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UNIVERSIDADE DE SOROCABA
PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
MARIA SUSIE DA SILVA GIANOLLA
O PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO PESSOAL E SOCIAL E O
ENSINO DE FILOSOFIA.
Sorocaba/SP
Setembro/2006
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MARIA SUSIE DA SILVA GIANOLLA
O PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO PESSOAL E SOCIAL E O
ENSINO DE FILOSOFIA
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora do Programa de Pós-
Graduação em Educação, da Universidade
de Sorocaba, como exigência parcial para
a obtenção do título de Mestre em
Educação.
Orientador: Jorge Luis Cammarano
Gonzalez
Co-orientador: Pedro Laudinor Goergen
SOROCABA
Setembro/2006
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MARIA SUSIE DA SILVA GIANOLLA
O PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO PESSOAL E SOCIAL E O
ENSINO DE FILOSOFIA
Dissertação aprovada como requisito
parcial para a obtenção do grau de Mestre
no Programa de Pós Graduação da
Universidade de Sorocaba, pela Banca
Examinadora formada pelos seguintes
professores:
Ass.
______________________________
1º Exam.:
Ass.
______________________________
2º Exam.:
Ass.
______________________________
3º Exam.:
SOROCABA
Setembro/2006
AGRADECIMENTOS
À CAPES, pela provisão da bolsa de mestrado.
Ao Programa de Pós-Graduação em Educação, pela oportunidade de
realização de trabalhos em minha área de pesquisa.
Aos amigos: Marcélia, Sérgio e Osvaldo, nas tarefas desenvolvidas durante
o curso e no apoio na revisão deste trabalho.
À família, Paulo, Victor e Marcelo pela paciência e compreensão.
Ao meu orientador e amigo Jorge Luis C. Gonzalez, não somente pelo
carinho, atenção e compreensão, mas pelo “ser humano” que demonstrou ser.
O desejo de conhecer
é inerente à natureza
humana e nasce do assombro
que sentimos diante
da riqueza do mundo.
Filosofavam, assim, também
as pessoas nascidas antes
do advento da filosofia
porque o ser humano
não vive sem questionar
o mundo que o cerca.
Ubaldo Nicola
Resumo
O escrito presente propõe-se a contribuir para a constante análise das propostas que são
comumente impostas em diversas instituições educacionais, apresentando sua pesquisa que se
corrobora nas práticas pedagógicas de uma instituição particular, situada em Sorocaba. Práticas
essas que foram inseridas pelas aspirações educacionais do mantenedor da referida escola,
fundamentadas na apropriação de seus estudos sobre o cérebro humano e na metodologia de um
programa denominado “Filosofia para Crianças”, idealizado pelo filósofo americano Matthew
Lipman. A problemática, assim, preocupa-se em compreender como os professores dessa escola
receberam a inserção de um método que prometia possibilitar o desenvolvimento da reflexão,
análise, argumentação e raciocínio nos alunos. Porém os maiores envolvidos (professores e
alunos) consideraram as histórias filosóficas propostas no programa enfadonhas, infantis e fora da
realidade do cotidiano da instituição. Contudo os docentes se eximiram de esforços para que
aquela prática fosse reexaminada. Por quê? Havia o receio de perderem seus empregos, caso
questionassem em demasia? A formação em que se inseriam não lhes dava respaldo para que
pudessem manifestar-se ante aos incômodos presenciados naquela metodologia? Pretendemos,
dessa maneira, investigar, através de entrevistas com os maiores envolvidos (professores e
coordenadores), o motivo que levou o mantenedor a focar sua concepção de formação dos
indivíduos em um restrito espaço ao diálogo, sem compartilhar com aqueles que presenciariam, na
prática do referido programa, porven, todas as problemáticas ocorridas. Como desfecho para
esse estudo, desejamos que seu resultado venha provocar uma maior análise ante as práticas
pedagógicas, não somente para uma dimensão lógica mas também para uma dimensão política. E
neste anseio em contribuirmos para uma transformação social é que a Filosofia entra para esta
história.
Palavras-chave: práticas pedagógicas; filosofia para crianças; método de ensino; concepção de
formação docente.
Abstract
In order to contribute to the constant analysis of proposals regularly presented and imposed by
several educational institutions this masterpiece shows a deep research that corroborates with
pedagogical practices executed in a particular institution, domiciled in Sorocaba City. The main
maintainer of such institution inserted these practices as part as his educational aspirations and
founded in the appropriation of his studies regarding the human brain and in the methodology of a
program denominated “philosophy for children” idealized by the American philosopher Mathew
Lipman. The problematic exposes how the teachers of this school accepted, understood and
applied the insertion of a method, which, it would be able to develop the spontaneous, reflect,
analysis, argumentation and thoughts of their students. However, the main affected (teachers and
students) have considered tedious, uninteresting and childish stories and sometimes out of the
reality or the commonplace of the educational institution. Nevertheless, all docents were not fully
involved in applying their best efforts to assure that the mentioned practice was reexamined. Why is
it happened? Were they afraid to loose their jobs because of questioning the theory to be
implemented? The graduation that they had did not grant the proper subsidies to allow them to
manifest their concerns about the new methodology? We intend, in such way, to investigate through
interviews with the main characters involved (teachers and coordinators), the reason that took the
maintainer to focus the individual’s conception of formation in a restrict room for dialogue, without
share the problems occurred with those whom have participated, practicing, the referred program.
We aim to re-open a deeper analysis before the pedagogical practices, not only in a logical
dimension but as well as in a political dimension through the conclusion of this study. And with this
objective we hope to contribute for a social transformation through Philosophy.
Key words: pedagogical practices, philosophy for children, teaching methods, teacher building
conceptions.
SUMÁRIO
Apresentação 8
1 Histórico do Programa de Desenvolvimento Pessoal e
Social
14
1.1 A proposta do Programa de Desenvolvimento Pessoal e Social 20
1.2 A capacitação dos educadores para o PDPS decorrente à
metodologia de Lipman
23
1.3 A proposta metodológica de Lipman: origem e fontes 30
1.4 Lipman e o PDPS 44
2 P.D.P.S.: caracterização – Da proposta de Lipman a
Educação para o pensar
50
2.1 Outras fontes para o desenvolvimento do PDPS: sobre a
Neurociência e Gardner
74
2.2 As contribuições de Gardner 79
3 Análise de uma experiência: os professores de PDPS 90
Conclusão 104
Referências bibliográficas 107
Anexos 109
8
PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO PESSOAL E SOCIAL E O
ENSINO DE FILOSOFIA.
Apresentação
Todo homem que for dotado de espírito filosófico há de ter o
pressentimento de que, atrás da realidade em que existimos e vivemos, se
esconde outra, muito diferente, e que por conseqüência, a primeira não passa
de uma aparição da segunda”. (NIETZSCHE, apud SATIRO e WUENSCH,
2003, p 73)
Ante um desafio, talvez a primeira reação de um educador seja o medo de
encará-lo, questionando seus desejos, suas habilidades e capacidades, inclusive por
saber que as possui, mas nem sempre as coloca em prática. Entretanto, embora
possa não ter sido motivado a trabalhá-las e saiba que também seus próprios
mestres não foram educados para tal fim, sua curiosidade freqüentemente é maior
do que o medo. Seus anseios provavelmente provoquem buscar o mais sensato em
sua racionalidade ou o mais prazeroso em sua sensibilidade. E nessa dicotomia
entre a razão permeada pelo conhecido e a paixão pelo experimentar o novo, é que
surgem alguns questionamentos.
Será que muitos educadores sentem essa necessidade de mudar, aprimorar,
conhecer caminhos, experimentar, vivenciar outras emoções, permitir-se, inclusive, a
errar, mas não o fazem? Qual seria o motivo de resistirem veementemente? E eu, na
condição de educadora, terei essa necessidade de inovar, experimentar, aceitar e
compreender o que me parece mais coerente nas práticas pedagógicas, ou seja,
aquilo que vem ao encontro de meus anseios?
9
Na tentativa de delinear essas questões, revelo, antecipadamente, meus
princípios que se articulam a um processo pedagógico baseado na constante
reflexão sobre a formação do ser humano, na qual sustento o respeito a si e ao
outro. Descreverei, dessa maneira, um desafio que veio ao encontro de meus
questionamentos, derivados do processo educativo e da pretensão subjacente a
esse processo, na instituição que lecionava, em Sorocaba. Pretensão em articular
esse processo educativo com a Filosofia.
Mas qual Filosofia se, como educadora, sequer recordava de meus tempos de
Ensino Médio, quando ela era apenas mais uma disciplina cuja relevância, em uma
concepção adolescente, limitava-se a memorizar nomes de filósofos e seus
principais pensamentos? Ou essa filosofia que ainda procuro tem relação com
aquela que conheci durante a graduação, a Filosofia da Educação, disciplina que
possibilitou o contato com as metodologias de ensino de educadores como Piaget
1
e
Pestalozzi
2
, transmitidas com pouca ou quase nenhuma reflexão?
Ou, nesse meu percurso, a Filosofia estaria representada por um programa
de formação vinculado ao Ensino Fundamental, que me apresentava indícios de um
caminho que possibilitasse aos alunos a busca de questionamentos os quais, em
minha leitura, levá-los-ia à ação de compreender o outro e, primordialmente, a si
mesmos, ressaltando valores como respeito, tolerância e compreensão da
diversidade humana?
Essa última questão foi, de certa forma, a que estimulou minha adesão à
proposta de trabalhar no denominado Programa de Desenvolvimento Pessoal e
1
Psicólogo, filósofo e educador que desenvolve a “teoria da assimilação” que concebe a
aprendizagem como uma integração de reações espontâneas na atividade instintiva e uma
assimilação inteligente da realidade.
2
Educador que se dedicou à instrução de crianças carentes; sua metodologia era baseada no
processo indutivo, partindo de experiências concretas para estimular a observação e o raciocínio
10
Social, cujo histórico abordarei mais tarde. Antes devo reconhecer que acreditei
especialmente nessa perspectiva de trabalho pedagógico e compreendi que o
programa apresentado poderia atender a minhas expectativas. E o fiz apesar das
dúvidas quanto à sua metodologia, seus “materiais prontos” e sua pretensão de
possibilitar a formação de pessoas mais perceptivas, ou melhor, pessoas que
pudessem enxergar para além da aparência dos dados da realidade social. Estava
ali um pressuposto que apresentava um desafio. E esse desafio transforma-se, aqui,
na problematização dos incômodos, das críticas, das hipóteses e, essencialmente,
da seguinte indagação:
Que propostas de formação, com base na Filosofia, orientam o Programa de
Desenvolvimento Pessoal e Social, para crianças e jovens, realizado numa
instituição escolar particular de Sorocaba?
Essa indagação tem alguns antecedentes. O principal relaciona-se ao
referencial adotado, inicialmente, para a implantação do referido Programa. Trata-se
da Filosofia para Crianças, formulada por Matthew Lipman.
Outro aspecto a observar é que, posteriormente, o referencial de Lipman e o
material didático-pedagógico correspondente foram abandonados. E aí surgem
outras indagações. Qual o impacto dessa atitude sobre a proposta do Programa?
Como os professores participantes desse Programa compreenderam e incorporaram
essa dinâmica em suas práticas pedagógicas? Estas são questões que fazem parte
do incômodo, das possíveis críticas e da hipótese que orientarão esta dissertação.
Entretanto é necessário abordar brevemente o histórico do programa de
Desenvolvimento Pessoal e Social.
Antes, porém, de detalhar esse processo, observo que o início dessa
trajetória, precisamente em junho de 1996, seria marcado pela presença de um
11
grupo de onze professores do Ensino Fundamental de uma instituição particular de
Sorocaba, convidado a realizar o curso de “Filosofia para crianças” do Programa de
Matthew Lipman. Esse filósofo norte-americano idealizou uma proposta objetivando
cultivar o desenvolvimento de habilidades cognitivas mediante discussões de temas
filosóficos, aspectos que delimitarei mais detalhadamente no segundo capítulo da
presente dissertação.
Nesse momento, ao encarar uma nova trajetória na instituição particular em
que lecionava, compreendi que esta prática não significava apenas mais um de
meus desafios, mas delimitava mais claramente meus anseios quanto ao processo
educativo. Encontrava-me sem perspectiva e motivação em relação a esse processo
educativo no qual estava inserida, e aquele projeto parecia apresentar não somente
soluções, mas um caminho norteador para o que mais me incomodava na prática
pedagógica e que, de certa forma, relacionava-se com a “mesmice”. E quando digo
mesmice refiro-me à mesma aula expositiva presenciada na instituição referida, à
mesma formalidade em transmitir, ou melhor, despejar conteúdos sem conceder um
momento para escutar os conhecimentos prévios dos alunos em constante
mudanças físicas, emocionais e confusos quanto às concepções do mundo
contemporâneo. Mundo marcado pela prática do “levar vantagem em tudo”, pela
corrupção generalizada, pelo abuso do poder, por valores arraigados na competição
desenfreada e no individualismo cada vez mais exacerbado.
Seria a proposta de Lipman o caminho para auxiliar as nossas crianças e
jovens que vivenciam os “valores” citados anteriormente? Crianças e jovens
confusos pela falta de imposição de limites de mães e pais que compensam sua
ausência (pelo fato talvez de ambos trabalharem muito) com subsídios materiais,
contribuindo, provavelmente, para um processo de intenso individualismo? Seria a
12
proposta de Lipman um referencial para que essas crianças e jovens refletissem
sobre seu posicionamento no mundo atual? Sim, é possível, respondi, pensando que
se em minhas aulas de ensino fundamental, lecionando as disciplinas básicas de 1ª
a 4ª série, já desejava que meu aluno produzisse a aquisição de um conteúdo
refletindo e não somente engolindo o que lhe era apresentado, talvez o Programa de
Desenvolvimento Pessoal e Social (P.D.P.S) viesse ao encontro do que necessitava
naquele momento.
Na tentativa de explicitar as razões e resultados desses questionamentos,
procurarei descrever e analisar, no primeiro capítulo, a trajetória desse programa
inserido numa instituição particular de ensino, vinculando a historicidade dessa
proposta à análise de sua concepção voltada para a pretensão de favorecer o
“pensar bem” na formação do indivíduo.
Essa análise, por sua vez, provoca outras perguntas: essa disciplina que
possibilitaria o pensar bem é a Filosofia? E que concepção de formação de
indivíduo é proposta pela instituição pesquisada?
No segundo capítulo descreverei o programa de desenvolvimento pessoal e
social, sua caracterização atualmente ausente de metodologias e manuais,
exemplificando mais claramente o motivo que levou os professores desse programa
a tatearem outro caminho. Aí buscaremos a compreensão das concepções
filosóficas das pessoas que participaram de um processo de mudança na citada
instituição e suas perspectivas quanto à necessidade de mediar pessoas visando,
conforme o referido programa, ao desenvolvimento de um processo de formação
pessoal e social. Em outras palavras: como essas pessoas receberam a proposta?
Como avaliam que participaram da implantação do Programa? Compreendiam fazer
13
parte de um caminho de pesquisa, estudo e entendimento da proposta de Lipman?
Por que concordaram com tal proposta?
Esses questionamentos farão parte da construção do terceiro capítulo. A
retomada das fontes e definições descritas no primeiro capítulo, possibilitarão a
elaboração do terceiro capítulo, que tentará analisar a concepção de formação do
indivíduo idealizada pelo precursor do Programa de Desenvolvimento Pessoal e
Social, e dos educadores que assumiram o desenvolvimento do referido Programa.
Passo, então, a apresentar sua trajetória, considerando que procuro não
permanecer na “mesmice”, caso ela ocorra. Acredito no ser humano como “um ser
de respostas”, como diz Luckács. E pela busca de nossas respostas, sabemos que é
preciso coragem quando nos debatemos com outras concepções, outras pedagogias
(que inclusive presenciamos na mídia) as quais cerceiam e competem com valores
que esvaziam a formação de um ser humano melhor, mais digno, tolerante e
honesto. Destaco que considero a instituição escolar como um espaço para a
produção desses valores pois:
É função da escola, portanto, criar condições para desenvolver as
capacidades de convivência de seus alunos de estar com os outros em uma
atitude básica de aceitação e auto-aceitação, de respeito e auto-respeito, de
confiança e autoconfiança, que permitirão o acesso simultâneo dos
conhecimentos mais amplos da realidade social e cultural pelas crianças.
Esta dinâmica permitirá encaminhar as aprendizagens rumo a um
crescimento autônomo com outras crianças em diferentes contextos.
(Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil – Documento
Introdutório – 1998).
Abordemos, então, os principais aspectos do Programa de Desenvolvimento
Pessoal e Social.
14
1 Histórico do Programa de Desenvolvimento Pessoal e Social
“A filosofia é um caminho de transformação na contribuição de
elucidar as obscenidades da atual sociedade globalizada, bem como para
pensar as possibilidades de sua superação” (Kohan, 2000, p.120),
Interpretar o programa requer delinear anseios e prioridades daquilo que foi
denominado pelo seu idealizador e mantenedor da instituição pesquisada, situada
em Sorocaba, como Programa de Desenvolvimento Pessoal e Social (P.D.P.S.)
É necessário, também, reconhecer o objetivo da proposta do Programa
examinando a concepção de ser humano aí presente, recorrendo também aos
estudos realizados pelo seu idealizador, estudos estes direcionados ao cérebro
humano.
Como dados que contribuíssem para explicar a concepção que orienta o
programa e conhecer seu histórico, procuramos o próprio precursor da proposta, que
nos concedeu a primeira entrevista no intuito de esclarecer suas inquietações e
propósitos e revelando o motivo pelo qual tal proposta foi adotada na instituição. A
entrevista foi realizada no dia 29 de dezembro de 2005, no espaço físico da
instituição, e teve a duração de três horas. Eis aqui seu registro.
“A trajetória iniciou-se muito antes desses dez anos, felizmente, também,
através de um incômodo, observado pela maneira de como a transmissão
do conteúdo se procedia em meus tempos de escolarização. Constatei que
o processo onde os alunos se submetiam a decorar termos, conceitos,
regras e informações oferecidos, muitas vezes punidos severamente por
não fazê-los de acordo com a expectativa do professor, eram facilmente
esquecidos após as avaliações.
Afirmo que esses alunos pouco ou quase nunca interagiam com esses
conteúdos, não questionavam e nem debatiam as idéias centrais que
poderiam inclusive levá-los a refletir sobre posicionamentos pessoais.”
Acreditamos que pode ter havido uma generalização por parte do idealizador
ao compreender o processo educacional daquele espaço e momento que
vivenciava, pois as metodologias que surgiram ao longo deste processo como:
15
Freinet, Montessori, Emília Ferreiro, podem nos remeter a questionamentos destes
autores, contrariados com a forma de transmissão de conteúdos mais expositivos,
como afirma o entrevistado, ou seja, do professor para o aluno. Porém não nos cabe
julgar sua intenção ao descrever seus incômodos, pois sua abordagem foi
fundamental para compreender sua leitura da proposta. E até o momento registrado,
denotava uma preocupação em contribuir para o desenvolvimento do raciocínio dos
alunos que possuíam dificuldades de interpretação, argumentação e lógica em
relação às atividades que avaliavam seu desempenho escolar. Alguns alunos com
dificuldades em um determinado campo, como a Lingüística, outros com dificuldades
nas disciplinas direcionadas ao campo das exatas, e assim por diante.
A concepção de formação do indivíduo é explicitada pelo nosso entrevistado
como segue: “Conduzir seus alunos no sentido de formar seus pensamentos,
controlar suas emoções e dominar suas ações em benefício próprio, da sociedade e
do país”.
Nesse contexto, a instituição também pressupõe que, como educadores, possamos
contribuir para o melhor desempenho cognitivo e emocional de nossos alunos,
inserindo questionamentos que propiciem algumas ações necessárias a uma melhor
qualidade de vida pessoal e social. Tais ações foram baseadas na “teoria da
Inteligência Emocional, de Daniel Goleman, psicólogo da Universidade de Harvard,
que afirma não se resumir o temperamento a destino e que o controle das emoções
é fator determinante para o desenvolvimento da inteligência. Segundo Goleman
(1995: 52,55,187,208 e 317), são elas:
1) Autocontrole.
Tentativa de nos percebermos em atitudes que podem ocasionar
conseqüências que causarão arrependimento e pesar. Muitas vezes, são
16
comportamentos relacionados às reações (ações que, anteriormente, foram pouco
ou nada pensadas e analisadas).
2) Zelo e Persistência.
Relaciona-se aos cuidados que devemos ter conosco, com as pessoas que
nos rodeiam, assim como com nossos pertences, valorizando-os, porém, não
somente pelo fato de possuí-los, mas pelo motivo em razão do qual os adquirimos.
Para que isso ocorra, necessitamos de uma percepção maior, um olhar mais
criterioso e cuidadoso, certamente através da perseverança e atenção às nossas
atitudes.
3) Enfrentar e superar frustrações.
Interessante observar como nós, adultos, agimos quando algo não ocorre
como desejamos. E fazendo uma análise dessas ações, muitos de nós somos
“rotulados” como “infantis” ao agirmos nutridos de sentimentos de raiva, contrariados
e frustrados. É quando isso foge do equilíbrio que nos preocupamos, pois também é
saudável sentir raiva, porém há certas coisas em que acreditamos e tomamos para
nós como imprescindíveis, e nem sempre elas o são.
“Qualquer um pode zangar-se – isso é fácil. Mas zangar-se com a pessoa
certa, na medida certa, na hora certa, pelo motivo certo e da maneira certa –
não é fácil”. Aristóteles, Ética a Nicômaco
4) Auto – motivação.
Apesar da redundância do termo, pois motivação é algo de que nos
apropriamos tanto externa quanto internamente, podemos dizer que este termo
expressa a capacidade de acreditarmos em nós mesmos, ou melhor, em nossas
habilidades e capacidades, perseverando nestas ações para que elas ocorram da
17
melhor maneira possível, independentemente dos agentes externos que possam
prejudicá-las.
5) Reprimir a impulsividade.
Ressaltamos aqui a tentativa de controlar ações impensadas que
desencadeiam reações, como agressividade e ofensas que nos fazem perder a
racionalidade e desencadeiam o arrependimento pela maneira inadequada de
expressar a frustração, a raiva ou a tristeza.
6) Adiar a satisfação.
Buscamos, com essa ação, o propósito de melhorar a ansiedade quando
esta for “invocada pela mente como reação equivocada, dirigida para o alvo errado,
tornando-se,” muitas vezes, uma ação patológica, ocasionando altos níveis de
estresse.
7) Empatia
Compreendemos nessa aptidão a capacidade de reconhecer emoções nos
outros, saber perceber, escutar, enxergar o que e como estão as pessoas com quem
convivemos.
8) Solução de problemas interpessoais.
É a capacidade que possuímos de compreender outras pessoas: o que as
motivam, como trabalham e qual a melhor maneira de trabalhar com elas.
9) Impor limites.
Análise que devemos fazer de nossas atitudes, na expectativa de
reconhecê-las como ações pertinentes aos nossos desejos e sentimentos,
18
expressando-as de maneira positiva quando algo nos tenha incomodado. Saber
dizer não!
10) Adaptabilidade.
Significa a capacidade de nos entrosarmos com os outros, trocando idéias,
compartilhando sentimentos e concepções, e a capacidade de harmonizar nossas
necessidades com as dos outros nas atividades em grupo.
11) Tolerância.
Tendência que possuímos em admitir e reconhecer, nos outros, maneiras
de pensar, agir e de sentir diferentes ou opostas às nossas, aceitando-as e
compreendendo-as como parte da natureza do ser humano.
12) Humildade.
Capacidade de reconhecer nossas limitações e conduzi-las a ações que
se presenciam em atitudes mais perceptivas quanto à presença das pessoas com
quem convivemos, sem qualquer tipo de julgamento ou discriminação.
13) Compaixão.
Sentimento que nos possibilita perceber o sofrimento do outro e nos
provoca o desejo de atenuá-lo.
É possível compreender, pela apresentação dessas ações, que a proposta
do Programa tem como objetivo a formação de um ser participativo, responsável,
que busca o autocontrole, comprometido, crítico e criativo, e denotar, inclusive, que
se compromete com o desenvolvimento na formação de um indivíduo que deverá ser
um determinado cidadão para uma determinada sociedade.
19
Interessante, também, notar que a proposta até poderá contribuir para a
formação de um indivíduo questionador, responsável por seus atos, comprometido
em buscar soluções para o esclarecimento de uma sociedade permeada de valores
articulados ao poder, uma sociedade na qual a hierarquia determina regras,
posições e formação de um cidadão.
