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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE SUL
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIENCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA
ISAQUE JOSÉ BUENO
LIBERDADE E ÉTICA EM JEAN-PAUL SARTRE
Porto Alegre
2007
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1
ISAQUE JOSÉ BUENO
LIBERDADE E ÉTICA EM JEAN-PAUL SARTRE
Dissertação apresentada como requisito para a
obtenção do t ítulo de Mestre em Filosofia pelo
Programa de Pós-graduação em Filosofia da
Faculdade de Filosofia e Ciencias Humanas da
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
Sul.
Orientador: Prof. Dr. Urbano Zilles
Porto Alegre
2007
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AGRADECIMENTOS
A PUCRS e a CAPES.
Ao Prof. Dr. Urbano Zilles.
Ao Prof. Dr. Draiton G. de Souza.
Ao Fr. Roberto Gomes Simões.
Ao Pe. Leonir Alves.
A meus pais pelo apoio e incentivo.
A todos os professores com quem tive aula neste período de estudos e aprendizagem.
Ao Cemitério Parque Jardim da Paz.
3
RESUMO
A liberdade é um tema fundamental da realidade humana. A ética é condição para que
possamos viver e conviver em sociedade, respeitando o diferente e nos responsabilizando por
nossas próprias escolhas. Deste modo, Sartre faz uma reflexão profunda sobre a liberdade
humana, desde sua condição de existência até a suas conseqüências diretas sobre a vida do
indivíduo. Assim do binômio liberdade-responsabilidade, conceitos indissociáveis em Sartre,
podemos inferir, uma proposta conseqüente p ara uma conduta ética. Desta maneira, r efletir
sobre o sujeito livre em uma sociedade que coloca a liberdade como um valor central, é
pensar no fazer humano, nas suas relações, o u seja, no seu encontr o com o outro, na
possibilidade de respeitar ou não a l iberdade do outro. Em ntese, procuramos demonstrar
que a liberdade humana é um aspecto constitucional da existência de cada indivíduo, que não
podemos pensar em um hom em ora livre ora não, dispomos de uma liberdade fundante que
nos compromete durante todo o nosso existir, e por essa razão somos chamados a assumir
com responsabilidade as conseqüências de todas as nossas escolhas e a ções, não pod endo
delegar ou atribuir a r esponsabilidades a outros ou a forças misteriosas, so mos absolutamente
responsáveis pelo homem que queremos ser.
Palavras Chaves: Liberdade. Outro. Responsabilidade. Limite. A ex istência que precede a
Essência. Ética. Eleição. Escolha.
4
ABSTRACT
Freedom is a fundamental t heme of human re ality. Et hics is the condition for which we c an
live and cohabit in a so ciet y respecting the differ ences in on e and being r esponsible for ou r
own choices. So that, Sartre makes a deep reflecti on about human freedom, from its condition
of existence up to its di rect consequences on the individual’s l ife. So, f rom the freedom-
responsibility binomial - inseparable concepts in S artre’s theor y - we can infer a consequent
proposition for an ethical conduct. So that, re flecting about t he individual being free in a
society that places freedom as a central value, is the same as thinking on human deeds, on
human relations or, in other words, on the i ndividual contact with each other, being
responsible, and on respecting -or not - the other’s freedom. In brie
5
ABREVIATURAS
Jean-Paul Sartre
SN - O Ser e o Nada
EH - O Existencialismo é um Humanismo
6
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 07
2 LIBERDADE ....................................................................................................................... 12
2.1 O CONCEITO DE LIBERDADE AO LONGO DA HISTÓRIA ...................................... 12
2.2 A EXISTÊNCIA PRECEDE A ESSÊNCIA ...................................................................... 19
2.3 O HOMEM COMO SUJEITO ABSOLUTAMENTE LIVRE .......................................... 29
2.4 OS LIMITES À LIBERDADE ........................................................................................... 37
2.4.1 Nosso Lugar ................................................................................................................... 40
2.4.2 Nosso Passado ................................................................................................................ 43
2.4.3 Nossos Arredores ........................................................................................................... 46
2.4.4 Nossa Morte ................................................................................................................... 49
3 O OUTRO ............................................................................................................................ 53
3.1 O OUTRO COMO LIMITE A NOSSA LIBERDADE ..................................................... 53
3.2 O OLHAR .......................................................................................................................... 61
3.3 AS RELAÇÕES CONCRETAS COM O OUTRO ............................................................ 70
3.3.1 Tentativa de Assimilar a liberdade do Outro ............................................................. 72
3.3.2 Tentativas de Objetivação da liberdade do outro ...................................................... 80
4 ÉTICA .................................................................................................................................. 90
4.1 O CONCEITO DE ÉTICA AO LONGO DA HISTÓRIA ................................................. 91
4.2 CRITICA SARTREANA A MORAL TRADICIONAL.................................................... 96
4.3 SE DEUS NÃO EXISTE, TUDO É PERMITIDO? .......................................................... 98
4.4 O HOMEM RESPONSÁVEL .......................................................................................... 104
5 CONCLUSÃO.................................................................................................................... 109
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 113
7
1 INTRODUÇÃO
A r efl ex ão fi lo fica b rot a da v id a, da r eal id ade q ue, ao t oca r a s ens i bi li da de do
fil ós of o, lev a-o à refl ex ão. O noss o int ere ss e pel o pen sam en to sartr ean o, e ma is
pro pri am en te pe la que stã o da li be rda de e da étic a, nas cer am a p art i r de q ue st ion ame nt os
ex ist en cia is, ma is es pec ifi cam ent e da c ons ta ta ção de q ue é c ada v ez ma io r e m n os so s d ia s a
di fic ul dad e d e co nci li ar a nos sa li ber dad e c om a l ibe rda de dos out ro s. Um s egun do as pec to
que nos le vou a optar po r ess e tem a é a i déi a imb ric ada ao term o lib erd ade, poi s ser livre
si gni fic a p ode r fa ze r es co lh as e se r ét ic o, sign if ica respo ns ab il iza r-s e p or t ais es col ha s. No
ent an to , algum as vez es s om os le vad os a p ensa r de q ue tu do , i nc lus iv e nos sa p róp ria
ex ist ên cia , est á de te rmin ad o pr evi am ent e. Ass im , n os pa rec ia i ns upo rtá vel a id éi a de q ue
h ou vess e um d est in o t raça do , um a vo nta de d eter mi nad a e, ma is aind a, qu e s se ria mo s o
res ul tad o fi na l d e ou tra s von ta des qu e não a no ss a. P or tan to , s ão b asic am ent e do is asp ect os
que no s mot iv ara m a es col he r es te t ema em J ean -Pa ul Sar tre . O p rim ei ro , é a re la ção q ue se
est ab ele ce ent re a nos sa l ib erd ad e e a lib erd ade d os o ut ro s. O segund o asp ect o é ten tar
dem on st rar que somo s o que des ej amo s ser , ou melh or, “O hom em nada mai s é do aqu ilo
que el e fa z de si m esm o: esse é o primei ro pri ncí pi o do exist enc ial is mo (EH , 1 987 , p . 6 ),
por ta nt o, n ão u ma deter mi naç ão pr évi a.
Num p rim ei ro m om ent o, p rop or um a r efl ex ão sobr e a li berd ad e e a ét ica ba sea do s
em um a uto r ex ist en cia lis ta po de so ar co mo ul t rap ass ado , po rém , acre di tam os q ue es se te ma
se re vel a, nos tem po s at ua is , ex tre mam en te i ns tigan te e des afi ad or, poi s a o me sm o te mp o
em que os pro ble ma s at uais s e mo st ram co m r oup agen s n ov as, as re sp ostas n eces sa ria me nt e
não p rec is am se gui r a m esm a ten dên ci a j á que, a o que n os par ece, muit os d os pro bl emas
ex ist en cia is qu e o mu ndo con tem po rân eo e nfr ent a de vem -se a o fat o d e ter mo s es que ci do o
que s igni fi ca ser l iv re e , co ns eqü ent em en te, re spo nsá vel . Em n os sos di as, es te s d ois t erm os
se pa rec em co nt rad it óri os e o com pl em ent ares , j á q ue v iv emos na s oc ied ad e ond e
pra ti cam ent e tudo é perm it ido - “a soci ed ade da lib erd ade t ot al”. P os siv elm en te, o ho mem
nun ca foi t ão l iv re quanto é hoj e, m as po ssi ve lmen te o ho mem co nt emp orân eo nun ca e st eve
tão i ns egur o e pe rdi do c om o se enco nt ra at ual men te. E é j us ta men te a p art i r d est e c on tex to
de cri se que o tema da lib erd ade e da éti ca, se gund o a con cep ção s art rea na, se to rna
rel eva nt es, p ois as sim c omo d ecl ara Sa rt re:
8
O existenc ialista d eclara freq üentemente que o ho mem é angústia. T al afirmação
significa o se guinte: o homem q ue se en gaja e q ue se conta d e que ele não é
apenas aquele que escolhe u ser, mas também um legislador q ue escolhe
simultaneamente a si mesmo e a humanidade inteira, n ão consegue escapa r ao
sentimento de sua tota l e prof unda responsabilid ade (EH, 198 7, p. 7).
Portanto, a importância da reflexão sobre este tema está justament e em refl etir sobre a
liberdade em uma sociedade livre. Dessa forma, refletir hoje sobre a liberdade é tentar
resgatar, ou pelo menos chamar atenção, para a d imensão da responsabilidade, poi s como diz
nosso autor: “o que esco lhemos é sempre o bem e nada pod e ser bom pa ra nós sem ser para
todos” (EH, 1987, p. 7). Desta forma, queremos redescobrir o caminho de uma vida ética,
onde sejam respeitadas a s alteridades. Assim, buscar m eios para superar a visão individualist a
e equivocada qu e temos da liberdade e da ética, pois ambas têm sentido nas relações que
estabelecemos com os outros e com a comunidade.
Para J ean Paul Sartre, o homem é absolutament e livre e responsável. Portanto, nosso
ponto de partida s erá apresentar o homem como ser constituído pela lib erdade conforme a
visão de nosso autor. Num segundo momento, queremos mostrar como se à relação entre a
nossa liberdade e a l iberdade do outro, pa ra então tentarmos apontar os possíveis limites que
podem colocar em cheque a liberdade. Num t erceiro momento vamos mostrar como se
configura a ação ética a partir da escolha responsável com a finalidade de tentar fazer um a
análise do ser humano enquanto um ser social e individual. Que sendo livre, constrói uma teia
de relações que em al guns momentos pode ser um empecilho a liberdade. Desta maneira,
queremos descobrir o qu e motiva este ser absolutamente li vre a m anter r elações comunitá rias
respeitando e se submet endo às leis e às tradições existentes. Estaria ele abrindo mão de sua
liberdade? Estaria ele se submetendo aos critérios éticos pré-estabelecidos? Ou como sujeitos
livres podemos escolher entre sermos éticos ou não?
É funç ão da filos ofia p ensar o mundo nos s eus mais diferentes aspectos. O nosso
problema é o da liberdade e da ética em Jean Paul Sartre. que este apresenta um modelo de
liberdade total numa perspectiva individual, o homem está condenado a ser livre. O que
pretendemos desenvolver nessa dissertação pod e s er dividido em três m omentos dist intos,
porém, interligados: 1
a
. - A liberd ade; 2
a
. O outr o e 3
a
. - A ética. A pa rtir do tema proposto
queremos analisar estes aspectos na obra s artreana, mais especificamente, em duas obras de
Sartre, são elas: “O ser e o nada” e “O existencialismo é um humanismo”.
No primeiro momento que denominamos A liberdade, queremos apresentar o homem
como sujeito constitut ivamente livre e par a tal se faz de suma importância abordar a questão
9
da ex istência que, segundo Sartre, precede a essê ncia como condição da liberdade, pois já que
não existe nada ant es da existência é a p artir dela que surgirá a essência, conforme a visão
existencialista:
O existencialismo ateu, q ue eu rep resento, é mais coerente. Afirma que, se Deus não
existe, pelo menos um ser no qual a existência precede a essê ncia, um ser existe
antes de ser definido por qualquer conceito: este ser é o ho mem, ou, como diz
Heidegger, a re alidade hu mana. O que si gnifica, aqui, d izer que a e xistência p recede
a essência? Significa que, em primeira instância, o homem existe, encontra a si
mesmo, surge no mundo e só p osteriormente se define (E H, 1 987, p 5-6) .
É a partir da reflexão da existência que precede a essência, como condição da
liberdade que, p ara Sartre, o homem percebe-se condenado a se fazer e isso se deve ao fato de
não ter um a essência p ré-definida, pois seri a absur do pensar num homem q ue ora faz escolhas
livremente, ora não. As c ircunstâncias n ão s ervem de desculpas, elas se tornam adversas a
partir da liberdade que somos. Nesta parte do tr abalho pretendemos tamb ém refletir sobre os
limites que podem por em cheque a idéia de um homem absolutamente livre.
Em seguida vamos refletir sobre o Outro, pois este homem condenado à liberdade vive
em comunidade e, portanto, é diante do outro que surgem os maiores problemas, tanto para a
nossa liberdade, que pode ser duramente questionada, quanto para a conduta ética, pois em
última instância, se temos que agir de maneira ética, isso se deve a exisncia dos outros, e
temos consciência destes problemas e eles tornam-se relevantes justamente a partir da exisncia
concreta do outro. “O outro é indispensável à minha existência tanto quanto, aliás, ao
conhecimento que tenho de mim mesmo” (EH, 1987, p 16). Poderíamos dizer que o outro é um
mal necessário, por isso a relação que estabelecemos com o outro nem sempre é tranqüila,
conforme destaca Sartre: “Tudo o que vale para mim vale para o outro. Enquanto tento livrar-
me do domínio do outro, o outro tenta livrar-se do meu; enquanto procuro subjugar o outro, o
outro procura me subjugar” (SN, 1997, p. 454). Vemos, portanto, que o outro tem um papel
fundamental na obra sartreana, porém, as relações que se estabelecem no campo da convivência
social o muitas vezes tensas e conflitantes, pois o outro é uma ameaça constante para s.
“Todo olhar, ou seja, toda relação com os outros é, portanto, alienante e mortífera. Toda
realidade humana está em permanente perigo no mundo” (JOLIVET, 1968, p. 33).
Por fim, vamos procurar identificar os pressupost os éticos em Sartre. Dest a forma, por
ser livre o homem é responsável, assim pen sar numa liberdade inc onseqüente é uma
contradição em Sartre. P ortanto, a liberdade para nosso autor é compreendida como condição
10
da responsabilidade, poi s o homem ao escolher-se escolhe toda a hum anidade, conforme
destaca o autor ex istencialista: “Ao afirmarmos que o homem s e escolhe a si mesmo,
queremos dizer que cada um de nós s e escolhe, mas quer emos dizer também que, escolhendo-
se ele escolhe todos os hom ens.” (EH, 1987, p. 6). Desta forma, a escolha responsável se
torna o imperativo ético, pois a noss a ação deve ser de tal modo que possa ser exemplo para
todos. Assim, o homem pode ser responsabiliz ado por uma conduta se agir livremente.
Claro que para Sartre o homem sempre age de maneira li vre, mesmo quando obrigado a fazer
algo, ele em última instância pode de cidir se fará ou não, juntamente com a idéia de liberdade,
vem intimamente ligada a idéia da escolha responsável. Portanto, devemos sempre pe rguntar-
nos sobre as conseqüências de nossas ações e se elas serão boas para nós e também para os
outros, como é ressaltado por Sartre: “Porém, na verdade, devemos semp re per guntar-nos: o
que aconteceria se todo mundo fizesse como nós? (EH, 1987, p. 7) Dessa form a, a li berdade
sartreana é muito conseqüente e a ética é uma ética do sujeito que escolhe a cada momento
como vai agir, qu e não existe nenhum caminho ou determinação prévia, que Deus não
existe e, conseqüentemente, não um código moral que indique como devemos viver e agir;
a cada momento devemos escolher qual será nossa conduta. Aqui se faz m ister chamar
atenção para outro aspecto importante na ob ra sartreana: se Deus não existe, tudo seria
permitido? Porém, segundo o autor, a id éia da não ex istência de D eus não nos libera p ara
fazer tudo, somente coloca em nossas mãos a responsabilidade por todos os nossos atos;
temos que existir sem desculpas. E o fato da não existência de Deus só fortalece a idéia de que
o homem está cond enado a ser l ivre. “Assim, não teremos nem atrás d e nós, nem na nossa
frente, no reino lumi noso dos valores, nenhuma just ificativa e nenhuma desculpa. Estamos
sós, sem desculpas. É o que posso expressar dizendo que o homem está condenado a ser
livre.” (EH, 1987, p. 9).
A partir desta articulação entre li berdade e ética, queremos refletir sobre nós mesmos,
sobre o outro e sobre a própria humanidade, que atualmente passa por uma grande crise, que
vai desde os valores até chegar ao co ração humano, pois se questiona que sentido terá essa
vida, essa ex istência assi m como ela se apresenta. Parece-nos que o homem moderno
descobriu-se l iberto do jugo divino e conseqüentemente achou-se abandonado à sua própria
sorte. Ser á que o homem não estava preparado para assumir a responsabilidade pela liberdade
que tem? Será que não estava pr eparado para vi ver sem desculpas e sem segurança? Pode
parecer contraditório, mas o ser humano lutou para ser livre e quando conquista a almejada
liberdade não sabe o que fazer com ela e, muitas vezes, che ga a ponto de negá-la. Será que
isso se deve ao fato de ter medo de desacomodar-se?
11
Portanto, o que pretendemos fazer é uma análise filosófico exi stencial da ação
humana, a pa rtir de S artre, buscando considerar a constituição do hom em enquanto liberdade
absoluta e respons ável, r efletindo sobr e as relações que esse sujeito cria e estabelece ao longo
da vida, sejam elas a nível pessoal - o homem que escolhe ser-, sejam comunitárias - a
sociedade que escolhe para viver. Pois como diz n osso autor, ao escolher-se o homem escolhe
a humanidade toda, e julga todos os homens a partir do homem que escolheu ser.
12
2 LIBERDADE
A liberdade ocupa lugar central na filosofia de J ean-Paul Sartre e nos dias atuais é um
tema que merece destaque, pois é justamente por vivermos em uma sociedade livr e que
percebemos a importânci a de refletirmos sobre a liberdade, pois mais do que nunca se faz
mister termos consciência da liberdade que temos e somos para agirmos adequadamente
nestes tempos de grandes descobertas, de manipu lação genética, onde chegamos ao ponto d e
podermos clona r vidas, e tudo isso graças à liberdade que temos. Portanto, é a partir destas
constatações que queremos refletir sobre o hom em livre, vivendo em um a sociedade livre, a
luz da teoria sartreana.
Este capítulo estará d ividido da seguinte forma: em um primeiro momento
procuraremos entender o conceito de liberdade, fazendo uma retrospectiva histórica; em
segundo momento vamos procurar identificar as condições para a existência da li berdade,
procuraremos refletir sobre a questão que caracteriza a filosofia ex istencialista sartreana que é
a “questão da existência que pr ecede a essência ”, como condição p rimeira à l iberdade; no
terceiro it em deste c apítulo vamos apresentar o homem como sujeito absolutamente livre; por
fim, pretendemos refletir sobre os possíveis limites da liberdade humana.
2.1 O CONCEITO DE LIBERDADE AO LONGO DA HISTÓRIA
Quando falamos de li berdade, lo go formulamos o nosso próprio con ceito, no entanto,
assim como nós, ao l ongo da história houve ho mens que dedicaram tempo para formular e
fundamentar este conceito. A história vai evoluindo, ou melhor, a história é construída a cada
dia. Assim é um termo, um conceito. A palavra vai sendo definida, e assim constrói a sua
própria história. P ara começar nosso trabalho queremos refletir s obre a h istória da liberdade
enquanto conceito, palavra que quer expressar uma realidade. Buscaremos descobrir onde
surgiu e o que si gnificava na época para, a p artir daí, acompanhar a evolu ção do conceito até
nossos dias, mais precisamente até o filósofo Jean-Paul Sartre.
Os primeiros qu e siste matizaram o con ceito de liberdade foram os gregos. Na sua
gênese a liberdade era usada p ara designar a diferença que existia entre os homens livres e os
escravos. Os gregos usa ram o t ermo eleuteros, livre, para desi gnar o homem não escravizado.
13
para os latinos o termo liberdade, que deriva do adjetivo líber (liberto) inicialmente
significava que um indivíduo estava pronto pa ra ser incorporado na vi da da comunidade,
pois a liberdade para os latinos, aplicava-se “[...] ao ´homem em que o espírito da procriação
encontrava-se naturalme nte ativo`. Essa interpretação ex plicaria porque, para o j ovem,
identificava-se a plena incorporação à comunidad e como cidadão li vre com o recebimento da
toga viril, ou toga libera.” (MORA, 2001, p. 407).
Podemos perceber, assi m, que tanto para os gregos qu anto para os latinos a li berdade
se apresenta como um estado de ser. Para os gregos, o homem l ivre é diferente do escravo,
enquanto que para os latinos ele assume uma responsabilidade perante a comunidade e
também consigo m esmo. Percebemos, a partir desses dois povos, uma diferenciação na
significação do conceito pois, para uns, serve apenas para diferenciar uma classe da outra
enquanto que para outros ser livre si gnifica fazer parte da comunidade, ou seja, tornar-se l ivre
á assumir a responsabilidade pela própria vida e pela vida da comunidade.
Continuando nossa reflexão sobre as diferentes concepções e os diferentes significados
que o termo liberdade adquiriu ao longo da história, vamos recorrer à literatura filosófica que
nos apresenta em um primeiro momento três concepções básicas pa ra entender a liberdade e a
sua relação com a historicidade do homem.
Podemos chamar a primeira noção de “natural”, que no caso poderia ser entendida
como a possibilidade de furtar-se (pelo men os parcialmente) a um a ordem cósmica
predeterminada e invariá vel, a qual se apresenta como uma coação ou, mel hor dizendo, como
uma forçosidade. Esta ordem cósmi ca pode ser entendida de duas maneiras: MODUS
OPERANDI, do destino, e modo da natureza. No prim eiro caso, os sujeitos escolhidos pelo
destino não são livres para realizá-lo, no entanto são livres num sentido superior porque são
escolhidos pelo d estino, pois os que não o são é como se não existissem. No segundo m odo, o
da natureza, onde um fat o está sempre em relação com outro, o hom em não pode fugir desta
relação pois faz parte d a natureza, mas é através da capacidade racional do homem que a
imbricação dos fatos naturais pode ser superada pois, tendo consciência desta relação de tudo
com tudo, do determinismo existente na ordem natural, pode tomar dist ância e sentir-se livre,
pois sabe que é determinado em alguns aspectos, mas, justamente por ser determinado e ter
consciência disso, surge como existente concreto. Desta forma, “[...] é po ssível que tudo no
cosmo esteja d eterminado, inclusive as vidas dos homens. Mas, na m edida em que essas vi das
são racionais e têm consciência de que tudo está determinado, elas gozam de li berdade”
(MORA, 2001, p. 408).
14
A segunda noção básica de li berdade é a “social ou “política”. A partir deste modo, a
liberdade é compreendida como independência e autonomia, ou seja, uma comunidade que
possa organizar-se a se u modo, ser autônoma e independente, que possa estabelecer os
critérios comuns de convivência na comunidade, sem coação externa. Esta noção de li berdade
supõe que os indivíduos que fazem parte d a mes ma conheçam as leis e as respeitem. Assim, a
liberdade social exige q ue todos os cidadãos se submetam às l eis para que a convivência
social seja possível e todos tenham seu espaço garantido por lei, e esta deve ser expressão dos
interesses comuns. No ent anto, esse s ubmeter-se às leis sociais tem sentido quando feito
por vontade própria, pois as leis que ex istem na sociedade existem por causa da liberdade
dos homens. Caso não fossemos livres, as leis não precisariam existir. Por isso, podemos dizer
que elas não coíbem a liberdade, já que são fruto da mesma.
A terceira noção de l iberdade é a pessoal, que tam bém é concebida como autonomia
ou independência porém, neste caso, autonomia da comunidade das pr essões que a so ciedade
impõe ao indivíduo. Enfim, esse modo pessoal de liberdade trás consigo a idéia de que ser
livre é poder dispor de si, pois “reivindica para si uma clara autonomia: sente-se dona e
responsável p elos próprios atos e tem a pe rcepção do ser independente das pressões que vêm
do exterior e do interior” (MONDIN, 1980, p. 108).
Partindo destes três mod os de perceber, ou m elhor, de conceber a liberdad e, podemos
nos deter mais precisamente na contribuição dos filósofos. Iniciemos, pois, com Aristóteles, o
qual aprofunda e ajuda a compreender os modos de liberdade. Encontramos neste pensador,
entre outras, a ord em natural e a ordem moral. A principal razão desta coordenação encontr a-
se na importância que adquire a noção d e fim ou finalidade. Em Aristóteles todas as coisas
tendem a um fim, ao pas so que este fim pod e se reduzir a uma palavra: “FE LICIDADE”. No
entanto, com o homem o processo é um pouco diferente, po r ser este d otado de vontade e
capaz de realizar ações voluntárias e involuntári as. Assim, a ação volunt ária é uma soma da
liberdade da vontade, com a escolha do livre arbítrio. Em Aristóteles a l iberdade está
associada à ão moral, que sempre tend e ao be m, que é conhecido e querido pelo homem e
se expressa na ação voluntária.
Continuando nosso percurso histórico com o termo liberdade, chegamos aos pensadores
cristãos, onde “O problema da liberdade adquiriu uma nova dimensão e atraiu enorme interesse
no pensamento cristão, para o qual o destino não existe mais, tendo cedido seu lugar a um Deus,
Pai providente e amoroso; a natureza e a história o estão mais acima do homem, mas são
colocadas ao seu serviço” (MONDIN, 1980, p. 110). Essa nova visão possibilitou o surgimento
de uma querela entre a liberdade humana e a predestina
15
filósofos cristãos era com o livre arbítrio, pois os homens dotados de liberdade poderiam agir
bem ou mal e isto os preocupava. Quem resolveu esse impasse e vários outros relacionados a
este problema foi S. Agostinho que fez a distinção entre livre-arbítrio, como possibilidade de
eleição, e a liberdade propriamente dita (libertas), como realização do bem com vistas à
beatitude. Assim o livre arbítrio está intimamente ligado com a vontade e, desta forma, segundo
o pensamento da época, sem auxílio de Deus a vontade tenderia para o mal. Mas o debate sobre
como conciliar a liberdade humana com a presciência divina ainda contínua S. Agostinho, no
entanto, apresenta uma possível solução:
Segundo Sa nto Agostinho são conciliáveis [.. .]. O homem po ssui u ma vontade q ue
atua nesta ou naq uela direção, é uma experiência pes soal indiscutível. P or o utro lado,
Deus sabe que o homem fará voluntariamen te isto o u aquil o, o que não exclui que o
homem faça voluntaria mente isto ou aquilo . O que não explica, segundo Santo
Agostinho, aquilo a que se pode chamar ´mistério da lib erdade`, mas, pelo menos,
esclarece que a presença de Deus não equivale a uma deter minação dos atos
voluntários de tal so rte que os co nverta em involuntários (M ORA, 20 01, p. 411) .
Os filósofos escolásticos também t rataram com abundância das questões relativas ao
livre arbítrio, à li berdade e à vontade. Santo Tomás de Aquino diz que o homem precisa de
Deus para escolher o bom caminho, que é conhecido pelo intelecto, no e ntanto, se o homem
escolhe por si mesmo sem nenhuma ajuda de De us, escolherá certamente m al. Desse modo,
afirma-se que ex iste completa liberdade de escolh a, que tal liberdade é, como indica Santo
Tomás, a causa de seu próprio movimento, posto que por seu livre-arbítrio, o homem
empenha-se em atuar.
Outro filósofo im portante deste p eríodo que se ocupou com esta questão foi Duns
Escoto, que apresenta u ma refl exão um pouco di ferente da dos seus contemporâneos. Para ele
haveria vários tipos de liberdade: um a liberdade que é si mplesmente querer ou recusar; outra,
que é de quer er ou re cusar algo; ainda outra, finalmente, baseada nas du as anteriores, e mais
completa, que é a de querer ou recusar os efeitos possíveis daquilo que escolhe. Podemos ver
em Duns Escoto que o sujeito é li vre e faz escolhas por si mesmo, no entanto, deve
responsabilizar-se pelas conseqüências de suas escolhas.
Durante os séculos XVI e XVII a questão teológica esteve presente na reflexão
filosófica, principalment e nas questões referente s a como Deus influenciaria a vontade dos
homens, mas a partir desse período o olhar dos pensadores se voltou para a re alidade do
homem enquanto homem , por isso, passam a a nalisá-lo, tendo o huma no como centro das
reflexões.
16
No período moderno, a perspectiva teoc êntrica cede lu gar à antropo cêntrica: o
homem toma co nsciência da sua autono mia e, por is so, a liberd ade não constitu i
mais um problema para as rela ções co m De us, mas somente para as relações com as
outras faculdades (sob retudo com as paixõe s) e com os outros indivíduos, co m a
sociedade, o Estado (MONDI N, 1980, p . 110).
Também é nesse contex to filosófico que surgiram as questões que impulsionaram os
debates entre “necessitários”, ou seja, os que defendiam a realidade e a uni versalidade da
necessidade, e os “libertários”, aqueles que d efendiam a realidade da l iberdade. Dentro destas
linhas de pensamento po demos citar alguns filós ofos modernos como Spinoz a, que pode ser
considerado um dos m ais obstinados deterministas; Leibniz, que procurou conciliar o
determinismo com a liberdade, entre outros.
Seguindo nosso percurso hist órico chegamos a um marco da filosofia: Kant. Ele
buscou uma conciliação entre o determinismo e libertarismo procurando compreender como
eram possí veis tanto a li berdade qu anto a necessidade. Kant afirma que, d o lado determinista
a liberdade é impossível pois, segundo el e, no domínio dos fenômenos, que é o reino d a
natureza, um completo determinismo. É totalmente impossível s alvar dentro dele a
liberdade. Porém, Kant salva a li berdade pelo cam inho da moralidade e da metafísica, deste
modo:
A liberd ade, em s uma, não é, nem pode ser, uma ´questão f ísica`; é e unica mente
uma questão M oral.[... ]. A liberd ade é, c om efeito, um p ostulado da moralidade. [.. .].
Significa unicamente que o homem não é livre porque pode afastar-se d o nexo
causal; e le é livre (ou, eventual mente, faz- se livre) porque não é inteira mente uma
realidade natural. [...] . E m seu caráter e mpírico o indivíduo deve s ubmeter-se às leis
da Natureza . E m seu caráter inteli gível, o mesmo indivíd uo p ode considerar-se livre.
(MORA, 200 1, p. 413-414 ).
Com Kant a liberdade fica justificada e a t ensão entre necessidade e liberdade
conciliada. Por esta r azão, quase todos os idealistas alemães, pós-kantiano s, seguem a i déia de
que a liberdade não é nenhuma realidade: ela é com preendida como um ato que se coloca a si
mesmo como livre, ou seja, é o indivíduo racional e, por ser racional, se considera livre.
Vejamos agora a contribuição de Hegel para a construção do con ceito de liberdade.
Ele com seu m étodo dialético identifica a liberdade como determinação racional do próprio
ser, assim para Hegel: “Liberdade é, em última inst ância, ser si mesm o. Esta noção da
liberdade, embor a com f undamento metafísico, não é, para Hegel, uma abst ração: é a própria
realidade enquanto realidade universal e concreta” (MORA, 2001, p. 415).
17
Seguindo nosso giro histórico, chegamos ao século XIX, onde a questão da liberdade
também mereceu destaque, porém, com um enfoque diferente, que as perguntas surgidas
neste período questionam se o homem era realmente l ivre, tanto em relação aos fenômenos da
natureza quanto à sociedade à qual pertencia.
No período co ntemporâneo, o fenômeno da socializa ção e das suas conseq üências
leva a considera r a liberd ade sobretudo do ponto de vista social. [. ..]. Hoje, a
liberdade não é mais co mprometida por forças extra mun danas ou infra-humanas,
mas po r for ças so ciais, criadas pelo pró prio homem, e que a gora vira m-se contra e le.
O prob lema é encontrar a for ma d e conciliar o progresso com a liberd ade
(MONDIN, 1 980, p. 111).
Para refletir sobre tais proposições surgiram duas grandes doutrinas ou dois grandes
grupos. Uns negavam a possibili dade da liberdade, outros a afirmavam. Estes grupos, ou
melhor, estas doutrinas ficaram conhecidas como o mecanicismo e o materialismo, que se
inclinaram mais para o lado do determinismo e do necessitarismo universais. No entanto, o
outro grupo, formado pel os espiritualist as, defendia a possibilidade da li berdade. Porém, estes
grupos - ou doutrinas - não foram às únicas, pois s urgiram várias outras teorias intermediárias
que falavam da liberdade de diferentes modos.
Com e feito, “liberd ade” pod ia ente nder-se, entre outr as maneir as, como um co nceito
metafísico cap az de re ferir-se a todo o r eal; co mo um conce ito b asicamente
psicológico que se referia ao indivíduo h umano; como um conceito sociológico que
se referia à relaçã o entre o homem e a socie dade; co mo um conceito r eligioso, moral,
etc. Mate rialistas e “espiritualistas” foram prop ensos a entender a liberdade
metafisicamente, e seus argumento s foram primordialmente “metafísicos” ou, pe lo
menos, “especulati vos” (MOR A, 2001, p . 415).
Assim como as corrent es mencionadas, as quais se ocuparam com as questões
concernentes à liberdade, houve também, neste p eríodo, pensadores que buscaram expli car a
liberdade pelo caminho empírico religioso, analítico e social histórico. Pela via empírica
destacamos J ohn St uart Mill, que procurou tr atar a liberdade como um a questão de fato e não
de direito. No campo analítico os autores procuraram examinar o que significava dizer que um
homem age ou pode agir livremente. No c ampo religioso destacamos Kierkegaard e R osmini.
E os autores que procuraram compreender a liberd ade pela via social histórica afirmam que há
um determinismo social e natural, mas que o homem pode alcançar a liberdade um dia.
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Chegamos agora à con cepção existencialista de liberdade. Aqui o fo co central da
reflexão é o sujeito que se faz livre, ou dito de outro modo, o home m faz-se ent ão na
liberdade, no movimento constante de seu atuar no m undo. Um autor que merece destaque
neste pe ríodo é Heidegger. Ele p rimeiramente reflete sobre o Dasein, ou seja, o ser no m undo
e mais t arde refletirá sobre a liberdade propria mente di ta. Sua idéia principal em relação à
liberdade é a seguinte: “A liberdade continua, aqui, unida à transcendência; não é liberdade
´de`ou ´para`qualquer coisa, mas uma liberdade mais ´fundamental` - ou mais
´fundamentante` - e não menos radical por operar na finitude” (MORA, 2001, p. 418).
