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Laura Eugenia Araya Jiménez
Projeto de Pesquisa:
A interação comunicativa de grupos com interesses diferentes
constituída em uma ação socialmente responsável.
Estudo de caso do relacionamento da Companhia Energética de Minas Gerais-
CEMIG (Brasil), com as comunidades atingidas pela construção da Usina de
Irapé.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
graduação em Comunicação Social da Faculdade de
Filosofia e Ciências Humanas da Universidade
Federal de Minas Gerais, como requisito parcial para
a obtenção do Título de Mestre em Comunicação
Social.
Área de concentração: Comunicação e Práticas
Sociais
Orientadora: Profa. Dra. Maria do Carmo Reis.
Belo Horizonte, Minas Gerais
FAFICH-UFMG
Junho, 2007
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Ésta disertación - tesis - pertenece a Dios, y está dedicada a mis padres: Cecilia Jiménez
Vega y Fernando Araya Sánchez; por que por ellos soy quien soy, y por ser quien soy, es esta
visión del mundo. ¡Gracias!
Agradecimentos
Um projeto que nasceu de um sonho que achava simples, mas que agora ao chega ao
final, e não poderia deixar de agradecer ou lembrar às pessoas e organizações que me
ajudaram a materializar esse sonho, que foram partícipes, testemunhas, inspiradores e
seguidores do desenrolar de um processo, que vai além do apresentado no presente texto. Foi
um processo de crescimento pessoal, de me perder e encontrar, de descobrir o mundo nos
outros. São todas essas pessoas a quem agradeço por ser parte dessa rica experiência.
Obrigada!
Agradecimento aos apoiadores e financiadores das bolsas que tornaram possível a
minha estadia no Brasil para o desenvolvimento do projeto de pesquisa, nomeadamente à
CAPES Brasil pelo apoio através do Programa de Estudantes-Convênio de Pós-Graduação
PEC-PG; e a o Programa de Bolsas para América Latina LASPAU da Organização de Estados
Americanos (OEA) pelas orientações e acompanhamento durante a bolsa complementar.
Agradecimento especial à Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e ao
Programa de Pós-graduação em Comunicação Social da FAFICH, com particular atenção e
carinho a minha orientadora Prof. Dra. Maria do Carmo Reis, por ter aceitado o desafio de me
guiar durante esta jornada de pesquisa e crescimento acadêmico com todos os desafios que
implica o acompanhamento de um estudante estrangeiro. Obrigada pelas luzes nos momentos
certos.
Quero agradecer à CEMIG por me oferecer um espaço para o estudo do fenômeno
escolhido como objeto de pesquisa, de maneira especial à Superintendência de Comunicação
Social e Relacionamento, a Terezinha Crêspo pelas orientações brindadas desde o inicio; à
equipe do Projeto de Irapé, com especial carinho à Marcelo Micherif e Victor Alusio pelo
acompanhamento e apoio. E finalmente a todos os membros da empresa que estiveram à
disposição.
De maneira especial agradeço a todos e cada um dos moradores das comunidades
reassentadas de Irapé que me atenderam, receberam, e abriram não só seus lares, mas também
seus corações, compartilhando suas historias, medos e expectativas, que me permitiram
conhecer a seu ponto de vista num lugar que batizei como ‘o inicio do mundo’. Peixe Cru e
Santa Cruz: vocês ficaram para sempre no meu coração. Obrigada!
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Finalmente agradeço a todas as pessoas que tiveram qualquer participação no meu
processo de estudo, grande ou pequeno, cada grão de areia foi vital para chegar até aqui. A
meu contra - mestre Dudinha por me fazer lembrar que ‘eu posso’, que eu tenho a força e meu
limite sou eu mesma, sem me esquecer da disciplina. A meus irmãos por acreditar em mim, a
Mônica e Dina por ter sido meus anjinhos o tempo todo, a Loide por ser companheira e ter me
agüentado na última fase da minha dissertação. Abu por ter me dado a força e perseverança.
Finalmente a todos os que passaram por esta historia. Ela é parte de vocês também. A vocês
meu tributo e carinho.
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“Como sou imperfeito e preciso da tolerância e da bondade dos outros,
também devo tolerar os defeitos do mundo até que possa achar o segredo
que me permita dar remédio” - Mahatma Gandhi-
Jesus sabia que:
“pretender ser dono da verdade pode ter efeitos profundamente negativos,
porque, apesar das nossas boas intenções,
podemos estar sinceramente errados” – Jesus.
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Resumo
A interação comunicativa de grupos com interesses diferentes constituída
em uma ação socialmente responsável.
Estudo de caso do relacionamento da Companhia Energética de Minas Gerais-CEMIG
(Brasil), com as comunidades atingidas pela construção da Usina de Irapé.
Laura Eugenia Araya Jiménez
A presente pesquisa se desenvolve num contexto de reflexão sobre a suas ações a sua atuação
no âmbito social por parte das empresas públicas e privadas, em procura do cumprimento dos
princípios do desenvolvimento sustentável. Decorrente dessa compreensão surge o que hoje é
identificado como Cidadania Corporativa ou Responsabilidade Social. Paralelamente, as
organizações empresariais, passam a reconhecer a necessidade de se relacionar com os
stakeholders numa perspectiva de diálogo e interação direta, e participar ativamente da vida
social em co-responsabilidade com o meio no qual se insere. A partir do reconhecimento
desse fenômeno, a presente pesquisa procura entender melhor como esse relacionamento
acontece, e em que medida a interação comunicativa dota, ao relacionamento, de
características de uma atuação socialmente responsável. Este trabalho serve-se de uma
investigação qualitativa de base empírica que, com o auxílio da Grounded Theory, estudou o
processo de relacionamento da Companhia Energética de Minas Gerais – CEMIG – com as
comunidades atingidas pela Usina de Irapé, no Vale de Jequitinhonha. A partir da análise das
interações comunicativas, e tendo como objetivo saber em que medida a comunicação
contribuiu para que o processo interativo aconteça, e possa conter características de uma ação
socialmente responsável, a pesquisa consegue perceber como é a comunicação a viabilizadora
do relacionamento empresa-comunidade, onde a procura do diálogo – ainda que fortemente
assimétrico – é uma característica de responsabilidade social. A análise esta apoiada no
paradigma praxiológico de comunicação excelente de QUÉRÉ, e toma-se como referência
conceitual as perspectivas da teoria dos stakeholders e os modelos de comunicação de
GRUNIG, da área de estudos da comunicação das organizações para estudar o processo de
interação comunicativa. Para a analise das características de cidadania empresarial, utiliza-se
a definição teórica do Instituto Ethos. Espera-se, com a pesquisa, contribuir para na discussão
sobre a responsabilidade social como sendo de natureza comunicacional, e ao campo da
Comunicação no que se refere à sua caracterização enquanto um campo que faz interface com
os Estudos Organizacionais, considerando a falta de pesquisas de base empírica no estudo das
interações sociais das organizações empresariais.
Palavras Chave: cidadania empresarial, responsabilidade social das organizações,
comunicação organizacional, Grounded Theory, estudo de caso, CEMIG, Irapé.
6
Resumen
La interacción comunicativa de grupos con intereses diferentes, constituida
en una acción socialmente responsable.
Estudio de caso de la relación de la Compañía Energética de Minas Gerais – CEMIG
(Brasil), con las comunidades afectadas por la construcción de la Usina de Irapé.
Laura Eugenia Araya Jiménez
La presente investigación se desarrolla en un contexto de reflexión sobre sus acciones
y su actuación en el ámbito social por parte de las empresas públicas y privadas, en busca del
cumplimiento de los principios del desarrollo sustentable. Resultado de esa comprensión
surge la Ciudadanía Corporativa o también conocida como Responsabilidad Social
Empresarial. Paralelamente, las organizaciones empresariales, pasan a reconocer la necesidad
de relacionarse con los stakeholders desde una perspectiva de diálogo y de interacción directa,
y así participar activamente de la vida social en co-responsabilidad con el medio en el que se
inserta. A partir del reconocimiento de ese fenómeno, la presente investigación busca
entender mejor cómo esa relación se da, y en qué medida la interacción comunicativa dota a la
relación, de características de una actuación socialmente responsable. Este trabajo se sirve de
una investigación cualitativa de base empírica que, con ayuda de la Grounded Theory, estudia
la relación de la Compañía Energética de Minas Gerais – CEMIG – con las comunidades
afectadas por la construcción de la Usina de Irapé, en el Valle de Jequitinhonha (Minas
Gerais, Brasil). A partir del análisis de las interacciones comunicativas, y con el objetivo de
saber en qué medida la comunicación facilita el proceso interactivo, con características de una
acción socialmente responsable, la investigación consigue entender como la comunicación es
la viabilizadora de la relación empresa-comunidades, a partir del diálogo – aunque
fuertemente asimétrico -, que se caracteriza como una acción de ciudadanía empresarial. El
análisis está apoyado en el paradigma praxiológico de la comunicación de QUÉRÉ, y utiliza
como referencia las perspectivas de la Teoría de los Stakeholders y de los modelos de la
comunicación excelente de GRUNIG, del área de estudio de la comunicación de las
organizaciones, para estudiar el proceso de interacción comunicativa. Para el análisis de las
características de ciudadanía empresarial, se utiliza la definición teórica del Instituto Ethos. Se
espera con la presente investigación, contribuir en la discusión acerca de cómo la
responsabilidad social, su naturaleza comunicacional, y al área de estudios de la
Comunicación de las Organizaciones de investigaciones de base empírica.
Palabras Clave: ciudadanía empresarial, responsabilidad social de las organizaciones,
comunicación de las organizaciones, Grounded Theory, estudio de caso, CEMIG, Irapé.
7
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Imagem 1- Mapa de sujeitos no relacionamento com a Cemig no projeto da Usina de
Irapé..111
Imagem 2 e 3 - Observa-se a relação do comunicador com o membro da comunidade e em
relação à Cemig – dentro na linha de pontos o comunicador.................................................150
Foto 1 – Vistas do Rio Jequitinhonha, Vale do Jequitinhonha.................................................73
Foto 2 - Área da lagoa do reservatório antes do enchimento..................................................74
Foto 3 – Lagoa do reservatório em processo de enchimento...................................................75
Foto 4 – Vista panorâmica da Barragem de Irapé....................................................................76
Foto 5 – A Barragem de Irapé de 208 metros de altura...........................................................76
Foto 6 – Vista da Vila Santa Cruz............................................................................................80
Foto 7 – Vista da Vila Santa Cruz............................................................................................80
Foto 8 – Casa construída pela CEMIG na Fazenda de Santa Maria, reassentamento..............81
Foto 9 – Vista do reassentamento do Novo Peixe Cru, estrutura de povoado construído pela
CEMIG.....................................................................................................................................82
Foto 10 – Vista do reassentamento do Novo Peixe Cru, estrutura de povoado construído pela
CEMIG.....................................................................................................................................83
Foto 11- Moradia de D. Luisa, Peixe Cru Velho.....................................................................83
Foto 12- Moradia construída pela CEMIG, de D. Luisa, Peixe Cru Novo..............................84
Foto 13 – Igreja Bom Jesus, reconstruída no Novo Peixe Cru a partir no modelo original, com
os mesmo materiais...................................................................................................................84
Foto 14 – Placa de inauguração da Comunidade Peixe Cru.....................................................85
Foto 15 e 16 – Antigas moradias dos reassentados no local de origem....................................93
8
Foto17 e 18 - Novas moradias construídas pela Cemig: Fazenda Santa Cruz e Comunidade
Peixe Cru..............................................................................................................................93
Foto 19 – Comissão de Atingidos da Usina de Irapé na sede da Cemig...........................102
Mapa 1 – Localização da Usina de Irapé no Estado de Minas Gerais................................66
Mapa 2 – Municípios atingidos pela Construção da Usina de Irapé...................................73
9
LISTA DE QUADROS
Quadro 1- Comparativo dos três momentos do processo de comunicação no relacionamento
CEMIG – comunidades atingidas pela Usina de Irapé...........................................................112
Quadro 2 - Linha temporal do processo de comunicação: produtos e ações específicas.......120
Quadro 3 - Depoimentos sobre satisfação do relacionamento Cemig – Comunidades: Santa
Maria vs. Novo Peixe Cru......................................................................................................138
10
LISTA DE GRÁFICOS E TABELAS
Gráfico 1 - Comportamento Temporal do volumem de matérias publicadas no Informativo de
Irapé.......................................................................................................................................170
Gráfico 2 - Tendência Temporal de matérias relacionadas ao Processo de Relacionamento
com as Comunidades.............................................................................................................172
Tabela 1 – Tipos de estudos publicados pelo Instituto ETHOS..............................................38
Tabela 2 - Comunidades reassentadas com número de famílias.............................................71
Tabela 3 - Número e porcentagem de matérias publicadas de 2003 até 2006, por categorias
segundo o conteúdo...............................................................................................................171
11
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO..................................................................................................................13
2. REVISÃO DE LITERATURA...........................................................................................19
2.1.A interação comunicativa..................................................................................................19
2.2.Os sujeitos na interação comunicativa...............................................................................24
2.3. A comunicação das organizações......................................................................................26
2.4.Quatro modelos de relacionamento empresa-stakeholders: a perspectiva teórica de
Grunig.......................................................................................................................................30
2.5.A cidadania corporativa enquanto processo de interação comunicativa............................35
3. METODOLOGIA.................................................................................................................45
3.1. As técnicas de coleta de dados utilizadas..........................................................................51
3.1.1. Observação..........................................................................................................51
3.1.2. Entrevista.............................................................................................................54
3.1.3. Grupo Focal.........................................................................................................57
3.1.4. Análise de documentos........................................................................................61
4. O CASO: A INTERAÇÃO COMUNICATIVA DA CEMIG COM AS COMUNIDADES
ATINGIDAS PELA CONSTRUÇÃO DA USINA DE IRAPÉ...............................................65
4.1. O cenário do relacionamento: o Vale do Jequitinhonha e a Usina Hidrelétrica de
Irapé..........................................................................................................................................65
4.2. Duas das comunidades interlocutoras da Cemig: Peixe Crú e Santa Maria......................79
4.3. As regras do jogo: o marco legal normativo do relacionamento.......................................85
4.3.1. O Termo de Acordo: o resultado formal da negociação de interesses................87
12
4.4. Os agentes do relacionamento: quem participou da interlocução.....................................93
4.5. A interação comunicativa: estrategia de relacionamento................................................104
5. ANÁLISE DE DADOS......................................................................................................121
5.1. A interação comunicativa no caso de Irapé.....................................................................121
5.1.1.O Contexto comunicativo..................................................................................122
5.1.2. Os sujeitos.........................................................................................................131
5.1.3. O Processo de comunicação.............................................................................153
5.1.4. O conteúdo de comunicação............................................................................169
6. CONCLUSÕES..................................................................................................................177
6.1. Da comunicação como facilitadora da interação entre grupos com interesses
divergentes..............................................................................................................................177
6.2. Do processo de comunicação no relacionamento Cemig-comunidades, enquanto ação
socialmente responsável..........................................................................................................185
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................................188
Anexo 1: Roteiros de Entrevistas na Cemig...........................................................................197
Anexo 2. Diagramas de venn..................................................................................................199
Anexo 3. A cemig enquanto empresa cidadã: histórico..........................................................209
13
CAPÍTULO 1. INTRODUÇÃO
Como Costarriquenha que sou, questões associadas aos cenários sociais dos paises de
América Latina, sempre foram alvo de minhas preocupações. Como profissional de
Comunicação, sempre busquei entender como a Comunicação pode, de alguma maneira,
contribuir para mudanças nesse quadro. De certa maneira, este trabalho expressa a junção
desses meus dois interesses.
Nas últimas décadas e, em especial, nas duas últimas, tem-se desenvolvido
mundialmente uma tendência das organizações empresariais começarem a desenvolver uma
série de práticas interativas com a sociedade que não têm a ver diretamente com o seu
processo produtivo. São práticas de relacionamento que demonstram algum grau de
preocupação dessas organizações com o que ocorre nos contextos sociais nos quais está
inserida e dos quais participa. Essas práticas, inicialmente identificadas, no seu conjunto,
como sendo de ‘responsabilidade social’, com o tempo e os vários olhares analíticos, (NETO
& FROES, 2001; PRADO et al, 2004; BICALHO, 2003; CARIBÉ, 1997; ETHOS, 2005;
KUNSCH, 1996, GOMES, 2003); vieram a ser caracterizadas, na sua versão mais radical e
contemporânea, como de cidadania corporativa (NETO & FROES, 2001). Grosso modo,
cidadania corporativa é o exercício de um comportamento cidadão por parte das organizações
empresariais; como o exercício da cidadania para os indivíduos, supõe o exercício de direitos
e deveres. Por exemplo, tanto faz parte desse conjunto de práticas o pagar salários decentes
aos seus funcionários e a adoção de um comportamento de desenvolvimento sustentável
quanto o patrocínio de uma ONG ou o exercício de práticas voluntárias na comunidade.
De certa maneira, a cidadania corporativa pode ser caracterizada como uma resposta
contemporânea à questão: é um dever das organizações empresariais relacionar-se com a
sociedade de uma maneira mais ampla e responsável do que apenas desempenhando seu papel
produtivo e cumprindo as leis?
14
A cidadania corporativa é uma postura ética que leva às organizações que a adotam a
uma atuação socialmente responsável, consciente e intencional que pode incluir, mas vai além
dos interesses comerciais, econômicos e mercadológicos da organização. A cidadania
corporativa tem a ver com a conscientização da organização de que ela, tanto quanto os
indivíduos, é uma cidadã responsável pelos problemas da sociedade em que se insere. Nesse
sentido, ela é contextualmente sensitiva. Na Europa, por exemplo, a cidadania corporativa tem
a ver com temas como o desenvolvimento sustentável, a emissão de gases poluentes e
conseqüente diminuição da camada de ozônio, os alimentos geneticamente modificados. No
Brasil e nos países em desenvolvimento, em geral, a cidadania corporativa vai mais na linha
de co-responsabilização, juntamente com os governos e a sociedade civil organizada, pela
busca de solução para os problemas sociais e ambientais vivenciadas por aquela dada
sociedade em que está inserida.
A existência de ‘empresas cidadãs’ no Brasil é conseqüência do contexto social,
político e econômico da contemporaneidade, em que o Brasil também está inserido, que
estimulou mudanças tanto nas relações comerciais e institucionais das organizações, quanto
na concepção do papel do Estado e de suas fronteiras. Esse novo contexto expôs, não só no
Brasil, mas em todo mundo, a debilidade do Estado como protetor social, a existência de
grandes populações excluídas, a pobreza, o desgaste ambiental e a desigualdade social.
Esse quadro revela, ente outras coisas, uma crise potencial, não só de financiamento,
mas também de solidariedade social em que se encontram as relações entre a indústria e o
Estado do “bem estar” social (CASTELLS, 2004).
Talvez, parcialmente em função disso, em especial nos países de terceiro mundo, cada
vez tem sido maior a pressão da sociedade civil organizada e dos mercados de consumo do
primeiro mundo para que o poder econômico-financeiro das empresas, muitas vezes superior
ao dos Estados, seja usado para auxiliar na modificação dessa situação de desequilíbrio social
15
e político (BARBERO, 2005, COSTA, 2004; DUPAS, 2001). Essa ação conjunta do mercado
e da sociedade civil tem forçado às empresas, de uma maneira geral, a um incremento de sua
atuação na dimensão social. Como BALDO e MANZANTE (2003) argumentam, juntamente
com o Estado, tanto as empresas públicas como as privadas, são agentes do processo de
desenvolvimento social.
Essa pressão pela co-responsabilização das organizações pelos problemas da
sociedade obrigou-as a avançarem com sua responsabilidade social para além do mero
cumprimento da legislação: essa responsabilização social teve de ganhar visibilidade no
âmbito das próprias atividades produtivas dessas organizações. Isso levou a que essas
empresas viessem não só a introduzir variáveis sociais nos seus critérios de gestão e
desenvolvimento (como, por exemplo, o uso de insumos reciclados, a coleta seletiva,
instrumentos participativos de gestão) como também ampliassem a visibilidade da sua
presença institucional no seio da sociedade. É nesse contexto que a cidadania corporativa
ganhou vida enquanto um tipo de prática específica de relacionamento das organizações com
a sociedade.
A cidadania corporativa torna-se um tema comunicacional quando analisada do ponto
de vista de ser busca e realização de interação e diálogo da organização com os seus
stakeholders
1
. É a interação comunicativa que deflagra e em parte condiciona e delimita a
ação socialmente responsável.
O presente trabalho de pesquisa procura a compreensão do processo de
relacionamento da Cemig com as comunidades atingidas pela Usina de Irapé, a partir da
análise das interações comunicativas que se estabelecem entre a empresa e as comunidades,
1
Os stakeholders são pessoas ou grupos que estão lincadas (linked, que é mais do que apenas ligadas) a uma
organização com interesses recíprocos entre ambas partes. Quem tem um ‘link’ com a organização, tem um
‘stake’ com ela, e faz uma aposta nela, o que se pode entender como uma quota nela aplicada. Um ‘stakeholder’,
por tanto é “qualquer individuo ou grupo que pode afetar a organização ou ser afetada por suas ações, decisões,
políticas, práticas ou resultados” (CARROLL , 1989; FREEMAN, 1984 apud KUNSCH, 1997:119; FOSTER e
JONKER, 2005, ARGANDOÑA, 1998).
16
procurando saber em que medida esse processo de interação comunicativa contribui para
dotar esse relacionamento de características de atuação socialmente responsável. A pesquisa
está inserida na linha dos estudos de comunicação organizacional que tratam a comunicação a
partir de sua dimensão constitutiva, em contraposição àqueles que referem-se apenas à sua
dimensão instrumental.
A questão que nos orienta, neste estudo, é buscar compreender especificamente, em
que medida a comunicação contribui para que um processo interativo entre grupos com
interesses divergentes possa dotar esse relacionamento de características de uma ação de
cidadania corporativa. A pesquisa tem como objetivos específicos: (1) estudar e caracterizar
os processos e práticas de comunicação no relacionamento CEMIG - comunidades de Irapé
como elementos viabilizadores da interação significativa entre a empresa e as comunidades
atingidas; e (2) analisar em que a interação comunicativa dota ao relacionamento de
características de uma atuação socialmente responsável.
A partir de um estudo de caso de base empírica, a pesquisa serve-se de recursos
teórico-analíticos do campo da comunicação social que tratam a Comunicação, mais
amplamente, como constitutiva de processos sociais (BRAGA, 2001) e, portanto, de
processos organizacionais; entre eles, acredita-se, as práticas de cidadania corporativa. Isso
significa buscar compreender a comunicação a partir de práticas e padrões interlocutivos que
constituem e instituem as organizações (REIS, 2004). Quer dizer, concebê-la como sistemas
de interação entre sujeitos (mesmo que institucionais) que, em interação com outros sujeitos,
contextualizadamente se envolvem em processos de construção e negociação de significados e
de criação e recriação de uma ordem social.
A CEMIG, alvo deste estudo de caso, é uma empresa pública estatal que detém o
monopólio para produção e distribuição de energia elétrica para o estado de Minas Gerais e é
referência nacional em termos de competência na sua área de atuação. A produção de energia
17
elétrica de base hidráulica ainda é a principal fonte da energia distribuída e comercializada
pela CEMIG. A usina de Irapé, cenário fomentador da prática de cidadania investigada, à
época deste estudo de caso, ainda em construção pela CEMIG e, atualmente, pronta, é a maior
usina já construída pela Cemig. Quando em pleno funcionamento, terá uma capacidade
instalada de 360 MW; que é energia suficiente para abastecer um milhão de pessoas. É o
maior empreendimento da empresa na atualidade e o mais importante empreendimento
comercial já realizado no Vale do Jequitinhonha, a região mais pobre do estado de Minas
Gerais.
Para buscarmos responder à nossa questão de pesquisa, buscamos suporte teórico, no
campo da Comunicação, mais amplamente, em BRAGA (2001, 2004, 2005) e, mais
especificamente, sobre a perspectiva praxiológica da Comunicação, nos trabalhos de QUÉRÉ
(1991) e FRANÇA, (2003). Tomando, na linha desses autores, a Comunicação enquanto
processo de interação social para a produção de significados, apropriamo-nos das perspectivas
teóricas específicas da área de estudo da comunicação das organizações, com destaque para os
estudos de GRUNIG e HUNT (1992). Na questão da responsabilidade social, tomamos como
referência o conceito desenvolvido pelo Instituto Ethos (site de referência), referência
brasileira na área.
Fazendo analogia com a conhecida metáfora de forma e fundo tal como utilizada por
BRAGA (2004), a proposta desta investigação é tomar como forma os processos e práticas
comunicativos e como fundo a prática de cidadania corporativa da CEMIG, entendida como a
atuação da organização num contexto específico de relacionamento. A escolha da metáfora de
forma e fundo para explicar o que se pretende com este trabalho dar visibilidade ao exercício
pretendido de transformar em fundo o que, à primeira vista, realça como forma, já que, na
maioria dos estudos sobre cidadania corporativa os estudos sobre a Comunicação têm caráter
secundário no processo investigativo.
18
Para tal, a investigação deu-se dentro dos parâmetros de um estudo de caso (YIN,
2001), tendo sido subsidiada pelos princípios da Grounded Theory
2
(GLASER & STRAUSS,
1967). Os dados coletados foram analisados em quatro categorias gerais de comunicação: (1)
‘contexto comunicativo’, que procura entender onde acontece a interação, sob quais
circunstancias, com que objetivo(s), e identificar a existência de conflito; (2) a segunda
categoria, os ‘sujeitos’, procura identificar quem está envolvido no processo (quem são os
interlocutores principais, as vozes mediadoras externas e os agentes comunicativos
institucionais); (3) a terceira categoria, ‘processo de comunicação’, diz respeito a como
acontece o processo de comunicação; (4) ‘conteúdo de Comunicação’, diz respeito ao
conteúdo das práticas e discursos comunicativos.
Este trabalho é constituído de seis capítulos. No primeiro, a Introdução, é apresentada
a proposta de investigação, a questão de pesquisa e desenhado o contexto da pesquisa; no
segundo, onde é feita a revisão bibliográfica, busca-se explicitar as justificativas que
embasam a realização de tal pesquisa e caminha-se em direção à construção do objeto de
investigação. Nesse capítulo dois, é apresentado o estado da arte da literatura.
No capítulo três, é apresentado o referencial metodológico. O quarto capítulo, é o
relato descritivo do estudo de caso. Apresenta a empresa, o histórico de suas práticas de
atuação social e o processo construtivo do relacionamento da Cemig com as comunidades
atingidas pela construção da Usina de Irapé. O quinto capítulo é a análise dos dados e o sexto
contém as discussões finais e conclusões.
2
A Grounded Theory, enquanto metodologia de pesquisa, segundo Glaser & Strauss (1967:vii), nasceu de uma
mistura da formação acadêmica de ambos e de uma crença em comum –a de que se pode desenvolver teoria a
partir de dados empíricos. Segundo Strauss (1987), a Grounded Theory tem suas raízes filosóficas no
pragmatismo de John Dewey e sociológicas no interacionismo de George Mead e Herbert Blumer.
19
CAPÍTULO 2. REVISÃO DE LITERATURA
2.1. A interação comunicativa
Segundo BRAGA (2001), interação é uma serie de
processos simbólicos e práticos que, organizando trocas entre os seres humanos,
viabilizam as diversas ações e objetivos em que se vêem engajados [...]; toda e
qualquer atuação que solicita co-participação. Mas também o que decorre do esforço
humano de enfrentar as injunções do mundo e de desenvolver aquelas atuações para
seus objetivos – o próprio ‘estar em contato’, quer seja solidário quer seja conflitivo –
e provavelmente com dosagens variadas de ambos; por coordenação de esforços ou
por competição ou dominação. (BRAGA, 2001 apud COSTA, 2005)
Segundo o autor, a interação acontece com o fim de viabilizar objetivos. Nesse
processo de se relacionar, quando um desses objetivos é a comunicação, é necessário o
reposicionar os termos de relação para que ela se realize enquanto prática instauradora de
sentido. Segundo Maia e França (2003:3), os interlocutores, em um processo de interação
comunicativa, alteram a sua posição ao longo das relações estabelecidas, de forma contínua,
não homogênea, visando compartilhamento e produção de sentidos. Esse processo é marcado
pela situação de interação e pelo contexto socio-histórico. A ocorrência de diálogo, simétrico,
de acordo com Grunig (1992), nesse processo interativo, possibilita a caracterização da
interação comunicativa como socialmente responsável (KUNSCH, 1997; GRUNIG, 1992).
Organizações empresariais, para sobreviverem, também necessitam se engajar em
processos interativos visando produção de significado. São esses processos interativos que
viabilizam a organização e manutenção de seus processos produtivos, de sua inserção
comercial e institucional na sociedade.
A presença e a intervenção do outro e o papel da linguagem particularizam a
abordagem sob a perspectiva constitutiva, na qual a comunicação passa a ser tratada como
lugar da ação, da intervenção e da experiência mediadas pela linguagem, de constituidora e
organizadora dos sujeitos, da objetividade do mundo e da subjetividade/intersubjetividade dos
20
sujeitos, uma vez que é a intervenção dos sujeitos que faz emergir seus mundos partilhados ou
distintos (QUÉRÉ, 1991; DEETZ, 1998; BRAGA, 2001; FRANÇA, 2002a,c apud COSTA,
2005). Nesse sentido, segundo explica COSTA (2005)
A comunicação deixa de ser encarada como posterior aos fatos e às intenções – não
existe o mundo, de um lado, e a comunicação, do outro - e passa a ser vista como
lugar de constituição da estrutura social e dos valores de um determinado sistema. A
linguagem, por sua vez, deixa de ter o papel representativista (capaz de dizer o mundo
e substituí-lo por suas construções) para ser “parte integrante de realidades mesmas
que ela é capaz de descrever e relacionar” (COSTA, 2005).
Segundo Deetz (1998 apud COSTA, 2005), quando considerada do ponto de vista
constitutivo, a comunicação pode ser usada para explicar os fenômenos organizacionais em
vez de simplesmente ser considerada um fenômeno organizacional. A comunicação então é
entendida como processo, especificado por seus modos e objetivos sociais, resultante de
processos mais amplos de trocas simbólicas e de interações que determinam o que aí se faz.
Na tradição da perspectiva comunicacional informativa (eg, SHANNON &
WEAVER, 1949), as interações são dirigidas para o controle, a dominação e a manipulação;
no caso das organizações empresariais, diria-se, normalmente a favor dos interesses
corporativos. Nesse processo, explica Costa (2005), que é visto como neutro, transparente,
desprovido de ideologia (DEETZ, 1998, apud ibidem), o significado das mensagens já está
dado e pode ser reproduzido em qualquer contexto. A tomada de decisão é fechada e
excludente e procura neutralizar ou controlar as diferenças entre os participantes do processo.
Em contraposição ao modelo informacional anteriormente citado, o paradigma
praxiológico de comunicação proposto por Quéré (1991) aborda as relações sociais sob o
prisma de atividade conjugada dos agentes sociais através da qual um mundo comum, “um
espaço público e um campo prático são continuamente modelados e mantidos pela
participação de sujeitos pertencentes a sua mesma comunidade de linguagem e de ação, e que
dispõem de mediações simbólicas compartilhadas” (QUÉRÉ, 1991:1). O modelo praxiológico
21
trata as unidades sociais – indivíduo, organizações, nações – não mais como substâncias,
elementos, mas como “derivadas, relacionais e socialmente constituídas; elas são correlatas de
uma atividade organizante pré-intencional, realizada conjuntamente pelos agentes sociais no
seu comércio entre eles e com seu ambiente” (ibidem:16).
Quéré (1991) discute a diferença entre o modelo clássico informacional e o modelo
dialógico, praxiológico, a partir de cinco pontos: 1) a natureza da comunicação; 2) o papel da
comunicação; 3) a natureza dos sujeitos; 4) o papel da linguagem, e 5) relação comunicação e
vida social (FRANÇA, 2003).
Quando ele se refere à natureza da comunicação, ele quer dizer que é através da
experiência que os homens fazem do mundo o seu mundo, na dimensão social e simbólica
(FRANÇA, 2003:40). Sendo assim, é a natureza da comunicação que eles estabelecem entre
si, que faz com que essa comunicação deixe de pertencer à esfera do conhecimento e se insira
na esfera das ações, da intervenção e da experiência humana.
Quando ele se refere ao papel da comunicação, o segundo ponto, ele quer chamar a
atenção para o contraste entre a atribuição do papel instrumental da comunicação, no modelo
informacional; e o papel de constituição e de organização dos sujeitos, da subjetividade e da
intersubjetividade, da objetividade do mundo comum e compartilhado, no modelo
praxiológico.
Segundo Quéré, é na natureza dos sujeitos, o terceiro ponto, que está a distinção entre
os dois modelos: há, no primeiro modelo, o reconhecimento de um sujeito monológico, que
fala sem o outro, em contraste com o reconhecimento, no segundo modelo, de um sujeito
dialógico, que fala não apenas para o outro, mas com o outro. Esta visão distinta sobre a
postura dos sujeitos (monológico/dialógico) representa uma categoria de compreensão onde,
22
no modelo praxiológico, o sujeito é entendido enquanto construído na relação com o outro, no
espaço da diferença
3
(QUÉRÉ, 1991).
O quarto ponto, o papel da linguagem, faz referência à adoção, que o modelo
praxiológico faz, de uma concepção representativista da linguagem, que pretende dizer o
mundo e, na sua construção, substituí-lo. Assim, esse modelo substitui uma concepção
representativista por uma concepção expressiva e constitutiva da linguagem: “a linguagem
marca a objetivação de uma subjetividade – o caráter encarnado da expressão” (FRANÇA,
2003:42). A linguagem é parte integrante da construção social da realidade, serve para
formular as coisas e para articular a experiência; permite passar, de uma apreensão confusa,
pouco clara, ‘encarnada’ daquilo que somos, a uma visão na qual as coisas aparecem mais
claramente, onde os objetos e as pessoas são nitidamente individualizados, onde nossas
palavras e nossos atos adquirem contornos mais precisos, numa visão articulada do mundo e
de nós mesmos (QUÉRE, 1991:11). As práticas são constituídas pelas operações, gestos, e
rede de conceitos e de vocabulários de motivos que nos permitem articulá-los, torná-los
comunicáveis. A linguagem é parte essencial das realidades das quais ela fala.
Finalmente, o quinto ponto, da relação comunicação e vida social, no modelo
praxiológico, a comunicação se desveste de seu caráter instrumental, momento secundário ou
decorrente, posterior aos fatos e às intenções, e passa a ser vista como lugar de constituição,
momento fundando de vida coletiva; ‘ser e aparecer coincidem’. O que traduz ao primado da
realização em um espaço público: é por esta realização, mais do que pelos estados internos
que engendram supostamente as coisas, que estas são dotadas de identidade e de
individualidade, de significação e intencionalidade. Implica, para a comunicação, que o
3
Esse tipo de atividades de maneira coordenada que os parceiros [interlocutores] adotam uma perspectiva
comum para construir a relação segundo a qual eles serão momentaneamente presentes um para o outro, a fim de
transformar esta relação na medida exata do desenrolar da troca e para fazer emergir um mundo comum [...] se
eles tiram informação de suas trocas (fatos ou hipóteses que representam o mundo real) é devido a isso que eles
re-apropriam reflexivamente com as distinções que permitem a formulação discursiva da experiência, uma parte
daquilo que eles tornaram mutuamente manifesto em uma conversa sobre o mundo do “sentido encarnado”
(QUÉRÉ, 1991:11).
23
conteúdo mesmo daquilo que se tornou manifesto entre os parceiros não somente não é
completamente determinado antes da própria interação, mas também que não existe outra
‘realidade’ do que aquela que é configurada conjuntamente no espaço público, ao modo do
‘sentido encarnado’.
A abordagem praxiológica , a comunicação é tratada como lugar da constituição social
dos fenômenos, como meio no qual emergem e se mantêm os objetos e os sujeitos, os
indivíduos e as coletividades, o mundo comum e a sociedade. Essa abordagem
comunicacional se apresenta como uma alternativa crítica à tradição informacional (ou
epistemológica, como diz Quéré), e propõe uma outra concepção do conhecimento e da ação,
do mundo e da sociedade, do indivíduo e da sociabilidade em oposição à concepção
representacionista e cognitiva.
O modelo praxiológico relaciona a determinação das coisas, dos acontecimentos e das
pessoas às práticas de organização social. Tem como guarda chuva o interacionismo
simbólico de George Mead
4
, e a obra de Habermas
5
. Segundo França (2003), a dialogicidade
do mundo é a “palavra-chave” para o pensamento de Quéré (1991): “a dialogicidade inscrita
no ‘fazer social’ dos homens, a ação conjugada, a construção dos lugares-comuns pelos
homens” (FRANÇA, 2003: 44).
O paradigma da comunicação torna então possível uma abordagem internalista da
socialização das condutas e dos acontecimentos, no sentido de que aquilo que as pessoas
4
O interacionismo simbólico foi desenvolvido no início do século XX, mas foi colocado em segundo plano com
o desenvolvimento do funcionalismo. Agora, nos inícios do século XXI, ele está sendo retomado como base
teórica para o desenvolvimento das novas pesquisas na área das ciências sociais que pretendem explicar o
processo de construção da realidade social a partir das interações humanas.
5
Ele pretende transformar profundamente as premissas do raciocínio sociológico e reformular o quadro de
referência no qual são habitualmente tematizados os problemas de ordem meta-teóricos, aqueles que dizem
respeito às definições da ação social, da ordem social, da significação, da compreensão, da inteligibilidade, da
racionalidade, etc.; definições que são introduzidas na teorização e na análise de fenômenos particulares. No
paradigma da comunicação, estas unidades não são mais originais; elas são tampouco substâncias; elas são
derivadas, relacionais e socialmente constituídas; elas são correlatas de uma atividade organizante pré-
intencional, realizada conjuntamente pelos agentes sociais no seu comércio entre eles e com seu ambiente (a
construção social da realidade é inconsciente, e nós não temos consciência de por quais operações nós
constituímos experiências do mundo e dos outros).
24
dizem e fazem é socialmente produzido por uma atividade organizante dos agentes, que
relacionam os atos e as palavras com um ambiente familiar e supostamente conhecido. Nessa
perspectiva, o caráter social das ações e dos acontecimentos é uma realização coordenada; o
resultado de uma operação de socialização, no sentido de uma inscrição social, tanto em nível
da produção quanto da recepção.
2.2. Os sujeitos na interação comunicativa
Sob a perspectiva do modelo praxiológico, pode-se compreender então a CEMIG
como sujeito social (institucional) em constante interação com outros sujeitos sociais
(institucionais ou não), processo a partir do qual, constroem um mundo simbólico onde seja
viabilizados os objetivos corporativos e negociais. Esses sujeitos que interagem com a
organização, que afetam e são afetados pelas suas ações, segundo a teoria das organizações
(ARGANDOÑA, 1998; FOSTER E JONKER, 2005), são caracterizados como stakeholders .
O estudo do relacionamento de uma organização com os seus stakeholders é ainda um
desafio no campo acadêmico da comunicação organizacional, sendo que pouco se sabe sobre
como essas interações acontecem e os efeitos para os sujeitos envolvidos. Tradicionalmente, a
tendência, nesse tipo de estudos, é serem fundamentados pela perspectiva informacional da
comunicação, o leva ao não reconhecimento dos interlocutores enquanto sujeitos sociais.
Segundo um estudo de caso realizado por Foster e Jonker (2005) em uma empresa na
Austrália, buscando entender como uma organização se relaciona com os seus stakeholders,
chegou-se à conclusão, com base na Teoria da Ação Comunicativa de Habermas (1987), que a
comunicação viabiliza o relacionamento entre a organização e os stakeholders, ao possibilitar
o entendimento entre ambos sujeitos em interação, ligando-os em ações de comum acordo.
Foster e Jonker (2005) explicam que tradicionalmente muitas organizações
interpretaram o relacionamento com os stakeholders como uma forma de ‘administração’
25
(management) – leia-se controle -, com a tendência de organizar, estruturar e ‘manipular’ a
relação, acreditando que é essa a melhor maneira de interagir. As organizações que costumam
adotar essa tendência de relacionamento, tomam decisões por si só, baseadas nos seus
próprios interesses, para depois simplesmente informar a decisão aos stakeholders, através de
ações de monólogo. Essa dinâmica de uma-via (one-side) lembra a forma de controle proposta
pela perspectiva informacional da comunicação.
Pesquisas mais recentes têm revelado a busca que organizações fazem do feedback de
seus stakeholders para posterior tomada de decisões. Aparentemente, isso pode ser
compreendido como um processo interativo dialógico; de caráter comunicacional, segundo a
perspectiva de Quéré. Mas um olhar mais crítico sobre essas práticas, como o feito por Grunig
& Grunig (1992), revela que a base teórica fundante de tais práticas ainda é o modelo
informacional. Segundo Foster & Jonker (2005), essa prática revela um alto grau de persuasão
e controle por parte da organização, ainda que envolva uma comunicação de duas-vias no
processo de interação.
Em contraposição, outras organizações têm interpretado o relacionamento com os
stakeholders de forma diferente. Estas outras organizações tentam se envolver num
relacionamento de duas-vias (two-way) com seus stakeholders, onde são considerados os
interesses de ambas as partes envolvidas na tomada de decisões e, ainda que existam tensões
e, mesmo, conflitos, sempre se chega a um ponto de acordo e interesse comum. Isso não
implica que o objetivo central da organização seja ignorado; mas sim, que essa organização
tem a visão de que é necessário estabelecer processos de longo prazo com continuidade no
tempo (FOSTER e JONKER,2005).
Apesar de terem identificado que existem organizações que buscam uma interação
comunicativa dialógica com seus stakeholders, Bendell (2000) e Crane & Liversey (2003,
apud FOSTER e JONKER,2005:52) chamam a atenção para a falta de entendimento de como
26
esse processo acontece: que ações, métodos e responsabilidades se dão na interação
comunicativa com os stakeholders, e com que implicações na atuação da organização.
Baseados no modelo simétrico de duas mãos de Grunig & Grunig (1992) e Foster &
Jonker (2005:53) reconhecem o ‘dialogo simétrico’ como uma forma superior de
comunicação, que é mais do que a simples emissão de mensagens, mas o envolvimento dos
sujeitos de interação numa ‘conversação’ na qual a informação é resultante do intercambio e
conhecimento adquirido no processo de relacionamento. É mais do que o simples envio de
mensagens e resposta. É um processo no qual as partes são representadas de tal forma que é
possível persuadir e se deixar persuadir; um movimento essencial das partes no entendimento
da situação; do contexto da interação da qual são parte. A partir desse processo de
comunicação, se viabiliza uma negociação que gera a base de outros acordos para a solução
de um problema ou conflito.
2.3. A comunicação das organizações
Segundo Kunsch (1996, 1997) a partir da década de 1950, o Jornalismo e as Relações
Públicas já se configuravam no país como práticas profissionais reconhecidas em
conseqüência do acelerado crescimento industrial brasileiro formando, em conjunto, as bases
do que seria reconhecido mais tarde como comunicação organizacional. Segundo a autora, o
incremento real da comunicação organizacional, “só viria a ter lugar na década de 1960, com
a expansão dos departamentos de relações públicas e de relações industriais nas grandes
empresas multinacionais, que trouxeram suas experiências dos países de origem (KUNSCH,
1997:57)”.
Internacionalmente, segundo relata Putnam (1999), as primeiras práticas profissionais
de comunicação das organizações tiveram início bem mais cedo, com as pesquisas sobre elas
já se desenvolvendo a partir de 1920, seguindo o crescimento industrial e comercial das
27
empresas e da comunicação. Nesses primeiros estudos, a comunicação era tratada como uma
variável que influencia o indivíduo e a atuação da organização. Dominavam dois temas: 1) as
motivações dos indivíduos em serem mais eficientes na comunicação durante o seu trabalho e
2) os fsujeitos que caracterizam e potencializam a efetividade dos sistemas e redes de
comunicação das organizações (PUTNAM, 1999).
A partir de 1980, Putnam relata, as pesquisas voltam-se para investigar a conduta dos
indivíduos no interior das organizações, analisando a interação entre subordinados e
superiores, clima comunicacional, processamento da informação; em linha com os estudos
sociológicos voltados para a investigação das redes de comunicação, coordenação do trabalho
grupal, e a adoção e uso de novas tecnologias de comunicação.
No Brasil, a reabertura política dirige o interesse tanto das práticas de comunicação
organizacional quanto de sua investigação, para o relacionamento das empresas com a
sociedade. É “quando as empresas e instituições começaram a entender melhor a necessidade
de serem transparentes e que suas relações com a sociedade devem se dar pelas vias
democráticas” (KUNSCH, 1997). É no bojo desse ressurgir da democracia brasileira e do
conseqüente incremento das práticas comunicativas das organizações empresariais que
começam a se desenvolver no país as primeiras práticas de responsabilidade social das
organizações, ainda timidamente reconhecidas como tal.
Aprofundando-se na busca de conhecimento das organizações e suas dinâmicas
operativas, as pesquisas de comunicação organizacional no resto do mundo voltam-se para o
estudo das mensagens, informação, significados e atividade simbólica que constituem a
organização (PUTNAM, 1999). É nesse contexto que, no âmbito da sociedade, ganham
visibilidade e força as organizações da sociedade civil organizada, ligadas aos movimentos
ambientalistas. Essa frente de mobilização social atua fortemente chamando a atenção das
organizações para as suas responsabilidades ambientais para com a sociedade.
28
No Brasil, os estudos sobre a comunicação organizacional evoluem de aspectos de
comunicação administrativa, para uma visão muito mais ampla, compreendendo o clima e a
cultura organizacional, e a vinculação com a comunicação externa (KUNSCH, 1997:69). Mas
ainda é pouco o volume de produção científica em relação à produção de outros países -
Europa, Austrália e Estado Unidos. Ainda assim, é reconhecido o aumento na produção
científica, como resultado da atuação de grupos de trabalho da INTERCOM; no caso,
especificamente, o de comunicação organizacional. Nessa época, a responsabilidade social
das organizações, apesar de começar a se constituir como uma prática característica, ainda não
é alvo de interesse investigativo por parte dos comunicadores ou dos acadêmicos de
comunicação. Esse tema parece começar a se constituir alvo de investigação da comunicação
com o surgimento e fortalecimento das discussões sobre o terceiro setor, por volta dos anos 90
do século XX. Nesse contexto, os estudos sobre a responsabilidade social das organizações
empresariais ainda são minoria e só começam de fato a surgir após a criação do Instituto
Ethos de Responsabilidade Social e o fomento dessas pesquisas incentivado por ele. Apesar
disso, o volume e a expressão desses estudos ainda é de pouco abrangente.
Segundo Grunig (1993), as pesquisas acadêmicas na área de relações públicas e
comunicação das organizações têm avançado em três níveis de problemas de estudo em
questões que procuram identificar e caracterizar o relacionamento da organização com os seus
stakeholders. O primeiro é o micro (individual) que se refere ao planejamento e avaliação dos
programas de relações públicas dirigidos aos indivíduos. O segundo nível é o meso (grupal)
que se refere ao como os departamentos de relações públicas são organizados e administrados.
Finalmente o último nível, é o macro (do ambiente) que procura explicações para o
comportamento e relacionamentos com os stakeholders externos, e o papel das relações
públicas na eficácia organizacional. Apesar de não existirem indicações de como esse avanço
29
tem se dado no Brasil, grosso modo, a impressão que fica em uma rápida retrospectiva na
literatura especializada é de que o caminho tenha sido análogo.
