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ROSEMERI APARECIDA RIUKSTEIN
A CONSTRUÇÃO DO ERRO TRÁGICO NA ARQUITETURA DO ROMANCE
DOM CASMURRO DE MACHADO DE ASSIS
PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS
EM LITERATURA E CRÍTICA LITERÁRIA
PUC-SP
SÃO PAULO
2007
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2
ROSEMERI APARECIDA RIUKSTEIN
Dissertação apresentada como exigência
parcial para obtenção do grau de Mestre em
Literatura e Crítica Literária à Comissão
Julgadora da Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo, sob a orientação da Profa. Dra.
Maria José P. G. Palo.
São Paulo
2007
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3
Banca Examinadora:
_______________________
_______________________
_______________________
4
A meus filhos, William e Anna Carolina, pela compreensão e companhia
durante a elaboração desta dissertação.
5
AGRADECIMENTOS:
A Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, pela bolsa de estudos, que
me possibilitou a conclusão deste trabalho.
A minha orientadora, Profª Drª Maria JoPalo, pela infinita paciência e pelas
sábias palavras.
A todos os professores do Programa de Literatura e Crítica Literária da PUC-
SP, pelas aulas maravilhosas.
A secretária do Programa de Literatura e Crítica Literária, Ana Albertina, pelo
incentivo e dedicação durante o curso.
A minha família, por ter aceitado minha grande ausência.
A minha amiga Maria Soledade, pela companhia e incentivo durante o curso.
6
/Re/ Capitulação
Oh! flor do céu! oh! flor cândida e pura,
amargo fruto oblíquo ainda criança,
que tens os densos olhos da esperança
e da cigana a marca estranha e dura,
qual teu segredo, qual tua identidade
que negas tanto a mim quanto ao universo,
mar de ressaca, incógnita verdade
que tento recolher neste meu verso?
Que força em teu papel então resguardas
assim dissimulada em teu sorriso,
inferno, prometendo o paraíso,
e a quem mais se adianta, mais te guardas?
E tal qual Bento eu caio em tua malha:
Perde-se a vida, ganha-se a batalha?
(autor desconhecido)
7
RESUMO
A construção do erro trágico na arquitetura de DOM CASMURRO de Machado
de Assis
Esta dissertação se propõe a interpretar a dúvida, desde a concepção
clássica à moderna, a partir de sua função estrutural na narrativa DOM
CASMURRO. Os elementos estéticos, que interagem na sua arquitetura, são a
metáfora e a ironia, procedimentos que ajudam a construir o erro trágico do
narrador-personagem Bentinho e sua visão existencial na intriga da casmurrice.
A fundamentação teórica parte da Poética de Aristóteles e se
estende aos teóricos modernos: Schopenhauer (1966), Kierkegaard (2005),
Bérgson (1983), Todorov (1969), Paz (2005) e outros.
O objeto de pesquisa é a evidência do erro causado pela dúvida sob
o efeito poético na arquitetura do romance .O erro trágico, ironicamente, afeta
toda a narrativa pela ótica do autor- narrador Casmurro, preparando a visão
moderna do romance machadiano.
O primeiro capítulo intitulado “A construção do erro trágico “apresenta
a concepção clássica de Aristóteles seguida pela concepção moderna de
vários autores, fazendo a correlação da metáfora e da ironia com a construção
dúvida de Casmurro.
O segundo capítulo, sob o título “Tradição x Modernidade”, trata do
conceito de tragédia grega e do elemento trágico e sua função na ruptura de
valores do passado.
O terceiro capítulo intitulado “A dupla função do erro trágico” trata da
catarse aristotélica e seu efeito estético dado à tragicidade do viver.
Nas considerações finais, discorremos sobre os efeitos gerados pelo
processo catártico da tragicidade por meio da metáfora da dissimulação do
olhar de Casmurro, em decorrência da construção do erro trágico na arquitetura
do romance DOM CASMURRO de Machado de Assis.
Palavras-chave: tragicidade; ironia; catarse; erro trágico; Dom
Dasmurro; Machado de Assis.
8
ABSTRACT
The construction of the tragic error in the architecture of DOM CASMURRO of
Machado de Assis
This dissertation intends to interpret the doubt, from the classic
conception to the modern one, starting from their structural function in DOM
CASMURRO narrative. The aesthetic elements, that interact in its architecture,
are the metaphor and the irony, procedures that help to build the tragic error of
the character-narrator Bentinho and his existencial vision in the intrigue od
stubbornness.
The theoretical grounding departs from the Poetics of Aristotle and
extends to the modern theoreticians: Schopenhauer (1966), Kierkegaar (2005),
Bergson (1983), Paz (2005) , et al.
The research object is the evidence of the error caused by the doubt on
the poetic effect in the romance´s architecture. The tragic error, affects ironically
the whole through the optics of the narrator-author Casmurro, preparing the
modern vision of Machado de Assis romance.
The first chapter entitled “The construction of the tragic error” presents
Aristotle’s classic conception proceeded by the modern conception of different
authors, making the correlation of the metaphor and irony with Casmurro doubt
construction.
The second chapter, under the title Tradition x Modernity”, treats the
concept of Greek tragedy and the tragic element and its function in breaking the
values of the past.
The third chapter entitled “The double function of the tragic error”
treats the Aristotelian catharsis and its aesthetic effect given the tragicalness of
life.
In the final considerations, we refer about the effects generated by the
cathartic tragicalness process through the metaphor on the dissimulation of the
look of Casmurro, due to the construction of the tragic error in the architecture
of the romance DOM CASMURRO of Machado de Assis.
Key Words: tragicalness; irony; catharsis; ragic error; Dom Casmurro;
Machado de Assis.
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO:
AS ARTIMANHAS DA LINGUAGEM PTICA DE CASMURRO....10
CAPÍTULO - 1 A CONSTRUÇÃO DO ERRO TRÁGICO.......................................22
1.1 - Olhos de ressaca e a metáfora da dúvida.........................................................22
1.2 - O uso de ironia.................................................................................................35
1.3 -
A metáfora e a ironia: pilares do erro trágico ..................................................48
CAPÍTULO - 2 TRADIÇÃO X MODERNIDADE.......................................................53
2.1 - A tragédia grega...............................................................................................53
2.2 - O erro trágico....................................................................................................67
2.3 - A linguagem da catarse....................................................................................73
2.4 - O trágico moderno e a ruptura de valores........................................................75
CAPÍTULO - 3 A DUPLA FUNCÃO DO ERRO TRÁGICO.....................................79
3.1 - Efeito catártico (e o estético).............................................................................79
3.2 - A catarse aristotélica.........................................................................................80
3.3 - O efeito estético ................................................................................................84
3.4 - A tragicidade do viver........................................................................................88
CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................99
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.......................................................................102
10
INTRODUÇÃO:
As artimanhas da linguagem poética de Casmurro
As primeiras linhas do romance DOM CASMURRO
1
não
explicam apenas o seu título, mas sintetizam o projeto literário
do autor, apresentado pelo narrador:
Não consultes dicionários, Casmurro não está
aqui no sentido que eles lhe dão, mas no que lhe pôs o
vulgo de homem calado e metido consigo. Dom veio
por ironia, para atribuir-me fumos de fidalgo. [DC
2
,
Cap. I]
Como pesquisadora de Literatura, encontro nesse jogo
verbal com a palavra casmurro, na qual reside a ambigüidade do
romance, sua construção artística, ou seja, a linguagem oblíqua.
Em nosso método de pesquisa literária, adotamos as concepções
de N. Frye e A. Candido : [...]a crítica literária deve ser feita não
com instrumentos da história, psicologia ou antropologia, mas com
elementos da própria literatura, dentro de seu contexto e
imanência, como nos explica NORTHROP (1999, p.26). Para
CANDIDO (2000, p.3), o externo (no caso, o social) importa, não
como causa, nem como significado, mas como elemento que
desempenha um certo papel na constituição da estrutura narrativa,
tornando-se, portanto, interno.
Recorremos ao discurso desses dois críticos para
esclarecer que é na obra literária que se encontra a matéria-
prima para a interpretação e análise. Enquanto Frye ressalta a
imanência contextualizada, Candido apóia-se no trabalho
dialético, ou seja, considera necessário trabalhar a relação : texto
e contexto.
1
Os dicionários, que Machado ironicamente nos dispensa de consultar a palavra casmurro, nos
quais apareceu os significados : teimoso, obstinado, cabeçudo.
2
À remissão à obra DOM CASMURRO (1899) de Machado de Assis será usada a sigla DC.
11
Partindo dessas posturas contrastantes, procuramos
analisar a construção do erro trágico em DOM CASMURRO,
verificando como o erro de Casmurro é construído pela palavra,
considerando que tudo no romance acontece em um determinado
tempo, lugar e espaço social.
O objetivo desta dissertação foi mostrar, em DOM
CASMURRO de Machado de Assis, como o erro trágico é
construído pela linguagem e qual é sua dupla função no romance,
na poeticidade do trabalho literário. Ou seja: queremos saber que
elementos da poética o autor ficcional usou para construir o erro
trágico e o fazer artístico. Além disso, abordamos a concepção do
erro trágico da tradição clássica à modernidade.
TEIXEIRA (1988, p.4 ) explica:
A atualidade da ficção machadiana funda-se no
pessimismo e no humor, tomados como instrumentos
de problematização da vida, ou seja, ele possuía um
sentimento trágico das relações, pois julgava que os
homens, deserdados pela natureza, estavam numa luta
desordenada e sem fim, motivada tão-somente pelo
irracionalismo da vontade. Diante do caos da
existência, o riso apresentava-se-lhe como um modo
de suspender a humanidade. Decorreu daí um dos
principais traços de seu espírito, a ironia, que é o riso
dividido, pelo excesso de lucidez, entre, o desencanto
e o cinisno.
No decorrer deste estudo, o autor ficcional de DOM
CASMURRO é inovador em relação à sua época no que tange à
12
Para sustentar a fundamentação da nossa dissertação,
procuramos conhecer o trabalho de leitura de alguns estudiosos
de DOM CASMURRO.
GOMES (1969) considera que DOM CASMURRO é a obra
mais ambígüa da literatura nacional. O crítico literário faz um
trabalho minucioso acerca do conteúdo do romance e procura
desvendar as intenções secretas do autor. Demonstra muita
preocupação com a estrutura da obra, detendo-se nas passagens
ambíguas do romance, no entanto, não aborda a maneira como
essa ambigüidade é construída ao longo da narrativa.
Inúmeros críticos literários estudaram DOM CASMURRO.
Pesquisas acadêmicas, em geral, enfocam aspectos psicanalíticos,
sociais e históricos, ou seja, levam em consideração apenas
aspectos extraliterários da obra, mas não se detêm na construção
artística do romance.
GLEDSON (1991) analisa o romance focalizando
elementos históricos e sociais. A narrativa e o enredo são
estudados por reflexões singulares e refinadas. Para o
pesquisador, o protagonista da obra é o ciúme. O crítico inglês
estuda também a política e a ideologia da época. Há uma grande
preocupação com a relação entre Bentinho e Capitu, focalizando
na época e nos interesses sociais de seu tempo.
SAMPAIO (1989), sob a ótica de Freud, Jung e Bachelard,
analisa as personagens de DOM CASMURRO. A autora tem a
mesma opinião de CALDWELL (1960), ao argumentar que, por trás
do ciúme delirante do Bentinho, esconde-se um desejo
homossexual pelo amigo Escobar.
Nosso interesse pelo estudo do erro trágico em DOM
CASMURRO partiu da inquietação que nos causou o sofrimento
decorrente. Foi a partir do pensamento de Sócrates (O sofrimento
da humanidade está relacionado a um erro cometido pelo sujeito
ou até pelos seus ascendentes) e de Aristóteles (O herói cai em
desgraça porque comete um erro[...] porque faz o que não sabe ou
não sabe o que faz), sobre os quais me detive, com atenção
13
redobrada,para significar os sentimentos de dúvida da
personagen, anseios, medos, sofrimentos e angústias.
DOM CASMURRO é o sétimo entre os nove romances
escritos por Machado de Assis. Publicado em 1990, porém, com
uma edição datada de 1899, foi o primeiro volume de seus
romances, uma vez que as obras anteriores foram editadas,
primeiramente, em periódicos (folhetins).
Aristóteles considerava que literatura é mímesis
3
, ou
seja, é a representação da realidade. Desse modo, Bentinho é
uma personagem, (do grego persona), uma máscara e representa a
humanidade, podendo ser acometido por erros trágicos.
Para entender o erro trágico em DOM CASMURRO,
partimos dos estudos dos filósofos gregos, que foram os primeiros
a usar essa expressão, mostrando qual era a sua função na
construção da tragédia.
Segundo Aristóteles, para que a tragédia suscitasse pena
e temor, a platéia precisaria se identificar com as situações
apresentadas no palco. Tais sentimentos surgem quando o público
presume que é suscetível de sofrer de um mal semelhante ao que
é representado. Essa identificação da platéia com os fatos
apresentados no palco é chamada por Aristóteles de mímesis, a
qual, por sua vez, provocaria a kátharsis
4
.
A mímesis, associada à kátharsis, está intimamente ligada
à recepção de uma obra pelo público. Isso ocorre até os dias
3
Do grego mímesis, imitação. É com Platão que a palavra surge pela primeira vez. No livro III e
sobretudo no X, da República, o filósofo expõe suas observações acerca da matéria: partindo da idéia
de que um modelo no céu, ou seja, que o real é o ideal, considera os três graus de realidade, a
criada por Deus, a do artífice e a do artista. E tomando o exemplo da cama, aponta a cama, que
existe na natureza das coisas e da qual podemos afirmar, penso, que Deus é o autor, a segunda
cama, que é a do marceneiro é o artífice, e o pintor, imitador. Assim sendo, o imitador seria o autor de
uma produção afastada a três graus da natureza. Vale dizer: o pintor, bem como o autor, o
dramaturgo, procedem a uma imitação da aparência, representada pela cama do marceneiro, não da
realidade, que seria a cama que Deus criou.
(MOISÉS, Massaud. Dicionário de termos literários. São Paulo: Cultrix, 1974. p.336).
4
Do grego kátharsis, purgação, purificação. A catarse é uma das questões mais controvertidas e
debatidas da história das idéias estéticas. Aristóteles colocou-a pela primeira vez, ao proceder à
exegese da tragédia, afirmando que esta. ” Suscitando o terror e a piedade, tem por efeito a
purificação desses sentimentos. Sabe-se que o filósofo grego tomou a palavra de empréstimo à
Medicina, onde simplesmente designava a eliminação dos humores corporais maléficos para
14
atuais. As peças trágicas, na busca de uma identificação com o
público, constroem cuidadosamente as personagens e a trama das
ações. Pelo princípio da verossimilhança, valendo-se de
peripécias e do reconhecimento, apresentam uma mudança da
felicidade para a infelicidade. Mudança que ocorre devido ao erro
grave do herói trágico.
O erro trágico do herói é o que mais interessa a nossa
pesquisa. Aristóteles (1996, p.35) considera que o erro trágico
surge quando o herói cai em desgraça, porque comete um erro (do
grego hamartia
5
) ou porque faz o que não sabe ou não sabe o que
faz. Na Grécia antiga, o herói trágico errava e não poderia fugir do
destino ordenado pelos deuses.
Segundo NIETZSCHE (apud WILLIAMS, 2002, p.30), os
cidadãos gregos criavam seus deuses e, vendo neles sua imagem
transfigurada, igualando suas vidas, achavam justificada a
existência. Viver respaldado pela energia dos deuses e podendo
contemplá-los a todo momento tornava mais digno o esforço por
viver e a vida lhes teria sentido.
Na modernidade, não podemos falar em concessão
episódica dos deuses, tampouco em conciliação como fizeram
Eurípedes, Ésquilo e Sófocles, mas podemos imaginar a
construção de uma clima trágico, a partir da inserção das
personagens na trajetória da dúvida, como acontece em DOM
CASMURRO.
Algumas características do herói trágico descritas por
ARISTÓTELES não são mais observadas nos textos dramáticos da
modernidade, sobretudo a partir do advento do cristianismo, que
restabelecer o equilíbrio próprio da saúde. (MOISÈS, Massaud. Dicionário de termos literários. São
Paulo: Cultrix, 1974, p.79).
5
Do grego hamartía, erro, falha.Designa no interior da tragédia clássica, o erro de julgamento ou
produto de uma falha momentânia ou de ignorância, que acarreta funestas conseqüências. De onde
corresponder a “erro trágico”. Para Aristóteles, o herói trágico não se distingue muito pela virtude e
justiça; se cai no infortúnio, tal acontece, nal que seja vil e malvado, mas por força de algum erro; e
esse homem de ser algum daqueles que gozam de grande reputação e fortuna, como Édipo e
Tiestes ou outros representantes de famílias ilustres. (MOISÈS, Massaud. Dicionário de termos
literários. São Paulo: Cultrix,1974, p.271).
15
traz a possibilidade do livre arbítrio e anula a questão do destino,
ganha liberdade de ação.
Ao ler DOM CASMURRO, apreendemos a incerteza (a
dúvida) de Bentinho, narrador autodiegético, sobre a fidelidade da
esposa amada Capitu. Ele busca provas que justifiquem seus
próprios atos e escolhas na procura da verdade.
Neste romance, o narrador casmurro sofre a violência de
um signo, que é a metáfora dos olhos de ressaca. Assim, o herói
trágico Bentinho, sob a violência do signo do olhar, é acometido
por uma dúvida, que vai persegui-lo durante toda a história , até o
seu desfecho.
Consideramos a dúvida em DOM CASMURRO o erro
trágico, por ser ela a responsável pela tragicidade do romance.
STRATHERN (1997, p.48) explica que Kierkegaard
considera que a própria consciência é uma forma de dúvida, ou
melhor, é pela consciência que se duvida da própria existência.
Para ele, dúvida e duplo vêm da mesma raiz (duo), significando
duas possibilidades.
O erro trágico em DOM CASMURRO nasce da forma
equivocada e dúbia da personagem ver a realidade, com origem
nos comentários de terceiros. Expressa, principalmente, por
monólogos interiores, sua forma subjetiva de ver a realidade, a
tragicidade aparece no discurso metafórico e irônico, construído
por uma linguagem oblíqua, que engana e confunde os leitores.
Segundo BARBOSA (1999, p.61):
a narração casmurra é vista, desde o início,como
portadora possível de ilusões e exige do leitor uma
cooperação ativa na decifração, marcada essa pela
desconfiança com que o leitor vai se desvencilhando
das próprias interpretações oferecidas.
A dúvida, segundo JASPERS (apud RICOEUR, 1996,
p.132), é dominada por um saber trágico que empurra o herói
trágico dolorosamente na direção da sua perfeição, da verdade. É
esse saber que constrói a tragicidade em obras como Othelo e
16
Hamlet de Shakespeare, nos quais os heróis sofrem à procura da
verdade. A tragicidade arquitetada sob a ótica de DOM
CASMURRO deriva-se da busca de Bentinho pela verdade e
contribui para o cumprimento da desgraça, para a resignação pelo
sofrimento, o que induz o leitor à catarse.
A tragédia moderna está ligada a uma visão trágica do
mundo e, na realidade, é uma construção nova, cuja ligação com a
tragédia clássica é tênue. Muitas vezes, ela apresenta
características peculiares como ecos da tragédia grega. Em DOM
CASMURRO, observa-se uma ligação sutil entre ambas pela
catarse, a linguagem ornamentada, a presença do herói trágico, o
erro e a morte.
Sobre a visão moderna de trágico, LAURENT (1989, p.27)
explica que ela só pode ser observada com a presença de um leitor
ativo, sendo que, para este tipo de leitura, é necessário, além de
tudo, que o leitor tenha um repertório suficiente para estabelecer
relações, instaurando o intertexto.
Na Grécia antiga, trágico era um termo aplicado a textos
literários, significando esplêndido, grandioso, mítico (geralmente
negativo), opondo-se ao comum, ao simples e ao científico. Já o
significado moderno do termo refere-se, na maioria das vezes
pejorativamente, a algo ou alguém que cede às normas humanas
comuns. Mesmo que não se refira mais ao gênero, ainda assim
sugere aquilo que as pessoas comuns pensavam ser o mais
significativo e característico do gênero, um sofrimento inevitável.
É o que ocorre em DOM CASMURRO, onde um herói, inserido na
trajetória da dúvida, da angústia, à procura da verdade torna-se um
herói trágico.
É pelo adjetivo trágico (entendido como um modo de olhar
o mundo) atrelado ao saber trágico que vamos abordar a
tragicidade em DOM CASMURRO, amparados nas idéias de alguns
estudiosos do gênero, como: VERNANT (2005), LESKY (1996) e
BORNHEIN (1969).
17
Desde Aristóteles, é concebida uma poética da tragédia
Porém, apenas com Schelling é que se desenvolveu uma filosofia
do trágico. Em 1792, Schelling formulou uma nova visão do trágico,
visto como um aspecto fundamental da existência humana. O
gênero literário tragédia foi reavaliada por filósofos como:
SCHOPENHAUER (1966) e KIERKEGAARD (2005). Schopenhauer
julgava que os antigos ainda não tinham atingido uma visão trágica
da vida.