Finalmente, chegamos ao autor que vai orienta r todo o nosso trabalho, J ean Paul Sartre
que, seguindo a linha do existencialismo, procurou através de uma análise fenomenológica e
ontológica responder as interrogações e i nstigações que a liberdade p rovoca nos seres
humanos. Em O ser e o nada, Sartre vai refletir sobre a liberdade humana.
A lib erdade huma na precede a e ssência do ho mem e torna-a p ossível: a essência do
ser huma no acha-se e m suspenso na liberdade. Logo, aquilo que chamamos
liberdade não pode se diferençar d o ser da “realidade humana”. O home m não é
primeiro para ser livre de pois: não diferença entre o ser do homem e seu “ser-
livre”. (SN, 19 97, p. 68).
Com Sartre se inaugura uma nova visão de liberdade humana, pois para ele o homem é
liberdade e está cond enado à liberdade. Nesse au tor não existe mais uma l iberdade interna e
uma liberdade externa, mas uma única liberdade e com a qual o homem constrói-se.
A liberd ade não é nem interior nem exterior; em face desses seres, é “nada”. A
liberdade é, uma vez mais, a própria liberd ade humana na medida em que faz
livremente a si mesma. Existir humana mente é e scolher, e o que se escolhe é a
“escolha or iginal” (e originária), para a qual não razões e que, do po nto de vista
racional, par ece então “injustif icada” e “absurda” ( MORA, 20 01, p. 419) .
Nesta reflexão inicial tivemos oportunidade d e perceber que uma p alavra, um
conceito, a partir de sua criação, vai adquirindo e i ncorporando significados e, assim, constitui
a sua própria história. Tivemos a oportunidade, com este nos so rápido giro histórico, de
perceber a a gregação de si gnificados pela qua l passou a liberdade: d e uma concepção
puramente diferenciador a e externa - com os gregos - para significar a i ntegração e
maturidade do indivíduo - com os latinos -, abord ando o problema reli gioso e da graça divina
- com os pensadores cristãos - e, ainda, voltada para o homem e su as r elações, a partir do
19
período moderno. Enfim, podemos perceber que a liberdade está sempre p resente nas
reflexões dos pensadores de dif erentes épocas e é por esta razão que queremos estudá-la a
partir da ótica existencialista, segundo a teoria sartreana.
2.2 A EXISTÊNCIA PRECEDE A ESSÊNCIA
A partir das considerações precedentes, queremos agora, a partir d a teoria sartreana,
identificar as condições para a existência de um homem absolutamente livre. Assim ,
começaremos por analis ar um ponto chave desta teoria, qu e é a questão da exi stência que
precede a essên cia que, d e certa fo rma, contraria a t radição filosófica de até então. Mas afinal,
o que Sartre estava querendo propor quando faz tal afirmação?
De início podemos dizer que esta frase resume toda a t eoria exist encialista sartr eana,
pois, para o autor, o homem surge no mundo completamente indefinido, mas alguém poderia
argumentar dizendo que uma ess ência, pois o homem faz parte da espécie homo sapiens.
Mas perguntamos: isso determina o i ndivíduo X que acaba de n ascer? Essa tal essência qu e
poderia ser alegada por muitos, informa, ou melhor, traz assim como no DNA, todas as
informações relativas à vida de X? Deste modo vemos a di ficuldade em afirmar que a
essência precede a ex istência, mas vemos uma coerência muito maior na a firmação contrária,
onde a existência precede a essência.
Mas, alguém ainda poderia nos questionar sobre o que é, então, a esp écie com suas
características e afirmamos que ela é apenas uma contingência. Sim, uma contingência sobre a
qual nada podemos fazer. Não escolha antes d e sermos esta contingência, assim como as
características físicas não podemos escolher, também a espécie não é objet o de escolha, já que
não ex istimos antes do nosso nascimento. As escolhas são possíveis a partir do nosso
surgimento no mundo.
Vemos, portanto, que a pretensão de Sartre ao usar a lapidar frase “A existência
precede a essência” é afirmar a plena liberdade h umana, que não encontra li mites a não ser os
limites colocados por ela mesma. Assim, o homem surge no mundo e está condenado a ser
livre e, s endo livre, é absolutamente responsável pelas escolhas que fiz er - pelo homem que
escolher ser - não um destino a determinar como este homem será. Existindo, terá que
existir sem desculpas, sem subterfúgios, sem apoio.
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Desta maneira, o autor do existencialismo põe um grande “peso nas cost as” do ser que
faz escolhas, mas ao mesmo tempo tira d e suas costas um grande fa rdo, o de ser o que não
escolheu s er. Se gundo nosso autor, enquanto houver vida não se pode afirmar alguma
essência, pois é inerente à existência mudar; não muda quem morreu. Desta forma, afirmar
que a existência precede a essência é salvaguardar a liberdade humana.
Mas, por ser livre, o Para-Si, ao surgir, ap enas existe, d escob re-se no mundo, vazio ,
uma total indeterminação de si mesmo. No começo, o é nada - apenas uma
“possibilidade de ser”. A par tir dessa pura e xistência, o homem se faz a si mesmo e
cria a sua essência. Isso explica o princípio sartreano de que “a ex istência precede a
essência” (P ERDIGÃO, 199 5, p. 90).
Como vemos, o homem é constitutivamente livre, surge no m undo como liberdade e,
sendo essa libe rdade, ele vai criar, ou m elhor, escolher o homem que deseja ser e construir o
mundo em que desejar viver, pois conforme di z nosso autor: “Ao afirmarmos que o homem se
escolhe a si mesmo, qu eremos diz er qu e cada um de nós se escolhe, m as queremos dizer
também que, escolhendo-se, ele escolhe todos os homens” (EH, 1987, p. 6).
Afirmar que a existência precede a essência não significa uma escolha q ue não seja
responsável, pois requer uma escolha que além do âmbito individual e que de certa forma
atinge também a esfera social, pois como falamos acima, o homem esc olhe o homem que
deseja ser e conseqüente mente o mundo que deseja viver e isso se de maneira ativa e não
passiva, pois o homem, ao fazer escolhas, inter fere no mundo e também influencia outras
liberdades. Desta relação poderá surgir um diálogo e m uitas vezes um conflito, que nossa
escolha é sempre uma escolha do universal, ou seja, é um particular que escolhe o universal e
quer s e impor como tal. Lembramos o imperativo categórico de Kant: “a ge de tal modo que
tua ação possa ser universalizada, que possa servir de princípio e modelo para todos os
homens”, ao passo que Sartre destaca o seguinte, “Porém, na verdade, devemos sempre
perguntar-nos: o que aconteceria se todo o mundo fizesse como nós?” (EH, 1987, p. 7).
Mas, retomando a idéia inicial, se faz mister dizer que ao afirmarmos que a ex istência
precede a essência estamos refutando qualquer tipo de determinismo em relação à condut a
humana e estamos afirmando que o ser humano é absolutamente livre. “Com efeito, se a
existência precede a essência, nada poderá jamais ser explicado por referên cia a uma natureza
humana dad a e definitiva; ou seja, não existe determinismo, o homem é livre, o homem é
liberdade” (EH, 1987, p. 9).
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Assim, estão lançados o s alicerces do existencialismo sartreano. O homem precisa
existir sem desculpas e se, por acaso as encontrar, terá que saber que estas são fruto de sua
própria escolha, portanto, estará agindo de má-fé. Porém, a existência humana é caracterizada
pelo Para-si, que é uma busca constante do próprio ser Em-si, no enta nto uma busca vã,
porque o Para-si nunca coincidirá com o Em-si, por isso que f alamos d e má-fé, que ela
pretende que a exist ência do Para-si seja convertida a modalidade do Em-si. “Podemos jul gar
um homem diz endo que ele tem fé. Tendo definido a situação do homem com uma
escolha livre, sem desculpas e sem aux ílio, consideramos qu e todo o homem que se refu gia
por trás da desculpa de suas paix ões, todo homem que inventa um determinismo, é um
homem de má fé” (EH, 1987, p. 19).
Des ta m an eir a, ao no s pe rgun ta rmo s s obr e o s ent id o da vi da, sobr e o po rq d a
nos sa ex ist ên cia , não temo s c om o respo nde r, pois e le se n os de manei ra gratu it a, no
ent an to a bu sca p or al gum s en tid o é n atu ral n o hom em. P ara no sso a ut or n ão ex is te sen tid o,
so me nt e a ex is nci a. “Ma s a nov el a A usea p erm i te uma r es post a mai s ime di ata à
nos sa p ergu nt a, p or is so q ue to do o liv ro o bede ce a u ma i nt ui ção b á si ca que afi rm a a
ex ist ên cia h um ana c omo gr at ui ta, com o u m a bs urd o de spr ov ido d e qu al que r se nt id o”
(BOR NH EIM, 2 00 5, p. 20 ).
Ass im , da ass ert iv a exis tên ci a prece de a ess ênc ia ; surge a grat ui dad e da vid a, a
lev ez a, q ue c on fere aos vi ven te s a lib erd ade d a esco lh a e do faz er e i ss o acon te ce sem
sen ti rem -s e p res si ona dos por al gum p od er o u fo rça es tra nh a. Quem e lege o s li mit es e as
adv ers id ade s é o p róp rio ho mem .
Qua nd o fal am os que a e xis nci a p rece de a ess ênci a ta mbé m te mo s que l em bra r qu e
Sar tr e é um aut or pós -met af is ico , e ta lv ez s ur ja daí e ss a f orm ul açã o, poi s s e a cert o t em po
era no rm al o ho me m pen sar q ue h avi a um d est in o tra çado , qu e hav iam val ore s val id ados
por u m ser meta fís ic o, q ue t ud o v ia e q ue tudo s ab ia. Agor a nest a nova tra di ção , e ss e
tra nq üi lo mu ndo de le is e v alo res eter no s é con si de rado ult rap as sado . De st e mod o, o
hom em , ao perceb er ass im com o Nietz sc he q ue D eus es mort o, per ce be tamb ém qu e os
gran des id eai s e que as pre te nsõ es p or um a bs ol uto t am bém vi era m po r t erra . Ne ss e sen ti do ,
não d eix a de en fai x ar o ho mem n o pró pr io ho mem e de co lo cá-l o di an te d a r esp on sab il id ade
in tei ram en te aut ôn oma” (S AY ÃO, 2 00 6, p . 78 ).
Po rta nt o, co m a m or te de D eus , o sen ho r qu e det i nha a hi st ória e os d es tin os e m s uas
mão s, os home ns assu mem est es des tin os e o faz em exi sti ndo . Po rt anto , a s cat ego ri as d o
sen ti do , do bem, do jus to , são a ssu mid as pe lo p prio home m que no uso de s ua
raci on al id ade va i a fir -la s o u negá- la s. Dest a m an eir a, nada m ai s é de fin it iv o; tud o é
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tra ns it óri o. P or isso a exi st ên cia pre ced e a ess ê nci a; e a ess ênc ia, va i se r con he cid a no
fin al da hi st ória narr ada pel o hi st oria do r. M uit as vez es n em o pr óp rio su jei t o con hece sua
ess ên cia , sa be a pen as d e sua ex is tên ci a. C onf orm e nos di z Han nah Aren dt , f ala ndo de st e
pro ces so hu ma no d e c ons tru ir a h ist óri a atra vés da açã o e do d iscu rs o e de qu e n ão sab emos
qua is as co ns eqü ên cia s de no ss as açõe s, perc ebe mo s um a li geir a apr o xi maç ão c om e st a
teo ri a s art re ana.
A hi stória real, em que nos engaja mos d urante toda a vida , não tem criador visíve l
nem invi sível po rque não é criada. O único alguém que ela re vela é o seu herói, e ela
é o ú nico meio pelo qual a manifestação originalmente intangível de um quem
singularmente difere nte to rna-se ex post facto atra vés da ação e do discurso.
podemos saber quem um home m foi se con hecermos a história d a qual ele é o herói -
em outras palavras, sua biografia; [... ] (ARENDT , 2005, p. 129).
Desta forma, vemos que é no fato de agir e fazer escolhas, que o homem vai
escrevendo a sua história singular, bem como, vai de cert a forma, escrevendo a história da
própria humanidade.
No entanto, precisamos refletir sobre o que mo biliza este ser a ação. Para o nosso
autor a realidade está divida em Ser-Em-si - que seriam as coisas, os objetos do mundo - e o
Ser-Para-si - que é o próprio homem. Assim sendo, para compreendermos o que l eva este
homem à ação, a fazer escolhas e se r ca racterizado como liberdade, é pr eciso sabe r que ele
não ex iste ao modo do Em -si, m as do Para-si. Dessa forma, toda ação hum ana, toda escolha é
a representação do desejo que tem o Para-si d e tornar-se Em-Si, ou seja, de não ser corroído
pelo tempo, pela mudança e pela falta.
Para S artre, o homem é tanto um ser-Em-si quanto um ser-Para-si. Pensando no título
da obra sartreana O ser e o nada, percebemos que ele justamente quer ex pressar esta realidade
do ser humano, que ao mesmo tempo é o Em-si corroído pelo nada, e, p ortanto, nadificado
pelo Para-si. Assim, vive mos nesta constante di alética entre o Ser e o Nada, “Daí que qu ando
nos perguntamos pelo ser do homem n ão possamos alcançar outra coisa q ue essa síntese de
ser e nada qu e escapa constantemente a qualquer juí zo configurador e definidor” (MATEO,
1975, p. 17). Também cabe outra análise no sentido de que o Ser quer representar a história
construída, quer representar o movimento de saída do anonimato, para o ser.
Voltemos nossa reflexão para o Ser-Em-si e para o Ser-Para-si para compreender
porque Sartre fez esta distinção. Devemos esclarecer que não se trata de uma espécie de
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dualidade, mas de uma unidade. No entanto, há algumas dist inções importantes a serem feitas.
Vejamos o que diz Sartre:
O ser-Em-si não possui um dentro que se oponha a um fora e seja análogo a um juízo,
uma lei, uma consciência de si. O Em-si não tem segredo: é maciço. Em certo sentido,
podemos designá-lo como síntese. Resulta, evidentemente, que o ser está isolado em
seu ser e não mantém relação alguma com o que o é. [...] Desconhece, pois, a
alteridade; o se coloca jamais como outro a não ser si mesmo; o pode manter
relação alguma com o outro. É indefinidamente si mesmo e se esgota em sê-lo. Deste
ponto de vista, veremos mais tarde que escapa à temporalidade (SN, 1997, p. 39).
Mais adiante, ao referir-se ao Em-si lemos: Incriado, sem r azão de ser, sem relação
alguma com outro ser, o ser-Em-si é supérfluo para toda eternidade.” (SN, 1997, p. 40).
Nesta primeira desc rição feita por S artre vemos o ser-Em-si como algo s implesmente
dado, passivo; não idéia de temporalidade, as coisas são o que são. Porém, sabemos que
nosso acesso ao mundo é mediado pela temporalidade. É pela exi stência humana que s urgem
o antes e o depois e que os fenômenos podem ser conhecidos e as mudanças testemunhadas.
Não que a realidade seja uma construção do Para-si, mas o Para-si ao surgir no mundo. Ao
temporalizar-se, torna-se testemunha dos a contecimentos, que a realidade do ser-Em-si é
fechada, e como vimos, para o ser-Em-si não o reconhecimento do outro, da alteridade.
Neste campo também não tem sentido falar em relação, que o Em-si não se relaciona com
nada nem com ninguém, é fechado, é maciço e se satisfaz em seu próprio ser. “O em si,
revelação específica da náusea, é o próprio ser, maciço, opaco, tenebroso e empastado de si
mesmo. Dele nada mais se pode dizer senão que é, porque não comporta absolutamente
nenhuma relação, nem int erna nem externa.” (JO LIVET, 1968, p. 28). Assim, a capacidade de
relacionar-se surge com o Para-si, para este existe o outro e a alterid ade. Desta d escrição,
chegamos ao ser-Para-si, que constitui a própria realidade humana. Portanto, é com o ser-
Para-si que surge a temporalidade, ou seja, sur ge o antes e o depois; é o ser-Para-si que
identifica as mudanças que ocorrem, como o que existia antes e o que existe agora.
Em certo sentido, sem d úvida, o homem é o único ser pe lo qual p ode realizar-se u ma
destruição. U ma rachadura geológica, u ma tempestade, não destroe m - ou, ao menos,
não destroem diretamente: ap enas modificam a d istribuição das massas de sere s.
Depois d a te mpestade, não menos q ue antes: outra coisa. Até essa expressão é
imprópria, porque para co locar a alterid ade, falta um teste munho cap az de reter de
alguma maneira o passado e co mpará-lo ao pr esente sob a for ma do não. Na
ausência desse testemunho, ser, antes como depois da tempestade: isso é tudo
(SN, 199 7, p. 48-49).
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Vejamos o que realmente caracteriz a esta dimensão do ser- Para-si que constitui cada
ser humano, pois como dissemos, o ser-Em-si e o ser-Para-si não simbolizam uma dualidade
do tipo Corpo-Alma, é uma característica inerente a existência humana. “O para si, ou
consciência, é próprio da realidade humana: para-si, consciência, es pírito, existência e
realidade hum ana são, pois, quase si nônimos. É a consciência que define propriamente a
existência e a realidade humana, porqu e o homem ´existe`, ou melhor, se faz existir”
(JOLIVET, 1968, p. 28).
Portanto, a distinção existente entre o Ser-Em-si e o Ser-Para-si, nos possibilitou
perceber que o Ser-Em-si é o que é, o Ser-Para -si é o poder nadificador do homem, que ao
surgir no mundo precisa ao mesmo tempo existir ao modo do Em-si e Para-si, poderíamos
dizer que o Em-si é s eu passado, e o Para-si é a possibilidade do po rvir, que sur ge desta
negação do Em-si.
Com e feito, o Para-si surge no mundo co mo nad ificação d o Em-si, e é por este
acontecimento ab soluto q ue se co nstitui o Passado enq uanto tal, co mo rela ção
originária e nadificado ra entre Para-si e Em-si. [...] . O nascimento, como relação de
ser ek-stática co m o E m-si que ele não é, e como constituiç ão a priori da pr eteridade,
é uma lei de ser do Para-si. Ser P ara-si é ser nascido ( SN, 1997, p . 195).
Desta forma podemos dizer que ao sur gir no mundo como Para-si, o homem faz surgir
também todas as coisas - sai do anonimato para ex istência, este é o poder do Para-si que
fundamenta o si.
Se o ser-Em-si não po de ser o seu próprio fundamento nem o dos outros seres, o
fundamento e m geral ve m ao mundo p elo P ara-si. Não apenas o P ara-si, co mo E m-si
nadificado, fundamenta a si mesmo, como também surge com ele, p ela primeira vez,
o fundamento (SN, 1997, p. 131).
Assim o ser humano é constituído por um passado, por um presente e por u m futuro. O
passado é o sido, o futur o representa este ser que é o que não é. Como diz S artre, o homem é
um ser das lonjuras, pois nunca coincidir s eu ser-Para-si com o seu s er-Em-si; esta é a
busca do Para-si, que deseja a p erenidade e a se gurança do Em-si, mas que jamais a
encontrará, assim: “O Para-si é o ser que se determ ina a existir na medida em que não pode
coincidir consi go mesm o” (SN, 1997, p. 127). Vemos, portanto, no para-si esta condição
propriamente humana que existindo não quer e não pode se contentar ou se satisfazer, pois
está sempre se projetando para o mais além, para frente, para o futuro; deseja encontr ar-se
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consigo m esmo, mas este encontro é sempre retardado. “É uma obri gação para o Para-si
existir somente sob a forma de um em-outro-lugar com relação a si mesmo, ex istir como um
ser que se afeta perpetuamente de uma inconsistência de ser” (SN, 1997, p. 127).
Essa inconsistência do ser de que fala nosso autor nos remete à questão da existência
que precede a essência, pois é justamente por ser inconsistente que o ser existe primeiro, e
no último momento define sua essên cia. Assim, a inconsistência é a p rópria liberdade que faz
o homem escolher e agir sobre o mundo; é por ser inconsistente que o homem precisa
escolher-se a si mesmo, precisa exi stir sua própria hist ória; por ser inconsistente é que o
homem é contingente, e desta maneira, é atravessado pela facticidade.
Assim, o Para-si acha-se sustentado por uma perpétua cont ingência, q ue ele r etoma
por sua conta e assimila se m po der supri mi-la jamais. Esta conti ngência
perpetua mente eva nescente do E m-si que in festa o Para-si e o une ao ser-E m-si, se m
se deixar captar jamais, é o que chamaremos de facticidade do Para-si. É esta
facticidade que nos per mite dizer que ele é, que ele exist e, embora não possa mos
jamais alcançá-la e a captemos se mpre através do Para-si (SN, 19 97, p. 132).
Pelo fato de ser contingente e factual é que podemos dizer que o homem surge como
indeterminado, ou m elhor, sem d estino, sem vocação e, na medida em que vai exi stindo como
liberdade sit uada, começa a fazer escolhas, a deixar o nada, para ir torna ndo-se se r, p ara em
outras palavras, ir tornando-se seu próp rio fundamento. Ex istindo o ser-Para-si define-se por
este fato.
Esse fato incaptável de min ha condição , esta i mpalpável diferença q ue separa a
comédia realizado ra da pura e simples co média, é o que faz com que o P ara-si, ao
mesmo tempo q ue e scolhe o s entido de s ua situação e se constitui co mo fundamento
de si em situação, não escolha sua posição . É o que faz co m que eu me ap reenda ao
mesmo tempo co mo totalme nte responsável p or meu ser, na medid a que sou se u
fundamento, e, ao mesmo te mpo, como to talmente inj ustificável (SN, 1 997, p. 132-
133).
O S er supérfluo, o estar aí para nada, ao m esmo tempo, que amedronta, qu e an gustia o
homem, também o liberta, pois faz com que este homem supérfluo, através da sua ação e
portanto, de suas escolhas, t orne-se um ser necessário, fundamental. Deste modo, som os
fundamento da nossa própria história e ninguém poderá substituir-nos. Recebemos a
responsabilidade pela no ssa própria vi da e nist o baseia-se toda a gratuidade com que agimos
no mundo, pois ser responsável e a gir gratuitamente. podemos sê-lo se o formos em
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liberdade. Possi velmente surgem do fator liberda de responsabilidade, os f undamentos éticos
que de alguma maneira simbolizam idealmente este ser livre.
Poderíamos perguntar-nos: por que os fundamentos éticos sim bolizam idealmente este
ser? A resposta não é simples, mas através da categoria do P ara-si podemos ensaiar um a
resposta. O Para-si lança-se em direção do futuro, elege um projeto e põe-se a realizá-lo, mas
neste labor de realização surgem eventos imprevistos e por ser uma liberdade situada, às vezes
ao deixar-se condicionar por esta situação, torna -se ne cessário reavaliar o projeto e muitas
vezes até mudá-lo. Acredi tamos que de certo modo com os ideais éticos também acontece
isso, pois de maneira geral estes valores são bem difundidos entre os homens, mas em al gum
momento, e se olharmos em nossa volta, não são raros, surgem estados de exceção .
Surge a falta, e isto se t orna possível porque o hom em é um ser temporal, e d e certa
forma é ele que define o tempo e não o contrário, que é com o Para-si que surge a
temporalidade a exceção e a falta.
Não esqueça mos que o Para-si, na medida que se faz presente ao ser para dele fugir,
é falta. O Possível é aquilo de que car ece o P ara-si par a ser si mesmo, ou, se
preferir mos, é a aparição à distância daquilo q ue sou. Co mpreende-se então o sentido
da fuga que é Pr esença: é fuga rumo a seu ser, o u seja, rumo ao si mesmo q ue ela
será po r coincidência c om o que lhe falta. O Futuro é a falta q ue a extraí, enquanto
falta, d o Em-si da Presença. Se nad a lhe faltasse, recairia no ser e perderia inclusive
a presença ao ser para adquirir, e m troca, o isolamento da completa identid ade (SN,
1997, p. 180).
havíamos falado nesta característica do Para-si anteriormente, mas aqui fica mais
clara a dim ensão temporal do Para-si, que se temporaliz a existindo. Somente para o homem,
existe antes e depois que um evento tem início e fim, que uma catástrofe natural produz algo
novo, poi s por ser temporal o homem também é testemunha e pode narrar, m edir e quantificar
os eventos que ocorrem no mundo. No entanto, no campo do Em-si, tudo isso não tem
sentido, não tem antes nem depois, o tempo é um fluir constante e as catástrofes não
produzem nada de novo, somente realocam as substâncias.
O E m-si não é d iverso, não é multiplicidade, e, para que receb a a multiplicidad e
como car acterística de seu ser-no-meio-do- mundo, é nece ssário o surgimento de um
ser que sej a pr esente simultanea mente a cad a E m-si isolado em sua ident idade. É
pela realidad e humana q ue a multip licidade vem ao mundo, é a quase-multiplicidade
no c erne d o ser-Para-si q ue faz com que o número se revele no mundo. [...] Quando
se é o que se é, pura e simplesmente, não mais que u ma maneira de ser o
própr io ser. Mas, a partir do mome nto e m q ue não se é mais o pró prio ser, surgem
simultaneamente d iferentes ma neiras de sê-lo não o sendo (SN, 1 997, p. 193 ).
27
Assim, é próprio da condição hum ana fazer sur gir a multiplicidade, a dif erença e a
identidade. Mas tudo i sso se torna possí vel graças ao Para-si, que tem c omo característica
inerente a tempor alidade. Portanto, para o homem, o tempo é tudo, é o que possi bilita o seu
existir, assim o homem - o Para-si - e o tempo surgem juntos. A t emporalidade é o se r do
Para-si na medida em que este tem-de-sê-lo ek-staticamente. A temporalidade não é, mas o
Para-si se temporaliza existindo.
Fomos levados a refle tir sobre Em-si e o Para-si para conseguir perceber a
profundidade e a importância que devemos dar à questão da existência que precede a essência
e para isso as categorias do Em-si e do Para-si são basilares, que elas nos ajudam a
compreender melhor a tese s artreana. De mane ira resumida, queremos diz er o que cada
categoria significa. “Dessa forma, Sartre s e acerca do em-si negativamente: o para-si é
interioridade e por isso o em-si é ext erioridade absoluta; o para-si é segred o, por isso o em-si
não tem segredo e é maciço” (BORNHEIM, 2005, p. 170).
Em alguns momentos, nos parece que o Em -si e o Para-si são coisas completamente
diferentes, e que entre eles não relação alguma, porém, isso não é verdade, que existe
certa interd ependência, e ntre Em-si e Para-si, um depende do outro e de certa forma os dois
surgem juntos , portanto não há como separá-los. Há sim algumas disti nções, mas ambos estão
conectados, li gados um ao outro desde sempre. “Quando se o que Sartre diz do em-si, salta
aos olhos um detalhe mui to s ignificativo: a constância do paralelo com o para-si; tem-se
mesmo a impressão de q ue se torna impossível a firmar o que quer que s eja do em-si se n ão
houve referência ao para-si” (BORNHEIM, 2005, p. 169).
Desta relação é que brot a a realidade humana, ao mesmo tempo que o homem está
ligado ao Em-si pelo fato de ser em situação, de se r um sujeito histórico, de ter um corpo e, de
certa forma, ser d eterminado por t udo isso. O Para-si surge com seu poder de nadificar e deste
poder faz com que surja o próprio m undo e a temporalidade. “Com efeito, o Para-si surge no
mundo como nadificação do Em-si, e é por este acontecimento absoluto que se constitui o
passado enquanto tal, como relação originária e nadificadora entre Para-si e Em-si” (S N,
1997, p. 195).
Este movimento propriamente humano, de n adificação realizado pelo Para-si, é qu e
possibilita o surgimento da idéia de qu e a exi stência precede a ess ência, pois como existim os
ao modo do Para-si somos obrigados a ir mais além nesta busca pelo elo perdido com Em-si,
ao mesmo tempo em que o somos, um nada que nos separa dele e nos põe em movimento.
Assim, existimos sem uma determinação prévia, sem uma essência determinada.
28
A e ssência é tudo q ue se pode indicar do ser humano po r meio das palavras: isso é.
Por isso, é a totalid ade dos caracteres que explica m o ato. Mas o ato está sempre
além d essa essência, é ato humano quando transcende tod a e xplicação que se l he
dê, pre cisamente porque tudo q ue se possa designar no home m pela fórmula “isso é”,
na verdade , po r esse fato mesmo, é tendo sido. O homem leva co nsigo,
continuamente, uma co mpreensão pré-judicativa de sua essência, mas, p or isso,
acha-se separado dela p or um nada. A essência é tudo que a realidade humana
apreende d e si mesmo como h avendo sido (SN, 1 997, p. 79).
Deste modo, ex istimos sem determinações prévias, mas no fato de fazermos escolhas e
agirmos vamos fazendo, ou dito de outra forma, consti tuindo nossa essê ncia. Portanto, ela
caracteriza-se por ser um a espécie de síntese d e n osso ex istir no mundo, porém, uma síntese
que sempre se acha separada de nós e em aberto.
Até aqui procuramos esclarecer a relação que se entre o Em-si e o Para-si, porém,
ao falarmos de que a existência precede a essência temos que fazer um a distinção im portante,
pois uma profunda diferença entre o m odo de ex istir do homem e o modo de existir dos
objetos no mundo.
Por o utro lado, j á sublinhamos q ue a re lação entre existência e essência não é igual
no homem e nas coisas do mundo . A liberdade humana precede a essência do
homem e torna-a possível: a essência do ser humano acha-se em su spenso na
liberdade . Logo, aq uilo que c hamamos liberdad e não po de se difere nçar do ser d a
“realidade humana”. O home m não é pr imeiro p ara ser livre d epois: não diferença
entre o ser d o homem e seu “ser -livre” (SN, 1997 , p. 68).
A partir dessa distinção i mportante, podemos começar a pensar neste homem livre, e
como vimos, falar em homem e falar em liberdade para Sa rtre, é a mesma coisa. Portanto, não
existe diferença entre a existência humana e a liberdade. P elo fato do homem surgir como
liberdade, como o novo, que em rel ação à condiçã o humana podemos afirmar que a existência
precede a essência. Des ta maneira, ao surgir n o mundo, o homem, surge historicamente
situado, porém, por se r livre e poder faz er escolhas, enfim, por poder agir, e neste ato fazer
surgir a novidade o homem também é absolutamente responsável pelo homem que é. Primeiro
existimos e mais tarde conheceremos a nossa essência - se viermos a conhecê-la, qu e
enquanto houver existência a essência também poderá ser alterada. Portanto, a essência
aparece como história de uma vida.
Tentamos identificar até aqui as condições da liberdade refletindo sobre a ex istência
que precede a essência, bem como sobre o ser-Em-si e o ser-Para-si. A partir desta reflexão
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percebemos que o homem é um ser livre. Continuando nossa reflexão, queremos entender o
que significa dizer que o homem é absolutamente livre.
2.3 O HOMEM COMO SUJEITO ABSOLUTAMENTE LIVRE
No item anterior procuramos identificar, ou melhor, caracterizar o que significa falar
da realidade humana. Vim os que é inerente à realidade humana existir sua história, ou seja,
que o hom em ao sur gir no mundo a partir de se u nascimento é livre e n ão nada que o
determine; não um destino, não uma essência, é na e pela existência que o homem vai
configurando sua essência. “O hom em não se encontra com uma natureza, uma essência, a
que deva desapegar-se, r ealizar ou aperfeiçoar através de seu agir, melhor se encontra como
um oco carente de sentido, por isso precisa esculpir sua própria figura h umana.” (MATEO,
1975, p. 11). C hegamos a esta constatação através da análise da própria realidade do hom em
que se constitui como ser-Em-si e como ser-Para-si. O que significa isto? Significa que o
homem ao nascer nadific a o Em-si e lança-se, projeta-se para o futuro, porque já não é apenas
Em-si, pois o nadificou e existindo ao modo do Para-si é falta, e também é o ser que não
coincide com o seu próprio ser, portanto é liberdade.
[...] a realid ade-humana é se u pr óprio nada . Ser, para o Para-si, é nadificar o Em-si
que ele é. Ne ssas condições, a liberdad e não p ode ser senão esta nad ificação. É
através dela que o Pa ra-si escap a de seu ser, co mo de sua essência; é atra vés dela q ue
constitui se mpre algo diverso daq uilo que pode -se d
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[...], como d escrever uma existê ncia q ue se faz perpetua mente e nega-se a ser
confinada e m uma d efinição? A própria denominação de liberdad e” é perigosa,
caso subentenda mos q ue a palavra re mete a um con ceito, co mo as pala vras
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Assim, minha liberda de está perpe tuamente em questão em meu ser; não se trata de
uma qualidade sobre posta ou u ma p ropried ade de minha natureza; é bem
precisamente a textura d e meu ser ; e, co mo meu ser está em questão e m meu ser,
devo necessariame nte possuir cer ta compreensão d a liberdade (SN, 1997, p. 543) .
Deste m odo, o que caracteriza este homem absolutamente livre é que, uma vez livre,
ele o será para sempr e. Aqui encontramos o c erne da teoria existencialista sartreana, que diz
que o homem está condenado a ser li vre. “Estou condenado a existir para sempre para-além
de minha essência, p ara-além dos móbeis e motivos de meu ato: estou condenado a ser li vre.
Significa que não s e poderia encontrar outros limit es à minha liberdade além da própria
liberdade, ou, se preferirm os, que não somos livres para deixar de s er l ivres” (SN, 1997, p.
543-544).
Por estar condenado a ser livre, e desta maneira não encontrar apoio algum, que não
existem caminhos nem sinais prévios, tudo deve ser criado, escolhido por este homem livre;
sobre ele pesa o grande fardo da solidão e do individualismo; é o homem singular que ele ge
um projeto e se lança em direção ao futuro c om grande d esejo d e encontrar-se consi go
mesmo, ali na frente, pois a realização do projeto é a própria realização do homem livre.
Portanto, se num primeiro instante o que caracterizava este homem l ivre sartreano era poder
eleger, ser tal pessoa - agora nos referindo ao projeto ori ginário - si gnifica que para ir ao
encontro da pessoa eleita o homem precisa escolher os meios adequados, para a efetiva
realização de seu projeto. No entanto, eleger um projeto, escolher os meios adequados não
significa propriamente realiz ação do mesmo, pois o homem é livre e a qualquer momento
pode mudar seu projeto original. Porém, m esmo que venha ef etivamente a realizar o projeto
escolhido para sua vida, ao final, o hom em não s e terá en contrado porque é característico da
realidade humana estar sempre em outro lugar, o Para-si é o ser que é o que não é e não é o
que é.
A realidade -humana é l ivre por que não é o bastante, por que está perp etuamente
desprendida de si mesmo, e po rque aq uilo que foi está separ ado por um nada daq uilo
que é e daq uilo que será. [. ..]. O homem é li vre porque não é si mesmo, mas pr esença
a si. O ser que é o q ue é não poderia ser livre. A libe rdade é precisamente o nada que
é tendo sido no âmago d o ho mem e obriga a realid ade-humana a fazer-se em vez de
ser. [. ..] Assim, a libe rdade não é um ser: é o ser do homem, o u seja, seu nada de ser.