Porém esse aluno em constante mudança de comportamento – que é o
educando – possuidor de diversos subsídios tecnológicos que velozmente
prontificam-se a apresentar-lhe o mundo, compreenderá o sentido de humanidade
diante do Poder, da conquista pelo Capital, facilmente articulada às propinas e
“mensalões”? Respeitará as mais diversas pessoas dos mais variados hábitos,
crenças, etnias, valores, gerações e conseguirá repensar valores como honestidade
e humildade?
Sem dúvida, dominar essas ações será um difícil caminho. E
provavelmente, engajados nessa proposta de contribuir para o desenvolvimento
pessoal e social na referida instituição, deparemo-nos com diversos “achismos”
sobre o que fazer.
Pretender, inclusive, que essa proposta contribua para a formação de
seres humanos mais conscientes de sua identidade e também de sua diversidade
não apresenta solução imediata para as questões anteriormente abordadas.
Estamos em um processo de busca para que elas sejam observadas mais
atentamente e analisadas sensatamente.
É interessante destacar, também, que a preocupação com o
desenvolvimento do raciocínio dos alunos tem antecedentes, segundo o
entrevistado, no ano de 1969, quando lecionava as disciplinas de Física e Química,
após ter cursado a graduação em Medicina:
20
“Tentei ministrá-las de maneira oposta ao que havia presenciado, levando
meus alunos ao raciocínio com a compreensão do que foi apresentado e
propiciando-lhes interagirem mais uns com os outros.
Cada assunto transmitido aos alunos deveria ser novo, apresentando
problemas a serem solucionados, propondo desafios e motivando-os a
assimilarem seus conhecimentos com treinamento diário, constante,
disciplinado e organizado.
Compreendi que o aluno adquire, ao realizar constantemente suas tarefas
em classe e em casa, com prazer de solucionar variados questionamentos,
uma melhor sedimentação e compreensão das informações obtidas,
resultando no enriquecimento das habilidades cognitivas relacionadas à
ação de analisar, comparar, graduar, exemplificar, agrupar e classificar.
Porém, para seu desenvolvimento, essas habilidades necessitam ser
articuladas a determinadas atividades que permeiem as questões mais
amplas e também possibilitem a reflexão sobre o próprio pensar, sentir e o
agir e o das pessoas que nossos alunos convivem ou possam vir a conviver.
Pressupondo que, sendo o indivíduo um ser dotado de racionalidade, elas
necessitam ser desenvolvidas desde a infância, trabalhando de forma
integrada, cada uma a seu momento de utilização, acionadas por desafios e
resolução de problemas, complexos a uma ótica inicial, mas claros a uma
vivência e empirismo”.
Como surge, então, nessa perspectiva, o Programa de Desenvolvimento
Pessoal e Social (PDPS)? Quais seus referenciais teóricos?
1.1 A proposta do Programa de Desenvolvimento Pessoal e Social
Percebemos como objetivo na proposta do P.D.P.S. (Programa de
desenvolvimento pessoal e social), estimular na criança a aquisição de habilidades
na área afetiva para que, gradualmente, alcançasse uma maior autonomia em seu
pensamento, uma melhor percepção ética dos fatos, ou seja, uma percepção
essencialmente inserida no respeito ao pensamento, ação e opinião do outro. É
necessário compreender, aqui, que esta percepção por ora descrita não se baseia
no moralismo em seu sentido doutrinatário, que impõe e não discute. Ao contrário,
questiona, reflete junto.
21
O objetivo da proposta foi formulado mediante viagens que nosso
entrevistado fez aos Estados Unidos (São Francisco), e através de estudos,
pesquisas e leituras que resultaram na escolha do programa Filosofia para Crianças,
de Lipman.
Acreditando que o melhor lugar onde a racionalidade pudesse ser
desenvolvida, relacionada às habilidades de pensamento (habilidades de raciocínio,
de investigação, de formação de conceitos e de tradução), seria no espaço da
instituição escolar, o idealizador do P.D.P.S. articulou seus objetivos ao programa
“Filosofia para crianças”, de Mathew Lipman, filósofo, norte-americano que instituiu a
“comunidade de investigação” em sua metodologia. O mantenedor não conhecia
outro caminho, como ele mesmo disse em entrevista, que pudesse articular seus
questionamentos, quanto ao processo de ensino/aprendizagem.
Uma grande contribuição para a construção dessa história foi uma entrevista
realizada pela psicóloga coordenadora do P.D.P.S. na época em que foi implantado,
embora tenha permanecido no programa por somente dois anos. A entrevista está
em anexo e foi realizada em julho de 2006.
A coordenadora relata que o entrevistado idealizou o Programa de
Desenvolvimento Pessoal e Social, pois estava articulado ao seu “Projeto Cérebro”,
(dissertação de mestrado defendida em junho de 2006 e que propõe uma nova
maneira de compreender o aprendizado dos indivíduos, observando os recursos que
o cérebro nos proporciona, baseando-se na Neurociência). O P.D.P.S. viria a
contribuir para trabalhar o raciocínio dos alunos, uma das preocupações dele, e que
correspondia ao desenvolvimento da oratória, da autonomia, do caminho da reflexão
sobre valores. Mas a questão disciplinar também era uma das “fatias” dessas
abordagens, não a mais importante, como ela mesma afirma.
22
E na continuidade dessa entrevista, a psicóloga nos conta que, na época, ela,
o idealizador e outras coordenadoras participaram de um Congresso de Filosofia
para crianças, em Petrópolis, Rio de Janeiro, na tentativa de analisar a proposta de
Matthew Lipman, que, na época (1995), causava polêmica e questionamento sobre
sua metodologia. Porém ela mesma já mediava discussões com os alunos de 7ª e 8ª
séries em nossa própria instituição, relacionadas a temas como: sexualidade e
drogas. Dessa maneira, foi “presenteada”, como afirmou na época um professor,
também mantenedor da instituição, para ser a coordenadora deste projeto
juntamente com o idealizador.
Dessa maneira, voltando a São Paulo, resolveram observar mais de perto,
uma dessas práticas, e o fizeram num colégio particular localizado em Alphaville,
bairro nobre da cidade de São Paulo, e em algumas aulas de Filosofia no Colégio
Nossa Senhora do Carmo, também naquela cidade.
Fato é que, por terem apreciado a maneira como era realizada a metodologia
de Lipman em Alphaville e esta corresponder aos seus anseios e preocupações
referidas, optaram por adotá-la na instituição pesquisada em Sorocaba. Nosso
objetivo aqui é analisar em que concepções esta proposta de desenvolver
questionamentos pessoais e sociais na formação de pessoas foi baseada.
Buscaremos entender e descrever as mudanças que porventura ocorreram e suas
justificativas, para compreender se a proposta desejada possibilitou respostas às
indagações iniciais. Enfim, propomo-nos a analisar seus resultados e ações que
ainda se fazem presentes neste ano letivo de 2006.
Inicialmente relatamos como foi o desenvolvimento da proposta de Lipman
adotada pelo P.D.P.S. tendo como ponto de partida a capacitação dos educadores.
23
1.2 A capacitação dos educadores para o Programa de Desenvolvimento
Pessoal e Social (P.D.P.S.) decorrente da metodologia de Lipman.
Os professores da instituição pesquisada fomos convidados a participar da
implantação da referida proposta sem, aparentemente, um motivo específico, talvez
pelo fato de alguns se interessarem mais por inovações, porém isso não nos ficou
claro. E para a realização dos breves cursos do Centro Brasileiro de Filosofia para
Crianças (C.B.F.C.), reunimo-nos na própria instituição, onde receberíamos uma
coordenadora que fazia parte do programa de Lipman e que, inclusive era uma
filósofa, mas não recordamos seu nome.
Os cursos tinham duração de aproximadamente quarenta horas e
relacionavam-se a uma história específica idealizada por Lipman e uma de suas
colaboradoras, Ann Margharet Sharp. Assim, cada história: Rebeca (que substitui
Elfie pelo C.B.F.C., pois naquele momento a história não havia sido traduzida para o
Português – a autoria de Rebeca é de Ronald Reef) Issao e Guga, Pimpa, Ari dos
Telles e Luíza, foi inserida no Programa de Desenvolvimento Pessoal e Social da
escola que trabalhávamos. Havia manuais para o professor, livros e materiais que
poderíamos manusear com nossos alunos e serviriam de base, caso nos
“sentíssemos perdidos” (definição da própria monitora que aplicava o curso) com a
metodologia e o caminho do programa.
A história de Rebeca corresponde às classes de Educação Infantil e aborda
questionamentos de uma criança que visualiza o mundo de acordo com o que ela
poderá perceber.
A “novela” de Issao e Guga destaca o enorme interesse dos personagens em
animais, espaço e tempo e muitos outros aspectos da natureza, o que, para o Centro
24
Brasileiro de Filosofia e Letras (C.B.F.C.), é uma introdução ideal ao estudo das
Ciências e das relações entre a linguagem e o mundo.
O Programa Pimpa possui como objetivo a competência em perceber e
expressar semelhanças e diferenças, uma vez que nessa concepção a prática em
fazer comparações abre novas perspectivas na descrição e explicação do meio que
vivemos.
O texto de Ari dos Telles é ,para o C.B.F.C., também um modelo de educação
não-autoritária e anti-doutrinária. Ressalva o valor da investigação, encoraja o
desenvolvimento de modelos alternativos de pensar e imaginar, e mostra como as
crianças podem aprender umas com as outras.
Luísa é uma Investigação Ética. Salienta os conceitos de bem, justo, direitos
e os pré-requisitos do pensar bem (coerência, verdade, relações lógicas) tão
necessários para o pensar autônomo sobre as questões éticas. (Lipman, Matthew,
Livro de apresentação, C.B.F.C., páginas: 4, 9, 13 e 19).
Aqui poderíamos fazer uma pausa na continuação do descrito programa e
refletir sobre a questão da criatividade e potencial do educador. Poderíamos
sedimentá-los em um programa que já nos oferecia tudo pronto, inclusive nossos
questionamentos em momentos de discussão?
Entretanto havia alguns paradigmas dentro desse programa “linear” (apesar
dos monitores negarem essa especificidade) que em hipótese alguma poderiam ser
quebrados, como: jamais colocar nossos posicionamentos – mesmo que em um
momento de discussão isso fosse solicitado pelos alunos. Seríamos, como diziam os
monitores que aplicavam o curso, “apenas os mediadores” de supostas discussões,
administrando-as de forma imparcial, inclusive tentando não expressar em nossas
25
faces aquilo que poderíamos denotar como concordância ou discordância de
determinadas opiniões.
Foi possível ser um mediador, ou melhor, um sujeito tão “estático”? E se isso
não foi possível, houve conseqüências para o pensar, sentir e agir de cada aluno?
Essas inquietações serão respondidas no decorrer deste escrito, quando
registraremos o depoimento dos participantes do P.D.P.S.
Na continuidade de descrição dessa trajetória, os professores do Ensino
Fundamental I, que naquele momento eram denominados “mediadores”, pelo fato de
terem acesso à proposta de Lipman, permitiram-se “optar” por trabalhar ou não com
essa metodologia em outras salas de aulas de 1ª a 4ª série do Ensino Fundamental.
Entretanto a coordenação do Programa, considerando que nem todos se diziam
preparados para tal desafio, optou pela sua implementação da seguinte maneira:
convocou cada professor que realizou os cursos para que pudesse “pelo menos”,
como descrito pela coordenadora de área, aplicar o programa em sua própria sala
de aula.
As professoras denominadas “polivalentes” (professoras que lecionavam as
disciplinas consideradas básicas pela referida instituição: Português, Matemática,
Estudos Sociais e Ciências) começaram, então, a aplicar o programa de Lipman,
porém nenhuma delas tinha a mínima formação em Filosofia, e o curso realizado em
apenas quarenta horas não as havia preparado para incorporar tal prática.
Um ano depois, em 1997, após muitas discussões quanto ao procedimento do
trabalho de cada uma, inclusive por alegarem que não se sentiam preparadas para a
proposta, a coordenação optou por uma professora específica de P.D.P.S. Na
ocasião, era a coordenadora quem organizava os cursos e as aulas preparatórias e
ouvia nossas lamentações, frustrações e inseguranças.
26
No ano letivo de 1997, incluiu-se, além do P.D.P.S. I, considerado “o pensar”,
o P.D.P.S. II, que era denominado Programa de Desenvolvimento Pessoal e Social
(sentir). O idealizador do programa afirmava que duas aulas semanais seriam
necessárias para o aprimoramento das inteligências Interpessoal e Intrapessoal
(descritas mais detalhadamente na presente dissertação no item correspondente às
Inteligências Múltiplas, de Howard Gardner, uma das fontes de estudos do
idealizador do programa), e o procedimento implicaria no acréscimo de mais essa
disciplina. Assim sendo, foram contratadas duas psicólogas e, logo, a coordenadora
ausentou-se do cargo, por motivos que desconhecemos.
As reuniões que se seguiram passaram a ser diferenciadas. Enquanto os
professores do P.D.P.S. I deveriam comprometer-se (no entender da instituição) com
temas referentes aos manuais de Lipman, temas estes que propiciavam a
“comunidade de investigação”, que explicaremos ao descrevermos a metodologia do
autor, e direcionavam à subdisciplina da lógica, ética, estética e metafísica. Já os
professores do P.D.P.S. II preocupar-se-iam com os pressupostos já citados quanto
ao desempenho emocional de cada indivíduo, e seus temas se relacionariam com as
emoções e sentimentos dos alunos participantes dessa disciplina.
O programa relacionado ao “pensar” ressaltaria o modo de perceber dos
alunos de forma generalizada, ou seja: “O que percebo e o que penso sobre as
coisas que acontecem no mundo, em minha comunidade, na sociedade de modo
geral?”. O programa relacionado ao “sentir” ressaltaria as seguintes questões:
“Como me sinto e como atuo em relação ao meu cotidiano e às coisas que
acontecem comigo articuladas à minha vivência e aos meus posicionamentos?”.
Para os professores que se inseriam nesse programa, eles estavam diante de uma
discussão que era uma abordagem determinada pelo idealizador, por mais que em
27
nossa concepção aquilo não fosse possível realizar. Por que dissociar o pensar e o
sentir nessas discussões em aulas separadas?
Esses materiais (propostos pelo C.B.F.C.) que deveríamos seguir (o P.D.P.S.
I) preconizavam a questão do “pensamento de ordem superior” (também descrito em
sua metodologia), determinando-o como o pensamento “crítico” e “criativo”, e
somente a Filosofia, para Lipman, poderia possibilitar essa junção. Porém não
tínhamos sequer uma concepção formada sobre Filosofia, e nada nos foi atribuído
para que pudéssemos compreender a idéia de que nossas aulas deveriam basear-
se em Filosofia. Em qual Filosofia?
Para a instituição, talvez tais análises levassem muito tempo, porém nós,
professores que continuávamos na proposta, ou seja, no desafio, estávamos
dispostos a persistir em sua compreensão e a tentar contribuir para a formação de
um ser humano mais reflexivo e mais digno, como citado e observado nos
depoimentos, mas a idéia central era compreender Lipman. E isso, de acordo com o
idealizador e seus colaboradores, já “estava de bom tamanho”.
Entretanto, não conformados com tal descaso e ausência de orientação,
pedimos maiores esclarecimentos e alguém que pudesse nortear esse caminho que
nos parecia cada vez mais confuso e desconexo. O que estamos fazendo? Para
quê? E para quem? Foi contratado, então, no ano letivo de 1998, um coordenador
para o P.D.P.S.I, graduado em Filosofia e professor de Filosofia no Ensino Médio de
duas escolas públicas situadas nas cidades de Sorocaba e Salto.
O coordenador permaneceu por cinco anos aproximadamente. Foi um grande
ganho para o nosso trabalho, pois antes de sua chegada parecia que nossas
convicções em possibilitar a formação dos alunos desabariam, embora os gestores
em questão não se demonstrarem muito preocupados com tal desapontamento. Era
28
como se sentíssemos que deveríamos fazer nosso trabalho seguindo o que o
manual prescrevia e estaria tudo certo!
Mas voltemos à nossa trajetória. Atualmente, e isso já faz seis anos
aproximadamente, abolimos Lipman, inclusive com o aval de nosso coordenador
que, a princípio, apresentou algumas restrições, pois considerava o programa de
Lipman pertinente ao objetivo proposto pela instituição e também não queria um
caminho sem posicionamento, sem reflexão e recheado de estratégias e dinâmicas
que motivariam as aulas, torná-las-iam agradáveis, porém não acrescentariam
qualquer fundamento ou abordagem filosófica. Mas duvidávamos exatamente se o
programa de Lipman iria alcançar essas expectativas do coordenador, porém
compreenderemos mais claramente sua posição ao descrevermos seu depoimento
no próximo capítulo.
Acreditamos, também, que uma das maiores razões para o abandono do
programa de Lipman, reafirmamos, tenha sido a falta de envolvimento dos
professores nesse trabalho, inclusive para argumentarem e questionarem se o
programa era coerente com o que pretendíamos. Determina-se aqui “envolvidos”,
pois se ressalta a importância de conhecimento, atualização e interação das
pessoas inseridas na prática do programa em si. Prática essa que teria necessitado
de maior tempo, pesquisa, análise e investigação ao que estava sendo apresentado.
E isso, como vimos, não ocorreu.
Os professores sentiram-se desorientados e desprovidos de maiores
subsídios que os levassem à compreensão da concepção de Filosofia do idealizador
do P.D.P.S., da objetividade quanto à proposta da instituição no que pretendia
quanto à formação de indivíduos e, por fim, da metodologia de Lipman, que seria a
base de toda essa abordagem.
29
Outro ponto de grande importância foi a questão que consideramos
anteriormente: as “novelas filosóficas” de Lipman. Suas histórias, desprovidas de
ação, mistério, encantamento e seqüência de fatos, eram observadas pelos nossos
alunos como algo sem lógica, infantil e sem envolvimento, gerando críticas e
lamúrias pelo fato de lhes apresentarmos essas histórias tão “cansativas”.
É interessante observar que as aulas sem a prática de leitura ou o contar
dessas histórias eram mais ricas, tanto para os alunos quanto para os professores,
pois presenciávamos mais diálogos, debates, questionamentos, inclusive quando a
abordagem era sobre um tema atual (nesse caso, trabalhávamos fora dos manuais e
imposições do programa, de acordo com nossa vontade, “em off”)
Enfim, o programa de Lipman, embora inserido de maneira inconsistente em
nossa instituição pela forma como foi apresentado, sem estudo, análise e
aprofundamento, e também por considerarmos suas histórias incoerentes frente à
nossa realidade, inicialmente possibilitou que saíssemos do “senso comum”, da
citada mesmice, das concepções que permaneciam em uma constante abordagem,
e maneira de ver, sentir e agir. Entretanto, mesmo após desfeita a “empolgação”
inicial de que aquela seria nossa salvação, continuamos a busca partindo de uma
análise mais coesa ao que presenciávamos nas questões pertinentes à realidade da
instituição referida.
Questões que eram concebidas por nós, professores e educadores
arraigados por conceitos e valores adquiridos de nossos “antigos” e tão necessários
educadores (pais, avós, professores, instituições religiosas, mestres espirituais,
entre outros) o que nos fez, provavelmente, compreender (embora muitas vezes não
concordássemos com o que diziam), que há muito o que se pensar, refletir, acertar,
errar e fazer quanto à formação de nossas crianças. Não queremos o esvaziamento
30
de seres humanos e tampouco a banalização de valores como respeito, dignidade e
honestidade, como apresentado na introdução, e provavelmente nem nossos
“antigos” mestres o queriam.
Descreveremos as aulas de P.D.P.S. baseadas na metodologia de Lipman
para que o leitor possa analisar como elas eram desenvolvidas, e no capítulo II,
descreveremos como nosso trabalho ainda resiste atualmente, porém sem
metodologia e “manuais prontos”, lineares e que faziam com que nos sentíssemos
pessoas pouco criativas e acomodadas demasiadamente, o que, no caso de nossas
aulas, pareceria contraditório, pois o filosofar quer precisamente provocar,
incomodar, enfim, desestabilizar.
1.3 A proposta metodológica de Lipman: origem e fontes
A Metodologia de Lipman apresentava como proposta que:
...mediante o trabalho com o conteúdo, pudessem ser trabalhadas as
habilidades cognitivas necessárias ao desenvolvimento dos alunos.
O programa propiciava o acontecer do conhecimento nas crianças e jovens
porque os fazia trabalhar com as idéias de forma cooperativa, isto é
dialógica (Lipman, Matthew, Centro Brasileiro de Filosofia para Crianças,
manual de apresentação, p.32).
Segundo Marcos Antonio Lorieri, professor de Filosofia da Uninove, em São
Paulo e um dos pioneiros desse programa - defendendo a implantação da proposta
na rede pública de São Paulo – a essência desse espaço de trabalho é o diálogo.
Para ele, em uma situação de diálogo, as pessoas trocam além de suas convicções
expressas em afirmações e argumentos, as suas razões relativas a valores morais,
imbuídos por gerações anteriores.
31
E a proposta “Filosofia para crianças”, tanto para Lorieri, quanto para o
idealizador do P.D.P.S., propunha um espaço físico que pudesse ser reservado pela
escola para se transformar num espaço de diálogo, em que as crianças
desenvolvessem e ampliassem suas idéias e concepções. O espaço concebia uma
sala de aula em que os alunos, posicionados em círculo, pudessem todos se
observar e presenciar uma “comunidade de investigação” (LIPMAN,1990, p.132).
Dessa maneira, a sala de aula, convertida em “comunidade de investigação”,
permitiria aos alunos, segundo o próprio Lipman:
...a dividirem opiniões, com respeito, desenvolverem questões a partir das
idéias de outros, desafiarem entre si para fornecerem opiniões até então
não apoiadas, auxiliarem uns aos outros ao fazer inferências daquilo que foi
afirmado e buscar identificar às suposições de cada um (LIPMAN, 1995,
p.31)
O “fazer” Filosofia, para Lipman, possuía como foco o pensar questões
articuladas às regras da lógica formal, resultando em um “pensamento excelente” ou
“pensamento de ordem superior”. Como esse pensamento só poderia se
desenvolver por meio da linguagem, o caminho mais coerente para o aprendizado
do filosofar seria o “diálogo filosófico”, enfim, o diálogo praticado na referida
“comunidade de investigação” (Silveira, 2001, p. 112).
A proposta de Lipman, assim, é claramente normativa, pois o próprio autor
descreve como deveria ser uma educação filosófica. Propõe, em princípio, distinguir
a filosofia e o filosofar, sendo a filosofia um sistema (e aqui, compreendemos,
embora não concordemos, que Lipman pode ter relacionado sistema a teoria ou
conteúdo) e o filosofar uma prática. E nessa ação objetiva, anseia contribuir para
que crianças “pratiquem, façam, exerçam e vivenciem” a filosofia. (KOHAN, 2000,
p.17).
32
Porém Kohan (2000) considera que, em sentido Kantiano, a filosofia não pode
ser ensinada pelo fato de ser uma idéia de ciência, possível, porém inacabada. Para
Kant, só há possibilidade de aprendermos a filosofar. Para que tal ação ocorra,
preconiza-se a razão, enfim o “direito de investigar seus princípios nas suas próprias
fontes e confirmá-los ou rejeitá-los” e afirma que há uma possibilidade de “um
exercício autônomo de uma razão filosofante acima da existência de um sistema
acabado de conhecimento filosófico” (KOHAN, 2000, p.18).
Nessa concepção, a proposta de Lipman é muito questionada por autores,
como Renê J. Trentin Silveira, Walter O. Kohan e, de modo geral, no meio
acadêmico. Muitas são as críticas que, delineadas nessa dissertação, possibilitarão
uma reflexão mais clara quanto às dicotomias: reflexão, diálogo e troca de opiniões;
racionalidade e razoabilidade e que serão examinadas no decorrer deste escrito.
O que nos surpreende é que, apesar da denotação de um programa
aparentemente “macdolnadizado” (expressão apresentada pela professora Raquel
Viviane Silveira, que vem estudando o programa de Lipman, referindo-se ao Mc
Donald’s, apud SILVEIRA, 2000, p.20), ela é aplicável em diversos países de nosso
mundo globalizado, onde possui crescente aceitação. Inclusive verifica-se que, nos
Estados Unidos, mesmo recebida com muitos questionamentos e críticas,
provavelmente pela apatia dessa cultura para com a Filosofia, ela é considerada
apropriada pelo Ministério da Educação e também faz parte da “National Difusion
Network”. (ibidem, p.26)
Em muitos países da América Latina que fizeram reformas educacionais
conservadoras, como a Argentina, os livros de Lipman foram recomendados nos
planos oficiais e distribuídos gratuitamente em todas as escolas públicas do país
pelo Ministério da Educação Nacional, e em países do ex-bloco soviético, vinha
33
sendo reconhecido oficialmente pelos ministérios de Educação (KOHAN, 2000,
p.27).