A noção trágica do homem no universo pode ser expressa
em qualquer gênero. Porém, na época das tragédias clássicas, o
mundo tinha sentido, pois os deuses garantiam seu significado
pela teologia positivista. Em DOM CASMURRO, verifica-se que o
herói trágico Bentinho sente-se abandonado pelos deuses, a mercê
de um mundo individualista, o que configura o sintoma trágico do
viver, característico da modernidade.
Nota-se um sintoma trágico do viver, característica dos
filósofos existencialistas, no narrador casmurro, representado por
seu discurso oblíquo.
Desse modo, Schopenhauer e Kierkegaard tornaram-se o
nosso fio condutor para explorarmos o trágico moderno, que é
ligado intrinsecamente à vivência trágica. Seguindo o pensamento
deles, lançamos o olhar sobre o romance DOM CASMURRO,
especialmente sobre o erro trágico, para tecer as possíveis
aproximações e distanciamentos entre a tragédia clássica e o
drama moderno.
Todavia, para verificar a construção do erro trágico e para
compreender o discurso da tragicidade poética em DOM
CASMURRO, fez-se necessário um estudo sobre a construção
artística, pois o texto literário, segundo PERRONE (1990, p.12),
antes de mais nada, obra de linguagem. Assim, procuramos nos
ater à engenharia textual machadiana, procurando observar, no
objeto de estudo, o erro trágico moldando a construção do
discurso.
18
Sabemos que Machado de Assis imitou mais a arte do que
a vida, o que significa que, em DOM CASMURRO, há uma grande
influência do aparato retórico. Exemplo dessa influência pode ser
percebido no romance pela presença da poesia trágica, construída
principalmente por meio do estilo metafórico e irônico.
A metáfora poética em DOM CASMURRO remete à
investigação, à criatividade. É uma metáfora viva, pois busca
inovar significados, criar sentidos, devido à impertinência
semântica frente à referência habitual de um termo. Assim, no
capítulo XXXII do romance, encontramos o título metafórico: Olhos
de ressaca, com o qual o narrador procura explicar a fala de José
Dias sobre os olhos de cigana oblíqua e dissimulada de Capitu.
A metáfora olhos de ressaca gera uma nova referência, e,
frente ao sentido literal, uma outra pertinência semântica, que para
ser interpretada, deve ser relacionada ao contexto e não vista
apenas como um tropo, uma forma oblíqua de linguagem: fluido
misterioso e enérgico, uma força que arrastava para dentro, como
a vaga que se retira da praia, nos dias de ressaca. Essa passagem
configura uma semântica inter e extra-textual do narrador-
personagem, sob o princípio da verossimilhança.
Seguindo o pensamento de RICOEUR (2001) sobre
metáfora viva, procuramos nela sustentar nossa hipótese de que o
erro trágico em DOM CASMURRO (a dúvida) é construído pela
metáfora, porque esta, além de gerar novas referências, também
está ligada à duplicidade da linguagem, que é capaz de gerar a
dissimulação do discurso,como explica GENETTE (1996, p.203).
Isso evidencia que a transposição de sentidos da
metáfora desvia atenção de certos efeitos sentimentais do eu, que
é um modo subjetivo de contemplar a realidade. Com efeito, a
metáfora viva encobre interdições vocabulares, tabus lingüísticos
ou se aproxima da adulação, da cortesia, do humor ou da ironia,
todas formas de dissimulação, como mostram os discursos de José
Dias e de Bentinho.
19
Falando sobre a metáfora, ARISTÓTELES (1996, p.45)
explica: De um modo geral, de enigmas bem feitos é possível
extrair metáforas apropriadas, porque as metáforas são enigmas
velados, e nisso se reconhece que a transposição de sentido foi
bem sucedida. Parece-nos que, em DOM CASMURRO, o narrador
faz uso das metáforas com o intuito de criar a dúvida, de construir
um enigma. Um outro recurso usado pelo autor ficcional na
construção do erro trágico (a dúvida) é o duplo sentido do
discurso com função dissimuladora de linguagem.
A construção artística de DOM CASMURRO relacionada à
linguagem pede uma leitura à luz das metáforas atreladas à ironia.
Segundo KIERKEGAARD (2005, p.113), a ironia é uma forma de
olhar o mundo, uma maneira de contemplar a negatividade da
existência. Para BÉRGSON (1983, p.37), a ironia é aquela
contradição fictícia entre aquilo que se diz e aquilo que ser quer
dizer.
A arquitetura do erro trágico desencadeia a tragicidade e,
ao suscitar a compaixão dos leitores, provoca a catarse, ou seja, a
purgação das emoções. E o intuito do autor ficcional é criar
cidadãos melhores, mostrando os prejuízos que as paixões
humanas provocam.
Numa obra de arte nada é construído por acaso. O erro
trágico em DOM CASMURRO tem duas finalidades: a catártica e/ou
efeito estético e de mostrar a tragicidade da existência.
No pensamento aristotélico, os sentimentos seriam
purificados apenas pela piedade e pelo temor. Já segundo
SCHOPENHAUER (1966, p.498), o sofrimento da humanidade é
causado pelo acaso ou pelo erro, e a vida não oferece nenhum
prazer verdadeiro, mostrando a tragicidade que é o viver. Sócrates
também julga que o sofrimento da humanidade pode ser causado
pelo acaso ou pelo erro.
Em DOM CASMURRO, a dúvida de Bentinho em relação à
Capitu é um erro causado por sua forma equivocada (e irônica) de
20
ver a realidade, dúvida marcada por um saber trágico que busca a
verdade.
Nossa dissertação está organizada em três capítulos:
No primeiro capítulo, A construção do erro trágico em DOM
CASMURRO, analisamos a construção literária do erro trágico e a
linguagem metafórica. Abordamos os conceitos de metáfora em
ARISTÓTELES (1980), RICOEUR (2001) e GENETTE (1996).
Apresentamos o percurso da ironia, desde a República, de Platão
até a modernidade, seguindo o pensamento de vários autores,
como: KIERKEGAARD (2005), MÜECKE (1995) e BERGSON
(1983).
No segundo capítulo, Tradição x Modernidade,
comparamos aspectos da tragédia grega com a tragédia moderna,
enfocando a mudança de paradigmas do herói moderno.
Apresentamos os estudiosos da poética aristotélica LESKY (1996),
VERNANT (2005) e BORNHEIN (1969).
No terceiro capítulo, A dupla função do erro trágico,
aplicamos o conceito de catarse aristotélica e o conceito de
estranhamento dos formalistas russos ao discurso casmurro.
Abordamos a subjetividade do narrador, um narrador autodiegético,
que narra a tragicidade do viver à procura da verdade, ao
descrever a tragédia poética.
Nas considerações finais, discorremos os efeitos gerados
pelo processo catártico da tragicidade por meio da metáfora da
dissimulação do olhar de casmurro, em decorrência da construção
do erro trágico na arquitetura do romance DOM CASMURRO de
machado de Assis.
21
[...]o saber que ela[literatura] mobiliza nunca é inteiro
nem derradeiro; a literatura não diz que sabe alguma
coisa, mas que sabe de alguma coisa;ou melhor: que ela
sabe algo das coisas-- que sabe muito sobre os homens,é
o que se poderia chamar de grande estrago da linguagem,
que eles trabalham e que os trabalha, quer ela reproduza
a diversidade, cujo dilaceramento ela ressente, imagine e
busque elaborar uma linguagem-limite, que seria seu grau
zero. Porque ela encena a linguagem, em vez de, de
simplesmente, utilizá-la, a literatura engrena o saber no
rolamento da reflexibilidade infinita: através da escritura,
o saber reflete incessantemente sobre o saber, segundo
um discurso que não é mais epistemológico mas
dramático.(BARTHES, 1994, p.19)
22
CAPÍTULO I
A construção do erro trágico
1.1 - Olhos de ressaca e a metáfora da dúvida
Para entender o projeto artístico da narrativa de DOM
CASMURRO, partimos do próprio material que constrói a obra
literária, ou seja, a linguagem, que é entendido por PAZ (2005, p.
68) como o caráter singular do romance provém, em primeiro
lugar, da sua linguagem.
Segundo PERRONE (1990,p.32), uma das principais
características da transformação sofrida pela obra literária, no
final do século XIX, é a multiplicação de seus significados, que
permitem e até mesmo solicitam uma leitura múltipla e interativa.
GENETTE (1996, p.195) acrescenta:
A obra literária tem a tendência de constituir-se como
um monumento de reticência e de ambigüidade, mas
este objeto silencioso, ela o fabrica, por assim dizer,
com palavras....
Toda sua arte consiste em fazer da linguagem, veículo
de saber e opinião geralmente rápido, um lugar de
incerteza e de interrogação. Ela sugere que o mundo
significa, mas sem dizer o quê, ela descreve objeto,
pessoas, conta acontecimentos e em vez de impor-lhes
significações certas e fixas como o faz a palavra
social (e também certamente a má literatura.
PAZ (2005, p.68), explicando o ofício do romancista, diz:
O romancista nem demonstra nem conta: recria o
mundo. Embora o seu ofício seja o de relatar um
acontecimento, e nesse sentido parece-se ao
historiador, não lhe interessa contar o que passou,
mas reviver um instante ou uma série de instantes,
23
recriar o mundo. Por isso recorre aos poderes rítmicos
da linguagem e às virtudes transmutadoras da imagem.
Assim, por um lado, imagina, poetiza; por outro,
descreve lugares, fatos, almas. Limita-se com a poesia
e a história.
Estudiosos da literatura classificam a linguagem de DOM
CASMURRO de prosa poética, como TEIXEIRA (1988, p.128)
comenta:
Essas características de Dom Casmurro acentuam uma
das propriedades mais modernas de Machado de
Assis, que é a dimensão poética do romance. Cada
palavra é escolhida como se fosse completar o sentido
ou a métrica de um verso primoroso, de modo que os
capítulos, sempre curtos, resultaram em blocos
harmoniosos da mais perfeita realização artística.
A linguagem poética, que é carregada de significados,
utiliza normas específicas, que transformam e recriam o sistema
lingüístico de um povo. Essas características tornam a obra
peculiar, e a objetividade narrativa do texto não impede que o
autor ficcional utilize, em toda a narrativa, metáforas acopladas à
ironia, ou seja, metáforas irônicas.
A metáfora, seja na poesia ou na prosa poética, utiliza o
recurso imagético. Conceito estudado desde ARISTÓTELES (1996,
p.134), a metáfora consiste em transportar para uma coisa o nome
de outra, ou do gênero para a espécie, ou da espécie para o
gênero, ou da espécie de uma para a espécie de outra, ou por
analogia.
Todo signo verbal, por natureza, é uma metáfora, pois ela
é o princípio onipresente da linguagem, é o processo básico de
comunicação verbal, pois cada signo apresenta, simultaneamente,
um índice conotativo e um índice denotativo. Assim, a metáfora
estaria implicada no ato de traduzir em palavras os nossos
pensamentos e nossas sensações.
A metáfora é a linguagem da poesia e, para JAKOBSON
(1994), a função poética deriva da superposição do paradigma
24
(eixo da similaridade) sobre o sintagma (eixo da contigüidade), isto
é, a linguagem poética se constrói dentro de uma estrutura
extremamente complexa, que atrela ao discurso lingüístico sempre
um novo significado, alusivo e surpreendente, cuja essência é a
iconicidade.
O autor ficcional de DOM CASMURRO utiliza diferentes
relações sintagmáticas e paradigmáticas, a fim de criar seu projeto
poético e dar significação ao fazer literário, como mostram estes
fragmentos:
Tudo é música meu amigo. No princípio era o dó,
e do dó fez-se ré, etc.[DC, cap. IX]
O que aqui está é, mal comparando, semelhante à
pintura que se põe na barba e nos cabelos, e que
apenas conserva o hábito externo,como se diz nas
autópsias ;o interno não agüenta tinta. Uma certidão,
que me desse vinte anos de idade poderia enganar os
estranhos,como todos os documentos falsos, mas não
a mim. [DC, cap. II]
DONOFRIO (1978, p.89) explica que o poético
apresenta-se como um feixe de possibilidades significativas, pois
simultaneamente remete e não remete, existe e não existe; é ao
mesmo tempo um ser e não-ser. Com efeito, o poético renova
incessantemente códigos e requer um conhecimento à priori de
uma plurissignificação, causando estranhamento.
Segundo KOTHE (1981, p.28),
o estranhamento e a transposição afastam o objeto do
modo habitual de ele ser visto. De fato constituem o
novo objeto, um signo. Este não apenas atrai a
atenção sobre si mesma, mas passa a dizer através de
sua diferença em relação ao objeto, de que é a
significação.
No estranhamento, ao afastar o objeto do modo habitual
de ser visto, cria-se a singularidade, constitui-se um novo signo,
que provocará imagens de outros elementos lingüísticos, tanto no
narrador, como no leitor. Assim, a expressão olhos de ressaca
25
desperta associações com olhos de dúvida, olhos enigmáticos,
olhos do arrastar para dentro. O estranhamento é este modo
particular de apreender a linguagem e transformá-la com efeitos
estéticos.
A linguagem poética insurge-se contra o automatismo e se
recria com neologismos, metáforas novas, ordenando de modo
diferente e inovador os lexemas nos sintagmas. É a infinidade de
recursos expressivos proporcionados pela poesia que causa um
efeito de estranhamento, como se vê no fragmento a seguir:
A boca podia ser o cálix, os lábios a patena. Faltava
dizer a missa nova, por um latim que ninguém aprende
e é a língua católica dos homens. Não me tenhas por
sacrílego, leitora minha devota; a limpeza da intenção
lava o que puder haver menos curial no estilo.
Estávamos ali com o céu em nossas mãos, unindo os
nervos, faziam das duas criaturas uma só, mas uma só
criatura seráfica. Os olhos continuaram a dizer cousas
infinitas, as palavras de boca é que nem tentavam
sair, tornavam ao coração caladas como vinham... [DC,
cap. XIV]
O discurso citado apresenta um estranhamento, um modo
singular de narrar os fatos e que somente pode ser entendido, se
for relacionado a um contexto:o personagem-narrador Bentinho, no
início do romance, estava na iminência de se tornar padre, devido
a uma promessa feita por sua mãe.
Os formalistas russos, retomando idéias clássicas a
respeito do objetivo do texto poético, mostram que o conceito de
estranhamento na experiência estética refere-se ao choque vivido
pelo destinatário, ao confrontar-se com uma obra, cuja enunciação
difere dos paradigmas mais conhecidos. A criação imagética do
texto e a descontextualização do objeto favorecem o efeito de
estranhamento e a singularização, causando uma leitura particular
e única. Sobre isso, CHKLOVSKI (1978, p.46) comenta:
26
O objetivo da arte é dar a sensação do objeto como
visão e não como reconhecimento; o procedimento da
arte é o procedimento da singularização dos objetos e
o procedimento que consiste em obscurecer a forma,
aumentar a dificuldade e a duração da percepção. O
procedimento de singularização dos objetos e o
procedimento em L. Tolstoi consiste no fato de que
ele não chama o objeto por seu nome, mas o
descreve como se o visse pela primeira vez e trata
cada incidente como se acontecesse pela primeira
vez; além disso, emprega na descrição do objeto, não
os nomes geralmente dados às partes, mas outras
palavras tomadas emprestadas na descrição das
partes, correspondentes em outros objetos.
No último fragmento machadiano [cap.XIV], observamos
que as metáforas são visualisadas, é como se o cenário estivesse
em frente aos nossos olhos. Pelos vocábulos usados, nota-se um
paralelo entre a religião católica e Capitu, deixando implícito o
desejo de Bentinho detomar a moça como se fosse o altar, o
cálice e a patena. Há uma dessacralização do sagrado, uma vez
que Capitu é comparada a um espaço religioso, instaurando a
ironia acoplada à metáfora.
Sobre o estranhamento, BOSI (2003, p.30) explica:
O estranhamento provém da agudeza da intuição e da
intensidade de sentimento do eu lírico em face de um
mundo que ainda é novo e imprevisto, apesar de gasto
por séculos e séculos de uso e convenção. Com efeito,
mesmo usando vocábulos comuns, o texto poético nos
fascina e nos faz refletir sobre os sentidos que as
palavras encerram, assim, a linguagem poética vem a
ser o desvio do falar comum. Portanto, vale ressaltar
que o escritor não cria uma linguagem, apenas se
serve dela de modo diferente, recriando-a.
Em DOM CASMURRO, o receptor é conduzido a
configurar novos modelos e a desautomatizar sua percepção.
Como resultado ele renova os processos de elaboração de
significados, tornando o objeto descrito particular e único, ou
seja, tornando-o aquilo que RICOEUR (2001) chama de metáfora
27
viva. Nesse caso, pode-se dizer que o objetivo da arte no romance
foi alcançado, porque provocando desequilíbrio no leitor pela
composição artística, suscita a catarse.
O estranhamento é o particular de ver e apreender o
mundo pela literatura, que, alargando o nível da linguagem,
desafia as convenções ao introduzir novas formas de expressão, o
que permite a reconstrução das idéias pré-concebidas sobre o
mundo. O estranhamento é esse efeito especial criado pela obra
literária para nos distanciar do modo comum de apreender o
mundo, o que nos permite mergulhar numa dimensão nova, só
visível pelo olhar estético.
DONOFRIO (1978, p.17) explica que um romance é um
poema expandido, e que um poema é um romance condensado. Em
nosso estudo, procuramos encontrar a poeticidade expandida ou
concentrada no romance DOM CASMURRO. Observamos como o
narrador utiliza o poético para construir a dúvida (o erro trágico),é
o ponto principal do nosso projeto de pesquisa, arquitetada
através de solilóquios e comentários de terceiros em metáforas
irônicas:
Não alcancei mais nada, e para o fim arrependi-me do
pedido:devia ter seguido o conselho de Capitu.
[DC,cap. XXII]
E as vozes repetiam confusas:
Em segredinhos...
Sempre juntos...
Se eles pegarem em namoro... [DC, cap.XII]
O romance DOM CASMURRO, apesar de ser considerado
uma obra do realismo, ainda apresenta características românticas
no que refere à construção da personagem Capitu. A criação da
personagem feminina machadiana mais famosa, na virada do
século XX, é apresentada como uma mulher atrevida e, ao mesmo
tempo, como uma mulher idealizada, o que fazia com que
Casmurro aumentasse a sua desconfiança:
28
--Se eu fosse rica, você fugia, metia-se no paquete e
ia para a Europa. [DC, cap. XVIII]
Como vês,Capitu aos quatorze anos, tinha já idéias
atrevidas, muito menos que outras que lhe vieram
depois... [DC, cap.XVIII]
Capitu tinha meia dúzia de gestos únicos na terra.
[DC, cap. XL]
Os olhos continuaram a dizer coisas infinitas, as
palavras de boca é que nem tentavam sair, tornaram
ao coração caladas como vinham... [DC, cap. XIV]
O uso da metáfora do olhar para descrever Capitu é
constante em toda a obra. Sobre os olhos de Capitu, José Dias
falou:
Capitu, apesar daqueles olhos que o diabo lhe deu...
Você já reparou nos olhos dela? São assim de cigana
oblíqua e dissimulada. [DC, cap.XXV]
Tudo isto me era agora apresentado pela boca de José
Dias, que me denunciara a mim mesmo, e a quem eu
perdoava tudo, o mal que dissera, o mal que fizera, e
o que pudesse vir de um e de outro. [DC, cap.XII]
Bentinho resolve conferir a definição do agregado José
Dias, em relação aos olhos da namorada. Fitando firme neles,
constata que o foram arrastando para dentro dela como algo é
arrastado pelo mar quando há refluxo das ondas. E acrescentou
olhos de ressaca
6
, criando a metáfora da dúvida, que o levará ao
erro trágico, pelo discurso oblíquo e dissimulado:
Eu não sabia o que era oblíqua, mas dissimulada
sabia, e queria ver-se se podiam chamar assim. Capitu
deixou-se fitar e examinar. Só me perguntava o que
era, se nunca os vira; eu nada achei extraordinário; a
cor e a doçura eram as minhas conhecidas. A demora
da contemplação creio que lhe deu outra idéia do meu
intento;imaginou que era um pretexto para mirá-los
mais de perto,com os meus olhos longos, constantes,
enfiados neles, e a isto atribuo que entrassem a ficar
crescidos, crescidos e sombrios, com tal expressão
que... [DC, cap.XXXII]
6
Ressaca refere-se aqui ao fenômeno marinho, isto é, ao refluxo das águas e não o mal estar da
bebedeira, portanto, é uma metáfora vivíssima, a mais conhecida de Machado de Assis.
29
O caráter da personagem José Dias (o Iago machadiano)
é descrito por meio da linguagem do superlativo. Vejamos:
José Dias amava os superlativos. Era um modo de dar
feição monumental às idéias; não as havendo, servir a
prolongar as frases. [DC, cap. IV]
Levantou-se com o passo vagaroso do costume, não
aquele vagar arrastado dos preguiçosos, mas um
vagar calculado e deduzido, um silogismo completo, a
premissa antes da conseqüência, a conseqüência
antes da conclusão. Um dever amaríssimo! [DC, cap.