Se co meçássemos p or conceber o ho mem como algo pleno, seria ab surdo pro curar
nele d epois momentos ou re giões p síquicas e m que fos se livre: d aria no mesmo
buscar o vazio em um recipie nte que previamente preen chemos até a bord a. O
homem não p oderia ser ora livre, ora escr avo: é inteiramente e sempre livre, ou não o
é (SN, 19 97, p. 545).
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Po rta nt o, est amo s ref le tin do so bre o home m, que ao esco lh er- se e inse rir -s e no
mu ndo cr ia -se . P or est a ra zão , alé m d e s er a bso lu tam ent e l iv re, ta mbém é abs ol uta men te
res po nsá vel pe lo h ome m que esc ol heu ser . As sim, con fo rme nos diz Ur bano Zil les (19 95 , p.
60) : “O ho mem é totalm en te li vre . Por iss o é resp on sáv el por aqu ilo que é”. Mai s adi an te
lem os a ind a:
O ho mem é determinado por seus atos. a ação permite ao homem v iver. O po nto
de partida é, pois, a sub jetividade. Na verdade, as coisas serão como o homem tiver
decidido q ue d evem ser, pois realid ade na ação do homem. D esta maneira , a
filosofia d e Sartre é uma filo sofia da aç ão, do engajamento decid ido. O que conta é o
engajamento, o compromisso to tal. (ZILLES, 199 5, p. 61).
Este homem livre, que se comprom ete a partir da escolha e da ação, m anifesta-se e se
faz no mundo de maneira solitária como uma unidade indi visível e incognoscível, mas ao
fazer-se no mundo o encontro com o outro e, de certa forma, a constituição do outro, pois
outro sur ge e é reconhecido como tal a partir da nossa escolha, como vimos anteriormente, ao
escolher-se o homem escol he todos os homens, assim , é conforme nossas escolhas que v amos
nos relacionar com os outros.
Para Sartre, ser livre não é simplesmente fazer o q ue se quer, mas querer fazer o que s e
pode e, por ser livre, o homem também é responsável pelo outro. Assim, é necessário fazer
uma importante distinção, para s alvaguardar a ins uperável singularidade da aventur a humana.
Deste m odo, toda natureza é regida p elo determinismo e ao homem, e a este, cabe o reino
da liberdade. Vejamos o que significa este reino da liberdade.
Essa liberdad e de escolha não sign:qms anfmsrnanbdmqumfseancçã
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Chegamos a gora a uma terceira e fundamental característica para entendermos este
homem absolutamente livre, de que nos fala Sartre: ser li vre pa ra nosso autor é escolher, ou
melhor, temos liberdade de eleição que não significa necessariamente obtenção.
Apresentadas essas características, queremos refleti r agora mais propriamente sobre a s
condutas deste homem q ue surge como liberdade e se faz ao escolher. Algumas ressalvas o
importantes, pois é m uito comum cairmos no equívoco de pensar que ser livre é a mesma
coisa que sonhar, onde n ão há um a diferen ciação entre o desejo e a re alização. Como vimos e
queremos re forçar esta i déia agora, somos livres em situação; vimos que com o P ara-si sur ge
a temporalidade, sur ge o antes e o depois. “Sem a sucessão dos ´depois`, eu seria
imediatamente o que quero ser, não haveria distância entre m im e mim mesmo, nem
separação entre ação e sonho.” (SN, 1997, p. 185).
Deste modo, ao surgir como liberdade, este hom em temporaliz a-se, faz-se um sujeito
histórico, contingente e factual; por estar dotado de um corpo, transforma-se em um objeto
entre objetos. No entant o, é muito m ais que isso, pois somos liberdade e a nossa liberd ade
surge justamente por estarmos situados e sofrermos resistências.
Em o utros termos: a liberd ade precisa de um ca mpo de re sistência do mundo . Sem
obstáculos não liberdad e. P ara q ue haj a lib erdade, algo deve separar a concepção
de um ato da realização con creta desse ato, a partando o projeto d e seus fins.
somos l ivres porque o fim a r ealizar se ac ha separado de nós pela existência real d o
mundo (PE RDIGÃO, 1995, p. 87).
Assim, quando falamos de liberdade em Sartre, não podemos ficar imaginando uma
liberdade abstrata, po rque ela é concreta, real e requer o engajamento total do sujeito livre.
Ele precisa a gir, precisa escolher e, mesmo que se negue a fazê-lo, tal atitude se configura
numa escolha. Portanto, escolher nem sempre é fácil e normalmente até pode causar
sofrimento, mas é exclusivamente através da escolha que construímos nossa própria história.
A escolha pode ser efetuada com resi gnação o u mal-estar, p ode ser uma fuga, p ode
realizar-se na má-fé. P odemos e scolher-nos fugidios, inapreensí veis, vacila ntes, etc.;
podemos até escolher não nos escolher; nesses d iferentes casos, os fins são
colocado s p ara-além da situaç ão de fato, e a responsabilidad e por esses fins nos
incumbe: qualquer que seja nosso ser, é e scolha; e d epende d e nós escol her-nos
como “ilustres” e “ nobres”, ou “inferiores” e “humilhados” (SN, 1 997, p. 581 ).
Este homem absolutamente livre é o ser que escolhe, o ser que deseja ser e, deste
modo, o homem é o ser dos possíveis porém, ao escolher, n adifica os muitos possíveis pois
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sua li berdade é l iberdade situada, e ao escolher u m possível, conseqüentemente estará abrindo
mão de vários outros possíveis. Ao pensarmos n esse homem que escolhe o imaginamos de
início numa grande sala com mui tas portas, porém, poderá abrir e entrar numa delas.
Quando ainda estava na sala, todas as portas eram possíveis, mas ao escolher uma porta
específica, as outras foram deix adas, ou melhor, foram excluídas, no entanto cada nova
escolha abre a possibilidade de muitos outros possíveis, cabe ao homem decidir sobre eles.
Portanto, o homem ao escolher-se, elege um projeto fundamental que guiará sua vida, e a
partir daí lança-se em direção ao futuro, já que é o porvir que vem anunciar o que somos.
Escolher-nos é nadif icar-nos, o u sej a, fazer co m que u m f uturo venha a nos a nunciar
o que somos, co nferindo um sentido a nosso passado. Assim, não uma sucessão
de instantes separado s por nadas, co mo e m De scartes, e de tal ordem que minha
escolha no instante t não possa agir sob re minha escol ha no instante t1. E scolher é
fazer com q ue surja, com meu comprometimento, certa extensão finita de duração
concreta e contínua, que é prec isamente a que me separa da realização de meus
possíveis origi nais. Assim, lib erdade, escolha, nadificação e temporalização
constituem uma única e mesma coisa (SN, 19 97, p 574).
Examinemos um caso concreto. Por exemplo, quando falamos do Adão bíb lico - todos
conhecemos sua história. Est e Adão contingente tinha ao redor de si uma multiplicidade de
Adãos, mas ele opt ou em comer a maçã e, ao realizar tal ato, excluiu os out ros possíveis e s e
historicizou como aquele Adão que come u a maçã. Queremos refletir sobre o seguinte
aspecto: um Ad ão real, porém, uma infinidade de Adãos possíveis (a sala cheia de
portas) que se r elacionam com o Adão real e tam bém são constituídos por suas características,
porém, não chegam a vingar, porque o Adão r eal escolheu ser aquele Adão e no caso dele,
não há mais como mudar, sua essência está decretada e guardada por nós.
No entanto, o homem em geral é o ser dos possíveis, nossos projetos, nossas escolhas
não têm nada de p erene nem de essen cial, a não ser única e exclusivamente a nossa liberdade,
que fundamenta, e consta ntemente renova e reassu me, as es colhas feitas no passado. Assim, a
realidade humana caracteriza-se pelo fazer, pelo labutar singular de cada indivíduo. “Ser
ambicioso, covarde ou irascível é s implesmente conduzir-se desta ou daquela maneira em tal
ou qual circunstância [...]. Assim a realidade humana não é primeiro para agir depoisPspamdí..u.qsormmanuumdí..d:bfí.sra:uq:sav:vs anómstnudqóv:vsaa,bdmmv.qsianudqóv:vsmanudqóv:vseabd.ívudqóv:vsveabd.ívóósiaú8krabdmmv.qs anuívóós anqmmsoanqms anqabd.ívóós aufmú8k nbbfdu.lnumdóíl8Y )srabdmmv.qseabd.íhnumsrabdmmv.qnfmshabd.ívóósqunanumsfabdmmv.ód::uq:saabd.ívóóslanudqóv:vs anfmsd::uq:sé:vsrabdmmv.qso anmdí..uaú8k bó.dóílml8lanudqóv:vsoÍ.qseabd.ídmmv.qseabd.ívóóabdmmv.qsoranód:nudqóv:vso anuumslanudqds anfmdív.qso anmdí..u
35
Esta constatação pode gerar grande angústia, pois não desculpas nem disfarces. É preciso
assumir a responsabilidade pelo seu próprio existir, é necessário a cada novo dia escolhe r-se
como homem que elege u tais e tais projetos. “Por isso, o ato fundamental da liberdade é a
eleição de si mesmo ou a posição do projeto originário” (MATEO, 1975, p. 31).
Sendo lib erdade ser-sem-apoio e sem tra mpolim, o projeto, para ser, d eve ser
constantemente r enovado. Eu escolho a mim mesmo perp etuamente, e j amais a título
de tendo -sido-escolhido, senão r ecairia na pura e si mples existência d o Em-si. A
necessidade de escolher-me perpe tuamente identifica -se com a per seguição-
perseguida do q ue sou (SN, 199 7, p. 591).
Deste m odo, buscamos esclarecer que o homem se faz na e pela liberd ade e esta é
condição fundament al para a escolha, e é pelo fato de escolhermos e, portanto, modificarmos
o m undo, que manifestamos nosso ser livre. Como vimos, ser livre, não si gnifica que
obstáculos não exist am, mas as adversidades aparecem justamente pelo posicionamento de
nossos projetos.
Vivemos numa sociedade onde comumente se diz que cada v ez mais o homem se
torna menos livre, pois é condicionado pelos meios de comunicação qu e determinam como
deve agir, o que deve comer, o que vai beber, enfim, tudo está pronto, m as mesmo
condicionado, mesmo tendo a sensação de que a liberdade acha-se alienada, o homem tem
que escolher e, s e s abe q ue é condicionado, então aceita t ais condicionamentos e alienações.
No entanto, quando falamos em condicionamento em Sartre, estamos nos referindo ao mundo
da inér cia mat erial fixada por ações humanas anteriores à nossa existência, pois ao nascermos
nos vemos habitando uma m orada material marcada pela práxis de outros homens, a isto
chamamos condicionamento. Assim, “o fato de a liberdade achar-se alienada não traduz, de
modo algum, uma supressão da liberdade no prático-Inerte. A própria alienação, dissemos,
requer uma liberdade prévia, suscetível de ´alienar-se`” (PERD IGÃO, 1995, p. 202). Deste
modo, não podemos afirmar que a sociedade atu al nos aliena de nossa liberdade, pois ainda
temos que escolher, mesmo que nos achemos condicionados.
Do contrário, não fôssemos livres e tivessem as exigências poder próprio de ação sobre
nós, todos reagiriam da mesma maneira: ou as exigências seriam no sentido de nos
acomodarmos, e nenhum de nós moveria um dedo para negá-las, pois a elas nos
submeteríamos para sempre; ou, pelo contrário, as exigências seriam no sentido de nos
induzir à revolta, e todos agiríamos para combatê-las (PERDIGÃO, 1995, p. 203).
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Um outro fator, e possivelmente mais di fícil de ser ex plicado através da teoria
sartreana da liberdade, s ão as mazelas sociais, por exemplo, a pobreza, a fome, a falta d e
oportunidades. Porém, temos que l embrar al guns aspectos importantes da t eoria d a liberdade,
para podermos dizer, que somos livres em todas as situações; em primeiro l ugar julgamos
todos os outros homens pelo homem que escolhemos ser portanto, as nossas necessidades
poderão não ser as mesm as; em segundo lugar, temos que ressaltar que cada homem
experimenta a sua liberdade de maneira singular; e por último temos que l embrar que para um
sujeito l ivre, sempre a possibi lidade real da mudança, porém, se mi nha situação é
confortável não tem porque querer mudar, mas s e ela tornar-se int olerável, com toda certeza o
indivíduo vai buscar meios para mudar. Nesse s entido, Sartre chama atenção para o aspecto
da inércia, bem como o que é necessário para que o indivíduo tome c onsciência de sua
situação como insuportável e busque mudá-la.
Enquanto imerso na situação histórica, o homem sequer chega a conceber as
deficiências e faltas de uma organização política ou econômica determinada, não
porque “está acostumado”, como tolamente se diz, mas porque apreende-a em sua
plenitude de ser e nem mesmo é capaz de imaginar que possa ser de outro modo. Pois é
preciso inverter aqui a opinião geral e convir que não é a rigidez de um situação ou os
sofrimentos que ela impõe q ue constituem motivos para que se conceba outro estado
de coisas, no qual tudo sai melhor para todos; pelo contrário, é a partir do dia em que
se pode conceber outro estado de coisas que uma luz nova ilumina nossas penúrias e
sofrimentos e decidimos que são insuportáveis (SN, 1997, p. 538).
Mas, como cada indivíduo faz um tipo de experiência, é notório que encontremos
diversos níveis de liberd ade. No entanto, por s ermos livres e termos elegido o homem que
desejamos ser, n esta eleição devem estar incluídos todos os outros homens. Assim sendo,
temos que concordar que muitos homens não são livres como nós o somos. Porém, esta
constatação não deve n os aquietar, pois aqui entra um aspecto fundamental da concepção
sartreana de liberdade e da filosofia existencialista, que é o ser responsáv el, não apenas pela
minha vida indi vidual, mas por todas as vidas. Deste m odo, conforme nos diz Sartre, a
liberdade está condicionada pelas proteínas.
Lutarei por dois princípios conjuntos: pri meiro, ninguém pode ser livre se todo
mundo não o for; segundo, lutarei pelo melhoramento do nível de vida e das
condições de trab alho. A liberd ade - não metafísica, mas prática - é condicio nada
pelas pr oteínas. A vida será hu mana a pa rtir do dia em que todo mundo puder saciar
sua fome e tod o homem p uder exercer u m trabalho nas cond ições que lhe co nvém.
Lutarei não ape nas p or um nível de vida melhor, mas ta mbé m por c ondições de vida
democráticas para todos, pela lib ertação de todos os explorado s, de todos os
oprimidos (PE RDIGÃO, 1995, p . 155).
37
Assim, vemos que a vi vência da liberdade é experienciada indi vidualmente, e sua
conseqüência direta é que nos t ornamos responsáveis pelos outros. No momento em que
temos consciência da liberdade som os mui tas vezes tomados pela angústia, pois ao contrário
do que muitos poderiam pensar, a teoria existencialista sartreana não é uma teoria do
quietismo, do s ubjetivismo, mas do en gajamento, da a ção. Podemos perceber isso na própria
trajetória que nosso autor realizou em vida, pois foi um intelectual do seu tempo, com
preocupações concernentes ao seu tempo. Comprovamos isso a partir do envolvimento
comprometido de Sartre com as questões sociais e políticas.
Acreditamos ter descrito o que constitui propriamente este homem absolutamente
livre, que não tem nada nem na sua frente, nem nas suas costas, nada que lhe qualquer
segurança; surge no mundo com seu nascimento completamente i ndeterminado e assim
escolhe o homem que deseja ser, os valores que v ão ser i mportantes em su a vida. Enfim, por
ser livre, cada homem ao revelar-se no mundo é uma novidade, que aos poucos vai se
mostrando, modificando a si mesmo e ao mundo.
Neste item procuramos, a partir da leitura de S artre, defender a idéia de que o homem
é livre, é a su a própria liberdade, m as os limi tes surgem e muitas vez es a li berdade p arece ser
uma ilusão portanto, seguindo nos sa reflexão, qu eremos refletir sobre os limites que surgem
frente a liberdade que somos.
2.4 OS LIMITES À LIBERDADE
Segundo Sa rtre, como vimos no item anterior, o homem é absolutamente livre. Por
esta razão não pode ser ora escravo ora livre, mas sendo livre o será para sempre e em todas
as sit uações. No entanto, surgiram algumas perguntas que não querem c alar, pois se o homem
é totalmente livre, como conceber os limites que lhe são i mpostos pela sua condiç ão de
existente, que ao surgir no mundo o hom em passa a ocupar um espa ço determinado. S e
ocupa um esp aço, t ambém situa-se em um tempo específico com princ ípio e fim, portanto
constrói uma história. De ste modo, tem um passado, um presente e um possí vel futuro. Além
do mais, não está em sus penso no etéreo, mas em relação com o mundo que o cerca, apesar do
mundo ainda existem os outros, a quem Sartre c hama de “M eu Próx imo”, e se não bastasse
tudo isso, ainda há um mal irremediável que põe a liberdade em cheque que é a morte.
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encontrar um mundo resistente, onde é preciso que o homem se escolha e comece a agir para a
efetiva realização de seus desejos, pois se fosse o contrário, se bastasse desejar para realizar,
estaríamos num mundo de sonho e não propriamente no mundo humano, “com efeito se os fins
que persigo pudessem ser alcaados por desejo puramente arbitrário, se fosse suficiente desejar
para obter, [...], eu jamais poderia distinguir em mim mesmo o desejo da vontade, nem o sonho
do ato, nem o possível do real.” (SN, 1997, p. 413). Desta maneira, temos que fazer a seguinte
distinção quanto à concepção da liberdade sartreana e a do senso comum.
É necessário, além disso, sublinhar com clareza, c ontra o senso co mum, que a
fórmula “ser livre” não si gnifica “obter o que se quis”, mas sim “deter minar-se por si
mesmo a querer (no sentido lato de escolher)”. E m outros ter mos, o êxito não
importa em absoluta a liberd ade. A discussão que opõ e o senso co mum aos filósofos
provém de um mal entendido : o conceito e mpírico e popular de “liberd ade”, produto
de circunstâ ncias históricas, políticas e morais, equivale à “fac uldade de o bter os fins
escolhidos”. O conceito téc nico e filosófico de liberdad e, o único que co nsideramos
aqui, significa so mente: autono mia de escolha (SN, 1 997, p . 595).
Vimos anteriormente que a liberdade humana se comprova a partir de escolhas, e a
escolha de certa forma compromete o homem, j á que este é a hi stória de suas escolhas, o
homem é totalmente resp onsável pelas escolhas q ue faz e, deste modo, é t otalmente l ivre para
ser o homem que elegeu ser. Assi m, na sua relação com o mundo e por ser característica da
realidade humana - fazer-se na escolha - é a partir da relação com o mundo que este se
revelará favorável ou se mostrará como obstáculo, porém, tudo isso tem sentido porque o
homem elegeu um projeto, porque o homem por sua essência é falta e precis a ir completando-
se e esta tarefa o faz interagindo com o mundo.
Portanto, é so mente no e pelo livre surgi mento de uma liberdade que o mundo
desenvolve e re vela as re sistências que pode m tornar irrealiz ável o fi m pr ojetado. O
homem enco ntra obstácu los no ca mpo de sua lib erdade. Me lhor ainda: é
impossível decretar a priori o que procede do existente em bruto ou d a lib erdade no
caráter de obstáculo de ste ou daquele existente particular. Aquilo que é obstáculo
para mim, co m efeito, não o s erá para outro (SN, 1997, p. 601).
A re alidade hum ana faz com que su rja um m undo. Ao inserir-se n ele p assa a conhecê-
lo e a partir deste conhecimento percebe-se ao m esmo tempo livre e limitado. Queremos ser
absolutamente livres, ma s constantemente nos deparamos com li mites que põem em cheque a
liberdade que somos. Vi mos na primeira parte de noss a reflex ão um esboço de alguns limites,
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escolha parece limitada e por isso não é possível que cada homem livre possa significar o
mundo a sua maneira. A ssim, temos necessariamente que comungar das significações feitas
pelos outros.
A partir de agora procuraremos trabalhar cada uma das questões que apont am para um
possível limite à liberdade. Para tal faremos a seguinte divisão: primeiro refletiremos sobre o
fato de ocuparmos nosso lugar, em seguida vamo s analisar em que sentido o nosso passado
limita à liberdade, em t erceiro lugar refletiremos sobre nossos arredores e como estes s e
configuram em limi tes ou não para a liberdade, no quarto e, num último momento, vamos
pensar na morte como o lim ite extremo da liberdade. N ão abordaremos aqui a questão do
outro como limite a liberdade, pois dedicaremos um capítulo especial par a refletirmos sobre
este assunto.
2.4.1 Nosso Lugar
Quando Sartre fala do nosso lugar, está se referindo ao espaço que ocupamos como
existentes, como corpo que somos, assim o fato de ocupar um lu gar determinado sem dúvida
se apresenta como limite a nossa liberdade, pois não podemos escolher como ex istir, mas nos
escolher pelo fato de exist irmos. É a partir deste fato fundamental qu e sur gem todas as nossas
relações com o mundo, ou seja, ao nascer o Para-si ocupa seu lugar, ou melhor, o recebe.
É impossível que e u não tenha um lugar, caso co ntrário eu estaria, em relação ao
mundo, e m estado de sobr evôo, e o mundo, como vimos anteriormente, não iria
manifestar-se d e for ma alguma. [ ...] Assim, nascer é, entre outras características,
ocupar seu lugar, ou melhor, como acabamos de dizer , receb ê-lo (SN, 1997, p. 60 2-
603).
Deste modo, ao nascermos ocupamos nosso lugar, mas é justamente este lugar que nos
incomoda e nos faz perceber o quão limitado somos, pois não podemos escolher nosso lugar,
mas temos simplesmente que ocup á-lo e i sto evidentemente contraria a idéia de l iberdade
absoluta, ou não? “Além disso, deparamos com as objeções concretas que não deixarão de ser
feitas: posso escolher s er alto, se sou baix o? Posso ter dois braços, se s ou m aneta? Etc. -
objeções qu e remetem ju stamente aos “limites” q ue mi nha situação de fato iria trazer à minha
livre escolha de mim mesmo.” (SN, 1997, p. 592).
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Portanto, o fato de ser u m exi stente alto ou baixo, maneta ou não, são fatos inegáveis e
que de modo al gum fo ram escolhidos por nós. Deste modo percebemos que é ine rente à
realidade humana, uma espécie de limitação, de facticidade e de contingência. Vimos
anteriormente que não escolha antes de noss o nascimento, mas é a partir deste que somos
livres para escolher e para mudar, no entanto este espaço ocupado por nós, ou seja nosso
corpo, só se revelará como limite a luz de nossos fins.
Se u ma e xtensão, nos limites da qual eu me apreendo como li vre ou não-livre,
uma exten são que a mim se mostra co mo au xiliar ou ad versa (separad ora), pode
ser porque, a ntes de tudo, exi sto meu lu gar, sem escolha, t ambém sem necessidade,
como puro fato absoluto de meu ser-aí. Sou aí : não aqui, ma s aí. Eis o fato a bsoluto e
incompreensível q ue está na origem da extensão , e, conseq üentemente, de minhas
relações originais co m a s coisas (co m esta s coisas, mais do que com aquelas outras).
Fato de p ura contingência - fat o absurdo (SN, 1997, p. 604).
O homem não é apenas o ser- aí. Ele também o é, porém, é m uito mais que isso, pois se
lança para o futuro, transforma o mundo à sua volta, no entanto, por ex istir, sua condição tem
características qu e lhe s ão dadas. D este modo podemos ter idéias bem claras a respeito de
nossos objetivos, a respeito de nosso lugar no mundo, porém, não podemos esquecer que é
pelo fato de existirmos que surgem os limi tes, nossa existência põe em questão nossa
liberdade, pois ao o cuparmos nosso lugar nos é dada uma s érie de atributos que não
escolhemos, como nossa família, nossa classe, nossa nacionalidade. Ao surgirmos no mundo,
surgimos de certa forma marcados por estes sinais. “O corpo que somos nos impõe a
necessidade de agir entre os objetos, utiliza instrumentos para certos fins e nos deixa à mercê
dos coeficientes de adversidade ou d e utilidade do mundo” (PERD IGÃO, 1995, p 88). Então,
diante disso, como falar de liberdade?
Entretanto, tudo isso que acabamos de ver tem se u início com o nosso nascimento e,
como vimos, nascer é ocu par nos so lugar e, portanto, existir de certa forma limitados por este
lugar. No entanto, quando recebemos o nosso lugar, o recebemos em meio a uma série de
outros existentes, porém, estas outr as coisas que nos cercam têm sentido a partir da
realidade humana, conforme destac a Sartre: “Sem realidade humana não haveria espaço n em
lugar - e, todavia, esta realidade human a pela qual a localização vem ás coisas re cebe seu
lugar entre as coisas sem ter domínio sobre isso.” (SN, 1997, p. 603-604).
Assim, nosso existir é uma relação, ou seja, pelo fato de ocuparmos um lugar, estamos
limitados ao nosso lugar, pelo fato de sermos livres, estamos em relação com as coisas que
nos circundam. No entanto, pelo fato de estarmos determinados, ou seja, estarmos em nosso
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lugar, não podemos estar em relação fundamental com quem não estiver próx imo de nós, mas
isso sob hi pótese nenhuma surge como empecilho à nossa liberdade se n ós não o quisermos,
pois segundo Sartre: “[...], é minha liberdade que vem conferir-me meu lugar e, situando-me,
defini-lo como tal; posso ser rigorosamente li mitado a este ser-aí que sou porque mi nha
estrutura ontológica consiste em não ser o que sou e ser o que não sou” (SN, 1997, p. 606).
Nosso autor, referindo-se ao lugar que recebemos ao nascer, fato este que
inevitavelmente nos levou a refletir sobre o determinismo, a que somos jogados a partir de
nosso nascimento e termos que ocupar nosso lugar em meio ao mundo, apontou para um
posvel limite a liberdade. Mas, como vimos no capítulo anterior, o homem é, pois, constituído
de liberdade, que existir, agir e ser são, para o ser humano, o mesmo que a liberdade. Por
isso, esse determinismo que se mostra implacável contra a liberdade recebe significação a
partir de nossa exisncia a partir da liberdade. “É somente no ato pelo qual a liberdade
descobriu a facticidade e captou-a como lugar que este lugar assim definido manifesta-se como
entrave aos meus desejos, como obstáculo, etc. C aso contrário, como seria possível que fosse
obsculo? Obsculo para que? Restrão de fazer o quê?” (SN, 1997, p. 608).
Fica, pois, claro que o lugar que ocupamos, a f acticidade, a liberdade, passam a
existir para nós a partir de nosso nascimento. Assim, somos nós que es colhemos e
significamos a contingência pela liberdade, pelo fato de sermos existentes, responsáveis e
conscientes. “Se a realidade topa com resistências e obst áculos que não foram inventados por
ela, tais resistências e o bstáculos adquirem sentido na e através da livre escolha que a
realidade humana é” (BORNHEIM, 2005, p. 118). Conforme o próprio Sartre ressalta:
Decerto, ao nascer, tomo um l ugar, mas sou respo nsável p elo lugar q ue to mo. -se
aqui, co m maior clareza, a co nexão i nextricável de liber dade e facticidade na
situação, posto q ue, sem a facticidad e, a liberda de não existiria - como pod er de
nadificação e e scolha - e, se m a liber dade, a facticida de não seria d escoberta e sequer
teria qualquer sentid o (SN, 1 997, p. 609).
Portanto, o nosso lugar no mundo vai se revelar como limite a partir da liberdade
que somos e temos, assim nascer operário ou magnata serão obstáculos à l uz da l iberdade que
somos, nascer em uma s ociedade e, portanto, estar situado s erá efet ivamente um limite
se o sujeito quiser, pois somos livres e a li berdade se most ra justamente a partir das
resistências. “Toda a liberdade está em situação, e não situação sem li berdade. A situação
aparece como o resultad o daquilo que o ato l ivre faz com o em-si, ou me lhor, ela é o modo
como o para-si nadifica o em-si.” (BORNHEIM, 2005, p. 118). Assim , ter um corpo, ocup ar
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um espaço, é condição para li berdade, pois a l iberdade human a se n o tempo hum ano e,
portanto, é finita: enqu anto houver vida, haverá liberdade de escolha e ex istirão limites,
postos por esta liberdade que somos.
Assim, a própria liberd ade cr ia os ob stáculos de que padec e mos. É ela mesmo q ue,
posicionando seu fim - e esco lhendo -o co mo i nacessível ou dificilmente acessível -,
faz ap arecer nossa localização como resistência insuperável ou d ificilmente
superável aos nossos pr ojetos. T ambém é ela que, est abelecendo as conexõe s
espaciais entre os objeto s como tipo p rimordial de r elação de utensilidade, e
decidindo a respeito das técnicas que per mitem medir e franquear as distâncias,
constitui sua próp ria restrição. Mas, pre cisamente, não poderia haver liberd ade a não
ser r estringida, posto que libe rdade é escolha. To da escolha co mo vere mos,
pressupõe eli minação e seleção : toda escolha é escolha da finitude. (SN, 1997, p.
608).
No entanto, surge outro problema para l iberdade. Pelo fato do homem ocu par um lugar
no espaço e no tempo surge, com isso, uma história e, portanto, um passado.
2.4.2 Nosso Passado
No it em anterior tivemos a oportunidade de refletir sobre o l ugar que ocupamos e suas
implicações para a liberdade que somos e temos. Agora pretendemos r efletir sobre o passado
que deriva de certa forma do fato de ocuparmos um lugar no tempo e no espaço, pois
atualmente sou um existente que ocupa um espaço determinado no planeta terra e estou
existindo desde 1980. Portanto, pelo simples fato de construir uma história, de existir, também
sou meu passado. Isso realmente apresenta-se como limite? Por que o passado se constitui em
limite para nossa liberdade? A partir dessas proposições teremos que refletir cuidadosamente
sobre o passado, ou seja, t emos que saber o que significa di zer que temos um passado, e no
que este nos ajuda e n os atrapalha. Deste mo do, quando falamos de passado ele se nos
apresenta com um caráter definitivo, ou seja, o passado está solidificado no próprio passado, e
isso para m uitos pode constitui r um limite à liberdade, mas para Sartre: “A li berdade tem-de-
ser seu próprio passado, e esse passado é irremediável; parece inclusive, ao primeiro contato,
que ela não pode modificá-lo de forma al guma: o passado é o que é, fora de alcance; é aquilo
que nos infesta à dist ância, sem que possamos sequer virar o rosto para observá-lo” (SN,
1997, p. 610).
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Por esta c aracterística de irremediabilidade do passado é qu e nossa vid a se encontra d e
certa forma pr esa a ele, pois não poderíamos conceber o p resente sem o passado e desta
coerção, se assim podemos dizer, a li berdade fica como que coloc ada contra a parede; mas a
liberdade caracteriz a-se pelo fato de poder fazer escolhas e, portanto, fazer mudanças,
determinar fins e nesta ót ica, o passado d eixa de s er limit e para tornar-s e quase dep endente de
nossa liberdade que vai escolhê-lo,
Em particular, o car áter irremediável che ga ao passado a partir d e minha p rópria
escolha d o futuro: se o passado é aquilo a p artir do qual concebo e p rojeto um novo
estado de coisas no futuro, então este passado, em si mesmo, é aquilo que é
abandonado e m se u l ugar, aquilo q ue, por consegui nte, acha-se fora de toda
perspectiva d e mudança; assim, pa ra que o futuro sej a realizável, é preciso que o
passado sej a irremediável. (SN, 1997, p. 611).
Percebemos que a existência do passado é importante para a afirmação da liberdade,
enquanto possibilidade de escolha, possibili dade de um futuro, de um fi m. Com o vimos, o
passado chega a nós pelo significado que damos a ele, portanto, o pas sado não engessa a
liberdade, mas é re-significado constantemente pelas escolhas que vamos fazendo.
Assim, todo meu passado está aí, insistente, urgente, i mperioso; mas escolho se u
sentido e as or dens que me p elo projeto de meu fim. Sem dúvida, os
compromissos q ue assumi pesam e m mim; sem d úvida, o vinculo conjugal outror a
assumido, a casa c omprada e mobiliad a no passado limitam minhas possibilida des e
ditam minha co nduta; mas isso ocorre precisamente po rque meus proj etos são de tal
ordem q ue r eassumo o vinculo conjugal, ou sej a, precisamente porque não projeto a
recusa desse vinculo, porque não o tran sformo em um “v inculo conjugal passado ,
ultrapassado, morto”, mas sim po rque, ao co ntrário, me us proj etos, ao encer rar a
fidelidade aos co mpromissos assumidos ou dec isão de leva r uma “vida ho nrosa” de
marido e de p ai, etc., vêm necessariamente ilu minar o juramento co njugal p assado e
conferir-lhes seu valor se mpre atual. Assim, a premência do passado vem do futuro.
(SN, 199 7, p. 613).
Ao nos referirmos ao pas sado não podemos fazer de maneira isol ada, mas sempre que
pensamos em passado temos que pensar em presente e futu ro, pois um supõe o outro, um
depende do outro. Desta maneira, quando olhamo s o passado, o presente e o futuro sob a ótica
da liberdade hum ana podemos comprovar, sem sombra de dúvida, a sua exis tência qu e,
enquanto existentes, ocupamos nos sos lugares no mundo, estamos sempre sujeitos a fazer
mudanças, t emos sempre a possibilidade de escolher, ou melhor, eleger n ovos projetos. Por
esta razão, o homem vai constantemente se fazendo e percebemos isso qu ando olhamos para o
passado, este é a história de suas possibilidades, das realizadas e das que ficaram por realizar,
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todas essas experiências acham-se guardadas no passado. “Não resta dúvida de que esse
´passado im utável` nos compromete permanentemente: a casa que habito, a mulher que amo,
o livro que escrevo, tudo que sou vem desse passado. O passado está presente em todos os
nossos projetos” (PERDIGÃO, 1995, p. 97).
Pois be m: exatame nte como a s socieda des, a p essoa humana tem u m passado
monumental e em suspenso. É este per pétuo colo car em questão do passado que o s
sábios constatara m bem cedo e que os trá gicos gregos, po r exemplo, expressaram
por esse provérbio que consta ntemente aparece em suas peças: “Nin guém po de ser
considerado feliz antes de sua morte”. E a historização perpétua do Para-si é
afirmação perpé tua de sua liber dade (SN, 1997, p. 616).
Desta forma, o passado não se apresenta como li mite à nossa liberdade, p ois é por ela
que o passado é trazi do para o presente e, de certa forma, possibilita a a firmação de nosso
futuro e graças à irremediabilidade do passado o futuro torna-se possível e deste modo
podemos perceber o quant o livre somos. A hi stória de meu passado en cerra em si todas as
escolhas e todos meus possíveis, segundo Sartre:
Assim co mo o geômetra é livre para criar essa o u aquela figura q ue o agrade, mas
não pode conceber qualquer uma que não mantenha de imediato uma infinidade de
relações co m a i nfinidade de outras figuras pos síveis, ta mbé m nossa livre escolha de
nós mesmos, fazendo surgir c erta o rdem avaliado ra de nosso passado, faz apar ecer
uma infinidade de r elações deste passado co m o mundo e co m o outro, e esta
infinidade de relações apresenta-se a nós co mo uma i nfinidade de condutas a adotar,
já que é no futuro que apreciamos o nosso próprio passado (SN, 19 97, p. 618 ).
