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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
A CONSTRUÇÃO DE REPRESENTAÇÕES SOBRE
CORPO NA SOCIEDADE E O PAPEL DA ESCOLA NA
DESCONSTRUÇÃO DOS PADRÕES IMPOSTOS
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
Seris de Oliveira Matos
Santa Maria, RS, Brasil
2007
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A CONSTRUÇÃO DE REPRESENTAÇÕES SOBRE CORPO
NA SOCIEDADE E O PAPEL DA ESCOLA NA
DESCONSTRUÇÃO DOS PADRÕES IMPOSTOS
por
Seris de Oliveira Matos
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado do Programa de
Pós-Graduação em Educação, Área de Concentração em Currículo,
Ensino e Práticas Escolares, da Universidade Federal de Santa Maria
(UFSM, RS), como requisito parcial para obtenção do grau de
Mestre em Educação.
Orientadora: Profª. Drª. Deisi Sangoi Freitas
Santa Maria, RS, Brasil
2007
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Universidade Federal de Santa Maria
Centro de Educação
Programa de Pós-Graduação em Educação
A Comissão Examinadora, abaixo assinada,
aprova a Dissertação de Mestrado
A CONSTRUÇÃO DE REPRESENTAÇÕES SOBRE CORPO NA
SOCIEDADE E O PAPEL DA ESCOLA NA DESCONSTRUÇÃO DOS
PADRÕES IMPOSTOS
elaborada por
Seris de Oliveira Matos
como requisito parcial para obtenção do grau de
Mestre em Educação
COMISSÃO EXAMINADORA:
____________________________________________
Deisi Sangoi Freitas, Drª. (UFSM)
(Presidente/Orientadora)
_____________________________________________
Nádia Geisa Silveira de Souza, Drª. (UFRGS)
_____________________________________________
Valeska Fortes de Oliveira, Drª. (UFSM)
_____________________________________________
Maria Inês Naujorks, Drª. (UFSM)
(Suplente)
Santa Maria, 03 de abril de 2007.
Dedico esse trabalho a todos os professores e
estagiários (futuros professores) que se preocupam
com a relevância dos conteúdos escolares para a vida
dos alunos e buscam novas formas de ensinar,
diferentes daquelas “aulas-palestras” tradicionalmente
desenvolvidas nas escolas.
AGRADECIMENTOS
A DEUS, luz iluminando meus caminhos.
Aos meus pais, Enio e Dilma, por sonharem os meus sonhos, pelo investimento em
todos os sentidos e por proporcionarem um lugar para o qual eu posso voltar e me
resguardar, mesmo que momentaneamente, das tempestades do caminho.
À minha orientadora, a Professora Doutora Deisi Sangoi Freitas, pela paciência e
dedicação e por ter me ensinado tantas coisas, principalmente a acreditar no meu
trabalho e a não subestimar os alunos.
Às Professoras Doutoras Nádia Geisa Silveira de Souza e Valeska Fortes de
Oliveira, pelas leituras atentas desde meu projeto e pelas sugestões que foram
muito importantes para que eu prosseguisse na pesquisa.
Ao corpo docente do Programa de Pós-Graduação em Educação.
Aos queridos colegas do grupo INTERNEXUS, a Eliane, a Joele, a Lúcia, a Márcia, o
Samuel e a nia Angélica, pelo companheirismo e pela ajuda na elaboração das
oficinas, nas implementações e nas transcrições das falas dos alunos.
À minha ex-colega da graduação e amiga, a Professora Josiane Rossato, pelas
turmas que me cedeu para realizar o trabalho, por tanto ter me ouvido e me ajudado.
Aos professores e alunos das escolas envolvidas nesse trabalho.
Aos colegas do Mestrado, em especial a Catiane, a Márcia e o Alceu, pela amizade.
Aos funcionários da secretaria de Pós-Graduação em Educação pela colaboração.
À CAPES, pela bolsa de estudos no segundo ano do mestrado, que me permitiu
uma maior dedicação a esse trabalho.
Educar e educar-se, na prática da liberdade, não é estender algo desde a “sede do saber”, até a
“sede da ignorância” para “salvar”, com este saber, os que habitam nesta.
Ao contrário, educar e educar-se, na prática da liberdade, é tarefa daqueles que sabem que
pouco sabem – por isto sabem que sabem algo e podem assim chegar a saber mais - em diálogo
com aqueles que, quase sempre, pensam que nada sabem, para que estes, transformando seu
pensar que nada sabem em saber que pouco sabem, possam igualmente saber mais.
Paulo Freire (1988, p. 25) em seu livro Extensão ou comunicação?
RESUMO
Dissertação de Mestrado
Programa de Pós-Graduação em Educação
Universidade Federal de Santa Maria
A CONSTRUÇÃO DE REPRESENTAÇÕES SOBRE CORPO NA
SOCIEDADE E O PAPEL DA ESCOLA NA DESCONSTRUÇÃO DOS
PADRÕES IMPOSTOS
AUTORA: SERIS DE OLIVEIRA MATOS
ORIENTADORA: DEISI SANGOI FREITAS
Data e Local da Defesa: Santa Maria, 03 de abril de 2007.
Ao longo da história da Ciência, o conhecimento do corpo humano está relacionado com a separação
e análise de partes anatômicas e sistemas fisiológicos, implicando na forte tradição curricular hoje
existente de fragmentação para seu estudo e no seu tratamento como puramente biológico. Nas
escolas, geralmente as aulas são ministradas a partir do livro didático que traz um corpo retirado de
seu contexto social, não se discutindo as relações de poder a que está submetido. Pensando nisso,
com o objetivo de criar estratégias para investigar e problematizar as representações sobre corpo
produzidas por diferentes práticas sociais, tendo como base principalmente as contribuições dos
Estudos Culturais (particularmente as produções vinculadas à perspectiva pós-estruturalista),
elaboramos oficinas pedagógicas para mapear representações de alunos relativas ao tema e ao
mesmo tempo possibilitar momentos de diálogo sobre os preconceitos e discursos dos quais o corpo
é alvo. As oficinas são descritas a seguir: 1. Corpo para vender produtos e produtos para vender
um corpo: discussão sobre a mídia enquanto pedagogia cultural implicada na promoção de
determinados comportamentos, consumos e valores; 2. O corpo como tela...voltando às origens
ou construindo novos corpos: discussão sobre a construção de corpos alternativos (com
tatuagens, piercings,etc.) e suas aceitações em diferentes culturas e tempos históricos; 3. A ditadura
do corpo perfeito: discussão sobre o papel da cultura e da linguagem na constituição do ideal de
corpo perfeito em voga na sociedade. A idéia dessas oficinas surgiu através de experiências em sala
de aula e da crença no trabalho dialógico desenvolvido pelo grupo de pesquisa INTERNEXUS.
Elas foram implementadas primeiramente numa turma de acadêmicos estagiários do curso de
Ciências Biológicas (para serem ajustadas) e posteriormente nas escolas (quatro implementações em
Santa Maria-RS e doze implementações em Nova Palma- RS, de a série). Como dificuldades
encontradas citamos: a estrutura escolar (o espaço limitando os sons das discussões, o tempo
reduzido para as atividades), a lógica do certo e do errado por parte dos alunos, o descaso de alguns
professores com conteúdos que não constam no currículo. Através das falas dos alunos
evidenciamos representações sociais ligadas ao discurso familiar, religioso, escolar ou da mídia em
relação a um corpo padrão disciplinado e civilizado, a um corpo universal nos moldes europeus, a um
corpo belo ideal e ainda representações de aula e do espaço escolar. Também, a partir das suas
avaliações pudemos constatar que o trabalho foi válido por permitir que expressassem suas opiniões
na discussão de assuntos que faziam parte de suas vidas e no sentido de que as próprias oficinas
também possam ter servido para a construção de outras representações sobre corpo. Esse estudo
está inserido na Linha de Pesquisa: Currículo, Ensino e Práticas Escolares do Programa de s-
Graduação em Educação da UFSM.
Palavras-chave: currículo; corpo; oficinas; práticas escolares; representações sociais.
ABSTRACT
Master Degree Paper
Post Graduation Program in Education
Federal University of Santa Maria
THE CONSTRUCTION OF REPRESENTATIONS ON BODY IN THE
SOCIETY AND THE ROLE OF THE SCHOOL IN THE
DESCONSTRUCTION OF IMPOSED STANDARDS
AUTHOR: SERIS DE OLIVEIRA MATOS
ADVISOR TEACHER: DEISI SANGOI FREITAS
Date and Place of Argumentation: Santa Maria, April 3rd, 2007.
Along the history of the Science, the knowledge of the human body is related with the separation and
analysis of anatomical breakdowns and physiologic systems, implicating in the currently existent
strong curricular tradition of fragmentation for its study and in its treatment as purely biological. In
schools, usually classes are supplied starting from the text book that brings the representation of a
body isolated from its social context, not discussing the relationships of power in which the one is
submitted. Thinking about this, with the objective to create strategies to investigate and to discuss the
representations on body produced by different practical social, mainly based on the contributions from
the Cultural Studies (particularly in the productions linked to the post-structuralistic perspective), we
elaborated pedagogic workshops to map relative representations of students to the theme and at the
same time to make possible moments of dialogue about the prejudices and the speeches directed to
body. The workshops are described to proceed: 1. Body to sell products and products to sell a
body: discussion on the media while cultural pedagogy implicated in the promotion of certain
behaviors, consumptions and values; 2. The body as screen... returning to the origins or building
new bodies: discussion about the construction of alternative bodies (with tattoos, piercings, etc.) and
their acceptances in different cultures and historical times; 3. The dictatorship of a perfect body:
discussion on the role of culture and language in the constitution of the ideal of perfect body in vogue
in the society. The idea of these workshops appeared through experiences in classroom and through
the faith in the dialogic work developed by the research group INTERNEXUS. They were implemented
firstly in a group of trainee academics of the course of Biological Sciences (to be adjusted) and later in
the schools (four implementations in Santa Maria-RS and twelve implementations in Nova Palma- RS,
from the 5th to 8th year classes). The difficulties found were the school structure (the space limiting
the sounds of the discussions, the reduced time for the activities), the logic of the right and of the
wrong on the part of the students, the disregard of some teachers with contents that are not present in
the curriculum. Through the students' speeches we evidenced social representations linked to the
family, religious, school or of the media speeches in relation to a disciplined and civilized standard
body, to a universal body in the european molds, to an ideal beautiful body and still class
representations and of the school space. Also, starting from their evaluations we could verify that the
work was valid for allowing that they had expressed their opinions in the discussion of subjects that
were part of their lives and in the sense that the own workshops can also have sense for the
construction of other representations on body. This study is inserted in the Research Line: Curriculum,
Teaching and School Practices of the Post Graduation Program in Education of UFSM.
Keywords: curriculum; body; workshops; school practices; social representations.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
FIGURA 1 - Propagandas de revistas usadas na oficina “Corpo para vender
produtos e produtos para vender um corpo”......................................................44
FIGURA 2 - Fichas com imagens e fragmentos de textos usadas na oficina “O
corpo como tela...voltando às origens ou construindo novos corpos................65
FIGURA 3 Fichas com imagens e fragmentos de textos usadas na oficina “A
ditadura do corpo perfeito”.............................................................................. 86
FIGURA 4 Alguns desenhos feitos pelos alunos referentes à oficina “A
ditadura do corpo perfeito”...............................................................................106
FIGURA 5 – Algumas fotos das implementações das oficinas nas escolas....116
LISTA DE ANEXOS
ANEXO A - Materiais impressos usados na oficina “Corpo para vender produtos
e produtos para vender um corpo”...................................................................130
ANEXO B – Materiais impressos usados na oficina “O corpo como
tela...voltando às origens ou construindo novos corpos”....o62(s )1.40511(d4)8e.d4.........................1.0
ANE O
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................................12
1 UMA ESCOLA, UM GRUPO DE PESQUISA, UMA HISTÓRIA:
INQUIETAÇÕES, LEITURAS E SONHOS....................................................16
1.1 A experiência com as oficinas: pesquisando formas alternativas de
ensinar.......................................................................................................................17
1.2 O corpo do aluno, o corpo no livro da escola, o corpo na
escola........................................................................................................................20
1.3 Ciências e vivências: entre tradições e possibilidades..................................24
2 AS DIREÇÕES SEGUIDAS: DEMONSTRANDO A TRAJETÓRIA
PERCORRIDA NA PESQUISA.........................................................................30
2.1 Na elaboração das oficinas...............................................................................30
2.1.1 Um curso para estagiários: obtendo sugestões para estruturar as
oficinas.......................................................................................................................32
2.2 Na procura de espaços para desenvolver a pesquisa....................................38
2.3 Na obtenção e análise dos resultados.............................................................39
3 CORPO PARA VENDER PRODUTOS E PRODUTOS PARA
VENDER UM CORPO..........................................................................................45
3.1 Definindo os Estudos Culturais........................................................................47
3.2 A mídia como pedagogia: poder destrutivo ou produtivo?...........................49
3.3 Em busca de incertezas.....................................................................................50
3.4 Tudo aquilo lá para fazer a propaganda de um reloginho no
pulso..........................................................................................................................53
4 O CORPO COMO TELA...VOLTANDO ÀS ORIGENS OU
CONSTRUINDO NOVOS CORPOS.................................................................66
4.1 Um currículo inventado inventando um corpo................................................68
4.2 Pele é uma só......................................................................................................72
5 A DITADURA DO CORPO PERFEITO........................................................87
5.1 O corpo é também o que dele se diz................................................................90
5.2 Eu sou feliz assim mesmo, talvez gorda, mas feliz.........................................93
6 DIFERENTE DA CHATICE DA AULA.......................................................107
6.1 O que os alunos dizem sobre poderem dizer algo........................................108
6.2 As oficinas construindo representações: o que os alunos dizem sobre
poderem mudar o que diziam................................................................................112
7 ...EU PREFIRO SER ESSA METAMORFOSE AMBULANTE:
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES FINAIS SOBRE UM POSSÍVEL
COMEÇO...............................................................................................................117
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..............................................................122
DISCOGRAFIA....................................................................................................128
ANEXOS............................................................................................................................129
INTRODUÇÃO
Na construção desse trabalho, busco, de certa forma, entender como o meu
próprio corpo vem sendo construído, na medida em que procuro evidenciar as
instâncias de produção de representações que influenciam na maneira como me
percebo e me induzem a ver outros corpos diferentes do meu de determinadas
maneiras.
Ao dizer que falo de mim, estou sinalizando para o fato de que não tenho
como me ausentar das considerações que faço sobre o corpo, tema a partir do qual
desenvolvo essa pesquisa. Mas, obviamente, outras vozes também nela estão
presentes: vozes de acadêmicos estagiários do curso de Ciências Biológicas, vozes
de alunos e professores, de diversos autores
1
, todos assim como eu,
simultaneamente participando da cultura e sendo produzidos por ela.
O corpo que norteia essa pesquisa não é aquele corpo puramente anatômico
ou fisiológico, até mesmo porque esse já vem sendo lido, decorado e reproduzido na
escola. O corpo do qual aqui falo é um todo, em que a cabeça, o tronco e os
membros (divisão tradicional aprendida nas aulas de ciências) o direcionados e
formados pela mídia, pela própria escola, pela igreja, pelas relações sociais.
Falar desse corpo misto de biologia e cultura foi possível a partir de três
condições de possibilidade: ter vivenciado e problematizado práticas em sala de aula
relacionadas ao corpo, estar imersa num espaço de discussão que me possibilitasse
encontrar respostas, mesmo que provisórias, para o que me provocava e me pedia
explicações, e estar pesquisando os discursos que circulam sobre o corpo a partir de
discussões de outros autores que já investigavam sobre o tema.
O primeiro espaço em que essa pesquisa começou a se esboçar foi o estágio
que realizei numa turma de série quando eu era ainda acadêmica do curso de
Ciências Biológicas, no qual surgiram minhas primeiras interrogações acerca do
corpo estudado na escola, da relevância dos conteúdos para a vida dos alunos e
das melhores formas de trabalhá-los.
1
Apesar de compartilhar e estar a par das implicações políticas do uso da grafia o(s)/a(s), opção
dentro do Campo dos Estudos Feministas, que torna visíveis mulheres e homens referidos no texto,
levo em conta uma melhor fluência na leitura da dissertação e uso os termos acadêmicos, alunos,
professores, autores como se estivesse também me referindo a acadêmicas, alunas, professoras e
autoras. Apenas utilizo a referência o(s)/a(s) quando faço citação direta de autores que a adotam.
13
A segunda condição de possibilidade ocorreu nesse mesmo tempo, quando
comecei a participar do grupo de pesquisa INTERNEXUS
2
, que desenvolvia oficinas
sobre sexualidade a partir de uma abordagem cultural numa forma diferenciada do
que vinha predominantemente sendo desenvolvido nas escolas (rompendo com a
tradicional “transmissão de conteúdos” e com a valorização única das verdades
científicas). As discussões e os trabalhos com o grupo me forneceram subsídios
para falar do corpo vinculado aos seus aspectos culturais e para proporcionar
situações de diálogo na sala de aula sobre esse tema.
A partir disso, foram surgindo as idéias das oficinas sobre corpo que
compõem esse trabalho, cujos assuntos são originados das aulas que empreendia
no estágio (ao tentar captar o que estava sendo importante para os alunos naqueles
momentos) e cujos títulos “Corpo para vender produtos e produtos para vender um
corpo”, “O corpo como tela...voltando às origens ou construindo novos corpos” e “A
ditadura do corpo perfeito” não encerram em si as discussões delimitadas por eles,
além delas estarem interligadas, pois as três oficinas visam problematizar discursos
dos quais o corpo é alvo.
Em termos mais teóricos, teço esse trabalho principalmente a partir das
contribuições do campo dos Estudos Culturais (particularmente da sua vertente pós-
estruturalista), pela própria noção de que a escola vem dividindo com outras
pedagogias culturais sua tarefa de nos ensinar e formar nossos corpos, o que
significa entender que a cultura tem um papel constitutivo nas nossas subjetividades.
Aportes também foram buscados nas pesquisas de Michel Foucault, e outros
autores (por exemplo, Michael Apple, Paulo Freire) são citados na medida em que
acrescentam possibilidades no desenvolver da pesquisa. Esse referencial teórico foi
então a terceira condição que me possibilitou falar sobre o tema dessa dissertação,
desde a elaboração do projeto de pesquisa até a análise dos resultados que
emergiram de sua execução.
O presente estudo, que se insere na Linha de Pesquisa: Currículo, Ensino e
Práticas Escolares do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade
2
Este grupo, coordenado pela Profª. Drª. Deisi Sangoi Freitas, é composto por acadêmicos de
diversos cursos de Licenciatura da Universidade Federal de Santa Maria e acadêmicos de Pós-
graduação na área de Educação, os quais compõem equipes envolvidas com os mais diversos
temas: sexualidade, genética, meio ambiente, literatura infantil, drogas, etc. cujos trabalhos são
sempre voltados para a compreensão e produção de novos processos educativos e formativos. Na
escrita da dissertação, quando falo na pessoa, me refiro ao grupo de pesquisa (eu e os outros
integrantes da equipe na qual trabalhava).
14
Federal de Santa Maria, é composto de sete capítulos que passo a discriminar a
seguir.
No primeiro capítulo denominado UMA ESCOLA, UM GRUPO DE
PESQUISA, UMA HISTÓRIA: INQUIETAÇÕES, LEITURAS E SONHOS, conto como
cheguei ao problema de pesquisa a partir de experiências em meu estágio docente,
através da imersão em um grupo de pesquisa e por meio de leituras que ia
realizando ao traçar esses caminhos. Discuto sobre as abordagens vinculadas
apenas ao aspecto biológico no estudo do corpo humano e centradas nas verdades
científicas e aponto o trabalho dialógico com oficinas como uma possibilidade de
romper esse modelo.
No segundo capítulo, AS DIREÇÕES SEGUIDAS...DEMONSTRANDO A
TRAJETÓRIA PERCORRIDA NA PESQUISA, procuro relatar os encaminhamentos
metodológicos do trabalho, ou seja, os caminhos trilhados na elaboração das
oficinas sobre corpo (e aqui é relatado um curso oferecido para estagiários que
ajudou na estruturação das atividades), na procura de espaços para o
desenvolvimento da pesquisa e na obtenção dos dados (através das oficinas como
instrumentos de coleta dos mesmos) e suas análises.
No terceiro capítulo, CORPO PARA VENDER PRODUTOS E PRODUTOS
PARA VENDER UM CORPO, discorro sobre a mídia enquanto pedagogia cultural
envolvida na construção de representações sobre corpo, promovendo determinados
comportamentos, consumos e valores. Apresento, em seguida, as atividades da
oficina “Corpo para vender produtos e produtos para vender um corpo”, seu objetivo
e a análise dos resultados relativos às suas implementações em sala de aula.
No quarto capítulo, O CORPO COMO TELA...VOLTANDO ÀS ORIGENS OU
CONSTRUINDO NOVOS CORPOS, trato da escola como espaço de fabricação de
um determinado tipo de sujeito, que prioriza determinados conteúdos em detrimento
de outros mais relacionados ao cotidiano dos alunos (ignorando, por exemplo, as
diferentes construções e estilos dos corpos adolescentes) e produz representações
relacionadas a um padrão de corpo disciplinado e universal nos moldes europeus.
Também relato, na seqüência, a construção das atividades da oficina “O corpo como
tela...voltando às origens ou construindo novos corpos”, suas pretensões e a análise
dos resultados de suas implementações.
No quinto capítulo, A DITADURA DO CORPO PERFEITO, abordo o papel
constitutivo da cultura e da linguagem na configuração do ideal de corpo vigente na
15
nossa sociedade (que é transmitido pela dia). Após, como nas duas outras
oficinas, apresento a estruturação das atividades da oficina denominada “A ditadura
do corpo perfeito”, bem como as possibilidades que com ela pretendíamos criar e a
análise dos resultados de suas implementações.
No sexto capítulo, DIFERENTE DA CHATICE DA AULA, através das
avaliações dos alunos relativas ao desenvolvimento das oficinas, discorro sobre
suas impressões frente a um trabalho dialógico e analiso as oficinas como também
construtoras de representações.
Por fim, no sétimo capítulo, ...EU PREFIRO SER ESSA METAMORFOSE
AMBULANTE: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES FINAIS SOBRE UM POSSÍVEL
COMEÇO, retomo alguns momentos que marcaram esse estudo, destaco os
principais resultados encontrados e expresso algumas impressões, sentimentos e
aprendizados que me ocorreram no andamento do trabalho.
1 UMA ESCOLA, UM GRUPO DE PESQUISA, UMA HISTÓRIA:
INQUIETAÇÕES, LEITURAS E SONHOS...
Eu creio no poder das palavras, na força das palavras, creio que fazemos coisas com as palavras e,
também, que as palavras fazem coisas conosco. As palavras determinam nosso pensamento porque
não pensamos com pensamentos, mas com palavras, não pensamos a partir de uma suposta
genialidade ou inteligência, mas a partir de nossas palavras. E pensar não é somente “raciocinar” ou
“calcular” ou “argumentar”, como nos tem sido ensinado algumas vezes, mas é sobretudo dar sentido
ao que somos e ao que nos acontece (Jorge Larrosa, 2002a, p.21).
Para contar um pouco da minha história, mais precisamente a parte dela
relacionada com os caminhos que fui percorrendo até ser “seduzida” pelo tema que
pesquiso, preciso relembrar meu estágio supervisionado no curso de Ciências
Biológicas e reler o diário
3
que me acompanhou durante esse período na Escola
Estadual Edna May Cardoso em Santa Maria-RS, tempo que marcou de forma
significativa minha vida.
Daquele diário, que traz as anotações sobre as atividades desenvolvidas na
turma do ano do Ensino Médio e na série, destaco aqui algumas experiências
relativas a esta última, por ser a turma na qual eu tinha mais liberdade de variar as
minhas aulas e de decidir os conteúdos para trabalhar, visto que era uma série do
Ensino Fundamental, ainda não limitada ao programa de conteúdos do PEIES
4
e do
vestibular.
O assunto proposto para o ano letivo da série era o corpo humano (como
na maioria das instituições educativas que trabalham com o Ensino Fundamental), e
eu, muitas vezes, utilizava o livro didático com os alunos para que eles
visualizassem os sistemas, pois não havia modelos tridimensionais na escola, e me
encontrava inicialmente bem insegura em trabalhar de outra maneira.
As conversas com a minha supervisora de estágio e a oportunidade que ela
me conferiu de trabalhar em seu grupo de pesquisa (o INTERNEXUS), foram o
ponto de partida para que eu fosse me “soltando” e ousando” mais nas atividades
que propunha na sala de aula. Aos poucos, começava a me questionar sobre a
utilidade dos conteúdos e suas abordagens nos livros didáticos, sobre a forma como
3
Me refiro ao DPP (Diário da Prática Pedagógica) que era exigência da disciplina Prática de Ensino
em Ciências Biológicas cursada por mim no ano de 2004, no qual registrava os planejamentos das
aulas do estágio e minhas reflexões sobre o andamento das mesmas.
4
Programa Experimental de Ingresso ao Ensino Superior da Universidade Federal de Santa Maria,
que destina 20% das vagas da universidade a alunos aprovados e classificados em provas realizadas
ao final de cada série do Ensino Médio.
17
eu estava ministrando minhas aulas, e a testar, experimentar novas alternativas,
uma trajetória que recordo ao ler o diário.
Durante o ano de 2004, nesse grupo de pesquisa coordenado pela minha
supervisora de estágio (atualmente minha orientadora do mestrado), integrei a
equipe de elaboração de oficinas
5
de sexualidade para a escola básica, que eram
oferecidas em forma de curso para professores e alunos de Licenciatura. Participar
do grupo me permitiu um novo olhar sobre a abordagem do tema sexualidade na
escola, um olhar do ponto de vista das construções sociais em torno desse tema,
das implicações culturais permeadas por relações de poder que o envolvem, visão
que meus professores do Ensino Fundamental e Médio não tinham, ou não
compartilhavam, e que o curso de Ciências Biológicas não havia me possibilitado.
Os assuntos das oficinas de sexualidade
6
iam surgindo nos encontros com o
grupo, nas conversas com a coordenadora, nas leituras que realizávamos, entre
outras situações. Através da problematização de músicas, vídeos, imagens,
desenhos, textos, poesias e frases, abordávamos preconceitos ligados à reprodução
humana (tratando de diferenças entre casais: corporais, de cor, escolaridade, idade,
entre outras), discussões sobre homossexualidade, mitos sobre sexo e AIDS,
representações da adolescência em nossa cultura, normatizações sociais
historicamente construídas, entre outras questões.
1.1 A experiência com as oficinas: pesquisando formas alternativas de ensinar
Com as oficinas, não queríamos prescrever modelos para os professores
usarem em sala de aula, embora acreditássemos que o trabalho pudesse servir
como uma idéia, ou então como uma outra alternativa em relação ao livro didático,
com o qual muitos estavam acostumados a trabalhar. Ao passar do tempo, fui
percebendo que talvez o que mais desejávamos era ter a oportunidade de discutir
com os participantes aquilo que estava diretamente relacionado com as nossas
5
O termo oficina, dentro da perspectiva que o grupo INTERNEXUS trabalha, é uma forma de remeter
a um trabalho que, quando intelectual, significa de participação/contribuição/construção por parte dos
estudantes. Isto é, não se fica ouvindo alguém que sabe “palestrar” para alguém que não sabe. A
perspectiva teórica é bem freireana, ou seja, parte-se das falas dos participantes e no decorrer das
discussões, estas podem ser aprofundadas, problematizadas, ampliadas.
6
Haviam sido elaboradas até aquele momento cinco oficinas sobre sexualidade, denominadas:
Construindo a sexualidade; Afinal, quantos sexos existem?; Mitos e verdades; Sou normal? Dúvidas
de Adolescente; O que é permitido e o que é proibido?
18
próprias interrogações, sentíamos a necessidade de aprender mais com os outros,
de falar sobre o que nunca fomos autorizados na escola, de ouvir o que os outros
tinham a dizer sobre assuntos que nos inquietavam.
Sobre o tema da oficina estar diretamente relacionado com o oficineiro,
Corrêa (2000a) faz uma analogia entre este último e uma aranha construindo a sua
teia, pois segundo ele, “a oficina não se justifica senão como satisfação de uma
necessidade de quem a propõe” (p.125).
Os fios que o oficineiro empresta a essa trama são, no final das contas, ele
mesmo, ou seja, o tema e as estratégias que usa são ligados muito mais ao
que ele gosta, a algo que tenha importância existencial, do que a algo que
ele deva dizer como obrigação contratual. Assim, a eleição do tema de uma
oficina estaria mais ligada ao que escolheria como passatempo, ou como
premente, inadiável ou ainda como poético embelezador da sua vida. Tais
fios devem sair dele como saem os da aranha: fios que são resultado do
que come, da caçada que empreende diariamente e não de adereços que o
seu poder de compra permite adquirir no mercado (CORRÊA, 2000a, p.
153).
Nesse sentido, não apenas oferecíamos os cursos das oficinas, mas também
participávamos deles, expressávamos nossas opiniões e aprendíamos muito. Esse
aprendizado constante fazia com que as oficinas estivessem em permanente
construção e a partir de novas leituras, novas notícias, novas maneiras de pensar,
acrescentávamos outras atividades ou às vezes também modificávamos os materiais
usados.
O retorno que obtínhamos das implementações era essencial tanto para
ajustarmos as oficinas (mudança de textos, variação das ordens das atividades,
escolha das músicas) quanto para termos idéias de outras novas, já que naqueles
momentos surgiam assuntos dos mais variados (sexualidade dos deficientes físicos,
hereditariedade, hormônios, questões de raça, drogas que aumentam a libido,
diferenças sociais en80892(t)1.40381(i)-1..80762(,)1.(u)2.80892(e)2.80892qumnun(mastõeasiem5s dessitnicuv ectn paabanite 000762998]TJ-316.s27(j)-1.4081(r)-7.42551(a)230762(s )-41.1481(m)-9.23384(e)2.80762(n)13.4481(r)-7.425938(e)2.8089s. des617(q)2.80892(u)2.80551(o)13.447279(e)2.80892(d)2.808s511(a)2.80892(t)1.4032(ssu)2.80892(n)23.4459(t)-9.23551(o)1332.637(t)-9.233p2(st)1.40511(õ)-7.83384(e)2.803(e)2.80762ê1(h)-7.822(s )-115.762(n)13.4459(n)2.80762(t)-9.23892(o)13.023449( )1.40425( )J-362.86 -19.32 Ts02(a)-7.85.7u1(m)-9.23384(e)2.80s72(t)-9.23449(a)-7.85.92( )-307.107( )-115.61.40381(i)-1(,)1.40511( )10.6383(õ)2.80892(e)2.80859(m)-7.42551(e)2.80vo6(m)-7.42068(a)2.80víisfrmmstmm(r)-7.42551(e)-7.8392( )-392.213(d)-7.83068(a)13.4068(u)2.80762(r)3.21279(m)-7.42551(m)-7.4262( )-317.744(co)2.80762(m)-7.4279(m)-7.4262(m)-7.42g11( )-349.66(d)2.80776(m)-7.4219(m)-7.4251( )-317.744(oa)2.80768( )-104.978(f)-9.23853(a)13.4811(i)9.23383(e)170]TJ2(e)]TJ316s de9.3..998]TJ-271.0277(o)13..0762( )-.40728(a)13.4256(d)13.4492(u)-7.82938(n)2.80892(d)2.80892(o)2.808c892(e)2.80892qó80892(t)1.40381(i003(r)3.21279(e)2.80892(n)2.8082(i)-1.40381(ze)2.80891(a)2.8051( )-115.617(q-115.619(p)2.80892(o)2.80892(m)-7.4262(a)2.807662( )-243.472(z)10.6383(i)-12.0068(a)2.8062(r)-7.42551(m)-7.42551(a)2.80c762(l)9.233191(u)2.80762(d)-7.832(s )-115.616(d)-7.83068o)2.807662( )-104.978(q)2.80762(d)-7.83068o)2.8076P1( )-126.262(d)-7.83978(q)2.807938(a)2.80762(u)-7.83068oa7.8040762(p)2.80762(r)-7511(n)]TJ744(d)2.80762(i)-12.043(d)-7.83068oestenuapamtao amra ite281( )]TJ-362.8277(o)13..0762( )-.40728(a)13.4892(r)3.21279(i)-1.40068o811(ve)2.8059(ss)-177.532(e)2.80892(n)2.8083(o)2.808949(i)-1.40381(d)-7.82938o8426(a)13.4472(n)-1.40068o(z)10.0381(t)1.40356(e)2.80892(xp)-7.82932(p)2.81021(e)3.21279(e)2.80892(d)2.80879(i)-12.04351(m)-7.420890.087(u)2.81021(m)762(m)3.212798o(z)103(N68(é)13.4459(i)-1.40511(o8)-7.0762(u)-7.83.85(o)13.4459(f)-19.8715(i)9.23319(ci)-1.40511(n)240251(c(m)3.212798os)-1062(s )-115.616(n)13.4s798os)-106e3(d)-7.83068(a)13.4v sai9( )1.60762(v)]TJ762(r)3.21279(m)-7.42551(o8)-7.07d[( )-402.8(ze)2.80891o8 peemis
19
respostas prontas, certas e absolutas, não queríamos “conscientizar”
7
ninguém,
normatizar comportamentos ou controlar significados, e acredito que era isso que
fazia a conversa fluir e, aos poucos, envolver todos os participantes (Freitas e
Matos, 2005)
8
.
Além disso, quero acrescentar que nem mesmo o público participante das
oficinas era específico da área da Educação; por vezes apareciam enfermeiros,
fisioterapeutas, psicólogos, etc., ou estudantes desses cursos, pessoas que, ao
lerem os cartazes que espalhávamos na universidade e nas escolas, ou ao
conversarem com quem havia participado do curso em outras oportunidades,
sentiam necessidade de falar e ouvir sobre os assuntos que havíamos escolhido,
vontades que provavelmente permaneciam desde suas vidas escolares.
