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UNIVERSIDADE DE SOROCABA
PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
ANDREA LUCIANA GOMES NARCIZO
CORPOS EM EVIDÊNCIA:
REFLEXÕES SOBRE A EXPOSIÇÃO CORPORAL
NO CURSO DE FISIOTERAPIA
SOROCABA/SP
2006
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ANDREA LUCIANA GOMES NARCIZO
CORPOS EM EVIDÊNCIA:
REFLEXÕES SOBRE A EXPOSIÇÃO CORPORAL
NO CURSO DE FISIOTERAPIA
Dissertação apresentada à Banca Examinadora do
Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade de Sorocaba, como exigência parcial
para obtenção do título de Mestre em Educação.
_____________________________________
Orientadora: Profª.Drª.Eliete Jussara Nogueira
SOROCABA/SP
2006
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ANDREA LUCIANA GOMES NARCIZO
CORPOS EM EVIDÊNCIA:
REFLEXÕES SOBRE A EXPOSIÇÃO CORPORAL
NO CURSO DE FISIOTERAPIA
Dissertação aprovada como requisito parcial para a
obtenção do título de Mestre em Educação da
Universidade de Sorocaba, pela Banca Examinadora
formada pelos seguintes Professores Doutores.
__________________________________________
1º Exam: Profª. Drª Kátia Rubio
Universidade de São Paulo – USP
__________________________________________
2º Exam: Profª. Drª Maria Lúcia de Amorim Soares
Universidade de Sorocaba - Uniso
A Deus, por iluminar o meu caminho.
Aos meus pais, pela vida, pelo amor e por seus ensinamentos.
Ao Claudinei, meu grande amor e companheiro, que me ampara nos momentos difíceis.
Ao Gabriel, meu filho, luz que me faz refletir e rever conceitos.
Ao Andrei, meu querido irmão, pelo amor e carinho com que me acolhe sempre.
A Eliete, pela orientação precisa e pelas palavras de incentivo nos momentos de tempestade.
A Conceição, que despertou em mim o verdadeiro sentido de reabilitar.
Agradecimentos
A todos que de alguma forma contribuíram para a realização deste projeto, o meu
carinho e meu reconhecimento. Em especial o meu agradecimento:
À Profª Drª Maria Lucia de Amorim Soares, pelo carinho que me recebeu e pelos
constates questionamentos que me fizeram crescer.
À Profª Drª Kátia Rubio, pela atenção, pela paciência e grande contribuição na
elaboração deste trabalho.
Ao Prof° Drº Jorge Luis Cammarano González, pelo ser especial e pelas aulas
instigantes que me proporcionaram um novo olhar para a educação e para a vida.
A Profª. Drª. Normian de O. Loureiro por ensinar que devemos ir além da superfície.
Aos Professores Doutores Wilson Sandano, Fernando Casadei, Celso Ferreti,
Sanfelice, Pedro Goergen, Hélio Medrado, que direta ou indiretamente contribuíram na
elaboração deste trabalho.
Ao Osvaldo Silva, amigo querido, pelas conversas, pelo apoio e pelos sonhos
compartilhados.
À Fátima, amiga querida, pela metamorfose ambulante.
À Gisele, pelas sábias dicas e pela mão amiga que me ampara quando necessito.
À Célia, amiga e irmã do coração, pelo carinho e apoio nas horas difíceis.
À Neide, Maria e Agueda, que me socorrem nos momentos de precisão.
Aos amigos Cida, Susie, Marcelia, Ailton, Sergio, pelo carinho e pelas horas
partilhadas.
À Michelle, Cristiane, Danielli e Sandra, auxiliares de biblioteca, pela atenção
dispensada nas minhas pesquisas bibliográficas.
Ao Carlos, pela competência e dedicação com as figuras deste trabalho.
Cada um de nós é um herói.
Isso é um dote.
Temos um chamamento para a aventura.
Recusamos.
Segue-se uma crise.
Não podemos voltar atrás e atendemos ao chamado.
Juntamos auxiliares, professores, guias.
E cruzamos o limiar do desconhecido.
Perdemos a nossa identidade e afundamos num abismo, no nadir, na barriga da baleia.
E emergimos.
Começamos a viajar de volta para casa, para aquilo que conhecemos cruzando de volta a
fronteira.
Nós voltamos.
Transformados.
(O Herói de Joseph Campbell)
RESUMO
Este estudo teve como tema a relação do corpo nas condições de aprendizagem do aluno de
fisioterapia. Foi realizada uma pesquisa sobre a relação da exposição corporal dos alunos e
sua formação como fisioterapeuta, buscando conhecer melhor a opearãemre
ABSTRACT
This study presents as subject the relationship of the body in the learning conditions of
physiotherapy students. A survey was carried out on the relationship of the students’ body
exposure and their education as physiotherapists, aiming at knowing better the professors'
opinions on the behavior of the students during practical and probation classes. As
investigative procedure, students’ behavior during practical and probation classes was
observed and recorded. Interviews with private universities’ professors were also carried out,
using as instrument a questionnaire on the behavior indications of the students in relation to
the body exposure in the practical classes, the possible causes and thoughts about the learning
conditions. The answers were grouped and readings were carried out to analyze the content.
The data indicate thoughts related to shame, detachment, fragmentation of the body, as well as
learning conditions offered by the University as the main reasons for the students’ body
inhibition. There is also a consensus between the professors on the large number of students
in therapeutic practices, the need of body work and self-consciousness, student’s privacy
preservation, contemporary society influence with a single body standard and the need of
thinking on the course, with worries related to maturing and the proximity of the student with
his/her own body.
Key words: body, corporeity, physiotherapy, higher education.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Obras de arte retratando vários padrões de beleza feminina............................21
Figura 2: Obras de arte retratando vários padrões de beleza masculina..........................22
Figura 3: Vesalius: parte anterior dos ossos do corpo humano........................................27
Figura 4: Vesalius: dissecação da parte posterior do corpo humano................................28
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.....................................................................................................................10
1. O CORPO HUMANO INACABADO.............................................................................15
1.1. O CORPO NA CIÊNCIA.................................................................................................23
1.2. OS VÁRIOS PERCURSOS DA BELEZA .....................................................................35
1.3. CORPO E A CONTEMPORANEIDADE ......................................................................44
2. OUVIR, OLHAR E SENTIR O OUTRO NA FISIOTERAPIA ..................................56
3. UMA INVESTIGAÇÃO SOBRE A EXPOSIÇÃO CORPORAL DE ALUNOS DE
FISIOTERAPIA....................................................................................................................65
3.1. OBJETIVOS ....................................................................................................................66
3.2. MÉTODO ........................................................................................................................66
3.3. INSTRUMENTOS ..........................................................................................................67
3.4. PERFIL DOS ALUNOS E PROFESSORES ENTREVISTADOS ................................68
3.5. PROCEDIMENTOS ........................................................................................................69
3.6. RESULTADOS ...............................................................................................................72
3.7. ANÁLISE DOS DADOS ................................................................................................77
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...............................................................................................93
REFERÊNCIAS ....................................................................................................................96
ANEXO A: Termo de consentimento ..................................................................................99
ANEXO B: Roteiro de entrevista com os professores ......................................................100
10
INTRODUÇÃO
Ainda como aluna do curso de fisioterapia, pude observar alguns trabalhos corporais,
realizados com o propósito de romper preconceitos e amarras do corpo. Essas observações
eram, contudo, insuficientes, o que me obrigava a buscar outras fontes, como workshops e
vivências. Após concluir o curso, dediquei-me ao aprofundamento do estudo do tema,
sobretudo através da participação em cursos de especialização em linguagem corporal. E até
hoje prossigo nesse meu interesse pelas questões acerca do corpo. Percebi que estamos em
constante mudança, e, por isso, tornava-se imperioso um certo grau de autoconhecimento.
Este pensamento vai ao encontro das idéias de Paulo Freire (2003) e de Novaes (2003), que
concebem o corpo humano como algo inacabado, e, portanto, com infinitas possibilidades de
transformação e criação.
Trabalhando há dezesseis anos como fisioterapeuta, e há seis anos como professora em
disciplinas práticas de curso de graduação de fisioterapia, tenho observado empiricamente
alguns comportamentos de inibição com relação à exposição corporal em alunos nas aulas
práticas. Igualmente, tenho notado algumas ausências de aulas quando há exigências para
roupas que deixem o corpo mais exposto; por vezes, esquecimento da roupa apropriada para a
aula prática, ou a procura pelo fundo da sala para não se ficar em evidência, entre outros
comportamentos mais sutis, que revelam uma esquiva frente à exposição corporal.
No curso de fisioterapia, as aulas práticas apresentam como objetivo a realização de
um diagnóstico funcional e a aplicação de técnicas e recursos no corpo do outro para
tratamento. Para se entender melhor a importância dessa prática na formação do
fisioterapeuta, deve-se lembrar do trabalho cotidiano desse profissional, visto que ele trabalha
essencialmente com o corpo, obedecendo ao desígnio maior da reabilitação do paciente. Logo,
11
o corpo é, por excelência, o objeto de estudo e de interação, que fornece dados para o
diagnóstico dos problemas que o paciente possa apresentar.
Observar e tocar o corpo humano, sem os disfarces da roupa, é primordial para o
profissional fisioterapeuta desenvolver seu trabalho. O aluno em formação precisa acostumar-
se a essa prática, que lhe será comum em seu cotidiano profissional. Interagir com o corpo do
outro inclui, também, aprender a olhar, a perceber e a conhecer o próprio corpo.
Disciplinas curriculares que levam à prática profissional apresentam como exigência a
exposição corporal dos alunos, que são ao mesmo tempo avaliadores e pacientes para a
aprendizagem de procedimentos em fisioterapia. É necessário praticar e desenvolver
habilidades, como a observação, o toque e a execução das técnicas no outro e em si mesmo.
Esses procedimentos, todavia, tornam-se impraticáveis quando o corpo está coberto por
vestuários que escondem ou camuflam a estrutura corporal.
É importante salientar que a exposição corporal não é aleatória, mas está diretamente
relacionada ao tema das aulas, que são divididas didaticamente por segmentos ou temas,
pertinentes às aulas teóricas. Dificilmente, os alunos são submetidos a uma exposição total do
corpo, exceto quando o tema for sobre avaliação postural. Nesse caso, é necessário que o
aluno fique de sunga (no caso dos homens) ou maiô de duas peças (no caso das mulheres).
Em outras oportunidades, se o tema for sobre ombro, por exemplo, o aluno deverá despir o
ombro, o que se faz permitindo às moças usar um top, e aos rapazes tirar a camisa, para que
possam ser avaliados e/ou tratados.
No dia-a-dia do curso de fisioterapia, observa-se que na semana precedente à aula
prática, de um modo geral há certa apreensão por parte dos alunos, o que se revela na
insistência em perguntas sobre a necessidade de determinado traje, sobre a possibilidade de
participar da aula sem a roupa adequada, que punições sobrevirão pela não utilização das
roupas indicadas, etc. Em suma, são questões e argumentos para convencer o professor a
12
realizar toda a parte prática da aula usando as roupas comuns do dia-a-dia. Em sala de aula, as
mais comuns entre essas atitudes são a de fingir que se participa da aula, ocupar os locais de
menor exposição na sala, insistir em ficar com a roupa, e hesitar em apresentar-se como
voluntário para modelo na execução da avaliação e tratamento.
As resistências iniciais são consideradas normais, porquanto não é comum a exposição
corporal em ambiente escolar. Porém, no decorrer da aprendizagem, com o amadurecimento
pessoal e profissional, a par das ações pedagógicas, espera-se que as dificuldades tendam a ser
superadas. Este estudo, entretanto, sugere a hipótese de que isso não tem ocorrido
satisfatoriamente.
Nossa pesquisa tem como foco de estudo essas situações de aprendizagem no âmbito
dos cursos de fisioterapia. Procura, também, compreender como se dão os comportamentos de
resistência dos alunos à exposição corporal, comportamentos que, a nosso ver, se inserem na
questão mais geral do corpo humano na sociedade contemporânea.
O fisioterapeuta é o profissional que trabalha com o corpo de outrem, reabilitando suas
funções. Seu mais importante instrumento de trabalho são as mãos. Por isso, deve ele
desenvolver a habilidade manual principalmente o tato ajustando pressão, força e
percepção do toque. Trabalha esse profissional essencialmente com a visão e o tato, mas
também necessita de empatia, de saber ouvir, de entender o ser humano como um todo:
cumpre-lhe, pois, convencer-se de que um bom desenvolvimento no tratamento depende da
relação de confiança que se estabelece entre fisioterapeuta e paciente.
A relevância da relação teoria e prática é reforçada por Rugiu nos seguintes termos:
É difícil, para não dizer impossível, aprofundar a prática sem a teoria, e vice e
versa: possuir um grande número de circunstâncias relativas à matéria, aos
instrumentos e a técnica manual, que podem ser aprendidas somente mediante o
uso. Cabe à prática apresentar as dificuldades e propor os fenômenos; cabe à teoria
explicar os fenômenos e remover as dificuldades (RUGIU, 1998, p.159).
13
O aluno, quando vivencia a aula prática, participa de dois momentos: um, no qual ele é
o terapeuta, e treina a habilidade de suas mãos enquanto observa e toca os colegas, tendo a
oportunidade de experimentar diferentes sensações ao tocar corpos diferentes. Treina a
percepção para tamanhos, cores, cheiros e texturas diversas. Outro momento, no qual ele
passa a ser paciente, e é tocado por outras pessoas, experimentando quando ocorre um toque
agradável ou agressivo, podendo assim aprimorar o seu toque por meio das sensações vividas
em si mesmo.
O conhecimento corporal se dá por meio da observação, do toque e da escuta corporal.
É necessário explorar o corpo pelos sentidos. É necessário, também, vivenciar e habitar o
corpo. Isso nos faz recordar a importância da exploração do meio ambiente através do corpo
para o desenvolvimento neuropsicomotor e cognitivo do ser humano. Nas palavras de Varela:
O conhecimento depende da existência do mundo, o qual é inseparável do nosso
corpo, da nossa linguagem e da nossa história social. O conhecimento é o resultado
da interpretação contínua que emerge da nossa capacidade de compreender; e essa
capacidade é originada nas estruturas do nosso corpo através de experiências de
ação que vão surgindo ao longo da nossa história cultural (MENDES e NÓBREGA,
2004, p.133).
Considerando-se esses aspectos, o corpo torna-se parte integrante e fundamental no
processo de aprendizagem do aluno de fisioterapia.
É relevante lembrar que a fisioterapia trabalha exatamente com as limitações e
imperfeições algumas temporárias, outras permanentes dos pacientes. Parece, à primeira
vista, uma questão simples. Porém, ela incide profundamente na vida profissional do aluno e
em sua relação com o paciente, envolvendo, ademais, outras questões, como sua própria visão
de mundo, de ser humano, da aceitação, da frustração, da inclusão social, o que, em conjunto,
exige sempre um constante trabalho corporal e emocional.
Trabalhar e falar sobre corpo, sua exposição, suas limitações e imperfeições em um
mundo que reverencia cada vez mais a beleza física, não é uma tarefa fácil. Há, ademais, uma
14
grande inquietação: vivemos sob um bombardeio constante de estímulos visuais voltados para
a exposição corporal na mídia e nas artes. Então, perguntamos, por que esta exposição não
acontece naturalmente dentro de uma sala de aula?
Abordar o tema corpo ainda é um grande desafio. Por um lado, enfrentamos sua
complexidade, sua dimensão e potência; por outro, nos deparamos com sua precariedade, seu
limite e fragilidade. O corpo está em constante construção e desconstrução de seus conceitos,
o que gera uma infinidade de significados e representações. Navega-se do explícito ao
implícito, do íntimo ao estranho. Pode-se percorrer um extremo a outro, ou seja, dos
movimentos sutis e exacerbados aos estáticos; da sonoridade ao silêncio; do belo ao feio.
Então, qual o problema para defini-lo? A dificuldade começa exatamente nas infinitas
possibilidades de ser desse corpo.
Neste estudo, propusemos algumas reflexões acerca do significado do corpo no
processo de aprendizado e sua relação com a formação do aluno de fisioterapia. Pretendemos
identificar, nas interações do cotidiano do curso, os comportamentos de alunos frente à
exposição corporal, e em seguida, entender como os professores analisam as questões
relacionadas à aprendizagem. Para alcançar os objetivos propostos, organizamos nossa
pesquisa em três etapas, a que correspondem três capítulos: o primeiro, no qual abordamos
estudos e definições de corpo e beleza, apresentados segundo seu uso em algumas teorias
científicas; o segundo, no qual apresentamos uma breve exposição da estrutura de um curso
de fisioterapia, bem como suas possíveis relações com o tema do corpo nas aulas; e o terceiro,
no qual arrolamos e discutimos os resultados de uma pesquisa que empreendemos junto a
professores de fisioterapia. Aos resultados assim obtidos, acrescentamos algumas importantes
observações que fizemos a propósito de comportamentos de alunos, registrados em ambiente
universitário; finalizamos nossa exposição com algumas análises e considerações sobre o
tema em foco.
15
1. O CORPO HUMANO INACABADO
Traçar a trajetória do corpo é um trabalho complexo, pois inúmeros são os caminhos e
formas de abordagem: seja pela via da arte, da filosofia, da antropologia, da sociologia, da
psicologia, da medicina... Há, enfim, sempre novas maneiras de conhecer e reconhecer o
corpo, mas também de estranhá-lo. A busca de conceitos e significados que possam delimitar
o estudo sobre o corpo parece não dar conta de sua complexidade. A dificuldade em
conceituá-lo talvez se deva às infinitas possibilidades de significá-lo e de simbolizá-lo. Sobre
esse aspecto Gil escreve:
Qualquer discurso sobre o corpo parece ter que enfrentar uma resistência. Ela
provém da própria natureza da linguagem: como para a morte ou para o tempo, a
linguagem esquiva-se à intenção de definir: cada definição permanece um ponto de
vista parcial, determinado por um domínio epistemológico ou cultural particular.
(...) A esta docilidade da linguagem equivale uma violência real exercida sobre o
corpo: quanto mais sobre ele se fala, menos ele existe por si próprio (GIL, 1997, p.
13).
Muito se tem falado sobre o corpo, desde a Antiguidade até os dias atuais. Trata-se de
uma fonte inesgotável de investigações, para a qual há a necessidade de se compreender o
mundo e o corpo ao longo desse processo.
Pelo corpo expressam-se as sensações, as emoções, a linguagem e a razão. Se
observarmos uma criança, mesmo antes de ela aprender a falar, notaremos que ela se expressa
com os movimentos e sons do corpo, proporcionando uma linguagem corporal, contínua em
todo seu ciclo vital (STOER, MAGALHÃES e RODRIGUES, 2004). Em muitas situações de
relacionamento interpessoal, observa-se a comunicação corporal associada à verbal; ou
quando faltam palavras, por exemplo, em conversas com pessoas de países diferentes (ou sem
16
o conhecimento de uma língua falada em comum), utilizam-se com freqüência as expressões
do corpo, os gestos, como o principal meio de comunicação.
O corpo imóvel também consegue comunicar-se, podendo contar com a expressão
facial, com o olhar e até com o silêncio. Parece contraditório:
O corpo em Sade é puro movimento. Não existe nele nenhuma possibilidade de
repouso, mesmo com a morte. O corpo morto se dilui, mas sua dissolução é um
enorme estado de movimento. Fascinante! Poderá o corpo transmudar-se,
metamorfosear-se, mas jamais entrará em estado de inércia, pois o corpo é um ciclo
de forças (KEIL e TIBURI, 2004, p. 65).
Segundo Gil (1997), o corpo tem papel importante na incorporação e sedimentação da
linguagem verbal. A complexidade da linguagem (articulação verbal, gramática, etc.) é
absorvida pelos movimentos corporais, simplificando-a. O corpo internaliza uma inteligência
e plasticidade que não possuía antes, e que refluem, por sua vez, sobre a linguagem e o
intelecto.