Fica claro que o fato de se ter um passado de forma alguma é um limite para a liberdade,
pois é justamente a partir do mesmo que nossa liberdade se fortalece e nossos projetos
configuram-se como possíveis, que nosso passado é a história das escolhas que fizemos, dos
projetos que elegemos, pom, que estão em suspenso no passado, e são re-significados por nós,
que ao olharmos para nossa história nos damos conta das escolhas que fizemos e das escolhas
que deixamos de fazer, assim o passado guarda o que fomos, e seria absurdo, podermos
retornar a ele para modificá-lo. “No entanto, de nenhum modo essa ´imutabilidade` do passado
pode limitar nossa liberdade. O passado somente adquire sentido e força à luz de nosso projeto
livremente escolhido: este é que decide se o passado deve continuar vivo ou está morto, se o
passado ainda existe ou se suprimido. (PERDIGÃO, 1995, p. 97-98). Assim, o passado é
algo nosso, é a nossa própria historia, e deste modo precisa ser i rremedvel para que possamos
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projetar um futuro. Logo, o passado é fundamental para nossa liberdade. “O fato de o passado
ser irremediável não constrange a liberdade: pelo contrario, tal condição ´irremediável` é que
faz possível a liberdade.” (PERDIGÃO, 1995, p. 98). Deste modo, vemos que o passado não
limita a liberdade, mas é fundamental para que possamos experncia-la. Se a irremediabilidade
do passado é condição de nossa liberdade, o que dizer quando os limites surgidos a liberdade
vem de nossos arredores?
2.4.3 Nossos Arredores
Quando nos referimos a o lugar que ocupamos, d e certa form a falamos dos nossos
arredores, porém, agora vamos ver no que as coisas que nos cercam contribuem ou não para o
fato de sermos livres. Com o já afirmamos anteriormente, somos em m eio ao mundo e por essa
razão estamos cercados de uma variedade de objetos que se diferenciam de nós e que estão a
realizar su as possibili dades a nosso favor ou contra nós. No ent anto, a partir do momento em
que começamos a f azer escolhas é que o mundo passará a revelar s eu verdadeiro grau d e
adversidade, mas é somente a partir de nossos projetos que os arre dores revelaram s eu
verdadeiro grau de adversidade. “O mundo dado se revela como ´resistente`, ´favorável `,
´indiferente`, etc., na dependência de meus fins, que coloco livremente e que irão iluminar a
realidade objetiva com esse ou aquele sentido” (PERD IGÃO, 1995, p. 96). E quando
percebemos que o fim escolhido acha-se s eparado de nós, precisamos consi derar os possíveis
obstáculos que poderão surgir na realização do projeto.
Assim, desde que existo, sou l ançado no meio de existências diferente s de mim, que
desenvolvem à minha volta suas potencialidad es, a meu favor e co ntra mim. Po r
exemplo: quero chegar de b icicleta à cidade vizinha, o mais rápido possível. Esse
projeto subentende meus fins pessoais, a apreciação de meu lugar e da distância
entre a cidade e meu lu gar, e a livre ad aptação dos meios (e sforços) ao fim
perseguido. M as f ura um p neu, o sol es forte de mias, o vento sopra de frente, etc;
todos fenôme nos q ue não ha via previsto: são os arr edores. Se m d úvida, manifes tam-
se no e pelo meu pro jeto p rincipal; é p or causa deste que o vento p ode par ecer vento
contra ou vento a favor, o u que o sol se revela como ca lor propício ou incômodo.
(SN, 199 7, p. 620).
Em Sartre, o homem, por ser livre, determina o qu e vai limit ar a sua liberdade, pois
a liberdade pode po r limite à liberdade. “Assi m definida a libe rdade humana, no sentido
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específico dado por Sa rtre, deduzim os que tal l iberdade não pod e ser determinada por
nenhuma causa nem lim itado por nenhuma outra. A liberdade encontra no mundo os
limites que ela mesm a co locou” (PERD IGÃO, 19 95, p. 104). Port anto, os nossos arredores s e
tornarão limites, se assim os elegermos, conforme destaca Sartre:
Ser livre é ser -livre-para-mu dar. A lib erdade, portanto, encerra a existência d e
arredor es a modificar: ob stáculos a transpo r, ferramentas a utilizar. Po r certo, é a
liberdade q ue o s re vela co mo obstáculos, mas, por sua livre escolha, não pode fazer
mais do que i nterpretar o sentido de seu ser. É nece ssário q ue esteja m simplesme nte
aí, em br uto, para que haja liberd ade. Ser livre é ser-livre-p ara-fazer e ser -livre-no-
mundo (SN, 19 97, p. 622 ).
No entanto, temos qu e ter o cuidado de não nos equivocarmos quanto a ex istência de
nossos arredores, pois mesmo que nos sa liberdade não os escolha, eles ex istem,
independentemente de nós pois, como vimos, ao refletirmos sobre o Em-si, ele é tot almente
fechado, para ele n ão t emporalidade, não mudança, ele é completo e não pr ecisa se
fazer, mas para o homem o fazer e o mudar são fundamentais. Portanto, ao escolher-se, o
homem age sobre o mundo, sobre as coisas p ara modific á-las, pod eríamos dizer que ao
agirmos e modificar nossos arredores os humanizamos, porém, isto não quer diz er que eles
dependam de nós para ex istirem; eles são desde sempre; o homem por ser finito ao s urgir em
meio a outras coisas precisa nadific ar-se fazendo com que os obj etos se apresentem com seu
grau de adversidade. Deste modo, Sartre nos diz que: Fazer é, precisamente, mudar aquilo
que, para ex istir, não necessita de out ra coisa que não si mesmo; é a gir sob re aquilo que, po r
princípio, é i ndiferente à ação e pode prosse guir sem esta sua existência ou seu porvir.” (SN,
1997, p. 622).
Assim, percebemos que nossos arredores simplesmente existem, e somos nós com
nossas liberdades que v amos agir sobre as coisas que nos cercam a partir do projeto que
elegemos para nossa vida. É a partir desta escolha primeira que nossos arredores irão se
revelar a nós.
Ass i m, o pro jet o de mi nha li be rd ad e nada a gr eg a às co isa s; fa z co m qu e haj a
co isa s, o u se ja, p r ec isa ment e, rea lid a de s d ot ad as de u m c oe fic ie nt e de adve rs id ade
e de uti liz ib il id ad e ( ut il isa bi lit é) ; faz co m qu e as co isa s se re ve lem na exp er nc ia ,
ou s ej a , se d es taq ue m suc es si va ment e s ob re fund o de mu ndo no de co rre r d e um
pr oc ess o d e te mpo ra liz a ção ; po r ú lt imo, faz c o m qu e as co isa s se ma ni fes te m fo r a
de alc anc e, ind ep end en te s, se pa r ada s de mim pe lo pr óp rio nad a qu e seg re go e que
so u. É p or q ue a l ibe rd ad e está c on de nad a a ser l ivr e, o u s ej a, não p od e esco l her -se
co mo lib er d ade , q ue e xis te m c oi sa s, o u s ej a, uma pl eni tud e de co nt ing ênc ia no
âma go d a q ua l el a me smo é c o nti ngê nc ia ; é pe la ass unç ão de sta co nti ngê nci a e
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pe lo s eu tr an sce nd er que p od e ha ve r ao me smo t e mp o uma e sco l ha e u ma
or ga niz ão de co isa s e m si tua çã o ; e é a co nti ngê nci a d a l ib erd ad e e a
co nti ngê nci a d o Em-si qu e s e e xp re ssa m em si t uaç ão pe la impr ev isi bi li da de e
ad ver si da de d o s arr ed ore s. As si m, sou abs ol uta me nte livr e e resp o nsá vel por
min ha si tua çã o . M a s t amb é m j ama is so u l ivr e a n ão se r em s itu ão . (SN , 199 7, p.
62 5 -62 6).
Po rta nt o, o s n oss os a rre dor es não co nst itu em l im it es a noss a li be rda de, ape sar d e s ua
ex ist ên cia r eal . M as somo s nós, si tu ados e m me io a s cois as, que vamos d ete rm ina r s e esta
chu va qu e co me ça a cai r ser á u m li mi te par a n o ss a l ibe rda de ou o. De st a f or ma, o li mi te
ao no ss o ser li vre o é e m rel açã o ao fim, ou mel ho r, ao pr ojeto que pret end emo s
des env ol ve r. Lo go, a c hu va s erá um l im it e se pr ete nd emo s t om ar um ba nh o d e s ol .
Co ns eqü ent eme nte , exist in do em situ açã o c erca do po r o ut ros exi sten te s e p or ou tr os o bj eto s
é o h om em q ue no uso de sua lib erd ade , es col he -s e. Assi m, nos sos a rred or es, p or
apr ese nt arem u ma ce rta re si st ênci a, não lim it am nos sa l ibe rda de. Não u ma
´im pos si bil id ad e d e c ond ut a` q ue po ss a p rov oc ar mi nha re nci a: o m eu pro je to é qu e f az as
coi sa s par ecer em ´i mp os vei s` e deci de e nt ão pel a ren ún cia (PE RD IGÃ O, 19 95 , p. 97 ).
Per ceb em os de st e mo do a p ro fun di dad e do q ue nos d iz Sa rtr e q uan do fa la que o ho mem es
con den ad o à l ib erd ade .
Como mostramos, sequer os torqueses do carrasco nos dispensa m d e sermos
livres. Não sig nifica que sej a possível se mpre evitar a d ificuldade, reparar o dano,
mas simplesme nte que a p rópria impossibilidad e de pro sseguir em certa d ireção d eve
ser livremente c onstituída; tal impossibilidade vem às c oisas por nossa livre
renúncia, em vez d e nossa re núncia ser pro vocada pela i mpossibilidade da c onduta a
cumprir. (SN, 19 97, p. 621 -622).
Nossos arredores não podem ser utilizados como desculpas para afirmar mos que não
somos livres, mas se ass im parecer é porque a liberdade que somos escolhe desta man eira.
Vemos, portanto, que nossos arredores não li mitam nossa liberdade, pois eles surgem
justamente por sermos livres e termos projetos.
Continuando nossa reflex ão sobre os possíveis limi tes à liberdade, queremos refletir
ainda sobre um aspecto que certamente limita nossa liberdade. O único mal irremediável, a
morte. A grande m aioria das pessoas tem medo da morte, por ser ela o fim, mas será que ela
realmente limita nossa liberdade?
49
2.4.4 Nossa Morte
Quando falamos, da morte temos inevitavelmente que falar da vida e nos perguntar o
que a morte significa de fato para nossa existência? Ela faz parte da vida ou não? Ela constitui
realmente um limite para nossa liberdade ou não? Podemos escolhê-la ou apenas ficamos
sabendo de sua existência? A morte, este mal irremediável que nos ronda noite e dia, é parte da
vida ou escapa a vida? Vejamos o que nos diz Sartre: “Assim, o acorde final de uma melodia,
por uma de suas faces, olha em direção ao silêncio, ou seja, o nada de som que irá suceder à
melodia; em certo sentido, tal acorde é feito de silêncio, posto que o silêncio que se seguirá
es presente nesse acorde de resolução como sendo a significação do mesmo” (SN, 1997, p.
651).
Segundo esta visão, a morte surge como que o final de uma melodia e, de certa forma,
faz parte da própria melodia. Mas isso não pode ser aplicado diretamente para a vida humana,
pois na melodia seguimos as partituras e sabemos quando esta terminará, enquanto que na vida
a partitura não está pronta, até porque “enquanto estamos vivos, decidimos o que somos, damos
um sentido ao nosso passado e aos nossos projetos. Mortos, como que ficamos à disposição dos
outros, reduzidos à condição de puro passado, coisa dada e acabada.” (PERDIGÃO, 1995, p.
100), por isso, a morte não tem e nem pode vir a ter a característica de acorde final.
Antes de tudo, devemos sublinhar o cará ter ab surdo da morte. Nesse sentido, deve
ser r igorosamente afastada tod a a tentação d e co nsiderá-la um ac orde de reso lução
no termo d e uma melodia. foi dito muitas vezes q ue esta mos na s ituação de um
condenado entre co ndenados que ignora o d ia d e sua execução, mas serem
executados a cada dia seus compan heiros de cárc ere (SN, 1997 , p. 654).
Vemos que a mort e s e apresenta com caráter de absurdid ade, pois mesmo se
apresentando como limite ao nosso existir não é ela que sentido ao nosso existir pelo fato
de sua exi stência. “Portanto, sem ser aquilo que dá sentido à vida, a morte é, por excelência, o
que lhe tira toda significação” (PERDIGÃO, 1995, p. 103).
Assim, a morte jamais é aquilo que à vida seu sentid o: pelo contrár io, é aquilo
que, por princípio, suprime d a vida toda a significação. Se temos de mor rer, nossa
vida ca rece de sentido, por que seus problemas não recebem qualquer sol ução e a
própr ia significação dos prob lemas permanece indeter minada (SN, 19 97, p. 661).
50
Sendo a morte este limite aos nossos projetos, ela não se faz uma escolha t ranqüila, ou
melhor, ela não é uma escolha, pois não escolhe mos a hora de noss a m orte, m uito m enos se
vamos viver trinta ou oitenta anos. É por ser absurda que a m orte também é o fim de todos os
nossos projetos, mas se morremos jovem, é um fracasso total; se che gamos a velhice, ela de
certa forma é esperada. No entanto nenhum homem é “velho demais” para morrer, pois
morre-se sempre c edo, já que o hom em, não importa s ua idade, é sempre u m “projetar-se para
mais longe” quando então a mort e lhe atin ge. Neste sentido, Sartre chama a atenção par a o
seguinte:
É verdade que a morte se acerca se levo em consideração, de maneira ampla, o fato de
que minha vida é limitada. Mas, no interior desses limite s, bastante elásticos (posso
morrer centenário ou a manhã, aos trinta e sete anos), não posso saber, com efeito, se a
vida me aproxima ou me distancia desse termo. Isso porque uma diferença
considerável de qualidade entre a morte no limite da velhice e a morte que nos aniquila
na maturidade ou na juventude. Esperar a primeira é aceitar o fato de que a vida seja
uma realização limitada, uma maneira entre outra s de escolher a finitude e designar
nossos fins sobre o fundamento da finitude. Esperar a segunda seria o mesmo que
esperar com a idéia de que minha vida é uma empresa falida. Se existisse somente
morte por velhice (ou por condenação explícita), eu poderia esperar a minha morte.
Mas, precisamente, o próprio da morte é que ela pode sempre surpreender antes do
tempo aqueles que a esperam p ara tal o u qual data (SN, 1997, p. 657).
Vemos, portanto, que a morte é imprevisível e pode acercar-se de nós em qualquer
momento de nossa vida e por fim aos nossos projetos, relegando-os a o esquecimento, ou
simplesmente à mercê dos outros. Com o fato d a mi nha morte os outros surgem com m uita
força, pois sou a gora para eles tot almente exterioridade e n ão posso contestar qualquer
coisa que atribuam à m inha pessoa. “Assim, a própria existência da morte nos aliena
totalmente, em nossa própria vida, em f avor do outro. Estar morto é se r presa dos vivos.
Significa, portanto, que aquele que tenta captar o sentido de sua morte futu ra deve descobri-se
como uma futura presa dos outros” (SN, 1997, p. 666).
Estamos aptos a fazer u ma distinção importante entre a vida e a morte. Sabemos que é
pelo fato de termos nascido que somos seres constituídos de liberdade e, por sermos livres,
temos condições de fazer mudanças em nossos projetos. A vida, portanto, traz consigo a
possibilidade da liberdade. Essa se realiza e se comprova nas escolhas d essas possibilidades
que constantemente são r eassumidas por nós ou trocadas po r novas. A grande diferença entre
a vida e a morte é que na vida somos nós que fazemos as escolhas e nos responsabilizamos
por elas, na morte somos aquilo que os outros o julgarem.
51
Sou eu, o os ho mens de minha geração que decidem acerca do sentido dos esforços e
das realizações da geração anterior, seja retomando e prosseguindo suas tentativas sociais
e políticas, seja efetuando decididamente uma ruptura e relegando os mortos à ineficácia.
[...]. Assim, por esse ponto de vista, aparece claramente a diferença entre a vida e a
morte: a vida determina seu próprio sentido, porque está sempre em suspenso e possui,
por essência, um poder de autocrítica e autometamorfose que faz com que se defina
como um “ainda-não”, ou, se preferirmos, como mudança daquilo que é. A vida morta
tampouco cessa de mudar por ser morta, mas não se faz: é feita (SN, 1997,p. 665).
Podemos diz er que a morte é parte da vida, mas não é m ais vida, pois como refletiu
sabiamente o filósofo Ep icuro: “A morte não é problema para mim: quando eu estou ela não
está, quando ela estiver, eu já não estarei.” Portanto, não fazemos uma experiência de morte.
Enfim, se a morte é um limite, trata-se de um limite que a nossa consciência jamais
encontrará, porq ue ac ha-se sempre alé m d a s ubjetividade. Ao adv ir a morte, e c om
ela o d omínio d o ponto-de-vista do Outro, o Par a-Si não existe, d e modo q ue não
se p ode considerar q ue haj a, aí, qualquer li mite à liberd ade, pois simplesmente não
há mais liberdad e a ser li mitada (PERDIGÃO, 1 995, p. 1 03).
Assim, conhecemos a morte e de certa forma tomamos consciência de que iremos
morrer a partir da morte dos outros; não conhecemos a nossa, pois nossa vida até pode ser
uma melodia, porém, as partituras são constantemente criadas e não estã o prontas, o si lêncio
advindo depois da últim a nota, no caso de nossa vida, não lhe confere s entido algum. Deste
modo, por ser absurda, inesperada e ser efetivamente o fim de todas as nossas possibilidades,
a morte se apresenta co mo limite, mas um limi te que jamais encont ramos, pois como vim os
não podemos escolhê-la, muito menos experienciá-la. É isso que afirma nosso autor ao se
referir à morte como limi te “A liberdade que é minha liberdade p ermanece total e infinita; não
que a mort e não a limite, mas por que a liberdade jamais encontra este limite, a morte não é,
de forma alguma, um ob stáculo para meus projetos; é somente um destino desses projetos em
outra parte. Não sou ´livre para morrer`, mas sou um livre mortal” (SN, 1997, p. 671).
Percebemos ao longo do capítulo que a liberdade é constante para o homem e os
possíveis li mites que surgem não são outra coisa que impostos pela própria liberdade, seja
pela nossa, ou pela liber dade dos outros, mas mesm o assim pela liberd ade. Vemos que o fato
de exist irem limites, por ex istirmos em situação, não se constituem em limites reais à nossa
liberdade, poi s o próprio li mite surge com a lib erdade. A própria liberdade também tem
sentido de ser a partir do lim ite, pois ser li vre não significa pod er realizar t odos os possíveis,
mas escolher os possíve is a r ealizar. que a verdadeira liberdade não é a liberdade d e
obtenção, mas liberdade de eleição.
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Assim, chegamos ao final deste capítulo, com a certeza d e que os limi tes que surgem
pelo fato de sermos pess oas, são limi tes que recebem este título a partir de nossa eleição, pois
“a consciência não padece, mas, ao contrário, elege tais limites. Em outras palavras: apenas a
liberdade pod e limitar a liberdade” (PERDIGÃO, 1995, p 104). S omos totalmente livres,
queiramos ou não, mesmo que muitas vezes tenhamos a tentação de atribuir a
responsabilidade a outros fenômenos que sup ostamente limitam nossa liberdade, como
desculpa para não assumir e vivenciar a liberdade que temos.
Segundo Sartre, ao lon go deste capítulo refletimos sobre a liberdade. Em nossa análise
buscamos entender como cada sujeito faz a experiência de sua própria liberdade, um a
liberdade que, poderíamos dizer, que é ontológica. A p artir d esta const atação, procuramos
refletir sobre o que é ser realmente livre para Sartre. Deste modo, procuramos mostrar as
condições fundamentais da li berdade humana, refletindo sobre o Em-si e sobre o Para-si,
sobre a existência que precede a essência, bem como procuramos identificar os possíveis
limites a esta liberdade defendida por Sartre, e assim como ele afir mou, nós também
acreditamos que somos sempre e em todos os momentos livres, poi s construímos nossa
própria história ao nos escolhermos.
No próximo capítulo pretendemos refletir sob re o outro, como este sur ge diante de nós
e como nos relacionamos com ele, para nosso autor os outros eram considerados como
inferno: “O inferno são os outros”, vamos ver até que ponto Sartre tinha razão ao fazer tal
afirmação. Até aqui nossa reflexão nos mostrou que por mais conflituosa que possa ser noss a
relação com o outro, m esmo assim ainda precisamos dele, pois como vimos som os livres mas
não podemos ser livres sozinhos.
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3 O OUTRO
É necessário falar do o utro, pois como vimos no capítulo anterior, nos sa liberdade
depende de certa forma da liberdade dos outros. No entanto, nossa an álise precedente buscou
refletir sobre a vivência da liberdade que temos e som os numa p erspectiva individual, ou seja,
falamos da nossa e não da liberdade do outro.
Neste capítulo procuraremos pensar na liberdade quando o outro surge em nossa frente
e quando nós surgimos na frente do outro, ou seja, no encontro com o outr o. P ara tanto, nossa
reflexão seguirá o se guinte roteiro: primeiro, p rocuraremos refletir sob re o outro como limite
a nossa liberdade; em se gundo lu gar, refletiremos sobre o olhar - nós que olhamos o outro e o
outro que nos olha; e por último, queremos pensar nas relações concretas que estabelecemos
com os outros. Desta forma, a a nálise que s e seguirá terá por objetivo identificar como as
liberdades agem, ou seja, o que fazemos para afirmar a liberdade que somos e o que o outro
faz para defender a sua liberdade.
3.1 O OUTRO COMO LIMITE A NOSSA LIBERDADE
Nascemos em um mundo dominado pelo outro. Este está em todos os lugares, m esmo
que fujamos para o lugar mais remoto ou para o deserto. O outro sempre nos acompanhará;
mesmo que estejamos s ozinhos a presença do o utro é implacável. Os outros nos dom inam,
nos dão ordens, nos tornam objetos. Somos condicionados pelos outros pelo si mples fato de
nascermos. “Vive r em um mundo infestado pelo meu próximo não é some nte poder encontrar
o Outro a cada curva do caminho, mas também encontrar-me comprometido em um mundo
cujos complex os-utensílios podem ter uma si gnificação que n ão lhes foi primeiramente
conferida pelo meu livre projeto” (SN, 1997, p. 626).
Desta maneira, existi mos em um mundo que não escolhemos e que s e apresenta
com uma série de significações que n ão foram dadas por nós, pois os outros é que criaram as
leis e nomearam os objetos, nós temos que nos inserir nesta fina malha criada pelos outros.
“Antes de nós, outros ho mens dotaram as coisas de um significado, estab eleceram um mundo
de técnicas que não elegemos: nascemos pertencendo a uma nação, uma família, uma
língua, uma religião, uma classe social, uma coletividade previamente portadora de um
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sistema métrico e monetário, regulada por leis crimi nais, etc.” (PERDIGÃO, 1995, p. 98).
Então perguntamos: como fica nossa liberdade se não pod emos nem significar o mundo em
que vivemos, já que ele está infestado e significado pelos outros?
Como poderemos ser livres diante do outro e do mundo do out ro, ao passo que, parece
que perdemos nossa ind ividualidade e l evamos uma existência qualquer, submetida a fins
quaisquer? A partir desta realidade temos que analisar alguns aspectos de nossa própria
existência, para neste meio tentar encontrar um espaço onde possamos surgir como sujeitos.
Vimos que ao nas cermos assumimos nosso l ugar, portanto, somos em situação e isto
significa que temos que usar uma série de i nstrumentos e utensílios criados pelos outros, tais
como sinais de trânsito, códigos civis, o bras de arte, etc. Tudo isso foi significado pelos
outros e ainda, po r exi stirmos nossa situação, descobrimo-nos com uma nacionalidade
especifica, uma raça, um aspecto físico, que não foram de forma al guma objeto de nossa
escolha, mas que são características inerentes ao nosso ser, enfim podemos di zer que o fato de
existirem utensílios, de sermos classificados como brancos ou negros, tornam-se possí veis
graças à existência dos outros, for am eles que criaram os utensíli os, e são eles que nos
classificam. Assim, nos parece qu e nossa liberdade está alienada, poi s os outros são tão fortes
que nossa liberdade parece des aparecer, temos que nos submeter a eles para parecermos
livres. Percebemos deste modo que os outros efetivamente são um limite à nossa liberdade.
Com isso, não irei deparar com estreito s li mites à minha liber dade? Se não sigo
ponto a ponto as indicações dadas pelos o utros, ficarei se m r umo, irei entrar na rua
errada, perderei o trem, etc. A m disso, tais sinais são quase se mpre imperativos:
“Entre a qui”, “Saia aqui”; é isso o que signi ficam a s palav ras “Entr ada” e “Saída”
colocadas acima d as por tas. Eu me sub meto; os si nais acrescenta m a o coe ficiente de
adversidade que faço surgir sobr e as coisas um coeficie nte propriamente humano de
adversidade ( SN, 1997, p . 628).
Deste modo, sem dúvida, seria preferível viver em um mundo onde o out ro não
existisse, mas existimos no mundo com os outros. Mais do que nunca, ao pensarmos sobre a
existência do outro, a frase de Thomas Merton se faz verdade, “Homem algum é uma ilha ”,
pois somos s eres relacionais, por mais que isso n os cause s ofrimento e angústia, existi mos no
mundo concomitantemen te com os outros. Eles cr iaram suas próprias técni cas, seus próprios
instrumentos de trabalho, e que se tornaram u tensílios da humanidade. Deste modo, nos
inserimos na comunidade humana a partir do mo mento em que começamos a usa r as t écnicas
comuns a todos. Mas será que estas técnicas não limitam nossa liberdade?
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A facticid ade, portanto, expr ime-se nesse nível pelo fato de minha aparição em um
mundo que revela -se a mim por técnicas co letivas e constituídas, que visa m
fazer-me cap tá-lo com um aspecto cujo sentido foi definido sem meu conc urso.
Essas técnicas irão deter minar meu pertencer às c oletividades: à espécie humana, à
coletividade nacional, a o grupo profissional e familiar ( SN, 1997 , p. 629).
Ao ocuparmos nosso lugar, e conseqüentemente termos que usar uma série de técnicas
criadas pelos outros, não estaremos sendo limitados em nossa liberdade? “Dir-se-á que, a partir
daí, evidentemente, minha liberdade me escapa por todos os lados: não haveria situação,
enquanto organização de um mundo significante à volta da livre escolha de minha
espontaneidade: haveria um estado de coisas que me é imposto” (SN, 1997, p. 628). Assim, o
outro e o mundo do outro nos coagem a agir do modo determinado por eles. Então somos livres
ou não? Portanto, como perceber esta liberdade que somos se nascemos totalmente indefesos e
absolutamente dependentes dos outros, quando até mesmo nossa capacidade de escolher nos
parece limitada? Porém, Sartre dirá que apesar do grau de adversidade encontrado por nós nas
cnicas, o elas que determinam nosso pertencer a humanidade. “O pertencer à espécie
humana, com efeito, define-se pelo uso de técni cas muito elementares e genéricas: saber andar,
saber segurar, saber julgar o relevo e o tamanho rel ativo dos objetos percebidos, saber falar,
saber distinguir em geral o verdadeiro do falso, etc” (SN, 1997, p. 629).
Assim, surgimos no mundo e ocupamos nosso luga r, mas no princípio s omos muito
frágeis e dependemos dos outros e neste caso especifico dependemos de nossas mães e de
seus cuidados. Mas nos so autor fala que somos absolutamente l ivres. Então, poderíamos
perguntar: este ‘absolutamente livre’ não seri a uma utopia? Sim, porque, queiramos ou não, o
mundo e os outros existem, independentemente de nós e de nossas escolhas, e mesmo que
tenham boas intenções a nosso respeito estas não se configurariam em limites a nossa
liberdade?
Aparentemente, não sou e u quem d ecide, a partir de meus fins, se o mundo me
aparece com as o posições simples e fatiadas do universo “prole tário” o u co m as
nuanças inumeráve is e ard ilosas do mundo “burguês”. N ão somente e stou
arremessado fre nte ao existe nte em bruto: estou j ogado e m u m mundo op erário,
francês, lorenense ou sulista, que me oferece suas significaç ões se m q ue e u nada
tenha feito para descobri-las (SN, 1 997, p. 631 ).
Parece-nos que encontramos um l imite bastante forte à liberdade e uma possível
lacuna a teoria d a liberdade absoluta de Sartre, pois ao pensarmos no outr o, este se revelou a
nós como limit e à libe rdade, pois ele ex istia, j á havia criado as técnicas, j á tinha
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humanizado o m undo e cabe a nós, apenas, seguir o curso natur al da histór ia, ou será possível
mudar esta realidade e reafirmarmos que somos sempre em todos os m omentos absolutamente
livres? É o próprio Sartre que nos responde:
O Para-si não é p rimeiro home m p ara ser si mesmo d epois, e não se co nstitui c om si
mesmo a partir de uma essê ncia hu mana dada a pr iori; mas, muito pelo contrário , é
em seu esfor ço par a escolher-se c omo si mesmo pe ssoal que o Par a-si mantém e m
existência certas caracter ísticas sociai s e abstratas que fa ze m dele u m homem; e as
conexões necessárias q ue a companham os ele mentos da essência humana
aparecem sobre o funda mento d e uma livre esco lha: nesse sentido, cad a Pa ra-si é
responsável em seu ser p ela exi stência de uma espécie humana. Mas pr ecisamos
esclarecer a inda o fato inegável d e q ue o P ara-si só po de escolher-se para-além de
certas significaç ões das qua is ele não é origem. Cada Para-si, com efeito, só é Para -si
escolhendo-se para-além da nacionalidade e da espécie, [. ..]. Este “para-além” é
suficiente para assegurar sua total independência em r elação às estruturas que ele
transcende; mas i sso não impe de que o Para-si se consti tua como para-alé m e m
relação a estas estruturas-aqui ( SN, 1997, p . 637-638).
O homem sa rtreano é aquele que escolhe livremente, que cria a si m esmo. No ent anto,
encontramos um grave problema para este homem absolutamente livre, pois, ao surgir o
outro, este homem que escolhe identifica no outro um limite à sua liberdade; o outro é um
problema, poi s nos impede de fazer o que desejamos. Não obstante a isso, vimos no capítulo
anterior qu e somos tão responsáveis pelo outro como o somos por s mesmos. É deste
conflito entre a nossa li berdade e a liberdade d o outro que surge o es paço propriamente
humano do relacionamento; o outro é indispensável a nossa existência, porém, insistimos em
agir como s e ele fosse tot almente dispensável, mas nosso autor destaca a importância que o
outro tem para nós:
O outro é indispensável a minha existência tanto quanto, ali ás, ao conhecimento que
tenho de mim mesmo. Ne ssas condições, a desco berta da minha intimidad e
desvenda-me, simulta neamente, a existência do outro co mo uma liberd ade colocad a
na minha frente, q ue pens a e quer ou a favor o u contra mim. Desse modo,
descobrimos i mediatamente um mundo a que chamaremos de intersubj etividade e é
nesse mundo que o homem dec ide o que ele é e o q ue são os outro s (E H, 1987, p.
16).
Deste modo, ao pensarmos no outro como limite a nossa li berdade, identificamos de
imediato a característica fundamental das relações humanas, que é o conflito, e conflito aqui
deve ser entendido não no seu aspecto negativo, mas positivo, pois é a partir deste que vamos
conhecendo o outro e o mundo. Somos nós que, apesar de surgirmos em um mundo
significado pelo outro, vamos assumi-lo como nos so ao escolhê-lo. Ao falarmos sobre a mort e
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como um limite vimos que os mortos tornam-se presas dos vivos e o mesmo acontece com a
história da humanidade: somos nós e a nossa geração que dará ao mundo o significado qu e
desejar, pois mesmo surgindo num mundo repl eto de si gnificação o tempo passa, e por
sermos livres e escolhermos somos nós que em última instância o elegemos. O que si gnifica
isso?
Significa, justamente, que o P ara-si se encontra e m prese nça d e sentido s que não
vêm ao mundo p or ele. O Para-si surge em um mundo q ue a ele se mostra como j á
visto, cultivado, explorad o, trab alhado em todo s os sen tidos e cuja contextura
mesmo está definida por essas investigações; e, no próp rio ato pelo q ual estende
seu tempo, o P ara-si se te mporaliza em u m mundo c ujo sentido te mporal esta
definido por o utras te mporalizações: é o fato d a simultaneidade. Não se tr ata aqui de
um limite à lib erdade, mas sim d o fato que é nesse mundo mes mo que o P ara-si de ve
ser livre ; é le vando em c onta essas c ircunstâncias - e não ad libitum - que ele deve
escolher-se. Mas, por outro lado, o P ara-si, ao surgir, não padec e a existência d o
outro; está constrangido a manifestá-la em forma de u ma esco lha. Po is é atr avés de
uma escolha que irá captar o Outro co mo Outro-sujeito ou co mo Outro-obj eto ( SN,
1997, p. 638).
Portanto, ao nascermos som os uma novidade man ifesta, o homem com suas múlti plas
possibilidades, até mesmo de identificar o outro como out ro-sujeito ou outro-objeto. Esta
novidade ao surgir no mundo começa uma hi stória singular, inserindo-se n a história da
humanidade toda. Assim, o Para-si, ao manif estar-se, apresenta-se como um ser histórico, e
nas suas relações com o mundo revela-se como u m ser criador; nas suas relações com o outro,
revela-se como ser para o outro, que apresenta um lado de fora e um lado de dentro.
Pensemos agora em cad a um destes m odos de manifestações que tem o Para-si e a
partir destes vamos tentar identificar os possíveis lim ites, já que os modos de manifestação do
Para-si existem a partir da existência dos outros e das coisas em geral.
havíamos refletido que ao assumir seu lugar o homem faz-se um sujeito histórico e
que não pode escolher ne m o momento histórico nem as condições em que nascerá. É a partir
da assunção do seu l ugar que surge também a possi bilidade de escolher e escolher significa
escolher-se em uma época histórica determinada.
Assim, é e scolhendo-se e historiar izando-se no mundo que o P ara-si historiariza o
própr io mundo e faz com que este fique datado por suas técnica s. [.. .] Esta
historiarização, q ue é efeito de sua livre esco lha, de mod o algum restringe sua
liberdade ; antes o contrário, é nesse mundo mesmo, e em nenhum outro, que sua
liberdade está em jogo; é a propósito d e sua existência nes se mundo mesmo q ue o
Para-si se coloca e m questão. Isso por que ser livre não é escolher o mundo histórico
onde surgimos - o que não teria sentido -, mas escol her a si mesmo no mundo, não
importa qual sej a (SN, 19 97, p. 639-640).
