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DANIELA SOARES DOS SANTOS
ESTUDO DE UM PROJETO DE NAÇÃO PARA O BRASIL
DE FINS DO SÉCULO XIX A PARTIR DA LEITURA DOS
ROMANCES PUBLICAC
O
S
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2
Universidade Federal de Minas Gerais
FAFICH
Programa de Pós-graduão em História
Linha de Pesquisa: Ciência e Cultura na História
Orientadora: Regina Horta Duarte
ESTUDO DE UM PROJETO DE NAÇÃO PARA O BRASIL DE FINS DO
SÉCULO XIX A PARTIR DA LEITURA DOS ROMANCES PUBLICADOS POR
ALUÍSIO AZEVEDO ENTRE 1881 E 1895.
Este exemplar corresponde à versão final da
dissertação apresentada pela aluna Daniela Soares
dos Santos (matrícula 2005209303) ao Departamento
de s-graduação em História da Universidade
Federal de Minas Gerais, como parte das exigências
para obtenção do título de Mestre em História.
Banca Examinadora:
Dra. Regina Horta Duarte – Depto. de História da UFMG – (orientadora)
Dra. Anny Torres – Depto. de História da UFMG – (membro)
Dr. Luiz Gonzaga Morando Queiroz Depto. de Letras da Uni-Bh – (membro)
Belo Horizonte - Minas Gerais
Março de 2007
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RESUMO:
Com este trabalho objetiva-se discutir o uso da literatura como uma prática política
na sociedade carioca de fins do século XIX. Para tanto, trabalha-se com os romances
produzidos por Aluísio Azevedo entre os anos de 1881 e 1895: O Mulato (1881), O Cortiço
(1890), Casa de Pensão (1884), O Homem (1887), O Coruja (1890), e Livro de Uma Sogra
(1895), procurando identificar nestas obras as concepções do autor sobre as questões
ligadas à higiene, habitação popular e medicina. Considerando-se o envolvimento dos
intelectuais do período com os ideais higienistas e modernistas, buscou-se identificar e
discutir o que Aluísio Azevedo propôs como projeto social e literário para o país naquele
momento.
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ÍNDICE:
Agradecimentos------------------------------------------------------------------------------------------05
Introdução-------------------------------------------------------------------------------------------------06
Capitulo 1: Literatura: Testemunho Histórico e Socialmente Construído --------------------12
1.1- Proposta de Trabalho e Metodologia-----------------------------------------------------------12
1.2-A Cidade na Literatura: O Rio de Janeiro e a Situação Habitacional do Pobre Urbano
em Fins do Século XIX---------------------------------------------------------------------------------25
Capítulo 2: Aluísio Azevedo, o romance social e seu projeto para o Brasil------------------43
2.1- Aluísio Azevedo: Sujeito e Personagem de suas Hisrias---------------------------------43
2.2- O Romance Naturalista, Suas Especificidades e a Proposta de Azevedo----------------54
Capítulo 3: Rio de Janeiro: Uma Cidade no Espelho ---------------------------------------------70
3.1- O Cenário: a Cidade do Rio de Janeiro em Fins do culo XIX nas Obras de Azevedo
--------------------------------------------------------------------------------------------------------------70
3.2- Higiene Física e Moral: os Entraves ao Estabelecimento da “Civilização------------84
Considerações finais ------------------------------------------------------------------------------------97
Anexos---------------------------------------------------------------------------------------------------102
Fontes e Bibliografia----------------------------------------------------------------------------------105
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AGRADECIMENTOS:
Agradeço primeiramente a Deus por ter me dado forças para superar todos os obstáculos
que enfrentei do início à conclusão deste trabalho, e por ter colocado em meu caminho
pessoas que me ajudaram a superá-los:
Meus pais, aos quais devo e dedico todas as minhas conquistas.
Minhas irmãs, que sempre me incentivaram.
Rosa e Roberto, pelo apoio e carinho.
Valéria, Fábio, Rafaela e Fabiana, minha família em B.H.
Regina, que aceitou me acolher no meio do caminho” e após muitos transtornos,
encontrando uma orientanda desmotivada e literalmente “desorientada”!
Igor, com seus telefonemas e e-mails que me fizeram rir mesmo nos momentos mais
desesperadores.
Paula, que despertou em mim o prazer pelo estudo da literatura e me causou um
“problemão”.
João Paulo que nunca tem paciência comigo... Mas amor a gente não explica nem entende,
só ama.
E por fim, Fefê, meu pequeno ajudante e companheiro incondicional.
A todos agradeço o apoio, a atenção e me desculpo pelas repetidas ausências e impaciência
constante...
Amo vocês.
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6
Introdução:
Em todo o Brasil e de modo particular na cidade do Rio de Janeiro centro
econômico, político e cultural – discutia-se, em fins do século XIX, a queso da identidade
nacional: políticos e intelectuais aventavam um projeto de nação para o país que ia de
encontro à realidade das condições higiênicas e habitacionais da maior parte da população
aí domiciliada no referido período.
Este trabalho constitui-se em uma nova e mais abrangente perspectiva de análise de
um tema que vem sendo desenvolvido desde a graduação, e cujo objetivo é discutir o uso
da literatura como uma prática política na busca pela construção da identidade nacional, no
Rio de Janeiro em fins do século XIX.
A partir das idéias de higiene, habitação popular e medicina, bem como sua inter-
relação, pretende-se discutir o projeto literário e social proposto por Azevedo e expresso em
sua obra. Para tanto, trabalharemos com os romances ditos naturalistas produzidos pelo
autor entre os anos de 1881 e 1895: O Mulato (1881)
1
, Casa de Pensão (1884)
2
, O Homem
(1887)
3
, O Coruja (1890)
4
, O Cortiço (1890)
5
, e Livro de Uma Sogra (1895)
6
.
A escolha dos romances rotulados como naturalistas é também parte da estratégia
deste trabalho: embora a opção pelas obras tenha sido realizada tendo em vista uma
classificação feita por parte da crítica literária, não acreditamos que a obra de Azevedo
possa ser rigidamente enquadrada em romântica ou naturalista. Participamos de uma
perspectiva proposta por Luiz Gonzaga Morando Queiroz
7
, segundo a qual Aluísio
Azevedo tinha clareza da dinâmica instituída à sua obra e estabelecia uma intercalação de
estéticas como resposta à sua época.
A opção por esta perspectiva de análise deve-se justamente à discordância quanto à
rotulação naturalista conferida às obras. Dada a consciência que, acreditamos, Azevedo
tinha ao produzir cada obra, com relação a seu público, ao contexto de recepção e
1
Vide resumo em anexo, página 102.
2
Vide resumo em anexo, página 102.
3
Vide resumo em anexo, página 103.
4
Vide resumo em anexo, página 103.
5
Vide resumo em anexo, página 104.
6
Vide resumo em anexo, página 104.
7
QUEIROZ, Luiz Gonzaga Morando:1997.
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7
sobretudo à sua própria subsistência, rotulações dentro de padrões preestabelecidos não se
aplicam à sua produção bibliográfica.
O autor discutia abertamente, em crônicas e cartas ao amigos, sua opção pelo
hibridismo no intuito de acostumar o leitor” e adaptar o método naturalista à realidade
social e intelectual brasileira.
Com um recorte traçado a partir das datas de publicação dos referidos romances,
pretende-se analisar a construção da identidade nacional em um momento crucial na
história do Brasil: os anos em torno da Proclamação da República. Nessa situação de
efervescência de idéias e pretensa ruptura, abriu-se a necessidade de elaborar um novo
arranjo político, o qual passava também pela constituição de referências que conferissem
coesão ao país, construído através de uma ampla discussão sobre a identidade nacional
8
.
Tendo em vista a ampla divulgação das iias higienistas através das penas” da
intelectualidade do peodo que, vivendo a indeterminação do presente, sentia necessidade
de intervir para transformar a realidade
9
, os textos literários serão aqui encarados enquanto
“testemunhos históricos”. A literatura, neste trabalho, será tratada como “arma intelectual”
8
De acordo com Lúcia Lippi Oliveira (1990, pp. 13-21, 30-39), pátria e nação são conceitos que compõem o
universo simbólico do mundo ocidental desde o século XVIII e têm assumido conteúdos diferentes para
diferentes povos e épocas. Cada grupo os utiliza visando um tipo de identidade coletiva e um sentimento de
pertencimento e auto-identificação. Para a autora, o nacionalismo é um substituto moderno para o teológico-
metafísico na busca pelas origens. Haveria basicamente três tipos de nacionalismo: o que privilegia os
aspectos políticos relacionados à formação dos Estados modernos, o que se baseia em traços culturais picos
de cada grupo social e o que abrange aspectos políticos e culturais associando o êxito do Estado à obediência
às tendências
.
Por acreditar que estas possíveis “correntes” de pensamento evidenciam-se e mascaram-se em
diferentes momentos da história do país, sobretudo nos de crise, não nos preocuparemos em tentar
enquadrar” o projeto de Aluísio Azevedo dentro destas classificações, embora de um modo geral suas idéias
estejam em consonância com o grupo dito “geração de 1870”. A “geração de 1870 constituiu-se em críticos
do Brasil de sua época: condenavam a sociedade “fossilizada” do Império e pregavam a redenção através da
abolição da escravatura e proclamação da República. Queriam “iluminar” o país através da ciência e da
cultura – únicos meios de sanar os problemas nacionais, causados pela ignorância. Guiados por uma “filosofia
do progresso”, julgavam que o país devia repetir, aceleradamente, a experiência do ocidente, a fim de alcançar
a parcela mais avançada da humanidade. Consideremos ainda o que a autora classifica como os dois tipos
de doutrina sobre nação, sendo o primeiro baseado em Herder, que privilegia a cultura, negando o progresso e
buscando as raízes para reconstruir o passado, e o segundo, baseado em Rousseau, que privilegia o elemento
político, valorizando a ação do legislador do Estado como principal fator de constituição da nação. Mais uma
vez, não pretendemos classificações rígidas como estas, sobretudo porque as aspas ao termo dizem respeito,
exatamente, à presença de opiniões conflitantes dentro do grupo “geração de 1870”, mas estas definições
ajudarão a balizar o trabalho de pensar estes intelectuais enquanto “sujeitos e personagens de suas histórias”.
Importa-nos apreender o projeto de nação expresso na obra de Aluísio Azevedo e para tanto trabalharemos
com a concepção de nação proposta por Berger e Luckamn, para os quais nação não é um conceito científico,
mas que pretende legitimar uma dada construção social da realidade de forma a garantir a integração coletiva
.
9
CHALHOUB, Sidney. e PEREIRA, Leonardo Affonso de Miranda. (org): 1998, p.9.
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8
de uma categoria social que, em sua época, se dispôs a identificar e apontar caminhos para
a superação das mazelas sociais.
As datas de publicação das obras selecionadas permitem traçar um recorte espacial e
temporal que revela um período de intensas transformações políticas e sociais que
aguçavam a reflexão dos intelectuais, propiciando o surgimento de núcleos de discuso
como o que ficou conhecido como a “geração de 1870”.
O movimento de idéias, em curso na Europa, como o positivismo comtista,
transformismo darwinista, evolucionismo spenciano e intelectualismo de Taine e Renan,
chegou ao Brasil cerca de 20 anos depois. Alguns fatores como a Guerra do Paraguai e a
Proclamação da República Francesa em 1870 influenciaram a penetração destas iias no
país
10
.
A literatura deste período fornece um quadro revelador do imagirio em gestação
entre os poticos, governantes e intelectuais nas últimas cadas do século XIX.
crença na existência de um “caminho para a civilização”, um modelo europeu de
“aperfeiçoamento moral e material” e que caberia aos governantes auxiliar o povo sob seu
donio nesta “caminhada”.
Além disso, um dos requisitos para que a nação atingisse a prosperidade dos países
mais evoluídos”, seria a solução dos problemas de higiene pública, uma vez que
acreditavam que a moralidade estava relacionada também à limpeza física.
A partir desta idéia tentou-se legitimar a extinção dos cortiços como focos geradores
de doenças, lugares sujos e superpovoados. Esta concepção ganhou ainda mais força a
partir da década de 1870, em que a febre amarela, com os transtornos que causava aos
imigrantes, passou a ser percebida como empecilho às tentativas dos cafeicultores de
amenizar a substituição do trabalho escravo pela mão-de-obra livre européia. A má fama de
cidade pestilenta estaria desencorajando os imigrantes em potencial.
Como maior cidade do país, capital econômica, política e cultural, era natural que o
Rio de Janeiro sentisse em maior intensidade as fermentações” dos últimos anos do
Império, que culminariam na abolição da escravatura e Proclamação da República. A
10
Ver: OLIVEIRA, Lúcia Lippi: 1990, p. 10.
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9
cidade, segundo José Murilo de Carvalho
11
, passou por alterações quantitativas no que dizia
respeito à demografia, composição étnica e estrutura ocupacional, sobretudo devido às
imigrações, mas também devido às emigrações.
As condições habitacionais agravaram-se neste período: degradaram-se tanto em
termos quantitativos quanto qualitativos: “O Rio possuía, em 1888, 1331 estalagens e
18666 quartos de aluguel, em que moravam 46680 pessoas incluindo todo o vasto
contingente do mundo da desordem”
12
. A abolição da escravatura ainda contribuiria para o
aumento de habitações coletivas e do número de habitantes por quarto.
Por estes e outros motivos, o Rio de Janeiro em fins do século XIX (1881-1895) era
considerado “... uma das cidades mais lindas do mundo, mas tamm uma das mais fatais à
saúde e mesmo à existência”.
13
Principal porto de entrada de capital do país, a cidade,
atendendo às solicitações de uma economia voltada para a exportação e aos ideais de
progresso da elite - para a qual este, muitas vezes, significava prédios pomposos e largas
avenidas em detrimento do adequado fornecimento de água, rede de esgoto e iluminão
pública para todos os bairros - passou, no referido período, por um processo que Sonia
Marques bem definiu como: Assainir et embellir - et sourtout déconstruire.
14
Tendo em vista o título empregado por Nicolau Sevcenko
15
ao descrever o campo
das idéias dos intelectuais do período - Literatura como Missão - é significativa a análise
das obras selecionadas, uma vez que Aluísio Azevedo retoma em várias de suas obras os
temas ligados à higiene, habitação popular e constituição do saber médico para discutir,
questionar e ironizar usos e costumes da sociedade de seus tempo, sendo também expressão
deste aspecto os pprios títulos de algumas obras como O Cortiço e Casa de Pensão - e
a forma como descreve seus personagens: seres impulsivos, movidos pelo instinto, em
oposição à racionalidade e cientificidade buscadas no peodo.
Embora diversos críticos da primeira metade do século XX considerem a produção
ficcional de Aluísio Azevedo irregular do ponto de vista estético-artístico, e posteriormente
esta posição quase não é revista, é visível que faltam trabalhos que recoloquem Azevedo
11
CARVALHO, José Murilo de:1987, pp. 16-22.
12
CARVALHO, José Murilo de: 1987, p. 36.
13
VICENT, Frank (1890). Apud. HAHNER, June E.:1993, p.169.
14
MARQUES, Sonia.:1995, p.31.
15
SEVCENKO, Nicolau: 1985.
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10
em um lugar mais adequado com sua colaboração ficcional no movimento literário
brasileiro do final do século XIX.
Este trabalho pretende também amenizar a ausência de pesquisas relacionadas à obra
de Azevedo, que efetivamente se proponham a esta revisão, abrindo o leque de discussões
nesta área. Os trabalhos existentes sobre a obra do autor são, em sua maioria, relacionados à
relevância do naturalismo, limitando-se a uma abordagem técnica dos aspectos literários
16
.
Pode-se traçar um segundo grupo de trabalhos que limitam-se a estabelecer paralelos
entre o trabalho de Azevedo e outros autores, sendo que neste grupo de trabalhos a obra de
Azevedo aparece de forma subsidiária, apenas para ilustrar ou contrapor iias
17
. Há, por
fim, um último grupo de trabalhos biográficos, que restringem-se a analisar as inflncias
da trajetória do autor na constituição de alguns personagens e de seus universos
psicológicos
18
.
Neste intuito, no primeiro capítulo buscou-se apresentar a metodologia de trabalho
discutindo sua validade em relação às fontes propostas. Em um segundo momento,
procurou-se fazer uma breve discussão sobre a forma como a cidade do Rio de Janeiro, do
referido período, é apresentada na bibliografia sobre o tema.
No segundo capítulo apresentou-se a trajetória pessoal e profissional de Aluísio
Azevedo, bem como suas opções dentro do cenário literário e político brasileiro de fins do
século XIX. Neste capítulo discute-se os projetos do autor para o país e como este trabalho
pretende analisá-los tendo em vista o autor como personagem e sujeito de suas histórias e
de seu tempo, e levando-se tamm em conta as especificidades do romance naturalista.
No terceiro capítulo discutiu-se a cidade do Rio de Janeiro como cenário das obras
de Azevedo, ou seja, a forma como a capital aparece na obra do autor, metaforizando o país
idealizado e tornando perceptíveis suas aspirações políticas e sociais de civilização e
modificação dos usos e costumes da sociedade carioca.
Tendo em vista os objetivos e a metodologia adotada neste trabalho, pretendeu-se
pensar - através do cruzamento dos romances com a bibliografia sobre a urbanização do
16
Ver: SODRÉ, Nelson Werneck: 1992. FARACO,Carlos Emílio. e MOURA, Carlos Marto: 1998.
17
Ver: ORTIZ, Renato: 1986. DALCASTAGNÈ, Regina: 1989. VENTURA, Roberto: 1991.
18
MÉRIAN, Jean-Yves: 1988. Embora esta obra não se restrinja a isto, está muito presa a este tipo de análise
do universo psicológico.
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11
final do Império, a institucionalização da medicina e a conformação do naturalismo - quem
é este homem higiênico” proposto por Azevedo em fins do século XIX e quais os aspectos
cotidianos que deveriam ser destruídos ou ajustados para sua viabilização dentro dos
projetos do autor de civilizão e moralização da sociedade brasileira através da literatura.
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12
Capítulo 1: Literatura: testemunho histórico e socialmente construído.
1.1- Proposta de trabalho e metodologia
Neste trabalho a literatura será utilizada como “testemunho histórico e socialmente
construído”
19
, mergulhando no projeto social e literário presente na obra de Aluísio
Azevedo. Será realizada, para tanto, uma análise das noções de higiene, habitação popular e
ciência – sobretudo no tocante à constituição da hegemonia da medicina científica no país –
contidas nestas obras e das implicações que lhes são inerentes dentro do processo de
“gestação” da identidade nacional em curso no período.
Conhecedor e admirador do pensamento de Émile Zola, Azevedo trabalhava sob a
égide da relação ciência/literatura, e como pode-se perceber na literatura naturalista
produzida no peodo que tomou para si a missão de respaldar e preparar o ambiente
literário para as teorias científicas nascentes – também em sua obra encontramos a presença
do tríptico ciência, educação e moralidade
20
.
Acreditamos que Aluísio Azevedo tinha clara para si uma “missão civilizadora” que
incluía uma reeducação do povo em seus modos e costumes. Seu projeto literário, esboçado
e publicado em uma crônica de 1885, é também claramente social. O autor faz parte de um
grupo maior de intelectuais, políticos e ativistas que critica e propõe acerca da realidade
vigente, mas se diferencia deste grupo ao ironizar excessos e ridicularizar práticas abusivas
dentro do mesmo projeto modernizante proposto por ele.
Escritor/personagem polêmico, e tido muitas vezes como ambíguo, Aluísio
Azevedo aproveitou-se da organização escolar e da concepção verticalizada de construção
social para divulgar suas idéias atras de seus livros, fazendo da literatura uma prática
política em seu tempo.
No entanto, não deixou de criticar essa mesma organização social e política através
da caricaturização de personagens políticos e do povo, explicitação da falta de infra-
estrutura presente nas habitações populares, das práticas populares de cura e da suposta
19
CHALHOUB, Sidney. PEREIRA, Leonardo Afonso de Miranda. (org): 1998, pp.7 e 8.
20
QUEIROZ, Luiz Gonzaga Morando: 1997, p. 42.
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13
imoralidade presente neste meio. Além disso, embora adote o modelo naturalista, assume
uma postura de hibridez em seus romances, afim de “acostumar” seu público.
Voltando ao tríptico naturalista - ciência, educação e moralidade- acreditamos que
Azevedo utilizou-se da ironia para criticar a sociedade que consumia produtos importados e
não viabilizava a produção nacional, apropriava-se de modelos que não se adequavam à
realidade que a maioria não queria ver. A intenção do autor era escancarar essa realidade
vigente que vetava a entrada do país entre as nões “civilizadas” européias.
Propomos uma análise que privilegie as referências às moradias populares e à
institucionalização da medicina, acreditando que estas questões são perpassadas pelas de
higiene e moral/educação, dentro de um projeto literário-político-social expresso e
implícito na obras selecionadas. Embora dotados de marcas pessoais – que serão também
consideradas , estes textos constituem-se em um testemunho histórico e prática política
em seu tempo.
Esta faceta da literatura foi abordada por rios estudiosos. Nicolau Sevcenko, ao
utilizar as obras de Euclides da Cunha e Lima Barreto a fim de traçar um quadro” dos
anseios e frustrações da intelligentzia brasileira residente no Rio de Janeiro, caracteriza a
literatura como espo de dúvida, perplexidade e denúncia por parte dos “inconformados e
socialmente mal ajustados”
21
. Segundo o autor, ao se trabalhar com a literatura como fonte
para a história social:
“A exigência metodológica que se faz, contudo, para que não se regrida a
posições reducionistas anteriores, é de que se preserve toda a riqueza estética
e comunicativa do texto literário, cuidando igualmente para que a produção
discursiva não perca o conjunto de significados condensados na sua
dimensão social. Afinal, todo escritor possui uma espécie de liberdade
condicional de criação, uma vez que seus temas, motivos, valores, normas ou
revoltas são fornecidos ou sugeridos pela sua sociedade e seu tempo - e é
destes que eles falam”.
22
Pioneiro nesta perspectiva de estudos, o autor, no entanto não se preocupa em pensar
os literatos em sua época, verificando suas redes de interlocução com a sociedade. Embora
faça esta proposta, como podemos perceber no trecho acima, não a podemos notar
efetivamente ao longo de seu texto. Ao propor uma “releitura e reinterpretação das obras”
21
SEVCENKO, Nicolau: 1985, p.20.
22
SEVCENKO, Nicolau: 1985, p.20.
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14
Sevcenko limita-se a entender a formulação de projetos, pela intelectualidade, para a
sociedade, como se dela não fizessem parte. O autor parece pensar os literatos como seres
superiores e externos à sociedade, forma, aliás, como eles próprios se viam
23
.
Pode-se também notar este fato na observação a seguir, em que Sevcenko descreve
as frustrações de Euclides da Cunha e Lima Barreto frente aos primeiros anos da República:
“[...] A rigor, a República veio sepultar os planos e perspectivas de ambos,
sufocando-os sob uma maré de descrédito, desconsideração, abandono e
indiferença. Sua literatura foi sua reação, sua resposta. Através dela eles
refizeram e reformaram o país, derruindo a <falsa República> sob a pontaria
implacável das suas críticas
24
.
É certo que a consolidação da República não ocorreu segundo as perspectivas e
aspirações de grande parte daqueles que por ela haviam lutado, vindo desta maneira a
sepultar planos e instaurar grande descrédito. Certo é também que a reação veio através de
violentos artigos e caricaturas através da mesma imprensa que até então defendia, com os
mesmos mecanismos, a proclamação da República. Mas não passou disso.
Desiludidos de seus ofícios e dos salários de miséria, muitos escritores (entre eles,
Aluísio Azevedo) entraram para o serviço diplomático, dentro da mesma estrutura que
criticavam. Ninguém derruiu a <falsa República>, refez ou reformou o país. Muito se
escreveu no intuito de chamar atenção para os problemas do país ou na tentativa de
“civilizar” e “moralizar”, mas efetivamente, a República falsa ou verdadeira não foi
<posta abaixo> como sugere o autor ao atribuir super poderes aos literatos.
A obra de Roberto Schwarz
25
representa um certo avanço neste sentido. Ao
problematizar obras de Machado de Assis a fim de realizar um estudo das “idéias fora do
lugar a partir de uma perspectiva da especificidade do mecanismo social brasileiro em
relação ao europeu, considera que diferentemente do que se pensa, a matéria do artista não
é informe, mas historicamente formada, registrando por isso, de algum modo, o processo
social a que deve sua existência.
O autor considera ainda que, ciente ou não deste processo, o escritor registra a
gravitação cotidiana das idéias e perspectivas práticas frente à falência de significância das
23
Ver: PEREIRA, Leonardo Affonso de Miranda: 1994, pp. 1-27.
24
SEVCENKO, Nicolau: 1985, p. 214.
25
SCHWARZ, Roberto:1992, p. 25.
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15
formas fixas, o que, neste estudo, em específico, tem a ver com a busca de um ideal de
nação associado ao progresso - que por sua vez era associado aos padrões europeus - frente
a uma realidade vigente repleta de “signos do atraso”, e os meios empregados para
extingüi-los, expressos, por exemplo, no combate às habitações populares sob o argumento
de higienização.
Pensar os intelectuais como agentes de sua época e sociedade e não como
“totalidade a-histórica” - é o que faz Leonardo Affonso de Miranda Pereira em O Carnaval
das Letras. Em seu estudo sobre a representação do carnaval para os literatos, o autor
propõe a utilização dos textos literários como intervenções políticas e culturais constitutivas
de realidades específicas: “...a literatura era vista como campo privilegiado de construção
do passado, do presente e, principalmente, do futuro”
26
.
Além disso, Pereira utiliza-se da metáfora da família para traçar pontos de consenso e
conflito entre os literatos, uma vez que para o autor a identidade também é construída na
diferença: a partir da auto-atribuição de uma “missão pedagógica”, os intelectuais tinham
em comum a convicção de que caberia a eles definir um projeto para a sociedade. Brigas e
discussões eram acarretadas, em parte, pelas diversas definições sobre o caráter que esse
projeto deveria assumir.
Pereira afirma, inclusive, que as discordâncias e conflitos, sejam por questões
literárias, estéticas, desavenças pessoais ou políticas, eram mais visíveis e características
que as experiências em comum. Devido a isto, eram comuns verdadeiras “digladiações” na
arena pública dos jornais e revistas da época. Mas de diferentes maneiras e sob diferentes
pontos de vista, os cronistas e ficcionistas sentiam-se unidos pela responsabilidade sobre
os rumos da nação
27
.
Em A História Contada, Sidney Chalhoub e Leonardo Affonso de Miranda Pereira se
propõem a refletir sobre a literatura na perspectiva da história social, desnudando o rei e
tratando-a como testemunho histórico dos conflitos de sua contemporaneidade
28
. Para tanto,
os autores consideram serem necessários certos cuidados: em primeiro lugar, “buscar a
gica social do texto”
29
, ou seja, desvendar o que os autores testemunham sem ter tido a
26
PEREIRA, Leonardo Affonso de Miranda: 1994, p. 8.
27
PEREIRA, Leonardo Affonso de Miranda: 1994, p. 32.
28
CHALHOUB, Sidney. e PEREIRA, Leonardo Afonso de Miranda: 1998, pp. 7-8.
29
CHALHOUB, Sidney. e PEREIRA, Leonardo Afonso de Miranda: 1998, pp. 7-8.
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16
intenção de fazê-lo, e em segundo lugar, ponderar as características específicas desta fonte
(tipo de literatura, características, concepções do autor/escola de pensamento).Dessa forma,
acreditam ser possível identificar “literatura e literatos como sujeitos e personagens das
histórias que contam”
30
.
As perspectivas deste trabalho abarcam as dos anteriormente citados. Nesta obra
chama-se atenção para a superação do uso da literatura como arte em si e propõe-se sua
criação dentro de um processo condicionado pelo meio social - estando ou não o escritor
ciente deste “limite”, como afirmou Roberto Schwarz
31
. Ao mesmo tempo, leva-se em
consideração as especificidades deste tipo de documento e encara-se os literatos não apenas
como sujeitos, mas também como personagens de suas histórias, abarcando as perspectivas
propostas no trabalho de Sevcenko
32
.
Considerando serem os “textos literários” uma expressão do meio social e prática em
seu tempo, pretende-se, neste projeto, utilizar a metodologia empregada pelos autores
supracitados ao trabalharem com história e literatura: considerar a última enquanto
produção cultural social e geograficamente condicionada, constituindo-se, dessa forma, em
expoente dos valores, temas, motivos e revoltas de sua sociedade.
Nesse sentido é ainda mais singular o trabalho com romances. Os romances
empregar-se de temas cotidianos e da “gravitação das idéias
33
ou seja, das perspectivas
frente aos fatos dados. O Romance Naturalista é uma variação do Realista - que se
caracteriza por uma representação que se quer objetiva, “quase fotográfica”,
34
da realidade -
e apresenta uma visão de mundo mais mecanicista, determinista até, uma vez que somente
admite princípios comprovados por leis e todos cientificamente válidos.
O escritor naturalista, afinado com o estatuto de verdade científica adquirido pela
ciência no período, procura assumir a postura do cientista, sendo objetivo e registrando a
realidade sem idealizações
35
.
Diferenciando-se da herança romântica, para a qual o indivíduo é a medida de todas
as coisas, os escritores naturalistas acreditam que o homem nada mais é que uma
30
CHALHOUB, Sidney. e PEREIRA, Leonardo Afonso de Miranda: 1998, pp. 7-8.
31
SCHWARZ, Roberto: 1992, p. 24.
32
SEVCENKO, Nicolau: 1985, p. 214.