Na relação face a face, a comunicação do corpo está sempre presente:
Mesmo em face da utilização predominante da comunicação verbal, esta apóia-se
sempre na comunicação corporal. A linguagem verbal pode ser intermitente, mas o
corpo está sempre a emitir sinais que comunicam o seu interesse, desinteresse,
cansaço, atenção, empatia, etc. Essa comunicação corporal apresenta, ainda, uma
característica importante: em caso de conflito entre a mensagem verbal e a
comunicação não-verbal, a mensagem não-verbal irá prevalecer. (MILLER, 1985;
apud STOER, MAGALHÃES e RODRIGUES, 2004, p. 38)
A comunicação corporal não é um mero suporte da comunicação verbal. Ela vai além
da linguagem verbal. Esta, por sua vez, está associada à informação, e o corpo como forma de
linguagem também absorve, transforma e transmite as informações vindas de si mesmo, do
outro e do ambiente, através dos sentidos (visão, audição, tato...). Os estímulos percebidos
as informações são transformados em movimentos, sons, sensações e sentimentos, como
17
por exemplo: abraço, dança, grito, gargalhada, calor, frio, amor, raiva, silêncio, entre outras
infinitas possibilidades.
Gil (1997) afirma que o corpo funciona como transdutor de códigos, transformando-os
em pensamento primitivo, como modelo da representação do universo. Essa representação
resulta da tradução múltipla que o corpo exerce sobre a linguagem. A linguagem assume a
função “metáforo-metomímica” do corpo, transformando-o em código-chave dos sentidos dos
códigos. A respeito dessa relação, Fédry comenta:
O mundo das coisas (naturais ou artificiais) é representado pelo modelo do corpo
humano... Em relação aos diferentes sistemas parciais do “corpo” das coisas, o
corpo humano desempenha o papel de um modelo universal e polivalente, um
pouco à maneira de uma chave-mestra relativamente a um conjunto de fechaduras
diferenciadas: embora cada fechadura possua a sua própria estrutura, a chave
mestra abre-as todas (FÉDRY, 1976; apud GIL, 1997, p. 44-45).
.
O ser humano conta com uma diversidade sociocultural extensa. Culturas diferentes
revelam costumes, vivências e experiências próprias de sua história. Sob este aspecto, o corpo
é alvo de diferentes marcadores identitários: “É nele que o simbólico se inscreve e funciona
como um modo de classificar, agrupar, ordenar, qualificar, diferenciar, revelando marcas
que posicionam os sujeitos de diferentes modos na escala social” (SOUZA, 2004, p.20).
Ainda segundo Fédry (apud GIL (1997)), independentemente das variações e agrupamentos
culturais, existe uma chave-mestra, que faz a ligação entre os homens, e entre eles e o mundo:
essa chave é o corpo. Partindo do pressuposto de que o corpo é a chave que liga o homem
consigo mesmo e com o externo, e vice-versa, podemos então dizer que a existência do
homem é corporal .
Montagu (1988) refere-se à pele como o maior órgão do corpo humano, envolvendo de
forma contínua e flexível todo nosso corpo, revestindo internamente os orifícios (como a
boca, o nariz e o ânus). Portanto, a pele é nosso primeiro meio de comunicação com o mundo
18
externo, bem como nosso mais eficiente protetor. Os órgãos dos sentidos transmitem ao
sistema nervoso central informações sobre o meio ambiente, e ele, por sua vez, através das
vias eferentes, envia respostas aos órgãos dos sentidos. O sentido mais intimamente ligado à
pele é, naturalmente, o tato, e na evolução dos sentidos, foi o primeiro a surgir. O tato é a
origem dos nossos olhos, ouvidos, nariz e boca.
Na concepção de Anzieu, a pele também tem papel importante na vida do homem por
ser parte integrante do processo do pensar. Ele considera “(...) o pensar como articulação,
desarticulação e transformação das relações entre três elementos: a casca (o mundo
exterior); o núcleo (mundo interior); o mundo intermediário (a linguagem, a cultura)”
(ANZIEU, 2002, p. 17). Esse autor acredita que os três elementos constituem o sistema de um
corpo, sendo o núcleo do corpo o esqueleto e os órgãos vitais internos; a casca é a pele; e o
tecido intermediário pode ser sólido, viscoso, líquido ou gasoso, que, por sua vez, pode ser
feito de representações das coisas como, por exemplo, as cadeias associativas de palavras.
Na tradição filosófica, o ser humano é como uma miniatura ideal do mundo. Ou seja, o
espírito (ou eu-pensante) seria um semelhante perfeito do próprio corpo (ou eu-pele), e todo o
sistema de corpos físicos ou sociais não seria pensável senão como máquina analógica de um
corpo de pensamentos:
Nada há no espírito que não tenha passado pelos sentidos e pela motricidade. O
espírito tende a se conceber como um aparelho analógico do corpo vivo e de sua
organização e a conceber os outros corpos como “analogon” do corpo próprio. A
aquisição das diferenças espaço/tempo, continuidade/ruptura, dentro/fora... pontua
essa construção (ANZIEU, 2002, p.25).
As idéias de Montagu (1988) e Anzieu (2002) contribuem para que entendamos o
porquê de a existência do homem ser corporal. O corpo é responsável por permear e ligar o
mundo interior com o exterior, permitindo ao homem fazer a conexão entre eles.
19
Se a existência do homem é corporal, além da linguagem e das variações
socioculturais, o corpo também pode ser mecanismo de poder. Na visão foucaultiana, o poder
é organizador de sistemas de classificação: social, cultural, política ou econômica, que
permitem agrupar cada indivíduo nas representações que estão em jogo. Segundo a teoria do
biopoder, de Foucault (1979), o controle da sociedade sobre os indivíduos se faz no corpo e
com o corpo, não apenas por meio da consciência ou da ideologia.
O poder exercido por meio do corpo pode ser identificado, em alguns momentos, na
educação: as crianças pequenas são obrigadas a uma disciplina de regras, horários e
comportamentos, que conduz a uma domesticação dos movimentos, dos sentidos e do corpo.
Também há a interferência da mídia, com divulgação ampla e intensiva de padrões de
comportamento, de corpo ideal, de linguagem, de incentivo ao consumo de símbolos de poder
e status para se sentirem pessoas inclusas na sociedade.
As influências exercidas para o domínio do corpo nos remetem novamente a Foucault,
quando este trata dos corpos dóceis e disciplinados: “Forma-se então uma política das
coerções que são um trabalho sobre o corpo, uma manipulação calculada de seus elementos,
de seus gestos de seus comportamentos” (FOUCAULT, 1983, p. 119). De acordo, ainda, com
ele: (...) o controle disciplinar não consiste simplesmente em ensinar ou impor uma série de
gestos definidos; impõe a melhor relação entre um gesto e a atitude global do corpo, que é
sua condição de eficácia e de rapidez” (1983, p. 129). Isto é, não basta somente copiar a
imagem; o gesto tem de ser incorporado, internalizado, para se garantir sua eficácia.
Na sociedade contemporânea, o corpo es muito associado à beleza. Eco (2004)
apresenta as várias concepções de beleza dos corpos humanos, dos animais, da natureza, das
roupas, do sagrado e do profano, em diferentes épocas. Entender um pouco esta construção
histórica da beleza deve fornecer indícios sobre como o indivíduo se relaciona com o corpo
em nossos dias. As diferentes concepções de beleza feminina e masculina podem ser vistas
20
nas figuras 1 e 2, respectivamente. Ambas são constituídas por quadros comparativos, com
alguns padrões de beleza que se modificaram com o correr do tempo, bem como as
características de beleza que retornam e se desenvolvem em épocas e locais diferentes.
Eco (2004) observou que diversos conceitos de beleza entraram em conflito, não
somente em épocas diferentes, como também dentro de uma mesma cultura. Por exemplo, nas
obras de artes do trigésimo milênio a.C., as mulheres eram retratadas com formas
arredondadas (quadris largos, seios fartos, abdômen protuberante) e com o passar do tempo, o
padrão de beleza foi-se modificando, sendo a mulher então retratada com formas mais
delgadas (cintura mais fina, quadril e seios menores).
Atualmente, algumas mulheres colocam silicone para aumentar os seios e os glúteos.
Em outros tempos, algumas usavam espartilho para marcar a cintura. É sempre, pois, a
sociedade que demarca os padrões de beleza, e estes padrões revelam poder e prestígio. O
espartilho era usado apenas por mulheres nobres, diferenciando as classes sociais. Hoje a
beleza pode ser alcançada por via de cirurgias e tratamentos estéticos. Mas também eles estão
restritos a mulheres com maior poder aquisitivo, mesmo consideradas as facilidades nos
pagamentos parcelados. Em síntese, a beleza divulgada e valorizada é a da elite, de uma
pequena parcela de seres humanos.
21
Figura 1: Obras de arte retratando vários padrões de beleza feminina, em épocas e lugares
diferentes
1
1
Extraídas de ECO, Umberto. A história da beleza. Rio de Janeiro: Record, 2004, p. 16–19.
22
Figura 2: Obras de arte retratando padrões de beleza masculina de diversas épocas e lugares.
2
2
Extraídas de ECO, Umberto. Op. cit., p. 20 - 22.
23
Em nossos dias, o homem está cada vez mais preocupado com a estética corporal.
Dessa situação, nem mesmo as crianças são poupadas. Os meios de comunicação levam ao
público regimes, dietas e exercícios para alcançar um padrão ideal de beleza. Apesar de o
corpo ser tema de discussão desde a Antiguidade, existe hoje um enaltecimento exagerado
dele. Veja-se a propósito o grande espaço que a corporeidade ocupa na mídia. Diante de tantas
possibilidades de o corpo ser e estar, é importante compreender e construir esse corpo a partir
de sua trajetória histórica.
1.1 O CORPO NA CIÊNCIA
O conhecimento antigo sobre o corpo humano, de um modo geral, vinha de tradições
religiosas medievais e da cultura popular de sociedades rurais européias dos séculos XV, XVI
e XVII.
No Renascimento, a anatomia de Andreas Vesalius surgiu após um longo período de
destruição dos velhos hábitos de pensamentos, provocando um clima de ambigüidade e
tumulto. Os primeiros passos da ciência exigiram o uso da racionalidade e da experimentação,
contrapondo-se aos pensamentos mágicos e religiosos, até então vigentes. A ciência trouxe o
conhecimento racional, perturbando as crenças religiosas, incontrastavelmente dominantes
naquela época. Os primeiros caminhos da ciência percorreram-se numa tensão entre os velhos
pensamentos populares e religiosos e a necessidade de racionalidade e de experimentação.
No período da Inquisição, certos artistas, escritores e médicos seqüestravam cadáveres
de indigentes e prostitutas nas ruas para serem dissecados e estudada a sua anatomia. A
curiosidade sobre o corpo humano e o interesse por plantas e preparados medicinais levavam
a práticas consideradas, na época, como bruxaria, e as pessoas descobertas eram queimadas
em locais públicos como punição de seus atos.
24
Galeno (130-200 d.C.), com seus desenhos anatômicos, deu início à transformação da
imagem do corpo, um conhecimento para a medicina, se opondo à doutrina cristã e à prática
médica do ensino escolástico. O primeiro Tratado de Anatomia foi escrito por Mondino de
Luzzi (1270-1326), professor da Universidade de Bolonha, no século XIV. As dissecações de
Mondino tinham como objetivo confirmar os ensinamentos de Galeno. A novidade consistia
no fato de tentar-se observar o corpo e não somente dissertar sobre ele, como faziam os
teólogos e médicos da Idade Média (SINGER, 1996).
Nos séculos XIV e XV, a obra de Galeno constituiu a anatomia científica: o corpo de
Galeno participava do pensamento polivalente e ambíguo da época: “O homem centro de
energias ocultas, de virtudes escondidas, de antipatias e simpatias, centro de
correspondências e analogias – é simultaneamente, objeto de uma experimentação médica
que serve de base ao raciocínio científico” (GIL, 1997, p.136).
As obras de Galeno, no século XVI, foram traduzidas para o latim por Guenther (em
1531), tornando-se acessíveis aos estudantes de medicina. As obras continham um conjunto
que englobava a descrição anatômica do esqueleto e das vísceras relacionada com a fisiologia,
fármacos, diagnóstico e teoria filosófica sobre a vida. A imagem do corpo representada por
Galeno foi resultado do pensamento científico, da racionalidade metafísica e de crenças
mágicas da época.
Na Idade Média, a anatomia de Galeno estava subordinada a textos de cunho
filosófico-religioso. A sacralização dos textos impedia qualquer busca experimental para o
estudo da anatomia. Sendo assim, os cadáveres eram apenas superficialmente dissecados e
ficavam mais submetidos ao olhar e à descrição, restando às práticas de dissecação somente
ilustrar o saber de Galeno. Nas aulas de anatomia, os estudantes não tocavam as peças do
corpo humano. Apenas observavam o corpo, atentos a uma pessoa que demonstrava os
órgãos, enquanto um mestre lia a obra de Galeno.
25
Leonardo da Vinci (1452-1519), pintor, engenheiro, arquiteto, filósofo, escritor,
cientista e músico, dissecou inúmeros cadáveres e escreveu sobre a composição do corpo
humano: o homem possui ossos que sustentam a carne (músculos), é irrigado por sangue por
meio de inúmeras veias que se ramificam por todo organismo, e os nervos dão os movimentos
ao corpo. É preciso lembrar que a religiosidade renascentista foi tão forte quanto a medieval, e
que da Vinci teve que driblar poderosas interdições eclesiásticas para dissecar cadáveres e
estudar anatomia.
A prática de dissecação foi revolucionada pelo médico holandês Andreas Vesalius
(1514-1564), tendo ele próprio dissecado os cadáveres e colocado a explicação à prova da
observação experimental. A grande obra de Vesalius foi A Fábrica do Corpo Humano (de
1543), na qual se revelava o corpo humano com maior profundidade e riqueza de detalhes.
A contribuição fundamental de Vesalius reside no fato de a exatidão das figuras de
anatomia, conseguidas por meio de instrumentos de precisão, terem permitido uma melhor
dissecação, o que levou a um novo olhar científico. No entanto, o caminho que conduziu a
esse saber foi trabalhado, durante muito tempo, pela perspectiva, que era uma técnica de
representação descoberta pelos pintores. As ilustrações de Andreas Vesalius, acrescidas de
textos, constituem um instrumento de análise rico, contribuindo dessa forma para estabelecer-
se um saber científico nesse período tão marcado pela dessacralização do saber.
Antes das obras de Vesalius, publicadas em 1538, os únicos a representarem as figuras
e diagramas anatômicos foram Berengario da Carpi (1520) e Charles Estienne (1532)
(SAUNDERS e O’MALLEY, 2002).
A invenção da imprensa repercutiu favoravelmente nas ilustrações de Vesalius, que
passaram a ser representadas, nos livros, em forma de gravuras, acompanhadas de textos
impressos. No entanto, Vesalius, apesar de apaixonado por desenho, não considerava as
26
ilustrações algo suficiente para se obter o verdadeiro conhecimento do corpo humano, e via as
gravuras apenas como um importante meio para auxiliar a memória.
Segundo Gil, as ilustrações davam um enorme prazer aos estudantes:
Trata-se, sem dúvida, da exigência geral da representação, e da sua importância
neste período; mas neste caso particular é um fenômeno que se deve à própria
possibilidade do objeto da Anatomia: as ilustrações de Vesálius tornam possível a
constituição deste objeto, na medida em que ele se desliga, assim, do cadáver real
(GIL, 1997, p. 138).
As ilustrações de Vesalius romperam a tradição do culto dos antepassados, os ritos
funerários, presentes na Idade Média, nos quais os cadáveres eram impregnados de tradições
mágicas e religiosas. As figuras 3 e 4 mostram a precisão e o detalhamento das ilustrações de
Vesalius, em desenhos anatômicos que permeiam a prática da dissecação seguidos do texto
explicativo.
As representações do corpo humano alimentam o próprio saber científico. A anatomia
permite a relação do corpo real e o corpo científico. No entanto, o que mais marca esta
trajetória do corpo na ciência são as dificuldades em conhecê-lo. Andreas Vesalius, Leonardo
da Vinci e outros conseguiam cadáveres às escondidas para o estudo do corpo humano. No
período medieval, a dissecação de cadáveres era expressamente proibida pela Igreja; estudar a
constituição íntima de um corpo morto era considerado pecado capital. A Igreja dizia que “o
olhar humano não deve se fixar em regiões que Deus ocultou e não deve violar uma realidade
sobrenatural, um dos aspectos do destino eterno do homem” (GUSDORF, 1978, p. 125).
27
Figura 3: Face anterior dos ossos do corpo humano
3
3
Extraído de SAUNDERS e O’MALLEY. Andreas Vesalius de Bruxelas: de humani corporis fabrica. Epítome.
Tabulae Sex. Campinas: Editora Unicamp, 2002, p. 255.
28
Figura 4: Dissecação da face posterior do corpo humano
4
4
Idem, p. 121.
29
Até o século XIV, era proibido dissecar cadáveres, sem ser por razões médico-legais.
A prática médica que Vesalius inaugura contrasta com a atmosfera que envolvia a morte. Os
detalhes de seus desenhos anatômicos, acompanhados de textos explicativos, beiravam o
sacrilégio da dissecação e as descrições sem conotações sagradas, e, ao mesmo tempo, a vida
emergia nas representações de suas ilustrações, o que permitiu a vida da ciência. “A
representação desliga o morto do seu corpo, permitindo à medicina que se constitua,
excluindo do seu campo a morte” (GIL, 1997, p.139). E acrescenta:
Assim, é falso afirmar que o objeto da Medicina é o cadáver: pelo contrário, é uma
representação do corpo humano, nem morto nem vivo, mas que se elabora pela
separação da morte e do corpo que, ele sim, se animará de uma vida independente.
Transferência das forças da morte para um outro nível, o do saber científico (GIL,
1997, p. 140).
Há dois dados interessantes nessa história da arte: primeiro, relativo aos muitos artistas
que se dedicavam ao estudo detalhado do corpo humano. O artista e o médico não estavam
totalmente separados, mas vivenciaram desenvolvimentos paralelos. Segundo, no período da
Renascimento, surgiu um novo dogma da teoria estética, (...) segundo o qual uma obra de
arte é uma representação direta e fiel dos fenômenos naturais. Havia necessidade de exatidão
representativa. A arte torna-se científica” (SAUNDERS e O´MALLEY, 2002, p.27).
A ciência e a arte comungaram conhecimentos para representar o corpo com detalhes e
precisão. Nos detalhes, florescem a beleza e a fragilidade do corpo humano; na precisão, sua
magnitude. Em diferentes períodos da história, os homens ousaram conhecer seu corpo,
apesar das dificuldades e represálias.
O conhecimento é construído, é um processo relacionado ao contexto histórico de cada
sociedade. Por vezes, construir conhecimento exige romper com antigas crenças, entrar em
crises e conflitos que permitam promover o conhecimento científico.
30
No processo de conhecer o homem e sua relação com o mundo, a filosofia também
discutiu, em diferentes épocas, acerca da concepção de corpo. Não é nossa intenção, neste
estudo, detalhar a trajetória da filosofia. Porém, cabe considerar alguns pontos, já que a
filosofia contribuiu muito para o entendimento do corpo e sua natureza.
O homem sempre teve dificuldade em enxergar seu próprio corpo com clareza e
despido de preconceitos. Grande parte dos filósofos explicou o homem como sendo um
composto de duas partes diferentes e separadas: o corpo (material) e a alma (espiritual e
consciente). A esta concepção se chamou de dualismo psicofísico (ARANHA e MARTINS,
1993).
A dicotomia corpo-mente já estava presente no pensamento grego do século V a.C.,
com Platão e seu pressuposto de que a alma, antes de encarnar, teria vivido no mundo das
idéias, conhecendo tudo pela intuição, sem o uso dos sentidos (ou seja, de forma intelectual e
imediata). Com essas idéias, a alma se une ao corpo e se torna prisioneira dele, sendo
composta por duas partes, uma superior (intelectual), e outra inferior (a alma do corpo). A
segunda é irracional, e se divide em impulsiva (localizada no peito), e concupiscível
(localizada no ventre e relacionada com os desejos de bens materiais e apetite sexual).
O corpo é também local de corrupção e decadência moral. Se a alma superior não
conseguir conter os desejos e as paixões, o homem não apresentará um comportamento moral
adequado: “Platão demonstra que, na juventude, predomina a admiração pela beleza física;
mas o verdadeiro discípulo de Eros amadurece com o tempo, ao descobrir que a beleza da
alma é mais preciosa que a do corpo” (ARANHA e MARTINS, 1993, p. 311).
