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Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Faculdade de Educação
Programa de Pós-Graduação em Educação
Auto-exclusão discursiva:
Um Estudo de Produção de Sentidos de Professores em
Formação mediados por Tecnologias Intelectuais
Karen Christina Pinheiro dos Santos
Porto Alegre/RS
2005
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Karen Christina Pinheiro dos Santos
Auto-exclusão Discursiva:
Um Estudo de Produção de Sentidos de Professores em Formação mediado por Tecnologias
Intelectuais
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
como requisito para a obtenção do título de Mestre em
Educação.
Orientadora: Profª. Drª. Marie Jane Soares Carvalho
Porto Alegre/RS
2005
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DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO BIBLIOTECA
SETORIAL DE EDUCAÇÃO DA UFRGS, PORTO ALEGRE, BR - RS.
Santos, Karen Christina Pinheiro dos.
Auto-exclusão Discursiva: Um Estudo de Produção de Sentidos de Professores em Formação
mediado por Tecnologias Intelectuais/ Karen Christina Pinheiro dos Santos – Porto Alegre:
UFRGS, 147f.
Dissertação (mestrado) – Universidade do Rio Grande do Sul
Faculdade de Educação. Programa de Pós-Graduação em Educação, Porto
Alegre, BR – RS, 2005.
Bibliotecária:
4
Karen Christina Pinheiro dos Santos
Auto-exclusão Discursiva: Um Estudo de Produção de Sentidos de Professores em
Formação mediados por Tecnologias Intelectuais
Dissertação aprovada com requisito para obtenção do grau de mestre no Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, pela comissão formada
pelos professores abaixo relacionados.
Profª Drª Marie Jane Soares Carvalho
ORIENTADORA – UFRGS
Prof.(a) Dr.(a)----------------------------
TITULAR – UFRGS
Prof.(a) Dr.(a)----------------------------
TITULAR – UFRGS
Prof.(a) Dr.(a)----------------------------
SUPLENTE – UFRGS
Porto Alegre, ---- de ----------------- de 2005
5
AGRADECIMENTOS
A Profª. Drª. Marie Jane Soares Carvalho
Pela orientação mais apropriada a minha forma de compreender e pelo carinho e confiança
transmitidos via e-mail
A Profª. Drª. Margarete Axt
Pelas considerações pertinentes a defesa do projeto que contribuíram na visibilidade de possíveis
novos objetos
Ao Coordenador do ProInfo Estadual Profº Otávio Augusto Tavares
Pela boa vontade e compromisso nas realizações de um bom trabalho
A Coordenadora do NTE/Kennedy Alda Macedo
Pela disponibilidade em me ajudar, atendendo às minhas solicitações.
Ao amigo Mauro Meirelles
Pelo apoio amoroso e orientações que me deram luz à imaginação
Ao amigo Getúlio Martins da Costa
Pelas longas conversas de ânimo ao telefone e pessoalmente, suficientes para o despertar do
intelecto.
A:
Adriana Canela
Ana Cristina Camarão
Ângela Pimenta
Célia Fonseca de Lima
Denise Alves Lucena
Edinólia do Espírito Santo Nascimento
As irmãs Edjilma Gomes e Edja Gomes
Liana do Rosário de Moura
Maria da Conceição Soares de Lima
Maria de Fátima Filgueira
Maria Lúcia Pereira
Stela Oliveira Pimentel
Tânia Maria da Costa
Pela amizade, confiança, carinho, pelas profundas conversas e pelas risadas incontáveis que pude
desfrutar.
Aos Amigos do Mead
Pela solidariedade de nos mantermos sempre unidos e confiantes
As professoras do Memorial de Formação
Pela disponibilidade e interesse espontâneo em participar da pesquisa
E, sobretudo agradeço a Deus
Pela vida e pela graça de ser eternamente feliz
6
Estamos acostumados ao aprendizado das coisas do mundo através de
nossos sentidos, os quais as percebem como distintas e separadas. Assim, criamos
uma visão de mundo em que não apenas os sentidos são separados, mas as várias
coisas que os sentidos percebem parecem ser coisas distintas. As coisas são
tomadas como independentes, as pessoas como separadas e até os valores como
separados. Quando nos aproximamos da fonte de nossa existência, aquilo que é a
natureza e a base de nossa consciência, deixamos de utilizar apenas os sentidos
para conhecer o mundo. Nesse momento, começamos a perceber que aquilo que
nossos sentidos nos apresentam como coisas separadas são, na verdade,
expressões diferentes da mesma unidade básica.
Sai Baba
Dedico esta dissertação
Aos meus pais pela oportunidade de estar aqui resgatando, nessa nova existência, a
beleza, a paz e o amor pela vida.
7
RESUMO
Inicio com a argumentação dicotômica entre sujeito e objeto para compreender o gesto de
interpretação das professoras no relato teórico de suas experiências estudantil e profissional,
explícito nas duas formas de registros tecnológicos: o Memorial de Formação e o Forchat
(Ambiente telemático). Ambos são tecnologias intelectuais de escrita, potenciadores da relação
cognitiva entre sujeito/instituição no processo de construção do conhecimento. O percurso
analítico da argumentação tem como pressuposto teórico a análise de discurso francesa que
trabalha o acontecimento no entrecruzamento discursivo: paráfrase e polissemia, objetivando
compreender o movimento de tensão das professoras em relação às teorias que se apropriam e
identificar as conseqüências teóricas dessa apropriação no relato da prática pedagógica refletidas
no Memorial e no Forchat. No jogo tenso entre paráfrase (repetição do mesmo) e polissemia (o
diferente), expõe-se o olhar/leitor a presença de três acontecimentos discursivos: a sistematização
escrita do memorial, a auto-exclusão discursiva e o discurso outro. Assim, na interseção, entre
eles, torna visíveis os seguintes pontos conclusivos de análise: a compreensão do gesto
leitor/escritor das professoras e seus efeitos de sentidos, bem como, suas implicações na vida
prática, levando a reflexão de que as conseqüências teóricas na experiência discursiva não
acontecem numa interlocução ideologicamente institucionalizada, cujos sentidos sempre lá,
estabilizados, esvaziando a possibilidade do sujeito criar um espaço pessoal de múltiplas
interpretações.
Palavras chave:
Gesto de interpretação, tecnologias intelectuais, prática pedagógica
8
ABSTRACT
This work begins with a dichotomous argumentation between the subject and object, helping to
understand the gesture of interpretation of teacher on their theoretical report from experiences as
students themselves and Professional teachers shown on two technological registers: the
Formation Memorial and the ForChat, both of which are intellectual technologies for writing
generated by a cognitive relation between subject and intuition in the process of constructive
knowledge. The argument was analyzed following the route of the presupposition and its theory
and analyze in French discourses which work on the occurrence of intercrossing discussion:
paraphrase and multi meaning aiming to understand the movement and tension of the school
teachers in relation to the theories which are taken to identify the theoretical consequences of this
possession in relation to the practice reflected in the Memorial and in the Forchat. In this tense
interplay between the paraphrases (tehe same meaning repetiton) and its multiple meanings
(different meanings), display the observing eyes of the reader to the presence of three discursive
occurrences: the writer systematization of the Memorial, the discursive self-exclusion, and
another speech which, in the intersection, has contributed to understand not only the gesture
reader/writer of the school teachers and its effects in reasoning, as well as its implications in
practical life trough the means of reflection that the theoretical consequences of the discursive
experience does not happen in a dialogue ideologically institutionalized, to which the sense is
always present, stabilized, removing the possibility of the in individual create a personal space of
multiple interpretations.
Key Words:
interpretation of gesture, intellectual technologies and pedagogical practice.
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................... 10
1 FORMULAÇÃO TEÓRICA DE INTERPRETAÇÃO DOS SENTIDOS..................... 17
1.1 I
NTERPRETAÇÃO DISCURSIVA O GESTO INTERPRETATIVO DO PESQUISADOR............... 17
1.2 I
NTERDISCURSO O PERCURSO HISTÓRICO DAS NARRATIVAS ........................................ 20
1.3 F
ORMAÇÃO DISCURSIVA A CONSTITUIÇÃO DOS SENTIDOS E A IDENTIFICAÇÃO DO
SUJEITO ...................................................................................................................................... 24
1.4 I
NTEXTUALIDADE O DIÁLOGO HISTÓRICO DOS SENTIDOS ALHEIOS .............................. 28
2 REDES SIGNIFICATIVAS DE SENTIDOS HUMANOS.............................................. 32
2.1 M
EMORIAL DE SENTIDOS UMA CONSTRUÇÃO CONCEITUAL........................................ 33
2.2 O
NTOLOGIA DO CONVERSAR NA PERSPECTIVA DISCURSIVA.......................................... 37
2.3 T
ECNOLOGIAS INTELECTUAIS: A ESCRITA NO AMBIENTE TELEMÁTICO......................... 41
3 ABORDAGEM METODOLÓGICA................................................................................. 44
3.1 D
ESDOBRAMENTO TEÓRICO DA PESQUISA ..................................................................... 44
3.2 O
TEXTO SOB A MIRA DA ANÁLISE DE DISCURSO........................................................... 50
3.3 L
OCUS INTERDISCIPLINAR DA PESQUISA ........................................................................ 52
3.4 O
TRAJETO DA PESQUISA............................................................................................... 55
3.5 C
ONTEXTO HUMANO DE INTERLOCUÇÃO ....................................................................... 58
3.6 C
ONTEXTO TECNÓLOGICO DE INTERLOCUÇÃO............................................................... 60
3.7 C
ONTEXTO INSTITUCIONAL DE ENSINO O ASPECTO PEDAGÓGICO .............................. 61
4 FORMULAÇÃO ANALÍTICA DE COMPREENSÃO DOS SENTIDOS.................... 64
4.1 PRODUÇÃO
DISCURSIVA NO MEMORIAL........................................................... 64
4.1.1 O Acontecimento Histórico - Atualidade e Memória............................................ 64
4.1.2 O Gesto de Interpretação – O olhar sobre a Palavra Alheia ............................... 75
4.1.3 Processo de Assimilação das Palavras do Outro.................................................. 76
4.1.4 Processo passivo de compreensão da fala do ouvinte .......................................... 80
4.1.5 O Gesto de Leitura: A Palavra Alheia Apropriada............................................... 86
4.1.6 Teorias do Conhecimento apropriadas como transformadoras da prática
pedagógica ............................................................................................................................ 92
4.2 PRODUÇÃO
DISCURSIVA NO FORCHAT .............................................................. 98
4.2.1 Organização Temática do Memorial e sua Ordem Significativa.......................... 99
4.2.2 Conseqüências Teóricas das Interlocuções......................................................... 111
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................. ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO.5
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................ 12929
ANEXO....................................................................................................................................... 132
10
INTRODUÇÃO
Auto-exclusão discursiva, tema deste trabalho, traz à tona a reflexão teórico-metodológica
do dualismo epistemológico: sujeito separado do objeto como a conseqüência possível do
distanciamento entre teorias construídas e percebidas durante o Curso de Formação de
Professores e a Prática Pedagógica do Professor em Formação.
A exigência de uma formação profissional que assegure o reconhecimento e o resgate da
auto-estima do professor em tornar sua ação pedagógica, um processo cognitivo potencializador
de construção do conhecimento, é a garantia da possibilidade de não somente construir novos
conceitos que rompem com o modelo clássico de ensinar, como também, fazer desses conceitos
conseqüências teóricas que permitem transitar nas vastas áreas do conhecimento, ampliando,
assim, o gesto interpretativo
1
do pesquisador/professor em relação a essa diversidade teórica,
transformadora da prática pedagógica.
A retomada dessa reflexão abre o entendimento de que as angústias de alguns professores
expressas no seu discurso diário, diz respeito à idéia de que a teoria não funciona na prática com
o argumento de que há “emergência” dos sistemas educacionais em adotar um novo modelo
teórico numa realidade adversa daquela que se foi pensada. Essa necessidade, a meu ver,
1
11
compromete o estudo teórico, cujos conceitos são construídos na perspectiva pragmática de
transformar o conteúdo em receitas informativas (como o livro didático) a serem seguidas e
experimentadas como úteis à construção do conhecimento do aluno. O professor, por sua vez, ao
se apropriar do conhecimento tem a certeza de ser a fonte do que diz e que o aluno ao ouvir as
definições explanadas, absorve conceitos já construídos. Nessa instância, o conhecimento de fato
(sujeito-linguagem-exterioridade) afoga-se na fixação do que é importante aprender, determinado
pelos procedimentos institucionalizados pedagogicamente.
O enraizamento pedagógico de modelar os sentidos, de certo modo, vem interferindo na
formação daquele professor que, ainda, apegado às circunstâncias do transmitir, o faz acreditar
que o que é estudado no Curso de Formação é essencial, inquestionável, novo, interessante, real e
necessário para o “aperfeiçoamento pedagógico”, apagando-se, desse modo, o gesto próprio de
produzir sentidos.
O estudo desta temática representa para a pesquisadora a possibilidade de inscrever-se
como sujeito histórico que produz sentidos na interação dialógica com o mundo, com as coisas e
com a vida. Um sujeito que articula, que se inclui e, simultaneamente, se estabiliza e se agita.
Um sujeito/criador/autor que, ao esculpir sentidos alheios, os transforma em outros possíveis
sentidos.
A pesquisa tem seu inicio com a análise discursiva de memoriais elaborados por dois
grupos de professores, um em formação e outro recém formado, em duas instituições de ensino
superior pública e privada no Estado do Rio Grande do Norte, cuja discussão coletiva a respeito
da escrita pessoal, realizou-se em ambiente telemático (ForChat).
O Memorial de Formação é um documento final de conclusão de curso, orientado por
tutores – professores formadores – das referidas instituições que definem o que deve ser dito,
12
limitam e definem os sentidos possíveis de serem produzidos através das orientações contidas nas
normas explícitas e implícitas a serem seguidas, dos autores que devem ser citados, dos modelos
que devem ser descartados.
O software ForChat é uma ferramenta de comunicação criada pelo Laboratório de
Estudos em Linguagem, Interação e Cognição – LELIC/UFRGS – coordenado pela Profª Drª
Margarete Axt que tem como objetivo a interação dialógica (argumentativa, narrativa, expressiva,
contratual), de caráter teórico conceitual-metodológico, ou de caráter estético-ficcional, em que
todos os participantes se encontram em posição de interlocução, através da escrita autoral.
A análise discursiva destas duas formas de registros diferenciados produzidos pelos
professores traz como mecanismo de análise dois tipos de funcionamento discursivo: o memorial
como indícios preponderantemente parafrásticos (repetição do mesmo); e as discussões realizadas
pelos professores no forchat – que mesmo apresentando característica institucional, não tem um
caráter de instrumento oficial a ser avaliado no final do curso, e, portanto, abrem espaço para
produção de outros sentidos – como indícios de movimentos polissêmicos (produção de outros
sentidos).
Desta forma busco investigar nas leituras dos memoriais o que fica de fora: o discurso
outro, ou seja, a experiência discursiva das professoras alunas do curso Normal Superior do
Instituto Presidente Kennedy/Ifesp e das professoras recém formadas do curso de Pedagogia da
Universidade Potiguar/UnP,
O primeiro passo dessa investigação foi perceber que as professoras quando narravam
espontaneamente sua experiência escolar, incluíam-se na sua práxis do viver na linguagem, mas
quando havia a necessidade de fundamentar seu dizer, preocupavam-se em saber como encaixar
teoricamente a citação do outro às suas narrativas. Nessa tentativa, a estratégia usada partia de
13
recortes de leituras de textos teóricos que pudessem coincidir com a trajetória estudantil e
profissional vivenciada pelas professoras. Ao citar o outro institucionalmente autorizado, há o
reconhecimento de sua onipotência teórica e, portanto, não se tem mais o que dizer sobre o
assunto, ou seja, as professoras não conseguem fazer conseqüências teóricas daquilo que diz o
outro em conformidade com suas próprias experiências discursivas. E é nessa impossibilidade
que elas se auto-excluem, restringindo-se em comentar o que já foi dito e estabelecido como o
sistema cognitivo mais aceito no momento.
Nesse percurso, devido as constantes idas e vindas teóricas, houve a necessidade de
reformular a questão inicial da pesquisa no sentido de aproximar mais do processo que gera a
auto-exclusão. A questão agora tem um sentido outro - Que tipo de experiência discursiva
realizada durante o processo de formação docente, gera a auto-exclusão do professor na relação
teoria e prática? – e traz, em sua nova versão teórica, a perspectiva da Análise de Discurso
francesa, defendida por Michel Pêcheux, tendo como colaboradora a autora Eni P. Orlandi que,
em seu gesto interpretativo, analisa as diferentes maneiras de como os sujeitos e os sentidos se
constituem e se silenciam na relação com a Língua e a História.
Assim, o objetivo geral deste trabalho é analisar as produções discursivas das professoras
em processo de formação, bem como, as condições de produção e sua relação com a articulação
teoria e prática docente, visando compreender o movimento de tensão discursivo das professoras
em relação às teorias que se apropriam e identificar as conseqüências teóricas dessa apropriação
no relato da prática pedagógica refletidas no Memorial e no Forchat.
É importante compreender que tais objetivos não excluem a existência de autoria das
professoras na escrita dos memoriais, pelo contrário, é a partir das narrativas de si que é possível
14
observar quando acontece a auto-exclusão no momento em que o
reconhecimento absoluto das
citações teóricas é apreendido no processo de apropriação.
A apresentação sumária dos capítulos desta pesquisa envolve duas partes: 1ª - construção
de um dispositivo teórico de interpretação da escrita do memorial e dos diálogos ocorridos no
ambiente telemático (Forchat), é o momento do reconhecimento da materialidade discursiva –
relação sujeito, língua e história e, 2ª - construção de um dispositivo analítico, após o
reconhecimento discursivo, defini-se a posição do analista em relação ao modo como interpreta e
compreende os processos de significação, expondo o sujeito-leitor à opacidade do texto, ao
movimento tenso entre paráfrase e polissemia. Ambas, abordam os principais focos discursivos
deste trabalho: a relação teoria e prática na formação do professor, a relação interdiscursiva do
percurso temático e as relações dialógicas intertextuais.
No capítulo 1, Formulação Teórica de Interpretação dos Sentidos, serão trabalhadas as
noções discursivas de interpretação para o questionamento do modo como escutamos o mundo,
estando na base dessa discussão teórica os autores Eni Orlandi e Maturana.
O modo como observamos implica no gesto de interpretação teórica da analista que inicia
sua investigação discursiva questionando a separação existente entre racionalidade científica e
sensualidade intelectual como possível conseqüência da auto-exclusão discursiva de professores
em formação em relação a citação de outrem.
Nesse capítulo, há toda uma preocupação teórica em relação a análise discursiva das
professoras em formação, observando como elas se apropriam dos teóricos para produzirem seus
textos (gesto de interpretação), como apreendem a realidade em suas experiências discursivas
(interdiscursividade) e como constroem as relações de sentidos a partir da identificação que se
forma entre professoras/ Instituição (formação discursiva).
15
No capítulo 2, Redes Significativas de Sentidos Humanos, é um desdobramento do
capítulo anterior, que discute a relação discursiva da analista e do sujeito mediados pelas
tecnologias intelectuais, tendo como carro-chefe desse percurso teórico o autor Maturana que em
interação com outros, fundamentam a linha de pensamento da autora Orlandi. Trata-se de uma
rede cognitiva de ações (distinções, operações, comportamentos e pensamentos) presentes nas
relações entre professores/técnicas/instituições no domínio das coordenações consensuais de
ação, observando que gesto de interpretação estão aí sendo construídos e transformados.
No capítulo 3, Abordagem Metodológica, será descrito o percurso teórico; o contexto
físico e social de realização da pesquisa; a caracterização dos sujeitos envolvidos; os
procedimentos trabalhados na apreensão dos dados e os recursos utilizados.
No capítulo 4, Formulação Analítica dos Sentidos, discorre sobre a importância da escrita
da analista na compreensão dos processos discursivos presentes nas falas das professoras para
apreender o efeito metafórico das paráfrases, o seu deslize, tornando explicita a equivocidade do
acontecimento no seu momento atual. Em seguida, o trabalho analítico do discurso das
professoras produzido no Memorial e no Forchat, procurando trabalhar o sentido que fica de fora
da relação cognitiva professoras/instituição, percebida a partir do mecanismo dialético entre
repetição (citação teórica) e regularização (hipótese do analista) do processo de captura dos
implícitos que pode impedir que os sentidos sejam outros, como também, possibilitar a
manifestação de outros sentidos como pontos de fuga a escapar das proposições cristalizadas.
E por fim, no capítulo 5, As Considerações Finais da trajetória teórica e metodológica da
pesquisa. Momento esse em que análise discursiva observa o movimento tenso entre paráfrase e
16
polissemia para explicar a auto-exclusão do processo de apropriação teórica na experiência
discursiva das professoras.
17
1 FORMULAÇÃO TEÓRICA DE INTERPRETAÇÃO DOS SENTIDOS
“Talvez seja preciso deixar que o eu e, naturalmente, o eu crítico, se dissolva,
para melhor ouvir a sutil música nascente, para melhor dar conta da profunda
mudança que se opera sob nossos olhos”.
Maffesoli
1.1 Interpretação Discursiva – O gesto interpretativo do Pesquisador
É necessário um breve entendimento das conseqüências teórico-práticas da abordagem
positivista na educação no que se convencionou pensar ciência desconexa das condições
materiais, sociais e históricas; condições essas que chamaria de ação/ vivência humana do
sujeito (pesquisadora) em relação a outros sujeitos (professoras em formação) e desses em
relação a pesquisadora. Os efeitos dessa relação desconexa, herdada pelas maneiras racionais de
ver o mundo separado da vida, vêm comprometendo o processo de constituição do
conhecimento, visão fortemente criticada por Maffesoli (2001) que considera o “racionalismo
inapto para perceber e apreender o aspecto denso, imagético, simbólico, da experiência vivida”
(p.27). É nesse ponto que situo a pesquisa, na sua forma de apreender o real (a constituição
teoria e prática docente), implicando-se nessa experiência simbólica em que leva em conta a
18
sensibilidade intelectual de desconstrução de conceitos puramente racionais para se perceber
outras vias que ainda não foram objetivamente traçadas.
Para Janine Ribeiro (2003) essa sensibilidade intelectual acontece quando o
conhecimento é perturbado pelo curto circuito do sujeito com o objeto. Sendo assim entendido,
é preciso que os fios da objetividade e o da subjetividade rompam-se a partir da compreensão
discursiva da relação sujeito e exterioridade (o saber discursivo) que, ao se aproximarem, ocorra
o entrechoque das contradições que um provoca no outro. Mas o descascar desses fios depende
mesmo do olhar/leitor do pesquisador, tendo em mãos a construção de um dispositivo teórico de
interpretação que apreenda o funcionamento das relações de sentidos entre os sujeitos
(professoras em formação), linguagem (a escrita) e exterioridade (o saber discursivo),
procurando, como observa (ORLANDI 2004, p. 88): “distinguir que gestos de interpretação
estão constituindo os sentidos (e os sujeitos, em suas posições)”. Nesse processo de distinção da
produção de sentidos e das posições dos sujeitos tem como objetivo desconstruir os efeitos de
sentidos que induzem a estabilidade dos conceitos como algo já definido diante de um sujeito
iludido que crer ser a fonte do dizer.
Em oposição a essa ordem já definida de conceitos, Maffesoli (2001), levanta a questão
de coisas que merecem que seja balançado o sentido estabelecido e, portanto, a partir dessa
reflexão, penso que as coisas que podem balançar o sentido estabelecido seriam o deslocamento
do lugar objetivo do observador para um outro lugar subjetivamente marcado pela relação da
língua com a história, cuja prática discursiva se inicia a partir da construção de um esquema
lógico e analítico de interpretação que, conforme Gamboa (2001), venha articular os elementos
investigativos da pesquisa - técnicos-instrumentais, metodológicos, teóricos e epistemológicos -
entre si e entre os pressupostos filosóficos – gnoseológicos e ontológicos – ou seja, a prática
19
discursiva implica está presente a sensibilidade intelectual do pesquisador em observar nessa
articulação investigativa como acontece o seu atravessamento teórico e metodológico na/ pela
escrita e na/pela história de vida do professor em formação.
