem
que os discentes possuíam.
Os participantes deste grupo voltaram aos bancos escolares após um
grande período de afastamento.
Alguns voltaram após a aposentadoria, viuvez, após terem criado os
filhos e, alguns, os netos.
83
Resolveram, após anos e anos afastados da escola, retomarem seus
estudos para que algo fosse acrescentado em suas trajetórias de vida.
“... Educação não ocupa espaço... Nunca é tarde para aprendermos
algo...”, afirmam eles.
Não haveria educação se o homem fosse um ser acabado. O homem
sempre se pergunta quem é, de onde vem, para onde vai. É um ser na busca
constante de ser mais e, como pode fazer esta auto-reflexão, pode se descobrir
como um ser inacabado, que está em constante busca e conseqüentemente,
em constante mudança.
Conforme aponta Freire (1983), a educação é uma resposta da finitude à
infinitude. A educação é possível para o homem, porque este é inacabado e
reconhece-se como inacabado. (o)5.67474(n)-4.33117dmoéo v5u64.33117(s)-0.295585(c)-s19b6( )-132.344u6423( )59(o)-184154(.)-2.16436()-4.(1585(t)-2.164367(d)365 -20.76 Td[(n )-132.241((o)5.67474(n)[(o)5.67474(.)-2.163117(p)-4.33117(r)12.8103(e)-4.3373(r)2.80439(i)1.874)-4.3373(r)2.80439(-4.33117(s)-0.295585(t)-33112-s19b6( )-132.344u64232 0 02(o)-4.33117(m)24.33117(34)-4.)-1r)2.805(emr)12.8103(e)-4.80439(-2.16436(e)53117(o)5.67474(m)-7.474( )-2.16558(a)-4.334(e)-4.3(-)2.80561(s)-0.295r.8415o)-4.33117(8)9.71032(-142.33117(m)2.510030)-4.3289i...242(i)1.87(n)-4oéo v5u64.n7(t)7.84032(7(-)2.80561(s)-0.29558114“.87(n)-4)3003(o)-1424.32995(,)7.3-7.49 ,s.emm,snsé um. aed1.874r se 013474( 5e)-4.33117(q)5.67474(ü)-4.33117(e)-4.33117(n)-4.33117(t)-2.16436(e)5.67474(m)2.51125(e)-4.33117(n)-4.33361(t)7.84154(e)-4.32.51125(e)-474(m)-797.49466(a)-4.33117( )-,i2.2u42054.33117474(m)2.36(..24-4.33117(e)-4.331R-4.3-2.1117( )-2.16192(u)5.6746(r)]TJ285.D(e)-4.33117(n)-4.333 0 0 1 49921.87122(r)34.333( )-4(0134784154(v5u64.n7(t)7.8492(u)5.6746-4.3-2.1117( )-2.159466(a)-4.33117( )-3).67474( )-142.247(é4(m)-7.49221 746.33)1.8774.33117( )-12.1703()-0.295585(ã)5.67474(o)-4.33117( )1(s)-0.29746.33)1.82995(c)9.71032(a)-2H4(.)-2.16436()-4.74o)-4.33117( )133474632(7(-)261(s)-0.164.8115(m)-7.495.33117( )7.84154(e1.33117( )-203(o)-142.247(é)-.51003( )-2)-0.295585(a)-)-4.33117( )1(s)-01R-4.3-2.111767474( )-142.247(h)-4..33117(q)5.67c5( )-2.16436(7(ç)9.71032(o)-3.)-2.16436()-4.74o 013473(s)-.5( )-152.255(s73(s)-.5( )-152117(o)-4.33117(s)9.7162( )-2.16431h)-4..33117(q)54142.247(é)-.51003(o)-184154(v5u64.3311a117( )-203(o)-1422585(a)-4.33117(b)5.67a51125(e)-4.33117(n)-)-4.33117(b)154(v5u64.3311a117( )-2)-4.33117(e)-4.33117(n)-4.33117(t)-2.16436(e)5.67474(m)2.51125(e)-4.33117(n)-4.33361(4.33117(e)-649221(e)5.6733117(e17( )-142.24 )-2.16558(e)d)16436( )-13233117(n)-33117(q)5.á onãéosonãa s. sé4(m)-7.49.33117( )-3(ã)5g.5(a)-(m)-7.495g.5( )1(s)-d
84
relações que o homem desenvolve sua ação e reflexão.
Como nos aponta Freire (1996:24), ...a reflexão crítica sobre a prática
se torna uma exigência da relação teoria/prática sem a qual a teoria pode virar
blablablá e a prática, ativismo...”
De acordo com Celani (1997) , ... na prática reflexiva a experiência é o
que mais importa. Nela, é impossível separar o saber do fazer...”.
É sabido que o ofício do professor tem sido exaustivamente discutido por
uma série de educadores, particularmente nas últimas décadas, pois os
modelos tradicionais de ensino-aprendizagem se mostraram pouco eficientes já
que os educandos eram levados a memorizar um corpo de conhecimento
pouco útil em sua vida diária pela falta de significação.
Freire, refletindo sobre as aulas puramente expositivas sem
compromisso com a reflexão dos alunos aponta que:
“... aulas expositivas que são isso: puras transferências de
conhecimento acumulado; portanto são autoritárias, em que o
professor, autoritariamente, faz o impossível, quer dizer, transfere o
conhecimento... ainda outro tipo de aula em que o educador
aparentemente não fazendo a transferência, termina também
anulando a capacidade crítica do educando, porque são aulas que se
parecem muito mais com cantigas de ninar do que propriamente com
desafios. São exposições que domesticam, que fazem com que o
educando durma, embalado. De um lado o educando dormindo
embalado pela sonoridade da palavra que o professor tem. De outro,
é o professor também se ninando a ele mesmo. No fundo, são aulas
que funcionam como estímulo e satisfação a um possível tipo de
narcisismo oral ou auditivo, em que “o cara” se embeleza com sua
própria voz...” (Freire, 1983:111/112)
Perrenoud nos mostra que
, “... o ofício do professor foi, por muito tempo, assimilado como uma
aula magistral seguida de exercícios... escutar uma lição, fazer
exercícios e estudar em um livro eram consideradas atividades de
difundir a palavra conscientização para o francês e para o inglês.
85
aprendizagem...”. (Perrenoud, 2000:23)
Freire demonstra sua percepção sobre o ato de ensinar ressaltando que
“... ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a
sua produção ou a sua construção... (1996: 25)”.
Celani aponta que,
...não o profissional de língua estrangeira como um técnico,
competente no uso de modelos, técnicas, conhecedor de teorias
lingüísticas e de aprendizagem, com proficiência na língua
estrangeira próxima à do falante nativo e muito mais um profissional
reflexivo, com uma postura transdisciplinar, envolvido em produção
de conhecimento. ...a produção de conhecimento centrado na sala de
aula, produzido neste contexto, envolvendo professores e alunos, em
constante interação entre teoria e prática, uma verdadeira pesquisa-
ação. Um professor envolvido em um processo aberto de
desenvolvimento, inserido na prática, o que é diferente de um
desenvolvimento derivado de um método ou de um modelo teórico. É
um processo de desenvolvimento que possibilita a transferência de
habilidades...(Celani, 2000:33)
Perrenoud (2001a:39), também refletindo sobre este mesmo assunto,
assinala que o professor não é um instrumentista, mas espera-se que ele tenha
sempre “à o” os meios de ensino e de avaliação mais convenientes. Nesse
caso, esboçam-se duas “estratégias”: limitar-se a dar aulas utilizando manuais
padronizados, virando as páginas do livro do saber e fazendo os exercícios
previstos, que algumas vezes provoca um grande fracasso, pois o nível dos
alunos e sua relação com o saber nem sempre correspondem a aquilo que foi
imaginado pelos autores dos manuais, que trabalham a partir de programas e
de uma transposição didática, por eles, considerada satisfatória.
Pensando sobre este aspecto, de que ensinar não é transferir
conhecimentos usando como ferramenta mediadora os conteúdos, e que
formar, que é uma das funções primordiais da escola, não pode ser realizado
através da simples explanação de conteúdos previamente selecionados no
período anual de planejamento é que precisamos dar um novo enfoque ao
86
processo de ensino aprendizagem. Um enfoque no qual exista um
compromisso, pacto, entre os participantes no evento aula: o de que, como
afirmava Freire (1996:25), ...quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende
ensina ao aprender...”.
Estes são aspectos que deveriam fazer parte da rotina de nossas salas
de aula, mas que infelizmente nem sempre são priorizados no nosso dia-a-dia.
Este perfil crítico, que ardentemente perseguimos em nossa prática
diária para a melhora de nosso desempenho, é que é o ideal dos educadores
que possuem o chamado “algo a mais”. É impossível atingir o patamar do
educador “ideal” se, como ressaltava Freire,
...há a impossibilidade de vir a tornar-se um professor crítico se,
mecanicamente memorizador, é muito mais um repetidor cadenciado
de frases e de idéias inertes do que um desafiador....(Freire, 1996:29)
Perrenoud faz uma curiosa asserção sobre a aula do professor preso às
técnicas tradicionais de ensino e que não reflete sobre a eficácia de seus
métodos de ensino de conteúdos,
... o professor está em posição de ensinador em um anfiteatro, diante
de centenas de rostos anônimos. Compreenda quem puder
compreender! O professor poderia por um instante alimentar a ilusão
de que ofereceria, desse modo, para cada um, uma situação de
aprendizagem, definida pela escuta da aula magistral e pelo trabalho
de tomada de notas, de compreensão e de reflexão que ela
supostamente suscita. Se ele refletir, verá que a padronização
aparente da situação é uma ficção e que existem tantas situações
diferentes quanto alunos. Cada um vivencia a aula em função de seu
humor e de sua disponibilidade, do que ouve e compreende,
conforme seus recursos intelectuais, sua capacidade de
concentração, o que o interessa, faz sentido a ele, relaciona-se com
outro saber ou com realidades que lhes são familiares ou que consiga
imaginar...” (Perrenoud, 2000:24)
Freire vai ainda mais longe em suas observações, ao afirmar que
87
“... como professores que dão cursos magistrais, perfeitos, que são
monólogos de altíssimos níveis científicos, metódicos, em relação a
determinados temas. Esse tipo de professor talvez mostre, de forma
pública, mais uma atitude de pesquisador, de homem de
conhecimento ligado à pesquisa do conhecimento, do que
propriamente à do professor; naquilo que o professor teria de mais
elementar, de mais comum, por exemplo, no primário, que é a atitude
do acesso fácil às pessoas, de um relacionamento amistoso e
aberto...”.(Freire, 1982:113)
Freire também aponta que,
“... o professor fala da realidade como se esta fosse sem movimento,
estática, separada em compartimentos e previsível; ou então fala de
um tema estranho a experiência existencial dos estudantes: nesse
caso sua tarefa é encher os alunos de conteúdo da narração,
conteúdo alheio à realidade, separado da totalidade que a gerou e
que poderia dar-lhe sentido. Assim a educação passa a ser o ato de
depositar, no qual os alunos são os depósitos e o professor aquele
que deposita. Em lugar de comunicar, o professor faz comunicados
que os alunos recebem pacientemente, aprendem e repetem. É a
concepção cumulativa da educação, a “concepção
bancária...”.(Freire, 1980:79/80)
Este mesmo educador cita, ainda, que o professor muitas vezes é visto
com um ser superior que ensina pessoas ignorantes. Esta visão também forma
uma consciência bancária, pois o professor tudo sabe e oferece seu saber aos
alunos que por nada saberem, absorvem seus ensinamentos como se “fossem
uma esponja”. Desta forma, o educando recebe passivamente os conteúdos,
tornando-se um depósito do educador que educa no sentido de arquivar o que
se deposita. O curioso é perceber, que o arquivado acaba sendo o próprio
homem, que perde assim seu poder de criar, tornando-se nada mais do que
uma peça de uma engrenagem.
Segundo Freire (1983), o destino do homem deve ser o de criar e
transformar o mundo, sendo sujeito de sua ação. No conceito de consciência
88
bancária, acredita-se que “quanto mais se dá, mais se aprende, mais se sabe”.
Na denúncia de Freire, está implícita a acusação de que a escola cumpre um
papel de agente de formação de um povo acrítico e conformado com a miséria
e exclusão social. A escola denunciada por Freire como alienante, apóia-se na
transmissão de conteúdos e na formação de modos de pensar que atendem ao
poder estabelecido. Em consonância com as proposições de Freire, a
experiência mostra, que este sistema forma indivíduos medíocres, porque
não estimula a criação, não dando espaço para a transformação da pessoa e
conseqüentemente do mundo que os rodeia.
No caso dos educadores que se dedicam ao ensino de umangua
estrangeira percebe-se que, em muitos casos, há uma grande tendência,
infelizmente, de transformar as aulas em puro treino de “listen and repeat” ,
sem a preocupação de maiores contextualizações ou ligações mais sólidas
com o dia-a- dia dos educandos, momentos em que se poderia extrapolar os
limites da sala de aula e se utilizar o corpo de conhecimentos que se pretende
trabalhar e pensar um pouco mais nas oportunidades que se tem para
desenvolver aspectos sociais e culturais dentro da de aula. Freire nos
alertava que
...transformar a experiência educativa em puro trei
89
Ainda segundo Freire (1983), é uma grande ingenuidade pensar a
educação dentro de um paradigma abstrato, como sendo um conjunto de
métodos e técnicas neutras para uma ação que se entre homens, em uma
realidade que não é neutra. Isso seria possível se o trabalhador social não
fosse um homem submetido como os demais aos mesmos condicionamentos
da estrutura social, que exige dele, como dos outros, uma opção frente às
contradições constitutivas da estrutura. Deste modo se a opção do educador é
pela antimudança, sua ação e seus métodos se orientarão no sentido de frear
as transformações. Neste caso, ao invés de desenvolver um trabalho em que a
estrutura social vá se desvelando, se preocupará em mitificar a realidade.
A contextualização e, conseqüentemente, a melhor significação do
conhecimento a ser trabalhado em sala de aula ajuda aos educadores a
compreender de forma mais eficaz a responsabilidade ao postarem-se em sala
de aula e receber a função de professor. É o que Freire assinala como o
agente do pensar certo. Conforme aponta Freire
“... a grande tarefa do sujeito que pensa certo não é transferir,
depositar, oferecer, doar ao outro, tomado como paciente de seu
pensar, a inteligibilidade das coisas, dos fatos, dos conceitos. A
tarefa coerente do educador que pensa certo é, exercendo como ser
humano a irrecusável prática de interagir, desafiar o educando com
quem se comunica e a quem se comunica, produzir sua compreensão
do que vem sendo comunicado..”..(Freire, 1996:42)
Para que a produção dos meios de se pensar certo seja concretizada, a
prática dialógica em sala de aula passa a ser o caminho mais viável, senão o
único, de se produzir um corpo de conhecimento útil e, conseqüentemente,
com significado real.
O importante em um ambiente educacional onde as relações dialógicas
sejam o grande trunfo para a constituição de um saber significativo e refletido é
que o ato de fala seja tomado como um desafio a ser desvendado e nunca
como um instrumento de transmissão de conhecimento. Neste aspecto um
elemento importante a ser considerado, ainda segundo Freire (1992:55), era de
90
que a fala do professor jamais poderia ser comparada a uma canção de ninar
informativa ou uma apresentação sedativa.
Deste modo é que o educador necessita estar inserido em um processo
contínuo de formação.O processo de formação do professor é interminável pela
necessidade constante de acompanhar as novas exigências da sociedade em
que está inserido. Na formação permanente desses professores, o momento
fundamental é o da reflexão crítica sobre a prática. É esta reflexão crítica sobre
sua atuação e papel dentro do sistema educacional que o leva a este processo
de formação permanente. É pensando de modo crítico a respeito da prática de
hoje ou de ontem que se pode melhorar a forma de atuar em práticas
discursivas educacionais futuras.
Conforme metaforicamente aponta Celani,
“... a atividade criativa consiste, pois, em se traçar novos mapas, não
em seguir ou refinar os mapas existentes. Com mapas novos, que
nos levam por águas desconhecidas, a rota e o destino são
descobertos por meio da própria viagem. A incerteza e a instabilidade
exercem um papel positivo, podendo levar-nos a terras novas.
Contudo, é bom refletir sobre os velhos mapas, porque refletindo
sobre os caminhos indicados por eles, podemos questionar e gerar
novas perspectivas por meio da contestação e do conflito...”.(Celani,
2001)
É uma pena que o caráter “socializante” da escola, os momentos de
informalidade na experiência que se vive nela, que deveriam ser utilizados
como experiências altamente formadoras dos alunos, sejam neglicenciados em
detrimento da excessiva adoração que se tem pelos conteúdos puramente
acadêmicos.
Freire (1996:49) lamentava, também, este perfil consagrado das
instituições escolares ao afirmar que se falava, em nossas escolas, quase que
exclusivamente do ensino de conteúdos, ensino este, lamentavelmente quase
sempre entendido como a mera transmissão de saber.
Freire ainda complementava que,
91
... ditamos idéias. o trocamos idéias. Discursamos as aulas. Não
debatemos ou discutimos temas. Trabalhamos sobre o educando.
Não trabalhamos com ele. Impomo-lhes uma ordem que ele não
adere, mas que se acomoda. Não lhe propiciamos meios para o
pensar e ser autêntico, porque recebendo as fórmulas que lhe damos,
simplesmente as guarda. Não as incorpora, porque a incorporação é
o resultado de busca de algo que existe, de quem o tenta, esforço de
recriação e de procura. Exige reinvenção... (Freire, 1983:96/97)
Stainback aponta que,
“... a sabedoria, na visão futurista, inclui hábitos da mente, tais como
a capacidade de deter a descrença, de ouvir alguém que sabe algo
novo e questionar para esclarecer o significado ou o valor de uma
idéia, a abertura para idéias novas e estranhas, e a inclinação para
questionar declarações confusas e torná-las adequadas. A sabedoria
envolve ter estratégias para enfrentar a diversidade e para ser um
eterno aprendiz, significa ter a competência social para comunicar-se
e interagir com outras pessoas... a aprendizagem significativa envolve
a participação dos alunos em todos os aspectos do processo de
aprendizagem. A aprendizagem ativa também significa capacitar os
alunos para determinar o que e como eles desejam aprender. Dada a
provável explosão de informações neste século, os futuristas também
recomendam que as escolas se concentrem em ensinar aos alunos
como se comportarem como eternos aprendizes, e não apenas
como aprendizes de fato...o mundo novo sugere um novo papel
cooperativo para os professores e alunos, em que os alunos aceitam
uma ativa parceria no empreendimento da
aprendizagem...”.(Stainback, 1999:201)
O que se esquece, freqüentemente, no ambiente escolar, é que ensinar
não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria
produção ou a sua construção. Através da criação de uma comunidade de
aprendizes, onde todos têm a responsabilidade de, pelas relações dialógicas,
participar de eventos onde o objetivo principal e final seja a apropriação de
saberes significativos para a utilização no dia a dia dos envolvidos, é que o
saber deixa de ser transferido para ser compartilhado e construído.
92
É obvio que a reflexão pela reflexão, sem que existam parâmetros sobre
o que pode ser bom ou ruim para que seja acrescentado ao rol de boas
maneiras de atuar, eficazmente, como educador, depende de um fator
primordial que não deveria faltar a nenhum educador consciente de seu dever:
o uso do bom senso em suas escolhas.
Como indicado por Freire,
“... é o meu bom-senso que me adverte de que exercer a minha
autoridade de professor na classe e, tomando decisões, orientando
atividades, estabelecendo tarefas, cobrando a produção individual e
coletiva do grupo não é sinal de autoritarismo de minha parte. É a
minha autoridade cumprindo o seu dever...”. (Freire, 1996:68)
O meu bom senso, que é desenvolvido através do estudo e reflexão
sobre os acontecimentos nos quais estou educacionalmente envolvido, é que
devem me demonstrar os melhores caminhos a serem percorridos para que se
consiga atingir os ideais educacionais que todos almejam: a informação
fortemente ligada à formação moral dos educandos.
É que a avaliação da prática assume um caráter decisivamente
importante na construção do profissional da educação.
Ainda, segundo Freire (1987:92), não é possível praticar sem avaliar a
prática. Segundo ele, avaliar a prática é avaliar o que se faz elaborando um
processo de comparação entre os resultados obtidos com as finalidades que se
procura alcançar com a prática desenvolvida. Segundo ele, a avaliação da
prática revela erros, acertos e imprecisões. A avaliação poderia ser um
instrumento de correção da prática, que a melhoraria, aumentando a eficiência
em sala de aula.
Freire ainda adverte que a prática exige planejamento. Planejar a
prática significa que se deve possuir uma visão clara dos objetivos que se quer
alcançar, significa que se deve ter um conhecimento sobre as condições em
que se vai atuar, dos instrumentos e meios de que se dispõe. Este
planejamento também envolve saber com quem se conta neste processo,
prever os prazos. Às vezes a avaliação nos ensina que, se os objetivos que se
93
tinha eram corretos, os meios escolhidos não eram os melhores. Às vezes,
percebe-se, também, que os prazos estipulados não correspondiam às nossas
reais possibilidades (Freire, 1987:93).
Neste aspecto é que se deve repensar as desgastadas técnicas de
ensino de línguas estrangeiras, nas quais a memorização era o grande trunfo
que os professores usavam como meio de concretizar o que eles acreditavam
ser um ensino de boa qualidade e fazer com que os alunos, que foram
anteriormente instruídos nesta perspectiva, repensem sua forma de aprender.
Como alertava Freire
“... a memorização mecânica do perfil do objeto não é aprendizado
verdadeiro do objeto ou do conteúdo. Neste caso, o aprendiz
funciona muito mais como paciente da transferência do objeto ou do
conteúdo do que como sujeito crítico, epistemologicamente curioso,
que constrói o conhecimento do objeto ou participa de sua
construção...”. (Freire, 1996:77).
Ainda, segundo Freire (2001:76), uma grande preocupação de todos
os envolvidos em situações de aprendizado com a memorização mecânica de
conteúdos, uso de exercícios repetitivos que ultrapassam as barreiras do que
classificamos como razoável deixando de lado a educação crítica da
curiosidade. É curioso o costume em sala de aula de discursarmos respostas a
perguntas que não nos foram feitas.
Perrenoud assinala que
“... enquanto praticarem uma pedagogia magistral e pouco
diferenciada, os professores não dominarão verdadeiramente as
situações de aprendizagem nas quais colocam cada um de seus
alunos. No máximo, podem velar, usando meios disciplinares
clássicos, para que todos os alunos escutem com atenção...”
.(Perrenoud, 2000:24)
Um educador que esteja à altura da responsabilidade que lhe é atribuída
pelo exercício da educação não impõe a disciplina e ordem em sala de aula
94
como um fardo pesado a ser carregado por sua clientela. De acordo com
Freire,
“... a autoridade coerentemente democrática esconvicta de que a
disciplina verdadeira não existe na estagnação, no silêncio dos
silenciados, mas no alvoroço dos inquietos, na dúvida que instiga, na
esperança que desperta...”. (Freire, 1996:104)
Perrenoud (2001b), também faz uma curiosa alusão às dinâmicas
existentes em sala de aula. Segundo ele, quando os professores desejam um
silêncio absoluto dos alunos, qualquer palavra deles é alvo de reprimendas
exacerbadas. Ao mesmo tempo, quando o professor acredita que é o momento
da participação dos alunos, o silêncio dos mesmos torna-se simplesmente
intolerável e sempre interpreta esta reação (ou falta de alguma!) como
resistência, falta de interesse, indiferença. Referindo-se também à
memorização mecânica do objeto, ele argumenta que a correção da forma
predomina sobre a eficácia da mensagem. Aparentemente, o importante não é
ser compreendido, mas respeitar as normas e formas. É por esta perseguição
implacável sobre as normas ditas cultas”, é que muitas vezes os alunos são
interrompidos durante sua fala com o tradicional “não se diz assim”. Isso,
freqüentemente, faz com que o educando perca o fio da meada e o sentido de
continuar a se expressar.
Freire também acreditava que havia uma grande tendência do professor,
em uma aula expositiva, de silenciar os alunos usando como instrumento de
silenciação, sua fala. Os alunos por serem, geralmente, menos articulados e
menos informados a respeito do conteúdo que está sendo praticado pelo
professor em sala de aula, faz com que seus alunos habituem-se a “calar a
boca” diante de tanta sabedoria e conhecimento que o professor possui acerca
do assunto tratado.
Particularmente, os alunos que são foco deste estudo foram habituados
a desenvolver esta postura em sala de aula, pois, em seu tempo de escola,
eram adestrados a ficarem em silêncio, não intervir, não fazer perguntas que
poderiam, talvez, estarem erradas ou mal formuladas para que não se
95
arriscassem a serem humilhados publicamente em sala de aula.
Encarnar o papel de baluarte da norma culta é o papel tradicional do
professor frente a sua sala de aula. O professor não age em função de sua
própria tolerância e desejo de visualizar um crescimento constante por parte de
seus alunos. O professor age como um delegado de uma sociedade que
facilmente condenará sua permissividade frente à construção paulatina dos
conhecimentos de seus alunos.
É assim que a conversa entre os alunos e o professor torna-se algo fora
de contexto em salas de aula e acaba se confundindo com tagarelice.
Segundo, ainda, Perrenoud (2001b:69/70), o professor se sente como um
maestro de uma orquestra, o iniciador, o controlador de intercâmbios, de seus
conteúdos, de seu nível, de sua correção, de sua duração e de sua progressão
rumo a um objetivo por ele, e por ele, estabelecido. Neste aspecto, a única
comunicação realmente aceitável em sala de aula é aquela organizada pelo
professor, sobre um tema legítimo por ele escolhido para falar e fazer com que
os alunos falem. Todo o resto não passa de ruído. Ainda, segundo Perrenoud
(2001b:72), esta é a imagem da “comunicação correta”: centrada em um tema,
ordenada, fazendo com que um debate ou uma lição avance ou seja funcional
e rigorosa.
Se existe uma prática exemplar como negação da experiência
formadora, é a que dificulta ou inibe a curiosidade do educando e, em
conseqüência, a do educador. É a que Freire se referia ao afirmar que
... o educador que, entregue a procedimentos autoritários ou
paternalistas que impedem ou dificultam o exercício da curiosidade do
educando, termina por igualmente tolher a sua própria curiosidade.
Nenhuma curiosidade se sustenta eticamente no exercício da
negação da outra curiosidade... (Freire, 1996:94)
Perrenoud , complementando as idéias de Freire afirma que
“...o professor age como um cão pastor que leva de volta as ovelhas
perdidas para o rebanho. Esse é o seu papel. No entanto, se o
desempenha com excessivo rigor, priva seus alunos de liberdade, de
96
emoção, do riso, em outros termos de oxigênio. É vital ter o direito e
tempo de conversar. Essa é a fonte de sentido, de identidade, de
força. As instituições penitenciarias, que proíbem qualquer
comunicação entre os presos, sabem muito bem disso. Para quebrar
o indivíduo, impede que ele fale com seus semelhantes. Tal prática é
tão antiga quanto a repressão..”. (Perrenoud, 2001b:71)
O bom clima pedagógico democrático é aquele em que o educando vai
aprendendo à custa de sua prática e curiosidade. Este exercício, que não é
muito rotineiro em nossas escolas, deve ser exercitado através de relações
dialógicas com liberdade e respeito ético a todos os envolvidos no evento. A
liberdade dos envolvidos deve estar sujeita a limites, mas em permanente
exercício para que os aspectos ligados à formação integral do educando, e
que deve ser priorizado e proporcionado pela escola , sejam exercidos.
Como apontado por Freire (1996:95), “...como professor devo saber que
sem a curiosidade que me move, que me inquieta, que me insere na busca,
não aprendo e nem ensino...”
A dinâmica geralmente encontrada nas escolas não favorece este tipo
de interação onde a curiosidade é utilizada como mola propulsora para o
descobrimento. A curiosidade passa a ser domesticada pelas instituições
educacionais, haja vista que é muito mais fácil e cômodo para os profissionais
da educação chegarem com o pacote de conhecimento pronto, encaixotado,
bastando ao grupo desembrulhá-lo e descobrir (ver) o que tem dentro da caixa.
Com a curiosidade domesticada, pode-se alcançar a memorização mecânica
do perfil deste ou daquele objeto, mas não o aprendizado real ou conhecimento
efetivo do objeto de ensino.
No caso do ensino de línguas, é o que Allwright (2005:09) denomina de
“teaching points”. Segundo este autor, “... uma aula de línguas seria
normalmente baseada na apresentação e prática de pontos de ensino
previamente selecionados e preparados
6
...”
Apesar de quase cinco décadas terem se passado, na visão do autor,
esta visão de aprendizado e ensino de línguas em sala de aula ainda é muito
6
As traduções de Dick Allwright são de minha autoria.
97
presente e, até mesmo dominante, mesmo nos dias de hoje. Nos dias atuais,
em grande parte dos livros didáticos, ainda persiste a idéia básica de que as
unidades de ensino consistem de tópicos a serem ensinados em uma
determinada ordem em lições concebidas separadamente sem uma ligação
muito clara entre elas, como se a língua fosse composta por partes
hermeticamente concebidas.
Como discute Allwright, estes planejamentos de aula são baseados no
clássico
“... os alunos aprenderão a ...(lista de funções);... os alunos
aprenderão a falar sobre...(uma lista de tópicos ou noções); ...os
alunos aprenderão estes pontos gramaticais; e... os alunos estudarão
estes aspectos da pronúncia...” (Allwright, 2005:11)
Bem, língua, é muito mais do que isso...
Aguçar a curiosidade dos educandos sobre o objeto de ensino é um
modo muito mais eficaz e salutar de se construir o conhecimento em sala de
aula. Estimular a pergunta, a reflexão crítica sobre a própria pergunta, qual o
objetivo que se possui com esta ou aquela pergunta em lugar da passividade
desenvolvida diante das explicações discursivas do professor me parece um
modo muito mais concreto de desenvolver nos alunos modos de interagir com
o conhecimento e se apropriar deles de modo eficaz.
Isto não significa que defende-se a idéia de reduzir a atuação do
docente, em nome do desenvolvimento da curiosidade como dispositivo criador
de situações de aprendizagem, a um programa do tipo perguntas e respostas ,
que engessam a dialogicidade criativa. Uma situação dialógica não quer dizer
que todos os que nela estão envolvidos têm a obrigação de falar. O diálogo não
tem como objetivo ou exigência que todas as pessoas da classe tenham que
dizer alguma coisa, ainda que não tenham nada a dizer.
Mesmo na dinâmica de sala de aula, a troca de informações entre os
participantes para a construção do conhecimento não invalida a necessidade
de momentos explicativos, narrativos em que o professor expõe ou fala do
objeto de ensino. O fundamental, nesta situação, é que o professor e os alunos
98
saibam que este evento exige deles uma postura dialógica, aberta, curiosa,
indagadora e o apassivada com alguns ouvindo e outros escrevendo ou
pensando, apenas e, muitas vezes, sobre assuntos diversos ao tema abordado
em aula. O que importa, segundo Freire, é que o grupo envolvido no evento
assuma uma postura de estar epistemologicamente curioso sobre o tema
discutido.
Neste aspecto, o diálogo passa a ser entendido como algo que faz parte
da própria natureza histórica dos seres humanos. Passa a ser compreendido
como parte do progresso histórico do caminho para nos tornarmos seres
humanos. O diálogo, segundo Freire (1992:123), é necessário, na medida em
que os seres humanos se transformam cada vez mais em seres criticamente
comunicativos. Segundo o mesmo educador, o diálogo é o momento em que os
humanos se encontram para refletir sobre sua realidade tal como a fazem e re-
fazem. O diálogo seria um modo que os seres humanos encontraram de
consolidar o relacionamento entre seres humanos pensantes para, a seguir,
atuar criticamente para transformar a realidade.
Ainda de acordo com Freire (2001), não é possível que o simples
depósito de conteúdos no educando acabe, cedo ou tarde, provocando a
percepção crítica da realidade nele. Em uma perspectiva progressista, o
processo de ensinar implica o exercício da percepção crítica, de suas razões
de ser, implicando no aguçamento da curiosidade epistemológica do educando
que não pode se sentir satisfeito com a simples descrição do objeto. Para isso,
é necessário desenvolver mecanismos no processo educativo em que os
educandos experimentem a força e o valor da unidade na diversidade, isto é,
nada que possa estimular a falta de solidariedade, de companheirismo. Todos
os esforços devem ser desenvolvidos no sentido de se criar em sala de aula
um ambiente em que ensinar, aprender e estudar são atos sérios, mas também
provocadores de alegria. Apenas dentro de um paradigma autoritário é que o
ato educativo é uma tarefa enfadonha.
Neste sentido, o bom professor é o que consegue, enquanto fala, trazer
o aluno até a intimidade do movimento de seu pensamento. Sua aula deve
tornar-se, assim, um desafio e o, como descrevia Freire, “uma cantiga de
99
ninar".
Freire aponta que
“... é profundamente válida a aula em que o professor faz a exposição
do tema a ser proposto aos educandos, e, em seguida a essa
exposição pequena o grupo de estudantes participa com o professor
na análise da própria exposição. Em outras palavras, é como se o
professor fizesse e na verdade é isso -, nos seus momentos de
exposição, um desafio para que os estudantes, agora se perguntando
e perguntando ao professor, realizassem o aprofundamento e o
desdobramento da exposição inicial desafiadora...”.(Freire, 1982:112)
Assim como não posso acreditar ser professor sem me achar capacitado
para desenvolver de modo adequado e eficiente os conteúdos de minha
disciplina, não posso reduzir minha prática docente ao mero ensino de
conteúdos. O ensino dos conteúdos pertinentes a minha disciplina deve ser
encarado como apenas um dos momentos que fazem parte de minha atividade
pedagógica. Tão importante quanto o ensino dos conteúdos é o meu
testemunho ético ao ensiná-los. É minha clareza ao trazer para a minha sala de
aula temas que possam, ao lado dos conteúdos, acrescentar experiências de
vida positivas aos meus alunos. Como apontava Freire (1996:116), tão
importante quanto o ensino dos conteúdos seria a coerência do professor na
sala de aula. A coerência entre o que se diz, o que se escreve e o que se faz.
Não deve ficar implícita a idéia de que o processo educativo deva ser
responsável por todas as mudanças que a sociedade urge, porém, através da
educação é que os educadores podem dar sua cota de transformação ao
mundo em que se vive ao proporcionar experiências em sala de aula que
façam com que os alunos reflitam sobre o mundo em que estão inseridos, a
medida em que amadurecem suas visões de mundo. Freire afirmava que
“... se a educação não pode tudo, alguma coisa fundamental a
educação pode. Se a educação não é a chave das transformações
sociais, não é também simplesmente reprodutora da ideologia
dominante . O que quero dizer é que a educação nem é uma força
imbatível a serviço da transformação da sociedade , nem tão pouco é
100
a perpetuação do status quo..”.(Freire, 1996:126)
Por este motivo é que a motivação para a dialogicidade deve ser um
fator marcante no perfil do professor que diz não à super valorização da
autoridade e que procura conceber experiências educativas que levem todo o
grupo a aprender novas formas de inserção no mundo. Freire (1983:69),
ressaltava a importância do diálogo pelo seu poder comunicador. Segundo ele,
é por ocasião do diálogo que dois pólos se ligam com amor, com esperança e
se fazem críticos em busca de algo. É importante ressaltar que, segundo
Freire, no diálogo que nos opomos ao antidiálogo tão rejeitado em nossa
formação histórico-cultural, sendo por este motivo é que poderíamos afirmar
que o antidiálogo não comunica. Faz comunicados.
Freire (1996) considera que é pelo diálogo e pela troca de saberes,
sentidos e valores que a humanidade sempre será capaz de refazer seus
caminhos e reconstruir a história que permanece aberta ao futuro, inacabada e
inconclusa em seus horizontes de afirmação de novos projetos de sociedade .