A intenção de não desvalorizar qualquer saber em detrimento de outro e de
se distanciar de aulas-palestras”, permitindo que os mais diferentes assuntos e as
mais diversas pessoas formassem a arena das discussões, fazia com que as
oficinas tendessem a fugir cada vez mais da organização disciplinar existente nas
escolas. É por esse mesmo motivo que Corrêa (2000a, p.123) entende como eixo
de pesquisa das oficinas a não-disciplinaridade, que não deve ser pensada como um
“posto último e mais inovador na escala disciplinar, multidisciplinar, interdisciplinar e
transdisciplinar, mas como um não lugar em relação ao domínio das disciplinas”, um
eixo de pesquisa que não é neutro em relação ao conhecimento disciplinar e surge
como “condutor de estratégias de resistência à instituição do que é disciplinar” (Ibid.,
p. 123).
Nessa direção, fazer parte do INTERNEXUS não me permitiu trocar
experiências, como também pensar o ensino vinculado ao contexto social dos
estudantes e buscar um rompimento com o modelo tradicional de ensino,
caracterizado pela transmissão verbal de conteúdos organizados de uma maneira
cumulativa e disciplinar. Diante dessas considerações, posso dizer que as reuniões
que realizávamos eram também meu amparo nos momentos de dúvidas, medos e
sonhos relativos à minha atuação em sala de aula.
7
Emprego a palavra conscientizar” no sentido de alguém dizer ou determinar ao outro uma forma
única e correta segundo a qual este deve agir ou pensar.
8
Em trabalho apresentado no I Encontro Nacional de Ensino de Biologia e III Encontro Regional de
Ensino de Biologia da Regional RJ/ES, realizado em 2005 na Universidade Federal do Rio de
Janeiro.
20
Por meio dessas vivências, as oficinas se tornaram a minha principal
referência nos planos de aula que preparava diariamente no estágio e a causa d-126.256(a)2can d15.619(d).256(d)2.82808(-126.2241(e782938(o)2.80551(e)2.80761(o)4494468( )-434.766(d)-7.82938(e)13.4762( )-126.255(d)12.82808(-126.2232-1260762(r)-7.42556(d)-7.8938(n)24494l938(e)13.4556(d)-7.8xõ2(u)2.80762(l))-126.256232-12782808(-126.2616(a)2.80b68(a)2.80762(r)-7.42551(s)-10.638241(e7623319(á)-7.830232-1278c808(-126.2616(a)2.80762(r)-7.42068(a)2.80616(a)2.80762232-1278q62( )-126.254(q)2.80e16(a)2.80762232-1278v511(a)2.807( )-126.25h59(v)-10.6383(a)2.80256232-12782808(-126.2(e)13.4459( ci)-12795.9(o)13.4d62(st)-9.23319(á)-7.830241(e7624459(i)-1.40511(o)2.80254(q)2.80d0762( )-424.127(t)-9d62(st)-9.2332(st)-9.2830222.80762( )-424.(l))-47.830241(e7)9.23319(8.80c808(-126.2616(a(n)-7l938(e)226.255(d)18.8,3068(a)4-7.82938(12795.98280a9(ê)-7.82q62( )-1030254(q).80762(l))-126l938(e)13.4556(d)-7.8 )8(e)13.4c808(-126.2611(e)2.80892(r)-7.42068(a)-7.8o56(d)-7.8 )8(n)24494q2( )-126.254(q).80762(l))-126 )8(e)13.4e892(e)2.81551(e)2.80a56(d)-7.8 )8(n)24494a2(l))-126 )8(e)13.4“51(e)2.80468( )--126.2(l))-126t)8(e)295(é16(a)2.80762(r)-7.422( )-434.74.(l))-47.830 )-434.74.(l) ri e 59(i)-1.4808(-126.22( )-434.769762( )-424.762( )-4279(i)-1.40383(a)2.80256 )-434.769(p)2.810383(a)2.80256 ano ri io25.4433.649828033 0d0 cm BT[(P3-3.21279(o-33.0 882809.2)13.419(ê)-7.82.765(o( )-2892(e)283.4433.0187(O)8(e)13.4 )8(e)13.4c88(a)-7.8o54)2.8607624eeleenea i a i st i np iseáa sta ao o165.447.0408828033 0d0 cm BT[(P)-3.21279(o33.0 882809.2)13.4A66(m)-7.42s83068(a)281021( )-126938(n)244942938(e)13.4c761(o)4494115.619(d).6383(ê)2.8808(-126.268(a)281q2( )-126.25.766(vi)9.26(d)-7.8 )830.lnvieirat
21
Historicamente, de acordo com Souza (2001, 2005), o conhecimento sobre o
corpo humano, construído ao longo do desenvolvimento da Ciência, está
relacionado com um entendimento mecanicista de seu funcionamento, que o reduz
aos seus menores constituintes e à categoria biológica de organismo. Essa
compreensão vem implicar na forte tradição curricular hoje existente, de
fragmentação do corpo para seu estudo e valorização de uma abordagem apenas
biológica. Trivelato (2005) exemplifica como esse corpo fragmentado apresenta-se
no currículo escolar:
O ser humano cabe, no ensino, apenas aos pedaços. Nas séries iniciais ele
entra dividido em cabeça, tronco e membros. Mais adiante, o lugar do corpo
humano é o lugar dos sistemas, em que cabe apenas um sistema por vez: o
digestivo, o circulatório, o reprodutor, o respiratório...No ensino médio, o
corpo humano se “espreme” nas células e se estudam as funções celulares
e moleculares, que não são exclusivas do corpo humano, mas universais
para os seres vivos. Parece que ao avançarmos na escolaridade,
avançamos também na fragmentação desse corpo (p.122).
Nesse sentido, segundo Trivelato (2005), a fragmentação dos conteúdos não
é decorrente da opção de professores que preferem “esquartejar” o conhecimento
sobre as características e funcionamento do nosso corpo, ou seja, é mais razoável
pensarmos que pagamos um tributo ao percurso histórico trilhado pela Ciência, em
que o conhecimento sobre o corpo humano se originou na divisão e separação de
partes anatômicas e sistemas fisiológicos.
Macedo (2005, p. 134) também cita exemplos das formas pelas quais o corpo
humano é tratado nos livros didáticos, como “uma casa, subdividido em
compartimentos que seriam os sistemas”, “uma máquina que precisa de combustível
para funcionar como as demais máquinas mecânicas”, ou ainda “o olho é como uma
máquina fotográfica”. Além disso, a autora destaca que nesses casos, o corpo é
tratado como um objeto de manipulação dos cientistas, parecendo ser algo externo a
esses sujeitos que o manipulam.
Ao ser priorizado apenas o conhecimento científico, o corpo passa a ser
tratado como um organismo atemporal e universal (Souza, 2001; 2005). Assim, em
relação à etapa da adolescência, freqüentemente, as características universais
sobre o corpo que esses livros trazem, acabam por funcionar como marcadores de
uma fase também universal (que deve ser vivida e sentida da mesma forma por
todos os jovens), faltando espaço para abordagens de seus corpos como dotados de
22
comportamentos, pertencimentos e sentimentos particulares (Alvarenga e Igna,
2004).
23
mulher e ao homem conferiu-se uma maior liberdade, para trabalhar, sair de casa,
exercer diversas práticas corporais, esportivas ou não.
Diante disso, Silva (2005) ainda acrescenta que, pelo ensino de ciências, se
corporificam identidades e diferenças marcadas pelo gênero, etnias, idade, geração,
entre outras, na medida em que muitas vozes são silenciadas, muitos saberes o
desqualificados, muitos corpos são ignorados.
Podemos dizer da mesma forma que pelo ensino de ciências têm sido
valorizados determinados comportamentos considerados padrões (de
masculinidade, de feminilidade, de higiene corporal, de prevenção, etc.), destinados
ao controle dos corpos e à uniformização, se considerarmos, conforme defende
Macedo (2005) que o compromisso da disciplina escolar ciências também remete a
fins da própria escolarização
10
. Nessa direção, Souza (2001, 2005) inclui as práticas
discursivas biológicas como partes das múltiplas estratégias de fabricação de
sujeitos e de governo que circulam na sociedade.
Enquanto o conhecimento científico for pensado como a exclusiva
possibilidade para os professores que trabalham com o ensino de ciências,
continuarão ausentes muitos corpos, muitas vozes, muitos desejos e opiniões na
sala de aula. É preciso que as verdades científicas sejam, conforme o pensamento
foucaultiano, problematizadas e compreendidas como implicadas em relações de
saber/poder (Foucault, 1998), para que outros saberes e outras experiências
também possam ter seu espaço na escola.
Em relação a isso, a questão passa a ser a de não apenas criticarmos o
currículo, mas de identificarmos seus efeitos produtivos, as verdades que privilegia e
o porquê de determinadas práticas tão naturalizadas no ensino de ciências, para
oferecermos resistências e criarmos outras formas de abordagem dos conteúdos,
pois, de acordo com Foucault (1998):
O problema político essencial para o intelectual não é criticar os conteúdos
ideológicos que estariam ligados à ciência ou fazer com que sua prática
científica seja acompanhada por uma ideologia justa; mas saber se é
possível constituir uma nova política da verdade. O problema não é mudar a
10
Correia (2000b), em seu artigo O que é a escola?, define a escolarização como sendo a educação
vinculada a objetivos institucionalizados, ou seja, almeja-se com ela um tipo de homem e um tipo de
sociedade e a escola funciona dentro desses objetivos como uma máquina onde se processa a
fabricação dos sujeitos. Essa discussão será retomada no capítulo 4 onde discuto a função da escola
no que se refere à constituição de determinados tipos de sujeitos.
24
“consciência” das pessoas, ou o que elas têm na cabeça, mas o regime
político, econômico, institucional de produção da verdade (p.14).
1.3 Ciências e vivências: entre tradições e possibilidades
O discurso científico que nos forma nos anos de graduação passa a ser a
base para legitimarmos nossas falas e nossas práticas em sala de aula.
Fundamentados nele, é como se tivéssemos sempre a última palavra, no sentido de
que “falar em nome da ciência” significa ter razão, poder e respeito dos alunos. O
comentário de Herrera (2000 apud AULER, 2001, p. 2) resume minhas colocações:
“uma das maneiras mais efetivas de terminar com uma discussão consiste em dizer
que algo está cientificamente comprovado”.
Auler (2001) ainda comenta que na idéia tradicional que a sociedade tem de
progresso, a ciência, em algum momento do presente ou do futuro, resolverá os
problemas hoje existentes, conduzindo a humanidade ao bem-estar social. Esse
entendimento faz com que pensemos ser as descobertas e invenções científicas
sempre direcionadas para o bem e para tornar a vida mais fácil. Assim, tudo que não
tem o estatuto de cientificidade passa a ser considerado irrelevante, falso e não
apropriado para a escola, já que a Ciência é quem vai nos garantir o futuro
desejado.
Como o nosso trabalho das oficinas no grupo de pesquisa não era
comprometido com as verdades científicas, embora esse conhecimento também
estivesse presente nas atividades que propúnhamos em vários momentos, fui aos
poucos conseguindo inserir nas minhas aulas do estágio discussões relacionadas
com o cotidiano dos alunos, que tratavam de seus corpos e não apenas do corpo no
livro didático.
Se fosse cumprir exatamente o que o programa da escola propunha, não
sobraria tempo para as discussões que queria continuar realizando. Conversando
com minha supervisora e refletindo sobre o que ainda lembrava das disciplinas do
tempo em que fui aluna de uma escola, pude compreender que não adiantava
“despejar” conteúdos e “carregar” os alunos de informações, pois eles as
esqueceriam após as provas.
Larrosa (2002a) fala sobre esse acúmulo de informações na sociedade
contemporânea, em que estamos constantemente buscando informações e cada vez
25
menos experientes, ou seja, tão obcecados pela informação e pelo saber (no sentido
de estar informado), que nada nos acontece.
Depois de assistir a uma aula ou a uma conferência, depois de ter lido um
livro ou uma informação, depois de ter feito uma viagem ou de ter visitado
uma escola, podemos dizer que sabemos coisas que antes não sabíamos,
que temos mais informação sobre alguma coisa; mas, ao mesmo tempo,
podemos dizer também que nada nos aconteceu, que nada nos tocou, que
com tudo o que aprendemos nada nos sucedeu ou nos aconteceu
(LAROSSA, 2002a, p. 22).
Esse autor ainda assegura que um dos motivos da experiência estar cada vez
mais rara é a falta de tempo, pois à medida em que somos rapidamente informados
sobre o que ocorre em qualquer lugar do mundo e temos acesso em vários meios
(revistas, Internet, televisão, celulares) a diversas novidades, acabamos por
desenvolver uma obsessão pelo novo e pela velocidade, passamos a entender o
tempo como uma mercadoria e tentamos seguir “o passo veloz do que se passa”
(Ibid., p. 23). De acordo com ele, os aparatos educacionais, da mesma forma, têm
contribuído para impedir que algo nos aconteça, que o currículo é organizado em
pacotes cada vez mais numerosos e cada vez mais curtos e os professores
precisam aproveitar o tempo, não podem protelar, nem ficar para trás, pois o
mercado de trabalho, os vestibulares, os exames nacionais requerem que essa
velocidade seja constante.
Como a 7ª série era uma turma do Ensino Fundamental e a professora
regente não presenciava as aulas, nem estava controlando os planejamentos no
meu diário de classe, eu aproveitava para desenvolver minhas idéias tentando fugir
desta lógica de associar o aprendizado com a aquisição de informações. Lembro
que tentava relacionar cada parte da matéria com as vivências dos alunos e
surgiam assuntos dos mais diversos e as conversas tomavam rumos que não faziam
parte da proposta inicial, mas que as tornavam enriquecedoras, pois criavam entre
nós (professora e alunos) uma cumplicidade que possibilitava ir além das pretensões
do sistema escolar.
Nas primeiras aulas sobre tecido epitelial, por exemplo, falamos de
bronzeamento, acne e a barba dos meninos, e acabamos discutindo sobre alguns
mitos e alterações do corpo na fase da adolescência. Além disso, como eu estava
participando de implementações das oficinas de sexualidade (já mencionadas) com
o grupo de pesquisa, trabalhava algumas dessas oficinas com a minha turminha
26
(que inclusive reclamava diariamente aulas sobre sexualidade humana) e todos
adoravam. Desse modo, notava que não adiantava seguir uma seqüência linear dos
conteúdos, pois eles se cruzavam, e as próprias falas e perguntas dos alunos é que
permitiam essa interligação, assim, as aulas não pareciam monólogos, embora com
mais barulhos, eram nesses momentos que eu sentia meus alunos interessados.
Nessas aulas e nas oficinas de sexualidade, todos sentiam-se autorizados
para falar, porque ali o conhecimento científico não predominava, ou seja, não se
buscava julgar, condenar, classificar ou normalizar, controles comumente exercidos
pelo discurso científico e expressos na afirmação de Foucault (1998, p. 180): “somos
obrigados (...) a desempenhar tarefas e destinados a um certo modo de viver ou
morrer em função dos discursos verdadeiros que trazem consigo efeitos específicos
de poder”.
Sobre essa compreensão, Foucault (1998) reforça que o problema primordial
não deve ser a distinção entre o discurso científico e um outro, mas sim a análise
histórica de como se produzem efeitos de verdade no interior de discursos que não
são nem verdadeiros nem falsos.
Trata-se da insurreição dos saberes não tanto contra os conteúdos, os
métodos e os conceitos de uma ciência, mas de uma insurreição dos
saberes antes de tudo contra os efeitos de poder centralizados que estão
ligados à instituição e ao funcionamento de um discurso científico
organizado no interior de uma sociedade como a nossa (FOUCAULT, 1998,
27
de evitar que um único discurso se transforme em local de certeza e
aprovação (GIROUX, 1995, p. 106).
Segundo Apple (1982), nossas instituições educacionais não se constituem
em um instrumento de democracia e igualdade que muitos de nós gostaríamos que
fosse. Desde que preservam e distribuem o que é considerado como o
‘‘conhecimento legítimo’’ aquele que “todos devemos ter” as escolas conferem
legitimação cultural ao conhecimento de grupos específicos e controlam pessoas e
significados. Dessa forma, as escolas parecem contribuir para a desigualdade na
medida em que são tacitamente organizadas para distribuir diferencialmente tipos
específicos de conhecimento e, ao mesmo tempo, também desempenham um
importante papel na distribuição de tipos de elementos normativos e de tendências,
necessários para fazer essa desigualdade mostrar-se natural.
Em suma, procurando me desvincular cada vez mais de uma educação
tradicional em que, tal como nos diz Santos (2005), o educador transmite aos alunos
idéias pensadas por si ou por outros e está preocupado com a extensão do
conteúdo a ensinar (“asfixiando” a profundidade das abordagens programáticas), eu
buscava priorizar, na sala de aula, a troca de opiniões e de argumentos e o
confronto de idéias, ou seja, o diálogo, que Freire sempre pensou ser a base da
construção do conhecimento, uma abordagem que o grupo de pesquisa havia me
oportunizado.
Das aulas do estágio, recordo ainda que, numa manhã, trabalhando o sistema
muscular, a discussão levou a falar sobre a vontade dos meninos em parecerem
mais fortes, sobre os riscos e benefícios dos exercícios físicos, sobre anabolizantes,
e por aí afora. Em outra, trabalhar com o sistema digestivo nos transportou para uma
conversa sobre dietas, sobre o ideal de corpo perfeito, e desse assunto, lembro-me
do problema dos apelidos, de um menino que era chamado de bolha” pelos
coleguinhas e do quanto isso o incomodava.
Além disso, lembro também e principalmente, que ao propor a leitura de um
texto sobre uma menina que desejava muito emagrecer e após pedir que contassem
o que gostariam de mudar em seus corpos, fiquei muito surpresa: quase todos
28
perspectiva sócio-cultural, com seus desejos, marcas, expressões e também com
seus limites e regulações.
Nesse momento, fazia leituras que pudessem me ajudar na elaboração de
novas atividades, como por exemplo, as pesquisas no campo dos Estudos
Culturais
12
, principalmente sobre suas discussões relacionadas às diversas
pedagogias culturais que produzem os corpos, como por exemplo, a mídia.
Conforme Andrade (2004, 2005), mídia e educação participam do universo da
cultura, formando modelos de vida, modos de ser, de viver, de ver o mundo e
através de estratégias pedagógicas de interpelação dos sujeitos, atuam sobre seus
corpos, educando-os, moldando-os e governando-os.
Nessa compreensão, foi configurando-se o meu problema de pesquisa, ou
seja, as implicações culturais na constituição do corpo, que as abordagens sobre
corpo presentes no currículo são hegemonicamente “anatômicas” e, na escola,
geralmente, não são discutidas as representações que circulam em diversas
instâncias sociais.
Assim, com o objetivo de criar estratégias para investigar e problematizar as
representações sobre corpo produzidas por diferentes práticas culturais, elaborei,
junto ao grupo de pesquisa, oficinas pedagógicas para serem implementadas na
escola básica que abordassem os diversos discursos que circulam acerca do corpo
e que possibilitassem o diálogo entre os participantes, de forma que pudéssemos
mapear suas representações e então discuti-las.
Dessa forma, podemos dizer que o corpo, nessas oficinas, é compreendido
como um híbrido, nas palavras de Santos (1998), um corpo formado tanto da
herança biológica como da herança cultural, ou seja, não termina nos limites que a
anatomia e a fisiologia lhe impõem.
não é mais biologia (determinismo biológico-essencialismo), o é
mais cultura (determinismo cultural não-essencialismo): o corpo que se
produz aqui é o resultado desta interação; um corpo singular que não se
reproduz (não produz cópias idênticas, clones de si) e, como híbrido,
precisa sempre dos dois. Biologia e cultura se hibridizam e constituem um
corpo humano. É esta trama que nos constitui (SANTOS, 1998, p. 69).
12
Uma breve discussão sobre o território dos Estudos Culturais é feita no capítulo 3, onde discuto a
mídia como uma pedagogia cultural.
29
Com as oficinas, além de pretendermos mapear as representações dos
envolvidos, também nos preocupamos em propiciar momentos de aprendizado,
troca de opiniões, compartilhamento de problemas e percepção de relações de
poder a que estamos submetidos. Ao mesmo tempo, também tínhamos a intenção
de evidenciar as possibilidades criadas e os obstáculos encontrados quando da
implementação de abordagens como essas, que, através de uma proposta dialógica,
extrapolam os reducionismos curriculares e buscam a relação com os contextos
culturais nos quais nos inserimos.
2 AS DIREÇÕES SEGUIDAS: DEMONSTRANDO A TRAJETÓRIA
PERCORRIDA NA PESQUISA
2.1 Na elaboração das oficinas
Na elaboração das oficinas passamos por um longo processo de pesquisa
dos temas a serem abordados e seleção de materiais a serem utilizados, seguido de
organização das atividades que possibilitassem o diálogo e a “livre” expressão e que
problematizassem diferentes questões sobre corpo.
As etapas percorridas até considerarmos as oficinas possíveis de serem
implementadas em sala de aula se assemelham muito às fases que Corrêa (2000a)
descreve ao contar o modo como vem trabalhando com seu grupo de pesquisa na
Universidade Federal de Santa Maria:
1) Decisão do tema de estudo: uma escolha feita pelo oficineiro (ou oficineiros)
relacionada aos interesses de estudo de quem propõe a oficina e aquilo que ele (ou
eles) reconheçam como importante, intrigante, instigante;
2) Reunião de todo o material possível sobre o tema: busca do tema não só
nas fontes mais óbvias: livros, revistas, filmes e outros meios específicos, mas
também nas conversas cotidianas, em si mesmo, em qualquer lugar em que o tema
apareça;
3) Estudo do tema: análise do assunto sob os mais diferentes aspectos
possíveis: histórico, social, econômico, simbólico, sua presença no cotidiano etc.;
4) Desenvolvimento de estratégias para poder dizer sobre o tema: ação que
também é um estudo e que tem por objetivo encontrar meios de falar sobre o
assunto e possibilitar que os participantes também falem.
Além disso, para orientar a elaboração das oficinas fizemos uso de uma
dinâmica conhecida por Três Momentos Pedagógicos, proposta no livro
Metodologia do Ensino de Ciênciasde Delizoicov e Angotti (1994). A dinâmica dos
três momentos foi escolhida porque, na nossa compreensão, incorpora as
orientações das pesquisas mais recentes da área de Educação em Ciências e
também possibilita o rompimento com o modelo tradicional de ensino.
Nessa dinâmica, o primeiro momento conhecido como Problematização
Inicial, deve estimular a motivação dos alunos e permitir ao professor acessar
31
algumas idéias prévias que eles tenham a respeito do assunto a ser tratado. Esse é
em geral o momento mais difícil de ser planejado, pois contraria a lógica a que
estamos acostumados do professor introduzir o conteúdo a partir do livro didático ou
de sua fala, sem valorizar as possíveis relações do tema com o cotidiano dos
alunos.
O segundo momento, também denominado de Organização do conhecimento,
caracteriza-se pelo desenvolvimento de atividades que auxiliem o aluno a
compreender e partilhar os conhecimentos sistematizados pela Ciência e também
outros saberes não reconhecidos como científicos, o que, possivelmente, permitirá a
ele responder com mais profundidade a questão proposta inicialmente.
O terceiro momento ou momento da Aplicação do conhecimento é a ocasião
da retomada das questões iniciais e da proposição de outros questionamentos ou
outras situações-problemas, que possibilitem ao aluno a utilização desses novos
conhecimentos desenvolvidos e permitam ao professor uma avaliação da
compreensão dos assuntos trabalhados.
Na implementação em sala de aula, procuramos seguir a lógica desses três
momentos, principalmente no que se refere ao mapeamento inicial das idéias
prévias dos alunos (primeiro momento) em relação aos assuntos tratados, porque
todas as atividades
13
das oficinas propõem uma escuta do que os participantes têm
a dizer, e é a partir dessa escuta que se inicia a problematização.
Foram então elaboradas três oficinas sobre o corpo: Corpo para vender
produtos e produtos para vender um corpo”, “O corpo como tela...voltando às
origens ou construindo novos corpos” e “A ditadura do corpo perfeito”.
A partir de propagandas de revistas, fichas com várias imagens e fragmentos
de textos sobre diversos discursos dos quais o corpo é alvo, músicas relacionadas
aos assuntos e textos de autores que falam acerca do tema, elaboramos as
atividades que seriam desenvolvidas em cada oficina. Todo o material escolhido
para as oficinas foi de baixo custo e de fácil confecção, o que o torna viável de ser
fabricado e utilizado nas escolas de um modo geral (tanto públicas como privadas).
13
As escolhas das atividades são apresentadas nos próximos três capítulos onde cada oficina é
apresentada.
32
Através de nossas experiências anteriores com as oficinas de sexualidade
14
,
aprendemos que nem sempre aquilo que se planejava acontecia na prática e que, às
vezes, as propostas das atividades não eram bem entendidas pelos participantes.
Assim, imaginamos que seria importante fazermos um teste com as oficinas
elaboradas antes de implementá-las nas escolas.
Considerando que as oficinas de sexualidade eram sempre inicialmente
implementadas na forma de curso para professores e essas implementações eram
cruciais para que as ajustássemos melhor, pensamos também em desenvolver um
curso relativo às oficinas sobre corpo que pudesse nos auxiliar nas estruturações de
suas atividades.
Nas conversas com a orientadora, surgiu a idéia de ofertarmos o curso para a
turma na qual eu realizava docência orientada, os acadêmicos da disciplina Didática
das Ciências Biológicas II do curso de Ciências Biológicas da Universidade Federal
de Santa Maria (que estavam fazendo estágio supervisionado no Ensino
Fundamental).
Assim, nos dias 16, 17 e 19 de agosto de 2005, no Centro de Educação da
UFSM, oferecemos, para essa turma, o curso “Oficinas de Ciências sobre corpo”,
com o intuito de avaliar as implementações das oficinas e buscar críticas e
sugestões para melhor estruturação das mesmas, de forma a serem realizados os
ajustes necessários para posteriores implementações nas escolas.
Para que os acadêmicos analisassem mais detalhadamente as oficinas,
resolvemos elaborar um questionário com as seguintes perguntas que eles
responderiam ao final de cada implementação, sem identificar seus nomes: Como
você avalia o desenvolvimento da oficina? Quais os pontos positivos? Quais os
pontos negativos? Você teria alguma sugestão a dar? Você implementaria na sua
sala de aula essa oficina? Explique.
2.1.1Um curso para estagiários: obtendo sugestões para estruturar as oficinas
O desenvolvimento do curso “Oficinas de Ciências sobre corpo” oferecido
para os alunos da disciplina de Didática das Ciências Biológicas foi muito proveitoso
para essa pesquisa, tanto no sentido de permitir uma análise nossa (do grupo de
14
Algumas dessas experiências já foram relatadas no primeiro capítulo.
33
pesquisa) sobre as implementações das oficinas, quanto no de possibilitar a
obtenção da opinião desses acadêmicos em relação ao nosso trabalho.
Como decidimos realizar o curso apenas na tentativa de obtermos
opiniões/sugestões para melhor organizarmos as oficinas, nossas observações
foram mais direcionadas à análise dos aspectos estruturais das mesmas e não às
discussões do tema em questão, ou seja, às falas dos acadêmicos em relação ao
corpo.
Quanto ao questionário respondido e aos comentários feitos ao final de cada
dia do curso, os acadêmicos apontaram vários pontos positivos em relação às
estruturas e às implementações, e também algumas dificuldades a serem
enfrentadas no desenvolvimento das oficinas em sala de aula.
No que se refere às estruturas das oficinas, os acadêmicos destacaram a
facilidade de confecção dos materiais utilizados, a utilização de imagens que
despertam curiosidade e interesse nos participantes e a escolha de músicas que
vêm ao encontro das discussões (cujas oficinas permitem a análise e
problematização). Esses pontos positivos podem ser expressos nas falas:
“Acho que muitos pontos são positivos. Entre eles: o trabalho com imagem,
pois é muito mais estimulante a representação visual
15
; as músicas
também foram bem aplicadas, pois muitas vezes ouvimos (dentre muitas
outras coisas que ouvimos) e não nos damos conta da mensagem que ela
quer nos passar”.
“A análise das figuras foi interessante, pois percebi as várias formas de
interpretar uma figura e como podemos fazer uma discussão ‘rica’ em
cima de coisas simples. O material utilizado é de fácil acesso e o tema
abordado é muito atual e às vezes revoltante, o que gera bastante
discussão”.
Acrescento que as imagens são consideráveis estratégias para “chamar a
atenção” dos estudantes. Segundos de silêncio aconteciam logo que os
participantes recebiam as cartelas com imagens, todos olhavam, pensativos,
admirados, atentos. Os textos não eram tão atraentes, isso era percebido nas
expressões ou numa reclamação em voz baixa para o colega ao lado ou para si
mesmo. As imagens passam uma suposta facilidade de análise, digo suposta, pois
considero que ler criticamente uma imagem pode ser tão demorado quanto ler um
15
No decorrer da apresentação das falas dos acadêmicos e das falas dos alunos das escolas (nos
próximos capítulos), grifo as palavras ou frases que considero relevantes para discuti-las.
34
texto e analisá-lo, mas elas são convidativas e sedutoras, seja pelo colorido, pelo
“conteúdo” ou pelos recursos utilizados para vender, para convencer, para “dizer
algo”, e diante disso, conforme Kellner (1995), elas adquiriram um papel central na
sociedade contemporânea:
Desde o momento em que acordamos com rádios despertadores e ligamos
a televisão com os noticiários da manhã até nossos últimos momentos de
consciência, à noite, com os filmes ou programas de entrevista noturnos,
encontramo-nos imersos num oceano de imagens, numa cultura saturada
por uma flora e uma fauna constituídas de espécies variadas de imagens,
espécies que a teoria cultural contemporânea apenas começou a classificar
(p. 108).
Em relação às implementações, foram destacadas diversas possibilidades
que as oficinas criam, como por exemplo: leitura crítica (de imagens e textos),
liberdade dos envolvidos expressarem suas opiniões (pois são valorizadas todas as
posições e não um “julgamento” delas como “certas ou erradas”), discussão de
algumas “rotulagens” que as pessoas colocam umas nas outras, compartilhamento
de problemas, possível melhora na auto-estima, entre outras.
Para Kellner (1995), capacitar os indivíduos a analisarem criticamente a
publicidade e outras formas de cultura popular significa favorecer competências
emancipatórias que possibilitem aos indivíduos, por vezes, resistirem à manipulação
por parte do capitalismo de consumo. Essa questão, que também constitui
preocupação das oficinas, é citada nas falas dos acadêmicos:
“O que eu achei mais legal é que a oficina desperta um senso crítico nos
participantes ao prestarmos atenção em coisas que passam batidas no
nosso dia-a-dia”.
“As atividades sobre o assunto me fizeram perceber muitas situações que
não tinha me dado conta que, muitas vezes passam despercebidas, e na
oficina através da opinião de todos, muitas questões acerca do assunto
foram debatidas. Na oficina todas as opiniões são válidas e isso é muito
legal”.
Nessa última fala, também é revelado o “ponto-chave” das oficinas, que é
propiciar não um confronto de opiniões em que umas se sobressaiam em relação às
outras, mas uma mescla de idéias, uma liberdade de pensar, de falar e de saber
sobre o que se têm dito a respeito de algo. De acordo com Pey (2000):
exatamente este tudo pode acontecer” que potencia romper as regras do
jogo da produção de conhecimento, ou seja, olhar por onde não se viu,
35
trazer à luz pontos de vista considerados insignificantes, indesejáveis,
tortos, pequenos, mesquinhos, perguntar aquilo para o qual não se tem
resposta nem provisória, especular como as coisas chegam a ser como são
e por quê (p.72).
Outro acadêmico reitera:
“O ponto positivo da oficina, sem vida, é poder mostrar seu ponto de
vista, escutar o ponto de vista dos outros e, muitas vezes, acabar
descobrindo que você pode estar errado, ou mesmo passar a enxergar
diferente, afinal, só não muda de idéias quem não tem idéias”.
Em outras falas, podemos perceber que os acadêmicos destacaram
principalmente aqueles momentos que os tocaram, eles não apenas analisaram
as oficinas, mas vivenciaram as mesmas, estavam no lugar de participantes
também. Trago abaixo duas falas que demonstram esse “duplo lugar”, de
observador e de participante, pois ao mesmo tempo em que falam dos adolescentes,
também se inserem no mesmo contexto:
“A partir dessa temática pode-se desenvolver muitas coisas cotidianas dos
adolescentes, por exemplo, a auto estima, gostar de si mesmo (acho que
só gostamos dos outros quando conseguimos gostar de nós mesmos!)”.
Gostei das partes onde falamos de nós mesmos (última atividade) e dos
desenhos e características (inicio da oficina). Porque situou’ o assunto,
que ocorre com qualquer um!”.
Além disso, essas palavras demonstram que a preocupação com o corpo é
generalizada, não é o problema do aluno adolescente, é problema do professor,
dos pais, é problema nosso, em maior ou menor intensidade todos somos afetados.
Infelizmente ainda pouco se discute sobre isso em casa e na escola, não que a
discussão seja potencialmente eficaz no sentido de nos livrar dessas possíveis
preocupações com a beleza, ou nos proteger das redes do capitalismo de consumo,
mas talvez ela nos permita outros olhares, desconstruir
16
padrões impostos,
estranhar determinadas naturalizações e buscar respostas sobre porque existem
certas representações sobre corpo e não outras.
16
Utilizo o termo desconstrução (inclusive no título da dissertação), adotando o significado proposto
por Derrida, que segundo Duque-Estrada (2004), embora a princípio possa sugerir uma idéia de
destruição, aponta justamente para o oposto: a desconstrução encoraja a pluralidade dos discursos,
defendendo, assim, não apenas a existência de mais de uma verdade e de uma interpretação, mas
também o caráter disseminativo de outras e novas verdades.
36
Penso também ser relevante comentar a preocupação de alguns acadêmicos
em relação aos apelidos que uns alunos conferem aos outros na escola, problema
que chama a atenção pela freqüência com que parece ocorrer e pela dificuldade dos
professores em lidar com tais situações. Faço essa afirmação com base em
conversas com minha orientadora, que acompanha, há alguns anos, o estágio em
sala de aula de acadêmicos do curso de Ciências Biológicas, pelas minhas
experiências em sala de aula e pelo que essa turma de acadêmicos revelou, o que é
confirmado na fala abaixo:
“Eu implementaria essa oficina, pois as crianças da quinta série na qual eu
estou realizando minha regência estão na fase em que colocam apelidos
nos colegas por causa “disto ou daquilo”, e esta atividade faria eles
pensarem que um pode ser diferente dos outros e isso não é defeito”.