Platão valorizava o exercício físico, o que vem confirmar a idéia da superioridade do
espírito sobre o corpo: “corpo são em mente sã”. Ele acreditava que quanto mais fraco o
corpo, maior a dificuldade que o espírito teria frente à vida superior. O corpo, no gozo da
31
saúde perfeita, permitiria que a alma não ficasse presa a ele e aos sentidos, podendo ficar livre
para o mundo das idéias.
No final da Antiguidade, o corpo passa a ser visto como local de pecado e degradação.
Neste período, os rituais de purificação do corpo por práticas de jejum, flagelações e
abstinência eram praticados como forma de controle dos desejos, através da mortificação da
carne. Caminho esse considerado necessário para alcançar a virtude e a plenitude da vida
moral (SEVERINO, 1992).
O Renascimento e Idade Moderna foram marcados por transformações na concepção
do corpo. Na Idade Média, o corpo era considerado inferior, embora não deixasse de ser visto
como uma criação divina, o que ainda o mantinha envolto numa aura de sacralidade. Como
vimos anteriormente, nesse período, a Igreja proibia a dissecação de cadáveres, motivo pelo
qual, nos séculos XVI e XVII, as experiências de Vesalius, Leonardo da Vinci, Rembrandt e
outros tiveram tanto impacto sobre a sociedade. E acompanhando a revolução científica,
temos ainda os estudos de Galileu, Descartes, Bacon, Locke e outros.
O novo olhar do homem para o mundo é dessacralizado, o componente religioso
substituído pela natureza física e biológica do corpo, agora objeto da ciência. A filosofia
cartesiana contribuiu para a nova abordagem do corpo. Descartes duvidava de tudo: das
verdades deduzidas pelo raciocínio, das afirmações do senso comum, do testemunho dos
sentidos, da realidade do mundo exterior, da realidade do seu próprio corpo, até chegar na
verdade indubitável: o pensamento, “Penso logo existo”. Este é o ponto de partida para se
compreender a essência de seu pensamento. O eu cartesiano é pensante (um ser pensante), e o
corpo (coisa externa, material) gerou muitas dúvidas, sendo colocado em questionamento.
Descartes considerou o homem constituído de duas partes distintas: o pensamento, de
natureza espiritual; e o corpo, de natureza material. Nascia aí o dualismo psicofísico, ou a
dicotomia corpo-consciência.
32
Diferentemente do pensamento de Platão, agora o corpo é considerado objeto,
associado à idéia mecanicista do homem-máquina. Descartes afirmava que Deus criara o
homem como máquina, operando da mesma maneira, segundo suas próprias leis, o que
tornava o corpo autônomo e alheio ao homem. Na reflexão sobre o homem-máquina, Novaes
comenta:
Esse pensamento objetivo ignora o homem como sujeito e trata-o como um dos
objetos manipuláveis. Tal pensamento “operatório” não é formulado sem
conseqüências: o mundo natural, e nele o humano, é apresentado como imensa
máquina, espécie de relógio cujas peças, como escreveu Henri Bérgson, se “ajustam
perfeitamente uma às outras. Tudo nele é mecanismo. E quando, com os hábitos
científicos, consideramos o homem, somos necessariamente levados a vê-lo como
um mecanismo no meio de outros mecanismos, como ser que funciona
automaticamente”. (NOVAES, 2003, p.11)
A idéia do homem-máquina incrementa a corrente empirista, que tem como principal
representante o inglês John Locke (1632-1704). Locke parte da leitura da obra de Descartes
para o desenvolvimento de suas reflexões, que tratam de saber qual era o alcance do
conhecimento humano. Entretanto, o pensador inglês abandona o caminho lógico percorrido
por Descartes e segue a trilha psicológica, distinguindo dois pontos possíveis para as idéias: a
sensação e a reflexão. A primeira é a modificação feita na mente através dos sentidos; e a
segunda é a percepção que a alma tem daquilo que nela ocorre. Locke não pode ser
considerado propriamente um materialista, mas suas concepções posteriormente fora
desenvolvidas nesse sentido por outros estudiosos (ARANHA e MARTINS, 1993).
O corpo e suas funções são naturalizados pelo materialismo, isto é, o corpo físico não
é mais um corpo vivente, continua sendo um cadáver. O corpo está submetido às leis da
natureza, e o homem, por sua vez, é reduzido à dimensão corpórea e às ações da natureza, não
sendo ele responsável pelo próprio destino.
33
A substituição do modelo mecanicista por outros mais elaborados decorre do
desenvolvimento das ciências. A idéia, porém, do corpo submetido às leis naturais ainda
persiste. O naturalismo do século XIX mostrou o homem como uma marionete do meio, da
raça e do momento. A partir das questões relacionadas ao conhecimento, surgem duas
correntes de pensamento opostas: o racionalismo e o empirismo. O racionalismo delimita ao
homem o campo da razão: não exclui a experiência sensível, mas a considera tão-só um
momento do conhecimento e, ademais, sujeita a erros. O empirismo restringe o homem ao
campo da experiência sensível: a razão vem depois e está subordinada à experiência. O
racionalismo estabelece e enfatiza o caráter absoluto e universal da razão. Assim, partindo do
pensamento, o homem pode descobrir as verdades possíveis. Os empiristas, por sua vez,
questionam o caráter absoluto da verdade, encarando o conhecimento como parte de uma
realidade que é relativa ao espaço, ao tempo e ao homem.
Baruch Spinoza foi uma exceção do século XVII: rompeu com a dicotomia corpo-
mente, numa postura que só se consolidaria no século XX. Spinoza criticou a forma de poder
(seja religioso, seja político), e procurou entender, primeiro, o que leva o homem à servidão e
à obediência, e, segundo, o que possibilita e o que impede o exercício da liberdade. Inovador
em seu pensamento foi a teoria do paralelismo: nem o espírito é superior ao corpo, como
queriam os idealistas, nem o corpo determina a consciência, como diziam os materialistas. A
relação entre o corpo e o espírito é de expressão e correspondência, e não de causalidade. O
corpo e a alma exprimem, a seu modo, o mesmo acontecimento (HUISMAN e VERGEZ,
1970).
Considerado esse aspecto, o corpo e a alma são ativos ou passivos. Ativos quando é
possível decidir sobre a própria vida, e passivos quando as ações externas são mais poderosas
que as forças internas, atingindo o corpo ou alma, e suscitando uma condição de falta de
autonomia.
34
A alma no sentido de força e poder consiste na atividade de pensar e conhecer.
Logo, seu ponto fraco é a ignorância. Quando a alma se reconhece capaz de produzir idéias,
passa a uma condição de maior perfeição, e é afetada pela alegria. Por outro lado, se a alma
em determinada situação não for capaz de entender a sua importância, causará um sentimento
de diminuição do ser, e, por conseguinte, provocará a tristeza. Nesse caso, diz-se que a alma
está passiva.
Nas relações entre os corpos, resultam doenças:
Na medida em que é da natureza do corpo afetar outros corpos e ser afetado por
eles. A maneira pela qual um corpo afeta outro determina duas situações
diferentes. Se o corpo que nos afeta se “compõe” com o nosso, a sua potência (ou
capacidade de agir) se adiciona à nossa, o que provoca aumento da nossa
potência; passando a uma perfeição maior, o resultado é a alegria. Ao contrário,
se há um “mau encontro”, quando outro corpo não se compõe com o nosso (por
exemplo, no caso da tirania), há uma subtração da nossa potência, que diminuída,
gera tristeza (ARANHA e MARTINS, 1993, p. 314).
A originalidade de Spinoza reside em como evitar a paixão triste e propiciar a paixão
alegre: (...) nem o corpo pode determinar a alma a pensar, nem a alma determinar o corpo
ao movimento ou ao repouso ou qualquer outra coisa (se caso existe outra coisa)”
(SPINOZA, 1973, p. 185).
No final do século XIX, surgiu a Fenomenologia, com Franz Brentano e outros
35
A Fenomenologia crê que a consciência é doadora de sentido e fonte de significado
para o mundo. É, pois, fonte de intencionalidades cognitivas, afetivas e práticas. Conhecer é
uma exploração constante do mundo, um processo sem fim, pois está em constante
transformação. E qual o significado de corpo nessa perspectiva?
Se o corpo não é coisa, nem obstáculo, mas é parte integrante da totalidade do ser
humano, meu corpo não é alguma coisa que eu tenho; eu sou meu corpo. Ao
estabelecer o contato com outra pessoa, eu me revelo pelos gestos, atitudes,
mímica, olhar; enfim, pelas manifestações corporais. Ao observar o movimento
de alguém, não o vejo enquanto simples movimento mecânico, como se o outro
fosse máquina, mas como sujeito cujo movimento representa um gesto
expressivo. Portanto, o gesto nunca é apenas corporal: ele é significativo e nos
remete imediatamente à interioridade do sujeito. (ARANHA e MARTINS, 1993,
p. 315)
O corpo, portanto, é a expressão de valores estéticos, éticos, culturais, históricos e
sociais: “O corpo é o primeiro momento da experiência humana. E antes de ser um “ser que
conhece”, o sujeito é um “ser que vive e sente”, que é a maneira de participar, com o corpo,
do conjunto da realidade” (ARANHA e MARTINS, 1993, p. 315).
1.2. OS VÁRIOS PERCURSOS DA BELEZA
Traçar um percurso linear para o corpo é uma tarefa arriscada, haja vista as inúmeras
possibilidades e caminhos que ele pode percorrer. Contudo, falar do corpo sem falar de beleza
é quase impossível. A beleza parece estar implícita no corpo e na história da humanidade; a
beleza teve a sua trajetória bem destacada.
Um ideal de beleza já estava presente na Antiguidade (clássica e oriental), expresso
nos mitos gregos, em que os deuses e deusas incorporavam características humanas, em geral
sublimadas, e serviam como modelos a serem copiados. Recorde-se de Ártemis, Hera,
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Afrodite, Atena, entre outras, que encerravam em si formas de beleza imaginadas pelos
artistas gregos. A beleza no Egito, por outro lado, estava retratada em suas mulheres, sempre
empenhadas no esforço de busca por matérias-primas para embelezamento do corpo.
Lembremos de Cleópatra, Semiramis, Betsebá, Jezabel, Nefertiti como personagens da
história antiga que evocam cuidados e rituais de beleza. Essa preocupação com a beleza pode
ser comprovada nos museus, que guardam utensílios dessa época, como os estiletes para
delinear, as colheres para pinturas, as paletas de pigmentos, os potes com maquiagem. Os
faraós, as sacerdotisas e mesmo as escravas utilizavam como rituais de beleza banhos
esfoliantes com argila, massagem com óleos e maquiagem (SOUZA, 2004).
A mulher na Antiguidade era vista como tentadora e "desviadora" da ordem vigente,
pelo uso que fazia da sedução e da dissimulação (com maquiagens, jóias e roupas). De
Homero (século VIII a.C.) a Galeno (século II d.C.), a mulher foi considerada (por médicos,
filósofos e religiosos) um ser de segunda categoria, inelutavelmente inferior ao homem por
causa das diferenças anatômicas e fisiológicas.
Na Idade Média, a beleza feminina esteve ligada às virtudes morais, o que
correspondia a uma tentativa de normatizar o comportamento das mulheres através de seus
corpos. A Igreja Católica, hegemônica no plano político-cultural, elaborou discursos
disciplinadores, dogmáticos e modeladores, orientados todos para o controle dos corpos
femininos.
Os comportamentos pautados por critérios éticos e morais eram ditados pela Igreja,
exercendo, pois, uma coerção sobre as atitudes das pessoas, sobretudo das mulheres. Os
escritos da época continham desde conselhos sobre a sexualidade até o modo de atuação dos
seus corpos. Com o objetivo de impor normas aos comportamentos, os discursos moralizantes
da Igreja veiculavam a idéia de salvação da alma, de santas e de pecadoras, estas excluídas do
céu, caso não assumissem os comportamentos prescritos.
37
Os séculos medievais são marcados pela separação entre carne e espírito. Os corpos
das santas eram pintados, em afrescos, representados totalmente vestidos. A beleza das
mulheres casadas era vista como princípio de desgraça, pois poderia despertar o desejo de
outros homens e aguçar os ciúmes do marido. Nesse caso, a beleza não era uma benção, mas
uma maldição (SOUZA, 2004).
Na Antiguidade, embora o corpo fosse considerado inferior, ele era instrumento para
atingir a perfeição da alma. Na Idade Média, o corpo foi considerado um empecilho para a
alma atingir sua salvação.
Era freqüente a condenação, por membros da Igreja, do uso de cosméticos. Os textos
didáticos e religiosos combatiam o uso de jóias, cosméticos e vestuários, por acreditarem ser
artifícios que distanciam o ser humano do caminho interior, prevalecendo a exteriorização do
corpo. A mulher que usava acessórios para o embelezamento estava rejeitando a imagem que
Deus lhe deu:
Dessa forma, o corpo ideal não diz respeito somente às formas, mas às funções
psicológicas, onde a mulher é atingida em toda a essência. É em função do ideal de
uma bondade moral, de virtudes de resignação e subordinação da carne que os
discursos estimulam as leitoras a projetarem sua forma de vida e de relação com o
corpo. Tudo que escapa a esse ideal é profano, pecaminoso e digno de rechaço. É
em torno desses referenciais que giram os temas dos sermões e poemas dos
eclesiásticos, repletos de expressões condenatórias, que enfatizam pudicamente que
“corpo” a mulher deve adotar (SOUZA, 2004, p.75).
Nos séculos XV e XVI, o Renascimento é marcado pela mudança da trajetória do
corpo, concebido agora como algo que pode ser modificado. A visão da beleza como dom
divino é rompida, passando então a ser considerada como uma produção material de
investimento.
A mulher bela perde a conotação de "sedutora maléfica", e o homem pode-se ligar ao
céu através dessa beleza, pois Deus é amor e esse amor é revelado na natureza da mulher. No
38
entanto, o modelo de beleza ainda estava ligado ao divino, já que ser bela significava ser
semelhante a Deus. A diferença com a Idade Média consistia em que a mulher, no
Renascimento, também era considerada criação divina (como o homem). Mas, rompe-se a
ligação da mulher com o carnal e reconhece-se sua natureza espiritual.
O Renascimento foi o período em que mais se deu dignidade à beleza feminina. Os
poetas e os filósofos exploravam o tema, e os pintores se inspiravam na beleza da mulher,
retratando seus corpos nus. Pintores e filósofos observavam e retratavam o que viam e não
39
formosura (ao passo que a magreza era concebida como feia, sinal de pobreza e falta de
saúde).
Apesar de toda essa apologia da beleza feminina, não houve nesse tempo uma
dissociação da mulher como o sexo frágil, o que deixava claro o lugar que a mulher e o
homem deveriam ocupar na sociedade. Sobre ela, o homem deveria exercer um controle,
brando e firme ao mesmo tempo (DUBY, 1991).
No século XVII, há um retrocesso: o corpo passa a ser visto da óptica do racionalismo
puritano. O pensamento renascentista é contestado pela Reforma Protestante e, em seguida,
pela Contra-reforma Católica. Os corpos nus representados em pinturas e estátuas são
cobertos por túnicas e tangas. As mulheres são obrigadas a cobrir o corpo até aos pés, sem
exposição dos seios. O uso de acessórios, como jóias, maquiagens, enfeites de cabelos, foi
reduzido ao uso de pérolas, cabelos presos e a vestimentas pretas com rendas brancas. A
vaidade era considerada pecado. O corpo roliço é substituído novamente pela magreza. Agora
a beleza deveria ser sóbria e solene.
No século XVIII, a maquiagem passa a ser o cartão de visitas, e o vermelho impera
nas faces e olhos. A beleza natural, nem pensar! A maquiagem era usada até mesmo para
dormir. Depois de um certo período do século XVIII, a beleza retoma a simplicidade e a graça
natural, relembrando o século XIV, quando o espírito deveria prevalecer sobre o corpo. O
excesso de maquiagem é abolido, e as formas arredondadas do corpo voltam a ser o modelo.
O corpo ainda permanece coberto e os cabelos loiro-acinzentados, devendo ser cacheados e
cuidadosamente despenteados. O corpo limpo e saudável passa a ser o ideal de beleza (e
novamente se manifesta aqui a segregação social, pois o acesso à água, produtos de limpeza e
acessórios de luxo era restrito à elite burguesa).
A burguesia ganha espaço após a Revolução Industrial do século XVIII, nova época
histórica, marcada pelo crescimento industrial e comercial. No Romantismo (séc. XIX), a
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mulher é o tema preferido dos artistas e poetas: “A figura feminina aparece convertida em
anjo ou santa. Não importa a temática (escravidão, indianismo, sociedade urbana ou rural):
as mulheres são virgens, pálidas, belas, fiéis” (SOUSA, 2004, p. 106). O Romantismo retoma
os valores da Idade Média quando associa na mesma mulher o significado de anjo e demônio.
A mulher transitava da ingenuidade ao perigo. A beleza romântica expressa um estado d’alma
(ECO, 2004).
O modelo de beleza feminina dessa época encontrava expressão também na literatura
romântica: olhar melancólico e apaixonado, magreza, cintura fina, cabelos encaracolados e
presos com alguns cachos soltos. As mulheres faziam regimes rigorosos, chegando a extremos
para estar dentro do padrão de beleza. Quanto às vestimentas, os tecidos eram mais soltos,
devendo cobrir a maior parte do corpo; a mulher pertencia muito mais ao imaginário dos
artistas do que à realidade do cotidiano.
No século XIX, o excesso de maquiagem era condenado. Depois, porém, de os
pintores e escritores estimularem o modo de vida das cortesãs, a maquiagem voltou
juntamente com o uso de espartilhos, enchimentos para os quadris e seios, para valorizar as
formas. Esse corpo era considerado como “falso”, sem beleza, pois desvirtuava a
característica da mulher romântica.
Em 1921, iniciaram-se os concursos de beleza: os corpos expostos nas passarelas, para
avaliação, representavam um padrão de corpo a ser atingido.
Nos anos 40, musas do cinema, como Greta Garbo, Rita Hayworth, Marilyn Monroe e
outras, tornam-se um novo ideal de beleza, quase sempre inatingível, embora incessantemente
perseguido pelas mulheres em geral. Com o advento das telenovelas, reforça-se o papel da
mulher-familía, retratado nas atividades domésticas e nos conflitos familiares, reforçando
dessa maneira o lugar que esse corpo deveria ocupar (SOUZA, 2004).
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Na década de 50, no Ocidente pós-guerra, retomam-se os valores conservadores. As
mulheres casam-se mais e tem muitos filhos. Esposas e mães exemplares tinham como
objetivo agradar ao marido e cuidar zelosamente da casa, o que constituía uma atitude
ferozmente criticada pelas feministas, que enxergavam nessa situação uma regressão
histórica.
Os anos 60 foram marcados pelo movimento hippie, propugnador de um espírito de
liberdade: a moda segue o estilo hippie, e o corpo busca a juventude. O discurso se refere à
beleza jovem, e é preciso ser jovem para ter sucesso! A juventude é vista como valor e
modelo a serem alcançados. Na busca de inserção e identificação com o discurso da época,
aparece a obsessão pelo corpo magro, esguio, leve e delicado. Os movimentos marginais da
década de 60 também contribuem com novas imagens de beleza, dando origem à pop art, à
body art e ao flower power (SOUZA, 2004).
Na década de 70, a moda é o corpo musculoso e mais estilizado. Neste período,
quebram-se alguns tabus: os homens adotam o cabelo comprido, e os negros (homens e
mulheres) deixam os cabelos naturais para estar na moda dos brancos. O cabelo "black
power" se sobressai, e a beleza negra é reconhecida, sendo as mulheres negras convidadas
para serem modelos.
Em 1976, com o desenvolvimento de novas técnicas de cirurgia plástica e de materiais
(silicone e colágenos), cresce a idéia de que o indivíduo é responsável pela aparência que
possui. E se o indivíduo não está satisfeito com sua aparência, ele pode modificá-la. Basta
que, para isso, invista em seu próprio corpo. Assim, a responsabilidade pela aparência recai
sobre o indivíduo, o que acarreta um sentimento de culpa por não estar dentro do padrão de
beleza. É-se induzido a acreditar que se é responsável também pela falta de trabalho, pela
decadência do ensino e pelo sistema de saúde caótico. Enfim, a responsabilidade social deixa
de existir (SOUZA, 2004).