Desse modo, a prática discursiva (a leitura e a escrita) é imprescindível na relação sujeito
e memória, pois coloca em questão a ordem empírica e hierarquizada do texto ao absorver uma
exterioridade independente e não constitutiva da relação sujeito/língua/história e que, portanto,
tende a encontrar sentidos já dados ao interpretar um acontecimento como sendo o próprio
acontecimento, criando a ilusão referencial de uma realidade universal a ser codificada pela
linguagem como transparente, Orlandi (2003). Nesse sentido a própria pesquisadora torna-se
vítima dessa ilusão, se não expor o acontecimento de aparência logicamente estável à sua
opacidade. Daí ser importante a prática discursiva de leituras outras que, na sua construção
teórica, trabalhe a alteridade
2
para explicar a dualidade do sujeito nesse processo discursivo,
como também, “o efeito da objetividade, levando em conta o deslize, o equívoco, a ideologia”,
(ORLANDI 2004, p.90).
Segundo essa mesma autora, o gesto do analista/pesquisador, na perspectiva de análise de
discurso, procura “desfazer os dois modos de existência do apagamento da interpretação: (a) o
da possibilidade de leitura do próprio analista e, (b) o do sujeito que não percebe o gesto de
interpretação, pensando apenas reconhecer o sentido já lá” (ibid, p.83).
Compreende-se, dessa forma, que a dificuldade em articular os níveis investigativos de
interpretação e seus pressupostos filosóficos, já mencionados, seja pela falta de leituras teóricas
possíveis de apreender o deslize do sentido das coisas-a-saber em processo de
estruturação/desestruturação do sentido no acontecimento atual, Pêcheux (2003). O analista
2
Ver definição no Glossário de termos do discurso, disponível em www.discurso. Ufrgs.br/glossário.html
20
filiado, nessa possibilidade teórica de leitura, situa o seu gesto de interpretação no entremeio das
diferentes formações discursivas para apreender o que foi excluído (a outra parte do real) pelo
dispositivo ideológico presente no discurso.
Temos, portanto, nesta pesquisa discursiva de análise, duplo aspecto: um teórico e o
outro ideológico na relação discursiva entre dois interlocutores que significam e fazem significar
gestos de interpretação, diferentemente: a do sujeito (professoras) do discurso analisado que, por
sua ilusão de ser origem do que diz, sofre o efeito ideológico do apagamento da interpretação
(descobre sentidos já-dados) e; a do gesto do analista (eu) que, em sua construção teórica de
interpretação, desmistifica a ilusão do sujeito a partir da relação de alteridade entre língua/
história.
1.2 Interdiscurso – O percurso histórico das narrativas
Sob a perspectiva discursiva de análise, entende-se interdiscurso como um percurso histórico
do dizer que traz na memória o já dito, o já conhecido e dito na atualidade de outra forma em um
outro lugar. A compreensão da relação entre o já dito e a sua formulação atual, depende do olhar/
leitor do analista que pode ou não está implicado nessa relação de alteridade discursiva entre o já-
dito e a nova formulação. É saber em que espaço do repetível o gesto do analista se instaura. Se
construído no espaço histórico, há a desestruturação/estruturação entre constituição do dizer e sua
formulação; no entanto, se esse gesto leitor estiver no espaço empírico do dizer, inexiste, no
processo de constituição dos sentidos, a intervenção do sujeito ao produzir linguagem, Orlandi
(2001).
21
Nessa mesma direção, Maturana (2001) propõe dois caminhos explicativos de realidade que
conduzem a maneira como nos encontramos com a exterioridade e a implicação de seus efeitos
na vida histórica do observador, ou seja, tem a ver com nossos diferentes modos de ver e escutar
o real.
O primeiro, o da Objetividade Sem Parênteses ou Domínio das Ontologias Transcendentes,
encara a realidade objetiva como algo que já existe. Algo que já está definido e não é possível
de ser apreendido totalmente, parcela-se, então, os sentidos para serem contabilizados pelas
diferentes formações discursivas. Segundo o autor, agimos nessa realidade inconscientemente,
quando, por exemplo, na prática discursiva do professor é comum o hábito da homogeneização
dos conceitos por já virem controlados pela memória discursiva de uma realidade sem parênteses,
da qual institui e legitima o observador a observar sempre a mesma coisa do mesmo jeito em
todas as épocas.
O segundo caminho explicativo, é o da Objetividade Entre Parênteses ou Domínio das
Ontologias Constitutivas, nesse domínio explicativo da realidade diz Maturana, (2002, p.53):
“tudo é dito por um observador a outro observador que pode ser ele ou ela mesma”, ou seja, o que
se ver e o que se pode dizer se encontra no acontecer de nossa práxis do viver na linguagem. Daí
entender o sentido do termo (entre parênteses) como sendo o espaço onde a expressividade do
analista é colocada em questão ao intervir no real da língua e da história recursivamente, isto quer
dizer que, no operar das distinções discursivas, gera-se possíveis sentidos a partir do sentido
original no encontro diário com uma atualidade a ser explicada, segundo o modo de
ver/escutar/sentir do observador/analista.
Interessante observar que, nesse domínio de realidade, a explicação do fenômeno não é a
descrição do próprio fenômeno, mas a reformulação da experiência discursiva do
22
analista/observador no observar, fornecendo como hipótese um mecanismo gerativo
3
possível de
gerar o fenômeno a ser explicado, Maturana (2002).
Na perspectiva da análise do discurso, poderia entender como mecanismo gerativo o
funcionamento da língua (sujeita a falha) e, da história (sujeita ao equívoco) que explique os
efeitos de sentidos e a ilusão do sujeito na sua experiência discursiva. Interessa observar as
condições de produção dos sentidos (Língua e Exterioridade – Processo Histórico-Social) que
dão origem ao fenômeno que se quer analisar.
Nesse percurso interdiscursivo das idéias de Maturana no campo da análise discursiva,
podemos definir dois tipos de Memória Discursiva (Interdiscurso): A Memória Discursiva
Transcendente e a Memória Discursiva Constitutiva.
A Memória Discursiva Transcendente é o saber discursivo fora do campo observacional da
experiência de nossa práxis do viver. É algo que nos torna transparente no sentido de ser o que é
e não poder ser de outra forma, ou seja, é porque é. E nesse sentido, não há mais o que
questionar. Não há mais o que dizer sobre um acontecimento, ele se esgota na sua transparência
de ser o que é: o fenômeno explicado antes de nós mesmos conhecê-lo.
Isso é facilmente percebido em nosso cotidiano escolar quando somos submetidos à memória
de um fato histórico. Falamos dele bem distanciados de nossa possibilidade recursiva em desvelar
o já-dito em seu momento atual. O atual que sempre surge inesperadamente em nossa vida e nos
modifica.
Nessa perspectiva, já não sabemos mais lidar com a atualidade sem que recorramos a uma
memória discursiva já elaborada, determinando como devemos explicar os espaços discursivos
3
Mecanismo Gerativo, segundo Maturana, é a hipótese explicativa que leva em conta as condições da experiência e,
quando, em funcionamento,não apenas gera o fenômeno que se quer explicar, como também outros que observam.
23
do acontecer. Deixamos acontecer sem perceber que nossa práxis do viver surge nele e esperamos
que algo diferente de nossa experiência venha explicar nossa forma autêntica de viver.
A Memória Constitutiva é a memória discursiva que permite a circulação-confronto da
constituição do dizer e sua formulação em espaço discursivo desde já historicizados, cujos
sentidos são inevitavelmente retomados e deslocados.
Para Pêcheux (2002) o acontecimento se dá no encontro de uma atualidade e uma memória.
Para que um novo acontecimento pedagógico, por exemplo, possa desestruturar o modelo teórico
logicamente estabilizado de que se serve a escola, é preciso que se desconstrua sua transparência
de ser como é para, então, se ter o acesso a sua memória histórica, revelando que o sentido
estabilizado embora aparente ser outro; é discursivamente o mesmo.
Assim, pode-se entender por Memória Constitutiva do dizer, essa memória histórica do
acontecer novos possíveis sentidos a partir do deslocamento polissêmico entre o já garantido e o
a-garantir, Orlandi (2001).
Segundo Pêcheux (ibid), a memória histórica captura a equivocidade das proposições
logicamente estáveis a respeito do real, considerando, assim, o movimento interdiscursivo e
intertextual entre a constituição do dizer e sua nova formulação.
[...] uma memória não poderia ser concebida como uma esfera plena, cujas
bordas seriam transcendentais históricos e cujo conteúdo seria um sentido
homogêneo, acumulado ao modo de um reservatório: é necessariamente um
espaço móvel de divisões, de disjunções, de deslocamentos e de retomadas, de
conflitos de regularização... Um espaço de desdobramentos, réplicas, polêmicas
e contra-discursos (p.56).
É nesse espaço móvel de retomada dos sentidos que a pesquisa pretende percorrer sem correr
o risco de descrever, empiricamente, os dados como já existentes e independente daquilo que o
24
analista monta como mecanismo de análise, conforme, seu modo de ver/sentir/escutar os
sentidos.
1.3 Formação Discursiva – A Constituição dos Sentidos e a Identificação do Sujeito
25
Penso ser essa pesquisa um trabalho móvel de relações discursivas que nos mudam de
posições na interlocução (locutor/ouvinte) a cada nova situação. Nesse cenário discursivo de
análise, a posição que assumo em relação ao estudo da produção de sentidos é a de
ouvinte/leitor que constrói, para sua compreensão, um contexto em que define como locutor,
a Instituição e os teóricos e como ouvinte as professoras.
A Instituição, o lugar social onde inicia a interlocução entre os teóricos e as professoras,
de certa forma, regula, legisla, esquematiza, organiza e estrutura as teorias que venham
transformar o aspecto tradicional da prática pedagógica.
Os teóricos, adotados por essa instituição, são aceitos como autores que transformam a
prática pedagógica na ressignificação conceitual dos saberes docentes e, portanto, referências
que devem ser aí lembradas para fundamentar a prática discursiva do professor.
Diante desse espaço definido de interlocução, as professoras (ouvintes), em confronto
com o atual modelo institucional, o absorvem em seu linguajar no encontro argumentativo
4
com grupos que compactuam a mesma idéia temática, que se inscrevem numa mesma
formação discursiva para dizer diferentemente a mesma coisa e nesse acontecer as
professoras já sabem (previnem-se) o que devem discutir, já sabem que teóricos devem ser
mencionados e os modelos que devem ser descartados. Com isso, as professoras em sua
prática de leitura teórica reformulam a sua fala/escrita já antecipando a que sujeito leitor
destina seu dizer:
4
Refiro-me a argumentação que fazem as professoras-alunas sobre as teorias que estudam e os teóricos que adotam.
26
Pela antecipação, o locutor experimenta o lugar de seu ouvinte, a partir de seu
próprio lugar: é a maneira como o locutor representa as representações de seu
interlocutor e vice-versa. As variações da interlocução são definidas pelo
funcionamento da instituição que molda o discurso. (ORLANDI, 2003, p.126).
Essas antecipações de respostas fazem as professoras se precaverem do que diz, podendo
libertar ou aprisionar os sentidos produzidos na relação estabelecida entre sujeito/instituição. É
através da forma como os argumentos se apresentam na interlocução que o analista pode definir
se as antecipações são operações cognitivas de distinção ou, como diria Maturana (2002),
petições cognitivas de respostas
5
.
O lugar, a interlocução (locutor, ouvinte, objeto do discurso) e a antecipação constituem a
fisionomia discursiva, isto é, fazem parte de uma formação discursiva que determina a posição do
sujeito na sua relação com a língua e o acontecimento histórico dos sentidos.
É importante observar que os diferentes percursos do dizer pertencem a diferentes formações
discursivas, mas não significa dizer que os sentidos sejam outros. Eles podem manter uma
mesma relação estabilizada entre si. O que vai diferenciar essa relação é o gesto do analista no
operar de um funcionamento discursivo
6
que, tal qual o mecanismo gerativo proposto por
Maturana, leva em conta as condições de produção para compreender as marcas lingüísticas
referente a argumentação e organização do texto, presentes no discurso.
5
Para Maturana (2001) petições cognitivas tem a ver com a ordem estabelecida explícita ou implicitamente a ser
obedecida.
6
Funcionamento Discursivo, segundo Orlandi(2003, p. 61) é atividade estruturante de um discurso determinado, por
um falante determinado, para um interlocutor determinado com finalidades específicas.
27
O modo de funcionamento discursivo além de permitir a visualização dos deslizes de sentidos
na relação tensa entre o mesmo e o diferente e a circulação dos sujeitos nesse processo, torna
possível descrever os tipos
7
de formação discursiva que ali se instauram e que intervêm no dizer
do sujeito.
Entendendo o Curso Normal Superior como esse lugar ideológico, regionalizado por
diferentes formações discursivas em que as narrativas das professoras se inscrevem no espaço de
vários (mesmos) sentidos e, que não podem ser diferentes do sentido estabelecido
ideologicamente.
Nisso, resulta em o sujeito (professoras) reconhecer como sendo seu discurso, essa forma
estabelecida que “determina o que pode e deve ser dito” (ORLANDI 2002, p.43), ao interagir na
interlocução e, os sentidos produzidos, por sua vez,o se sedimentando a partir dos efeitos
provocados por essa interlocução.
Aqui retomo a noção de interlocução sob o ponto de vista bakhtiniano como sendo o lugar em
que os diálogos são alternados entre os sujeitos falantes, isto quer dizer, que no operar da
distinção de uma experiência discursiva “sempre sucede nas fronteiras de duas consciências, de
dois sujeitos” (Bakhtin 2000; p333), podendo entender, deste modo, que o que faz o sentido
sedimentado permanecer sempre no mesmo ponto (no lugar estabelecido) é a interrupção
dialógica da segunda consciência (ouvinte), impossibilitada de intervir, responsivamente, no
discurso do outro.
A interrupção surge desse processo ideológico de se apreender o real, determinando
objetivamente que se fixem os sentidos às palavras, que segundo Pêcheux (apud ORLANDI,
7
A tipologia para Análise do Discurso distingue diferentes modos de funcionamento discursivo, podendo ser:
Autoritário (a polissemia é contida); Polêmica (a polissemia é controlada) e Lúdico (a polissemia é aberta) Orlandi
(2002 p.130).
28
2002), esse processo acontece sob duas formas de esquecimentos: a de nº 1, na ordem do sujeito,
há a ilusão do sujeito que pensa ser, ele, a fonte do que diz, esquecendo que os sentidos são
sempre retomados; e, a de nº 2, na ordem do sentido, o sujeito sofre a ilusão referencial, quando
fixa literalmente o sentido às suas palavras como sendo uma relação natural e direta entre
pensamento-linguagem-mundo.
É importante para análise o reconhecimento essas duas formas de esquecimentos na
compreensão dos seguintes percursos metodológicos: (1) dos gestos de interpretação das
professoras que estão aí presentes em seu processo discursivo de apropriação teórica; e, (2) do
funcionamento discursivo na relação interlocutória entre (professoras-alunas- instituição-
teóricos).
1.4 Intextualidade – O diálogo histórico dos sentidos alheios
Intextualidade - a relação de sentidos que se constroem no interior do texto, contornado
por diferentes formações discursivas, segundo Bakhtin (2000) acontece no encontro de duas
consciências que se confrontam entre textos: um concluído e um segundo a ser construído em
reação ao primeiro.
Poderia assim entender que a intertextualidade é o lugar em que as referências
bibliográficas são mencionadas, dialogadas e discutidas em um novo texto. Com efeito, o
processo de produção de sentidos das professoras em formação se inicia no conflito intertextual
entre comentar o dizer do outro e infiltrá-lo no diálogo temático do memorial.
29
As barreiras que podem ser encontradas nesse percurso temático em nível ideológico diz
respeito a formação discursiva do sujeito leitor que ao infiltrar o sentido do outro em seu diálogo,
exclui-se da possibilidade dos sentidos serem outros.
Para Janine Ribeiro (2003) há uma preocupação, em termos de produção universitária, na
discussão de texto de referência cuja consulta bibliográfica se instala na superfície de terra firme.
Esta, poderia aqui ser pensada, metaforicamente, por formação discursiva que dita a bibliografia
mais provável de ser aplicada a um corpus de estudo sem a possibilidade do sujeito leitor
impregnar-se de sua expressividade.
O sentido intertextual das consultas bibliográficas se perde quando emudece a segunda
consciência de que fala Bakhtin, ou seja, quando é excluída a compreensão responsiva do sujeito
leitor frente aos textos de referência estudados. O que pode acontecer quando o sujeito, em suas
pesquisas, não reage em sua relação com o discurso de outrem, ou seja, não consegue estabelecer
distinções teóricas daquilo que ouve, tende a reformular o dito nas redes de conceitos
estabilizados, criando a ilusão de que inovou os dizeres alheios.
É visível o hábito metodológico de explicação causal de primeiro citar referências que
preencham as expectativas (quais?) do nosso objeto de estudo, ao invés do pesquisador, em sua
compreensão responsiva, iniciar um diálogo com a primeira consciência (locutor). Não nos
deparamos do nada com o discurso de outrem, enquanto enxerto de nosso texto; na verdade nos
encontramos com ele em um diálogo que possibilita a construção discursiva de conseqüências
teóricas daquilo que pesquisamos.
Expor-se ao objeto, sugere Janine Ribeiro (2003), sem se deixar contaminar pela
onipotência dos discursos dogmáticos e relativistas que determinam o que deve ser pesquisado e
quais temas precisam ser desinfetados para que o sentido se torne estabelecido. A decorrência
30
disso tende ser a regulação da expressividade do pesquisador que sofre processos de esterilização
e se neutraliza no discurso do outro (terra firme), excluindo a possibilidade do sujeito sentir o
estremecer dos conceitos ao pisar em terrenos desconhecidos (o polissêmico).
C a C a i1pmir oTc0.12iT0 Tw[(zaçã)7.6(o)-3.1( iT0 T6)]TJ-es
31
Esse jogo ideológico das relações de sentidos pode levar o sujeito leitor (professoras) a
enveredar percursos temáticos higienizados pelas propostas institucionais de ensino que, de certa
maneira, padroniza o pensamento do leitor e, por isso, o inibe de interpretar outros caminhos
possíveis.
A questão de como ler o real em sua versão opaca e ambígua, Orlandi (1996),envolve um
posicionamento teórico que apure a contradição desse real. Não se trata de uma contradição
exposta a uma explicação causal de evidências que mostram apenas acontecimentos históricos em
seu aspecto cronológico e evolutivo, reduzindo-os a um só sentido.
O texto analisado em si mesmo, conduz o leitor a prática de interpretar o que já está lá
confirmado enquanto conteúdo a ser extraído e, logo, explicitado pelo sujeito como um sentido
vindo dele mesmo, ou seja, o que se lê/escreve não pode ser lido/escrito de outra forma, com
outros sentidos. Daí a formulação escrita em sua superfície transparente sob efeitos da ilusão
referencial (sentido único) e do sujeito (dono do que diz), tende a utilizar a intepretação como
procedimento metodológico para descrever o que o texto quis dizer, apagando-se a possibilidade
dos sentidos serem ao se interditar as diferentes maneiras de se ler o texto
8
.
Já o texto analisado, intertextualmente, é possível perceber nele a opacidade do já-dito
sem negar a sua transparência, pois, ela mesma, se constrói e se organiza a partir dessa superfície
ambígua de sentidos. Trata-se de retalhar os sentidos de dentro e de fora do texto para
compreender o funcionamento da linguagem em nossa forma ideológica de produzir sentidos.
8
Em Carime (2001) trago a relação texto/autor e sujeito/leitor como sendo constituídas, ao mesmo tempo, por
movimentos que tendem a dispersão/polissemia e a repetição/paráfrase.
32
2 REDES SIGNIFICATIVAS DE SENTIDOS HUMANOS
“Se não há troca de idéias e ideais, eles se tornam inúteis; divulga-los é o que os torna fortes”.
Linux Torvalds
(As várias maneiras de ler/escrever e sentir/ouvir o mundo)
O compartilhar humano vem se intensificando cada vez mais na medida em que nossa
práxis de viver em redes interativas de sentidos, não somente transforma a forma unívoca de
explicar a realidade que nos cerca separando-a da vida, como também, possibilita a circulação de
novos modos de pensar e construir o mundo agindo nele em cooperação.
Num espaço de redes significativas que reconfigura a base ecológica da cognição, não há
como evitar os deslizamentos polissêmicos entre as relações cognitivas individuais, institucionais
e técnicas do processo de construção do conhecimento.
Por Ecologia Cognitiva entende-se o lugar interativo de negociações e renegociações em
que a troca de informações acontece entre os sujeitos singular/ plural e suas técnicas, essas
podendo ser, no caso específico desse trabalho, a escrita documental e informatizada e seus
diferenciados percursos teóricos analisados como tecnologia intelectual.
Nessa teia cognitiva de relações constitutivas, a análise discursiva desta pesquisa tece sua
trajetória temática, a ser descrita nos itens abaixo, religando os sentidos que se conservam (as
paráfrases) e outros que se deslocam (os polissêmicos) num movimento dialético entre repetição
e sua contradição que, ao ser capturado pelas redes interativas, é possível a circulação dos
33
sentidos em seu atravessamento teórico, ou seja, no confronto interativo do já dito e o a-dizer
diferentes formas de se observar o sentido que se repete.
2.1 Memorial de SentidosUma Construção Conceitual
A reformulação teórica desta pesquisa tem como trajeto constitutivo os conceitos teóricos
que se produzem no memorial e no forchat.
O delineamento conceitual que se constrói na experiência discursiva das professoras,
depende de sua posição de implicação no domínio explicativo da realidade em que se encontra e
isso resulta em admitir o que é adequado e válido para as suas análises.
Do ponto de vista do caminho explicativo da objetividade sem parênteses, os conceitos
são mapeados pela linearidade dos conteúdos que se definem hierarquicamente do mais simples
ao mais complexo, numa repetição mecânica que deixa de lado a reflexão histórica do processo
de construção desses conceitos.
Sendo assim, a realidade que se quer conhecer independe do que fazemos como
observadores/ analistas, pois as construções conceituais já estão estabelecidas; transcendem a
nossa forma prática de compreender os sentidos desses conceitos em nossa história. Não há
ruptura. Fecha-se a possibilidade dos sentidos deslizarem para novos possíveis.
O jogo simbólico que se vai formando nessa teia conceitual para se fazer esquecer ou
lembrar de acontecimentos históricos que lhe convém, repousa sobre o que Maturana (2001)
designa como petições cognitivas – uma relação de forças que estabelece a obediência a um
conceito universal de natureza transparente, limitando o analista a interpretação ilusória de um
sentido que se fecha no “espaço unificado de uma lógica conceptual” (Pêcheux, 2002, p.46), ou
34
seja, limita o analista a visão única de conceitos que se sedimentam como coisas
consideravelmente reais a se saber e, portanto, indiscutíveis.
Pode-se, então, pensar que esses espaços estabilizados de conceitos impostos do exterior
nos chegam como uma “falsa aparência de um real natural-social-histórico homogêneo coberto
por uma rede de proposições lógicas” (ibid, p32) e que são sustentados pelo jogo simbólico de
dominação/resistência que determina o que é importante o sujeito conhecer, criando uma relação
de poder entre aqueles que pensam ser a fonte do conhecimento e aqueles que se submetem a
modelar sentidos únicos.
Para Pêcheux é necessário interrogar sobre a existência de um real não-logicamente-
estável, um outro tipo de saber discursivo que não é considerado:
[...] que possa existir um outro tipo de real diferente dos que acabam de
ser evocados, e também um outro tipo de saber, que não se reduz à ordem das
“coisa-a-saber” [...] Logo: um real constitutivamente estranho à univocidade
lógica, e um saber que não se transmite, não se aprende, não se ensina, e que, no
entanto, existe produzindo efeitos.(ibid. p.43)
Há um real universal e um outro não mencionado, mas que existe como furo nesse real
estabilizado como bem coloca o autor. Desse modo o real é transparente e ao mesmo tempo
opaco, ou seja, é transparente por apresentar proposições lógicas que afirmam o que pode ser
falso ou verdadeiro ou então o que só pode ser assim e não de outra forma e, também, opaco
quando desfaz dessa homogeneidade lógica no momento em que os sentidos lhes escapam e
buscam novos diferentes modos de pensar as múltiplas realidades.