Freire nos lembra que a motivação é uma ferramenta essencial no
desenvolvimento das pessoas. Segundo este autor,
“... por isso é que, acrescento, quem tem o que dizer deve assumir o
dever de motivar, de desafiar quem escuta, no sentido de que, quem
escuta diga ,fale, responda. É intolerável o direito que se dá a si
mesmo, o educador autoritário, de comportar-se como o proprietário
da verdade de que se apossa e do momento para discorrer sobre
ela...”.(Freire, 1996:132)
De acordo com Freire
“... a resistência de muitos professores, por exemplo, em respeitar a "
leitura de mundo " que o educando traz para a escola, obviamente
condicionada por sua cultura de classe e revelada em sua
linguagem, também de classe , se constitui em um obstáculo à sua
experiência de conhecimento...”(Freire, 1996:138)
Padilha (2004:35) acrescenta que vivemos no contexto de globalização
101
e, conhecer esse contexto, pressupõe uma “leitura de mundo”, uma nova
maneira de educar que contribua para que as pessoas possam analisar melhor
a realidade vivida e sejam capazes de agir sobre ela, transformando-a .
Perrenoud assinala que,“... a escola não constrói algo a partir do zero,
nem o aprendiz é uma bula rasa, uma mente vazia...nenhum professor
experiente ignora esse fato : os alunos sabem uma parte daquilo que se deseja
ensinar...” (Perrenoud, 2000:28).
Respeitar a leitura de mundo do educando não se trata de um jogo
político com que o educador procura tornar-se simpático ao educando. É a
maneira correta que tem um educador de, com o educando e não sobre ele,
tentar a superação de barreiras e criar situações, nas quais seja mais fácil
encontrar um caminho de levar o educando a interagir e compreender o
mundo.
Conforme nos esclarece Freire,
...respeitar a leitura de mundo do educando significa tomá-la como
ponto de partida para a compreensão do papel da curiosidade,
tomando-a como um dos impulsos fundamentais da produção do
conhecimento ... (1996:139)
Um professor autoritário, que se recusa a escutar os alunos, se fecha a
esta aventura criadora. Nega a si mesmo o direito de participação neste
momento de beleza e criatividade singular: o da afirmação do aprendiz como
sujeito de conhecimento. É por este motivo que o ensino dos conteúdos,
criticamente realizado, envolve a abertura total do educador para uma tentativa
legítima do educando para tomar em suas mãos a responsabilidade de ser o
sujeito que deverá construir seu conhecimento.
Conforme nos lembra Perrenoud
“... não se aprende sozinho. É importante o papel das interações
sociais na construção dos conhecimentos, é a chamada pedagogia
interativa. Isso supõe que o professor seja capaz de fazer os alunos
trabalharem em equipes. Observemos, todavia, que freqüentemente
nos enganamos sobre o sentido dessa fórmula: trabalhar em equipe
102
não consiste em fazer juntos o que você poderia fazer
separadamente, menos ainda em “olhar o líder, o aluno mais hábil do
grupo”. O desafio didático é inventar tarefas que imponham
verdadeira cooperação...”.(Perrenoud, 2000:63)
Para que seja feita uma análise mais aprofundada das questões ligadas
à identidade dos participantes, acredito que devo também tecer algumas
considerações acerca da estruturação do currículo do curso em que atuamos e
como este currículo pode servir de instrumento de consolidação de uma
identidade mais positiva. São estas questões que passo a discutir a seguir.
2.5 - Questões de currículo e identidade no cotidiano escolar
A construção do currículo de um curso, seja ele de que natureza for,
deve sempre pressupor a formação de uma escola emancipadora, onde um
professor emancipado, forme alunos também emancipados, para que não
caiam em armadilhas baseadas em “estilos de vida, estilos de comportamento”.
É neste sentido que a educação está revestida de um ato político e uma
questão de poder. Neste aspecto é que defendo um currículo que contribua,
por meio de uma educação emancipadora, para a formação de sujeitos
igualmente emancipados.
De acordo com Padilha ,
103
Quando pensamos em currículo escolar, várias imagens relacionadas à
escola podem vir à nossa mente de imediato. Os conteúdos das disciplinas ou
a grade curricular, provavelmente, são as primeiras a se apresentar. Um elenco
de conhecimentos que devem ser trabalhados nas disciplinas da escola é uma
outra possibilidade. Estas e outras imagens e explicações são possíveis como
explicações iniciais do que vem a ser o currículo escolar.
Silva aponta que,
“... o currículo tem significados que vão muito além daqueles aos
quais as teorias tradicionais nos confinaram. O currículo é lugar,
espaço, território. O currículo é relação de poder. O currículo é
trajetória, viagem, percurso. O currículo é autobiografia, nossa vida,
curriculum vitae: no currículo se forja a nossa identidade. O currículo
é texto, discurso, documento. O currículo é documento de
identidade...” (Silva, 1999:150)
A discussão sobre o currículo remete à problemática da identidade. Esse
termo pode carregar vários significados, dependendo do referencial científico a
partir do qual este termo serve de princípio de reflexão. Discutir questões
relativas à identidade é muito pertinente porque, como citado anteriormente, o
currículo é antes de tudo, uma questão de saber, poder e identidade (Silva,
1999:145).
Todo este conjunto de influências contribui para a formação da
identidade de uma pessoa. Como apontava Freire ,
“... uma das tarefas mais importantes da prática educativo-crítica é
propiciar as condições em que os educandos em suas relações uns
com os outros e todos com o professor ou a professora ensaiem a
experiência profunda de assumir-se. Assumir-se como ser social e
histórico, como ser pensante, comunicante, transformador, criador,
realizador de sonhos, capaz de ter raiva porque é capaz de amar... A
questão da identidade cultural, de que fazem parte a dimensão
individual e a de classe de educandos cujo respeito é absolutamente
fundamental na prática educativa progressista, é problema que não
pode ser desprezado...”. (Freire, 1987:46-47)
104
O ensino é mais do que um revelador das disposições individuais. É um
sistema de ação, uma organização que transforma as pessoas, suas
competências, assim como suas atitudes, suas representações, seus gostos
pessoais.
Para que o individuo seja capaz de aprender é preciso dar sentido ao
que se faz e ao que se aprende, sentir-se reconhecido, respeitado como
pessoa e como membro de uma comunidade, não se sentir ameaçado em seu
modo de ser, em sua segurança, em seus hábitos, enfim, em sua identidade
pessoal. É necessário que o aprendiz se sinta compreendido e apoiado nos
momentos de exaustão e fraqueza, sentir que pode contar com o apoio dos
demais, que o consideram capaz e desejoso de conseguir. Acreditar que
alguém ainda valor ao que ele faz ou aprende, sentir-se amado. Sentir que
sentem que ele ainda não morreu. Sentir que ainda está vivo e participante.
Ainda, de acordo com Crabbe ,
“... um currículo é uma organização de oportunidades de
aprendizado, um meio de se atingir certos resultados ou objetivos...
com nenhum outro objetivo além de aumentar a competência
comunicativa... o currículo é trazido à vida pelos atores principais (os
aprendizes e os professores) e é orientado, portanto, por suas
crenças e valores...”.(Crabbe, 2003:10)
O currículo proposto e aplicado na rotina de sala de aula pode ser
construído, de acordo com as crenças pessoais do grupo de duas formas
diferentes: a primeira, a partir de metas e objetivos em que os atores
envolvidos atuam como co-construtores no processo ou a partir de
determinados pontos que são escolhidos pelo professor para trabalho em sala
de aula. Estes últimos são os chamados “teaching points”, discutido por
Allwright (2005), já apontados anteriormente.
Segundo Perrenoud (2001:34/35), o professor deve, como animador da
turma, contribuir para a construção de uma identidade do grupo, de estruturar
um trabalho cooperativo entre os membros deste grupo, com a conscientização
105
das diferenças e desigualdades dos membros do grupo. Ainda, de acordo com
Perrenoud (2001c), quanto mais uma relação se individualiza, mais intervém o
gosto, a afetividade, a sensibilidade, a uma forma de existir e comunicar; ao
mesmo tempo, quanto mais se aposta em um funcionamento coletivo de um
grupo ou classe, mais é dada a cada um a oportunidade de revelar outras
facetas de sua personalidade: o uso da palavra, a sociabilidade, a cooperação,
a partilha das tarefas e dos recursos, a liderança, as atitudes diante das
desigualdades, da competição, do grupo.
Ao voltar nosso olhar para as questões de identidade que estão
sempre em processo de mudança -, estabelecemos e revisamos os desejos
destes em relação às suas próprias expectativas diante do processo
educacional do qual participam, levando-se em conta suas origens culturais e
as relações que se estabelecem. Nesse diálogo, cada pessoa tem um papel
importante, que traz uma herança cultural significativa, experiências, práticas
e valores adquiridos ao longo de sua existência, o que fazem com base na
identidade que assumem no momento da aula de forma diferenciada.
Deste modo o componente afetivo das relações interpessoais passa a
ser importante não apenas entre o professor e o aluno, mas entre cada um
deles e o grupo.
Padilha (2004:88) ressalta que quando se fala de um currículo que
poderá ser alegre e também prazeroso, remetemo-nos ao prazer da
convivência com a busca da paz, descobrindo no “com-viver” a alegria das
diferentes aprendizagens diárias com pessoas que são também diferentes de
nós e que nos ensinam sobre elas e sobre nós mesmos, permitindo-nos dar um
novo significado a própria vida, na escola e fora dela, ampliando o potencial
humanizador da instituição escolar e de toda a sociedade, num movimento
favorável à vida em todas as suas dimensões.
Para enfrentar as dificuldades de um educando, muitas vezes, é preciso
sair dos caminhos conhecidos, distanciar-se do programa e da didática, para
reconstruir suas noções básicas, incutir-lhe confiança e reconciliá-lo com a
escola. Para isso é necessário valorizar a autonomia de cada um, seu self
control, sua responsabilidade pessoal e igualdade de direitos das pessoas,
106
defendendo valores de tolerância e respeito às diferenças. Este resgate de
identidade em relação à escola é um fator muito marcante no trabalho com os
participantes desta pesquisa, haja vista que a maioria deles chegaram às
primeiras aulas com uma sensação de fracasso, obtida em seu tempo de
aprendizagem na escola básica e secundária e outras tentativas de freqüentar
um curso de línguas estrangeiras, feitas no decorrer dos anos.
a necessidade do encantamento, do aconchego, de sentir-se bem ao
atuar na escola, pois tais práticas e sentimentos criam as condições para os
avanços tão demandados pela educação atual, ao contrário do que se propôs
durante tantos anos, quando a escola ou a própria ciência descartava o
sentimento, a emoção, enfatizando apenas os fenômenos observáveis e
quantificáveis.
O currículo que espera-se categorizar incorpora estas novas dimensões.
O respeito à diversidade, que tanto tem sido difundido nas últimas cadas é
um legado dos movimentos sociais a favor de uma globalização que valoriza a
cidadania e a solidariedade. Este foi um fator que pude perceber logo nas
primeiras aulas. Eu, educador, precisava fazer com que eles se sentissem
seguros com as atividades propostas para que pudessem atingir patamares de
aprendizado mais elevados.
Perrenoud (2000) classifica esta postura como o “espírito de uma
pedagogia do sucesso”, por encontrar algo de positivo em todos, colocar em
evidência os progressos de cada um, rejeitar a seleção, dar novas chances etc.
Neste perfil de escola ativa, não se passa a maior parte do tempo aprendendo
textos decorados, regras, listas de palavras, a completar lacunas, transformar
frases e conjugar verbos. Este tipo de atuação, por parte do educador, rejeita o
que tradicionalmente era realizado na escola e que fazia parte do cotidiano dos
participantes desta pesquisa: o drill (treinamento realizado através da prática e
da aplicação repetitiva de exercícios), pela memorização mecânica, pelas
correções incansavelmente feitas e refeitas etc.
Segundo Stainback (1999:235), “... as salas de aula bem sucedidas
tendem a voltar seu enfoque para fazer os alunos sentirem-se bem-vindos,
seguros e aceitos, desenvolvendo sentimentos de inclusão, auto-estima e
107
sucesso...”.
Nessas experiências, o papel do educador progressista e consciente tem
sido o de compartilhar com seus alunos sua competência, amorosidade,
clareza política, coerência entre o que prega e o que faz, seu grau de
tolerância, isto é, sua capacidade de conviver com os diferentes para lutar
contra os antagônicos.
Padilha acrescenta que
“... uma escola séria, competente, justa, alegre e curiosa, de acordo
com o caráter mais geral das experiências tem se constituído num
espaço de relação e de comunicação entre as pessoas. Essa escola
tem procurado criar espaços para que as pessoas tenham condições
de aprender e de criar, de arriscar-se, de perguntar, de crescer.
Assim, ela se permite ser permanentemente reinventada,
reformulando seu currículo a partir da avaliação dos
resultados...”.(Padilha, 2004:104)
Nesta perspectiva, qualquer pequeno detalhe assume um papel de
fundamental importância na trilha do trabalho eficaz. No caso do trabalho com
a população idosa, a ênfase deve sair de questões comuns em seu discurso
que giram em torno de doenças e dificuldades advindas com a idade. A ênfase
recai sobre outras formas de aprendizagem, valorizando a oportunidade de
inclusão, a utilização de recursos mais criativos, o potencial dos alunos
utilizando formas mais lúdicas de trabalhar o conhecimento, favorecendo um
processo de formação pleno do idoso que exige um pouco mais de atenção do
professor.
As questões da identidade dos envolvidos neste estudo o um fator de
suma importância para a análise do grau de envolvimento e transformação de
cada um dos participantes na pesquisa.
Ao analisar o contexto educacional do Brasil, hoje, e ao pensar em
trabalhar conteúdos que traduzam a realidade social para a formação de
nossos alunos, não se pode ignorar a questão do outro na sala de aula. A
identidade se define pelo outro e não apenas pelo próprio indivíduo.
Wenger (1998) propõe uma teoria social de aprendizagem que parte do
108
pressuposto de que os indivíduos são seres sociais e de que seu conhecimento
se expressa por meio de suas competências ao realizarem tarefas. Saber
alguma coisa, de acordo com esta concepção, implica a participação, o
engajamento no mundo consubstanciados nas próprias realizações. O
significado se revela na habilidade do sujeito de realizar experiências no mundo
de forma significativa.
Wenger(1998) levanta a hipótese de que a identidade na prática é uma
maneira de ser e estar no mundo, sendo, portanto, um processo de
desenvolvimento proveniente das interações e da forma como o individuo se
coloca nos processos interativos nas diversas comunidades a que pertencem.
O engajamento tem caráter limitado; não se obriga um indivíduo a se
engajar, e não se garante o sucesso daquele que se engaja. o alinhamento
pode ser imposto, é uma postura que se assume em relação ao poder. A
imaginação corresponde à criação de imagens do mundo através do tempo e
do espaço, geradas ao mesmo tempo em que extrapolamos nossa própria
experiência.
São estas questões que passo a apresentar a seguir, visando um melhor
entendimento dos dados que serão discutidos posteriormente.
Todos nós pertencemos a comunidades de prática.
Comunidades de prática são todos os segmentos da sociedade com
características e necessidades especiais e, muitas vezes, diferenciadas, como,
por exemplo, as comunidades às quais pertencemos em todos os momentos
de nossa vida: nossa casa, nosso trabalho, nossa escola.
Segundo Gee (2001:23), “... todas as pessoas têm múltiplas identidades
conectadas não somente a sua natureza interna, mas a sua performance na
sociedade...”.
Isso faz com que, para a participação efetiva nas comunidades de
prática, tenhamos que passar por um processo de adequação às normas
(alinhamento), ou uma atuação efetiva e participativa (engajamento).
Conforme apontado por Stainback (1999:142/143), criar uma
comunidade de aprendizes é fundamental para estabelecer um ensino inclusivo
e é um dos primeiros componentes a ser tratado. A inserção está implícita no
109
significado da inclusão. Segundo as autoras, cada aluno deve sentir-se bem-
vindo ao grupo e valorizado. Com isso pode-se estabelecer um clima de
aprendizagem positiva, indicando que a sala de aula é um ambiente seguro e
pacifico. A segurança é importante para a aprendizagem, porque se o aluno
não confia no ambiente escolar, como sendo protetor e gratificante, ele não se
sentirá à vontade e não aprenderá com eficiência.
A escola, por tratar-se de um dos espaços destinados à vivência da
experiência educativa, torna-se um local especialmente interessante para que
as identidades nela envolvidas sejam alvo deste estudo.
Com esta perspectiva, analisar como o conhecimento é construído neste
espaço onde as questões de identidade estão tão aparentes, pode nos auxiliar
a compreender alguns aspectos que pretendo analisar neste trabalho.
Como apontado por Wenger
“... se nós acreditarmos, por exemplo, que o conhecimento consiste
em pedaços de informação explicitamente guardadas no cérebro,
então faz sentido empacotar esta informação em unidades bem
elaboradas, apresentar os pedaços desta informação em sala de aula
onde eles (os alunos) estão perfeitamente isolados de qualquer
distração e entregar esta informação a eles tão lentamente e
articuladamente quanto possível... mas se nós acreditarmos que a
informação guardada de modo explícito é apenas uma pequena parte
do conhecimento, e que o conhecimento envolve primeiramente uma
participação ativa em comunidades de prática, então o formato
tradicional não parece ser tão produtivo...”.(Wenger, 1998:09/10)
O que parece promissor são os modos criativos de engajar alunos em
práticas significativas, de fornecer acesso a recursos que permitam sua
participação; de abrir seus horizontes de modo que eles possam colocar-se em
suas trajetórias de aprendizado, permitindo sua identificação, de envolvê-los
em ações, discussões e reflexões para fazer diferença nas comunidades em
que atuam.
O currículo da escola, que antes era apenas um recorte ou sinônimo de
conteúdo escolar, apresenta-se, agora, como um processo amplo, complexo,
110
que leva em consideração não apenas o que se deve aprender, mas como e
também para quê, por que aprender e até mesmo quem deve aprender este ou
aquele conteúdo.
Deste modo o aprendizado caracteriza-se como um importante veículo
para o desenvolvimento e transformação de identidades e do papel das
comunidades de aprendizagem onde os alunos estão inseridos é de vital
importância para a construção de suas identidades como aprendizes e como
cidadãos.
O currículo, que é parte integrante da comunidade de aprendizes que
forma o espaço-escola, é um fator de acentuada importância na construção das
identidades dos envolvidos no evento educacional.
Organizar um currículo não é uma tarefa simples, uma vez que várias
questões estão envolvidas no corpo de conhecimento escolhido que deverá ser
apresentado a todos envolvidos no processo de aprendizagem.
Cabe aos detentores da responsabilidade de organizar o currículo
estruturá-lo de tal forma que viabilize a aprendizagem. A sala de aula é um
espaço privilegiado, mas não o único em que o currículo é construído e
vivenciado cotidianamente, mesmo que, às vezes, esse fato não seja
reconhecido pela maioria dos participantes do processo, em função de sua falta
de clareza sobre a teoria de currículo que estaria fundamentando suas práticas.
Como nos aponta Silva ,
“... a tarefa do especialista em currículo consiste, pois, em fazer o
levantamento de habilidades, desenvolver currículos que permitam
que essas habilidades sejam desenvolvidas e, finalmente, planejar e
elaborar instrumentos de medição que possibilitem dizer com
precisão se elas foram realmente aprendidas...”.(Silva, 1999:24)
O currículo é sempre o resultado de uma seleção de conhecimentos
para que o processo de ensino/aprendizagem seja concretizado. Isto significa
dizer que de um universo mais amplo de conhecimentos e saberes seleciona-
se a parte que vai constituir, precisamente, o currículo.
De acordo com Silva ,
111
“... as teorias do currículo, tendo decidido quais conhecimentos
devem ser selecionados, buscam justificar porque” esses
conhecimentos " e não " aqueles " devem ser selecionados... um
currículo busca precisamente modificar as pessoas que vão
"SEGUIR" aquele currículo. Na verdade, de alguma forma, essa
pergunta precede a pergunta " o quê ? ", na medida em que as
teorias do currículo induzem o tipo de conhecimento considerado
importante justamente a partir de descrições sobre o tipo de pessoa
que elas consideram ideal...”.(Silva, 1999:15)
Neste ponto, entram as identidades que são priorizadas na elaboração
de um currículo.
112
Silva (1999), entende que as teorias de currículo estão, em uma
perspectiva pós-estruturalista, ativamente envolvidas com a garantia do
consenso e com a obtenção da hegemonia. Nesse sentido, currículo tem a ver
diretamente com questões de poder, o que vai, inclusive, separar as teorias
tradicionais das teorias críticas e pós-críticas do currículo.
Segundo Freire (1992:21), a educação torna-se muito mais controlável
quando o professor segue o currículo padrão e os alunos atuam em sala de
aula como se apenas as palavras do professor contassem. Se assim não fosse,
tanto os professores quando os alunos dariam mostras de que poderiam
refazer alguns dos conceitos vigentes na sociedade. A estrutura do
conhecimento oficial é também a estrutura da autoridade social. É por este
motivo que predominam, nos programas de ensino, as bibliografias e as aulas
expositivas como formas educacionais para limitarem os professores e os
alunos aos limites das expectativas oficiais. O currículo passivo baseado nesta
anti-dinâmica não apenas representa uma prática pedagógica pobre, mas,
também, representa o modelo de ensino mais compatível com a promoção da
autoridade dominante na sociedade e com a desativação da potencialidade
criativa de todo o grupo envolvido no evento aula.
Para a seleção do membro que deverá representar o poder de seleção
do currículo alguns elementos são sempre levados em consideração. Segundo
Gee ,
“... um modo específico de combinar as coisas na escolha do
representante do poder institucional: falar ou escrever de um certo
modo, agir ou interagir de um certo modo, vestir-se de um certo
modo, sentir, acreditar e atribuir valores de um certo modo...”.(Gee,
2001:29)
Vale lembrar que a identidade institucional não é algo que a natureza
nos deu ou algo que podemos executar ou desenvolver sozinhos. A fonte deste
poder não é a natureza, mas uma instituição.
Segundo Gee (2001:32), “... a identidade institucional requer o discurso
para se sustentar (se ninguém falasse ou tratasse os professores como
113
professores, a instituição não poderia sustentá-los como tal)..”.
A escola, sendo um espaço onde o poder da identidade institucional está
fortemente presente em todos os seus atos e decisões, encontra um campo
fértil para a sua plenitude na disseminação da ideologia dominante. E como a
escola transmite sua ideologia?
Segundo Silva ,
“... a escola atua ideologicamente através de seu currículo, seja de
uma forma mais direta, através das matérias mais suscetíveis ao
transporte de crenças explícitas sobre a desejabilidade das
estruturas sociais existentes, como estudos sociais, história,
geografia, por exemplo; seja de uma forma mais indireta, através de
disciplinas mais técnicas como ciências e matemática. Além disso, a
ideologia atua de forma discriminatória: ela inclina as pessoas das
classes subordinadas à submissão e a obediência, enquanto as
pessoas das classes dominantes aprendem a comandar e a
controlar...”.(Silva, 1999:32/33)
A escola contribui para a reprodução da sociedade capitalista ao
transmitir, através de seu currículo, as crenças que nos fazem ver os arranjos
sociais existentes como bons e desejáveis. Neste aspecto a escola procura,
através de seu currículo, dar sua enorme cota de contribuição à manutenção
do status-quo desejável na sociedade dominante.
Freire salienta que:
“... a pior coisa que existe é estar dentro de uma sala de aula onde os
estudantes estão em silêncio, ou onde falam e escrevem naquela
linguagem falsa e defensiva que inventam para tratar com os
professores ou outras autoridades. Nós, professores, passamos
muitas horas desesperadoras diante de estudantes silenciosos que
nos fitam imóveis. Também passamos inúmeras aulas ouvindo os
estudantes repetirem nossa própria linguagem professoral...”.(Freire,
1992:20)
Isso se torna marcante, quando se elenca uma cadeia de conteúdos,
114
uma verdadeira camisa de força que limita os alunos a determinados
conhecimentos impostos hierarquicamente de cima para baixo, servindo-se de
argumentos inteligentes e bem elaborados, impondo o que seus alunos
deveriam fazer, pensar, ser e sentir. Estas posições são claramente impostas e
defendidas para que os alunos reproduzam o discurso dos professores para
que sejam bem posicionados na vida mantendo o status quo desejável.
Neste aspecto, segundo Freire ,
“... o conhecimento lhes é dado como um cadáver de informação
um corpo morto de conhecimento e não uma conexão viva com a
realidade deles. Hora após hora, anos após anos, o conhecimento
não passa de uma tarefa imposta aos estudantes pela voz monótona
de um programa oficial...”.(Freire, 1992:15)
O currículo da escola está baseado na cultura dominante. Silva
(1999:35) afirma que o currículo ... se expressa na linguagem dominante... ele
é transmitido através do código cultural dominante...
Pelo fato do currículo constituir identidades, ele pode constituir, tanto no
professor quanto no aluno, uma identidade positiva ou negativa (de fracassado,
por exemplo).
No caso do professor, Celani assinala que ,
“... o medo pode variar desde a possibilidade de perda do emprego
até o reconhecimento da necessidade de reaprender a profissão,
passando pela tomada de consciência da vulnerabilidade de seu
trabalho e da possível rejeição dos alunos...mas não se pode deixar
que o medo leve à imobilidade; ele não pode ser
paralisante...”.(Celani, 2001:33)
No caso do aluno, segundo Stainback (1999:390/391), os educandos
gostam de estar com professores positivos e satisfeitos, que transmitem a
sensação de que gostam dos alunos como membros dignos e bem sucedidos
do grupo. O reconhecimento do esforço e realizações dos alunos pelo
professor promove uma atmosfera positiva em sala de aula.
115
Como afirmado anteriormente, a identidade de cada ser é algo em
constante constituição e mudança, pelo fato de sermos seres inacabados. Esta
mudança pode ser oriunda da apropriação de novos conhecimentos ou
alinhamentos/engajamentos em novas situações (contextos).
No contexto atual, estar aberto ao novo, talvez seja a maior necessidade
que se possue para o bem viver.
No contexto estudado nesta pesquisa, não bastaria simplesmente criar
um espaço para o encontro, pois a negação do conhecimento do outro, a
negligência diante de seus problemas ou aflições poderiam ainda estar
presentes. Até mesmo em virtude do próprio momento de encontro, as
diferenças existentes poderiam surgir de modo abrupto e causticante,
provocando maior distanciamento, dificultando a convivência e sobrevivência
do grupo.
Desta forma, o encontro exigiu um processo pedagógico de interação
entre as pessoas, que se reconhecem como diferentes, que se ligam umas às
outras e dialogam com o sentir, com o saber e com o outro. Não é uma simples
convivência.
Se este encontro for encarado como uma simples convivência entre
pessoas diferentes e reunidas com um fim comum, transformar-se-á em
apenas mais um gueto.
Quando se depara com tantas diferenças, como as citadas
anteriormente, vê-se que falar em mudanças envolve uma série de conflitos,
contradições e o confronto de forças que constituem a formação de um
currículo. Tudo isso nunca está dissociado de questões de poder, de política no
ato educativo, da sociedade enfim.
Mudar é sempre uma atividade difícil, um grande desafio, muitas vezes
doloroso, porque quando se referir à mudança, sempre implica em um
processo de se aprofundar na busca do cerne de uma problemática e retomar,
rever, toda uma situação. Em outras palavras, mudar implica na necessidade
de adaptação ao novo sem esquecer os “velhos mapas”, como ressalta Celani
(2001). Neste quadro, tudo o que é novo gera ansiedade, assusta, cria uma
sensação de insegurança. Talvez, por conta de tudo isso, todos nós sejamos
116
muito resistentes às mudanças; pelo fato de operar rupturas.
É por esta razão que busco com este estudo, não desprezar as antigas
técnicas de ensino-aprendizagem, mas adapta-las ao momento atual, para que,
inclusive, os alunos participantes desta pesquisa, não se sintam tão
desconectados em relação às formas como aprenderam em seu tempo de
escola.
Segundo Freire ,
“... o currículo padrão lida com a motivação como se esta fosse
externa ao ato de estudar. As provas, a disciplina, os castigos, as
recompensas, a promessa de possível emprego são considerados os
motores da motivação, alienados do ato de aprender aqui e
agora...”.(Freire,1992:15)
É esse resquício que fortemente observa-se nos estudantes que voltam
após vários anos aos bancos escolares: a necessidade de reprodução dos
modos em que foram antes ensinados: repressão e pressão.
Na direção inversa de suas expectativas, o desejável é construir um
currículo dentro de uma nova perspectiva. Um currículo que, ao mesmo tempo,
respeite o saber individual de cada um dos participantes, sua cultura em todas
as dimensões.
É este o objetivo da construção conjunta de um currículo que priorize as
necessidades da população idosa que é alvo desta pesquisa: que o currículo
reafirme todas as nuances que compõem sua identidade positiva, criando um
curso de língua inglesa que crie condições de emancipar esta parcela
esquecida da população.
Nesse aspecto as aulas podem ser um espaço que favoreça não
somente a socialização das informações, mas, também, de relações humanas
críticas e solidárias.
Situadas as questões das identidades e formação de currículo que
permearão este estudo, passo, agora, a discorrer sobre as questões que
permeiam a prática reflexiva dos envolvidos, a partir das considerações que
foram apresentadas anteriormente.
117
Sendo a reflexão o ponto de partida para que transformações em nosso
trabalho sejam percebidas, acredito que alguns pontos devam ser ressaltados.
Na visão atual de currículo, está situado o sujeito sócio-histórico de
Vygotsky (1993 e 1994) e de Bakhtin (1997 e 1999), e é o entendimento das
experiências vividas por este sujeito, conforme sugerido por van Manen (1990),
que pode nos auxiliar a entender o currículo como um documento de
identidade.
2.6 - A prática reflexiva no ofício do docente
Como apontado anteriormente, não transformação na prática de
qualquer educador sem que tenha havido um amplo, sério e, em alguns casos,
doloroso, processo de reflexão e mudança.
Ao refletir, o professor vai em busca de novas descobertas científicas,
em seminários, cursos,etc. com a finalidade de responder (ou tentar encontrar
respostas), para seus problemas do cotidiano.
Sendo coerente com toda a linha de pesquisa ora proposta, a reflexão
não poderia se limitar apenas a pensar sobre a prática e tentar achar soluções
que facilitassem e aprimorassem a prática docente e discente. A reflexão no
paradigma ora estudado deve ser, acima de tudo, crítica. Neste aspecto é
necessário reconhecer que a escola não pode se transformar, e
conseqüentemente transformar a sociedade onde está inserida, sem que haja
comprometimento dos atores que nela atuam. Esta reflexão implica em um
processo de auto-avaliação que coloca o sujeito dentro da ação, na história da
situação, como participante da ação social e, prioritariamente, posicionando-se
diante dos fatos observados.
A autonomia e a responsabilidade de um profissional que se julgue
qualificado para desempenhar a função de se colaborar no desenvolvimento
moral e intelectual de outro alguém, depende de uma grande capacidade de
refletir em e sobre sua ação .
Freire observa que
118
“... quanto mais os homens refletirem de maneira critica sobre sua
existência e mais atuarem sobre ela, serão mais homens... quanto
mais refletirem sobre a realidade, sobre sua situação concreta, mais
emerge, plenamente consciente, comprometido, pronto a intervir na
realidade para mudá-la. Uma educação que procura desenvolver a
tomada de consciência e a atitude critica, graças a qual o homem
escolhe e decide, liberta-o em lugar de submetê-lo, de domesticá-lo,
de adaptá-lo...”(Freire, 1980:33/35)
O educador costuma refletir na ação e sobre a ação, e nem por isso
torna-se um profissional ou pessoa reflexiva. Como aponta Perrenoud
(2001c:13) “... uma prática reflexiva pressupõe uma postura, uma forma de
identidade, um habitus...”.
Freire (1983:18) afirmava que não poderia haver reflexão e ação fora da
relação homem–realidade, homem–mundo, por implicar em transformação do
mundo, cujo produto, por sua vez, condicionaria ambas, a ação e a reflexão.
Isto significa que é por intermédio destas relações que o homem desenvolve
sua ação e reflexão, como também pode atrofiá-las, conforme conduz estas
relações.
Faço neste estudo a opção por debruçar-me sobre a teoria de Perrenoud
(2001c), lembrando que o estudo sobre a reflexão na ação e sobre a mesma já
havia sido abordado anteriormente por Schön (1983,1987,1991,1994 e 1996).
A postura reflexiva tem a ver com a formação de pessoas capazes de
evoluir, de aprender de acordo com a experiência, refletindo sobre o que
gostariam de fazer, sobre o que realmente fizeram e sobre os resultados de
tudo isso. Sob este ponto de vista, Perrenoud nos adverte que a formação do
docente, desde o início de sua trajetória profissional, tem de ter como objetivo
principal a preparação do futuro docente como um ser preparado para
“... refletir sobre a sua prática, para criar modelos e para exercer sua
capacidade de observação, análise, metacognição e
metacomunicação ... nada disso pode ser adquirido por um toque de
mágica, pelo fato de o professor ter passado por êxitos e
fracassos. Todos refletimos para agir, durante e depois da ação, sem
que essa reflexão gere aprendizagens de forma automática...
119
“.(Perrenoud, 2001c :17)
O processo de aprendizagem de novas formas de agir na prática
docente, além de não ser algo nada fácil, nem sempre demonstra que foi fruto,
realmente, de um processo reflexivo, isto é, sempre uma lacuna entre o que
o professor alega acreditar e o que faz em sua prática diária.
Repetindo sempre os mesmos erros, ano após ano, evidenciando uma
cegueira rotineira, demonstra-se que faltam lucidez, coragem e método aos
educadores. Alguns profissionais têm uma capacidade infinita de rejeitar a
responsabilidade por tudo aquilo que não certo, culpando os
acontecimentos ou a falta de "sorte". Outros, ao contrário disso, acusam-se de
todas as incompetências e batem incessantemente no peito, reconhecendo sua
culpa.
Também é preciso, na implantação de uma rotina reflexiva, criar
ambientes para o profissional trabalhar sobre si mesmo, trabalhar seus medos
e suas emoções, onde seja incentivado o desenvolvimento da pessoa, de sua
identidade. Em suma, segundo Perrenoud, “... um profissional reflexivo pode
ser formado por meio de uma prática reflexiva graças a uma forma paradoxal
que diz: aprender fazendo a fazer o que não sabe fazer...”.(2001c:18)
Para que a prática reflexiva fosse “ensinada”, surgiram os cursos de
formação contínua dos professores que pretendiam transmitir novos saberes,
visando professores que não tinham recebido estes saberes na totalidade
durante o período de sua formação inicial.
Chamada, também, de reciclagem ou atualização, a formação contínua
visava, e sempre visa, atenuar a defasagem entre o que os professores
aprenderam durante sua formação inicial e o que foi acrescentado a isso a
partir da evolução dos saberes acadêmicos e dos programas, da pesquisa
didática e, de forma mais ampla, das ciências da educação.
Os responsáveis por este processo de formação contínua não podem
ignorar que sua ação modifica muito pouco as práticas, se ela se limitar a
fornecer informações, a oferecer saberes e a apresentar os modelos ideais de
aula ou de transmissão de conteúdos.
120
Segundo Perrenoud,
...é importante direcionar as formações temáticas, transversais,
tecnológicas, didáticas e mesmo disciplinares ( sobre os saberes a
ensinar) para uma prática reflexiva, transformando-a no fio condutor
de um procedimento clínico de formação presente do início ao fim do
curso...(Perrenoud, 2001c:23)
O professor reflete sobre o que aconteceu, sobre o que fez ou tentou
fazer, sobre os resultados de sua ação. Além disso, o professor reflete para
saber como continuar, retomar, enfrentar um problema, atender a um pedido.
Com freqüência, a reflexão é simultaneamente retrospectiva e
prospectiva, ligando o passado e o futuro, sobretudo quando o profissional está
imerso em uma atividade que exige dias e mesmo semanas para ser concluída,
ou durante seu processo diário ou semanal de preparação de aulas e ou
procedimentos que utilizará para sanar uma situação ou atingir um objetivo
didático.