IV]
Um dia, reinando outra vez febres em Itaguaí, disse-
lhe meu pai que fosse ver a nossa escravatura. José
Dias deixou-se estar calado, suspirou e acabou
confessando que não era médico. Tomara este título
para ajudar a propaganda da nova escola, e não o fez
sem estudar muito e muito; mas a consciência não lhe
permitia aceitar mais doentes. [DC, cap. V]
_Mas, você curou das outras vezes.
_Creio que sim; o mais acertado, porém, é dizer
que foram os remédios indicados nos livros. Eles, sim,
eles, abaixo de Deus. Eu era um charlatão... Não
negue; os motivos do meu procedimento podiam ser e
eram dignos; a homeopatia é a verdade, e, para servir
à verdade, menti; mas é tempo de restabelecer tudo.
[DC, cap. V]
O saber trágico é limitado, sobretudo, porque ainda está
preso às imagens. Ele partilha esse caráter com a poesia. E é esse
saber trágico que empurra dolorosamente Bentinho na direção da
verdade, como ocorre com Hamlet, Otelo e Édipo-rei, heróis
trágicos à procura da verdade, que, pela vontade de saber,
cooperam para o cumprimento da desgraça que os dilacerará.
ARISTÓTELES afirma que, de um modo geral, de enigmas
bem feitos é possível extrair metáforas apropriadas, porque as
metáforas são enigmas velados e nisso se reconhece que a
transposição de sentido foi bem sucedida. No entanto, para ele, a
metáfora não só enriquece a mensagem, mas também a torna
obscura. Partindo deste pressuposto, vemos que a metáfora em
DOM CASMURRO é participante da construção da ambigüidade, ou
melhor, da dúvida sobre a verdade de Capitu.
30
A poesia é constituída por uma linguagem específica e
com normas próprias, as quais transformam todo o sistema
lingüístico de uma determinada língua. Estudiosos afirmam que a
metáfora sempre esteve presente na poesia, mas associada à
retórica, o que pode refletir o seu uso em situações diferentes de
discursos, ou seja, na retórica, é técnica de eloqüência, que gera
persuasão, enquanto, na poética, gera a catarse. A separação
entre a retórica e a poética interessa-nos, porque a metáfora, na
definição de Aristóteles, também pertence a esses dois domínios.
RICOEUR (2001, p.23) apresenta-nos o significado de
metáfora:
A poética, arte de recompor poemas, trágicos
principalmente, não depende, nem quanto à função
nem quanto à situação do discurso, da retórica, arte
da defesa, da deliberação, da repreensão e do elogio.
A poesia não é eloqüência. Ela não visa à persuasão,
mas produz a purificação das paixões do terror e da
piedade. Poesia e eloqüência retratam, assim, dois
universos de discursos distintos. Ora, a metáfora tem
um pé em cada domínio. Ela pode, quanto à estrutura,
ter uma única operação de transferência do sentido
das palavras, mas, quanto à função, ela dá
continuidade aos destinos distintos da eloqüência e da
tragédia; há portanto, uma única estrutura da
metáfora, mas duas funções: uma função retórica e
uma poética.
Aristóteles define a retórica como a arte de criar ou de
encontrar provas, porém, a poesia não procura provar nada, seu
projeto é a mímesis, ou melhor, a representação das ações
humanas, através da ficção, da fábula, do mytho trágico.
RICOEUR (2001, p.29) explica, também, que:
Esse confinamento da metáfora entre as figuras
será, certamente, a ocasião de um refinamento
extremo da taxionomia. Mas ele será pago a um preço
elevado: a impossibilidade de reconhecer a unidade de
certo funcionamento que, como Jakobson mostrará,
ignora a diferença entre palavra e discurso e opera em
todos os níveis estratégicos da linguagem: palavras,
frases, discursos, textos e estilos.
31
Para entender melhor a metáfora machadiana associada à
construção do erro trágico em DOM CASMURRO, não podemos nos
ater à metáfora apenas como figura de linguagem, associada à
teoria dos tropos, ao sentido figurado, mas devemos vê-la,
segundo JAKOBSON (1994), como extensão do discurso,
determinando estilos e novos sentidos às mais variadas
circunstâncias, como mostra a passagem:
Olhos de ressaca? Vá, de ressaca. É o que me
dá a idéia daquela feição nova. Traziam não sei que
fluido misterioso e enérgico, uma força que arrastava
para dentro, como uma vaga que se retira da praia,
nos dias de ressaca. Para não ser arrastado, agarrei-
me às outras partes vizinhas, às orelhas, aos braços,
aos cabelos espalhados pelos ombros, mas tão
depressa buscava as pupilas, a onda que saía delas
vinha crescendo, cava e escura, ameaçando envolver-
me, puxar-me e tragar-me. [DC, cap.XXXII]
Nesse fragmento, notamos a busca de um novo sentido
para o vocábulo ressaca: o olhar da dúvida, do vai-e-vem, do traiu
ou não traiu, base da construção do enunciado machadiano do erro
trágico. O autor ficcional arquitetou imagens concretas para
caracterizar a personagem Capitu. Para isso, escolheu o motivo
dos olhos, e sabemos que é através dos olhos que captamos a
essência do ser humano.
A arte singulariza o objeto pela mímesis, por isso, cada
obra deve ser única, singular. Nessa perspectiva, a imagem dos
olhos de ressaca assume, na obra DOM CASMURRO, um
significado particular, adquire um nova forma de representação,
isto é, os vocábulos empregados por analogia, produzem
sensações ou criam imagens intencionadas pelo narrador, com o
intuito de causar estranhamento no leitor. Desse modo, as
metáforas levam o leitor, a pensar por imagens e a interpretá-las
de acordo com seu ponto de vista, criando um discurso oblíquo,
muitas vezes dissimulado pela linguagem, que arquiteta o erro
trágico.
32
Segundo RICOEUR (2001, p.17), a metáfora viva é
aquela que apresenta uma significação nova, inédita e, para ser
interpretada, deve ser relacionada ao seu contexto. A metáfora
viva inova sentimentos por sua impertinência semântica frente ao
sentido literal de um termo. Gera uma nova referência e uma nova
característica semântica, que se torna impertinente em relação ao
sentido literal. Portanto, a linguagem poética não é só um outro
modo de dizer, mas é uma forma de dizer mais, pois possui uma
plurissignificação de sentidos gerada pelo trabalho semântico.
Sobre a metáfora, ROSA (1989, p.32) diz que:
A moderna consciência poética descobriu que o objeto
que o poeta diz não é independente da linguagem que
o poeta formula. Desse modo, a linguagem já não
traduz a realidade, pois ela própria cria uma nova
realidade.
A linguagem da poesia, tal como a dos filósofos, é
reflexiva e ruminante, como Guimarães Rosa disse de sua prosa
poética. Em DOM CASMURRO, o autor ficcional utiliza as
metáforas vivas para representar a duplicidade e a dissimulação da
linguagem na construção do erro trágico. A função dissimuladora
da linguagem procura auxiliar a expressão de certas atitudes
sentimentais do eu do narrador-personagem. É um modo subjetivo
de sentir a realidade, empregando a metáfora atrelada à ironia,
outra forma de dissimulação, como se pode observar na citação:
Esta peça, concluiu o velho tenor, durará enquanto
durar o teatro, não se podendo calcular em que tempo
será ele demolido por utilidade astronômica. O êxito é
crescente. Poeta e músico recebem pontualmente os
seus direitos autorais, que não são os mesmos, porque
a regra de divisão é aquilo da Escritura:Muitos são os
chamados, poucos os escolhidos. Deus recebe em
ouro, Satanás em papel. [DC, cap. IX]
O narrador de DOM CASMURRO usa um discurso
metafórico com o objetivo de construir um texto imagético, pois a
33
metáfora é a figura que dá visibilidade ao discurso, é como se a
linguagem ganhasse vida .
Em DOM CASMURRO, a metáfora é feita por transferência
e não por semelhança. Aparece como um tropo sintático-semântico
construído por transferência, transposição do sentido próprio para
o figurado. Transporta o aparentemente desconhecido para o
conhecido, ou faz renascer o novo no velho, e isso é inovação.
Este poder de evocar, na mente do leitor, imagens semelhantes
àquelas produzidas pelo sentido da visão é que torna a metáfora
um signo icônico. Observemos:
[...] estava assim diante dela como de um altar, sendo
uma das faces a Epístola e a outra o Evangelho. A
boca podia ser o cálix, os lábios a patena. [DC,
cap.XIV]
O autor ficcional soube criar metáforas e tirar delas o
melhor partido para a construção do erro trágico, já que é nelas
que a dúvida se instala. Podemos considerar que o discurso
metafórico, em DOM CASMURRO, é responsável pela tragicidade
do romance, pois está ligado à duplicidade, à dissimulação e à
ambigüidade, resultando no erro trágico.
Sobre a metáfora, DAVIDSON (1992, p.35) afirma :
A metáfora é o trabalho de sonho da linguagem e,
como trabalho de sonho, sua interpretação recai tanto
sobre o intérprete como sobre o criador. A
interpretação dos sonhos requer colaboração entre o
sonhador e o homem desperto, mesmo que sejam a
mesma pessoa: e o próprio ato de interpretação é um
trabalho de imaginação.
A metáfora, na poesia ou na prosa poética, não tem
apenas o objetivo de mostrar alguma semelhança antes oculta,
mas busca surpreender com a linguagem, criando algo novo. O
discurso imagético da metáfora cria um confronto direto com o
receptor/leitor.
34
TODOROV (1980) explica que as figuras dão visibilidade
ao discurso. GENETTE (1996) considera o desvio de sentido das
figuras como um espaço interior da linguagem. Por isso,
expressões simples e comuns , diz ele, não têm forma, pois não
têm figura de linguagem.
O discurso oblíquo do herói trágico machadiano é também
calcado em seu poder de imaginação, apresentado no discurso por
meio de metáforas sobre a interpretação dos signos dos fatos
passados:
Não, não, a minha memória não é boa. Ao contrário, é
comparável a alguém que tivesse vivido por
hospedarias, sem guardar delas nem caras nem
nomes, e somente raras circunstâncias. [DC, cap. LIX]
A recordação de um simples olhos basta para fixar
outros que recordem e se deleitem com a imaginação
deles. [DC, cap. CVII]
A desculpa da falta de memória possibilita ao narrador o
exercício da imaginação, pelo uso da metáfora:
Ficando só, refleti algum tempo, e tive uma fantasia.
Já conheceis as minhas fantasias. Contei-vos a da
visita imperial; disse-vos a desta casa de Engenho
Novo, reproduzindo a de Mata-cavalos... A imaginação
foi a companheira de toda a minha existência, viva,
rápida, inquieta, alguma vez tímida e amiga de
empacar, as mais delas capaz de engolir campanhas e
campanhas, correndo. Creio haver lido em Tácito que
as éguas iberas concebiam pelo vento, se não foi nele,
foi noutro autor antigo, que entendeu guardar essa
crendice nos seus livros. Neste particular, a minha
imaginação era uma grande égua ibera; a menor brisa
lhe dava um potro, que saía logo cavalo de Alexandre;
mas deixemos metáforas atrevidas e impróprias dos
meus quinze anos. [DC, cap.XL]
Mas eu creio que não, e tu concordarás comigo;se te
lembras bem da Capitu menina, hás de reconhecer que
uma estava dentro da outra,como a fruta dentro da
casca. [DC, cap. CXLVIII]
Entre as inúmeras metáforas criadas pelo autor ficcional,
a olhos de ressaca é a que mais tem destaque no romance, pois
35
gerou a dúvida e arquitetou a tragicidade no romance DOM
CASMURRO:
Agora, porque é que nenhuma dessas caprichosas me
fez esquecer a primeira amada do meu coração?
Talvez porque nenhuma tinha os olhos de ressaca,
nem os de cigana oblíqua e dissimulada. [DC, cap.
CXLVIII]
1.2 - O uso da ironia
Segundo MOISÉS (1974, p.294), a ironia, de modo
genérico, consiste em dar a entender o que se pensa por
intermédio de seu contrário, estabelecendo um contraste
entre o modo de enunciar o pensamento e o seu conteúdo. Ou
seja, a ironia expressa o contrário do que se afirma.
Com o romantismo, no fim do século XVIII, e com o
surgimento de uma nova concepção de homem em relação ao
mundo, o conceito de ironia fica mais amplo e mais complexo. Na
visão de Schlegel, a partir desse momento, a ironia ganha uma
variedade múltipla de conceitos, não se limitando a vocábulos
isolados e não apenas dizendo somente o contrário do que se
expressa, mas tornando-se um recurso estético no
desenvolvimento das narrativas:
A ironia encontra na literatura e especialmente na
narrativa um terreno fértil para expressar-se, tornando
elemento constitutivo da arte de representar e
comunicar. (...) A partir de Schlegel e do Romantismo,
a ironia alargou sua carga significativa e ganhou
autonomia, tornando-se um marca da literatura pós-
romântica. (PIRES apud DUARTE, 2006, p.24)
36
Desde Platão, o uso da ironia evoluiu e, na literatura
moderna aparece como elemento do processo criador, como
inovação da obra de arte.
Quando os escritores começaram tomar consciência de que
não são só imitadores de um universo real, que também são
criadores de um mundo, cujo material é a linguagem, é que a ironia
se tornou mais complexa, sendo empregada por inúmeras áreas
de estudo, como a filosofia, a lingüística, a sociologia, psicologia e
outras.
Segundo MÜECHE (1995, p.22):
A evolução semântica do vocábulo foi acidental;
historicamente, nosso conceito de ironia é o resultado
cumulativo do fato de termos, de tempos em tempos no
decurso dos séculos, aplicado o vocábulo ora
intuitivamente, ora negligentemente, ora
deliberadamente, a fenômenos que pareciam, talvez
erroneamente, ter bastante semelhança com alguns
outros fenômenos aos quais já vinham aplicando.
Na trajetória da pesquisa, fizemos um levantamento da
ironia em várias perspectivas, para buscar subsídios de
sustentação da nossa hipótese, de que a ironia no discurso
oblíquo, é uma das responsáveis pela construção do erro trágico
de Casmurro. Além disso, a ironia foi uma forma sutil de o narrador
criticar as mazelas sociais e inovar o fazer artístico, rompendo os
cânones da época. Aliás, BRAIT (1996, p.57) explica que os
discursos irônicos demonstram uma força de ruptura com estilos
anteriores.
MÜECKE (1995) explica que os primeiros registros da
ironia aparecem na República, de Platão. Seu significado original
provém do grego, que significa dissimulação, ou seja, a
capacidade de ocultar o que se tem ou se sabe. Isso se aplica à
famosa ironia socrática, que, segundo um comentário de Cícero,
consistia em diminuir-se e elevar aqueles que desejava refutar.
Dizendo o contrário do que pensava, o filósofo empregava
a simulação, que os gregos denominavam ironia. Dessa maneira,
37
Sócrates expunha o adversário ao ridículo, porém sem provocar o
riso ou o sarcasmo, mas projetando sua argúcia, sua superioridade
intelectual e argumentativa.
Sócrates servia-se da ironia para ser sutil no modo de
expor o outro ao ridículo, o mesmo ocorre em DOM CASMURRO
com a maneira dissimulada empregada para criticar as diferenças
de classe:
Opas enfiadas, tochas distribuídas e acesas, padre e
cibórios prontos, o sacristão de hissope e campainha
nas mãos, saiu o préstito à rua. Quando me vi com
umas das varas, passando pelos fiéis, que se
ajoelhavam, fiquei comovido. Pádua roía a tocha
amargamente. É uma metáfora, não acho outra forma
mais viva de dizer a dor e a humilhação do meu
vizinho. De resto, não pude mirá-lo por muito tempo,
nem ao agregado, que, paralelamente a mim, erguia a
cabeça com o ar de ser ele próprio o Deus dos
exércitos. [DC, cap.XXX]
Segundo SANTOS (1998, p.115), essa passagem possui
uma seleção lexical cuidadosa, que se limita a insinuar verdades
caladas na superfície do texto. Produz um discurso oblíquo,
sinuoso, dissimulado, que afirma querendo negar e nega
afirmando.
O autor ficcional, aqui analisado, emprega um discurso
irônico para retratar as diferenças e as mazelas sociais de seu
tempo. Seu objetivo é ser um crítico discreto, sutil na maneira de
denunciar os problemas sociais do Segundo Reinado e, ao mesmo
tempo, construir o erro trágico,como mostram os fragmentos a
seguir:
Bem, uma vez que não perdeu a idéia de o fazer
padre, tem-se ganho o principal. Bentinho há de
satisfazer os desejos de sua mãe. E depois a igreja
brasileira tem altos destinos. Não esqueçamos que um
bispo presidiu a constituinte, e que o padre Feijó
governou o império... [DC, cap. III]
Tinha os olhos úmidos deveras;levava a cara dos
desenganados,com quem empregou em um só bilhete
38
todas as suas economias de esperanças, e vê sai em
branco o maldito número, --um número tão bonito. [DC,
cap. LII]
O narrador, sutilmente, refere-se a seu casamento com
Capitu como um investimento para o Pádua, o pai da amada.
Quando fala em economias de esperanças, podemos relacionar
com o que diz do casamento de seus pais, que fora um prêmio de
loteria, comprado de sociedade, se referindo à felicidade conjugal.
Desse modo, Dom Casmurro parece lamentar ter amado
profundamente a mulher com quem contraiu matrimônio e não foi
correspondido, insinuando, com seu discurso oblíquo e repleto de
ironias, que Capitu se casou por interesse econômico.
Ainda sobre ironia, MESNARD (1989, p.17) explica que
Kierkegaard considerava Sócrates o precursor e patrono da
filosofia da existência, devido à amplitude de seu conceito de
ironia. Utilizado como parte da retórica. Com o passar do tempo,
esse conceito adquiriu o sentido de recurso literário através do
qual um pensamento expressa o contrário do que diz, ou constitui
um contraste entre o modo como se articula e o real sentido do que
é dito.
A eironeia era utilizada por Sócrates, no exercício da
maiêutica, porém Aristóteles atribuiu-lhe um sentido diverso: era
uma figura retórica empregada para criticar, por meio de um
galanteio, ou para enaltecer, por meio de uma repreensão.
Pode-se dizer que a idéia de ironia existe há séculos e,
na modernidade, tem aplicação ampla em razão da multiplicidade
de alternativas que oferece ao plano de expressão. Isso explica a
presença da ironia nas mais variadas manifestações do
pensamento humano.
Para BÉRGSON (1983, p.37), a ironia é aquela
contradição fictícia entre aquilo que se diz e aquilo que se quer
que se entenda. É o que ocorre quando Bentinho, depois de muita
briga, diz: _Capitu é um anjo! [DC, cap. CVI].
39
Nessa passagem, o leitor fica em dúvida, entre aquilo que
foi dito e aquilo que se quer que seja entendido. Desse modo, o
autor ficcional cria um discurso oblíqüo como os olhos de Capitu.
A ironia, compreendida como uma ação comunicativa,
necessita de três fatores, como mostra ORECCHIONI (1990, p.71):
o locutor, o receptor e o alvo.
Na manifestação irônica, temos o ironista, que é a
pessoa que constrói o texto, a vítima, que é a pessoa alvo da ação
irônica, e o observador, a pessoa que assiste à realização da ação
irônica.
O ironista pode ser o narrador, a personagem; a vítima
pode ser a personagem, o leitor, o próprio narrador; e o observador
pode ser o leitor, uma personagem ou o próprio narrador.
No caso de DOM CASMURRO, há um narrador irônico,
que tece todo o romance numa linguagem oblíqua e tenta confundir
o leitor desde o princípio, quando dissimula o título e o lugar em
que escreve o romance:
Um dia, há bastantes anos, lembrou-me reproduzir no
Engenho Novo a casa em que me criei na Antiga rua
de Matacavalos, dando-lhe o mesmo aspecto e
economia daquela outra, que desapareceu. Construtor
e pintor entenderam bem as indicações que lhes fiz: é
o mesmo prédio assobradado, três janelas de frente,
varanda ao fundo, as mesmas alcovas e salas. Na
principal destas, a pintura do teto e das paredes é
mais ou menos igual, umas grinaldas de flores miúdas
e grandes pássaros que as tomam nos bicos, de
espaço a espaço. Nos quatro cantos do teto as figuras
das estações, e ao centro das paredes os medalhões
de César, Augusto, Nero e Massinissa, com os nomes
por baixo... [DC, cap. II]
O narrador procura dissimular desde o lugar criado para
a sua narração até o que se passa na cabeça da Capitu, fazendo
alusão à personagens da História Universal que tiveram vida muita
turbulência e a maioria teve como dilema principal, a traição, o fio
condutor que vai arrastando o leitor para a construção do erro
trágico.