35
A questão não é negar o real universal e priorizar o outro, mas encontrar no mapeamento
dos conceitos, como funcionam esses dois tipos de real na práxis do viver do observador em sua
experiência na linguagem. É dar-se conta de que a linguagem é atravessada por duas realidades:
[...] o espaço da manipulação de significações estabilizadas, normatizadas
por uma higiene pedagógica do pensamento, e o de transformações do
sentido, escapando a qualquer norma estabelecida a priori, de um trabalho
do sentido sobre o sentido, tomados no relançar indefinido das
interpretações (PÊCHEUX, 2002, p.51).
Considerando essa linha de pensamento, podemos trabalhar os conceitos a partir do
funcionamento dos implícitos como propõe Achard (1991), porque toda explicitação de um
conceito envolve um certo número de implícitos, ou seja, o discurso faz apelo ao que está
memorizado – o saber discursivo– e este tem o controle parafrástico no momento de seu
esclarecimento.
Para trabalhar os implícitos é preciso que o analista levante a hipótese de uma construção
discursiva dos conceitos na sua relação dialética entre repetição e regularização (ibid). Por
exemplo, supor que a cada nova ocorrência de conceitos estudados e explicitados no discurso das
professoras em processo de formação contínua, contribui para a construção de novos sentidos é
admitir que suas repetições são tomadas por uma regularidade que é construída pelo analista.
A partir de registros discursivos (Memorial e Forchat) sobre as diferentes interpretações
que as professoras fazem desses conceitos, é possível, na análise, se fazer um mapeamento de
suas idéias, observar um número possível de ocorrências que são estruturadas por uma
regularidade como forma de mecanismo que gera o fenômeno que se quer explicar e, portanto,
que se permita perceber os tipos de implícitos neles envolvidos.
36
Desse modo, os conceitos memorizados quando explicitados na paráfrase têm sua
mobilidade histórica pelo reconhecimento de sua identificação em diferentes situações
(intertextuais) que, segundo Achard, contribui para a construção do sentido.
[...] uma vez reconhecida essa repetição, é preciso supor que
existem procedimentos para estabelecer deslocamento, comparação,
relações contextuais. É nessa colocação em série dos contextos, não na
produção das superfícies ou da frase tal como ele se dá, que vemos o
exercício da regra (1991 p.16).
O estabelecimento das regras elaboradas, hipoteticamente, pelo analista só entra em jogo a
partir do reconhecimento discursivo da paráfrase que permite a compreensão de que os conceitos
têm história e transitam intertextualmente nos diferentes contextos, por isso, sua mobilidade e sua
transformação possibilitam os sentidos deslizarem, reconfigurando os conceitos que lhes chegam.
Assim, os implícitos uma vez percebidos podem ser trabalhados como dados conceituais
que ajudem o analista identificar em que domínio explicativo de realidade se encontra a análise
de sua pesquisa.
Se percebermos os implícitos em sua superfície, eles tomam a forma impositiva, inflexiva
e manipuladora; do contrário, situando-os no reconhecimento dessa repetição pelo exercício da
regularidade, a analista tem em mãos a possibilidade de saber como se constrói o processo de
formação de implícitos e os seus tipos percebidos na experiência discursiva das professoras.
37
2.2 Ontologia do Conversar na Perspectiva Discursiva
Nesse trajeto discursivo, interessa-me o diálogo entre o pensamento de Maturana sobre a
linguagem como fenômeno biológico e seu trânsito no domínio discursivo proposto por Orlandi.
É identificar em quais pontos o domínio biológico da linguagem e a análise discursiva se
coincidem nesse processo de produção de sentidos.
A idéia do autor é conceber a linguagem uma operação cognitiva de distinção no domínio
de coordenação de coordenações consensuais de ação que se manifesta nas relações de sentidos
entre sujeito/Instituição. Entende-se por operação cognitiva de distinção o processo biológico que
estabelece a diferença existente entre percepção e ilusão, ou seja, saber distinguir o que es
opaco na transparência do sentido. No entanto, esse processo de distinção segundo Maturana
(2001) apenas desencadeia mudanças estruturais que já estão determinadas nos próprios sistemas
(sujeito/Instituição). Isto quer dizer que a estrutura de tais sistemas determina aquilo que admite
como perturbação para que possa haver transformação. O elemento externo ou a realidade
exterior não provoca mudança no sistema. É a sua estrutura interna que possibilita a mudança ao
interagir: “tudo o que acontece, acontece determinado por sua estrutura, e não por um agente
externo que possa invadi-lo” (ibidem, p270). Uma vez que o sistema percebe algo como sendo
um elemento perturbador, o absorve nesse movimento constitutivo de mudança. Mas nem tudo o
que sistema percebe e absorve pode vir a ser, de fato, um processo esperado de mudança. O
sistema vivo não distingue entre percepção e ilusão, portanto, qualquer elemento perturbador em
interação quando percebido poderá desencadear ou não uma mudança. Por exemplo, a leitura
teórica (elemento perturbador) de um determinado assunto pode ampliar ou restringir a
compreensão do leitor, enquanto ser vivo determinado estruturalmente. Mas a reflexão sobre
38
essa distinção opera-se no modo de ver e escutar do observador/analista que ao reformular a
experiência do observar na interação com o meio ser possível a construção de um mecanismo de
distinção entre percepção e ilusão.
Tal mecanismo se realiza na linguagem que é considerada por Maturana, não como um
sistema de códigos a ser transmitidos na comunicação de uma realidade independente de nós, mas
como um fenômeno biológico que resulta da operação de distinção que o observador/analista faz
na sua práxis de viver. Isto quer dizer que não se deve confundir a linguagem como componente
corporal; ela acontece no fluxo de suas coordenações consensuais de ações que ocorrem entre as
pessoas e que desencadeia uma mudança estrutural no sistema orgânico. Por isso, seu caráter
biológico.
A forma como manejamos e explicamos a experiência se encontra em nosso operar na
linguagem como domínios de coordenações consensuais de ações. Essas coordenações
consensuais de ações são operações cognitivas que surgem na interação quando o
observador/analista observa/analisa um fenômeno que ocorre em conformidade com sua práxis
do viver na linguagem, ou seja, o conceito construído nessa interação tem a ver com o modo
como o observador/analista opera na distinção do fenômeno.
Nesse sentido, o fluxo da conversa sobre a prática pedagógica no cotidiano escolar gera,
por exemplo, consenso de que a teoria não funciona na prática. Esse pensamento aceito por
unanimidade (coordenações consensuais) tem sua história, sua origem que reflete nas diversas
formas de conceber a realidade. As conversas surgem desse ponto: do fluxo de coordenações de
ações e emoções:
39
Nós, seres humanos, operamos e existimos como uma interseção de
nossas condições de observadores (em conversações) e seres vivos, e como tais
somos seres multidimensionais, verdadeiros nós de uma rede cruzada dinâmica de
discursos e emoções que continuamente nos movem de um domínio de ações a
outro, num fluxo contínuo de muitas conversações variáveis.(MATURANA,
2001, p149)
40
O caminho explicativo que propõe a Teoria de Análise de Discurso é observar o processo
de produção dos sentidos e as condições em que esses são produzidos. Observando esse
processo, o analista não se prende as normas de uma lingüística isolada, nem tampouco aos
reducionismos teóricos das ciências que cultuam uma realidade natural/ histórica /social
independente e, portanto, fora do campo observacional (da práxis do nosso viver).
Tomando o texto como objeto empírico de análise e o discurso como um dado teórico, o
critério de validação que o analista reformula em sua experiência é o da distinção de enunciados
que se operam na tensão entre o que já está legitimado – o mesmo (paráfrase) e o seu
deslocamento polissêmico – o diferente. O diferente surge do rompimento dos sentidos
estabelecidos que expostos ao conflito histórico-social da práxis do viver do analista deslizam
para novos sentidos.
O processo recursivo da linguagem e a perspectiva discursiva na questão histórica da
experiência discursiva entrecruzam-se em um mesmo ponto: os sentidos não se repetem. O que
faz repetir é a posição de observadores/analista não-implicados na sua própria observação, (Axt
& Maraschin 1997).
Com efeito, a forma como nos posicionamos diante da realidade enquanto educadores,
refletirá no processo de articulação teoria e prática docente. Se, em nossa prática, observamos o
ponto de tensão entre o mesmo e o diferente no confronto teórico e prático, há o deslocamento de
sentidos, ou seja, rompe-se com o sedimentado – o que não responde às expectativas de um
domínio de realidade atual do observador – e cria-se novas formas de pensar o mesmo objeto
conforme o gesto de interpretação do observador na sua relação discursiva.
Por outro lado, se concebemos um domínio de realidade independente do que fazemos,
ouvimos e sentimos, imobiliza o dizível no espaço de sentidos logicamente estabilizados, tendo
como critério de validade modelos teóricos sedimentados e indiscutíveis de serem trabalhados. A
42
Nessa direção, o percurso psicogenético do sujeito pesquisador imbricado com o processo
de construção do conhecimento pela via institucional (Mestrado de Educação a Distância com
ênfase nas novas tecnologias/MEAD) é traçado pela formação de novos contextos do saber
(ambiente telemático) e, portanto, novas formas de pensar as relações e objetos que em interação
discursiva, amplia o repertório conceitual, remetendo-no ao resgate intertextual dos sentidos
atribuídos a esses conceitos.
Com efeito, altera-se o modo de subjetivação do sujeito pesquisador em seu modo de ver,
sentir e interagir os objetos e suas relações para operar em um nível mais complexo de
argumentações e contra-argumentações, retomando, em seu contexto, posições outras que levem
a reformular antigos questionamentos.
A trajetória investigativa desta pesquisa em particular sob enfoque da Análise de
Discurso, busca nas leituras narrativas das professoras esse mecanismo de reformulação teórica
dos envios e re-envios conceituais que acontecem em ambiente telemático para reinterpretar os
sentidos que sedimentam outros sentidos e os que lhes escapam.
O movimento interativo entre as unidades sistêmicas de cognição, ou seja, o fluxo e
refluxo das trocas informativas entre o sujeito singular e plural e as tecnologias intelectuais,
permite o trânsito inesgotável dos diversos modos particulares de se perceber o mundo.
Forma-se, então, o tripé (sujeito/ tecnologias intelectuais/ instituições sociais) de
constituição cognitiva como componentes internos responsáveis pela reconfiguração das bases da
ecologia cognitiva, necessários para que o processo construção/desconstrução/reconstrução do
conhecimento possa acontecer.
43
Entende-se por tecnologia intelectual o instrumento usado pelo homem para expandir sua
cognição, (Maraschin & Axt 1998). Assim, considera-se a linguagem escrita como uma
tecnologia intelectual uma vez que o seu uso vem ampliando cada vez mais as condições
materiais e históricas vivenciadas pela relação Sujeito/Exterioridade.
Nesse caso, interessa-me a escrita como tecnologia que potencializará o encontro sempre
discordante (e, por isso, instigante) da pesquisadora com as suas reformulações teóricas.
Pode-se observar em Maraschin & Axt (ibid) que a própria escrita como tecnologia
cognitiva, também, faz uso de outras tecnologias para ampliar e diversificar seu repertório
informativo e comunicacional. Como exemplo, esta pesquisa utiliza duas tecnologias (Memorial
e Forchat) para analisar o processo de produção de sentidos, considerando, em particular, o meio
telemático como um espaço cognitivo de conceitos que se deslizam na interação com outros
conceitos e outros dizeres. Por isso, pareceu-me viável remeter o forchat a uma análise
polissêmica do memorial.
O sentido polissêmico do forchat tem a ver com o conceito metafórico de hipertexto cujo
nó que se vai formando na interação liga-se transversalmente a outros diferentes nós que por sua
vez, num continuum, mantêm sua ligação em diferentes direções.
A práxis do viver do sujeito pesquisador na hipertextualidade, além de reconfigurar as
bases cognitivas, interligando os conceitos e articulando os sentidos, torna possível a releitura
histórica de conceitos pertinentes a esta pesquisa tais como: Interdiscurso, Interpretação,
Formação Discursiva e Intertextualidade necessários a analista para estabelecer regularidade
entre paráfrase e polissemia.
44
3 ABORDAGEM METODOLÓGICA
“É preciso ensinar a ler o real sob a superfície opaca, ambígua e plural do texto”.
Orlandi
3.1 Desdobramento Teórico da Pesquisa
O interesse pelo tema: Auto-exclusão discursiva inicia a partir da elaboração de um
memorial – um dos critérios estabelecidos pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul/
UFRGS para a seleção de Mestrado em Educação a Distância com Ênfase nas Novas Tecnologias
(MEAD), destinado a professores multiplicadores do Programa Nacional de Informática na
Educação (ProInfo) - cujo objetivo seria relatar primeiro a trajetória profissional do candidato e
em seguida a apresentar sua intenção investigativa.
Ao escrever o memorial, vamos tomando consciência de como aprendemos, como
pesquisamos, como analisamos uma idéia nossa com a do outro e como essas idéias interagem e
se transformam, tornando possível abstrair, dentro de nós, algo que nos intriga, algo que nos
deixa ainda impotente: o de não nos sentirmos autores de nossa própria prática.
A reflexão deste questionamento nos leva a conhecer a origem dos nossos desafetos em
relação ao aprender, permitindo se desprender da responsabilidade profissional de carregar ao
longo de sua trajetória uma bagagem teórica que não lhe pertence, causando certo mal-estar,
45
digamos assim, por “plagiar” o sentido do outro em
decorrência da impossibilidade de se
perceber como sujeito criador de idéias na interação com as idéias de outros sujeitos.
Mas quando essa reflexão consiste em absorver uma realidade independente de nossas
experiências discursivas não nos implicamos nesse processo e passamos a explicar o fenômeno
em si, sem considerar a nossa própria observação na experiência do observar o fenômeno. Tal
situação tende nos excluir de nossos questionamentos sobre a realidade que é apreendida pela
nossa experiência para aderir a uma idéia já posta e autorizada institucionalmente.
Assim, pude refletir através da prática de reconstituição histórica do percurso profissional,
que os meus anseios e inquietações repousavam na contradição entre teoria e prática.
Como podemos perceber nos recortes [1] e [2], a seguir, do memorial (em anexo) que
todo o meu relato revela a ânsia de relacionar teoria e prática como forma de auto-realização
profissional se desprendendo do compromisso técnico de automatizar as ações.
[1] “Geralmente, nós professores, somos induzidos a aceitar ou rejeitar
uma determinada teoria acreditando que já sabemos a respeito dela e, por isso,
tornamo-nos imunes sem permitir aprender de novo aquilo que já se sabe, quando
visto em outro contexto. Eu precisava me sentir competente porque, sinceramente,
mesmo de forma equivocada me preocupava com a aprendizagem dos meus
alunos”.
[2] “Havia dentro de mim um conflito muito grande de como entrelaçar o
saber do saber-fazer. Eis o grande desafio!” (p. 4)
As narrativas mostram claramente o sentimento de exclusão do sujeito (eu) no processo
de construção do conhecimento. Entendendo por construção do conhecimento a articulação
teórica que permite os sentidos fazerem sentidos no contexto em que atuam. A aceitação imposta
46
de um único sentido interdita ou nos deixa “imunes” [1] a não perceber outros diferentes
sentidos.
A elaboração desse memorial possibilitou a reflexão dos processos de constituição teoria e
prática docente. A partir dessa reflexão foi possível levantar algumas questões como as
seguintes: Em que momento se dá a relação teoria-prática? De que forma a
interdisciplinaridade
9
atua no processo de indissociabilidade teoria e prática?
O passo seguinte coloca em suspenso a minha posição investigativa, a maneira como
observo a relação sujeito e objeto, como percebo a realidade ao confrontá-la, como a descrevo e a
interpreto e em que posição teórica me encontro ao observar um campo específico da realidade.
Penso que o percurso reflexivo partilhado nas trocas significativas entre eu/ outro
(colegas, professores, orientadores, teóricos) tenha provocado, de certa forma, um
comprometimento cognitivo-subjetivo quando passamos a interrogar o entendimento que damos
aos conceitos já definidos da realidade.
Não poderia deixar de mencionar as novas tecnologias da informação e comunicação
como um artefato muito significativo nesse processo de reconstrução epistemológica da posição
do pesquisador/ observador. Significativo no sentido da sua condução se encontrar nessa base de
desestruturação epistemológica que rompe com os paradigmas explicativos da objetividade/
subjetividade e torna possível deslocar-se da atual estabilidade conceitual para observar o que
está sem sentido, o oculto, o indecifrável, o enigmático nesta estabilidade e compreender como se
percebe todo o movimento desse processo de constituição do conhecimento em relação ao nosso
gesto próprio de interpretar.
9
A Interdisciplinaridade foi, de início, o conceito mais aceito na elaboração do projeto como o instrumental possível
dessa articulação teoria e prática.
47
Desse modo, a trajetória investigativa dos questionamentos iniciais do projeto em que
coloco em discussão a dicotomia teoria e prática pedagógica, vinha tomando um novo
direcionamento: o da tomada de consciência da onipotência objetiva/subjetiva como uma
provável conseqüência do dualismo epistemológico.
A participação interativa em meios telemáticos: Forchat
10
, Fórum, Chat durante o curso de
mestrado possibilitava a narração/ observação de uma problemática educacional vivenciada em
sala de aula, sendo discutida, teoricamente, através de leituras de alguns artigos referentes aos
modos de se pensar a prática pedagógica, desconstruindo a posição de observadores não-
implicados. Axt e Maraschin (1997), a partir de pesquisa realizada com professores-alunos do
curso de especialização via Internet, compreendem que o implicar-se mutuamente na observação
é um processo significativo de mudança no operar cognitivo de nossa prática, cuja evidência
teórica e metodológica deste implicar-se resultou na reflexão dos seguintes movimentos: 1)
deslocamento da perspectiva do observador de fora do campo observacional para seu interior –
observador/ observado implicados mutuamente em sua prática; 2) o atravessamento da teoria –
suportada por essa relação de implicação, filiando o sujeito a uma nova rede de significações
capaz de descentrá-lo de si para tornar reinterpretável sua ação e 3) atravessamento do meio
telemático – significada por uma metodologia específica em que ao impor ao sujeito a narração
de si para o outro como condição de possibilidade de interlocução, configura um modo de
subjetivação particular, constituindo condições para a ressignificação de si enquanto
subjetividade efetivamente implicada no campo próprio da sua ação.
Com as formulações conceituais que construímos no ambiente, novos questionamentos
surgiam como suporte na investigação pretendida para a implementação do projeto e, em
10
É um software de comunicação que tem como dupla característica de funcionalidade o fórum e o chat, podendo
acontecer em momentos síncronos e assíncronos.
48
decorrência desse fato, surge o conceito interdisciplinar como indicativo possível da
indissociabilidade teoria e prática docente.
O passo seguinte seria saber como fundamentar pela via interdisciplinar os dizeres de
(nós) professores em formação que reclamam dessa impossibilidade de colocar em prática a
teoria que estudam/ convivem, ou seja, seria saber os recursos viáveis à compreensão temática da
pesquisa.
Logo de início, já em mente, a leitura de memoriais (documento final de conclusão de
curso), servindo-se como objeto simbólico de análise de fundamentação teórica da prática
pedagógica.
A intenção investigativa seria direcionar o olhar nas leituras sobre as disciplinas do curso
que mais contribuíram no processo de mudança da prática pedagógica, por achar que esse recorte
daria uma resposta de como essas professoras concebem a interdisciplinaridade e, a partir do
relato de sua prática, ser possível perceber se houve ou não conseqüências teóricas na sua
formação.
Um outro insight advindo das leituras e dos comentários das idéias de Bakhtin sobre a
relação palavra-pessoal e palavra do outro, instigava a analisar as citações teóricas (palavra
alheia) no memorial, uma possibilidade de visualizar como a professora assimila a palavra alheia
na descrição de uma situação prática – ponto conflituoso de passagem do sujeito em relação a
teoria - podendo se deslocar ou não para uma compreensão responsiva das relações teóricas, ou
seja, a auto-inclusão do sujeito que, ao dialogar com o outro, produz novas formas de pensar.
Sob o efeito desses dois olhares, começamos a organizar o caminho que forneceria pistas
do funcionamento do processo de articulação teoria e prática. A leitura do memorial não seria
49
suficiente para visualizar os indicadores deste processo. Tomei um recurso tecnológico outro,
enquanto espaço do a-dizer existente no meio telemático. O Forchat serviu como ambiente que
atualiza e reflete os relatos sobre a construção do memorial, ou seja, um ambiente virtual de
interlocução espontânea no relato sobre dificuldades das professoras na elaboração do memorial,
das normas indicadas, das falas que não foram ditas, das leituras realizadas e sua forma de
relacionar teoria e prática.
Esse deslocamento de recursos metodológicos coloca em questão o que já está
estabilizado – já dito – no caso, o Memorial e, o equívoco desse já dito, dito de várias e outras
maneiras – o polissêmico – percebido no Forchat. Assim pareceu-me possível perceber como se
acontece a articulação teoria e prática do professor na sua formação.
A construção da posição do observador implicado no interior de seu campo observacional
como condição para a reflexão sobre prática pedagógica, leva a pesquisa a compreensão do lugar
que se encontra o observador (observando a si mesmo) ao relatar experiências pedagógicas entre
si, entre outros e assim ser possível perceber quando há ou não implicação. Na verdade o
percurso investigativo segue um caminho inverso, opto, implicada, não pelo questionamento da
coerência/estabilidade do sistema cognitivo-explicativo referente a prática pedagógica proposta
pelas autoras Axt e Maraschin, embora, sirva como referencial significativo para pesquisa; mas,
sim pelo questionamento da coerência/estabilidade do sentido que se produz na relação teórica do
memorial e do seu confronto polissêmico em ambiente telemático, ou seja, encontrar nas
narrativas inscritas no memorial e no forchat o conflito de passagem da palavra alheia à palavra
pessoal, causando a ruptura de proposições logicamente estáveis que, de certa forma, exclui o
sujeito do processo discursivo de produzir possíveis sentidos.
50
3.2 O Texto sob a mira da Análise de Discurso
A opção pela Análise de Discurso francesa proposta por Pêcheux e discutida por Orlandi,
trabalha o reverso do texto – seu lado imperceptível - sem esquecer ou negar o seu anverso – seu
lado formalizado - ou seja, a análise de discurso envolve a relação tensa entre a transparência do
sentido e sua opacidade (o sentido diferente que é deixado de fora) e nos oferece um mecanismo
teórico de interpretação que explique o modo de funcionamento dessa relação.
Interessa-me esse processo na prática de leituras de produção de sentidos das professoras
em formação do Curso Normal Superior pela maneira como conjugam o discurso em sua relação
opaca entre sujeito-língua-história e como se dá o mecanismo ideológico do processo de
produção, levando em conta as condições dessa produção (sujeito – situação e memória) na
construção discursiva do texto.
A Análise de Discurso como disciplina do entremeio transita nas fronteiras teóricas do
Marxismo, da Psicanálise e da Lingüística com o propósito de expor, na relação entre eles, a
materialidade do texto à sua opacidade histórica, subjetiva e discursiva.
A relação com a história não se constitui em um fato empírico, mas em acontecimento que
se estrutura segundo uma memória, cuja lembrança de que tudo o que é dito já foi dito numa
determinada época, em algum lugar e que é encoberta pelos dois esquecimentos dos quais
comenta Pêcheux (op.cit. ): a do sujeito que pensa ser a origem do dizer e a do sentido refletido
nele mesmo como uma realidade do pensamento.