A reflexão é, na maior parte das vezes, retrospectiva, quando é
subseqüente a uma atividade ou a uma interação ou a um momento de
calmaria. Sua função principal é ajudar a fazer um balanço, a compreender o
que deu ou não deu certo e preparar o profissional caso a ação se repita.
Entretanto, ela também pode ser prospectiva, quando é necessário preparar
uma nova forma de abordagem para algo que ainda não aconteceu.
Geralmente ela ocorre no momento do planejamento de uma nova atividade ou
da antecipação de um acontecimento ou de um problema novo.
Segundo Perrenoud, os fatores motivadores da reflexão são múltiplos:
“... problema a resolver, crise a solucionar, decisão a tomar, auto
avaliação da ação, vontade de compreender o que está acontecendo,
luta contra a rotina ou contra o tédio, busca de sentido, formação,
construção de saber, busca de identidade, ajuste das relações com
outro, trabalho em equipe, prestação de contas etc ... conflito,
indisciplina, a agitação da turma, dificuldades de aprendizagem,
apatia e falta de participação, atividade improdutiva, atividade que
não alcança seu objetivo, resistência dos alunos, resultados de uma
121
prova, momentos de cansaço, desgosto, tristeza ou depressão,
discussão em grupo , conversa com alunos, conversa com colegas,
entrevista com pais etc...”. (Perrenoud, 2001c:41-42).
Os professores têm de enfrentar, normalmente, um número crescente de
dilemas, produto da defasagem entre os programas e o nível, os interesses e
os projetos dos alunos.
Esses dilemas também estão relacionados à sobrecarga de conteúdos
dos programas e à ilusão que sugere que seria possível dispor de vários
momentos previstos nos planejamentos para ensinar muitas outras coisas que
fazem parte da vida cotidiana dos educandos. Ocorre que uma boa parte do
tempo da aula acaba sendo utilizada para gerenciar transições, para prevenir
ou combater uma desordem; em suma para (re) criar as condições do trabalho
pedagógico.
Como aponta Perrenoud
“... o ensino o é mais como era antes: os programas renovam-se
cada vez mais rapidamente, as tecnologias tornam-se incontornáveis,
os alunos estão cada vez menos dóceis, os pais tornam-se
consumidores de escolas muito atentos e exigentes ou se
desinteressam de tudo aquilo que acontece na sala de aula, a
avaliação deve se tornar mais formativa e a pedagogia mais
diferenciada..”. (Perrenoud, 2001c:56)
A reflexão permite transformar o mal-estar, as revoltas e os desânimos
em problemas, que podem, a partir de sua constatação, serem resolvidos
através de uma profunda reflexão sobre suas causas e possíveis caminhos a
serem trilhados para sua resolução.
De acordo com Perrenoud, na maior parte das vezes, a reflexão não
evidencia um erro estritamente técnico, mas a uma postura inadequada, um
preconceito sem fundamento, uma indiferença ou uma imprudência culpáveis,
uma excessiva impaciência, uma angústia paralisante, um pessimismo ou um
otimismo exagerados, um abuso de poder, uma falta de tolerância, uma falta de
perspicácia, um excesso ou falta de confiança, um acesso de preguiça ou de
122
desenvoltura; em suma, atitudes e práticas relacionadas aos alunos, ao
conhecimento, ao trabalho, ao sistema, bem como à competência propriamente
didática ou administrativa do professor. (2001c:59/60)
Somente um formador reflexivo pode formar alunos reflexivos, não
porque ele representa como um todo o que preconiza, mas porque ele utiliza a
reflexão de forma espontânea em torno de uma pergunta, de um debate, de
uma tarefa ou de um fragmento de saber.
Quando um professor não está satisfeito com sua prática, em geral,
alega que seus alunos não reagem do modo como ele havia planejado ou
desejado. Ele argumenta que seus alunos não escutam, não participam, não
trabalham, são agitados, não se interessam muito pela maioria das atividades e
distraem-se com qualquer bobagem. Entretanto, é sempre muito mais difícil
aceitar-se como a causa de parte desses comportamentos deploráveis e
considerá-los como uma resposta adequada a uma estratégia aplicada, de
forma consciente ou inconsciente.
De acordo com Perrenoud ,
“... pode fazer com que se tenha de enfrentar uma forma de
desaprovação ou de solidão. É difícil mudar sozinho ....o profissional
que trabalha sobre si mesmo, deve ser ao mesmo tempo, a vítima e o
carrasco; como vítima, a pessoa quer permanecer igual a si mesma,
às vezes, impregnada e resignada com sua mediocridade; como
carrasco, ela "se obriga” a se transformar em alguém
diferente...”.(Perrenoud, 2001b:138-160)
A mudança de representações e mesmo de práticas, normalmente
suscita resistências, as quais são mais contundentes quando tem relação com
a identidade, com as crenças e com as competências dos professores.
De acordo com Perrenoud,
“... lutar contra a exclusão, contra o fracasso escolar, contra a
violência; desenvolver a cidadania, a autonomia, criar uma relação
crítica com o saber: tudo isso exige que os professores de todos os
níveis transformem-se em formadores. Sem dúvida, esta é a razão
123
fundamental de privilegiar a postura reflexiva...” (Perrenoud,
2001b:186/187).
Aponto, abaixo, a distinção que Perrenoud faz entre os professores e
educadores:
Quadro 02 ; Diferenças entre um professor e um educador
Professor Educador
Partir de um programa Partir das necessidades, práticas e
problemas encontrados
Contextos e procedimentos impostos Contextos e procedimentos negociados
Conteúdo padronizado Conteúdo individualizado
Enfoque nos saberes a serem transmitidos
e em sua organização em um texto
coerente
Enfoque nos processos de aprendizagem e
em sua regulação
Avaliação somativa Avaliação formativa
Aprendizagem = assimilação de
conhecimentos
Aprendizagem = transformação da pessoa
Prioridade aos conhecimentos Prioridade às competências
Planejamento importante Planejamento adaptado às circunstâncias
Atenção a um aluno Atenção a um sujeito que está se formando
* Adaptação do autor do quadro de Perrenoud (2001b:187)
São estas as diferenciações que se espera encontrar em um profissional
que atua com inclusão de, no caso deste estudo, idosos.
Todos os elementos apresentados, de forma suscinta, neste capítulo da
fundamentação teórica deste estudo são elementos que acredito serem
imprescindíveis para que o educador atue de modo diferenciado em sua rotina
profissional e possa informar e formar cidadãos livres na sala de aula de língua
inglesa.
Acredito que a formação de seres humanos plenos passa pela
formulação de um currículo diferenciado e reflexivo no qual a pedagogia que
124
vise à autonomia, crie as condições necessárias para que, por meio de um
currículo com esta perspectiva, se instale uma comunidade de aprendizes
(docentes e discentes) prontos para agir na sociedade de modo diferenciado e
livre.
Situadas as referências teóricas que fundamentam este trabalho, passo,
agora, a apresentar a metodologia que seutilizada para a análise dos dados
colhidos neste estudo.
Para tanto, sirvo-me dos estudos acerca da etnografia, pesquisa
qualitativa e, principalmente, da fenomenologia segundo a perspectiva de van
Manen (1990), para a apresentação contextualizada das reflexões de cada um
dos participantes do estudo ora apresentado.
125
Capítulo 3
Metodologia
La vecchia : the old woman – Giorgioni
126
No capítulo anterior, dediquei-me à revisão bibliográfica pertinente para
a fundamentação deste trabalho investigativo e que se prestará ao
embasamento das discussões que serão realizadas posteriormente.
Antes de proceder à descrição, fundamentação e análise dos dados,
acredito ser importante tecer algumas considerações acerca da metodologia
que organizou a coleta e reflexão sobre os dados apresentados neste trabalho,
bem como a escolha de uma linha de pesquisa colaborativa de cunho
qualitativo e da fenomenologia como forma de melhor compreender os fatos
descritos.
3.1 - O uso da etnografia
A etnografia é identificada, enquanto método de pesquisa de sala de
aula, como uma abordagem interpretativista do estudo da interação, que
permite dar uma descrição detalhada do local e do contexto da pesquisa, assim
como dos princípios ou regras de interação que levam os participantes a
produzir suas ações e significados e a interpretar as ações e os enunciados
dos outros.
A etnografia, para Ellen (1992), é um termo utilizado para se referir a um
conhecimento empírico a respeito de uma determinada cultura ou organização
social. Com base em Malinowski (1987), Ellen (1992) fala a respeito de três
princípios básicos da etnografia:
1 - a existência de objetivos científicos gerais,
2 - vivência entre a população estudada e aplicação de um número
especial de métodos de coleta de dados,
3 - manipulação e estabelecimento de evidências.
O conhecimento de sala de aula vai, então, derivar do estudo do
significado que os participantes trazem para esse contexto social e do
significado que desenvolvem nesse mesmo contexto, significado manifestado
através de sua interação e de vários outros tipos de evidências documentadas,
como entrevistas, diários reflexivos e notas de campo, entre outros.
127
Visão semelhante é expressa por Miller (1997), que assume ser a
etnografia comprometida com a presença do pesquisador no campo estudado,
experienciando a vida da população observada e não somente aquilo que
produzem; com a avaliação do que as pessoas realmente fazem e não aquilo
que elas dizem que fazem; com um longo período de observação no campo; e
com análise holística.
Para Erickson (1988), o etnógrafo da sala de aula pode vir a entender
melhor uma situação específica se a visualizar dentro de um todo.
Dentro do paradigma interpretativista, os métodos etnográficos de coleta
e análise de dados em particular, por sua vez, têm grande importância para a
pesquisa educacional porque possibilitam reunir dados descritivos ricos em
detalhes sobre os contextos, atividades, ações e reflexões dos participantes
conforme elas acontecem e mudam ao longo do tempo.
Nunan aponta uma série de características da pesquisa de cunho
etnográfico. A primeira delas está relacionada à questão do contexto em que
ocorre a pesquisa:
“... a perspectiva naturalista-ecológica tem, como princípio básico, a
crença de que o contexto no qual o comportamento ocorre, possui
uma influência significante no comportamento. Deste modo, se
queremos saber mais sobre o comportamento, temos que investigá-lo
nos contextos naturais em que ocorrem, e não em laboratórios
experimentais...”.(Nunan, 1992:53)
O objetivo da etnografia para Maso (2001), é aprender sobre uma
cultura, seus costumes e comportamento de seus membros. Igualmente,
Charmaz e Mitchel (2001), afirmam que a etnografia se baseia na descrição de
uma sociedade ou grupo de pessoas, para obter detalhes de suas vidas. Para
esses autores, como método de pesquisa, a etnografia estuda, conhece e
relata os resultados obtidos.
No caso deste trabalho de cunho investigativo, os dados foram coletados
em contextos naturais: na sala de aula e no contato contínuo que tenho com os
envolvidos, como forma de complementação da análise das afirmações dos
128
mesmos em suas declarações reflexivas.
Além deste importante dado apontado por Nunan (1992), o autor
ressalta outras características que de alguma forma também estão
relacionadas com este estudo:
A Em relação à duração, é relativamente longa, podendo levar de meses a
anos;
B A pesquisa envolve outros participantes, além do próprio pesquisador;
C As hipóteses e generalizações surgem a partir da coleta dos dados e de
sua interpretação, e não antes.
Segundo Mello (2004:87), pode-se estabelecer alguns termos chave
relacionados com a pesquisa etnográfica. São eles, observação, participação,
cultura, descrição, entendimento e objetividade/objetivização.
Minha opção por iniciar “meu olhar” sobre os dados, sob uma
perspectiva etnográfica deve-se ao fato de minha escolha por percorrer um
caminho qualitativo/fenomenológico que passo a discorrer a seguir.
3.2 - A escolha da pesquisa qualitativa/interpretativa :
A pesquisa qualitativa é focada em uma multiplicidade de métodos,
envolvendo uma abordagem inter5(8)(e)5.672(s)-0.2955p-4.33117(n)-a1e,
129
pesquisa. Eles procuram respostas a perguntas que revelam como a
experiência social é criada e é dado significado a elas.
Neste caso, o uso desta linha de pesquisa centrada em transformações
que podem ser percebidas na atuação dos envolvidos é importante ressaltar
que segundo Erickson (1988:124) as perguntas chave que regem este tipo de
pesquisa seriam do tipo“... o que está acontecendo aqui especificamente? O
que estes acontecimentos significam para as pessoas engajadas neles?...”.
Escolhi este todo de análise para responder as perguntas de
pesquisa que deram origem a este trabalho, face o fato de que a pesquisa
qualitativa é infinitamente criativa e interpretativa. As interpretações qualitativas
são construídas por quem está analisando os dados apresentados.
Segundo Denzin & Lincoln ,
“... a pesquisa qualitativa envolve o estudo e coleta de uma variedade
de materiais empíricos como o estudo de caso, experiências
pessoais, introspecção, estória de vida, entrevistas, textos que levem
a observação e interação, que descrevem momentos rotineiros e
problemáticos e significados na vida do indivíduo...”.(Denzin &
Lincoln, 1998:03)
Trata-se, portanto, de um multimétodo que reflete a tentativa de
assegurar um profundo entendimento do fenômeno.
Desta forma o pesquisador qualitativo age como um “bricoleurque na
visão do autor é alguém que fornece (ou procura) soluções em situações
concretas.
O pesquisador como “bricoleur” usa suas próprias ferramentas
metodológicas desenvolvendo estratégias, métodos ou materiais empíricos. Se
novas ferramentas devem ser inventadas, o pesquisador fará isso. A escolha
das práticas de pesquisa dependem das questões que são feitas e as questões
dependem de seu contexto.
O produto do trabalho do “bricoleur”, segundo Denzin & Lincoln
(1998:04), “... é complexo, denso e reflexivo... uma criação cooperativa que
representa as imagens do pesquisador, compreensões e interpretações do
130
mundo ou fenômenos sob análise...”.
A entrevista é o instrumento metodológico favorito do pesquisador
qualitativo não excluindo a observação, os métodos visuais e experiências
pessoais. Como na entrevista, seja ela oral ou em forma de questionário, que
foram instrumentos utilizados neste trabalho, a palavra escrita ou falada tem
sempre um resíduo de ambigüidade, não importando quão cuidadosamente as
perguntas foram feitas ou as respostas foram codificadas, optei por esclarecer
dados escritos em entrevistas orais e vice-versa como uma maneira de melhor
“confrontar” as informações. Neste aspecto, novamente, recorro aos princípios
da reflexão crítica de Kincheloe (1997) para que as características criativas e
interpretativas deste perfil de pesquisa, citados anteriormente, sejam
utilizadas de modo profícuo.
Ainda, de acordo com Erickson (1988), o termo interpretativista mostra-
se adequado para referir-se a todo o conjunto de enfoques da pesquisa
observacional participativa por três motivos :
A É mais inclusivo que os demais;
B Evita o risco de definir estes enfoques como essencialmente não
quantitativos, quando, na verdade, podem empregar certo tipo de
quantificação;
C Aponta o aspecto central da semelhança entre os diferentes enfoques: o
interesse da pesquisa centra-se no significado humano, na vida social e na
sua compreensão e exposição por parte do pesquisador.
A conduta da pesquisa interpretativa no ensino envolve uma intensa
participação observativa em uma cena educacional seguida por uma deliberada
e longa reflexão sobre o que foi visto lá. Segundo Erickson,
“... essa reflexão vincula o exame deliberado e minucioso do
observador de seu próprio ponto de vista e de suas fontes em teoria
formal, modos culturalmente aprendidos de ver e compromissos
pessoais de valor...”. (Erickson, 1988:156)
Segundo Denzin & Lincoln (1998:47), a observação qualitativa é
fundamentalmente naturalística na essência. Ela acontece no contexto natural
131
da ocorrência entre os atores que naturalmente estariam participando da
interação e segue o caminho natural da vida diária.
Uma visão pós-modernista da pesquisa qualitativa implica, segundo os
mesmos autores, que “não pode haver critério para o julgamento de seu
critério” (Denzin & Lincoln, 1998:277). Os autores argumentam que a
interpretação dos dados é um astuto processo político e ainda, segundo eles
“... não há uma única verdade interpretativa...” (1998:278).
Reforçando ainda mais o aspecto reflexivo deste perfil de pesquisa,
Erickson , assinala que
“... a pesquisa de campo requer habilidades de observação,
comparação, contraste e reflexão que todos os humanos possuem. O
que o profissional interpretativo faz é o uso de habilidades comuns de
observação e reflexão de modo sistemático e detalhado...”.(Erikson,
1988:156)
Deste modo, a pesquisa interpretativista, preocupa-se com as condições
de significação e ação na vida social que ocorre em um cenário concreto de
interação face-a-face e que acontece na sociedade que circunda a ação. O
direcionamento da pesquisa interpretativista no ensino, envolve uma
observação participativa intensa e uma reflexão sobre o que foi visto. Quanto
mais o observador participante aprende sobre o mundo fora, mais ele
aprende sobre si mesmo por sua capacidade de reflexão. Esta questão é
também bastante relevante neste estudo, pois, como vemos, dentro de um
paradigma fenomenológico, que será discutido em seguida, van Manen
(1990:54), assinala que, “... um fenomenologista sabe que as experiências de
alguém são também as experiências de outras pessoas...”.
Era fundamental que nesta pesquisa houvesse uma plena interação
entre o pesquisador e participantes, permitindo que a troca de idéias entre
ambas as partes ajudasse a explicar e entender os fenômenos observados.
Optei, na análise dos dados, a observar o conteúdo das reflexões
minhas e dos participantes, a partir da abordagem fenomenológica,
principalmente estudada e disseminada por van Manen, aliando aos
132
pensamentos deste estudioso, outros pensadores que, acredito, são capazes
de melhor elucidar minhas intenções e objetivos ao tentar melhor compreender
o dia-a-dia de cada um dos discentes deste grupo, suas concepções de
aprendizagem e expectativas acerca do curso e futuras atuações, servindo-se
da língua apropriada.
Sendo um dos objetivos da pesquisa qualitativa a compreensão de um
fenômeno, as entrevistas podem ser utilizadas para construir e estruturar uma
ou muitas histórias de vida. Estas estratégias permitem que se construa uma
ligação expressiva com o significado, considerando além da palavra, os gestos
e a força do olhar durante as declarações proferidas pelos participantes, pois
para a pesquisa qualitativa nada é banal e os pequenos detalhes podem dizer
muito mais acerca do objeto do estudo do que sua simples mensuração. Esta
descrição mais detalhada é necessária e imprescindível para a abordagem
qualitativa, exatamente por centrar seu objetivo nos significados das coisas,
mais do que nas coisas em si.
Desta forma, buscando esta compreensão ampla, é que o exercício
hermenêutico está permeando a escuta dessas vozes.
Pelo caminho e pela orientação fenomenológica, que será apresentada a
seguir, serão resgatas as estórias que comporão os dados que deverão ser
criteriosamente cruzados, analisados e esmiuçados para que se reintegrem
numa síntese de significados.
3.3 - O caminho fenomenológico para a compreensão dos dados-fatos
apresentados
3.3.1 O porquê da escolha da fenomenologia para a análise dos dados
coletados entre os participantes da pesquisa:
Gostaria, antes de iniciar a apresentação da fundamentação teórica da
fenomenologia hermenêutica
7
proposta por Max van Manen (1990), explicar o
porquê de minha escolha por esta linha de análise dos dados obtidos entre os
7
Segundo van Manen (1990:180-181), a fenomenologia hermenêutica procura atentar para os
componentes de sua metodologia: é uma metodologia (fenomenológica) descritiva porque deseja
verificar como as coisas parecem e quer deixar as coisas falarem por si só; ela é interpretativa
(hermenêutica) porque alega que não existem elementos classificados como fenômenos não interpretados.
133
idosos que participaram deste estudo.
Acredito que não escolhi exatamente uma linha fenomenológica para a
análise, fui escolhido por ela. Ao ler pela primeira vez o livro Researching lived
experience: human science for an action sensitive pedagogy (van Manen
1990), percebi que o caberia outra linha de análise e pensamento nesta
pesquisa.
Somente a trajetória qualitativa na compreensão dos dados mostrou-se
insuficiente para a compreensão aprofundada dos dados apresentados. Uma
outra abordagem necessitaria ser utilizada para que o “olhar” qualitativo sobre
os dados fosse complementado.
Ressalto que todas as citações do livro acima mencionado foram por
mim traduzidas, haja vista que ainda não temos uma versão para o português,
apesar da importância que a visão de van Manen (1990) teria ao complementar
o trabalho de Paulo Freire e tantos outros educadores aqui citados
anteriormente que trabalham com a libertação das classes oprimidas pelo
simples fato de externalizarem, assim, seu amor pelo ser humano, procurando
não as razões para suas atitudes diante do mundo, mas também, caminhos
para a solução dos problemas apresentados.
Van Manen (1990) afirma que a pesquisa é sempre um ato de carinho e
que carinho é servir e compartilhar a vida com alguém a quem nós amamos,
pois desejamos realmente, saber a natureza da(s) pessoa(s) amada(s).
Quando amamos uma pessoa, queremos saber o que contribui para o bem
dessa pessoa, ao mesmo tempo em que permanecemos sensíveis às
particularidades dela em situações também particulares.(págs.5/6).
É esta a razão principal da escolha da fenomenologia hermenêutica para
este estudo, “... a fenomenologia hermenêutica é a ciência humana que estuda
as pessoas...” (1990:06).
A reflexão fenomenológica é tanto muito fácil quanto muito difícil. Ela é
fácil no sentido de que ver o significado ou essência de um fenômeno é algo
que constantemente fazemos e é difícil ao mesmo tempo pelo fato de que é
complicada a determinação e explicação de um fenômeno.
São estes os motivos principais que me levaram a pautar minhas
134
análises pela fenomenologia que passo, agora, a descrever.
3.3.2 – A fenomenologia hermenêutica
A fenomenologia tem como objetivo uma compreensão mais
aprofundada da natureza do significado de nossas experiências diárias, sendo
que suas descrições sempre estão baseadas em um sentido moral que
atribuímos a determinadas situações interpretadas (van Manen 1990: 09/12).
Esta compreensão da natureza do significado do mundo é o que fascina
a quem opta por este tipo de análise de dados: a possibilidade de fazer o
impossível; construir uma completa descrição interpretativa de alguns aspectos
da vida no mundo, atentando para o fato de que a vida é sempre mais
complexa do que qualquer explicação dada por nós possa revelar. (van Manen,
1990:17-18)
É importante perceber que este tipo de análise não pode ser utilizado
para mostrar ou provar algo, que algo é melhor ou pior. A única generalização
permitida pela fenomenologia é: nunca generalize, pois as generalizações
sobre as experiências humanas são quase sempre duvidosas, pois esta
tendência sempre acaba permanecendo focada em apenas um aspecto
particular da experiência humana, o que é sempre empobrecedor. (van Manen,
1990:22)
A escolha da fenomenologia como forma de aprofundar a análise
qualitativa dos dados deve-se ao fato de, conforme Stano,
“... o que a fenomenologia propõe é o retorno ao mundo da vida, que
está aí, constituído de valores, ações conjuntas e pensares que
dão suporte às existências cotidianas. Porque o mundo não é aquilo
que é pensado, mas aquilo que é sentido. Assim, o mais relevante no
modo fenomenológico de escuta, não é saber o que o sujeito pensa,
mas desvelar os sentidos de sua experiência no seu estar-no-
mundo...”. (Stano, 2005:96)
A fenomenologia permite um exercício de interrogação do cotidiano e de
135
sua interpretação pela escuta hermenêutica.
A importância da escolha fenomenológica para a leitura dos dados deve-
se à necessidade de compreender determinados significados colocados pelo
cotidiano. O envelhecimento é um acontecimento biológico, como apontado
anteriormente, contudo, as condições em que se dá, vão muito além das
questões biológicas. Estas questões podem, perfeitamente, ser iluminadas pela
fenomenologia.
Antes disso, sirvo-me, novamente, dos pensamentos de Freire que
permeiam este estudo para justificar o uso da etnografia, pesquisa qualitativa e,
acima de tudo, da fenomenologia como o único caminho coerente a seguir, a
partir dos ensinamentos deste grande educador.
Como percebe-se pela citação abaixo, o que pode parecer um vôo sem
instrumentos é acima de tudo refletido para que seu significado intrínseco seja
percebido e compreendido. Este é o sentido principal de se interpretar as falas
e reflexões dos alunos servindo-se da fenomenologia: compreender pela
experiência de vida os sentimentos, emoções e saídas para algumas situações
impostas pelo contexto. Segundo Freire,
“... quando começo um curso, não posso ter como certa a motivação
dos estudantes. Procuro descobrir o perfil da motivação a favor do
quê e contra o quê. posso descobrir isso, observando o que os
estudantes dizem, escrevem e fazem. Mas, em primeiro lugar, devo
estabelecer, e fazer o que é autêntico para eles. Para ajudá-los a
dizer mais, contenho minha própria fala inicialmente, para dar mais
espaço à sua fala... o que mais me importa no início é saber quanto e
quão rapidamente posso aprender a respeito dos estudantes. Para
mim, este é um momento experimental. Procuro usar exercícios que
ao mesmo tempo me eduquem e eduquem os estudantes: leituras
breves, experiências de debates e reflexões... faço um vôo sem
instrumentos... quero aprender com eles quais seus verdadeiros
níveis cognitivos e afetivos, como é sua linguagem autêntica, que
grau de alienação trazem para o estudo crítico e quais suas
condições de vida, como fundamentos para o diálogo e
questionamento...”(Freire, 1992:17).
136
Este é basicamente o caminho que pretendo percorrer para a análise
dos dados obtidos, que servirão de base para este estudo. Deixá-los à vontade
para que exponham seus sentimentos e, a partir disso, usando da reflexão,
trilhar caminhos concretos e significativos em busca do aprendizado efetivo.
Segundo Mello,
“... não é necessário resolver os conflitos para se ter harmonia.
Parece ser interessante viver histórias diferentes e conflitos, se for o
caso. Acredito que posso desenvolver pesquisa etnográfica,
fenomenológica ou narrativa se perceber que são úteis e
instrumentos valiosos para o fenômeno em foco...”.(Mello, 2004:98)
O uso do termo fenômeno é sempre muito discutível e pode suscitar
uma série de dúvidas e concepções de acordo com o contexto em que estiver
sendo utilizado.
De acordo com Mello (2004:92), “... no contexto da pesquisa etnográfica,
fenômeno parece ser algo social ou cultural...”.
Ainda usando como inspiração comparações usadas por Mello em sua
tese, um exemplo de fenômeno a ser estudado poderia ser a tentativa de
compreensão do cotidiano dos idosos na sociedade em que vivemos. No
contexto da pesquisa fenomenológica, em que se busca por whatness,
conforme aponta van Manen (1990), um fenômeno a ser estudado poderia ser
algo. Assim, o envelhecimento progressivo da população poderia ser encarado
com um fenômeno, para a fenomenologia.
Desta forma, para a concretização do estudo com esta vertente
fenomenológica, o ponto mais importante é ouvir as histórias que as pessoas
têm para contar, para que seja possível compreender como elas pensam ou
interpretam a forma como suas idéias interferem e influenciam em seu
contexto.
Na fenomenologia, historieta (anecdote) é o termo preferido por van
Manen (1990), que as considera instrumentos para ter o fenômeno obtido e
estudado. As historietas (anecdotes), são consideradas um texto e o lugar de
onde a essência da experiência vivida pré-reflexivamente pode emergir.
137
Optei por fazer a análise dos dados apresentados pelos participantes
em suas entrevistas pessoais e nos dados observados em minhas reflexões,
servindo-me da abordagem fenomenológica proposta por van Manen pelo fato
que,“... pesquisa fenomenológica encontra seu ponto de partida no reino
empírico da experiência da vida diária... (1990:02)”.
Este estudioso da fenomenologia estabelece que fenomenologia é o
estudo do mundo-vida (lifeworld); o mundo assim como nós imediatamente o
vivenciamos, pré-reflexivamente ao invés de conceituar ou refletir sobre ele.
Van Manen afirma que
“...a experiência vivida é o ponto de partida e ponto de chegada da
pesquisa fenomenológica. O objetivo da fenomenologia é transformar
a experiência vivida em uma expressão textual de sua essência de
tal modo que o efeito do texto seja um reviver reflexivo e uma
apropriação reflexiva de algo que seja significativo...” (van Manen,
1990:36)
De acordo com Mello (2004:87), van Manen assume, ainda, que é
impossível dar conta desse objetivo, que a construção de uma descrição
interpretativa completa de alguns aspectos da vida implica manter-se
consciente sobre o fato de que a vida vivida é sempre mais complexa do que
qualquer explicação ou significado possa revelar. Para ele, fenomenologia é
diferente de outras disciplinas porque não se propõe a explicar significados
específicos ou de culturas particulares, como faz a etnografia, ou grupos
sociais, como faz a sociologia, períodos históricos como faz a história, tipos
mentais como faz a psicologia e nem histórias de vida pessoais como se faz
em biografias.
Ao se referir ao tipo de descrição da essência das coisas que faz a
fenomenologia, van Manen (1990:27/33) afirma que a ... descrição
fenomenológica objetiva elucidar a experiência vivida...”.
Considerando a pesquisa fenomenológica como um trabalho de escrever
e reescrever, van Manen (1990) aponta que a fenomenologia é a aplicação de
questões ligadas ao pensamento e linguagem ao fenômeno para o qual se
138
mostra precisamente como se mostra a si mesmo (1990:32/33).
De acordo com Mello (2004:88), poder-se-ia tentar encontrar algumas
palavras-chave para representar este tipo de pesquisa como, por exemplo, “...
essência, universalidade, filosofia e escrita...”.
Como todo o processo de coleta dos dados teve a duração de mais de
um ano, acredito que a análise dos processos reflexivos, bem como das
transformações observadas em cada um dos participantes neste período,
deveria levar em conta todas as nuances que são apresentadas em nosso
140
mais profundamente interessante como um fenômeno real para ser analisado.
Os dados mais relevantes coletados no contexto de pesquisa são
transformados em texto e após isso, são tematizados. A tematização assume
um aspecto muito importante neste tipo de pesquisa para que não se saia do
foco previsto para análise.
A noção de tema é usada em várias disciplinas da área das ciências
humanas. O tema nos controle e ordem (seqüência) para uma pesquisa e
escrita.
Quando se analisa um fenômeno, tenta-se determinar quais os temas
que estão nele incluídos, pois se analisa experiências de vida, não se pode
capturá-las em paradigmas abstratos, mas, sim, em situações concretas.(van
Manen, 1990:80).
Van Manen define um tema como sendo a experiência do foco, do
significado. Quando lemos uma anecdote, questionamos seu significado, seu
ponto principal. Ele também afirma que o tema é a forma de capturar o
fenômeno que alguém tenta compreender, pois o tema descreve um aspecto
da estrutura da experiência vivida por alguém. O tema também pode ser
classificado como o sentido que nós somos capazes de captar de algo, sendo o
tema o meu instrumento para chegar ao significado da experiência. (van
Manen, 1990:86-88).
Os temas escolhidos para análise possuem poder quando permitem ao
pesquisador proceder às descrições fenomenológicas que podem ser
realizadas a partir do momento em que os temas para a pesquisa, descrição e
análise são selecionados.
Esta seleção é realizada por meio da observação de recorrências para a
legitimação da interpretação dos temas que são, a princípio, subjetivos e que
são “contaminados” por minhas experiências pessoais por um ir e vir na leitura
dos dados para que se possa interpretá-los com profundidade.
Neste ir e vir do processo de leitura destaca-se tudo o que é mais
relevante, organizando-os interpretativamente por unidades de significado
realizando uma redução do texto inicial.
Nesta redução observa-se “o que dialoga com o que” em termos de
141
unidades de significados semelhantes. Com a aproximação entre as unidades
por semelhança, é que se chega à tematização sendo que os elementos
recorrentes é que dão origem à significação dos temas.
Cabe ressaltar que os temas apresentados neste estudo foram
selecionados a partir das declarações dos participantes e divididos pelas
perguntas de pesquisa que foram selecionadas.
Como todo fenômeno, as perguntas que originaram esta pesquisa não
foram selecionadas previamente. Elas surgiram em decorrência dos dados
apresentados. Pela tematização dos dados advindos dos diários, observações
e entrevistas é que, naturalmente, as perguntas foram surgindo e sendo
respondidas gradativamente no decorrer da trajetória do estudo.
A tematização dos dados apresentados é que, inclusive, criou o foco
deste trabalho.
3.4 – A instituição onde a pesquisa foi realizada
A pesquisa foi realizada em um espaço cedido por uma igreja católica,
no bairro do Tatuapé, na zona leste da cidade de São Paulo.
Este espaço é especificamente destinado para a realização de cursos e
palestras, contando com os aparatos mínimos necessários para que uma aula
seja desenvolvida (lousa, aparelho de som, retroprojetor etc)
Nesta igreja funciona, muitos anos, um grupo denominado MELHOR
IDADE, que se destina a agrupar pessoas com mais de sessenta anos para a
realização de atividades recreativas e culturais.
existe um grande número de pessoas que participam de projetos
ligados a viagens, ao aprendizado de tocar instrumentos musicais, trabalhos
manuais e canto coral. O curso de língua inglesa havia acontecido uma vez,
alguns anos, mas com pouco sucesso, haja vista que os idosos perderam
logo de início o interesse por vários motivos e o professor da época, logo teve
que abandonar o projeto.
Todas as pessoas que se propõem a trabalhar com estes idosos não
recebem remuneração por seu trabalho, nesta igreja, o que muitas vezes
142
dificulta a continuidade de um projeto, por não haver um compromisso concreto
por parte dessas pessoas que resolvem voluntariar-se junto a um trabalho com
a comunidade.
Esses idosos pagam uma pequena taxa mensal e podem participar de
tantas atividades quantas desejarem, fazendo opções em uma grade semestral
que é divulgada no início de cada período.
O que percebo, na estruturação da grade de atividades destinada a este
grupo, é que elas possuem um cunho muito mais recreativo do que cultural,
sendo que a socialização é o grande objetivo de todo o projeto do grupo da
Melhor Idade.
3.5 – Os participantes da Pesquisa
3.5.1 – Os alunos
O grupo iniciou-se com vinte alunos e, ao final da pesquisa, contava com
16 participantes.
Apurei que os quatro desistentes não se interessaram em continuar os
estudos da língua inglesa pelo fato de não desejarem um compromisso
semanal, que exigiria de cada um deles algum grau de comprometimento com
seu aprendizado, em momentos que não fossem exclusivamente os de sala de
aula.
Cada um dos alunos, que permaneceram até o final do curso, trazia
consigo experiências não muito positivas no tocante ao aprendizado de uma
língua estrangeira. Alguns deles haviam aprendido a língua inglesa, por
exemplo, na época do ginásio ou colégio (ensino fundamental e médio), outros
haviam tentado participar de grupos em escolas de idiomas, mas sempre
esbarravam na questão da falta de preparo do professor ou dos colegas de
classe (sempre muito mais jovens) para que eles se sentissem integrantes de
uma comunidade de aprendizes.
Do grupo que permaneceu freqüentando as aulas até o período em que
a pesquisa foi dada como encerrada por mim, fiz a opção por dez participantes
143
pela qualidade das informações que eles me ofereceram até o final desta
pesquisa.
São esses dez alunos-participantes que passo, agora, a descrever
dentre o grupo de dezesseis alunos que chegaram ao final do ciclo proposto,
como foco da pesquisa, omitindo seus nomes, apesar de ter sido autorizado a
usar os dados da forma que melhor me conviesse.
BM 67 anos, viúva, vel universitário, professora de ciências
aposentada.
CL 69 anos, divorciada, possui ensino médio, auxiliar de enfermagem
aposentada.
DF – 61 anos, casada, nível universitário, professora primária aposentada.
DM – 69 anos, divorciada, nível universitário, professora de geografia
aposentada.
IB – 80 anos, viúva, possui ensino médio, dona de casa.
LC 62 anos, casado, nível universitário, assistente administrativo e
financeiro aposentado.