Grunig, J. (1993) explica como os acadêmicos que começaram a estudar o papel das
relações públicas quebraram aos poucos a tradição midiática ou de comunicação de massa nas
pesquisas desenvolvidas, concentrando-se mais no que tem de público nas relações públicas e
reconhecendo as interações das organizações com os seus diversos stakeholders (comunidade,
governo, empregados, consumidores, grupos ativistas) como centrais para uma compreensão
do que seja a comunicação das organizações.
Apesar desse esforço, proporcionalmente ao conjunto da produção da área de
comunicação, esses estudos ainda são pouco numerosos e pouco se tem avançado na
compreensão de como acontece a interação entre a empresa e os seus stakeholders ou sobre o
papel da comunicação estratégica nesse processo de relacionamento. Grunig, nesse seu
estudo, também chama a atenção para o desafio da falta de teoria acadêmica que ajude a
estudar e compreender esse fenômeno: “Os elementos das teorias da comunicação de massa,
da opinião pública, e da administração estratégica, são relevantes para a teoria dos públicos,
mas nenhum deles constitui uma teoria própria”. Apesar dessa constatação, Grunig (1993)
parte dessas teorias para tentar explicar as possíveis formas de se relacionar uma organização
com os seus stakeholders, segundo exista uma comunicação ativa ou passiva entre eles. Para
Grunig, os públicos ativos são importantes, porque eles estão preocupados com o que a
organização está fazendo. Adicionalmente, se uma organização não se comunica com esses
públicos, corre o risco de incremento do conflito e de que o grupo vire um grupo ativista forte,
que se contrapõe aos objetivos da organização, limitando e dificultando a sua atuação e o
alcance de seus objetivos corporativos. O resultado do trabalho de Grunig é o
desenvolvimento, em parceria com Hunt (1984), de um quadrante que permite o mapeamento
das práticas de comunicação das organizações em quatro tipos. Posteriormente, esse trabalho
30
foi ampliado com os resultados de uma pesquisa internacional coordenada por ele, sob os
auspícios da IABC, que apresentou os resultados do que pode ser avaliado como uma prática
de comunicação das organizações ‘excelente’.
2.4. Quatro modelos de relacionamento empresa-stakeholders: a perspectiva teórica de
Grunig
Segundo KUNSCH (1997), James Grunig é um dos grandes teóricos das relações
públicas de referência mundial da atualidade. Seu trabalho de maior expressão, a coordenação
da ‘pesquisa da excelência’, se desenvolveu em duas etapas – uma primeira dedicada à
criação de uma teoria compreensiva das relações públicas, com base em uma extensa revisão
da literatura de relações públicas, sociologia, psicologia, filosofia, antropologia,
administração e marketing; e uma segunda, que consistiu na realização de entrevistas com
presidentes, diretores de comunicação e funcionários de 300 organizações nos Estados
Unidos, Canadá e Reino Unido (KUNSCH, 1997:109).
Esse estudo de Grunig (1976) foi a primeira pesquisa que permitiu aos pesquisadores
categorizar e entender as diferentes formas como as relações públicas são praticadas e como
as áreas/departamento de comunicação estruturam a sua atuação e funções comunicacionais.
A base desse seu trabalho (GRUNIG 1976 apud GRUNIG, 1992), foi o desenvolvimento da
idéia dos modelos de uma via e de duas vias, inspirado nas categorizações de ‘sincronia’ e
‘diacronia’ tal como desenvolvidas por Thayer (1968 apud GRUNIG, 1992). Para Thayer, a
comunicação sincrônica procura sincronizar a atuação do público com a da organização sem
interferir um no outro. Já a comunicação diacrônica procura negociar os interesses dos
públicos e da organização. Grunig adota esses conceitos e os transforma nos termos
‘assimétrico’ e ‘simétrico’, que segundo o autor descrevem melhor o propósito das relações
públicas.
31
A partir de sua pesquisa preliminar ao ‘estudo da excelência’ Grunig & Hunt (1984)
propõem quatro modelos de relações públicas que, juntados em um quadrante, representam
grupos de práticas de relações públicas associadas à identificação de quatro momentos
históricos na prática das relações públicas. Esses modelos foram tomados como base analítica
do ‘estudo da excelência’.
O primeiro desses modelos, denominado ‘imprensa/propaganda’, representa um o uso
de um conjunto de práticas de comunicação de mão única (sem troca de informações).
Envolve o publicar noticias sobre a organização e o despertar a atenção da mídia,
O segundo modelo, rotulado de ‘informação pública’, é caracterizado como
jornalístico, e envolve a disseminação informações relativamente objetivas por meio da mídia,
em geral e de meios segmentados seguindo os parâmetros das escolas de jornalismo. Como o
primeiro modelo, este segundo também se constitui na expressão de formas de comunicação
de uma via que procuram a disseminação de informação das organizações aos públicos de
interesse, a partir de um monólogo.
O terceiro modelo é o ‘assimétrico de duas mãos’, que inclui o uso da pesquisa e
outros métodos de comunicação para subsidiar o desenvolvimento de mensagens persuasivas
e manipuladoras. É uma visão egoísta que visa o interesse somente da organização, não dos
públicos com quem interage. Tem a sua base na manipulação dos públicos a partir do
entendimento das suas motivações, compreendidas através de pesquisa. Faz uso da pesquisa,
mais do que para entender e comunicar, para identificar mensagens que ajudem no processo
de persuasão e motivação dos públicos para alcance dos objetivos organizacionais. O processo
de comunicação é desigual: a organização fica do jeito que é imutável, mas tentando mudar o
público segundo seus interesses, apesar aparentar ser uma tentativa de busca de diálogo.
O quarto modelo, o ‘simétrico de duas mãos’ é uma visão das práticas mais
contemporâneas de relações públicas, em que há uma busca, nas interações comunicativas, de
32
equilíbrio entre os interesses da organização e dos públicos envolvidos. Faz uso da pesquisa e
outras formas de comunicação de duas mãos mas, nesse caso, para procurar o entendimento.
Esse modelo representa a quebra da tendência predominante na prática das relações públicas
de visualizar o agenciamento comunicativo institucional como uma forma de manipulação dos
públicos em benefício da organização. O modelo é defendido como a prática ideal das
relações públicas, apesar de haver o reconhecimento dos autores da pesquisa da excelência de
que sua presença e uso nas práticas organizacionais são ainda limitados. Segundo os
resultados obtidos na pesquisa da excelência, todas as organizações eficientes possuem tal
tipo de prática comunicacional.
Este modelo é considerado o mais ético por estimular o diálogo entre os sujeitos
interlocutores, dar espaço ao estabelecimento de um fórum de discussão onde as pessoas
podem diferir nas suas opiniões e conclusões, sendo esta prática delimitada pelas regras da
ética. Segundo as pesquisas realizadas para validar se o quadrante de Grunig & Hunt, este
quarto modelo é o mais eficiente no relacionamento com grupos ativistas e na redução do
conflito com stakeholders, pois permite uma participação mais simétrica de todos os sujeitos
envolvidos na interlocução.
Apesar de o modelo simétrico de duas mãos ser defendido por Grunig como o modelo
ético da eficiência na administração da comunicação e relações públicas, muitos outros
acadêmicos asseguram que o modelo assimétrico focado na persuasão não deixa de ser ético
nem efetivo. Os autores defendem o papel da persuasão no processo de comunicação, onde
segundo eles, a organização estimule o entendimento a través de um processo onde ela e seus
públicos tentam se persuadir mutuamente, simultaneamente CHENEY e DIONISOPOULOS
(1989 apud GRUNIG e GRUNIG, 1992).
GRUNIG (1989) insiste em que a comunicação simétrica pode estimular à persuasão –
baseada em argumentos razoáveis – o que normalmente implica em um primeiro movimento
33
que as pessoas fazem ao utilizar o modelo simétrico da comunicação para resolver conflitos.
Assim, os sujeitos interlocutores, em uma situação de conflito, devem ser capazes de passar
de uma estratégia de persuasão à negociação ou compromisso quando a rota central não
oferece a possibilidade do direito à mudança na atitude e comportamento procurados.
Na cooperação, a organização tratará de se adaptar ao que o público quer e vice versa.
O resultado normalmente é satisfatório para ambos os lados. GRUNIG (1989) explica que isto
acontece no retroceder para ceder ao que o outro quer, o sempre dá uma solução satisfatória.
No reconhecimento dessa lógica, as organizações têm adotado um sistema de ‘motivações
misturadas’: eles retrocedem nos seus interesses, mas na procura de uma solução aceitável. A
‘motivação misturada’ dá acesso à administração do conflito no qual as partes reconhecem
tanto os seus próprio interesses quanto as perspectivas e interesses do outro.
Grunig e Grunig (1992) levantaram sete pontos relevantes às relações públicas
excelentes, no modelo simétrico de duas mãos, ligadas à solução de conflitos e negociação
com públicos. Esses pontos conceituais foram gerados a partir da revisão de teorias relativas à
solução de disputas, negociação, mediação e administração do conflito, procurando os pontos
em comum com o modelo simétrico, sendo:
1. Interdependência e relacionamento: as relações públicas incrementam a eficiência da
organização ao administrar a interdependência da organização com os stakeholders a
partir da procura de termos de longo prazo e relações estáveis. A base do conflito está
no grau de envolvimento das pessoas em uma relação de dependência e interatividade.
2. Conflito, diferenças e missão compartilhada: A interdependência dos sujeitos em
interação gera a necessidade das relações públicas por que gera também conflito,
diferenças e, em algumas vezes, uma missão compartilhada – o cumprimento de um
objetivo comum que incrementa a relevância do modelo simétrico das relações
públicas. Em relações já desenvolvidas, a missão compartilhada pode ajudar a
34
administrar os conflitos, sendo que o conflito pode se degenerar em diferenças de
poder e chegar a ter confrontações morais intensas. Nesse sentido os autores lembram
que a comunicação não é uma solução mágica ao conflito, mas as falhas de
comunicação são utilizadas para explicar os males humanos, e é claro que o conflito
não acontece sem comunicação (JANDT, 1985 apud GRUNIG e GRUNIG, 1992). O
que é importante é a efetividade da comunicação. Na verdade só a comunicação não
tem a capacidade de causar ou reduzir o conflito; a relação pode ser boa sem ser
amistosa, e a comunicação efetiva pode existir sem amizade – a comunicação com
aqueles com quem se tem diferenças fundamentais é mais difícil, mas mais importante
do que a comunicação com quem gostamos. A existência de conflito e de uma missão
compartilhada estimula à colaboração na solução do problema.
3. Abertura, verdade e entendimento: são conceitos crucialmente simétricos na
negociação e administração de conflitos. Na negociação é preciso um nível mínimo de
verdade, que pode ser problemática quando as motivações são misturadas. Muitas
vezes a verdade é uma questão de risco, não de moralidade. Já a abertura refere-se à
escuta, a pedir conselho e escutar bem antes de tomar uma decisão. Finalmente, o
entendimento é valorizado como objetivo do relacionamento no sentido de que
‘quanto maior o entendimento, melhor o funcionamento da relação’.
4.
Conceitos chave: negociação, colaboração e mediação: ajudam a visualizar o modelo
simétrico de duas mãos das relações públicas como um processo de colaboração. A
colaboração existe quando as partes acreditam que podem chegar a um ponto de
acordo e solução aceitável para ambas, e aceitam gastar tempo e energia na procura
dessa solução (soluções). A negociação é o processo onde dois ou mais sujeitos com
interesses específicos, que podem ser contrários numa interação de ‘dar e pedir’,
buscam em conjunto uma solução aceitável a ambos. A mediação acontece quando um
35
terceiro sujeito, institucional ou não, neutro, entra no processo de negociação. Esse
terceiro ator que é percebido como sujeito que entra no conflito, não pode atuar como
mediador – o comunicador
6
.
5. Processo e estratégias: o relacionamento está sempre em constante mudança, razão
pela qual é preciso atenção no foco da interação.
6. Limitações, obstáculos e efetividade: muitos públicos ativistas podem afetar a
autonomia da organização, aumentando o seu poder e reduzindo a habilidade da
organização; colocando esta em risco de cair em uma relação assimétrica com os seus
stakeholders.
7. Comunicação simétrica de duas mãos mediada: as relações públicas simétricas de duas
mãos utilizam a comunicação inter-pessoal mais do que outras formas de
comunicação. O modelo simétrico procura uma comunicação excelente
estrategicamente gerenciada, que alcance os objetivos da organização em equilíbrio
com as necessidades dela e dos stakeholders com quem se relaciona.
KUNSCH (1997) e GRUNIG, L. (2002), acreditam que a pesquisa de Grunig e os
modelos propostos geraram a primeira teoria geral das relações públicas e da comunicação
das organizações.
2.5. A cidadania corporativa enquanto processo de interação comunicativa
A comunicação organizacional é hoje em dia, consensualmente reconhecida como
importante prática da sociedade contemporânea, constituindo-se em objeto merecedor de
estudos mais aprofundados sobre como participa das relações entre as organizações e a
sociedade no marco da atuação socialmente responsável (CARIBÉ, 1997; KUNSCH, 1996,
6
O modelo simétrico de duas mãos não pode ser descrito como ‘mediação’, ainda que na literatura alguns
autores (segundo GRUNIG e GRUNIG, 1992) sugiram que nas relações públicas as partes podem chamar à
mediação – vozes externas que funcionem como mediadoras - quando não conseguem a colaboração com êxito
entre a organização e os públicos para organizar a negociação.
[0]
36
OLIVEIRA, 2002; GOVATTO, 2003). Apesar disso, poucos estudos têm sido realizados
nessa direção.
As organizações não são livres unidades autônomas para gerar mais recursos ou para
alcançar os objetivos a que se propõem. O desafio diário das organizações está em tentar a
construção de relacionamentos e de programas que permitam a perseguição e, se possível o
alcance desses objetivos. É nesse contexto que a comunicação atua como suporte e contribui
também para a constituição desses processos interativos.
Segundo Ferrari (2003) a escola contemporânea aborda a questão da responsabilidade
social como uma atitude ética e permanente das organizações em seus diferentes
relacionamentos com a sociedade. Por sua vez, os stakeholders têm diferentes valores que os
levam a diferentes considerações e demandas em relação às organizações.
Práticas de sustentabilidade e responsabilidade social vêm ganhando terreno no mundo
dos negócios e em outros campos da sociedade até porque começam a ser reconhecidas, por
pressão dos investidores e dos consumidores, como indicadores de desempenho das
organizações. No meio acadêmico, a responsabilidade social têm sido pesquisada, sobretudo,
em cursos e centros de estudos criados na década de 1990 para refletir sobre os impactos
sociais do rápido crescimento do Terceiro Setor no Brasil. Apesar disso, ainda é escassa a
produção científica sobre a responsabilidade social das empresas (COSTA, 2005).
No Brasil, a cidadania corporativa enquanto fenômeno adquiriu tamanha importância
que hoje congrega 1.182 empresas
7
comprometidas, se contabilizarmos apenas aquelas sob a
égide de uma ONG constituída especificamente para tal fim, o Instituto Ethos de
Responsabilidade Social - ETHOS, Uma visita ao site do Instituto Ethos deixa claro que as
mais importantes empresas brasileiras de acordo, por exemplo, com a Revista Exame Maiores
e Melhores, são afiliadas ao Instituto Ethos e, consequentemente, desenvolvem práticas de
7
Segundo o site da empresa (http://www.ethos.org.br
37
cidadania corporativa. Mas certamente, não são as únicas, no contexto nacional, a
desenvolverem tal tipo de prática. Um estudo desenvolvido pelo IPEA (apud COSTA, 2005),
investigou 445 mil empresas brasileiras e revelou que, já naquela época, 67% realizavam
algum tipo de atividade social para a comunidade e 63% tinham programas especiais de
desenvolvimento social e humano voltados para seus funcionários. Do conjunto de empresas
investigado, apenas 16%, não realizavam ações sociais. Esse estudo também revelou o
enorme gasto da iniciativa privada com atividades sociais de fins públicos. O volume de
empresas e recursos privados envolvidos em práticas de cidadania empresarial, acreditamos, é
hoje suficiente para justificar a importância de realização de um estudo que possa, de alguma
maneira, contribuir para uma melhor compreensão desse fenômeno.
Essa mesma pesquisa do IPEA revelou que, no estado de Minas Gerais, já em 2004
81% das empresas realizavam ações sociais para a comunidade, ficando Minas em primeiro
lugar dentre os estados brasileiros em termos de volume de empresas cidadãs. A importância
de Minas no quadro nacional de empresas envolvidas com práticas de responsabilidade social
indica a relevância não só de se investigar melhor a temática da cidadania corporativa, mas
investigá-la em termos do que é feito pelas empresas mineiras. Nesse contexto, a escolha da
CEMIG como estudo de caso, que não somente é uma empresa mineira, mas estatal e
monopolista, mostra-se extremamente adequada e oportuna
8
.
Por fim, vale dizer que praticamente inexistem estudos que analisem o fenômeno da
cidadania corporativa sob a ótica da Comunicação, sejam produzidos no âmbito dos estudos
específicos de cidadania corporativa, sejam no âmbito dos estudos de Comunicação das
organizações ou ainda no dos Estudos Organizacionais.
8
‘Infelizmente, não existem dados atualizados sobre o comportamento cidadão das empresas mineiras’, em
entrevista concedida por Laura Boaventura de Andrade, da Gerencia de Integração Empresarial da FIEMG no
dia 11 de maio de 2006, para fins da presente pesquisa, ela afirmou que esse levantamento é um dos desafios
para a instituição, face ao volume de empresas hoje envolvidas com tais práticas.
38
Como mostra do crescente interesse pelo estudo da cidadania corporativa, várias
pesquisas têm sido realizadas. Exemplo interessante do tipo de coisa que vem sendo
produzida é a coletânea de pesquisas publicadas pelo Instituto Ethos
9
, como resultado de
premiação anual de trabalhos acadêmicos de investigação sobre a responsabilidade social das
organizações. Desde 2002 até hoje, o Instituto Ethos publicou 70 estudos relacionados à
cidadania corporativa, dos quais apenas 20% estão relacionados à discussão de práticas de
comunicação em projetos de cidadania corporativa. Isso, se considerarmos a Comunicação de
uma perspectiva mais ampla, envolvendo o conjunto das práticas profissionais. Se
classificarmos estes estudos por tipo de prática profissional ou grupos de práticas profissional,
temos o seguinte resultado: ações de Marketing - cultural, social ou comercial - (8.57%);
ações de Comunicação Organizacional, numa visão integrada (incluindo aí os trabalhos sobre
divulgação do balanço social) (5,70%), ações ou de Relações Públicas, ou de Publicidade e
Propaganda ou de Jornalismo (5,69%).
Tabela 1 – Tipos de estudos publicados pelo Instituto ETHOS desde o ano 2002 até o 2005,
onde o 100% é equivalente a 70 pesquisas publicadas até 2006.
Tipos de Estudo Porcentagem
Estudos relacionados às práticas de marketing – cultural, social o
comercial.
8,57%
Pesquisas sobre comunicação organizacional, com uma visão
integrada.
5,70%
Pesquisas sobre ações de relações públicas, publicidade ou
jornalismo, ligadas à responsabilidade social.
5,69%
Pesquisas sobre responsabilidade social empresarial de uma
perspectiva de gestão empresarial, contabilidade, economia, direito,
indicadores, e outros campos de estudo que não tem um foco
comunicacional.
80,04%
Fonte: construção própria, a partir de análise das publicações do Premio Anual Valor UniEthos, do Instituto
ETHOS, 2002-2005.
9
ANDRIGUETO, 1998; MACEDO, 2003; BORBA, 2004; AZEVEDO, 2004; LEVY, 2004; COSTA, 2004;
GOVATTO, 2003; TERRA, 2004.
39
Esse levantamento confirma a tendência acadêmica de estudar o fenômeno da
responsabilidade social corporativa do ponto de vista de ação comunicativa a serviço das
práticas de cidadania corporativa, o que revela uma percepção míope da comunicação nas
práticas de responsabilidade social, na medida em que ela é percebida e analisada basicamente
enquanto suporte e ignorada no seu aspecto constitutivo de tais práticas. Esse levantamento,
adicionalmente, revela uma notável carência de pesquisas desenvolvidas sob uma perspectiva
relacional ou praxiológica. Por fim, vale destacar que desse volume de estudos sobre
comunicação e responsabilidade social corporativa, 0% são sobre a cidadania corporativa de
empresas públicas, sendo que todas são sobre práticas de empresas privadas ou terceiro setor.
Esses estudos realizados, na sua maioria, têm como constante a delimitação do
conceito da responsabilidade social, explorando, a partir de revisões teóricas, como se define
a atuação socialmente responsável de uma organização e o uso da comunicação como suporte
a tais práticas (MACEDO, 2003; BARROSO, 2003; LEVY, 2005; BORBA, 2004;
AZEVEDO, 2004). Existe um vazio de estudos de caso de base empírica para contrastar a
literatura até hoje produzida, estimulando a se perguntar, então: na realidade, em que medida
as práticas de cidadania das organizações para com as suas comunidades não são mais do que
uma possível faceta de um processo interacional comunicativo?
Um breve levantamento dos estudos científicos realizados sobre cidadania corporativa
nos últimos cinco anos com a temática da comunicação, revelou que a maioria dos trabalhos
de conclusão de curso, dissertações e teses realizadas no Brasil sobre esse tema, foram
realizados em São Paulo (USP, Metodista de São Paulo, PUC-SP), no Rio de Janeiro (UFRJ,
UERJ), ou em Belo Horizonte - especialmente na PUC-MG. Existem pesquisas de menor
abrangência e divulgação na Bahia e Rio Grande do Sul. Pode-se supor que essa tendência,
também observada por Kunsch (1997) nas décadas anteriores, corresponda ao
desenvolvimento econômico e industrial das cidades citadas, onde a concentração de
40
empresas nacionais e internacionais influencia as áreas de estudo na academia, assim como as
oportunidades de emprego que mobiliza a população desses estados
10
.
Na sua grande maioria, essas pesquisas estão interessadas em conhecer a relação entre
a responsabilidade social das empresas e as práticas de marketing, jornalismo, e/ou relações
públicas (ANDRIGUETO, 1998; MACEDO, 2003; BORBA, 2004; AZEVEDO, 2004;
LEVY, 2004; COSTA, 2004; GOVATTO, 2003; TERRA, 2004); sendo que só se achou uma
pesquisa que tem como propósito estudar a comunicação organizacional numa visão integrada
no processo de relacionamento com a sociedade (BICALHO, 2003).
Entre os trabalhos consultados avaliou-se ser referencia a pesquisa de Caribé (1997)
que, além de utilizar o estudo de caso como metodologia de pesquisa, reconhece a falta de
teorização para entender a atuação da comunicação organizacional, em especial no contexto
de adoção de práticas de responsabilidade social e ambiental. Considera-se interessante
manter o diálogo com esse texto, ainda que produzido no campo de estudo da Teoria das
organizações, pela sua contribuição para com a delimitação do foco da presente pesquisa.
Nessa pesquisa, Caribé reconhece que a organização assume o lugar de sujeito no processo de
comunicação social durante o exercício de uma atuação socialmente responsável, o que
confere a ela a possibilidade de considerar a chamada ‘cidadania corporativa’ como sendo um
‘comportamento sociocomunicativo’, onde “a ação de comunicação social das organizações
abrange o espectro das suas relações sociocomunicativas, a essa altura estabelecida com a
totalidade do seu ambiente” (CARIBÉ, 1997:48-49).
Para entender melhor o que é cidadania corporativa, realizou-se o levantamento do
conceito a partir dos vários autores que trabalham com o tema (CARROLL, 1999; GRAJEW,
2005; MELO NETO e FRÓES, 1999; INSTITUTO ETHOS, 2006; KUNSCH, 1997).
10
O interesse da presente pesquisa não é analisar a tendência das universidades na realização de estudos na
interface de responsabilidade social e comunicação, mas representar o marco de referência do conhecimento
existente que pode ser utilizado para basear a presente proposta.
41
Na verdade, o conceito de responsabilidade social das empresas vem sendo estudado
desde os anos 1950 e ao longo desse tempo ganhou distintas caracterizações e práticas, Na
década de 1980, os estudos sobre responsabilidade social migram da busca de caracterização
do conceito para o desenvolvimento de conceitos relacionados, associados à prática da
responsabilidade social por parte das empresas: política pública, ética empresarial, teoria dos
stakeholders, entre outros (CARROLL, 1999).
Não existe ainda uma definição teórica que caracterize, de maneira consensual, o que é
uma atuação socialmente responsável, mas existe um esforço por tentar ligar as experiências
em todo o mundo, com a iniciativa da Internacional Standardization Organization (ISO), de
desenvolver uma norma sobre Responsabilidade Social Empresarial (RSE). Assim por
exemplo, no Brasil, Neto & Froes (2001), definem a responsabilidade social como a decisão
das empresas “de participar mais diretamente das ações comunitárias na região em que está
presente e minorar possíveis planos ambientais decorrentes do tipo de atividade que exerce”
(NETO & FROES, 2001:78). Já na Costa Rica, a responsabilidade social empresarial é
definida como o “compromisso permanente das empresas de aumentarem sua
competitividade, enquanto contribuem ativamente no desenvolvimento sustentável da
sociedade mediante ações concretas e mensuráveis dirigidas à solução dos problemas
prioritários do país” (PRADO et al, 2004). Na Espanha, o conceito é definido por como a
empresa muda seu agir em benefício da sociedade, o ambiente e ela mesma, mas é vista como
uma nova forma de se relacionar aos diferentes sujeitos sociais em diferentes níveis: direitos
humanos, emprego, ambiente, comunicação, entre outros (http://www.obrsc.org, consultado
em 12-06-2006).
No caso específico do Brasil, onde a presente pesquisa se desenvolve, as referências
de diferentes autores, sejam eles adversários ou favoráveis ao movimento da responsabilidade
social empresarial, chegam sempre ao conceito desenvolvido pelo Instituto Ethos de
42
Responsabilidade Social, que é uma forte referência teórica e prática no país, quando o tema é
a responsabilidade social das organizações. Criado em 1998, ele desenvolve um eficiente
trabalho de mobilização das empresas, sendo desenvolvedor, multiplicador e educador do
conceito no Brasil. No site do Ethos, a definição que se apresenta faz referência ao agir da
empresa numa gestão comercial baseada mais na ética e no respeito do ambiente e da
sociedade, indicando que
Responsabilidade social empresarial é a forma de gestão que se define pela
relação ética e transparente da empresa com todos os públicos com os quais
ela se relaciona e pelo estabelecimento de metas empresariais compatíveis
com o desenvolvimento sustentável da sociedade, preservando recursos
ambientais e culturais para gerações futuras, respeitando a diversidade e
promovendo a redução das desigualdades sociais
(
http://www.uniethos.org.br, acesso em 12-06-2006).
Para o Instituto Ethos, as empresas são agentes de mudança, em que o comportamento
caracterizado pela responsabilidade social e coerência ética “nas ações e relações com os
diversos públicos com os quais interagem, [contribui] para o desenvolvimento contínuo das
pessoas, das comunidades e de suas relações entre si e com o meio ambiente”
(www.ethos.org.br, acesso em 12-06-2006).
Os variados autores que tentam apresentar um conceito teórico, seja para
responsabilidade social das organizações, seja para cidadania corporativa (via de regra, ambos
são tomados como sinônimos), seja da perspectiva acadêmica, seja da perspectiva prático-
profissional, chegam a pontos de encontro, e consideram que a atuação socialmente
responsável é caracterizada a partir de dois grandes focos: um que tem a ver com a gestão –
administração - da empresa, com a delimitação de sua cultura e ações, medidores e
indicadores; e o outro – que mais interessa na presente pesquisa - que tem a ver com o
processo de relacionamento da organização com os seus stakeholders, considerando que a
43
autorização e cobrança, pela atuação cidadã por parte da empresa vem justamente da
sociedade civil, dos agentes que a compõem.
Sintetizando, diríamos que, grosso modo, a análise da literatura especializada nos
permitiu desenvolver uma tipologia que dá visibilidade a duas dimensões como constitutivas
das práticas de responsabilidade social:
1. Dimensão da engenharia de gestão: Relacionada com a inserção de valores de
responsabilidade social nas ações, ferramentas de adoção, políticas, práticas, medição em
indicadores – embutida na sua visão, missão e valores
11
-, não dissociados do negócio e
interesse econômico da empresa (para muitos, considerada a responsabilidade primordial da
empresa), mas adotando uma função social anteriormente cobrada só do Estado, superando a
distância entre o social e o econômico, procurando o desenvolvimento social. Está ligada
também à adoção de indicadores e/ou medidores de atuação, de investimento e à atuação
responsável além do estipulado pela lei.
2. Dimensão Relacional: Diz respeito ao relacionamento da empresa com os seus
diferentes stakeholders e envolve a sua busca de construção de um inter-relacionamento
dialógico, com maior transparência, construção de subjetividade, respeito aos direitos
humanos; criando e disseminando, a partir desse relacionamento, valores através do
compartilhamento de significados
12
.
Ainda com a proposta de essas duas dimensões, propostas pela autora a partir do
estudo dos diferentes conceitos, o consenso é entender a responsabilidade social como
processo de interação social, ou como Caribé disse, como processo ‘sociocomunicativo’,
11
Essa inserção nos valores da organização da responsabilidade social separa a cidadania corporativa da pura
ação social, como seria o caso da filantropia, o patrocínio, o marketing de interesse social, etc. Na
responsabilidade social, espera-se um perfil de empresa com valores de gestão e relacionamento adotados e
“inseridos no seu DNA”.
12
Um exemplo de como essas duas visões se institucionalizam nas estruturas organizacionais pode ser dado pelo
resultado de pesquisa nacional sobre responsabilidade social realizada em 2003 pela Associação dos Dirigentes
de Vendas e Marketing do Brasil (ADVB) (apud BICALHO, 2003:389), que revelou que cerca de 15% das
empresas que se identificam como cidadãs delegaram a proposição e coordenação de seus projetos sociais aos
departamentos de Comunicação e 10% às suas áreas de Marketing.
44
resultado da interação da empresa – público ou provada – com os agentes sociais no ambiente
onde se insere na procura do cumprimento de metas de desenvolvimento sustentável (sejam
Metas do Milênio das Nações Unidas, Indicadores ETHOS, Pacto Global, etc.).
45
CAPITULO 3. METODOLOGIA
Como já foi dito anteriormente, este estudo investiga a relação da CEMIG -
Companhia Energética de Minas Gerais com as comunidades da região do Vale do
Jequitinhonha (nordeste do estado de Minas Gerais) diretamente atingidas pela construção da
Usina de Irapé, visando compreender como a comunicação tem contribuído para dotar esse
relacionamento de características de uma prática socialmente responsável.
A pesquisa é de natureza qualitativa, compreendendo-se por isso aquela pesquisa que
aprofunda no “mundo dos significados das ações e relações humanas, um lado não perceptível
e não captável em equações, médias e estatísticas” (MINAYO, 1998). Para o paradigma
qualitativo a teoria é uma reflexão ‘em’ e ‘desde’ a prática (SERRANO, 2003), que procura
por padrões resultantes do compartilhamento de significados e interpretações da realidade, em
um contexto específico. Segundo Serrano (2003)
Este paradigma [qualitativo] nos devolve ao mundo da vida cotidiana: os
seres humanos se movimentam em interações e se comunicam com seus
pares. A vida cotidiana é uma mostra de que há numerosos momentos nos
quais os sujeitos na interação redefinem mutuamente o seus atos. A interação
é circunstancial, pelo que tem que ser estabelecida em cada momento pelos
participantes através da interpretação e a negociação das regras que permitem
a convivência humana. Assim, o objeto básico de estudo é o mundo da vida
cotidiana, tal como é aceito e problematizado pelos indivíduos em interação
(SERRANO, 2003:34).
Neste sentido, a pesquisa qualitativa deve gerar uma maior quantidade de dados
descritivos, entendidos como palavras, falas, escritas dos agentes no processo de interação,
além dos dados gerados na observação do processo. Em consonância com esse tipo de dados,
o paradigma qualitativo estimula o uso de instrumentos de pesquisa interpretativos, desenhos
abertos e capturadores das múltiplas realidades de interação emergentes, já que não busca a
generalização, e sim caracterizar e estudar em profundidade uma situação concreta. “Não
busca explicações ou causalidades, mas a compreensão, e pode estabelecer inferências
46
plausíveis entre os padrões de configuração de cada caso” (Ibidem:35). Isso não quer dizer
que a análise de dados descarte a possibilidade de se trabalhar com dados quantitativos, mas
esse trabalho será basicamente um suporte ao trabalho interpretativo.
Adicionalmente, essa é também uma pesquisa de caráter exploratório, que investiga
uma realidade ainda muito pouco pesquisada em termos empíricos. Tendo em vista estas
características da pesquisa, optou-se por uma investigação indutiva, fundamentada na
proposta metodológica da Grounded Theory, tal como interpretada por STRAUSS (1998),
que propõe um movimento constante entre o abstrato da teoria e o concreto do mundo real
(abdução), indo assim de um nível a outro para avaliar tanto a teoria como o empírico, com o
objetivo de obter uma visão mais clara dos dois níveis. O valioso desse método é que ajuda
não só a gerar teoria, mas também a reconhecê-la no campo a partir dos dados (STRAUSS,
1998:8).
Segundo a Grounded Theory, uma investigação não necessita começar de uma revisão
bibliográfica profunda, algumas pistas teóricas são suficientes para orientar o início do
trabalho empírico. É o trabalho de abdução, que orienta o pesquisador para, a partir dos dados
recolhidos, revisar e refinar os conceitos e o desenho teórico (STRAUSS, 1998). Sendo assim,
a revisão bibliográfica empreendida teve um caráter preliminar, de apresentação ao
pesquisador do cenário teórico de sua pesquisa; dos principais eixos analíticos que, com os
dados coletados no campo, foram aprofundados. Reis (2005c) explica que a proposta da
Grounded Theory impulsiona no pesquisador a procura pelo desenvolvimento de teoria
abstrata a partir do entendimento dos fenômenos no campo empírico, garantindo assim que o
processo de teorização tenha sempre uma base real, gerada do entendimento e exploração do
mundo empírico material.
Como estratégia de pesquisa, escolheu-se trabalhar com o estudo de caso,
recomendado para questões de pesquisa que se atêm às questões tipo ‘como’ e ‘por que’. Sua
47
adequação deve-se ao fato de que é uma investigação empírica que investiga um fenômeno
contemporâneo dentro de seu contexto da vida real e os limites entre o fenômeno e o contexto
não estão claramente definidos (YIN, 2005:32). Adicionalmente, seu uso não exige controle
do pesquisador sobre eventos comportamentais. O estudo de caso prega o exame de um
fenômeno específico, tendo como objetivo básico a compreensão do significado de uma
experiência, e de como funcionam as partes juntas para formar o todo (SERRANO, 2003).
Para o desenvolvimento do estudo de caso na presente pesquisa, foi escolhido como
objeto empírico o projeto da Usina de Irapé da CEMIG (Companhia Energética de Minas
Gerais), especificamente no que se refere ao desenvolvimento do relacionamento
comunicativo da empresa com as comunidades atingidas pela construção da Usina. Como
recorte temporal foi considerado o período entre novembro 2003, ano em que se intensifica a
negociação da empresa para obtenção das licenças ambientais para construção da barragem,
até julho de 2006, época em que a Usina é inaugurada e tem início a comercialização da
energia elétrica por ela produzida. A coleta de dados empíricos em tempo real deu-se de
agosto de 2005 até agosto de 2006. O processo foi fechado com a apresentação da pesquisa
aos representantes da Superintendência de Comunicação e do Projeto da Usina de Irapé da
Cemig, no mês de março de 2007.
Tomou-se como universo amostral as 32 comunidades geograficamente atingidas pela
construção da barragem e investigou-se em profundidade duas delas, escolhidas
intencionalmente; uma em cada margem do rio Jequitinhonha: (1) Peixe Cru, na margem
direita; e a comunidade Fazenda Santa Maria (Grupo Renascer), na margem esquerda. A
escolha de comunidades em margens diferentes teve por objetivo comparar duas realidades
geograficamente distintas, tentando identificar pontos comuns e diferenciados no processo de
relacionamento delas com a Cemig. Adicionalmente, critérios de relevância levaram à escolha
dessas duas comunidades específicas. Peixe Cru foi escolhida por ser a única comunidade
48
totalmente reassentada segundo sua estrutura original de comunidade urbana, o que significou
que a Cemig construiu para esta comunidade uma cidade completa. Já Santa Maria, representa
o oposto: o reassentamento de uma comunidade caracterizadamente rural –a situação da
maioria das comunidades atingidas- com os problemas de ter sido uma das comunidades mais
distante e com menos atenção no processo de relacionamento, segundo os relatos do pessoal
do Projeto de Irapé da Cemig. Como no caso do restante das comunidades rurais atingidas,
Santa Maria foi reconstituída através da doação de fazendas de 50 hectares para cada família
atingida, sem ter uma referência de ‘comunidade’ como no caso de Peixe Cru.
O corpus empírico da pesquisa foi constituído de:
8 entrevistas em profundidade com membros das comunidades atingidas, selecionados
a partir da disponibilidade e abertura dos moradores para serem entrevistados. 4
entrevistas na comunidade de Peixe Cru; 4 na Fazenda Santa Maria.
Dois grupos focais com moradores das comunidades; um grupo em Peixe Crú e um na
Fazenda Santa Maria, de 8 participantes cada um. Os participantes foram escolhidos
aleatoriamente, a partir da disponibilidade para participar. Como enriquecimento da
técnica de grupo focal, utilizou-se, complementarmente, a técnica do Diagrama de
Venn
Entrevista semi-estruturada com os 2 jornalistas responsáveis localmente pelo projeto
de Irapé, que residiram e desenvolveram as ações de comunicação na região durante o
período investigado.
Entrevista semi-estruturada com os 2 jornalistas responsáveis pela Superintendência
de Comunicação Empresarial e Relacionamento da Cemig em Belo Horizonte, que co-
coordenou o trabalho de Comunicação realizado na região de construção da Usina.
Entrevista semi-estruturada com o coordenador de Responsabilidade Social da Cemig
49
Caderno de campo descrevendo duas semanas de shadowing do profissional de
Comunicação da Cemig sediado na região de construção da barragem ainda residente
lá quando do trabalho de campo para a pesquisa
17 exemplares do Informativo de Irapé: jornal impresso bimensal publicado pela
Cemig a partir do início das obras da barragem e distribuído de porta em porta nas
comunidades atingidas. Tem por objetivo manter as comunidades informadas sobre o
desenvolvimento do projeto. Ao todo, foram publicadas doze edições entre novembro
de 2003 e fevereiro de 2006.
Caderno de campo com registro de observação semi-estruturada (com guia de
questões) e desestruturada relativa a a) presença em eventos e atividades promovidas
pela Cemig em Belo Horizonte e na região de Irapé como parte do projeto de
Comunicação para Irapé e b) residência, durante uma semana, na comunidade de
Peixe Crú e durante outra semana na comunidade de Santa Maria
Os dados coletados foram inseridos no software de análise qualitativa Nud*ist 6,
codificados e, como já dito anteriormente, analisados sob quatro categorias gerais: (1)
‘Contexto comunicativo’, procurando entender onde acontece a interação, sob quais
circunstancias, com que objetivo(s), e identificar a existência de conflito; (2) ‘sujeitos
interlocutores, mediadores e intérpretes’, procurando identificar quem está envolvido no
processo, quem são os interlocutores principais, as vozes mediadoras e o papel do
comunicador no processo de interação comunicativa. (3) ‘Processo de comunicação’,
buscando compreender como acontece o processo de comunicação, identificando as principais
estratégias ou ações de comunicação, o fluxo da comunicação com suas limitações e desafios,
e o papel do Termo de Acordo no processo; (4), ‘Conteúdo de Comunicação’, diz respeito ao
50
conteúdo da práticas comunicativas implementadas pela Cemig, identificando as intenções e
interesses das partes envolvidas.
Essas quatro categorias foram definidas seguindo a lógica do Grounded Theory, de
teorização, onde a partir das primeiras revisões bibliográficas, a realização de uma análise
prévia dos dados empíricos, voltou-se a uma segunda revisão teórica, esta vez mais específica,
orientada até pelas primeiras categorias de análises utilizadas, para finalmente chegar a essas
quatro que, considera abrange os dois eixos teóricos explorados na presente pesquisa: o
processo de comunicação interativa, especificamente no relacionamento empresa –
stakeholders, e atuação socialmente responsável enquanto interação comunicativa. Quer
disser, a análise centrou-se na interação comunicativa, no estudo do processo, tendo como
pano de fundo as características de uma atuação socialmente responsável na interação
comunicativa, especificamente o grau de dialogicidade no processo interativo.
A análise de conteúdo, feita com o auxílio do Nud*ist e seguindo os princípios da
Grounded Theory, buscou trabalhar intensamente com a triangulação de dados (tanto de
fontes quanto de interpretações), e com questionamentos e comparações, numa dinâmica
constante de indução, abdução e dedução. O uso de software para análise qualitativa, prática
ainda pouco utilizada na pesquisa de comunicação organizacional , ajuda a agilizar a análise
de dados, sendo que os mesmos podem ser salvos como arquivos de texto facilitando o seu
gerenciamento – dados resultado de entrevistas, grupos focais, anotações de campo, e-mail,
etc. – ajudando no processo de busca e codificação, onde o pesquisador registra comunicados
e anotações sobre o conteúdo de seus dados e documenta o processo analítico e reflete sobre
seu papel com pesquisador(a). A vantagem do software é que permite um grau de poder de
gerenciar de dados não alcançável com papel e lápis, fraturando e reorganizar os dados em
formas que não são possíveis com papel e lápis (ou mesmo com o Word).
51
Assim, com ajuda do Nud*ist, a pesquisa teve uma dinâmica sistemática orientada ao
retorno à revisão bibliográfica e o seu aprofundamento em procura de explicações que ajudem
a entender as descobertas no empírico, como parte do processo de teorização que o método da
Grounded Theory propõe.
3.1. As técnicas de coleta de dados utilizadas
3.1.1. Observação
Na presente pesquisa a observação foi a base da coleta de dados, ligada sempre a
outras ferramentas de coleta, procurando o maior rigor possível, e a triangulação de fontes. A
observação começou desde que se deu inicio à pesquisa, sendo que cada nova observação,
gerou sempre encaminhamentos no foco de estudo, na leitura teórica e nas entradas ao
empírico. Ao ser estudado um processo de interação social, a observação permite gerar
impressões do mundo em volta, a partir das faculdades humanas, num contexto não
manipulado nem estimulado pelo pesquisador (WEBB, 1990; ADLER, 1998; BECKER,
1999, SERRANO, 2003).
O processo de observação foi constante desde o início da pesquisa, tendo sido feita de
forma estruturada (dirigida) e desestruturada; sempre com registro em caderno de campo.
Incluiu idas à Cemig em Belo Horizonte e a coleta de dados na região de Irapé, onde a
maioria das interações entre a empresa e as comunidades acontecem. Para isso, a pesquisadora
ficou um mês residente na região, sendo que duas semanas foram observando e acompanhado,
através de shadowing, o trabalho realizado por um dos comunicadores do projeto, e duas
outras semanas observando o processo da perspectiva das comunidades, morando uma
semana em cada uma das comunidades na casa de membros da comunidade, o que permitiu
ter contato direto com os atingidos para coletar a sua voz e posição, sem a presença da
empresa por perto. Todas as observações foram registradas a partir da utilização de um
52
caderno ou diário de pesquisa, onde no final de cada dia foram anotadas as inquietudes e
reflexões decorrentes dos dados coletados no processo de observação.
O método de shadowing implica acompanhar o trabalho diário de uma pessoa, como
sendo a sua ‘sombra’ por um período determinado de tempo, com o propósito de estudar e
analisar o seu desenvolvimento. A partir da observação do trabalho desempenhado
diariamente pela pessoa acompanhada, o pesquisador, no seu rol de ‘observador sombra’,
consegue criar ou desenhar um perfil do trabalho desenvolvido pela pessoa acompanhada, no
caso da presente pesquisa, com o objetivo de identificar a postura da empresa e do
profissional de comunicação no processo de interação com as comunidades e seus membros.
Esse método é normalmente utilizado em pesquisas corporativas para avaliação do
desempenho de seus membros (CHAPMAN, 2005).
Na presente pesquisa, considera-se a observação dentro do estudo de caso, que é
realizado no contexto de uma organização em relacionamento com uma comunidade.
BECKER (1999) recomenda o uso da observação dentro do estudo de caso por que ela
permite ter acesso a uma ampla gama de dados.
inclusive os tipos de dados cuja existência o investigador pode não ter
previsto no momento em que começou a estudar, e portanto é um método
bem adequado aos propósitos do estudo de caso (BECKER, 1999:118).
Sendo assim, a utilização da observação guiou a pesquisa a partir das descobertas de
processos de interação que são dinâmicos, não controláveis nem manipuláveis, e o
pesquisador só pretendeu entender, descrever e gerar teoria a partir deles, mas não modificá-
los.
Na pesquisa utilizou-se a observação participante, onde o pesquisador participa dos
processos de interação, sem ser parte deles, mas também sem deixar de participar
completamente, tentando registrar em um período de tempo a maior quantidade de dados
53
possível que lhe permitam estudar o fenômeno escolhido (WEBB, 1990; ADLER, 1998;
BECKER, 1999). A observação participante tem a sua base teórica no Interacionismo
Simbólico, no qual o pesquisador procura coletar os dados interagindo com os sujeitos, mas
considerando sempre a sua posição de ‘estrangeiro’ que implica um fator de intervenção na
realidade a observar (ADLER, 1998).
Os autores lembram (WEBB, 1990; ADLER, 1998; BECKER, 1999) que a maioria
dos dados vêm de situações onde o pesquisador tem contato público com os sujeitos sem ser
um momento de pesquisa, mas interagindo com os sujeitos fase – a - fase, como se fosse um
deles. Sendo assim, procura-se manter a maior sensibilidade possível, observando não só com
os olhos, mas com o corpo todo, para captar dados chave no processo a estudar. Este
momento foi chave na presente pesquisa, no convivio com as comunidades, na região do
Jequitinhonha. O fato de estar no dia-a-dia com eles, permitiu coletar dados que de outra
forma não seriam nem perceptíveis nem acessíveis. Nas falas que ocorreram em momentos
descontraídos como o almoço, café da tarde, na porta da igreja, durante o bingo da
comunidade, etc.; lugares de socialização por parte dos moradores, a pesquisadora conseguiu
captar nas falas como aconteceu o relacionamento com a Cemig e o papel do processo de
comunicação.
Na presente pesquisa observou-se a produção de sentidos a partir do processo de
interação comunicativa da empresa com as comunidades atingidas, tentando observar, como
se fosse uma peça de teatro, os sujeitos-sujeitos envolvidos no relacionamento, o cenário-
contexto, e a construção de significados para entender o ponto-de-vista das partes envolvidas
no processo: as comunidades atingidas e a empresa, a partir de suas construções discursivas e
as respostas geradas um no outro.
Não se teve um roteiro de observação, mas sim um guia de questões a serem
observadas, o que permitiu que a pesquisadora ficasse aberta a qualquer sinal dentro do foco
54
da pesquisa que chamasse a atenção, aprofundando-o na coleta de dados a partir de outras
técnicas, como as entrevistas e grupos focais. O processo de observação foi contínuo, paralelo
às outras técnicas utilizadas.