33
FARACO, Carlos Emílio. e MOURA, Francisco Marto: 1998 , p. 161.
34
FARACO, Carlos Emílio. e MOURA, Francisco Marto: 1998 , p. 161.
35
Ver: VENTURA, Roberto: 1991, pp. 1-71.
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17
engrenagem no universo social
36
. Não bastava mais, como para os românticos, definir-nos
enquanto nação, era preciso perguntar-se sobre que nação seria essa. Estes “novos literatos
identificam-se, apesar das divergências internas ao grupo, como parceiros em uma odisséia
que tinha por finalidade construir um novo modelo de sociedade e abalar os moldes da
antiga, que não os servia mais
37
.
Para Azevedo, por exemplo, este projeto de consolidação de uma identidade
nacional passava pela constituição Tm (c)Tj1 0 021 0 0 1 1867 T235.92 605.975(t)Tj1 0 0 1 31
d
a
a
18
“(...)A ação principia no tempo da Independência e acabará segundo o autor,
pelos meados do ano que vem, ou talvez do imediato; isto é, começa em
1820 e acaba em 1887. Aluísio conta que estes dois anos ainda não vividos
lhe fornecerão uma cena política de que ele precisa para fecho do seu
trabalho. Tenciona pintar cinco épocas distintas, durante as quais o Brasil vai
se transformando até chegar ou a um completo desmoronamento político e
social ou a uma completa regeneração de costumes impostos pela
revolução”
39
.
O ambicioso projeto não chegou a concretizar-se, embora o autor tenha trabalhado
coletando informações e documentos para sua efetivação. Mas em algumas obras podemos
perceber personagens e situações que comporiam a trama, que teria por fundo uma
descrição, em perspectiva mais sistemática, dos motivos da degradação da sociedade
imperial.
O projeto de Azevedo seria testemunho de uma certa idéia de Brasil. A história de
duas famílias urbanas, uma representante do proletariado e outra da burguesia, seria
dividida em romances independentes mas ligados pelo laço do sangue, cimentador do
conjunto como um todo. A intenção era r em cena os determinismos hereditários,
raciais, genéticos e fisiológicos que deveriam agir resultando numa nova sociedade, síntese
do velho e do novo mundo.
Os personagens não seriam levados em conta individualmente, mas como um
conjunto, o que também se deixa entrever pelos próprios títulos de algumas obras e nas
dimensões humanas tomadas por estruturas físicas. Em obras nas quais é possível
vislumbrar parte deste projeto, como em O Cortiço, Casa de Pensão e O Homem,
estruturas físicas tomam vida, como acontece com a cidade, a venda, o cortiço, o sobrado, a
pedreira ou a casa de pensão.
O título apontado pelo autor para a coletânea também merece especial atenção.
“Brasileiros antigos e modernos” é uma clara alusão ao projeto do autor para o país. A
crítica à sociedade imperial e o apontamento dos motivos de sua ruína são parte do
processo de “convencimento” da sociedade em suposta <degenerescência>. Se tomarmos o
sentido estrito do termo
40
teremos a real idéia das concepções “científicas” de sociedade
39
AZEVEDO, Aluisio: 1885.
40
degenerescência: alteração dos caracteres dum corpo organizado. FERREIRA, Aurélio B. de Holanda:
1989, p. 153.
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àquela época: um corpo organizado, onde cada membro desempenha uma função para o
bom funcionamento geral.
O uso dos termos “antigos” e “modernos” também é revelador do imaginário
nacional em gestação: a associação da cidade antiga com o atraso e a ruína do império e da
escravidão a serem substituídos pela modernidade da República reformada sica e
moralmente, ou seja, civilizada. Este pensamento nortearia as empreitadas de
desmantelamento do velho” em todas as suas expressões – e principalmente no que tangia
à higiene e habitação popular e estabelecimento do “novo”. Novo” este que apontava
para os usos, costumes e imagens da Europa.
Preocupados, sobretudo, com sua própria época - captando conflitos, problemas
concretos e priorizando dramas cotidianos -, os escritores naturalistas retratam
predominantemente os espaços urbanos, e a literatura é por eles considerada instrumento de
denúncia e combate - a chamada “arte engajada”, em oposição à “arte pela arte”.
41
Estas últimas características justificam, uma vez mais, a escolha do tema e
metodologia deste trabalho, com o qual pretende-se uma análise da literatura enquanto
prática social e cultural de um meio marcado pela busca de um ideal de nação nos moldes
de pensamento europeus, como podemos perceber neste trecho de Casa de Pensão:
“O Lam04 459.33 Tm (s)T2 599.93 Tm (a)Tj1 0 0 1 219.12 580.05 Tm (r)Tj39.79 Tm (a)Tj1 00 0 1 206.4 640.33 Tm (a)Tj1 0 0 1 261.36 398.77 Tm (a)Tj1 00 0 1 267.6 391.61 Tm (L)Tj1 0 0 1 170.88 338.99 Tm (L)Tj1 0 0 1 195.12 390.37 m (L)Tj1 0M0 1 229.68 398.77 Tm (a)Tj1 0 0 1 175.92 320.37 TTm (04 459.33 Tm (s)T2 579.25 TTm (04 459. 0 1 249.12 625.61 Tmm (04 459.B0 1 254.64 418.77 Tm (a)Tj1 0 0 1 285.84 396F2 11.684 Tf1 0 0 1 241.92 416.25 T.684 Tf1 0 0 1 227.52 6277 Tm m (L)Tj1 0 0 1 170.88 338093 Tm (a)Tj1 0 0 1 170.88 33842 11.684 Tf1 0 0 1 291.12 479.77 Tm (a)Tj1 0 0 1 296.16 640.5 Tm (a)Tj1 0 0 1 390.96 390.99 Tm (L)Tj1 01 0 0 1 312 680.61 Tm (L)Tj1 0 0 1 478.32 440.5 Tm (L)Tj1 0 0 1 318.48 4596. Tm (a)Tj1 0 0 1 296.16 643.41 T.684 Tf1 0 0 1 241.92 433577 Tm (a)Tj1 0 0 1 285.84 319.56 Tm (a)Tj1 0 0 1 261.36 399.45 Tm (a)Tj1 01 0 0 1 282 418.71 Tmm (04 459. 0 1 347.28 499771 Tmm (04 459. 0 1 353.52 499.47 Tm (a)Tj1 0 0 1 175.92 337.61 Tm (L)Tj1 0 0 1 170.88 319.51 Tmm (04 459. 0 1 353.52 497847 Tm (a)Tj1 0 0 1 378.48 459.93 Tm (a)Tj1 0 0 1 175.92 3360.69 m (a)Tj1 0 0 1 477.36 689.57 Tmm (04 459. 0 1 353.52 499.41 Tm (L)Tj1 0 0 1 318.48 499.41 Tm (L)Tj1 0 0 1 408.48 479.61 Tm (04 459. 0 1 347.28 498.61 Tm (L)Tj1 0 0 1 195.12 380.05 m (a)Tj1 0 0 1 378.48 420.37 T.684 Tf1 0 0 1 291.12 419.57 T.684 Tf1 0 0 1 241.92 499.97 Tm (a)Tj1 00 0 1 267.6 319.5 T.684 Tf1 00 0 1 423.6 459.57 Tm (L)Tj1 0 0 1 318.48 496.57 Tmm (04 459. 0 1 464.88 620505 m (a)Tj1 0 0 1 461.52 620847 Tm (a)Tj1 0 0 1 471.36 519.54 Tm (a)Tj1 0 0 1 261.36 338.93 Tm (L)Tj1 0 0 1 408.48 479093 Tm (a)Tj1 0 0 1 170.88 318.7 11.684 Tf1 0 0 1 486.24 53995 T.684 Tf1 00 0 1 436.8 418.38.93 Tm (a)Tj1 0 0 1 466.32 398.61 Tm (:)Tj/F2 11.8.774 459.33 Tm (s)T2 599.97 .8.774 459.x3 Tm (s)T2 599.61 Tm8.774 459. 0 1 155.04 418.77 .8.774 459.33 Tm (s)T2 598.77 T.8.774 459. 0 1 169.92 539.61 T8.774 459. 0 1 169.92 539.61 T8.774 459. 0 1 131.28 410.69 TT8.774 459. 0 1 185.52 599.57 TT8.774 459. 0 1 187.44 539 Tm (.8.774 459.33 Tm (s)T2 599.41 Tm8.774 459. 0 1 170.88 338577 Tm8.774 459.1 0 0 1 282 459.33Tm8.774 459. 0 1 170.88 332.93 Tm8.774 459. 0 1 221.28 620661 T8.774 459. 0 1 169.92 523.41 T8.774 459. 0 1 131.28 498.77 Tm8.774 459.1 0 0 1 282 459.41 TT8.774 459. 0 1 131.28 494193 Tm8.774 459. 0 1 239.52 4597. Tm8.774 459. 0 1 170.88 330.05 Tm8.774 459. 0 1 210.24 499.45.61 Tm8.774 459. 0 1 235.2 479.26.61 T8.774 459. 0 1 273.12 559.77 TT8.774 459. 0 1 271.44 660.33Tm8.774 459. 0 1 273.12 558433Tm8.774 459. 0 1 169.92 529.77 Tm8.774 459. 0 1 271.92 478.93 m8.774 459. 051 380.88 640.50.61 Tm8.774 459. 0 1 302.16 660961 Tm8.774 459. 0 1 305.76 398.51 Tm8.774 459. 0 1 311.28 398.69 TT8.774 459. 0 1 316.32 580469 TT8.774 459. 0 1 329.04 398.636Tm8.774 459. 0 1 170.88 319.57 m8.774 459. 0 1 221.28 641 T7 TT8.774 459. 0 1 131.28 498.61 Tm8.774 459. 0 1 348.24 438 Tm8.774 459. 0 1 305.76 395977 Tm8.774 459. 0 1 359.76 620.37 Tm8.774 459. 0 1 366.24 660.57 m8.774 459. 0 1 225.12 459.80.05 Tm8.774 459. 0 1 155.04 405 T8TT8.774 459. 0 1 131.28 497941 Tm8.774 459. 0 1 378.48 519593 Tm8.774 459.1 0 0 1 390 438005 Tm8.774 459. 0 1 376.56 5897. Tm8.774 459. 0 1 152.16 348.93 Tm8.774 459. 0 1 271.92 448.93 Tm8.774 459. 0 1 305.76 340.53 Tm8.774 459. 0 1 359.76 638.97 TT8.774 459. 0 1 419.04 519961 Tm8.774 459. 0 1 434.64 459.77 .8.774 459.33 Tm (s)T2 599.97 Tm8.774 459. 0 1 348.24 477 Tm (m8.774 459. 0 1 170.88 349.97 .8.774 459. 0 1 456.72 418.77 Tm8.774 459. 0 1 311.28 3/F2 11.8.774 459.33 Tm (s)T2 599.33 Tm8.774 459. 0 1 155.04 447F2 11.8.774 459. 0 1 483.12 5390(m8.774 459. 0 1 170.88 349.97 Tm8.774 459. 0 1 348.24 479433Tm8.774 459. 0 1 170.88 380.05 TT8.774 459. 0 1 185.52 580.05 m8.774 459. 0 1 466.32 398.61 Tm (:)Tj/F2 11.3.4r)Tj1 0 0 1 460.8 499.97 T.3.4r)Tj1 0 1 175.92 356.57 Tm3.4r)Tj1 0 1 170.88 358.61 Tm3.4r)Tj1 0 1 181.68 628.61 Tm3.4r)Tj1 0 0 1 460.8 498.61 Tm3.4r)Tj1 0 1 135.12 397 Tm (m3.4r)Tj1 0 1 140.88 39882 11.3.4r)Tj1 0 1 190.56 438.61 Tm3.4r)Tj1 0 0 1 194.4 418.61 T3.4r)Tj1 33 Tm (s)T2 599.73 T3.4r)Tj1 0 1 198.72 431773 T3.4r)Tj1 0 0 1 224.4 620.61 Tm3.4r)Tj1 0 1 217.92 559F2 11.3.4r
20
práticas de seus contemporâneos, como podemos perceber em vários trechos das obras e na
própria oão do enredo de Casa de Pensão.
É importante ressaltar que antes de tornar-se livro, em 1884, Casa de Pensão foi
inicialmente publicado em folhetins no jornal carioca Folha Nova, durante o ano de 1883.
No prefácio desta edição o autor afirmava pretender com aquele trabalho estudar uma das
mais características e antiticas faces de sua sociedade: a vida em casas de pensão
43
,
revelando assim sua posição frente ao problema da moradia versus higiene e moral na
cidade do Rio de Janeiro.
Ligado a estes tema e perpassando rios romances está o “arrivismo social” , que
diretamente ligado à moral, era apontado pelo autor como uma das causas de incivilidade
da cidade do Rio de Janeiro e do Brasil como um todo. Em uma cnica de 1892 o autor
escreve sobre alguns dos motivos desta suposta “incivilidade”, atribuindo-a a uma inversão
na camada social em relação aos países europeus, o que devia-se, sobretudo, ao arrivismo
de portugueses residentes no país:
“Meu Deus! como o Rio de Janeiro ainda está longe de ser uma cidade
artística e principalmente um centro literário. [...]Pois bem: para se calcular
com justiça do nosso estado civilização e cultivo intelectual, basta lembrar-
nos de que aqui a escala social acha-se rigorosamente invertida. Aqui, a
primeira camada é feita pela classe comercial, e a última pelos homens de
espírito. [...]o! Definitivamente o Brasil poderá ser um país civilizado
enquanto a grande revolução, a verdadeira, a única, o o tomar pelas duas
extremidades e sacudi-lo violentamente, até deslocar tôdas as camada sociais
e obri-las a tomar o lugar que lhes compete. Antes disso, não passará esta
terra de um grande pôrto comercial, onde os estrangeiros aventurosos vêm
procurar fortuna rápida”
44
.
Dentro desta perspectiva, a escrita de obras como O Cortiço e Casa de Pensão, que
inicialmente poderia parecer um elogio ou solidariedade ao pobre urbano, constitui-se, na
verdade, em uma tentativa de evidenciar, para além das aparentes reformas, estas
constituições físicas da cidade e tudo o que elas supostamente cristalizavam imoralidade,
arrivismo, enfim, atraso e incivilidade no intuito de mostrar a seus concidadãos que, para
além das aspirações e modelos europeus, havia uma realidade palvel a ser primeiramente
resolvida.
43
AZEVEDO, Aluísio: 1884, p. 14.
44
AZEVEDO, Aluísio:1954, pp.65 e 69.
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21
O caminho apontado pelo autor era o uso da ciência e seus métodos em todos os
campos do cotidiano, inclusive na literatura. A assimilação das idéias higienistas pela
intelectualidade do período e a influência do saber técnico sobre a cidade podem ser
observadas em uma tese sobre as medidas a serem tomadas para impedir a propagação da
febre amarela no Rio de Janeiro, da autoria de Barata Ribeiro, respeitado médico higienista
do Império.
A primeira providência a ser tomada, segundo ele, era a demolição das “latrinas
sociais a que o povo apelidou cortiço: “ vemos um conselho a dar (...): a demolição de
todos eles, de modo que não fique nenhum para atestar aos vindouros e ao estrangeiro, onde
existiam as nossas sentinas sociais...”
45
Também Azevedo, anos mais tarde, escrevendo de Vigo ao amigo Florentino
de Andrade sobre as reformas que a cidade do Rio de Janeiro sofreria e das quais havia
recebido notícias por cartas de amigos e pelos jornais, descreve-nos como já havia
sonhado algumas demolições e reconstruções para aquela cidade:
“Será com efeito possível que o Rio de Janeiro perca o seu velho estilo
colonial português e em capital sadia e limpa, com avenidas arborizadas e
casas com estilo? O’ Florindo, isso o será broma? como se diz. E a
graça é que não leio tais notícias sem pensar logo no Bilac, porque aí, quando
andávamos juntos por essas ruas cor de tujuco e cheiro de vasilhame sujo,
levávamos a reconstruir platônicamente tôda a cidade, arrasando quarteirões,
furando bairros, abrindo praças e até dando reviravoltas nas casas como se
fôssem brinquedos”
46
.
No trecho acima fica mais clara a crítica de Azevedo ao Rio insalubre e doente
eternizado em suas obras. A crítica à arquitetura e planejamento da cidade ou à falta
dele - e ao próprio cheiro das ruas, revela o desgosto do autor em ver seu projeto não
realizado. Sua descrença e desânimo ficam claros na vida de que a cidade pudesse se
tornar sadia e limpa, arborizada e dotada de estilo.
O autor finaliza esta carta afirmando também que escreveria a Bilac a esse respeito
por o considerar ... o que mais tinha contribuído moralmente para a grande revolução
estética do Rio”
47
. Mais uma vez Azevedo deixa clara a ligação existente, para ele, entre as
45
RIBEIRO, Candido Barata. Apud. CHALHOUB, Sidney: 1996, p. 51.
46
AZEVEDO, Aluísio: 1954, p. 187.
47
AZEVEDO, Aluísio: 1954, p. 187.
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22
mudaas físicas e morais da cidade, sem as quais seria inviável a inserção do país entre os
mais civilizados.
Entre os diversos problemas de saúde pública enfrentados pela Junta de Higiene no
período, havia a questão das práticas ilegais de medicina, materializado no confronto entre
a medicina popular e a constituição do saber dico qualificado. A questão representava
ameaça não para a medicina científica, já bastante desacreditada
48
, mas constituía-se em
empecilho às autoridades higiênicas, que tinham limitado o alcance de suas prescrições
49
.
Luíz Otávio Ferreira
50
sugere que este processo de medicalização não foi pacífico e
os médicos, frente à descrença ou indiferença da população com relação à sua autoridade,
viram-se forçados a abrir-se a outras concepções de doença e cura, sobretudo as práticas
populares européias. E os periódicos, que a princípio serviriam para diferenciar o saber
científico das práticas correntes, acabou tornando-se instrumento de popularização da
medicina oficial.
O papel da imprensa na discussão sobre as questões relativas à medicina é variável: se
em alguns momentos os jornais empenhavam-se em combater tudo que era considerado
“charlatanismo”
51
, em outros faziam duras críticas aos doutores, ironizando os erros e
abusos cometidos por eles.
Também com relação à questão médica o posicionamento de Azevedo parece, à
primeira vista, contraditório: embora apóie os todos científicos também critica os
médicos que se valem do título para tratar os pacientes como cobaias e, em rios
momentos, ironiza procedimentos de método e eficácia duvidosos.
A este respeito são significativos os casos de histeria tratados em O Mulato, Casa
de Pensão e O Homem. O tema que aparece de forma subsidria nas duas primeiras obras
passa a ser assunto central na terceira. Neste último romance, Doutor Lobão, descrito como
homem rude e grosseiro que gabava-se do posto de primeiro cirurgião do Brasil e do título
48
Robert Darnton sugere que a ciência, em seus primórdios, tinha o mesmo impacto de experimentos e
atividades não-científicas, daí a desconfiança dos pacientes em relação aos dicos e sua opção pelos
curandeiros, uma vez que estes já haviam obtido uma legitimação simbólica da qual os primeiros prescindiam.
Apud. SAMPAIO, Gabriela dos Reis: 2001, pp.150-151.
49
SAMPAIO, Gabriela dos Reis: 2001, pp. 111-138.
50
FERREIRA, Luiz Otávio. In.: CHALHOUB, Sidney. (et. al.) :2003, pp. 111-115.
51
SAMPAIO, Gabriela dos Reis: 2001, p. 29. Segundo a autora o charlatanismo era caracterizado como
qualquer prática não-oficial de cura.
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23
se aproveitava para cobrar valores despropositais pelas consultas, vive dividido entre as
teorias e práticas antigas e modernas:
[...] - A histeria pode ter causas várias, nem sempre é produzida pela
abstinência. Convenho mesmo com alguns médicos modernos em que ela
nada mais seja que uma nevrose do encéfalo e não estabeleça a sua sede nos
órgãos genitais, como queriam os antigos...
52
“[....] No fim de longas horas de esforço, o Dr. Lobão, já desesperado, teve, a
contragôsto, de aceitar o conselho de um seu colega ainda môço e de idéias
modernas a compressão do ovário.”
53
A presença de oposições verbais como “modernos” e “antigos”, ou mesmo a
caracterização do médico “ainda moço e de idéias modernas” é esclarecedora quanto a
preocupação sobre os métodos científicos e, em especial, a questão médica
54
na obra de
Azevedo. O tom crítico e irônico que norteia a descrição das práticas de Dr. Lobão ao longo
do romance revela o posicionamento crítico e a ponderação do autor com relação às
práticas de cura, sejam elas populares ou acamicas, antigas ou modernas.
Os casos de histeria tratados nas obras contém uma nítida crítica à educação
excessivamente romântica dispensada às mulheres das camadas sociais mais abastadas,
sendo esta a causa de muitos problemas fisiológicos, como o nervosismo e a própria
histeria. O autor chega a sugerir o trabalho braçal como cura destes males, ao opor as
diferenças entre as moças da alta sociedade e as lavadeiras, por exemplo.
No conjunto das narrativas este último aspecto sugere a noção de moderação, muito
utilizado pelo discurso dico da época, segundo Queiroz
55
. De acordo com estes
preceitos, o equilíbrio era essencial para manutenção da saúde física e moral, sendo seu
desvio a causa da perda da inserção social e conseqüente morte, real ou imaginária.
Longe de estabelecer um consenso, os médicos, muitas vezes, também estiveram em
um processo conflituoso de “construção dos saberes”
56
, segundo nos informa Marta de
52
AZEVEDO, Aluísio: 1957, p. 59 (grifos meus)
53
AZEVEDO, Aluísio: 1957, p. 83 (grifos meus)
54
Segundo Betânia Gonçalves Figueiredo a modernização das artes da cura” incorporou de modo tenso e
conflitivo o velho e o novo, sem abolir a multiplicidade. Não é possível dissociar totalmente médicos e
práticos, moderno e tradicional, cultura erudita e popular. uma interação da diversidade no século XIX.
FIGUEIREDO, Betânia Gonçalves: 2002, pp. 10, 234.
55
QUEIROZ, Luiz Gonzaga Morando: 1997, p. 142.
56
ALMEIDA, Marta de: 2003, p. 125.
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24
Almeida. Homeopatas, alopatas, contagionistas, infeccionistas e defensores da medicina
fisiológica travavam verdadeiras lutas em torno dos diagnósticos, causas e tratamentos das
doenças.
A necessidade de popularização da medicina aliada aos preceitos higiênicos, fez
com que predominassem nos periódicos a crítica aos costumes populares, tidos como
extremamente danosos à saúde. Essa incursão médica pelo universo cotidiano era balizada
pela suposta “...inadequação entre os hábitos populares de se vestir e alimentar e as
características ambientais da cidade do Rio de Janeiro, cidade tropical dominada pelo clima
quente e úmido”
57
.
Em fins do século XIX, na cidade do Rio de Janeiro, a literatura desempenhou uma
função social: como afirmou José Murilo de Carvalho
58
, na impossibilidade de lidar com as
“repúblicas dos cortiços” e tudo que lhes era inerente, a República procurou destruí-las, e a
literatura podia ser usada tanto para legitimar as arbitrariedades governamentais quanto
para contestá-las, justificando, uma vez mais, a aparente ambigüidade presente nos textos
de Azevedo.
Aluísio Azevedo, como escritor naturalista, intelectual engajado e pensador da
nacionalidade brasileira que foi, propôs-se a revelar, a desnudar mesmo os aspectos
cotidianos, os problemas concretos mais conflitantes com o ideal de nação que se desejava
construir, como forma de denúncia dos empecilhos - associados à monarquia e escravidão -
que impediam o ingresso do país entre as nações “civilizadas”.
Nascido em um momento em que a então “Atenas Brasileira” São Luís do
Maranhão entrava em decadência, filho de comerciantes portugueses em uma sociedade
marcada por um forte sentimento anti-português, Azevedo pôde presenciar, durante sua
infância e adolescência, a ruína do campo, a permanência da escravidão e o fracasso da
imigração euroia em sua cidade natal.
O Maranhão forneceu-lhe os primeiros contatos com as idéias positivistas e
republicanas e a oportunidade de avaliar os excessos da escravidão. O Rio de Janeiro, em
plena “revolução intelectual” quando da chegada de Aluísio Azevedo em 1876, ofereceu-
lhe oportunidade de aprofundar seus conhecimentos de filosofia positivista e fortaleceu
57
FERREIRA, Luiz Otávio: 2003, p. 115.
58
CARVALHO, José Murilo de: 1987, p. 39
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25
seus ideais republicanos e abolicionistas, engajando-se entre os literatos que propunham
uma nova identidade para o país
.
Questionando as instituições e as práticas do período por meio de suas obras, Aluísio
Azevedo utiliza-se da escrita para criticar e propor um projeto literário e social. o
desconhecendo, e, ao contrário, considerando as especificidades do romance enquanto
gênero literário, estas obras serão encaradas, neste trabalho, sob a ótica da história social,
como “testemunhos históricos”.
1.2- A cidade na literatura: o Rio de Janeiro e a situação habitacional do pobre
urbano em fins do século XIX.
Como maior cidade do Império, sede da Corte, o Rio de Janeiro era porta de entrada
às novas idéias e problemas trazidos pela emergência da modernidade. Assim, foi a
primeira cidade a se defrontar no espelho em crise de identidade, sofrendo com um impulso
urbano tardio frente a outros países da Arica Latina, como por exemplo Buenos Aires.
Sendo a identidade uma construção simbólica, o olho o coisas, mas imagens de coisas
que significam outras coisas, segundo diria Calvino
59
. O que significa dizer que a imagem
refletida no espelho é criada/recriada conforme a subjetividade do interlocutor.
A crise de identidade vivenciada na maior cidade brasileira, o Rio de Janeiro, revela
alguns efeitos das condições latino-americanas que, segundo Pesavento, acentuam o lado
perverso do processo de acumulação capitalista
60
. A herança escravagista associada à
persistência de uma estrutura política patriarcal e oligárquica impediam a constrão da
identidade urbana do Rio de Janeiro. À cidade desejada uma urbe higiênica, bonita e
ordenada - opunha-se a cidade real.
As inversões entre a cidade real e ideal, completam-se, segundo a autora, em um
processo de negação da identidade colonial. As oposições entre progresso e tradição
traduzem-se na associação da cidade colonial ao popular e às manifestações da cultura do
povo. Suas práticas sociais, música, dança, hábitos, bem como os espaços por eles
59
CALVINO, Ítalo: 1990.
60
PESAVENTO, Sandra Jatahy: 2002. p. 169.
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26
freentados (botequins, quiosques) ou onde moravam (pensões e cortiços) passam a ser
condenados. Cria-se uma operação de “limpeza” da memória social, em uma tentativa de
varrer tudo que evocasse o popular/antigo a ser superado
61
.
A identidade desejada pela elite financeira e intelectual, da qual a representação da
cidade ideal, metonimizada no Rio de Janeiro, é uma faceta, aponta para a Europa. Paris
passa a constituir-se no emblema de metrópole e modernidade. No jogo de representações
entre “nós e os outros o modelo parisiense é o outro desejado pelas elites brasileiras.
Sobretudo para um grupo especial de “leitores da cidade” escritores, poetas, fotógrafos
a cidade do Rio de Janeiro passa a constituir-se em microcosmo da modernidade e
macrocosmo social, suscitando ações de intervenção urbana semelhantes as do prefeito
Haussman, que revolucionou a capital francesa
62
.
De maneira especial nas últimas duas décadas os centros urbanos tornaram-se tema de
rios pensadores das mais variadas áreas. No âmbito da literatura, sobretudo a partir do
realismo, os problemas das grandes aglomerações urbanas começaram a aparecer na
narrativa ficcional. A cidade passa a figurar não mais como espaço geográfico, mas como
símbolo da existência humana.
Para os intelectuais, literatos e políticos da época, o Rio de Janeiro não representava a
cidade almejada. Da mesma forma, médicos, comerciantes e toda a classe dominante não se
via neste espelho. A cidade não mais refletia sua imagem e passava a constituir-se em
empecilho aos seus novos interesses tanto pela falta de estrutura quanto pela ameaça das
epidemias. A capital do país era também a dos miasmas
63
, infecções e doenças, com grande
concentração de negros e pobres circulando por vielas estreitas e escuras, pelas quais nem o
ar circulava ileso dos esbarrões com estes “em mangas de camisa e descao”
64
.
Sob influência das descobertas biológicas ocorridas a partir do século XVII, agora
ampliadas e melhor divulgadas, sobretudo pelo movimento iluminista do culo XVIII, o
último quartel do século XIX assistiu à ampliação do uso de analogias entre a cidade e os
organismos vivos. Termos como sistemas de circulação, para designar ruas, e funções para
61
PESAVENTO, Sandra Jatahy: 2002, p. 169.
62
Sobre este assunto ver: PESAVENTO, Sandra Jatahy: 2002, pp. 7-25.
63
Em uma tese de 1853, existe a seguinte definição para <miasmas>: “corpúsculos extremamente pequenos
que, absorvidos e misturados ao sangue, vão produzir os seus nocivos efeitos (...), partículas orgânicas
especiais, miasmas, que dissolvidos nos vapores aquosos são por sem dúvida os que o poderosamente nos
intoxicam”. GOMES, Carlos Thomas Magalhães. Apud. MACHADO, Roberto:1978, p. 275.
64
PECHMAN, Robert Moses: 1992, p.30.
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27
referir-se a atividades básicas da cidade passaram a ser comuns. A cidade começou a ser
vista como um organismo cujo bom desempenho dependeria do funcionamento das
diferentes partes constitutivas.
