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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais UNESP/UNICAM P/ PUC- SP
Leandro Nogueira Monteiro
O Conceito de Estado Fracassado
nas Relações Internacionais
Origens, Definições e Implicações Teóricas
São Paulo
2006
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ii
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais UNESP/UNICAM P/ PUC- SP
Leandro Nogueira Monteiro
O Conceito de Estados Fracassados
nas Relações Internacionais
Origens, Definições e Implicações Teóricas
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência
parcial para a obtenção do título de
MESTRE em Relações Internacionais,
sob a orientação da Prof.ª Dr.ª Flavia de
Campos Mello.
Projeto parcialmente financiado pela CAPES (abril de 2005 a março de 2006).
São Paulo
2006
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Banca examinadora:
_______________________________________________
Prof. Dr. Rafael Duarte Villa - USP
_______________________________________________
Prof. Dr. Reginaldo Matar Nasser - PUC-SP
_______________________________________________
Prof.ª Dr.ª Flávia de Campos Mello (Orientadora) – PUC-SP
São Paulo, ______ de __________________ de _______.
iv
Agradecimentos
A elaboração de uma lista de agradecimentos é sempre um esforço
ingrato, que resulta invariavelmente em uma conclusão injusta: muitos
a quem se deve enorme gratidão acabam não sendo sequer
mencionados; e, àqueles que são lembrados, nem todo nosso
“engenho e arte” podem fazer justiça, em palavras, dadas a riqueza e a
magnitude de suas contribuições. A ambos peço, desde já, minhas
desculpas.
Contudo, mais injusto ainda pareceria a tentativa de ignorar esse
esforço, e não prestar, no mínimo, uma humilde homenagem a algumas
pessoas e instituições sem as quais este trabalho não teria sido
realizado. Farei isso, contudo, sem a pretensão de exprimir todo meu
carinho por elas e meu apreço por sua colaboração, ou de esgotar meu
imenso débito para com elas.
Primeiramente, agradeço a Deus.
Ao Programa San Tiago Dantas e ao seu corpo de professores,
agradeço pelo acolhimento e por ter proporcionado um ambiente de
estudos e de debates adequado ao meu desenvolvimento acadêmico.
À CAPES, agradeço pelo financiamento durante parte da elaboração
desta obra.
À minha orientadora, Flavia de Campos Mello, um agradecimento
triplamente especial: primeiramente, por ter aceitado o desafio de me
acolher como orientando, no meio do mestrado, com um tema o qual
ainda nos era estranho; em segundo lugar, pelo trabalho, sempre sério,
correto e colaborativo, de orientação; e, em terceiro lugar, pela enorme
paciência frente às minhas insegurança e inabilidades. Muito obrigado!
Ao professor Reginaldo Nasser, mestre e amigo, a cujas aulas e,
principalmente, horas e horas de bate-papos devo muito do meu
interesse intelectual, agradeço o apoio constante na elaboração deste
trabalho.
Agradeço também, aos professores Shiguenoli Miyamoto e ao
professor Rafael Villa (este, antecipadamente), pelas contribuições
v
dadas em minhas bancas de qualificação e de defesa,
respectivamente.
Sou imensamente grato, também, ao professor Daniel Lambach pela
cordialidade e disponibilidade em oferecer contribuições importantes
para este trabalho.
No nível menos acadêmico e mais pessoal, agradeço primeiramente à
minha família, em especial ao meu núcleo familiar — meu pai, Antonio,
minha mãe, Nanete, meu irmão, Rafael, e minha avó, Arany —, pelo
apoio que me proporcionaram durante todo o processo de elaboração
desta dissertação e, principalmente, durante toda a vida. Ao meu
falecido avô, Lazinho, cujo exemplo e memória estão sempre presentes
em minha vida.
Ao Nico, pelo companheirismo, pelo apoio durante quase todo esse
processo e pela paciência nos seus momentos mais difíceis, pelo
carinho e cuidado, e também pelas discussões e contribuições
intelectuais.
Ao Flávio, meu amigo e “comparsa” intelectual, e à Sara, pela amizade
incondicional, pelo carinho que sempre tiveram para comigo e pelo
companheirismo constante.
Ao meu grande amigo Jaime, que mesmo temporariamente longe,
sempre me incentivou e contribuiu para este processo.
Aos meus grandes amigos de longa data, Alexandre, Carlos, Cláudia,
Edgar e Fabiane, pela amizade e por não reclamarem muito da minha
ausência nesse período.
À Dra. Marilda, que teve um papel determinante no início desse
processo, incentivando-me e me apoiando.
Àqueles outros amigos que, de alguma maneira, contribuíram no
caminho que levou à conclusão desta dissertação. Em especial, ao
Carlos, à Marta, à Cris, à Marina, à Ester, à Maria Helena, meu muito
obrigado. Ao Daniel, meu danke.
Agradeço também aos meus colegas de programa, em especial aos
meus companheiros de turma, que certamente contribuíram para minha
formação e para o desenvolvimento desta dissertação.
vi
“O sonho é ver as formas invisíveis
Da distância imprecisa, e, com sensíveis
Movimentos da esperança e da vontade,
Buscar na linha fria do horizonte
A árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte —
Os beijos merecidos da Verdade.”
(Fernando Pessoa)
vii
MONTEIRO, Leandro N. (2006). O Conceito de Estados Fracassados nas Relações
Internacionais: Origens, Definições e Implicações T eóricas. Dissertação de mestrado
(134 p.). Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais, Universidade
Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Universidade de Campinas e Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo.
RESUMO
As concepções de fraqueza e de fracasso estatais, nos moldes das acepções
utilizadas atualmente no debate acadêmico e no discurso político, vêm-se
desenvolvendo desde a década de 1980, fundadas mais especificamente nas idéias
apresentadas por Robert H. Jackson em seu “Why Africa’s Weak States Persist: the
Empirical and the Juridical in Statehood”, de 1982 (em parceria com Carl Rosberg), e
seu Quasi States: Sovereignty, International Relations and the Third World”, de 1990.
Não obstante, foi no pós-Guerra Fria que importantes fatores conjunturais
contribuíram para a estruturação do conceito de “Estado fracassado” e para a
popularização de seu uso, em ambos ambientes acadêmico e político. Entre esses
fatores destacam-se, nomeadamente, a influência dos paradigmas liberais no
imediato pós-Guerra Fria e os conseqüentes debates sobre soberania, intervenção e
direitos humanos, que forneceram uma base intelectual consistente; e os eventos do
11 de setembro de 2001 e seus desdobramentos, que reforçaram a securitização do
termo. Este trabalho procura, em primeiro lugar, traçar um breve histórico da
utilização do conceito de Estado fracassado no pós-Guerra Fria. Em segundo lugar,
busca apresentar a conceituação do fracasso estatal tal como desenvolvido pela
literatura, iluminando aqueles eixos conceituais que provém unidade às diferentes
definições de fracasso estatal. Em terceiro lugar, pretende apresentar algumas das
implicações do desenvolvimento desse conceito sobre o corpo teórico da disciplina
de Relações Internacionais, com ênfase no Liberalismo, no Realismo e no Pós-
-Positivismo.
Palavras-chave: Relações Internacionais; Estados fracassados; fracasso estatal;
teorias das Relações Internacionais.
viii
MONTEIRO, Leandro N. (2006). The Failed States Concept in International
Relations: Origins, Definitions and Theoretical Implications. Master degree (134 p.).
Post-graduation Programme in International Relations “San Tiago Dantas”. State
University “Júlio de Mesquita Filho”, University of Campinas and Pontifical Catholic
School of São Paulo.
ABSTRACT
The concepts of state weakness and failure as used nowadays in academic debates
and in political discourse have been evolving since the 1980’s. These concepts were
based on the ideas proposed by Robert H. Jackson in his 1982 article with Carl
Rosberg “Why Africa’s Weak States Persist” and in his 1990 book Quasi- states.
Nevertheless, it was after the end of the Cold War that conjuncture contributed to
structure the concept of “failed state”, and to turn it into regular language in both
academic and political entourages. These factors were namely the influence of liberal
paradigms in the immediate post-Cold War times, and the consequent debates on
sovereignty, intervention and human rights, as well as the aftermaths of the events of
September 11
th
, 2001, with the securitisation of the failed state idea. This paper
seeks, firstly, to exhibit a brief history of the use of the failed state concept in the
post-Cold War era. Secondly, it seeks to present the conceptualisation of state failure
such as used by the literature, throwing some light over those conceptual cores that
provide unity to the diverse definitions of state failure. Thirdly, it seeks to present
some implications of the development of the “Failed state” concept to the broader
theoretical field of International Relations, especially regarding Liberalism, Realism
and Post-Positivism.
Key words: International Relations; Failed states; state failure; International
Relations theories.
ix
Lista de Figuras
Figura 1 – Hierarquia das Funções do Estado.....................................................37
Figura 2 – Quadro Resumido da Literatura sobre o Estado Fracassado..............79
x
Lista de Tabelas
Tabela 1 – Failed States Index 2005 (parcial) .....................................................41
Tabela 2 – Failed States Index 2006 (parcial) .....................................................42
xi
Lista de Abreviaturas
CIA............. Central Inteligenc e Agency (Agência Central de Inteligência)
EUA ........... Estados Unidos da América
FMI ............ Fundo Monetário Internacional
OCDE ........ Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômicos
OEA........... Organização dos Estados Americanos
OMC .......... Organização Mundial do Comércio
ONU........... Organização das Nações Unidas
PIB............. Produto Interno Bruto
PNUD......... Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
RU ............. Reino Unido [da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte]
UA.............. União Africana
UEO........... União da Europa Ocidental
UNICEF...... Unit ed Nations Ch ildren’s Fund (Fundo das Nações Unidas para a
Infância)
UNPKO...... United Nat ions Peace Keeping Operation (Operação de Manutenção
da Paz das Nações Unidas)
xii
Sumário
Introdução.............................................................................................................1
1. Histórico............................................................................................................7
1.1. Antecedentes..............................................................................................7
1.2. O imediato pós-Guerra Fria e a década de 1990 ......................................14
1.3. O início do Governo W. Bush e o pós-11 de Setembro.............................22
2. A Literatura sobre o Fracasso Estatal .............................................................31
2.1. Definição do fenômeno.............................................................................32
2.2. Percepção do fenômeno...........................................................................43
2.3. Explicação do fenômeno...........................................................................45
2.4. Soluções para o problema ........................................................................62
3. Implicações do Desenvolviment45
Em 1992, em seu artigo “Saving Failed States” — publicado pela
Foreign Policy e considerado por muitos como o marco inicial dos debates
sobre o fracasso estatal —, os ex-diplomatas Gerald B. Helman e Steven R.
Ratner afirmaram: “os Estados em vias de fracasso prometem se tornar uma
faceta familiar da vida internacional”
1
. O vaticínio não podia estar mais
correto. Desde então, a idéia de “Estados fracassados”
2
ganhou
proeminência entre acadêmicos, diplomatas e políticos, ao conseguir, como
coloca Alex Gourevitch, “resumir em uma substancial frase o lado negro da
nova ordem mundial, enquanto simultaneamente fornecia um novo senso de
propósito para aqueles procurando direção na cena global unipolar e
desnorteada”
3
. No artigo, apresenta-se uma das primeiras descrições deste
“novo fenômeno” que surgia na cena internacional:
1
Failing states promise to become a familiar facet of international life”. HELMAN e
RATNER, 1992:18.
2
O termo vem do inglês “failed states”. A literatura em português o tem traduzido, no
Brasil, em geral por “Estados falidos”; em Portugal, é recorrente a versão “Estados
falhados”. Este trabalho utilizará a versão “Estados fracassados” utilizada por Nivaldo
Montingelli Jr. em sua tradução do livro “Construção de Estados”, de Francis Fukuyama
(2005), por entender que o termo “falido” é culturalmente dotado de uma conotação muito
viciada em aspectos econômicos, o que pode desviar o entendimento da terminologia
inglesa de seus demais aspectos (políticos, sociais, institucionais, etc…).
3
The new concept of "failed state" seemed to sum up in one pithy phrase the dark side of
the new world order, while simultaneously providing a new sense of purpose to those
seeking direction in the rudderless, u nipolar globa l scene”. GOUREVITCH: 2004:255.
2
“Do Haiti no hemisfério ocidental aos resquícios da Iugoslávia na
Europa, da Somália, Sudão e Libéria na África ao Camboja no
sudeste asiático, um novo fenômeno perturbador está emergindo:
o Estado-nação fracassado, completamente incapaz de sustentar-
se como um membro da comunidade internacional. Conflito civil,
falência dos governos e privação econômica estão criando mais e
mais debelatios modernos, o termo usado para descrever a
Alemanha destruída após a Segunda Guerra Mundial. Conforme
esses Estados caem em violência e anarquia — colocando em
perigo seus próprios cidadãos e ameaçando seus vizinhos através
de ondas de refugiados, instabilidade política e combates
aleatórios —, fica claro que algo precisa ser feito. Os abusos
gigantescos aos direitos humanos — incluindo aquele direito mais
básico, o direito à vida — são aflitivos o bastante, mas a
necessidade de ajudar esses Estados é mais crítica ainda pela
evidência de que seus problemas tendem a se espalharem.
Apesar de aliviar o sofrimento do mundo em desenvolvimento ser
a tempos uma considerável tarefa, salvar os Estados fracassados
se mostrará ser um novo — e em muitas maneiras diferente —
desafio.”
4
Apesar de a sua conceituação vir já dos anos 1980, foi na década
de 1990 que os debates sobre o fracasso estatal passaram a ganhar
volume, e que o termo “Estado fracassado” passou a se tornar mais
corriqueiro, principalmente no meio acadêmico. No meio político, apesar de
se perceber amplamente a adoção de conceitos típicos ao debate dos
Estados fracassados — como sugerem diversas práticas de intervenção,
4
From Haiti in the Western Hemisphere to the remnants of Yugoslavia in Europe, from
Somalia, Sudan, and Lib eria in Africa to Cambodia in Southeast Asia, a disturbing n ew
phenomenon is emerging: the failed nation-sta te, utterly incapable of sustaining itself as a
member of the international community. Civil strife, government breakdown, and econ omic
privation are creating more and more modern debellatios, the term used in describing the
destroyed German state after World War II. As those states descend into violence and
anarchy imperiling their own citizens and threatening their neighbors through refugee
flows, political instability, and random warfare it is becoming clear that something must
be done. The massive abuses of human rights — including that most basic of rights, the
right to life — are distressing enough, but the n eed to help those states is made more
critical by the evidence that their problems te nd to spread. Although alleviating the
developing world's suffering has long been a major task, saving failed states will prov e a
new — and in many ways different — challenge ”. HELMAN e RATNER, 1992:3.