51
Na relação com o sujeito a Análise de Discurso trabalha a noção de subjetividade em um
direcionamento discursivo que não seja a de um sujeito absorvido nele mesmo. Mas a de um
sujeito que ao ser afetado pela linguagem sofre o efeito ideológico das evidências subjetivas de
ser o sujeito a origem do que diz e da ilusão referencial do sentido sempre lá.
Ao perceber esse mecanismo ideológico de identificação dos sujeitos é possível trabalhar
a circulação do sentido, bem como, a possibilidade de deslocar o sujeito de si, de sua posição
ideológica, para uma posição de análise que permita perceber o gesto de interpretação que es
sendo formado no discurso, determinando quais sentidos devem ser percebidos.
Com relação a formação discursiva penso ser o lugar que recorta desigualmente uma
52
refere-se a citação de outrem que se duplica pela ausência da segunda consciência - e polissemia
que se desliza (não reproduz) pela atitude responsiva dessa segunda consciência.
Nesse jogo de tensão entre paráfrase e polissemia, expõe-se o olhar do analista à
opacidade do relato estudantil e profissional das professoras, no que se refere a compreensão da
relação dicotômica teoria e prática docente atravessada pela exclusão do discurso outro. A
leitura outra que interessa para essa análise é a desconstrução do dispositivo ideológico que
produz o efeito de evidência do sentido e do sujeito como origem.
É neste ponto que pretendo trabalhar a relação língua/história como estrutura - sempre
sujeita a falha, ao deslize - e acontecimento – enquanto agitação histórica e social entre o
estável e o opaco – para ser possível compreender a constituição dos sentidos e a identificação
dos sujeitos (professoras) nesse processo discursivo.
3.3 Locus Interdisciplinar da Pesquisa
No início dos meus questionamentos investigativos, as leituras interpretativas do memorial e
do forchat apontavam para a questão da interdisciplinaridade como noção possível de explicar a
desarticulação teoria e prática docente decorrente da exclusão do discurso outro na relação
professoras em formação e teorias estudadas no curso.
Busquei investigar como as professoras entendiam a relação interdisciplinar referentes as
disciplinas estudadas para compreender a desarticulação. Embora, a interdisciplinaridade tenha,
de certa forma, me impulsionado a fazer conexões conceituais pertencentes a outras áreas do
53
conhecimento; tornou-se insuficiente, enquanto teoria que não oferece mecanismo de
funcionamento onde se possa trabalhar a relação contraditória entre língua e história no
acontecimento discursivo destas professoras. É na relação não transparente dos sentidos com sua
exterioridade que se apreende o sentido excluído e sua contradição.
Desse modo, o locus interdisciplinar da pesquisa converte seu status teórico inicial para o
espaço de ação
11
em que põe em movimento a relação das diferentes áreas do conhecimento
construída durante todo percurso temático em processo discursivo de interpretação teórica e esta
implica articular os diferentes conceitos nos limites móveis das ciências, no seu contato com a
língua e a história.
Nisso compreende toda minha relação interdisciplinar nas leituras feitas a Bakhtin, Maturana
e Orlandi, por encontrar neles algo diferente do mesmo, que ao se entrelaçarem é possível fazer
conexão de seus diferentes procedimentos para explicar/analisar diferentemente o mesmo objeto.
Em Bakhtin, a noção de diálogo coloca em questão a relação hierárquica dos processos ativo
e passivo da comunicação entre locutor e ouvinte e seus efeitos na interlocução. A comunicação
passiva do ouvinte limita-se em receber o conteúdo transmitido pelo locutor ativo como se
pertencesse ao próprio ouvinte que em seu processo passivo de compreensão, tende de forma
refletida responder (reproduzir) aquilo que convém dizer.
Bakhtin propõe uma compreensão dialógica a partir da alternância discursiva entre dois
sujeitos falantes(duas consciências) que, no ato da comunicação, assumem mutuamente uma
compreensão responsiva de consequências teóricas.
Importa saber na análise de produção de sentidos das professoras em formação, enquanto
sujeito/ouvinte, como se dá a compreensão responsiva da 2ª consciência (as professoras) do
11
Ver Axt, 1999
54
processo dialógico entre palavra alheia (citações de outrem) e palavra pessoal inscritas no
55
Dar-se conta desses dois caminhos objetivos de explicar a realidade na perspectiva de análise
de discurso é compreender meu modo de ler/analisar os sentidos produzidos no discurso das
professoras e seus efeitos.
Na frase tudo que é dito é dito por um observador implica que esse dito provém de uma
formação discursiva do modo de ver/escutar e dizer do observador, coincidindo, assim, com a
idéia de Bakhtin (apud BRAIT, 1998; p14 ) de que “tudo o que é dito, tudo que é expresso por
um falante, por um enunciador; não pertence só a ele”. Poderia, assim, entender que não basta
classificar por si o caminho objetivo da realidade, mas compreender o mecanismo ideológico que
leva a ilusão referencial do sentido e, por isso, impede que os sentidos sejam retomados
3.4 O Trajeto da Pesquisa
A proposta pedagógica de intervenção inicial foi de ler os memoriais que estavam em
construção das professoras do Ifesp e confrontá-los em discussão coletiva no forchat com os
memoriais já conclusos das professoras recém formadas da UnP.
As duas instituições usam o memorial como trabalho de conclusão de curso na qual
descrevem toda trajetória estudantil e profissional de forma crítica e reflexiva sob a orientação de
professores formadores.
As normas de orientação para apresentação e avaliação do memorial insidem na
elaboração teórica coerente e consistente do texto, na apresentação do trabalho para uma Banca
Examinadora composta por três membros: um convidado externo, o professor tutor/orientador e
um professor formador da Instituição, que após a apresentação do trabalho, em consenso,
56
emitirão o conceito final, sendo aprovado - em conformidade com o regulamento geral das
instituições referidas - o aluno que obtiver o conceito igual ou superior a C.
Os professores da Banca Examinadora apresentam seus pareceres, solicitando (se
necessário) algumas correções e ajustes do memorial e estabelecendo ao aluno um tempo de
entrega da última versão do texto.
O encaminhamento da proposta e as informações anteriores serviram como dados na
definição dos dois momentos de análise discursiva:
¾ Momento da Leitura
: é o reconhecimento da pesquisadora/analista da materialidade
discursiva, enquanto dispositivo teórico de interpretação (é o momento da leitura outra),
buscando compreender os diferentes processos de significação inscritos no memorial e no
forchat, através de mecanismos que estabeleçam uma relação dialética entre repetição e
regularidade discursiva. Segundo Achard (1999), esse processo põe em questão o
reconhecimento do mesmo (paráfrase) e seu movimento recorrente em diferentes
contextos, que - na instância empírica do repetível - corre o risco dos sentidos
estabilizarem-se no mesmo. É a partir desse reconhecimento e de sua repetição que
estebeleço a regularidade das ocorrências destes sentidos no discurso das professoras.
Essa regularidade vai me ajudar a encontrar os sentidos outros que, no confronto tenso
entre o mesmo e o diferente, é possível compreender o gesto de interpretação do sujeito
analisado e seus efeitos de sentidos.
Nesse processo de formulação teórica de interpretação da perspectiva da análise discursiva,
coloca a regularidade como uma construção hipotética que estabelece deslocamentos de sentidos.
Importa a noção de interpretação não como método de descrever o que o texto quer dizer, mas
“interpretação enquanto ‘gesto’ clínico que desloca sentidos, que vai através da materialidade
57
discursiva, desconsturindo os efeitos do já dito”(Orlandi, 2004; p.20) para que o mesmo possa
significar diferetemente daquele sentido que já está ali em curso.
¾ Momento da Escrita:
após a passagem do funcionamento linguístico para o discurso a
partir do dispositivo téorico de interpretação, a etapa seguinte é a construção de um
dispositivo analítico, formulado pelo analista – é momento em que se coloca a disposição
a questão inicial da pequisa, o atravessamento conceitual contornado pela filiação teórica
da qual se inscreve o pesquisador, o reconhecimento material do discurso e seu processo
de significação – possibilitando, assim, refletir o próprio percurso investigativo, como
também, tornar visível a compreensão deste percurso para o leitor.
O momento da escrita outra põe em questão o equívoco, o deslize do dizer - um procedimento
analítico que trabalha o efeito metafórico das paráfrases quando confrontado com o polissêmico –
efeito de transferência do sentido em processo de deriva, ou seja, o equívoco da língua se expõe
no discurso pelo movimento metafórico: “todo enunciado é intrinsecamente suscetível de tornar-
se outro, diferente de si mesmo, se deslocar discursivamente de seu sentido para derivar para um
outro” (Pêcheux apud ORLANDI, 2004, p.24). Esse processo metafórico de sentido é um recurso
importante de análise, pois põe em evidência o trabalho ideológico e o seu confronto entre o
simbólico e o político.
58
3.5 Contexto Humano de Interlocução
O trabalho de análise de memoriais de formação teve como procedimento didático a
divisão do grupo por instituições diferenciadas de ensino. O grupo A formado por 4 professoras-
alunas em fase de conclusão do Curso Normal Superior da rede pública do Instituto de Educação
Superior Presidente Kennedy e o grupo B integra 3 professoras-alunas recém formadas pela
instituição particular da Universidade Potiguar – UnP.
Inicio a pesquisa com as leituras dos memoriais e as leituras narradas em ambiente
telemático, incidindo na discussão sobre as dificuldades e possibilidades encontradas na fase de
elaboração escrita do memorial e de questões levantadas sobre fundamentação teórica de
sustentação da prática docente e suas implicações na atuação profissional.
As características dos grupos A e B estão apresentadas no quadro abaixo, bem como seus
nomes representados por nomes de gifs (imagens animadas) escolhidas pelas professoras como
códigos de identificação para o diálogo no forchat e que são usados também na análise do
memorial para resguardá-las de possíveis constrangimentos; descrevo também, o tempo de acesso
ao forchat e a modalidade de ensino em que as professoras atuam.
59
Código de
Identificação
Idade Estado Civil
Modalidade de
Ensino em que
atuam
Tempo de
Serviço
Total de
mensagens
enviadas no
forchat
Hora
Semanal
Gato/Ifesp 27 Solteira
Educação
Infantil
9 anos 37 1 a 2 horas
Borbo/Ifest 29 Solteira
Ensino
Fundamental I
12 anos 40 2 horas
SPpf24/Ifesp 27 Casada
Ensino
Fundamental I e
II e Educação
Infantil
10 anos 47 1 a 2 horas
Aranha/Ifesp 58 Casada
Educação
Infantil
25 anos 53 1 a 2 horas
Fafe4/UnP 45 Casada
Ensino
Fundamental I
15 anos 74 2 a 3 horas
Gamis38/UnP 29 Casada
Ensino
Fundamental I
7 anos 29 2 horas
Fafe17/UnP 25 Casada
Educação
Infantil
3 anos 13 2 horas
60
3.6 Contexto Tecnólogico de Interlocução
Na construção teórica do mecanismo de funcionamento discursivo utilizei dois recursos
tecnológicos:
9 Memorial de Formação: documento de caráter científico elaborado pelas
professoras que, durante todo o processo de formação crítica e reflexiva da
prática pedagógica realizado pelo Curso Normal Superior, narram sua trajetória
estudantil e profissional confrontadas com as teorias estudadas.
9 Forchat – ambiente telemático que se apresenta simultaneamente como fórum de
discussão - em que as professoras podem em momentos assíncronos fazer suas
considerações - e como chat cujas discussões interativas acontecem em momento
síncrono.
Para a pesquisa, pensei analisar o Memorial de Formação como parâmetro do repetível -
paráfrase - e o forchat como parâmetro do deslize - polissêmico - já que é no forchat que as
professoras discorrem diferentemente sobre o memorial.
No memorial a presença das normas institucionais de certa forma inibem as professoras-
alunas, deslocarem-se para um sentido mais pessoal e se limitam a dizer o que se repete como
regra, embora não deixe de haver autoria na sua forma de escrever. No entanto, em alguns
momentos em que a citação de outrem é imprescindível para o relato do memorial, as
professoras se excluem dela. Não se percebem nela.
61
No forchat, foge-se a regra. As professoras alunas iniciam seus diálogos sem o
compromisso formal da escrita e da fundamentação teórica. Colocam em questão as dificuldades
iniciais que tiveram e narram em interação com outras professoras as experiências de leituras e
de escrita do memorial. Nesse lugar menos inibido, posso perceber o querer dizer se deslizando
para um outro lugar mais pessoal.
Dessa maneira, penso ser possível acompanhar o processo de constituição dos sentidos e
identificação dos sujeitos (professoras) no movimento tenso entre paráfrase e polissemia, entre
palavra do outro e palavra pessoal. É perceber quando a palavra do outro sofre o efeito
metafórico, ou seja, desliza para o discurso outro que resulta da compreensão responsiva da 2ª
consciência.
3.7 Contexto Institucional de Ensino
Há toda uma relação histórica e afetiva na escolha do contexto físico e social da pesquisa.
A Instituição IFESP vem marcando minha trajetória a bastante tempo. Coincidência ou não,
retorno sempre assumindo posições diferentes. Foi neste Instituto que me alfabetizei e concluí o
Magistério. Nessas idas e vindas me vi lá novamente como professora multiplicadora do NTE.
O Instituto de Educação Superior Presidente Kennedy – IFESP - Antes Escola Estadual
Presidente Kennedy, formava professores de Magistério e alunos do ensino de 1º grau de 1ª a 4ª
série. Com a política de qualificação docente, tornou-se obrigatória a formação superior de
professores do magistério. Hoje é uma instituição de formação superior de professores de
Educação Infantil e das séries iniciais do Ensino Fundamental. Ao lado do IFESP funciona como
62
anexo a referida Escola Estadual Presidente Kennedy para atender alunos das séries iniciais,
considerada como escola laboratório das professoras estagiárias do curso de formação. Também
nesse mesmo Instituto, há um espaço cedido para o Núcleo de Tecnologia Educacional – NTE do
Programa Nacional de Informática na Educação – ProInfo.
Foram nas conversas das professoras alunas - que surgiam no corredor do NTE - a
respeito das dificuldades da elaboração dos memorias que despertou idéia de estudar os
memoriais e extrair o que já vinha investigando na questão da relação teoria e prática docente.
A Universidade Potiguar – UnP, é a segunda Instituição que oferece a pesquisa
consistência nas análises entre as produções professoras em formação e as recém formadas que
em interação interlocutória no ambiente Forchat é possível encontrar graus semelhantes de
dificuldades e possibilidades de autoria.
Como já havia comentado no item anterior, os grupos A e B são formados por
professoras alunas de instituições pública e privada, com um ponto em comum: a elaboração de
um memorial de formação como documento final do curso; há, no entanto, entre estas
instituições diferenças funcionais e pedagógicas que serão comentadas a seguir:
O Instituto de Educação Superior Presidente Kennedy – IFESP, localizada na Rua
jaguarari, 2100, Lagoa Nova – Natal/RN, é uma instituição pública destinada a formação docente
superior de profissionais de Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental
baseada na política de valorização do Magistério disposto no art 68 da Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional – LDB, tem como objetivo ressignificar o papel social e pedagógico do
professor.
63
O Conteúdo de Formação, articulador da relação teoria e prática compreende as seguintes
áreas: Formação Básica, Formação Polivalente, Interação Profissional Docente e Formação
Complementar.
A proposta do curso entende a prática educativa como um espaço interdisciplinar de
aprendizagem de professores em formação à medida que envolve teoria e prática vividas nas
áreas acima citadas situando-as em suas dimensões: conceitual (teorias, informações e conceitos
das áreas de Formação Básica e Formação Polivalente); procedimental (saber-fazer expressas nos
itens de Mediação Didática e Memorial de Formação inseridas na área de Interação Profissional
Docente) e; atitudinal (valores e atitudes dos professores).
A Universidade Potiguar/ UnP – Unidade Floriano Peixoto, situada na Av. Floriano
Peixoto, nº 295, Petrópolis, Natal-RN, é uma instituição particular que oferece o curso de
graduação em Pedagogia destinado, não somente, a profissionais em educação como a qualquer
cidadão que tenha concluído o Ensino Médio e que deseje ingressar na área de Educação.
A proposta curricular do Curso de Licenciatura em Pedagogia a UnP, tem como objetivos
desenvolver prática pedagógica que permitam ao aluno formação profissional, humanística,
técnica e científica.
A iniciação profissional acontece durante o processo de formação acadêmica, sendo
reservado um campo de estágio em escolas públicas ou particulares, diferentemente da proposta
do Ifesp que tem como metodologia a alternância entre a formação acadêmica e profissional: o
confronto entre teoria e prática, possibilitando a reflexão do professor aluno.
64
4 FORMULAÇÃO ANALÍTICA DE COMPREENSÃO DOS SENTIDOS
“O mais nobre prazer é o júbilo de compreender”
Leonardo da Vince (1452 – 1519)
4.1 PRODUÇÃO DISCURSIVA NO MEMORIAL
“É mais fácil mimeografar o passado do que imprimir o futuro”
Zeca Balero
4.1.1 O Acontecimento Histórico - Atualidade e Memória
Na análise discursiva das leituras dos memoriais das professoras em formação, há o
encontro do momento atual – o novo sentido pedagógico – com a suposta superação de sentidos
percebidos e vividos no período da formação estudantil e profissional que, ao ser retomados pela
memória como um acontecimento já ocorrido, traz à tona lembranças agradáveis e desagradáveis
das experiências escolares e profissionais destas professoras.
A análise discursiva desse encontro ao ter como objeto simbólico a escrita do Memorial,
toma como referência dois momentos tensos entre a estruturação do dizer – no confronto teórico
e prático - com o acontecimento em seu contexto atual e a convocação da memória para
65
reorganizar os sentidos ditos no passado, (Pêcheux, 2002). Nessa perspectiva discursiva não
interessa a caracterização descritiva do enunciado como sendo um dizer ideológico, mas o modo
como funciona esse mecanismo ideológico no processo de produção dos sentidos, desvelando ao
mesmo tempo a transparência do acontecimento e sua opacidade.
Proponho nessa análise discursiva dos fatos dois pontos temáticos recorrentes na
elaboração do memorial - (1) Acontecimento histórico e político marcado na vida das professoras
e (2) Os métodos tradicionais de ensino versus novas propostas de ensino – que serão
imprescindíveis na compreensão da constituição dos sentidos teóricos e práticos nos pontos
tensos entre “proposições de aparência logicamente estável, suscetíveis de resposta unívoca e
formulações irremediavelmente equívocas” (ibidem, p 23), ou seja, perceber o movimento dos
dizeres logicamente estabilizados, encobrindo a opacidade dos fatos e negando o efeito histórico
do acontecimento na prática docente.
(1) Acontecimento histórico e político marcado na vida das professoras:
Grupo UnP
FAfe4/UNP:
Enunciado 01
: No mesmo ano do meu nascimento (1958) o Brasil ganha a
sua primeira copa do mundo realizada na Suécia. Livrando-se assim do
complexo de inferioridade
que teria feito a seleção tremer diante dos
adversários.
66
Enunciado 02
: Foi na década de 50 também que o Brasil entregou-se a
uma política industrializante, “progressista
” e de internacionalização da
economia. Eram os “anos dourados
”, a “era do rádio” e a TV ainda
engatinhava. (grifos meus)
A professora situa acontecimentos marcantes no momento inicial de sua vida como dois
contextos aparentemente isolados. Parece abordar dois diferentes fatos históricos: um esportivo e
um político que, de uma forma fluida, aparece na vida da professora, não como um efeito
histórico que determina o sentido do seu dizer, mas como um acontecimento de caráter
informativo e estável. Dessa forma, fixa-lhe a sua estabilidade informativa como sendo um
enunciado alheio (independente) ao processo de constituição do sentido, o que garante sua
onipotência no domínio do sentido único: o de buscar na exterioridade a homogeneização lógica
do acontecimento (sua transparência) estabelecido convenientemente como “as coisas-a-saber”
concernentes ao real natural-social-histórico, apagando a opacidade do acontecimento.
Assim, segundo Pêcheux( 2002, p.31):
Nesses espaços discursivos [o logicamente estabilizado] supõe-se que
todo sujeito falante sabe do que fala, porque todo enunciado produzido nesses
espaços reflete propriedades estruturais independente de sua enunciação: essas
propriedades se inscrevem, transparentemente, em uma descrição adequada do
universo (tal que este universo é tomado discursivamente nesses espaços).
A opacidade do acontecimento nesse espaço discursivo não é percebida, embora, esteja
presente no próprio discurso, ou seja, mesmo que se negue inconscientemente essa opacidade, ela
67
se revela ao olhar do analista quando se tem na base os pontos de tensão entre paráfrase (o
mesmo – um único sentido) e polissêmico (o diferente – um outro sentido).
Assim, podemos compreender que nos enunciados 01 e 02, as relações parafrásticas das
palavras: complexo de inferioridade
, “progressista”, “anos dourados”, que ocorridos em períodos
68
De igual maneira, encontro nesses enunciados, a professora-aluna informando um
acontecimento importante ocorrido no período do seu nascimento. Não está em jogo a
conseqüência desse acontecimento na sua vida teórica e prática, essa descrição tem a ver com a
localização do sujeito falante na história como fato cronológico e que, por isso, não se percebe os
deslizes de sentidos provocados pela sua equivocidade.
De um lado a transparência do acontecimento no enunciado: importa a cronologia
histórica dos fatos e a relação parafrástica das palavras: ditadura
e repressão - de sentidos
logicamente estabilizados, como sendo conceitos vividos e identificados no único período sem
perceber os efeitos ideológicos desses conceitos na vida social e histórica da professora.
De outro, a sua opacidade revela que as relações parafrásticas são históricas – elas
preexistem em outro(s) lugar (es). E retomar os sentidos dos conceitos repressão e ditadura na
atualidade não é reproduzir um efeito refletido nele mesmo, mas buscar na exterioridade os
efeitos desses sentidos no contexto atual – que representação faz a professora, por exemplo, da
repressão e da ditadura na sua formação pedagógica? - ou seja, saber as reais condições que
levaram a mencionar tais acontecimentos na formulação histórica do memorial em relação a
reflexão teórica e prática docente.
69
Gamis38/UNP:
Enunciado 01
: Na década de 80, a preocupação básica era o fracasso da
escola pública e do ensino fundamental. Era grande o número de estudantes
que não conseguiam chegar não segundo grau.
Enunciado 02
: As escolas privadas enfrentam dificuldades financeiras
conseqüência da crise econômica pelo aumento da inflação.
Enunciado 03
: No plano político, temos a transição Tancredo X Sarney, os
movimentos de diretas já, nova república e nova constituição de 1998.
(grifos meus)
Três acontecimentos formulados em um único parágrafo parece não coincidirem-se apesar
de ocorrer numa mesma época. Há, porém, por trás desses enunciados não-coincidentes,
correlação de sentidos, pois as palavras fracasso
, crise e transição são conseqüências de uma
determinada realidade histórica que, na sua preexistência, determina as condições de vida desses
acontecimentos nos contextos social, político e econômico de uma sociedade e que produz efeitos
de sentidos no sujeito. Aí está sua opacidade não revelada ou encoberta pelo sentido logicamente
estabilizado que, congela o acontecimento para que o sentido seja apenas um e nasça do próprio
sujeito falante.
70
(2) Os métodos tradicionais de ensino versus novas propostas de ensino
Grupo Ifesp
Gato /IFESP:
Enunciado 01
: Verifico hoje, que a escola na qual fui alfabetizada não
dava o devido valor às atividades lúdicas nem concebia os brinquedos e as
brincadeiras como aliados importantes no processo da socialização e da
alfabetização.
Enunciado 02: As professoras da época, talvez por falta de uma melhor
formação pedagógica e de oportunidade de atualização, desconheciam a
importância dessas atividades no cotidiano da sala de aula, perdendo,
assim, uma boa oportunidade de lidar com a infância prazerosa na escola e
contribuir para o desenvolvimento cognitivo
, afetivo e social das crianças.
