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Luiz Alfredo Lilienthal
EDUCA-SÃO:
UMA POSSIBILIDADE DE
ATENÇÃO EM AÇÃO
Tese apresentada ao Instituto de Psicologia da
Universidade de São Paulo, como parte dos
requisitos para a obtenção do grau de Doutor em
Psicologia
Área de Concentração: Psicologia Escolar e
Desenvolvimento Humano
Orientadora: Dra. Henriette Tognetti Penha Morato
São Paulo
2004
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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
INSTITUTO DE PSICOLOGIA
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA
EDUCA-SÃO:
UMA POSSIBILIDADE DE
ATENÇÃO EM AÇÃO
Candidato: Luiz Alfredo Lilienthal
Orientadora: Dra. Henriette Tognetti Penha Morato
Tese apresentada ao Instituto de Psicologia da
Universidade de São Paulo, como parte dos
requisitos para a obtenção do grau de Doutor em
Psicologia
Área de Concentração: Psicologia Escolar e
Desenvolvimento Humano
Comissão Examinadora
___________________________________________________________________
nome e assinatura
___________________________________________________________________
nome e assinatura
___________________________________________________________________
nome e assinatura
___________________________________________________________________
nome e assinatura
___________________________________________________________________
nome e assinatura
2004
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Ficha Catalográfica preparada pelo Serviço de Biblioteca
e Documentação do Instituto de Psicologia da USP
Lilienthal, L. A.
Educa-são: uma possibilidade de atenção em ação./ Luiz
Alfredo Lilienthal. – São Paulo: s.n., 2004. – 217p.
Tese (doutorado) Instituto de Psicologia da Universidade de
São Paulo. Departamento de Psicologia da Aprendizagem, do
Desenvolvimento e da Personalidade.
Orientadora: Henriette Tognetti Penha Morato
1. Saúde 2. Educação 3. Aconselhamento psicoterapêutico
4. Etimologia - Dicionários 5. Ética 6. Política I. Título.
Por ocasião da minha dissertação de mestrado, fiz a seguinte dedicatória:
Li, certa vez, não pude encontrar onde,
uma frase de Fritz Perls que em teor dizia:
“A relação entre pais e filhos estará resolvida,
quando o sentimento predominante dos
filhos em relação aos pais for de gratidão”.
A meus pais, Hans e Lotte, cada um à
sua maneira, pessoas
absolutamente incríveis!
Obrigado!
Agora, passados alguns anos,
o que tenho a acrescentar
em relação a eles,
é a bem-aventurança que
é saber amar e ser amado.
Assim, dedico este trabalho
também a meus filhos,
que ainda não tenho,
mas que por certo terei.
E, é claro,
antes de mais nada,
à companheira de vida,
que vai comigo
viver esse sonho!
A minha avó Hilde, às vésperas
de seu 102º aniversário.
AGRADECIMENTOS
À Dra. Henriette Tognetti Penha Morato pela orientação deste trabalho, pela
amizade, paciência e confiança. Registro aqui minha admiração pela sua obra como
um todo, mas particularmente pelo detalhe de seu dom de ser uma escultora de
textos, uma “Gian Lorenzo Bernini dos textos”, Bernini que ela um dia me
confidenciou ser seu escultor predileto. Será que você suportaria me orientar mais
uma vez?!
À Comissão de Pós-Graduação do IP-USP, por avalizarem este trabalho, na forma
da possibilidade de trancamento de matrícula e prorrogação do prazo de entrega,
por ocasião de problemas pessoais.
À Claudia Baptista Távora.
A Yoshiko Aiba, terapeuta sempre presente.
Aos amigos que generosamente me ajudaram neste trabalho: a agri-doce Heloisa
Antonelli Aun, o brilhante Rodrigo Giannangelo de Oliveira e o talentoso Marcelo
Augusto Toniette, todos jovens profissionais de primeira grandeza e encaminhados
na vida acadêmica.
A Matheus Machado Oliveira pela operação da câmera de vídeo na segunda oficina.
A todos os amigos que tiveram a paciência de me suportar (dar suporte!) na
confecção deste trabalho, especialmente Myrian Bove Fernandes, Claudia Ranaldi
Nogueira, Selma Ciornai, Raphael Cangelli Filho, Syliva van Enck Meira, Roseleide
da Silva Santos, Maier Augusto dos Santos, Liz Veronica Vercillo Luisi, Maria
Cristina Duarte Ferreira, João Roberto Günzler, Nelson Antonio Viesti, Hans Walter
Rüegg, Annie Dymetman, Rubens Hirsel Bergel, Miriam Oellsner,
Iracema Soares
Corrêa Laurelli, Etienne Miguet e Rodrigo Araês Caldas Farias.
Aos amigos e colegas do LEFE-IPUSP, da Universidade São Judas Tadeu, do
Instituto Gestalt de São Paulo e aos amigos de consultório Ênio Brito Pinto, Maria
Justina Ismael Vaz Pinto (Maju), Mauro Figueiroa e Vera Cristina Silva Stracieri pela
infindável paciência de lidar no dia a dia com um doutorando e pelos momentos de
descontração e bom humor.
A todos os meus professores: aos bons pelo exemplo a ser seguido, aos ruins pelo
exemplo a ser abandonado.
A todos os meus Mestres.
A todos os meus alunos. Aos que foram, aos que são, e aos que serão.
A todos meus clientes. Aos que foram, aos que são, e aos que serão.
A todos. Um abraço.
RESUMO
LILIENTHAL, Luiz Alfredo. Educa-são: uma possibilidade de atenção em ação. São
Paulo, 2004, 217 p. Tese (Doutorado). Instituto de Psicologia da Universidade de
São Paulo.
Tendo como ponto de partida o sofrimento ou perda de sentido na assim chamada
pós-modernidade, este trabalho trilha, através da etimologia, o sentido das noções
de saúde e educação, desde sua criação pelos gregos. Identifica que na translação
das palavras do grego para o latim, perdeu-se a noção da forma de experienciar o
mundo, mostrando que a relação atualmente existente entre saúde e educação
passa ao largo de suas proposições originárias. Discute a atual constelação entre
saúde e educação, através de uma reflexão das condições para que uma ética se
torne exequível e articula algumas possibilidades de compreensão entre ambas
através da Gestaltpedagogia, Teoria Organísmica de Kurt Goldstein, dos existenciais
da Fenomenologia Existencial na leitura de Eugène Gendlin, e das concepções de
“Espelho Mágico”, Supervisão de Apoio Psicológico, oficinas de recursos
expressivos e aprendizagem significativa. Propondo oficinas de criatividade, mostra
como este recurso pode possibilitar a busca de um outro sentido, através de oficinas
realizadas com um grupo de educadores de uma instituição que abriga menores
infratores. Finalmente, apresenta reflexões para uma articulação possível entre
saúde e educação para a prática psicológica em instituições.
Palavras-chave:
Saúde; educação; prática psicológica; instituições; etimologia; ética e política
ABSTRACT
LILIENTHAL, Luiz Alfredo. Sane education: a possibility of attention in action. São
Paulo, 2004. 217 p. Thesis (Doctorate). Instituto de Psicologia da Universidade de
São Paulo.
Having as its starting point the suffering or loss of meaning in the so-called post-
modernity, this paper trails, through etymology, the meaning of the notions of health
and education, since their creation by the Greek. It identifies that in the conversion of
the words from Greek to Latin, the notion of the manner of experiencing the world
was lost, showing that the present relation which exists between health and
education is far from its originary propositions. It discusses the present constellation
between health and education, through a reflection of the conditions for an ethic to
become feasible and articulates some possibilities of understanding between both
through Gestaltpedagogy, the Organismic Theory of Kurt Goldstein, the existentials
of the Existential Phenomenology in the reading of Eugène Gendlin, and the
conceptions of the “Magic Mirror”, Supervision of Psychological Support, workshops
of expressive resources and significant learning. Proposing creativity workshops, it
shows how this resource can allow the search for another meaning, through
workshops held with a group of educators of an institution which shelters
transgressors under legal age. Finally, it presents reflections for a possible
articulation between health and education for psychological practice in institutions.
Key words:
Health; education; psychological practice; institutions; etymology; ethics and
politics.
ZUSAMMENFASSUNG
LILIENTHAL, Luiz Alfredo. Gesunde Erziehung: eine Zuwendungsmoeglichkeit in
Aktion. São Paulo, 2004. 217 S. These (Doktorarbeit). Instituto de Psicologia da
Universidade de São Paulo.
Ausgehend von dem Leiden oder dem Sinnverlust in dem sogennanten Post-
Modernismus, sucht diese Arbeit, durch die Ethymologie, den Sinn der Begriffe
Gesundheit und Erziehung zu verfolgen, seit ihrer Erschaffung durch die Griechen.
Sie erkennt, dass in der Umwandlung der Worte von griechisch nach lateinisch das
Konzept von dem Ereignis des erlebens der Welt verloren ging, und zeigt, dass das
heutige Verhaeltnis zwischen Gesundheit und Erziehung weit von ihren
urspruenglichen Vorschlaegen entfernt ist. Die Arbeit diskutiert die heutige
Konstellation zwischen Gesundheit und Erziehung, mittels einer Ueberlegung der
Bedingungen, so dass eine Ethik ausfuehrbar werde und artikuliert einige
Verstaendigungsmoeglichkeiten zwischen beiden, durch die Gestaltpaedagogik, die
Organismische Theorie von Kurt Goldstein, die Existenziale der Existenziellen
Phaenomenologie durch die Optik von Eugène Gendlin, und die Begriffe des
“Zauberspiegels”, Psychologische Unterstuetzungsupervision, Workshops ueber
expressive Mittel und bedeutsamer Lehre. Indem Kreativitaetsworkshops
vorgeschlagen werden, wird gezeigt wie dieses Hilfsmittel die Suche nach einem
anderen Sinn moeglich macht, durch Workshops die mit einer Gruppe Erzieher einer
Institution, die minderjaehrige Delinquenten beherbergt, abgehalten werden.
Schliesslich werden Ueberlegungen ueber eine moegliche Artikulation zwischen
Gesundheit und Erziehung vorgestellt, fuer psychologische Praxis in Institutionen.
Schluesselworte:
Gesundheit; Erziehung; psychologische Praxis; Institution; Etymologie; Ethik und
Politik
SUMÁRIO
1. APRESENTAÇÃO 1
2. COMPREENDENDO SAÚDE E EDUCAÇÃO 10
2.1 A Pós-Modernidade: sofrimento pós-moderno ou perda de sentido 11
2.2 Léxicos 21
2.3 Saúde e Educação 39
2.3.1 Saúde 39
2.3.2 Educação 45
2.3.3 Saúde e Educação 50
2.4 Gestaltpedagogia 62
3. ARTICULANDO ALGUMAS POSSIBILIDADES ENTRE
COMPREENSÃO E AÇÃO 73
3.1 A Teria Organísmica de Kurt GOLDSTEIN 74
3.2 Befindlichkeit, compreensão e fala em Eugene GENDLIN 82
3.3 Interregno 94
3.4 Espelho Mágico 96
3.5 Supervisão de Apoio Psicológico 103
3.6 Oficinas de recursos expressivos – oxigenação 113
3.7 Aprendizagem Significativa 121
4. EXPERIÊNCIA EM AÇÃO: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
METODOLÓGICAS 127
4.1 Apontando um caminho 127
4.2 Para que? 133
4.3 Com quem? 134
4.4 Como? 134
4.5 Os roteiros que viraram mapas 135
5. COMPREENDENDO A AÇÃO 140
5.1 Descrevendo a Oxigenação, em 22.07.03 140
5.2 Descrevendo a Oxigenação, em 01.08.03 157
5.3 Re-leitura Cromática da Oxigenação, em 22.07.03 172
5.4 Re-leitura Cromática da Oxigenação, em 01.08.03 175
5.5 Compreendendo a Oxigenação 183
6. EDUCA-SÃO COMO PRO-JETO A CONSIDERAR 191
7. ANEXOS 195
8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 208
EDUCA-SÃO:
UMA POSSIBILIDADE DE
ATENÇÃO EM AÇÃO
1. APRESENTAÇÃO
ENTRE UM JOGO DE TÊNIS E UM DE FRESCOBOL:
APRESENTANDO UMA QUESTÃO
Aprender a ser saudável... e... ser saudável para aprender... Eis minha
questão! O “casamento” entre saúde e educação, aqui apresentado, primeiramente,
sob forma de uma crônica, numa primeira tentativa de articulação, via uma
metáfora...
Depois de muito meditar sobre o assunto concluí que os casamentos são de
dois tipos: há os casamentos do tipo tênis e há os casamentos do tipo frescobol.
Os casamentos do tipo tênis são uma fonte de raiva e ressentimentos e terminam
sempre mal. Os casamentos do tipo frescobol são uma fonte de alegria e têm a
chance de ter vida longa.
Explico-me. Para começar, uma afirmação de Nietzsche, com a qual
concordo inteiramente. Dizia ele: "Ao pensar sobre a possibilidade do casamento
cada um deveria se fazer a seguinte pergunta: `Você crê que seria capaz de
conversar com prazer com esta pessoa até a sua velhice?' Tudo o mais no
casamento é transitório, mas as relações que desafiam o tempo são aquelas
construídas sobre a arte de conversar."
Xerazade sabia disso. Sabia que os casamentos baseados nos prazeres da
cama são sempre decapitados pela manhã, terminam em separação, pois os
prazeres do sexo se esgotam rapidamente, terminam na morte, como no filme O
Império dos Sentidos. Por isso, quando o sexo já estava morto na cama, e o amor
não mais se podia dizer através dele, ela o ressuscitava pela magia da palavra:
começava uma longa conversa, conversa sem fim, que deveria durar mil e uma
noites. O sultão se calava e escutava as suas palavras como se fossem música. A
música dos sons ou da palavra - é a sexualidade sob a forma da eternidade: é o
amor que ressuscita sempre, depois de morrer. Há os carinhos que se fazem com
o corpo e há os carinhos que se fazem com as palavras. E contrariamente ao que
pensam os amantes inexperientes, fazer carinho com as palavras não é ficar
repetindo o tempo todo: "Eu te amo, eu te amo..." Barthes advertia: "Passada a
primeira confissão, `eu te amo' não quer dizer mais nada." É na conversa que o
nosso verdadeiro corpo se mostra, não em sua nudez anatômica, mas em sua
nudez poética. Recordo a sabedoria de Adélia Prado: "Erótica é a alma"
O tênis é um jogo feroz. O seu objetivo é derrotar o adversário. E a sua
derrota se revela no seu erro: o outro foi incapaz de devolver a bola. Joga-se tênis
para fazer o outro errar. O bom jogador é aquele que tem a exata noção do ponto
fraco do seu adversário, e é justamente para aí que ele vai dirigir a sua cortada -
palavra muito sugestiva, que indica o seu objetivo sádico, que é o de cortar,
interromper, derrotar. O prazer do tênis se encontra, portanto, justamente no
momento em que o jogo não pode mais continuar porque o adversário foi colocado
fora de jogo. Termina sempre com a alegria de um e a tristeza de outro.
O frescobol se parece muito com o tênis: dois jogadores, duas raquetes e
uma bola. Só que, para o jogo ser bom, é preciso que nenhum dos dois perca. Se
a bola veio meio torta, a gente sabe que não foi de propósito e faz o maior esforço
do mundo para devolvê-la gostosa, no lugar certo, para que o outro possa pegá-la.
Não existe adversário porque não há ninguém a ser derrotado. Aqui ou os dois
ganham ou ninguém ganha. E ninguém fica feliz quando o outro erra - pois o que
se deseja é que ninguém erre. O erro de um, no frescobol, é como ejaculação
precoce: um acidente lamentável que não deveria ter acontecido, pois o gostoso
mesmo é aquele ir e vir, ir e vir, ir e vir... E o que errou pede desculpas; e o que
provocou o erro se sente culpado. Mas não tem importância: começa-se de novo
este delicioso jogo em que ninguém marca pontos...
A bola: são as nossas fantasias, irrealidades, sonhos sob a forma de
palavras. Conversar é ficar batendo sonho pra lá, sonho pra cá... Mas há casais
que jogam com os sonhos como se jogassem tênis. Ficam à espera do momento
certo para a cortada. Camus anotava no seu diário pequenos fragmentos para os
livros que pretendia escrever. Um deles, que se encontra nos primeiros cadernos,
é sobre este jogo de tênis:
"Cena: o marido, a mulher, a galeria. O primeiro tem valor e gosta de brilhar.
A segunda guarda silêncio, mas, com pequenas frases secas, destrói todos os
propósitos do caro esposo. Desta forma marca constantemente a sua
superioridade. O outro domina-se, mas sofre uma humilhação e é assim que
nasce o ódio. Exemplo: com um sorriso: 'Não se faça mais estúpido do que é, meu
amigo'. A galeria torce e sorri pouco à vontade. Ele cora, aproxima-se dela, beija-
lhe a mão suspirando: 'Tens razão, minha querida'. A situação está salva e o ódio
vai aumentando."
Tênis é assim: recebe-se o sonho do outro para destruí-lo, arrebentá-lo, como
bolha de sabão... O que se busca é ter razão e o que se ganha é o
distanciamento. Aqui, quem ganha sempre perde.
Já no frescobol é diferente: o sonho do outro é um brinquedo que deve ser
preservado, pois se sabe que, se é sonho, é coisa delicada, do coração. O bom
ouvinte é aquele que, ao falar, abre espaços para que as bolhas de sabão do
outro voem livres. Bola vai, bola vem - cresce o amor... Ninguém ganha para que
os dois ganhem. E se deseja então que o outro viva sempre, eternamente, para
que o jogo nunca tenha fim... (“Tênis X Frescobol”. Rubem ALVES, 2003, p. 25-26)
As origens deste trabalho localizam-se há muitos anos; considero-o uma
metáfora da minha própria trajetória profissional, que se iniciou pelo meu contato
absolutamente casual com a Gestaltpedagogia, que por sua vez descortinou à
minha frente um universo no qual havia uma relação entre educação e saúde, idéia
que tem me movido desde então. Surgiu a proposta de um estudo que se
encaminhava para uma possível articulação entre educação e saúde, e cujo sentido
permitiria compreendê-las não mais como um contínuo, nem mesmo considerando
educação de um lado e saúde de outro; ou seja, buscava discuti-las sem partir da
premissa do ovo ou da galinha. É pois na perspectiva dessa historicidade que se
desenrola esta apresentação.
Trabalhei por quatro anos com Educadores de Rua, a quem me refiro até hoje
por e com maiúsculas! Posso dizer que foi tal trabalho que me ensinou muito a
respeito tanto deles próprios assim como a respeito das Crianças de Rua, isso sem
referir-me ao que me ensinaram sobre mim mesmo e meu próprio fazer profissional.
Compreendia esse trabalho como uma proposta difusa, no sentido de que parecia
que eles e eu fazíamos algo da ordem do não estipulado. Quer dizer, não podia ser
definido pelos parâmetros usualmente reconhecidos como psicologia clinica na
prática psicológica, nem tampouco dentro dos paradigmas da pedagogia moderna.
O único reconhecimento possível tanto na atuação desses Educadores quanto na
minha apresentava-se pela mesma espinha dorsal: estabelecimento e a defesa da
cidadania das Crianças de Rua. Nessa perspectiva, fazia-se de tudo um pouco para
que tal resgate se tornasse possível, o que implicava desde simplesmente levar a
Criança à Casa Aberta até conseguir-lhe um emprego, passando pela necessidade
de para isso cuidar de sua saúde e educação, como levá-la para atendimento
médico-odontológico e procurar matriculá-la em uma escola ou curso.
Rememorando essa experiência no momento presente, volto-me ao sentido
do trabalho desses Educadores junto às Crianças, através da Supervisão de Apoio
Psicológico que realizei com os Educadores. Aos poucos, foi se revelando a
possibilidade de uma relação bastante intrincada entre saúde e educação pois, na
medida em que seu trabalho se desenvolvia, tornava-se evidente uma mudança nas
Crianças no que se referia ao modo de convivência consigo mesmas e com os
demais. Mas como isso dizia respeito à articulação entre saúde e educação
continuava me intrigando, apesar de intuitivamente acreditar.
Ao reler os dois últimos parágrafos, acentua-se a sensação de que, se por um
lado descrevi sucintamente o trabalho desenvolvido, por outro uma grande parte do
que de fato ocorria não foi contemplada e que, quando falo em saúde e educação,
não é a isto que gostaria de me referir. O sentido que busco parece nelas não se
esgotar.
Retomo o trabalho realizado. Havia três instâncias: as Crianças de Rua, os
Educadores de Rua e o Supervisor de Apoio Psicológico. Entre cada duas se
interpunha uma terceira. Eu entrava em contato com as Crianças apenas através
dos olhos dos Educadores. Aquilo que ocorria com as Crianças e/ou com os
Educadores, chegava até a mim, supervisor, da mesma forma que aquilo que ocorria
comigo, minha visão, durante os trabalhos chegava até as Crianças também via os
Educadores. Portanto, meu trabalho implicava numa dimensão multiplicadora.
Espelho Mágico (MORATO, H.T.P.; BACCHI, C.; PIRES, L.; LILIENTHAL, L.A.;
ROCHA, M.C.; FRISCHER, R.; IACONELLI, V.; in MORATO, 1999)
Se minha direção contemplava possibilitar o resgate da cidadania das
Crianças, em primeiro lugar era necessário trabalhar atitudes e questões relativas à
cidadania dos próprios Educadores, tanto quanto às minhas próprias, para que elas
pudessem se dirigir, posteriormente, às Crianças via Educadores. Mas esta
descrição/explicação ainda não satisfaz. O trabalho dos Educadores se
caracterizava por um cuidar das Crianças. Meu trabalho era caracterizado pelo
cuidado dispensado aos Educadores, a fim de que, cuidados, eles pudessem estar
em condições de cuidar das Crianças. Nesse sentido, era um modo de
instrumentalizar seu trabalho. Assim compreendido, posso dizer que meu trabalho
chegava até as Crianças. Por outro lado, preciso ainda reconhecer que, para realizar
essa supervisão, eu mesmo necessitava ser cuidado pela supervisão de minha
própria atuação: espelho mágico como fenômeno para encaminhamento e
transformação.
Findo o trabalho com os Educadores de Rua, fui, por mais quatro anos, atuar
junto aos técnicos do Projeto Esporte-Talento (PET), também com Supervisão de
Apoio Psicológico. Aqui a proposta era mais focada, pois o PET objetiva veicular
educação através de práticas esportivas. Portanto, os técnicos tinham nominalmente
uma tarefa bastante clara -- a atividade esportiva – e, embutida nela, procuravam
desenvolver com as crianças uma proposta de educação pelo esporte. Nesse
sentido, eram também educadores, pessoas preocupadas com aprendizagem das
crianças, mas atentos, também, à sua saúde. Ou seja, implicitamente havia a
proposta de resgate e defesa da cidadania, como possibilidade de encaminhamento
e transformação, pela atenção e cuidado à corporeidade do sujeito.
Cotejando ambas as atuações, percebo que o trabalho com os Educadores
de Rua parecia mais “bruto” do que aquele realizado pelos técnicos do PET, pois,
aparentemente, se baseava em proposta mais difusa, mais ingênua, sem uma
direção de propósitos esclarecida. No tocante aos Educadores de Rua, reconheço
que sua atuação dependia muito do próprio grupo de Educadores. Tal constatação
pode ser possível pela experiência com dois grupos distintos desses profissionais:
servidores públicos de uma Secretaria de Estado e funcionários e voluntários de
uma ação comunitária da Igreja Católica. Para relatar isso, recorro a FRISCHER
(1999, p. 413), ao discutir como, a partir de um dispositivo legal, o Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA), profissionais de instituições diversas desenvolvem
suas ações compreendendo-as pelos princípios de sua instituição de origem.
Os educadores falam de trabalhos diferentes. As propostas contemplam o mesmo
objetivo básico, ou seja, propiciar a esses meninos e meninas novos espaços de convívio social,
resgate da cidadania, descoberta de suas capacidades. No entanto, diferem quanto a diretriz.
Um busca na religião o espaço para que esses meninos sejam aceitos. O outro é um trabalho de
responsabilidade pública, que tem uma visão laica e fala mais em cidadania e menos em
religiosidade. Em comum existe esse espaço institucional que os trata da mesma forma.(...) É
somente dentro dessa perspectiva que podemos entender pessoas/instituições com discursos tão
parecidos, com objetivos comuns e com práticas tão diferentes. Não podemos esquecer uma
diferença básica existente na concepção dessas instituições, que se refere muito mais ao próprio
modo de entender o que acontece com essas crianças. A religião tem um modo particular de
lidar com isso, que acredita que encontrando Deus essas crianças se beneficiarão de uma
compreensão maior sobre a vida e sobre a existência, compartilhando com Ele a
responsabilidade por sua existência. Enquanto isso, a concepção de um Estado laico devolve ao
homem a responsabilidade por sua existência. Têm, portanto, a função de mostrar as
possibilidades existentes nessa sociedade, possibilidades estas que muitas vezes essas crianças
não tiveram oportunidade de conhecer.
Além disso, havia diferença entre ambas quanto à formação de seus
profissionais. Numa Casa Aberta estatal, os profissionais precisavam ter formação
em curso superior, ao passo que na Pastoral do Menor havia uma variedade e
discrepância muito grande em termos do nível e da forma de capacitação
profissional dos Educadores. Penso que tais diferenças contribuíam para a direção
dos questionamentos que ocorriam durante as supervisões de apoio. Com os
primeiros era muito recorrente a questão de sua articulação política frente à
Secretaria de Estado à qual estavam vinculados. Já no segundo grupo, a ênfase era
na mobilização de recursos pessoais para dar conta das questões, problemas e
situações que as Crianças de Rua suscitavam.
É nesse sentido que reconheço uma semelhança entre o grupo de
educadores ligado ao Governo Estadual e os técnicos do PET, já que os dois grupos
eram formados por profissionais com o terceiro grau completo ou em andamento,
além de compartilharem o exercício profissional em instituição publica. Nessa
medida, posso pensar que a semelhança de questionamentos desses dois grupos,
no tocante a posicionamentos e articulação política, poderia relacionar-se ao fato de
ambos pertencerem a instituições estatais.
Passado um tempo desde o trabalho com estes três grupos de profissionais, a
despeito das diferenças já citadas, percebo, agora, que os três desenvolvem o
mesmo tipo de trabalho, tarefa, o que me leva e pensar que, imerso que estava nos
diversos universos, não tinha eu ainda maturado uma idéia, concepção, que
pudesse dar conta de poder articular uma aproximação entre esses diferentes
trabalhos. Desse modo, é que se evidenciou uma interrogação, tema deste presente
exercício reflexivo. Seria possível compreender, nessas e em outras atividades
de educadores, ações contemplando tanto o âmbito da saúde quanto o da
educação dos sujeitos beneficiários?
Essa inquietação suscitou a criação do termo “educa-são”. Diz respeito a uma
ação de cuidado que envolve, de um ponto de vista formal, concomitantemente,
aspectos de saúde e educação, visando promover ao sujeito apropriar-se de sua
história de vida, de seus recursos pessoais, resgatando sua morada, seu lugar de
ser si mesmo. Nessa perspectiva, poderia uma ação de supervisão de apoio
psicológico promover ao educador uma capacita-são – ser capaz de cuidar de
si próprio para se manter saudável e educar cuidando do outro?
Assim, neste momento, e depois de tantos anos trabalhando com o que
denomino “educa-são”, por percebê-la como um elemento constituinte em quase em
todas as facetas de meu trabalho, é que compreender a possível articulação entre
saúde e educação surge como questão crucial e crítica. Afinal, sua presença é
recorrentemente uma atualidade no meu percurso profissional, seja como Supervisor
de Projeto na FEBEM, como docente universitário, como psicoterapeuta. Suas
implicações mútuas revelam-se, por outro lado, como também se entrelaçando com
outro fenômeno insistente e im-pertinente: constituição do sujeito, aprendizado de si
mesmo e de seu conviver cidadão. Diz de uma aprendizagem e reconhecimento da
condição humana. Desse modo, refletir acerca da educa-são implicaria em
compreendê-la como situações para a educação profissional, para a vida do ser
humano, simplesmente? Será educa-são uma faceta do cuidar de ser?
Defrontar-me com estas questões não é fácil nem confortável, pois nunca há
uma resposta imediata possível, nem tampouco uma única, para interrogações que
se apresentam quando dizem respeito à condição do homem e da humanidade do
homem. Desafiar-se a compreendê-las demanda do sujeito (criança, profissional,
aluno) atravessar uma experiência que lhe permita dar significado sentido àquilo que
a aflige, ou seja, fazer uma “articulação” entre seu sentir, pensar e agir, como uma
espécie de “fenômeno mágico”, da ordem do ainda não compreendido, pois diz mais
de uma dimensão sentida e com sentido, antes mesmo de se fazer foco para
reflexão. Talvez diga respeito à dimensão do apropriar-se de si, do mundo e dos
outros, permitindo ao sujeito modificar-se, ser diferente ou outro mesmo de si, já
assim se percebendo num nível sensório-afetivo concomitante ao cognitivo
reconhecido.
Para terminar a apresentação de minha questão, volto ao início... O texto de
Rubem ALVES fala magistralmente dos relacionamentos afetivos. Quero ressaltar
que “afetivamente” implica-se em qualquer situação em que haja algum tipo de
relacionamento. Como, por exemplo, no trabalho, no qual o envolvimento do sujeito
é de uma ordem que excede apenas à sobrevivência, para que possa constituir-se
como uma ação correspondente à dignidade do homem.
Nesse sentido, a citação de NIETZSCHE por ALVES é pertinente para pensar
as relações com o trabalho. Talvez não seja possível garantir que, no futuro, na
velhice, ainda se esteja “conversando” com o mesmo trabalho, ou até com a mesma
profissão. Mas, no momento atual, é necessário que se tenha clareza dessa
possibilidade de conversa, caso contrário, a perspectiva de ocorrência de mudança
na proposta de atividade pode ficar obscurecida. Recorrendo às minhas
experiências, esta foi uma questão fundamental, arduamente discutida com os
Educadores de Rua, com os técnicos do PET e com os participantes dos grupos que
serão discutidos neste trabalho.
Já quando ALVES cita BARTHES, parece implicar-se o sentido da fala
autêntica, como proposto por AMATUZZI (1989), não com sentido dialógico de um
“eu” e um “tu”, mas diacrítico
1
: aquele que aproxima distinguindo. Fala autêntica é a
fala primeira. No trabalho de esclarecimento da demanda de um homem por sua
apropriação por si mesmo é sempre preciso descobrir e traduzir as falas primeiras.
Caso contrário, as falas se perderão...
É bom lembrar que o esforço para colocar “a bola fora do alcance do outro”
diz respeito a colocá-la ao seu alcance. Nos tempos atuais, é exigido do homem que
ele faça jogadas de tênis; se jogar frescobol será considerado não competitivo. Por
outro lado, simplesmente manter a tensão da ambigüidade, da diacriticidade e da
diferença não é considerado eficiente, tampouco eficaz, por parte de quem é adepto
da forma produtiva de considerar tanto o homem quanto as coisas do mundo. A
aparente objetividade obscurece uma outra forma de perceber a situação do
trabalho feito por homens.
Assim, mesmo no contexto deste trabalho, é difícil referir-me a ele de uma
forma que seja mais “para frescobol que para tênis”... O modelo científico demanda
posicionamentos com exatidão, posturas definidas, “know-how” bem descrito. Difícil
falar dos afetos que me regeram durante todos estes anos sem pasteurizá-los. Difícil
falar de um procedimento a partir do qual eu não possa me apresentar como um
“vencedor”, aquele que conseguiu, aquele que sobrepujou. Difícil me apresentar
como um profissional que joga “a bolinha ao alcance do outro” e ainda diz que é isto
o que há para ser feito, por mais mirabolante que possa ter sido a jogada. Da
1
Diacrítico: gr. diakritikós,ê,ón 'capaz de distinguir, de separar' do v.gr. diakrínó 'separar um do outro',
formado do el. gr. diá 'através de, por meio de,' e v.gr. krínó
mesma forma que foi difícil mostrar a todos os educadores, com os quais estive
envolvido, que a questão é “jogar a bolinha ao alcance do outro”, e não promover
uma espetacular jogada “winner”. Falo de uma ética. Ética com o sentido adotado
por Figueiredo (FIGUEIREDO,1995, apud ANDRADE e MORATO, 2004, p. 12), que
se refere
... a conjunto de valores, posturas e hábitos considerados como uma moradia,
parte do mundo na qual podemos nos sentir relativamente abrigados, levando-se
em conta que o significado etimológico de ethos, palavra da qual se origina ética,
refere-se tanto aos costumes quanto à morada.
Contudo, no encontro com o outro, no cotidiano da prática, não parece haver
um lugar seguro nem respostas verdadeiras e precisas. Não há procedimento que
garanta uma certeza frente a inospitalidade angustiante do inesperado que a
alteridade apresenta. Desse modo,
nega-se a alteridade reduzindo o outro a interseções bem delimitadas no tempo e
no espaço ou, o que é mais raro, acolhe-se a alteridade como irredutível, como
fundamento do encontro. No primeiro caso, temos o homem teórico, portador de
um saber racional que explica as irracionalidades (os desvios) e acredita deter os
meios de controlá-las ou ajustá-las à norma. No segundo, temos o homem ético,
que se deixa afetar pelo estranho, por aquilo que não é da ordem do
representacional ou de seus códigos familiares, e ao acolher a alteridade e a
produção de diferença emergente, vive um processo transformador e instituinte de
novos modos de estar no mundo. Transmuta-se do lugar da ‘explicação sobre’
para o lugar do ‘aprender com’ ou ‘aprender entre’. (ANDRADE e MORATO, 2004,
p. 7-8)
Acredito que seja a essa questão de uma atitude ética na prática psicológica a
que me refiro. Afinal, com o passar dos anos, aprendi a necessidade de “jogar a
bolinha na mão ou ao fácil alcance do outro”, seja este outro uma pessoa ou uma
situação. Assim, quando falava da dificuldade de trabalhar com os Educadores de
Rua, creio que o que lhes propunha ainda era um jogo de tênis. Porém, junto aos
educadores do PET, comecei a perceber que tal jogo não me satisfazia, e comecei a
propor mudanças para, finalmente, “reinventar” o frescobol. Do trabalho com os
Educadores de Rua ao trabalho com os educadores do PET, é para mim perceptível
um gradiente do tênis ao frescobol, ou de um “você ou eu”, passando para um “você
e eu”, chegando a um “nós” ou talvez um você-eu (diacrítico).
Mas, e quanto ao meu sonho? “E o que é próprio do ser do homem? Para
apontar essa peculiaridade, vou dizer que o homem é um sonhador. Num certo
sentido, o que chamo de existência é a condição de sonhador do homem
(POMPÉIA & SAPIENZA, 2004, p.18) É, talvez por essa condição de sonhar e que
me leva a recorrer a uma imagem de minha fantasia, que penso que educação e
saúde “vivem” uma intensa relação afetiva: a educa-são. “Ninguém ganha, para que
os dois ganhem”. Trata-se de cuidar de ser.
Eis apresentada a região de minhas preocupações no contexto deste
trabalho. Explorar essas articulações possíveis será o caminho a ser percorrido
adiante.
2. COMPREENDENDO SAÚDE E EDUCAÇÃO
Era o que ele estudava. “A estrutura, quer dizer, a estrutura”, ele repetia e abria a
mão branquíssima ao esboçar o gesto redondo. Eu ficava olhando seu gesto
impreciso porque uma bolha de sabão é mesmo imprecisa, nem sólida, nem
líquida, nem realidade nem sonho. Película e oco. “A estrutura da bolha de sabão,
compreende?” Não compreendia. Não tinha importância. Importante era o quintal
da minha meninice com seus verdes canudos de mamoeiro, quando cortava os
mais tenros, que sopravam as bolas maiores, mais perfeitas. Uma de cada vez.
Amor calculado, porque na afobação o sopro desencadeava o processo e um
delírio de cachos escorriam pelo canudo e vinham rebentar na minha boca, a
espuma descendo pelo queixo... (Lygia Fagundes TELLES, 1991, p. 197)
Novamente, recorro à literatura como possibilidade de tradução de minha fala
primeira. Como compreender uma articulação entre dois termos que, primeiramente,
parecem contemplar significados tão precisos e aplicáveis no cotidiano da vida?
Nesse sentido, pareceria “non sense” dedicar todo um trabalho para encontrar uma
outra possibilidade de compreensão, uma vez que já estão definidos e assim
plenamente reconhecidos.
Contudo, e como tudo na prática psicológica, descortinam-se algumas
situações em que a verdade de coisas e seus significados apresentam-se como
simples aparência, pois há muito mais desencontros entre o que se apresenta e a
representação que disso se tem, como conhecimento. Entre o saber de algo e sua
compreensão ao se mostrar é sempre uma queda em vôo livre. O cotidiano
demanda, recorrentemente, reinvenção de saberes e práticas.
Considerando que a prática psicológica percorre tanto o âmbito da saúde
quanto o da educação, aventuro-me a percorrer outra compreensão que não apenas
a dos saberes instituídos. Nesse sentido, faz-se necessário empreender um caminho
de contextualização para a questão, buscando, por um lado, compreender o mundo
contemporâneo do humano, e, por outro, uma volta ao contexto originário em que
tais termos surgiram como linguagem, expressando o sentido de sua propriedade.
2.1. A Pós-Modernidade: sofrimento pós-moderno ou perda de sentido
As últimas duas décadas de nosso século vêm registrando um estado de profunda
crise mundial. É uma crise complexa, multidimensional, cujas facetas afetam todos
os aspectos de nossa vida – a saúde e o modo de vida, a qualidade do meio
ambiente, e das relações sociais, da economia, tecnologia e política. É uma crise
de dimensões intelectuais, morais e espirituais; uma crise de escala e premência
sem precedentes em toda a história da humanidade. (CAPRA, 1982, p. 13)
Para compreender saúde e educação em nossos dias é preciso partir de um
sentido possível pelo qual se denomina pós-modernidade: intensa invasão da
tecnologia em todos os âmbitos da atividade humana, notadamente na comunicação
e na informática, promovendo, por isso, uma “redução” das dimensões globais pela
aproximação virtual de distâncias e estilos de vida, dada a saturação de
informações, diversões e serviços. Do ponto de vista sócio-econômico, tende a
reduzir o sujeito a mero consumidor, dada a relevância à valorização da ação de
consumo de sua própria produção tecnológica como sentido de vida, impondo-lhe,
assim, um papel de mero indivíduo numa sociedade massificada
(FIGUEIREDO,1992).
Vivendo num mundo de símbolos, o homem, hoje, prefere a imagem ao
objeto, o simulacro ao real, o hiper-realismo à realidade como possibilidade,
propiciando a perplexidade contemporânea da sociedade do espetáculo. Permeando
a mentira da verdade, o hiper-realismo, por um lado, gera uma sensação de vivência
intensa do cotidiano, enquanto, por outro, impõe um sentimento habitual de
incompletude, inversamente proporcional à possibilidade de crítica que o sujeito se
permita. De fato, não se pode negar que existe um imenso leque de opções, desde
que a escolha indique sempre, de algum modo, o consumir. Referenciando-se por tal
sociedade, ao indivíduo “consumido” resta compreender o não consumo como
sinônimo de “estar à deriva”. Nesta perspectiva, o mundo do homem pós-moderno é
pautado pela indiferença aparente, a qual subjaz no estereótipo do viver plenamente
o presente, tal qual um adolescente deslumbrado, mantendo, a todo custo, um
pseudodesconhecimento do desamparo como sua marca registrada.
A intensa busca por “receitas mágicas” que, de alguma forma, possam
implicar em solução para males diversos que afligem as pessoas no seu cotidiano
de vivências espetaculares, implicou no florescimento de práticas variadas, e mal
compreendidas como sendo esse o sentido de bem estar de vida para os orientais,
para promoção da “auto-realização pessoal” (LASCH, 1977). Observa-se, assim, ao
mesmo tempo em que uma negação do pensamento ocidental, um niilismo pelo
coletivo, gerando um indivíduo apático socialmente e desistente de sonhos
possíveis. Valoriza-se, apenas, tudo o que se refere a sensações voltadas a algum
tipo de sentido além da realidade, sem se dar conta destas como real escapismo.
Se, por um lado, me percebo um tanto radical tendo apresentado uma tal
descrição do humano pós-moderno, por outro, encontro-a constantemente presente
e atuante nos mais variados contextos entre sujeitos, com os quais me relaciono em
meu trabalho como psicólogo e educador. Niilismo, o nada, o vazio, a ausência de
valores e de sentido para a vida são as recorrentes marcas registradas do sujeito
destes tempos.
O lucro capitalista é, fundamentalmente, produção de poder subjetivo. Isso não
implica uma visão idealista da realidade social: a subjetividade não se situa no
campo individual, seu campo é o de todos os processos de produção social e
material. O que se poderia dizer, usando a linguagem da informática, é que,
evidentemente, um indivíduo sempre existe, mas apenas enquanto terminal; esse
terminal individual se encontra na posição de consumidor de subjetividade. Ele
consome sistemas de representação, de sensibilidade, etc. – sistemas que não
têm nada a ver com categorias naturais universais. (GUATTARI e ROLNIK, 1986,
p. 32, apud TÁVORA, 1994, p. 28)
Reconhecendo esse contexto opressor, ocorre-me uma metáfora a partir,
novamente, da literatura. Difícil deixar de lembrar de “1984” de George Orwell, se a
linguagem humana, na atualidade, está permeada pela tecnologia. Afinal, terminal
de um “supercomputador” tem sua ação limitada ao escopo de campo que este lhe
impõe. Assim, dentro desta visão, um cliente adequado passa a ser aquele que
“compra” bem o seu terapeuta, ou seja, aquele que faz o que se espera dele, assim
como o bom aluno é aquele que segue rigorosamente aquilo que a escola solicita
dele, enquanto o bom interno ou presidiário é aquele que segue cegamente as
regras da casa e o bom cidadão aquele que segue as prescrições legais, ao passo
que o bom educador ou saneador é aquele que executa os princípios da
organização na qual trabalha. Tomando-se a normatividade como padrão, não se
procura entender um comportamento “desviante” a não ser como aquilo que está
fora dos padrões. Não ocorre a possibilidade de sua compreensão como sinalização
de mal estar, demandando assim, ser cuidado como um comportamento possível
que, eventualmente, possa estar fazendo sentido para o indivíduo, mas que, na
ausência de leitura contextualizada da situação do sujeito, não é possível
compreender-se seu sentido como apropriado.
É esse homem/cliente que chega ao consultório, chorando suas ilusões,
vislumbrando novas possibilidades de existência das quais não consegue, ainda,
apropriar-se. Esse homem sofre, sente-se em pânico, pois o script conhecido não
mais responde às situações contingenciais com as quais se depara. E eu,
homem/psicólogo, também desalojada e chorando a perda das certezas de velhos
sistemas teóricos acolho esse homem. Ambos nos abrimos para uma
viagem/aventura conjunta, num mar “revolto”, procurando encontrar, nas nossas
velhas crenças, a direção a ser seguida. Triste engano, pois na maioria das vezes,
os mapas antigos apresentam um contorno dos continentes, mas não indicam
possíveis rochedos, novas rotas marítimas, possível presença de icebergs que
podem fazer naufragar nossas embarcações. Precisamos apropriar-nos das novas
indicações, assumindo voluntariamente o desligamento da ilusão da permanência
e da estabilidade das rotas conhecidas, para que possamos construir novas
possibilidades de viver e de criar. (BARRETO, 2001, p.35)
No âmbito da saúde, isto se revela numa prática da medicina que utiliza toda
sorte de exames para determinar se o paciente está ou não saudável, às vezes até
mesmo determinando se ele é ou não saudável. A figura do médico, que chamando
para si a responsabilidade de apreciar a condição de saúde de seu paciente apenas
através de exame clínico, praticamente desapareceu, deslegitimado que foi pela
tecnologia consumidora. Como diz BALINT (1984), há pouca presença da
“substância médico” e grande profusão de substâncias químicas. Pouco se dá
atenção ao discurso do paciente sobre como se encontra ou sobre como está se
sentindo. Se a bateria de exames não acusar nada e ele continuar com queixas,
será tratado com alguma droga psicotrópica e/ou indicado para um profissional
psicoterapeuta, por causas ditas psicossomáticas. E nem é preciso dizer como tanto
as baterias de exames quanto os medicamentos oneram muito o orçamento da
maioria dos cidadãos/mero indivíduo consumidor.
Assim pensando, pode-se dizer que, nas camadas sociais de poder aquisitivo
mais baixo, apela-se para medicamentos caseiros, curandeiros, crendices familiares
e toda sorte de tratamentos alternativos para fugir dos altos custos de uma visita ao
médico. Contudo, vê-se, também, não ser esta uma prática determinada apenas
pela condição econômica, uma vez que muitos sujeitos privilegiados a elas também
recorrem como expressão do sentido “verdadeiramente sentido como vida/saúde na
visão de mundo oriental”, um modo de ser do espetáculo e da aparência encobridora
do sofrimento e desamparo do homem pós-moderno.
Se, por um lado, há toda uma centralização tecnicista na figura do médico,
pois afinal é ele que tem o poder de fazer as prescrições e suas soluções, por outro,
houve uma grande “popularização” da medicina, através, principalmente, da mídia
como agente patrocinador de políticas públicas a título de campanhas informativas.
Sem dúvida, contribui-se para que “todo mundo eduque-se um pouco” no tocante à
saúde cidadã; mas não se pode deixar de ainda considerar que, muitas vezes, com
propagandas que são ambíguas quanto ao fim a que se destinam, ao cidadão
saudável ou eleitor, acabam sendo banalizadas questões da saúde ela mesma,
visto não serem levadas a sério ou devido a muitos autodiagnósticos imprecisos.
No âmbito da saúde mental, essa situação é ainda mais crítica. Tais
argumentos derivam de minha prática profissional enquanto psicoterapeuta e
supervisor de estágios em cursos de psicologia. Por um lado, a freqüência de
pessoas, que procuram clínicas psicológicas, após terem passado alguns poucos
dias com tristeza e, assim, queixando-se de depressão, é muito alta. Por outro lado,
depressão, psicose e histeria são tão comuns nos dias de hoje que até caíram no
anedotário popular. Como compreender essa aparente ambivalência?
A prática psicoterápica é vista por grande parte da população como algo
inalcançável devido aos altos preços praticados pelos profissionais. Novamente,
aqui, pode-se encontrar o mero indivíduo consumidor na perspectiva daqueles que
justificam seus honorários pelo custo de sua formação. Entretanto, chama a atenção
que somente uma minoria dos convênios de saúde cobre tal despesa. Seria por que,
afinal, o único material de consumo dos psicoterapeutas é o lenço de papel?! Ou por
que a saúde mental não pode ser considerada como um bem estar humano que
mereça atenção e cuidado? Estaria isso implicando que o mero indivíduo
consumidor é também apenas um corpo que precisa estar saudável para
movimentar-se, para consumir e produzir o que ele mesmo consome? Uma máquina
social ou um sujeito/cidadão? Não havendo atenção ao desamparo, como se
“consumir” o cuidado com o sofrimento?
Contemplando-se, agora, o âmbito da educação, encontra-se a mesma
ambigüidade. Nos dias atuais, educação de qualidade também é sinônimo de altos
custos. Isto porque educar, dada a falência do ensino público, passou a ser produto
para ser consumido como investimento para garantir trabalho e ser consumidor. É
por essa ótica que as instituições de ensino têm se preocupado muito mais com
quantidade que com qualidade, tanto em termos de número de alunos quanto em
termos do montante do que é ensinado: tempos de “escolas-empresa”, garantia de
lucro e de consumo.
Na educação pública o quadro não é muito diverso. Inatingível para grande
parte da população, mesmo que não implique em gastos, a necessidade de ter que
trabalhar para o sustento básico impõe-se como prioridade ao educar-se. Acima da
lei da obrigatoriedade de educação até 14 anos, ou seja, o investimento para ser
mero indivíduo consumidor, a sobrevivência própria e/ou a da família é condição do
verdadeiro sujeito. Nesse contexto, questões como baixa qualidade de ensino e falta
de capacitação de professores da rede pública de ensino nem precisam ser
discutidas em relação à evasão escolar.
Em termos de educação não formal, aquela passada pela família e pela
comunidade, o quadro é ainda mais desanimador. Os pais ficam fora de casa grande
parte do dia provendo a subsistência. E boa parte deles, quando estão com os filhos,
ou só conseguem passar adiante aquilo que aprenderam, por também serem eles
mesmos fruto destes mecanismos, ou atuam como meros indivíduos consumidores
do que lhes é possível: televisão, futebol ou roda de amigos num bar, em nome de
laser e descanso. Não se dão conta, despessoalizados que são, de que têm algo a
passar para os filhos: certos valores da sua experiência como sentido de vida.
Não é de admirar que os meios de comunicação ocupem um lugar
educacional informal decisivo: não como uma grande “concorrência” para os pais,
mas ocupando o espaço do aprender para filhos, que ficam muito mais tempo
“expostos” à mídia do que na convivência com os familiares. Através dela, tomam
contato com um sentido de pertencimento a uma comunidade de outros meros
indivíduos, na qual a regra de convivência é o poder e o “levar vantagem” como
valores do conviver humano.
Por uma tal cartografia, nem se apresenta a questão da pessoa/singularidade
do aluno. Via de regra, essa “pessoalidade” é vista em sala de aula como
problemática. Afinal, na “fabricação” do mero indivíduo aluno, espera-se dele, a título
de “educação”, que cumpra razoavelmente as tarefas determinadas, consumindo um
rendimento escolar razoável, para não receber o rótulo de mera pessoa com
problemas de aprendizagem e incapaz do aprender para ser consumidor como
sentido de vida. Parece-me pertinente a colocação de TÁVORA a respeito da
inextricabilidade entre “indivíduo” e sua historicidade. Apesar de restringir sua fala à
clínica psicológica, penso ser ela perfeitamente aplicável à aprendizagem.
Cumpre, então, estabelecer a relação entre a discussão sobre as relações entre
os campos individual e social da experiência humana e o que agora se coloca.
Qualificar a psicoterapia como uma práxis implica, mais especificamente, portanto,
em reconhecer seu potencial de ação e transformação sobre um real concebido
em termos desta separação. Implica, ainda mais diretamente, em tomar este
potencial como razão, e não como mero “efeito colateral”; e por isso mesmo, como
matéria própria de análise. (...) Nesse sentido, o “indivíduo” é uma construção
sócio-histórico-cultural, também o são a sua “crise” e a criação de um lugar para
tratá-la; se as continuidades e inovações desse processo escapam ao domínio da
consciência individual... coloca-se então, como essencial à produção de uma
prática (teórica) crítica em psicoterapia, a difícil tarefa de problematizar as formas
de abordagem das “histórias individuais de mal-estar” trazidas à clínica; e de
questionar possíveis “oposições” individual-social ai criadas. (TÁVORA, 1994, p.
76)
Nessa perspectiva crítica do assujeitamento do sujeito na pós-modernidade,
outra questão chama a atenção. Cada vez mais, os indivíduos estão à procura de
algo que comumente se denomina de “espiritualidade”. É um fenômeno que pode
ser observado pela explosão de novas igrejas, templos e, na mídia, por uma
exploração da questão da confiabilidade ou da fé no produto. Buscando-se
compreender a que se dirige o homem, ao optar por essa via de sentido à vida,
recorro a TÁVORA (1994, p. 36-37), que discute a questão a partir de uma
compreensão de DUMONT (1993, p. 39), que
concebe a existência de dois tipos de sociedade. A sociedade holista teria a
sociedade como um todo como valor. A sociedade individualista seria aquela no
qual o individuo, enquanto ser moral, constitui o valor supremo. (...) Ao contrário
do que se poderia imaginar, Dumont vê ligação entre os dois tipos de sociedade,
entre duas ideologias aparentemente inconciliáveis. Assim, na sociedade indiana
(modelo de sociedade holista) encontram-se, ao lado dos homens marcados por
uma estreita interdependência, os “renunciantes”, aqueles aos quais a renúncia ao
mundo permite plena independência. É no renunciante que o autor vê semelhança
com o indivíduo moderno, porém com a diferença de que o primeiro vive
(literalmente) fora do mundo social. Por isso o autor refere-se ao indiano como
“indivíduo fora do mundo” e ao indivíduo moderno como “indivíduo no mundo”.
Quanto ao primeiro, esclarece que a condição para o seu desenvolvimento
(espiritual) individual é o distanciamento do mundo social, com o que ele funciona
em oposição à sociedade e “... como uma espécie de suplemento em relação a
ela...” (
2
) Essa relação é, segundo Dumont, caracterizada pela hierarquia e
complementaridade (TÁVORA, 1994, p.36-37).
Afastado do mundo, o “renunciante” parece estar aberto ao que DUMONT
chama de desenvolvimento (espiritual), seja sob a forma de atividade religiosa ou
por apego a marcas. O tema em questão é a fé, seja ela “intermediada” por alguém
ou alguma coisa, seja ela direta, fé em si próprio, aliás fundamental, pois se não
houver a fé em si próprio, como poder escolher e reconhecer o que lhe faz sentido?
Mas afinal, o que está por trás de um tal quadro? Encontrei em dois pontos-
chave do sociólogo Zygmunt BAUMAN, grande parte das respostas às minhas
questões/inquietações, que apresentarei a seguir. Até este momento tinha optado
por ficar no lugar comum dos fatos, como que configurando uma cartografia do
cotidiano da situação da contemporaneidade vivida.
Em seu livro Modernidade Líquida, BAUMAN (2001) discorre sobre as
qualidades das substâncias sólidas e líquidas, mostrando que as sólidas têm um
maior poder de coesão, podendo suportar relativamente grandes pressões sem
perder suas características; não se movem nem se adaptam. Já as líquidas se
2
DUMONT, 1993, p.39
encontram num estágio intermediário entre as sólidas e as gasosas, suportando
compressibilidade, mas incapazes de manter sua forma física. Os líquidos
“fluem”, “escorrem”, “respingam”, “transbordam”, “vazam”, “inundam”, “borrifam”,
“pingam”; são “filtrados”, “destilados”; diferentemente dos sólidos não são contidos
– contornam certos obstáculos, dissolvem outros e invadem ou inundam seu
caminho. Do encontro com os sólidos emergem intactos, enquanto que os sólidos
que encontram, se permanecem sólidos, são alterados – ficam molhados ou
encharcados. A extraordinária mobilidade dos fluidos é o que os associa à idéia de
“leveza” (BAUMAN, 2001, p. 8).
Aproveitando essa visão como uma metáfora para pensar a modernidade
enquanto uma ordem sólida e a pós-modernidade como uma ordem líquida, parece
fazer sentido e chamar a atenção o fato de que, aparentemente, o momento atual é
tal qual como se estas duas ordens estivessem entrando em choque, “disputando”
os cidadãos. Se, por um lado, a ordem líquida é extremamente ágil por sua rapidez,
capacidade de assimilação e versatilidade, por outro, há falta de algo com o qual se
possa contar, como que uma estável rocha em meio a um rio caudaloso, sobre a
qual o sujeito possa se apoiar e repousar, para pensar, conceber, criar. Se nada na
situação do mundo pode se apresentar como sendo essa rocha, onde poder
encontrar uma possibilidade de ancoragem? Penso que esse tem sido desde
sempre o dilema do homem: seu porto seguro. É nesta perspectiva que SÈRRES
(1993) discute a condição humana como uma aventura pela experiência do existir:
se se impuser a tarefa de atravessar a nado o Canal da Mancha, então é preciso
recorrer às habilidades de nadador, mas também atentar à situação, às margens de
onde se parte e para onde se destina.
No contexto atual, como perceber a possibilidade do homem de encontrar-se
a si mesmo? Quais as margens do rio que lhe servem de referência? Enquanto isso,
a água da ordem líquida vem mais e mais invadindo o que antes era terra firme e
seca, tanto fisicamente quanto humanamente. Para BAUMAN (2001, p. 11),
(...) esse efeito não foi alcançado via ditadura, subordinação, opressão ou
escravização; nem através da “colonização” da esfera privada pelo “sistema”. Ao
contrário: a situação presente emergiu do derretimento radical dos grilhões e das
algemas que, certo ou errado, eram suspeitos de limitar a liberdade individual de
escolher e de agir. A rigidez da ordem é o artefato e o sedimento da liberdade dos
agentes humanos. Essa rigidez é o resultado de “soltar o freio”: da
desregulamentação, da liberalização, da “flexibilização”, da “fluidez” crescente, do
descontrole dos mercados financeiro, imobiliário e do trabalho, tornando mais leve
o peso dos impostos etc. ... ou das técnicas de “velocidade, fuga, passividade” –
em outras palavras, técnicas que permitem que o sistema e os agentes livres se
mantenham radicalmente desengajados e que se desencontrem em vez de
encontrar-se.
A situação é desestabilizante, conduzindo ao segundo ponto-chave de
BAUMAN. Diz respeito à ambivalência, que ele coloca em termos de ser “a
possibilidade de conferir a um objeto ou evento mais de uma categoria” (1999, p. 9),
iniciando assim um grande processo de desconforto para quem a sente e percebe.
Seu “outro” seria classificar, ou seja, separar, segregar, colocar numa ordem,
conferir a algo como que uma estrutura. Para BAUMAN, uma situação se torna
ambivalente “quando os instrumentos lingüísticos de estruturação se mostram
inadequados” (1999, p. 10), condição que significa que nenhuma das classes
lingüisticamente discriminada contempla a questão, ou quando ela recai em várias
classes ao mesmo tempo.
Nenhum dos padrões aprendidos poderia se adequado numa situação
ambivalente – ou mais de um padrão poderia ser aplicado; seja qual for o caso, o
resultado é uma sensação de indecisão, de irresolução e, portanto, de perda de
controle. As conseqüências da ação se tornam imprevisíveis, enquanto o acaso,
de que supostamente nos livramos com o esforço estruturador, parece
empreender um retorno indesejado (idem, p. 10).
Que fenômeno seria esse, senão aquele que o do dia a dia... A realidade e a
cotidianidade parecem apresentar-se sempre descontinuadas. Aquilo que hoje se vê
ou pensa, não continuará amanhã. O mundo circundante muda com uma rapidez
muito grande, compreendido agora como globalização, tudo afetando e nada
deixando “a salvo”. Razoavelmente reconhecida como estável, é a sensação que diz
respeito à afetabilidade, na qual a angústia e o sofrimento que se não sabe localizar
de onde vem, é o que se apresenta constantemente. Se a angústia é um afeto que
sobrevém frente a nada poder ser medida de certeza e confiança, a não resposta,
ou mesmo sua impossibilidade, viver só pode ser angustiante. Subtraído das
instâncias confiáveis, resta acreditar em que? Pode o si mesmo ser eleito como
possível referência? Mas será que um tal si mesmo desencontrado pode ser
confiável frente a esta constelação de coisas e de mundo?
Podemos dizer que a existência é moderna na medida em que se bifurca entre
ordem e caos. A existência é moderna na medida em que contem a alternativa da
ordem e do caos
3
. (...) Com efeito, ordem e caos, ponto. Se é de algum modo
visada (quer dizer, na medida em que é pensada), a ordem é visada não como
substituto para uma ordem alternativa. A luta pela ordem não é a luta de uma
definição contra outra, de uma maneira de articular a realidade contra uma outra
concorrente. É a luta da determinação contra a ambigüidade, da precisão
semântica contra a ambivalência, da transparência contra a obscuridade, da
clareza contra a confusão. A ordem como conceito, como visão, como propósito,
só poderia ser concebida para o discernimento da ambivalência total, do acaso do
3
Aqui a meu ver os conceitos-chave “líquido” e “ambivalência” se imbricam a um máximo. (N.do A.)
caos. A ordem está continuamente engajada na guerra pela sobrevivência. O
outro da ordem não é uma outra ordem: sua única alternativa é o caos. (idem, p.
14).
4
Caos, cuja etimologia significa “imensidade do espaço”, parece definir
adequadamente a situação do homem na modernidade: um espaço imenso, frente
ao qual se torna difícil decidir que ações assumir. Diz respeito a um grande mal-
estar, imputado por duas instâncias.
A primeira refere-se ao vocabulário que utilizo, pois estou tentando
estabelecer algum tipo de ordem nos meus pensamentos e escritos, para poder
expressar o que desejo. Contudo, fico me questionando sobre a adequação desta
ordem, e se ela é capaz de dar conta daquilo que estou querendo cuidar. Quase que
ao mesmo tempo, fico às voltas com a segunda instância, que diz respeito à qual
ética estou recorrendo para poder pensar/escrever. É a sensação de estar sentado
frente a um teclado de computador, tentando escrever sobre contemporaneidade,
pós-modernismo, líquidos, sólidos, trabalho com Educadores de Rua, com
populações carentes, com jovens infratores, sobre a ética. E aí o caos se faz
presente. Mas que ética é essa? A melhor resposta que encontro é “a ética do bom
senso”. Mas o que é bom senso? Onde encontro bom senso? Envergonhadamente,
tendo a responder que talvez a única forma de poder encontrá-la seria buscando-a
em mim mesmo...
Retomo meu universo para esta pesquisa: educadores de adolescentes
infratores. Parafraseando BAUMAN, a ética é moderna na medida em que contém a
alternativa da ordem e do caos. Vejamos: os educadores procuram instaurar ordem
nas instituições; por outro lado, são humanos, estando sujeitos à ambivalência.
Baseiam-se no que têm: disposição afetiva para com os adolescentes na co-
existência, independente do caráter dessa relação. Por sua vez, os adolescentes
também procuram uma ordem, e se “infiltram” como líquidos nas frestas deixadas
pela ordem de seus educadores e da sociedade majoritária. Só mesmo educadores
capazes de lidar com ambivalências e líquidos podem ter algum sucesso em suas
tarefas nesse meio. E uma coisa é clara e cristalina: os adolescentes, considerando-
se a situação da qual são oriundos, aprenderam mais rapidamente que quaisquer
outros a viverem na modernidade líquida, do mesmo modo que aqueles que
representam os interesses econômico-financeiros do mundo moderno. Como rios,
4
Caos entendido aqui como todas as possibilidades. (N. do A.)
estão à espreita de margens que lhes forneçam contornos, e não “perdoam”
contornos baixos ou fendidos. Não há como dizer que estão “errados”, da mesma
forma que não há o que se dizer dos comportamentos “duros” de seus educadores.
Então, a que ética recorrer senão à “própria”? E, se assim for, o que isto quer dizer?
Como cuidar eticamente de sujeitos para o bem estar a partir de uma ética do si
mesmo num mundo ambivalente entre ordem sólida e líquida?
Sociedade majoritária e jovens infratores não se toleram. Melhor dizendo,
para se reconhecerem necessitam de uma tensão ambivalente entre si. Seriam eles,
nessa medida, “iguais”, portando-se de modo aproximado?
