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de se identificar enquanto ser, nem de definir o feminino. Se a sua reclusão das instituições
públicas e o seu interdito à voz foram determinados pela sociedade patriarcal, como saber se
aquilo que a mulher pensava que era, e por conseqüência o feminino, correspondiam à verdade?
Não que a mulher tivesse tido tal consciência em determinado momento e que, por essa
razão, .saiu de casa para explorar a rua, o setor de domínio dos homens. Talvez uma ou outra
mulher tivesse realmente pensado em sua condição, e nesta fase histórica, os homens pensavam
mais uma vez pelas mulheres. O fato é que, primeiramente, as mulheres, em massa, galgaram
espaços na sociedade, devido às mudanças sociais, econômicas, políticas e históricas de uma
época, para, em seguida, elas tomarem consciência de si – mesmas. Pois, ao se verem no lugar
dominante, as mulheres puderam se colocar no lugar do outro e, assim, descobrir de onde vieram
e como se formaram os discursos engendrados sobre o que é ser mulher e sobre o feminino.
Contudo, a conclusão a que se chegou sobre o que se é, nessa travessia do outro, continuou
negativa, pois para desvelar esse outro, o mundo masculino, a mulher teve que exercer o lado
masculino de sua psique, o animus, sobrepondo este à anima, ao feminino da mesma maneira que
os homens. Quer dizer, ela se viu mais uma vez reproduzindo o discurso e os esquemas de
percepção dominante que a inferiorizam e fragmentam a sua identidade.
A escrita e a literatura, como instrumentos de significação e nomeação da realidade,
dariam a condição à mulher de apropriar-se das coisas e do mundo exterior como de revelar o
mundo interior de si mesma. Através da escrita, a mulher poderia construir novos significados e
revelar outros, invertendo paradigmas sacros de suas estruturas seculares. A emergência do
feminino na linguagem, não foi só trazida pelas escritoras, mas foi fruto de uma ruptura maior
engendrada por meio do movimento romântico, o ápice do retorno do espírito dionisíaco. Com
isso, voltou-se a sociedade para aspectos anteriormente negligenciados da vivência humana: o
corpo, a natureza, os afetos, a loucura, o devaneio, a embriaguez, isto é, aspectos antes