3
como as missões de manutenção da paz da ONU, baseadas nos princípios
de construção de Estado ou de nações (state ou nation bu ilding) —, as
discussões acabaram sendo englobadas pelo debate sobre intervenção
humanitária
5
, e a própria terminologia não ganhou, até o 11 de Setembro de
2001, muita relevância. Ainda assim, o debate acadêmico teve alguns ecos
políticos mais óbvios: ainda no próprio ano de 1992, Madeleine Albright,
então embaixadora dos Estados Unidos junto à ONU, justificou a
intervenção na Somália com o argumento de “ajudar a mover o país e seu
povo da categoria de Estado fracassado para aquela de democracia
emergente”
6
. A CIA, em 1994, estabeleceu a “Força-
-tarefa do Fracasso Estatal” (“Stat e Failure Task Force”) — rebatizada, em
2003, para “Força-tarefa de Instabilidade Política” (“Political I nstability Task
Force”) —, destinada a estudar os casos de fracasso estatal baseando-se
em dados estatísticos sobre guerras revolucionárias ou étnicas, mudanças
adversas de regime e genocídios ou politicídios
7
.
Já no meio acadêmico, a discussão sobre o fracasso estatal foi
desde cedo abraçada por diversos autores, que se dedicaram a ela também
como parte das discussões de seus temas de estudo originais — e que
contribuíram, assim, para a consolidação do corpo conceitual do debate.
Não surpreende, dessa maneira, que entre os principais contribuintes aos
debates acerca dos Estados fracassados na década de 1990 estejam
africanistas como Jeffrey Herbst, especialista em desenvolvimento político
5
Cf. KEOHANE, 2004:9-10.
6
"The decision we must make is whether to pull up stakes and allow Somalia to fall bac k
into the abyss or to stay the course and help lift the country and its people from the
category of a failed state into that of an emerging democracy”. Albright, ”Yes, there’s a
reason to be in So malia”, 1992. Apud KRAUTHAMMER, 1999.
7
Cf. GOLDSTONE et al, 2000 (State Failure Task Force Report: Phase III Findings).
4
na África; ou Cristopher Clapham, especialista em Etiópia e Eritréia, membro
do Centro de Estudos Africanos da Universidade de Cambridge (RU) e editor
do Journal of Modern Afr ican Studies; ou mesmo Robert Jackson, que se
dedicou ao tema tanto como estudioso da África pós-colonial quanto do
direito internacional; além de especialistas em países em desenvolvimento
em geral, como o eram os próprios Gerald Helman e Stephen Ratner. Dentre
os autores que tratavam especificamente de temas internacionais,
destacam-se a esta época, além do próprio Robert Jackson, apenas
Stephen Krasner, que em 2000 já começava a fazer, com perspectivas
práticas, a ponte mais direta entre os temas da intervenção e dos Estados
fracassados
8
, e o prof. Michael Desch, que utilizou as questões da fraqueza
e do fracasso estatal em suas pesquisas que relacionavam esse fenômeno
com os ambientes de segurança internacional.
A partir dos eventos de 11 de Setembro de 2001, e o conseqüente
foco colocado sobre a discussão pelos formadores de política externa,
percebe-se um movimento de atração de pesquisadores de alguns outros
temas — como dos direitos humanos, segurança, soberania, etc. — os
quais, algumas vezes, já se dedicavam ao estudo do mesmo “fenômeno”,
porém dentro das discussões sobre intervenção, e que passaram a focar
diretamente no debate sobre os Estados fracassados e a utilizar seu
vocabulário. Assim se passou com Robert Rotberg, pesquisador da
Universidade de Harvard, que já pesquisava países em desenvolvimento;
com Francis Fukuyama, que buscou readequar a abrangência e o processo
da vitória da democracia liberal frente à percepção de ausência generalizada
8
Cf. KRASNER, 2000.
5
do próprio Estado; e com Rosa Brooks, jurista da Universidade da Virgínia,
que já se dedicava também ao tema da intervenção.
Durante seu desenvolvimento, e refletindo a multiplicidade de
origens, bases e utilizações da idéia de Estado fracassado dos diversos
autores, foram produzidas diversas taxonomias e conceituações para o
Estado fracassado, bem como propostas para a solução do problema.
Falou-se em Estados fracos (weak states), Estados em colapso (colapsing
states), Estados em vias de fracasso (f ailing states), Estados anárquicos
(anarchic states), além de versões mais curiosas como Estados fantasmas
(phant om states), Estados miragem (mirage states), Estados anêmicos
(anaemic states), Estados capturados (captured states ) ou Estados
abortados (aborted states)
9
. Definiu-se-os ora com base em critérios
normativos, ora em critérios positivos; ora com base em suas características
intrínsecas, ora em suas conseqüências e evidências demonstradas
10
. Não
menos variadas foram as explicações para as causas do fenômeno que fora
definido, nem tampouco as propostas que se construíram com base nessas
definições e explicações.
Contudo — e como é um dos objetivos desse trabalho sugerir —,
há uma série de pressupostos compartilhados por toda a literatura, que dá à
discussão uma unidade e que permite, inclusive, que ocorra o debate de
temas e propostas. Esses pressupostos se apresentam tanto em relação às
percepções e descrições dos fenômenos quanto a sua explicação, que
formam aquilo a que Alex Gourevitch e Jonathan Hill chamaram de “teoria
9
BILGIN e MORTON, 2002:64.
10
GOUREVITCH, 2005:1.
6
do Estado fracassado” (“failed state theory”)
11
, talvez numa alusão à própria
“teoria do Estado”: assim como nessa, depreende-se da literatura sobre o
Estado fracassado, a um, uma tentativa de definição de seu objeto; a dois,
um corpo conceitual comum que lhe fornece um esqueleto interpretativo,
que condiciona a observação dos diversos fenômenos vinculados a ele; e, a
três, uma hipótese comum, que é a explicação de tais fenômenos. Esse
trabalho buscará, assim, em primeiro lugar, contribuir para a sistematização
das discussões sobre o fracasso estatal, apresentando aquilo que lhe é
comum e que lhe dá unidade, em termos tanto de percepção, de explicação
e de ação.
Em segundo lugar, este trabalho buscará apresentar o impacto e
as implicações do desenvolvimento dessa literatura sobre o fracasso estatal
sobre o desenvolvimento dos debates específicos das Relações
Internacionais e de suas próprias correntes teóricas, com foco especial no
Liberalismo, no Realismo e no Pós-Positivismo. Procurar-se-á demonstrar
que, embora com impactos diferentes, o tema acabou ganhando espaço de
discussão em todas as abordagens, ainda que suas implicações sobre as
linhas de pesquisa realistas tenham sido significativamente menores do que
sobre as pós-positivistas e, especialmente, as liberais.
11
GOUREVITCH, 2005; HILL 2005. Hill usa, na verdade, o termo “tese do Estado
fracassado” (“failed state thesis”); utiliza-o, contudo, no mesmo sentido de Gourevitch.
7
1. HISTÓRICO
As noções de “fraqueza” e “fracasso” estatais têm sido amplamente
utilizadas nos últimos anos, quer seja no ambiente acadêmico, quer seja no
político, principalmente em relação aos Estados pós-coloniais. Tais noções
são, contudo, relativamente novas: apesar de sua origem conceitual remontar a
publicações da década de 1980 e de seu uso ter conhecido um boom
temporário no imediato pós-Guerra Fria, foi principalmente após o 11 de
setembro de 2001 que elas passaram a ser adotadas de forma mais
sistemática.
1.1. Antecedentes
A partir do fim da Segunda Guerra Mundial, assistiu-se ao desmonte
quase total da maioria dos impérios coloniais da Europa e ao conseqüente
surgimento de um grande número de novos Estados. Esse processo se
desenvolveu em meio a uma série de fatores combinados: primeiramente, a
idéia de autodeterminação vinha ganhando apelo desde o fim da Primeira
Guerra Mundial, aumentando o custo político da manutenção do projeto
8
colonial; em segundo lugar, a obrigação para com a proteção e o
desenvolvimento de diversas colônias, no novo contexto da Guerra Fria,
transformava essas colônias em um fardo a países fragilizados pela guerra que
terminava e envolvidos em processos de reconstrução — exceção feita às
colônias que ainda representavam um papel econômico ou mesmo simbólico
importante, como era o caso da Argélia para a França e das colônias
portuguesas
12
.
Somado a isso, havia ainda a crescente pressão política
internacional contra o colonialismo, resultado de uma instrumentalização bem
articulada, por parte da comunidade afro-asiática, da disputa entre a U.R.S.S. e
os E.U.A. dentro das Nações Unidas. A partir de 1960, quando é aprovada pela
sua Assembléia Geral a Resolução 1514 — Declaration on Granting
Independence to Colonial Countries and Peoples
13
—, e por cerca de 14 anos,
as Nações Unidas foram palco de uma disputa política pela descolonização
que envolvia, de um lado, a crescente comunidade de nações afro-asiáticas
recém independentes — que logo representaria cerca de metade dos Estados
votantes na Assembléia Geral das Nações Unidas —, e de outro, concorrendo
pela aproximação a essa comunidade, as duas potências da Guerra Fria —
nomeadamente os Estados Unidos e a União Soviética.
12
FERRO, 1994.
13
A Declaration on Grating Independence to Colonial Countries and People s (Resolução
1514) foi aprovada pela XV Assembléia Geral da ONU em 14 de Dezembro de 1960, com
89 votos a favor, nenhum voto contra, e nove abstenções: Austrália, Bélgica, Republica
Dominicana, França, Portugal, Espanha, África do Sul, Reino Unido e Estados Unidos.
Apresentada em contrapartida a um projeto de resolução anterior, proposto pela União
Soviética, ela abriu caminho legal para a discussão sobre a descolonização no âmbito das
Nações Unidas (LUARD, 1989:186). Dentre suas duas cláusulas operativas, a primeira
pode ser destacada por resumir a essência dos objetivos do movimento em prol da
autodeteminação no pós-Segunda Guerra; “[A Assembléia Geral] solenemente proclama a
necessidade de por um fim rápido e incondicional ao colonialismo em todas as suas formas
e manifestações”. (“[The General Assembly] Solemnly proclaims the necessity of bringing to
a speedy and unconditional end colonialism in all its forms and manifestations”. Declaration
on Granting Independence to Colonial Countries an d Peoples , 1.
9
A União Soviética, até então em minoria dentro da organização,
dada a ausência da China continental e a ascensão de governos
conservadores em grande parte dos países do terceiro mundo (especialmente
na América Latina), viu na vinculação à questão da descolonização uma
oportunidade para se aproximar da leva de novos Estados que, aos poucos, ia
compondo um contingente expressivo de votantes.
A situação dos Estados Unidos era, de fato, bastante mais delicada.
Se não podiam ignorar nem seu passado colonial — e, por conseguinte, uma
suposta tradição anticolonialista —, nem o desejo de igualmente se aproximar
dos novos Estados que protestavam pela descolonização, também lhes era um
problema apoiar muito ostensivamente a independência de territórios
pertencentes a seus principais aliados. Sua posição acabava se pautando por
uma aparente neutralidade
14
— como denota sua abstenção na votação da
Resolução 1514
15
— e um maior ativismo “de bastidores”, através de pressão
diplomática e financiamento e treinamento de grupos rebeldes.
A forma como os processos de descolonização foram feitos, dentro
da lógica da disputa soviético-americana, talvez ajude a explicar a percepção,
vigente até o fim da Guerra Fria, de que os conflitos internos nos países recém-
-independentes estariam fundamentalmente vinculados à disputa bipolar.
Entendeu-se por muito tempo que tais conflitos eram uma manifestação da
própria Guerra Fria, ou seja, a instrumentalização, pelas superpotências, de
antagonismos políticos, através de financiamento e treinamento, deslocando as
disputas que não poderiam ser feitas diretamente entre as potências para
14
Devem-se excetuar os mil dias do governo Kennedy, quando os E.U.A. adotaram uma
nova abordagem, notadamente mais ativista, em relação à descolonização. ANTUNES,
1996.
15
LUARD, 1989:186.
10
níveis mais localizados. Essa percepção levaria, no princípio da década de
1990, ao espanto causado pela persistência dos conflitos internos antes
atribuídos à bipolaridade, apesar de terminada a disputa entre americanos e
soviéticos e, conseqüentemente, o patrocínio das rivalidades.
Se havia um certo senso-comum em se atribuir os conflitos internos
dos novos Estados à lógica da Guerra Fria, havia também uma segunda
tendência de se relativizar suas fragilidades institucionais e econômicas,
atribuindo-as à novidade dos próprios Estados. Esperava-se que, com o passar
do tempo, tais questões seriam solucionadas simplesmente pelos processos
naturais de desenvolvimento e maturação das instituições políticas, de
formação de burocracias nacionais mais bem preparadas e de diversificação
das atividades econômicas. “Ao final, se concluía, o problema desapareceria”
16
.
Ademais, até boa parte da década de 1970, tais questões de
capacidade de administração interna dos Estados eram bastante marginais nos
debates acadêmicos da área de R.I.. Em seu Política entre as Nações, de
1948, principal influência para o pensamento realista nos vinte anos
seguintes
17
, Morgenthau define as variáveis internas relevantes para o realismo
clássico: a capacidade industrial, a preparação militar e o tamanho da
população
18
. É verdade que a visão realista do Estado é ancorada largamente
na tradição weberiana e pressupõe, em alguma medida, o monopólio dos
meios de violência. No entanto, a carência desse controle interno parece se
mostrar não como um problema para as R.I., mas sim como mais uma variável
a ser computada como no cálculo do poder do Estado em questão, dada a
16
LAMBACH, 2005(1):3-4.
17
NOGUEIRA E MESSARI, 2006:35.
18
MORGENTHAU, 1993[1948]:128-33.