As descobertas de Willian Harvey sobre o sistema sangüíneo difundidas a partir de
1628 deram início a uma revolução científica que alterou toda compreensão sobre o cor
28
dos pobres do centro da cidade e a demolição de suas antigas residências, suscitava a
necessidade de transportes que os servissem, que por sua vez reclamavam um adequado
sistema viário, para escoamento de mão-de-obra e mercadoria.
Partícipe destas crenças e descobertas científicas”, Aluísio Azevedo, utiliza-se
também da metáfora da organização e funcionamento do corpo para justificar suas crenças
políticas e sociais. Após utilizar-se da descrição da infância de Amâncio (Casa de Pensão)
e dos preconceitos sofridos pelo mulato Raimundo ( O Mulato) para desferir suas críticas à
sociedade provinciana de São Luís do Maranhão metonímia da sociedade patriarcal,
baseada no mando e no favor que deveria ceder lugar à República –, Aluísio Azevedo
centra sua análise na sociedade carioca.
Promovendo uma caricatura do advogado responsável pelo “caso Capistrano”,
representado no romance Casa de Pensão pelo advogado Teles de Moura, Azevedo nos
oferece um panorama de alguns problemas morais que deveriam ser resolvidos para que o
país se enquadrasse no perfil das nações civilizadas. O autor também nos oferece algumas
pistas das evoluções científicas no que dizia respeito à anatomia:
“O Teles era um advogado velho, muito respeitado no foro; não pelo caráter,
que o não mostrava nunca, nem pela sua ciência, que a não tinha; nem
tampouco pelos seus cabelos brancos, que a estes nem ele próprio respeitava,
invertendo-lhes a cor; mas sim pela sua proverbial sagacidade, pelas suas
manhas de chicanista, pela sua terrível figura de raposa velha, pelos seus
olhinhos irrequietos e matreiros, pelo seu nariz à bico de ssaro, pela sua
boca sem lábios, donde a palavra saía seca, e penetrante como uma bala. [...]
O passado do Teles era toda uma legenda de vitórias judiciais; atribuíam-lhe
anedotas mais antigas do que ele; muito processo se anulou naquelas unhas
de tamanduá; muito criminoso escapou às penas da lei por entre as malhas da
sua astúcia; muito inocente foi parar à cadeia ensarilhado nas pontas de seus
sofismas”
69
.
A descrição excessivamente depreciativa do advogado, comparando suas maneiras e
formas às de animais, sugere um questionamento da própria civilidade e humanidade da
justiça brasileira, personificada no personagem. O autor parece sugerir que, assim como em
outros aspectos do cotidiano, ainda falta ao país ser “domesticado”, por assim dizer. Falta
69
AZEVEDO, Aluísio: 1999, p. 226.
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29
ao país a civilização encontrada além do atlântico em detrimento do estado “animal”,
“selvagem em que ainda nos encontramos em relação àquelas nações.
O fato de o autor referir-se à anulação de processo, prisão de inocentes e liberação de
criminosos também sugere a permanência de estruturas coloniais que se pretendia varrer
da história do novo país a ser construído. Mais uma vez Azevedo salienta a prevalência de
favores e clientelismo em setores da sociedade que deveriam ser isentos: é a supremacia do
dinheiro e do mando sobre a igualdade e a justiça
70
.
A riqueza de detalhes e a mistura de sensações são marcas do realismo/naturalismo e
da busca por conferir legitimidade científica ao texto, apesar das muitas recorrências a
expressões populares, tais como raposa velha, olhinhos irrequietos, boca sem lábios, unhas
de tamanduá, palavra seca e penetrante como uma bala.
A menção ao nariz à bico de pássaro é também muito rica. Note-se que na mesma
época Machado de Assis em “O segredo do Bonzo”
71
fazia uma discussão acerca de
“narizes” que escamoteava uma discussão mais ampla sobre crença e medicina, e o caráter
experimental que esta última assumia no período em questão, fazendo com que os pacientes
constituíssem-se em verdadeiras cobaias
72
.
Sidney Chalhoub, em “Para que servem os narizes?”
73
, faz uma discussão a respeito
deste conto, que é extremamente revelador da fé que os homens devotavam à ciência em
fins do século XIX. O conto trata de uma pequena cidade na qual os moradores vinham
sofrendo de uma doença que lhes deformava os narizes.
Diante da situação, um médico, estudando o assunto, percebeu que a opção era
arrancar os mesmos, sem que houvesse prejuízos para os pacientes. Mas estes não queriam
se prestar à cirurgia, “preferindo o excesso à lacuna
74
. O doutor resolve então convocar
todos os intelectuais da cidade em uma assembléia na qual demonstrou sua descoberta
sobre a substituição dos narizes afetados por narizes de natureza metafísica, inacessíveis
aos olhos humanos mas de igual eficácia.
70
A ocorrência destes temas coincide com os apontamentos de Marlise Meyer. A autora, ao caracterizar o
romance-folhetim entre 1871-1914, afirma que os temas mais comuns são: loucura, mães e filhos, críticas ao
casamento, adultério, dinheiro, criminalidade. MEYER, Marlise:1996, pp. 241-273.
71
ASSIS, Machado de: 1997, pp. 27-34.
72
A esse respeito ver também: SAMPAIO, Gabriela dos Reis: 2001, pp. 17-62.
73
CHALHOUB, Sidney. et al. (org): 2003, pp. 19-55.
74
ASSIS, Machado de: 1997, p. 33.
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30
O autor, neste ponto, brinca com a propriedade dos intelectuais: afirma a
incredulidade de alguns, a dúvida de outros e a adesão final de todos que, frente às
descobertas do dico, não queriam ficar para traz. E, de cima de todo seu conhecimento,
puseram-se a dissertar sobre a verossimilhança da descoberta de Diogo Meireles.
Com o aval de físicos, filósofos, bonzos e autoridades, o povo passou a procurar
fervorosamente pela cirurgia: “Diogo Meireles desnarigava-os com muitíssima arte, depois
estendia delicadamente os dedos a uma caixa, onde fingia ter os narizes substitutos, colhia
um e aplicava-o ao lugar vazio”
75
. Não vendo nada no lugar operado, os doentes no entanto,
crentes na cientificidade e razão da medicina que atestava a natureza metafísica do nariz,
não ousavam questionar sobre a eficácia da operação e seguiam seus ofícios:
“Nenhuma outra prova quero da eficácia da doutrina e do fruto dessa
experiência, senão o fato de que todos os desnarigados de Diogo Meireles
continuaram a prover-se dos mesmos lenços de assoar. O que tudo deixo
relatado para a glória do bonzo e o benefício do mundo”
76
.
Embora extremamente irônico, Machado de Assis nos revela uma faceta da sociedade
brasileira de fins do século XIX que é também abordada, através da descrição do advogado
Teles, por Aluísio Azevedo: o questionamento da legitimidade das ciências e a adesão
acrítica a seus postulados. Pelo menos quanto à medicina o aspecto da experimentação era
verdadeiro, muito embora esta fosse realizada, quase sempre, nos próprios pacientes, para
“prejuízo” de alguns
77
. Além disso, o caráter modista da adesão aos postulados médicos
também é ironizado pelo autor.
A frase final é, possivelmente, uma refencia à pretensão daqueles médicos ao
produzir seus compêndios como aqueles referidos na obra Casa de Peno, dos quais o
estudante Amâncio tinha pavor para a posteridade, o bem da medicina e do mundo, e a
glória do bonzo. A utilização do termo bonzo também é rica. Esta palavra tanto pode
significar o nome dado a sacerdotes budistas quanto pode sugerir uma conotação de
esperteza e “picaretagem”.
75
ASSIS, Machado de: 1997, p. 34.
76
ASSIS, Machado de: 1997, p. 34
77
Outra abordagem sobre o caráter experimental da medicina e a resistência dos pacientes pode ser também
encontrada na discussão de José Murilo de Carvalho sobre a revolta da vacina em Os Bestializados (1987).
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31
Assim sendo, o trecho sugere não uma crítica às formas religiosas, que
contribuíam para a fixação de creas metafísicas na mente das pessoas, mas também
uma crítica ao pprio caráter experimental assumido pela medicina e apoiado por alguns
setores interessados, como a própria Igreja. Embora ciência e religião fossem e ainda
sejam campos controversos, quando necessário os representantes de ambos os lados se
uniam a fim de persuadir a população.
Através da abordagem de temas relativos à justiça, ensino e religião Aluísio
Azevedo questiona costumes e instituições do Império. Instituições e costumes que
deveriam desaparecer juntamente com o imperador, como o autor chegou a declarar.
Azevedo discute o papel destas instituições na sociedade carioca, caracterizando-as como
reveladoras da ignorância dissimulada pela rerica vazia dos bacharéis.
78
.
Longe de contribuírem para o progresso do Brasil, os bacharéis e doutores a
serviço do dinheiro e do poder seriam uma das causas do atraso cultural do país. O alvo
das críticas mais contundente, no entanto, ainda não havia sido atingido: as habitações
coletivas.
rian qualifica o romance Casa de Pensão de “estudo fotográfico, em um dado
momento, de uma casa de pensão”
79
. Tendo em conta as observações de Marcelo Balaban
80
sobre a literatura ser encarada como instantâneos do Rio de Janeiro antigo, como
fotografias, da realidade, e a leitura da obra de Azevedo, acredito ser viável esta
interpretação de Mérian.
A obra naturalista se propõe a retratar embora nunca de forma isenta, mas
historicamente formada detalhadamente os ambientes e personagens, levando-nos a uma
percepção imagética, quase palpável. Esta é também a proposta de Balaban.
Ao propor as crônicas de Bastos Tigre como Instantâneos, tendo em vista que uma
fotografia não deixa de ter sua intencionalidade, mas, ao mesmo tempo, dificilmente não
revelará algo que não estava previsto nesta intenção (seja através dos aspectos físicos ou
mesmo morais expressos, neste caso, através dos meios físicos). Desta maneira,
acreditamos que a proposta de Balaban não é oposta, mas complementar ao trabalho aqui
78
MERIAN, Jean-Yves: 1988, p.539.
79
MERIAN, Jean-Yves: 1988, p. 537.
80
BALABAN, Marcelo: 2003, pp. 7-47.
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32
proposto, uma vez que permitirá uma análise de trechos muito fortes, imageticamente, da
obra de Azevedo.
Aluísio Azevedo descreve em minúcias, por exemplo, as circunstâncias em que
uma casa de família se transformava em pensão, e a evolução desta pensão de seu apogeu à
sua decadência até chegar ao degradante estado de casa de cômodos. Aproveitando a
oportunidade para criticar o casamento – e a Igreja – o autor ressalta o casamento arranjado,
por conveniência, entre Coqueiro e Madame Brizard e o surgimento da casa de pensão:
“Meteram mãos à obra. Coqueiro deixou o emprego, contratou um
empreiteiro para restaurar o seu velho prédio da Rua do Resende, e a casa de
pensão de Mme. Brizard (...) surgiu ameaçadora, escancarando para a
população do Rio de Janeiro a sua boca de monstro.”
81
.
Este é um dos muitos exemplos da imageticidade conferida por Azevedo a seus
textos. Neste caso, esta característica deve-se ao uso de palavras fortes, como monstro” e
“ameaçadora". A palavra “monstro”, por exemplo, é extremamente rica, podendo significar
“ser ou coisa de constituição imperfeita, aberração, deformidade”
82
. Associada à
“ameaçadora”, a palavra “monstro”, no trecho, nos fornece um quadro revelador sobre a
imagem acerca das habitações populares.
A percepção destas habitações como uma ameaça refere-se o apenas à ameaça
real através do contágio pelas doenças (ampliado pela estreitação dos laços e promiscuidade
supostamente presentes nestes ambientes), mas também o desvio moral das crianças que
cresciam neste meio, além da própria ameaça aos planos higienizadores e moralizantes dos
políticos e intelectuais.
A menção ao caráter de imperfeição, aberração e deformidade parecem ter mesmo o
intuito de chocar, a fim de conquistar novos adeptos e justificar as constantes demolições
das moradias identificadas como insalubres ou que encontravam-se no curso do progresso
(localizadas em regiões nobres e áreas comerciais). Por fim, o uso da palavra monstro”
também sugere o desconhecido, e que, por isto, causa medo e espanto.
A cena em questão, refere-se, contudo, ao tempo em que a casa de pensão era
limpa, recém reformada, e contava entre os hóspedes com deputados de províncias que
81
AZEVEDO, Aluísio: 1999, p. 69.
82
HOUAISS, Atônio. (et. al.) : 2004, p. 504.
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33
faziam política ali mesmo na sala da casa, após o jantar e de chinelas, como ressalta
Azevedo. No entanto, com o passar do tempo, a casa vai perdendo hóspedes, sobretudo
após à doença de Amâncio, que fez com que muitos se mudassem, receosos de serem
contaminados pela varíola.
Além das doenças, as brigas entre casais, a loucura de Nini, a presença e morte de
um tísico.... todos estes fatores sugerem a lenta deterioração pelas quais passou a casa de
pensão, inclusive no que dizia respeito à posição social das pessoas aí residentes.
Em situão semelhante, Azevedo descreve o cortiço de o Romão após a sua
reforma, ressaltando a mudança de alguns moradores, mais pobres, para um outro local,
mais barato, o Cabeça de Gato. O novo cortiço é desdenhado pelo autor:
“(...) como se todo o seu ideal fosse conservar inalterável para sempre o
verdadeiro tipo de estalagem fluminense, a legítima, a legendária; aquela em
que um samba e um rolo por noite; aquela em que se matam homens sem
a polícia descobrir os assassinos; viveiro de larvas sensuais em que irmãos
dormem misturados com irmãs na mesma lama; paraíso de vermes; brejo de
lodo quente e fumegante, donde brota a vida brutalmente, como de uma
podridão”
83
.
Novamente o uso de palavras fortes e imageticamente ricas, ligadas à
zoomorfização dos personagens, reforça o tom crítico do autor ao imortalizar na tentativa
de extirpar esta parcela da paisagem carioca conflitante com o ideal positivo, que apontava
para o cientificamente comprovado, para o novo, para a eugenia e pureza de sangue. Frente
ao ideal da cidade limpa e saudável havia o Rio sujo e doente.
Testemunho semelhante sobre a insalubridade dos cortiços e o perigo social por eles
representado, foi-nos deixado por Arthur Sauer, dono da Companhia de Saneamento do Rio
de Janeiro, ao justificar seu investimento na demolição e constrão de novas casas:
“Os cortiços e estalagens da Corte, infeccionados como se acham por suas
ssimas condições sanitárias são os focos principais donde surgem as
epidemias e nascem afecções mórbidas em ameaça constante aos moradores
próximos, razão pela qual foram condenados e é reconhecida a
imprescindível necessidade de, quanto antes, serem tais habitações
substituídas por outras, construídas segundo as regras higiênicas e de aluguel
83
AZEVEDO, Aluísio: 1999, p. 171.
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34
muito módico para residência de proletários, operários e empregados
subalternos”
84
.
A degradação das casas de pensão e cortiços do centro do Rio de Janeiro em fins do
século XIX era comum. Como podemos perceber nas citações, as casas eram divididas em
modos e, se necessário, subdivididas, tornando a salubridade proporcional ao tamanho
dos cômodos. E quando alguns poucos cortiços conseguiam transformar-se em estalagens,
vendo melhorados suas instalações e spedes, logo surgiam outros cortiços para abrigar os
que desertavam por não pagar os aluguéis.
Desde 1870, aproximadamente, o tema da remodelação da cidade do Rio de Janeiro
vinha à baila trazendo questões como o saneamento não do espaço físico, mas do
comportamento e dos costumes. Mas no que dizia respeito à arquitetura, era preciso
reformar o Rio atras de um projeto que se pautasse no papel civilizatório da cidade,
reduzindo tudo que dissesse respeito ao tradicional e emoldurando uma nova imagem
urbana.
O combate às habitações coletivas, identificadas como focos miasmáticos, iniciou-se
durante o Império e envolveu muitos interesses, que iam além dos limites do higienismo
85
.
A própria polícia apoiava as incursões, muitas vezes violentas, a esse tipo de moradia
fluminense: a ela preocupava a explosividade potencial de um centro denso e as
dificuldades de controle no caso de conflitos, dada a estreiteza do plano viário
86
.
Com as reformas urbanas pelas quais passou a cidade do Rio de Janeiro, foi
necessária a demolição de inúmeros prédios, forçando a saída de seus habitantes que muitas
vezes tinham apenas 48 horas para deixar suas casas. Não tendo para onde se deslocar, esta
população foi-se aglomerando no centro e tornando ainda mais perigosa sua estadia. O
deslocamento para os subúrbios só acontecia quando os recursos financeiros permitiam.
A princípio os subúrbios eram acessíveis a alguns segmentos da classe dia”,
composta por funcionários públicos, militares, empregados ou trabalhadores especializados.
Para o grande contingente de trabalhadores que vivia de ocios artesanais, do comércio e
84
Arthur Sauer. Apud. CHALHOUB, Sidney: 1999, p. 53.
85
Nilson do Rosário Costa (1987, pp.5-25), após apresentar um panorama da evolução científica européia a
partir do século XIX, defende que a medicina tinha como controlar doenças por outros meios que não as
demolões. Se isto ocorre, é no intuito de legitimar ideologicamente a expulsão dos pobres de áreas centrais e
economicamente atrativas.
86
ABREU, Maurício de Almeida:1994, p.36.
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35
“do ganho”, sem estabilidade e garantia, restava a procura por novas moradias iguais ou
piores às antigas. Derrubada uma estalagem, seus moradores, geralmente, distribam-se
pelas redondezas por efeito do hábito, necessidades de trabalho ou facilidades de crédito
87
.
A crise habitacional, traço marcante da sociedade carioca do último quartel do século
XIX, foi agravada no referido período pela escassez de habitação, aumento de aluguéis,
superlotação e degradação das condições higiênicas. Sobre o efeito inverso da demolição de
moradias populares, um observador da época afirmou: “são exatamente estes acúmulos
insalubres de moradores pobres que tornam impossível a sanificação completa da cidade.
Eles já são atualmente focos epidêmicos. Até hoje porém, estavam concentrados em um
ponto. Agora vão irradiar”
88
.
Também Azevedo comunga da opinião de que a derrubada de uma estalagem fazia
aumentar a densidade em outras devido àqueles serem os melhores pontos para os
trabalhadores, como podemos notar na passagem de O Cortiço: “[...] O mero de
hóspedes crescia, os casulos subdividam-se em cubículos do tamanho de sepulturas, e as
mulheres iam despejando crianças com uma regularidade de gado procriador”
89
.
Uma vez mais, o autor utiliza-se de palavras fortes no intuito de chamar a atenção
para o que ele acreditava que estaria emperrando o desenvolvimento do país. A comparação
das moradias com sepulturas choca não pelo tamanho sugerido, como é ressaltado, mas
por sua associação às doenças e conseqüentes mortes. Am disso, novamente uma
aproximação entre os modos animais e os do pobre urbano.
O realojamento/redistribuição dos moradores despejados dos prédios condenados
pela Junta de Higiene para os que ainda não haviam sido demolidos, auxiliou na
degradação das moradias populares. Na impossibilidade de mudar-se para os subúrbios,
muitos trabalhadores passaram a dividir as mesmas moradas, dando origem às casas de
modo. Em um artigo publicado na Revista Renascença, Backheuser estabelecia uma
hierarquia na qual a casa de cômodo era a mais anti-higiênica:
“essa gente entupia as casas de cômodo, velhos casarões de muitos andares,
divididos e subdivididos por um sem número de tapumes de madeira, até nos
vãos de telhados, entre a cobertura carcomida e o forro carunchoso. Às vezes
nem as divisões de madeira; nada mais que sacos de aniagem estendidos
87
BENCHIMOL, Jaime Larry: 2003 , pp. 288-289.
88
BACKHEUSER. Apud. BENCHIMOL, Jaime Larry: 2003, p. 289.
89
AZEVEDO, Aluísio:1998, p. 114.
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36
verticalmente em “sceptos”, permitindo quase a vida em comum, em uma
promiscuidade de horrorizar”
90
.
Nesta hierarquia, baseada em critérios de oposão entre vida coletiva-
promiscuidade/ vida familiar-individualidade, as casas de pensão e estalagens eram
consideradas o melhor tipo de moradia, seguidas pelos cortiços e casas de modos. Os
cortiços eram caracterizados, a exemplo do romance de Azevedo, como sobrados
levantados ao redor de um tio interno, circundado por varandas que eram alcançadas por
escadas íngremes. Este tipo de habitação era tido em de igualdade com as estalagens em
termos de estrutura, mas inferiores em questões de higiene:
“os quartos de dormir são mais quentes, menores e mais escuros; muito
menos distância entre as famílias; a vida, tanto de dia quanto de noite, é
portanto, mais promíscua. Você só pode entrar em alguns cortiços colocando
um lenço no nariz, e, mesmo assim, você sai nauseado”
91
A identificação das moradias populares como focos de infecções permanentes levou
a uma política de combate a essas moradias que seria levado a cabo nas reformas de
Pereira Passos. Mas em uma cidade em vias de industrialização, como o Rio de Janeiro, a
gica rentista sobressaía. Morar no centro, quase sempre era uma necessidade do
trabalhador. Não tratava-se apenas de economizar no transporte; para muitos o trabalho
tinha que ser ganho diariamente. Grande parte da população ativa era constituída de
ambulantes e prestadores de serviço. Para esta parcela social, morar no centro significava a
própria existência:
“E, durante muito tempo, fez-se um vaivém de mercadores. Apareceram os
tabuleiros de carne fresca e fatos de boi; só não vinham as hortaliças, porque
havia muitas hortas no cortiço. Vieram os ruidosos mascates, com suas latas
de quinquilharia, com suas caixas de candeeiros e objetos de vidro, com o
seu fornecimento de caçarolas e chocolateiras de folha-de-flandres”
92
.
Tendo em vista que os enredos de O Mulato e O Coruja oscilam entre as realidades
de São Luís do Maranhão/Rio de Janeiro e Minas Gerais /Rio de Janeiro, respectivamente,
90
BACKHEUSER. Apud. BENCHIMOL, Jaime Larry: 2003, p. 290.
91
BACKHEUSER. Apud. HAHNER, June E. : 1993, p. 177.
92
AZEVEDO, Aluísio: 1998, p. 31.
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37
em muitos momentos Azevedo utiliza-se das cenas para contrapor as realidades do Rio de
Janeiro e de São Luís do Maranhão como a pretender salientar aspectos provincianos a
serem abandonados em favor de hábitos mais “saudáveis” e “adequados”. Algumas “cenas”
não serviam mais à nova Capital. A mesma relação entre as moradias populares e a
necessidade do ganho diário do trabalho nas ruas pode ser percebida nesta passagem de O
Mulato.
“[...]doutro lado da praça, uma preta velha, vergada por imenso tabuleiro de
madeira, sujo, seboso, cheio de sangue e coberto por uma nuvem de moscas,
apregoava em tom muito arrastado e melancólico: fígado, rins e coração!’.
Era uma vendedora de fatos de boi”
93
.
A concorrência, por trabalho e casa, acentuada pela chegada maciça de imigrantes e
escravos vivendo sobre si, associada à ânsia de lucro, por parte dos proprietários de casas
de pensão, levava o pobre urbano a submeter-se a moradias acessíveis a seus salários. As
casas de pensão ainda eram uma opção cara para estes trabalhadores empobrecidos. A
“saúde” do pobre urbano dividido entre onde morar e trabalhar – em fins do século XIX,
no Rio de Janeiro, oscilava entre o perigo de morrer de fome ou contagiado por alguma
doença.
Segundo June E. Hahner, mesmo habitações tão precárias consumiam boa parte do
salário dos trabalhadores: os aluguéis apertavam os orçamentos dos pobres e
proporcionavam bons rendimentos para seus proprietários. De acordo com um observador
da época, os trabalhadores pagavam um quarto de seus salários por acomodações lotadas e
insalubres
94
. Para os proprietários, no entanto, os aluguéis destas moradias coletivas durante
um ano chegavam a cobrir metade do seu custo original
95
.
Assim, a degradação das residências em pensão e destas em casas de cômodo, ou
mesmo a deterioração de alguns cortiços enquanto outros tornavam-se estalagens, a
exemplo do que acontece nos romances de Azevedo, era comum no contexto em questão.
As circunstâncias que permitem o surgimento destas casas são coincidentes tanto no
93
AZEVEDO, Aluísio: 1962, p. 17.
94
Joaquim Policarpo Lopes de Souza para João Almeida Pereira Filho. Apud. HAHNER, June E.: 1993, p.38.
95
Parecer da comissão de Privilegiados para construção de casas para trabalhadores. Apud. HAHNER, June
E: 1993, p. 38.
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38
romance de Aluísio Azevedo como no depoimento de um observador da época: geralmente
a casa em questão era algum sobrado de uma família, outrora eminente, em decadência:
“Palacetes de feição afidalgada, por certo residências nobres nos tempos da
colônia ou do império, estendidos pelas Ruas Camerino, Barão de São Félix,
Visconde de Itaúna, Riachuelo e um milheiro de outras, recobrem com seu
aspecto agigantando a miséria de uma população enorme”
96
.
Este fator pode ser notado, no romance Casa de Pensão, não só no surgimento da casa
de Mme. Brizard, mas também de um personagem secundário da trama, denominada
apenas “a viúva de Lourenço”:
“A família ficou pobre. Foi preciso vender o melhor de dois prédios que
restavam, para saldar as vidas do defunto. A viúva principiou a tomar
encomendas de costura e de engomagem. Isso, porém, não bastava; era
necessário, a todo o transe, que o menino continuasse os estudos. Em tal
aperto, lembrou-se a pobre mãe de admitir hóspedes; a casa que ficou tinha
bastantes cômodos e prestava-se admiravelmente para a coisa”
97
.
Os trechos selecionados sugerem o surgimento de casas de cômodo como alternativa
de renda para uma elite decadente, embora a situação oposta também seja retratada por
Aluísio Azevedo, por exemplo, em O Cortiço
98
, ao descrever o arrivismo social de João
Romão através de seu cortiço e posterior estalagem.
No que diz respeito aos moradores deste tipo de habitação coletiva, Azevedo assinala
que, com sua transformação em casa de cômodos, a casa de Mme. Brizard também tem
modificado o padrão de seus hóspedes:
“Mas o certo é que as obras se fizeram, e a lebre casa de pensão de Mme.
Brizard, outrora tão animada e concorrida, transformou-se num desses
melancólicos sobradões de alugar quartos, que se observam a cada esquina
do Rio de Janeiro e onde, promiscuamente, se observa toda a sorte de
indivíduos que já foram alguma coisa ou de indivíduos que ainda não são
nada”
99
.
96
BACKHEUSER. Apud. BENCHIMOL, Jaime Larry.: 2003, p. 290.
97
AZEVEDO, Aluísio: 1999, p. 64.
98
AZEVEDO, Aluísio: 1999.
99
AZEVEDO, Aluísio: 1999, p. 216.
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39
Mais uma vez, o autor ressalta sua antipatia por esses sobrados melancólicos” que
se erguiam a cada esquina da cidade a adiar a execução de seu projeto de não em moldes
europeus e do qual estes “sobradões” não eram parte constitutiva. A urbe higiênica, sadia e
moralmente “civilizada, idealizada pelo cientificismo positivo, deveria ser habitada por
um “homem higiênico” moral e fisicamente sadio, conflitante com a descrição de Azevedo.
A diversidade de moradores das moradias também é salientada pelo autor, que os
caracteriza como pessoas que foram ou serão “alguma coisa”. Este comentário certamente
deve-se ao fato de se encontrarem muitos artistas ou aposentados, todos ex-alguma
coisa, juntamente com estudantes e literatos, poetas e intelectuais em geral, que
supostamente tinham um futuro promissor pela frente.
Em outro trecho o autor afirma: A feroz engrenagem daquela máquina terríve, que
nunca parava, ia já lançando os dentes a uma nova camada social que, pouco a pouco se
deixaria arrastar inteira lá dentro. Começavam a vir os estudantes pobres...”
100
Neste meio tão eclético, ou “proscuo”, como o qualifica o autor, era comum a
presença de doenças, sobretudo infecciosas. Em uma alusão ao mau funcionamento do
organismo social carioca, muitos intelectuais do período identificavam casas de modo
como as “chagas” da paisagem urbana do Rio de Janeiro
101
. Aluísio Azevedo, que viveu de
perto esta realidade, como morador de uma casa de cômodo, parecia compartilhar desta
idéia, dadas as várias referências a doenças feitas durante os romances.
Além da histérica Nini, a morte do pai de Amâncio devido à sífilis, a referência à
escrava sifílica e ao próprio Ancio, com suas bexigas e reumatismo decorrentes da
doença, também são referidos um louco e um tísico residentes na casa de cômodos em
questão. Os moradores não ignoravam os riscos destas doenças; mas, como foi dito, muitos
não tinham outra opção de moradia e portanto tentavam amenizar estas doenças a seu
modo.
O romance faz várias referências a efusões e suadouros como forma de abrandar os
sintomas das doenças. Um deles é o tratamento de Vasconcelos: ao ser interrogado sobre a
saúde do pai Amâncio responde: Assim, assim... O que o atrapalha mais é o reumatismo.
100
AZEVEDO, Aluísio:1998, p. 156.
101
GUNN, Phlilip: 2001.
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40
Agora está em uso da Salça-e-caroba, do Holanda”
102
. Outro exemplo é a desinfecção de
roupas e objetos: “Dentre em pouco abria-se a janela do 6, recolhia-se a última peça de
roupa que servira à moléstia, defumava-se pela última vez o quarto, e o mimalho entrava
afinal na convalescença”
103
.