Podemos dizer que esse problema está ligado aos discursos normatizantes
que circulam na sociedade e às representações que são construídas em relação aos
distintos grupos sociais. Em relação ao poder dos discursos, Louro (2005) salienta
que estes traduzem-se, fundamentalmente, em hierarquias que são atribuídas aos
sujeitos e, muitas vezes, assumidas pelos próprios sujeitos. Ela também preconiza
que os educadores precisam saber como se produzem os discursos que instituem
diferenças, quais os efeitos que os discursos exercem, quem é marcado como
diferente, como currículos e outras instâncias pedagógicas representam os sujeitos,
e que possibilidades, destinos e restrições a sociedade lhes atribui. Não adianta
fecharmos os olhos para essas questões, simplesmente porque não nos achamos
com o poder de resolvê-las, pois silenciar é uma atitude que, acredito eu, pode
reforçar determinados comportamentos em sala de aula, que podem ser
corriqueiros, freqüentes, mas nem por isso, inocentes.
Além das possibilidades que as oficinas podem criar, citadas como pontos
positivos, também explicito aqui as prováveis dificuldades que os acadêmicos
identificaram para as oficinas serem desenvolvidas em sala de aula nas escolas. É
importante acrescentar que todos os participantes consideraram realizáveis as
implementações, mas citaram os possíveis problemas: tempo de duração das
oficinas (que ultrapassa os períodos escolares), sons que podem produzir (devido à
proposta dialógica) e temas amplos que fogem à estrutura curricular em vigor. As
seguintes falas evidenciam algumas dessas inquietações:
37
“Minha pergunta é se meus alunos vão ter paciência para ler os textos,
E, se tiverem, vão ficar conversando entre eles enquanto lêem (...) muito
da discussão irá se perder em pequenos grupos em vez de ser exposta
para o grande grupo. Além do que, eles irão levar muito mais tempo do que
nós levamos para ler, possivelmente irão tomar quase todo tempo da oficina
e não sobrará muito tempo para as outras atividades”.
Às vezes as discussões se prolongam e perde-se a continuidade da
oficina. Nem sei, na verdade, se isso chega a ser um ponto negativo”.
Essas considerações demonstram que o processo de escolarização é tão
forte a ponto de gerar um certo sentimento de “pessimismo” em relação ao que se
pode desenvolver na escola; mesmo professores que estão iniciando sua.42551(o)2.2.810212.0434(a)13diddes de dn rvomo e(s)-10.6383(e)2.80762(s )-1.97828(a)2.80762c(a)2.80762(d)2.80762ênioes que estavam eiaando aoam317.8-7.83068(d)2qpe ji entaram e(f)-19.8738oeraram ms (q)2.80762(u)-7.83068(e)13.4459( )-179.447(e)2.80762xilstem lus limes (u)2.80762(p)2.80762(e)-7.83068(r)3.21279áeveDise
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38
“Tudo é possível,a oficina até poderia ser implementada, só não sei se daria
certo. O difícil é fazer com que eles entendam a lógica da atividade e
colaborarem. A verdade é que colaboração não costuma acontecer em
qualquer atividade, pelo menos não plenamente”.
Aqui me antecipo e revelo que alguns acadêmicos apresentaram maior
resistência para ler os textos propostos nas oficinas que os alunos das escolas
17
, o
que confirma que o a estrutura escolar e o currículo podem apresentar
impedimentos para o desenvolvimento de determinadas atividades em sala de aula,
muitas vezes, o próprio professor não se permite ao menos tentar romper algumas
barreiras, e em muitos momentos, subestima os alunos.
Pergunto-me se tudo fosse diferente, se os professores tivessem maior
liberdade para decidir os conteúdos a serem trabalhados com os alunos, se
pudessem ter a escola com que tanto sonham, se as turmas fossem menores, se os
salários fossem melhores e eles tivessem mais tempo (remunerado) para se dedicar
à elaboração dos planos de aula, será que todos desenvolveriam um bom trabalho?
Ou serão os mesmos professores que já tentam ultrapassar limites e melhorar as
suas aulas que continuarão inovando? Não quero dizer com isso que silencio para o
fato da baixa remuneração dos docentes, nem para as dificuldades que a
escolarização nos impõe, mas acredito que a espera do dia em que poderemos
realizar nossos desejos suprime a possibilidade do hoje, de acontecer agora, de se
tornar realidade.
2.2 Na procura de espaços para desenvolver a pesquisa
Após realizarmos alguns ajustes
18
sugeridos pelos alunos estagiários,
precisávamos decidir as escolas onde seriam implementadas as oficinas.
Propusemos inicialmente que cada acadêmico escolhesse uma oficina para ser
desenvolvida na sala de aula onde realizava estágio. Nesse caso, eu e algum
integrante do grupo iríamos até essa escola para levar o material a ser utilizado e
participar da implementação.
17
As implementações nas escolas serão apresentadas no capítulo 3, 4 e 5.
18
Os ajustes sugeridos pelos acadêmicos são apresentados na medida em que vou contando a
escolha das atividades das oficinas nos capítulos que são destinados a elas.
39
Como esses alunos estavam finalizando as atividades de estágio, poucas
implementações das oficinas foram feitas em suas turmas. Quatro deles solicitaram
a minha presença nesses dias, nos quais pude coletar dados para esta pesquisa.
Assim, na cidade de Santa Maria, através das escolhas dos acadêmicos,
foram realizadas a oficina “O corpo como tela...voltando às origens ou construindo
novos corpos” (na série da Escola Municipal de Ensino Fundamental Duque de
Caxias) e a oficina “A ditadura do corpo perfeito” (na série da Escola Estadual de
Ensino Fundamental Edson Figueiredo, na série da Escola Municipal de Ensino
Fundamental Castro Alves e na série da Escola Estadual Edna May Cardoso).
Cada implementação teve duração de dois períodos de 50 minutos, ou seja, 1 hora e
40 minutos.
que essas quatro implementações haviam sido realizadas nas séries finais
do Ensino Fundamental, decidimos que as próximas implementações também
seriam em turmas de 5ª a 8ª série, de forma que os resultados fossem todos
relacionados à mesma faixa etária. Enquanto decidíamos sobre o lugar onde
continuaríamos a pesquisa, uma professora integrante do grupo INTERNEXUS,
minha ex-colega de graduação, foi contratada pelo município de Nova Palma para
lecionar Ciências de a série, o que tornou possível desenvolvermos as oficinas
em suas turmas, nas quais provavelmente teríamos mais liberdade e talvez mais
tempo.
A professora cedeu suas turmas com grande facilidade e também auxiliou no
ajuste dos horários com outros professores da escola (quando precisávamos ocupar
os períodos de outras disciplinas). Sendo assim, nos meses de setembro, outubro e
novembro de 2005, foram implementadas as três oficinas em cada uma dessas
quatro turmas do Ensino Fundamental na Escola Municipal de Ensino Fundamental
Cândida Zasso em Nova Palma-RS, totalizando doze implementações nessa cidade,
cada implementação, como em Santa Maria, também teve a duração de dois
períodos de 50 minutos (1 hora e 40 minutos).
Como cada turma possuía em torno de 25 alunos e foram envolvidas nesse
trabalho 8 turmas (4 de Santa Maria e 4 de Nova Palma), aproximadamente 200
alunos participaram dessa pesquisa.
2.3 Na obtenção e análise dos resultados
40
Nessa pesquisa, a coleta dos dados se deu de forma a registrar as
representações dos sujeitos envolvidos, que neste caso eram os alunos das escolas.
Todas as estratégias das oficinas tinham por objetivo possibilitar que os alunos
expressassem suas posições sobre o tema, visto que foi através de suas falas e
anotações feitas durante as oficinas (recolhidas ao final de cada uma delas) que
buscamos identificar suas representações sobre corpo.
Para tanto, foram usados dois diários de campo, um no qual os registros
eram feitos por um (a) integrante do grupo INTERNEXUS durante o
desenvolvimento das oficinas e outro onde eu fazia apontamentos ao final das
implementações. Assim, podia comparar minhas impressões com a do (a) colega do
grupo e também corria menos o risco de perder falas relevantes dos alunos.
Várias atividades das oficinas propunham que os alunos registrassem suas
opiniões por escrito antes da discussão com o grande grupo, e, ao término de cada
implementação, as anotações e também os desenhos (quando solicitados) eram
recolhidos juntamente com uma avaliação da oficina por escrito feita pelos
participantes, sem identificação por nomes, o que possivel
41
as reações dos professores das escolas, as próprias reações dos alunos, as nossas
impressões e sentimentos.
Adotamos o conceito de representação social a partir da compreensão da
vertente pós-estruturalista dos Estudos Culturais, em que esta é concebida como
resultante da produção de significados pelos discursos e não como um conteúdo
que é espelho e/ou reflexo de uma “realidade” que vem antes do discurso que a
nomeia (Costa, 1998). Nessa lógica, as representações se estabelecem
discursivamente, formando significados de acordo com critérios de validade e
legitimidade estabelecidos por relações de poder, o que faz com que sejam
“mutantes, não fixas, e não expressem, nas suas diferentes configurações,
aproximações a um suposto ‘correto’, ‘verdadeiro’, ‘melhor’”(Costa, 1998, p.41).
Louro (2001a) então nos coloca que não cabe perguntar se uma
representação corresponde ou não ao real, mas sim, como as representações
produzem sentidos, que efeitos causam, como constroem o real. Nesse contexto,
Silva (1995) compartilha com as autoras afirmando que a linguagem então é vista
não apenas como o meio pelo qual a realidade se torna acessível, mas, sobretudo,
como produtora da própria realidade. Dessa forma,
as representações o “aferidas” não através de um confronto com algum
suposto “real” e ao qual elas corresponderiam mais ou menos
acuradamente, mas em relação a sistemas discursivos constituídos por
relações de poder que lhes dão sua credibilidade, seu caráter de verdade e
sua sustentação (SILVA, 1995, p.199).
Além disso, como baseamos nossa pesquisa em observações e descrições,
podemos considerar que sua abordagem é qualitativa, ou seja, trabalha com
significações, crenças, atitudes, aspirações (correspondendo a um espaço mais
profundo das relações, processos e fenômenos), que não têm como ser reduzidos à
operacionalização de variáveis (Minayo, 2001).
Em relação às análises das representações é de suma importância considerar
que lancei o meu olhar sobre elas. Muitas vezes compartilhei (com o grupo de
pesquisa, com os acadêmicos estagiários, com minha orientadora e outras pessoas
que se interessaram pelo trabalho) os resultados que emergiram da pesquisa com
as oficinas e, por vezes, notei que havia algumas coisas que só eu percebia e outras
interpretações que não haviam sequer se passado pela minha cabeça. Não
diferenciei esses olhares durante a discussão dos resultados nessa dissertação,
42
mas sim, a partir de várias contribuições que dialogaram com minhas percepções fui
aos poucos redigindo suas páginas.
Sobre essas distintas maneiras de olhar os dados, considero que a própria
pesquisa e as experiências que vivi me ensinaram uma determinada maneira de
olhar, não melhor, mas que diverge de outras. Esse aprendizado é comentado por
Larrosa (2002b):
43
assinarem o “termo de consentimento livre e esclarecido”, cuja cópia se encontra em
anexo neste trabalho.
Figura 1
3 CORPO PARA VENDER PRODUTOS E PRODUTOS PARA
VENDER UM CORPO
Somos diariamente interpelados por uma diversidade de imagens,
enunciados, palavras, sons, enfim, estamos em constante interação com o mundo e
somos construídos por ele, ao mesmo tempo em que também o construímos. A
escola embora com o mérito de ser responsável por formar, educar, ensinar,
transmitir valores, não é, e provavelmente nunca foi, solitária na formação de
identidades
19
, de representações, de subjetividades, na medida em que ela faz parte
de uma trama de relações nas quais estamos permanentemente envolvidos.
Para Costa (2000a), os programas de tv, catálogos de propaganda, revistas,
literatura, jornal e cinema, são meios que operam constitutivamente em relação aos
objetos, sujeitos e verdades de seu tempo. Esses meios podem ser entendidos
como artefatos culturais, se concebermos a cultura em conformidade com o que
Veiga-Neto (2002, p.177) define: “podemos entender a cultura como o conjunto de
representações que se manifestam em discursos
20
, imagens, artefatos, códigos de
conduta e narrativas, produzidas socialmente em relações permeadas pelo poder”.
Encontramos a todo momento comerciais diversos (de relógios, jóias,
computadores, chicletes) chamando a atenção do público a partir de corpos seminus
magros, malhados, sem rugas, e esses mesmos corpos também são usados para
venderem certos produtos (lights, diets e cosméticos, por exemplo) que
supostamente tornariam semelhantes os corpos dos consumidores a eles (aos
corpos modelos), ou seja, ao mesmo tempo em que corpos (geralmente nus e
femininos) para vender produtos, também existem produtos que vendem um
determinado corpo. Nesse sentido, as imagens publicitárias não apenas tentam
vender os produtos, mas, ao associá-los com certas qualidades também desejáveis,
19
Uso o termo identidade conforme Hall (1998) descreve: a identidade unificada, completa, segura e
coerente é uma fantasia, ao invés disso, à medida que os sistemas de significação e representação
cultural se multiplicam, somos confrontados com uma multiplicidade e variedade de identidades
possíveis, com cada uma das quais podemos nos identificar por um determinado período de tempo.
20
Veiga-Neto (2000, p. 56) com base em Foucault define discursos como “histórias que se
complementam, se completam, se justificam e se impõem a nós como regimes de verdade”.
Ocupamos sempre uma posição nessa rede discursiva de modo a sermos constantemente
interpelados por inúmeros enunciados que instituem um conjunto de significados que, “ao longo de
um período de tempo, funciona como um amplo domínio simbólico no qual e através do qual
daremos sentido às nossas vidas” (Ibid., p. 57).
46
acabam por vender uma “visão de mundo”, um estilo de vida e um sistema de
valores congruentes com os imperativos do capitalismo de consumo (Kellner, 1995).
Desse modo, passamos a desejar, a consumir, a adotar estilos, a seguir
padrões e vamos dependendo de certos requisitos para sermos felizes, para nos
acharmos bonitos, para estarmos de acordo com a “moda”, enfim, para
correspondermos ao imperativo da época. Veiga-Neto (2002) cita Seabrook (1988)
que afirma:
o capitalismo não entregou os bens às pessoas; as pessoas é que foram
entregues, cada vez mais, aos bens; (...) o caráter e a sensibilidade das
pessoas foram sendo reelaborados de modo que elas se agrupam em
função das mercadorias, experiências e sensações (...) cuja venda dá forma
e significado às suas vidas (SEABROOK,1988, p. 183 apud VEIGA-
NETO, 2002, p. 174).
Do ponto de vista dos Estudos Culturais, de acordo com Silva (2004), o
conhecimento propriamente escolar é equiparado, de certa forma, por exemplo, ao
conhecimento explícita ou implicitamente transmitido através de um anúncio
publicitário. Os dois expressam significados social e culturalmente construídos,
fabricam representações, buscam influenciar as pessoas, e estão imersos em
complexas relações de poder. Ou podemos dizer, “ambos estão envolvidos numa
economia do afeto que busca produzir certo tipo de subjetividade e identidade
social” (Silva, 2004, p. 136).
A mídia
21
funciona então como uma “pedagogia” e acaba por decidir o que é
bom e o que não é bom para o conjunto da sociedade. Tal é o seu alcance nos lares
do mundo inteiro que o fato de ter sido veiculado pela televisão vem sendo a
referência que mais pesa para discutir-se ou o certos temas, inclusive na escola.
Nessa compreensão, Santos (2000) afirma que:
(...) o que é transmitido à maioria da humanidade, é de fato, uma
informação manipulada, que em lugar de esclarecer, confunde. A
informação atual tem dois rostos, um pelo qual ela busca instruir e outro
para convencer. Este é o trabalho da publicidade. A informação sobre fatos
que acontecem não vem da interação entre as pessoas, mas do que é
veiculado pela mídia, uma interpretação interessada, senão interesseira dos
fatos (p.39).
21
Estou considerando a mídia como um conceito abrangente que envolve: revistas, rádio, cinema,
televisão, enfim, os meios de comunicação contemporâneos.
47
Fischer (2001a) acrescenta que, na cultura de nosso tempo, quase
desaparece a separação entre o público e o privado, pois os meios de comunicação
“vivem” das emoções das pessoas, dos seus sentimentos, desejos, angústias,
frustrações, medos, esperanças. Conforme enfatiza a autora, revistas, noticiários da
TV, novelas e principalmente as mensagens publicitárias se constroem a partir do
que é mais privado e íntimo na vida da população e, dessa forma, “aprendemos a
nos ver na dia, ela nos contempla, ela nos acolhe através da nossa intimidade,
através da intimidade das grandes figuras públicas ou mesmo da intimidade das
pessoas comuns” (p.55).
Todos os discursos de como devemos ser e estar no mundo quando
emergem dos meios de comunicação adquirem uma força particular (Fischer,
2001b). Nesse caso, as “dicas” médicas e até as religiosas e morais, em relação ao
que é certo fazermos com cada parte de nossos corpos, comunicadas através de
especialistas das mais diversas áreas, ampliam seu espaço de alcance público
através da mídia e “conferem à própria mídia, ao próprio meio, um poder de
verdade, de ciência, de seriedade” (Fischer, 2001b, p. 50).
Johnson (2000) ratifica as palavras da autora acima citada, afirmando que as
formas públicas e as formas privadas de cultura não estão isoladas entre si, pois a
produção cultural geralmente envolve publicação (tornar público formas privadas) e
da mesma forma os textos públicos são consumidos e/ou lidos privadamente e vão
compondo subjetividades. O mesmo autor ressalta que, tanto os conhecimentos
públicos quanto o domínio privado da cultura, são objetos de investigação dos
Estudos Culturais, que os consideram necessariamente e profundamente implicados
em relações de poder.
3.1 Definindo os Estudos Culturais
Conforme Nelson, Treichler e Glossberg (1995), os Estudos Culturais tratam-
se de uma alquimia que envolve muitos campos de teoria das últimas décadas,
desde o marxismo e o feminismo até a psicanálise e o pós-estruturalismo. Esse
campo caracteriza-se por não ser simplesmente interdisciplinar, mas sim,
freqüentemente e “agressivamente” antidisciplinar, o q
48
Nelson Treichler e Grossberg (1995, p. 11) afirmam que definir “o que os
Estudos Culturais realmente são” pode se tornar impossível para todas as épocas e
lugares, mas citam uma definição aberta sugerida por Tony Bennett (1992), segundo
a qual os Estudos Culturais são um campo que reúne uma gama bastante dispersa
de posições teóricas e políticas, que, embora possam ser divergentes, partilham o
compromisso de examinar práticas culturais do ponto de vista de seu envolvimento
com, e no interior de relações de poder” (TONY BENETT, 1992 apud NELSON,
TREICHLER e GROSSBERG, 1995, p. 11).
De acordo com Costa (2000b), as obras que inauguram os Estudos Culturais
começam por questionar, nos anos 50, as concepções ainda vigentes inspiradas na
análise de cultura de Mathew Arnold, onde a cultura popular sempre era posicionada
como a outra face de uma suposta “verdadeira cultura”. Essas obras foram
produzidas por autores originados de famílias britânicas de classe operária e que
eram dos primeiros estudantes desse segmento, graças ao processo de
democratização que havia oportunizado o acesso à educação universitária britânica.
Raimond Williams e Richard Hoggart, a partir das suas obras,
respectivamente, Culture and society (1958) e The uses of literacy (1957) deram
origem, na década de sessenta, na Grã-Bretanha, ao campo de pesquisas
denominado Estudos Culturais, institucionalizado no Centro de Estudos Culturais
Contemporâneos (Centre for Contemporany Cultural Studies) da Universidade de
Birmingham (Costa, 2000b).
Nesses trabalhos, eles analisavam a cultura popular como seus integrantes e
não como quem olha a distância, sem nenhum contato. A obra de Raymond Williams
se estrutura no sentido de rejeitar uma noção singular e dominante de cultura,
questão central no campo dos Estudos Culturais (Costa, 2000b). Nesse campo,
conforme Johnson (2000, p. 30), “todas as práticas sociais podem ser examinadas
de um ponto de vista cultural, podem ser examinadas pelo trabalho que elas fazem –
subjetivamente”.
Podemos dizer que os Estudos Culturais nos proporcionam aproximações de
uma compreensão dos mecanismos de poder e das pedagogias que vão nos
construindo a partir de determinadas estratégias de governo, muitas vezes sutis, e
que não correspondem a meios declarados de dominação. Os estudos desse campo
já estabeleceram vários avanços no entendimento dos jogos de poder pelos quais se
49
estabelecem identidades, significados sociais e culturais e pelos quais estamos
sendo cada vez mais governados (Veiga-Neto, 2000).
3.2 A mídia como pedagogia : poder destrutivo ou produtivo?
Silva (2004, p.140), pensando no papel da escola frente a essas outras
pedagogias, nos diz que: “a forma envolvente pela qual a pedagogia cultural está
presente nas vidas de crianças e jovens não pode ser simplesmente ignorada por
qualquer teoria contemporânea do currículo”. É importante acrescentar que a escola,
além de dividir com outros espaços o poder constituidor de verdades, também vem
ignorando a discussão relativa a esses outros locais que agem em nossas vidas.
Pouco ou quase nada se discute sobre as influências da mídia no nosso
cotidiano, por exemplo, o quanto somos capturados a ponto de desejarmos consumir
determinados produtos, como acabamos por sonhar com corpos perfeitos de acordo
com os ideais apresentados na televisão, revistas, outdoors, de que maneira
estamos sendo “fabricados” a partir dessas narrativas e por que uma leitura crítica
dessas questões pode nos ser útil para o entendimento de nossa existência, de
nossas necessidades e desejos.
Não é necessário entendermos os meios de comunicação de massa (a mídia)
como malévolos ou intencionalmente produtores de subordinados e alienados, mas
sim os concebermos como meios de produção e reprodução de discursos que,
segundo Rocha (2000), por terem desenvolvido a capacidade de grande penetração,
ou seja, falarem com inúmeros indivíduos nas mais diferentes partes do planeta e ao
mesmo tempo, produzirem e fazerem circular rapidamente um grande número de
informações, vêm se tornando formadores de verdades e certezas, inventando,
reforçando e multiplicando formas de viver e pensar o mundo.
Ao não considerarmos a mídia como destrutiva ou não lhe darmos o rótulo de
“poder supremo, dominante” que age sobre os dominados, nos aproximamos das
concepções de Foucault e da perspectiva pós-estruturalista
22
a respeito do poder.
Para Foucault (1999), o poder não é superestrutural, nem pode ser concebido como
uma propriedade, mas como uma estratégia; ele está em todas as instâncias da
22
De acordo com Silva (2002), a perspectiva pós-estruturalista, ao basear-se na noção de poder
compreendida por Foucault, nos desaloja da posição privilegiada de analisar o poder sem estar
envolvido com ele. Uma melhor caracterização da crítica pós-estruturalista é encontrada no capítulo
5 onde trato da cultura e da linguagem na constituição de um ideal de corpo.
50
sociedade e se produz a cada instante, atingindo corpos, gestos, comportamentos,
pensamentos, desejos. Dentro desse entendimento, o poder é então exercido, seus
efeitos na condução de ações não devem ser “atribuídos a uma ‘apropriação’, mas a
disposições, manobras, a táticas, a técnicas, a funcionamentos” (Foucault, 1999, p.
26)
Nessa direção, Costa (1998) explicita a compreensão foucaultiana de poder,
concebendo-o como disseminado, circulante, capilar e, também, produtivo
23
e não
como centralizado e repressivo. Trata-se, segundo ela, de uma visão não inocente
de poder, mas que não é igual à desconfiança generalizada e ávida por detectar
uma certa força malévola, dissimulada e enganadora que encobriria a “verdadeira
realidade”, “boa” e “justa”. Para ela, “o sentido da não-inocência é o de reconhecer a
existência de um jogo de correlação de forças que estabelece critérios de validade e
legitimidade segundo os quais são produzidas representações, sentidos, e
instituídas realidades” (Costa, 1998, p. 41).
Veiga-Neto (2000), dentro dessa perspectiva, complementa a discussão
afirmando que o poder é produtivo, pois inventa estratégias que o potencializam e
engendra saberes que o justificam e o encobrem, ele age com eficiência sobre
sujeitos “aparentemente” livres e, assim, economiza os custos de dominação. Por
outro lado, o autor também apresenta o conceito de poder desenvolvido pela teoria
crítica, que parte dos intelectuais dos Estudos Culturais ainda partilha, ou seja, um
entendimento do poder como algo que se possui, a fim de submeter os outros
(dominados) à vontade de uma classe social (dominante), de uma instituição ou do
Estado (MATTELART E NEVEU,1997 apud VEIGA-NETO, 2000).
Para Veiga-Netto (2000), a forma de aproximarmos o pensamento de Michel
Foucault com os Estudos Culturais é tecermos relações com as produções mais
recentes desse campo, mais especificamente a crítica pós-estruturalista e, nesse
caso, deixar um pouco de lado as vertentes dos Estudos Culturais mais identificadas
com o conceito de poder desenvolvido pela teorização crítica.
3.3 Em busca de incertezas
Talvez seja difícil agirmos no sentido de uma mobilização política, em reação
contrária aos saberes transmitidos pela mídia enquanto formadora de determinadas
23
Produtivo no sentido de produzir significados, saberes, verdades.
51
verdades e representações que nos aprisionam em certos padrões de felicidade, de
beleza e consumo, e também não seja fácil agirmos em relação ao currículo escolar
enquanto formador de subjetividades, enquanto produtor de exclusões de saberes,
culturas e grupos sociais. Mas acredito que é essencial inicialmente nos darmos
conta dessas sutilezas que vão nos formando, e como professores, começarmos a
criar novos espaços de discussão, que incluam essas compreensões a respeito das
relações culturais (e de poder) às quais estamos atrelados.
Dessa maneira, conforme Veiga-Neto (1996, 2000) não desaparece a
dimensão política de nossas ões, mesmo que não pretendamos buscar soluções
ou “finais felizes”, pelo contrário, se levarmos em conta a vertente pós-estruturalista,
a nossa prática política será ampliada, pois iremos considerar que ela se estabelece
na arena das discussões, dos argumentos e contra-argumentos, da negociação e
dos acordos. De acordo com ele, tudo sendo político, pode e deve ser questionado,
mesmo que esse questionamento constante não nos leve a um estágio final. Não
existe um lugar último nem um tempo final para a liberdade e para a felicidade
permanentes, pois elas não estão num lugar, mas sim na possibilidade de
permanentemente pensar, criticar e tentar mudar o que é dito sobre o mundo e o
que é feito no mundo.
Veiga-Neto (1996, 2000) chama de “hipercrítica”
24
essa permanente reflexão
e desconfiança em relação a qualquer verdade dita ou estabelecida e, segundo ele,
aqui se in, ( )277.998]TJ-318.36 -19.22 m mim nm(p)2.80892((st)1.40381f)en-7.82938dr9.44 472crtenroi(u)13.4459(a)2.80762( )-51.7864(d)13.4459((o)2.80762(s )-51.7864(co)2.8172(i)-1.40511(d)-7.83328(e)13.4459((t)1.40511(o)2.80762(( )-30.5098 )-51.7864(a)13.4459(p)2.80762(s,)1.40511m)-7.42551(a)2.80762((t)1.40511(o)2.80762(m)3.212451( )-222(t)-9.213.4459(o)3.21279((e 0 Td4/R7 g0827(h))13.4459( )-62.4247m)-7.42551(o)2.80762(s)-10.6383((d)2.81021(i)-1.0762( )-62.4247(e)2.80762(u)-7.83068( 1.40511(r)3.21279((a)2.80762( )-222(a)1s(i)13.4021(sc)-10.638e)2.81021((e210.6383 )-168.81(vd)2.81021(( )277.998]TJ-318.36 -19d4/R7[(e)2.80827((a)2.80849(n)2.80892(t)-9.23449i)9.23449(t))-7.42551(a2.80892(s )-211.362(e)-7.82938(oe)2.8089t)t)1.40381(a2.80892(s )-211.36 s)-10.6383n)-7.829386(s)-10.6383(o)2.80892(n)2.80762(s )-456.043a)2.80762(r)3.21.7026(s)-10.6383m)3.21279((p)73.06468(o)2.80762(s )-200.725(d))2.81021(n)2.80762(si)-12.043du)13.4459(a)2.80762(zm)-7.42551(o)13.4486((d))2.81021p a a t aenis on2 0 Td2.80Tj136.893(r)3.21279(e)2.80762(e)-7.83068(n2.80762(si)-12.043(ã)-7.82938(o-7.83068( -222(a)13.413.4459(a)2.81021(r)-147.534(e))2.8131(i)-12.472((a)2.81021(l)-1.40251ma)2.81021(l))277.998]TJ-352.92 -19.2.80Tj[(a)2.80827(e)2.80892(sc)3.21279((e)-7.82951(e)2.80892(n)-7.82938(a)2.80892(s )-456.04(õ)2.81021(e)2.80892(s )1.40381(cu)13.4472(e)2.80892(ss)-51.7877(e)-7.82938(o)1.40381(i)9.23449(e)2.80892( )-51.7877 )-136.893(o)23.4472(e)-7.82938(n-7..3396(n)2.80021(u)t)1.40381a)lqm es”-7.42551( )-222(t)-s fra-9.23319(e)2.80762(n).ms( )-41.1481(l)2.81021( )-940762(t)1.40511(e)ntbit(e)2.80762(n)2.80762(t)1.40511(o)2.80762(s )-51.7864(e)13.4459(o)]TJ352.92-10.6383(a)2.80762((a)13.4459(a))13.4459(r)3.21279(so)2.80892(n)2.800511be-7.8019(m) ud(n)2.800228(a)2.81021(sc)-10.638e e ti euscar soe do,e e son 2.81021((o)13.4485(( )277.998]TJ-305.28 -19[( 5R7[(n)2.80827(a)2.80827((o)2.80792(ssa)13.447(p)-7.82938asa)13.447(p)-7.82938(s )-94.339(t)1.40381(a)2.80892(d)2.80892(())3.21279o)2.80892(.)-158.171(e)13.21279(a)2.80892(s )2.87.32(b)2.80762(s )-456.04e)2.80762((a)2.80721(f))2.87.32(o)2.80892( )-620251( )-62..532(cr)3.21279malele(e)2.80762(n)2.80762(i)-1.40511ho2.80762(s -147.531(d)2.80892(e -7.42551s(e)13.4459((a)13.4459(n)-7.83068(d2.81021( )-4540511(t)1.40511((a2.80892(s )-2142478(i)-3.4459(i)2.80762(s,)1.40511(l)2.80762(o)2.80762(s 0 Td)-126.254s(so)-7.8306( )-222(t)-s)-10.63834(d)2.80762(m)2.80762(e)-7.83068t)1.40511(o)2.80762(r)3.21279(m)-7.42551(o)2.80762(s)-10.019(s(so)-7.835(f))2.87885(,)-19.8741(e)13.4485(,)2.81021(” )277.998]TJ-305.28 -19.0d[(r)3.21279(()-7.42551(e)13.4472(i)9.23449( ))2.80892(a)2.80892(r)3.212.04(N)-1.40381(e)2.80892(t)1.40381(o))2.80892( )-9.23449( )-62.4255(22.80892(2)1.40381(0)1.40381(0))2.87.32(0)1.40381( )-62..532(c-62..532(o)1.40381 )-9.23405( )]TJ12554)-9.23449(6)13.4472(( )-62.4247 )-9.23405( )]TJ19.44 TLT*[(-7.4679.45(V)-3.21279N)2.80892(ssa)-7.82938( 2.80892(()-7.82938(e-1.40381(g)-7.82938(e)2.80892(l)-12.04218ã)-7.82808(oe)2.8089o)1.40381( )-62..532(c)-10.6383((n)2.80892(t)1.40381(f))2.80892( )-9.23551( )-136.893(e)2.80762(n)2.80762((e))2.81021Ke)13.4472(i)9.23762(i)-1.40511lircre199.23762(999.23762(999.23762(5))13.4459(( )-62.4247,)-94.3396(m))2.81021 aut(a)13.4472( )-41.1383((o)2.80762( )-445.403(n)73.0621p)em( )277.998]s femrmcre(a)2.81021(,)2.81021(n)-62.4534(ã)-7.82808(o)2.81021( )
52
vidas apenas começamos a compreender. Ele recomenda que as escolas tentem
desenvolver uma pedagogia preocupada com a leitura de imagens, implicada no
aprendizado de apreciá-las, decodificá-las e interpretá-las, que analise tanto a forma
como elas são construídas e operam em nossas vidas, quanto o conteúdo que
comunicam.
Assim, se primeiramente entendermos que somos diariamente “ensinados
através de diversos discursos, na escola e fora dela, podemos passar a nos
questionar sobre esses “saberes” muitas vezes implícitos, escondidos, não
declarados. Se fugirmos da gica “dominantes versus dominados”, podemos nos
aproximar do pensamento de Foucault sobre as relações de poder e passar a
entender que essas relações se dão nos mais variados contextos e situações e que
o poder está em todas as instâncias sociais.
Quero também destacar as considerações de Veiga-Neto (2000) de que
podemos adotar o sentido foucaultiano de poder, mas também reconhecer as
imposições verticais de dominação de que somos alvo intensa e constantemente,
seja por parte das instituições e do Estado, seja por parte de outras frações da
sociedade.
O autor citado acima explica que se Foucault centrou suas análises sobre a
fabricação do sujeito moderno
25
utilizando um entendimento peculiar acerca do
poder (microfísico, horizontal, distribuído, capilar), nada impede que se mantenha
essa idéia, mesmo quando se olha para as outras relações que se dão entre
diferentes instâncias e níveis sociais. Segundo ele, a essas outras relações
(macroscópicas, verticais, centralizadas, maciças), podemos dar outros nomes,
como violência, dominação, etc., para que, dessa forma, fique claro que há, entre
essas relações e o poder, uma diferença que não é apenas de intensidade ou de
lugar em que atuam, mas principalmente, da própria natureza de cada uma.