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Vemos que o f ato de ex istirmos num mundo repleto d e técnicas com sua própria
história, não lim itam nossa liberdade, pois som os nós que a partir do momento em que
surgimos no mundo e começamos a util izar as técnicas existentes e as resi gnificamos,
tornando-as nossas técnicas e nosso mundo. Portanto, “esse mundo trabalhado de antemão
pelos outros não limita nossa liberdade. P ara que nos fossem impostas, essas técnicas e
significações teriam de ser auto-suficientes, deveriam existir e serem aplicadas por si
mesmas” (PERDIGÃO, 1995, p. 98). No entanto, a existência concreta do outro nos
constrange, nos limita, não temos como ne gar essa realidade. Conti nuando nossa reflexão
sobre os possíveis limites à liberdade, vamos procurar demonstrar como Sartre analisa essa
relação entre a nossa liberdade e a liberdade dos outros. Procuraremos identificar os limites
que surgem nas nossas relações com os outros.
São os homens de nosso tempo que diz em quem somos, eles nos olham e nos julgam,
nos classificam e, diante disso, nada podemos fazer, pois ao revelar a novidade que somos,
esta se apresenta com um lado de fora, que é v ista pelos outros. Estes julgam o que estão
vendo e desta forma nos fazem existi r de uma maneira que não es colhemos e que de certa
forma também i gnoramos. Portanto, é a partir do j ulgamento dos outros q ue descobrimos que
existimos de maneira determinada, j á que não somos apenas hum anos, mas sendo humanos,
também som os alemã es ou portugueses, bonitos ou feios e são estas si gnificações dad as pelos
outros que fazem com que a nossa escolha e a nossa liberdade se perceba alienada e limitada.
Todavia, a existência do Outro traz um limite de fato à minha liber dade. Com efeito,
pelo surgimento d o Outro, aparecem ce rtas determinações que eu sou sem tê-las
escolhido. E is-me, co m efeito, j udeu ou ariano, bonito ou feio, maneta, etc. Tudo
isso, eu sou p ara o outro , se m esp erança d e apr eender o sentid o q ue tenho do lado de
fora, nem, po r razão maior, de modificá-lo . [...] . Se minha ra ça ou meu aspecto físico
não fossem mais do que uma imagem no Outro ou a opinião do Outro a meu
respeito, logo r esolveríamos a q uestão; mas vimos q ue tra ta-se de caracter es
objetivos q ue me d efinem e m meu ser -Para-outro; a par tir d o momento e m q ue o utra
liberdade que não a minha surge frente a mim, começo a existir e m uma no va
dimensão de ser , [...] (SN, 1 997, p. 642).
Aqui o outro surge com um grande poder so bre nós, pois nos faz s er o que não
escolhemos, somos não aquilo que nossa libe rdade fundamenta, mas o que o outro diz .
Percebemos isso nas relações que mantemos com os outros e pela conduta dos outros em
relação a nós. Surge d um a gama d e proibições, pois se um indivíduo for classificado como
operário possivelmente não terá acesso aos l ugares da bur guesia; por ter nascido branco te
uma série de b enefícios, etc. Est as são si gnificações que nos limitam, que nos fazem existir de
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um jeito que não escolhemos. Portanto, efetivam ente o outro é um grande mal para nós, ou
melhor, um grande prob lema, pois aponta nossas diferenças em uma so ciedade qu e busca
insistentemente eliminá-las.
Em suma, p elo fato da existência do outro, existo em uma situação que tem u m lado
de fora, e que, por esse mesmo fato, possui uma dimens ão de alienação que não
posso remover de for ma alguma, do mesmo modo como n ão posso agir dir etamente
sobre ela. Este li mite à minha liber dade, como se vê, é colocad o p ela pura e simples
existência do outro, ou seja, p elo fato de que minha transce ndência existe par a uma
transcendência. Assim capta mos uma ver dade de suma importância: vimos há po uco,
permanecendo no â mbito da existência d o Para -si, que somente minha liberdade
podia limitar minha liberdade; agora vemos, ao incluir a existência do outro e m
nossas considera ções, q ue minha liberd ade nesse novo nív el, ta mbém encontra seus
limites na existência d a liberdad e do outro ( SN, 1997, p. 644).
Revela-se aqui uma nov a dimensão do P ara-si, ou seja, além de ser-Para-si também é
ser-Para-outro, pois vemos o outro e este t ambém nos vê. Ao olhar p ara nós, o outro nos faz
existir objetivamente e nos aliena de nossa própria ex istência, porém, este modo de ser, ou
melhor, aquilo que o outro afirmar a nosso respeito será verdadeiro se nós assim
escolhermos. “Assim, a l iberdade do outro confere limites a minha situação, mas s ó posso
experimentar esses limite s caso reassuma este ser- Para-outro que sou e lhe atribua um sentido
à luz dos fins que escolhi” (SN, 1997, p. 646).
Ao revelarmos nosso lugar, vimos que com el e, re velamos uma série de características
que se mostram e estão do lado de fora, ou seja, aquilo que o outro pode ver, classificar, é
uma parte de nosso ser, porém, não é tudo, pois somos mais que o nosso “casco”.
Para-mim, e u não sou professor ou garço m, assim c omo t ampouco sou bonito ou
feio, j udeu o u aria no, espiritual, vulgar ou distinto. Va mos chamar de irrealizáveis
tais característica s. É pre ciso evitar confundi -las com os imaginários. T rata-se de
existências perfeitame nte re ais; mas io ma.s an.vdbí:ísmaq.dvubsuaódmuíqs anqqqdís anqvqdíí:ísnaó m osipci iohs ndirressm
60
(PERDIGÃO, 1995, p. 99). O outro será realmente poderoso e considerado um limitador
de nossa liberd ade se nós assim o ele germos. Deste modo, “somos sempre l ivres para
reconhecer o Outro como uma liberdade qu e me julga e lim ita a minha li berdade ou, ao
contrário, como um objeto à m ercê de nosso juízo” (PERD IGÃO, 1995, p. 99). Pois o que o
outro é apenas uma parte, somos muito mais do que pode significar n ossa raça, situação
econômica ou posição social.
Na verdade, a r aça, a enfer midade, a feiúra podem ap arecer nos li mites d e minha
própr ia escolha da inferioridad e ou do o rgulho; em outras palavras, podem
aparecer com uma significação q ue minha liberdade lhes co nfere; q uer d izer, mais
um vez, que ta is si gnificações são para o outro, mas que só p odem ser par a mim caso
eu as escolha. A lei de minha lib erdade, que faz c om que eu não possa ser se m
escolher-me, também aplica -se nes se p onto: não escolho ser para o outro o q ue sou,
mas po sso ten tar ser pa ra mi m o que sou para o outro escolhendo-me tal como
apareço ao outro, ou sej a, por meio de uma assunção eleti va (SN, 1 997, p. 648).
Toda teoria sartreana está pautada p ela possibilidade da escolha e é isto que manifesta
a liberdade que temos e
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outro, e como vimos anteriormente, som ente a l iberdade pode limitar a liberdade. Não
encontramos no outro o limite que buscávamos, pois o outro é imprescindível para a nossa
própria exist ência. Deste modo, a existência do outro nos obriga a agir de man eira
determinada em algumas si tuações, mas para agirmos precisamos escolher e, portanto, ao
escolhermos estamos se ndo livres. Aqui vemos o peso da responsabilidade da escolha, pois
tínhamos esperança de e ncontrarmos no outro u ma desculpa para n ão nos responsabilizarmos
pelo que somos, isso seria possível s e os o utros realmente fossem um limite a nossa
liberdade e como não o s ão, somos sempr e, e em todas as ocasiões, responsáveis pelo homem
que escolhemos ser. O outro apenas nos lembra desta escolha fund amental por i sso talvez
nossa relação com ele seja conflituosa.
Ao refl etirmos sobre o outro como li mite à noss a li berdade percebemos que ele
realmente se constitui como limite, mas este limite representado pelo outro precisa se r
escolhido por nós t ambém. P ortanto, o ponto de vista do outro sobre nós se torna v erdadeiro
se nós assim o ele germos, que não sofremos passivamente os juíz os alheios, mas os
assumimos ou nos descartamos deles. Deste mod o, a relação qu e estabelecemos com o outro
se caracteriza pelo encont ro de duas liberdades que podem apenas capta r a exterioridade uma
da outra, daí surge o limite, mas um limit e não padecido por nós, pois além de termos um l ado
de fora, também temos u m lado de dentro, e a este o outro não tem acesso. Mas não podemos
negar que o out ro nos , nos olha, e o ol har do outro tem grande poder, poi s nos faz ex istir
fora de nosso ser. É sobre este aspecto que vamos refletir a seguir.
3.2 O OLHAR
A categoria do olhar ocupa um espaço importante na teoria existencialista sartreana,
pois é através do olhar que se inicia a relação co m o outro. É pelo fato de ser vi sto pelo outro
que poderemos nos sentir envergonhados. Ao mesmo tempo que o ol har nos transforma em
pura exterioridade, pois o que o outro é nosso lado de fora, quando olhamos e vemos o
outro, despertamos para a responsabilidade que temos para com o outro. Assim, através do
olhar, podemos nos sentir envergonhados, roubados, t ransformados em objetos, ao mesmo
tempo somos despertados para a responsabilidade que temos para com os outros.
62
Quando o olhar d o Outro me fixa, ocor re uma espécie de “hemorragia” na minha
consciência: o meu Ser se esvai, é absorvido para fora, e posso sentir esse
escapamento. O mundo que or ganizo à minha volta e do qual sou sujeito absoluto
sofre uma desintegração para reintegrar-se adiante, ao redor do Outro. O Outro
“rouba-me” o mundo , p or a ssim dizer. E nesse mundo, do qual já não sou o centro, o
Outro me capta co mo obj eto entre obje tos (PERDIGÃO, 1995 , p. 141-142) .
Deste modo, o olhar torna-se uma das categorias mais importantes na relação qu e
estabelecemos com os o utros, pois é a pa rtir de le que fazemos a experiência de que não
estamos sozinhos no mundo, que existe mais alguém semelhante a nós, c laro que encontr ar
um ser igual a nós nem sempre é bom, mas é pelo fato de s er vist o pelo outro que o Para-si
toma consciência do que é. Por isso,
Sartre se empen ha e m mostrar q ue en tre eu e o o utro uma “ligação fundamenta l”,
e que nela se manifesta uma modalid ade de presença do outro irred utível ao
conhecimento que tenho de um o bjeto . A experiência decisiva aqui reside no fato de
que o o utro me vê: ele não me poderia olhar co m que m olh a uma coisa. “O outro é,
por princípio, aquele que me olha” ( EN, 1987, p. 315). O “ser-visto-por-outro”
impõe-se co mo u ma experiê ncia ir redutível, reb elde a qualquer te ntativa de dedução
(BORNHEIM, 2005, p. 86).
É a partir da i mportância adquirida pelo olhar do outro que podemos falar da
vergonha, sentimento vivenciado p elo P ara-si, poi s é ele que diante de uma si tuação con creta
sente-se envergonhado, mas a vergonha não é por causa da situação em si, mas porque o outro
o vi u em tal situação, portanto, “sint o vergonha tal como apareço ao Outro. Ora, sem o Outro,
meu ´Ser vergonhoso` não poderia existir, porque a vergonha é jus tamente a apreensão de
mim, por mim mesmo, através domdí..spamdí.bd.í...stanudqóv:vsrdbd.í...stanudqóv:vsrddqfu.sqanódmuíqsbamdvabd.ívósranód::uq:s an:bfí.saavóóso anqímsdanqmseabd.ívóósÃamdí..u.qsorabdmmv.qs anummss anqmdí..b ai nqmseDbqós.numbsI:s anqímGú8k nbíqdÃbqós.numbsmú8k nbífnummsmanus1995,rabdmmv.qanudqóv:vsianudqóv:.mmsmanus143)msdanqmse.mmsmanusAav:vsrabdmmvdqóvíufs an.mdí..bspamdí..u.qsvseabd.ívóóssanmd.b:.íísmanud)sveabd.ívóósranód::uq:ufs afms´aqbdmmv.ós, anímssanqmd.b:.seabd.ívóósntanudqóv anumsí..spamdvv anumssdeabd.ívóunv:vstanudqóvísianudqóv.qssanmd.b:.ííseabd.íomanudqóv:vso anumsa,rabdmmv.qbíís anímséabd.ívóós anq:msaabd.ívóós anq:b)sutanudqóv:vsrabdbudqóv:vso, anq:msaabd.í...stanudqóv:vsrabdmmv.s anumscabd.ívóós.qseabd.ívóós an.mséabd.ífuus srabdbuddqóv:vsutanudqóv:vsrabdmmbeabd.ívóósmanqudqó.nqqmaabd.ívóós anq:b)ssdeabd.ívóós anvóószd.b:.íístanudqbumscabd.ívóós.qseabd.ívfmú8k níqvdí.lneabd.ívóóstanuívóósncabd.ívóósianudqóv:qóv:vsf ann.mdí..vóós anq:msdeanódqfubís anq:msqueabd.ívóós abnbumsqueaeabd.ívóósmanqudqó.nqnqmsãabd.í...s.b:.íísozanódqfubísianudq,vianudqóv:vsu anf anqóv:vs, anuqmaabd.ívóós anq:qb)ssdeabd.ívóós ansmanqzd.b:.íístanudqqbudqóv:vsianudqóv:s, anímssanqmd.b:.ssdeanódqfueaseabd.ívóóanbd.ívóósaabd.ívósanmd.b:.íísa.u.qsrabdmmv.qseanóbudqóv:vsianudqóv:sanqmd.b:.snq:msaabd.í...stanudqómsaabd.ívóóú8k bíqdmíqsrabdmmv.qseanóbubumsqueóbubaavóanudqóvaabd.ívóós, anóbubdqóv:vso Tóanbabd.ív.qssanmd.bhmsqueóbubval8Y )seabd.ívóómstanudqóv:vsaabd.ívóóslanudqóv:vs aóbubumsqueóbubnbd.ívóósorabdmmv.qs .nqnqmsãabd.í...su.íísa.u.Aav:vsrabdmqueóbubval8Y )saabd.ívósqóv:vvbxanqmdí..beabd.ívóósntanudqóv:vsiaóbudqóv:vsianudqóv:sanmd.b:.íís anums“abd.ívóóssanmd.b:.íísianudqóv:vsnanmd.b:.ííbanudqóvaqbdmmv. bmo aidmuíqsbamdvrl s cção qu er
63
sobre nós. “O out ro é o mediador indispensável entre mim e mim mesmo: sinto vergonha d e
mim tal como apareço ao outro. E, pela aparição mesmo do outro, estou em condições de
formular sobre mim um juízo i gual ao juízo sobre um objeto, pois é como objeto que apa reço
ao outro” (SN, 1997, p. 290). Portanto, eu me conheço objetivamente pelo conceito que o
outro formula sobre mim.
Assim, vemos que a ver gonha nos f ez encontr armos o outro e percebemos que há um a
interdependência, e como nossa liberdade depende da liberdade do outro, é através da
vergonha qu e podemos encontrar o outro e reconhecermos esta nova dimensão da realidade
humana. “Assim, a vergonha é vergonha de si diante do outro; essas duas estruturas são
inseparáveis. Mas, ao mesmo tempo, necessito do outro para captar p lenamente todas as
estruturas de meu ser; o Para-si remte ao Para-outro” (SN, 1997, p. 290).
A descoberta do ser-Para-outro nos fez reconhecer que, além de nós mais alguém
que tem acesso ao mundo de nosso jeito. O reconhecimento de que o outro pode nos ver e ao
mesmo t empo sabermos que não somos o outro nos faz perceber que ex istimos
separadamente; o outro tem o seu mundo e nós temos o nosso. No entanto, estes pequenos
mundos m antêm contato, ou seja, se relacionam. Deste modo, queremos entender como se d á
essa relação e p ara tal escolhemos a cat egoria do ol har. “Esta mulher qu e vejo andando em
minha direção, este homem que passa na rua, esse mendigo que ouço c antar de minha j anela
são objetos para m im, sem a menor dúvida. Assim, é verdade que ao menos uma das
modalidades da presença do outro a mim é a objetividade” (SN, 1997, p. 326).
Desta maneira, ao nos relacionarmos com o outro nós o classificamos, pois o nosso
conhecimento é conhecimento de objetos, assim nossa relação com o outro é pautada pelo
conhecimento e este, é classificatório. Portanto, o outro por excelência é aquele que nos e
nos classifica. Isto se configura em um problema, pois deixamos de ser o centro de referência,
pois este se desloca para o outro. As coisas são significadas pelo outro.
Assim, a aparição, e ntre os obj etos de meu u niverso, d e um elemento de
desintegração deste universo, é o q ue de nomino a apariçã o de um homem no meu
universo. O o utro é, antes de tudo, a fuga per manente das coisas rumo a u m ter mo
que capto ao mesmo tempo co mo obj eto a certa distância de mim e que me escapa na
medida e m que estende à sua volta s uas próprias d istâncias (SN, 19 97, p. 329).
Antes de o outro ter entrado em nosso universo sabíamos claramente o que cada coisa
significava, sabíamos como nos relacionar com elas porém, de súbito, com a chegada do
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outro, tudo se t ransformou e, de certa forma, se torna impossível saber como o outro se
relaciona com os objetos, ele nos rouba o mundo e os próprios objetos.
Capto a relação entre o verde e o outro como u ma relação objetiva, mas não po sso
captar o verd e como a parece ao o utro. Assim, de súbito, apareceu um o bjeto q ue me
roubou o mundo. T udo está em se u lugar, tudo existe semp re para mim, mas tudo é
atravessado p or uma fu ga invisível e fixa ru mo a um ob jeto novo. A aparição do
outro no mundo cor responde, portanto, a um desliza mento fixo de tod o o universo, a
uma descentraliza ção d o mundo que solapa po r b aixo a centralizaçã o q ue
simultaneamente efet uo (SN, 1997, p. 330).
Assim, com o surgimento do outro, que tem as mesmas capacidades qu e nós, o mundo
se transforma pois deix a de ser apenas nosso mundo e passa s er o mundo do outro também, ao
qual possivelmente jamais teremos acesso. Deste modo, o que acontece com os objetos em
geral também aconte ce conosco, pois a partir do o lhar somos alienados d e nossa subjetividade
e passamos a ex istir de forma objeti va. Diante do out ro sou um estudante ou um garçom, sou
pobre ou rico portanto, ao ser vist o pelo outro, tornamo-nos obj eto para es te, no entanto, este
também torna-se objeto para nós.
O olhar do Outro limita assim os meus possíveis, faz de mim algo dado e finito,
transformando minha liberdade em fixidez. Para ele, sou “covarde”, “feliz”,
“bo ndoso”, etc; tal como uma pedra é uma pedra. Por me captar não como sujeito,
mas também como tota lidade acabada, o Outro me designa dessa ou daquela maneira,
suprimindo os meus possíveis (que, para mim, acham-se sempre em aberto, por se
fazer). O olhar do Outro representa uma encarnação do mito da Medusa: ele petrifica o
meu ser. É uma forma de opressão: o sentido profundo da subjetividade alheia é existir
como negação objetivadora da minha subjetividade (PERDIGÃO, 1995, p. 144).
Busquemos entender esse ol har de qu e fala Sartre, pois se pensamos nesta atividade
que todos fazem vamos perceber alguns dados im portantes que nos passam despercebidos.
Por exemplo, quando você um a imagem, onde estão os s eus olhos? Eles desaparecem ou
você tem consciência d a imagem e de s eus olhos ao mesmo tempo; continuando: quando você
se põe diante de um es pelho e busca olhar -se o que acontece? Você percebe os olhos ou
perceberá o olhar? Sabemos que nosso primeiro contato com o outro é através do olh ar, mas
como entender este fenômeno: o ol har é conseqüência dos olhos, ou o contrário? Vejamos o
que nos diz Sartre a este respeito:
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Ao co ntrário, longe de p erceber o olhar nos o bjeto s que o manifestam, minha
apreensão de um o lhar ende reçado a mim aparec e sobre um f undo de destruição do s
olhos que “me ol ham”: se apr eendo o olhar, d eixo de perceb er os olhos; estes es tão
aí, permanecem no ca mpo de minha percepção , como puras apre sentações, mas não
faço uso deles; estão neutra lizado s, e xcluídos, não são obje tos de u ma tese, mantêm-
se no estado de “fora do circuito ” em que se acha o mundo p ara uma con sciência qu e
efetua a redução fenomenológ ica prescrita por Husserl (SN, 1 997, p. 333).
Assim, nosso objeto de estudo não é o olho n os seus aspectos fisiológicos, mas o
olhar, este sim, é a arm a mais poderosa que temos. Quando pensamos no mundo atual,
percebemos que estamos vivendo na era da r ealidade virtual, pois já não é possível ver o olhar
do outro; estamos protegidos, seguros atrás de nossos “óculos de sol”, atrás das webcams e
desta forma, o olhar j á não exerce todo o seu p oder, ou melhor, aparentemente não exerce,
pois não ser-visto não significa não sentir-se olhado, posso estar prote gido por óculos escuros,
mas mesmo assim estou sendo vi sto, estou sendo julgado, o que deix a de acontecer é o
entrecruzar-se dos ol hares, já que é o fato de termos consciência de sermos vist os pelo outro e
de vê-lo, que nos chamam a responsabilidade.
A ver gonha ou o orgulho rev elam-me o olhar d o outro e, nos confin s desse olhar,
revelam-me a mim mesmo; sã o eles que me faze m viver, nã o conhecer, a situação do
ser-visto. Po is bem: a vergonha, [...], é vergon ha de si, é o reco nhecimento de que
efetivamente sou este ob jeto q ue o outro olha e julga. posso ter vergonha de
minha liberd ade q uando esta me escap a par a co nverter-se em obj eto dado. (SN,
1997, p. 336).
Sem dúvida o olhar do outro nos faz existir para além do nosso ser no mu ndo, quando
somos olhados pelo outro, o nosso m undo põe-se em fuga, o outro nos co nstitui objeto, ele no
uso de sua liberdade faz com que a nossa desapareça, porém, continuamos livres, pois o que
significamos para ele, isto ignoramos, assim como o outro ignora o que significa para nós.
Trata-se de meu ser tal como é escrito na e pela liberd ade do outro. T udo se passa
como se eu ti vesse uma d imensão de ser d a qual estivesse separado por um nada
radical, e esse nada é a liber dade do outro; o outro, enquanto tem-de-ser seu ser, te m-
de-fazer meu ser-para-ele ser; assi m, cad a u ma das minhas livres condutas e ngaja-
me em um novo meio, no qual a própria matéria de m eu ser é a imprevisível
liberdade de um outro (SN, 19 97, p. 337) .
Portanto, o olhar nos revela o outro e este se n os mostra, nós não o constituím os,
apesar d e emitirmos j uízos sobre ele. Assim , o olhar nos faz perceber a c aracterística
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fundamental d e nossa r elação com o outro, ou seja, o conflito constante entre sujeito e objeto.
Entre o l ado de d entro e o lado de fora. Deste modo, o olhar faz com que aspiremos fu gir do
outro, é o sonho d a liberdade absoluta, o sonho do m undo sem o outro, que este é um
incomodo e o mal que corrói nosso ser. “Necessário para mim, o Outro é também um m al -
um mal necessário” (PERDIGÃO, 1995, p. 146). Mas ex istimos no mundo juntamente com o
outro e basta que este n os ol he para que nos tor nemos o que somos. Ent retanto, por sermos
livres podemos ser uma coisa para o outro, porém, não podemos ser est a mesma coisa para
nós, que é característica inerente do P ara-si, “ser o que não é e não ser o que é”. Seria bom
existir em um mundo onde somente nós ex istíssemos, porém, como diz Sartre, nosso p ecado
original foi ter nascido em um mundo onde o outro existe e pode nos ver.
Se existe um O utro, qualquer que seja, não importa o nde estiver, quaisquer que
sejam suas relaç ões co migo, ainda que aja sobre mim somente p elo p uro surgimento
de seu ser, eu te nho um la do d e fora, uma natureza; meu p ecado original é a
existência do outro; e a vergonha - tal como o orgulho - é apreensão de mim mesmo
como natureza, embora esta natureza me escape e seja incognoscível como tal (SN,
1997, p. 338).
Diante do olhar do outro nosso desejo de poder, de sermos os donos da situação se
falido, pois o outro faz com que a situação nos escape.
Com o o lhar do outro, a “situação me escapa, ou para usar d e expressão b anal, mas
que tr aduz bem nos so pensamento: não sou dono da situação. Ou, mais
exatamente, continuo sendo o dono, mas a si tuação tem uma di mensão real através
da q ual me e scapa, através da qual inversões inesperadas faze m-na ser diferente do
modo como me apare ce (SN, 19 97, p. 341).
Portanto, o olhar do outro não transforma apenas os objetos a nossa volta, mas
transforma a nós mesmos, não basta apenas mostrar-nos ao outro e este a nós pois com o olhar
julgamos o outro e o conteúdo deste jul gamento será eternamente desconhecido por nós. O
olhar nos transforma em obj etos, objetos de um ser l ivre que nos julga a partir da liberdade
que é. “Um juíz o é o ato transcendental de um ser livre. Assim, o ser-visto constitui-me como
um ser sem defesa para uma liberdade que não é a minha liberdade” (SN, 1997, p. 344).
Vemos-nos envolvidos pelo outro. Este nos esprei ta, nos s em que possamos vê-lo,
pois para ele existimos à maneira de objetos; no entanto, num primeiro momento não nos
preocupamos com o outro, porque existimos como liberdade, jul gamos o restante das coisas
como não livre, i nclusive o outro, ele é mais um obj eto que preciso conhecer. Porém, ao
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perceber que assim como nós o outro também pode nos v er e, portanto, é livre; as coisas
mudam completamente. A partir dest e reconhecimento podemos sentir-nos envergonhados,
que o outro nos capta assim como somos ; podemos ter medo e nos sentir e m perigo diante do
outro pois não o conhecemos. Pois bem, todos estes sentimentos são r evelados e sentidos por
nós, através do olhar, mas por que o olhar do outro tem esse poder sobre nós? Bornheim nos
ajuda a responder essa questão.
Pelo olhar, vivo a solidificação e a alienação de minhas po ssibilidades. Se, c omo
vimos, sou minhas possibilid ades, não posso deixar de sê-las; mas através do o lhar
do outro, elas são alienada s. Por isso, “o outro, como olhar, é ap enas isso: minha
transcendência transce ndida”. O outro se resume em ser a morte escondida de
minhas possibilidad es, e uma morte da qual me envergonho po rque a vivo
(BORNHEIM, 2005, p. 87-88).
Lembremos que o Para-si é o ser que se esco lhe e que ao escolh er constitui sua
essência através da exi stência, e neste esforço pa ra se r transforma o mundo a sua volta, cri a
instrumentos, enfim modifica o dado. Entretanto, de repente surge diante dele algo que não
pode ser mud ado - mu ito menos moldado. Surge diante dele o outro com sua infinit a
liberdade que, ao manifestar-se, p elo sim ples f ato de existi r limita os possíveis do P ara-si, ou
seja, limita a liberdade do homem. “Ao mesmo tempo, ex perimento sua infinita liberdade.
Porque é para e por uma li berdade, e somente para e por ela, que meus possíveis podem ser
limitados e determinados” (SN, 1997, p. 347).
O fato de existir um outro que pode nos olhar faz com que tudo se transforme, inclusive
nós mesmos, pois apesar de sermos o ser dos possíveis, a existência do outro faz com que
nossos possíveis sejam possíveis limitados; não podemos tudo, pois existe efetivamente um
outro que, assim como nós, deseja e reivindica essa posição especial. Mas existimos juntos em
um mesmo meio, no entanto estamos separados ao mesmo tempo por um nada e por um todo,
ou seja, pela nossa liberdade a partir desta constatação temos que conviver.
Assim, no o lhar, a morte de minhas possibilidades faz-me experimentar a liberd ade
do outro; essa morte realiza-se so mente no cerne desta liber dade, e eu - inacessível a
mim mes mo e, no entanto, eu mes mo - so u arr emessado, d eixado aí, no âmago da
liberdade do outro. [...] O outro é e sse eu-mesmo do qual nada me separa ,
absolutamente nada, exceto sua pura e to tal liberd ade, ou seja, esta indeter minação
de si-mesmo que so mente ele te m-de-ser para e por si (SN, 19 97, p. 348).
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Vivemos no mundo com o outro, porém, vivemos o nosso mundo de maneir a
absolutamente singular. Construímos o nosso próprio mundo de sentido, e isso, o fazemos
apesar dos outros, apesar do olhar congelante do outro, poi s o fundamento da relação com o
outro é conflito. Portant o, não temos como fugir desta realidade. D esta maneira, olhar
significa querer aprisi onar o outro, fazê-lo ser o que efetivamente n ão é. En quanto ele não nos
perceber; s erá o que desejamos que ele seja. Porém, quando nossos olhares se cruzarem,
aquilo que ele era já não é mais, pois o sol do seu olhar se fez tão fo rte que derreteu a imagem
que nossa r etina havia cri ado. Em contrapartida, do nosso lado se fez frio e a neve do olhar do
outro congelou-nos.
Melhor dito , o o lhar, como de monstramos, aparece sobre o fundo de d estruição do
objeto que o manifesta. Se esse tr anseunte gordo e feio qu e se aproxima, saltitante,
de súbito me olha, nada mais resta de sua feiúra, sua obesidade e seus passos;
enquanto me sinto o lhado, ele é pura liber dade mediadora e ntre eu e e u mes mo ( SN,
1997, p. 354).
Somos vistos e podemos ver, o olh ar nos revelou que apesar de nos relacionarmos com
nosso meio objetivando-o exist em objetos que fogem a esta regra. Somos, portanto, sujeito-
objetos com objetos-sujeitos, o outro faz com que assim o seja.
Em suma, é co m relaçã o a todo homem vivo que toda realidade humana é presente
ou ausente sobr e fundo de presença or iginária. E e sta p resenç a originaria po de ter
sentido como ser-olhado ou como ser-ol hador, o u sej a, desde que o outro sej a objeto
para mim o u que eu seja objeto-Para-outro. O ser-Para-ou tro é u m fato constante de
minha re alidade humana e apr eendo-o co m sua necessidad e de fato e m q ualquer
pensamento, o menor que seja, que formo sobr e mim mesmo (SN, 1997, p . 358).
Chegamos, portanto, ao reconhecimento de nossa condição ori ginal, de nosso pecado
original, ou seja nosso ser-Para-outro, pois o outro, apesar d e incômodo, é fundamental para
nós, para o qu e somos, apesar de querermos fugir da obj etivação é pelo ou tro que sabemos o
que somos.
Mas co mo vi mos an ter ior men te , v iv emos em um a ép oca em que o ou tr o t em pouc a
im po rtâ nci a p ara n ós , pois a pes ar da h uma ni dad e n ão te r fica do c ega to talm en te, vive c om o
se fos se. O lh a e não enx er ga e qu an do não olh a. As sim , quan do pens am os no s uj eit o
li vre qu e pod e ol har , qu e p ode ver e enx er gar , en o tem os q ue rec onhe cer que no ssa
li ber dad e a cha -se em sus pe nso n a li ber dad e d os o utr os . Não p odem os ser li vr es sozi nh os,
ape sar d e d es eja rm os pr ofu nd ame nt e isso m as , a ssi m co mo n a hist óri a bíbl ic a, hou ve uma
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que da ori gin al e a nossa fo i ter nasc id o em um m und o on de o ou tr o pod e n os olh ar. No
ent an to , o outro pod e ver o nos so la do de fora e e st e não no s rev ela plen ame nt e mas é
ass im qu e e xi sti mos p ara o ou tr o.
Me lho r : pe lo o lh ar se mani fe s ta to da a ambi id ad e qu e eu s ou . P e lo si mpl es f at o
de sur gir um out ro ad qu ir o uma d ime ns ão de e xte ri or id ade, e tud o se pas sa c omo
se e u ti ve sse u ma n atu re za e stá ve l e me t ra ns fo rma sse nu m e m-s i. Ne ss e se nt id o,
´a mi nha qu ed a or igi na l é a e xis nci a do o ut ro ( EN, 19 8 7, p. 321 ), o u sej a, a
ver go nha i mpl ica a pr ee nsã o d e mim mes mo c o mo n a tur ez a. Co ntu do , es sa
nat ur ez a me es ca pa , o p os so s ê-l a c omo se fos se u ma co is a ( BO RN HE IM, 20 05 ,
p. 8 7).
Ao refletirmos sobre o olhar, percebemos que exi stimos tanto como s ujei to quanto
como objeto. O olhar nos fez perceber qu e existimos para os outros. Temos, portanto, uma
dimensão de s er-Para-outro, dimensão esta que somos e que não somos , pois sempre somos
mais do que o outro pode ver, este por seu turno sempre é mais do que podemos ver. “Em vão
o Para-si t enta realizar esse ´Ser pleno e objetivo` que é para o Outro: por mais que me
empenhe, jamais conseguirei ser um ´vulgar absolutamente vul gar`, um ´culpado
absolutamente culpado`, um ´virtuoso absolutamente virtuoso`, à maneira de como pos so ser
visto pelo outro” (PERDIGÃO, 1995, p. 145).
Desta forma o olhar nos revelou o outro e também o corpo do outro onde está fixado o
objeto olho, mas o olhar é mais que os olhos e mais que o próprio corpo, então encontramo-
nos diante do corpo que podemos ver e t ocar mas que jamais poderemos conhecer
absolutamente. O olhar revelou o nosso corpo e o corpo do out ro e nos fez perceber, qu e por
existirmos de uma maneira determinada. Em uma dada situação somos tomados por
sentimentos que surgem em nós por causa do olhar dos outros. Assim fomos levados a refletir
sobre a vergonha, o medo e o orgulho. “Vergonha, medo e orgulho são, portanto, minhas
reações originarias, as diversas maneiras pelas quais reconhece o Outro com o sujeito fora d e
alcance, e encerram um compreensão de minha ipseidade que pode e deve servi r-me de
motivação para constituir o Outro como objeto” (SN, 1997, p. 371).
No entanto, o olhar nos ens inou que não somos nós que constituím os o outro, mas est e
se revela a nós como aquele que não precisamos ser, como algo di ferente, mas mesmo assim,
ao olharmos para o out ro o transformamos porque nosso modo de conhecer o mundo é
objetivo, assim quando vimos o outro consideramos que o conhecemos na totalidade.