3.1.2. Entrevista
A entrevista semi-estruturada e a entrevista em profundidade, utilizadas na presente
pesquisa, pode-se dizer que foram complemento da observação participante, na medida em
que muitos dos dados coletados foram gerados a partir de entrevistas informais obtidas em
meio ao processo de observação participante (FONTANA, 1998). O que se buscou nas
entrevistas, consideradas como práticas discursivas
13
, foi “versões da realidade” (PINHEIRO,
1997; FONTANA, 1998), que permitissem identificar a voz da CEMIG, por um lado, a sua
posição a sua visão e o seu comportamento como agente em interação no processo de
relacionamento com as comunidades, e a voz das comunidades atingidas por outro, a sua
visão do processo de relacionamento, e a construção de significados que no participaram da
interação com a empresa.
Na falta de documentos formais que registrem tanto o planejamento estratégico das
ações de comunicação no processo de relacionamento organização - comunidades, a memória
histórica dos agentes envolvidos - os membros da organização e das comunidades atingidas -
foi chave na reconstrução da performance comunicativa.
Ao considerar a entrevista também como uma interação, reconhece-se que o locutor se
posiciona frente ao pesquisador, selecionando o tom, as figuras, os trechos das histórias, as
personagens, numa posição negociada (PINHEIRO, 1997; FONTANA, 1998). Nesse sentido,
a pesquisa utiliza os dados coletados das entrevistas como versões da realidade, construída a
13
Práticas discursivas são as diferentes maneiras em que as pessoas, através dos discursos, ativamente produzem
realidades psicológicas e sociais (DAVIES e HARRÉ, 1990 apud PINHEIRO, 1997:186). Ao relacionar práticas
discursivas com produção de sentidos, estamos assumindo que os sentidos estão no discurso que faz da
linguagem a ferramenta para a construção da realidade (PINHEIRO, 1997).
55
partir do contexto e posicionamento dos entrevistados, junto a outras técnicas de coleta de
dados – observação, análise de documentos, grupo focal
14
.
Como na Cemig os setores de Comunicação social e de Responsabilidade Social são
distintos, foram realizadas entrevistas com as pessoas vinculadas com o processo de
relacionamento de Irapé das áreas responsáveis pela atuação sócio-ambiental da CEMIG,
tentando obter a visão deles das ações de comunicação no processo de relacionamento e,
paralelamente, realizaram-se entrevistas também com os membros da área de Comunicação
Social vinculadas ao processo e ações de comunicação no caso de relacionamento da empresa
com as comunidades de Irapé.
Todas essas foram entrevistas semi-estruturadas, seguindo um mesmo roteiro de
perguntas, para detectar contradições e similitudes nas falas dos entrevistados – ver anexo 1.
O roteiro foi dividido em duas partes, sendo que a ordem simplesmente variava se o
entrevistado estava ligado à Responsabilidade Social, ou à Superintendência de Comunicação.
A primeira parte, inclui perguntas relacionadas à atuação social e ambiental da empresa,
explorando um pouco a memória histórica da empresa e a relação corporativa dos projetos ou
ações caracterizados como sendo de responsabilidade social. A segunda parte, explora
questões relacionadas à atuação da Superintendência de Comunicação, e a relação com a
Responsabilidade Social da Cemig.
Com o desenvolvimento da investigação, a questão de pesquisa foi sendo modificada,
refinada e ganhando foco. Pode-se questionar o valor, então, de algumas das perguntas de
entrevistas realizadas no início da investigação, já que, vistas hoje, seriam avaliadas como
fora do foco da atual questão de pesquisa. A essa crítica, eu responderia que os dados
coletados então continuam válidos na medida em que ajudaram a delimitar o estudo.
14
O rigor de utilizar varias técnicas de coleta de dados das diferentes propriedades da ação social, é uma
tendência da Grounded Theory (FONTANA, 1998:51), utilizada na presente pesquisa.
56
O levantamento histórico da atuação social da Cemig, que ajuda entender o marco
onde as ações de Irapé aconteceram, foi obtido a partir das entrevistas com os membros da
empresa, na falta de documentação formal que ajudasse a entender a política de atuação social
da empresa e o histórico das ações de comunicação.
No total, foram entrevistadas dez pessoas da empresa: cinco das áreas de
Responsabilidade Social e Gestão Ambiental, responsáveis pelas ações sócio-ambientais da
CEMIG nos empreendimentos da empresa, no caso, a construção da Usina de Irapé; e cinco
entrevistados da área de Comunicação Social – três pessoas ligadas diretamente ao
planejamento e gestão (tendo a visão geral dos processos e ações de Comunicação), e os dois
comunicadores responsáveis pelas ações de Comunicação, nas duas margens do Rio
Jequitinhonha – ver anexo 1. No caso dos comunicadores de Irapé, o roteiro varia, sendo que
foi utilizado uma entrevista semi-estruturada, mais aberta, com o objetivo de ‘deixar falar’ aos
entrevistados, para eles exporem sua experiência e visão no processo de relacionamento tanto
como representantes da empresa como profissionais de comunicação.
No geral, as entrevistas foram realizadas em mais de um encontro com cada
entrevistado, com o objetivo de capturar a maior quantidade de informação possível para
preencher lacunas da falta de dados formais por parte da empresa em relação aos processos e
ações de comunicação, e as práticas de cidadania corporativa. As entrevistas foram realizadas
entre agosto de 2005 e julho de 2006. No caso dos jornalistas na região de Irapé, algumas das
entrevistas foram realizadas via correio eletrônico, e outras pessoalmente tanto na sede da
CEMIG em Belo Horizonte, quanto na região de Irapé.
Foram realizadas também entrevistas em profundidade (abertas) com membros das
comunidades atingidas selecionadas para fins deste estudo. No início não se pensava na
realização de entrevistas nas comunidades (4 entrevistas na comunidade de Peixe Cru, e 4 na
Fazenda Santa Maria); mas uma vez nas localidades, a partir da facilidade de acesso aos
57
membros das comunidades, o número de famílias atingidas (umas 22 em cada comunidade), e
a disponibilidade destes, a realização de entrevistas tornou-se viável. Considerou-se
importante o levantamento de opiniões em forma individual (entrevistas) além da participação
nos grupos focais, para enriquecer o entendimento e o levantamento da atuação das
comunidades no processo de interação comunicativa com a Cemig.
A análise do material com o NUDI*ST se deu da seguinte forma: a partir de uma
primeira leitura em profundidade das entrevistas, foram geradas categorias livres (ou Free
Nodes na nomenclatura do software) a partir do reconhecimento dos temas principais que
emergiram das falas dos entrevistados. Essas categorias posteriormente geraram outras
categorias mais organizadas (Tree Nodes), num esforço de comparação e reagrupação dos
dados, até chegar às quatro categorias finais de análise.
3.1.3. Grupo Focal
Segundo Fontana (1998), o sistema do grupo focal é parecido com a entrevista
individual, só que implica na participação de várias vozes ao mesmo tempo. É um tipo de
entrevista grupal que se diferencia dos outros tipos (Brainstorming, Delphi, Field-natural e
Field-formal), por ser de caráter formal, estruturado, onde o entrevistador tem o rol de guia ou
coordenador. Pode ser usado para triangulação, com outras ferramentas de coleta de dados.
Seu formato pode ser de entrevistas estruturadas, semi-estruturadas ou não estruturadas. É
considerada uma técnica naturalista e não é utilizado num laboratório experimental
controlado. Está ligada à observação participante, permitindo ao pesquisador completar as
informações coletadas, e assim, completar a imagem do real observado (HANSEN, 1998).
A diferença em relação à entrevista, é que o pesquisador tem acesso às falas dos
sujeitos em interação com outros sujeitos. Quer dizer, tem acesso às construções pessoais de
sentido que são não só individuais, mas construídas a partir do processo de interação com o
58
outro (HANSEN, 1998:261). Daí a sua importância como técnica de coleta de dados em
estudos de interação social, estimulando um ambiente no qual o participante é obrigado a
pensar e falar do fenômeno num ambiente menos natural e estimulado ao mesmo tempo pelas
falas dos outros participantes.
Segundo Reis (2005:2) e Hansen (1998) o grupo focal é uma técnica de entrevista em
profundidade, onde se entrevista a um grupo, não a um indivíduo. Reis (200) explica que é
uma entrevista no sentido “sociológico do termo só que, ao invés de estruturar-se como uma
relação diádica (entre entrevistador e entrevistado) marcada por uma dinâmica de pergunta –
resposta”, o processo de interlocução é moderado por um facilitador que procura instalar o
debate entre os membros do grupo, num papel diferenciado do entrevistador individual, por
que deve introduzir o tema a ser debatido pelo grupo e facilitar a sua discussão, sem deixar
que o debate perca o foco. Reis agrega que
A idéia geral desenvolvida contemporaneamente na proposta do grupo focal é
a de que a opinião de um indivíduo inserido ativamente em um grupo é como
um processo espiralar e reflexivo: avança em seu nível de definição e torna-
se mais explícita tanto para ele quanto para os outros através do processo de
interlocução (REIS, 2005).
Com o grupo focal, o pesquisador consegue observar melhor dinâmicas como atitudes
e desenvolvimento de opiniões, lideranças, conflitos subjacentes e resistências (REIS, 2005).
Segundo os autores citados, o número ideal de participantes para um grupo focal é entre cinco
e dez participantes, sendo recomendo a realização de no mínimo dois a quatro grupos focais,
dependendo da dimensão do fenômeno a observar e o objetivo da pesquisa.
Na presente pesquisa, os grupos focais pretendiam coletar a voz das comunidades no
relacionamento com a CEMIG. Foram convocados quatro grupos focais, dois em cada
comunidade, de 7 pessoas cada; mas foi só possível a realização de dois: um em cada
comunidade. A convocatória foi feita pessoalmente a todas as famílias em ambas
59
comunidades, mas na Fazenda de Santa Maria os convidados não se fizeram presentes no
local nem hora marcada, e no caso de Peixe Cru, a população que confirmou a sua
participação não era a suficiente para a realização de dois grupos focais. Em ambos casos,
considerando a facilidade da realização de entrevistas pessoais aos membros das famílias,
optou-se pela realização de um grupo em cada comunidade em complemento das entrevistas
já realizadas.
Na Fazenda de Santa Maria o grupo focal teve lugar na escola da comunidade de Santa
Cruz, comunidade de referência dos moradores das fazendas, que ficam a maior parte do
tempo nela pelo acesso aos serviços de saúde, educação e transporte. Contou-se com a
participação de 6 moradores, e teve uma duração total de 1 hora e 30 minutos. Já em Peixe
Cru, o grupo focal teve lugar no salão comunal. Contou com a participação de 7 moradores, e
teve uma duração de 1 hora e 25 minutos. Em ambos casos a pesquisadora teve que fazer vez
de moderadora, rol que foi facilitado pela confiança que se plantou desde a sua chegada às
comunidades. Utilizou-se gravador nas sessões, além de anotações, para a coleta dos dados,
seguindo um roteiro semi-estruturado, e aproveitando algumas das descobertas do estudo
antes da realização dos grupos focais, para realizar o cruzamento de informações e contrapor a
fala da empresa com a fala das comunidades.
Para a realização dos grupos focais, adotou-se a Técnica de Lista de Tópicos, que
consiste – segundo Reis (2005) - na elaboração de palavras chave ou frases para lembrar
temas a serem explorados. Nessa técnica o moderador tem a liberdade de colocar as questões
como achar melhor no transcurso da sessão. Segundo Sampson (apud REIS, 2005:11) “a
qualidade do resultado do uso dessa técnica depende muito da experiência e habilidade do
moderador”, sendo recomendada em especial para pesquisadores novos com pouca
experiência, permitindo coletar informações de muita importância que com o roteiro fixo se
perderiam.
60
A Técnica da Lista de Tópicos é mais dinâmica, e Reis (2005:11-12) apresenta quatro
vantagens de seu uso: 1) permite que o moderador possa acelerar ou prolongar a discussão
sobre determinada temática; 2) facilita a manutenção do tom conversacional durante todo o
tempo; 3) dá mais espontaneidade à discussão, permitindo até que o moderador possa prover
esclarecimentos se e quando achar necessário – permitindo a co-participação do pesquisador
na construção social dos dados durante a coleta; 4) permite ao moderador retomar temas que
não foram devidamente esclarecidos tantas vezes como seja necessário.
Em complemento, utilizou-se uma das ferramentas do diagnóstico rural participativo
(DRP) apresentadas no livro “Metodologias participativas: caminhos para o fortalecimento de
espaços público socioambientais” (SANTOS, 2005), que consiste numa serie de “enfoques e
métodos dirigidos a habilitar a população rural a compartilhar, aumentar e analisar seu
conhecimento sobre a sua vida e condições” (Ibidem:111). Estas ferramentas, permitem o
mesmo processo de decomposição da realidade em partes não com base nas palavras, mas,
sim, de representações simbólicas da realidade, sendo possível assim desenvolver o mesmo
processo de admiração e de reflexão sobre a realidade vivida (Ibidem) – ver anexo 2.
A ferramenta foi escolhida considerando as Características da população participante
dos grupos focais: pessoas de zonas rurais com baixo nível de alfabetização. A partir do uso
do “Diagrama de Venn”, tentou-se fazer uma leitura do processo de relacionamento da Cemig
com as comunidades atingidas. Por tratar-se eminentemente de um processo de diálogo e
trocas entre sujeitos, as intenções e representações históricas influenciam fortemente a
natureza e a qualidade do processo que se desenrola. Nesse contexto, a ferramenta ajuda a
reconstruir o cenário e as condições em que a interação se desenvolveu, segundo a perspectiva
dos moradores.
A ferramenta consiste no desenho de círculos (ou figuras) dispostos de forma que
representem a relação existentes entre eles, onde cada círculo representa com palavras e/ou
61
desenhos, um grupo formal ou informal da sociedade. No caso, um dos círculos representava
a comunidade, outro a Cemig e um terceiro o comunicador presente no processo de
relacionamento. O tamanho do círculo simula o poder do referido grupo, sua capacidade
efetiva de atingir seus objetivos. Quanto maior o tamanho do círculo, maior o poder
conferido. A distância entre os círculos representa a relação entre os referidos grupos. Assim,
por exemplo, se são parceiros, colaboradores, estarão próximos, podendo até se sobrepor um
ao outro, parcial ou integralmente. Se os grupos possuem objetivos, concepções e/ou práticas
diferentes, contrastantes ou antagônicas, isso estará representado pela menor ou maior
distancia entre eles (SANTOS, 2005:124).
Em cada grupo focal, foi entregue para cada participante uma folha em branco e lápis
de cor, para que cada pessoa desenhasse o diagrama segundo sua própria percepção do
processo de relacionamento com a Cemig. Segundo Santos (2005:120) é interessante observar
que as representações são formadas tanto por ações e posturas concretas anteriores, quanto
por expectativas criadas em torno do que se espera em relação às ações e posturas dos sujeitos
envolvidos. As diferenças sociais e ideológicas entre os sujeitos interlocutores trazem
dificuldades para que as visões sejam compartilhadas. Muitas são as dificuldades de caráter
político influenciadas por um contexto histórico. A habilidade em enfrentá-las é algo que deve
ser conquistado pelos indivíduos envolvidos no processo.
3.1.4. Análise de documentos
Segundo Spink (1997), o uso de análise de documentos vem da história entendida
como campo de conhecimento, que trabalha com práticas discursivas como multiplicidade de
fontes de posicionamento em tempos diferentes. A análise de documentos está ligada à
concepção de práticas discursivas; é o reconhecimento dos enunciados construídos
intersubjetivamente e formalizados institucionalmente; à identificação de regularidades
62
lingüísticas nos processos de formação e ressignificação discursiva, e à polissemia como
fenômeno que permite a representação simultânea de idéias diferentes, de saberes e fazeres,
em dimensões que se entrecruzam num ponto que é produto e produtor social, em constante
formação em tempo. Para Spink, os documentos refletem duas práticas discursivas, a primeira
entendida como gênero de circulação, como artefatos do sentido de tornar público, e a
segunda, como conteúdo, em relação aquilo que está impresso em suas páginas.
Spink (1997) assegura que os documentos são produtos em tempo e componentes
significativos do cotidiano, que complementam, completam e competem com a narrativa e a
memória, “são documentos tornados públicos, sua intersubjetividade é produto da interação
com um outro desconhecido, porém significativo e frequentemente coletivo, estão a
disposição, simultaneamente traços de ação social e a própria ação social” (SPINK,
1997:126).
Tradicionalmente, documentos transformam-se em dados através da análise de
conteúdo, tanto quantitativa quanto interpretativa. Para Hansen (1998), a análise de conteúdo
como método isolado não consegue dar a dimensão objetiva do fenômeno estudado – daí que
deva ser utilizada junto a outros métodos analíticos – mas ajuda a delinear dimensões e
aspectos que podem ser utilizados como indicadores de análises. Para ele, a análise de
conteúdo é um método por definição, quantitativo, que procura identificar e contar
ocorrências de características e dimensões específicas do texto, e a partir disso, poder dizer
alguma coisa das mensagens, imagens, representações dos textos e seus significados na
construção do tecido social. Spink (1997), de maneira complementar, argumenta que os
documentos são versões mais densas e assimétricas de tempo; a valorização daquilo que é
produzido no fazer do cotidiano; a abertura aos possíveis sentidos ou caminhos do material
coletado e os debates sobre textos, narrativas tomadas como discurso e a representação
histórica.
63
Para Hansen (1998) existem duas opções para análise dos indicadores no uso da
análise de conteúdo:
1. Contar a freqüência das ocorrências simbólicas, onde o que importa é a repetição dos
significados, e não o número de repetições.
2. Fragmentação dos significados identificados no conteúdo dos textos, interessando não
mais o número de vezes que um significado aparece no texto, mas o contexto e a
relação com outros símbolos, analisando a relação entre as dimensões descobertas no
conteúdo.
Para a análise de conteúdo dos documentos coletados para esta pesquisa, foi adotado
um processo que agrega tanto o sugerido por Spink (1997) quanto o por Hansen (1998):
Primeiro: Identificar o que interessa à pesquisa e começar a prestar atenção ao que é criado,
guardado ou deixado pela passagem do cotidiano. Feita essa inversão, começamos a nos
tornar conscientes do universo de possibilidades que existem e da densidade e variedade dos
elementos presentes na produção de sentidos. Tudo tem algo a contar, o problema é aprender
a ouvir.
Segundo: a escolha de material, que pode ser feita a partir de uma análise inicial do fenômeno
ou de forma aleatória, a partir daquilo que se apresenta – o acaso é um elemento importante e
nunca deve ser descartado. A análise de conteúdo levou três fases de seleção: primeiro, a
delimitação da mídia ou títulos a serem utilizados, seguida, então, pela seleção dos temas ou
datas a analisar e, finalmente, a seleção do conteúdo considerado relevante. Nessa última fase
deve ser delimitada a unidade de análise, que no caso da presente pesquisa, foi o parágrafo.
Terceiro: Definição das categorias analíticas: isto é, examinar o trecho selecionado de texto e
classificar as dimensões descobertas, cuidando-se de incluir somente aquelas dimensões ou
características que apresentam informação relevante para a questão de pesquisa, evitando
64
perder tempo em gerar informação que depois nem será utilizada. Para isso, utilizou-se das
categorias já definidas para a análise dos dados da pesquisa.
Quarto: A codificação está ligada à definição das categorias. A codificação é similar a um
questionário que contém as variáveis nas quais serão codificadas as unidades de texto já
selecionadas (SPINK ,1997; HANSEN,1998).
Na analise de conteúdo, foram utilizados 17 exemplares do informativo de Irapé
impresso, de divulgação bimensal, e foi analisada a tendência no conteúdo dos informativos,
identificando padrões e temas relevantes para a Cemig que formaram parte do processo de
interação com as comunidades, delimitando, assim, a sua posição e visão sobre as ações
relacionadas à construção da Usina de Irapé.
65
CAPÍTULO 4. O CASO: A INTERAÇÃO COMUNICATIVA DA CEMIG COM AS
COMUNIDADES ATINGIDAS PELA CONSTRUÇÃO DA USINA DE IRAPÉ.
4.1. O cenário do relacionamento: o Vale do Jequitinhonha e a Usina Hidrelétrica de
Irapé.
A Usina Hiderelétrica de Irapé faz parte das 54 usinas – 49 hidrelétricas, 4
termelétricas e 1 eólica – já construídas pela Cemig. No total, somam uma capacidade de
6.111 MW de produção de energia elétrica, sendo a Usina Hidrelétrica Juscelino Kubitscheck
– nome formal da usina de Irapé - o principal investimento da empresa na atualidade. A
CEMIG conta com o 100% de participação no investimento e com a geração da usina de
Irapé, terá na sua produção um acréscimo de potencia de geração de 360MW.
O projeto de construção da Usina de Irapé surge com o estudo de ‘Aproveitamento do
Potencial Energético da Bacia do Jequitinhonha’, realizado na década de 1960, ainda que “o
aprofundamento deste estudo só ocorreu [...] no governo de Newton Cardoso, através dos
‘Estudos de Inventário da Bacia do Jequitinhonha’ elaborado pela CEMIG em 1987”
(ZUCARELLI, 2006:67). Segundo LEMOS (1999:146), a Usina de Irapé veio a ser incluída
no ‘Plano 2010’ e no ‘Programa Brasileiro de Expansão de Geração 1990-1991’, como parte
do sistema brasileiro de expansão da geração e distribuição de energia
15
.
A Usina de Irapé está localizada no nordeste do estado de Minas Gerais,
especificamente na região do médio Jequitinhonha, e teve sua construção iniciada em 2002 e
concluída, com inauguração, em junho de 2006. É a hidrelétrica com a barragem mais elevada
do Brasil, com 208 metros de altura – ver ilustrações 3 e 4 -, e envolveu investimentos de
aproximadamente um 1 bilhão de reais. Do valor total do empreendimento, foram destinados,
por obrigatoriedade de lei, R$200 milhões (20% do total) a ações sociais e ambientais; um
15
No caso das hidrelétricas, as decisões são pautadas por um levantamento do potencial de produção energética
dos recursos hídricos realizado nos anos 1950. Por mais de meio século, a geração de energia elétrica tem sido
condicionada à construção de hidrelétricas, que representam 80,9% da energia elétrica produzida no Brasil
(ZHOURI, LASCHEFSKI & PAIVA, 2005:102).
66
valor sem precedentes para esse tipo de coisa tanto para a Cemig quanto para o setor de
geração de energia elétrica. É esse dinheiro que vai subvencionar o que veio, mais tarde, a ser
identificado como o projeto de responsabilidade social da Cemig junto aos municípios da
região e, em especial, junto às comunidades atingidas diretamente pela construção da usina de
Irapé.
A Usina conta com um reservatório de 13.700 hectares – ilustrações 2 e 3 -, que ocupa
137km2 pertencentes a sete municípios (Berilo, Botumirim, Cristália, Grão Mogol, José
Gonçalves de Minas, Leme do Prado e Turmalina), de onde foram deslocadas cerca de 5.000
pessoas de 51 comunidades, num total de 1.151 famílias; moradores das margens do rio
Jequitinhonha e seus afluentes (www.irape.com.br, acesso em março, 2006; LEMOS, 1999;
ZUCARELLI, 2006).
Mapa 1 – Localização da Usina de Irapé no Estado de Minas Gerais.
A Usina de Irapé está localizada na região conhecida como Vale do Jequitinhonha, por
ser os entornos de onde passa o rio do mesmo nome, que tem a nascente em Pedra Redonda,
no município de Serro, em Minas Gerais, e a sua foz em Belmonte, no estado de Bahia. O
vale tem uma extensão de 71.552 km quadrados, compreendendo mais de cinqüenta
67
municípios e uma população aproximada de 1 milhão de pessoas. O rio historicamente foi, e
ainda continua a ser, o principal fator de desenvolvimento da região, contribuindo para a sua
ocupação, dada a existência de jazidas minerais em seu leito e vales, e em virtude de ser
navegável em muitos pontos.
Segundo dados do ‘Guia Socioeconômico, Histórico e Cultural da Usina de Irapé’, que
recolhe o perfil socioeconômico da região, a grande incidência de ouro e diamante,
explorados principalmente nos séculos XVII e XIX, motivaram a ocupação do Alto
Jequitinhonha, estimulando a prática do garimpo de ouro e diamante, bem como a exploração
de pedras preciosas e semipreciosas, como morganitas, águas marinhas, topázios azuis,
turmalinas e berilos, que até hoje faz parte da subsistência de muitas famílias moradoras na
beira do rio (COMPANHIA ENERGÉTICA DE MINAS GERAIS, 2006:5).
Após o ciclo do ouro e do diamante, com a liberação dos escravos, a região foi
marcada por um forte processo de saída de pessoas para outras regiões, atraídos pelo
desenvolvimento e a busca de terras mais aptas para o cultivo. Assim, as migrações e o
isolamento do Vale do Jequitinhonha contribuíram para a autonomia produtiva das fazendas,
estimulando a agricultura familiar, voltada principalmente para a subsistência, prática mantida
até agora. A partir dessas práticas, a região se caracteriza por uma cultura peculiar baseada
numa organização social e divisão do trabalho de caráter familiar, onde a propriedade da terra
é menos importante que seu usufruto. “Os princípios do convívio se estenderam para as
relações com a natureza: a agricultura e o extrativismo funcionam em sintonia com os ciclos
naturais e as disponibilidades do ambiente” (COMPANHIA ENERGÉTICA DE MINAS
GERAIS, 2006:14). O registro de seus problemas graves nas áreas de educação, saúde, renda,
entre outros, fez com que a região – e seus moradores - estivesse sempre ligada a uma
imagem de ‘Vale da Miséria’, uma visão sempre focada na fundamentação da necessidade de
intervenções públicas na região, intensificando a idéia de que a região é um ‘insignificante’
68
fornecedor de matéria-prima, limitada em relação aos nichos privilegiados da produção,
fortalecendo-se assim, o estigma de ‘atraso’ regional (ZUCARELLI, 2006:17; ZHOURI &
LIVEIRA, 2005). Apesar destas ‘percepções’ terem se tornado lugar-comum,
[...] pouco se sabe a respeito das redes sociais dos moradores do
Jequitinhonha, da lida com a terra, da interação com a natureza, da sua forma
organizativa e dos modos diversos de convívio com as adversidades naturais.
Quase nada é divulgado sobre a ciência fenomenológica de seus moradores,
que lhes proporciona uma convivência com a distribuição desigual das
chuvas, com as irregularidades e as formas diferenciadas de tratamento dos
terrenos, da agricultura, do extrativismo vegetal, da pecuária, das relações
sociais e políticas (ZUCARELLI, 2006:18).
Para ZUCARELLI (2006:20) a idéia de ‘Vale da Miséria’ conferida à região se
explicaria a partir da concepção de ‘desenvolvimento’ como é entendida no mercado global,
onde está inserida, entre outros agentes do setor elétrico, a CEMIG, capaz de fornecer
insumos ao modelo capitalista de produção. Nesse sentido, a identidade negativa da região se
configura como justificativa para a implementação autoritária de projetos do governo em
nome do ‘desenvolvimento regional’, sem considerar as características dos moradores, seus
direitos, sua condição cidadã, a sustentabilidade das comunidades, a demanda energética do
mercado regional (principalmente o industrial).
Na década de 1940, o governo de Minas Gerais iniciou a concentração de seus
objetivos em prol do crescimento industrial, entendido, a partir do discurso oficial, como
sinônimo de ‘progresso’. Assim, os estudos preliminares político-ecônomicos do governo se
configuraram em medidas estratégicas voltadas para a modernização regional a partir de um
plano de industrialização, um estudo sobre a eletrificação do estado, um plano rodoviário e
um trabalho sobre o transporte ferroviário. ZHOURI & OLIVEIRA (2005:54) e ZUCARELLI
(2006:44) explicam como, nessa mesma década, a necessidade do aumento na geração de
energia elétrica, justificado na procura da expansão industrial, gera um
69
[...] processo de substituição gradativa das 424 ‘pequenas’ usinas
hidrelétricas existentes até 1941, pela construção das grandes hidrelétricas.
Dessas 424 ‘pequenas’ usinas hidrelétricas, 322 pertenciam a diferentes
empresas, quase todas da iniciativa privada. Já as grandes hidrelétricas eram
construídas, exclusivamente, com investimentos públicos
16
(ZUCARELLI,
2006:44).
Posteriormente a essa tendência de desenvolvimento, com a chegada de Juscelino
Kubistchek (JK) ao governo do Estado – em 1951 - a orientação política se modifica em
direção à construção de uma outra concepção de desenvolvimento industrial, propiciando
ainda mais o isolamento comercial do Vale, que não consegue competir com a modernização
agrícola das regiões vizinhas, perdendo o
70
Ao final da década de 1980, após o fracasso da tentativa de ‘desenvolvimento’
regional, o governo do estado concentra sua ação na realização de obras de infra-estrutura,
como estradas, energia elétrica e irrigação
17
através do programa ‘Novo Jequitinhonha’,
implementado de 1987 a 1991. Como parte das ações desse programa, a CEMIG elabora um
plano para a região que envolve a construção da Usina de Santa Rita, abandonado em 1989
pelo alto custo, e parte para a elaboração dos estudos de viabilidade da Usina de Irapé e para a
proposição e construção de 14 barragens de perenização para uso múltiplo das águas
18
(LEMOS, 1999; ZHOURI & OLIVEIRA, 2005; ZUCARELLI, 2006). Apesar da finalidade
do programa visar a intervenção do Estado no Vale, numa perspectiva modernizadora, a partir
do planejamento regional integrador e políticas públicas de desenvolvimento; o “Novo
Jequitinhonha” teve como saldo perdas sociais, materiais, culturais e simbólicas para a
população rural.
Apesar disso, os estudos sobre a viabilização da usina de Irapé não foram descartados
e, mesmo com o fracasso do projeto governamental de desenvolvimento da região, em 1991
inicia-se uma nova fase de planejamento de barragens para a geração de energia sob a
responsabilidade da CEMIG, onde o primeiro empreendimento a seria a Usina de Irapé, que já
estava proposta nos estudos de inventário da bacia do Rio Jequitinhonha realizados nos anos
1960 e aprofundados nos anos 1980 pela CEMIG (LEMOS, 1999:145; ZHOURI &
OLIVEIRA, 2005; ZUCARELLI, 2006:50). Esses projetos de infra-estrutura
[...] tinham como objetivo principal constituir uma região auto-suficiente em
termos energéticos e de disponibilidade hídrica, fazendo com que indústrias e
novos projetos agropecuários se instalassem na região para reverter o ‘atraso
econômico’ secular (ZUCARELLI, 2006:52).
17
Essas ações tiveram como coordenador dos órgãos e entidades a investir, o GEVALLE, Grupo Executivo de
Coordenação das Ações dos Governos Estadual e Federal no Vale do Jequitinhonha, criado pelo Governo do
Estado de Minas Gerias em 1987.
18
Entenda-se irrigação, geração de energia, abastecimento rural e urbano de água, proteção contra enchentes,
controle de sedimentos e controle de recursos hídricos.
71
Durante a década de 1990 e impulsionada pela crescente crise energética que veio a
desaguar na ‘crise do apagão’, deflagra-se, efetivamente, o processo da construção da Usina
de Irapé.
Atualmente, segundo a Fundação João Pinheiro (COMPANHIA ENERGÉTICA DE
MINAS GERAIS, 2006:18), o Vale de Jequitinhonha tem um Índice de Desenvolvimento
Humano (IDH)
19
médio de 0,665,
20
, enquanto o IDH médio para o estado de Minas Gerais é
de 0,773. Na tabela No. 1 observa-se o IDH para o ano 2000 de cada um dos nove municípios
da região onde a CEMIG interferiu diretamente com a construção da Usina de Irapé.
Tabela 2 - Índice de Desenvolvimento Humano de cada um dos nove municípios atingidos pela Usina
de Irapé para o ano 2000.
Município IDH ano 2000
Berilo 0,680
Botumirim 0,665
Cristália 0,647
Grão Mogol 0,672
José Gonçalves de Minas 0,646
Josenópolis 0,610
Leme do Prado 0,683
Turmalina 0,705
Virgem da Lapa 0,664
Fonte: dados da Fundação João Pinheiro (COMPANHIA ENERGÉTICA DE MINAS GERAIS, 2006)
O quadro da região atualmente, em termos de geração de Produto Interno Bruto – PIB
(indicador a partir da soma dos valores de todos os bens produzidos na região) não revela uma
realidade muito distinta da revelada pelo IDH: a soma do PIB dos nove municípios atingidos
19
O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) foi criado com a idéia de desenvolver um índice sintético que
representasse o desenvolvimento humano, abrangendo outros aspectos além dos econômicos. Antes do IDH, o
Produto Interno Bruto – PIB, era o índice normalmente usado. Reconhece-se que o índice não é completo, a final
trata-se de um número e como tal, dificilmente representaria toda a complexidade de uma sociedade. Ainda
assim, o IDH tem sido cada vez mais usado em todo o mundo, composto de indicadores de educação,
longevidade e renda.
20
IDH menor que 0,500 é considerado baixo desenvolvimento humano. Entre 0,500 e 0,799: médio
desenvolvimento humano. E maior de 0,800: alto desenvolvimento humano.
72
pela Usina de Irapé corresponde a apenas 0,16% do PIB de todo o estado de Minas Gerais
para o 2000, ainda segundo dados da Fundação João Pinheiro (COMPANHIA ENERGÉTICA
DE MINAS GERAIS, 2006). O maior PIB na região advém do setor de serviços, seguido pelo
setor de agropecuária, extração vegetal e pesca, e finalmente o PIB do setor industrial.
Na verdade, o modelo desenvolvimentista que gerou a proposta de construção da
Usina de Irapé é atualmente avaliado por especialistas como obsoleto, por premiar a geração
de energia elétrica dentro de um modelo energético tradicional, altamente centralizado e
inflexível a outros recursos. ZHOURI, LASCHEFSKI & PAIVA (2005:102) criticam esse
modelo tomando por referência a maior crise energética brasileira, o apagão de 2001, que se
dá em conseqüência da escassez de chuvas e subseqüente redução dos níveis de água nos
reservatórios. Segundo os autores, existem registros da época sobre o desenvolvimento de
tecnologias inovadoras, que reduziam o consumo brasileiro, implicando até a sobra da
capacidade instalada de geração de 7500MW para o ano 2003, mas “aquilo que se apresentava
como uma oportunidade ímpar para se repensar o setor elétrico motivou, ao contrário, a
retomada de políticas imediatistas, consideradas até então ultrapassadas”. Assim, apesar da
crescente redução das águas que viu-se a partir da década de 80, durante as década de 1980 e
1990, o governo estimulou e subsidiou a construção de novas hidrelétricas, com megaprojetos
de barragens, apesar de duramente criticadas pelos riscos sócio-ambientais que
representavam. O discurso oficial de justificativa da manutenção e incentivo a tais propostas
era “a necessidade do ‘crescimento econômico’ e o problema de ‘disponibilidade de energia’”
(loc. cit.).
Quando entrou na região para efetivamente implementar a construção da barragem da
usina de Irapé, a Cemig encontrou um contexto de descrença de que, após tantos anos de
‘ouvir falar’, a construção viesse a acontecer e uma grande resistência, por parte das nova
comunidades que viriam a ser atingidas, em alterar seu local de residência e seu modo de
73
vida. Na margem direita do rio, a construção da usina iria afetar radicalmente a vida dos
municípios de Turmalina, Leme do Prado, José Gonçalves de Minas, Berilo e Virgem da
Lapa; na margem esquerda a dos municípios de Botumirim, Cristália, Grão Mogol e
Josenópolis, como pode se observar no mapa abaixo.
Mapa 2 – Municípios atingidos pela Construção da Usina de Irapé
Foto 1 – Vistas do Rio Jequitinhonha, Vale do Jequitinhonha.
74
Não que as nove cidades viessem a ser integralmente reassentadas, mas comunidades
inteiras dessas nove cidades teriam de vivenciar esse doloroso processo por causa da
construção e enchimento do reservatório. Adicionalmente, a construção da usina implicaria
em recrutamento de mão-de-obra local para as obras; alocação, nas cidades da região, de mão-
de-obra especializada, incremento do comércio local, etc.
Vendo a questão de ganhos, e não de perdas, a CEMIG sempre argumentou que a
região em geral viria a ser beneficiada com a implementação do empreendimento da Usina, na
medida em que ela gera novas oportunidades de desenvolvimento. Segundo o Superintendente
de Comunicação Empresarial da empresa, a região, até então, vivia um impasse: “não tinha
energia para crescer porque não tinha indústria para consumir e não tinha indústria instalada
por que não tinha energia. A obra vai permitir a inclusão dessa região na cadeia de
desenvolvimento do Estado” (MICHALICK, 2005:86).
Ao lado das comunidades atingidas e defendendo seu ponto de vista inclusive
publicamente junto à imprensa, estavam ONGs ambientalistas e grupos de instituições
acadêmicas sérias, como a UFMG. Do lado da Cemig, o governo e as políticas públicas
vigentes.
Foto 2 - Área da lagoa do reservatório antes do enchimento. Novembro de 2005.
75
Foto 3 – Lagoa do reservatório em processo de enchimento. Julho 2006.
Na verdade, no Brasil, a construção de usinas do porte da de Irapé ainda é um grande
negócio, se vista do ponto dos seus baixos custos construtivos, resultantes de uma política de
subvenções, subsídios e financiamentos oferecidos pelo Estado, e não de um livre mercado
concorrencial de energia. Essas políticas governamentais dispensam investimentos maiores
por parte das empresas e tornam altamente lucrativos empreendimentos que seriam
praticamente inviáveis pelo custo econômico da sua construção. Assim, a usina de Irapé que
teve um custo de mais de um bilhão de reais, foi viabilizada a partir do aporte de R$120
milhões do governo estadual (ZUCARELLI, 2006:24).
Independentemente das críticas que possam ser feitas, de fato, a construção da usina se
justifica a partir de seu objetivo enunciado: a geração e distribuição de energia para atender ao
norte de Minas e sul da Bahia, regiões carentes de energia elétrica e à potencial demanda de
um setor industrial a ter o seu crescimento estimulado. Segundo estudos apresentados pela
CEMIG, a usina será capaz de abastecer perto de um milhão de consumidores residenciais,
razão pela qual está classificada pela ANEEL como um ‘produtor independente de energia’.
“Neste caso, a energia representaria um insumo importante para alavancar o desenvolvimento,
76
pela atração de investimentos industriais e agroindustriais que dinamizariam a economia
regional” (LEMOS, 1999:146; ZUCARELLI, 2006:68)
21
.
Foto 4 – Vista panorâmica da Barragem de Irapé. Novembro, 2005.
Foto 5 – A Barragem de Irapé de 208 metros de altura. Julho 2006.
21
Com a auto-suficiência energética do Norte de Minas, haveria o desenvolvimento dos municípios mais
próximos, como o caso de Grão Mogol, onde a Companhia Vale do Rio Doce teria interesse em instalar duas
serrarias, aproveitando a existência de matéria prima oriunda do reflorestamento; o que, por sua vez, poderia
incrementar a indústria moveleira. Além disso, a construção da usina propiciaria a melhoria das estradas e infra-
estrutura regional, o desenvolvimento da irrigação e a exploração turística do lado formado com a barragem.
Outro ponto positivo seria a geração de empregos diretos e indiretos e o incremento do comércio pela formação
de uma comunidade em torno da construção da barragem (LEMOS, 1999:152).
77
Segundo Cevallos (2006), o Brasil é um dos países de América Latina com maior
quantidade de usinas elétricas do mundo, aproximadamente 600
22
e, da mesma forma que
outros países da região, não está livre de pressões e movimentos anti-barragem. Frente a uma
realidade onde as usinas hidroelétricas são preferidas em relação a outras fontes de energia
poluidoras, num momento crítico para o Brasil em que não está garantida a oferta elétrica a
partir de 2008, o setor considera importante levar a sério os impactos sócio-ambientais,
procurando equilíbrio entre as necessidades energéticas e os efeitos dos projetos, onde
“escutar as populações atingidas” parece ser uma possível via de solução.
As populações diretamente afetadas com a construção das barragens perdem a base
material de suas existências, e as condições ambientais apropriadas à sua forma de produção e
subsistência, além das suas referencias culturais e simbólicas, redes de parentesco, memória
coletiva, etc.; ainda que, ao mesmo tempo, com o processo de reassentamento, ganharam
melhores condições de vida, serviços básico como eletricidade, água encanada, controle de
esgotos, melhoras nas vias de acesso, etc. Mas, como explicam ZHOURI & OLIVEIRA
(2005:56), a construção da usina implicou na mudança não só do local de moradia das
famílias afetadas por causa do enchimento do reservatório, mas mexeu com a base da
segurança das pessoas: o lugar onde moram, sendo que os ganhos matérias nem sempre são
vistos como tais.
Segundo as autoras, esse processo de incremento do aspecto negocial-lucrativo da
empresa suportado por uma ideologia de desenvolvimento ‘redentor’, às custas da
expropriação compulsória de comunidades locais inteiras sentindo atropeladas em seus
direitos territoriais e de cidadania, dá visibilidade aos diferentes interesses daqueles que, para
fins desta pesquisa, são os principais sujeitos interlocutores. ZHOURI & OLIVEIRA (2005)
22
As barragens, segundo contam ZHOURI & OLIVEIRA (2005:51), já desalojaram mais de 200 mil famílias no
Brasil, equivalente a um milhão de pessoas de segmentos sociais vulneráveis, em sua maioria populações
ribeirinhas, inundando 3,4 milhões de hectares de terras férteis e florestas.
78
explicam como este confronto de dois agentes sociais gera um conflito ou uma luta pelo direto
ao espaço ambiental tradicionalmente ocupado, caracterizada por elas como uma “luta pela
apropriação material e simbólica da natureza, pela definição e reconhecimento dos
significados, atribuídos ao território em que se opõem imagens de pobreza e fartura” (Ibid.).
A partir do impacto sócio ambiental da obra na região de Irapé e pelo marco legal
(contemporâneo) no qual se desenvolve a obra, a CEMIG vê-se obrigada a se preocupar com
a sorte das comunidades envolvidas pelos seu projeto de construção de barragens e a investir
na recomposição geográfica e desenvolvimento social dessas comunidades, uma prática que
faz parte do histórico da empresa (consultar anexo 2), mas que no caso teve uma dimensão
diferencial a partir da constituição da equipe de comunicação que entrou na região, que deu ao
processo uma característica dialógica, de destaca em relação aos outros processo de
reassentamento.
Como já foi dito boa parte da energia produzida pela CEMIG é de base hídrica e tem
feito parte da história da empresa o investir na construção de barragens. Desalojar populações,
talvez possa ser dito que, historicamente, era tratado pela CEMIG como uma tecnicalidade a
mais do processo de construção de barragens até a decisão de construção de Usina de Irapé.
O maior impacto do empreendimento de Irapé referia-se ao meio sócio-econômico,
não apenas pelo deslocamento compulsório de cerca de 3.000 pessoas, mas também pelo
acréscimo de 3.900 pessoas à região (cerca de 2.500 trabalhadores e famílias e mais 1.400
pessoas em busca de oportunidades de emprego). Este aumento populacional deveria
pressionar os serviços básicos e a infra-estrutura urbana já precária dos povoados,
deteriorando-os ainda mais (LEMOS, 1999:190).
Além dos impactos relativos à mudança da dinâmica social (a partir do deslocamento
da população) e dos impactos ambientais na flora e fauna, a construção da Usina de Irapé
altera o ritmo e modo de subsistência da população, ao inundar as áreas conhecidas como de
79
vazante, que são porções de terras que se encontram às margens dos rios. Como o Vale possui
baixo índice pluviométrico, concentrado entre os meses de novembro e fevereiro, as áreas de
vazante surgem no período da seca (março – outubro), quando o rio tem sua vazão diminuída.
As variações do volume da água no leito do rio permitem que essas áreas sejam naturalmente
fertilizadas, sem a necessidade da adição de adubos ou corretivos para o solo. Com isso, a
apropriação dessas terras se torna de extrema importância para as comunidades ribeirinhas,
pois são nelas que as famílias desempenham a agricultura de base familiar na época de
escassez das chuvas. Com o represamento do rio, o fluxo normal de sedimentos orgânicos que
fertilizam as margens do rio, também à jusante, perde esta característica natural. Assim, tanto
à montante como à jusante, as áreas ribeirinhas são inviabilizadas para a agricultura. Na
jusante, ocorre de forma mais drástica por um trecho de 24 km até o encontro do rio
Jequitinhonha com o rio Vacaria, quando o rio retoma uma vazão razoável. Nesta extensão,
254 famílias são diretamente prejudicadas, uma vez que elas dependem do rio Jequitinhonha
para diversos fins, inclusive para abastecimento de água (ZUCARELLI, 2006:70).
4.2. Duas das comunidades interlocutoras da Cemig: Peixe Crú e Santa Maria
Já foi dito que, para a realização da presente pesquisa, foram selecionadas para um
estudo em profundidade de sua situação de sujeito interlocutor, duas das comunidades
diretamente atingidas, uma em cada margem do rio. Na escolha das comunidades foram
consideradas as condições de acesso, as suas características, além do grau de resistência dos
moradores das comunidades durante o processo de negociação pela implementação do
empreendimento. As comunidades escolhidas representam casos opostos; uma das
comunidades -Peixe Cru- , tem características urbanas e é a que recebeu maior atenção por
parte da empresa, devido às condições impostas por lei que obrigaram a empresa a realizar a
sua relocação total respeitando integralmente os padrões urbanos vigentes. A outra
80
comunidade, Santa Maria, tem características rurais e é das que teve menos atenção por parte
da empresa, seja por representar a tendência na maioria das comunidades que foram
reassentadas, seja pelo fato de ser a comunidade que teve condições de ser reassentada o mais
próximo possível de seu local original.
A comunidade reassentada de Santa Maria, situada na margem esquerda do rio e
localizada no município de Botumirim, é vizinha da Vila Santa Cruz, onde originalmente
morava a maioria das famílias reassentadas que foram atingidas nas suas terras de cultivo e
produção. A dinâmica de cultivo familiar faz com que muitas das famílias, antes do
reassentamento, tivessem moradias na Vila Santa Cruz e moradias na margem do rio que foi
atingida pelo reservatório. Assim, na hora da negociação com a CEMIG, a maioria de suas
famílias escolheu ficar no reassentamento a ser constituído na Fazenda Santa Maria,
aproveitando a sua proximidade da vila de Santa Cruz.
Foto 6 – Vista da Vila Santa Cruz. Foto 7 – Vista da Vila Santa Cruz
A comunidade de Santa Maria ocupa a segunda maior fazenda que a CEMIG adquiriu
e, como já foi dito, é a mais próxima à comunidade de origem. São no total 34 lotes de 50
hectares para cada uma das 22 famílias reassentadas, num espaço total de 3474 hectares. As
81
famílias tiveram o processo de mudança para as novas residências no segundo semestre de
2005. Cada família obteve, além da terra, uma casa com abastecimento de água e eletricidade
(coisa inexistente anteriormente); sementes e mudas para dar início a uma nova plantação (já
que a antiga estava perdida); acesso à escola (antes não garantido) e ao posto de Saúde da Vila
Santa Cruz (onde também foram instalados telefones públicos), além de ter obtido a
viabilização de um acesso, pela estrada, ligando Santa Cruz a Boutimirim com linha de ônibus
regular.
Foto 8 – Casa construída pela CEMIG na Fazenda de Santa Maria, reassentamento.