Sendo assim, o importante não é encontrarmos respostas que nos satisfaçam
plenamente ou certezas que nos dêem estabilidade, mas sim estarmos sempre
vivendo um processo de interrogações sobre nós e acerca do mundo no qual
vivemos, sobre a escola, as produções curriculares, a mídia, os livros didáticos, as
imagens publicitárias, ou seja, sobre tudo que vem nos constituindo como sujeitos; é
25
A questão da fabricação do sujeito moderno é discutida no capítulo 4.
53
este o primeiro passo para realizarmos mudanças em nossas vidas, mas é claro, se
assim desejarmos.
3.4 Tudo aquilo lá para fazer a propaganda de um reloginho no pulso...
26
Diante do desafio de possibilitar aos alunos leituras críticas de pedagogias
que produzem representações sobre nossos corpos, para que esses pudessem
discutir seus corpos no âmbito da cultura da qual fazem parte, desenvolvi junto com
o grupo de pesquisa a Oficina “Corpo para vender produtos e produtos para
vender um corpo”, cujo objetivo primeiro é problematizar na sala de aula os
discursos que sugerem o que as pessoas devem consumir e influenciam a maneira
como percebem seus próprios corpos.
Através de propagandas de revistas coletadas desde meu estágio (quando
pretendia trabalhar na leitura das mesmas) e também encontradas pelos demais
participantes do grupo de pesquisa, fomos iniciando a elaboração dessa oficina.
Como queríamos inicialmente mapear as representações dos participantes a
respeito das propagandas (que ilustram a gina anterior ao capítulo dessa oficina -
Figura 1), decidimos num primeiro momento entregá-las sem fazer qualquer
comentário sobre elas e apenas pedir que as observassem, discutissem com o
colega ao lado e escrevessem uma frase ou um comentário para após ser debatido.
Após uma discussão sobre a linguagem, as imagens e as estratégias
empregadas pela publicidade para interpelar os possíveis consumidores, resolvemos
acrescentar as músicas Nádegas a declarar”, de Gabriel Pensador e do Plural”,
dos Engenheiros do Hawaii, que estavam tocando nas rádios no momento e foram
lembradas por serem relacionadas às discussões da oficina.
A música Nádegas a declarar” é uma crítica à grande exposição do corpo nu
feminino nas revistas e programas de televisão:
“A-aha! Vai sair na revista e o povo vai dizer que você é artista, porque
agora bunda é arte, é cultura, é esporte, é até filosofia, quase uma religião”;
“(...) esse papo não é pras menininhas, é pra todos esses caras que o
força, que dão linha, no concurso, na promessa de futuro, no programa de
TV e no rádio toda hora pra você”.
26
Essa frase foi proferida por um aluno da 5ª série da Escola Cândida Zasso em Nova Palma – RS
durante a realização da oficina “Corpo para vender produtos e produtos para vender um corpo”.
54
Já a música “3ª do Plural” trata do consumismo, da concorrência do mercado,
da força da publicidade para convencer os consumidores: “(...) vender...comprar...
vedar os olhos, jogar a rede...contra a parede, querem te deixar com sede, não
querem te deixar pensar, quem são eles? Quem eles pensam que são?
Como nas escolas o tempo para desenvolver as atividades era bastante
limitado, a partir das sugestões dos acadêmicos que participaram do curso das
oficinas, escolhemos apenas uma música para aplicar nas turmas. A música
“Nádegas a declarar” foi a escolhida, pois a consideramos com mais elementos para
gerar discussão, embora confesso que tive um certo receio de levá-la na escola,
devido a alguns termos como “bunda”, “piranha”, “virilha” que estão na letra, mas
arrisquei, afinal, muitos ouvem diariamente músicas com essas palavras e poucos
param para pensar no que as letras querem dizer; algumas, como essa, acredito que
necessitam serem refletidas.
Finalizamos a oficina com o texto “Beleza artificial”, de Martha Medeiros
(2004)
27
, autora que sempre gostei de ler naquelas horas em que buscava fugir um
pouco do “meu mundinho”, contudo, na ilusão de que estava fugindo dele, acabei
achando este texto interessante para incorporar às oficinas. Ele trata do culto à
imagem e da busca desesperada por se ter o corpo que é definido pelo mercado
como desejável, negando segundo a autora, aquilo que nos caracteriza e nos
diferencia.
Tanto na música quanto no texto, pensamos em solicitar aos alunos que
escolhessem frases que lhes chamavam atenção e comentassem com o grande
grupo. Em nenhuma atividade pretendíamos fazer perguntas, que as próprias
falas dos alunos encaminhariam as discussões.
Essa oficina foi implementada apenas na cidade de Nova Palma, pois
nenhum dos acadêmicos que implementaram as oficinas optou por ela. A justificativa
dos acadêmicos para a não escolha dessa oficina foi o fato de que precisavam
escolher apenas uma (devido à necessidade de cumprirem o programa de
conteúdos do ano) e, nesse caso, deram preferência por aquela que gostaram mais
e pensaram ser a mais relacionada com o contexto dos seus alunos.
Em Nova Palma, no primeiro momento dessa oficina, quando solicitamos que
os alunos fizessem o comentário (escrito e depois falado) sobre as propagandas de
27
MEDEIROS, M. Beleza artificial. Zero Hora, Porto Alegre, 26 dez. 2004. Caderno Donna, p. 18.
55
revistas, muitos sentiam insegurança em expressarem-se e me chamavam na classe
perguntando: - “Está certo?”, - “É para fazer assim?. Percebi que eles estavam
preocupados em responder de acordo com o que “acreditavam que eu queria ouvir”.
Corrêa (2000b, 2004) considerando a escolarização como um modo de
uniformização, compartilha com Varela e Álvarez-Uría (1992) que compreendem a
invenção da escola como uma forma de controlar as populações para melhor
governá-las, para produzir sujeitos obedientes que respondessem e se portassem
exatamente de acordo com o que a escola ensinava. Essas contribuições nos fazem
refletir sobre a preocupação dos alunos com meu possível julgamento frente às suas
falas, o que inicialmente foi um obstáculo para que se manifestassem, pois pareciam
com medo de fugir do que a escola e a professora esperavam deles.
Analisando o processo de escolarização no Brasil, Corrêa (2000b) aponta que
os especialistas que plasmaram a escola a partir das intensões militares (durante o
Estado Novo
28
) aplicaram às relações professor-aluno o modelo da teoria da
comunicação
29
. Nesse caso, a dupla professor-aluno passa a ser a unidade
fundamental da comunicação escolar, entre cada aluno e o professor existem as
mensagens, que são “adequadas segundo critérios de cientificidade, moral e
segurança nacional” (Corrêa, 2000b, p.68), ou seja, um aprendizado do
consenso.
Além disso, outras perguntas dos alunos durante o desenvolvimento dessa e
das outras oficinas como, por exemplo: - “É para entregar?”, - “Vale nota?” me
fizeram pensar sobre a rie de limites, citados por Corrêa (2000b) que têm
funcionado como garantias da escolarização, e entre eles estão as avaliações:
“controle sobre o tempo, sobre os saberes e sobre os corpos que são exercidos por
meio de programas de ensino, seleções de conteúdos, leis, horários, avaliações,
etc.” (Ibid, p. 75).
Essas frases que eu mesma muito pronunciei em meu período escolar e até
na faculdade, são bons exemplos dos “vícios” que desenvolvemos à medida que nos
28
O Estado Novo surgiu em 1937 no Brasil e durou 20 anos e corresponde à onda totalitarista que
assolava o mundo (nazismo, fascismo, etc. ), nesse período, o ensino secundário funcionava como
uma educação pré-militar. Fascinados pelas possibilidades de fabricar brasileiros produtivos, dóceis e
patriotas, os militares investiam na formação de especialistas sob a orientação de pesquisadores
norte-americanos - que tinham a responsabilidade de formar professores para transformar o Brasil
numa grande nação (Corrêa, 2000b).
29
Na teoria da comunicação a aprendizagem é “entendida como um processo de comunicação ou
assim considerada, situa-se dentro do círculo de problema da recepção, elaboração e transmissão
através do tempo e do espaço” (HANS, 1968 apud CORRÊA, 2000b, p. 67).
56
escolarizamos. Há para o aluno e para o professor um “modelo de aula” com
algumas rotinas que a caracterizam, ou melhor, representações sobre o que vem a
ser uma aula, e enquanto sujeitos da escola damos nossa parcela de contribuição
para tudo permanecer desta forma, tudo se repetir, tudo se reafirmar.
Além disso, quando se propõe práticas como essas oficinas, os alunos ficam
inicialmente perdidos, alguns interpretam como uma autorização para “fazer
bagunça”, não se sentem à vontade com a liberdade, estranham o fato de poderem
falar e de realmente “fazerem a aula”, acontecimento em geral marcado pela fala do
professor.
Segundo Silveira (2001), que discute sobre a necessidade da oralidade ser
um saber escolar, pesquisas demonstraram que o professor fala cerca de 70% do
tempo da aula, e essa fala se ocupa também de organizar quem pode falar, sobre o
quê, quando, e até mesmo, muitas vezes, com quais palavras e com qual tom de
voz, e dessa forma, a oralidade dos alunos não vem se constituindo num dos
“saberes” desenvolvidos na escola. A cultura do certo e do errado, a dependência da
avaliação do professor a partir de uma nota, o fazer apenas para certificar e aprovar,
são os principais “saberes” que vêm sendo aprendidos na escola desde cedo pelos
alunos e pelos professores, que também já foram alunos um dia, e certamente estão
marcados pela “cultura escolar”.
Antes de iniciar a apresentação das falas dos alunos relativas à análise das
propagandas, acredito ser relevante comentar que os alunos mais novos (da 5ªsérie)
ficaram bastante eufóricos com as figuras de mulheres quase sem roupas nos
anúncios, turma na qual foi bastante difícil essa implementação. Vale lembrar que
ocupei os dois últimos períodos da manhã, nos quais eles teriam aula de Educação
Física, portanto, muitos não estavam mais a fim de ficar ali, queriam estar no pátio
jogando. Silva e Soares (2005) comentam esse contraste entre o desejar ir para a
escola e o não desejar estar na sala de aula, pois a escola vem significando para
muitos encontrar os amigos, conversar, expressar a sexualidade, exercer a
sociabilidade - atitudes que geralmente são mais desenvolvidas nas aulas de
Educação Física e a sala de aula vem sendo sinônimo de monotonia e de
discussão alheia aos interesses dos adolescentes.
Em relação à temática da oficina, é importante considerar que, na escola, a
preocupação com o corpo também fica quase sempre a cargo da Educação Física, o
professor de ciências fala sobre o corpo humano só na série e os alunos sentem
57
no mínimo um estranhamento ao conversar sobre seus hábitos e suas vidas na sala
de aula, que tem sido historicamente o lugar de ouvir o professor, de copiar, de
aprender conteúdos e de fazer prova.
Essas observações me fazem lembrar de uma outra experiência minha como
professora de uma turma de alunos da série do Ensino Fundamental, os quais
estudavam numa escola organizada por ciclos e cuja avaliação não era por nota,
mas por parecer. Nessa escola, periodicamente realivamos reuniões pedagógicas
cujo assunto principal sempre era a disciplina dos alunos, que a maioria dos
professores estava perturbada com o desinteresse de alguns estudantes e com as
bagunças na sala de aula (as quais eles justificavam pelo fato dos alunos não serem
avaliados por provas, o que tornava os mesmos despreocupados). Nas reuniões,
lembro que a única professora que não se dizia incomodada era a de Educação
Física, pois, para ela, todos os alunos eram interessados, e os que tinham menor
rendimento nas outras aulas, eram os que tinham maior rendimento nas aulas de
Educação Física.
Penso que isso seja um sinal para pensarmos o quão pouco atrativas vêm
sendo as aulas de sala de aula, o quanto tem valido mais sair para o pátio jogar e
estar livre. Não quero com isso desvalorizar as disciplinas mais teóricas, mas me
questiono sobre o que é preferência do aluno hoje e em outras épocas (no meu
tempo de escola também era assim) e que disciplina é essa que acaba por diminuir
a vontade de aprender, mas é defendida como fundamental para a aprendizagem?
Veiga-Neto (2001) ao referir-se ao discurso da disciplinarização (em termos
de atitudes, comportamentos, hábitos etc), comenta que as exigências são em nome
de uma boa e frágil aprendizagem e, ao se dizer isso, em geral não se considera
que existam outras razões para tais cobranças. Ele obviamente não exclui a atenção
e a concentração como necessárias para que se aprenda alguma coisa, mas
acrescenta que por detrás da imposição da disciplina, um objetivo que pouco tem
a ver com a aprendizagem do que se está ensinando, “esse objetivo é a própria
disciplina, isto é, a imposição da disciplina visa à própria disciplina” (Veiga-Neto,
2001, p.47).
Após essas considerações, começo apresentando como transcorreu a
primeira atividade dessa oficina nas turmas que a desenvolvi, trazendo as falas dos
alunos que emergiram nessas implementações.
58
Ao analisarem as propagandas, acho importante registrar que os alunos, em
geral, demoravam para interpretá-las. Muitos, principalmente os mais jovens,
simplesmente reproduziam o que a propaganda transmitia, ou só mudavam as
palavras, posições que se assemelham às que Hall (1973 apud ESCOSTEGUY,
2000, p.151), ao tratar das posições das pessoas frente às mensagens televisivas,
descreve como dominantes, ou seja, decodificaram o sentido da mensagem
segundo as referências da sua própria construção e não identificaram as estratégias
da publicidade. Cito abaixo os exemplos:
“É uma propaganda de um relógio a prova d’água” ( série, Escola
Cândida Zasso, Nova Palma).
“Novo Nissin Lámen Light tem 33% menos calorias. 85% menos gordura.
Que serve para emagrecer.” (6ª série, Escola Cândida Zasso, Nova
Palma).
“Usam o produto para deixar a mulher mais bonita, para incentivar a mulher
a se gostar mais, chamar atenção etc.” (6ª série, Escola Cândida Zasso,
Nova Palma).
“Eu entendi que o rapaz está tomando banho. É bom, higiênico, ficar
limpo faz bem ao corpo humano” (5ª série, Escola Cândida Zasso,
Nova Palma).
Essa não problematização das mensagens publicitárias pode estar
relacionada ao governo sutil, quase imperceptível e sedutor que essas pedagogias
exercem sobre nós (e sobre nossas representações) que, por serem tão corriqueiras
em nossas vidas, passam despercebidas, gerando nossa conformidade. Ocorre que,
conforme tão bem explicita Rocha (2000, p. 129), “este mundo mítico-mágico
reproduzido e produzido pela dia é, além do aparentemente único possível,
aquele no qual, dizem, ‘se pode acreditar e confiar’”.
Os alunos também podem somente ter expressado com outras palavras o
anúncio, por talvez acharem que essa era a “resposta certa”, já que estão
acostumados a repetirem as falas dos professores e a reproduzirem suas
mensagens, o que lembra o modelo de comunicação apresentado por Corrêa
(2000b)
30
, no qual a relação professor-aluno busca efeito semelhante ao da relação
televisor-telespectador ou propaganda-consumidor, ou seja, relações nas quais
30
Na página 55 dessa dissertação.
59
existe um lugar (um sistema) de onde provém as informações e outro onde as
informações são recebidas.
A última fala, “é bom, higiênico, ficar limpo faz bem ao corpo humano”,
também sinaliza para a idéia de que ser saudável é apresentado como um estado
intensamente relacionado com a higiene, principalmente com a higiene individual, o
que, conforme Kruse (2001), tem sido apresentado historicamente na escola como
conteúdo da disciplina de Ciências, ou seja, o capricho com o próprio corpo é
valorizado como o fator mais importante para se ter um corpo com saúde.
Sobre isso, Goellner (2005) comenta que, a partir do século XVIII, os médicos
se tornaram figuras centrais que cuidavam do corpo individual e do social, motivo
que os levou a proporem inúmeras intervenções, privadas e públicas, voltadas para
os cuidados corporais, dentre elas, a preocupação para com a educação dos
indivíduos; uma educação higiênica, portanto, corporal” (p.36). Assim, a
representação de que a higiene corporal está diretamente implicada na saúde é
ligada à representação de um corpo padrão disciplinado, controlado e civilizado, que
é construída e reforçada principalmente nas escolas, nas igrejas e nas famílias.
Por outro lado, quero relatar que outros alunos demonstraram perceber as
estratégias da publicidade para convencer os consumidores, aproximando-se da
posição de oposição que Hall (1973 apud ESCOSTEGUY, 2000, p.151) define como
um entendimento da proposta dominante da mensagem seguido de uma
interpretação com base em uma referência alternativa. Notei divergências em
relação às interpretações, criticidade e respostas mais elaboradas à medida que
avançavam na escolaridade, diferenças essas evidenciadas de forma mais clara
principalmente da 5ª para 6ª série, mas que não impediram o trabalho.
Essas oficinas foram implementadas da escola básica a pós-graduação (em
forma de mini-curso que desenvolvemos em um evento), e isso prova que este tema
não tem idade específica para ser discutido, são questões que nos atravessam e
nos atingem em qualquer faixa etária. As discussões eram sempre ricas, cada turma
possuía sua singularidade, suas particularidades, o que vem contrariar a fala dos
acadêmicos que acreditavam que os alunos precisavam de pré-requisitos para
participarem das discussões, comentário também realizado por muitos de nós
professores, que ao subestimarmos os alunos, ou acharmos que não
corresponderão àquilo que desejamos ouvir deles, acabamos por sepultar uma idéia
ou uma prática alternativa e por defender um fazer sempre igual.
60
Criticando as propagandas, muitos estudantes deixaram vir à tona
representações que também remetem ao que vem sendo permitido ou não para
nossos corpos, nossos olhos, nossos pensamentos, provenientes de discursos
familiares, religiosos, escolares. Exemplifico essas questões na fala de um aluno da
5ª série (fazendo referência a uma imagem de corpo seminu), que mostra um
impedimento de olhar, uma fuga no sentido de contemplar um corpo que o é o
padrão feminino repleto de pudores que ele está acostumado a aceitar como “o
correto”: “Eu acho que não tem nada a ver isso, não está com Deus (...). Acho
também que não tem nada a ver com a gente eu olho e não vejo a menor graça
nessa propaganda.
Louro (2001a), descrevendo os diversos aprendizados que a escola nos lega
e que incorporamos a ponto de fazerem parte dos nossos corpos, nos diz que:
Ali se aprende a olhar e a se olhar, se aprende a ouvir, a falar e a calar; se
aprende a preferir. Todos os sentidos são treinados, fazendo com que cada
um e cada uma conheça os sons, os cheiros e os sabores “bons” e
decentes e rejeite os indecentes; aprenda o que, a quem e como tocar (ou,
na maior parte das vezes, não tocar); fazendo com que tenha algumas
habilidades e não outras (p. 61)
Assim como esse aluno, muitos estudantes deixaram vir à tona
representações relacionadas ao corpo feminino. Nas falas que pregam uma “certa
moralidade”, a crítica à exposição do corpo nu recai sobre a mulher, esta é
considerada leviana, não correspondendo à conduta desejada para seu sexo.
Abaixo algumas falas:
“O que tem a ver mulher pelada com iogurte?” (5ª série, Escola Cândida
Zasso, Nova Palma).
“Nós achamos que é uma vergonha posar quase sem roupa, mostrar tudo.
Quem faz isso é burro porque quer vender o corpo, isso não se faz nem
em revistas.” (5ª série, Escola Cândida Zasso, Nova Palma).
“Sobre a propaganda do perfume essa mulher se acha, precisava ficar
pelada se exibindo para ganhar dinheiro?. Não seria melhor ficar com
roupa?” (5ª série, Escola Cândida Zasso, Nova Palma).
“Que essa gravura ofende principalmente as mulheres, devido a passar a
impressão sobre elas ( série, Escola Cândida Zasso, Nova
Palma).
Todas essas últimas colocações sobre o corpo da mulher dizem respeito às
representações de um corpo padrão feminino, recatado e adequado na sociedade,
61
que influenciam nas permissões e proibições conferidas às mulheres. Para Andrade
(2004), através de uma rede de saberes em que o corpo se insere, se estabelecem,
sempre, novas relações de poder que vão posicionando os sujeitos de modos
diferenciados no espectro social, e estes saberes também estão relacionados com a
sexualidade das pessoas, com as formas de ser homem ou mulher, branco ou
negro, jovem, adulto ou velho. Assim, esses discursos que falam sobre nós, vão
produzindo o que somos e o que devemos ser para sermos aceitos na sociedade e
não sofrermos preconceitos.
Precisamos perceber que tanto a censura e o julgamento dos corpos
femininos expostos nos comerciais, quanto o próprio desnudamento deles, estão
implicados em relações de poder. As mulheres se encontram na tensão entre
possuir um corpo tradicional (mulher-mãe, mulher-esposa comedida nos gestos e
expressões) e um corpo para seduzir (veiculado pela mídia, usado como estratégia
da publicidade e talvez por isso hoje também valorizado na sociedade),
representações que podem ser encaradas como a histórica submissão e
inferioridade do corpo feminino em relação ao masculino, pois dizem respeito a um
corpo-objeto, de “cama e mesa”, conforme é analisado por Bruhns (2005), a qual
também enfatiza que manifestações de oposição a esses valores igualmente são
verificadas ao longo da história, em diferentes contextos.
Há, além disso, comentários de alguns alunos que, além de revelarem uma
crítica ao uso do corpo feminino para vender produtos, exemplificada na fala tudo
aquilo lá para fazer uma propaganda de um reloginho no pulso(5ª série)
31
, também
demonstram uma admiração pelo corpo da propaganda: ela está assim para tirar
fotos só para ganhar dinheiro, ser famosa, exibir-se, só para dizer que tem o corpo
lindo (5ª série).
Nessa última fala evidenciam-se também as representações de um corpo
belo
32
, produzidas e veiculadas na mídia, que existem nos dias que correm e o
quanto é difícil afastarmo-nos delas, já que, conforme Santaella (2004), é tão grande
31
Comentário referente a propaganda de um relógio que traz uma mulher contemporânea no lugar
daquela representada na pintura “O Nascimento da Vênus” de Botticcelli. Nessa propaganda é difícil
identificarmos o próprio relógio em seu pulso, pois é o corpo dela que chama a atenção, que está
seminua, com cabelos tingidos e usando um piercing no umbigo.
32
No capítulo 5 discuto sobre o papel da cultura e da linguagem na construção de representações de
um corpo belo.
62
a força dessas imagens midiáticas que, mesmo quando sabemos que elas exercem
poder sobre nossos desejos, não estamos livres de suas influências “inconscientes”.
Uma outra observação de um aluno indica que essas representações de um
corpo belo estão ligadas também a uma associação entre beleza e felicidade, pois
ao censurar o conteúdo da propaganda analisada, ele também deixa implícito que a
mulher da imagem tem um corpo desejado e por isso pode exibir-se e achar que seu
corpo a faz feliz, segue abaixo:
“Muitas vezes pessoas usam seu corpo para fazer propagandas de roupas
e calçados, mas na verdade o que expressam realmente é o corpo. Essas
mulheres pensam que seu corpo é essencial para uma vida feliz.
Porém, no entanto não passa de uma maneira para chamar a atenção” ( 8ª
série, Escola Cândida Zasso, Nova Palma).
Costa (2000a), a partir de uma análise pós-estruturalista, nos permite
entender essas pedagogias culturais como produtoras de identidade, na medida em
que suas linguagens não apenas descrevem ou falam sobre as coisas, mas
principalmente as instituem. É nesse entendimento que podemos refletir sobre a
instituição do corpo belo que hoje nos serve de referência.
Poucos alunos comentaram que o corpo feminino é o que se encontra mais
exposto e nenhum se deu conta de que as revistas traziam apenas imagens de
pessoas brancas, possivelmente pelo fato dessas exposições (do corpo nu da
mulher e da grande predominância de brancos na mídia) estarem tão naturalizadas.
Duas meninas da 5ªsérie (que, por sinal, pintavam os lábios com batom enquanto
analisavam as propagandas), falaram: “Não tem homem para olhar, só mulher!”.
Notei bastante rivalidade entre os meninos e as meninas da 5ª série, os
meninos sentiam necessidade de se diferenciar, afirmar sua sexualidade
(heterossexualidade), eram às vezes até um pouco agressivos: “Não é só mulher
que come massa, “Figura de homem não quero ver”.
Louro (2001a, 2001b), ao comentar sobre esses distintos lugares que homens
e mulheres ocupam na sociedade, enfatiza que, na escola, a disposição física dos
indivíduos, os lugares permitidos e proibidos, as falas e os silenciamentos vão,
pouco a pouco, permitindo que sejam construídas determinadas representações de
masculinidade e feminilidade, o que contribui também para a heterossexualidade ser
defendida como a única e aceitável orientação sexual.
É interessante também apresentar a observação de uma menina da 6ªsérie,
63
que além de comentar a exposição do corpo nu feminino, também falou sobre a
possibilidade da mulher decidir sobre seu corpo:
“Todos m preconceito contra esse tipo de coisa, que se danem isso é
apenas um trabalho. Cada um tem sua opinião, apesar de não precisar ficar
seminua para fazer uma propaganda de qualquer produto” (série, Escola
Cândida Zasso, Nova Palma).
As considerações presentes nessa fala foram uma exceção, pois tanto na
análise das propagandas, quanto na problematização da música “Nádegas a
Declarar”, o que predominou foram críticas às mulheres que exibem seu corpo
(novamente sinalizando para as representações relacionadas a um padrão de corpo
feminino recatado). Na discussão da música, por exemplo, tomei bastante cuidado
para não apresentá-la como uma verdade, e tentei problematizar as idéias
veiculadas que fazem uma crítica escrachada às mulheres que se expõem, pois logo
após a música emergiram nas falas de alguns alunos certas idéias machistas e
moralistas, como exemplifica a frase de um menino da rie: As mulheres dizem
que não são valorizadas, mas elas próprias não se dão valor”.
O rótulo de mulher-objeto ainda continua existindo e ainda persistem muitos
valores de uma sociedade patriarcal e machista, que incita a cada um ocupar seu
devido lugar nas representações culturais que estão em voga no momento. Louro
(1999, p. 26) nos diz que, “através de múltiplas estratégias de disciplinamento,
aprendemos a vergonha e a culpa; experimentamos a censura e o controle”, e essa
vigia acaba por se transformar em auto-controle, pois vamos nos privando e nos
limitando, para “caber” nessas figuras de homens, mulheres, professores,
professoras, alunos e alunas, que foram criadas culturalmente.
Poucos alunos (apenas alguns da série) fizeram uma análise mais
elaborada das propagandas, destacando as estratégias da mídia para incentivar o
consumo e trazendo considerações a respeito do ideal de beleza vigente na nossa
cultura e em outras. Esses entendimentos são expressos nas seguintes falas:
“As propagandas na grande maioria são feitas por pessoas nuas. Para que
as pessoas que olhem desperte a curiosidade de ler por conta da foto. Pois,
mesmo sem interesse as pessoas se obrigam a ler o anúncio, pela
curiosidade causada em conseqüência da pessoa que está na propaganda”
(8ª série, Escola Cândida Zasso, Nova Palma).
“Tomar iogurte para ficar magra porque a sociedade não aceita pessoas
gordas” (8ªsérie, Escola Cândida Zasso, Nova Palma).
64
“Na Arábia, mulher bonita é aquela que enche uma cama” (8ªsérie, Escola
Cândida Zasso, Nova Palma).
Em relação ao texto de Martha Medeiros, “Beleza Artificial”, o houve
nenhuma fala relevante dos alunos, eles apenas elegeram frases que lhes
chamaram atenção, e muito do que foi mencionando nessa última atividade havia
Figura 2
4 O CORPO COMO TELA...VOLTANDO ÀS ORIGENS OU
CONSTRUINDO NOVOS CORPOS
As culturas juvenis, denominadas e consideradas por Santomé (1995) como
formas de vida, ocupações e produtos que envolvem a vida cotidiana dos alunos
fora das escolas e como formas que melhor traduzem os interesses, valorações,
preocupações e expectativas dos jovens, vêm sendo uma das vozes ausentes nas
escolas. Essa ausência se deve principalmente ao que o autor destaca como a
naturalização de que os conteúdos apresentados nos livros didáticos são os únicos
realizáveis, os únicos que necessitam ser ensinados, os únicos pensáveis. Assim,
quando os professores se perguntam sobre quais outros assuntos poderiam ser
incorporados ao trabalho de sala de aula, encontram dificuldade para pensarem em
conteúdos diferentes dos tradicionais, o que contribui cada vez mais para a ausência
e/ou deformação de culturas na maioria dos currículos.
Entre essas culturas juvenis, encontramos, por exemplo, as constantes
modificações (tatuagens, piercings, estilos diferenciados) que vêm se operando nos
corpos jovens (não neles, mas creio que são a maioria), e que Rosa (2004)
analisa como possíveis respostas à padronização que as próprias escolas procuram
atingir. Para ela, essas mensagens (em diferentes cores, tons, estilos, designs)
podem ser lvulas de escape, linhas de fuga e brechas para os estudantes
extravasarem seus pensamentos, suas criatividades, suas opiniões e sentimentos, já
que na sala de aula, em nome do cumprimento do programa das disciplinas, essas
manifestações são ignoradas.
Quanto aos estereótipos criados em torno dessas construções corporais,
muitas vezes reforçados na escola, Le Breton (2003) conta que, nos anos da virada
do século XIX para o XX, era generalizada a crença de que os indivíduos tatuados
eram “selvagens”, “homens menores, pouco civilizados e propensos a todas as
formas de delinqüência” (p.35). Considerava-se que eles escolheram expressar sua
infâmia por esse desenho tegumentar para traduzir sua dissidência frente aos
valores colocados como sendo os da civilização.
De acordo com Le Breton (2003), era ignorado o significado cultural das
marcas corporais e o significado íntimo da marca tegumentar nos meios populares,
devido ao sentimento de superioridade da civilização “branca” e portadora de
67
“progresso”, que manifestava medo diante das classes trabalhadoras, percebidas
como classes perigosas.
Esses registros se constituem em possíveis explicações para a imagem
negativa que essas marcas corporais ainda carregam nas escolas e em algumas
famílias. Pesquisando sobre a gênese da escola, encontramos a institucionalização
de sua obrigatoriedade, justamente nesse período relatado acima por Le Breton,
época em que a burguesia vem culpando as classes populares pela periculosidade
social e ignorando suas culturas (Varela e Álvarez-Uría, 1992).
Varela e Álvarez-Uría (1992) resgatam uma série de elementos que foram
permitindo a instalação da maquinaria escolar: a definição de um estatuto da
infância, a emergência de um espaço específico destinado à educação das crianças,
o aparecimento de um corpo de especialistas, a destruição de outros modos de
educação e a imposição da obrigatoriedade escolar decretada pelos poderes
públicos. Segundo esses autores, “educar” as classes populares fazia parte das
medidas gerais do bom governo, na segunda metade do século XIX e em princípios
do século XX:
o operário é pobre e é forçoso socorrê-lo e ajudá-lo; o operário é ignorante e
faz-se urgência instruí-lo e educá-lo; o operário tem instintos avessos, eo
outro recurso senão moralizá-lo se queremos que as sociedades e os
estados tenham paz e harmonia, saúde e prosperidade (MONLAU,1871,
p.171 apud VARELA E ÁLVAREZ-URíA, 1992, p. 88).
Os instintos avessos, que ferem a ordem e a disciplina, são até hoje a grande
preocupação da escola, na medida em que consideramos sua principal função a de
disciplinar os corpos e produzir sujeitos pacíficos e ordeiros, visto que ela emergiu
como um “espaço de tratamento moral” (Ibid., p. 90), tendo o menino trabalhador
como “alvo privilegiado desta política de transformação dos sujeitos” (Ibid., p. 89).
Desde o século XVI, já começavam a se proliferar instituições fechadas,
destinadas ao recolhimento e instrução da juventude (colégios, albergues, casas
prisões, casas da doutrina, casas de misericórdia, hospícios, seminários...) que têm
em comum esta funcionalidade ordenadora e regulamentadora (Varela e Álvarez-
Uría, 1992), e o currículo enquanto artefato da educação escolarizada foi inventado
na passagem do século XVI para o século XVII (Veiga-Neto, 1998).
De acordo com Veiga-Neto (1998), muitos dispositivos disciplinares foram se
engendrando a partir do fim da Idade Média e foram em parte capturados por essa
68
nova instituição que estava sendo constituída a escola moderna. Essas práticas,
que desde o século XV e XVI vêm se apresentando, resul arm ns niraçs
rricure e n de es(o)2.80762(l)-12.0348aeu -1.40511(t)-9.23319eêmo -1.40511hdo.
s(i)9.23449(m)-7.42551, pmo onera escol omo uma ontrução uma enãe
69
currículos escolares como referências, como a norma a partir da qual outras culturas
são narradas.
O próprio contexto de invenção da escola, em que a burguesia buscava
estabelecer a ordem reforçando sua hegemonia, nos remete a pensar sobre a
histórica imposição de uma cultura dita superior das classes dominantes, as quais,
conforme Álvarez-Uría (2000, p. 143), “relegaram o projeto democrático da
educação para a igualdade em benefício da formação de um ethos capitalista nas
novas gerações”. Nesse sentido, o autor salienta que as modernas instituições
educacionais produziram e fizeram coincidir uma nova ordem mental, própria do
homem moderno, com uma nova ordem social caracterizada pela nese do
capitalismo.
Álvarez- Uría (2000) sugere que ao analisarmos a origem da escola em íntima
associação com o processo de formação do capitalismo podemos “compreender
melhor a relação existente entre o sistema escolar e a formação de determinados
tipos de personalidade” (p.143). Nos desvinculando das metanarrativas modernas
que têm sido referências para nossos entendimentos do mundo, concebemos o
currículo como um artefato que, ao trazer para a escola elementos do mundo,
também cria na escola sentidos para o mundo e, dessa forma, ocupa posição
privilegiada nos processos de identidade social, de representação, de construção de
subjetividades (Veiga-Neto, 1998).