A intolerância é, portanto, a inclinação natural da prática moderna. A construção
da ordem coloca os limites à incorporação e à admissão. Ela exige a negação dos
direitos e das razões de tudo que não pode ser assimilado – a deslegitimação do
outro. Na medida em que a ânsia de pôr termo à ambivalência comanda a ação
coletiva e individual, o que resultará é intolerância – mesmo que se esconda, com
vergonha, sob a máscara da tolerância (o que muitas vezes significa: você é
abominável, mas eu sou generoso e o deixarei viver). (idem, p. 16)
Esmorecimento parece ser questão dominante. Percebi-me muito mobilizado
para o trabalho em campo, pois seus efeitos pareceram bastante perceptíveis. Mas,
ao (d)escrevê-lo, percebo-me como que recorrendo ao óbvio já ultrapassado, cujo
texto, na sua escritura, já revelaria sua obsolescência. BAUMAN (1999) mais uma
vez restaura a propriedade da condição temporal humana, sempre defasada de sua
experiência
Estabelecer uma tarefa impossível significa não amar o futuro, mas desvalorizar o
presente. Não ser o que deveria ser é o pecado original e irredimível do presente.
O presente está sempre querendo, o que o torna feio, abominável e insuportável.
O presente é obsoleto. É obsoleto antes de existir. No momento em que aterrissa
no presente, o ansiado futuro é envenenado pelos eflúvios tóxicos do passado
perdido. Seu desfrute não dura mais que um momento fugaz, depois do qual (e o
depois começa no ponto de partida) a alegria adquire um toque necrofílico, a
realização vira pecado e a imobilidade, morte. (idem, p. 19)
Angustiado com minhas próprias discussões de articulações possíveis entre
saúde e educação no registro da pós-modernidade, optei por recorrer à linguagem,
uma vez que é ela que possibilita o diferencial do humano entre os outros seres
vivos. Qual o significado dos termos saúde e educação como expressão própria de
sua humanidade? Poderia o significado semântico contemplar uma outra
compreensão que pudesse apontar sentido para essa articulação?
2.2 Léxicos
A linguagem dos sábios é a saúde.
(WEBSTER, 1983, p. 836)
Recorrendo à metáfora de BAUMAN (2001) a respeito do que é sólido e do
que é líquido, penso que a etimologia é um instrumento interessante para buscar o
que um dia foi a “solidez” da palavra. A etimologia, de etimologia em grego,
etymologia, significa “o verdadeiro valor e análise da palavra”. Étimo, etymos, “o
verdadeiro sentido literal da palavra”. Assim, etimologia vem de etymos, verdadeiro,
e logos, descrição, de legein, dizer (WEBSTER, 1983). Já o Dicionário Eletrônico
Houaiss apresenta, em uma de suas definições para etimologia, que ela é a “origem
de um termo, quer na forma mais antiga conhecida, quer em alguma etapa de sua
evolução; étimo”.
5
Parece-me valioso tentar encontrar estes sentidos originais das palavras, já
que através dos tempos foram sofrendo correções e mais correções (corrigir,
corrigere, de com, junto, e regere, conduzir, dirigir; WEB), perdendo sua solidez.
Essa busca, acredito, pode conduzir a que se resgatem os étimos, dando-lhes o
significado mais apropriado aos tempos atuais, cuidando-se, ao mesmo tempo, em
não tentar lhes sobrepor mais uma correção de seu significado (de significare, dar a
entender por sinais, indicar, mostrar, significar, dar a conhecer, fazer compreender; DEH)
.
Ao invés de corrigir ou conduzir, parece-me mais interessante tentar derivar
(de
derivare, modificar o curso de uma corrente, de seu canal; [WEB])
um outro sentido que
seja significativo neste contexto. Para isso, é preciso tomar o cuidado de não deixar
que nem significantes
(imagem acústica, associada a um significado numa língua, para
formar o signo lingüístico; segundo Saussure, essa imagem acústica não é o som material,
ou seja, a palavra falada, mas sim a impressão psíquica desse som, DEH)
, vivências com
as palavras, passadas, ultrapassadas ou obsoletas, interfiram neste derivar.
Neste trabalho, descubro que a questão da etimologia também se apresenta
por um outro ângulo. Percebo que, em minha atividade como psicoterapeuta,
supervisor e professor, estou, por analogia, sempre às voltas com estas mesmas
questões: restaurar os “étimos pessoais” de cada um, para poder refletir sobre sua
atualidade ou não, e sobre quais seriam as derivações possíveis no momento atual.
5
Os verbetes consultados no Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa serão assinalados
com “DEH”, enquanto aqueles consultados no Webster’s New Twentieth Century Dictionary, com
“WEB”.
Se, por um lado, estarei voltando muito no tempo, revisitando o percurso
tomado pelos significantes, por outro, estarei tentando um processo de restaurá-los
como possibilidade de estabelecer uma ponte entre os étimos e os significantes
atuais, desejoso de criar algo novo que me propicie expressar, de uma forma que
considere adequada, a efêmera atualidade do meu pensar. Compreendo que,
segundo MORATO (ANDRADE e MORATO, 2004, p. 18), é
da perspectiva da significação da linguagem como criação de sentido que se
impõe uma retrospectiva etimológica, para re-encontrar a atribuição de
significado a termos recorrentes na compreensão do sentido da condição
humana. Isso porque, no percurso histórico de uma língua, tais termos
passaram a aderir-se a significados precisos e determinados, destituindo-os
de seu uso originário como utensílio para a comunicação de sentido entre
homens.
Desse modo, uma forma de me aproximar das questões sobre saúde e
educação, foi procurar suas definições, bem como a de termos relacionados, no
Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa 1.0 (DEH) e em inglês,
constantes do Webster’s New Twentieth Century Dictionary, 1983 (WEB). Como
alguns verbetes têm várias definições, algumas sem sentido neste contexto, vou
manter as definições de interesse e eliminar as demais. Optei por coletar as
definições destes dois dicionários para ampliar a possibilidade do encontro de
étimos, e pelo fato de que, para algumas palavras, os étimos têm origens
diferentes.
O DEH define saúde como
(1) estado de equilíbrio dinâmico entre o organismo e seu ambiente, o qual
mantém as características estruturais e funcionais do organismo dentro dos limites
normais para a forma particular de vida (raça, gênero, espécie) e para a fase
particular de seu ciclo vital (2) estado de boa disposição física e psíquica; bem-
estar (3) força física; robustez, vigor, energia [lat. salus,útis salvação, conservação
(da vida)]
enquanto o WEB define health como
(1) Bem-estar físico e mental; sanidade; ausência de defeito, dor ou doença;
normalidade das funções mentais e físicas. A saúde é diferente da força; é uma
boa condição universal – Munger (2) Poder de curar, restaurar ou purificar (raro)
(3) Condição do corpo ou mente; como boa ou má saúde [do inglês médio helth;
inglês antigo haelth, health, de häl, o todo (whole)
Ambas as definições de saúde referem-se à noção de um processo de
equilibração, partindo, porém, de pontos diferentes. Se no DEH o ponto de partida é
salus, conservação, salvação da vida, para o WEB trata-se de um equilíbrio que visa
a manutenção do todo. Nesse sentido, ambas contemplam as dimensões física e
psíquica do organismo. Interessantemente, nenhuma das duas ressalta tratar-se de
algo especificamente do ser humano. A definição em inglês faz uma distinção entre
saúde e força, que a em português não apresenta. Ambas falam em normalidade,
citando o bem-estar como um dos aspectos relevantes como índice de saúde, o que
revela que o organismo deve, portanto, estar apropriado de si próprio para poder sair
em busca de saúde.
Educação
(1) ato ou processo de educar(-se) (1.1) qualquer estágio desse processo (2)
aplicação dos métodos próprios para assegurar a formação e o desenvolvimento
físico, intelectual e moral de um ser humano; pedagogia, didática, ensino (3) o
conjunto desses métodos; pedagogia, instrução, ensino (4) conhecimento e
desenvolvimento resultantes desse processo; preparo (5) desenvolvimento
metódico de uma faculdade, de um sentido, de um órgão (6) conhecimento e
observação dos costumes da vida social; civilidade, delicadeza, polidez, cortesia
[lat. educatìo,ónis, ação de criar, de nutrir; cultura, cultivo] (DEH)
Education [L. educatio, de educare, educar]
(1) O processo de treinamento e desenvolvimento de conhecimento, habilidade,
mente, caráter, etc., especialmente pela educação formal; instrução; treinamento.
(2) Conhecimento, habilidade, etc. assim desenvolvidos (a) escolarização formal
(b) um tipo ou estágio disto; como educação médica, uma educação superior (3)
estudo sistemático dos problemas, métodos e teorias de ensinar e aprender
(WEB)
Tais definições mostram pontos de partida diferentes. Se o DEH considera
educatio a ação de criar, nutrir, cultivo, o WEB toma educatio como e+ducere,
conduzir para fora. E isto me parece uma complementaridade interessante. Costumo
dizer aos meus alunos, quando discutimos algum caso relativo a uma criança, que a
função da mãe é parir e “abastecer” a criança de suas necessidades, enquanto que
o pai só vai entrar em cena algum tempo depois, para levar esta criança a conhecer
o mundo, primeiramente em excursões de pouca amplitude, que com o tempo
aumentam mais e mais, mas sempre a devolvendo à mãe para “re-abastecimento”.
São, a meu ver, “educações diferentes”, embora absolutamente complementares e
necessárias para que essa criança possa ir, paulatinamente, se desenvolvendo de
forma a cuidar de suas necessidades, indo em busca de conhecer o mundo
circundante para poder obter dele tudo aquilo de que virá a precisar para a sua
subsistência física e mental.
Nos termos utilizados por Kurt GOLDSTEIN (1995), como apresentarei no
próximo capítulo, isto diz respeito a promover a auto-regulação organísmica ou
homeostase. Assim, penso que uma das formas de compreender educação possa
ser prover o educando com recursos que poderão lhe permitir cuidar dos fatos de
sua vida (prover, de providere, pro = antes, videre = ver, portanto semelhante a prever).
Parece que, por essa compreensão, surge o sentido de que toda e qualquer
educação procura pro-e-pre-ver aquilo que o educando poderá, ainda que na visão
temporalmente limitada do educador, vir a precisar. Refere-se a uma provisão de
recursos da qual o educando poderá lançar mão para sobreviver (manter sua vida,
sua saúde), caminhando, assim, depois, por seu próprio descobrimento e
conhecimento, em sua existência na convivência entre outros no mundo circundante.
Desse modo, tanto saúde quanto educação implicariam em uma conotação
de cuidado. O DEH propõe como etimologia de cuidado “lat. cogitátus,a,um
'meditado, pensado, refletido', part.pas. de cogitáre, agitar no espírito, remoer no
pensamento, pensar, meditar, projetar, preparar”. Em inglês, os sinônimos para
cuidado podem ser caution, de covere, estar na guarda de alguém, e heed, do inglês
antigo hedan, cuidar de, se importar, considerar com cuidado, estar cuidadosamente
atento a algo (WEB).
As definições acima ainda chamam a atenção para o fato de saúde ser
concebida como algo próprio ao sujeito (não se fala em saúde coletiva), ao passo
que educação pareceria estar mais próxima a algo da ordem da moral e de bons
costumes, relacionando-se, assim, à ordem do social. Seria essa a possibilidade de
uma articulação entre ambas? Seria a saúde algo da dimensão do próprio sujeito,
dirigido a si mesmo como cuidado, para servir-lhe como uma referência (educação)
para lançar-se ao mundo?
Prosseguindo neste passeio etimológico, dirijo-me, agora, a termos que
dizem respeito a formas encontradas pelo humano para orientar-se na direção de
sua saúde. Referem-se aos modos de se cuidar ou ser cuidado, explorando, para
isso, os termos médico e medicina.
medicina
(1) Rubrica: medicina.
conjunto de conhecimentos relativos à manutenção da saúde, bem como à
prevenção, tratamento e cura das doenças, traumatismos e afecções, considerada
por alguns uma técnica e, por outros, uma ciência (2) Derivação: por extensão de
sentido: cada um dos grupos ou sistemas medicais (3) Derivação: por metonímia:
a prática ou o estudo dessa técnica ou ciência (4) Derivação: por metonímia: forma
de tratamento; remédio (5) o que reconforta, o que alivia sofrimentos morais;
remédio, socorro [lat. medicína,ae arte de curar, medicina; medicamento; remédio]
(DEH)
Medicine (L. medicina, medicina, a arte da cura, de medicus, um médico)
(1) a ciência e a arte do diagnóstico, tratamento, cura e prevenção de doenças,
aliviando o sofrimento melhorando e preservando a saúde. (2) O ramo desta
ciência e arte que faz uso de drogas, dietas, etc., como especialidade diferenciada
da cirurgia e obstetrícia. (3) (a) Qualquer droga ou outra substância utilizada no
tratamento, doença, cura ou alívio de sofrimento; (b) uma droga ou outra
substância como veneno, poção do amor, etc., utilizada para outros fins. (4) Entre
os índios norte-americanos; (a) qualquer objeto, fala, rito, etc., que supostamente
tenham poderes naturais ou sobrenaturais como medicamento, preventivo,
protetor, etc. (b) poder mágico ou ritual (5) Um homem da medicina (WEB)
médico
(1) aquele que se formou em medicina e pode exercê-la; doutor (2) Derivação:
sentido figurado. aquilo que cura, que atua como remédio [lat. medìcus,i médico,
cirurgião; veterinário, alveitar] (DEH)
Physician (L. physicus; gr. Physikus, um cientista, de physis, natureza)
(1) pessoa licenciada a praticar medicina; um doutor em medicina (2) um
praticante geral da medicina, distinto de um cirurgião (3) qualquer pessoa ou coisa
que cure, alivie ou conforte (WEB)
Os verbetes médico e medicina parecem não oferecer nenhuma outra
possibilidade de compreensão além daquela do lugar comum. Medicina,
apresentada como ciência, pouco diz de um fazer que se apresente como algo mais
específico do que meramente uma técnica. Desse modo, médico seria o técnico que
se apresenta diretamente representante da medicina. Não há referência direta à
prática do médico como efetivamente dirigida a um sujeito específico e ao meio em
que vive, ou seja, que considere o chamado paciente como um ser humano que vive
dentro de um contexto. Há uma única alusão ao bem estar psicológico do paciente,
se forem considerados os “sofrimentos morais” como algo do psicológico. Acredito
que isto seja devido ao fato de que, na definição do DEH, não haver alusão à
medicina como arte (lat. ars, da raiz ar, junção, ligação, confluência; Gr. artunein, arranjar,
arrumar, organizar; harmonizar, combinar, DEH).
Neste contexto, não surpreende tanto ao se encontrar a definição inglesa para
médico: physician, do grego physicus, natureza. Refere-se àquele que teria
competência para cuidar da natureza (physis) do homem. Recordo-me das aulas de
Biologia, no primeiro e segundo graus, quando meus colegas e eu nos espantamos
com o fato de o homem ser considerado um animal natural
(de naturalis, de
nascimento pertencente à natureza, de natura, nascimento, natureza, DEH)
, pertencente
ao reino da natureza. Por outro lado, não deixa, também, de ser uma surpresa que,
hoje em dia, o homem seja raramente considerado um ser natural num mundo tão
metamorfoseado por simulacros, espetáculos e artifícios (de artificium, ramo de
atividade ou profissão, DEH)
.
Considerado como ser da natureza, no tocante ao seu bem estar, não seria de
estranhar os modos como esse ser possa ser compreendido em seu dirigir-se ao
mundo. Assim, cabe a pergunta formal acerca de onde e com quem aprendeu o que
se conhece como educação?
O verbete escola não apresenta novidades em termos da forma como é
utilizado no senso comum, percebendo-se em seu significante algo de muito antigo,
beirando o anacrônico. Parece indicar para o fato de que a escola enquanto
instituição está carecendo de uma atualização que a torne menos estática e, assim,
menos vulnerável à grande evasão escolar observável principalmente na rede
pública. Parece existir um descompasso entre aquilo que sua clientela procura e o
que ela oferece. Nesse sentido, a escola não parece ter sofrido correções, no
sentido utilizado acima.
Escola
(1) estabelecimento público ou privado onde se ministra ensino coletivo (2)
conjunto de professores, alunos e funcionários de uma escola (3) prédio em que a
escola está estabelecida (4) sistema, doutrina ou tendência estilística ou de
pensamento de pessoa ou grupo de pessoas que se notabilizou em algum ramo
do saber ou da arte (5) conjunto de pessoas que segue um sistema de
pensamento, uma doutrina, um princípio estético etc. [lat. schòla,ae 'lugar nos
banhos onde cada um espera a sua vez; ocupação literária, assunto, matéria;
escola, colégio, aula; divertimento, recreio', do gr. skholê,ês 'descanso, repouso,
lazer, tempo livre; estudo; ocupação de um homem com ócio, livre do trabalho
servil, que exerce profissão liberal, ou seja, ocupação voluntária de quem, por ser
livre, não é obrigado a; escola, lugar de estudo'; para comentários do ponto de
vista semântico, ver escol-]
Escol- elemento de composição
antepositivo, do gr. skholê,ês 'descanso, repouso, lazer, tempo livre; estudo;
ocupação de um homem com ócio, livre do trabalho servil, que exerce profissão
liberal; escola, lugar de estudo', pelo lat. schòla,ae 'lição, escola'; a evolução
semântica é explicada pelo gramático Festo (sIII): "O termo schòla não é sinônimo
de ócio e lazer; significa, isto sim, que, deixando de parte as demais ocupações,
as crianças devem dar-se aos estudos próprios de homens livres"; ocorre já em
voc. orign. greco-latinos, como escola, escolar e escolástico; para a conexão
semântica com o lat. otìum, ver
1
oci-
(DEH)
Interessante notar a formação etimológica da palavra escola: um lugar onde
devem estar as pessoas no momento em que não estão no ócio. Apresenta uma
noção ainda contemplada na atualidade como a grande preocupação dos
educadores, ao proporem que crianças e adolescentes, em idade escolar, passem a
maior parte possível do tempo nas escolas, como alternativa outra à sua
permanência nas ruas, lugar propenso ao ócio e, assim, “escola” para hábitos
socialmente inadequados. Nessa perspectiva, escola implicaria em um lugar para o
desenvolvimento de atitudes morais, oferecendo-se, como diz o verbete, a uma
paródia dos dias atuais, ao explicitar que as crianças devem se dar aos estudos
próprios de homens livres. Parece tratar-se, ainda, do ideal grego de polis,
reservando a educação a aqueles que não necessitam cuidar das necessidades da
sobrevivência, a cargo das mulheres e escravos. Essa conotação leva-me a pensar
nas crianças de rua e nos adolescentes infratores. Mas, este tema merece uma
consideração mais detalhada, a ser apresentada em capítulos que estão por vir.
Por sua vez, no WEB, o vocábulo school não acrescenta nada a estes verbetes
vistos. Passemos, pois, aos modos de cuidado pela educação.
À semelhança do verbete escola, o professor, principal personagem da escola
depois do aluno, também se apresenta por anacronismos. Apesar de suas
definições mostrarem o papel de destaque e reverência a essa figura, certamente diz
de uma característica que com o tempo se perdeu, recorrendo-se à mesma crítica
feita acima à tecnicidade do médico; refere-se à ausência da “arte de ensinar”.
Professor
(1) aquele que professa uma crença, uma religião (2) aquele cuja profissão é dar
aulas em escola, colégio ou universidade; docente, mestre (2.1) aquele que dá
aulas sobre algum assunto (2.2) Derivação: por extensão de sentido. Aquele que
transmite algum ensinamento a outra pessoa (3) aquele que tem diploma de algum
curso que forma professores (como o normal, alguns cursos universitários, o curso
de licenciatura etc.) (4) Derivação: sentido figurado. Indivíduo muito versado ou
perito em (alguma coisa) [lat. professor,óris 'o que faz profissão de, o que se
dedica a, o que cultiva; professor de, mestre', do rad. de professum, supn. de prof
itéri 'declarar perante um magistrado, fazer uma declaração, manifestar-se;
declarar alto e bom som, afirmar, assegurar, prometer, protestar, obrigar-se,
confessar, mostrar, dar a conhecer, ensinar, ser professor] (DEH)
Professor (L. professore, um professor, de professus, pp de profiteri, admitir,
declarar publicamente; de pro, à frente, e fateri, declarar)
(1) pessoa que professa alguma coisa; especialmente alguém que (2) abertamente
declara seus sentimentos, crenças religiosas, etc. (3) um professor;
especificamente professor universitário do mais alto grau, usualmente em um
campo específico (4) Qualquer pessoa que reivindique ou admita ser
especialmente hábil ou experiente em alguma arte, esporte, etc.; uma utilização
popular ou humorística. (WEB)
Teacher (inglês médio, techen; inglês antigo, teacan, mostrar, ensinar)
(1) aquele que ensina ou instrui; um instrutor; um preceptor; um tutor; alguém cuja
ocupação é instruir os outros (2) alguém que instrui religião aos outros; um
pregador; um ministro de gospel (3) alguém que prega sem ser ordenado. (WEB)
As definições relativas a professor mantêm sua seriedade e circunspeção. Na
sua maioria, não é difícil imaginar um professor dando uma aula magna a partir de
um púlpito, manifestando, em alto e bom tom, seu conhecimento e a certeza de
virtudes. Nesse sentido, parecem estar impregnadas da “escolástica” medieval e de
sua fundamentação religiosa: a íntima relação entre o professor e a pregação
religiosa, muito provavelmente rastros do percurso histórico da utilização do termo. A
nota dissonante está na definição de origem inglesa, pela qual a tarefa do professor
é mostrar e ensinar. Importante assinalar a distância entre professor e aluno (lat.
alumnus,i 'criança de peito, lactente, menino, aluno, discípulo', der. do v. alère 'fazer
aumentar, crescer, desenvolver, nutrir, alimentar, criar, sustentar, produzir, fortalecer etc.',
DEH)
, que se mantém, ainda, em grande parte das situações de aprendizagem (de
apprehendere, pegar, agarrar, apanhar, DEH)
.
Na perspectiva etimológica, pedagogia e educação têm uma proximidade
muito grande: intenção de “levar a algum lugar”, de ser agente. Muito atento a
possíveis aproximações entre saúde e educação, chama a atenção a possibilidade
de uma das acepções do étimo, desses dois novos termos, poder ser “cuidados com
uma planta ou com um doente”. Assim, a articulação dos significantes saúde e
educação poderia ocorrer pelo cuidado (lat. cogitátus,a,um 'meditado, pensado, refletido',
part.pas. de cogitáre 'agitar no espírito, remoer no pensamento, pensar, meditar, projetar,
preparar'; ver cuid-, DEH)
.
Pedagogia
(1) ciência que trata da educação dos jovens, que estuda os problemas
relacionados com o seu desenvolvimento como um todo (2) Derivação: por
extensão de sentido. Conjunto de métodos que asseguram a adaptação recíproca
do conteúdo informativo aos indivíduos que se deseja formar (3) tratamento de
crianças ou adolescentes com dificuldades escolares (4) Ciência que trata da
educação e da instrução das crianças e adolescentes inadaptados (5) Método
pedagógico utilizado esp. na reeducação, educação especializada e na educação
de adultos [gr. paidagógía,as 'direção ou educação de crianças; p. ext. 'cuidados
com uma planta ou um doente', cp. lat. paedagóga (lex) 'lei que serve de guia'; ver
1
ped(o)- e –agogia] (DEH)
-agogia, pospositivo, do gr. agógê,ês 'ação de transportar, transporte, ação de
conduzir, dirigir; direção do espírito; direção dos negócios públicos, maneira de
tratar uma questão, método' (do v. gr. ágó 'conduzir, dirigir, guiar, governar,
comandar') + o suf. -ia formador de subst. abstratos, conexo com a noção de 'guia,
que guia, conduz', em comp. já gregos, já de form. analógica, da nomenclatura
científica do sXIX em diante: anagogia, antropagogia, apagogia, demagogia,
falagogia, hemagogia, litagogia, mistagogia, pedagogia, psicagogia,
psicopedagogia; há uma constelação mórfica do tipo -agogia (subst.): -agógico
(adj. conexo com os anteriores e os seguintes): -agogo (subst. agente ou adj.
agente) (DEH)
Pedagogy (Gr. Paidagogos; pais, paidos, uma criança, e agein, conduzir)
(1) a profissão ou função de um professor; ensinar. (2) a arte ou ciência de
ensinar; especialmente instrução de métodos de ensino. (WEB)
O verbete professor apresenta uma noção absolutamente técnica da
profissão. Fala de um detentor do saber, de um status, que passa esse
conhecimento adiante. É interessante notar que se a definição de médico está
vinculada à medicina, por sua vez, a de professor não se refere em nenhum
momento à pedagogia, que contempla o tema desenvolvimento, mas apenas
vinculado ao adolescente. Contudo, suas outras acepções apresentam a pedagogia
como uma ciência para tratamento daqueles que não são normais.
Mais uma vez emerge a questão do acento excessivo tecnicista nas
definições dos verbetes, conduzindo, novamente, à ausência do sentido da arte de
ensinar, somente contemplada pelo verbete em inglês, apesar de, nos dois idiomas,
a etimologia ser a mesma. Interessante notar que esse sentido seja contemplado
justamente pelo idioma de um povo conhecido por seu formalismo e tecnicismo,
como é o inglês.
Por fim, recorre-se às definições de psicologia e psicólogo, que dizem
respeito à especificidade discutida por este trabalho.
Psicologia
(1) Rubrica: psicologia. Ciência que trata dos estados e processos mentais (2)
Rubrica: psicologia. Estudo do comportamento humano ou animal (3) conjunto dos
traços psicológicos característicos de um indivíduo ou de um povo, uma
comunidade, uma geração etc. (4) Curso universitário onde se ensinam os
principais ramos da psicologia, bem como ciências afins, e que forma o psicólogo
(5) atividade psicológica ou mental característica de uma pessoa ou situação (6)
capacidade inata ou aprendida para lidar com outras pessoas, levando em conta
suas características psicológicas; tato, compreensão, jeito (DEH)
Psychology
(1) (a) a ciência que lida com a mente e os processos mentais, sentimentos,
desejos, etc.; (b) a ciência do comportamento humano e animal (2) a soma das
ações pessoais, traços, atitudes, pensamentos, etc.; como a psicologia do
adolescente. (3) Um tratado de psicologia (4) Um sistema de psicologia (WEB)
Psicólogo
(1) especialista em psicologia; psicologista (2) indivíduo formado em psicologia e
que a aplica no seu trabalho (3) indivíduo que entende muito da alma humana,
embora não seja formado em psicologia (DEH)
Psychologist
alguém que estuda ou é versado em psicologia (WEB)
Como definições, ainda encontram-se elementos fortemente tecnicistas, que
não contemplam, no meu modo de ver, de forma alguma a complexidade da
profissão. Principalmente, ressalta-se esse aspecto se for considerada a tônica da
necessidade de ter bem desenvolvida a capacidade de relacionamento com aqueles
com os quais trabalha. Revela um reducionismo apresentá-la como a ciência que
trata dos estados e processos mentais.
Procurando por um verbete que pudesse trazer em seu bojo os pontos de
vista que considero importantes neste trabalho, aquele que deles mais se aproximou
foi “educar”, já visto. Assim, insatisfeito com o que havia encontrado, procurei pelo
verbete psicoterapeuta.
Psicoterapeuta
profissional que aplica psicoterapia (2) especialista em psicoterapia [psic(o)- + -
terapeuta] (DEH)
psic(o) elemento de composição
antepositivo, do gr. psukh(o)-, der. do gr. psukhê,ês 'sopro', donde 'sopro de vida',
donde 'alma, como princípio de vida; ser vivo, pessoa; alma p.opos. a corpo; alma,
como sede dos desejos; alma de um morto, sombra, espírito'; ocorre já em voc.
orign. gregos, como psicagogo, psicomaquia, psicopompo, psicose e psicostasia,
já em numerosos cultismos do sXIX em diante, com as acp. de: 1) 'alma', em
termos conexos com a religião e a metafísica: psicagogo, psicopompo; 2) 'espírito,
princípio pensante, atividade mental': psicanálise, psicologia, psicose; 3) 'como
equivalente de psicológico ou psíquico', associado a um adj. ou a um subst. (DEH)
Encontrei mais uma definição pobre, até mesmo redundante. Já ao procurar
pelo elemento de composição “psic(o)”, encontra-se, praticamente, a história do
sentido de psico, desvelando, inclusive, possíveis razões pelas quais a psicologia foi
considerada como qualquer coisa menos ciência ou arte. Pela etimologia e sua
correção, ao longo da história do conhecimento humano, pode-se compreender a
necessidade de tornar a psicologia um conjunto de idéias e conceitos de cunho
positivista, para que se pudesse fazer como ciência. Por outro lado, também é
perceptível um certo cunho místico e/ou de religiosidade, que por muito tempo a
impregnou e ainda se faz presente, caso se atente ao étimo em si: a noção de
“sopro de vida” e “alma como princípio de vida”, “ser vivo” e “pessoa”. Por essa
ambigüidade implícita, seria possível resgatar sua aproximação com saúde e
educação, referindo-se a condições de vida, de saúde, bem estar com qualidade?
Chama a minha atenção o quanto estes verbetes são estanques, fechados
em si próprios, refletindo, até certo ponto, a real situação em que se encontram
saúde e educação na nossa realidade. Há ausência de uma articulação entre elas,
algo da dimensão de arte,
(lat. ars, junção, ligação, confluência, DEH). Poderia isso ser
entendido como uma desarticulação proposital visando interesses humanos
variados, ambíguos, contraditórios? Parece-me que “psicólogo” e “psicologia”
situam-se entre “saúde” e “educação”, responsáveis pela possível articulação entre
essas dimensões, na medida em que atentam à subjetividade de seus agentes,
possibilitando uma apropriação mais humana do que é mais propriamente humano e
não natural. Parece-me interessante pensar psicólogo e psicologia como agentes de
arte, como agentes de junções, ligações, confluências, arranjos, arrumações,
organizações, harmonizações, combinações, visto que estas são manifestações da
criatividade que, via de regra, é um dos temas centrais do trabalho do psicólogo, no
sentido de promover no outro o recurso da criatividade frente aos fatos da vida.
É interessante notar que o termo arte está, em nossos dias, quase que
indissoluvelmente ligado a atividades que passam longe de concepções correntes
de ciência.
Ciência
(1) conhecimento atento e aprofundado de alguma coisa (1.1) esse conhecimento
como informação, noção precisa; consciência (1.2) conhecimento amplo adquirido
via reflexão ou experiência (2) processo racional us. pelo homem para se
relacionar com a natureza e assim obter resultados que lhe sejam úteis (3) corpo
de conhecimentos sistematizados que, adquiridos via observação, identificação,
pesquisa e explicação de determinadas categorias de fenômenos e fatos, são
formulados metódica e racionalmente (4) atividade, disciplina ou estudo voltado
para qualquer desses ramos do conhecimento (5) conjunto de conhecimentos
teóricos, práticos ou técnicos voltados para determinado ramo de atividades;
talento; mestria (6) erudição, saber (7) conhecimento puro independente da
aplicação (8) conhecimento que, em constante interrogação de seu método,
suas origens e seus fins, procura obedecer a princípios válidos e rigorosos,
almejando esp. coerência interna e sistematicidade (8.1) na metafísica grega
ou no hegelianismo moderno, conhecimento filosófico racional, absoluto e
sistemático a respeito da essência do real, culminância de todos os saberes
particulares e específicos (8.2) cada um dos inúmeros ramos particulares e
específicos do conhecimento, caracterizados por sua natureza empírica,
lógica e sistemática, baseada em provas, princípios, argumentações ou
demonstrações que garantam ou legitimem a sua validade [Menos
importante na filosofia grega, tal sentido da palavra tornou-se hegemônico
no decorrer do pensamento filosófico moderno.] (9) conhecimentos ou
disciplinas que mantêm articulações, semelhanças ou conexões sistemáticas,
tendo em vista o estudo de determinado tema (10) disciplinas voltadas para o
estudo sistemático da natureza ou para o cálculo matemático [lat. scientìa,ae
'conhecimento, saber, ciência, arte, habilidade, prenda'; ver cien(c/t)-]
6
(DEH)
cien(c/t)-
elemento de composição
antepositivo, do lat. scio,scis,scívi ou scíi,scítum,scíre 'saber, conhecer, ter
conhecimento, notar, reparar, compreender, reconhecer', com derivados como
scibilis,e 'que se pode saber', sciens,entis 'que sabe, que está informado, ciente',
scientìa,ae 'conhecimento, saber, ciência, arte, habilidade, prenda'.
7
(DEH)
As definições de ciência apresentadas pelo DEH ficam dentro do esperado,
não apresentando nenhuma idéia que pudesse ser considerada nova. No entanto,
os itens 8, 8.1 e 8.2 chamam a atenção por conterem as concepções mais
6
Grifos meus.
7
Grifos meus.
conhecidas, mais “aceitas”, embora, ao mesmo tempo, mais estéreis, mais restritas,
mais limitantes, e mais distantes do étimo da palavra. São eminentemente
tecnicistas.
Aqui, claramente algo se perdeu no “tempo etimológico”, pois o étimo de
ciência contempla arte, habilidade e prenda. Assim, é perfeitamente cabível que se
conceba o cientista como um hábil artista. Afinal, saber, conhecer, ter conhecimento,
notar, reparar, compreender, reconhecer são noções que, do ponto de vista de seus
étimos, e na minha compreensão destas atividades, cabem tanto ao cientista quanto
ao artista.
Artista
(1) aquele que estuda ou se dedica às belas-artes e/ou delas faz profissão (2)
aquele que tem o sentimento ou o gosto pelas artes (3) aquele que interpreta
papéis em teatro, cinema, televisão ou rádio; ator (4) aquele que é dotado de
habilidades ou particularidades físicas especiais e as exibe em circos, feiras etc.
(5) aquele que é exímio no desempenho de seu ofício (6) operário ou artesão que
trabalha em determinados ofícios; artífice (7) que tem o sentimento ou o gosto da
arte (8) diz-se de pessoa que tem talento, engenho (9) astuto, artificioso, manhoso
[prov. do it. artista (a1321) 'artesão, aquele que exercita uma das artes liberais'; há
quem afirme já estar o voc. artista registrado no lat.medv.; ver art(i)-] (DEH)
Art(i)-
elemento de composição
antepositivo, do lat. ars,artis 'maneira de ser ou de agir (natural ou adquirida, boa
ou má)'; designa quase sempre uma habilidade adquirida pelo estudo ou pela
prática, um conhecimento técnico (p.opos. a natúra 'habilidade natural'); depois
'talento, qualidades adquiridas' (p.opos. a ingenìum 'engenho, qualidades
naturais'); pejorativamente, significa 'artifício, ardil'; da acp. de 'talento, qualidades
adquiridas' deriva a de 'ofício, profissão'; em retórica, 'tratado, obra importante'; ars
é voc. ant. e usual; panromânico (salvo romn.): it.logd. arte, engad.fr.provç.cat. art,
esp.port. arte; a cognação lat. inclui artìfex,ìcis 'artífice, operário, indivíduo que
exerce uma arte (médico, orador, escritor etc.), artista; autor, criador', artificìum,ìi
'ocupação (de um artista), profissão, mister, emprego; perícia, competência,
habilidade; teoria, sistema; artifício, ardil, manha, astúcia', e seus der.
artificiósus,a,um 'feito com arte, artístico; hábil, engenhoso' e artificiális,e 'artificial,
cheio de artifício'; a ars prendem-se os adj. iners,ertis 'inábil, incapaz, preguiçoso,
inativo, inerte; improdutivo, estéril, ineficaz; tímido, fraco, sem coragem' (DEH)
Note-se que, à exceção da definição 3, todas podem ser aplicadas também
ao cientista. O elemento de composição art(i)- nos fala de habilidade, talento,
perícia, competência, arte, criação e artificial(idade) entre outros sentidos, que se
aplicam à ciência. E aqui encontramos, também, uma possível razão para uma série
de conotações pejorativas que muitas vezes são relacionadas aos artistas: inábil,
incapaz, preguiçoso, inativo, inerte, improdutivo, estéril, ineficaz, tímido, fraco, sem
coragem.
Percebo que arte e ciência aparecem citadas conjuntamente num grande
número de vezes, ao mesmo tempo em que parecem também acentuar sua
separação. Nesse sentido, à semelhança de saúde e educação, poderiam implicar-
se numa relação diacrítica.
Não quero deixar de mencionar, aqui, o desapontamento com as definições
dos verbetes psicologia e psicólogo, visto que revelam distorção de étimos
fundamentais para o sentido humano e sua existência. Desse modo, sua não
legitimação procede por perceber a pobreza de tais definições como expressão do
viver cotidiano de cidadão e profissionais. Esperava encontrar na etimologia, pelo
menos um vetor humanamente cultural, que pudesse abranger diferentes
significados, para essas ciências e profissões entre as diversas culturas e nos
diferentes tempos da história da humanidade. Resgato essa questão, via uma leitura
mais próxima ao cotidiano do existir. Diz da difícil arte da co-existência pela
inevitabilidade da afetação que um homem provoca no outro e de dilemas
decorrentes.
Certa vez escrevi em um livro uma frase: dar de menos é roubo; dar demais é
assassinato. Se dou demais à criança, a morte estará na criança. A criança para a
qual dou demais, desaprende sua humanidade. Isto é, ela não desenvolve sua
humanidade, e isto é a morte de ser humano. Se dou tudo à criança, de forma que
ela não precise mais pensar, fazer ou se dar socialmente, então eu assassino a
humanidade dela e também a minha, em mim. (Cohn, 1993, p. 147)
Bem, meu tema predileto é: “O que faço comigo quando o outro não é do jeito que
eu gostaria?” Na realidade esse não é o tema em si: “Como posso modificar o
outro?”, mas o que faço comigo quando o outro não é da forma que o desejo.
Experienciei e me convenci que, se eu puder me colocar em uma situação de
forma diferente da usual, que o outro de alguma forma se modifica. (Cohn, 1993,
p. 106)
Desse modo, reconhecendo a questão da diversidade e da temporalidade,
pensei em buscar, ainda, outros verbetes para encaminhar uma possível articulação
entre saúde e educação. São veredas pelo sentido do humano e não pela ciência
tecnicista. O verbete visitado é, agora, cultura.
cultura
ação, processo ou efeito de cultivar a terra; lavra, cultivo (1.1) parte cultivada de
um sítio, unidade produtiva ou região (1.2) produto de tal cultivo; plantação,
criação ou desenvolvimento com cuidados especiais (2) m.q. cultivo ('produção
com técnicas especiais') (3) cultivo de célula ou tecido vivos em uma solução
contendo nutrientes adequados e em condições propícias à sobrevivência (4)
criação de alguns animais (5) o cabedal de conhecimentos, a ilustração, o saber
de uma pessoa ou grupo social (6) conjunto de padrões de comportamento,
crenças, conhecimentos, costumes etc. que distinguem um grupo social (7) forma
ou etapa evolutiva das tradições e valores intelectuais, morais, espirituais (de um
lugar ou período específico); civilização (8) complexo de atividades, instituições,
padrões sociais ligados à criação e difusão das belas-artes, ciências humanas e
afins [lat. cultúra,ae 'ação de cuidar, tratar, venerar (no sentido físico e moral)'; ver
cult-] (DEH)
cult-
elemento de composição
antepositivo, do v.lat. colo,is,colùi,cultum,colère 'cultivar; habitar, morar em; cuidar
de, tratar de, preparar; honrar, venerar, respeitar', com cog. em lat. como
inquilínus e comp. com o el.comp. pospositivo do tipo agricòla; como o v.lat.
incòlo,is,incolùi,incultum,incolère 'habitar, residir, morar (em que o pref. in- tem o
valor intensivo e não de in- 'não' que é o que se adota no port. e línguas modernas
de cultura com base no adj.lat. incultus,a,um 'não cultivado, inculto'); como, talvez,
no lat. domicilìum, formado de *domicola; como no lat. colónus,i 'o que substitui o
proprietário, o que cultiva em seu lugar' (p.opos. ao lat. patrónus,i 'o que faz a
função do pai (< lat. pater,patris), donde o lat. colonìa,ae 'fazenda, granja, colônia';
como o lat. cultúra,ae, no sentido físico e moral (e em opos. ao lat. natúra), o lat.
cultus,us 'cultura, culto, cultivo', lat. cultor/cultrix 'cultor(a), habitante, cultivador(a)',
o v.lat. culto,as,ávi,átum,áre 'cultuar, cultivar' (DEH)
Culture (do L. culture, cultivo, cuidado, de cultus, pp de colere, cultivar a terra)
(1) O ato ou processo de cultivar e preparar a terra para a produção; cultivo do
solo. (2) Criar, melhorar ou desenvolvimento de alguma planta, animal ou produto.
(3) O crescimento de bactérias ou outros microorganismos numa substância
nutritiva especialmente preparada, como Agar. (4) Uma colônia de
microorganismos assim desenvolvidos. (5) Melhora, refinamento ou
desenvolvimento pelo estudo ou treino, etc. (6) O treinamento e refinamento da
mente, emoções, hábitos, gostos, etc. (7) O resultado disso; refinamento do
pensamento, emoção, hábitos, gostos, etc. (8) Os conceitos, hábitos, habilidades,
artes, instrumentos, instituições, etc., de um dado povo num dado período;
civilização (WEB)
A princípio, essas definições não trazem nada de inesperado. A palavra
cultura usualmente tem o sentido de algo ligado à agricultura, à produção humana
de artes e valores, ao conjunto de hábitos e pensares de um povo. No âmbito deste
trabalho, no entanto, parece-me que a acepção mais interessante é aquela que
define cultura como “cultivo de célula ou tecido vivos em uma solução contendo
nutrientes adequados e em condições propícias à sobrevivência”, pois, pensando no
humano, é justamente de condições propícias para a sobrevivência aquilo de que
necessita. Nesse sentido, é possível compreender cultura como conjunto de valores
de um povo, aquilo que cria condições propícias de vida organizada para
determinado povo.
Atentando-se à etimologia, encontra-se a noção de cuidado, cuidado para que
uma (agri)cultura tenha condições de se desenvolver, para que o meio propicie
situações para que o homem se encontre com a sua condição própria, necessária e
saudável. A falta dessas situações implica numa ambiência insatisfatória para a
condição humana, propícias ao adoecer, encontrar-se doente (doença, do lat.
dolentìa,ae 'dor', der. do lat. dolens,éntis 'que se aflige, que causa dor', ambos ligados ao
v.lat. dolére 'doer, sentir dor, sofrer (física e moralmente)'; divg. pop. de dolência; ver dol-,
DEH)
. A falta de cultura, como cuidado, implica, assim, em dor e sofrimento.
Se ampliada para o macrocosmo, tal compreensão conduz a perceber cultura
de forma radicalmente diferente daquela usualmente utilizada: uma cultura bela,
harmoniosa, cujas produções encontram-se em museus, salas de espetáculos,
teatros, cinemas, praças, feiras de artesanato, espaços dedicados à sua expressão.
Cultura passaria, então, a ter conotação de algo absolutamente vital para a
existência humana, que, se suprimida de uma aproximação com arte, ars, no
cotidiano humano, poderia levar ao adoecimento, promovendo dor e sofrimento.
Transformar-se-ia, então, em algo pernicioso, repulsivo, alquebrado, podendo
também ocupar não apenas os espaços culturalmente vividos, como ainda todo e
qualquer espaço do viver humano pelo sofrimento. Não se trata aqui de criticar o
sofrimento no viver, visto ser ele constitutinte da própria condição humana, mas
apenas sendo ele intensificado quando da presença de situações perniciosas.
Discutindo exatamente esta questão, ANDRADE e MORATO (2004, p. 19)
nos apresentam o étimo grego para sofrimento, contrapondo-o ao de origem latina.
Etimologicamente originário do grego pathos, sofrer assume o significado de
sentir, experienciar, tolerar sem oferecer resistência, ser afetado, dizendo da
condição de se por em movimento por qualquer emoção. Em latim, sofrer origina-
se de subferre, referindo-se a suportar por debaixo, implicando em dois
significados: tolerar um peso e sustentar um peso. No primeiro, sofrer diz respeito
a uma dor, ao passo que no segundo, diz de uma força ou de um poder ser.
Desse modo, em ambas as origens, sofrimento refere-se à situação de ser afetado
pela ambigüidade própria da condição humana. Diz da dor frente ao desamparo
do homem na sua tarefa de existir, suportando a inospitalidade dos
acontecimentos para conduzir-se adiante.
(D)escrever a derivação acima, conduziu-me a uma sensação de prostração e
impotência. Tal terreno apresenta-se tão
sentido, e não significados como as definições apresentam. Trata-se de recorrer à
linguagem como meio de expressão e não de conceito.
Para encaminhar re-significadamente os demais, comecemos por saúde e
educação. Segundo WEBSTER (1974), saúde vem do latim salus, significando
condição (orgânica ou organizacional) benéfica, de bem-estar, de segurança.
Refere-se à cura (healein, em inglês antigo), como promoção de integridade e/ou
cuidado.Talvez seja por isso que desse termo tenha se derivado saudação; implica
numa forma de demonstrar respeito e reconhecimento àquele do qual nos
aproximamos. Aproxima-se, assim, de clínica e de cuidado, tarefas cotidianas e
pertinentes ao universo do fazer psicológico no âmbito da saúde. (...) Por outro
lado, educação vem do latim educere, de e+ducere, ou seja, e=para fora, e
ducere=conduzir, trazer, fazer movimento em direção a alguém. Nesse sentido,
implica em debruçar-se ou inclinar-se a uma forma de cuidar para que o outro se
conduza adiante. Desse modo, ambos parecem articular-se à prática psicológica
clínica. Dizem respeito a dirigir-se a alguém de modo a fazê-lo conduzir-se adiante
em sua experiência, destinando-se ao seu bem-estar. Assim, saúde e educação
aproximam-se tanto pelo sentido de promoção de cuidado e integridade quanto de
demonstração de respeito e reconhecimento, via saudação.
Como tentativa de compreender essa articulação, penso que o existir, ou seja,
a vida demanda um cuidado, saúde, para que a educação, possa, sua vez,
constituir-se como atenção para manutenção da saúde. Em outras palavras, a partir
do existir, saúde e educação são constituintes para a condução de existência com
sentido.
Mas qual seria esse sentido? Talvez pudesse ser considerando a condição
humana de desamparo e sofrimento como que imprimindo a origem da ação das
ciências da saúde e educação, não alcançadas pelas definições lingüísticas.
Falta, contudo, ainda, para encerrar esta visita ao universo dos léxicos e das
etimologias, dedicar aos léxicos sofrimento e sofrer, o espaço devido que
contemplam na esfera do humano.
sofrimento
(1) ação ou processo de sofrer (2) dor causada por ferimento ou doença;
padecimento (3) dor moral; amargura, ansiedade, angústia (4) vida miserável;
miséria, penúria, dificuldade [sofrer + -i- + -mento; ver sofr-] (DEH)
sofrer
(1) sentir dores físicas ou morais; padecer (2) ser alvo de (golpe, pancada etc.);
receber, levar (3) padecer de (alguma doença) (4) experimentar com resignação e
paciência; suportar, tolerar, agüentar (5) não evitar ou criar impedimento para;
admitir, permitir, aceitar (6) passar por, experimentar (7) ter danos ou prejuízos;
decair, degradar, perder (8) não reagir violentamente; conter-se, sofrear-se,
agüentar-se (DEH)
sofr-
elemento de composição.
Antepositivo, do v.lat. suffèro,sustùli, sublátum,sufferre 'suportar, sofrer' (DEH)
Suffer (L. sufferre, suportar, resistir; sub, embaixo e ferre, suportar) (WEB)
Cabe, aqui, notar que essas definições e étimos não apresentam surpresas, o
que pode ser um indicador de que, talvez, o sentido venha se mantendo intacto ao
longo do tempo. Quase que a totalidade das definições contêm a noção de aflição e
dor (física e moral), o que remete ao étimo de dor/angústia, como visto acima,
desvelando a angústia própria ao humano. Quase todas as definições implicam em
submissão
(lat. submissìo,ónis 'abaixamento (da voz); simplicidade (de estilo);
inferioridade', der. de submissum supn. de submittère 'submeter'; ver met-, DEH)
a algo.
Num modo de experienciar tais definições, a tônica estaria na palavra resignação ngústia, com1 Tfa09 p1 1gna pa118 emefe
partir do todo circundante formado pelo horizonte global da linguagem. O que se
pensa assim como ente não é propriamente objeto de enunciados, mas “vem à
fala em enunciados”. Com isso, conquista sua verdade, sua manifestação no
pensamento humano, Assim, a ontologia grega se fundamenta na objetividade
(Sachlichkeit) da linguagem, concebendo a essência da linguagem a partir do
enunciado (GADAMER, 1997, p. 575)
Creio que a denominação deste item como LÉXICOS, encontra, agora, um
sentido apropriado. Afinal,
léxico
relação de palavras empr. com sentido diferente do da língua comum, com
as respectivas explicações, ou relação das palavras us. por um autor, um
grupo social etc.; vocabulário [gr. leksikós,ê,ón 'que diz respeito às
palavras'; ver lex(e/i)-]
lex(e/i)-
elemento de composição
antepositivo, do gr. léksis,eós 'palavra, ação de falar, elocução, léxico'
(DEH)
Assim, para não perder possibilidades no trato das questões relativas a este
“abrir mão” como possível experiência originária dessa condição de com-viver,
resgato um afastamento possível entre ars (de origem latina) e techné (de origem
grega). É nesse sentido que se buscará uma articulação possível entre saúde e
educação. Desse modo, apresento o léxico techné.
techno-
[do grego techné, uma arte, artifício
9
] (a) arte, ciência, habilidade; (b) técnico,
tecnológico. (WEB)
10
2.3 Saúde e Educação
“O homem físico não é uma combinação de
pensamento, fala, volição e sentimento... ao
contrário, ele é um homem pensante, falante, que
sente experiências e situações”
Kurt Goldstein
11
9
Com o sentido de arte do artífice. N.do A.
10
Grifos meus.
11
GOLDSTEIN apud HELLER, 1979, p. 21
No trajeto percorrido, até o momento, vou questionando minha preocupação
com a saúde, com a educação e com as questões que as circundam. Cabe, agora,
uma apresentação de ambas em outra perspectiva, e uma reflexão sobre se, e
como, estas dimensões da existência do sujeito na contemporaneidade podem
articular-se.
2.3.1 Saúde
Ao abordar as tecnologias que incidem sobre o sujeito na
contemporaneidade, vale ressaltar que nelas se incluem, além daquelas que se
referem à dimensão social do termo, as práticas de saúde: Medicina, Psiquiatria,
Psicologia. A reflexão, proposta por FOUCAULT (1990) acerca da “História da
Loucura” e de “O Nascimento da Clínica” sobre a constituição dessas práticas,
evidenciou o modo de produção histórica de uma divisão entre razão e des-razão,
saúde e doença, saber e não-saber, a partir da qual se retirou do louco e do enfermo
todo e qualquer saber e poder.
Uma vez que acima foram referenciados alguns termos não contemplados
pelo item 2.2, passo, agora, a apresentar léxicos implicados mais diretamente ao
real do âmbito da saúde e sua especificidade. Parto daqueles que, recorrentemente,
são atribuídos quando da referência ao fazer em saúde.
clínica
gr. klinikê,ês 'cuidados médicos a um doente acamado', fem.substv. de
klinikós,ê,ón 'relativo ao leito', der. do v. klínó 'inclinar-se, deitar-se', pelo lat.
clinìce,es 'medicina racional (oposta à empírica)' (DEH)
prática
gr. praktikê (sc. epistêmé) 'a ciência prática (em oposição à ciência especulativa)',
pelo lat. practìce,es 'id.'; ver prax(i)- (DEH)
prax(i)-
elemento de composição
antepositivo, do gr. prâksis,eós 'ação, o fato de agir' [em oposição a páthos,eos-
ous 'o que se experimenta' - ver pat(o)-], p.ext. 'execução, realização; empresa,
condução de um caso (de guerra, de política); comércio, negócio; intriga; maneira
de agir, conduta, maneira de ser; resultado de uma ação, conseqüência', der. do
v.gr. prásso (prátto) 'ir através, percorrer, atravessar; ir até o fim, acabar;
cumprir, executar; fazer executar, realizar'; a cognação gr. inclui praktêr,êros
'que executa, autor de alguma coisa', praktikós,ê,ón 'próprio para agir, donde
atuante, ativo; eficaz; habituado a agir', praktós,ê,ón 'que pode ou deve ser feito';
os der. e comp. vernáculos são: impraticabilidade, impraticável; prática,
praticabilidade, praticante, praticar, praticável, prático; praxe, praxeologia, praxia,
práxico, praxiologia, praxiológico, praxiologista, praxiólogo, praxioscópio, práxis,
praxista
, praxiterapeuta, praxiterapia, praxiterápico; tb. der. do v. prásso, há o
subst. gr. prâgma,atos 'negócio, coisa por fazer, o que se faz; ação, atividade' e
o adj. pragmatikós,ê,ón 'que concerne à ação, próprio da ação; capaz de agir,
eficaz; relativo a negócios; próprio para manejo de negócios; relativo a assuntos
judiciais; que se refere a fatos (p. opos. a palavras)', donde o vern. pragmático e
derivados (DEH)
12
Se for considerado o campo de atuação em saúde, clínica diz do modo desse
fazer: inclinar-se àquele acamado, sofrente. Nesse sentido, clínico (practikos) refere-
se àquele que cuida de quem demanda por cuidado a ser experimentado (pathós).
Relacionar-se-ia, assim, à prática como ndado realiztuação dacso modo or cuir,os ra meirida da s,r: inclindaar-. Enquantdor Nessfa.
considerados como simples técnicas de “tratamento” psíquico de si, podem ser
compreendidos e incluídos entre as técnicas de “produção” de si.
Ao falar de tecnologias de “produção de si”, portanto, intenta-se trazer à luz o
fato de que o sujeito, alvo das intervenções em saúde, está longe de ser uma
categoria ou dado “puro”, um ser dotado de essência ou fixidez em si mesmo, como
gostaria de ser visto pelas tecnologias da “verdade”. É uma produção, mais da
ordem do coletivo do que do individual, pois dela participam inúmeros universos de
discurso e diversos poderes disciplinares. Esses poderes incluem, além das práticas
médicas e psicológicas, também a família e a educação, sendo todos eles poderes
locais e específicos, ligados de forma não-direta ao Estado, mas indispensáveis à
sua sustentação. Assim compreendido o ser humano como uma “produção”,
garantiria que, apesar de atuando de forma periférica, tais poderes disciplinares
pudessem desenvolver um controle minucioso do corpo, em seus gestos, atitudes,
hábitos e comportamentos (FOUCAULT, 1979, Cap. XII).
Ao se discutir questões da pós-modernidade, faz-se, então, necessário
pensar como um dos eixos paradigmáticos da modernidade – o do indivíduo livre e
autônomo – se mostrou incapaz de sustentar-se plenamente. Se as qualidades de
liberdade e autonomia existem em alguma medida, é preciso considerar que elas se
encontram marcadas por uma outra qualidade, o poder disciplinar e disciplinador,
pelo qual o indivíduo se torna simples consumidor de um tipo de subjetividade
fabricada em série, tendo sua sensibilidade, comportamento e relações assim
modeladas de modo quase industrial.
FIGUEIREDO (1992, p. 141) fala do modo pelo qual a regulação das
existências individuais passa a ser mesmo solicitada pelos indivíduos, relacionando
esse efeito a uma relação perversa entre o liberalismo do moderno estado capitalista
e o regime disciplinar. Quando a individualidade entra em crise, isso, na prática
clínica psicológica, se traduz em questões (nomeadas ou não) de identidade,
desamparo, fragmentação e desencontro, as quais, se tomadas pelos profissionais
da área sem a apropriada referência aos contextos coletivos de sua gênese, podem
acabar contribuindo para uma espécie de culpabilização dos sujeitos e,
conseqüentemente, de maior restrição de suas possibilidades existenciais
(TÁVORA, 1994).
Pode-se indagar, então, sobre qual seria o espaço para pensar questões
como conhecimento e cuidado de si, autonomia e escolha, uma vez que a questão
da subjetividade se encontra tão marcada por aspectos de cunho econômico,
político, social e tecnológico, dentre outros. É por essa perspectiva que se legitima a
questão sobre a possibilidade de uma prática em saúde que contemple a amplitude
e diversidade de aspectos envolvidos nesse universo, simultaneamente mantendo-
se aberta às críticas e mudanças necessárias. Isto aponta para a necessidade de
redimensionar a implicação da responsabilidade social entre profissionais de saúde,
como expressei em um trabalho anterior:
As questões do homem contemporâneo mudaram; conseqüentemente as
práticas psicoterapêuticas também estão tendo que mudar sua ótica
individualizada – e o Zeitgeist individualista dos últimos tempos é talvez o
grande responsável pela não leitura de conteúdos sociais da Gestalt – para
uma ótica mais social que contemple estas novas questões do homem com
respostas igualmente novas. Estas mudanças implicam em que nos voltemos
aos valores individuais e sociais. (LILIENTHAL, 1997b)
Que lugar ocuparia, então, o saber dos profissionais de saúde, no momento
atual? Dadas as relações íntimas entre saber e poder, é preciso considerar que o
saber “teria de maneira imediata e mediata um alcance ético e uma implicação
política“ (BIRMAN, 2000, p. 25). Somente nesse contexto, é que qualquer “idéia de
verdade deveria ser efetivamente inscrita, para que as suas dimensões estratégica e
tática pudessem ser rigorosamente destacadas” (idem, p. 26). Segundo BIRMAN, há
que se atentar para cuidar de que tais implicações sejam contempladas pelo
profissional de saúde.
Nessa mesma direção, FIGUEIREDO (1995, p. 40) apresenta uma reflexão
acerca da ética, dizendo que a “clínica define-se, portanto, por um dado ethos; em
outras palavras o que define a clínica psicológica como clínica é a sua ética: ela está
comprometida com a escuta do interditado e com a sustentação das tensões e dos
conflitos”. Orientado nessa direção, afirma que a saúde pode ser pensada para
além de qualquer critério médico ou psicológico, como “o usufruto do corpo (e da
mente)” (idem, p.46), como “usufruto e incremento dos poderes do corpo” (idem, p.
47). Pontua que, para constituir-se como sujeito ético nos dias de hoje, “nem a ética
liberal, nem a romântica, nem a disciplinar são alternativas viáveis e cada uma delas
exclui parcelas significativas da experiência de cada um de nós que acabam
retornando como sintomas e mal-estar” (idem, p. 63).
Questiona, desse modo, a possibilidade de que um tal sujeito ético possa
desenvolver a capacidade de edificar sua própria morada, entendida como “o habitar
sereno e confiado proporcionado pela casa e a saúde” (idem, p. 46), com uma
relativa independência e autonomia para, assim, assumir certas funções antes
exercidas pelos outros (idem, p. 49). Para essa compreensão, toma de empréstimo
da filosofia o termo Serenidade (Heidegger) – o habitar sereno e confiado como
condição para a abertura e o encontro; Amor facti (Nietszche) – amor aos fatos e
aos fados, acolhimento do inesperado e aleatório, escuta paciente de outras vozes
apenas entreouvidas, espera do outro que nos vem ao encontro e desaloja.” (idem,
p. 73)
13
Como, então, pensar conceitos e intervenções em saúde que permitam abrir
ao outro a possibilidade do “encontro de si” e, ao mesmo tempo, proteja e permita a
abertura à alteridade? Como resgatar ao sujeito o “saber e cuidado de si” não
alienados do outro e dos contextos de vida? Como conceber e tratar o “sofrimento”
do outro?
Considerando-se a etimologia de prática e clínica, acima citadas, procede
perguntar-se pelo sentido de intervenção, uma vez que é por seu intermédio que a
ação se realiza como prática. Em que medida esse sentido acompanha ou se
distancia da ação clínica? Intervenção diz de um modo de realização ou refere-se a
um fazer determinado como procedimento ou técnica?
intervenção
lat.imp. interventìo,ónis 'abono, fiança, garantia', rad. de interventum, supn. de
interveníre 'estar entre, sobrevir, assistir; entremeter-se, ingerir-se, intervir, meter-
se de permeio, embaraçar-se, impedir'; ver –vir. (DEH)
Tomando-se o sentido do verbo intervenire, dizendo de estar entre, assistir,
meter-se de permeio, pode-se compreender intervenção como garantia de se
entrepor os bons ofícios como ação para cuidar daquele que padece, que
experimenta uma afecção. Diz de um modo de realizar o cuidado com direção ao
sofrimento de alguém.
Procede, nessa compreensão, um olhar ao que se entende como o sofrer do homem. O
sofrimento faz parte do drama humano, como sendo sua própria condição, incluindo tanto as
paixões quanto os deveres, as prescrições e interdições da cultura. Nessa medida, constitui-se
como uma constante tensão entre busca de sentido, exposto ao inesperado e
coerência/permanência para as experiências situadas do sujeito. Para BARUS-MICHEL
(2001, p. 26), o “sofrimento é a perda de sentido, desordem das emoções, dos sintomas, a
impossibilidade de colocar em palavras, de se explicar, de se representar, de simbolizar
13
Grifos do autor.
(sofrimento ‘indescritível, não passível de ser traduzido, não dizível’, ‘os grandes sofrimentos
são mudos’).”
Mas é preciso considerar que o sofrimento surge num ponto de articulação entre a
subjetividade e a realidade, entre o individual e o social. Pois, ainda de acordo com essa
autora, o
“sofrimento, sentido como infelicidade, mal-estar, desordem, injustiça, depende do
meio social e cultural, do sistema de representações e simbolização, de sua solidez,
força e riqueza (...) O sofrimento assume as formas propostas pela cultura. A
sensibilidade ao sofrimento varia de acordo com as épocas e as sociedades. A
capacidade de resistir à dor física é ela mesma sujeita a variações. O sofrimento moral
depende dos objetos de apego propostos numa dada cultura. (idem, p.27)
Então, se o sofrimento está associado a uma demanda não articulável, implica em algo
que tem dificuldade de se expressar e, nessa perspectiva, o aspecto a ser valorizado é o de
quando ele é dirigido ao outro como um pedido de tradução de si mesmo para si mesmo.
Revela-se, assim, simultaneamente, ausência de sentido e um pedido de sentido, de
restauração do poder de dizer, e, em se dizendo, poder reconhecer-se e apropriar-se de si e de
sua situação entre outros. Nessa perspectiva, o “tratamento”, melhor dizendo o cuidado, pode
ser compreendido como possibilidade de reinscrição do sujeito no diálogo consigo mesmo
entre outros, abrindo, desse modo, possível reinscrição na cadeia de sentido. Porém, como
existem diferentes formas de “permitir, propor ou impor sentidos” (idem, p. 37), assim
também as formas de tratamento vão se diferenciar essencialmente pela “capacidade de
enunciação concedida ao sujeito (de criar seu sentido ou de recebê-lo de outro lugar).”