Adicionalmente, as famílias reassentadas foram atendidas e apoiadas por psicólogos,
através de convênio específico realizado entre a CEMIG e a SEDESE (Secretaria de
Desenvolvimento Social e Esporte de Minas Gerais), como parte do processo de mudança e
reassentamento. Hoje as famílias reassentadas de Santa Maria contam com uma associação da
comunidade constituída para dialogar com a Cemig durante o processo de negociação para
82
construção da Usina e que tem, entre outros, o objetivo de dar seguimento à assistência
técnica que é prestada pela EMATER que vai ser mantida por oito anos na região como parte
dos benefícios previstos no Termo de Acordo da Usina de Irapé.
A segunda comunidade escolhida para a realização da pesquisa está localizada na
margem direita do rio Jequitinhonha, no município de Turmalina. A comunidade de Peixe Crú
é a única comunidade totalmente deslocada e reassentada na sua estrutura de comunidade, por
ser completamente atingida pelo reassentamento na localidade original. O Novo Peixe Crú,
como é conhecida a comunidade reassentada, é o único reassentamento que teve planejamento
urbanístico com calçamento, jardins, casas divididas por muros, pavimentação e lotes para
extensão do povoado. Foram construídas 21 moradias em lotes com entrada de acesso, todas
com água encanada e tratada; pistas de rolamento das vias públicas pavimentadas em pré-
moldados de concreto; calçadas em concreto; sistema de captação e drenagem de águas
pluviais; sistema de distribuição de água para os 40 lotes; sistema de esgoto sanitário; rede
elétrica e iluminação pública; casa paroquial; escola; creche; centro comunitário; posto de
saúde; posto telefônico; bar; mercearia; cemitério; campo de futebol; piscina; praça com
coreto; arborização urbana e tratamento paisagístico. De especial destaque, a relocação da
Igreja Bom Jesus, reconstruída mantendo características originais, com utilização parcial do
material original e preservação de alguns elementos construtivos.
Foto 9 – Vista do reassentamento do Novo Peixe Cru, estrutura de povoado construído pela CEMIG.
83
Foto 10 – Vista do reassentamento do Novo Peixe Cru, estrutura de povoado construído pela CEMIG.
A composição de reassentamento diferenciada de Peixe Crú se dá para respeitar a
estrutura comunitária na localidade de origem, na margem do rio Jequitinhonha, que
atualmente está sendo cheia pelo reservatório. O processo de mudança aconteceu no primeiro
semestre de 2005, sendo inaugurada em setembro do mesmo ano. Novo Peixe Crú contou
com uma maior presença física da direção do projeto de Irapé da CEMIG em função do
delicado processo de reassentamento que representou; no Termo de Acordo foram negociadas
condições especiais para esta comunidade.
Foto 11- Moradia no Peixe Cru Velho.
84
Foto 12- Moradia construída pela CEMIG, de D. Luisa, Peixe Cru Novo.
Foto 13 – Igreja Bom Jesus, reconstruída no Novo Peixe Cru a partir no modelo original, com os mesmo
materiais.
85
Foto 14 – Placa de inauguração da Comunidade Peixe Cru.
4.3. As regras do jogo: o marco legal normativo do relacionamento
23
A atuação sócio-ambiental da CEMIG na construção da usina de Irapé não só é
determinada pela sua consciência de atuação responsável, que caracteriza o histórico da
empresa, mas responde em grande parte, à regulação da legislação brasileira para a construção
de uma hidrelétrica, baseada em decretos, leis e deliberações normativas estaduais. O
processo é o seguinte: o Ministério de Minas e Energia (MME) detém os estudos de
estimativa do potencial hidrelétrico dos rios brasileiros. A partir desse levantamento, é feita
uma análise de toda a bacia hidrográfica referente à exploração do empreendimento almejado,
culminando nos estudos de inventário hidrelétrico (que no caso de Irapé foram concluídos na
década de 1960 fundamentando-se somente nos potenciais hidroenergéticos). Baseados nestas
informações, os interessados em explorar o potencial hidroenergético de certas localidades
23
Ainda que o objetivo da pesquisa não seja analisar o processo de licenciamento ambiental, considera-se
importante a discrição do marco legal, para contextualizar ao leitor na complexidade do caso estudado.
86
precisam entrar com o requerimento de Licença Prévia para iniciar os estudos de viabilidade
que, teoricamente, oferecerão suporte técnico para os processos de licitação da concessão. A
outorga para concessão exploratória do ponto escolhido é deliberada por uma Portaria do
Ministério de Minas e Energia, gerenciada pela Agência Nacional de Energia Elétrica
(ANEEL). Esta Agência coordena todo o processo de licitação, desde o lançamento do edital
até a assinatura do contrato de concessão - a outorga para a realização dos estudos da Usina de
Irapé foi dada pelo Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica através da Portaria
no. 317 de 18/12/1991.
A partir dessas deliberações, o licenciamento ambiental segue as normas dos órgãos
estaduais responsáveis pela concessão das licenças ambientais dentro do próprio estado, que
em Minas Gerais é o Conselho de Política Ambiental (COPAM), que delibera a concessão ou
não das licenças ambientais solicitadas pelos empreendedores. Para subsidiar essa
deliberação, cabe à Fundação Estadual de Meio Ambiente (FEAM) analisar os Estudos de
Impacto Ambiental (EIA) e o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), apresentados pelo
empreendedor, e emitir pareceres técnicos que subsidiam as decisões políticas dos
conselheiros membros da Câmara de Infra-Estrutura (CIF) da COPAM (responsável pelas
deliberações referentes ao licenciamento ambiental das hidrelétricas).
Uma vez concedida a Licença Prévia (LP) pelo COPAM, o empreendedor, no caso, a
CEMIG, deve elaborar um Plano de Controle Ambiental (PCA) com informações mais
detalhadas sobre o projeto executivo e submetê-lo à apreciação da FEAM para a emissão de
um novo parecer técnico que sustentará ou não a concessão da Licença de Instalação (LI),
etapa subseqüente. Com esta licença, o empreendedor pode dar inicio à construção do
empreendimento mas, quando a obra estiver pronta, deve submetê-la novamente a avaliação
da FEAM e da CIF para a concessão ou não da Licença de Operação (LO). Somente com esta
87
última licença ambiental obtida, pode-se dar início ao enchimento do reservatório e o
conseqüente funcionamento da usina(LEMOS, 1999; ZUCARELLI, 2006).
4.3.1. O Termo de Acordo: o resultado formal da negociação de interesses
Como já pôde ser percebido, o processo de licenciamento ambiental de uma
hidrelétrica está inserido em uma complexa estrutura de relações conflitantes, “na qual estão
em disputa modos diferenciados de apropriação, uso e significação do ‘espaço ambiental’”
(ACSELRAD, 2004; MARTÍNEZ-ALIER, 2002).
No caso de Irapé, esse cenário levou ao estabelecimento compulsório de um
relacionamento com dimensões legais, sociais e comunicativas entre a empresa e as
comunidades a serem atingidas visando um acordo de interesses que, quando obtido, veio a
ser institucionalizado em um documento rotulado Termo de Acordo.
Como já foi dito, a idéia da construção da Usina de Irapé já existia desde a década de
1950, mas foi fortalecida em 2001 pela ocorrência da ‘crise energética’, que estimulou o
racionamento de energia elétrica imposto pelo governo federal a partir das estimativas de
crescimento econômico do país. Na época, os argumentos para maiores investimentos em
infra-estrutura, em prol do chamado progresso, passaram a propor à sociedade o
‘abrandamento’ das normas ambientais vigentes em detrimento do efetivo cumprimento da
legislação pertinente e de direitos constitucionais específicos (ZUCARELLI, 2006:19).
Há uma divisão entre os envolvidos no processo; de um lado, existe uma disputa por
um espaço a ser ocupado; desta vez, para construção de uma usina hidrelétrica cujo objetivo
final é fornecer insumos energéticos às indústrias, conforme a ‘demanda’ de crescimento
econômico industrial do país. O espaço que é visto como possível ‘espaço vazio’, interessante
aos anseios mercadológicos da empresa; mas que adquire significação social distinta para as
comunidades, que vêem naquele mesmo espaço, atribuições ecológicas para manutenção de
88
seus modos de vida. “São [pessoas] que constroem socialmente diferentes concepções deste
mesmo ‘espaço’” (ZUCARELLI, 2006:25).
O conflito se estabelece a partir dos diferentes sentidos dados para o uso desse espaços
e os agentes em interação são levados a participar de uma luta política pela redistribuição do
poder sobre os recursos territorializados, pela legitimação e deslegitimação das práticas de
apropriação da base material das sociedades e/ou de suas localizações (ZUCARELLI,
2006:26).
Como forma de definir formalmente um ponto intermédio entre os interesses da
empresa e as demandas das comunidades atingidas, cria-se um Termo de Ajustamento de
Conduta -um termo de acordo, num processo de elaboração complexo, cuja assinatura trouxe
para o processo de relacionamento duas importantes significações: a primeira, refere-se ao
teor simbólico do documento, que reflete a existência de uma conduta transgressora daquele
que descumpriu um direito fundamental da coletividade; e a segunda, é o reconhecimento das
comunidades rurais do Vale de Jequitinhonha enquanto atingidas pelo projeto hidrelétrico e,
como tal, portadoras do direito ao reassentamento para continuidade da reprodução social das
famílias (ZUCARELLI, 2006:112).
O Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) da instalação da Usina de Irapé foi
instituído pela lei 7.347/85, com redação dada pela lei 8.078 de 11 de setembro de 1990, que
confere aos órgãos públicos o poder de obter “um ‘compromisso de ajustamento de conduta
às exigências legais’ daqueles que estejam atuando ou com possibilidade de atuar em
descompasso com as regras de proteção dos direitos transindividuais” (ZUCARELLI,
2006:114). No caso de Irapé, o TAC acabou assumindo a forma de um ‘Termo de Acordo’,
onde muitas das condicionantes foram impostas pela FEAM e outras a partir do processo de
negociação com as comunidades. Segundo ZUCARELLI (2006:115), isto poderia representar
89
uma normatização procedimental do transgressor que assume o exercício de
uma conduta fora dos parâmetros exigidos em um processo de licenciamento
ambiental, transforma-se, num segundo momento, em um processo de
‘conciliação (ZUCARELLI, 2006:115).
A atuação ambiental e social da CEMIG na região, no empreendimento da Usina de
Irapé, que caracterizou a relação empresa – comunidades atingidas, foi desenvolvida dentro
das condicionantes do ‘Termo de Acordo’ que devia ser cumprido para obter o licenciamento
da geração de energia na Usina. O Termo foi assinado o 5 de julho de 2002, entre a CEMIG, a
Fundação Estadual do Meio Ambiente, com a intervenção da Fundação Cultural Palmares, a
Associação Quilombo Boa Sorte e a Comissão de Atingidos pela Barragem de Irapé, sob o
controle do Ministério Público Federal e a Procuradoria da República de Minas Gerais.
Grosso modo, esse Termo de Acordo procura a adoção de medidas que visem à melhoria da
qualidade do meio ambiente e a reconstituição de direitos das populações atingidas pela
barragem de Irapé.
Segundo proposta da Cemig, as famílias atingidas tinham três modalidades de opção
para reconstituição de seu direito de posse e uso da terra:
(1) Reassentamento
, onde foram considerados os proprietários das áreas afetadas; os
posseiros, junto com as suas entidades familiares; parceiros e agregados junto com entidades
familiares que residam e/ou trabalhem no espaço impactado, e os membros de famílias ou
grupos de parentes que não residam ou trabalhem no espaço impactado, mas que tenham
mesmo grau de parentesco em relação a proprietários ou posseiros de terras havidas por
herança e mantidas em comum, que residam e/ou trabalhem no espaço
24
. No total foram 632
famílias que escolheram pela modalidade de reassentamento.
(2) Realocação na área remanescente da propriedade atingida, onde eram considerados
os proprietários e posseiros de terras afetadas que optassem por permanecer na propriedade;
24
Os reassentados tiveram direito a definir o tipo de casa em que pretenderam morar e puderam construir a sua
moradia com esforço próprio ou a obra a terceiros.
90
os não proprietários na área afetada em acordo com o proprietário do imóvel. Esta modalidade
consistia na realocação das benfeitorias não reprodutivas dentro da área remanescente da
propriedade afetada e considerava a possibilidade da continuidade da produção nessa área e
que as famílias residentes queiram permanecer na propriedade.
(3) Troca por outra terra (Permuta). Essa opção considerava a mudança para outra
terra de valor socioeconômico equivalente àquela afetada pelo reservatório, que permitisse a
viabilidade da agricultura familiar. Foram considerados os proprietários e posseiros de
imóveis, e parceiros que desenvolviam suas atividades em terras localizadas no espaço
diretamente impactado pela UHE Irapé.
O processo de negociação para se chegar aos termos que vieram a ser consolidados no
Termo de Acordo exigiu a realização de reuniões da empresa com as comunidades e a
Comissão de Atingidos e incluiu ações como de cadastro de terras em processos de discussão
com as comunidades e a Comissão dos Atingidos mediante a apresentação do Projeto
Executivo de negociação. Nesse projeto, foi estabelecido que o reassentamento deveria ser
reconhecido como o mecanismo principal de reconstituição dos direitos dos atingidos e a
CEMIG se comprometeu a constituir uma equipe multidisciplinar responsável pelos
programas de remanejamento, garantido a presença permanente de representantes da empresa
junto às comunidades, o que levou a empresa a instalação de dois escritórios no local, um em
cada uma das duas margens do Rio, respectivamente, nos municípios de Turmalina e Cristália
– Grão Mogol (MINAS GERAIS, 2002:8).
Entre as condições exigidas da CEMIG pelo Estado para a autorização de construção
da Usina, estava a assinatura de um convênio com a Empresa de Assistência Técnica de
Extensão Rural do Estado de Minas Gerais – EMATER/MG para garantir a presença da
organização na região por um período de oito anos, dando prosseguimento ao processo de
91
mudança sócio-econômico estimulado pela influência da Usina na região e nas comunidades
reassentadas.
Dentro das condições negociadas para a reposição da terra a ser alagada pela represa
da Usina, foi estabelecido que o tamanho a ser comprado pela CEMIG em reposição devia
levar em consideração o reduzir ao máximo os impactos sociais e manter as relações sociais
nas comunidades atingidas, com disponibilidade de água, acesso aos núcleos urbanos mais
próximos e proximidade à rede de energia elétrica. No processo de negociação a CEMIG
apresentou três opções de terra para cada família escolher aquela de sua preferência, seja por
localização, laços familiares ou características da terra.
Quanto à indenização a ser recebida por cada família, além dos 50 hectares de terra,
foram considerados: valor do imóvel possuído; dados de cadastro; benfeitorias reprodutivas e
não reprodutivas; recursos extrativistas vegetais; características da terra; culturas perenes
(aquisição de mudas, sementes, insumos, plantio e tratos culturais); pastagens, matas
plantadas.
Além das condições negociadas, o Termo de Acordo considerou a definição de ações
socioambientais a serem implementadas pela CEMIG como complemento do Plano de
Controle Ambiental
25
da Usina de Irapé. Essas ações são relativas ao impacto da
implementação da Usina no ambiente e na sociedade, tentando minimizar as ações que
prejudiquem tanto a qualidade de vida da população da região, quanto às condições
ambientais. As ações definidas foram:
a) Ações de geomorfologia/geologia: relativas aos impactos, medidas de segurança e
controle de eventuais ‘sismos induzidos’ e modificações geológicas na área de
influencia da Usina de Irapé.
25
O licenciamento ambiental da CEMIG é conduzido e orientado de forma a assegurar a análise adequada de
todos os estudos e relatórios desenvolvidos, a observância de legislação ambiental e o pronto atendimento aos
órgãos competentes pela questão ambiental. Os estudos e monitoramentos são desenvolvidos com a contratação
de especialistas, que inclui empresas de consultoria, centros de pesquisa e universidades (Relatório, 2004).
92
b) Saneamento e qualidade da água: que inclui ações de controle da qualidade da água,
sistemas de esgoto, considerando o aumento no volume de pessoas por causa da obra e
os possíveis impactos da UHE Irapé. Paralelamente, inclui ações de avaliação da
relação população – rio, procurando evitar acidentes nas áreas de movimentação por
causa da obra e pelas alterações do lençol freático.
c) Flora/vegetação: avaliação dos impactos ambientais, incluindo ações de recuperação e
proteção nos locais próximos ao empreendimento.
d) Fauna terrestre e ictiofauna: ações de monitoramento, resgate de espécies de fauna,
identificando o local adequado para a reabilitação dos animais resgatados. Elaboração
do Plano de Manejo da Unidade de Conservação.
e) Programa de recrutamento e qualificação de Mão-de-Obra.
f) Programa de reestruturação socioeconômica: convênios que garantam linhas de
financiamento, reinserção nos mercados produtivos e aproveitamento do potencial de
integração do empreendimento à região.
g) Melhoria da Infra-Estrutura Econômica e Social dos Núcleos Urbanos que receberam
um volume maior de população por causa do empreendimento.
h) Projeto de Vigilância Epidemiológica e Projeto d Adequação da Infra-estrutura de
Saúde.
i) Programa de Comunicação Social: A CEMIG propôs apresentar ao Conselho Estadual
de Política Ambiental – COPAM, até 30 de novembro de 2002, a revisão completa do
Programa de Comunicação Social inicialmente proposto, ampliando o seu escopo em
termos de objetivo principal, atividades estruturais e cronograma, de maneira a
contemplar todos os compromissos assumidos pela Companhia no documento
intitulado “Respostas às Informações Complementares ao Plano de Controle
Ambiental” (elaborado pela CEMIG) e relatório das ações até então realizadas.
93
j) Projeto de Relocação da Infra-estrutura Econômica e Social Afetada pela Formação do
Reservatório: relativo à capacidade e estado das estradas.
k) População atraída: direta e indiretamente pelo empreendimento, reavaliação dos
serviços de saneamento, habitação, saúde, segurança e educação.
Foto 15 e 16 – Antigas moradias dos reassentados no local de origem.
Foto 17 e 18 – Novas moradias construídas pela Cemig: Fazenda Santa Cruz e Comunidade Peixe Cru.
Mesmo quando visto apenas em seus aspectos estruturais, como aqui, o Termo de
4.4. Os agentes do relacionamento: quem participou da interlocução
Como pôde ser visto até então, o processo de relacionamento deflagrado pelo desejo e
necessidade da Cemig de construir e operar a Usina de Irapé teve várias dimensões, sendo
uma delas, a comunicativa.
94
Essa dimensão foi a responsável pela produção e articulação de significados
promovida pelas duas racionalidades em confronto, já explicitadas, seja quando em diálogo
direto ou mediado
26
.
a) O empreendedor: a CEMIG.
A CEMIG e o Estado de Minas Gerais se confundem neste processo, uma vez que a
CEMIG, apesar de ser uma empresa de economia mista, tem como principal acionista o
Governo de Minas, detentor de 50,96% das ações da Companhia. Apesar dessa aparente falta
de distinção, o interlocutor das comunidades atingidas foi sempre a CEMIG, devido ao fato de
ser ela o empreendedor oficial da UHE Irapé; portanto, a responsável por proposições e
cumprimento de ações. Contudo, vale relembrar que o projeto sempre contou com o respaldo
formal do governo estadual, que não só proporcionou o aporte de cento e vinte milhões de
reais em dividendos da empresa, mas utilizou-se do empenho político e pessoal dos
governantes que ocuparam o poder executivo de Minas Gerais nestes oito anos decisivos para
o licenciamento ambiental de Irapé (ZUCARELLI, 2006:188).
Como o empreendedor e, sabedor do apoio que tinha junto ao governo estadual, a
Cemig iniciou o processo de interlocução como se fosse um monólogo. Logo que foi
organizada, a Comissão de Atingidos cuidou de esclarecê-la que ela não poderia
simplesmente construir a barragem de acordo com sua vontade. A Comissão relembrou a
empresa de que havia um processo a ser cumprido, não só de natureza legal, mas também
social, já que haviam quatro licenças a serem concedidas para a construção da barragem: (1)
Licença Prévia Ambiental; (2) Licença de Instalação; (3) Licença de Operação, e (4) Licença
de Comercialização a ser concedida pelos próprios atingidos. Após a obtenção da Licença
26
As comunidades atingidas, no princípio da interlocução formal, não tinham histórico de interlocução com a
empresa e, talvez em função disso, tiveram muitas dificuldades de fazer a sua voz ser ouvida. Com o
desenvolvimento da interlocução, foi criada a Associação dos moradores das comunidades atingidas pela
construção da Usina de Irapé que passou ser a interlocutora formal das comunidades junto à empresa. Entidades
de apoio, como as que também subscrevem o Termo de Acordo, auxiliaram nessa empreitada de a comunidade
desenvolver a sua própria voz. Quando a Cemig abriu os escritórios regionais às margens do Jequitinhonha, os
comunidadores residentes também passaram a conversar avulsamente com os membros dessas comunidades,
como representantes institucionais da Cemig.
95
Prévia Ambiental e antes da obtenção da Licença de Instalação (necessária ao início das
obras) teria de ser elaborado um Projeto Básico Ambiental que, segundo a Comissão, não
poderia implicar só na realização de pequenos ajustes para minimizar os impactos provocados
pela obra
Ainda durante a década de 1980, a Cemig tinha estado na região através do fracassado
programa ‘Novo Jequitinhonha’, que previa a construção das barragens de perenização e, já
nessa época, tinha deixado amostras do seu padrão ‘técnico’ de relacionamento com as
comunidades. O que, nos anos 2000, estava na memória dos moradores da região era o
desgaste da imagem da empresa junto às famílias que foram deslocadas nos anos 80 e os
escândalos divulgados pela mídia, à época, sobre corrupção, desvios de verbas,
favorecimentos, além de prejuízos ambientais e sociais causados por essas barragens
(COMPANHIA ENERGÉTICA DE MINAS GERIAS, 2006).
Esse desgaste, sabido pela empresa, levou-a, nesse retorno à região, a investir em
marketing para divulgar as vantagens e a importância das usinas hidrelétricas para o
desenvolvimento (LEMOS, 1999:147). Paralelamente a esse tipo de investimento em
comunicação e, procurando desvincular das barragens as ações do empreendimento da Usina
de Irapé, a empresa adota uma postura de diálogo como estratégia de atuação direta junto aos
atingidos. Em correspondência enviada à Comissão de Atingidos em 1991, a empresa afirmou
que pretendia
[...] levar às comunidades envolvidas [...] todas as informações referentes às
etapas de planejamento, estudo e construção da [...] Usina, buscando
estabelecer um processo de integração com as mesmas” (Of. MA/PE –
15.832/91 de 03/09/1991 apud LEMOS, 1999:147).
A decisão pela estratégia do diálogo com as comunidades envolvidas se dá na procura
de demonstrar à sociedade como um todo, e não só aos atingidos, a disposição da empresa
para a realização do empreendimento num processo transparente e democrático (LEMOS,
96
1999:147). Conforme relata RIBEIRO (1993) (apud LEMOS, 1999:147), a divulgação da
notícia que uma empresa estatal causa prejuízos a lavradores pobres atinge tanto a CEMIG e o
Governo do Estado do ponto de vista político interno, quanto junto a órgãos internacionais
que muitas vezes financiam seus projetos. “Um sinal evidente disto foi a utilização de várias
formas de propaganda da CEMIG visando difundir não só no Vale [do Jequitinhonha], como
em todo o estado, através de jornal próprio, ou em campanha de publicidade nos veículos de
comunicação, aspectos positivos da construção das barragens no Jequitinhonha” (ibid.).
Segundo relata LEMOS (1999), na sua primeira reunião com a Comissão de
Atingidos, a CEMIG reafirma a intenção de contribuir para que o processo de licenciamento
ambiental da Usina de Irapé se torne uma referência positiva nacional, “pela transparência na
condução dos assuntos e pela ampla participação das populações afetadas pelo
empreendimento” (LEMOS, 1999:148).
Visando a consecução desse objetivo, foram promovidas e realizadas cerca de 39
reuniões e encontros públicos durante os estudos de viabilidade, tanto em Belo Horizonte,
quanto nos municípios afetados; sempre com a participação de lideranças das comunidades
atingidas, entidades e associações de apoio aos movimentos populares, bem como lideranças
políticas regionais e o poder local. “Tais reuniões foram consideradas pelos atingidos e
técnicos da empresa fatos inéditos na historia da CEMIG, no que concerne ao processo de
planejamento de empreendimentos hidrelétricos, bem como um grande avanço em termos de
relação com os atingidos” (ibid.). Mas vale dizer que essas reuniões e encontros públicos não
foram iniciativas comunicacionais da Cemig. Muitas foram resultado de determinação legal
do andamento do processo; outras pedidas por legisladores, avaliadores do processo, ou
mediadores.
Apesar disso, os atingidos sentiram-se desfavorecidos nesse processo de diálogo e
negociação devido a atrasos na implementação, por parte da empresa, do acordado a cada
97
reunião (por exemplo, procura e compra de fazendas para reassentamento), e devido à sua
própria pouca organização.
Esse contexto de interlocução acabou concedendo uma grande vantagem à empresa,
Aparentemente, mais do que dialogar, negociar, a Cemig parecia estar interessada em
não se atrasar no seu cronograma de realização da obra; criando um fato consumado, se
necessário. Independentemente de estar conseguindo ou não concretizar, nos prazos
negociados, o acertado, a Cemig avançava sem parar na construção da Usina, erguendo a
barragem a um rítmo acelerado tal, com tanto empenho, que os atingidos começaram a se
sentir ameaçados nos seus direitos. bastante empenho, ao tempo que o processo de
reassentamento ia se complicando e sendo postergado. Desta forma, acabou ocorrendo um
“descompasso entre a construção do ‘paredão’ e o reassentamento dos atingidos [o que] gerou
uma série de incertezas e angústias à populrentZUCARELLI, 2006:145). A idéia da
elevação do ‘paredão’ representava uma grave ameaça aos atingidos no sentido de que, a
qualquer momento, poderia ocorrer o início do enchimento do lago de Irapé. Com a falta, por
parte da empresa, de cumprimento dos prazos estabelecidos no Termo de Acordo e até dos
novos prazos que iam sendo ‘negociados’ nas reuniões, os atingidos estavam dispostos a
ocuparem o canteiro da obra da usina para impedir o fechamento das comportas e a perda de
seus direitos reconhecidos no Termo de Acordo.
O resultado dessa dinâmica foi, em novembro de 2003, o Ministério Público federal
receber um pedido da Associação dos atingidos, de execução do Termo de Acordo.
Assim, em 4 de novembro de 2003 foi solicitada pelos atingidos, pela primeira vez, a
execução do Termos de Acordo no Ministério Público Federal, o que implicava na suspensão
imediata das obras e o começo de um embate jurídico.
98
Aparentemente tendo ignorado tal fato e não tomando nenhuma atitude frente à ordem
do Ministério Público de suspensão imediata das obras, três meses depois, teve a sua sede em
Belo Horizonte ocupada por membros das comunidades atingidas.
Após três meses de espera, os atingidos não verificaram qualquer agilização de
medidas por parte da CEMIG e então, resolveram realizar uma manifestação em Belo
Horizonte para cobrar maior empenho da empresa e o cumprimento das medidas estabelecidas
no Termo de Acordo, no dia 4 de fevereiro de 2004, os atingidos ocuparam a sede da CEMIG
como forma de pressionar e garantir a plenitude de seus direitos transindividuais
(ZUCARELLI, 2006:147).
Os atingidos entraram na CEMIG e ficaram dois dias fechados dentro da sede da
empresa, negociando com os representantes da empresa; nos dois dias de negociação foram
discutidos os atrasos e a falta de ações da CEMIG quanto à garantia, principalmente, do
reassentamento das famílias atingidas, mas ainda assim a empresa não conseguiu repassar aos
atingidos uma garantia dos prazos finais para entrega dos cadastros patrimoniais e para as
visitas às terras de reassentamento daqueles grupos que ainda estavam sem opção de escolha.
Sendo assim, a reunião foi suspensa e os atingidos desocuparam o auditório da empresa.
No final de dois dias e negociações infrutíferas a portas fechadas, em reunião com o
Procurador da república no Ministério Público Federal, foi ‘negociada’ e deliberada, mais
uma vez, a prorrogação dos prazos para apresentação final dos cadastros patrimoniais e das
terras para o reassentamento das famílias atingidas (ZUCARELLI, 2006:152).
Uma das grandes dificuldades da CEMIG, que levou a empresa ao descumprimento
nos prazos estabelecidos e negociados com as comunidades, foi a ‘composição final dos
grupos de reassentamento’, onde o prazo era até o 20/09/2003 (ZUCARELLI, 2006:132). A
dificuldade era encontrar terras com o tamanho suficiente para comportar todas as famílias de
um grupo, o que levou a CEMIG à apresentação de terras fragmentadas, culminando num
99
processo de rompimento dos laços sociais das famílias atingidas. A dificuldade se dava pela
qualidade e tamanho das terras em comparação com aquelas onde viviam as famílias
atingidas. No final a CEMIG adquiriu 104 propriedades, em 17 municípios, num total de
60.000 hectares. Ainda em maio de 2005 faltava aquisição de 6.000 hectares para completar o
total de terras necessárias. No final foram formados 101 grupos de reassentamento, cuja
composição foi anunciada no dia 24/06/2005, com um ano e sete meses de atraso da data
originalmente acordada (ibid.).
Além da defasagem entre o avanço na aquisição das terras para o reassentamento e o
tempo de construção da barragem, apresentaram-se três problemas graves: (1) o agrário [perda
de safras]; (2) o rompimento dos laços sociais pelo desmembramento dos núcleos familiares
que, com as divisões dos grupos de reassentamento, perderam os laços de parentesco e
sociais, e (3) a dúvida da sustentabilidade dos reassentamentos por causa da delimitação dos
lotes e da qualidade de algumas terras escolhidas pelos atingidos. Esses problemas, junto ao
atraso no processo de mudança por falta de terras, gerou nas comunidades uma posição de
desconfiança complicando ainda mais o relacionamento entre elas e a empresa.
Sentindo o acirramento da pressão sobre a empresa, com o apoio da mídia, por parte
das comunidades atingidas, ainda no final de 2003 a Cemig decide alterar o seu padrão de
diálogo com as comunidades atingidas, responsabilizando o Departamento de Comunicação
Social da empresa, a partir daí, pela coordenação institucional desse diálogo.
Com um longo histórico de diálogo com difíceis comunidades de periferia de zonas
urbanas e com uma equipe bastante sênior, esse Departamento toma a decisão 1) de contratar
dois profissionais de comunicação para ficarem em dedicação exclusiva à busca de
estabelecimento de uma interlocução menos tensa com essas comunidades; 2) solicita e obtém
que a empresa abra dois escritórios regionais na região atingida, um em cada uma das
margens do rio Jequitinhonha, e aloca a cada um desses profissionais a responsabilidade por
100
um desses escritórios e 3)transfere esses dois profissionais para a região, onde permanecerão
residindo até o fim das obras da Usina fazendo a facilitação da interação comunicativa com as
famílias atingidas, lideranças comunais e opinião pública da região.
b) os Atingidos: as comunidades.
A população atingida, o outro sujeito proeminente na interlocução estudada, é
composta por comunidades ribeirinhas com características e especificidades sócio-culturais no
que se refere à forte identidade com o local em que habitam (que é onde habitaram seus pais,
avós, bisavós...), às formas de apropriação e de uso do território e de seus recursos, mediados
por códigos morais, relações de parentesco e proximidades, configurando uma organização
social peculiar, essencialmente relacionada à historia das comunidades e ao território
(ZUCARELLI, 2006:71).
Segundo Vainer (1993) (apud ZUCARELLI, 2006:73) a noção de ‘atingido’ [...] vem
sempre na voz passiva, a expressar sua objetivação num discurso globalmente fundado na
naturalização da vida social: assim, temos populações afetadas, atingidas, impactadas,
deslocadas, remanejadas, preservadas, reassentadas, sempre passivas, inexoravelmente
condenadas a ser campo de ação de um outro, meio ambiente impactado pela intervenção do
empreendedor/empreendimento hidrelétrico (Grifos originais). Em complemento, Acselrad
(apud ibidem), disse que além de desqualificar os grupos sociais atingidos enquanto sujeitos
políticos, o planejamento autoritário até aqui prevalecente nos grandes projetos hidrelétricos
tende a equacionar enormes transformações socioambientais como se fossem redutíveis a
simples operações patrimoniais com a propriedade jurídica. A área inundável é, assim,
concebida como espaço de propriedade privada, e não de relações socioculturais
diversificadas: desapropriam-se e indenizam-se os bens, mas não se considera o universo não-
mercantil da natureza e dos modos da vida.
101
A própria noção de atingido condiciona uma posição passiva e reificada, distanciada
da perspectiva de uma cidadania ativa (ZHOURI & OLIVEIRA, 2005:52). De fato, em parte,
principalmente no início do processo interlocutivo, esse foi o comportamento dos atingidos
frente à Cemig. O desenvolvimento de uma voz interlocutora foi um processo tornado
possível a partir do reconhecimento legal de que os atingidos devem ser também ‘sujeitos do
processo de licenciamento’.
A perspectiva de interlocução desejada pelos atingidos desde autorizada a realização
do empreendimento de construção da Usina é a de um relacionamento não mais entre
empreendedor e atingido, e sim entre cidadãos com direitos, e empresa cidadã.
Como já foi dito, para facilitar a organização e participação da população em todo o
processo de licenciamento e construção da Usina, foi criada a Comissão de Atingidos da
Usina de Irapé. Existem duas versões em relação a sua criação: do ponto de vista das
comunidades, a comissão foi viabilizada a partir do contato com outras experiências fora do
Vale, através do Movimento Nacional dos Trabalhadores Atingidos por Barragens. Já para a
CEMIG, a comissão ter-se-ia organizado a partir do I encontro de Atingidos pela Usina de
Irapé ocorrido por sugestão da empresa, uma declaração que “procura reduzir o caráter
conflituoso do movimento, conformando-o à sua perspectiva de uma distribuição dos
benefícios da construção da barragem e a viabilização conjunta do empreendimento”
(LEMOS, 1999:155).
Na época de investimento em infra-estrutura por parte do governo na região, os
pequenos proprietários perceberam o projeto de construção de hidrelétrica como uma ameaça
de expropriação. Assim, a partir de várias reuniões foi incentivada a formação uma primeira
caravana dos atingidos que se dirigiu à Belo Horizonte em dezembro 1987 com o objetivo de
reivindicar, junto à CEMIG e ao governo do estado, que as negociações fossem coletivas e
102
que as indenizações de possíveis desapropriações fossem feitas a través da troca de ‘terra por
outra terra’ (ZUCARELLI, 2006:52).
Foto 19 – Comissão de Atingidos da Usina de Irapé na sede da Cemig em Belo Horizonte.
Se, por um lado, os atingidos davam certa visibilidade às suas reivindicações,
obtinham visibilidade para sua causa e respaldo jurídico para garantia de seus direitos, por
outro lado, o contexto brasileiro ainda não é dos mais favoráveis à luta de resistência dos
atingidos frente à construção de barragens da forma como é realizada. Segundo explica
ZUCARELLI (2006),
[...] o histórico de recomposição dos direitos das famílias atingidas por
barragens no Brasil revela falhas no processo, sobretudo, no que diz respeito
à continuidade da reprodução social e econômica das comunidades. E o caso
da usina de Irapé não é uma exceção. Apesar de apresentar um grande avanço
quando ao reconhecimento dos modos de vida das populações atingidas por
essa hidrelétrica, através da assinatura do Termo de Ajustamento de Conduta,
esse documento acabou implicando em uma negociação de direitos sociais e,
como tal, trouxe perdas significativas para as famílias dos atingidos
(ZUCARELLI, 2006:113).
Apesar da dificuldade das comunidades na defesa de seus direitos e posição, além do
grande impacto econômico, social e ambiental de um empreendimento do governo, através de
103
um esforço heróico, os atingidos conseguiram se tornar um dos ‘sujeitos do processo’. No
momento em que os atingidos conseguiram se tornar sujeitos do processo, o empreendedor
conferiu uma outra dimensão à questão e uma outra identidade ao relacionamento com as
comunidades. Na visão dos moradores da região, a sua participação no processo foi chave, e
foi o que definiu a mudança de atitude por parte da empresa na implementação do
empreendimento. “Seja qual for o resultado, essa barragem não será construída conforme o
empreendedor planejou nas planilhas e nos mapas. A força social se fez presente” (entrevista
feita com Eduardo Antônio Arantes Nascimento, atingido de Irapé apud ZUCARELLI,
2006:112).
Ainda assim, os atingidos reconhecem que a sua força não se compara ao poder da
empresa:
na hora do apuramento o que fala mais alto é o dinheiro mesmo. Para eles, o que
decidiu a questão favoravelmente ao empreendimento foi a pressão política, já que
além de uma forte presença de prefeitos da região, estavam também presentes no
julgamento da licença vários deputados e o líder do governo e presidente da
Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerias. A própria ocupação do espaço
durante o julgamento da licença foi considerada desfavorável aos atingidos” (LEMOS,
1999:193).
Quer dizer, ainda com o seu reconhecimento enquanto ‘sujeitos’ no processo de
relacionamento, as comunidades não se sentiram em igualdade de condições durante a
interação com a empresa, justificando que ela tem mais poder político e econômico,
facilitando a realização de sua vontade por cima dos desejos da população da região. Os
atingidos ainda hoje consideram que a presença deles nos espaços deliberativos ficava restrita
à simples ‘participação’ física no espaço de decisão, mas não representava qualquer tipo de
influência nas deliberações finais. Esse ponto de vista fica claro no relato feito por
ZUCARELLI (2006:65) da interação ocorrida nesses espaços: “quando tinham a oportunidade
104
de expressarem suas preocupações e seus questionamentos, por alguns minutos, essas eram
classificadas como pronunciamentos ‘contra’ ou ‘favor’ do empreendimento”.
4.5. A interação comunicativa: estrategia de relacionamento
No processo de relacionamento de Irapé, num contexto conflitivo de normas a serem
cumpridas e sujeitos diferentes (com diferentes interesses) em interação, a comunicação foi
chave para viabilizar a relação interlocutiva empresa – comunidades. Apesar da existência de
uma relação interlocutiva assimétrica, com visível controle do processo por parte da Cemig, o
processo de comunicação centrou-se no esforço pelo diálogo e pela busca do contato face-a-
face entre os sujeitos, procurando assim, através da negociação e da escuta atenta, alguma
produção comum de significado que levasse ao entendimento das partes e à obtenção do
objetivo principal da empresa: a construção da Usina.
A comunicação foi uma das condições estipuladas no Termo de Acordo, que previa a
apresentação de um Programa de Comunicação Social por parte da CEMIG, indicando o
objetivo principal, as atividades estruturais e cronograma de ação a ser desenvolvida pela
empresa. A partir dessa previsão, a CEMIG estabelece um programa de comunicação social,
ligado ao Plano de Controle Ambiental de Irapé, onde se especificava o público alvo, os
objetivos e ações a ser desenvolvidas. Nesse primeiro momento, o Programa de Comunicação
Social considerava a previsão de cinco anos de obra, desenvolvendo um trabalho de longo
prazo, introduzindo atividades preparatórias, estruturais e de execução para dar apoio às
atividades-suporte delimitadas no Plano de Controle Ambiental (DELPHI, 2001:7).
O Plano de Controle Ambiental, no seu programa de comunicação, reconhece três
fases do trabalho: a) Atividades preparatórias, que são aquelas que visam desencadear a
discussão do empreendimento e dos procedimentos executivos pertinentes à implantação da
usina, procurando evitar a formação de um hiato, em termos de comunicação, no período
105
entre a análise e discussão do Plano de Controle Ambiental junto à FEAM e a obtenção da
Licença de Instalação. A previsão é de que essa fase fosse desde a entrega do Plano de
Controle Ambiental até a fase inicial da implantação da Usina de Irapé, após a obtenção da
Licença de Instalação.
Na segunda fase, b) estavam previstas as atividades estruturais, compostas pela
formação básica prevista para a condução do Programa de Comunicação, prevendo-se a
composição da equipe técnica, instrumentos, mecanismos e ou recursos que serão utilizados
no desenvolvimento do processo de comunicação. Finalmente, na última fase, c) atividades de
suporte, constituindo-se de ações planejadas para atender às demandas apresentadas no
escopo do Plano de Controle Ambiental. Implica a atuação sistemática da comunicação nos
programas e projetos ambientais.
Desde o inicio das ações de comunicação na região, segundo o estipulado pelo
Programa de Comunicação Social do Plano de Controle Ambiental, a comunicação direta com
as comunidades foi sempre privilegiada, na crença da empresa de que essas atividades –
reuniões separadas por margem do rio, promoção de discussões com a população das
comunidades, condução de contatos com instituições e órgãos públicos em cada município –
mostraria com uma maior seriedade e transparência o trabalho desenvolvido para a elaboração
do Plano de Controle Ambiental. Na visão da empresa, essas práticas são
contatos que demonstram respeito à população local e constituem um marco
referencial para o desencadeamento do processo de interação entre a
sociedade e os representantes da Cemig, envolvidos na implantação do
empreendimento (DELPHI, 2001:11)
Quer dizer, a realização de reuniões com as comunidades atingidas, como prática de
comunicação, visava contribuir para a interação entre a empresa e as pessoas atingidas, além
de trabalhar na aceitação do projeto por parte da população, esperando que, a partir da
apresentação de relatos, fatos, a sociedade passasse a trabalhar com a hipótese da inserção do
106
empreendimento na região, organizando-se quanto às perspectivas futuras da área. Neste
sentido, a Cemig considerava de extrema importância o repasse de informações oficiais sobre
questões consideradas relevantes quanto ao futuro da região de influência da Usina de Irapé e
das famílias diretamente afetadas. A empresa previa que
as discussões sobre o encaminhamento ou procedimentos a serem adotados
no tratamento de algumas questões poder[iam] ocorrer, antes do inicio das
obras, durante a fase do licenciamento ambiental, ou caso não seja viável,
logo no início das obras (DELPHI, 2001:11).
Desde o inicio, no caso da usina de Irapé, todas as atividades que envolviam as
populações diretamente afetadas foram responsabilidade direta da Comunicação. Por
exemplo, no caso das ações referentes ao remanejamento das famílias, onde as ações de
comunicação deram o suporte, em parceria com a Gerência Ambiental e a equipe de
negociação, ao desenvolvimento do Programa, sendo responsável pelas questões pertinentes à
remoção e à divulgação das etapas concluídas em cada fase do processo.
A Comunicação, na visão da empresa, tem tido um papel estratégico no
desenvolvimento e consecução do empreendimento. A empresa acreditava que a correta e
oportuna utilização dos meios de comunicação disponíveis iria evitar o desencadeamento de
problemas ou conflitos indesejáveis, possibilitando ao mesmo tempo, a criação de canais para
o contato e manifestação entre a Cemig e os grupos sociais que habitam e atuam na área de
influência de construção da hidrelétrica.
Mas é no ano de 2004 que a CEMIG sente a necessidade de prestar mais atenção às
ações de comunicação em Irapé, sendo que, como o próprio Superintendente de Comunicação
da empresa, em entrevista, reconhece, mesmo com os benefícios negociados e as condições
pautadas no Termo de Acordo, a CEMIG enfrentou uma série de problemas para a realização
da obra, pelo que tiveram que instalar na região um ‘aparato de comunicação’ nunca visto em
outro empreendimento. Numa outra entrevista realizada em abril de 2006, ele descreve como
107
a partir da mudança de gestão na Diretoria do projeto de Irapé, a entrada de comunicação
mudou de perspectiva, de um papel passivo de apenas suporte, passou a ser protagonista, no
sentido de fomentadora e articuladora do processo de relacionamento entre a empresa e as
comunidades afetadas:
na gestão anterior [a direção do projeto] não levava em conta a comunidade;
levava, mas era uma coisa muito incipiente. E quando mudou a gestão, a
primeira coisa que o novo gestor fez, além de outras grandes medidas que
formam tomadas, foi a entrada da comunicação. Ele chegou aqui e falou
"carta branca para vocês, vocês que têm que tocar isso", e a partir daí a coisa
foi se estabilizando [...] A obra não andava, não andava. Tinha demandas e
demandas e demandas. Por que aí você criou uma, por mais que você quiser,
era pouco por que tinha pouca visibilidade, por que tinha um grupo atuando
em contra. Quer dizer não era nenhum problema, nós tínhamos problemas,
determinados problemas de demora, de reassentamento das pessoas
(Entrevista, Belo Horizonte, em 17-4-2006).
É a partir desse momento que se dá a entrada da comunicação, numa perspectiva mais
participativa e integrada às outras áreas de trabalho envolvidas na gestão da obra. No
momento em que se dá a mudança interna na gestão do projeto de Irapé e fica clara a
demanda de um papel mais ativo da comunicação na região - setembro de 2003 - a CEMIG
toma a decisão de contratar dois jornalistas especificamente para trabalharem sediados na
região de Irapé, sendo coordenados pela Superintendência de Comunicação da CEMIG em
Belo Horizonte, em diálogo e coordenação operacional com a Diretoria de Irapé.
Cada um desses novos jornalistas contratados torna-se responsável pelos contatos e
ações em uma das margens do rio Jequitinhonha, tendo sido garantida a presença de cada um
deles em um dos escritórios locais que, segundo o Termo de Acordo, a CEMIG deveria
providenciar para o atendimento na região – um no município de Turmalina e outro no
município de Cristália (que depois foi transferido para o município de Grão Mogol).
Segundo o superintendente de comunicação da Cemig, em entrevista, foi necessária a
entrada da comunicação em função de grupos interessados em paralisar a obra usarem a
108
comunicação formal e informal para colocarem em risco a boa imagem da CEMIG. Ele
assegura que
Nunca a empresa tinha enfrentado situação desse tipo, provocada por notícias
inverídicas com o objetivo de criar um clima de inquietação entre as famílias
que [iam] ser recolocadas. Nesse caso, o desafio enfrentado foi o de fazer
chegar as informações verdadeiras a uma população dispersa e, em sua
maioria, sem acesso a veículos de comunicação, pois grande parte das
moradias não conta[va] com o serviço de energia elétrica. (MICHALICK
2005: 87).
Ante esse panorama, a CEMIG toma a decisão de enfrentar as informações contrárias
à obra a partir de respostas com fatos, sem a pretensão de configurar uma resposta formal e
frontal. A estrategia utilizada era mostrar o que estava sendo feito com fotos, depoimentos,
filmes e levando as informações face-a-face diretamente aos atingidos na região, num
momento no qual a empresa, segundo relato do jornalista da margem esquerda,
[...] sentiu a necessidade de se aproximar com os públicos que ela tinha
interesse de estar divulgando o projeto, em trabalhar para fazer com que o
projeto, as etapas fossem compridas com mais agilidade, com mais
objetividade, respeitando as culturas, as comunidades locais, interagindo com
esses públicos, fazendo com que eles entendessem o processo que estavam
vivenciando (Entrevista, Grão Mogol, 10-7-2006).
As ações de comunicação de Irapé formam parte do objetivo geral da CEMIG como
empresa no mercado de geração e comercialização de energia elétrica, de fornecer um bem
fundamental para o homem, essencial na sua vida diária. Segundo explica o Superintendente
de Comunicação Social e Representação, as concessionárias de energia elétrica procuram
cumprir a meta da Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL – que é a universalização
dos serviços a 100% dos brasileiros. Na área de concessão da CEMIG no estado de Minas
Gerais essa cobertura está em quase 100% na área urbana, e 90% na área rural (MICHALICK,
2005:83).