40
A dinâmica estabelecida entre o ironista e o observador-
leitor permite que o método irônico seja explorado em qualquer
texto, seja na brevidade de uma piada, seja na extensão de um
romance.
O ironista afasta-se de sua condição humana, ao efetivar
uma característica da ironia: o distanciamento. MÜECKE (1995)
coloca o distanciamento (detachment) entre as características da
ironia. Esse distanciamento permite ao ironista observar o
acontecimento ocorrido do lado de fora, tal qual um espectador ao
espetáculo. Isso cria um afastamento emocional entre o ironizador
e o ironizado, como ocorre no romance aqui estudado:
Muitos homens choravam também, as mulheres todas.
Só Capitu, amparando a viúva, parecia vencer-se a si
mesma. Consolava a outra, queria arrancá-la dali. [DC,
cap. CXXIII]
BRAIT (1996) sugere alguns princípios que norteiam a
classificação da manifestação irônica, seja no contexto ilocucional
do mundo diegético, seja na estruturação do texto. Esta separação
permite que sintetizemos os diferentes tipos de ironia. Na primeira
conjuntura, existe o que chamamos de ironia verbal, que ocorre
quando o ironista organiza o texto, o discurso ou o diálogo,
explorando a constituição retórica. A ironia referencial ou
situacional ocorre quando os dados físicos e/ou ambientais são
explorados visando à construção irônica, como se verifica na
descrição feita pelo narrador do pai de Capitu:
Era um homem baixo e grosso, pernas e braços curtos,
costas abauladas, donde lhe veio a alcunha de
Tartaruga, que José Dias lhe pôs. [DC, cap.XV]
Fui devagar, mas ou o pé ou o espelho traiu-me. Este
pode ser que não fosse;era um espelhinho de pataca
(perdoai a barateza), comprado a um mascate italiano,
moldura tosca, argolinha de latão, pendente na parede
entre duas janelas. [DC, cap.XXII]
41
Na ironia romântica, a ironia retórica é ampliada,
passando a ser:
[...] uma auto-ironia que é fruto de complexa
consciência narrativa e em que o texto, ao invés de
buscar afirmar-se como imitação do real, exibe o seu
fingimento, revelando o seu desejo de ser reconhecido
como arte, essência fictícia, elaboração de linguagem.
(DUARTE, 1994, p.54)
A auto-ironia, pela exibição do fingimento, está presente
em DOM CASMURRO, desde o título até o desfecho, e nos leva a
pensar que foi a maneira de o autor ficcional criar o erro trágico,
arquitetar a tragicidade no romance e romper com os cânones
literários, inovando o fazer artístico,como mostram as passagens:
Ia entrar na sala de visitas, quando ouvi proferir o meu
nome e escondi-me atrás da porta. [DC, cap. III]
Nesse caso era apenas um homem encoberto.
Respondi-lhes que ia pensar, e faríamos o que eu
pensasse. Em verdade vos digo que tudo estava
pensado e feito. [DC, cap. CXL]
A ironia, vista como uma figura de linguagem, ocorre
quando, pelo contexto, entonação ou contradição de termos,
sugere o contrário do que as palavras ou orações expressam. A
intenção é, em regra, depreciativa ou sarcástica, como verificamos
na passagem a seguir:
A verdade é que fiquei mais amigo de Capitu, se era
possível, ela ainda mais meiga, o ar mais brando, as
noites mais claras, e Deus mais Deus. E não foram
propriamente as dez libras esterlinas que fizeram isto,
nem o sentimento de economia que revelavam e que
eu conhecia, mas as cautelas que Capitu empregou
para o fim de descobrir-me um dia o cuidado de todos
os dias. Escobar também se me fez mais pegado ao
coração. As nossas visitas foram-se tornando mais
próximas, e as nossas conversas mais íntimas. [DC,
cap. CVII]
42
Nesse fragmento, o narrador é irônico ao falar de Capitu e
de Escobar. Também usa o sarcasmo nas gradações apresentadas
com o intuito de construir um enigma no discurso.
MÜECKE (1995, p.52) diz que o traço básico de toda
ironia é um contraste entre uma realidade e uma aparência, o que
também aparece em DOM CASMURRO:
O resto é saber se a Capitu da praia da Glória já
estava dentro da de Matacavalos, ou se esta foi
mudada naquela por efeito de um algum caso
incidente. [DC,cap. CXLVIII]
Uma dúvida do herói trágico em relação à realidade e à
aparência de Capitu é esboçada desde o princípio do romance:
Capitu riscava sobre o riscado, para apagar bem o
escrito. Pádua saiu do quintal a ver o que era, mas já
a filha tinha começado outra coisa, um perfil, que
disse ser o retrato dele, e tanto podia ser dele como
da mãe; fê-lo rir, era o essencial. [DC, cap.XV]
Aqui, novamente o narrador casmurro apresenta Capitu
como a mulher dissimulada. Desse modo, não somente constrói
uma linguagem oblíqua, como também uma Capitu enigmática.
Assim, arquiteta a dúvida e mergulha no erro trágico.
A respeito de ironia, KIERKEGAARD (2005, p.62) diz:
[...] não está presente para alguém que é demasiado
natural e demasiado ingênuo, mas somente se mostra
para alguém que, por sua vez é desenvolvido
ironicamente... Na verdade, quanto mais desenvolvido
polemicamente for um indivíduo, mais ironia ele
encontra na natureza.
Sabe-se que o romance machadiano é para poucos
leitores, como também pela ironia, pois esta não é acessível a
todos, apenas àqueles que conhecem a malícia da linguagem.
MANN (1995, p.19), falando de Goethe, explica:
43
44
fértil. Seu humor atrelado à ironia auxilia na tessitura do discurso
oblíquo:
Como eu invejo os que não esqueceram a cor das
primeiras calças que vestiram! Eu não atino como a
das que enfiei ontem. Juro só que não eram amarelas
porque execro essa cor; mas isso mesmo pode ser
olvido e confusão. [DC, cap. LIX]
A grandiosidade da imaginação de Bentinho aparece
também no capítulo XVII, em seu diálogo com os vermes dos
livros:
Quando, mais tarde, vim a saber que a lança de
Aquiles também curou uma ferida que fez, tive tais ou
quais veleidades de escrever uma dissertação a este
propósito. Cheguei a pegar em livros velhos, livros
mortos, livros enterrados, a abri-los, a compará-los,
catando o texto e o sentido, para achar a origem
comum do oráculo pagão e do pensamento israelita.
Catei os próprios vermes dos livros, para que me
dissessem o que havia nos textos roídos por eles.
_Meu senhor, respondeu-me um longo verme gordo,
nós não sabemos absolutamente nada dos textos que
roemos, nem escolhermos o que roemos, nem amamos
ou detestamos o que roemos; nós roemos.
Não lhe arranquei mais nada. Os outros todos, como
se houvessem passado palavra, repetiam a mesma
cantilena. Talvez esse discreto silêncio sobre os textos
roídos fosse ainda um modo de roer o roído. [DC, cap.
XVII]
Nesse capítulo, apareceu, ainda, uma mistura de ironia e
de metáfora: Talvez esse discreto silêncio sobre os textos roídos
fosse ainda um modo de roer o roído.
BERGSON (1983, p.115), quando procura definir ironia e
humor, apresenta-os atrelados à idéia de uma oposição entre o
ideal e o real, entre o que é e o que poderia ser. Ora pelo
contrário, se descreverá cada vez mais meticulosamente o que é,
fingindo-se crer que assim é que as coisas deveriam ser. Para ele,
na ironia, ora se enunciará o que deveria ser, fingindo-se
acreditar ser precisamente o que é o que é.
45
Como contraparte da ironia, o humor também aparece em
DOM CASMURRO:
Capitu limitou-se a arregalar muito os olhos, e acabou
por dizer:
_Padre é bom, não há dúvida;melhor que padre só
cônego, por causa das meias roxas. O roxo é cor muito
bonita. Pensando bem, é melhor cônego. [DC,
cap.XLIV]
Os dois conceitos aqui tratados, ironia e humor, acabam
por fundir-se e confundir-se nos textos literários. Embora seja
possível estabelecer diferenças entre os dois termos do ponto de
vista teórico, na prática, esse exercício é difícil, porém pode ser
encontrado no discurso de DOM CASMURRO:
Deixe-os, a pretexto de brincar, e fui-me outra vez a
pensar na aventura da manhã. Era o que melhor podia
fazer, sem latim, e até com latim. Ao cabo de cinco
minutos, lembrou-me ir correndo à casa vizinha,
agarrar Capitu, desfazer-lhe as tranças, refazê-las e
concluí Ias daquela maneira particular, boca sobre
boca. E isto vamos é isto... Idéia só! idéia sem pernas!
As outras pernas não queriam correr nem andar. Muito
depois é que saíram vagarosamente e levaram-me à
casa de Capitu. [DC, cap.XXXVI]
Onze meses depois, Ezequiel morreu de uma febre
tifóide, e foi enterrado nas imediações de Jerusalém,
onde os dois amigos da universidade lhe levantaram
um túmulo com esta inscrição, tirada do profeta
Ezequiel, em grego: "Tu eras perfeito nos teus
caminhos". Mandaram-me ambos os textos, grego e
latino, o desenho da sepultura, a conta das despesas e
o resto do dinheiro que ele levava; pagaria o triplo
para não tornar a vê-lo.
Como quisesse verificar o texto, consultei a minha
Vulgata, achei que era exato, mas tinha ainda um
complemento: "Tu eras perfeito nos teus caminhos,
desde o dia da tua criação". Parei e perguntei calado:
Quando seria o dia da criação de Ezequiel? Ninguém
me respondeu. Eis aí mais um mistério para ajuntar
aos tantos deste mundo. Apesar de tudo, jantei bem e
fui ao teatro. [DC, cap. CXLVI]
46
A relação entre humor e ironia é discutível, uma vez que
nem todas as ironias são engraçadas e nem todo o humor é
irônico. Ambos acabam envolvendo relações complexas entre
narrador e leitor, pois dependem de uma perfeita decodificação do
destinatário para atingir seus objetivos. O objetivo da ironia,
mesmo quando engraçada, é desmascarar, desmistificar uma
personagem ou uma situação, como nos explica BRAIT (1996,
p.16):
Como elemento estruturador de um texto cuja força
reside na sua capacidade de fazer do riso uma
conseqüência, o interdiscurso irônico possibilita o
desnudamento de determinados aspectos culturais,
sociais ou mesmo estéticos, encobertos pelos
discursos mais sérios.
Pode-se estabelecer uma relação entre a ironia e o riso.
Embora constituindo formas distintas de expressão, ambos são
capazes, muitas vezes, de demonstrar certa superioridade por
parte do narrador em relação à vítima do jogo irônico, como mostra
o fragmento a seguir:
Pádua era empregado em repartição dependente do
ministério da guerra. Não ganhava muito, mas a
mulher gastava pouco, e a vida era barata. Demais, a
casa em que morava, assobradada como a nossa,
posto que menor, era propriedade dele. Comprou-se
com a sorte grande que lhe saiu num meio bilhete de
loteria, dez contos de réis. [DC, cap.XVI]
A ironia nunca perde de vista o comportamento humano,
sempre atrás dos defeitos, com o objetivo de nos apontar nossas
falhas.
No século XVIII, a ironia foi um recurso muito utilizado por
autores considerados críticos sociais. Nesse momento, no Brasil, o
indivíduo passa a manifestar a sua rebeldia, o seu
descontentamento, as suas angústias por meio da obra artística.
Para isso, a ironia foi um poderoso artifício, porque permitiu ao
47
autor-ficcional, uma forma sutil de criticar a sociedade, pelo
exercício dissimulado da linguagem.
Para os românticos, a ironia passou a ser:
Uma forma de pensar muito sutil, específica, que no
seu caráter oblíquo e cindido, reflete as complexas
cincunvoluções mentais de gente extremamente
crítica, sensível e refinada, individualista e anárquica.
[ROSENFIELD & GUINSBURG, 1978 apud BRAIT,
1996, p.32]
Os fatos expostos sustentam a nossa hipótese de que o
narrador de DOM CASMURRO foi irônico na construção do erro
trágico, para dissimular a linguagem e criar uma forma sutil e
refinada de trazer à tona os problemas sociais de seu tempo.
Na Antigüidade, a ironia era utilizada como figura de
retórica. Com o romantismo, ela ganhou uma visão mais filosófica,
refletindo sobre o modo de representação da literatura e o modo de
ser e agir do indivíduo.
SCHLEGEL (1971) apresenta uma teoria romântica de
ironia literária, dando ao autor uma maior liberdade de estilo e
conferindo uma individualidade ao ato criador. Para o teórico, a
ironia romântica surge a partir do entendimento do mundo como um
lugar cheio de contradições e incoerências. Ele dá à Literatura o
papel de refletir acerca dessas angústias, em busca de uma melhor
harmonia no universo.
Contradição e simulação são os dois termos presentes na
concepção de ironia. O jogo de inteligibilidade que a ironia suscita
torna-se ainda mais apurado pelo fato de ela ter o poder de
exercer um mero desvio no discurso, às vezes imperceptível, uma
pequena torção na linguagem. Isso faz da ironia uma mini-
dialética entre o implícito e o explícito, o texto e o contexto,
instalando a simulação, a duplicidade, o conflito da linguagem, e
até mesmo permitindo a construção do erro trágico, da dúvida de
Bentinho.
48
SCHLEGEL (1971, p.149) conceitua a ironia como uma
forma de paradoxo, o que confirma a fala paradoxal do narrador
casmurro: A vida é tão bela que a mesma idéia da morte precisa
de vir primeiro a ela, antes de se ver cumprida. [DC, cap. CXXXIII]
1.3 - A metáfora e a ironia: pilares do erro trágico
A correlação entre o discurso metafórico e o irônico
aparece na construção machadiana do erro trágico, em DOM
CASMURRO, quando o narrador descreve dos olhos de Capitu, na
hora em que ela fixa o olhar no cadáver do amigo Escobar:
As minhas cessaram logo. Fiquei a ver as dela; Capitu
enxugou-as depressa, olhando a furto para a gente
que estava na sala. Redobrou de carícias para a
amiga, e quis levá-la; mas o cadáver parece que
retinha também. Momento houve em que os olhos de
Capitu fitaram o defunto, quais os da viúva, sem o
pranto nem as palavras desta, mas grandes e abertos,
como uma vaga do mar lá fora, como se quisesse
tragar também o nadador. [DC, cap. CXXIII]
Essas imagens, tão bem elaboradas numa linguagem
irônica e metafórica, funcionam como pilares na confirmação e na
confirmação do erro trágico. O narrador-personagem associa os
olhos de ressaca de Capitu com a morte de Escobar, acontecida no
mar. É como se ela também quisesse tragar o nadador. Os olhos
de ressaca que envolveram Bento Santiago no primeiro beijo da
adolescência, são os mesmos que procuram envolver o cadáver.
Ao comparar o olhar metafórico com o olhar irônico,
vemos que o primeiro busca, pela ambigüidade, um novo sentido
para o já cristalizado; já o segundo procura a dissimulação, o mal
entendido. Ambos buscam a criação do enigma machadiano.
A ironia, sob a perspectiva do humor, é descrita por
SZONDI (2004, p.61) nos estudos de Kierkegaard:
Aquilo que justifica o humor é precisamente o seu lado
trágico, o fato de ele se conciliar com a dor de que o
49
desespero pretende abstrair, embora não conheça
nenhuma saída. [...] o trágico é substituído pelo
humor, definido como o conflito entre o ético e o
religioso...
DOM CASMURRO reconstrói o passado de modo
unilateral, visto que todas as recordações são suas e sem auxílio
externo para corroborar com os fatos. Trata-se de uma estratégia
argumentativa, visando a mostrar Capitu como uma menina
dissimulada e uma mulher desprezível. Para reforçar tal idéia, ele
narra episódios que reforçam o fingimento de Capitu, como o
episódio do muro, que enfatiza sua capacidade de mentir e de dar
outra direção à conversa:
Capitu riscava sobre o riscado, para apagar bem o
escrito. Pádua saiu ao quintal, a ver o que era, mas já
a filha tinha começado outra cousa, um perfil, que
disse ser o retrato dele, e tanto podia ser dele como
da mãe - fê-lo rir, era o essencial. De resto, ele
chegou sem cólera, todo meigo, apesar do gesto
duvidoso, ou menos que duvidoso em que nos
apanhou. Era um homem baixo e grosso, pernas e
braços curtos, costas abauladas, donde lhe veio a
alcunha de Tartaruga, que José Dias lhe pôs. Ninguém
lhe chamava assim lá em casa; era só o agregado.
[DC,cap. XV]
Uma análise do discurso do narrador-personagem mostra-
nos que sua retórica é a da probabilidade, não a do comprobatório.
Bentinho fundamenta seu ciúme e sua certeza por seu olhar, um
olhar oblíquo, e por provas circunstanciais e argumentos que
podem ser prontamente revertidos. Isso evidencia a idéia de
DELEUZE (1972) de que a rememoração não é apenas um esforço
da memória, mas um modo de procurar a verdade.
O trágico que leva à experiência estética ou catártica
não ocorre com o herói casmurro, pois Bentinho não percebe o seu
erro e tenta, ao longo da narrativa, justificar suas ações e suas
suspeita, sem se dar conta da precipitação de seus atos. Sozinho,
tende a mostrar a sua verdade para todos, e conclui ironicamente:
50
E bem, qualquer que seja a solução, uma coisa fica, e
é a suma das sumas, ou restos dos restos, a saber,
que a minha primeira amiga e o meu maior amigo, tão
extremosos ambos e tão queridos também, quis o
destino que acabassem juntando-se e enganando-me...
A terra lhes seja leve! [DC, p.184]
Esse fragmento denuncia que Bentinho, por meio de seu
discurso oblíquo, cria ambigüidade ao arquitetar o erro trágico e
desse modo constrói sua própria desgraça, confundindo-a com o
desígnio do destino. O importante, para ele, é aquilo que afirma
como verdade, a e que destruiu sua vida.
A verossimilhança é gerada pela coerência dos fatos e, se
um romance constrói um todo coerente, não importará se o que se
narra é verdade ou mentira
No início de DOM CASMURRO, o narrador tece
comentários sobre a verdade na obra de arte:
Eu, leitor amigo, aceito a teoria do meu velho
Marcolini, não só pela verossimilhança, que é muita
vez toda a verdade, mas porque minha vida se casa
bem à definição. [DC, cap.X]
Bentinho, uma vez pressionado pela dúvida sobre a
fidelidade da esposa, sente a violência de um símbolo, os olhos
de ressaca, que o obrigaram a procurar a verdade. Nesse
percurso, o autor ficcional torna verossímil a traição. Na
construção literária, enfatizou características que denotassem
dissimulação e fingimento, usando uma linguagem oblíqua,
revestida de metáforas e ironias em toda a narrativa. Desse
modo, construiu a ambigüidade do romance, uma forma sutil de
retratar os problemas sociais do final do século XIX e de criar o
erro trágico. Seu objetivo era mostrar a tragicidade da existência,
provocar o efeito estético, e inovar o fazer literário.
No texto, a ironia, em vez de pressupor uma cadeia de
semelhanças de uma parte em relação ao todo, remete para a
negação e para a desidentificação, o contrário do que acontece
com a metáfora, que gera o risco de uma má interpretação
51
ambígua . Enquanto a metáfora é um símil, e por isso expande-se
pela assimilação e pela mimetização, a ironia, por seu caráter
negativo, desconstrói, arquitetando uma redescrição e uma
refiguração da realidade.
Em relação à ironia machadiana, Aguiar comenta:
a ironia maior de Machado é a de nos incluir neste seu
mundo de profundas convulsões interiores que
aparecem timidamente na calma superfície que,
convencionalmente, nos parece ser a vida. Os
silêncios são terríveis: as histórias escondem um
segredo qualquer, uma palavra ou gesto que é
impossível descobrir, mas se soubermos, quebraria o
encanto, espatifaria o espelho das convenções e poria
as personagens ao lado de sua própria realidade.