A hipótese para a aceitação da proposta de Lipman pelos países
mencionados é permeada pela leitura de Lipman ante a crença de que a filosofia
educa em e para a democracia. A democracia, segundo o autor, é o próprio
caminho, o meio e o fim de uma educação filosófica. A filosofia, segundo o autor,
pode ser avaliada pela contribuição que traz para o desenvolvimento de uma
investigação, de um diálogo, como ele mesmo afirma, e sendo seu foco a
Democracia, deve ser uma prática cooperativa e deliberativa, que contribua para a
concretização de hábitos democráticos, enfim, para a formação de indivíduos que
compreendam e pratiquem seus deveres como cidadãos. Isso não parece denotar
que tais cidadãos se conformem com sua condição de vida, seja ela na miséria, na
“alegria ou na tristeza”?
Questionamos, assim, essa consolidação em assimilar os deveres de
cidadão, pois segundo Silveira (2001), a missão que se destina o programa “Filosofia
para crianças” é “habituar, desde cedo, os futuros cidadãos a adotar condutas
racionais, modelando, assim, o seu comportamento e contendo-lhes o ímpeto
destrutivo” (SILVEIRA, 2001, p.109). Compactuamos com o autor, que questiona e
critica essa intenção de Lipman em pretender formar cidadãos racionais e que, em
nossa leitura, denota que seu programa, “Filosofia para crianças”, preocupa-se com
a formação de indivíduos mais obedientes, conformados, o que não é nosso intuito
como mediadores. (SILVEIRA, 2001, p.109).
Explica-se, dessa maneira, o motivo pelo qual o idealizador do P.D.P.S.
também abraçou a proposta de Lipman? Seria pelo fato de ela ir ao encontro dos
pilares que referenciamos e contribuiriam para a formação desse cidadão
34
emocionalmente equilibrado e ajustável aos deveres dessa sociedade almejada,
contemporânea e “racional”? Aqui pontuaríamos não um desafio, mas uma ironia!
Uma outra característica fundamental do diálogo filosófico nas “comunidades
de investigação” é que ele deve estar fundamentado pela lógica. Para conceber
determinada fundamentação, é necessário compreender algumas inferências
consideradas oportunas em um diálogo e investigar os pressupostos que a
subsidiaram. Para Lipman, quando predomina a lógica no diálogo, a investigação se
fortalece, e isto, segundo o autor, é fundamental para a prática da Filosofia.
Alguns exercícios contidos em seus manuais para os professores e que
fazem parte do material elaborado por ele, sua assistente Ann Margharet Sharp e
seus colaboradores, remetem-nos à compreensão do que Lipman preconiza pelo
diálogo pautado na lógica. Apresentaremos mais detalhadamente, ainda na presente
dissertação, ao descrevermos a metodologia de Lipman, um modelo de exercício
pautado na concepção lógica, descrevendo um episódio das histórias, os exercícios
e os planos de discussão articulados a esses textos, e que o autor do programa
denomina “novelas filosóficas”.
Outra abordagem que Lipman (1990) considera necessária, correspondente a
essa concepção, é a diferenciação entre diálogo e conversação. Segundo o autor,
há semelhanças entre as duas, pois tanto no diálogo quanto na conversação há uma
reciprocidade, porém na conversação não existe um objetivo específico, ela pode ser
guiada, manipulada ou dirigida. No diálogo, isso não ocorre, não há essa liberdade,
a lógica é quem o conduz, filosoficamente.
Interessante notarmos que isso pode ser mais uma norma articulada a esta
metodologia, a qual pressupõe que uma discussão somente será filosófica a partir
da fundamentação lógica. Porém, nas aulas propostas pelos manuais deste
35
programa, muitas são temas que partem de uma fundamentação científica, não
caminham necessariamente pela lógica e nem o fato de debatê-los os torna
filosóficos. O que nos permite provocar se este programa pode ter a pretensão de
denominar-se, “Filosofia para crianças”.
Ainda nesta concepção de diálogo, enfatizamos a percepção de Platão em
seu Livro V da República, descrita por Silveira (2000, p.113), quanto ao aspecto do
objeto de desejo da Filosofia. O autor pontua que esse objeto não foca o “eu acho
que”, ou melhor, a exposição de meras opiniões, pois isso seria filodoxia (filodoxo é
o amante da opinião) e compreende-se que, para o filosofar, deseja-se que
caminhemos para além da opinião, no intuito de superar o senso comum, na
possibilidade de buscar um saber fundamentado, “que possa ser considerado
verdadeiro, independente de opiniões particulares” (SILVEIRA, 2000, p.114).
Pautado nessa percepção,
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apresenta então, três
críticas que questionam o “pensar filosófico” de Lipman:
1) A ausência de preocupação em aprofundar-se nas “raízes” dos assuntos
examinados, pois as discussões somente abordam a exposição de opiniões das
crianças. Não priorizam o diálogo propriamente dito.
2) A ausência em sistematizar e fundamentar as conclusões,
conseqüentemente tornando os conteúdos e respostas, secundários.
3) Os temas abordados não são debatidos em uma totalidade e são
“espalhados aleatoriamente pelas histórias, sem qualquer ligação com o contexto
histórico e filosófico de que foram extraídos”.
Nesta discussão proporcionada pela “comunidade de investigação”,
compreendemos que ela não conseguiria, desta maneira, ultrapassar os limites do
36
senso comum e que, mais uma vez, não poderíamos considerá-la como filosofia e
nem ao menos que ela propõe praticar, o filosofar.
Segundo Silveira (2000), que faz alusão ao pensamento de Gramsci, a
Filosofia deve se ocupar dos problemas postos pela realidade; assim, necessita-se
indagar à Lipman, em que sociedade se baseia para colher os problemas que serão
objetos de sua reflexão?
Sob a alusão que Gramsci (1987, p.18) faz, a fonte dos problemas da referida
realidade encontrar-se-ia no contato com os mais “simples”, como ele mesmo se
expressa, e inserida nessa fonte é que os problemas devem ser “estudados e
resolvidos”. Gramsci reitera que “só através desse contato é que uma filosofia se
torna histórica, depura-se de elementos intelectualistas de natureza individual e se
transforma em vida” (GRAMSCI, 1986, p.18).
Porém não há qualquer vestígio de preocupação em Lipman na articulação
entre a Filosofia e os “simples” (na abordagem de Gramsci) como norteador do
objeto do filosofar. Poderemos observar que, em suas “novelas”, não encontramos
discussões como fome, miséria, desemprego, rebeliões em presídios, baixos
salários, altos impostos e questões referentes à condição humana em que nos
encontramos. De certo, o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), PIB (Produto
Interno Bruto), expectativa de vida, a mortalidade e o analfabetismo de seu país
(E.U.A.) são bem diferentes do país em que moramos. As pessoas que aqui
permanecem e, muitas vezes, sobrevivem, conhecem bem o “simples” citado por
Gramsci (1986). Provavelmente Lipman também o conheça, porém não se
preocupou em refletir acerca dessas questões.
Em nossas leituras, questionamos a percepção de Lipman em considerar que
a filosofia de seu programa preconiza que devemos nos ocupar em refletir sobre
37
”conceitos essencialmente contestáveis”, e controversos, ou seja, conceitos como
verdade, justiça, beleza, individualidade e virtude.
Porém, segundo Silveira (2001), no programa “Filosofia para crianças” não é
observada uma relevante consideração quando Lipman, na tentativa de definir
“problema”, apresenta uma abordagem de algo que possa ser desconhecido,
misterioso e enigmático. Explicitamos esse aspecto referenciados numa citação de
Saviani (1987), que define problema como processo vinculado à necessidade.
No processo de produção de sua própria existência, o homem se defronta
com situações iniludíveis, isto é: enfrenta necessidades de cuja satisfação
depende a continuidade mesma da existência (não confundir existência com
subsistência no estrito sentido econômico do termo). Ora, esse conceito de
necessidade é fundamental para se entender o significado essencial da
palavra problema, Trata-se, pois de algo muito simples, embora
freqüentemente ignorado. A essência do problema é a necessidade
(SAVIANI,1987, p.21).
Presenciamos nas leituras dos textos de Lipman, inclusive em seus manuais,
uma desesperança em chegar a uma resposta objetiva, verdadeira, que venha
concluir um determinado problema. Contudo Lipman não considera a conclusão, seu
principal objetivo, mas a construção de “pensamentos”, idéias, opiniões e
argumentações. Assim, a natureza problemática de um tema pré - estabelecido em
seus romances baseia-se no fato de eles apresentarem-se simplesmente,
controversos, contestáveis e polêmicos. Nessa definição, Lipman acredita que isso
explica o fato de poder sugerir em seus manuais os temas a serem debatidos na
citada Comunidade de Investigação.
Nesse programa, então, a problemática de uma situação é pertinente, mas
não se considera relevante constatar uma solução e conclusão para tais
questionamentos. Suas histórias preconizam temas que, para ele, certamente
abordam problemas, porém serão problemas inseridos na realidade de nosso país?
38
Provavelmente a resposta seja negativa, pois, como dissemos, temas pertinentes à
condição humana não são encontrados em seus manuais, “romances” e demais
leituras.
Enfim, afirmar que o mantenedor da instituição refletiu sobre todos esses
questionamentos seria relevante, mas não podemos. Acreditamos que sua
preocupação baseava-se na ação de contribuir para que seus alunos pudessem
raciocinar melhor, justificar seus posicionamentos e refletir sobre suas ações e
reações. Dessa maneira, implementa, então, em 1996, o Programa de
Desenvolvimento Pessoal e Social, o P.D.P.S. pensar, que em princípio baseou-se
na metodologia de Lipman, “Filosofia para crianças”.
Como essas crianças e jovens poderiam ampliar suas concepções?
Estaríamos em condições – os educadores e sujeitos envolvidos nesse processo
que estava surgindo – de contribuir para a anteriormente descrita formação de
pessoas proposta pela instituição em que estávamos inseridos? E que concepção de
formação de indivíduos tinham os educadores envolvidos nesse programa? Suas
concepções de formação do indivíduo iam ao encontro da concepção de formação
de indivíduo proposta pela instituição através do PDPS? Qual a contribuição da
proposta de Lipman nesse contexto?
Delinearemos, aqui, mais claramente, a que se destinava a proposta de
Lipman, abordando alguns aspectos de sua história, origem e fontes, através da
leitura de Kohan (2000) e Silveira (2001).
A história da proposta de Lipman no Brasil se inicia com Catherine Young
Silva, norte-americana naturalizada brasileira, graduada em Filosofia pela
Universidade de São Paulo (USP) e pela PUC-SP, que após retornar dos Estados
Unidos, onde cursara o mestrado em Filosofia para crianças, e após algumas
39
reuniões de estudo com um grupo de colegas interessados na proposta de Lipman,
funda o Centro Brasileiro de Filosofia para Crianças (C.B.F.C.), em janeiro de 1985.
Catherine resolve investigar o Programa de Filosofia para crianças através da
leitura de uma publicação de 1983, na revista norte-americana Ladies Home Journal
(PERIN, 1988 d, p.23). Escreve então a Lipman para obter maiores informações e,
como devolutiva, recebe o material (textos, manuais e romances), que lhe causa
grande interesse. Decidindo conhecê-lo melhor, viaja para os Estados Unidos e
cursa o mestrado em Filosofia para Crianças, oferecido pelo IAPC – International
Council for Philosophical Inquiry with children (Conselho Internacional para
Investigação Filosófica com crianças).
Regressando ao Brasil, percebe um grande número de professores motivados
em fazer alguma coisa para melhorar o ensino. O Programa de Lipman poderia ser
uma resposta a essa demanda e embora estivesse muito preocupada com a
aceitação do referido programa, resolveu dedicar-se à sua implantação no Brasil”
(SILVEIRA, 2001, p.21).
Primeiramente reúne um grupo de professores: Elizeu Cintra da PUC-SP, Ana
Luiza Falcone e Silva Hamburguer Mendel, com a finalidade de conhecer e analisar
o material de Lipman, traduzindo-o e adaptando-o. A primeira experiência prática
com o Programa ocorreu no segundo semestre de 1984, quando reúne um grupo de
crianças na sala do Yázigi (ainda hoje situado na Avenida Nove de Julho, 3166, em
São Paulo), de propriedade da família de Catherine, onde funcionaria o Centro
Brasileiro de Filosofia para Crianças (CBFC).
Essa experiência, porém, não foi muito longe devido à dificuldade de adequar
os horários ao cotidiano das crianças, professores e à própria escola. (KOHAN,
2000, p.99)
40
No ano seguinte, em 1990, o trabalho desenvolveu-se melhor, pois o
Programa começa a ser aplicado em algumas escolas públicas e privadas da cidade
de São Paulo. Entretanto, para que ele fosse implementado no Brasil, necessitaria
de mais pessoas envolvidas e capacitadas. A capacitação, inicialmente, foi feita nos
E.U.A., onde eram realizados os cursos do I.A.P.C. (e realmente os primeiros
participantes o fizeram), porém os custos representavam cada vez mais uma
dificuldade para ampliação de novos componentes nesta proposta. Dessa maneira,
a criação de condições para a concretização da proposta descrita implicou ocupar
um espaço no próprio Yázigi, que possibilitava a realização de cursos de
capacitação sem modificar os princípios originais norteadores da proposta,
oficializando-se, também, com essa iniciativa, o programa no País.
Catherine e seus colaboradores, então, fundam o Centro Brasileiro de
Filosofia para Crianças (CBFC), em 30 de janeiro de 1985 em São Paulo, constituída
como “sociedade civil, sem fins lucrativos de caráter científico e cultural” (KOHAN,
2000, p. 99).
O Programa foi desenvolvido em outras regiões do país, através de
franchising, ocasionando dificuldades na centralização da coordenação em São
Paulo. Criam-se, dessa maneira, filiais que representavam o C.B.F.C. em cada
região, respeitando as orientações do Programa com a utilização dos materiais
didáticos (livros, textos e manuais).
Com o interesse, ainda no âmbito municipal, em apoiar a Filosofia para
crianças, houve uma indagação: Por que incentivar uma proposta educacional recém
surgida e com uma implantação que demandava o esforço de recursos públicos?
Na dissertação de seu Mestrado em 1991, Silveira (2001) afirma que, com o
afastamento da Filosofia do ensino médio pela Lei n° 5.692/71,
41
...os segmentos mais diretamente atingidos (professores de Filosofia do
Ensino Médio e Superior), mobilizaram-se em diversos encontros nacionais
e regionais, criando, assim, uma posição hegemônica sobre a disciplina.
Esta seria um rompimento com os padrões convencionais anteriormente
apresentados e, a partir disso, assumiria uma posição mais crítica e os
problemas da realidade da nação seriam o principal objeto de reflexão em
sala de aula” (SILVEIRA, 2001, p. 85)
E coincidentemente ou não, é dentro desse contexto que chega ao Brasil o
Programa de Filosofia para Crianças do filósofo norte-americano Matthew Lipman. O
referido Programa pretendia: propiciar aos alunos uma série de discussões de cunho
filosófico; objetivar a formação de um indivíduo mais crítico, inventivo; viabilizar
alternativas; priesT4 1 Tf1 1(s)676 Tw[(ci7 Tc0.266 Tw7]TJ0mso)5apiga
42
A aceitação da proposta de Lipman, a princípio, foi maior nas escolas
particulares que, segundo Carvalho (1994, p.5), têm “uma visão mais aberta da
educação”. Que visão mais aberta é essa?
Em outra leitura, Ana Luiza Falcone afirma que a intenção era “levar o
programa às escolas públicas, principalmente da periferia” (1989, p.38). A
dificuldade encontrada, porém, foi a falta de recursos financeiros para a compra de
material para alunos e professores e também para a remuneração de monitores.
O C.B.F.C. desejava que o Estado assumisse esses custos. Mas, por um
lado, isso estava inviabilizado pela falta de verbas públicas; e, por outro lado, não
havia interesse do Programa em abrir mão dos benefícios comerciais a que tinha
direito.
Juntamente com um grupo de professores, Marcos A. Lorieri iniciou, de modo
informal, como ele mesmo relata, um estudo e discuszad4Gbrjavasse do P,e o Esde modo m
43
Por essa leitura do programa de Lipman, sentimos a resistência que se
presenciou em sua implementação, embora houvesse aceitação por muitos
educadores. Também pudemos observar que, nas escolas públicas, o Programa,
aos poucos, foi ganhando espaço, mesmo enfrentando dificuldades financeiras. Em
1991, trinta escolas estaduais de São Paulo já o haviam experimentado. Em 1994,
em Santa Catarina, das dezesseis escolas que o adotaram, três eram públicas.
(SILVEIRA, 2001, p.34).
Na esfera municipal, a proposta de Lipman foi adotada em 1996, em Ubatuba
(litoral de São Paulo) porém abandonada pelo motivo da exoneração da Titular do
Departamento de Educação da referida cidade, Cleuza Pires de Andrade que, na
ocasião, implantou o programa nas classes de 1ª a 4ª série do Ensino Fundamental
e também em Americana – SP, em 1995, nos Cieps (Centro Integral de Educação
Pública), articulando-se a um convênio entre a Secretaria Municipal de Educação e o
Centro Brasileiro de Filosofia para Crianças. (idem Silveira, p.35)
Atualmente, ainda, em alguns Estados do país (São Paulo e Paraná),
encontram-se tanto escolas públicas como particulares engajadas nesse programa
de Lipman, porém não obtivemos dados para registrar se essas escolas ainda
adotam o programa ou o abandonaram e por quais motivos. O abandono do
programa de Lipman ocorreu na instituição pesquisada.
Descreveremos as aulas de P.D.P.S. baseadas na metodologia de Lipman
para que o leitor possa analisar como elas se processavam.
44
1.4 Lipman e o P.D.P.S.
As aulas desenvolvidas no PDPS ocorriam da seguinte maneira: as crianças,
em círculo, realizavam a leitura em voz alta de um episódio do capítulo de uma das
“novelas filosóficas” que examinaremos ainda neste capítulo. Outra possibilidade
sugerida pelos participantes do grupo que realizavam o curso era que esses
episódios fossem transmitidos aos alunos de forma lúdica, como proposta inserida
pela criatividade dos mediadores, que motivassem os alunos a interessarem-se não
só pelo texto, mas pelas idéias subjacentes às “novelas” em questão.
Após a leitura dos textos, o mediador sugeria que os leitores poderiam
destacar as questões mal compreendidas, as que os deixaram perplexos, admirados
ou aquelas para as quais a resposta não estivesse presente no referido texto.
As questões levantadas pelos alunos eram transcritas no quadro-negro, com
o nome deles à frente das perguntas, para que pudessem sentir a importância de
sua citação. E assim, quando “quase todas” (porque algumas crianças ainda levam
tempo, segundo Lipman, para entender o que são perguntas que nos levam a
pensar, como é proposto no programa) estivessem visualizadas, seriam
relacionadas pelo professor em conjunto com os alunos a temas específicos do
plano de discussão encontrado em cada capítulo dos manuais.
Assim, quando a indagação do aluno fosse a questão da posse do
animal evidenciada no episódio 1 do capítulo I, a tensão que poderia ser discutida,
seria a dicotomia possuir e pertencer ou mesmo o tema orgulho, porém já
podíamos, ali, testemunhar que poucos alunos ressaltavam esses temas pertinentes
ao programa, coligados aos planos de discussões sugeridos no Manual do
Professor, de Lipman.
45
Para que o leitor possa visualizar mais claramente essa problemática,
destacaremos um dos textos citados na presente dissertação:
Issao e Guga
Capítulo Um - Episódio Um
- Issao, onde está Belé?
Como a Guga disse, Belé é o meu gato.
- Não sei, provavelmente está se escondendo em algum lugar, Guga.
- Por que ele está se escondendo? Ele fez alguma coisa errada?
- Não ele está só brincando. Ele brinca assim sozinho.
Guga é a minha vizinha. O nome verdadeiro dela é Augusta. Ela detesta esse nome. Sua
mãe a chama de Gussi. Ela também não gosta desse nome. Seu pai a chama de Guga. Este é o
nome de que ela mais gosta.
O pai dela é mesmo bem alto, muito mais alto do que o meu. Quando ele chega em casa à
noite, Guga levanta o rosto pra ele e diz bem alto:
- “Alto lá”, pai!
E ele abaixa o olhar pra ela bem lá do alto e diz, bem baixinho, com sua voz de baixo:
- Oi, Guga!
Guga rola no chão e faz de conta que está afiando as unhas no tapete.
- Ronrom – ela ronrona, imitando o gato. – eu sou o Belé.
- Belé, onde você estava?
Mas, depois que eu pergunto isso, quem aparece é a Guga:
-...estava embaixo do sofá.
- Você é mesmo um animal de aparência muito engraçada. – digo pra Guga – Que cara cheia
de pêlos você tem! E um rabo que fica em pé, esticado, quando você anda. E você anda nas quatro
pernas ao mesmo tempo. Realmente, Belé isso em você é tão bobo!
46
- Quem é bobo de verdade é você! – reage Guga. –Você tem a cara cheia de pele. O que
pode ser mais bobo do que isso? E você não tem rabo. Só as coisas com rabo é que têm orgulho. Do
que é que você pode se orgulhar? Final do primeiro episódio.
Os mediadores (como observaremos nas entrevistas) praticamente tinham
que “seduzir” seus alunos para tal problemática, pois como outros temas
determinados no manual: personificação, probabilidades, julgamentos, inclusão e
exclusão de classes, similaridades e analogias nem sempre iam ao encontro da
percepção das crianças da faixa etária de seis e sete anos, abordada no programa.
Conseqüentemente, perdiam o entusiasmo pelo fato de não descobrirem os temas
sem a intervenção do professor.
Provavelmente os depoimentos nos ajudem a comprovar que as crianças
consideravam a novela cansativa, e isso seria um dos motivos da ausência de
interação. O episódio descrito anteriormente faz parte de uma “novela filosófica”
denominada por Lipman de Issao e Guga, apresentado às crianças com a faixa
etária aproximada de sete a nove anos, porém esses mesmos alunos, atualmente
com treze e quatorze anos, costumam lembrar de maneira crítica essas histórias,
destacando sua infantilidade e ausência de envolvimento e sedução.
Dando continuidade à descrição da metodologia de Lipman, destacamos que
após a execução das citadas questões e escolha dos temas que seriam discutidos,
remetíamo-nos ao manual do professor para que pudéssemos verificar qual plano de
discussão (totalmente pronto) poderíamos seguir, na tentativa de provocar as
crianças a responderem às questões com justificativas e argumentos relacionados
às habilidades cognitivas básicas que faziam parte da história Issao e Guga (para as
crianças de sete a nove anos), as de raciocínio lógico, que eram direcionadas à
história de Pimpa (crianças de dez a onze anos), as de Luiza (adolescentes de doze
47
a treze anos) e Ari dos Telles (adolescentes de quatorze a quinze anos,
aproximadamente).
Exemplificaremos um plano de discussão, correspondente ao tema relativo ao
primeiro episódio da “novela” – Issao e Guga:
Plano de Discussão: Possuir e Pertencer.
Segundo Lipman, essa discussão abordando esse tema seria importante, pois
incentivaria as crianças a levarem em conta algumas particularidades, como é o
exemplo desse plano de discussão que pontua a relevância em se apropriar de
algumas reflexões como “a posse de alguns animais, que embora não pertençam a
um lar ou a um grupo social, podem pertencer a um lar que possua animais”.
1.Issao possui seu gato da mesma maneira que possui seus brinquedos?
2.Seus brinquedos são propriedade sua?
3.Você pode fazer o que quiser com seus brinquedos?
4.Você pode quebrar um de seus brinquedos , se quiser?
5.Seu animal de estimação faz parte de sua família?
6.Uma pessoa pode possuir outra pessoa?
7.Um animal pode possuir alguma coisa?
8.Uma pessoa pode realmente possuir um animal?
(LIPMAN, Matthew. Manual do professor de Issao e Guga, Centro Brasileiro de Filosofia para
crianças, janeiro de 1997, p. 43).
Ante essa análise em nossas reuniões, questionamos a condução que se
estabelece para se alcançar uma discussão que, provavelmente, permanece na
superficialidade. Percebemos que as crianças, atualmente, abordam assuntos
ligados às experiências que vivenciam em seu cotidiano, como: violência,
sexualidade, transtornos psíquicos (muitos presenciam a depressão, a síndrome do
pânico e o alcoolismo de seus parentes) e ao indagarmos o “possuir ou pertencer”
48
contido nos planos de discussão dos manuais de Lipman, muitas já anseiam por
refletir o motivo que leva, por exemplo, algumas pessoas a terem relações sexuais
com animais, como foi o caso ocorrido numa aula na 1ª série do Ensino
Fundamental, em 2004.