109
Nessa grande meta se insere a procura do êxito de geração da Usina de Irapé, num
contexto de públicos distintos e interesses divergentes onde as ações de comunicação seguem
a lógica da política da empresa que entende que cabe à Superintendência de Comunicação
Social e Representação o gerenciamento estratégico e operacional da comunicação da
CEMIG.
Assim, as ações de comunicação de Irapé se desenvolvem em um contexto que mescla
a existência de um público urbano ávido por iniciativas de investimento que estimulem o
desenvolvimento da região, uma população atingida que sente seu modo de vida ameaçado
pelo empreendimento, desestruturando a base da segurança social que é o lugar onde se mora
e a atividade de grupos ambientalistas pró e contra o projeto.
Levando em consideração esse contexto, o trabalho em Irapé foi estruturado em
torno da equipe de Comunicação Social presente na região (os dois jornalistas, um em
cada margem do rio), com atuação em várias frentes, com iniciativas tanto de
comunicação face-a-face diretamente com os moradores das comunidades atingidas,
como atividades de comunicação por meios massivos e tradicionais, a partir de
estratégias que, segundo o Manual de Comunicação da CEMIG, segue os conceitos da
‘comunicação integrada’.
No quadro a seguir, apresenta-se os três momentos-chave que diferenciam a ação
comunicacional da empresa durante o desenvolvimento da obra. O primeiro momento,
responde ao Programa de Comunicação Social desenhado seguindo o cumprimento das
obrigações do Plano de Controle Ambiental, concebido em 2001, num momento onde ainda
não existia participação da equipe de Comunicação na região afetada.
O segundo momento, responde à revisão do Programa de Comunicação do Plano de
Controle Ambiental, segundo mandato da FEAM e traz a assinatura do Termo de Acordo. As
mudanças entre o programa de 2001 e o programa de 2002, são pouco significativas,
110
centradas mais no aumento das atividades de suporte, ainda mantendo uma visão da
comunicação como mero ‘suporte’; participativa do processo de relacionamento, mas
dependente das ações definidas pela Coordenação da Usina de Irapé.
Já o terceiro e último momento, se dá a partir da mudança de na coordenação do
projeto de Irapé a imediata entrada direta da Superintendência de Comunicação Social da
empresa no projeto, a contratação dos dois comunicadores e o desenvolvimento de uma ação
de mobilização social na região coordenada por eles.
Nesta terceira etapa, observa-se uma mudança significativa nas ações de comunicação,
e na comunicação como processo, estando esta não mais dependente da Coordenação
operacional de Irapé, ganhando autonomia para construir diálogo e buscar sintonia com o
resto das áreas de trabalho do Projeto de Irapé. Essa fase é marcada pela independência e
autonomia na gestão do processo de comunicação, com maiores investimentos em ações de
natureza comunicativa, mantendo-se sempre uma linha de ações de suporte, mas indo além
disso na construção de um relacionamento direto com as comunidades e seus membros.
Nesta terceira fase, a CEMIG, sob a responsabilidade da Superintendência de
Comunicação, contrata uma Auditoria da Opinião para redirecionar as ações de comunicação,
realizada por EMC2 (empresa de consultoria em comunicação) que realizou entrevistas nas
comunidades na região para identificar focos problemáticos e de conflito
27
. Segundo a
auditoria as ONGs ligadas a grupos políticas da região, demonstraram insatisfação, e
pressionaram à empresa a realizar obras que não estavam previstas no Termo de Acordo
assinado com o Ministério Público. A partir dos resultados da Auditoria, foram apresentados
dados concretos para a complementação efetiva e direta do Plano de Comunicação definido
nesta última etapa. O diagrama a seguir ilustra como estava o mapa de sujeitos no momento
em que a Auditoria foi realizada, onde se observa como os grupos contrários estavam mais
27
Dados facilitados pela Superintendência de Comunicação e Relacionamento da CEMIG em maio de 2007,
ainda que não se teve acesso ao estudo completo.
111
afastados da Cemig em relação a outros grupos, e as comunidades no meio do mapa, nem a
favor, nem em contra.
Imagem – 1. Mapa de sujeitos no relacionamento com a Cemig no projeto da Usina de Irapé
Fonte: EMC, Auditória de Opinião para CEMIG.
112
O presente quadro foi construído pela autora da dissertação como resultado do levantamento das informações contidas em documentos
internos da CEMIG e a partir das entrevistas realizadas aos responsáveis pelas ações de comunicação no Projeto de Irapé.
Quadro 1 - Quadro comparativo dos três momentos do processo de comunicação no relacionamento CEMIG – comunidades atingidas pela Usina
de Irapé
28
.
Os três momentos do Processo de Comunicação
Componentes do
processo
Programa de Comunicação Social do
Plano Controle Ambiental – PCA
(2001)
Revisão Programa de Comunicação
Social (2002)
Campanha de comunicação Integrada
Usina de Irapé (2006)
Responsáveis pelo
desenho do plano
Contratação externa
Contratação Externa Equipe interna de comunicação,
responsabilidade da Superintendência de
Comunicação Social e Representação.
Não existe um plano estratégico
formalizado de comunicação a partir da
contratação dos dois comunicadores para
ficarem na região do Irapé a partir de
2004. Os dados apresentados foram
obtidos a partir de entrevistas, e do
documento que a Cemig encaminhou para
o Júri do Prêmio ABERJE 2006,de
apresentação da campanha integrada de
comunicação que reflete como a empresa
entende hoje o processo de comunicação
no relacionamento com as comunidades
atingidas em Irapé.
28
Os nomes das três etapas identificadas, respondem aos nomes dos documentos da Empresa, considerando que, na última fase, não existe um plano de comunicação com a
delimitação do processo e as ações desenvolvidas, mas a informação está baseada na coleta de dados a partir de entrevistas e no documento apresentado para o Premio Aberje
2006.
113
Justificativa
Frente às expectativas, considera-se
indispensável a incorporação de um
adequado trabalho de comunicação social
e uma sistemática transparente de
contatos buscando melhor convivência
entre o empreendedor e os diversos
grupos de interesse, direto ou
indiretamente envolvidos com o
empreendimento. É importante que todos
estejam cientes dos procedimentos e, ao
mesmo tempo, consigam vislumbrar a
realidade possível de ser alcançada com a
implantação dos programas e projetos
apresentados no Plano de Controle
Ambiental (PCA).
Documento de atualização e revisão das
atividades do Programa de Comunicação
Social do PCA, a partir da solicitação de
da FEAM traz a firma do Termo de
Acordo em julho do 2005.
Frente às expectativas, considera-se
indispensável a incorporação de um
adequado trabalho de comunicação social
e uma sistemática transparente de
contatos buscando melhor convivência
entre o empreendedor e os diversos
grupos de interesse, direto ou
indiretamente envolvidos com o
empreendimento. É importante que todos
estejam cientes dos procedimentos e, ao
mesmo tempo, consigam vislumbrar a
realidade possível de ser alcançada com a
implantação dos programas e projetos
apresentados no Plano de Controle
Ambiental (PCA).
Sem um eficiente programa de
comunicação integrada seria impossível
alcançar e atender a públicos tão diversos
com interesses tão distintos. Em um
mesmo contexto, apresentam-se públicos:
urbano – ávido por ações
desenvolvimentistas; ribeirinhos – com
um modo de vida único no qual se
sentiam ameaçados e ambientalistas a
favor e contra o projeto.
Objetivos
Promover a integração da Cemig,
enquanto empreendedora, com a
sociedade local e regional.
Os dois eixos destacados para se atingir
esta integração são a difusão de
informações sobre o projeto e a criação de
canais para o contato e manifestação dos
diferentes grupos sociais.
Reduzir as especulações e demonstrar que
as alterações associadas ao
empreendimento e que, em alguma
medida, poderão desencadear impactos.
Promover a integração da Cemig,
enquanto empreendedora, com a
sociedade local e regional.
Os dois eixos destacados para se atingir
esta integração são a difusão de
informações sobre o projeto e a criação de
canais para o contato e manifestação dos
diferentes grupos sociais.
Promover a integração entre a
empreendedora e a sociedade local e
regional.
114
Premissa básica
O plano de comunicação neste momento,
pressupõe o estabelecimento de contatos
contínuos para encaminhar discussões,
divulgar propostas e decisões e, da mesma
forma, demonstrar o compromisso da
Cemig, enquanto empreendedora, com a
busca de soluções para as possíveis
alterações decorrentes da implantação do
empreendimento, ação que inspira
confiança e contribui para evitar o
desencadeamento de problemas ou
mesmo conflitos não desejáveis entre os
envolvidos.
Conduzir de forma planejada o complexo
processo de implantação da Usina de
Irapé.
Aplicando os conceitos de comunicação
integrada, utilizar iniciativas e produtos
que mantenham abertos os canais de
informação e relacionamento que se
estabeleceram na região.
Diretrizes básicas
Incentivar a participação dos diversos
grupos sociais envolvidos.
Organizar e manter um sistema de
informação eficiente.
Apoiar a execução dos programas e
projetos ambientais propostos.
Promover o intercâmbio de informações
entre as equipes dos demais programas e
projetos do PCA, procurando o
planejamento integrado dos contatos e dos
temas a serem abordados.
Incentivar a participação dos diversos
grupos sociais envolvidos.
Organizar e manter um sistema de
informação eficiente.
Apoiar a execução dos programas e
projetos ambientais propostos.
Promover e estreitar os contatos com os
grupos sociais envolvidos, contudo, sendo
interativo o processo é passível de ser
alterado, sempre que houver indicação da
necessidade de mudança nos rumos.
Muito diálogo, muita informação, e
sobretudo, um trabalho de comunicação
estruturado, cooperativo e muito bem
orquestrado entre a Superintendência de
Comunicação Social no edifício sede da
Cemig, e os escritórios regionais, os
diversos empreiteiros, a imprensa
estadual, regional e local.
Interlocutores
População urbana e rural, direta e
indiretamente afetada pelo
empreendimento.
Instancias administrativas municipais.
Comissão e Associação de Atingidos.
Organizações civis e religiosas.
Instituições públicas e privadas atuantes
na área de influência.
População urbana e rural, direta e
indiretamente afetada pelo
empreendimento.
Instancias administrativas municipais.
Comissão e Associação de Atingidos.
Organizações civis e religiosas.
Instituições públicas e privadas atuantes
na área de influência.
População urbana e rural, direta e
indiretamente afetada pelo
empreendimento.
Instancias administrativas municipais.
Comissão e Associação de Atingidos.
Organizações civis e religiosas.
Instituições públicas e privadas atuantes
na área de influência.
115
Estrutura
organizacional
Previa-se o encaminhamento das ações
em duas formas: na região sob
responsabilidade da Gerência Ambiental,
e a coordenação geral sob
responsabilidade da equipe técnica da
Cemig em Belo Horizonte, responsável
pela Coordenação Executiva e Ambiental
do Projeto da Usina de Irapé.
Não é prevista a contratação de
profissional(is) da comunicação em
função da noção da demanda.
A coordenação geral dos trabalhos fica
sob responsabilidade da Superintendência
de Comunicação Social e Representação,
em Belo Horizonte, da Gerência de
Avaliação e Licenciamento Ambiental e
pela Coordenação Executiva da Usina de
Irapé, alem de contar com a participação
dos consultores das áreas diversas da
obra.
Responsabilidade da Superintendência de
Comunicação Social e Representação da
desde a sede da Cemig em Belo
Horizonte, com dois comunicadores
contratados desde 2004, para ficar na
região permanentemente até o final do
processo de relacionamento, após o inicio
da operação da Usina (2006), um em cada
margem do rio Jequitinhonha. A equipe
auxilia e trabalha em coordenação com as
outras equipes da Obra sob a
responsabilidade da Coordenação
Executiva da Usina de Irapé.
Plano Operacional –
ações específicas
Definição de três fases:
A) Atividades preparatórias: que
visavam desencadear a discussão do
empreendimento e dos procedimentos
executivos pertinentes à implantação da
usina, procurando evitar a formação de
um hiato, em termos de comunicação, no
período entre a análise e discussão do
PCA junto à FEAM e a obtenção da LI.
Boletins;
reuniões com lideranças e comunidades
(segundo a estrutura das reuniões, deviam
ser expostos os aspectos gerais do projeto,
focado do assunto de maior interesse do
público presente, procurando afunilar os
temas para uma abordagem mais
exclusiva e menos generalista);
Talheres de Educação Ambiental.
B) Atividades estruturais: composta pela
forma
ç
ão básica
p
revista
p
ara a condu
ç
ão
Definição de duas fases:
A) Atividades estruturais:
Apresentação do Termo de Acordo,
reconhecida como a primeira atividade de
comunicação desenvolvida. Primeiro foi
apresentado às prefeituras, Câmaras
Municipais e outras lideranças;
posteriormente às comunidades atingidas.
Foram elaboradas cartilhas, banners, e
vídeo.
Reuniões no processo de negociação.
Informativo de Irapé.
Meios de comunicação regionais.
B) Atividades de Suporte:
as mesmas definidas no Programa de
Comunicação Social da PCA, mais:
Ações referentes ao recrutamento e
qualificação da mão de obra; ações
referentes à adequação e
acom
p
anhamento dos núcleos urbanos:
Ações Permanentes:
As ações foram definidas a partir da
realização da Auditoria de Opinião, por
parte da EMC2, que achou como ONGs
ligadas a grupos políticos da região
demonstraram insatisfação e pressionaram
a Cemig para realizar obras que não
estavam previstas no Termo de Acordo.
Com base nos dados da auditoria, foi
proposto:
- ampliar os canais de relacionamento
com lideranças da região.
- dar credibilidade às informações da
Cemig com lideranças.
- mapear distorções/boatos.
- potencializar as manifestações de apoio
e neutralizar oposições.
Informativo Irapé de TV: a partir da
p
areceria re
g
ional com TV Ara
ç
uaí, em
116
do Programa de Comunicação, prevendo-
se a composição da equipe técnica,
instrumentos, mecanismos e ou recursos
que serão utilizados no desenvolvimento
do processo de comunicação.
Informativo de Irapé: considerado o
instrumento de referencia da Usina de
Irapé. Pensado para criar uma alternativa
oficial no contexto do processo de
implementação do empreendimento em
nove municípios.
Uso dos meios de comunicação: uso da
mídia local para divulgação do processo
de andamento da obra.
C) Atividades de suporte: compõe-se de
ações planejadas para atender às
demandas apresentadas no escopo do
PCA. Implica a atuação sistemática da
comunicação nos programas e projetos
ambientais.
Este Programa de Comunicação Social
tem uma previsão de 5 anos de obra, e diz
em relação às ações futuras, além das três
fases delimitadas: somente a evolução do
processo de negociação e das discussões
públicas sobre o empreendimento irão
definir as futuras atividades de
comunicação a serem implementadas.
Ações referentes à Educação Ambiental:
com apoio da comunicação na realização
de todo o trabalho – elaboração de
matérias sobre os temas a tratar, cartazes,
panfletos ou alternativas de divulgação.
A
ç
ões referentes à Lim
p
eza da Bacia de
cabe à comunicação o esclarecimento das
medidas adotadas no que diz respeito da
educação, saneamento básico e segurança
pública.
Ações referentes à preservação do
patrimônio cultural: discussões sobre a
Preservação do Patrimônio Cultural e
difusão e valorização da cultura local.
Ações referentes à reestruturação
socioeconômica: trabalhando em parceria
com diversas instituições atuantes na
região, o que exige o suporte intenso da
comunicação, primeiro para repasse de
informações e posteriormente a
divulgação dos resultados alcançados para
dar visibilidade aos avanços do programa.
Ações referentes ao plano diretor do
reservatório: procurando maior
consolidação do planejamento a partir da
ampliação das discussões e envolvimento
visando a conscientização das
comunidades com relação à importância
do planejamento do empreendimento e a
ocupação da área do entorno.
formato jornalístico, foi concebido para
levar informação para a região,
divulgando as principais etapas da obra,
além do andamento e abrangência de seus
inúmeros programas sócio-ambientais, em
especial aos eventos relacionados ao
reassentamento das famílias, um dos
principais pontos de questionamento do
empreendimento. Programa quinzenal de
15 minutos de duração.
Informativo de Irapé Impresso: concebido
para atender um público diversificado –
famílias ribeirinhas, autoridades,
comerciantes, pessoas comuns, lideranças
formais e não formais. Jornal bimestral
em quatro cores, 8 páginas e uma tiragem
de 7 mil exemplares por mês, divulgado
nos sete municípios, distribuído de casa
em casa e entregue por funcionários da
Cemig às lideranças locais e formadores
de opinião.
Informativo Irapé de Radio: sabendo que
a rádio é o veículo de comunicação mais
difundido na região, se fez um
mapeamento das emissoras da área de
influência da usina e dos municípios, para
a realização de negociações, definindo a
forma de distribuição e veiculação dos
programas de rádio. Atualmente o
programa vá ao ar em 16 emissoras em 14
municípios, sendo um programa semanal
de 30 minutos de duração.
117
Acumulação: reuniões com comunidades
envolvidas, divulgação no boletim Irapé,
folheto.
Ações referentes ao remanejamento da
população rural: reuniões com a
população envolvida, agendamento dos
contatos, produção de material de
divulgação do local, data, etc.,
organização das atividades propostas que
envolvem as populações afetadas.
Ações referentes aos povoados de Peixe
Cru e Mandassaia: reuniões bimestrais,
utilização do Informativo de Irapé,
contato direto com os moradores.
Ações referentes à saúde pública e
vigilância sanitária: encaminhamento de
ações preventivas, repasse de informações
sobre temas específicos, desenvolvimento
de campanhas educativas abordando
temas pertinentes às questões em pauta, a
través do Informativo de Irapé e cartilhas
nos casos especiais.
Ações referentes à fase de enchimento do
reservatório: cartazes, envio de ofício a
instituições, placas informativas, mídia
regional, contanto direto com os
proprietários do entorno.
Site de Irapé: oferece informações para o
público formador de opinião, contendo
dados sobre a construção, área de
abrangência, histórico dos municípios,
programas de relocação das famílias,
programas ambientais, além da galeria de
fotos e vídeos informativos e
institucionais, e informativos impressos e
de rádio.
Programa de visitas e exposições: tendo
como fim aproximar o projeto ao público
envolvido pela obra, través de visitas
semanais à obra, exposições itinerantes
abordando aspectos da obra e do acervo
sócio-cultural local. Foram realizadas
exposições ambientais e arqueológicas no
Centro de Referencia e Memória n
comunidade de Porto Coris.
Outras ações de impacto: como oficinas
de educação patrimonial sócio-cultural;
oficinas de educação ambiental;
campanhas preventivas de saúde; apoio ao
artesanato local.
Folhetaria: material didático e
informativo, abordando temas como:
patrimônio Cultura da Usina de Irapé;
preservação de Patrimônio Cultura;
programa de Salvamento Arqueológico;
programa de Educação Ambiental de
Irapé; entre outros. Guias, vídeos, CD’s.
118
Temáticas abordadas Atividades preparatórias:
Seleção das novas áreas de
reassentamento.
Padrão das unidades habitacionais:
apresentação e discussão.
Projeto de reassentamento: características
e garantias.
Processo de negociação.
Contato da população local com outros
grupos de remanejados.
Atividades estruturais:
O conceito do empreendimento.
Obras pertinentes ao barramento, e
atividades relacionadas aos meios físico,
biológico, socioeconômico, e cultura.
Atividades de suporte: divulgação do
local, data e público convidado para as
reuniões; registro e repasse dos resultados
alcançados; divulgação da continuidade
do trabalho e próximas metas.
Ações referentes ao remanejamento da
população rural: critérios de negociação;
formação dos grupos optantes pelo
reassentamento; projeto executivo;
discussão e estruturação das novas
relações de vizinhança e outras questões;
implantação do projeto de assistência
técnica; planejamento da transferência das
famílias para as novas áreas.
Ações referentes aos povoados de Peixe
Cru e Mandassaia: evolução das
negociações; seleção da área para
im
p
lantar o novo núcleo; a
p
resenta
ç
ão e
O conceito do empreendimento.
Obras pertinentes ao barramento, e
atividades relacionadas aos meios físico,
biológico, socioeconômico, e cultura.
Divulgação das atividades de suporte.
119
definições quanto aos projetos executivos;
formação dos grupos de vizinhança;
cronograma para transferência das
famílias; inauguração do novo núcleo.
Ações referentes à saúde pública e
vigilância sanitária: importação de
doenças endêmicas em outras regiões;
aumento de enfermidades prevalentes na
região pela chegada de indivíduos
susceptíveis; aumento de acidentes
ocupacionais e outros acidentes incluindo
animais também; necessidade de ações
preventivas; problemas sociais; medidas
de controle ambiental e individual.
Ações referentes à fase de enchimento do
reservatório: características do
enchimento; efeitos da redução da vazão
no trecho de jusante; características do
enchimento, aspectos referentes à possível
exploração garimpeira no trecho;
alternativas a ser adotadas para mitigar os
impactos; pessoas referencia e forma de
contato aos responsáveis pelo
empreendimento.
Fonte: Construção própria da pesquisadora.
120
Quadro 2 - Linha temporal do processo de comunicação: produtos e ações específicas:
Desde a apresentação do PCA até a obtenção da Licença de Operação
2000 – 2006
Processo de Comunicação: ações específicas 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006
Atividades preparatórias
Informativo de Irapé
Mídia regional
Ações de Educação Ambiental
Ações referentes ao remanejamento
Ações referentes aos povoados de Peixe Cru e Mandassaia
Ações referentes à saúde pública e vigilância sanitária
Ações referentes à fase de enchimento do reservatório
Apresentação do Termo de Acordo
Reuniões no processo de negociação
Ações referentes ao recrutamento e qualificação da mão de obra
Ações referentes à adequação e acompanhamento dos núcleos urbanos
Ações referentes à preservação do patrimônio cultural
Ações referentes à reestruturação socioeconômica
Ações referentes ao plano diretor do reservatório
Irapé TV*
Irapé Radio
Site de Irapé*
Visitas e exposições
Outras ações de impacto
Folhetaria
Fonte: Construção Própria da pesquisadora, segundo os dados analisados.
* Ações descontinuadas pelo período pré-eleitoral 2006
121
CAPÍTULO 5. ANÁLISE DE DADOS
5.1. A interação comunicativa no caso de Irapé
O caso de Irapé, o estudo das interações que tiveram lugar no desenvolvimento do
122
e como ele é entendido pelos sujeitos principais. (2) A segunda categoria, nomeada ‘Os
sujeitos’ (quem), procura identificar quem está envolvido no processo, quem são os
interlocutores principais, as vozes mediadoras e o papel do comunicador no processo de
interação comunicativa. (3) Já a terceira categoria, ‘Processo de comunicação’ (como), diz
respeito a como acontece o processo de interação comunicativa, identificando as principais
estratégias ou ações, o fluxo da comunicação com suas limitações e desafios. Finalmente, a
última categoria (4), do ‘Conteúdo da Comunicação’ (que), diz respeito ao conteúdo da
comunicação, identificando as intenções e interesses das partes envolvidas.
As quatro categorias, além de ajudar a reconstruir o processo de interação, ajudaram a
identificar o tipo de comunicação que teve lugar, se foi de caráter simétrico ou assimétrico,
utilizando como referencia a proposta teórica de GRUNIG e GRUNIG (1992), já apresentada
no capítulo dois. E a partir desse momento, é que a comunicação poderá ser identificada como
uma ação socialmente responsável, a partir das características da interação comunicativa.
A analise é acompanhada de depoimentos, desenhos, quadros e gráficos, resultado da
coleta de dados realizada, sendo que os depoimentos tanto da empresa quanto dos moradores
das comunidades foram chave na reconstrução da interação e para entender o processo de
comunicação. Cabe também lembrar, os processos não se limitam às categorias aqui
apresentadas, e que os atos de interação se entrecruzam, são dependentes, coincidem e fazem
interseção em mais de uma categoria. Quer disser, as categorias são meras guias a partir de
uma leitura da pesquisa, mas o fenômeno escapa à possibilidade de um enquadre teórico.
5.1.1. O Contexto comunicativo
No projeto de Irapé utiliza-se pela primeira vez uma estratégia de comunicação
integrada no relacionamento com as comunidades, constituindo-se em um diferencial em
relação aos outros projetos de Usinas desenvolvidos pela empresa. Segundo os profissionais
123
envolvidos no processo de comunicação de Irapé da Cemig, normalmente a Cemig utilizava-
se de ações de relações públicas ligadas aos projetos de construção de usinas. A decisão de
investir num processo de comunicação diferenciado, deve-se à grau de resistência por parte
das comunidades da região, apoiadas ou estimuladas por diferentes organizações contrárias às
barragens, o que estava dificultando o avanço da obra segundo o cronograma da empresa e
que caracterizou o contexto comunicativo.
Neste sentido, a interação comunicativa acontece no marco do estipulado pela lei, de
como deve ser a atuação da empresa em relação às comunidades atingidas, mas responde ao
interesse da empresa, à visão da diretoria do projeto de Irapé, que vê na comunicação uma
atuação estratégica para viabilizar a obra além do cumprimento do Termo de Acordo em
relação às indenizações e ações sócio-ambientais e frente o impacto da construção da usina na
região.
a.. Contexto comunicativo: Sob quais circunstancias acontece a interação.
Segundo justifica um dos membros da equipe responsável pelas ações de comunicação
do projeto de Irapé da Cemig, a comunicação entrou com maior força a partir de 2003,
Por que ela [Cemig] sentiu a necessidade de se aproximar com os públicos que ela
tinha interesse de estar divulgando o projeto, em trabalhar para fazer com que o
projeto, as etapas fossem compridas com mais agilidade, com mais objetividade,
respeitando as culturas, as comunidades locais, interagindo com esses públicos
também, fazendo com que eles entendessem o processo que estavam vivenciando.
[a comunicação] foi considerada em função do Plano de Controle Ambiental (PCA)
do empreendimento, que exigia que existisse uma equipe de comunicação voltada
especificamente para esse projeto.
Justamente para isso a empresa precisava de uma equipe que estivesse próxima às
comunidades na região, daí que foram contatados dois comunicadores que estiveram nos
escritórios localizados no município de Turmalina – margem direita do rio – e no município
124
de Cristália – margem esquerda do rio. Os comunicadores, e as ações de comunicação no
geral, tiveram que lidar com uma série de programas e projetos – sócio ambientais -
125
no intento de ter o menor impacto negativo sobre a população. Nesse sentido, entende-se que
a interação comunicativa é uma ação socialmente responsável, pela postura da empresa que
reconhece o impacto da obra – social e ambiental – e procura garantir o menor impacto
possível na população e o ambiente da região. Na visão da equipe de Irapé,
Efetivamente quando você realiza uma obra, por que você não tem como
você falar que uma obra não impacto, uma obra impacta. Então você tem que
trabalhar, você tem que negociar com a sociedade em termos de que, se é
bom pra empresa tem que ser bom pra quem está sendo afeitado também, tem
que ter alternativas pra isso.
Quer disser, a Cemig reconhece ter beneficio e interesse na construção da Usina, até
por que é parte de sua razão social e responsabilidade como empresa geradora de energia
elétrica – respondendo aos modelos de consumo energético atual -, mas procura beneficiar a
quem está sendo prejudicado, especialmente as famílias reassentadas. Está postura pode ser
reconhecida como uma visão de responsabilidade social, que é viabilizada só a partir da
interação empresa – comunidade, nos espaços de negociação formais, mas também no dia a
dia, onde é a comunicação que viabiliza o processo de interação.
b. Contexto comunicativo: o objetivo da interação comunicativa.
No processo de relacionamento, cada um dos agentes envolvidos tinha um objetivo de
interação que estimulava a relação com o outro, sendo a construção da Usina a razão da
existência da interação. A Cemig vê no processo de comunicação, a partir da entrada no
projeto em 2003, a
forma de estar aproximando este público [comunidades atingidas], a CEMIG
tinha interesse de estar dialogando, como vinha fazendo mais não de forma
tão estreita, em forma tão direita com aconteceu nestes últimos três anos
(Membro da equipe de comunicação de Irapé, entrevista realizada em maio
2006).
126
Nesse sentido, a interação comunicativa, segundo a visão da Cemig, procura
aproximar a empresa das comunidades, na procura do diálogo, em função das limitações que a
empresa estava tendo e conseqüência das ações contrarias à construção da barragem. Então, a
partir dessas limitações, a empresa coloca como objetivo de comunicação ‘trabalhar com
informação sobre o andamento da obra, mostrando o que realmente estava sendo feito,
tentando contrapor as informações contrárias à usina dentro e fora da região’, segundo eles
mesmos descreveram:
Então você saber trabalhar essa informação, foi um de nossos objetivos. E
estar viabilizando a promoção da cultura, valorização dos costumes locais,
estar abrindo esse canal de comunicação para as comunidades, e para você
abrir esse canal de comunicação parece simples, mas para públicos e pessoas
que nu4 Td1everam
127
condicionantes do Termo de Acordo, todos os programas socioambientais e a
partir de então o fechamento desses programas até a última etapa que é o
processo de geração (Membro da equipe de comunicação de Irapé, entrevista
realizada em maio 2006).
Quando a gente fala de uma meta principal, a gente fala da "obtenção da
Licença de Operação para o inicio do enchimento do reservatório". A gente
tinha uma série de etapas a serem cumpridas, e uma série de etapas incluíam
uma serie de programas socioambientais, não só programas socioambientais
dentro da Usina, no processo de construção da Usina, enfim, tudo isso
dependia também dos movimentos desses sujeitos dentro do processo
(Membro da equipe de comunicação de Irapé, entrevista realizada em maio
2006).
Já para as comunidades, o relacionamento com a empresa procurava o respeito de seus
direitos, na luta pela utilização do espaço ambiental. Poder interagir de perto com a empresa,
foi uma forma de garantir ser escutados e considerados no processo da obra, sendo o Termo
de Acordo um dos objetivos mais importantes para as comunidades, especialmente da ótica
dos grupos organizados. O que se percebe nas falas dos moradores das comunidades é que a
interação com empresa no dia a dia, gerou confiança e aproximou a empresa das comunidades
ao longo de todo o processo de negociação e reassentamento e, quanto mais constante a
presença da empresa na região, maior a confiança gerada nos moradores das comunidades.
Observa-se, por parte das comunidades, uma falta de clareza do ‘porquê da relação’
com a empresa, quer dizer; os moradores atingidos não tinham claro por que, nem para que
precisavam estar em contato com a empresa, o que faz pensar no controle por parte da Cemig
do processo de interação comunicativo, numa relação desigual, onde a empresa tem claro o
seu objetivo corporativo e estimula, a partir dele, o relacionamento com as comunidades,
como medida para viabilizar o seu cumprimento. Mas a partir deste objetivo, as comunidades
conseguem entender o processo no qual são envolvidas sem querer, e gera confiança e
credibilidade no trabalho e atuação da Cemig na região; isso segundo as falas dos moradores
de comunidades reassentadas que contam como perceberam a relação com a empresa:
128
E logo no começo do negocio da barragem eu vi muita proposta. Falava 'que
o dia que esse povo chegar aqui põe quem chegar pra correr e seja a força'.
Então falava, ‘fazer o que de todo jeito essa barragem vai ter que sair
mesmo’, abaixo de Deus só Deus e mais nada. Mas o homem também tem
força, né, mais com a força de Deus (morador de comunidade reassentada.
Grupo focal realizado em julho 2006).
Aí pegou e falou pra mim [representante da empresa], 'pois é, vamos acatar
vocês e pôr vocês onde vocês quiserem. Vamos fazer de tudo de bem para
vocês. Aí aconteceu que foi na hora que saiu o projeto da barragem, aí foi lá
conversar com nos outra vez, aí 'olha nós vamos acertar com vocês e vamos
dar terra que vai dar para tudo quanto é vaca, mesmo as galinhas'. Aí acertou
com todo mundo, aí todo mundo acertou, todo mundo veio pra cá ([morador
de comunidade reassentada. Grupo focal realizado em julho 2006).
Isso aí eles tinham respeito de chegar e de sentar e conversar com a gente.
Isso eles tinham respeito. Acho que aí era vantagem deles, né. Quem tava
precisando era eles, então se ele chegasse na casa da gente e maltratava a
gente, eles não tinham jeito de chegar e falar assim, né, então eles chegavam
com muito respeito chamava a gente com educação, tratava a gente tudo
certinho, chegava lá na sua casa e já gritava de lá pedindo licença. Eu não
tenho nada de queixar não, que sobre isso, o respeito deles, eles sempre
foram honestos. Eu fui, pelo menos eu fui bem tratado, pelo menos eu sou
amigo de todos eles - CEMIG - oficial aí todo de beneficio, todos são meus
conhecidos, todos é gente da gente, no somente aqui no município aqui
(morador de comunidade reassentada. Grupo focal realizado em julho 2006).
Mas quando eles chegavam lá no outro Peixe Cru, todo mundo entendia bem,
chegava lá, ia para uma casa lá, e ficava na casa de um, ficava na casa de
outro, não era assim mesmo,mãe? Comia, bebia, acertava tudo direitinho com
o povo e tratava nós muito certo, aí a gente não tinha nada para reclamar
deles. Só tinha que falar bem, né. Os projetos da cadastração eles cumprem
tudo direitinho, não tem nada a queixar é só alegria (morador de comunidade
reassentada. Grupo focal realizado em julho 2006).
Percebe-se na fala dos moradores como o contacto com a empresa deixou claro a
intenção da Cemig em relação à construção da Usina; quer dizer, o objetivo da interação
estava delimitado para os agentes envolvidos, e ainda que o objetivo não tenha sido o mesmo
para as comunidades, elas souberam aproveitar e ter a atenção da empresa para levar a suas
demandas no dia a dia, estreitar a relação com ela, do jeito que se faz com uma nova amizade.
Esta diferença é compreensível quando se pensa na diferença dos sujeitos envolvidos: por um
lado a Cemig, na sua dimensão empresarial, com demandas corporativas, tempos delimitados,
orçamentos, e a complexidade de uma obra da dimensão da Usina de Irapé. Por outro lado as
comunidades atingidas, conformadas por moradores de uma região com baixo índice de
129
desenvolvimento, com costumes e modo de vida ribeirinha. O entendimento entre esses
agentes diferentes só é viabilizado a partir da entrada da comunicação, que se esforça por
manter uma relação cara- a –cara, entrar no cotidiano das comunidades e colocar as
informações de modo que sejam compreensíveis para as duas partes. Isto será analisado com
mais detalhe na categoria dois dos “Sujeitos da comunicação”.
c. Contexto comunicativo: a presença de conflito.
Em relação ao conflito, se existe e o que é conflito para cada um dos agentes, chama
atenção como, o que é conflito para as comunidades, nem sempre é conflitante aos olhos da
empresa. Então por exemplo, a Cemig reconhece a existência de diferenças que geram
problemas no relacionamento e tenta o tempo todo de minimizar os impactos negativos das
situações conflitantes através da comunicação direta com as comunidades. Segundo eles,
Problemas sempre existem, nessa etapa de negociação em qualquer
empreendimento, e a comunicação ela entra nesse processo com um desses
objetivos: de minimizar esses conflitos, diminuir a tensão que existe essas
comunidades que são diretamente atingidas (Membro da equipe de
comunicação de Irapé, entrevista realizada em maio 2006).
Um dos desafios é que quando a gente entrou, a obra tinha começado e
existia muita resistência e ainda existia muitas dúvidas por parte das
comunidades reassentadas com relação à mudança que teria a vida delas a
partir da construção da Usina, e existiam muitos grupos anti barragem. E o
que aconteceu em relação ao trabalho de comunicação, é que o trabalho de
comunicação se aproximou das comunidades, para entender quais eram essa
demandas, o problemas que eles tinham, quais são as dúvidas que eram
exploradas pelas lideranças - das ONG´s - para estar tentando mobilizar os
grupos [grupos contrários à obra] (Membro da equipe de comunicação de
Irapé, entrevista realizada em maio 2006).
A presença na região de grupos contrários à barragem acionou o sistema de resposta
da empresa em busca da geração de contra-informação e ações de esclarecimento do processo
de construção da Usina, tentando minimizar com o ambiente conflitante, em procura de
130
viabilizar o cumprimento do objetivo e das etapas de licenciamento. Segundo relata um dos
membros da equipe de comunicação de Irapé,
Existe nas comunidades a propensão de ver as coisas negativas, por que
foram sempre maltratados, muito isolados, muito mal assistidos em todos os
aspetos, então existia um clima de desconfiança, então para eles era mais
fácil acreditar nas coisas negativas. É uma dificuldade com que a gente teve
que lidar e trabalhar em comunicação (Membro da equipe de comunicação de
Irapé, entrevista realizada em maio 2006).
Segundo o observado no convívio com os moradores, além da falta de clareza em
relação ao processo de negociação, construção da Usina e reassentamento, que foi aproveitado
pelos grupos contrários para gerar desconfiança em relação à atuação da empresa na região, as
questões problemáticas vêm do cotidiano, dessa mudança do estilo de vida que acontece com
o processo de reassentamento. Para eles o mais importante, além do cumprimento do Termo
de Acordo por parte da Cemig, é a assistência no dia a dia para lidar com as novas condições
de vida alheias a seus costumes e vivências anteriores, já conhecidas. A sua base de
subsistência, a sua forma de vida, foi totalmente alterada a partir da entrada da empresa na
região e da realização dos reassentamentos, gerando situações conflitantes (da perspectiva das
comunidades), que demandam respostas e ações concretas por parte da empresa, que nem
sempre são atendidas. Um dos moradores descreve claramente no seu depoimento, como
gera-se o conflito entre a empresa e as expectativas das comunidades
Eu vejo que é uma situação cheia de altos e baixos. Eu vejo que tem pessoas
aí que estão dizendo que estão 100% bem, e têm outras que estão 100% sem
um caminho para a solução dos problemas. Tem pessoas que às vezes
continuam aqui, mas tem família lá, a 200 km daqui, e não consegue assim
um convívio com sua terra de destino. E a tendência é também é que ficou
algumas coisas, pendências que podiam ter sido atendidas de forma mais
correta, por exemplo, nos tivemos atrás [referencia a tempo passado] um
preparo da terra, e foi inadequado, foi atrasado e não foi bem feito. As 5
hectares de desmate. Pagaram o que acharam justo. Eu não acho que foi
justo. O melhor, não foi justo. Por que eu tinha uma terra desmatada,
mecanizada com preparo suficiente, calcário, enfim uma terra preparada
conforme foi dito que ia ser [ele quer dizer que não recebeu uma terra nas
mesmas condições] e eles passam determinado valor, então ficou uma terra
com preparo inadequado. Uma boa parte das famílias também não recebeu as
131
mudas que estavam determinas no Termo de Acordo. Pendência da cerca,
luz, o valor da conta de energia...
E uma coisa que eu vejo que vai ser um sério problemas nestes
reassentamentos todos é o problema de água, né, que a CEMIG colocou um
sistema de água totalmente caríssimo, e o povo não tem como assumir esses
compromissos, e chegou uma conta agora de [alguém no fundo fala que antes
a água era grátis, do rio] e chega uma conta de 2000 o 3000 reais, e as
pessoas que moram aqui não têm renda, vai pagar com o quê; praticamente o
pessoal está ai vivendo.
A questão da água, que está difícil e vai ser um problema, por que o sistema
parece que não vai para frente, dá problemas e as pessoas não sabem tomar
conta direito, e a água é a base de tudo.
Só que a CEMIG não cumpriu em todos os acordos que ela tinha com a
comunidade. Nós hoje estamos pagando uma água aí de quase 800 e tanto
reais por mês – bombas da CEMIG, e lá nós tínhamos era água por
gravidade, então não pagávamos nada de água e tínhamos uma cerca também
que era para fechar o terreno que a CEMIG devia ter feito. Numa parte ela
colaborava muito, e tem outra parte ela falhou, e não pode também assim...
A empresa é consciente do descontento das comunidades, a insatisfação com a falta de
cumprimento de benefícios ou pela demandas que não satisfizeram as expectativas dos
moradores. A isto a empresa responde que “há sempre algumas reclamações normais, pelo
processo de adaptação, por coisas até que eles nunca lidaram, como os sistemas de água”, e
utiliza a comunicação para chegar a um ponto de comum acordo. A partir do contato face-a-
face do comunicador com os moradores, ele recolhe as demandas e as leva à direção da obra,
na procura de uma resposta para os moradores. Quando for o caso, o comunicador leva
informações pertinentes (através de comunicados ou cartilhas) para esclarecimento dos
processos em andamento, que pode ser percebido como falta de cumprimento do Termo de
Acordo.
5.1.2. Os sujeitos
A relação Cemig – comunidades esteve permeada pela diferença dos sujeitos enquanto
sujeitos sociais, além da presença de vozes mediadoras, quer dizer, outros sujeitos com
132
interesses particulares no desenvolvimento – ou não – da usina de Irapé. Nesse mapa de
sujeitos e vozes, tanto a empresa quanto as comunidades, tenta se entender em procura do
melhor para as duas partes. É aqui que a comunicação é novamente chave para viabilizar este
entendimento, a partir da identificação das vozes mediadoras, das mensagens contrários à
barragem que criaram barulho entre a empresa e as comunidades, dificultando a negociação.
Posteriormente com a entrada da comunicação como processo estratégico de relacionamento,
os sujeitos conseguem se acercar, reconhecer um ao outro, e tentar dialogar para acertar os
interesses das partes.
No depoimento de um dos membros da equipe de comunicação, descreve-se um pouco
a constituição do mapa de sujeitos envolvidos no projeto de Irapé, e a dificuldade de
distinguir a atuação de cada um no projeto, que interferiu de forma negativa no
reconhecimento e entendimento dos dois sujeitos principais: Cemig – comunidades. Ele fala
do desafio que isto implicou para a empresa, que precisou tentar
saber diferenciar para as pessoas o que é da CEMIG o que era
responsabilidade da CEMIG realmente, e o quê que não era, o quê que era do
papel das próprias associações dos reassentamentos, o quê era papel das
organizações municipal, que quê era papel de outros órgãos competentes, por
que a CEMIG assumiu diversos papeis nesse processo de construção.
a. Os sujeitos: interlocutores principais.
Segundo o relatado dos membros da equipe de comunicação de Irapé, como dos
moradores das comunidades estudadas, fato que foi confirmado no processo de observação na
região, a comunicação face-a-face foi a estratégia utilizada com maior êxito, e foi a partir
desse envolvimento que os sujeitos principais conseguiram se entender e reconhecer no
processo de interação, identificando o seu papel (rol) no processo de comunicação. Ainda
assim, percebe-se um pouco de confusão na função dos papéis sociais de cada um no
processo.
133
Por um lado a empresa se confunde no seu papel de empreendedora, investidora,
estado, vizinha, protetora e viabilizadora de uma melhora na qualidade de vida da população.
Quer dizer; para os moradores, a Cemig passou de ser a inimiga que quer acabar com a região,
ameaçando suas vidas e pertences e a ser a amiga que deu casa, terras (50 hectares ressaltadas
nas falas dos moradores o tempo todo), e passou a formar parte do cotidiano das
comunidades, num relacionamento que foi se estreitando conforme as comunidades foram
tendo mais confiança na empresa, e particularmente na relação com os comunicadores
presentes na região, que visitavam as famílias, num processo que é descrito pelos moradores
nos seguintes depoimentos:
Eles vinham aqui e faziam uma reunião para explicar as coisas. Por que a
CEMIG ela não fez ruim negociação, ela fez boa negociação, teve muita
coisa que nós não tinha, e agora nós temos. Nós ganhamos, a casa nós já
tinha, a casa era troce né, uma troca pela outra né, mas nós só tinha a casa,
nós não tinha terra, não tinha nada, então nós ganhamos a casa boa, por que
uma casa é boa, então nós ganhou a casa, ganhou a mais 40 hectares de terra,
o povoado bem limpinho, as ruas bem feitas. Eu não acho que foi ruim a
negociação, e muitos acham que a negociação foi errada. E não foi errada, foi
boa demais, por que quem não tinha, tem, e quem tinha, ficou tendo a mesma
coisa.
Iam [representantes da Cemig] e explicavam onde que iam mudar, chegavam
para negociar, para convocar para uma reunião, etc. E ela achava que
explicavam direto, que ela conseguia entender, que eles chagavam
conversando para eles 'e aí a gente ficava pensando que eles estivessem
fazendo o bem para a gente'.
Eles [representantes da Cemig] vinham e orientavam, muitas vezes, lembro
que tinha uma parte dela, quem está acompanhando nós, a EMATER, então
às vezes sempre ela falava, falava é a verdade e até que fui confiando nela.
Como eles tratavam nós? Era muito bom. Tratavam muito bem. Isso aí eles
tinham respeito de chegar e de sentar e conversar com a gente. Isso eles
tinham respeito. Acho que aí era vantagem deles, né. Quem tava precisando
era eles, então se ele chegasse na casa da gente e maltratava a gente, eles não
tinham jeito de chegar e falar assim, né, então eles chegavam com muito
respeito chamava a gente com educação, tratava a gente tudo certinho,
chegava lá na sua casa e já gritava de lá pedindo licença. Eu não tenho nada
de queixar não, que sobre isso, o respeito deles, eles sempre foram honestos.
134
Como foi explicado no capítulo 3 da metodologia de pesquisa, na coleta de dados com
as comunidades, na realização dos grupos focais, foi utilizado o ‘Diagrama de Venn’ que
ajudou a identificar como era percebida a relação empresa – comunidades, com as diferentes
vozes mediadoras e o papel do comunicador. A partir dos diagramas, percebe-se como os
agentes principais se posicionaram no processo de interação: por um lado a Cemig como
empresa empreendedora, e por outro, as famílias atingidas.
Chama a atenção como as famílias são colocadas enquanto unidades isoladas, e em
nenhum dos casos, foi colada a comunidade como agente de relacionamento. Quer disser, não
se da visibilidade à ‘comunidade como sujeito de interação’ no processo, mas percebe-se que
o relacionamento com as comunidades atingidas, foi realizado de família em família, sendo
que em todos os desenhos, é colocada a Cemig em interação com a família, não com a
comunidade. Pelo menos no imaginário dos membros das comunidades, não existe o sentido
de unidade comunitária. Esta percepção se justifica com frases como “família”; “minha
família”, e a colocação do nome ou sobrenome do dono da casa ao lado dos desenhos
realizados. Só num caso se deu visibilidade à comunidade, mas como beneficiária das ações
da Cemig; não como sujeito de interação.
A Cemig é colocada como uma empresa grande, com muito poder econômico, capaz
de cumprir seus objetivos comerciais, sem importar o custo, por que ‘tem o poder de
conseguir o que quer’, aos olhos dos membros das comunidades. Os moradores colocam a
empresa afastada das famílias, o que dificulta o entendimento entre eles. Colocam aos
representantes da empresa, como executivos, de cara fechada, engravatados, de modo sério,
muito diferente do trato das pessoas das comunidades, que são mais amistosas e receptivas,
em comparação aos representantes da empresa.
Para eles, a empresa está transformando a região, as comunidades e as famílias, ‘a vida
de todo mundo’. Há uma frase de um dos participantes que chama a atenção: “A Cemig,
135
juntando forças”. Ainda assim existe um sentimento de impotência frente à empresa, que é
vista como um agente de muito poder, ‘grande’, distante da realidade dos moradores, capaz de
avançar com a obra, mesmo com a oposição das comunidades da região. A relação pessoal da
Cemig com as comunidades gerou uma imagem positiva da empresa, da ‘bondade’ da
empresa, mas ainda existiu receio pelo trato com as pessoas que representavam à empresa,
que são vistas como de trato grosso, ‘sem dor’ do povo, e são até responsabilizadas pelas
dificuldades no processo de mudança.