(idem, p. 37)
Retomando a discussão final do ítem 2.2, pela qual se apontava a dor, angústia e
submissão como algo do âmbito do estar lançado, des-amparado, des-enraizado, abrindo mão
de certezas e controle, procede, então, debruçar-se sobre o tema educação, visto que o
concebo numa relação diacrítica com saúde, ou seja, numa relação pela qual se definem
mutuamente, ao mesmo tempo em que mantêm suas diferenças, como que duas peças
contíguas de um quebra-cabeças.
2.3.2 Educação
Assim, a criança, objeto da educação, possui para o educador um duplo aspecto:
é nova em um mundo que lhe é estranho e se encontra em processo de formação;
é um novo ser humano e é um ser em formação. Esse duplo aspecto não é de
maneira alguma evidente por si mesmo, e não se aplica às formas de vida
animais; corresponde a um duplo relacionamento, o relacionamento com o mundo,
de um lado, e com a vida, de outro. (ARENDT, 1972, p. 235) (...) Na educação,
essa responsabilidade pelo mundo assume a forma de autoridade. A autoridade
do educador e as qualificações do professor não são a mesma coisa. Embora
certa qualificação seja indispensável para a autoridade, a qualificação, por maior
que seja, nunca engendra por si só a autoridade. A qualificação do professor
consiste em conhecer o mundo e ser capaz de instruir os outros acerca deste,
porém sua autoridade se assenta na responsabilidade que ele assume por este
mundo. Face à criança, é como se ele fosse um representante de todos os
habitantes adultos, apontando os detalhes e dizendo à criança: - Isso é o nosso
mundo. (idem, p.239)
Enquanto refletia acerca da tarefa de escrever sobre educação, ocorreu-me a
lembrança de um estágio que fiz em 1992 na Hochschule der Künste em Berlin,
Alemanha. Na ocasião, participei de inúmeros Workshops, dos quais um foi
particularmente relevante para a discussão aqui pretendida. Dele participavam cerca
de 30 jovens, estudantes da universidade; havia, apenas, uma única aluna oriunda
da então recém-extinta Alemanha Oriental. A certa altura do Workshop, os alunos
começaram a tecer pesados comentários sobre o que consideravam ser as
péssimas condições materiais da universidade que cursavam. Em determinado
momento, a aluna “oriental” apresentou uma grande explosão, dirigindo ofensas aos
colegas. Lembro-me claramente de duas frases: “O que vocês querem mais? Um
jardim tropical cheio de palmeiras no topo do edifício para vocês poderem passar as
suas tardes de verão?” e “Vocês não têm idéia do que estão falando; vocês querem
mais e mais facilidades materiais. Ao invés disto, vocês deveriam estar pensando
em solicitar professores mais bem preparados, vocês deveriam se preocupar com a
própria formação”. Desta mesma viagem, mais uma lembrança me marcou em forma
de uma frase, dita pelo orientador de meu estágio, Dr. Olaf-Axel Burow: “O homem
precisa aprender a angariar segurança a partir do que não é material”.
Tais observações não têm o intuito de confrontar valores tradicionalmente
atribuídos às culturas ocidental e oriental. Busco, simplesmente, chamar atenção
para um acontecimento que pode servir como parâmetro possível aos diversos
aspectos envolvidos na formulação de expectativas por parte dos atores
institucionais, no caso, alunos, em relação à instituição formadora. A primeira
situação citada diz respeito a atitudes que podem fornecer subsídios para pensar um
desses aspectos, tomando-se em consideração o do tipo de posicionamento dos
alunos como jovens em processo de educação. Assim, ao reclamar das condições
materiais, estariam eles revelando uma atitude crítica de cidadãos exigindo direitos
legítimos, ou ao contrário, uma atitude de meros indivíduos consumidores dos
valores de consumo predominantes?
Por certo, as frases proferidas pela aluna oriental refletem um olhar
ideológico, se for considerado que a queda do Muro de Berlin tinha ocorrido há cerca
de dois anos. Contudo, não pode ser desconsiderada sua preocupação como
autêntica para com a população em geral, a universidade, os colegas, a qualidade
do conhecimento, consigo mesma. Refletiria, assim, uma ação ética com
implicações políticas, conforme discutido por BIRMAN (2000, p. 25), no tocante à
responsabilidade de profissionais de saúde.
Na Europa, tanto quanto no Brasil, o acesso à universidade ainda é privilégio
de uma pequena parte da população, via de regra, provinda da elite social. Embora
seja esse um fato amplamente conhecido e criticado, é freqüente que permaneça
“oculto”, ou melhor dizendo, excluído. Com-formados por valores vigentes de bem
estar como aquele promovido pela aparência e exterioridade, alunos se assujeitam
como indivíduos consumidores na sociedade do espetáculo. É o que o relato acima
demonstra, na medida em que houve a necessidade da presença de uma
representante de “outra Europa” para chamar a atenção para a predominância de
um valor superficial de aparência. Parafraseando GOLDSTEIN (1995, p. 22),
afirmando que “conhecimento pedagógico é uma forma pedagógica de ser”, pode-se
questionar como foram compreendidas, no âmbito pedagógico, por alunos e
professores, a apropriação dos espaços de formação, como se defrontaram com
aquilo que é diferente das expectativas, com a noção de coletivo e conceitos
relativos a indivíduo-instituição-sociedade. Em resumo, questiona-se não apenas
sua forma de pensar, mas como foi possível compreender o impasse apresentado
via uma transformação de atitudes.
Segundo SANTOS (1995, p.193),
A centralidade da universidade enquanto lugar privilegiado da produção de alta
cultura e conhecimento científico avançado é um fenômeno do século XIX, do
período do capitalismo liberal e o modelo de universidade que melhor o traduz é o
modelo alemão, a universidade de Humboldt. A exigência posta no trabalho
universitário, a excelência de seus produtos culturais e científicos, a criatividade da
atividade cultural, a liberdade de discussão, o espírito crítico, a autonomia e o
universalismo dos objetivos fizeram da universidade uma instituição única,
relativamente isolada das restantes instituições sociais, dotada de grande prestígio
social e considerada imprescindível para a formação das elites. Esta concepção
da universidade, que já no período do capitalismo liberal estava em relativa
dessintonia com as “exigência sociais” emergentes, entrou em crise no pós-guerra
e sobretudo a partir dos anos sessenta. Esta concepção repousa numa série de
pressupostos cuja vigência se tem vindo a mostrar cada vez mais problemática à
medida que nos aproximamos de nossos dias. Estes pressupostos podem
formular-se nas seguintes dicotomias: alta cultura – cultura popular; educação –
trabalho; teoria – prática.
Esta passagem de Santos, fez lembrar o edifício onde ocorreu o episódio
acima descrito: antigo, sisudo e belo. Naquela época, eu me perguntava como
alguém poderia ter queixas a respeito de uma universidade com aquelas
características, que, além de tudo, ainda era rica em recursos (equipamentos para
os professores – naquela época cada professor tinha a sua sala com computador e
impressora laser à disposição; rica o suficiente para poder pagar bons salários para
os professores; rica em história; rica em alunos com, teoricamente, boa formação no
ensino equivalente ao primeiro e segundo graus). Sem contar que isto acontecera no
que antes havia sido uma ilha ocidental em meio ao mundo europeu oriental: a
cidade de Berlim. Nesse sentido, os três pressupostos apontados por SANTOS
parecem expressar aquilo que ocorria nesta universidade: um ambiente destacado
no seu meio, num isolacionismo cultural que dificultava a transposição do aprendido
e produzido, para a vida do mar de cidadãos que a envolvia..
Uma outra dimensão desta questão, talvez mais dramática por envolver
questões ligadas ao poder ideológico e financeiro, é abordada pelo mesmo SANTOS
(idem, p.203), quando afirma que
O imaginário universitário é dominado pela idéia de que os avanços de
conhecimento científico são propriedade da comunidade científica, ainda que sua
autoria possa ser individualizada. A discussão livre dos procedimentos e etapas da
investigação e a publicidade dos resultados são consideradas imprescindíveis
para sustentar o dinamismo e a competitividade da comunidade científica. A
“comunidade” industrial tem outra concepção de dinamismo, assente nas
perspectivas de lucro, e outra concepção de competitividade, assente nos ganhos
de produtividade. Se as suas concepções se sobrepuserem às da comunidade
científica, teremos em vez da publicidade dos resultados, o secretismo, em vez da
discussão enriquecedora, o mutismo sobre tudo o que é verdadeiramente
importante no trabalho em curso, em vez da livre circulação, as patentes. As
investigações mais interessantes e os dados mais importantes serão mantidos em
segredo para não destruir as vantagens competitivas da empresa financiadora e
os resultados só serão revelados quando forem patenteáveis. Os sinais de uma tal
“perversão” têm vindo a acumular-se e a perturbação que estão a causar em
alguns setores da comunidade científica já está presente, e até com insistência,
nos relatórios oficiais.”
Pode-se, assim, considerar no Brasil a constatação dessa afirmação de
SANTOS. O dito secretismo já se observa nos ambientes universitários e agências
de fomento científico, privilegiando investigações para a tecnologia de ponta: um
conhecimento e uma educação praticados na direção do poder e do lucro de alguns.
Pensando no todo do sistema escolar, percebo que, guardadas as devidas
proporções, tais críticas também a ele se aplicam, e não somente à universidade. A
atualidade da escola, no mundo contemporâneo, parece assujeitar-se aos
mecanismos e padrões econômicos, com reflexos evidentes na formação de alunos,
despersonalizados. Faz-se evidente um modo de educação indo na contra-mão do
que poderia ser uma política de educação no dizer de Hannah ARENDT acima.
Colocados em salas de aula com um grande número de alunos, passando por uma
série de processos seletivos, pelos quais ser aprovado em provas e exames se
constitui no fim último do ensino, alija-os da condição de sujeitos que aprendem para
se formarem cidadãos responsáveis pelo cuidado de suas vidas e do coletivo. Tal
situação permite entrever a educação como produtora de massa crítica para a
produção de produtos consumíveis para lucro.
Paulo FREIRE (1998, p. 52) aborda estas mesmas questões na perspectiva
dos cuidados que o educador deve ter para evitar a situação acima citada.
As considerações ou reflexões até agora feitas vêm sendo desdobramentos de um
primeiro saber inicialmente apontado como necessário à formação docente, numa
perspectiva progressista. Saber que ensinar não é transferir conhecimento, mas
criar as possibilidades para a sua própria produção ou sua construção. Quando
entro em uma sala de aula devo estar sendo um ser aberto a indagações, à
curiosidade, às perguntas dos alunos, e suas inibições; um ser crítico e inquiridor,
inquieto em face da tarefa que tenho – a de ensinar e não a de transferir
conhecimento.
É preciso insistir: este saber necessário ao professor – que ensinar não é transferir
conhecimento – não apenas precisa ser aprendido por ele e pelos educandos nas
suas razões de ser – ontológica, política, ética, epistemológica, pedagógica, mas
também precisa ser constantemente testemunhado, vivido.
14
FREIRE chama a atenção para o fato de que ensinar é ao mesmo tempo
aprender a ensinar, pois isto torna o aprendido constantemente testemunhado, vivo,
na medida em que docentes e discentes possam ter disponível espaço para
indagações, curiosidade e inquietações. Assim, o aprender-ensinar tem para
educadores e educandos razões de ser, razões de sentido, ou seja, aprender-
ensinar é uma forma de busca de sentido.
Por sua vez, Rubem ALVES (1999, p. 9) apresenta a concepção de que
existem dois tipos de idéias: as idéias que não são suas mas sim propriedade
universal, como, por exemplo, conhecimentos matemáticos, filosóficos e históricos,
podendo sempre estar à mão, disponíveis de serem encontradas em livros, em caso
de utilidade. Nessa perspectiva, tais idéias, geralmente entendidas como
conhecimento encontrar-se-iam a partir de um sentido pragmático. Alerta, assim, os
educadores que
mais importante que saber é saber onde encontrar. Se eles soubessem disso, o
ensino e os vestibulares seriam totalmente diferentes. Mas há outras idéias que
14
Grifos do autor.
são parte de mim. Nietzsche dizia amar somente os livros que haviam sido
escritos com sangue. Livros escritos com sangue são aqueles em que as palavras
são apenas a carne de idéias nascidas do corpo. A diferença entre os livros
escritos com sangue e os outros escritos com conceitos é fácil de ser percebida.
Os livros escritos com sangue mexem com o corpo e a alma. Os outros mexem só
com a cabeça. O corpo fica do jeito que sempre foi.
Por perspectivas muito diferentes, FREIRE e ALVES apontam para a questão
de que educação precisa ser viva, sentida cujo sentido brotaria de sua propriedade
de afetar o sujeito que, afetado, criaria um sentido pertinente e próprio de uma
aprendizagem. Ambos conseguem transmitir, cada um ao seu estilo, um autêntico
envolvimento com a questão educação, justamente por terem se disposto a viver
aquilo a que se propuseram.
À grande distância das compreensões de FREIRE e ALVES, as perturbações
que ocorrem em sala de aula, ao invés de serem utilizadas pelos professores como
matéria a ser aprendida, são reprimidas, perdendo-se, assim, a possibilidade de uma
tematização de questões amplas e envolvidas com o sujeito/aluno e sua condição de
humano. Uma tal abertura permitiria conduzir os alunos a se indagarem quanto ao
âmbito das razões de ser, como propõe FREIRE. Contudo, a desconsideração por
esse aspecto apenas desnuda um outro elemento presente na esfera da educação:
o despreparo do professor para situar temas que não estejam vinculados
especificamente à sua disciplina.
Num tal contexto, não é de estranhar que o ambiente quer esccolar como
educacional implica-se de um modo que pouco motiva o aluno/aprendiz/educando.
Na contra-mão da educação como formação de sujeito/cidadão, o que se mostra é a
alta evasão escolar, a produção em massa de alunos que, esterelizados pelo
sistema educacional des-educador, não se encontram em situação para se
(re)produzirem de forma a cuidarem de si mesmos e das questões de sua existência.
2.3.3 Saúde e Educação
A tentativa de elaboração a partir da integração dos conceitos de saúde e educação,
que intento realizar ao longo do presente trabalho, visa a fundamentação de uma prática que
permita ao sujeito melhor apropriar-se de sua capacidade de enunciação de sentido. Para
tanto, penso ser necessária uma reflexão sobre como os conceitos saúde e educação podem ser
articulados, considerando-se suas dimensões ética e moral.
Em um artigo intitulado “A Dimensão Ética (e Moral) das Práticas Institucionais”,
ANDRADE e MORATO (2004) promovem uma ampla discussão sobre estes temas.
Ética aparece, em geral, na história da filosofia, como a ciência da conduta que
se apresenta em duas concepções fundamentais: 1) a Ética considerada como
ciência do fim para o qual a conduta dos homens se deve dirigir e dos meios
para atingir tal fim, deduzindo tanto o fim quanto os meios da natureza do
homem; 2) a Ética considerada como ciência do móvel da conduta humana,
procurando determinar tal móvel com vistas a dirigir ou disciplinar tal conduta.
São duas linguagens diferentes e, enquanto a primeira fala do ideal a que o
homem está dirigido pela sua natureza, supondo assim uma essência ou
substância do homem, a segunda fala dos motivos ou das causas da conduta
humana e pretende se ater ao conhecimento dos fatos. (ABBAGNAMO, 1962
apud ANDRADE e MORATO, 2004, p. 5)
De fato, ética pode ser considerada sob muitas perspectivas diferentes,
conduzindo a conclusões diferentes. No entanto, seja ela considerada como for,
inclusive como sinônimo de moral, chama a atenção o fato de como se dirige para
além de ser apenas uma “carta de princípios”, a ser ou não posta em ação.
Muitos foram e são os autores, cientistas e pensadores que se
debruçaram/debruçam sobre a questão da ética, o que a coloca entre uma das
questões mais relevantes da história da humanidade, revelada pela sempre não
possível forma única de ser exercida como uma ação para os cidadãos das mais
diferentes culturas. Permitindo expressar-se apenas como exercício de um agir de
valores, descortina a pluralidade humana para além da singularidade pretendida por
discussões de intelectuais, que a mantém distante da realidade e do alcance do
modo como se apresenta entre os homens em geral: dispor-se como ação e não de
mera proposição.
Debrucemo-nos sobre os verbetes constantes do DEH relativos a ética, éthos,
etos e moral, agora não editados por mim, para que apareçam, neste ponto do
trabalho, na íntegra. Chama a atenção o fato de todos apresentarem-se por
definições racionalistas, acerca de hábitos e costumes, de preceitos de como
deveria ser o comportamento humano, de virtuosismos. Mesmo suas raízes
etimológicas contêm esses significados, havendo nos étimos considerável repetição
de definições, abrindo, assim, a possibilidade de facilmente serem tomados um pelo
outro.
ética
(1) parte da filosofia responsável pela investigação dos princípios que motivam,
distorcem, disciplinam ou orientam o comportamento humano, refletindo esp. a
respeito da essência das normas, valores, prescrições e exortações presentes em
qualquer realidade social (1.1) Rubrica: filosofia. em doutrinas racionalistas e
metafísicas, estudo das finalidades últimas, ideais e, em alguns casos,
transcendentes, que orientam a ação humana para o máximo de harmonia,
universalidade, excelência ou perfectibilidade, o que implica a superação de
paixões e desejos irrefletidos (1.2) Rubrica: filosofia. no empirismo, materialismo ou
positivismo, estudo dos fatores concretos (afetivos, sociais etc.) que determinam a
conduta humana em geral, estando tal investigação voltada para a consecução de
objetivos pragmáticos e utilitários, no interesse do indivíduo e da sociedade (2)
Derivação: por extensão de sentido. conjunto de regras e preceitos de ordem
valorativa e moral de um indivíduo, de um grupo social ou de uma sociedade
[subst. lat. ethìca 'ética, moral natural, parte da filosofia que estuda a moral', do
adj. gr. éthikós,fem. sing. éthikê 'ético, relativo à moral', substv. no neutro pl.
éthicá 'tratado sobre a moral, ética', conexo com o gr. êthos,eos-ous 'modo de ser,
caráter, costume'; ver et(o)-] (DEH)
êthos
(1) caráter pessoal; padrão relativamente constante de disposições morais,
afetivas, comportamentais e intelectivas de um indivíduo (2) Rubrica: teatro.
temperamento predominante de uma personagem, caracterizável pela vontade,
paixões e hábitos que determinam seu comportamento em um enredo dramático
(3) et personalidade humana apta a exercer, na plenitude de suas faculdades
morais, auto-controle racional sobre paixões, inclinações e afetos desordenados
[gr. êthos,ous 'morada, covil habitual (falando-se de animais); maneira de ser
habitualmente, caráter'; segundo Chantraine, desde o grego antigo, êthos não se
confunde de modo algum com éthos; o rad. i.-e. swédh sai o gr. êthos, da sua var.
swèdh sai éthos] (DEH)
éthos
(1) conjunto dos costumes e hábitos fundamentais, no âmbito do comportamento
(instituições, afazeres etc.) e da cultura (valores, idéias ou crenças),
característicos de uma determinada coletividade, época ou região (1.1) Rubrica:
antropologia. na antropologia norte-americana, reunião de traços psicossociais que
definem a identidade de uma determinada cultura; personalidade de base (2)
Rubrica: retórica. parte da retórica clássica voltada para o estudo dos costumes
sociais (3) conjunto de valores que permeiam e influenciam uma determinada
manifestação (obra, teoria, escola etc.) artística, científica ou filosófica [éthos,ous
'hábito, costume'; ver êthos] (DEH)
moral
adjetivo de dois gêneros
(1) concernente a ou próprio da moral (2) pertencente ao domínio do espírito do
homem (3) orientado pela moral (fil); proveniente dos estudos filosóficos sobre a
moral (fil) (4) que segue princípios socialmente aceitos (4.1) que denota bons
costumes, boa conduta, segundo os preceitos socialmente estabelecidos pela
sociedade ou por determinado grupo social (4.2) que denota honestidade; correto
(4.3) que ensina, educa; edificante
substantivo masculino
(5) estado de espírito (5.1) disposição de espírito que uma pessoa apresenta para
agir com maior ou menor vigor diante de circunstâncias difíceis; espírito de luta
(5.2) sentimento de confiança; coragem
substantivo feminino
(6) conjunto de valores como a honestidade, a bondade, a virtude etc.,
considerados universalmente como norteadores das relações sociais e da conduta
dos homens (6.1) conjunto das regras, preceitos etc. característicos de
determinado grupo social que os estabelece e defende (6.2) conjunto dos
princípios, ger. virtuosos, adotados por um indivíduo, e que, em última análise,
norteia o seu modo de agir e pensar (7) Rubrica: filosofia. cada um dos sistemas
variáveis de leis e valores estudados pela ética (disciplina autônoma da filosofia),
caracterizados por organizarem a vida das múltiplas comunidades humanas,
diferenciando e definindo comportamentos proscritos, desaconselhados,
permitidos ou ideais (8) Rubrica: filosofia. parte da filosofia que estuda o
comportamento humano à luz dos valores e prescrições que regulam a vida das
sociedades; ética (9) Derivação: por metonímia. obra ou tratado sobre a moral (10)
qualquer teoria, doutrina (não necessariamente defensora de um padrão de
comportamento) que se fundamenta em certos princípios (11) Regionalismo: Brasil.
Uso: informal. capacidade de se impor, de influenciar ou ter ascendência,
hegemonia sobre outrem [lat. moraális,e 'moral, relativo aos costumes'] (DEH)
Nessas definições, o que surge como mais marcante é nenhuma delas conter a noção
de ação. Neste sentido, apresentam uma estaticidade, ou seja, uma ausência de ânimo (lat.
anìmus,i (f. masc. de anima): 'princípio espiritual da vida intelectual e moral do homem, vida, alma,
princípio vital, espírito, razão, bom senso, senso comum, pensamento, intenção, disposição, vontade,
inclinação, qualquer movimento impetuoso da alma, paixão, desejo';
15
ver anim(i/o)-, DEH).
Carecem, portanto, de algo que as aproxime da vida, daquilo que pulsa, age e acontece,
apresentando-se como que isentas de afetos, não contemplando nenhum tipo de afetabilidade
ou disponibilidade afetiva. Nessa perspectiva de carecentes de paixões implica-se o sentido de
criação humana para ser freio para as paixões ilusionantes da razão.
Além disso, os valores prescritos pela sociedade e/ou selecionados por nós
mesmos – e por isso a preservação e a extensão de nosso ser moral – muitas
vezes colidem com os nossos sentimentos particulares. A maior parte do tempo
(mas de nenhuma maneira o tempo todo) este conflito se torna consciente como
tensão entre “verdadeiro”, “saber”, “verdade” de um lado e sentimentos do outro.
Um tal conflito ocorre, antes de tudo, em nossa avaliação de outros. Em nossas
avaliações nós nos esforçamos rumo a “objetividade”, rumo a “justiça”, ou pelo
menos fingimos fazê-lo. “Apesar de que eu odeio X, tenho que conceder que ele
se portou de maneira irrepreensível neste caso”. Ou: “meu pai estava certo
quando ele ralhou comigo”. Certamente, apesar do fato que este conflito pode se
tornar consciente como sendo de saber versus sentimento, não pretendo inferir
que “saber” ou “verdade” estão destituídos de envolvimento (de sentimentos).
Pelo contrário, só podemos aproximar-nos de “imparcialidade” e “probidade” se
estivermos, direta ou indiretamente, envolvidos em imparcialidade e probidade.
Diretamente envolvidos se amamos justiça, se experienciamos imparcialidade
como um valor pessoal; indiretamente envolvidos se sabemos que podemos obter
o respeito de outros (sempre importante para o Ego) somente pela nossa
avaliação imparcial, por probidade (Heller, 1979, p.14).
A reflexão sobre estas questões remeteu-me à história de Moisés. Após ter estado no
Monte Sinai por um tempo, recebendo de Deus leis, ensinamentos e preceitos, redundantes
nos Dez Mandamentos, ele desceu as encostas do Monte e, ao ver seu povo cultuando um
bezerro de ouro feito por Arão, “acendendo-se-lhe a ira, arrojou das mãos as tábuas e
quebrou-as ao pé do monte” (BÍBLIA, Êxodo:33:19). Ora, um dos preceitos que Moisés
recebera consistia em não cultuar imagens; além disso, o bezerro havia sido “confeccionado”
com ouros recolhidos do povo que, lançados no fogo, formaram a imagem. Algum tempo
depois, Moisés voltou ao topo do Monte para novamente buscar outras tábuas com os Dez
Mandamentos. A esse respeito, Agnes HELLER comenta: “Mais tarde, no entanto, ele sobe a
montanha para obter novas tábuas. Terá sido por ter ficado pensando? Não! Foi por sua
15
Grifos meus.
paixão dominante ter sido seu amor pela lei e por Deus, e pelo fato disto ter se tornado
senhor sobre sua ira.” (HELLER, 1979, p. 14).
Compreendendo os dez mandamentos como uma das mais antigas proposições em
termos de ética e moral, a reação de Moisés pode parecer quase que arquetípica, precursora e
criadora de uma jurisprudência de comportamentos até atuais. Metaforicamente, autores,
cientistas e pensadores que se dedicam a estudar, criar e compor uma ética estariam no alto
dos Montes Sinais acadêmicos. Quando esses portadores procurariam levá-la para o povo,
defrontar-se-iam com barbáries cometidas contra ela e, lançando ao chão sua carga,
despedaça-la-iam pela sua ira. O passo seguinte seria abandonar qualquer tentativa de
“etificar” seu povo, ou, mais simplesmente, juntarem-se a eles já que não podem combatê-los
(as figuras públicas são um exemplo disso). À exceção, são abnegados compelidos à repetição
(tanto cultivadores quanto mensageiros da ética), cegos pela pureza de suas intenções, pela
fidelidade àquilo que consideram inquestionável, apesar das claras evidências de que seus
intentos caem no vazio. Contudo, nessa queda não se angustiam, apesar de impossibilitados
de emprestar às suas empreitadas o ânimo capaz de viabilizá-las num tal universo duro, bruto,
inóspito, em que reina, soberano, o culto ao bezerro de ouro. Assim, retomo, agora, uma
direção já apontada no Capítulo 2, ao perguntar: “Então, a que ética recorrer senão à
‘própria’?”
Penso numa “sociedade de caramujos”. Cada qual carrega consigo sua habitação nas
costas, podendo decidir o que e como fazer no território sob sua jurisdição, ou seja, sua casa,
sua morada, seu assento. Justa em si mesma, a morada do caramujo não possibilita nem a
presença nem a acolhida de mais ninguém. A morada é sagrada
(do L. sacer, sagrado, raiz
também vista em sanus, são, e no Gr. saos, seguro, são, WEB)
. Lentamente, os caramujos vão
escorregando pela sua existência, encontrando-se com outros caramujos, relacionando-se com
alguns, desentendendo-se com outros, reproduzindo-se, trabalhando. Suas moradas “éticas”
contêm tudo o que precisam para conviver com os outros; autônomos, fazem o que querem,
vivem segundo seus próprios princípios. Poderia este ser um retrato possível de uma grande
parte da sociedade ocidental de nossos tempos?
Per-seguindo essa metáfora da sociedade de caramujos, o que é que lhes
permitiria conviver de uma forma razoavelmente harmoniosa e com o mínimo
possível de confrontos, violência, assassinatos, corrupção, para citar apenas
algumas mazelas do cotidiano humano contemporâneo? Considerando-se que cada
sujeito abriga, em seu habitáculo, sua ética, originária de sua experiência pela vida,
o que poderia estar lhe faltando?
Encontro em ANDRADE e MORATO (2004, p. 5-6) um pensar próximo ao
meu.
Na presente reflexão, o conceito de Ética será utilizado com uma significação
bastante diferente. As concepções descritas acima serão consideradas aqui como
exemplos de uma Moral. Ao longo desta análise, Ética se referirá mais
propriamente a etimologia de éthos (que, originariamente, significava assento,
morada), designando posturas existenciais e/ou concepções de mundo capazes de
dar acolhimento, assento ou morada à alteridade. Acolhimento à diferença
produzida na processualidade que não se deixa capturar ou reduzir a ideais ou leis
de conduta. Não se trata aqui de negar os valores como vetores de uma sociedade,
mas de instituir valores ‘supra-morais’ tanto no nível das sensibilidades, quanto no
do pensamento; uma nova maneira de sentir e pensar que não se baseia ‘em
supostas verdades fixas e gerais’, mas acolhe a vida em sua contínua
processualidade e transformação. Trata-se de uma serenidade frente à
multiplicidade, ao acaso, àquilo que nos transforma sem nos darmos conta; o
avesso dos valores morais, que supõem uma ordem natural e imutável do mundo.
Nessa direção, o que faltaria à “sociedade de caramujos” seria respeito,
condição indispensável para que a ética possa ocupar o lugar pertinente na vida de
qualquer sujeito. Assim, fui consultar o verbete.
respeito
(1) ato ou efeito de respeitar(-se) (2) sentimento que leva alguém a tratar outrem
ou alguma coisa com grande atenção, profunda deferência; consideração,
reverência (3) obediência, acatamento (4) modo pelo qual se encara uma questão;
ponto de vista (5) o que motiva ou causa alguma coisa; razão (6) relação,
referência (7) estima ou consideração que se demonstra por alguém ou algo (8)
sentimento de medo; receio (9) homenagens, cumprimentos [lat. respectus,ús
'ação de olhar para trás; consideração, respeito, atenção, conta; asilo, acolhida,
refúgio'; ver espec-] (DEH)
Considerando que respeito refere-se a ação de olhar para trás, atenção,
acolhida, refúgio, percebe-se uma íntima aproximação à ética como morada,
referência originária para o agir. Implicaria num re-torno à referência própria como
modo pertinente para o “abrir mão para lançar-se”, apontado no final do item 2.2.
Desse modo, pode-se pensar que não é possível ser ético se não se respeita a si
mesmo e se não for respeitado entre os outros. Não é possível encontrar-se com a
ética alheia se não houver respeito próprio. Acredito que o valor supra-moral (e
supra-ético), que ANDRADE e MORATO propõe ser instituído, refira-se justamente a
isso.
Neste ponto, o caramujo pode começar a agir de vários modos, já que o
vocábulo respeito admite-se, como uma de suas formas, enquanto verbo
(classe de
palavras que, do ponto de vista semântico, contêm as noções de ação, processo ou estado,
e, do ponto de vista sintático, exercem a função de núcleo do predicado das sentenças;
predicador. DEH). Já o vocábulo ética só existe sob a forma de substantivo (classe de
palavras com que se denominam os seres, animados ou inanimados, concretos ou
abstratos, as coisas ou partes delas, os estados, as qualidades, as ações, objetos, porções,
sentimentos, sensações, fenômenos, etc., funcionando na frase como: sujeito; predicativo
do sujeito; aposto; objeto direto, objeto indireto; agente da passiva e adjunto adverbial.
DEH)
. Respeito retiraria da ética aquele caráter de dificuldade de ser acessível a
grande parte dos homens. Respeito garantiria à ética seu sentido. Respeito
permitiria o resgate e a defesa da cidadania. Respeito permitiria ao caramujo dar,
serenamente, acolhida, asilo e refúgio ao seu diferente, sem que tenha que se
espremer, cedendo parte de seu habitáculo ao outro. Respeito poderia ser uma
abertura na direção inversa ao relativismo ético e moral, como aquele encontrado
entre (sociedades) marginais, que parece apontar-se como ideal a ser atingido, na
medida em que, fazendo o que desejam por crerem ser justo, esbarram no e
destroem o desejo (de sobreviver) de outros. Respeito permitiria ao caramujo ações
no mundo real. Respeitar é ética em ação. Respeitar permite ao ser humano
encontrar-se no encontrar-se do outro: dis-ponibilidade afetiva como Befindlichkeit
(GENDLIN, 1978-79), discutido adiante.
Pesquisar tem seus percalços, mas também tem suas gratificações. Com
certeza encontrar respeito, e a multiplicidade de sentidos do elemento de
composição espec-, foi uma delas. Assim, poder-se-ia examinar respeito, agora pela
sua des-construção: re-spec.
espec-
elemento de composição
antepositivo, de uma raiz i.-e. *spek- 'olhar com atenção, contemplar, observar',
representada em lat. sob as f. spec, spic (por apofonia) e spect (com alongamento
por t), já por um voc. raiz -spex,icis, us. como segundo termo de comp.
conservados principalmente na língua augural: auspex, (h)aruspex etc. (ver
auspic-
,
haru-
e
-spício
), já pelo v. *specìo,is,spexi,spectum,specère 'perceber, olhar' (que
praticamente só ocorre em compostos), dos quais derivam: 1) specìes,ei 'aspecto,
aparência, forma, figura; vista, espetáculo, imagem; aspecto, fantasma; bela
aparência, beleza' (donde speciósus,a,um 'belo, formoso'); 'pretexto, falsa
aparência' (p.opos. a res 'a realidade'); 'gênero, espécie' (donde o lat.imp.
speciális,e 'particular, especial' e o lat.tar. specifìcus,a,um 'específico, que
determina a espécie'); 'mercadorias classificadas por espécies, drogas,
especiarias'; 2) os subst. specùla,ae 'lugar de observação, atalaia; lugar elevado,
altura, serra, torre etc.', donde o v. depoente specùlor,áris 'observar de lugar alto,
estar de atalaia, estar de sentinela; estar com os olhos em, observar; seguir com
os olhos, olhar, considerar; espreitar, espiar, observar (as ações alheias), fazer de
espião' (com os der. speculátor,óris 'observador; batedor, explorador, espião; vigia,
vigilante', speculatorìus,a,um 'de espião', speculatìo,ónis 'espionagem; o que vem
contar um espião; contemplação', lat.tar. speculabìlis,e 'posto à vista, visível'),
specùlum,i 'espelho' (com os der. speculáris,e 'de espelho; transparente',
speculátus,a,um 'em que há espelhos, ornado de espelhos', specillum,i 'sonda;
espelho pequeno'), specìmen,ìnis 'indício, marca; exemplo, modelo; imagem' e
spectrum,i 'visão, espectro, fantasma, imaginação'; 3) o v. freqüentativo
specto,as,ávi,átum,áre 'olhar repetidas vezes, contemplar, observar atentamente,
ter os olhos fixos em' (ver
espreit-
), com os der. spectabìlis,e 'que está à vista,
visível, notável', spectacùlum,i 'vista, aspecto, espetáculo; jogos públicos; lugares
num espetáculo, camarotes; teatro', spectatìo,ónis 'ação de olhar, de ver; o olhar
para, consideração; distinção', spectátor,óris 'contemplador, observador;
espectador (no teatro); o que observa, examina; conhecedor, perito, bom julgador',
spectatívus,a,um 'especulativo, contemplativo, teórico'; 4) adjetivos com sentido
passivo em -uus (conspicùus,a,um 'exposto aos olhos, visível; distinto, ilustre',
perspicùus,a,um 'transparente, diáfano, que permite ver através; claro, evidente,
manifesto') e com sentido ativo em -ax (perspìcax,ácis 'clarividente, penetrante,
agudo, inteligente, perspicaz ', suspìcax,ácis 'suspeitoso, desconfiado'); 5)
diversos v. prefixados em -spicìo, -spìcis, -spexi, -spectum, -spicère (com
freqüentativos em -spectare e der. nominais - ver
-speto
), entre os quais: aspicìo,is
e aspecto,as 'olhar para', circunspicìo,is e circunspecto,as 'olhar em torno',
conspicìo,is 'olhar, considerar', despicìo,is e lat.imp. despecto,as 'olhar de alto a
baixo', exspecto,as 'esperar', inspecìo,is 'olhar em' e inspecto,as 'examinar',
introspicìo,is e introspecto,as 'olhar no interior', perspicìo,is 'olhar através' e
perspecto,as 'examinar atentamente, olhar até o fim', prospicìo,is e prospecto,as
'olhar adiante, ver diante de si; divisar', respicìo,is 'olhar para trás' e
respecto,as 'tomar em consideração', suspicìo,is e suspecto,as 'olhar de baixo
para cima, elevar o pensamento para, suspeitar'; note-se que a referida raiz i.-e.
*spec- está representada tb. em germ. (ver
1
espi)
; a cognação vern.,
extremamente rica, apresenta el. cultos e vulg., desenvolvendo-se desde as orig.
do idioma: aspectável, aspectividade, aspectivo, aspe(c)to, aspectual,
aspectualidade; aspiciência, aspiciente; circunspe(c)ção, circunspe(c)cionar,
circunspe(c)to; conspe(c)ção, conspe(c)to/conspeito, conspicuidade, conspícuo;
despeitado, despeitador, despeitamento, despeitar, despeito, despeitoso;
despiciendo, despiciente; desrespeitabilidade, desrespeitado, desrespeitador,
desrespeitar, desrespeito, desrespeitoso; espécia, especiabilidade, especiação,
especiador, especial, especialidade, especialismo, especialista, especialístico,
especialização, especializado, especializador, especializamento, especializante,
especializar, especializável, especiamento, especiar, especiaria, especiário,
especiável, espécie, especieiro, espécies, espécie-tipo, especificação,
especificado, especificador, especificante, especificar, especificativo, especificável,
especificidade, especificismo, especificista, especificístico, específico;
especilho/especilo; espécime/espécimen, especione, especiosidade, especioso,
espe(c)tacular, espe(c)tacularizar, espe(c)taculização, espe(c)táculo,
espe(c)taculosidade, espe(c)taculoso, espectador, espectar, espectável;
espeitamento, espeitar; espe(c)tral, espe(c)tralidade, espe(c)tralizar,
espe(c)treliografia/espe(c)troeliografia/espe(c)tro-heliografia, espe(c)treliográfico/
espe(c)troeliográfico/ espe(c)tro-heliográfico,
espectreliógrafo/espe(c)troeliógrafo/espe(c)tro-heliógrafo,
espe(c)treliograma/espe(c)troeliograma/espe(c)tro-heliograma, espe(c)trificar,
espe(c)trismo, espe(c)tro, espe(c)trobolômetro, espe(c)trocolorimetria,
espe(c)trocolorimétrico, espe(c)trocolorímetro, espe(c)trofotografia,
espe(c)trofotográfico, espe(c)trofotograma, espe(c)trofotometria,
espe(c)trofotométrico, espe(c)trofotômetro, espe(c)trografia, espe(c)trográfico,
espe(c)trógrafo, espe(c)trograma, espe(c)trologia, espe(c)trológico,
espe(c)trometria, espe(c)trométrico, espe(c)trômetro, espe(c)tronatrometria,
espe(c)tronatrômetro, espe(c)tropolarímetro, espe(c)tropolarizador,
espe(c)troquímica, espe(c)troscopia, espe(c)troscópico, espe(c)troscópio,
espe(c)troscopista, espe(c)trotelegrafia, espe(c)trotelegráfico, especula,
especulação, especulador, especular, especulária, especularita, especulativa,
especulativo, especulatória, especulatório, especulífero, especulita/especulite,
espéculo; espelhação, espelhadiço, espelhadio, espelhado, espelhador,
espelhamento, espelhante, espelhar, espelharia, espelhável, espelheiria,
espelheiro, espelhento, espelhim, espelho, espelho-da-pá, espelho-de-vênus,
espelho-do-corte; expe(c)tação, expe(c)tador, expe(c)tante, expe(c)tantismo,
expe(c)tar, expe(c)tativa, expe(c)tatório, expe(c)tável; extrospe(c)ção,
extrospe(c)tivo; inspe(c)ção, inspe(c)cionado, inspe(c)cionador,
inspe(c)cionamento, inspe(c)cionar, inspe(c)cionável, inspe(c)tor, inspe(c)torado,
inspe(c)toria, inspe(c)tório; inspe(c)trar, insuspeição, insuspeitado, insuspeitável,
insuspeito, insuspeitoso; introspe(c)ção, introspe(c)cionismo, introspe(c)cionista,
introspe(c)cionístico, introspe(c)tivismo, introspe(c)tivista, introspe(c)tivístico,
introspe(c)tivo; irrespeitável, irrespeito, irrespeitoso; perspé(c)tico,
perspe(c)tiva, perspe(c)tivação, perspe(c)tivado, perspe(c)tivante, perspe(c)tivar,
perspe(c)tivável, perspe(c)tívico, perspe(c)tividade, perspe(c)tivismo,
perspe(c)tivista, perspe(c)tivístico, perspe(c)tivo, perspe(c)tografia,
perspe(c)tográfico, perspe(c)tógrafo, perspe(c)tômetro, pérspex, perspicácia,
perspicacidade, perspicacíssimo, perspicaz, perspicuidade, perspícuo;
prospe(c)ção, prospe(c)tar, prospe(c)tiva, prospe(c)tivismo, prospe(c)tivista,
prospe(c)tivístico, prospe(c)tivo, prospe(c)to, prospe(c)tor; respe(c)tivo,
respeitabilidade, respeitado, respeitador, respeitante, respeitar, respeitativo,
respeitável, respeitivo, respeito, respeitoso, respício; retrospe(c)ção,
retrospe(c)tiva, retrospe(c)tividade, retrospe(c)tivo, retrospe(c)to; subespécie,
subespecificação, subespecificador, subespecificante, subespecificar,
subespecificável, subespecificidade, subespecífico; superespecialização,
superespetacular, superespetáculo; suspeição, suspeita, suspeitado, suspeitador,
suspeitar, suspeitável, suspeito, suspeitosidade, suspeitoso; suspicácia,
suspicacidade, suspicacíssimo, suspicaz
16
(DEH)
Parece significativo ressaltar e agrupar alguns sentidos encontrados nesse verbete por,
de alguma forma, contemplarem o modo como vem sendo apresentadas as questões de uma
possível articulação entre saúde e educação numa perspectiva de sua dimensão ética. Assim,
destacam-se
olhar com atenção, contemplar, estar com os olhos em, posto à vista, visível, indício, marca,
ação de olhar, de ver, o olhar para, consideração, distinção, ver através, claro, evidente,
manifesto, agudo, perspicaz, olhar, considerar, olhar através, olhar adiante, ver diante de si,
olhar para trás, desrespeitabilidade, desrespeitar, especial, especiar, especiável,
espe(c)taculosidade, espe(c)taculoso, espectador, espectar, espectável, espe(c)tro,
especulativo, espelhante, espelhar, extrospe(c)tivo, introspe(c)tivo, irrespeito, perspé(c)tico,
perspe(c)tiva, perspe(c)tivo, prospe(c)tivo, respeitabilidade, respeitado, respeitador,
respeitante, respeitar, respeitativo, respeitável, respeitivo, respeito, respeitoso, retrospe(c)tivo.
Tanto a prática de saúde quanto a de educação percorrem o olhar com atenção àquilo
que se faz visível por marcas ou indícios, a fim de que se contemple, por essa ação de ver
perspicazmente, o manifesto e olhá-lo através de consideração. Implica em especiar aquilo
que se evidencia como especial espectável como algo que espelha, retrospectiva e
prospectivamente, uma outra perspectiva de considerar algo outro como possível. A ação
educativa e a prática clínica como intervenção compreendem esse modo de ser de se fazer vir
entre o que se mostra como instigante. Atenção, acolhimento e cuidado poderiam constituir-se
como, a partir de um estar com olhos em algo ou alguém, olhar para trás para ver adiante e
diante de si a marca do que merece ser considerado com re-spe(c)itabilidade na sua
espectaculosidade. Ambas dizem de uma ação ética, com atenção e cuidado.
16
Grifos meus.
Quero, aqui, enfatizar que, pelo compreendido até este ponto, na minha óptica,
respeito seria condição para originar qualquer carta de princípios, ética ou moral, partindo-se
do real sentido da experiência. A leitura que faço daquilo que me circunda (minha realidade, a
realidade de minha cidade, de meu estado, de meu país, do mundo, as informações que recebo
através de diferentes mídias), revela quanto falta de respeito, quanto des-re-spe(c)ito existe
entre os homens. Acredito mesmo que se trata de um des-re-speito para com as diversas
formas de manifestação de dignidade do sujeito, ameaçado de não ser visto de novo por uma
gama de lados ou perspectivas diferentes. De onde angariar segurança se não há
respeito/referência pela dignidade? (E, infelizmente, é preciso que se diga que isto começa
pelo Estado... e termina no vizinho). Avizinho-me, pois, do verbete com respeito.
17
dignidade
lat. dignìtas,átis 'merecimento, valor, nobreza'; ver dign(i)-
dign(i)-
elemento de composição
antepositivo, do lat. dignus,a,um 'digno de, conveniente a; que merece; justo, honesto', cog.
do v.lat. decet,bat,uit,ére 'convir' (ver dec-) e semanticamente conexo com o gr. áksios,a,on
(ver axio-); ocorre em voc. já orign. latinos, já formados à sua feição, introduzidos no vern.
a partir do sXIII: dignação, dignante, dignar, dignável, dignidade, dignificabilidade,
dignificação, dignificado, dignificador, dignificante, dignificar, dignificativo,
dignificatório, dignificável, digníssimo, dignitário; ocorre tb. em formas pref.:
condignidade, condigno; dedignabilidade, dedignação, dedignado, dedignador,
dedignante, dedignar, dedignável; indignação, indignado, indignante, indignar,
indignativo, indignatório, indignável, indignidade, indignificação, indignificado,
indignificante, indignificar
, indigno, indignoso; a cognação inclui ainda desdém e
derivados, ver desden-
18
(DEH)
concentrando-me nos elementos de composição que merece, justo, dignificabilidade,
condigno,
percebo que se referem a algo do humano que diz de seu valor e de seu
modo de ser na justeza e na conveniente propriedade. Novamente a questão do
respeito parece estar implicada, principalmente se se fizer uma remissão ao
semanticamente conexo com o gr. áksios,a,on (ver axio-) elemento de composição,
antepositivo, do gr. áksios,a,on 'ponderável, valioso; digno, que merece; conveniente';
e
ainda a (ver dec) elemento de composição; antepositivo, do v.lat. dècet,decébat,decuit,ére
'convir, ser conveniente, decente, decoroso'; a decet ligam-se os subst. decus,òris 'ornato,
enfeite' e decor,óris 'decência, decoro', e o adj. dígnus,a,um 'digno de, conveniente a' (ver
dign(i)-
) (DEH). Nessa medida, a ausência dessa propriedade entre os homens
revela-se como uma possibilidade de perda de sentido.
Sem dúvida, no contato cotidiano, pessoas têm se queixado das incertezas e de como
se sentem inseguras, ameaçadas, ansiosas, angustiadas (lat. angustìa 'curteza, brevidade; carestia,
17
Para uma idéia do des-respeito na atualidade, veja a Declaração Universal dos Direitos Humanos,
no Anexo 2
18
Grifos meus.
escassez, misérias, apuro; desfiladeiros', de angustus,a,um 'estreito, apertado; curto de pouca duração',
de angère 'apertar, afogar, estreitar'; ver ang-, DEH)
. Curteza, brevidade, carestia, escassez,
misérias, apuros, desfiladeiros a serem transpostos, parecem caracterizar os males deste
Zeitgeist,
19
no qual os sujeitos (lat. subjectus,a,um 'posto debaixo, colocado, situado abaixo'; 'posto
diante, exposto a; subordinado, submetido, sujeito, dependente; que está à mão, à disposição, que está
pronto; acrescentado, colocado depois; colocado perto, próximo, vizinho; substituído, falsificado;
levado para cima')
estão sendo submetidos a diversos tipos de asfixia (gr. asphuksía,as 'falta de
pulso, asfixia', de a- 'privação, negação' + gr. sphúksis,eós 'batimento do pulso')
, para que suas
pulsações/paixões/afetação baixem. E os agentes asfixiantes não estão preocupados se a dose
de asfixia que promovem for letal, visto que ela estaria eliminando “apenas mais um”.
Vulgarização e banalização do sujeito e de sua vida são formas do des-respeito atual entre
homens.
O conceito respeito trata da forma como se age em contato com o diferente
(lat. diffèro,differs,distùli,dilátum,differre 'espalhar, semear, espedaçar, agitar, abalar, difamar,
retardar, dilatar, diferir', DEH)
. Assim, tendo em vista a etimologia de diferente, não é
difícil compreender o quanto o diferente atrapalha, incomoda, pois implica em
implícita perda de controle. Uma das formas mais eficientes de não dar ao diferente
este poder, é desconsiderar, desrespeitar sua diferença por exclusão, ignorando-o.
Deixar de confirmar (lat. confirmo,as,ávi,átum,áre 'fortificar, consolidar, confirmar', DEH)
alguém, des-confirmá-lo é, sem dúvida, um eficiente mecanismo de controle, ou
descontrole, dependendo da perspectiva pela qual se examine a questão, bem como
uma das mais contundentes formas de agressão entre os homens. ARENDT (2001,
p. 12), discutindo a condição de con-vivência humana, diz:
E tudo que os homens fazem, sabem ou experimentam só tem sentido na
medida em que pode ser discutido. Haverá talvez verdades que ficam além
da linguagem e que podem ser de grande relevância para o homem no
singular, isto é, para o homem que, seja o que for, não é um ser político.
Mas os homens no plural, isto é, os homens que vivem e se movem e agem
neste mundo, só podem experimentar o significado das coisas por poderem
falar e ser inteligíveis entre si e consigo mesmos.
Pode-se pensar que o termo público, para ARENDT (2000 e 2001), significa,
primordialmente, o âmbito em que o homem ganha aparência, podendo, portanto,
ser visto e ouvido por todos e por si mesmo, na medida em que se mostra no seu
19
Zeitgeist, de Geist=espírito e Zeit=tempo, indicando o espírito vigente em determinado tempo
histórico. N. do A.
dizer e agir. Para ela, esse aparecer é o que constitui a realidade do homem e do
mundo. Isto porque a esfera pública implica em consistência, visibilidade e
estabilidade à palavra e à ação do homem que, por serem factuais, são tão
efêmeras e transitórias. Nesse sentido, vida ativa, para ARENDT (2000), refere-se
ao fazer no mundo onde homens vivem juntos, à experiência humana realizada no
percurso da existência. Nesse sentido, ação, na ótica arendtiana, aproxima-se de
práxis em BENJAMIN (1985), por referir-se aos negócios humanos, finitos, e não ao
lugar da atividade política no sentido usual do termo.
Assim, a fim de encerrar, neste momento, uma possibilidade de aproximação
entre saúde e educação, seria válido consultar o verbete negócio, para buscar uma
vereda para essa articulação. A perspectiva orienta-se pelo sentido comunicado por
ARENDT e BENJAMIN acima.
negócio
trato mercantil; comércio (2) local onde se realiza esse trato; loja, empresa, casa
comercial (3) assunto de interesse empresarial e financeiro (4) assunto a ser
resolvido; pendência (5) algo de que não se sabe ou não se lembra o nome;
qualquer coisa (6) transações comerciais, contratos, ajustes, acordos entre
pessoas, empresas ou países [
lat. negotìum,ìi 'ocupação, trabalho'; ver oci-]
oci-
elemento de composição
antepositivo, do lat. otìum,ìi 'tempo de repouso, lugar de repouso, retiro, lazer,
inação' (p.opos. a negotium 'ocupação, trabalho; embaraço, dificuldade'); 'paz,
tranqüilidade' (p.opos. a bellum 'guerra' - ver
bel(i/o)-
);
20
a cognação lat. inclui
otiósus,a,um 'ocioso, desocupado; tranqüilo, calmo', lat.tar. otiosìtas,átis
'ociosidade; vagar, horas vagas', inotiósus,a,um 'não desocupado, sempre
ocupado' (trad. de Quintiliano [c30-c100] para o gr. áskholos, ver
escol-
),
negotìum,ìi (< nec + otium) 'ocupação, negócio', donde 'dificuldade, embaraço;
coisa, caso'; por eufemismo designa 'coisa ou ato que não se queira nomear
expressamente' (donde os der. negotiári 'comerciar, negociar; ser negociante,
traficar', negotiátor,óris 'negociante, banqueiro; empreendedor, especulador;
comerciante', negotiatìo,ónis 'negócio, comércio, trato comercial; banco, função de
banqueiro', negotìans,antis 'negociante, banqueiro', negotiális,e 'relativo a um
negócio; prática', negotiósus,a,um 'ocupado com muitos negócios, azafamado,
atarefado; embaraçoso, difícil'; a cognão vern. desenvolve-se desde as orig. da
língua: inegociabilidade, inegociável; inociosidade, inocioso; irrenegociabilidade,
irrenegociável; negociabilidade, negociação, negociado, negociador, negocial,
20
bel(i/o) do lat. bellum, ‘guerra’ e bon- elemento de composição: antepositivo, do lat. bonus,a,um
'bom, boa' (cujo comparativo e superlativo são de outra raiz, melìor e optìmus, ver
melh-
e
op-
), que
se opõe a malus,a,um (ver
mal-
); o adv. lat. bene 'bem' e seu der. benignus,a,um 'bom de natureza',
bem como o adj. bellus,a,um 'belo, bela, bonito, bonita', pertencem à mesma raiz; são da mesma
cognação: 1) do rad. bon-, port. boa (e comp. como boa-fé, boa-formação etc.) (DEH).
negocialidade, negociamento, negociante, negocião, negociar, negociarrão,
negociata, negociável, negócio, negocioso, negocismo, negocista, negocístico;
ócio, ociosidade, ocioso; renegociabilidade, renegociação, renegociado,
renegociador, renegociar, renegociável
21
(DEH)
Novamente, destacando apenas alguns elementos, podem-se apontar: acordo entre
pessoas, tempo de repouso, lugar de repouso, retiro, lazer, ocupação, trabalho, paz, tranqüilidade,
tranqüilo, calmo, não desocupado, sempre ocupado, relativo a um negócio, prática, negociabilidade,
negociar, negociável, renegociável.
Na medida em que saúde e educação dizem respeito à práxis
humana na con–vivência, tratam de acordos entre pessoas, pré-ocupadas em promover uma
ambiência de dignibilidade para o bem estar merecido dos homens, respeitando,
negociavelmente, uma política para o tempo conveniente entre lazer, propriciador de
tranqulidade e paz (ócio) e ocupação (eskol) e trabalho.
Nessa especulação, saúde e educação podem se aproximar, apesar de diferentes.
Podem se aproximar mantendo sua diferença, com ou sem re-spe(c)ito. Sem respeito, de-
batem-se sem sentido. Com respeito, podem constituir-se como casal (aquele que constitui
casa, morada), referência pertinente de ética a partir da delimitação da propriedade de cada
um. Desse modo, a ação originária de tal ambiência ética apresentar-se-ia como pertinente aos
negócios humanos: política responsável pela manutenção do sujeito e de sua existência em
con-vivência. Educa-são poderia vir a denominar-se vitagogia (de vitalis, vida, + agein,
conduzir)?
2.4 Gestaltpedagogia
O termo “Gestalt” não pode ser descrito através de um único
termo do idioma inglês. Ele cobre uma série de termos
aparentados, como aparição, forma, figura, configuração,
unidade estrutural, uma totalidade que é mais, ou algo
diferente, que a soma de suas partes. Uma figura emerge do
fundo, ela “existe”, e a relação entre esta figura e seu fundo é
aquilo a que denominamos de “sentido”. Se esta relação for
apenas fraca, ou não existir, ou se nós – seja por qual razão
(cultural, pedagógica) for – não estivermos em condições de
reconhecê-la, diremos: “Isto não tem sentido”, é absurdo,
bizarro, sem significado (PERLS, L., 1989, p. 97)
Falar da Gestalt (entenda-se Psicologia da Gestalt, Gestalt Terapia e
Gestaltpedagogia) é falar de mim mesmo. Meu primeiro contato com ela se deu a
partir da proposta de tradução de um livro (BUROW & SCHERPP, 1985) que, na
21
Grifos meus.
medida em que eu avançava na tarefa, cada vez mais me encontrava. Era uma
sensação muito estranha de dèjá vu, que eu simplesmente não entendia. Por ter
sido eu aluno de uma escola de orientação antroposófica, cheguei a escrever para
um dos autores do livro, Olaf-Axel Burow, explicando-lhe a questão e perguntando
se ele também reconhecia semelhanças entre as propostas da Gestaltpedagogia e
da Antroposofia. Sua resposta foi positiva, dizendo que a prática era semelhante,
mas que as fundamentações eram totalmente diferentes.
Somente um bom tempo depois, lendo uma biografia de Fritz Perls, é que fui
entender o que se passava. Há uma grande coincidência entre a vida de meu avô
paterno e a dele. Os dois foram contemporâneos. Ambos nasceram na Alemanha
em 1893, faleceram em 1970, participaram como soldados alemães da primeira
guerra mundial, se formaram médicos pela mesma universidade. Ambos tinham
ascendência judaica, gostavam da boemia, eram irreverentes e sarcásticos, ao
mesmo tempo em que extremamente autênticos em seus comportamentos. Ambos
tiveram que deixar a Alemanha devido ao anti-semitismo. Meu avô, com quem eu
tinha uma relação extremamente próxima e afetiva, nunca falou de Fritz Perls,
apesar de que, com toda a certeza, ter com ele se cruzado nos corredores da
Universidade de Berlin. Na minha fantasia, se tivessem se conhecido, não teriam se
suportado, pois se assemelhavam por demais.
Meu avô era um grande contador de histórias, capaz de narrar, com uma
grande riqueza de detalhes, todos os tempos de sua história de vida, colocando-me,
assim, em contato vivo com o pensamento vigente na Alemanha do início do século
XX, trechos que também compunham o pensar de meus outros avós. Era
exatamente isso que me fascinava nos escritos da Gestalt: originalmente, seus
autores pertenciam ao mesmo Zeitgeist, o espírito do tempo da grande escola
humanista alemã, que tantos filhos pródigos gerou, como Arendt, Benjamin, Buber,
Freud, Goldstein, Heidegger, Husserl, Jaspers, Jung, Koffka, Köhler, Lewin, Mann,
Moreno, Reich, Wertheimer, Wittgenstein, Zweig, para citar alguns. Era uma escola
de pensamento que primava por valores como liberdade, respeito, justiça, dignidade,
criatividade, pluralidade, correção, honradez, fair-play e uma grande preocupação e
respeito com tudo que fosse concernente à vida e à cultura do homem e de sua
humanidade.
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utilizado há cem anos, tem um sentido muito mais amplo, impossível de ser contido
em uma única palavra. Acredito que o segmento de um ensaio de 1931 de Thomas
MANN, denominado “Die Wiedergeburt der Anständigkeit” (“O Renascimento da
Anständigkeit”), no qual ele se defende contra agressões, às quais estava sujeito
pelo fato de ter assinado um manifesto de paz e entendimento juntamente com
intelectuais franceses, possa dar um exemplo da amplitude deste termo. Neste
ensaio diz:
Em nossa Alemanha irracionalmente persuadida se crê que um poeta faça
concessões quando coloca sua palavra a serviço de objetivos tão esclarecedores.
Antes de tudo, se crê imediatamente que ele não sabe nada de nenhum outro,
conhece e incorpora nada além de intelecto e conscienciosidade; pois se confunde
o momento com a vida, uma ação moral com a personalidade da qual provém, se
isola esta ação, pelas partes esquece-se o todo (se é que alguma vez se tenha
tido uma noção deste) e se mantém como certo que, onde uma vontade por razão
e ordem se manifeste, não poderia existir uma criação poética, não poderia jamais
ter existido uma, e seria necessário apenas aparecer com a profunda correnteza
das forças da presunção psíquica para – que oportunidade! – evidenciar toda a
sua supremacia vital sobre o tagarela magro como um caniço (MANN, 1931).
Conto este fragmento de história familiar, não para fazer a apologia desta
escola de pensamento, mas para poder tentar passar adiante a dimensão do meu
envolvimento com a Gestalt e com as proposições e reflexões que propõe. Afinal,
sou brasileiro, muito me orgulho disso, e o trabalho que tenho desenvolvido na
minha trajetória profissional visa fazer com que esses valores, tendo em vista
espaço geográfico e tempo histórico diferentes, possam encontrar um lugar aqui e
em todo mundo.
A Gestalt para mim é mais que uma simples abordagem psicoterapêutica ou
pedagógica; é uma forma de ver e viver o mundo e a vida intensamente. Considero-
a uma referência extremamente potente e útil para trabalhar onde houver relações
humanas, ou seja, na psicoterapia, nas escolas, nas empresas, nos mais diversos
meios sociais, como por exemplo, no trabalho que desenvolvi para a capacitação
profissional de Educadores de Rua. Estou envolvido com a Gestalt seja na vida, seja
ensinando-a, seja utilizando-a para ensinar, seja como psicoterapeuta ou facilitador
de grupos.
Considero a Gestalt Terapia e a Gestaltpedagogia como extremos de uma
mesma polaridade, em cuja faixa central ambas têm importantes contribuições a dar,
uma vez que é objetivo de ambas o crescimento e desenvolvimento humanos. Nas
extremidades da polaridade, encontram-se as especificidades da terapia e da
pedagogia. Por toda essa experiência tácita e explícita, é muito difícil poder
distinguir, com clareza, os limites entre terapia e aprendizagem. E, também por isso,
dedico-me a estudar essa interface entre o terapêutico e o pedagógico, como já dito
nos capítulos anteriores.
Fundada nos princípios norteadores da Gestalt Terapia, concebo a
Gestaltpedagogia como uma espécie de vetor de saúde e educação, pois visa
transmitir conhecimentos necessários à vida, com certo grau de ação enquanto
possibilidade terapêutica. Esse grau é determinado pela dimensão de profundidade
que alcança na estrutura de personalidade da população que atende; restringe-se à
capacitação para o contato do sujeito consigo próprio e para com o meio, não
enveredando pelos meandros do psiquismo, mas abordando e repercutindo
questões relativas à existência. Desta forma, colocando ainda em questão conceitos
existencialistas para sua clientela, promove uma ação psicoprofilática.