Talvez esta seja a lição (ou o sentido) mais
contundente de Machado, o silêncio, que há no meio
das falsidades, das frases vazias e sonoras desse
mundo oco e inautêntico de escravidão e pancadas
onde vivem suas personagens. No fundo da calma
superfície da despreocupação aparente esconde-se
aguilhão de uma lucidez desesperada. (AGUIAR, 1976,
p.8)
52
O que nos fascina na personalidade de Machado de Assis é
o encontro com um representante genuíno do espírito
trágico. Reconhecemos nele um exemplar dessa raça
superior que penetrou a essência dolorosa da vida,
destruindo impavidamente as aparências. A presença do
trágico é, com efeito, sintoma de grande maturidade,
porque está ligada à época clássica de uma nação, ao
apogeu e o equilíbrio de suas forças. (BARRETO FILHO,
1947, p.127)
53
CAPÍTULO 2:
Tradição e modernidade
2.1 A tragédia grega
Para entender melhor DOM CASMURRO, sentimos
necessidade de consultar vários estudiosos de Aristóteles na
modernidade, quanto à conceituação de trágico, e, então relacioná-
la com o romance em análise:
A interpretação canônica da tragédia grega, formulada
por Aristóteles e reiterada ao longo dos séculos,
concebe o enredo trágico como representação da
ação, que se efetua na ação de eventos consecutivos,
na trama dos acontecimentos, na concatenação dos
fatos (syntasis ton pragmaton). Das peripécias e
reconhecimentos que se realizam nesta seqüência
logicamente resultam o surpreendente, o palpitante, o
emocionante, o que normalmente se entende por
dramático. (MELO E SOUZA, apud ROSENFIELD,
2001, p.119)
Cada texto é uma voz que dialoga com outros textos, e
estes funcionam como eco das vozes de seu tempo, da história da
humanidade ou de um grupo social, de seus valores, crenças,
preconceitos, anseios, temores e esperanças. Com efeito,
podemos dizer que DOM CASMURRO, embora seja é um romance
trágico, apenas dialoga com o trágico clássico, porque é uma obra
inserida no seu tempo e na sua história, como nos explica
GENETTE (1972, p.8):
as relações transtextuais estão a evidenciar que o
texto literário não se esgota em si mesmo: pluraliza
seu espaço nos paratextos; multiplica-se em
interfaces; projeta-se em outros textos; perpetua-se na
crítica;estabelece tipologias; repete-se em alusões,
plágios, paródias e citações.
54
.
O romance na modernidade é construído a partir de
alusões, paródias, intertextualidades e outros tipos de relações
transtextuais, como ocorre em DOM CASMURRO:
Tu serás feliz,Bentinho
7
! [DC, cap. C]
Eu creio que o mar então batia na pedra,como é seu
costume, desde Ulisses
8
e antes. [DC, cap. CXVII]
Jantei fora de noite fui ao teatro. Representava-se
justamente Otelo
9
, que eu não vira nem lera
nunca;sabia apenas o assunto. [DC, cap. CXXXV]
Segundo ARISTÓTELES (1980, p.30), a tragédia ática
teve origem nos condutores do ditirambo, o coro que era
acompanhado de dança, de mímica, de flauta e de uma narrativa
épica. Explicando como a tragédia se constitui e qual é o seu
sentido, o filósofo a define como mímesis, a imitação de uma ação.
Trata-se da imitação de uma ação elevada, com certa extensão,
um lógos agradável e linguagem ornamentada; representada por
atores e não por meio de uma narração, com o objetivo de
purificação das emoções de temor e piedade.
MCLEISH (2000, p.15) explica que a tragédia aristotélica
pode ser descrita como a imitação de uma ação séria, cuja
linguagem ornamentada deve gerar os sentimentos de piedade e
terror. Ela não é dogmática, pois a concepção moral da audiência
(e, por conseguinte, dos leitores) não figura como uma
preocupação inicial ou primordial, mas como uma seqüência de
imagens sobre o modo como tipos específicos de seres humanos
reagem a circunstâncias também específicas.
MCLEISH (2000, p.40) acrescenta :
7
Alusão à frase “Tu serás rei Macbeth!”: do livro Macbeth de Shakespeare (1606).
8
Herói da Odisséia de Homero, onde se narra a volta de Ulisses para a ilha de Ítaca, depois de ter
participado da Guerra de Tróia.
9
Desencadeia um paralelo entre a intriga em DOM CASMURRO e a da peça de Shakespeare.
55
Nenhuma tragédia grega é simplesmente sobre o que
seus eventos descrevem. Cada uma delas traz um
enorme peso de asserção, nuança, implicação e
sugestão, tanto intelectual como emocional, tirando
força igualmente das predisposições do autor como do
espectador.
A tragédia moderna, como diz BORNHEIN (1969, p.62), é
uma imitação da vida, da felicidade ou da infelicidade, com a
finalidade de alcançar certos modos de agir. Para este autor, na
representação trágica, o caráter humano é importante, mas há um
outro ponto também fundamental, que é aquele arquitetado pelo
horizonte existencial quando o homem e o mundo entram em
conflito.É aí que a ação trágica se instala. Por isso, é possível
dizer que todo trágico reside nesse estar suspenso, nessa tensão
entre o homem e o mundo.
Pela interpretação de Bornhein sobre a tragédia moderna,
vemos que Bentinho, o herói trágico de DOM CASMURRO, entra
em conflito com o mundo no momento em que constrói o saber
trágico e inicia um percurso de procura pela verdade:
E a alegria de Capitu confirmava a suspeita;se ela
vivia alegre é que já namorava a outro, acompanha-lo-
ia com os olhos na rua, falar-lhe-ia à janela, às ave-
marias, trocariam flores e... [DC. cap. LXII]
Um recurso muito utilizado pelo narrador na construção do
erro trágico é a suspensão do discurso pelas reticências. Trata-se
de um modo de criar um discurso irônico,causando inculcamento
tanto no leitor,como nele mesmo. Desse modo, o narrador
casmurro inicia sua busca pela verdade, construindo um percurso
oblíquo e dissimulado.
Para MCLEISH (2000, p.17), a definição da tragédia como
a imitação de uma ação leva à observação do caráter dos que
fazem a ação e de seu pensamento, os quais lhes possibilitam
escolher, entre as possíveis ações, a mais cabível para
56
determinada circunstância. Nessas escolhas, há a possibilidade de
cometer a chamada falta trágica (ou erro trágico), que gera a
tragédia e, por conseqüência, suscita a catarse.
Em seu sinuoso caminho de busca da verdade, o herói
trágico cai em desgraça, porque comete um erro: a forma oblíqua
de ver a realidade. Enganando-se e nos enganando, ele tece a
tragicidade do romance.
Na intriga de DOM CASMURRO, Bentinho erra por
ignorância, por acreditar nos comentários de terceiros e por ter
uma imaginação muito fértil, criando uma forma errônea de ver
sua amada Capitu. O que podemos notar no discurso de José Dias.
É pela fala do agregado José Dias, que Bento Santiago
inicia a construção de sua dúvida:
É um modo de falar. Em segredinhos, sempre juntos.
Bentinho quase que não sai de lá. A pequena é uma
desmiolada; o pai faz que não vê; tomara ele que as
coisas corressem de maneira que... [DC, cap. III]
A gente de Pádua não é de todo má. Capitu, apesar
daqueles olhos que o diabo deu... Você já reparou
nos olhos dela? [DC, Cap.XXV]
MELO e SOUZA (apud ROSENFIELD, 2001, p.22), ao
tratar da tragédia aristotélica, afirma:
[...] O trágico aristotélico é uma catástrofe que resulta
de uma ação cujo efeito desastroso se desconhece. O
herói cai em desgraça, porque comete um erro
(hamartia), porque faz o que não sabe ou não sabe o
que faz. Esta concepção do erro trágico decorre do
ensinamento de Sócrates, segundo o qual o homem
erra por ignorância. A catarse seria, pura e
simplesmente, a purgação da ignorância, a passagem
da obscuridade para o ilumínio do reconhecimento
(anagnorisis). [...] A tragédia não resulta apenas da
carência do saber, mas, sobretudo, da excessividade
do próprio ser humano.
57
O erro do herói trágico Casmurro é decorrência da
ignorância, em seu primeiro sentido, ou seja, da carência de
saber, cujo efeito desastroso, o herói desconhece.
A tragédia clássica, na visão de Aristóteles, é constituída
de seis partes: intriga, caracteres, elocução, pensamento
espetáculo e melopéia. A intriga deve ser narrada com começo,
meio e fim; o caráter é o que permite qualificar as personagens
que agem; o pensamento é aquilo que é proferido nos discursos; a
elocução é a composição métrica e a melopéia é a força expressiva
musical com o intuito de atingir a todos.
Uma narrativa trágica enquanto mithos deve ser capaz
de provocar, no espectador, uma comoção. Ela possui três partes
que são fundamentais e que levam a atingir tal objetivo, quais
sejam: peripécia, reconhecimento e catástrofe.
Em DOM CASMURRO, a peripécia e o reconhecimento
estão ausentes, porém a catástrofe está na iminência de
acontecer o tempo todo:
Quando nem mãe, nem filho estavam comigo o meu
desespero, e eu jurava matá-los a ambos, ora de
golpe, ora devagar, para dividir pelo tempo da morte
todos os minutos da vida embaçada e agoniada. [DC,
cap. CXXXII]
O último ato mostrou-me que não eu, mas Capitu devia
morrer. [DC, cap. CXXXV]
O meu plano foi esperar o café, dissolver nele a droga
e ingeri-la. [DC, cap. CXXXIV]
A peripécia é a mudança das ações ao contrário, vai da
infelicidade para a felicidade. No romance DOM CASMURRO, não
há peripécias, porque não há um deus-ex-machina.
Na modernidade, não podemos falar em concessão
episódica dos deuses; este mundo ficou relegado ao gregos;
tampouco podemos falar em conciliação como o fizeram Ésquilo e
Eurípides. O herói moderno não enfrenta a fatalidade com a
irreversibilidade do mundo grego, hoje ele é o dono de seu destino,
58
tem, em potência, a possibilidade de transformar a trajetória do
seu viver, porque possui o livre arbítrio.
Porém, Bentinho não estava preparado para a escolha de
seu próprio destino, pois desde o princípio da vida, ele já estava
traçado pela promessa materna. Quando teve a oportunidade de
mudar, sentiu-se inseguro, porque não foi preparado para a
liberdade de escolha. As citações mostram a insegurança de
Bentinho e sua tomada de consciência de que amava Capitu:
Tudo isto me agora apresentado pela boca de José
Dias, que me denunciara a mim mesmo, e a quem me
perdoava tudo, o mal que dissera, o mal que fizera,
[...] Eu amava Capitu ! Capitu amava-me! E as minhas
pernas andavam, desandavam, estacavam, trêmulas e
crentes de abarcar o mundo. [DC, cap.XII]
Prometo rezar mil padre-nossos e mil ave-marias, se
José Dias arranjar que eu não vá para o seminário.
[DC, cap.XX]
Como eu buscasse contestá-la, repreendeu-me sem
aspereza, mas com alguma força, e eu tornei ao filho
submisso que era. Depois, ainda falou gravemente e
longamente sobre a promessa que fizera;não me disse
as circunstâncias, nem a ocasião, nem os motivos
dela, coisas que só vim a saber mais tarde. Afirmou o
principal, isto é, que havia de cumprir, em pagamento
a Deus. [DC, cap.XLI]
No tocante à reviravolta das ações, é a passagem da
ignorância para o reconhecimento, que torna o herói capaz de
transformar o amor em ódio ou vice-versa. Aristóteles aponta
como a mais bela de todas as formas de reconhecimento aquela
que se dá concomitantemente à peripécia, como ocorre em Édipo-
rei. E é pela junção desses dois elementos, ignorância e
reconhecimento, que a tragédia provocará comoção no espectador,
suscitando terror e compaixão.
A catástrofe será a ação que provocará dores, morte ou
grandes sofrimentos. Em DOM CASMURRO, Bentinho, a
personagem trágica, é inserido na trajetória da dúvida (do
sofrimento e da angústia) que o perseguirá por todo romance.
59
Trata-se de um herói trágico à procura da verdade, que destrói a
vida da sua família por meio desse saber trágico.
Agora lembrava-me que alguns olhavam para Capitu, -
e tão senhor me sentia dela que era como se olhassem
para mim, um simples dever de admiração e de inveja.
[DC, cap. LXII]
Pois até os defuntos. Nem os mortos escapam aos
meus ciúmes. [DC, cap. CXXXVIII]
Ficando só, era natural pegar do café e bebê-lo. Pois,
não, senhor; tinha perdido o gosto à morte. A morte
era uma solução; eu acabava de achar outra, tanto
melhor quanto que não era definitiva, e deixava a
porta aberta à separação, se devesse havê-la. Não
disse perdão, mas reparação, isto é, justiça. [DC, cap.
CL]
Para JASPERS (apud RICOEUR, 1996, p.134), a tragédia
é uma maneira de saber existencial [...]; se o sofrer não gerasse o
compreender, a tragédia não seria o organon da filosofia.
Em DOM CASMURRO a angústia (construída por meio do
saber trágico) e a dúvida (o erro trágico) não geraram uma
compreensão final . Bentinho fica só e procura, até o último
instante, provar que estava certo:
[...]a saber, que a minha primeira amiga e o meu maior
amigo, tão extremosos ambos e tão queridos também,
quis o destino que acabassem juntando-se e
enganando-me... [DC, cap. CXLVIII]
O narrador autodiegético busca instaurar um jogo
espetacular, fazendo do leitor a sua imagem. O convencimento do
leitor implica em seu próprio convencimento, deixando-o livre das
inquietas sombras:
Talvez a narração me desse a ilusão, e as sombras
viessem perpassar ligeiras, como ao poeta, não o do
trem, mas o do Fausto: Aí vindes outra vez, inquietas
sombras. [DC, cap. II]
60
RICOEUR (1996, p.136) considera que o saber trágico é
um movimento que não pode nem atingir seus limites inferior e
superior, nem repousar no unicamente trágico.
Em DOM CASMURRO, o erro trágico, a dúvida tem um fim
catártico (suscitar emoções nos leitores). Por outro lado, autor
ficcional inova o fazer artístico, a linguagem literária, mostrando
que a função da literatura não é provar nada e que, na arte, tudo é
subjetivo.
Sobre a Poética, de Aristóteles, LESKY (1996, p.60)
comenta que o conceito de kátharsis refere-se à passagem do
sofrimento ao agradável, no sentido de um alívio combinado ao
prazer, um alívio da alma, a purificação do espírito. Para ele, a
catarse não está ligada a nenhum efeito moral e nem tem a
intenção de tirar o que é mau na formação moral dos cidadãos
gregos. A tragédia, uma imitação dos caracteres e das paixões,
utilizava-se da música, do canto e do espetáculo com o intuito de
provocar um prazer singular, incutindo no espectador temor e
compaixão. Esse prazer estético resulta em um alívio, um gozo
intelectual, que não é nocivo aos bons costumes.
Em DOM CASMURRO, os procedimentos artísticos
adotados pelo autor ficcional, ou seja, a correlação metáfora e
ironia despertam sentimentos no leitor, com o intuito de purificar
os espíritos, atingir o prazer estético e, através disso, melhorá-lo
como ser humano.
O autor grego argumenta que, pelo entusiasmo que
sentem após ouvir uma música maravilhosa, as almas dos
espectadores se tranqüilizam como se encontrassem uma espécie
de cura e de purificação, sentindo-se aliviadas e mais calmas. Diz
ele: os cantos que purificam a alma causam em nós um encanto
sem perigo. ARISTÓTELES (1996, p.234)
Entretanto, Aristóteles alerta sobre o cuidado que se deve
ter para as almas não se enfraquecerem pelo temor ou amolecerem
pela compaixão. Explica que a representação de fatos passados ou
atuais só deve perturbar a alma por um certo tempo, ou seja, a
61
excitação da paixão que a tragédia provoca será salutar, se
submetida a uma medida, preferencialmente ligada ao destino do
homem universal e não a circunstâncias individuais.
Quando discorre sobre a natureza do herói trágico,
Aristóteles ressalta que esta personagem não deve ser
extremamente boa e nem totalmente má, mas deve possuir um
caráter regular, mas que, por causa de algum erro, cai no
infortúnio. Assim, como causa da tragicidade, ele enfatiza o erro:
Para que uma fábula seja bela, é portanto, necessário
que ela proponha um fim único e não duplo, como
alguns pretendem; ela deve oferecer a mudança, não
da felicidade para o infortúnio, e isto não em
conseqüência da perversidade da personagem, mas
por causa de algum erro grave, como indicamos, visto
a personagem ser antes melhor do que pior.
(ARISTÓTELES, 1996, p.235)
LESKY (1996, p.48) alerta para uma leitura equivocada
do discurso de Aristóteles, mostrando que entender a palavra erro
como culpa moral é uma idéia ausente na cultura grega.
Provavelmente, para o autor grego, nossa compaixão só podia
nascer diante de uma desgraça imerecida, e o erro surgia de uma
falha intelectual do que é correto, uma falta de compreensão
humana, em meio a essa confusão em que se situa a vida.
O erro trágico em DOM CASMURRO é decorrente a uma
falta de compreensão humana do herói casmurro, que observa sua
amada por um olhar oblíquo:
Estive quase a perguntar a José Dias que me
explicasse a alegria de Capitu, o que é que ela fazia,
se vivia rindo, cantando ou pulando, mas retive-me a
tempo, e depois outra idéia... [DC, cap. LXII]
Quanto ao sonho foi isto. Como estivesse a espiar os
peraltas da vizinhança, vi um destes que conversava
com a minha amiga ao pé da janela. Corri ao lugar, ele
fugiu;avancei para Capitu, mas não estava só, tinha o
pai ao pé de si, enxugando os olhos e mirando um
triste bilhete de loteria. [DC, cap. LXIII]
62
A interpretação de Lesky sobre o erro trágico na visão
aristotélica parece-nos a mais adequada. Foi por esse prisma que
interpretamos o erro trágico em DOM CASMURRO. Nele, um herói,
que se apresenta sendo nem bom nem mau, aproxima-se do
sentido trágico grego e, ao construir uma forma oblíqua (o erro
trágico) de ver o mundo e sua amada, cai no infortúnio.
Para WILLIAMS (2002, p.48), a tragédia ocorre devido a:
[...] uma reação a uma ação particular. A questão
moral, com relação à natureza e, por conseguinte, ao
efeito da ação trágica, diz respeito a uma natureza
abstrata: ou seja, não se trata de uma investigação
sobre uma reação específica que inclua então,
necessariamente a ação em função da qual a reação é
formada, mas da tentativa de achar razões para uma
suposta forma geral de comportamento.
Seguindo as idéias de Williams, vemos que Bentinho
constrói o erro trágico no percurso da busca pela verdade. Sua
tentativa de interpretação do comportamento de Capitu, fato que
não era comum para a época, é construída pelo discurso oblíquo,
com metáforas atreladas à ironia:
Beata! carola! papa-missas! [DC, CAP.XVII]]
Capitu refletia. A reflexão não era coisa rara nela, e
conheciam-se as ocasiões pelo apertado dos olhos.
[DC, cap.XVIII]
Como vês, Capitu, aos quatorze anos, tinha já idéias
atrevidas, muito menos que outras que lhe vieram
depois; [...] [DC, cap.XVIII]
As curiosidades de Capitu dão para um capítulo. Eram
de várias espécies, explicáveis e inexplicáveis, assim
úteis como inúteis, umas graves, outras frívolas;
gostava de saber tudo. [DC, cap.XXXI]
Para HEGEL (apud WILLIAMS, 2002, p.54), o importante
na tragédia:
63
[...] não é o sofrimento enquanto tal mero
sofrimento mas as suas causas. Meros sentimentos
de piedade e terror são piedade e terror trágicos, que,
de maneira precisa, remetem a um tipo específico de
ação que é conforme à razão e à verdade do
Espírito. [...] A tragédia considera o sofrimento como
pendente sobre personagens ativas inteiramente
como conseqüência do seu próprio ato e reconhece,
além disso, a substancia ética desse ato um
envolvimento da personagem trágica com ele como
oposto a ocasiões de contingência inteiramente
externa e circunstancial, ocasiões para as quais o
indivíduo não contribui, e pelas quais ele também não
é responsável, como doenças, perdas de propriedade,
morte e similares.
Em relação ao sofrimento, a interpretação de Hegel sobre
a tragédia vai ao encontro das idéias de Sócrates, para quem o
sofrimento é conseqüência do próprio ato da pessoa que sofre.
Desse ponto de vista, podemos inferir que o erro de Casmurro
advém de sua maneira equivocada de conceber a realidade.
A definição hegeliana de tragédia centra-se em um
conflito de substância ética:
Para que haja uma genuína ação trágica é essencial
que o princípio de liberdade e independência
individual, ou ao menos o princípio de
autodeterminação, a vontade de encontrar no eu a
livre causa e a origem do ato pessoal e de suas
conseqüências já tenha sido despertada. (WILLIAMS,
2002, p.55)
A atitude de Bentinho se opõe ao conceito hegeliano de
tragédia, pois o herói machadiano age à luz de comentários de
terceiros a respeito de Capitu. Ele não procura encontrar a causa
de sua dúvida, quer apenas comprová-la:
[...] Aquilo enquanto não pegar algum peralta da
vizinhança, que case com ela... [DC, cap. LXII]
Tal foi o que me mordeu, ao repetir comigo as palavras
de José Dias:Algum peralta da vizinhança. [DC, cap.
LXII]
64
SCHOPENHAUER (apud WILLIAMS, 2002, p.60) também
considera que o que vemos na tragédia é a dor inexprimível, o
lamento da humanidade, o triunfo do mal, o desdenhoso domínio
do acaso, a irrecuperável degradação do justo e do inocente.
O lamento, a dor, o triunfo do mal de que fala Schopenhauer
estão presentes em DOM CASMURRO, pelo final catastrófico do
romance, pela tragicidade poética, ou seja, pela construção do erro
trágico do herói casmurro.