Enunciado 03
: O brincar e o aprender apresentavam-se dicotomizados na
época em que fui alfabetizada. (grifos meus)
Quando diz “verifico hoje”,
supõe-se o lugar em que as novas relações pedagógicas são
colocadas em pauta, enquanto proposta de superação dos modelos passados nos quais fizeram
parte da vida escolar da professora aluna. O hoje expressa o equívoco do ontem a partir de uma
nova realidade que descreve o que não está mais dando certo, por exemplo, no relato da
professora aluna é o procedimento inadequado de se ensinar os conteúdos de forma isolada.
71
O modelo pedagógico tradicional vivido por essa professora na sua escolarização é visto
agora como insuficiente, no que diz respeito a importância das atividades lúdicas para o
desenvolvimento cognitivo, afetivo e social. O novo questionamento temático parece dizer a
professora aluna que relacionar as brincadeiras com aprendizagem é fundamental para se
trabalhar em sala de aula, mas, não diz como funciona o mecanismo cognitivo dessas
brincadeiras no processo de construção do conhecimento. Há, no entanto, a descrição das
conseqüências metodológicas da não relação (brincar e aprender), pois o sentido que se dá a
palavra dicotomizados
não é conceitual, mas didático, por mostrar a professora aluna a
necessidade de relacionar os conteúdos com o cotidiano do aluno, como sendo uma nova forma
de pensar a educação.
Os conceitos cognitivo, afetivo e social são ditos como algo já bem conhecido e, portanto,
fazendo parte da compreensão pedagógica do professor. Não há necessidade de discorrer mais
sobre o assunto, mesmo porque, são conceitos legitimados e que nos chegam como concepções
formadas, independentes de como nós os concebemos. Não importa como penso, como me
emociono ou como me socializo, pois o que se deve fazer é traduzir o já dito como algo já
definido.
72
Borbo
/IFESP
Enunciado 01
: Vivenciei esse período, em que a Escola era baseada num
modelo autoritário
e repressivo, e o aluno era “formado” para atender aos
interesses da sociedade capitalista, tornando-se acríticos.
Enunciado 02
: Embora haja, atualmente, uma reflexão sobre os livros
didáticos utilizados na sala de aula, percebe-se que a ideologia burguesa
ainda permanece, apesar de serem analisados nas escolas ou nas Secretarias
de Educação e mesmo havendo a escolha por parte dos professores, ainda
encontramos situações implícitas
neles que são discriminatórias e fogem da
nossa realidade, principalmente, quando alguns mudam apenas a
formatação, porém as idéias e metodologias permanecem
inalteradas.(grifos meus)
A memória do dizer: autoritário
, repressivo, ideologia burguesa e discriminatórias, é a
reformulação já descrita, por outros dizeres, das características da sociedade capitalista que,
segundo a professora aluna, influencia os modelos pedagógicos de sua época. Para explicar esse
processo, a professora confirma essa influência na forma de aprender do aluno como um ser
acrítico
.
No segundo enunciado, como uma forma de vencer os interesses capitalistas, diz que há
atualmente um olhar diferenciado nas reflexões sobre o uso dos livros didáticos. Porém, mesmo
havendo a consciência singular e institucional da necessidade dessas reflexões, não lhes escapam
73
das armadilhas ideológicas. Reconhece a existência de “situações implícitas”
no interior
discursivo do livro didático, identificando-as como “discriminatórias”
, mas não situa, como
propõe Achard (1999), os efeitos de funcionamento destes implícitos nos conteúdos que são
memorizados e inseridos na forma literal de dizer o que é correto saber.
Por exemplo, quando a professora diz: “metodologias permanecem inalteradas”
, pela
análise de discurso recorro ao que está implícito no dizer institucional deste enunciado, levando a
questionar que as metodologias tradicionais precisam ser modificadas, pois o que está legitimado
é a teoria atual e, não pode, por isso, ser alterada. Por trás desse novo legitimado reflete-se o
mesmo processo de estabilização dos métodos tradicionais.
SPpf24/IFESP
Enunciado 01
: [...] Deste modo, percebe-se o método mais utilizado na
época (década 80): o ensino tradicional, pautado na abordagem auditiva e
descontextualizada
em que, para aprender a ler, o aluno precisava
conhecer, seqüencialmente, a letras, sílabas e palavras.
Enunciado 02
: Acredito que o fato da turma do jardim que freqüentei ser
heterogênea
- composta por alunos que se encontravam em diferentes
estágios no seu processo de alfabetização – deixava a professora insegura e
ansiosa. Desta forma, justifico seu tratamento de exclusão
para comigo.
Enunciado 03
: Hoje, tem-se discutido bastante acerca da heterogeneidade
no processo de construção do conhecimento. A heterogeneidade, se bem
aproveitada, é uma aliada importante para se tirar proveito pedagógico
.
74
Através de variados trabalhos em grupo, os alunos são oportunizados a
aprender trocando experiências uns com os outros, apesar das atividades
individuais também terem lugar no trabalho pedagógico, as situações de
cooperação entre os alunos são mais produtivas.(grifos meus)
O já-dito
: A professora aluna critica o modelo tradicional dos anos 80 ao descrever a forma
descontextualizada de se aprender a ler a partir de uma abordagem auditiva.
A não transparência do já-dito
: Essa descontextualização que aparece já na memória atual,
como sendo supostamente responsável pela insuficiência metodológica, diz, implicitamente, que
o correto é relacionar o contexto pedagógico com o contexto social e cultural do aluno. E, assim
procedendo, o escutar do aluno se desloca para a nova forma de escutar do professor.
O não dito
: Faz a professora aluna esquecer a dicotomia aí implícita e, por mim, agora,
lembrada, quando em interlocução com Gamboa lá no primeiro capítulo, faz-me refletir que essa
descontextualização, advém do duplo empirismo kantiano que produz o efeito da falsa evidência
do sujeito separado do objeto, da teoria separada da prática, da língua separada da história, enfim,
do sujeito separado de si e da vida.
Já nos enunciados 02 e 03, a professora aluna, em suas reflexões estudantis, reconhece que a
falha de sua professora estava por desconhecer a heterogeneidade de sua turma no processo de
alfabetização. O que já se sabe (memória do dizer) na atualidade dessa professora aluna é que os
alunos em processo de construção do conhecimento passam por diferentes estágios. Isto é claro
através dos estudos pedagógicos realizados no curso. O que não se sabe ou o que não se soube no
75
passado e, sendo hoje, importante de ser considerado no relato é que numa turma heterogênea, os
trabalhos pedagógicos precisam ser diferenciados para que não haja exclusão.
Assim explícito, perceber a heterogeneidade enquanto diferencial metodológico, significa
para a professora aluna otimizar as relações de cooperação entre os alunos e resolver a
problemática da exclusão. Não se questionou em nível conceitual a noção de heterogeneidade,
como alteridade constitutiva da práxis de viver do observador, ou seja, heterogeneidade essa
presente nas relações simbólicas da prática do professor em interação com outras práticas.
4.1.2 O Gesto de Interpretação – O olhar sobre a Palavra Alheia
No item anterior, analisa o percurso histórico dos modelos tradicionais de ensino na vida
estudantil da professora em formação e confrontados com as novas propostas pedagógicas que os
identificam como superados.
Nesse, a seguir, as teorias pedagógicas atuais entram na prática do professor como
pressuposto teórico que justificam essa superação metodológica do ensino tradicional. O trabalho
parafrástico das citações teóricas ao mesmo tempo em que suscita, nas professoras em formação,
a transparência da não contextualização tradicional de ensino, estabelece a mesma experiência
discursiva entre os teóricos e as professoras alunas para garantir sua estabilidade.
76
4.1.2.1 Processo de Assimilação das Palavras do Outro
Grupo UnP
FAfe4/ UNP
Enunciado 01
: Eu brincava com minhas bruxas de pano que eram
compradas na feira, e pedaços de madeiras que pegava em uma marcenaria
perto de minha casa... Brincávamos também com cascos de cocos e
fichinhas de tampas de garrafas, formando bolinhos de areia com água.
Sônia Kramer (1982, p. 21) afirma que: É através das realizações das
atividades cotidiana, e em função de objetos determinados (como, por
exemplo, construir um boneco, realizar um jogo, desenhar uma história,
fazer bolos de areia e água etc.), que a motricidade
é desenvolvida.
(grifos meus)
Ao citar Sônia Kramer, parece querer dizer que há uma concordância teórica entre a
autora e a vida prática da professora aluna em relação as brincadeiras, sendo esta, percebida como
atividade motora e facilitadora do desenvolvimento da criança. Assimila a idéia para ser
pensada em sala de aula – a nova proposta. O conceito de motricidade é definido na experiência
do brincar. Nesse sentido, a sua importância envolve listar as atividades lúdicas adequadas de
serem trabalhadas: “como, por exemplo, construir um boneco, realizar um jogo, desenhar uma
história, fazer bolos de areia e água etc”.
77
A construção teórica da autora sobre a noção de motricidade não é mencionada. Os
conceitos teóricos citados na fundamentação dos relatos já estão definidos para serem traduzidos
pedagogicamente, em forma de conteúdos, que me parece ser esse um trabalho criativo do
professor: a seleção de atividades diferenciadas.
Gamis38/ UNP
Enunciado 01
: Para ingressar nesta escola, era preciso redigir um texto no
qual explicitávamos o motivo da escolha do curso de magistério. O motivo
da minha escolha estava na necessidade de adquirir conhecimentos
para
minha prática, por acreditar como afirma Saviani (1999, p. 68 apud
CANDAU): [...]A teoria exprime interesse, exprime objetivos, exprime
finalidades; ela se posiciona a respeito de como deve ser – no caso a
educação – que rumo a educação deve tomar e, neste sentido, a teoria é não
apenas retratadora da realidade, não explicitadora, não apenas constatadora
do existente, mas é também orientadora de uma ação que permite mudar o
existente.
Enunciado 02:
A teoria, no cenário que me encontrava orientou-me numa
ação que modificou a minha prática
. Todas as bases teóricas que adquiria,
tornava-se fácil de compreender já desfrutar da prática do ensino, podendo
assim fazer relação teoria e prática. (grifos meus)
78
O querer dizer da professora aluna coincide com o querer dizer de Saviani que, citado por
Candau, reflete sobre a importância da teoria como atividade do conhecimento. Mas o olhar da
professora aluna sobre a teoria, difere da do autor, quando revela a sua necessidade em adquirir
conhecimentos para serem utilizados na prática docente. A palavra adquirir no dicionário
significa obter, comprar, alterando assim a coincidência de sentidos dos dois sujeitos falantes
(professora aluna/ teórico). Quando se diz obter, penso em algo que está fora de mim. Quando
digo adquirir conhecimentos estou querendo dizer, inconscientemente, que esse conhecimento
não me pertence, não posso modificá-lo.
É dessa maneira que vejo o desencontro de idéias entre a citação e a narradora, pois o
autor já pensa teoria como “ação que permite mudar o existente”
e não como algo já existente
independente de nós. Se na prática do autor reflete essa mudança como construção teórica, para a
professora aluna a prática refletirá no que diz o autor como proposta pedagógica.
Assim, podemos perceber no enunciado 02 que o gesto de interpretar da professora aluna
no que diz respeito a citação do enunciado 01, reflete na idéia que se tem de um conhecimento de
fora a ser adquirido: “O motivo da minha escolha estava na necessidade de adquirir
conhecimentos para minha prática”. A teoria já não tem o mesmo sentido dito por Saviani, ela se
desloca de uma concepção para a uma outra: de orientação ao olhar da professora aluna.
79
FAfe17/ UNP
Enunciado 01
: O professor pedia que os alunos reproduzissem o que
estava no livro de didático, praticasse o que foi transmitido em exercícios
de classe ou tarefa de casa e decorassem tudo para a prova.
Enunciado 02:
FREIRE (1987, P.58) traduz essa realidade afirmando que:
Em lugar de comunicar-se, o educador faz “comunicados e depósitos que
os educandos meras incidências, recebem pacientemente, memorizam e
repetem”. (grifos meus)
Nesse relato, a professora procura fundamentar uma reflexão pedagógica do passado a
partir da citação de Freire ao definir como tradicional a transmissão mecânica da informação.
Essa constatação, penso, que seja um procedimento da professora aluna em querer dizer a uma
comunidade científica de que assimilou teoricamente as leituras que foram estudadas no curso,
pois a descrição de um cenário pedagógico tradicional percebido no enunciado 01, parece ganhar
força argumentativa na citação teórica no enunciado 02: : “o educador faz “comunicados e
depósitos que os educandos meras incidências, recebem pacientemente, memorizam e repetem”.
Nessa interlocução (diria mesmo interrupção da 2ª consciência) o dizível se encontra na instância
de uma repetição empírica que estabiliza o enunciado, sem que seja historicizado o movimento
entre o já-dito e as novas formulações.
80
4.1.2.2 Processo passivo de compreensão da fala do ouvinte
Grupo Ifesp
Aranha / IFESP
Enunciado 01
: Não era adotada a tradicional farda, porém, a disciplina, o
domínio dos conteúdos preponderava nos procedimentos escolar do
referido colégio. Como vemos, esta escola fazia parte de uma tendência
pedagógica chamada Liberal Tradicional descrita por LIBÂNEO: “o
professor assume o centro do processo de aprendizagem dificultando a
interação e o diálogo” (1989, p.39).
Enunciado 02:
De fato interação e diálogo eram dois conceitos por mim
desconhecidos em sala de aula, tornando-me assim, uma aluna
desinteressada, o que acarretou minha reprovação, muito embora eu não
tenha ficado triste com esse acontecimento. (grifos meus)
Com efeito, do já conhecido (sua transparência), não há o que dizer a respeito da
tendência pedagógica Liberal e Tradicional, mesmo porque, este modelo, como se vê nos
enunciados 01 e 02 é definida pela descrição de seu método e pelas suas conseqüências negativas
na vida escolar da professora aluna. No entanto, omiti-se a origem dos métodos e esquece que
eles surgem conforme perfis social e econômico de uma determinada sociedade. A tendência
81
Liberal e Tradicional é o modelo que absorveria estes perfis (princípios) e os configurariam em
métodos para justificar o sistema capitalista de produção.
Embora a professora aluna entenda que na época se priorizava os conteúdos e, por isso, o
classifica como tradicional, não percebe seu gesto de interpretar é o de confirmar o querer dizer
do outro (teórico). Inexiste a segunda consciência. O dizer se reduz a descrever “uma série de
respostas unívocas a questões factuais” (Pêcheux, 2002 p17), ou seja, na fundamentação teórica
dos relatos, a professora aluna se exclui para dizer o que é autorizado e bem fundamentado.
Gato / IFESP
Enunciado 01
: Na minha visão, o brinquedo teve grande importância à
minha infância e considero enorme sua influência no meu
desenvolvimento. Através dele, aprendi a agir numa esfera cognitiva,
moral, social e emocional. Para respaldar meu pensamento Vygotsky apud
Fontana (1991, p.111) afirma que “no brinquedo, o pensamento está
separado dos objetos e a ação surge das idéias e não das coisas; um pedaço
de madeira torna-se um boneco e um cabo de vassoura torna-se um
cavalo”. (grifos meus)
Quando a professora aluna diz que a partir do brinquedo aprendeu a agir numa esfera
cognitiva, moral, social e emocional, supõe ser, essa esfera, o lugar a ser alcançado e que,
portanto, ainda não lhe pertence. No entanto, numa tentativa de confirmar o que diz ser correto,
cita Vygotsky, para dizer que ele, também, atribui ao brinquedo uma certa importância decisiva
82
no desenvolvimento. No entanto, esquece que essa esfera, seguindo o pensamento de Maturana
(2001), é constitutiva de sua práxis de viver na linguagem e que não é o brinquedo – um objeto
externo – que determina mudança na estrutura interna do sujeito, pelo contrário, é a própria
estrutura interna desse sujeito que se modifica em interação com o meio. No próprio dizer de
Vygotsky coincide com a idéia constitutiva do ser de que fala Maturana, quando diz que a ação
de manusear o brinquedo (objeto), por exemplo, surge das idéias e não das coisas. Mas no
entender da professora aluna é o brinquedo que modifica as ações do sujeito e essa verdade está
apoiada no exemplo dado por Vygotsky: um pedaço de madeira torna-se um boneco e um cabo
de vassoura torna-se um cavalo. O que parece está em jogo não é a compreensão responsiva
sobre as nossas operações cognitivas no agir com o brinquedo, mas a percepção passiva (“papel
ativo do outro no processo da comunicação verbal fica minimizado ao extremo” (Bakhtin, 2000,
p.292) da professora aluna que a faz compreender o brinquedo como sendo um importante
estímulo a criatividade da criança.
Borbo / IFESP
Enunciado 01
: Hoje, refletindo sobre algumas situações... procuro não
repeti-las no meu fazer pedagógico, pois não quero construir nos meus
educandos um sentimento de aversão ao professor, mas que eles se tornem
pessoas autônomas
, com opiniões e decisões próprias.
Enunciado 02:
Pude, também, perceber que algumas dificuldades que
tenho agora são virtudes de fatos que acontecem no passado, deixando
marcas profundas, difíceis de esquecer. Relacionar a vida atual com
lembranças do passado é o que defende
Oliveira apud Martinazzo (2000,
83
p.74), “[...] com o passar do tempo, o ser humano começa a construir
imagens nítidas do passado exigindo a capacidade de refletir essas
lembranças, a partir da ótica do presente para que não acabe vivendo em
território passado”. (grifos meus)
Na atualidade, a professora aluna lembra de situações educacionais passadas que, embora,
não mencionadas, me pareceu ser vivida por ela no período escolar como uma experiência
desagradável que não quer repetir em sua ação pedagógica.
A questão priorizada seria a reflexão no seu fazer pedagógico, retomando a discussão de
tornar os alunos mais autônomos e decididos, visto ser esses, os conceitos não trabalhados
durante a vida escolar da professora e que, por essa razão, sente a necessidade de romper esta
forma autoritária em que foi vítima na reflexão de sua prática.
Na intenção de fundamentar o seu dizer, a questão inicial é desviada para uma outra
reflexão, agora, citada pelo autor (no enunciado 2) sobre a importância de relacionar o passado
com o presente, quebrando assim a continuidade do sentido do enunciado anterior.
Há dois pontos reflexivos do discurso da professora aluna. Um sobre a ação pedagógica e
um outro sobre a importância da lembrança. Ambos não se encontram, mas se justificam como
critério que fundamenta o sentido que se quer dizer, na instância do repetível. O dito “pessoas
autônomas com opiniões e decisões” está esclarecido como coisas-a-saber e a compreensão
responsiva dessas coisas-a-saber é silenciada no momento em que a professora aluna faz a opção
pelo dizer do outro para explicar( como conclusão final de seu dizer) a importância das
lembranças na reflexão pedagógica atual.
84
SPpf24/ IFESP
Enunciado 01
: Concordo com Luckesi (1996, p.118-119) ao afirmar que
“a avaliação é uma ferramenta da qual o ser humano não se livra. O ato de
avaliar faz parte do seu modo de agir, e por isso, é necessário que seja
utilizado da melhor forma possível.
Enunciado 02: Sem este conhecimento alguns professores compreendem
equivocadamente que avaliar é julgar o momento final do processo de
ensino-aprendizagem restringindo o avaliar, classificando com notas, os
alunos que têm condições de seguir no sistema de ensino e os que serão
excluídos. Assim, causam a dicotomia: o professor ensina e o aluno
aprende ou não.
Enunciado 03:
Hoffman (1991, p.17) acrescenta que a avaliação é
indissociável à educação enquanto concebida como problematização,
questionamento e reflexão sobre a ação. Um professor que não avaliar
constantemente sua ação instala sua docência em verdades absolutas, pré-
moldadas e terminais”. (grifos meus)
Para dar consistência no que diz sobre a necessidade de avaliar, a professora aluna, cita
dois locutores (Luckesi e Hoffman) que explicam a avaliação como um processo constitutivo do
ser. No entanto, pelo modo de escutar da professora, esse sentido constitutivo se apresenta como
algo externo que se infiltra na sua vida, mudando sua postura.
85
O reflexo do preexistente nos faz pensar que hoje agimos diferente, pensamos, então,
como Hoffman: avaliação concebida como questionamento. Porém, essa forma de pensar faz
esquecer que o dizer do outro também parte de uma compreensão responsiva e que não pode ser
visto como algo de fora a ser traduzido como procedimento, ou seja, a citação teórica (Hoffman)
como dado, não se encontra transfigurada na experiência da professora aluna, mas, no entanto, se
converte em questionamento válido para ser absorvido.
Nessa direção, observa-se que o processo passivo de compreensão das professoras alunas
na descrição teórica dos conceitos é percebido como um dado já preexistente, que no seu modo
de escutar, compreende as citações teóricas como saberes docentes que se devem ser seguidos.
Para Bakhtin, é preciso encontrar algo novo na apreensão do dado:
[...] qualquer coisa criada se cria sempre a partir de uma coisa que é dada
(a língua, o fenômeno a observado na realidade, o sentimento vivido, o próprio
sujeito falante, o que é já concluído em sua visão de mundo, etc.). O dado se
transfigura no criado
(2000, p.348).
De forma inversa, encontramos no discurso das professoras alunas o criado como uma
versão estabilizada do dado que diz de novo a mesma coisa para ser reproduzida na prática do
professor como o dizer mais apropriado de se obter os saberes docentes.
86
4.1.3 O Gesto de Leitura: A Palavra Alheia Apropriada
Apreensão da palavra alheia para descrever uma situação prática
Grupo UnP
FAfe17/ UNP
Enunciado 01
Como é possível a ação coletiva sem ferir a liberdade dos
participantes? Com este questionamento encaminhamos a palestra a uma
reflexão sobre participação
e poder. Apontando questões relacionadas
como hierarquia, destacamos o professor, que inserido numa sociedade
capitalista, vende sua forças de trabalho e executa o que os outros
(administradores) decidem, chegando assim a sua própria desvalorização
.
FAfe4/ UNP
Enunciado 02
A tendência pedagógica utilizada pelos professores era o
tradicionalismo
, onde os alunos apenas ouviam o que o professor falava,
não tendo o direito de expor suas opiniões e idéias, até mesmo porque já
estávamos acostumados
com aquela prática pedagógica, que fazia parte do
próprio sistema de ensino.
Enunciado 03
O professor era o centro de todo o processo educativo, os
alunos jamais podiam discordar de suas opiniões, apenas acumulavam em
suas mentes os conteúdos repassados
pelos mestres, como uma espécie de
depósito bancário.
87
Gamis38/ UNP
Enunciado 04
Hoje conhece a verdadeira intenção da política vigente
quanto aos cursos profissionalizantes. Esperava-se como afirmou Cunha
(1994, p. 15), a instituir uma “política de contenção” de matrícula no
ensino superior. Mas da maneira que foi estabelecida e, sobre tudo mal
aplicada ou falsamente aplicada, a profissionalização do ensino no 2º grau
não alcançou os objetivos visados e só tiveram conseqüências nefastas para
esse ensino
. (grifos meus)
O discurso do outro – locutor - apreendido nas falas das professoras alunas nos quatro
enunciados, acima mencionados, se fundamenta na discussão do sistema tradicional de ensino e
sua repercussão na prática do professor e na vida escolar do aluno.
No dizer da professora aluna FAfe17 (enunciado 01) seria a reflexão sobre participação
e
poder
que responderia ao questionamento formulado no início do parágrafo: “Como é possível a
ação coletiva sem ferir a liberdade dos participantes?”. Nessa reflexão, me parece, já es
definido como pontos que contradizem a relação indivíduo/coletivo, os conceitos: hierarquia,
capitalista,
forças de trabalho e desvalorização. Mas não mostra como esses conceitos atuam
coletivamente na liberdade individual dos participantes.
De igual modo, no enunciado 04, uma vez de posse dos conceitos ideológicos,
assegurados pelo dizer institucional: “Hoje conhece a verdadeira intenção
da política vigente”, a
professora aluna tem condições de identificar as verdadeiras intenções políticas e dizer (que tem
88
o mesmo sentido de saber) que “tiveram conseqüências nefastas para o ensino”
, sem
necessariamente dizer os efeitos dessas conseqüências na experiência discursiva da professora.