MZ – 79 anos, viúva, ensino fundamental ciclo 01 (4ª série), dona de casa.
RA 63 anos, casada, nível universitário incompleto, secretária
aposentada.
SL – 61 anos, casada, possui ensino médio, dona de casa.
TB - 61 anos, casada, nível universitário, professora primária aposentada.
uma questão que acredito ser importante na apresentação dos
participantes desta pesquisa. Como se pode verificar, pela apresentação
acima, apenas um dos participantes da pesquisa é homem. As demais são
mulheres.
Isso se deve a um fato, no mínimo, curioso. Pelo que pude perceber em
todo o contexto onde a pesquisa foi realizada, não em minha sala de aula,
mas também nos demais cursos oferecidos por esta paróquia católica, a quase
totalidade dos participantes das atividades oferecidas pela paróquia, é
composta por mulheres.
144
A bua da Vida de 2004, divulgada em novembro de 2005 pelo IBGE
mostra que as mulheres estão vivendo cada vez mais do que os homens.
Em 1980, os homens viviam 6,1 anos menos que as mulheres. Em 2004,
essa diferença subiu para 7,6 anos.
Na seção de anexos, pode-se verificar os dados apresentados pelos
índices oficiais do IBGE divulgados em novembro de 2005.
3.5.2 – O professor participante
O cimo-primeiro participante desta pesquisa sou eu, o pesquisador
participante.
Sou professor da rede pública mais de 20 anos e professor
universitário.
Em minha trajetória profissional, sempre percebi que os alunos, seja no
145
diminuindo a distância profissional existente entre o professor e os alunos.
A pesquisa e reflexão sobre as ações em sala de aula, acerca dos
educandos e sobre a própria prática do professor, acredito, sejam as molas
mestras da sala de aula libertadora, tão propalada por Paulo Freire e, de
acordo com o apresentado por mim anteriormente, minha linha de pesquisa
neste trabalho e roteiro preliminar em minha atuação como educador seja na
escola pública seja na universidade seja com idosos.
Surgiu, então, esta pesquisa.
3.5.3 – Instrumentos utilizados para a coleta e análise dos dados
As descrições das experiências vivenciadas por cada um dos
participantes desta pesquisa podem ser encontradas em um grupo de
instrumentos por mim utilizados no decorrer da fase de coleta de dados, que
me auxiliaram a triangular algumas informações e apurar algumas outras com
mais exatidão.
Como a linha de análise deste estudo é, também, fenomenológica
apenas um instrumento de coleta dos dados não seria suficiente para que as
impressões dos participantes fossem captadas e compreendidas com exatidão.
De acordo com van Manen, tradicionalmente, as técnicas utilizadas para se
obter dados dos participantes são a entrevista, os questionários de elicitação, a
observação dos participantes etc (1990:62).
Os instrumentos que foram utilizados neste estudo são:
- diários reflexivos elaborados pelos alunos participantes da pesquisa acerca
das aulas, do curso etc;
- transcrição de algumas das falas dos participantes em situação de
esclarecimento de afirmações realizadas nos diários reflexivos ou em
conversas informais,
- observação participativa das aulas;
- diários elaborados por mim antes, durante e depois das aulas em que atuei
acerca das minhas impressões acerca do curso, dos alunos e questões ligadas
146
ao envelhecimento.
Os instrumentos utilizados para a coleta dos dados que compõem este
estudo poderiam estar presentes em variados tipos de pesquisa, contudo é a
busca pela essência contida em cada declaração ou percepção, já citada
anteriormente, é que caracterizará o fenômeno.
A seguir, podemos observar algumas características dos instrumentos por
mim utilizados, tomando como base a abordagem fenomenológica:
A - Entrevistas
Segundo van Manen (1990:66) a entrevista serve para vários propósitos:
1 Pode ser utilizada como um modo de explorar e reunir
materiais narrativos de experiências que podem servir
como uma fonte para o desenvolvimento de uma mais
rica e profunda compreensão de um fenômeno humano;
2 A entrevista pode ser utilizada como um veículo para
desenvolver uma relação conversacional com um
companheiro (entrevistado) sobre o significado da
experiência.
As entrevistas realizadas com este grupo foram orais e escritas.
As mesmas foram realizadas no percurso do desenvolvimento desta
pesquisa, sempre após a leitura, por mim - o professor participante-, dos diários
reflexivos dos participantes e para a elucidação de algumas vidas minhas,
após a realização das aulas.
Neste aspecto, van Manen (1990) acredita que a realização de
entrevistas com os participantes pode resolver questões que ficaram confusas
ou não muito claras para o pesquisador, trazendo, assim, o esclarecimento de
afirmações feitas pelos participantes ou, até mesmo, indicando novos caminhos
para a realização da pesquisa, pois algumas vezes é muito mais cil falar do
que escrever sobre uma experiência pessoal pois escrever força a pessoa a
147
uma atitude mais reflexiva, o que pode “maquiar” algumas situações vividas.
(1990:66-67).
B - Observação
Segundo o mesmo autor, a observação realizada de modo bastante
próximo do objeto da pesquisa permite ao pesquisador entrar no mundo da
pessoa cujas experiências são relevantes para a pesquisa. Van Manen salienta
que o melhor modo de entrar neste mundo do pesquisado é participando dele.
Van Manen ressalta que,
“... esta observação envolve uma atitude de assumir uma relação o
mais próxima possível enquanto mantém um alerta hermenêutico a
todas as situações que nos permitam retroceder e refletir sobre os
significados destas situações...”.(van Manen, 1990:69)
Desta forma, a observação que foi realizada me permitiu, neste estudo,
atuar como participante e observador, ao mesmo tempo, das situações de
observação da atuação dos participantes da pesquisa em sala de aula, bem
como das discussões com o grupo em momentos mais informais de cada uma
das aulas realizadas.
As observações foram registradas em forma de notas de campo para
que depois fossem expandidas em reflexões apontadas nos diários reflexivos.
C – Diários reflexivos
Os diários reflexivos elaborados pelos participantes da pesquisa
(pesquisador e pesquisados) são um instrumento de alta relevância para a
análise das transformações no grupo envolvido neste estudo.
De acordo com van Manen (1990), a elaboração de um diário pode
auxiliar uma pessoa a refletir sobre aspectos significativos de sua vida
profissional, passada ou presente. Este processo de escrita pode auxiliar o
profissional a determinar seus objetivos futuros por facilitar um processo de
autodescoberta.
148
Segundo ele, em um diário o participante precisa descrever a
experiência vivida de forma intensa, seus sentimentos, seu humor naquele
momento, suas emoções etc; focando suas atenções a um particular
acontecimento, tentando não “enfeitá-lo” com frases que podem mascarar o
que realmente aconteceu (1990:64-65)
Nas discussões que foram realizadas após a leitura de algumas das
declarações feitas pelos participantes, pude comprovar que a confecção de
diários reflexivos por parte de alguém é um instrumento que pode ser
altamente eficaz na construção de um cidadão reflexivo, pelo fato de
proporcionar a possibilidade de refletir sobre uma ação já realizada.
De acordo com van Manen (1990:124), o processo de escrita media a
reflexão na ação. Isto significa que o método de pesquisa com base na
fenomenologia “limita-se” a descrever o ato pedagógico e fornece meios para
refletir sobre ele, incluindo nisso as causas que levaram a este resultado.
Segundo van Manen (1990:125) ,“... a escrita fixa os pensamentos no
papel. Ela externaliza o que de algum modo está interno...”.
Portanto, o método aqui utilizado é o da escrita desencadeada por
processos reflexivos.
Solicitei aos alunos que escrevessem suas impressões sobre seu
próprio processo de aprendizado na sala de aula de língua inglesa, sobre as
repercussões deste aprendizado em sua vida particular e o que percebiam de
reação em pessoas de seu contexto imediato acerca do aprender inglês em
uma fase reconhecida pelos outros como “desfavorecida para o aprendizado”.
Qualquer momento era considerado propício para este exercício de
escrita: início de aula (para que fossem apuradas expectativas iniciais acerca
de algo), meio de aula (para se apurar trajetórias de aprendizado), final de
aulas (para reflexão sobre processos “finalizados”), em casa ou qualquer outro
ambiente que lhes favorecesse a escrita reflexiva.
O desenvolvimento da capacidade reflexiva destes alunos participantes
pode ser observada pela relevância das informações fornecidas por eles e que
podem ser constatadas em suas declarações que passarei a reproduzir e
estudar na seção de análise de dados.
149
De acordo com van Manen, “... a metodologia da fenomenologia é
muito mais um cuidadoso cultivo do pensamento do que uma técnica. A
fenomenologia tem sido chamada de uma técnica sem técnicas...” (van Manen,
1990:131).
A metodologia fenomenológica requer um dialético ir e vir entre vários
níveis de questionamento. Para que possamos justificar a complexidade e
ambigüidade da experiência da vida no mundo, escrever pode tornar-se um
complexo processo de reescrita que seria caracterizada pelo re-pensar, re-fletir
e re-conhecer.
Passo, neste momento, à luz da fundamentação teórica e da
metodologia anteriormente apresentadas, realizar a análise dos dados obtidos
com o grupo que é foco deste estudo e a partir de reflexões minhas no decorrer
do já citado curso de inglês, voltado a uma comunidade de idosos na cidade de
São Paulo.
150
151
De repente, após 60 anos, estou na terceira idade.
“ Felizes aqueles que encaram a velhice como mais uma etapa da vida e a
vivenciam com paz no coração.
Felizes são aqueles que consideram a vida um contínuo processo de
mudança e as crises como oportunidades de crescimento.
Felizes são os idosos que descobrem o poder que possuem para
transformar suas próprias vidas e que desfrutam da liberdade que este
poder lhes dá.
Felizes são aqueles que acreditam na importância de sua atuação no
processo de aprimoramento do planeta.
Felizes são os idosos que riem, cantam, dançam, pintam ( nem que seja o
sete), expressam seus sentimentos e suas potencialidades, seja lá de que
forma for.
Felizes são aqueles que, apesar das limitações que a idade traz, cuidam
com carinho de seus corpos, de seus pensamentos, de suas emoções, de
seu espírito e de seu lazer.
Felizes daqueles que sabem compartilhar, porque tudo aquilo que é
compartilhado é infinitamente aumentado.
Felizes, por fim, são aqueles que entendem que a vida se faz a cada
momento, com vitórias ou derrotas, e que tudo isso é parte do processo
evolutivo.”
Adaptação minha do texto de Ieda Lúcia L Pereira e Cora M. Vieira
(1996:17)
152
Neste capítulo, pretendo apresentar, descrever e analisar algumas
reflexões dos participantes envolvidos neste trabalho de pesquisa.
153
20 ou 30 anos não se ouvia falar na oficialização de parcerias entre pessoas do
mesmo sexo, clonagem de animais e seres humanos, lulas tronco e outras
coisas que nos pareciam muito mais objeto de filmes de ficção.
Ao lado de temas tão inovadores, poderíamos, também, pensar nas
novas formas de atuação e relação com pessoas de idades antes impossíveis
de serem atingidas. Se, há pouco tempo, pensar em formas de inclusão de
pessoas da terceira idade era algo nem mesmo comentado, imaginemos a
inclusão das pessoas da quarta idade que se tornam cada vez mais comuns
em nosso cotidiano, graças às novas tecnologias e drogas que prolongam,
muito satisfatoriamente, a vida de todos nós.
Descobrir que se chegou à terceira idade, ou seja, “aceitar a idéia de
que agora você é um idoso”,
154
participantes desta pesquisa considerando o contexto onde o trabalho de
pesquisa foi efetuado.
4.1 Pergunta 01 Qual o significado do “ser idoso” para esses
participantes?
Para responder a esta pergunta de pesquisa, três grandes temas podem
ser percebidos: o que é ser idoso, as visões negativas e positivas acerca da
velhice e a educação como elemento de resgate de uma identidade positiva
dos alunos.
Os temas acima citados foram identificados por sua relevância e
repetição com que apareceram nas declarações dos participantes, em suas
entrevistas orais transcritas e redação dos diários reflexivos.
Cheguei a estes temas pelo grau de importância e constância com que
alguns dados apareceram nesse momento da pesquisa. Transformei os
155
Como o estudo gira em torno do aprendizado e resgate de aspectos
ligados à cidadania de pessoas isso não seria possível, porém, os temas acima
(O que é ser idoso, as visões negativas e positivas acerca da velhice e a
educação como elemento de resgate de uma identidade positiva dos alunos)
são os que aparecem com maior ênfase neste momento da pesquisa.
Qual o significado do termo ser idoso colocado, inclusive, entre aspas na
pergunta acima?
Poderíamos interpretar este termo de duas maneiras diferentes: ser
idoso no sentido de ser humano idoso” ou de se estar idoso” em uma
determinada fase da vida.
Esta é uma interpretação muito pessoal e que cada leitor pode, e deve,
usar a que melhor lhe faça compreender o significado atribuído a esta fase da
vida pelos participantes deste estudo.
As pessoas ainda têm dificuldade com a palavra velhice, principalmente
pelo fato de que este termo é sempre associado a algo ruim.
A velhice é um termo impreciso e sua realidade é difícil de perceber.
Quando alguém se torna velho? Aos 50, 60, 70 ou 80 anos? Nada é mais
impreciso do que os parâmetros em que se enquadra a velhice em termos de
complexidade psicológica, fisiológica, cronológica ou moral.
Seria ética e moralmente correto classificarmos a velhice ou a juventude
de uma pessoa tomando como parâmetro suas artérias, seu cérebro, sua
facilidade, ou não, para se movimentar ou quantidade de anos que já se viveu?
É possível estabelecer conceitos aceitos como absolutos em relação ao
envelhecimento?
Acredito que ser velho ou estar velho depende, unicamente, de uma
tomada de decisões diante de situações impostas pela vida cotidiana, nada
mais, quando se está saudável. Neste aspecto é possível transformar a velhice
em juventude ou, o que é mais grave, a juventude em velhice.
Como anteriormente apontado, uma série de traços estigmatizadores
da velhice e que são evidenciados na literatura, ligados a valores depreciativos
como feiúra, doença, desesperança, solidão, tristeza, pobreza etc.
Os programas humorísticos da televisão, meio de comunicação mais
156
direto e influenciador de nossa geração, sempre tratam com escárnio a questão
da velhice ao lado das questões relativas a orientação sexual, pobreza,
consumo exagerado de álcool e outros temas que deveriam servir para educar
e não para criar estigmas.
Este é um dado importante, pois aspectos negativos relativos à velhice
dependem muito do grau de envolvimento destes idosos nos segmentos da
sociedade. A parte negativa da velhice é geralmente associada à sogra que
nada mais faz além de fazer fofocas e atormentar a vida do genro, da idosa
que o sai da igreja e que possui fantasias, às vezes inconfessáveis, ou do
velho malandro que corre atrás das empregadas domésticas.
Parece-me que o aspecto negativo da velhice está associado,
principalmente, a questões de perda de autonomia, auto-estima e identidade,
causados por rendas provenientes de uma aposentadoria ínfima, abandono por
parte da família e os extremos dos tratamentos dispensados aos idosos: da
vovozinha que precisa de ajuda para atravessar uma rua ou levantar-se de
uma cadeira, à velha lerda que anda lentamente atrapalhando nosso caminho.
Toda a carga negativa que se instala no cotidiano de uma parcela
considerável de nossos idosos causa, comumente, aspectos ligados às crises
de depressão e desistência de lutar por um lugar digno na sociedade. Como
anteriormente apontado, acredita-se que o passado dos idosos está
cristalizado, que vivem de lembranças de pessoas e fatos e que seu futuro é
limitado. Acredita-se, também, que seus projetos foram realizados ou foram
sendo gradativamente abandonados, decretando-se o encerramento de sua
vida ativa porque nada mais os solicita. A falta de ação acaba por desestimular
sua curiosidade e paixão. A morte acaba por se instalar nas pessoas idosas e
nas coisas que as cercam.
Poderíamos considerar esta desistência voluntária da vida como o
fenômeno da depressão. Causada pela insuficiente nutrição e irrigação dos
neurônios, a depressão é um dos causadores da tristeza que antecede o
desinteresse generalizado pelas coisas e, em muitos casos, o desejo de morte.
Para que estes sentimentos fossem combatidos, por ser uma iniciativa
de saúde preventiva, entre outras razões, é que foi criado o Estatuto do Idoso
157
que, dentre muitas coisas, orienta o olhar da sociedade em geral em relação ao
idoso.
Pela necessidade de criação desse Estatuto, podemos perceber que era
necessário um documento regulador na forma de tratamento de pessoas com
idade mais avançada e que pudesse regular os direitos de atendimento
preferencial desse segmento da sociedade. O que deveria ser uma questão de
educação geral da população precisou ter força de lei para que os idosos
pudessem ser enxergados e priorizados nas relações sociais.
O Estatuto do Idoso, que entrou em vigor em 2004, além de assegurar
uma série de direitos da população idosa, tem mostrado que os idosos
necessitam ser encarados como pessoas em desenvolvimento, como qualquer
outra em qualquer fase da vida.
Tanto isso é verdadeiro que muitas declarações dos idosos desta
pesquisa poderiam até mesmo soar como algo estranho para muitos:
“... procuro aprender coisas para cuidar da minha auto-estima.
Terminei pedagogia no ano passado. Fiz porque gostava. Não fiz
para melhorar na minha profissão, pois estava aposentada. Este é
meu objetivo: conhecimento, auto-conhecimento e conhecer gente
nova...” (BM 28/11/03 EN).
8
Outros complementos de lei, como o passe livre em transportes públicos
e meia entrada em cinemas e teatros, e estudos da áreas geriátrica e
gerontológica, mesmo que ainda timidamente, têm mostrado que, acima de
tudo, a criação de dispositivos que facilitem e melhorem a qualidade de vida da
população idosa é, acima de tudo, uma questão moral e ética.
A educação dos idosos passa necessariamente por estas duas questões
(moral e ética), pela necessidade de se rever o comportamento de toda a
sociedade, pautando suas formas de agir por regras mais apropriadas ou
dignas de serem cumpridas. Isso passa a refletir diretamente em questões
8
EN – Entrevista
DR – Diário reflexivo
Estas denominações serão utilizadas, doravante, para identificação das fontes de informações.
158
ligadas à igualdade de direitos e oportunidades dos indivíduos educando,
gradativamente, o olhar dos mais jovens em relação aos direitos e deveres dos
mais idosos.
Apesar de aparentemente ser linguagem comum nos discursos
correntes que todos os indivíduos possuem igualdade de direitos; diferenças
nas formas de aceitação da população idosa na sociedade costumam ser
vistas com naturalidade.
Muitos dos idosos participantes desta pesquisa ouviram tantas vezes,
em relação a eles próprios ou em relação a outros idosos, que são lentos,
doentes e que possuem grandes dificuldades de aprendizado ou passaram
do tempo de aprender coisas novas, que tomam estas declarações como algo
verdadeiro, aceitando esta aparente imposição geral e irrestrita como algo
concreto e sem alternativas de mudança.
De acordo com declarações dos participantes:
“... de um modo geral existe o preconceito de que pessoas com mais
idade são improdutivas ou incapazes. É bem verdade que temos
mesmo este tipo de característica, pois estamos cansados...” (BM,
29/08/03-DR).
“... acho muito desrespeito com o idoso, mas por outro lado, o idoso
deixa de fazer atividades fora do lar e isso o torna rejeitado,
esquecido por todo mundo...” (IB, 29/08/03-DR)
Ao mesmo tempo em que as pessoas desta faixa etária ficam irritadas
com os comentários negativos das pessoas mais jovens, em relação às suas
capacidades de renovarem-se e aprenderem coisas novas, acabam tomando
algumas observações, sem fundamento, das pessoas com quem convivem
como um tipo de “decreto” sobre suas capacidades individuais.
“... acho difícil que conseguir aprender algo nesta fase da vida.
Minha cabeça não ajuda muito, pois esqueço com facilidade por
causa da idade. Todo mundo na minha idade esquece as coisas
rapidamente, por isso não sei se vou conseguir aprender alguma
159
coisa...” (MZ 29/08/03-DR).
“... as pessoas acham que somos ultrapassados e que nosso tempo
passou. Acham que devemos passar o dia tricotando como a Dona
Benta do Sítio do Picapau Amarelo...” (SL 29/08/03-DR).
O registro corporal é, sem dúvida, aquele que caracteriza uma pessoa
com idade mais avançada. A este rol de características poderíamos citar a
calvície, rugas e os reflexos mais lentos. Ocorre, que se pode ter estes indícios
sem ser cronologicamente velho, como se pode ter uma idade bastante
avançada sem aparentar ou enquadrar-se a padrões pré-estabelecidos, nem
em relação a sua aparência e nem em relação às suas capacidades
individuais.
Ninguém gosta de ser tachado de absolutamente nada.
A idéia consagrada popularmente de que todo gordo é bonzinho e
engraçado, de que toda mulher bonita é burra, de que todo feio é inteligente, ou
que todo cientista tem que ser louco e ter cabelos como os de Einstein, podem
demonstrar bem a gravidade das imagens sociais que as pessoas têm de
alguns segmentos da sociedade. Isso se aplica, também, ao velhinho bonzinho
e sem perspectiva além de esperar o tempo passar.
Oliveira (2004:19) aponta que um grande sofrimento ético-político
gerado pela situação social de ser o indivíduo tratado como inferior e sem
valor, impedindo-o de desenvolver seu potencial humano. Singer (2002:54),
também aponta que esses tipos de observação contribuem para criar um
sentimento de desesperança entre os membros de qualquer grupo
desfavorecido, por pautarem-se na opinião alheia.
Todo este contexto acaba por gerar um processo de luta
acentuadamente apoiado na ética, buscando a construção de uma identidade
positiva na existência humana.
Como apontado por Freire (1997:46) uma das tarefas mais
importantes na educação é a de propiciar condições para que os educandos,
em suas relações com seus pares no contexto escolar, possam assumir-se.
Assumir-se como ser social, pensante, comunicante, transformador etc.
160
Este tipo de educação é que levará seus participantes a um processo de
luta contra a desvalorização do ser humano idoso que, como visto
anteriormente, é um fato historicamente constituido, iniciado no princípio da
humanidade e que ainda repercute nos dias de hoje, em pleno século XXI.
É uma luta contra a exclusão social, pela vida, pela humanização das
relações entre os homens. É um compromisso moral e ético, acima de tudo.
O direito a uma imagem digna é vital para que o idoso brasileiro seja
realmente respeitado por toda a sociedade e, principalmente, para que sua
identidade-cidadã seja construída sem caricaturas.
Isso sim é respeito.
Isso sim é cidadania.
Isso sim é priorizar o compromisso moral e ético que toda sociedade
democrática deve ressaltar nas relações interpessoais entre seus
componentes.
De acordo com Duny (2002) e Bittar (2004), a emancipação do outro e
sua participação em relações de igualdade se a partir da ação, dos erros e
acertos, elaborando-se um processo contínuo de crescimento ético-reflexivo,
facilitando, desta maneira, os modos pelos quais as interações humanas se
engrandecem.
Ainda de acordo com Bittar (2004:05), não ética fora do imperativo
ação-decisão.
Na verdade, todos, independentemente da idade em que estão, querem
viver mais e melhor. No grupo de idosos estudado, sempre ficou muito claro
que todos desejam viver de modo cada vez mais pleno, que os desejos
pessoais nunca são satisfeitos e que sempre algo novo ou diferente para se
descobrir na vida.
Não que a velhice não assuste. É apenas o modo de encarar a velhice
que deve ser revisto. Começamos a envelhecer a partir do momento em que
nascemos. Ainda persiste na visão popular, em pleno século XXI, a idéia de
que envelhecemos somente a partir de uma certa idade, quando, teoricamente,
começamos a caminhar para a etapa final de nossas vidas. Isso, devemos
compreender, não é uma verdade absoluta.
161
A velhice, como etapa estigmatizadora, não está necessariamente ligada
à idade cronológica. Os traços estigmatizadores da velhice ligam-se a fatores
depreciativos de ordem externa, coisas que a sociedade impõe a determinados
grupos sociais.
Um misto de perplexidade e tristeza pode ser percebido no relato da
participante abaixo. A mesma se com as mãos atadas para continuar
atuando de forma útil na sociedade, mas, ao mesmo tempo, ela, apesar das
adversidades, luta constantemente para estar inserida em atividades que lhe
traga prazer e a faça se sentir útil de alguma forma. Segundo seu depoimento:
“... ficar em casa vendo televisão me deprime. Quando fui dar baixa
no meu Coren (ela era enfermeira), me disseram que não podia mais
atuar como enfermeira. Não quero ser inútil. Se permitir, a sociedade
vai me deixar de escanteio. Queria ser voluntária, aplicar injeções,
mas o Coren disse que não, o posso mais. Os primeiros quinze
dias que me aposentei me senti uma inútil, uma mendiga que recebia
uma aposentadoria mensal esperando um mal súbito e a morte. o
mereço isso! Enquanto não estiver inválida vou continuar atuando na
sociedade. Os mais jovens vão ter que me agüentar..
162
Sempre fica a sensação de que os idosos estão sendo deixados para
trás.
Segundo a participante MZ desta pesquisa
"... os jovens ainda não têm muita paciência com os velhos. Estão
sempre com muita pressa, mesmo que não saibam o porquê dessa
pressa. Temos mais resignação com os prós e os contras que a vida
nos dá ...."(16/03/04-DR).
Por outro lado existe um idoso com outra “cara” que é atuante,
inteligente, desenvolto e que nunca é lembrado quando pensamos em nomear
pessoas idosas. São pessoas do quilate de Fernando Henrique Cardoso,
Gilberto Gil, Caetano Veloso, Fernanda Montenegro, Silvio Santos ou Abílio
Diniz que já estão na terceira idade.
Caracteriza-se, pelos nomes citados acima, ainda mais o perfil do termo
terceira idade como sinônimo de envelhecimento participante, ativo e
independente; transformando-se em um período da vida onde a ociosidade é
substituída pelo dinamismo e integração à sociedade.
De acordo com uma das participantes da pesquisa,
“... aprender algo é bom porque se eu não fizer alguma atividade vou
ficar pensando em coisas ruins, doenças ou fazendo fofoca. Prefiro
ocupar minha cabeça aprendendo uma língua nova. É mais
inteligente...” (DM 28/11/03 EN ).
“... cada dia que passa minha vida fica mais curta e por isso tenho que
estudar muito. Toda atividade que puder fazer enquanto tiver saúde,
eu faço: faço ginástica, inglês, hidroginástica e canto no coral. Viver
bem é isso: poder fazer coisas, tirar meu atraso...” (IB 28/11/03 EN).
Este é o perfil dos componentes da terceira idade que desejamos. Uma
fase em que a idéia de velhice foi bem incorporada como uma fase de
desenvolvimento, o que é extremamente positivo.
Percebemos, com maior intensidade, que a velhice se estabelece, de
modo geral, a partir da aposentadoria quando o indivíduo se encontra fora do
163
processo produtivo formal marcando o processo de desengajamento, à medida
diminuem os relacionamentos sociais.
O processo de aposentadoria marca não o encerramento de algumas
relações sociais com profissionais da mesma área em que se atuou, algumas
vezes, por várias décadas, mas também, com a diminuição do poder de
compra, da possibilidade de se viajar para onde se quer ou da falta de hábito
de se lidar com o tempo livre que se passa a possuir.
Tradicionalmente, é através de sua ocupação e de seu salário que o
indivíduo define sua própria identidade. Ao retirar-se do mercado formal, a
perde. Como observado no depoimento da participante CL, transcrito acima,
um profissional, independentemente de sua trajetória e competência, não é
mais um profissional, não é mais nada além de aposentado; e ser aposentado
consiste em não ter mais papel algum, perdendo, deste modo, o lugar que lhe
cabia na sociedade e a conseqüente dignidade que possuía.
Para eles, os idosos, o impulso inicial ao se começar um novo projeto na
comunidade onde vivem era sempre colocar à prova sua criatividade. Parece-
me que viver criativamente significa, neste grupo, viver sem rotinas rígidas e
imutáveis. Significa viver com flexibilidade, inventando novas respostas para
situações já consagradas da vida moderna.
Segundo uma das participantes,
“... quem sabe aprendendo coisas diferentes poderei ser uma vovó
diferente. Quem sabe, por exemplo, aprendendo inglês, quando tiver
netos, ensino para eles. Não quero ser uma vovó que sabe tricotar e
quer ensinar tricô para uma neta que não vai querer aprender. Prefiro
ser uma vovó que sabe inglês...” (TB 28/11/03 EN).
Vemos, pela declaração acima, que o aprendizado é um importante
veículo para o desenvolvimento e transformação de identidades e que o papel
das comunidades de aprendizagem, onde esses educandos estão inseridos, é
de extrema importância para a construção, ou reconstrução, de suas
identidades como aprendizes e como cidadãos.
Percebe-se que, nos componentes do grupo estudado tomando-se como
164
base o comentário acima descrito, existe um processo de modernização nas
concepções sobre o envelhecimento para esses indivíduos. Vemos que não há
o desejo da participante TB em ensinar algo, que em sua própria visão de
mundo, é ultrapassado. Que coisas mais modernas no mundo atual que
pode lhe oferecer um passaporte para que se aproxime de forma mais
significativa e atual de seus netos.
A velhice, ao contrário das demais fases da vida, não tem um papel
definido, surgindo daí, o grande desafio desta nova geração de idosos, que é a
de criar seu próprio papel nessa etapa da vida, modernizando alguns aspectos
de sua existência para que não sejam deixados para trás, por serem
antiquados.
Recordo-me muito bem de uma das participantes do grupo que, certa
vez, me disse que leu na Internet um texto que dava dez dicas importantes
para que as pessoas vivessem até os 200 anos. Ela me disse que seguia sete
dessas dicas e, portanto, tinha certeza que viveria além dos 100 anos. Isso
daria a ela, pelo menos, mais 24 anos de vida. Ela sempre dizia que não
pretendia morrer logo, pois tinha inúmeras coisas, ainda, para desenvolver.
Ao contar esta história para minha mãe, ela me disse que essa era a
parte ruim de envelhecer, que a vida tornava-se diferente, com muitas
dificuldades e que sempre ficava a sensação de que havia muito ainda para se
fazer e que talvez o tempo não permitisse que se fizesse tudo o que havia se
proposto. De repente, minha mãe interrompeu o que estava dizendo com um
semblante jovial e disse:“... quando será que começa a hidroginástica?...”.
Engraçado... ela, também, tem muita coisa, ainda, para fazer...
O desenvolvimento de uma identidade positiva acerca de seu próprio
envelhecimento cria nos indivíduos o espírito de disponibilidade para o
aprendizado com a conseqüente quebra de preconceitos e estereótipos, dando
continuidade a seu exercício de cidadania.
Muitos idosos, atualmente, enriquecem seu dia-a-dia com atividades que
não permitem que fiquem, o dia todo, assistindo televisão e pensando em
doenças ou outras coisas ruins.
Segundo depoimentos,
165
"... atualmente as pessoas vivem mais. Dessa forma parece que,
hoje, uma pessoa de 50 ou 60 anos não aparenta ter esta idade.
Antigamente uma pessoa dessa idade já seria muito, mas muito,
velha..."(DF 24/09/04-DR)
ou
"... na época dos meus pais ter mais de 50 anos era definitivamente
ser velho, de corpo e alma. Principalmente para as mulheres que
haviam sido reprimidas a vida inteira, depois dos 50 anos, ir além da
cozinha, era considerado um escândalo...” (RA 24/09/2004-DR)
Conforme Freire, em seu conjunto de obras aqui estudadas e tomadas
como referência, o homem é um ser de relações sociais e, portanto, está em
constante movimento. O indivíduo constitui seu mundo interno, na medida em
que atua e transforma o seu mundo externo pra que melhor se adapte a
situações diversas, em um processo ininterrupto de definição do próprio ser.
Desta maneira, a identidade do idoso é um processo contínuo de construção
no qual se leva em conta as representações de como ele está atuando no
mundo que o cerca.
Não é diferente dos processos de constituição de qualquer pessoa em
qualquer fase de sua vida. O diferente é que isso não era levado em
consideração quando se pensava na terceira idade. A idade tradicionalmente
concebida com a idade do “nada a fazer”.
É bastante comum encontrarmos idosos que enxergam nos amigos a
possibilidade de conviver de forma mais saudável e significativa, transferindo a
eles questões emotivas e sentimentais que deveriam estar dedicadas,
tradicionalmente, aos seus familiares.
Segundo depoimentos de alguns participantes da pesquisa vemos que:
"... a convivência que tenho com minhas amigas me fez amadurecer,
ter paciência e principalmente me sentir menos solitária e valorizar e
amar a vida ... o que mais me chama a atenção é que elas estão
166
sempre dispostas, sempre amigáveis e alegres. Gostam de viajar,
passear, cantar, dançar e comer... na maioria das vezes encontro
pessoas viúvas que sofreram no passado, mas isso é passado..."(RA
12/04/04-DR)
"... para mim a amizade é diferente com o passar dos anos. Na
primeira infância são os amigos da escola, do bairro. Depois os
amigos da faculdade. Na fase adulta são os amigos do trabalho, e a
família. Mas é na terceira idade onde encontramos novos ou velhos
amigos; que encontramos pessoas com os mesmos ideais,
problemas, mas com mais tempo para se curtir uma amizade
sincera... (CL 02/04/04-DR).
Percebemos a importância da reunião dessas pessoas em grupos
ligados por afinidades de aprendizado pelo fato desses momentos serem
extremamente propícios a integração, a interação entre as pessoas. Muitas
vezes esses encontros suprem uma necessidade de interação que estas
pessoas desenvolveram durante todo um percurso de vida e que não
possuem mais com tanta ênfase em suas relações familiares.
Os institutos, centros e escolas, voltadas ao desenvolvimento exclusivo
de atividades destinadas à terceira idade, exercem um papel muito forte não só
no processo educativo contínuo desta população, mas, também, na
socialização destes indivíduos. A educação, neste aspecto, pode servir como
uma forte aliada para que o idoso seja, novamente, trazido “à vida” e possa
dela participar de modo significativo e atuante.
Reforça-se, deste modo, a questão de que é necessário, sempre,
possuirmos uma rede de interações com pessoas teoricamente diferentes de
nós, para que possamos dar prosseguimento em nossa trajetória de evolução,
aprendendo com outras pessoas coisas que podem ir desde um melhor
relacionar-se com o outro ou, até mesmo, uma língua estrangeira, a exemplo
do presente estudo.
Esta é uma questão altamente significativa, pois na opinião da maioria
dos gerontólogos é psicologicamente e sociologicamente impossível viver os
últimos vinte anos de vida em boas condições físicas sem que se desempenhe
alguma atividade útil.
167
Neste quadro podemos nos reportar à teoria vygotskiana (1993/1994)
que prioriza as relações entre os indivíduos e dos indivíduos com o mundo. O
processo de desenvolvimento dos indivíduos, para Vygotsky, é socialmente
construído, ocorrendo em um contexto em meio a interações sociais, entre
indivíduos historicamente constituídos: o outro desempenha um papel muito
importante no processo de internalização, sendo esta interação a chave do
aprendizado. Nesta abordagem, enfatiza-se a interação entre desenvolvimento
e aprendizagem, aspectos que estão inter-relacionados desde o primeiro dia de
vida do ser humano.
Esta teoria é concretamente reforçada, neste estudo, pela declaração de
uma das participantes:
“... comecei a procurar algo para ocupar meu tempo. Quero aprender
inglês porque quando era mais jovem trabalhei no Japão durante 2
anos e se soubesse inglês teria arrumado um emprego melhor...aqui
na paróquia tem cursos de tricô, crochê, pintura, mas eu não gosto.
Vou ficar quieta fazendo um trabalho sozinha. No inglês vou ter que
falar o tempo todo com outras pessoas. É mais interessante! Se
aprender tricô, por exemplo, vou acabar fazendo algo para alguém.
Se aprender inglês vou fazer algo para mim...” (CL 28/11/03 EN).