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É preciso entender, com efei to, q ue o ser-no-meio-do-mundo q ue vem a o Outro por
mim é um ser real. Não é uma pura necessidad e subjetiva que me faz co nhecê-lo
como existente no meio d o mundo. Po r outro lado, contudo, o Outro não perde u-se
por si mesmo nesse mundo. M as eu é que o faço per der-se no meio do mundo que é
meu, pelo simples fato de que o outro é par a mim aquele n ão tenho-de-ser, ou seja,
pelo si mples fato de q ue o mantenho fora de mim co mo realidad e pura mente
contemplada e tra nscendida rumo a meus próp rios fins (SN, 199 7, p. 372).
Portanto, o olhar nos revela o mundo, o outro e nós mesmos, mas por estarmos
inseridos em um mund o e te rmos um co rpo, mantemos com o outro outras relações;
identificamos no olhar um princípio de conflito, pois o outro nos olha e nós o olhamos, ele
nos faz objeto e nós o fazemos também. Mas nosso encontro com o out ro tem outras
dimensões, pois não ficamos apenas no olhar: nós tocamos no outro, o outro nos toca e é
sobre estas relações concretas com o outro que vamos refletir.
3.3 AS RELAÇÕES CONCRETAS COM O OUTRO
No item anterior, ao refletirmos sobre o olha r, descobrimos que o nosso ser é
composto por várias dimensões. Assim, existimos ao modo do Em-si, do Para-si e do Para-
outro, estes três m odos de exi stência nos constituem e revelaram que somos nosso corpo.
Porém, som os m ais que um simples corpo, que pode ser conhecido nos seus aspectos
anatômicos, mas é por existirmos nosso corpo que encontramos o outro e ini ciamos nossa
relação com ele. “O corpo é ponto-de-vista, enquanto estou sit uado no mundo; o corpo é
ponto-de-partida, enquant o eu o ultrapasso em direção àquilo que devo ser. Resume-se,
portanto, em ser a necessidade de minha contingência” (BORNHEIM, 2005, p. 98-99).
Para Sartre, o corpo que nos foi revelado p elo ol har do outro, diz muito do que somos,
pois o corpo f ala da no ssa situação e de certa forma indica nossos limites em relação aos
outros.
Não que o cor po seja o instrumento e a causa de minhas re lações co m o outro, mas
ele constitui a significação dessas relações e a ssinala seus li mites: é enqua nto corpo -
em-situação que cap to a transcendência -transcendid a d o outro, e é enquanto corpo -
em-situação que e xperi mento-me em minha alie nação em benefício do outro ( SN,
1997, p. 451).
71
Ao ex istirmos nosso corpo, nos tornamos presas dos outros, poi s o outro nos como
totalidade e, portanto, n os faz existir ao m odo do Em -si, como se tudo em nossa vida
estivesse determinado. Para o outro “sou aquilo que sou”, porém, p ara nós mesmos não somos
aquilo que somos, pois é característica do P ara-si ser fuga do Em-si, porém, ao mesmo tempo
perseguição do Em-si. “Assim, o Para-si é ao mesmo tempo fuga e perseguição; ao mesmo
tempo, foge do Em-si e o persegue; o Para-si é perseguidor-perseguido” (SN, 1997, p. 452).
Portanto, o Para-si nunc a é aquilo que é, poi s h á a lgo que lhe falta para s er o que é, porém, o
Para-si é o fundamento de toda a relação, seja ela relação com o Em-si, que é nadificação, seja
com o outro, que é conflito. Eis a característica fundamental da relação com o outro. Como
destaca nosso autor:
[...] pa ra o outro, sou irre mediavelmente o que sou, e minha p rópria libe rdade é um
caráter dado a meu ser. Assim, o Em-si me recaptura até no futuro e coagula-me
integralmente e m min ha própr ia fuga, a qual torna-se fuga pr evista e co ntemplada,
fuga dada. Mas esta f uga coagulada ja mais é a fuga que sou par a mim: é coagulada
lá fora (SN, 1 997, p. 452 -453).
Como somos consciência encarnada, somos um corpo consciente e como todo corpo,
temos um lado de dentro e um lado de fora que , juntos, formam uma totalidade. Porém, o
outro não tem acesso à totalidade que somos: o que ele é nosso lado de fora, e ao
transcender-nos, nos rouba de nós mesmos, faz com que nossa existência esteja alienada na
sua, entretanto somos li vres. Por essa razão, o podemos deixar que o outro decida o qu e
somos.
Diante do O utro, não somos “donos da situação”. o e stamos se guros frente à
liberdade alheia, q ue faz de mim o que quer. “Sabe-se o que o Outro me faz ser.
Sabe-se o que sou para ele”. Minha liberdad e é ameaçada p ela lib erdade alheia.
Não podemos cons tranger o Outro a pensar de nós o q ue queremos: se o o lhar d o
Outro me censura, torno-me ob jeto de reprovação; se me a dmira, tor no-me objeto de
admiração. T ambém não pode mos fazer o O utro agir co mo desejamos. Esta mos e m
constante p erigo, à mercê de p roje tos alheios que me escap am e cujos o s fins ignor o.
O Outro faz de mim mero instrumento de seus possíveis, se assim o desej ar. O Outro
se o quiser, nega os meus possíveis e faz d e mim um simples meio para realizar o s
fins que pretender. Se a lguém me surpreende espiando por um buraco de fechadura e
tento escapar à vergonha, e scondendo-me em um ca nto escuro, o Outro po de
adiantar-se a mim e iluminar o local com a sua la nterna (PERDIG ÃO, 1995, p. 146).
Esta reflexão i nicial se faz necessária para resgatarmos o si gnificado q ue temos e
somos. A partir de a gora, queremos nos deter numa análise, guiados por Sartre, sobre as
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relações concretas que estabelecemos com os out ros. De i nício lembramos que o que nos
motiva a ir ao en contro do outro é a liberdade. Sim , a liberdade, pois sendo o outro também
livre, ele é uma ameaça para nossa liberdade, então ao irmos ao encontro do outro, o que
desejamos é garantir nos sa própria liberdade, e para tal se faz necessário apossarmo-nos da
liberdade do outro.
Porém, antes de entr armos propriamente na análise das diversas forma s de relação
com o outro, nosso autor faz uma advertência importante:
Tudo o que vale para mi m va le p ara o outro. Enquanto tento livrar-me d o do mínio
do outro, o outro tenta livrar- se d o meu; enqua nto p rocuro subjugar o o utro, o o utro
procura me subj ugar. Não se trata aqui, de mo do algum, de relações unilaterais com
um objeto -Em-si, mas sim de re lações recípro cas e moventes. [...]. O conflito é o
sentido originário do ser-Par a-outro (SN, 19 97, p. 454).
Assim, é a partir da reci procidade e do conflito - formas ori ginais de nossa relação
com o outro - que vamos continuar refletindo sobre como nos relacionamos concretamente
com o outro. Para tal, faremos uma divisão didática para podermos analisar melhor as
diversas formas de relação com o outro. Identificamos duas categorias básicas no
relacionamento com o outro. A primeira chamaremos de Tentativa de Assimilação da
liberdade do outro; a segunda, denominaremos de Objetivação da liberdade do outro.
Detenhamo-nos, brevemente, nos co mportamentos analisad os p or Sartr e. Tentativas
de assimilação: o amor, a li nguagem, o masoquismo. Te ntativas de obj etivação: a
indiferença, o desejo, o ódio, o sad ismo. O denominador co mum de to dos esses
comportamentos e ncontra-se no conflito (BORNHEIM , 2005, p . 103).
3.3.1 Tentativa de Assimilar a liberdade do Outro
Sartre, ao classificar em dois modos nossa r elação com o outro, afirma que um é a
tentativa de assimilar a li berdade qu erendo que ela exista, enquanto que o outro é o confronto
onde o que se busca é suprimir a liberdade do o utro. No entanto, em qualquer um dos dois
modos de relação com outro, somos possuídos e possuím os o outro. “Sou possuído pelo outro;
o olhar do outro modela meu corpo em sua nudez, causa seu nascer, o esculpe, o produz como
é, o como j amais o ve rei. O outro detém um se gredo: o segredo do que sou. Faz-me ser e,
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por isso mesmo, possui-me, e essa possessão nada mais é que a consciência de meu possuir”
(SN, 1997, p. 454).
E como ressaltamos a nteriormente, o outro é a quele que rouba o nosso ser, nos faz
existir do lado de fora, porém, somos nós, em última instância, que temos que nos
responsabilizar pelo noss o ser-Para-outro. Portanto, ao termos recebido uma significação que
não escolhemos e que não fundamentamos, que o fundamento está na liberdade do outro,
deveremos escolher-nos para recuperar nosso ser, conforme destaca Sartre.
Assim, tenho a co mpreensão desta estrut ura ontológica; sou respo nsável por meu
ser-Para-outro, mas não seu fundamento; meu ser-Para -outro aparece-me, portanto,
em forma de a lgo d ado e contingente, pelo qual, todavia, sou responsável, e o outro
fundamenta meu ser na medi da q ue este ser é na forma do “há”; mas o outro não é
responsável po r ele, embora o fundamente em co mpleta libe rdade , na e p or sua livre
transcendência. Portanto, na medida em que me desvelo a mim mesmo co mo
responsável por meu ser, r eivindico este ser q ue sou; o u seja, quero recuperá-lo, ou,
em termos mais exatos, sou pro jeto de re cuperação de meu ser (SN, 1997, p. 455).
Deste modo, nossas relações concretas com o o utro vão girar sempre em torno do
binômio “perder-se - encontrar-se”, poi s ao afirmar nossa li berdade ne gamos a liberdade do
outro; o outro, ao recuperar sua liberdade, nega a nossa.
Tendo consciência que a nossa relação com o outro é conflituosa e que estamos a todo o
momento perdendo e encontrando nosso próprio ser, queremos agora pensar nas relações
concretas que estabelecemos com o outro. Analisaremos três modos diferentes de relação, na
tentativa de assimilar a liberdade do outro. Primeiro vamos refletir sobre a relação amorosa; em
seguida sobre a linguagem e, por último, sobre o masoquismo. Buscaremos identifi car o que
Sartre propunha ao refletir sobre estes modos de relação com o outro. Em síntese, o que o amor,
a linguagem e o masoquismo experienciados na relação com o outro têm a ver com a liberdade.
a) O Amor
Para nosso autor, o amor é uma das maneiras pela qual nos relacionamos
concretamente com o outro. A idéia de amor, de a mar, traz consigo o desejo de segurança t ão
almejado pelo ser humano e no amor parece que aquele conflito original, que caracteriza a
relação com o outro, d esaparece. Pois, “no amor, as coisas correm como se t entássemos
concretizar a unidade ´Eu-Outro `. que a nossa l iberdade é constantemente ameaçada pel a
liberdade do Outro, que ao menos com relação a alguém - a pessoa amada - nós possamos
conjugar as nossas subjetividades, sem qualquer conflito” (PERDIGÃO, 1995, p. 149).
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No entanto, Sartre, nos diz que isso é uma ilusão, pois nas relações amorosas também
conflito, pois o que d esejamos na verdade é nos apoderar da liberdade do out ro, queremos
que ele exi sta para nós, que de certa forma, garanta também a nossa ex istência, porém, se
dependemos do outro estamos sempre em perigo.
É nesse sentido que o a mor é conflito. Sublinhamos, co m e feito, q ue a liberdade do
outro é funda mento de meu ser. Mas, pre cisamente por que e xisto pela liberd ade d o
outro, não tenho segurança alguma, estou em peri go nesta liberd ade; e la modela meu
ser e me faz ser, confere -me valores e os suprime, e meu ser dela recebe u m perpétuo
escapar pa ssivo de si mesmo (SN, 1997 , p. 457).
Assim, quando pens amos nas relações amoros as, nos parece que não conflito e que
existe um profundo respeito pelo outro, porém, este respeito é aparente, poi s o amor é um a
forma sutil de dominar o outro. No entanto, o outro deseja ser dominado; o que o amor deseja
na verdade, é a fusão das consciências e sabemos que isso é impossível.
O ideal do amor, seu motivo e seu fim, co nsiste no empenho e m es tabelecer a
unidade c om o outro, isto é, ` uma fusão de c onsciências e m que cada uma delas
conservasse sua alteridad e para fundar o outro´ (EN, 1987 , p. 444 ). O amor procura
constituir a síntese de duas transcendências, e isso de tal maneira que a libe rdade de
uma p ossa existir pela liber dade da outra; eu seria e u enquanto outro, e outro
enquanto eu (BORNHEI M, 200 5, p. 103).
Sartre, ao r efletir sobre o amor, chama noss a at enção para o fato de qu e na relação
amorosa, tanto o amado quanto o amante buscam i dentificar-se, vivem com o se fossem duas
pessoas que desfrutam de uma mesma e única l iberdade. “Assim, o amante não deseja possuir
o amado como s e possui uma coisa; exige um tipo especial de ap ropriação. Quer possuir um a
liberdade enquanto liberdade” (SN, 1997, p.458).
Deste modo, quando estamos amando, queremos a li berdade do outro e nos fazemos
liberdade para o outro. No amor somos o mundo do outro e o outro é nosso mundo. A relação
que estabelecemos apesar de livre deve ser determinada.
No a mor, não é o determinismo p assional q ue desej amos no outro, nem uma
liberdade fora de alcance, mas sim uma lib erdade que d esempenhe o papel de
determinismo pa ssional e fiq ue aprisionada nesse papel. [...] No a mor, ao contrário ,
o amante q uer ser “o mundo inteiro” p ara o amado: signific a que se coloc a do la do
do mu ndo; é ele q ue resume e simboliza o mundo, é um i sto q ue encerra todos o s
outros “istos”; é e ac eita ser obj eto (SN, 1997, p. 458).
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Desta maneira, nas r elações amoros as todo conflito entre liberdades parece
desaparecer, pois se em outras situações o simples fato de ex istir um outro limit ava nossa
liberdade e este limite era visto como constran gedor, como algo que nos roubava de nós
mesmos, agora na relação amorosa isso passa a ter outro sentido, poi s o amante é a
encarnação deste limite, portanto, um limite aceito e querido pelo amado.
É a título de meta e scolhida que o a mante quer ser escolhido como meta. Is so
permite-nos captar a fund o o q ue o amante exige do amado: não quer agir sobre a
liberdade do outro, mas existi r a prior i c omo li mite o bjetivo desta liberdad e, ou seja,
surgir ao mesmo te mpo com ela e no seu pró prio surgimento como limite q ue ela
deve aceitar p ara ser livre (SN, 1997, p. 459) .
Ao amarmos, deix amos o outro responsável por nós, ou seja, é o mundo do outro que
queremos, é ao mundo do outro que nos submetemos, ele determina os limites e nós os
aceitamos. No entanto, ao sermos amados a relação se inverte, pois o que o outro quer é que
nós existamos como liberdade, como facticidade que assegure a sua própria liberdade.
Portanto, amar e ser amado é o modo de encontrar um mundo s eguro, por ém os amantes são
livres, e mesmo que vivam como se fossem únicos ex istem j unto com outros. Est e fato gera
uma profunda inquietação, pois sempre há a possibilidade real de ser excluído e substituído do
mundo do outro.
Assim, querer ser amado é impr egnar o Outro com sua p rópria facticida de, é querer
constrangê-lo a recr iar-nos pe rpetua mente como c ondição de uma liberda de que se
submete e se compro mete; é querer , ao mesmo te mpo, que a liberdad e fundamente o
fato e que o fato tenha pree minência sobre a lib erdade. Se esse resultado p udesse ser
alcançado, resultaria, em pr imeiro lugar, que eu estaria em segurança na consciência
do outro. P rimeiro, por que o motivo d e minha i nquietação e minha vergonha é o fato
de que me apreendo e me exp erimento e m meu ser-Para-ou tro c omo aquele que po de
sempre ser transcendido r umo a outra coisa, aquele que é puro obj eto de juízo de
valor, p uro meio, pura ferram enta. Mi nha inquie tação p rovém do fato de q ue assu mo
necessária e livremente este ser que um outro me faz ser e m absoluta liber dade:
“Sabe Deu s o que sou p ara ele! Sabe Deus o que pensa d e mim!” Isso significa:
“Sabe De us como o outro me faz ser”, e sou impregnad o p or este ser que temo
encontrar um dia em uma cur va d e um caminho, que me é tão estranho e, toda via, é
o meu ser, sabe ndo ta mbém q ue, apesar de meus es forços, não me e ncontrarei com
ele jamais (SN, 1 997, p. 459 -460).
Apesar d e buscarmos segurança na relação amorosa nós não a encontramos, poi s
enquanto estamos s endo amados est amos se guros e somos, de cert a forma, o objeto
privilegiado do outro; enquanto somos amados, somos o mundo do out ro, ao amarmos, o
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outro se torna para nós porto seguro, e esta é a alegria que obtemos com a relação amorosa,
segundo o que nos diz Sartre.
Em vez de nos sentir mos, como antes de ser mos amados, ap reensivos por esta
protuberância injustificada e injustificável q ue era nossa existência, e m vez de
sentirmo-nos “supérfluos”, a gora sentimos que e sta existênc ia é recupera da e querid a
em se us menore s detalhe s p or uma liberd ade absoluta, a qual nossa e xistência ao
mesmo tempo condicio na e nós mesmos queremos co m nossa próp ria liberd ade.
Este, o fundo da alegria do amor, quando existe: senti mos que nossa existê ncia é
justificada (SN, 19 97, p. 463).
Eis, pois, o beneficio d o amor. Ao sermos am ados nossos defeitos desaparecem,
somos queridos e nossa existência se torna justificada. Somos o m undo do outro, somos
importantes para o outro e o seu olhar não desperta em nós a vergonha de antes, pois todo o
nosso ser é querido. “A ssim, fico tranqüilo: o olhar do outro j á não mais me repassa d e
finitude; não mais co agula meu se r como aq uilo que sou, simplesmente;” (S N, 1997, p.
461).
No entanto, não estamos seguros no amor do outro; queremos ser amados pelo outseroemoo não nãmo peoer Fd.ívóósraqbdmmv.seaqbd.ívdvsFd.iar rcseaqbd.ív.s anqqmsaqudófóbsoaqmseódqfubísrcsfíí:spaú8kqmsuavudb:oanqms anummóqfv.so anq:mus an.msaabd.gasnaqmstavd.bumvs asnaqmsãabd.ínummóqfcnvsraqbdmmmdvan p fe e sdaqmsoaqms anóívvsmavd.bumbi o FoeFd.ívóósraqbdmmv.seaqbd.ívvsímsmanudqóvbsoaqms vudd.b:.íísaabd.vd.íviaabd.ívóósrao quee ssoaqmfv.ívv:dqfvmseaseaoan mb:dqfsnianudqóv:.seaqbd.ívtmsqaú8k uóbduvíívóós anqímsdmv:vseadí.bíseaqbmsqueabd.ívvd.íviaou, s se e dmv:vseaqóv:vslanudqómãer q
77
insatisfação do amante. [...]. Quanto mais sou a mado, mais perco meu ser, mais sou
devolvido às minhas própr ias responsabilida des, ao meu pr óprio poder ser. Em
segundo l ugar, o d espertar do outro é sempre possível; a qua lquer momento ele pode
fazer-me co mparecer como objeto: daí a perpétua insegurança do amante. E m
terceiro lugar, o amor é um a bsoluto pe rpetuamente feito relativo pelos outros. Seria
necessário e star sozinho no mundo com o a mado para que o amor conservasse seu
caráter de eixo de referência absoluto. Daí a p erpétua vergonha do amante, ou seu
orgulho, o q ue, neste caso, dá no mesmo (SN, 19 97, p. 470) .
Co nti nu amo s s ozi nho s e sem de scu lpa s, ex post os ao o lh ar do o utro , cont inu am os em
per igo . A o r efl et irm os s ob re o am or , h av íam os pen sa do qu e t ín ham os enc on tra do um po rt o
segu ro , o nd e a l ib erdad e d o out ro não pude ss e n os ame açar , no ent ant o, est amos
con den ad os à l ib erd ade e, p or caus a dest a c on de naç ão, em c on st ant e peri go. Na r el açã o
amo ro sa, até pod em os em a lgu ns m om ent os assim il ar a libe rda de d o ou tro , no s a nul ar , mas
lo go rec up eram os no ss a su bj etiv id ad e, j á qu e é i mp ossí ve l vi ve r se mp re ao m od o de obj et o
pre fere nci al do outr o. “N o amo r, pod emo s agarra r, s acu di r, es crav iz ar o ama do - m as é
com o se q uis és sem os nos apod era r d e u m S er qu e deix ou ap ena s a sua capa em noss as
mão s. O qu e poss uím os é o s eu co rpo , o s eu des poj o. No f un do, cad a a man te p erm an ece
tra nca do n a su a s ubj et iv ida de, sem com un hão pos vel com o p arce ir o” (P ER DIGÃO , 1 995 ,
p. 15 0).
Seguimos nossa análise sobre como nos rel acionamos com o outro, refletindo agora
sobre a linguagem. Como que através da li nguagem podemos afirmar nossa liberdade e tent ar
assimilar a liberdade do outro?
b) A Linguagem
Sartre considera a linguagem uma forma privilegiada de relação co m o outro.
Entretanto, quando nosso autor se r efere à linguagem, a toma da m aneira mais ampla possível.
Somos t odo linguagem, pois ao surgirmos diante do outro com nosso corpo estamos
comunicando; quando o outro sur ge em nossa frente, comunica com seu corpo o que é, e nós
procuramos interpretar, os códigos emitidos pelo outro.
A lingua gem, lon ge de ser tão -somente um fe nômeno q ue se acrescente ao ser -para-
outro, é original mente ser-par a-outro ou, ainda, ´o fato de que uma subj etividade se
experimenta co mo ob jeto para o outro `. Assim, o pressuposto da lingua gem está na
intersubjetividad e, ma s d e ta l ma neira que a relação se estabelece como obj eto-
sujeito. [ ...]. Nesse sent ido, a linguagem co mpreende todo s os fenô menos de
expressão, e não deve ser co nfundida com a palavra articulad a, que se instaura co mo
produto secundário e derivado da “linguage m p rimitiva” (BORNHEIM, 20 05, p.
104).
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É através da linguagem que descobrimos nosso ser para o outro. “A linguagem,
portanto, não se distingue do reconhecimento da existência do outro. O surgimento do out ro
frente a mim como olhar faz surgir a linguagem como condição de meu ser” (SN, 1997, p.
465).
Surgimos no mundo como linguagem e nos relacionamos concretamente com o outro
através d a lin guagem. El a é a forma original de contatarmos o outro, poré m, encontramos um
grande problema na li nguagem, pois normalment e o que queremos comunicar nos escapa;
jamais sabemos ao c erto o que o outro entendeu, justamente porque o outro é l iberdade e da
sua liberdade int erpreta a nossa. Desse modo o temos como saber o que noss as palavras
podem ter significado para o outro.
Sequer po sso concebe r que efeitos terão me us ge stos e atitu des, j á que sempre ser ão
retomados e fundamentado s por uma liberdad e que irá tr anscendê-los e p odem ter
significação caso esta liberd ade lhes co nfira uma. Assi m, o “sentido” d e minhas
expressões sempre me escap a; jamais sei e xatamente se significo o que quero
significar ou sequer se sou significante; neste momento e xato, eu precisaria ler o
pensamento do o utro, o q ue por princípio, é inconcebível (SN, 19 97, p. 465-466) .
Par ti nd o des ta cons ta taçã o, S ar tre no s mos tra doi s a sp ect os im port an tes da
li ngu agem : u m asp ect o Sagr ado e o ut ro mági co. “Ass im , a pal av ra é s agr ad a q uan do so u eu
que a u ti liz o, e m ági ca qu and o o o ut ro a e scu ta ( SN , 1997 , p. 466) . P or tant o, a pa lav ra nos
rev ela a l ibe rda de e a tr ans cen nci a d o ou tr o. “Daí po rq ue e st e p ri mei ro asp ect o d a
li ngu agem - e nq uan to s ou eu qu e a ut iliz o p ara o o utr o - é sa grad o. O o bj eto sagr ado , co m
efei to , é um ob je to do m un do que i nd ic a uma tr ans cen dên ci a pa ra- a m d o m un do. A
li ngu agem r eve la -me a lib erd ade daque le q ue me es cut a em sil ênci o, ou se ja , s ua
tra ns cen dên ci a” ( SN , 1997 , p. 4 66).
Ao pensarmos nossas relações concretas com os outros a partir da linguagem,
percebemos que, de certa forma, uma espéci e de respeito para com o outro e talvez a
linguagem sej a a melhor forma, se não a única, de nos relacionarmos com o outro. Pois é
somente a partir do diálogo que poderemos nos entender, mas esse ente ndimento é sempre
parcial, pois não conseguimos assimi lar a liberdade do outro através d a li nguagem, sempre
algo que nos escapa.
Continuemos nossa reflexão pensando sobre o masoquismo. S erá que esta forma de
relação com o outro é capaz de assimilar a sua liberdade?
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c) Masoquismo
Se até aqui ao nos r elacionarmos com o outro queríamos “absorver o outro
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sabermos o que nosso eu-objeto significa para o outro. Assim destaca Sartre ao falar desse
fracasso.
Mas o masoq uismo é e deve s er um fracasso em si mes mo: com efeito , para fazer -me
fascinar por meu eu-obj eto seria pr eciso que eu p udesse realizar a apreensão int uitiva
deste ob jeto tal como é para o outro, o que é, por pr incípio, impossível. Assim, o e u
alienado, lo nge de q ue e u possa sequer c omeçar a fascinar-me p or ele, per manece,
por princípio, inapreensível (S N, 1997, p . 471).
Depois de termos refletido sobre o amor, a l inguagem e o masoquismo, chegamos a
seguinte con clusão. Por princípio nos é negado, o acesso ao outro, bem como, não temos
como assimilar a li berdade do outro. Por existir um outro, estamos em peri go. “Todo o
olhar, ou seja, toda a relação com os outros é, portanto, alienante e mortífera. Tod a realidade
humana está em perigo no mundo” (JOLIVET, 1968, p. 33). Pois temos que existir nossa
subjetividade, a qual nos torna inapreensíveis para o outro. O outro jamais poderá assimilar
nossa liberdade pois ela permanece total e absoluta.
Não cons eguimos assimilar a libe rdade do outro através do amor, da lin guagem e do
masoquismo. Vamos ver agora se pelo menos conseguimos objetivar a liberdade do outro e,
talvez deste modo, nos apossar dela. É sobre este modo de relação com o out ro que
refletiremos a partir deste ponto.
3.3.2 Tentativas de Objetivação da liberdade do outro
Nossas reflexões precedentes demonstraram que nos é impossível tanto assimilar
quanto nos identificar com a liberdade do outro. Seguindo as reflexões feitas por Sartre,
encontramos um se gundo modo de nos relaciona rmos com o outro que se ex pressa no desejo
de objetivação. Est a obj etivação se d ará através da indiferença, do desejo, do ódio e do
sadismo. Ao refletirmos sobre estes aspectos de nossas relações conc retas com o outro,
queremos identificar se r ealmente é possível nos apoderarmos da liberdade outro. Ou será que
este modo também fracassará?
Nosso autor expressa que este segundo m odo de relação com o outro é fruto d a
frustração da primeira, pois antes supostamente queríamos nos unir ao outro para nos
apoderar d a l iberdade, no entanto, nos diz Sartre: “Minha dec epção é t otal, pois busco
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apropriar-me da liberdade do out ro e logo percebo que posso agir sobre o outro quando
esta liberdade se desmoronou ante meus olhos” (SN, 1997, p. 4 73). Assim, desta
impossibilidade de apropriar-nos da liberdade do outro surge a indiferença, conduta adotad a
por nós em relação aos outros.
a) A indiferença
Para o nosso autor, o homem se escolhe. Ao escolher a partir da ex istência vai
configurando sua essência. A escolha é fundamental. Deste modo, escolher-se como
indiferente é um m odo de relacionar -se com outr o, ou melhor, na conduta indiferente não
relação, pois a única realidade que exist e é a nossa subjetividade; os outros são atravessados
pelo nosso olhar que a tudo petrifica, aliena e faz existir a modo de objeto.
Mas também po de ocor rer que “olhar o olhar” seja minha re ação o riginária ao meu
ser-Para-outro. Significa que posso, e m meu surgimento no mundo, escol her-me
como aquele q ue olha o olhar d o outro e construir minha subjetividade sobr e o
desmoronar da subjetividade do outro. É e sta a titude que denominaremos
indiferença para com o outro (SN, 1 997, p. 473-474).
Sartre destaca que para aquele sujeito que age de maneira indi ferente os outros são
apenas objetos entre outros objetos que desenvolvem contra ele certo grau de adversidade. A
conduta indiferente é a conduta que percebemos em nossa sociedade hoje, pois os outros são
reduzidos a meros instrumentos, a ferramentas que podemos utiliz ar pa ra satisfaz er algum
capricho. Portanto, o indiferente age como se estivesse sozinho no mundo.
Pratico e ntão uma e spécie de solipsismo de fato; os outro s são essas for mas q ue
passam na rua, esses ob jetos mágico capazes de agir à distância e sob re os quais
posso agir por meio de determinadas condutas. Quase não lhes dou atenção; ajo
como se esti vesse sozin ho no mundo; toco de le ve “pess oas” como toco de leve
paredes; evito-as co mo e vito obstáculos; sua liberdade-ob jeto não passa para mim de
seu “coeficiente de adversid ade”; se quer imagino q ue possam me o lhar. Sem
dúvida, têm al gum conhecime nto de mim, mas este conheci mento não me atinge: são
puras modificações de seu ser, que não passa m deles par a mim e estão contami nadas
pelo que denominamos “subjetividade p adecida” o u “subjeti vidade-objeto ”, ou seja,
traduzem o que eles são, não o que eu sou, e consistem n o efeito de minha ação
sobre eles. Essas p essoas” são funções: o bilheteiro nad a mais é que a função de
coletar ingressos; o garçom n ada mais é do que a função de servir os fregueses (SN,
1997, p. 474).
Entretanto, o vivemos sozinhos. Estamos a todo o momento nos encontrando com o
outro; eis um fato importante. Pois, mesmo que adotemos uma conduta de indiferença para com o
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outro, o nosso ser objeto continua dado, o outro pode acessá-la, pode olhá-lo. Desta constatação
decorre que nosso projeto fundamental em relação ao outro é duplo. Destaca nosso autor:
[...] po r um lado, trata-se de me proteger c ontra o perigo que me faz co rrer meu ser -
fora-na-liberd ade-do-Outro, e , por o utro lado, d e utilizar o Outro p ara totalizar a
totalidade-destotaliza da que s ou, de modo a fechar o cír culo aberto e fazer c om que
eu seja, po r fim, fundamento d e mim mesmo (SN, 1 997, p . 475).
A existência do outro é fundamental para nós, apesar d e pe rigosa. P recisamos que o
outro exista. Caso estivéssemos sozinhos, jamais saberíamos o que realmen te somos, seriamos
uma li berdade absoluta, porém, uma liberdade que não poderia ser olhada; seriamos uma
subjetividade ignorada.
Mas, por u m lado , a desapariçã o do Outro enquanto olhar me arre messa novame nte
em minha injustificá vel subje tividade e reduz meu ser a esta per pétua perseguição -
perseguida rumo a um Em-si- Para-si inapreensível; sem o outro, capto em plenitude
e desnudez esta terrível necessidade d e ser li vre q ue constitui minha sina, ou seja, o
fato de que não posso co nfiar a ninguém, salvo a mim mesm o, o cuida do de me fazer
ser, ainda que não te nha escolhido ser e haja nascido (SN, 199 7, p. 475).
Assim, mesmo que adotemos a conduta da indif erença, os outros continu am aí, a nos
olhar, e portanto, se nós os objetivamos, eles em contrapartida fazem o mesmo conosco. Desta
maneira, constatamos que não conseguimos no s apropriar da liberdade dos outros através
dessa atitude, pois eles continuam existindo e nos ameaçando com suas liberdades. S artre
identifica então no desejo uma possibilidade de tornar o outro puramente objeto.
b) O Desejo
Pode parecer estranho t ratarmos filosoficamente um tema que é da área da psico-
fisiologia, mas em nos sa abordagem o desejo sexual não é outra coisa senão o desejo de
apossar-se da subjetividade e da liberdade do outro.
Daí o sentido do desejo sexual, que é uma tentati va de roubar mos a liberdade alheia
pela o bjetividade. Queremos q ue a liberd ade do amado esteja inscrita e m seu próp rio
corpo, em tod a extensão dele, de modo que, ao tocá-lo no ato sexual, eu co mo que
“toque a sua libe rdade”, toque a sua “consciência de ser possuído”. No ato sexual,
viso possuir o corpo d a amada não co mo “obj eto fisiológico”, mas corpo d otado de
liberdade , identificando “cor po alheio” co m “consciênci a alheia”. A carícia é
expressão d e tocar a lib erdade co rporificada do Outro. A liber dade do Outro penetra
em todo o seu corpo de tal maneira que me sinto como se tivesse me apo derando
dela (P ERDIGÃO, 1995, p. 151).
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Vemos, portanto, que o desejo des empenha uma importante função nas noss as
relações com o outro. S im, pois na relação com o out ro o que queremos na verdade é
apropriar-nos de sua l iberdade p ara, desta forma, deixarmos de viver em constante
insegurança, pois se somos donos da li berdade do outro, deixamos de nos sentir ameaçados.
Na verdade é esta segurança que buscamos quando sentimos desejo por alguém.
Ao falarmos de desejo, t emos que lev ar em consi deração qu e o objeto do nosso desejo
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faço n ascer su a carne pela minha carícia, sob meus dedos. A carícia é o conjunto das
cerimônias que encarnam o Outro” (SN, 1997, p. 485).
Não basta desejar, é p reciso tocar o objeto desejado e a is so Sartre chama de carícia. É
através dela que o outro se faz carne para nós e nós, nos fazemos carne para o outro.
A carícia faz na scer o Outro como carne p ara mim e par a ele . E , p or carne, não
entendemos uma par te do co rpo, como der me, tec ido conjuntivo o u, pr ecisamente,
epiderme; não se trata tão p ouco e forçosamente do c orpo “em repouso” ou
adormecido, embora geralmente seja assim que revela melhor sua car ne. Mas a
carícia revela a carne de spindo o cor po d e sua ação, cindi ndo-o das possibilidad es
que o rodeia m: destina -se a descob rir sob a ação a teia de inércia - ou seja, o puro
“ser aí” (SN, 199 7, p. 48 5).
Ao acariciarmos o outro, o que desejamos é tocar na liberdade que reside neste corpo
e, outro feito, carne se deixa tocar e temos a i mpressão que por um inst ante nos é possível
tocar a liberdade encarnada no corpo do out ro, por isso nos fazemos carne para tocar a carne
livre do outro, mas o que queremos na verdade é tocar, ou melhor, é possuir o objeto
transcendental que reside nesta carne. Deste modo, “Acariciando o outro, com o intuito de
fazê-lo carne-para-mim, acaricio-me a mim mesm o e assim envisco-me na carne e torno-me
pastoso em minha f acticidade: o outro não será m ais encarnação, mas um mero instrumento e
objeto para minha subjetividade” (JOLIVET, 1968, p. 108).