Historicamente a Gestalt recebeu, e ainda recebe, severas críticas por ser tida
como uma proposição pouco séria, que promove grandes “happenings”, sem um
respaldo teórico estruturado. Laura PERLS discute as razões disto:
Desafortunadamente, aquilo que é conhecido e praticado nos círculos como
Gestalt Terapia, é principalmente o método que Fritz Perls utilizou nos últimos
anos de sua vida em workshops de demonstração. A dramatização de sonhos, a
identificação com todas as partes do sonho e a dramatização como sendo cada
uma das partes do sonho, é uma forma de demonstração muito impactante, e Fritz
Perls utilizava isto com habilidade e sensibilidade, suportadas por 70 anos de
experiência. A aplicação deste método como “a” técnica psicoterapêutica sem uma
total atenção às necessidades específicas e limitações da situação atual, é
superficial, simplista, mecânica, manipulativa e inautêntica. Um gestalt-terapeuta
não utiliza técnicas; ele utiliza a si próprio numa e para uma situação, com suas
habilidades profissionais e com sua experiência de vida, que ele acumulou e
integrou. Existem tantos estilos terapêuticos quanto existem terapeutas e clientes,
que descobrem a si mesmos e mutuamente, e que inventam sua relação em
conjunto. (PERLS, L., 1989, p 99 - 100)
Atuando como gestaltista há muitos anos nos âmbitos terapêutico e
pedagógico, partilho da opinião de Laura Perls de que a Gestalt não utiliza e não
possui técnicas prescritas. Não me lembro de ter utilizado a mesma “técnica” duas
vezes. As ações são, uma a uma, “confeccionadas sob medida” para o cliente no
momento atual. Este é, para mim, um dos grandes atrativos da Gestalt, pois me
permite permanecer ao que denomino “um passo atrás”, podendo “ler” a situação e
criar intervenções que considere adequadas tanto para o cliente em questão, quanto
coerentes com a complexidade de sua teoria, que sempre fornece um crivo possível.
Se a intervenção que crio passa por este crivo, permito-me utilizá-la. Caso contrário,
procuro alternativas, criando algo diferente, e assim sucessivamente. Além desse
crivo teórico, há um crivo prático: quando vou fazer uma intervenção, pergunto-me a
quem a intervenção interessa; se interessar a mim, mudo, pois ela não diz respeito
ao que se propõe, ao passo que, se interessar ao cliente, executo-a.
Vista por muitos como uma “colcha de retalhos”, a Gestalt é, de fato, uma
abordagem psicoterápica/educacional muito complexa, inspirada em fontes diversas,
porém harmônica e bem estruturada, graças ao trabalho iniciado por Fritz e Laura
Perls, Paul Goodman, e posteriores seguidores e herdeiros. Este caráter
psicoterapêutico/educacional pode ser claramente reconhecido e visto no livro
“Gestalt Terapia” (PERLS, HEFFERLINE e GOODMAN, 1998).
Sempre que perguntado “o que é a Gestalt?”, percebo-me comprometido com
algo do qual nem sei por onde começar, visto serem muitas as “entradas”. Talvez,
um bom começo seja o começo de fato, pela Psicologia da Gestalt, que estuda
profundamente os fenômenos da percepção humana. A seguir, sem dúvida viria a
Teoria Organísmica, proposta por Kurt Goldstein, por apresentar uma visão de
homem e existência de um fantástico alcance, ainda que, por muito tempo, houvesse
sido esquecido, por suas idéias ousadas demais para o seu tempo. Contudo,
recentemente vêm sendo retomadas e muito valorizadas, como pode ser visto na
homenagem que Oliver SACKS presta a ele na introdução de The Organism
(GOLDSTEIN, 1995). Outra influência notável para a Gestalt Terapia é o holismo de
Jan Smuts, filósofo, general do exército sul-africano e um dos fundadores da
organização das Nações Unidas. Mas, não podem ser omitidas as influências da
Teoria de Campo de Kurt Lewin, do Psicodrama de Jacob Moreno, da ênfase na
dimensão das couraças do corpo, advinda da Análise do Caráter de Wilhelm Reich,
bem como da relação dialógica de Martin Buber e das práticas meditativas orientais,
que Fritz Perls foi conhecer e experienciar em suas viagens para o Oriente. Tudo
isto sem deixarmos de considerar o pano de fundo filosófico através da
Fenomenologia e do Existencialismo. Porém, como este trabalho não se propõe a
relatar nem reconstituir a história/trajetória da Gestalt, não entrarei em minúcias.
Para os interessados nessa questão, sugiro a leitura de CLARKSON & MACKEWN
(1993), além da bibliografia constante na seção competente deste trabalho. No
entanto, quero, apenas, ainda ressaltar como os escritos de Carl Rogers foram
preciosos para a compreensão da atitude do gestalt-terapeuta, no sentido de
descobrir a forma própria que cada um como terapeuta tem.
Em 1977, Hilarion Petzold, russo radicado na Alemanha, iniciou um trabalho
de transposição dos princípios gestalt-terapêuticos para uma abordagem
pedagógica, à qual denominou Gestaltpedagogia
22
. Desde meu primeiro contato
com a Gestaltpedagogia, suas proposições me intrigavam, pois chamava a atenção
o fato de que elas pareciam psicoterapêuticas além de pedagógicas. A partir de
então, surgiu um indagação: o cerne de um processo terapêutico não seria o
aprender a estar consigo próprio? Em contrapartida, o cerne de um processo
educativo/pedagógico seria conquistar, a partir desta saúde, uma dignidade para se
poder viver a vida de forma satisfatória, tão digna e prazerosamente quanto fosse
possível dentro do contexto da existência de cada um? Tratar-se-ia da conquista e
manutenção da cidadania, tendo como parâmetro o respeito pelo diferente, o
respeito pelo outro.
Compreendo que poderia ser por este ponto que a Gestalt revelaria seu
caráter político, claramente de inspiração anarquista pela influência de Paul
Goodman na Gestalt. Tal posicionamento rendeu-me muitas críticas: desde um
modo de “psicologização” da escola, até a acusação de que eu estaria propondo a
extinção das clínicas psicoterápicas, pois os alunos de uma tal proposta pedagógica
não teriam, então, mais necessidade de procurar por psicoterapia.
No entanto, minha tentativa, a partir de tal argumento, era apenas ressaltar
como essa proposta poderia implicar a pertinência de conceitos ligados à psicologia
para a escola. Agora, acredito que a significância dessa perspectiva refira-se mais a
uma “despatologização” do psicológico habitual, na medida em que insere, no
cotidiano escolar, práticas que acarretariam um significativo aumento da
possibilidade de o indivíduo prosseguir em sua existência de forma saudável, com
recursos para enfrentar situações de crise futuras.
Como discuti anteriormente, o diferente se torna realmente ameaçador e
sinônimo de perda de controle, fazendo-se, assim, revelador da (im)possibilidade de
respeito por parte de profissionais assustados. Isto poderia ser uma situação para a
inexeqüibilidade da ética, frente a ausência de respeito, pois, para além das
competências e disputas entre os vários profissionais, mostraria um desrespeito,
acima de tudo, para com aquele a quem cuida. Tal fenômeno faz-se presente em
quase todas as interfaces profissionais, podendo ser considerado como seu
22
Para detalhes, ver BUROW & SCHERPP, 1985 e BUROW, 1988.
Leitmotiv (sua razão de ser), quase que invariavelmente, a “ameaça financeira”
individual, característica da vida pós-moderna. Assim, procede pensar-se em
ausência de Anständigkeit.
Constantemente confrontada com questões que tangem tanto a saúde quanto
a educação, a Gestaltpedagogia emergiu como uma alternativa que pretendia
responder a estes fenômenos. Suas proposições teóricas e práticas visam devolver
ao indivíduo a possibilidade de resgate de si mesmo, de forma a poder experienciar,
tanto quanto lhe seja possível, sua vida conforme seus anseios e juízos. Trata-se de
uma proposta pedagógica que propõe que o aprendizado ocorra pelo experienciar
de si mesmo, do mundo, dos recursos pessoais, conduzindo à conscientização e
auto-conhecimento.
Como forma de comunicar essa proposição, aprento, abaixo, o Modelo
Didático da Gestaltpedagogia, segundo BUROW, QUITMANN e RUBEAU (1987, p.
27). Note-se que há três circunferências, representando as três esferas nas quais
acontece a aprendizagem. Tais esferas estão divididas ao meio por uma linha
tracejada. A metade acima desta linha refere-se a uma descrição do que elas
representam e a metade abaixo destas linhas ao que deve ser feito para que se
alcancem seus objetivos.
Aprender significa Vivência e Comportamento no Aqui-e-Agora, dividido em
três porções: pensar, sentir e lidar. De cada uma destas atividades, sai uma seta que
indica a circunferência relativa a elas.
Por Aspecto Específico, entendem-se os conteúdos das diversas disciplinas,
a interrelação existente entre elas, sua relação com o mundo dos alunos. Por
Didática Específica, entendem-se meios e formas adequadas de lecionar
determinada disciplina.
Por Aspecto Político-Social, entende-se desde o meio social, caracterizado na
sala de aula, até o país no qual determinada escola se encontra, passando por
características de bairro, cidade, estado. Tais variáveis influenciam tanto aluno,
quanto instituição, quanto professores, pois é neste determinado meio que vivem e
trabalham as diversas pessoas envolvidas com a escola; é também neste meio que
o aluno vai aplicar o conhecimento que adquire. Tais variáveis determinam
econômica e culturalmente estas pessoas.
As Condições Institucionais dizem respeito à característica que a escola tem,
como o seu espaço físico e diretrizes, impostas pela direção. Nesta esfera, também
está incluída a relação destas pessoas com o mundo, em termos de ecologia. A
estes assuntos corresponde uma didática.
As duas primeiras esferas são mediadas pela esfera central, relativa ao
Aspecto Psicológico. Engloba os Conteúdos de História de Vida dos alunos (sua
história, suas vivências, suas marcas e as consequências delas), a Dinâmica do
ASPECTO POLÍTICO-
SOCIAL
- Meio social e ecológico
-Condições institucionais
DIDÁTICA POLÍTICA
Métodos da didática política
ASPECTO PSICOLÓGICO
- Conteúdos de história
de vida
- Dinâmica do grupo
- Situação atual
individual
DIDÁTICA
PSICOLÓGICA
Métodos da
Gestaltpedagogia
ASPECTO ESPECÍFICO
Conteúdo de cada matéria
(e sua relação com o todo)
DIDÁTICA ESPECÍFICA
Métodos da didática específica
para cada disciplina
Conexão
entre
aprendizado
específico
e
pessoal
Conexão
entre
aprendizado
político
e
pessoal
VIVÊNCIA E COMPORTAMENTO NO AQUÍ-E-AGORA
(Pensar, Sentir, Lidar)
CRESCIMENTO DA PERSONALIDADE
Grupo (história, características, configuração, estado atual) e a Situação Atual
Individual, referente a como o aluno se encontra, em determinado momento, em
termos de sua história e das vivências recentes. Lidar com essas variáveis implica
numa Didática Psicológica.
As duas “lentilhas”, formadas pela sobreposição das esferas, correspondem
respectivamente à Conexão entre Aprendizado Específico e Pessoal e à Conexão
Entre Aprendizado Político e Pessoal. Para que, dentro da perspectiva
gestaltpedagógica, ocorra um aprendizado, o aluno terá que ter conseguido
processar o conteúdo das três esferas no tocante a determinado assunto, o que
resultará não apenas numa aprendizagem, mas também num desenvolvimento da
personalidade, sinal de que a aprendizagem foi bem sucedida e de que o aluno
assimilou um conhecimento, e não simplesmente o justapôs a si próprio. Findo este
ciclo, o aluno está pronto para voltar ao início do ciclo, atendo-se agora a outro
ponto a ser aprendido.
Desde o meu primeiro encontro esse Modelo da Didática Gestaltpedagógica,
fiquei muito intrigado, pois ele parecia conter muito mais que a princípio se
propunha. Com o passar do tempo, fui vislumbrando nele a possibilidade de algo
complexo (lat. complexus,a,um part. pas. de complecti 'cercar, abarcar, compreender',
DEH),
e de duplo sentido: a) algo abrangente, que poderia ser pensado e estendido
de forma a abarcar também a dimensão da saúde (física e mental), principalmente
se considerado em termos da Abordagem Holística de Goldstein; e b) como
contraposição às concepções que empregam, como “mote”, a análise
(gr.
análusis,eós 'dissolução; método de resolução (por opos. a síntese)', do v. analúó 'desligar,
dissolver, soltar, separar, libertar, analisar, examinar', talvez por infl. do fr. analyse (1578)
'id.'; ver lise, DEH).
Dessa forma, depois de realizar trabalhos ancorados nessa concepção, fui
acalentando a idéia de que, talvez, pudesse re-presentar uma aproximação entre
saúde e educação, compreendendo-as como indissoluvelmente articuladas. Nesse
sentido, como indícios para uma tal construção, nomino, a seguir, os princípios
norteadores da Gestaltpedagogia, apresentados e discutidos em LILIENTHAL
(1997a).
Princípio da Concentração Sobre o Contato
Princípio do Estímulo à Consciência (Awareness)
Princípio do Aquí-e-Agora
Princípio do Estímulo ao Auto-Suporte
Princípio da Responsabilidade
Princípio do Aprendizado pela Experiência
Princípio da Espontaneidade
Princípio da Gestalt Fechada
Princípio da Integração
Princípio da Sinergia
Princípio da Centralização Sobre a Pessoa
Princípio do Aprender e Ensinar Dialógicos
Revejo algumas considerações que teci, por ocasião do desenvolvimento das
atividades com os Educadores de Rua, a respeito dos profissionais envolvidos com
saúde e educação em suas práticas profissionais. Assim, retomo
aqui discussões desenvolvidas em trabalhos anteriores (LILIENTHAL, 1989 e
LILIENTHAL, 1993), nas quais defendo que a fronteira entre os papéis de
terapeutas e professores/educadores é muito tênue e de difícil definição. A
definição é muito mais caracterizada por papéis atribuídos e conquistados e por
uma priorização de temáticas que por qualquer outra coisa. Faço neles, também,
uma reflexão de que, se as escolas contassem com profissionais bem preparados
para uma real promoção do crescimento e desenvolvimento pessoais de seus
alunos, os consultórios dos psicoterapeutas iriam estar possivelmente mais vazios
ou veriam modificada a sua procura em termos do perfil daquele que os procura. A
tônica nos consultórios seriam os processos de desenvolvimento e crescimento
pessoal que de alguma maneira não deram certo e não a falta de recursos
próprios adequadamente desenvolvidos para tal. (...) Psicólogos têm em sua
formação profissional uma grande carga de conhecimentos da Pedagogia, da
mesma forma que os pedagogos têm uma grande carga de conhecimentos da
Psicologia. O fato é que existe uma grande disputa entre estas duas categorias
profissionais em defesa de seu "território" (ou seja, corporativismo). Isto parece ser
devido muito mais a uma disputa de poder do que em função de um trabalho bem
feito que vise um Ser/cidadão em condições de levar sua vida da melhor maneira
possível, ou seja, esta questão também diz respeito à ética. Vejo a díade
Pedagogia-Psicologia como uma polaridade na qual a maioria de seus
participantes se preocupa mais com o "ou" que com o "e". Ou seja, existem
questões específicas que pertencem claramente à Pedagogia ou à Psicologia,
questões dos extremos desta polaridade. No entanto a maioria das questões
refere-se à gradação ou contínuo existente entre elas. Nada mais justo que ambas
se ocupem destas questões. (...) Retomando questões acima discutidas em
termos de dialogia (com o sentido de relação dialógica), parece-me serem
psicólogos e pedagogos alguns dos profissionais envolvidos no estabelecimento
de uma paulatina dialogia entre as diversas camadas e segmentos sociais.
Entendo psicólogos e pedagogos como uma espécie de cientistas e ativistas
sociais, especializada na promoção de relações interpessoais e conhecimento, e
não na geração de relações ditadas por aspectos econômicos. (LILIENTHAL,
1999, p 271-272)
Defendia eu, naquela oportunidade, a posição de que educação e saúde
teriam que, necessariamente, andar juntas e de braços dados, ao passo que, nos
dias atuais, concebo educação e saúde claramente como podendo expressar uma
complementaridade, ensejando, quem sabe, um outro sentido. No tocante à
dialogia, compreendia-a como diálogo entre os diversos segmentos sociais, sem
diferenciações entre “melhor/pior”, “alta/baixa”, “direita/esquerda”, “oficial/marginal”,
“superior/inferior”, ou quaisquer posicionamentos semelhantes ou análogos.
Contudo, seria importante não se perder, com ela, uma possível dimensão
homogeneidade/igualdade enganosa, pois, caso contrário, implicaria numa
sustentação argumentativa impossível.
Conduzindo-me por esse olhar, ainda penso que seria pertinente apresentar
mais alguns elementos que permitiram encaminhar tais aproximações iniciais entre
saúde e educação. Trago uma citação de LEWIN que indicaria como seria uma
possibilidade de ação em que, recorrendo-se ao termo reeducação, poderia apontá-
lo na direção de psicoterapia.
Em toda situação, não podemos deixar de agir de acordo com o campo que
percebemos; e nossa percepção se estende a dois aspectos diferentes desse
campo. Um tem a ver com fatos, outro com valores. (...) Quando agarramos um
objeto, o movimento de nossa mão é dirigido pela posição em que o percebemos
em nossa vizinhança igualmente percebida. Da mesma forma, nossas ações
sociais são orientadas pela posição em que nos percebemos a nós e aos outros. A
tarefa básica da reeducação, portanto, pode ser considerada a de alterar a
percepção social do indivíduo. Unicamente por meio dessa mudança da
percepção social é que é possível realizar mudanças na ação social do indivíduo.
(LEWIN, 1973, p 77)
Esta afirmação de LEWIN remeteria à discussão, promovida pela Psicologia
da Gestalt, a respeito dos fenômenos da percepção, questão central tanto para a
Gestalt Terapia quanto para a Gestaltpedagogia. Para ambas, seus respectivos
objetivos podem ser alcançados com uma mudança perceptual, ou seja, por uma
visada nova, pelo menos em forma se não em teor. Nessa perspectiva, o conceito
central promotor dessas mudanças seria o de awareness, a ser discutido mais
adiante, dada uma possível aproximação dessa compreensão gestáltica ao
“encontrar-se” (Befindlichkeit), na fenomenologia existencial, segundo Gendlin
(1978-79).
Apresentado um tal panorama, pode-se perceber como meu ponto de vista
encaminhava-se para considerar a Gestaltpedagogia apropriada para trabalhos que
visassem promover ações envolvendo saúde e educação. Contudo, gostaria de que
esta questão fosse mantida, por enquanto em aberto, para ser retomada, revisada e
discutida no decorrer deste trabalho.
3. ARTICULANDO ALGUMAS POSSIBILIDADES ENTRE COMPREENSÃO E AÇÃO
Após ter buscado na cultura e na etimologia algumas possibilidades de
articulação entre saúde e educação, a fim de encontrar sentido para uma prática
psicológica em ação, viso, agora, encontrar alguma ancoragem em autores e
propostas práticas que dizem respeito a essa perspectiva. No limiar do fim deste
século, marcado por arranhões constantes no narcisismo da Psicologia enquanto
ciência e prática, pergunta-se e investigam-se algumas possibilidades de superação
do que se compreende como crise, sofrimento ou desamparo deste conhecimento.
Mais ainda, busca-se investigar se tal situação crítica ou desamparada pode
ser considerada como uma especificidade ou se também é perpassada por
ingerências sociais, desencadeadoras de esgarçamento do tecido institucional. Para
isso, trabalhos de teóricos e pesquisadores podem ser re-visitados para encontrar
sentido a práticas psicológicas, voltadas para a demanda social e à formação de
docentes, pesquisadores e profissionais em Psicologia Clínica, como possibilidade
de promoção e responsabilidade social de futuros multiplicadores para a
comunidade.
Neste momento, parte-se da insuficiência da prática psicológica na
experiência clínica, buscando compreender o mal-estar contemporâneo, apontado,
insistentemente, como sofrimento humano atual num mundo conturbado. Reflete a
época de transição de paradigmas científicos, atitudes fundamentalistas e niilistas
ao lado da globalização da economia, avanços tecnológicos propiciadores de
intensa aproximação de misturas e pulverização de diferenças, como já discutido no
capítulo anterior. Questionando-se as referências ao sujeito moderno pela
racionalidade, produtoras de figuras subjetivas estáveis, construídas por sua
essência de ordem e equilíbrio, urge descrever o mal-estar contemporâneo pela
questão da subjetividade, pois mal-estar, dizendo do sujeito, implica no campo da
subjetividade (BARRETO, 2000). Cartografar o mal-estar contemporâneo é atentar
para o modelo vigente de ciência e suas conjunções, nosologias comunicacionais e
cognitivas, efeitos nas estruturas clássicas e modernas de verdade, sujeito, história
e mundo.
Representando, assim, um fenômeno perturbador nesta época, implica
considerar a "reviravolta subjetiva da realidade”, direcionando foco para os
processos de constituição da subjetividade e impasses experienciados na
contemporaneidade. “Reviravolta” a subjetividade, fora do âmbito da identidade e da
representação, demandando os múltiplos processos de subjetivação, engendrados
nas dimensões sociais, culturais e temporais. Legitima-se repensar sistemas
psicológicos, re-visitando aqueles que possam apresentar alguns impasses à visão
de homem da modernidade. Através deles, busca-se aproximar o que há de
“sofrente” em formas outras de compreensão de subjetivação, pelo referencial do
contexto histórico-cultural atual como cenário do sofrimento subjetivo que demanda
compreensão pela clínica. Revisitam-se autores de Psicologia com leitura reflexiva.
3.1 A Teria Organísmica de Kurt GOLDSTEIN
Uma das mais notáveis influências no corpo teórico da Gestalt Terapia é a
Teoria Organísmica, concebida e criada por Kurt GOLDSTEIN (1878 -1965). Esta
proposição teve origem nos trabalhos que desenvolveu com soldados que haviam
sofrido lesões cerebrais durante a primeira guerra mundial. Os exaustivos estudos e
observações, que realizou por essa ocasião, procuraram estabelecer, num primeiro
momento, relação entre áreas cerebrais afetadas e suas respectivas seqüelas. Mais
adiante, quando começou a se preocupar com como estes soldados se adaptavam
às seqüelas, e como se estabilizavam (no linguajar de Goldstein, como conseguiam
se auto-regular), é que foi se aproximando daquilo que seria conhecido mais tarde
como Teoria Organísmica. Uma das primeiras conclusões a que chegou levou-o a
referir-se ao humano como organismo, uma concepção que não admite a dicotomia
corpo-mente.
Para a Teoria Organísmica, a partir do momento em que o ser humano nasce,
começa o constante aprendizado que vai permitir a ele fazer o movimento de
continuamente se auto-regular, à medida que vai se apropriando dos conhecimentos
de si próprio e do mundo, buscando, assim, seu equilíbrio que, nesta visão, é
sinônimo de saúde. Saúde, neste contexto, não é concebida como algo estático,
mas como algo dinâmico, sendo a constante busca pelo equilíbrio, perturbado tanto
por fatores externos quanto internos ao organismo. No momento em que o
organismo perder sua capacidade de buscar o equilíbrio, morrerá, seja por falta de
condições externas (frio excessivo, calor excessivo, falta de alimento, falta de ar),
seja por falta de condições internas (distúrbios físicos e/ou emocionais, como um
episódio de angústia que leve o organismo ao suicídio). Os fatores internos
contemplariam desde distúrbios orgânicos a estados psicológicos à interação entre
eles.
GOLDSTEIN postula uma provisão constante de energia para o organismo,
que é uniformemente distribuída por ele, indivíduo, e que representa seu estado
normal, ao qual ele sempre retorna ou procura retornar. Denomina este processo de
auto-regulação. Num meio ambiente adequado, o organismo tem melhores
condições de fazer a manutenção de seu equilíbrio. As redistribuições de energia
ocorrem em função de desequilíbrios, causados tanto pelo meio externo quanto por
conflitos internos. Com maturação, experiência e aprendizagem, o organismo
desenvolve comportamentos que o ajudam a manter o equilíbrio e o tornam menos
suscetível aos desequilíbrios.
A auto-regulação é para GOLDSTEIN o único condutor do organismo. Por
exemplo, fome, sexo, desejo de poder e curiosidade são manifestações de estar
vivo, portanto da necessidade de se manter equilibrado, auto-regulado. A busca de
conhecimento, seja ele cultural ou de si próprio, também são desequilíbrios a serem
auto-regulados, gerando uma pessoa diferente da anterior.
Na sua relação com o meio, o organismo tanto pode satisfazer suas
necessidades e conquistar sua auto-realização e auto-regulação, quanto pode
frustrar o processo de auto-realização e provocar nele desequilíbrios a serem
restabelecidos. O meio ainda pode proporcionar ao organismo os recursos para a
auto-regulação. E os dois processos podem ser interrompidos ou bloqueados se a
leitura que o organismo fizer do meio for a de que não há recursos suficientes
disponíveis, mesmo lançando mão de toda criatividade que lhe seja possível. Assim,
quanto mais disponibilidade de recursos internos e externos houver, mais facilmente
poderá estar auto-regulado de forma satisfatória.
Aqui, chamo a atenção para dois aspectos que considero relevantes. Apesar
de ser considerado, quase que de forma unânime, um dos sustentáculos da Teoria
da Gestalt, ele próprio dedica um capítulo de seu livro The Organism (Cap. 8) para
afirmar o quanto seu trabalho utiliza conceitos da Psicologia da Gestalt, como
também para fazer uma clara ressalva de que a Teoria Organísmica não é uma
tentativa de propor uma “fisiologia psicológica”.
Tal tentativa me parece ser particularmente questionável, pois, na minha
opinião, a psicologia pode muito bem ser vista como um campo especial do
conhecimento biológico, mas a recíproca não é verdadeira. Na tentativa de
obter conhecimento biológico temos que iniciar com os fatos que se
intrometem em nosso caminho e precisamos tentar compreendê-los. Ao
fazermos isto, muito do que aprendemos da Psicologia da Gestalt nos se
de valia. (...) Todavia, o princípio que me dirige é diferente, visto que o “todo”,
a “Gestalt”, sempre significaram para mim o organismo como um todo, e não
o fenômeno em um campo, ou meramente a “experiência introspectiva” que
na Psicologia da Gestalt tem um papel bastante importante. Deste ponto,
emergem também certas diferenças dos pontos de vista antecipados pelos
psicólogos da Gestalt e por aqueles antecipados por mim (Goldstein, 1995, p.
285).
Vale lembrar que este livro foi originalmente escrito em 1934; portanto, essas
observações se referem à Psicologia da Gestalt. A partir de 1950, a Teoria
Organísmica passa a aparecer no corpo teórico da Gestalt Terapia, em concordância
com os termos de seu propositor.
O segundo ponto a chamar a atenção é não ter encontrado, até hoje,
nenhuma referência ao fato de GOLDSTEIN considerar aspectos da existência (no
sentido filosófico) do organismo; refere-se, geralmente, à questão organísmica
somente a partir de conflitos internos. É interessante notar que, em sua história de
vida, GOLDSTEIN, muitas vezes, se questionou se deveria seguir a carreira de
filósofo ou a de médico.
A Teoria Organísmica é criticada por muitos como sendo biologicista,
entendimento que denota uma má compreensão da proposta de GOLDSTEIN. Isto
provavelmente se deve ao próprio GOLDSTEIN ter tido dificuldades para esclarecer
sua posição em The Organism (1995), fato que admite no prefácio da edição de
1963, do qual transcrevo trechos, a seguir. Nesses escritos, apresenta importantes
esclarecimentos sobre sua teoria que, indubitavelmente, retiram qualquer
possibilidade de ser qualificada como biologicista, aproximando-a mais ao
pensamento fenomenológico nascente à época. Comentando sobre seu novo
método, o método holístico, GOLDSTEIN diz:
... Isto criou uma outra vantagem. Foram correlacionados, para o leitor, materiais
diversos, advindos dos campos da anatomia, fisiologia, psicologia e filosofia, ou
seja, das disciplinas que se preocupam com a natureza humana. Desta forma, ele
pode observar que o método pode ser útil para a solução de vários problemas,
que podem, superficialmente, parecer divergentes e que têm sido, até o momento,
tratados como não relacionados (GOLDSTEIN, 1995, p. 18).
A inclusão, neste trabalho, da teoria de GOLDSTEIN se justifica por ser uma
referência importante, para além da visão biologicista que lhe imputam. Isto sempre
pareceu uma leitura mal feita de seus escritos, como tentativa de reduzi-lo a algo
“conhecido” ou eventualmente “mais fácil” de ser compreendido. Não é difícil
imaginar a quantidade de críticas que GOLDSTEIN deve ter recebido nos anos 1930
por seus escritos. Afinal, sua proposição estava no contra-fluxo da ciência daquele
tempo, o que pode, em parte, explicar por que foi, por tantos anos, deixada de lado.
Seu estilo de escrever é bastante defensivo: escolhendo minuciosamente as
palavras, faz afirmações e depois as justifica detalhadamente, como que para não
ferir suscetibilidades, nem dar a ninguém a possibilidade de lhe dirigir críticas. Este
livro foi escrito na Holanda em cinco semanas, depois de sua fuga da Alemanha
devido ao nazismo, enquanto esperava por um visto para poder viajar para os
Estados Unidos.
Penso que o clima de insegurança, vivido por GOLDSTEIN neste período,
tenha permeado seus escritos, o que é perfeitamente consoante com sua teoria.
Originalmente escrito em 1934 em alemão, sob o título Aufbau des Organismus
23
,
apresenta:
The Organism consiste, principalmente, de uma descrição detalhada do novo
método, a assim chamada abordagem holística, organísmica. Certamente, dados
isolados conseguidos pelo método da dissecação da ciência natural não podem
ser negados se quisermos manter uma base científica. Mas tivemos que descobrir
como avaliar nossas observações e seus significados para o funcionamento do
organismo total, para assim entendermos estrutura e existência da pessoa
individual. Fomos, então, confrontados com um difícil problema epistemológico. O
objetivo primário de meu livro é descrever este procedimento metodológico em
detalhe, através de numerosas observações. (...) Finalmente, é levantado o
problema do conhecimento em geral, nas semelhanças e dessemelhanças entre
as ciências naturais e a ciência dos seres vivos. Existe uma diferença que
freqüentemente levou a superestimação da ciência natural na nossa tentativa de
entender os seres humanos, uma vez que a aplicação dos métodos e resultados
da ciência natural pode obstruir a interpretação adequada da vida. A tentativa de
entender a vida unicamente do ponto de vista da ciência natural é infrutífero
(GOLDSTEIN, 1995, p. 18).
Percebe-se a cuidado e a dificuldade de GOLDSTEIN para apresentar suas
idéias, tecendo críticas à neurologia tradicional e procurando introduzir o que
denomina de seu “novo método”. Mas, mesmo com cuidado, não poupa críticas à
“superestimação da ciência natural”, questão que ainda permanece atual. Parece
fazer um grande esforço para sair da neuropsiquiatria tradicional, chamada de
localizacionista (na qual as funções do cérebro teriam localizações definidas), rumo
ao que denomina de abordagem holística, pela qual propõe que o organismo, e não
apenas o cérebro, reage como um todo. À semelhança do funcionamento do
organismo, propõe que as ciências também devam ser entendidas como um todo
que interage.
O método holístico não pode excluir nenhuma experiência de um tipo ou de outro.
Ambas pertencem ao ser humano e precisam ser avaliadas em sua relevância
para a existência humana. Assim, as diferenças deveriam ser cuidadosamente
consideradas. Isto é adiantado pelo método holístico. A proficuidade de um
método se revela particularmente na possibilidade de tratar novos problemas ou
levantar novas questões. Pode ser aplicado ao material de forma tal que instigue
novos questionamentos e alcance novas unidades, ao invés de meramente isolar
fenômenos. Neste sentido, eu gostaria de apontar para novos insights da natureza
humana alcançados pelo meu conceito modificado de atitudes concretas e
abstratas, desenvolvidas após este livro ter sido publicado pela primeira vez. Eu
havia percebido no comportamento humano estas duas atitudes e suposto que
elas funcionassem de forma mais ou menos interdependente sob diferentes
condições. O comportamento concreto sempre aparece quase que
concomitantemente com o comportamento abstrato e pode, mesmo, depender
deste último, ou seja, pode ser iniciado pelo último. Não é tão aparente que a
atitude abstrata funcione corretamente numa situação concreta. O comportamento
normal demanda as duas formas de comportamento combinadas em uma
unidade. A partir dessa premissa, parece surpreendente que em certas situações
23
Aufbau é uma palavra de difícil tradução; as melhores aproximações em português são construção,
levantamento, estrutura, desenvolvimento e constituição. N. do A.
possamos observar que o indivíduo esteja apto a existir apenas ao nível concreto;
por exemplo, a criança, na qual a capacidade abstrata ainda não está
desenvolvida, e em “pessoas primitivas”, que parecem ser a tal ponto
primariamente concretas, que se chegou a considerar que pessoas de tribos
primitivas têm um nível inferior de mentalidade (idem, p. 19).
No trecho acima, GOLDSTEIN justamente procede à passagem de uma forma
de pensar para outra. Se num momento anterior falava em atitude concreta-abstrata,
quase como uma “digitalização” do funcionamento humano, passa a defender a
integração destas duas atitudes como condição para que se possa abranger a
riqueza humana. Introduz a questão da concomitância entre as atitudes abstrata e
concreta, demonstrando como o privilegiar de uma delas pode levar a conclusões
errôneas sobre os sujeitos de pesquisa. Chama a atenção que, decorridos tantos
anos de seus escritos, os mesmos erros continuam a ser cometidos.
Um outro estudo feito através do novo método, revelou que o comportamento
humano não pode ser compreendido exclusivamente a partir do conceito da
atitude concreta-abstrata, da forma como foi apresentada neste livro. Desta
maneira, chegamos à seguinte conclusão: enquanto que na atitude concreta-
abstrata a vida ordenada pode ser garantida pela aplicação da razão, para
entender a vida humana em sua plenitude, uma outra esfera do comportamento
humano deve ser levada em consideração. Quando estamos nesta esfera,
experiências sujeito-objeto permanecem mais ou menos no fundo, e o sentimento
de unidade, que encerra a nós e ao mundo com tudo que diz respeito a ele, e
particularmente na nossa relação com outros seres humanos, se torna dominante.
A isto chamo de “esfera da imediaticidade“ (“sphere of immediacy”). Não é uma
experiência subjetiva. Não é uma suposição irracional. É governada, como nosso
mundo objetivo, por leis que são diferentes do assim chamado raciocínio. Não é
fácil de descrever. Tem que ser experienciada em situações definidas (idem, p.
20).
Na transcrição acima, introduz a “esfera da imediaticiade” como o conceito
que irá dar conta do “algo mais” que representa seu posicionamento, governado por
algo diferente do raciocínio e que deve ser experienciado. Introduz a idéia de que os
comportamentos humanos são determinados também por aquilo que estão
passando em tal momento de vida, de uma perspectiva pessoal, subjetiva na
acepção da palavra. Fundamentalmente, reafirma o moto da Psicologia da Gestalt
de que o todo é diferente da soma das partes. Pode-se perceber que, de certa
forma, GOLDSTEIN poderia estar conduzindo o seu leitor para uma compreensão
fenomenológica.
Quando tentamos nos trazer para esta esfera ou quando somos levados a ela pelo
caráter atraente que o mundo apresenta dentro dela, as palavras com as quais
nós nos esforçamos para descrever nossas experiências podem, quando
comparadas com o nosso uso costumeiro da linguagem, parecer estranhas e
lembrar a linguagem dos poetas. Mas estas palavras não são apenas
compreensíveis; elas também revelam um novo mundo ao qual geralmente nós
não prestamos atenção no nosso comportamento prático ou científico. Mais
apropriadamente, nós intencionalmente reprimimos isso, pois a sua influência
pode perturbar a estabilidade e segurança do mundo da nossa cultura. Essas
experiências de imediaticidade se originam do mesmo mundo no qual nós vivemos
de outra maneira. Elas até mesmo chegam a representar o caráter mais profundo
do mundo. Isto porque o indivíduo está aqui envolvido na sua totalidade, enquanto
que no mundo sujeito-objeto ele é considerado de um ponto de vista isolado e
isolador, que nós podemos preferir por algum razão especial. Para entrar nessa
esfera da imediaticidade nós temos que omitir em alguma monta a atitude de
“ciência natural” que aparece como não natural nessa esfera, uma vez que ela não
compreende a natureza humana total. A experiência da imediaticidade não pode
ser atingida pelo procedimento discursivo ou por qualquer tipo de síntese. Ela
pode ser atingida somente pela nossa rendição ao mundo com o qual nós temos
contato sem temer a perda da nossa relação com o mundo ordenado (idem, p. 20).
Ao introduzir esse “novo mundo”, um mundo que não pode ser compreendido
através da ciência natural, que precisa, então, ser omitida, GOLDSTEIN instiga uma
outra possibilidade de compreensão. Desperta no leitor que, numa visão tradicional,
esta nova postura implicaria numa perda do controle “cientificamente desejável”, o
que, também, continua muito atual, visto que ainda é muito mais fácil e “respeitável”
uma pesquisa quantitativa, em detrimento da pesquisa qualitativa.
Por outro lado, a expressão desta nova visão pode lembrar a linguagem dos
poetas, ou seja, imagens, alegorias, metáforas, com a capacidade de expressar
mais que uma grande seqüência de palavras. Isto parece uma defesa frente a uma
acusação que, em teor, se assemelharia a ele utilizar em seus escritos uma
linguagem considerada inadequada para os padrões científicos da época,
remetendo, ao capítulo anterior, a como Thomas Mann defende o direito dos poetas
de se imiscuírem nas coisas da vida cotidiana. Na minha visão, certamente seria
acusado de falta de Anständigkeit, enquanto era justamente ela mesma que tentava
defender.
A experiência nos ensina que nós podemos viver em ambas as esferas, que as
duas esferas não são opostas uma à outra, que a esfera da imediaticidade
também pertence à nossa natureza. Ela mostra que a nossa existência é baseada
não unicamente em ordem objetivamente correta, mas ao mesmo tempo em
conforto, bem-estar, beleza e alegria, em pertencimento. Enquanto a aparência de
“adequação” à qual eu me refiro no meu livro é realmente importante para nossa
existência no mundo, a esfera da imediaticidade cria uma existência mais profunda
que permite não apenas a possibilidade de viver na condição estática da esfera
abstrata-concreta, mas também de tolerar a incerteza sem perder nossa
existência. Isto é particularmente significativo para a possibilidade da existência
apesar do fracasso e revela assim uma camada mais central da natureza humana.
A esfera da imediaticidade se torna aparente em muitas circunstâncias da vida
diária: na amizade, no amor, no trabalho criativo, e na atitude religiosa, e ela nem
mesmo está ausente como parte da nossa experiência na investigação científica
(GOLDSTEIN, 1995, p. 21).
Finalmente, GOLDSTEIN introduz a questão da afetabilidade na discussão
que propõe. Refere-se a fenômenos considerados muito distantes no modelo
tradicionalista de ciência, lembrando que todos os seres humanos têm sentimentos,
afetos, convicções, religião. Alude que inclusive os cientistas são por eles
acometidos. Nesse sentido, tais instâncias permeariam a ciência. A meu ver, procura
mostrar, ou demonstrar, que o objeto de estudos do cientista não está imune a ele
mesmo, pois a visão do cientista é permeada por suas convicções, ainda que delas
não se aperceba. Está, portanto, se referindo a outro modo de pesquisar, embora de
modo indireto. Isto porque, por sua grande dificuldade e cuidado em descrever seu
novo método diante da concepção de ciência vigente à época, GOLDSTEIN,
procurou fundamentar sua posição de forma a não ferir suscetibilidades “científicas”,
mesmo ao tecer tais considerações mais de trinta anos depois da primeira edição
do livro. Fazendo severas críticas à ciência natural, lentamente introduz o que
denomina de método holístico, ou seja, a tentativa de compreensão da totalidade
dos fenômenos que envolvem o ser humano. Assim, parece referir-se a uma atitude
fenomenológica, afirmando ser esta a única possibilidade de estar aberto
efetivamente à compreensão dos fenômenos que estudava, ao mesmo tempo em
que, dizendo da relação entre pesquisador e pesquisado, revela uma implicação
com a pesquisa qualitativa, participativa, ou seja, à pesquisação.
Ao referir-se a “tolerar a incerteza sem perder nossa existência”, certamente
diz algo com respeito à angústia, arrolando-a como um dos fatores que podem levar
o organismo a perder sua homeostase, sua condição de equilíbrio.
Estamos aptos a viver em ambas as esferas devido à nossa capacidade para
atitude abstrata. Essa atitude torna possível nossa experiência de sujeito e objeto
separadamente e de mudar de um evento para o outro, de uma esfera para a
outra. O sentimento de unidade na esfera da imediaticidade é o fundamento mais
profundo para a experiência de bem-estar e para a auto-realização. Isso se torna
evidente, por exemplo, quando nós nos iludimos no nosso encontro com outra
pessoa com a qual nós acreditávamos ter pertinência. Então, nós não
experienciamos simplesmente um sentimento de erro ao qual prestamos mais ou
menos atenção, mas nós ficamos profundamente desapontados, até abalados.
Essa experiência é, por assim dizer, um abalo na nossa fundação, na nossa
existência. Ela toca num fenômeno humano central, a experiência de “ser”
(“being”), de realizar nossa natureza, que só é possível numa união genuína com o
outro e com o mundo (ver meu trabalho, “The smiling of the infant and the problem
of understanding the other”, Journal of Psychology, 44[1957]) (idem, p. 21).
Ao dizer de um experienciar, frente ao qual ficamos profundamente abalados,
enseja a possibilidade de uma leitura aproximada à fenomenologia, aspecto que
discutirei adiante, ao apresentar o “experienciando” de GENDLIN (1978-79). Por
hora, ainda seria pertinente ouvir mais de GOLDSTEIN por ele mesmo.
Antes que o leitor embarque com uma atitude crítica na riqueza dos fenômenos
que a vida apresenta de acordo com meu método, eu gostaria de apontar uma
frase nesse livro que é fundamental para a minha convicção de que estou no
caminho certo. “A obtenção do conhecimento biológico que estamos procurando é
essencialmente similar ao fenômeno de que o organismo se torna adequado às
suas necessidades” (ver p 307); dito de outro modo, “conhecimento biológico é
uma forma biológica de ser”. O conhecimento biológico é possível devido à
similaridade entre a natureza humana e o conhecimento humano. Ele é uma
expressão da natureza humana. Esta convicção nasce da participação em todas
as atividades observadas dos seres humanos na pesquisa concreta sobre a qual
as minhas evidências se baseiam. Aqui alguém se pergunta repetidamente sobre
o que realmente se está fazendo e discute consigo mesmo os meios pelos quais
se pode chegar à compreensão do mundo vivo, sem se dar contar se o material
factual demanda a introdução de considerações que podem ser denominadas
filosóficas. Somente então o termo “abordagem holística” resistirá ao teste de
validade (GOLDSTEIN, 1995, p. 22).
Assim, a frase “conhecimento biológico é uma forma biológica de ser” revela
sua intenção fenomenológica, visto poder aproximar-se ao pensamento de
GENDLIN (1978-79, p. 47), ao dizer “(...) como o conceito precede e elimina a
distinção entre dentro e fora, bem como entre eu e os outros. De forma similar, altera
afetivo/cognitivo”. Todavia, o mérito desta introdução parece concentrar-se no
trecho, já citado, re-apresentado, agora, por essa possível articulação:
Enquanto a aparência de “adequação” à qual eu me refiro no meu livro é, de fato,
importante para nossa existência no mundo, a esfera da imediaticidade cria uma
existência mais profunda que permite não apenas a possibilidade de viver na
condição estática da esfera abstrata-concreta, mas também de tolerar a incerteza
sem perder nossa existência. Isto é particularmente significativo para a
possibilidade da existência apesar do fracasso, e revela assim uma camada mais
central da natureza humana. A esfera da imediaticidade se torna aparente em
muitas circunstâncias da vida diária: na amizade, no amor, no trabalho criativo, e
na atitude religiosa, e ela nem mesmo está ausente como parte da nossa
experiência na investigação científica. (GOLDSTEIN, 1995, p. 21).
Referir-se à esfera da imediaticidade, dos afetos, além de a “possibilidade da
existência apesar do fracasso”, pode significar a angústia constituinte da condição
humana, justamente valorada no cotidiano. Para poder cuidar dos efeitos da esfera
da imediaticidade sobre si próprio, o ser humano tem a necessidade de reconhecer
em si quais necessidades precisam ser satisfeitas a fim de re-estabelecer sua auto-
regulação. Isto significa, além de propriocepção, uma forma de perceber os
dinamismos internos, uma atitude de encontrar-se em seu estado atual. Encontra-se,
aqui, uma aproximação ao conceito gestáltico de awareness, que, por sua vez, pode
ser considerado como uma aproximação ao conceito de “Befindlichkeit” da
Fenomenologia Existencial, discutido a seguir. Tratariam eles de uma compreensão
de ser humano que poderia aproximar-se? Em que medida tal aproximação poderia
encaminhar articulação entre saúde e educação?
Concluindo, reafirmo que a inclusão da Teoria Organísmica de Kurt Goldstein
se justifica por fornecer valiosas informações acerca da existência humana pela ótica
da existência do organismo, possibilitando um pensar que possa aproximar os
conceitos de saúde e educação. A meu ver, seria um modo de compreender o que
se denominou no capítulo anterior de vitagogia, revelado por entrelinhas de um
modo de escrita cuidadosa, que não poupava críticas e dúvidas até mesmo com
respeito a si próprio. Nesse sentido, registro o meu profundo respeito pelo
pesquisador que foi Goldstein, além de expressar minha compreensão da injustiça
cometida com sua obra, especialmente no âmbito da Gestalt Terapia. Sem dúvida,
foi justamente sua teoria que, a meu ver, permitiu que se amalgamassem tantas e
variadas influências no corpo teórico dessa abordagem.
3.2 Befindlichkeit, compreensão e fala em Eugène Gendlin
Nos capítulos anteriores, mencionei, algumas vezes, a linguagem para a
Fenomenologia Existencial de Heidegger, o conceito de awareness para a Gestalt
Terapia e para a Gestaltpedagogia, bem como a compreensão de organismo para
Goldstein, por uma possível aproximação com o conceito de Befindlichkeit
apresentado por GENDLIN (1978-79). Neste segmento, buscarei aproximá-los, a
partir da discussão dessas questões pelo texto, denominado Befindlichkeit.
Trata-se de termo cunhado por Heidegger no contexto da Fenomenologia
Existencial, referente a uma forma de pensar e conceber o homem, que exige uma
radical mudança no pensar, uma vez que Heidegger utiliza termos do vocabulário
corrente da filosofia e da psicologia, de forma inovadora. Uma das dificuldades do
texto diz respeito à impossibilidade de tradução de determinados termos do alemão
para o português, pelo simples fato da inexistência de palavras equivalentes. Isto
implica na necessidade de encontrar novos significados para significantes já
conhecidos, constituindo-os, assim, num jargão próprio da Fenomenologia
Existencial. Para compreender as dificuldades com a linguagem é necessário
analisar o contexto do pensamento heideggeriano (LEÃO, 1995).
Em seu trabalho, Heidegger (HEIDEGGER, 1995) identifica um certo
arcabouço comum a todos os principais sistemas de pensamento filosófico
desenvolvidos desde Platão: ocupados em dizer “o que” as coisas “são”, houve o
esquecimento de retomarem a pergunta pelo próprio “ser”. Em outras palavras,
segundo Heidegger, esta tradição do pensamento – que ele nomeia “Metafísica” –
aprisionou o “ser” em idéias/conceitos que se pretendem unos e incorruptíveis.
Nesse sentido, Heidegger aponta que a Metafísica, além de configurar a tradição do
que se conhece hoje como filosofia, diz respeito à própria forma como o homem
ocidental moderno constitui e entende a si mesmo. Também a forma como está
estruturada a linguagem e os idiomas atrela-se, desde sua origem, a este mesmo
pensamento que Heidegger se propõe a des-construir. Assim, é como se a fala
comum buscasse dar significado a uma dimensão da realidade que até então
simplesmente não era considerada. Um tal desafio nunca se completa; sempre deve
dar-se como constante e árduo exercício.
No âmbito deste trabalho, são de interesse os três existenciais, ou seja, três
condições de existência, como postula Heidegger. Antes, porém, quero discorrer
sobre o tema de forma livre, para depois trabalhá-lo de uma maneira mais formal,
através de Eugène GENDLIN (1978-79).
Eis-me, aqui, sentado frente a um computador, procurando uma nova forma
de escrever sobre este intrincado tema. Ao mesmo tempo em que tento me impor ao
computador e ao mundo que me rodeia, neste exato momento, ambos também se
impõe a mim. De fato, nós nos encontramos mutuamente. E esta situação pode ser
compreendida como uma metáfora da condição ontológica do humano. Nas palavras
de ALMEIDA (1999, p. 48), o
encontrar-se é uma condição ontológica do homem, correspondendo a uma
possibilidade sua de ser. Expressa-se pelo estado de ânimo, pelo humor, o qual
evidencia como o homem está em sua existência. Sempre o homem se dá no
mundo afetivamente, o que veladamente lhe abre que é ele mesmo que está
sendo-no-mundo, ou seja, ser é algo de sua responsabilidade, enquanto entregue
a ele.
Encontro-me, aqui, frente ao computador: uma localização espacial. Encontro-
me num estado de preocupação, com certa dose de ansiedade: localização afetiva.
Encontro-me num prazo mais curto do que gostaria da data final de entrega deste
trabalho: localização temporal. Encontro-me em tal e tal dia: localização cronológica.
Como me encontro? Preocupado, envolvido com a confecção deste trabalho, imerso
na ansiedade de concluí-lo, pois sei das possíveis conseqüências para a minha
pessoalidade e minha carreira, uma vez encerrado.
O fator preponderante na descrição acima é o de como me sinto, pois isto
permeia a minha percepção de mim mesmo, da forma como encaro a tarefa que
tenho pela frente; minhas sensações conduzem o meu pensar, a partir do que posso
escolher a forma que considero mais adequada para me expressar e comunicar
adiante o que desejo expressar. No momento que o faço, “reconfiguro-me” e me
modifico; isto é, torno-me sensível através da percepção de que, no caso, muito
vagarosamente, meus afetos vão se modificando. A maneira de encarar esta tarefa
se altera, outras palavras vêm à minha mente. Sinto-me como que navegando por
sinuoso rio. Novas paisagens vão se descortinando. Novos sentidos se imprimem
para a navegação. Afinal, o
compreender é uma outra condição ontológica do homem, isto é, constituído-o de
maneira originária. Há uma circularidade essencial entre estes dois modos
constitutivos de ser o ai. Todo encontrar-se tem sua compreensão própria, na
media em que, conforme nos encontramos, um mundo específico nos é dado a
ver. Por outro lado, também toda compreensão é pautada pelo estado de ânimo. A
compreensão originária sempre capta aquilo que já é matizado por uma certa
emoção. Essa compreensão originária é anterior à compreensão cognitiva, que
passa a ser sua derivada (ALMEIDA, 1999, p. 49)
Escrevo, mas bem que poderia estar falando. Expresso-me. Na medida em
que me expresso, meu comprometimento, em relação ao que estou fazendo, se faz
outro; meu comprometimento comigo mesmo é de outra ordem. Disponho de
vocabulário pertinente para expressar o que se passa comigo desse modo de
comprometimento comigo mesmo? Busco palavras, em mim, nos dicionários. Crio
neologismos. Posso passar adiante o que se passa comigo? O que se passa comigo
diz de mim mesmo?
Recordo o sentido de um trecho de Hans-Georg Gadamer, que expressava
ser o homem que está à disposição da linguagem e não a linguagem que está à
disposição do homem. Estaria eu restrito a expressar o que minha capacidade
expressiva permite que eu expresse, fechando-me num círculo? Uma tal restrição
poderia re-encaminhar meus sentimentos? Busco o original:
A linguagem não é somente um dentre muitos dotes atribuídos ao homem que
está no mundo, mas serve de base absoluta para que os homens tenham mundo,
nela se representa mundo. Para o homem o mundo está ai como mundo numa
forma com não está para qualquer outro ser vivo que esteja no mundo. Mas esse
estar-ai do mundo é constituído pela linguagem. (...) Mas mais importante que isso
é o que está em sua base, a saber, que, frente ao mundo que vem à fala nela, a
linguagem não instaura, ela mesma, nenhuma existência autônoma. Não só o
mundo é mundo apenas quando vem à linguagem, como a própria linguagem
tem sua verdadeira existência no fato de que nela se representa o mundo. A
originária humanidade da linguagem significa, portanto, ao mesmo tempo, o
originário caráter de linguagem do estar-no-mundo do homem. Precisamos seguir
essa relação entre linguagem e mundo, para alcançarmos um horizonte adequado
para o caráter de linguagem da experiência hermenêutica. (...) Ter mundo significa
comportar-se para com o mundo. Mas comportar-se para com o mundo exige, por
sua vez, manter-se tão livres, frente ao que nos vem ao encontro a partir do
mundo, que se possa colocá-lo diante de nós tal como é. Essa capacidade
representa ao mesmo tempo ter mundo e ter linguagem. Com isso, o conceito de
mundo se opõe ao conceito de mundo circundante (Umwelt), que se pode atribuir
a todos os seres vivos do mundo (GADAMER, 1997, p. 571-572).
Toda essa experiência ocorre ao mesmo tempo, no meu tempo: minhas
idéias, meus projetos
(lat. projecto,as,ávi,átum,áre 'lançar para diante, expulsar', freq. de
projicère 'lançar para a frente, expor, enjeitar (uma criança)'; ver jact-; DEH)
, eu mesmo,
um dia, projeto tendo sido, projeto que sou e que como pro-jeto se fará. Eis um
círculo não fechado nem restritivo. Implica em três existenciais, propriamente
constituintes na condição humana: Befindlichkeit (encontrar-se), Verstehen
(compreensão) e Sprache (fala). Con-correm ao mesmo tempo, mutuamente
relacionados, dando a ver um círculo não completamente fechado, como uma área,
mas com uma abertura que sempre se move com e por ele. Seria uma
circulabilidade, aproximando-se a uma curva de Moebius.
Fico procurando, em minha história pessoal, alguma experiência referente a
essa compreensão. Acredito que o episódio mais significativo ocorreu quando, num
pós-cirúrgico, me recuperava de uma anestesia. Não tinha a menor idéia de onde eu
“tinha estado” durante um bom período. Aos poucos, fui recuperando minha noção
de mim, “eu”, que, contudo, só começou a fazer sentido, na medida em que ia
recuperando minha capacidade de ver, ouvir e compreender aquilo que percebia. A
relação, que voltara a estabelecer com o mundo, recuperou meu sentido de mim
mesmo; antes, apenas percebia que estava vivo, isolado e incomunicável. Lembro-
me da alegria de ouvir alguém chamando meu nome. Era comigo! Nunca tinha visto
aquela pessoa. Era um enfermeiro que assim se apresentou, dizendo seu nome.
Compreendi, em ato, a necessidade de alguém que, se recuperando de uma
anestesia, precisa de outro a seu lado no momento em que acorda. Mesmo com o
mundo à volta, porém sem ninguém para quem balbuciar, como sendo uma
referência, imagino como a sensação de solidão e ausência de sentido possa ser
insuportável.
Creio que, agora, situado por meio de uma experiência cotidiana ao que pode
dizer respeito a conceitualização, que a seguir apresentarei, penso que uma
discussão teórica possa ser pertinente. Passo, assim, a discorrer uma compreensão
do conceito de Befindlichkeit como um modo para pensar sua implicação na prática
psicológica.
Segundo GENDLIN (1978-79), Befindlichkeit está entre os mais importantes
conceitos de Heidegger, como também se trata do mais mal-entendido entre todos.
Refere-se a um dos três parâmetros fundamentais da existência (os “existenciais”),
juntamente à compreensão e à fala. A relação entre eles é tão próxima, que só
podem ser apresentados concomitantemente.
Befindlichkeit se refere ao que usualmente se entende por “humor”, mas também a
“sentimento” e “afeto”, destacando que Heidegger nos oferece uma visão
totalmente diferente sobre esta experiência usual. “Befindlichkeit” se refere ao tipo
de seres que os humanos são. Diz respeito aqueles aspectos destes seres que os
fazem ter humores, sentimentos, afetos (idem, p. 43).
Em alemão, a palavra Befinden pode ser escrita tanto com inicial maiúscula
quanto com minúscula. Segundo as regras gramaticais alemãs, todo substantivo é
escrito com letra maiúscula. Como substantivo, o termo pode significar estado de
saúde, opinião, parecer. Já escrito com minúscula, befinden é um verbo, significando
achar(-se), considerar(-se), estar, sentir(-se), decidir. Seu uso assim se apresenta:
“Wo befinden Sie sich?” (“Onde o senhor se encontra?”), “Wie befinden Sie sich?”
(“Como o senhor se encontra?”), “Wo ist Ihr Befinden?” (“Qual é a sua localização?
Onde o senhor se encontra?”), “Wie ist Ihr Befinden?” (“Qual é o seu estado, como o
senhor se encontra?”). Nesse sentido, Befindlichkeit é uma substantivação do verbo.
Segundo GENDLIN (1978-79, p. 44-45),
Considerar sentimentos, afetos e humores como Befindlichkeit, difere das
visões usuais das seguintes maneiras:
1) O conceito de Heidegger denota como sentimos a nós mesmos nas
situações. Enquanto que sentimento é usualmente pensado como sendo algo
voltado para dentro, o conceito de Heidegger se refere a algo voltado tanto
para dentro quanto para fora, antes, porém, que tenha sido feita uma cisão
entre dentro e fora. (...) Estamos sempre situados em situações, no mundo,
em um contexto, vivendo de determinada forma com outros, tentando
alcançar isto e evitar aquilo. (...) Um humor não é apenas interno, é o viver no
mundo. Sentimos como nos encontramos, e nos encontramos em situações.
(...) Os americanos podem dizer que “Befindlichkeit” é mais um conceito
“interacional” que “intrapsíquico”. Mas ela é ambos e existe antes de a
distinção ser feita. “Interação” também é inexato por outra razão. Parte da
premissa que primeiro existem dois, e somente então existe uma relação
entre eles. (...) Para Heidegger, humanos são seu viver no mundo com os
outros. Humanos são seres-em e seres-com.
Neste primeiro ponto, GENDLIN deixa claro que o conceito de Befindlichkeit é
tanto um conceito “intrapsíquico” quanto “intramundo”, uma vez que se refere
concomitantemente às duas esferas, sem precedência de uma ou de outra. Parte da
existência do campo sujeito-mundo: sujeito que está no mundo e mundo que está no
sujeito. Relaciona-se aos outros existenciais na medida em que a compreensão
pode ser entendida como uma escuta para o mundo, enquanto que a fala pode ser
entendida como “comunicação” para com o mundo, de maneira a formar um laço
indelével entre essas três instâncias. O mundo subjetivo passa a existir à medida
que o sujeito vive nele, e o sujeito vive “sua compreensão de si no mundo”.
Procede, aqui, recolocar a frase de Goldstein que permite aproximar sua
visão ao pensamento fenomenológico, estabelecendo suas conceitualizações
através dele: “A obtenção do conhecimento biológico que estamos procurando é
essencialmente similar ao fenômeno de que o organismo se torna adequado às suas
necessidades”, o que, dito de outro modo, refere o “conhecimento biológico é uma
forma biológica de ser”. Como não reconhecer que o conhecimento biológico surge,
aqui, como constituinte do campo do conhecimento do homem, sendo uma forma de
o homem existir ou de ser? Seria esse biológico a disponibilidade para humores e
sentimentos, que permitem ao ser humano encontrar-se?
Mas, volto a acompanhar a descrição de GENDLIN (idem, p. 44-45)
2) A segunda diferença do usual conceito de “sentir” reside no seguinte: Befindlichkeit
sempre já tem sua própria compreensão. (Aqui está o segundo parâmetro básico da
existência humana para Heidegger: “compreensão”). Podemos não saber em relação
a que está nosso humor, podemos não estar especificamente conscientes de nosso
humor, no entanto há uma compreensão de nosso viver neste humor. Não é
meramente um estado interno de reação, um mero colorir ou acompanhamento
daquilo que está ocorrendo. Temos vivido e atuado de certas maneiras por
determinadas razões e esforços e tudo isto está indo bem ou mal, mas certamente
está ocorrendo de alguma maneira complexa. A forma como estamos
experimentando estas complexidades está no nosso humor. Podemos absolutamente
não sabê-lo de uma forma cognitiva; todavia está em nosso humor, implicitamente.
(...) Esta compreensão é ativa; não é apenas uma percepção ou recepção daquilo
que está ocorrendo conosco. Nós não entramos em situações como se fossem meros
fatos, independentes de nós. Tivemos parte em estarmos envolvidos nestas
situações, em fazermos os esforços em responder àquilo que agora são os fatos, as
dificuldades, as possibilidades, e o humor tem a “compreensão” implícita de tudo
isso, pois esta compreensão já era inerente a como vivemos tudo isso, de uma forma
ativa.
Embora não assumindo um ponto de vista reducionista, como gestaltista não
posso deixar de fazer uma analogia com o conceito de figura-fundo. Toda figura é
função de seu fundo, diz a teoria. Se alguém percebe (compreende) tal figura de
determinada forma, isto é função do fundo (da sua história de vida, das suas
experiências, das suas vivências, da situação atual em que se encontra), do qual
também faz parte sua deliberação de estar ou não sensível a esta determinada
situação. Tudo isto determinará a maneira como irá compreendê-la. Mas todos
esses atributos estão contidos na concepção do conceito gestáltico awareness e, na
minha compreensão, aproximadamente contemplados pelo sentido de Befindlichkeit.
Afinal, segundo CLARKSON & MACKEWN (1993, p. 44),
Awareness é, para Perls, a sua habilidade humana de estar em contato com o seu
campo perceptual total. É a capacidade de estar em contato com sua própria
existência, de notar o que ocorre dentro de você ou à sua volta, de conectar com o
ambiente, com outras pessoas e com você mesmo; saber a que você está sensível
ou o que está sentindo ou pensando; como você está reagindo neste momento.
Awareness não é somente um processo mental: ela envolve todas as experiências,
sejam elas físicas ou mentais, sensórias ou emocionais. É um processo conjunto no
qual a totalidade do organismo está engajada: ‘Awareness é como a brasa de um
carvão, que provem de sua própria combustão (o organismo total)’ (PERLS,
HEFFERLINE & GOODMAN, 1951/1973, p. 106)
Considerando o humano pelo Befindlichkeit, GENDLIN torna explícito que
compreensão, neste contexto, é radicalmente diferente de seu uso pelo senso
comum, no qual a cognição assume papel preponderante. Mais uma vez, sugiro uma
aproximação com o conceito de awareness da Gestalt. Ainda que a experiência não
esteja focada ou não tenha se tornado tema para a atenção, o próprio ser-aí, modo
humano de estar no mundo, já implicaria numa compreensão de sua situação. Antes
da clareza de nomear, ou mesmo de poder dizer do que se trata, há uma
compreensão implícita (e não cognitiva) contemplando um certo sentido para quem a
vivencia. Como ocorre para o Befindlichkeit, a compreensão não é interna, nem
externa. Não pode ser separada, da mesma forma que o próprio ser do homem não
é separado do mundo. Não se trata de uma compreensão “sobre o mundo” ou “sobre
mim mesmo”, mas de uma compreensão de “como estou no mundo”. A
compreensão simplesmente é dada pelo modo como o sujeito se encontra e, neste
sentido, talvez possa ser “traduzida” para o senso comum, como intuitiva, uma vez
que ela acontece sem compreendermos de onde vem ou por que surge, apesar da
certeza tácita de que é fidedigna, confiável; na maioria das vezes, ocorre ser até
mais confiável que uma “compreensão objetiva” ou “racional”. Por conseqüência,
Befindlichkeit pode permitir reconhecer, às vezes, as surpreendentes compreensões
diferentes que se faz de um mesmo objeto em momentos diferentes, bem como os
processos de transição de uma compreensão para outra. Em Befindlichkeit se
modificando, mudam conseqüentemente compreensão e fala a respeito de um
mesmo objeto ou situação.