Ampliando essa discussão, Silva (1995) reafirma o papel do currículo na
produção de representações e, portanto, de significados para o mundo em que
vivemos:
As narrativas contidas no currículo, explícita ou implicitamente (...), dizem
qual conhecimento é legítimo e qual é ilegítimo, quais formas de conhecer
são válidas e quais não o são, o que é certo e o que é errado, o que é moral
e o que é imoral, o que é bom e o que é mau, o que é belo e o que é feio,
quais vozes são autorizadas e quais não o são. As narrativas contidas no
currículo trazem embutidas noções sobre quais grupos sociais podem
representar a si e aos outros e quais grupos sociais podem apenas ser
representados ou até mesmo serem totalmente excluídos de qualquer
representação (p.195).
Nessa mesma compreensão, Costa (1998, p. 43) nos convida a pensar que
na escola aprende-se a “narrar o ‘outro’, tomando a si próprio como referência, como
normal, e o outro como o diferente, o exótico, o excêntrico”, e é essa lógica de
70
exclusão o regime pelo qual também somos ensinados a aceitar determinados
saberes como verdadeiros, científicos e universais.
Popkewitz (2002) sugere ainda que pensemos sobre o currículo como
regulação em dois diferentes níveis. Um em relação à imposição do que deve ser
conhecido (a seleção das informações) e o outro acerca das regras e padrões que
guiam os indivíduos ao produzir seus conhecimentos sobre o mundo, “estratégias e
tecnologias que dirigem a forma dos estudantes pensarem sobre o mundo em geral
e sobre o seu eu nesse mundo” (Popkewitz, p. 192).
Nessa perspectiva, avaliando o currículo de uma maneira mais aprofundada,
conforme propõe Machado (2005), podemos supor o ser humano que se quer formar
e o tipo de sociedade que se quer efetivar. Este autor cita alguns princípios que
existem na grande maioria das propostas curriculares e que ratificam uma sociedade
que prioriza a racionalidade técnica e um ser humano fragmentado, excluído quando
divergente da norma:
1- Princípio de padronização: existência de uma proposta única curricular
para todo o público em formação, não levando em conta a singularidade dos
sujeitos;
2- Princípio da sincronização: regulação do tempo e de espaço, ou seja,
todos se inserem num mesmo momento, lugar e tempo de aprendizagem.
3- Princípio da especialização: subdivisão do currículo em parcelas
(disciplinas), as quais ficam sob a responsabilidade de especialistas (professores),
no sentido de aprofundar as operações parceladas.
4- Princípio da fragmentação: ausência de diálogo entre as parcelas
(disciplinas) que compõem o currículo, ficando a metodologia e a avaliação sob a
responsabilidade de cada especialista-professor.
5- Princípio da legitimidade disciplinar: desigualdade temporal e espacial
das parcelas que constituem o currículo. Maiores tempos às parcelas que se
revestem de maior cientificidade e racionalidade.
Esses princípios podem ser considerados também como as garantias da
escolarização, apontadas por Corrêa (2000b)
34
ao abordar de forma semelhante
os elementos mais ativos da escola enquanto maquinaria:
34
Essas garantias foram mencionadas na página 55.
71
inventar espaços próprios para a educação, controlar o tempo em que se
desenvolvem as atividades, selecionar saberes e dar a eles caráter de
universalidade, inventar uma relação saber-capacidade, obrigar a
freqüência, desqualificar outras práticas em educação, seriar, avaliar e
certificar (p.74).
Sobre a construção de um determinado tipo de sujeito, especificamente no
ensino de ciências, podemos dizer, a partir de Macedo (2005), que a própria
biologização (entendimento do corpo relacionado apenas ao seu aspecto biológico)
atua no sentido de essencializar as identidades dos sujeitos, ou seja, ela foi um dos
caminhos que o discurso moderno construiu para pensar a identidade como algo fixo
e natural, tirando do horizonte a discussão da diferença. Essa compreensão
contribuiu, por exemplo, para que a heterossexualidade se estabelecesse como
norma, devido ao argumento de que a distinção entre masculino e feminino é
atribuída apenas às características anatômicas, e também, para excluir a
problematização de características culturais e históricas que diferenciam homens e
mulheres.
Assim, superando a visão da aparente inocência e neutralidade do currículo,
ele passa a ser visto como um instrumento significativo para desenvolver processos
de conservação ou de transformação de conhecimentos historicamente acumulados,
bem como, para garantir, nos estudantes, a manutenção de determinados valores
considerados desejáveis. O currículo em si se apresenta como um mecanismo de
regulação social, na medida em que define o que deve ser conhecido e o que deve
ser desprezado, através de seu processo de classificação, seleção e ordenamento
dos conhecimentos (Cóssio, 1999).
Podemos considerar que os critérios de seleção de conteúdos hoje adotados
têm a ver não só com as políticas educacionais conduzidas atualmente no país, mas
também e principalmente com os processos que se formaram em nossa sociedade
ao longo de sua história. Da mesma forma, os conteúdos dependem para serem
mantidos no currículo, tanto da decisão dos professores de selecioná-los, como das
pressões que a sociedade exerce de várias formas (podemos incluir aqui os exames
vestibulares e provas do PEIES, por exemplo), contribuindo para incluir ou excluir os
saberes. Apple (1982) ainda acrescenta que os professores têm estado geralmente
limitados em sua escolha a conjuntos de materiais curriculares pré-empacotados,
publicados por algumas poucas grandes empresas editoriais, as quais
comercializam de forma agressiva seus produtos.
72
Diante disso, fugindo da crença moderna que exclui os corpos não
semelhantes ao corpo universal (com características físicas européias) e preza por
um padrão de corpo disciplinado com uma única identidade, estaremos pensando
nas identidades a partir das contribuições do pós-estruturalismo, ou seja,
entendendo que as identidades são definidas historicamente, e devem ser
compreendidas como plurais, múltiplas, que se transformam e que são
contraditórias. De acordo com Hall (1997):
O sujeito assume identidades em diferentes momentos, identidades que não
são unificadas ao redor de um eu” coerente. Dentro de nós identidades
contraditórias, empurrando em diferentes direções, de tal modo que nossas
identificações estão sendo continuamente deslocadas (p.13).
A par do papel da escola e do currículo no controle dos corpos (priorizando
identidades hegemônicas), podemos repensar sobre a escolha de conteúdos
pertinentes à formação dos alunos. A tarefa de questionar os conteúdos a serem
trabalhados, é importante, de acordo com Apple (1989), para analisarmos o que está
sendo “expresso” ou “representado” nos materiais curriculares, para que possamos
descobrir ausências nos próprios conteúdos, que estruturas fornecem os parâmetros
para as suas possíveis leituras, e também para compreendermos as possíveis
contradições dentro do próprio conteúdo, do próprio texto.
Sendo assim, penso que a única maneira do professor incorporar em suas
aulas discussões sobre, por exemplo, tatuagens, piercings, estilos, ritmos e
identidades da juventude contemporânea é primeiramente compreender que um
determinado conteúdo é pertinente quando implica um m
73
A partir de minhas experiências anteriores em sala de aula (particularmente o
estágio na rie), tive a idéia de elaborar junto com o grupo de pesquisa uma
oficina falando sobre tatuagens, piercings e outros adereços que têm conquistado
muitas pessoas (principalmente os jovens).
A vontade de problematizar esse assunto talvez surgisse até de uma
preocupação minha enquanto professora um tanto assustada ao ver um aluno
aparecer na sala de aula com um metal cravado no supercílio e outros com cortes
nos braços para formarem marcas e cicatrizes. Aquilo me intrigava pelo fato de ser
algo aparentemente tão comum entre eles e o perturbador para os professores,
pois lembro que era muito comentado e censurado nas reuniões quando uma ou
outra conversa surgia sobre o assunto.
Essas questões me inquietaram sobre qual atitude tomar: ignorá-los, fingir
que não os via, criticá-los, tentar corrigi-los, aceitá-los, ouvi-los ou considerar essas
“novidades” como tema relevante a ser discutido em aula? Refletindo sobre o
problema que eu acreditava existir, também pensei sobre minha situação naquele
momento, uma professora estagiária, nova em relação aos outros colegas docentes,
com a idade não tão distante dos alunos e ainda assim resistindo em trazer para a
sala de aula conteúdos não tradicionais que estavam sendo intensamente presentes
na vida deles e que diziam respeito aos seus corpos, àquele mesmo corpo humano
que era matéria “obrigatória” a ser ensinada naquela turma de 7ªsérie.
A minha dificuldade era provavelmente um efeito da própria escolarização a
que fui submetida durante muitos anos e que talvez me levava também a ler essas
“artes jovens” como transgressões disciplinares e me impedia de tratar de um
assunto que contrariava a homogeneização pretendida pela escola, a qual, ao
priorizar determinados comportamentos, vêm “fazendo movimentos assépticos,
desfazendo as ‘artes jovens’, apagando as tintas, regulando e controlando, lavando
marcas que dizem, criam e inventam” (Rosa, 2004, p. 18).
A partir dessas constatações, buscando romper com a tradição de que os
conteúdos dos livros didáticos e aqueles “sugeridos” pela escola merecem prioridade
na sala de aula, criei com o grupo a Oficina “O corpo como tela...voltando às
origens ou construindo novos corpos”, com o intuito de propiciar uma discussão
sobre essas diversas artes feitas nos corpos, tentando uma aproximação com o
atualmente relevante para muitos adolescentes que, na sala de aula, usando o
74
termo de Green e Bigun (1995, p. 212), são cada vez mais “alienígenas”, cada vez
mais “vistos como diferentemente motivados/as, desenhados/as e construídos/as”.
Nossa pretensão era ouvi-los, sabermos seus gostos e opiniões, e a partir
disso, discutirmos os discursos que circulam ditando as maneiras de olharmos para
esses corpos alternativos (com diversas marcas, artes, metais, cores), tanto no
sentido de os desejarmos quanto no sentido de os rejeitarmos.
Sobre esses diferentes discursos, precisamos considerar que o desejo de
muitos jovens em pertencerem a uma determinada tribo, voltarem às origens
36
,
usarem determinados acessórios e adotarem certos estilos está implicado em
relações de poder, mesmo que essas expressões sejam uma forma de luta contra o
silenciamento e rejeição de suas vozes na sala de aula e contra a padronização que
a escolarização tem buscado produzir, pois, conforme Green e Bigun (1995), esses
“novos corpos” estão imersos num sistema de valores que a todo o momento afirma
que é preciso estar atento ao corpo.
Nessa oficina (assim como nas outras) não procuramos fazer valer apenas
uma verdade ou “conscientizar” os alunos, não pretendíamos chegar a alguma
conclusão ou fazer apologia ao uso de tatuagens e piercings, por exemplo. Nossa
preocupação era somente o fato de oportunizar aos participantes a percepção de
várias opiniões/explicações/posições sobre as coisas, possibilitando que estes
pudessem “olhar de outras e novas maneiras” para elas.
Dessa forma, estávamos nos aproximando do pensamento pós-estruturalista,
por rejeitarmos as “conscientizações” tão caras à educação moderna, que conforme
nos dizem Freitas, Michinel e Oliveira (2000) têm o sentido de “conversão”, o que
evidencia uma prepotência epistemológica dessa educação. De acordo com esses
autores, o desejável é o confronto de diferentes subjetividades, “o que por sua vez
requer espaços públicos de discussão e debate, onde estas subjetividades possam
se defrontar” (p.135).
36
Uso a expressão voltar às origens” (inclusive no título dessa oficina) me referindo ao fato da
tatuagem, por exemplo, ter sido por muito tempo associada à “primitividade” daqueles que a
recorriam (Le Breton, 2003), pois ela era usada por nossos ancestrais há aproximadamente 7000
anos. De acordo com Mello (2000), foi encontrado, em 1991, na Itália, um corpo congelado com
vários desenhos sobre a pele e que se supõe ter vivido cerca de 7.300 anos e, além disso, os
índios, desde tempos mais remotos, costumam pintarem-se para, entre outras coisas, assinalarem
classificações de status entre os membros da tribo. Quanto ao uso do piercing, este é historicamente
identificado mais de 5000 anos, nos rituais de culto de tribos da América do Sul, África, Indonésia
e nas castas religiosas da Índia e do Egito (Zuin, 2003).
75
A estratégia inicial que pensamos para mapear as representações dos
participantes sobre quais são os motivos que levam uma pessoa a se tatuar/ usar
piercing e sobre que pessoas fazem isso foi provocar o questionamento (respostas
escritas individualmente e depois discutidas): Tatuagem/piercing para quê? E para
quem?
Após essas discussões, achamos que seria interessante acrescentar um texto
que contasse historicamente o uso dessas marcas no corpo. O texto que
escolhemos para ser lido e discutido foi Arte à flor da pele”, escrito por Mariana
Mello (2000) para a revista Super Interessante
37
, que traz os vários significados da
tatuagem no mundo e ao longo do tempo.
Entretanto, como nas escolas conseguimos apenas o tempo de 1 hora e 40
minutos para desenvolvermos cada oficina, as turmas eram grandes e pretendíamos
ouvir todos os alunos, não foi possível trabalhar com essa leitura. Tivemos que fazer
opções, e retirar esse texto havia sido sugestão dos acadêmicos de Ciências
Biológicas, os quais acharam que ele era extenso para ser trabalhado em aula
talvez não seria aproveitado pelos seus alunos do estágio, pois estes não levariam
“a rio” as discussões. Apresento a fala de um deles para elucidar essa escolha e
para confirmar que os roteiros das oficinas não são fixos, estagnados, mas podem e
devem ser alterados de acordo com a turma, conforme o acompanhamento dos
participantes, o tempo para a realização das oficinas, entre outras variáveis.
“o texto da Super Interessante é muito longo para ser usado, apesar de ser
interessante. É muito mais interessante e produtivo gerar discussões do
que responder às perguntas (escrevendo), porém não sei se a discussão
seria produtiva mesmo que o assunto seja interessante, pois a turma é
muito infantil.
Para que os alunos pudessem expressar mais suas opiniões, resolvemos
confeccionar fichas, que eles discutiriam com os colegas ao lado (e depois com a
turma toda), enquanto ouviam a música Metamorfose Ambulante”, de Raul Seixas.
Essas fichas são apresentadas na página anterior ao início desse capítulo (ver
Figura 2); elas possuem fragmentos de textos e imagens sobre tatuagens, piercings,
body suspension (corpo suspenso por ganchos), entre outras, que trazem exemplos
de várias pessoas contando os motivos pelos quais resolveram aderir a essas
37
MELLO, M. Arte à flor da pele. Super Interessante, dez. 2000, p. 66-69.
76
modas, opiniões de alguns autores sobre os porquês dessas adesões, relatos de
quem sofreu preconceitos e significados culturais e históricos dessas construções.
A música Metamorfose Ambulante”, de Raul Seixas, foi escolhida logo
quando resolvemos iniciar a elaboração das atividades dessa oficina, no momento
em que uma integrante do grupo lembrou dela e a associamos com as possíveis
discussões que viriam. Essa música fala da liberdade do pensar em relação ao que
é considerado o padrão em uma determinada época, e ainda faz uma provocação no
sentido de possibilitar ao indivíduo mudanças em suas posições/opiniões sobre as
coisas: “(...) eu prefiro ser essa metamorfose ambulante do que ter aquela velha
opinião formada sobre tudo(...)”. Ela se encaixou na proposta, pois era justamente
sobre essas possibilidades de mudança, construção de novos corpos, de outras
identidades e outros olhares, que a oficina pretendia tratar.
Finalizando a oficina, resolvemos que seria proposta uma leitura coletiva do
texto Corpo e Mente, de Luís Fernando Veríssimo (2003)
38
, o qual eu levei para
mostrar ao grupo como um possível terceiro momento da oficina e todos o
aceitaram. Nesse texto, o autor, com muito humor, trata das mudanças da relação
mente e corpo no decorrer da vida; com ele, não nhamos a pretensão de entrar
numa problematização sobre a “divisão” entre o corpo e a mente (dicotomia também
reforçada nas escolas), mas sim, buscávamos relacionar suas frases com a temática
da oficina: as possibilidades de construções do corpo a partir de nossos desejos,
pensamentos, imaginações.
(...) com o tempo a relação mente e corpo muda de outras maneiras (...).
Antes era o corpo que queria (sexo, comida, festa, emoções) enquanto a
mente pedia moderação. Depois a mente é que quer, e o corpo diz “tá
doida” (VERÍSSIMO, 2003, p. 2).
Assim, após a escolha dessas atividades, estava elaborada a oficina. Ela foi
implementada numa turma de série da cidade de Santa Maria- RS, conforme
solicitação de uma acadêmica estagiária que realizou o curso das oficinas, e na
cidade de Nova Palma-RS.
O que eu o esperava era encontrar dados tão diversos quanto às
representações dos alunos em relação ao uso de tatuagens e piercings (bastante
variedade de opiniões entre eles e entre as cidades nas quais implementei a oficina).
38
VERÍSSIMO, L. F. Corpo e mente. Zero Hora, Porto Alegre, 13 jul. 2003. Caderno Donna, p. 2.
77
Na Escola Municipal Cândida Zasso em Nova Palma
39
- cidade do interior do
estado, sendo a maioria da população de zona rural e predominantemente católica -,
os alunos (principalmente os da 5ª série) comentaram que “tatuagem era para
presidiário, gay, drogado, marginal”, respostas que o obtive em Santa Maria
40
(embora essa oficina tenha sido implementada apenas uma vez na 6ª série da
Escola Municipal de Ensino Fundamental Duque de Caxias). Como eu já havia
comentado, nossa intenção era inicialmente problematizar um assunto relacionado
aos corpos dos adolescentes, a seus desejos, suas vidas, mas na cidade de Nova
Palma, o que percebemos, em geral, foram preconceitos em relação a quem usa
tatuagens e/ou piercings, como se esses usos, provavelmente não freqüentes nesta
localidade, fossem distantes das vidas daqueles alunos.
Sobre essa diferença encontrada entre as duas cidades, penso que pode
estar relacionada ao fato do jovem na cidade maior (aqui estou incluindo Santa
Maria pelo fato de ser grande em relação à Nova Palma) estar mais acostumado
com a grande variedade de estilos e com o acesso a todas as possíveis formas de
mudanças corporais (tatuagens, piercings, cirurgias plásticas, etc.), enquanto que
nas cidades pequenas além dele não dispor de todas essas alternativas, talvez “o
olhar do outro” sobre seu corpo faz com que ele esteja em permanente cuidado
sobre a suas ações, pois é um “outro” muito próximo dele, já que geralmente,
nessas cidades, o jovem está mais perto dos familiares, é conhecido do padre ou do
pastor, vizinha com quem freqüenta a igreja e em qualquer lugar que vai encontra
quem o conhece, o que o impede de “transgredir as regras” ou ser amigo de quem
as transgride, de usar determinados adornos ou apreciá-los nos outros, porque o
quer ser rejeitado, ou “mal visto na cidade”.
As respostas da pergunta que fiz no início da oficina: - Tatuagem para quê? E
para quem? e falas que foram emergindo no decorrer das discussões a partir das
fichas com imagens e fragmentos de textos, apresentam o contraste existente entre
as opiniões dos alunos das duas cidades. Na cidade de Santa Maria (rie), por
exemplo, ouvimos comentários de crítica ao preconceito existente sobre esses
corpos modificados:
39
De acordo com o IBGE (2005) a cidade de Nova Palma possui 6.395 habitantes.
40
De acordo com o IBGE (2005) a cidade de Santa Maria possui 243.396 habitantes.
78
“Algumas pessoas tem nojo de quem usa tatuagem. Fazem comentários.
Que nojo! Mas eu respeito quem usa. Se é do gosto delas!” (6ªsérie,
Escola Duque de Caxias, Santa Maria).
“Tatuagem pode ser usada por qualquer pessoa, independente da idade,
mas comentam um velho com tatuagem” (6ªsérie, Santa Maria, Escola
Duque de Caxias).
“As pessoas marginalizam quem usa tatuagem, mas não deveria ser assim”
(6ªsérie, Escola Duque de Caxias, Santa Maria).
Tem muita gente preconceituosa, algumas profissões não admitem
tatuagem, como a de militares, por exemplo” (6ªsérie, Escola Duque de
Caxias, Santa Maria).
na cidade de Nova Palma evidenciamos que as representações
predominantes sobre as pessoas que usam marcas e acessórios no corpo são as de
que essas opções estão associadas com o uso de drogas, à marginalidade, ao
desvio dos padrões morais ou que são feitas por “outras pessoas”, como por
exemplo, artistas de televisão, sendo assim consideradas distantes do universo das
“pessoas comuns”.
“Na minha opinião eu acho que as pessoas colocam tatuagem para exibir
seu corpo. Eu acho que as pessoas que usam tatuagem são os modelos,
atrizes, atores e pessoas que usam drogas , eles usam para se exibir ,
se achar o máximo e chamar a atenção. Eu acho uma porcaria estragar seu
corpo com tatuagem” (5ªsérie, Escola Cândida Zasso, Nova Palma).
“Uma pequena tatuagem um pequeno piercing pode até ser, não tenho
nada contra, agora tatuar 90% de seu corpo é tri feio, horrível, implantar
piercing pode trazer vários danos, além disso fica horrível.Eu discordo
perfeitamente desse tipo de coisa. Apesar de cada um ter sua opinião”
(6ªsérie, Escola Cândida Zasso, Nova Palma).
“Normalmente é para jovens que usam para chamar a atenção e é mais
utilizado por jovens de gangues que tenham bastante dinheiro. E também
para quem entra em vícios, como a droga (7ªsérie, Escola Cândida
Zasso, Nova Palma).
“Para balada, para se aparecer, mudar visual, piercing é coisa de p...”
(8ªsérie, Escola Cândida Zasso, Nova Palma).
Essas representações, assim como outras da oficina anteriormente relatada,
dizem respeito a um padrão de corpo disciplinado, civilizado, que não pode divergir
de outros, deve ser sempre igual e uniforme. Elas são formadas pelos conteúdos e
rotinas escolares, pelos conselhos e ensinamentos familiares e religiosos e talvez
por outras instâncias, de forma que aparecem para nós como as únicas pensáveis e
assim, para Popkewitz (2002, p. 195-196), que nos fala a partir do pós-
estruturalismo, “quando usamos’ a linguagem, pode ocorrer que não sejamos nós
79
que estejamos falando, mas a linguagem que nos foi dada através de formações
sociais que ocorreram no passado”.
Embora as duas cidades não sejam distantes
41
, essas diferenças encontradas
apontam para o que destaca Louro (2005, p. 46) ao mencionar que “toda e qualquer
diferença é sempre atribuída no interior de uma dada cultura”, ou seja, algumas
características podem ser valorizadas como distintivas e fundamentais numa
determinada cultura ou sociedade e não terem o mesmo significado em outra, sendo
até mesmo menosprezadas.
Em Nova Palma, na série, fiquei bastante surpresa por encontrar tantas
respostas contrárias ao uso de tatuagens e/ou piercings, idéias de que essas
modificações são feitas por “desviados do bom caminho”, que não se aceitam como
são, querem se exibir e chamar a atenção dos outros. Essas falas que narram o
outro como o diferente, o anormal, o desvirtuado, me lembram da função da escola
(já discutida no início do capítulo) no controle da moralidade, incutindo nos alunos
muitas palavras de ordem e modelos de comportamento a serem seguidos. Sobre
isso, Sabat (2001, p. 66) nos diz que: “quando falamos sobre qualquer objeto,
evento ou grupos, nossa fala está carregada de valores que trazemos conosco e
que são construídos culturalmente”, não nascemos com preconceitos, mas
acolhemos determinadas representações como verdadeiras a partir das influências
de diferentes instâncias da sociedade na qual estamos inseridos.
De acordo com Costa (1998), as narrativas criadas sobre o “outro”, nos mais
diversos campos culturais, têm fabricado identidades nem sempre acolhidas por
seus protagonistas. Ao nomearmos e narrarmos as pessoas, estamos construindo e
reforçando determinadas representações sobre elas que não são reais, mas que
formam uma idéia de realidade. Assim, na compreensão de Silva (2002), a
linguagem está inexoravelmente implicada naquilo que as coisas são
42
, ou seja, a
nossa compreensão do mundo está vinculada à própria forma como nomeamos
esse mundo, como nomeamos as pessoas que estão no mundo.
Esse processo de nomeação é em relação à matriz de nossa cultura, aos
padrões impostos por diferentes discursos relacionados aos nossos corpos.
Conforme reforça Silva (2002 p. 254), as categorias que usamos para definir e dividir
41
A distância entre essas duas cidades é de aproximadamente 60km.
42
Uma melhor definição da linguagem enquanto constituidora da realidade (virada lingüística) é
apresentada no capítulo 5.
80
as pessoas acabam se constituindo em “verdadeiros sistemas que nos permitem ou
impedem de pensar, ver e dizer certas coisas”.
Assim, dependendo da presença de determinadas representações nos
lugares em que nos encontramos, podemos romper a ordem, transgredir, ultrapassar
limites, sair do padrão, por simplesmente estarmos usando um desenho no corpo,
um metal, vestindo roupas excêntricas, ou ainda aparecendo com maquiagens e
cabelos diferentes. A existência de um modo de olhar que censura esses corpos
“outros” se confirma nas falas dos alunos da 5ª série:
“Tatuagem e piercing é para chamar a atenção também para se achar o
81
(Santos et al, 2005, p.159)
43
. As próximas falas também comprovam essas
preocupações:
“Eu não concordo, por isso pode vir a doença e a morte e não vale a
pena arriscar sua vida com uma tatuagem. Não é uma idéia fazer
uma tatuagem, mas uma só, não fazer dez tatuagens (5ª série, Escola
Cândida Zasso, Nova Palma).
“Quer fazer mais por que ela achou bonito e isso algum tempo vai dar
uma doença séria. Tatuagem e piercing é para deixar o corpo mais bonito
ou estragar de vez, para quem não tem medo de fazer e ficam colocando
essas coisas para se aparecer, homem e mulher” (6ª série, Escola
Cândida Zasso, Nova Palma).
Esses comentários marcam a força de determinadas frases ouvidas
diariamente na escola, na família, na igreja, que, por serem tão naturalizadas, as
pronunciamos sem refletir sobre elas. É perceptível que os alunos (principalmente os
mais novos) não se permitem discordar dessas “amarras”, embora suas falas por
vezes revelem que apreciam tatuagens em outras pessoas ou que talvez fariam
uma. um misto de preconceito e admiração expresso na frase acima do aluno da
série, que depois de criticar, afirmou: “Não é uma idéia fazer uma tatuagem,
mas uma só, não fazer dez tatuagens”.
Abaixo apresento outras duas frases que também explicitam essas
contradições:
“Eu acho isso uma bobagem, pode ser bonita, mas eu nunca farei uma
bobagem dessas (5ª série, Escola Cândida Zasso, Nova Palma).
“Eu acho que isso é só para se exibir . E é para os marginais, mas
também tem pessoa de bem. Mas isso não sai mais , então isso é para se
exibir” (5ª série, Escola Cândida Zasso, Nova Palma).
Conforme nos diz Veiga-Neto (2000), ancorado em Foucault, as práticas
escolares são produtivas, pois se instauram para fabricarem sujeitos modernos e
cidadãos de uma sociedade disciplinar. A meta final dessa normalização é que os
sujeitos continuem se auto-governando. Nesse caso, muitas frases dos alunos
demonstram essa auto-disciplina no sentido de que eles próprios reforçam suas não-
permissões para olharem, para desejarem, para se arriscarem.
43
Em artigo intitulado “De que realidades ‘falam’ os anúncios de prevenção ao HIV/AIDS”, publicado
na Revista Educação & Realidade, no primeiro semestre de 2005.
82
Além disso, de acordo com Souza (2001, p. 177), podemos pensar a família
“como a primeira instância que captura os corpos através de mecanismos
individualizantes e totalizantes, marcando no corpo a sua identidade e o seu
pertencimento”. Não é difícil percebermos que principalmente até a série uma
predominância dos ensinamentos que vêm de casa e que os alunos repetem como
se também estivessem ensinando, “pele é uma só”, “não vale a pena arriscar”,
“cuidem-se, os quais estão implicados naquelas representações acerca de um
padrão de corpo cauteloso, prevenido, controlado, disciplinado, trago alguns
exemplos:
“É para se acharem bonitos (as) e porque eles acham legal fazerem isso.
Para seus parceiros, amigos e parentes. Eu digo para as pessoas não
estragarem suas peles, que pele é uma só, cuidem-se, não façam isso,
é muito feio. Eu não concordo com o que dizem essas reportagens e o que
mostram ,eu acho uma porcaria só para se estragar a pele” (5ª série,
Escola Cândida Zasso, Nova Palma).
As pessoas de hoje em dia fazem tudo sem pensar nas conseqüências
que irão vir. Por isso devemos pensar muito para não se arrepender
depois(6ª série, Escola Cândida Zasso, Nova Palma).
Também quero discutir uma consideração que acho pertinente sobre a fala
supracitada do aluno da série: as pessoas de hoje em dia”. Essa é uma frase
muito mencionada e tem a ver com as representações do passado muitas vezes
criadas pelos nossos pais e alguns professores, de que na época deles a juventude
era diferente, formas, acredito eu, não de demonstrar as diferenças que
provavelmente existem entre as gerações (já que as condições culturais/históricas
se alteram com o tempo), mas de controlar, de converter, de impor uma moral que
parecia existir num tempo remoto e que era sinônimo de tranqüilidade. Green e
Bigun (1995) relatam que tem havido um crescente pânico moral em torno da
juventude, ou talvez mais especificamente, em torno do problema da juventude, pois
na sociedade contemporânea tem emergido um novo tipo de jovem, com novas
necessidades e capacidades, imerso na cultura da mídia, da internet e, conforme
mencionado, um alienígena na sala de aula.
Além de problematizar essas falas, acho relevante comentar, que muitos
meninos da série chamavam os adeptos das tatuagens e/ou piercings de
83
“boiolas”
44
, uma forma de afirmarem que eles (os alunos) não eram, pois não
concordavam com o uso. Novamente aqui, como já havia percebido nas
implementações já relatadas da outra oficina, uma preocupação constante dos
meninos em declararem-se heterossexuais. Essa necessidade está implicada na
severa vigilância que ocorre em torno da masculinidade infantil, vista como uma
espécie de garantia para a masculinidade adulta, pois comportamentos
considerados transgressores do padrão estabelecido passam a ser vistos (pelas
professoras, pela equipe pedagógica e pelas famílias) como um problema que
precisa ser o quanto antes resolvido (Felipe e Guizzo, 2004). A próxima fala elucida
essa discussão:
“Tem pessoas que gostam de tatuagem no corpo e é para chamar a
atenção.Tem gente que manda fazer tatuagem nos braços na barriga, eu
acho que isso é boiola, marginal e fiasquento” (5ª série, Escola Cândida
Zasso, Nova Palma).
Quero acrescentar que muitos rótulos relacionados com representações de
masculinidade e feminilidade são também criados e reforçados na mídia, em
programas humorísticos, por exemplo, quem não ouviu a palavra boiola” ser
mencionada no programa Casseta e Planeta da Rede Globo? ou percebeu que os
gaúchos ali o geralmente representados como homossexuais (no sentido de uma
provocação) querendo parecerem “machões”?
O termo “boiola tem a ver com um universo de representações que são
fabricadas em torno da sexualidade, as quais são referentes, por exemplo, às
atitudes desejadas para homens e mulheres e às distinções entre comportamentos
femininos e comportamentos masculinos, que cada vez mais “naturalizam” a
heterossexualidade. Especificamente referindo-se a escola e entendendo que ela
normaliza e que nela a heterossexualidade tem sido concebida como a normalidade,
Felipe e Guizzo (2004), explicitam que suas práticas são um dos meios
responsáveis pelo desenvolvimento de determinadas identidades consideradas
como as mais adequadas para homens e mulheres.
44
A expressão “boiola” é um termo pejorativo para referir-se ao homossexual masculino, de acordo
com o glossário encontrado no site GLS (gays, lésbicas e simpatizantes: GLOSSÁRIO DE TERMOS.
In: GLSSITE.NET.2007. Disponível em: <http: //www.glssite.net/edusex/edusex/glossário.htm>.
Acesso em: 02 jan.2007.
84
Silva (1995) amplia a discussão ao afirmar que as imagens, narrativas,
histórias, categorias e culturas dos diferentes grupos sociais são representadas
conforme as representações de poder existentes entre esses grupos sociais. E é a
partir dessas representações que muitos preconceitos são criados, pois se a norma
é ser branco, obediente, cauteloso com o corpo e heterossexual, todos que
divergem dela, são vistos como anômalos, exóticos, ou outros quaisquer.
É importante também comentar que na 6ª, e séries ainda aparecem
algumas representações ligadas ao estereótipo de marginalidade criado em relação
aos usuários de tatuagens e piercings, contudo nessas turmas começam a aparecer
respostas de alunos que discordam do uso, mas parecem respeitá-lo, e outras que
demonstram certa autonomia em relação aos discursos familiares, escolares ou
religiosos, o que talvez lhes permita formar representações distintas.
Abaixo cito algumas falas para exemplificar que à medida que ficam mais
velhos, os alunos se expressam com maior liberdade, apresentam respostas
variadas e mais elaboradas e uma maior aceitação em relação às modificações
corporais. Essas falas também podem ser apenas uma preocupação em não
parecerem preconceituosos, ou seja, em se exporem de forma politicamente correta
e estariam em jogo outras construções, a de que devemos ser aparentemente
bons, respeitosos e não concordarmos com discriminações, mesmo que essas
posições sejam apenas impressões a causar para os outros e de certa forma,
também para nós mesmos, apenas ilusões.
Para qualquer pessoa não é apenas uma marca ou um furo que vai tirar o
prazer da pessoa ou deixar a pessoa menor ou desigual” (6ª série, Escola
Cândida Zasso, Nova Palma).
“O leiloeiro Marcelo Valland sofreu por causa que ele tatuou uma sereia no
antebraço ele foi discriminado por que achavam que era coisa de
homossexual. Eu acho que a vida é dele e ele pode fazer o que quer(6ª
série, Escola Cândida Zasso, Nova Palma).