Importante ressaltar que a participante acima vê com grande importância
o fato de que pode fazer algo para si mesma nesta fase da vida. É claro que
uma melhor convivência com os familiares é importante para cada um deles,
mas fazer algo que seja importante para sua realização pessoal também é
relevante para esta participante, assim como para a maioria dos demais, e isso
pode ser observado em todas as suas declarações.
Aprender neste sentido possui uma dupla função: melhorar sua
interação com a família ou outros membros da sociedade onde estão inseridos e
para que eles possam sentir-se importantes e atuantes.
A maioria dos centros de convivência ou escolas para a terceira idade
têm, como objetivo, atualizar os conhecimentos dos idosos, visando sua
participação no meio social onde vivem pois, assim como a passagem da
infância para a adolescência, a passagem da vida adulta para a terceira idade
168
deve ser cercada de cuidados, preparos e orientações para que,
conscientemente, a pessoa, sujeito do processo de envelhecimento, possa ter
o direito de escolha de como atuar neste período da vida. Possa optar pelo
modo como deseja envelhecer: sadio ou não, feliz ou não, solitário ou não,
enfim, participativo ou não.
Ferrigno (2003:86/87) afirma que o grande trunfo de qualquer atividade
que vise à educação da população idosa é o de propiciar ao cidadão a
redescoberta de interesses que, uma vez assumidos, possam reequilibrá-lo
socialmente, retardando as modificações físicas e emocionais advindas da
chegada da velhice.
Muitas razões poderiam ser apresentadas como justificativa para que
essas pessoas tomassem a decisão de voltar a estudar após um grande
intervalo em suas vidas. Essas pessoas, na maioria dos casos, procuram voltar
à escola para desenvolver-se por prazer, não ficarem fechadas dentro de casa,
trocarem idéias com pessoas de sua faixa etária, viverem situações
interessantes, vencer a solidão, combater a tristeza e a desesperança
causadas pela depressão, preencher “espaços vazios” de sua rotina diária ou
melhorar a convivência familiar. Muitos idosos, cada vez mais, dedicam-se a
fazer ginástica, participar de caminhadas, montar grupos para irem ao cinema
ou teatro, além de excursões e outras atividades de lazer coletivas.
Aprender algo nesta fase da vida, além dos objetos tradicionalmente
reservados e destinados aos idosos, como bordar, pintar ou jogar dominó,
torna-se algo que sempre causa profunda estranheza não só aos próprios
componentes destas faixas etárias mas, e principalmente, aos mais jovens.
Isso deve-se ao fato de que o senso comum indica que esta fase da vida
é reservada ao descanso e recolhimento e não para que se aproprie de novos
conhecimentos.
Aprender para quê? Esta é sempre a pergunta que se ouve ou se faz
quando nos deparamos com pessoas que ainda possuem o desejo de aprender
algo fora dos padrões estabelecidos para eles.
Este tipo de sentimento, que os outros possuem em relação ao
aprendizado dos idosos, está bastante explícito nas declarações dos
169
participantes da pesquisa:
“... acham que não temos condições de aprender alguma coisa,
principalmente se estamos aposentados. Aprender para quê? Melhor
ver televisão e ser motorista dos netos...” (LC 29/08/03-DR).
“... de um modo geral existe o preconceito de que as pessoas com
mais idade o improdutivas e incapazes. Tenho mais de 65 anos e
sou ativa, interessada e busco sempre novas atividades físicas e
intelectuais. Fico tão irritada com esta gente...” (IB, 29/08/03-DR).
Percebe-se, pelos comentários acima, que é muito forte, nas
concepções destes participantes, a idéia de que as pessoas que as rodeiam
as consideram completas, com um dever cumprido, sem a necessidade de
experimentarem mais nada de novo em sua existência. Fica claro, também,
que o é esta a vontade que estas pessoas possuem. Que suas vidas, por
não estarem encerradas, ainda necessitam de coisas novas e que as façam
sentir que há, ainda, um significado em envelhecer.
“... é horrível quando digo que ainda faço outras atividades e a
pessoa me olha como se eu fosse uma desocupada, sem nada
melhor o que fazer na vida...” (BM 29/08/03-DR).
“... acho que algumas pessoas pensam: que velha estranha...” (DM
29/08/03-DR).
“... acho que quando se fala em pessoas da terceira idade, logo vem
a idéia do raciocínio mais lento, menos agilidade, problemas de
saúde e começa o preconceito. Ainda bem que isso não é verdade
pois podemos fazer de tudo e com mais experiência...(LC 29/08/03-
DR).
“... o que acontece, hoje, é que as pessoas estão muito presas a
questões de aparência, ao invés de levar em conta a sensibilidade,
conhecimento e informação que a idade proporciona às
pessoas...” (RA 19/03/04-DR).
170
A reação das pessoas ao se depararem com idosos que desejam ir além
dos limites impostos a eles deveria ser focada em outros aspectos de seu
comportamento, pois o que tive a oportunidade de perceber no grupo estudado,
é que todos sentiam um prazer imenso de estarem ali reunidos semanalmente,
o que muitas vezes, não percebo com muita clareza nos jovens com quem atuo
na escola de ensino fundamental e médio ou na universidade.
Torna-se claro que a educação, antes percebida como um bem apenas
a ser conquistado e desenvolvido nos períodos iniciais da vida dos seres
humanos, passa cada vez mais, a fazer parte do cotidiano de muitas pessoas
fora do período “normal” de aprendizagem.
Cm
171
Esta é a raiz da educação permanente.
Freire (1983) já dizia que a educação é uma resposta da finitude a
infinitude.
Mesmo com a carga negativa que, muitas vezes, é projetada sobre os
idosos que ainda sentem as mesmas vontades e ambições que os mais jovens,
percebe-se, claramente que no grupo estudado as pessoas sempre desejam
viver mais e melhor. Esta percepção é claramente expressa em seus diários
reflexivos:
“... não tenho dificuldades para aprender coisas novas, pois tenho,
agora, mais tempo para refletir e raciocinar sobre meu aprendizado...”
(LC 29/08/03-DR).
“... acho que agora aprendo mais facilmente, pois com mais
maturidade e interesse as coisas ficam mais fáceis, apesar de
esquecer algumas coisas, às vezes...” (RA 29/08/03-DR).
“... apesar de perceber que tenho mais dificuldade de concentração,
acho que o fato de eu querer aprender por livre iniciativa, e não por
imposição, é um ponto muito positivo...” (DF 29/08/03-DR).
Realmente, as tarefas significativas e desenvolvidas por simples prazer
são, principalmente nesta faixa etária, decisivas para impor um ritmo mais
acelerado e permanente ao aprendizado.
Lima (2000:92) discutia o papel das emoções no desenvolvimento do
indivíduo e no seu processo de cognição. Isso significa que quanto maior o
comprometimento do idoso em atividades que lhe traga prazer em executar,
melhor será sua atuação ao executar e resolver problemas, o que o auxiliará de
modo muito significativo a abstrair as informações recebidas por mais tempo e
transformá-las em conhecimento útil para seu dia-a-dia.
Segundo os participantes,
“... o que as pessoas pensam não me interessa. O importante é que
eu esteja feliz estudando aqui... acho que estudar uma língua agora é
tão difícil quanto era quando eu era jovem. É uma questão de
172
querer estudar bastante...” (BM 29/08/03-DR).
“... acho que voltar a estudar é resgatar minha auto-estima, pois vou
voltar a treinar minha memória. Sei que será prazeroso. Me sinto nas
aulas como uma adolescente no auge...” (DF 29/08/03-DR).
“... para mim estudar é ótimo pois tudo o que envolve o raciocínio, a
leitura, o aprendizado, só nos faz bem. É bom para a memória... Até
nossa convivência com os colegas é muito boa...” (SL 29/08/03-DR).
Este tipo de percepção dos idosos acerca dos benefícios que o
aprendizado pode lhes o,2-4.33056(n)5.67535(d)-4.34.33117(s)-0.295585(o356(n)5.67535(d)-4.34.33117(s)3339(i)5(o)1.447.8759(h85-(c)-0.295.1422(-)-4.55617(D)-1.39(o)1.4422(m)-22.9486( )0T517(r)2.8052(m)7(ç)9.71154(ã)74(e)-4.33[(L)1.4422( )0..55617(.)278.003]TJ/R14 12 Tf(c)-6..55617(.)27721099(”)4.672 0 Td[(c)-0.2617(b222(/)0.72129(c)-6.33537(o)1.442.804.805(e)-4g(a)1.44)-6.g5g(a)1.44)-6.g(r)2117(d)-4.33117(o)-4.33117n)1.4424(db6125(n)Q33117(d)-4.33117(o)-4.424(6d64)-6)-4.33117(7(z)9.7103Td.721099(n)-10.6134(i.58.r)2117(d)-222416)-4.33117nd721099(o)1.4422( )0.34 573.2 Tm1.4424(db6125(n)Q33173( 0.295585(o356(n)5.6750 0 cm0(n)1.4422(d)-10.6134( 0.295585v73.2 Tm1.4424(db6125()-10.61356(n)5.6750 0 cm0(n)14(d)-441329951u1)-10.61140.72129(c)-6.33.2)A1.6125(b)1.4422(o)1.4422(m)-22.94861(3)1.4422(-)-4.55617(D)-1.336Se)1.4422(i))-2.16558(rí4(db6125()-10.61351.4424(db6125(n)Q33112n)1.4424(d(o)1.4422(m)-2e)1.4422(i21099(o)1.4422( )06125(n)Q331125()-922(-)-4.55617(D)-1.9”)o)1.4422( )06125(n)e360.092(n)5.672 0 T9(c)-6.33.2)A1.6125z125(n)Q3311L)-1.9” -Dno
173
treino faz com que a pessoa mantenha sua capacidade de uso da memória.
De fato, envelhecer de modo satisfatório depende do sutil equilíbrio entre
as limitações e potencialidades de cada um, pois isso possibilitará ao idoso
criar mecanismos internos para lidar com as perdas inevitáveis do
envelhecimento.
Na verdade, nem todas as pessoas que envelhecem terão problemas
com a memória. A maioria chegará aos períodos mais longevos da existência
gozando de plena consciência e equilíbrio mental. Sabe-se que quanto mais foi
desenvolvida a atividade mental e intelectual, não necessariamente a
escolaridade, quanto mais o indivíduo usou seu cérebro, quanto mais
exercícios mentais fez, menor a probabilidade de desenvolver algum tipo de
demência. E, se desenvolver, o início do aparecimento dos sintomas será
postergado. Deste modo, a popular lei de uso e desuso é perfeitamente cabível
neste contexto.
O fato é que o desenvolvimento e manutenção do cérebro em boas
condições, é reflexo de fatores orgânicos e sociais. Deste modo, o idoso que
tinha como meta após anos e anos de trabalho e poucas horas de sono,
colocar um pijama e ficar em casa após a aposentadoria, ou a idosa cuja
grande atividade mental é o cotidiano da cozinha ou uma sessão de bordados
ou tricô no final do dia, estarão permitindo que haja uma regressão na
capacidade cerebral da ação de seus neurônios.
Atividades renovadas, novas vivências e convivências e projetos
renovados serão sempre muito bem vindos, quando o assunto é a preservação
das atividades cerebrais.
Muitos estudos apontam que os lapsos de memória, típicos da idade
mais avançada, podem ser evitados, pelo menos em grande parte, se os
idosos praticarem exercícios cerebrais. A dica, para isso, é manter o cérebro
ocupado.
Os próprios participantes deste estudo demonstram acreditar que o
cérebro necessita de um auxílio para que possam manter-se em boas
condições de raciocínio.
De acordo com os participantes,
174
“... aprender ajuda o raciocínio. Quem estuda e essempre lendo,
acho, não fica esclerosada...”.(MZ 25/06/04 EN)
Ou ainda,
“... quero manter meus neurônios ativos. Aprender é uma forma de
não envelhecer. Do que adianta passar cremes no rosto se o que
tenho dentro da cabeça não acompanha o mundo. Aprender é um
tipo de creme rejuvenescedor do cérebro...” (RA 28/11/03 EN).
Segundo especialistas da área de neurologia, o sistema nervoso, que
controla toda a nossa capacidade de memorizar funciona como os músculos do
corpo. Isso quer dizer que a melhor forma de se preservar a memória e a
capacidade cognitiva, apesar do avanço do tempo, é exercitando-se o cérebro
constantemente. E o melhor tipo de estímulo para o cérebro é mantermos,
sempre viva, a capacidade de reflexão crítica sobre o mundo que nos cerca.
O desenvolvimento dos estudos da área das neurociências concede ao
homem renovadas possibilidades de compreensão do cérebro humano,
ajudando a derrubar preconceitos. Um dos preconceitos que está sendo
vencido é o de que o envelhecimento traz, sem possibilidade de se contrariar
esta sentença, o declínio das capacidades mentais.
Isso depende da forma como se envelhece.
Estudos da área da neurologia têm mostrado que o desenvolvimento do
cérebro e seu funcionamento podem oferecer uma melhora considerável se
houver uma combinação de fatores culturais, sociais, de trabalho e de
atividades de lazer. Assim, manter o cérebro em boas condições é reflexo de
fatores orgânicos e sociais.
Além de fatores ligados ao resgate da auto-estima por meio da volta aos
bancos escolares, sempre nas declarações dos idosos deste estudo, de
modo muito acentuado, o sentimento de estar novamente incluído na rotina
familiar. Com o aprendizado de uma língua “moderna”, um sentimento, por
parte dos idosos, que estão novamente fazendo parte de uma sociedade atual,
sendo o aprendizado de uma língua estrangeira, no caso da língua inglesa, um
175
passaporte para o “mundo dos vivos, modernos e atualizados”:
“... aprendendo uma outra língua poderei dialogar com meus filhos,
pois todos falam inglês. Poderei compreender letras de música,
filmes etc...” (IB 29/08/03-DR).
“... penso que até poderei assistir a um filme, ouvir as mesmas
músicas que a minha filha, compreendendo, porque ela gosta tanto
de coisas que não entende...” ( TB 29/08/03-DR).
“... aprender inglês me ajuda a melhorar minha comunicação com a
sociedade em geral (computador, filhos e netos) etc. Também
funciona como um exemplo para meus filhos e netos, pois posso
fazer a lição junto com eles...” (BM 29/08/03-DR).
Isso se deve pelo desenvolvimento do perfil transversal das aulas que
atualmente, preconizado pelos PCN, se oferece aos educandos. Neste
paradigma de aula, as questões de alteridade são desenvolvidas pelo fato de
que diferentes campos do conhecimento podem ser explorados sob a ótica de
questões sociais que podem ser trabalhados de forma contínua e integradas,
aumentando a bagagem cultural dos alunos, além de se aprender uma nova
língua, que é o desejo de cada um deles
“... voltar a estudar vai me fazer ficar mais disciplinada, pois volto a ter
um objetivo definido, uma meta a cumprir, me fazendo fugir das
atividades rotineiras. Sempre fui uma mulher moderna, estou
novamente no páreo...” (DF 29/08/03-DR).
“... desejo muito aprender a falar e escrever em inglês, pois virá uma
amiga da minha filha da Inglaterra, que ficará hospedada em nossa
casa e não quero dar uma de “Velha chata e muda”. Tenho pressa
em aprender para não ficar deslocada...” (CL 29/08/03-DR).
“... acho que vou conseguir entender melhor e conviver melhor com
meus netos. Vou tirar melhor proveito das coisas e da convivência
com eles, pois vamos falar a “mesma língua...” (MZ 29/08/03-DR).
176
“... até meu genro me parabenizou. Até fiquei assustada! Aprendendo
um pouco de inglês vou me sentir mais entrosada. Quando meu
genro receber alguma visita em casa, ou chegar algum parente e
começar a falar em inglês, pelo menos vou entender e não vou mais
passar vexame. Acabo sempre achando que estão falando algo feio a
meu respeito...” (IB 29/08/03-DR).
“... quero ajudar meus netos nas lições para que eles percebam que
sou mais do que a cozinheira...”(TB 29/08/03-DR).
Na trajetória da busca por elementos que justifiquem o título deste
trabalho, isto é, o aprendizado da língua inglesa como forma de resgatar tanto
a auto-estima quanto a liberdade de escolha individual de cada um dos
participantes desta pesquisa, é que passo agora, tanto à luz da teoria que
fundamenta esta pesquisa, quanto das declarações dos participantes deste
trabalho, a responder à segunda questão desta pesquisa que nos levará a
compreender com mais clareza o contexto estudado.
Tendo como pressuposto o fato de que os idosos estudados não
desejam enquadrar-se no tradicional perfil do vovô-chinelo e vovó-cozinha,
passo agora a discutir os porquês destes idosos voltarem aos bancos
escolares, onde procurarei demonstrar que a vontade de aprender um idioma
estrangeiro talvez não seja a única intenção destes participantes ao se
reunirem semanalmente.
4.2 - Pergunta 02 – O que esses idosos buscam ao retornar à sala de aula
para aprender a língua inglesa?
A segunda questão provém da necessidade de entendimento acerca do
que estes idosos buscam ao entrar (e em alguns casos retornar!) à sala de aula
para aprender uma língua estrangeira, neste caso, a língua inglesa.
Para responder à esta questão, também, podemos perceber três
grandes temas que facilitarão a compreensão do contexto: a educação
formando a identidade positiva dos alunos, o afeto na educação dos aprendizes
da terceira idade e o aprender nesta mesma faixa etária.
177
Selecionei os temas, mas uma vez, levando em consideração seu grau
de importância dentro da pergunta proposta e a repetição com que eles
apareceram na redação das entrevistas e diários reflexivos escritos pelos
participantes da pesquisa.
A repetição de determinados tópicos, que deram origem aos temas
acima apontados, foram transformados em unidades de significados que
auxiliarão, não somente a redação dos dados e respectivas reflexões sobre os
mesmos que serão apresentados nesta resposta, como também, auxiliarão a
leitura para a compreensão de forma mais efetiva por parte do leitor.
A tematização para a redação da resposta desta pergunta mostrou-se
um elemento de suma importância para que pudéssemos compreender de
forma mais clara os motivos que levaram esses alunos participantes a procurar
um curso de idiomas após os sessenta anos.
Novamente, ressalto que temas e elementos apontados em outras
perguntas de pesquisa poderão, em determinados momentos, aparecer nesta
resposta para me auxiliar a explicar o fenômeno do retorno dos alunos, que são
foco deste estudo, à sala de aula para aprender ou complementar seus
conhecimentos acerca da língua inglesa.
Como apontado anteriormente, a simples promulgação da lei, O Estatuto
do Idoso, nada representa. Afirmo que nada representa em virtude do risco que
do mesmo tornar-se mais uma lei inócua, que pode
178
participa das atividades como na visão de quem está lendo este relato neste
momento: entrosamento com outras pessoas na mesma faixa etária,
necessidade de interação com alguém com os mesmos problemas e
expectativas, preenchimento de um tempo ocioso, busca em encontrar uma
atividade que preencha um vazio causado pela vida diária, entrosamento ou
aceitação pela família etc. Os motivos não importam, mesmo porque são todos
extremamente válidos se a pessoa que os persegue acredita que poderá
resolver, ao menos em parte, suas aflições pessoais.
Estes idosos estão sempre envolvidos em situações de aprendizado
pela necessidade que têm de estarem sempre atualizados, de não desejarem
que sejam afogados em um mar de novos conhecimentos que passarão a
colocá-los em uma posição de desvantagem em relação às novas gerações,
dando motivos suficientes aos outros para serem deixados de lado no dia-a-dia
por não terem uma noção muito clara do que está acontecendo na atualidade.
A educação pode ser uma saída viável para que o idoso inicie sua
trajetória rumo ao resgate de sua auto-estima e conseqüente domínio de suas
vontades e ações e possa viver e conviver em uma sociedade que o ameaça
econômica e politicamente.
A atualização de informações facilita a integração social dos cidadãos
idosos em um mundo em que as mudanças são extremamente abruptas.
Além disso, a atualização de informações serve, também, como uma
injeção de ânimo na constituição, ou reconstituição, de sua identidade positiva.
A identidade de cada um é influenciada pela percepção que os outros
têm dos papéis sociais que desempenha. A grande maioria das pessoas tende
a se ver como são julgadas pelos outros.
Agreste (2003:36) alertava para o fato de que não restam aos idosos
muitas alternativas: ou tornam-se mais receptivos às influências dos mais
jovens ou experimentam a exclusão.
Segundo uma das participantes:
“... ficar em casa vendo televisão é chato. Aprender algo movimenta a
minha cabeça e acho que vou parar depois de morrer. As crianças
estão mudando, evoluindo a cada ano. Se eu o acompanhar as
179
mudanças vou ficar para trás. Se eu não me atualizar não vou
conseguir conversar com ninguém. Por exemplo: minha mãe tem 94
anos e não consegue conversar com ninguém. Só fala comigo porque
eu tenho paciência, mas os assuntos dela são chatos. O que ela fala
é completamente fora da realidade de hoje em dia. Por que? Porque
ela assiste televisão. assiste programas que o acrescentam
nada. Ela sempre diz: para seus netos batata com caldo de feijão.
Meu Deus! Isso é da década de 40. Neste século, as crianças não
comem mais isso! Se eu não quiser ficar excluída, como minha mãe,
tenho que fazer algum curso, aprender coisas novas!...” (BM 28/11/03
EN ).
A sensação de resgate da identidade é um fator de extrema importância
na constituição do ser-idoso, face esta ser uma das principais dificuldades do
cidadão na terceira idade. Como analisado, o próprio fato de se perceber
idoso o transforma em outro, por ter perdido seu papel social e sua
qualificação. Isso faz com que o idoso perca, um pouco, a noção do lugar que
deve ocupar na escala social, deixando-o desnorteado.
Quando o idoso volta a sentir-se engajado em alguma atividade que lhe
traga prazer, assume atitudes afirmativas em relação à vida, aceitando de
forma mais positiva as mudanças que em outra situação poderia lhe
proporcionar um sentimento de exclusão. Quando o idoso redescobre
interesses novos, sente-se estimulado a participar de forma mais significativa e
intensa em todas as etapas da vida, sejam boas ou ruins, obtendo mais
chances de solucionar seus problemas pessoais.
“... voltar à escola significa para mim a possibilidade de viajar sozinha
sem depender de guia. Posso ajudar meus netos no aprendizado da
língua. Entendo melhor os computadores e faço meus neurônios
viverem mais...” ( BM 24/09/04-DR).
Aprender inglês para esses indivíduos servia como um desafio pessoal
por representar um instrumento facilitador para uma convivência de igual para
igual com os demais componentes de seu círculo social. Aprendiam para si e
para relacionarem-se melhor com os outros pela possibilidade concreta de
180
serem aceitos com maior naturalidade por o estarem parados em algum
lugar do passado vivendo de recordações ou de informações ultrapassadas.
De acordo com os relatos acima transcritos, a boa convivência que
entre eles e o aprendizado de uma nova língua eram ingredientes muito
saudáveis, inclusive para que suas potencialidades cerebrais fossem
exploradas e mantidas.
Como visto anteriormente neste estudo, a estimulação social pela
participação ativa em comunidades de interesse comum auxilia a regeneração
do cérebro, principalmente quando esta participação está ligada ao prazer de
conviver com outras pessoas e com um objetivo claro que é o de aprender a
língua inglesa, neste caso.
Para ser coerente com minha visão de ensino-aprendizagem tentava, a
todo o momento, criar um clima de mais segurança nos aprendizes em relação
a seu processo de aprendizado, esclarecendo que as pessoas com mais idade
têm a mesma facilidade para o aprendizado de uma língua estrangeira quanto
qualquer um de meus alunos da escola básica ou da universidade.
Como anteriormente apontado, Padilha (2004:88), ressaltava que o
currículo pode ser um elemento alegre e prazeroso, ressaltando o prazer da
convivência com pessoas diferentes de nós e que nos faz aprender mais sobre
nós mesmos e sobre os outros, desenvolvendo a tolerância. Isso nos permite
dar um novo significado à própria vida fora e dentro da escola, ampliando o
potencial humanizador da instituição escolar, refletindo na sociedade ao redor
do indivíduo, em um movimento favorável a todas as instâncias da vida
humana.
Segundo uma das participantes,
“... enquanto a gente está viva não pode estacionar. Tem sempre que
tentar fazer mais coisas que não podia fazer quando era mais jovem e
era impedida pelo marido, pela criação dos filhos ou pelos afazeres
domésticos. Faço agora...” (CL 26/06/04 – EN).
De acordo com Lima (2000:92), é de suma importância o uso das
emoções no desenvolvimento do indivíduo e no seu processo de cognição.
181
Segundo essa pesquisadora, o sistema límbico atua de modo significativo na
memória e na capacidade de aprendizagem. Em outras palavras, significa
afirmar que quanto maior o grau de comprometimento do idoso em atividades
que lhe traga prazer, melhor será sua atuação ao executar e resolver
problemas, o que o auxiliará a reter por maior tempo os conhecimentos
adquiridos e processados.
Para que isso ocorra é preciso, muitas vezes, que o educando
reconcilie-se com a escola reconstruindo-se sua confiança no poder de
aprender, valorizando sua autonomia, sua responsabilidade pessoal. Este
resgate da identidade em relação à escola é um fator preponderante para que
o sucesso dos aprendizes seja alcançado.
“... aprender mais sobre esta língua vai me fazer me sentir mais
dentro do mundo, mais moderna e atualizada...” (SL 15/08/03- DR).
“... convivência e aprendizado são as maiores lições deste curso. São
coisas importantes para a vida e este curso isso. Aprender inglês
me deixa mais dentro do contexto do mundo moderno e me incentiva
a aprender coisas novas...” (SL 25/06/04 - EN)
“... minha filha tem amigos americanos e ingleses e quando se
encontram, conversam somente em inglês. Foi que despertou em
mim o interesse pelo idioma, pois gostaria de entender o que eles
estão dizendo e também participar das conversas. Sinto-me alienada
quando meus filhos começam a falar inglês e não entendo nada do
que está acontecendo...” (CL 03/09/04-DR).
Como apontado por Lima (2000), o papel das emoções no
desenvolvimento do indivíduo e no seu processo de cognição é de forte
influência no resultado do aprendizado. Segundo a mesma autora, estando
localizado no cérebro por meio das emoções, o sistema límbico atua de modo
muito significativo na memória e na capacidade de aprendizagem.
A motivação para que não desistissem das aulas sempre foi uma grande
preocupação minha e dos alunos-participantes.
Os idosos deste grupo sempre demonstraram ser muito falantes e, como
182
educador, procurava sempre incentivá-los a falar bastante nas aulas.
Sempre acreditei, seguindo as concepções de Freire, que é a partir do
diálogo que dois pólos se ligam com amor, com esperança e se fazem críticos
em busca de algo. Com isto, consolidou-se, entre eles, esta alegria por estarem
juntos, criarem laços de amizades que extrapolaram os limites da sala de aula
e o prazer do encontro nas aulas semanais.
Percebe-se, claramente, que o fator “socialização” é um ingrediente
muito forte na decisão de se retornar a uma situação de aprendizado em grupo,
que, como apontado por Vygotsky (1993,1994), todo o processo de
aprendizado está diretamente relacionado à interação do indivíduo (uma ação
partilhada) com o meio externo; meio esse que leva em conta não apenas o
objeto, mas os demais sujeitos.
O desafio de se aprender algo novo, muitas vezes fora do padrão dos
demais idosos do contexto onde o estudo foi realizado, tem um forte apelo
emocional. É como se muitos deles voltassem no tempo ou transgredissem
pela primeira vez uma norma estabelecida pois adoravam ser reconhecidos
nos demais cursos que freqüentavam como “os alunos do curso de inglês”.
O padrão deixa de ser respeitado quando uma inversão dos valores
padronizados socialmente: a educação deixa de ser algo a ser vivido apenas
na primeira ou segunda fase da vida para tornar-se uma atividade permanente.
De acordo com os alunos, aprender inglês é um dos elementos
importantes não só para que sejam facilitadas as interações deles com o
mundo, mas com as pessoas mais próximas, como visto anteriormente.
Reconhecem que o aprendizado é de grande valor, mas existem outros
aspectos que, também, devem ser contemplados: “... foi tudo muito gostoso
neste tempo em que estamos juntos. A amizade que fizemos me tornou muito
mais feliz...” (CL 21/11/03- DR).
Percebemos, por este comentário, que o componente afetivo das
relações interpessoais passa a ser importante não apenas entre professor e
aluno, mas também, entre cada um deles e o grupo.
Reforça-se, com este comentário, as idéias de Freire que encarava a
educação como uma atividade contínua e própria dos seres humanos.
183
Segundo este educador, não haveria educação se o homem, após uma
determinada fase da vida, se descobrisse acabado. O ser humano, por ser uma
criatura de pergunta é um ser que desenvolve a auto-reflexão pela necessidade
de ser sempre mais, pelo fato de ser sempre, inacabado.
Pelo fato de considerar-se inacabado, está incansavelmente em busca
de algo novo e, conseqüentemente, sempre em mudança. A educação é,
portanto, uma busca pelo saber realizada por um indivíduo que é o homem em
busca da perfeição. Segundo uma das participantes,
“... tudo o que tem acontecido aqui é de suma importância: aprender
inglês (em primeiro lugar!), as festas e o convívio com outras pessoas
tão diferentes, mas com o mesmo objetivo: aprender para mudar de
vida. Acho isso tudo tão especial...” (IB 21/11/03- DR).
Pela declaração acima, vemos, mais uma vez, que os alunos da terceira
idade têm prazer de vir à aula, desde que as atividades estejam carregadas de
alguma significação para eles, o que não percebemos com tanta clareza com
os alunos dos cursos regulares e dentro da “faixa adequada” de escolarização.
A motivação tanto de um grupo, como do outro, é muito mais dependente da
motivação que se têm, ou não, para se realizar uma tarefa que os levará ao
aprendizado significativo e que se tornará internalizado.
De acordo com uma das participantes, “... qualquer aprendizado
influencia nossa vida. Nos melhora, abre nossa mente e também multiplica, ou
pelo menos conserva, nossos neurônios...” (RA 21/11/03-DR).
Segundo RA, a estimulação social pela participação ativa em
comunidades com interesses em comum auxilia a regeneração do cérebro,
principalmente quanto esta participação está ligada ao prazer de se conviver
com outras pessoas.
Conforme outra das participantes do estudo,
“... aprender uma nova língua pode não mudar minha vida
completamente, mas vai, com certeza, enriquecê-la. Vai desenvolver
minha socialização, atenção, concentração, vai me dar um enfoque
em um objetivo, em um compromisso e aumentar minha auto-estima,
184
pois vou ter novamente a sensação de que estou aprendendo
coisas... vai me inserir em um mundo mais atual...” (DF 15/03/05-DR).
Percebe-se que a educação neste contexto deve servir como um
importante instrumento para prolongar até uma idade avançada, a intensa
socialização que se dá desde a infância.
Comprovamos que a educação durante a velhice é tão ou mais
necessária do que a que prepara o indivíduo para a passagem da infância para
a adolescência ou para a vida adulta pelas observações abaixo,
“... aprender algo nunca é demais. Estou cercada de inglês. O dia
inteiro ouço músicas e vejo palavras assim nas ruas e aparelhos
elétricos...eu faço muitos exercícios na hidroginástica e na ginástica.
A aula de inglês é uma ginástica para meu cérebro...” (MZ 24/09/04-
DR).
“... além de me sentir dentro do mundo, acho que falar uma língua
estrangeira é um indicador até de poder e eu quero sentir que tenho
poder de ação e decisão novamente...” (DF 24/09/04-DR).
“... me sentia alienada quando meus filhos ficavam “enrolando” a
língua perto de mim. Agora sei o que eles estão dizendo e até chego
a opinar. Eles me ajudam e me corrigem. Me sinto orgulhosa por eles
sentirem orgulho de mim. Eles me incentivam. Estou começando a
me entrosar com eles neste sentido...” (DF 25/06/05- EN)
Em suma, um elemento é muito importante a ser percebido nos
elementos apresentados nos dados que respondem a esta pergunta de
pesquisa: todo o valor do aprendizado é interacional e emocional e estes dois
elementos não podem ser dissociados em nenhum tipo de trabalho em sala de
aula e, principalmente, não poderia ser deixado de lado na educação dos
idosos que são foco desta pesquisa.
Estes elementos precisaram ser resgatados para que houvesse sucesso
nas atividades propostas pelo professor da turma e pelos próprios alunos que,
em dado momento, tomaram nas mãos a condução dos destinos das
185
atividades de sala de aula e iniciaram a trajetória no sentido de (re)desenvolver
seu protagonismo em aula para poder exercê-lo, também, em seu contexto
familiar e na sociedade de modo geral.
Perseguindo este objetivo que não era apenas do grupo de alunos, mas
também do professor-participante da pesquisa é que passei a me preocupar
com outra questão que acreditei ser premente no contexto estudado.
Foi assim, que surgiu minha terceira pergunta de pesquisa onde
pretendo analisar a importância da figura do professor como mediador do
conhecimento e elemento que pode proporcionar formas de instaurar um clima
de confiança entre os aprendizes para que possam iniciar-se na trajetória de
libertação e participação crítica e efetiva na comunidade de aprendizes onde
estão inseridos e, conseqüentemente, na sociedade de modo pleno.
4.3 - Pergunta 03 Qual o papel do professor nesse curso de inglês
voltado a idosos?
Para responder a esta pergunta de pesquisa três grandes temas podem
ser observados e que levam à resposta do questionamento proposto nesta fase
do estudo: o papel do educador gerontológico nesse curso, o ritmo e processo
de aprendizado dos participantes, e o currículo proposto pelo professor como
elemento constituinte da reconstrução da auto-estima dos alunos.
Os temas que compõem a resposta desta pergunta de pesquisa foram
selecionados a partir da repetição e importância com que os dados relatados
pelos participantes foram apresentados.
A tematização, além disso, foi utilizada como forma de organizar a
redação do texto que compõe esta resposta para que o foco principal não fosse
perdido e prejudicasse a compreensão do leitor do que pretendo apresentar
como dados e justificativas relevantes.
Antes de iniciar a discussão dos dados que respondem a esta pergunta
de pesquisa, acredito que um esclarecimento deve ser feito: em vários
momentos a pergunta de pesquisa três se liga fortemente à pergunta de
pesquisa quatro.
186
Seria algo, em minha visão, inadequado desvincular totalmente as duas
perguntas de pesquisa se, como anteriormente declarei, entendo a educação
como um fenômeno complexo. Como antes apontado por mim, alguns temas
tornam-se interdependentes na tentativa de responder aos questionamentos
propostos.
É óbvio que a tematização foi realizada, seguindo os pressupostos de
Van Manen (1990), contudo para que fosse possível responder com plenitude
as perguntas três e quatro necessitei, em diversos momentos, reportar-me a
questões apontadas anteriormente, muitas vezes apresentando novos dados e
informações para que o leitor pudesse compreender exatamente qual a minha
visão e posição diante dos dados obtidos na pesquisa.
Uma questão de suma importância no desenvolvimento de uma rotina de
trabalho educacional com esses idosos refere-se à forma de atuação do
profissional educador em uma perspectiva gerontológica.
Um educador direcionado à gerontologia educacional procura
desenvolver, acima de tudo, um programa terapêutico voltado à memória,
concentração, capacidade cognitiva, aprendizado e criatividade dos idosos com
vistas a desenvolver uma identidade positiva dos alunos por meio do resgate
de sua auto-estima.
Desta forma, um programa construído com esta percepção possibilita
aos idosos não sobreviver mais e melhor, mas conquistar com autonomia
uma melhor qualidade de vida.
Segundo uma das participantes da pesquisa,
“... o professor é o elo... é o que faz a gente vir para a escola. O
professor bom é aquele que aceita nossas dificuldades e lentidão...”
(SL 25/06/04 – EN).
Ou ainda,
“... o professor é importante porque é o elo. Se não fosse você o
grupo teria se desintegrado. Tem que ser alguém que une e faz a
gente vir à aula. Se a aula é ruim ou se o professor é antipático, não
funciona. Você entende muito as pessoas da nossa idade, embora
187
você seja jovem, você entende o que está acontecendo com a gente.