Detecta-se um duplo discurso nos depoimentos das comunidades; por um lado a
empresa é colocada como a ‘salvadora’, ‘benfeitora’ que ajudou no desenvolvimento das
comunidades e na melhoria na qualidade de vida das pessoas; mas ao mesmo tempo, existe a
contradição da raiva de ter que sair das terras de origem por causa da barragem, o incômodo
das dificuldades no processo de relacionamento, assumidas como sendo culpa das pessoas
representantes da Cemig, e não da empresa como um todo, como agente individual no
processo de interação.
Então é isso que eu falo com você, a CEMIG é bom, mas nada facilita com o
povo da CEMIG não, eles não têm dor de ninguém não, tem não - ela chora
(Morador do Reassentamento Santa Maria).
Isto pode ser explicado pela diferença cultural e as características diferenciais dos
agentes envolvidos na interação. Para os membros das comunidades, resulta complicado
entender o que é a empresa. A noção de empresa, como organização, não é clara na mente dos
moradores, que a percebem como distante e de tamanho monstruoso em comparação a eles. Já
a interação cara-a-cara com os representantes da empresa, é muito mais familiar às formas de
interação cotidianas as quais estão acostumados. É mais fácil aludir à responsabilidade de
uma situação determinada a uma pessoa tangível que fica na frente de eles, que fala com eles,
do que responsabilizar a um ‘ente’ – a empresa – com quem não podem ter contato direto,
136
pela distancia física e de tamanho, e que se configura no imaginário da população a partir das
ações desenvolvidas na região. A materialização da Cemig enquanto sujeito de interação,
como interlocutor direto, é confusa para os moradores, que avaliam e configuração a sua
interação a partir da sua posição de atingidos ou afetados pela Usina de Irapé, sem ter clareza
sobre o objetivo da empresa que motivou o empreendimento: a geração de energia.
A interação entre Cemig e comunidades, se dá num encontro entre culturas; a
interseção de dois mundos diferentes. Por um lado, uma população rural, caracterizada como
pobre, em condições de miséria, e por outro, a realidade da empresa, com reconhecimento
internacional, com o poder econômico e comercial que a coloca nos primeiros lugares de
empresas energéticas em América Latina. Esta referência pouco importa à população afetada,
que não tem uma noção clara de cidadania e, para quem, serviços básicos – desde o modelo
ocidental de desenvolvimento humano – de água e eletricidade, acabam sendo um problema, e
não uma condição da melhoria na qualidade de vida. Muitos dos moradores não sabem o que
fazer com as novas moradias modernas e com condições de infra-estrutura alheias à sua forma
de vida. Neste cenário, o que se observa é o choque de duas culturas, cada uma com interesses
e visões de mundo diferentes, onde predomina o objetivo comercial, viabilizado só a partir da
construção da usina e posterior geração de energia.
O contato cara-a-cara por parte da empresa, não só ajudou a melhorar o entendimento
das partes, mas a gerar um sentimento de confiança na comunidade, que pouco a pouco foi
abrindo-se à Cemig, permitindo o cumprimento do objetivo da empresa na região.
Aí pegou e falou pra mim, 'pois é, vamos acatar vocês e pôr vocês onde vocês
quiserem. Vamos fazer de tudo de bem para vocês. Aconteceu que foi na hora
que saiu o projeto da barragem, aí foi lá conversar com nos outra vez, aí 'olha
nós vamos acertar com vocês e vamos dar terra que vai dar para tudo quanto
é vaca, mesmo as galinhas. Aí acertou com todo mundo, aí todo mundo
acertou, todo mundo veio pra cá. Hoje eu estou no céu. Hoje eu estou no
céu,eu sai de inferno e vim para o céu (Morador Novo Peixe Cru).
137
Através desse contato direto, da interação cara-a-cara, a empresa consegue se colocar
como benfeitora, ‘salvadora’ dos moradores, a disposição das escolhas deles, sendo que em
realidade as ações da empresa estavam demarcadas pelo Termo de Acordo assinado, que
exigia da empresa cumprir com ele para a obtenção das receptivas licenças de geração,
operação e comercialização da energia da Usina de Irapé. Ainda assim, o contato cotidiano e
de forma direta com as comunidades, facilitou o processo de relacionamento e negociação,
uma ação que pode ser considerada ou caracterizada como socialmente responsável.
Percebe-se uma diferença na percepção da relação com a Cemig nas duas
comunidades estudadas. No caso dos participantes de Peixe Cru, existe maior consciência ou
visão de comunidade, no entanto que em Santa Maria, os moradores se identificam como
família e não existe uma visão clara de comunidade.
Outra diferença entre ambas comunidades, é em relação à distancia entre eles e a
empresa. No caso do Peixe Crú, a Cemig é colocada menos distante do que no caso de Santa
Maria, onde se percebe à empresa está longe, grande e poderosa. Em contraposição, a visão
dos moradores de Peixe Crú caracteriza o relacionamento como amistoso, onde os
participantes colocam em muitos casos, a Cemig dentro de suas casas, e até reconhecem os
nomes dos representantes da empresa. Isto responde ao nível de atenção maior que teve a
comunidade de Peixe Cru por ser um caso crítico, onde a antiga comunidade foi totalmente
alagada, e todos os moradores tiveram que ser reassentados, mantendo a estrutura de
comunidade que já se tinha. Todos os participantes de Peixe Crú colocaram a empresa ao lado
das casas, e os membros da Cemig, até na sala da casa. Já no caso de Santa Maria, as imagens
ilustram a empresa de tamanho maior em comparação às moradias dos participantes, e em
muitos casos, os representantes da empresa são colocados em alto, ‘descendo’ até os
moradores, mas sempre de cara fechada, bocas tristes ou sérias, de paletó e gravata.
138
Alguns depoimentos dos moradores complementam a leitura feita dos diagramas em
relação ao sentimento da comunidade de Santa Maria em relação ao Peixe Crú, onde os
membros das famílias disseram se sentir descontentes com o relacionamento, gerando
desgosto para com a presença da empresa na região, em contraposição com a comunidade de
Peixe Crú, onde os moradores descrevem a empresa como amiga deles, e são muito mais
receptivos À Cemig. Eles descrevem que
Quadro 3 - Depoimentos sobre satisfação do relacionamento Cemig – Comunidades:
Santa Maria vs. Novo Peixe Cru.
Depoimentos de moradores de Santa Maria
que se sentem num relacionamento
assimétrico com a empresa
Depoimentos de moradores de Peixe Cru, que
se sentem num relacionamento simétrico com a
empresa
Eu até agora, sinceramente não tenho nada que
agradecer à CEMIG, sinceramente. Se eu quero
água, tenho que pagar, está difícil, a CEMIG só
deixou prejuízo até agora.
Eu fui, pelo menos eu fui bem tratado, pelo
menos eu sou amigo de todos eles - CEMIG -
oficial aí todo de beneficio, todos são meus
conhecidos, todos é gente da gente, no somente
aqui no município aqui, mas no município lá de
Capelinha, que é água boa, lá tem uma mulher
que eu convivo com ela, ganhou terra lá em
Idálias, talvez já tenha até escutado falar, o
reassentamento de Idálias, lá perto de São João,
eu mexo tempo por lá. Nós já fez encontro lá, lá é
a mesma coisa daqui, né, a mesma coisa. Os
projetos da cadastração eles cumprem tudo
direitinho, não tem nada a queixar é só alegria.
Faziam reuniões, e passavam um desenho pelo
telão, a gente sabia mais ou menos o que estava
em andamento. Só que ele não passavam tudo
para gente, de boca própria, mas o que eles não
passavam para a gente de boca própria sempre
estava escrito, ficava tudo certinho.
O que eu sinto aqui, na minha imaginação, é que
a Cemig enorme e eu estou me sentindo
pequenininho embaixo, eu sozinho aqui não
tenho como lutar contra a Cemig, entendeu. Em
grupo tem, mas individual não agora.
Eu sinto que ela é uma empresa forte, muito
grande que tem muito dinheiro, entendeu? Ela
pode construir uma barragem assim enorme,
muitas barragens, então tem dinheiro então que,
nós estamos embaixo.
Agora mesmo no dia 4 do mês passado, abriram
as comportas [da barragem], fizeram uma
reunião, viram aqui, eles ligaram aqui pediram 3
pessoas da comunidade de mais entendimento,
para ouvir lá o andamento e passar para o pessoal
aqui, tudo bem explicadinho, assistiram lá,
abriram a comporta, paralisaram a água pela
qualidade da terra, a água estava, tudo o que ela
enchia chupava. Então isso tudo é entendimento
para a gente se ente
nder.
Eu me sinto da mesma forma deles.
Principalmente de um tempo para cá, eu tinha
uma outra ima
g
em, anteriormente, até então
Cheguei e assinou os papeis, e ainda falou pra
mim, 'olha, nós não esquecemos ainda de vocês
não, nós estamos a
q
ui
p
ara
q
ue na hora
q
ue
139
tinha lá o escritório, o atendimento telefônico,
mas agora nem tem encontrado mais como eles,
foi fechada aquela porta.
precisar, nós vamos estar aqui um tempo ainda,
nós temos ainda mais de dois anos para ficar aqui,
e se tem que resolver um problema é aqui, quando
precisar a porta está aberta, vocês podem vir que
nós vamos resolver.
Então para mim, eu estou me sentindo assim
pequena, e eles cada vez estão ai cada vez mais
grande, subindo.
Eu falava para eles, olha isso que você está
falando, não estou entendendo, não estou
entendendo essa explicação que está fazendo para
mim, então eu quero que explique mais direito
para nós, para nós entender melhor. Aí eles
achavam um jeito de explicar para nós como é
que e
ra.
Normalmente eles só vinham... No nosso caso
aqui, nós corremos muito foi nós, não é gente.
Nós temos associação e muita gente tinha medo,
sabe, meu marido foi no inicio, ele ia e fez
amizade com alguns da CEMIG e no início
resolveu muito coisa, a gente indo lá, nós
[referencia a ir ao escritório da CEMIG em
Cristália], entendeu, no iníicio, a gente ligava,
faziam ofícios, e eu acho que foi mais sacrifício
nosso que deles.
Eles sempre vinham. Eles estão meio afastados,
né. Estão meio afastados aqui agora. Eles vêm só
de avião. Acho que é por que o que tinham pra
fazer já fez, né, então agora não estão vindo mais.
A gente ia lá. A CEMIG só vinha até a gente por
que tinha pendência. Ai sim, eles vinham aqui,
olhavam resolviam. A CEMIG ainda está
levando trabalho ainda. Se tiver alguma
atividade a CEMIG, e ela está para ver se tem
alguma pendência, então esse trabalho ainda está
acontecendo. Alguma divulgação, informação
importante, ainda está acontecendo. Ai o Juan
[comunicador da empresa, nome foi mudado
para proteger a identidade] que é da CEMIG,
veio para fazer uma entrevista, vem pessoa da
rádio, da televisão. Ele veio para que eu deu
uma entrevista, então eu di a entrevista na rádio,
e depois eles viram me procurar me
questionando, filmavam, tiveram uma
confirmação. Esse trabalho ainda está realizando
onde o pessoal está desenrolando alguma coisa,
produz
indo algo.
tinha que falar
m, né.
Então eles falavam que chegavam em outras
comunidades pra fazer eles tinham que sair
corrido, né, se não apanhava e tinham que chegar
e ficar encolhido num eles. E eles também
tinham, falavam que tinham um carinho pelo
Peixe Crú, inclusive a gente observou que tinha
mesmo e a gente via que eles tinham um carinho
muito especial. E eles falavam pra todas as
comunidades a onde eles chegavam e tinham
oportunidade de conversar com todo mundo, era
no Peixe Crú. Também conversava com pessoal
até terminar e em outras comunidades as vezes
eles faziam corrido. Eles não tinham pavor de
chegar no Peixe Crú. Por que quando eles
chegavam no Peixe Crú eles eram bem recebidos.
Mas quando eles chagavam lá no outro Peixe Crú,
todo mundo entendia bem, chegava lá, ia para
uma casa lá, e ficava na casa de um, ficava na
casa de outro, não era assim mesmo, mãe?
Comia, bebia, acertava tudo direitinho com o
povo e tratava nós muito certo, aí a gente não
tinha nada para reclamar deles. Só
be
140
‘Diagramas de Venn’
Fonte: Construção própria.
141
A diferença nos depoimentos e desenhos dos moradores de ambas as comunidades,
foram confirmados pelos membros da equipe de comunicação na região, que reconhecem que
a comunidade de Peixe Cru teve maior atenção do que outras comunidades, como o caso de
Santa Maria, que os membros do projeto de Irapé visitaram com menos freqüência, até pela
distância e acesso. Além disso, como já foi descrito ao longo do trabalho, Peixe Crú teve uma
maior atenção e até nos benefícios em termos de estrutura como comunidade, pelo fato de ter
sido alagada no 100% no local de origem e tentando respeitar a estrutura original da
comunidade, o que não aconteceu nos outros reassentamentos (fora o caso de Quilombo que
não é de interesse na presente pesquisa) onde os moradores que os integram não moravam
numa estrutura comunitária, pelo qual cada um obteve uma fazendo de 50 hectares onde
foram construídas as casas, com um centro comunitário de referencia perto das moradias.
No caso do reassentamento de Santa Maria, a comunidade de Santa Cruz, que já
existia e a sua composição e dinâmica comunitária nada tem a ver com a presença da Cemig
na região.
A diferença entre uma comunidade e outra, entre uma margem e outra foi um dos
desafios da comunicação segundo os comunicadores presentes na região. Apesar das famílias
serem identificadas como os sujeitos chaves com quem a empresa devia se relacionar, as
diferenças entre um grupo de reassentados e outro implicava um esforço maior por parte da
empresa e da equipe de comunicação, para definir as ações a ser desenvolvidas, a partir das
demandas particulares.
O caso estudado faz pensar nas comunidades como grupo de interes da empresa,
diferenciado de outros grupos de relacionamento ou stakeholders – consumidores,
investidores, mídia, etc. Trabalhar com as comunidades implica se envolver com a
cotidianidade, com a individualidade das pessoas, exigindo ações de comunicação não
massivas segundo as características de cada grupo. Por isso o que se presenteou como mais
142
efetivo para a empresa, para viabilizar o entendimento e a comunicação com os moradores
reassentados, foi a comunicação face-a-face que permite justamente identificar as diferenças e
singularidades de cada família afetada. Um desafio, que segundo os depoimentos e o
observado, foi aproveitado para aprender a dialogar [ou pelo menos tentar] com os membros
das comunidades em procura da viabilização do objerivo da empresa, segundo explica um dos
comunicadores na região
Outro desafio é o entendimento das divergências desses grupos, inclusive das
duas margens, os grupos da margem direita e da margem esquerda, tinham
uma série de diferenças, tinham posturas diferentes, mobilizações, formas de
interlocução, de formatação organizacional diferente; entender essas
diferenças foi outro desafio, saber que você não estava lidando com um grupo
homogêneo e sim com pessoas diferentes, grupos que se apresentavam
143
fortalecer a dependência das comunidades para com a empresa, e gerou confusão em relação à
função social da empresa na região, que atuou às vezes em âmbitos das prefeituras,
empreiteiras, associações comunitárias, etc. na expectativa de evitar novos conflitos que
gerassem limitações no andamento da obra. Mostra desta tendência na definição dos papéis
dos sujeitos está nos depoimentos tanto dos membros da equipe da Cemig, quanto dos
moradores das comunidades que cobram coisas da empresa além do acordado no processo de
negociação, com frases como
A gente [Cemig] está sentindo que esse desligamento vai acontecendo de
forma gradativa, as pessoas vão entendendo os desligamentos da CEMIG dos
processos, a finalização, conclusão das etapas que foram sendo viabilizadas
pela CEMIG e vão assumindo vários projetos que vão ser tocados,
viabilizados agora pela associação. Muitos achavam: a CEMIG vai sair, as
pessoas vão ficar órfãs de uma entidade que foi, que ela era responsável por
tudo o que acontecia na região (Comunicador de Irapé).
[...] a CEMIG poderia ter, tipo um trator, para a gente poder fazer a labor [de
arado da terra nas novas fazendas] (Morador Reassentamento Santa Maria).
Ela diz que ela prometeu que ia dar muito apoio para eles e 'a gente achou
que ia ser para toda a vida, mas a gente que não pensou que era só em quanto
eles estivessem por ai. Nós que achou que ia ser toda a vida, que ela ia a estar
sempre dando apoio e não é, por que depois que eles foram embora, por que
já foram embora (Morador Reassentamento Novo Peixe Cru).
Percebe-se, nas falas dos moradores, como a presença permanente e individualizada da
Cemig, gerou o sentimento de paternalismo nos membros das comunidades, que começam a
sentir a falta da empresa a partir da inauguração da barragem, onde a empresa começa a ter
menos presença na região, pelo menos no contato diário com as comunidades já reassentadas,
seguindo o estipulado no Termo de Acordo e PCA, onde a EMATER é responsável pela
organização e desenvolvimento das comunidades reassentadas nos próximos oito anos.
Os laços criados entre a empresa e os moradores, geraram relações de amizade, que
confundem as famílias uma vez que a Cemig deixa de estar tão presente na região. Cria-se
neles um sentimento de abandono, de que agora serão esquecidos, e que não teriam mais
144
ninguém para resolver os seus problemas. O objetivo da Cemig desde o inicio não é criar
laços paternais com as comunidades, mas dar resposta, da melhor forma possível ao processo
de negociação e de reassentamento, evitando limitações no desenvolvimento da obra. Por isso,
a relação paternalista que foi criada, é mais uma conseqüência indesejada, do que uma meta
esperada.
Um último aspecto importante a ressaltar em relação ao papel dos agentes envolvidos
na interação comunicativa, é o reconhecimento da empresa no seu papel de cidadão na
interação com os membros das comunidades, cidadãos com direitos. Segundo a versão da
empresa é ela que motiva e estimula a participação dos moradores em espaços públicos de
discussão permitindo o reconhecimento de seus próprios direitos. Já para as comunidades, é a
partir das associações comunitárias, da Comissão de Atingidos que eles conseguem ter um
espaço de cidadania, participação e discussão de seus interesses com a empresa, ainda que não
da forma que eles queriam, segundo seus próprios relatos. Como não se acompanhou o
processo de negociação desde o inicio da obra, é difícil afirmar na presente pesquisa qual dos
dois agentes estimulou a participação em primeiro lugar, mas o que se observa, é uma
dinâmica de interação entre sujeitos cidadãos, com características do que seria um diálogo
entre dois sujeitos: um fala, o outro responde, cada um tenta persuadir ao outro no processo de
negociação velando pelos seus interesses. Os depoimentos a seguir descrevem este processo
observado, do ponto de vista da empresa e dos moradores:
[...] a gente [Cemig] possibilitou às pessoas, uma coisa que foi importante, no
dia a dia deles. De aqui para frente, eles vão poder vivenciar outros processos
de discussão e de interação maior. Eles entenderem o papel deles no
processo, a importância deles participar, de se mobilizarem, de criar
ferramentas e aproveitares canais de comunicação, e as oportunidades que
estão sendo dadas, e criticar e agregar informação. Saberem o momento de
intervir, procurar a empresa, ou os diversos órgãos quando necessário,
quando se sentirem prejudicados, ou não, ou até mesmo para estar somando,
para estar trabalhando juntos. Acho que essa idéia, essa iniciativa, de estar
entendendo o papel deles dentro desse processo, inclusive como associação
ou como grupo, acho que o conceito de associativismo é um conceito
relativamente novo aqui na região, porque trabalharam até juntos entre eles, e
145
trabalhar e conviver com objetivos do grupo, isso tudo conceitos novos, que a
comunicação trouxe mais solidez para eles questionassem e participassem
desse processo de maneira mais crítica, mais participativa.
E na verdade o que é muito válido no processo de negociação é que as
comunidades atuem, questionem, indiquem para a empresa qual que é a
melhor forma das ações se desenvolverem, é válido também que o terceiro
setor também tenha espaço nesse processo para estar tentando reivindicar e
representar seus interesses. Acho que o que dificulta é quando esse canal de
comunicação fica inviabilizado pela falta de diálogo, pela indisponibilidade
de uma das partes de estar negociando, de estar entendendo o processo, de
querer realmente que as coisas aconteçam da melhor forma, em vez de
simplesmente fazer valer seus interesses, suas ideais.
Entende-se então, que é a partir desse reconhecimento dos sujeitos enquanto cidadãos
num espaço de discussão e diálogo, delimitado pelo Termo de Acordo, que é ao mesmo tempo
causa e conseqüência, que aparecem em cena as vozes principais da interação comunicativa: a
empresa e a comunidade, com um interlocutor chave que faz a ‘ponte’ entre eles: o
comunicador, sujeito que será descrito na frente. É o comunicador e as ações de comunicação,
que tenta abrir caminho para poder escutar e falar num mar de outras vozes chamadas aqui
como vozes mediadoras, que criaram barulho e dispersão no processo de relacionamento.
b. Os sujeitos: As vozes que falam no meio.
Essas vozes mediadoras reconhecidas no processo de interação estimulam ao mesmo
tempo em que atrapalham a interação comunicativa entre a empresa e as comunidades. A forte
presença de vozes contrarias à construção da barragem é eminente quando da entrada da
comunicação na região como ação estratégica para viabilizar o relacionamento com as
comunidades.
A Cemig reconhece essas vozes e tenta identificá-las construindo assim um mapa de
relacionamento, onde construiu as suas estratégias de relacionamento na procura da
viabilização do objetivo coorporativo. A equipe de comunicação conta como a Cemig “tinha
vários públicos para trabalho e alguns objetivos [...] diversos públicos como autoridades, as
146
próprias comunidades diretamente afetadas do entorno do reservatório”. A partir do
reconhecimento dos públicos, a trabalho dos comunicadores concentrou-se justamente na
construção do mapa de relacionamento, segundo os relatos dos comunicadores da região
[...] quando cheguei aqui em Cristália, alguns grupos estavam se
desenvolvendo, algumas lideranças apontavam. E a primeira coisa que eu fiz
foi tentar conversar, dialogar com as pessoas e entender.
[...] também lidamos com o público das sedes municipais, formado pelas
autoridades constituídas (prefeitos, vereadores, secretários municipais)
público em geral, lideranças não formais, lideranças sindicais e de classe
(como dos sindicatos rurais), setores da igreja (que são muito influentes na
região), agentes culturais, organizações não governamentais, setores de
comunicação locais e regionais.
O mapa de vozes mediadoras está constituído não só pelos sujeitos sociais externos
como as prefeituras, o estado, ONGs
29
, mas existem também as vozes internas, quer dizer
aqueles sujeitos ligados à construção da barragem que sem ser parte da Cemig, fazem trabalho
de contratação externa da empresa, que se confunde com a ação própria da empresa. Aliás, o
mapa de sujeitos é claro da perspectiva da empresa, mas não para as comunidades. Para elas
existe a Cemig, só, e umas ‘pessoas’ que falavam contra a barragem. Poucos reconhecem ou
se identificam com o trabalho da Comissão de Atingidos, mas se identificam claramente com
a suas associações comunitárias – conformadas por eles mesmos e que foi um requisito da
Cemig para liberar parte do dinheiro da indenização pela mudança – e com a EMATER
30
,
pela forte presença que tem a partir da saída da Cemig na região com a inauguração da Usina
(Julho 2006).
Um dos comunicadores de Irapé explica como lidaram com as vozes mediadoras
internas, quer dizer, aquelas empresas contratadas pela Cemig que faziam trabalho de
29
Pela dimensão e complexidade do estudo de caso, e ainda a falta de conhecimento do contexto social por parte
do pesquisador, não foi possível levantar/identificar claramente as ONGs que participaram no processo, sendo
que durante o levantamento empírico na região, estas não aparecem nas falas dos moradores das comunidades.
30
Segundo a Cemig a EMATER é um dos fsujeitos que pode facilitar essa saída da CEMIG, por isso pensada
essa estrategia da EMATER até o 2011, trabalhar esses conceitos de associativismo, para que a associação se
torne sustentável e estar minimizando esse desligamento em campo da CEMIG no projeto Irapé (Comunicador
de Irapé, entrevista realizada em julho 2006).
147
representação da empresa, que muitas vezes atrapalhavam o relacionamento com as
comunidades, pelas ações desenvolvidas na região. Ele conta que a Cemig
[...] trabalha com diversos setores multidisciplinares, mas com um objetivo
em comum que é o projeto [da Usina de Irapé], agora cada um na sua área e a
comunicação dando suporte a todas essas áreas, estando atenta à participação
desses agentes junto à comunidade e no desenvolvimento de suas atividades
para dar cobertura e estar registrando esse processo, a evolução de cada um
desses setores, tanto de Obras Civis, o próprio de Obras, junto a questão
social, ambiental, arqueológica, aos problemas voltados para as comunidades,
problemas específicos, em fim, de uma maneira geral a comunicação
perpassa todos esses setores, e trabalha em separado e de maneira global com
o projeto.
O mapa de vozes mediadoras se complementa com a presença de grupos contrários à
barragem que tentam, a partir de um esforço de mobilização na região, evitar a viabilização da
barragem, ou no caso, exigir as melhores condições de negociação com as comunidades. A
empresa reconhece a existência dessas vozes e tenta lidar com elas, achando que é a
comunicação a melhor estratégia para enfrentar as contra-informações em torno à construção
da barragem em Irapé. Como se relacionar com estas vozes mediadoras e tentar controlar a
influencia na população da região se converteu não só num objetivo de comunicação, mas
também num desafio dos comunicadores na região segundo o que eles mesmos relatam.
Então criar essa versão da empresa, né, oficial do que tinha que ser passado,
da maneira que a empresa tratasse com os públicos e evitar contra informação
de alguns grupos que aproveitaram desse perfil da região, trabalhando nesse
sentido. Então você sabia de onde vinha essa contra - informação para estar
evitando e até combatendo essa informação negativa, errônea, foi um dos
desafios do processo de comunicação.
Como a comunicação entra no relacionamento com os grupos contrários à
construção da barragem de Irapé. O trabalho de comunicação, a maneira
como ele estava sendo feito, estava sendo um obstáculo para as metas do
trabalho que se proponham essas ONG´s: mobilizar as comunidades com
informações contrárias, questionando, mas com um conceito ideológico que
determinava suas ações, num momento que ficou negociar, discutir com a
empresa, estava seu determinismo em relação a suas idéias, querendo impor o
que achavam do processo, e dessa forma, aproximada às lideranças das
comunidades e através dessas lideranças, também estava tentando ganhar
com a CEMIG novos direitos que inclusive não estavam contemplados no
148
Termo de Acordo, para que as coisas acorressem da maneira que eles
achassem mais adequada.
A partir dos relatos tanto dos comunicadores na região, quanto dos moradores das
comunidades, percebe-se o papel chave da comunicação no processo de relacionamento entre
a empresa e os moradores atingidos e o papel das vozes mediadoras. A comunicação abriu o
caminho para ‘limpar’ o barulho e interferência produzido pelas vozes mediadoras, que se
transformaram em interlocutores da empresa e das comunidades, com interesses específicos,
na tentativa de manipular o processo de negociação para alcançar seus objetivos. A entrada da
comunicação debilitou o papel das vozes mediadoras contrárias à barragem e fortaleceu a
relação com as vozes mediadores a favor, levando a balança ao cumprimento dos interesses da
Cemig. O depoimento de um dos comunicadores de Irapé descreve bem como o processo
aconteceu e o lugar chave da comunicação na interação.
E o que aconteceu em relação ao trabalho de comunicação, é que o trabalho
de comunicação se aproximou das comunidades, para entender quais eram
essa demandas, ou problemas que eles tinham, quais são as dúvidas que eram
exploradas pelas lideranças - das ONG´s - para estar tentando mobilizar os
grupos.
Quando cheguei aqui na região, a primeira coisa que identifiquei foi uma
mobilização grande dentro dessas lideranças, tentando com que eles
buscassem os direitos deles a través de uma carreata de ônibus e uma
manifestação em Belo Horizonte, com orientação de uma ONG específica,
que não é só uma especulação, que a representante da ONG quer acomodar
esse processo lá em Belo Horizonte também. Essa é a ONG "Campo Vale" de
Minas Novas, em 2004, se mal não lembro em março de 2004, acho que não
chegou a março, foi até fevereiro. E ai o que eu identifiquei e passei para a
empresa, é como a mobilização estava ocorrendo, como as pessoas estavam
se mobilizando para seguir até Belo Horizonte por orientação dela, dessas
lideranças e dessa ONG.
O que estava acontecendo é que como as ONG´s não tinham acesso a esses
grupos, não conheciam a realidade, muito de perto das comunidades, pela
dificuldade de acesso, pela dificuldade até de localização das distâncias [...]
estão eles se aproximaram dessas lideranças que constituam da Comissão de
Atingidos, e essas lideranças trabalharam a mobilização dos grupos, e foram
até Belo Horizonte e esse processo de discussão que aconteceu lá, a CEMIG
reafirmou aquelas obrigações que ela tinha previsto no Termo de Acordo
mais uma vez confirmando que ela só ia fazer o pedido da licença de
operação e iniciar o enchimento do reservatório depois de cumprir as etapas
149
previstas no Termo de Acordo, depois que as famílias mudassem para o
reassentamento com as condições necessárias, com a infra-estrutura
concluída.
E as ações da CEMIG agilizaram muito esse processo também, depois de que
o processo ando de maneira mais ágil por que a própria comunicação dava
essa resposta do que quê estava acontecendo, das demandas que eles tinham,
a CEMIG se mobilizou para estar resolvendo essas questões o mais rápido
possível, e essa ONG continuava atuando junto a essas comunidades.
Quando falo a questão da comunicação, por que o trabalho de comunicação
criou fontes de informação oficiais, aproximou das comunidades, passou a
explicar de perto, entender, explicar de perto aquelas dúvidas que eles tinham
evitando assim a contra informação e tentando evitar também que ações
contrarias, acontecessem sem uma negociação anterior [...] aconteceu uma
proximidade maior da empresa com as comunidades, com a credibilidade, um
trabalho de parceria cada vez maior, e o enfraquecimento de atuação das
ONG´s, que ficou centrada nas antigas lideranças que não tinham mais poder
de mobilização. No final facilitou bastante esse relacionamento da empresa
com as comunidades, buscando seus objetivos, os objetivos comuns com o
grupo.
Seja a favor ou contraria a barragem observa-se no caso estudado, como a
comunicação é chave nos espaços de negociação para colocar os interesses das partes e tentar
manipular a situação a favor de um ou de outro.
c. Os sujeitos: esse sujeito que chamam ‘comunicador’:
A figura do comunicador é relevante nos desenhos realizados pelos moradores das
comunidades participantes dos grupos focais, a partir da técnica do ‘Diagrama de Venn’. Em
todos os casos o comunicador foi colocado como intermediário entre a empresa e as famílias,
tendo sido o comunicador quem mantinha contato constante com cada uma das famílias. Isto
ilustra-se nos relatos dos moradores na hora de descrever seus desenhos: ‘eu desenhei ele [o
comunicador] entre a Cemig e a minha casa’; ‘ele [o comunicador] ficou meio em cima da
casa, mas eu quero ele bem próximo da minha casa’; ‘Eu pus ele [o comunicador] na sala da
minha casa, dentro da sala da minha casa’; ‘o meu [desenho] aqui está dentro da casa, porque
150
é boa pessoa, amigo da gente’; ‘eu desenhei ele [o comunicador] na Cemig, mas está sempre
ao lado da minha casa’.
Imagem No. 2 e 3 Observa-se a relação do comunicador com o membro da comunidade e em
relação à Cemig – dentro na linha de pontos o comunicador.
151
Como ilustram os depoimentos e os desenhos, o comunicador é colocado dentro ou ao
lado das casas das famílias, acompanhando o processo, sendo ele a voz da empresa, e das
comunidades para a empresa. A diferença dos desenhos dos representantes da empresa, os
comunicadores são colocados com cara de amigos, sorrindo, ressaltando em cada caso
(lembra-se que foram dois comunicadores, um em cada margem, cada grupo focal foi
realizado em uma das comunidades sob responsabilidade de cada um dos comunicadores,
então a opinião é valida para os dois profissionais envolvidos) a característica física mais
chamativa dos profissionais (o cabelo, o jeito de vestir as calças), como mostra da maior
atenção que mereceram os comunicadores por parte dos participantes dos grupos focais na
hora de localizá-los no diagrama.
A simpatia e amizade gerada entre os comunicadores e as famílias, demonstram o
papel chave deste sujeito no processo de relacionamento com a empresa, sendo que o
comunicador parece ter facilitado a relação e o entendimento entre os dois sujeitos principais:
a Cemig e as comunidades atingidas.
As informações que ele passava eram iguais aos outros - outras pessoas da
CEMIG. E era mais fácil conversar como ele, pelo jeito dele, tinha mais
intimidade. Por que ele foi quem mexeu mais com a gente, a gente sempre
teve mais intimidade foi como ele, estava mais perto. Agora os outros tinham
pouca intimidade por que também não passavam como ele. Quando a gente
mudou pra cá, todo o dia que estava aqui, todo o dia, então ele ia na casa da
gente, brincava, ria, mexia pra dentro de nosso quintal tudo, mexia dentro da
casa tudo, tomava café lá cedo, mexer, então o cara era sempre ligado,
sempre ligado
.
Ele acompanhou mais. Tem mais costume.
Ele [o comunicador] vinha fazia perguntas, participava das reuniões,
explicava, no começo era o negócio de mudança, sempre passava informação,
lá no escritório sempre nos atendeu bem. Eu acho que explicava com mais
clareza as coisas para a gente. Foi ótimo.
O papo dele era mais fácil. Você chegava lá no escritório e recebia bem.
152
Não desacreditando as outras pessoas, mas o [comunicador] era uma pessoa
que tinha mais intimidade, ele chegava "ô moço, quero falar com você", e ele
explicava com mais clareza para a gente, talvez uma coisa que a gente não
entendia, e não era a área dele e as vezes ele atendia. É por isso, entendeu,
aquelas brincadeiras que ele tinha, a educação, fala com a gente, atende, a
gente fala (...), ele é preocupado pela gente, para ir visitar lá, a preocupação e
este do inicio ao fim, então tem aquela coisa, entendeu.
O papel diferenciado do comunicador enquanto interlocutor no processo de relação
com a Cemig, considera-se chave como viabilizador da comunicação e a negociação das
partes. Essa visão responde em grande parte à política da empresa, que reconhece no
profissional de comunicação a competência técnica para auxiliar a empresa a se relacionar
melhor com públicos não técnicos da empresa, ainda que segundo o histórico da empresa,
Irapé seja o primeiro caso de uma equipe envolvida na região no projeto de construção da
Usina, segundo membros da Superintendência da Comunicação, ainda que tenha sido uma
prática comum nos projetos de construção da Usina se considerar a comunicação como chave
no desenvolvimento das ações da empresa, como se observa nos depoimentos a seguir.
Acredito que os profissionais em comunicação sabem ouvir, tem um jeito que
não encontra no pessoal técnico.
Então para a comunidade as vezes não ficava tão claro nesse aspecto, o papel
do comunicador, que depois foi se definindo. Então o que eu posso ver é que
para a comunidade esse canal que foi construído entre a empresa e os grupos,
ele foi viabilizado com a participação da comunicação social, foi estreitado
com a participação dos personagens de comunicação, acho que essa
possibilidade de se manifestarem, de ser atendidos com maior rapidez, de
apresentar essas demandas, acho que o pessoal de comunicação trouxe essa
possibilidade para eles.
A forma como você desenvolveu o trabalho de comunicação aqui, o meu
entendimento desse processo, que é tem vários fsujeitos novos para a própria
empresa: as formas de comunicação dentro de uma realidade diferente, e meu
entendimento sobre esse processo, sobre o lugar que eu estava, a forma de
agir encima disso, eu acho que é uma característica de meu trabalho.
153
5.1.3. O Processo de comunicação
a. Principais Estratégias de atuação.
Segundo o relato dos comunicadores ligados ao projeto de Irapé a principal estratégia
adotada foi a divulgação do Projeto da Usina aos diversos públicos de interesse envolvidos
(autoridades na região, as comunidades diretamente afetadas, a mídia da região). Eles
explicam que a principal estratégia desenvolvida pela Cemig procurou assim, estar
registrando o processo evolutivo do projeto
inclusive para os órgãos ambientais, estar atento a todos os interessados e
envolvidos no projeto, não necessariamente que estivessem na área afetada, e
estar tentando a través da comunicação social, aproximar esses profissionais
da empresa aos públicos, tentar dar agilidade ao processo, minimizando os
conflitos, as dúvidas, que pudesses existir, viabilizando esse entendimento
maior, agilizando os trabalhos que eram feitos em campo, dos diversos
empreiteiros, que um projeto desse tamanho envolve muitas empresas,
trabalhar nas várias frentes de trabalhos.
Como foi descrito no capítulo 4 do caso de Irapé, a comunicação contou com uma
série de diretrizes com objetivos específicos, mas o plano de comunicação foi se
desenvolvendo, foi ‘se construindo a partir como o projeto foi acontecendo também’, segundo
lembra um dos comunicadores na região. Ele explica que apesar da adaptação das ações de
comunicação ao longo do processo de desenvolvimento do projeto, os objetivos corporativos
permaneceram na procura de manter com êxito o relacionamento com os públicos envolvidos.
apesar de que as etapas [iam] passando e as informações também [foram]
evoluindo, mas objetivo é que as pessoas se mantenham envolvidas e que o
público consiga absorver aquela informação que a gente está passando.
A estratégia esteve caracterizada pela abertura por parte da empresa em procura de
estreitar o relacionamento com as comunidades de forma tal que as duas partes se entenderam
e chegaram ao ponto em comum. Os comunicadores de Irapé descrevem este processo a
seguir
154
A gente veio, conversou, entendeu, foi até eles e pesquisou através de
reuniões de comunicação, através de trabalhos que eram desenvolvidos,
projetos de comunicação que eram desenvolvidos para divulgação do projeto,
que tinham respostas deles em cima disso. E foi na conversa do dia a dia,
sentindo o trabalho que era desenvolvido nos escritórios, os trabalhos de
acompanhamento às outras empreiteiras, nessa aproximação com as
comunidades que foi feito de maneira muito intensa, o trabalho de
comunicação foi se mostrando presente, foi encontrando espaço onde podia
estar trabalhando, onde podia estar atuando.
Nesse sentido, a ação principal, foi o contato cara a cara, no cotidiano das
comunidades, entrando no espaço deles, na sintonia deles, mas com objetivo da empresa e o
Termo de Acordo de pano de fundo determinando as ‘regras’ ou ‘normas’ a serem cumpridas
e respeitadas pelos interlocutores. Um comunicador de Irapé explica como foi definida a
estratégia de ação da comunicação na interação com as comunidades
Olha, acho que a principal estrategia foi aquela que se mostrou mais viável.
Que foi o contato corpo-a-corpo, a resposta direta do que você estava
passando, por que no local onde as distâncias são muito grandes, a
dificuldade ao acesso é muito grande, a mobilização estava-se construindo, as
formações de grupos estavam se construindo, então você ir até ales, e fazer
justamente com que eles buscassem, não só a comunicação com a própria
empresa de maneira geral para obter essa resposta, é a maneira mais eficiente
de você ter o termômetro do que estava acontecendo, para onde os grupos
estavam se movimentando, o que eles estavam querendo na realidade, se
estavam aceitando o que estava sendo proposto, e isso pode acontecer com
aproximação, com contato direto corpo-a-corpo, foi o que se mostrou mais
eficiente, mais efetivo, com certeza, foi o trabalho que a gente viu assim de
maneira estratégica, foi o trabalho que trouxe mais benefícios para ambos os
lados.
Segundo os relatos da equipe de comunicação de Irapé, a estratégia de comunicação
(emergente) do corpo-a-corpo foi a principal, sem ser a única, e esteve diretamente
relacionada ao processo de negociação com os moradores atingidos. Neste sentido percebe-se
a ligação entre a atuação da comunicação no processo de interação como forma de viabilizar o
cumprimento dos objetivos de Irapé através da negociação do Termo de Acordo. O texto a
seguir é exemplo de como aconteceu o corpo-a-corpo
155
O trabalho corpo-a-corpo foi o mais constante. O trabalho corpo-a-corpo
aconteceu principalmente naquele momento onde o processo de negociação e
o contato direto com as comunidades estava-se dando, esse trabalho, no final
de 2003, principalmente no 2004, quando o processo de negociação
aconteceu, e em 2005, e já no 2006 veio acontecer de maneira intensa, no
2006 menos que nos outros anos, por que todo esse trabalho de negociação
que tinha sido feito até o inicio do enchimento do reservatório e o
cumprimento dessas etapas, ele foi feito com maior intensidade que nos dois
anos anteriores.
Para a CEMIG foi importantíssimo no sentido que as etapas e metas que ela
tinha, foram viabilizadas com o envolvimento das comunidades, os públicos
que ela estava tentando atingir, do trabalho que era feito de interação entre as
próprias equipes, na resposta que ela tinha do trabalho que era feito em
campo principalmente por que, mais uma vez eu vou voltar na questão das
distâncias, a dificuldade de comunicação que existia na região e que nem
todos os profissionais tem a sensibilidade para essa dificuldade, a importância
de estar, do que é importante de ser registrado, o que é importante de ser
discutido, do que é importante estar comunicando, estar trocando
informações, para chegar a um objetivo comum e evitar perda de tempo,
gastos desnecessários, evitar informações negativas e mal apuradas.
Então quer dizer que esse trabalho de comunicação não é um trabalho que
começou do nada, ele começou de um ponto e depois foi se transformando,
foi tomando rumos mais objetivos, até por que o projeto exigia isso, exigia
mais agilidade, mais resposta, agilidade no entendimento dessa resposta, até
pelo entendimento do próprio público que estava vivenciando isso.
Ainda que o contato corpo-a-corpo foi a base da estratégia de comunicação que teve
lugar na interação da empresa com as comunidades atingidas, não foi a única ação
desenvolvida em procura da realização com êxito do objetivo da Usina. Segundo a equipe de
comunicação, o projeto teve vários projetos, que tinham seu objetivo como se mostra nos
relatos a seguir
A entrada da comunicação, ela foi entrando, primeiro de você disseminar a
informação, então nos criamos uma série de canais de comunicação. O
informativo foi uma fonte de informação importantíssima, indiretamente
criava uma fonte, um veículo de credibilidade que era disponibilizado para
todas as comunidades e era uma fonte oficial, impressa, no qual se podiam
acompanhar a evolução do projeto, não só as comunidades, como as sedes
municipais, inclusive os órgãos ambientais.
O programa de rádio é muito importante, e a comunicação pelo rádio [...] se
mostrou de maior acessibilidade, por que era o veículo no qual eles mais
conheciam e estavam acostumados a usar, em quase todas as famílias tem
acesso ao rádio.
156
O programa de televisão teve sua importância também, no sentido de ser mais
um veículo para realizar o registro das etapas que estavam acontecendo. O
site quando entrou no ar também trouxe para as pessoas de fora,
principalmente de outras áreas que queriam ter informação sobre o projeto,
queriam ter um histórico do projeto, em fim, informações iniciais de como é
que isso aconteceu, depois essas outras formas eram atualizadas com mais
constância, segundo como a gente conseguia colocar o site no ar
.
Segundo os dados coletados e os depoimentos das pessoas entrevistadas, pode-se dizer
que a estrategia de comunicação estava pensada para a efetividade no relacionamento com os
sujeitos envolvidos no projeto de Irapé, onde a empresa reconhecia a importância de garantir
processo de interação de uma perspectiva simétrica, estimulando o diálogo – até onde fosse
possível e sob controle da empresa – o entendimento com e dos públicos, para viabilizar a
negociação e a solução de conflitos ou limitações que limitassem o êxito do projeto de Irapé
(alias a viabilidade). Eles explicam que
Temos uma linha grande de atuação: a equipe de comunicação aqui trabalha
desde realizar reuniões com as comunidades. A gente tinha um programa que
foi traçado junto com a coordenação de comunicação social de Irapé lá em
BH, que traçou uma diretriz e implicava o trabalho desde com as
comunidades atingidas até com as lideranças, com as autoridades, com todo o
espectro de públicos envolvidos e com que a gente estaria lidando, isto pela
importância da usina para a região.
Os próprios comunicadores descrevem algumas das ações mais importantes de
relacionamento direto com os moradores das comunidades, ações que fizeram diferença entre
a continuação do conflito e a possibilidade da negociação e da procura de um ponto em
comum para viabilizar o projeto.
Especificamente com as comunidades, a gente trabalhou muito em reuniões
levando material impresso, trabalhando muito a questão de estar ao lado
delas, comunicando o que a gente entendia importante para elas, por que o
trabalho a mostrar era muito complexo e novo para eles, assim o que a gente
achou mais apropriado era ir nas casas das famílias, por que lá tem pessoas
que não sabem ler, moravam em locais difíceis de acesso, então se acho que o
trabalho mais importante era fazer essas reuniões para informar o que estava
sendo feito, amenizando um trabalho que estava sendo feito contrário a
bagagem, a usina. Existia uma atuação negativa, ou contrário à Usina por
parte de ONG's ambientais. Assim a gente levava informação clara do que
157
era esse projeto, as ações que implicava, a intenção da Cemig, o tamanho do
projeto, as propostas para as comunidades, o máximo possível, de forma
básica.
[...] as visitas à obra, que é uma coisa muito distante das comunidades, mas
com as visitas que permitia as pessoas conhecer, ver o trabalho, falar com os
engenheiros, etc., assim elas podiam sentir, ver de perto, e se aproximar,
evitando falsas expectativas até negativas que se espalhavam de boca em
boca de forma muito rápida.
[...] criamos uma unidade móvel da CEMIG, que era toda decorada com
motivos da região e da cultura do Vale de Jequitinhonha, a gente tinha um
filme que a gente fez, e a gente levava para as comunidades, para que os
atingidos pudessem ver isso. Isso também surtiu um efeito muito positivo.
Considerando-se o tipo de estratégia e ações desenvolvidas, questionou-se a equipe de
comunicação de Irapé sobre a visão da empresa e sobre o tipo de comunicação que teve lugar
no projeto. Eles respondem que co-existiram diferentes visões, permeadas mais pela
experiência profissional individual de cada um e pelo seu grau de envolvimento com o
projeto. Mas um dos depoimentos resume muito bem a maioria das visões dos envolvidos que
descreve o processo de comunicação de Irapé como sendo
[...] comunicação integral: por que em Irapé foi relações públicas, foi
comunicação de imprensa, foi tudo em certa forma, uma coisa mais
integrada. Varias linhas de comunicação foram integradas e a equipe era
pequena, mas a gente utilizou muito a comunicação social com a educação
ambiental que é a área de licenciamento, também ajudou no aspecto de
comunicação social.
Na visão das comunidades, a estratégia de comunicação que teve lugar na interação
com a empresa, foi importante por que facilitou o entendimento do processo de negociação e
o andamento do projeto da Usina. A partir dos depoimentos deles percebe-se como o contato
face-a-face foi chave para aproximar a Cemig das comunidades e gerar um ambiente de
confiança que facilitou o processo de negociação e interação.