“Muitas pessoas acham que tatuagem ou piercing são coisas de
maconheiros, drogados, mas não tem nada a ver. Muitas pessoas deixam
de fazer coisas por medo de enfrentar preconceitos (enfrentar a sociedade)
mas se fosse por mim eu faria e não dava bola para o que os outros
pensam. Tatuagem e piercing não são motivos de preconceito(7ª
série, Escola Cândida Zasso, Nova Palma).
“Os mais preconceituosos talvez são aqueles que também gostariam de
colocar piercing, mas não têm coragem” (8ª série, Escola ndida Zasso,
Nova Palma).
85
Essa última fala é de um aluno cujas respostas sempre se destacavam em
relação às dos outros colegas. Esse aluno tinha uma tatuagem na perna e segundo
a professora, recém havia sido transferido de uma escola de Porto Alegre-RS, uma
cidade grande com características bem diferentes de Nova Palma, o que talvez
explique suas posições.
Larrosa (2002b) ressalta a força dos estereótipos, preconceitos e hábitos
construídos culturalmente e ao longo de nossas vidas que nos conduzem e têm
nosso consentimento e conformidade, mas também enfatiza a possibilidade de
sermos “diferentes do que somos”, de vermos, julgarmos e vivermos de formas
diferentes às quais estamos acostumados. De acordo com ele, cada um de nós é
menos livre do que pensa, ao falar, olhar e fazer as coisas, mas essas ações o
também contingentes, provisórias, variáveis, ao experimentarmos novas situações,
acolhermos outros discursos, aceitarmos novas verdades, olharmos por outros
ângulos, e está a possibilidade de mudança, de falarmos de outro modo,
julgarmos de outro modo, de sermos de outras maneiras.
5 A DITADURA DO CORPO PERFEITO
Antes de discutirmos sobre as ordens contemporâneas de melhorarmos a
todo o momento nossos corpos, como por exemplo: “Elimine suas rugas!”, “Reduza
a flacidez!”, “Emagreça”!, “Faça ginástica”!, etc.” é preciso pensarmos em relação a
qual corpo estamos sendo constantemente convidados a mudar os nossos.
Não é difícil constatarmos que hoje o corpo que muitos desejam possuir é
aquele semelhante ao da mídia, ao corpo das capas de revistas, das novelas, dos
filmes. Podemos ir mais longe e tentar entender por que determinados corpos são
considerados os ideais, refletir sobre as desigualdades que essas referências têm
gerado e sobre o que isso tem influenciado no nosso conceito de felicidade.
Para tanto, primeiramente é preciso compreendermos o corpo como
produzido na e pela cultura, ou seja, considerando-o como histórico, mutável,
suscetível a inúmeras intervenções de acordo com o desenvolvimento científico e
tecnológico, bem como às leis, códigos morais, representações criadas e aos
discursos que sobre ele são produzidos e reproduzidos (Goellner, 2005).
Desse modo, podemos nos aproximar da noção de “centralidade da cultura”,
proposta por Hall (1997), a qual significa que a cultura tem penetrado em cada
recanto da vida social contemporânea, mediando tudo. Ou seja, a cultura não pode
mais ser estudada como uma variável sem importância, secundária ou independente
em relação ao que faz o mundo mover-se, mas precisa ser vista como fundamental,
central e constitutiva de nossas identidades.
Nessa lógica, a busca por modificarmos nossos corpos provém de vontades
construídas em s pela cultura, que, conforme a compreensão dos Estudos
Culturais, está imersa em relações de poder. Podemos então entender que
diferentes instâncias (a escola, a televisão, a publicidade, a família, a igreja) agem
na fabricação de nossas identidades, e assim, através de cuidados físicos, controle
dos gestos, uso de acessórios, estilos, roupas, vamos inscrevendo em nossos
corpos marcas de identidades e também de diferenciação (Louro, 1999).
Para Louro (1999), somos treinados a reconhecer as identidades dos sujeitos
pelas maneiras como se apresentam corporalmente (aspecto físico,
comportamentos, gestos), e isso está vinculado à atribuição de diferenças, ou seja,
implica na “instituição de desigualdades, de ordenamentos, de hierarquias, e está,
88
sem dúvida, estreitamente imbricado com as redes de poder que circulam numa
sociedade” (Louro, 1999, p.15).
Desse modo, percorrermos histórias, desconstruirmos representações e
padrões impostos, desnaturalizarmos o corpo para que se evidenciem os diferentes
discursos que foram e são hegemônicos, é imprescindível para compreendermos o
que hoje é concebido como um corpo belo, desejável e aceitável (Goellner, 2005).
Tendo isso em vista, Goellner (2005) analisa os “olhares sobre o corpo” ao
longo da história. Segundo ela, o olhar sobre o corpo pautado na sua aparência e
rendimento, não é recente, pois já no século XVIII e mais fortemente no século XIX o
corpo adquire grande relevância nas relações que se estabelecem entre os
indivíduos, forma-se uma moral das aparências que faz convergir o que se aparenta
ser com o que, efetivamente, se é.
Nessa época, criaram-se algumas representações que ainda hoje marcam
nossos corpos. A ciência daquela época ao estudar o corpo humano buscou
entendê-lo no detalhe, o que contribuiu para que a partir do discurso científico os
indivíduos fossem analisados com base em suas características biológicas (da forma
e da aparência do seu corpo). Essas análises também lhes conferiram diferentes
lugares sociais, por exemplo, o tamanho do cérebro justificava o nível de inteligência
dos sujeitos; a aparência do rosto (cor da pele e dos cabelos) identificava a aptidão
de alguns para o trabalho manual e os traços do rosto, o tamanho das mãos ou do
crânio poderia classificar os comportamentos e possibilitar a identificação dos
“loucos”, “criminosos”, “tarados” e “agitadores políticos” (Goellner, 2005).
De acordo com Meyer e Soares (2004, p. 9), o tamanho e a forma da bacia
“explicou e justificou a maternidade como o destino natural da mulher” e a posse de
um pênis ou uma vagina determinou o exercício de determinadas formas de
sexualidade. As classificações “científicas” colaboraram para que diferentes
hierarquizações se estruturassem entre os humanos, e assim, os negros e as
mulheres, por vezes, foram desvalorizados, exclusivamente porque seus corpos
apresentavam algumas características biológicas nomeadas por essa mesma
ciência como inferiores, incompletas ou díspares (Goellner, 2005).
Isso nos remete a refletir sobre os discursos que são historicamente criados
em relação ao corpo e instituídos como verdades mediante efeitos de poder. Como
nas nossas sociedades, de acordo com Foucault (1998, p. 13), a verdade é
centrada na forma do discurso científico e nas instituições que o produzem”, os
89
discursos da ciência sobre o corpo são acolhidos e acabam funcionando como
regimes de verdade.
É nesse sentido que Veiga-Neto (2000), com base no pensamento
foucaultiano, explica as formas pelas quais acabamos aceitando determinadas
verdades:
(...) não aceitamos uma verdade porque ela nos foi justificada
racionalmente, demonstrada plena e cabalmente como uma “verdade
verdadeiramente verdadeira”. Ou nós a aceitamos por um ato de violência
visível situação em que mais facilmente resistimos a ela ou nós nos
deixamos capturar por ela, como um efeito do poder, o qual, sendo sutil e
insidioso, nos impõe tal verdade como natural e, portanto, necessária (p.58).
Segundo Goellner (2005), a ciência do século XIX, que classificava e
analisava o corpo detalhadamente, foi a instância que legitimou uma educação do
corpo visando torná-lo útil e produtivo, disciplinado e passível de ser corrigido, tanto
em relação à sua anatomia, como em relação aos seus desvios sexuais. E aqui, é
importante lembrarmos da institucionalização da escola obrigatória (já comentada no
capítulo anterior), que tem grande efeito em relação à disciplina, o controle e a
regulação dos corpos.
A crença no progresso, no desenvolvimento e nos avanços da ciência
definiram determinadas condutas em relação ao corpo priorizando a eficiência, o
auto-controle e o menor desperdício de tempo. Nesse contexto, a escola passa a ser
um espaço privilegiado para atuar na educação dos corpos de crianças e jovens de
forma a criar e fortalecer hábitos e valores que pudessem dar suporte à sociedade
em construção, ou seja, produzir corpos capazes de expressar as normas da
sociedade industrial.
Nesse caso, podemos também falar da contribuição da maquinaria escolar
para possibilitar distinções de classe na sociedade capitalista, onde aquele “corpo
retilíneo, vigoroso, elegante, delicado e comedido nos gestos traduzia o
pertencimento à burguesia da época, enquanto o corpo volumoso, indócil,
desmedido, fanfarrão e excessivo era representado como inferior” (Goellner, 2005,
p.37).
Do mesmo modo, nos dias de hoje, por exemplo, obesidade e flacidez
muscular são consideradas indicadores de falta de controle, força de vontade ou de
determinação na seleção de executivos em empresas inteiramente determinadas
90
pelas necessidades impostas pela globalização, onde “ser ‘empresário da empresa’
e ser ‘empresário do próprio corpo’ integram o mesmo ideal” (Meyer e Soares, 2004,
p.9).
Podemos então dizer que esses discursos de governo do corpo continuam
presentes, tomando também outras formas, agindo de novas maneiras, nos
incitando a um auto-controle e promovendo o consumismo (cosméticos, alimentos
sem gordura, sem açúcar, produtos para emagrecimento, aparelhos de ginástica,
roupas, acessórios, etc.) característicos da sociedade capitalista. Sobre isso,
Foucault (1998, p. 147) comenta que “do século XVIII ao início do século XX,
acreditou-se que o investimento do corpo pelo poder devia ser denso, rígido,
constante, meticuloso”, a prova são os regimes disciplinares das escolas, hospitais,
famílias, cidades, etc. E depois se percebeu que este poder tão rígido não era tão
indispensável quanto se pensava, “as sociedades capitalistas podiam se contentar
com um poder mais sutil sobre o corpo” (Ibid., p. 147).
Atualmente há uma aparente liberdade para construirmos nossos corpos,
temos a nossa disposição inúmeros serviços proporcionados pela ciência que são
destinados a confecção de um corpo desejável, e o crescimento da indústria da
beleza tem permitido que possamos escolher produtos para as nossas mais diversas
necessidades. Por outro lado, essa mesma liberdade nos escraviza” frente aos
sonhos de consumo, produzidos por efeitos de um poder tênue, que não é
repressivo, talvez nem perceptível, mas que nos controla diariamente.
Esse novo investimento é denominado por Foucault (1998) como um controle-
estimulação (não mais o controle-repressão), ou seja, um poder que não é uma
força que diz não, mas que permeia, produz coisas, induz ao prazer, forma desejos,
produz discursos, forma saberes. Ele exemplica esse novo investimento na seguinte
frase: “Fique nu...mas seja magro, bonito e bronzeado!” (Ibid, p.147).
Nessa direção, podemos compreender que o corpo é então construído pela
linguagem, pois como Goellner (2005, p. 29) destaca, “a linguagem tem o poder de
nomeá-lo, classificá-lo, definir-lhe normalidades e anormalidades, instituir, por
exemplo, o que é considerado um corpo belo, jovem e saudável”.
5.1 O corpo é também o que dele se diz
91
Na condição pós estruturalista
45
, de acordo com Veiga-Neto (1996), não se
tem acesso à “realidade do mundo” porque não existe essa realidade, mas sim
múltiplas configurações que nós construímos, chamamos “realidade do mundo” e
damos múltiplos sentidos por meio da linguagem.
Compartilhando também esta idéia sobre o assunto, Costa (2000a) reafirma o
papel produtivo da linguagem, explicando que:
o que temos denominado “realidade” é o resultado desse processo no qual
a linguagem tem um papel constitutivo. Isso não quer dizer que não existe
um mundo fora da linguagem, mas sim, que o acesso a este mundo se
pela significação que é mediada pela linguagem (p.32).
Essa compreensão de que os discursos estão diretamente implicados naquilo
que as coisas são tem sido denominada “virada lingüística”, na medida em que
uma mudança de atitude em relação à linguagem, pois conferimos a ela o atributo
de produzir os significados (Costa, 2000a).
Além disso, a autora também acrescenta que junto com essa mudança na
forma de conceber a linguagem (virada lingüística), tem havido do mesmo modo
uma transformação na forma da cultura ser entendida, que tem sido denominada de
“virada cultural”. Sobre isso, Hall (1997) ao citar a centralidade cultural no mundo
contemporâneo
46
, menciona que nas últimas décadas do século XX, houve uma
revolução do pensamento humano em relação à noção de “cultura”, o que fortaleceu
o conceito de cultura como a soma de diferentes sistemas de classificação e
formações discursivas aos quais a língua recorre com a finalidade de dar sentido às
coisas.
A partir do entendimento de que “todas as práticas sociais, na medida em que
sejam relevantes para o significado ou requeiram significado para funcionarem, têm
45
A crítica pós-estruturalista implica a dissolução das metanarrativas (pressupostos sobre os quais se
assenta a modernidade), que nos “explicam” como é o mundo e nos aprisionam dentro de
enquadramentos que legitimam as instituições, as estruturas e as práticas sociais (Veiga-Neto, 2000).
46
Hall (1997), ao definir a sociedade contemporânea, nos fala sobre as mudanças que vêm
ocorrendo a partir do século XX. Ele fala de uma “revolução cultural”, na qual o domínio constituído
pelas atividades, instituições e práticas culturais expandiu-se para além do conhecido. A cultura tem
assumido uma grande importância em relação à estrutura e à organização da sociedade capitalista,
aos processos de desenvolvimento do meio ambiente global e à disposição de seus recursos
econômicos e materiais. Além disso, os meios de produção, circulação e troca cultural, crescem
consideravelmente através das tecnologias e da revolução da informação, o que tem causado
grandes impactos sobre os modos de vivermos, sobre o sentidos que damos às nossas vidas e sobre
nossas aspirações para o futuro.
92
uma dimensão cultural” (Hall, 1997, p. 32), o autor acima citado nos fala sobre a
atual proliferação de diversas culturas, por exemplo, a cultura do trabalho, a cultura
da família, a cultura da masculinidade, a cultura da magreza, a cultura do em forma,
enfim, universos por onde circulam determinados significados e verdades.
A cultura da magreza e do em forma podem ser exemplificadas com o
aumento de cirurgias plásticas no Brasil e em outros países do mundo nos últimos
anos (Andrade, 2004; 2005) e também com o crescimento do número de
adolescentes acometidos de distúrbios como a anorexia, a bulimia e a vigorexia
47
.
Em relação a isso, considero importante sinalizar que embora exista mais de uma
explicação
48
a respeito das causas da anorexia e da bulimia, a mais relevante tem
sido a de que associadas ao padrão de magreza promovido pela mídia circulam
mensagens que dizem: “ser magra é ser bela e portanto, feliz”, o que tem confundido
o conceito de felicidade com o de beleza e esse com o de magreza, gerando um
sentimento de inadequação principalmente nas meninas adolescentes, fase em que
estão mais vulneráveis a não aceitarem seus corpos pelas mudanças que neles
estão ocorrendo.
Santos (1998) ao exemplificar esses discursos que constituem o que é ser
belo, enfocando a mulher como principal alvo, afirma:
A beleza se constitui a partir de um aparato discursivo - e também de
visibilidade - que reúne diferentes discursos: o da saúde, o da religião, o da
moral, o do conhecer a si mesma, o da publicidade etc, que, tramados,
assumem outras significações, constituem as especificidades que
caracterizam o discurso sobre a beleza. Todos vão confluindo para a
47
Anorexia: foi descrita na Antigüidade greco-romana e pelo inglês Morton no século XVII com os
mesmos traços que as descrições clínicas atuais. Ela concerne às meninas em 90%, atingindo 1%
das meninas de 12 a 18 anos. É uma recusa voluntária de se alimentar acompanhada de um regime
alimentar particular e de um temor de ganhar peso, o que causa um emagrecimento acentuado e,
muitas vezes, a suspensão da menstruação (Clerget, 2004).
Bulimia: as características essenciais da Bulimia Nervosa consistem de compulsões periódicas por
alimentos e métodos compensatórios inadequados para evitar ganho de peso. A auto-avaliação dos
das pessoas com Bulimia Nervosa é excessivamente influenciada pela forma e peso do corpo, tal
como ocorre na Anorexia Nervosa (Ballone, 2003).
Vigorexia: mais comum em homens, se caracteriza por uma preocupação excessiva em ficar forte a
todo custo. Apesar dos portadores desses transtornos serem bastante musculosos, passam horas na
academia malhando e ainda assim se consideram fracos, magros e até esqueléticos, recorrendo aos
exercícios excessivos e a fórmulas mágicas para acelerarem o fortalecimento, como por exemplo, os
esteróides anabolizantes (Ballone, 2004).
48
O autor Clerget (2004), por exemplo, não considera a influência da mídia e explica a anorexia como
a incapacidade dos adolescentes (em geral as meninas) fazerem o luto do corpo da infância. Assim,
seus novos corpos são objeto de ódio e de uma tentativa de controle absoluto, o que leva ao desejo
de emagrecerem para desaparecerem suas formas e a menstruação ser suspensa, ou seja, essa é a
forma de atentar contra aspectos da feminilidade.
93
constituição de um certo modo de ser bela (uma determinada
representação), que vai desde a beleza como uma dádiva divina até a
noção de beleza que enfatiza o trabalho da mulher sobre o seu corpo, no
qual “só é feia quem quer”, conforme enfatizam as pedagogias culturais (p.
134).
Sendo assim, entender a linguagem como constitutiva da realidade (e nesse
caso, da própria noção de beleza que está em voga no momento), olhar o corpo de
forma a problematizá-lo, ou seja, questionando as representações criadas e
rompendo com os essencialismos, são algumas das sugestões e também
contribuições do campo teórico dos Estudos Culturais. Esse modo de olhar nos
permite um entendimento de muitos preconceitos existentes em relação aos corpos
que divergem do esperado na nossa cultura e nos possibilita uma compreensão dos
nossos próprios desejos como também formados culturalmente.
5.2 Eu sou feliz assim mesmo, talvez gorda, mas feliz...
49
Tentar entender como determinados padrões e ideais se constituem e refletir
sobre o quanto a estética tem peso no conceito de felicidade nos dias de hoje, foram
questões que também se tornaram mais presentes para mim a partir do estágio que
realizei em sala de aula, o qual foi aqui várias vezes mencionado por ter relação
direta com o caminho que percorri nessa pesquisa.
Quando contei a história das minhas experiências na escola, na parte
introdutória dessa dissertação, havia lembrado que me deparei com o problema
dos apelidos em sala de aula (estes geralmente relacionados a aspectos físicos) e
também que ao discutir numa aula um texto sobre uma adolescente que queria
muito emagrecer, constatei essa mesma insatisfação com o corpo em vários dos
meus alunos.
Devido a esses acontecimentos, tive a idéia de trabalhar, numa oficina,
problematizações acerca da “ditadura do corpo perfeito”, de forma a possibilitar uma
discussão em torno do quem vem sendo considerado como um corpo belo, que
instâncias vêm produzindo representações de beleza e que efeitos elas exercem
sobre as maneiras como nos percebemos e percebemos os outros.
49
Essa frase foi falada por uma aluna da série da Escola Cândida Zasso, em Nova Palma RS,
durante a implementação da oficina “A ditadura do corpo perfeito”.
94
Pesquisando sobre esse assunto, eu e o restante do grupo de pesquisa
pensamos em atividades que fizessem vir à tona as representações dos alunos em
relação ao corpo que vem sendo considerado desejável na nossa cultura, através de
algumas estratégias que demonstrassem como vêem seus corpos e o dos outros
colegas (na Figura 3 que abre esse capítulo estão alguns materiais que
confeccionamos para essa oficina).
A partir disso, a primeira atividade foi definida. Resolvemos que cada
participante deveria escolher um papelzinho fechado com o nome de um colega e
desenhar o colega que retirou, escrevendo ao lado do desenho três características
físicas, sendo que uma era aquilo que achava bonito no outro. Após, a turma teria
que adivinhar os colegas desenhados e seriam apresentadas as respectivas
características.
É importante acrescentar que essa atividade foi imaginada também para que
cada um pudesse perceber a imagem que o outro pode ter dele, sendo possível que
o colega achasse bonita uma característica que o próprio aluno nem considerava em
si. Consideramos que no início dessa atividade era importante deixarmos claro “o
que são características sicas” e pedirmos que os alunos desenhassem e
escrevessem individualmente, sem interromperem os colegas ao lado, que, nesse
caso, buscávamos opiniões pessoais.
Após a revelação dos desenhos (Figura 4)
50
e as possíveis discussões
geradas em torno deles, tivemos a idéia de trabalhar as diversas interpelações da
mídia para alcançarmos “medidas perfeitas” - que fazem com que as pessoas
busquem os mais variados recursos, sentindo-se insatisfeitas com seus corpos e
suas possíveis influências nos transtornos: anorexia, bulimia e vigorexia. Decidimos
então problematizar essas questões a partir de fichas com imagens e fragmentos de
textos que estariam dispostos num varal para os participantes escolherem e
comentarem (primeiramente em dupla e depois com o grande grupo).
Na tentativa de mapear o que os alunos desejavam mudar em seus corpos,
que também nos levariam a identificar as representações que tinham de um corpo
95
Sendo assim, incluímos o texto De fora para dentro retirado do livro
Adolescentes em diálogo com os pais, de Gillini e Zattoni (1998)
51
- que conta a
história de uma menina que sofre com as mudanças de seu corpo na adolescência e
que deseja muito emagrecer este seria lido coletivamente e na seqüência os
participantes falariam que modificações fariam ou não em seus corpos.
Para os alunos, pensamos que essa atividade possibilitaria uma discussão
sobre seus possíveis complexos e/ou desejos de mudança e acerca do ideal de
corpo ao qual eles aspiram. Além disso, também poderia servir para que eles
compartilhassem problemas, medos e vontades.
Para finalizar, resolvemos escolher uma música que falasse de nossos
desejos e também de nossas imagens construídas a partir do olhar dos outros. A
música que mais se relacionou com essas questões foi Balada do Louco”, de Rita
Lee e Arnaldo Baptista, que fala da possibilidade de sermos como desejamos, sem
nos importarmos com o julgamento de outras pessoas: “Dizem que sou louca, por
pensar assim, se eu sou muito louca por eu ser feliz, mais louco é quem me diz, e
não é feliz, não é feliz”.
Essa oficina que denominamos A ditadura do corpo perfeito” foi
implementada nas turmas de Nova Palma e em três escolas de Santa Maria: 7ª série
da Escola Estadual de Ensino Fundamental Edson Figueiredo, série da Escola
Municipal de Ensino Fundamental Castro Alves e série da Escola Estadual Edna
May Cardoso (nas turmas dos estagiários que realizaram o curso das oficinas).
O número de implementações dessa oficina superou o das demais, sendo a
mais escolhida pelos acadêmicos estagiários provavelmente por possuir atividades
que “falam mais de perto” com o corpo dos participantes, pois os alunos desenham-
se uns aos outros, se observam, comentam sobre seus corpos, gostos, desejos e
angústias (possibilidades que os acadêmicos destacaram ao avaliarem a oficina).
Além disso, o que também talvez explique essa preferência seja o fato dessa oficina
ter provocado um maior envolvimento entre os próprios acadêmicos, talvez pouco
acostumados a ouvirem elogios dos colegas sobre seus aspectos físicos.
Na série da Escola Edna May Cardoso, foi possível dividir a turma para a
realização da oficina (em função de melhor possibilitar o diálogo); metade ficou
51
GILLINI, G. e ZATTONI, M. T. Adolescentes em diálogo com os pais. São Paulo:
Paulinas, 1998.
96
comigo na sala de aula e a outra parte foi juntamente com a professora estagiária
para um salão da escola usado para palestras. No final das implementações,
conversando com a professora estagiária, ouvi dela que “os alunos não levaram a
sério as atividades, confundiram o que era proposto, brincaram muito e o resultado
não foi o que ela esperava”, entretanto, na metade da turma que ficou comigo na
sala de aula, tudo transcorreu tranqüilamente, talvez porque os alunos não me
conhecessem e se sentiram menos à vontade para “bagunçar”, talvez por eu haver
dirigido de forma diferente a oficina, talvez por tolerar mais barulhos e conversas, ou
por ter implementado em uma sala de aula, na qual os alunos se sentiram mais
presos e precisaram ser mais silenciosos, mais “comportados”.
Já na 7ª série da Escola Edson Figueiredo, turma na qual também foi possível
a separação dos alunos, aconteceu o contrário, eu levei uma parte deles para um
salão amplo e os outros ficaram na sala de aula com a estagiária e novamente aqui
os resultados foram diferentes, dessa vez a estagiária não comentou que houve
problemas em relação à disciplina dos alunos, mas sim que eles não podiam se
expressar com muita liberdade, para não atrapalharem as outras turmas ao lado.
Enquanto que no salão onde eu estava com os alunos, eles falavam bastante
(também por estarem em menor número, o que permitiu a todos se expressarem) e
pareciam até mesmo alegres por encontrarem-se num “ambiente novo”, mais amplo
que a sala de aula.
Essas experiências me levaram a perceber que possivelmente eu não olhava
para os dados de maneira semelhante aos acadêmicos estagiários que também
implementaram a oficina, até porque tivemos distintas vivências e, nesse caso, eu
estava olhando no lugar de pesquisadora, um lugar que havia me possibilitado
enxergar aspectos mais relacionados às leituras e estudos que eu vinha realizando.
O que todo mundo vê nem sempre se viu assim. O que é evidente (...) não é
senão o resultado de uma certa dis-posição do espaço, de uma particular
ex-posição das coisas e de uma determinada constituição do lugar do olhar
( LARROSA, 2002b, p. 83).
Além disso, esses distintos espaços (o salão e a sala de aula) provaram-me
que diferem nas suas possibilidades e permissões. Como as oficinas o práticas
que não se enquadram numa “educação moderna” que possui idéias de
97
dificultando que elas aconteçam ou até mesmo as descaracterizando. Embora em
todas as salas buscássemos dispor os alunos em círculo (ver Figura 5, p. 116), de
forma que se olhassem mais e melhor e interagissem, o espaço, ainda assim,
parecia limitar os movimentos dos corpos, determinando seus lugares e permissões.
Rocha (2000, p. 118) nos fala do espaço escolar como um elemento do
currículo, um espaço privilegiado e legitimado de produção e de saberes e poderes
que “delimita usos, provoca rupturas, mantém hierarquias, disciplina, controla, vigia
e produz subjetividades”. Louro (2001a), relatando a construção escolar de
diferenças ainda acrescenta que:
A escola delimita espaços. Servindo-se de símbolos e códigos, ela afirma o
que cada um pode (ou não pode) fazer, ela separa e institui. Informa “o
lugar” dos pequenos e dos grandes, dos meninos e das meninas. Através
de seus crucifixos, santas ou esculturas, aponta aqueles/as que deverão ser
modelos e permite, também que os sujeitos se reconheçam (ou não) nesses
modelos. O prédio escolar informa a todos/as sua razão de existir. Suas
marca, seus símbolos e arranjos arquitetônicos “fazem sentido”, instituem
múltiplos sentidos, constituem distintos sujeitos (p. 58).
Com relação ao desenvolvimento da primeira atividade da oficina, quero
relatar que observei, em todas as turmas nas quais a implementei, bastante
descontração dos alunos, eles se divertiram com os desenhos e suas revelações, e
como sempre deixei bem claro que era um exercício a ser feito com muita seriedade,
sem “ridicularizarem” os colegas e era muito importante que cada um achasse uma
característica bonita no outro para citar, não encontrei problemas nessa realização.
Os alunos se observavam, pensavam, riam, conversavam com o colega do
lado sobre os desenhos (a maioria não conseguia guardar segredo sobre quem
estava desenhando), e eram muito curiosos nas revelações. Quanto às
características físicas que tinham de apontar dos colegas, foi perceptível o receio
dos meninos (em sua maioria) de falarem uma característica física que achavam
bonita nos outros meninos, saíram perguntas como: “Dá para colocar a côr do
cabelo?” (7ª série, Escola Edson Figueiredo, Santa Maria).
Tanto em Nova Palma quanto em Santa Maria, grande parte dos meninos
indicou o cabelo como a característica mais bonita do outro, as meninas já se
permitiam considerar os olhos, o sorriso, as mãos. Essas escolhas estão ligadas
àquelas representações de masculinidade e feminilidade construídas culturalmente
que também já haviam aparecido nas outras oficinas, as quais em relação aos
98
homens, os impedem de apreciarem-se uns aos outros, pois indicam como devem
se portar para serem percebidos como heterossexuais, “machos”, e “normais”.
Nessa direção, Louro (2005) reforça a idéia (já apresentada aqui em
discussões anteriores) de que a instituição escolar norteia suas ações por um
padrão de aluno, considerando apenas um modo adequado e normal de ser homem
e mulher e concebendo a heterossexualidade como natural e universal, afastar-se
desse padrão significa buscar o desvio, sair do centro, tornar-se excêntrico” (p.44).
Os alunos possivelmente por perceberem o risco que enfrentariam ao dizerem
determinadas coisas e expressarem-se de certas maneiras, escolhiam quase
sempre as mesmas características para apontarem nos colegas e dessa forma,
falando conforme o coletivo (a maioria, a norma), sentiam-se mais cômodos, mais
protegidos.
Embora fosse uma atividade “semelhante a uma brincadeira”, pude notar o
grande interesse dos alunos nela e a importância que pareciam dar para tal
proposta, eles caprichavam nos desenhos, julgavam-nos e, principalmente, ficavam
apreensivos ao ouvirem as características citadas pelos outros, demonstrando muita
atenção ao escutarem o que diziam de seus corpos, como eram vistos, como eram
representados. Costa (2001), fala sobre esse poder de narrarmos o outro, de
classificá-lo, de descrevê-lo, um poder que nos afeta quando estamos também
sendo representados:
Quando alguém ou algo é descrito, explicado, em uma narrativa ou
discurso, temos a linguagem produzindo uma “realidade”, instituindo algo
como existente de tal ou qual forma. Neste caso, quem tem o poder de
narrar o outro, dizendo como está constituído, como funciona, que atributos
possui, é quem as cartas da representação, ou seja, é quem estabelece
o que tem ou não tem estatuto de “realidade” (p.10).
A respeito disso, Louro (1999) comenta sobre as diferentes permissões” que
determinados grupos sociais têm para representarem a si mesmos, grupos esses
que, por ocuparem as posições centrais de gênero, sexualidade, raça, classe,
religião, têm historicamente a possibilidade de se representarem e também de
representarem os outros. Conforme nos fala Costa (1998, p. 61), “a ‘ordem da razão’
tem sexo, etnia e projeto político-filosófico”, já que os sujeitos da racionalidade
ocidental, os arquitetos da modernidade, que instituíram conhecimentos identificados
como patrimônio cultural da humanidade, são masculinos, brancos e europeus.
99
Eles falam por si e também falam pelos “outros” (e sobre os outros);
apresentam como padrão sua própria estética, sua ética ou sua ciência e
arrogam-se o direito de representar (pela negação ou pela subordinação) as
manifestações dos demais grupos (LOURO, 1999, p.16).
Em relação às minhas observações, quero também registrar que a maior
parte dos meninos, ao desenharem meninas, as consideraram magras. Algumas
meninas, em contrapartida, riam e diziam que estavam gordas, e eles rebatiam
dizendo que elas “sumiriam se emagrecessem mais. Os alunos, ao receberem as
imagens de meninas anoréxicas e lerem nas fichas as informações dos sites que
elas possuíam na Internet para trocarem “dietas” e “dicas”, espantaram-se, tamanha
era a perplexidade com que olhavam as fotos. Em Santa Maria, dois alunos
comentaram que conheciam pessoas com esses transtornos, contaram suas
histórias, e pudemos conhecer um pouco “do mundo” das pessoas que vivem esses
problemas, as quais estão mais presentes e mais próximas de nós do que
pensamos.
Na atividade seguinte à leitura do texto (que conta a história da adolescente
obcecada pela idéia de emagrecer), os alunos, ao falarem sobre o que queriam
mudar em seus corpos, demonstraram muitas representações ligadas ao ideal de
beleza vigente na nossa sociedade e que circula na mídia, representações de um
corpo “ideal” feminino e de um corpo “ideal” masculino.
Além de emagrecer (várias sabiam “dietas da moda”), muitas meninas
queriam ter o cabelo mais liso e os olhos claros. A preocupação em ser reconhecida
como bonita e magra pelos homens e por outras mulheres é o que vem
assombrando o universo feminino nos dias que correm, e o discurso veiculado nas
revistas voltadas para os cuidados com o corpo feminino pode ser considerado um
dos produtores dessas representações. Segundo Andrade (2005), que analisa essas
revistas, as meninas são interpeladas pelo ideal de corpo saudável, magro e
malhado desde crianças, para que aprendam desde cedo a controlarem seus
impulsos e anseios e a consumirem determinados produtos que lhes permitam
essas formas, assim, “a sombra da obesidade e a idéia de um corpo ‘disforme’
parecem pesar tanto quanto a consciência daquela/e que come” (p.112). Abaixo
algumas falas que demonstram as modificações às quais elas aspiram:
100
“Que meus cabelos fossem menos volumosos, emagrecer dois quilos,
mudar a cor do cabelo e ter cabelos lisos (6ªsérie, Escola Cândida
Zasso, Nova Palma).
Emagrecer cinco quilos porque estou gorda. Deixar o cabelo totalmente
liso (6 série, Escola Cândida Zasso, Nova Palma).
“Eu mudaria os olhos, colocaria azuis(7ªsérie, Escola Cândida Zasso,
Nova Palma).
“Eu mudaria quase todo o meu corpo, emagreceria uns dez quilos,
colocaria uma lente azul, faria uma tatuagem no pé, na mão, e mudaria o
cabelo(7ªsérie, Escola Edson Figueiredo, Santa Maria).