Continuando pelo texto de GENDLIN (idem), outra maneira de diferenciar o
que se compreende tacitamente do que se apresenta, pelo encontrar-se, refere-se
àquilo que não é de imediato apreendido pela cognição. Ou seja,
3) A compreensão é implícita, não cognitiva no sentido usual. Difere da cognição
de diversas maneiras: ela é reconhecida ou sentida, ao invés de pensada – e não
pode nem mesmo ser reconhecida ou sentida diretamente pela atenção. Não é
composta de unidades cognitivas separáveis ou quaisquer unidades definíveis.
Quando te perguntam “Como vai você?”, você não encontra apenas instâncias
reconhecíveis, mas sempre, também, uma compreensibilidade implícita.
Certamente pode-se refletir e interpretar, mas isto será um outro passo, posterior.
Neste sentido, trata-se de um modo de conhecer outro, mas mais pertinente
ao sentido grego de epoché [gr. epokhê,ês 'interrupção, parada, limite, situação dos
astros, o que dá início a novo período', DEH].
Ou, até mesmo, do latim cognoscère que
se refere a
agn-
agn-
,
gnom(o)-
,
gnomon-
,
-gnose
,
gnoseo-
,
-gnosia
,
-gnósico
,
gnosio-
,
gnoso-
,
-
gnosta
e
-gnóstico
,'começar a conhecer, aprender a conhecer, tomar
conhecimento; conhecer'
1) rad.vulg. conhec- (sXIII), do v.lat. cognosco,is,óvi, ìtum,cognoscère 'conhecer
pelos sentidos, ver; saber, ter conhecimento de; conhecer por experiência,
experimentar; reconhecer; ter trato carnal'.
5)rad. semiculto narr- (sXVI), der. do v.lat. narro,as,ávi,átum,áre 'contar, expor
narrando, narrar, dar a saber': inarrável; inenarrável; narração, narrado, narrador,
narrar, narrativa, narrativo, narratório, narrável.
8) rad. culto cogn- (sXVI), do v.lat. cognosco,is,óvi,ìtum, cognoscère 'conhecer
pelos sentidos, ver; saber etc.': cognescer, cognição (DEH).
Diz do modo de conhecimento pelos sentidos, através de um trato carnal
(penetrabilidade) de um momento de fusão para dar nascimento ou fazer-se iniciar
um novo período. Para POLANYI & PROSCH (1975, p. 31), conhecer implicaria em
possibilidade de organizar fatos da experiência pela “arte de estabelecer, através da
delicadeza treinada do olho, ouvido e tato, uma correspondência entre predições
explícitas da ciência e a experiência presente de nossos sentidos aos quais essa
predições deverão aplicar-se”. Nessa direção, consideram duas formas de
conhecimento, o tácito e o explícito, originários de uma conscientização focal e outra
subsidiária, que, relacionando-se, conduziriam a significados como conhecimento
pessoal.
Por outro lado, resgatando-se que Befindlichkeit, compreensão e fala ocorrem
sempre par e passo, e, considerando-se ainda a questão do trato carnal (corpo e
sentidos) no modo de conhecer, poder-se-ia, no contexto deste trabalho, aproximar a
frase de Goldstein “A obtenção do conhecimento biológico que estamos procurando
é essencialmente similar ao fenômeno de que o organismo se torna adequado às
suas necessidades; dito de outro modo, conhecimento biológico é uma forma
biológica de ser” ao modo humano de ser como Befindlichkeit. Embora se possa
guardar certo cuidado a uma tal aproximação, dada a aparente ênfase de Goldstein
ao método holístico, penso que tal afirmação, embasada que se fez pela Psicologia
da Gestalt, poderia estar se referindo à percepção como a abertura do círculo para
ocorrência do modo humano como Befindlichkeit, considerando-se que é às
possibilidades biológicas (olho, pele, nariz, ouvido e boca, enquanto órgãos) do
corpo, que o mundo se apresenta aos sentidos (visão, tato, olfato, audição e
gustação).
Mas, continuando pelos existenciais na apresentação de Gendlin, a fala, de
forma mais ampla, implica em possibilidade de algo vir a ser expresso. Penso que a
fala exerce um papel fundamental nesse contexto, pois o comprometimento do
sujeito, depois de ter falado (se expressado), torna-se radicalmente outro tanto frente
a si próprio como frente aos outros, mesmo que essa fala seja algo impróprio,
proferido num momento de solidão. Assim, GENDLIN (idem) apresenta
4) Heidegger diz que a fala está sempre imediatamente envolvida em qualquer
sentimento ou humor em toda e qualquer experiência humana. A fala é a
articulação da compreensão, mas esta articulação não ocorre logo que tentamos
dizer o que sentimos. Da mesma forma que Befindlichkeit sempre já tem sua
compreensão, ela também sempre tem sua articulação falada. Isto não quer
absolutamente dizer que há sempre uma forma de se dizer o que se vive em
palavras. Mas há sempre falas entre um e outro, e escutas entre um e outro.
Escutar um ao outro, abertura para a fala de cada um, é parte do que somos, do
viver o que somos. E assim está sempre já envolvido em nosso viver, seja lá o que
for que realmente venhamos a dizer ou não.
O termo Sprache pode ser traduzido como língua, idioma, linguagem e fala.
Já o termo Aussprache é o equivalente a Sprache, acrescido do prefixo aus que, no
caso, significa “para fora”. Adquire o sentido de pronúncia, sotaque, conversa e
expressão. A partir dos conhecimentos do idioma alemão, e da Fenomenologia
Existencial, penso que uma equivalência possível de Sprache para o português seria
linguagem e, por conseqüência, expressão. Aponto esta questão pois percebo,
neste contexto, ser a condição de existência muito mais que a simples fala, mas
também a expressão (pensada em termos da capacidade expressiva do Dasein),
bem como a ação (igualmente pensada em termos da capacidade de ação do
Dasein). Portanto, linguagem, expressão e ação têm sua amplitude e sua restrição
relacionadas ao repertório de experiências que o Dasein lhes disponibiliza em
diversos momentos/situação.
AUGRAS (1996) a isto se refere, ao dizer:
A função da linguagem, portanto, não é apenas comunicativa. É a pura revelação
da situação de um ente que existe em si e para os outros, como singular e
idêntico, como um feixe de contrários, cuja síntese é constantemente destruída.
(...) O discurso deve ser então considerado em suas várias funções. Como
expressão da situação, a linguagem é criação e organização do mundo. Poder-se-
ia falar, nesse sentido, de função demiúrgica da palavra. Os mitos da criação do
mundo, seja qual for sua origem, deixam claro esse aspecto. É o Brama surgindo
da flor de lótus oriunda do umbigo da Vishnu, com os Vedas na mão: o Livro
Sagrado é contemporâneo do universo. Nasce juntamente com ele (p. 76-77). (...)
Para cada cultura, a língua exprime o mundo próprio, nos seus conteúdos, nos
seus significados e na sua estrutura. Da mesma maneira, a fala do indivíduo
exprime a organização de seu mundo, constantemente criado, questionado,
ameaçado e reconstruído. (p. 77-78).
Conforme AUGRAS, a fala é uma sucessão de revelações pela qual o ente
passa, que, por sua efemeridade, rapidamente se destroem, conduzindo à formação
de outras. A fala cria sentido, ao mesmo tempo em que modifica o ente, criando a
próxima fala do ente, que, assim, se renova, caracterizando a forma do ente criar e
organizar o seu mundo. Impressiona a propriedade do termo demiúrgico, tanto no
contexto do seu texto, quanto no deste trabalho, inclusive de sua etimologia.
Demiurgo
(1) Rubrica: filosofia.Segundo o filósofo grego Platão (3go oo
Apresentados os existenciais de Heidegger, procede, agora, apresentar as
proposições e desdobramentos propostos por GENDLIN como uma transposição
possível do âmbito do filosófico ao psicoterapêutico. Para tanto, lançarei mão de
escritos de MORATO (1989) e do próprio GENDLIN (1978-79). Assim, faz-se
necessário introduzir a que, para ele, se refere o termo experienciando
(experiencing).
Encontrando-se a si mesma diante de si pelo experienciando, a pessoa se situa
como também tendo sido
comunicação são, pois, pré-condição original de como os seres humanos são
“sendo-com” (MORATO, 1989, p. 86).
Em o experienciando sendo o sentido implícito e anterior ao que usualmente é
designado como compreensão implícita na Befindlichkeit, estou falando de algo que
já compreendemos de uma forma pré-ontológica (uma vez que essa forma de ser é
antes implícita que articulada). Tal compreensibilidade permite a articulação do ouvir,
antes dele ser interpretado. É um sentido que se dá pela ordem do sentir, algo que
envolve todo o Dasein, inclusive o sentir advindo do corpo.
Se esta é a nota filosófica de Heidegger para Befindlichkeit, o experienciando é a
nota psicológica para Gendlin, a fim de se compreender o significado sentido ou o
sentido sentido: compreender experiencialmente é “compreender a inerente
relação entre viver sentimentos, compreensão e cognições de quaisquer espécies”
(GENDLIN, 1978-79, p. 55). Dessa forma, significado sentido – ou sentido sentido
– vai sendo formado, na complexidade relacional do experienciando; ou seja, é na
interligação simultânea implícita entre o que é sentido, compreendido e articulado
que o sentido se cria. Significados não são nem conceitos em si, nem experiência
em si. Vão ocorrendo no processo da relação do experienciando. (...) E é, desta
forma, que o experienciando se torna para Gendlin um modo de se compreender o
processo de viver e de mudanças, seja em psicoterapia, na Psicologia, ou em
Ciência. O experienciando, ocorrendo a partir da disponibilidade original de
abertura do Befindlichkeit e de sua compreensibilidade e comunicabilidade
implícitas, refere-se ao sentimento de um indivíduo de estar tendo experiência; diz
respeito ao fluxo constante que é vivido, do que somos, percebemos e a que
procurar dar um significado. Isto porque, como já vimos, aquilo que é sentido tem
uma compreensão implícita e pode ser articulado. Desta forma, significado não
está à parte, mas sim implícito no que sentimos. É por isso que temos às vezes, a
sensação de “saber algo”, mas ainda não compreendê-lo totalmente. Para que
esse “saber algo” potencial possa compreender-se, é preciso expressar-se; e é
nesta a relação entre experienciando e sua expressão que o significado ocorre
(idem, p. 87-88).
Morato aponta o experienciando como modo de compreender o que ocorre no
percurso “de viver transitoriamente”. Trata-se de uma dimensão que se encontra
implicada, portanto, na relação clínica e na relação pedagógica. Nesta perspectiva,
não há apenas um que ensina, enquanto outro é ensinado; não se trata
simplesmente de assimilar ensinamentos: em quaisquer relações de saúde ou
educação, o Dasein já sabe sempre algo a partir da forma como se encontra diante
de si no mundo. Cada sujeito, ao tentar expressar este saber implícito, se verá
diante do desafio de tematizar algo que, até então, era apenas subsidiário e
implícito. Com o intuito de tornar o que se expressa mais pertinente ao que se sente,
o sujeito irá “corrigindo” suas falas (e as falas do outro) nas sucessivas tentativas de
expressão. Nessa articulação, uma compreensão, inicialmente implícita e um tanto
obscura para o próprio sujeito (uma “sensação como que de compreensão”), irá
clarificando-se, dispondo-o de maneira diferente na situação e para consigo mesmo.
Desse modo, ao encontrar-se consigo, já será outro aquele a quem o sujeito irá
encontrar. E toda outra confrontação implica uma outra compreensão, implícita, mas
comunicável e articulável. É no próprio fluxo do sentimento de “estar passando pela
experiência” que o sujeito se atualiza e busca significados à experiência, e não por
um trabalho posterior.
Nessa perspectiva, ressalta-se algo de fundamental em saúde e em
educação: a abertura para se tornar outro o modo como o sujeito está disposto e se
dispondo no mundo, abrindo-o a possibilidades de sentido, pela reflexão na
experiência e não sobre a experiência. Procederia, agora, apresentar algumas
situações que deixaram essa situação se evidenciar, sob a forma de pesquisas-ação
que propiciaram conceitualizações encaminhadoras de sentido para o presente
trabalho.
3.3 Interregno
(1) intervalo entre dois reinados, durante o qual não há rei hereditário
ou eletivo (2) nos Estados que não têm reis, ausência de governo (3)
intervalo, interrupção momentânea; interlúdio [lat. interrégnum,i
'tempo decorrido entre a morte de um rei e a eleição de outro'; ver
reg(i)-] (DEH)
Continuo à frente do computador. Estou literalmente cercado de livros,
documentos, papéis, anotações, cenário característico de quem está escrevendo
sua dissertação ou tese. E, de repente, tudo isto perde sentido para mim. Muitos
questionamentos: Por que? Para que? Para quem? Como? Onde foram parar
minhas idéias e palavras? Revolta.
Percebo que isso se iniciou depois de eu consultar uma quantidade de textos,
à procura de pistas de por onde continuar meus escritos. Minha sensação é a de
que li muitos textos, que (se) afirmam categoricamente como verdades indubitáveis,
sem deixar abertura para o leitor discordar ou inventar, dado o modo de escrita pelo
qual se apresentam. Referenciam nomes ilustres como pilares para seus pensares
categóricos. Expressam-se de modo a comunicar sua incolumidade a sensações de
confusão, fraqueza, questionamento, angústia, como que des-afetados, deixando a
ver que afetos, aproximando-os do que seria próprio do humano, poderia
comprometer um pensamento eficiente. Parafraseando Kurt Goldstein, penso que
“conhecimento psicológico é uma forma psicológica de ser”. Surpreende-me quem
não se abre à dúvida.
Lembro-me do dia em que fui tomado por um grande susto. Devia eu ter uns 8
ou 9 anos de idade, quando descobri que todas as edificações da cidade em que
morava (e ainda moro) haviam, um dia, sido construídas. Elas não estiveram sempre
“lá”. Antes não havia nada lá, ou melhor, deveria ter existido vegetação, pastos,
árvores, casebres, talvez. Surpreendi-me ao perceber que muito do que tomava
como certo, não passava de meras construções, e ainda mais, de construções
demolíveis. Não eram “pontos de referência eternos” ou marcos universais, como eu
imaginava ser “aquele prédio de frente redonda”, que ficava perto da casa de minha
avó. Fui percebendo que tudo não passava de “construção”, a começar pela própria
fala, geradora de pensamentos, idéias, convicções.
Tenho boas lembranças da Avenida Paulista que, na época, era uma
seqüência de casarões e palacetes. Escrevo isto para constatar minha perplexidade
frente aos motivos que levaram tais imóveis a serem “substituídos” por arranha-céus
sem a graça da tradição e do passado. Inesperadamente, a título de preservação de
patrimônio histórico, a derrubada desses imóveis foi proibida, para, dias após, ser
noticiado pelos jornais que um dos casarões havia sido implodido durante a noite.
Entrevistados os seus proprietários, alegaram que havia sido a única forma
encontrada para que o terreno ficasse disponível para uma nova construção. O que
não se executa em nome do respeito... à especulação imobiliária!
Metaforicamente, a ciência poderia ser pensada nessa mesma direção: é um
constructo, uma construção. Está, desse modo, sujeita à “especulação científica”
que, em nome da “verdade”, destrói sem Anständigkeit o que puder entravar seu
avançado progresso: “lugares” da memória de um povo e de uma forma de pensar.
Como se novo e velho não pudessem conviver, respeitando-se, para levar adiante o
conhecimento como experiência da humanidade.
Certa vez, contaram-me uma anedota, apresentada por Guimarães Rosa em
um de seus livros. Dizia de um pai e seu filho, de aproximadamente cinco anos, que,
passeando pela cidade, ao passarem diante de uma demolição, o filho, exultante,
gritou: - Olha pai...! Estão construindo um terreno!!!
Como seria poder contemplar-se o conhecimento científico como trabalho do
homem a partir da perspectiva de construções de terreno ao invés de demolições?
Como seria construir por des-construção? Como agir por essa ótica frente à tarefa
que me proponho?
Neste momento, penso que este volteio foi patrocinado pela dissertação de
Carolina Bacchi, amiga querida, que eu lia enquanto me preparava para escrever a
próxima etapa deste trabalho. Obra belíssima que, como uma poesia, desperta um
considerável respeito e cuidado pelo modo como construiu seu pensar e sua prática.
E, cuidadoso, vou avançando na minha tarefa, em uma escrita própria, permeada
pela minha forma de ser.
3.4 Espelho Mágico
Era o ano de 1994. Recordo-me com clareza do momento em que a noção
“Espelho Mágico” nasceu. Estávamos, a equipe que desenvolvia o trabalho de
Supervisão de Apoio Psicológico com Educadores de Rua, composta de oito
pessoas, quase que amontoados na pequena sala de nossa supervisora,
procedendo a uma supervisão. Tratávamos de uma intrincada questão de
relacionamento dentro de uma das Casas Abertas que atendíamos. A supervisão
estava truncada, não fluía, pois nós não estávamos conseguindo nos comunicar,
devido a diferenças pessoais existentes em nossa própria equipe. Os ânimos
estavam acirrados quando, de repente, a supervisora, aos gritos com sentido de
“Eureka!”, bradou: “Gente! Pára, gente!! Nós estamos fazendo igualzinho a eles!” Ao
mesmo tempo, longo silêncio, risos soltos e uma sensação de alívio permitiram
reconhecer, em nós mesmos, sem palavras o que estava ocorrendo no grupo sobre
o qual discutíamos. Pusemo-nos, então, a falar de nosso próprio grupo, o de
supervisão, assim, tematizando e esclarecendo nossas próprias questões, como
meio de compreender o grupo de Educadores.
Perplexos, na visita seguinte à Casa Aberta em questão, tivemos condições
de compreender e dizer, com relativa facilidade, o que, na semana anterior, havia
sido tão intrincado e paralisante. Ao perceber essa mesma situação como outra,
concluímos que havíamos feito uma experiência de aprendizagem para a situação
em questão, uma vez que já havíamos experienciado, em outro momento, entre nós.
Com certeza não era a mesma situação, mas a passada pudera abrir recursos para
a presente. Com o tempo, pudemos explicitar como nossa re-configuração
provocava nos grupos, com os quais trabalhávamos, uma re-configuração que,
guardadas as devidas proporções, apresentava-se com caráter muito semelhante à
nossa.
Mais atentos a este fenômeno, fomos percebendo que, por sua vez, as
(re)configurações do grupo de Educadores também se apresentavam,
possivelmente, como espelhando o seu contato com as Crianças de Rua que,
enquanto grupo, também se (re)configuravam pela proximidade com os Educadores.
Assim, os movimentos e questões grupais das Crianças de Rua afetavam o grupo de
Educadores, que por sua vez nos afetavam. Percebemos que esclarecer as
questões entre nosso grupo, nossa referência, possibilitava que esse mesmo modo
pudesse ser traspassado de grupo para grupo, produzindo como que uma trama de
sentido através da ação mesma.
Pensando, neste momento, a respeito dessa experiência, recorro a
CARDOSO (2004, p. 41) que a apresenta como inter-vinda pela linguagem através
do encontro com situação de mundo-com-outros como acontecimento. “É nesta
relação/passagem que o novo/outro sentido vai sendo construído, vislumbrado,
clareado, contornado. Entre o “não mais” e o “ainda não”, o acontecimento irrompe”.
Afinal,
Cada agora que dizemos é simultaneamente, também, um acaba de e um logo a
seguir, isto é, o tempo a que nos dirigimos com o nome de ‘agora’ tem em si um
lapso. Todo agora tem em si, também, um acaba de e um logo a seguir.
24
(HEIDEGGER, 2001, p.61).
Implica, assim, numa passagem de temporalidade, no trânsito entre
significados/sentido: um tras-passar, dado um sentido apontado por esse verbo
pela compreensão de:
“Traspassação: dor penetrante, Traspasse – morte, falecimento”.
(FERREIRA, 2001, p.1992).
Segundo FIGUEIREDO (1994, p. 152), “na condição de disruptor de uma
trama ou tecido – ou seja, na condição de destecedor – o acontecimento efetua uma
atividade analítica
25
no sentido próprio da palavra”. Nesse sentido, acontecimento e
traspassamento articulam-se, para de Figueiredo (1998, p.67), pois “exigem um
permanente trabalho re-tradutivo”. Desse modo, para CARDOSO (2004), o psicólogo
torna-se um participante de “enigmas a-traduzir”, na medida em que se permite
afetar e ser afetado pelo acontecimento/traspassamento, manifestado na situação
da clínica, pelo seu modo de dizer/escutar enquanto mostrar/receber. Assim,
eles são as marcas vivas, feridas nunca plenamente cicatrizadas, de certos
acontecimentos que estão sempre em vias de re-acontecer, ou seja, são feridas
24
Grifos do autor.
25
Grifos do autor.
que deixam sempre em aberto o sujeito em sua traspassibilidade (FIGUEIREDO,
1998, p.67).
É nessa perspectiva, prossegue CARDOSO (2004, p. 82) que se abre ao
outro/cliente uma possibilidade de novo/outro, pois que, como afetável que também
é, “se permite ser atingido, tocado e tragado pelo que se apresenta a ele, podendo
“fazer uma experiência”, no sentido heideggeriano, sendo, nesse movimento,
traspassado e transformado”. Como aponta FIGUEIREDO (1994, p. 122), “Fazer
uma experiência é um encontro com o outro na sua alteridade e, portanto, um
acontecimento dramático”.
Acompanhados por essas leituras, compreende-se como, após algum tempo,
pudemos perceber como o grupo de supervisão sofria influências múltiplas, pelo fato
de trabalharmos em duplas, concomitantemente em quatro casas. O modo de
organização de cada uma delas afetava a todos de nosso grupo, provocando em
nós uma repercussão como se fôssemos uma caixa de ressonância. Uma vez
esclarecido esse fenômeno no contexto grupal, cada dupla podia conduzir, para seu
próprio grupo de Educadores, as questões repercutidas, abrindo espaço para sua
reconfiguração, e possível desmembramento para o grupo de meninos.
Percebendo o quanto tal prática se multiplicava, de repercussão em
repercussão, compreendemos que o que fazíamos era uma forma de atenção e
cuidado tanto para com os Educadores quanto para com as Crianças, sendo os
Educadores como que multiplicadores do trabalho que com eles desenvolvíamos. A
partir disso, o fenômeno Espelho Mágico pode ser observado em situações diversas,
como, por exemplo, em supervisões individuais na prática particular, em supervisões
com grupos de alunos do último ano de graduação em Psicologia, no trabalho com
os técnicos do Projeto Esporte-Talento (do qual participavam aproximadamente 20
técnicos, atendendo a 400 crianças, com nossa equipe contando com 30 membros),
na supervisão de Plantão Psicológico em unidades da FEBEM (grupo de oito
plantonistas atendendo a uma população de aproximadamente 20 funcionários e
100 internos), conduzindo-se até este presente trabalho.
BACCHI (2000), numa descrição concisa e completa, fala da riqueza e de seu
encantamento por esta “ferramenta de trabalho”, arrolando os aspectos que
considera por ela contemplados:
Nos reflexos, ao finalizar minhas reflexões, encontro um caminho para
admirar e acessar o humano, promovendo modificações. Deparei-me,
acidentalmente, com o que minha imagem pensada já havia me revelado: a
vertiginosa experiência de descobrir-se entre os reflexos, participando da
cena que, como uma dança, delineava-se delicadamente em muitos
movimentos espetaculares. Seria um encantamento saber-se sozinha lá
dentro... Acompanhada de todas as crianças e educadores, o efeito se
ampliava enormemente. (...) Descobrir a sala de espelhos era descobrir-me e
descobrir o que acontecia e o que fazia. Doá-la ao leitor no formato de uma
pequena história narrada era incluí-lo e criar uma possibilidade de
compreensão na revelação do espelhamento mesmo. Era criar uma maneira
de apresentá-lo/analisá-lo... (...) O espelhamento assim compreendido é
condição de proximidade e distanciamento, necessária atitude no âmbito do
cuidado humano. Dessa maneira, o fenômeno espelhamento, observado via
os grupos de supervisão, apresenta-se como expressão de possibilidade de
cuidar cuidando-se. Um significado possível de aproximação para
compreender fazeres e dizeres. (BACCHI, 2000, p 269)
26
Por outro lado, na citação de ANDRADE e MORATO, o Espelho Mágico é
algo como um fenômeno que, ocorrendo, permite transformações no contexto do
limite entre prática psicológica e instituições, conduzindo à questão da Supervisão
de Apoio Psicológico, tema do próximo capítulo.
As reflexões e re-configurações acerca das práticas psicológicas nas
instituições atendidas surgiram através das próprias dificuldades oferecidas
no andamento dos trabalhos. Na perspectiva de atendimento à demanda,
impôs-se, por um lado, a necessidade de abandono de certas concepções
tradicionais de clínica e teoria psicológica e, por outro, como alternativa para
contemplar as emergências trazidas ao serviço, utilizou-se uma proposta de
psicologia social clínica com referencial fenomenológico existencial, que
permitiu perceber e refletir sobre as transformações que o próprio serviço de
atenção psicológica, de um lado, e as instituições solicitantes, de outro,
sofreram ao longo do tempo. A expressão "espelho mágico" refere-se,
neste contexto, à dinâmica através da qual tais transformações ocorrem na
interface serviço-instituição. (ANDRADE e MORATO, 2004, p. 27)
No bojo deste questionamento, encontram-se trabalhos de alguns
pesquisadores brasileiros preocupados com a situação atual de impasse da prática
psicológica. Valho-me, agora, de discussões apresentadas por MORATO (2000),
como propostas de discussões ventiladas por um grupo desses pesquisadores.
Considerando o psicólogo como profissional do encontro com a alteridade, ao
invés de eliminar qualquer perturbação da representação (filiação teórica, coerência
e lógica), sugere-se que o estudante seja confrontado com situações como “campo
para experiências, lugar para o aprendizado do múltiplo, do outro, do diferente, um
aprendizado da possibilidade de construção de modos válidos de conhecer”
(CUPERTINO, 1995, p. 257). Para isso, o corpo docente necessita empenhar-se
com proposta de promoção de atividades de ensino e pesquisa com seus alunos, a
26
Grifos da autora.
partir destes pressupostos. Atividades de pesquisa conjunta entre alunos de
graduação (iniciação científica) e pós-graduação, envolvimento e participação ativa
em experiências de campo na própria instituição e comunidade são fundamentais. O
confronto com as próprias limitações, a passagem de um distanciamento objetivo
para a apropriação da sensibilidade e a integração entre o saber acumulado e a
prática seriam privilegiados.
A prática psicológica em instituição impõe-se como elemento facilitador do
processo de aprendizagem do psicólogo, desde que ensino, atendimento,
supervisão e pesquisa entrecruzem-se como condições de elaboração da
experiência na compreensão dos fenômenos de subjetividade e intersubjetividade.
Passar pela experiência da prática psicológica em situação de campo propicia
possibilidade de redimensionar possíveis representações das atividades e modos de
atuação do psicólogo no contexto atual da realidade social.
Uma tal prática poderia criar um espaço onde poderia ser recuperada a
capacidade de conhecer através das lacunas que se estabelecem entre a
expectativa e a experiência (CUPERTINO, 1995, p. 159). A ocorrência de um
pensamento fora das expectativao5i0004sTw -28.69 0ol v0 Tdotrecruumaômenos de
entre natureza e ser humano, separando-os ou unindo-os. Diz respeito à capacidade
artesanal do homem na mundaneidade. Ação é atividade exercida diretamente entre
os homens, sem mediação das coisas ou da matéria. Diz respeito à condição
humana de pluralidade e, assim, refere-se diretamente à vida política. É, ao mesmo
tempo, um meio de liberdade (capacidade de reger o próprio futuro) como também
única forma de expressão da singularidade individual. Refere-se ao ‘si-mesmo’.
Portanto, a ação é a fonte do significado da vida humana, a capacidade de se
começar algo novo através do qual o sujeito pode revelar sua identidade. Nesta
medida, a “vida ativa” está intimamente relacionada a ‘polis’, dizendo respeito à
condição do ser humano entre homens. Aparece sempre como a “in-quietude”,
contrapondo-se à vida contemplativa (theoria), que visa garantir o eterno, a
imortalidade. Essa mesma preocupação humana prevalece em todas as atividades
dos homens, sem excluir nem labor nem trabalho.
Nesse contexto, vida afetiva refere-se a fazer algo, no mesmo mundo onde os
homens vivem juntos, em presença dos objetos. Ação diz respeito ao conceito de
processo baseado na experiência humana real, que se realiza no percurso, ou seja,
em trânsito pela vida. Assim, práxis refereria-se aos “negócio humanos”, à finitude, e
não ao lugar da atividade política no sentido usual do termo como aponta a doutrina
Marxista (BENJAMIN, 1985).
É no contexto da prática psicológica em instituições de saúde e educação que
tem se descortinado a pluralidade teórica, demandando do psicólogo em formação
um ancoramento na experiência como modo de inventar outras possibilidades de
intervenção para além das “tradicionais”. Dentro dessa nova perspectiva, um grupo
de pesquisadores optou por adotar o nome “Práticas psicológicas em instituições:
atenção, desconstrução e invenção”, como temática de seus questionamentos.
Nessa direção, MORATO (1999, p.78-79) discute como uma atividade prática
possibilita reflexão investigativa, revelando como ocorre a implicação do sujeito nos
diversos encontros de prática psicológica em instituição em que não existe um saber
dado, mas sim um conhecimento a ser produzido por aqueles envolvidos no
processo. Estes processos vão desde a relação professor/aluno, passando pela
pesquisa, pós-graduação, extensão, estágio e os demais contextos experienciados
pelo aluno ao longo do curso, criando não só um espaço de responsabilidade para
entrar em contato com a possibilidade de repensar a atuação do psicólogo frente às
demandas sócio-culturais prementes do país, mas também facilitando o
desenvolvimento e a ampliação de uma rede de serviços de atendimento para a
população. Ou seja, pode conhecer as necessidades da comunidade, indo
diretamente a campo, experimentando o papel do psicólogo como um agente
contribuidor de transformação e multiplicador social, nas áreas de educação e
saúde, e em situações emergenciais, por meio de atividades que, supervisionadas,
propiciam uma compreensão da função multiplicadora da prática, do psicólogo. É
pela articulação entre prática e sua supervisão que se estabelece uma reflexão de
espectro multiplicador.
Partindo-se da explicitação da atenção às demandas sociais, e caminhando
por uma prática psicológica que se propõe a desconstruir a hegemonia do
pensamento da modernidade e dentro da dimensão da contemporaneidade, as
investigações têm se dirigido para problematizar as relações tensionais entre tal
prática e as instituições nas quais se efetivam. Nesse sentido, busca-se refletir em
que medida e quais brechas poderiam ser entrevistas pela promoção dessa prática,
visando que, efetivamente, possibilite transformações tanto para o campo de
atuação do psicólogo (e outros profissionais de saúde e educação), quanto para sua
formação e oferecimento de melhoria de serviços com qualidade à comunidade.
Para isso, parte-se das condições do mundo e sociedade atuais, para buscar, no
modo de ser e viver do homem contemporâneo em confronto com a tecnocracia
científica, quais as possibilidades e que desafios se impõem a investigadores
inquietos com a fragmentação e o desamparo social, ético e político da humanidade
no terceiro milênio.
Essas inquietações refletem-se nos mais recentes trabalhos, contemplando
um percurso desde um questionamento mais amplo, expresso nos temas de
3.5 Supervisão de Apoio Psicológico
Vejo-me, agora, ante a tarefa de descrever uma das minhas facetas enquanto
profissional da Psicologia. Dentre elas, encontram-se as atividades de aluno,
cidadão, terapeuta, professor, supervisor de estágios acadêmicos, supervisor de
apoio psicológico, consultor e coordenador de um instituto privado de fomento à
Gestalt. A seqüência de tais atividades foi determinada pela sua ordem de entrada
em minha vida. Todas valeram e ainda me valem como experiência,
experimentação, vivências e aprendizados que se confundem (lat.
confundo,is,fúdi,fúsum,fundère 'misturar uma coisa com a outra, reunir, confundir'; ver
2
fund-; f.hist.
sXIII confundir, sXIII confonder, sXIV cõfuder),
definindo-me enquanto profissional. Assim,
somente através de artifícios me é possível falar delas. Eu sou tudo isso (esse
hibridismo).
Todas expressam minha preocupação com o humano, seu percurso pela vida
para serem, com a cidadania, com a ampliação de horizontes que acarretem numa
melhoria de qualidade de vida, que, neste contexto, passa muito longe de ser
sinônimo apenas de melhores condições financeiras sem, no entanto, excluí-las.
Além disso, todas acentuam o fato de eu estar sempre me preocupando com aquilo
que ocorre entre, seja entre membros de um grupo, seja entre mim e meu cliente,
entre mim e um grupo, entre os alunos, entre mim e os alunos; enfim, entre homens.
Pois é este entre o que caracteriza minha relação com aqueles com quem trabalho,
sendo através desta relação que se torna possível atingir meus objetivos. Nunca
definidos a priori, eles vão sendo apresentados e significados por todos os presentes
no âmbito do trabalho em andamento. Contudo, têm uma destinação: visam uma
mudança, ou melhor dizendo, um acontecimento. E tal mudança/acontecimento vai
ocorrer pela e na relação, pelo e no entre. Nesse sentido, diz respeito a uma forma
de atuação que privilegia a experiência ou o experienciar.
No tocante a esta forma de conceber o pesquisar (examinar) e o trabalho que
visa mudanças, GENDLIN (1997) diz:
É claro que não se pode ficar de fora desta relação a fim de conduzir um tal
exame. As relações a serem examinadas serão obtidas no próprio processo de
examinar. O experienciar desempenhará um de seus papéis no processo de falar
sobre – e com – elas. Assim, esta filosofia é sempre reflexiva. Pode dizer o que
diz, só que aquilo de que fala também funciona no próprio dizer. E uma vez que
diz como o lado experiencial sempre excede os conceitos, isto também ocorre com
os conceitos bem aqui. As “relações funcionais” e “características” apresentada
neste livro são, elas mesmas, modos específicos nos quais sua própria formulação
pode ser superada. (...) Uma vez que podemos empregar os papéis do
experienciar (...) para pensar com e sobre estes mesmos papéis, podemos, da
mesma forma, pensar com eles qualquer outra coisa. O projeto requer e torna
possível um pensar que emprega mais que a lógica conceitual, papéis ou
distinções. Nos tornamos aptos a pensar com o intrincado das situações
(experiência, prática). (...) Mas já não utilizamos isto? Interferências lógicas
nunca são puras. Há sempre na situação um contexto experimental implícito que é
mais (...) que qualquer forma já formada. O que podemos acrescentar a isto?
Nada menos que a totalidade de uma nova força do pensar humano. Se nos
enfiarmos mais em como (...) funciona, estaremos aptos a empregar isto
deliberadamente, e descobrir que muitas formas de pensamento se abrem a partir
disto, que de outra maneira não existiriam. (...) Mas experienciar e conceitos (ou
símbolos) certamente não são duas coisas separadas que têm que se “relacionar”.
Cada uma delas está sempre implícita na outra. Não existe um maior número de
“experiências não simbolizadas” que de “lógica pura”. Mesmo sem palavras ou
conceitos explícitos, o experienciar é “simbolizado” no mínimo pelas interações e
situações nas quais o experienciar ocorre. Mas se lá estão sempre somente
ambas, como podemos atribuir precedência ao experienciar em detrimento da
inseparável simbolização? Se cada momento é ambos, parecia impossível saber
o que teria sido feito por um ou pelo outro. Mas existe uma maneira de discernir
seus diferentes papéis – nas transições de uma ação ou afirmação, para outra.
27
Nesta citação, GENDLIN apresenta os pressupostos de uma aprendizagem
que ocorreria pelo experienciar, aproximando-se do que discuti, acima, como sendo
fazer experiência. Tratar-se-ia de Aprendizagem Signficativa, que percebo permear
as esferas da minha atuação profissional, sendo, por isso, discutida no próximo ítem.
À semelhança de HEIDEGGER e GOLDSTEIN, GENDLIN está cuidadosamente
introduzindo as bases para seu trabalho, mostrando como e por que ele difere do
trabalho, tanto educacional quanto psicoterápico, fundamentados exclusivamente na
razão. Esclarece que o experienciar (experiencial) é simbolizado por conceitos ou
símbolos como por afetos, fazendo-se sempre presente em todos os momentos. Ao
referir-se às transições, mostra como o experienciar sucessivo vai modificando a
pessoa, levando-a a tomar rumo no seu pensar e agir. A rigor, está tornando
presente e atuante a afetabilidade do humano, portanto, como Befindlichkeit, vista
por uma outra perspectiva.
Explicitado o como de meu trabalho, quero agora descrever meu trabalho
como Supervisor de Apoio Psicológico. Trata-se de uma prática que visa capacitar
28
o profissional de saúde e/ou educação a realizar sua tarefa da melhor forma
possível. Isto significa mobilizar neste profissional seus recursos pessoais. Parto do
princípio que ele pode encontrar as respostas aos seus questionamentos
27
Grifos do autor.
28
Capacitar não é exatamente um termo apropriado, visto que ninguém tem o poder de capacitar o outro.
Contudo, por enquanto, por falta de melhor opção, será utilizado, contando que no decorrer do trabalho uma
palavra mais significativa se apresente.
profissionais dentro de si próprio, na medida em que se localizar em relação a si
próprio, à sua clientela, à instituição na qual está inserido e ao Supervisor de Apoio
Psicológico, o potencial “portador” da mudança, e que pode não ser bem-vindo ao
meio no qual pretende trabalhar, justamente por ser o portador de mudanças, aquele
que pode causar um desequilíbrio na situação atual, aquele que pode vir a fazer com
que se evidencie no grupo a necessidade de um outro equilíbrio, uma outra
possibilidade, um outro sentido.
Para MORATO (1999, p. 72-73), a supervisão
(...) estaria contemplando o interjogo do processo de conhecimento como discutido
por FIGUEIREDO (1995). Implica zona de trânsito entre o conhecimento tácito ou
pessoal (constituído a partir de disposições e habilidades afetivas, cognitivas,
motoras e verbais do sujeito, de natureza pré-reflexiva e eficazmente incorporadas
no corpo) e o conhecimento explícito ou focal (passível de tematização por esforço
reflexivo e representacional, pressupondo distanciamento, mas carente de
compreensibilidade). Como compreender diz respeito à possibilidade de
transformar as experiências afetivo-cognitivas em criação de sentido, a partir de
vivências sensíveis (GENDLIN, 1962), para o conhecimento focal é básico o
conhecimento pessoal como fundo significativo e contextualizado.
Assim o sentido de supervisão do qual se parte é: situação contextualizada
para que um profissional resgate sua própria condição de indivíduo com dúvidas e
estranhamentos em seu contato profissional de ajuda a indivíduos, para que, a
partir de seus próprios questionamentos e dificuldades, possa apresentar-se mais
propriamente receptivo e disponível em sua atuação de ajuda para encaminhar o
cliente a redimensionar-se em sua vida. Possibilidade de constituição de
subjetividade pela criação de sentido.
Para a autora, esse interjogo pode ser compreendido como uma prática de
supervisão, como “um elemento facilitador do processo de compreensão dos
fenômenos de subjetividade e intersubjetividade” (idem, p. 72), uma aprendizagem
em movimento que possibilitaria ao supervisionando abrir-se às multiplicidades e
imprevistos com as quais poderia vir a encontrar-se em seu trabalho, dando-lhe a
ver sua condição de, ao mesmo tempo, tocar e ser tocado pelo mundo. Essa mútua
tangibilidade permite a criação de sentido, constituindo a subjetividade ao nomear o
mundo pelo encontrar-se.
Investido do papel de Supervisor, assumo ações que podem tanto ser
terapêuticas quanto pedagógicas. Lanço mão de todos os meus recursos
disponíveis no momento, para disponibilizar no outro seus recursos próprios.
Considero-me um membro da equipe com a qual trabalho, reconhecendo-me pelo
pronome “nós”, que freqüentemente utilizo. No tocante ao aspecto terapêutico do
trabalho, quero deixar claro que ele acontece dentro de limites, uma vez que a
proposta não é de psicoterapia no sentido tradicional.
Por outro lado, outra vertente desta prática clínica encontra-se, também, na
Psicologia Social, pela qual a intervenção psicológica une olhares de um
clínico e um investigador na situação real dos sujeitos sociais, ou seja, em
seu cotidiano, constituídos e constituintes de organizações, comunidades,
instituições. Desta maneira, deparamos-nos com uma forma de ação recente
da Psicologia, realizada e pesquisada pela Psicologia Social Clínica ou
Psicossociologia (ANDRADE e MORATO, 2004, p. 26)
Quando leio, em ANDRADE e MORATO, a expressão Psicologia Social
Clínica, sou remetido às experiências profissionais pelas quais passei, e tal
expressão me libera e liberta de enquadres da “saia justa” da Psicologia Clínica
tradicional, direcionando-me a uma Psicologia que posso exercer onde quer que
haja um entre. Ao apresentar isso, ocorre-me o trabalho desenvolvido no Projeto
Esporte-Talento, sobre o qual ainda neste capítulo há um breve relato. Nele, os
atendimentos clínicos e supervisões aconteciam em quadras de esporte,
arquibancadas de ginásios esportivos, nos gramados do CEPEUSP, na raia
olímpica, nas mesinhas da lanchonete, em salas fechadas, nos vestiários, nos
banheiros dos vestiários... Um trabalho efetivo, in loco, imediato, rico em
possibilidades, e fascinante.
Se, por um lado acabei de falar da Supervisão de Apoio Psicológico como
uma modalidade atual da prática psicológica em clínica, procede agora, em
contrapartida, apresentá-la como uma possibilidade em prática educativa, também
distante dos enquadres educacionais tradicionais.
Cabe falar agora de educação, educação enquanto algo que diz respeito à
possibilidade de o homem habitar a sociedade em que vive, ou seja, processo que
permite ao homem “humanizar-se”. Educar não é apenas ensinar ou corrigir, é
fazer daquele indivíduo alguém capaz de ser responsável por si mesmo, no
sentido de assumir sua própria identidade. É permitir que este se aproprie da sua
individualidade, do seu modo de ser no mundo. Portanto educar é uma tarefa que
nos remete ao oferecimento de condições favoráveis para o desenvolvimento e
crescimento. Sendo assim, educadores se mostram engajados nesse processo,
compromissados diretamente com ele. Qualquer ato educativo supõe a criação de
um ambiente possível de suscitar descobertas. Ambiente este que também inclui o
educador, na medida em que ele funciona como “catalisador” da produção de
novos sentidos, pois permite a relação daquele que quer conhecer com o objeto a
ser conhecido, relação que reconstrói objeto e sujeito, modifica-os, e engendra a
apropriação do conhecido pelo conhecedor. Nesse sentido, educador é alguém
capaz de acompanhar o indivíduo na descoberta que esse realiza do mundo e de
si mesmo, já que ao descobrir o mundo, o próprio indivíduo é redescoberto.
Encontro entre educando e mundo possibilitado por educador, que se desprende
de si para promovê-lo (BACCHI, 1999, p. 217).
Acredito que a riqueza deste texto de BACCHI resida no fato de
educação ser compreendida por num enquadre extremamente lato, já que poderia
ser direcionada a uma multiplicidade de atividades profissionais, onde quer que haja
“humanidade”. Afinal, onde quer que haja um “entre”-humanos, como, na atividade
profissional de professores, assistentes sociais, fonoaudiólogos, fisioterapeutas,
médicos, enfermeiros, dentistas, terapeutas ocupacionais, psicólogos, enfim, os
profissionais de encontro
29
, vislumbra-se essa condição da con-vivênvia; além de
outros que, mesmo não sendo assim compreendida a tarefa característica de suas
profissões, a desempenham, sob certas situações, como advogados, engenheiros,
biólogos, faxineiros, bedéis, jardineiros, porteiros... A meu ver, a questão chave é o
desprendimento de si, do qual fala a autora, que compreendo como generosidade
[lat. generosìtas,átis 'nobreza, boa qualidade, boa raça (de animais)'; ver gen-; DEH (Note-
se que o elemento de composição gen- é o mesmo daquele de gênese, ou seja, nascer,
gerar, produzir)],
com o sentido da ge(ne)ração de algo.
BACCHI (1999, p. 215) resgata a origem da denominação da atividade de
Supervisão de Apoio Psicológico “... no sentido de diferenciá-la de algo como uma
supervisão técnica, onde se enfatiza a consecução correta da tarefa (...) A finalidade
não é orientação, e sim instrumentalização do profissional...”. Comenta a importância
desta proposta de prática para profissionais de saúde e educação em função da
possibilidade de redimensionamento de seu cotidiano de atuação, permeada por um
olhar não contaminado, que resgata o profissional propriamente dito de sua ação.
A respeito dos Supervisores de Apoio Psicológico, afirma que
São profissionais que se propõe a trabalhar com outros indivíduos numa relação
de ajuda, o que os defronta com os mecanismos presentes em qualquer relação
humana. Portanto, se expõe e se permitem entrar em contato com outras
subjetividades, o que só é possível a partir da própria inserção subjetiva nessa
relação. Nessa perspectiva, o profissional empresta sua subjetividade e, assim,
pode estabelecer uma real relação de ajuda, seja visualizando, em última
instância, a educação ou a saúde (idem, p. 215)
BACCHI fala do desprendimento de si, característico dos profissionais que,
através de seu trabalho, visam uma produção compartilhável, algo da ordem da arte
(ars) que, portanto, envolve liberdade, criatividade e prazer na consecução de seu
trabalho, colocado aqui em oposição a trabalho burocrático, puro e simples
cumprimento de tarefas.
A seguir, faço um breve relato do que foram os meus três anos de
participação como Supervisor de Apoio Psicológico no Projeto Esporte-Talento
29
Expressão de FIGUEIREDO (1993).
(PET), um convênio entre o Instituto Ayrton Senna (IAS) e o Centro de Práticas
Esportivas da Universidade de São Paulo (CEPEUSP). A situação aqui relatada
refere-se a como esse projeto acontecia entre os anos de 1996 a 1999, quando da
participação do IPUSP nessa empreitada.
O Projeto Esporte-Talento é desenvolvido no CEPEUSP com apoio financeiro
do IAS. Seu objetivo é oferecer, a jovens entre 10 e 16 anos, de população de baixa
renda, a possibilidade de se desenvolverem dentro das modalidades esportivas
oferecidas pelo PET (futebol, handebol, basquete e canoagem) e a oportunidade de
que este processo possa tornar-se também uma experiência educativa através do
esporte, logrando uma experiência de crescimento pessoal e desenvolvimento da
cidadania. Dentro das possibilidades financeiras do PET, era oferecida, aos jovens,
ajuda sob forma de passes de ônibus e lanches.
Como o PET era desenvolvido dentro da Universidade de São Paulo, foram
contatados os institutos e faculdades que poderiam oferecer préstimos de interesse
para o PET por se interessassem pela proposta. Assim, estavam envolvidos, de
forma nominal ou efetiva (dependendo do interesse e disponibilidade), estagiários e
profissionais, como técnicos esportivos, assistentes sociais, nutricionistas,
fisioterapeutas, médicos do Hospital Universitário e psicólogos do Serviço de
Aconselhamento Psicológico (SAP) do IPUSP.
A atuação do SAP no PET contemplava duas vertentes: uma que se dedicava
ao trabalho diretamente com os jovens, outra que se dedicava ao trabalho com os
técnicos esportivos. O trabalho por mim desenvolvido refere-se à atuação com os
técnicos esportivos. Devido a uma confusão de organização por parte dos
profissionais ligados ao CEPEUSP, ela acabou se refletindo, também, sobre a equipe
do SAP. Havia uma grande desinformação quanto às propostas e objetivos do PET,
que ora parecia ser deliberadamente causada, ora parecia ser reflexo da
organização do próprio programa em fase de implantação.
A consígnia de que a prática psicológica oferecia-se para aqueles que dela
quisessem participar parecia não ser compreendida. O coordenador geral
convocava, quase que compulsoriamente, os técnicos para comparecerem às
reuniões, o que ocasionava uma “participação com má vontade”. Alguns finalmente
se interessaram por nossa proposta e, com eles e a partir deles, foi possível
desenvolver um trabalho.
As reuniões começavam sempre atrasadas, com um pequeno número de
participantes, mas, à medida que o tempo passava, iam chegando outros membros
do corpo técnico. Estas reuniões ocorreram em base mensal, uma vez que eram
realizadas em horário destinado a reuniões técnicas do grupo, das quais não
poderiam abrir mão mais de uma vez por mês. Tal hiato de um mês fazia, porém,
com que parte da prática desenvolvida se diluísse no tempo; a cada reunião, era
necessário destinar um tempo muito grande (aproximadamente quase metade das
duas horas disponíveis) para aquecimento e retomada de questões.
Invariavelmente, eram abordados temas relativos à organização do PET,
problemas com as verbas, que, segundo os técnicos, era insuficiente, além de, às
vezes, serem suspensas dada a demora na renovação do convênio CEPEUSP-IAS.
Discutiam-se as conseqüências dessas situações na sua relação com os alunos:
como fazê-los treinar o ano inteiro, para, depois, não haver verba para participarem
de torneios; como atuar frente à frustração causada por tal situação. Em função
disso, geralmente pediam nossas “dicas técnicas” essa atuação, como que
eximindo-se de seu comprometimento pessoal.
A partir dos relatos dos técnicos nessas ocasiões, ficava evidente que, fora as
condições não adequadas para o desenvolvimento do trabalho, eles tinham grande
prazer em desenvolvê-lo, não encontrando, via de regra, muitos problemas para
realizá-lo. Quando ocorriam, pareciam dever-se, principalmente, pela interferência da
estrutura organizacional do PET (IAS e direção do CEPEUSP), referentes não
somente à insuficiência de verbas, mas fundamentalmente quanto a ingerências em
forma de mandos e desmandos tanto a que atividades realizar quanto a como
deveriam trabalhar. Tais situações complicavam-se ainda mais, habituados que
estão a funcionar enquanto indivíduos, com muita dificuldade de se articularem
enquanto uma equipe de técnicos: para além de sua especificidade de técnicos em
modalidades esportivas diferentes, todos poderiam partilhar do mesmo objetivo no
que diz respeito à tarefa a ser desenvolvida com os alunos. Essa forma individualista
acentuou-se nas próprias reuniões, já que muitos técnicos, pertencentes a
modalidades diferentes mas trabalhando no mesmo horário, ficaram se conhecendo
somente nessa ocasião. Desse modo, parte do tempo eram discutidas relações
políticas e ideológicas dos técnicos entre si, além daquelas entre eles e seus alunos
e com as instituições envolvidas no PET.
Durante o processo, aparentavam ter dificuldade de falarem de si próprios
enquanto pessoas, tendendo mais a discutir as questões de um ponto de vista
objetivo e técnico. Nesse sentido, dedicavam boa parte do tempo a discutir assuntos
burocráticos (há que se levar em conta que o coordenador da equipe de técnicos
esteve presente a todas as reuniões), como que “fugindo” de temas mais pessoais.
No entanto, após um semestre de encontros com nossa equipe, passaram a discutir
possibilidades acerca de como formarem e serem efetivamente um grupo de
técnicos, com objetivos comuns e pertencentes a um mesmo programa. Pareciam ter
podido iniciar uma articulação. Com isso, foi se tornando evidente como apenas uma
pequena minoria entre os técnicos conseguia compreender o cunho educacional a
que se propunha o PET. A maioria tendia a considerá-lo por uma ótica esportiva
técnica, visto que, no início de sua implantação, o próprio coordenador geral assim
compreendia e queria conduzir o PET, mesmo que contra as diretrizes de seu
parceiro IAS.
Como coordenador do grupo, a impressão mais marcante dessa prática é o
desgaste causado pela desconstrução constante do já construído, demandando a
cada reunião um recomeçar. Além do espaçamento entre as reuniões, essa
configuração decorria dos freqüentes “golpes” (ordens, contra-ordens, solicitações
sem o respectivo respaldo político, financeiro e de infra-estrutura) desferidos ao
grupo pela organização do programa entre uma reunião e outra.
A prática foi realizada com dois grupos de técnicos, em função de seus
horários de trabalho. Após um período inicial de aproximadamente um semestre, os
dois grupos começaram a se diferenciar de forma acentuada. O grupo A foi,
paulatinamente, abordando questões mais pessoais, mas relacionadas ao trabalho
desenvolvido, revelando um grupo bastante coeso e organizado em comissões para
cuidar de tarefas específicas. Em função da falta de verbas, criaram a “campanha da
latinha”, na qual seus alunos traziam tantas latas quanto possível, para serem
recicladas, obtendo, assim, uma receita extra para gastos necessários, como compra
de uniformes para jogos em competições, dado que conseguiam colecionar, em
pouco tempo, um número enorme de latinhas. Em determinado momento os
técnicos, já bastante articulados, pensaram em recorrer ao registro de sua
experiência no PET como artigo para publicação. Tal idéia decorreu como
necessidade de defesa frente às ingerências sofridas durante seu processo, para
que pudessem se respaldar em sua própria experiência e em bibliografia, em
reuniões com os coordenadores do PET. Compreendiam isso como uma forma de
não serem “levados de roldão” quando se vissem frente a uma lógica racionalista,
que não contemplasse os aspectos afetivo e educativo de seu trabalho. Percebiam
como é diverso o modo de medição de crescimento pessoal caso se opte por um
modo não objetivo.
Nesse sentido, o grupo B encontrava-se em outro momento, não cabendo
nenhuma comparação por juízo de valor. Dentre seus membros, havia alguns mais
velhos e experientes, que, por terem sido técnicos precursores no PET, tendiam a
considerá-lo quase como um projeto pessoal, eminentemente técnico, à procura de
talentos esportivos. Negavam-se, de certa forma, a concebê-lo como um projeto
eminentemente educativo, e técnico dentro do possível, já que apenas uma pequena
parcela dos alunos teria possibilidade de se revelarem como talento em termos
esportivos. Em contrapartida, como a maioria dos demais técnicos compreendia que
o projeto poderia ser, através do esporte, uma rica experiência educacional,
procurava impor suas opiniões, não abrindo espaço para idéias e pessoas diferentes.
Os encontros com este grupo foram, via de regra, foram tensos e agressivos. A
impressão era que os membros mais velhos se incomodavam com a presença do
Coordenador do PET no grupo, por não ter ele participado dos primórdios do PET,
mas agora com papel de poder na condução do projeto. Parecia que eles é que
achariam justo ocupar uma tal posição. Dentro desta perspectiva, pareciam disputar
entre si qual deles deveria, teoricamente, ocupar esta posição nas discussões atuais
do grupo, marcando, assim, sua prevalência de opinião para condução. Era como se
o grupo devesse respeito aos “donos” implícitos.
Contudo, com o passar do tempo, tal configuração foi paulatinamente se
modificando, e o grupo começou a tomar um rumo semelhante ao do grupo A.
Chegou até a verbalizar, nos encontros, tal diferença entre grupos, diferença essa
que, apesar das pesadas criticas de seus participantes, puderam mobilizar o grupo,
que se percebeu pesado e parado no tempo. Mostraram ressalvas para declarar a
vinculação afetiva que tinham com o trabalho e com os alunos, não se legitimando
como referência profissional, pessoal e afetiva para eles, como se isto não pudesse
ser contemplado pelo fato de serem “técnicos”.
Muitas vezes lhes foi perguntado se achavam que deveríamos continuar o
trabalho de Supervisão de Apoio Psicológico, ou não. As respostas em geral não
eram elucidativas, mas quase sempre muito controvertidas, revelando o desconforto
que a situação lhes causava. Se, por um lado, pareciam querer interromper os
encontros, por outro pareciam querer sua continuidade, como que informando que,
apesar do incômodo, de alguma forma consideravam o trabalho importante. Apenas
um técnico de uma das modalidades esportivas se colocou frontalmente contra
nosso trabalho, não comparecendo mais às reuniões (“Não temos tempo de vir aqui
ficar discutindo estas coisas. Dar treino é mais importante”).
Do meu ponto de vista, o trabalho foi muito produtivo para ambos os grupos.
Foi possível observar uma mudança entre os participantes, considerando-se os
temas que foram sendo abordados nos encontros: permitiram-se abrir a perspectiva
eminentemente técnica, em favor de questões pessoais e referentes a como oferecer
o melhor de si aos jovens. Ocorre-me uma frase do dramaturgo Plínio Marcos:
de Apoio Psicológico. Com certeza, revelava-se, com isso, o resultado de nosso
trabalho, pela constituição de um grupo de técnicos que podiam se autogerir,
buscando formas de contornar problemas e encontrar soluções, sem esperar ou
depender de “ordens ou normas que viessem de fora”.
Creio que essa remoração pode revelar o sentido pelo qual BACCHI discutiu
essa modalidade de prática clínica. Assim, se no presente capítulo a Supervisão de
Apoio Psicológico foi apresentada e discutida nas suas diferentes formas possíveis,
apresentarei agora as Oficinas de Recursos Expressivos, primeiramente de forma
genérica, para então comentá-las como uma das formas possíveis de se fazer a
Supervisão de Apoio Psicológico.
3.6 Oficinas de recursos expressivos – oxigenação
oficina
lat. officína,ae (opificína em Plauto) 'oficina, tenda, fábrica, manufatura; donde acp.
mais precisas em linguagem técnica: galinheiro, aviário; forja; oficina onde se
cunham moedas'; ver ofici- e faz-. (DEH)
No âmbito deste trabalho, as acepções mais interessantes parecem ser oficina,
manufatura e forja, pois nos dão conta de um lugar no qual coisas podem ser
“arrumadas, criadas, forjadas, formadas” e, eventualmente com uma utilidade. Já as
acepções galinheiro e aviário, permitem ser compreendido como um criadouro, no
caso criadouro de sentido: sentido fecundado, chocado, vindo ao mundo para ser
levado adiante.
Recurso
lat. recúrsus,us 'possibilidade de voltar; caminho para voltar; volta'; ver corr-
corr- elemento de composição
antepositivo, do v.lat. curro,is,cucurri,cursum,currère 'correr (diz-se dos homens,
dos animais e, p.ext., dos objetos inanimados - voz, pluma, astros, tempo etc.);
correr em socorro, correr para os braços de alguém, esparramar etc.
A etimologia de recurso remete a retomar um curso, um caminho, voltar para ir,
correr em socorro. Neste contexto, esta retomada é a da humanidade (com o sentido
utilizado por BACCHI no capítulo anterior) das pessoas que das oficinas participam,
sendo esta participação muitas vezes um correr em socorro, tanto por parte dos
participantes, quanto da parte dos facilitadores. Um re-torno a um curso (como
aquele definido pelas margens de um rio) abandonado.
lat. expressìo,ónis, rad. de expressum, supn. de exprimère 'apertar com força,
espremer, tirar espremendo, reproduzir, representar, retratar, exprimir, dizer,
expor; enunciar claramente, declarar formalmente'; ver -prim-. (DEH)
Retratar, exprimir, dizer, expor, enunciar claramente e declarar formalmente
parecem ser as palavras-chave, ou até mesmo de ex-pressão, retomando um modo
de ser humano esquecido. Ex-pressar, premer para fora algo que lá está, mas não
podendo exteriorizar-se. Parte, portanto, do princípio de este(s) algo(s) está(ão) lá,
no ser-ai.
Originalmente, o nome deste capítulo não continha a palavra oxigenação
[oxidação ('reação com oxigênio'), lufada de ar puro; renovação, vivificação. DEH], que no
entanto passou a incluída por considerar-se que daria um “ar de renovação” a algo
que estaria fechado em si mesmo. A consulta à etimologia mais uma vez me
surpreendeu, parecendo que, de alguma forma, havia sido intuído; ou, numa outra
leitura, por eu já ter tantas vezes experienciado a palavra, para mim ela tinha um
sentido para além de sua relação com oxigênio.
oxigênio
ox(i/o)- + -gênio, descoberto em 1774 por J. Priesley, cp. fr. oxygène, cujo
aportuguesamento ou espanholizamento teria gerado dúvida quanto à
acentuação, do que dão prova a solução port. oxigênio e o esp. oxígeno; f.hist.
1836 oxygeneo, 1858 oxygénio, 1858 oxygéneo
ox(i/o) elemento de composição
antepositivo, do gr. oksús,eîa,ú 'agudo, pontudo, vivo, fino, ácido, penetrante
-gênio elemento de composição
pospositivo, conexo com -genia (ver) e a noção de 'nascimento, origem,
descendência, raça'. (DEH)
A forma como experiencio os dois elementos de composição leva a pensar
em a origem de algo vivo, penetrante, agudo, no sentido de necessário como sendo
próprio a, mesclando-se a oxigênio com relação à sua presença à vida.
SILVA (2003, p. 63), discutindo as muitas “faces” que as oficinas podem ter,
apresenta a utilização da oficina de criatividade como recurso para Supervisão de
Apoio Psicológico.
O que estamos propondo, então, é a utilização da oficina de criatividade como
recurso para a supervisão clínica e como possibilidade de apoio e cuidado. Esta
atividade pode servir para uma abertura à compreensão das problemáticas,
dificuldades e necessidades desses profissionais e, conseqüentemente, quando
possível, auxiliar na superação das mesmas. Assim, parece-nos importante dispor
de uma Oficina de Criatividade como uma forma de serviço que nos parece
pertinente aos profissionais e instituições vinculadas ao idoso;
30
ao mesmo tempo,
acreditamos que esse serviço possa nos auxiliar na compreensão das oficinas de
criatividade como uma forma de apoio e de recurso para a supervisão psicológica.
30
Este trabalho desenvolvido por SILVA (2003) se deu no âmbito de oficinas de criatividade para
idosos.