Você aceita, não atropela a gente, você entra na nossa bagunça. É o
elo que liga a gente nesta batalha...”(RA 25/06/04 – EN ).
Diante de argumentos tão fortes e de naturezas tão distintas passei a me
preocupar, ainda mais, com a minha responsabilidade social enquanto
educador desta turma tão diferenciada e interessada em aprender coisas novas
e que seriam tão significativas em sua atuação no mundo.
Meu papel nesse grupo não poderia se limitar exclusivamente ao de
pesquisador, observando o comportamento dos alunos em aula e seu
aprendizado ou de mero professor participante neste trabalho de pesquisa.
Urgia providências mais imediatas e significativas no trabalho com esse
grupo tanto no gerenciamento das aulas, quanto na seleção do material
didático que usaria para que eles elaborassem suas pesquisas e se
preparassem melhor para cada encontro.
Nunca omiti minha visão de que sempre uma questão política na
elaboração de uma seqüência didática de um currículo. A própria seleção dos
conteúdos na elaboração desse programa de ensino, que elaborei para este
grupo de alunos idosos, foi uma decisão política pelo fato de ter privilegiado um
corpo de conhecimentos que levaria os alunos à libertação de estereótipos
construídos por uma sociedade com muitos poderes.
Esclareço que o fato de haver selecionado um rol de conteúdos não
significou que me tornei um manipulador em sala de aula. A decisão não foi, de
forma alguma neutra, contudo, os objetivos políticos de minha opção eram
bastante claros: libertá-los da situação de passividade que se encontravam
diante de questões alusivas ao aprendizado, onde eles esperavam que eu
oferecesse uma mercadoria e eles simplesmente a tomariam como algo bom,
sem maiores questionamentos.
Diante desta perspectiva, comecei a refletir sobre o papel do professor-
educador em sua atuação em um curso de inglês voltado ao segmento idoso.
Se a escola ocupa um lugar de destaque no desenvolvimento pessoal de
cada uma das pessoas envolvidas neste estudo, meu papel como professor,
responsável por gerenciar na sala de aula situações interativas entre esses
188
alunos, também deveria ser repensado.
Paulo Freire, em seus estudos defendia a idéia de que a educação podia
ser um jogo no qual estariam presentes a solidariedade, a festa e o prazer em
uma competição entre os envolvidos em que a premiação final seria a liberdade
perante o mundo, para se realizar escolhas corretas. Nesse jogo deveriam ser
valorizados os sentimentos e as emoções, servindo-se de regras e
regulamentos sem que os integrantes do grupo se subordinassem a elas. Isso
caracterizaria uma autonomia de decisão que resultaria em uma atuação mais
eficiente em uma sociedade mais humanizada e sem discursos conformistas.
Ser um bom professor de língua inglesa, com boa proficiência lingüística
e boas técnicas de ensino da língua, não seria o bastante para suprir as
necessidades específicas deste grupo. O aluno idoso é, algumas vezes,
disperso, se perde diante de um acúmulo de informações, além do problema da
memorização de alguns dados que muitas vezes são pré-requisitos para o bom
aprendizado de qualquer língua.
a necessidade de que o professor seja sempre muito claro e objetivo
nas propostas realizadas em sala de aula, além de ter que lidar com alguns
alunos, que às vezes, possuem problemas de baixa visão ou audição, sempre
reforçando e repetindo informações em sala de aula para que os auxilie na
apropriação de elementos da língua alvo que se está aprendendo.
O senso comum, muitas vezes indica, que as salas de aula compostas
por pessoas com idades mais avançadas são sempre muito calmas e
silenciosas e que os alunos estão sempre prontos para “absorver” todas as
informações abordadas em aula. Todas estas crenças acerca desses alunos
não são verdadeiras em absoluto. Lá estão presentes os mesmos tagarelas e
desordeiros que encontramos nas salas de aula da educação infantil ao ensino
universitário.
Como não percebi diferenças muito marcantes em relação aos alunos
com os quais estava acostumado a trabalhar, precisava apenas alterar
algumas concepções que os mesmos possuíam acerca de formas significativas
e concretas de aprender em sala de aula.
Esses alunos estavam habituados a uma rotina de sala de aula
189
composta por informações fragmentadas que, em algum momento segundo
suas concepções, seriam agrupadas afim de adquirir algum sentido concreto.
Daria-se, então, o aprendizado, segundo o entendimento desses alunos.
Como minha intenção foi, sempre, que os alunos não desistissem por
não conseguirem ver ligações entre suas expectativas pessoais em relação a
seu aprendizado de inglês e o que eu fazia em sala de aula, assumi a posição
(política) de satisfazê-los, a princípio, e, aos poucos, ir introduzindo uma nova
forma de lidar com a língua sem a necessidade de exercícios repetitivos e
mecânicos e, ao mesmo tempo, mostrando a eles que a língua nunca é neutra,
pois está sempre envolvida em uma cultura política originada pelas relações
sociais onde está inserida. Como já apontado anteriormente, um modo de
ensino nunca é inocente, neutro, pois toda pedagogia implica em um rol de
suposições tácitas sobre o que é bom ou possível. (Celani 1996/2000/2001,
Freire 1980/1987/1983/2000 e Pennycook 1994/1999).
Na verdade, iniciei meu curso trabalhando do modo a que eles estavam
acostumados e que desejavam, com listas de exercícios e relação de palavras
a serem memorizadas. Iniciava sempre a aula subseqüente “tomando” as
palavras que havia relacionado na lousa ao final da aula anterior, por sugestão
dos próprios alunos.
O momento da sabatina, que tomava a maior parte da aula, era um
momento que se percebia claramente, era pavoroso para eles. Temiam não se
lembrar da resposta correta, da tradução da palavra, de como transformar para
a negativa ou interrogativa essa ou aquela frase com o verbo to be.
Quando terminavam de dar sua resposta, todos automaticamente
abaixavam a cabeça ou desviavam o olhar de mim para que não fossem
escolhidos. Os alunos se empolgavam em uma aula com as palavras e
estruturas novas que eu ensinava, pediam para que a “chamada oral” fosse
realizada, mas tinham um horror declarado ao momento em que esta
“dinâmica” era realizada.
Havia um misto de dor e prazer que não eu não conseguia compreender,
na forma como eles queriam aprender algo em sala de aula. Eu precisava fazer
algo para alterar aquelas aulas e estilo de aprendizagem medievais.
190
Não havia nenhum preparo destes alunos em relação a se construir o
conhecimento do grupo, servindo-se de estratégias de mediação, nas quais os
aprendizes poderiam ser levados a conquistar os conhecimentos que lhes
poderiam ser úteis em quaisquer situações que enfrentassem, encontrando,
desse modo, estratégias para progredirem e solucionar problemas em uma
sociedade em mudança rápida e constante e que, por muitas vezes, tanto lhes
passava a impressão de ameaça.
Como refletia Freire (1996), a grande tarefa a ser enfrentada era fazer
com que os componentes do grupo se tornassem sujeitos ativos do “pensar
certo”.
Neste aspecto, enquanto educador, não poderia ser aquele que
transfere, deposita, oferece ou doa o conhecimento. Minha tarefa, coerente
com minha posição de lingüista aplicado, e que pensa certo, seria a de,
exercendo como ser humano a irrecusável tarefa de interagir, desafiar os
educandos com quem me comunicava, produzindo juntamente com eles a
compreensão do que estava sendo comunicado nas aulas. Não poderia, de
forma alguma, abrir mão da prática dialógica.
A expectativa que sempre transmitiam é que estavam ali, prontos,
vazios, a espera de “uma injeção cerebral de conhecimentos” e que contavam,
sempre, com minha paciência em administrar-lhes doses homeopáticas desta
injeção.
“... acredito que quando eu era criança e quando eu era jovem minha
mente era mais limpa, propícia ao aprendizado. Mas eu gosto muito
de aprender coisas novas. Estou muito feliz de estar aqui. Espero que
o senhor tenha paciência conosco, ensine tudo devagarzinho e nos
dê algumas chances quando não decoramos o pedido nas aulas, pois
somos muito lerdas... coisas de gente velha que o senhor ainda não
pode entender...” (BM 28/08/03-DR)
Na primeira entrevista realizada durante a aula inaugural foi muito comum
ouvir declarações do tipo: “... desta vez acho que vai dar certo porque o
professor acredita e confia que podemos, ainda, aprender inglês...” (SL
16/03/04-DR).
191
Havia sempre pairando no ar a idéia de que, conforme ressaltava
Freire (1980), eu era um ser superior, com mais cultura e conhecimento que
ensinava outros seres completamente ignorantes e sem condições de
aprendizado.
Comecei a pesquisar entre os alunos o porquê de estarem ali. O desejo
deles, eu refletia, não poderia ser somente o de aprender inglês. Havia algo a
mais que os impulsionava a freqüentar religiosamente as aulas, a não faltar
nem nos dias mais frios e chuvosos. Alguns chegavam muito doentes. Andava
meio desacostumado com isso com as turmas de ensino fundamental, médio e
até mesmo na universidade onde os alunos pagam altas mensalidades e nem
sempre demonstravam o mesmo grau de interesse e motivação.
Com este grupo formado na paróquia do bairro onde moro, com alunos
que pagavam uma taxa mensal muito pequena para freqüentarem as aulas,
percebia que davam um valor imenso a cada aula. Abriam mão de outros
compromissos, alteravam datas de consultas médicas para estarem ali
reunidos.
Estes encontros não podiam ser uma mistura de sofrimento e tensão
com a alegria da reunião com os pares com o mesmo interesse. Aos poucos,
fui mudando as formas de abordagem nas aulas e mostrando que poderíamos
aliar prazer e aprendizado, com um benefício a mais: saber o quê, porquê e
como utilizar o aprendizado em contextos variados.
Pela reflexão constante de que essa era uma séria barreira a ser
vencida, antes de iniciar um trabalho lingüístico com estes alunos precisei focar
meu olhar não a um grupo com necessidades especiais por serem idosos.
Esses alunos poderiam ser considerados especiais por possuírem sérias
barreiras pessoais impostas pela baixa auto-estima que possuíam. Como antes
apontado o discurso do grupo era: “... somos lentos, nossa cabeça é dura,
demoramos para aprender ou entender coisas novas e as esquecemos
rapidamente...”
Esse era o jargão do grupo.
Esse processo de conscientização dos alunos no tocante a novas
formas de se aprender algo e de suas limitações e potencialidades frente ao
192
aprendizado da língua inglesa em uma idade com algumas limitações mostrou-
se um aliado em meu trabalho com esses alunos.
Freire nos alertava de que quando conscientizados, acerca de uma
situação ou contexto qualquer, passamos a nos apoderar da situação,
inserindo-nos nela e transformando-a. A conscientização também não se trata
de um elemento neutro por ser uma das conseqüências da educação que leva
a pessoa a agir sobre o mundo. Gadotti (2001), na mesma linha de
pensamento de Freire, salienta que educar é conhecer, ler o mundo para poder
transformá-lo, defendendo a educação, sempre, como um processo dialógico.
A conscientização de que poderíamos fazer coisas diferentes em sala de
aula, por meio de uma relação dialógica, em que além da língua inglesa,
poderíamos explorar aqueles momentos ainda mais, no sentido de nos
libertarmos de alguns estereótipos, começou a florescer em cada um dos
participantes.
Começou-se, a princípio, pela libertação do processo de atrofiamento de
idéias, pelo abandono da memorização de sentenças como instrumento de
aprendizado, pelo abandono das palavras desvinculadas de seu universo
existencial, implicando em uma atitude de criação e recriação, resultando em
uma prática de auto-formação que poderia resultar em uma postura mais
atuante dos alunos sobre seu contexto.
Dessa forma, tenta-se revelar um potencial para o aprendizado que a
pessoa não consegue mais vislumbrar em si mesma. O idoso acaba por não
ser mais uma pessoa paciente por perceber que não possui mais tanto tempo
de refazer caminhos, quando não obtém o êxito esperado. A paciência que ele
não tem consigo próprio ou com colegas mais lentos, que estão também em
processo de aprendizado, pode ser estimulada por um mestre paciente e que
seja, acima de tudo, afetuoso e saiba lidar com as limitações de cada um.
Achei muito curiosa a visão de aprendizado que alguns possuíam no
início do curso. Muitas coisas haviam sido alteradas em sua visão de mundo do
período da infância e juventude aa maturidade-velhice, porém, em relação a
formas de aprender algo não.
Havia, por parte dos participantes-alunos, a expectativa de que o
193
professor deveria chegar com o pacote de conhecimentos de cada aula
pronto. O domínio do conhecimento era um objeto de posse exclusiva do
professor e que deveria ser transmitido à sala de aula a partir de uma série de
mecanismos pré-estabelecidos. Esperavam do professor o perfil que tanto
Freire combatia: o professor ditador de conteúdos e idéias.
O currículo colocado a estes participantes, na época em que cursavam o
ensino fundamental e médio, ficava muito claro em cada entrevista realizada
com cada um deles. Escolarizados em uma época de pouca liberdade de
expressão não havia o que caracterizamos como oportunidades de
aprendizado observando-se que o currículo era trazido à vida pelos atores nele
envolvidos. No caso desses alunos, o bom ensino era caracterizado por uma
aula construída a partir da apresentação e prática de pontos de ensino
previamente preparados e selecionados pelo professor, o detentor do
conhecimento útil, que deveria ser transferido aos alunos, custe o que custar.
Uma boa aula, e isso ficou claro desde o início, durante as declarações
dos alunos e suas reações a cada “novidade” na forma de abordagem do
conteúdo em sala de aula, deveria ser explorada a partir dos clássicos “os
alunos aprenderão (lista de funções); os alunos aprenderão a falar sobre (lista
de tópicos ou noções); os alunos aprenderão esses pontos gramaticais; e os
alunos estudarão esstes aspectos de pronúncia...” , como tão bem discute
Allwright (2005:11).
São os chamados teaching points, tão populares nas décadas de 1950 e
1960, época em que esses participantes estavam nos bancos escolares. Essa
era a herança que traziam para a sala de aula e que eu precisava combater,
antes mesmo de iniciar a trabalhar com abordagens discursivas.
Frutos de um ambiente de ensino tradicionalmente autoritário, possuiam
uma rede de ideologias na qual o conformismo era a grande característica que
os encaminhava, desde o tempo da escola regular até hoje, ao ajustamento de
suas diferenças dentro de uma escala social adequada. Possuíam uma visão
de aprendizagem que se limitava a escutar o que o outro (o professor) tinha a
dizer. A educação voltada a questionar qualquer tipo de atuação do professor
estava fora de cogitação.
194
A concepção de ensino e, conseqüentemente, do modo como
esperavam serem ensinados nesse curso ainda era proveniente da forma como
haviam sido ensinados na época em que cursavam a disciplina de línguas
estrangeiras (inglês, francês ou latim) na escola. A língua ensinada como mero
sinal. Necessitavam das imensas listas de palavras e frases que deveriam ser
transformadas, de alguma forma, em extensos exercícios que os levariam, de
acordo com suas concepções, a memorizar a forma como deveriam lidar com a
língua.
Como antes apontado, a língua ensinada a partir de uma concepção de
“sinal” é trabalhada como uma entidade de conteúdo imutável, não podendo
refletir nem refratar nada (Bakthin, 1999). Nessa concepção ela constitui um
instrumento técnico feito apenas para designar esse ou aquele objeto preciso e
imutável; fazendo parte do mundo dos objetos técnicos, não tendo nenhum
valor lingüístico.
Deste modo era difícil que a língua se tornasse língua em sala de aula.
O aprendizado concreto de uma língua dar-se-ia apenas quando o sinal fosse
completamente absorvido pelo signo e ocorresse o reconhecimento pela
compreensão.
Esse era um dado muito importante e representou uma barreira a ser
vencida nos períodos iniciais de aula com estes educandos, pois havia uma
tendência muito marcante entre eles de que algo poderia ser aprendido a
partir dessa concepção de língua como sinal. Só poderiam aprender uma
língua com o domínio da gramática expressa, a partir de listas intermináveis de
transformação de frases para a negativa e interrogativa, etc.
Além disso, as palavras deveriam ser passadas em listas para a
memorização em casa, o que nem sempre era possível pelos motivos
mencionados em relação a problemas de memória de alguns deles.
Os alunos esperavam, ardentemente, pelo final da aula, pela tal lista de
exercícios e verbos a serem memorizados para serem “tomados” por mim em
sisudas sabatinas na aula seguinte. Como haviam sido educados em um
período em que a educação bancária, como apontava Freire em suas
discussões, era o grande alicerce de todas as rotinas educacionais,
195
esperavam, sempre, que essa prática fosse desenvolvida e determinada em
sala de aula.
Em suas concepções, percebia-se claramente por suas reações em sala
de aula, que acreditavam que a tarefa reservada a mim, enquanto professor,
era simplesmente a de cortar a informação em pequenos pedaços até que eles
fossem capazes de assimilá-las e depois testá-las, em provas e chamadas-
orais, para que nos certificássemos de que as peças tinham sido bem
“coladas”, isto é, aprendidas.
O trabalho do professor, na visão dos alunos participantes,
aparentemente, era aquela que Perrenoud havia enfocado em 2000, como o
da aula magistral seguida de exercícios. Na visão do grupo, a aula deveria
consistir em se escutar uma lição, fazer exercícios e estudar um amontoado de
coisas que estavam escritas em seus cadernos, coisas copiadas da lousa.
Estas ações eram consideradas atividades de aprendizagem.
Pareciam, todos, contagiados pelos sintomas da “doença cognitiva”
assinalada por Kincheloe (1997), pois necessitavam de uma rotina de
aprendizagem que os levasse a aprender por unidades ou peças separadas de
informação sem a preocupação (por desconhecimento) com a relação entre os
fatos ou suas aplicações para com os problemas do mundo. Aprendiam por
aprender (será que realmente aprendiam algo?).
O professor necessita atuar muito com questões ligadas ao
desenvolvimento ou reconstrução da auto-estima dos educandos. Palavras de
encorajamento por progressos, ainda que simplórios, são formas de combater
o excesso de autocrítica destas pessoas, comum nessa faixa etária pelo fato
de perceberem que não rendem mais tanto quanto na época de escola, quando
eram mais jovens.
Pareceu-me, logo nas primeiras intervenções que fiz no grupo, que o
fator baixa auto-estima, era algo muito forte tanto nas declarações quanto, e
principalmente, no comportamento destes idosos, no que diz respeito a sua
capacidade de aprender coisas novas ou resgatar traços de aprendizado
deixados no período de juventude.
Certa vez, conversando com um dos alunos do grupo, percebi que o
196
aprendizado de uma língua estrangeira, principalmente o inglês, poderia servir
como um passaporte não para a manutenção da dignidade, mas, também,
para que diferenças de idade fossem abrandadas.
Em um final de aula um aluno começou a me rondar. Percebi que
desejava falar comigo separadamente. Esperei que os demais fossem embora
e ele ficou mais à vontade para dizer o que o afligia. Contou-me que estava
namorando uma baby sitter” que era quarenta anos mais nova do que ele e
que tinha urgência em aprender inglês para que não se sentisse tão velho a
seu lado entendendo as músicas que ela tanto gostava de ouvir. Disse,
também, que sua filha, além de não se importar com ele, ainda se achava no
direito de recriminar seu relacionamento pois, na opinião dela, a “moça” estava
apenas atrás de sua aposentadoria.
Com o passar do tempo, no decorrer das aulas, os alunos começaram a
desenvolver um prazer imenso de descobrir que eram capazes de fazer coisas,
ainda que modestas, com a língua inglesa.
Fiquei extremamente surpreso ao ser informado que, não satisfeitos com
a carga horária semanal de duas horas de aula, os alunos resolveram se reunir
mais uma hora por semana para tirarem dúvidas, desenvolver ainda mais a
parte escrita e começar a falar um pouquinho para desenvolver a oralidade.
Segundo eles, isso me ajudaria a acelerar as aulas, pois estariam mais prontos
em cada encontro.
Os alunos montaram esse grupo de estudos às quintas-feiras, um dia
antes de nosso encontro semanal, às sextas feiras. Segundo eles,
estabelecendo esse encontro um dia antes de nossas aulas eles estariam
“aquecidos” para a reunião com o professor.
No dia 12/03/04, cheguei à aula com uma proposta diferente do que
todos estavam acostumados, até então:
“... hoje, lemos um texto sobre horóscopo. O pessoal ficou meio
atrapalhado quando disse que não queria tradução. Mais confusão
ainda tivemos, quando disse que a gramática e o sentido de cada
uma das palavras não eram tão importantes porque gostaria que eles
compreendessem o sentido geral do texto. Argumentaram que não
197
haviam aprendido assim e que seria difícil mudar o estilo. Eles
sentem uma necessidade enorme de se apegarem ao dicionário e à
gramática. Após a leitura, fizeram pequenos “speeches” sobre o texto.
198
crenças, dos espaços e dos objetos pessoais dos idosos.
Estamos em uma fase, no Brasil de hoje, na qual se busca a construção
de uma nova identidade para o idoso brasileiro e, muito do sucesso que se
almeja atingir depende de como a sociedade encara esse idoso e de como
esse idoso se nesta sociedade. É a tentativa de construirmos uma
identidade positiva na personalidade desse idoso que assegurará a ele, e aos
idosos das próximas gerações em que estaremos, com certeza, incluídos;
novas formas de atuação significativa em todos os segmentos que esta
sociedade oferece a todos, independentemente de sermos jovens, velhos ou
muito velhos.
Nesse contexto, é que entram as questões concernentes à elaboração
do currículo voltado à população idosa.
A formação de um currículo forte, no sentido de proporcionar um resgate
de vários aspectos positivos na vida de cada um dos alunos, seria a única
alternativa de proporcionar o resgate da auto-estima e motivação deste grupo.
Conforme ressaltado por Silva (1999), “... o currículo é trajetória, viagem
percurso. O currículo é autobiografia, nossa vida... no currículo se forja nossa
identidade... o currículo é documento de identidade...”.
Como apontado por Freire (1980/1987), Wenger (1998) e Silva (1999)
em diversas de suas obras, a forma como se propõe um currículo faz com que
uma identidade positiva possa ser desenvolvida, ou não. As redes de relações
criadas em sala de aula, na trajetória de construção do conhecimento, devem
proporcionar, a todos, a possibilidade de assumir-se como ser social e
histórico, como ser pensante, comunicante, transformador, criador, realizador
de sonhos.
Desenvolver, nos alunos, uma identidade positiva pressupõe “permitir”
que ele se sinta reconhecido, respeitado como pessoa e como membro de uma
comunidade, não se sentir ameaçado em seu modo de ser, em sua segurança,
em seus bitos, enfim, em sua identidade pessoal. Cabe lembrar que nem
sempre esses aspectos são respeitados pela sociedade e, pior, em sua família,
pois sabemos da infinita quantidade de problemas relacionados ao desrespeito
e abandono que os idosos sofrem até mesmo dentro de suas casas.
199
Percebi que os alunos iniciaram um processo de resgate de uma
identidade positiva que, em muitos casos, estava perdida em algum lugar
distante do passado de cada um. O grande desafio nesse grupo, além de fazê-
los aprender inglês, é lógico, era proporcionar um espaço de reflexão e de
desenvolvimento, ou de resgate, da identidade de cada para que pudessem
voltar a se impor em seu círculo social e atuar de forma significativa no meio
em que cada um vivia.
De acordo com os próprios PCN-LE, que não foram especificamente
pensados na instrução dessa população, mas que por seu caráter educativo e
reflexivo, podem ser adaptados a qualquer público em processo de
aprendizagem, a identidade é construída em um processo educacional,
implicando o amadurecimento da capacidade de construir um conjunto de
valores que orientem a perspectiva de vida de cada um (quem eu sou, quem eu
desejo ser, o que desejo para mim e como a sociedade deve me enxergar).
Como a identidade de cada um é influenciada pela visão que os outros
têm do papel social que desempenhamos, as pessoas acabam por criar uma
auto-imagem que reflete o modo como são julgadas.
O desenvolvimento de uma identidade positiva, nesse grupo, cria um
espírito de disponibilidade para o aprendizado, não só da língua, mas de
formas diferentes das quais estavam habituados a aprender esta língua. Esses
alunos começaram a perder aquela visão, relatada anteriormente, de que o
medo fazia parte do processo de aprendizagem. Perderam aquela visão de que
“preciso ser sabatinado para aprender, mesmo que esse momento de sabatina
seja cercado de sofrimento e angústia.
Os alunos começaram a perceber que era necessário, e prazeroso, se
sentirem compreendidos e apoiados nos momentos de exaustão e fraqueza,
sentirem que podiam contar com o apoio dos demais e do professor. Passaram
a se sentir satisfeitos ao perceber que toda a comunidade de aprendizes criada
na sala de aula dava valor ao que faziam ou conseguiam desenvolver.
Instalou-se um processo de reconciliação com a escola que é primordial
para a (re) construção da identidade de alguns dos alunos desse curso. Para
isso, segundo Padilha (2004), é necessário valorizar a autonomia de cada um,
200
seu self control, sua responsabilidade pessoal e igualdade de direito das
pessoas, defendendo valores de tolerância e respeito às diferenças. Esse
trabalho de resgate de identidade em relação à escola foi um fator de extrema
importância no trabalho com esse grupo de idosos, haja vista que, como os
dados comprovam, uma grande parte deles retornou a um curso de inglês
com uma sensação instalada de fracasso, oriunda da história pessoal de cada
um nos bancos da escola básica e média.
Era necessário, portanto, mostrar que todos possuíam algo de positivo
no que tange ao aprendizado de uma língua, colocando em evidência os
progressos de cada um, dar novas chances. Eles precisavam, antes de
qualquer coisa, sentirem-se bem vindos, seguros e aceitos, desenvolvendo
sentimentos de inclusão, auto-estima e sucesso (Freire1984/1996/2000, Celani
1996/2000, Padilha 2004, Perrenoud 2000/2001abc, Stainback 1999, entre
outros).
Uma das alunas (RA) ganhou de uma vizinha um livro paradidático,
usado em escolas regulares, Jane Eyre, de Bronté, para que desenvolvesse
sua habilidade de leitura e assim conseguisse adquirir mais vocabulário, haja
vista que eu havia dito que a gramática seria um coadjuvante e não a estrela
principal das aulas.
Ao mesmo tempo, minha aluna mais velha, MZ, começou a procurar
frases e expressões em revistas, pacotes de macarrão e bolachas e trazer para
a sala de aula para apresentar suas descobertas semanais ao grupo.
Denominamos esse momento de Mysterious Moment, pois antes dela
escrever a palavra da semana na lousa, ela tentava pronunciar a palavra e
todos nós, inclusive eu, tentávamos adivinhar o que ela estava falando. Essa
aluna encontrava ingredientes em alimentos preparados, na coluna de fatores
nutricionais, que, muitas vezes, nem eu que acreditava que saber muito mais
que meus alunos, conhecia seu significado. Vale lembrar que essa aluna, além
de ser a mais idosa do grupo, era também a de menor grau de escolaridade.
Possuía apenas a 4 ª série do ciclo 01 do ensino fundamental.
Em 03/10/04, propus uma nova atividade:
201
“... hoje fiz com eles um exercício sobre cores e roupas. Percebo que
os mais velhos têm, realmente, dificuldades de memorização. Todos
descreveram suas roupas e alguns até foram mais além na descrição
falando sobre peças do vestuário que mais gostavam ou o que
usavam no calor e no frio...” (PF-DR).
Diante da confiança que ganhava entre esse grupo, resolvi que poderia
fazer algo a mais do que simplesmente ensinar inglês. Achei que poderia
resgatar algumas práticas que perduravam muito tempo no ensino
fundamental e médio e trazer, sem o menor pudor, para o ensino de idosos.
Novamente me veio à mente a citação de Celani, “... refletir sobre os velhos
mapas, porque, refletindo sobre os caminhos indicados por eles, podemos
questionar e gerar novas perspectivas por meio da contestação e do conflito...”
(2001).
Achei que seria algo inusitado para esse grupo preparar uma
comemoração de Halloween. A idéia surgiu durante toda a animação para se
falar sobre as roupas que estavam usando na aula de 03/10/04.
Percebi que era o momento de fazer com que o grupo deixasse de
esperar de mim que o conteúdo fosse transmitido. Achei que era o momento de
criar as possibilidades para sua própria produção ou construção, propondo,
através da criação de comunidades de aprendizes, com o objetivo de
elaborarem uma pesquisa sobre o tema proposto, que eles fizessem uma
apresentação em sala de aula, de um seminário. Para todos, esta era uma
inovação muito grande, pois nunca tinham atuado em sala de aula desse
modo.
Como já relatei, foi uma decisão que tomei no decorrer da elaboração de
um exercício. Coloquei minha idéia ao grupo que foi prontamente “aceita” por
todos. Não me senti, nesse momento, constrangido de propor essa atividade
que causou, inicialmente, um sentimento de espanto no grupo pelo fato de
trocarmos de papéis. Eu, o professor, iria ficar sentado na carteira de um aluno
observando a aula dos que, teoricamente, sabiam menos do que eu.
Nas aulas seguintes percebi que esse tipo de atividade seria muito
benéfica para o grupo, pois era contagiante a alegria e excitação da sala com a
202
proximidade do evento
“... quando tive este “estalo” durante a aula não pensei que eles iriam
se animar tanto com este tipo de atividade. Na verdade, eles estão
parecendo crianças e eu estou entrando no pique deles. Preciso
montar outras atividades deste tipo para que eles continuem
animados com as dinâmicas...” (PF 03/10/04-DR).
A cada aula percebia que precisava realizar algumas atividades com
exercícios bem tradicionais para que eles se sentissem seguros. Era bem uma
atitude política de minha parte: plantava segurança (de acordo com o que eles
acreditavam!) e colhia libertação e liberdade (que era a minha intenção!).
Percebo isso de modo bastante claro nas minhas anotações de
10/10/04,
“... hoje comecei a aula com um exercício bem estrutural de
substituição de THIS por IT, reforçando o sentido de cada palavra e o
vocabulário já visto anteriormente. Depois, coloquei na lousa uma
lista de palavras de objetos da sala e fiz perguntas um a um para que
me respondessem com a mesma estrutura (chato, mas necessário
neste contexto). Alguns ainda morrem de vergonha! A aluna MZ não
se inibe como no começo, mas tem dificuldades muito grandes de
pronunciar as palavras. De modo geral, a aula foi normal”. Depois,
dei 30 minutos para que falássemos sobre a apresentação do
primeiro grupo que fará o seminário sobre o Halloween na próxima
semana. Aí a coisa pegou fogo. Como eles estão empolgados ! É
contagiante. Peguei-me, várias vezes, rindo. Não deles! De repente
começaram a abrir as bolsas e tirar aranhas, abóboras, máscaras e
pesquisas na internet. Não imaginava que eles navegavam na
internet. Eles riam e gritavam tanto que me lembrei de meus alunos
da 5ª série...”.(PF-DR)
Achei que antes da comemoração do Halloween seria importante que
eles fizessem uma pesquisa sobre as origens da comemoração e repercussões
ao redor do mundo e, principalmente, aqui no Brasil, pois percebi que alguns
possuíam aquela visão de que era apenas uma cultura importada, que não
203
importava aos interesses de nosso país. Precisava, antes de qualquer coisa,
vencer esta visão, pois afinal de contas, aprender uma língua estrangeira é
também aprender uma cultura de um povo que pode ser expressa por meio de
sua literatura ou, até mesmo e principalmente, de seu folclore. Desejava que
soubessem que não se tratava apenas de uma abóbora e várias fantasias de
fantasmas este tipo de comemoração.
Foi, novamente, a partir de meu bom senso, de acordo com o
pensamento de Freire (1996/2000), que foi desenvolvido, por intermédio do
estudo e reflexão sobre os acontecimentos nos quais estou educacionalmente
envolvido, que me orientava a caminhos em direção aos objetivos em sala de
aula que pretendia atingir. Não desejava, desde o início, que fosse realizada
uma “festa pela festa” como eles estavam habituados em outras atividades que
realizavam na paróquia, em outros grupos a que estavam ligados. Desejava
que soubessem, exatamente, o porquê de estarem ali reunidos para
comemorarem uma festa que, aparentemente, nada tinha a ver com a cultura
de nosso país. O que almejava era a informação fortemente ligada à formação
moral e cultural destes alunos.
Chegou, finalmente, o dia da primeira apresentação do grupo 1 que
estava marcada para 17/10/04,
“... hoje foi um dia de surpresas na aula. Quando cheguei “as
crianças” não permitiram que eu entrasse na sala de aula. Do lado de
fora ouvia os gritos e risadas que aconteciam no interior da sala de
aula. Para “guardar” a porta estava uma das alunas, a D, muito
vermelha de tanto rir, que a todo momento olhava para mim,
gargalhava e olhava para dentro da sala. Lembrei-me de minhas
primeiras aulas na 5ª série na rede pública, quando as crianças
queriam me fazer uma surpresa. Fazia pelo menos 15 anos que não
sentia a expectativa em ver o trabalho de um aluno. Entrei na sala.
Havia uma mesa decorada com abóboras e morcegos e na lousa um
cartaz escrito Halloween. De dentro de uma sala anexa saiu o único
aluno do grupo à frente tocando violão, seguido de uma fila de
bruxas. Começaram a falar sobre o Halloween. Algumas frases eram
faladas em inglês com um cartaz que o aluno segurava onde estava
escrita a tradução de sua frase...”.(PF-DR)
204
No dia 24/10, tivemos a apresentação do seminário do grupo 2. Eles
haviam me dito na semana anterior, ao final da apresentação do primeiro
grupo, que seria algo muito simples, mas me surpreenderam:
“... estavam todos uniformizados e propuseram uma aula com
exercícios sobre o tema. Neste grupo estavam apenas os alunos mais
tímidos da turma. Fiquei espantado porque todos falaram uma parte
do texto que compunha o exercício proposto. Quando cada um
terminava sua parte, automaticamente olhava para mim esperando
um aceno positivo. Ficaram entusiasmados quando elogiei a
apresentação do grupo. Achei curiosa uma observação de uma das
alunas RA, pois ela, na semana anterior, havia levado sua mãe de
mais de 90 anos para assistir à apresentação. Ela disse que a mãe
nunca havia assistido a uma apresentação dela na escola e que,
como ela era a bruxa do seminário não queria perder a oportunidade
de que a mãe a visse representar...” (PF-DR).
Nesse dia todos os alunos, até os mais tímidos, disseram em inglês algo
sobre o Halloween. A mesmo o único homem do grupo que havia se
declarado mudo, falou. Ao final da apresentação esse aluno entrou na sala,
fantasiado de morte, falando algo que eu não entendia. Perguntei o que era. Os
colegas disseram que ele estava pedindo desculpas, em inglês, caso não
tivesse gostado de algo. Ele dizia, “... I beg your pardon...”. Não corrigi. Ele
conseguiu falar pela primeira vez em meses! Isso é que era importante.
Rimos muito e eles ficaram muito felizes com meus comentários
favoráveis (e sinceros!).
Ao final, como comemoração pelo dia do professor, ganhei presentes e
um lindo cartão com os dizeres ...Que seu esforço e todo esse ânimo em nos
fazer aprender, estejam sempre presentes em seu projeto de vida...”.
Muito lindo...
Ganhei, também, de meu ex-aluno mudo uma garrafinha de aguardente
(que não tomo!), com os seguintes dizeres: Water that bird don’t drink”. Ele
levou mais de uma semana para construir a frase e conseguir dizê-la. Para que
205
corrigi-lo? Ele conseguiu se expressar sem medo.
Reporto-me a Perrenoud (2001c), que argumenta que a correção da
forma predomina sobre a eficácia da mensagem. Não poderia, nesse
paradigma corrigir esse aluno de forma alguma, sob o risco dele parar de falar
em aula novamente. Acredito que respeitar as normas da língua é importante,
mas consegui (conseguimos!) compreendê-lo. A perseguição implacável da
norma culta com o clássico “não é assim que se diz isso!”, interrompendo-o
durante sua fala, faria com que ele perdesse o fio da meada e o sentido de
continuar tentando se expressar.