Certamente que elas querem discutir esses assuntos, mas muitas vezes as
reflexões encaminham-se para abordagens correspondentes a uma realidade que
não se presencia nos manuais de Lipman e são, particularmente, relacionadas à
nossa realidade. Esse não é um caso isolado, as crianças estão constantemente
informadas, porém confusas e ansiosas por orientações e questionamentos.
Essa inquietação aumenta quando nos defrontamos com a observação do
programa de Lipman, desenvolvida por Henrique Nielsen Neto (1985) que, ao
investigar essa proposta questiona se não estaríamos formando “crianças
arrumadinhas”, que quando chegassem ao Ensino Médio e se deparassem com os
filósofos que efetivamente indagam a realidade em suas diferentes dimensões,
estariam “anestesiadas” (NETO, apud Silveira 2001, p. 41)
Todavia, apesar da possibilidade de que a indagação de Nielsen possa ser
positiva, os mediadores da referida instituição argumentam que esses “antigos”
alunos, ou “filhos do programa”, como os professores dizem, inclusive nos
depoimentos, são dotados de uma grande percepção e argumentação.
A ressalva é que esses alunos permaneceram no programa de Lipman por
pouco tempo. Não podemos afirmar, mas acreditamos que esse não foi um processo
danoso, ele foi o início de um processo educacional que consideramos, atualmente,
um caminho mais realista e que possibilita uma contribuição à formação de
indivíduos mais reflexivos quanto a sua ótica e, também, perceptivos.
49
O que seria importante destacar é que, com a experiência do P.D.P.S.,
recheada de mudanças, frustrações, aspectos positivos e negativos, observamos
crianças ativas, reflexivas e motivadas a buscar respostas, ou melhor, as suas
respostas, cada uma a sua maneira, com a sua percepção. Delinearemos essa
análise com mais intensidade após as entrevistas e depoimentos.
Os materiais prontos, assim como as discussões pré-estabelecidas não nos
motivaram, como referenciamos, à continuidade do programa, talvez por
pretensiosamente considerarmos que tínhamos criatividade para pensar em outras
propostas que possibilitassem questionamentos relacionados à realidade que
presenciávamos, porém faltava embasamento teórico e cair no pragmatismo não era
nosso ideal de contribuição para a formação de seres humanos.
Após essa mudança ocorrida com a implantação de Lipman e os
questionamentos que considerávamos relevantes para a o abandono do programa,
muito nos motivou a pretensão de continuar com nossas aulas, por compreender
que cada educador deve refletir sobre sua prática, cada indivíduo de um grupo social
deve refletir sobre a educação que essa sociedade produz e que nós, educadores,
podemos permitir que nossos educandos reflitam mais sobre a educação que
recebem.
50
2 P.D.P.S.: caracterização – Da proposta de Lipman à “Educação
para o Pensar”
O caminho pelo qual se pode investigar, discutir, aprender, mediar, refletir,
deslocar-se e, quem sabe, até transmitir conhecimentos foi o que motivou os
professores da instituição, localizada na região Sorocaba-SP, a aceitarem o
abandono da proposta de Lipman e a adesão à proposta de “Educação para o
Pensar”.
Os professores, a princípio, basearam-se, como descrevemos ao examinar o
programa de Matthew Lipman, nas histórias denominadas “novelas filosóficas”.
Com o tempo, percebendo que essas "novelas filosóficas", inseridas no
material do Programa, não envolviam os alunos, nem tampouco os demais
professores que procuravam aplicar a proposta, buscou-se uma nova leitura para o
programa, pois, mesmo modificando a apresentação, da maneira mais motivadora
possível, entendeu-se que o que dificultava o andamento do trabalho não era a
estratégia, mas as histórias em si, as quais não faziam parte do cotidiano do grupo
de alunos nem provocavam o questionamento esperado.
Na tentativa de delinear a especificidade e caracterização do programa na
referida instituição, ressalta-se que sua implementação inicia-se no Infantil III, na
Educação Infantil, e processa-se até a 8ª série do Ensino Fundamental. Favorece a
crianças de aproximadamente cinco a seis anos, que nessa fase só compreendem
uma situação através de seu próprio ponto de vista, buscando aprimorar sua
integração no grupo e a superação de seu egocentrismo, natural em seu processo
de desenvolvimento. (Projeto Político Pedagógico da instituição investigada,1996).
51
Com o desenvolvimento do programa em processo continuado nas séries
posteriores, pretendia-se que a capacidade de análise crítica e sociabilidade,
identificadas pelos educadores nas crianças, sejam enriquecidas com as discussões
em grupo programadas para as aulas que ocorrem uma vez por semana.
Obviamente que essas discussões trazem a oportunidade de trabalhar a
argumentação, a contextualização e a generalização dos fatos e situações
apresentadas, porém é de fundamental importância reafirmar que nem sempre
essas situações e temas são determinantes e lineares, ou seja, temos no
planejamento dessas discussões a consciência de que a flexibilidade e a
improvisação estão presentes em muitas situações.
Em muitas fases desse processo, questiona-se: esse espaço trará a
possibilidade dessas reflexões que envolvem atos de observar idéias diversas sobre
determinado assunto, desconstruindo o senso comum para reconstruir idéias, ou
surgirão somente especulações? Sendo assim, aqui também pontuamos outra
problemática: Faz-se necessário um espaço específico que objetiva propiciar as
reflexões citadas anteriormente sobre o mundo contemporâneo, ou essas reflexões
estariam presentes no conjunto das disciplinas que compõem a grade curricular das
várias séries?
Consideramos que a resposta a essas indagações também nos ajudaria na
caracterização do P.D.P.S., além da necessidade de focar seus procedimentos e a
que se destinam, na tentativa de analisar que contribuição se faz presente desde o
ano letivo de 1996 até o momento atual, ou seja, uma década de êxitos e dissabores
que possibilitaram questionamentos, reflexões e, muitas vezes, conclusões
observados no decorrer desse processo e que se tornaram pertinentes ao nosso
aprendizado de educadores.
52
Em primeiro lugar, baseamo-nos na Filosofia, e reafirmamos que o caminho
foi e é pretensioso, audacioso, ou como se preferir, pois o levantamento de questões
pertinentes às aulas desse programa é planejado com o intuito de conduzir os
alunos à “atreverem-se a pensar por si próprios estabelecendo, dessa maneira, uma
abordagem diferenciada de se relacionar com o mundo e com os conhecimentos e
não meramente reproduzi-los” (Kohan, 2004, p.30).
Aqui, referenciando-se ao filosofar, descrito por Kohan, compreendemos que
os alunos devem ser instigados a indagarem, duvidarem, refletirem sobre tudo que
lhes for apresentado para que, sobretudo, possam construir suas concepções
quanto às questões necessárias ao meio que estão inseridos e também para a
construção de suas individualidades.
O ser aqui em questão não é aquele que queremos “formar ou conduzir”,
contudo consideramos que há uma grande distância entre o que o professor deseja
(supostamente) transmitir e o que seus alunos (supostamente) desejam
compreender, sendo assim:
“Uma das chaves do ensino é como cada “aprendiz” de filósofo dá este salto
ou completa este espaço vazio, como cada um torna pessoal esta distância
e dela se apropria. Isso é diferente de um saber determinado ou a
constatação de uma habilidade argumentativa, que é o único que um
professor poderia observar.” (Kohan, 2004, p.39)
E na tentativa de contribuir para que o aluno não seja somente crítico e
questionador em contraponto, pressionado a compreender que normas e regras
devem ser aceitas e ponto final, desejamos, também, convidá-lo a pensar, provocá-
lo para que compartilhe, segundo Kohan (2004), “de uma atividade que supõe um
esforço, é certo, mas que abre a enorme perspectiva de chegar a enfrentar-se com o
novo”.
53
Nem mesmo uma criança recebe uma resposta negativa sem ao menos
questionar suas determinações. Na leitura das políticas educacionais (principalmente
quando se refere às reformas presentes em documentos como os da CEPAL –
Comissão de Estudos para a América Latina, presencia-se a tentativa de inserir
práticas educacionais que possibilitem a formação de pessoas mais críticas e
questionadoras, porém não apresentam claramente a concepção dessas
denominações – crítico e questionador.
Nós, participantes desse programa, pretendemos que o ser em questão – o
aluno – possa, antes de ser provocado a ser crítico, e para isso não depende
necessariamente da instituição escolar, compreenda que seu posicionamento deve
estar baseado em justificativas que considere mais viáveis e, por que não dizer, mais
justas e não as que se dizem racionais (e muitas, são somente razoáveis) e que lhe
são impostas. Do contrário, possibilitaremos somente o “achismo” e a especulação
e, conseqüentemente, a simples troca de opiniões (filodoxia) sem aprofundamento,
sem reflexão, o que, no caso, não é o que nos interessa!
E continuamente envolvidos nesse programa, acreditamos nessa concepção
de filosofia aqui descrita por Kohan e, sendo assim, necessitamos do embasamento
dessa disciplina, pautado em um longo tempo de estudo, pesquisa e análise de
muitos autores como Nietszche, Gramsci, Epicuro e de tantos outros
contemporâneos, dentre os quais destacamos: Nilson Santos, René J. Trentin
Silveira, Walter O. Kohan. O que se presencia tanto no estudo da Filosofia quanto na
análise de sua prática, que felizmente ainda se faz presente no processo
educacional, é a necessidade de mais estudo, análise e problematização desse
campo do saber.
54
Certamente pode haver o risco de a instituição escolar conduzir o pensar do
aluno e impossibilitar a ação do filosofar ou refletir por outra ótica. Esta possibilidade
nos lembra um pensamento de Nietzsche que denuncia a retirada, a renúncia do
sujeito que pode tomar uma posição subjetiva a respeito do conhecimento e
consumir integralmente a ação educativa:
A educação procede geralmente dessa maneira: procura
encaminhar o indivíduo, mediante uma série de atrativos e vantagens, a
uma determinada maneira de pensar e de conduzir-se que, convertida em
hábito, em instinto, em paixão, se apodere dele e o domine contra sua
conveniência, mas em “benefício de um bem geral” (Nietzsche, 1974, p.47-
48)
Porém acreditamos que “nenhuma institucionalização dê conta de normatizar
tudo” (KOHAN, 2004, p.32), pois há sempre os educadores “infiéis”, os que alteram,
os que “arriscam seus pescoços”, ou melhor, seus empregos, para inovar, modificar
programas, em ações denominadas subversivas, mas que possibilitam que seus
alunos adquiram percepções, sensações, questionamentos nunca antes
experimentados e alcancem uma outra possibilidade de conhecer a realidade social.
E por que filosofar, ou melhor, atrever-se a praticar esta ação, se nem todos
os professores desta instituição possuem graduação em Filosofia e também sabem
que nem todos os envolvidos (alunos em questão) desejam fazê-la? Porque
afirmamos que isso seja possível. Primeiramente os professores, mesmo não
graduados em Filosofia, estão em constante busca de conhecimento e compreensão
de questões sociais, dicotômicas (possuir e pertencer, o mal e o bem) e complexas,
através de grupos de estudo, além da pretensão de se graduarem na disciplina em
questão. Além disso, muitos de nossos alunos, embora distantes de reflexão
filosófica, como descreve Ghiraldelli Jr. (2002) – que duvida que jovens no Ensino
Fundamental não consigam filosofar – demonstram, felizmente, profundo interesse
55
em analisar o que lhes é apresentado. É o exemplo de uma adolescente de 13 anos
– Olívia – que questionou o fato da presença do egoísmo, mesmo em atitudes que
parecem ser altruístas, pontuando programas sociais e pessoas que “doam” a cada
limpeza de seus armários, pertences que já não lhes sirvam mais ou se encontram
em péssimo estado de conservação.
Tentamos compreender em nossa dinâmica, através desses questionamentos
e debates, uma abordagem – o ser pessoal e o ser social - que não estão
dissociados em uma concepção de desenvolvimento do ser humano que se traduz
desde a sua concepção até o processar de suas aprendizagens, embora o
idealizador do programa o tenha denominado assim (Programa de Desenvolvimento
Pessoal e Social). Nosso desejo é conhecer o ser que nos rodeia, porém questionar
também a nossa totalidade como indivíduo que, conseqüentemente, permitirá um
caminho para o autoconhecimento. E é aí que a Filosofia se faz presente.
É nessa incontestável escolha pela disciplina referida – ainda que tenhamos
abandonado a metodologia de Lipman – que persistia o propósito da denominada
Filosofia para Crianças, e como detalhamos anteriormente, sentimo-nos ora
ancorados, ora desmotivados por mais uma proposta de ensino desvinculada da
nossa realidade educacional. E assim, necessitamos delinear que a Filosofia, a ação
do filosofar e o nosso programa requerem, em sua prática, uma constante busca
para um olhar mais aguçado não somente ao que vemos, mas também ao que
ouvimos e sentimos. Ela coloca-nos ante a dúvida sobre o que nos é apresentado e
que, felizmente, instiga-nos e incomoda-nos muitas vezes e as coisas que são
padronizadas, determinantes e pragmáticas.
Certamente que a filosofia, em sua etimologia, possui a definição de desejar,
amar (philo) o saber (sophia), porém apropriar-se deste caminho, que preconiza
56
estudo, disciplina e dedicação, não significa que “ensinemos filosofia”, se é que isto
seja possível, pois compreendemos que seu essencial é “constitutivamente
inensinável, porque há algo do outro que é pessoal e irredutível: seu olhar pessoal
sobre o mundo, seu desejo, enfim sua subjetividade” (CERLETTI, apud KOHAN,
2004, p.28).
Não há como ensinar alguém a se apaixonar por algo que, talvez, não queira
nem ao menos tentar compreender naquele momento, naquela circunstância,
mesmo que a informação, conteúdo e questionamento estejam pautados em uma
tese, comprovados e/ou analisados por um grande pensador, se não corresponder
àquilo que o indivíduo procura para suas indagações, no máximo poderá possibilitar
uma breve reflexão, porém sem intensidade, sem respostas, sem reflexão, enfim,
sem paixão.
Pois bem, se não ensinamos Filosofia (e nem temos esta pretensão),
podemos conduzi-los a filosofar ou mesmo convidar nossos alunos a pensar por
uma outra ótica? Obviamente que sim. Nossa experiência e determinação, pautadas
em nossos estudos e “boa intenção”, permitir-nos-ão ser assertivos com nossas
indagações? Certamente que, muitas vezes, sim; porém, muitas vezes, não!
Fazemos parte de um processo, e o dito popular “o inferno está cheio de boas
intenções”, induz-nos a questionar se possuímos essas intenções ao analisarmos o
referido termo “crianças arrumadinhas”. E mais uma vez respondemos: certamente
que não! Em nossa concepção, “arrumadinho” é somente aquele que se comove,
não se sente indignado com as questões sociais anteriormente citadas nessa
dissertação, enfim é o ser passivo, ou se permitirem, alienado.
Então, na tentativa de instigá-los e incomodá-los para que reflitam e escolham
a pessoa que queiram ser e a vida que possivelmente queiram ter, possuímos
57
certamente a intenção de chamar sua atenção ao que se passa ao seu redor, com
seu parceiro de estudo, de futebol, de clube, de vida, ao que acontece em sua
vizinhança mais próxima, inclusive aquela que desconhece.
Sabemos que incomoda falar da miséria, da fome, da impunidade (e muitos
dos alunos, são filhos de políticos e profissionais reconhecidos), porém é necessário!
Quantas vezes nos deparamos e nos questionamos se não estamos diante também
de futuros políticos e profissionais reconhecidos, provavelmente indivíduos que terão
em certo momento de suas vidas, poder e escolhas, não necessariamente pelo que
possuem com seu poder aquisitivo, mas pelas oportunidades que possuem no
presente momento, infelizmente ausente a outros que, embora repletos de “lições da
vida” e, portanto, maturidade, não usufruem das mesmas oportunidades.
Muitas são as maneiras como esses assuntos são abordados. Escolhida a
bibliografia, produzimos algumas questões que possibilitarão que os alunos no
programa percebam que ao responderem e opinarem quando interrogados, possam
articular seus posicionamentos a um argumento, uma justificativa.
Há alguns momentos em que os próprios alunos sugerem um assunto
relevante a seus anseios e indagações, pois constantemente percebe-se que se
encontram duvidosos daquilo que presenciam ou visualizam em manchetes de
jornais e revistas. Inserimos, dessa maneira, letras de músicas, textos, pensamentos
que traduzem uma realidade que observam na mídia, mas que quase nunca
remetem a uma discussão, como é o exemplo do desarmamento, tema imposto em
diversos canais de comunicação, por exemplo a revista Veja que selecionou sete
maneiras para o leitor entender que a melhor solução seria votar contra o referendo.
Porém como formadora de opiniões, não seria melhor que a revista levasse o leitor a
refletir isso por si mesmo?
58
Interessante notar que o debate muitas vezes inicia-se através de
questionamentos que provocam estas reflexões, como as diversidade de fatos, que
nos são apresentadas nas notícias e reportagens e que envolvem um mesmo tema.
Os alunos recebem com entusiasmo a provocação e apresentam suas opiniões,
porém são sempre convidados a se posicionarem com clareza. Assim, atribuímos
freqüentemente algumas indagações como: Por que você concorda ou discorda? O
que leva você a pensar dessa maneira? Como você pode concluir isso?
Nessas aulas percebemos que caminhamos para além de uma interpretação
do texto, felizmente! Os temas são discutidos e anteriormente definidos em
planejamento com os professores que fazem parte da equipe de P.D.P.S., porém é
necessário entender que não estabelecemos questionamentos, pois o
direcionamento do grupo é determinado de acordo com o perfil de cada um. Muitas
vezes, planejamos um debate, após a apresentação de um texto, reportagem atual,
vídeo ou dinâmica e cada grupo, embora seja de uma mesma série, segue caminhos
diferenciados, porém nem sempre antagônicos.
Os professores reúnem-se quinzenalmente e escolhem determinados
assuntos que o grupo com que estão trabalhando parece necessitar naquele
momento, inclusive, devido à faixa etária.
Porém essas escolhas não são determinantes e lineares; em muitos
momentos o planejamento é refeito, pois os grupos são heterogêneos, nada é
programado para ser um caminho sem volta, sem reestruturação.
A base é o questionamento de acordo com o ritmo e realidade do grupo com
o propósito de buscar uma solução possível ou a reflexão sobre certas concepções,
hábitos e costumes presentes no cotidiano de cada um. Há mudanças no
59
planejamento inicial, sem qualquer problema, pois obviamente ocorrem imprevistos!
Tudo pode ser modificado, de acordo com a necessidade do grupo.
Exemplificando mais claramente, no ano letivo de 2006, enquanto duas
quintas séries discutem sobre a Solidariedade e se a doação é uma ação solidária
ou conveniente, outra quinta série questiona a mídia, discutindo se alguns
programas como o “Pânico”, que criam as “sandálias da humildade”, fazem um
marketing inconsistente, deixando o que deveria ser melhor refletido sustentado na
banalidade e no sarcasmo. Essas são considerações ouvidas por nós educadores
quanto ao posicionamento de alunos que assistem “Pânico”, muitas vezes pela
influência de seus pais, porém, percebem que esse programa é demasiadamente
incoerente e sem conteúdo para pensar questões sociais que subjazem à nossa
realidade. As crianças nos dizem: Eles falam sobre humildade, mas não são
humildes, quando fazem gozação com o modo de falar, de vestir e de andar das
pessoas que entrevistam, o importante para eles é humilhar e isso para muitos é
engraçado, porém para mim não é...(Thaís, 5ª série, 2006)
As reflexões muitas vezes, norteiam para a mesma essência, que é a
compreensão do comportamento do ser humano, presente em uma parte da
Filosofia que é a ética, à qual podemos nos referir como a reflexão da moral.
Em uma aula ocorrida com uma oitava série no ano letivo de 2004,
apresentamos aos alunos algumas reportagens sobre a passeata gay, presenciada
em São Paulo há alguns anos e que objetiva, reivindicar e chamar atenção da
população quanto aos direitos e ausência de respeito aos homossexuais (grifos
nossos).
A aula ocorreu por solicitação de um dos alunos, que dialogando com seus
familiares em sua casa, não concordava com a mesma opinião de seu pai que se
60
sentia indignado ao presenciar o evento. A maioria dos alunos quis debater sobre o
assunto e pelo fato, coincidentemente ou não, de que o professor naquele momento
possuía um jornal da semana, e ele o havia lido, possibilitou-se um provocante e
enriquecedor debate sobre a diversidade humana, onde muitos colocavam seu
desagravo à passeata e conseqüentemente à homossexualidade e outros,
apresentavam sua incompreensão ao preconceito e o desrespeito exacerbado dos
indivíduos aos participantes da referida passeata.
Fato é que, após vários posicionamentos, um dos alunos questionou se
o professor não defendia o homossexualismo e se não possuía um parente gay,
após tantas indagações e provocações sobre a diversidade humana. O professor
respondeu que sua “bandeira” era mais do que isso, defender ou compreender o
comportamento de um homossexual estava além de seu julgamento, sua defesa
estava muito mais relacionada ao respeito e tolerância e isso já lhe dava um bom e
instigante trabalho! O aluno, na compreensão do professor não se deu por satisfeito
e posicionou-se da seguinte maneira: Isso para mim não é coisa de Deus! O
professor então, percebeu que não poderia continuar, não há como discutir com
alguém que coloca dogmas à frente de seus argumentos. Não há como insistir e
talvez, pensar mais profundamente sobre o assunto em outro momento, será mais
válido. Em algumas discussões o professor também aprende a ouvir mais e
questionar menos!
Nossas aulas iniciam-se geralmente, dividindo a quantidade de alunos
pela metade, pois consideramos através da prática, que para que ocorra uma
discussão, necessária à compreensão e atenção de todos os envolvidos na aula,
sejam suficientes quinze a vinte alunos e geralmente as salas de 5ª a 8ª séries
possuem aproximadamente quarenta alunos, o que inviabilizaria a proposta. Os
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professores freqüentemente esperam por eles em sala de aula específica, que
possui almofadas posicionadas em círculo ou cadeiras, dependendo da atividade
programada. Dessa maneira todos podem perceber a todos, o que consideramos
essencial em uma discussão, assim como saber ouvir, esperar seu momento para
falar, enfim, compreender que há concepções diversificadas das nossas e o quanto
podemos aprender com elas por mais que discordemos.
Enquanto metade de um grupo de uma mesma série permanece na
sala do P.D.P.S. (pensar), a outra metade permanece na sala do P.D.P.S. (sentir) e
o que diferencia nessas aulas, pois sabemos que o pensar e o sentir de uma pessoa
não se dissociam, é que na primeira os alunos são instigados a se posicionarem de
maneira mais generalizada ante a um tema em questão. Exemplificando: caso a
abordagem referencie-se às Condutas e regras impostas, os alunos aqui são
questionados quanto às atitudes que presenciam no mundo que vivenciam, como o
que leva a maioria das pessoas agirem como agem e compreendem por atitudes
certas, erradas, justas, injustas, viáveis, claras, complexas. Na segunda aula
referida, os alunos são questionados de maneira mais pessoal e convidados a
refletirem sobre suas próprias atitudes e o que nelas também percebem como
certas, erradas, justas, o que concebem por essas denominações e assim por
diante.
Adiantamos que nem sempre isso acontece, pois há uma linha muito tênue
entre as duas aulas, embora geralmente o professor de P.D.P.S. (sentir) seja
psicólogo e o do P.D.P.S. (pensar), filósofo, eles são antes de tudo, educadores,
mediadores e muitas vezes, transformadores. Ambos presenciam posicionamentos
permeados de emoções, sentimentos de raiva, angústia, carinho, solidariedade,
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egocentrismo e valores como: humildade, respeito e os preconceitos observados em
cada frase, argumento e ação.
Dessa maneira, não podemos colocar em prática uma proposta e esperar que
ela seja linear, ou seja, que em uma aula onde a abordagem seja mais generalizada,
os alunos não possam se posicionar, descrevendo como se comportam ou sentem,
enquanto a maioria das pessoas age de maneira diferenciada da sua. As colocações
dos alunos, quando pertinentes, são encaminhadas para que possam construir por si
mesmos, concepções pertinentes a sua prática.
Um exemplo a ser analisado é de um aluno que em certa aula, foi
questionado se as pessoas podem ser justas com outras, mesmo não as tolerando.