42
Até a década de 1980, os meios de comunicação vincularam o sucesso profissional das
mulheres à beleza. Parecia que os atributos físicos, como no início do século, usados para
conquistar o homem, também se repetiriam aqui na vida social da mulher emancipada. O
cinema, a publicidade e depois a mídia ditavam e reforçavam um padrão de beleza específico,
que toda mulher deveria alcançar. Mas os modelos não envelhecem, não apresentam cansaço,
ou problemas, são renováveis, sempre sorridentes, irreais o que pode gerar insatisfação,
quando não se identificam nesses dois mundos: o da mídia e o da vida real! Porém, ao mesmo
tempo em que se oferece um padrão fora da realidade, também se vendem recursos
milagrosos para atingi-lo, lançando individualmente a responsabilidade ou a escolha de
pertencer ou não ao padrão socialmente valorizado. As mulheres que não se encaixavam nos
padrões de beleza estavam excluídas, e passavam por um processo de morte simbólica.
A partir do momento em que a beleza não é mais percebida como um dom divino, e os
discursos religiosos de não-intervenção sobre o corpo perdem força, os meios de comunicação
aliados à medicina e às indústrias de cosméticos passam a estimular a intervenção sobre o
próprio corpo para atingir o padrão de beleza, ditado por eles próprios.
Ainda nos anos 1980, cresce o número de mulheres no mercado de trabalho, e a moda
teve de se ajustar a essa mudança com a produção de tailleur, calças, e ternos femininos. Era
uma aparência masculina para mulheres que trabalhavam. Corpo definido e pele bronzeada, a
beleza foi fixada na perfeição jovem e musculosa. As imperfeições do corpo passam a contar
com a ajuda de recursos, como a lipoaspiração (para a retirada dos excessos de gordura) e do
silicone (para aumentar os seios, glúteos e lábios). Segundo Françoise Mohrt in Faux (2000),
nos Estados Unidos as cirurgias plásticas aumentaram 63% no ano de 1988.
As indústrias alimentícias aproveitam, então, a crença de a beleza estar associada à
saúde, e lançam os produtos de tipo diet e light, destinados a auxiliar na perda de peso
corporal, reforçando ainda mais a relação de beleza com equilíbrio alimentar e dieta. A busca
43
de um padrão de beleza baseado nas imagens de atrizes de cinema, televisão e modelos gera
angústia em algumas mulheres comuns.
A geração dos anos 1990 é marcada pelas top models, e impera incontrastavelmente a
magreza. Época em que se torna um campo de expressão com as tatuagens, piercings,
perfuração da língua, nariz, umbigo e supercílio, o corpo passa a ser um espaço de
contestação, juntamente com a necessidade de significar do indivíduo (FAUX, 2000).
É interessante observar que, nos anos de 1900, algumas mulheres chegaram mesmo a
tirar algumas costelas para poder apertar bem o espartilho. Hoje algumas mulheres retiram
costelas para deixar a cintura mais fina, cujo contorno era dado antes pelo espartilho.
No século XX, aconteceram muitas mudanças de amplitude mundial. As guerras
provocaram mudanças em aspectos da vida pública e privada. Os meios de comunicação de
massa cresceram desmedidamente, o que facilitou a divulgação das notícias sobre os
acontecimentos no mundo. No início do século XX, a emancipação feminina provocou
mudanças de paradigmas. Mas, o cinema, a publicidade (e a mídia em geral), controlados
quase somente por homens, ainda identificam a mulher com o papel precípuo de esposa,
doméstica e mãe.
A mulher conquistou o direito ao ensino superior, o controle da reprodução, o espaço
no mercado de trabalho. A mulher rompeu com crenças antigas, e ganhou respeito quanto ao
seu papel social. Mesmo assim, ela não se sentia totalmente livre. Wolf (1992) associou a
falta de liberdade à insegurança quanto à corporeidade.
A globalização dos meios de comunicação de massa contribui para que as tendências
da moda percorressem todo o mundo, uniformizando-a. Persiste, ainda hoje, a relação da
beleza com o sentir-se bem, com o estar feliz e realizado consigo mesmo. A aeróbica é
substituída pela ioga. Época da aromoterapia, dos banhos e massagens com óleos relaxantes.
Os homens nessa década também foram alvo da imposição de um padrão de beleza: aumenta
44
a freqüência de homens em academias de ginástica, em salões de beleza e até mesmo
dispostos a se submeter a cirurgias plásticas.
Neste final de século, tudo parece permitido à moda, e a beleza é assumida como
mercadoria de alto valor.
1.3. CORPO E A CONTEMPORANEIDADE
A trajetória do corpo sempre esteve relacionada com as situações socioeconômicas,
culturais e históricas de cada época. Logo, para se entender melhor o corpo hoje, impõe-se
fazer algumas reflexões sobre os conceitos de pós-modernidade e suas implicações nas
representações do corpo. Para isso utilizamos os estudos de Stuart Hall, David Harvey, José
Joaquín Brünner e Anthony Giddens.
Os quatro autores oferecem diferentes leituras com relação às mudanças do mundo
pós-moderno. Porém, há uma linha comum entre eles, quando se referem à descontinuidade, à
fragmentação, à ruptura e ao deslocamento do momento.
O termo pós-modernidade suscita muitas discussões: para alguns estudiosos, a pós-
modernidade não existe em virtude de ainda estarmos na modernidade; para outros, estamos
em um período de transição, e na falta de um termo melhor para definir esse momento, usa-se
o de pós-modernidade. Outros nomes são utilizados para o momento no qual vivemos:
sociedade de consumo, sociedade de informação, sociedade pós-industrial, sociedade do
controle, modernidade tardia, hipermodernidade.
Independentemente do nome que se dê, o importante é contextualizar este período
contemporâneo, marcado, entre outras coisas, pela diminuição da relação espaço-tempo, pela
produção e consumo em massa, pelo aumento considerável da velocidade e quantidade de
informações (decorrentes do avanço acelerado da tecnologia, principalmente dos meios de
45
comunicações), pela dissolução política, pelo distanciamento das relações sociais, e pela
“crise de identidade”. Não se esquecendo do advento da globalização, Giddens diz: “A
modernidade é inerentemente globalizante” (1990, p.69). A globalização é definida por este
autor como: (...) a intensificação das relações sociais em escala mundial, que ligam
localidades distantes de tal maneira que acontecimentos locais são modelados por eventos
ocorrendo a muitas milhas de distância e vice-versa” (1990, p.69).
Segundo Harvey, essas mudanças não são novas. E acrescenta: (...) sua versão mais
recente por certo está ao alcance da pesquisa materialista-histórica, podendo até ser
teorizada com base na metanarrativa do desenvolvimento capitalista que Marx formulou”
(1996, p.293).
A importância de todo esse processo está em que ele tem impacto sobre a identidade
cultural do indivíduo. Ao falar da questão de identidade como parte de um processo mais
amplo de mudança, Stuart Hall mostra o seguinte:
Um tipo de mudança estrutural está transformando as sociedades modernas no final
do século XX. Isso está fragmentando as paisagens culturais de classe, gênero,
sexualidade, etnia, raça e nacionalidade, que, no passado, nos tinham fornecido
sólidas localizações como indivíduos sociais. Estas transformações estão também
mudando nossas identidades pessoais, abalando a idéia que temos de nós próprios
como sujeitos integrados. Esta perda de “um sentido de si” estável é chamada,
algumas vezes, de deslocamento ou descentração do sujeito. Esse duplo
deslocamento – descentração dos indivíduos tanto de seu lugar no mundo social e
cultural quanto de si mesmos – constitui uma “crise de identidade” para o indivíduo
(HALL, 2005, p.9).
Brünner (1998) considera a globalização cultural a partir de quatro fenômenos,
mutuamente relacionados: 1) a ligação entre economia industrial, mercado e comunicação,
mediados pelos próprios fenômenos da industria; 2) as relações entre o capitalismo e a
democracia; 3) a democracia e a transformação política na pós-modernidade; e 4) as múltiplas
relações das comunicações e a pós-modernidade:
46
La manifestación en la cultura de la civilización material emergente. Es su
arquitectura espiritual. Su lenguaje y su autoconciencia. Por ese concepto, ella
incide, a su vez, sobre la economía, la política y las relaciones sociales. Alimenta
los mercados, proporciona el clima moral y estético de la política y contribuye a
conformar el escenario de nuestras ciudades (BRÜNNER, 1998, p.30).
A pós-modernidade é uma condição que se encontra em movimento e, como tal, não
deve ser observada de forma estanque, isto é, como fim da modernidade e início da pós, mas
sim como um período de transição. Não se pode negar, contudo, que estamos vivendo um
momento de mudanças profundas (econômicas, políticas, sociais e culturais).
Ao refletirmos sobre as mudanças socioeconômicas e culturais, e sobre a redução
tempo-espaço, é impossível pensar que o indivíduo saia ileso desse sistema. Mesmo porque é
o agente condutor e transformador da história. A capacidade de adaptação que o ser humano
vem apresentando, no decorrer dos séculos, e o aumento de doenças com desgastes físico e
mental colocam em dúvida a capacidade do corpo-alma de acompanhar estas mudanças na
velocidade em que se apresentam. E podem ser identificadas com alguns sinais. Por exemplo,
o aumento da incidência de algumas patologias (como a síndrome do pânico), o estresse
(inclusive infantil), os distúrbios alimentares, os transtornos da imagem corporal, a depressão,
entre outras.
Dizer que as identidades antes eram unificadas e coerentes, e que agora estão
totalmente deslocadas, é uma maneira muito simplista de contar a história desse sujeito.
Segundo Hall, historicamente, o indivíduo passou por várias fases: a Reforma e o
Protestantismo libertaram a consciência individual das instituições religiosas e a colocaram
diretamente aos olhos de Deus; o Humanismo Renascentista colocou o homem como o centro
do universo; e o Iluminismo centrou a imagem do homem racional e científico, capaz de tudo
compreender e dominar (HALL, 2005, p.26).
As sociedades modernas, à medida que se tornavam mais complexas, foram
adquirindo uma forma mais coletiva e social. A partir daí, então, nasceu uma concepção mais
47
social do sujeito, o qual passou a ser visto de forma mais localizada dentro dessa estrutura.
Nesta mesma época (metade do século XX), o indivíduo se viu isolado e exilado nas
metrópoles, quase sempre impessoais. E agora, na modernidade tardia (na segunda metade do
século XX), o sujeito, além de desagregado, está deslocado, submetido ao seu próprio
descentramento. Stuart Hall (2005) assevera que a descentração foi marcada por cinco
episódios: 1) a releitura dos trabalhos de Marx; 2) a descoberta do inconsciente por Freud; 3)
o trabalho do lingüista estrutural Saussure, que considerou a língua como um sistema social e
não individual; 4) os estudos de Foucault sobre o poder disciplinar na regulação e vigilância
da espécie humana, do indivíduo e do corpo; e 5) o impacto do feminismo como crítica
teórica e movimento social.
Para Hall, esse deslocamento é causado pela globalização, que, por sua vez, gera uma
compressão espaço-tempo intervindo sobre as identidades culturais. É importante lembrar que
o tempo e o espaço são coordenadas básicas de todos os sistemas de representação (escrita,
pintura, desenho, fotografia, arte e telecomunicações): “E a identidade está profundamente
envolvida no processo de representação. Assim, a modelagem e a remodelagem de relações
espaço-tempo no interior de diferentes sistemas de representação tem efeitos profundos sobre
a forma como as identidades são localizadas e representadas” (2005, p.71).
O sujeito está inserido nas mudanças tanto do campo físico como do mental. Faz-se
necessário, então, retomar a questão: será que este corpo suporta o bombardeio de
informações, mudanças, perda das referências e excesso de produção e consumo, tudo isso
sem se manifestar? Hoje, vivemos um movimento constante e rápido de mudanças culturais,
econômicas e políticas. Esse movimento contínuo abala as estruturas e os processos centrais
das sociedades modernas, fragilizando os pontos de referências do indivíduo. Pontos, aliás,
que dão uma ancoragem estável ao mundo social. A relação entre tempo e espaço diminui
com o avanço tecnológico, o que parece tornar tudo fugaz. O corpo, por seu turno, necessita
48
de um tempo para adaptação, tempo que depende da história de vida de cada um, de sua
estrutura biopsicosocial. Mas, a velocidade dos processos de mudanças, por vezes, não
respeita esse ritmo, e o corpo padece.
No contexto da pós-modernidade, o homem acelerou o processo de fragmentação e
distanciamento de si, tornando-se mais vulnerável e manipulável: “O discurso sobre o corpo
convive com um esvaziamento e a mercantilização do mesmo, impondo um corpo retificado,
redefinido e com seus fragmentos costurados”. (LE BRETON, 2003, p.10)
Quando analisamos a evolução da Engenharia Genética, parece que o corpo caminha
para o artificial (NOVAES, 2003). A viabilidade de sermos clonados e a implantação de chips
em nosso corpo dão a sensação de que tudo pode ser reproduzido, como num robô feito de
várias peças. Isso nos obriga a pensar nas cirurgias plásticas através das quais compro nariz,
boca, seios, glúteos, como num mercado. Exaltamos não o corpo que possuímos, mas o corpo
redefinido, fragmentado. Na outra extremidade, temos o relacionamento via internet, onde o
corpo do outro está distante, é virtual. Substituímos nossas experiências como seres humanos
para conversarmos com máquinas, que dificilmente darão riqueza de detalhes quando nos
atrevemos a viver de fato. A moda e a mídia vendem o corpo da modelo como ideal, mas
ocultam que algumas sofrem de anorexia devido a regimes alimentares altamente agressivos
com o objetivo de manter o peso corporal baixo. É o padrão a qualquer preço, mesmo que
coloque em risco a saúde. O corpo retificado, redefinido e fragmentado distancia-se de si, vive
a ilusão da imagem, de ser o que não é, vive a ilusão corporal.
Keleman (2001) aborda o corpo abandonado e sua relação com fatores como o corpo
ideal, o corpo real e a ilusão corporal:
Abandonamos o corpo em nome da racionalidade e linguagem, símbolos e signos.
O cérebro organizou uma realidade de imagem e pensamento, ao venerar a vida
invisível da consciência.
49
Nós existimos numa Terra Devastada, onde as imagens vampirizam a vitalidade do
soma, onde o pensamento está enamorado pelo próprio reflexo (KELEMAN, 2001,
p. 42).
Estamos presenciando um avanço tecnológico em ritmo acelerado, sobretudo o dos
meios de comunicação. O mundo é, hoje, predominantemente visual: as imagens invadem as
ruas, as casas: “As imagens em nosso cérebro funcionam como uma conexão interior, [só
que] o corpo tornou-se vítima do seu próprio processo de produção de imagens que se
descontrolou” (KELEMAN, 2001, p.44).
O corpo fragmentado perde a conexão com o todo, com a essência, e somos, por
conseguinte, engolidos pelas imagens que acreditamos serem reais; inebriados pelas imagens
que a mente produz, mas desconhecemos nosso próprio corpo, desabitado, devastado. Na
busca de um referencial de corpo no exterior, nos distanciamos cada vez mais de referenciais
internos. Por causa disso, facilmente absorvemos a idéia da existência de um corpo ideal,
mesmo que ele não supra as reais necessidades de cada indivíduo.
Quando idealizamos a imagem em lugar da experiência, nós nos descobrimos
vivendo na imagem. Atualmente, grande parte da sociedade se organiza de maneira
que se coloca à parte da sua natureza. A natureza tornou-se uma fotografia, uma
idéia, um símbolo, uma imagem no cérebro – e o mesmo acontece com o corpo.
Vivemos na imagem do corpo, não no corpo (KELEMAN, 2001, p. 43).
Quando se deixa de viver o corpo para viver as imagens, tem-se a ilusão corporal. E
quando o corpo experimenta as informações sensitivas e emocionais presentes no mundo
externo e interno, alterando a experiência de si nesse mundo, tem-se o corpo real.
O padrão universal do corpo ideal é um produto da mídia, ou seja, uma ilusão. A
história mostra que o padrão de beleza se modificou com o tempo e local, sendo revivido em
épocas diferentes. Ele foi mudando num processo de vai-e-vem da moda. Então, o padrão
50
serve de conveniência à parte da população que vive da exploração dos recursos e da
fragilidade do homem, causada pela fragmentação do seu corpo.
O homem distante de si torna-se presa fácil de outros homens; fica mais manipulável.
A busca incessante pela juventude, a custas de mutilações e da mercantilização do corpo, faz
emergir o medo do envelhecimento. Novamente, a mídia reforça o padrão jovem como o
único estilo de integração com a sociedade.
O corpo está em constante movimento e, como tal, sofre alterações em razão do meio,
sejam elas físicas, sejam emocionais. É impossível imaginar o corpo perfeito, sem rasuras.
Até mesmo nas obras de artes, quando apresentam como resultado final a perfeição dos
traços, houve antes algumas rasuras e correções.
Atualmente, falar de corpo sem associá-lo à mídia e ao consumo é praticamente
impossível. O volume de informações que chegam através da internet, de revistas, da
televisão, do rádio, do cinema, dos outdoors, é muito grande. Há uma disseminação notável
da imagem do corpo nos meios de comunicação:
Esses meios classificam, nomeiam e definem como esse corpo deve ser, pois a
linguagem com seu caráter ideológico não apenas traduz o social, mas representa-o,
recria-o. Esses saberes e linguagens possibilitam e criam o olhar sobre o corpo,
determinando-o como um construto histórico-cultural (SOUZA, 2004, p. 169).
Associado às imagens, ganha destaque o apelo publicitário para o consumo de
produtos (cosméticos, dietas, cirurgias plásticas, roupas) que prometem atingir o ideal de
beleza. Há uma estreita relação de dependência entre o objeto de consumo e o sujeito. O
indivíduo é bombardeado por informações, de todos os lados, sendo “abduzido” pela
ideologia midiática e de consumo. O excesso de imagens do corpo no cinema, fotografias,
revistas, publicidade e televisão faz dele o foco de interesses e curiosidades. A exploração das
imagens corporais pelos meios de comunicação e pelo público acaba por ampliar os detalhes e
51
as “imperfeições” desse corpo, levando a uma fragmentação da imagem corporal. Nesse
sentido Le Breton é perspicaz quando escreve que (...) pensar o corpo é outra maneira de
pensar o mundo e o vínculo social; uma perturbação introduzida na configuração do corpo é
uma perturbação introduzida na coerência do mundo” (Apud SANT’ANNA, 1995, p. 65).
Parece haver uma necessidade de definir e ditar padrões corporais, excluindo-se as
formas “estranhas”, ou seja, as formas que fogem aos padrões gestados na sociedade de cada
época: “O vestuário e a manipulação do corpo são, pois, um fator de inclusão/exclusão social
e o seu uso é um indicador de uma identidade social mais ou menos procurada, mas sempre
presente na interação da pessoa com o seu meio” (STOER, 2004, p. 44). Isto significa que
não pertencer a um padrão é ser estranho, é ser diferente ao meio. Ser considerado feio é estar
fora do ambiente social. Talvez isso explique porque as pessoas se preocupam tanto com a
aparência, buscando um padrão de beleza.
O século XXI surgiu marcado pela busca sem freios pela beleza e pela juventude. Isso,
a qualquer preço. A cultura de consumo é fundamental para a produção presente do padrão de
beleza. Tendo em vista esse filão, as indústrias de cosméticos e alimentos (em conjunto com
os meios de comunicação) têm feito investimentos pesados nesta área. A mídia focaliza o
corpo e favorece as indústrias relacionadas a esse tema como, por exemplo, de medicamentos,
cosméticos e alimentos, que por sua vez, também ditam as tendências da moda em relação a
roupas, acessórios, maquiagens, cremes, cabelos e dietas. Enfim, a mídia é uma grande vitrine
de corpos, com seus padrões e regras. E o século XXI tem como modelo o corpo magro, bem
definido ("malhado"), e as roupas da moda são feitas para o corpo esguio. Logo, se o
indivíduo estiver fora do padrão, está excluído da moda.
Isso nos remete ao pensamento de Foucault (1979), sobre as sociedades disciplinares,
que exercem seu poder sobre os corpos. Estes, por sua vez, acabam por obedecer aos
mecanismos que organizam o sistema de poder e submissão. Foucault defende a idéia de que
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o poder está ligado ao corpo, uma vez que é sobre ele que se impõem regras, proibições,
obrigações e imitações. O estudioso fala do corpo dócil no sentido de ser moldado, adestrado,
submetido, utilizado, transformado e aperfeiçoado pelo e em função do poder. E, da mesma
forma, a mídia exerce esse poder sobre os indivíduos, controlando suas ações, reações e
emoções.