11
diminuição de sua capacidade de mobilização de recursos. O neo-realismo
estrutural de Waltz, expresso na Teoria da Política Internacional, de 1979, vem
reforçar essa posição, ao estabelecer, inclusive, que os recursos internos de
poder só têm relevância analítica se estes forem tomados relativamente à
distribuição de poder no sistema
19
. Ou seja, a ausência de controle interno total
por parte de um Estado não lhe seria um problema per se, mas apenas na
medida em que isso lhe deixasse em uma posição de inferioridade de poder
relativamente aos outros Estados do sistema.
Também o pensamento liberal/idealista clássico debruçou-se pouco
sobre a capacidade administrativa enquanto questão das R.I.. A corrente de
matriz wilsoniana, ainda que vinculasse mais os grandes temas internacionais
às condições internas das unidades do sistema internacional, não passava
além de questões como a autodeterminação, a democracia e a promoção dos
direitos naturais, e essas últimas acabaram sendo atropeladas pelas
necessidades e possibilidades das primeiras décadas da Guerra Fria
20
.
A partir da década de 1970, uma série de acontecimentos — e de
percepções sobre eles — passam a ganhar destaque e a serem adotados, por
alguns autores e atores políticos, em suas considerações sobre política
internacional: o arrefecimento dos conflitos no centro (a Détente),
simultaneamente à diminuição do uso da força em larga escala; as novas
ondas de (re-)democratização em grandes partes do mundo; a globalização e a
concepção de um aumento das interconexões entre as economias e as
sociedades de maneira geral, com o início dos processos de integração
19
WALTZ, 1979.
20
KISSINGER, 1996:194.
12
regional; e a conseqüente emergência, ainda que insipiente, de uma
“consciência moral cosmopolita”, ou da percepção da existência de problemas
planetários, que ultrapassavam as barreiras dos Estados, tais como o meio
ambiente e o respeito aos direitos humanos
21
.
Tais movimentos jogaram um novo foco sobre o papel dos atores
nas produções teóricas em R.I.: com o fortalecimento de instituições inter ou
supra-nacionais e a novidade das discussões sobre os atores não-estatais,
também o papel do Estado passou a ser posto sob análise. A tradição liberal
voltou a ocupar um lugar de proeminência, principalmente através dos modelos
de interdependência complexa que vinham sendo propostos por Keohane e
Nye a partir de 1971
22
. No campo do realismo, na tentativa de responder às
críticas que eram feitas à sua então modalidade dominante (o neo-realismo)
pelo neoliberalismo, alguns pesquisadores voltaram às idéias de Morgenthau e,
a partir delas, tentam construir algumas pontes entre a política doméstica e a
política internacional — tendência que ficou conhecida como realismo
neoclássico
23
.
Apesar desses paradigmas terem perdido proeminência, na década
de 1980, para o neo-realismo — em razão do recrudescimento do final da
Guerra Fria—, eles acabaram por fomentar alguns debates conceituais e a
abrir caminho à adição de novas variáveis internas no estudo das R.I., o que
viria a ecoar na formulação das idéias de “Estado fraco” e “Estado fracassado”.
O principal desses debates, que ganhou força nas décadas de 1970 e 1980, foi
aquele relacionado à questão da soberania, motivado em larga escala pela
21
HURREL, 1999:59-60.
22
KEOHANE e NYE, 1971 e 1989[1977].
23
DUNNE e SCHMIDT, 2005:170.
13
tese liberal de que as fronteiras entre o doméstico e o internacional vinham se
tornando cada vez mais difusas, dado o crescimento da importância dos atores
sub e supra-nacionais, que levava ao conseqüente diagnóstico de erosão do
princípio da soberania.
Foi exatamente de uma linha de estudos do pesquisador canadense
Robert H. Jackson sobre as práticas de soberania da comunidade internacional
ao longo do tempo que saíram os marcos conceituais que ainda guiam a
literatura dedicada aos “Estados fracos” e “fracassados”. Essas idéias foram
apresentadas em um artigo em 1982, e aprofundadas em um livro em 1990:
respectivamente, o artigo “Why Africa’s Weak States Persist: the Empirical and
the Juridical in Statehood”, escrito em co-autoria com Carl G. Rosberg e
publicado na revista World Politics — e onde, pela primeira vez, aparece o
termo “Estado fraco” no sentido usado nos debates modernos—; e o livro Quasi
States: Sovereignty, International Relations and the Third World, que se
tornaria referência indispensável nas publicações sobre a fraqueza e o fracasso
estatal.
Nessas obras, Jackson apresentou a distinção entre o que chamou
de soberania positiva (baseada numa condição de existência empírica do
Estado) e a soberania negativa
24
(baseada, ao contrário, numa condição de
existência apenas jurídica do Estado), e argumentou sobre a novidade da
prevalência do segundo sobre o primeiro
25
. Tal distinção conceitual foi
fundamental porque foi essa adaptação do caráter empírico — em
contrapartida ao jurídico — ao conceito de Estado nas Relações Internacionais
24
JACKSON e ROSBERG, 1982:3.
25
JACKSON, 1990:1.
14
que permitiu a formulação das concepções de fraqueza e fracasso estatais nos
termos atuais.
1.2. O imediato pós-Guerra Fria e a década de 1990
Foi após o fim da Guerra Fria, contudo, que as discussões sobre a
fraqueza e o fracasso estatais ganharam maior visibilidade, seja no meio
político ou na academia. Nos primeiros anos da década de 1990, a idéia de
“Estados fracassados” ganhou proeminência entre acadêmicos, diplomatas e
políticos.
O desenvolvimento e a popularização do conceito, no pós-Guerra
Fria, deveu-se a uma série de fatores de caráter diametralmente opostos: de
um lado, o houve a surpresa entre aqueles que acreditavam que as guerras-
civis da periferia eram conseqüência da disputa bipolar, e que, tendo essa
acabado, aquelas também findariam. Situações de conflito se mantiveram ou
foram deflagradas na Argélia, Congo, Quênia, Ruanda, Senegal, Serra Leoa,
Somália, Bósnia, Croácia, Geórgia, Tadjiquistão; assistia-se a genocídios no
Burundi, no Timor, no Sri Lanka, na Guatemala
26
. As imagens produzidas
sobre a periferia também enfocavam a anarquia e a desordem. Robert Kaplan,
em seu muito citado “The Coming Anarchy, publicado na Atlantic Monthly em
1994, traça um panorama de crise institucional, pobreza, crime,
superpopulação, tribalismo e doença, observadas em suas viagens
26
Poli tical Ins tability Tas k Force.
15
principalmente pela África, e sugere que as novas causas de conflito não
seriam mais ideológicas, mas “culturais” ou sociais
27
.
Do outro lado, o início da década de 1990 foi também um período de
grande otimismo, devido ao fim pacífico da Guerra Fria e à percepção de vitória
de valores como a democracia, a liberdade (através do liberalismo) e os
direitos humanos. As concepções liberais, tanto na academia quanto na política
internacional, voltaram a entrar em ascensão, também em parte pela
inabilidade do neo-realismo em prever o fim da União Soviética.
O resgate das temáticas típicas da tradição liberal — democracia,
direitos humanos, interdependência, regionalismo —, somado à emergência de
novos temas, como a globalização, o meio ambiente, traduziu-se, mais
fortemente no início da década de 1990, em uma crítica ao exclusivismo do
Estado como ator nas relações internacionais e aos conceitos de segurança e
de sistema internacional daí derivados, baseados sobretudo no realismo.
Contudo, apesar de fazer tal crítica à exclusividade do Estado enquanto ator
internacional, os liberais não deixaram de reconhecer sua importância
enquanto ator internacional, o que se atesta, por exemplo, na formulação da
teoria da paz democrática
28
, desse instrumento como fator constringente da
atuação belicosa dos Estados.
Ainda assim, a percepção da limitação da autonomia do Estado e de
seu conseqüente enfraquecimento frente, por um lado, ao mercado, e, por
outro, às instituições internacionais, blocos comerciais, etc., somada ao
consenso em torno de um único modelo político, econômico e social possível
27
KAPLAN, 1994.
28
Cf. RUSSET, 1994.
16
— refletido no “fim da história” de Fukuyama
29
e no Consenso de Washington
—, foram manifestações importantes, principalmente durante a década de
1990, do impacto das proposições liberais no nível de política interna. Essas
proposições se teriam refletido, como sugere Gourevitch, no desenvolvimento
do conceito de “Estado fracassado”: “os ‘Estados fracassados’ manifestam de
uma forma externa a crise interna de autoridade política e o pessimismo sobre
a política no Ocidente”
30
.
Em contrapartida, no campo da política internacional, testemunha-
se, como apresenta Andrew Hurrell, uma “expansão das ambições normativas
da sociedade internacional”, através do desenvolvimento de
“concepções maximalistas ou solidaristas de maior alcance, que
envolvem esquemas mais extensivos de cooperação a fim de
salvaguardar a paz e a segurança, promover o desenvolvimento
econômico, solucionar problemas comuns e garantir valores
comuns.”
31
Tais concepções mais abrangentes levaram, assim, à inclusão de
novas temáticas nas Relações Internacionais, fundadas nessa nova
“moralidade internacional cosmopolita”, que se refletiu, por um lado, na adição,
às tradicionais concepções de segurança exclusivamente estatal, dos novos
conceitos de segurança humana — focada não em torno apenas do Estado,
mas "no domínio sem fronteiras da humanidade e seu frágil habitat"
32
—; por
outro lado, refletiu-se também nos próprios mecanismos dos quais a
comunidade internacional passou a se utilizar na garantia desses novos
29
Cf. FUKUYAMA, 1992.
30
‘Failed States’ manifest in an external form the W est’s internal crisis of political authority
and pessimist about politics”.GOUREVITCH, 2005:15.
31
HURRELL, 1999:59.
32
DEL ROSSO JR., 1995:2.
17
objetivos, que passavam pelo entendimento do avanço da democracia e da
globalização como formas de manutenção da paz. Os países democráticos e
desenvolvidos seriam essencialmente mais pacíficos devido, por um lado, ao
aumento das redes de integrações econômicas, políticas e culturais entre os
países que levaria a uma maior resistência ao seu rompimento violento, devido
tanto aos próprios fatores estruturais da interdependência quanto à influência
proibitiva da opinião pública, que ganharia força com o aumento da
participação pública na política.
A adoção de concepções mais solidaristas nas relações
internacionais no imediato pós-Guerra Fria ecoou-se também na maneira com
que a comunidade internacional passou a buscar a criação das condições para
a manutenção da ordem internacional. A partir da década de 1990, começaram
a ganhar força algumas demandas por formas mais firmes de aplicação das
normas internacionais, ascendendo o que Hurrell chamou de “solidarismo
coercitivo”
33
. Essas concepções traduziram-se, em termos teóricos e práticos,
na procura de reforçar os papéis das organizações internacionais, bem como
de criar novas formas de governança multinacionais que pudessem responder,
de forma mais efetiva, as novas questões às quais a comunidade internacional
reivindicava responsabilidade. Assistiram-se, assim, a diversos movimentos
que pareciam ir nessa direção: o fortalecimento das áreas de livre-comércio de
uniões aduaneiras, que constringiam, de alguma maneira, a atuação dos
Estados-membros em matéria tarifária; as regras de condicionalidade que
passaram a serem impostas pelos organismos internacionais, quer para a
própria aceitação do Estado como seu membro — como ocorre, de certa
33
HURRELL, 1999:62.
18
maneira, com a O.M.C.—, quer para a concessão de benefícios específicos —
como utilizam o F.M.I., o Banco Mundial e a O.C.D.E.—; e, principalmente, o
fortalecimento, ainda que temporário, dos mecanismos de segurança coletiva,
principalmente através da revitalização do papel do Conselho de Segurança da
O.N.U.
34
(bem como da O.E.A., da U.E.O. e da U.A.), que acompanharam a
retração do critério de não-intervenção
35
. Essas ações todas, assim, trouxeram
junto consigo uma discussão importantíssima sobre os limites da intervenção
da comunidade internacional em relação a assuntos domésticos dos Estados,
e, conseqüentemente, da própria noção de soberania.
É no âmbito dessas novas tendências que se verifica a primeira
onda de desenvolvimento e utilização da idéia de fracasso estatal,
principalmente a partir dos Estados Unidos. Em 1992, foi publicado na revista
Foreign Policy o artigo “Saving Failed States”, dos ex-diplomatas americanos
Gerald B. Helman e Steven R. Ratner, que muitos tomam como o marco
histórico do início dos debates. Nele, o “Estado fracassado” é pela primeira vez
definido como
“completamente incapaz de sustentar-se como um membro da
comunidade internacional. Conflito civil, falência dos governos e
privação econômica estão criando mais e mais debelat ios
modernos, o termo usado para descrever a Alemanha destruída
após a Segunda Guerra Mundial. Conforme esses Estados caem
em violência e anarquia — colocando em perigo seus próprios
cidadãos e ameaçando seus vizinhos através de ondas de
refugiados, instabilidade política e combates aleatórios —, fica
claro que algo precisa ser feito. Os abusos gigantescos aos
direitos humanos — incluindo aquele direito mais básico, o direito
à vida — são aflitivos o bastante, mas a necessidade de ajudar
34
MESSARI, 2003:171.
35
HURRELL, 1999:63.
19
esses Estados é mais crítica ainda pela evidência de que seus
problemas tendem a se espalharem. Apesar de aliviar o
sofrimento do mundo em desenvolvimento ser a tempos uma
considerável tarefa, salvar os Estados fracassados se mostra
ser um novo — e em muitas maneiras diferente — desafio”.