Apresentada no capítulo anterior, a Supervisão de Apoio Psicológico em suas
múltiplas formas, cabe agora mais uma descrição, desta vez em torno do que pode
ser uma oficina de recursos expressivos, utilizada como meio para a Supervisão de
Apoio Psicológico. Na citação acima, SILVA está justamente procedendo à transição
entre uma coisa e outra, justificando a utilização de uma forma criativa de trabalho
de supervisão. Descreve, assim, sua concepção de oficina:
Em certo sentido, a Oficina de Criatividade propõe um momento de reflexão e de
elaboração de experiências, ao criar um ‘espaço” lúdico-vivencial que pode nos
auxiliar na organização de conteúdos vivenciais, oportunizando o re-pensar de
atividades, conceitos e ações, dando condições para que cada participante
(re)signifique, (re)dimensione e utilize suas capacidades potencializadoras de
criação e criatividade, fazendo-se construindo-se tal qual uma obra de arte. É
nesse sentido que estamos propondo a Oficina de Criatividade como um recurso
instrumental que possa auxiliar uma outra atividade: a Supervisão de Apoio
Psicológico (idem, p. 81)
Destacando o que considero um caráter significativo de uma oficina, o de criar
um espaço lúdico-vivencial, o aspecto brincadeira séria. Lembro-me das aulas do
querido mestre Lino de Macedo, dizendo que conhecer algo é brincar com esse
algo. Portanto, posso através dos recursos propiciados pela oficina brincar com
objetos, temas ou questões, conhecendo com eles, criando pela intimidade com
eles, para que um tal conhecimento, via uma vivência-brincadeira, torne-se útil em
situações sérias pela vida adiante. Trata-se, a meu ver, de uma radical
31
aproximação entre ciência e arte: uma techné? Um fazer ciência através da arte, re-
correndo ao artesão existente em cada um de nós. Quem um dia leu a coleção de
livros para crianças de Monteiro Lobato, sabe da riqueza, leveza, consistência e
seriedade com que se pode lançar mão do “mundo-do-faz-de-conta”!
As oficinas podem representar a disponibilidade de uma tribuna livre, para
discutir até as últimas conseqüências as questões do humano, através de
experimentação e experienciação de instumentalizações que tenham a possibilidade
de capacitar estas pessoas a darem conta das questões, problemas e situações com
as quais estejam se defrontando. É uma tribuna para a discussão da polis
(um estado
ou sociedade, esp. quando caracterizado por um senso de comunidade. DEH),
um espaço
para se discutir e se fazer política ou, ainda, fazer-se político, participante. Ou seja,
as oficinas de criatividade têm sua dimensão política.
31
Radical no sentido de raiz originária.
Mas que cuidados tomar com uma atividade do “mundo-do-faz-de-conta”
inserido no mundo real? Segundo CUPERTINO (2001, p. 167),
Atrelados estamos, então, à necessidade de oferecer razões. Apoiamo-nos no
logos, em nossa tradição visto como a pedra fundamental do edifício lógico: a
capacidade de organizar representações erigidas em sistemas articulados,
demonstráveis pela argumentação, ou por um discurso ou fala argumentativa.
Através (e, se possível, apesar) disso, concluo que a teorização possível terá que
se dar como uma (des)construção argumentada e metafórica, proveniente mais da
abordagem global do fenômeno que de seus detalhes particulares, e apenas
parcialmente apoiada na desconstrução das atividades e de suas influências.
Entendo esta passagem de CUPERTINO como um alerta para que não
sejamos tentados a querer rever e desconstruir em nosso trabalho tudo aquilo que
está à nossa volta, e que uma abordagem global do fenômeno nestes termos terá
mais chances de sucesso. Apesar da autora se referir à teorização passível de ser
feita sobre a proposta de trabalho (a teorização sobre a idéia oficina), seu pensar
cabe igualmente na prática das oficinas, a fim de se poder tecer um sentido que não
se torne divorciado da realidade circundante.
Em outro trecho, citando HEIDEGGER, a autora chama a atenção para como
lidar com aquilo que nas oficinas parece ser algo isento de sentido. Remete também
a uma reflexão sobre as questões abordadas no parágrafo anterior.
“O pensamento meditante exige de nós que não nos fixemos em um só aspecto
das coisas, que não sejamos prisioneiros de uma representação, que não nos
lancemos numa via única em uma só direção. O pensamento meditante exige de
nós que aceitemos nos deter sobre as coisas que à primeira vista parecem
inconciliáveis” (HEIDEGGER, 1990, p. 144).
Num pensar paciente, a escuta se traduz como um passar pela experiência
vivenciando, como o próprio “passar” nos diz, passo a passo. É um intervalo
modorrento como o de que já falávamos no interregno, nem atividade nem
passividade, um aguardar atento, numa atenção que é, ao mesmo tempo, a
presença na atenção e a presença na distração, formulação que pode designar,
também, a nossa tão conhecida atenção flutuante (CUPERTINO, 2001, p. 184).
Esta passagem está, a meu ver, conectada com o desprendimento de si
citado por BACCHI no capítulo anterior, e que também aqui qualifico de
generosidade. É uma generosidade em termos de tempo, de si próprio, de dar-se e
receber(-se), de respeito para com os diferentes tempos presentes no grupo, e ao
manejo do tempo próprio do trabalho com grupos. É uma sabedoria intrínseca a
quem tem experiência com a condução de grupos
(sábio, lat. sapìdus,a,um 'que tem
sabor, saboroso; no b.-lat. sábio, virtuoso'; ver sab-; a datação é para o subst. 'aquele que
sabe muito'. DEH)
, com o sentido daquele que sabe apreciar, saborear, os
movimentos e seus tempos.
Mas o que faz um facilitador de oficinas, um oficineiro?
Como facilitador, o oficineiro vai acompanhando o processo criativo de pessoas
que têm, no contato com os recursos expressivos no espaço/tempo das oficinas, a
oportunidade de tomada de consciência e ampliação de seu potencial através de
canais não-racionais e não-verbais de expressão, tão pouco experienciados hoje
em dia, e acredita que essa experiência é, em si, enriquecedora e profunda. Nesse
eixo realiza-se a sua prática (SCHMIDT e OSTRONOFF, 1999, p. 336).
Penso que a idéia de conceber o trabalho do oficineiro como administrador
(lat. administrátor,óris 'o que administra, administrador, governador, procurador, diretor'.
DEH)
e ministrador (ministrar - lat. minístro,as,ávi, átum,áre 'servir, pôr na mesa o comer,
fornecer, ajudar, cuidar, dar atenção a, governar, dirigir'. DEH)
da oficina, possa
esclarecer seu papel e funções no grupo. Como administrador, cabe a ele prover as
condições materiais para a execução da oficina (espaço físico, recursos e material
de consumo, formação do(s) grupo(s), divisão de tempo, organização do grupo,
escolha de tema), ou seja, cuidar para que a infra-estrutura para a realização da
oficina esteja presente. Já como ministrador, cabe ao oficineiro cuidar de todo o tipo
de entres que possa ocorrer no transcorrer dos trabalhos, preparando as condições
para que possa ministrar quitutes experienciais.
Digo isto, pois imagino o cozinheiro, professor de culinária, que trabalha em
uma cozinha abastecida pelo administrador (que portanto dá a amplitude do
cardápio possível de ser servido), para servir aos freqüentadores deste
estabelecimento. Para isso, deve ser conhecedor dos insumos disponíveis, para
poder ficar atento aos seus tempos de cozimento, para saber compor os pratos e,
sempre que possível, reconhecer de qual tipo de nutrientes sua clientela está
necessitando. Dispensa, desta forma, atenção e cuidado a ela, tendo inclusive a
incumbência de alterar o cardápio previsto, caso considere necessário. Deve basear-
se, assim, também em conhecimentos de “nutrição experiencial”. Portanto, serve e
ensina a servir.
Cabe ao oficineiro o planejamento das oficinas: a constituição de cada grupo; a
escolha do tema adequado às necessidades específicas dos grupos; a
determinação dos recursos – corporais, gráficos, literários ou outros – que melhor
atendam à exploração do tema e dos materiais e, finalmente, a divulgação. Está,
porém, aberto a avaliar, passo a passo, a dinâmica do grupo e as experiências
pessoais dos participantes, podendo fazer um replanejamento no decorrer do
processo. Assim, essa organização pede flexibilidade e serve, sobretudo, como
referência, como um solo organizador sobre o qual possa se construir o trabalho.
Durante a realização de cada oficina propõe e coordena as atividades,
cuidadosamente atento aos movimentos e possibilidades grupais e individuais,
indo, dessa forma, ao encontro destes movimentos. Intervém sim, porém, apenas
na medida em que sua intervenção facilita a explicitação dos modos de criar de
cada um. Seu olhar para os produtos não é psicologicamente interpretativo, mas
compreensivo: a partir do significado que cada pessoa atribui ao seu produto,
ajuda na percepção das dimensões de seu fazer criativo, suas formas de se dar e
de ser facilitado (idem, p. 336).
A citação de SCHMIDT e OSTRONOFF permite ressaltar a metáfora do
cozinheiro. Em outro trecho, as mesmas autoras falam a respeito do que se pode
esperar em termos de efeitos do trabalho com as oficinas, quando feitas com um
grupo de participantes pertencentes a uma instituição.
Um deles diz respeito aos “transtornos” físicos e sócio-psíquicos que as oficinas
geralmente acarretam. Existe, implicitamente, na proposta de oficinas de
criatividade, uma provocação à rotina institucional que se expressa na
desacomodação dos modos de usar o espaço e o tempo e, também, na criação de
uma forma de relação interpessoal não usual. Estes efeitos devem ser
considerados pelo oficineiro, com a ajuda dos participantes, pois podem contribuir
para a formação de alianças e para a prevenção de conflitos na esfera mais geral
da instituição. Trata-se, na verdade, de uma avaliação sobre a maior ou menor
flexibilidade institucional ou sobre sua maior ou menor tolerância quanto à
desacomodação de sua rotina. Esta avaliação terá conseqüências valiosas na
configuração de um tempo e de um espaço propícios às atividades a serem
desenvolvidas no âmbito de uma instituição concreta (SCHMIDT e OSTRONOFF,
1999, p. 342-343)
Os efeitos que uma oficina podem causar numa instituição são comparáveis
àqueles causados por um processo de psicoterapia familiar em dada família,
comparação válida, principalmente, para aquelas situações em que um ou mais
membros desta família “não puderam comparecer”, ou deliberadamente não
quiseram aparecer, sendo, muitas vezes, sua ausência muito mais significativa que
sua presença. A constelação do grupo se modifica, as correlações de força se
modificam, algumas pessoas se dão a conhecer, outras a se desconhecer. É
pertinente que o oficineiro faça uma leitura acurada das mudanças que venham a
ocorrer na constelação institucional, para que possa fazer correções de rumo que
venham a ser percebidas como necessárias, e para que ele próprio e/ou sua
proposta de trabalho não sejam expelidos “de surpresa” pelo contexto institucional.
A outra ordem de efeitos refere-se a uma espécie de transpiração que emana do
grupo que participa das oficinas para a esfera de toda a instituição. Com isso se
quer chamar a atenção para o fato de que a oficina mobiliza não apenas aqueles
que dela participem diretamente, mas, também, aqueles que ficam fora dela.
Manifestações de curiosidade, interesse, desprezo, hostilidade, indiferença, entre
outras, podem ocorrer nos agentes ou na clientela de uma instituição. O fato de
que apenas um grupo institucional esteja envolvido na oficina, não significa que a
experiência, do ponto de vista institucional, seja inócua. Nessa direção, a escuta e
a observação destas manifestações extragrupo se apresentam como uma
oportunidade de compreensão ampliada do contexto institucional e de
ressignificação do sentido das oficinas em cada contexto (idem, p. 343).
É também importante que o oficineiro mantenha uma constante e boa
interlocução com a instituição à qual sua clientela pertence, bem como com a própria
clientela. Pois há necessidade de um trabalho devidamente dosado para o grupo,
uma vez que as avaliações do trabalho feitas pelo oficineiro, pela instituição e pelo
grupo, muitas vezes não coincidem. Por exemplo, o oficineiro considera que os
objetivos do trabalho estão sendo alcançados, sua clientela idem, mas a instituição
não; ou oficineiro e instituição concordam, enquanto que a clientela discorda. Assim,
os “papos de corredor” são necessários, dando-se como continuidade do trabalho da
oficina mesma; afinal, ocorreu uma experienciação, que cada um levará consigo.
Uma vez que no contexto deste trabalho a oficina é de recursos expressivos,
cabe refletir sobre o que foi expresso, e de como isto será considerado. Afinal, esse
será um indício para uma interpretação possível para o sentido desta dissertação.
CARVALHO (1999, p. 376) diz que a “experiência e a comunicação oral estão
sendo cada vez mais substituídas pela informação registrada nas máquinas,
fenômeno que contribui enormemente para o enfraquecimento dos vínculos sociais”.
Questiona:
Onde está a brisa da tarde que refrescava o calor do dia e anunciava o momento
em que as cadeiras de balanço saíam nas calçadas para embalar velhas
histórias?
Para, então, apresentar um quadro:
São idos os tempos em que os pescadores, talvez mais felizes em seu ofício,
recostavam-se à beira das jangadas contando suas façanhas reais e imaginárias
nas ondas do mar.
Já vai longe o tempo em que alguém aquecia o apetite dos que se sentavam em
torno do fogão à lenha, momento em que a alquimia e o cheiro de tempero
percorriam as fantasias suscitadas pelas histórias ali debulhadas.
Lá fora vai o tempo em que o homem da bodega reclinava-se no balcão e, num
dedo de prosa, nos contava os últimos acontecimentos da comunidade.
Em qual baú se escondeu a arte de contar histórias? Por onde anda essa velha
sábia que embalou sonhos, instigou a imaginação da molecada e deu forma e cor
ao bem e ao mal? (idem, p. 375).
A autora refere-se a um tempo nem tão longínquo, em que o modo de vida
dos cidadãos permitia a eles terem tempo para compartilhar histórias, suas próprias,
ou estórias. Narravam estes fatos, ou seja, apresentavam-se como narrativas.
narrar - lat. narro,as,ávi, átum,áre 'contar, expor narrando, narrar, dar a saber',
der. de gnárus,a,um 'que conhece, que sabe'; ver -gno-
-gno- - elemento de composição, interpositivo, de uma raiz i.-e. *gene-, *gno-
'conhecer', com ramificações em lat. e em gr.; a cognação gr. está representada
em vern. por agn-, gnom(o)-, gnomon-, -gnose, gnoseo-, -gnosia, -gnósico, gnosio-
, gnoso-, -gnosta e -gnóstico, vê-los; a lat., der. do v. incoativo nósco (antigo
gnósco, atestado pelos gramáticos e pelas inscrições),is,nóvi,nótum,nóscère
'começar a conhecer, aprender a conhecer, tomar conhecimento; conhecer' e do
subst. norma,ae 'esquadria, esquadro; fig. modelo, exemplo', rad.vulg. conhec-
(sXIII), do v.lat. cognosco,is,óvi, ìtum,cognoscère 'conhecer pelos sentidos, ver;
saber, ter conhecimento de; conhecer por experiência, experimentar; reconhecer;
ter trato carnal'. (DEH)
Chama a atenção narrativa ter, em sua etimologia, acepções como conhecer
pelos sentidos, ver, saber, ter conhecimento de, conhecer por experiência,
experimentar, reconhecer, ter trato carnal, que vão, diretamente, ao encontro do que
vim descrevendo em boa parte deste trabalho. A narrativa apresenta-se ao narrador
por todos esses sentidos. De acordo com Walter BENJAMIN (1994, p. 205),
Contar histórias sempre foi a arte de contá-las de novo, e elas se perdem quando
não são mais conservadas. Ela se perde porque ninguém mais fia ou tece
enquanto ouve a história. Quanto mais o ouvinte se esquece de si mesmo, mais
profundamente se grava nele o que é ouvido. Quando o ritmo de trabalho se
apodera dele, ele escuta as histórias de tal maneira que adquire espontaneamente
o dom de narrá-las. Assim se teceu a rede em que está guardado o tom narrativo.
E assim essa rede se desfaz hoje por todos os lados, depois de ter sido tecida, há
milênios, em torno das mais antigas formas de trabalho manual.
BENJAMIN diz do narrar histórias em situações que, há anos, eram comuns
no modo de vida entre os artesãos, que, trabalhando, contavam histórias. Nesse
sentido, refere-se à relevância da imersão do narrador em sua história, ao mesmo
tempo em que critica a rede de histórias que se desfaz e, com isso, um saber
narrativo que se desfaz. Conhecendo a história de BENJAMIN, não me é difícil
imaginar que esta sua concepção esteja atrelada à tradição oral judaica que, por
tantos anos, conseguiu transmitir os conhecimentos de seu povo, e que, pelas
mesmas razões, está se perdendo.
Retomando essa ótica, CARVALHO (1999, p. 378), comentando a narrativa
em BENJAMIN, destaca:
As narrativas floresceram em um contexto de vida artesanal, comunitária, onde,
movidos por uma outra forma de vivenciar a temporalidade e espacialidade
(elementos constituintes do existir humano), os homens sentavam em rodas
contando o que haviam vivido.
As histórias transmitiam um certo modo de sentir a vida, de relacionar-se com a
natureza e de prover os meios para sua subsistência. De uma maneira muitas
vezes sutil, enigmática, na qual os inúmeros sentidos das mensagens eram
desvelados a partir do modo como o ouvinte entrava em sintonia com a história, os
contos transmitiam ensinamentos, “conselhos” sabiamente comunicados por quem
bem viveu.
O narrador contava aquilo que experienciava ou, ainda, a experiência que outros
tinham a ele relatado. E, quando contava, ia ampliando a experiência dos
ouvintes.
Não é raro perceber que, no espaço aberto às narrativas, havia uma comunicação
mais direta, não manipulada pela máquina do capital. Nesse contexto, o homem
se encontrava frente a frente com o outro – aprendendo a ouvir, falar e respeitar
diferentes percursos de vida: um momento de celebração da convivência.
Benjamin elucida ainda a incerteza do narrador, que unia sua corporeidade àquilo
que comunicava. Como não havia ainda uma forte cisão entre movimento corporal
e pensamentos, entre trabalho manual e intelectual, a comunicação era mais
inteira. Nesse sentido é que Benjamin nos fala de uma comunicação que ocorria
artesanalmente, já que envolvia um movimento integrado que unia mãos, olhos e
alma.
Há que se comentar a riqueza destacada por CARVALHO na arte da
narrativa: uma eficiente forma ancestral de manutenção do conhecimento e cultura,
que se aproxima ao que já foi discutido, aqui, anteriormente. É assim que, agora,
penso poder ser regatada, através de uma oficina de recursos expressivos, tanto as
atividades realizadas quanto relatos de participantes, pois poderiam ser tratados
como narrativas. O sentido seria poder encontrar-se com a expressividade de seus
participantes, ou seja, como
retratar(-se), exprimir(se), dizer(-se), expor(-se), enunciar(-
se) claramente e declarar(-se) formalmente,
sentido possível da palavra expressão.
Penso que, neste sentido, resgatar-se-ia a condição da fala, como discutida pela
Befindlichkeit.
É interessante notar que a atividade proposta é uma oficina, tradicionalmente
lugar de encontro de artífices, artesãos, artistas, possibilidade de retomada de
encontros narrativos. Ou, como diz SILVA (2003, p. 70), possibilidade de um
contexto de vida artesanal.
3.7 Aprendizagem Significativa
Certa vez, ouvi uma estória. Era a história de José. Era muito conhecido na
região em que morava, e reconhecido como uma pessoa extremamente religiosa.
Morava à beira de um rio. Certo dia, começou a chover muito e muito forte, as águas
do rio saíram de seu leito, avançando sobre as margens, atingindo a casa de José.
Por medida de segurança, resolveu subir ao ponto mais alto do telhado de sua casa.
A chuva continuou, e as águas continuaram a subir. Quando começaram a lamber a
parte baixa do telhado da casa, um barco a remo se aproximou. E o barqueiro disse:
“- Venha José, vamos embora, as notícias são de que está chovendo muito na
cabeceira do rio, você corre perigo!...” Ao que José respondeu: “- Não, não vou! Eu
tenho fé em Deus! Ele vai me tirar daqui!” O barqueiro insistiu, mas não conseguiu
convencê-lo. Retomou as remadas e foi salvar outras pessoas. As águas
continuaram a subir; quando começaram a molhar os pés de José, um barco a motor
se aproximou. “– Venha, José, vamos embora... O rio está violento, subindo...”, ao
que ele respondeu:” - Não, não vou! Eu tenho fé em Deus! Ele vai me tirar daqui!”.
Após insistir, o barqueiro deu partida no motor e foi salvar outras pessoas. Com
água pelo peito e dificuldade de se equilibrar no telhado da casa, em função da forte
correnteza, José ouve um helicóptero se aproximar e ficar pairando sobre sua casa,
enquanto o piloto lança uma escada de cordas e com um megafone anuncia: “-
Agarra ai! Vamos embora...”. José sinaliza que não; o piloto insiste, José também...
e o helicóptero se vai para salvar outras pessoas. Pouco depois, José é levado pelas
águas, morrendo afogado.
Vai para o céu. Lá chegando, depara-se com uma fila de recém-chegados,
que estão sendo bem-vindos por Deus. Ao chegar a sua vez, José coloca a mão
para trás e caminha portal do céu adentro, proferindo toda sorte de impropérios.
Impassível, Deus termina de receber a leva de recém-chegados, fecha o portal do
céu e vai atrás de José, ocorrendo então o seguinte diálogo:
- Ora, meu filho, o que deu em você?
- Eu, lá embaixo, gritando feito um louco que tinha fé em Você, e Você me deixa
morrer?
- Não estou te entendendo... Mandei um barco a remo, um barco a motor e um
helicóptero irem te buscar... Se você não quis pegar nenhum deles, o que você quer
que eu faça?
Dizia eu no ítem 3.2, que “É no próprio fluxo do sentimento de ‘estar tendo a
experiência’ que o sujeito se atualiza e busca significados à experiência, e não por
um trabalho posterior. Um aspecto fundamental em saúde e em educação, a
possibilidade de alterar o modo como o sujeito está disposto no mundo, abrindo-lhe
possibilidade de novos sentidos, se dá pela reflexão na experiência, e não sobre a
experiência”. Com toda a certeza, a educação religiosa que José recebeu nunca lhe
chamou a atenção para o fato de que sua reflexão religiosa ocorria na sua
experiência/vivência diária, que ocorria por suas ações, em função das leituras que
viesse a fazer dos fatos vivenciados. E isto lhe custou a vida. Milton Nascimento
aponta: “Fé cega, faca amolada”, cuja derivada primeira poderia ser: “Compreensão
cega, faca amolada”, e a derivada segunda: “Experiência cega, faca amolada”. Se
José tivesse aprendido significativamente a noção de fé, embarcado estaria na nau
“Humanidade”...
José não se fiou naquilo que poderia estar acontecendo à sua volta,
preferindo manter-se em seu conhecimento, negando, assim, àquilo que
experienciava. Optou por não embarcar, por não seguir o que a ele se apresentava,
um barco, sua experiência. Preso ficou à teoria de sua fé. Desencontrou-se de si
mesmo e do mundo experienciado.
No trabalho de formação como capacitação para profissionais de saúde e
educação, já me deparei com muitos Josés, pessoas tidas como experts em termos
de teoria e prática, que, no entanto, foram levadas de roldão pelas águas de suas
atividades profissionais. Não tiveram fé [lat. fìdes,éi 'fé, crença (no sentido religioso),
engajamento solene, garantia dada, juramento (na linguagem do direito) DEH]
em si
próprios, não se comprometeram consigo próprios, não se fiaram na compreensão
humana que as alteridades, com as quais entraram em contato, lhes permitiu
conhecer e marcar-se por elas. Assim, não puderam compreender a si próprios,
arremessando a responsabilidade de seus fracassos e descontentamentos
profissionais sobre a alteridade ela mesma. Em suma, faltou-lhes a possibilidade de
aprenderem significativamente a encontrarem-se com questões emergidas em si
mesmos a partir de suas práticas profissionais.
A formação de profissionais de saúde e educação é tarefa complexa que envolve
três aspectos básicos e específicos: teoria, prática e processo de desenvolvimento
pessoal, que necessitam estar integrados e harmonizados entre si. Considerando
que esses profissionais têm em si mesmos seu mais importante instrumento de
trabalho, surge a questão de como propiciar a integração da teoria com a
experiência da prática e do desenvolvimento pessoal MORATO e SCHMIDT (1999
p.117).
Desse modo, a forma de propiciar uma integração/encontro, a que se referem
MORATO e SCHMIDT, oferece-se através de uma situação metafórica daquela
vivida no cotidiano de trabalho de profissionais de saúde e educação, pela qual lhes
é garantido um espaço de discussão de suas atividades, visando rever suas
atuações pela sua expressividade pessoal e, como conseqüência, abre-se a
possibilidade de outros modos de encontrarem-se em situações problema. Tais
situações de grupo prestam-se como laboratórios, nos quais os profissionais podem
experimentar-se por novas formas de intervenção, encontrando-se, assim, suas
formas mais próprias e pertinentes de en-carar percalços que se apresentarem.
Enfatizei a palavra suas, pois o encontrar respostas (responder a) ao que surge é
singular, dizendo respeito a como cada um se encontra no mundo constituindo-se
por seu modo de singularização. Não existindo certeza de encontrar-se res-
pondendo certamente no mundo, resta ao profissional encontrar-se a si mesmo,
dentre a multiplicidade de possibilidades de respostas, qual a que seja mais
apropriada a sua forma de ser, através de encontrar-se, com sua compreensão e
com sua fala, na experiência.
A ocorrência de aprendizagem significativa depende da criação da criação de
condições facilitadoras propiciadas por um certo contexto sociopsicológico.
ROGERS (1978), através de grupos de encontro e das comunidades de
aprendizagem, forneceu as bases para experiências inaugurais no campo da
aprendizagem significativa. Os grupos de encontro consistem na convivência
autogestionada de um grupo de seis a oito pessoas que se reúnem,
semanalmente, durante uma hora e meia a duas horas, com a finalidade de
conversarem sobre suas experiências pessoais e profissionais, conflitos e
dificuldades na esfera do relacionamento interpessoal. As sessões do grupo são
acompanhadas por um facilitador que, normalmente, é um especialista em
assuntos humanos com formação em psicoterapia (idem, p. 118)
Esta citação de MORATO e SCHMIDT como grupos-protótipo, concebidos por
Carl ROGERS, foram os precursores daqueles aos quais hoje se recorre como
oferecimento de prática psicológica. Apresentam uma descrição do contexto
sociopsicológico para a ocorrência de aprendizagem significativa, das quais destaco
a convivência autogestionada. Por ela, seria possível propiciar aos membros do
grupo a possibilidade de encontrarem-se em possíveis desentendimentos,
diferenças e conflitos, encontrando-se um facilitador que não opera pela expectativa
de sua intervenção como resolução de pendência; ele não age, como ocorre na
maior parte das instituições, sendo um “superior-juiz”: não sugere, nem impõe, ou
decreta, julga e sentencia, o que deve ser feito. Ou seja, os participantes podem
experienciar o encontro na alteridade entre homens, encontrando-se, na experiência
mesma do experimentando, alternativas para o encaminhamento da pendência.
Se quisermos tomar a experiência como matéria-prima na formação de
profissionais das áreas de saúde e educação, faz-se necessário restituir o valor da
narrativa e da existência de uma comunidade democrática de ouvintes e falantes
como condição para uma proposta educacional compatível e que indique um
caminho na contracorrente do ensino pautado pela transmissão de informações.
Nesse contexto, o grupo de encontro, aqui abordado, apresenta-se como uma
possibilidade de insurreição às formas convencionais de distribuição dos lugares
de fala e escuta na relação professor-aluno e, ao mesmo tempo, à crescente
informatização do ensino, que tem como efeito a restrição da comunicação oral e a
supressão do espaço dos relatos como forma de transmissão do saber (idem, p.
127).
Apesar de MORATO e SCHMIDT estarem discutindo a questão numa
situação de um grupo de estudantes de Psicologia ainda na universidade, penso que
suas observações sejam pertinentes ao âmbito da pós-formação de profissionais de
saúde e educação em geral. Dizem respeito a um modo possível de ação via
modalidades de prática psicológica em situações existenciais contextualizadas.
Abrem a possibilidade de uma compreensão de clínica outra e atual.
Minha experiência profissional, como supervisor e facilitador de grupos, vem
mostrando que os alunos e participantes de grupos têm chegado a mim com
repertórios de vocabulário e de expressão, idéias e ações cada vez mais restritos.
Conduzem-me a lembrar da lei do uso e do desuso de Malthus
32
, como
perfeitamente aplicável a eles. Apresentam-se como que murchos, desgastados,
desbastados, cansados. Suas falas parecem estar involuindo e, invariavelmente,
depois de algum trabalho de “cultivo da fala”, melhoram-na sensivelmente.
Aprendizagem significativa?
A aprendizagem significativa designa o processo de constituição e apropriação de
um “saber fazer / saber dizer”, co-respondendo, desta forma, à experiência.
O conceito de aprendizagem significativa compreende, portanto, a aprendizagem
como processo de manifestação de vida, de desenvolvimento e expressão viva da
necessidade de crescimento presente nos organismos. Neste contexto, os
processos de aprendizagem revelam-se como possibilidades de compreensão e
conhecimento e, portanto, de atribuição de significado para relações e situações
vividas pela pessoa, seja consigo mesma, seja com o mundo, ou com os outros.
São essas as condições da existência humana que refletem a qualidade da
expressão/comunicação como criação de significado, partindo do significado
sentido como referência que permite o ultrapassamento para novas possibilidades,
num processo de aprendizagem quente, por assim dizer (idem, p. 128-129)
Assim, a aprendizagem significativa refere-se à criação ou resgate de sentido
para “falas” da própria experiência que estariam como que esquecida, “em branco”,
conduzindo-as a caírem num lugar comum em si próprias. Na ausência de situação
para a ocorrência de criação de sentido, significado sentido, não se dirigem para a
abertura de outras possibilidades, articulações, sentido. No dizer de GENDLIN
(1997), por transições entre o ir para a frente, voltar, ir para trás, para novamente ir
para a frente:
(...) Mas o próximo passo pode emergir através de uma conexão experiencial. A
forma como experienciamos a situação pode nos levar ao próximo passo que faça
sentido, mas que não poderia suceder o anterior de qualquer uma das outras
formas. Muitas vezes isto ocorre sem que demos especial atenção, mas algumas
vezes paramos para referir diretamente o experienciar. Referência direta é ela
própria uma mudança, que então leva à próxima mudança. Obviamente não há
formulação final dos modos pelos quais as mudanças do experienciar podem
superar uma formulação. Poderíamos discriminar mais tipos de mudanças
subseqüentes, ou utilizar outras referências para distinguir os tipos. Nossa nova
“base” não é uma lista qualquer, mas o funcionamento experiencial-funcional mais
amplo. (...) Podemos justapor outros modelos e abordagens com resultados
diferentes, mas ainda assim estaremos na experiência que estiver ocorrendo. (...)
O tipo de transição a que denomino de “referência direta” é ela própria um tipo
32
Refere-se a algo que, pelo uso freqüente, apta-se a ir adiante, sendo o contrário, do mesmo modo,
verdadeiro.
de simbolização. Ela extrai (cria, encontra, sintetiza, diferencia...) um “isto” que
não era um isto, antes. Quando parecemos encontrar algo que “estava” lá, na
realidade já nos movemos adiante. Não necessitamos de uma equação falsa.
Nenhuma equação é possível entre implícito e explícito. O que importa é a
maneira pela qual o próximo passo parte (continua, leva adiante, faz sentido a
partir) daquilo que o precedeu.
33
Em um formidável artigo de Mauro FIGUEIROA (1999), encontro metáforas
que servem de mote para a finalização deste capítulo.
Um prisioneiro trêmulo de frio numa torre tão alta que seus carcereiros nem se
deram ao trabalho de repor as grades serradas em vão. Tanto trabalho serviu
apenas para que, colocando a cabeça do lado de fora, ele pudesse desanimar
diante da imensa distância que separa do chão, onde as pessoas passeiam
indiferentes, reduzidas ao tamanho de uma formiga. É quando lhe ocorre a idéia
de desfiar a magra túnica de algodão. Emendando fio em fio, pode enviar essa
tênue mensagem lá embaixo, onde quem quer que queira ajudá-lo fará bem em
amarrar um fio apenas mais grosso ao que desceu da forre; sem o que, a
solidariedade terá um peso excessivo. Se assim for feito, os fios engrossando
pouco a pouco culminarão na corda resistente a ponto de suportar um corpo.
Antes de tudo, será preciso que o prisioneiro aceite sentir um pouco mais de frio.
34
O ir para a frente, voltar, ir para trás, para novamente ir para a frente, tecendo
o e tecido pelo fio de solicitude (ser solícito e solicitado a) encontrado, como abertura
para possibilidade da criação de algo mesmo/outro. E isto me sugere um provérbio a
título de comentário acerca da outra/mesma ciência tecnicista:
O rabo de uma cobra revoltou-se por sempre ir atrás da cabeça, em sinal de
protesto enroscou-se em um galho e não deixou a cobra prosseguir. A cabeça
vendo uma frutinha apetitosa e não conseguindo alcançá-la, resolveu deixar que o
rabo fosse á frente. Como o rabo não podia ver, a cobra caiu em um buraco e
morreu.
35
33
Grifos do autor.
34
F. Goldgrub, Trauma, Amor e fantasia. Editora Escuta. São Paulo, 1986, p. 134, in FIGUEIROA,
1999, p. 6
35
Autor desconhecido, retirado do livro A Tigela e o Bastão, 120 Contos Zen, Taisen Dashimaru,
Editora Pesamento, p.53 in FIGUEIROA,1999, p. 8
4. EXPERIÊNCIA EM AÇÃO: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS
método
gr. méthodos,ou 'pesquisa, busca, p.ext. estudo metódico de um tema da ciência
(Platão); tratado metódico, obra de ciência (Aristóteles)', de metá 'atrás, em
seguida, através' e hodós 'caminho'; cp. lat. methòdus ou methodos,i 'método', t.
de medicina; ver met(a)- e odo; (DEH)
Neste capítulo, estarei mostrando por que caminhos se norteou a confecção
deste trabalho. Diz respeito à sua metodologia utilizada, aos caminhos seguidos,
paisagens vistas e personagens com quem me encontrei, além de situar o contexto
dessa caminhada e encontro.
4.1 Apontando um caminho
Afinado pela bússola teórica, como apresentada até o momento, optei por
debruçar-me ao modo como poder criar situações para investigar minha questão.
Desse modo, dirigi-me à perspectiva da Fenomenologia Existencial e da narrativa.
Para CABRAL e MORATO (2004, p. 4), a
fenomenologia existencial de Heidegger fundamenta a analítica do sentido,
elaborada e apresentada por Critelli (1996), enquanto uma articulação
metodológica possível ao se optar por uma atitude fenomenológica. Além daquele
autor, esta autora se baseia, ainda, em elementos do pensamento de Hannah
Arendt, filósofa discípula de Heidegger.
Por sua vez, SILVA (2003, p. 106) reflete, citando CRITELLI, que a
compreensão fenomenológica permite a criação de sentido e de conhecimento,
contribuindo, assim, para a investigação científica. Continua, apontando que,
CRITELLI
desenvolve o pensamento de que a Analítica do Sentido tem seus fundamentos
firmados na ontologia do ente homem, seu modo de ser e de conhecer. Essa
busca de compreensão do ente, e de seu ser, nos dá uma perspectiva, uma forma
de desenvolver a investigação fenomenológica, que se apresenta como
possibilidade para o desenvolvimento da pesquisa em fenomenologia. A
compreensão aqui seria o próprio movimento de abertura, além do entendimento e
da cognição, de procura e produção de sentido. O sentido é compreendido não
como significado, mas como direção, rumo. A descrição do fenômeno implica
darmos “um passo a mais” rumo à compreensão do sentido dos fenômenos: a
narrativa. Uma narração dissertativa para, a partir dela, podermos começar a
narrar o sentido, a apreensão da experiência, a comunicação da afetação, a
dissertar e encontrar o sentido da experiência, na medida em que se articula o
explícito (teórico) com o tácito (vivido) (CRITELLI apud SILVA, 2003, p. 106)
Desse modo, no âmbito da presença, dois “entes homem” se dão a conhecer
e a perpassarem, em sua convivência, suas respectivas formas de ser. Isto, por sua
vez, evidencia que nesta modalidade de pesquisa o pesquisador é parte integrante
do campo de pesquisa e, portanto, sendo por ele afetado enquanto o afeta. Se, por
um lado, o pesquisador está em busca de compreensão, num movimento de
abertura, de procura e criação de sentido, o mesmo ocorre com o pesquisado, uma
vez que também busca se conhecer ao ser conhecido, revelando como cada um
abre horizontes para o outro.
Vale lembrar, que nesta modalidade de investigação, a pesquisa acontece,
sendo ela mesma a permitir, via questão, os caminhos e rumos pelos quais se
direcionará, já que a prioris não lhe dizem respeito. Pesquisador e pesquisado vão
se dando a conhecer, constituindo e organizando um espaço de intersubjetividades,
que vai permitir o campo da compreensão do pesquisador. Para SZYMANSKI (2002,
p. 17),
Essa organização do processo de interação inclui a emergência de significados
não só referentes aos conteúdo da fala, mas também à situação de entrevista
como um todo, à relação interpessoal que se instalou, à história de vida do
entrevistado e a seu ambiente sociocultural. Esses níveis de significados
interagem também reflexivamente, como, por exemplo, a história de vida com a
situação interpessoal na entrevista, como em casos nos quais a interação é
interpretada como apoio afetivo, fazendo lembrar, ou trazendo à tona fatos
específicos da história de vida. Uma outra situação de interação, combinando
diferentes níveis de significados, pode ser o do conteúdo da fala do entrevistador
na situação de entrevista, em casos nos quais o que ele diz pode ser percebido
como um invasão da privacidade; nesse caso, a situação de entrevista pode
transformar-se numa ameaça. (...) O que é considerado intervenção, além da
influência mútua, é o resultado de um processo de tomada de consciência
desencadeado pela atuação do entrevistador, no sentido de explicitar sua
compreensão do discurso do entrevistado, de tornar presente e dar voz às idéias
que foram expressas por ele.
Embora SZYMANSKI referira-se a situações de entrevista, acredito que suas
observações podem ser pertinentes ao contexto de narrativas, uma vez que numa
entrevista o entrevistado faz a narrativa de sua história. A autora destaca a
emergência de significados não só referentes ao conteúdo da narrativa, como
também da relação interpessoal entre narrador(es) e recolhedor(es) da experiência,
da história de vida e do ambiente sociocultural do narrador. Por essa ótica, é
demandado respeito por parte do pesquisador ao que pudesse ser percebido, pelo
narrador, como uma invasão de privacidade. Assim como na clínica, a pesquisa que
se propõe interventiva demanda ser compreendida como encontro que pede atenção
e cuidado àquele que ocupa o lugar de recolhedor da experiência, o pesquisador, do
narrador.
Caminhando nessa direção por outro enfoque ao de SZYMANSKI, a
metodologia do depoimento como registro da experiência, origina e embasa a
possibilidade de análise de uma pesquisa interventiva. De acordo com SCHMIDT
(1990, p. 79), a
qualidade de recolhedor da experiência ancora-se no trabalho do pesquisador-
escritor, envolvido na busca da alteridade e compromissado com a invenção da
linguagem que comunique o encontro – suas vibrações, suas aberturas, seus
silêncios.
O respeito pela alteridade se fez presentes neste trabalho, como questão
central. Através dos narradores, foi necessário ao pesquisador entrar em contato
com um novo mundo – um outro universo – com seus códigos, suas linguagem, ao
mesmo tempo que o trabalho introduzia neste universo novos elementos. Para
SCHMIDT (1990, p. 80),
No trabalho compartilhado, distinguem-se papéis, funções e lugares que atendem
ao interjogo de papéis, funções e lugares de escuta, fala e escritura. Nesse
interjogo, o pesquisador se aproxima da figura do narrador, colocando seu
trabalho a serviço da elaboração e da transmissão da experiência, da sua e da de
outros.
Desse modo, a execução deste trabalho significou um recolher de
depoimentos e experiências, buscando compreensão. O modo como se dispõe a
apresentação do acontecimento oficina foi uma forma de re-contar aos grupos, a
história que eles próprios contavam, de forma que pudessem dela se apropriar com
um outro sentido, através da ressignificação de suas histórias. Desse modo, o
pesquisador passou a ser narrador da experiência vivida entre ele e os
grupos/narradores, recorrendo a dois modos de expressão, descrição e
interpretação cromática, como recurso de comunicar sua compreensão e promover
reflexão a quem o ouvir.
Afinal, de acordo com SCHMIDT (1990, p. 81),
A presente pesquisa inspira-se nesta postura, para tentar responder praticamente
às duas tarefas complementares postas ao pesquisador da experiência: registrar e
transmitir a experiência do sujeito da pesquisa e realizar o trabalho de reflexão
sobre os depoimentos, (...) espaço onde a pluralidade de vivências e de opiniões
se manifesta. (...) Do contato com a experiência relatada, desdobra-se o trabalho
de comentário e de interpretação da pesquisadora – comentário que destaca, do
todo dos relatos, aspectos da experiência que a leitura da pesquisadora julgou de
especial interesse, interpretação que amplia, expande e integra, conceitualmente,
elementos significativos das experiências relatadas.
De acordo com MORATO (1989), o processo de conhecimento implica numa
fusão entre sujeito e sujeito/objeto para ocorrer, acontecimento esse que marca o
conhecimento como penetrabilidade em qualquer forma de contato humano/mundo.
Desse modo, ao pesquisador abre-se, como factível, apenas uma das interpretações
possíveis do real; quer dizer, “não é uma façanha lógico-conceitual, mas uma
possibilidade de compreensão”, como aponta CRITELLI (1996, p. 136).
CABRAL e MORATO (2004, p.7), o
homem, sendo parte do mundo, ou, para além disto, sendo mundo com outros, afeta e é afetado,
em uma teia de relações que é mutante, sendo ele invariavelmente mutável. Neste emaranhado, o
seu olhar só se constitui enquanto olhar a partir do que ele olha, e o que ele olha só se constitui
enquanto algo olhado a partir do seu olhar.
Adotar um modo fenomenológico existencial de pesquisar implica, assim, em
compreender que aquilo que acontece durante o desenrolar da pesquisa
simplesmente se constitui na relação sujeito-mundo, sujeito-sujeito. Tal relação
somente poderá ser compreendida pela própria condição humana de mútua
afetação e interpenetração.
Buscando refletir articulações possíveis entre saúde e educação para
promover a formação/capacitação de profissionais dessas áreas, procurei conduzir-
me por uma forma pertinente para aproximar-me de minha questão. Desse modo,
ocorre-me que uma possibilidade seria através da promoção de um espaço
aproximado ao da supervisão de apoio psicológico, como anteriormente realizado
junto a educadores de rua (LILIENTHAL, 1997a), descrevendo-o da forma como
ocorreria em sua mostração. Esta seria uma outra possibilidade de ir adiantei, “um
passo a mais” rumo à compreensão do seu sentido.
Por essa reflexão, sendo a descrição uma forma de contar o que e como se apresentou,
foi que se apresentou a narrativa como outro modo possível para encaminhar compreensão.
Afinal, como já visto, método pode ser compreendido, etimologicamente, como caminhar ou
seguir pelos caminhos, sendo a metodologia o dizer desse percurso. Desse modo, comunicar
como fiz aquilo que fiz do jeito que fiz, por uma descrição, permitiria ocorrer a compreensão
de minha experiência e, quem sabe, à possibilidade de compreensão do fenômeno.
Desse modo, considero ser adequada a utilização da metodologia de
relatos/narrativa, como via de acesso à possível compreensão entre saúde e
educação. Afinal, se esta pretende ser uma narração dissertativa para comunicação
do que me propus a pesquisar, posso começar contando como foi a apreensão da
experiência, a comunicação da afetação, a dissertar e encontrar o sentido da
experiência, na medida em que articula o é explícito (teórico) com o que já é tácito
(vivido).
Para contemplar essa compreensão, além das reflexões de teóricos
especialistas dessas áreas, ocorreu-me conhecer também como seria a experiência
de profissionais que atuam na interface de ambas as práticas. Isto implicava em
proporcionar um espaço para que esses profissionais, contando de seu fazer,
pudessem refletir a respeito de seu papel enquanto cuidadores de saúde e
educação, e não como meros técnicos ou tecnocratas em dispositivos institucionais
específicos. Um espaço de fala, que se constituísse também como uma forma de
cuidar de quem cuida, ou seja, de quem toma o cuidado do outro como sua principal
atribuição. É voltado a esse sentido de cuidar, na prática de profissionais engajados
em uma ação promotora de saúde e educação, que dirijo a pesquisa. Um espaço
para que esses profissionais falem de sua prática, de sua experiência de cuidar do
outro, pode se revelar como possibilidade de refletir suas formas de cuidado,
aproximações e diferenças entre elas, perspectivando a destinação da instituição
onde trabalham, a fim de poderem encontrar, em suas ações cotidianas, um fazer
com sentido ético-político pertinente, articulando seus saberes e fazeres.
Isto porque, segundo ALMEIDA (1999), cuidar de ser apresenta-se como
tarefa propriamente humana, que, de acordo com CABRAL e MORATO (2004, p.
10), organiza-se por uma escolha tríplice: escolhe-se do que se vai cuidar, como se
vai cuidar e como se vai cuidar do cuidar mesmo. A escolha do de que cuidar e do
modo de cuidar são mais culturais, disponíveis a todos, empreendidos hegemônica
e uniformemente por todos, remetendo ao âmbito da significação, da construção da
trama do mundo. Já a escolha do modo de cuidar do modo de cuidar remete ao
âmbito do sentido. Esse sentido se manifesta originariamente através dos estados
de ânimo. O sentido de ser se apresenta nos humores ou emoções.
A metodologia de relatos orais percorre a narrativa, baseada nas reflexões de
Walter Benjamin (1994), pela articulação entre narrativa e experiência pela figura do
narrador. Ao apontar o caráter artesanal da narrativa como forma de comunicação,
destaca a ambigüidade que sustenta a elaboração de experiência, a partir de dois
pólos: o aventurar-se e sair pelo mundo, ou seja, o viajante, condição de
singularização, e o conhecer sua própria história, no próprio lugar em que se está,
ou seja, o sedentário, condição para atualizar o passado como sentimento de
pertença coletiva. É por essa perspectiva que SCHMIDT (1990) reconhece que os
relatos de um sujeito acerca de sua experiência adquirem o estatuto de registro
dessa experiência e são, a um só tempo, momentos de elaboração e de transmissão
de experiência.
Sendo a narrativa um modo de apresentar uma experiência a ser elaborada,
ela assume o caráter de forma de comunicação: é ação, conduzindo a sentido, e
podendo ser vista em diferentes atos e diversos conteúdos. Assim, depoimentos,
relatos ou histórias de vida são atos de uma narrativa não aprisionada por
conteúdos, mas revelando a experiência implícita, expressa em como e no que se
manifestam.
Nesse sentido, propiciar um espaço para que profissionais de saúde e
educação possam expressar a experiência da sua prática aponta-se como caminho
para compreender o sentido dessa prática em instituição de aplicação de medida
socioeducativa, visando sua articulação com um sentido ético e político desse fazer.
Um espaço aberto para que as histórias da prática cotidiana possam ser contadas,
as dificuldades diárias comunicadas, as conquistas faladas, e, assim,
ressignificadas. Diz como as coisas aconteceram, onde aconteceram, por que e para
que aconteceram, possibilitando compreender a historicidade como experiência
humana.
Nessa ótica, conselho é comunicabilidade da experiência, a continuação da
narração, na perspectiva do narrador, baseada na experiência ouvida do que um
outro conta de sua situação, abrindo possibilidades de falar, ser escutado e ouvir.
BENJAMIN (1994), acerca da narrativa, diz:
Ela tem sempre em si, às vezes de forma latente, uma dimensão utilitária. Essa
utilidade pode consistir seja num ensinamento moral, seja numa sugestão prática,
seja num provérbio ou numa norma de vida – de qualquer maneira, o narrador é
um homem que sabe dar conselhos”. (1994, p. 200) (...) “retira da experiência o
que ele conta: sua própria experiência ou a relatada pelos outros. E incorpora as
coisas narradas à experiência dos ouvintes” (1994, p. 201).
Dessa forma, a metodologia proposta se configura como espaço promotor de
experiência para cuidar de quem cuida, levando esses cuidadores a reflitirem sobre
sua forma de cuidar, sentido para esse fazer. Ao propor o recurso de oficinas de
recursos expressivos como supervisão de apoio psicológico para profissionais de
saúde e educação, abriu-se uma compreensão de como a investigação
fenomenológica pode acontecer, conduzindo o trabalho de campo com uma
pertinência clínica.
É preciso ainda considerar um outro aspecto. Ao se planejar um trabalho, ou
mesmo ao se executar uma ação, nunca se sabe de fato o que acontecerá. Por mais
que esse planejamento seja amplo e meticuloso, sempre há a possibilidade de algo
sair diferente do proposto. Apontar isto não implica em fatalidade mas sim em
factualidade, pois, como diria BUBER (1979) fatal mesmo é crer na fatalidade, cujo
sentido é o decurso irrevogável das coisas. Enquanto o fatal remete à fatalidade, o
factual remete aos fatos. O fato diz respeito à imponderabilidade da existência
humana com relação ao seu viver, o que implica em que um planejar contemple
também um improvisar, adequar e recorrer a diferentes formas de utilização de
recursos, teóricos ou materiais na consecução de uma prática. Desse modo, passo
agora a descrever os acontecimentos.
4.2 Para que?
A proposta desta pesquisa foi a de realizar um trabalho com pessoal técnico
e administrativo de uma instituição para adolescentes, como forma de promover uma
capacitação pessoal e profissional para os esses profissionais. Nesse sentido,
tratava-se de realizar uma prática para cuidar do cuidar de ser de cuidadores de
jovens, contemplando, assim, ações que percorressem o sentido de saúde e
educação implicado no cotidiano do trabalho desses profissionais.
O LEFE (Laboratório de Estudos e Prática em Psicologia Fenomenológica e
Existencial, do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo), ao qual o
autor deste trabalho está vinculado, já desenvolvia nessa instituição, há quatro anos,
atividades de atendimento em Plantão Psicológico e Supervisão de atendimentos
feitos por psicólogos da instituição. Assim, havia um transitar pelo espaço
institucional, aproximando ambos os grupos por uma confiança estabelecida pela
presença constante.
Nesse contexto, foi possível um pedido expresso de um dos extratos de
diretoria da instituição, solicitando um trabalho de capacitação ou apoio para o
pessoal que ocupava cargos de gerência técnica ou cargos administrativos. A
“queixa” expressou-se pela identificação, no pessoal desse extrato, de problemas de
comunicação entre si, de comunicação entre os diversos segmentos responsáveis
pela execução de tarefas de rotina no trabalho, pela formação de pequenos grupos,
pela enunciação de ordens e contra-ordens, acarretando dificuldade para o
gerenciamento da equipe, além de comunicação comprometida entre essa equipe e
a população de internos.
Assim, procurou-se compreender como oficinas de recursos expressivos para
convívio e reflexão poderiam ser utilizadas como articulação possível entre esses
profissionais. Neste contexto, seriam todos profissionais de saúde e educação,
dirigidos para atividades voltadas a medidas socioeducativas numa instituição, a
quem tais oficinas poderiam oferecer-se como Supervisão de Apoio Psicológico.
4.3 Com quem?
Era dirigida pessoal técnico e administrativo de uma instituição para
adolescentes. O pessoal técnico era composto por psicólogos, pedagogos,
professores de educação física, professores secundários e funcionários com
diferentes escolaridades, alguns apenas com o primeiro grau, outros com o segundo
grau completo. Os cargos administrativos eram de: diretor geral (1), administrador
do complexo (1), assessores de direção (2), diretores regionais (4), coordenadores
pedagógicos (4), encarregados técnicos (4), encarregados administrativos (4),
coordenadores de atividades (16). À exceção destes últimos, de quem se exige o
segundo grau completo, todos os outros participantes tinham terceiro grau completo.
A idade dos participantes variava entre 30 e 60 anos. Os números entre parênteses
registram o número de profissionais de cada função mencionada, que participaram
das oficinas de recursos expressivos.
4.4 Como?
Este trabalho foi realizado em duas oportunidades, com profissionais dessa
instituição, sendo que aproximadamente 60% dos participantes da primeira oficina
estiveram presentes à segunda. Devido às diferenças entre turnos de trabalho,
alguns participaram das duas oficinas, outros apenas de uma.
Cada encontro durou aproximadamente 7 ½ (sete e meia) horas, iniciando-se
por volta das 9:00 h e terminando por volta das 18:00 h, com 1:30 h para almoço. Foi
realizado no ateliê de criatividade do bloco de atendimentos do IPUSP, sendo
coordenados por uma dupla de facilitadores, composta pela Dra. Henriette T. P.
Morato e pelo autor deste trabalho.
Antes de cada encontro, a dupla de facilitadores se reuniu, elaborando
roteiros para as oficinas. Para cada uma foi escolhido um tema, respectivamente
Gerenciamento de equipe: dificuldades, desafios e possibilidades” e “INSTITUIÇÃO
real versus INSTITUIÇÃO ideal”.
Do primeiro encontro foi feito um registro escrito pelos facilitadores, sendo
ainda recolhido o material escrito e gráfico produzido pelos participantes. No
segundo encontro, para um registro mais fidedigno, foi feita gravação em vídeo,
além do recolhimento do material escrito e gráfico produzido pelos participantes.
4.5 Os roteiros que viraram mapas
Serão, agora, apresentados os dois roteiros originais para as oficinas de
recursos expressivos/oxigenação realizadas. Algumas pequenas adaptações se
fizeram necessárias no desenrolar da ação, em função de detalhes que emergiram.
Sofreram algumas alterações à medida que as oficinas foram transcorrendo, em
função de imprevistos e da leitura que os facilitadores fizeram da situação, optando
ora por suprimir algum ponto, ora por enfatizar outro, ou ainda, introduzindo novos
pontos.
Para que isto pudesse acontecer, auxiliou o fato de os facilitadores se
conhecerem, estarem bem “afinados” com a proposta de trabalho, de forma que,
com uma piscadela ou um pequeno gesto, já comunicavam um ao outro suas
percepções e eventuais correções de rumo a serem feitas. Houve também
momentos em que rapidamente discutiram um ao ouvido do outro, alternativas
possíveis. Enfim, evidenciou-se a necessidade de uma cumplicidade entre os
respectivos modos de ser e fazer entre os facilitadores. Outra variável importante foi
o fato de haver conhecimento prévio dos participantes, não em termos pessoais,
mas em termos de quem eram, de onde vinham, de quais eram suas demandas
enquanto grupo de trabalho.
Assim, os roteiros para as oficinas foram “gestados” por cerca de duas
semanas, nas quais os facilitadores puderam pensar e trocar sugestões e propostas.
Seu formato final ocorreu sempre na noite anterior a cada oficina. Nesses encontros,
os facilitadores optaram por, na primeira oficina, proporem uma atividade mais
aberta, mais lúdica, visando uma aproximação entre os participantes, recorrendo a
uma outra forma de se darem a conhecer uns aos outros. Assim, a opção foi por um
roteiro que incluísse, ao mesmo tempo, ingredientes de prazer, aventura, desafios e
imprevistos: surgiu uma viagem, para a primeira oficina, e uma construção para a
segunda.
Por outro lado, se antes das oficinas acontecerem este presente ítem se
denominou roteiro, após as vivências ele fortemente se apresentou mais
pertinentemente como mapa. De qualquer forma, como roteiro serviu para dirigir os
facilitadores ao grupo com uma sugestão de proposta. Contudo, após evidenciar-se
uma compreensão do trabalho realizado, revelou-se como um “mapeamento do
terreno”, sugerindo a autêntica cartografia de cada uma das oficinas na produção de
cada grupo.
Roteiro da oficina de recursos expressivos – oxigenação, realizada em
22.07.2003
“Gerenciamento de equipe: dificuldades, desafios e possibilidades”
1- Apresentando o tema-nó: Gerenciamento de equipe: dificuldades, desafios e
possibilidades
2- Pedindo consignas: “Gerenciamento é... Equipe é... Dificuldade é... Desafio é...
Possibilidade é....”
3- Aplica-se ou não o pensado acima quando apresento: “Eu como gerente sou....
Eu como equipe sou... Eu como dificuldade sou... Eu como desafio sou... Eu
como possibilidade sou...”
4- Arrola-se o que apareceu, tentando encontrar sentido de VIAGEM
5- Mesmo procedimento para VIAGEM: “Viagem é... Eu como viagem sou....”
6- Busca-se arrolar e encontrar sentido de BARCO
7- Pede-se que se desenhe um BARCO e que se apresente como sendo esse
BARCO desenhado
8- Fixa-se o desenho na parede
9- Cada um escolhe qual parte do barco poderia se perceber sendo
10- Apresenta-se como sendo essa parte
11- Parte-se para a construção do barco, com o que estiver à mão e mantendo-se
como sendo aquela parte do barco em que se reconheceu e apresentou.
12- Espaço para discussão dessa vivência
FIM DA PARTE DA MANHÃ
INÍCIO DA TARDE – SITUAÇÃO DE NEVOEIRO À NOITE
1- Nevoeiro leva comando a sugerir encontros entre os tripulantes dado o risco de
naufrágio
2- Encontro entre pessoas de olhos vendados pela complementaridade para soma
de 38
3- A consigna é transmitir um legado a ser comunicado a seus familiares em caso
de desaparecimento
4- Barco bate em algo
5- Pular para botes salva-vidas com número limitado e inferior ao número do grupo
6- Como resolver essa situação para não deixar alguém morrer?
7- Remam em busca de lugar e aportam numa ILHA MÁGICA
8- Agora é subsistir!!!! Procurar comida, água, abrigo e segurança como náufragos
9- Amanhece.... e vêem barco encalhado em banco de areia próximo à ilha, pois a
maré subiu e o soltou do rochedo onde batera
10- Agora é fazer viagem de volta....
11- Espaço para comentário e discussão da vivência
12- Pensar no Barco INSTITUIÇÃO: como se vêem agora e como se avaliam e
avaliam o desempenho dos outros .... aqui e lá....
Para a segunda oficina, levou-se em consideração o conhecimento já
estabelecido com os participantes durante a primeira oficina. Optou-se por trabalhar
com as noções de real e ideal que tinham da instituição na qual trabalhavam, para
então propormos uma tarefa bem objetiva: a construção de um castelo, com cada
participante tendo uma consigna específica na tarefa, tirada de atividades anteriores
da própria oficina.
Roteiro da oficina de recursos expressivos – oxigenação, realizada em
01.08.2003
“INSTITUIÇÃO ideal vs INSTITUIÇÃO real”
PARTE DA MANHÃ
1) Solicitar autorização para filmagem, explicando seu uso.
2) Distribuir etiquetas para sorteio de números.
3) Aquecimento:
a) formar círculo, sentados ao chão, voltando-se para fora;
b) comentar como chegou hoje até aqui, o percurso que fez, etc;
c) como percebe o grupo de costas?
d) imaginar uma posição relativa à qual está;
e) vira 180º e confere essa escolha;
f) muda-se para esses lugar, e caso ocupado, resolve como o
problema?
4) Apresentação, através de gesto, de como se vê nesse lugar.
5) Proposta de se separar em pequenos grupos, de até no máximo 6
pessoas por grupos e com máximo total de 5 grupos
a) se agrupam pela cor da meia;
b) se agrupam pelo casamento entre cor de meia e calça;
c) se agrupam pela cor da meia, da calça e da camisa.
6) Discutir e elaborar pontos itemizados sobre INSTITUIÇÃO IDEAL.
7) Eleger relator que escreve no papel e lê para todos.
8) Nós faremos a compilação.
9) INTERVALO
10) Organizam-se em grupos de 1 a 5, 6 a 10, etc...
11) Mesmo procedimento anterior: discutir e elaborar itens de INSTITUIÇÃO
REAL, que será lido por relator e compilado por nós.
12) Grupo desenha em cartolina as duas representações de INSTITUIÇÃO:
IDEAL e REAL.
13) ALMOÇO
PARTE DA TARDE:
14) Buscar produzir um conceito sobre palavra CONSTRUÇÃO.
15) Constroem um único CASTELO, a partir de consígnias que saírem da 1
a
.
parte.
16) Relaxamento: como é viver nesse castelo construído.... como transformá-
lo?
17) Discussão de como seria possível viver transitando entre o Ideal e o
Real.
FIM DOS TRABALHOS
5. COMPREENDENDO A AÇÃO
Neste capítulo serão apresentadas as duas Oficinas de Recursos Expressivos
– Oxigenação, que são o objeto de estudo deste trabalho, e que a partir de agora
serão denominadas simplesmente de “Oxigenação”, dada a discussão apresentada
sobre o termo no item 3.6. Oxigenação foi escolhida como uma nomeação mais
pertinente por duas razões: - pela propriedade do termo ao que as oficinas de
recursos expressivos se dispõe, enquanto prática psicológica; - e pela própria
proposta do trabalho realizado, fundada num pedido dos educadores a partir de
outras atividades realizadas na instituição: a solicitação explícita era por reciclagem
ou capacitação, ou seja, de renovação que os tornasse mais capacitados a
exercerem seu cotidiano profissional. Oxigenação, oxigênio penetrante que dá
origem a novas possibilidades, foi o que se lhes ofereceu.
Ressalta-se que, recorrendo-se ainda à Befindlichkeit, ação referir-se-ia à
fala”, ao dizer público, de acordo com ARENDT (2001). Neste sentido, este capítulo
descreve e narra o que aconteceu no dizer do pesquisador. Assim, a apresentação
de cada Oxigenação se fará em dois momentos: enquanto descrição (descrição
cursiva) e enquanto re-leitura cromática (descrição/narração de como a oxigenação
foi vista e compreendida).
5.1 Descrevendo a Oxigenação, em 22.07.03
Os trabalhos começaram com cerca de meia hora de atraso. Os participantes
foram chegando aos poucos. Ficaram do lado externo do prédio dos atendimentos
do IPUSP, conversando, brincando. Enquanto isto, a dupla de facilitadores
preparava a sala onde se realizaria a oficina: as dependências do ateliê de
criatividade. Com a sala preparada e um número significativo de participantes
presentes, o trabalho foi iniciado. Alguns retardatários foram chegando aos poucos.