Lembro, neste aspecto, ainda, de mais uma citação de Perrenoud, que
complementa o pensamento de Freire, que diz,
“... o professor age com um cão pastor que leva de volta as ovelhas
perdidas para o rebanho. Esse é o seu papel. No entanto, se o
desempenha com excessivo rigor, priva seus alunos de liberdade, de
emoção, de riso, em outros termos; de oxigênio. É vital ter o direito e
o tempo de conversar. Essa é a fonte de sentido, de identidade, de
força. As instituições penitenciárias, que proíbem qualquer
comunicação entre os presos, sabem muito bem disso. Para quebrar
o indivíduo, impede que ele fale com seus semelhantes. Tal prática é
tão antiga quanto a repressão...”.(Perrenoud, 2001c:39)
Encarnar o papel de baluarte da norma culta nunca foi meu objetivo.
Sempre procurei agir em função de meu desejo de visualizar um crescimento
constante por parte de meus alunos.
Talvez, se tivesse trabalhado tudo isso com um texto para leitura, tivesse
economizado tempo e trabalhado outras coisas em sala de aula. Mas teria sido
tão significativo para todos nós?
Mais uma vez, verifica-se que a memorização mecânica do perfil do
objeto não é aprendizado verdadeiro do objeto ou do conteúdo (Freire 1996).
Se tivesse usado qualquer outra estratégia para desenvolver esse tema em
sala de aula não teria conseguido o êxito que conseguimos. Daqui a alguns
meses, talvez, eles nem se lembrassem do que havia sido desenvolvido em
sala de aula. Do modo como a atividade transcorreu, tenho a certeza, de que
206
será algo de que eles não se esquecerão tão cedo e poderão, com
conhecimento de causa, debater sobre a importância, ou o, de se fazer esse
tipo de comemoração aqui no Brasil.
O bom clima pedagógico instalado permitiu que os educandos fossem
aprendendo sobre o assunto à custa de sua própria prática e curiosidade.
Aguçar a curiosidade desse grupo, nesse caso, foi um modo muito salutar de
se construir o conhecimento em sala de aula. Estimulou-se a pergunta, a
reflexão crítica sobre a própria pergunta, qual o objetivo que se tinha com essa
ou aquela pergunta ou atividade, abandonando a passividade a que estavam
habituados diante das explicações discursivas do professor. Foi desenvolvido o
protagonismo de cada um deles em sala de aula.
Os alunos fizeram uma pesquisa extremamente boa, com coisas que
nem eu sabia sobre esta comemoração. E eu que pensei que iria ensiná-los...
Ao final da apresentação, despedi-me, individualmente, de cada um dos
alunos. Algumas alunas ficavam em vida se podiam me beijar ou não e eu
tomava a iniciativa. Engraçado é que muitos insistem em me chamar de
senhor, enquanto eu os chamo pelo nome. Ao agradecer, a maioria me, dizia
meio que entre os dentes, “... obrigado pela paciência...”.
Que paciência? Mal sabem eles que estou ganhando mais do que
concedendo algo. Entrei com o único propósito de colher dados para minha
pesquisa de doutorado e descobri que ficaria muito triste se tivesse que
abandoná-los naquele momento ou fosse abandonado por algum deles.
Na aula seguinte, iniciei fazendo um trabalho de reflexão coletiva sobre o
que era a comemoração de halloween e o que tinha significado para eles. Não
queria que restasse apenas o sentimento de que era uma festa como qualquer
outra. Os resultados (comentários feitos) foram muito interessantes.
“... o que achei importante em nossa apresentação foi a integração do
grupo, o empenho de cada participante, dando com isso mais
segurança e entusiasmo para todos. As idéias foram surgindo e, com
isso formando um grupo homogêneo e sobretudo alegre! É bem
verdade... não se faz nada sozinho...” (SL 18/10/03-DR).
207
“... sempre critiquei a importação desses costumes folclóricos
estrangeiros. Entretanto ao estudar o texto que a colega RA
pesquisou, achei muito interessante conhecer um pouco da história
antiga a respeito das origens da comemoração, de saber sobre Jack
O’Lantern etc. Enfim, gostei de aprender mais. Aprendi inglês e me
tornei mais culta ao mesmo tempo... (DM 18/10/03-DR).
“... muito tempo minha criatividade não era tão solicitada... por
algum tempo, aquela criança que eu era, voltou a aparecer...” (RA
18/10/03-DR).
Ficou, em todos, a gostosa sensação da utilidade da prática em sala de
aula e de que o conhecimento construído coletivamente é muito mais
significativo. Ficou a sensação de que a atuação em sala de aula pode ir muito
além da clássica forma de se responder em aula a perguntas que não foram
feitas. Ninguém havia me perguntado nada a respeito do Halloween. Se tivesse
apenas trazido algo para se ler ou ouvir, talvez, os alunos não tivessem
aprendido tanto.
No dia 31/10, chegamos, finalmente, ao esperado dia de Halloween.
Cheguei antes dos alunos fantasiado com uma capa e chapéu de abóbora.
Alguns nem me reconheceram, num primeiro momento, e se espantaram por
ver o “teacher” vestido daquela maneira.
Começamos a atividade com cada um falando, em inglês, sobre o que
havia trazido para a mesa da festa. Falavam e, como sempre, olhavam para
mim o tempo todo. Quando eu aplaudia ou perguntava aos outros o que o
colega havia dito e eles entendiam, podia perceber, claramente no rosto deles,
a satisfação que expressavam.
Meu ex-aluno “mudo” levou a esposa e cantou a música Yesterday, dos
Beatles, que foi acompanhada por todos. Ele me contou que essa música havia
sido tocada em seu casamento e que desde então gosta de tocá-la em todos
os momentos especiais de sua vida e aquele era um momento muito especial.
Depois disso comecei a entregar as lembrancinhas do dia do Halloween. Cada
um tinha de falar uma frase sobre a festa para ganhar o presente. Todos
falaram de improviso, até meu ex-mudo.
208
O aluno que cantou Yesterday estava exultante e não se cansava de
falar: “... foi a primeira vez que cantei Yesterday” falando direito e sabendo o
que estava cantando...estou super feliz...” (LC 21/11/03-DR).
Ao final da festa, pegaram o violão e fizeram uma grande apresentação
improvisada de seresta. Fiquei muito constrangido, pois me ofereceram várias
músicas que falavam de amor e não paravam de agradecer por minha
iniciativa. Exigiram a presença de meus pais na festa de final de ano. Na hora
me perguntei...QUE FESTA?
Tenho me surpreendido muito com minha aluna mais idosa MZ. Essa
aluna, no início do curso, desistiu das aulas e tive que buscá-la em casa, pois
ela achava que por ter baixo nível de escolaridade, não iria conseguir
acompanhar os outros por sua dificuldade de escrever em língua materna. No
decorrer das aulas, ela se desenvolveu cada vez mais e tornou-se cada vez
mais participativa e colaboradora. Seus colegas de classe conhecem suas
limitações e disputam sua colaboração durante os trabalhos em pares ou
grupos.
Mesmo em relação aos demais componentes do grupo percebo que a
autoconfiança e auto-estima deles aumentam a cada aula. A grande
preocupação deles é continuar a aprender cada vez mais.
Minha intenção, como professor desse grupo, é descobrir formas
significativas para que eles aprendam cada vez mais e, também, de forma mais
acelerada. Sinto-me recompensado em perceber suas mudanças de
comportamento pessoal e receber informações acerca de suas novas formas
de interação com seus familiares e amigos que têm sido facilitadas pelo fato de
estarem, novamente, estudando.
O simples fato de estarem, semanalmente, participando de um curso de
idiomas tem facilitado seu entrosamento com pessoas que, anteriormente, não
conseguiam manter algum tipo de interação. Algumas pessoas passaram a se
interessar em saber o que eles faziam nas aulas de inglês e isso facilitava o
entrosamento inicial com outras pessoas.
Ao perceber que eles necessitavam de renovadas e significativas formas
de contato com a língua, além das tradicionais leituras e revisões gramaticais,
209
é que comecei a refletir sobre o que poderia desenvolver em sala de aula para
que eles se sentissem motivados a continuar seu aprendizado.
Deste modo, é que surgiu minha quarta pergunta de pesquisa que trata,
especificamente, do tipo de atividades que podem favorecer a aprendizagem
desses idosos que passo a apresentar e discutir em seguida.
4.4 - Pergunta 04 – Que atividades favorecem o aprendizado desses
idosos na sala de aula de língua inglesa?
Para chegar à resposta desta pergunta dois grandes temas podem ser
percebidos: a visão do educador gerontológico de línguas e dos alunos e quais
atividades podem ser positivas para facilitar o aprendizado desses mesmos
alunos.
Mais uma vez desejo, antes de iniciar a redação da resposta desta
pergunta de pesquisa esclarecer que, mais uma vez, aparecerão no decorrer
da resposta, informações semelhantes as apontadas anteriormente para que
possa contextualizar de forma mais clara os dados que são alvo das
discussões ora apresentadas nos temas aqui escolhidos.
Os temas apresentados foram selecionados não como forma de
auxiliar o processo de redação com elementos significativos mas também pela
observação de dados que apareceram com mais freqüência nos diários
reflexivos e declaração dos participantes que foram transcritas e transformadas
em unidades de significados por sua relevância nos dados que foram utilizados
para a redação.
A educação não pode ser vista e analisada com um recorte de
informações isoladas, por este motivo é que trago sempre informações já
apresentadas para melhor elucidar o foco da discussão que ora relato.
Como visto anteriormente, a identidade de cada um é influenciada
pela percepção que os outros têm dos papéis sociais que as pessoas
desempenham.
O ser humano é sempre tentado a se ver a partir do julgamento dos
210
outros e cabe ao educador um trabalho de resgate da auto-estima dos alunos,
mesmo antes de se preocupar em cumprir planejamentos e outras imposições
do sistema escolar. É um trabalho de plantio e fertilização do solo para que a
colheita seja mais proveitosa no futuro.
O educador atua como facilitador de atitudes de organização,
reorganização e valorização dos educandos por meio da mediação e de
atividades que favoreçam a interação entre os elementos do grupo, entre
outras coisas.
Como o desejo de que o grupo se desenvolvesse cada vez mais era
algo recíproco, passei a refletir sobre a necessidade de atender às suas
expectativas em relação ao aprendizado com atividades que fossem
interessantes o suficiente para que eles gostassem, ainda mais, de vir à aula e
pudessem transferir o conhecimento adquirido em aula para os contextos que
achassem mais apropriados e necessários. Comecei a pensar em termos de
quais atividades poderiam favorecer a aprendizagem desse grupo,
dinamizando e acelerando seu processo de aprendizagem.
Deveria, antes de qualquer coisa, haver um respeitoso reconhecimento
da importância da contribuição de cada pessoa, independentemente da
superioridade ou status de cada um.
Os educandos desse grupo estavam habituados a uma rotina de
aprendizagem em que apenas o professor tinha o direito de fala e que a única
expectativa em relação a eles era o silêncio e a atenção. Freire sempre
argumentava a respeito da tendência do professor em uma aula expositiva de
silenciar os alunos, usando como instrumento de silenciação sua fala. Os
alunos desse grupo habituaram-se, como eram menos articulados a respeito do
conteúdo, a “calarem a boca” diante de tanta sabedoria e conhecimento que o
professor possuía acerca do assunto tratado. Essa era a visão que possuíam.
Como visto anteriormente, esses alunos foram habituados a
desenvolver essa postura em sala de aula, pois, em seu tempo de escola,
foram “adestrados” a ficarem em silêncio, não opinar, não fazerem perguntas
que poderiam, talvez, estarem erradas ou mal formuladas e que poderiam, pela
inadequação de uma pergunta, serem humilhados publicamente pelo professor.
211
Os alunos desse grupo começaram a perceber que apenas o trabalho
sistemático com a gramática, com os incansáveis exercícios de transformação
de frases sem sentido a que estavam acostumados, e acreditavam ser a única
maneira de aprender uma língua, não eram suficientes para que atuassem no
dia-a-dia da sala de aula e fora dela.
Passaram a perceber, como na visão de Freire (1980/1983/1984/1996) e
Perrenoud (2000/2001abc), que o simples fato do professor transferir seus
conhecimentos em uma aula magistral para que eles absorvessem os
conhecimentos como se fossem uma esponja de nada adiantava.
Constataram que receber passivamente os conteúdos, tornando-se um
depósito das informações do educador não trazia muitos benefícios ao grupo,
pois acabam sendo arquivados juntamente com o conhecimento oferecido.
Perceberam que a filosofia bancária de ensino e aprendizagem em que
“quanto mais se dá, mais se aprende, pois mais se sabe”, não era uma verdade
concreta.
Iniciamos um trabalho diferente no qual a construção coletiva era a
tônica das aulas. Achei interessante que os alunos passaram a perceber que o
aprendizado em parceria, em conjunto, mediado pelo participante mais
eficiente, que deve dar suporte ao aprendiz enquanto este não for capaz de
atuar de forma independente, oferecia condições mais concretas e
significativas de aprendizado. Segundo um dos participantes,
“... existe um desnível. Tem gente que sabe um pouco mais e gente
que sabe um pouco menos e gente que está querendo acelerar um
pouco o processo. É lógico que você tem que ir um pouco mais
devagar por causa do pessoal que sabe menos. Então a gente se
reúne para dar uma deslanchada. Quem sabe mais, ajuda os outros
para que além de fazê-los ir mais adiante possam ajudar, também
aos que têm mais dificuldade de compreensão...”. (RA- 25/06/04- EN)
Reitera-se, pela declaração acima, que não se aprende nada sozinho.
Reforça-se o papel das interações sociais na construção do
conhecimento, a chamada pedagogia interativa. O trabalho em equipes, nesse
caso, não consiste em fazer juntos o que se poderia fazer sozinho e muito
212
menos olhar o que o par mais experiente faz e simplesmente copiá-lo. O
grande desafio desse grupo foi o aprender a fazer as coisas, realmente em
grupo, para que um objetivo comum fosse alcançado.
Como já ressaltado por Stainback (1999:81), o grande desafio meu,
como educador, foi o de usar vários tipos de abordagens para que todos os
alunos fossem atendidos: desde os com menor grau de conhecimento, até os
mais adiantados. Não poderia usar de um procedimento único em sala de aula
para alunos com desníveis tão acentuados, necessidades tão diferentes e
expectativas de progresso tão limitadas.
“... aprender em grupo é importante porque acabo aprendendo com
os problemas dos outros. Às vezes, alguém traz alguma dificuldade
de se lidar com a língua e eu penso: é mesmo, não tinha pensado
nisso. Estudar em grupo é bom porque precisamos de um grupo
social para a gente crescer em qualquer atividade. Aprender sozinho
é chato e parece coisa de gente egoísta...” (LC 25/06/04 EN ).
Pode-se verificar, pelo depoimento acima, que os processos de
formação de conceitos são originados nas relações entre os indivíduos e do
indivíduo com o mundo. Como apontado por Vygotsky (1993,1994), o
processo de desenvolvimento do indivíduo é socialmente construído, ocorrendo
a partir de um contexto em meio a interações sociais, entre indivíduos
historicamente constituídos. Vê-se, claramente, que o outro desempenha um
papel muito importante no processo de internalização e que esta interação é a
chave mestra da aprendizagem.
Logo nas primeiras experiências, os alunos começaram a perceber que
aprender inglês poderia ser um momento de descontração e, acima de tudo,
algo muito prazeroso.
“... acho interessante a construção de textos ou frases na lousa de
forma coletiva, construindo o conhecimento da língua em grupo,
tentando reconstruir um texto ou uma frase. Trabalhar a gramática no
texto também é muito interessante. É diferente porque tudo aquilo
que não aprendemos quando estávamos fazendo negativas e
213
interrogativas passa a fazer sentido...” (TB 24/09/04-DR).
Comecei a trabalhar com uma abordagem de leitura na qual eles
iniciassem o processo a partir do reconhecimento dos cognatos e das palavras
que traziam como conhecimento prévio. Isso fazia com que eles se
sentissem mais seguros em ler algo sem a necessidade de um dicionário,
servindo-se, primeiramente, de palavras que conheciam ou que conseguiam
deduzir com segurança.
“... hoje, dei algumas noções de uma das abordagens de leitura
instrumental aos alunos e eles ficaram surpresos ao ler um texto
sobre São Paulo sem dicionário. Um das alunas, SL, inclusive
comentou: “... é “teacher”...ler assim é mais gostoso, pois eu não
assassino o prazer de ler...” (PF 29/05/04-DR).
“... a leitura me faz entender o mundo porque é a base do
entendimento de tudo. Tem resgatado minha memória, pois lembro
de coisas que pensei que tinha esquecido ou que nem sabia. Tem
ajudado minha cabeça e me sinto mais segura, pois percebo que
sei muitas coisas...” (DM 25/06/04 EN ).
Podemos comprovar, pela declaração acima, que como apontado por
Perrenoud (2000:28), a escola não constrói nada a partir do zero, pois o
aprendiz nunca é uma tábula rasa, uma mente vazia. A leitura prévia de mundo
dos alunos não se trata de um jogo político que o educador usa para ser
simpático com o aluno. É a maneira correta, e mais fácil, do educador trabalhar
com o educando e não sobre ele. É a forma mais adequada do educador
superar barreiras e criar situações nas quais seja mais fácil encontrar um
caminho de levar o educando a interagir e compreender o mundo, além de
resgatar conhecimentos que julgava ter perdido, ou nunca encontrado.
De acordo com uma das participantes,
“... leio pacotes de macarrão porque é o que me interessa e vou
muito ao supermercado. É meu ambiente. Consigo entender o que
está escrito nas marcas importadas e o que não entendo procuro
214
descobrir seu significado. Até o supermercado acabou virando um
lugar para me fazer aprender coisas diferentes...” (MZ 25/06/04 EN )
Comprova-se, pela declaração acima, que para o indivíduo aprender é
preciso dar sentido ao que se faz e ao que se aprende, sentir-se reconhecido,
não se sentir ameaçado em seu modo de ser, em sua segurança, em seus
hábitos, enfim, em sua identidade pessoal. Esta participante, por exemplo, quis
até mesmo desistir das aulas após algum tempo pelo fato de ser a de mais
baixo nível de escolaridade. Foi necessário, de minha parte, um trabalho em
que demonstrei paciência, compreensão e apoio em seus momentos de
exaustão e fraqueza. Essa participante precisou contar muito com o apoio,
também, dos demais colegas de turma para que se sentisse capaz e desejosa
de conseguir atingir a mesma meta dos demais. Foi apenas após ela sentir
significação no que estava aprendendo é que realmente sentiu-se integrante
dessa comunidade de aprendizes.
De acordo com uma das participantes,
“... ler para entender e não para traduzir (grifo da participante) tem
desenvolvido meu inglês. Me fez viajar pelo texto como viajo quando
assisto novelas, por exemplo, pois não fico mais com o dicionário ao
meu lado como se estivesse, sempre, fazendo lição de casa...” (BM
25/06/04 EN ).
“Ler para entender e não para traduzir”.
Acredito que esta seja a frase chave que demonstra as mudanças em
relação ao sentido do aprendizado de uma língua estrangeira por este grupo. A
saída das desgastadas técnicas de listen and repeat deram sentido ao que
estava acontecendo em sala de aula.
A leitura com a finalidade de compreensão e abstração de seu conteúdo
fez com que pudéssemos extrapolar os limites de sala de aula e utilizássemos
o corpo de conhecimentos para pensarmos nas oportunidades de aprendizado
que nos auxiliariam a desenvolver os aspectos culturais e sociais para que o
grupo se libertasse de qualquer resquício de tentativa de esconder-se do
215
mundo, de excluir-se ou de permitir que os excluíssem.
É claro que teria sido muito mais fácil para todos nós trabalharmos sobre
o significado isolado de frases e análises gramaticais de frases, mas seria
pouco.
Teria sido bastante prático e cômodo para o professor, contudo não
seria o ideal para fazer com que os alunos pudessem aprender uma língua
estrangeira e desenvolver uma maior independência pessoal a partir desse
novo aprendizado.
Como alertava Freire (1996:37), transformar a experiência educativa
em puro treinamento técnico é amesquinhar o que de fundamentalmente
humano no exercício educativo: o seu caráter formador, seu caráter libertador.
Ainda de acordo com este mesmo educador, pensar a educação como um
conjunto de métodos e cnicas neutras, sem um componente político de nada
serve, além de alinhar os educandos ao conformismo. Esta não era, com
certeza, a proposta e nem o desejo, neste momento, dos alunos.
Passei também a trabalhar com músicas.
Logo nas primeiras tentativas, percebi que esta atividade com canções
surtiu um resultado inesperado.
De acordo com uma das alunas do grupo,
“... estou achando interessante trabalhar a gramática a partir das
músicas. Eu tenho a impressão de que o estudo fica mais leve. Me
distraio com a música e ao mesmo tempo aprendo mais inglês. Isso
sim é aprender com prazer!...” (TB 14/05/04-DR).
Esta sempre foi a minha intenção em meu projeto de curso com estes
alunos. Quis, a todo o momento, priorizar a necessidade de encantamento, do
aconchego, de que eles se sentissem bem ao atuar na sala de aula, pois
sempre acreditei que tais práticas e sentimentos criassem condições para os
avanços tão demandados pela educação atual, ao contrário do que se propôs
durante tantos anos, quando a escola ou a própria ciência descartava o
sentimento, a emoção, dando maior importância apenas aos fenômenos
216
observáveis e quantificáveis.
De acordo com algumas alunas do grupo,
“... aprender inglês com música é agradável, divertido e diferente para
mim. Gosto muito das aulas onde a gramática é retirada da letra da
música. Aprendemos gramática aplicada. Gramática isolada, a meu
ver, não tem muito sentido. Se tivesse aprendido assim no ginásio
teria sido muito diferente...” ( IB 14/05/04-DR).
“... se estudarmos gramática, desvinculada de tudo, das músicas,
das poesias, dos textos, tudo ficará muito sem sentido... do modo
como estamos fazendo, a aula fica mais motivadora pois fica mais
claro o que o professor sempre falou pra gente: falamos uma língua
completa e não só verbos ou substantivos...” (DM 14/05/04-DR).
Muitos dos resquícios da época em que aprenderam o inglês de forma
muito estrutural ainda resistiam, porém percebia, claramente, que coisas novas
estavam acontecendo neste grupo em relação à suas concepções de
aprendizado:
“... eu não consigo copiar tudo o que está na lousa, mas acho
interessante a gramática com música...” (MZ 14/05/04-DR).
“... eu acho importante aprender a gramática com a música, pois é
mais fácil para a memorização...” (CL 14/05/04-DR).
“... achei o começo do curso chato porque o sabia se estava
aprendendo. No fundo, gosto de gramática. Parece impossível, mas
gosto de gramática. Gosto de lição de casa. Quando percebi, e
entendi, que agora era diferente falei com meus netos e eles
disseram que é assim mesmo e que se pudessem entrariam no grupo
também...” (BM 21/11/03-DR).
Recordo-me, nesta passagem, da comparação de Celani (2001), que
fala sobre a atividade criativa. Segundo ela, é necessário que se tracem
também novos mapas e não seguir ou aprimorar apenas os mapas
217
existentes. As rotas indicadas pelos novos mapas, ao nos levarem por águas
desconhecidas, fazem com que, possivelmente, novas terras sejam
descobertas. não devemos desprezar os velhos mapas, pois eles geram
novas perspectivas por meio da contestação e do conflito.
Os alunos deste estudo, a partir das declarações acima, deixam claro
que continuam presos aos paradigmas de que a gramática é de suma
importância para o aprendizado, mas que podem suprir suas necessidades
pessoais, construídas a partir de suas crenças, de uma nova forma. o
abandonam algumas de suas crenças, mas adquirem novos conhecimentos
através de uma forma, para eles, inovadora de se perceber o mesmo objeto.
Uma das alunas, TB, chegou com um e-mail que havia recebido da
Austrália, onde a filha estava fazendo intercâmbio, todo escrito em inglês, com
um sorriso enorme estampado no rosto. “Consegui!”, dizia ela toda orgulhosa.
“... fiz como o professor explicou: dei uma olhada no texto todo,
assinalei as palavras que conhecia. Li o texto. Precisei de duas
palavras que eu não sabia e que achei que eram importantes. Olhei
no dicionário. Consegui entender o que estava escrito no e-mail. Se
fosse antes, ou teria traduzido tudo olhando no dicionário ou, mais
provavelmente, teria pedido para alguém traduzir para mim...” (TB
23/04/04-DR).
As atividades que trabalhei com os alunos iam diretamente ao encontro
das expectativas que tinham, mudando, muitas vezes, radicalmente, seus
conceitos em relação a formas significativas de se aprender uma segunda
língua.
“... com relação à conversação, acho que o professor nos deixa
bastante à vontade para falar e nos interrompe o necessário,
valorizando o que conseguimos falar. Quanto a parte gramatical, me
parece que se trabalha o conteúdo que surge na aula, de acordo com
o interesse ou necessidade do grupo, o que é muito interessante.
Adorei as músicas trabalhadas. Os Beatles fazem parte de nosso
universo. Adorei o show do Barry22(r)-4.5563339( )-240.391(t)0.721reary Oo dicio( )-23.390122( )-252.4(r)-4.5563339(240.391(O)-5.61.4422(oa )-83.6681(d2(b)1.4422(a)-10.6134(4422( )-95.7237(p)1.415-4.33117(n)4.67474(o)-4.33117( .391(t)0.721rA37(p.8(m)-22.9457 )-107.779(d)-10.6-107h17.28 Td[(,)0.72a)1.4422(n))-2.16436(“)333]TJ/R104 12 Tf220.33 0 )-10.6134(i)5(d)1.42(t)0.72109.72109.72133117(i)1(r)-4.55699( )-222.9486(u)1.4422E4422( )-95.hem)-a4 12 Tf22033]TJ/R104
218
Não foi sempre assim. As transformações nas concepções de
aprendizagem destes alunos foram fruto de um árduo trabalho, no qual, a cada
aula, avançávamos um pouco. Necessitei iniciar o curso com um modo de
ensino muito tradicional, com listas de exercícios para ganhar a confiança
destes alunos e não perdê-los logo no começo do trabalho.
Se iniciasse, de chofre, um trabalho com estes alunos em um paradigma
mais atual, com certeza, os teria perdido. No decorrer do trabalho os alunos
demonstraram uma grande sabedoria ao deter suas descrenças iniciais,
abrirem-se a novas idéias que muitas vezes, a eles, pareciam muito estranhas
e contestarem e indagarem o porquê das coisas.
Este é o princípio da aprendizagem significativa: a capacitação dos
alunos para determinar o que e como eles desejam aprender. O mundo novo
propõe um novo papel cooperativo para professores e alunos, em que os
alunos aceitam uma ativa parceria no empreendimento da aprendizagem.
Pode-se perceber, claramente, que as visões de aprendizagem que
possuíam eram fruto de um ensino fortemente tradicional, calcado em
gramática e memorização ao qual, diga-se de passagem, também fui exposto.
“... no meu tempo a aprendizagem era muito técnica, tipo “decoreba”
e gramatical. Sempre achei que era a única forma de aprender: o
professor falava e escrevia na lousa. Eu copiava...hoje a didática é
mais dinâmica e preocupa-se mais com o aluno aprender de fato uma
língua de forma mais agradável...” (RA 16/03/04-DR) .
Como ressaltava Freire (1992:15), o conhecimento era oferecido aos
alunos como um cadáver de informação e não com uma conexão viva com a
realidade dos envolvidos. O programa de ensino restringia-se a uma tarefa
monótona de um programa oficial como se observa abaixo:
“... no meu tempo de escola, o inglês era visto apenas como uma
matéria para enfrentar o vestibular. Eu decorava verbos e palavras
sem saber o porquê. Hoje, estudo inglês com a finalidade de
aprender uma língua para usá-la no cotidiano e em possíveis viagens.
219
O ensino é mais dinâmico e interativo entre o professor e o aluno...”
(LC 16/03/04-DR).
“...naquele tempo era muito enfadonho... hoje, acho que desenvolve o
meu pensar. Aprendo inglês e como mexo muito com minha cabeça
para poder aprender tudinho ganho mais alguns anos de neurônios
novinhos para gastar como e quando quiser... (BM 16/03/04-DR).
O caráter socializante e a excessiva formalidade da escola neglicenciava
a “vida” que poderia acontecer na sala de aula, em detrimento da adoração
excessiva aos conteúdos puramente escolares e que poderiam ser
utilizados naquele contexto. A linguagem comum nas escolas era o do ensino
de conteúdos lamentavelmente compreendido como transferência de saber.
Freire (1983:96/97) apontava que a escola, muitas vezes, ao invés de
trocar idéias, as dita. Acaba-se impondo uma idéia que o aluno não adere, mas
se acomoda e que, por conseqüência, não as incorpora porque a incorporação
é o resultado da busca de algo que existe e pode ser reinventado.
Conforme observações feitas pelos alunos desse grupo,
“... iniciei o inglês no ginásio. Estudava gramática para as provas. As
aulas eram de gramática...como em minha casa ninguém sabia
outra língua além do português, era realmente difícil e
desinteressante...” (TB 16/03/04-DR).
“... não conseguia entender e decorar a gramática. Sempre
comentava com minhas amigas de sala do ginásio: como, sem saber
gramática, vou conseguir falar e escrever corretamente?...achei
engraçado quando o professor disse que ia parar de fazer exercícios
de gramática porque não adiantava nada; afinal de contas não
falávamos gramática. Falávamos uma língua...” (DM 22/04/04-DR).
“... ainda me atrapalho um pouco... falar um pouco a cada aula é
legal, mas gosto de fazer exercícios com bastante gramática.
Fazendo exercícios, aprendo a escrever e decoro palavras...” (IB
23/04/04-DR).
220
Os alunos apenas conheciam o modelo de aula expositiva com a
genuína intenção de transferir conhecimentos, só. São aulas que poderiam ser
consideradas como cantigas de ninar. De um lado o aluno dorme pela
sonoridade da voz do professor e do outro o próprio professor também dorme,
ninando a si mesmo pelas informações inócuas que traz para a sala de aula. É
o modelo da aula magistral. (Freire 1982:111/112 e 1980:79/80, Perrenoud
2000:23).
Conforme declarações,
“... na escola me preocupava com as avaliações porque precisava
tirar nota para ser aprovada... as aulas se resumiam a gramática. Era,
para mim, tudo muito estranho. Agora as exigências não existem, pois
não avaliações e notas. A motivação é maior e a ngua inglesa
está em toda parte. Hoje, aprender inglês, pode ser considerado
quase um dever que todos nós nos impusemos diante da importância
da cultura americana e sua universalização...” (DF 03/09/04-DR).
“... estudei numa escola estadual na época em que apenas a elite”
estudava (de 50 à 58). Infelizmente, nunca tive a oportunidade de
aprender uma língua estrangeira como se devia, apesar de ter tido
inglês, francês e latim. Sempre estudei muito, fazia as tarefas, ia bem
nas provas e depois esquecia tudo. As provas eram sobre traduções
e exercícios de gramática feitos durante o ano. Decorava-se e pronto.
Não sei se era o método da época ou se eu não tinha maturidade. O
fato é que eu não aprendia nada...hoje estou vendo que as coisas
são diferentes. Falta muito para dizer “sei um pouco”, mas arrisco
algumas frases e entendo algumas outras...” (IB 03/09/04-DR).
É este resquício que se percebe, fortemente, nas declarações dos
alunos que retornam após vários anos aos estudos: a necessidade de
reprodução dos modos em que foram antes ensinados: repressão e pressão.
“... no meu tempo de ginásio nunca dei importância para o inglês.
Para mim era uma matéria chata de gente metida e sem atrativo
nenhum. Durante as aulas, eram dados exercícios repetitivos e na
hora da prova era do mesmo jeito. Quem decorava saia-se bem.
222
em sua segurança, enfim, em sua identidade pessoal.
O que pretendo é construir um currículo voltado a uma nova perspectiva
em que se respeite o saber individual de cada um de seus participantes e sua
cultura em todas as dimensões. Um currículo que priorize as necessidades da
população idosa, reafirme todas as nuances que compõem sua identidade
positiva desenvolvendo um curso de língua inglesa que crie condições de
emancipar essa parcela esquecida da população. Nesse sentido as aulas
devem ser um espaço que favoreça não somente a socialização das
informações, mas também, de relações humanas, críticas e solidárias.
Como incentivador da turma, qualquer atividade que propusesse em sala
de aula, deveria contribuir para a construção da identidade positiva deste
grupo, de estruturar um trabalho sempre com perfil colaborativo, trabalhando
com questões ligadas à conscientização das diferenças e desigualdades entre
os componentes presentes em cada aula.
Pensando dessa forma é que passo, agora, a refletir sobre a
necessidade da construção de um projeto político pedagógico específico para a
população idosa onde seus anseios sejam contemplados tanto na esfera da
aprendizagem quanto em sua atuação na sociedade.
223
Capítulo 05
A construção vivenciada de um projeto político pedagógico na educação
de idosos
Jean Claude Chardin and the truth: self portrait - 1789
224
Um projeto político pedagógico, não importando a faixa etária dos
alunos, a condição social dos mesmos ou outras questões que façam parte do
contexto onde o curso será desenvolvido, deve, a priori, ser constituído a partir
da construção de um currículo de curso que leve à libertação do grupo.
O quadro abaixo pode oferecer ao leitor uma idéia de como um projeto
político pedagógico que leve à libertação do grupo pode ser desenvolvido:
Foco social
Conhecimento prévio conhecimento
de mundo
Socialização do indivíduo
Projeto político pedagógico para libertação do indivíduo
9
O currículo da escola, que antes era apenas um recorte ou sinônimo de
conteúdo escolar, apresenta-se agora como um processo amplo, complexo,
que leva em consideração não apenas o que se deve aprender, mas também
como, para quê, por que aprender e até mesmo quem deve aprender esse ou
aquele conteúdo.
Esse currículo necessita ser constituído a partir da concepção da escola
como um órgão emancipador, onde um professor livre de qualquer ranço
educacional forme alunos também emancipados para que eles possam atuar e
influenciar na constituição desse currículo, também, de forma plena. É nesse
sentido que se encara o currículo como um documento político.
de se priorizar os interesses dos alunos na construção do currículo
9
Minha autoria.
225
que deve contemplar uma proposta político-pedagógica que enfatize a
construção conjunta do conhecimento pela estreita relação entre a
aprendizagem e o desenvolvimento dos atores nele envolvidos.
Neste aspecto é que concordo com as idéias de Silva (1999:150), que
aponta que o currículo é, acima de tudo, trajetória, viagem, percurso,
autobiografia. No currículo se forja a nossa identidade por ser um documento
explícito da identidade em que se pretende auxiliar a formar, transformar ou
redescobrir elementos que nos constituem.
Assim uma das tarefas mais importantes da prática educativa com viés
crítico, é a de propiciar condições para que os educandos, em suas relações
interpessoais, dentro e fora da sala de aula ensaiem a profunda experiência de
assumir-se como seres sociais, pensantes, comunicantes e, acima de tudo,
transformadores. Transformadores de seu contexto imediato e, possivelmente,
transformadores da visão negativa que a sociedade possui acerca dos idosos,
neste caso.
Desta forma o currículo necessita ser um dispositivo de atendimento não
das necessidades individuais de cada aluno, como também ser um
instrumento que possa dar sentido ao que se está aprendendo para que o
aprendizado se dê, de fato.
Isso ocorrerá a partir do momento em que o educador torne-se
progressista e consciente de sua responsabilidade, compartilhando com seus
alunos sua competência, amorosidade, clareza política, uma estreita coerência
entre o que prega e o que faz efetivamente e seu grau de tolerância. Deste
modo, a escola precisa criar espaços para que as pessoas tenham condições
de aprender e de criar, de arriscar-se, de perguntar e procurar soluções para
respostas; enfim, de crescer, não importando a faixa etária em que se
encontrem.