36
No mesmo ano, Madeleine Albright, então embaixadora dos Estados
Unidos junto à O.N.U., justificou a intervenção na Somália com o argumento de
“ajudar a mover o país e seu povo da categoria de Estado fracassado para
aquela de democracia emergente”
37
. A C.I.A., em 1994, estabeleceu a “Força-
tarefa do Fracasso Estatal” (“State Failure Task Force”) — rebatizada, em
2003, para “Força-tarefa de Instabilidade Política” (“Political Instability Task
Force”) —, destinada a estudar os casos de fracasso estatal baseando-se em
dados estatísticos sobre guerras revolucionárias ou étnicas, mudanças
adversas de regime e genocídios ou politicídios
38
. O novo conceito ganhou
36
(…) the failed nation-state, utterly incapable of sustaining itself as a member of the
international community. Civil strife, government breakdown, and economic privation are
creating more and more modern debellatios, the term used in describing the destroyed
German state after World War II. As those states descend into violence and anarchy
imperiling their own citizens and threatening their neighbors through refugee flows, politica l
instability, and random warfare it is becoming clear that something must be done. The
massive abuses of human rights — including that most basic of rights, the right to life — are
distressing enough, but the need to h elp those states is made more critical by the evidence
that their problems tend to spread. Although alleviating the dev eloping world's suffering has
long been a major task, saving failed states will prove a new — and in many ways different
— challenge”. HELMAN e RATNER, 1992:3.
37
"The decision we must make is whether to pull up stakes and allow Somalia to fall back
into the abyss or to stay the course and help lift the country and its people from the
category of a failed state into that of an emerging democracy”. Albright, ”Yes, there’s a
reason to be in So malia”, 1992. Apud KRAUTHAMMER, 1999.
38
A então “Força-tarefa do Estado Fracassado” define esses eventos, em seu Relatório de
2000, da seguinte maneira:
“Guerras Revolucionárias: Episódios de conflito violento sustentado entre governos e
desafiantes politicamente organizados que procuram derrubar o governo central para
substituir seus líderes ou tomar poder em uma região.
“Guerras Étnicas: Episódios de conflito violento sustentado nos quais minorias civis
nacionais, étnicas ou religiosas desafiam os governos, buscando significativas mudanças
no status.
“Mudança adversa de regime: alterações significativas nos padrões de governança,
incluindo o colapso do Estado, períodos de severa instabilidade da elite ou do regime, e
alheamento da democracia em direção de um controle autoritário.
20
força por conseguir, como sugere Alex Gourevitch, “resumir em uma
substancial frase o lado negro da nova ordem mundial, enquanto
simultaneamente fornecia um novo senso de propósito para aqueles
procurando direção na cena global unipolar e desnorteada”.
39
Contudo, assim como o conceito entrou rapidamente em uso no pós-
-Guerra Fria, igualmente logo ele perdeu notoriedade. A partir da metade da
década de 1990, sua utilização só é encontrada marginalmente no ambiente
político, apesar de continuar a ser adotado em algumas discussões específicas
na academia, como nos debates acerca da soberania. Nos meios político-
militares americanos, há, além da manutenção da Força-tarefa da C.I.A., outros
registros da manutenção do interesse da Agência pelo tema
40
, bem como
produções dos Militares a esse respeito
41
. Mas cessam definitivamente nos
mais altos escalões do governo americano, seja no Departamento de Estado
ou de Defesa.
Uma das razões para essa minoração pode ser encontrada no
fracasso da intervenção na Somália, em 1993. Esse revés levou a
administração Clinton a rever sua postura em relação ao problema dos Estados
fracassados, tornando muito mais seletivas as ações de intervenção direta dos
Estados Unidos em casos de fracasso estatal: como apontam Rachel e Michael
Stohl, depois de 1993 os E.U.A.
“Genocídios e politicídios: políticas sustentadas por parte de Estados ou de seus agentes,
ou, em guerras civis, por quaisquer das autoridades disputantes, que resultem na morte de
parte substancial de grupo civil ou político.” GOLDSTONE et al, 2000:v.
39
The new concept of "failed state" seemed to sum up in one p ithy phrase the dark side of
the new world order, while simultaneously providing a new sense of purpose to those
seeking direction in the rudderless, u nipolar globa l scene”. GOUREVITCH: 2004:255.
40
TENET, 2001.
41
Cf. SIMPSON, 1994; METZ, 1994.
21
“intervieram decisivamente apenas quando as crises humanitárias
ocorriam perto de território americano ou na Europa, apenas
quando extremamente poucas baixas americanas eram
esperadas, e apenas quando a própria retórica do presidente tinha
forçado essencialmente a administração a fazer algo”.
42
Esse fato contribuiu, também, para reforçar a tendência de projeção
de temas econômicos ao centro dos debates de política externa nos Estados
Unidos, indicada já no slogan de campanha de Bill Clinton em 1992, “É a
economia, estúpido”
43
. Esse novo foco contribuiu para a diminuição da
importância dos países subdesenvolvidos nas preocupações dos formuladores
de política externa nos E.U.A., dada a sua diminuta relevância no mercado
global
44
.
Outra razão que pode ser apontada foi a segmentação do tema
entre as diversas comunidades de interesse das R.I. (segurança, humanitária,
desenvolvimento), e a diversificação de utilizações que os conceitos ligados ao
fracasso estatal acabaram tomando, na segunda metade de 1990, dentro dos
debates específicos dessas comunidades. Em relação aos debates sobre
segurança, como se observou, o tema foi-se tornando cada vez mais marginal,
devido também a um certo retorno das preocupações de segurança do governo
americano aos padrões clássicos das disputas entre as novas potências que
despontavam (especialmente Europa e China) e ainda a Rússia, bem como
dos “Estados párias” ou os “rogue states”, tendências essas que atingiriam seu
auge na “primeira fase” do governo George W. Bush.
42
Ever since the Somalia debacle of 1993, the United States has intervened decisively
only when humanitarian crises occurred near U.S. territor y or in Europe, on ly when
extremely few U. S. casualties were expected, and only when the president’s own rhetoric
had essentially forced the administration to do something. STOHL e STOHL, 2001:7.
43
O sloganIt’s the economy, stupid” foi criado, segundo STRMECKI (2003:47), pelo
estrategista político da campanha Clinton, James Carville.
44
STOHL e STOHL, 2001:12.
22
No campo humanitário e de desenvolvimento, conceitos ligados às
idéias de fraqueza e fracasso estatal foram ainda mantidos, porém dentro de
novos arcabouços — ou, ao menos, novos títulos —: na comunidade
relacionada aos temas humanitários, a discussão passa a se dar em torno do
tema da “intervenção humanitária”
45
, enquanto a comunidade de
desenvolvimento passa a falar sobre “boa governança”
46
.
Na academia, a despeito do quase total desaparecimento do tema
das análises de política internacional da época, ele continuou sendo debatido,
principalmente por africanistas como Jeffrey Herbst
47
e Christopher Clapham
48
.
Também se manteve em alguns estudos sobre segurança e sobre as relações
norte-sul, como os workshops sobre Estados fracassados e em vias de
fracasso (failed and failing states) realizados anualmente pela U.S. Army War
College e pela Universidade Purdue. Manteve-se vivo, ainda, nas discussões
sobre o conceito de “soberania”, nas quais as idéias desenvolvidas por Robert
Jackson continuaram a ser debatidas em produções que se tornaram
referências, como o artigo de Andreas Osiander, “Sovereignty, International
Relations, and the Westphalian Myth
49
, e nas análises de Stephen Krasner
50
.
1.3. O início do Governo W. Bush e o pós-11 de Setembro
45
“Parece-me que, na política, esse debate estava acontecendo ao mesmo tempo, mas
sob o arcabouço da ‘intervenção humanitária’”. (“It seems to me that in politics this debate
was taking place at the same time but under the framework of 'humanitarian intervention'”.)
LAMBACH, 2006(1):1.
46
Cf. UNESCAP.
47
Cf. HERBST, 1996.
48
Especialista em Etiópia e Eritréia, membro do Centro de Estudos Africanos da
Universidade de Cambridge (RU) e editor do Journal of Modern African Studies. Cf.
CLAPHAM, 1998.
49
Cf. OSIANDER, 2001.
50
Cf. KRASNER, 2000.
23
Alguns meses antes dos atentados de 11 de Setembro de 2001, os
pesquisadores Rachel e Michael Stohl escreveram o artigo “The Failed and
Failing State and the Bush Administration: Paradoxes and Perils”, no qual
faziam uma análise da postura, até aquele momento, da administração George
W. Bush acerca dos Estados fracassados. A nova política externa republicana
reforçava as tendências, que já se percebiam a partir da segunda metade da
década de 1990, de afastamento das intervenções puramente humanitárias, e
abraçava uma visão mais próxima ao realismo:
“a equipe de Bush (…) tem até agora sido bastante consistente a
respeito de suas visões publicadas e seus pronunciamentos de
campanha. Assim, a Defesa Nacional de Mísseis veio para o
primeiro plano, as ‘rogue nations’ voltaram ao vocabulário”
51
.
Tais prescrições para a política externa do governo Bush haviam
sido apresentadas pela então assessora de política externa da campanha de
George W. Bush, Condoleezza Rice, num artigo publicado na revista Foreign
Affairs de fevereiro de 2000. Nele, a futura Secretária de Estado destacava que
“a política externa americana em uma administração republicana deveria
refocar os Estados Unidos em seu interesse nacional e na perseguição de
prioridades-chave”, dentre as quais as mais importantes, em termos de
segurança, eram o foco nas “grandes potências, particularmente a Rússia e a
China”, e o empenho frente às “ameaças de regimes delinqüentes e potências
hostis”
52
. Também criticava as iniciativas de intervenção do governo Clinton na
Somália, no Haiti e, em certa medida, na Iugoslávia — nesse caso, mais em
51
The Bush team (…) has thus far been quite consistent with respect to their published
views and campaign utterances. Thus, National Missile Defense (NMD) has come to the
forefront, “Rogue Nations” have reentered the vocabulary ”. STOHL e STOHL, 2001:2.
52
RICE, 2000:46-7.
24
relação à condução da Guerra de Kosovo do que à intervenção propriamente
dita
53
.
Contudo, após os ataques terroristas aos Estados Unidos em 11 de
Setembro de 2001, houve uma mudança significativa no foco das
preocupações de segurança do governo americano e, por essa influência, da
comunidade internacional como um todo. A ligação imediata — questionável ou
não — do Afeganistão aos ataques, bem como sua igualmente imediata
classificação como um “Estado fracassado”, seqüestrado pelas forças do
Talibã, trouxeram o tema do fracasso estatal de volta ao primeiro plano. Não
por acaso, poucos dias após os ataques, o “Relatório da Resenha Quadrienal
de Defesa”, do Departamento de Defesa dos E.U.A., já sugere um “ambiente
de segurança alterado”, em que os “crescentes desafios e ameaças emanantes
dos territórios de Estados fracos e em vias de fracasso” aparecem como uma
das mais importantes “tendências de segurança”
54
. A “Estratégia de Segurança
Nacional dos Estados Unidos da América” — a chamada “Doutrina Bush” —,
publicada um ano depois dos atentados, afirma, já em sua primeira página, que
“a América é agora ameaçada menos por Estados conquistadores do que
somos por aqueles em vias de fracasso”
55
.
Essa nova preocupação com o fracasso estatal apresenta, contudo,
diferenças frente àquelas tendências surgidas no imediato pós-Guerra Fria,
ainda que ambas tenham ganhado proeminência enquanto preocupações no
campo da segurança. Na década de 1990, o risco era causado diretamente
53
Ibid ., 51-3.
54
Quadrennial Defense Review Report, 2001:3-5.
55
America is now threatened less by conquering states tha n we are by failing ones”.
National Security Strategy of the United States of America, 2002:1.
25
pelo fracasso estatal, pela possibilidade de se alastrarem tanto os conflitos que
o geravam quanto as suas conseqüências diretas (refugiados, instabilidade) —
o chamado “spill-over” —; eram, conseqüentemente, problemas de caráter
basicamente regional. Dez anos depois, o risco passa a ser essencialmente
indireto, pela associação do fracasso estatal ao terrorismo, ao tráfico de drogas
e ao crime organizado, vistos como problemas globais — o que passa a
qualificar, portanto, o fracasso estatal um perigo mundial, e não apenas
regional.
As percepções dessas novas ameaças alteraram rapidamente o
padrão de atuação externa da administração Bush que, de crítica dos
processos de construção de Estados da administração Clinton, passou a ser a
executora de iguais projetos
26
International Studies Association (I.S.A.), o prof. Daniel Lambach apresenta
evidências acerca também do Reino Unido e da Alemanha em relação ao
desenvolvimento de tais preocupações. Na Alemanha, apesar do ministro das
relações exteriores, Joschka Fischer, ter afirmado ainda em 2000 que os
Estados fracassados eram um crescente problema, foi apenas a partir do 11 de
setembro de 2001 que o ministério das relações exteriores alemão
(Auswärtiges Amt) passou a apontar o fracasso estatal como um problema para
a segurança internacional, e a ligá-lo diretamente com o fenômeno do
terrorismo
59
.
No Reino Unido, Lambach aponta que o desenvolvimento se deu de
forma semelhante. Apesar de haver sinais, anteriores ao 11 de setembro de
2001, de preocupação do ministério das relações exteriores britânico (Foreign
and Commonwealth Office) com o tema do fracasso estatal — como aponta a
intervenção na Serra Leoa, em 2000 —, foi também apenas após os eventos
ocorridos nos E.U.A. que se iniciaram as declarações e ações mais veementes
nesse sentido
60
. Igualmente, o Reino Unido prontamente aludiu à ligação do
fracasso estatal com o terrorismo: “os terroristas são mais fortes onde os
Estados são mais fracos”, afirmou o secretário Jack Straw, apenas algumas
semanas após os atentados nos E.U.A.
61
.
A análise de Lambach também aponta para o que ele considera uma
certa instrumentalização da idéia de “Estado fracassado” pelo Reino Unido,
principalmente no discurso do Primeiro-ministro Tony Blair. Segundo Lambach,
entre 2003 e 2004, Blair freqüentemente aponta o Iraque de Sadam Husseim
59
LAMBACH, 2005:7.
60
Ibid ., 5-6.
61
Terrorists are strongest where states are weakest”. STRAW, 2001:1
27
como um “Estado fracassado”, o que, de acordo com a definição de fracasso
estatal utilizada pelo pesquisador, baseada nas idéias de Robert Jackson, seria
incabível — o Iraque tinha um poder central, uma administração organizada e
controle territorial. No entanto, para outros conceitos disputantes de “Estado
fracassado” (como se verá mais adiante), a falta de democracia ou de
legitimidade do governo pode também ser considerada um definidor do
fracasso estatal.