Em O Coruja, podemos citar: “O doutor declarou que a velha tinha varíola de muito
mau caráter e que precisava de um bom tratamento. [...] As bexigas foram das piores, pele
de lixa, o tratamento muito dispendioso e demorado”
104
. Neste caso, o tratamento indicado
foi um descanso na chácara da Tijuca. Tendo em vista que muitas doenças contagiosas
podem ser transmitidas pelo ar, o tratamento sugerido não era de todo despropositado,
revelando já alguns avanços da ciência do período sendo divulgadas na imprensa.
Os tratamentos, no entanto, variavam muito, mesmo quando a doença era a mesma.
O histerismo, por exemplo, era tratado com “água de colônia”
105
e colheradas de azeite
enquanto o casamento não se realizava. Sim, porque o casamento era tido como o única
capaz de apaziguar os ânimos de uma mulher, conforme explica Dr. Lobão ao pai de
Magda: “- Ora, pois já o lhe disse? É casar a rapariga quanto antes! [...]Casamento é
modo de dizer, eu faço queso é do coito! Ela precisa é de homem!
106
.
O século XIX marca no Brasil o início de um processo econômico e político que
inaugura duas novas características da medicina que vem-se intensificando até os dias
atuais: o meio urbano como alvo das reflexões e práticas dicas e a medicina como apoio
científico indispensável ao Estado. Se a desorganização e mal funcionamento da sociedade
é causa de doença, a medicina deveria refletir e atuar sobre aspectos naturais, institucionais
ou urbanísticos afim de neutralizar o possível perigo. Nasce o controle das virtualidades;
nasce a periculosidade e com ela a prevenção
107
.
A crença de que a solução dos problemas de saúde pública seria uma via para o
caminho do “progresso” e “civilização”, levou intelectuais e políticos a acreditarem que
seguindo as prescrições dos médicos e higienistas estariam combatendo não só as
102
AZEVEDO, Aluísio: 1999, p. 16.
103
AZEVEDO, Aluísio: 1999, p. 148.
104
AZEVEDO, Aluísio: 1963, p. 236.
105
AZEVEDO, Aluísio: 1963, p. 161.
106
AZEVEDO, Aluísio: 1957, p. 30-31
107
MACHADO, Roberto: 1978, p. 155.
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41
epidemias, mas problemas sociais mais amplos. Afinal, o que estava em jogo nem sempre
era a saúde pública, mas a imagem do país, sobretudo no exterior:
“En fait, le souci d’hygiène au sein des élites brésiliennes provient souvent
de la volonté de constituer um cadre civilisé” comparable à celui des villes
européenes. Dans cette perspective, les plans d’assainissement des
ingénieurs et ingénieurs-architectes ne se bornent pas à des mesures
d’hygiène. Bien sûr, ils s’inspirent de l’hygiènisme et adoptent les
conceptions médicales courantes à l’époque, mais incluent aussi des actions
qui visent l’embellissement et la modernisation des villes”
108
.
Antes de ser uma questão sanitária, a identificação das moradias populares como
insalubres era uma questão política. O que estava em jogo eram os interesses comerciais da
elite urbana e o incentivo à imigração por parte dos fazendeiros. Em benefício destes novos
interesses comerciais, não importava o destino do pobre urbano, com poucas oportunidades
de passear pelas largas avenidas, de inspiração francesa, que dariam lugar a suas antigas
casas. Interessava ver refletida no espelho a imagem civilizada e progressista que eles
mesmos faziam de si e projetavam para a nação.
Afim de que a cidade pudesse cristalizar os ideais perseguidos a serem
posteriormente imitados pelo restante do país, deveria o Rio de Janeiro passar por reformas
não só físicas, mas “morais”. Nesse sentido, foram elaborados decretos que proibiam, entre
outras coisas, cuspir e urinar nas ruas, e soltar pipas e fogos de artifício, a fim de evitar que
não se embaraçassem os fio de energia e evitassem os incêndios
109
.
De mãos dadas com os últimos inventos do “fin-de-siècle”, as elites brasileiras irão
consumir fonógrafos, fotografias, cinematógrafos, luz elétrica, bondes...
110
, julgando, com
isto, se inserir no mundo moderno. A este respeito, Luiz Felipe de Alencastro destaca
alguns disparates da elite: a compra de pianos e seu transporte, pelos escravos, até as
fazendas; o estabelecimento dos carnavais de salão em detrimento dos de rua; até o corte da
barba e cabelo e a escolha do cigarro seguiam padrões europeus e excluíam o que pudesse
lembrar a herança negra
111
.
108
MARQUES, Sonia: 1995, pp. 31-32.
109
BENCHIMOL, Jaime Larry:2003, p. 264.
110
PECHMAN, Robert Moses: 1992, p. 34.
111
ALENCASTRO, Luiz Felipe:1997, pp. 45-60.
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42
Esquecendo-se em uma “ilha cercada de povo”
112
, na utopia da nova não a ser
construída, na certeza de que era preciso refazer o Rio, literatos, jornalistas, médicos,
arquitetos e engenheiros, apropriando-se dos instrumentos da modernidade e julgando-se
detentores dos códigos de acesso a esta, encarregar-se-ão de tentar fazê-lo.
Se a tria precisava ser reeducada e as almas formadas
113
, estes profissionais,
encarnando a síntese dos saberes “modernos”, se auto atribuirão esta missão e “lutarão”
com as armas de que dispõem. Aluísio Azevedo utilizará de seus romances no intuito de
escancarar uma realidade e impor seu ponto de vista sobre ela, afim de divulgar e viabilizar
seu projeto de um urbe renovada física e moralmente, e habitada por um “homem
higiênico”.
No entanto, um outro empecilho parecia afrontar intelectuais e governantes,
resistindo apesar das investidas em prol de sua “execução”. A Abolição da Escravatura e a
Proclamação da República não haviam destruído as velhas organizações sociais e políticas,
e ao contrário, haviam acentuado alguns dos antigos problemas da cidade, realçando suas
contradições. A despeito dos esforços da intelectualidade eis que persistiam e reproduziam-
se as moradias populares como “larvas no esterco
114
.
112
ALENCASTRO, Luiz Felipe: 1997, pp. 45-60.
113
CARVALHO, José Murilo de: 1990.
114
AZEVEDO, Aluísio: 1998, p. 171.
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43
Capítulo 2: Aluísio Azevedo, o romance social e seu projeto para o Brasil:
2.1- Aluísio Azevedo: Sujeito e personagem de suas histórias
“O homem não está sozinho, ele vive numa sociedade, num meio social,
e desde então para nós romancistas, o meio social modifica sem cessar os
fenômenos. Até nosso grande estudo está nisto, no trabalho recíproco da
sociedade sobre o indivíduo e do indivíduo sobre a sociedade”
115
.
Filho de um casamento polêmico entre David Gonçalves de Azevedo e Maria Amália
Pinto de Magalhães, Aluísio Tancredo Gonçalves de Azevedo nasceu em 14 de abril de
1857, em São Luís do Maranhão
116
. David era viúvo e Emília Amália fugira do marido
português devido aos maus tratos; os pais viviam juntos embora não fossem casados, o que
causava certo estranhamento à provinciana sociedade maranhense.
Na década de 1850 São Luís do Maranhão era denominada, devido a seu povo e
vida cultural, a “Atenas Brasileira”. A cidade era bem provida de livrarias e modernas
gráficas, dotada de sobrados em estilo inglês cujas fachadas eram decoradas com pedras de
alcantaria, importadas da Europa. O ensino primário havia se desenvolvido desde a
Independência na cidade, e os abastados fazendeiros enviavam seus filhos para completar
os estudos em Portugal ou França, formando uma classe dirigente aparentemente ilustrada.
A cidade contava, desde 1841, com a Sociedade Dramática Maranhense, e desde
1852 com o “Gabinete Português de Leitura” um fechado círculo formado por portugueses
abastados criado por David Gonçalves, que viria a ser pai de Azevedo - que visavam
garantir acesso mais rápido e fácil às novidades literárias européias.
Os comerciantes dominavam a economia da província e os casamentos serviam para
consolidar fortunas. Mantimentos, vinhos, tecidos e a as costureiras vinham da Europa:
indicavam a classe social e simbolizavam a “civilizão” de quem deles usufruía.
Mas a partir da segunda metade do século XIX, com a queda nos preços do algodão
devido à concorrência norte-americana, e com a demanda por mão-de-obra para os cafezais
do sudeste, iniciou-se a decadência no campo. O comércio, que ainda prosperava, e as casas
115
ZOLA, Emile. Apud. MÉRIAN, Jean-Yves:1988. p. 552.
116
Possuía outros quatro irmãos: Artur Azevedo (que viria a ser grande autor de teatro), Américo, Maria
Emília e Camila Amália.
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44
comerciais de importação e exportação assumem, a partir de então, papel primordial. Por
outro lado, a fortuna dos comerciantes estrangeiros, sobretudo portugueses, passou a
contrastar com o empobrecimento dos fazendeiros, o que despertou uma nova onda de
sentimento anti-português. Foi nessa atmosfera de crise que nasceu Aluísio de Azevedo,
filho de um comerciante português.
Aprendeu as primeiras letras no Liceu Maranhense, onde estudou com Sotero dos
Reis. Em casa, por influência da mãe, estudava pintura, teatro e artes
117
. Seu primeiro
emprego, como despachante geral da alfândega, conseguido por interdio de seu pai em
1871, marcaria o fim de sua infância.
Durante os anos de adolescência pôde presenciar a ruína do campo e o fracasso da
imigração européia em São Luís do Maranhão, bem como a permanência da escravidão
após a “lei do ventre livre”. Embora jovem para perceber as reais dimensões dos problemas
que afetavam a base da burguesia maranhense, certamente não permanecia indiferente às
manifestações de decadência. Adiando o sonho de estudar pintura em Roma, Azevedo
decide estudar belas artes no Rio de Janeiro.
A vontade de construir um quadro de vida civilizado comparado ao das cidades
européias era predominante na atmosfera intelectual e política da cidade do Rio de Janeiro,
na qual desembarcou o maranhense Aluísio Azevedo em 1876, aos 19 anos. Durante dois
anos, por intermédio de seu irmão Arthur de Azevedo, que residia já dois anos,
Aluísio Azevedo freqüentaria um círculo de jovens intelectuais que o influenciariam
decisivamente
118
.
Nestes primeiros anos que passou no Rio de Janeiro, Azevedo, para se manter e não
tendo apresentado gosto pela profissão de caixeiro, foi guarda-livros e em seguida professor
de gramática portuguesa e desenho no colégio Padre Teillon
119
. A pintura e o teatro
passaram a ser sua ocupação principal: nos teatros amadores Aluísio dirigia, criava cenários
e figurinos.
Morava em uma pensão em Santa Tereza com os amigos Artur Barreiros e
Veridiano Henrique dos Santos Carvalho. O primeiro iniciava sua carreira como escritor e
117
DIMAS, Antônio:1980, p.3
118
As principais informações biográficas de Aluísio Azevedo foram retiradas de: MÉRIAN, Jean-Yves: 1988.
119
BILAC, Olavo. Apud. MERIAN, Jean-Yves: 1988, pp. 84-85.
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45
jornalista; o segundo era 10 anos mais velho, comerciante e escritor com algumas obras
publicadas. Em um artigo de 1880, Aluísio listou os amigos que tinha no Rio: Fontoura
Xavier, Artur Barreiros, Tomás Alves, Lopes Trovão, Lins de Albuquerque, Jo do
Patrocínio, Teófilo Dias, Teixeira Mendes, Cordoville, Pereira da Silva e Gustavo
Fontoura”
120
.
Aluísio Azevedo havia adquirido no Maranhão conhecimento das idéias positivistas
e republicanas, tendo tido também oportunidade de avaliar os excessos causados pela
escravidão. No convívio com estes jovens intelectuais, escritores e políticos, quando de sua
chegada ao Rio de Janeiro, aprofundou seus conhecimentos de filosofia positivista e
fortaleceu suas convicções abolicionistas e republicanas, o que expressou principalmente
através de caricaturas e cenários de teatro, paixão cultivada desde a infância.
Em meio ao ritmo fretico da capital da república, assistimos a uma reviravolta na
maneira de os intelectuais enxergarem sua terra e seus problemas: alguns pensadores
passam a reivindicar uma visão mais “realista” e profunda” em detrimento da concepção
“idealista” dos românticos. Aluísio Azevedo aporta neste ambiente reformador
121
.
No Rio de Janeiro assunto não faltava a um observador atento: para além do mito da
cidade ideal, rica e progressista, símbolo da civilização, havia uma cidade repleta de
problemas que alguns insistiam em tentar ignorar. A quem se arriscasse a ir aos subúrbios,
como fez Aluísio Azevedo, que chegou a morar em uma casa de cômodos, em 1885, a
cidade não iludiria. Como o autor declarou, “era como se as duas cidades coexistissem lado
a lado”.
122
A morte do pai em 1878 precipitou o retorno de Aluísio Azevedo a São Luís do
Maranhão. Os dois irmãos só tomaram conhecimento do ocorrido 15 dias depois, através de
um jornal Maranhense de grande circulação no Rio de Janeiro: O País. Estando Arthur
Azevedo mais atarefado que Aluísio, este resolveu partir para o norte e assumir a família,
120
BILAC, Olavo. Apud. MERIAN, Jean-Yves: 1988, p. 96.
121
Esta era também a época do auge da Escola de Recife, incentivadora dos estudos em moldes germânicos,
em detrimento da tradição francesa até então predominante, como afirma Roberto Ventura, em Estilo Tropical
(1991). A Escola também contribuiu para uma nova tomada de posição frente aos problemas enfrentados pelo
país, suscitando um enfoque mais realista, vontade de trabalhar para o progresso social e, sobretudo, a sátira
aos costumes, modalidade da qual Aluísio Azevedo e seu irmão Arthur Azevedo (Sobre a influência da obra
de Arthur Azevedo, sobretudo no teatro, sobre a sociedade carioca, ver: MENCARELLI, Fernando
Antonio:1999) viriam a ser representantes expoentes. Além disso, segundo Mérian, boa parte dos escritores
formados por esta escola foram para o Rio em 1875 e tomaram parte na imprensa.
122
AZEVEDO, Aluísio. Apud. MERIAN, Jean-Yves: 1988, pp. 97-98.
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46
atitude que influenciaria definitivamente sua carreira, uma vez que esta mal havia
começado a deslanchar e seria interrompida.
No entanto, a fama que havia adquirido na capital como caricaturista e cenógrafo o
permitiu encontrar emprego de escritor tão logo chegasse a sua cidade natal. São Luís do
Maranhão , que à época tinha 2 jornais, ganhou mais três
123
, sendo que em dois deles
Aluísio Azevedo tinha participação e difundia as idéias republicana e abolicionista.
Entre 1878 e 1881 o autor viveu da imprensa e publicou seu primeiro romance,
Uma Lágrima de Mulher (1880) e, algum tempo depois, o livro que mudaria o curso de sua
carreira: O Mulato, que viria a sofrer alterações para a edição definitiva de 1889
124
.
A repercussão do romance em São Luís não foi a esperada: os homens letrados
responderam com um silêncio contundente, à exceção de um que sugeriu a Azevedo desistir
da pena e atirar-se à lavoura. Azevedo resolve voltar ao Rio de Janeiro, onde o livro foi
bem recebido, e em agosto de 1881 deixa o Maranhão definitivamente.
De volta à capital da República, Aluísio Azevedo trabalha como chargista e começa
a escrever folhetins, tornando-se conhecido do grande público
125
. Embora tenha se
dedicado à escrita, Aluísio Azevedo nunca desistiu de conseguir um emprego público que
lhe garantisse a sobrevivência e lhe permitisse escrever seus romances. Várias o as cartas
enviadas a amigos influentes solicitando uma ocupação semelhante: “Seja o que for
tudo serve; contanto que eu não tenha de fabricar Mistérios da Tijuca e possa escrever
Casas de Peno
126
.
123
A cidade contava com os jornais O País e Drio do Maranhão. Com o retorno de Aluísio Azevedo e sua
imprensa satírica, recomeçaram as querelas anticlericais. O primeiro jornal de contestação foi A Flecha. Em
1880 a situação agravou-se com a criação de O Pensador. Em resposta, a igreja criou a folha Civilização,
duramente combatida pela imprensa convencional e alvo das críticas mais contundentes de Azevedo.
MÉRIAN, Jean-Yves: 1988, p.156.
124
Segundo Ana Lúcia Enne (1999, p.2), na primeira versão do romance Ana Rosa morreria as presenciar a
morte de Raimundo. Porém esta seria uma celebração do amor romântico que não estaria em conformidade
com a proposta naturalista. No final para a versão que se consolidou Ana Rosa se recupera, casa, tem filhos e
é uma esposa e mãe exemplar.
125
O primeiro folhetim foi Memórias de um Condenado, 1882, (reeditado como A Condessa Vésper); entre os
romances publicados por Azevedo estão também: O Mistério da Tijuca (1882), reeditado como Girândola de
Amores, Casa de Pensão (1884), Filomena Borges (1884), O Homem (1887), O Coruja (1890), O Cortiço
(1890) A Mortalha de Alzira (1894), Livro de Uma Sogra (1895). O autor também escreveu 14 peças de teatro
(algumas em colaboração com Arthur Azevedo e Emílio Rouède), duas peça de teatro reduzido e os contos
Demônios (1893), Pegadas (s.d) e O Touro Negro (publicação póstuma datada de 1938 reunindo o conto que
dá nome à obra, coletâneas de dispersos e epistolário).
126
AZEVEDO, Aluísio: 1954, p. 175.
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47
Citando um discurso proferido por Coelho Neto na ocasião da morte de Bilac, João
Paulo Coelho de Souza Rodrigues
127
explicita o sentimento de superioridade dos literatos
em relação às ‘pessoas comuns’, sobretudo uma suposta singularidade da boemia em
oposição à burguesia.
Segundo o Rodrigues, certos de sua superioridade, muitos literatos indignavam-se
com a precariedade de suas vidas frente à sua suposta importância social e nacional:
“Ressentem-se constantemente de não terem a mesma fama e dinheiro de um burguês
médio que levasse uma vida medíocre e de trabalho regular, logo eles que se portavam
diante da beleza’ com afinco frente ao ‘vulgo que os cercava”
128
.
Por influência de Francisco Portele, então governador , servindo em 1891 em
Niterói, Azevedo chegou a trabalhar como funcionário público durante 6 meses, mas com a
ascensão de Deodoro da Fonseca à presidência e a queda de Francisco Portela, o escritor
perde o emprego. Permaneceria como escritor até 1895, quando entrou para a diplomacia
através de concurso público. Esta última informação deve ser ressaltada: Antônio
Cândido
129
propõe que com o envelhecimento de uma geração de escritores surge outra,
porém sem uma ruptura real.
No caso da geração pós- Aluísio Azevedo teria surgido a dos simbolistas e
impressionistas, e os primeiros teriam substituído a idade da boemia pela da burocracia.
O autor sugere ainda que, por benevolência do governo, os intelectuais, cansados e
frustrados com a “república que não foi”
130
teriam sido empregados no serviço público a
fim de obterem segurança material. No entanto, como já foi ressaltado, Aluísio entrou para
a diplomacia por meio de concurso e não de favores e os ideais de sua geração não foram
totalmente esquecidos quando do governo de Floriano Peixoto.
A boemia característica da intelectualidade de fins do século era muitas vezes
um trunfo de coesão e propaganda tua do grupo
131
, a fim de aguçar a curiosidade dos
127
RODRIGUES, João Paulo Coelho de Souza:1998, p. 239.
128
RODRIGUES, João Paulo Coelho de Souza: 1998, p. 239.
129
CÂNDIDO, Antônio. Apud. MÉRIAN, Jean-Yves:1988, p. 463.
130
CARVALHO, José Murilo de: 1990, passin.
131
De acordo com Rodrigues (1998, p. 253), no entanto, o que se verifica nas memórias é o desaparecimento
do teor político da caracterização da boemia, que cede lugar a uma imagem idílica, calcada em uma via
airada”. A boemia é caracterizada apenas como um tipo de vida em cafés e elegantes confeitarias, com
conversas e poemas “jogados fora”. O autor atribui esta desvirtuação da boemia e a modificação de seu
significado literário e político ao fato de os memorialistas viverem em um momento no qual não têm mais a
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48
leitores através da mitificação do escritor, e também uma forma de amenizar as dificuldades
de viver-se deste ofício em um país de maioria analfabeta e minoria hipnotizada por obras
européias.
No fim do século XIX, Aluísio Azevedo conseguiu realizar a fanha de sobreviver
de seus romances em um país com este perfil, mas não sem alguma propaganda. A
publicação em folhetins, a exemplo de Casa de Pensão e O Coruja, representava o
primeiro estado do romance e seu melhor meio de difusão, embora não representassem sua
melhor forma, segundo opinião do autor
132
.
Alguns livros também foram publicados em formato reduzido e ofertados aos
assinantes dos jornais ou mesmo publicados em fascículos semanais a preços populares.
Em 1887 o Jornal do Commércio chegou a acusar Alsio de Azevedo de servir de
“vendedor ambulante”
133
para suas obras. No lançamento de O Homem, Azevedo saiu às
ruas com alguns companheiros para apregoar as obras e realizou um jantar para os
“notáveis” da cidade. Recebeu duras críticas de Coelho Neto:
“Eu ainda acabo com a carrocinha, como o homem dos abacaxis e das
melancias, correndo as ruas com os meus romances, apregoando-os aos
berros. Imaginação, estilo... isto, que monta?! O que vale é o anúncio!
Quedem-se os autores em silêncio, por mais eloqüente que seja a obra, por
mais que nela se aprimore a forma, ficará encalhada no fundo da livraria a
eu vendida a peso, como papel de embrulho
134
.
De qualquer forma, a imprensa e a condenada prática do cabotinismo
135
desempenharam papel fundamental na divulgação da literatura nacional. Uma vez que
muitos escritores eram também jornalistas, os jornais e a propaganda mútua passaram a
constitui-se na maior arma dos intelectuais na divulgação de suas idéias e no combate à
invasão dos romances europeus, constituindo-se, além disso, em um elo entre escritores e
leitores. Era preciso “preparar” o público para a recepção das novas teorias literárias.
necessidade de oferecer aos seus leitores o que julgavam ser os melhores rumos para a sociedade. Desta
forma, também não entendem a atividade literária como intervenção política.
132
“(...) desejo ardentemente descobrir uma colocação, qualquer, seja onde fôr, ainda que na China ou em
Mato Grosso, contanto que me sirva de pretexto para continuar a sarroliscar os meus romances, sem ser
preciso fa-los au jour le jour”. AZEVEDO, Aluísio:1954, pp. 174-175.
133
MÉRIAN, Jean-Yves: 1988, p. 439.
134
Coelho Neto. Apud. MERIAN, Jean-Yves: 1988, p.439.
135
O cabotinismo e as vendas de livros fora das livrarias eram condenados por alguns que acreditavam que
uma boa obra não precisaria de propaganda. Em contrapartida, sem propaganda seria difícil obter êxito, como
afirma Coelho Neto, que mesmo discordando da prática reconhece a necessidade de sua prática.
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49
Em resposta a uma crítica de Machado de Assis ao romance Memórias de um
Condenado
136
, Aluísio Azevedo declarou, no capítulo 61 de “Mistério da Tijuca”,
romance-folhetim publicado no jornal carioca Folha Nova:
“Diremos logo com franqueza que todo nosso fim é encaminhar o leitor para
o verdadeiro romance moderno. Mas isso já se deixa ver sem que ele o sinta,
sem que dê pela tramóia, porque ao contrário ficaremos com a isca intacta. É
preciso ir dando a coisa em pequenas doses, paulatinamente. Um pouco de
enredo de vez em quando, uma ou outra situação dramática de espaço em
espaço, para engodar, mas sem nunca esquecer o verdadeiro ponto de partida:
a observação e o respeito à verdade. Depois as doses de Romantismo irão
diminuindo gradualmente e as de Naturalismo se irão desenvolvendo; até que
um belo dia, sem que o leitor o sinta, esteja completamente habituado ao
romance de pura observação e estudo de caracteres
137
.
Neste trecho é possível perceber a lucidez do autor ao justificar a publicação de seus
romances através de folhetins e a necessidade do elogio tuo e da auto-propaganda,
colocando de uma nova maneira a relação entre escritor, obra e leitor. Neste sentido, são
falsas as acusões, por parte de parcela da crítica, de traição ao naturalismo por parte do
autor.
Lúcia Miguel Pereira, a respeito da implantação do naturalismo no Brasil, e da obra
de Azevedo, em específico, afirma que :
“... a melhor prova de que o naturalismo nos foi imposto pela moda está em
ter sido tão mal assimilado. Praticaram-no como quem executa uma receita
os nossos romancistas, que, no espírito, continuavam românticos; o
disso prova mais expressiva do que O Mulato, que representou a vitória da
nova escola, tendo entretanto, apenas disfarçando com cenas realistas o seu
romantismo
138
.
Estudando mais a fundo a obra de Azevedo e suas cartas e crônicas sobre o
hibridismo, podemos afirmar que o autor, ao contrário do que sugere Pereira, parecia saber
bem onde queria chegar, mas tinha também conscncia que a sociedade carioca não estava
totalmente preparada para esta nova realidade, precisando recebê-la em lentas “doses” .
136
Este romance de 1882 foi reeditado sob o título de A condessa Vésper. Na época do lançamento Machado
de Assis desferiu duras críticas à obra, acusando o autor de apenas disfarçar seu romantismo com doses de
naturalismo importado da Europa.
137
AZEVEDO, Aluísio. Apud. MÉRIAN, Jean-Yves: 1988, p. 436.
138
PEREIRA, Lúcia Miguel. Apud. SODRÉ, Nelson Verneck:1992, pp. 203-204.
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50
Participamos de uma perspectiva proposta por Luiz Gonzaga Morando Queiroz
139
,
segundo a qual Aluísio Azevedo tinha clareza da dinâmica instituída à sua obra e
estabelecia uma intercalação de estéticas como resposta à sua época: o autor utilizou-se,
conscientemente da hibridação, produzindo cada obra com relação a seu blico, ao
contexto de recepção e também à sua própria necessidade de subsistência.
Para além de suas convicções ideológicas, era necessário levar em consideração o
gosto dos leitores e o mercado do livro no país. Era preciso sobreviver. Em desabafo a
Coelho Neto Azevedo teria chegado a dizer:
“Não, o povo não tem culpa. O culpado sou eu, que quis realizar o absurdo
de viver das letras em um país de analfabetos. Aqui há um pequeno grupo de
pedantes, que lêem autores franceses, há gente do comércio que lê a tabela do
câmbio e a pauta da Alfândega, o resto é ignaro
140
.
O autor segue lamentando-se da situação dos escritores e apresenta alguns valores
pagos pelos jornais: 100 mil réis a linha do romance e 10$000 por ato, no teatro. Encerra
dizendo da alegria de seus credores quando tinha um romance em rodapé ou uma comédia
em ato, mas acrescenta que estes eram fatos raros. Justifica, mais uma vez, a necessidade de
agradar ao público, uma vez que este já era escasso.
A influência do público, da crítica e do método proposto por Zola sobre a obra de
Azevedo e a dificuldade de produzir em um país com as necessidades supracitadas podem
ser percebidos em um trecho de O mistério da Tijuca:
“No Brasil [...] os leitores estão em 1820, em pleno romantismo francês,
querem o enredo, a ação, o movimento; os críticos porém acompanham a
evolução do romance moderno e exigem que o romancista siga as pegadas
de Zola e Daudet. Ponson du Terrail é o ideal daqueles; para estes Flaubert é
o grande mestre. A qual dos dois grupos se deve atender? Ao de leitores ou
ao de críticos? [...] Estes decretam, mas aqueles sustentam. Os romances não
se escrevem para a crítica; escrevem-se para o público, para o grosso público
que é o que paga
141
.
139
QUEIROZ, Luiz Gonzaga Morando: 1997.
140
Coelho Neto. Apud. MENEZES, Raimundo de: 1963, p. 9.
141
AZEVEDO, Aluísio. Apud. MEYER, Marlise: 1996, p. 307.
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51
Com vistas a esta afirmação e às declarações que o autor fez sobre a necessidade de
se acostumar o público com a proposta naturalista através da intercalação de romance e
drama, realidade e ficção, acreditamos ser possível uma leitura sobre a recorrência de
assuntos em suas obras. Alguns temas, como as habitações populares, o casamento, o clero,
as doenças, são comuns a várias de suas obras, variando a intensidade conforme a época de
produção.
A necessidade de adequão entre obra-blico-crítica é também ressaltada por
Arthur Azevedo em relação ao teatro:
“Desde que pela primeira vez me aventurei a rabiscar nos jornais observei
que a massa geral de leitores dividia-se em dois grupos distintos (...). Tendo
que escolher os meus leitores (...) naturalmente escolhi os do segundo, e
desde então fui assaltado pela preocupação de lhes agradar escrevendo de
modo que eles entendessem e não se arrependessem de me haver lido. [...]
Deste modo, não solicito a glória nem a imortalidade, mas tenho consciência
de não ser um colaborador inútil. Escrevo não para os cafés da rua do
Ouvidor, mas para a cidade inteira
142
.
A aparente ambigüidade apontada por alguns críticos na obra de Azevedo, deve-se à
opção feita por parte da intelectualidade, incluindo o próprio autor e o irmão Arthur, em
atender a um público mais amplo e não apenas à crítica, havendo desta forma a necessidade
de adaptação de uma linguagem e estilo adequados a este público. Além disso, como
afirmou Arthur Azevedo em crítica a uma apresentação de mágica na qual o grande atrativo
eram o nu e o cômico, sem nada que “fale ao espírito”
143
, o problema não era o gênero, mas
o engenho com que o autor o elaborava.