Segundo Orlandi (2003) é o discurso pedagógico
12
, considerado por ela como autoritário,
intervém institucionalmente no dizer dessas professoras alunas no momento da apropriação do
discurso alheio para explicar de forma didática determinados conceitos:
Na realidade, não há questão sobre o objeto do discurso, isto é, seu conteúdo
referencial, apresentando-se assim um só caminho: o saber institucionalizado,
legal (ou legítimo, aquele que se deve ter). O conteúdo aí é a forma (artefato) e
se aponta a forma como réplica do conteúdo.(ibid, p.19).
O que está em jogo não é a reformulação explicativa dos conceitos na experiência dessas
professoras alunas, mas as explicações apresentadas como legítimas pelo discurso pedagógico
para determinar a hierarquia de quem ensina e de quem aprende, mascarada pelo recurso didático
(motivação pedagógica), enquanto instrumento de seleção e classificação de conteúdos mais
apropriados de serem transmitidos.
12
Orlandi (2002, p.86) distingue três tipos de discursos: o autoritário: a polissemia é contida; o polêmico: a
polissemia é controlada e o lúdico: a polissemia está aberta.
89
Grupo Ifesp
Aranha / IFESP
Enunciado 01
Quero sempre me atualizar em prol de um trabalho
sistematizado para que possa alcançar juntos com meus alunos o sucesso
escolar. Um dos caminhos que posso citar como aberto para mim aqui no
IFESP é: não mais ministro minhas aulas como antes
, planejadas
rigorosamente, seguindo a seqüência de livros didáticos, pelo contrário,
interdisciplino
de acordo com o momento.
Borbo / IFESP
Enunciado 02
Com a prática e o conhecimento que o professor vai
adquirindo no decorrer dos anos, ele vai reafirmando o que aprendeu
e
corrigindo os equívocos cometidos. Para isso, faz-se necessário que o
educador esteja sempre refletindo
sobre sua ação pedagógica, buscando dar
continuidade à sua formação.
Gato / IFESP
Enunciado 03
Ser professor é uma aptidão que exige uma boa formação.
Ser professor de educação Infantil exige ainda mais competência a serem
aplicadas neste campo, pois lidar com crianças é algo que exige
conhecimentos
e saberes próprios. Não é qualquer pessoa que pode atuar,
sob pena de comprometer o futuro de crianças inocentes e indefesas.
90
SPpf24/ IFESP
Enunciado 04
Na minha visão, o professor deveria avaliar o aluno durante
todo o processo de aprendizagem, não querendo dizer que não se possa
utilizar atividades escritas de caráter avaliativo, mas que este não seja
excludente
e sim, feito para diagnosticar o nível de aprendizagem do aluno,
para a partir de sua necessidade, buscar significado ao ensino. Vale
ressaltar que não devemos ter uma atitude negativa
perante o aprendizado
do aluno, nem achar tudo que ele faça está correto. Deve-se investir e
acreditar no potencial
do aluno sabendo que ele é capaz de ampliar seu
repertório de conhecimento. (grifos meus)
No grupo/Ifesp, os enunciados seguem as mesmas trajetórias discursivas do grupo
anterior, referente a instituição do saber que se infiltra na vida das professoras alunas como um
saber legítimo e útil a sua prática pedagógica.
A professora Aranha (enunciado 01) dentro dessa concepção de motivação pedagógica
propõe a interdisciplinaridade como uma nova metodologia de substituição do livro didático -
planejado de forma seqüenciada. No entanto, no seu desejo de mudar a sua prática a partir da
constante atualização
em prol de um trabalho sistematizado, esquece que o planejamento e o livro
didático dos quais quer se livrar, também são organizados sistematicamente. Como seria, então,
pensado esse trabalho sistematizado contrapondo-se à automatização do ensino, já que a
professora aluna diz: “não mais ministrar suas aulas como antes
?” As razões em torno dessa nova
forma de pensar: “interdisciplino de acordo com o momento”, se apresentam para professora
aluna como algo que seguramente venha superar os modelos tradicionais.
91
Nos enunciados 2, 3 e 4, o que se observa é que a prática
e o conhecimento são adquiridos
durante a formação do professor e essa apropriação uma vez estabelecida, assegura às professoras
alunas o poder de ensinar a quem ainda não sabe. Esse poder autorizado do saber dizer do
professor determina o seu saber fazer – competência que exige saber classificar, diagnosticar,
informar e conduzir seu aluno a caminhar seguramente na ordem preestabelecida do
conhecimento.
Assim, na apreensão do discurso alheio pelas professoras alunas não importa o que está
dito pelo o autor, mas saber como transmitir essa apreensão legítima do dizer nas relações
pedagógicas, utilizando o recurso didático como processo motivador de articulação teoria e
prática docente (Orlandi, 2003).
Para essa mesma autora, a apreensão cria no professor a ilusão de que o que diz é
originário dele mesmo, por exemplo, ao dizer Na minha visão
, a professora aluna SPpf24 (no
enunciado 4) assume a responsabilidade do que pensa. É o professor cientista – aquele que toma
como suas, as explicações de outrem:
O professor apropria-se do cientista e se confunde com ele sem que se
explicite sua voz de mediador. Há aí um apagamento, isto é, apaga-se o modo
pelo qual o professor apropria-se do conhecimento do cientista, tornando-se ele
próprio possuidor daquele conhecimento. A opinião assumida pela autoridade
professoral torna-se definitória (e definitiva).(ibid, p.21).
Posso entender que o locutor (outro fundamentado, legitimado) é descaracterizado no
momento em que seu dizer passa a ser apreendido como um dizer transparentemente exclusivo do
92
ouvinte. Mas o que de fato se estabelece é que essa comunicação apreendida pela professora se
define como coisas-úteis-a-saber, didaticamente manipuladas pela motivação pedagógica.
4.1.4 Teorias do Conhecimento apropriadas como transformadoras da prática
pedagógica
Há na elaboração do Memorial de Formação um espaço reservado para as professoras
alunas discorrerem sobre as contribuições significativas das disciplinas oferecidas pelo Curso
Normal Superior e suas implicações nas relações pedagógicas. Teremos a seguir trechos
enunciativos dos grupos UnP e Ifesp de apreensão homogênea das teorias, como transformadoras
da prática.
Grupo UnP
FAfe17/ UNP
Enunciado 01
Uma das disciplinas que me ajudou muito foi a Didática; é
uma das matérias da pedagogia que estuda o processo de ensino através se
seus componentes – os conteúdos escolares, o ensino a aprendizagem, além
de formular diretrizes e orientadoras da atividade profissional dos
professores. A mesma investiga as condições
e formas que vigoram no
ensino e, ao mesmo tempo, os fatores reais, sociais, políticos, culturais e
93
psicossociais, condicionantes das relações entre docência e a
aprendizagem.
Gamis38/ UNP
Enunciado 02
A disciplina de Alfabetização por abordar além do conceito
de alfabetização, os métodos e análises de procedimentos de cada um deles,
evidenciando os pressupostos teóricos
que os sustentam e as respectivas
implicações pedagógicas
. A disciplina permitiu desenvolver uma prática
com métodos e procedimentos me fazendo assumir uma postura política
diante das implicações ideológicas do significado do papel do professor
alfabetizador.
FAfe4/UNP
Enunciado 03
94
Observo nas leituras dos enunciados 1, 2 e 3 do grupo UnP, que o conhecimento destas
disciplinas para as professoras alunas provoca mudanças significativas na formação, capaz de
identificar métodos que não produzem efeitos no aprendizado de novos conceitos. Observo
também que esses novos conceitos pedagógicos ensinam as professoras alunas a ter postura
política diante das implicações ideológicas e a conhecer os reais fatores que condicionam as
relações entre docência e aprendizagem.
No entanto, essas mudanças que ocorrem na vida prática das professoras alunas chegam
como produto das coisas-a-saber no que se refere a superação do antigo sistema explicativo para
legitimar o já dito no interior das relações pedagógicas, determinando a dizer apenas uma parte
95
Borbo/ IFESP
Enunciado 01
O conhecimento construído durante o curso sobre a
utilização da Arte no ensino fundamental veio para subsidiar a minha
prática docente, pois já desenvolvia algumas situações de aprendizagem
(dança, dramatização, ouvir e cantar músicas, confecção de brinquedos,
dobraduras...) que valorizavam a sensibilidade, a criação e a
espontaneidade do educando, mesmo não tendo um grande conhecimento
sobre ela.
Aranha/ IFESP
Enunciado 01
Uma avaliação escolar inadequada pode possibilitar a
repetência e esta tem conseqüência na evasão. Em outras palavras a criança
com visão de aprovação e reprovação fogem da escola, tornando, assim, a
escola mais evasiva, deixando, dessa forma, o professor isento da
responsabilidade de questionar-se
o que o aluno ou porque deixou a escola.
SPpf24/ IFESP
Enunciado 01
É preciso lembrar a relevante contribuição que o
conhecimento sobre o desenvolvimento humano traz ao professor, a partir
dele, o educador passa a considerar o movimento como fator de interação
com o meio ambiente, utilizando atividades motoras que favorecem o
aprendizado nos aspectos cognitivos, afetivos e motor, auxiliando a
socialização, criatividade e expressão corporal.
(grifos meus)
96
Já no grupo Ifesp, o estudo dessas disciplinas no discurso das professoras alunas é uma
oportunidade de se ampliar uma nova visão, sobretudo nas áreas que envolvem o
desenvolvimento cognitivo, motor, artístico e didático, estes, sendo um indicativo de uma boa
formação docente.
Há coincidência discursiva entre os grupos quando na manifestação do mesmo sentimento
de gratidão pelo conhecer novas possibilidades de ensino que as tornem mais autônomas e
realizadas. Pode-se dizer que há, entre os grupos, homogeneidade nas definições teóricas destas
disciplinas, mas exclui-se a experiência discursiva das professoras no conhecer, enquanto
coerências operacionais que explicam o gesto próprio de escutar e observar a realidade
(Maturana, 2001).
Mas segundo Orlandi (2003), a exclusão dessa experiência discursiva deve-se ao discurso
pedagógico autoritário que propõe na relação sujeito/instituição a homogeneidade discursiva da
realidade para se fazer referência a um saber legítimo, ou seja, o sujeito descobre o já dito
institucionalizado e o fortalece na sua fala, resultando daí a univocidade dos sentidos:
É no espaço da instituição que o conhecimento é homogêneo, pois a
instituição do saber como um todo (o sistema de ensino, tendo no cume a
Universidade) abriga todas as divisões. Essas divisões se agrupam: sala, aula,
série, disciplina, nível (primário, médio superior), faculdade, universidade.(ibid,
p.20).
Abrigar supostas divisões do conhecer é necessariamente uma função importante das
instituições, enquanto tecnologias intelectuais, que na sua relação constitutiva auxiliam,
97
configuram e transformam o pensamento (Axt & Maraschin, 1998). Mas este tipo de função na
instância do logicamente estabilizado assume um outro papel que tende a ser reproduzido na
prática pedagógica no momento em que os professores passam a homogeneizar didaticamente as
definições conceituais na sua relação com os saberes.
Nesse espaço discursivo de escrita do memorial, percebe-se nos diálogos teóricos das
professoras que a apropriação do discurso do outro toma a forma do sentido estabilizado, quando
o identifica como coisas-a-saber que ensinam, pedagogicamente, como fazer.
98
4.2 PRODUÇÃO DISCURSIVA NO FORCHAT
“Quero no escuro, como cego, tatear estrelas distraídas”
Zeca Balero
Nessa segunda parte, pensei em dividir as análises em dois itens temáticos de interlocução
entre as professoras em formação do grupo Ifesp com as professoras recém formadas do grupo
UnP, que discutem em ambiente telemático sobre a composição organizacional do memorial, as
dificuldades na sua elaboração e o processo de constituição do discurso outro – a palavra pessoal.
O primeiro item temático: Organização Temática do Memorial e sua Ordem Significativa, foi
subdividido em 2 blocos enunciativos: (1) organização do texto (quanto a forma, o estilo, etc); e
(2) reflexão temática do memorial ( a escolha do tema, o momento da escrita).
No segundo item: Conseqüências Teóricas das Interlocuções, relacionado ao processo de
constituição do discurso das professoras, incide na apreensão da palavra alheia (citação de
outrem) como fundamentação teórica da prática pedagógica, presente na interlocução, resultando
no desdobramento discursivo referente ao percurso do discurso outro, abrindo a brecha para que
as professoras alunas (ouvintes) escapem do sentido que lhes aprisiona a permanecer sempre
caladas.
Há nessa apreensão sistemática e teórica do memorial, pontos de fuga dos sentidos que, em
interação dialógica, desestruturam a relação estabilizada entre sujeito/instituição, regulados por
efeitos ideológicos que as impedem compreendem os sentidos que produzem.
99
4.2.1 Organização Temática do Memorial e sua Ordem Significativa
100
Para análise de discurso, a distinção dessas duas ordens: empírica e discursiva é
importante para compreender o gesto de interpretação do sujeito (sua posição discursiva) no
processo de produção dos mesmos e dos outros sentidos.
(1) Organização Textual do Memorial
Usuário: Gamis38/UnP
Mensagem: Gato/Ifesp conseguiu terminar tudo?
Usuário: Gato/Ifesp
Mensagem: Gamis38/UnP, eu acredito que sim. Tentei escrevê-lo de
forma espiral
, mas acredito que ele esta linear.
(grifos meus)
Nesse espaço dialógico entre as professoras sobre o modo de elaboração do memorial,
uma importante reflexão crítica feita pela professora aluna Gato/Ifesp quando percebe que,
embora, numa tentativa de tornar sua escrita na forma de espiral, acredita que seu atual texto
tenha assumido a forma linear.
É certo que a professora Gato/Ifesp não diz, nos diálogos, as tentativas por ela realizadas
para tornar seu texto de escrita diferenciada, mas, no entanto, mesmo que essa forma estivesse
pensada em seu aspecto puramente lingüístico, há um desejo de perceber-se como sujeito
produtor de sentidos outros, que não seja mais essa forma linear de constatação do mesmo.
101
Usuário: Borbo/Ifesp
Mensagem: ...Se procede em querer dizer tudo de forma clara
para que as
pessoas que irão ler entendam o que estou querendo comunicar, embora
,
tenha deixado a desejar na escrita
do último capítulo, gostaria de escrever
sobre algumas situações de aprendizagem que não mencionei e que foram
de grande relevância para minha formação.
Usuário: FAfe4/UnP
Mensagem: Bem, no nosso caso tivemos que relatar todos os momentos do
nosso trabalho, fazendo uma ponte entre a nossa vivência e alguns autores
.
Por exemplo: Quando eu falo que brincava fazendo bolinhos de areia com
casco de coco tive como referência Sônia Kramer que diz: É através destas
atividades que a criança desenvolve a psicomotricidade.
(grifos meus)
Nos diálogos acima, a regra lingüística de coesão e coerência é pensada,
metodologicamente, como âncora daquilo que se é importante de ser abordado na comunicação
entre fundamentação teórica e vivência pedagógica. Suponho que a partir dessa orientação
metodológica, as professoras alunas iniciam seus relatos pensando, sumariamente, os pontos
temáticos a serem citados em harmonia com sua trajetória estudantil e profissional.
Na ordem significativa, o deslocamento sistemático do texto acontece no momento em
que a professora aluna Borbo/Ifesp, em seu relato, deixa escapar a falta daquilo que realmente
interessava dizer e que, no entanto, não foi dito (ou não pode ser dito). Essa falta (o deslize do
102
sentido): “embora, tenha deixado a desejar na escrita do último capítulo
”, a professora aluna
assume como responsabilidade sua e, logo mais, tenta preenchê-la (respondê-la): “gostaria de
escrever sobre algumas situações de aprendizagem que não mencionei e que foram de grande
relevância para minha formação”. Esse não dito – o discurso outro – não encontra espaço numa
organização lingüística que codifica a realidade como transparente, por isso, fica de fora: “tenha
deixado a desejar”, a possibilidade da segunda consciência (professora aluna) se expor à
opacidade do texto para se permitir encontrar, na relação intertextual do sentido, o seu próprio e
outro discurso.
Nessa mesma ordem, quando a professora FAfe4/UnP explica que a referência teórica é
feita a partir de uma descrição pedagógica vivenciada no passado: “Quando eu falo que brincava
fazendo bolinhos de areia com casco de coco tive como referência Sônia Kramer”, permite na
análise, compreender que o funcionamento estrutural do texto como prática sistemática, esboça
primeiro os relatos das experiências significativas para depois buscar citações não
necessariamente teóricas, mas que trazem para o cotidiano reflexões sobre experiências de
aprendizagem.
Essa forma sistematizada de dizer incorpora-se na atividade prática do ouvinte/leitor
(professoras), colocando-se fora do processo de produção de sentidos ao refletir primeiro nas
técnicas de escrita. É um procedimento comum do sujeito perceber a língua como processo de
transcrição direta do sentido universal. É, como veremos a seguir, na interlocução das
professoras sobre a descrição temática do memorial.
103
(2) Reflexões Temáticas do Memorial
Usuário: Gamis38/UnP
Mensagem: No meu eu relatei como foi minha vida em família, infâncias,
as brincadeiras que eu mais gostava, o inicio da minha escolaridade, os
métodos dos professores, sua postura, experiência profissional, o meu
ingresso no curso, as disciplinas que contribuíram para minha prática
pedagógica.
Usuário: Borbo/Ifesp
Mensagem: Com relação ao memorial falo das aflições, dos receios, das
experiências que deram certo e expectativas futuras que espero realizá-las
brevemente.
Nos enunciados acima há uma seqüência nas reflexões do que se poderia relatar no
memorial. As professoras começam selecionando os temas para cada capítulo. A seqüência
temática (o atravessamento teórico na vida prática do professor) é um procedimento comum na
elaboração do memorial. As professoras prendem-se a esse procedimento e deixa de lado sua
relação constitutiva com os acontecimentos que transformaram sua trajetória docente, ou seja,
não é percebido o percurso histórico dessas mudanças na práxis discursiva das professoras,
somente a seleção de temas que coincida com suas experiências.
104
Usuário: FAfe4/UnP
Mensagem: De minha parte houve um pouco de dificuldade, isto porque
para uma fundamentação
é preciso a busca de informações através da
leitura, a falta de tempo para esse fim acarretou-me uma grande
preocupação.
Usuário: Aranha/Ifesp
Mensagem: senti dificuldade nos teóricos quando da documentação dos
mesmos para passar para as referencias, por outro lado quando me
apropriava de algum fazia a releitura e se encaixava justamente na minha
vida.
Usuário: Aranha/Ifesp
Mensagem: Realmente memorial é coisa única na vida de uma
universitária, Relembrar- profissionalmente
é coisa que requer além de
tempo próprio para isto uma fundamentação teórica. Isto me custou muito
caro. Não financeiramente, mas horas a fio estudando, lendo, concentrada
mesmo no passado.
Usuário: Gamis38/UnP
Mensagem: A dificuldade foi organizar o que resgatamos.Digo
resgatamos, pois existiram acontecimentos em nossa vida que quase não
105
Encontro em FAfe4/UnP dois modos de ver/apreender teoricamente a sua escrita. Para ela
fundamentar seria: “a busca de informações através da leitura
”. A leitura, nesse caso, é vista
como meio de se obter tais informações. Se o tempo facilitasse essa busca: “a falta de tempo para
esse fim acarretou-me uma grande preocupação” sua dificuldade seria, supõe-se, superada.
Embora fique dito que a razão dessa dificuldade seja atribuída pela falta de tempo, parece-
me, que essa justificativa desvia o olhar/leitor à opacidade das leituras que faz e o direciona a
perceber o que está como transparente na formulação escrita do memorial: o encaixe da
fundamentação teórica na vida da professora. Esse encaixe (que é uma prática comum de quem
escreve memorial e isso está evidente nos diálogos acima), tende a excluir a 2ª consciência ( as
professoras) de fazerem conseqüências teóricas na apreensão dos já-ditos. Há buscas imediatas
pelas teorias que pretendem abordar, sem necessariamente, haver um encontro dialógico com
elas.
Usuário: Borbo/Ifesp
Mensagem: O memorial poderia ser narrativo, reflexivo, coerente, os
parágrafos
deveriam ter uma ligação e tínhamos que ter o cuidado para não
começá-lo com a mesma palavra do anterior...
Usuário: Borbo/Ifesp
Mensagem: Foi nas aulas de mtc (metodologia do trabalho cientifico),
quando as formadoras pediram para que escrevêssemos sobre a nossa
caminhada estudantil, onde poderíamos falar de como fomos alfabetizadas,
106
procurando fazer sempre uma ligação com o agora, se relacionando com os
fatos históricos.
Usuário: Borbo/Ifesp
Mensagem: Além, da fundamentação, onde poderíamos colocar citações
de teóricos que sustentavam a nossa pratica, fazendo nosso comentário
sobre o que entendemos sobre o eles escreveram.
Usuário: Aranha/Ifesp
Mensagem: [...] Acredito mesmo que o melhor momento de meu memorial
será quando apresentarei visto ser uma forma inovadora muito embora eu
não sei se a forma como estou preparando minha fala esteja coerente com a
abnt ou sei lá outro tipo de “alfabeto”.
(grifos meus)
Na interlocução do Grupo Ifesp sobre a escrita do memorial, as professoras alunas
apresentam como preocupação primeira de produção, o cuidado em manter a coerência textual,
seguindo a técnica de organização das idéias: “não sei se a forma como estou preparando minha
fala esteja coerente com a abnt ou sei lá outro tipo de “alfabeto” diz professora Aranha/ifesp; a
interdependência dos parágrafos comentada pela professora Borbo/Ifesp: “os parágrafos deveriam
ter uma ligação e tínhamos que ter o cuidado para não começa-lo com a mesma palavra do
anterior” e a utilização do modelo seqüencial da fundamentação das idéias: primeiro a professora
cita, depois ela comenta; primeiro lembrar do passado, depois relacioná-lo a fatos históricos.
107
Na verdade o que é reconstituído na história de vida das professoras são seqüências de
fatos repetidos que estão sempre lá, esperando ser revestidos pela atualidade nos mesmos moldes
dos já-ditos.
Usuário: FAfe4/UnP
Mensagem: olha Karen, no início fiquei apavorada, mas depois que iniciei
fui ficando mais tranqüila, o problema era o tempo muito curto, porque
tínhamos que ter a fundamentação e além do memorial tínhamos ainda que
participar de um seminário avançado.Como eu faço parte da geração dos
fins dos anos 50, me amarrei na história sobre a campanha "De Pé No Chão
Também se Aprende a Ler que durou até o ano de 1964, quando aconteceu
o Golpe Militar. (grifos meus)
O tempo mais uma vez é visto como dificultando a relação da professora FAfe4/UnP com
as ações teórica e pedagógica que, ao meu ver, apresentam-se como ações dicotomizadas e, por
isso, necessita de um bom tempo para se conciliar teoria e prática: “o problema era o tempo
muito curto, porque tínhamos que ter a fundamentação e além do memorial tínhamos ainda que
participar de um seminário avançado” - a professora age como se essa separação fosse um
procedimento natural do processo de formação acadêmica.
108
Usuário: SPpf24/Ifesp
Mensagem: as minhas dificuldades primordiais, pelo menos são as que eu
considero, foi a falta de tempo disponível
... Quanto à fundamentação achei
um tanto difícil porque diziam para nós que não devemos jogar pedaços de
textos para fundamentar nossas vivencias e sim ler o livro ao qual ira
fundamenta-la.
Usuário: Lia/ profª visitante
Mensagem: Concordo SPpf24/Ifesp. Acho que realmente você expressou
bem, pedaço de texto. É assim que os formandos normalmente fazem
.
(grifos meus)
Parece-me ser dito (aquele autorizado a dizer) que o encaixe teórico de autores diversos
que têm em comum: a leitura interpretativa de uma mesma obra, não ser recomendável para se
fundamentar o memorial. Nesse caso, recomenda-se um novo procedimento: a leitura da própria
obra (outro encaixe?) como a forma mais coerente de apreensão teórica: Quanto à fundamentação
achei um tanto difícil porque diziam para nós que não devemos jogar pedaços de textos para
fundamentar nossas vivencias e sim ler o livro ao qual ira fundamenta-la. Mas, no entanto, não
se discuti a relação intertextual dos pedaços de textos trabalhados pelo professor em relação a
obra. Há uma transferência de procedimentos e não conseqüências teóricas dessa relação para
que a professora possa, com isso, incluir-se no processo construção de sentidos.