SZONDI (2004, p. 53 ), a partir do comentário de
Schopenhauer sobre tragédia, diz que este:
interpreta o trágico como autodestruição e
autonegação da vontade. Nos conflitos que constituem
a ação da tragédia [...], Schopenhauer enxerga a luta
das diversas manifestações da vontade umas com as
outras, portanto a luta da vontade contra si mesma. A
conclusão é que essa dialética trágica da vontade não
se encontra no espaço temático da tragédia, mas
surge apenas por meio de seu efeito sobre os
espectadores e leitores: no conhecimento que
comunica.
Em DOM CASMURRO, Bentinho é uma personagem que se
autodestrói pela construção do saber trágico, suscitando piedade e
compaixão nos leitores e, assim, cria efeitos catárticos:
O meu plano foi esperar o café, dissolver nele a droga
e ingeri-la. Até lá, não tenho esquecido de todo a
minha história romana, lembrou-me que Catão antes
de se matar,leu e releu o livro de Platão.
[DC,cap.CXXXVI]
SCHOPENHAUER (apud SZONDI, 2004, p.52) também
leva-nos a entender o erro trágico de Casmurro, pois o sofrimento
de Bentinho parte de sua forma equivocada de ver o mundo,
apresentada no romance por um discurso oblíquo e dissimulado,
por metáforas e ironias. Além disso, o filósofo considera queo
mundo e a vida não podem oferecer nenhum prazer verdadeiro e,
em DOM CASMURRO, a construção do erro trágico tem a
65
finalidade de mostrar a tragicidade do viver, isso porque ao atar
as duas pontas da vida, procurando pela verdade, o narrador
autodiegético constrói seu trajeto de sofrimento.
NIETZSCHE (apud WILLIAMS, 2002, p.63) via o efeito da
tragédia não como moral ou purificador, mas como estético:
A tragédia absorve a mais alta música orgástica e, ao
proceder assim, realiza a música. Ele então coloca ao
seu lado o mito trágico e o herói trágico. Como um
poderoso Titã, o herói trágico carrega em seus ombros
o mundo dionisíaco em sua totalidade, removendo de
nós o fardo. Ao mesmo tempo, o mito trágico por meio
da figura do herói, nos liberta da nossa ávida sede de
satisfação terrena e nos faz lembrar uma outra
existência e um deleite mais alto. Para esse deleite o
herói se prepara, não por meio de suas vitórias, mas
de sua ruína.
Tanto Nietzsche como Aristóteles consideram que o herói
trágico, por meio de sua ruína, leva-nos à libertação das emoções
e ao efeito estético da arte. Em ZARATUSTRA (1883-1885),
Nietzsche diz que A tragédia nos conduz ao objeto final, que é a
resignação (2002, p. 62). Em DOM CASMURRO, o herói trágico
Bentinho, ao construir a tragicidade no romance, também nos leva
à catarse, ou seja, ao efeito estético.
CAMUS (apud WILLIAMS, 2002, p. 228) afirma que a
tragédia é coletiva, e que ela trouxe para esse reconhecimento,
sem o qual nada é possível, as suas próprias e profundamente
enraizadas posturas em relação à vida, que eram também, em si
mesmas, trágicas.
Podemos associar os conceitos de desespero e de
absurdo (trágico) de Camus, descritos por Williams, à construção
da ironia literária, pois o absurdo (face ao desespero) tende,
muitas vezes, a ser reconhecido posteriormente como irônico
(trágico):
66
A condição do desespero, tal como Camus a descreve,
ocorre no momento de reconhecimento daquilo que
chamamos de o absurdo. Essa absurdidade é menos
uma doutrina do que uma experiência. É um
reconhecimento de incompatibilidades entre a intensidade
da vida material e a certeza da morte; entre o insistente
esforço de racionalização do homem e o mundo não-
racional em que ele habita. Essas contradições
permanentes podem intensificar-se em circunstâncias
específicas: o decair da vida espontânea em uma rotina
mecânica: a consciência do nosso isolamento em relação
aos outros e até a nos mesmos. (WILLIAMS, 2002, p.228)
Segundo o humanismo trágico de Camus e o
compromisso trágico de Sartre, o homem só é capaz de viver
plenamente após ter experimentado um conflito violento, ou seja,
para alcançar uma vida completa, o homem precisa do sofrimento
que gera a catarse dos sentimentos humanos. Entretanto, o herói
trágico Bentinho, apesar de vivenciar o sofrimento (um conflito
violento) em sua busca pela verdade, não alcança o
reconhecimento para gerar nele mesmo a catarse.
No herói trágico, a ausência de conexão com a realidade
culmina no impulso amoral do assassinato. Sua dor é tamanha que
ele é compelido a cometer um ato de desatino ao procurar a fuga
do sofrimento. Bentinho, num primeiro momento, decide-se pelo
suicídio, mas termina por cogitar (e quase realizar) o assassínio de
seu filho:
Quando ia beber, cogitei se não seria melhor esperar
que Capitu e o filho saíssem para a missa; beberia
depois; era melhor. [DC, cap. CXXXVI]
Ezequiel abriu a boca. Cheguei-lhe a xícara, tão
trêmulo que quase entornei, mas disposta a fazê-la
cair pela goela abaixo, caso o sabor lhe repugnasse,
ou a temperatura, porque o café estava frio.... [DC,
cap. CXXXVII]
O romance DOM CASMURRO, embora não apresente as
características específicas do gênero trágico, conserva alguns
aspectos formais muito sutis da tragédia clássica:a presença do
67
herói cumprindo o seu destino, o erro trágico, o sofrimento, a
linguagem ornamentada e a catarse.
2.2 - O erro trágico
Quando estuda a natureza do herói trágico (capítulo XIII), da
Poética, Aristóteles fala em hamartia (erro, falta) como o
68
Em DOM CASMURRO, a desgraça e o sofrimento de
Bentinho, podem, portanto, ser interpretados como resultado de um
erro trágico.
MELO e SOUZA (apud ROSENFIELD, 2001, p.124)
também tratou do erro trágico. Diz ele:
[...] o trágico se inscreve no próprio ser do mundo e do
homem, não resultando, portando, de um erro que
pode ser evitado pela astúcia da razão filosoficamente
educada. O erro genuinamente trágico nada tem de
lógico. Pelo contrário, resulta da errância ontológica
fundamental da própria vida que não subsiste, senão
porque a morte existe.
Se, para Aristóteles, a resultante da ação trágica é a
manifestação do terror e da compaixão, não podemos deixar de
reconhecer que, em DOM CASMURRO, mesmo sem existir a
concretização da morte, a situação de Bentinho não deixa de ser
um fato digno tanto de terror quanto de compaixão. Esse herói
trágico aparece, desde o princípio do romance, inserido na
trajetória da dúvida, arquitetada à luz de um olhar oblíqüo e de
comentários de terceiros, ambos atrelados à insegurança e à
mente fantasiosa do narrador autodiegético.
Palavra que estive a pique de crer que era vítima de
uma grande ilusão, uma fantasmagoria de alucinado;
mas a entrada repentina de Ezequiel, gritando:
_“Mamãe! Mamãe! é hora da missa! restitui-me à
consciência da realidade. Capitu e eu,
involuntariamente, olhamos para a fotografia de
Escobar, e depois um para o outro. Desta vez a
confusão dela fez-se confissão pura. [DC, cap.
CXXXIX]
Aristóteles considera que o erro, na tragédia, liga-se ao
destino do herói. Esse fato pode ser observado em DOM
CASMURRO:
Nem eu, nem tu, nem ela, nem qualquer outra pessoa
desta história poderia responder mais, tão certo é que
o destino, como todos os outros dramaturgos, não
69
anuncia as peripécias nem o desfecho. [DC, cap.
LXXII]
[...] quis o destino que acabassem juntando-se e
enganando-me... [DC, cap. CXLVIII]
O herói trágico Casmurro, mesmo tendo possibilidade de
mudar sua trajetória de vida (ele não está preso a valores divinos),
aceita a traição da sua amada como um desígnio do destino.
A hamartia do herói moderno não se dá pelas mesmas
razões de seu ancestral grego. Este, ao incorrer no erro, era
obrigado a cumprir sua punição, sem a menor possibilidade de
fuga, mas, mesmo no infortúnio, contava com a companhia dos
deuses e sentia-se amparado. O mesmo não ocorre com o herói
romanesco ou o herói moderno, como comenta LUKÁCS (1962.,
p.202):
Ele é um indivíduo solitário, abandonado a mais
absoluta fragilidade de si mesmo, porque uma vez
desprovido da convivência com os deuses, tornou-se
refém de si próprio, um mundo onde ele mesmo não é
mais do que o centro luminoso em volta do qual esse
aparato gira e, dentro dele mesmo, o ponto mais
imóvel no movimento rítmico do mundo.
Bento Santiago é um herói moderno, e o herói moderno
possui o livre arbítrio, a opção de mudar o seu destino. Ele não
enfrenta a fatalidade com a irreversibilidade que caracterizava o
mundo grego. O herói moderno tem possibilidade de transformar o
seu destino, porque é senhor absoluto dele. Do mesmo modo,
Bentinho, quando jovem, procurou mudar o seu destino:
E Capitu tem razão, pensei, a casa é minha, ele é um
simples agregado... Jeitoso é, pode muito bem
trabalhar por mim, e desfazer o plano de mamãe.
[DC, cap XIX]
Mamãe quer que eu seja padre, mas eu não posso
ser padre, disse finalmente.[DC, cap.XXV]
Conto com o senhor para salvar-me. [DC, cap.XXV]
70
GUMBRECHT (apud ROSENFIELD, 2001, p.11) comenta:
... não será permitido ao herói trágico tornar-se a perfeita
incorporação de algum valor positivo (ou seja, ele não aparecerá
como vítima inocente), nem ele pode tornar-se um salvador.
Bentinho não incorpora nenhum valor positivo, pois, ao
sentir-se em dúvida, converte-se numa vítima e, tomado por auto-
piedade, torna-se cego à verdade. A incapacidade de Bentinho de
reconhecer o correto existe porque sua visão da realidade é
obscura.
O herói moderno é considerado um ser dotado de vontade
por ser responsável pelas suas decisões e por ter domínio de suas
ações. Porém, o herói trágico Casmurro não desfruta dessa
liberdade por ser inseguro e não ter controle de suas ações, como
podemos depreender dos fragmentos:
Parei na varanda; ia tonto, atordoado, as pernas
bambas, o coração parecendo querer sair-me pela
boca fora. Não me atrevia a descer à chácara, e
passar ao quintal vizinho. Comecei a andar de um lado
para o outro, estacando para amparar-me, e andava
outra vez e estacava. [DC, cap.XII]
Meses depois fui para o seminário de S. José. Se eu
pudesse contar as lágrimas que chorei na véspera e na
manhã, somaria mais que todas as vertidas desde
Adão e Eva. [DC, cap. L]
A linguagem hiperbólica usada das citações mostra como
foi grande o sofrimento de Bentinho quando obrigado a ir para o
seminário, sem liberdade de escolher seu próprio destino.
JASPERS (apud RICOEUR, 1996, p.133) fala sobre a
vontade de saber do herói trágico:
[...]o trágico próprio desses heróis procede de sua
vontade de saber e porque essa vontade de saber
coopera para cumprimento da desgraça que os
dilacera; mas toda tragédia gera tal saber, mesmo que
o trágico não seja, em seu coração, trágico de
verdade.
71
É a vontade de saber a verdade que faz o herói trágico
Casmurro desenvolver uma imaginação fértil, que o ajudará na
definição de sua desgraça:
Venho explicar-te que tive ciúmes pelo que podia estar
na cabeça da minha mulher, não fora ou acima dela.
[DC, cap. CVII]
A recordação de um simples olhos basta para fixar
outros que recordem e se deleitem com a imaginação.
[DC, cap. CVII]
Bentinho constrói seu trajeto de busca pela verdade à luz
de um discurso oblíquo e dissimulado, pois, embora sendo um
herói trágico moderno, um ser calcado na liberdade, ele não
consegue desfrutá-la, porque herda a repressão da sociedade do
fim do século XIX:
Eu amava Capitu!Capitu amava-me! E as minhas
pernas andavam, desandavam, estacavam,
trêmulas e crentes de abarcar o mundo. [DC, cap.XII]
Não me atrevi a dizer nada; ainda que quisesse,
faltava-me língua. Preso, atordoado, não achava gesto
nem ímpeto que me descolasse da parede e me
atirasse a ela com mil palavras cálidas... [DC,
cap.XXXIII]
Segundo MCLEISH (2000, p.31), o herói trágico
aristotélico é aquele que, na tragédia, traz a redenção e que, por
seus próprios atos, é punido, o que o leva à catástrofe catártica.
O herói das tragédias gregas não possui livre arbítrio, e
sua ação é engendrada pela anánke, que é ditada pelos deuses.
JASPERS (apud RICOEUR, 1996, p.136) lembra que:
[...] a compreensão do trágico como fase do
movimento que empurra dolorosamente o ser
verdadeiro na direção de sua perfeição, tem
conseqüências consideráveis para a interpretação do
próprio trágico.
72
O narrador Casmurro olha de forma oblíqua o mundo à
sua volta, não encontra saída para seu infortúnio e, desse modo,
constrói o erro trágico que o lança a um final infeliz, leva os
leitores à catarse.
[...] Mas, haja ou não testemunhas alugadas, a minha
era verdadeira; a própria natureza jurava por si, e eu
não podia duvidar dela. [DC, cap. CXXXVIII]
Não desprezes a correção do Senhor; Ele fere e cura.
[DC, cap.XVI]
Embora Aristóteles, na Poética, defina hamartia como
erro, falta. BORNHEIM (1969) considera que o erro trágico não
pode ser justificado pelo prisma puramente subjetivo de Aristóteles
e utiliza-se de Heráclito para aclarar o sentido de erro trágico/falta
trágica.
Na visão de Heráclito, o grande inimigo da medida ou da
justiça é a hybris, ou seja, a falta de medida. Se por um lado,
existe a justiça, a harmonia do universo, do outro lado, há aquilo
que destrói e perturba, isto é, a injustiça. Para esse filósofo, o ser
é physis (natureza) e estende-se ao real, e está presente em tudo
que existe. A sabedoria, assim, consiste em agir conforme a
natureza, em ouvir a voz da natureza.
A recusa em ouvir a natureza, a teimosia, é o princípio da
falta, é o gerador da injustiça e da culpa. A problemática do herói
está no seu modo de ser, e, no não reconhecimento da medida (a
incapacidade de reconhecer o que é correto) ao qual o trágico se
encadeia..
VERNANT (2005, p.44), discutindo o erro, diz:
Essa loucura do erro ou, para dar-lhes os nomes
gregos, essa atê, essa Erynys, assedia o indivíduo a
partir do seu interior, penetra-o como uma força
maléfica. Mas, mesmo identificando-se de certo modo
com ele, ela lhe é ao mesmo tempo exterior e
ultrapassa. Contagiosa, a polução do crime, indo além
dos indivíduos, prende à sua linhagem, ao círculo de
seus parentes; pode atingir toda uma cidade, poluir um
73
território. Uma mesma potência de desgraça, no
criminoso e fora dele, encarna o crime, seus mais
longíquos princípios, suas últimas conseqüências, o
castigo que ressurge ao longo de gerações sucessivas.
Em relação ao herói trágico Casmurro, sua problemática
reside no não reconhecimento da medida, na incapacidade de
reconhecer o que é correto, o que é reto. Uma força maléfica
penetra em sua imaginação pelos discursos de terceiros,
fazendo-o enxergar o mundo por um prisma oblíquo, sinuoso.
Assim, ele constrói o erro trágico e mergulha na tragicidade do
viver.
Na modernidade, o trágico mudou de direção. Na
concepção cristã, a noção de erro trágico ou falha trágica é
substituída pela idéia do pecado, que pode ser perdoado por Deus.
O que ficou do mito grego são apenas ecos ou sombras da
tragédia antiga.
2.3 - A linguagem da catarse
É pois na tragédia imitação de ações de caráter
elevado, completa em si mesma, de certa extensão,
em linguagem ornamentada e com as várias espécies
de ornamentos distribuídos pelas diversas partes do
drama.
[...] tem por efeito obter a purgação dessas emoções.
(ARISTÓTELES, 1996, p.184)
A linguagem do romance DOM CASMURRO assemelha-se
à das tragédias clássicas pelo uso das figuras, que as
ornamentam. Sutilmente e com verossimilhança, o narrador
apresenta uma forma perspicaz de denunciar os problemas sociais
do final do século XIX e os dramas existenciais relacionados ao
desejo passional. Com suas sutilezas e suas metáforas irônicas, o
autor ficcional inovou o romance brasileiro de seu tempo:
74
A vida é uma ópera e uma grande ópera. O tenor e o
barítono lutam pelo soprano, em presença do baixo e
dos comprimários, quando não são o soprano e o
contralto que lutam pelo tenor, em presença do mesmo
baixo e dos mesmos comprimários Há coros
numerosos, muitos bailados, e a orquestração é
excelente... [DC, cap. IX]
MELO e SOUZA (apud ROSENFIELD, 2001, p.119)
explica:
De acordo com a explicação aristotélica do mecanismo
estrutural do enredo trágico, [...] o efeito dramático
resulta do encadeamento lógico das ações e das
conseqüências.
DOM CASMURRO é considerado um romance em prosa
poética. Sua elaboração em linguagem ornamentada tem o
objetivo de criar um discurso dissimulado que arquiteta o erro
trágico e suscita a catarse nos leitores:
Uma noite destas, vindo da cidade para o Engenho
Novo, encontrei no trem da Central um rapaz aqui do
bairro, que eu conheço de vista e de chapéu.
Cumprimentou-se, sentou-se ao pé de mim, falou da
lua e dos ministros, e acabou recitando-me versos. A
viagem era curta, e os versos pode ser que não
fossem inteiramente maus. Sucedeu, porém, que como
eu estava cansado, fechei os olhos três ou quatro
vezes; tanto bastou para que ele interrompesse a
leitura e metesse os versos no bolso. [DC, cap. I]
O narrador expõe seu projeto literário sutilmente com uma
linguagem irônica, calcada na negatividade e na dissimulação das
situações apresentadas.
A personagem Bentinho vê-se envolvida por um erro
trágico, a maneira equivocada de ver a sua amada Capitu e, na
busca da verdade, constrói o saber trágico, suscitando a
compaixão nos leitores, ao provocar a kátharsis.
É pela linguagem ornamentada que DOM CASMURRO
cria o efeito estético, que também é catártico. Ou seja, a
construção literária do romance é o elemento que toca a alma do
75
leitor, equilibrando seus sentimentos. É desse modo que a
experiência estética propicia ao leitor o alívio das tensões.
2.4 - O trágico moderno e a ruptura de valores
Segundo BORNHEIM (1969), a crítica literária é unânime
em admitir que a tragédia alcançou sua glória na Grécia antiga. Se
os gregos nos deram os marcos fundadores da tragédia, uma
mudança profunda ocorreu em seu sentido e, para compreendê-la,
devemos estudar tanto os teóricos antigos, como os modernos.
Aristóteles apresenta quais são as partes constituintes da
tragédia e como estas devem ser. Mas em relação ao fenômeno
trágico, o filósofo grego silencia.
As palavras trágico e tragédia vêm sofrendo uma
banalização progressiva, um esvaziamento em conteúdo; perderam
o significado original e ganharam diversos novos sentidos. Esse
fato advém da dificuldade que envolve o conceituar do fenômeno
trágico, pois as diversas interpretações permanecem aquém da
realidade. O que se pode dizer é que o trágico é possível na obra
de arte, pois é inerente à própria condição humana, pertence ao
real. Para que haja o trágico, ele precisa ser vivido por alguém, por
um homem que construa o erro trágico, tal qual ocorreu com
Bentinho, um herói que possibilitou o princípio e o fim da tragédia.
O horizonte existencial do homem com seus valores é que
permite o aparecimento do trágico, como é o caso da dúvida de
Bentinho (o erro trágico) em relação à fidelidade da Capitu.
A natureza do homem centra-se nesses dois pólos: o
homem e o mundo dos valores que constitui o seu horizonte de
vida. O trágico surge no modo como a verdade (ou a mentira) é
desvelada pelo homem. Em DOM CASMURRO são os olhos de
ressaca de Capitu, suas atitudes e sua capacidade de
dissimulação que instauram a dúvida em Bentinho:
76
O erro de Capitu foi não deixá-los crescer infinitamente, antes
diminuir até as dimensões normais, e dar-lhes o movimento do
costume. Capitu tornou ao que era, disse-me que estava
brincando, não precisava afligir-me, e, com um gesto cheio de
graça, bateu-me na cara sorrindo, e disse:
_Medroso!
_Eu?Mas...
_Não é nada, Bentinho. Pois quem é que de dar pancada ou
prender você? Desculpe que eu hoje estou meia maluca; quero
brincar, e...
_Não Capitu; você não está brincando; nesta ocasião, nenhum de
nós tem vontade de brincar.
_Tem razão, foi só maluquice; até logo.
_Como até logo?