Uma outra possível instrumentalização da idéia de “Estado
fracassado” pode ser apontada na recente tentativa, por parte do governo dos
Estados Unidos, em se desobrigar de cumprir acordos internacionais
(nomeadamente, a Convenção de Genebra de 1949) com outro Estado (o
Afeganistão), através de seu virtual “des-reconhecimento” enquanto Estado,
baseado na sua consideração como um Estado fracassado.
Entre janeiro e fevereiro de 2002, no começo da guerra contra o
Afeganistão, a Casa Branca solicitou pareceres jurídicos sobre a decisão
presidencial de 18 de janeiro de 2002 de retirar as proteções das Convenções
de Genebra aos membros da rede terrorista Al Caida e, principalmente, do
Talibã — então representante do Estado afegão — que fossem capturados
pelas forças americanas. O então conselheiro jurídico da Casa Branca — e
futuro Advogado-geral — Alberto Gonzales, em um memorando ao Presidente
datado de 25 de janeiro de 2002, confirmou os pareceres anteriores que davam
base legal à decisão presidencial, e apresentou duas possibilidades de
legitimação legal dessa decisão: determinar que o Afeganistão era um “Estado
fracassado” e, portanto, não era parte do tratado; ou reconhecer o Afeganistão
28
como parte do tratado, mas não reconhecer o Talibã como tropas regulares e
legítimas.
“Inicialmente, percebo que você tem a autoridade constitucional
de fazer a determinação que fez em 18 de Janeiro, de que o
Protocolo de Genebra sobre prisioneiros de Guerra (GPW ) não se
aplica à Al Caida e ao Talibã. (...) O Escritório do Conselheiro
Legal (OLC) do Departamento de Justiça opinou que, em termos
de lei doméstica e internacional, o GPW não se aplica ao conflito
com a Al Caida. O OLC ainda opinou que você tem a autoridade
de determinar que o GPW não se aplica ao Talibã. Como discuti
com você, as bases dessa determinação podem incluir:
Uma determinação de que o Afeganistão era um Estado
fracassado, porque o Talibã não exercia controle total sobre o
território e a população, não era reconhecido pela comunidade
internacional e não era capaz de cumprir suas obrigações
internacionais.
Uma determinação de que o Talibã e suas forças eram, na
verdade, não um governo, mas um grupo de tipo terrorista”
62
.
Em um memorando seguinte, datado de 1.º de fevereiro, o
Advogado-geral dos Estados Unidos, John Ashcroft, concordou com os
pareceres de Gonzales, mas emitiu sua preferência pela primeira
determinação, por razões tanto de direito doméstico quanto internacional.
Domesticamente, Ashcroft ressaltou a opinião da Suprema Corte de que uma
determinação presidencial relativa à aplicabilidade de tratados internacionais
62
As an initial matter, I notice that you have the constitu tional authority to make th e
determination you made on January 18 that the GPW does not apply to al Qaeda and
Taliban. (…) The Office of Legal Coun sel of the Department of Justice has opined that, as a
matter of international and domestic law, GPW does not apply to the conflict with al Qaeda.
OLC has further opined that you have the authority to determine that GPW does not apply
to the Taliba n. As I discus sed with you, the groun ds for such d eter mination may include :
A determination that Afghanistan was a failed state because the Taliban did not
exercise full control over the territory and people, was not recognized by the
international community, and was not capable of fulfi lling its international obli gations
(…).
A determination that the T aliban and its forces were, in fact, not a govern ment, but a
militant, terrorist lik e group”. GONZALES, 2002:1.
29
não pode ser revista por cortes americanas, enquanto que, se se reconhecesse
a aplicabilidade do tratado ao Afeganistão, a determinação de que o Talibã era
uma milícia ilegal seria tomada, na verdade, como uma interpretação do
tratado, e poderia eventualmente ser questionada em cortes nacionais.
Internacionalmente, Ashcroft argumentou que, caso outros Estados quisessem
vir a usar a mesma justificativa contra os Estados Unidos, ser-lhes-ia
“muito mais difícil (...) argumentar falsamente que os Estados
Unidos eram um “Estado fracassado” do que argumentar
falsamente que as forças americanas, de algum modo, perderam
seu direito à proteção por se tornarem combatentes ilegítimos”.
63
O presidente George W. Bush, contudo, em memorando de 7 de
fevereiro de 2002, optou pela segunda opção. Todavia, aceitou a conclusão de
que, apesar de não fazer uso dele naquele momento, ele teria realmente o
direito a proceder à suspensão do Protocolo de Genebra entre os Estados
Unidos e o Afeganistão, com base nas justificativas apresentadas pelos
memorandos dos membros do seu gabinete.
Outra novidade nesse novo movimento de atenção com a idéia de
fracasso estatal é que, diferentemente do que aconteceu no imediato pós-
Guerra Fria, começam a despontar na academia algumas críticas à própria
idéia de fracasso estatal, por parte especialmente de pesquisadores dos
movimentos pós-positivistas, que vinham ganhando força já desde a década de
1990, focando suas análises nos discursos e nas identidades, ou seja, nas
construções subjetivas do mundo. Dentre os movimentos pós-positivistas, as
principais críticas tem vindo do pós-colonialismo, que Nogueira e Messari
63
“(...) [I]t would be far more difficult for a nation to argue falsely that America was a ‘failed
state’ than to argue falsely that Ame rican forces had, in some way, forfeited their righ t to
protection by becoming u nlawful combatents ”. ASHCROFT, 2002:2.
30
apontam como a “principal contribuição de acadêmicos que não são norte-
americanos ou da Europa ocidental” para as Relações Internacionais, desde a
Teoria da Dependência
64
.
64
NOGUEIRA e MESSARI, 2006:222.
31
2. A LITERATURA SOBRE O FRACASSO ESTATAL
A literatura dedicada ao estudo dos Estados fracassados tem
apresentado uma enorme variedade de terminologias, definições, explicações e
soluções. Robert Jackson, por exemplo, definiu os Estados fracassados como
aqueles que “não podem ou não irão salvaguardar domesticamente condições
civis mínimas, como paz, ordem, segurança, etc.”
65
. Robert Rotberg, por outro
lado, propôs uma lista muito mais abrangente de funções cujo não
cumprimento caracterizaria um Estado fracassado: manter a ordem e o controle
territorial, vigiar fronteiras, manter uma infra-estrutura apropriada e prover
amplos direitos sociais
66
. A.J. Christopher enxerga a raiz do problema no
estabelecimento de fronteiras desconsiderando as linhas étnicas
67
. Christopher
Clapham culpa a imposição de um modelo de organização social ocidental em
culturas políticas não-ocidentais
68
. Gerald Helman e Steven Ratner propuseram
como solução ao problema um retorno ao sistema de tutela internacional para
65
JACKSON, 1998:2.
66
ROTBERG 2003:1-7; 2004:1-10.
67
CHRISTOPHER, 1997:92.
68
CLAPHAM, 2004:82.
32
os Estados fracassados
69
, enquanto Jeffrey Herbst propôs uma “reforma das
fronteiras”
70
, Rosa Brooks sugeriu uma nova forma de ordenamento
internacional que não se baseasse exclusivamente no Estado
71
, e Sebastian
Mallaby propôs o retorno a um sistema imperial nos moldes do pré-Segunda
Guerra
72
.
A despeito dessa enorme variedade, não obstante, pode-se afirmar
que a literatura compartilha uma série de pressupostos comuns. Há uma linha
básica de pensamento compartilhada, que perpassa tanto a definição, a
percepção e a descrição do fenômeno, quanto a sua explicação, e que
determina, conseqüentemente, as opções de solução apontadas.
2.1. Definição do fenômeno
O primeiro pressuposto compartilhado da literatura do Estado
fracassado é sua definição — ainda que indireta — do fenômeno: é corrente a
visão de que certos países, apesar de possuírem reconhecimento internacional
como Estados, não possuem as condições empíricas que os caracterizariam
como um Estado de facto. Pode-se chegar, assim, à definição amplamente
aceita de que o Estado fracassado é aquele a cuja existência normativa não
corresponde uma existência empírica (ao menos não plena). O marco
conceitual dessa noção foi estabelecido por Robert Jackson, que, em seu
Quasi-states, Dual Regimes, and Neoclassical Theory: International
Jurisprudence and the Third World”, publicado na International Organization
69
HELMAN e RATNER, 1992:11.
70
HERBST, 2004:312-6.
71
BROOKS, 2005:24.
72
MALLABY, 2002:6-7.
33
em 1987, e no livro “Quasi States: Sovereignty, International Relations and the
Third World”, de 1990, retoma a idéia central do artigo “Why Africa’s Weak
States Persist: the Empirical and the Juridical in Statehood”, escrito em co-
autoria com Carl G. Rosberg em 1982, ainda no contexto da Guerra Fria, no
qual faz pela primeira vez a distinção entre o que chama de “estatidade
empírica” e a “estatidade jurídica”
73
, e argumenta sobre a novidade da
prevalência do segundo sobre o primeiro
74
.
Pode-se afirmar que a argumentação de Jackson se baseia numa
tentativa de integrar duas definições do próprio conceito de “Estado”, uma
interna e outra externa, que vêm da Ciência Política, por um lado, e do Direito
Internacional e das Relações Internacionais, por outro. À primeira, Jackson
chamou de estatidade empírica (ou “soberania positiva”), a qual
“pressupõe capacidades que permitam aos governos serem seus
próprios mestres: é uma condição substantiva ao invés de formal.
Um governo positivamente soberano é aquele que não apenas
goza do direito de não-intervenção e de outras imunidades
internacionais, mas também possui os recursos para prover bens
políticos para seus cidadãos”.
75
À segunda, Jackson chamou de estatidade jurídica, (ou “soberania
negativa”), e a caracterizou como
“liberdade frente à interferência externa: uma condição formal-
legal. A não-intervenção e a soberania, nesse sentido, são
basicamente dois lados da mesma moeda. Esse é o princípio
73
JACKSON e ROSBERG, 1982:3.
74
JACKSON, 1990:1.
75
Positive sovereignty likewise presupposes capabilities which enable governments to b e
their own masters: it is a substantive rather than a formal condition. A positively sovereign
government is one which not only enjoys rights of nonintervention and other internatio nal
immunities but also possesses the wherewithal to provide political goods for its citizens”.
Ibid., 29.
34
central do direito das nações clássico: a esfera da jurisdição legal
exclusiva dos Estados ou o laissez faire internacional”.
76
Tal distinção conceitual é fundamental porque é essa adaptação do
caráter empírico — em contrapartida ao jurídico — ao conceito de Estado nas
Relações Internacionais que permite a formulação do conceito de Estados
fracassados. Se se entende o Estado apenas em relação ao reconhecimento
mútuo entre os pares, seria um contra-senso falar em Estado fracassado, já
que, neste caso, a única maneira dele fracassar é não obtendo o
reconhecimento de seus pares, situação em que não seria sequer um Estado
para poder fracassar. Ao contrário, a concepção de Estado fracassado se
baseia exatamente nessa dualidade jurídico-empírica: a existência legal do
Estado para a comunidade internacional (que faz dele um Estado); a
“inexistência” ou fragilidade empírica do Estado internamente (que faz dele um
fracasso). Como afirmou Georg Sørensen, “falar sobre o fracasso estatal
pressupõe a existência de um Estado”
77
. Só assim é possível dar sentido à
frase de Jackson e Rosberg: “se adotássemos um critério empírico estreito de
estatidade — como o monopólio da força de Weber — teríamos que concluir
que alguns países (...) não são Estados”
78
— ou, apropriando-se da confusão
que os autores tentaram evitar a ao usar o termo “países”, concluir que alguns
Estados não são Estados.
76
Negative sovereignty can also be defined as freedom from outside interference: a
formal-legal condition. N on-intervention and sovereignty in this meaning are basically two
sides of the same coin. This is the central principle of the classical law of nations: the
sphere of exclusive legal jurisdiction of states or international la issez faire”. Ibid., 27.
77
To talk abo ut state failure pres upposes the existe nce of a state ”. SØRENSEN, 2000:1.
78
If we adopted a narrow empirical criterion of statehood-such as Weber's monopoly of
force-we would have to conclude that some African countries were not states”. JACKSON e
ROSBERG, 1982:12. Apesar de Jackson e Rosberg dedicarem-se ao estudo específico do
caso africano, seus estudos posteriores validam a generalidade da referência, razão pela
qual se omitiu o termo “africano” na citação.
35
Esse esteio do corpo teórico sobre o fracasso estatal na condição
empírica de perfazer funções entendidas como tipicamente estatais é algo
comum a todas as definições de fracasso estatal, por mais distintas que sejam,
e seja a quais fins se proponham. O problema surge, no entanto, na definição
de quais seriam tais “funções tipicamente estatais”, que delimitam os critérios
de contraste para distinguir o que seria um Estado fracassado e um bem-
sucedido. Como apresenta Susan Woodward, “as quatro comunidades
internacionais envolvidas — humanitária, direitos do Homem, desenvolvimento
e segurança — utilizam a mesma expressão para designar realidades muito
variadas”
79
, ou seja, apresentam critérios bastante diferentes para caracterizar
aquilo que consideram como fracasso estatal, baseados nas suas
considerações específicas de quais características estatais deveriam ser mais
valorizadas.
Dada a ênfase, tanto no imediato pós-Guerra Fria quanto
atualmente, nos temas de segurança, em geral as concepções de fracasso
estatal mais proeminentes são aquelas que utilizam como critério de
comparação a capacidade dos governos de controlarem seus territórios e
manterem a ordem interna — mais ainda quando se estabeleceu a conexão
entre terrorismo e fracasso estatal. O próprio Robert Jackson sempre
comungou dessa concepção, exposta de forma ainda mais clara num trabalho
de 1998, no qual afirma que, por Estados fracassados, entenderia
“exclusivamente a Estados que não podem ou não irão salvaguardar
79
WOODWARD, 2005.
36
domesticamente condições civis mínimas, como paz, ordem, segurança,
etc.”
80
.