109
Usuário: Aranha/Ifesp
Mensagem: deixe que eu desabafe com você, segredo guardado. Quando
escrevi minhas primeiras mal traçadas linhas, achei que estava abafando,
porém, quando chegou a hora da critica tutelar
, de uma certa forma me
castrou
, isto pq eu enaltecia muito minha primeira professora (a orientação
feita para a professora não sair do foco temático), mas isto n foi
suficiente para q eu deixasse de escrever. À medida que o tempo ia
passando eu sentia que escrevia mais e mais, porém me faltava o aporte
teórico e realmente isto é de suma importância para a escrita de um
memorial. (grifos meus)
Embora esteja presente, mais uma vez, a questão referente à organização lingüística e
metodológica da escrita nas interlocuções como uma norma de fundamentação a ser seguida, o
sentido outro se desliza a partir do questionamento da professora ao dizer que sente-se castrada
em não poder falar o que realmente deseja. Na ordem significativa de análise, esse deslize
acontece quando há a possibilidade interpretativa de se construir sentidos que não sejam os
mesmos e que nasçam da atitude responsiva da professora em querer dizer o que deseja dizer,
pois, “dizer é produzir (tornar possíveis) gestos de interpretação” (ORLANDI 2003 p.22).
110
Usuário: Borbo/Ifesp
Mensagem: Existiram momentos em que não consegui relatar o que
gostaria de dizer, porque a oralidade é diferente da escrita e tem certas
palavras que não eram adequadas para ser registradas num trabalho
acadêmico, principalmente as que costumamos usar no nosso cotidiano, e
por ser rigorosa com a minha própria escrita nunca estava satisfeita com o
que estava produzindo. (grifos meus)
Há uma outra forma de castração, neste caso, ela não é diretamente imposta pelo outro,
mas é necessária na apropriação de uma linguagem acadêmica. A falta da palavra adequada
impede de se dizer àquilo que gostaria, ou seja, o querer dizer é suplantado pela organização
lingüística.
O cotidiano lingüístico da professora aluna é negado. Isso é claramente compreensível já
que o seu gesto de interpretar os sentidos empenha-se, enquanto gesto ideológico, em querer-
dizer o que já está dito, sem o grifo de seus próprios sentidos.
Usuário: Gato/Ifesp
Mensagem: Tive e tenho muitas dificuldades com a escrita, das normas
cultas e... Acredito que essas dificuldades existem por falta de leitura
eu
não gosto de ler, mas descobrir porque durante o curso, a minha leitura era
confusa, eu não obedecia a pontuação com isso não entendia o texto. Hoje
é diferente (grifos meus)
111
Interessa-me o mecanismo de identificação do sujeito no momento da constituição dos
sentidos, nesse diálogo, pois os sentidos das palavras dessa professora aluna já estão ali definidos
e o processo de identificação do sujeito é refletido nesse espaço. O que está transparente é a
dificuldade de leitura como sendo algo de responsabilidade da professora, já que “não gostava de
ler” e nem “obedecia a pontuação”, sendo, agora, minimizada com a ajuda da Instituição.
Por outro lado, posso entender que a explicação dada do não gostar de ler esteja ligado ao
não domínio lingüístico: “minha leitura era confusa, eu não obedecia a pontuação com isso não
entendia o texto”, e, por isso, a dificuldade de “extrair” o que o texto quer dizer. No entanto,
percebe-se que essa dificuldade é, tão logo, minimizada: “hoje é diferente”,
pelo gesto ideológico
de encontrar soluções já previstas e imediatas que a faz acreditar que sua postura mudou em
relação a leitura.
4.2.2 Conseqüências Teóricas das Interlocuções
As interlocuções acontecidas no forchat envolvem dois tipos de gestos de interpretação
relevantes a compreensão do processo de constituição dos sentidos das professoras sobre as
inquietações teóricas de suas certezas/incertezas práticas.
Temos, então, o primeiro gesto de interpretação que é o do analista (o meu) enquanto
dispositivo teórico de análise, tratando de encontrar possíveis brechas na interlocução para que o
sentido possa ser outro, expondo, como propõe Orlandi (2003), o olhar/leitor à opacidade do
112
texto, ao sentido que fica de fora, à compreensão responsiva ativa das professoras, aos novos
modos de pensar.
Em contrapartida temos o dispositivo ideológico que controla o gesto de interpretação das
professoras alunas e das professoras recém formadas no momento da interlocução, produzindo
sentidos sob os efeitos da ilusão referencial e da ilusão de ser o sujeito a origem do dizer. Nisso,
consiste a estabilidade intersubjetiva entre sujeito/instituições no campo da linguagem em que o
dado (informação) se estabelece como objeto onipotente do dizer, deixando de fora os possíveis
sentidos.
Usuário: Aranha/Ifesp
Mensagem: Gamis38/UnP, cade vc, uma coisa ainda não disse para você ,
foi da relação teoria e pratica
, achei interessante pois aquele velho amigo
vigsti(vai assim mesmo)certa vez falou que a cr transforma um cabo de
vassoura em um cavalo e um pedaço de madeira em uma boneca, isto
acontecia comigo quando criança quando brincava de casinha e fiz na
minha sala de aula uma atividade parecida so que com uma folha de jornal.
as crs enrolaram o papel formaram o boneco, vestiram ,colaram cabelo,
deram nome ao boneco, em dupla estes conversaram, enfim fizeram uma
verdadeira festa com uma folha de jornal. (grifos meus)
113
O sentido literal da palavra do outro, esvazia a sua possibilidade (a da professora aluna)
cognitiva de articular os conhecimentos, como também, distorce o que o outro quis dizer ao
transferi-lo para a instância metodológica. Para a professora Aranha/Ifesp, a prática discursiva
não é conseqüências teóricas, mas uma maneira sistemática de aplicação das coisas-a-saber.
Usuário: Borbo/Ifesp
Mensagem: Acredito que a interdisciplinaridade é trabalhar dentro de um
contexto real, tendo um pouco de conhecimento de cada conteúdo das
disciplinas, procurando envolve-los de maneira clara e com objetivos bem
definidos
114
creia todos que viam achavam "massa”, aproveitei a oportunidade para
reforçar o assunto de corpo humano em ciências quando sempre dizia pinte
os membros superiores de preto, pinte os inferiores tb imagine que até a
karen chegou a ver.
Usuário: Aranha/Ifesp
Mensagem: karen escrevendo para Borbo/Ifesp falei algo a respeito de
interdisciplinaridade, me responda se tem coerência
, pois as vezes eu falo
demais e chego até a me enrolar nessa teia que é tão difícil de sair
(grifos meus)
Na mesma direção do enunciado anterior, esses três confirmam o mesmo percurso
temático de literalização dos sentidos. O conceito de interdisciplinaridade, por exemplo, não é
teorizado como processo que trabalha as relações do conhecimento, mas como uma prática
instrumental de aplicação de conteúdos específicos em um determinado cenário pedagógico para
que a relação entre as disciplinas tenha espaço adequado, pois a relação já está lá; o ambiente é
que deve ser preparado.
Se de um lado, é clara a noção de interdisciplinaridade ao descrever uma atividade
pedagógica; de outro, um certo receio de achar que o que diz não está seguro: “me responda se
tem coerência”. E é justamente essa incerteza teórica que compromete a professora Aranha/Ifesp
cada vez mais com o dizer que não lhe é compreensível: “pois as vezes eu falo demais e chego
até a me enrolar nessa teia que é tão difícil de sair”, mas que, no entanto, tem que ser aceito
115
Usuário: Borbo/Ifesp
Mensagem: O professor que cito no memorial contribuiu para minha
formação critica, a metodologia que ele utilizou foi importante, porque
pude produzir textos que expunha minhas idéias sem medo dizer o que
estava pensando e hoje tento resgatar esse meu lado critico, participativo
nos eventos políticos e democrático que a sociedade produz, quando iniciei
o curso senti falta desse meu agir que deixei adormecer.
(grifos meus)
A metodologia utilizada pelo professor contribuiu na formação crítica da professora
Borbo: [...] “pude produzir textos que expunha minhas idéias
”, mas essa criticidade é adormecida
na atualidade: “hoje tento resgatar esse meu lado critico”.
O que leva afinal adormecer o ser
crítico? É a falta de uma boa metodologia? Expor suas próprias idéias não encobrem idéias outras
que controlam as nossas? Segundo Orlandi:
O homem interpreta por filiação, ou seja, filiando-se a este ou aquele sentido,
inscrevendo-se nesta ou naquela formação discursiva, em um processo que é
um processo de identificação: ao fazer sentido, o sujeito se reconhece em seu
gesto de interpretação.
(2003 p.19).
Não seria esse reconhecimento de procedimento metodológico filiado a uma formação
discursiva que conduz “criticamente” o aluno a interpretar o que x quer dizer? Pois, se assim o é,
116
compreende-se que essa crítica é adormecida, quando o sujeito se exclui dessa possibilidade de
poder dizer.
Usuário: Gato/Ifesp
Mensagem: os textos eram muito filosófico
, difícil compreensão textos
"denso", consegui superar essas dificuldades com auxilio das colegas, que
me incentivava. Hoje depois de três anos os textos tornaram-se familiar e
não tenho tanta dificuldade como no inicio.
Usuário: Borbo/Ifesp
Mensagem: Senti dificuldade em relatar fatos que deixaram cicatrizes
profundas,e de falar do próprio curso, porque no momento da escrita as
idéias não sugiram, somente depois elas apareceram, talvez tenha sido o
acumulo de informações,ou o próprio cansaço físico e mental que tenha
contribuído para ter escrito tão pouco sobre o curso.
(grifos meus)
A identificação direta daquilo que o texto diz perde de vista as diferentes formações
discursivas aí inscritas, perpassando as diferentes épocas e lugares, numa relação intertextual.
Sem a referência histórica, os conceitos presentes no texto são empiricamente repetidos: a
memória do dizer é esquecida por aquele sujeito
que ler o acontecimento como totalmente novo.
Na falta desse elo histórico, o dizer do texto é absorvido pelo sujeito como informação
importante de ser repassada. O que
se há de fazer é ler muitas vezes o mesmo texto para fixar o
117
sentido estabelecido, criando a ilusão da profundidade teórica. A dificuldade surge pela
impossibilidade de gerir o sem-sentido e assim o sujeito não consegue revelar o que de fato lhe
incomoda, passando adjetivar os conceitos como uma forma de dizer o que já se sabe: “os textos
eram muito filosófico, difícil compreensão textos denso". Por outro, o sem-sentido é justificado
pelo cansaço mental e físico: “talvez tenha sido o acumulo de informações, ou o próprio cansaço
físico e mental que tenha contribuído para ter escrito tão pouco sobre o curso”.
118
A professora Aranha se embaraça pela dificuldade em conciliar, espontaneamente, o seu
dizer com aquilo que lhe dá sustentação: a exigência teórica. Antes: “A princípio eu não me
embaracei ao escrever, as recordações fluíram e eu fui escrevendo”: sua inclusão no relato. Há a
exigência (orientação pedagógica) de infiltrar no relato o dizer do outro autorizado ao descobrir
que: “a escrita estava muito dialógica, não havia fundamentação teórica
”. A professora se
submete a dizer o que não lhe pertence e por isso se angustia: “Comecei a me apavorar, mas,
conclui: nada é tão difícil que não possa ser feito de maneira fácil”. Como estratégia, recorre a
técnica do encaixe teórico, pois o que diz o outro autorizado não se contesta, portanto, não há
interpretação, não há diálogo: “chequei a conclusão que os teóricos estão ai para nos ajudar
mostrando o que devemos dizer com precisão”.
A onipotência da citação teórica exclui a professora do seu processo discursivo e essa
sensação é materializada por ela em outro enunciado, quando relata a importância dos critérios de
elaboração escrita do memorial. Vejamos:
Usuário: Aranha/Ifesp
119
Mensagem: a instituição IFESP adota o seguinte critério sempre que a
professora ao escrever fizer citação tem que posteriormente tecer um
comentário a respeito da mesma relacionando com sua vida. Isto foi bem
fácil quando citei Froebel, qdo ele diz: ¨toda criança na infancia tem que
ser protegida pelos pais pois ela é dependente.Um dos capítulos do meu
memorial foi falando deste relacionamento tão adequado
que tive, pois,
muito bem repercutiu no meu fazer pedagógico. Procuro antes de mais
nada conhecer a criança com a qual vou lidar no dia-a-dia e acima de tudo
quando fui escrever o memorial, vi que foi muito vantajoso toda esta
experiência , isto pq falar de uma vivência é melhor do que aquilo que falar
daquilo que apenas ouvimos falar.
(grifos meus)
Ela admite a onipotência teórica como sendo o dizer legitimado que deve ser citado e, ao
120
Mensagem: Ola! eu confesso que não utilizei muito teórico
para
fundamentar o trabalho por não ter realmente lido a obra e sim participado
de debate de texto fragmentados em relação aos teóricos
Usuário: Gato/Ifesp
Mensagem: mais mesmo sem citar percebo que a convivência e as trocas
experiência nos faz viver as idéias do teóricos sem mesmo ter lido.
(grifos meus)
Não há muito que dizer sobre o texto refletido nele mesmo. É incompreensível para um
sujeito que é constitutivamente histórico esbarrar-se num ponto zero do dizer. O que é constante
nesse processo é o movimento sempre tenso do mesmo e do diferente. Sem essa relação,
interdita a possibilidade dos sentidos serem outros. Como estratégia de fundamentação teórica ou
mesmo de fuga daqueles sentidos que não lhes dizem nada, a professora recorre a interação
discursiva por outros meios que não sejam somente textos: [...] “não utilizei muito teórico
,mas
que venham de alguma forma facilitar na compreensão teórica.
Parece ser o debate esse meio possibilitador: [...] “mesmo sem citar percebo que a
convivência e as trocas de experiências nos faz viver as idéias do teóricos sem mesmo ter lido”.
Dessa forma, entende-se que “viver as idéias dos teóricos
” é justamente colocá-los num contexto
discursivo outro para que os fluxos dos diferentes sentidos circulem.
Usuário: Aranha/Ifesp
121
Mensagem: comentando sobre o que aconteceu comigo durante a
produção do meu memorial posso afirmar que este período foi o mais
delicado que existiu na minha vida acadêmica
. Por vezes eu fiquei sozinha,
sem ajuda do meu tutor, sem ajuda do grupo de base, enfim sem saber onde
pesquisar em quem me fundamentar, mas, graças a Deus foi superado, vi,
venci e estou preparada para outro (ou melhor... não sei se estou
não...)Foi
uma experiencia e tanto... mas valeu , aprendi muito.
(grifos meus)
Para se está bem respaldada no que diz, a professora tem a necessidade de orientação
teórica que a guie em sua trajetória discursiva, ensinando como deve ser um trabalho bem
fundamentado, ou seja, aprender a operar, metodologicamente, a série do dizer: narração-citação-
comentário. A solidão surge da ausência dessa orientação, uma vez que a professora ao se
posicionar fora de seu campo de observação se perde no espaço do outro - “sem saber onde
pesquisar em quem me fundamentar” – e sem apoio, tenta encontrar um caminho que a faça
retornar do seu mundo imaginário. O difícil retorno é o momento possível e também duvidoso de
superação: “mas, graças a Deus foi superado, vi, venci e estou preparada para outro (ou melhor...
não sei se estou não...)”.
Usuário: SPpf24/Ifesp
122
Mensagem: Fundamentar minha pratica, seria saber o que eu estava
fazendo.Vou tentar me explicar, quando propunha produção textual aos
alunos, por exemplo, fazia porque outros professores faziam, porque estava
no currículo, sem compreender o que esta metodologia contribuía ao
desenvolvimento e aprendizagem do aluno e que as vezes eu não queria
fazer porque não ia dar certo para determinada turma naquele
momento,mas ficava impossibilitada de fazer do meu jeito.
Hoje,compreendo certas metodologias,adequo,faço do jeito que achar
melhor para a aprendizagem dos alunos. Eu possuia leituras de alguns
textos,mas não tão longos e científicos, como aqueles que vem na contra
capa dos livros didáticos para auxiliar o uso do livro pelo professor. No
ifesp, logo nas primeiras semanas me deparei com o seminário de
Psicologia que falava de Piaget com suas sançoes expiatorias e por
reciprocidade,de cara não entendi muita coisa,fique nervosa,logo eu!que
compreendia as coisas no"ar"? Entrei em desespero e as colegas e
incentivavam e para não desistir. Chamo isto, a troca de experiência
e de
confiança que eles me passavam e ajudou para que eu rompesse essa
dificuldade. Hoje estudo buscando elucidar as minhas duvidas,por ex.,sobre
as sanções, tento ver a limitação que possuo e leio buscando entender a
minha duvida,vou interpretando a medida que percebo algo do que o
teórico fala na minha pratica ;aí compreendo melhor.
(grifos meus)
123
Para a professora SPpf24/Ifesp fundamentar a prática é compreender o como fazer:
“Hoje, compreendo certas metodologias, adequo, faço do jeito que achar melhor para a
aprendizagem dos alunos”. Mas essa adequação exige leituras conflituosas sobre assuntos até
então incompreensíveis: “[...] deparei com o seminário de Psicologia que falava de Piaget com
suas sanções expiatórias e por reciprocidade, de cara não entendi muita coisa, fique nervosa, logo
eu! Que compreendia as coisas no "ar". É a citação do outro em processo de apreensão. Sua
superação parece partir da seguinte estratégia: “vou interpretando a medida que percebo algo do
que o teórico fala na minha pratica ;aí compreendo melhor”. É o dizer do outro flutuando na
experiência discursiva do professor, querendo dizer que a teoria ensina como fazer.
Usuário: SPpf24/Ifesp
Mensagem: É Karen, estes teóricos citados, parece ser uma "regra" nas
entrelinhas do curso. Porque a gente vai citando os camaradas que falam do
mesmo jeito da gente, parece ate que e redundante, mas é dito que eles
devem sustentar a nossa pratica, ai se tira uma parte do texto lido que
combina com a nossa fala, aí ta fundamentado, na escrita.
Usuário: karen.santos
Mensagem:Então fundamentar seria isso?
Usuário: SPpf24/Ifesp
Mensagem:Para mim seria compreender o modo de trabalhar
, isto é , dar
aulas,compreender a ação de um aluno, compreender a postura de um pai e
ate mesmo do próprio profissional,tendo referencia em algum teórico.
Usuário: SPpf24/Ifesp
124
Mensagem: ie gente!Já mudei de cara, digo de ícone. Não e por nada não.
É que q as coisas da vida são tão iguais que a gente precisa variar um
pouquinho.
A estabilidade do mesmo sendo agora questionada: “Porque a gente vai citando os
camaradas que falam do mesmo jeito da gente, parece ate que é redundante” - como uma suposta
regra de citação teórica que ensina como deve ser: “Para mim seria compreender o modo de
trabalhar”. Essa compreensão teórica se confunde com petições cognitivas de ações que a
professora precisa seguir: “compreender a ação de um aluno, compreender a postura de um pai
”.
É nesse espaço conflituoso entre as leituras do outro e a prática discursiva da professora
SPpf24/Ifesp que acontece a fuga dos sentidos – a possibilidade da compreensão responsiva ativa
da professora que, mesmo sem perceber, se desloca um pouco da ilusão referencial do mesmo:
“[...] É que q as coisas da vida são tão iguais que a gente precisa variar um pouquinho
”. Variar
significa dá sua própria tonalidade às “coisas tão iguais
” para que elas sejam diferentes, ou seja,
desconstruir o mesmo seria teorizar (dá a sua própria tonalidade) a teoria do outro na sua relação
compreensiva de resposta.
125
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Proponho, nesse espaço discursivo, a retomada dos objetivos definidores de todo o
percurso investigativo: a produção de sentidos das professoras em formação e as condições de
sua produção, tendo como desdobramento o movimento tenso entre paráfrase e polissemia
existente no discurso das professoras em relação às teorias que se apropriam e as conseqüências
teóricas dessa apropriação no relato da prática pedagógica refletidas no Memorial e no Forchat.
Na análise observou-se o funcionamento discursivo nos dois contextos tecnológicos –
Memorial e ForChat, entrecruzando-os no movimento de tensão entre o mesmo e o diferente,
sendo este, o mecanismo de distinção utilizado para compreender os gestos de
interpretação presentes no discurso. A partir daí foi possível definir categorias em que
explicassem o processo de apropriação teórica na experiência discursiva das professoras,
classificando-as da seguinte maneira: I – Citação do Outro Institucionalizado – o acontecimento
logicamente estabilizado; II – Citação do Outro Reformulada – o acontecimento sendo atualizado
pelo deslize dos sentidos.
A interseção do confronto enunciativo entre essas categorias no que se refere a relação
teoria e prática expõe o olhar/leitor a reflexão de três acontecimentos discursivos: o processo de
sistematização escrita do memorial, a auto-exclusão discursiva e as conseqüências teóricas de
apropriação do discurso do outro.
126
A sistematização escrita do memorial tem seu reflexo na identificação direta do texto em
si, ou seja, o acontecimento discursivo quando relatado é traduzido literalmente pela linguagem
sem levar em conta sua ordem significativa: a história (práxis do viver) intervindo na língua.
O processo de identificação direta do texto presente no discurso das professoras define
dois modos sistemáticos do dizer. O primeiro, diz respeito às marcas formais – a sintaxe – que
determinam a construção semântica dos enunciados e o segundo, refere-se aos argumentos
construídos em conformidade com as proposições logicamente estáveis no que diz respeito a
fundamentação teórica do texto.
Dentro dessa perspectiva metodológica, observa-se na elaboração do memorial a
exigência de uma escrita coesa, coerente e bem fundamentada, diferentemente da escrita coletiva
produzida no forchat. Isto porque, no ambiente telemático não há a preocupação de se deter às
normas lingüísticas para organizar as idéias. No entanto, há indícios de proposições lógicas e
estabilizadas na descrição teórica de um novo acontecimento pedagógico como sendo o sistema
cognitivo explicativo mais adequado de superação dos modelos tradicionais. É nesse momento
que as professoras recorrem à língua por entenderem que o sistema lingüístico codifica as idéias
do outro para torná-las transparentes em suas falas.
Na escrita produzida no forchat - em seu aspecto menos formalizado - foi possível
apreender nas discussões coletivas a preocupação das professoras pelo uso apropriado de
conectivos de ligação em relação a organização dos parágrafos e, também, o cuidado de tornar o
texto coeso e coerente no momento da transcrição do dizer do outro na sua prática discursiva.
127
É nesta organização das palavras arrumadas no texto que encontramos a estratégia do
encaixe teórico estruturado em série discursiva: narrativas de si/ citação teórica/ comentário da
citação. Tal estratégia fecha a possibilidade dos sentidos deslocarem para outros sentidos, por
isso, acontece a auto-exclusão discursiva das professoras no momento em que suas palavras
esvaziam-se para que o outro autorizado determine o que deve e pode ser dito. No entremeio
(gesto leitor/ escritor) podemos encontrar o sentido que se exclui, recuperando-os do sentido
estabelecido.
O acontecimento de proposições logicamente estabilizadas resulta na explicação
científica dos conceitos estudados como sendo necessários para validar o fenômeno a ser
explicado. As argumentações discursivas construídas pelas professoras partem dessa comunidade
científica (formação discursiva) que determina o critério de validade de uma explicação.
Nesse sentido, o gesto de interpretação das professoras se prende a somente descrever o
que é para dizer do outro autorizado, sem observar as conseqüências teóricas deste dizer em sua
experiência discursiva. A observação que se faz do acontecimento situa-se fora do campo
observacional das professoras, ou seja, fora de sua práxis do viver na reformulação constante dos
já ditos, sendo, assim, possível o processo de estruturação/ desestruturação do sentido através do
movimento tenso entre paráfrase e polissemia.