A sociedade faz a apologia do corpo. Acaba, porém, por (...) esvaziá-lo,
transformando-o em mercadoria e impondo um fora do corpo como exterioridade
redundante que dita um simulacro do próprio corpo” (LE BRETON, 2003, p. 10).
Vivemos um paradoxo: em uma época que se cultua tanto o corpo, nunca o homem
ocidental utilizou-o tão pouco. A tecnologia trouxe as escadas rolantes, esteiras, carros,
motos, internet e muito mais. Hoje podemos fazer praticamente tudo sem sair da frente da tela
do computador. Até sexo virtual podemos fazer! As atividades do corpo diminuíram, ou seja,
o consumo físico está em baixa. Agora precisamos saber qual corpo estamos cultuando: o
estético, o externo ou o simulacro.
Se o corpo é o local de relação com o mundo, se ele permeia as relações internas e
externas, e vice-versa, o homem que se distancia do corpo e de si está na “zona de perigo”.
Segundo Le Breton:
Essa restrição de atividades físicas e sensoriais não deixa de ter incidências na
existência do indivíduo. Desmantela sua visão do mundo, limita seu campo de
iniciativa sobre o real, diminui o sentimento de constância do eu, debilita seu
conhecimento direto das coisas e é móvel permanente de mal-estar. (LE BRETON,
2003, p.21)
O ser humano fica muito mais manipulável, frágil e inconstante. Ele se torna um poço
de insatisfações. O que justifica a sua busca incessante por um padrão, que, muitas vezes, ele
mesmo descobre ser inatingível, é o que gera mais insatisfações e frustrações.
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O homem acredita que mudando seu corpo, poderá mudar sua vida. O olhar sobre si e
o olhar dos outros. O corpo tomado como acessório implica uma encenação de si, no desejo
de se reapropriar da sua existência, da sua identidade. Sob este aspecto, a cirurgia plástica
deixa de ser uma mudança banal do físico. Ela opera em primeiro lugar, no imaginário,
exercendo influência na relação do indivíduo com o mundo. O indivíduo vê a aparência
externa não desejada como um obstáculo para a transformação interna, a qual leva um tempo
e requer empenho. Então o sujeito recorre à cirurgia estética, para uma mudança simbólica e
imediata do corpo (LE BRETON, 2003).
Em relação aos símbolos, Baudrillard (1996) escreve que, hoje, a questão central que
move a sociedade é o simulacro e não mais a ideologia. As finalidades desaparecem e os
indivíduos são movidos por modelos que são efêmeros. A simulação ocorre para esconder
quem realmente somos. Nem mesmo o inconsciente é livre de signos, pois está codificado
através de termos e conceitos.
A estruturação individualista da sociedade ocidental modificou profundamente a
atitude do indivíduo com relação ao corpo. O corpo deixa de ser inerte e torna-se local de
reconquista de si, de sedução e de experiências de sensações inéditas. O indivíduo
concentrou-se em si e produziu um mundo portátil. Nessa vertente, o corpo tornou-se parceiro
privilegiado, o que, para alguns indivíduos, quase substitui a presença do corpo de outra
pessoa, tamanha a dimensão da individualização. Temos aqui um antagonismo, pois, ao
mesmo tempo em que este século prega a individualização e a autonomia do sujeito, também
o engloba na massificação da cultura.
As inúmeras possibilidades de se refazer, moldar e remanejar este corpo, como peças
que compro em uma loja, ou seja, o corpo-mercadoria faz com que o homem se dissocie desse
corpo e de si, iniciando um processo de fragmentação do próprio corpo. Segundo Le Breton
(2003), esse processo de fragmentação é conseqüência da fragmentação do indivíduo. Por
54
isso, essa busca obsessiva pela aparência: o homem está tentando arrumar a casa interna
reformando-a por fora, e infelizmente ele está no caminho inverso.
A alteração do corpo remete, no imaginário ocidental, a uma alteração moral do
homem e, inversamente, a alteração moral do homem acarreta a fantasia de que seu
corpo não é apropriado e que convém endireitá-lo. Essa passagem a um outro tipo
de humanidade autoriza a constância do julgamento ou do olhar depreciativo sobre
ele, e até a violência contra ele. Só o homem comum se reserva o privilégio
aristocrático de passear por uma rua sem suscitar a menor indiscrição. Se o homem
só existe por meio das formas corporais que o colocam no mundo, qualquer
modificação de sua forma determina uma outra definição de humanidade. Os
limites do corpo esboçam, em sua escala, a ordem moral e significante do mundo. E
nossas sociedades contemporâneas cultivam uma norma das aparências e uma
preocupação rígida de saúde (LE BRETON, 2004, p.87)
Segundo Stoer (2004), o corpo é lugar de exclusão e inclusão social. O corpo na
sociedade de mercado é valorizado pela eficiência, desempenho e perfeição. Logo, o
deficiente está excluído da sociedade. Isso pode ser observado nos acessos proporcionados ao
deficiente nas ruas, cinemas, escolas, bares e clubes. Dificilmente quem constrói um
estabelecimento público pensa no acesso para deficientes, porque as pessoas “normais”
acreditam que o deficiente não consumirá o seu produto. Sendo assim, o deficiente quase
inexiste para essas pessoas. Por outro lado, hoje existem leis que obrigam os estabelecimentos
comerciais a construir tais acessos. Os padrões estabelecidos pela engenharia das prefeituras,
contudo, são muitas vezes insuficientes para suprir as necessidades do deficiente. E a falta de
consideração para com o deficiente se encerra quando os piores locais são reservados para
eles no estabelecimento, como uma forma velada de exclusão.
Este é o período em que vivemos: a sociedade de consumo e de culto ao corpo, dos
simulacros, da superficialidade das relações, do distanciamento do homem de si. Enfim, de
uma insatisfação quase globalizada, levando a uma busca sem fim do bem-estar. É dentro
deste contexto que pretendemos estudar as dificuldades de exposição corporal dos alunos. O
aluno, em contato com seu corpo e o corpo do outro. O aluno-terapeuta, deparando-se com o
55
corpo deficiente. O aluno que, em sua atuação profissional, terá de lidar com corpos
“imperfeitos” em uma época em que o belo e a “perfeição” imperam.
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2. OUVIR, OLHAR E SENTIR O OUTRO NA FISIOTERAPIA
Na busca por compreender as dificuldades de exposição corporal dos alunos, nas aulas
práticas de fisioterapia, optamos por fazer algumas reflexões sobre o corpo-aluno, o corpo-
terapeuta, o corpo-paciente ou simplesmente o corpo. Neste capítulo, pretendemos discutir a
estrutura do curso de fisioterapia com o propósito de entender o local do corpo nas aulas e na
formação profissional do aluno, bem como conhecer suas situações de dificuldade no
momento da exposição corporal.
Pela legislação vigente, um curso de fisioterapia deve ser estruturado para um período
de quatro anos. Utilizaremos um exemplo de estrutura curricular, que de modo geral ocorre na
maioria das Universidades, embora com algumas variações de uma para outra.
O primeiro ano é composto por disciplinas consideradas básicas: anatomia, fisiologia,
biomecânica e bioquímica. Os alunos desta etapa fazem estágio voluntário de observação na
clínica de fisioterapia na própria faculdade. Neste momento ocorre o primeiro contato com os
pacientes. No segundo ano, iniciam-se as disciplinas direcionadas para a fisioterapia, como
Métodos e Técnicas de Avaliação, Avaliação Funcional, Hidroterapia, Massoterapia,
Eletroterapia. O número de aulas práticas aumenta. O terceiro ano é composto praticamente
de disciplinas aplicadas: Fisioterapia Neurológica, Fisioterapia Ortopédica, Fisioterapia
Preventiva e Fisioterapia Cardiorrespiratória, e de aulas práticas específicas, por disciplinas
aplicadas. O último ano é caracterizado principalmente pelo trabalho de conclusão de curso e
pelo estágio supervisionado nas áreas aplicad
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de um tratamento com relacionamento humano entre terapeuta-paciente, e ,finalmente, para a
identificação do momento de alta fisioterápica do paciente. Essas habilidades devem ser
desenvolvidas no decorrer do curso, por meio de aulas teóricas, práticas, e estágio
supervisionado.
Alguns exemplos de disciplinas práticas: Métodos e Técnicas de Avaliação,
Cinesiologia, Cinesioterapia, Massoterapia e Fisioterapia Ortopédica. Essas disciplinas são
desenvolvidas com a necessidade de exposição corporal dos alunos. Para tanto, solicita-se do
aluno o uso de roupas que facilitem o olhar e o toque próprios aos procedimentos
terapêuticos.
Cada aula prática está vinculada ao tema de uma aula teórica. Por exemplo, se a aula é
sobre avaliação das estruturas do joelho, somente esta parte do corpo será exposta,
solicitando-se ao aluno comparecer de bermuda ou short. Quando o tema é a região do ombro,
pede-se o uso de um top. As aulas de avaliação postural e de técnicas de massagens
necessitam de uma exposição do corpo todo. Solicita-se, pois, o uso de biquíni ou sunga.
Os alunos devem ser orientados acerca da importância da participação nas aulas
práticas, do comportamento de respeito durante elas, da relação com os colegas, e informados
antecipadamente do tipo de roupa que devem vestir nessas aulas. Durante as práticas, são
formadas duplas, e cada aluno deve intervir, primeiro, como terapeuta, e depois deixar que o
outro o trate como paciente. Isto obedece ao objetivo de ensinar a técnica e sensibilizá-lo no
trato com o outro.
No desenvolvimento das aulas práticas, é comum que os alunos a princípio sintam
inibição. Mas, comportamentos de resistência a usar as roupas pedidas, as faltas e os pedidos
para que se separem homens e mulheres, além da dificuldade em se conseguir alunos
voluntários, tudo isso evidencia que as inibições continuam.
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O fisioterapeuta é um profissional que está em contato direto com o corpo do paciente.
O corpo é seu grande instrumento de trabalho. É com ele que utilizamos os recursos
terapêuticos, fazemos as transferências da cadeira de roda para a maca e vice-versa,
auxiliamos e demonstramos os movimentos ao paciente, que por alguma razão estão inativos.
O fisioterapeuta verifica as aderências teciduais, temperatura, alterações ósseas e musculares
através de palpações. E após uma avaliação detalhada são traçados os objetivos e elaborado as
condutas.
A investigação do corpo do outro ocorre através de quatro dos cinco sentidos que
possuímos. O sentido da pele, que nos permite a palpação em busca de alguma alteração nos
tecidos, músculos ou ossos; utilizamos a audição, coletando informações sobre a patologia e a
vida do paciente, assim como sons que denunciem alterações físicas e emocionais. O olfato é
um outro sentido que auxilia na composição das experiências na história do paciente, através
da percepção de possíveis inflamações, incontinência urinária e condições de higiene. E, por
fim, a visão, com a qual percebemos alterações de humor, desvios ósseos ou musculares, e
também para estabelecer empatia no relacionamento ao "olhar o outro".
O corpo do fisioterapeuta é o receptor do corpo do outro, e também durante um tempo
é o realizador de ações para o outro. O corpo é um grande mediador de acontecimentos e
atitudes. É através dele que expressões de alegria, medo, satisfação, angústia, dor, alívio se
manifestam. “O corpo é o primeiro e mais natural instrumento. Ou mais precisamente, para
não falar de instrumentos, o seu primeiro e mais natural objeto técnico sendo que técnico
quer dizer seu corpo” (MAUSS, 1979; apud STOERS, 2004, p. 38).
Partindo das afirmações acima, podemos dizer que as dificuldades de exposição
corporal dos alunos tomam outra dimensão de importância. Nas aulas práticas, os alunos têm
a oportunidade de praticar as avaliações físicas, as técnicas e os recursos terapêuticos, e as
habilidades manuais, como tato e pressão. E estes procedimentos são impossíveis de ser
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realizados por cima das vestimentas. Além disso, é importante o momento do contato, pois o
aluno, ao viver a experiência de ser terapeuta, aplica as técnicas e vivências próprias ao seu
ofício. Igualmente, reconhece as percepções do ponto de vista do paciente quando recebe o
tratamento do colega.
Este fato pode ser assim sustentado, segundo a lógica recursiva, que se aproxima da
reversibilidade dos sentidos de Merleau-Ponty:
Nesta, há um entrelaçamento entre o vidente e o visível, o tangente e o tangível,
pois o mesmo corpo que vê e toca pertence ao mesmo mundo do visível e do
tangível. O sentir é compreendido na aderência do sentiente ao sentido e do
sentido ao sentiente, como na reversibilidade do aperto de mãos, quando ao
mesmo tempo em que toca, pode sentir-se tocado (MERLEAU-PONTY, 1999;
apud MENDES e NÓBREGA, 2004, p. 56).
Neste sentido, o corpo ou melhor, a exposição corporal não é somente uma
exibição pública, mas motivo para observação e construção de conhecimento. Quando
conhecemos melhor o nosso corpo, a nossa capacidade de compreender o corpo do outro
tende a aumentar. Os alunos descobrem que o corpo não segue as regras lineares dos livros e
das teorias. Percebem que o corpo humano apresenta variações anatômicas, e que nem sempre
ele responde como esperado. Por outro lado, necessitam de ajuda para enxergar que não há
um único processo de vida para todos: ao contrário, existem diferentes cursos de vida,
históricos e culturais, que fazem a diferença entre os seres humanos.
Partindo do pressuposto de que “(...) o corpo é o lugar de toda travessia na aventura
humana” (KEIL e TIBURI, 2004, p.11), deve-se atentar para o trabalho com o corpo como
estando direta ou indiretamente relacionado com a história corporal do sujeito. Portanto, não é
uma simples questão de exposição do corpo, mas sim do significado e de suas repercussões
sobre o aluno. O corpo é o grande mediador de sensações, sentimentos, emoções e
pensamentos (GIL, 1997).
60
O aluno quando toca corpos diferentes pode sentir as variações de texturas de peles,
tônus, temperaturas, e quando é tocado experimenta o que é ser tocado, qual tipo de toque é
mais agradável ou incômodo. Vivencia em seu próprio corpo as diferentes sensações de
toques de um mesmo colega e de colegas diferentes. O aluno é aprendiz e professor
simultaneamente, porque aprende no próprio corpo a técnica, enquanto pode direcionar o
colega na execução da técnica no sentido de aperfeiçoá-la.
Observar o corpo exposto: as diferenças, as semelhanças, as evidências. E,
principalmente, perceber o que o corpo não mostra. A experiência vivida pelo outro escapa à
nossa visão, voltada para sinais mais patentes como as palavras, as expressões faciais e os
movimentos corporais. Neste sentido, é interessante o conceito que Gil tem sobre o olhar:
O visar não se dirige a um “sentido”, uma “essência”, mas um contacto vital;
“comunicar” com outrem é entrar em contacto, misturar substâncias. Qualquer que
seja a maneira como se pensa este “comunicar”, ele implica um contacto directo
que é, ao mesmo tempo, conhecimento e afeto. O misturar de substâncias que se
visa é um conhecimento imediato pela afetividade.
(...) O que poderia ser um contacto imediato entre o “interior” afectivo e outro
“interior”, que não tivesse de atravessar dois corpos. Ora é esse tipo de contacto que
se supõe aqui visado por cada movimento para “comunicar” com o outro, de que
“percepcionar” é já uma modalidade (no percepcionar visa-se “comunicar”, quer
dizer “conhecer”, “conectar-se” imediatamente) (GIL, 1997, p. 149).
Para Gil (1997), o conceito do olhar vai além da simples visão. Significa perceber,
conhecer, comunicar-se, e situa o exterior na extensão de toda a superfície corpórea, já que
todo o corpo é expressivo. E o interior não está no espaço, porque é espírito (a alma), e não
pode situar-se fora do corpo.
Nossa pesquisa não pretende aprofundar-se nas questões do corpo-alma, mas apenas
compreender que não se desvincula a unidade do corpo e do espírito. “Alma e o Corpo estão,
pois, simultaneamente presentes, e – é necessário supor – simultaneamente ausentes. Se a
Alma é a idéia do Corpo, não há mais idéia quando não há mais corpo” (SPINOSA, 1954;
61
apud LE BRETON, 2003, p. 12). Quando olhamos alguém nos olhos, não são somente os
olhos que nos interessam, mas sim o que há por trás deles, o seu interior, a sua alma. O
mesmo acontece quando abraçamos uma pessoa: não é somente o corpo físico que nos
interessa, mas o conjunto corpo-alma. Da mesma maneira, quando ouvimos alguém, esse
alguém quer ser compreendido na sua profundidade, onde se situa a alma, e não é na
superfície da pele e dos orifícios da fonação, audição e visão (GIL, 1997).
Voltemos ao corpo no âmbito das aulas práticas: ele não é apenas exposto, mas
também tocado pelo outro, um desafio numa época de predomínio do virtual, das relações
superficiais, rápidas, em que as pessoas raramente tocam ou são tocadas. Por isso, o toque nas
aulas iniciais gera ansiedade, desconforto e, de certa forma, um sentimento de invasão do
espaço corporal individual.
O toque leva o pensamento diretamente à pele. E ao pensar na pele, devemos recordar
que ela é o maior órgão do corpo humano, recobrindo toda a superfície, e seu prolongamento
invade mesmo o interior do corpo. É elástica, portanto pode-se esticar ou retrair. O toque pode
mudar sua temperatura, cor e tensão. A pele, por sua vez, pode responder ao toque de forma a
aceitá-lo ou recusá-lo, e para os fisioterapeutas é muito importante realizar a leitura do toque
na pele.
Todo o trabalho da fisioterapia utiliza o toque como instrumento, seja em pequena ou
em grande escala. Jamais, porém, está ausente. Apesar dos avanços da tecnologia, as mãos
ainda continuam sendo o mais importante instrumento de trabalho do fisioterapeuta, e o toque
uma habilidade a ser desenvolvida com a prática, em diferentes corpos e diretamente na pele
(isto é, sem interferências de roupas). A possibilidade de tocar diferentes corpos em uma sala
de aula significa poder trabalhar e sentir as variações anatômicas específicas de cada
indivíduo. As aulas práticas permitem a experiência de tocar o outro e ser tocado de uma
maneira não realizada antes. O aluno deve sentir e reconhecer as alterações com as mãos.
62
Nesse momento, as mãos do terapeuta passam a ser seus olhos. No contato, pergunta-se: o que
a pele quer comunicar? O que este espaço externo comunica do interno? O toque é um
diálogo não verbal com o corpo do outro, sua linguagem nasce das pequenas percepções:
(...) a pele integra o olhar cegando-o: a pele não vê, mas transforma a sua
tactilidade cega em abertura e transporte do espaço interno do corpo interno para
o exterior. A pele toca como se visse, à distancia – mas sem ver.
(...) o espaço interno toca sem tocar, com a pura hapticidade do olhar, mas sem a
visão, ou seja, vê sem ver, mas com o poder de se moldar à distância, como o faz
o olhar (GIL, 1997, p. 157).
A pele se conecta ao espaço interior formando uma dupla interface: psique-soma. O
espaço interior do corpo é o espaço onde se inscrevem conteúdos intersubjetivos
(interpsicossomáticos). Todo o corpo humano possui inscrições múltiplas que estão além do
corpo visível (Gil, 1997).
Ao tocar alguém, os conteúdos inscritos no espaço interior podem emergir ou
camuflar-se na recusa ao toque. Portando, a prática do toque não deve resumir-se à técnica em
si: unhas curtas, mãos aquecidas e flexíveis, toque firme, porém agradável. Deve-se sentir a
melhor maneira de tocar, quando é preciso aprofundar o toque para romper barreiras, e
quando é necessário recuar e aguardar o momento certo.
As questões práticas do profissional em formação podem ser desenvolvidas no
contexto da sala de aula, com pessoas de diferentes classes sociais, donos de inúmeras e
diversas histórias de vida, com estruturas anatômicas variadas, personalidades diferentes.
Temos, em verdade, uma microssociedade dentro da sala.
Para além das possibilidades de experiência com o outro (ou outros diferentes), a
Universidade deve também possibilitar o autoconhecimento do aluno. O procedimento de
avaliação e tratamento na fisioterapia passa pela escuta, o olhar e o sentir, que comungam
entre si, e vão além de seqüências técnicas: passam pelo conhecimento teórico e pelo
63
autoconhecimento. A prática efetiva e livre de preconceitos se faz necessária para o
aprendizado. Mas, o olhar (observação/inspeção) e o sentir (toque/palpação) são impossíveis
com o corpo coberto de roupas. Então, a exposição corporal nas aulas práticas, para detectar
alterações no corpo, realização de procedimentos de palpação e técnicas de tratamento, torna-
se importante para a formação profissional.