_Está –me voltando a dor de cabeça; vou botar uma rodela de
limão nas fontes. [DC, cap.XLIII]
O cerne da tragédia na modernidade localiza-se em uma
experiência fundamental da época: uma sensação de incerteza em
relação ao mundo. Por isso, o herói moderno passou a aceitar seu
destino de sofrimento e a encará-lo como necessário.
Em DOM CASMURRO, o herói trágico aceita seu destino,
ele não procura enxergar Capitu com um outro olhar, busca apenas
provas para condená-la.
_Mas que libras são essas? Perguntei-lhe no fim.
Capitu fitou-me rindo, e replicou que a culpa de
romper o segredo era minha. Ergueu-se, foi ao quarto
e voltou com dez libras esterlinas, na mão; eram as
sobras do dinheiro que eu lhe dava mensalmente para
as despesas. [DC, cap. CVI]
Na modernidade, o destino não é mais transcendente e
não depende dos deuses, porém está implícito no caráter do herói.
Na tragédia moderna, as personagens, de maneira geral,
exemplificam a questão da crise da identidade e falam da sensação
de viver neste mundo conturbado, o que gera a crise dramática,
como se verifica na fala do narrador-personagem:
Um dia,_era sexta-feira,_não pude mais. Certa idéia,
que negrejava em mim, abriu as asas e entrou a batê-
las de um lado para o outro, como fazem as idéias que
77
terror daquela dia; ouvi cantar baladas em casa,
vindas da roça e da antiga metrópole, nas quais a
sexta-feira era um dia de agouro. [DC, cap. CXXXIII]
Quando me achei com a morte no bolso senti tamanha
alegria como se acabasse de tirar a sorte grande, ou
ainda maior, porque o prêmio da loteria gasta-se, e a
morte não se gasta. [DC, cap. CXXXIV]
A partir do século XVIII, o homem passa a sofrer um
conflito em relação ao mundo a sua volta. Concomitante ao
avanço tecnológico e ao desenvolvimento industrial, aumentou a
exclusão social de uma grande parte da população, e a
desigualdade social. Com efeito, o homem moderno vive um
período de mudanças de paradigmas, pois a individualização
cresce, tornando-o um ser solitário e em conflito consigo mesmo.
São essas características que encontramos no herói trágico
Casmurro:
Capitu fez um gesto de impaciência. Os olhos de
ressaca não se mexiam e pareciam crescer. Sem saber
de mim, e, não querendo interrogá-la novamente,
entrei a cogitar donde me viram pancadas, e por quê,
e também por que é que seria preso, e quem é que me
havia de prender. Valha-me Deus! vi de imaginação o
aljube, uma casa escura e infecta. [DC, cap.XLIII]
O herói trágico de Casmurro é considerado um herói
moderno, porque apresenta características do seu tempo, como a
individualidade, a solidão, a insegurança, a dúvida sobre a
realidade e uma identidade problemática. Com efeito, o herói
constrói um trajetória oblíqua, arquiteta o erro trágico e cria a
tragicidade poética.
Bentinho, por apresentar essas características, não
consegue mudar o seu caminho, aceita a traição como desígnio do
destino, e mostra a tragicidade de que é o viver, visão comum dos
filósofos existencialistas.
78
A experiência estética não se esgota em um ver
cognoscitivo (aisthesis) e em um reconhecimento
perceptivo (anamnesis): o espectador pode ser afetado
pelo que se representa, identificar-se com as pessoas em
ação, dar assim l17(e)-95.0026(m)-119T643913114.834( )-2a58(p)-95.002602.7 526(t)-107.779(i)-103.501(v(i)-91.6892. 2E-91.33333 0 4.834(o)-95.0026(m)-14-95.0026(m)-169f9)-99da em
79
A dupla função do erro trágico
3.1 - O feito catártico e o estético
O erro trágico em DOM CASMURRO é causado pela
dúvida, pela forma equivocada do personagem o narrador-
personagem Bentinho ver sua amada Capitu. Ele é construído no
romance por meio de metáforas irônicas, que suscitam o efeito
estético e/ou catártico no leitor e sua dupla função como erro
trágico.
Sobre o efeito estético da obra literária, BACHELARD
(1978, p.187) afirma :
Para darmos conta da ação psicológica de um poema,
teremos pois de seguir duas linhas de análise
fenomenológica: uma que leva às exuberâncias do espírito,
outra que vai às profundezas da alma.
O efeito catártico e/ou estético causado pela leitura da
obra nasce da percepção da novidade apresentada pela diegese,
pois a linguagem literária favorece o estabelecimento de relações
inéditas entre o leitor e o código verbal.
No início do século XX, os formalistas russos elaboram o
conceito de estranhamento, que abrange as relações entre leitor e
texto. Para esses estudiosos, cada obra, pelo estranhamento,
produz um efeito único, revelando um caráter original e estético .
Por meio desse efeito, o leitor vive sucessivas experiências,
amplia seu repertório de conhecimentos e desenvolve a
sensibilidade artística.
3.2- A catarse aristotélica
80
Em nosso estudo, abordamos a idéia de Aristóteles a
respeito do fenômeno catártico, porque foi a primeira teoria que
mostrou o efeito provocado pela obra de arte no receptor.
Segundo ARISTÓTELES,o objetivo primeiro da tragédia era
suscitar o desequilíbrio dos sentimentos, não com o intuito de
eliminá-los do espírito dos espectadores, porém para aperfeiçoá-
los. Para que essas emoções fossem despertadas, o pensador
grego diz que é preciso que ocorra uma identificação entre o herói
trágico e o leitor e que essa personagem não poderia ser melhor
nem pior do que qualquer homem. Também há uma identificação
entre o leitor e a personagem, uma vez que o primeiro sente temor
e piedade durante a narrativa. O leitor espera que, no final da
obra, o herói se torne uma pessoa melhor, uma vez que
experimenta certo prazer ao sentir a dor vivida pelo herói trágico.
Em DOM CASMURRO, a identificação do leitor com a
personagem trágica do texto se dá porque, desde o início da
narração, as acusações a Capitu não são baseadas em fatos, são
apenas suposições:
Quanto ao sonho foi isto. Como estivesse a espiar os
peraltas da vizinhança, vi um destes que conversava
com a minha amiga ao pé da janela. Corri ao lugar, ele
fugiu; avancei para Capitu, mas não estava só, tinha o
pai ao pé de si, enxugando os olhos e mirando um
triste bilhete de loteria. [DC, cap. LXIII]
O trágico procura imitar uma realidade dolorosa, mas que
ao mesmo tempo provoque medo e compaixão.
Com efeito, todas as paixões, todas as cenas dolorosas e mesmo
o desfecho trágico são mímese, imitação, apresentados pela via do
poético, não em sua natureza trágica e brutal. Não são reais,
passam pelo plano artificial, mimético, não são realidade, mas
valores acoplados à realidade, pois a arte é uma realidade artificial
com uma linguagem própria, uma linguagem ornamentada, que
causa a catarse no leitor.
81
A catarse aristotélica consiste da experiência que o
receptor/leitor tem quando vive, junto com o protagonista, seu
drama involuntário. Com efeito, esse drama é o meio favorável para
suscitar o efeito desejado, que é provocar temor e compaixão com o
objetivo de purificar os sentimentos, como explica FREIRE (1982,
p.84):
A catarse trágica que aparece apenas na definição e,
por certo, numa frase, em que Aristóteles quer
precisar o desenrolar ideal da ação, é portanto o meio
pelo qual o dramaturgo atinge propriamente seu fim, a
saber, proporcionar aos espectadores o prazer e
alegria que são próprios da tragédia.
Na narrativa de DOM CASMURRO, a heroína surge como
uma personagem comum, por isso acontece imediatamente uma
identificação com o receptor/leitor:
Não podia tirar os olhos daquela criatura de quatorze
anos, alta, forte e cheia, apertada em um vestido de
chita, meio desbotado. Os cabelos grossos, feitos em
duas tranças, com as pontas atadas uma a outra, à
moda do tempo, desciam-lhe pelas costas. Morena,
olhos claros e grandes, nariz reto e comprido, tinha a
boca fina e o queixo largo. As mãos, a despeito de
alguns ofícios rudes, eram curadas com amor; não
cheirava a sabões finos nem água de toucador, mas
com água do poço e sabão comum, trazia-as sem
mácula. Calçava sapatos de duraque, rasos e velhos, a
que ela mesma dera alguns pontos. [DC, cap.XIII]
A identificação do leitor com a heroína do texto, Capitu,
ocorre porque as acusações sobre ela são construídas por meio
de comentários de terceiros, principalmente de José Dias,
atreladas à imaginação fértil do narrador, pois não são baseadas
em fatos:
Outra idéia não, um sentimento cruel e desconhecido,
o puro ciúmes, leitor das minhas entranhas. Tal foi o
que me mordeu, ao repetir comigo as palavras de José
82
Dias: Algum peralta da vizinhança. Em verdade,
nunca pensara em tal desastre. Vivia tão nela, dela e
para ele, que a intervenção de um peralta era como
uma noção sem realidade. [DC, cap. LXII]
De envolta, lembravam-me episódios vagos e remotos,
palavras, encontros e incidentes, tudo em que minha
cegueira não pôs malícia, e a que faltou o meu velho
ciúme. Uma vez em que os fui achar sozinhos e
calados, um segredo que me fez rir, uma palavra dela
sonhando, todas essas reminiscências vieram vindo
agora em tal atropelo, que me atordoaram... [DC, cap.
CXL]
Tudo isso vi e ouvi. Não, a imaginação de Ariosto
10
não
é mais fértil que a das crianças e dos namorados, nem
a visão do impossível precisa mais que de um recanto
de ônibus. Consolei-me por instantes, digamos
minutos, até destruir-se o plano e voltar-me para as
caras sem sonhos dos meus companheiros. [DC,
cap.XXIX]
O sentimento de piedade é suscitado no leitor. Romance,
ele sente pena pelo final trágico imerecido de Capitu. A compaixão
vem do desejo de salvá-la dessa acusação. Portanto, temor e
compaixão do desejo de salvação, e o efeito estético provoca a
purificação dos sentimentos, a catarse:
A separação era coisa decidida, pegando-lhe na
proposta. Era melhor que a fizéssemos por meias
palavras ou em silêncio: cada um iria com a sua ferida.
Uma vez, porém, que a senhora insiste, aqui vai o que
lhe posso dizer, e é tudo. [DC, cap. CXXXVIII]
Na Poética, Aristóteles diz que a imitação da realidade
pela palavra é expressa pelo ritmo da linguagem e pela harmonia,
empregados separadamente ou em conjunto, como podemos
observar neste fragmento: Os olhos fitavam-se e desfitavam-se, e
depois de vagarem ao perto, tornavam a meter-se uns pelos
outros....[DC, cap.XIV]
Na construção de um discurso cuja função predominante é
a poética realiza-se um exercício de relação entre forma e
conteúdo com o objetivo de caráter artístico.
83
O autor ficcional constrói um arranjo textual visando a
persuadir e comover o leitor sobre a visão de mundo que
representa.
Um texto informativo ou argumentativo pretende traduzir
com clareza o mundo, enquanto a Literatura relativiza o
conhecimento por meio da diegese, revelando, pelo imagético, o
perfil humano universal e o mundo no qual está inserido.
No que concerne ao caráter da representação, deve-se
destacar a diferença entre História e Literatura proposta por
Aristóteles, na Poética (1980): a primeira constrói um discurso
sobre o que aconteceu; e a segunda, o que poderia ter acontecido,
conforme a necessidade e a verossimilhança. Aristóteles afirma
ainda que a ação, os caracteres e as paixões humanas são os
objetos verossímeis e é a maneira de imitar que estabelece o
elemento singular da Literatura. Com efeito, o modo de imitar é o
aspecto revelador da percepção do artista sobre o mundo.
Desse modo, pode-se dizer que o autor ficcional busca as
particularidades específicas do objeto literário, distinguindo-o de
qualquer outra matéria, pois identifica um encadeamento
intencional das ações narradas com o objetivo de atingir a catarse.
Embora o termo kátharsis não surja com clareza na Poética, de
Aristóteles, foi caracterizado pelo filósofo como um sentimento de
alívio que se estabelece no espírito do espectador por meio da
experiência estética.
Para alcançar o efeito estético, é necessário uma
identificação entre o herói e o leitor. A obra deve ser capaz de
gerar sentimentos de temor e compaixão: o leitor toma para si as
dores do herói e passa a sentir um desejo genuíno de que ele se
salve. A tensão gerada pelo conflito coopera para a purificação das
emoções e leva o receptor ao equilíbrio dos sentimentos:
_A separação era coisa decidida, redargüi pegando-lhe
na proposta. Era melhor que a fizéssemos por meias
10
Ariosto: poeta de imaginação fértil e brilhante da Renascença italiana (1474-1533)
84
palavras ou em silêncio; cada um iria com a sua ferida.
Uma vez, porém, que a senhora insiste, aqui vai o que
lhe posso dizer, e é tudo. [DC, cap. CXXXVIII]
Segundo ARISTÓTELES (1980), o objetivo da arte é
provocar sentimentos, por meio da arquitetura literária. Podemos
dizer que o filósofo busca também a literariedade na obra. Os
formalistas russos procuram retomar o princípio conceitual da
Antigüidade a respeito do objetivo do texto poético.
Ao nosso ver, há probabilidade grande de os leitores se
identificarem com Capitu. Essa identificação se dá pela
verossimilhança existente na obra, que faz do texto uma obra
universal. É essa identificação que suscita o efeito catártico.
3.3- O efeito estético
Com o surgimento do Formalismo Russo, surge um método
que privilegia o corte sincrônico, desvincula a obra da História e
elabora um método de análise original para cada novo texto. Por
volta de 1967, Jauss lança seus conceitos sobre a Estética da
Recepção
Ao retomar Jauss, ZILBERMAM (2002, p.12) afirma:
Jauss recupera a história como base do conhecimento no texto:
[...]pesquisa seu caminho por uma via que permite trazer de volta o
intérprete ou o leitor. Segundo ZILBERMAM (2002), Jauss procura
buscar o aspecto receptivo e comunicativo na construção artística,
verificando as informações sobre a maneira como o texto foi
recebido em diferente épocas, ou seja, quais os valores que
mudaram e quais novos paradigmas foram mostrados.
Desse modo, há uma mudança no modo de ver uma obra
de arte. A pesquisa literária já não se concentra apenas nos
aspectos extraliterários, o importante é o intercâmbio entre obra-
leitor-autor. Partindo da imanência do texto, o leitor/receptor
estabelece os valores dos elementos constitutivos do mundo
85
repertório do receptor, pois os elementos externos à obra artística,
que antes eram abordados, também fazem parte do olhar
sincrônico do espectador. Se houver um processo dialético entre
os elementos internos e externos da obra, ela se realizará na
relação das experiências de conhecimento dos leitores
contemporâneos. Desse modo, segundo a teoria da recepção, o
texto literário também contempla a figura específica do leitor.
Sobre a teoria da recepção, JAUSS (1979, p.73) declara:
Para análise da experiência do leitor ou da sociedade
de leitores de um tempo histórico determinado,
necessita-se diferenciar,colocar e estabelecer a
comunicação entre os dois lados da relação texto e
leitor. Ou seja, entre o efeito, como o momento
condicionado pelo texto, e a recepção, como o
momento condicionado pelo destinatário, para a
concretização do sentido como duplo horizonte - ao
interno literário, implicado pela obra, e o
mundivivencial, trazido pelo leitor de uma determinada
sociedade. Isso é necessário a fim de se discernir
como a expectativa e a experiência se encadeiam e
para se saber se, nisso, se produz um momento de
nova significação. No entanto, o estabelecimento do
horizonte de expectativa interna ao texto é menos
problemático, pois derivável do próprio texto, do que o
horizonte de expectativa social, que não é tematizado
como contexto de um mundo histórico.
JAUSS primeiramente lança o conceito de atualização,
quando apresenta o leitor/receptor como um componente no
processo leitor/obra, confirmando o caráter artístico do texto
durante o processo de leitura. Por conseguinte, a experiência
leitora do receptor o habilita a reconhecer procedimentos literários
e a atualizar obras cuja produção lhe é muito distante. Assim, é
possível afirmar que as obras só serão reconhecidas como
novidade após algum tempo. Ou seja, a história da literatura passa
a ser percebida a partir da maneira como foram recebidas
determinadas obras e sua crítica, como JAUSS (1979, p.25) diz:
a história da literatura é um processo de recepção e
produção estética que se realiza na atualização dos
86
textos literários por parte do leitor que os recebe; do
escritor, que se faz novamente produtor, e do crítico,
que sobre eles reflete.
Na narrativa de DOM CASMURRO existem inúmeras
passagens que podem frustrar a expectativa de um leitor
despreparado, uma vez que para entender é necessário possuir
conhecimento, como é o caso da citação a seguir, que não pode
ser entendida sem que o leitor, além da compreensão da
linguagem literária, tenha conhecimentos históricos:
Príamo julga-se o mais infeliz dos homens, por beijar a
mão daquele que lhe matou o filho. Homero é que
relata isto, e é um bom autor, não obstante contá-lo
em verso, mas há narrações exatas em verso, e até
mau verso. Compara tu a situação de Príamo com a
minha; eu acabava de louvar as virtudes do homem
que recebera defunto aqueles olhos...É impossível que
algum Homero não tirasse da minha situação muito
melhor efeito, ou quando menos, igual. Nem digas que
nos falam Homeros, pela causa apontada em Camões;
não, senhor, faltam-nos,é certo, mas é porque os
Príamos procuram a sombra e o silêncio. As lágrimas,
se a têm, são enxugadas atrás da porta, para que as
caras apareçam limpas e serenas;os discursos são
antes de alegria que de melancolia, e tudo passa como
se Aquiles não matasse Heitor. [DC, cap. CXXV]
O narrador casmurro compara sua vida, no momento do
enterro de Escobar, com a Ilíada, de Homero, na passagem em
que Príamo, o último rei de Tróia, lamenta ser forçado a beijar a
mão de Aquiles, guerreiro grego que matou seu filho, o troiano
Heitor. No entanto, ao contrário do mundo épico, em que os fatos
se dão às claras, o mundo diegético de DOM CASMURRO tem um
discurso metafórico e irônico, e os conflitos são dissimulados
atendendo às conveniências sociais.
Ao cabo de alguns meses, Capitu começara a
escrever-me carta, a que respondi com brevidade e
sequidão. As dela eram submissas, sem ódio, acaso
afetuosas, e para o fim saudosas; pedia-me que a
fosse ver. Embarquei um ano depois, mas não a
procurei, e repeti a viagem com o mesmo resultado. Na
87
volta, os que se lembravam dela, queriam notícias, e
eu dava-lhas como se acabasse de viver com ela;
naturalmente as viagens eram feitas com o intuito de
simular isto mesmo, e enganar a opinião. [DC, cap.
CXLI)
O narrador dissimula pela linguagem as próprias mazelas
e critica discretamente, a sociedade carioca, como nos mostra a
citação acima.
JAUSS explica a diferença entre a Literatura e a História:
O horizonte de expectativa da literatura distingue-se
daquele da práxis histórica pelo fato de não apenas
conservar as experiências vividas, mas também
antecipar possibilidades não concretizadas, expandir o
espaço limitado do comportamento social rumo a
novos desejos, pretensões e objetivos, abrindo, assim,
novos caminhos para a experiência futura. (JAUSS,
1979, p.52)
A Teoria da Recepção de Jauss, propicia uma reflexão
particular sobre o efeito estético, porque mostra que os receptores
podem construir leituras diferentes sobre um mesmo texto. Com
efeito, a estética da recepção permite compreender uma
determinada obra literária pela variedade histórica das suas
interpretações.
Iser, em seu ensaio O jogo do texto, discute a estrutura
facilitadora do texto. Propõe que a obra literária seja analisada
como um jogo, uma vez que sua forma de representação, a
arquitetura do texto, está baseada em combinações com o objetivo
de causar a duplicidade, o estranhamento ou a identificação, que
provocam diferentes possibilidades de leituras.
Segundo a Poética de Aristóteles, a catarse,ao estimular
os sentimentos de temor e compaixão, permite a purificação da
alma do leitor/espectador. Na modernidade, o arranjo textual é
considerado responsável pelos efeitos de purificação da alma do
leitor. JAUSS (1979) e ISER (1996), em seus estudos sobre
efeitos estéticos, discute a relação autor-texto-leitor que
88
corrobora com a idéia de que é o trabalho com a linguagem que
concretiza a obra literária.
3.2 - A tragicidade do viver
Outro objetivo da construção do erro trágico é mostrar a
tragicidade do viver.
O narrador, em DOM CASMURRO, não consegue
encontrar nenhum prazer verdadeiro, enxerga a vida sobre a ótica
oblíqua, construindo assim a tragicidade de seu viver:
Não lhe arranquei mais nada. Os outros todos, como
se houvessem passado palavra, repetiam a mesma
cantilena. Talvez esse discreto silêncio sobre os textos
roídos, fosse um modo de roer o roído. [DC, cap.XVII]
O narrador é a fonte de onde emana todo discurso e para
o qual tudo se reflui. Usando a expressão metafórica roer o roído,
o narrador mostra-se quase explícito a respeito do passado que
o levou à ruína e que agora está sendo refeito..