“Eu não me acho perfeita, mas confesso que algumas coisas em mim eu
mudaria.Primeira coisa seria o cabelo, deixaria ele liso e a segunda seria a
altura como se tivesse como? E por último faria uma dieta bem reforçada
que emagrecesse mesmo” (7ªsérie, Escola Edna May Cardoso, Santa
Mi49(,)8.836(l)8.8366(n)-4.22756a)
101
internalizadas por nós através de dispositivos como a televisão, por exemplo, a
ponto de nos tornarmos infelizes caso nossa vida não corresponda a essas
exigências.
Quanto ao cabelo mais liso e os olhos claros que foram reverenciados várias
vezes, penso que nos indicam a centralidade (na sociedade e nas narrativas
escolares) da representação de um corpo universal com características do sujeito
europeu e branco (Fabris, 2001), características essas que na cidade de Nova
Palma, por ser uma localidade de imigração predominantemente italiana, têm sido
consideradas a regra.
Para Santos (1998), as estratégias de branqueamento não se constituem
apenas em clarear a pele ou alisar os cabelos, mas principalmente nos modos de se
ver em relação aos brancos e de ocupar as posições de sujeito estabelecidas pelas
narrativas que colocam o branco no sistema representacional como o “natural”. Acho
oportuno mencionar a fala do único aluno negro na sala da 6ª série em Nova Palma,
a respeito das modificações que desejava fazer em seu corpo: “Queria ter cabelo
liso e a pele mais clara”.
Sobre a vontade de ser mais claro”, penso que certamente era muito difícil
para esse aluno aceitar-se numa sala de aula onde predominavam colegas brancos
descendentes de italianos e/ou alemães e o quanto era importante para ele ser
como os demais, que provavelmente era visto como diferente. Ali, o corpo do
aluno negro tornava-se distante de sua cultura de origem e, conforme afirma Santos
(1998), quando isso acontece, o referido corpo acaba por ser visto como diferente
em seus hábitos, valores, gostos, cor, estilo, etc., já que cada cultura tem um
determinado corpo social que produz corpos individuais.
Parente (2001) amplia essa discussão, ao referir-se acerca da criação de uma
imagem negativa sobre ser negro, de modo que para o indivíduo ser considerado
humano, torna-se necessário comportar-se nos moldes da cultura euro-americana e
não da cultura africana. Segundo a autora, ao aluno negro é negada a possibilidade
de construção de uma identidade positiva na escola, pois nela, o que não é branco
não é a norma e passa a ser considerado o “outro”, o que leva a serem muitas vezes
ocultadas as lutas e as tradições africanas nas salas de aula.
A diversidade dos corpos está cada vez mais ausente no currículo escolar,
ignora-se o corpo negro, o corpo homossexual, o corpo tatuado, não se discute os
outros tantos corpos que estão na escola. Ao não problematizar a construção de
102
representações hegemônicas sobre o corpo, a escola contribui para que sejam estas
cada vez mais naturais, difíceis de serem contestadas, e dessa maneira, de acordo
com Larrosa (2002b), vamos sendo induzidos a nos julgarmos e convidados a uma
certa administração, governo e transformação de nossos corpos em relação a essas
narrativas centrais; sempre temos o que melhorar, o que desejar e o que consumir
para nos tornarmos felizes e aceitos.
Assim, a todo momento com a idéia de falta, nos tornamos escravos de um
corpo que está na nossa imaginação: falta emagrecer, falta reduzir as rugas, ficar
livre da celulite e das estrias, falta ser mais forte, ter o corpo mais definido. Ser mais
forte, por exemplo, está dentro daquela representação de corpo físico ideal
masculino, que tem a ver com as representações de masculinidade em que o
homem é o ser “corajoso”, o responsável por defender a “fêmea e a prole”, nota-se
que ser mais musculoso é o desejo da maioria dos homens, citado várias vezes nas
salas de aula em que implementei a oficina e principalmente pelos alunos mais
velhos. Seguem dois exemplos:
Quero ser mais alto e mais forte (7ª série, Escola Cândida Zasso,
Nova Palma).
“Eu queria emagrecer 5 kg e aumentar a massa muscular(8ª série,
Escola Cândida Zasso, Nova Palma).
Conforme Louro (1999, p. 15), “as imposições de saúde, vigor, vitalidade,
juventude, beleza, força são distintamente significadas, nas mais variadas culturas e
diferentemente atribuídas aos corpos de homens e de mulheres”. A autora, em uma
obra de 1986, que analisa a história da educação e da sociedade no Rio Grande do
Sul
52
, nos fala que nos livros escolares, o gaúcho geralmente aparece como
guerreiro, bravo, independente e amante da liberdade, enquanto a mulher está
ausente ou é definida como a “chinoca”, bonita e fugaz, o que também tem a ver, no
caso da história gaúcha, com a ocorrência de uma constante luta por questões de
terrras onde os homens precisavam da força para enfrentarem as batalhas e as
mulheres ficavam a sós com a responsabilidade dos filhos, envoltas com as prendas
52
LOURO, G. L. História, Educação e Sociedade no Rio Grande do Sul. Cadernos Educação e
Realidade, Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS,
1986.
103
domésticas: cozinhando, cuidando das crianças, fazendo rendas (por sinal requisitos
para um casamento) e enfeitando-se para esperarem os maridos.
Além desses descontentamentos dos alunos com seus corpos, acho
relevante trazer a fala de alguns totalmente insatisfeitos com suas imagens corporais
e que se vêem como feios. Esse ver-se, tal como declara Larrosa (2002b), converte-
se em um julgar-se, quando dispomos de um código de leis em relação às quais nos
julgamos, portanto, o aluno converte-se em um caso para si próprio, ou seja, se
apresenta para si próprio delimitado, conformando-se à norma. Eis as falas:
“Eu mudaria o meu corpo, meu cabelo porque não gosto do jeito que sou
(7ª série, Escola Cândida Zasso, Nova Palma).
“Eu queria nascer de novo(série, Escola Edson Figueiredo, Santa
Maria).
“Eu mudaria todo o meu corpo, porque eu me acho feia(7ªsérie, Escola
Cândida Zasso, Nova Palma).
A frase da aluna eu me acho feiaé mais do que um simples “não gostar do
próprio corpo”, é, acima de tudo, narrar-se a partir do arquétipo de beleza que vigora
na sociedade contemporânea. Santos (1998) ao apresentar os resultados de um
trabalho semelhante a esse, no qual os alunos (trabalhadores metalúrgicos) de um
curso de supletivo de primeiro grau noturno falavam o que pensavam sobre seus
corpos, analisa a fala de uma aluna que gostaria de trocar seu rosto pelo da atriz
Maitê Proença, mulher reconhecidamente bonita:
Ela se acha feia não porque existe dentro dela um censor que lhe diz, cada
vez que ela se olha no espelho, “fulana, você é feia” (...) é em relação a um
determinado discurso sobre a beleza, ou sobre o quê ou quem é uma
mulher bonita (...) que ela se constitui como feia (p. 129).
Também cruzando os achados dessa oficina com os da anterior (O corpo
como tela...voltando às origens ou construindo novos corpos), observo o que
disseram alguns alunos sobre a vontade de usarem tatuagens e piercings (quando
falaram das modificações que fariam em seus corpos). É importante ressaltar que na
série da Escola Cândida Zasso em Nova Palma, não houve nenhum aluno que
desejasse essas mudanças corporais (turma na qual havia evidenciado
representações ligadas a um estereótipo de marginalidade conferido aos usuários
desses adornos), em compensação, na série da Escola Edna May Cardoso em
104
Santa Maria e nas outras séries (6ª, e 8ª) da Escola Cândida Zasso em Nova
Palma, aparecem alguns comentários de alunos que pensam em aderir a essa
moda:
“Colocaria uma tatuagem e mudaria os cabelos”( série, Escola Edna
May Cardoso, Santa Maria).
“Gostaria de colocar um piercing, gostaria ter olhos azuis. Gostaria de ser
alta” (7ª série, Escola Cândida Zasso, Nova Palma).
“No meu corpo eu mudaria o nariz e colocaria uma tatuagem (7ª rie,
Escola Cândida Zasso, Nova Palma).
“Queria colocar piercing, fazer duas tatuagens ( série, Escola Cândida
Zasso, Nova Palma).
Diante disso, constato que a satisfação com o corpo é praticamente uma
utopia, todos ou quase todos estamos engajados numa constante luta com a
balança, nos preocupando em sermos desejados e considerados bonitos. De tal
modo, vamos produzindo, negociando e assumindo diferentes identidades, atrelados
na rede da publicidade e do consumo, que conforme aponta Santos (1998), produz
diferentes significados através de variadas representações para que possamos nos
identificar com seus produtos e adquiri-los.
Por último, ainda relato as falas de dois alunos que parecem aceitar seus
corpos (pois não revelam nenhuma vontade de modificá-los), mas que são
contraditórias, remetendo a outros enunciados, ou seja, os alunos, ao buscarem
demonstrar sua liberdade em relação ao discurso de beleza vigente, enquadram-se
em outras limitações.
“Eu sou feliz assim mesmo, talvez gorda, mas feliz(6ªsérie, Escola
Cândida Zasso, Nova Palma).
“Quero continuar do jeito que Deus me fez (5ªsérie, Escola Cândida
Zasso, Nova Palma).
Nesse sentido, ser gorda, mas feliz sugere o quão “heroína” uma mulher
deve ser a ponto de ser gorda e conseguir ser feliz, que a regra é “ser gorda e
infeliz”, tal como numa das fichas problematizadas na oficina em que há a
propaganda de um hotel com o seguinte enunciado: “Um hotel para o gordo ser
feliz”, como se gordura e felicidade fossem incompatíveis. a segunda fala: quero
105
continuar do jeito que Deus me fez” aponta para a força do discurso religioso
expresso no sentido de ser “pecado” uma rejeição do próprio corpo.
Ambas as falas, a primeira remetendo à representação de que a beleza está
associada com a felicidade e a segunda acerca de um corpo padrão igual e
disciplinado, que emergiram de alunos aparentemente satisfeitos com seus corpos,
106
Figura 4
6 DIFERENTE DA CHATICE DA AULA
As avaliações por escrito que os alunos das escolas entregaram após as
implementações das oficinas foram muito válidas, tanto no sentido da verificação
dos resultados do trabalho realizado, como também por demonstrarem a distância
entre o que pretendíamos desenvolver na escola e o que vem sendo considerado
como “aula” e como “conteúdo escolar” por professores e alunos.
Os professores
53
que disponibilizaram seus períodos para a realização das
oficinas foram convidados a assistirem e/ou participarem das atividades, pois
imaginei que esta seria uma possível forma de interação com o trabalho, ou seja,
presenciando a proposta, eles, caso a apreciassem, poderiam usá-la em turmas
posteriores, contarem para os colegas ou obterem algumas sugestões de práticas
educativas. Para minha surpresa, apenas uma professora esteve presente numa
implementação e outra me explicou que com sua ausência, acreditava me deixar
“mais à vontade”. Não quero aqui julgar a veracidade de sua justificativa, mas pela
ausência ter sido uma atitude quase unânime entre os professores, me senti tentada
a encontrar respostas para essa fuga, que me pareceu uma constante nas escolas
por onde passei.
De forma geral, os alunos e também os professores, parecem querer
“escapar” da escola, ou mais precisamente da sala de aula. A ansiedade pelo sinal
de saída tocar, pela aula de Educação Física e pelo recreio, são aparentemente
problemas apenas dos alunos conforme dizem “sujeitos que precisam de mais
disciplina para se moldarem às normas da instituição” - , mas ignora-se o fato de que
os professores, muitas vezes ou sempre, também sentem vontade de liberarem os
alunos antes do “sinal tocar”, ou ainda, de não auxiliarem alunos estagiários de suas
disciplinas na elaboração dos planos de aula e suas execuções, para usarem o
tempo livre num “bate-papo” na sala dos professores.
Sinto a liberdade de fazer essas colocações, pois me senti nas três
posições, de aluna, de estagiária e de professora, confesso também que todos
53
Me refiro aos professores regentes das turmas de estágio dos acadêmicos e aos professores de
outras disciplinas que cederam seus períodos para as implementações. Aqui não incluo a professora
de Ciências, integrante do grupo INTERNEXUS, que me ofertou seus períodos e sempre estava
presente quando eu os ocupava.
108
esses anseios de liberdade se apoderaram de mim em diferentes momentos que vivi
na escola e, por isso, procuro entender esse desejo de fugir daquele espaço como
um problema da estrutura escolar e não como um desleixo ou uma “preguiça” por
parte dos docentes e discentes. Acredito que enquanto nós professores não
encontrarmos sentido para o que fazemos, estaremos ali apenas executando
funções e, deste modo, conforme afirma Corrêa (2000a), estaremos apenas
mantendo o funcionamento da maquinaria que nos produziu, o que torna o trabalho
não prazeroso, sem objetivos e cansativo.
Certo descaso pelo trabalho das oficinas eu senti por parte de algumas
professoras, quando, por exemplo, conversei com uma delas no recreio sobre a boa
participação dos alunos nas atividades propostas (a partir da pergunta dela sobre
como os alunos estavam) e ouvi: os alunos estavam ótimos porque vocês estavam
brincando”. Em contrapartida, as avaliações dos alunos a cada oficina que passava
me deixavam mais feliz, pois era ali com eles que conseguia encontrar significado
para tudo aquilo que anteriormente havia planejado com o grupo e para todas as
idéias mirabolantes que nhamos e que não se assemelhavam nenhum pouco às
aulas que eles estavam habituados.
6.1 O que os alunos dizem sobre poderem dizer algo
Ler a frase de um aluno que avaliou uma das oficinas como interessante,
“diferente da chatice da aula”, me fazia acreditar no trabalho que estava
desenvolvendo, embora com todos os empecilhos de tempo e espaço, tentava
orientar-me pelo que sugere Fabris (2001) ao referir que precisamos olhar para o
tempo e o espaço da escola como construções sociais e categorias socialmente
inventadas, para então deslocá-las e recriá-las. Algumas das avaliações que
comparam as oficinas com as aulas que são desenvolvidas pelos seus professores
são citadas abaixo:
“Eu gostei muito, é importante. Para a nossa sorte foi na hora certa, bem
nas aulas de ciências(8ª série, Escola Cândida Zasso, Nova Palma).
“Foi boa e gostei de tudo e gosto das oficinas porque perdemos duas
aulas inclusive a prova(6ªsérie, Escola Cândida Zasso, Nova Palma).
“Eu gostei muito da oficina porque nós perdemos duas aulas e foi muito
mais aproveitado(6ªsérie, Escola Cândida Zasso, Nova Palma).
109
“Eu gostei, e mais uma vez aprendemos mais um pouco sobre tatuagens e
piercings. Pelo menos no futuro lembraremos que alguém nos ensinou
algo interessante e bom (7ª série, Escola Cândida Zasso, Nova Palma).
“Eu achei tudo muito bom! Foi uma aula diferente e isso vale a pena, e
quero que tenha de novo(7ªsérie, Escola Edson Figueiredo, Santa
Maria).
“Gostei muito dessa oficina, muito interessante e divertida, com diversos
assuntos e diferente da chatice da aula (7ªsérie, Escola Edson
Figueiredo, Santa Maria).
“Eu gostei de todas as aulas. Além de nos livrar das matérias mais
pesadas, nos antenou na realidade” (8ªsérie, Escola Cândida Zasso,
Nova Palma).
Compreendendo que, tanto para os alunos quanto para os professores, as
oficinas não “eram aulas” - pelo menos não aquele formato de aula que preza por
carteiras enfileiradas, transmissão de conteúdo, matéria ditada e avaliação por nota -
percebi que realmente estava diante de duas maneiras diferentes de educar, de
acordo com as palavras de Corrêa (2000a, p. 107), “afastadas tanto no que dizem
respeito aos meios quanto aos fins”. Além disso, através de minhas observações,
constatei que os alunos se viam diante de algo totalmente diferente do que
comumente acontecia em suas vidas escolares, que quando alguém (policial,
enfermeiro, dentista, médico, etc.) vai à escola para desenvolver algum trabalho,
esse quase sempre é uma palestra. Exemplifico essas considerações com a frase
de um aluno que queria “encontrar um nome” para as atividades desenvolvidas (as
oficinas): “Foi muito legal, ótimo, legal, ótimo, canal, muito legal, legal mesmo e
muito obrigado pela palestra ou sei lá! (6ªsérie, Escola Cândida Zasso, Nova
Palma).
Sem ter como finalidade o conteúdo escolar, as matérias mais pesadas”,
conforme os alunos mencionaram, a oficina para Corrêa (2000a) deve ser tomada
como prática educativa em si e não como meio para produzir aulas melhores e mais
interessantes, abrindo-se dessa forma, como um campo autônomo de pesquisa em
educação, que perde muito de suas características ao ser “adapatada à escola”,
devido às limitações que enfrenta nesse espaço.
O fato de a dialogicidade ser geralmente compreendida como desordem e
brincadeira na sala de aula talvez seja o principal obstáculo para o desenvolvimento
dessas práticas na escola, supondo-se que a tarefa desta tem sido coordenar,
disciplinar, ordenar e dirigir. Rocha (2000) analisando a revista Nova Escola (com
110
grande circulação entre os professores)
54
ressalta o discurso de suas publicações
como sendo constituinte de representações acerca do espaço escolar e relata uma
matéria intitulada “Brincando de detetive eles aprendem melhor” (Nova Escola, 1986,
n.3, p. 22-24), em que se percebe que a escola, fora de seu espaço tradicionalmente
reconhecido, passa a ser vista como uma brincadeira, e assim sendo, determinados
enunciados vão produzindo a própria idéia do que é uma aula e do que é
transgressão à regra, impedindo que outras abordagens sejam concebidas como
111
medida em que as pessoas vão apresentando suas competências, seus
gostos, suas intenções, vão-se definindo caminhos, utopias, situações a
atingir. É nesse clima que, para além de rótulos que supõem funções, vai
agindo em cada um alguém que até ali viveu, que tem histórias, que a
partir delas determinadas coisas como problemas, que passa a propor
estratégias, a buscar meios (p. 114, 115).
A quase totalidade das avaliações dos alunos foi positiva, eles valorizaram
muito a permissão para expressarem suas opiniões na discussão de assuntos que
faziam parte de suas vidas naquele momento, que nas aulas essa oportunidade
geralmente não existia ou, conforme apontam suas falas, sentiam-se pouco à
vontade para discutirem tais assuntos, para falarem de seus corpos:
“Muito bom, antes muito de nós não tínhamos coragem de falar sobre o
que foi falado” (8ªsérie, Escola Cândida Zasso, Nova Palma).
“Eu achei essa oficina muito melhor que a outra, não que a outra tenha sido
ruim, pelo contrário, foi tri legal. Mas a de hoje me interessou mais porque
eu estou bem afim de fazer umas tatuagens e colocar dois piercings”.
(7ª série, Escola Cândida Zasso).
“Estava legal, falamos de tatu e piercings. Esses assuntos são do nosso
dia-a-dia.Foi muito bom, e melhor ainda que você veio na aula de historia,
espero que você venha de novo”.(série, Escola Cândida Zasso, Nova
Palma).
“Eu gostei muito dessas aulas, e principalmente da música, pois eu acho
esta oficina muito interessante porque ela discute temas polêmicos e nós
podemos revelar nossas opiniões.(8ªsérie, Escola Cândida Zasso,
Nova Palma).
“Foi uma oficina muito boa tiramos muitas informações foram tocados em
assuntos que antes não falávamos (8ª série, Escola Cândida Zasso,
Nova Palma).
“A oficina foi bem divertida, os assuntos bem legais e interessantes. Os
assuntos foram do interesse nosso, dos adolescentes(7ª série, Escola
Edson Figueiredo, Santa Maria).
Eram nítidos o interesse e a participação dos alunos nas discussões bem
como a alegria e a atenção ao ouvirem as músicas, recurso tão pouco utilizado na
escola e tão rico no aprendizado da leitura, da interpretação e da criticidade. Sobre
isso, é relevante comentar que numa escola, a estagiária precisou insistir na direção
para obter o aparelho de som, visto que os alunos estavam de “castigo” por não
terem se comportado na última vez em que o som havia sido ligado. Trago duas
avaliações onde eles destacam como ponto positivo o uso da música nas oficinas:
112
“Espero que vocês voltem para nos mostrar mais novas coisas com músicas
nacionais e internacionais.” (5ª série, Escola Cândida Zasso, Nova
Palma).
“A aula foi boa, interessante, todo mundo participou, discutimos vários
assuntos e com a sica para distrair e ficar a vontade” (7ª série, Escola
Edson Figueiredo, Santa Maria).
6.2 As oficinas construindo representações: o que os alunos dizem sobre
poderem mudar o que diziam
Também tento explorar a capacidade das oficinas de construírem outras
representações, de possibilitarem outras atitudes, outros olhares, outras formas de
percepção de si e dos outros. Por possibilitar a comunicação, que tem importância
primordial nos fenômenos representativos, que ela é condutora da própria
linguagem, as oficinas podem ser compreendidas como mais uma prática que
também constitui os sujeitos. De acordo com Larrosa (2002b), o eu se forma
temporalmente para si mesmo a partir de narrativas, é contando histórias, nossas
próprias histórias, o que nos acontece e o sentido que damos ao que nos acontece,
que damos a nós próprios uma identidade no tempo” (p. 69).
Além de buscarmos a exposição das representações dos alunos a partir das
discussões realizadas, o que lhes possibilitava partilharem com os colegas suas
opiniões, também tratamos o corpo de uma forma provavelmente diferente da que
vinha sendo desenvolvida na escola. Toda essa diversidade de posições (as dos
colegas, as que continham nos materiais das atividades, a minha), talvez resultasse
em mudanças nas suas formas de pensar, mesmo que sutis ou momentâneas.
Analisando suas avaliações, destaco que muitos alunos sinalizaram para uma
possível melhora na aceitação de seus corpos a partir das oficinas, segundo eles,
passaram a se gostar mais” e a se valorizar mais”. Quero esclarecer que a
pretensão das oficinas não era diretamente promover essa melhora na “auto-
estima”, não queríamos propor mais uma pedagogia que nos diz como devemos ser,
o que devemos sentir e como devemos nos ver, nosso propósito era sim
proporcionar aos alunos problematizações desses discursos que vão nos
inscrevendo, para que a partir disso, eles pudessem entender alguns porquês de
seus desejos de mudanças corporais ou das dificuldades de aceitarem seus corpos.
Gostaria eu que tudo o que foi dito ali realmente houvesse acontecido, que os
113
alunos passassem a ser mais felizes com seus corpos, entendendo que o conceito
de beleza é uma construção que varia culturalmente e historicamente e que outras
representações são possíveis:
“A oficina foi legal, pois falamos de temas polêmicos e de hoje em diante,
aprendi a gostar mais de mim”. (8ªsérie, Escola Cândida Zasso, Nova
Palma).
“Eu achei uma aula bem diferente e bem legal, porque a gente se conhece
melhor com os outros desenhando, a gente também tem consciência de
não fazer nenhuma loucura como aquelas pessoas anoréxicas e etc...
Bom como eu disse eu achei uma oficina muito legal, interessante e
diferente. Adorei!(7ªsérie, Escola Cândida Zasso, Nova Palma).
“Eu gostei muito, pois aprimorei os meus conhecimentos e ainda percebi
que não sou tão feia quanto achava que era. Percebi que olhos claros
não me farão mais feliz. Eu devo me gostar do jeito que sou” (7ªsérie,
Escola Edna May Cardoso, Santa Maria).
“Eu adorei porque a gente que a aparência o é tudo, não mulheres
loiras, magras e altas são lindas, temos que nos valorizar porque se nós
mesmos não se valorizarmos ninguém vai valorizar (7ªsérie, Escola
Edson Figueiredo, Santa Maria).
Também acho necessário acrescentar falas que avaliam as oficinas como
muito importantes para a percepção das estratégias da mídia enquanto construtora
da representação de um ideal de corpo belo e perfeito e algumas que demonstram o
aprisionamento em outros discursos, como por exemplo o de ser “belo por dentro”, já
que beleza não é tudo”, slogans que ouvimos desde crianças e que são também
formas de governo, narrativas que nos formam, nos instituem.
“Eu gostei dessa oficina em que a professora veio nas salas de aula para
fazer com que a gente saiba criticar enquanto estamos olhando uma
revista, jornal, TV, rádio... É que devemos nos gostar como somos: Gordos,
magros, feios ou bonitos” (8ªsérie, Escola Cândida Zasso, Nova Palma).
A oficina foi muito boa para que as pessoas entendessem que beleza não
é tudo, pois o que realmente importa é o caráter, a bondade e a
dignidade. Gostaria que acontecesse isso mais vezes, pois a gente
aprende muito. É muito bom porque expressamos nossas opiniões (8ª
série, Escola Cândida Zasso, Nova Palma).
Bom esta oficina foi muito legal porque nós aprendemos várias coisas
novas e interessantes, pois a beleza por fora não é tudo, o que interessa
mesmo é a simplicidade, o que a pessoa é por dentro(8ª série, Escola
Cândida Zasso).
“Eu achei muito legal, porque assim a gente tem uma idéia mais complexa
de como é que ta virando o mundo. Porque tem muitas pessoas que estão
fora da realidade e pensam que beleza é tudo. Adorei a oficina porque
114
assim a gente tem uma idéia melhor da realidade que agente tá vivendo no
mundo(8ª série, Escola Cândida Zasso, Nova Palma).
Ao dizermos beleza não é tudo também estamos afirmando que ela é de
suma importância, ou seja, pode não ser tudo, mas talvez seja quase tudo” e
segundo afirma Santos (1998), a partir da análise de revistas destinadas ao público
feminino, a moda agora, principalmente para as mulheres, é “ser bonita por dentro”,
enunciado que também pode ser lido como “você faz a si mesma”, uma vez que não
basta ser bonita, é necessário ter um coração bondoso, ser solidária, simpática,
comunicativa, etc.
Por outro lado, quero apresentar também algumas avaliações da oficina “O
corpo como tela...voltando às origens ou construindo novos corpos” que indicam
resistências em relação à mudança de opiniões, o que penso demonstrar a força de
determinadas representações e preconceitos que são geralmente ignorados na
escola, quando não reforçados ou produzidos:
“Eu achei muito legal mas a tatuagem é uma morte. Quem que acha feliz
que fique” (5ª série, Escola Cândida Zasso, Nova Palma).
“Foi muito legal porque discutimos sobre tatuagens e piercing, perigos que
se você quiser colocar no seu corpo pode causar. Se eu tivesse que
escolher entre esses dois não escolheria nem um dos dois porque a minha
opinião sobre isso é que acho que isso é antipático, ta certo que cada
um que tatuou algo no seu corpo tem um significado, mas a minha opinião
é essa(7ª série, Escola Cândida Zasso, Nova Palma).
“A aula foi muito interessante, falamos sobre tatuagem e piercing, duas
coisas bobas queo servem para nada, que servem para as pessoas
se acharem um pouco mais do que os outros (7ª série, Escola Cândida
Zasso, Nova Palma).
Ainda quero trazer uma frase que apresenta certo descontentamento de um
aluno com a oficina que trazia a discussão sobre tatuagens e piercings: “estava
ótimo, mas um pouco boiolista” (5ª série, Escola Cândida Zasso, Nova Palma), o
que novamente vem evidenciar que, para os meninos, discutir determinados
assuntos com as meninas, falar sobre determinadas coisas e adotar certas atitudes,
parece denegrir a imagem masculina hegemônica (Felipe e Guizzo, 2004),
representação também muito resistente e perceptível em todas as salas de aula por
onde desenvolvi o trabalho.
Não tenho como prever se as oficinas promoverão mudanças de atitudes, ou
diminuição de preconceitos, da maneira como alguns alunos afirmam: a partir de
115
hoje eu vou começar a olhar para essas pessoas de forma diferente (6ª série,
Escola Duque de Caxias, Santa Maria), nem como declarar que constituem um
ganho para suas vidas futuras, preocupação tão presente nas escolas e famílias (a
velha pergunta: “o que você vai ser quando crescer”?) e sinalizada também na fala
de um aluno: “Eu achei esse assunto muito importante, pois é para o nosso bem,
sendo que está nos preparando para o futuro(8ª série, Escola Cândida Zasso,
Nova Palma). Talvez tudo tenha acontecido como um fato isolado na escola e foi
esquecido como muitas matérias decoradas, mas o que tenho certeza é que mexi
com o que me provocava e tentei propagar inquietações que ao nos
desestabilizarem não nos conformam a discursos normalizadores e naturalizados.
116
Figura 5
7...EU PREFIRO SER ESSA METAMORFOSE AMBULANTE:
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES FINAIS SOBRE UM POSSÍVEL
COMEÇO
Sou uma parte de tudo aquilo que encontrei
Ortega Y Gasset
Ter vivido todos esses momentos nas escolas, no grupo de pesquisa, no
próprio curso de mestrado, abrem possibilidades para um sem fim de considerações,
muitas difíceis de explicitar aqui em palavras, por serem sensações sentidas,
emoções.
Sobre isso, aproveito para dizer das minhas observações ao longo de todo o
trabalho. Preciso destacar que a escolha das falas mais relevantes dos alunos, bem
como suas respectivas interpretações, basearam-se também nas impressões que eu
tinha quando implementávamos as oficinas, até mesmo nas expressões de seus
corpos captadas naquelas ocasiões e que são impossíveis de descrever. Ao analisar
e voltar nas frases ditas e escritas pelos alunos eu acabava lembrando de seus
rostos, seus sorrisos, seus gestos, de modo que outra pessoa ao ler apenas os
dados, não conseguiria olhar para aquelas palavras como tão cheias de vida e de
sentido.
Por outro lado, alguém no meu lugar, talvez considerasse significativas outras
coisas, outras falas, teria outras impressões, pelo seu próprio modo de olhar
diferenciado construído a partir das experiências que teve. Dito isso, reafirmo que
transitei por espaços do meu eu, tanto na elaboração das oficinas sobre assuntos
que a mim pediam explicações, quanto nas implementações (que me
proporcionaram discutir com os alunos a construção dos nossos desejos pela
cultura) e nas leituras dos dados (cujas interpretações dizem respeito principalmente
às minhas determinadas maneiras de olhar).
Assim, como uma “metamorfose ambulante”, palavras da música de Raul
Seixas utilizada numa das oficinas, me senti em todas as fases pelas quais passei
nesse trabalho. Isso porque percorri as instâncias de produção do meu próprio corpo
aquelas diversas pedagogias que vão nos formando, compondo representações e
ditando as modificações que devem se operar em nós - e também porque hoje creio
118
que não sou a mesma que iniciou o trabalho, pois revirei meus pedaços, desaprendi
muitas coisas e aprendi outras novas, mexendo com determinadas verdades que
dormiam em mim desde a minha vida escolar.
Nesse sentido, como uma lagarta que vai aos poucos modificando a forma e a
estrutura do seu corpo e diferenciando seus órgãos e tecidos, me sentia em
permanente transformação, inclusive me recolhendo muitas vezes num casulo
quando precisava de um tempo só meu para fluírem meus pensamentos, para
lembrar, para ler e para lançar-me ao desafio de contar o trabalho.
que entendo essa pesquisa como um possível começo para mim e talvez
para quem ela servir, ao concluí-la agora, não estou me enquadrando no “estágio de
borboleta”, até porque, de acordo com a crítica pós-estruturalista, não um estágio
final a ser atingido, mas uma permanente reflexão, problematização e
questionamento sobre as verdades ditas e estabelecidas, sobre os discursos e as
práticas culturais que nos fabricam. De fato, viajando nessa analogia, por vezes era
como uma lagarta e por vezes uma borboleta, oscilava entre esses estágios de
acordo com as sensações que experimentava e os problemas que enfrentava.
Muitas vezes me deparei com dificuldades impostas pela estrutura escolar e
pela escolarização, por exemplo, o tempo limitando o desenvolvimento das
atividades (pois as turmas tinham um grande número de alunos e queríamos que
todos falassem); o espaço - a proximidade das salas e a estrutura do prédio -
determinando o silêncio, restringindo os sons produzidos nas oficinas para que
outras turmas não fossem atrapalhadas, a dificuldade de romper com a lógica do
certo e do errado por parte dos alunos, o descaso por parte de alguns professores
com o trabalho por considerarem-no “uma brincadeira”, etc. Nesses momentos,
precisei ser como as lagartas, que por estarem numa fase vulnerável aos
predadores, têm que se munirem de um arsenal defensivo, e busquei, no lugar de
seus espinhos urticantes, justificativas para acreditar naquele trabalho que eu estava
realizando junto com o grupo.
Por outro lado, posso dizer que fui borboleta todas as vezes em que os alunos
pediam para voltarmos, quando falavam: “eu achei tudo muito bom”, “foi muito legal”,
obrigada por essa oportunidade”, frases que significavam que as idéias do nosso
grupo de pesquisa estavam “voando” em outros espaços, nossas oficinas tão
planejadas e pensadas estavam saindo das paredes da universidade e percorrendo
novos lugares, criando possibilidades.
119
Era nas avaliações dos alunos a cada implementação que eu buscava um ar,
um estímulo para prosseguir numa abordagem dialógica que eu já havia dado
crédito desde minhas experiências como estagiária, um trabalho que era
comunicação desde seu início (começando pelas próprias elaborações das oficinas
dentro do grupo de pesquisa) e visava fazer sentido para a vida dos alunos, tentava
falar de seus corpos e não priorizar um corpo único, universal, normal, padrão,
correto ou modelo.
Dentro dessa perspectiva, falar sobre tatuagens, cosméticos, cirurgias
plásticas, piercings, remédios para emagrecer, malhação, anabolizantes, dietas, etc.
era falar de cultura e não apenas de biologia, o que oportunizou evidenciarmos e
problematizarmos naquelas turmas as maneiras como se percebiam e nomeavam os
outros, as representações sobre corpo que ali estavam envolvidas, possibilidades
que não acontecem quando se trata do corpo apenas a partir do livro didático (o
corpo biológico), sem ouvir as diferentes vozes dos alunos, sem autorizar suas
manifestações.
Implementar essas oficinas na sala de aula nos proporcionou evidenciar
várias representações sociais formadas por diversas instâncias (a família, a igreja, a
escola, a mídia), no entendimento de que elas são resultantes dos significados
construídos por diferentes discursos, ou seja, pela própria linguagem.