E este afirmando positivamente, respondeu que: Inclusive, elas não só podem, como
devem ser justas, principalmente quando elas sabem que alguém foi acusado de
algo que não fez, porém afirmo que eu mesmo não consegui ser tão imparcial dessa
maneira, e confesso que uma vez foi injusto por deixar alguém “se ferrar”, mesmo
sabendo que ele não era o culpado, mas senti-me muito mal por isso. (João, 7ª
série, 2004).
A discussão continuou com a indagação sobre sua atitude, não pelo fato de
considerarmos certa ou errada (e quem somos nós para isso?), mas porque nós,
mediadores da discussão, possibilitamos com nossos questionamentos, a reflexão
que se procedeu com a coragem do aluno em afirmar sua responsabilidade na
conseqüência dessa atitude. Outros alunos, também relataram certas atitudes que
consideraram injustas e muitas vezes as pessoas perpetuam como banais: Ah, tudo
bem, ninguém viu mesmo! Porém é quando nos incomodamos com essa
banalidade, que algo pode ser analisado, ou melhor, reexaminado, sejam eles
valores, crenças, concepções e preconceitos e isso para nós é fundamental! Como
63
foi a experiência, relatada em quase toda mídia, do faxineiro cearense, Francisco
Basílio Cavalcante que achou uma mala com uma grande quantidade de dólares e a
entregou para a administração do lugar em que trabalhava, o aeroporto de Brasília,
em 2004 (Estado de São Paulo, Metrópole,
64
Nessa prática, o procedimento adotado foi o seguinte: os alunos,
posicionados em círculo, passariam aos demais amigos uma caixa cujo conteúdo
não havia sido revelado, enquanto estivessem escutando um determinado som,
como uma velha e conhecida brincadeira de infância – Batata quente. E assim, a
cada pausa do som, o aluno com o qual estivesse a caixa naquele momento deveria
abri-la e usar o que houvesse em seu interior. As caixas continham fantasias,
acessórios e/ou objetos típicos regionais ou característicos de um determinado país,
correspondentes à sua cultura.
Questionamos dos alunos, após a brincadeira, como se sentiam ao
experimentarem aquelas indumentárias? Muitos respondiam que a sensação era do
novo, diferente, engraçado, confortável... Outras respostas eram antagônicas a
essas, porém subsidiaram o fato de refletirmos sobre o “diferente” no grupo, ele
freqüentemente causa impacto através de sentimentos de: aversão, curiosidade,
inveja, ciúme e preconceitos. Infelizmente, quase nunca de respeito e admiração,
mas na realidade quem é o “diferente” nessa questão?
Há, também, registros através de pensamentos expressos em desenhos,
slogans, cartazes, ilustrações, acompanhados por portfólios, auto-avaliações
bimestrais ou no cotidiano de nossas aulas. Porém determinadas questões são
necessariamente retomadas com a finalidade de dimensionar sua possível
relevância de acordo com a percepção de cada grupo, pois se observa que estão
direcionadas a um fundamento, a determinada crença ou valor transmitido.
Os temas que são abordados de 5ª a 8ª séries emergem, quase sempre,
também de contextos significativos, que podem ser exemplificados com a seguinte
abordagem: “Como compreender o ser humano no mundo e com o mundo?”. E na
tentativa de questionar, refletir e interá-los em um contexto, geralmente articulamos
65
essa abordagem com uma temática atual, como o caso da estética relacionada aos
padrões de beleza cultuados na mídia.
Para que determinadas abordagens possam ser examinadas, também
utilizamos textos, poesias, contos, peças teatrais, letras de músicas ou um vídeo que
possam contribuir no direcionamento de um olhar mais amplo, envolvente, crítico,
enfim, mais perceptivo.
Em todos esses contextos, possibilita-se a observação de seres humanos em
sua diversidade de comportamentos, em que os alunos possam analisar as
diferenças e também semelhanças quanto às suas atitudes, de maneira que se
exercitem no autoconhecimento. Repensar hábitos e ações requer considerações
sobre nossas falhas e isso causa incômodo, mudanças de paradigmas; sair da
comodidade pressupõe tentativas de instigá-los a observar o que está além, o que
permanece “debaixo do tapete”, da mesmice, do comum.
Não é necessário então, que tanto alunos, quanto professores interajam e
acreditem nesse caminho, onde se possa parar, escutar, ver, pensar, sentir e
admirar-se? O P.D.P.S. contribui para esse posicionamento?
Acreditamos que estamos no caminho, pontuando também que:
Nossas crianças e jovens absorvem, no cultural de que fazem parte, muitas
referências. Estas lhe são dadas de maneira geral, prontas e sem nenhum
convite para que as analisem. As refencias, de algum modo, são garantias
de ordem social. Tememos expô-las a exame rigoroso. Até porque muitos
de nós não as submetemos a tal exame: simplesmente aceitamos tudo
como está. No íntimo, sentimos que algumas referências poderiam ser mais
bem esclarecidas e, a respeito de algumas, temos até sérias dúvidas.
Referências, porém são referências; e, quando as perdemos, parece que
perdemos o rumo de nossa vida. Falta-nos a coragem da busca pelo
esclarecimento do saber que, referências, como tudo no cultural humano,
são históricas, são produções dos próprios seres humanos e têm em vista
atender necessidades que vão surgindo e desaparecendo.
Diante isso é honesto proporcionar às nossas crianças e jovens,
oportunidades para que saibam disso e para que aprendam a debater a
66
respeito de seus princípios, condição necessária para suas escolhas,
inclusive, políticas. (LORIERI, 2002, p.167).
Ficamos atentos também aos programas que nos remetem às reflexões sobre
temas pensados para serem discutidos ocasionalmente, sem uma data específica. E
um desses temas seria A felicidade, e um desses programas foi o Fantástico, com o
quadro Ser ou Não Ser, em 2005. Nem todos foram considerados adequados em
nossas reuniões, porém um dos programas que chamou a atenção foi o que
correspondia a esse sentimento tão complexo e paradoxal que é a felicidade. Para o
analisarmos, e anteriormente os alunos já o haviam intitulado como a “maior busca
que um ser humano possa querer”, partimos para a comparação de algumas
concepções sobre o tema, observando opiniões dos próprios alunos de uma
determinada série. Assim, descrevemos o que cada um compreendia:
“Ser feliz é ter amor próprio! É quando gostamos de si mesmos em primeiro
lugar” (Júnior, 6ª série)
“Ser feliz é estar de bem consigo mesmo, mesmo que ocorram
situações desagradáveis e aprendamos com elas.” (Igor e William, 6ª série)
Felicidade é ter uma família unida e eu, com certeza, tenho”! (Gabriel,
6ª série)
Porém o que a apresentadora do programa descrevia eram as concepções de
Bento Espinosa (1632-1677), um filósofo holandês que afirmava: “Felicidade se
traduz em ação e toda ação é alegre por natureza, não necessitamos de um motivo
para estar feliz, pois a felicidade é a mais pura expressão do prazer de estar vivo!”
A aula ocorreu inicialmente com a apresentação de diversas opiniões sobre o
tema em questão, mas somente alcançou o sentido de discussão, quando alguns
67
alunos questionaram o fato de que talvez ninguém fosse feliz realmente e que as
pessoas só alcançariam a felicidade quando fossem para outro plano, morressem,
pois já teriam aprendido a serem felizes! (Marina, 5ª série).
O mais emocionante de vivenciar essa prática é quando nós, mediadores do
debate, ouvimos posicionamentos que também nos deixaram perplexos,
maravilhados, reflexivos, e isso principia o filosofar. Nós aprendemos muito com
eles! E eles por outro lado, provocam seus ouvintes ao convidá-los a buscar
alternativas em compreender o desconhecido, não somente pela ótica do que lhe foi
transmitido, mas pelo que conseguiram construir fazendo relações, analisando
outras concepções e, acima de tudo, duvidando!
Muitos são os temas que focamos para articulá-los aos planejamentos de
uma série no Ensino Fundamental de 5ª a 8ª série. Aqui procuramos eleger os
temas que possibilitaram um bom envolvimento de análise e reflexão, tanto por parte
dos professores quanto dos alunos.
Exemplificando, no planejamento desenvolvido na 5ª série, no ano letivo de
2005, foram abordados os seguintes temas: admirar-se, identidade, pluralidade
cultural, solidariedade/altruísmo e drogas.
a) Admirar-se. (Quem ainda se admira e com o quê?)
O intuito do tema apresentado, foi inicialmente conhecer os alunos, perceber
o que os tornava diferenciados uns dos outros, despertar fatos importantes de suas
vidas e os que fizeram compreender suas origens. Interessante notar que, após a
discussão, enquanto uns conseguiam nos transmitir que ainda ficavam admirados
com a diversidade da natureza e sua relação com o ser humano que conhece seus
benefícios, mas tem o prazer de destruí-la e o descaso em não contribuir para sua
68
preservação, outros alunos relatavam apenas coisas pessoais, sem profundidade,
como o fato de serem excelentes no vídeo game. Muitos foram os questionamentos
que fizemos para despertar as percepções que se perpetuavam na aparência,
assim, indagamos:
1- Como o mundo poderia ser para você, se fosse diferente do que você
conhece?
2- O que foi inventado, descoberto através da curiosidade?
3- Quem se lembra de coisas que observou mais atentamente em uma
ocasião inusitada?
b) Identidade (Quem sou eu? O que estou fazendo para ser a pessoa que
gostaria de ser, apesar do mundo em que vivo?)
O tema apesar de sua extensão convidava-os a refletirem sobre suas ações,
similaridades, diferenças em relação ao outro, seus posicionamentos quanto às
questões sociais, seus conhecimentos, seus valores e indagações que faziam parte
da construção de suas concepções.
Este tema também foi pensado concomitantemente com aulas de produção
de texto, onde as professoras de Português elaboraram conosco a construção de
um portfólio, registrando as percepções mais importantes para cada aluno em sua
trajetória de vida.
O trabalho também consistia em pesquisar a historicidade do aluno, assim
como fatos que fundamentaram seu nascimento, o que ocorria no mundo neste
mesmo ano, as pessoas e o espaço físico que se encontrava e outros fatores que
permitiram acolhê-lo naquele momento. A família participou ativamente da proposta
em questão.
69
c) Pluralidade Cultural
A idéia é que pudéssemos refletir as diferenças e questões sociais
preocupantes como a miséria, a sobrevivência e a falta de oportunidades para o
trabalho, através de documentários e programas que apresentassem o cotidiano de
classes sociais desconhecidas por estes alunos. Para que eles somente se
comovessem? Obviamente que sem questionamento, isso poderia ocorrer. Mas
buscamos indagações que refletissem para além da comoção e compreendessem
que ainda havia meios, para que esse descaso amenizasse, e o trabalho já teve
uma outra conotação. São fatores como: nas eleições, procurar candidatos nunca
envolvidos em corrupção, porém em trabalho; entender que a miséria se constrói por
uma série de intenções políticas e sociais e outros.
Outra abordagem neste mesmo tema, foi o de conhecer e compreender o
significado de aspectos culturais: hábitos e ritos de algumas sociedades atuais em
nosso país e de outros, relevantes à construção da crença e tradição de um povo,
tribo ou clã.
Os alunos tiveram a oportunidade de elaborar em grupo, a apresentação de
um ritual, descrevendo para os ouvintes, sua utilização, significado, intencionalidade.
d) Solidariedade/ Altruísmo
Na tentativa de entender o significado de cada uma dessas denominações,
ouvimos primeiramente os conceitos prévios dos alunos e apresentamos, através de
reportagens o que muitas pessoas e grupos realizam e os canais de comunicação o
denominam “projetos sociais”, “solidariedade” e “doações”. Dessa maneira,
selecionariam as ações que realmente consideravam altruístas e solidárias, mas
perceberam que eram poucas. Muitos destacaram a posição de alguns grupos que
70
na condição de terem seus “minutos de fama” em revistas e jornais, aproveitavam-se
da situação de “infelicidade” de outros.
Questionamos também as soluções paliativas, o voluntariado e programas
como “amigos da escola”, onde mais uma vez as políticas públicas deixam de agir
por poderem contar com a “boa vontade” (e muitas não podemos negar que
possuem), das pessoas.
e) Drogas
O tema é justificado pela grande popularidade das drogas entre crianças de
10 a 12 anos e a dependência que causa danos irreversíveis. Os hábitos começam
cedo e são facilmente veiculados entre rodas de jovens de qualquer classe social.
Uma de nossas discussões é a abordagem de que muitos adolescentes ou
mesmo crianças iniciam seus vícios, pelo simples fato de serem aceitos pelo grupo
de amigos, na busca de sentirem-se mais maduros, independentes, satisfazerem a
curiosidade, por não terem diálogo e/ou limites de seus responsáveis e também pelo
medo de dizer: Não! E é nessa dificuldade que tentamos contribuir para que reflitam
sobre suas escolhas, certamente mostrando-lhes exemplos, muitas vezes ocorridos
em nosso cotidiano e que fazem com que os alunos percebam que professor, adulto
também “quebram a cara”, “erram”. Os documentários, manuais e pesquisas
também fazem parte deste processo, porém com, questionamento, discussão e
reflexão.
Para relatar aqui todas as discussões polêmicas que são geridas dessas
aulas seria quase impossível, pois teríamos sempre a sensação de que faltaria
descrever algo, na verdade todas elas deveriam ser gravadas para que isso
ocorresse, porém perderiam a naturalidade do diálogo e a beleza da
71
espontaneidade. E como consideramos o diálogo fundamental para o funcionamento
dessas aulas, faremos alusão a um pensamento de Paulo Freire:
A educação é comunicação, diálogo, na medida em que não é transferência
de saber, mas um encontro de sujeitos interlocutores que buscam a
significação dos significados.
Ser dialógico é não invadir, não manipular e não sloganizar. Ser dialógico é
empenhar-se na constante transformação da realidade. Esta é a razão pela
qual, sendo o diálogo o conteúdo da forma de ser própria à existência
humana, está excluído de toda relação nas quais alguns homens sejam
transformados “em seres para outros” por homens que são falsos “seres
para si”. É que o diálogo não pode travar-se numa relação antagônica. O
diálogo é o encontro amoroso dos homens que, mediatizados pelo mundo, o
pronunciam, o transformam e, transformando-o, humanizam para a
humanização de todos (FREIRE, 1977, p.107)
Uma das contribuições que tivemos também para que nossa proposta
caminhasse com concepções mais coerentes sobre valores morais e a ética foi a de
Yves De La Taille, possibilitando a compreensão dessas abordagens.
Segundo o autor, toda organização social humana possui uma dinâmica
moral, regida por uma série de regras e condutas que, consequëntemente suscita
indagações sobre sua legitimidade, origem e os fundamentos que a determine. E é
através desses questionamentos que o estudo filosófico faz-se necessário, embora
também a moral possa ser objeto de um estudo científico, ressaltando o processo
histórico dos sistemas morais, as condições sociais que contextualizavam esses
sistemas e os processos mentais humanos que ali se inseriam.
Pois bem, a diferença entre moral e ética, segundo o autor, consiste
basicamente na análise da moral, enquanto objeto ou numa análise reflexiva; por ser
essa uma reflexão filosófica ou científica, costuma-se denominar esse processo por
Ética. Contudo, alguns indivíduos que vivenciam diversas situações morais, não se
preocupam com uma lógica ética.
72
Essa preocupação retórica explica-se pelo fato de que hoje, muitas pessoas
vêem na palavra “ética” um conceito cheio de promessas filosóficas, um
campo de reflexão prenhe de riquezas, uma referência a atitudes “nobres”,
qualidades estas que a “pobre” e “seca” palavra moral careceria
inapelavelmente. Enche-se a boca para pronunciar ética e olha-se de
esguelha ao se fazer referência à moral. ( DE LA TAILLE, 2006, p.26)
Na expectativa de esclarecer essa análise, La Taillle nos possibilita
compreender que essa diferenciação não se baseia em conteúdos, pois o “não
roubar” e “não mentir”, por exemplo, valem para ambas. Contudo na elaboração de
códigos de ética para qualquer instituição, são fundamentais: uma intensa análise e
estudo sobre o que se objetiva na organização do processo de cada instituição,
como é o caso das profissões e que mais uma vez nos faz compreender a definição
de ética referida, ou seja, o processo de reflexão da moral.
O autor também deixa claro que embora perceba a atual “febre” quanto ao
vocábulo ética, não está “acometido por ela”, pois vem analisando sua etimologia
justamente para esclarecer os questionamentos provenientes da compreensão de
ética e moral.
Primeiramente, descreve que moral corresponde à seguinte indagação:
“Como devo agir?”, à reflexão ética permeia a questão: “Que vida eu quero viver?” E
muitas pessoas poderiam responder a esta indagação, remetendo a moral como
uma garantia de que ela preserva princípios e regras herdados de uma tradição, ou
melhor, conceitos que foram transmitidos, incorporados como: verdadeiros,
indissolúveis e indiscutíveis (Grifos nossos), direcionando dessa maneira ao
sentimento de obrigatoriedade. Porém o leitor não deve denotar esse sentimento de
obrigatoriedade, descrito por La Taille, como algo que atribuído ao indivíduo e ao
experimentá-lo, “age perfeitamente”, se é que isso seja possível!
73
Ao contrário, muitas vezes o sujeito que assimila como verdadeiros os
conceitos de ordem moral, transmitidos pelas regras e condutas de uma geração,
apresenta-se indeciso e ou incerto quanto aos possíveis dilemas correlacionados ao
aborto, suicídio, eutanásia, clonagens para fins terapêuticos e outros.
Direcionando essa abordagem ao nosso programa, quando discutimos sobre
“regras” em nossas aulas de P.D.P.S., tentamos não colocar muitas de nossas
contrariedades quanto ao que à justiça ou outras instituições determinam, porém
consideramos que seja necessário que o professor, embora seja um mediador,
possa colocar sua opinião a respeito dos dilemas abordados e respondendo à
referida indagação que se fez presente no início da dissertação: Não somos seres
estáticos!
Exemplificando mais claramente, em uma aula em que ressaltávamos e
também questionávamos as conquistas femininas pelo acúmulo de tarefas
direcionadas a elas, indagamos o fato de que, muitos homens, provavelmente
inseguros e insatisfeitos com a independência das mulheres, se manifestam através
de atitudes violentas e covardes. A mulher conquista então a Delegacia de
Segurança da Mulher, porém muitos homens quando intimados, recebem punição
somente com a entrega de cestas básicas às comunidades carentes. Perpetuamos
dessa maneira, nossa indignação quanto às questões que implicam também nos
valores e reflexões precedidos através da transmissão de conhecimentos de uma
geração.
Consideramos, enfim que as aulas planejadas para este programa requerem
cuidado, pesquisa, estudo, sensibilidade, respeito, pois compartilhamos olhares
problematizadores sobre o mundo, que podem irromper o pensar do outro.
Certamente que desejamos uma aula que não seja uma ação de reprodução e
74
verificação, na qual o professor oferece respostas de indagações não formuladas.
“Aprenderemos” a filosofar? Estamos “engatinhando” neste processo, porém,
reafirmamos que nos baseamos na referida ação e isso implica numa decisão que,
afirma Alejandro Cerletti é em última instância, pessoal. Dessa maneira, pontua:
Não há planejamento de aulas que possa dar conta da irrupção do
pensamento do outro. Pois bem, essa característica do ensino de Filosofia
não deve ser tomada como uma debilidade pedagógica, mas, ao contrário,
como uma fortaleza filosófica, já que constitui o momento em que a partir da
emergência do novo se pode quebrar a repetição do mesmo. (CERLETT,
2005, p.36).
75
de diferentes maneiras através do constante processo de aprendizagem inerente a
cada pessoa. Independente da quantidade de informações recebidas, elas se
processam, porém quanto maior o número e complexidade dessas ligações
neuronais, melhor será a percepção desse circuito de processamento para a
produção de uma reação coerente aos estímulos percebidos.
Cada um desses neurônios está conectado a outros por projeções que
lembram ramificações conhecidas por axônios e dendritos, à maioria dos quais
termina em minúsculas estruturas chamadas sinapses. Acredita-se, assim que, a
maior parte da aprendizagem e do desenvolvimento ocorre no cérebro através do
processo de fortalecimento ou enfraquecimento dessas conexões. Cada uma da
nossa centena de bilhões de neurônios pode ter quantidade entre 1 e 10.000
conexões sinápticas com outros neurônios.
“Paralelo a meus estudos sobre o cérebro, conheci duas escolas nos Estados
Unidos: uma pública, em New Haven, outra particular, em São Francisco. Tanto
numa como em outra presenciei o intenso trabalho que realizavam de acordo com a
Neurociência e o embasamento teórico na Psicologia Cognitiva. Não me recordo dos
nomes das referidas escolas, porém fiquei admirado com a preocupação que tinham
em articular o processo pedagógico ao estudo do funcionamento do cérebro. Os
educadores ali, possibilitavam através de variados exercícios, que seus alunos
pudessem questionar e abordar outras formas de compreender um conteúdo,
apresentando uma diversidade de caminhos para a resolução de um problema
específico”.
A Neurociência (RATEY, 2002) mostrou que, como o cérebro é uma parte do
corpo, está sujeito às inúmeras influências e disfunções de outros órgãos. Assim
como um músculo, tanto a falta de uso, como o excesso, pode ocasionar danos ao
76
seu desenvolvimento e desempenho de tal modo que, possam surgir movimentos
involuntários. Especifica-se aqui o caso da enurese noturna e que por um longo
tempo permaneceu relacionada somente ao fator emocional.
Dessa maneira, pretender treinar o cérebro para que ele nos conduza à ações
mais bem-sucedidas exige-se inicialmente que se conheça os diversos fatores que
influenciam as funções cerebrais. Anteriormente à ação de compreender o que leva
os outros a pensar, falar, amar, rir ou chorar, perceber o mundo como percebem,
deveríamos compreender a nós próprios, não somente pelas “nebulosidades
oníricas” que nos fazem apropriar-nos de definições pessoais. Assim, não somos o
que somos e agimos como agimos somente porque tivemos tais traumas ou tais
referências e assim, atuamos de determinados modos e sobre determinadas
circunstâncias, porque estas ações nos possibilitavam êxito. (RATEY, 2002, p.15)..
Freqüentemente nos deparamos com pessoas que, na sua vida adulta,
preservam as mesmas atitudes de infância para sua vida atual, inseridas
anteriormente nas ações de desejar mais atenção, carinho e justificativa de seus
atos e que muitas vezes, produziam grande sucesso?
É nessa questão que a Neurociência empenha-se em descobrir o gene, ou a
peça “defeituosa” de tecido cerebral ou “desequilibrado” neurotransmissor que
supomos estar por detrás de tais características latentes em determinadas atitudes
que muitas vezes parecem ser insensatas e inadequadas. Uma melhor
compreensão de como o cérebro funciona proporcionará a todos nós um domínio
sobre quem somos e uma orientação sobre como podemos exercer um papel ativo
na configuração de nossas vidas, sem ter que ”depositar todas as esperanças numa
singular e freqüentemente imaginária cura milagrosa”. (RATEY, 2002, p.15)
77
Segundo Ratey (2002), os clínicos ainda insistem em focar seus diagnósticos
a partir do afeto e sentimentos de culpa, ira ou anseios insatisfeitos e meramente na
perspectiva de saná-las, por meios fármacos. Para o autor, esta abordagem é um
equívoco. “No plano histórico, todos os distúrbios mentais estavam associados a
defeitos de caráter e,mesmo assim, determina-se no espírito popular o freqüente
estranhamento de associar nossa psique às deficiências fisiológicas”. Freud estaria
certo em afirmar que todos somos neuróticos?
Ainda na leitura de Ratey, “em um cérebro em desenvolvimento, cada
componente desenvolve-se inicialmente de modo autônomo e aos poucos
estabelecem conexões entre si de acordo com os estímulos propostos”.
Segundo o autor, o cérebro não é uma máquina que executa programas
geneticamente predeterminados. Tanto os genes quanto o meio ambiente,
proporcionam ao longo de nossas vidas mudanças determinantes no cérebro. E
embora com todas essas interferências, somos nós seus donos e podemos interagir
ativamente sobre o modo como nosso cérebro se desenvolve.
Há uma dicotomia entre as diversas escolas de neurocientistas quanto ao
questionamento sobre a influência dos genes no cérebro, pois muitos “conexionistas”
(e eles identificam-se dessa maneira) se dispõem a defender que “o cérebro é
geneticamente composto de módulos prontos para o acesso que o meio ambiente se
limita a estimular”. Porém, a maioria dos neurocientistas, defende a idéia que não
somos dominados por nossos próprios genes ou especificamente pelas inferências
do meio ambiente e algumas causas como: pobreza, drogas, desequilíbrios
hormonais ou em contraponto: riqueza, alimentação vegetariana ou exercícios
físicos não podem resultar especificamente em determinado fracasso ou sucesso.