Assim, a revelação da car ne d o outro se faz por minha pró pria carne; no desejo e na
carícia que o expri me, encarno -me p ara realizar a encarnaç ão do outro ; e a caríc ia,
realizando a encarnação do Outro, revela-me minha pró pria encarnação; ou sej a,
faço-me car ne p ara ind uzir o Outro a realizar Par a-si e para mim sua próp ria car ne, e
minhas carícias faze m mi nha c arne nascer para mim, na me dida que é, pa ra o outro,
carne que o faz nascer co mo carne; faço-o sabore ar minha carne por meio de sua
carne, de modo a ob rigá-lo a sentir -se carne. De sor te que a posse aparec e
verdadeiramente co mo dupla encarnação recípro ca (SN, 1997 , p. 486).
nos submetemos a isso, ou seja, que o outro nos possua, porque queremos a sua
liberdade. No entanto o desejo tem seu fim, é limitado, pode ser saciado. Logo, quando i sso
acontece, o que resta são duas liberdades, o confli to retorna e mesmo que o outro se subm eta,
o que tocarei é um corpo, não uma liberdade.
Daí por diante, o Outro escapa-me: queria agir so bre a sua liberda de, apropriar -me
dela, ou, ao menos, fazer-me reconhecido como lib erdade pela liberdade d o o utro,
mas es ta liberdade está mo rta, não está de forma al guma no mund o em que
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encontro o Outro-ob jeto, pois sua car acterística é ser transce ndente ao mundo. Por
certo, posso apod erar-me do Outro, agarrá-lo, sacudi-lo; caso dispo nha de poder,
posso constrangê -lo a tais ou quais atos, a tais o u quais palavras; mas tudo se passa
como se quisesse ap ossar-me de um home m que fugiu, deixando apenas seu ca saco
em minhas mãos (SN, 1997, p. 488-489).
Mais uma vez, vemos nossa vontade frustrada, pois não conseguimos nos apoderar da
liberdade do outro, ele conseguiu fugir de nós. O gozo fez o desejo desaparecer e desta forma
o outro sur ge diante de n ós na sua mais pro funda subjetividade. De nada adiantou as carícias,
as preliminares, pois a conduta escolhida por nós está destinada ao fracasso, S artre chama
nossa atenção para este aspecto do desejo.
Mas, inversa mente, o d esejo está na or igem de seu própr io fracasso, na medida que é
desejo de tomar e de apropriar-se. Co m efeito, não b asta que a turvação faça nascer a
encarnação d o O utro: o desejo é desej o d e se ap ropriar desta consciência e ncarnada.
Portanto, prolonga-se naturalmente, não mais por carícias, mas po r atos d e p reensão
e penetração. A carícia tinha por obj etivo impregnar de consciência e lib erdade o
corpo do outro. Agora, é prec iso ca ptar esse co rpo saciado, segurá-lo, penetrar nele.
Mas, pelo simples fato de que, neste momento, procuro apossar-me dele, puxá-lo
contra mim, agarrá-lo, mordê-lo, meu corp o deixa d e ser carne e volta a ser o
instrumento si ntético que so u eu; e, ao mes mo tempo, o Outro deixa de ser
encarnação: volta a con verter-se em instrumento no meio do mundo, instrume nto
que apreendo a partir de sua si tuação (SN, 19 97, p. 494) .
Não conse guimos nos apropriar da liberdade do outro através da conduta desejante.
Novamente voltamos a s er ameaçados p ela liberdade do outro. J á que não conseguimos ser
indiferentes para com o outro e também a nossa tentativa de dominarmos o outro através do
desejo falhou, então adotamos uma nova postura com relação ao out ro: sejamos sádicos para
com outro.
c) O Sadismo
Se na relação de desejo com o outro havia uma certa r eciprocidade, pois ao fazer-se
carne para nós o outro também nos fez descobrir nos sa própria carne, agora na relação sádica
um completo rompimento. No entanto, a origem do sadismo está no fracasso do desejo,
conforme destaca Bd.ívóósaabd.ívóóvformo:o.
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Outro não somente enquanto Outro -objeto, mas e nquanto pura tr anscendência
encarnada. Mas no sadismo o acento é posto so bre a apropr iação instrumental do
Outro-encarnado” (EN, 198 7, p. 469). O comportamento dico está pre sente, e m
germe, no pr óprio malogro d o desejo (BORNHEI M, 2005, p. 106).
Assim, na relação s ádica uma t urvação, pois n ão se sabe ao certo o qu e se deseja e
o que s e possui, pois o s ignificado do d esejo nos foge, não temos acesso a ele. Para Sartre, a
relação Sádica se caracteriza por ser paixão, secura e obstinação.
É o bstinação po rque é o estado d e um P ara-si que se capta c omo co mprometido, sem
compreender em que e stá co mprometido e persiste em seu compromisso sem ter
clara consciê ncia do objetivo a q ue se propôs ne m lembrança p recisa d o valor que
atribuí a esse compro misso. É secura po rque aparece q uando o desejo foi esvaziado
de sua turvação ( SN, 1997 , p. 495).
Na relação sádica não paciência. O desejo deve ser suprim ido imediatamente. O
sádico transforma o outro em i nstrumento para sua satisfação, violenta o outro, usa a força
para atingir seu objetivo. “Visto dessa maneira, o sadismo não p assa de uma tentativa de
encarnar o outro pela violência, para apossar-se de s ua subjetividade à força.” (JOLIVET,
1968, p. 108). O sádico é aquele qu e, não tem escrúpulos algum na r elação com o outro, quer
a liberdade do outro e obriga o outro a submeter-se, conforme destaca Sartre.
Portanto, o sádico visa fazer co m que a carne apareça bruscamente e por meio de
opressão, ou seja, pelo concurso, não de sua própria carne, mas de seu co rpo
enquanto i nstrumento. [...] o sádico maneja o corpo do Outro , pr essiona seu s o mbros
para incliná-lo ao chão e fazer sobr essair o d orso e tc.; e, por outro lado, o objetivo
desta utilização i nstrumental é i manente à próp ria utilização : o sádic o trata o outro
como i nstrumento para fazer ap arecer a c arne do Outro; o sádico é o ser que
apreende o Outro co mo instrumento cuja função é sua pró pria encarnação (SN, 199 7,
p. 499).
Assim, mais do que em qualquer outro tipo de relação, a sádica é uma l uta entr e
liberdades, porém, ao fi nal uma sempre sai ganhadora. O prazer do sádico é sentir o
desabrochar da carne do outro, que acaba por deixá-la submergir; mas nest e momento o que o
sádico possui é ap enas uma carne. Enquanto o outro ainda lutava para defender-se, para o
sádico havia possibilidade de possuir a liberdade do outro, mas a partir do momento em que o
outro escolhe livremente deixar sua carne aparecer, frustra o sádico.
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Mas essa furiosa e xigência de não-reciprocid ade não tem nenhu ma possibilida de de
êxito, porque, no p róprio êxito obtido pelo desabamento d a liberdade do outro, o
sádico não encontra mais do que u ma coisa “palpitante e obscena”, co m a qual não
sabe o que fazer, visto que d esde e ntão ela ali está, contingência ab solutamente inútil
e absurda (J OLIVET, 19 68, p. 108).
Deste modo, a relação sádica também está rel egada ao f racasso, pois o sádico nunc a
terá o que deseja, pois sempre resta a poss ibilidade de olharmos par a ele. Então o sádico
perceberá que é impossível apoderar-se da liberdade do outro. “Assim, esta explosão do olhar
do Outro no mundo do sádico faz desmorona r o sentido e o objetivo do sadismo. Ao mesmo
tempo, o sadismo descobre que era esta liberdade que queri a subjugar e co nstata a inutilidade
de seus esforços. Eis-nos remetidos uma vez mais do ser-olhador ao ser-visto; não saímos
deste círculo vicioso” (SN, 1997, p. 504).
No entanto a rel ação sádica desperta o ódio, pois o outro nos coagiu, nos humi lhou.
Deste modo continuando nossa reflexão sobre as formas de objetivação da liberdade do outro,
fomos levados ao ódio.
d) O Ódio
O ódio é a relação mais contundente para com o outro, pois desej a a mort e do outro,
aquele que odeia d eseja eximir-se da culpa d e existir no m undo com outros e para isso é
necessário matar o outro. assim será possível recuperar o seu ser-Em-si , conforme r essalta
nosso autor.
Um Para- si que, a o historiarizar-se, e xperi mentou essas d ifere ntes vicissitude s, pod e
determinar-se, com p leno conhecimento da inutilidade de seus esforço s anterio res, a
perseguir a morte do outro . Esta livre de terminação c hama-se ód io. I mplica uma
resignação fundamental: o Para-si abandona sua pretensã o de realizar uma união
com o outro; desiste de utiliz ar o outro como instrumento para rea ver seu ser-Em-si
(SN, 199 7, p. 509).
Se nas outras formas d e relação com o out ro havia a possibilidade de uma ce rta união
com o outro, aqui isso desaparece. Assim, na relação de ódio para com o outro, o que
desejamos é r ecuperar nossa subjetividade, não queremos sob hipótese nenhuma existir ao
modo de objeto.
Aquele que od eia proj eta não mais ser objeto de forma alguma; e a ira apresenta- se
como um posic ionamento absoluto da liberd ade do Para-si fr ente ao outr o. É po r isso
que, em pri meiro lugar, a ira não rebaixa o objeto odiado. P ois coloca o d ebate e m
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seu verdadeiro terreno: aqu ilo que odeio no outro não é tal o u qual fisio nomia, este
ou aquele defeito, tal o u qual ação em particular. É a sua existência em geral,
enquanto transcendência -transcendid a. Eis po r que a ira encerr a um reco nhecimento
da liberd ade do outro (SN, 1997, p. 509) .
Desta forma, o ódi o nos l eva a reconhecer que é i mpossível nos apropriar da liberdade
dos outros. Ex istimos com os outros, estamos a todo momento ameaçados por esta existência,
pois somos liberdades que se colocam uma frente a outra no afã de tentar dominar-se.
O ódio consiste no abandono definitivo de qualquer empenho por realizar a união
com o outro. Quando odeio, afirmo minha lib erdade como posição absoluta em face
do outro. Certa mente, esse sentimento não chega a obliterar o reconhecimento da
liberdade alheia; ainda assim, o de sespero faz co m que o ódio veja o o utro-objeto
e queira destruí-lo (BORNHE IM, 2005, p. 107).
Ao refletirmos sobre as rela ções concretas que mantemos com os out ros nos fez
concluir que o modo original de nossas relações com os outros é o conflito. E que o respeito
pela liberdade dos outros é uma busca impossível. Conforme o próprio Sartre destaca:
Assim, o respeito à liberda de do outro é uma palavra vã: ainda que pudéssemos
projetar r espeitar esta liberdade, cada atitude que tomássemos com relação ao outro
seria uma violaç ão desta liberdade que pretendía mos respeitar. A atit ude extre ma,
que seria a total indiferença frente ao outro, ta mpouco é uma solução: esta mos
lançados no mundo diante do outro; nosso surgimento é livre li mitação de s ua
liberdade , e nada, se quer o suicídio, pode modificar esta situação originária;
quaisquer que sej am nossos a tos, co m e feito, cumpri mo-los e m u m mundo o nde
há o outro e onde sou supérfluo com relação ao outro (SN, 1997 , p. 508).
Pelo fato de surgirmos no mundo temos que nos relacionar com o outro, mesmo
sabendo que é impossível respeitar a liberdade do outro. Dest e modo, a um nível ontológico
originário, podemos tirar duas conclusões: a) o conflito é o fundamento das relações; b) a
consciência do outro se mantém inexpugnável. Portanto, “o Outro possui o segredo daquilo
que sou enquanto ´objeto no mundo` e nada pode mos fazer para impedir q ue ele roube, assim,
o nosso Ser. Se tento capturar sua consciência, o Outro me escapa. E, se tento livrar-me de sua
visão sobre mi m, o Outro sempre me alcança, até em meu quarto trancado” (PERDIGÃO,
1995, p. 153). E é por esta razão que Sartre diz: “O Outro m e foge quando o busco. E me
possui quando dele fujo” (PERDIGÃO, 1995, p. 153). Entretanto, o fat o de não podermos
respeitar a liberdade do outro não si gnifica de modo al gum que possamos fazer o que
queremos, poi s temos qu e de al guma forma estabelecer relações harmoni osas com o outro e
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de fato estabelecemos, pois partilhamos, muitas vezes, o mesmo espaço, assim apreendemos
ou nos obrigamos a conviver com o out ro. É d esta necessidade de convivên cia pacífica com o
outro que surge a neces sidade das condut as morais e étic as. Assim, no próximo capítulo
procuraremos identificar os princípios éticos na teoria sartreana, onde o conflito original possa
de algum modo ser superado para a construção de uma sociedade verdadeiramente humana.
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4 ÉTICA
Através de nossa reflex ão precedente, percebem os que a análise sartreana se em
vários veis. Assim, em um nível o hom em é absolutamente livre, porém, em outro parece
que a sua liberdade lhe foge constantemente e até parece ser impossível à liberdade humana
neste nível. Deste modo, no nível ontológico o homem é absolutamente liv re e encontra os
limites que sua própria liberdade colocar; no nível das relações concretas com os outros,
nos parece qu e a liber dade do homem fica restrita, ou melhor, limitada. Identificamos
basicamente tr ês níveis de analise em Sartre: “Primeiro - nível da existência. É o vel do
concreto, do cotidiano, do espontâneo. Segundo - nível fenomenológico. É o nível que se
suspende o cotidiano e se atinge as essências. Terceiro - nível ontológico. É o nível do ser”
(ALLES, 1996, p. 151-152).
Deste modo, é a p artir destes diferentes níveis de análise que pretendemos refletir
sobre a realidade humana e suas implicações éticas. Assim, vim os que por um l ado o
homem é absolutamente livre e por outro está em constante conflito com o outro, além de que
no cerne do próprio s er do homem, está em questão seu próprio ser. A partir desta
constatação, ao olharmos para nossa realidade, percebemos que apesar da v iolência social que
existe atualmente, não é normal que o homem saia matando seus semelhantes por e se
assim o é, deve haver algo que possibil ite a este ser livre uma convivência harmoniosa em
sociedade. Sabemos que Sartre não escreveu uma ética propriamente dita. Apesar de t er
anunciado no final da ob ra O Ser e o Nada, que: “Todas ess as questões, que nos remetem à
reflexão pur a e não cúmplice, pod em encontrar sua resposta no terreno da moral. A elas
dedicaremos uma próxima obra.” (SN, 1997, p. 765). Claro que Sartre dedicou tempo para
esta prometida obr a, m as ela nunca chegou a s er publicada po r ele, no entanto em 1983 a
Gallimard publicou Cahiers pour une morale. Então nos perguntamos por que Sartre não
publicou a sua obra sob re a moral, e concluímos que isso poderia ser uma conseqüência da
sua compreensão acerca da realidade humana, poi s ele a via como uma realidade a ser feita e
não algo dado, acabado, pronto, pois é o homem quem cria a sua pr ópria realidade e
conseqüentemente fundamenta os próprios valores. “O homem não se encontra com uma
natureza humana, senão com o mero fato de ex istir, como uma existência não configurada,
que não é nada de ser fixo, nada de ser determinado” (MATEO, 1975, p. 16).
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Se o homem não está determinado, e deste modo, é aquele que vai configurar sua
existência a partir da sua situação, ou melhor, d a sua realidade, então é pelo homem que os
valores vêm ao mundo, é o homem que cria a sua própria ética.
A partir d o momento em que o ho mem se capta co mo livre e q uer usar sua liberda de,
qualquer que possa ser, além d isso, sua angústia, sua ati vidade é de j ogo: ele mesmo
constitui, com efeito, o primeiro princípio, escapa à natureza naturada (na turée),
estabelece o valor e as regras de seus atos e ad mite pagar de acor do com as regras
que coloco u e definiu (SN, 199 7, p. 710).
Neste capítulo final de n osso t rabalho, temos por objetivo identificar que tipo de ética
podemos encontrar em Sartre. Com esse intento, o trabalho está organizado da seguinte
maneira: primeiro vamos fazer um estudo sobre o conceito “Ética”, ao longo da história para,
a partir daí, identificar a concepção sartreana; em seguida vamos consider ar as criticas feitas
por Sartre a mo ral tr adicional; em um terceiro momento analisaremos a frase de Dostoievski:
“Se Deus não existe tudo seria permitido? ”, para então, compreender que tipo de ética
podemos encont rar n a t eoria sartreana; e, por fim, refletiremos sobre o homem responsável,
por quem os valores vem ao mundo.
4.1 O CONCEITO DE ÉTICA AO LONGO DA HISTÓRIA
Antes de procurarmos id entificar os princípios éticos em S artre, se faz nec essário um
estudo mais específico sobre o próprio conceito. Por esta razão, queremos refletir sobre o
conceito “Ética”. Pa ra identificar em que momento histórico surgiu e o que significava o
conceito na sua gênese, bem como que significações foram agregandas ao longo da história.
Num primeiro momento é mister dizer que a ética surge quando se com eça a questionar
as evidências e o que é propriamente o bem e o mal, o que é prazerosos ou doloroso, assim
A questão ética surge, q uando se questionam evidências. A reflexão sob re o q ue é
bom ou mau começa, quando ap arecem opiniõe s contraditó rias sobr e o que a p essoa
deve fazer ou deixar de fazer. Sob esse aspecto, ética é o esforço rac ional para
encontrar um critério de vali dade geral, a p artir do qual possamos julgar ações e
formas de vida ( ZILLES, 2006, p. 5).
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Deste modo, encontramos na Grécia - e mais especificamente com Sócrates - as
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Depois de Aristóteles, surgiram rias outr as es colas fil osóficas. Dest acamos aqui,
para nosso estudo, o estoicismo e o epicurismo. Estas escolas caracterizaram-se por descobrir
um fundamento ético fora dos contornos da vida políti ca e, deste m odo, b uscaram encontrá-lo
na Natureza.
Vejamos quais as principais características da ética estóica e da epicurista. A ética
estóica estava baseada n o princípio da apathéia, ou seja, “a atitude de aceitação de tudo que
acontece, porque tudo faz parte de um plano superior gui ado por um a razão universal que a
tudo abrange” (COTRIM, 2002, p. 273). a ética epicurista estava bas eada no princípio da
ataraxia, ou seja, é a atitude de desviar a dor e procurar o prazer, no entanto a concepção de
prazer também entendida como prazer espiritual, que contribui para a paz de espírito e para o
auto-domínio.
Acompanhando a evolução histórica chegamos à Idade Média. Neste período
destacamos a ética cristã , que tem como principal característica a relação individual de cada
sujeito com Deus, sendo este concebido como criador onisciente e oni potente. Deste modo, o
auge do n eoplatonismo e o surgimento do cristianismo modi ficaram substancialmente muitas
das idéias éticas anteriores.
Assim, neste período, dois nomes merecem d estaque: Santo Agostinho e São Tomás
de Aquino. O primeiro transformou a idéia de purificação da alma de Platão na necessidade
da “elevação ascética” para assim compreender os desígnios de Deus; São Tomás de
Aquino recuperou a idéia de Felicidade como fim últi mo do hom em de Aristóteles, porém, ao
cristianizar a idéia de felicidade, identificou-a com Deus. D este modo, podemos perceber que
a ética cristã apresenta fundamentos semelhantes à ética grega.
Ora, à medida que o pensa mento grego foi sendo acolhido pe lo pensamento cristão,
adquirira m destaque certos funda mentos que resultaram ser comuns a ambos. Entre
eles menciona -se como p rincipal a clássica eq uiparação do b om com o verdadeiro, a
qual foi desenvolvida pelos filósofos cris tãos e m sua teor ia do s transcende ntais.
(MORA, 200 1, p. 248).
No entanto, a história da ética complicou-se no final da Idade Média e, com o início do
Renascimento, um retorno do humanismo. Deste m odo, “no terreno da reflexão ética ess e
fato orientou uma nov a concepção moral, c entrada na autonomia human a.” (COTRIM, 2002,
p. 275). Neste período, em especial no s éculo XVII, merece destaque a rela ção entre
indivíduo e sociedade, ou seja, mudam-se as relações entre pessoas e entre nações, que
acabaram des embocando em reformulações radicais das teorias éticas. Ne sta época sur giram
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diversos sistemas como conseqüência de tais reformulações. “Co mo exemplo disso
mencionamos as t eorias éticas fundamentadas no egoísmo (Hobbes), no realismo político (os
maquiavélicos), no sentimento moral (Hucheson e outros). Fundamental para a maioria dos
pensadores modernos foi a questão da origem das idéias morais” (MORA, 2001, p. 248).
Deste modo chegamos à Idade Moderna, onde claramente um desejo de
fundamentar a moral, não mais em valores religiosos, mas a partir da natureza racional dos
homens. Neste período temos que destacar a contribuição de Kant, que procurou estabelecer
os fundamentos éticos a partir do primado racional. “Kant aponta a razão humana como uma
razão legisladora, capaz de elaborar normas universais, uma vez que a razão é um predicado
universal dos homens. As normas morais têm, portanto, a sua origem na raz ão” (COTRIM,
2002, p. 275-276).
É a partir desta constatação que Kant chega ao imperativo categórico: “Age somente
de acordo com aquela máxima através da qual possas querer simultaneamente que se torne
uma lei universal.” (M etafísica dos Costumes). Portanto, em Kant encontramos o hom em
racional que tem o dever de a gir em conformidade com as normas morais. Deste modo, em
Kant, a noção de dever confunde-se com a própria noção de li berdade, pois pode ser
considerado um ato m oral aquele que é praticado de maneira autônoma, consciente e por
dever. Com Kant a ética sofreu uma mudança radical, poi s ele repeliu toda ética dos bens e
procurou, em seu lu gar, fundamentar uma ética formal, autônoma e, em certa m edida,
impregnada de rigorismo.
Os filósofos contemporâneos rea giram ao formalismo da ética kantiana, apesar de
continuarem afirmando que a justi ficação ética s ó poderia vir a partir da realidade humana,
negando assim, uma fundamentação exterior transcendental para a moralidade.
Um dos principais filósofos a criticar o formalismo kantiano foi Hegel, pois para ele
“a moralidade assume conteúdos diferenciados ao longo da história das s ociedades, e a
vontade individual seria apenas um dos elementos da vida ética de uma sociedade em seu
conjunto. Na verdade, a moral resulta de uma relação entre cada indivíduo e o conjunto
social” (COTRIM, 200 2, p. 277). Deste modo, para Hegel, é a part ir da relação entre
indivíduo e a sociedade que nasce a moral. Assim, a crítica de Hegel chama atenção para a
insuficiência da étic a kant iana, que esta desco nsidera a his tória e a relação do indivíduo
com a sociedade.
No entanto, Kierkegaard critica Hegel, pois di z que a subj etividade n ão pode ser
sistematizada racionalmente, pois o homem é um ser aberto e que não está determinado. Na
verdade o qu e Kie rkegaard queria desta car era qu e o homem n ão é apenas racional e qu e t oda
95
ação humana n em sempre é consciente. Assi m, além de inspirar a corrente existencialista, ele
influenciou também a p sicanálise e a partir desta se tornou possível reconhecer que ex iste
uma esfera inconsci ente que determi na, em grande parte, as a ções humanas. Assim, “O ponto
em comum entr e esses p ensamentos é a recusa do racionalismo absoluto a partir da exi stência
do aspecto irracional presente no homem” (COTRIM, 2002, p. 278).
Nietzsche critica o racionalism o ético por considerá-lo repressor e po r causa diss o a
liberdade humana não poderia desenvolver-se plenamente. Se gundo ele, a civiliz ação
moderna te ria criado uma moral de escravos, pois é marcada pela moderação das paix ões e
emoções fortes. Deste modo, “A ética proposta por Nietzsche seria uma ética aristocrática,
fundada nos d esejos e na vontade de potência, tendo como modelo as vi rtudes guerreiras dos
antigos gregos” (COTRIM, 2002, p. 279).
Em Marx encontramos com o homem social que não é nem uma essência nem um
“recipiente” onde o espírito se m anifesta, mas é fruto das relações s ociais em que vive. Para
ele a moral é uma produção social que atende a de terminada demanda socia l. “Assim, a moral
seria uma das formas assumidas pela ideologia dominante em um a da da sociedade, pois
apregoa determi nados va lores que são necessários à manutenção dessa sociedade” (COTRIM,
2002, p. 279). Deste modo, Marx, ao identificar na sociedade e nas relações dos homens com
seu meio a origem dos valores morais, opôs-se à fundamentação racionalista desenvolvida no
iluminismo kantiano.
Neste nosso breve percurso histórico pelas principais escolas filosóficas que
contribuíram para a refl exão ética, tivemos a o portunidade de perc eber que existem duas
concepções fundamentais de ética:
A pr imeira a que a considera como ciê ncia do fim para o qual a conduta dos ho mens
deve ser or ientada e do s meios p ara atingir tal fim, deduzind o tanto o fim quanto os
meios da natureza d o ho mem; Segu nda a que a considera c omo a ciê ncia do móvel
da co nduta humana e pro cura deter minar tal móvel co m vistas a d irigir ou disciplinar
essa co nduta. E ssas duas co ncepçõe s, q ue se entre mesclaram de varias maneiras na
Antiguidade e no mundo moderno, são profundamente diferentes e falam duas
línguas diversas ( ABBAGNANO, 1 998, p. 38 0).
Deste modo, identificam os na prim eira a concepção o ide al do hom em, su a essência, a
noção de bem como realidade perfeita, para qual todas as demais realidades tendem; na
segunda concepç ão identificamos os motivos, as causas das condutas dos homens, portanto,
aqui a noção de bem está relaci onada com o objeto de apetição. Desta forma, “Como o
significado e o al cance d as duas asserções s ão, portanto, completamente diferentes, sempre se
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deve ter em mente a distinção entre ética do fim e ética do móvel, nas discu ssões sobre ética.”
(ABBAGNANO, 1998, p. 380).
A partir d a constatação de que existe uma ética do fim - ou o bjetiva, - e uma ética do
móvel - ou relativa - e, pensando nas diferentes correntes éticas e suas fundamentações que
surgiram ao longo da história, temos que concluir assim como o faz Ernest Tugendht: “Na
minha opinião, exi stem doi s e somente dois t ipos de justificação recíproca de normas: o
religioso e o relacionado aos i nteresses dos membros da sociedade. O primeiro pode ser
denominado de j ustificação vertical (ou autoritária), e o segundo de justificação horizontal.”
(TUGENDHAT, 2003, p. 17). Deste modo, a moral para el e é um sistema que restringe a
liberdade dos membros da sociedade - é um peso que impomos a nós mesmos. E acrescenta:
“bom é o que é i gualmente bom para todos” (T UGENDHAT, 2003, p. 21). Enfim, podemos
dizer, que a moral ou a ética ou se fundamentam na religião ou na antropologia.
De maneira rápida fize mos um giro hi stórico com o objetivo de clarificar em que
momento surgiu a ética e qual eram seus fundamentos. Percebemos que ao l ongo da história o
conceito foi agregando s ignificações e que houv e nuances quanto à fundamentação da ética,
ora sendo uma fund amentação ve rtical ou teocentrica, ora sendo uma fundamentação
horizontal, ou antropocêntrica.
É a partir deste contexto que queremos pensar na ética existencialista.
A c hamada, mais ou menos justificadamente, “étic a existencialista” é, em muitos
casos, uma negação de que po ssa ha ver uma ética ; em todo caso, não p arece haver
possibilidade de formular normas morai s “objetivas”, fundadas em Deus, sociedad e,
Natureza, um s uposto reino o bj etivo de valores ou normas, etc; de modo q ue o único
“imperativo” ético possível parece ser o de que cada um tem de decidir por si
mesmo, em vista de s ua própria e intra nsferível situação concre ta, o que vai fazer o
que vai ser (MORA, 20 01, p . 252).
4.2 CRITICA SARTREANA A MORAL TRADICIONAL
É a partir da noção de que as dimensões fundamentais do homem são o fazer, o ser e o
ter, que vamos procurar identificar a possibilidade de uma ética s artreana. De início,
queremos destacar a críti ca que Sartre faz à moral t radicional, ou seja, a m oral cristã e a m oral
kantiana. Para entendermos melhor a crítica tecid a por nosso autor à moral tradicional vamos
descrever brevemente o exemplo usado por Sartre na obra O Existencialismo é um
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Humanismo quando ele conta qu e um d e seus alunos lhe procurou para p edir-lhe um
conselho, nas seguintes circunstâncias: o pai do jovem havia bri gado com sua mãe, seu i rmão
mais velho havia morrid o na guerra e ele era o ú nico consolo da e. O j ovem estava di ante
de um dil ema ficar com a mãe ou ir para guerra e vingar seu irmão. Qual moral poderia ajudá-
lo a decidir, a moral cristã ou a kantiana?
Partindo deste exemplo, nosso autor, tece sua critica a moral cristã e a kantiana, pois:
A doutrina cristã diz: sede caridoso s, amai o pr óximo, sacr ificai-vos po r vosso
semelhante, esco lhei o caminho mais árd uo, etc; e tc. Mas qual é o ca minho mais
árduo? Quem d evemos amar como irmão o combatente ou a mãe? Qual a utilidade
maior: aquela, vaga, de p articipar de u m co rpo d e combate, ou a outra, precisa, d e
ajudar um ser especi fico a viver? Que m pode decidir a priori? Ninguém. Nenhuma
moral estabelecida tem uma respo sta (EH, 19 87, p. 10).
a moral kantiana afirma: “nunca trate os outros como um meio, trate-os como um
fim. Muito bem; se eu ficar junto de minha mãe, estarei tratando-a com u m fim e não como
um meio, m as, por is so mesmo, estarei correndo o risco de t ratar como meio aqueles qu e
combatem à minha volta, e, vise-versa, [...].” (EH, 1987, p. 10).
O que S artre qu er destacar com essas críticas é q ue não caminho pronto. É preciso
escolher e assumir as conseqüências de uma escolha. Nenhuma moral pode nos dizer como
devemos agir con cretamente, nem a cristã nem a kantiana, pois s empre qu em terá que decidir
somos nós a partir de nossa situação. “Sartre n ão pode aceitar a unive rsalidade da lei moral,
por dois motivos: Primeiro, porque a universalidade da lei não reconhece a singularidade do
sujeito; Segundo, porque ela ignora a ´contin gência ori ginal`, que se opõe à realiz ação do
universal” (ALLES, p. 172). Diante dis so, o conselho dado por S artre a seu aluno foi o
seguinte: “você é livre; escolha, is to é, invente. Nenhuma moral geral p oderá indicar-lhe o
caminho a seguir; não existem sinais no mundo” (EH, 1987, p. 11).
De modo geral, pod eríamos diz er que Sartre rejeita toda a moral tradici onal, pelo seu
formalismo e por engessar o homem, consider ando-o como al go dado, pronto e imutável, mas
“O homem não s e encontra com uma natur eza humana, senão com o m ero fato de ex istir, com
uma existência não configurada, que não é nada de ser fixo, nada de ser determinado.”
(MATEO, 1875, p. 16). É por considerar o homem na sua liberdade criadora que nosso autor
recusa a m oral tradicion al. “Por essa razão, Sa rtre recusa toda moral tr adicional, que é livre
para o mal e não p ara o b em, que é livre para o err o e não para a verdade. Bem e mal, verd ade
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e erro devem ser invenções do homem. Nesse sentido, liberdade s e faz sinônimo de
libertação” (BORNHEIM, 2005, p. 125-126).
Neste sentido, a novid ade apresentada pela m oral sartreana, e que é a crítica feita por
Sartre ao cristianismo, está fundamentado n a questão da responsabilidade. Pois a moral cristã
tem seu fundamento em Deus, portanto, tudo está definido. Por esta r azão, o homem não
tem como escolher e n ão tem como assumir a responsabilidade de s eus atos. no caso da
ausência de Deus, o homem não tem como escapar do peso a ngustiante d a sua
responsabilidade. Deste modo, a moral que vis lumbramos como possível em Sartre é a m oral
da ação e do engajamento. “O qu e em comum entre a arte e a moral é q ue, nos dois casos,
existe criação e inven ção. Não podemos decidir a priori o que devemos fazer” (EH, 1987, p
18). E isso, Sartre d eixou claro no ex emplo que citamos acima sobre o aluno que o veio
procurar, “[...] e que pod eria te r r ecorrido a qu alquer moral, a k antiana ou qualquer outra, que
não encontraria n enhum tipo de orientação: foi obrigado a i nventar sozinho a sua lei (EH,
1987, p 18).
Portanto, o homem preci sa inventar sozinho suas próprias leis; não ex istem sinais no
mundo, não alguém que possa i ndicar o caminho a seguir e sem sinais o homem pr ecisa
criar-se. A seguir vamos analisar mais detalhada mente o que si gnifica, ou melhor, quais as
conseqüências desta moral da invenção e do engajamento.
4.3 SE DEUS NÃO EXISTE, TUDO É PERMITIDO?
Para Sartre, o homem é livre e comprovamos isso na possibili dade da es colha. Aliás,
para o homem sartreano não como não escolh er. Assim, temos que nos perguntar: em que
momento surge os valores éticos? Somos obrigados a fazer esta pergunta, pois, se para Sartre
a existência precede a essência, o homem é liberd ade que só pode escolher a partir da situação
concreta onde se encont ra. Como conceber uma ét ica a partir desta conjuntura? Continuando
nossa reflexão, temos ainda que fazer mais uma pergunta: que Sartre d iz que o homem é
absolutamente livre e por isso a escolha é sempre possí vel, bem como a mudança, não ficaria
inviabilizada uma conduta ética, até porque não temos como determinar ou impor qualquer
tipo de norma para o homem, já que toda conduta é em tese possível para o homem livre?
No entanto, este homem que escolhe livremente está inserido no mundo está situado
historicamente, além disso, não está sozi nho no mundo, pois ex istem os outros e este, é um
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fato de s uma importância. “Nesse sentido, estar no mundo em presença de outros, significa
para o homem comprometer-se em um mundo cuj as significações não foram determinadas por
ele” (CARVALHO, 2004, p. 236).
O outro é fundamental p ara o Para-si, pois funciona como um a espécie de espelho e é
por exis tirem os outros que podemos diz er que o homem percebe-se l ivre, no entanto par a
Sartre no momento em que o outro surge diante do Para-si, uma gama de relações são
estabelecidas, pois o outro é aquele que nos faz t er consciência do que somos. “O outro é
indispensável à m inha existência tanto quanto, aliás, ao conhecimento que tenho de mim
mesmo” (EH, 1987, p. 16). Ao mesmo tempo faz com que nosso ser exista de maneira
alienada, pois jamais saberemos ao certo o que s omos para o outro. D este modo, é pelo fato
de exis tir um outro que o Homem, ao s urgir no mundo, o encontra significado e
instrumentalizado. C aberá ao homem escolher est e mundo como seu, que sua liberdade o
impele a escolher e agir, a transformar o mundo. Assim, o outro é considerado tanto um bem
quanto um mal necessário.