Acreditamos que assim como a hibridão, a gradação na intensidade de abordagem
dos temas era uma estratégia conscientemente empregada por Azevedo. Além de ter
declarado não querer escrever sobre “coisas irreais”, o autor também não escrevia para um
público imaginário, era preciso cativá-lo, conhecer seus limites e apresentá-los uma nova
forma de fazer romances.
144
142
AZEVEDO, Arthur. Apud. MENCARELLI, Fernando Antônio: 1999, pp. 156-157.
143
AZEVEDO, Arthur. Apud. MENCARELLI, Fernando Antônio: 1999, pp. 150-151.
144
MÉRIAN, Jean-Yves: 1988, p. 435-437.
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52
Uma maneira encontrada por Aluísio Azevedo para iniciar esta empreitada foi a
divulgação de suas obras e idéias através do romance-folhetim. De acordo com Marlise
Meyer a obra de Azevedo se insere no que ela denomina a terceira fase do romance-
folhetim: os romances dos “dramas da vida (1871-1914)
145
. Ao caracterizar o folhetim, a
autora o descreve como um femeno poliédrico, uma vez que cada abordagem revela
sucessivas e opostas faces da figura:
“Arrimado à sólida tradição do ‘era uma vez’, acoplado ao melodrama e,
como ele, nascido de profundas convulsões sociais, o romance-folhetim,
fatiado nos jornais, retomado em volumes, novamente seccionado em
fascículos, encanta a Europa que o engendrou e a América Latina que o
acolheu como se fora coisa sua”
146
.
Segundo a autora, o romance-folhetim era um modo particular de produção
romanesca do século XIX, umbilicalmente ligado ao jornal. Apareceu no Brasil a partir de
1843, com a publicação de romances franceses no Jornal do Commércio, inaugurando uma
tendência a ser incorporada pela moderna imprensa nascente.
Sobre a função do folhetim a opinião de Azevedo é coincidente com a do redator do
jornal francês Le Petit Journal, Timothée Trimm, que afirmou: “essa crônica cotidiana
precisa ser ao mesmo tempo um ensino perpétuo e um divertimento cotidiano
147
. E
Azevedo vai explorar essa função baseado em sua auto-atribuição de vocacionado a levar a
verdade e o progresso:
“Oh! definitivamente não vejo razões para não haver comédias, dramas,
romances e poemas! [...] Se os Srs. Literatos não aproveitarem esta boa
ocasião, se não aproveitarem enquanto Brás é tesoureiro do Estado do Rio de
Janeiro, nunca mais pilharão outra tão boa. [...] E é pena, porque o momento
histórico que atravessamos, devia passar à história, cantado em prosa e
verso, para gôzo e regalo dos futuros brasileiros”
148
.
O romance-folhetim, sobretudo devido ao maior público alcançado por seu suporte,
os jornais, foi utilizado por Alsio Azevedo para sensibilizar o público sobre problemas
145
MEYER, Marlise: 1996, p. 229.
146
MEYER, Marlise: 1996, p. 417.
147
MEYER, Marlise: 1996, p. 230.
148
AZEVEDO, Aluísio: 1954, pp. 72-73.
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53
que normalmente não eram abordados neste gênero literário, como a crítica aos costumes
sociais e políticos, e a tira monárquica. Segundo Mérian, estes romances visavam à
exemplaridade
149
.
Esta estratégia de Aluísio Azevedo pode ser notada, por exemplo, nos pprios
títulos e nas fontes de inspiração para seus romances. Casa de Pensão foi escrito com base
em um crime ocorrido na cidade do Rio anos antes, os outros temas o tamm
cosmopolitas e muito atuais: os cortiços, as casas de cômodo, as doenças recém
descobertas, o casamento e o divórcio...
Em Casa de Pensão o autor, utilizando como base um crime de grande repercussão
na sociedade carioca do ano de 1876, quando de sua primeira estada no Rio de Janeiro,
reinventou os personagens, sendo o maior deles a própria casa de pensão.
A “questão Capistrano”, nome como ficou conhecido o crime, em uma alusão à
vítima, havia sido amplamente documentada na imprensa do período. A experiência do
autor, seu conhecimento da sociedade provinciana do Maranhão e o vasto número de
artigos publicados sobre o caso lhe permitiram escrever uma espécie de romance
documental sobre costumes, cuja pretensão era de ser uma “revelação” da sociedade a que
se refere
150
.
Os livros O Coruja e O Mulato tratam, entre outros assuntos, da inflncia do meio
sobre o indivíduo e o determinismo atribuído à mistura de raças. Os casos de histeria e
doenças nervosas (além da alusão a outras doenças hoje conhecidas como infecto-
contagiosas) são comuns a todas as obras selecionadas, em especial O Homem, romance
que trata especificamente do assunto, e que foi escrito na mesma época da criação da
cadeira de medicina psiquiátrica na Universidade do Brasil.
Por fim, O livro de uma Sogra faz um elogio ao divórcio nos casos em que a
convivência em família ou mesmo os filhos acabam por “esfriar” o amor conjugal. Além
disso, defende abertamente o prazer sexual da mulher embora em outros momentos atribua
a ela um papel de subalterna, dificultando que se perceba quando ironiza e tece críticas
sociais e quando realmente defende uma posição.
149
MÉRIAN, Jean-Yves: 1988, p. 512.
150
Esta prática também pode ser notada em Arthur Azevedo que se aproveita de um caso que se estende por
dois anos no tribunal para escrever uma peça que chegou a influenciar o desfecho do caso real. Ver:
MENCARELLI, Fernando Antonio: 1999.
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54
Aluísio Azevedo utilizou-se das mais diversas situações e assuntos no intuito de
tentar modificar sua sociedade, ao mesmo tempo em que era por ela modificado. Seus
romances foram escritos e adaptados, quando necessário, com propósitos pré-estabelecidos.
Apesar de camuflado, em alguns momentos, em obras romanceadas para o gosto das
donzelas cariocas acostumadas aos dramas rocambolescos dos romances franceses, o
projeto político do autor continuava a existir: era preciso não apenas definir-se como
nação, mas sobre que cara teria esta nação.
2.2- O romance naturalista, suas especificidades e a proposta de Azevedo:
O processo de urbanização acelerada característico do século XIX transformou as
cidades em redes mais complexas de relações cio-econômicas e culturais, levando a
uma progressiva cultura urbana. A expansão da educação de massa, os novos suportes
tecnológicos e o desenvolvimento de um mercado cultural de massa, caracterizam o
surgimento de um novo público, com novos gostos e uma demanda por produtos
específicos:
“Pelas revistas, como pelas ruas, circulam notícias, boatos, epidemias,
inspetores, vendedores, bondes, tribofes, capoeiras, mendigos, demolidores.
Circulação que converte a cultura, a ciência, a política e a reforma urbana em
assuntos de discussão cotidiana, de domínio público”
151
.
A partir da segunda metade do século XIX a literatura começa a incorporar, em
maior intensidade, aspectos resultantes de significativas mudanças ocorridas no ambiente
político, econômico e sociocultural europeu. O progresso acelerado gerava uma massa de
trabalhadores atraídos para os grandes centros industriais, vivendo e trabalhando, muitas
vezes, sob condições subumanas. O mundo passava a ser visto e avaliado sob o prisma da
ciência e experimentação, gerando desconfiança e mesmo repúdio ao que lembrasse os
valores místicos e religiosos enaltecidos pelo Romantismo.
Uma invenção da época a fotografia oferece um testemunho deste tempo,
segundo Margarida de Souza Neves. O Rio de Janeiro passa a ser palco e capital da ordem
151
AZEVEDO, Arthur. Apud. SUSSEKIND, Flora:1993, pp. 54-55.
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55
e progresso que resumiam os planos dos homens que davam forma e direção ao
<novo>”
152
.
“Não parece haver vidas sobre o que pode ser visto nos mostradores dos
relógios que marcavam o tempo da virada do século: uma cidade ‘moderna’
porque reconstruída física e ideologicamente pelos letrados, fossem estes os
engenheiros ou higienistas que atuavam organicamente vinculados ao Estado
e, a golpes de picaretas ou de campanhas sanitárias pretendiam demolir o
‘velho’ e impor o novo na capital, fossem os cronistas que tematizavam
neste outro canteiro de obras constituído pela imprensa da época”
153
.
Por influência dos métodos científicos e da aversão ao idealismo do período
anterior, as concepções de mundo revestiam-se de um caráter materialista, abrindo espaço
ao Positivismo. Nas artes o Realismo manifestava-se como representação anti-romântica,
adotando o racionalismo, revisando e criticando valores morais e sociais. O povo passava a
ser tematizado e a obra de arte transformava-se em forma de fazer política e protestar
contra a ordem vigente.
Prolongamento e exagero do movimento Realista, o Naturalismo fundamentou-se
em bases científicas e filosóficas, introduzindo a ciência no plano da obra de arte, fazendo
desta um meio de demonstração e experimentação de teses científicas, especialmente a
psicopatologia, o que fica claro nos constantes casos de patologia social e histeria retratados
nas obras de Azevedo.
Rogel Samuel afirma que, movidos pela certeza de seu papel científico os
naturalistas fizeram descrições repugnantes e repelentes’
154
, assumindo uma posição
combativa na análise dos problemas sociais, fazendo do romance uma verdadeira tese no
intuito de mudar as condições de decadência social.
Imerso neste quadro mundial o discurso literário brasileiro, no final do século XIX,
oscilava entre a atração pelos centros europeus e a atenção às singularidades de nossa
produção literária. As especificidades de produção, crítica e público brasileiros definiram a
opção de Azevedo por uma estética híbrida de romance romântico e naturalista:
“[...] Entendemos que em similhantes contingencias o melhor partido a seguir
era conciliar as duas escolas, de modo a agradar ao mesmo tempo ao paladar
152
NEVES, Margarida de Souza: 1991, p. 54.
153
NEVES, Margarida de Souza: 1991, p. 60.
154
SAMUEL, Rogel. (org): 1985, p. 154.
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56
do público e dos críticos; até que se consiga por uma vez o que ainda
pouco dissemos impôr o romance naturalista. [...] Mas, enquanto não
chegamos a esse bello posto, vamos limpando o caminho com as nossas
producções hybridas, para que mais felizes, que por ventura venham depois,
já o encontrem desobstruído e franco”
155
.
Alguns autores, no entanto, discordam desta versão: acreditam que o naturalismo no
Brasil foi imposto pela moda e, por isto, mal assimilado por nossos escritores, que o
executaram como a uma “receita”, apenas “disfarçando com um pouco de realismo o seu
romantismo”
156
. Esta explicação, no entanto, nos parece muito simplista se nos detivermos
nas origens do todo naturalista, em sua recepção no Brasil e na proposta de análise da
obra de Azevedo fora de padrões rígidos e dentro de uma perspectiva que contemple a
hibridação de estéticas.
Nelson Werneck Sodré considera que a ascensão do naturalismo coincidia com o
momento histórico europeu de declínio da burguesia frente ao imperialismo
157
. Neste
contexto, a arte passa a reivindicar aspectos cotidianos. Para os literatos do período, no
entanto, o erro à época da decadência burguesa estava na interpretação dada, pela literatura,
a estes fatos. Partindo desta premissa os ditos naturalistas se propuseram a uma
interpretação isenta e pretensamente objetiva da sociedade.
Para Sodré, que se baseia em Zola, o romantismo, por se limitar à falsidade a fim de
atenuar tudo que pudesse chocar os espíritos, tinha esgotado seus recursos. Era preciso
mostrar tudo, inclusive os aspectos tristes, amargos e sujos, sem julgamentos. Bastava
constatar. Zola chegou a escrever: “Já não desejo mais observar o homem através de vidros
coloridos de metafísica, e sim como um agregado de elementos histológicos, de fibras e de
células, governado por um sistema unificador o sistema nervoso
158
.
Negando ser o criador do naturalismo, termo que teria vindo de Montaigne, Émile
Zola esclarece que a escola fora esboçada desde Diderot, que rompeu com o classicismo e a
noção de homem metafísico
159
. O naturalismo diria respeito ao retorno à natureza, ao
155
AZEVEDO, Aluísio. Apud. QUEIROZ, Luiz Gonzaga Morando: 1997, p. 40.
156
PEREIRA, Lúcia Miguel. Apud. SODRE, Nelson Wernek: 1992.
157
SODRE, Nelson Werneck: 1992, p. 41-48.
158
ZOLA, Emile. Apud. SODRE, Nelson Werneck: 1992, p.49.
159
DUARTE, Regina Horta:1991, pp. 36-39.
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57
homem fisiológico e dominado pelo meio; seria o emprego dos todos científicos de
observação e experimentação aplicados às letras.
A fim de efetuar a proposta teórica naturalista de demonstrar a verdade e o cotidiano
de forma isenta, científica e com bases fisiológicas, Zola utilizava-se da técnica de
observação para escrever. Visitando guetos, mercados, cortiços, sempre em companhia de
um bloco de notas, travou diálogo com moradores e comerciantes de modo a colher
informações para seus romances. O objetivo final desta empreitada é bem descrito por
Sodré:
“Parecia-lhe que este acúmulo extraordirio de elementos, esses dados
colhidos diretamente e em quantidade continham a verdade inteira, reduziam
ou eliminavam as possibilidades de erro ou deformação na transposição de
cenas. Essa infatigável busca destinava-se à elaboração de uma das peças
fundamentais de ficção naturalista, o meio, herdado dos ensinamentos de
Taine. Misturado com a hereditariedade, constituía, sistematicamente, a
fórmula verídica, o segredo da realidade”
160
.
A observação também era prática comum a Azevedo, enquanto seguidor da escola
em geral e de Zola em particular. Segundo Raimundo de Menezes, Azevedo freqüentava
estalagens, ia às pedreiras, familiarizava-se com cavouqueiros, conversava com eles e
estudava-lhes os tipos. “Saía cedo e ia à faina. Regressava à noite, cansado, aborrecido,
atirava à mesa (...) as notas que tomara...
161
”.
O fato de Azevedo ser também caricaturista e ter trabalhado com teatro e cenários
era decisivo no seu modo de escrever. O autor desenhava um a um seus personagens antes
de escrever sobre eles, possivelmente baseado em pessoas reais com os quais havia tido
contato durante o dia, o que aumenta a riqueza de detalhes e torna as cenas mais reais e
familiares a seu público leitor.
Muitas vezes temos a sensação de conhecer estas pessoas ou lugares, dada a
fidelidade das descrições:
“Raimundo tinha vinte e seis anos e seria um tipo acabado de brasileiro, se
não foram os grandes olhos azuis que puxara do pai. Cabelos muito pretos,
lustrosos e crespos; tez morena e amulatada, mas fina; dentes claros que
160
SODRE, Nelson Werneck: 1992, p. 50.
161
MENEZES, Raimundo de: 1949, p. 10.
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58
reluziam sob a negrura do bigode; estatura alta e elegante; pescoço largo,
nariz direito e fronte espaçosa”
162
.
“A roupa lavada, que ficara de véspera nos coradouros, umedecia o ar e
purificava-lhe um fartum acre de sabão ordinário. As pedras de sabão,
esbranquiçadas no lugar da lavagem e em alguns pontos azuladas pelo anil,
mostravam uma palidez grisalha e triste, feita de acumulações de espumas
secas”
163
.
Sodré, estudando a obra de Zola, descreve como a combinação de meio e
hereditariedade era importante para os naturalistas, pretensamente revelando a “verdade”.
Esta suposta influência do meio e da hereditariedade sobre o caráter e o destino do
indivíduo também é uma constante na obra de Alsio Azevedo.
Outros temas são recorrentes nas obras selecionadas: a crítica à educação rontica
e ociosa dispensada às mulheres burguesas, resultando em histerias, tem sua representação
em Nini (Casa de Pensão), Ana Rosa (O Mulato) e Magda (O Homem). Os preconceitos de
cor e raça podem ser notados no mulato Raimundo (O Mulato), nos portugueses Jenimo e
João Romão (O Cortiço), no capoeira brasileiro Firmo e na sensual Rita Baiana (O
Cortiço).
Além dos citados casos, temos o singular exemplo de Amâncio de Vasconcelos
(Casa de Pensão), personagem no qual a fusão entre a precariedade do ensino brasileiro
associada aos mimos da avó e da mãe e ao contato com os negros da fazenda – sobretudo a
ama de leite sifílica - determinam definitivamente o caráter malévolo.
No romance, ao descrever a juventude de Amâncio, Alsio Azevedo não se limita a
expor os elementos que determinariam” o destino do rapaz, mas critica a ordem
econômica e social do Maranhão. O autor utiliza-se do tema da escravidão para criticar
tanto esta como o sistema patriarcal extremamente arraigado ao nível do local que se
deveria combater em benefício do nacional, segundo sua proposta.
A escravidão é tratada como parte constitutiva dos riscos que acarretavam
problemas à saúde física e moral das famílias. A ama de leite sifílica, elemento do sistema
escravagista, é ao mesmo tempo vítima da sociedade e perigo para esta:
162
AZEVEDO, Aluisio: 1962, p. 51.
163
AZEVEDO, Aluisio: 1998, p. 30.
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59
“Com semelhante esterco, não podia desabrochar melhor no seu
temperamento o leite que lhe deu a mamar uma preta da casa. Diziam que
era uma excelente escrava: tinha muito boas maneiras; não respingava os
brancos, não era respondona; aturava o maior castigo, sem dizer uma palavra
mais áspera, sem fazer um gesto mais desabrido. Enquanto o chicote lhe
cantava nas costas, ela gemia apenas e deixava que as lágrimas lhe
corressem silenciosamente pelas faces. O médico pom, não ia muito que a
deixassem amamentar o pequeno: - Essa mulher tem reuma no sangue...
dizia ele – e o menino pode vir a sofrer no futuro”
164
.
E é o que acontece: o autor dedica mais de um capítulo do romance a discorrer sobre
as bexigas e dores reumáticas que viriam a assolar o futuro do rapaz
165
.Os males físicos e
mesmo os desvios morais que assolam o jovem provinciano são atribuídos ao leite que
recebeu da ama e ao contato com esta.
Embora fosse uma excelente escrava, para os padrões da época o desobedecia
nem discutia mesmo sob o jugo do chicote a ama havia sido comprada por “uma
verdadeira pechincha dado seu avaado estado de doença. Curada com “garrafadas de
laranja-da-terra”, tornou-se rija para o trabalho e chegava a valer um conto de réis. Mas
o sangue incluído não o sentido biológico do termo, mas os supostos princípios
morais que ele encerra – continuava ruim.
O termo sangue”, neste caso, tem uma abrangência maior que a fisiológica. O foco
principal é a crítica social e os possíveis males acarretados pela inserção do elemento
escravo no seio das famílias. O autor critica o sistema escravagista e o pensamento dos
senhores que caracterizavam o bom escravo pela rigidez no trabalho e pela não
desobediência; e mesmo no caso desta ocorrer e de ser o castigo indispensável, o bom
escravo” não reclamaria de sua sorte, “chorando baixo” para não perturbar a ordem das
coisas.
Em todo o romance, impregnado por doutrinas deterministas, a vida de Amâncio é
dirigida por mecanismos psicológicos, fisiológicos e ideológicos. O tom da crítica é claro:
da nova cidade projetada pelos intelectuais esperava-se acima de tudo a ordem. Uma
suposta ordem que teria desde sempre existido, mas que se teria deixado “amolengar” na
intimidade da convivência no interior da família patriarcal colonial
166
.
164
AZEVEDO, Aluísio: 1999, pp. 26-27.
165
Ver: AZEVEDO, Aluísio:1999, pp. 148-212.
166
PECHMAN, Robert Moses: 1992, p. 32.
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60
A crítica aos costumes no interior deste núcleo é expressa em vários trechos da obra,
como nas visitas que Ancio, quando criança, fazia à fazenda da avó. A descrição da avó
também tem um caráter claramente pejorativo nas palavras: “...uma velha quase analfabeta,
supersticiosa e devota.... Em apenas uma frase o autor qualifica as matrizes do pensamento
errôneo da avó que não se atreve a repreender o neto: a ausência de estudos, a superstição
em detrimento da razão da ciência – e a devoção – uma referência ao efeito depreciativo da
Igreja na formação do caráter, uma vez que esta pregava a submissão.
A influência da avó na formação do caráter de Ancio é considerada negativa:
“o rapaz escondia-lhe o cachimbo, pisava-lhe os canteiros da horta, diverti-
se em quebrar a pedradas as lamparinas dos santos, suspensas na capela, e,
às vezes, quando não estava de boa maré, atirava com os pratos nos escravos
que serviam à mesa. A avó ralhava mas não podia conter o riso”
167
.
Este trecho supõe a manuteão do desvio de caráter a que estavam sujeitos os
“sinhozinhos”, protegidos por escravos, mães e avós, que, acostumados com a ordem dada,
tendiam a achar tudo normal.
A crítica à aristocracia e aos mandos do dinheiro também estão presentes em O
Coruja. A trajetória de Teobaldo, filho de um barão, é parecida com a de Amâncio de
Vasconcelos. Acostumado a não ser contrariado, consome todo o dinheiro do pai em farras
enquanto finge estudar na capital, levando ao endividamento e suicídio do progenitor.
Acostumado a tratar as mulheres pelas escravas de sua fazenda, tem vários casos e maltrata
a todas as namoradas. Terminando sozinho e morrendo doente, nunca se esqueceu, no
entanto, dos conselhos do pai:
“[...] O homem deve sempre colocar-se superior a tudo e fazer por dominar a
todos. O mundo, meu filho, compõe-se apenas de duas classes a dos fortes
e a dos fracos; os fortes governam, os outros obedecem. Ama os teus
semelhantes, mas não tanto como a ti mesmo, e entre amar e ser amado,
prefere sempre o último...”
168
.
A recorrência destes temas e de outros como a infidelidade, a busca pela ascensão
social, e o anticlericalismo, podem ser associadas a uma suposta adaptação do naturalismo
167
AZEVEDO, Aluísio:1999, p. 27.
168
AZEVEDO, Aluísio: 1968, p. 50.
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61
aos trópicos. O crítico literário Araripe Júnior, no artigo Estilo Tropical de 1888, recorreu à
idéia de “tropicalidade” para demonstrar sua teoria sobre a adaptação do romance
naturalista no Brasil: a originalidade estaria na influência do meio local sobre as formas
importadas vindas da Europa: “A nova escola, portanto, tem de entrar pelo trópico de
Caprirnio, participando de todas as alucinações que existem no fermento do sangue
doméstico, de todo o sensualismo que queima os nervos do crioulo”
169
.
Araripe Júnior defendia que o naturalismo transplantado para o Brasil deveria
adaptar-se ao clima tropical e aos seus habitantes, “envenenados pelo ambiente”. O crítico
compara a Europa a uma sociedade velha e decadente, que só poderia ser retratada desta
maneira, enquanto no Brasil o processo era inverso: “um cadáver não se observa do mesmo
modo que um ser que ofega de vigor”
170
.
Para Araripe Júnior, o naturalismo no Brasil deveria se submeter à “aclimatação’
para não correr o risco de tornar-se uma planta exótica:
“[...]O realismo, aclimatando-se aqui, como se aclimou o europeu, tem de
pagar o seu tributo às endemias dos países quentes, aonde, quando o veneno
atmosférico não se resolve na febre amarela, no cólera, transforma-se em
excitações medonhas, de um dantesco luminoso”
171
.
Esta “aclimatação” proposta por Araripe Júnior está presente na obra de Azevedo. A
opção do autor por temas e cenários recorrentes na sociedade carioca para escrever seus
livros é, também, reveladora dos projetos e táticas do autor.
Seja no microcosmo do cortiço, de uma casa de pensão, de uma pedreira ou de um
palacete afidalgado, Azevedo constrói sua obra de modo a mostrar uma visão acerca da
realidade do Rio de Janeiro de fins do século XIX e, para isto, utiliza-se de descrições
minuciosas e coincidentes com outros tipos de fonte, a fim de conferir legitimidade ao seu
trabalho.
Enquanto as cenas da cidade como um todo são mostradas apenas através dos
personagens e da referência a alguns pontos como a casa de mbio, as confeitarias da rua
169
VENTURA, Roberto:1991, p. 18.
170
Araripe Júnior. Apud. PORTO, Ana Gomes:2003, p. 134.
171
Araripe Júnior. Apud. PORTO, Ana Gomes: 2003, p.134.
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62
do Ouvidor ou a Caixa Econômica, os ambientes a serem ressaltados são cuidadosamente
trabalhados e dotados de rios exemplos que comprovem sua visão acerca de um suposto
problema. O autor descreve cenas luxuriosas em seus romances, destacando a sensualidade
das mulatas frente à fragilidade e languidez das moças de classe média:
“Naquela mulata estava o grande mistério, a sínteses das impressões que ele
recebeu chegando aqui: ela era a luz ardente do meio-dia; ela era o calor
vermelho das sestas da fazenda; (...)era o veneno e o açúcar gostoso; (...) era
a cobra verde e traiçoeira, a lagarta viçosa, a muriçoca doida, que esvoaçava
havia muito tempo em torno do corpo dele, assanhando-lhes os desejos...
172
.
A um tempo promove uma crítica aos costumes estabelecidos nesta cena, uma
roda de samba e procura demonstrar o perigo representado pela promiscuidade, presente
no seio das populações mais pobres, associada à beleza das “fogosas brasileiras”, a
exemplo de Rita Baiana, personagem de O Cortiço.
Para os naturalistas a natureza externa pode agir também em conjunto com outros
dois aspectos: o determinista e o evolucionista
173
. O sangue é o principal elemento do
aspecto determinista
174
, que, associado à ação da natureza através do sol
175
, principal
aspecto evolucionista, conduz aos erros e más ações.
Como o poder do sol, os aromas e temperos tropicais também são apontados como
decisivos nos desvios comportamentais e morais do indivíduo:
“E assim, pouco a pouco, se foram reformando todos os seus antigos hábitos
de singelo aldeão português: e Jerônimo abrasileirou-se. A sua casa perdeu
aquele ar sombrio e concentrado que a entristecia; já apareciam por lá alguns
companheiros de estalagem, para dar dois dedos de palestra nas horas de
descanso, e aos domingos reunia-se gente para o jantar. A revolução afinal
foi completa: a aguardente substituiu o vinho; a farinha de mandioca sucedeu
à broa; a carne-seca e o feijão-preto ao bacalhau com batatas e cebolas
cozidas; a pimenta-malagueta e a pimenta-de-cheiro invadiram
172
AZEVEDO, Aluísio: 1998, p. 63.
173
QUEIROZ, Luiz Gonzaga Morando:1997, p. 177
174
Aqui insinua-se o discurso dico-higiênico que via no sangue a ligação com o meio externo e por isto
passível de inoculações positivas ou negativas que seriam potencializadas pela educação.
175
A presença do sol confirma a utilização de teorias etnocêntricas para justificar a inferioridade das raças
dos países tropicais. De acordo com estas teorias os países não europeus eram periféricos e os povos
estabelecidos eram fracos devido ao sol e clima tropicais, que os conduziam naturalmente à vadiagem e
preguiça.
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63
vitoriosamente sua mesa; (...) e, desde que o café encheu a casa com o seu
aroma quente, Jerônimo principiou a achar graça no cheiro do fumo e não
tardou a fumar também com os amigos”
176
.
Uma vez mais o determinismo do meio sobre o indivíduo é ressaltado por Aluísio
Azevedo. O confronto entre os hábitos, expresso através da diferenciação das culinárias
brasileira e portuguesa, sugere a corrupção do português pelos cheiros, cores, sabores e
modos cariocas. A utilização de condimentos e a adoção do fumo seriam apenas o início da
“apimentada” relação de Jerônimo com o país. Relação que terminaria com sua sedução por
uma mulata brasileira e o abandono de seu lar para viver com ela.
Aluísio Azevedo sugere que todas as mudanças ocorridas na vida de Jerônimo
decorreram de sua convivência com os colegas de trabalho, com o fumo, o café, as rodas de
samba e de viola que tinham lugar no interior do cortiço. O próprio clima, o sol escaldante
a que ficava exposto na pedreira são apontados como determinantes das mudanças no
caráter do português.
Nesse sentido é tamm significante a descrição das trajetórias opostas dos
imigrantes portugueses João Romão o dono do cortiço e Jerônimo trabalhador da
pedreira, supracitado , à medida em que convivem com a população domiciliada no
Cortiço de São Romão.
A ascensão do vendeiro, e aspirante a barão, João Romão é uma das linhas de força
do Romance. Quando chegou ao Brasil, aos doze anos, o sistema econômico engendrado
pelos portugueses fornecia um quadro propício aos lusitanos no país. Inicialmente
trabalhando como empregado em uma casa comercial, João Romão sucede seu patrão após
sua morte.
A ambição e avareza do jovem comerciante associadas à exploração da escrava
Bertoleza, permitirão a João Romão uma rápida ascensão social. O comerciante,
aproveitando-se do amor da escrava e de seus instintos de melhora genética através do
branqueamento, assegura sua escalada social através da ajuda incondicional da negra:
“Ele propôs-lhe morarem juntos, e ela concordou de braços abertos, feliz em
meter-se de novo com um português, porque, como toda a cafuza, Bertoleza
176
AZEVEDO, Aluísio: 1998, p. 75.
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64
não queria sujeitar-se a negros e procurava instintivamente o homem numa
raça superior à sua”
177
.