Nós ficávamos sabendo através do Gato aqui é o presidente [da associação da
comunidade], que tinha reunião, era ele quem recebia as informações, então
158
ele passava para nós. Aí ia todo mundo [às reuniões de comunicação
organizadas pela Cemig] onde ia receber um bilhetinho ou papel de como
iam ser as negociações, aí ajudou a compreender um pouco.
Faziam [a equipe de comunicação de Irapé] reuniões, e passavam um
desenho pelo telão, a gente sabia mais ou menos o que estava em andamento.
Isso ajudava muito, uma parte disso ajudava bastante.
Só que ele não passava tudo para gente, de boca própria, mas o que eles não
passavam para a gente de boca própria sempre estava escrito, ficava tudo
certinho.
Eles iam falar com a gente com delicadeza, eles falavam assim, 'escuta e nos
aguarda para depois não houver reclamos'. O que eles falavam estava tudo
escrito aí, né. Então você fazia todo mais ou menos, quantos anos que a
barragem estava em andamento, até quando ia fechar as comportas. Agora
mesmo no dia 4 do mês passado, abriram as comportas, fizeram uma reunião,
viram aqui, eles ligaram aqui pediram 3 pessoas da comunidade de mais
entendimento, para ouvir lá o andamento e passar para o pessoal aqui, todo
bem explicadinho, assistiram lá, abriram a comporta, paralisaram a água pela
qualidade da terra, a água estava, tudo o que ela enchia chupava. Então isso
tudo é entendimento para a gente se entender.
Eles davam para nós eram os livrinhos - informativo - era o único que davam
para nós, quem tinha leitura, lia e já estava sabendo da informação, quem não
tinha passava para outro, para outro ler.
O livrinho que eles passavam pra gente estudava, a gente pegava e outros
escutavam de quem tem mais leitura - quem sabia ler -, escutava e tudo
explicava para a gente também. Eles não faziam discrição igual eu falei, né,
primeiramente chegava a mensagem confiante com os caras e a gente puxava
pela intimidade deles e passavam para a gente, de boca própria, como era,
como não era, umas a gente guardava, outras a gente esquecia, mas sempre
no caminho certo, né. Então é assim.
Então, é a estrategia do contato face-a-face, de levar as informações diretamente às
comunidades foi a que se apresentou mais eficiente para combater as contra-informações
contra a construção da barragem e para estreitar o relacionamento empresa - comunidades.
Segundo o observado e a análise dos dados coletados, a relação em termos de confiança e
cercania fez diminuir as dúvidas em relação ao andamento do projeto de Irapé, criou um clima
159
de amizade entre a empresa e as comunidades, que trouxe também o sentimento de
dependência paternalista por parte dos atingidos.
Ainda assim percebe-se como o processo é mais claro para a empresa do que para as
comunidades, em relação à participação dos sujeitos envolvidos, as vozes mediadoras, o
objetivo principal, a identificação de conflitos e as ações estratégicas a serem desenvolvidas
para viabilização do projeto – objetivo principal da empresa.
Aparentemente, as comunidades, ficaram sempre dependentes das ações da empresa,
ainda que com a possibilidade de um espaço de participação, mas sempre sob controle da
empresa. Isto pode ter acontecido em conseqüência do hábito da empresa de lidar com
interlocutores de índole comercial, ainda que segundo o histórico da empresa e os
depoimentos dos entrevistados, a empresa tenha uma tradição de relacionamento com a
população especialmente atingida pelas obras e ações da empresa
31
, em conseqüência do que
tem desenvolvido uma certa habilidade/capacidade para interagir com a população, ainda que
sem todo o conhecimento de causa, que permita desenvolver uma estrategia de comunicação
centrada numa interação simétrica, justamente por que não é uma prática aprendida na
academia nem no geral do mercado, favorecido por práticas comerciais de domínio e controle
econômico e social por parte das empresas.
Por sua parte a população, pela falta de oportunidades e atenção por parte do estado,
tem um histórico de caracterizado pela pobreza, falta de oportunidades, e falta de respeito de
seus direitos cidadãos. Sendo assim, é uma população que não está acostumada a trabalhar de
forma conjunta, em associativismo, procurando espaços de participação e exigência de seus
próprios direitos. Ainda assim, a necessidade de luta pelo espaço ambiental ameaçado com a
entrada da empresa na região, e estimulados pela presença de ONGs ambientais, fez como que
31
E nesse sentido a historia da CEMIG da relação entre a empresa com os atingidos pela construção de Usina,
sempre foi muito boa, a CEMIG nunca deixou um histórico muito complicado dessa relação, ela sempre pagou
bem as indenizações. Um retrospecto da historia de CEMIG ajudou muito também, eles foram ganhando
confiança, a gente foi mostrando que era empresa nesse sentido (Comunicador de Irapé, Entrevista realizada em
Julho 2006).
160
a população procurasse esse espaço de participação ou de luta pelos seus próprios direitos, o
que foi uma conquista importante que teve como produtos e ações específicas a constituição
da Comissão de Atingidos de Irapé e a assinatura do Termo de Acordo, após discussão e
negociação com a empresa e mediadores.
Observa-se como no dia a dia nem todos os moradores conseguiam exigir o que eles
achavam que era justo ter, até por que em muitos casos, se sentiam intimidados pela empresa;
pelo tamanho e capacidade de ação dela. São menos os moradores que se sentem ameaçados,
já que a comunicação face-a-face no geral ajudou a estreitar a relação com a empresa, e criar
espaços de diálogo, ainda que fosse só com o comunicador, onde os moradores conseguiam
colocar a suas dúvidas, queixas, comentários e até recomendações.
b. Processo de comunicação: Desafios e limitações.
A procura pelo entendimento e compreensão das partes envolvidas no processo de
relacionamento, foi um objetivo de comunicação e um desafio da interação. Cada um dos
interlocutores sentados frente a frente com realidades, visões de mundo e interesses
diferentes, tinha a limitação do entendimento, de falar ‘a mesma língua’ tentando se
apresentar ao outro, persuadindo-o segundo as suas próprias intenções. Este desafio de
interação foi chave no processo de comunicação, onde cada ação desenvolvida ajudava ou
atrapalhava no entendimento do outro, como acontece nas interações face-a-face onde cada
um dos sujeitos tenta criar uma percepção do outro e assim poder definir a sua própria atuação
e discurso em função da atuação e discurso do outro.
A partir do entendimento das partes, da identificação de cada uma como interlocutor
com as suas dinâmicas e características sociais identificadas, facilitou a comunicação entre a
empresa e as comunidades, de forma vantajosa para a Cemig, já que a empresa conseguia ter
muito mais claro o mapa dos sujeitos envolvidos do que as comunidades, pela facilidade de
161
acesso a todos os envolvidos, daí que a empresa tinha o poder e o controle no processo de
comunicação, ainda que mantendo uma postura de abertura ao diálogo com as comunidades.
A dificuldade de transmissão de informação, de entendimento, entre as
partes, por que a CEMIG vinha entrando em contato com essas comunidades,
com o público da região, há bastante tempo, desde o levantamento dos
programas sócio-culturais, na produção do Plano de Controle Ambiental, o
PCA, né?
Então você entende, diferenciar cada grupo, o perfil de cada grupo, e você
entrar nesse processo de maneira diferenciada, tratando cada público da
maneira que ele devia ser tratado, essa foi uma primeira forma de abordagem.
Uma primeira forma, além de saber qual linguagem, como chegar até eles.
Isso não partiu de um processo de acima para abaixo.
Outra limitação que dificultou o processo de comunicação foi a distância entre a
empresa e as comunidades, e entre cada uma das comunidades atingidas. A presença dos
comunicadores na região ajudou a diminuir a distância entre a empresa e os atingidos,
garantindo a presença da voz da Cemig na região e viabilizando o contato face-a-face de
forma mais constante e controlada pela empresa. Já para as comunidades, a distância até os
pontos de atenção da empresa em cada uma da margem do rio – um escritório em um
município em cada margem – dificultou o contato com a empresa, ficando dependentes da
possibilidade de o profissional da comunicação visitar as comunidades.
A distância foi um fator a ser superado, por que a origem deles, o local onde
eles viviam, são locais sem estrutura e locais de muito difícil acesso, o que
exigia esforço, exigia formas de mobilização adequadas para o local e
diferenciados de qualquer outros lugares que a CEMIG, inclusive, tenha
trabalhado. A experiência nova de um empreendimento com o acesso às
comunidades com tantas dificuldades como aconteceu mais que foi superado,
com infra-estrutura, a logística que foi disponibilizada pela empresa, neste
trabalho de comunicação.
Tivemos muitos desafios, as distancias, a dificuldade de acesso aos locais dos
atingidos, a dificuldade de comunicação, por falta de Comunicação; até de
telefone, até a gente encontrar esse caminhos de comunicação deles, entende-
los e utilizá-los.
162
Finalmente, uma das dificuldades no processo de interação foi encontrar as formas
comuns de comunicação, espaços e veículos que fossem viáveis tanto para a empresa quanto
para as comunidades, considerando as características de uso e preferência de mídia na região,
o alto nível de analfabetismo, acesso limitado à mídia massiva, num ambiente onde a forma
de comunicação mais efetiva é o face-a-face. Assim, a empresa teve o desafio de se acercar à
população, uma vez que os profissionais entraram na região, e aí identificar as formas mais
viáveis de comunicação.
E outro desafio é estar criando formas de comunicação, definindo esses
veículos, definindo essas maneiras de estar interagindo com a comunidade
que gerassem informações de credibilidade, aceitação do público sobre o que
estava sendo passado, entendimento rápido, entendimento mesmo que com
questionamento, a gente pudesse dar essa resposta e trocar idéia e tentar
trazer uma alternativa mais consistente o mais rápido possível para estar
evitando uma coisa que era muito comum na informação onde não existia
essa informação oficial que era informação dispersa, versão díspares, versões
distintas sobre um mesmo assunto. Então criar essa versão da empresa, né;
oficial do que tinha que ser passado, da maneira que a empresa tratasse com
os públicos e evitar contra informação de alguns grupos que aproveitaram
desse perfil da região, trabalhando nesse sentido. Então você sabia de onde
vinha essa contra - informação para estar evitando e até combatendo essa
informação negativa, errônea, foi um dos desafios do processo de
comunicação.
A identificação da limitação é importante para entender o rumo tomado pelo processo
de comunicação, por que é nas dificuldades que as ações são redefinidas, onde os sujeitos
experimentam novas formas para se entender e comunicar. Sem a existência da contra-
informação negativa contra a barragem, a empresa nunca teria tomado a decisão de colocar a
comunicação como processo-chave de relacionamento, com uma estratégia clara de atuação, e
não mais como ações isoladas dependentes de outras ações do projeto. Então é na limitação e
dificuldade que a comunicação se configura, vai se construindo, tomando forma; é a partir da
dificuldade de se entender com o outro que os sujeitos vão procurando estratégias e ações para
conseguir o cumprimento de seus objetivos e interesses. É nas dificuldades que se viabiliza a
negociação na procura de uma missão compartilhada que viabilize a obra.
163
c. Processo de comunicação: o fluxo da comunicação.
Segundo os dados coletados, o fluxo da comunicação se deu da empresa para as
comunidades e das comunidades à empresa, sendo que o acesso foi desigual entre ambos
interlocutores. O controle esteve basicamente em mãos da empresa, mas precisando da
interlocução com as comunidades para a definição das suas ações estratégicas no projeto de
Irapé. As comunidades tiveram acesso à empresa em dois momentos, num primeiro a partir da
mobilização dos grupos contrários à barragem, que ao organizar a comissão de atingidos,
conseguiram que a Cemig abrisse as portas – um pouco à força pela presença ameaçadora por
parte dos grupos contrários na sede em Belo Horizonte – às comunidades para ser escutadas; e
um segundo momento a partir da entrada da comunicação no projeto, especificamente com a
presença dos comunicadores na região. Ainda assim, percebe-se como o processo é
controlado pela empresa, e os moradores atingidos dependeram da presença do profissional de
comunicação na região para poder ter voz na interação com a Cemig.
A própria falta de experiência de como poder se comunicar com as comunidades por
parte da empresa, fez com que o fluxo da comunicação fosse um desafio no cotidiano da
interação, obrigando aos comunicadores a procurar os canais ou espaços que viabilizaram a
melhor forma de se relacionar com os moradores da região, segundo os relatos dos próprios
profissionais envolvidos no projeto.
E chegar aqui e verificar isso, entender quais eram esses canais, quais canais
podiam ser produzidos em cima da experiência da vida que eles levavam, da
estrutura que eles escolhem, isso foi um dos diferenciais. Então o papel deles
é entender qual é a melhor forma de chegar até eles, de como eles
desenvolviam, processavam essa informação, isso foi um desafio e foi um
processo que foi gradual, por que você trabalhar o público para que eles
entendam esses canais de comunicação que foram criados, que eles
entendam, participem por que, senão, a comunicação fica prejudicada. A
partir do momento que você tem; sabe que aquele canal existe, tem confiança
nele, é outra questão de visibilidade que você confia, que você conquista ao
longo do trabalho que você vai desenvolvendo, a informação que você passa
e a outra pessoa te dá uma resposta positiva, sabendo que o trabalho vem
sendo desenvolvido dessa forma, com base na confiança e nas etapas que vão
sendo compridas, então você cria um canal de comunicação muito mais
sólido do que eles tinham antes, até que não existiam, os canais que queriam
164
desenvolver. Então descobrir isso, entender por onde a gente queria caminhar
até poder transmitir nossa mensagem e receber deles essa resposta, quais
canais você podia abrir para que eles se desenvolvessem, pudessem fazer
com a gente essas respostas, que pudessem trazer suas demandas também,
para que a gente pudesse dar respostas mais pro ativas possível, e estar
atendendo mais rapidamente, para agilizar mesmo as etapas e evitar que os
problemas crescessem, desenvolvessem outros problemas.
Chama a atenção no caso estudado como a empresa tinha sim a intenção de fomentar
uma dinâmica de diálogo, de comunicação simétrica com as comunidades, mas a dificuldade
das condições de acesso à população, as diferenças culturais, até o grau de educação dos
moradores, fizeram com que o processo fosse um desafio que foi adquirindo forma a partir da
ação – reação dos interlocutores. Uma comunicação de dimensão simétrica foi considerada
chave no caso de Irapé, reconhecendo os benefícios para ambos os sujeitos envolvidos. Isto a
partir do momento que a empresa percebe que não adianta impor a sua vontade no projeto da
Usina, mas sim tentar negociar – e persuadir é claro – com os moradores – que por sua vez
tentaram persuadir à empresa – em procura do desenvolvimento do projeto. Segundo lembra
um dos comunicadores de Irapé, o processo de comunicação que teve lugar
[...] trouxe mais benefícios para ambos os lados, por que eles [moradores das
comunidades] se sentiram mais seguros com a empresa presente e
respondemos às dúvidas que eles tinham, resolvemos problemas que
apareceram durante o projeto, e nós também entendemos que é a melhor
forma de agir, minimizar esses problemas e essas dúvidas que estavam
acontecendo, é estar próximo deles, próximo no sentido de ouvir essas
manifestações e dar uma resposta mais direta possível.
A vantagem foi estar trazendo essas dúvidas e estar diminuindo o tempo
necessário para estar respondendo, estar trazendo a informação e até estar
tomando atitude necessária para estar resolvendo o problema, ou dando uma
solução, ou encaminhamento para qualquer atividade ou dúvida.
Para a empresa foi chave poder interagir com as comunidades, para poder assim,
delimitar a suas ações na região evitando um impacto maior no ambiente social dos
moradores. Segundo os comunicadores, para eles a voz das comunidades era importante para
165
definir o processo de comunicação, para definir os veículos a utilizar, as ações e estratégias
que permitissem um grau maior de entendimento e em conseqüência de sucesso.
E outro desafio é estar criando formas de comunicação, definindo esses
veículos, definindo essas maneiras de estar interagindo com a comunidade
que gerassem informações de credibilidade, aceitação do público sobre o que
estava sendo passado, entendimento rápido, entendimento mesmo que com
questionamento, a gente pudesse dar essa resposta e trocar idéia e tentar
trazer uma alternativa mais consistente o mais rápido possível para estar
evitando uma coisa que era muito comum na informação onde não existia
essa informação oficial que era informação dispersa, versão disparas, versões
distintas sobre um mesmo assunto.
Porque a forma como você processa a informação, como distribui para os
agentes, que você determina a agilidade nos processos, e você gerencia toda
essa informação que é agregada ao longo do desenrolar do projeto, então
você distribuir isso, saber como e quando utilizar acho que é determinante no
sucesso do projeto, e como o projeto vai acontecer durante o seu
desenvolvimento. No caso de Irapé, a comunicação interna, até pelas
distâncias, pelas diferenças regionais, pelas diferenças de estrutura, de um
município para outro, de condições que foram criadas, elas foram mais
difíceis; tiveram um obstáculo maior a ser vencido, e o que aconteceu em
alguns momentos a forma de ser constituída a comunicação dentro da
CEMIG, ela não trazia a fotografia real - fotografia na verdade você nunca
tem a fotografia exata de todo o processo - por mais que, por mais que seja o
mais especifico possível, você sempre tem algum outro fator que foge de seu
controle que precisa ser buscado, que precisa ser apurado, só que essas
dificuldades de distância, as diferenças, elas acabaram sendo um obstáculo
maior ainda para você ter um retrato real de todo o processo, dos detalhes, de
como a coisa acontecia, do desenvolvimento das diversas etapas, e isso
acontecia, chegava até a empresa, mas em momentos que as vezes que às
vezes podiam ser evitados, ou antecedidos.
Todo esse trabalho, de trazer uma confiança da empresa com que ia
apresentar no campo, inclusive a resposta dos públicos externos e dos
próprios empregados, isso trouxe uma segurança para a empresa, que tinha
uma coordenação executiva atuando em Belo Horizonte, e dois escritórios na
locação com quem mantinham contato constante, mas que ela estava, de
qualquer maneira atuando de outro município, comunicando com outras
realidades de outros municípios, e tinha que dar resposta mais confiável do
que estava se passando, da maneira de como as coisas estavam-se
desenrolando, inclusive as possibilidades que eles tinham de estar
modificando um determinado panorama, ou estar intervindo quando
necessário. Não que isso tenha acontecido da maneira mais adequada sempre,
mas era uma possibilidade que a comunicação social trouxe para a empresa.
E na verdade o que é muito válido no processo de negociação é que as
comunidades atuem, questionem, indiquem para a empresa qual que é a
melhor forma das ações se desenvolverem, é válido também que o terceiro
setor também tenha espaço nesse processo para estar tentando reivindicar e
representar seus interesses. Acho que o que dificulta é quando esse canal de
comunicação fica inviabilizado pela falta de diálogo, pela indisponibilidade
166
de uma das partes de estar negociando, de estar entendendo o processo, de
querer realmente que as coisas aconteçam da melhor forma, em vez de
simplesmente fazer valer seus interesses, seus ideais.
Então a comunicação foi atuando no processo e a gente foi vindo isso, a
medida que a gente se apresentava e se aproximava a essa população, a gente
ia diminuindo as ações anti-barragem, justamente por que a gente ia
levando informação onde a gente ia criando uma relação de confiança, e eles
também na medida em que os direitos que eles foram tendo no processo de
negociação, eram para eles muito interessantes, eram muito bons. Na medida
em que as coisas iam acontecendo que eles viram que era verdade, foi se
criando essa relação de confiança, foi se aprimorando, e quando a gente fez a
mudança a maioria deles estava tão a fim por mudar, por mudar a uma vida
nova, que foi muito fácil tirar eles de lá.
Segundo o observado no acompanhamento do trabalho de comunicação na região,
mais na análise dos dados coletados, percebe-se como o processo não foi assertivo em todo
momento. Na verdade em grande parte dependeu da vontade e iniciativa dos comunicadores
na região; por outro lado também da dinâmica de socialização dos moradores das
comunidades que estão acostumados com o contato cara-a-cara mais do que com o consumo
da mídia massiva; então eles mesmos provocavam esses espaços de diálogo no cotidiano com
o comunicador representante da empresa, os moradores exigiam ser escutados, fazendo que o
comunicador entrasse na sua casa, tomasse café com eles, e aí ele aproveitava para levar a voz
dos moradores em relação ao processo da usina de Irapé, o que eles gostavam, o que eles não
gostavam, queixas, dúvidas, exigências, em fim, desenrolar uma conversa. Então os
comunicadores souberam identificar esses espaços de interação, e convertê-los em uma
estratégia de ação da comunicação, viabilizando a interação comunicativa face-a-face entre a
empresa e as comunidades. Em outros momentos, era o comunicador que aproveitava o café
na sala do morador para levar as informações referentes ao avanço da usina e pedia ainda para
ser repassada ao resto dos moradores, numa ação de valorização da ‘fofoca’ como forma
efetiva de comunicação, por cima dos meios tradicionais de comunicação corporativa.
Esta dinâmica, de fluxo de comunicação direta, de caráter simétrico, foi enriquecedor
no projeto estudado, e deu viabilidade e agilidade ao cumprimento do objetivo corporativo da
167
empresa. Essa ação de tomar o tempo e entender os espaços de comunicação existentes no
outro – no caso nas comunidades – faz do processo de comunicação de Irapé uma ação de
responsabilidade social, onde a empresa deixa de lado as dinâmicas assimétricas de
comunicação de controle e persuasão por cima de tudo, e tenta por praticar uma comunicação
simétrica, ainda que com falhas e de forma pouco consciente por parte da empresa. Na
memória dos comunicadores o processo é entendido da seguinte maneira
Então, imagino, entendo esse fluxo de comunicação dentro da empresa para
as comunidades, utilizando as diversas ferramentas, da empresa e os
representantes no campo, a gente fala CEMIG a gente pensa numa coisa só,
mas que está envolvida com diversos parceiros principalmente no projeto que
tem a participação de diversos órgãos inclusive do nível estadual, do Projeto
Especial de Irapé, e esse programa, o que a gente pretende é passar
informações sobre beneficio a o andamento do projeto.
Eu falo que o processo foi pontilhado, por que o processo foi construído e
foi se aprimorando dos dois lados, e a forma da comunidade entender o
processo e entender que ela podia utilizar as ferramentas que foram
disponibilizadas, disponibilizar os canais de comunicação, inclusive nos
escritórios de relocação e reassentamento de Irapé em Cristália e Turmalina,
então podiam utilizar esses dois canais de comunicação e os demais que
foram propostos até que isso acontecesse você tinha que evitar os ruídos de
informação, você tinha que encaminhar a essas pessoas para a forma correta
de se comunicarem, à forma mais viável, mais produtiva, não que eles não
tivessem a iniciativa de definir a forma de comunicação, mas essa forma de
comunicação ela tem que ser entendida pelas duas partes. Então nesse tentar
construir junto com os reassentados, com atingidos, essa forma de
comunicação, até isso acontecer, você teve sempre essas dificuldades, mais
depois, até pelo resultado do projeto e como as coisas andaram, a maior parte
do processo foi continuo, uma linha continua.
Quando o comunicador fala que o processo foi pontilhado, faz referência à diferença
no fluxo da comunicação da empresa para as comunidades e das comunidades para a empresa.
Por que acontece que os moradores abriram as portas das suas casas para os membros da
Cemig, então os comunicadores entravam, sentavam, bebiam café e dialogavam com os
moradores numa interação comunicativa que pode ser caracterizada como simétrica. Já no
caso dos moradores, eles não tinham o espaço de chegar à empresa – ou no caso aos
escritórios da Cemig – entrar, sentar, tomar um café e dialogar como eles. Para isso, a
empresa tinha sistemas burocráticos a cumprir para levar uma queixa ou inquietude. Neste
168
sentido a figura do comunicador fez a grande diferença. Se ele estava no escritório no
momento que um morador chegasse lá, ele abria-se o espaço para o diálogo – processo que foi
confirmado a partir da observação de campo na região –, mas quando o comunicador estava
ausente, a empresa como tal não tinha estrutura nem condições de atender o morador.
Fica então a aparente dúvida se o diálogo foi viabilizado pela empresa por ser o seu
interesse ou pelo comunicador como sujeito de interação social; mas essa é uma dúvida
apenas aparente, já que o comunicador, nesse processo interativo, não age enquanto
indivíduo, mas como representante da pessoa jurídica.
O outro ponto fraco do fluxo da comunicação esteve na comunicação interna da
Cemig. O comunicador dialoga com os moradores, coleta as inquietudes e queixas, mas tem a
dificuldade e desafio de colocá-las na empresa, especificamente fazê-las valer junto à equipe
técnica de Irapé. Então essa dinâmica ou esse canal de fluxo de comunicação comunicador –
empresa, não é claro, e apresentou-se como uma limitação ou desafio do processo, evitando às
vezes até o entendimento com as comunidades que ficavam em espera de uma resposta. O
depoimento dos comunicadores ajuda a visualizar a falha no fluxo da comunicação ao interno
da empresa
[...] sentia que eles tinham dificuldades e coisas que a gente tentou levar à
direção do empreendimento que eles não tinham noção delas, onde para uma
família um probleminha menor, para eles é essencial, então a gente tentou
levar essas dificuldades da comunidade à CEMIG. Mas ainda acho que
existia uma dificuldade e falha na medida de estruturar e canalizar melhor
isso, mas a gente percebe que ajudou muito, que começou a sensibilizar ao
pessoal da obra em vários aspectos que foram melhorando com ações que
eles foram tomando, com o esforço da gente de levar as informações e
começou a melhorar a relação das comunidades com a Direção, tanto que a
direção começou a realizar reuniões de comunicação com as comunidades
para ir vendo soluções e ver coisas ligadas às inquietudes das pessoas.
Por exemplo, a gente começou a perceber inquietudes na questão das cercas,
levamos isso varias vezes à direção da Obra, apresentando a questão como
um problema, até que finalmente a direção resolveu oferecer coisas a mais
que não estavam previstas nas negociações iniciais, e assim tem varias
situações nesses aspectos, levando as angústias das comunidades e vendo
como a posição da casa - CEMIG - mudava em relação a elas.
169
A partir do observado e coletado nas comunidades, o comunicador foi a peça chave no
processo de comunicação, tanto para a empresa quanto para as comunidades. É a partir da
presença deles na região que os moradores conseguem compreender o projeto de Irapé e se
abrir e aceitar a instalação da Cemig no Vale. A forma de interagir dos comunicadores fez
diferença em relação ao pessoal técnico ou administrativo; eles conseguiram ter a confiança
da população, se colocarem como amigos e levar as informações de forma clara entendível
para os moradores.
Eu falava para eles, olha isso que você está falando, não estou
entendendo. Não estou entendendo essa explicação que está fazendo para
mim, então eu quero que explique mais direito para nós, para nós entender
melhor. Aí eles achavam um jeito de explicar para nós como é que era.
[...] o [comunicador] está sempre avisando das coisas que acontecem, que ele
‘nunca nos deixa por fora de jeito nenhum’. Tipo assim as coisas que vão
acontecer, a gente conversa com ele para ver como eles podem estar
participando, a gente manda as informações e eles até divulgam, tipo a festa
junina daqui.
Ainda assim, considera-se que a figura do comunicador num caso como o de Irapé,
requereria um estudo maior e específico que foge dos objetivos da presente pesquisa.
5.1.4. O conteúdo de comunicação
A partir da análise de conteúdo dos informativos impressos de Irapé e a coleta de
dados das entrevistas realizadas, verifica-se que o conteúdo de comunicação foi mudando a
partir da entrada da comunicação no projeto. A tendência no volume de matérias publicadas
no Informativo de Irapé desde a primeira edição em março de 2003 até a ultima edição
coletada, março/ abril de 2006, foi crescente, passando de 11 matérias na primeira edição, a
24 na última edição analisada. Ainda assim percebe-se um numero constante de matérias com
uma média de 21 matérias por edição, com um pico de crescimento na edição de julho/agosto
170
de 2005, que é uma edição especial por que apresenta uma seção sobre as ações de
investimento social econômico, apresenta o estado do processo de negociação, assim como
das obras na região, ações sócio-ambientais, flora e fauna e de comunicação, desenvolvidas
até então.
Gráfico 1 -
Comportamento Temporal do volumem de materias publicadas no Informativo de
Irapé
Desde Mar. 2003 até Mar. 2006
0
5
10
15
20
25
30
35
40
mar/03
Maio 2003
Julho 2003
etembro 2003
Novembro 2003
jan/04
mar/04
mai/04
Julho 2004
set/04
Novembro 2004
Março 2005
Maio/Junho 2005
Julho/agosto
2005
Set/Out 2005
Dez 2005/Fev
2006
Mar/Abr 2006
Ano/Edição Numero de Materias Publicadas
Fonte: Gráfico de construção própria.
Segundo a tabela N. 3, a maioria das matérias publicadas durante as 17 edições do
Informativo de Irapé faz referência ao processo de reassentamento das comunidades atingidas,
com um aumento significativo entre julho de 2004 e setembro-outobro de 2005, momento
chave no reassentamento das famílias. As matérias referentes às obras cíveis tanto quanto as
que estão diretamente relacionadas à construção da usina, bem como aquelas construções que
foram feitas no entorno da obra, a partir do desenvolvimento do projeto – estradas, aquedutos,
plantas de tratamento de esgoto, postos de saúde, entre outros -, ocupam o primeiro e terceiro
171
lugar no volume de matérias publicadas no informativo, dando assim, uma alta visibilidade
aos investimentos em infra-estrutura realizados pela Cemig e os empreiteiros.
Já num quarto lugar, estão as matérias relacionadas ao processo de negociação e o
cumprimento de ações e produtos previstos no Plano de Controle Ambiental – PCA- requisito
para a aprovação das licenças de operação, geração e comercialização da Usina. No caso das
matérias relacionadas às ações do PCA, o maior volume se apresente no mês de julho - agosto
de 2005.
Tabela N. 3 - Número e porcentagem de matérias publicadas de 2003 até 2006, por categorias
segundo o conteúdo.
Categorias do conteúdo das matérias
publicadas
Número de
matérias
publicadas
Porcentagem das
matérias publicadas
Obras da Usina
47
13,16%
Emprego 8 2,2%
Matérias ligadas
as obras da Usina
Ações paralelas previstas
no PCA
26
7,2%
Reassentamentos
65
18,20%
Cadastro 5 2%
Benefícios 13 3,65%
Acordos
24
6,7%
Matérias ligadas
ao processo de
relacionamento
CEMIG -
Comunidades
Acompanhamento Social 6 1,9%
172
Enquanto às matérias sobre o relacionamento com as comunidades, o tema dos
reassentamentos ocupou o maior espaço e número de matérias no jornal ao longo das 17
edições, seguidas das matérias relativas ao cumprimento do Termo de Acordo por parte da
Cemig. Isto demonstra uma preocupação por parte da empresa de dar visibilidade às ações de
cumprimento do Termo realizadas na região, evitando assim contra-informações em relação
ao andamento do projeto e do cumprimento do acordo. O gráfico 2 mostra a tendência
temporal das matérias do relacionamento com as comunidades.
Gráfico 2 - Tendência Temporal de matérias relacionadas ao Processo de Relacionamento
com as Comunidades
0
2
4
6
8
10
12
14
16
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Maio 20
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Maio 2004
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Set
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5
De
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20
05
/F
e
v 20
06
Mar/Abr
200
6
Reassentamentos Cadastro Benefícios Acordos Acompanhemento Social
Fonte: Gráfico de construção própria.
Segundo os depoimentos dos comunicadores, a estratégia adotada nas ações de
comunicação, não só no Informativo Impresso, foi de mostrar o que a Cemig estava
realizando as ações de cumprimento do Termo de Acordo e o andamento em geral da Usina e
173
barragem. Isto se percebe no conteúdo das matérias do informativo e até na descrição das
ações de comunicação por parte dos moradores. Observa-se uma preocupação por acercar às
comunidades o projeto da usina em procura de um clima de confiança e um maior
entendimento das dimensões do projeto.
A turma daqui já foi duas vezes na barragem, eles ficaram encantados, eu
mesmo na fui, mas eles dizem que ajudaram a entender, por que as vezes não
tem noção de que é, aí voltavam com ideais diferentes, entendendo melhor o
que é.
Já nas palavras dos comunicadores da empresa, o conteúdo da comunicação em todas
as ações e produtos foram pensadas em procura do cumprimento do objetivo corporativo e do
estipulado no Termo de Acordo.
[...] para o assunto aqui desde o processo aqui desde a construção do Termo
de Acordo, por que a CEMIG essas informações que ela está passando para
as comunidades, que ela está trabalhando com os públicos aqui da região, são
informação que foram discutidas, e elaboradas num consenso que foi o
Termo de Acordo com os agentes envolvidos no projeto de Irapé - FEAM,
Ministério Público, Comissão de Atingidos, Fundação Palmares, CEMIG -
ele crio esses condicionantes, essas informações que deveriam ser trabalhadas
pela CEMIG, e como que ela deveria trabalhar na região.
[...] todo esse processo de definição, de reconstrução de logística mesmo,
para isso acontecer, isso discutido, é trabalhando junto às comunidades, isso
tem que ser traduzido numa linguagem e as pessoas ter que entender o por
que do trabalho, aceitando o questionando, então tudo isso faz parte do
processo de discussão e de recepção em campo; peguei um exemplo separado
que é mais uma etapa que se cumpre.
[...] importante por que o caso de lá, antigamente, isso era antes, "você não
tem ninguém assentado", então você vai e mostra as famílias que foram
assentadas [refere-se ao contra peso que faz hoje a Cemig] com a produção e
divulgação de informação na região para contra por o ruído gerado por outros
sujeitos- agentes sociais, aqueles que falam o que está entre então você faz
uma contra informação com isso.
Então foram N ações de comunicação dando visibilidade a todo o que estava
programado já também, então na medida em que estava reassentando, então
vamos mostrar que estamos em reassentamento, entendeu, vamos mostrar e
assim mostrando claramente sem artifício, estamos mostrando a verdade.
174
[...] você tem muitos trabalhos que são mais o menos naquela interface que
eu te falei então esse trabalhão foi muito importante, as cartilhas, a gente
sempre fez muita cartilha mostrando os vários momentos do processo de
mudança, na medida em que a gente foi caminhando no processo de
comunicação ele foi dando resultados práticos de quebrar resistências, de
mostrar.
O conteúdo da comunicação foi chave para dar visibilidades às comunidades atingidas,
criando um espaço à voz das comunidades, mostrando através de imagens e depoimentos dos
próprios moradores, a posição deles em relação ao projeto de Irapé. É claro que nem nos
informativos, nem nas cartilhas encontram-se falas contrarias à barragem, nem existe um
espaço para queixas por parte dos moradores. Então, não deixa de ser um conteúdo de
comunicação manipulado pela Cemig, definido a partir da visão da própria empresa, ainda
que perceba-se um esforço por dar visibilidade e espaço aos moradores e a região como tal,
segundo demonstram os seguintes depoimentos tanto de moradores quanto dos
comunicadores de Irapé.
o informativo de eles fazem é com as informações das reuniões que eles
realizam onde o jornalista assiste e paga as informações, e a maioria é
realidade mesmo (Depoimento de morador de reassentamento).
Nesses encontros foram levadas informações sobre proteção à água e ao solo,
preservação do meio ambiente de uma forma geral, gestão e preservação da
infra-estrutura e dos bens comunitários. As famílias também foram
trabalhadas no sentido de compreenderem os benefícios do associativismo e
cooperativismo, entre outros aspectos.
[...] lado delas, comunicando o que a gente entendia importante para elas, por
que o trabalho a mostrar era muito complexo e novo para eles (Comunicador
de Irapé).
[...] fazer coisas mais visuais, considerando que tem pessoas que não lêem
direito, tendo sempre a dificuldade de ter que lidar com essa desconfiança
deles, mas a gente foi ganhando confiança conforme foi trabalhando com
eles. Acho que essa questão da credibilidade foi muito importante, inclusive
para fazer entender o trabalho de comunicação, como estava sendo levado e
um contraponto inclusive das informações que estavam sendo disseminadas,
quando você tem uma fonte que traz informações que depois no futuro vão
trazer danos ou prejuízos à própria comunidade, ela é questionada.
175
Então, percebe-se que o processo de comunicação em Irapé, a visibilidade das ações
desenvolvidas pela empresa na região, como parte do conteúdo de comunicação, o espaço
para informações relacionadas às comunidades – divulgação das suas atividades, dados sobre
a região, levantamento histórico cultura e ambiental, depoimentos e mostra de fotografias, etc.
– ajudou a criar uma relação de confiança e de aproximação entre a empresa e a comunidade,
ainda que observe-se como os meios massivos de comunicação, como é o caso do
informativo, seguiam sendo utilizados como veículo de divulgação massiva a favor da
empresa, como forma de demonstrar a atuação social da empresa não só na região mas fora
dela, criando uma imagem positiva a favor da empresa e construindo um imaginário em
relação à qualidade de vida e benefícios das comunidades que nem sempre é verdadeira, como
se exemplifica nos depoimentos dos moradores, para quem nem todos gostavam de ‘sair nas
fotos da Cemig’.
Ai o [comunicador] que é da CEMIG, veio para fazer uma entrevista, vem
pessoa da rádio, da televisão. Ele veio para que eu deu uma entrevista, então
eu dei a entrevista na rádio, e depois eles vieram me procurar me
questionando, filmavam, tiveram uma confirmação. Olha, desde meu ponto
de vista, isso é vantagem, por que eu tenho dificuldade de fazer uma
divulgação sobre o produto que eu tenho; eu tenho dificuldade. Então que é
que eu tenho viável para que a divulgação seja feita. E através deles a gente
consegue fazer essa divulgação, então eu estou acreditando que essa coisa
pode ser bom.
Eu acho que ela quer ganhar pontos, a CEMIG. Eu acho que, se eu tenho uma
horta bonitinha no meu quintal, vai aparecer na televisão: "Reassentamento
de Santa Maria está das mil maravilhas", isso que eu acho. Mas tem famílias
nas fazendas que praticamente não tem água para beber, e não tem dinheiro,
eu tenho muita coisa lá, por que eu tenho água por gravidade então tenho
problema nem preciso pagar. E os outros como é que ficam. Então o meu está
todo verdinho, bonitinho e passa a câmara aí.
E a CEMIG, eu tenho raiva da CEMIG, por que ela só pega a parte boa, a
porte ruim, ela nunca pega. Igual agora tem uma senhora no reassentamento
que o banheiro dela até hoje não usou por que ele não funciona, então eu
acho assim: "cadê essas informações no jornal".o passam. Tem matérias,
por exemplo, que eles fizeram questão de filmar a minha cozinha, por que eu
gastei de meu dinheiro para ter uma cozinha boa, eu gastei, e eles vão e
gravam lá na minha casa, e o trabalho é meu.
176
Eu acho, eu para mim, eu acho que é bom assim mesmo. Não me importava,
eu achava bom. Eu, enquanto ajudasse a plantar a rosa e a espantar bicho em
quanto tirava as fotos (risos).
Eu também não achava ruim não. Eu vi as fotos até naquele jornalzinho de
Irapé, tinha fotos minhas e da minha esposa, no jornalzinho.
177
CAPÍTULO 6. CONCLUSÕES
A presente pesquisa esteve motivada pelo fenômeno empírico estudado, onde dois
grupos de interlocutores com interesses diferentes, tiveram que se relacionar a partir do
projeto da Usina de Irapé na região do Vale de Jequitinhonha. As ações específicas de
comunicação chamaram a atenção do pesquisador, daí o estudo foi se configurando até o texto
aqui apresentado. A análise do fenômeno se dá da perspectiva da comunicação, a partir do
modelo praxiológico da comunicação (QUÉRÉ, 1991) e os modelos da comunicação
excelente da comunicação organizacional (GRUNIG e HUNT, 1984) que ajudaram a entender
‘se’ e ‘como’ a comunicação contribuiu na interação dos interlocutores. Já a visão da
responsabilidade social empresarial do Instituto ETHOS, junto aos modelos de comunicação
excelente, ajudaram a refletir no processo de comunicação enquanto ação socialmente
responsável, a partir do da interação dos sujeitos.
A análise de dados, junto à reflexão teórica, levou às seguintes conclusões,
apresentadas em duas linhas segundo os objetivos específicos da pesquisa. Por uma parte,
apresentam-se reflexões em relação ao papel da comunicação como facilitadora do
relacionamento, e num segundo lugar, reflexões de como a comunicação se constitui numa
ação socialmente responsável no caso estudado, segundo a perspectiva teórica adotada.
6.1. Da comunicação como facilitadora da interação entre grupos com interesses
divergentes
A interação comunicativa no caso estudado apresenta características de um modelo
simétrico de comunicação, ainda que com dificuldades e limitações, que fazem o processo se
desenvolver na fronteira da assimetria, concedendo maior poder e controle à Cemig como
interlocutor corporativo. Ainda assim, reconhece-se o espaço e participação das comunidades
como agentes comunicativos no processo de relacionamento, com dificuldades para se
comunicar e se colocar frente a seu interlocutor.
178
No geral o processo esteve baseado na estratégia central da comunicação da empresa
de divulgação das atividades ligadas ao desenvolvimento da Usina de Irapé, com o objetivo de
minimizar as informações contrárias à barragem, que geraram tantas dificuldades à empresa.
A ação principal de comunicação foi o contato cara-a-cara, no cotidiano das comunidades,
entrando no espaço delas, na sintonia delas, mas com objetivo da empresa e o Termo de
Acordo de pano de fundo que delimitou as ‘regras’ do relacionamento, as ações a serem
cumpridas, e a posição dos sujeitos no processo.
O processo de interação comunicativa acontece num contexto delimitado pelo
desenvolvimento de programas e projetos – sócio ambientais – estipulados no Plano de
Controle Ambiental e o Termo de Acordo. Nesse cenário, identificaram-se os dois
interlocutores principais, a Cemig e as comunidades atingidas, reconhecendo a existência de
outros sujeitos chamados aqui de ‘vozes mediadoras’, que foram chave no processo de
interação, ajudando no conflito e na solução do mesmo, estimulando o processo de
relacionamento entre a empresa e as comunidades. Ainda assim, o papel dessas vozes
mediadoras é um desafio para uma outra pesquisa, sendo que, pelo volume de informação e o
tempo que implicou delimitar o processo entre os sujeitos principais, as vozes mediadoras
ocuparam pouca atenção e análise na presente pesquisa, ainda que se reconheça a sua
importância no processo.
Em relação aos interlocutores principais, identifica-se que a Cemig entra no processo
com o objetivo de viabilizar o andamento da construção da Usina. A empresa se confunde no
seu papel de empreendedora, investidora, estado, vizinha, protetora e viabilizadora de uma
melhora na qualidade de vida da população, passando de ser a inimiga que quer acabar com a
região, ameaçando suas vidas e pertences, a ser a sua amiga que deu casa, terras, e formar
parte do cotidiano das comunidades. Essa mudança na percepção da atuação da empresa é
uma conseqüência do processo de comunicação com as comunidades. Finalmente, a empresa
179
é vista como uma organização de grande porte, com poder econômico, capaz de cumprir seus
objetivos comerciais, sem importar o custo, por que ‘tem o poder de conseguir o que quer’.
Por sua parte, as comunidades tinham o objetivo de garantir o respeito de seus direitos,
na luta pela utilização do espaço ambiental. Observa-se uma tendência de ‘relação
paternalista’ com a empresa, onde os moradores esperam dela sempre uma solução. A atenção
e benefícios obtidos no processo, além da cercania resultado do processo de comunicação
face-a-face, gerou nas comunidades dependência da empresa, que ao sair da região, faz sentir
as comunidades em abandono. Durante o processo de interação comunicativa, as comunidades
são reconhecidas como cidadãos com direitos e poder de participação. Ainda que o espaço de
participação tenha sido controlado pela empresa, a inclusão das comunidades no processo de
discussão e negociação é uma conquista da Comissão de Atingidos, grupo organizado para
defender os direitos cidadãos das famílias atingidas. Sem uma política socialmente
responsável da empresa, a interação teria se limitado ao cumprimento legal do Termo de
Acordo, que não considera o relacionamento face-a-face como uma condição a ser cumprida.
Sendo assim, no cenário do relacionamento Cemig – comunidades, a empresa está no
papel principal, com domínio do espaço, e as comunidades, ainda que gozam de um espaço
importante, acabam ficando sempre sob a vontade da organização, num papel de demandante,
atingido, protegido, dependentes.
Por sua vez, as ‘vozes mediadoras’ estimularam, ao mesmo tempo em que
atrapalharam, a interação comunicativa entre a empresa e as comunidades. O mapa de vozes
mediadoras está constituído por sujeitos sociais - prefeituras, estado, ONGs – e as vozes
internas - sujeitos ligados à construção da barragem, como por exemplo, empreiteiros sub-
contratados da Cemig. Acredita-se que as limitações e dificuldades, mais especificamente as
vozes contrárias, estimularam a atuação socialmente responsável. Aliás, sem elas a empresa
não teria procurado uma atuação voltada para a viabilização da interação e negociação com as
180
comunidades, nem tivesse sido parte do processo de interação comunicativa no projeto de
Irapé.
No meio do processo, um ator importante identificado durante a pesquisa, é o
comunicador: a simpatia e amizade gerada entre ‘ele’ e as famílias, demonstram o papel chave
que teve no processo de relacionamento. Segundo análise da pesquisa, é o comunicador quem
facilita a relação e entendimento entre os interlocutores principais, sendo então, um ator chave
como viabilizador da comunicação e a negociação das partes. Neste sentido, o comunicador
teve um papel chave como interlocutor. É ele quem consegue manter o dialogo e a
comunicação boca a boca no dia-a-dia, mas a dificuldade se encontra no fluxo da
comunicação comunidade-comunicador-empresa, sendo que nem sempre a empresa consegue
perceber – entender – o que a comunidade está dizendo, e que é levado ou encaminhado pelo
comunicador.
O relacionamento entre os sujeitos, esteve permeado pelo conflito. A luta pelo espaço
ambiental, como foi apresentado na presente pesquisa, gerou um relacionamento conflitado,
estimulado pela presença de vozes mediadores, contrárias à construção da barragem.
Identifica-se que nem sempre o que é conflito para as comunidades, nem sempre é conflitante
aos olhos da empresa. Assim, para a Cemig é motivo de conflito a existência de diferenças, a
presença na região de grupos contrários à barragem. Já para as comunidades, é conflitante a
falta de clareza em relação ao processo de negociação, questões problemáticas do cotidiano
que vêm da dessa mudança do estilo de vida.
Em resumo, o processo foi baseado na negociação prévia, resultado da relação
conflitante que se dá no inicio do projeto, sendo o Termo de Acordo, junto com a entrada da
presença do comunicador na região, os viabilizadores de uma comunicação mais simétrica
que ajudou na diminuição do conflito, e na agilização do empreendimento.
181
O processo de comunicação esteve cheio de desafios e limitações, como a distância e
as formas de acesso às comunidades, as diferenças culturais dos sujeitos envolvidos, com
diferentes visões de mundo, e delimitação e identificação de espaços e formas de
comunicação viáveis, segundo as características sócio econômicas da região e da população,
assim como as tendências de consumo e uso da mídia regional.
A comunicação entre a Cemig e as comunidades se dá num processo de interação que
pode ser caracterizado como ‘pontilhado’. Quer dizer, o fluxo não é ‘limpo’ nem igual entre
os interlocutores. Existiram dificuldades de fluxo da comunicação das comunidades à
empresa, se comparada com o fluxo dinâmico da empresa às comunidades. Quer disser, o
modelo simétrico existe enquanto intento de diálogo entre os sujeitos, mas a empresa continua
se comunicando numa tendência assimétrica, sem saber sempre como escutar às comunidades,
nem como receber a sua voz e o que fazer como ela. Já as comunidades, não tem como não
escutar à empresa, sendo que ela está presente no seu espaço cotidiano e lugar de moradia.