78
Os genes são dominados, segundo Ratey (2002), toda vez que um homem
que tem freqüentemente atitudes violentas, modera seu ímpeto, sendo assim, genes
e meio social trabalham juntos e dessa maneira, podemos interagir com ambos, se
quisermos. (RATEY, 2002, p.46).
Os neurocientistas acreditam que temos competência para remodelarmos
nossos cérebros. Se quisermos intensificar uma rede de conexões relacionadas a
uma determinada aptidão, teremos que possibilitar um intenso trabalho em torno
dessa aptidão, dedicando-nos a algo que não seja familiar. Como por exemplo:
aprender a tocar violino ou mesmo a dançar um tango, caso queiramos estimular a
aptidão musical, assim como a montagem de um quebra-cabeça para fortalecer
nossas conexões relacionadas às aptidões espaciais, escrever para estimular a área
da Linguagem ou participar de debates para a aquisição do raciocínio.
“A interação com outras pessoas é uma das melhores maneiras para manter
as nossas redes em expansão, embora isso não seja inovador.” (RATEY, 2002, p.
48)
Então, para o referido idealizador, nós, professores da referida instituição, ao
estimularmos nossos alunos, inclusive como mediadores de diálogos e debates que
permitam a resolução de problemas diversos, possibilitaremos um ambiente mais
estimulante e desafiador, permitindo, dessa maneira, que essas partes separadas do
cérebro formem as citadas conexões e sinapses, citadas em estudos sobre o
cérebro humano. Elas, as sinapses, estimularão indivíduos mais reflexivos e
“humanos”, como anteriormente referenciamos?
E as contribuições de Gardner, fonte de estudos para o mantenedor? Ajudar-
nos-iam a enfrentar esses questionamentos?
79
2.2 As contribuições de Gardner.
Gardner (1994) afirmou que cada indivíduo possui habilidades para resolver
problemas ou cria maneiras significativas em um ou mais ambientes culturais. Para
ele, possuímos capacidades em oito inteligências: lógico-matemática, lingüística,
abstrata, musical, corporal-cinestésica, interpessoal, intrapessoal e naturalista, que
podem ser coligadas e relacionadas.
Sua teoria, que foi denominada Teoria das Múltiplas inteligências, surge
através de intensa análise e pesquisa sobre o potencial humano, procurando
abordar mais claramente a noção de potencial e concepção de inteligência humana
que padronizados em testes de respostas curtas, encontram-se, segundo Gardner,
arraigados em nossa sociedade numa concepção estreita de inteligência.
Em seu livro, Estruturas da Mente tentou ultrapassar essa noção comum da
inteligência como uma capacidade ou potencial geral que cada ser humano possui
em maior ou menor extensão. Estruturas da Mente, publicado no início de 1983
representava o registro de uma pesquisa que buscava maiores esclarecimentos do
potencial humano e ia de encontro a um projeto que possibilitava investigar as
competências dos seres humanos.
A proposta articulava-se a uma Fundação (Van Leer Foundation), que
buscava o esclarecimento do conceito de inteligência, determinado pelos testes
classificatórios. Testes estes que inseriam, segundo Gardner e Alfred Binet, uma
visão dominante em nossa cultura (ocidental) de que existam somente essas
maneiras de reconhecer o potencial de uma pessoa.
80
Estudando o potencial humano durante quatro anos, teve como fonte de
pesquisa as ciências Biológicas e os registros sobre o desenvolvimento e o uso do
conhecimento em diferentes culturas.
Desafiando a definição clássica de inteligência, subjacente aos pressupostos
anteriormente referidos, partiram de uma revisão das visões já proclamadas na
atualidade do século XX. A posição dos fatores intelectuais raramente fora avaliada,
inclusive, segundo Gardner, o próprio pai da Fé no período Medieval, Santo
Agostinho, já declarara:
“O primordial autor e motor do universo é a inteligência. Portanto, a causa
final do universo deve ser o bem da inteligência e isto é verdade... De todas as
buscas humanas, a busca da sabedoria é a mais
81
Porém, cientistas das mais variadas áreas compreenderam que seria
necessário observar capacidades que envolvessem áreas da linguagem e
abstração, na tentativa de avaliar mais claramente os poderes intelectuais.
No século presente, a maioria dos estudiosos, principalmente os da área de
psicologia estão convencidos de que no século passado presenciava-se uma intensa
empolgação com os testes de inteligência, denominados testes de QI (Quoeficiente
de inteligência), mas observaram-se inúmeras limitações nos materiais, assim como
no uso destes.
O favorecimento a “indivíduos com educação escolar e aqueles que estão
acostumados as fazer testes do tipo papel e lápis”, segundo Gardner (1994), era
notório. Os testes previam o sucesso acadêmico, porém pouco ou quase nada
avaliavam a respeito desse sucesso fora do contexto escolar, ou seja, em seu
cotidiano.
Na pretensão de compreender melhor as competências intelectuais humanas,
Gardner e seu grupo de pesquisadores adotaram então, um caminho que norteasse
tanto a natureza quanto à variedade dessas competências. O caminho percorrido e
que teve como fonte as ciências biológicas e as do cérebro era perceptível à
abordagem de duas questões importantes:
1) A flexibilidade do desenvolvimento humano.
2) A questão da identidade ou da natureza das capacidades intelectuais
que os seres humanos podem desenvolver.
Na primeira questão, pressupõe-se que há muito mais maleabilidade no
desenvolvimento dos potenciais intelectuais quando ocorre uma intervenção
adequada com questões pertinentes ao que se deseja conhecer desses potenciais,
82
ou seja, questões relacionadas e coerentes com finalidades claras, permitindo que
os indivíduos atinjam seus potenciais intelectuais completos.
Quanto à segunda questão, analisa-se a identidade das capacidades
intelectuais em variados níveis das funções de cada metade do cérebro. Nessa
abordagem, o biólogo deve considerar as capacidades (como a linguagem) que se
desenvolverão a um elevado grau com outras capacidades (como a música) onde
são perceptíveis as diferenças individuais.
Devemos permanecer abertos, explicita o autor, compreendendo a
possibilidade da maioria de nossos potenciais e que eles constantemente se limitam
a medições, através de métodos verbais padronizados e que se baseiam em uma
combinação de habilidades lógicas e lingüísticas.
Gardner (1994) formulou dessa forma, uma definição para o que entende por
“inteligência” como “a capacidade de resolver problemas ou de criar produtos que
sejam valorizados dentro de um ou mais cenários culturais”. (GARDNER, 1994, p.8)
e assim, introduziu oito critérios distintos para a inteligência e sete competências
humanas que abrangem e exemplificam basicamente estes critérios. Seus estudos
baseados em evidências biológicas e antropológicas delimitam que as inteligências,
freqüentemente são encontradas tanto em populações denominadas especiais
(prodígios, indivíduos talentosos e pacientes com danos cerebrais), como em
crianças e adultos considerados normais e indivíduos de diversas culturas.
Como esclarecimento da teoria – antes de maiores detalhamentos sobre as
competências citadas – é necessário entender que cada inteligência é relativamente
independente da outra e que os talentos intelectuais de cada pessoa, por exemplo,
em Música, não podem ser inferidos em Matemática, linguagem ou compreensão
interpessoal.
83
Segundo Gardner (1994) é um equívoco, pensar que podemos medir a
inteligência. A palavra inteligência tem sua origem em duas outras palavras oriundas
do latim, inter (entre) + legere (escolher), ou seja, são inteligentes os que
desenvolvem a capacidade de entrar na compreensão das coisas, escolhendo o
melhor caminho. Por outra análise esse ingresso não é feito pelo mesmo caminho
por todos os indivíduos, alguns têm um ou mais fatores intelectuais determinados
que outros. O fato é que, conhecer esses fatores intelectuais pode nos ajudar a
identificar tipos de competências presentes em nosso potencial, tanto para melhor
desenvolvê-las, quanto para buscar as almejadas habilidades das quais não fomos
capazes ou não tivemos oportunidades, em dado momento, de nos apropriarmos.
Gardner (1994) define assim a competência intelectual humana como um
“conjunto de habilidades de resolução de problemas - capacitando o indivíduo a
resolver problemas ou dificuldades genuínos que ele encontra e, quando
adequado,a criar um produto eficaz, deve também apresentar o potencial para
encontrar ou criar problemas – por meio disso propiciando o lastro para a aquisição
de conhecimento novo” (GARDNER, 1994)
Em relação à sua autocrítica, no final de cada capítulo, aborda que como ele
revisa um “espectro inteiro de inteligências”, não foi possível dedicar atenção
exclusiva a alguma inteligência específica. Apresentou assim, uma noção de cada
inteligência específica às capacidades de cada ser humano, deixando sua
impressão a respeito de suas operações centrais, procedimento e organização
neurológica.
Inteligência Lingüística
84
A linguagem pode ser transmitida tanto por meio da voz, como através de
gestos, da escrita e de outros processos nos quais se presencia uma percepção na
variedade das formas com que os humanos – tanto capacitados quanto deficientes –
exploram sua herança lingüística para objetivos comunicativos e expressivos. A
inteligência Lingüística presencia-se fortemente nos poetas, escritores, oradores e
pessoas que conseguem criar e resolver problemas pertinentes à Linguagem.
Inteligência Lógico–Matemática
Responsável pelo pensar lógico. Pessoas que calculam com facilidade e
apresentam grande aptidão para raciocinar com lógica e lidar com pensamentos
concretos. Exemplo: cientistas, advogados, engenheiros, contadores.
Inteligência Corporal ou Cinestésica
Freqüente em pessoas que dançam muito bem, movimentam o corpo com
grande facilidade, comunicam-se bem através de gestos e são ótimos em trabalhos
manuais. Muitas das pessoas que possuem essa competência, não se expressam
tão bem com as palavras, como quanto nos gestos. O cérebro envia sinais e o corpo
é quem toma as decisões. Exemplo: um de nossos alunos inquietos (grifos nossos),
mímicos, atores, esportistas, dançarinos.
Inteligência Espacial ou Visual
Pessoas que imaginam sensações com facilidade, enxergam nas coisas que
as cercam detalhes que poucos percebem. Têm facilidade para desenhar coisas de
memória, pois percebem o espaço e as transformações que nele ocorrem. Presente
nos arquitetos, escultores, pintores, esportistas,
85
Inteligência Musical
Pessoas que expressam com facilidade suas emoções através do som, do
ritmo, da expressão. Algumas comunidades primitivas não possuíam linguagem
escrita, porém a linguagem musical era determinante.
Inteligência Intrapessoal
Pessoas que geralmente lideram, revelam aptidão para conhecer bem a si
mesmo, a se aceitar com suas inseguranças e limitações. Conseguem se auto-
controlar e são mais equilibradas diante aos problemas surgidos, como é o caso de
muitos líderes e pacifistas.
Inteligência Interpessoal
Presencia-se em pessoas que se relacionam muito bem com outras pessoas,
conseguem aceitá-las com suas limitações e têm facilidade para convencer os
outros, ou seja, possuem força de persuasão. Percebemos isso facilmente quando
nos deparamos com bons vendedores.
Em estudos posteriores, autores como Salovey e Shapiro chegaram à
percepção de mais duas inteligências, porém elas não são reconhecidas por
Gardner:
86
Inteligência Naturalista ou Biológica
Destaca-se em pessoas que são atraídas pela vida animal e/ou vegetal.
Apreciam a beleza de um espaço natural e apresentam facilidade em conviver no
campo e tudo o que é pertinente à plantas e animais.
Inteligência Pictográfica
Pessoas que se expressam bem através do desenho, da caricatura. Possuem
percepção no que vêem, denotando diferenças e semelhanças sobre um mesmo
corpo, em suas manifestações. São elas: ilustradores, cenógrafos, figurinistas e
grafiteiros.
Finalizando a breve apresentação sobre a teoria de Howard Gardner,
deixaremos aqui uma de suas indagações sobre o imaginário processo escolar que
provavelmente vai de encontro a alguns de nossos questionamentos sobre a
formação das pessoas envolvidas nesse contínuo processo:
O propósito da escola deveria ser educar para a cidadania, não somente
com a preocupação que as pessoas conhecem seus direitos como ser
humano ou como consumidor, mas para pensar que alguém que não
aprenda o que a escola tem para transmitir, tem a cidadania negada!
Valores discutem-se na escola e uma sociedade que não tem seus valores
repensados, não vai a lugar algum, pois não acreditam em justiça, respeito
e harmonia (GARDNER, vídeo: Inteligências Múltiplas, 2002, grifos nossos).
Vimos que somente o estudo do cérebro – o que sabemos requerer um
intenso estudo - não nos levará a esse fim. Há muito sobre o que se refletir no
momento atual, e inúmeras famílias, educadores e envolvidos nesse processo
educacional encontram-se procurando um caminho para ações mais determinantes
no que tange ao emocional de seus educandos frente a um mundo moderno que
aponta para fatos reais perturbadores, como filhos que matam seus pais
supostamente por conta de contrariedades e frustrações.
87
Como pausa para essas reflexões que nos remetem a tantas ou a nenhuma
resposta, questionamos em aulas de P. D. P. S. com os alunos: - Serei eu um ser
“bonzinho” (anteriormente discutindo o bem e o mal) ao comover-me com atitudes
violentas referentes à discriminação de qualquer espécie? Minha comoção faz parte
de uma indignação, de algo que percebo como não natural? É um incômodo? Por
quê? E nessa pausa percebemos e consideramos importante revelar que, ainda nas
crianças de 5ª a 8ª série do Ensino Fundamental, as reações não se limitam a
comoções, elas não banalizam atitudes discriminatórias. Expressam em suas frases,
opiniões e desenhos seus medos e revoltas.
O aluno da classe alta da referida instituição, também reflete, sente, se
indigna. Porém, como agirão futuramente? Temos pressuposições, mas elas se
limitam a ser hipotetizadas, não há como prever, porém poderemos continuar a
refletir sobre isso no próximo capítulo.
Na continuidade de descrever os anseios do idealizador do P.D.P.S., notamos
que seu discurso, como já referimos, aborda o processo pedagógico que, articulado
aos estudos referentes ao cérebro humano, poderia permitir uma maior clareza de
entendimento dos alunos, quanto aos conteúdos e questionamentos que, nós
educadores de sua instituição, poderíamos transmitir no decorrer dessa proposta.
Iniciaram-se, dessa maneira, algumas apresentações na instituição referida,
no início de 1996, após seu retorno dos E. U. A., através de reuniões, encontros e
convocações para “apreciação” do projeto, porém nenhuma das citadas
apresentações foi publicada em atas.
Somente em 2002 ficou registrada sua proposta de aplicação do Programa de
Desenvolvimento Pessoal e Social, na instituição em que trabalhávamos, através de
uma palestra realizada pelo próprio precursor do programa:
88
“Dentro de nosso processo educacional, o que podemos considerar como
importante? – O conhecimento. Porém há outra questão: - Como levar ao
conhecimento? Em minha concepção, o conhecimento leva ao entendimento e para
que haja entendimento é necessário o raciocínio. Dessa maneira, uma das coisas
que privilegiaremos em nossa escola a partir desse ano letivo, será o uso do
raciocínio.
Vimos que Howard Gardner percebeu oito inteligências e tentamos trabalhar
com todas elas (através das disciplinas of
89
instituição a afirmar que uma pessoa aprende não somente através da memorização
de conteúdos, mas também através de sua compreensão, articulada às
experiências, ações e emoções. Para ele, elas podem ser discutidas e analisadas
em um ambiente que propicie a discussão e reflexão tanto de temas relacionados ao
currículo escolar, quanto a temas que vivenciam no cotidiano.
Para que novas aptidões, idéias e pensamentos sejam desenvolvidos,
imbuídos dessas experiências, objetiva-se a prática constante das habilidades
cognitivas citadas acima. Aqui se ressalta mais uma vez a justificativa de um
programa que seria a base para a implementação de um desejo, ou como o próprio
idealizador descreve, um sonho – o Programa de Desenvolvimento Pessoal e
Social.
90
3 Análise de uma experiência: os professores e o P.D.P.S.
Abordaremos inicialmente os principais aspectos que contribuíram para uma
análise crítica do referido programa de desenvolvimento pessoal e social na
instituição pesquisada, em Sorocaba, que se iniciou com a implementação do
programa de Lipman e posteriormente caminhou com outras idéias, materiais e
recursos didáticos, planejados pelos próprios docentes da instituição.
Analisaremos também, as entrevistas, observando semelhanças e
discordâncias inseridas nas opiniões, concepções e pressupostos de cada pessoa
entrevistada, quando apresentado o objetivo da dissertação, que é questionar e
responder se o P.D.P.S. contribuiu para a formação dos alunos e sobre que
circunstâncias. Aspectos estes que, afirmamos necessários para posterior análise do
sujeito desse escrito, que são os professores em questão e o objeto de pesquisa
que se articulava às práticas pedagógicas na referida proposta. Práticas que se
fundamentaram na apropriação dos estudos do idealizador do P.D.P.S., articulados
à Neurociência e as pesquisas de Howard Gardner referentes às “múltiplas
inteligências” que os seres humanos podem possuir.
Nas entrevistas, observamos:
1. Houve indisponibilidade no horário de alguns entrevistados pelas razões
cotidianas, inclusive pelo fato de um entrevistado residir em uma cidade um pouco
distante de Sorocaba, porém o contato foi possível e ocorreu sem maiores
dificuldades e apesar do pouco espaço de tempo, o entrevistado foi objetivo, claro e
centrado em seus posicionamentos. Inclusive, esse depoimento é muito importante
na verificação da questão da viabilidade do programa de Lipman, mas de maneira
oposta ao que presenciamos na prática.
91
2. Alertamos também que seus nomes não seriam expostos, teriam acesso ao
trabalho final, contudo alguns entrevistados não quiseram ser gravados, alegando
sentirem-se incomodados com o aparelho e sem maior liberdade para
estabelecerem um depoimento sincero e expressivo. Aliás, em quase todos os
contatos, a questão inicial por parte dos entrevistados era se poderiam ser
verdadeiros e se caso fossem gravados, poderiam correr o risco de perder seus
cargos na referida instituição.
3. Tinham posições claras e críticas quanto ao programa de Lipman,
principalmente quanto às “novelas filosóficas”, porém a questão contundente foi a
maneira como essa proposta foi implantada, ou melhor, imposta, sem maiores
reflexões, estudo e avaliação pela instituição referida.
Pois bem, em entrevista com um dos professores observou-se que um deles
afirmava: Quando entrei nesta escola, já haviam abandonado o Lipman, alegando
desinteresse das crianças pelos romances, e o próprio entrevistado concordava com
este posicionamento, pois também acreditava que as histórias eram infantis e
irrisórias, mas transformar a aula em uma “comunidade de investigação”, é trabalho
hercúleo, como propõe Lipman, porém necessário. É um trabalho de sala de aula,
mas da comunidade escolar como um todo: professores, coordenação, funcionários,
pais e outros. O professor deve testar este objetivo a toda hora, mantendo diálogo
com outros profissionais afins, para medir e verificar a distância deste objetivo.
Contudo, o que constatamos em outra fala deste mesmo entrevistado é que ele
resumiu primeiramente o material de Lipman como bom, pois educa desde cedo
uma criança para uma postura mais responsável de um futuro cidadão, ajudando a
formar uma sociedade mais harmônica e segundo, não havia presenciado um grupo
de estudo para examinar tal trabalho. Ou seja, ficou nítida a incoerência em suas
92
respostas. Como este professor pode acreditar que esta metodologia viesse a dar
respaldo para uma sociedade mais harmônica (e aqui compreendemos por uma
sociedade aquela em que as pessoas respeitem mais umas às outras), se ele
mesmo, percebeu que as histórias de Lipman não condiziam com a realidade de
nossos alunos, os manuais possuíam muitos exercícios irrisórios e infrutíferos e
também não constatou nenhum grupo disposto a continuar analisando tal trabalho?
Na segunda entrevista, constatamos que o professor, que também coordenou
o PDPS quando este, ainda baseava-se em Lipman, também concordou, com o
primeiro entrevistado, que as histórias do programa: “filosofia para crianças” eram
infantis e os manuais continham atividades, planos de discussão inadequados,
porém, mesmo com esta dificuldade pontuada, não seria o caso de inviabilizar tal
programa. E na continuidade de sua crítica, afirma que o que inviabiliza o programa
é a falta de interesse, desânimo em sua aplicação, assim como, a má formação dos
professores.
Interessante notar que, sua abordagem quanto à formação dos professores é
muito pertinente, pois as políticas educacionais denotam grande preocupação com
esta problemática, mas não percebemos até agora alguma mudança significativa na
prática de muitas instituições que adotam, por exemplo, um programa americano
como o de Lipman, que não requer professores graduados em Filosofia para aplicar
em salas de aula “filosofia para crianças”, disciplina de fundamental importância
como abordamos anteriormente.
Enfim, o entrevistado ressaltou uma importante consideração sobre a
formação docente, mas talvez não tenha refletido melhor sobre uma metodologia
que não priorizava a concepção filosófica dos sujeitos que se envolveriam em sua
proposta e, que, acreditamos que ele (Lipman) tenha tido um bom tempo de estudo
93
e pesquisa para desenvolvê-la e compreender que essa formação, seria
fundamental para o enriquecimento de seu trabalho.
Outro fator importante foi abordado na terceira entrevista, onde presenciamos
um grande incômodo por parte da professora quando relatou que o programa de
Lipman, pré - estabelecia até as possíveis respostas das crianças, os coordenadores
impunham que deveríamos seguir o manual, não tendo liberdade para buscar novos
textos e escritos. Outra questão era a orientação que nunca nos posicionássemos,
como se fôssemos inertes. As novelas não tinham lógica quanto à realidade das
crianças e possuíam uma forma literária que não envolviam as crianças, nem
despertavam curiosidade e questionamentos.
Na análise também desta mesma entrevistanda, uma observação foi
imprescindível para que compreendermos que a dificuldade em aplicar este
programa, não focava somente à formação dos docentes, mas a sua metodologia
em si, que, segundo a professora, o programa concentrava-se nesta lógica do
diálogo, da argumentação, porém acredito que permanecer na troca de opiniões
sem atingir uma maior reflexão e também uma conclusão para determinadas
questões só conseguiremos a especulação.
Aqui poderemos fazer uma consideração necessária à conclusão deste
escrito: a fragilidade dos professores em compreender o programa de Lipman, ou
melhor, sua metodologia talvez não fosse à dificuldade em sua implementação, mas
o fato da formação dos referidos profissionais.
Porém, não há como esgotarmos a análise de que a dificuldade na adoção do
programa de Lipman poderia basear-se somente na questão da formação docente,
pois senão os filósofos entrevistados e que teriam maior conhecimento sobre a
problemática em questão, logo perceberiam que outros textos poderiam muito bem
94
ser discutidos e refletidos por nossos alunos, inclusive organizados por um mediador
que elaborasse questionamentos coerentes aos temas discutidos e convidasse-os a
sair do senso comum.
Compreendemos, dessa maneira, que os estudos e análises do idealizador
do PDPS, então, possibilitaram aos professores, a compreensão de que o
desenvolvimento cognitivo é alcançado com o trabalho de desenvolver no aluno a
atenção, durante tarefas tais como a exploração do ambiente que está situado e a
resolução de problemas (tanto em aulas do PDPS, quanto em nas disciplinas
curriculares), assim como, “a repetida prática de procedimentos pela criança reduz a
quantidade de esforço consciente, necessário para a realização desses
procedimentos, transformando-os de processos controlados em processos
automáticos” (CASE,1992).
A aquisição de um espaço, então para o diálogo e a reflexão de temas que
levassem os alunos a explorarem suas dúvidas mais pertinentes ao meio em que
vivem, foi de fundamental importância para o idealizador do PDPS para que se
criasse um momento específico, com professores específicos que possibilitassem
aos alunos a prática do pensar por outra ótica, avaliar posicionamentos diversos aos
seus e resolver problemas provocados pelos mediadores em questão. Porém,
indaga-se aqui, se a dinâmica desse espaço não poderia ser articulada a outras
disciplinas que pressupõem maiores questionamentos e que norteiam o raciocínio e
a subjetividade do aluno? Mais uma vez, nos perguntamos se a concepção de
filosofia do mantenedor não estaria pautada somente na lógica, sendo as aulas de
P.D.P.S. pertinentes a esta demanda, porém isto seria um descuido, pois embora ela
seja uma dimensão importante, devemos compreender que há uma dimensão maior
95
– a filosofia política – que possui, sobretudo, um compromisso com a transformação
social.