Além de Jackson, outro pensador de destaque que partilha dessa mesma
definição é Francis Fukuyama. Na obra “Construção de Estados”, de 2005,
apesar de destacar as “diferentes funções e metas assumidas pelos
governos”
81
—que ele chama de “escopo” do Estado —, Fukuyana defende a
existência de uma hierarquia entre as funções (Figura 1): “os Estados
precisam prover a ordem pública e a defesa de invasões externas antes de
prover seguro-saúde universal ou ensino superior gratuito”
82
. A força do
Estado, definida como a capacidade institucional de “planejar e executar
políticas e fazer respeitar as leis de forma limpa e transparente”, reside então
na sua capacidade de cumprir as funções mais básicas na hierarquia — atente-
se que ele não descarta que um Estado forte possa também cumprir com
grande força ou capacidade as funções consideradas “intermediárias” ou
“ativistas”; entretanto, o cumprimento dessas funções é apenas uma
complementação às funções básicas, cujo bom cumprimento é o que
caracteriza, em primeira instância, um Estado forte.
Outros autores referenciais, como Stephen Krasner ou Robert
Rotberg, utilizam noções muito mais abrangentes do que entendem serem
condições de fraqueza estatal, nas quais se pode vislumbrar uma preocupação
particular com outras questões além da segurança, como a democracia e a
80
By ‘failed states’, I shall be referring exclusively to states which cannot or will not
safeguard minimal civil conditions, i.e., peace, order, security, etc . domestically”.
JACKSON, 1998:2.
81
FUKUYAMA, 2005:22.
82
Idem, p. 22.
37
Funções mínimas
Prover bens públicos puros
Defesa, lei e ordem
Direitos de propriedade
Gerenciamento macroeconômico
Saúde Pública
Melhorar equidade
Proteger os pobres
Funções intermediárias
Cuidar de fatores externos
Educação, meio ambiente
Regulamentar monopólios
Superar educação imperfeita
Seguros, regulamentação financeira
Seguro social
Funções ativistas
Política industrial
Redistribuição de riqueza
Eixo X – Escopo das funções do estado
FIGURA 1
Hierarquia das Funções do Estado
(Fonte: FUKUYAMA, 2005:25)
38
legitimidade do governo, o desenvolvimento econômico ou a provisão de
serviços públicos básicos. Krasner, por exemplo, ilustra da seguinte forma sua
visão de um “Estado fracassado”:
“Os indivíduos vivem num ambiente que, se não é exatamente um
Estado de natureza hobbesiano, é algo próximo a uma operação
de extorsão na qual aqueles que detém cargos formais de Estado,
ou ao menos aqueles com armas, criam inseguranças e
incertezas que os permitem recolher o sangue e os tesouros de
seu próprio povo. Em alguns países, as estruturas de autoridade
entraram totalmente em colapso, ou, se elas existem formalmente,
são conchas ocas. Os serviços, como de saúde e educação, são
dolorosamente inadequados. Os direitos humanos são ignorados.
A infra-estrutura se deteriorou. A corrupção é desenfreada. As
fronteiras são desreguladas. A moeda nacional foi substituída por
dólares ou outro meio de troca internacionalmente reconhecido. O
PIB decai. A expectativa de vida diminui. Direitos humanos
básicos são pisoteados. O crime se alastra. Grupos armados
operam dentro das fronteiras do Estado, mas fora do controle do
governo. A pobreza é endêmica.”
83
Rotberg, que ganhou influência através de suas pesquisas e
publicações pelo “Projeto Estados Fracassados”, promovido pelo Programa
sobre Conflitos Intra-estatais da Universidade de Harvard e pela World Peace
Foundation (ambos os quais ele dirige), caracteriza os Estados fracassados por
uma inabilidade de:
83
Individuals live in an environment which, if it is not quite an H obbesian states of nature,
is something akin to a racketeering operation in which those holding formal offices of state,
or at least those with guns, create ins ecurities and uncertainties that allow them to collect
blood and treasure from their own people. In so me countries authority structures have
collapsed entirely or, if they formally exist, are empty shells. Services, such as health and
education, are woefully inadequate. Human rights are ignored. Infrastructure has
deteriorated. Corruption is rampant. Borders are unregulated. The national currency has
been displaced by dollars or some other internationally recognized means of exchange.
GNP is declining. Life expectancy is falling. Basic human rights are trampled. Crime is
widespread. Armed groups operate within the state ’s boundaries, but outside the control of
the government. Poverty is endemic. KRASNER, 2000:1.
39
manter a ordem política interna, acabando, principalmente,
com a violência direcionada ao regime ou causada por
movimentos separatistas;
manter a ordem pública e oferecer segurança;
controlar suas fronteiras e todo seu território, sem perder
controle sobre pedaços dele, ou mantê-lo apenas sob
condições limitadas;
manter funcionando sistemas legislativos e judiciários
independentes, que gerem uma armação legal legítima e
confiável;
prover educação, serviços de saúde, infra-estrutura, vigilância
ambiental, oportunidade econômica, etc
84
.
Outros projetos de pesquisa de destaque, levados a cabo por outras
comunidades da área de R.I. — usando a perspectiva de Woodward —,
tendem a dar menos ênfase às questões de ordem e paz interna, que perdem
lugar para preocupações de Direitos Humanos ou de desenvolvimento
econômico. O Fund for Peace, uma mistura de O.N.G. e think-tank americano
destinado à “prevenção da guerra e ao alívio das condições que causam a
guerra”
85
, parece ter abraçado amplamente as concepções de “segurança
humana”
86
na sua definição de fracasso estatal, utilizada na elaboração anual
84
ROTBERG, 2003:1-7; 2004:1-10.
85
Fund for Peace .
86
Conceito que visa colocar as pessoas no centro das preocupações de segurança, em vez
dos Estados. Foi introduzido pelo relatório de 1994 sobre o Desenvolvimento Humano do
40
do “Índice de Estados Fracassados” (Failed States Index) (Tabelas 1 e 2), um
catálogo amplamente utilizado como referência sobre o fracasso estatal tanto
na academia quanto nos órgãos governamentais. Para chegar ao índice de
cada país, são considerados doze indicadores, entre os quais “pressões
aogratfiracos,is deslegitim pa47 sãzade Ee
41
Failed States Index 2005
88
LEGENDA
I Mounting Demographic
Pressures
V Uneven Economic
Development along Group
Lines
IX Widespread Violation of
Human Rights
II Massive Movement of
Refugees and IDPs
VI Sharp and/or Severe
Economic Decline
X Security Apparatus as "State
within a State"
III Legacy of Vengeance -
Seeking Group Grievance
VII Criminalization or
Delegitimization of the State
XI Rise of Factionalized Elites
IV Chronic and Sustained
Human Flight
VIII Progressive Deterioration of
Public Services
XII Intervention of Other States or
External Actors
RANK
COUNTRY
I II III IV V VI VII VIII IX X XI XII TOTAL
1
Cote d'Ivoire
8 8 7.7 8.8 9 7.7 9.8 9.5 9.4 9 9.1 10 106
2
Dem. Rep. of
the Congo
9 9.4 9 7 9 8 8 9 9.1 8.7 9.1 10 105.3
3
Sudan
8.6 9.4 7.8 9.1 9 8.5 9.2 8.7 8 9.8 8.7 7.3 104.1
4
Iraq
8 9.4 8.3 6.3 8.7 8.2 8.8 8.9 8.2 8.4 10 10 103.2
5
Somalia
9 8 7.4 6.3 9 8.3 9.8 10 7.8 10 8.7 8 102.3
6
Sierra Leone
9 8 7.5 8.9 8.7 10 7.5 9.1 8.7 6.3 8.6 9.8 102.1
7
Chad
8 9.1 7.1 8.3 9 8 8.9 9 9.1 7 9.4 8 100.9
8
Yemen
7.8 8 6.4 8.2 9 8.8 9.8 9.3 6.4 9 9.4 7.6 99.7
9
Liberia
9 7.8 7.3 8.1 9 10 7.5 8.2 8.2 6.5 7.9 10 99.5
10
Haiti
8.8 8 7.7 3.4 9 8.1 9.4 9.8 8.7 7.8 8.5 10 99.2
11
Afghanistan
9 8 8 7.4 8.8 7.5 8.1 8.1 7.9 8.2 8 10 99
12
Rwanda
9 7.8 8 8.6 9 9.2 9.5 5 8.3 5 8.9 8.2 96.5
13
North Korea
8 6 7.2 8.1 9 9.6 9.8 9.7 9 8.3 8 3 95.7
14
Colombia
9 8 6.9 9.2 9 7.1 9.8 4.2 8.2 5.4 9.2 9 95
15
Zimbabwe
9 8 6.4 7.7 9 7.3 7.9 8.5 7.5 9 7.9 6.7 94.9
16
Guinea
9 6 6.1 10 9 4.5 9.7 7.5 8.1 8.1 9.2 7.5 94.7
17
Bangladesh
8.4 7 7.6 6 9 7.4 9.5 8.2 8.5 8 8.7 6 94.3
18
Burundi
9 7.2 7.1 3.8 8.8 7.8 7.2 9 8.3 7.5 8.6 10 94.3
19
Dominican
Republic
9 8 7.1 8.5 9 6.8 6.8 9.6 9.2 7 9.2 4 94.2
20
Central African
Republic
9 5 8.8 3 7 9 9.7 8 8.2 9 10 7 93.7
21
Venezuela
8 8 6.8 7.6 9 4.5 9.8 8.2 9.1 7.8 7.2 7.5 93.5
22
Bosnia and
Herzegovina
7 8 8.6 5.7 9 5.7 8.5 6 7.3 9 8.7 10 93.5
23
Burma/Myanmar
8.9 8 6.3 8 9 6.9 9.2 8 9.6 9 7.5 3 93.4
24
Uzbekistan
6.5 8 6.8 6.8 9 6 9.1 5 9.6 9 9.4 8 93.2
25
Kenya
9 8 6.7 8.3 8.8 6.3 8.9 7.4 8.5 8.4 8.4 4 92.7
88
Primeiras 25 entradas. Para a lista completa, vide Anexo A.
TABELA
1
Failed States Index
2005
(Fonte: Fund for Peace, 2005)
42
Failed States Index 2006
89
LEGENDA
I Mounting Demographic
Pressures
V Uneven Economic
Development along Group
Lines
IX Widespread Violation of
Human Rights
II Massive Movement of
Refugees and IDPs
VI Sharp and/or Severe
Economic Decline
X Security Apparatus as "State
within a State"
III Legacy of Vengeance -
Seeking Group Grievance
VII Criminalization or
Delegitimization of the State
XI Rise of Factionalized Elites
IV Chronic and Sustained
Human Flight
VIII Progressive Deterioration of
Public Services
XII Intervention of Other States or
External Actors
RANK
COUNTRY
I II III IV V VI VII VIII IX X XI XII TOTAL
1
Sudan
9.6 9.7 9.7 9.1 9.2 7.5 9.5 9.5 9.8 9.8 9.1 9.8 112.3
2
DRC
9.5 9.5 9.1 8 9 8.1 9 9 9.5 9.8 9.6 10 110.1
3
Cote d'Ivoire
8.8 7.6 9.8 8.5 8 9 10 8.5 9.4 9.8 9.8 10 109.2
4
Iraq
8.9 8.3 9.8 9.1 8.7 8.2 8.5 8.3 9.7 9.8 9.7 10 109
5
Zimbabwe
9.7 8.9 8.5 9 9.2 9.8 8.9 9.5 9.5 9.4 8.5 8 108.9
6
Chad
9 9 8.5 8 9 7.9 9.5 9 9.1 9.4 9.5 8 105.9
7
Somalia
9 8.1 8 7 7.5 8.5 10 10 9.5 10 9.8 8.5 105.9
8
Haiti
8.8 5 8.8 8 8.3 8.4 9.4 9.3 9.6 9.4 9.6 10 104.6
9
Pakistan
9.3 9.3 8.6 8.1 8.9 7 8.5 7.5 8.5 9.1 9.1 9.2 103.1
10
Afghanistan
7.9 9.6 9.1 7 8 7.5 8.3 8 8.2 8.2 8 10 99.8
11
Guinea
7.5 7.2 8.1 8.4 8 8 9.1 9 8.1 8.1 9 8.5 99
12
Liberia
8 9.3 7 7.1 8.6 8.9 7.8 9 7.2 7.3 8.8 10 99
13
Central African
Republic
9 7.7 8.8 5.5 8.5 8.1 9 8 7.5 8.9 8 8.5 97.5
14
North Korea
8 6 7.2 5 9 9.5 9.8 9.5 9.5 8.3 8 7.5 97.3
15
Burundi
9 9.1 7 6.7 8.8 7.8 7.2 8.5 7.5 7.3 7.8 10 96.7
16
Yemen
7.8 6.7 7 8.2 9 7.8 8.8 8.2 7.2 9 9.4 7.5 96.6
17
Sierra Leone
8.5 7.9 7.1 8.9 8.7 9 8 8 7 7 7.7 8.8 96.6
18
Burma/Myanmar
8.9 8.8 9 6 9 7.1 9.2 8.2 9.8 9 8 3.5 96.5
19
Bangladesh
9 5.8 9.5 8.5 9 7 9 7.5 7.8 8.3 8.9 6 96.3
20
Nepal
8.5 4.8 9.2 6 9.2 8.5 9.2 6.2 9.1 9 9 6.7 95.4
21
Uganda
8 9.2 7.8 5.7 8.4 7.5 8 8 8 8.5 7.9 7.5 94.5
22
Nigeria
8 5.9 9.1 8.5 9 5.4 9 8.3 7.1 9.2 9 5.9 94.4
23
Uzbekistan
7.7 5.8 7.5 7.5 8.1 7 9.3 7 9.3 9.1 9.1 7 94.4
24
Rwanda
9.5 7 9 8.2 7.2 8 8.7 6.9 7.7 5 8.9 6.8 92.9
25
Sri Lanka
8 8.2 9.1 6.7 8 5.7 8.6 7 7.2 8.5 8.9 6.5 92.4
89
Primeiras 25 entradas. Para a lista completa, vide Anexo B.
TABELA
2
Failed States Index
2006
(Fonte: Fund for Peace, 2006)
43
visão de que certos países, apesar de possuírem reconhecimento de jure como
Estados, não possuem as condições materiais que os caracterizariam como um
Estado de facto, vivendo em condição de anarquia ou caos — seja político,
social ou econômico.