Embora este seja o único trecho em que o autor sugere a eugenia como forma de
melhorar a população brasileira, este é significativo uma vez que o autor não mede
palavras: caracteriza os negros como raça inferior e os iguala a animais, guiados não pela
rao ou pelo amor, mas por instinto, na escolha de seus parceiros. Além disso, sugere que
a origem do preconceito racial partiria dos próprios negros que negavam-se a reproduzir-se
entre eles, procurando uma raça superior à sua.
Ao lado de João Romão a escrava Bertoleza passaria a exercer o papel de caixeiro,
criada e amante. Durante o dia lidava em sua quitanda e durante a noite trabalhava na
venda, “e o denio da mulher ainda arrumava tempo para lavar e consertar, além da sua,
a roupa de seu homem...”
178
.
Aluísio Azevedo segue descrevendo as verdadeiras proezas de economia feitas
pelos dois parceiros e a forma como todo o dinheiro era economizado, indo direto, todo
mês, para a Caixa Econômica, permitindo com que ao fim de um ano o comerciante
pudesse adquirir algumas braças de terra ao fundo da taverna, dando início à constrão de
sua estalagem.
Além das referências às trajetórias de João Romão e Jerônimo, outros temas como a
promiscuidade e o lesbianismo são apontados como fruto da atmosfera vivida nos cortiços.
Além do deteriomento moral, a promiscuidade e o lesbianismo também contribuíam para
engrossar o contingente de doenças, dada a vida quase comum que levava-se em um
cortiço.
Na descrição da relação entre Leónine e Pombinha, o tom determinista do naturalismo
também prevalece. Poupada pela mãe de todas as tarefas domésticas, acostumada com uma
educação que não se equiparava a seu vel de vida, Pombinha, quando adulta, deixaria o
marido medíocre para ganhar dinheiro fácil através de sua associação com Leónine, a
prostituta que tempos antes, a havia violentado:
“Por cima das duas passara uma geração inteira de devassos. Pombinha,
com três meses de cama franca, fizera-se tão perita como a outra; a sua
177
AZEVEDO, Aluísio: 1998, p. 14.
178
AZEVEDO, Aluísio: 1998, p. 15.
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65
infeliz inteligência, nascida e criada no modesto lodo da estalagem, medrou
logo admiravelmente forte dos vícios de largo fôlego; fez maravilhas na arte;
parecia advinhar todos os segredos daquela vida; seus lábios não tocavam
em ninguém sem tirar sangue; sabia beber, gota a gota, pela boca do homem
mais avarento, todo o dinheiro que a vítima pudesse dar de si”
179
.
O autor segue descrevendo o verdadeiro talento” de Pombinha para a profissão e a
forma como sua fortuna era apreciada no cortiço. Durante suas visitas as ruas enchiam-se
de gente que a abençoava “com seu estúpido sorriso de pobreza hereditária e humilde”
180
.
O determinismo do autor que caracteriza a própria condição do pobre como hereditária não
ra por aí: sugere a manutenção da condição do cortiço enquanto fornecedor de
prostitutas.
A filha de Jerônimo, desde que o pai abandonara o lar, era ajudada por Pombinha,
que lhe tinha uma especial feição, semelhante à que Leónine tinha por esta tempos atrás:
“[...]A cadeia continuava e continuaria interminavelmente; o cortiço estava preparando
uma nova prostituta naquela pobre menina desamparada, que se fazia mulher ao lado de
uma infeliz mãe ébria”
181
.
O autor parece querer realçar que o destino do pobre era determinado pelo sistema
social e econômico no qual vivia, mostrando que o caso de Pombinha não constituía-se em
uma exceção, mas em regra. Aluísio Azevedo também chama atenção para o fato da
decomposição familiar e a vida em comum, supostamente levada nos cortiços, fornecerem
condições propícias à procura pela prostituição como meio de vida.
Objetivando ser um formador de opinião, o Aluísio Azevedo menciona a
promiscuidade presente nos cortiços e as altas taxas de natalidade: “e as mulheres iam
despejando crianças com uma regularidade de gado procriador”
182
. Os exemplos de
promiscuidade são vários no romance, seja sob a forma do adultério, do lesbianismo, da
prostituição ou do abuso de menores. O autor radicaliza seus exemplos no intuito de
mostrar o que caracteriza como o brotamento da vida como de uma podridão
183
.
Assim como em Casa de Pensão, o enredo de O Cortiço passa-se no cenário do Rio
de Janeiro. Mas ao contrário do que ocorre em outras obras de Aluísio Azevedo, não
179
AZEVEDO, Aluísio: 1998, p. 171.
180
AZEVEDO, Aluísio: 1998, p.170.
181
AZEVEDO, Aluísio: 1998, p.171.
182
AZEVEDO, Aluísio: 1998, p. 114.
183
AZEVEDO, Aluísio: 1998, p. 171.
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66
neste último romance uma descrição da aristocracia, mas do povo como personagem. Os
cortiços, habitação da maior parte do operariado carioca em fins do século XIX,
constituíam-se em um fenômeno social que preocupava seus contemporâneos, indo de
encontro a seus planos “modernizantes”.
A escolha deste microcosmo social deve-se não apenas às facilidades que apresentava
à experimentação parte do método de trabalho de Azevedo. Este universo”
sintetizava as mudanças ocorridas nos últimos anos do século XIX no Rio de Janeiro. Os
cortiços eram resultado direto do desenvolvimento desordenado associado à chegada
massiva de migrantes e imigrantes.
Por todas as contradições presentes em seu seio e por significar uma espécie de
síntese dos antagonismos da sociedade carioca do fim do século XIX, o cortiço pode, assim
como a “casa de pensão”, ser considerado um personagem na obra de Azevedo. No
romance sua descrição é minuciosa: vemo-lo nascer, crescer e transformar-se em
estalagem ao longo da trama. Os personagens, em alguns momentos, perdem sua
identidade, sendo descritos como parte da vida comum que tem lugar no Cortiço de São
Romão.
Através da superposição de imagens, sons e sentidos próprios do
naturalismo – o autor parece dar iia de que o cortiço tem vida própria. Como
na passagem: “o vendeiro empurrou a porta do fundo da estalagem, de onde escapou,
como de uma panela fervendo que se destampa, uma baforada quente, vozeria tresandante à
fermentação de suores e roupa ensaboada, secando ao sol”
184
.
Este fluxo de sensações, cheiros e ruídos parece pretender invadir o leitor, em um
esquema muito próximo ao teatro
185
. Mas não o os personagens que norteiam a cena, é o
próprio cortiço que parece ter vida: “Eram cinco horas da manhã e o cortiço acordava,
abrindo não os olhos, mas a sua infinidade de portas e janelas alinhadas”
186
.
Situações parecidas acontecem também em O Homem e O livro de Uma Sogra . Na
primeira obra os delírios e sonhos da histérica Magda se confundem com a própria
184
AZEVEDO, Aluísio: 1998, p. 44.
185
Não por acaso, em conversa com Coelho Neto, Azevedo teria afirmado: “Quando escrevo, pinto
mentalmente. Primeiro desenho os meus romances, depois redijo-os”. Apud. MENEZES,Raimundo: 1949.
186
MENEZES,Raimundo: 1949, p.30.
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67
realidade da hisria como um todo, misturando sensações, fazendo alusões a trechos
bíblicos. Já na segunda obra, quase todo o conteúdo compreende as transcrições de Olímpia
a referida sogra a respeito de suas convicções, estudos e experiências sobre o
casamento. Em ambos os casos sonho e manuscrito parecem ganhar vida própria,
constituindo-se em personagens dentro das obras.
As epígrafes das obras de Aluísio Azevedo também nos oferecem dicas sobre sua
opção pela escola naturalista e o teor de sua crítica social: Em Casa de Pensão podemos
ler: “Desconfia de todo aquele que se arreceia da verdade”
187
. Em O Cortiço uma das
quatro epígrafes afirma as pretensões da obra, do autor e da escola naturalista: “La ri,
toute la vérité, rien que la vérité”
188
.
As obras O Livro de Uma Sogra, O Mulato e O Coruja não têm epígrafes, mas a
escolhida para O homem, entre um desabafo e um alerta, parece suprir esta ausência:
“Quem não amar a verdade na arte e não tiver a respeito do Naturalismo idéias bem claras e
seguras, fará, deixando de ler este livro, um grande obséquio a quem o escreveu”
189
.
A crença na resincia da verdade fundada na ciência fez com que o autor
tematizasse doenças, se detivesse na análise fisiológica e psicológica dos personagens e
abrisse espaço para a linguagem científica em seus textos. É significativa a referência a
temas como a loucura, em um momento em que a cadeira de psiquiatria Faculdade de
Medicina do Rio de Janeiro acabava de ser criada e começavam a surgir os primeiros
estudos sobre o assunto.
A preocupação com os dados, o estudo dos tipos e o conhecimento científico eram
imprescindíveis para conferir verossimilhança à obra. Durante a escrita de O Homem, por
exemplo, Aluísio chegou a enviar manuscritos ao amigo Antônio Fernandes Figueira, que
preparava uma tese sobre a histeria.
A linguagem literária se cientificava na busca por agradar a um público sedento de
novidades. O autor fornecia a seus contemporâneos um quadro amplo de uma parcela da
sociedade carioca do último quartel do século XIX que o leitor, quase sempre, desconhecia.
Ao mesmo tempo, dirigia seu assunto através do detalhamento de determinadas
situações e personagens. Esta era também uma maneira de direcionar a visão de mundo de
187
AZEVEDO, Aluísio: 1999,p. 15.
188
AZEVEDO, Aluísio: 1998,p. 12.
189
AZEVEDO, Aluísio:1957, página de rosto.
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68
uma sociedade sob vertigem do progresso acelerado e, contraditoriamente, agarrada a certas
práticas que não mais convinham a um país aspirante a “moderno”.
A missão do literato expressava-se como um dever ou missão auto-atribuído de
levar cultura ao povo dentro de uma estratégia do processo de modernização oitocentista
brasileiro: divulgação através dos livros, obedecendo a uma concepção verticalizada da
construção social. Mas até que ponto, tendo para si esta missão e balizado pelos parâmetros
europeus da época, Azevedo não estaria reproduzindo-os, em detrimento de uma literatura
que se pretendia nacional?
É importante ressaltar que Aluísio Azevedo, como qualquer literato, ocupava dois
espos no processo de fundação da nação: o de participante e o de registrador, que o faz
segundo seus ideais estéticos, políticos e sociais. De acordo com Queiroz
190
, pode-se notar
três formas de compreender a realidade dentro deste “processo civilizador”: o projeto
médico-higiênico, o evolucionismo e o determinismo.
A proposta de Zola contida em O romance experimental é que apoiado na
observação e experimentação do escritor, o romance naturalista aproximaria a literatura do
status de ciência vigente, equiparando o escritor ao desempenho do médico ou juiz. O autor
propõe expor manifestações sociais, intelectuais e fisiológicas para mostrar o homem
vivendo “no meio social que ele produziu e modifica todos os dias”
191
.
A partir das três citadas formas de compreensão da realidade em fins do culo XIX
e da proposta de Zola, bem como das declarações de Azevedo sobre a necessidade do uso
de uma estética híbrida, podemos notar a convivência da nacionalidade nascente com a
escola de origem européia através da tríade ciência, educação e moralidade.
Nos escritos naturalista e na obra de Azevedo, em especial, predominarão, em graus
variados, o meio como fator determinante da ação, a ciência como norteadora da civilização
e a moral como meio para se chegar a esta última. O meio físico e intelectual, aí incluída a
educação, constituem-se fatores determinantes do futuro dos indivíduos, a ciência assume
status de verdade indiscutível e a moral apresenta-se como forma de salvaguardar o núcleo
familiar e reafirmar a missão pedagógico-educativa do literato, que oferece , firmado em
documentos e fatos reais, casos para a apreciação pública.
190
QUEIROZ, Luiz Gonzaga Morando: 1997, p. 72.
191
ZOLA, Emile. Apud. QUEIROZ, Luiz Gonzaga Morando: 1997, p. 82.
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69
Desta forma, embora sofra influência dos modelos europeus e se comunique com os
pressupostos de Zola, Aluísio Azevedo incorpora ambas as estéticas
70
Capítulo 3: Rio de Janeiro: uma cidade no espelho
3.1- O Cenário: a cidade do Rio de Janeiro em fins do século XIX nas obras de
Azevedo
Por que estás rindo? A história refere-se a ti, apenas o nome está mudado.
(Horácio)
Podemos caracterizar o trabalho de Aluísio Azevedo como uma tematização do
tempo vivido. A partir de suas obras o autor opera uma seleção, empreendendo uma
construção e interpretação do real que visava sensibilizar o público para determinada causa
e direcionar seu comportamento frente a acontecimentos específicos.
Inserido em um grupo (literatos e políticos) que se auto intitula apto a criticar e
propor soluções aos problemas de um grupo maior ( a sociedade como um todo), Azevedo
desafia seu tempo através da ironizão, satirização e caricaturização dos excessos
cometidos pela sociedade de modo geral e por seus pares, em específico, bem como através
da exposição das mazelas sociais que este grupo de intelectuais e ativistas pretendia
“varrer” da sociedade carioca aspirante a moderna.
Nesta atmosfera de otimismo geral pela civilização e progresso, havia
também o rompimento de convicções, identidades e referências: “na cidade que estava
sendo reconstruída era necessário criar e recriar, ver e rever, atualizar para os habitantes a
sua imagem, num momento em que a medida do tempo não é mais anos, mas minutos e
segundos”
193
.
É a partir desta perspectiva que Azevedo propõe um projeto social-literio que
desafia seu tempo e utiliza suas obras como forma de difundir e convencer acerca de tal
projeto, de modificação humana e moral, e não apenas das estruturas sicas da cidade. Na
proposição deste “homem higiênico, se a satirização e ironização propostas por Azevedo
não provocam, de fato, uma transformação das regras sociais, as doses de crítica e
irreverência chamam atenção para um múltiplo de exclusões e contradições cotidianas na
sociedade carioca.
Na obra do autor é visível a tensão entre a cidade que se queria moderna e
hegemônica e a cidade antiga. O projeto que buscou destruir a cidade de feição colonial,
193
DIOGO, Marcia Cezar:2005, p. 467.
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71
seus hábitos e costumes não levou, efetivamente, à constrão da modernidade, uma vez
que essa ruptura, lenta e conflituosa, com a história não se completou. No interior da
sociedade as relações sociais foram pouco alteradas, prevalecendo a substantivação de um
moderno construído: “um ideal progressista que consegue mesmo alterar penteados, ou,
como ocorreu de fato, as fachadas de edifícios”
194
:
A identificação das moradias populares como insalubres, antes de ser uma questão
sanitária, era uma questão política. O que estava em jogo eram as tentativas de apagar o
passado histórico representado por estes prédios, bem como defender os interesses
comerciais da elite urbana e o incentivo à imigração por parte dos fazendeiros.
Em benefício destes novos interesses comerciais e pessoais, não importava o destino
do pobre urbano, com poucas opor
72
Para “ser moderno” alguns pensadores acreditavam ser preciso ter passado, resgatar
o passado do país. Outros acreditavam que o melhor seria mesmo esquecer as heranças
coloniais fruto de muitos dos problemas - e dedicar-se a “criar uma história mais
coerente a uma nação civilizada e moderna.
Na luta entre herança e vanguarda, protagonizada por intelectuais e políticos do
período, não bastava construir uma nação, era preciso definir que cara teria ela e sobre
quais bases se assentaria. Este foi o tom do debate predominante no contexto de criação das
obras aqui analisadas: a tensão permanente da identidade brasileira dividida entre ser
original e tributária da cultura universal
196
.
As obras de Azevedo se organizam com objetivos bem definidos: promover a
mudança de gosto literário no público leitor, servir ao papel social de orientão e
exposição de mazelas sociais. Além disso, deveriam disseminar preceitos morais
socialmente aceitos, sendo que estes prenunciavam que a sua negação poderia levar a
caminho semelhante ao do personagem, uma vez que a obra era baseada no real.
Dentre as obras selecionadas, as mais significativas do ponto de vista das reformas
físicas, pelas quais deveria passar a cidade do Rio de Janeiro, em relação às mudanças na
postura médica, são O Cortiço e Casa de Pensão. Em O Mulato também podemos
encontrar algumas críticas com relação à colonização portuguesa, mas estas em sua maioria
dizem respeito aos aspectos morais, o que predomina também nas outras três obras.
Aluísio Azevedo critica em O Mulato os efeitos do colonialismo português que se
prolongam até sua época, sobretudo em uma província como o Maranhão, afastada do então
centro político, o Rio de Janeiro. As críticas contra este neocolonialismo pós-independência
cristalizam-se sobretudo na tira aos comerciantes portugueses, caracterizados como
arrivistas e sem escrúpulos, a exemplo do que também acontecerá em O Cortiço.
A ligação de Maranhão com Portugal é apontada como um sinal de
conservadorismo e estagnação: “... não há Maranhão como este! Isto nunca deixará de ser
uma colônia portuguesa! O alto governo não faz caso das províncias do Norte!”
197
.
Raimundo, o protagonista, volta-se para a França e Estados Unidos, símbolos de
civilização e progresso, nos quais a sociedade brasileira a ser construída deveria inspirar-se,
196
PESAVENTO, Sandra Jatahy: 2002, p. 163.
197
AZEVEDO, Aluísio: 1962, p. 247.
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73
principalmente no que dizia respeito aos princípios republicanos e liberais daquelas
sociedades:
“(...) como quer você que o povo seja instruído num país, cuja riqueza se
baseia na escravidão e com um sistema de governo que tira a sua vida
justamente da ignorância das massas?...Por tal forma, nunca sairemos deste
círculo vicioso! o haverá república enquanto o povo for ignaro, ora
enquanto o governo for monárquico, conserva, por conveniência própria, a
ignorância do povo; logo – nunca haverá república!
198
.
Em O Cortiço, ao descrever o furto de materiais e a exploração de mão-de-obra para
a construção, o autor revela também a ausência de caráter de seu dono, deixando, mais uma
vez, transparecer o sentimento anti-português então em voga. Azevedo descreve em
minúcias a forma como o vendeiro João Romão persuadia a escrava Bertoleza tornando-a
sua cúmplice nos pequenos furtos de tijolo, cal e cimento realizados nas construções da
vizinhaa, dos quais nem mesmo as ferramentas dos pedreiros escapavam.
O furto de materiais sugere ainda a precariedade destas construções, também
explicitada por um observador do período:
“as estalagens antigas têm um aspecto mais primitivo, mais grotesco, mais
mal acabado. São ligeiras construções de madeira, que o tempo consolidou
pelos concertos clandestinos, atravancadas nos fundos de prédios, tendo um
segundo pavimento acaçapado como o primeiro e ao qual se ascende
dificilmente por escadas íngremes, circundado também por varandinhas de
gosto esquisito e contextura ruinosa. Isto que fica resumido é o cortiço,
cujo interior a pena naturalista de Aluísio Azevedo deixou para sempre
gravada com seu majestoso traço pictural”
199
.
A ausência de acabamento, a desconjuntura de cômodos e áreas externas, a
aparência ruinosa presente na descrição de Backeuser sobre os cortiços coincide com a
descrição física das moradias populares na obra de Azevedo, que ele caracteriza como um
“desenho” da realidade, sobretudo no que diz respeito ao interior destas moradias, ou seja,
seus moradores e hábitos. Delineava-se o projeto tomado para si, pelo autor, de “formação
das almas” através do combate aos costumes recorrentes entre a população domiciliada nos
cortiços.
198
AZEVEDO, Aluísio: 1962, p.246.
199
BACKEUSER. Apud. BENCHIMOL, Jaime Larry: 2003, p.236.
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74
No entanto, a modernização empreendida pela elite brasileira a fim de tornar a
capital da república mais atraente para visitantes, imigrantes e investidores, deixou milhares
de trabalhadores sem casa e outros tantos em habitações cada vez mais precárias e
insalubres. Nestas condições, mais uma vez o sonho de construção de um quadro de vida
em moldes europeus viu-se adiado pela ineficiência na “formação das almas”:
“E naquela terra encharcada e fumegante, naquela umidade quente e lodosa,
começou a minhocar, a esfervilhar, a crescer um mundo, uma coisa viva,
uma geração, que parecia brotar esponnea, ali mesmo, daquele lameiro, e
multiplicar-se como larvas no esterco”
200
.
Os administradores da corte começaram a notar a existência de cortiços na cidade do
Rio de Janeiro, segundo Sidney Chalhoub
201
, na década de 1850, após uma epidemia de
febre amarela, neste ano, e outra de cólera, em 1855. Além de terem contribuído para a
elevação das taxas de mortalidade, estas epidemias levantaram uma polêmica em torno das
condições sanitárias da cidade, e sobretudo das habitações coletivas:
“... , todos os anos, irrompiam epidemias mais ou menos mortíferas,
variando os índices de morbidade e mortalidade conforme a sinergia a um
tempo biológica e social dos viventes que se concatenavam no curso de cada
doença”
202
.
A República instaurada em 1889 alterou a Constituição do Estado, mas o a
constituição das cidades. Seguindo a acepção astronômica da palavra, em detrimento da
social , a revolução constituíra-se em um movimento circular no plano político, sem
grandes modificações na instância social, proporcionando a manutenção, remanejada, dos
“donos do poder”
203
. A abolição da escravatura, por sua vez, havia modificado algumas
estruturas, sobretudo no que dizia respeito ao aumento do número de desempregados e
encortiçados.
O fato é que consumados dois dos ideais da geração de intelectuais de 1870, pouca
coisa havia efetivamente mudado, e algumas estruturas haviam sido deterioradas, tal o caso
das habitações populares, agora ainda mais superlotadas e carentes de higiene. Apesar da
200
BACKEUSER. Apud. BENCHIMOL, Jaime Larry: 2003, p.236.
201
CHALHOUB, Sidney:1999, p. 29.
202
BENCHIMOL, Jaime Larry: 2003, p.237.
203
NEVES, Margarida de Souza: 2003, p.26.
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75
formação dos bairros, a escassez e altos preços do transporte, os baixos salários, a distância
do trabalho, e a ausência de emprego fixo, contribuíam para a condensação populacional na
área central da cidade, realçando a incompatibilidade entre a antiga estrutura física e as
novas relações econômicas da capital republicana.
O romance de Azevedo reforça o argumento do adensamento populacional dos
cortiços ser decorrente, em parte, das necessidades de proximidade do trabalho:
“Não obstante, as casinhas do cortiço, à proporção que se atamancavam,
enchiam-se logo, sem mesmo dar tempo a que as tintas secassem. Havia
grande avidez em alugá-las; aquele era o melhor ponto para a gente do
trabalho. Os empregados da pedreira preferiam todos morar lá, porque
ficavam a dois passos da obrigação”
204
.
A proximidade do trabalho e o custo do aluguel, eram, quase sempre, os responsáveis
pelo “atamancamento” do pobre urbano em moradias de insalubridade proporcional ao
mero de habitantes. A caracterização, feita por Aluísio Azevedo, dos cortiços como
lugares úmidos, lodosos, quentes e, portanto, propícios à “brotação” de miasmas e doenças
era corrente em fins do século XIX.
Epicentro da economia e cultura brasileira de fins do século XIX, o Rio de Janeiro
também condensa e expõe as insuficiências do país, lo de compactação das misérias de
uma sociedade escravagista: “se a partir da Revolução industrial a cidade é, por um lado, a
porta da civilização e do progresso, é por outro a ante-sala de um inferno social”
205
.
Os higienistas foram os primeiros a formular um discurso sobre as condições de
vida no Rio de Janeiro, propondo intervenções para restaurar o equilíbrio do “organismo”
urbano. E entre os fatores condenados estavam as habitações coletivas aí incluídos seus
habitantes e hábitos.
Os hábitos dos moradores, sua suposta sujeira física e moral, bem como os
gananciosos proprietários também eram condenados pelos higienistas, mas a estrutura dos
cortiços foi alvo das críticas mais contundentes. Estas habitações, caracterizadas como
úmidas, sem ar e luz, eram taxadas de fermentadores e putrefatórios, sendo
responsabilizadas pela liberação de “nuvens de miasmas”.
204
AZEVEDO, Aluísio: 1998, p. 21.
205
LESSA, Carlos: 2000, p. 151.
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76
O cortiço descrito por Aluísio Azevedo é revelador das condições estruturais e
higiênicas destas moradias:
“Eram cinco horas da manhã e o cortiço acordava, abrindo, não os olhos,
mas a sua infinidade de portas e janelas alinhadas. [...] Daí a pouco, em volta
das bicas era um zunzum crescente; uma aglomeração ruinosa de machos e
fêmeas. (...) O chão inundava-se. As mulheres precisavam já prender as saias
entre as coxas para não molhar (...). As portas das latrinas não descansavam,
era um abrir e fechar de cada instante, um entrar e sair sem tréguas. o
demoravam dentro e vinham ainda amarrando as calças ou saias; as
crianças não se davam ao trabalho de lá ir, despachavam-se ali mesmo, no
capinzal dos fundos, por detrás da estalagem ou no recanto das hortas”
206
.
Na sociedade carioca de fins do século XIX os pântanos, a umidade e as águas
paradas eram apontados como “fermentadores” de doenças. A referência à abundância de
água, nesta passagem e em outras, no que dizia respeito ao ofício das lavadeiras, sugerem a
concordância do autor com as autoridades dico-higiênicas sobre a qualidade dos cortiços
enquanto meio de produção e emanação miasmática.
O uso de latrinas em comum, as crianças despachando” a u aberto e junto às
hortas, deixa transparecer a superlotação dos cortiços e a contaminação do solo, propícios
ao surgimento de doenças. Além disso, a presença de crianças na cena sugere a perpetuação
destes hábitos que não mais convinham à recém criada capital da República.
O enterro de corpos em igrejas, animas mortos atirados à rua, lixos e valas a u
aberto, matadouros, açougues e mercados livres eram outros aspectos da vida urbana
condenados pelos higienistas, que os consideravam perigosos tanto para a integridade dos
alimentos quanto do próprio ar. A descrição de uma cena do “despertar” do cortiço, de
Aluísio Azevedo, nos permite vislumbrar como o autor pretendeu frisar em sua obra a
ausência de regras higiênicas:
“O padeiro entrou na estalagem, com a sua grande cesta à cabeça e o seu
banco de pau fechado debaixo do braço, e foi estacionar em meio ao pátio, à
espera dos fregueses, pousando a canastra sobre o cavalete que ele armou
prontamente. Em breve estava cercado por uma nuvem de gente. (...) Uma
vaca, seguida por um bezerro amordaçado, ia, tilintando tristemente o seu
chocalho, de porta em porta, guiada por um homem carregado de vasilhame
de folha. [...] E, durante muito tempo, fez-se um vaim de mercadores.
206
LESSA, Carlos: 2000, p. 30.
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77
Apareceram os tabuleiros de carne fresca e outros de tripas e fatos de boi; só
não vinham hortaliças, porque havia muitas hortas no cortiço
207
.
A venda de alimentos ao ar livre, sobretudo carnes e vísceras de animais, permitindo
o contato com mosquitos e outros insetos, bem como a venda de leite de porta em porta,
com a liberação sendo estimulada pela mamada do bezerro, e com os detritos dos animais
sendo deixados ao longo do caminho, expunham os moradores dos cortiços a todo tipo de
doenças. A passagem também revela algumas profissões do Rio antigo para as quais era
necessário o ganho diário, de porta em porta, e portanto a proximidade da moradia com o
centro.
No entanto, a preocupação das lideranças poticas e dos comerciantes muitas vezes
não referiam-se às condições de salubridade dos cortiços e bem estar dos moradores, mas
ao perigo que representavam para a população vizinha. Um relato da Companhia de
Saneamento do Rio de Janeiro nos permite visualizar esta questão: “Os cortiços e
estalagens (...), infeccionados como se acham por suas condições sanitárias, são os focos
principais donde surgem epidemias e nascem afecções mórbidas em ameaça constante aos
moradores próximos”
208
.
A vizinhança dos cortiços, muitas vezes, era composta por comerciantes que viviam
em sobrados erguidos sobre suas casas comerciais. O exemplo de Miranda no texto de
Azevedo retrata a inquietação dessa nova elite frente ao crescimento desordenado deste
femeno urbano:
“O Miranda rebentava de raiva. Um Cortiço! exclamava possesso. Maldito
seja aquele vendeiro de todos os diabos! Fazer-me um cortiço debaixo das
janelas!... Estragou-me a casa, o malvado. [...]E durante dois anos o cortiço
prosperou de dia para dia, ganhando forças, socando-se de gente, E ao lado o
Miranda assustava-se, inquieto com aquela exuberância brutal de vida,
aterrado defronte daquela floresta implacável que lhe crescia junto da casa,
por debaixo das janelas, e cujas raízes, piores e mais grossas do que
serpentes, minavam por toda parte, ameaçando rebentar o chão em torno
dela, rachando o solo e abalando tudo”
209
.
207
LESSA, Carlos: 2000, p. 31.
208
ARTHUR SAUER (dono da Companhia de Saneamento do Rio de Janeiro). Apud. CHALHOUB,
Sidney:1999, p. 53.
209
AZEVEDO, Aluísio: 1998, pp. 21 – 23.
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78
A descrição, extremamente significante do ponto de vista das descobertas científicas
da época, sobre as fortaleza das raízes do cortiço, que minavam a terra ameaçando rebentar
o chão, parece ser uma referência à falta de tato dos governantes e intelectuais para lidar
com a proliferação das habitações coletivas, que tiravam-lhes não o chão, mas o próprio
sono.
O crescimento desordenado da cidade e sobretudo das habitações coletivas, o
aumento do número de desempregados e a degradação das condições higiênicas após a
Abolição e a Proclamação da República “rachava o solo das possibilidades de civilização
vislumbradas pelos intelectuais e abalava suas certezas.