Enfim, a maneira que este idealizador apresentou sua concepção de
educação aos docentes denotou que ele se preocupava demasiadamente com a
transmissão de conteúdos no processo educacional que havia vivenciado, e, como
não queria reproduzi-los em sua instituição escolar, idealizou um programa que
abrangia estratégias que visassem trabalhar o cognitivo, porém promovendo um
espaço de diálogo revisando conceitos estabelecidos, de maneira que os alunos
pudessem ter uma visão mais ampla e perceptiva da diversidade das informações
transmitidas historicamente. Afirmava que aquela forma tradicional que, somente o
professor expunha os conteúdos e “despejava” nos alunos sem que houvesse tempo
e espaço para seus posicionamentos e indagações quanto à legitimidade das
informações, resultaria apenas na memorização de conceitos, minimizaria suas
compreensões e desprezaria seus conhecimentos prévios.
Dessa maneira, observou-se que seu objeto de estudo correspondia à
aprendizagem das crianças buscando então, uma maneira de articular o processo
ensino/aprendizagem com as descobertas sobre o funcionamento do cérebro
durante os últimos vinte anos, as quais afirmavam que o conhecimento e a
compreensão “seriam consumados por meio das informações externas ou internas
aos sujeitos aprendentes. Esse processo superior da mente, que analisa as
informações externas e as sintetiza inteiramente em nossos cérebros, denomina-se
pensamento. Talvez fosse mais produtivo pensar em modos de desenvolver os
pensamentos dos alunos, ao invés de preocupar-se somente com informações que
comporão os conteúdos curriculares, se assim for, a preocupação deveria ser com
as informações que levam os alunos ao exercício dos mais diversos pensamentos”
96
(A citação é do idealizador do programa na instituição, em uma reunião sobre sua
dissertação de mestrado em educação, em maio de 2006).
O que é interessante observar, após esse discurso é o motivo pelo qual esse
educador insiste em se manter num sistema de franquia que prioriza efetivamente o
conteúdo? Provavelmente sua intenção seja problematizar que conteúdo deva
afirmativamente ser transmitido, porém, perceber quais são prioritários e de que
forma devem ser processados. Assim, o programa que ele idealizou (P.D.P.S.),
contribuiu para que essa transmissão ocorresse de maneira dialógica, porém
necessitou-se de um grande esforço para que ele entendesse que Lipman era mais
uma metodologia, e, que, poderíamos sobreviver sem ela.
Porém a crítica que faremos ao posicionamento da instituição ante a essa
intenção em desenvolver o raciocínio das crianças possui, como foco principal, a
concepção de educação dos docentes articulada à proposta (em desenvolver o
pensamento reflexivo dos alunos), que se estabeleceu neste programa,
isoladamente pelo seu idealizador. Concepção que se legitimou, ao longo do
histórico do programa (P.D.P.S.) com a manifestação dos professores envolvidos em
suas ações de descontentamento e autonomia perante a metodologia que havia se
inserido naquela instituição e que poderá ser caracterizada, dessa maneira, por um
pensamento de Alberto Tosi Rodrigues:
Educar é antes de tudo mais, organizar a experiência dos indivíduos na vida
cotidiana, desenvolver-lhes a personalidade e garantir-lhes a sobrevivência.
As ações empreendidas com a finalidade de educar estão diretamente
relacionadas às normas sociais vigentes e aos valores compartilhados pelos
indivíduos, no contexto de determinada sociedade, de determinada cultura e
de determinado tempo histórico.
Se as regras do mundo social já estão prontas quando nascemos, a vida
que vivemos na relação com os outros nos convida a mudá-las, e nós de
fato as mudamos, mesmo que não percebamos, mesmo que apenas as
gerações seguintes sintam os efeitos da nossa intervenção (Rodrigues,
Alberto Tosi, 2003)].
97
Essa intervenção pedagógica para os educadores da proposta descrita deve
ser subsidiada com a pratica do diálogo que possibilite aos alunos o
desenvolvimento da capacidade de se posicionarem perante as questões que
interferem na vida coletiva, como a miséria, violência e falta de emprego,
presenciadas na historicidade de cada ser humano e, que, de certo modo,
preconizavam também uma preocupação do idealizador do “Filosofia para crianças”.
Porém a maneira como ele foi apresentado, demonstrou aos professores da
instituição descrita, que eles, embora não graduados em Filosofia, poderiam
compreender somente a lógica de um programa que priorizava o desenvolvimento
do raciocínio dos alunos. Mas não era só isso, havia algo por detrás desta aparência
de proposta inovadora, que mesmo não sendo filósofos, os professores observavam,
indagavam, sentiam-se incomodados com a maneira que aquele programa
delimitava suas próprias premissas, condições, regimes e efeitos de verdade e por
que não, poder!
E dessa maneira aqui, podemos compreender a intencionalidade do programa
de Lipman e chegar a uma observação desagradável, mas pertinente à questão da
formação docente. Os professores não graduados, ou melhor, os não filósofos e que
receberam o programa “Filosofia para crianças” na instituição que lecionavam,
provavelmente não poderiam investigar e examinar epistemologicamente as
procedências desta proposta no processo educacional que se encontravam.
Primeiramente, porque embora os docentes fossem formados (Pedagogia,
Psicologia e História), e provavelmente estudaram Filosofia da Educação, disciplina
que geralmente compõe o currículo destas graduações e deveria abranger também
o estudo de pensadores e seus pensamentos, não perceberam (ou se perceberam,
calaram-se), a princípio que aquela metodologia estava longe de ser adequada à
98
realidade que trabalhavam. E em segundo lugar, porque aquele projeto estava
sendo imposto, implantado e transmitido e, determinado que, assim seria. Não
houve dessa forma, contestação ou indagações quanto ao que já estava posto,
porém à maneira como seria colocada em prática. A indagação descrita não parece
se fazer presente em diversos projetos pedagógicos das várias instituições em que
lecionam os mais diversos professores, onde a importância maior é dada,0 em
demasia, à prática e não à teoria?
E voltando à análise da proposta muitos professores pareciam ausentar-se
de uma visão mais perceptiva sobre o que era implantado em projetos cotidianos
daquela instituição, quanto mais um programa que poderia ser Filosofia (e não era) e
que precederia muito tempo de estudo e análise de pensadores e seus
pensamentos filosóficos. Sendo assim, os idealizadores do programa “Filosofia para
crianças”, não poderiam pensar que qualquer educador seria facilmente convencido
de aquela proposta faria vislumbrar novas maneiras de contribuir na formação de
indivíduos mais críticos? Enfim, eles não poderiam acertar melhor o alvo, porém, diz
o ditado popular que “toda regra tem uma exceção” e, neste caso, alguns dos
professores desta instituição descrita foram uma exceção.
O objetivo destes professores confirmava-se na concreticidade de se criar um
espaço de discussão, sim, afirmavam, mas não para muitos dos professores que
deram continuidade àquele desafio. A idéia seria simplista em demasia se o intuito
se resumisse em contribuir na formação de um cidadão crítico, porém, pretende-se
que este cidadão também seja atuante, indignado, pensante, articulado às ações
determinantes à transformação de uma sociedade menos indiferente às políticas e
reformas educacionais, como parece que a nossa se encaminha.
99
A pretensão baseava-se no querer provocar a prática de deslocamento, de
distanciamento, uma mudança de ótica que a princípio poderia ser pequena, quase
imperceptível aos olhos de quem somente anseia por um cidadão mais crítico,
questionador e criativo. Para isso entendeu-se que os professores não necessitavam
da abordagem de Lipman, contudo, inclusive para que os empregos fossem
mantidos, era imprescindível que o idealizador do programa concordasse em
abandonarmos o “Filosofia para crianças”.
E na continuidade de descrever o posicionamento dos professores em
análise e registrar suas práticas na tentativa de afirmar suas concepções,
acreditamos que eles - os sujeitos desse escrito - protagonistas de uma trajetória de
contribuição na formação de indivíduos mais perceptivos, apropriaram-se de
justificativas e argumentações, (e mesmo os não graduados em Filosofia), que
convencessem ao abandono de uma metodologia imposta pelo próprio idealizador
do P.D.P.S., a “Filosofia para crianças”.
Na ocasião, suas críticas e lamentações, recebiam contra-argumentações
que abordavam o fato de os coordenadores se preocuparem com a falta de apoio
pela ausência dos manuais, contidos nos materiais do programa de Lipman. Porém
o que ficou muito claro é que, além da falta de confiança em suas competências,
criatividades e esforços em estudarem outras propostas que levariam os alunos ao
almejado objetivo de “fazê-los pensar de maneira mais reflexiva, intuitiva e racional”,
sem dúvida, foi o fato de que muitos daqueles materiais teriam que ser jogados no
lixo, as histórias não serviriam nem mais para serem contadas aos alunos do
Fundamental I, que também as criticavam.
Porém, os coordenadores e gestores, foram observando, gradativamente,
que os professores “desobedientes” haviam quebrado o paradigma daquela
100
instituição em trabalhar somente com as considerações do programa imposto, e os
“subversivos professores em questão“ caminharam “com suas próprias pernas”,
influenciaram outros professores a agirem da maneira que consideravam mais
coerente, pois, afinal, eram eles que estavam em sala de aula e os mais aptos a
compreenderem, juntamente com os alunos, que aquele programa de Lipman era
demasiadamente desconexo ao que almejavam. Assim, também como suas
“novelas” cansativas e que tinham, (no posicionamento de todos os envolvidos na
proposta, alunos e professores) como protagonistas de suas histórias, crianças e
adolescentes imaturos, ante a sua realidade.
Enfim, a idéia de abandonar Lipman foi compreendida, embora ele – o
idealizador do P.D.P.S. – acredite que foi sua escolha e não a argumentação e o
esforço dos professores.
Obviamente que, percebeu-se nas entrevistas realizadas com os professores,
a falta de compromisso em descrever como realmente se sentiram diante do
programa anunciado e imposto pela instituição, denunciando, assim, o receio de
assumir que presenciaram também um despejo de informações e que traduz uma
grande incoerência do educador descrito na apresentação deste texto. Educador
este que se incomodou veementemente com a transmissão expositiva de conteúdos,
ausente de questionamentos e diálogo. Incômodo que o levou a principiar seus
estudos de análise do funcionamento do cérebro do ser humano e a quem, talvez,
tenha faltado perceber que o professor também é um agente em desenvolvimento,
que possui uma vasta experiência em sala de aula, questiona, duvida, indaga e,
primordialmente, aprende.
Voltando ao objetivo dessas aulas na atualidade, o aluno, dependendo de
como é convidado a pensar e sobre quais questionamentos, a prática de motivá-los
101
a sair do senso comum em uma reflexão possibilitará a formação de um cidadão não
somente ciente de seus deveres e direitos, crítico e criativo, mas consciente de que
estas políticas educativas e que, conseqüentemente, refletem-se nas questões
sociais, devem ser mudadas.
Assim, também, como deve ser mudada a ótica preconceituosa e incoerente
que mantém o discurso de muitos deputados: - “Precisamos criar mais escolas para
pobres!”, sem analisarem que a boa educação pode ser aquela que prioriza
conteúdos, sim, mas também maneiras que preconizam a discussão, a
compreensão e a contextualização de seus pressupostos ante a nossa realidade e
que se destinam a todos, sem exceção!
O que as políticas educacionais certamente esquecem em seus discursos e
não levam em consideração é a indagação sobre: O que move o professor a direção
de uma educação filosófica?
“Em que medida nosso pensamento sempre condicionado, bloqueado por
certas barreiras e limites constitutivos da própria sociedade, e não da
mente, dos quais só poderia se desfazer pela transformação da própria
sociedade, de nossa posição nela, ou de nossa relação com ela”?
(DANTAS, 2004, p.123)
Talvez a resposta à primeira indagação – a de um indivíduo preocupado em
contribuir para a formação de um ser humano mais reflexivo e consciente de que
deve haver respeito a qualquer diversidade, que é o professor – possa estar no
segundo questionamento, pois, segundo Dantas, a base é a transformação.
Transformação que alude a análise que qualquer pessoa possa fazer ante às
práticas e relações sociais “que materializam as relações de força, poder e
dominação que estruturam a subjetividade,a sociabilidade e a comunicabilidade no
interior de uma formação social”. (idem,p.125)
102
Os docentes também possuem essa função, transformar para a continuidade
de doutrinação ou transformar para alertar seus alunos, convidá-los a duvidarem,
questionarem, mas acima de tudo, agirem perante suas convicções e
posicionamentos, concepções que foram construídas do pensamento de outros
homens, de outros contextos, de outras histórias.
Aqui também, descrevemos uma outra resposta para a indagação da busca
filosófica do docente, que se especifica na questão do prazer, da paixão pelo
conhecer, pois o homem moderno, ou seja, o aluno que está diante dele, não se
interessa mais pela atividade por ela mesma, mas somente por seus resultados.
Está posto então um dilema. Há nesta sociedade uma maneira de conhecer que não
seja a instrumentalização do outro?
Enfim, essa seria uma análise para outra discussão, pois questionamos
anteriormente se a escola não contribuiria para uma estagnação no contribuir para a
ausência de aprofundamento do pensar de um indivíduo, que embora escute, fale e
tenha um momento para refletir, não seria capaz de fazer do seu pensamento “um
auxílio para a mediação de suas relações e na negociação de suas diferenças”.
(Khel, Maria Rita, 2002, p.78). E a própria autora sugere que analisemos Montaigne,
que,
não fundou uma certeza metafísica baseada num suposto pensamento
“puro” [...] Sua certeza é humanista, e ele a compartilha com seu
semelhante. Não funda o eu na verdade que ele anuncia, mas no diálogo
propriamente dito: “A palavra é a metade daquele que diz, e a metade de
quem a escuta”, escreveu no ensaio “Da experiência” (MONTAIGNE, 1987,
apud KHEL, 2002, p.72)
Assim, no desfecho dessa discussão, associamos aos esforços desse
docente provavelmente em prol de sua própria felicidade (já que ele aprende muito
103
com esta mediação de promover o diálogo) e da felicidade pública, a uma
considerável sensação de realização, embora o trabalho de P.D.P.S., seja contínuo
e o realizar aqui não venha ser compreendido como finalização. O fato é que, este
trabalho, assim como, as atividades articuladas a ele, tendem a desenvolver e
transformar, pois é na própria luta de descobrir com nossos alunos, o que venha a
ser justiça, liberdade, respeito, honestidade e dignidade, é que saciamos a sede de
satisfazer nosso desejo de presenciarmos ações mais humanas, certamente, no
melhor sentido da palavra.
104
Conclusão
Aqui, finalizamos um trabalho de análise de uma proposta quanto ao seu
aspecto histórico, sua implantação e caracterização atual, que somente pôde ser
realizada mediante os estudos que se precederam nesta prática do Programa de
Desenvolvimento Pessoal e Social e, primordialmente, nos estudos realizados em
um programa de Mestrado em Educação. Estudos esses que possibilitaram a
abrangência da visão de uma educadora que se indagava por um embasamento
teórico e que, através desta cognoscência, precedeu a construção de um registro
crítico e analítico do programa em discussão.
O texto foi escrito por uma das professoras que participaram desse processo,
partindo do pressuposto de que a implementação de um programa deve ser
realizada com a observação empírica, as concepções de cada envolvido, a troca de
opiniões, enfim, tudo o que enriquece um trabalho em conjunto. As imposições
devem ser repensadas para que projetos, programas adotados, materiais e recursos
didáticos possam ser lidos, analisados e compreendidos, o que não foi o caso do
P.D.P.S., que se limitou a um programa americano repleto de orientações e
caminhos para o entendimento de sua linearidade. E sendo uma metodologia que
prometia inovação, conseguiu que muitos docentes acreditassem nela.
Porém a formação de professores do processo educacional não vem sendo
tão priorizada como argumentam alguns documentos que remetem a uma intensa
preocupação em seus escritos e pleiteiam reformas para transformar os níveis de
conhecimento e intervenções dos docentes. Sendo assim, observou-se na instituição
pesquisada que a maioria dos professores tinha um mesmo incômodo e uma
semelhante preocupação na formação dos alunos que receberiam e como a
105
dominação, muitas vezes, ocorre sutilmente. Perceberam-se nela envolvidos, mas
pouco ou quase nada poderiam fazer diante de uma comunicação: “Teremos neste
ano letivo a implantação de um programa...”, e isso, por si só, já se torna uma
afirmação, algo que deverá ser compreendido mais pela ação de “comprar a idéia”,
ou se preferir, “vestir a camisa” e sair defendendo-a sem ao menos duvidar das
procedências ou objetivos imbuídos de sua construção.
Pois bem, se os educadores deveriam provocar seus alunos a pensarem,
raciocinarem e refletirem sobre evidências que são promulgadas como corretas e a
mergulharem em novas bases para a ressignificação de respostas, por qual lógica o
mantenedor teria implantado o P.D.P.S., focando o programa de Lipman sem que
houvesse qualquer consulta aos professores? Ingenuidade, falta de confiança,
dominação, poderia ser uma diversidade de respostas, mas o que vale mais é
compreender, nessa dinâmica, que há sempre docentes atentos, duvidosos, críticos,
investigadores e comprometidos com a clareza de objetivos. Não há como
generalizar!
Há e haverá sempre os que se incomodam com o conformismo e a imposição
e, enquanto não ouvirem a velha frase de cunho popular, “os incomodados que se
mudem”, estarão sempre provocando, criticando, mas também procurando soluções
e buscando, talvez, uma profundidade ausente de julgamentos de seus
posicionamentos, pretensiosamente filosófica.
E como descrevemos no resumo deste escrito, necessitamos de um
dimensionamento em nossa ótica para concebermos que, tanto na educação quanto
na filosofia, não há somente a lógica para fundamentar a ética, mas também uma
urgente compreensão em percebemos o fenômeno político em seu mais amplo
sentido de condição da vida humana.
106
Sendo assim, os docentes articulados a este programa, que visa a contribuir
para o desenvolvimento pessoal e social desta instituição, provavelmente possuirão
continuamente desafios a uma ampla dimensão na construção de suas concepções.
Afinal, são educadores. E tais posições somente podem ser compreendidas
mediante um interminável buscar, um constante desafiar, acertar, errar, perceber,
aprender e, talvez, quem sabe, ensinar!
107
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Estatutos Sociais, C.B.F.C., Cap. I, Art. I, p.1. São Paulo, 1985.
109
ANEXOS
Apresentaremos, aqui, depoimentos que ficaram em anexo e contribuíram
para o desenvolvimento da presente dissertação, permitindo uma maior análise dos
questionamentos abordados no primeiro capítulo sobre o programa de Matthew
Lipman – “Filosofia para crianças” inserido no Programa de Desenvolvimento
Pessoal e Social.
Primeira entrevista
Entrevistado: Professor, 33 anos. Formado em Filosofia Plena pela Uniso.
Especialização em Psicologia pela USP e Mestre em Educação pela PUC-
Campinas.
A entrevista foi realizada em fevereiro de 2006.
Sua profissão, ocupação atual:
Professor de Filosofia para Crianças de um colégio particular de Sorocaba.
Como conheceu a proposta “Filosofia para crianças” de Mathew Lipman?
Tomei conhecimento da proposta em 95, último ano da graduação. A princípio
achei (e continuo acreditando) ser uma proposta boa, não só porque educava desde
cedo uma criança para uma postura mais responsável de um futuro cidadão, mas
que também ajudaria numa sociedade melhor, mais harmônica e com menos
desigualdades, seja o que for, levando em conta também que a filosofia ajuda a SER
melhor em comunidade, remando contra a sociedade mercadológica de consumo
que engole e hipnotiza desviando nossa energia para “badulaques chiques”.
Acrescentando que os avanços das neurociências hoje mostram o quanto é urgente
110
nas crianças o trato filosófico, isto é, quanto mais cedo se faz ligações sinápticas,
mais fácil se aprende... a refletir sobre o que nos cerca.
Li um pouco do livro “Filosofia na sala de aula”, do Lipman, mas como a
preocupação era arranjar um emprego (como se fosse irrelevante para o momento!),
saí correndo atrás de aula e “esqueci” a proposta do Lipman (1996). Quatro anos
depois, conheci a proposta do pessoal de Florianópolis, Santa Catarina, “Educação
para o pensar”; uma proposta semelhante a do Lipman, com romances aos alunos e
manual do professor, só que mais adaptada ao solo brasileiro, se é que podemos
dizer assim. Em 2004 fiz um curso sobre o trabalho do Lipman.
A proposta o influenciou em sua prática pedagógica?
Sim, deu um outro ritmo, uma nova dinâmica.
Mas, você teve dificuldade ao aplicá-lo? Foi bem orientado ao iniciá-lo?
Nem cheguei a aplicá-lo completamente, isto é, não li com os alunos os
romances e nem selecionei as questões levantadas da leitura. A escola já havia
abandonado o Lipman alegando desinteresse das crianças pelos romances e
defasagem de conteúdo dos livros. Utilizei então algumas propostas de exercícios
contidas no material do professor do Lipman, o que foi muito válido.
Quais foram suas maiores dificuldades, então, com esse breve contato?
Falo como alguém que teve um contato leve com a prática proposta por
Lipman. Realmente algumas atividades propostas pelo Lipman no livro manual do
professor são infantis, irrisórias para a idade a que se destinam, chegando algumas
a ser enfadonhas. Outras são bastante condizentes. Poucas são difíceis.
Porém obtive êxitos, principalmente em proporcionar assuntos e espaço para
as crianças falarem a respeito do que pensam, de modo que houve vezes que
algumas crianças saíram da sala “bicudas” por não falarem por falta de tempo.
111
Realmente acho que uma aula por semana de 50 minutos é pouco. Duas aulas por
semana estão de bom tamanho.
Surgiram muitas dúvidas?
Hummm... Uma constatação: transformar a aula numa comunidade de
investigação, como propõe Lipman, é trabalho hercúleo, mas necessário. Não é só
um trabalho de sala de aula, mas da comunidade escolar como um todo:
professoras, coordenação, funcionários, pais etc. O professor deve estar testando
este objetivo a toda hora e mantendo diálogo com outros profissionais afins, para
medir e verificar a distância deste objetivo.
Relato uma situação sobre comunidade de investigação: um aluno ‘A’
levantou um problema criticando a fala do aluno ‘B’. Este desviou do problema se
distraindo. Quando chamei atenção do aluno B para que dissesse o que pensava a
respeito, disse que não tinha escutado e... O aluno A disse que não iria falar mais.
Tentei contornar a situação esclarecendo os dois, um pela distração e outro pela
birra, não adiantou, joguei para o grupo resolver e este se omitiu. No final uma aluna
veio falar para mim o porquê os dois estavam errados, mas não quis falar para o
grupo.
Você leu e analisou o que recebeu? Havia um grupo de estudo e investigação para
especular essa proposta?
Li partes, analisei e achei o material bom. Não presenciei um grupo para tal
análise, porém o pessoal do CBFC mantém um canal de contato para os professores
que fizeram os cursos.
Como se inicia esse trabalho em sala de aula, como ele é aplicado freqüentemente?
Normalmente utilizo o material do professor do Lipman, e inicio realizando
alguma dinâmica com os alunos. Depois sentamos em roda, seja no chão ou nas
112
cadeiras, e conversamos sobre uma atividade proposta no manual do professor de
algum livro do Lipman. Normalmente produzimos algum cartaz, outras vezes uma
carta, outras um código de ética, um desenho, assistimos um filme etc. É claro que
as estratégias estão sempre mudando ou porque a sala não aceita aquela estratégia
ou porque é necessária a diversificação, ou porque o tema exige ou porque... As
primeiras aulas foram ótimas e continuam sendo.
O que são as “novelas filosóficas” contidas nesse material? Você as considera
coerentes com o trabalho, ou seja, com a prática? Há alguma identificação com o
seu interesse? Elas têm ou tiveram relação com a necessidade dos alunos que
trabalhou ou trabalha?
As novelas filosóficas falam normalmente de situações distantes dos alunos
da localidade Sorocaba, por isso se tornam desestimulantes e enfadonhas, não
esquecendo, ainda, que algumas situações literárias do livro são “simples” demais,
isto é, personagens que apresentam comportamentos estranhos culturalmente e
infantis. Portanto, não têm relação com a necessidade dos alunos que trabalho. As
novelas filosóficas do ‘Educação para o pensar’ de Florianópolis, nesse sentido, têm
mais a ver com a realidade brasileira.
Que sujeitos estão implícitos nestas histórias? Que lógica elas possuem?