A partir das falas dos alunos, pudemos perceber representações acerca de
um corpo padrão disciplinado e civilizado, principalmente originadas na escola, na
família e na igreja, das quais derivam representações ligadas ao esterótipo de
marginalidade conferido a quem usa tatuagens e piercings, de que um corpo
higiênico está diretamente associado a um corpo saudável, de um padrão de corpo
feminino recatado e comedido nos gestos e também representações de
masculinidade e feminilidade ditando as condutas desejadas para homens e
mulheres (que reforçam a heterossexualidade como norma). Além disso, detectamos
representações de um corpo universal nos moldes europeus (branco, olhos claros,
cabelos lisos), provavelmente produzidas e reforçadas na escola e na mídia, e
representações de um corpo belo ideal veiculado na mídia, de onde procedem as
representações que associam a beleza com a felicidade e as que associam magreza
e beleza.
Outras representações não diretamente relacionadas ao corpo também
estavam presentes ao longo do trabalho, representações de aula (transmissão de
120
conteúdos, matéria ditada, provas) e do próprio espaço escolar (ordenado, com
poucos barulhos, carteiras enfileiradas) emergiram das falas de professores e alunos
e são relativas ao processo de escolarização assim como algumas citadas
anteriormente.
Ao final dessa pesquisa, como havia relatado, sinto a impossibilidade de
prever se as oficinas mexeram com algumas representações dos alunos, se
possibilitaram repensar seus preconceitos ou melhoraram a aceitação de seus
corpos. Além disso, também não tenho como presumir se os alunos estagiários que
realizaram o curso das oficinas as implementarão em suas futuras turmas, ou se nas
escolas por onde passei, as oficinas causaram algum estranhamento que permitiu a
alguns professores repensarem suas práticas ou consolidarem as mesmas.
Nesse caso, diante dessa sensação de impotência em que posso certificar
apenas o meu ganho, o que me anima é lembrar da intenção que tínhamos em
todas as oficinas planejadas: o não controle dos significados. que nunca
queríamos fazer valer apenas uma verdade e uma certeza, como agora eu queria ter
certeza dos significados que as oficinas teriam nas vidas daqueles alunos,
professores e futuros professores?
Sobre as oficinas, não desejamos que elas sejam um roteiro a ser seguido e
nem apenas implementadas na escola, esperamos que elas também se realizem em
outros contextos que poderão levar a outros tantos assuntos e que talvez formarão
outros títulos. Sobre nossos corpos, existem ainda muitas coisas a serem ditas,
muitos assuntos a serem debatidos, muitas modificações a serem realizadas, várias
construções. Infinitas metamorfoses ainda haverão de acontecer...
121
Aula de vôo
O conhecimento
caminha lento feito lagarta.
Primeiro não sabe
e voraz contenta-se com o cotidiano orvalho
deixado nas folhas vívidas das manhãs.
Depois pensa que sabe
e se fecha em si mesmo;
faz muralhas,
cava trincheiras,
ergue barricadas.
Defendendo o que pensa saber
levanta certeza na forma de muro
orgulhando-se do seu casulo.
Até que maduro
explode em vôos
rindo do tempo que imaginava saber
ou guardava preso o que sabia.
Voa alto sua ousadia
Reconhecendo o suor dos séculos
no orvalho de cada dia.
Mas o vôo mais belo
Descobre um dia não ser eterno.
É tempo de acasalar
voltar à terra com seus ovos
à espera de novas e prosaicas lagartas.
O conhecimento é assim
ri de si mesmo
e de suas certezas.
É meta da forma
metamorfose
movimento
fluir do tempo
que tanto cria como arrasa
a nos mostrar que para vôo
é preciso tanto casulo
como a asa.
Mauro Lasi
(no livro Crysallís, Currículo e Complexidade
de Roberto Macedo, 2002, p. 194)
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___. Michel Foucault e os Estudos Culturais. In: COSTA, M. V. Estudos Culturais
em educação: mídia, arquitetura, brinquedo, biologia, literatura, cinema (Org.). Porto
Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 2000, p. 37-69.
___. Regulação social e disciplina. In: VEIGA-NETO et al. (Orgs.). A educação em
tempos de globalização. Rio de Janeiro: DP&A, 2001, p. 45-48.
___. De geometrias, currículo e diferenças. Educação & Sociedade, Campinas, ano
XXIII, n. 79, p. 163-186, ago. 2002.
ZUIN, A. A. S. O corpo como publicidade ambulante. Perspectiva: Revista do
Centro de Educação, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, v. 21,
n. 01, p. 39-53, jan./jun. 2003.
128
DISCOGRAFIA
CONTINO, G. Nádegas a declarar. Intérprete: Gabriel O Pensador. In: GABRIEL O
PENSADOR. Nádegas a declarar. [S.L.]: Sony BMG, 2002. 1CD. Faixa 4.
GESSINGER, H. do plural. Intérprete: Engenheiros do Hawaii. In:
ENGENHEIROS DO HAWAII. Surfando Karmas & DNA
129
ANEXOS
130
ANEXO A - Materiais impressos usados na oficina
“Corpo para vender produtos e produtos para vender um corpo”
131
3ª do Plural - Engenheiros do Hawaii
corrida pra vender cigarro
cigarro pra vender remédio
remédio pra curar a tosse
tossir, cuspir, jogar pra fora
corrida pra vender os carros
pneu, cerveja e gasolina
cabeça pra usar boné
e professar a fé de quem patrocina
eles querem te vender
eles querem te comprar
querem te matar a sede
querem te sedar
?quem são eles?
?quem eles pensam que são?
corrida contra o relógio
silicone contra a gravidade
dedo no gatilho, velocidade
quem mente antes diz a verdade
satisfação garantida
obsolescência programada
eles ganham a corrida antes mesmo da largada
eles querem te vender
eles querem te comprar
querem te matar de rir
eles querem te fazer chorar
quem são eles?
?quem eles pensam que são?
vender...comprar... vedar os olhos
jogar a rede...contra a parede
querem te deixar com sede
não querem te deixar pensar
?quem são eles?
?quem eles pensam que são
132
Nádegas A Declarar - Gabriel
Pensador
Ordem e progresso, sua bunda é um sucesso
Nádegas a declarar, nádegas a declarar
Ordem e progresso, sua bunda é um sucesso
Nádegas a declarar
Nádegas a declarar? Claro que não!
Eu tenho opinião nesse papo de bundão
E vou dizer, mas primeiro você, Fernanda
Primeiro as damas, o que que cê manda?
Aí, Gabriel, vou logo deixar claro, não é lição
de moral
Todo mundo tá sabendo que sambar é tropical
No país do futebol e carnaval
Mexer essa bundinha até que é natural
No meu ponto de vista
Sem querer ser feminista
A bundalização é bastante estimulada
Por essa cultura machista, cê sabe... tá cheio
de
porco-chauvinista
Por isso que esse papo não é só pras
menininhas
É pra todos esses caras que dão força, que
dão linha
No concurso, na promessa de futuro
No programa de TV e no rádio toda hora pra
você
REFRÃO:
A-aha! Arrebita a rabeta!
A-aha! E me diz, meu bem, o que mais que
você tem?
A-aha! Arrebita a rabeta!
Arrebita bem a bunda, vagabunda, que a
bunda é tudo de bom que
você tem
O que que você tem de bom além do
bumbum? Um talento, algum dom?
Ou as suas qualidades estão limitadas ao
balanço dessa bunda
arrebitada?
O que que você tem além da bunda?
Pense bem que a pergunta é profunda
Não, não é isso, menina!
Eu não tô falando da sua virilha
Que deve ser uma maravilha, mas seu cérebro
é menor do que um
caroço de ervilha
Ô minha filha, acorda pra vida
A sua bunda tá em cima, mas sua moral tá
caída
A dignidade tá em baixa
Você só rebola, só rebola, só rebola e se
rebaixa
E se encaixa no velho perfil:
Mulher objeto em pleno ano dois mil
E um, e dois, e três
Sempre tem alguém pra ser a bunda da vez
Te chamam de celebridade e você acredita
Enche o rabo de vaidade e arrebita
Repete refrão
Você tira até retrato três por quatro de costas
Pensa com a bunda e quando abre a boca só
sai bos...
Talvez você nem seja tão piranha
Mas qualquer concurso miss bumbum que
tem, você se assanha
A-aha! E tira foto fazendo pose de garupa de
moto
A-aha! Vai sair na revista e o povo vai dizer
que você é
artista
Porque agora bunda é arte, é cultura, é
esporte
É até filosofia, quase uma religião
E se você tiver sorte pode ser seu passaporte
para fama
Ou pra cama, pode ser seu ganha-pão
Bunda conhecida, bunda milionária
Bonitinha mas ordinária
Que nem otária na TV, de perna aberta
Queima o filme das mulheres e se acha muito
esperta
Vai, vai lá! Vai entrar na dança, vai usar a
poupança
Vai ficar orgulhosa sem saber o mau exemplo
que tá dando pras
crianças
Adolescentes, adultas e adultos retardados
Que idolatram um simples rebolado
[Bando de bundão!!] Aplaudindo a atração
[Não pelas idéias, mas pelo burrão]
Repete refrão
[-"Ordem e progresso, sua bunda é um
sucesso...
-Ai, nádegas a declarar!"]
[Lombo ambulante, burrão ignorante!!]
Sua bunda é alucinante
A rabeta arrebenta mas beleza não é tudo
Além da forma tem que ter conteúdo
Senão você se torna descartável
Que nem uma boneca inflável
Então encare a realidade com seu olho da
frente
E veja a vida de uma forma diferente
133
Porque uma mulher decente pode ser muito
mais atraente que uma
bunda sorridente
Então, garota sangue bom
Se liga na missão, se liga nesse toque
Ser ou não ser, eis a questão
A vida é bem mais que um número no Ibope
Deixe a sua mente bem ligada ou vai ficar
injuriada
Reclamando que não é valorizada
Pára pra pensar, bota a bunda no lugar
E a cabeça pra funcionar
Repete refrão
Solta essa bundinha, solta o verso
Solta a rima. Minha filha, solta o verbo na cara
do Brasil
Que atrás de você virão mais de mil
Eu também não sou chegado em celulite
Mas eu vou te dar um palpite, exercite a tua
mente
E não se irrite se eu tô sendo muito franco
Mas atualmente ela só pega no tranco
Amanhã você vai olhar pra trás
E vai ver que o seu colã já não entra mais
Vai querer fazer uma lipo, vai querer meter
silico
E vai continuar pagando mico
Repete refrão
Ordem e progresso, sua bunda é um sucesso
Nádegas a declarar, nádegas a declarar
Ordem e progresso, sua bunda é um sucesso
Nádegas a declarar
Ordem e progresso, sua bunda é um sucesso
Nádegas a declarar, nádegas a declarar
Ordem e progresso, sua bunda é um sucesso
Nádegas a declarar
134
Beleza artificial
O que era para ser piada virou fato: a China realizou o primeiro concurso de beleza artificial,
ou seja, todas as candidatas passaram por cirurgias plásticas. A vencedora foi Feng Qian, de 22
anos, que havia adicionado mais pele nas pálpebras, modelado novas bochechas, feito uma lipo e
injetado botox na face.
Nenhum problema, a maioria das garotas que participam de concursos já passaram por
alguma intervenção cirúrgica. Tempos modernos, nada a questionar, a não ser o mal-estar que a
palavra artificial provoca.
O artificialismo busca a perfeição e a durabilidade que o real não dispõe. Frutas artificiais não
ficam murchas, não possuem manchas, elas brilham sobre a mesa da copa da cozinha, lindas e
monstruosas. Flores artificiais não exigem hidratação, não perdem as pétalas, conseguem o milagre
de manterem-se frescas e horripilantes por mais 10 anos. Unhas artificiais, peitos artificiais,
bronzeamento artificial: tudo perfeito demais para ser bonito. A beleza pressupõe alguma falha.
O único comentário interessante que ouvi a respeito do polêmico presépio do Museu de Cera
Madame Tussaud, de Londres, foi que a ex-spice girl Victoria Adams, no papel de mãe do menino
Jesus, ficou mais realista do que ela é na verdade. O artista que a moldou deu a ela um ar enigmático
e uma vida interior, qualidades que a moça pouco deixa transparecer no seu dia-a-dia. Fico
imaginando “quantas mulheres de cera” existem por aí que adorariam posar para um quadro, não
sem antes implorar: “por favor, me devolva alguma expressão”.
O culto à imagem deu nisso: uma busca desesperada por parecer o que não se é. Uma
negação completa àquilo que nos caracteriza e nos diferencia. Por algum motivo que me escapa,
estão todos desejando ser uma máscara de si mesmos.
Quase sempre considero que as pessoas ficam mais bonitas na simplicidade do seu cotidiano
do que produzidas para festas. Claro que um batonzinho ajuda, uma escova é básica, um brinco
levanta o astral, mas peruagem é o caminho mais rápido para a feiúra. Brocados e exageros chamam
a atenção para a nossa debilidade e impedem que as pessoas nos enxerguem pra valer.
Vou mais longe e digo que bonitos, mesmo, somos quando ninguém está nos vendo.
Naquelas horas em que nada nos serve de espelho. Quando rimos sozinhos, e o cabelo está de
qualquer jeito, quando lemos um livro e estampamos no rosto um ar descoberta, quando esticamos
um último minutinho na cama antes de levantar e enfrentar o dia, quando limpamos o suor da testa
com a palma da mão, quando lacrimejamos por causa de uma emoção inesperada. Em todos os
135
ANEXO B – Materiais impressos usados na oficina
“O corpo como tela...voltando às origens ou construindo novos corpos”
137
Arte à flor da pele
A tatuagem pode ser tanto uma manifestação artística quando de rebeldia. Conheça seus vários
significados ao redor do mundo e ao longo dos tempos.
Por Mariana Mello
O lugar é asséptico, limpíssimo. Paredes brancas, espelhos, aparelhos de esterilização, luvas
descartáveis, gavetas com seringas lacradas e cadeiras de dentista. Num balcão ficam expostos os
tubos de tinta colorida. O ambiente seria tão silencioso quanto um hospital não fosse o som
psicodélico que agita os corajosos que circulam pela casa em busca de uma das poucas coisas
definitivas na vida: uma tatuagem. No estúdio Led’s Tattoo, do paulista Sérgio Maciel, 38 anos, cerca
de 50 pessoas são tatuadas todos os dias. Com o verão, que naturalmente coloca barrigas, costas e
pernas de fora, esse número cresce. Tatuagem hoje é status, como se fosse uma jóia. Significa que
você é moderno. É sinônimo de personalidade”, diz Maciel.
A tatuagem existe desde que o mundo é mundo. O Homem de Gelo, um corpo congelado
encontrado na Itália em 1991, que se supõe ter vivido cerca de 7300 anos, tinha vários desenhos
sobre a pele. A mia da princesa Amunet, de Tebas, exibe desenhos feitos de pontos e linhas que
certamente chamaram a atenção dos egípcios mais de 4.000 anos. Não se sabe o que aque.95757( )-7.9]TJ241.56 0 Td[(d.85966( )[(c)0.12.6 -10.68 Td[(t)-3.97879(u)4.85966(a)-7.95757(g)-7.95757(e)4.85966273.1485966( )-324.57(m)-0.123802(i)4.10865(g))4.10708(n)-7.95757(i)4.10708(f)-3.97876( )-132.153(s)0.128v66(r)-25.887( )-132.153285-10.7976(a)-7.95757(p)4.85966(a)4.85887( )-132.153273.1485432(f)-3.98035(o)485966(273.1485153(a)-7.95757(n)4.85653(a)4.85966(s)-12.0644(i)4.10865(o)-20.774273.14.85966( )-42.4307(i)4.10865(n)-7.95756(h)-20.7748(o)4.857748(i)16.9J225.6 0 Td[(r)-13.891(a)-7.95755(a)-7.95757(s)0.12829285-1095966( )-29.6148(M)-12.95757(’36.18297(,)]TJ2285-10955966()-7.9J2285-1095757( )-132.153(m)-0.11966(c)-12.966(t)-3.98035(t)-3.9J2285-1095757( )-68.0649(p)4.859o53(s)0.128v653(a)4.85644(t)-3.9785(n)-7.95757(c)0.1288035(a)4.8596285-10955966( )-144.97(q)4.8597( )-132.153285-102.153(s)-12.0865(e)4.8557(m)-0.12047473.14.84307(i)4.10305(s)0.128297(ã)-7.9575473.14.85966(n)4.85966(u)-20.424(e)-20.7779(n)4.81171(c)12.942285-102.297(e)-7.90665(l)4.10d24(e)-20.o653(u)-7.9607(e)-20.7779( 6.182.999]TJ-227.88 -10.8 Td[(d)-7.95835(e)4.855757( )-42.0649(p)4.859o54(t)-3.97802( )8.83844(s)-12.0644(i)4.10708(d)-7.966(m)-0.120455( )-55.2477(d)4.8596157.780.7748(o)4.859607(i)4.10865(e)-7.95757(n)4.10708(f)-3.97757(n)-7.95757(d)4.8708(e)-7.95757m)-0.120“649(p)4.859879( )-324.409m)-0.120891( )-132.153(c)0.128299(p)4.859.514( )-16.796(p)4.857779(e)4.859607(i)16.9o[(r)-13.8935(a)4.8596157.7875966( )-209.056(u)4.85d[(m)-0.11893(a)4.85966(n)-7.95757(o)4.85596157.7875757( )-68.0649(p)4.85966(r)-0.241891(a)4.85966(m)-12.239(c)-12.68825.6 0 To748(e)4.85966(l)]TJ865(o)-7.95757(s)12.66(r)-0.247207(i)4.105757(314.85966(n)-7.968825.6 0 T966( )-55.2493(u)-7.95757(t)-3.97879(e)7.95757(a)-7.955757(n)4.85966(o)416.9.97(o)-7.95757( )-132.757( )-42.45757(ô)4.85966(n)4.85p966( )-144.97(q)4.80865(e)4.8557(m)-0.12607( )-132.154(i)4.10865(o)-20.7747(s)12.d[(s)0.128297(p)4.85966(e)-7.9.796(p)4.857779(s)12.9493(a)4.85966(n)-7.91891(a)4.85966(m)6.95757( )-132.7747(s)12.d79(n)4.8116(m)6.9568825.6 .98035( )-20.7779(o)-7.9607( )277.999]]TJ-286.2 -10.8 Tx65(o)-20.p297(o)4.85887(b)4.85887(r)-13.06132(a)4.85966(s)0.1285757(p)4.85966(a)4.85942260.3235966( )-209.056(u)4.85966(273.1485966( )-324.57[(s)12.9455(i)-8.71014(g)4.85966(n)-7.95757(i)4.10705(s)0.12826( )-132.153(s)0.128607( )-132.153(d)4.851014(s)12.9455260.3235153(s)0.128f66(l)-8.7705(s)0.125966(a)4.85455(o)-.10552(s)0.12455260.325557(m)-0.12047473.14.8844(t)-3.97879(a)-7.95757(n)4.85966( )-3.980966(n)-7.95757( )-42.ó297(p)4.85966(e)-7.9.796(p)4.85708(u)-7.95757(g)4.8047473.14.85966( )-42.966( )-55.2x57(i)-8.70858(s)o)-9297(i)]TJV88( )-55.2493(S)0.50297( )-93.757( )-42.4966(e)-7.9966(t)-3.9803260.32552477(p)4.85966(e)-20.966( )-55.2477(p)4.85c66( )-324.57(m)--13.0644(i)4.17207(i)4.10865(l)-8.70688(e)-20.774(s)0.128297(t)-3.9803473.14.8966( )-196.239(e)-7.95757260.3255966(s)0.1282(r)-0.24729(a)-7.95757(i)16.9u757(p)4.85966(a)4.85148(M)-12.955(o)-20.774285-102.035( )-55.2457(p)4.85966(a)4.85d79(n)4.8o16(m)6.956884(e)-7.96552(s)0.125168(o)-7.9607(i)4.10757260.3255d79(n)4.81153(u)-7.9607(e)-20.7779( )-929999]]TJ-28U35( )-18 Td[(e)-7.9708(t)-3.97879(i)-8.71757(d)-7.95757(e)4.8593802( )8.83842(l)-8.7757( )-132.57(m)-0.12607( )-132597( )-132.153247( )28297( )-16.7976(d)-7.9575760.3235S4 -10.92153(N)-8.5834( )-42.4305234 )898035( )-16.7976(P)-12.207(c)0.128297(u)-7.95757(l)4.1708(e)-7224305234 )8988035( )-42.432(“)-25.8879(n)4.8966(n)-7.9966(t)-3.980396(p)4.85708(u)-7.9757(t)-3.97879(e)7.955757(o)4.859667(i)16.9305234 spantu7(p)4.85966(e)-20.9667(i)16.9305247( )85757( )-132.1558(s)o70.8 06 0 Td[(d.80.128297(t)-3.98297(u)-7.95757(l) 0 Tç66(e)-20.õ57( )-132.151(d)-20.7748(e)4.85305247( )85597( )-132.153234 )958297(i)4.10708(c)-12.688(a)-7.95757((s)0.128297(t)-3.987748(e)4.85305234 )95297( )-16.7976(d)-7.9575760.3252826( )-132.153(s)0.128207(e)-7.95757(b)4.85966(e)-7.9o76(d)-7.9575760.3252966(e)-20.305(s)0.128297(ã)-7.9575460.3252.056(u)-196.236(m)6.95d79(n)4.8o16(m)6.955653(a)-7.9607234 que 70.8 Td( )Tj33.5757(n)4.85966(t)-392.151(t)-.8 Td[(e)-7.9966(e)-20.9607(i)1.85966(d)4.85966(o)4.85455(o)-.10552(s)pidÉicarpn ptrn qrl lrn c emur qul.murnios,
138
de significar desencaixe social. Para muita gente e gente formadora de opinião, com alto poder
aquisitivo e boa bagagem cultural -, tatuagem pode ser apenas uma forma de arte e diversão. “Perdi
a conta de quantas vezes me perguntaram se eu vendo drogas. Infelizmente a tatuagem ainda é vista
como sinônimo de irresponsabilidade”, diz a analista de sistemas Kátia Marcolino, 32 anos, toda
tatuada.
Essa réstia de preconceito em relação a quem se tatua pode explicar a tremenda irritação que
análises psicológicas geram na maioria dos tatuados de hoje. Clubbers, roqueiros, skatistas, surfistas,
lutadores de jiu-jitsu, ou simplesmente aquela gatinha que tatuou uma flor de lótus no tornozelo, todos
eles detestam ser tratados como excêntricos ou anormais. “Não gosto que me rotulem porque não
sou lata de óleo nem vidro de maionese”, diz Kátia.
De todo modo, certamente uma das razões que conduzem à tatuagem hoje é o desejo de
aparecer em público com um visual inusitado. O motorista Luis Cláudio Marangoni, 32 anos, tatuado
da cabeça raspada aos dedos dos pés (“Inclusive lá”, afirma), com motivos que vão de mulheres nuas
à morcegos, passando por escrita japonesa, adora pôr uma sunga e sair por aí. Ao seu lado, acredite,
qualquer modelo de biquíni passaria despercebida.
“Por meio da tatuagem, as pessoas procuram ser valorizadas e consideradas bonitas pelo
grupo a que pertecem. Trata-se de uma necessidade de parecer igual e, ao mesmo tempo, diferente
em relação aos outros”, diz Sandro Caramaschi, professor do Departamento de Psicologia da USP.
“A necessidade de se destacar dentro de uma sociedade massificada como a nossa é cada vez
maior”, diz a antropóloga Mirela. “Todos queremos chamar a atenção. E cada um chama a atenção
da maneira que mais lhe parece positiva, ainda que isso possa escandalizar quem optou por outros
padrões de conduta e de afirmação”.
Fazer uma marca definitiva no corpo exige coragem para desafiar normas e encarar
preconceitos. Em profissões tradicionais, como advocacia e medicina, braços cheios de desenhos
não são vistos com bons olhos. Nem por chefes, nem por pares e nem pelos clientes da maioria das
empresas.
“Para cargos mais altos, não seleciono pessoas que têm tatuagem. Não soa bem. As
empresas sempre dão preferência aos perfis tradicionais”, diz Silvana Case, vice-presidente da
Catho, consultoria especializada em selecionar executivos. Em muitas empresas, funcionários
tatuados precisam usar roupas amplas e deselegantes para esconder o corpo marcado e preservar o
emprego. No trabalho preciso usar blusas que cheguem até o cotovelo, cubram o pescoço e o
tenham decotes. Nas pernas sempre meias grossas”, afirma Kátia.
Mas é preciso coragem também para encarar a dor de uma série de agulhas perfurando 3
mm de pele durante horas. O mecânico Flávio Melanas, 28 anos, levou 15 anos para decidir tatuar
um dragão no braço. Sem camisa, no estúdio de Sérgio, disfarçava o incômodo de ver o sangue
escorrendo pelo braço, evento normalíssimo do s-tatoo. “O desenho levou quatro horas para ficar
pronto. Arde um pouco. A sensação é a mesma de estar tomando uma série de beliscões
ininterruptamente.”
Para o tatuador Francisco Russo não motivo para drama. “Quando se percebe que a vida
continua depois da tatuagem, o medo passa”, afirma Russo. E quando o garotão percebe que ter
tatuado nas costas o rosto Axl Rose, líder do Guns n’Roses, uma banda de rock que fez sucesso no
início dos anos 90, foi uma burrada? Segundo Caramaschi, a vontade de chamar a atenção é comum
na adolescência, mas isso muda. Depois de um certo tempo, o desenho feito no corpo pode perder o
significado: a banda deixa de existir, troca-se de namorada, pode-se até mudar de time. Com o
passar do tempo também se desenvolvem padrões pessoais, o mais grupais. E, então, pode bater
um arrependimento pesado. “Há uma fila de tatuados arrependidos esperando pelo tratamento de
remoção gratuito”, diz Lydia Massako Ferreira, chefe do Departamento de Cirurgia Plástica da Escola
Paulista de Medicina (EPM), em São Paulo.
Superinteressante, dezembro de 2000, p.66.
139
Corpo e mente
Mente e corpo têm uma relação parecida com a dos pais e filhos. A mente cuida do corpo e
tenta regular os seus hábitos e apetites e protegê-lo dos seus excessos. É sempre mais sensata,
previdente enfim, mais adulta do que o corpo, que se não fosse por ela nem se criaria. Mas com o
tempo a relação vai mudando, e assim como os filhos aos poucos adquirem autonomia e passam a
não depender tanto dos pais, o corpo também começa a dar folga à mente. Como, por exemplo,
deixá-la dormir até mais tarde enquanto ele levanta da cama, escova os dentes etc...faz o próprio
café e sai. Vodeve ter tido esta experiência. Está na rua há horas, ou no seu trabalho, ou no
meio de uma aula, quando sua mente subitamente acorda, olha em volta e reclama:
- Por que você não me acordou?
- Não precisava – responde o seu corpo.
- Onde estamos? O que está acontecendo? Meu Deus. Você levantou da cama, escovou os
dentes, tomou café, saiu para a rua e chegou até aqui sozinho?
- Foi.
- Você é um desmiolado!
- Certo. Mas agora preciso de você.
- Calma, calma. Antes, tenho que tomar um café para acabar de acordar. casos em que a
mente acorda no meio da tarde. Outros em que o corpo volta para casa à noite e a mente ainda
está dormindo. Aí o corpo vai ver televisão, para não despertá-la.
Com o tempo, a relação mente e corpo muda de outras maneiras também. Antes, era o corpo
que queria (sexo, comida, festa, emoções) enquanto a mente pedia moderação. Depois a mente é
que quer, e o corpo é que diz “tá doida”.
- Vamos! A noite nos espera – diz a mente.
- Vai você – diz o corpo se espreguiçando.
- Sem você não tem graça. Sem você não tem sentido. Ou eu não tenho sentidos. Nem
transporte. Vamos!
- Não era voque me dizia para pensar bem antes de obedecer meus impulsos? Pois eu
pensei bem, e desta poltrona ninguém me tira.
- Você não tem que pensar. Eu é que penso por você.
- Ultimamente, só pensa besteira.
- Sim! Besteira. Loucuras. Vida. Vamos!
- Sossega, mente.
Antes, o corpo é levado pela paixão, ouvindo alertas da mente o tempo todo. “Cuidado”, “Olha
o que vovai fazer”, “Pense nas conseqüências”, “Não esquenta”, “Te controla”. O corpo ouve ou
não ouve, obedece ou não obedece, mas, entre vexames e arroubos bem sucedidos, mantém-se a
harmonia familiar. Depois, o diálogo se inverte.
A mente:
- Eu vou lá dar uma mordida nessa bunda.
O corpo:
- Não vai não.
A mente:
- Ah, vou.
- Não conte comigo.
- Covarde.
- Tente pensar em outra coisa.
- Não posso. Tenho que morder essa bunda.
- Pense no que você vai ter que fazer para morder a bunda. Primeiro subir na passarela. Com
as suas condições físicas, não conseguiria. Os seguranças certamente interviriam e você acabaria
apanhando. Teria que correr atrás da modelo, teria que escolher a nádega e morder a bunda na
primeira tentativa, porque não haveria uma segunda. Pense no escândalo, nas fotos, nos jornais, na
cena na TV.
- Não interessa. Vou morder essa bunda. E é agora. Você está pronto?
- Claro que não.
- Um, dois e...
- Mente: odeio usar a mesma frase que você vivia me dizendo contra você, mas é a única que
cabe no momento.
- Que frase?
- Comporte-se.
Luís Fernando Veríssimo, ZERO HORA, 13 de julho de 2003.
140
ANEXO C – Materiais impressos usados na oficina
“A ditadura do corpo perfeito”
141
De fora para dentro
Não; era ela, ela mesma incomodava a si própria. A cadeira atulhada de roupas expostas e
caindo pelos lados como penduricalhos parecia oferecer-lhe camisetas, coletes, casaquinhos,
calças...tudo experimentado dezenas de vezes e depois jogado novamente, cada vez mais
amarfanhadas e misturadas. Até a camiseta T-shirt cor areia, mais larga que longa, que em geral a
cobria toda quase até os joelhos, não era mais o escudo suficiente para escondê-la. O espelho
de um oval alegre no quarto em terremoto – devolvia-lhe a imagem um pouco desengonçada, ombros
caídos, um estranho queixo pontudo, seios sem expressão, cabelos de estopa que não viam pente há
quase uma semana, e... as pernas, pernas rechonchudas que pareciam subir e emendar-se com os
quadris sem modelar-lhe o corpo, como se pernas + bum-bum + quadris + cintura fossem um
bloco.
Aquela ali era Ana?!
“Não como mais!”, disse finalmente à meia voz a si mesma.
Deu uma olhada no espelho e um lampejo de raiva e indignação atravessou-lhe o olhar.
“‘Tá’ resolvido, vou ter que agüentar todas as cobranças da mãe e o olhar fuzilante do pai. Se
comer o mínimo, acho que vai dar pra eu ficar razoável”.
Ficou ainda longo tempo imaginando-se no espelho: como seria se tivesse a fronte mais
estreita, cabelos lisos e sedosos, a boca mais bonitinha, bem contornada e... o nariz ! Ai meu Deus!
estava seu nariz decretando que nunca, mas nunquinha mesmo alguém iria gostar dela. Aliás
como foi que a tinham suportado até aquele momento? Até sua amiga, Lina, no fundo, nunca lhe
havia dito nada, é verdade: será que faltou coragem para falar? Mas como alguém pode viver com
um nariz que tem a base larga como uma pirâmide e sobe desproporcional, terminando na ponta com
uma bola ridícula? É lógico que todos riam dela, disso tinha certeza, ainda que nunca tivesse
percebido.
Naquela noite, Ana não precisou fazer nenhum esforço para deixar o jantar, tamanha era a
raiva com que havia alimentado seu estômago. A mãe, estranhamente, nada lhe disse: Ana não
percebeu que ela e o pai se preparavam para sair e, por isso, estavam muito alegres.
GILLINI, G. e ZANOTTI, M. T. Adolescentes em diálogo com os pais. São Paulo: Paulinas, 1998
142
Balada do Louco - Rita Lee e Arnaldo Baptista
Dizem que sou louca
Por pensar assim
Se eu sou muito louca
Por eu ser feliz
Mais louco é quem me diz
E não é feliz, não é feliz
Se eles são bonitos
Eu sou a Sharon Stone
Se eles são famosos
I"m a Rolling Stone
Mais louco é quem me diz
E não é feliz, não é feliz
Eu juro que é melhor
Não ser um normal
Se eu posso pensar
Que Deus sou eu
Se eles têm três carros
Eu posso voar
Se eles rezam muito, eu sou
santa
Eu já estou no céu
Mais louco é quem me diz
E não é feliz, não é feliz
Eu juro que é melhor
Não ser um normal
Se eu posso pensar
Que Deus sou eu
Sim, sou muito louca
Não vou me curar
Já não sou a única
Que encontrou a paz
Mais louco é quem me diz
E não é feliz
Eu sou feliz!
143
ANEXO D – Termo de consentimento livre e esclarecido
para utilização das fotos dos alunos na dissertação
144
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA
CENTRO DE EDUCAÇÃO – CE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO – PPGE
Linha de Pesquisa: Currículo, Ensino e Práticas Escolares
TERMO DE AUTORIZAÇÃO
Eu_____________________________________________portador da carteira de
145
ANEXO E – Termo de privacidade e confidencialidade
146
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
Linha de pesquisa: Currículo, Ensino e Práticas Escolares
TERMO DE PRIVACIDADE E CONFIDENCIALIDADE
Eu, Seris de Oliveira Matos, CI 8081466156, aluna regular do curso de
Mestrado em Educação, sob matrícula 2560389, do Centro de Educação, da
Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), torno ciente e comprometo-me em
deixar arquivado todo o material desenvolvido durante as atividades da pesquisa “A
construção de representações sobre corpo na sociedade e o papel da escola na
desconstrução dos padrões impostos” realizada com alunos do Ensino Fundamental
de escolas públicas, bem como as autorizações de uso das fotos dos alunos,
preservando o devido anonimato, junto ao Grupo INTERNEXUS, no Centro de
Educação dessa mesma Instituição.
___________________________________
Seris de Oliveira Matos
Aluna do Curso de Mestrado em Educação
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