A preocupação das elites dizia respeito não só à higiene, mas sobretudo à má fama e
imagem que os cortiços representavam para o estrangeiro, prejudicando as transações
comerciais e a imigração. Para estes novos comerciantes, a imagem era a alma do negócio.
A prosperidade dos cortiços, a despeito dos esforços higienistas, preocupava aos que deles
não obtinham lucro e arriscavam-se a ainda ter prejuízo.
Nas obras selecionadas a oposição entre os sobrados da elite e as habitações
populares, a convivência destas duas realidades tão opostas do Rio de Janeiro do final do
século XIX é uma constante. Em Casa de Pensão são várias as referências a
transformações de casas de família em pensões ou casas de cômodos, seja por falência ou
por ganância:
“[...] Em tal aperto lembrou-se a pobre mãe de admitir spedes; a casa que
ficou tinha bastante cômodos e prestava-se admiravelmente para a coisa”
210
.
“O certo é que as obras se fizeram, e a lebre casa de pensão de Mme.
Brizard (...) transformou-se num desses melancólicos sobradões de alugar
quartos, que se observam a cada canto do Rio de Janeiro”
211
.
Também em O Homem em frente ao sobrado do Conselheiro, no bairro de
Laranjeiras, há um cortiço cujos moradores povoam os delírios de Magdá: “Morava com a
tia Zefa ali defronte, naquela casinha de duas janelas com entrada pela estalagem”
212
.
Mesmo em um bairro conhecido como refúgio das elites, por suas praias, praças e ar puro,
210
AZEVEDO, Aluísio: 1999, p. 64.
211
AZEVEDO, Aluísio: 1999, p. 216.
212
AZEVEDO, Aluísio: 1957, p. 60.
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79
nota-se a presença das estalagens e cortiços, possivelmente devido à proximidade com o
trabalho na pedreira.
De acordo com Carlos Lessa:
“há um ciclo de formação do cortiço. O pobre livre busca a proximidade ao
mercado de subsistência. A água é outro fator decisivo para a fixação da
moradia. O rico busca se afastar, com medo das doenças. Sua antiga
residência, desvalorizada, converte-se em cortiço. No Rio, a partir do
centro, ativou-se uma progressão de neo-encortiçamento”
213
.
A despeito dos anseios de intelectuais e da revolta dos donos de sobrados
afidalgados, a lógica rentista permanecia. A população pobre domiciliada nos cortiços tinha
sua saúde em risco, mas na cidade pré-industrial o lucro prevalecia sobre a dignidade
humana.
Os cortiços, embora insalubres, eram uma enorme fonte de renda, e muitas pessoas
da alta sociedade se dispunham a explorá-los. O próprio Cabeça de Porco – o maior do Rio
de Janeiro tinha por dono o Conde D’Eu. No romance de Azevedo o enriquecimento da
elite às custas da exploração dos pobres também é ressaltado:
“Agora na mesma rua germinava outro cortiço ali perto, o “Cabeça de gato”.
Figurava como seu dono um português que também tinha venda, mas o
legítimo proprietário era um abastado conselheiro, homem de gravata lavada,
a quem não convinha, por decoro social, aparecer em semelhante gênero de
especulações”
214
.
A “germinação”, acelerada pelo desencadeamento das relações capitalistas, estaria
pondo em risco a imagem da nova elite, a qual o decoro social impedia de figurar como
donos dos cortiços, mas a ganância por dinheiro não permitia abandonar a “mina de ouro.
A especulação imobiliária nas áreas em que as reformas urbanas haviam melhorado
a estrutura dos quarteirões e o rápido crescimento demográfico da cidade tendiam a
piorar a situação, aumentando o poder de barganha dos corticeiros e deteriorando a
qualidade de vida do pobre urbano, com menores possibilidades de passear pelos trechos
remodelados: “os preços dos modos subiam, e muitos dos antigos spedes, italianos
213
LESSA, Carlos: 2000, p. 177.
214
AZEVEDO, Aluísio: 1998, p. 114.
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80
principalmente, iam, por economia, desertando para o Cabeça de Gato e sendo substituídos
por gente mais limpa
215
.
O vendeiro João Romão, do romance O Cortiço, tinha consciência da situação
indecorosa que era figurar como dono do cortiço. À medida que enriquecia, o mais lhe
convinha a companhia da negra Bertoleza de quem se livrará através da denúncia de sua
fuga à polícia – e o convívio com os encortiçados.
Neste último caso, o incêndio do cortiço acaba por constituir-se em momento
mítico, revelador da redenção do cortiço pelo fogo, permitindo a João Romão despejar
quem não lhe convinha e construir sua tão sonhada estalagem.
As uma primeira tentativa reprimida de incendiar o cortiço, uma moradora, tida
como louca, consegue finalmente atingir seu objetivo. Mas apesar do fogo ter trazido
grandes perdas para seus moradores, não atingiu o proprietário, chegando inclusive a
beneficiá-lo:
“O vendeiro, com efeito, impressionado com a primeira tentativa de
incêndio, tratara de assegurar todas as suas propriedades; e, com tamanha
inspiração o fez que, agora, em vez de lhe trazer o fogo prejuízo, até lhe
deixava lucros.[...] Vou reedificar tudo isto! declarou João Romão, com
um gesto enérgico que abrangia toda aquela babilônia desmantelada. [...] Daí
a dias, com efeito, a estalagem metia-se em obras.[...] O cortiço o era o
mesmo: estava muito diferente, mal dava idéia do que fora. O pátio, como
João Romão prometera, estreitara-se com as edificações novas; agora parecia
uma rua, todo calçado por igual e iluminado por três lampiões grandes,
simetricamente dispostos. Fizeram-se seis latrinas, seis torneiras d’água e
três banheiros. Desapareceram as pequenas hortas, os jardins (...) e os
imensos depósitos de garrafas vazias. À esquerda, até onde acabava o prédio
do Miranda, estendia-se um novo correr de casinhas de porta e janela, e d
por diante, acompanhando todo o lado do fundo e dobrando depois para a
direita, e daí por diante, erguia-se um segundo andar (...). De cento e tantos a
numeração dos cômodos elevou-se a mais de quatrocentos. Poucos lugares
havia desocupados”
216
.
Uma vez mais a loucura aparece como tema na obra de Aluísio Azevedo. A velha
louca ateia fogo ao cortiço, mas desta vez a loucura é tratada como algo benéfico para a
sociedade. O incêndio do cortiço sugere uma dimensão mítica, providencial, de eliminação
215
AZEVEDO, Aluísio: 1998, p. 169 (grifo meu).
216
AZEVEDO, Aluísio: 1998, pp. 145-146.
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81
das chagas da cidade”. Nesse sentido a reforma que seria empreendida anos mais tarde
simbolizaria o fogo redentor de Azevedo.
A reconstrução do cortiço é também significativa, uma vez que com ela podemos
notar a diminuição dos espaços para circulação de ar e pessoas, bem como a supressão dos
últimos espaços verdes que se prestavam à purificação do ambiente. A pouca presença de
luz, natural e artificial, também sugere a propensão à promiscuidade, da mesma forma que
a desproporção entre o mero exorbitante de casinhas e o insignificante de banheiros,
latrinas e torneiras.
As subdivisões dos quartos e a ausência de ar e luz é também apontada por Carlos
Lessa: “(...) palácios retalhados em cubículos, muitos deles com compartimentos
mostrando divisões de aniagem, ou tabiques forrados a papel, sem ar e sem luz, onde se
reúnem inúmeras famílias”
217
. O autor afirma ainda que, embora representassem 3% dos
prédios da cidade na década de 70, os cortiços albergavam 10% da população carioca.
A efervescência ideológica dos anos iniciais da República, as conflitantes propostas
de cidadania, as incertezas quanto ao futuro e a presença do povo como platéia que assistia
a tudo “bestializada , estava longe de constituir-se no que os intelectuais haviam
imaginado para o país. O caminho da civilização e progresso parecia sumir no horizonte,
em meio à ignorância de governantes e governados.
A “revolução” do cortiço, promovida por João Romão, tamm pretendia acabar com
as incursões da polícia e as brigas entre moradores. Supondo que estas últimas aconteciam,
sobretudo, nos meios mais pobres, o comerciante tratou de substituir os moradores por
“gente mais limpa, física e moralmente. A redução do pátio e a extinção das tinas revelam
alguns dos artifícios utilizados com vistas à concretização do desejo de melhoria do
“nível” dos moradores.
Com a reforma do cortiço, também alguns de seus moradores são “reformados”,
indo os antigos, por economia e falta de opção, morar no cortiço que surgira defronte do
São Roo. O próprio autor sugere uma hierarquização entre os cortiços: “O Cabeça
de Gato, à proporção em que o São Romão engrandecia, mais e mais ia-se rebaixando,
217
LESSA, Carlos: 2000, p. 176.
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82
acanalhando, fazendo-se cada vez mais torpe, mais abjeto, mais cortiço, vivendo satisfeito
do lixo e da salsugem que o outro rejeitava...”
218
.
A seleção dos moradores, também apontada pelo autor em Casa de Pensão, é cada
vez mais rigorosas devido às melhoras de algumas moradias, é minuciosamente descrita
por Aluísio Azevedo, que retrata o perfil dos novos moradores do cortiço:
“E como a casa comercial de João Romão, prosperava igualmente a sua
avenida. não se admitia assim qualquer -rapado; para entrar era
preciso carta de fiança e uma recomendação especial. (...) O preço dos
modos subiram. (...)Decrescia também o mero de lavadeiras, e a maior
parte das casinhas eram ocupadas por famílias de operários, artistas e
praticantes de secretaria. O cortiço aristocratizava-se”
219
.
A descrição segue retratando a substituição dos antigos moradores por alfaiates,
costureiras, relojoeiros, pintores e cigarreiros. Além disso, o próprio dono do cortiço é
descrito em sua “nova forma”: vestido de casimira, freqüentando um confeitaria na Rua do
Ouvidor e cortejando a filha do comendador.
Mais uma vez Azevedo critica a reforma superficial e puramente estética que se
tentava promover, alertando para a necessidade de modificação dos costumes, de
“formação das almas”. Não os costumes dos pobres, mas tamm de parte da burguesia
que fechava os olhos aos problemas da cidade: “... somente D. Estela conservou inalterável
a sua fria fisionomia de mulher que não dá verdadeira importância senão a si mesma”
220
.
A identificação dos cortiços como focos geradores dos “germes da febre amarela, de
meios propícios às evoluções miasmáticas, revela grande significado político e simbólico.
Na impossibilidade de transformação radical do espaço construído, a idéia era tentar
amenizar os problemas através da abertura de ruas e avenidas mais largas, aterro de
pântanos e demolição das habitações consideradas insalubres.
Mas a proliferação dos cortiços à revelia da vontade das classes dirigentes,
preocupava a Inspetoria de Higiene, que calculava que a população domiciliada nos
cortiços em 1890 já representava o dobro da de 1888, ou seja, mais de 100000 habitantes. O
aumento, certamente ligado à abolição, associado a um novo surto epidêmico, acarretou a
218
LESSA, Carlos: 2000, p. 169.
219
LESSA, Carlos: 2000, p. 169.
220
LESSA, Carlos: 2000, p. 172.
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83
intensificação das campanhas higienistas. Vários cortiços forma fechados e demolidos a
partir de 1890, inclusive o Caba de Porco, demolido em 1893
221
.
Para Sidney Chalhoub a destruição do Cabeça de Porco marcou o início do fim de
uma era, uma vez que dramatizou o processo de erradicação dos cortiços cariocas,
transformando-se no mito de origem de toda forma de conceber as diferenças sociais na
cidade
222
. Domesticada politicamente, a capital federal precisava ser modificada em seus
usos e costumes, tornando-se cartão postal da cidade, no qual não deveriam aparecer as
imagens das “repúblicas dos cortiços”
223
, das “sentinas sociais”
224
.
No entanto, a grande reforma urbana pela qual a cidade passaria, visando à
modernização e higienização - que constariam nos manuais positivistas – a fim de tornar-se
atraente para a elite e seus convidados estrangeiros, revelaria contradições profundas no
seio da sociedade carioca.
A escassez de habitação para o pobre urbano foi agudizada pela construção das
grandes avenidas, que fez subir aluguéis, superlotou cômodos e deteriorou
conseqüentemente ainda mais as condões higiênicas, adiando o sonho de construção da
nossa Paris tropical.
Na virada do século, ao lado das habitações coletivas erguia-se outra modalidade de
habitação popular, a “dois passos da Grande Avenida”: a favela. O Morro da Providência
recebeu este nome quando nele começaram a se instalar os soldados regressos da guerra
Canudos, no sertão nordestino, onde as flores de mesmo nome chamavam atenção em meio
à aridez da paisagem.
Na capital federal, ao contrário, as favelas é que revelavam a aridez que comprometia
o alcance da “civilização”:
“Para ali o os pobres, os mais necessitados, aqueles que, pagando
duramente alguns palmos de terreno, adquirem o direito de escavar as
221
Apesar das controvérsias sobre o número exato de moradores do Cabeça de Porco” , maior cortiço
carioca, estima-se que cerca de 4000 pessoas chegaram a morar aí, sendo que às vésperas de sua demolição
ainda conservava 400 moradores. Após vários mandatos de despejo e interdição, em os, o cortiço foi
invadido e demolido, com móveis e moradores ainda em casa. Alguns salvaram as roupas do corpo.
indícios de que Azevedo se espelhou neste caso para criar sua obra O Cortiço, dadas algumas semelhanças
citadas, como localização, número e perfil dos habitantes.
222
CHALHOUB, Sidney: 1999, p. 17.
223
CARVALHO, José Murilo de: 1987, p. 39.
224
Barata Ribeiro. Apud. CHALHOUB, Sidney: 1999, p. 29.
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84
encostas do morro e fincar com quatro mourões os pilares de seu palacete...
Ali o moram apenas os desordeiros, os facínoras, como a legenda (que
tem a favela) espalhou; ali moram também operários laboriosos que a falta
ou a carestia dos cômodos atira para esses lugares altos”
225
.
O recém criado cartão postal” carioca, síntese das contradições da modernização
excludente que teve lugar na capital federal, revelava o preconceito e discriminão que
haveria de persistir com relação aos pobres urbanos que, da senzala, passando pelos
cortiços, pensões e estalagens até chegar às “modernas” favelas, tiveram poucas melhoras
no tocante à habitabilidade e higiene de suas moradias. Nem bem se anunciava o fim da
era dos cortiços, e a cidade do Rio já entrava no século das favelas”.
226
3.2- Higiene física e moral: os entraves ao estabelecimento da “civilização”:
Aluísio Azevedo, como parte dos intelectuais de fins do século XIX que se
julgavam detentores dos códigos de acesso à modernidade e civilização, acreditava que a
construção de uma identidade nacional que proporcionasse ao país figurar entre os mais
civilizados, passava não apenas por reformas físicas, mas sobretudo por uma mudança dos
costumes. A alise dos costumes na busca por compreender os elementos determinantes
da realidade do país, traçar seu projeto de nação e estabelecer um ponto de vista a partir de
seus livros e crônicas, é uma preocupação perceptível na obra de Azevedo.
A descrição recorrente dos portugueses como homens inescrupulosos e capazes das
maiores atrocidades – que o autor faz questão de descrever com detalhes – a fim de atingir
seus objetivos, era possivelmente fruto do sentimento anti-lusitano em voga no fim do
século XIX. A caracterização daqueles como arrivistas sociais, que deixam sua pátria para
vir enriquecer no Brasil, é uma clara propaganda depreciativa das origens brasileiras a
serem extintas nas “reformas” – sobretudo morais – rumo à modernidade.
A influência da escravidão sobre a estrutura da família e inclusive como fator
degenerativo do caráter e da estrutura fisiológica e psicossocial dos indivíduos, a
necessidade de reforma do ensino – primário e superior - e de extinção dos domínios locais
225
BAKCHEUSER. Apud. BENCHIMOL, Jaime Larry:2003, p. 291.
226
CHALHOUB, Sidney: 1999, p.17.
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em favor da unidade nacional, e a figura das casas de pensão enquanto microcosmo de
degenerescência social são alguns assuntos abordados em Casa de Pensão.
Envolvido em seu plano de reforma nacional, Aluísio Azevedo, segundo um
projeto que previa educar a tria e formar almas”
227
, e crente de seu papel de
vocacionado a fornecer os códigos de formação dessas almas, cria que a reforma social
passava, necessariamente pela educacional. Dedicou-se então a depreciar o sistema escolar
existente, bem como os mantenedores daquela ordem absurda: os pais e mestres.
Nesta nova empreitada, o autor, ao descrever a influência de uma formação
acadêmica distorcida sobre o caráter dos indivíduos e os destinos do país, empenhou-se em
depreciar ao máximo a postura de pais e professores.
O professor de Amâncio, Antônio Pires, é descrito como ...homem grosseiro,
bruto, de cabelo duro e olhos de touro”
228
que “batia nas crianças por gosto, por um hábito
do ofício. Na aula só faltava berrar, como se dirigisse uma boiada”
229
. E as crianças,
embora tivessem pavor do professor, riam quando ele dizia besteiras e “... iam-se
acostumando ao servilismo e à mentira”
230
.
A caracterização dos atos de Antônio Pires como hábito do ofício” sugere o erro
geral cometido por professores e pais, que julgavam a escola uma extensão do lar,
elogiando, muitas vezes, a rispidez do mestre e autorizando-o a dobrar o castigo se isto
fosse preciso para conter as travessuras.
A visão da escola como extensão do lar em uma sociedade patriarcal e escravocrata
é igualmente criticada. Segundo Azevedo: “Os pais ignorantes, viciados pelos costumes
rbaros do Brasil, atrofiados pelo hábito de lidar com escravos, entendiam que aquele
animal era o único professor capaz de ‘endireitar os filhos’
231
.
O autor chega a ser sarcástico ao descrever como as lições eram
“passadas” aos alunos e a corruão presente em vários setores da sociedade:
“Foi, contudo, aprovado plenamente’. Mas não sabia nada, quase que não
sabia ler. Da gramática apenas lhe ficaram de cor algumas regras, sem que
ele compreendesse patavina do que elas definiam. O Pires nunca explicava: -
227
CARVALHO, José Murilo de: 1990.
228
AZEVEDO, Aluísio: 1999, p. 23.
229
AZEVEDO, Aluísio: 1999, p. 23.
230
AZEVEDO, Aluísio: 1999, p. 23.
231
AZEVEDO, Aluísio: 1999,p. 23.
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86
se o pequeno tinha a lição de memória, passava outra, e se não tinha, dava-
lhe algumas palmatoadas e dizia-lhe que trouxesse a mesma para o dia
seguinte”.
232
Mais uma vez a crítica ao sistema de ensino que será retomada e aprofundada na
descrição dos exames prestados por Amâncio na Faculdade vem acompanhada do caráter
determinista do romance naturalista.
O autor é claro sobre a inflncia destes episódios da infância na formação do
caráter de Amâncio, que habituou-se a fazer falsa idéia de seus semelhantes, julgar os
homens por seu pai e pelo professor, desconfiar de todos e fingir que era o que todos
queriam que ele fosse: um gênio para o professor, um anjo para a e e a avó, um bruto
para o pai e um amante para as mulheres.
A crítica ao sistema de ensino estende-se também à elite que tinha acesso a esse
estudo, para a qual muitas vezes o que interessava era o título obtido e não propriamente o
conhecimento. Aluísio Azevedo descreve como foi feita, por exclusão, a escolha do curso
por Amâncio: não gostava de matemática, o que o fez desistir da Marinha; agarrou-se à
Medicina porque o Direito, que lhe afigurava mais fácil, também não dava o mesmo status.
Em suas reflexões sobre o caráter enfadonho do curso de medicina, o protagonista
relembra algumas palavras de seu pai a respeito das artes quando soube que o filho de um
conhecido iria estudar na Europa:
O velho Vasconcelos nunca tomou a sério os artistas Uns pedaço
d’asnos! qualificava ele, e, de uma feita em que o Franco de lhe
comunicou os seus projetos de estudar pintura na Europa, o negociante fez
uma careta e exclamou batendo-lhe no ombro: ‘homem, seu Sazinho! o
queria eu que lhe aconselhasse semelhante cabeçada... porque, meu amigo,
isto de artes é uma cadelagem! Procure meios de obter cobres, e o senhor
terá à sua disposição os artistas que quiser”
233
.
Para Amâncio o curso de medicina figurava como a descrição do pai sobre as artes:
com dinheiro também se obtinha os melhores médicos e portanto não valeria a pena passar
anos na academia... Imerso em suas reflexões o protagonista, no entanto, logo reitera seu
raciocínio:
232
AZEVEDO, Aluísio: 1999, p. 28.
233
AZEVEDO, Aluísio: 1999, p. 37.
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87
Mas, nesse caso, a questão muda de figura!... dizia-lhe uma voz que vinha
de dentro de seu próprio raciocínio. Não se trata aqui de fazer um dico,
trata-se de fazer um doutor, seja ele do que bem quiser! Não se trata de
ganhar uma profissão, trata-se de obter um título. Tu não precisas de meios
de vida, precisas é de uma posição na sociedade. [...] – Doutor, hein?! repetia
Amâncio, meio animado com o prestígio que ao nome lhe daria o título.
Doutor Amâncio! Doutor Amâncio de Vasconcelos! Não fica mal! não fica!
A mãe tinha razão: - Era preciso ser doutor!
234
.
Este trecho é revelador das concepções de Azevedo sobre a elite brasileira. A
denúncia da compra de títulos
235
, das indicações através de cartas de recomendação, e por
fim a futilidade de uma categoria que tinha dinheiro mas não prestígio os prósperos
fazendeiros das proncias ou os comerciantes estrangeiros, sobretudo portugueses
enriquecidos, como o próprio pai de Aluísio Azevedo –, o qual tentava-se obter através dos
estudos dos filhos. tulo para os pais, sonho para as mães, status para o portador, a
medicina figurava-se em tábua de salvação para os filhos da nova elite brasileira.
Reiterando sua crítica ao ensino de base e estendendo-a ao superior, Aluísio
Azevedo aproveitou para, mais uma vez, descrever a situação desfavovel dos artistas no
país. Além da dificuldade de acesso à especialização que era oferecida na Europa e
dos baixos rendimentos mensais que obrigava os literatos, por exemplo, a ter que manter
outro emprego a fim de prover sua existência , essa categoria sofria ainda com a
discriminação por parte de uma sociedade culturalmente atrasada”, na qual mesmo às
parcelas mais abastadas faltava a “modernidade”, a “civilidade”, onde sobravam os
donios pessoais do mando e do dinheiro.
Além disso, faz nova referência à distorção da realidade proporcionada pelos
romances românticos, que davam uma falsa impressão da corte. E ainda com relação ao
sistema de ensino – a ser urgentemente reformado -, ao relatar as primeiras impressões de
Amâncio na Corte, sugere que seus desapontamentos com as letras haviam de se prolongar
por toda sua vida: “Amâncio, como qualquer provinciano que ainda não tivesse ocasião de
apreciar o Rio de Janeiro, julgava-se tão desiludido a respeito dele, quanto a respeito de
234
AZEVEDO, Aluísio: 1999, p. 37.
235
A compra de tulos era comum da parte da nova elite enriquecida para a qual sobrava dinheiro e faltava
prestígio. Em O Cortiço, por exemplo, o autor retoma o assunto para descrever a ascensão de Miranda a
Comendador e as aspirações de João Romão ao cargo. O tema também é abordado por Arthur Azevedo, que
utiliza-se de um caso de compra de título, e do escândalo proporcionado pela descoberta de que este era falso,
para escrever uma pa teatral sobre a repercussão do caso na sociedade carioca. Ver: MENCARELLI,
Fernando Antonio: 1999.
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88
estudos. Sempre imaginei que fosse outra coisa! A tal Rua do Ouvidor, por
exemplo!...”
236
É também significativa a menção à Rua do Ouvidor, que é descrita por Marcelo
Balaban como o endereço da elegância do Rio de Janeiro da época. Localizada no centro
antigo da cidade, era referência por suas lojas requintadas e pela Livraria Garnier na qual
aconteciam encontros de literatos nos fins de tarde. “Era também conhecida como a
“grande artéria da civilização” a despeito de suas reduzidas dimensões”
237
.
A referência crítica de Azevedo sobre a desilusão do provinciano Amâncio ao
deparar-se com a Rua do Ouvidor revela a visão do autor sobre a incompatibilidade entre o
projeto de nação gestado pela elite intelectual brasileira e o aspecto colonial que ainda
predominava na cidade do Rio de Janeiro, sobretudo em suas vielas onde os novos
automóveis e todas as demais invenções que eram sorvidas pela elite tinham de conviver
com o fluxo de pessoas, carroças, animais e feiras livres, como podemos notar no
testemunho de um contemporâneo:
“[...] O Rio possui hoje um teatro rico [...] suas ruas são iluminadas a gás e
há um piano em cada casa. É verdade que esse teatro está situado no meio de
uma praça infecta [...] que as ruas, sem passeios, são mal calçadas de pedra
bruta, e que afinal, nos tais pianos [...] não se tocam seo músicas de dança,
romanças e polcas”
238
.
Também em O Coruja, a associação entre educação romântica e determinismo
movem o personagem central, Teobaldo. O autor cria uma polarização entre personagens
masculinos pautada pelo lugar social (classe alta - ociosa X média/baixa trabalhadora) e
educação romântica (ameaça virilidade e papel social, se vinculada ao ócio cria
personagens deformados).
Uma educação desregrada em um mestiço, segundo o cientificismo da época, guiará
a trajetória degenerada de Teobaldo em relação à de André. O narrador aponta as trajetórias
opostas e que se tocam a todo momento: And representa a capacidade laborativa do ser
humano, mas apenas o trabalho ou o ócio não servem para enquadrar o ser humano no
ambiente social.
236
AZEVEDO, Aluísio: 1999, p. 40.
237
TIGRE, Bastos. Apud. BALABAN, Marcelo: 2003, pp. 56-57.
238
Chales Expilly. Apud. ALENCASTRO, Luiz Felipe de: 1997, p. 48.
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89
No romance o cenário principal era a sociedade burguesa do império e se referia a
um passado recente. André é de origem humilde e seu apelido nome à obra, mas ele
serve mais para demonstrar as relações sociais na sociedade burguesa do que descrever as
classes mais baixas. As antíteses físicas, morais e financeiras afastam e aproximam os
personagens Teobaldo e Coruja. Mais uma vez, na sociedade retratada por Azevedo o
mecanismo principal para a ação da burguesa é o dinheiro.
Além dos mandos do dinheiro e poder sobre a vida humana, o brotamento da vida
como de uma podridão, mencionado por Aluísio Azevedo, diz respeito também à
promiscuidade presente nos cortiços e às altas taxas de natalidade. Os exemplos de
promiscuidade são vários no romance, seja sob a forma do adultério, do lesbianismo, da
prostituição ou do abuso de menores, como nas passagens:
“ - Que fez você com esta pequena?
- Não fiz nada, não senhor!....
- Foi ele sim! desmentiu-o Florinda – o caixeiro desviou os olhos para não a
encarar um dia de manzinha, às quatro horas, no capinzal, debaixo das
mangueiras...”
239
“E Leocádia olhou para os lados, assegurando-se de que estavam a sós (...).
E sacou fora a saia de grossa, deixando ver duas pernas que a camisa a
custo cobria até os joelhos, grossas, maciças, de uma brancura levemente
rósea e toda marcada por mordeduras de pulgas e mosquitos:
- Avita-te! Anda! Apressou ela, lançando-se de costas no chão e arregaçando
a fralda até a cintura; as coxas abertas”
240
.
A supervalorização do sexo, típica do determinismo biológico e do naturalismo
conduz Azevedo a buscar todas as formas de patologia: desvios na relação matrimonial,
adultérios, prostituição, lesbianismo, etc.
A referência à violação de uma menina de 14 anos, na primeira passagem, bem como
as circunstâncias em que as duas cenas se passam, revelam a ausência de cuidado e higiene:
em ambas as situações faz-se sexo ao ar livre, em meio ao mato, sob as árvores. A segunda
passagem é mais explícita ao destacar as manchas na perna da lavadeira, decorrentes de
mordeduras de pulgas e insetos, em uma clara referência às descobertas científicas sobre os
vetores da peste negra e da febre amarela.
239
AZEVEDO, Aluísio: 1998, p. 69.
240
AZEVEDO, Aluísio: 1998,p. 81.
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90
O autor parece sugerir que as doenças infecciosas, uma vez contraídas devido a esses
“contatos”, espalhavam-se com facilidade nas habitações coletivas mal cheirosas, mal
iluminadas e com altos índices de promiscuidade, nas quais os regulamentos sanitários e de
segurança geralmente não eram respeitados. Além disso, a alta natalidade parece pretender
apontar a manuteão do que o autor caracterizou como uma espécie de pobreza
hereditária”:
[...] Augusta ficara com a família numa destas casinhas do segundo andar,
à direita; estava grávida outra vez; e à noite via-se o Alexandre, sempre
muito circunspecto, a passear ao comprido da varanda, acalentando uma
criancinha ao colo, enquanto a mulher dentro de casa cuidava de outras. A
filharada crescia-lhes, que metia medo. ‘Era um no papo, outro no saco’!
241
.
A promiscuidade, a alta natalidade, os surtos epimicos apontados pelo autor eram
utilizados por políticos e intelectuais para justificar suas incursões aos cortiços e o combate
às moradias populares. O saber dico, investido de plenos poderes pelos governantes,
ordenou a destruição de vários cortiços, mas a exemplo do que acontecia com as casas de
modo, a cada estalagem destruída, aumentava o número de moradores em outras, que
tinham diminuídas suas condições higiênicas e de habitabilidade.