Mesmo fora do campo observacional, observa-se que houve o deslocamento dos sentidos
para outros novos possíveis, quando, na discussão coletiva, as professoras em seus
questionamentos percebem que suas considerações teóricas são reduzidas em detrimento a difícil
tarefa de organizar textualmente o encaixe de uma citação teórica em suas experiências
discursivas.
128
Embora estes questionamentos não deixem de trazer conseqüências teóricas na relação
discursiva entre teoria e prática docente, tendem a ser desvirtuado, logo mais, quando tentam
justificar que as dificuldades de elaboração teórica dos relatos são resultados do reduzido tempo,
que é insuficiente para se fazerem as releituras de alguns textos que servirão na composição do
trabalho; razão pela qual torna angustiante todo o processo de fundamentação teórica.
Entendendo dessa maneira, procurei, nestas análises, refletir a questão do lugar em que os
sentidos são retomados e diversificados por observadores implicados na sua própria experiência
discursiva, sendo esta, a condição que torna possível a apreensão de uma realidade transbordante,
aquela que fica de fora, recriando-se e que é difícil de ser capturada por sistemas cognitivos
estabilizados, exteriorizados, fora de nossa práxis do viver na linguagem. Uma realidade que ora
se estabiliza, ora se dispersa num movimento interminável e tenso entre paráfrase e polissemia,
desafiando nossa capacidade de pensar diferentemente sobre a mesma coisa para ser possível
perceber outros sentidos nessa relação discursiva do mesmo e do diferente.
129
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ACHARD, Pierre e Jean/Davallon, Jean/Durand, M/Pêcheux, Eni/Orlandi (Orgs) Papel da
Memória. Trad. E Introdução José Horta Nunes – Campinas, SP: Pontes 1999.
AXT, M. Sobre a interdisciplina: alguns tópicos para discussão. Palestra proferida no Workshop
do PGIE/UFRGS. Porto Alegre, 18/10/1999.
AXT, M. E MARASCHIN, C. Definindo uma perspectiva ecológica da cognição. Em Strey, M
et al. Psicologia Social Contemporânea. Petrópolis: Vozes, 1998
_______ Prática pedagógica pensada na indissociabilidade conhecimento-subjetividade. In
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BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. Trad. Maria Ermantina Galvão. 3ª ed. – São
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BRAIT, Beth. As Vozes Bakhtinianas e o Diálogo Inconcluso.In: BARROS, D. L. P. FIORIN, J.
L. Dialogismo, polifonia, intertextualidade: em torno de
Bakhtin Mikhail. São Paulo: Edusp, 1994.
ELIAS R. Carime. Leitura...Fios que tecem o mesmo e o outro bordado. Letras de Hoje, v.36,
n.125, p.537, set.2001
130
FILHO, José Camilo dos Santos e Gamboa, Silvio Sánchez (org). Pesquisa Educacional:
quantidade-qualidade. 4ª. Ed.- São Paulo, Cortez, 2001. (Coleção Questões da Nossa Época;
v.42).
GLOSSÁRIO, de termos do discurso. A-B-C-D-E-F-H-I-J-L-M-P-R-S-T. Disponível em :
<http://www.discurso.ufrgs.br/glossario.html
MAFFESOLI, Michel. Elogio da razão sensível. Trad. Albert Christophe Migueis
Stuckenbruck. – Petropólis, RJ: Vozes, 1998.
MARASCHIN, C e AXT, M O Enigma da Tecnologia na Formação Docente. In PELLANDA,
N.C e outros (org) Ciberespaço: um hipertexto com Pierre Lévy. Artes e Ofícios. Porto
Alegre. 2000. (artigo publicado no IV Congresso RIBIE, Brasília,1998).
MATURANA R. Humberto, Cristina/Magro, Miriam/Gracian, Nelson/Vaz (Orgs). A ontologia
da realidade. Belo Horizonte: Ed.UFGM.1997.
_______Cognição, Ciência e Vida Cotidiana. Belo Horizonte: Ed. UFGM. 2001
ORLANDI, Eni Puccinelli. A leitura e os leitores. (organizadora) – Campinas, Sp: Pontes, 2ª
edição, 2003
_______. Discurso e Texto. Pontes, Campinas, 2002.
_______. Interpretação : autoria, leitura e efeitos do trabalho simbólico, Vozes, Rio de
Janeiro, 1996.
_______.A Linguagem e seu Funcionamento : as formas do discurso, 2a ed., Pontes,
Campinas, 1987.
131
_______. As formas do silêncio; no movimento dos sentidos. Campinas,SP: Ed. Da Unicamp,
1992.
ORLANDI, Eni Puccinelli. Análise de Discurso; Princípios e procedimentos. Campinas, SP:
Pontes. 2003.
PÊCHEUX, Michel. Estrutura ou Acontecimento. Trad. Eni Puccinelli Orlandi – 3ª Edição –
Campinas, SP: Pontes, 2002.
RIBEIRO, Renato Janine. A universidade e a vida atual: Fellini não via filmes – Rio de
Janeiro: Campus, 2003.
132
ANEXO
133
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
FACED - PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
TEXTO ESCRITO COMO CRITÉRIO DE SELEÇÃO DE MESTRADO
ESTILO: NARRATIVO
ANO: MAIO/2002
CANDIDATA: KAREN CHRISTINA PINHEIRO DOS SANTOS
MAIO/2002
134
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
FACED - PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
MEU COMPROMISSO PROFISSIONAL: UM DESAFIO À CRIATIVIDADE
Ao pensar sobre minha trajetória profissional, fez-me recorda da minha professora
primária Salete que muito atenciosa e carinhosa tinha um jeitinho todo especial de nos envolver
com suas histórias e contos infantis. Ela demonstrava preocupação com o nosso futuro, sempre
nos dizia que antes sermos qualquer coisa, deveríamos ser uma pessoa de bem e começava a
perguntar a cada um de nós o que gostaríamos de ser quando crescêssemos e não titubeei a
responder: ser professora!
Cresci e me vi numa confusa opção de escolher entre a e Escola Técnica Federal do RN e
o Magistério. Optei pelos dois e, simultaneamente, tentei conciliar as duas futuras profissões.
Não demorou muito para perceber que a minha vida prática conduzia-me, sutilmente, a
carreira docente. Assim, adentrei-me na difícil e encantadora tarefa de ser professor.
135
Em 1986 conclui o magistério e no mesmo ano aprovada no Concurso Público do Estado.
Convocada para ensinar na Escola Estadual Santos Dumont, dita modelo, localizada no Comando
Aéreo de Treinamento (CATRE) - Hoje, Base Aérea de Natal.
Nessa escola absorvi o ensino tradicional. Criei o hábito de somente transmitir conteúdos
e os alunos apenas resolviam tarefas direcionadas. Considerava-me uma boa professora.
Lembro que para dar uma aula diferente, fiz um passeio cujo assunto era o processo de
crescimento das planta. Mas, frustrante foi minha tentativa porque os alunos queriam conhecer o
Hangar construído pelos americanos da II Guerra Mundial. Uns correram para subir no avião.
Vi-me completamente desesperada até chegar um soldado me pedir, por ordem do diretor militar,
para que retirasse os 27 curiosos e afoitos alunos.
O velho paradigma me paralisou de tal maneira que não consegui perceber o trabalho rico
que poderia realizar com esses alunos no Hangar.
Passei cinco anos nessa escola em completo descompasso: ora via-me na condição de
excelente professora porque planejava, corrigia todos os cadernos, usava adequadamente os
recursos didáticos, curtia muito as crianças; ora surgia um sentimento negativo em relação a
minha prática.
Inundei-me de esperança na possibilidade de me livrar desse mal-estar docente, quando
passei no vestibular para o Curso de Pedagogia da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande
136
do Norte). Foi uma explosão de alegria e de muita expectativa no sentido de encontrar respostas
às minhas inquietações.
Nesse contexto de mudança, achei que me apropriaria do saber e do saber-fazer,
garantindo minha competência profissional.
Nos quatro anos de curso fui consumindo diversas teorias sobre aprendizagem e
gradativamente fui perdendo o paladar da reflexão, da crítica, da construção do pensamento e me
acostumei a reproduzir bons modelos teóricos, utilizando-os na sala de aula.
Geralmente, nós professores, somos induzidos a aceitar ou rejeitar uma determinada teoria
acreditando que já sabemos a respeito dela e, por isso, tornamo-nos imunes sem permitir aprender
de novo aquilo que já se sabe, quando visto em outro contexto. Eu precisava me sentir
competente porque, sinceramente, mesmo de forma equivocada, me preocupava com
aprendizagem dos meus alunos.
O cenário da minha trajetória profissional trouxe imensa dificuldade e muitas incertezas
no exercício da atividade docente na construção dos saberes pedagógicos. Cabia a mim a escolha
de qual postura seguir: andar na contracorrente com propostas ousadas e desafiadoras, estudando,
dialogando com o outro, construindo e florescendo ou se deixar levar pela correnteza do
modismo pedagógico; ou ainda ficar a deriva sem saber que rumo tomar em situações
problematizadoras em sala de aula.
137
Confesso que houve um momento que procedi, assim, a deriva quando surgiam perguntas
interessantes dos meus alunos e que rapidamente escoava no ralo do esquecimento por não saber
como conduzir tal questionamento.
Havia dentro de mim um conflito muito grande de como entrelaçar o saber do saber-fazer.
Eis o grande desafio!
No auge das minhas inquietações surgiu em 1998 o Curso de Especialização em Novas
Tecnologias na Educação, promovido pelo ProInfo (Programa Nacional de Informática na
Educação), realizada na UFPB (Universidade Federal da Paraíba). A partir daí, o uso das Novas
Tecnologias na Educação, tornou-se o timoneiro que me impurrou a novos caminhos para o
aprendizado.
Ao término do curso voltei para Natal, assumindo o cargo de multiplicadora no Núcleo de
Tecnologia Educacional - NTE/II, ambiente que me auxiliou a romper com o hábito de cumprir
rotina curricular de induzir o aluno a mastigar os conteúdos e o professor a seguir modelos.
A proposta de engajamento dos professores de Escolas Públicas às Novas Tecnologias,
proporcionou a mim como multiplicadora a oportunidade de ver de perto o que chamaria de
fenômeno da pororoca eletrônica: o encontro explosivo do saber e do saber-fazer.
Esse encontro trouxe a reboque o senso do compromisso profissional em trabalhar na era
de rede, abrindo espaço para o sentimento de solidariedade, de humildade, de colaboração, de
respeito e de contribuição.
138
À medida que fui me envolvendo e acompanhando as discussões com professores
cursistas fui construindo novos conceitos que permitiam, não mais como censura, enxergar de
forma diferente, velhos conceitos e transforma-los em conhecimento de uso, e isso, só foi
possível quando atrelamos o trabalho com projeto e o uso pedagógico do computador. Uma
vivência que me serviu de testemunho de que aprendemos quando interagimos com os outros e
com as coisas do mundo.
As discussões que surgiam nas ações nos levavam a um processo instigador confrontando
hipóteses, provocando desequilíbrios das certezas. O NTE passou a ser para mim um espaço
aprendente, de reflexão sobre minha atuação profissional na ação. Assim, pude mobilizar novas
idéias que possibilitem sentir, pensar e estar juntos entre si e com os alunos no conhecimento
significativos.
Nesse ambiente de aprendizagem a gente conseguia lidar com o imprevisível e a sensação
que tínhamos que estávamos desenvolvendo competências de formular questões e problemas, de
aprender, evoluir e partilhar experiências e conhecimentos.
No entrechoques de recuos e avanços abre a inscrição de participação na Lista de
Multiplicadores, uma teia de troca de informações ancorada no trabalho problematizador e a
metodologia de projetos, fazendo o profissional retomar posições, desânimos, dificuldades e
sucessos, ou seja, uma trilha de busca contínua de possibilidades e novas descobertas.
139
No final do curso de capacitação de professores em novas tecnologias, fiquei responsável
de assessorar esses professores nas escolas que eles pudessem vencer o medo que sentiam da
máquina e a vergonha que tinham de saber que seus alunos tinham mais facilidade. Esse medo foi
minimizado à medida que foi se conscientizando que não havia a necessidade de ser o boom da
tecnologia, mas sim saber conduzir, como mediador, na transformação da informação em
conhecimento.
Nesse período de sensibilização a parceria multiplicador-professor-aluno possibilitou a
elaboração de um projeto sobre as drogas que iria ser apresentado na Feira de Ciências.
Quando vi aquele projeto de aprendizagem culminar na realização da auto-estima de todos
os envolvidos me veio a lembrança da insistente frase da minha professora Salete: ser uma pessoa
de bem. É uma vivência de cidadania. É humano.
O meu grande receio é agir com mediocridade, por exemplo, obter títulos e diplomas de
aperfeiçoamento, realizar projetos alegóricos no sentido de se auto promover e nada contribuir
para o aluno ser pesquisador e autor das suas produções.
Passei a me preocupar com minha formação moral de ter o compromisso de me envolver
verdadeiramente no mutirão do conhecimento.
Participei do curso de Direitos Humanos na Educação com a proposta de fazer um projeto
nas escolas ligadas ao ProInfo como eixo temático a violência. Nesse curso, era marcante a
140
presença das minorias: negra, deficientes, homossexuais, a classe desfavorecida e os info-
excluídos (analfabetos digitais). Todos em busca da igualdade dos direitos.
Em 2000 participei do Curso de Formação Continuada em Serviço de Multiplicadores do
Programa Nacional de Informática na Educação sob a orientação do professor Daniel Queiroz..
Descrevo esse curso como um portal do conhecimento, da renovação de valores íntimos,
de novos conceitos e novas possibilidades. Pude enxergar minhas falhas que, até então, não
possuía visão para identificá-las e sana-las. No início tive dificuldade na navegação, mas fui
muito bem assessorada pelos colegas virtuais que interagiram conosco. Ao me familiarizar com
o ambiente consegui me congregar nas discussões do chat e juntamente com a professora parceira
desenvolvemos um projeto cujo tema: Sexualidade, proposto pelos alunos da 7ª série da Escola
Municipal Joaquim Honório.
Este trabalho me impulsionou ao desafio de apresentar, na interação como os alunos,
novas formas de pensar, de agir, de provocar, de reencantar os alunos. A gente presencia a cada
instante durante o processo como a criança pensa e como constrói estratégias para resolver seus
problemas.
Continuei minha peregrinação em busca da vivência de aprendizagem e fui fortemente
atraída pelo curso de Especialização em Psicopedagogia completando o segundo ano de
conclusão. A minha experiência no NTE e os módulos assistidos sobre os transtornos de
aprendizagem, me ajudou a pensar num projeto que auxiliasse o professor cursista em suas
dificuldades no manuseio da máquina.
141
A Psicopedagogia, pelo seu caráter interdisciplinar, recorre às novas tecnologias para criar
um espaço de experiências significativas de aprendizagem, reencantando também a postura do
professor na sua prática, tornando-o com vida, criativo e ousado, um professor do futuro, agindo
no presente.
As reflexões e estudos sobre a temática organismo-corpo-inteligência-desejo me
impulsionaram a repensar a postura docente frente às mudanças pedagógicas e aos avanços das
tecnologias da informação e comunicação ocorridas nos últimos tempos pela era das redes.
Como professora multiplicadora responsável pela capacitação de professores da rede
pública de ensino no uso pedagógico do computador, percebi que grande parte dos professores
sentiam dificuldades na aprendizagem das novas tecnologias por se apresentarem como uma teia
lógica de informações que estimulam o pensamento; diferentemente da linearidade do pensar
docente cuja formação oriunda de um ensino tradicional, o que dificulta e muito a relação
pedagógica do ensinar e do aprender, comprometendo, assim, a construção do conhecimento.
Como aluna do Curso de Especialização em Psicopedagogia, procurei fundamentar a
minha prática investigando os transtornos de aprendizagem desses professores que resistem ao
novo, que trazem uma bagagem emocional atribulada quando vão enfrentar o computador.
A pergunta que sempre faço é a seguinte: Por que quando o medo da máquina é superado,
o professor não consegue ser criativo em suas produções, optando, muitas vezes, por cópia de
modelo de atividades e exercícios dirigidos.
142
Embora o professor depois venha assimilar bem esses novos recursos tem uma dificuldade
de usar propostas mais ousadas envolvendo seus alunos na elaboração e reelaboração de novos
conceitos na sala de aula, o que denuncia a falta de uma reflexão pedagógica. Nesse sentido o
encaminhamento que o professor der no uso pedagógico do computador se refletirá na concepção
que se tem de ensino e aprendizagem.
Compreender que a construção de um espaço psicopedagógico para aprendizagem de
professores, parte de uma consciência de que o ensino não se resume a mero conteúdos isolados e
mecanizados, mas na construção de uma ecologia cognitiva que promova um ambiente
verdadeiramente de aprendizagem.
Em síntese, é ponto pacífico que mudança pedagógica antecede a tecnologia e deve ser
vista por um novo olhar na atuação do professor: o de ser mais instigador, provocando situações
desafiadoras para que o aluno possa se aventurar no conhecimento de forma prazerosa. No
entanto, formar professores pensantes, criativos, transformador precisa engajá-lo ao um contexto
curricular que discuta a idéia de aproximar o diferente, rediscutindo o velho conceito ainda
presente nos currículos escolares a idéia de homogeneidade, herança biológica, Meyer (1999).
O que se percebe, que no espaço escolar as ações são predominantemente estáveis, o
planejamento segue cronologicamente as etapas de ensino em ritmo linear, o professor pensa de
forma programada, desfavorecendo a possibilidade de haver transformação.
143
É indispensável, portanto, um novo olhar sobre o currículo, tendo como eixo norteador a
formação do professor.
Segundo Moreira (1998), o argumento central é que o preparo de um professor
comprometido política e academicamente, apesar dos riscos apontados, pode beneficiar-se da
preocupação com a diversidade cultural.
E a escola lida a todo instante com essa diversidade cultural e o professor tem que está
preparado para essa complexidade. De fato a Pedagogia de Projetos, a Interdisciplinaridade, a
Transversalidade, promovem engenhosas mudanças na prática do professor, entretanto, se o
professor não perceber as relações entre escola, currículo e desigualdade social, não estará
subsidiado para trabalhar a idéia de aproximar o diferente.
Tenho a pretensão de me tornar mestre para que eu possa aprender, através do trabalho
investigativo, como identificar o conhecimento cultural dos alunos e como articulá-lo com o
conhecimento escolar.
Assim, refletindo sobre minhas próprias experiências e as do outro, usando como
fundamentação a pesquisa científica atrelada às Novas Tecnologia da Informação e
Comunicação, serei mais sensível à diversidade na sala de aula sem correr o risco de corromper
minha prática.
Quando nos dispomos a fazer algo com dedicação e interesse de servir bem, tudo fui para
que surjam novas oportunidades, mesmo engatinhando nas observações e questionamentos mais
profundos, não demoremos muito, por esforço próprio, buscar o entendimento das coisas.
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Nas minhas buscas teóricas, cometo certos equívocos de acreditar que tal teoria é a certa
que devo segui-la qual uma seita, porque vejo consistência do teórico na análise de suas
pesquisas, muito embora, isso não significa dizer que devamos ignorar as pesquisas científicas,
pelo contrário, é a fundamentação teórica que possibilita a gente mudar aquilo que já está
superado e essa mudança, o professor precisa saber como articulá-la nas suas ações.
Perrenoud em entrevista a Revista Nova Escola, disse que o professor para desenvolver
competências deve ter como recurso principal a postura reflexiva, capacidade de observar, de
regular, de renovar, de aprender com os outros, com os alunos, com a experiência.
O aprender com o outro, nesse caso o orientador, me oportuniza a aventurar no novo
conhecimento respaldado na pesquisa, reflexão e transformação. Como disse o poeta Guilhume
Apolinaire (apud FERGUSON, 1997):
Cheguem até a borda, ele disse.
Eles responderam: Temos medo.
Cheguem até a borda, ele repetiu.
Eles chegaram.
Ele os empurrou... e eles voaram!
É desse empurrãozinho que nós professores precisamos para alçar o vôo da ausadia
pedagógica: formar seres pensantes com sensibilidade humana.
O compromisso profissional nos torna disponível a atuar sempre nas questões
desafiadoras, porque nos deixa mais realizado, mais digno, mais humano, mais solidário. A
145
sensação que tenho agora é de bem-estar docente e culminando esse prazer, recentemente fui
convidada para participar de uma ONG Instituto Sol Brasil que tem como objetivo o resgate
cultural brasileiro, especificamente o Rio Grande do Norte em seus aspectos históricos, turísticos
e culturais e tornar pública sua divulgação aos países da América Latina, sobretudo, o Chile que é
o primeiro país a investir seriamente em projetos educacionais e culturais com o objetivo de levar
a cultura chilena ao exterior mediante uma estratégia de valorizar e favorecer o desenvolvimento
cultural através do aperfeiçoamento docente, da capacitação, da investigação e da difusão.
A proposta cultural do Chile serviu de inspiração para ONG para que pensássemos num
projeto que contemplasse a cultura do nosso Estado e levasse, assim, como no Chile, para fora do
país, tornando-a conhecida.
A nossa preocupação é que o povo potiguar não conhece devidamente sua cultura,
portanto, não sabe valorizá-la e nossa intenção também é de resgatar a nossa cultura, propondo
ações estratégicas que promovam a consolidação de um processo que se dá no âmbito da
produção, distribuição e difusão culturais.
O Rio Grande do Norte precisa traçar uma política pública para que o potiguar conheça
seus atores, suas obras, suas vidas, saboreei sua comida, conheça sua história, valorize seus
cantores, sua dança, seu folclore e saiba como difundi sua cultura.
Sob a ótica de repensar numa política pública cultural, incumbiu a mim e uma professora
de História de elaborar um projeto que contemplasse a cultura na escola pública.
146
As idéias começaram a ferver, pois com minha vivência, propiciada pelo ProInfo, com
trabalhos com projetos e as novas tecnologias e a experiência da professora de História sobre
memória popular, nos apoiamos a apresentar uma proposta de promover na escola um
intercâmbio virtual que possibilite a cultura do RN penetrar no espaço chileno.
Pensamos em trabalhar com os alunos a importância das manifestações culturais
populares do povo potiguar, pois configuram em documento vivo das raízes da nossa civilização.
Assim, a proposta de promover um intercâmbio cultural no ambiente escolar, me
despertou a investigar que contribuição daria o currículo escolar com o auxílio das novas
tecnologias de comunicação e informação no resgate do acervo cultural dos norte-rio-grandense.
Em termos de realização pessoal, esse projeto vai me ajudar muito a resolver um erro que
cometi lá na Escola de Base: Santos Dumont, de não saber como articular os saberes pedagógicos
com os interesses dos alunos. Coincidentemente, o Hangar vai ressurgir, quando comentarmos
sobre a importância dos americanos em nosso Estado na II Guerra Mundial.
Embora já em outro contexto e em outros tempos, não impossibilita de rever minha
prática, reformulando meus conceitos, amenizando minha inquietação e ajudando na
transformação de um mundo melhor.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL, Ministério da Educação, Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros
Curriculares Nacionais: Ensino Médio, 1999.
FERGUSON, Marily. A Conspiração Aquariana; Trad. Carlos Evaristo Costa. 11ª ed. RJ:
Record: Nova Era, 1997.
GENTILE, Paola e BENCINI, Roberta. Entrevista com Perrenoud. Revista Nova
Escola.Disponível em: <
http://www.unige.ch/fapse/SSE/teachers/perrenoud/phd_main/php_2000/2000_31.htm
MOREIRA, Antônio Flávio. Multiculturalismo, currículo e formação de professores In. ANAIS
II: Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino. Volume 1/1. Conferência, Mesa-
Redondas e Simpósio. Águas de Lindóia – SP, 1998.
MEYER, Dagmar E. Alguns são mais iguais que os outros: Etnia, raça e nação em ação no
currículo escolar. In: A Escola Cidadã no Contexto da Globalização. 2ª ed. Ed. Vozes, 1998.
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