2.2. Percepção do fenômeno
Essa idéia de anarquia ou caos prevalecente é, aliás, bastante
importante na literatura sobre o fracasso estatal, tanto historicamente quanto
conceitualmente. Historicamente ela é importante porque essa literatura nasce
num período em que as tendências de redução do tamanho do Estado estavam
em alta — frutos do chamado “Consenso de Washington” —, e muitos viram
como um choque a idéia de que, enquanto se clamava pela redução do
tamanho do Estado, muitos países mergulhavam-se numa situação de caos
devido à fraqueza dessa própria instituição — algumas vezes causada pela sua
própria redução; a percepção era de que o novo inimigo agora não era mais o
“despotismo” ou a interferência exagerada por parte das instituições estatais,
mas a anarquia e o desgoverno causados pela sua ausência
90
. Um retrato
muito claro dessa percepção é a afirmação de Michael Ignatieff: “o problema da
intervenção também precisa ser repensado no contexto de caos ao invés de
tirania”
91
.
A idéia de anarquia perpassa praticamente todas as visões de
fracasso estatal, tanto explícita quanto implicitamente. Como apontou
90
FUKUYAMA, 2005:9-11.
91
The problem of intervention also needs to be rethought in the context of chaos rather
than tyranny”. IGNATIEFF, 2004:305.
44
Gourevitch, “pode-se encontrar a imagem de anarquia ou de representações
similares — caos, desordem, decadência, desintegração — em praticamente
todos os ensaios e livros sobre o assunto”
92
. Por exemplo, Sebastian Mallaby
qualifica os Estados fracassados como “caóticos vácuos de poder”
93
; Rotberg,
igualmente, afirma que o Estado fracassado “exibe um vácuo de autoridade” e
é uma “mera expressão geográfica, um buraco negro no qual caiu uma
sociedade política”
94
; Jackson, ironicamente, sugere que, nas fronteiras dos
Estados fracassados, deveriam ser colocadas grandes placas informando:
“Atenção: esse país pode ser perigoso para a sua saúde”
95
. Mesmo fora do
debate mais restrito, pode-se perceber a associação entre caos e o fracasso
estatal nos autores que acabam se utilizando dessa terminologia: Samuel
Huntington, por exemplo, afirma em Clash of Civilizations , de 1996, que “o
enfraquecimento de Estados e o aparecimento de ‘Estados fracassados’
contribuem para uma quarta imagem de um mundo em anarquia”
96
. Além
disso, a corrente utilização, principalmente no discurso político, de uma noção
“auto-explicativa” de Estado fracassado reflete claramente a idéia de anarquia,
tomada geralmente como evidência da existência do fracasso estatal.
A visão de anarquia é significante porque ela espelha a percepção
de que o fenômeno do fracasso estatal é particularmente diferente de outros
fenômenos políticos, como revoluções ou guerras civis. Ele é entendido, na
verdade, como praticamente “apolítico”, porque entende que o “próprio
92
45
processo político, associado com a idéia do Estado, entrou em colapso”
97
ou
mesmo nunca existiu; não há disputa pela substituição de instituições através
de embate político, há apenas caos permanente. Nisso, a visão de anarquia se
torna conceitualmente importante, pois vem revelar um outro pressuposto
comum à literatura sobre o fracasso estatal, que é sua explicação para o
fenômeno: a artificialidade do Estado fracassado enquanto Estado.
2.3. Explicação do fenômeno
O conceito dual de estatidade empírica e jurídica proposto por
Jackson e Rosberg em 1982 que, como já visto, reflete-se amplamente —
conscientemente ou não — na percepção do fracasso estatal, serve também
de base à explicação do fenômeno pela literatura voltada a este assunto. Se a
percepção do fenômeno se dava, contudo, pela sensação de anarquia como a
característica empírica do Estado fracassado, é na relação entre a estatidade
empírica, marcada por essa anarquia, e a estatidade jurídica que se define a
explicação da causa do fenômeno. Como se viu anteriormente, é corrente a
visão de que certos países, apesar de possuírem reconhecimento internacional
como Estados, não possuem as condições empíricas que caracterizam o
Estado moderno; eles são Estados de jure, mas não de facto. Contudo, a idéia
de anarquia é um lado da moeda da falta de estatidade empírica, aquela que
marca sua percepção; do outro lado, definindo a sua causa está a idéia de
artificialidade do Estado. Os Estados fracassados são percebidos como
artificiais, sustentados não por uma pré-condição empírica (como o seriam os
97
“[T]he political process itself, associated with the idea of the state, has collapsed”.
GOUREVITCH, 2005:4.
46
Estados bem sucedidos), mas pela própria sociedade internacional, que lhes
garante a existência através do reconhecimento. Os próprios Jackson e
Rosberg, falando especificamente sobre a África, afirmaram que “o Estado
jurídico na África negra é uma unidade política nova e arbitrária”
98
. Jeniffer
Milliken e Keith Krause refletem bem essa percepção ao colocarem que “a
charada não está em como ou por que [os Estados fracassados] fracassam,
mas como e por que eles existem por fim”
99
. Curiosamente, essa artificialidade
é, ao mesmo tempo, definidora do Estado fracassado e a causadora do seu
fracasso: o Estado fracassado pode ser assim definido porque ele carrega o
estigma da artificialidade, por não ter alcançado, em algum momento, replicar o
modelo ocidental de Estado; é por causa dessa artificialidade que o Estado vive
em anarquia — e, antecipando algumas das críticas ao conceito, é a
classificação desses Estados como artificiais que leva a própria caracterização
dos conflitos como anarquia, e vice-versa, num círculo vicioso
100
.
Essa artificialidade, é importante salientar, é historicamente
localizada pela literatura do Estado fracassado como um fenômeno típico da
descolonização, em especial dos desmantelamentos dos impérios europeus
após as Primeira e Segunda Guerras; a percepção é de que foi a
descolonização e a concessão de independência aos antigos povos coloniais,
conduzidas de maneira “errada” no contexto da Guerra Fria, que geriram
Estados artificiais e, conseqüentemente, fadados ao fracasso
101
. Jackson inicia
seu afamado “Quasi States“ (1990) exatamente descrevendo uma conversa
98
The juridical state in Black Africa is a novel and arbitrary political unit”. JACKSON e
ROSBERG, 1982:14.
99
“[T]he puzzle is not how and why they may fail, but how and why they exist at all ”.
MILLIKEN e KRAUSE, 2003:763.
100
GOUREVITCH, 2005:10.
101
RECORD, 2002:6.
47
imaginária, em 1936, com um servidor do Colonial Office britânico, que,
desacreditado das notícias que seu interlocutor traz do futuro, não consegue
entender como algumas possessões coloniais tão pouco preparadas para se
tornarem Estados conseguiram obter sua independência tão prontamente, e
pensa se tratar de uma piada de mau gosto
102
. Os Estados fracassados, afirma
Jackson posteriormente,
“são uma conseqüência do fim do império. Eles são um preço da
autodeterminação irrestrita de antigas dependências —
geralmente coloniais. (...) Essa garantia pós-colonial [de
independência] levou à existência um número significativo de
Estados insubstanciais, ou marginais, ou mesmo nominais: o que,
por falta de termo melhor, podem ser chamados ‘quase-Estados’,
dos quais alguns claramente fracassaram, ou entraram em
colapso, e deixaram de ser ‘Estados’ em qualquer sentido
empírico significante do termo.”
103
Apesar de, na percepção do corpo teórico do fracasso estatal, a
artificialidade que marca intrinsecamente os Estado fracassados ser percebida
como tendo raízes nos processos de descolonização, sua manifestação, por
um lado, e sua percepção, por outro, são entendidas como fenômenos típicos
do pós-Guerra Fria. Sua manifestação é assim percebida porque, embora o
Estado já fosse essencialmente fracassado, devido à sua artificialidade
104
, a
lógica da Guerra Fria garantiu-lhes a viabilidade e lhes permitiu disfarçar essa
fraqueza, já que, durante o período do conflito soviético-americano, eles foram
amplamente mantidos por um dos lados disputantes, através de infusões de
102
JACKSON, 1990:13-6.
103
‘Failed states’ are a consequence of the end of empire. They are a price of unrestric ted
self-determination of for mer - usually colonial - dependencies. (…) That post-colonial
international guarantee has brought into existe nce a significant number of insubstantial or
marginal or even nominal states: what for lack of a better term might b e called “quasi-
states” of which some have clearly failed, or collapsed, and cease to be “states” in any
significant empirical meaning of the term”. JACKSON, 1998:3.
104
“Os ‘Estados fracassados’ são simplesmente mais claramente evidentes hoje”. (“’Failed
states’ are simply more clearly evident today”.) JACKSON, 1998:3.
48
dinheiro, ajuda militar, ou até pela própria inibição que a ordem internacional
impunha aos conflitos territoriais na periferia
105
. O fim da Guerra Fria tirou
esses Estados das preocupações de segurança direta das potências — e da
superpotência, em especial —, e, acabando conseqüentemente com a custosa
necessidade de manutenção de regimes do apoio ao desenvolvimento, a fim de
que esses Estados não caíssem na área de influência contrária, deixou tais
Estados a suas próprias contas. Esse raciocínio, em geral, na literatura sobre o
Estado fracassado, vale não apenas para as ex-colônias africanas e asiáticas
da Europa ocidental, mas também para os novos Estados europeus e asiáticos
resultantes do desmantelamento do império soviético, também artificiais —
frutos de uma descolonização feita praticamente nos mesmos moldes das
descolonizações européias — e largados à sua própria sorte
106
. Essa visão do
fim da sobrevida ganha pelos Estados fracassados durante a Guerra Fria pode
ser já percebida no artigo de Helman e Ratner, reconhecido pela literatura
como um dos primeiros escritos mais relevantes sobre o tema no pós-Guerra
Fria:
“Enquanto durou, a Guerra Fria prolongou a viabilidade de alguns
dos novos Estados independentes e outros do Terceiro Mundo.
Países com economias e governos seriamente subdesenvolvidos
receberam robustas infusões de ajuda de seus antigos senhores
coloniais, assim como das superpotências.”
107
105
Entre outros, ver HELMAN e RATNER, 1992; HERBST, 1996; JACKSON, 1998;
CARMENT, 2003.
106
GRZYMALA-BUSSE e LUONG, 2002:532.
107
While it lasted, the Cold War prolonged the viability of some of the newly independent
and other Third World states. Countries with seriously underdeveloped economies and
governments received hefty infusions of aid fro m their former colonial masters as well as
from the two superpowers”. HELMAN e RATNER, 1992:5.
49
Jeffrey Herbst, na mesma linha, começa a dar indícios também do
porquê de não apenas a manifestação do fenômeno, mas também sua
percepção, terem se desenvolvido apenas com o fim da Guerra Fria:
“Foi relativamente fácil manter as aparências nos anos 60 e 70. A
maioria das economias africanas crescia, animada pelo
crescimento econômico global e pelos relativamente altos das
commodities básicas, cuja exportação era a base da maior parte
das economias formais. A competição estratégica global entre os
Estados Unidos e a União Soviética também desencorajava
ameaças aos traçados dos Estados na África ou em qualquer
parte. (...) Finalmente, nenhum desafio intelectual foi feito à
suposição imediata da soberania pelos Estados africanos.”
108
Essa falta de desafio intelectual reflete a explicação da literatura
sobre a ausência de percepção de que os novos Estados, a despeito de não
demonstrarem sua característica de fracassados devido aos fatores históricos
mencionados, eram já intrinsecamente fracassados. Como sugere Daniel
Lambach, a fraqueza dos Estados recém-independentes era genericamente
entendida como uma situação natural dos processos de descolonização, e
seria corrigida com o tempo, devido à formação de burocracias mais
preparadas, o enraizamento e a profissionalização das instituições estatais, a
tomada de controle do território e o desenvolvimento econômico
109
. Com a
descolonização, “assumiu-se prontamente que os novos Estados tomariam
características que caracterizaram anteriormente a soberania”, nas palavras de
Herbst, como o controle físico sobre os seus territórios, presença administrativa
108
“[I]t was relatively easy to maintain appearances in the 1960s and 1970s. Most African
economies were growing, buoyed by global economic growth and relatively high prices for
basic commodities, export of which fo rmed the basis of most of the formal economies. The
global strategic competition between the United States and Soviet Union also discouraged
threats to the design of states in Afr ica or elsewhere. (...) Finally, no intellectual challenge
was made to the immediate assumption of sovereignty by African states”. HERBST,
1996:122.
109
LAMBACH, 2005:3.
50
e a formação de lealdade da população ao novo Estado
110
. A década de 1990
assistiu à derrocada desse entendimento: “a história desmentiu essa teoria [de
que a fraqueza passaria com o desenvolvimento], em muitos casos
tragicamente”
111
; com a continuidade de algumas disputas e, principalmente, o
surgimento de outras sufocadas pelas imposições da Guerra Fria, ganha vigor
a idéia de que essa condição de fraqueza é, na verdade, crônica nesses
países, e que seus problemas não são, enfim, de desenvolvimento e
progresso, mas têm uma causa mais essencial, que é a artificialidade desses
Estados.
As idéias de Herbst apontadas acima começam a dar indícios de
umas das características da artificialidade do Estado apontadas pela literatura;
de uma delas apenas, porque, apesar do diagnóstico da artificialidade do
Estado estar no cerne do conceito do Estado fracassado, suas caracterizações
variam muito. Assim como, quando se discutiu a percepção do fenômeno,
percebeu-se que havia uma base única na visão de que os Estados não
perfazem as funções percebidas como tipicamente estatais, e uma
multiplicidade de definições específicas que variam de acordo com a definição
de maior ou menor abrangência das funções percebidas como tipicamente
estatais, também com relação à causa do fenômeno isso se passa. A toda a
literatura sobre o Estado fracasso é comum a caracterização da causa do
fracasso devido à artificialidade do Estado; as distinções específicas, porém,
existem, e se darão em relação às características dessa própria artificialidade.
110
“[I]t was immediately assumed that the new sta tes would take on features that had
previously characterized sovereignty, most notably unquestioned physical control over the
defined territory, but also an administrative presence throughout the country and the
allegiance of the population to the idea of the state . Implicitly, the granting of sovereignty to
the new nations also suggested that every country that gained freedom from colonization
would be politically and economically viable ”. HERBST, 1996:121-2.
111
History disconfirmed tha t theory, in so me cases tragically”. LAMBACH, 2005:4.