No entanto, mais do que uma vigilância sobre as condições sanitárias da cidade, as
novas regras e intervenções representavam uma crítica à sociedade tradicional, identificada
com o atraso, a sujeira, a desordem, o feio e as epidemias. A questão da insalubridade abre
espo para a crítica aos hábitos dos habitantes: “a rua deveria reunir os atributos e as
condições indispensáveis à saúde, à moralidade e à organização do corpo físico e
social”
242
.
Diante da necessidade de “ser” e “parecer” moderno impunham-se exigências
morais, higiênicas e estéticas, e neste sentido foram criadas leis e decretos visando banir
“velhas usanças: proibiu-se a venda de vísceras a u aberto; a venda de leite ao da
vaca”; o trânsito de carras nas ruas do centro; a cultura de hortas, estábulos e capinzais
241
AZEVEDO, Aluísio: 1998,p. 156.
242
PECHMAN, Robert Moses: 1992, p. 79.
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91
no perímetro da cidade; e várias outras “práticas rurais que persistiam no contexto
urbano
243
.
Além das várias referências, na obra de Azevedo, a vendas de alimento a céu aberto
e a presença de hortas nos cortiços, a reforma do pátio com a construção de seis torneiras e
latrinas, e de três banheiros, também sugere a degradação das condições de habitabilidade
nos cortiços, o que contribuía para a proliferação de doenças, fazendo com que os cortiços
fossem alvo de constantes intervenções dos sanitaristas.
A polícia também demonstrava preocupação com os cortiços, considerando-os um
mal para a ordem blica, cenário de crimes e agitações, santuário de criminosos e
escravos. Am disso, foi encarregada de fazer cumprir a nova legislação acerca da moral e
bons costumes que deveriam prevalecer em uma urbe higiênica, moderna e civilizada.
“Em prol do embelezamento da cidade (...) foi proibida, nos
estabelecimentos comerciais, a exposição de artigos nas umbreiras e vãos
das portas (...).Medida de grande repercussão foi a guerra contra os
quiosques, “anti-higiênicos e sem inspiração artística”. [...] Um decreto
proibiu urinar e cuspir nas ruas. Para não embaraçar os cabos, as criaas
foram proibidas de soltar pipas. [...] Nada mais ilustrativo que o projeto (..)
visando pôr termo à vergonha e imundície injustificáveis dos em manga-de-
camisa e descalços nas ruas da cidade”
244
.
As proibições atingiam em cheio não práticas populares, mas também muitas
profissões do Rio antigo, bem como manifestações populares culturais e religiosas.
Procurou-se banir formas ambulantes de comércio e artesanato, o carnaval, a serenata, a
boemia, o candomblé, a capoeira, as festas de Judas, entre outras.
Possivelmente por este motivo e mais um suposto abuso de autoridade, apontado
por Azevedo, a presença da polícia nos cortiços era considerada motivo de desonra. A
instituição que deveria zelar pela ordem e proteger a população, era para ela o mais temível
inimigo. A qualquer tentativa de intervenção policial, os moradores deixavam de lado suas
diferenças para unir-se contra o “inimigo” comum:
“Não entra! Não entra! [...]A polícia era o grande terror daquela gente,
porque, sempre que penetrava em qualquer estalagem, havia grande
estrupício: à capa de evitar e punir o jogo e a bebedeira, os urbanos invadiam
243
BENCHIMOL, Jaime Larry: 1984, p. 117.
244
BENCHIMOL, Jaime Larry: 1984, pp.116-117.
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92
os quartos, quebravam o que lá estava, punham tudo em polvorosa. Era uma
questão de ódio velho”
245
.
A república fora instaurada, mas à população o havia sido este
93
O que, a primeira vista, pode parecer um ponto de vista extremamente conservador
e machista, ao longo da leitura figura-se exatamente o oposto: através da ironização da
sociedade burguesa – que o autor acredita dirigida pelos mandos do dinheiro e corrupção
Azevedo critica a desvalorização da mulher, mas também a própria mulher, que se deixa
desvalorizar em favor de uma vida de luxo e aparências.
O tom predominante na obra é o da sátira, mas a proposta geral é ria: os valores
centrais são a preservação do papel da mulher enquanto esposa e mãe, reforçando os
preceitos do projeto médico-higiênico de boa formação dos filhos e preservação da família
e casamento.
Casa de Pensão também é obra bastante interessante sob o ponto de vista médico-
higiênico: os personagens sofrem de doença moral ou física: além do temperamento de
Amâncio, produzido pela associação de uma má educação (literária e doméstica) com o
leite da escrava, há a falta de escrúpulos de Lúcia e da Família Coqueiro. Além da histérica
Nini, são apontadas também a tuberculose de um dos inquilinos e a reuma de Amâncio. A
casa de pensão prefigura como ambiente insalubre para a saúde moral e sica dos
personagens:
“(...) O seu corpo, chupado lentamente pela tísica, nu e esquelético, virava-
se de uma para outra banda, entre manchas excrementícias, a porejar um
suor gorduroso e frio, que umedecia as roupas da cama e dava-lhe à pele,
cor de osso velho, um brilho repugnante. [...]Havia um cheiro enjoativo de
moléstia e desasseio”
248
.
Também em O Homem, dentro de uma perspectiva determinista, o autor trata a
histeria como conseqüência de um choque ligado à insatisfão sexual em uma mulher de
temperamento frágil causado por uma educação excessivamente rontica em uma jovem
de classe média, não afeita ao trabalho.
O livro é o estudo de um caso de histeria provocada por um choque e passa por
todos os graus: neurose, mania religiosa, falso misticismo, dupla personalidade, delírios,
248
AZEVEDO, Aluísio: 1999, p. 169.
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94
loucura; a obra é resultado de estudos, observação e leituras. O médico, Dr. Lobão, é
personagem secundário, cuja maior função seria legitimar o caráter científico do romance.
No entanto, sob o ponto de vista naturalista, a obra não é fiel à sua proposta: nas
descrições dos estágios da loucura, nos sonhos, nas letargias, prevalece uma descrição
sensacional e romântica, que não pode ser cientificamente comprovada. Possivelmente mais
um estratégia de crítica aos excessos cometidos em nome da medicina, o autor sugere o
comodismo e sedentarismo, associados ao romantismo, como agravantes das crises
nervosas de Magdá:
“[...] E logo que se sentisse melhor, convinha despertar-lhe o gosto por
qualquer ocupação manual. Nada de belas-artes nem leitura! Exclamava o
cirurgião. Jardinagem, serviço de horta, jogos e exercícios, como o bilhar,
a caça, a pesca! E passeios! Muitos passeios ao ar livre, pela fresca da
manhã, sem chapéu, sem muito medo de apanhar sol!’(...)”
249
.
Estes mesmos elementos deterministas podem ser notados em O Mulato: Raimundo
configura-se em ícone da mestiçagem em direção a um progresso da sociedade. Era o
próprio exemplo da eugenia em marcha. O romance não é apenas em prol da abolição e
anticlerical, como foi suposto na ocasião de seu lançamento, mas também expressa as teses
de Azevedo sobre o ideal de futuro da sociedade brasileira: república positivista e liberal,
integração racial e cultural com fins à civilização européia dos trópicos
250
.
O mulato claro e de olhos verdes, educado, culto e de idéias esclarecidas e
positivistas é o protótipo do homem higiênico em torno do qual se constituiria a democracia
brasileira a ser edificada. Em plena campanha abolicionista, Azevedo não manteve a
imparcialidade exigida pelo naturalismo, tomando partido de um mulato idealizado, uma
vez que Raimundo é cientificamente inverossímil: filho de pai branco e mãe negra, o
mulato tem nariz fino, tez clara e grandes olhos azuis.
249
AZEVEDO, Aluísio: 1957, p. 49.
250
O fato de o protagonista ser positivista e republicano indica quais são, aos olhos do autor, a ideologia e
regime que deveriam orientar as transformações do país. Contra preceitos da Igreja católica e a favor de uma
sociedade baseada na ciência, contra uma sociedade sob jugo do Imperador e a favor de um processo
democrático, contra a escravidão. Segundo rian (1988), Raimundo torna-se interprete de Azevedo e das
teses positivistas, o que confere ao romance “um aspecto de obra de propaganda”.
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95
Voltando-se aos costumes da sociedade carioca, embora o tema central de O
Homem seja a histeria da personagem Magdá, o autor também traz à tona aspectos das
relações sociais no Rio de Janeiro, ressaltando a convivência de dois mundos: o sem graça,
ocioso e fechado sobrado e o universo cheio de vida da pedreira e do cortiço.
Retomando o projeto mencionado por Azevedo, Brasileiros Antigos e Modernos
251
,
podemos identificar pontos em comum entre O Homem e O Cortiço, como os três
ambientes principais em que as histórias se desenvolvem pedreira, sobrado e cortiço e
as classes representadas: a burguesia mercantil, os portugueses imigrados e os brasileiros
pobres. Porém a obra O Homem é estéril: morrem os noivos e Magdá fica louca, não tendo
como nascer outro romance deste.
Em O Cortiço notamos melhor o projeto: Jerônimo, virtuoso e trabalhador vem para
o Brasil tentar nova vida com a família, mas deixa-se dominar pela atmosfera do Rio e os
encantos de uma mulata, pela qual abandona sua família. Mas as semelhanças com o
projeto esboçado param por aí.
O autor insinua que a filha de Jerônimo seria a nova prostituta, mas o romance
termina antes que se concretize e ele não tem filhos com a mulata Rita Baiana, o que
elimina os últimos três romances: O Felizardo, A Loureira e A Bola Preta. Além disso, o
imigrante português João Romão e a escrava Bertoleza adquirem uma importância não
prevista no projeto inicial.
A obra também não nos oferece uma panorama da sociedade brasileira: o cortiço é o
cenário e personagem principal. O restante da cidade só é apresentado pelos convidados do
sobrado, os clientes das lavadeiras ou as confeitarias do centro. O conjunto do romance
passa-se num cenário restrito, lugar de experimentação no qual a vida das classes mais
desfavorecidas é apresentada. O cortiço e a pedreira realmente existiram no local indicado,
no bairro de Botafogo. As casa foram demolidas e a pedreira desativada ainda é visível.
As obras de Azevedo dialogam com a realidade e embora sejam o resultado de um
olhar sobre a cidade, nos fornecem pistas sobre o que o autor testemunhou sem ter tido a
intenção de fazê-lo. É um testemunho dos conflitos de sua contemporaneidade, que,
embora tenha sido idealizada uma imagem, formaram-se várias.
251
Vide capítulo 2.
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96
Da imagem moderna e civilizada que a elite carioca projetava para si e queria ver
refletida no espelho e para o restante do país, formaram-se rias. É como se o espelho se
tivesse partido em muitos pedaços que, embora não deixem de refletir o país como um todo
e o Rio em espefico, oferecem a imagem de vários Brasis, reflexo de uma realidade
multifacetada.
O Rio de Janeiro, como microcosmo social do Brasil, é fragmentado em centenas de
micronões, mescladas ao território físico, mas não ao corpo social. A tríade naturalista
ciência-educação-moralidade proposta como solução para os males do país ainda não se
resolveu, prevalecendo uma estrutura precária em todos os âmbitos:
“(...)em matéria de habitação popular , foram construídas apenas as 120
casas do conjunto da rua Salvador de Sá. A ampliação da educação primária
e dos equipamentos de saúde blica foi insignificante em relação às
necessidades do povo. De certa forma, a cidade do Rio, na entrada do século,
assumiu integralmente a postura do Art Nouveu. Embelezou a cidade
falseando a natureza das questões sociais herdadas do escravagismo”
252
.
A partir de fins do século XIX estão delineados os atores da cena carioca que ainda
hoje prevalecem: o povo, prestador de serviço, que, em busca da proximidade do trabalho,
superlota as favelas; as elites, mais fascinadas pelo luxo que pelo conteúdo da “civilização”
continua sua busca por acúmulo de poder e riqueza. Viajam ao exterior e portam-se como
ingleses e nova-iorquinos, mas em casa conservam padrões de comportamento
sedimentados desde o Rio escravagista.
252
LESSA, Carlos: 2000, p. 227.
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97
Considerações finais:
As expectativas iniciais, despertadas pela República, nos intelectuais, de maior
participação e encaminhamento do país para a civilização, não se concretizou. Muitos
desistiram da política e aceitaram postos decorativos na burocracia, a exemplo do que
aconteceu com Aluísio Azevedo, que, embora não o tenha declarado explicitamente, sentiu-
se impotente frente ao “sistema”, como é perceptível em suas correspondências pessoais e
profissionais, como cônsul.
A frustração de grande parcela dos intelectuais, entre eles Aluísio Azevedo, deveu-se
à ausência de perspectivas para além da abolição e da instauração da República. Apesar de
pretender apresentar os problemas em sua real dimensão, Aluísio Azevedo não propõe
soluções definitivas para os problemas sociais, raciais e econômicos que detecta na
sociedade carioca. As questões acabaram ficando em aberto, forma como muitas ainda hoje
permanecem.
A denúncia das mazelas, vícios e chagas dessa sociedade, em fins do século XIX, pelo
autor, visava à busca e construção da identidade nacional, e à inserção do Brasil entre as
nações mais civilizadas. A “questão nacional foi amplamente discutida pela
intelectualidade do peodo, que, vivendo a indeterminação do presente, intervinha a fim de
tornar real o devir que lhes interessava e no qual acreditavam.
Munidos de armas intelectuais e utilizando a literatura como espaço de denúncia e
pedagogia, os literatos de fins do século XIX, crédulos de serem detentores dos códigos de
acesso à civilização, se propuseram a identificar e apontar os meios para a superação das
mazelas sociais e o caminho para o progresso. Entendendo que o atraso do país estava
ligado à permanência da monarquia e escravidão, estes intelectuais travaram uma
verdadeira batalha contra estas instituições.
Neste contexto, Aluísio Azevedo faz da literatura uma prática política em seu
tempo, difundindo seu projeto político-social-literário através de suas obras, destacando-se
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do seu grupo devido às duras críticas sociais e às ironizações que promoveu aos excessos
cometidos pelas autoridades “em nome da ciência” e “da moral”.
O que nos chega da cidade do Rio de Janeiro de fins do século XIX através das
obras de Azevedo é um retrato pretensamente fiel, no qual predomina uma ideologia
modernizadora permeada por uma fina ironia que expões as mazelas desta cidade, de um
projeto social traçado para ela e de seus idealizadores.
Ao mesmo tempo em que propõe e partilha de um ideal modernizador proposto por
seus pares, o autor critica e ironiza este mesmo projeto e seus resultados ou a falta deles
frente aos problemas concretos, o que se revela nas aparentes ambigüidades de sua obra e
em exposições que chegam a ser contraditórias com relação a temas centrais na tentativa
de comprovar sua visão de mundo.
Apesar das descrições e opiniões estarem filtradas pela visão do autor e
comprometidas com seus objetivos, sua obra dá vida a um complexo debate e aos interesses
em jogo dentro do pretenso projeto de modernização da sociedade carioca em questão, e do
próprio país, como um todo, dada a corrente idéia do Rio de Janeiro como um lo
irradiador de “cultura e civilização.
A República pela qual se lutou, no entanto, revelou novas contradições no seio da
sociedade carioca e acentuou algumas das antigas. A reforma dos costumes, a “formação de
almas”, associadas às idéias higienistas, foram então adotadas como nova tática de
“guerra”. Se era preciso reformar a sociedade, o primeiro passo deveria ser a modificação
dos costumes e a destruição dos meios procios ao “brotamento dos problemas físicos e
morais da sociedade. O ideal de nação passou a cristalizar-se então no combate aos signos
do atraso”, sobretudo as habitações populares.
Azevedo utiliza suas obras também com o intuito da exemplaridade. Abusando dos
preceitos naturalistas da hereditariedade e da influência do meio sobre o indivíduo, o autor
escancara para a população carioca os problemas que até então vinha-se tentando esconder,
utilizando-se de suas obras e personagens para exemplificar tudo que deveria ser combatido
em favor de uma educação melhor, uma ciência isenta e verdadeira e uma cidade
higienizada, na construção do “homem higiênico” que habitaria a nova urbe renovada,
“civilizada” e moderna.
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No entanto, para o pobre urbano, desalojado, desempregado, doente e sem grandes
possibilidades de passear pelas novas e modernas avenidas de nomes e feições francesas,
restavam as conseqüências da agudização da crise sanitária e habitacional acarretada
pelas reformas físicas da cidade.
A modernização excludente pela qual passou o Rio de Janeiro em fins do século XIX,
desnudava uma contradição que lhe haveria de custar caro no futuro. Se “cada cidade
recebe a forma de deserto a que se opõe”
253
, a perseguição e demolão dos cortiços pelas
autoridades não isentou a cidade de seus “representantes” modernos.
A destruição dos supostos ícones do atraso”, para construção da cidade civilizada
que rumava ao progresso e deslumbrava as elites, deixou milhares de trabalhadores sem
casa e outros tantos em habitações cada vez mais prerias e insalubres.
As tentativas de transformação do “país das maravilhas” através da “cidade
maravilhosa”, seu cartão de visitas, acabaria oferecendo condições para a criação das
favelas. Favelas que no futuro sintetizariam a cidade do Rio de Janeiro, para muitos
visitantes estrangeiros e para os novos ricos que almejam, como João Romão, esquecer
suas origens apenas trocando de roupa , muito mais que a Avenida Central, reproduzindo
condições de higiene, senão piores, iguais às dos cortiços.
No espelho em pedaços, que reflete hoje a sociedade heterogênea e multifacetada do
Rio de Janeiro, podemos notar claramente o avesso da memória carioca que Aluísio
Azevedo, entre outros intelectuais, pretendeu construir em fins do século XIX: mendigos,
ambulantes, camelôs, quiosques de todo tipo, degradação das condições habitacionais e
higiênica.
A favela reproduz hoje a caricatura da sociedade; o sistema de ensino continua
precário e o acesso a ele ainda é restrito e, muitas vezes, fraudulento; e mais do que nunca
hoje um retorno aos métodos naturais de cura (ou mesmo os sobrenaturais), em grande
parte graças à falência do sistema público de saúde.
Mais de um culo depois ainda não conseguimos resolver os problemas
educacionais, apontados por Azevedo como essenciais para um país que se pretenda
civilizado e moderno. Não tendo pensado no destino de milhares de escravos livres após a
253
CALVINO, Ítalo: 1990, p. 88.
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100
abolição, ainda hoje não conseguiu-se lidar com a pobreza e o contingente de
desempregados, indigentes e estudantes que não têm acesso ao ensino superior.
Como paliativos, criam-se milhares de tipos de “bolsas”, no intuito de, mais uma
vez, esconder a pobreza ou banir o pobre do centro através da criação de casas populares”,
distribuição de terras para plantação ou criando “cotas” em universidades: assistimos a um
retorno ao “pão e circo. Ao não resolver problemas grandes, cria-se uma porção de
problemas menores juntamente com um novo ministério para cada um, e delega-se um
novo responsável.
Da mesma forma, após um lento e conflituoso embate entre práticas populares e
medicina científica, assistimos hoje a um retorno significativo à medicina alternativa:
acupuntura, chás, ervas, sementes, massagens, benzições, mediunismo...
Embora não se possa generalizar, ainda hoje também um pouco de
“experimentação” ou informações desencontradas na medicina, devidas em parte ao
modismo e em parte à formação de profissionais do setor por unidades “duvidosas” de
ensino superior.
Fortemente influenciados por dias de moda, saúde e estética, parte da população
é atingida por informações que tornam-se contraditórias e os exe a riscos: se em um
primeiro momento a “moda é beber água o dia todo, no outro divulga-se que seu consumo
excessivo elimina potássio do organismo.
Alguns por impotência frente à força e alcance midiático, outros por
desconhecimento e formação, ou ainda por desinteresse em aprofundar seus
conhecimentos, graças aos péssimos salários oferecidos, estes profissionais passam a ser
desacreditados pela população, que, frente à ineficiência e falência do sistema de sde,
volta a recorrer a remédios” e “curandeiros milagrosos”. A incorporação conflitiva do
velho e do novo não conseguiu abolir a memória e a diversidade. Quando muito, criou uma
nova forma, resultante de fusões, como é o caso das associações de medicina alopática e
natural, ou mesmo da favela.
Projetos para saneamento e humanização das favelas, a exemplo dos que existiam
no século XIX para os cortiços, são vários. Resultados, muito poucos. Como outrora, existe
hoje uma grande especulação imobiliária em algumas favelas, bancos, academias e
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comércio diversificado, mas seria um equívoco ver nisto uma redução da precariedade e
pobreza.
As favelas mais próximas a regiões nobres, habitadas por prestadores de serviços”
apresenta, um diferencial em relação às dos subúrbios, obviamente. A heterogeneidade é
inerente à favela. O que existe, muitas vezes, é uma diferenciação no interior da própria
pobreza atras de ações isoladas. No geral, o que resta, mais uma vez, é a busca pelo
transcendental, que pode ser a religião, o crime, as drogas ou formas alternativas de cura.
A modernizão excludente de fins do século XIX lançou raízes profundas que
ainda hoje marcam a sociedade carioca e brasileira, como um todo. O Rio-paraíso cede
lugar, a cada dia, ao crime-negócio à explicitação da violência, que interagem com a perda
de auto-estima e prestígio da cidade e da população aí domiciliada.
Se com todos os recursos científicos, tecnológicos e de controle social disponíveis
hoje, chegamos a esta conclusão, não é difícil entender a frustração daqueles intelectuais de
fins do século que acabaram se empregando dentro da mesma “estrutura” que condenavam.
Fenômeno este também cada dia mais atual.
A construção do homem higiênico” que habita uma urbe civilizada e moderna
proposta por Azevedo e propagandeada em suas obras ainda não se concretizou e nos
parece um sonho que se esvai no horizonte.
Cada dia menos crianças têm acesso a livros e conhecem mais as drogas; os
governantes continuam produzindo obras arquitetônicas para a posteridade, e ocupando-se
cada vez menos do crescimento social. E como na crônica produzida por Azevedo em fins
do XIX, enquanto o povo for ignorante, o governo vai bem; logo, o povo continuará
ignorante.
Cabe a este povo o destino da história a ser construída. O mesmo povo que elege,
pode e deve cobrar e depor, se necessário. Mas é, no nimo, estranho que venha a eleger
novamente...O povo brasileiro é acusado de ter “memória curta”, o que parece garantir uma
tácita absolvição a todos os corruptos, a longo prazo. Cabe a cada um de nós a decisão de
figurarmos, no futuro, como “bilontras ou “bestializados” nas páginas da história. E a
decisão é, a cada novo escândalo, mais urgente.
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ANEXOS:
Resumos das obras:
O Mulato (1881):
A obra trata da trajeria de uma criança, filha de um ex-comerciante português com uma
ex-escrava do pai, que é enviada a Lisboa depois da morte do pai. As anos na Europa,
retorna recém-formado para o Brasil e regressa à cidade natal, o Luis do Maranhão.
Acolhido pelo tio, desperta o amor da prima Ana Rosa. O amor correspondido, no entanto,
encontra três empecilhos: a reprovação do pai, que queria Ana Rosa casada com um de seus
caixeiros; o da avó de Ana Rosa, beata e racista; e de Cônego Diogo, tutor e adversário de
Raimundo (O Mulato) e responsável pela morte de seu pai, fatos estes que Raimundo
ignorava. Os primos armam um plano de fuga a fim de ficarem juntos, mas são descobertos
e Raimundo termina morto enquanto a prima aborta após uma crise nervosa. Seis anos
depois, Ana Rosa aparece casada com o caixeiro autor do assassinato de Raimundo e
revela-se esposa e mãe esmerada. Escrita na efervescência da Campanha Abolicionista a
obra é uma clara crítica social e de oposição ao preconceito racial, constituindo-se também
em anticlerical.
Casa de Pensão (1884):
Baseada em um crime real acontecido em 1876, na cidade do Rio de Janeiro, a obra,
inicialmente publicada sob a forma de folhetim, retrata a trajetória de Amâncio de
Vasconcelos, provinciano de São Luís do Maranhão, filho de um pai gido e e
superprotetora, que encontra na família, na ama sifílica e no cruel professor do primário os
determinantes de seu comportamento desviante vida afora. Embarcando para o Rio no
intuito de estudar medicina, envereda-se pela boemia e pelo ambiente sensual e corrupto
das casas de cômodo. Seduzido por um plano da família Coqueiro, proprietários da casa em
que o rapaz morava, acaba seduzido por Amélia. Após gastar todo o dinheiro do pai,
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resolve viajar ao Maranhão para rever a mãe. Desconfiado, Coqueiro consegue que a
polícia o prenda sob acusação de deflorar Amélia. O estudante é absolvido depois de
seguidos julgamentos que movimentam e dividem a sociedade carioca. Inconformado com
o julgamento, Coqueiro assassina Amâncio com um tiro. Alicerçado em teses deterministas
o romance constitui-se em uma crítica da justiça, ensino e sociedade carioca como um todo,
bem como ao caráter provinciano e paternalista da sociedade de o Luís do Maranhão.
O Homem (1887):
A obra pretende-se um estudo de um caso de histeria progressiva, que passa por todos os
veis. A mimada e rica Magda, moça de falia rica e tradicional, após ser privada de um
relacionamento com um primo que descobre ser seu meio irmão (fruto de uma relação
extra-conjugal do pai com a cunhada) adoece. Com a morte do irmão, Magda passa a ter
pesadelos e delírios que agravam-se após seu contato com um trabalhador da pedreira que
fica ao lado de sua casa. Desmaiada, a moça é carregada por Luís, trabalhador braçal, que
passa a povoar seus delírios, nos quais ela satisfaz todas as necessidades que não satisfaz
em vida: necessidades femininas, sexuais e de maternidade. Conforme a doença evolui
Magda passa a trocar a realidade pelos sonhos, que são descritos no mesmo formato do
livro bíblico “Cântico dos Cânticos”. Os excessos religiosos e a educação romântica são
apontados como agravantes da histeria da personagem. O livro traça paralelos entre a vida
dos moradores da pedreira e dos sobrados, enfatizando uma crítica social da burguesia.
O Coruja (1890):
Publicado em folhetim no rodapé de O Paiz a partir de 1885, tornou-se livro em 1890,
sendo lançado juntamente com O Cortiço. Coruja é o apelido de André Miranda de Melo e
costa, menino órfão e feio, criado por um padre que fazia questão da mesada destinada
pelos cuidados ao pequeno. Coruja é enviado à escola, onde logo se destaca por sua força
física e intelectual. Na escola conhece Teobaldo Henrique de Albuquerque, menino rico e
bonito, filho de um credor da escola. Os dois opostos tornam-se amigos inseparáveis e vão
estudar no Rio de Janeiro. Na capital Teobaldo envolve-se com várias mulheres e consome
todo o dinheiro do pai na boemia, enquanto André torna-se uma sombra silenciosa a
sacrificar-se pelo amigo todas as vezes que este precisou. Os personagens seguem
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trajetórias paralelas, porém opostas. As muitos fracassos e dissimulações, Teobaldo
chega a ministro do governo, mas desiludido consigo mesmo e fracassado no casamento.
As sua morte, fica uma imagem de sucesso profissional e pessoal. Para Coruja resta a
solidão que sempre o acompanhara. O livro pretende-se uma análise psicológica dos
personagens e da sociedade, de forma mais ampla. uma forte crítica ao sistema de
ensino e de privilégios que prevaleciam sobre o mérito no país.
O Cortiço (1890):
O tema central da obra é a exploração do homem pelo pprio homem, que pode ser
sintetizado nas relações de João Romão, proprietário do cortiço, com Miranda, Jerônimo,
locatários do cortiço e Bertoleza. O vendeiro aspira ao título de Miranda, utiliza-se de
Bertoleza para enriquecer, explora seus inquilinos e constitui-se no antagonista de seu
compatriota Jerônimo, que se deixa seduzir pelos cheiros e cores do país, decaindo de pai e
trabalhador exemplar a malandro que abandona esposa, filha e profissão para habitar com
uma mulata.De formas diferentes o vendeiro explora e é explorado por todos. Já o cortiço é
gerador de todos os conflitos, constituindo-se em personagem central dentro da trama: ele é
feito à imagem de seu dono, crescendo, desenvolvendo-se e transformando-se juntamente
com ele. Com a obra o autor pretendeu retratar tipos humanos que se manifestam em
conseqüência do meio, bem como um meio que se modifica e é modificado por estes tipos
humanos. No romance a idealização dos sentimentos é abandonada em favor dos mandos
do dinheiro, ambição e poder.
Livro de Uma Sogra (1895):
O livro trata de maneira original o tema do casamento, o que causou polêmica à época de
sua publicação, também graças à postura ofensiva que o autor assumiu em relação aos
costumes morais e religiosos de seu tempo. Quase todo o conteúdo trata dos manuscritos de
Dona Olímpia (a sogra) sobre suas convicções acerca do matrimônio. Dona Olímpia
descreve medidas necessárias para a completa felicidade conjugal da filha Palmira e do
genro Leandro através de um manuscrito desenvolvido à maneira de um tratado filosófico,
repleto de deduções e experimentos minuciosos. O manuscrito reúne assuntos tais como o
direito da mulher ao prazer sexual, a convivência e os filhos, o amor carnal e fraternal entre
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os cônjuges, e o divórcio. O casamento é descrito como uma instituição em que perecem os
desejos naturais e decaem os sonhos de felicidade.
Fontes e Bibliografia:
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