É claro que a exposição do corpo em uma sociedade em que o culto à beleza física e
à perfeição imperam não é fácil. Cabe indagar: é este o corpo que nos interessa? Por outro
lado, esse corpo está na sociedade, o que significa dizer que ele sofre influências
socioculturais do meio em que vive. A visão deseja a perfeição, mas busca a imperfeição no
corpo do outro que foge ao padrão de beleza.
Segundo David Le Breton: “O desnudamento é um equivalente simbólico da
imolação, da descoberta, por trás do verniz das roupas, da infinita fragilidade do outro. A
nudez já implica aceitar estar moralmente indefeso (nu) diante dos olhos do outro” (LE
BRETON, 2003, p.164).
Vencer as barreiras em uma sala de aula, na exposição corporal, é tarefa árdua, haja
vista a fragilidade do corpo humano, de suas máscaras construídas durante anos. Como
poderíamos imaginar que uma simples exposição do corpo pudesse navegar tão longe? É,
contudo, demasiada pretensão que a dificuldade se resolva nos limites do próprio curso,
embora a convicção da necessidade de vencê-la deva ser buscada ao longo dele.
A inibição do aluno à exposição, a sensação de estar indefeso perante o outro, é a
mesma que o paciente sente quando se expõe diante do aluno no estágio, ou do profissional na
clínica. Como poderá o aluno solicitar, de forma tranqüila, a um paciente que se dispa para
uma avaliação, se ele mesmo não consegue fazê-lo? Outro ponto importante reside no fato de
que a habilidade visual, manual e de escuta é desenvolvida na prática, isto é, exercendo-a
empiricamente no outro e em si mesmo. Quando o aluno se omite na exposição, perde a
64
chance de experimentar, vivenciar e descobrir o próprio corpo e o corpo do outro. As
possíveis questões, reflexões e dúvidas que podem emergir com a prática nascem mortas, não
afloram. O conhecimento do aluno restringe-se ao plano teórico, preso à informação estanque.
Vivenciar o corpo é poder descobrir infinitas possibilidades de ser, conhecer, aprender
e se redescobrir, com suas imperfeições, complexidades, belezas e enigmas.
Na relação do corpo com a educação, com a cultura e a história, Mendes e Nóbrega
escrevem:
(...) a educação, ao perceber que o corpo, natureza e cultura se interpenetram
através de uma lógica recursiva, poderá compreender que o corpo natural é
cultural, humano e animal, universal e singular, portanto histórico. Logo, ao
perceber que não é possível ir em busca de um corpo isento de história e ao
reconhecer a responsabilidade que possui ao colaborar com a reescrita dessa
história, ela tem o desafio de permitir desabrochar as subjetividades, abrindo
espaços que possibilitem aflorar o ser selvagem, o ser do abismo, um ser que, ao
se modificar constantemente, provoca mudanças no ambiente, na sociedade, na
cultura. Uma educação que seja capaz de fazer desvendar a capacidade criativa
de um corpo que, ao viver, se reestrutura mediante imprevistos, fazendo desvelar
a complexa condição humana (MENDES E NÒBREGA, 2004, p.136).
A complexidade das infinitas concepções do corpo faz da exposição corporal
um pano de fundo diante da profundidade e relevância do significado do corpo no processo de
aprendizado para a formação do aluno.
65
3. UMA INVESTIGAÇÃO SOBRE A EXPOSIÇÃO CORPORAL DE ALUNOS NO
CURSO DE FISIOTERAPIA
Neste capítulo, temos por propósito apresentar os resultados de uma pesquisa sobre as
dificuldades que os alunos comumente apresentam com relação à exposição corporal em aulas
práticas e em momentos de estágio no curso de formação. Buscamos investigar diretamente o
comportamento dos alunos e, em seguida, associá-lo a opiniões colhidas entre professores da
área.
Entende-se aqui por exposição corporal a situação real em que o aluno (ou o paciente
atendido na universidade), é solicitado a deixar parte de seu corpo exposto sem roupas ou com
roupas sumárias, que permitam deixar à mostra o corpo ou parte dele, com o objetivo de
realizar as avaliações funcionais, aplicação das técnicas, manobras e dos recursos terapêuticos
que a fisioterapia utiliza para diagnóstico e tratamento.
Observações empíricas colhidas como professora de aulas práticas e estágio levaram-
me às reflexões sobre as dificuldades dos alunos em mostrar o corpo. A necessidade em
aulas de práticas avaliativas de postura (entre outros manejos) de colocar roupas que
permitam a exposição parcial do corpo, para aprendizagem da avaliação dos segmentos
corporais e do corpo como um todo, para a prática de técnicas manuais, da utilização de
recursos terapêuticos e da relação terapeuta paciente, suscita resistências entre os alunos.
Acreditando que a interação do aluno com o próprio corpo, no papel de avaliar, de ser
avaliado e de desenvolver o tratamento, por meio das técnicas fisioterápicas, pode fornecer
dados para a futura atuação profissional e desenvolvimento de empatia no trato com pacientes
(ou seja, vivenciar o estar na situação do outro, se habituar em ver corpos humanos sem
roupas) ajuda a sensibilizar a relação entre o profissional e o paciente, já que essa pessoa
66
deverá, no tratamento em fisioterapia, expor o corpo frente a um estranho, o que em nossa
cultura, ou alguns segmentos sociais, pode significar uma dificuldade.
3.1. OBJETIVOS
O presente estudo teve como objetivo geral compreender sobre a relação dos alunos
com a exposição corporal em situação de aprendizagem; e como objetivos específicos:
Identificar no cotidiano da universidade, nas interações de estágio, o comportamento
dos alunos com relação à exposição corporal das pessoas atendidas pelo setor de
ortopedia da clínica de fisioterapia;
Identificar nas aulas práticas do curso de fisioterapia, a relação dos alunos com a sua
própria exposição corporal em situação de aprendizagem;
Levantar a opinião de professores sobre a relação de aprendizagem dos alunos e a
exposição corporal.
3.2. MÉTODO
Ao se definir como objetivo deste estudo entender a relação dos alunos com a
exposição corporal no processo de aprendizagem para a formação de profissionais de
fisioterapia, com olhar reflexivo para uma futura reestruturação das aulas práticas do curso de
fisioterapia, e a escolha dos instrumentos de campo utilizados, foi estabelecido o método
qualitativo para sua realização.
A pesquisa qualitativa é “(...) aquela capaz de incorporar a questão do significado e
da intencionalidade como inerentes aos atos, às relações, e às estruturas sociais, sendo essas
67
últimas tomadas tanto no seu advento quanto na sua transformação, como construções
humanas significativas” (MINAYO, 2004, p.10).
A escolha do método qualitativo se deve também ao fato de ele privilegiar o
aprofundamento e abrangência da compreensão do conhecimento do sujeito e de seu
entendimento do mundo, em detrimento do critério numérico e de generalização.
As observações e os relatos de alunos e professores foram fontes de informações para
uma análise de conteúdo, o que, segundo Bardin (1979), visa obter indicadores (quantitativos
ou não) que permitam a conclusão de conhecimentos relativos às condições de produção e
recepção do conteúdo das mensagens. É válido lembrar que o conteúdo das mensagens se
submete a um conjunto de técnicas, procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição.
Porém, toda a análise sofre interferências do pesquisador, das suas escolhas teóricas e
pessoais.
Na análise de conteúdo, foi escolhida a modalidade análise de relações, que permite
analisar, além da simples freqüência de aparição de elementos no texto, as relações que os
vários elementos mantêm entre si, dentro de um texto (MINAYO, 2004). E na análise de
relações, optamos pelas co-ocorrências que “(...) procura extrair de um texto as partes de uma
mensagem e assinala a presença simultânea (co-ocorrência) de dois ou mais elementos na
mesma unidade de contexto” (MINAYO, 2004, p. 204).
Assim, a preferência pela análise do conteúdo como referencial para a leitura dos
dados pode permitir um aprofundamento dos significados que estão nas entrelinhas das falas
de alunos e professores.
3.3. INSTRUMENTOS
68
Foi utilizado, como instrumento de investigação, um diário de campo para registros
das observações cotidianas, e um roteiro de entrevistas com professores.
O "diário de campo" foi constituído de anotações realizadas no período entre 2005 e 1°
semestre de 2006, e foram registradas as perguntas e respostas dos alunos (recolhidas em
conversas informais ou em reuniões clínicas), os comportamentos, em geral, e principalmente
de alunos do 2° e 3° anos e do estágio em ortopedia (4° ano), quando se encontravam frente a
situações de exposição corporal nas aulas e ou no estágio supervisionado.
Para a entrevista semi-estruturada, foi utilizado um roteiro (Anexo B) com 18 questões
abertas para os professores, abordando os seguintes aspectos: dados pessoais dos professores,
condições de trabalho, experiência que o professor teve em aulas práticas como aluno,
experiência como professor com a exposição corporal de seus alunos, e a opinião dos
professores sobre as condições de aprendizagem dos alunos.
3.4. PERFIL DOS ALUNOS E PROFESSORES ENTREVISTADOS
A pesquisa envolveu a observação de alunos regularmente matriculados nos segundo e
quarto anos de um curso de fisioterapia, numa universidade particular do interior do Estado de
São Paulo. Estes alunos (em sua maioria, do sexo feminino), apresentam idade variando entre
18 e 38 anos, e são oriundos de escolas particulares e públicas. Possuem, em geral, poder
aquisitivo médio.
Com relação aos professores entrevistados (num total de dez docentes do ensino
superior, sendo três homens e sete mulheres, com idades entre 28 e 52 anos), foram
escolhidos aqueles que ministram aulas teóricas e práticas em cursos de fisioterapia em
universidades particulares, e apresentam um tempo de docência entre 3 e 21 anos (Tabela 1).
Quanto à formação acadêmica, todos possuem títulos de pós-graduados, sendo dois doutores
69
(Neurociência e Educação Física), cinco mestres (Neurociência, Educação, Saúde da Mulher e
Oncologia Mamária), e três com cursos de especializações (Saúde da Família, Traumatologia
Desportiva e Piscina Terapêutica, Fisioterapia Respiratória e Saúde Pública).
Formação acadêmica Professor Idade Gênero
Especializ. Mestrado Doutorado
Tempo de
docência
1 36 F Especializ. 5
2 52 F Especializ. Mestrado 21
3 36 M Especializ. 8
4 28 M Especializ. Mestrado
cursando
3
5 50 F Especializ. Mestrado 5
6 43 F Especializ. Mestrado Doutorado
cursando
6
7 42 F Mestrado 9
8 38 F Mestrado Doutorado
cursando
6
9 49 M Mestrado Doutorado 9
10 45 F Especializ. Mestrado Doutorado 16
Tabela 1: Dados dos professores entrevistados
3.5. PROCEDIMENTOS
Como procedimentos, foram utilizados dois momentos de investigação: um diário de
campo com observações de alunos e entrevistas com professores. Com relação à observação
de comportamentos dos alunos, foram realizadas, no período de 2005 e 1º semestre de 2006,
anotações durante os intervalos das aulas em forma de itens, como se fossem um lembrete, e
no final de cada aula ou do dia desenvolviam-se os itens de forma mais detalhada,
descrevendo as situações vividas em relação à exposição corporal nas aulas práticas entre os
alunos do 2° e 3° ano, e no estágio supervisionado de ortopedia, entre alunos do 4° ano e os
pacientes atendidos na clínica de fisioterapia da universidade.
70
Durante as aulas práticas do 2° e 3° anos do curso de fisioterapia, foram observados
comportamentos, questionamentos e respostas dos alunos quando lhes era solicitado expor
parte do corpo segundo o tema da aula. Salientamos que o máximo de exposição corporal
ocorre em aulas de avaliação postural, em que o aluno deve estar de sunga e a aluna com
biquíni, pois exige observar as relações da postura em todo o corpo.
Na supervisão do estágio de ortopedia, foram anotadas as observações relacionadas às
atitudes dos alunos na relação terapeuta-paciente, em uma rotina de atendimento do
profissional de fisioterapia, ou seja, a avaliação do paciente, a elaboração da conduta, a
evolução clínica e a alta.
As situações anotadas no diário de campo mantêm a privacidade dos observados, pois
em nenhum momento foram citados seus nomes. Durante a análise dos dados, eles serão
identificados por números ou letras.
O diário de campo teve papel importante na pesquisa, pois permitiu observar-se in
loco o cotidiano do aluno, fazendo uma ponte entre os relatos dos professores e as situações
vividas pelos alunos nas aulas práticas e no estágio.
Com relação ao segundo momento da investigação as entrevistas com os
professores, realizadas em 2006 ele se estruturou segundo um roteiro de questões acerca da
experiência desses professores ante a exposição corporal dos alunos. Construiu-se uma
amostra aleatória, com indicações dos docentes entrevistados; em seguida, formou-se uma
amostra de dez professores, de acordo com o critério de indicar docentes de cursos de
fisioterapia que ministram ou ministraram aulas de práticas e ou supervisão de estágio.
O contato com os professores foi realizado pessoalmente, com esclarecimento dos
objetivos da pesquisa, e ao aceite de sua participação voluntária, seguiram-se os
procedimentos de pesquisa com a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido
(Anexo A). As entrevistas foram agendadas em data, horário e local da preferência do
71
entrevistado. Assim, elas ocorreram na própria residência, na universidade que trabalham ou
em locais de trabalho. Entrou-se em contato com quinze professores, e dez aceitaram
participar voluntariamente.
As entrevistas foram realizadas individualmente, gravadas em fita cassete e,
posteriormente transcritas, o que era sempre precedido da anuência dos professores. Em
média, as entrevistas duraram 1hora e 30 minutos. Dentre as diversas técnicas existentes,
optamos por utilizar a entrevista semi-estruturada, que consiste em um roteiro que orienta
uma “conversa com finalidade”, na qual o entrevistado pode discorrer sobre o tema proposto,
sem respostas ou condições prefixadas pelo pesquisador (MINAYO, 2004). A entrevista pode
ser conceituada como uma conversa a dois, ou um processo de interação social entre duas
pessoas, feita por iniciativa do pesquisador, com a finalidade de fornecer informações e
percepções do entrevistado pertinentes para um o objeto de pesquisa, e centrada (pelo
entrevistador) em temas igualmente pertinentes, com vistas a este objetivo (HAGUETTE,
1987).
O que torna a entrevista um instrumento privilegiado na coleta de dados é o fato de a
fala ser reveladora de condições estruturais, de sistemas de valores, normas e símbolos (sendo
ela mesmo um deles) e, ao mesmo tempo, transmitir, por meio de um porta-voz, as
representações de determinados grupos, em condições históricas, socioeconômicas e culturais
específicas (MINAYO, 2004).
3.6. RESULTADOS
Para apresentação dos resultados, procurou-se seguir os dois momentos de
investigação: primeiramente, são apresentados os dados do diário de campo, e num segundo
momento, as entrevistas com professores.
72
Diário de Campo:
Com objetivo de identificar no cotidiano escolar, o comportamento dos alunos quanto
à exposição corporal, foram realizadas observações e registros de situações e relatos dos
alunos em aulas práticas e no estágio. Para apresentação desses dados, agrupamos as situações
com características comuns.
Em situações de realização de diagnóstico, o aluno devia avaliar as condições físicas
do paciente. Mesmo com encaminhamento médico, o fisioterapeuta deve fazer a avaliação
para iniciar seu trabalho. Para tanto é necessário visualizar, tocar o corpo do paciente ou parte
dele (dependendo do problema apresentado), sem vestimentas que dificultem uma
possibilidade de avaliação mais fidedigna. De tal forma tivemos as seguintes situações:
Prof.: Por que você não tirou a camisa do paciente? (paciente com diagnóstico de tendinite
de ombro).
Aluna: Fiquei sem jeito. Fiquei com vergonha.
Prof: Por que você não pediu para a paciente tirar a calça para avaliar o joelho? (paciente
com diagnóstico de dor femuro-patelar)
Aluno: Porque a paciente iria ficar com vergonha, constrangida.
Em um curso de Ginecologia Funcional, ministrado por uma palestrante convidada
pela Universidade, os alunos que participavam do curso, ao saberem que na parte prática
teriam de ficar sem roupa nos membros inferiores para que pudessem tocar o assoalho
pélvico, sentir a contração do períneo e fazer exercícios para reabilitar o assoalho pélvico,
fizeram um alvoroço, levando o problema para a coordenação do curso. A parte prática do
curso foi cancelada.
Em outros cursos, quando a prática era após o almoço ou intervalo, o número de
alunos se reduzia: na execução das técnicas, havia pouca disposição (ou "preguiça", como eles
73
verbalizaram). O interesse maior predominava a respeito das condutas detalhadas (“receitas
de bolo”) para os tratamentos.
Em outra situação de aula prática, a professora titular solicitou um voluntário para
explicar o que deveria ser observado em uma avaliação de ombro, e é lógico que para esse
procedimento havia necessidade de se tirar a camisa.
Obs: Na aula anterior foi avisado que era esse o tema da prática e, para tanto, os alunos
deveriam ir preparados, isto é, os homens deveriam ficar sem camisa e as mulheres poderiam
ir de “top” para também expor os ombros.
Após várias solicitações para um voluntário não serem atendidas e o maior murmúrio em
sala, eu me dispus a ser voluntária e tirei a camisa. Silêncio total. Dessa maneira, a
professora titular deu continuidade à aula prática e depois pediu que os alunos fizessem o
mesmo formando duplas. Houve alunos que não participaram da prática.
Após o término da aula, a professora titular me agradeceu pela colaboração, porém não era
certo uma professora se expor em sala de aula, não “fica bem” para uma professora tirar a
blusa na frente dos alunos.
Na época não argumentei, mas refleti sobre a situação: em que sentido “não fica bem” para
uma professora se expor em aula prática?
Em situações de aulas práticas, os alunos demoram, quando solicitados, para expor o
corpo, e quando o fazem ocupam os cantos e o fundo da sala de aula. Alguns alunos não
participam efetivamente das aulas práticas, isto é, ficam na sala, porém não praticam os
procedimentos e técnicas; ou faltam às aulas.
Em uma reunião clínica com um grupo de sete alunos, pôde-se observar a seguinte
situação:
Prof.: Por que vocês estão atendendo os pacientes de porta aberta?
Aluno : Porque é chato ficar no boxe o tempo todo com o paciente. Um fica olhando para a
cara do outro.
Aluno : Porque é muito quente para deixar fechado. (obs: o local tem ventiladores)
Aluno: Eu fecho só quando o paciente tem que ficar mais exposto.
Prof.: Vocês gostariam de ficar com a porta aberta se estivessem na situação do paciente?
Dois alunos relataram que para eles não haveria problema.
Quatro alunos não responderam, porém ficaram incomodados (se movimentaram bastante e
olharam um para o outro).
74
Dois alunos admitiram que se sentiriam desconfortáveis.
Os sete alunos justificaram-se dizendo que no local não passa ninguém estranho. “Só nós
que circulamos no local”. (Observação do professor: exceto o paciente que vocês tratam os
demais elementos do grupo são estranhos para o paciente).
Algumas observações feitas durante o estágio supervisionado na área de ortopedia:
Dificuldade para lidar com situações relacionadas com o paciente como: assédio, antipatia,
casos mais complexos, prognósticos não muito favoráveis. Nessas situações os alunos
solicitam ao supervisor para que passe o paciente para outro colega ou, pior, querem dar
alta para o paciente.
Também situações de nojo do paciente são relatadas:.
Distanciamento do paciente como: ficar de costas enquanto o paciente realiza os exercícios,
conversas com outros colegas não participando o paciente, às vezes pouco interesse na
história de vida do paciente e o sentimento de alivio quando este falta.
Despir o paciente insuficientemente para uma boa execução de determinados procedimentos
e técnicas. Deixar a porta do boxe aberta com o paciente semi-despido. Deixar áreas que não
serão tratadas despidas desnecessariamente.
Esquecer o paciente no boxe. Houve um caso em que a aluna chegou a ir embora e esquecer
o paciente na clínica.
Comentar de um determinado paciente perto de outros pacientes.
As observações de situações e comportamentos dos alunos nas aulas práticas e no estágio
revelam dificuldades em trabalhar e se relacionar com a exposição corporal do outro e de seu
próprio corpo.