Os facilitadores se apresentaram e apresentaram o tema-nó: “Gerenciamento
de equipe: dificuldades, desafios e possibilidades”, justificando-o como uma
necessidade detectada através de contatos anteriores que tinham sido estabelecidos
com a INSTITUIÇÃO. A seguir, foi proposto um aquecimento, solicitando-se aos
participantes que andassem pelo espaço da sala, explorando-o, num primeiro
momento, sem contato visual com os colegas. Enquanto isto, pediu-se que
procurassem resgatar o seu trajeto desde o momento em que acordaram e se
levantaram, até o momento de adentrarem a sala em que estão. A partir deste
momento pediu-se que estabelecessem contato visual com os colegas,
reconhecendo a cada um. Solicitou-se, então, que escolhessem um lugar na sala em
que se sentissem confortáveis para sentar. Lentamente, foram se dirigindo aos
lugares que escolheram, procurando tornar o lugar confortável com o uso dos
colchonetes.
Distribuídas folhas de papel sulfite e lápis, foi então sendo introduzida a
proposta de trabalho para esta oficina. Solicitou-se que completassem
sucessivamente as frases: “Gerenciamento é...”, “Equipe é...”, “Dificuldade é...”,
“Desafio é...”, “Possibilidade é...”, por escrito. As frases a serem completadas foram
apresentadas verbalmente ao grupo uma a uma, com tempo para que a
escrevessem e completassem. Riam e brincavam enquanto escreviam. Finda esta
fase, pediu-se que, um a um, relatassem as frases completadas. Enquanto
relatavam o que tinham escrito, os facilitadores iam compilando as definições,
escrevendo-as em faixas de papel Kraft coladas às paredes, procurando assim
auxiliar na busca de sentido para cada uma das palavras. Cuidaram também para
que não houvesse repetição de definições, o que eventualmente ocorria.
A seguir, foi pedido que se apresentassem, completando as frases. Na
seqüência, partindo do que escreveram no passo anterior, fazendo as adaptações
necessárias para a concordância da frase: “Eu como gerente sou...”, “Eu como
equipe sou...”, “Eu como dificuldade sou...”, “Eu como desafio sou...”, “Eu como
possibilidade sou...”.
A transcrição das definições acima citadas é apresentada, feitas a partir das
folhas de papel sulfite utilizadas pelos participantes. O número entre colchetes, ao
final de cada definição, serve para que se possa trilhar as definições de um mesmo
participante. Os números foram atribuídos aleatoriamente.
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As transcrições foram feitas como cópias literais da produção de cada participante.
Gerenciamento é...
- saber dirigir/coordenar com critério um grupo de pessoas/missão [1]
- organizar, comandar, dividir tarefas, aplicar soluções e orientar a equipe [2]
- organização e administração [3]
- coordenação de ações [4]
- garantir que o grupo atinja o objetivo [5]
- cuidar para que um projeto/trabalho cumpra sua missão [6]
- coordenar atividades, ações, projetos,pessoas [7]
- “arrumar a casa” [8]
- organizar tarefas, acompanhar atividades, motivar equipe [9]
- comando em círculo fechado procurando êxito nos pontos de contato [10]
- organizar em todos aspectos as demandas representadas buscando sempre qualidade [11]
- dar condições de trabalho [12]
- fazer avaliação para uma meta de trabalho [13]
- capacidade para dirigir uma tarefa ou trabalho com objetivos, organização e planejamento [14]
- saber avaliar todas as possibilidades e escolher a melhor alternativa entre elas [15]
- gerir um programa e estar atento às ocorrências de um planejamento [em todas suas etapas] [16]
- capacidade de administrar problemas dentro de uma equipe, visando encontrar e aplicar
satisfatoriamente medidas que solucionem os mesmos [17]
- as pessoas que cuidam de todos os setores das empresas e que sempre dá o último parecer [18]
- cuidar [19]
- coordenar administrativamente as dificuldades e distribuir tarefas [20]
- organização [21]
- coordenar todo um trabalho, administrar dificuldades, alcançar metas, arriscar [22]
- comandar, aprender, arriscar, errar, acertar, colocar em prática, viver com as diferenças, lidar com
frustrações [23]
- comando com algum conhecimento do trabalho e da equipe com quem se vai trabalhar. É fazer
funcionar uma equipe, com atribuições que facilitem um conjunto de funções, com um objetivo final
[24]
- coordenar trabalho, buscar soluções [25]
- organizar [26]
Equipe é...
- o trabalho de um grupo de pessoas com o mesmo pensamento e ideais [1]
- um grupo de pessoas coeso e imbuídas em desenvolver uma determinada tarefa [2]
- o conjunto que faz com que o trabalho seja executado [3]
- é grupo de pessoas – seres humanos - profissionais [4]
- grupo de pessoas com o mesmo objetivo [5]
- um grupo de profissionais afinados com o mesmo objetivo [ou com objetivo maior] [6]
- grupo de pessoas que comungam um mesmo objetivo [7]
- “todos por um” [8]
- coesão do grupo, envolvimento sistemático [9]
- todos por um e um por todos [10]
- união de esforços para sempre buscar objetivo único [11]
- um grupo com os mesmos propósitos [12]
- união de pessoas com a mesma proposta de trabalho [13]
- várias pessoas desenvolvendo tarefas, com planejamento e organização para atingirem um objetivo
único [14]
- um conjunto de pessoas com o mesmo objetivo [15]
- poderia ser conceituada como pessoas com os mesmos ideais e dispostas a levar à frente o que
está sendo gerenciado [16]
- um grupo de pessoas trabalhando em torno de um objetivo comum, cada um completando com sua
capacidade de trabalho, possíveis falhas dentro de um todo [17]
- o grupo de pessoas trabalhando pelo mesmo ideal [18]
- igual + o diferente [19]
- sempre está em sintonia com todos os trabalhos [20]
- trabalho em conjunto [21]
- integração que visa um objetivo único [22]
- trocar idéias, experiências, diferenças [23]
- grupo de pessoas que possuem um mesmo objetivo e juntas podem conseguí-lo organizadamente.
Todos fazendo e pensando para melhor desempenharem as funções que levariam a esse final feliz
[24]
- trabalho em conjunto, em grupo [25]
- divisão de atividades [26]
Dificuldade é...
- o trabalho do dia a dia na organização [1]
- são os obstáculos de qualquer natureza que requerem tempo e habilidade para resolução [2]
- obstáculos que surgem durante o percurso [3]
- algo que normalmente aparece [4]
- obstáculos para atingir objetivos [5]
- aquilo que engessa ou causa transtornos a um melhor desempenho [6]
- obstáculos, conflitos, problemas, imprevistos [7]
- ”processar soluções” [8]
- desconhecimento das rotinas e procedimentos [9]
- o mal estar de não conseguir resultado [10]
- são entraves no caminho [11]
- não ter uma equipe com os mesmos propósitos [12]
- manter a meta de trabalho [13]
- estímulo para transpor barreiras [14]
- tudo que persiste em atrapalhar nossos objetivos [15]
- são os obstáculos encontrados no decorrer dos passos [tarefas] que estão sendo executados;
devem ser avaliados com critérios para serem transpostos [16]
- tudo aquilo que representa um empecilho para o bom desenvolvimento de um trabalho,
normalmente é o que nos estimula a buscar melhorar na qualidade do que fazemos [17]
- pessoas que lutam para conseguir um objetivo e não consegue [18]
- viver limites [19]
- administrar sem solução e sem respaldos superiores [20]
- obstáculos [21]
- na medida que aprendo a superar é uma aprendizagem [22]
- oportunidade [23]
- obstáculo encontrado no decorrer de um trabalho. Ela vem para nos questionarmos se estamos
chegando a atingir a nossa meta [24]
- o não ter ou não compreender [25]
- ser rápido para contornar os problemas, ter soluções, ser prático [26]
Desafio é...
- procurar novos caminhos (outro) [1]
- é o espírito de resolução para as dificuldades [2]
- enfrentar os obstáculos [3]
- necessário para o desenvolvimento [4]
- metas, objetivos [5]
- esperança de que é possível [6]
- sabor, cor, vida, ânimo, “o por que”, ir além [7]
- “projetar novos rumos” [8]
- busca de alternativas [9]
- viver tentando, tentando, tentando [10]
- ações que aceitamos para buscar soluções para dificuldades apresentadas [11]
- encarar as dificuldades com esperança de solucioná-las e acreditando nisso [12]
- tudo que novo no trabalho [13]
- algo a ser vencido [14]
- uma meta a ser conquistada [15]
- uma idéia que aparentemente é nova e portanto com dificuldades que com coragem são executadas
(ou tratadas) [16]
- algo que exige evolução e que traga em si a necessidade de superação a quem se propõe aceitá-lo
[17]
- trabalhar para conseguir um objetivo [18]
- enfrentar o novo [19]
- nunca esmorecer e sempre pensar positivo [20]
- desconhecido do que vem a frente [21]
- motivação [22]
- diversificar [23]
- problemas que surgem no caminho, para que tenhamos mais vontade de lutar [24]
- encarar o novo, o desconhecido [25]
- cumprir etapas, aprimoramento, paz [26]
Possibilidade é...
- sempre existe novas possibilidades / procurar saídas [1]
- são as alternativas que podem ser utilizadas [2]
- as condições que surgem para superar os obstáculos [3]
- um caminho que pode ser seguido [4]
- caminhos para atingir objetivos [5]
- algo sempre presente, mas às vezes incomprensível aos olhos da equipe [6]
- vontade, abertura, criatividade, é crer para ver [7]
- “tudo a nossa volta” [8]
- abrir diálogo e o conhecimento [9]
- são luzes que aparecem, não deixam o trabalho declinar [11]
- esperança de um dia melhor [10]
- alternativas discutidas numa equipe [12]
- resultado bom de um trabalho [13]
- um novo rumo [14]
- caminho para a solução de um nosso objetivo [15]
- entendo que após estudados e analisados todos os passos, as etapas, vemos possibilidade (junto
com a equipe) de serem organizadas, e portanto realizadas [16]
- o vislumbre de solução para todos os itens acima, é de certa forma o que nos move em busca de
realização [17]
- tentar adquirir, esperando uma resposta [18]
- construção e esperança [19]
- se tivermos apoio sempre estaremos trabalhando [20]
- desenvolvimento (estudo) [21]
- ser [22]
- poder arriscar [23]
- são as oportunidades e caminhos para os quais posso seguir [24]
- aquilo que é possível ou que está ao alcance [25]
-de sonhar atingir os objetivos com maior qualidade, sem muito desgaste [26]
Esta atividade foi percebida como lúdica, sendo que os participantes riam com
as próprias “respostas” bem como com as dos colegas. Pediu-se que dissessem se
se sentiram representados pela frase/definição que apresentaram. A maioria
respondeu que sim.
Finda esta parte, foi promovida uma discussão do grupo, com a participação
dos facilitadores, visando encontrar, a partir das respostas anteriores, um sentido
para “viagem”. Solicitou-se, então, que completassem por escrito a frase: “Viagem
é...”, e enunciassem “Eu como viagem sou...”, utilizando aquilo que escreveram.
Viagem é...
- se desligar (sonho) das rotinas / problemas diários [1]
- aventura, conhecer o não conhecido, relembrar o conhecido, saborear a natureza e deslumbrar-se
com as obras dos homens [2]
- desenvolver-se para lugares de preferência desconhecidos [3]
- um caminho [4]
- expectativa [5]
- descobrir e assimilar o novo [6]
- diversão, conhecer, aprender, relocar, é presente [7]
- “soltar a imaginação” [8]
- oportunidades de conhecimento [9]
- entrar navegar e deixar fluir esperança [10]
- conhecer, experimentar espaços e lugares diferentes para mantermos o equilíbrio necessário para o
cotidiano [11]
- esquecer o gerenciamento e as regras do cotidiano [12]
- constante [13]
- sair de onde eu estou, sem sair do lugar [14]
- maravilhoso [15]
- locomoção de um local para outro, transposição de um corpo, mudança de astral, de natureza, etc
[16]
- busca de algo, e a busca se encerra em si mesmo, é o mais importante [17]
- explorar horizontes [18]
- refazer energias [19]
- planejar para o futuro uma estabilidade financeira e familiar [20]
- pensamento [21]
- sonho, realidade, liberdade, felicidade, conquista [22]
- liberdade, conhecer, rever [23]
- fuga do normal, do cotidiano, sonho para curar “stress”. Saída da rotina, novas perspectivas [24]
- a busca do equilíbrio [25]
- chegar ao objetivo desejado [26]
É interessante notar que, apesar de não aparecer nas definições acima, o
grupo quase sempre referia-se a viagem como sendo uma viagem de navio ou
barco, o que veio ao encontro do que os facilitadores haviam pensado como parte
desta vivência. Não foi preciso introduzir a questão barco, uma vez que o próprio
grupo o fez por si mesmo. Os facilitadores tiveram apenas que retomar os “barcos e
navios” que o grupo havia criado e citado.
A partir disto, procurou-se por um sentido para “barco”, com cada um dizendo
o que era para si um barco. Pediu-se, então, que cada um desenhasse um barco
que o representasse, dando-se tempo para que fizessem o desenho.
37
37
Infelizmente, apesar de os facilitadores terem solicitado, com insistência, que não levassem consigo os materiais que tinham
produzido, alguns dos participantes levaram suas produções. Assim, nos materiais aqui reproduzidos, tanto desta, quanto da
vivência seguinte, serão notadas algumas faltas.
Em seguida, foi solicitado que se apresentassem como sendo o barco que
desenharam. A tarefa se realizou no dizer do tipo de barco que haviam desenhado e
como o reconheciam como sendo si mesmo” (transatlântico, traineira, “barquinho”,
rebocador, “barco pirata”, fragata, etc.), a que se prestavam e para onde se dirigiam.
Após esta apresentação, cada um foi até uma das paredes da sala, onde fixou seu
desenho. Formou-se uma galeria de desenhos de barcos.
Solicitou-se que cada um observasse, atentamente, todos os desenhos para,
sendo. Pediu-se, então, que se apresentassem como sendo essa parte do barco
escolhida como sendo si mesmo.
Em continuação, foram solicitados a construir um barco humano, ou seja, que
cada um assumisse a postura da parte do barco que havia escolhido ser.
Vagarosamente, foram compondo o barco para, ao terminá-lo, relatarem como
haviam se sentido sendo aquela parte do barco que haviam escolhido ser, e como
se sentiam em relação ao todo do “barco humano construído”. Neste momento,
houve um silêncio.
Praticamente, não houve duplicidade nas “partes do barco humano”. No
entanto, chamou a atenção o fato de cinco pessoas terem se identificado como
sendo o motor do barco, coincidentemente os mais velhos e aqueles que ocupam
posições de liderança na instituição.
O esquema que segue, é uma reprodução do “barco humano” que se
formou.
Foi, então, solicitada a construção de um “barco físico”, que seria uma
concretude “física” desse barco, uma re-construção do “barco humano”, recorrendo-
se à utilização de qualquer objeto ou material que pudesse ser encontrado na sala.
2
3
4
4
5
5
6
7
7
8
9
11
11
12
5
5
10
1
3
14
1 – carranca 7 – velas 13 – motores
2 – âncora 8 – mastro 14 - leme
3 – casco 9 – ponte de comando
4 – coletes salva-vidas 10 – timão
5 – escotilhas 11 – botes salva vidas
6
chaminé 12
escada
1
Para esta construção, utilizaram os materiais que se encontravam disponíveis:
cadeiras, colchonetes, cartolinas, papel sulfite, crayon, barbante, um armação de
“flip chart” e papel Kraft. O casco do barco foi feito com colchonetes que ficavam
encostados em cadeiras do lado de dentro do barco. Estas por sua vez, formavam
os bancos do barco. Para confeccionar o mastro e as velas, utilizaram a armação de
“flip chart” e cartolinas. Cadeiras eram colocadas do lado interno como suporte para
timão e marcadores da posição dos motores. Cartolinas e papel sulfite foram
pintados para representar objetos que não tinham à mão (por exemplo, escotilhas,
carranca e o timão). Foram também colocadas cadeiras do lado externo da
construção, que representavam os botes salva-vidas. Por fim um papel sulfite
colocado na proa do barco identificava a obra: INSTITUIÇÃO. O “produto resultante”
se assemelhou muito ao esquema apresentado acima.
Fizeram uma construção estudada, cuidadosa, organizada. O resultado final
agradou a todos. Finda a construção, “subiram” no barco e o “experimentaram”.
Alguns ficaram em pé, outros se sentaram nos bancos. Conversaram, brincaram,
sorriram, expressando sua satisfação com a própria obra.
Foram, em seguida, solicitados a deixar o barco e a compartilharem como foi
a experiência da construção deste barco. Houve unanimidade no depoimento de que
construir esse barco havia sido uma experiência prazeirosa, pela qual puderam
estabelecer trocas com os colegas, se aproximar daqueles que eram mais distantes,
de conversar, de brincar, de soltar a fantasia.
Encerrada essa apresentação, ficou combinado entre todos interromper por
uma hora a oficina para o almoço. O barco foi deixado intacto.
No horário combinado, os participantes voltaram; alguns, porém, levaram
algum tempo a mais para retornar. Enquanto os retardatários iam chegando, foram
distribuídas, aleatoriamente, etiquetas auto-adesivas com numeração de 1 a 26.
Na retomada dos trabalhos, foi proposto que “fizesse uma viagem com o
barco construído”. Entraram no barco, postaram-se de forma confortável e a viagem
começou.
Os facilitadores, do lado de fora do barco, iam dando as consignas, abaixo
citadas, sobre as condições de navegação e meteorologia:
- o barco está zarpando para um passeio
- vagarosamente vai saindo do porto, deixando-o para trás
- ruma para alto-mar
- o dia está bonito, bom tempo, sol
- pelo trajeto que faz são avistadas ilhas ao longe
- começam a aparecer nuvens
- o tempo vai fechando
- começa a cair a noite
- o barco se vê envolto por muita neblina
Para simular o anoitecer e o nevoeiro, os olhos dos participantes foram
vendados com pedaços de pano, as luzes da sala foram apagadas e as persianas
fechadas. Sugeriu-se um risco de naufrágio e, para sua própria proteção, deveriam
formar uma dupla, encontrando aquele companheiro cuja etiqueta contemplava um
número que, somado ao da sua própria etiqueta, resultasse 27. Iniciou-se uma
grande movimentação no barco, até todos poderem encontrar a sua dupla, pois, com
os olhos ainda vendados, os participantes perguntavam, a cada um com que
cruzavam, qual o número de sua etiqueta. O clima era tenso, enquanto tropeçavam
uns nos outros, gritando pelo número que procuravam.
Dado o risco de naufrágio, e uma vez já em duplas, foi solicitado que
trocassem entre si um legado a ser comunicado a seus familiares em caso de seu
desaparecimento. Aos cochichos, comunicaram o legado, sendo que alguns,
visivelmente emocionados, até choraram.
Subitamente, foi dado, pelos facilitadores, um alerta de que o barco batera
em algo. Deveriam, assim, deixar o barco visto a iminência de naufrágio. Lançando-
se à procura de botes salva-vidas, perceberam que neles havia menos vagas do que
o número de passageiros. Já sem as vendas nos olhos, iniciaram um processo de
negociação, levando à criação de recursos para que todos pudessem se salvar:
apesar da superlotação nos botes, alguns sobreviveram na água, agarrados às
mãos de outros que estavam dentro.
Ao “grito” dos facilitadores de “Terra à vista!!”, vislumbraram algo no
horizonte: uma ilha mágica. Para isso, os facilitadores haviam colocado uma
cartolina, com o desenho de uma ilha, numa parede. Depois de rumarem naquela
direção, os dois botes salva-vidas foram se aproximando da ilha, até encalharem na
praia. Desembarcando na ilha, foi sugerido um pequeno tempo de “descanso na
areia” para se refazerem do acidente. “Restaurados”, sugeriu-se que se dividissem
em equipes para distribuírem entre si tarefas para sua subsistência. A equipe
encarregada da alimentação saiu à procura de alimentos, água e madeira para fogo,
enquanto que uma outra, responsável por abrigos, foi em busca de material para a
construção de cabanas, ao passo que aquela responsável pela segurança buscava
materiais que pudessem ser usados como armas, para defesa do acampamento.
Encontraram, nos objetos presentes na sala, o material de que precisavam.
Recorrendo a um jogo de faz-de-conta, terra (vinda do jardim externo a sala) e
pedras eram a comida, utilizando a jarra de água para guardar água; papel sulfite
enrolado era lenha; cadeiras, colchonetes e barbante foram dispostos de modo a
formarem barracas; cartolinas enroladas viraram lanças ou porretes para defesa.
Depois de montado o acampamento, alimentaram-se e se acomodaram para
dormir. A equipe responsável pela segurança organizou uma escala de vigias para a
noite. Assinala-se que para esta rotina, não houve nenhuma sugestão ou
interferência dos facilitadores.
No momento desse sono, deitados sobre colchonetes, foram solicitados pelos
facilitadores a recuperarem o sentido daquela aventura para si mesmos até então.
Após um relaxamento físico, pelo qual foram percebendo, uma a uma, as partes de
seu corpo dos pés à cabeça, foram conduzidos a relembrar todas as atividades do
dia até aquele momento. Alguns participantes chegaram a cochilar, durante os
aproximados dez minutos desse “sono”.
Ao ser anunciado o amanhecer, pelos facilitadores, foram acordando aos
poucos, espreguiçando-se. Para surpresa do grupo, ao olharem para o mar, viram
seu barco intacto, preso a um banco de areia: os facilitadores haviam colocado, na
porta da sala, uma cartolina com o desenho de um barco nessa posição.
Incentivados a nadaram até ele, “desencalharam-no e zarparam”, saindo pela porta
da sala afora, representando o final da parte vivencial da oficina.
Na volta do intervalo combinado de 15 minutos, todos se sentaram em círculo,
abrindo-se um espaço para a discussão da experiência dessa oficina. Foi solicitado
que pensassem no barco INSTITUIÇÃO, em como se viam e se avaliavam na
situação naquele momento, bem como avaliavam os outros, tanto na instituição
quanto naquele espaço. Terminada a rodada de discussão, foi solicitado que cada
um dissesse uma palavra ou frase curta que expressasse o sentido da oficina para
eles, para então os trabalhos serem encerrados. Todas as falas da discussão quanto
de avaliação final foram de satisfação, prazer, alegria, descontração, sensação de
liberdade, criatividade.
5.2 Descrevendo a Oxigenação, em 01.08.03
Esta atividade foi realizada nas dependências do ateliê de criatividade do
Bloco de Atendimentos do IPUSP e contou com 21 participantes, enquanto
aguardávamos 28. A falta dos 7 se deveu a problemas particulares e a questões
relativas ao seu trabalho, pois não havia pessoal disponível para cobrir suas
ausências na instituição. Os trabalhos foram iniciados cerca de 40 minutos depois do
horário estipulado, devido ao atraso na chegada de alguns componentes do grupo e,
também, devido à demora na liberação da câmera de vídeo com a qual a atividade
seria registrada, emprestada pela Diretoria do IP.
Os participantes, que em sua maioria já se conheciam entre si, passaram
estes 40 minutos conversando do lado externo do prédio: alguns em tom baixo,
comedido, outros em voz bem alta, fazendo brincadeiras dentro e entre pequenos
grupos formados espontaneamente. Enquanto isso, a dupla de facilitadores
finalizava os preparativos na sala, organizando objetos como cadeiras, colchonetes,
cartolinas, lápis coloridos, pincéis atômicos, fita crepe, bobinas de papel Kraft,
tesouras, barbante, papel sulfite, etiquetas auto-adesivas e uma bandeja sobre a
qual havia café e copos descartáveis; ao mesmo tempo, afinava-se quanto a quem
faria o quê, durante a realização da atividade.
De início, foi solicitada aos participantes uma autorização para que os
trabalhos fossem gravados em vídeo, mediante o esclarecimento de que tal
procedimento permitiria obter um registro confiável do ocorrido, com finalidade de
estudo sistemático para procedimentos futuros. Após respostas dos facilitadores a
algumas dúvidas do grupo, este concordou com a gravação em vídeo. Um aluno
pós-graduando do PSA se propôs a operar a câmera. Naquele momento, o grupo se
encontrava um tanto agitado e havia conversas, brincadeiras e risos entre os
participantes. Assim, houve uma certa dificuldade para dar início à atividade.
Começou-se pela distribuição aleatória, aos participantes, de etiquetas auto-
adesivas numeradas de 1 a 21, que viriam a ser utilizadas em uma outra
determinada fase do trabalho. Isto feito, foi pedido que se sentassem em círculo. A
facilitadora se apresentou, apresentou o outro facilitador e, em seguida, apresentou
a proposta de trabalho como uma atividade visando cuidar do cuidador através da
mobilização de seus recursos pessoais - não podendo, assim, ser considerada uma
atividade pedagógica no sentido de ensiná-los a executar seu trabalho de tal ou qual
forma.
Na seqüência, foi solicitado que ficassem em círculo, mas dessa vez se
voltando para fora do grupo, ou seja, fazendo um giro de 180 graus e ficando, cada
um, de costas para o grupo. Para isso, os participantes moveram os colchonetes,
configurando um círculo menor, o que lhes permitiu ter espaço para as pernas. Dois
participantes pediram para ficar sentados em cadeiras, por estarem com problemas
em suas costas. Em seguida, foi pedido que resgatassem o percurso que haviam
feito naquele dia, desde a hora em que se levantaram até chegarem ao IPUSP:
como foi sua higiene pessoal, o desjejum, o ato de se vestirem, a saída de casa, o
meio de transporte que utilizaram, sua chegada ao IPUSP, o encontro com os
colegas, ainda do lado de fora do prédio, o período de espera até o início da oficina,
a entrada na sala, o agrupamento, o início dos trabalhos, o ato de se voltarem de
costas, o estar naquele lugar, ali e então, para, finalmente, perceberem como se
sentiam naquele exato momento. Foi solicitado, ainda, que procurassem se dar
conta de como percebiam o grupo estando de costas para ele, e que tentassem
imaginar um local, na sala, em que gostariam de estar sentados. A seguir, foi pedido
que se voltassem de frente para o grupo, conferindo qual o lugar em que gostariam
de estar sentados, e que se mudassem para esse lugar, buscando negociá-lo caso
estivesse ocupado. Ninguém mudou de lugar. Este procedimento durou cerca de 25
minutos.
A seguir, os facilitadores pediram que os participantes se apresentassem,
dizendo seu nome e fazendo um gesto que fosse significativo de como se
percebiam. Aleatoriamente, foram se apresentando, sendo que todos utilizaram
somente as mãos para fazerem o seu gesto, também todos esses de pequena
amplitude, quase consistindo, apenas, em algum tipo de aceno.
Terminada a apresentação, os participantes foram orientados a formar quatro
grupos: três grupos de 5 e um grupo de 6 participantes. Para tal etapa, foi pedido
que se baseassem nos critérios seguintes: de agrupamento pela cor da meia, pelo
qual formaram-se grupos desiguais, num ambiente de muita brincadeira; de
agrupamento casando a cor da meia com a cor da calça, o que resultou em mais
descontração, ficando claro que cada um compreendeu esse “casamento” da forma
que melhor lhe conveio, ou seja, alguns encontraram alguém que tinha as mesmas
cores de meia e calça que aquelas que trajava, outros efetuaram casamento da sua
cor de meia com a cor da calça do outro, e assim por diante, valendo a lei do mínimo
esforço, pois a opção pareceu ser feita pelo “casamento” que estivesse mais
próximo de si. Como os grupos ainda estivessem díspares, foi proposto que se
agrupassem por cor da meia, cor da calça e cor da camisa. Mais descontração e
brincadeiras, até os grupos se formaram. Solicitou-se, então, que ocupassem o
espaço disponível da sala da melhor maneira possível, de modo que houvesse
espaço suficiente entre os grupos para que as conversas de um interferissem o
mínimo possível nas conversas do outro.
Feito isto, foram distribuídas folhas de papel sulfite por todos os grupos,
sendo solicitado que passassem a discutir, em cada grupo, o que seria a
INSTITUIÇÃO ideal, devendo, ainda, cada grupo eleger um relator responsável por
anotar as proposições, arroladas sob a forma de itens. Durante o exercício, os
facilitadores ficaram circulando pela sala, dirimindo eventuais dúvidas ou questões.
Esta atividade de discussão em grupo durou cerca de 40 minutos, período no qual
foram ouvidas brincadeiras, falas em tom mais alto, algumas discussões acirradas,
outras amenas.
Finda esta fase, o relator de cada grupo apresentou a proposta elaborada por
seu grupo, sendo que, a cada item da proposição apresentada, ocorn51or
INSTITUIÇÃO IDEAL
1) Sede decente (estrutura física) – elaborada por pessoal técnico
2) Acabar com cargos políticos – eleições internas – empresa técnica
3) Plano de carreira por merecimento (sem apadrinhamento)
4) Unidades com autonomia para atualização de procedimento
5) Reciclagem para desenvolvimento pessoal e profissional – para funcionários e técnicos
6) Unidades menores (ECA) de até 40 meninos e quadro funcional completo (adequado às
necessidades)
7) Manutenção autônoma por unidade
8) Centro médico por complexo (estrutura física)
9) Triagem fiel e regionalização e grau de infração
10) Criação de cooperativa para apoio geral a funcionário
11) Ajuste salarial adequado com o conhecimento
12) Benefícios
13) Equipe para trabalho externo
14) Caixa próprio (relacionado ao item 7)
15) Profissionais melhor preparados com habilidades específicas
16) Política de atendimento integral – rede de apoio
17) Seleção criteriosa para profissional
18) Treinamento inicial
19) Reconhecimento e cuidado com a insalubridade profissional
20) Unidade específica para atendimento psicológico e psiquiátrico
21) Unidades integradas com política de progressão
22) Plantão forense por complexo (relacionado ao item 8)
23) Eficiência e com aspecto preventivo
24) Reconhecimento e respeito pela sociedade civil para funcionários
25) Equilíbrio entre os elementos (pessoas, princípios e procedimentos)
26) Profissionais que trabalhem por opção
27) Espaço acolhedor
Necessária (atividade necessária)
Estimulante
Percepção de equipe
Os facilitadores apontaram como cada grupo se preocupou, quase que
exclusivamente, com questões específicas: o grupo 1 falou da necessidade de
cuidado e amparo aos funcionários; o 2 falou de propostas administrativas; o 3
apresentou propostas educativas e como operacionalizá-las; o 4 considerou
princípios e valores que deveriam reger seu trabalho na INSTITUIÇÃO.
Foi feito, então, um intervalo de 15 minutos. Na volta, foi solicitado que o
grupo constituísse um círculo, sendo pedido que formassem quatro grupos, de
acordo com a numeração de suas etiquetas auto-adesivas (1 a 5, 6 a 10, 11 a 15, 16
a 21). Distribuídas folhas de papel sulfite por todos os grupos, foi solicitado que,
agora, promovessem discussões e levantamentos de idéias sobre a INSTITUIÇÃO
real, sobre o que a INSTITUIÇÃO efetivamente é. Um relator escreveria e,
posteriormente, apresentaria os pontos levantados pelo grupo. Após algum
burburinho, dedicaram-se à tarefa. Os facilitadores, novamente, circularam pela sala,
disponíveis a dúvidas. A apresentação das propostas, feitas pelos grupos, ocupou
muito mais tempo que a anterior, sendo, praticamente, discutido extensivamente
cada item apresentado. Isto ocorreu ao mesmo tempo em que os facilitadores
compilavam os pontos levantados e procuravam coordenar a discussão.
A seguir é apresentado um quadro com a transcrição da compilação feita pelo
facilitadores, relativa à INSTITUIÇÃO real.
INSTITUIÇÃO REAL
1) Campo de batalha - Meninos X Funcionários - Funcionários X Funcionários
2) Objetivos diferentes e conflitantes
3) Desperdício de material
4) Funcionários despreparados desde o início e em todos os níveis
5) Política deficitária de RH em todos os níveis
6) Riqueza de experiência
7) Mais contenção que educação e não atinge objetivos da missão
8) Coração de mãe, aceita tudo
9) Bode expiatório
10) Saco de pancadas
11) Cobaia
12) Se mostra mais que há 10 anos
13) Mais prática e menos técnica
14) Extremamente burocratizada
15) Vagarosa
16) Desorganizada
17) Extremamente desarticulada
18) “Pêra ao contrário”
19) Inexistência de investimento para a proposta pedagógica
20) Falta de comprometimento de funcionários
21) Funcionários como fantoches
22) Instituição corrompe o funcionário
23) Falta cumplicidade e comprometimento
24) Falta coesão
25) Falta falar a mesma linguagem
26) INSTITUIÇÃO é política
27) Discriminada
28) Persistente
29) Está sucateada
30) Inadequada fisicamente
31) Superlotada
32) Está com profissionais dedicados, envolvidos e que acreditam na qualidade
33) Já foi excelência, ainda é referência
34) Enquanto todo não existe (17)
INSTITUIÇÃO SURREAL
Rio Tietê
- crescimento desordenado - todos conhecem problemas e querem solução
- dejetos - “abnegados da limpeza”
- enchentes “limpam”
- muitos planos, pouca ação
Terminada a apresentação, solicitou-se que cada grupo representasse
pictoricamente, em cartolinas separadas e com lápis crayon, a INSTITUIÇÃO ideal e
a INSTITUIÇÃO real. As cartolinas foram coladas na parede, formando outra
exposição. Foi pedido que observassem atentamente todas as representações, o
que fizeram em silêncio.
[As páginas que seguem, contém fotografias das cartolinas, que estão identificadas
por “real” ou “ideal” e um mesmo número, de maneira a formarem pares.]
Ideal 1
Real 1
Ideal 2
Real 2
Ideal 3
Real 3
Ideal 4
Real 4
Em seguida, foi combinado um intervalo de uma hora para almoço. A maioria
dos participantes saiu da sala conversando animadamente. Os facilitadores ficaram
conversando algum tempo sobre o transcorrer da parte da manhã.
Uma hora depois, lentamente os participantes retornaram à sala e se
acomodaram. Enquanto isso, os facilitadores transformaram, aleatoriamente, os
pontos apresentados como os da “INSTITUIÇÃO ideal” e os da “INSTITUIÇÃO
real” em consignas, transcritas para pequenos pedaços de papel.
O recomeço dos trabalhos ocorreu com 15 minutos de atraso. Abaixo, alguns
exemplos de consignas dadas:
Responsável pela criação de uma estrutura física adequada.
Responsável por um gerenciamento burocrático emperrador.
Responsável pela manutenção do atual plano de carreira e pelos atuais salários.
Responsável pela criação de uma comissão salarial e de avaliação do atual plano de carreira.
Responsável pela desorganização da unidade
Responsável por más acomodações para todos.
Responsável pela atuação mais de contenção que de educação.
Responsável pela atuação mais de educação que de contenção.
Responsável pela qualificação técnica do pessoal e por atuação competente.
Responsável por gerenciamento financeiro e administrativo autônomo.
Responsável por atividades para meninos e funcionários se relacionaram.
Responsável por funcionários e meninos serem disciplinados.
Responsável pela manutenção da atual estrutura física e pelo relacionamento bruto e estúpido entre
as pessoas.
Responsável por que funcionários e meninos sejam discriminados
Após alguma conversa e brincadeiras, inclusive por parte dos facilitadores, foi
solicitado que escrevessem, em folha sulfite, o significado da palavra “construção”,
para, em seguida, apresentarem o que escreveram.
Construção é criar, desenvolver alguma coisa.
Construção é renovação.
Construção é transformação.
Construção é planejar, sonhar, achar soluções, partilhar opiniões.
Construção é fazer junto o que foi planejado, buscando a concretização do que foi pensado,
sonhado.
Construção é ter um objetivo, uma meta e irmos atrás, fazendo acontecer, sem pular etapas e assim
conseguindo nos realizar.
Construção é resultado, trabalho.
Construção é criar um sonho, projeto.
Construção é definição de uma construção, estudo, preparação, alicerce e apoio.
Construção é criação a partir do conhecimento, planejamento e objetivos definidos paralelamente –
ou - criação a partir da intuição (insight) através de vivências.
Construção são as idéias em prática, pensadas e materializadas.
Construção é resultado de um trabalho pensado, projetado, treinado, acionado e curtido.
Construção é fazer algo aparecer, tanto abstrato como sólido.
Construção é fazer algo, um trabalho, é ser, reconhecer. Ideal pesquisar 1ª planta cotação de
preço.
Construção é criar, desenvolver alguma coisa.
Na seqüência, foi solicitado que construíssem concretamente uma unidade da
INSTITUIÇÃO, utilizando quaisquer objetos e materiais disponíveis na sala. Cada
participante sorteou um papel com uma consigna, que indicava ser essa a sua
tarefa/meta durante a construção. Foi sugerido que guardassem segredo sobre sua
consigna/tarefa em relação a outras pessoas. Ressalta-se, neste presente momento,
que foi introduzida, de última hora pelos facilitadores, uma modificação no roteiro
original onde havia sido pensada a proposta de construção de um castelo.
Feita a proposta, o grupo ficou um tempo, relativamente longo, como que
paralisado, andando de um lado para outro. Alguns se isolaram, “preparando seu
material de trabalho”, escrevendo e desenhando em cartolinas e papel sulfite; outros
parados, olhando para suas consignas e para o movimento do grupo. Burburinho e
confusão eram o modo de organização do grupo: não havia um movimento grupal
que pudesse ser percebido como organização. Muito lentamente, alguma espécie de
organização foi acontecendo: alguns começaram a construção, enquanto outros
ficaram observando. Foram ouvidas muitas discussões, inclusive com os
facilitadores. Aqueles, que tinham consignas “concretas”, procuravam se delas
desincumbir, enquanto que os que tinham consignas “abstratas”, por exemplo, cuidar
da organização, ficavam andando de um lado para outro, tentando como que
“vender” sua consigna. O ambiente se assemelhava ao de uma feira livre: pessoas
carregando cartazes, outras bradando palavras de ordem, umas tentando convencer
a outras, poucas efetivamente trabalhando na construção.
Em certo momento, os facilitadores intervieram vigorosamente chamando a
atenção para o fato de que estavam repetindo seu comportamento do dia a dia,
tentando resgatar aos participantes a forma como lidam com as negociações na sua
rotina de trabalho, relembrando-os de que estavam participando de uma construção
coletiva, ou seja, havia algo a ser criado.
Em outro momento a facilitadora solicitou que parassem para refletir se
realmente algo estava sendo construído. Foram remetidos ao fato de que as
consignas foram tiradas daquilo que eles mesmos haviam proposto. E lhes fora
apontado de que estavam duros e rígidos, impossibilitando qualquer evolução na
“dança da negociação”.
Em determinado momento, grande confusão reinava. Os participantes mais
velhos, e que têm cargos de chefia na instituição, pediram silêncio, e propuseram
que fosse discutida a construção, e do que precisariam para poder executar tal
construção. Bom entendimento entre si foi uma unanimidade. Procuraram
estabelecer alguns critérios e normas para a construção, levantando o que seriam as
necessidades, e dentre elas, as prioridades. A seguir houve uma acalorada
discussão sobre necessidades e prioridades, com todos se postando em torno da
parte do castelo concretamente construído. Por muito tempo discutiram, entre
ordens e contra-ordens.
Após um longo tempo, durante o qual os participantes não conseguiram
realizar a construção, os facilitadores interromperam a tarefa, e solicitaram que cada
um revelasse sua consigna. A maioria dos participantes concluiu que a tentativa de
construção se resumiu a cada um procurar cumprir sua tarefa, sem se importar com
a articulação com os outros. Após o apontamento de uma aparente rigidez na ação,
sem espaço para o experimentar modos outros, a discussão seguiu com todos em
pé ao redor da “construção”. Sentaram e continuaram, de forma mais amena, a
discussão, agora enfatizando a “paralisia do fazer”, ou seja, o quanto são capazes
de ter idéias e quão difícil é colocá-las em prática.
Segue uma longa discussão que inclui os facilitadores, em que muitos temas
foram abordados. Os participantes estavam atônitos. Os facilitadores foram pinçando
os temas que consideraram relevantes, procurando explorar a riqueza de
dinamismos grupais e individuais que tinham se mostrado na parte vivencial da
oficina. De início foi discutida a diferença entre fazer e agir. Fazer é se desincumbir
de uma tarefa, agir é empreender uma ação. Percebiam-se como pessoas que
faziam, que cumpriam tarefas designadas, entendidas como impostas, sem
questioná-las ou refletir sobre adequações.
Enveredou-se por discutir a possibilidade dessa atitude na instituição. Falou-
se em brechas na estrutura que permitiriam uma gama de ações bem maior que
aquela de que dispões na realidade de sua atuação. Constatou-se que as condições
de trabalho não são as ideais; há falta de verbas e de procedimentos, mas tudo isto
não justifica uma paralisia, nem tampouco um trabalho que não possa ser bem feito.
Discutiu-se, ainda, a questão dos limites pessoais e da instituição e os possíveis
limites para negociações entre as partes. Retomou-se a experiência da oficina para
evidenciar que suas ações não são condizentes com seus discursos; ou seja,
enquanto no discurso falavam da possibilidade de negociação, ficaram rígidos e
inertes quando tiveram que negociar as consignas, utilizando-as como regras a
serem seguidas.
A discussão sobre maleabilidade/rigidez levou-os a pensar sobre a
possibilidade de, em seu cotidiano do trabalho institucional, estarem criando um
“know-how”, que poderia, depois, ser levado para outras situações. Procurou-se
mostrar aos participantes que eles lidam com uma população extremamente criativa
tendo, assim, a necessidade de também se valerem de criatividade. Neste momento,
fez-se grande silêncio, enquanto lhes eram apontadas suas riquezas e recursos
pessoais possíveis. Tornava-se evidente para todos quão apropriada era a
percepção do que é possível ser feito, embora, ainda assim, não a realizassem no
concreto.
Abriu-se a possibilidade de refletir sobre como ser autor da própria história e
dos próprios atos, ou seja, não ser sempre necessário agir com papéis pré-definidos.
Concluíram ser isto um auto-aprisionamento, percebendo que não é o outro quem
aprisiona. Seguir regras é diferente de ser comandado, pois enquanto um comando
é dado apenas uma vez, esperando ser seguido repetida e indefinidamente, seguir
regras pode implicar em questioná-las quanto à sua propriedade. Perceberam que,
geralmente, tomavam regras (consignas) como comando, o que conduziu a uma
questão recorrente entre o grupo no tocante a ser possível educar os jovens internos
da instituição, ao invés de somente praticar atos de contenção frente a eles. Disto,
encaminharam-se para a questão dos pré-conceitos e o quanto estes são
impeditivos para encarar aquilo que efetivamente está acontecendo no momento.
Perceberam como reagiram à construção da INSTITUIÇÃO, tumultuados, baseando-
se em pré-conceitos.
Em seguida, apareceu o tema de polaridades: funcionários versus meninos. É
dificultoso compreenderem a todos como parte de um mesmo sistema, dentro do
qual o confronto não seria a solução para os problemas no cotidiano junto aos
meninos; contudo, pareciam relutar a pensar que, caso “puxassem a corda do
mesmo lado”, poderiam obter resultados mais interessantes.
Refletindo-se a respeito do trabalho realizado nesta oficina, conclui-se que era
como que a reiteração da sua realidade profissional, apresentando votos de que ela
poderia se modificar. Nas palavras do facilitador, “havia sido animadamente
fotografada sua situação diária de trabalho”.
Por essa deixa, pautou-se a discussão sobre a atitude frente ao trabalho, na
qual se percebem sempre vivendo um re-começo. Neste exato momento, um dos
participantes dirigiu-se até a construção feita e, sob o olhar dos outros, vai
desmontando tudo sozinho, dizendo-se incomodado com o que ela estaria
representando: a incapacidade de todos eles em construir algo satisfatório. Ao
terminar, comentou: “Agora não incomoda mais!”. Foi este mesmo participante
quem, na discussão sobre INSTITUIÇÃO ideal vs INSTITUIÇÃO real, introduziu a
INSTITUIÇÃO surreal”. Frente a isto, perguntaram-se até quando iriam precisar
repetidamente voltar “à estaca zero”, concluem que isto perduraria até que as
pessoas envolvidas se articulassem efetivamente. O facilitador apontou-lhes o fato
de estarem dispostos em forma de zero (círculo), e que talvez fosse esse o zero
para o qual seria bom que pudessem sempre retornar. Desse modo, nunca seria
uma volta ao zero no sentido de começar de novo, desde que não fizessem aquilo
que a instituição gostaria que fizesse: separem-se, perdendo sua própria força.
Discutindo a transição do ideal para o real, a questão não seria o que
estariam fazendo, mas como estariam fazendo. Neste sentido, uma atitude mais
saudável frente ao trabalho seria atentar ao que surge no cotidiano,
acompanhando-o, ao invés de simplesmente correr atrás de dar soluções a conflitos
já instaurados.
Tal percepção conduziu a questões de como interesses políticos, dentro e
fora da instituição, interferiam no trabalho. Pensou-se que uma possibilidade de
contornar essa situação, talvez pudessem, eles mesmos enquanto profissionais, se
preocuparem em divulgar o trabalho realizado com os meninos na INSTITUIÇÃO, já
que, boa parte das vezes, ele é desprestigiado e deturpado pela mídia, no que diz
respeito às atitudes educativas, a partir de juízos de algumas parcelas da sociedade,
quando não pela própria instituição.
Por fim, o facilitador apresenta a questão: eles acreditariam que valia a pena
introduzir modificações no contexto do trabalho? Faz-se um longo silêncio. As falas,
que se seguiram, foram relutantes. Disseram acreditar valer a pena, sim... mas
perguntavam-se se não seria um esforço em vão, dadas às idas e vindas da
instituição, constantes mudanças de rumo e trocas de orientação gestora.
No tocante à esta Oficina de Oxigenação, expressaram como levariam a
experiência de poderem ter vivido algo diferente: encontrarem-se eles mesmos
diferentes, podendo agir diferentemente com o outro. Diante disso, os facilitadores
puderam expressar a abertura de sentido de “aquilo que eu sou, eu multiplico; pois
me dispondo como diferente, estarei multiplicando essa diferença no meu ambiente
de trabalho”.
Terminou a oficina. Saíram da sala, comentando que o trabalho “tinha valido a
pena, apesar de não ter sido agradável, por ter mostrado, claramente, pontos críticos
a serem repensados”.
5.3 Re-leitura Cromática da Oxigenação, em 22.07.03
colorido
part. de colorir; ver color-;
color-
elemento de composição
antepositivo, do lat. color (ant. colos),óris 'cor, tinta', servindo a cor quase sempre
de caráter distintivo ou ajustado a um objeto para dissimular-lhe o aspecto real;
color tomou acp. especiais, principalmente na linguagem da retórica: 'aspecto,
caráter particular do estilo - color tragìcus, poetìcus, talvez por imitação do gr.
khrôma; aspecto fingido sob a cor de, contar as cores', a seguir 'direito de
colorir a verdade, pretexto, razão especiosa'; antigo usual; panromânico (salvo
romn.): it.logd. colore, engad.friul. kolor, fr. couleur, provç.cat.esp. color, port. cor;
der. latinos: colóro,as,ávi, átum,áre 'dar cor a, colorir'; usual e antigo; representado
em romance: it.logd. colorare, fr. coudrer, provç.cat. colrar, esp. colorar, corlear,
port. corar; donde colorabìlis,e (raro) 'que pode ser colorido', coloratìo,ónis,
colorátor,óris 'pintor de paredes', colorátus,us, coloratúra,ae, todos raros e
técnicos; concolórans,antis 'que tem a mesma cor'; decolóro,as 'alterar a cor';
colorarìus = gr. chrómatarius 'tintureiro ou o que está todo o dia ao sol', colorínus,
colorìus (tardio) 'de diferentes cores', colorifìcus,a,um 'que dá cor' (DEH)
38
A idéia de uma re-leitura cromática das oficinas, foi a de restituir à descrição
das oficinas, matizes que se perderam. Fundada no texto descritivo já apresentado,
procurou-se tecer comentários na perspectiva de alguém que viveu esta história,
menos na condição de pesquisador, mais na condição do narrador que pode emitir
seus juízos sobre o que viu, vivenciou, percebeu, intuiu, interpretou. Tentativa de
resgate do sentido sentido, de contar das cores, colorindo uma experiência verídica.
Esta re-leitura colorida fundamentou-se sobre cinco pontos:
Localização – lugar físico do qual se falava
Quem – de quem se falava, ou quem falava
Roteiro – aquilo que tinha sido pré-estabelecido pelos facilitadores
Como aconteceu – descrição dos fatos
Como foi interpretado – interpretação dada aos fatos
De início, os facilitadores se apresentaram para, em seguida, apresentarem o
tema que iria ser desenvolvido na oficina. A escolha do tema recaiu sobre o
conhecimento prévio dos facilitadores acerca da instituição em que os participantes
trabalham, bem como das necessidades que diziam ter. O tema foi bem aceito pelo
grupo, que parecia disposto e disponível para o trabalho.
Proposta a atividade de aquecimento, esta transcorreu sem percalços; o
grupo se mostrava sereno. Apenas enquanto foram solicitados a não estabelecerem
contato visual com os colegas, alguns tiveram dificuldade em fazê-lo. A idéia deste
38
Grifo meu.
aquecimento era de promover o ensimesmamento dos participantes, o que
efetivamente ocorreu. Quando solicitado que escolhessem um lugar para se sentar,
o fizeram quase sem conversas, brincadeiras, ou algum tipo de alarde.
Foi solicitado que completassem por escrito frases propostas. A idéia era que
se aproximassem das questões que os facilitadores consideravam importantes. A
seguir, no momento de exporem suas frases para o grupo, o fizeram com muitas
brincadeiras e bom humor, enquanto as frases eram compiladas no papel Kraft.
Houve então um momento de muita descontração, à medida em que os participantes
iam reapresentando as frases que tinham escrito, só que agora se apresentando
como as definições. Alguns ficaram ruborizados durante sua apresentação, era
nítido como se sentiam envergonhados, identificados com sua resposta. Foi uma
tarefa leve, da qual se desincumbiram sem maiores problemas, discussões ou
entraves.
Ao serem solicitados a fazerem o mesmo procedimento que aquele feito
anteriormente, só que agora com o gatilho “Viagem é...”, o grupo se tornou ainda
mais leve, pois se, aparentemente, anteriormente de debruçaram sobre questões
que de alguma forma eram concretas, de seu dia a dia, ao falarem de viagem,
podiam devanear, se desprender de algo real, duro e concreto, rumo a uma fantasia,
algo prazeroso. A leitura das definições de viagem, mostra essa leveza.
Na discussão que se seguiu a respeito de viagem, os facilitadores ficaram
surpresos com o fato do grupo quase sempre referir viagem como sendo de navio, o
que vinha exatamente de encontro ao que haviam estipulado no roteiro pré-
estabelecido desta vivência. Para dar continuidade ao trabalho, os facilitadores
tiveram apenas que retomar os barcos e navios que o grupo havia mencionado,
solicitando que cada um definisse o que era um barco para si. Na seqüência foi
solicitado que cada um desenhasse um barco, o que fizeram com prazer. A seguir foi
pedido que se apresentassem como o barco que tinham desenhado. Estas
apresentações foram ricas e bem humoradas. Terminada a apresentação colavam
seus desenhos numa das paredes da sala, formando uma galeria de desenhos de
barco, que foi literalmente admirada e apreciada pela grupo.
Pediu-se então observassem atentamente a galeria de barcos, e que
escolhessem um com o qual se identificasse. Foi interessante notar que muitos
escolheram desenhos que não eram os seus próprios. Na seqüência foi solicitado
que escolhessem uma parte do barco que tinham eleito, e que se identificassem com
ela, para em seguida comporem um “barco humano”, uma construção de um barco
na qual cada um seria a parte que tivesse escolhido. De forma muito compenetrada
foram compondo o barco. Quando instados a relatarem como se sentiam como tal
parte do barco, o fizeram de forma séria, havia um silêncio absoluto na sala.
Estavam no papel da parte do barco que haviam escolhido, mas mesmo assim
aparentavam estranheza de estarem sendo algo que não estavam acostumados a
ser. Cinco dos participantes mais velhos do grupo, que por coincidência ocupavam
cargos de direção na instituição, se posicionaram como motores, como se sem a sua
“propulsão” o barco não pudesse se mover, enquanto o sexto mais velho do grupo,
também ocupando cargo de direção, se deitava no chão, e se dizia casco do barco.
A construção do barco com objetos transcorreu de maneira tranqüila,
organizada. Era nítido o capricho e o empenho em realizar a tarefa. Os homens se
encarregavam das tarefas mais “pesadas”, sendo chamados para carregar pesos.
As mulheres se encarregavam dos detalhes da construção. Em alguns momentos
paravam e ficavam pensando nas “soluções técnicas” possíveis para determinados
detalhes da construção. Cuidaram dos detalhes, se esmeraram. Era nítido o prazer
que tinham em se desincumbirem da tarefa. Pareciam estar fazendo algo do que
iriam usufruir muito.
Na rodada que seguiu, em que deveriam comentar como havia sido a
atividade, relataram prazer, descontração, ludismo. O clima no grupo era dos
melhores, parecia mesmo que estavam para fazer uma viagem que há muito
esperavam. Anunciado o horário para o almoço, deixaram o barco com muito
cuidado, como se nada devesse sair do seu lugar.
Na volta do almoço, a proposta de fazerem uma “viagem” com o barco, foi
muito bem-vinda. Animados subiram no barco, e cada um foi se acomodando, tanto
de pé, quanto nas cadeiras que, lado a lado, faziam as vezes de banco. Era
interessante notar o prazer que a atividade causava, pareciam realmente estar
fazendo uma viagem. As consignas foram sendo passadas.
No momento em que os facilitadores anunciaram o cair da noite, o clima no
barco ainda era bom, mas com o anúncio de nevoeiro as feições se transformaram,
se tornaram preocupadas. O fato de as luzes da sala terem sido apagadas, as
persianas fechadas e seus olhos vendados, pareceu deixá-los sobressaltados.
Anunciado o risco de naufrágio, pareciam não acreditar no que ouviam. Solicitados a
encontrarem sua dupla, formou-se uma grande confusão; os participantes se
esbarravam, se trombavam, enquanto iam perguntando, às vezes aos gritos,
àqueles com quem cruzavam pelo número da etiqueta que portavam. Por fim, com
as duplas formadas, notava-se tensão. Muitos se queixavam do incômodo causado
pelas vendas, que parecia mais um incômodo causado pela impossibilidade do
controle visual.
Quando solicitados a deixarem um legado a ser comunicado às suas famílias
em caso de naufrágio, ficaram longamente cochichando uns aos ouvidos dos outros,
com muitos se emocionando visivelmente. Alguns choraram.
Utilizando um atabaque (instrumento de percussão), os facilitadores
causaram um grande estrondo na sala, anunciando o choque do barco, que deixou
os participantes assustados. Ainda vendados, procuraram as saídas do barco para
os botes salva-vidas. Como não havia lugar para todos nos botes, foi necessário um
processo de negociação, que resultou em alguns participantes irem sendo
“puxados”, agarrados às mãos de colegas dentro dos barcos. Livres de suas vendas,
avistaram uma ilha para a qual rumaram; os botes salva-vidas encalharam na praia.
Os participantes desembarcaram, e pareciam efetivamente cansados. Após se
refazerem da aventura, se dividiram em grupos-tarefa. Ânimo e bom-humor
pareciam ter voltado ao grupo. Executaram suas “tarefas” com primor, e num
instante o acampamento estava montado.
Se faz noite. Chegada a hora de dormir, foram solicitados a acompanharem
uma atividade de relaxamento e uma “recuperação” do que tinha sido sua aventura.
Quietos, acompanhando as consignas, alguns chegaram efetivamente e cochilar.
Foram então solicitados a “acordar”. Lentamente, cada um no seu ritmo, vão
abrindo os olhos. Os facilitadores anunciam a integridade e o final da aventura.
Pareceram bastante aliviados, saíram para o intervalo.
De volta do intervalo, na rodada de avaliação, teceram muitos elogios à
atividade, não tendo havido sequer uma crítica aos trabalhos, aos colegas, à
proposta em si. Pareciam sair dali muito satisfeitos.
5.4 Re-leitura Cromática da Oxigenação, em 01.08.03
Os facilitadores conceberam esta proposta de trabalho tendo em vista uma
continuidade da oficina anterior, com a idéia de que seria importante os participantes
vivenciarem algo bem próximo de sua realidade, que os fizesse refletir sobre suas
potencialidades, sobre suas dificuldades, sobre o que é possível ser modificado na
realidade de seu ambiente de trabalho.
A sala utilizada para esta oficina foi o ateliê de criatividade do Bloco de
Atendimentos dos IPUSP, que teve que ser reservada de forma regulamentar para
sua utilização. A atividade se realizou com 21 participantes, enquanto
aguardávamos 28. A falta dos 7 se deveu a problemas particulares e a questões
relativas ao seu trabalho, pois não havia pessoal disponível para cobrir suas
ausências na instituição. O atraso de 40 minutos no início dos trabalhos me parece
ser algo característico de uma cultura do serviço público; se por um lado
praticamente todos os participantes estavam na USP no horário estipulado, portanto,
não sujeitos a críticas, por outro, estavam lá sem estar. De nosso lado, ficamos
aguardando pelo empréstimo da câmera de vídeo por parte da Diretoria do Instituto
de Psicologia, que esteve sujeito a uma solicitação, justificativa, alguns telefonemas
e papelada a ser assinada, para que finalmente o conseguíssemos, mostrando a
mesma face do serviço público. Então, se por um lado havia a possibilidade do
empréstimo da câmera, portanto, algo não sujeito a críticas, por outro foi necessário
aguardar um bom tempo e a submissão a uma burocracia bastante grande, que
acarretou no atraso do início das atividades, bem como na não gravação do início
dos trabalhos, visto que se optou por iniciar mesmo sem a câmera, para que o início
da oficina não fosse ainda mais retardado.
Talvez por já conhecerem o ambiente e os facilitadores, os participantes
pareciam estar mais soltos e tranqüilos do que quando do início da primeira vivência.
Foi solicitada a autorização do grupo para a gravação em vídeo da oficina.
Após algum silêncio, concordaram, tendo sido garantido a eles o sigilo quanto ao
uso do material.
Apesar de não ter sido explicitada essa questão do silêncio frente à questão
da gravação, presumo que pudesse relacionar-se com outras oportunidades em que
talvez tivessem passado por algo semelhante. Para isso contribuiu uma lembrança
do trabalho com os educadores do PET, que sempre questionavam se realmente o
que estava sendo feito era para eles, ou se simplesmente estávamos lá para “coletar
dados”, para depois abandoná-los, como outros profissionais já tinham feito. Em
todo caso, apesar da concordância com a gravação, ficou uma dúvida quanto ao
sentido dessa situação para eles.
Devido ao atraso, o facilitador, de tempos em tempos, enquanto ajudava no
preparo da sala, ia até o hall de entrada do prédio para averiguar quantos
participantes já tinham chegado, avisando aos presentes as razões do atraso,
solicitando que não se dispersassem. Nessa ocasião, pode observar que, talvez pelo
fato de os participantes trabalharem em quatro unidades diferentes de um mesmo
complexo, isto poderia expressar como alguns tinham muita proximidade, embora
outros, nem tanto. De forma geral, era evidente o fato de que todos se conheciam,
eventualmente até por já terem trabalhado juntos em alguma outra unidade da
instituição, isto somado às características individuais. Assim, não era de admirar que
os grupos formados do lado externo do Bloco de Atendimentos, refletissem este
sociograma.
No preparo da sala procurou-se guardar todos os objetos que não iriam ser
utilizados na oficina, já que a sala é utilizada por vários profissionais, bem como
posicionar as cadeiras, colchonetes e demais materiais que iriam ser utilizados, de
forma funcional.
No momento em que o trabalho efetivamente começou, após ouvirem com
atenção a apresentação dos facilitadores, percebia um incômodo no ar, como se
estivessem fazendo algo que não era bem o que gostariam de estar fazendo. No
momento em que ouviram que a oficina visava mobilizar recursos pessoais e que
não seria uma atividade em que iriam aprender algo, do ponto de vista formal,
pareceram aliviados. Nos pareceu que a imposição feita pela instituição para que
participem de treinamentos mais formais, lhes gerou uma considerável aversão para
com qualquer coisa que tenha o aspecto desses treinamentos.
Quando lhes foi pedido que sentassem em círculo, mas de costas para o
grupo, foi possível notar uma certa objeção em fazê-lo, pareciam querer saber “o
que ia acontecer”, seria isso uma tentativa de não perderem o controle sobre a
situação? isto pareceu permear boa parte do trabalho feito durante o dia.
Durante a atividade de relaxamento que se seguiu, muitos tiveram dificuldade
de ficarem deitados quietos; mantinham os olhos abertos e de tempos em tempos
procuravam espreitar o que estava acontecendo ao seu redor. No momento em que
foram solicitados a, de costas, escolherem um lugar e se dirigirem a ele, ficou a
impressão que a lei do mínimo esforço havia sido aplicada – ficaram onde estavam.
Aparentavam preguiça em se mover de um lugar para outro.
Na seqüência foi lhes pedida uma apresentação com um gesto; a maioria
passou a impressão de não querer se expor, fazendo algum gesto mais
“espalhafatoso”. Pareciam não querer sair de seus limites, não perder o “controle”,
pois como o sociograma formado espontaneamente do lado externo do prédio
mostrava, havia ao mesmo tempo cumplicidade e “grupinhos”, que aparentemente o
grupo não queria desvelar.
No momento seguinte, em que foi solicitada a divisão do grupo em grupos de
trabalho menores, já pareciam se sentir bem mais à vontade, pois brincavam muito,
aproveitando a ocasião para se descontraírem; tudo indicava que o momento
anterior havia gerado algum tipo de tensão. De alguma maneira a apresentação
individual pareceu intimidá-los, talvez por evidenciar as diferenças, “desbaratar” o
grupo. E mais uma vez a lei do mínimo esforço se fez presente, pois a compreensão
das consignas passadas pelos facilitadores estava claramente vinculada a esta lei.
Instados a nos pequenos grupos discutirem e arrolarem os pontos do que
seria a INSTITUIÇÃO ideal, de início se mostraram reticentes, mas aos poucos
foram se animando e as discussões se tornaram acaloradas. No momento em que
iniciamos a apresentação dos pontos arrolados por cada grupo e a compilação dos
mesmos pelos facilitadores, cada grupo que apresentava suas propostas parecia
imbuído de uma vocação política de vender suas idéias, o tom parecia o de um
palanque político. Enquanto eram feitas essas apresentações, os outros
participantes se acomodavam confortavelmente sobre os colchonetes; muitos se
deitaram, se largaram, passando às vezes uma impressão de desrespeito descrença
no projeto, desilusão frente aos colegas que estavam apresentando suas idéias.
Neste momento começa a haver uma mudança na forma dos participantes se
postarem, principalmente depois que foi verbalizado, que a INSTITUIÇÃO ideal era
possível. Esta idéia parece ter mexido com o brio dos participantes. Pareciam
espantados em descobrir que para aquilo que tanto criticavam, eles mesmos haviam
possivelmente encontrado uma solução. Pareciam estimulados, e assim era seu
relato.