As ações específicas desenvolvidas dentro da estratégia de comunicação estiveram
ligadas ao contato com a população das comunidades, levando informações diretamente às
famílias. Esse tipo de ações ajuda a caracterizar o processo de comunicação como uma
tentativa de um sistema simétrico de comunicação entre a empresa e as comunidades. É
intenção da empresa abrir espaço ao entendimento por parte dos atingidos pela dimensão do
projeto de Irapé, com a intenção, é claro, de viabilizar o máximo possível o andamento da
obra sem contratempos. Apesar de que o objetivo corporativo seja a motivação principal da
estratégia de comunicação, o processo abre espaço a uma forma de interação e participação
dos públicos num âmbito do ‘negócio da empresa’.
O Termo de Acordo, é o cenário onde os sujeitos se posicionam, se colocam um frente
ao outro se relacionando num espaço de procura de sentido, racionalidade, inteligibilidade,
intercompreensão, em procura da cooperação social, a produção e a recepção coordenadas,
182
características de uma interação comunicativa, do ponto de vista da perspectiva praxiológica
(QUÉRÉ, 1991) e do modelo da comunicação simétrica de GRUNIG e HUNTER.
Este tipo de interação lembra um dos elementos chave do modelo praxiológico da
comunicação (QUÉRÉ, 1991), onde os sujeitos se reconhecem como sujeitos de diálogo, não
monológicos, uma tendência observada no processo de interação comunicativa de Irapé, onde
a empresa reconhece aos moradores na sua condição de cidadãos com direitos, e tenta
dialogar com os seus membros, na procura do entendimento das partes. O sistema de
‘controle’ ou de termos de acordo, que envolve a participação de terceiros no processo de
negociação dos interlocutores, é considerado por GRUNIG e GRUNIG (1992:311) como uma
característica do modelo simétrico.
O papel dos agentes envolvidos na interação comunicativa, é o reconhecimento da
empresa no seu papel de cidadão na interação com os membros das comunidades, cidadãos
com direitos. Segundo a versão da empresa é ela que motiva e estimula a participação dos
moradores em espaços públicos de discussão permitindo o reconhecimento de seus próprios
direitos. Já para as comunidades, é a partir das associações comunitárias, da Comissão de
Atingidos que eles conseguem ter um espaço de cidadania, participação e discussão de seus
interesses com a empresa, ainda que não da forma que eles queriam, segundo seus próprios
relatos. Como não se acompanhou o processo de negociação desde o inicio da obra, é difícil
afirmar na presente pesquisa qual dos dois agentes estimulou a participação no primeiro lugar,
mas o que se observa, é uma dinâmica de interação entre sujeitos cidadãos, com
características do que seria um diálogo entre dois sujeitos: um fala, o outro responde, cada um
tenta persuadir ao outro no processo de negociação velando pelos seus interesses, e a partir
desse processo reconhecido tanto por QUERE (1991) na sua perspectiva praxiológica da
comunicação, quanto por GRUNIG E HUNT (1984) no modelo simétrico de duas- mãos, é
viabilizada a interação comunicativa enquanto prática de responsabilidade social. Isto por que
183
cada uma das partes consegue, ainda que em dimensões diferenciadas, colocar-se frente ao
outro como sujeito cidadã com direitos e deveres, ser escutado – o que não implica que seja
100% compreendido – numa dinâmica de comunicação em procura do bem comum, a partir
dos interesses das duas partes principais envolvidas no processo.
Reconhece-se no caso estudado, que a comunicação cara-a-cara estimulou e viabilizou
o diálogo entre os sujeitos, contendo características de uma comunicação simétrica de duas
mãos, sendo que, à luz da teoria de GRUNIG e HUNT (1984): 1) viabilizou o relacionamento
e a negociação; 2) gerou confiança entre os sujeitos; 3) debilitou as vozes contrarias; 4)
minimizou o conflito; 5) viabilizou o cumprimento do objetivo corporativo; 6) estimulou a
existência de uma relação com um grau de dependência/paternalismo por parte das
comunidades.
Este tipo de interação lembra também, um dos elementos chave do modelo
praxiológico da comunicação (QUÉRÉ, 1991), onde os sujeitos se reconhecem como sujeitos
de diálogo, não monológico, uma tendência observada no processo de interação comunicativa
de Irapé, onde a empresa reconhece aos moradores na sua condição de cidadãos com direitos,
e tenta dialogar com os seus membros, na procura do entendimento das partes.
Com tudo, algumas características da comunicação assimétrica, estão presentes no
relacionamento da empresa com as comunidades, sendo que o processo de interação
comunicativa, se encontra nas margens entre um modelo e outro, com maior presença de
simetria, ainda que com características assimétricas como: 1) o processo beneficiou o controle
por parte da empresa, tanto do processo quanto do conteúdo; 2) o fluxo da comunicação é
pontilhado: fluido da empresa às comunidades, diluído das comunidade à empresa.
Algumas características gerais observadas no caso estudado, dizem respeito à
diferença observada nas duas comunidades. Identificou-se sim uma diferença na percepção
das comunidades sobre a sua relação com a empresa.
184
No Peixe Cru, comunidade que teve maior atenção por parte da Cemig, os moradores
identificam-se mais com a empresa, com o objetivo da empresa, e a existência de conflito é
menor se comparado com a comunidade de Santa Maria.
Já em Santa Maria, os moradores ainda apresentam maior resistência às ações da
Cemig na região. Essa diferença faz pensar que quanto mais estreito o relacionamento da
empresa com a comunidade, maior é o grau de confiança, com maiores possibilidades de
viabilizar o objetivo corporativo, e a existência de menos conflito.
Vale ressaltar que a comunidade é um interlocutor especial, que exige formas
diferentes de interação em relação aos outros stakeholders. O caso estudado faz pensar nas
comunidades como grupo de interesse da empresa, diferenciado de outros grupos de
relacionamento ou stakeholders – consumidores, investidores, mídia, etc. Trabalhar com as
comunidades implica se envolver com a cotidianidade, com a individualidade das pessoas,
exigindo ações de comunicação não massivas segundo as características de cada grupo. Por
isso que o que se apresentou como mais efetivo para a empresa, para viabilizar o
entendimento e a comunicação com os moradores reassentados, foi a comunicação face-a-face
que permitiu justamente identificar as diferenças e singularidades de cada família afetada.
Um aspecto ligado ao relacionamento com a comunidade, é o grau de confiança
gerado entre os sujeitos. Quanto mais simétrica for a comunicação, maior o grau de êxito do
objetivo da interação, e maiores possibilidades de uma ação socialmente responsável, a partir
da viabilização do diálogo, a transparência e o respeito dos interesses do outro. Nesse sentido,
considera-se que o relacionamento cara-a-cara viabilizou o diálogo a partir de uma
comunicação simétrica, onde, segundo GRUNIG e GRUNIG (1992) ‘o aspecto ético
diferencial do modelo simétrico de duas – mãos é a defesa dos interesses dos interlocutores,
trabalhando num marco de reconhecimento de ‘motivações misturadas’.
185
6.2. Do processo de comunicação no relacionamento Cemig-comunidades, enquanto ação
socialmente responsável
Considerando a definição de responsabilidade social empresarial do Instituto Ethos e o
modelo da comunicação excelente simétrica de duas mãos de GRUNIG e HUNT (1984),
defende-se que o processo de comunicação no relacionamento da Cemig com as comunidades
atingidas de Irapé, tem sim características de cidadania empresarial, a partir de três pontos
chave: 1) se procura uma relação ética e transparente entre a empresa e as comunidades,
motivando o diálogo e a comunicação simétrica, ainda que com dificuldades e limitações,
sendo esta ação, do perfil de uma política de comunicação socialmente responsável. 2) O
processo está baseado, ainda que a partir da exigência do licenciamento ambiental, em metas
compatíveis, considerando o interesse das partes, materializadas no Termo de Acordo,
produto na negociação entre a empresa e as comunidades atingidas. Por último, 3) por que o
processo procura minimizar o impacto da obra da Usina e a diminuição do conflito entre os
sujeitos envolvidos.
Essas três características justificam o processo de interação comunicativa enquanto
ação socialmente responsável, gerando a seguintes reflexões em torno às situações que
estimularam a sua constituição no caso estudado:
- A atuação socialmente responsável é realizada com um interesse, não só de bom
relacionamento, de cumprimento do Termo de Acordo, da procura pelo bem estar das
comunidades atingidas; mas considera o interesse da empresa por manter uma boa imagem
corporativa, importantelluaonsão doimrcai comrcrial a,
186
- A atuação de outros sujeitos, como ONGs contrarias à barragens, prefeituras,
universidades e outros grupos organizados, justificam o cuidado e interesse na relacionamento
com as comunidades por parte da Cemig, sendo um diferencial no projeto de Irapé. Neste
sentido, considera-se importante a intervenção de outros sujeitos ‘mediadores’ no processo de
interação, que foi viabilizando uma atuação socialmente responsável, ainda que seja com o
interesse de evitar perdas econômicas, na imagem e reputação da empresa no mercado
hidroelétrico, além de evitar ações que inviabilizaram a obra, objetivo primordial da Cemig.
- As limitações e dificuldades, as vozes contrárias, a existência de conflitos,
estimularam a atuação socialmente responsável; sem elas a empresa não teria procurado uma
atuação voltada para a viabilização da interação e negociação com as comunidades, nem tera
entrado a comunicação no projeto de Irapé.
Quer dizer, no caso estudado, o processo de interação comunicativa, é ético no
relacionamento com o público, e efetivo na conquista das metas da organização, sendo
consistente com o conceito de responsabilidade social, onde a ética é entendida como sendo o
processo de relações com o público mais do que uma conseqüência dele.
Finalmente, vale ressaltar ao final da pesquisa, o aporte do presente estudo para o
campo da comunicação das organizações, na fronteira com os estudos da responsabilidade
social. Existe sim, um investimento das organizações do mercado e um interesse da academia
por desenvolver pesquisas que procurem entender o processo de interação comunicativa entre
as organizações e os stakeholders externos. Ainda assim, falta uma definição teórica de
dimensões desse tipo de relacionamento. Uma preocupação adicional, disse GRUNIG, L
(2000), existe nos teóricos organizacionais e de comunicação das organizações – relações
públicas – no entendimento de como conciliar a efetividade organizacional, com a
responsabilidade social no processo de relacionamento com os stakeholders.
187
Nesse sentido, acredita-se que a presente pesquisa contribui sim na discussão da
comunicação no relacionamento da organização com as comunidades, e na constituição de
uma ação socialmente responsável, a partir do processo da interação comunicativa. Espera-se
que a pesquisa motive aos outros estudiosos a explorar casos empíricos diferentes, com o
objetivo de alimentar a proposta analítica da presente pesquisa. O caso empírico selecionado é
rico enquanto fenômeno comunicacional, e espera-se que a partir desta primeira exploração de
estudo da perspectiva do campo da comunicação, outros pesquisadores fiquem motivados e
queiram continuar explorando o fenômeno comunicacional, de outras perspectivas teóricas, e
possíveis questões de pesquisa. Além disso, espera-se contribuir na reflexão e definição do
conceito da responsabilidade social, de uma perspectiva interativa, entendida como processo
constituído a partir da rede de relações sociais, e que é no social onde pode ser expressada, e
onde maior sentido, uma política de responsabilidade social.
A partir da realização da presente pesquisa, recomenda-se o seguimento da mesma
com estudos específicos sob questões que o presente documento não consegui aprofundar pela
complexidade do fenômeno empírico, como por exemplo o papel estratégico e como
interlocutor, dos dois comunicadores residentes na região; um levantamento mais específicos
das vozes mediadoras e seus diferentes papeis no processo de interação empresa-comunidade.
Por outra parte, recomenda-se estudar, a partir de outro caso empírico, a proposta teórica
desenvolvida na presente dissertação, a fim de identificar se efetivamente o processo
dialógico de comunicação entre a empresa e os stakeholders, pode ser considerada como ação
socialmente responsável.
188
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Página principal do projeto da Usina de Irapé: http://www.irape.com.br
Página no movimento Sinal Vermelho: www.sinalvermelho.org.br
Revista de Comunicação Social para América Latina: Son de Tambora:
http://www.comminit.com/la
Revista de Comunicação Social: Choike:
http://www.choike.org
Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação: http://intercom.org.br
197
Anexo 1: Roteiros de Entrevistas na Cemig
Diário de Pesquisa
Atividade: Roteiro de entrevista a membros da Superintendência de Comunicação,
e das ações de Responsabilidade Social.
Data:
Hora:
Lugar:
Entrevistado(s):
Roteiro de Entrevista:
1. Comente sobre a sua formação profissional e experiência, e a sua participação na
Cemig.
2. Como caracterizaria a gestão e atuação da comunicação da Cemig: como visualiza o
plano estratégico, as ações centrais, relação e organograma com o resto das áreas de
gestão da Cemig, evolução da área, desafios.
3. Na relação Cemig - Comunidade, qual é a estratégia mais utilizada, e como entra a
comunicação no processo.
4. Acredita que existe uma política ou filosofia de atuação socialmente responsável desde
o inicio da atuação da empresa ou é uma coisa mais recente. Por que.
5. Com foi constituída a coordenação de responsabilidade social, com que interesse e
objetivo.
6. Como caracterizaria a gestão e atuação socialmente responsável da Cemig.
a. Desenvolvimento temporal
b. Delimitação da área> quando, como, por que, quem, que.
c. Diferenças entre a RS e a Superintendência de Coordenação Ambiental e da
Qualidade, e a diferença entre a RS e o investimento cultural.
d. Relação entre a gestão e atuação da RS e Superintendência de Comunicação.
7. Existe sistematização (documentos, memórias, etc.) da evolução do interesse e a
posição estratégica da empresa pela Responsabilidade Social.
8. Na relação Cemig - Comunidade, qual é a estratégia mais utilizada, e como entra a
coordenação de responsabilidades social no processo.
198
Diário de Pesquisa
Atividade: Roteiro de entrevista para jornalistas de Irapé e Superintendente de
comunicação da Cemig.
Data:
Hora:
Lugar:
Entrevistado(s):
Roteiro de Entrevista:
1. Porque a entrada da comunicação dentro de Irapé?
2. Estava sendo problemático o desenvolvimento do projeto antes da entrada da
comunicação?
3. Pode me dar um exemplo do tipo de problemas que tinham.
4. Quando foi que começou o trabalho de comunicação
5. Você tem conhecimento se antes da Superintendência de Comunicação entrar,
existiam ações.
6. Imaginando um organograma do Projeto de Irapé, onde entra a comunicação em
relação às outras atividades.
7. Qual é o foco de trabalho de comunicação definido para Irapé.
8. Existe um plano de comunicação para Irapé.
9. Quais são as principais estratégias desenvolvidas no processo de relacionamento
com a comunidade.
10. Quais foram as maiores dificuldades e desafios.
11. Em sua opinião, qual foi a importância de ter comunicadores na região, tanto para
as comunidades, quanto para a CEMIG.
12. Você caracterizaria o processo de comunicação como uma ação de
responsabilidade social da CEMIG.
13. Como a comunicação entra no relacionamento com os grupos contrários à
construção da barragem de Irapé.
199
ANEXO 2. DIAGRAMAS DE VENN
200
201
201
202
202
203
204
205
206
207
208
209
ANEXO 3. A CEMIG ENQUANTO EMPRESA CIDADÃ: HISTÓRICO
Kubitscheck no ano de 1952, com a finalidade de vir a ser a responsável pelas atividades de
transmissão e distribuição de energia elétrica
integradas, com
Catarina, Rio Grande do Sul, e um
ento
fora do estado, investim
1. A atuação socialmente responsável da CEMIG
A Companhia Energética de Minas Gerais – CEMIG - foi fundada por Juscelino
para o estado de Minas Gerais. Hoje a CEMIG
dá cobertura a 6 milhões de habitantes, sendo a maior empresa de distribuição de energia
elétrica do Brasil, com vendas que representam 11% do consumo de eletricidade no país.
Em 2004 a empresa foi reestruturada, atendendo a determinação da Lei nacional nº
10.848 que definiu o novo modelo do setor elétrico brasileiro, obrigando às empresas
o era o acaso da CEMIG, a se desverticalizarem e a abrirem seu capital. Quer
dizer que hoje é uma empresa holding, de Economia Mista, com duas subsidiarias integrais:
CEMIG Distribuição S.A. e CEMIG Geração e Transmissão S.A., com uma participação do
capital social distribuído da seguinte maneira: 22% referente ao Estado de Minas Gerais
32
;
14% da Southern Electric Brasil Participações Ltda.; 21% de acionistas nacionais privados;
42% de acionistas internacionais privados, e 1% referente a outros acionistas (CEMIG,
2006a:17).
A CEMIG é concessionária do 96,7% do Estado de Minas Gerais, além de ter
comercialização de energia nos estados de Rio de Janeiro, São Paulo, Espírito Santo, Santa
a linha de transmissão em construção no Chile. A empresa
se reconhece como “a maior concessionária de distribuição de energia elétrica do Brasil em
energia vendida, bem como no número de consumidores, que já ultrapassa a marca dos seis
milhões” (CEMIG, 2006ª:14). Segundo os dados do último relatório publicado, referente ao
ano 2005, a empresa atinge em dezembro desse mesmo ano R$ 14,3 bilhões, sendo assim, a
segunda maior empresa do setor elétrico brasileiro e a quarta da América Latina (Ibid.).
A estratégia da empresa se resume em duas grandes linhas de atuação. A primeira diz
respeito à área de atuação, com foco no setor elétrico, e concentra as ações de crescim
entos internacionais, visando ao crescimento da organização dentro
dos limites permitidos pela regulação, com crescimento sustentável. Já a segunda linha de
atuação, diz respeito à geração de valor para os acionistas e a comunidade onde a CEMIG
atua. Nesta segunda linha, concentram-se ações relacionadas à política da empresa, seguindo a
32
A participação de 22% das ações pertencentes ao Estado de Minas Gerais inclui 50,96% de ações ordinárias
que representam a participação de controle da Companhia (CEMIG, 2006a:17).
210
sua visão e missão
33
– política de dividendos, governança corporativa, participação no
mercado, ser a melhor empresa para trabalhar, responsabilidade social e ambiental (CEMIG,
2006ª:15).
Desde a sua fundação, a CEMIG registra ações que hoje seriam caracterizadas como
de ‘res
ção no relatório de 1956, o terceiro logo após a
fundaçã
[...] não alcançou ainda a CEMIG estágio final de seu desenvolvimento, que
Essas ações sociais e de desenvolvimento humano e econômico do Estado, são hoje
reconhe
os anos de 1954 e 1964,
eterm
stitucional de que os funcionários da empresa
ponsabilidade social’. Durante os seus primeiros anos, ainda no final da década de
1950, segundo os relatórios anuais da empresa, o maior envolvimento da CEMIG foi com as
questões sociais relacionadas aos seus funcionários e respectivos dependentes. Dessa
preocupação resultaram programas de fomento a casa própria, cursos de alfabetização de
adultos, escola para os filhos de funcionários, ainda seguindo um padrão bem paternalista de
atuação, como em voga naquela época.
Uma citação que chama a aten
o da empresa, diz a respeito do papel da CEMIG no desenvolvimento econômico e
social de Minas Gerais, onde com poucos anos de atuação
certamente atingirá, senão lhe faltar, como não tem faltado, o apoio de que
necessita para executar tarefa básica indispensável ao progresso econômico e
social do Estado (CEMIG, 1956).
cidos como reflexo da visão da empresa por manter o balanço entre o crescimento
comercial e o crescimento do Estado e seus habitantes, perfil que vai manter ao longo do
tempo. Desde o sua fundação, os valores da Cemig reconhecidos e assumidos
institucionalmente têm sido: 1. buscar cada vez mais qualidade; 2. dotar o estado de Minas
Gerais da energia necessária para se desenvolver; 3. ser uma empresa voltada para o mercado;
4. atuar sob uma perspectiva social, e 5. valorizar o seu empregado.
A primeira década de atuação da CEMIG, delimitada entre
d inada como a década de expansão e construção da empresa, liga-se ao crescimento do
Estado em geral, com a atração de investidores industriais que aproveitam a oferta de energia
elétrica para se assentar em Minas Gerais.
Já existia nessa época a visão in
deveriam ser tratados com justiça e ter direitos. A conseqüência disso foram as primeiras
ações de responsabilidade da Cemig serem voltadas para esse grupo de stakeholders,
33
Visão: “A CEMIG será a melhor empresa de energia do Brasil”. Missão: “Atuar no setor de energia com
rentabilidade, qualidade e responsabilidade social” (CEMIG, 2006ª:28).
211
oferecendo-lhes benefícios como a construção de moradias, a construção de escolas e parques
de diversão.
Numa medida, à época, inovadora, a empresa cria em 1964 a Sociedade Habitacional
dos Empregados da CEMIG-SHEC, que em 1967, assina convênio com o Banco Nacional da
Habitação - BNH para benefício dos empregados de empresa, garantindo-lhes melhores
condições de vida. Em 1967 é inaugurado o prédio da Escola de Formação Profissional de
Sete Lagoas, instituição desenvolvida com o apoio do convênio entre a CEMIG e a Eletricité
de France. Em 1968 a CEMIG e o Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais - BDMG, se
unem na criação do Instituto de Desenvolvimento Industrial de Minas Gerais - INDI: órgão
dedicado a identificar oportunidade indústrias e atrair investimentos.
No âmbito social, nessa primeira década de existência as ações da Cemig se
concentram no interesse da empresa por investir no nível técnico e de instrução do seu pessoal
e familiares, fazendo um esforço de oferta de cursos primários para crianças filhos dos
empregados e de alfabetização de adultos. Vale dizer que nessa época já ressaltava o interesse
da CEMIG pela qualidade de vida das pessoas, em especial da área urbana ligada à expansão
da eletrificação, mas no relatório de 1961 já aparece o programa de eletrificação rural,
ressaltado como parte da responsabilidade do Estado (à época, a Cemig era empresa estatal)
A segunda década de atuação da empresa, é delimitada de 1965 à 1974 e, vale
relembrar, esse é um período em que o Brasil já se encontrava sob o domínio de uma ditadura
militar, e é nesse período que o país vive a fase mais dura da repressão decorrente. É nesse
contexto que a Cemig cria, no ano seguinte ao golpe militar, ainda em 1965, a sua ‘Assessoria
de Relações Públicas’.
Apesar de esta ser uma época em que a interação das organizações com qualquer
segmento outro que não o mercado não era incentivada e tinha de ocorrer com muito cuidado,
a assessoria da Cemig, nos seus propósitos, já indicava uma preocupação da empresa para
com a compreensão e aceitação de seus serviços por parte da comunidade em que atua o que é
hoje reconhecido como um dos elementos da cidadania corporativa. Mas, como pode se ver
pelo texto do relatório anual da empresa de 1965, que se segue, a busca de interação da
empresa ainda era tímida, guiada mais por preocupações informativas, do que realmente
dialógicas.
visando a aprimorar as relações entre a empresa e os vários públicos:
empregados, consumidores, acionistas, comunidade e órgãos diversos,
estatais e particulares, criou-se em março (1965), a Assessoria de Relações
Públicas, cujos objetivos primordiais consistem em informar, divulgar e
esclarecer sobre as atividades da companhia, com o propósito de obter a
212
verdadeira compreensão e a justa aceitação para os serviços que realiza
(CEMIG, 1965).
Entre as responsabilidades da ‘Assessoria de Relações Públicas’ recém criada,
ressaltam-se ações como: organização e realização de exposições e conferencias; ações de
divulgação; desenho e montagem de stands em cidades do interior de Minas Gerais,
Guanabara, Vitória e Brasília, e a realização de publicações. Além destas ações específicas e a
atenção ao problema de comunicação com o público, com a criação da assessoria, busca-se
levar uma justa imagem da empresa e suas realizações. Para tal, no ano de 1967 é criado o
jornal mensal da empresa e o Informe para a Administração das noticias da CEMIG na
imprensa.
Em 1968: realiza-se a primeira campanha institucional com promoção para o
adequado uso da energia elétrica e melhor compreensão, por parte do público, dos trabalhos
da empresa. Desde o inicio, estimula-se a comunicação dirigida com o uso de displays,
jornais, spots de rádio, filmes, publicações, folhetos, volantes, mensagens nas contas de luz, e
em kits escolares. A profusão de veículos de comunicação implantados pela empresa indicam
a estruturação de um sistema de Comunicação institucional e mercadológico. Apesar de
monopolista no seu setor, à época, a Cemig parecia já considerar importante algum tipo de
diálogo institucional com o seu público consumidor.
No ano de 1965 as publicações da casa revelam que as ações de comunicação
apresentam-se ainda associadas meramente ao trabalho da organização, mas para o ano 1969
o esquema muda, mostrando as ações de comunicação desligadas da organização conferindo-
lhes maior independência.
Em 1969, a Comunicação tem como grande frente de ação os problemas empresa-
público, e, aparentemente, as ações institucionais passam a desenvolver-se mais na linha de
busca de construção de relacionamento da organização com seus stakeholders, em especial,
buscando um diálogo incipiente para aceitação dos serviços da CEMIG por parte dos seus
potenciais usuários.Mas em um contexto de ditadura militar, a ação de uma empresa estatal
não vai muito além disso e esse diálogo incipiente é buscado mais com o lançamento de
novos veículos de Comunicação, desta feita migrando de um estilo de Comunicação
informativa para a persuasiva; a linguagem jornalística ganhando vieses propagandísticos. No
ano de 1970 realiza-se o lançamento da campanha ‘Acionista n
o
. 100.000’, a campanha de
desenvolvimento industrial, a campanha de incentivo ao consumo e um novo veículo de
comunicação com os empregados é criado: ‘Seu Ligação’, que é um jornal de distribuição
interna. As publicações, com um discurso ufanista típico da época, mostram as realizações da
213
empresa e seu trabalho em prol do desenvolvimento de Minas Gerais. Nos anos seguintes,
continua-se com os materiais de comunicação já apresentados, mais a criação de CEMIG
Noticias e o Filme CEMIG 20 Anos Fazendo O Progresso Com Energia
Dentro das ações sociais que se destacam na segunda década de atuação da empresa,
está a criação do departamento de Bem-Estar para cuidar da saúde dos empregados, além de
continuar com o investimento na educação dos filhos dos empregados em convênio com a
Secretaria da Educação do Estado de Minas Gerais.
A característica que mais se sobressai nos relatórios institucionais da terceira década
(1975- 1985), é que são mais técnicos, tanto em termos de produção comunicacional quanto
em termos de conteúdo e, na sua maioria, apresentam o avanço técnico da empresa e as
atividades de construção de usinas. Desaparece a apresentação das ações de relações públicas
e as ações sociais, mas aparece pela primeira vez o relato da existência de ações de
preservação ambiental. A CEMIG se destaca como um dos principais suportes do Estado
ressaltado no ano de 1974, que o crescimento da empresa havia atraído 179 projetos
industriais, gerando 61 mil empregos. Em 1973, em Belo Horizonte, a empresa assume a
distribuição geral de eletricidade na capital; alguns anos mais tarde (1984) incorpora a sua
estrutura, a companhia Força e Luz de Minas Gerais, o que levou a empresa a aumentar o
numero de consumidores residenciais ajudando a equilibrar o mercado.
Nessa mesma época, no ano de 1981, é iniciado o programa Minas-Luz, em parceria
com Eletrobrás e o governo estadual, buscando ampliar o atendimento a populações de baixa
renda no campo e nas periferias urbanas, inclusive favelas. Nesse período, as ações
ambientais ocupam um espaço e atenção importante, e no ano de 1978 apresenta-se a
inauguração da Estação de Hidrobiologia e Piscicultura de Volta Grande, que estabelece um
novo padrão de investimentos da empresa em preservação ambiental. A tendência de ressaltar
as ações ambientais continua ao longo da década, onde nos relatórios aparecem frases como
‘Minas, natureza e Vida’ e fotos ilustrativas, num esforço comunicacional de ligar a imagem
da empresa aos investimentos e ações de responsabilidade social e ambiental desenvolvidos já
na época.
A quarta década, de 1985 a 1995, pode-se considerar como das mais fortes enquanto
investimentos sociais e ambientas da CEMIG, considerando o conteúdo dos relatórios, além
das do registro de ações sociais e ambientais que foram realizadas, em contraste com a década
anterior que esteve mais focalizada no crescimento técnico e físico da empresa. A mudança
observada pode estar ligada ao fato de que em 1984 é extinta a Ermig e CEMIG assume
diretamente as operações de eletrificação rural com o ‘Programa CEMIG-Rural’, tornando-se,
214
em 18 de setembro de 1984, a Companhia Energética de Minas Gerais. A mudança exprime o
alto conceito da organização pela sua importância socioeconômica e pela abertura da atuação
a múltiplas fontes de energia.
A conseqüência da expansão da empresa e da nova imagem a desenvolver, é que a
Comunicação ganha uma guinada e sua atenção volta-se ao consumidor. Aparece por primeira
vez a logomarca atual da CEMIG na capa dos relatórios, e citações além do desenho gráfico
centrado na apresentação de imagens de alta qualidade dos paisagens mineiras, refletem o
interesse da empresa por manter-se ligada à cultura e valores do Estado. Um exemplo de uma
citação que resume o interesse da empresa na sua relação com as comunidades do estado, é:
nos últimos anos, os Relatórios da CEMIG têm sido ilustrados com motivos
ligados à arte, costumes e cultura do povo mineiro. Amenizando as áridas
informações técnicas e administrativas, são intercaladas dos textos e fotos
representativos dos valores mais expressivos do espírito e tradições de Minas.
É apenas mais uma amostra da política de valorização cultural que a CEMIG
empreende, seja patrocinando eventos culturais, ou contribuindo para
preservar o acervo histórico de Minas O tema do presente Relatório – Vilas e
Povoados de Minas - é coerente também com o papel desbravador da CEMIG
de eletrificação das pequenas localidades mineiras (CEMIG, 1985).
Como parte das ações sociais ressaltadas na década, o ‘Programa Minas-Luz’, iniciado
em 1981, em parceria com Eletrobrás e o governo estadual, busca ampliar o atendimento a
populações de baixa renda no campo e nas periferias urbanas, inclusive favelas. Destaca-se
desde o inicio que foram superadas metas de dois Programas Sociais: ‘Minas-Luz’ e
‘CEMIG-Rural’, e foi lançado o ‘Com - Luz’, que pretendia a eletrificação de favelas. Este
tipo de ações e projetos torna-se parte da política da empresa de desenvolver programas de
largo alcance social: “a energia elétrica, principal produto da CEMIG, vai continuar ainda por
muito tempo sendo considerada como um bem de desenvolvimento do mundo moderno”
(CEMIG, 1985). Ligada a essas ações, está o programa ‘Fazenda Energética’ que pretende
melhorar a qualidade de vida no campo, através da utilização de fontes energéticas no meio
rural.
Dessa década as ações sociais reportadas são os programa Clarear de eletrificação de
favelas junto com o governo do estado; o programa Luminar de eletrificação a pequenos
produtores rurais, incentivando o assentamento no campo em lugar da migração à capital do
Estado; o programa PANLOC de atendimento a novas localidades; o programa PROHAB,
programa comunitário de habitação popular; BH-90 de melhoramento da iluminação pública;
IRRIGAÇÃO do nordeste; conservação de energia para o controle em indústrias e
215
conscientização em escolas com Procel nas Escolas, finalmente o programa Interiorização de
atendimento ao consumidor no interior do estado.
Inicia-se além das ações sociais, o trabalho de preservação do acervo histórico
mineiro, onde uma das ações inclui a eletrificação subterrânea em cidades históricas. Reporta-
se pela primeira vez a diminuição de acidentes do trabalhador que cai de 17,59% em 1980 a
3,39% em 1985. Destacam-se atividades culturais como o Espaço Cultural da CEMIG, que é
um lugar de promoção de exposições de arte e apresentações de graça no auditório.
As ações ambientais são apresentadas sob o conceito de ‘ecologia’, seguindo as
tendências ambientalistas da época. É aqui que a CEMIG instala a ‘Assessoria de
Coordenação do Programa Ecológico’ – hoje Superintendência de Coordenação Ambiental e
da Qualidade -, responsável pelo planejamento e desenvolvimento de uma política específica
de proteção ambiental, o que estimula o desenvolvimento de técnicas amigáveis além da
preocupação pela recuperação e preservação do meio ambiente nas áreas alteradas pelas
construções da CEMIG.
Na última década, ao final dos anos de 1990, num contexto de reformas para
reestruturar o setor elétrico, promovendo a desregulamentação e dotando medidas para
facilitar a entrada de investidor privado nesse segmento, a CEMIG expande seu capital
financeiro, sendo que suas ações passam a ser negociadas na Bolsa de Nova York. Em 1998
participa da fundação da empresa de Infovias, de transmissão de dados de voz, som, imagem e
acesso a Internet, mesmo ano em que é construída a primeira Usina Brasileira com pareceria
de empresa privada. Na década de 1990 aumenta-se o investimento na área cultural do estado,
com programas como: ‘Galeria CEMIG’; ‘CEMIG sempre um papo’; ‘Programa Expresso
Melodia da CEMIG’; ‘CEMIG Cine Grátis’; ‘Conexão CEMIG’; entre outros. Segundo o
relatório de 1997
CEMIG tem uma grande preocupação e está consciente de seu papel na
comunidade como agente promotora de diversas ações que resultam na
preservação e valorização da cultura e do acervo histórico e natural de Minas
Gerais, alem de criar condições de lazer e levar a informação para a
população (CEMIG, 1997).
Também é importante nessa década, a realização da campanha de prevenção de
acidentes, onde a CEMIG busca parceria com a própria comunidade para enfrentar o
problema dos acidentes na rede elétrica, abrangendo toda a sua área de concessão, visando
reduzir o número de acidentes com terceiros, através de cartazes, folhetos, propaganda nos
veículos de comunicação, e palestras. Observa-se, a partir da tendência histórica da empresa,
216
como o desenvolvimento de ações caracterizadas como socialmente responsáveis, foram até
então – e ainda hoje – responsabilidade da Área de Comunicação Social, nomeada atualmente
como ‘Superintendência de Comunicação Social e Representação’.
As ações ambientais continuam se desenvolvendo, nas áreas de pesquisa, preservação,
tratamento de resíduos contaminantes, entre outras. Para CEMIG a política ambiental supera
as exigências legais e é um dos pontos-chave da filosofia da empresa. (CEMIG, 1999).
Aos 50 anos de existência, a empresa se reconhece como responsável pelo crescimento
do estado, apontando que
Seis milhões de KW de potência; 97% do território mineiro atendido; 5,6
milhões de unidades consumidores, 17 milhões de pessoas. Uma empresa
consciente das suas responsabilidades para com a comunidade e a natureza.
Essa é a CEMIG aos 50 anos. [...] [a CEMIG] começou forte. Ela não se
tornou forte, ela começou forte no primeiro dia. Isto é um ponto
importantíssimo (CEMIG, 2002).
Entre as ações sociais apresentadas pela empresa, estão: a criação de uma ‘Trilha
ecológica em braile’; o ‘Programa CEMIG Criança’ que buscar ensinar as crianças a usar
energia elétrica nas escolas públicas; a doação ao ‘Fundo de Amparo à Infância e
Adolescência do Programa Bolsa Escola’; o projeto ‘Antena Mágica de cultura e lazer’; o
projeto ‘Natal de Luz nas Gerais’ de decoração de natal com lâmpadas em 64 cidades; ‘Vota à
Luz da Cidadania’, que colabora com o TRE nas eleições do ano 2000 para o voto em urnas
eletrônicas; o programa ‘Luz para Detentos’ que patrocina o projeto de reintegração dos
detentos do presídio Nelson Hungria, em Contagem.
Novamente, a gestão da maioria das ações sociais da empresa são de responsabilidade
da Superintendência de Comunicação, fato que pode ser justificado a partir da fala dos
próprios membros da superintendência, com mais de dez anos de pertencer à organização, que
justificam a prática da atuação socialmente responsável à área por que as ações de
comunicação começaram junto com a criação da empresa, sempre ligadas as pessoas que
cuidavam da imagem da empresa, ainda sem existir uma superintendência de comunicação
formal, há 52 anos. Como relata, em entrevista, a Gerente de Imprensa, Relações Públicas e
Publicidade da empresa:
[...] quando a empresa chegava a algum lugar e começava a trabalhar, de
alguma forma tinha contato com a cultura do lugar onde chagava. É uma
coisa muito do perfil de uma empresa estatal. Hoje o grande volume de
investimento [se dá] em coisas que não têm interrupção, porque é um elo da
rede de toda a estratégia de desenvolvimento sustentável da empresa. [As
ações sociais historicamente foram responsabilidade da área de comunicação]
217
porque na área de comunicação existem profissionais que têm mais tempo de
estar na organização, [e] acredito que os profissionais em comunicação
sabem ouvir, tem um jeito que não encontra no pessoal técnico. A alma é
intangível, e o que dá forma a alma da organização é a comunicação
(Entrevista realizada 09/11/200).
Na visão da empresa, é a Superintendência de Comunicação Social, na sua visão
integrada da visão e missão da empresa, que possibilita e facilita a realização e
desenvolvimento de ações socialmente responsáveis, ligadas à atuação de outras
superintendências como a de Coordenação Ambiental e da Qualidade, respondendo à visão de
rede da empresa, que dificulta separar e identificar que ações são responsabilidade de quem.
No geral, as ações de caráter sócio-ambiental respondem a política geral da empresa,
implicando um alto volume de trabalho da Superintendência de Comunicação Social, mas
sempre ligadas às outras áreas da empresa. Assim se reflete na fala do Superintendente de
Coordenação Ambiental e da Qualidade, ao se referir à relação entre eles e a Superintendência
de Comunicação Social no desenvolvimento de ações que respondem a política de
responsabilidade social e ambiental da empresa. Ele diz que
Nós mantemos uma parceria bem estreita com eles [Superintendência de
Comunicação Social]. Todos nossos projetos solicitamos a eles apoio na
elaboração na divulgação, produção de materiais. Mantemos com eles uma
interação muito grande, não pode haver a menor ruptura, temos que estar
sempre juntos. Nós damos as informações técnicas e eles elaboram o
materiais ou comunicados para divulgação numa linguagem mas jornalístico,
fácil de compreender. É uma parceria muito boa, a gente considera muito
importante a relação com eles. Por exemplo o projeto de educação ambiental,
é todo em parceria com eles, participam até da formatação do projeto, a
participação nos talheres. A gente considera muito importante a participação
deles em todos nossos projetos. Não é só com Meio ambiente, consideramos
que é com todas as áreas da empresa com Recursos Humano [referindo-se à
localização do atual Coordenador do Comitê de Responsabilidade Social
Empresarial], com o Projeto de Voluntariado - Assim, cada área da CEMIG
que necessita de um apoio da comunicação Empresarial, tem a ajuda deles. A
comunicação empresarial é considerada a área que ajuda a comunicar as
ações da empresa para o resto dos públicos, de forma agradável, fácil de
entender, mantendo uma linha de comunicação nas diferentes projetos da
CEMIG (Entrevista do 04/11/2005).
Nos anos 90, apesar do contexto de reformas para reestruturar o setor elétrico
promovendo a sua desregulamentação e da criação de medidas para facilitar a entrada de
investidor privado nesse segmento, a CEMIG aumentou o seu investimento social, adotando,
além de projetos que visavam garantir a demanda de energia elétrica em Minas Gerais,
projetos de caráter social, ambiental e cultural.
218
Para o ano 2003, aparece pela primeira vez no relatório da empresa, uma seção
destinada às ações reconhecidas como “Responsabilidade Social”, onde aparecem ações
ligadas à área de recursos humanos, de educação à comunidade, de investimento cultura,
ambiental e voluntariado. Entre os programas e projetos específicos nessa seção apresentam-
se: cargos e remunerações aos empregados; marca zero nos acidentes fatais em empregados;
formação e treinamento; Procel nas Escolas; treinamento para clientes, profissionais e
técnicos em Eficiência Energética; Comissões Internas de Conservação da Energia; Fazendas
Energéticas; Dow Jones de Sustentabilidade; Sistemas de gestão ambiental; licenciamento
ambiental; gestão de materiais; projetos e pesquisas dos recursos naturais; monitoramento da
qualidade da água; e os projetos de voluntariado do Programa ASIN.
A missão atualmente da CEMIG se resume em “Atuar no setor de energia com
rentabilidade, qualidade e responsabilidade social” (
www.cemig.com.br, acesso em março
2006), e a visão diz que “A CEMIG será a melhor empresa de energia do Brasil”. Elas foram
estabelecidas em 2004 com a revisão do plano estratégico para o ciclo 2005/2009, ponderando
o ambiente de incertezas a partir do novo modelo no setor elétrico, que levou à
desverticalização. A partir desse marco de mudança a CEMIG e no desejo de institucionalizar
a responsabilidade social como prática em todos os níveis de atuação da empresa, a CEMIG
criou em 2003 um ‘Comitê de Responsabilidade Social e Empresarial’
34
, que visa estabelecer
e cumprir a política e as diretrizes de responsabilidade social e cidadania empresarial da
empresa (CEMIG, 2006ª:82). O Comitê que conta com representantes de todas as Diretorias
da Empresa, e funciona como coordenação da ação operacional da empresa em termos de
responsabilidade social.
Segundo explica Ricardo Prata, da Superintendência de Coordenação Ambiental e de
Qualidade, o Comitê não é apenas uma área responsável pela política de responsabilidade
social, na verdade é uma coordenação na qual os superintendentes da CEMIG ficam
responsáveis, e formam parte, do comitê e vão-se revezando na coordenação dele, hoje
centralizado na Superintendência de Recursos Humanos, com o responsável José Lins. Ele
agrega que
O comitê de RSE definiu que não ia ser apenas uma área a responsável, más
todas as áreas da casa [da empresa] iriam a participar, por que chegaram à
conclusão, que nossa atividade quando bem elaborada e conduzida, ela gera
um fator de responsabilidade social bastante grande, nosso produto é energia
elétrica que é um produto essencialmente voltado para a sociedade e é um
34
A CEMIG conta com uma estrutura de comitês que garante a tomada de decisões estratégicas a partir de
critérios técnicos e multidisciplinares. No total são seis comitês corporativos (CEMIG, 2006ª:82).
219
produto de responsabilidade social. Dentro dessa cadeia todas nossas partes
interessadas, stakeholders, que se cuidamos muito bem deles, e executamos
nossas atividades com responsabilidade social já estariam abrangendo toda
Minas Gerais com nossa atuação responsável. Assim surgiu o conceito
(Entrevista do 04/11/2005).
Ele explica como o Comitê está ganhando “forma e redação”, por que a empresa já
tinha uma atuação socialmente responsável, mas não existia uma gestão específica, não era
relatada, nem controlada, e a empresa começou a sentir a necessidade de divulgar – até por
interesse econômico e de imagem dentro e fora do Brasil – o que sempre foi feito mas de
calado, na crença empresarial de que ‘uma boa ação não deve ser divulgada’, “não havia uma
sistemática de coleta dessas informações, por isso que agora nos Relatórios aparecem cada
vez mais sistematizados ou descritos as ações e projetos sociais como o ASIN [projeto de
voluntariado], mas têm outros que ainda não aparecem (Ricardo Prata, entrevista 04/11/2005).
Para o ano 2004, a estrutura do relatório anual que até então vinha inalterada, muda,
sendo que as ações apresentadas como parte de Sustentabilidade e Responsabilidade Social (já
não é só responsabilidade social, mas sustentabilidade) da CEMIG, são outras, incluído além
dos projetos de meio ambiente, o investimento cultura, o programa ASIN, as ações
desenvolvidas na Usina de Aimorés e Irapé, além de ações que atingem os empregados – em
saúde e qualidade de vida-, e a distribuição do valor adicional, que é a geração de riqueza em
relação à distribuição da mesma.
No ano de 2005, a CEMIG se tornou uma das únicas duas empresas brasileiras e a
única empresa latino-americana do setor de energia elétrica selecionada para o Dow Jones
Sustainability World Indexes (índices usados para identificar e acompanhar empresas que
investem no desenvolvimento sustentável), sendo nomeada nesse ano pela sexta vez.
Segundo dados da CEMIG,
Em um universo de 2.500 empresas de 60 ramos industriais em 34 países, a
CEMIG foi uma das duas empresas brasileiras selecionadas para compor o
índice Dow Jones, que é o primeiro indicador internacional da performance
financeira das empresas líderes em sustentabilidade. Este ano [2005], o Dow
Jones também classificou a CEMIG como líder mundial do setor de energia
elétrica (
www.cemig.com.br).
Além disso, a CEMIG foi incluída no grupo de empresas listadas no Índice de
Sustentabilidade Empresarial da Bolsa de Valores de São Paulo – ISE-Bovespa – que reflete o
retorno de uma carteira composta por ações de empresas com reconhecido comprometimento
com a responsabilidade social e a sustentabilidade no meio empresarial brasileiro.
220
O responsável pela Coordenação do Comitê de Responsabilidade Social da CEMIG,
explica que, visando adotar um modelo de gestão em responsabilidade social empresarial, a
partir de setembro de 2005 a empresa começa a utilizar os indicadores do Instituto Ethos do
Brasil para avaliar suas ações dentro do marco da Responsabilidade Social Empresarial
35
. Isso
implica, segundo é explicado, que a empresa terá que estudar quais dos indicadores do
ETHOS já tem sido adotados em relação aos indicadores que a empresa vem utilizando há
muitos anos, acreditando que terão que se enfocar com maior preocupação na atenção das
comunidades. Espera-se com este processo, um avanço no sistema de gestão atual da empresa
ligando os indicadores de gestão em responsabilidade social da empresa hoje, com os
indicadores do Instituto ETHOS.
Como parte do trabalho que a Cemig está realizando hoje na área de responsabilidade
social (parceria entre o Comitê de Responsabilidade Social, diretoria de Recursos Humanos e
a Superintendência de Comunicação Social), podemos nomear: a) o projeto ASIN: Ações
Sociais Integradas que é um projeto de incentivo ao voluntariado dos empregados da empresa,
mas que é responsabilidade da área de Recursos Humanos, coordenado com Responsabilidade
Social; b) A política ambiental da empresa, que vem sendo desenvolvida há muitos anos e é
parte da filosofia da empresa, também em coordenação com RSC; c) Os Princípios Éticos e
Código de Conduta Profissional dos empregados da CEMIG, d) o trabalho de atenção ao
cliente; e) o trabalho de relacionamento da empresa com as comunidades onde se encontram
as usinas; f) o programa de reciclagem dentro da empresa; g) o espaço de cultura para
empregados, familiares e aposentados da empresa, e para estudantes de fora da empresa; h) as
atividades de incentivo a os empregados (comemorações por anos de serviço, por exemplo), e
i) além de programas institucionais como Estação Cemig, Antena Mágica, que neste momento
não estão se desenvolvendo. Novamente as ações nomeadas como sendo de responsabilidade
social, não são exclusividade do Comitê, sendo que muitas delas, são desenvolvidas por
iniciativa de outras Superintendências, a maioria delas, pela Superintendência de
Comunicação Social, ou tem no mínimo, a parceria com esta Superintendência, demonstrando
a importância da área na gestão e prática da responsabilidade social empresarial, ainda em
definição dentro da empresa, mas com demanda de atuação no dia a dia.
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O processo de planificação e adequação à gestão da responsabilidade social a partir dos indicadores ETHOS,
ainda não tem sido concluída à data de redação do presente texto.
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