Entrevistas com professores:
As entrevistas foram gravadas com autorização dos professores e transcritas, os dados
aqui apresentados são resultados de uma leitura rastreadora, em que se buscaram os pontos em
comum ou as divergências nas respostas dos professores, para a análise de conteúdo.
75
Quanto à pergunta sobre a percepção dos professores da inibição de seus alunos de
fisioterapia, eles responderam que percebem principalmente nas aulas práticas. A maioria diz
perceber tal inibição quando: a) os alunos não querem receber determinada técnica (para não
se expor); b) a freqüência de alunos nas aulas práticas é menor que em aulas teóricas; c)
dificuldade que os alunos demonstram em formar duplas mistas e, d) na falta de interesse em
continuar com o toque.
“O que marca é aquele que pratica e não recebe”. (Professor 6)
“Ta, por exemplo, na atitude de falar assim: “não eu não preciso fazer”, “eu não preciso
sentir”, “eu não preciso ser modelo porque eu já vi fazendo”. Essa fala fica claro para mim
que eu não estou a fim de tirar a minha roupa e não quero mostrar meu corpo aqui, eu tenho
vergonha”. (Professor 8)
“A rigidez corporal, a rigidez, a falta de afetividade ao tocar, a falta da delicadeza ao tocar
e... se posterga o toque”. (Professor 5)
Os motivos apontados pelos professores para a inibição na exposição corporal foram
as diferenças socioculturais, a história de vida de cada indivíduo, a educação familiar, a
timidez, e o espaço físico. Mas o grande vilão é a vergonha. Professores relatam a vergonha
manifestada na fala dos alunos, como por exemplo: “eu estou gorda”, “estou muito magra”,
“a minha pele é feia”, “esqueci o shorts”, “não me avisaram que teria aula prática”.
A situação de vergonha volta a aparecer na questão das justificativas que os alunos dão
sobre seu comportamento. Segundo os professores, as respostas mais comuns entre os alunos
são: “eu tenho vergonha”, “eu não vou me expor”, “está frio”, “esqueci a roupa”, “não
gosto de fazer”, “estou menstruada”, “a minha perna está peluda”, “a classe não tem
maturidade”.
Todos os professores responderam que preparam seus alunos para as aulas práticas,
com uma orientação verbal, de como e qual postura comportamental deve-se ter nas aulas
76
práticas. Segundo eles, as orientações são no sentido de os alunos comparecerem com roupa
adequada ao tema da aula, não ter brincadeiras que possam constranger o colega, respeitar os
amigos e ter durante a aula prática uma postura profissional. Ou seja, o aluno enquanto
executor da avaliação ou de uma técnica deverá portar-se como terapeuta; em outro momento,
como paciente, e vivenciar o tratamento.
Dos dez professores apenas dois fazem uma preparação corporal, além da orientação
verbal. Eles realizam vivências para aumentar o entrosamento da turma e para iniciar o
processo de toque.
A questão de como lidar com a situação de inibição dos alunos foi respondida pela
maioria dos professores, por meio de um trabalho corporal que deveria existir já no início do
curso, que possibilitasse amadurecimento, como algo obrigatório, parte de alguma disciplina.
Houve uma professora que argumentou que esse trabalho poderia estar engajado em qualquer
disciplina, desde que com pessoa preparada.
Os professores, quando questionados sobre as relações desse comportamento de
inibição, vergonha de exposição corporal, e a formação do aluno, não percebem claramente
essas relações. Admitem que o aluno terá quatro anos para amadurecer, e para alguns alunos
esse amadurecimento não acontece no período da faculdade, e podem ter maior dificuldade na
vida profissional. Porém, ressaltam que alunos que se dedicam a práticas conseguem, no
estágio, ter uma melhor interação com os pacientes e postura profissional mais adequada. Os
professores acreditam que os outros alunos também conseguirão fazer vínculo com o paciente,
embora levem um pouco mais de tempo nesse processo.
Tentando estabelecer relações com a formação do professor, foi perguntado sobre sua
relação corporal quando aluno. Todos relataram que tiveram um comportamento comum à
idade, sem problema com a exposição do corpo, a não ser uma vergonha inicial relatada por
alguns, mas que fora vencida porque a questão do conhecimento e do querer fazer e aprender
77
superava a vergonha. Por outro lado, alguns professores relatam que a participação nas aulas
práticas era obrigatória. Em caso de falta, o aluno sofreria punições como nota baixa ou
reprovação. Portanto, não tinham escolha, ou lidavam com suas questões corporais ou
enfrentavam uma reprova.
Apenas três professores fizeram trabalho corporal com perfil mais profundo, com o
objetivo de gerar autoconhecimento nos alunos. Os outros sete professores fizeram trabalhos
corporais, mas eram mais relacionados com práticas de cursos para treino de técnicas e
manobras, ou seja, mais ligados à prática profissional.
Finalizando as entrevistas, foi-lhes perguntado sobre o corpo ideal aos professores. A
grande maioria relata um corpo subjetivo, o ideal está em cada um se sentir bem.
“Aquele corpo que você goste, que você se sinta bem, esse é um corpo ideal”. (professor1)
“... é aquele que você já não vê a diferença maior entre o que você é e o que você quer ser.
Quanto menos conflito você tem entre o que você quer ser e o que você é. Então quanto mais
você se conhece, mais você se aproxima de um corpo ideal, e começa diminuir o conflito”.
(professor 2)
“O corpo ideal é o meu dentro de mim”. (Professor 5)
“É aquele que você se sente bem nele... A relação de felicidade dentro daquele invólucro é
mais importante”. (Professor 6)
“Aceitar o corpo que você tem”. (Professor 7)
“O corpo ideal é a minha cabeça. Se a minha cabeça está boa, estou linda!” (Professor 8)
3.7. ANÁLISE DOS DADOS
As entrevistas gravadas e transcritas na íntegra foram submetidas à análise de
conteúdo. Após a leitura exaustiva associada à audição das fitas pudemos definir quatro
categorias que ficaram evidenciadas nas entrevistas e nos relatos do diário de campo. Em
nosso estudo, visualizamos as seguintes categorias: vergonha do corpo, distanciamento ou
fragmentação do corpo e condição de aprendizagem, todas comentadas a seguir.
78
VERGONHA DO CORPO
Nos comportamentos dos alunos e nos relatos dos professores, de forma explícita ou
não, a vergonha com o próprio corpo como um sentimento que justifica a dificuldade em
expor o corpo em situação de aprendizagem:
Tem alguns alunos que são mais diretos: “Eu realmente não quero me expor”. “Eu tenho
vergonha”. Tem alunos que conseguem chegar e falar: “eu não vou me expor porque eu não
gosto, eu tenho vergonha e realmente eu não quero fazer isso”. (P1)
“Aquele fora do padrão, bom... mas “os meninos vão ver que eu estou gorda”; “eu não me
depilei”. Então é aquela inibição por estar fora de um padrão vigente. As meninas falavam
muito: “eu não vou por shorts” e aí eu dizia: “como é que vai fazer masso na sua perna, por
cima da calça? Não vai dar”. Ah, professora, mas eu tenho que fazer depilação? Então, faça
(risos)”. (P6)
“Que ela tem vergonha do corpo, que ela fica envergonhada, que está com a perna peluda,
estou menstruada. E o menino porque tem o ombro magro, tem muita espinha nas costas,
estou com uma barriguinha”. (P6)
“E aí quando você vai questionar, eles falam exatamente que estão com vergonha ou que é...
79
A vergonha do corpo, ou antes, do próprio corpo, não aparece isolada. Ela está
associada a um padrão de beleza vigente e ao olhar do outro. Este olhar que julga, compara e
critica segundo parâmetros de um padrão ideal ditado pelos meios de comunicação como
televisão, cinema, outdoors, revistas e jornais, acaba por inibir ainda mais a exposição do
corpo.
“Para as meninas que estavam dentro do padrão de beleza, elas não tinham vergonha de vir
e expor seu corpo. O que eu percebia claramente era aquelas pessoas que estavam fora do
padrão. As obesas, as muito magras ou que tem o joelho feio, ou que tem mancha na perna,
ou que tem o seio muito grande. Então, essas meninas tinham receio de se expor. Algumas até
pra aproveitar a aula, as aulas práticas, tiravam a blusa e ficava de top e depois colocavam
rapidamente a blusa. E outras fugiam completamente da aula. Não vinham, ou no dia da aula
prática não participava. Agora, eu não vejo a vergonha. Eu não acho que é vergonha deles,
não. É mais vergonha do corpo. Aqueles que estão dentro do padrão, meninos e meninas, eles
não tem problema nenhum de ficar sem camiseta”. (P7)
Quando o aluno deixa de vivenciar a aula prática devido à vergonha de se expor, ele
passa a priorizar a imagem no lugar da experiência. O aluno vive na imagem do corpo, não no
corpo (KELEMAN. 2001). O estar com o corpo perfeito, para o aluno, é mais importante que
experimentar uma determinada técnica ou manobra que poderá ser utilizada nos futuros
pacientes. A preocupação com a estética corporal se sobrepõe a importância do aprendizado
prático.
Vivenciar a experiência de receber e sentir os recursos utilizados para avaliação e
tratamentos na fisioterapia é parte fundamental no processo de aprendizagem do aluno. É
necessário, por exemplo, que o aluno saiba qual a sensação do estímulo elétrico da corrente
interferencial para que ele possa explicar ao paciente a sensação que o mesmo pode sentir
quando for submetido ao tratamento. O mesmo acontece com as técnicas manuais, nas quais
devemos calibrar a pressão da mão, observar os efeitos e as sensações causadas na pele e
80
tecidos mais profundos. Nas aulas práticas, é isso que esperamos que aconteça: o aluno deve
viver dois momentos. Um, em que é o terapeuta e deve praticar a execução das técnicas, não
mecanicamente, mas como processo de interação para sentir a melhor forma de realizar o
procedimento. E outro, em que deve ter a experiência de ser paciente, de sentir a técnica que
aplicou antes, e por meio da percepção em seu próprio corpo poder aprimorar a manobra
aperfeiçoando o toque.
Apenas olhar e aprender por observação de um modelo é um recurso possível, mas
utiliza apenas um dos órgãos dos sentidos, a visão; e o fisioterapeuta tem o sentido da pele,
em específico o tato, ou seja, as mãos, como o mais eficiente instrumento de trabalho. Então,
é necessário ampliar essa aprendizagem, sensibilizar o toque, para melhorar o tratamento
terapêutico.
“Tá, por exemplo, na atitude de falar assim: “não eu não preciso fazer”, “eu não preciso
sentir”, “eu não preciso ser modelo porque eu já vi fazendo”. (P8)
“Mas você está lá submetido a uma terapia. Acho que eles não sentem que isso é importante.
Eles querem mais é aplicar e não receber. Agora eles têm que entender que é aquilo que o
paciente vai receber”. (P4)
Nas aulas práticas os alunos mostram interesse em fazer, mas se sentem inibidos
quando têm de expor partes do corpo para se submeterem às terapias enquanto pacientes. Nos
relatos dos professores, há uma preparação antes de iniciar as aulas práticas; contudo, mostra-
se ainda insuficiente para combater a enorme quantidade de imagens do corpo padronizado,
disseminadas nos meios de comunicação diariamente.
A imagem do corpo perfeito pode provocar, no indivíduo, o medo do olhar crítico do
outro. O sujeito tem vergonha do outro, da imagem que o outro fará de seu corpo, pois tem
um corpo de referência idealizado pela mídia. Na comparação, surge a vergonha de não
possuir um corpo perfeito. Essa idealização agrava-se com a mensagem: só não tem o corpo
81
perfeito quem não quer, ou seja, você pode alcançar um corpo ideal, basta consumir e se
empenhar. E, por sua vez, as propagandas apelam para o consumo de cosméticos, dietas,
roupas e cirurgias plásticas para que as pessoas atinjam a beleza.
Então, o indivíduo não pode justificar o estar fora do padrão, nem mesmo pela falta de
dinheiro (porque, segundo a publicidade, o pagamento por esses serviços é facilitado para o
cliente). Sendo assim, associado à imagem do corpo ideal, para alguns ainda existe o
sentimento de culpa, pois diante de todo o apelo publicitário, só não tem um belo corpo quem
não quer.
Cresce o número de cirurgias reparadoras estéticas em mulheres e homens cada vez
mais jovens (revista Veja, agosto de 2006, ano 39, n°33). Nos consultórios de dermatologistas
e cirurgiões plásticos a aplicação de toxina butolínica tem alcançado de 15% a 20% de
crescimento ao ano.
Em observações empíricas, os professores entrevistados relatam que no ambiente da
Universidade vem crescendo a cada ano o número de alunas ainda jovens que se submetem a
cirurgia plástica.
Eu estava falando hoje, muitas alunas minhas aqui da Universidade B já passaram por 4 a 5
cirurgias plásticas com 20 anos. Eu acho que isso tem aumentado demais. Isso me choca
muito”. (P2)
Realmente, a busca pela eterna juventude é um fenômeno da sociedade
contemporânea. As propagandas exaltam a juventude e reforçam a idéia do envelhecimento
como algo ruim e patológico, incentivando o consumo de produtos e serviços que devolvam a
juventude perdida, pois nessa sociedade a juventude é a fase mais valorizada.
O avanço tecnológico na área da estética é estimulado pelos meios de comunicação,
pela indústria da moda e de cosméticos, que ditam o padrão de beleza. Hoje, é evidente o
medo que as pessoas têm de envelhecer. As rugas mal ameaçam aparecer na face e os
82
indivíduos já tratam de pôr um fim nelas, mesmo que para isso custe uma paralisia dos
músculos, diminuindo a expressão facial. O envelhecimento não tem chance nem ao menos de
se manifestar. E nesse momento lembramos uma declaração que fez um professor sobre o
corpo ideal:
“... Na velhice há a pele enrugadinha, as mudanças do corpo da gente ocorrem porque elas
tem que acontecer. Elas tem que ocorrer mesmo. E o corpo perfeito pra mim é aquele onde
você considerando o envelhecimento é... que você saiba trabalhar com isso. Então um
velhinho de 70 anos pode se sentir bem com o corpo que ele tem se ele entender que a velhice
faz parte do processo normal. Então é bonito ver um velhinho com sorriso no rosto, cheio de
rugas na cara, com o perdão da palavra, com os peitos caídos, né, com tudo caído , mas que
ele sabe que tudo aquilo ia acontecer mesmo, mas que ele já teve uma juventude... Então um
corpo bonito pra mim é um corpo onde você se aceita do jeito que você é”. (P3)
Parece que teremos que resgatar a idéia de que o envelhecimento é um processo
natural em nossas vidas, e inicia-se no momento em que nascemos. A qualidade de vida na
velhice está vinculada ao bem-estar subjetivo, hábitos alimentares e físicos adequados às
condições biológicas, às condições socioeconômicas. Ou seja, um contexto biopsicosocial e
econômico, que amplia as interações interpessoais.
Alunos que se submeteram à plástica, quando questionados sobre a necessidade de
aliar a plástica a mudanças como parar de fumar, moderar nos alimentos gordurosos e iniciar
uma atividade física, a resposta é categórica: “ai professora, quando eu precisar eu faço nova
plástica”.
DISTANCIAMENTO OU FRAGMENTAÇÃO DO CORPO
Segundo Novaes (2003), parece que o mundo, e principalmente o corpo, caminham
para o artificial. Da mesma forma que vamos ao supermercado e compramos as mercadorias
83
de que necessitamos, também podemos adquirir partes do corpo em um mercado. É a
exaltação do corpo redefinido e fragmentado em detrimento do corpo harmônico, habitado e
integrado com o meio interno e externo.
O avanço tecnológico diminui a relação entre o tempo e o espaço, tornando tudo
fugaz. No entanto, o corpo possui sua própria velocidade, e necessita de um período de
adaptação. Hall (2005) falou da importância do tempo e espaço como coordenadas básicas em
todos os sistemas de representações, seja na escrita, seja na arte, seja nas telecomunicações. E
que a identidade está ligada ao processo de representação. Assim, as mudanças que ocorrem
na relação espaço-tempo, no interior de diferentes sistemas, têm efeitos profundos sobre o
indivíduo.
O corpo tenta, com muito sacrifício, acompanhar a velocidade das mudanças que
ocorrem nos dias atuais. Porém, muitas vezes não consegue. O limite do corpo é extrapolado,
o que se evidencia pelo crescente número de pessoas com estresse e síndrome do pânico.
Com a fragmentação do corpo, o ser humano fica mais vulnerável, se distancia da
própria identidade, de suas experiências emocionais e físicas, o que facilita acreditar e almejar
um corpo que não é seu, mas um ideal socialmente valorizado. Keleman (2001) chamou-o de
corpo desabitado e devastado. O referencial externo passa a ser a meta, e nos distanciamos
dos nossos referenciais internos.
Esse distanciamento do ser humano em relação ao corpo pode ser observado em
alguns momentos com o aluno, durante o curso, sobretudo quando ele não participa
efetivamente das aulas práticas, ou quer apenas executar a técnica, não gosta de ser tocado,
impondo barreiras racionais e uma atitude de distanciamento em ser sujeito da própria terapia
que vai aplicar.
84
Dentro desses 80% tem os alunos que só fazem e não se expõem. Os alunos, por exemplo,
que você vai aplicar uma técnica ou fazer um exame, ele faz no companheiro, mas ele não
tira a roupa pra fazer nele”. (P6)
“E tem aquelas que de jeito nenhum, passa o ano inteiro se deixar sem nada de prática. E
tem uma certa resistência.“Eu não preciso. Eu estou vendo nela”. Quando dou aula de
drenagem linfática de membro inferior tem que estar sem a calça, só de biquíni ou calcinha
mesmo. E a aluna: “Não, não eu não preciso. Eu faço nela”. Não, mas eu quero que você
sinta a minha mão. O importante é você sentir a minha pressão pra você poder passar para o
colega. “Não, mas eu estou sentindo a dela”. Sabe?” (P8)
Nos relatos dos professores entrevistados, eles levantam hipóteses para esse
distanciamento, reconhecendo os bloqueios como conseqüências da história de vida dos
alunos, de fatores religiosos, familiares, entre outros.
“... Então, você vê que são meninas que nunca tiveram que enfrentar o serviço doméstico,
pegar um ônibus para ir a escola, pegar fila, esforço físico, mesmo que seja caminhar até a
escola, de carregar mochila. Elas foram muito poupadas corporalmente, é a impressão que
dá, né. Então o corpo parece que não pertence muito a elas. Elas não tiveram essa
experiência psicomotora, porque é isso a psicomotricidade, é a imagem corporal, é o registro
que ficou do que você vivenciou no seu corpo pela vida. Na vida de relação. Elas não
expuseram muito o corpo nessa vida de relação. Elas tinham quem fizessem por elas tudo.
Quem facilitasse, quem poupasse movimentos, envolvimentos do corpo com a realidade.
Então, eu penso que é muito mais fácil sonhar, criar um corpo imaginário quando você não
participa do esforço do dia-a-dia, das ações do dia-a-dia. E alguém faz por você mais da
metade dessas atividades. Talvez isso tenha uma influência bastante importante mesmo”.
(P2)
“Isso. Por outro lado, não tem como... porque assim, é toda uma história de cada aluno, de
criação... Ainda mais essa disciplina que eu dou. Então, eu tive uma aluna o ano passado que
era de uma religião que ia de saia só. Então, ela foi uma aluna que nunca vestiu shorts pra
fazer uma aula prática. Exercícios ela ia de saia. Então, era difícil porque a percepção do
próprio corpo dela, ela já não tinha muito. Fica um pouco defasado”. (P8)
O corpo desabitado, distante de si, pode interferir na participação e integração (ou
interação) das aulas práticas. O aluno tem dificuldade de entender que ele é o agente da aula e
que deve ser o primeiro a vivenciar as práticas terapêuticas. É fundamental o aluno sentir as
85
técnicas e manobras no próprio corpo para que possa explicar ao paciente as sensações. Nas
aulas práticas o corpo é o grande instrumento de aprendizagem.