Posso falar apenas de algumas características percebidas de ‘Issao e Guga’ e
‘Pimpa’. Sem generalizar para todas estas personagens, nem para todas as
situações, elas assumem uma atitude de investigação e seguem uma coerência
dada pelo autor dos textos. Em muitos momentos apresentam comportamentos
instigantes... para a idade mental de quem está predisposto, o que, inúmeras vezes,
não é o caso dos nosso alunos
113
E o manual de instrução para esse programa, auxiliou seu trabalho, ele possui bons
planos de discussão ou estes são insuficientes para provocar uma boa ‘comunidade
de investigação’ como ele mesmo propõe?
Já o material de instrução é um bom material. Tem defeitos? Sim. Mas de
uma forma geral proporciona bons momentos de relação dialógica. Pelo menos é um
ponto de partida para a prática mutante do professor e do aluno7
Você mudaria algo no programa do Lipman, teria alguma sugestão para o modo de
aplicá-lo?
Como subentendido nas respostas anteriores, teria muitas modificações a
serem feitas, no entanto sem desmerecer o valor da proposta, desacreditar dos seus
objetivos ou ignorar o esforço intelectual de Lipman; adaptaria as novelas filosóficas
para uma realidade mais brasileira ou local. E nas instruções do manual do
professor, mudaria vários exercícios que são, a meu ver, irrisórios e infrutíferos.
Atirar pedra na vidraça alheia é fácil.
O que considera por “Filosofia para crianças e adolescentes”? Acredita ser
necessário esse a proposta de Lipman?
Considero Filosofia para crianças e adolescentes (FCA) um estudo
necessário e urgente, não dos filósofos clássicos como ventilado por um professor
de uma respeitada universidade brasileira; nada impede que também não se possa
uma vez ou outra citá-los ou estudá-los. Aguçar a curiosidade das pessoas para
questões além-aparência é alimento necessário para futuros cidadãos e/ou
pesquisadores e uma sociedade melhor. Sou grato a Lipman pela iniciativa e
semeação pelo mundo da proposta de FCA.
114
Melhor Lipman ou ‘Educação para pensar’ de Florianópolis a nada, ao vazio
do currículo atual em várias escolas. Somos educadores para quê, a não ser para
melhorar o que já está aí?!
Qual o sentido de aplicar Filosofia nas escolas brasileiras no ensino Fundamental?
Gostaria que fosse em TODAS escolas brasileiras, independente de credo,
vínculo político, pública ou particular, ou classe social. O Brasil precisa de Filosofia,
o mundo precisa de Filosofia, e como disse uma educadora ao aluno que
questionava o porquê da Filosofia, ela respondeu: ‘POR QUE VOCÊ MERECE’.
Todo ser humano merece a Filosofia, já que ela exercita o que de mais rico existe no
universo, semeado por ‘Deus’ – talvez para descobrir os maravilhosos mistérios e a
tamanha beleza da existência de tudo –: a RAZÃO humana.
Segunda entrevista
Professor, 44 anos.
Formação: Filosofia PUC / SP – 1985;
Licenciatura em Filosofia – 1985;
Filosofia p/ crianças – 1986;
Professor efetivo do Estado de São Paulo;
Como conheceu a proposta de filosofia para crianças?
Conheci o projeto através do professor Marcos Lorieri no curso de licenciatura
do depto. de Educação da PUC / SP. Lorieri foi marcante nesta escolha, pois ele
demonstrava estar maravilhado com a proposta. Eu, por outro lado, estava
desanimado com o curso e as possibilidades de prática em filosofia que não fugiam
do academismo (introdução à filosofia para discutir a própria filosofia). Esse
115
descontentamento, insatisfação levou-me a dúvida e, portanto a busca. Foi quando
por esse mestre (filosofo integral, apaixonado e carismático) conquisto-me e
introduziu o que era até então novidade no Brasil – o Programa de Filosofia para
Crianças. Fiz por indicação e incentivo de Lorieri, um primeiro workshop para
interessados e curiosos.
Qual a prática pedagógica em filosofia para crianças?
Após esse contato inicial, realizei o curso de formação em filosofia com o
próprio Professor Lipman e sua principal colaboradora Professora Anne Sharp na
sede nacional do Yázigi em São Paulo. Por uma ação pioneira, interessada e
pedagógica de Catherine Young Silva da família do Yázigi que patrocinou todo o
desenvolvimento do programa e a formação dos primeiros professores. Concluído o
curso fui convidado a participar do tão recente Centro Brasileiro de Filosofia para
Crianças (CBFC). Auxiliei na aplicação do projeto em escolas, adaptações, testes de
atividades e exercícios. De então apliquei, coordenei e dirigi o programa em várias
escolas e localidades (Pindamonhangaba, Londrina, São Paulo, Sorocaba, São
Roque e Indaiatuba).
Como foram suas experiências com filosofia para crianças?
Como membro da CBFC, aplicava e coordenava a aplicação e formação de
professores no programa. Tive nesta experiência mais sabores que dissabores. O
contato com professores e escolas animados com vontade de mudança, ocupados
em renovar, levar aos seus alunos algo mais do que apenas instrução, informação e
sim possibilitar-lhes o desenvolvimento da capacidade e habilidade do pensar, da
criatividade, da busca, da insatisfação filosófica – reanimou aos meus propósitos de
educador participante da construção de uma sociedade mais justa –utopia (lugar do
ainda não, da possibilidade).
116
Os dissabores por conta do desinteresse e ceticismo absoluto e ignorante de
alguns que sem conhecer já prejulgavam e da impaciência em desenvolver um
programa de médio e longo prazo – algumas instituições queriam aferir resultados
quase imediatos (mais preocupados com propaganda do que resultados).
Raramente vi por parte dos pais – mesmo os mais esclarecidos – alguma fatal
oposição, senão as dúvidas e preocupações corriqueiras sobre um programa
inovador.
Sai do CBFC, pois o recente Centro não tinha como manter integralmente
profissionais e parte dos trabalhos demandavam viagens que impossibilitavam
outras atividades paralelas. Continuei como professor em Filosofia em cursos
regulares em escolas particulares e públicas onde desenvolvia – pela experiência
em Filosofia para crianças – planos de aulas que privilegiavam as possibilidades
cognitivas e não apenas conteúdos. Participei de um projeto inovador de
desenvolvimento pessoal (Projeto Cérebro) em Sorocaba – onde atuei como
aplicador, adaptador e coordenador em filosofia para crianças como parte do
desenvolvimento racional / emocional do projeto. Nesta prática reconheci
(sentimento de prazer) o interesse da instituição que era animador, mas
decepcionei-me com o desânimo, desinteresse de vários professores (vários
obrigados a aceitar o que não entendiam e alguns não queriam entender) e com as
coordenações que não facilitavam a aplicação (por oposição, ignorância, disputa de
poder, descrédito) o que levou ao gradativo esvaziamento do programa e as
constantes rusgas com as coordenações e, até mesmo, com a direção que ao longo
do tempo não manteve o mesmo ânimo inicial (custo x pedagógico). E até hoje
desenvolvo dentro de aulas regulares adaptações do programa de filosofia para
crianças e jovens promovendo o desenvolvimento de habilidades cognitivas que
117
considero ser a melhor razão para filosofia no ensino médio – mesmo contrariando
meus pares como se o texto de filosofia por si mesmo fosse mágico e realizador de
melhor racionalidade.
Como você “vê” e aplica o programa de Lipman para crianças e jovens em suas
aulas?
O programa como idealizado pelo professor Lipman, atende integralmente
aos objetivos do desenvolvimento de habilidades e capacidades. As novelas
produzem efeito e com a metodologia possibilitam uma comunidade de investigação
filosófica; tirando o educando do papel de receptor para o de criador e o educador
da incômoda situação de transmissor para o de colaborador da razão. Ao longo das
experiências percebi ser necessário algumas adaptações, exercícios e nas novelas
que somente podem ser realizadas quando os indivíduos (aplicadores) tiverem
experiências, necessidades, oportunidades e competência para fazê-las.
Portanto, o primeiro passo é sua integral aplicação até que mudanças sejam
necessárias e oportunas. Desacreditar o programa por algumas inadequações é no
máximo falta de conhecimento, pois desde sua origem no Brasil – que acompanhei –
nunca foi determinado o que seria anti-filosófico – a exigência de sua integralidade e
onipotência. Quem conheceu o professor Lipman Anne Sharp reconheceu o espírito
filosófico e a vontade em aceitar, em propor, questionar, incomodar destes valorosos
professores, pedagogos (condutores). Por tanto o primeiro passo é sua aplicação
integral até na aplicação as mudanças sejam necessárias.
Num país sem programas que tenham um começo, meio e fim, este satisfaz
as necessidades e propõe mudanças. A infantilidade de algumas novelas (histórias)
e inadequações de atividades, planos de discussão, não inviabiliza o programa. O
que o inviabiliza é sua não aplicação integral e o desânimo e desinteresse na
118
aplicação e a má formação de professores, aplicadores. Sua aplicação seria uma
solução para a falta de objetividade do curso de filosofia no ensino médio e a
tradição academicista.
A filosofia somente seria possível no ensino fundamental se o curso fosse
orientado para o desenvolvimento de habilidades cognitivas e habilidades filosóficas.
Se o curso for dado academicamente sua prática será desinteressada,
desnecessária e criará animosidade e preconceito filosófico – como já acontece.
Terceira entrevista,
Professora, graduada em Pedagogia, tem 42 anos, mas não atua mais nas aulas de
P.D.P.S.
A entrevista foi realizada em maio de 2006.
Como conheceu a proposta “Filosofia para crianças” de Mathew Lipman?
Conheci através da escola em que trabalho, que mostrou uma visão nova de
trabalho com o intuito de discutir temas relacionados à justiça, verdade,
desigualdade social e outros assuntos que refletiam o ponto de vista pré-
estabelecido de cada um, buscando um novo referencial.
Achou que ia dar certo?
No primeiro momento, confiei neste novo horizonte uma perspectiva de
inovadora leitura diante dos fatos do mundo e cotidianos. Confiei, achei que iria dar
certo por sair do comum, era uma perspectiva nova de envolver os alunos. Como eu
não sabia como fazer o procedimento para tal intuito, a proposta possibilitava algo
que em sala de aula eu não conseguia, ou seja, um início de debates, de diálogo,
para contribuir para o pensar das crianças tornarem-se mais consistentes.
119
Dificuldades?
Senti insegurança, pois na prática surgiam dúvidas durante o processo.
Começava um diálogo sobre um tema e isso nem sempre era linear, muitas vezes
tomava outros rumos e eu não sabia direcionar, deixar os novos pensamentos
fluírem, se era certo ou errado e esse programa era tão metódico, que pré-
estabelecia até as possíveis respostas das crianças. A escola, no primeiro ano de
implantação do programa, limitava a seguir o manual, a proposta de Lipman e não
tínhamos liberdade para buscar outras estratégias. A orientação era para seguir o
manual. O que incomodava também era o fato de não poder nunca dar uma opinião,
os alunos questionavam meu posicionamento e eu tinha que permanecer quase que
inerte.
Você leu e analisou o que recebeu?
Li, analisei, e tínhamos um grupo que se interessou em estudar a proposta,
mas eram poucas pessoas e, com o tempo, isso foi diminuindo e quase não havia
mais interesse nesse estudo. Convocou-se um coordenador de filosofia apenas dois
anos após a implementação do programa, pois nos sentíamos perdidas no sentido
de querer melhorarmos o trabalho, mas não sabíamos como proceder e se aquele
era realmente o caminho.
Você conseguiu aplicá-lo da forma como foi apresentado?
No início, com muitas dúvidas, sim, mas conseguia aplicá-lo da maneira que
havia sido apresentado! Tentava criar outras estratégias, porém a dúvida era saber
se aquele caminho de investigação dentro da sala de aula era correto. Não havia
respaldo e orientação, só com o grupo de professores trocando idéias e estratégias
é que conseguimos o nosso caminho e percebemos que não estávamos fora do
120
contexto devido à informação e leituras paralelas que obtínhamos no decorre dos
trabalhos na busca de conhecer outras estratégias e também com informativos do
próprio C.B.F.C..
O que são as novelas filosóficas contidas nesse material?
As novelas não tinham qualquer lógica quanto à realidade que as crianças
viviam, era uma forma literária que não envolvia as crianças, elas não se motivavam,
pois as histórias não faziam parte de seu cotidiano e nem relação com suas crenças,
valores e ideais, sem despertar curiosidade, questionamentos, as histórias não
tinham seqüências.
Que sujeitos estão explícitos nessas histórias? Que lógica eles possuem?
A meu ver as histórias não levavam a nenhuma investigação, apresentavam-
se inadequadas ao objetivo proposto pelo manual, que era refletir sobre questões
filosóficas. Foi então que surgiu a idéia de inserir um trabalho paralelo àquelas
novelas, propiciando, na minha compreensão, uma maior motivação através de
cartazes, vídeos, palavras chave e, assim, tentávamos relacionar a história aos
temas pertinentes no manual com a realidade das crianças para que essas não
perdessem o interesse pelo trabalho. Os personagens possuem comportamentos
diferentes do dia-a-dia dos alunos, eles parecem não possuir a mentalidade da
maioria das crianças que convivem e suas atitudes parecem não fazer parte da
idade apresentada por Lipman. Muitas vezes, em seu programa, apresentam-se
“infantilidades” nas histórias para a idade mencionada; outras vezes, extrapolam,
mostrando maturidade acima do real.
O manual de instruções para esse programa auxiliou em seu trabalho?
121
O Manual possui sugestões de bons questionamentos que provocam a
construção do pensamento filosófico, mas ao mesmo tempo limita o diálogo. Na
proposta, esse diálogo induziria ao raciocínio lógico das crianças. O programa
concentra-se nessa lógica do diálogo na argumentação, porém acredito que é
insuficiente só provocar o diálogo, permanecer na troca de opiniões sem atingir uma
conclusão, uma solução para determinadas questões.
Você mudaria algo no programa de Lipman? Teria alguma sugestão para o modo de
aplicá-lo?
Dentro da proposta, mudaria as histórias e envolveria as crianças com
questões polêmicas de seu dia-a-dia, vídeo, filmes, literaturas que abrem espaço
para questões éticas, estimulando o pensar de modo mais claro, concreto, ou seja,
direcionando aos problemas vivenciados no cotidiano das crianças. E como citei,
muitas vezes, poderíamos chegar a alguma conclusão.
Qual o sentido de aplicar filosofia para crianças e adolescentes? Acredita ser
necessário esse programa?
Foi importante no início do trabalho dar base e estrutura para desenvolver um
caminho que norteasse o questionamento, as opiniões dos alunos para uma reflexão
do que eles acreditavam ser real, verdadeiro, bom, mau, justo, belo, e outros..
Como você concebe filosofia?
Filosofia para mim é contribuir para que meu pensamento possa atingir além
do superficial, filosofar propõe buscar além do que está posto, além do aparente,
propõe provocar a estabilidade, deixando instável aquilo que considerávamos
correto e imutável, tirando-nos da comodidade e da “mesmice”.
Como você o aplica atualmente?
122
Não aplico mais dessa forma, nessa metodologia, pois a escola direcionou o
P.D.P.S. como um programa voltado ao questionamento do pensar individualmente
e social. O indivíduo pode e deve pensar por si, mas ele se insere em um social
envolvido em regras, determinações, deveres para uma melhor convivência em
grupo.
Quarta entrevista
Entrevista com a coordenadora que organizou, a princípio, o Programa de
Desenvolvimento Pessoal e Social, juntamente com seu idealizador:
Transcrição
Pelo que eu lembro é assim: O Samuel queria implantar na escola um novo
método chamado Projeto Cérebro, este Projeto Cérebro abrangia muitas coisas, e a
qual ficou mais clara a que, a principio, não era para se basear nela, foi a questão
disciplinar, mas o objetivo não era só este, era uma grande fatia, porque nos
tínhamos, como deve ter ainda, muitos problemas disciplinares, e como era para 5ª
a 8ª séries, como me lembro, então antes de colocar o Projeto Cérebro, nós
tínhamos outras idéias que era a questão do auto-desenvolvimento, da autonomia,
valores, reflexão, enfim, neste contexto, a questão disciplinar era uma fatia deste
bolo, mas aconteceu que uma das estratégias foi adotar o programa do Mathew.
Lipman, “Filosofia para crianças”, e começamos não com 5ª a 8ª, mas acho que
iniciamos com 5ª e 6ª séries, e começamos a trabalhar no fundamental I, que seria
de 1ª a 4ª séries. Tivemos o acompanhamento de uma pessoa do centro de filosofia
lá de São Paulo, que veio, e nós ficamos uma semana em treinamento, não me
lembro o nome da pessoa, mas ela era fantástica nas explicações, pois era uma
123
equipe grande, onde envolvia alguns professores do ensino fundamental I, para que
estes professores, depois, descem continuidade às aulas, de forma que esta pessoa
viria fazer uma supervisão eventual, uma vez por mês, ou algo assim, não me
recordo ao certo, mas para dar assessoria para a gente. Nesta ocasião, nós tivemos
oportunidade de assistir palestra, nós eu digo, eu, pois não sei se o (mantenedor) foi
junto. Estivemos também em São Paulo (num colégio em Alphaville), onde já havia
implantado há algum tempo, já há mais de um ano, o projeto Filosofia para Crianças,
e lá nos assistimos aulas práticas, e estivemos também em outras escolas
conhecidas da rede Objetivo, mas que não eram coligadas do (sistema daquela
instituição), e lá assistimos aulas de Filosofia, completamente diferentes do Lipman,
diferentes, mas não que fossem melhores, pois eram críticas, e a Professora não me
pareceu preparada para ministrar o curso. Então decidimos adotar o modelo do
Lipman mesmo, e eu não me lembro mais quanto tempo durou, mas foi modificado
com o tempo, com propostas, e foi implantado o PDPS, que é Programa de
Desenvolvimento Pessoal e Social, que visava, nas aulas, desenvolver a questão da
percepção, da questão da empatia, da questão do respeito, da cidadania, nas várias
atividades, dinâmicas com movimentação com os alunos com classes de metade
das salas, e aí eu não me lembro do progresso disto, porque no ano seguinte eu já
não estava mais na escola.
O grupo era formado por onze professoras e mais um grupo de coordenação, mas
vocês tiveram mais algum curso com a metodologia do Lipman antes de iniciar o
projeto?
Não, tivemos apenas informações sobre o projeto, com aulas em Alphaville e
nesta outra escola que me referi, que é nas proximidades da Rodovia Imigrantes,
fomos lá para assistir, mas não era do Lipman, era de uma outra....enfim, mas outros
124
cursos não. Mas o que nós fizemos foi um Congresso, não me lembro se nacional ou
Internacional, em Petrópolis, no Rio de Janeiro, com o próprio Lipman, do qual me
lembro e tenho até fotografias com ele, eu, ele e com uma prima minha, que eu vim
a encontrar e que também era uma das precursoras em filosofia, em Belo Horizonte,
na rede do Estado, e fotos com outras profissionais, autores de livros. Lipman é
bem mais novo do que eu imaginava, pensava que era bem velho, mas aí eu lembro
que foram aplicadas as aulas para as professoras, e era para ser supervisionada por
mim e por esta pessoa que viria para dar apoio, mas aí, por eu estar muito envolvida
com a parte disciplinar eu acabei não tendo tempo suficiente para me dedicar, para
checar o andamento do projeto. Creio que a pessoa veio algumas vezes, mas pelo
que me lembro estavam envolvidos custos, como estadia. Depois houve, num
momento, uma certa insatisfação, e como naquele núcleo de 1ª a 4ª séries ainda
poderia ser envolvido também a 5ª série, pois parece que acharam que era muita
infantilidade daquelas histórias, mas aí eu não me lembro mais o quê ocorreu, pois
no ano seguinte já não fazia mas parte da escola, só sei que foi implantado o PDPS
como grande fator a disciplina, tendo o Projeto Cérebro englobando tudo isso,
capacidade de reflexão, oratória, análises através do método do Lipman que era
uma estratégia, e um dos outros focos que nós tínhamos ao longo do curso era
contribuir para a disciplina, e imaginávamos ter, dentro de alguns anos, uma geração
mais reflexiva, tanto da parte dos professores quanto dos alunos, porque o ensino
tradicional é por si muito conversador, conservador não...muito limitador, de cima
para baixo e pronto, e no caso, com esta abertura, nós teríamos pessoas com mente
aberta, mas neste contexto há uma série de coisas complicadas e no cotidiano
mesmo, no que se refere a 5ª a 8ª , o que pesava era a questão disciplinar, o que
acabou aparecendo mais, por que o (mantenedor) veio, na época, com normas
125
bastante rígidas, do tipo ”escreveu não leu” e houve até uma atitude de protesto por
parte de alguns pais pela rigidez que nós levamos a coisa, e depois, com a minha
saída, não sei bem como ficou.
E em relação aos pais, logo após a implantação do projeto Cérebro com o PDPS,
você sentiu resistências?
Em relação ao PDPS não, mesmo porque eu não sei se eles aceitaram bem
ou se não houve a real divulgação para que eles entendessem a proposta, ou se
surtiu algum efeito em casa, a ponto dos pais tomarem alguma atitude ou
reclamação. Eu particularmente acho que as meninas (professoras) não estavam
preparadas, disciplinadas e nem motivadas. Pois era um trabalho a mais, sem
recompensa financeira, pois as professoras deveriam dar aulas em suas próprias
séries, substituindo uma aula vaga extra, sobrecarregando e impedindo, assim,
outros trabalhos, como correções, etc., sem incentivo ou compensação financeira,
pois se elas, como profissionais, deveriam aderir, e eu não sei até que ponto, elas
compraram a idéia a respeito de sobrecarregar ou não, mas o que ficou nítido logo
após o curso, em julho de 1996, houve uma reunião com os professores e a
coordenação com uma sistemática, a princípio, uma vez por semana, depois foi
passando, e eu senti que no começo houve uma certa efervescência, mas depois
também, no cotidiano, com as dificuldades práticas, reuniões foram se espaçando
mesmo, e como não havia professores suficientes, muitos professores foram
sobrecarregados com muitas turmas, ocasionando mais trabalhos que em sua
própria sala de aula. Mas neste contexto foi remunerado, pois era além do
estipulado, pois no início nem todos os professores tinham o curso, mas a partir do
momento que estes professores faziam o curso, elas conversaram entre si e
chegaram à conclusão que não dariam conta de mais trabalhos, pois não
126
entenderam a proposta. A origem de P.D.P.S. foram umas aulas que eu ministrei
sozinha, sob orientação psicológica, que não fazia parte de projeto nenhum, que
nem o próprio (mantenedor) sabia disso, pois havia sido a pedido (do outro
mantenedor). Então durante dois anos eu dei para a 7ª e 8ª séries, aulas de
orientação psicológica que visava o fortalecimento da auto-estima, auto-
conhecimento, para poder dizer não a sexualidade precoce sobre a influência do
grupo, e a questão das drogas, num ano em nós trabalhamos bastante a questão do
poder dizer não e me sentir receptivo pelo grupo, sem ser rejeitado, aulas
ministradas acho que por dois ou três anos.
Tenho todo este material, mas devido à dinâmica, tudo está guardado em
pastas, em papéis soltos, com divisão da sala em duas turmas, enquanto uma parte
tinha aula de inglês ou informática, por exemplo, a outra vinha até mim para as
aulas, e assim alternadamente, de quinze em quinze dias.
Houve uma boa aceitação por parte do (outro mantenedor)?
Sim. Ele quem sugeriu, porque nós vínhamos pedindo espaço para fazer
trabalhos com alunos de 5ª a 8ª séries, e no final do ano fui chamada e fui incumbida
de dar aulas de 7ª e 8ª com este intuito. Aí montei o curso, pois era bem aceito, pois
as aulas eram ministradas numa sala especial, cheia de almofadas onde o pessoal
sentava no chão, cheia de debates, dinâmicas, eram bem interessantes, pois eles
adoravam, pois se tratavam ali assuntos como sexo e drogas, mas creio que hoje,
daquela forma, seria banal para eles, mas naquela época era uma coisa nova, eu
lembro que houve mães que não quiseram participar na parte sexual, pois julgava
que a filha não estava preparada ou eram assuntos que não eram permitidos em
casa, mas foi bem.
127
Depois fui para a coordenação de outra unidade, com uma outra cara, com
um conteúdo de outra forma, porque houve a entrada de um grupo de psicólogos na
implantação de P.D.P.S., numa equipe formada por psicólogos, no primeiro PDPS,
pensar e sentir, mas não me recordo o porquê desta associação entre pensar e
sentir, talvez o pensar pela razão e o sentir pela sensação, e eu entendo que o sentir
faz mais âncora, pois tudo que você sente, através da percepção fica gravado no
seu corpo, agora quando você tem que pensar, não necessariamente, pois lembro
que havia algumas atividades para desenvolver os órgãos sensoriais, o ouvir,
trabalhos de experimentação dos cinco sentidos.
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