Chamou a atenção o fato de que, sem terem combinado previamente,
dividiram-se como que em forças-tarefa, cada grupo privilegiando um tema, que
discutiram exaustivamente, compondo uma complementaridade notável. O grupo 1
falou da necessidade de cuidado e amparo aos funcionários, o grupo 2 falou de
propostas administrativas, o grupo 3 de propostas educativas e de como
operacionalizá-las, e o grupo 4 sobre princípios e valores que deveriam reger seu
trabalho na INSTITUIÇÃO, tendo os pequenos grupos funcionado como grupos de
trabalho temático.
Já quando compuseram os grupos para discussão da INSTITUIÇÃO real, sua
estimulação foi paulatinamente baixando. Isto começou com as composições
diferentes dos grupos, e um aumento na seriedade das discussões. Em alguns
momentos esta parecia catártica, e que assim permaneceu até o final desta fase da
oficina. Pareciam irritados, se na discussão da INSTITUIÇÃO ideal havia uma
preocupação em compor algo, o caráter dessa discussão parecia destrutivo, como
que uma tentativa de erradicar essa instituição real, além de um pedido de ajuda
para fazê-lo.
Ao desenharem nas cartolinas a INSTITUIÇÃO ideal e a INSTITUIÇÃO real, o
fenômeno se repetiu; a primeira foi feita com carinho e esmero, a segunda com raiva
e desdém. Ao observarem esses desenhos nas paredes, pareciam acalentar a idéia
da situação ideal, enquanto que uma crítica mordaz se manifestava ao observarem o
desenho da situação real. Pareciam inconformados de se perceberem numa
situação de trabalho que poderia ser diferente.
Combinado o intervalo para almoço, os participantes saíram da sala. Os
facilitadores ficaram discutindo os fatos ocorridos durante a manhã, se dando por
satisfeitos com os resultados obtidos. Esta discussão deixou claro que ambos
concordavam quanto ao fato de os participantes estarem sendo muito coerentes com
o seu dia a dia de trabalho, repetindo na vivência as rotinas e mecanismos aos quais
estavam habituados. Havia uma clara escolha pelo conhecido, apesar das pesadas
críticas a ele.
Ainda durante o intervalo, os facilitadores criaram consignas à partir das
compilações feitas da INSTITUIÇÃO ideal e da INSTITUIÇÃO real. A idéia era a de
provocar conflitos nos participantes, de forma que eles se vissem na contingência de
estabelecer processos de negociação com os colegas que tivessem consignas que
se chocassem com a sua. O critério escolhido, foi o de criar as consignas
estabelecendo ordens e contra-ordens.
Na volta do almoço, houve como que uma confraternização entre todos os
presentes. Mesmo com a animação de todos, parecia haver a necessidade de
descontração para o início dos trabalhos da tarde. As conversas e brincadeiras
foram muitas e envolveram também os facilitadores, que também se descontraíram.
Havia para os facilitadores, de alguma maneira, uma sensação de instabilidade, que
esta conversa ajudou a dissipar.
Ao serem solicitados a definir “construção”, os participantes o fizeram ainda
imbuídos do espírito que tomou conta da parte final das atividades da manhã. Foi
uma atividade desenvolvida com muita fluidez. Já o pedido de que construíssem
uma unidade da INSTITUIÇÃO, logo que receberam a consigna, esta pareceu
desnorteá-los. De um lado alguns participantes logo começaram a querer se
desincumbir da tarefa que tinham recebido, de outro, alguns ficaram paralisados. A
boa organização que havia no grupo, logo deu lugar à desorganização, as
comunicações começaram a ficar truncadas. Chamava a atenção como o grupo
estava quase que transtornado, principalmente levando-se em conta a primeira
vivência, na qual tinham conseguido fazer uma bela construção praticamente sem
problemas. A situação se aproximou de um caos.
Os facilitadores procuraram intervir, chamando a atenção para o fato de que
cada um dos participantes estava tentando se desincumbir da tarefa que havia
recebido, sem estar levando em conta o(s) outro(s). Esta intervenção pareceu cair
no vazio, pois continuaram a agir como se nada tivessem ouvido. Adiante, nova
intervenção dos facilitadores. Perguntavam ao grupo se este estava efetivamente
construindo alguma coisa, retomando os pontos que ele mesmo tinha levantado em
termos daquilo que era a INSTITUIÇÃO, e daquilo que gostariam que ela fosse.
Mostraram toda a rigidez que o grupo mostrava, questionando se não poderiam
fazer diferente. Alguns participantes procuraram justificar aquilo que acontecia como
se fosse algo absolutamente normal. Os facilitadores concordaram com isso,
mostrando, porém, que era normal dentro do ambiente de trabalho, e que a idéia era
de que experimentassem algo diferente.
A partir do momento em que os facilitadores terminaram sua intervenção, o
grupo iniciou uma discussão entre si, na qual alguns participantes procuraram tomar
a frente do grupo, de início continuando a discussão iniciada pelos facilitadores,
depois tentando propor alternativas para a imobilidade que se mostrava. A discussão
foi se tornando mais e mais acalorada, todos reunidos em torno daquilo que tinham
conseguido construir. De forma geral os mesmos participantes que no momento
anterior haviam tomado a frente, procuravam organizar o grupo, enquanto que a
maioria apenas ouvia, raramente se pronunciando.
Voltaram à construção; ficaram um tempo relativamente longo tentando
construir alguma coisa, mas o máximo que conseguiram foi colocar quatro cadeiras
dispostas de modo a formarem um quadrado, colocando sobre elas dois
colchonetes. Cobriram as laterais também com colchonetes, e colaram sobre a
construção algumas folhas de papel sulfite com dizeres relativos às consignas. Foi
então que os facilitadores, percebendo a definitiva impossibilidade de o grupo
naquele momento realizar a construção, interromperam a tarefa. Os participantes
estavam atônitos, confusos mesmo. Parecia que não acreditavam que não tinham
conseguido construir, uma tarefa que lhes parecia tão fácil...
Ainda com todos em pé, se inicia uma conversa na qual se procura entender
o que teria acontecido, o que teria gerado a impossibilidade. Uma das primeiras
conclusões a que se chegou, foi de que faltou experimentação, ou seja, faltou ação.
Ficaram todos conversando, discutindo, tentando estabelecer negociações de forma
ineficiente. Falou-se em “paralisia do fazer”, pois as idéias estavam lá, o material
estava lá, o ideal estava lá... Inatingível...
Os participantes se mostravam atônitos. Sentados no chão, em círculo,
ficavam olhando uns para os outros com expressões desanimadas, enquanto os
facilitadores procuravam retomar os temas que tinham se mostrado no decorrer da
vivência. Ficaram se perguntando o que ocorria que tanto faziam, e nada
construíam. Foi lhes difícil admitir que faziam o que lhes era solicitado, pedido,
imposto, mas que isso não levava a resultados que considerassem bons, pois faltava
o seu envolvimento e interesse nas tarefas, seu comprometimento com o que
faziam, para que pudessem se sentir satisfeitos com o que faziam.
Abordada a questão limites, evidenciou-se a sua dificuldade em lidar com
eles, já que os tomam como absolutos, apesar de terem um discurso de que limites
são negociáveis; na realidade parecem desgastados com os confrontos com a
instituição, e frente aos limites colocados por esta, capitulavam; pareciam esquecer-
se de todos os seus valores e conceitos pessoais.
Em seguida foi discutida a questão da criatividade, tendo lhe sido mostrado o
quanto a população com a qual trabalhavam era criativa, o quanto precisavam dessa
mesma criatividade para darem conta de seu dia a dia. Concordavam com os
facilitadores, mas sua aparência de incredulidade chamava a atenção. Pareciam
compreender sem entender. As respostas que davam aos facilitadores eram muito
simplórias, quase infantis, e facilmente refutáveis. Neste momento começou a
caracterizar-se um clima que perduraria até o fim dos trabalhos: raiva contida.
Pareciam não se conformar com o que estavam ouvindo, apesar de concordarem. E
tentavam de alguma forma “se defender” do que lhes parecia uma acusação, apesar
de os facilitadores terem dito reiteradas vezes que procurassem entender os
comentários como constatações e não como críticas. Inconformados, ouviram à
explanação dos facilitadores à respeito de preconceitos, e de quanto estavam
fazendo uso deles, à medida que reagiam não ao que estava sendo solicitado, mas
a algo internalizado.
Quando a discussão abordou o tema polaridades, a discussão evidenciou o
quanto evitam polaridades entre si (equipe), deixando toda a “carga” de polaridades
para os meninos. Tiveram dificuldade de compreender que pode haver diferenças
intra-equipe e igualdades no âmbito funcionários-meninos. Na seqüência, ficou
evidente a dificuldade que tinham de compreender que uma melhora da situação
dos internos significaria uma melhora das suas próprias condições, uma vez que
todos fazem parte do “campo instituição”.
No momento em que se começou a discutir a atitude frente ao trabalho, um
dos participantes vai até a “construção” e a desfaz. Isto pareceu emblemático da
realidade vivida por eles, pois em seguida comentam que sempre têm que começar
do zero. Num primeiro momento a atitude de desfazer a construção pareceu positiva,
mas posteriormente tal participante parecia ser o representante daquilo (daqueles)
que faz voltar ao zero. Chama a atenção o fato de não aparentemente não
conseguirem tirar lições de seus feitos, para que não tenham que se sentir sempre
partindo do zero.
Na discussão sobre a passagem do ideal para o real, ficou evidente que os
participantes são capazes de fantasiar uma realidade diferente daquela que vivem,
mas que tentar transformar a realidade que vivem em algo mais próximo de sua
fantasia, é uma tarefa virtualmente impossível. O cerne da dificuldade parece ser a
rigidez institucional, que foi introjetada de tal forma, que torna a introdução de
aspectos novos ou diferentes, uma impossibilidade. Frente a isto, desanimam,
sentem-se impotentes.
5.5 Compreendendo a Oxigenação
“Se bem que não adianta “cursos” “treinamentos” para quem
não gosta do que faz.
O que fica bem claro para mim é que a gente tem que
GOSTAR do que faz e aí tudo se arranja”.
39
Para compreender as Oficinas, vou começar por mim mesmo; afinal, fiz parte
delas. Quando ouvi pela primeira vez a proposta de trabalhar nestas Oficinas, me
senti muito mobilizado, pois é uma atividade que gosto muito de desenvolver, e
trabalhar com Henriette Morato, fato que já se repetiu muitas vezes, é também
sempre um grande prazer. Temos grande facilidade em acompanhar o raciocínio do
outro, e uma complementaridade interessante; temos igual facilidade para nos
determos no micro e no macro (no contexto geral e no específico). Se um de nós
entra por uma vertente, o outro, por certo, fará o complementar, e vice-versa.
No momento em que as oficinas ocorreram, eu só tinha uma dúvida: se teria
condições físicas de suportar tantas horas seguidas de trabalho, visto que
convalescia de enfermidade, tanto que a segunda oficina foi postergada em uma
semana, por eu não ter condições físicas de facilitá-la. Esses pensamentos me
ocuparam antes e depois das oficinas, mas em momento algum durante. , eu
estava perfeitamente são e ciente e, certamente, o trabalho me fez sentir melhor.
Um fenômeno mágico que quem trabalha com grupos conhece.
Para efeito de facilitar a compreensão, denominarei a oficina realizada em
22.07.03 de O1, e a realizada em 01.01.03 de O2. Começarei pelas constatações
óbvias. Basicamente, o grupo em O1 e O2 era o mesmo, com algumas diferenças;
todavia, todos os participantes de ambas pertenciam à mesma instituição. Procede,
então, a pergunta: qual foi o determinante das duas oficinas terem sido
profundamente diferentes, se a população trabalhada foi, em sua maioria, a mesma?
A resposta encontrar-se no contexto criado, na proposta apresentada. Em O1,
apresentou-se mais distante da realidade profissional cotidiana do grupo do que a
apresentada em O2. O caráter de seriedade, impresso pelos facilitadores ao
trabalho, não impediu que pudessem percorrer temas sérios de forma lúdica, fato
que implicou em liberdade para brincar e, de fato, experimentar. Experimentação
saudável, artística, lúdica, inovadora, narrada em fala primeira, tecelagem de uma
39
Parte da avaliação feita por um dos participantes das Oficinas. As avaliações podem ser
encontradas em sua íntegra na seção “Anexos”, numeradas de 1 a 21
trama que se dava a conhecer. Novo desenho para algo já conhecido: o ofício de
educadores. Novo desenho, outro sentido: direção possível.
Se o tema-nó tinha se apresentado como burocrático (“Gerenciamento de
equipe: dificuldades, desafios e possibilidades”), e por essa vereda se iniciou, seu
desenvolvimento parecia surpreender pela riqueza de possibilidades que,
caracteristicamente, propostas “burocráticas” em geral não permitem. Os
facilitadores, que já conheciam boa parte dos participantes por outras atividades
anteriormente realizadas na instituição, se surpreenderam com sua desenvoltura e
como se permitiram “entrar” nas vivências propostas, com manifestações de cunho
afetivo.
Em contrapartida, o tema-nó de O2 (“INSTITUIÇÃO ideal vs INSTITUIÇÃO
real”), não menos burocrático, pareceu deixá-los intramuros da instituição na qual
trabalhavam, pela presença concreta, talvez, do nomear da instituição, o que poderia
tê-los remetido à realidade de seu cotidiano, sem tréguas. Comportaram-se de forma
marcadamente diferente, com menos liberdade, brincadeiras de outra qualidade
(assemelhadas ao “riso nervoso”), e principalmente experimentação e falas
conhecidas, narrativa que igualmente teceu uma trama, esta, no entanto, conhecida.
Por outro lado, e ao mesmo tempo, possibilitou um outro sentido, ressignificação, por
outro caminho: “não é isto que quero para mim”. Não se pode deixar, entretanto de
considerar que foi uma “descoberta às avessas”, dando a ver uma semelhança ao
caminho percorrido em O1: ocorreu aprendizagem significativa.
Na seção “Re-leitura cromática da Oxigenação”, há uma quantidade maior de
texto em vermelho, referindo-se à interpretação feita em relação à O2, mostrando
que, em O1, o trabalho fluiu mais, com vivências pessoais mais diretamente
refenciadas, demandando interpretações de implícitos. Em O2, pela vivência mais
truncada e travada, essa demanda foi diversamente percebida.
Desse modo, ambas as situações proporcionaram aos participantes uma
outra compreensão de suas vivências cotidianas a partir de poderem experienciar o
diferente na situação, promovendo a inserção de outros recursos expressivos, de
outras falas. Se em O1 permitiam-se transições livremente, em O2 as transições não
se davam de maneira fluída, fluente; eram truncadas, pelo que, de um olhar externo,
era algo de “condicionamento operante”. Mesmo assim, as transições ocorriam, num
ir e voltar, para novamente ir, evidenciando a insatisfação, a contenção de
criatividade e, de forma cristalina, sua raiva por não se desvencilharem de amarras.
Entendiam que a INSTITUIÇÃO ideal era possível, mas não conseguiam realizá-la,
trans-formando a real em ideal (segundo critérios que eles mesmos haviam
estabelecido, e acordado, de como seria possível construir a INSTITUIÇÃO ideal).
Se de O1 levaram como bagagem da experimentação uma liberdade
possível, de O2 levaram, através da mesma experimentação, a frustração de não
terem conseguido construir a INSTITUIÇÃO ideal. Em conversas posteriores, os
facilitadores se questionaram sobre terem mudado o roteiro original, substituindo a
construção de um castelo pela construção da INSTITUIÇÃO ideal, como sendo um
erro estratégico, que os aproximou demais de sua realidade cotidiana. Teria a
construção de um castelo ocorrido com maior fluidez? No momento em que
tomamos aquela decisão, ela parecia ser promissora, levando em consideração o
desenrolar de O1. Visto por uma outra perspectiva, pode-se compreender o
processo de O1 e O2 como a diferença do trabalho num grupo auto-gerido versus o
trabalho num grupo com (in)gerência externa.
Contudo, chamou a atenção algo que se evidenciou em O2, ou seja, a
ambigüidade dos educadores com respeito à instituição: defendem-na, mesmo tendo
seu trabalho por ela criticado, ao justificar as mazelas de sua impropriedade, para
cumprir seu objetivo, pelas atitudes dos educadores no exercício profissional. Tal
questão vai de encontro ao pensamento de BAUMAN, anteriormente citado, ao
afirmar que a ambigüidade ocorre “quando os instrumentos lingüísticos de
estruturação se mostram inadequados” (1999, p. 10), pensamento esse válido tanto
para os educadores quanto para a instituição. Será este um mal-estar institucional
necessário? Assemelhar-se-ia a um mecanismo regulatório / contra-regulatório?
Ressalta-se, todavia, que ambas as oficinas pareciam ter se encaminhado por
um mesmo modo de concepção, aquele que, na pós-modernidade, se convencionou
denominar de (falta de) qualidade de vida: uma forma pós-modernizada de falar de
educa-são. Falar de qualidade de vida na maneira usualmente empregada é falar
sobre a experiência e não na experiência. Eis aqui uma evidência de como foi
sendo perdido o modo de ser na forma de experienciar o mundo, mostrando que a
relação atualmente existente entre saúde e educação passa longe de suas
proposições originárias, em nome de um tecnicismo considerado como o correto.
correto
lat. correctus,a,um 'emendado, refeito, corrigido', do part.pas. do v. corrigère 'pôr
direito o que está torto, emendar'; ver
reg-
reg-
elemento de composição
antepositivo, do v.lat. règo,is,rexi,rectum,regère 'dirigir em linha reta (sentido físico
e moral); ter a direção ou o comando de, reger, governar'; antigo, usual, clássico;
rectus diz-se tanto de uma linha reta horizontal quanto de uma vertical; é a noção
de verticalidade que se encontra em arrìgo, corrìgo, erìgo, subrìgo (surgo); a
noção de horizontalidade aparece em derìgo, dirìgo, porrìgo (porgo), pergo; no
caso de surgo e de subrìgo, a língua utilizou os dobretes: surgo foi empregado no
sentido absoluto de 'levantar-se, erguer-se' (conservado em romance: it. sorgere,
fr. sourdre (> port. surdir), provç. sorzer, cat. sorgir, surgir (> fr.esp.port. surgir);
subrìgo, no sentido transitivo; surgo deu toda uma série de der. com prevérbios:
ad- (ar-), circum-, con-, de-, ex-, in- (e insurrectìo), ressurgo; os demais der. de
rego só apresentam as modificações de sentido trazidas pelo pref.: arr
ìgo,is
'levantar, erguer, endireitar; ficar atento; exaltar os espíritos, excitar', arrectus,a,um
'de orelhas em pé, atento', donde *arrectiare; arrectarìa,órum 'vigas retas';
corrìgo,is 'endireitar, pôr direito o que está torto', muito freqüente no sentido moral;
conservou-se em alguns dialetos român., assim como correctus,a,um
(interamnense correito, port. escorreito, donde o der. acorreitar), corrector,óris 'o
que corrige, emenda, melhora, reformador; censor, o que prescreve regras de
moral', correctìo,ónis 'ação de corrigir, emendar, reformar; correção, emenda;
censura, reforma dos costumes, ofício do censor; repreensão, exprobração;
correção (retórica)', *accorrìgo, *excorrìgo (it. scorgere, esp.ant. escurrir,
escorrecho, port. escorreito, com os der. it. scortare [> esp. escoltar], it. scorta [>
fr. escorte, esp.port. escolta]), derìgo,is (confundido ger. com dirìgo, embora na
orig. tenham existido dois v. diferentes) 'dirigir (de um lugar para outro, com a
noção acessória de fazer passar de cima para baixo)'; dirìgo,is 'levar em diferentes
direções, traçar diferentes caminhos para', donde directus,a,um (derectus) 'em
linha reta, direto': romn. d(e)rept, it. d(i)ritto, venez.ant. dreto, logd. derettu,
engad.friul. dret
, fr. droit, provç. drech, cat. dret, esp. derecho, port. direito;
directum,i 'linha reta'; directúra,ae 'alinhamento', *directiare; erìgo,is 'erguer, erigir,
levantar (sentido físico e moral)', it.ant. ergere, provç. erzer, esp. ercer, erguer,
erguir, port. erguer, donde erectus,a,um 'erguido, levantado, que está de pé',
erectìo,ónis 'ação de erguer; ação de endireitar', erector,óris (linguagem da Igreja);
a cognação lat. apresenta ainda der. em: 1) règ-: regìo,ónis 'direção (em linha
reta), linha reta'; regìo designa as linhas retas traçadas no céu pelos áugures para
delimitar-lhe as partes, donde a acp. de 'limites, fronteiras' e, por conseguinte,
'porção delimitada, bairro, região'; os der. da época imperial só se ligam a este
último sentido; regìmen,ìnis 'conduta, direção (sentido físico e moral)',
regimentum,i (dobrete tardio de regimen), regimonìum,ìi 'id.', regibìlis e irregibìlis
(raros e tardios); regendarìus,ìi 'funcionário do palácio imperial'; 2)
rect-:
rectus,a,um
assim, a correção terá que ser emendada, refeita, corrigida... até que ocorra uma
aprendizagem significativa, que lhe devolva a experiência de(no) mundo.
A avaliação 3 oferece uma leitura desse processo:
Torna-se difícil, e até mesmo injusto, avaliar um trabalho de apenas dois
encontros, quando temos certeza que o mesmo terá duração e permanecerá
presente em vários momentos de nossas ações.
Trabalhos que vão fazer parte do processo histórico do profissional deveriam
constar da agenda do mesmo com encontros sistemáticos tal a importância que
exerce nas reflexões e avaliações durante tomadas de decisões.
Perguntas como:
. Os encontros foram produtivos?
. Atingiram os objetivos?
não deveriam fazer parte desta avaliação, pois as respostas foram imediatas e
claras, tal o envolvimento, entusiasmo e manifestação verbal das pessoas
presentes.
A dinâmica levou a reflexão e deixou uma pergunta:
Quando será o próximo encontro?
Diz respeito a como algo foi experienciado, vivido, passando a fazer parte da
vida deste participante. Frases como “...o mesmo terá duração e permanecerá
presente em vários momentos de nossas ações” e “... encontros sistemáticos tal a
importância que exerce nas reflexões e avaliações durante tomadas de decisões”,
revelam o sentido das oficinas no mundo dos participantes. Nesse sentido, a
qualidade e intensidade da experiência permite ao participante dizer como ficam
des-locadas questões objetivas colocadas neste contexto.
Se, por um lado, esta avaliação mostra a aprendizagem significativa em ação,
por outro, também se refere ao fenômeno espelho mágico, na medida em que diz
de uma outra forma de refletir e avaliar tomada de decisões, podendo expressar
como essa experiência poderia ser re-tomada na lida com os internos. Por essa via,
o trabalho dos facilitadores chegaria até os internos. As avaliações abaixo
contemplam essa possibilidade.
17) A dinâmica realizada com os funcionários de Tal e Tal pelos Psicólogos da
Universidade de São Paulo (USP) do qual participei, foi de grande importância no
aspecto pessoal e na importância do trabalho em equipe, pois propiciou momentos
de reflexão e ajuda mútua, com o objetivo de procurarmos melhores resultados no
nosso dia a dia no que se refere ao plano pessoal, familiar, social e profissional.
A dinâmica foi elaborada com muita coerência e critérios, embora as duas
primeiras horas tenham sido cansativas e pouco produtivas, mas nada que
comprometesse a proposta de trabalho.
Trabalhos em grupo como este deveriam ser realizados periodicamente,
pois no meu ponto de vista o funcionário seguro de suas atribuições e confiante na
sua equipe poderá realizar seu papel com mais qualidades.
19) A dinâmica na qual eu participei, realizada por psicólogos na Universidade de
São Paulo, foi de grande importância tanto no profissional como no pessoal.
Trabalho em grupo como este eleva muito a auto-estima e rever alguns
conceitos.
Uma semente foi plantada na mente de cada um, se soubermos cultivá-la
colheremos bons frutos.
Estas duas avaliações falam, em minha leitura, do espelho mágico. Apesar
de, no contato com os educadores, ficar evidente que eles se preocupam com a
educa-são e integridade dos internos, isto foi pouco referido nas avaliações. Tal fato
poderia expressar a necessidade de resgatarem a si próprios em primeiro lugar, para
poderem, depois, estar em condição (Befindlichkeit) de pensarem no outro. Contudo,
ao dizerem dos possíveis reflexos das oficinas em suas vidas, mencionaram uma
relevância para encontrarem-se pessoal e profissionalmente, ainda que sem
referência direta aos internos. Isto me leva a refletir que, possivelmente, o espelho
uma engrenagem, que tem responsabilidade sobre a realização dos projetos”.
Poderia apresentar-se como o embrião de algo que, em seu desenvolvimento,
poderá se trans-formar em “eu sou integrante desta totalidade e me co-
responsabilizo por ela”, a partir da esfera da imediaticidade, como proposta por
GOLDSTEIN. Se um dos facilitadores já tendia a compreender o fenômeno
instituição e os fenômenos que dentro dela ocorrem como uma totalidade, no
contexto deste parágrafo, por uma perspectiva da abordagem holística, isto poderia
ter sido também percebido pelos educadores em alguma medida, podendo, então,
encontrar outras formas (mais satisfatórias) de se auto-regularem, de encontrarem
um outro equilíbrio (dinâmico) para si próprios e para a instituição. Falar-se-ia,
assim, de um organismo saudável (auto-regulado), situação alcançada através do
aprender sobre si próprio, o que, por sua vez, poderia implicar em educa-são.
Educa-são como trans-formação
42
em um outro organismo. Parafraseando mais
uma vez GOLDSTEIN, “educa-são é uma forma educa-sã de ser”.
Contudo, para além dessas aproximações teóricas possíveis, creio ser mais
pertinentemente expressão da Oxigenação realizada resgatar uma outra avaliação
(dizer do valor) do serviço prestado por essa modalidade de prática psicológica em
instituições, por um dos participantes:
A minha avaliação é que oficina tenta nos mostrar que o homem é essencial
para outro mesmo que algumas vezes não pensamos assim.
Fomos feitos para os demais e raras vezes paramos para observar o que está
acontecendo com o grupo.
Às vezes confesso que até por medo de enfrentar situações delicadas. Onde
se encontra mais de uma pessoa, realmente há problemas de relacionamento. E
dificilmente analisamos nosso comportamento no grupo.
Para este participante, representante de muitos outros sujeitos/cidadãos,
ofereceu-se um outro sentido à condição de con-vivência entre humanos: “o homem é
essencial para outro”
. A Oxigenação permitiu-lhe compreender como “Fomos feitos para os
demais e raras vezes paramos para observar o que está acontecendo com o grupo”,
(polis). Creio
que é por essa direção que a falta de respeito apresentar-se-ia como apropriada a
questões referentes à tomada de decisões e ao relacionamento em (com) grupos.
42
O termo transformação, vem sendo grafado neste trabalho como trans-formação, para dar a ver a
idéia de algo que brota do entre duas condições, algo da ordem de meta-
meta-
culto, do gr. metá (adv. e prep., orign.) 'no meio de, entre; atrás, em seguida, depois, para
além de; com, de acordo com, segundo; durante' (DEH)
Um neologismo, metaformação, teria o sentido desejado aqui.
Apenas isto já poderia revelar a pertinência para a realização de muitas oficinas/
oxigenações para uma formação/capacitação de agentes/’profissionais de saúde e
educação no espaço do público da humanidade. Oxalá fosse só isso...
6. EDUCA-SÃO COMO PRO-JETO A CONSIDERAR
Mas, será uma oficina, uma oxigenação, panacéia universal? Vejamos o que
Rubem Alves tem a nos dizer à respeito:
A culinária me fascina. De vez em quando eu até me até atrevo a cozinhar.
Mas o fato é que sou mais competente com as palavras que com as panelas. Por
isso tenho mais escrito sobre comidas que cozinhado. Dedico-me a algo que
poderia ter o nome de ‘culinária literária’. Já escrevi sobre as mais variadas
entidades do mundo da cozinha: cebolas, ora-pro-nobis, picadinho de carne com
tomate feijão e arroz, bacalhoada, suflês, sopas, churrascos. Cheguei mesmo a
dedicar metade de um livro poético-filosófico a uma meditação sobre o filme A
festa de Babette, que é uma celebração da comida como ritual de feitiçaria.
Sabedor das minhas limitações e competências, nunca escrevi como ‘chef’.
Escrevi como filósofo, poeta, psicanalista e teólogo - porque a culinária estimula
todas essas funções do pensamento.
As comidas, para mim, são entidades oníricas. Provocam a minha
capacidade de sonhar. Nunca imaginei, entretanto, que chegaria um dia em que a
pipoca iria me fazer sonhar. Pois foi precisamente isso que aconteceu. A pipoca,
milho mirrado, grãos redondos e duros, me pareceu uma simples molecagem,
brincadeira deliciosa, sem dimensões metafísicas ou psicanalíticas. Entretanto,
dias atrás, conversando com uma paciente, ela mencionou a pipoca. E algo
inesperado na minha mente aconteceu. Minhas idéias começaram a estourar
como pipoca. Percebi, então, a relação metafórica entre a pipoca e o ato de
pensar. Um bom pensamento nasce como uma pipoca que estoura, de forma
inesperada e imprevisível. A pipoca se revelou a mim, então, como um
extraordinário objeto poético. Poético porque, ao pensar nelas, as pipocas, meu
pensamento se pôs a dar estouros e pulos como aqueles das pipocas dentro de
uma panela.
Lembrei-me do sentido religioso da pipoca. A pipoca tem sentido religioso?
Pois tem. Para os cristãos, religiosos, são o pão e o vinho, que simbolizam o corpo
e o sangue de Cristo, a mistura de vida e alegria (porque vida, só vida, sem
alegria, não é vida...). Pão e vinho devem ser bebidos juntos. Vida e alegria devem
existir juntas. Lembrei-me, então, de lição que aprendi com a Mãe Stella, sábia
poderosa do Candomblê baiano: que a pipoca é a comida sagrada do
Candomblê...
A pipoca é um milho mirrado, sub-desenvolvido. Fosse eu agricultor
ignorante, e se no meio dos meus milhos graúdos aparecessem aquelas espigas
nanicas, eu ficaria bravo e trataria de me livrar delas. Pois o fato é que, sob o
ponto de vista de tamanho, os milhos da pipoca não podem competir com os
milhos normais. Não sei como isso aconteceu, mas o fato é que houve alguém que
teve a idéia de debulhar as espigas e colocá-las numa panela sobre o fogo,
esperando que assim os grãos amolecessem e pudessem ser comidos. Havendo
fracassado a experiência com água, tentou a gordura. O que aconteceu, ninguém
jamais poderia ter imaginado. Repentinamente os grãos começaram a estourar,
saltavam da panela com uma enorme barulheira. Mas o extraordinário era o que
acontecia com eles: os grãos duros quebra-dentes se transformavam em flores
brancas e macias que até as crianças podiam comer. O estouro das pipocas se
transformou, então, de uma simples operação culinária, em uma festa, brincadeira,
molecagem, para os risos de todos, especialmente as crianças. É muito divertido
ver o estouro das pipocas!
E o que é que isso tem a ver com o Candomblê? É que a transformação do
milho duro em pipoca macia é símbolo da grande transformação porque devem
passar os homens para que eles venham a ser o que devem ser. O milho da
pipoca não é o que deve ser. Ele deve ser aquilo que acontece depois do estouro.
O milho da pipoca somos nós: duros, quebra-dentes, impróprios para comer, pelo
poder do fogo podemos, repentinamente, nos transformar em outra coisa - voltar a
ser crianças!
Mas a transformação só acontece pelo poder do fogo. Milho de pipoca que
não passa pelo fogo continua a ser milho de pipoca, para sempre. Assim acontece
com a gente. As grandes transformações acontecem quando passamos pelo fogo.
Quem não passa pelo fogo fica do mesmo jeito, a vida inteira. São pessoas de
uma mesmice e dureza assombrosa. Só que elas não percebem. Acham que o
seu jeito de ser é o melhor jeito de ser. Mas, de repente, vem o fogo. O fogo é
quando a vida nos lança numa situação que nunca imaginamos. Dor. Pode ser
fogo de fora: perder um amor, perder um filho, ficar doente, perder um emprego,
ficar pobre. Pode ser fogo de dentro. Pânico, medo, ansiedade, depressão -
sofrimentos cujas causas ignoramos. Há sempre o recurso aos remédios. Apagar
o fogo. Sem fogo o sofrimento diminui. E com isso a possibilidade da grande
transformação.
Imagino que a pobre pipoca, fechada dentro da panela, lá dentro ficando
cada vez mais quente, pense que sua hora chegou: vai morrer. De dentro de sua
casca dura, fechada em si mesma, ela não pode imaginar destino diferente. Não
pode imaginar a transformação que está sendo preparada. A pipoca não imagina
aquilo de que ela é capaz. Aí, sem aviso prévio, pelo poder do fogo, a grande
transformação acontece: pum! - e ela aparece como uma outra coisa,
completamente diferente, que ela mesma nunca havia sonhado. É a lagarta
rastejante e feia que surge do casulo como borboleta voante.
Na simbologia cristã o milagre do milho de pipoca está representado pela
morte e ressurreição de Cristo: a ressurreição é o estouro do milho de pipoca. É
preciso deixar de ser de um jeito para ser de outro. ‘Morre e transforma-te!’ - dizia
Goethe.
Em Minas, todo mundo sabe o que é piruá. Falando sobre os piruás com os
paulistas descobri que eles ignoram o que seja. Alguns, inclusive, acharam que
era gozação minha, que piruá é palavra inexistente. Cheguei a ser forçado a me
valer do Aurélio para confirmar o meu conhecimento da língua. Piruá é o milho de
pipoca que se recusa a estourar. Meu amigo William, extraordinário professor-
pesquisador da UNICAMP, especializou-se em milhos, e desvendou
cientificamente o assombro do estouro da pipoca. Com certeza ele tem uma
explicação científica para os piruás. Mas, no mundo da poesia as explicações
científicas não valem. Por exemplo: em Minas ‘piruá’ é o nome que se dá às
mulheres que não conseguiram casar. Minha prima, passada dos quarenta,
lamentava: ‘Fiquei piruá!’ Mas acho que o poder metafórico dos piruás é muito
maior. Piruás são aquelas pessoas que, por mais que o fogo esquente, se
recusam a mudar. Elas acham que não pode existir coisa mais maravilhosa do que
o jeito delas serem. Ignoram o dito de Jesus: ‘Quem preservar a sua vida perde-la-
á.’ A sua presunção e o seu medo são a dura casca do milho que não estoura. O
destino delas é triste. Vão ficar duras a vida inteira. Não vão se transformar na flor
branca macia. Não vão dar alegria para ninguém. Terminado o estouro alegre da
pipoca, no fundo da panela ficam os piruás que não servem para nada. Seu
destino é o lixo.
Quanto às pipocas que estouraram, são adultos que voltaram a ser crianças
e que sabem que a vida é uma grande brincadeira... (“A Pipoca”. Rubem ALVES,
2003, p. 59-60)
Ou seriam, a Oficina de Recursos Expressivos e a Supervisão de Apoio
Psicológico, oxigenação (fogo para a panela) oferecendo-se a milhos a pipocar?
Seria a Supervisão de Apoio Psicológico um fazer clínico social através de Oficinas
de Recursos Expressivos?
Nessa perspectiva, a atividade realizada nas oficinas implicaria na tríplice
imbricação/Befindlichkeit
permitindo-se encontrar outras modalidades de sofrimento humano, que de outra
forma não teriam acesso a cuidado e atenção psicológica. A Supervisão de Apoio
Psicológico, caracterizando-se como uma possibilidade de outro fazer clínico,
encontra na Oficina de Recursos Expressivos o formato para intervenção possível e
apropriada a um contexto demandante específico (educa-sã-nal).
Se a razão de ser do Capítulo 2.2 (“Léxicos”) foi o resgate de noções perdidas
no tempo da história para descristalizar o sentido instituído de vocábulos que
circundam as idéias de saúde e educação, o mesmo se pode dizer deste trabalho e
do trabalho prático realizado. Creio que o “espírito”, nele implícito e agora explícito,
possa ser o norteador de muitos trabalhos que estão por vir.
Se, reiteradas vezes, referi-me à falta de arte (ars) na (da) ciência na
mundanidade contemporânea, depois de todo este trajeto, vejo-me na contingência
de des-latinizar minha fala, em direção a uma helenização, que possibilite resgatar
minha experiência como conhecimento tácito a respeito de mim e do mundo com
outros. Em outras palavras, neste momento estou promovendo em mim mesmo a
substituição da idéia de ars, pela idéia de techné (veja p. 38). É isto que propiciou e
favoreceu minha condução por (n)este trabalho, bem como a condução dos (nos)
trabalhos, abrindo possibilidade de uma outra articulação de sentido entre saúde e
educação, permitindo a continuidade da busca por recursos que visem atenção e
cuidado em saúde e educação: uma meta-ação. Nesse percurso, a prática
psicológica em instituições oferece-se como serviço útil a quem demanda cuidar-se
em seu trabalho, a partir da clínica eticamente orientada, para conduzir-se à tarefa
de educar, com respeito, para a formação/constituição do cidadão politicamente
respeitoso, no sentido helênico preservado por uma traslação ao latim, de correto:
reg-
1
2) rect-: rectus,a,um 'dirigido em linha reta, reto, direito (sentido físico e moral)',
substv. recta,ae 'túnica direita (tecida de alto a baixo)', rectum,i 'o bem, o direito,
o justo'; em gramática, rectus casus 'o caso reto, o nominativo', p.opos. aos
oblìqui casus, que são flexionados, é a tradução do gr. hé orthê (ptôsio); de
resto, rectus tem todos os sentidos de orthós, com todos os empregos
deste; rector,óris 'condutor, piloto, cocheiro, guia, diretor, chefe' (fr.
meridional ritú, esp. rector, port. reitor), rectrix,ícis 'diretora, senhora, a que
governa, dirige', rectúra,ae 'direção em linha reta'.
reg-
2
 elemento de composição
antepositivo, do lat. rìgo,as,ávi,átum,áre 'regar, irrigar, molhar, banhar; derramar,
verter', pelo vulg.; antigo, usual; panromânico, salvo romn.: it.ant. rigare, engad.
arger, fr.ant. reer, cat.esp.port. regar; a cognação lat. inclui rigùus,a,um 'que
rega; que é regado', da época imperial; rigatìo,ónis 'regadura', lat.tar. rigátor,óris
'o que rega', rigátus,us 'ação de regar'; donde os der. irrìgo,as 'irrigar', irrigatìo,ónis
'irrigação, rega', irrigùus,a,um 'regado, banhado, molhado'; a cognação port.
desenvolve-se desde as orig. do idioma: irrigação, regante, regar, regato (DEH)
É esta mescla de arte, artesanalidade e ciência que pode proporcionar aos
profissionais de saúde e educação a humanidade necessária para o exercício de
seus ofícios. Profissionais de educa-são, que tenham encontrado em si próprios a
humanidade necessária para o exercício de seus ofícios, pela própria educa-são,
podem constituir-se, pelo respeito, em educadores pertinentemente sãos a uma
meta-ação política eticamente em ação .
Por fim, um desejo pautado no respeito: EDUCA-SÃO PARA TODOS!
7. ANEXOS
Anexo 1
AVALIAÇÃO DAS OFICINAS DE RECURSOS EXPRESSIVOS, FEITA POR
ALGUNS DE SEUS PARTICIPANTES
43
1) Trabalho em Equipe foi o principal objetivo a ser atingido pela dinâmica
promovida pelos Psicólogos da USP, sendo de muita valia em nossa rotina dentro de
uma unidade da INSTITUIÇÃO.
Encontros direcionados como este deveriam ser realizados com mais freqüência,
para troca de informações e conhecimentos entre funcionários de Unidades
diferentes e Funções distintas com Cargo de Chefia (Diretores, Encarregados e
Coordenadores).
Tenho a ressaltar que a primeira parte da dinâmica foi cansativa, mas com o
entrosamento dos grupos e o direcionamento da psicóloga houve a evolução e
agilidade da mesma.
Em nossa unidade de Tal e Tal lugar, foi realizado o Grupo de Expressão com a
Psicóloga Marina da USP, no qual os participantes sugeriram a continuidade do
trabalho e avaliaram como positivo para reintegração e uma forma de válvula de
escape para todos os funcionários.
Como sugestão sou favorável a continuidade das Oficinas, sendo que sejam
feitas periodicamente e entre todos os funcionários.
2) Avaliamos que a iniciativa da Divisão Técnica de Tal e Tal lugar em parceria
com a Prof. Henriette e o Prof. Luis, em reunir o Corpo diretivo de Tal e Tal lugar, foi
muito proveitosa.
Tivemos a oportunidade de parar, e olhar, pelo lado de fora, nossa atuação
dentro das Unidades; pudemos pensar e refletir sobre nossas ações e escolhas.
Possibilitou, também, conhecimento e interação das diferentes equipes, pois
mesmo atuando no mesmo complexo havia pessoas que nem ao menos se
conheciam.
3) Torna-se difícil, e até mesmo injusto, avaliar um trabalho de apenas dois
encontros, quando temos certeza que o mesmo terá duração e permanecerá
presente em vários momentos de nossas ações.
Trabalhos que vão fazer parte do processo histórico do profissional deveriam
constar da agenda do mesmo com encontros sistemáticos tal a importância que
exerce nas reflexões e avaliações durante tomadas de decisões.
Perguntas como:
. Os encontros foram produtivos?
. Atingiram os objetivos?
não deveriam fazer parte desta avaliação, pois as respostas foram imediatas e
claras, tal o envolvimento, entusiasmo e manifestação verbal das pessoas
presentes.
43
Transcrição literal das avaliações recebidas, das quais foram suprimidas quaisquer informações
que permitissem reconhecer a INSTITUIÇÃO em que se deu o trabalho, ou qualquer um de seus
membros.
A dinâmica levou a reflexão e deixou uma pergunta:
Quando será o próximo encontro?
Parabéns Henriette pelo dinamismo com que você e o Luiz conduziram os
encontros.
4) O trabalho foi muito bom só que deve ter continuação. Já é muito difícil no
nosso dia a dia se repensar todas as ações refletidas nesses 2 dias de oficina.
Se bem que não adianta “cursos” “treinamentos” para quem não gosta do que
faz.
O que fica bem claro para mim é que a gente tem que GOSTAR do que faz e
aí tudo se arranja.
5) A minha avaliação é que oficina tenta nos mostrar que o homem é essencial
para outro mesmo que algumas vezes não pensamos assim.
Fomos feitos para os demais e raras vezes paramos para observar o que está
acontecendo com o grupo.
Às vezes confesso que até por medo de enfrentar situações delicadas. Onde
se encontra mais de uma pessoa, realmente há problemas de relacionamento. E
dificilmente analisamos nosso comportamento no grupo.
Acho que o grande mérito destes encontros é procurar fazer uma reflexão
séria para o crescimento individual e conseqüentemente do grupo.
Mas é preciso que a oficina tenha um papel mais efetivo, para que haja
progressos no relacionamento
6) Atendendo o pedido de avaliar a dinâmica aplicada na USP só tenho a
concordar com a grande parte dos participantes, que é primordial termos como rotina
de aperfeiçoamento profissional e também enquanto cidadão para podermos, e pelo
menos tentar entender outras formas de raciocínio e dar diretrizes diferentes ao
nosso modo de olhar todos ou grande parte dos problemas que temos que resolver.
Este espaço é de suma importância para o nosso desenvolvimento profissional, para
que possamos atender as necessidades em nossas vidas privada e profissional.
Conto, espero e acredito que em breve novamente eu seja convidado a participar de
futuras oficinas, visando querer melhorar minha visão e prosseguir no crescimento
como profissional e cidadão.
Sem mais,
Obrigado
7) Parto do princípio que todo trabalho voltado para o crescimento profissional e
conseqüentemente o pessoal é de grande valia, onde podemos estar avaliando
nossas formas de atuação tanto profissionalmente como em nossas vidas.
Sendo assim, as Oficinas que foram supervisionadas pelos profissionais da USP
deram a oportunidade de mostrar as dificuldades e limites que cada um possui, e, ao
mesmo tempo, conhecer um pouco cada participante.
Por outro lado, leva a refletir que as mudanças são vitais para nossa vida, e, temos
que estar abertos para novos conhecimentos que irão enriquecer cada cidadão.
Acredito que a continuidade das Oficinas, irá contribuir e muito com o crescimento
profissional e pessoal de todos.
8) Considero que em termos de INSTITUIÇÃO, foi um grande ganho e inovação
a possibilidade de participação nas duas oficinas.
Gostei bastante, achei que foram duas grandes oportunidades do grupo de chefia se
reunir em torno de uma mesma proposta. Muito proveitoso.
Porém confesso que gostei mais do primeiro encontro, achei-o um pouco mais
estruturado e por isso mesmo com maior participação dos agentes, as consignas
foram mais claras.
Já no segundo, as consignas foram um tanto confusas, e talvez por isso o grupo
tenha apresentado alguma dificuldade com a tarefa; tenho a sensação de que faltou
um elo de ligação ou algum suporte melhor, não sei bem ao certo.
De qualquer forma, acho que valeu muito e foi muito proveitoso.
9) No meu modo de ver, a palestra para mim foi significativa. A mesma ajudou
eu ter outra visão sobre gerenciamento e trabalho em equipe.
Também pode aproximar mais as chefias do complexo e levantar questões
que diz respeito o bom andamento das unidades.
A mesma pode servir de base para outras palestras, tanto para chefia como
para funcionários.
10) Os encontros foram proveitosos enquanto socialização.
As dinâmicas desenvolvidas trouxeram momentos de reflexão sobre:
“Sois parte integrante da engrenagem”
“Tenho responsabilidade sobre a realização dos projetos”
que nos levaram à consciência destas verdades.
A condução dos trabalhos foi boa e por profissionais competentes.
Fiquei feliz por ter participado.
11) Achei muito importante, mostrou que podemos oferecer ainda mais à
fundação. Também mostrou as fragilidades, as dificuldades e os meios para
enfrentá-las. Foi realmente uma boa oportunidade de entrosar-se e conhecer outros
colegas de várias unidades e perceber que apesar de todas as dificuldades a maior
parte do grupo acredita no trabalho e na possibilidade de vencer os obstáculos.
Esta foi a avaliação que tive deste encontro.
12) Trabalhar com jovem infrator e ocupar um cargo de chefia, surgiu-me como
um desafio profissional de construir a partir da prática refletida maior desempenho
no atendimento aos adolescentes.
Entendo que, enquanto profissionais que lidam com gerenciamento de equipe
entre outros, necessitamos estar sempre nos reciclando, tendo em vista aprimorar e
atualizar sempre nossa atuação, atendendo às transformações e desempenho que o
cargo exige e, assim, acredito que esses encontros foram o espaço perfeito para
essa prática de reavaliação pessoal e profissional e, conseguinte resulta na
evolução dos resultados em nosso trabalho, junto ao quadro funcional e
adolescentes aos quais prestamos atendimento.
Esses encontros desenvolvidos, provocou-me uma nova percepção da prática
cotidiana, propiciando uma reflexão não somente enquanto profissional, mas
também um olhar voltado para o meu “EU”.
Também não posso deixar de citar que gostei da dinâmica utilizada que
trouxe para discussões, situações que permeiam nosso cotidiano na INSTITUIÇÃO,
onde cada um pôde se auto-avaliar.
Sendo assim, a proposta de se ter um espaço de reflexão é imprescindível
para que nosso trabalho institucional se dê também de forma mais integrada.
13) Foram dois dias ótimos, até divertidos. Foi dada a todo o grupo a
oportunidade de falar e dar seus pontos de vista sobre os diversos temas
abordados, deixando-os todos bem à vontade.
Os instrutores bem preparados mostraram-se ter pleno conhecimento em
todos os temas abordados, sempre questionando todo o grupo, fazendo com que
cada um se manifestasse.
Isso demonstra que há por parte da diretoria um envolvimento de
proporcionar aos funcionários um melhor ambiente de trabalho e profissionais mais
qualificados.
14) Minha participação foi na segunda turma, porém devido aos comentários da
primeira turma deu para se fazer um apanhado geral do encontro.
A intenção foi boa, dando a equipe a oportunidade de momentos de muita
descontração e novos conhecimentos, deixando porém a ansiedade de novos
encontros com novas turmas.
Os profissionais que administraram o encontro foram objetivos e envolventes
em todas as dinâmicas.
Enfim, nota-se por parte dos dirigentes um incentivo a todos os funcionários
desta INSTITUIÇÃO.
15) É de grande valia e imprescindível trabalhos desta natureza.
Foi dado um passo importante no sentido de buscar a sensibilização e apoio
ao funcionário. Cuidar do cuidador.
Enquanto sugestão:
- Relaxamento/dinâmica corporal no início;
- Apresentação dos trabalhos realizados pelos funcionários (cartazes, etc. ...);
- Fechamento no final. Nas duas oportunidades achei que não houve tempo hábil
para o fechamento. E o fechamento poderia ser feito de forma a unir/integrar a
equipe com uma dinâmica no final.
16) Toda e qualquer oficina é sempre bem vinda, pois na quantidade de afazeres
que nós temos no nosso dia a dia, não nos deixa, “às vezes”, parar e refletir de uma
forma 100% mais produtiva e com maior teor de qualidade.
Sabedores somos, de nossas atribuições e funções, entretanto muitas vezes
caímos numa espécie de “Miopia” que nos cega e não deixa fluir a imaginção de
criação e continuamos sempre no mesmo.
É através de oficinas, como a que vivenciamos que nos dá um “chaqualhão”,
para acordar coisas (conhecimentos) adormecidos em cada um de nós. Parece que
o óbvio aparece do nada! E que o não óbvio se esclarece como mágica.
Em meu caso, como tenho pré disposição de sempre estar participando deste
tipo de evento, tem grande valia e aproveitamento.
Posso não ser um construtor de Navios, mas nele quero navegar.
Parabenizo a todos os que participaram, pois é através do grupo que o trabalho
pode e deve ser sempre realizado.
Aos educadores, admiração, pela didática aplicada com uma força de fácil
entendimento e compreensão. Muito bom!
Até uma próxima!
17) A dinâmica realizada com os funcionários de Tal e Tal pelos Psicólogos da
Universidade de São Paulo (USP) do qual participei, foi de grande importância no
aspecto pessoal e na importância do trabalho em equipe, pois propiciou momentos
de reflexão e ajuda mútua, com o objetivo de procurarmos melhores resultados no
nosso dia a dia no que se refere ao plano pessoal, familiar, social e profissional.
A dinâmica foi elaborada com muita coerência e critérios, embora as duas
primeiras horas tenham sido cansativas e pouco produtivas, mas nada que
comprometesse a proposta de trabalho.
Trabalhos em grupo como este deveriam ser realizados periodicamente, pois
no meu ponto de vista o funcionário seguro de suas atribuições e confiante na sua
equipe poderá realizar seu papel com mais qualidades.
18) Do ponto de vista de trabalho em equipe, cooperação mútua, conhecimento
com profissionais de outra unidade foi muito proveitoso.
Um pouco cansativo de início, mesmo porque com o passar do tempo os
envolvidos foram relaxando e participando mais da dinâmica.
Os profissionais conduziram bem o trabalho apesar de ser longo.
Poderiam realizar mais trabalhos como este em menor espaço de tempo.
19) A dinâmica na qual eu participei, realizada por psicólogos na Universidade de
São Paulo, foi de grande importância tanto no profissional como no pessoal.
Trabalho em grupo como este eleva muito a auto-estima e rever alguns
conceitos.
Uma semente foi plantada na mente de cada um, se soubermos cultivá-la
colheremos bons frutos.
20) É de grande importância trabalhos desta natureza.
Foi dado um passo no sentido de buscar a sensibilização e conhecimento
com profissionais de outras unidades e cargos diferentes.
Poderiam realizar trabalho como este nas próprias unidades com todos
funcionários.
A dinâmica realizada na qual participei, foi de grande importância no aspecto
pessoal.
21) Foi um encontro dinâmico muito proveitoso
De início todos nós estavamos retraidos e quase não participávamos
espontaneamente. Henrieta precisava chamar para respostas.
Na segunda parte, já estávamos todos mais a vontade e as dinâmicas fluiram muito
bem.
Foi surpreendente a participação de todos e achamos criativo o modo como
abordaram o trabalho em grupo (construção do navio; as partes, o planejamento).
Esses encontros deveriam acontecer mais vezes, para essa troca de experiências,
reflexão e melhorias nas nossas funções.
Muito providencial também reunir diretoria com coordenação para juntos refletirmos
nosso desempenho no dia-a-dia em nossa unidade.
Anexo 2
Declaração Universal dos
Direitos Humanos
Adotada e proclamada pela resolução 217 A (III) da Assembléia Geral das Nações
Unidas, de 10 de dezembro de 1948.
PREÂMBULO
Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da
família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade,
da justiça e da paz no mundo;
Considerando que o desprezo e o desconhecimento pelos direitos humanos
resultaram em atos de barbárie que ultrajaram a consciência da Humanidade, e que
o advento de um mundo em que os seres humanos gozem de liberdade de palavra,
de crença e da liberdade de viverem a salvo do terror e da miséria, foi proclamado
como a mais alta aspiração do homem comum;
Considerando ser essencial que os direitos humanos sejam protegidos através de
um regime de direito, para que o homem não seja compelido, como último recurso, à
revolta contra a tirania e a opressão;
Considerando que é essencial promover o desenvolvimento de relações amistosas
entre as nações;
Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta, sua fé nos
direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor da pessoa humana, e na
igualdade de direitos dos homens e da mulheres e se declararam resolvidos a
promover o progresso social e melhores condições de vida dentro de uma liberdade
mais ampla;
Considerando que os Estados-membros comprometeram-se a promover, em
cooperação com a Organização das Nações Unidas, o respeito universal e efetivo
aos direitos e liberdades fundamentais do homem;
Considerando que uma concepção comum desses direitos e liberdades é da mais
alta importância para o pleno cumprimento de tal compromisso,
A Assembléia Geral
Proclama a presente Declaração Universal dos Direitos Humanos como ideal comum
a ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que todos os
indivíduos e todos os órgãos da sociedade, tendo sempre em mente esta
Declaração, se empenhem, através do ensino e da educação, em promover o
respeito a esses direitos e liberdades, e em promover, pela adoção de medidas
progressivas de caráter nacional e internacional, o seu reconhecimento e a sua
observância efetivos e universais, tanto entre os povos dos próprios Estados-
membros quanto entre as dos territórios colocados sob a sua jurisdição.
Artigo I
Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de
razão e consciência e devem agir uns para com os outros com espírito de
fraternidade.
Artigo II
Todos os homens podem invocar os direitos e as liberdades estabelecidos na
presente Declaração sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo,
língua, religião, opinião política ou outra, origem nacional ou social, riqueza,
nascimento ou qualquer outra situação.
Não será também feita nenhuma distinção fundada na condição política, jurídica ou
internacional do país ou território a que pertença um indivíduo, seja esse país ou
território independente, sob tutela, sem governo próprio ou sujeito a qualquer outro
tipo de limitação de soberania.
Artigo III
Todo homem tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.
Artigo IV
Ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e o tráfico de
escravos são proibidos sob todas as suas formas.
Artigo V
Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamentos ou punições cruéis,
desumanos ou degradantes.
Artigo VI
Todos os homens têm o direito ao reconhecimento, em todos os lugares, da sua
personalidade jurídica.
Artigo VII
Todos são iguais perante a lei e, sem qualquer distinção, têm direito a igual proteção
da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a
presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação.
Artigo VIII
Todo homem tem direito a recurso efetivo dos tribunais nacionais competentes
contra atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela
constituição ou pela lei.
Artigo IX
Ninguém será arbitrariamente preso, detido ou exilado.
Artigo X
Todo homem tem direito, em plena igualdade, a uma audiência justa e pública por
parte de um tribunal independente e imparcial, que decida sobre seus direitos e
deveres ou sobre o fundamento de qualquer acusação criminal contra ele
apresentada.
Artigo XI
1. Todo homem acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido
inocente até que sua culpa fique legalmente comprovada em um julgamento
público, no qual todas as garantias necessárias à sua defesa lhe tenham sido
asseguradas.
2. Ninguém poderá ser condenado por qualquer ação ou omissão que, no
momento em que foram praticadas, não constituíam delito perante o direito
nacional ou internacional. Também não será imposta pena mais grave do que
aquela que era aplicável no momento em que o ato delituoso foi cometido.
Artigo XII
Ninguém sofrerá interferências arbitrárias na sua vida privada, na sua família, no seu
lar ou na sua correspondência, nem a ataques à sua honra e reputação. Todo
homem tem direito a proteção da lei contra tais interferências ou ataques.
Artigo XIII
1. Todo homem tem direito à liberdade de locomoção e de escolha de sua
residência dentro das fronteiras de cada Estado.
2. Todo homem tem direito de deixar qualquer país, inclusive o próprio, bem
como de a ele regressar.
Artigo XIV
1. Todo homem vítima de perseguição tem o direito de procurar e de gozar asilo
em outros países.
2. Este direito não pode, porém, ser invocado no caso de perseguição
legitimamente motivada por crimes de direito comum ou por atividades
contrárias aos propósitos e princípios das Nações Unidas.
Artigo XV
1. Todo homem tem direito a uma nacionalidade.
2. Ninguém poderá ser arbitrariamente privado da sua nacionalidade, nem do
direito de mudar de nacionalidade.
Artigo XVI
1. Homens e mulheres maiores de idade têm o direito de contrair matrimônio e
de constituir uma família, sem qualquer restrição de raça, nacionalidade ou
religião; e, durante o casamento e na sua dissolução, gozam de iguais
direitos.
2. O casamento só será válido com o livre e pleno consentimento dos nubentes.
3. A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem direito à
proteção da sociedade e do Estado.
Artigo XVII
1. Todo homem tem direito à propriedade, seja individualmente ou em sociedade
com os outros.
2. Ninguém será arbitrariamente privado da sua propriedade.
Artigo XVIII
Todo homem tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este
direito inclui a liberdade de mudar de religião ou de crença, bem como a liberdade
de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelos
ritos, isolada ou coletivamente, em público ou em particular.
Artigo XIX
Todo homem tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o
direito de não ser incomodado por suas opiniões e de procurar receber e transmitir
informações e idéias por quaisquer meios de expressão, independente de fronteiras.
Artigo XX
1. Todo homem tem direito à liberdade de reunião e associação pacíficas.
2. Ninguém pode ser obrigado a fazer parte de uma associação.
Artigo XXI
1. Todo homem tem o direito de tomar parte no governo do seu país,
diretamente ou por intermédio de representantes livremente escolhidos.
2. Todo homem tem direito de acesso, em condições de igualdade, ao serviço
público do seu país.
3. A vontade do povo será a base da autoridade do governo; esta vontade deve
exprimir-se através de eleições periódicas e legítimas, por sufrágio universal,
por voto secreto ou processo equivalente que salvaguarde a liberdade de
voto.
Artigo XXII
Todo homem, como integrante da sociedade, tem direito à sua segurança social e à
realização – através do esforço nacional e da cooperação internacional e conforme a
organização e os recursos de cada Estado – dos direitos econômicos, sociais e
culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua
personalidade.
Artigo XXIII
1. Todo homem tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições
equitativas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego.
2. Todo homem tem direito, sem qualquer discriminação, a igual remuneração
por igual trabalho.
3. Todos os que trabalham têm direito a uma remuneração justa e satisfatória,
que lhes assegurem, bem como à sua família, uma existência compatível com
a dignidade humana, e completada, se possível, por todos os outros meios de
proteção social.
4. Todo homem tem o direito de organizar sindicatos e a eles se filiar para a
defesa dos seus interesses.
Artigo XXIV
Todo homem tem direito a repouso e lazer, e, principalmente, a uma limitação
razoável das horas de trabalho e a férias periódicas remuneradas.
Artigo XXV
1. Todos os homens tem direito a um padrão de vida que lhes possa assegurar,
bem como aos seus familiares, saúde e bem-estar, principalmente no que se
refere a alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e aos serviços
sociais necessários, e direito à segurança em caso de desemprego, doença,
invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda de meios de subsistência
por circunstâncias alheias à sua vontade.
2. A maternidade e a infância têm direitos a cuidados e assistência especiais.
Todas as crianças, nascidas dentro ou fora do matrimônio, gozarão da
mesma proteção social.
Artigo XXVI
1. Todo homem tem direito à educação. A educação será gratuita, pelo menos
nos graus elementares e fundamentais. O ensino elementar será obrigatório.
O ensino técnico e profissional deve ser acessível a todos, o acesso aos
estudos superiores deve estar aberto a todas as pessoas em plena igualdade,
baseada no mérito.
2. A educação será orientada no sentido da plena expansão da personalidade
humana e ao reforço dos direitos do homem e das liberdades fundamentais e
deve fortalecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as
nações e todos os grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das
Nações Unidas para a manutenção da paz.
3. Aos pais pertence a prioridade do direito de escolher o gênero de instrução
que será ministrada a seus filhos.
Artigo XXVII
1. Todos os homens têm o direito de participar livremente da vida cultural da
comunidade, de fruir as artes e de participar do progresso científico e de seus
benefícios.
2. Todos os homens têm direito à proteção dos interesses morais e materiais
decorrentes de qualquer produção científica, literária ou artística de sua
autoria.
Artigo XXVIII
Todo homem tem direito a que reine, no plano social e no plano internacional, uma
ordem capaz de tornar plenamente efetivos os direitos e as liberdades estabelecidos
na presente Declaração.
Artigo XXIX
1. Todos os homens têm deveres para com a comunidade, fora da qual não é
possível o livre e pleno desenvolvimento da sua personalidade.
2. No exercício dos seus direitos e liberdades, ninguém estará sujeito senão às
limitações determinadas pela lei, com vistas exclusivamente a assegurar o
devido reconhecimento e o respeito dos direitos e liberdades dos outros e de
satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar em
uma sociedade democrática.
3. Em hipótese alguma estes direitos e liberdades poderão ser exercidos
contrariamente aos propósitos e princípios das Nações Unidas.
Artigo XXX
Nenhuma disposição da presente Declaração pode ser interpretada de maneira a
reconhecer para qualquer Estado, grupo ou indivíduo, o direito de exercer qualquer
atividade ou de praticar qualquer ato destinado a destruir os direitos e liberdades
nela estabelecidos.
http://www.utopia.com.br/anistia/informes/declaracao.html, consultada em 1/5/04
8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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À exceção dos textos de BARUS-MICHEL (2001) e GENDLIN (1992),
todas as referências em língua estrangeira foram traduzidas para o
português pelo autor deste trabalho.
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