“... quando você percebe seu corpo você percebe seu corpo em movimento. Você perceber
seu corpo em movimento, é você perceber sua existência. Então, isso é legal. É sua
corporeidade. E esse conceito de corporeidade é fundamental porque corporeidade é o corpo
existencializado. Como você vai trabalhar com o indivíduo? Como você vai trabalhar o
movimento no outro, se você não tem a percepção de que seu próprio corpo, ele é do tamanho
carnal da sua existência. Então, é difícil você trabalhar com o outro. Se você não acredita e
se você não consegue perceber, que os movimentos do seu corpo é resultado do que está na
mente”. (P5)
Eu não tenho uma forma ideal porque o respeito a essa dificuldade tem que existir porque
você está expondo algo que é sagrado para a pessoa, que é seu templo, que é o seu corpo. É o
templo dela. Como é que você vai exigir do aluno. Por outro lado, como ele vai passar
experiência para o paciente, se ele não foi submetido? O que a psicologia faz? A psicologia
exige que o aluno faça terapia. Que faça supervisão. O aluno não se forma sem se submeter a
terapia. E por que nós também não exigimos isso, um trabalho de corpo?” (P5)
“Eu acho que uma das coisas que poderia fazer para a fisioterapia é uma prova de
habilidade, como é feito pra música. Você vai cursar a fisioterapia se você conseguir
trabalhar bem o seu próprio corpo, tocar, ser tocado”. (P6)
As aulas práticas também favorecem o desenvolvimento da relação terapeuta-paciente,
através de situações vividas com o colega. A pouca participação dos alunos nas aulas, porém,
acaba por retardar o amadurecimento dessa relação, que deve iniciar-se na faculdade como
parte integrante da formação do profissional de fisioterapia.
O distanciamento de si e a relação terapeuta-paciente estão interligados. O aluno que
possui a percepção do próprio corpo diminuída apresenta maior dificuldade em perceber o
corpo do outro, e conseqüentemente em estabelecer vínculo empático com o paciente.
Podemos observar esse fato tanto no relato dos professores como no diário de campo.
86
“Tentam conversar, começam a pedir que o paciente faça o exercício sozinho, é... e assim,
não são estratégias com criatividade, não. Você percebe que o aluno enrola, que o paciente
percebe que o aluno enrola, principalmente se o paciente já passou por outro aluno e que ele
já tem uma experiência anterior. Então, o paciente percebe e chega a verbalizar, inclusive,
como já aconteceu. A preferência de ser atendido por um aluno do que pelo outro, porque a
atenção, a demonstração de interesse inclusive, é... ela é sacada pelo paciente, né. O paciente
saca isso!” (P5)
“Exatamente isso: “tomara que seu fulano não venha” (fala do aluno reproduzida pelo
professor). (P8)
Algumas anotações feitas no diário de campo também denunciam o distanciamento do
aluno em relação ao paciente. O caso mais grave que tivemos na clínica foi quando uma
aluna, ao final do período de estágio, arrumou suas coisas e foi para casa, esquecendo o
paciente ligado a um aparelho de eletroterapia. Consideramos grave esse caso por vários
motivos: primeiro, o aluno colocou em risco a saúde do paciente; segundo, a displicência do
aluno mostra o desinteresse pelo atendimento; e por último, demonstra que o vínculo com o
paciente não ocorreu, porque dificilmente esquecemos de alguém que é importante para nós e
está sob nossa responsabilidade.
Outras situações de distanciamento observadas no estágio e anotadas no diário de
campo: o aluno fica de costas enquanto o paciente realiza os exercícios, ou mantém conversas
paralelas com outros colegas do estágio sem a participação do paciente.
Os casos de distanciamento também nos fazem refletir sobre o grau de
comprometimento que o aluno tem com a profissão e, principalmente, com o paciente.
Atualmente, há uma preocupação entre alguns pesquisadores sobre a superficialidade das
relações. Parte dos relacionamentos ocorre via internet, e tudo é rápido, até mesmo as palavras
são abreviadas porque temos de ganhar tempo. Não nos comprometemos com o outro.
Trocamos a experiência da relação mais pessoal e profunda por apenas um número maior de
pessoas, com as quais nos relacionamos rapidamente.
87
Giddens (1990) diz que a modernidade é inerentemente globalizante. Isto é, as
relações sociais ocorrem de forma intensa e em escala mundial, ligando locais distantes de tal
maneira que fatos que ocorram do outro lado do mundo interfiram em situações locais, e vice-
versa. Todo esse processo causa um impacto sobre a identidade cultural do indivíduo. Hall
(2005) comenta que a rápida transformação da sociedade tem causado fragmentação e
mudanças em nossas identidades pessoais, abalando a idéia que temos de nós mesmos como
seres integrados. Ele chamou de deslocamento ou descentralização do sujeito, o que constitui
uma crise de identidade para o indivíduo.
O sujeito fragmentado e distante de si perde o referencial interno, e uma pessoa
deslocada de si dificilmente estabelecerá uma relação mais profunda com o outro, porque,
antes de tudo, não consegue fazer isso consigo mesma.
Reconhecemos que as características dessa sociedade contemporânea refletem em
nossas ações, no comportamento diário, e também na postura do aluno nas aulas práticas e no
estágio: menos comprometidos com as relações pessoais, ele tem dificuldade em perceber-se a
si próprio, e que seu corpo serve de instrumento de trabalho e aprendizado.
“De modo geral os alunos que não se comprometem, não se comprometem com as aulas
teóricas também. É aquele aluno que entra, fica um pouco, conversa um pouco com o colega
do lado e sai, compra pão de queijo, volta comendo, sai de novo. Ele não pára. Eu acho que
tem 80% que se compromete, o resto fica de fora”. (P6)
“Ah, na Universidade H é muito complicado. É aquilo que eu te falei. Eu estou dando a aula
teórica ali. Eu estou falando da físio aplicada, mas estou no data show e aparece uma figura,
não é nem foto de paciente, é uma figura de uma vagina. Então, pelos pubianos, pequenos
lábios e eu já começo a ouvir os bochichos na classe, e eu continuo, se eu percebo que isso
está muito, eu paro a aula e aí eu venho com todo aquele discurso que agora eles estão em
uma graduação, que eles são profissionais e que eles vão atender paciente. Eu tento do meu
modo trabalhar um pouquinho... não sei nem se eu posso falar que é trabalhar um
pouquinho... essa maturidade deles”. (P8)
88
A velocidade das mudanças e a ilusão de soluções rápidas para os problemas são
vendidas pela mídia na forma do consumismo desenfreado, nos relacionamentos rápidos e nas
conquistas sem sacrifícios. Porém, quando o aluno de fisioterapia se depara com os recursos
terapêuticos em pacientes reais, ele acaba por se angustiar, pois os problemas não são
solucionados na mesma velocidade que o mundo contemporâneo impõe, cada ser humano tem
um ritmo próprio de sua história de vida. Alguns relatos exemplificam isso:
“Meu paciente não apresenta melhora nenhuma. Já fiz três sessões e ele relata que melhorou
só um pouquinho a dor”.
“O paciente tem dia que esta bem e tem dia que ele reclama que esta pior será que posso
mudar a conduta?”
“O Sr. José está há um mês aqui e não vejo grande melhora” (Obs: paciente
politraumatizado chegou à clínica em uma cadeira de rodas e um mês depois estava andando
de muletas).
“Não tem o que fazer com esse paciente”...“ Ele não vai melhorar nunca”...“ Eu posso dar
alta?”
Perceber que cada indivíduo possui uma história de vida com suas angústias, conflitos,
sonhos e realizações portanto com um ritmo próprio é o primeiro passo para cuidar do
próximo. Entender o homem como um ser complexo e ajudá-lo no tratamento envolve muitos
fatores que vão além do corporal. É importante compreender que não se tem como fazê-lo na
superficialidade e sem comprometimento, e principalmente, sem conhecer a si próprio.
CONDIÇÕES DE APRENDIZAGEM
Quando pensamos no mundo contemporâneo com as mudanças que ele trouxe na
relação tempo-espaço, no avanço tecnológico, na velocidade de informações, entre outras
89
coisas, não podemos esquecer a questão da privacidade. O indivíduo é monitorado,
controlado, por tecnologias; via celular, câmeras, internet, cartão de crédito, entre outros
mecanismos que colocam em dúvida o que é próprio do privado e o que é próprio do público.
Em nome do sentimento de segurança, dado o contexto de medo generalizado que se
apresenta, a privacidade fica ameaçada e invadida.
Nem tudo pode ser de domínio público: existem situações que pertencem somente ao
indivíduo ou a um pequeno grupo, pois preserva a identidade e isso deve ser respeitado.
Pensando nisso, as situações em aula, de exposição do corpo, devem ser objeto de
reflexão: até que ponto a universidade se preocupa com a privacidade e cria condições das
aulas práticas serem realizadas preservando-se a individualidade do aluno?
Alguns professores relataram sua opinião sobre a vergonha da exposição corporal estar
associada à quantidade de alunos em média 70 a 80 alunos (na maioria das Universidades
em que os professores entrevistados são docentes), e à distribuição do espaço físico,
defendendo um espaço individual, como acontece no trabalho do fisioterapeuta.
“.... Turmas grandes que pra um curso desse seria a última coisa que poderia acontecer.
Então, já mostra um certo descaso na questão da corporeidade do aluno, da privacidade
corporal. Então, eu acho que isso acaba... eles se sentem desrespeitados e eles também
desrespeitam.( ...)A coisa acontece de forma muito menor na Universidade B porque ela tem
uma atitude mais respeitosa frente as aulas práticas da saúde. E isso gera mais peso na
resposta deles pra gente, né. Nesses 16 anos, talvez dá para contar em uma mão os alunos
que não queriam aceitar fazer aula....) Na Universidade A e C em um ano só eram muitos os
alunos que não queriam participar de aula”. (P2)
“.... Quando a classe é muito grande, eu não consigo fazer, mesmo dividindo em grupo. Se eu
pegar uma classe de 105 alunos no noturno... Eu fiz dentro da disciplina de Ética e Filosofia,
foi muito interessante, mas é um desgaste muito grande para o professor, principalmente se
ele não tem professor auxiliar”. (P5)
A privacidade é parte do aprendizado. Se nós não respeitamos a privacidade do aluno,
ele também não respeitará a do outro. O aluno perde a noção do significado da privacidade e
transfere essa perda para situações vividas com o paciente. No relato 3 do diário de campo,
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durante uma reunião clínica no estágio com um grupo de sete alunos, a questão da privacidade
foi analisada:
Prof.: Por que vocês estão atendendo os pacientes de porta aberta?
Aluno A: Porque é chato ficar no boxe o tempo todo com o paciente. Um fica olhando para a
cara do outro.
Aluno B: Porque é muito quente para deixar fechado. (obs: o local tem ventiladores)
Aluno C: Eu fecho só quando o paciente tem que ficar mais exposto.
Os restantes dos alunos não se manifestaram, porém ficaram pensativos.
Prof.: Vocês gostariam de ficar com a porta aberta se estivessem na situação do paciente?
Dois alunos relataram que para eles não haveria problema, quatro alunos não responderam,
porém ficaram incomodados (se movimentaram bastante e olharam um para o outro), dois
alunos admitiram que se sentiriam desconfortáveis, os sete alunos justificaram dizendo que
no local não passa ninguém estranho. “Só nós que circulamos no local”. (Observação do
professor: exceto o paciente que vocês tratam, os demais elementos do grupo são estranhos
para o paciente).
Prof.: Se vocês não se sentem incomodados em ficar exposto com a porta aberta mesmo com
roupa, por que nas aulas práticas vocês ficavam com vergonha de ficar de bermuda, top, sem
camisa mesmo estando entre amigos e de porta fechada.
Aluno A: Porque a sala é muito desunida.
Aluno B: Porque as meninas de outro grupo ficam olhando para a gente, procurando os
defeitos.
Aluno C: Porque dá vergonha.
Aluno D: Nas aulas nós deveríamos fazer par com homens também.
Aluno E: “Porque dá vergonha”.
Aluno F: “Porque é diferente, a classe é muito grande”.
Aluno H: “Na aula de massoterapia quando era a parte de glúteo eu jurei que não iria fazer
a aula, era muito constrangedor, mas acabei fazendo”.
Prof.: Se vocês querem privacidade para a aula prática porque vocês não oferecem esta
privacidade para o paciente? Qual a diferença entre vocês e eles?
Alunos: Silêncio e troca de olhares entre eles.
Os professores ainda relataram, como condição para aprendizagem dos alunos quanto
ao corpo, realizar trabalhos direcionados para o desenvolvimento do aluno no sentido de olhar
para o próprio corpo. Levantaram como proposta mudanças na estrutura do curso. Um curso
em que a base é o cuidado do outro, ou melhor, cuidar do corpo do outro, deveria existir uma
disciplina com proposta de trabalho corporal. Isso facilitaria o conhecimento do aluno com o
próprio corpo, e, por sua vez, a percepção do outro. O autoconhecimento facilita a relação
terapeuta-paciente e a visão do ser humano como sujeito integral e não fragmentado.
91
Parte dos professores delegara o trabalho corporal a outras disciplinas como a
psicologia e as bases da história da fisioterapia. Uma exceção foi uma professora que disse
que o trabalho poderia ter sido desenvolvido por qualquer disciplina desde que o professor
estivesse preparado para fazê-lo.
“Uma das coisas eu acho, que é a estrutura curricular mesmo. Se nós tivéssemos cursos com
uma carga de aulas práticas com trabalho corporal maior, eu acho que eles venceriam isso
muito mais cedo.(...) aprender a amadurecer a visão do corpo do outro e do próprio corpo
(...) Eu penso que se nós tivéssemos dentro do curso um crescente, nesse sentido, que fosse
92
O fato de alguns alunos não desenvolverem as habilidades primordiais da fisioterapia
também se reflete na qualidade de atendimento à população. Este profissional estará mais
suscetível a erros de diagnóstico funcional e de conduta terapêutica.
Segundo Keleman (2001), a visão de mundo de cada indivíduo depende de como este
está estruturado no corpóreo e emocionalmente. Ou seja, as experiências emocionais e do
corpo ampliam a percepção do mundo. Keleman (2001), Le Breton (2003) e Novaes (2003)
afirmam que o corpo é o grande instrumento de percepções, aprendizado e relação com o
mundo.
93
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No inicio da pesquisa não poderíamos imaginar que teríamos que fazer uma
caminhada tão longa para compreender o corpo. O corpo biológico, com suas estruturas
anatômicas definidas, não foi uma novidade, mas as infinitas possibilidades de representações
e significados do corpo foram uma grata e fascinante descoberta.
O corpo está permeado pela história de vida de cada ser humano, tem inúmeras
possibilidades de existir e diferentes caminhos a percorrer. O corpo é um processo contínuo
de pensar, perceber e sentir, em constante transformação, para adaptar-se às mudanças
internas e externas. A experiência corporal é parte do processo auto-organizador e de
autoconhecimento do indivíduo (KELEMAN, 2001).
O corpo, desde que nascemos, é parte integrante do nosso aprendizado e
desenvolvimento. É através dele que exploramos, percebemos e interagimos com o meio
externo (FLAVELL, 1996), obtendo uma nova visão do mundo.
Algumas características da sociedade contemporânea, como a redução da relação
espaço-tempo, o avanço tecnológico, a velocidade dos acontecimentos e as mudanças das
relações interpessoais, aceleraram o processo de fragmentação e descentração do sujeito,
gerando uma “crise de identidade” (HALL, 2005). O homem vem tornando-se cada vez mais
vulnerável, acreditando numa imagem corporal construída e idealizada principalmente pela
mídia. A imagem fica mais forte na mente do que a experiência corporal em si, o que provoca
distanciamento, desconhecimento, fragmentação do conhecimento do corpo.
Cabe ressaltar que o corpo é histórico (MENDES e NÓBREGA, 2004), ou seja, nele
estão impressas as experiências somáticas e emocionais de cada indivíduo, e essas
experiências proporcionam percepção e conhecimento sobre si.
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A participação efetiva do aluno de fisioterapia, nas aulas práticas, ou seja, a exposição
corporal em si, o olhar e ser olhado, o tocar e ser tocado, ser terapeuta e sujeito da própria
terapia que irá aplicar no paciente, é fundamental para o desenvolvimento das habilidades:
manuais, de observação e percepção, necessárias à formação do fisioterapeuta. A existência
de uma relação entre participação nas aulas práticas e formação proporciona mais percepções
sobre o corpo do aluno, o que pode facilitar seu desempenho no estágio e na atuação como
profissional.
Nessa dissertação foi enfatizado o contexto de formação do profissional em
fisioterapia, investigando-se por meio de um diário de campo e do levantamento da opinião
de professores as relações entre exposição corporal e os comportamentos dos alunos.
Alguns indícios apontaram que os alunos apresentam inibição ou desconforto à exposição
corporal nas aulas práticas; vergonha principalmente relacionada ao corpo, diferente do
padrão social, da mídia de beleza; medo do olhar, ou de críticas do outro.
Para as possíveis transformações no cotidiano desses alunos, os professores
entrevistados sugeriram na grade curricular uma disciplina que trabalhasse o corpo do 1° ao
4° ano, e que ela fosse obrigatória e não optativa. Os professores acreditam que isso facilitaria
o desenvolvimento e o amadurecimento gradual dos alunos durante a faculdade, ajudando-os
na atuação profissional e no autoconhecimento, através da ampliação da percepção em relação
ao outro.
O processo de conhecimento do próprio corpo é contínuo. Logo, não se encerra na
Universidade. Mas ela é um lugar adequado para iniciar a caminhada na busca de si, com um
trabalho corporal que possibilite ampliar a percepção do aluno, sensibilizando-o para uma
relação terapêutica mais humanizada.
Pretendemos com este estudo tecer algumas reflexões sobre a importância do corpo no
processo de aprendizado e de formação profissional do aluno de fisioterapia, e repensar a
95
estrutura do curso de fisioterapia, pois se o fisioterapeuta é o profissional que investiga e
cuida do corpo do outro, deve começar por desvendar o próprio corpo.
Por fim, e a título de conclusão, recordemos um pensamento de Sócrates, tão
apropriado ao nosso tema: “O primeiro passo do homem sobre a terra é querer mudá-la, mas
o tempo mostrar-lhe-á que o primeiro passo é mudar a si mesmo”.
96
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99
ANEXO A: Termo de Consentimento
CONSENTIMENTO DE PARTICIPAÇÃO DA PESSOA COMO SUJEITO
Eu, ________________________________________, RG_______________,
CPF__________________, declaro que li as informações contidas nesse
documento, fui devidamente informado(a) pelo pesquisador(a) Andréa Luciana
Gomes Narcizo dos procedimentos que serão utilizados, riscos e desconfortos,
benefícios, custo/reembolso dos participantes, confidencialidade da pesquisa,
concordando ainda em participar da pesquisa. Foi-me garantido que posso retirar o
consentimento a qualquer momento, sem que isso leve a qualquer penalidade.
Declaro ainda que recebi uma cópia desse Termo de Consentimento.
LOCAL E DATA:
__________________________________
(Assinatura)
100
ANEXO B: Roteiro D Entrevista Com Os Professores
(sobre a Universidade e condições de trabalho)
1. Qual sua formação acadêmica?(e vários cursos)
2. Quanto tempo como docente? E em que cursos?
3. Quais disciplinas você leciona, em fisioterapia?
4. Quais são práticas?
5. Em que Universidade(s)?
6. Quantos alunos você tem por turma? Ou por aula prática?
7. Quais as condições físicas e materiais para as aulas? Tem auxiliar? Descreva
brevemente como as aulas acontecem.
(sobre a exposição dos alunos)
8. Você observa nas disciplinas práticas se os alunos se sentem inibidos na exposição do
corpo?
9. Como você percebe isso, em que tipo de atitudes? (se dá aula em mais universidades,
se isso ocorre em todas, se há diferenças e se há quais são?).
10. Quais os motivos que você considera como causa para a inibição dos alunos na
exposição do corpo?
11. Você costuma preparar seus alunos antes de iniciar as aulas práticas? De que forma?
12. Na sua opinião o que seria necessário para lidar com a situação de inibição ou de
recusa de exposição corporal em sala de aula?
13. Quais são as justificativas mais freqüentes dos alunos quando são questionados pelas
suas posturas nas aulas práticas.
14. Como você analisa essa inibição e a futura formação do fisioterapeuta?
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(sobre como o professor lidou com o corpo para sua formação)
15. Como você se sentia nas aulas práticas na sua formação profissional?
16. Você teve ou tem dificuldades para lidar com as questões corporais que advém das
aulas práticas? Quais?
17. Durante sua vida profissional, você já fez algum trabalho corporal? Quais?
18. O que você considera um corpo ideal?