Novamente, reforça-se a intenção de se trabalhar o currículo, priorizando
o viver de modo pleno na terceira ou quarta idades.
Para que o indivíduo seja capaz de aprender é preciso dar sentido ao
que se faz e ao que se aprende, sentir-se reconhecido, respeitado como
pessoa e como membro de uma comunidade, não se sentir ameaçado em seu
226
modo de ser, em sua segurança, em seus hábitos, enfim, em sua identidade
pessoal.
É importante que o aprendiz idoso se sinta compreendido, apoiado e
incentivado em seus momentos de exaustão e fraqueza, sentir que pode contar
com o apoio dos demais, que o consideram capaz e desejoso de conseguir.
Acreditar, principalmente, que alguém ainda dá valor ao que ele faz ou
aprende, sentir-se apoiado. Ser participante.
A ênfase em um projeto político para esse segmento deve proporcionar
oportunidades para que os idosos saiam do discurso comum de dificuldades e
infortúnios, para um discurso mais arrojado, que leve os educandos a refletirem
sobre formas significativas de aprenderem conteúdos vistos anteriormente
em seu período de escolarização, valorizando, agora, oportunidades de sua
(re) inserção na sociedade, retomando um espaço que não deveriam, por
questões morais e éticas, terem perdido ou se afastado.
Espera-se, em um projeto político-pedagógico arrojado dessa natureza,
que sejam oferecidas aos alunos, acostumados ao alinhamento pleno a partir
do momento que ultrapassam a soleira da porta da sala de aula, a
possibilidade de engajarem-se em comunidades de aprendizes que favoreçam
um tipo de aprendizagem que possa resultar em uma melhoria na vida desses
indivíduos. A própria participação nessas comunidades de aprendizes
transformam os parâmetros de convivência dessas pessoas, desenvolvendo o
espírito de tolerância e solidariedade, alterando algumas nuances de sua
identidade pessoal, favoravelmente.
O engajamento nessas comunidades de aprendizes faz com que os
momentos de encontro não se limitem, apenas, a uma simples reunião de
pessoas com o objetivo de aprender uma língua estrangeira. Nessas
comunidades há uma relação interativa muito profunda em que as amizades se
solidificam com o passar do tempo, não permitindo que os encontros do grupo
tornem-se mais um gueto destinado a ocupar o tempo ocioso de velhos ou
idosos.
Nesse momento, não gostaria de limitar este capítulo a uma discussão
exclusivamente voltada ao ensino de língua estrangeira, ou mais
227
especificamente de língua inglesa.
Acredito que, como apresentei todos os dados anteriormente,
pautando-me no processo de ensino-aprendizagem de língua inglesa por um
grupo de idosos, posso pensar em uma proposta que possa ser adaptada a
qualquer curso destinado a esse público na qual a informação trabalhada de
forma crítica seja o objetivo principal do educador.
Creio que essa questão, a educação de idosos com base na pedagogia
crítica, é uma conseqüência natural de tudo o que foi discutido até o momento
e que poderia ser foco de inúmeras outras discussões e continuidade de
estudos, haja vista que é infinita a quantidade de estudos que poderiam surgir
a partir desse viés educacional.
Toda a questão acerca da libertação dos idosos dos estereótipos
impostos pela sociedade no que concerne à falta de condições para o
aprendizado e, porque o afirmar, de utilidade em se aprender algo novo
quando se possui sessenta ou mais anos passa, essencialmente, pela
construção de um curso em que os objetivos político-pedagógicos libertários
sejam priorizados na elaboração do mesmo para que, além de cultura, os
idosos apropriem-se de instrumentos para o (re) desenvolvimento de sua
postura crítica como forma de atuação significativa em uma sociedade que
mais os aprisiona do que lhe oferece condições de atuação e libertação.
O importante na construção de um projeto político-pedagógico voltado
aos idosos é que sejam desenvolvidas ao máximo atividades em conjunto com
os alunos para que essas atividades desenvolvam a capacidade criativa dos
educandos variando os tipos de atividades para que todos possam ser
contemplados priorizando o “fazer” em grupo, valorizando suas experiências
prévias e atividades do dia-a-dia para que posam ser contextualizadas
adquirindo um significado concreto.
O projeto político-pedagógico desenvolvido no decorrer deste estudo
não foi planejado antecipadamente ao curso e nem idealizado após o término
do ciclo de aulas proposto.
Este projeto foi, acima de tudo, vivenciado com o grupo de alunos: foi
proposto, vivido, alterado e concretizado.
228
A partir das teorias aqui apresentadas os eventos de sala de aula foram
sendo adaptados à realidade dos alunos e do professor participante. Isso só foi
possível graças ao modo transversal de se trabalhar as atividades em língua
inglesa nos encontros semanais, aliando-se a vida real de cada um dos
participantes às atividades de ensino e aprendizagem do idioma inglês, isto é,
trazendo para o interior da sala de aula de língua inglesa o mundo real de cada
um dos envolvidos para que esse contexto servisse, também, como
instrumento de auxílio no processo de ensino e aprendizagem.
Poderia citar como exemplos dessa dinâmica os textos, deos e
músicas que foram utilizados e citados no decorrer da análise dos dados.
Não pretendo oferecer um modelo de construção de projeto político-
pedagógico destinado ao trabalho com os idosos por motivos bastante simples:
em primeiro lugar um projeto “engessado” seria completamente contrário ao
que expus no decorrer deste estudo. Em segundo lugar a construção do projeto
aqui apresentado foi elaborada em conjunto com o grupo em que o estudo foi
realizado sendo que, com toda a certeza, em um dum gótp6(d)-4.33117(e)-4.33117(c)0.295585(t)-2.16436(u)5.6í272(0117(j)1.87(e)-4.33117(t)73117( )-61(e)-4.33117(e)-4.33117(e)-4.22a)-4.33117( )-72.2057(e)-442278]TJ-238.941 -20.644.33117(7474(a)4.33117(t)-2.1(g)5.67474(u)-4.3287313131313131313131313131313131318(l)1.87( )-.871313131313131313131-2.16558(i)1.87(l)1..(e)-4.2 )-2.16552Td[(l)1.87123 onj( )-25(o)-4.331172.16436(u)5.6í(d)-4.332556(s)-0.294974(s)-0.294974(í)7.84030.295585(a)-á s do ddopdn edo3117(-4.331174.33117(d)5.63n)-4.33117(g)5.5585(o)53311o-2.o.dsppsei
229
do grupo envolvido na situação de ensino-aprendizagem. Julgo que o grupo
deveria descobrir em conjunto suas potencialidades e necessidades
encontrando, assim, os materiais que julgassem mais apropriados para a
utilização em sala de aula.
Para isso, o grupo necessita estar plenamente aberto a descoberta e
vivência de experiências novas, completamente desprovido de atitudes de
defesa vivendo cada experiência de ensino e aprendizado como se fossem
únicas e passíveis tanto de sucesso como de fracasso.
a necessidade que o grupo compreenda que aquilo que vai ser em
outra etapa do aprendizado ou da vida, haja vista que mudamos o tempo todo,
nasce do momento da experimentação do grupo e seus resultados não podem
ser previstos antecipadamente nem pelo professor e nem pelos alunos.
Esse momento de construção conjunta de uma proposta de ensino-
aprendizagem exige dos participantes uma ausência de rigidez, de super
organização e de imposições ou obediências a normas e padrões.
Exige dos atores nele envolvidos uma disposição para adaptabilidade,
uma descoberta de caminhos na experiência, uma organização fluente e
mutável das disposições pessoais e da estrutura de comportamentos e
materiais com fins didáticos.
Nesse processo de construção conjunta do curso que foi alvo de estudos
pude perceber que quando os participantes de um projeto educativo estão
abertos a experiências novas e que podem ser inovadoras, eles conseguem
transformar em algo proveitoso e benéfico as exigências e expectativas sociais,
assim como, suas recordações acerca de situações semelhantes alterando
suas trajetórias para o alcance de sucesso etc.
Com isso consegue-se aprimorar a criatividade do grupo o que facilita as
relações sociais e convivência com os problemas e aflições, o que torna mais
simples a confiança que se adquire nas capacidades e disposições pessoais de
se formar novas relações interpessoais.
Não se trata de um processo de adaptação ou conformismo cultural,
mas de viver-se de modo construtivo, portanto, viver plenamente, aceitando as
dificuldades e procurando encontrar saídas para os problemas encontrados no
230
sentido de sair-se bem diante de novas condições de vida.
Desta forma, a construção conjunta de um projeto político-pedagógico
voltado aos cidadãos da terceira idade deve ir além dos cursos onde adjetivos
como “melhor idade, idade feliz, maior idade” sejam substituídos por adjetivos
mais apropriados como: “enriquecedor, estimulante, significativo, atuante,
participativo etc”.
Afinal de contas, tudo o que se espera de um projeto político-pedagógico
construído para a educação de idosos é que ele seja considerado normal como
os demais projetos destinados à educação de crianças e jovens.
O que se espera é que um projeto dessa natureza seja encarado como
algo normal como são os participantes dos cursos.
231
Considerações finais
The golden wedding – Luigi Nono
232
Segundo Freire ,
“... do ponto de vista humano, a necessidade de dialogar é tão grande
que, quando o escritor está sozinho na biblioteca, olhando as folhas
em branco à sua frente, precisa, pelo menos mentalmente, chegar até
os possíveis leitores do livro, mesmo que não haja chance alguma de
233
língua inglesa foi necessário um amplo trabalho de resgate da capacidade de
cada um de refletir e dialogar sobre o momento em que estavam vivendo .
Aliás, o processo reflexivo foi um elemento muito marcante na atuação de
todos os componentes desta pesquisa e foi permeado e constituído pelo
diálogo em sala de aula.
A reflexão esteve presente na concepção inicial deste trabalho pelo
pesquisador. Foi a reflexão do pesquisador, acerca das dificuldades e
peculiaridades do viver modernamente na terceira ou quarta idades, que fez
com que esta pesquisa nascesse e tomasse forma.
A reflexão esteve presente no decorrer das aulas e foi através dela que
foi possível alterar a trajetória das concepções que os alunos tinham acerca de
formas significativas de aprender uma língua estrangeira.
Foi pela reflexão que eu, o pesquisador, mudei minha forma de ver o
envelhecimento e as atividades que poderiam ser utilizadas para o melhor
aprendizado de meus alunos e não de um grupo de idosos simplesmente.
A postura reflexiva, que foi a tônica dos encontros, teve a ver com a
formação de pessoas capazes de evoluir aprendendo com a própria
experiência, refletindo o tempo todo sobre o que gostariam de fazer, sobre o
que haviam feito, de fato, e sobre os resultados sobre todo o processo para
aprimorar seu aprendizado.
A reflexão permitiu transformar a baixa auto-estima e os problemas que
a idade trazia em caminhos viáveis que poderiam ser trilhados para o alcance
das metas estabelecidas.
Acredito que o ponto fundamental, e de partida, para que essas ações
fossem desenvolvidas foi criar um ambiente de confiança em sala de aula. O
processo educativo, em qualquer faixa etária, deve, sempre, ser iniciado por
fazer com que os alunos sintam-se seguros sobre sua capacidade de aprender
algo.
A princípio, o fator ensino-aprendizagem da língua inglesa foi deixado
em segundo plano, pois o foco inicial principal do trabalho desenvolvido foi
resgatar a confiança no aprendizado e, principalmente, em si mesmo para que
somente depois o processo de aprendizado fosse desenvolvido.
234
Era a única forma possível de iniciar o trabalho de ensino de um grupo
tão afetado pelos fatores externos ligados à não credibilidade na potencialidade
de aprendizado de alunos idosos, além de se brincar de ensinar e brincar de
aprender.
Foi preciso que se desenvolvesse o sentimento de que a continuidade
da necessidade de aprendizado deveria perpetuar-se no decorrer de toda a
existência do ser humano; afinal de contas, o processo educativo nunca tem
data para terminar.
A educação não existiria se o homem, em determinado momento de sua
existência, se tornasse ou se sentisse um ser acabado e é por este motivo que,
por exemplo, os alunos que participaram deste estudo voltaram em
determinado momento a se reunir com a intenção de aprender algo novo ou
resgatar um aprendizado que não foi realizado de uma maneira considerada
adequada no tempo em que eram alunos da escola fundamental ou média.
O homem, independente da idade que possua, sempre se pergunta
quem é, de onde vem e para onde vai. O homem caracteriza-se por ser um
indivíduo em busca constante de ser mais e como é capaz de fazer esta auto-
reflexão, pode se descobrir como um ser inacabado, que está em constante
busca e conseqüentemente, em constante mudança.
Esse processo de planejamento também envolve saber com quem
contamos nesse processo e se repensar nas desgastadas técnicas de ensino-
aprendizagem, abandonando as normas ditadas pela memorização para que a
educação possa ser um instrumento de libertação e transformação da vida das
pessoas.
Como salienta Celani (1996), o educador deve estar inserido em um
projeto de construção de conhecimento centrado na sala de aula, inserido na
prática e não derivado apenas de um método ou modelo teórico, em constante
interação entre a teoria e a prática, com postura transdisciplinar, pois ensinar e
aprender não são atividades neutras.
Não deve ficar implícita a idéia de que o processo educativo, seja ele de
que natureza for, deva ser responsável por todas as mudanças que a
sociedade urge, porém, através da educação, podemos dar nossa cota de
235
transformação ao mundo em que vivemos ao proporcionar experiências em
sala de aula que façam com que nossos alunos reflitam sobre o mundo em que
estão inseridos, à medida que amadurecem suas visões de mundo.
Somente a educação reflexiva e o ensino reflexivo, são emancipatórios e
é justamente essa emancipação do indivíduo que a educação gerontológica
almeja para que este indivíduo passe à condição ou volte a ser um cidadão, de
fato.
Freire já apontava que,
“...se a educação não pode tudo, alguma coisa fundamental a
educação pode. Se a educação não é a chave das transformações
sociais, não é também simplesmente reprodutora da ideologia
dominante. O que quero dizer é que a educação nem é uma força
imbatível a serviço da transformação da sociedade, nem tão pouco é
a perpetuação do status quo...” (Freire,1996:59).
O mesmo Educador já nos alertava que a educação deve procurar
desenvolver a tomada de consciência e a atitude crítica, graças as quais, o
homem escolhe e decide, se liberta em lugar de se submeter, não permitindo
se deixar domesticar ou se adaptado a determinadas circuntâncias.
Freire, em seu conjunto de obras, também nos alertava que não existe
reflexão e ação fora da relação homem-realidade, homem-mundo, por implicar
em transformação do mundo, cujo produto, por sua vez, condicionaria ambas, a
ação e a reflexão.
Acredito não ter realizado apenas uma pesquisa para apurar se um
idoso tem ou não a capacidade de aprender uma língua estrangeira. Como
defensor da teoria Freireana, e por acreditar que o estudo do fenômeno do
envelhecimento é importante para que possamos mudar nosso olhar em
relação aos idosos neste novo século que está apenas começando, é que
procurei, por meio do estudo das biografias de cada um dos participantes,
chegar a algumas conclusões que sei, são extremamente provisórias.
Os educadores sempre têm um interesse muito especial pela biografia
de seus alunos. Quando trabalhamos com crianças sempre procuramos saber
236
sobre seu ambiente familiar, até mesmo para justificar alguns comportamentos
em sala de aula ou na escola de modo geral.
Neste estudo, com uma parcela da população idosa, conhecer suas
auto-biografias e conhecer a biografia da história do envelhecimento foi de
suma importância para que eu pudesse compreender que a exclusão dos
idosos na sociedade atual não é fruto de uma sociedade moderna que cultua a
beleza e a juventude. É um fator sócio-histórico que vem se perpetuando
séculos.
A diferença é que atualmente, talvez, as relações sejam mais
transparentes. É por este motivo que estudar o fenômeno do envelhecimento e
suas conseqüências atuais, para mim, é tão excitante. A descoberta, por meio
dos diários e entrevistas que realizei com os idosos que participaram deste
estudo, fizeram com que, em cada biografia escrita, eu pudesse aprender um
pouco mais acerca do desenvolvimento individual dessas pessoas em situação
de aprendizado em nossos bancos escolares.
No decorrer de mais de dois anos convivi, semanalmente, com um grupo
de idosos com uma vontade muito grande de aprender a língua inglesa.
Dentre os vários motivos que levaram esses alunos à sala de aula para
aprender uma língua estrangeira destaca-se a visão da linguagem como
instrumento de inclusão. Seria ingênuo imaginar que esses alunos
freqüentaram um curso de inglês para aprender apenas para eles próprios.
Eles procuraram aprender uma nova língua para que pudessem ser incluídos
na família e conseqüentemente na sociedade.
Todos os motivos que levaram essas pessoas a participarem desse
grupo foram fartamente expostos nas páginas anteriores deste estudo. Todos
os erros e acertos deste educador-pesquisador-participante também foram
expostos na mesma proporção. Contudo não poderia me furtar a uma reflexão
acerca da aprendizagem de inglês por esses alunos.
Percebam que neste momento final em que estamos sozinhos, eu e o
leitor, não me refiro mais a estes alunos como idosos, velhos ou integrantes de
grupos de terceira ou quarta idades. São alunos, somente alunos.
São alunos-cidadãos.
237
No decorrer do período em que estive envolvido com esses alunos
também estive atuando no ensino fundamental e médio e também no ensino
universitário o que me forçou a fazer uma última reflexão acerca do processo
de ensino- aprendizado da língua inglesa.
Pode-se ter doze, trinta ou oitenta anos. A meu ver as diferenciações na
forma como se ensina ou se aprende a língua inglesa são muito sutis.
Claro que os alunos mais idosos possuem, em alguns casos, uma maior
lentidão para aprender alguns conceitos ou regras, mas é claro, também, que
alguns dos meus adolescentes também possuem a mesma dificuldade.
Acredito que a facilidade ou não para o aprendizado da língua inglesa
esteja muito mais ligada ao interesse e perseverança para se atingir o domínio
da língua alvo.
Alguns dos alunos do contexto aqui estudado jamais chegarão a
aprender a língua inglesa para usá-la com desenvoltura. Mas é possível que
alguns de meus jovens na universidade e no ensino fundamental ou médio
também não. Acredito que seja, como disse, uma questão de perseverança,
disponibilidade, oportunidade e, principalmente, de interesse pessoal. Neste
aspecto, a idade cronológica nada tem a ver com isso.
As atividades que desenvolvi com meu grupo de alunos mais idosos são
semelhantes às que utilizava com meus alunos que estavam no auge de sua
juventude na universidade. As abordagens para o ensino não foram mudadas
radicalmente e o ritmo de exposição à língua também não foi alterado.
Pelo contrário, percebi que muitas vezes a vivência e a cultura
acumuladas de meus alunos mais idosos eram um auxiliar extremamente
eficaz para que pudesse caminhar de modo mais acelerado em meus objetivos
de desenvolvimento lingüístico e cultural deles.
Pela experiência que tive com faixas etárias tão diferentes em uma
mesma situação de aprendizado de língua inglesa é que me atrevo a afirmar
que não existem grandes diferenciações de aprendizado pelo fato de se
possuir 20 ou 80 anos, desde que as condições mentais estejam preservadas.
As palavras fundamentais são disponibilidade e interesse pelo
aprendizado. E isso pode-se ter, ou não, em qualquer idade.
238
Todos os procedimentos foram construídos pelo diálogo e reflexão pois
é através destes dois elementos é que, por exemplo, podemos desenvolver o
interesse dos alunos pelo aprendizado pela conscientização de que a
possibilidade de aprendizado de uma língua estrangeira ou qualquer outra
coisa que se deseje aprender em qualquer faixa etária criando, desse modo, a
disponibilidade pelo aprendizado, neste caso, da língua inglesa.
Os alunos deste estudo mostravam-se sempre bastante ansiosos em
relação à sua segurança, à sua saúde, às suas relações familiares.
Alguns não aprendiam tão rapidamente como na mocidade e, portanto,
um trabalho com viés gerontológico precisou ser desenvolvido, no sentido de
resgatar uma série de características que foram sendo perdidas,
gradativamente, no decorrer de toda uma existência por alguns dos
componentes desse grupo.
A terapia educacional gerontológica, entre outros vários aspectos,
precisou contemplar:
a A integração dessas pessoas com idade avançada à sua própria
comunidade, tornando-as o mais independente possível em contato com
as pessoas de todas as idades, promovendo, assim, relações
interpessoais.
b O incentivo, o encorajamento e estímulo ao idoso para continuar a
construir planos, ter ambições e aspirações.
c A contribuição para o ajustamento psico-socio-emocional do idoso em
todos os âmbitos em que ele precisava atuar.
d A reabilitação de alguns dos alunos com dificuldades intelectuais,
originadas pela falta de atividades que exijam dele raciocínio.
É claro que todas essas providências dependeram do estado de saúde
do indivíduo, do seu grau de independência nas atividades da vida diária e de
seu grau de interesse e participação em eventos com esse fim.
Esta é a raiz da educação e que tem uma estreita ligação com as
questões ligadas à educação gerontológica.
239
A educação gerontológica é essencialmente reflexiva por levar em conta
questões mais abrangentes da educação, como: metas, conseqüências sociais
e pessoais, ética, fundamentos lógicos dos métodos e currículos e, acima de
tudo, relação íntima entre essas questões e a realidade imediata da sala de
aula.
A educação gerontológica deve acompanhar a evolução rápida do tempo
e das atitudes exigindo, portanto, que o educador gerontológico esteja, assim
como os demais componentes do quadro da educação, em um processo de
educação permanente para que se desenvolva um perfil político-crítico.
A prática educativa gerontológica pressupõe, como toda prática
pedagógica, um planejamento preciso. Como qualquer processo educativo,
exige que tenhamos uma visão clara dos objetivos que desejamos alcançar,
sobre as condições em que vamos atuar, dos instrumentos e dos meios de que
dispomos.
Como vimos, a perda da memória, comum em alguns casos, pode ser
evitada, retardada ou minimizada por meio de mecanismos preventivos ou
terapêuticos, entre eles, o prolongamento da aprendizagem e treinos
mnemônicos.
A capacidade de aprendizagem na terceira ou quarta idades deve ser
estimulada, respeitando o ritmo de cada um e a necessidade de aliar as
atividades a tarefas significativas, criando um ambiente de apoio para avanços
dos idosos.
Como levar o idoso de volta à escola e para fazer o quê, se torna a
grande questão deste século. Não é uma questão de estimulá-lo a participar
de festinhas sociais e dinâmicas infantilizadoras, mas dar um sentido social ao
que se faz no ambiente escolar.
Assim como crianças em idade pré-escolar não vão à escola somente
para brincar, por que os idosos iriam? Em ambos os casos lazer, informação e
formação devem fazer parte da dinâmica educacional, pois o processo de
aprendizado de novos elementos é importante para o ser humano desde o dia
de seu nascimento até momentos antes de sua morte.
Nesta perspectiva, o perfil transversal das aulas se constitui em uma
240
forma notadamente relevante para que questões ligadas à alteridade sejam
desenvolvidas, pelo fato de possibilitar que diferentes campos de conhecimento
possam ser explorados sob a ótica de questões sociais que podem ser
trabalhadas de forma contínua e integrada.
O importante é o estabelecimento de um clima de aprendizagem
positiva, indicando que a sala de aula é um ambiente seguro e pacífico.
Fazer com que os idosos sintam-se seguros é importante para a
aprendizagem, porque, se o aluno não confia no ambiente escolar, como sendo
protetor e gratificante, ele não se sentirá à vontade e não aprenderá com
eficiência, pois sempre se sentirá retraído para participar das dinâmicas
necessárias para seu aprendizado pelo medo de errar e sentir-se exposto ao
olhar crítico dos outros.
Aguçar a curiosidade do educando sobre o objeto de ensino é sempre
um modo muito eficaz de construirmos o conhecimento em sala de aula. O
estimulo à pergunta, à reflexão crítica sobre a própria pergunta substituindo a
passividade desenvolvida durante as explicações discursivas do professor é
uma forma muito mais concreta de desenvolvermos nos alunos modos de
interagir com o conhecimento, apropriando-se, realmente, dele.
O idoso participante e socialmente comprometido com ações
libertadoras da educação começa a agir e pensar de um modo diferenciado e a
exigir um tratamento à altura de suas potencialidades e conhecimentos. O
idoso, integrado socialmente em ações educativas significativas, consegue
enfrentar obstáculos que podem parecer intransponíveis, mas que, para ele,
simplesmente representam o exercício de sua cidadania.
Isso é o que podemos qualificar como viver de modo pleno e que este
viver pode ser exercido em qualquer período da vida pois, o final da vida pode
ocorrer em qualquer fase da existência e não necessariamente somente
quando se possui muita idade.
Como apontado por Rogers (1973:165) a vida plena é um processo
contínuo e não um estado de ser. Por este motivo é que o viver de modo pleno
deve ser encarado como um conjunto de atitudes e atividades que levem o
idoso a perceber que está vivendo este momento da existência da mesma
241
maneira que viveu sua infância ou fase adulta.
Viver de modo pleno em idades avançadas nada mais é do que
participar ativamente e sem diferenciações em qualquer situação ou segmento
da sociedade. É ter seu direito à fala garantido e mais do que isso: direito de
ser ouvido com respeito e atenção. Neste aspecto, não se espera que se criem
novas formas de atuação no grupo social a que o idoso pertence, mas, sim, o
de facultar a ele a permanência de forma significativa no grupo a que sempre
pertenceu.
Viver de modo pleno, desta forma, é viver bem, sentir-se inserido e bem
recebido em todos os contextos aperfeiçoando suas habilidades sociais como
uma das estratégias para se atingir uma velhice bem sucedida pois ao se
sentirem felizes e realizados e, quanto mais atuantes e integrados em seu meio
social, menos ônus trarão para a família e para os serviços de saúde
A manutenção de relações sociais com o cônjuge, com os familiares e,
principalmente, com amigos da mesma faixa etária, favorece o bem-estar
psicológico e social dos idosos.
Especificamente em relação ao contato com amigos da mesma faixa
etária percebe-se que é um fator bastante benéfico pelo fato de proporcionar a
cada um dos componentes do grupo a satisfação de verificar que outras
pessoas possuem as mesmas aflições e desejos que os que ele possui.
Observe que não me refiro a uma velhice saudável, mas a uma velhice
plena que é obtida apenas por meio da maturidade que é o reconhecimento
pleno de si próprio, de suas limitações e possibilidades sabendo fazer bom uso
de todos esses elementos. É somente assim que a pessoa assume sua
identidade e cuida de si de modo pleno e prazeroso.
O diálogo, em uma perspectiva de viver-se plenamente na faixa etária
em que se está inserido, tem uma estreita ligação com a natureza histórica dos
seres humanos.
O diálogo é o momento em que os humanos se encontram para refletir
sobre sua realidade, consolidando o relacionamento entre seres humanos
pensantes para que possam atuar criticamente para transformar a realidade
quando esta não lhe é favorável.
242
Por esta razão que a motivação para a dialogicidade deve ser um fator
marcante no perfil do professor que diz não à super valorização da autoridade
e que procura conceber experiências educativas que levem todo o grupo a
aprender novas formas de inserção no mundo. Como apontava Freire (1983)
é pelo diálogo que dois pólos se ligam com amor e com esperança, fazendo-se
críticos em busca de algo.
Viver plenamente na sociedade significa a possibilidade de continuar
exercendo seu direito à educação continuada, pois a velhice não pode ser
encarada como uma fase cristalizada na qual tudo se sabe e nada mais se tem
a aprender com os demais. É deixar de lado, também, a postura de “sabe tudo”
para continuar seu processo evolutivo como na época em que o idoso era mais
jovem.
Os programas voltados à população idosa apresentam um aspecto bem
definido: melhor qualidade de vida que levará seus participantes a viver de
modo pleno e atuante como em qualquer outra fase da vida. Assim, esses
programas, contribuem para a reformulação do sentido que se à vida, à
ampliação das relações sociais e à produção de um conhecimento específico.
Neste aspecto, o grande objetivo de fazer o idoso voltar aos bancos
escolares não é encher sua cabeça com informações, mas auxiliá-lo a ter uma
cabeça “aberta, moderna e bem feita”.
No processo educativo, devem estar presentes a solidariedade, a festa e
o prazer com vistas a se conquistar liberdade para se fazer escolhas coerentes.
Os jogos educativos devem valorizar os sentimentos e as emoções, utilizando
regras e regulamentos sem se subordinar a eles. Esta postura caracteriza a
autonomia de decisão, que gera uma atuação mais coerente em uma
sociedade mais humanizada que repudia o discurso conformista de papéis pré-
estabelecidos e preconceituosos.
Para que isso ocorra, é necessário repensar o significado de se possuir
uma vida plena em termos de uma reforma intelectual, moral e ética, com
amplas possibilidades de acesso e inclusão com o direito de escolhermos
aquilo em que queremos ser incluídos, reinventando as formas de atuação na
sociedade.
243
A elaboração de um projeto político-pedagógico para o atendimento
pleno da população idosa passa pela necessidade de conscientização e pela
244
Assim como as identidades estão em constante mudança, a prática
reflexiva faz com que pensemos no momento da ação, da implementação, e
sobre a ação, como no caso deste estudo.
Como professor deste grupo, necessitei pensar sobre o que aconteceu,
sobre o que fiz ou tentei fazer e sobre os resultados da ação realizada. São
estes, ao meu ver, os elementos principais de um processo reflexivo na busca
da melhoria de um projeto pedagógico voltado a esse segmento pois é a partir
dos dados obtidos com esta reflexão que serão indicados caminhos para que
possamos saber como continuar, retomar, enfrentar os problemas detectados.
Somente um professor reflexivo pode formar alunos reflexivos, não
porque ele atua de forma coerente com o que preconiza em seu discurso, mas
porque ele utiliza a reflexão para estimular o debate sobre os caminhos que
devem ser seguidos pelo grupo.
Neste ponto que, na constituição de um projeto político pedagógico,
deve-se priorizar a presença de um educador e não de um professor.
As transformações pelas quais as pessoas passam, a partir do momento
em que estão inseridas em um grupo com o objetivo de aprendizagem, podem
ser percebidas tanto no âmbito pessoal quanto no coletivo.
No âmbito pessoal, representa a possibilidade de se melhorar como
indivíduo, passando a acreditar mais em si mesmo, redescobrindo todo o seu
potencial para realizar seus sonhos. É a constituição de sua auto-estima,
perdida em várias situações de convívio familiar ou não.
No âmbito coletivo, representa a constituição de um espaço afetivo de
participação com a negação do envelhecimento na sua concepção antiga,
quando esta fase da vida era mais vista como um conjunto de perdas e
frustrações.
Para enfrentar as dificuldades dos educandos idosos, muitas vezes, é
preciso sair dos caminhos conhecidos, distanciar-se do programa e da didática,
para reconstruir suas noções básicas, incutir-lhes confiança e reconciliá-los
com a escola. Para isso é necessário valorizar a autonomia de cada um, sua
responsabilidade pessoal e igualdade do direito das pessoas, defendendo
valores de tolerância e respeito às diferenças.
245
Este resgate de identidade em relação à escola foi um fator muito
marcante no trabalho com os participantes da pesquisa, haja vista que a
maioria deles chegaram às primeiras aulas com uma sensação de fracasso,
obtida em seu tempo de escolarização na escola básica e secundária e outras
tentativas de freqüentar um curso de línguas estrangeiras feitas no decorrer
dos anos.
Grandes inovações podem ser esperadas nos próximos anos, em
relação à construção de um currículo e projeto político pedagógico, voltados
aos componentes da terceira e quarta idades.
A educação é repensada a todo momento e espera-se que, neste início
do século XXI, vários olhares sejam lançados sobre a educação de classes
consideradas minoritárias.
Em relação aos idosos, a atualização na construção dos cursos para os
alunos com mais de sessenta anos, aparentemente, está chegando mais
rapidamente aos cursos, pois as inovações são mais constantes por
representarem uma nova área de estudos.
Ao analisar o contexto educacional do Brasil de hoje e ao pensar em
trabalhar conteúdos que traduzam a realidade social para a formação de
nossos alunos idosos, não se pode ignorar a questão do outro na sala de aula.
Como a identidade se define também pelo outro e não apenas pelo próprio
indivíduo o currículo e o projeto político pedagógico devem levar ao
desenvolvimento de uma identidade positiva plena com todos os direitos e
deveres que todo o cidadão deve ter no decorrer de toda a sua existência e
não apenas em determinadas fases de sua vida.
Aponta-se para uma teoria social de aprendizagem que parta do
pressuposto de que os indivíduos são seres sociais e de que seu conhecimento
se expressa por meio de suas competências ao realizarem tarefas.
Saber alguma coisa, de acordo com esta concepção, implica a
participação, o engajamento no mundo por meio de suas próprias realizações.
O significado se revela na habilidade do sujeito de realizar experiências no
mundo de forma significativa.
Na verdade, todo um processo inovador de educação da população
246
idosa criará um grupo de idosos diferente dos que vemos na sociedade atual.
Serão idosos que vão desenvolver seus próprios rituais, idéias e prioridades.
Acredito que serão diferentes porque estaremos lá, também fazendo
parte do grupo de idosos e com o desejo de plenamente viver sem distinções.
Foto de alguns dos participantes da pesquisa
10
247
Uma palavra final do pesquisador
Foto de uma parte dos participantes da pesquisa
11
Esta pesquisa nasceu de uma relação de amor que não poderia ser
medida pela quantidade de anos que durou, mas pela intensidade como este
amor foi vivido e vivenciado.
O amor é, algumas vezes, impossível de ser definido.
Muitas vezes a pesquisa não chega, aos olhos do pesquisador, jamais
ao ápice pelo fato de, como o amor, tratar-se de um fenômeno que não pode
ser descrito e analisado apenas por meio de palavras.
Parece que sempre falta um pedaço.
O importante nesta pesquisa é que as pessoas nela envolvidas não
foram esquecidas em momento algum. É sempre muito fácil esquecermos os
participantes envolvidos em um determinado ponto do estudo pela falta de
tempo, necessidade de análise dos dados obtidos e prazos que a pesquisa nos
impõe.
Contudo, elas, as pessoas, é que dão razão ao estudo, à pesquisa e ao
10
Imagem autorizada pelos participantes.
248
fato de estarmos no contexto de pesquisa pensando sobre elas. Muitas vezes
refletimos sobre o que elas fazem, mas esquecemos das pessoas que dão
razão ao estudo.
Acima de tudo, esta pesquisa representa apenas o início de um longo
caminho que será percorrido por mim no sentido de tentar mudar as
percepções das pessoas acerca das capacidades dos idosos, assim como
mudei minhas percepções ao longo desses anos em que realizei esta
pesquisa.
Acredito ser muito curioso “terminar” uma pesquisa de doutorado
sabendo que o estudo na área do envelhecimento não está acabada, pois a
população mundial está envelhecendo cada vez mais, cada vez mais
rapidamente, e novos questionamentos acerca desse tema aparecerão,
felizmente, cada vez com mais freqüência.
Estou também envelhecendo, meus pais e amigos estão envelhecendo
comigo e, por este motivo, sempre olharei para mim e para as pessoas com
quem convivo com olhar de pesquisador e educador gerontológico procurando,
sempre, entender o porquê dos comportamentos das pessoas.
Gostaria, acima de tudo, que esta pesquisa fosse vista como um
documento político em vários aspectos, alguns deles vislumbrados nos
capítulos anteriores.
Termino este estudo não deslumbrado com a titulação que ele pode me
oferecer, mas com a percepção de que meus estudos acerca do processo de
envelhecimento ainda são bastante preliminares.
Em um país onde discrepâncias são tão marcantes, onde a titulação é
idolatrada e vista como sinônimo de distinção e poder e ao mesmo tempo
causa temores em quem a obtém, acredito que não poderei usar este
documento como mero instrumento de obtenção de um título de “doutor”.
Espero, com o estudo apresentado, poder dar minha contribuição à
sociedade brasileira não como doutor, mas como Educador.
Para mim, isso é que é realmente relevante.
11
Foto autorizada pelos participantes.
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