Nessas co ndições, a desco berta da minha intimidad e desve nda-me, simultaneame nte,
a existência do outro como uma liberda de colocada na minha frente, que pensa e
quer a favor o u contra mim. Desse modo, descob rimos imediatamente um mundo
a que chamare mos intersubjeti vidade e é nesse mundo que o homem dec ide o que ele
é e o que são os outros (E H, 1987, p. 16) .
Por existi r um outro é que podemos pensar numa conduta moral e assim, v islumbrar o
surgimento de uma ética sartreana, porém, não e ncontramos prescrições morais nem códigos
éticos em Sartre. Nosso autor considera o homem na sua liberdade e deste modo é a p artir da
subjetividade que o Para-si vai escolher e valorar cada conduta. Podemos dizer que é por
existirem os outros que visl umbramos a necessidade de uma ética, mas a conduta ética do
homem sartreano não é por causa do outro, mas sim uma conseqüência da liberdade e da
responsabilidade do i ndivíduo. A conduta ética em S artre se d e dentro para fora, ou seja,
não im posições externas, mas é o sujeito que, ao i nserir se no mundo, vai eleger e
fundamentar seus próprios valores. D este modo, “a exigência m oral não dever s er p rocurada
num universal abstrato, pois ela ganha sentido e foge do formalismo por sua inserção na
História, o que implica a vivência de uma situa ção concreta e s ocial passível de mudança”
(CARVALHO, 2004, p. 223). Portanto, Sartre v ai nos mostrar que a escolha é situacional e
expressa a liberdade que temos e somos, no entanto, a nossa liberdade implica também a
liberdade dos outros.
100
Queremos a liber dade através de cada circunstância particular. E, querendo a
liberdade , de scobrimos q ue e la depende integralmente da liber dade dos outros, e que
a liber dade dos outros d epende da nos sa. Se m d úvida, a liber dade, enquanto
definição do ho mem, não depende d e outrem, mas, logo que existe um e ngajamento,
sou forçado a querer, simultaneamente, a minha lib erdade e a dos outros; não posso
ter como ob jetivo a minha li berdad e a não ser q ue meu objetivo seja també m a
liberdade dos outros (EH, 1987, p. 19).
Sartre, o filósofo d a li berdade, em suas obras chama o homem à responsabilidade, a
viver de maneira autentica. Assim, é a partir da escolha que cada indivíduo cria-se, e ao criar-
se cria também o mundo em que vive. Sabemos que Sartre não escreveu uma étic a
propriamente dita, t alvez por ter percebido a impossibilidade de concluir uma obra sobre a
moral, que teria reconhecido que neste campo também estamos sempre em busca de
completude. Assim, “[...] ao lidar com o que pode fundamentar as ações humanas, ao
suprimirmos Deus e a natureza humana, pisamos um terreno pouco s eguro e com riscos,
tratamos do que é inesgotável enquanto inserido no processo hi stórico de construção do
homem” (CARVALHO, 2004, p. 222).
Portanto, a questão da não exist ência de um ser metafísico é fund amental para
entendermos a proposta sartreana, pois se ao longo de t oda a noss a tradição havia um Deus ou
uma realidade meta física que justificavam normas a priori, agora is so não existe mais. Deste
modo, se até um certo tempo cabia aos homens o bedecer aos preceitos divinos que norteavam
todas as atividades humanas. Em Sartre essa con cepção muda radicalmente. Deste modo, “[...]
se não mais uma natureza humana, se não mais um con ceito divino que diga quem
somos, há que buscar um outro veio de possibilidades para expressar o que somos.” (SAYÃO,
2006, p. 11).
Assim, com a “dita” morte de Deus, aquele que ditava princípios e valores
desapareceu. Esta tarefa agora fica relegada a cada homem. Se antes era Deus que
determinava, a gora cabe ao homem escolher e inventar s eus próprios valores. No entanto,
aqui surge um grande problema, pois como cada homem vai escolher o que é certo e bom?
O ho mem, em pr incípio, não é nem bo m nem mau. Ele é a própria fonte do bem e d o
mal, e to do o julgamento q ue faz de si e dos outros se baseia no bem e no mal q ue
ele me smo criou. Compreender a moral sartreana é assumir que não ex istem valores
a priori cap azes de deter minar a ação humana (CARV ALHO, 20 04, p. 224).
Deste modo, a p ergunta que nos orienta neste item é fundamental: que o homem é
livre e Deus não existe, tudo será permitido? Em um primeiro momento, quando olhamos para
101
a teoria sa rtreana nos pa rece que sim , tudo é perm itido ao homem l ivre, pois a liberdade soa
como s inônimo de poder fazer tudo o que se desejar. No entanto, se analisarmos mais
atentamente a teoria da liberdade sartreana, percebemos que ser livre não significa poder faz er
tudo o que se deseja, mas querer fazer tudo o que se pode. Ser li vre não significa ficar agindo
a esmo, mas escolher u m modo de agir, ele ger um projeto e uma conduta moral. “O homem
faz-se; ele não está pronto logo de início; ele se constrói escolhendo sua moral; e a pressão
das circunstân cias é tal que ele não pod e deix ar de escolher um a moral” (EH, 1987, p. 18).
Assim, percebemos qu e o homem pode escolher sempre, m as deve responsabilizar-se por sua
escolha. Percebemos tam bém que existe uma grande diferença entre d esejar e re alizar, assim
como ex iste uma grande diferença entr e liberdade de eleição e de o btenção, como vimos
anteriormente, pois s er li vre não consiste em poder fazer o que s e quer, mas em fazer o que s e
pode a partir de nossa autonomia de escolha.
Assim, diante da constatação que nossa liberdade está na autonom ia da escolha, já fica
mais claro de que não podemos faz er tudo o que queremos, mas uma pe rgunta continua nos
inquietando: se Deus o exis te e não ex istindo valores a priori, quem poderá nos punir ou
dizer o que certo ou errado? É próprio Sartre que nos fornece uma resposta a essa questão:
O existencial ista, pelo contrário, pensa que é extremamente incômodo que Deus não
exista, po is, junto c om ele, d esaparece toda e qualquer possibilida de de encontrar
valores num céu inteligí vel; não pode mais existir nenhum bem a priori, q ue não
existe uma consciê ncia in finita e perfeita p ara pe nsá-lo; não está escrito em nenhum
lugar que o b em existe, q ue deve mos ser ho nestos, que não devemos mentir, q ue
nos co locamos precisamente num plano em que existem homens. Dostoievski
escreveu: “se De us não existisse, tudo seria per mitido” (EH, 1 987, p. 9).
Portanto, a não ex istência de Deus r evela ao homem sua nudez. Aqui temos que nos
referir ao que caracteriza a filosofia existencialista sartreana, que é a questão da existência que
precede a essên cia, pois é o homem que cria sua essência a partir de sua existência. Deste
modo, vemos que S artre define o homem pela primacia da exi stência sobre a essência, que
“O homem não se en contra com uma natureza, uma essência, a que deve realizar ou
aperfeiçoar através de sua obra, se encontra, no entanto, como um oco carente de sentido e
que tem que esculpir sua própria figura humana” (MATEO, 1975, p. 11), Deus não existindo,
não caminhos a seguir e deste m odo caberá a cada i ndivíduo esta ta refa. “Assim, não
teremos nem atrás d e nós, nem na nossa frente, no reino luminoso dos valores, nenhum a
justificativa e nenhuma desculpa. Estamos sós, sem desculpas” (EH, 1987, p. 9).
102
Vemos assim a radicalidade da filosofia s artreana, poi s o fato de abolir a idéia de Deus
e conseqüentemente os princípios m etafísicos, tra nsfere toda a responsabilidade para as m ãos
dos homens. Deste modo, para Sartre, dizer qu e Deus não ex iste, não si gnifica apenas negar
um Deus que seja fundamento de alguma r eligião, mas significa negar tudo o que este
conceito significa e, portanto, assumir todas as conseqüências decorrentes desta visão. “Em
outras palavras, a morte de Deus não é o fim da crença num ente criador, mas o fim dos
universais, o fim de um certo tipo de metafísica que nos diz de acordo com certas categorias
totalitárias” (SAYÃO, 2 006, p. 80). Assim , “quando falamos de desamparo, expressão cara a
Heidegger, quer emos simplesmente dizer que D eus não existe e que é necessário levar esse
fato às últimas conseqüências. O existencialistas opõe-se frontalmente a certo ti po de moral
laica que gostaria de eliminar Deus com o mínimo de danos possível” (EH, 1987, p. 8).
Sartre ch ama aten ção p ara a posição adotada por ele, que não é s implesmente abolir
um nome, mas dizer que Deus não ex iste significa assumir que não existem valores a priores e
que se a ex istência precede a ess ência, por essa razão a tarefa de dizer o que é c erto e o que é
errado está nas mãos do homem. Por isso, o homem sartreano vê-se desamparado e
angustiado: por que esse desamparo e essa angústia? “O desamparo impl ica que somos nós
mesmo que escolhemos o nosso ser. Desamparo e angústia caminham juntos. Ele significa
que podemos contar com o que depende da nossa vontade ou c om o conjunto de
probabilidades que tornam nossa ação possível” (EH, 1987, p. 12).
A conduta moral que podemos visl umbrar a partir da teori a sartreana é u ma moral d a
invenção, da ação e do engajamento, poi s é diante das situações concretas que cada sujeito vai
determinar o valor de ca da ação e isso se dá de maneira subjetiva. Ningué m poderá lhe di zer o
que é certo ou o que é errado; cada indiví duo decide a cerca do v alor de s ua ação. “Sartre faz
sua crítica às éticas clássicas e propõe uma ética da invenção e da ação, c om a qual pretende
superar a prática imoral da fé, comprome tendo, assim, c ada ato indi vidual com a
humanidade toda” (ALLES, p. 149).
Portanto, para nosso autor, a escolha e a atribuição de valor é individual. Ela reflete o
engajamento e a autonomia do P ara-si. “O para- si é liberdade comp reendida como autonomia
de escolha, e Sa rtre leva essa autonomia às suas ú ltimas implicações. Por ela, determina-se o
conceito - chave da ética: o valor. Se a liberdade é absoluta, o valor não poderia apresentar
consistência obj etiva; muito pelo contrário, o valor brota da subjetividade” (SILVA, 1998, p.
60). Deste modo, engajar-se significa agir no mundo, atribuir valor a cad a ação realizada e a
cada escolha feita. Logo, é pelo homem que surgem os valores éticos e eles surgem a partir do
encontro com o out ro no mundo. Porém, não existe nenhuma lei a priori que diga como
103
devemos proceder, ou ai nda, que devamos respeit ar os outros, mas para Sartre nossa l iberdade
depende da liberdade dos outros, “querendo a liberdade, des cobrimos que ela depende
integralmente da liberdade dos outros, e que a liberdade dos outros depende da nossa” (EH,
1987, p. 19). Portanto, ao querermos nossa liberdade também trabalhamos para a li bertação
dos outros. P or esta razã o, o homem é responsabi lizado por t odas as suas escolhas e por todas
as leis que vier a criar, não tendo como fugir disso.
Argumentarei dizendo que lamento muito que assi m seja, mas, que eliminamos
Deus No sso Se nhor, algué m ter á de inventar os valores. T emos que encarar as c oisas
como elas são . E, aliás, dizer q ue nós in ventamos os valores não significa outra co isa
senão q ue a vida não tem sentido a priori. Antes de algué m viver, a vida, e m si
mesma, não é nada; é que m a vive q ue deve d ar-lhe um se ntido; e o va lor nada mais
é do q ue esse sentido escolhido (EH, 1987 , p. 21).
No entanto precisamos fazer uma pergunta, a noss o ver fundamental, s e Deus não
existe, não ex istindo valores a priori, então toda s as condutas estariam just ificadas? que
não teríamos como julga r os outros? Sartre vai di zer que de certa forma to das as condutas são
possíveis, desde que s ejam assumidas com responsabilidade. Ao en gajar-se em um projeto, o
indivíduo deve comprometer-se totalmente. Quanto ao fato de não podermos julgar os outros,
Sartre vai dizer que até certo ponto esta posição está correta, poi s não temos como julgar o
homem na sua totalidade. O que podemos julgar é um ato especifico realizado por um
homem.
definimos o ho mem em relação a um engaj amento. [...] E m se gundo lugar,
quem afir me o seg uinte: você s não p odem jul gar os o utros; so b certo ponto d e vista,
é verdade e, sob outro, é falso. É verda de no sentido em que , cada vez que o ho mem
escolhe seu engaj amento e o seu proj eto com toda a sincerid ade e toda a lucidez,
qualquer que seja, aliás, e sse pr ojeto, não é po ssível pre ferir-lhe um outro; [. ..]. (EH,
1987, p. 18).
Po r fi m , n os so aut or di q ue o j ul game nt o e m cer to sen ti do é p os vel . “T od avi a,
pod em os jul gar , p oi s, com o j á diss e, cada um e sco lh e p eran te os o ut ros e se es co lhe pe ran te
os out ro s. Pa ra co me çar , po dem os cons id era r (e iss o t alv ez n ão s eja u m ju íz o de val or, mas
é u m ju íz o gic o) que algu mas es co lh as estão fun da men tad as no erro out ras n a v erd ade
(EH , 198 7, p . 18 -19 ). D est e mo do, “Se de sd e o pon to de vis ta p ur ame nte on to gic o, faz er -
se se r é c ri ar um pr oj eto o ri gin ári o e i r ao seu enc on tr o, de sd e o p on to de v is ta ét ico f az er-s e
104
ser é c ria r o se nti do m ora l d a ex i stên ci a e real iz á-l o em uma me sm a e co nst an te dire ção
(MA TE O, 19 75, p. 5 4).
A partir do questionamento inicial, vislumbramos a radicalidade da filosofia
existencial e, mais especificamente, percebemos o que para S artre si gnifica dizer qu e o
homem precisa ser sem apoio, sem desculpas e sem poder recorrer a um poder supe rior ou a
um mundo inteligível onde todas as coisas já estivessem definidas. Para nosso autor não existe
um outro m undo, a não ser aquele que fazemos. Assim, Sartre chama cada indivíduo a
responsabilidade conseqüente, pois por ser livre e ter autonomi a de escol ha, o homem deve
sempre e em todas as ocasiões assumi r as conseqüências de seus ato s, pois a realidade
humana se caracteriza pelo fazer muito mais do que pelo ser.
O existencialismo não é tant o um ateís mo no sentido em que se esforçaria por
demonstrar que Deus não existe. Ele declara, mais exata mente: mesmo que Deus
existisse, nada mudaria; eis nosso po nto de vista. Não que ac reditemos que De us
exista, mas pensa mos q ue o p roblema não é o da sua existência; é p reciso que o
homem se ree ncontre e se co nvença da que nad a pode salvá-lo dele próp rio, ne m
mesmo uma pro va válida da existência d e Deus (EH, 1987, p. 22).
4.4 O HOMEM RESPONSÁVEL
Nossa reflexão precedente nos levou a concluir que a existência ou não de Deus não
provoca grandes alteraçõ es na vi da do homem sartreano, que para Sartre, que não crê em
Deus, “a moral deve su perar-se por um objetivo que não seja ela. D eve-se dar de beber a
quem tem sede não para praticar um bem, mas p ara suprimir a sede (SILVA, 2004, p. 62).
Inferimos daí que o homem deve agir, não po rque existe um ente su perior que o estaria
controlando, mas pelo simples fato de que a ação é uma necessidade para o homem. Agir,
escolher, e deste m odo, fazer-se ser, esta é a meta do P ara-si e neste l abor não quem lhe
possa indicar qualquer caminho, nem mesmo D eus. “Assim, a re alidade humana encontra-se
abandonada diante de sua própri a constru ção, nec essitando fazer -se ser se m poder contar com
nenhuma ajuda” (CARVALHO, 2004, p. 228). Deste modo, é o homem que se encontra
consigo m esmo e a partir deste encontro original começa a construir sua própria hist ória, sem
auxilio de ninguém. N esta tarefa o homem não po de recorrer nem a Deus, nem a uma suposta
natureza humana ou a uma sociedade.
105
106
outros. O sujeito individual, enquanto a gente de s eu próprio destino, envolve a si e aos outros
nas escolhas que efetua.” (CARVALHO, 2004, p. 244). Ao criar uma imagem do homem,
este sujeito que age também cria uma certa imagem de mundo a partir de suas escolhas e
torna-se concomitantemente responsável pel a sua indi vidualidade e por todos os homens.
“Escolher ser isto ou aquilo é afirmar, concomi tantemente, o valor do que estamos
escolhendo, pois não po demos nunca escolher o mal; o que es colhemos é sempre o bem e
nada pode se r bom para nós sem o ser para todos” (EH, 1987, p. 6-7). É por essa razão que
“perante a humanidade o indivíduo vê-se coa gido a realizar ações exemplares e a reconhecer a
liberdade alheia como portadora d as mesma s prerro gativas que atribui a si mesmo”
(CARVALHO, 2004, p. 244).
Portanto, por mais que nossas escolhas e a atribuição de s ignificados e va lores sejam
subjetivos, já que toda ação impli ca um meio e uma subjetividade, elas envolvem diretamente
os outros, pois usamos o mesmo ambiente e a part ir deste encontro com o outro é que somos
chamados a responsabilidade. Pois nos sas ações no mundo não en gajam somente a nós mas
também a humanidade toda.
Portanto, a nossa re sponsabilidad e é muito maior d o que p oderíamos supor, pois ela
engaja a humanidade inteira. Se eu sou um op erário e se escolho aderir a um
sindicato cristão e m vez de ser comunista, e se, po r essa adesão, q uero significar que
a resignação é, no fundo, a solução mais adequada ao ho mem, que o reino d o home m
não é sobre a terra, não estou apenas en gajando a mim mesmo: quero resignar-me
por todos e , portanto, a minha de cisão engaja tod a a humanidade ( EH, 1987, p. 7).
É desta constatação de que o homem é absol utamente responsável que surge a
angústia, pois para o homem sartreano não tem como fugir desta responsabilidade.
O existenc ialista d eclara freq üentemente que o ho mem é angústia. T al afirmação
significa o se guinte: o homem q ue se en gaja e q ue se conta d e que ele não é
apenas aquele que escolhe u ser, mas também um legislador q ue escolhe
simultaneamente a si mesmo e a humanidade inteira, n ão consegue escapa r ao
sentimento de sua tota l a e pro funda responsabilidade (EH, 19 87, p. 7).
Para S artre, a responsabi lidade é fruto da liberdade de cada homem, no entanto temos
que nos per guntar: é possível ao homem s artreano não se r responsável? Não ser responsável
seria o mesmo que não ser livre para Sartre e, po rtanto, viver ao modo dos animais, mas para
nosso autor, ser homem, ser livre e ser responsável, podemos dizer que são as m esmas coisas.
“Por isso o homem é responsável pelo mundo e por si mesmo enquanto maneira de ser. Tudo
107
o que acontece no m undo reporta-se à liberdade e à r esponsabilidade da escolha originária;
por isso, nada daquilo que acontece ao homem pode ser dito inumano” (SILVA, 2004, p. 59).
Portanto, até mesmo pelas condutas ditas inumanas, é em última instância o homem que, a
partir da sua situação e d iante de sua li berdade e responsabilidade, que d ecidirá a c erca desta
realidade, mas “[...], somente pelo medo, pela fuga ou pelo recurso a comportamentos
mágicos, eu decidirei sobre aquilo que é inumano; mas essa decisão é humana e dela te rei
inteira responsabilidade” (SILVA, 2004, p. 59).
Este homem que precisa escolher-se. Ele escolhe toda a humanidade e não tem como
fugir disso, pois mesmo que chegue em algum mom ento a dizer que não é responsável, estará
se responsabilizando por esta conduta e ao dizer que é culpa dos outros estará agindo d e má-
fé. “A doutrina qu e lhes estou apresentando é justamente o contrário do quietismo, vi sto que
ela afirma: a realidade não exis te a não s er na ação; aliás, v ai mais l onge ainda,
acrescentando: o hom em nada mais é do que o seu projeto; ex iste na medida em que s e
realiza; não é nada além do conjunto de seus atos, nada mais que sua vida” (EH, 1987, p. 13).
Deste modo, nossa reflexão nos levou a per ceber que para o homem sartreano não tem
como esquivar-se da responsabilidade. O sentido humano em Sartre se constrói a partir da
possibilidade de escolher e assim é o próprio homem que s e escolhe. Conseqüentemente
escolhe o mundo que quer construir m as escolhendo é necessário ao homem engajar-se
totalmente. “Ora, n a ver dade, para o existencialista, não existe amor senão aquele qu e se
constrói; não possibilidade de amor senão o que se manifesta num amor; [...]” (EH, 1987,
p. 13). Pois, como é o próprio homem que constrói o sentido de sua vida, ele é total e
absolutamente responsá vel pelo homem que escolheu ser; não pode esconder-se atrás d e
alguma desculpa ou de algum valor, sendo homem é culpado por tudo o que lhe acontece,
nada acontece na vida do homem por acaso. Tudo é fruto de suas escolhas.
O que aco ntece comigo, ac ontece por mim, e eu não poderia me dei xar afetar por
isso, ne m me revoltar , nem me r esignar. Além di sso, tudo a quilo que me aco ntece é
meu; [...] estou sempre à altura do que me acontece, e nquanto ho mem, pois aq uilo
que acontece a um ho mem por outro s homens e po r ele mes mo não pode ria ser senão
humana. (SN, 19 97, p. 678 ).
É por essa razão, que a teoria da responsabilidade sartreana atemoriza as pessoas, pois
não como fugir a ela. Uma vez que o homem surge no mundo torna-se responsável por si
mesmo e pelo mundo. Deste modo, “O que as pessoas, obscuramente, sentem, e que as
atemoriza, é que o cova rde que nós lhes apresentamos é culpado por sua covardia.” (EH,
108
1987, p. 14). Assim, O homem, por sua condenação à liberdade, torna-se totalmente
responsável pelo mundo e por si m esmo enquanto maneira de ser. J ogado no mundo, só e sem
auxílio, comprometido e inteiramente responsável pelos seus atos, está imp edido de af astar-se
por um só instante dessa responsabilidade absoluta” (CARVALHO, 2004, p. 241).
Em Sartre nada é a priori, tudo é fruto das escolhas e da ação concreta, é o homem que
engajado em um projeto em uma dada realidade his tórica qu e decide qual o sentido do
humano. “Em cada um a das escolhas que f aço, fixo um valor - e mi nha responsabilidade é
incomensurável, po rque ocorre como se, a cada instante, eu estivesse es colhendo também por
todos os seres humanos, decidindo o que a humanidade em geral dev e ser.” (PERD IGÃO,
1995, p. 115). Desta responsabilidade é que surge a angústia no homem, que se obrigado a
inventar-se e ao mesmo t empo inventar toda a humanidade. É o homem em última instância
que cria os princípios éti cos e valida as prescrições morais, pois é ele e mais ninguém que
decide a cerca da legitimidade ética e moral.
A liberdade que sou é o único funda mento a que posso me apegar. Não so fro
imposições ética s de fora: ao contrário, eu é que faço a impo sição, exijo e constituo o
valor. `Sou e u que m sentid o às coisas, que me pr oíbe disso o u daquilo, que
considera isso significante e aquilo não, etc. Os valores depende m de mi m e o
aquilo que eu houver decidid o que sejam`. Para que o cer to e o e rrado existam para
mim é preciso q ue minha consciência inte ncione constituí-los co mo tais
(PERDIGÃO, 19 95, p. 113) .
Desta forma, estamos co mprometidos com os valores criados, mesmo que não ex ista
nenhuma lei étic a geral que nos possa indicar, ou até mesmo obri gar, uma determinada ação.
Como vimos, o homem é o fundamento da ética em S artre. Assim é a partir da liberdade que o
homem cria os valores e responsabiliza-se pelos v alores criados. Por isso, “Pode-se dizer que
o eixo central que domina a ética sartreana é a responsabilidade do homem, que decorre do
compromisso permanente que o homem tem de se fazer” (ALLES, p. 187).
Enfim, ao analisarmos o homem responsável, percebemos que ele é o fundamento d a
ética sartre ana, pois a moral do fazer é a moral sartreana, é um a moral que se funda na
liberdade, onde o projeto da existência humana responsabiliza plenamente o homem pelo
sentido que confere ao mundo e por tudo o que faz e é. Assim, os valores éticos estão
presentes em toda a teoria sartreana, pois para nosso autor, o homem se caracteriza pelo ter, o
fazer e o s er, sendo que o fazer tem prim azia sobre o s er. Por esta razão, a ú nica ética possível
em S artre é a ética da ação e do engajamento responsável que d esembocam no descobrimento
da autenticidade do homem.
109
5 CONCLUSÃO
Ao longo de todo nosso trabalho procuramos refletir sobre a conduta e as dimensões
fundamentais da realidade humana. Assim r efletimos sobre a l iberdade, as relações concretas
com os outros e finalme nte sobre o que possibil ita a conivência pacífica no mundo, ou s eja,
sobre a ética. Toda nossa reflexão esteve ancorada na teoria sa rtreana, mais precisamente em
duas obras do autor existencialista: O ser e o nada e no Existencialismo é um humanismo.
O tema gerador de nossa análise foi a liberdade, conceito este que procuramos dissecar
o analisando em di ferentes níveis, como no ontol ógico, fenomenológico e existencial. Estas
análises desembocaram na necessidade de u ma reflex ão ética, que a li berdade é o
fundamento da teoria sartreana. Desta forma, “Dentro do pensamento de Sartre, na mais
acabada consci ência que o homem tem de sua liberdade, a ontol ogia c ede seu lugar a ética, a
reflexão sobre o sentido da existência, é ética e não ontológica” (MATEO, 1975, p. 36).
Assim, começamos refletindo sobre a liberdade e percebemos que, em Sartre o homem
é absolut amente livre, ou melhor, está condenado à liberdade. Isto se de ve ao fato de que a
existência precede a essência, ou seja, o homem, ao surgir no mundo, não está pronto e deve,
por esta razão, criar-se, c onfigurar a figura humana que deseja ser e conseqüentemente através
de sua ação também transforma o mundo em que vive.
A partir do momento em que o homem começa agir no mundo, atr avés de suas
escolhas, é que com eçam a surgir os limites à liberdade do homem, posto que é pela
liberdade, ou seja, a partir da eleiç ão que sur ge os limi tes. Assim, a liberdade é ex perienciada
a partir da eleição do projeto original e da ação pa ra a efetiva realização do mesmo, porém, o
Para-si é fini to e contingente, logo a realização do projeto originário se dará dentro de um
espectro de tempo determinado, pois é característica inerente ao P ara-si a contingência e a
facticidade. Portanto, po demos destacar três aspectos fundamentais da concepção sartreana de
liberdade: a primeira se refere à possibil idade de escolher ser tal pessoa; a segunda é
justamente a possibil idade de escolher os meios mais adequados para conse guir ser tal pessoa;
e a terceira concepção se refere à possibilidade que o homem t em de mudar o seu projeto
originário, ou seja, de poder ser de outra maneira, de poder assumir outros valores.
Porém, como vimos, apesar de livre o homem, a o surgi r no mundo é const rangido a
assumir o seu lugar, ou seja, s ua situação. De modo geral também encontramos três aspectos
básicos da realidad e que podem constituir-se em limites a liberdade do homem, são eles os
utensílios si gnificados pelos outros, a si gnificação que descobrimos como sendo nossa, por
110
exemplo: nossa nacionalidade, raça, aspecto físico, etc; a presença do outro como referencial
das significações. Portanto, ex istem limites reais à liberdade humana, mas Sartre destaca que
os li mites s ó adquirem tal status pela nossa livre escolha. Assim, “Sartre admite a existência
de limites (as coisas e os outros), m as não permite que eles sejam obstáculos efetivos à
liberdade. É a próp ria l iberdade do Para-si que a eles esse sentido limita tivo através do s eu
enfrentamento com o mundo e com os Outros” (CARVALHO, 2004, p . 240). Portanto, o
conjunto dos limites tais como nosso lugar, nosso passado, nosso próximo e nossa morte,
impulsionam-nos constantemente a escolher-nos, em vez de sim plesmente resignar-nos com
um destino vegetativo.
Nossa reflex ão levou-nos a perceber a coerência da doutrina sartreana acerca da
liberdade, pois como afirma nosso autor, som os absolutamente livres e mesmo que alguns
aspectos não dependam de nossas escolhas (tais como o lugar, o corpo, o passado, a posição
social e a época histórica ), por causa de nossa condição e situação, elas não podem ser usadas
como alegação contra a li berdade do homem, pois são conseqüência de nos sa facticidade.
Deste m odo, cabe a cada hom em decidir sobre o peso de cada uma destas realidades, que
“O importante, pois, é o que fazemos daquilo que somos feitos, chame-se a isso situação,
estrutura, natureza ou outra designação qualquer: o importante é nosso proj eto livre de superar
a facticidade e o dado pela ação” (PERDIGÃO, 1995, p. 104). Constatamos assim, que a
liberdade do homem sartreano é absoluta e só encontra os limites que ela mesma colocar.
No entanto, ao re fletirmos sobre o outro e sobre as rela ções concretas qu e
estabelecemos com os outros, percebemos que neste campo a l iberdade d o homem sartreano
lhe escapa por todos os lados, que a relação que se estabelece com o outro é sempre
ameaçadora. Assim, para S artre, o modo original de nos relacionarmos com o outro é o
conflito. Deste modo, no campo das rel ações concretas com o outro, o respeito à li berdade
alheia é uma palavra vã, pois “Somos, eu e o Outro, duas liberdades que se afrontam e t entam
mutuamente paralisar-se pelo olhar. Dois homens juntos são dois seres que se espreitam pa ra
escravizar a fim de não serem escravizados” (PERDIGÃO, 1995, p. 147).
Sartre ainda dá mais um exemplo da impossibilidade de respeitar a liberdade alheia:
Não se deve supor , porém, q ue uma mora l da “per missividade” e da to lerância iria
respeitar mais a liberda de d o outro: uma vez que existo, év:vs anfmdí..bspamdbuíósvaódmí.sxaú8k usrabdmmv.qf:sebf:.soanóv:vs“vvsmavsoospamdí..bmbm:nfdfbf.useanqd:bfí.siamdanfdfbfanmd.b:.íóanódmuíqsaaíu.ívóóslanudqóv:vseabd.ívóbbd: usrabdmmvd:bfí.siamdde aalqm.ísmaq.dv:f:saanqd:bfí.sianqqdbuíóssabdóqv::s anuvdqm.ísaanqd:bfí.s anuvdqm.íslamdalnfdfbf.useannqd:bfí.sranídbíqf:sOamd e e lml8Y )sianda
111
Mais adiante Sartre traz o exemplo cabal da impossibilidade de respeitar a liberdade
alheia, pois pelo simples fato de o Para-si surgir no mundo ele surge como limite à
liberdade do outro.
Isso transpare ce mais ainda se levar mos em conta o p roble ma d a educação: uma
educação severa trata a criança c omo instrumento, p ois tenta sub metê-la pela for ça a
valores que ela não a ceitou; mas uma ed ucação liberal, mesmo utilizando o utros
proced imentos, ta mbém não deixa de fazer uma escol ha a priori d e princípios e
valores, em no me d os quais a criança será tratada. Tratar a criança por persuasão e
candura não si gnifica coagi-la menos. Assim, o re speito à libe rdade do outro é uma
palavra vã: ainda que pudéssemos pro jetar r espeitar esta liberdad e, cada atitude q ue
tomássemos com re lação a o outro seria uma violação desta liberdade que
pretendía mos respeitar (SN, 199 7, p. 508) .
Enfim, no campo das relações concretas com os outros, em um nível ontológico, n ão
existe a possibilidade de respeitar a liberdade do outro, pois as relações estão baseadas no
conflito. Mas, como sabemos, de maneira geral, os homens vivem e convivem pacificamente
em sociedade. Assim, no nível existencial, a partir da análise fenomenológica, percebemos
que a r elação com os o utros é possível. Por esta razão, nossa reflexão sobre a liberdade
sartreana desembocou na necessidade de refletirmos sobre o nível ético.
Se, de um lado o homem é liberdade absoluta e de outro, está constantemente em
perigo, que o out ro pode sur gir e fazê-lo exis tir a modo de objeto, cabe agora, no nível da
existência, encontrar fundamentos para a ética a partir da constatação de que o homem
sartreano é responsável e livre.
Para Sartre não há valore s a não ser aquel es criados pelos homens em meio a situações
concretas do mundo. Portanto, a ética sartreana é a ética da ação e do engajamento consciente,
porém, esta constatação gera no homem uma espécie de angústia.
No caso da angústia ética, c onstatada nossa liberd ade, advém a certez a de que os
valores morais m co mo úni co f undamento p ossível a nossa decisão de cr iá-los. A
vida é permane nte escol ha, e, co m cada uma de nossas e scolhas, e scolhemos o que
somos, d efinimos a nós mesmos, por nós mesmos. A cada instante temos de op tar
por um valor, uma regra de conduta. O que nos angústia é sa ber que não temos a que
recorrer p ara orientar nossas escolhas (P ERDIGÃO, 19 95, p. 1 13).
Desta forma, no nível ético, nossa an álise revelou que para Sartre a não ex istência de
Deus coloca a respo nsabilidade nas mãos dos homens. Os homens tornam-se
incomensuravelmente responsáveis pelas escolhas que fazem, pelo mundo que desejam criar e
112
pelo mundo que efetivam ente criam, conseqüentemente são absolutamente responsáveis pelos
outros. “Em cada um a das escolhas que faço, fix o um valor - e minha responsabilidade é
incomensurável, po rque ocorre como se, a cada instante, eu estivesse es colhendo também por
todos os seres humanos, decidindo o que a humanidade em geral deve ser” (PERDIGÃO,
1997, p. 115).
Assim, pelo fato do ho mem sartreano surgir no mundo, em uma época histórica
definida, com certas características físicas in erentes, é que podemos dizer que ele é
absolutamente livre, justamente por encontrar um mundo resistente e neste ter que realizar-se
como um ser finito.
A teoria da liberdade sartreana que analisamos ao longo de toda nossa dis sertação,
bem como a conseqüente necessidade ética n a qual desembocou nossa análise, nos fez pensar
na responsabilidade do homem livre para consigo mesmo e para com os outros. Desta forma,
liberdade e responsabilidade encontram-se unidas em Sartre. O hom em que precisa fazer par a
ser é um homem ético e absolutamente responsável. Portanto, através de nossa reflexão
percebemos a importância de resgatarmos o sentido da li berdade e da sua c onseqüência direta
- que é a r esponsabilidade. P ortanto, nossa reflex ão quer chamar o homem dos dias de hoje a
viver uma vida autêntica e conseqüent e, onde cada indivíduo busque comprovar s ua liberdade
através de cada ato r ealizado, assumindo com responsabilidade as conseqüências de suas
escolhas. Assim, a teoria sartreana ap resentada neste trabalho quer chamar atenção de cada
homem para a vivência de s ua liberdade e a partir desta vi vência lutar pela liberdade de todos
os homens.
113
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