O narrador Casmurro constrói sua narrativa ao atar as
duas pontas da vida: a adolescência e a velhice, detendo-se na
tragicidade do viver, pois, como explica ELIADE (2000)o tempo
passado é importante na construção de um possível presente.
O meu fim evidente era atar as duas pontas da vida, e
restaurar na velhice a adolescência. Pois, senhor, não
consegui recompor o que foi nem o que fui. Em tudo,
se o rosto é igual, a fisionomia é diferente. Se só me
faltassem os outros, vá; um homem consola-se mais
ou menos das pessoas que perde;mas falto eu mesmo,
e esta lacuna é tudo. [DC, cap. II]
Um narrador de memórias, ou seja, um narrador
autodiegético, precisa fazer uma relação do presente com o
passado em tensão. Bentinho, já homem e muito ressentido,
relata algo que marcou a sua vida adolescente e adulta.
89
A memória revela a preocupação humana de procurar
recuperar conhecimentos passados. Em nosso caso, o narrador
reclama de sua falta de memória, mas também comenta que sua
imaginação é fértil, o que nos dá margem para considerar que o
narrador não é muito confiável, como mostram os trechos a seguir:
Como eu invejo os que não esqueceram a cor das
primeiras calças que vestiram! Eu não atino com as
que enfiei ontem. Juro só que não eram amarelas
porque execro essa cor; mas isso mesmo pode ser
olvido e confusão. [DC, cap. LIX]
Prazos largos são fáceis de subscrever;a imaginação
os faz infinitos. [DC, cap.XI]
Não me lembro bem o resto do dia.[DC, cap. CXXXIV]
[...]Tais eram as idéias que iam passando pela minha
cabeça, vagas e turvas, à medida que o mouro rolava
convulso, e Iogo destilava a sua calúnia. Nos
intervalos não me lembrava da cadeira;não queria
expor-me a encontrar algum conhecido [DC, cap.X ]
A vida é cheia de tais convivas, e eu sou acaso um
deles,conquanto a prova de ter a memória fraca seja
exatamente não me acudir agora o nome de tal antigo;
mas era um antigo, e basta. [DC, cap. LIX]
Bentinho, ao atar as duas pontas da vida, reencontra-se
com o tempo perdido. Isso não consiste apenas em um ato de
memória ou de lembrança, mas é um esforço de recordação em
busca da verdade, resultando em um saber trágico, que percorre
todo o romance DOM CASMURRO. Assim, ele constrói a
tragicidade poética do romance. O tempo passado, não é um
simples tempo perdido. A memória é um meio de aprendizado,
porém como o narrador casmurro considera que tinha deficiência
de memória, isso deu margem à sua imaginação criadora:
Há dessas reminiscências que não descansam antes
que a pena ou a língua as publique. Um antigo dizia a
renegar de conviva que tem boa memória. A vida é
90
cheia de tais convivas, e eu sou acaso um deles,
conquanto a prova de ter a memória fraca seja
exatamente não me acudir agora o nome de tal antigo;
mas era um antigo, e basta.
Não, não, a minha memória não é boa. Ao contrário, é
comparável a alguém que tivesse vivido por
hospedarias, sem guardar delas nem caras nem
nomes, e somente raras circunstâncias. [DC, cap. LIX]
Sobre as recordações, SANTO AGOSTINHO (apud
PEGORARO, 1979, p.25) assevera:
Na alma convivem a expectativa, a visão e a memória.
A alma espera, vê e recorda a fim de que aquilo que
espera passe ao que vê em direção daquilo que
recorda. [...] O tempo nunca é longo ou breve. Longa é
a memória enquanto olha para trás; longa é a
expectativa enquanto olha para frente; longa é a
situação enquanto olhas as coisas presentes.
Para SAUSSURE (1978, p.8),o signo lingüístico encobre
duas faces da mesma moeda. O narrador de DOM CASMURRO
atem-se ao signo do olhar e, por meio dele, procura a verdade,
porém suas dúvidas o atormentam, é como se sofresse uma
violência sobre o pensamento: Os olhos continuavam a dizer
coisas infinitas, as palavras de boca é que nem tentavam sair,
tornavam ao coração calados como vinham... [DC, cap.XIV]
DELEUZE (1972, p.17) ressalta que procurar a verdade é
interpretar, decifrar, explicar, o que se confunde com o
desenvolvimento do signo em si mesmo. Por isso, a procura é
sempre temporal e a verdade é sempre uma verdade do tempo.
Bentinho procura mostrar para o leitor que sua narrativa
é uma busca não só do tempo, mas também do espaço perdido:
Um dia, há bastantes anos, lembrou-me reproduzir no
Engenho Novo a casa em que me criei na antiga Rua
de Matacavalos, dando-lhe o mesmo aspecto e
economia daquela outra, que desapareceu.[DC,cap. II]
POULET (1992, p.20) comenta que os lugares
comportam-se exatamente como os momentos do passado, como
91
as lembranças. No tocante ao espaço casmurro, o espírito localiza
a imagem rememorada e a encontra no espaço, que está,
invariavelmente, ligado a certas presenças humanas:
Ia entrar na sala de visitas, quando ouvi proferir o meu
nome e escondi-me atrás da porta. A casa era a da
Rua Matacavalos, o mês era de novembro, o ano é que
é um tanto remoto, mas eu não hei de trocar as datas
à minha vida só para agradar às pessoas que não
amam histórias velhas; o ano era de 1857. [DC, cap.
III]
Na intriga de Camurro,, o tempo assume a forma dada
pelo espaço. Trata-se do tempo batizado por POULET (1992) de
espacial. Ele é apresentado, no discurso diegético, por uma
pluralidade de episódios, que se ordenam e se constroem no
espaço literário. O tempo espacial também é o tempo psicológico.
Por seu aspecto descontínuo, é o tempo que flui e marca a
inconsistência dos fatos. Dessa inconsistência, surge a dissolução
do eu do narrador, caracterizado pelo aparecimento de idéias e
lembranças do que aconteceu no passado, que retornam à sua
mente pela memória.
Para ROSENFELD (apud CANDIDO, 1973, p.83):
O fluxo da consciência confunde e mistura fragmentos
atuais de objetos ou pessoas presentes e agora
percebidos com desejos e angústias abarcando o
futuro ou ainda experiências vividas há muito tempo e
se impondo talvez com força e realidades maiores do
que as percepções reais. A narração torna-se assim
padrão plano em cujas linhas se funde, com
simultaneidade, a distensão temporal.
O curso do tempo é incessante, este vaivém na mente do
narrador é desordenado pelas lembranças e associações dos fatos
passados. Assim, Casmurro não revive, vive ou antevê fatos,
porém os mistura de maneira desordenada:
Deste modo, viverei o que vivi, e assentarei a mão
para alguma obra de maior tomo. Eia, comecemos a
evocação por célebre tarde de novembro, que nunca
92
me esqueceu. Tive outras muitas, melhores, e piores,
mas aquela nunca se me apagou do espírito. [DC, cap.
II]
BÉRGSON (1979, p.75) nos explica:
Para criar o futuro é preciso que algo dele seja
preparado no presente, como a preparação do que
será só pode ser efetuada utilizando o que já foi. A
vida se emprenha de o começo em conservar o
passado e antecipar o futuro numa duração em que
passado, presente e futuro penetrem um no outro e
formam uma continuidade indivisa: esta memória e
esta antecipação são, como vimos, a própria
consciência. E esta é a razão, de direito, se não de
fato, de que a consciência seja coexistente à vida.
Em DOM CASMURRO, o tempo e o espaço se fundem,
construindo uma narrativa oblíqua por um discurso irônico e
metafórico. O intuito do narrador autodiegético é construir o erro
trágico e mostrar a tragicidade do viver, à procura da verdade.
Essa tragicidade é apresentada passo a passo numa linguagem
dissimulada, a fim de confundir leitores os leitores:
Agora é que eu ia começar a minha ópera.A vida é
uma ópera, dizia-me um velho tenor italiano que aqui
viveu e morreu... E explicou-me um dia a definição, em
tal maneira que me fez crer nela. [DC, cap. VIII]
O narrador casmurro foi sutil na forma de apresentar as
mazelas sociais do Segundo Reinado e de mostrar a tragicidade
que é viver, conceito bem discutida por SCHOPENHAUER (1966,
p.496):
É no antagonismo da vontade consigo mesma que
entra em cena aqui, a tragédia.. Esse antagonismo
torna-se visível no sofrimento da humanidade que é
produzido, em parte, pelo acaso e pelo erro[...]
Tudo que é trágico, não importa a forma que apareça,
recebe o seu característico impulso para o sublime
com o desapontar do conhecimento de que o mundo e
a vida não podem oferecer nenhum prazer verdadeiro,
portanto não são dignos de nossa afeição. Nisso
93
consiste o espírito trágico:ele nos leva, assim, à
resignação.
No romance, o autor ficcional acredita que o egoísmo é
preponderante ao altruísmo, e o mal sempre estaria sobre o
bem:Deus é poeta. A música é de Satanás, jovem maestro de
muito futuro, que aprendeu no conservatório do céu. [DC, cap. IX]
É nesse sentido que podemos compreender a presença do
Demônio em quase todas as obras machadianas, nas quais ele é
configurado como o arquiteto da alma humana, mergulhando-a no
trágico da existência.
Segundo HEIDEGGER (apud JOVILET, 1962), o
sentimento de angústia frente ao mundo nasce no momento em
que o homem se depara com a banalidade da vida, ou seja, sente-
se um ser atirado no mundo sem motivo algum:
Satanás suplicou ainda, sem melhor fortuna, até que
Deus, cansado e cheio de misericórdia, consentiu em
que a ópera fosse executada, mas fora do céu. Criou
um teatro especial, este planeta, e inventou uma
companhia inteira, com todas as partes, primárias e
comprimárias, coros e bailarianos. [DC, cap. IX]
Entre os diversos textos em que o autor ficcional expõe
os fundamentos de sua visão negativa da vida, expressa por um
discurso irônico, este merece destaque: A ópera, um capítulo
repleto de engenho e rigor lógico. Nele, ao fazer uma alegoria em
que o homem aparece como criação do Diabo, lemos: Deus, o
grande compositor, teria deixado incompleta uma obra colossal, da
qual escrevera apenas a letra. Teria se dado a queda de Lúcifer,
que teria roubado o poema divino, indo musicá-lo no inferno.
Tempos depois, ao apresentar ao senhor a obra conclusa, ele teria
pedido licença para a encenação. Após tanta insistência, o Senhor
teria criado o planeta Terra para que servisse de palco ao
espetáculo. O resultado, entretanto, não teria sido perfeito, como
é explicado numa linguagem metafórica e irônica:
94
Com efeito, há lugares em que o verso vai para a
direita e a música vai para a esquerda. Não falta quem
diga que nisso mesmo está a beleza da composição,
fugindo a monotonia, e assim explica o terceto do
Éden, a ária de Abel, os coros da guilhotina e da
escravidão. [DC, cap. IX]
95
onde o viver é reduzido a uma farsa do homem, o que se resume
em dissimulação.
Segundo KIERKEGAARD (apud JOVILET, 1962, p.21):
O existencialismo nunca poderá ser uma teoria como
outra qualquer, porque a existência não é, em si,
susceptível de teoria. O existencialismo, para
Kierkegaard, é apenas a expressão da sua própria vida
e a única coisa de geral ou de universal que contém é
a exortação que a todos nos dirige para que nos
tornemos cristãos. A natureza deste existencialismo só
poderá portanto ser definida em função das condições
que são requeridas por um existir autêntico - existir
que se deverá iniciar e intensificar seguidamente, por
meio de uma reflexão capaz de fazer, de uma
existência vivida, uma existência desejada e pensada.
Essas condições podem reduzir-se a três: a
necessidade do compromisso, o primado da
subjetividade e a prova da angústia e do desespero.
Na visão desse filósofo, é característica própria do ser
humano sentir obrigação de elaborar uma opção livre. Por essa
reflexão, o eu se torna sujeito, conquista a liberdade, que pode se
tornar aventura ou risco. A partir do momento em que o ser
humano toma consciência de si e do mundo, passa a ser
confrontado por sentimentos como: angústia, náusea e ansiedade.
É por meio da angústia, que o homem desperta para a nostalgia
da libertação. Com efeito, a angústia reforça o sentimento de
existência. Kierkegaard acredita que é no sofrimento, mais que na
alegria, que o homem toma consciência de si.
O fato de compreender suas limitações deveria fazer com
que o ser humano entendesse a realidade tal qual ela é,
entretanto, isso não ocorreu com o narrador-personagem de DOM
CASMURRO:
96
É bem, qualquer que seja a solução, uma coisa fica, e
é suma das sumas, ou resto dos restos, a saber, que a
minha primeira amiga e o meu maior amigo, tão
extremosos ambos e tão queridos também, quis o
destino que acabassem juntando-se e enganando-me.
A terra lhes seja leve! [DC, cap. CXLVIII]
No mundo moderno, o homem não está mais ligado aos
deuses, mas, possui o livre arbítrio para mudar o seu destino.
Porém, em DOM CASMURRO, o narrador-personagem, por estar
envolvido diretamente na ação, deveria apresentar provas
contundentes da traição da esposa, o que não acontece no
decorrer da narrativa, já que esse herói apresenta características
tendenciosas e propensas ao erro trágico:
Na Literatura Brasileira, Machado de Assis é o escritor que
melhor representa o espírito trágico. Expõe em DOM CASMURRO,
uma visão moderna do trágico em forma de romance. O
autorficcional apresenta elementos que conciliam o peso sacrificial
da destinação antiga, a desconfiança angustiante e moderna de
Othelo e as formas contemporâneas da narrativa de ficção.
O enredo que envolve Capitu e Bentinho pode ser
compreendido como uma recriação dos conflitos encenados pelos
antigos heróis das tragédias. O caráter dúbio do enredo, a
construção do erro trágico, os jogos de sedução entre Bentinho e
Capitu, as falas ambígüas do narrador e a força do destino, no
desenrolar diegético, formam uma unidade no romance, no qual o
enigma prevalece:
Antes de concluir este capítulo, fui à janela indagar da
noite porque razão os sonhos hão de ser assim tão
tênues que se esgarçam ao menor abrir de olhos ou
voltar de corpos, e não continuam mais. [DC, cap.
LXIV]
A narrativa casmurra é a retrospectiva da vida do próprio
narrador, Bentinho, a quem é atribuída, ficticiamente, a arquitetura
do romance. Com efeito, toda a responsabilidade de narrar fica por
conta desse narrador autodiegético que, desprovido da onisciência
97
do narrador de terceira pessoa, fornece-nos uma visão oblíqua ,
como já dissemos, por toda a dissertação. Por essa visão oblíqua,
ele tenta persuadir o leitor e a si mesmo da traição. O resultado é
a construção do erro trágico, o que causa a tragicidade do viver,
porque o narrador constrói um discurso dissimulado, dos com
lapsos de uma memória imaginativa.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
98
Esta dissertação se propôs a interpretar a dúvida, desde a
concepção clássica à modernidade, a partir de sua função estrutural
na narrativa DOM CASMURRO. Apresentou os elementos estéticos
que interagiram em sua construção artística, a metáfora e a ironia,
procedimentos que ajudaram a construir o erro trágico do narrador-
personagem Bentinho na intriga da casmurrice.
No primeiro capítulo, A construção do erro trágico,
mostramos que, desde a Antigüidade, a metáfora tinha o papel de
construir enigmas no discurso.Também apontamos que,na
modernidade, a metáfora, além de ser vista como figura de
linguagem,
é reconhecida com uma maneira de dizer mais, de inovar
significados, que fogem do vocábulo isolado, abrangem o contexto.
Em Dom Casmurro, a metáfora colaborou na construção do
erro trágico. Como a interpretação dos fatos exigiu de Bentinho
um trabalho de imaginação, ele recorre às metáforas para construir
um discurso oblíquo, criando a ambigüidade e arquitetando o erro
trágico. Desse modo, construiu sua própria desgraça, pois
confundiu-a com os desígnios do destino. Com efeito, foi pela
verossimilhança, gerada pela coerência dos fatos, que a narrativa
casmurra se construiu como um todo coerente,não importando se o
que se narra é verdade ou mentira.
A ironia, desde Platão, tem uma conotação negativa.
Expressa o contrário do que se quer dizer e, geralmente, está
relacionada ao humor. Porém, com o surgimento do romantismo,
ela ganhou novas concepções, aparecendo como elemento do
processo criador, como inovação da obra de arte.
Em DOM CASMURRO, a intelegibilidade suscitada pela
ironia tornou-se um jogo apurado pelo fato de ela exercer um
desvio no discurso. Um desvio às vezes imperceptível, uma
pequena torção na linguagem. Assim, a ironia criou uma mini-
dialética entre o implícito e o explicito, entre o texto e o contexto,
99
instalou a simulação, a duplicidade, o conflito de linguagem e
permitiu a construção da dúvida de Bentinho, o erro trágico.
Verificamos que ao longo da narrativa de DOM CASMURRO,
as metáforas sempre estiveram acopladas à ironia, surgindo como
metáforas irônicas. Foi desse modo, que o narrador construiu a
ambigüidade do romance e a forma sutil de retratar os problemas
sociais do final do século XIX. Seu objetivo era mostrar a
tragicidade da existência, provocar o efeito estético e inovar o
fazer literário.
O segundo capítulo, Tradição e Modernidade, mostra
que o herói trágico Casmurro não se apresentando nem bom nem
mau aproxima-se do sentido trágico grego e, ao construir uma
forma oblíqua de ver o mundo e sua amada, caí no infortúnio.
Mesmo sem existir a concretização da morte do herói, a situação
de Bentinho é digna tanto de temor quanto de compaixão. Bentinho
é inserido na trajetória da dúvida que o perseguirá por todo o
romance. Ele cai em desgraça, porque comete um erro: sua forma
oblíqua de ver a realidade. Enganando-se e nos enganando, ele
tece a tragicidade do romance.
O erro trágico em DOM CASMURRO deve-se a uma falha
humana de compreensão. O narrador autodiegético busca o
convencimento do leitor, o que implica em seu próprio
convencimento. Nas tragédias clássicas, o herói errava e tinha
que pagar por seus erros, existia a punição, a reviravolta das
ações, porque o herói tinha que cumprir seu destino. Com o
advento do cristianismo e o aparecimento do livre arbítrio, o
destino não é mais transcendente e não depende dos deuses,
porém está implícito no caráter do herói. Por isso, na tragédia
moderna, as personagens, de maneira geral, exemplificam a
questão da crise de identidade e falam da sensação de viver neste
mundo conturbado.
Em DOM CASMURRO, o herói trágico erra, porém não é
mais punido por seus erros, não há reviravolta das ações, porque
há o perdão. Bentinho é um herói moderno, um indivíduo solitário,
100
desprovido da convivência dos deuses gregos, abandonado a mais
absoluta fragilidade . Sendo um ser inseguro e com grande poder
de imaginação, ele comete um engano, constrói a dúvida ( o erro
trágico) e mergulha no saber trágico.
Há no romance machadiano, uma visão moderna do
trágico. O autor ficcional apresenta elementos que conciliam o
peso sacrificial da destinação antiga e a desconfiança
angustiante de Othelo com as formas contemporâneas da
narrativa de ficção.
No terceiro capítulo, A dupla função erro trágico,
tratamos da tragicidade do viver e da catarse aristotélica e seu
efeito estético. Mostramos que a linguagem literária, desde a
Antigüidade, é responsável pelo estabelecimento de relações
inéditas entre o leitor e o código verbal.
Em DOM CASMURRO, os procedimentos artísticos adotados
despertam sentimentos no leitor, com o intuito de purificar os
espíritos, atingir o prazer estético e, através disso, melhorá-lo
como ser humano. E é pela linguagem ornamentada que o narrador
casmurro cria o efeito estético, que também é catártico, ou seja, a
construção literária do romance é o elemento que toca a alma do
leitor, propiciando o alívio das tensões.
Bentinho, ao atar as duas pontas da vida, reencontra-se
com o tempo perdido. Isso não consiste apenas em um ato de
memória ou de lembrança, mas é um esforço de recordação em
busca da verdade, resultando em um saber trágico, que percorre
todo o romance. Entretanto, podemos dizer que o narrador
casmurro não encontra nenhum prazer verdadeiro, só consegue
enxergar a vida através do olhar oblíquo, que constrói a
tragicidade do viver.
O autor ficcional de DOM CASMURRO tentou buscar um
sentido para sua vida sem sentido, porém, ao apoiar-se na
angústia,na forma amargurada de ver o mundo e as pessoas,
construiu o erro trágico. Ele deixou de lado a peripécia, como
101
acontecia nas tragédias clássicas, para enfatizar uma reflexão
pessimista da existência, típica dos filósofos existencialistas.
102
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