51
Estas distinções são importantes porque, em geral, as diversas proposições de
solução do problema do fracasso estatal refletem em si as visões que se têm
das causas específicas desse fracasso.
A primeira concepção específica de artificialidade do Estado,
apontada por grande parte da literatura está vinculada à idéia de que as
fronteiras dos Estados pós-coloniais estão traçadas em desacordo com sua
realidade étnica, respeitando não as divisões de identidade primitivas, mas sim
as demarcações feitas durante o domínio imperial, cujo objetivo era outro que
não o da formação de Estados nacionais. Essa visão de artificialidade das
fronteiras aplica-se mais amplamente, em geral, ao caso da África, mas não
exclusivamente: também se vê essa noção aplicada a alguns Estados
fracassados da Europa (frutos da descolonização dos impérios Austro-Húngaro
e, posteriormente, do soviético) e da Ásia (impérios europeus e também do
soviético). A concepção de que as fronteiras foram estabelecidas de forma
artificial, pois desrespeitando as realidades étnicas, é, na verdade, bastante
usual, e reflete-se correntemente nas descrições de alguns dos grandes
momentos de definição de fronteiras, como as Conferências de Berlim (1884-
5)
112
ou de Paris (1919)
113
. Na literatura do fracasso estatal, essa explicação
aparece já no artigo de Jackson e Rosberg: “[a]penas raramente um território
colonial refletiu o formato e a identidade de uma fronteira sócio-política africana
preexistente”
114
.
112
FERRO, 1996:101.
113
KISSINGER, 1996:207.
114
Only rarely did a colonial territory reflect the shape and identity of a preexisting African
sociopolitical boundary”. JACKSON e ROSBERG, 1982:14.
52
Essa explicação está arraigada em uma concepção específica das
teorias de formação do Estado que propõe que o senso de nacionalidade ou,
no mínimo, de identidade étnica, é um componente necessário para a formação
de um Estado, ao qual antecede e de que, em geral, funciona como motor.
Como coloca John Hutchinson, na linha de renomados teóricos da
nacionalidade como John Smith, “as nações não são a conseqüência dos
Estados; ao contrário, elas são construídas sobre identidades étnicas mais
antigas, as quais geralmente conduzem ao desenvolvimento político”
115
. Logo,
um Estado fundado em um território estabelecido por terceiros, em desrespeito
às tais identidades étnicas, são conseqüentemente artificiais e fadados ao
fracasso. Como coloca Stephen Del Rosso Jr,
“com suas fronteiras artificialmentTjio entTja(o)b(c)-e(o)lecisdicasq s1jiignorarntTja(o)ma,reivindplica sa
53
às linhas étnicas ou sócio-políticas “originais” ou anteriores à colonização, mas
sim porque não conseguiram fomentar um sentimento nacional que se
traduzisse na lealdade de grande parte dos súditos ao Estado-nacional que os
representasse.
Ambas as vertentes da literatura, não obstante, dividem alguns
entendimentos acerca da relação entre o Estado e a identidade nacional —
quer seja esta anterior ou posterior àquele — que marcam a explicação do
fracasso estatal. Alguns autores entendem a identidade nacional como sendo
um componente natural do Estado, e intrinsecamente ligado a ele; o Estado é,
em sua configuração moderna, a expressão política de uma nação que o
sustenta, legitima e orienta. Logo, se Estado e nação estabelecem entre si,
segundo a visão desse segmento, tal relação de necessidade mútua —
principalmente do primeiro em relação ao segundo —, um Estado cuja
existência não é legitimada naturalmente, isso é, pela lealdade de uma nação
é, conseqüentemente um Estado artificial
119
.
Uma segunda concepção específica da artificialidade do Estado
guarda alguns pontos em comum com a idéia previamente apresentada da
incapacidade dos novos Estados de terem desenvolvido nações que
substituíssem as anteriores filiações étnicas ou familiares. Alguns autores
sustentam sua visão da artificialidade do Estado na não replicação por parte
destes, durante sua formação, das “regras históricas” que definiram a formação
institucional do Estado moderno no ocidente, especialmente na Europa.
Cameron Thies, por exemplo, sugere que são quatro as atividades levadas a
cabo durante a formação dos Estados ocidentais: a atividade bélica e o
119
CHRISTOPHER, 1997:92; THIES, 2004:58.
54
envolvimento em guerras, com fim de neutralizar os oponentes externos; a
pacificação dos oponentes internos, através de sua eliminação ou de sua
inserção; a proteção daqueles que apóiam sua existência frente a inimigos
externos; e a extração de recursos para seu custeio
120
. Desses todos, a guerra
é, em geral, entendida como o principal motivador da formação do Estado
ocidental: como afirmou Charles Tilly, “a guerra fez o Estado, e o Estado fez a
guerra”
121
. Foi a guerra que fomentou as outras atividades, oferecendo um
inimigo comum às forças internas — estimulando, assim, sua unificação e
deslegitimando os grupos de oposição —, levando ao desenvolvimento de um
aparato militar que garanta a proteção do grupo nacional e, finalmente,
oferecendo uma justificativa legítima para a penetração do Estado na
sociedade visando à apropriação de parte de seus recursos
122
.
Assim, os Estados pós-coloniais são, para esse segmento da
literatura, vistos como artificiais por não terem desenvolvido tais atividades que
são percebidas como tendo caracterizado a construção dos Estados “típicos”
no ocidente: a extração, a proteção e, sobretudo, a guerra. A explicação
apontada pela literatura para esse não desenvolvimento das atividades naturais
passa, algumas vezes, pela incapacidade das elites locais de replicarem o
modelo institucional ocidental; no entanto, prevalece a visão — a qual, em
geral, justifica a anterior — de que os novos Estados foram de certa forma
“impedidos” de replicarem esse modelo por terem surgido numa ordem
internacional extremamente peculiar, como é a ordem do pós-Segunda Guerra,
120
THIES, 2004:54-5.
121
War made the state, and the state made war”. Tilly, “Reflections on the History of
European State-making”, 1975. Apud HERBST, 1990:117.
122
Tilly, “Reflections on th e History of European State-making”, 1975. Apud FUKUYAMA,
2005:54.
55
na qual vigora um virtual congelamento de fronteiras que gera, assim, um
ambiente externo razoavelmente seguro para os novos Estados, que perdem
os incentivos que a ameaça externa geraria à sua construção.
O papel que a maioria dos autores dessa perspectiva dá à ameaça
exterior e, conseqüentemente, à guerra como componentes fundamentais à
formação natural dos Estados é, na verdade, de enorme importância — não
para menos, essas teorias de construção de Estados são conhecidas como
“predatórias”. Herbst, por exemplo, sugere que a própria falta do
desenvolvimento da identidade nacional, levantada anteriormente, é fruto da
ausência de ameaças externas significativas ou de guerras, que proviessem o
estímulo para a união das facções internas e a ultrapassagem das lealdades
indígenas
123
, e se questiona se existe, afinal, vias pacíficas para a
consolidação estatal
124
. Michael Desch, em seu artigo intitulado justamente
“Guerra e Estados Fortes, Paz e Estados Fracos? (War and Strong States,
Peace and Weak States?), traça claramente um resumo de como a ausência
de ameaça “desvirtuou” os Estados pós-coloniais do modelo tradicional
ocidental:
“Os Estados do Terceiro Mundo não experimentaram,
historicamente, o mesmo desafiador ambiente de ameaças
externas (apesar de que eles freqüentemente enfrentaram
ameaças internas significativas), e suas estruturas estatais
acabaram sendo bastante diferentes. (...) Em geral, os Estados do
Terceiro Mundo tem governos fracos, pouco controle efetivo da
economia (a despeito dos seus freqüentes esforços para controlar
grandes partes dela), um nível baixo de institucionalização política
e uma instabilidade política crônica. A ausência de guerra e de
123
HERBST, 1990:130-1.
124
Are there peaceful rou tes to state consolidation? Ibid ., 132..
56
sérias ameaças externas no momento de seu surgimento como
novos Estados pode explicar muito disso.”
125
Uma outra parte da literatura do Estado fracassado apresenta uma
concepção de artificialidade que reflete alguns traços dessas idéias. Para
alguns autores, os Estados pós-coloniais realmente não reproduziram o modelo
de desenvolvimento do Estado ocidental; mas, ao contrário, entende-se que
eles não precisavam tê-lo reproduzido às próprias custas, após suas
independências. Sua visão do colonialismo identifica-se, muitas vezes, com a
mission civilizatrice a que se auto-atribuíam os impérios coloniais
126
, que
deveria ter desenvolvido o modelo estatal sobre aquelas estruturas nativas,
criando e solidificando suas instituições, ensinando suas práticas, enfim,
preparando essas colônias para sua independência e sua inserção na
comunidade internacional — esse era o “fardo do homem branco”
127
. Contudo,
o desenvolvimento civilizatório é visto como tendo sido interrompido pela
mobilização internacional pela descolonização no pós-Segunda Guerra,
sustentada pelo crescimento das idéias de auto-determinação e pela pressão
pela descolonização feita por parte tanto das superpotências quanto da
periferia, no âmbito da ONU
128
.
O que desvirtuou o Estado pós-colonial de atingir a condição de um
Estado pleno foi, assim, a forma abrupta com que se derrubou a
responsabilidade pelo desenvolvimento de um Estado moderno sobre aquelas
125
Grifo nosso. “Third World states historically have not experienced the same challenging
external threat environment (although they have often faced significant internal threats), and
their state structures have turned out to be quite different. (…) Generally, Th ird World states
have weak governments, little effective control of the economy (despite fre quent efforts to
control large parts of it), a low level of political institutionalization, and chronic political
instability. The absence of war and serious external threa ts at the time of their emergence
as new states may explain much of this”. DESCH, 1996:242.
126
Ver, por exemplo, CAETANO, 1976:18-22.
127
FERRO, 1996:39-42.
128
HERBST, 1996:121.
57
sociedades, as quais ainda não estavam preparadas para recebê-lo — a
descolonização atropelada”, como chamou Marc Ferro
129
. As indagações
feitas pelo servidor imaginário do Colonial Office britânico em 1936, na
conversa fantasiada por Jackson em seu “Quasi States” (1990), retratam bem
esse pensamento:
"Ele pergunta como foi possível descolonizar tão rapidamente ao
redor do mundo? (...) Ele insiste em querer saber como a
independência pôde ser concedida a tantos povos coloniais em
estágios variados de desenvolvimento. Como eles se tornaram tão
rapidamente familiares com a linguagem, as instituições e as
técnicas da auto-governança moderna? Eles estavam preparados
para a transferência de poder? (...) Todas as colônias estavam
desenvolvidas ao ponto de serem capazes de se auto-
governarem?"
130
Uma outra sessão bastante abrangente da literatura oferece,
contudo, uma visão diferenciada, tanto do papel da colonização, quanto da
natureza das sociedades colonizadas, que culmina numa justificativa diferente
para a artificialidade dos Estados atuais em grande parte da periferia: o
problema não foi largar esses Estados, despreparados, à própria sorte após
sua independência; ao contrário, é a imposição de um modelo específico de
organização social — o Estado ocidental —, desde a colonização, a
sociedades historicamente dotadas de culturas políticas diferentes; o problema
foi a insistência da comunidade internacional em “construir a ‘parafernália
externa da estatidade [ocidental]’ (sic!) em uma base social, política e
129
FERRO, 1996:389.
130
"He asks how it was possible to decolonize so soon throughout the world? (...) He
persists in wanting to know how independence could be granted to so many different
colonial peoples at various stages of development. How did they so quickly become
conversant with the language, institutions and thechniques of modern self-government?
Were they prepared for the trasger of power? (...) Were all the colonies developed to the
point of being capable of self-government? " JACKSON, 1990:13-4.
58
econômica decididamente não-ocidental.”
131
. O Estado é, assim, artificial
porque é imposto, a partir do exterior, sobre outras formas “naturais” de
organização política que o antecedem, as quais ainda se mantém por sob ele e
cujas manifestações lhe minam a existência. A manutenção do Estado
enquanto modelo, em constante confronto com as formas nativas de
organização política, é, portanto, a real responsável pelo grande sofrimento das
populações da periferia
132
. Essa visão de artificialidade é bastante corrente nas
análises do fracasso estatal principalmente na África, onde se entende que o
modelo de Estado ocidental veio a substituir, ainda durante a colonização, as
estruturas políticas tradicionais do continente, as quais, no entanto,
permanecem latentes. Clapham sintetiza bem essa concepção ao afirmar que
“[o]s problemas domésticos centrais da formação de Estados em
muito da África tropical foram, assim, de cultura política e,
notavelmente, da dificuldade de adaptar culturas profundamente
sintonizadas com seus próprios ambientes aos desafios muito
diferentes envolvidos na gerência de Estados do tipo que foram
impostos através do colonialismo.”
133
Esses padrões de organização política pré-coloniais são entendidos
como similares aos modelos políticos vigentes na Europa durante a Idade
Média, nos quais os sistemas de autoridade e de lealdade eram organizados
em diversos níveis, e exercidos principalmente sobre pessoas, ainda que, de
certa forma, territorialmente organizadas
134
. Igualmente, em muitas partes da
131
…to construct ‘the outward paraphernalia of [Western] statehood ’ on a decidedly non-
Western social, political, and economic base”. DEL ROSSO JR, 1995:197.
132
Longman, “Remarks at the Conference on State, Market and Democracy in Africa”,
1998. Apud JOSEPH, 2003:14.
133
The central domestic problems of state formation in much of tropical Africa have thus
been ones of political culture and notably the difficulty of adapting cultures deeply attuned
to their own environments to the very different challenges involved in managing states of
the kind that were imposed on the continent through colonialism”. CLAPHAM, 2004:85.
134
OSIANDER, 2001:271-4.
59
periferia — especialmente na África —, vigoravam sistemas nos quais a
autoridade política era bastante difusa. Herbst apresenta, por exemplo, o caso
dos sistemas nativos da África:
“[a] soberania pré-colonial tinha duas características radicalmente
diferentes da soberania exercida na África moderna. Primeiro, em
grandes partes da África pré-colonial, o controle tendia a ser
exercido sobre pessoas e não sobre terra. A terra era abundante e
as populações eram escassas sobre o solo. (...) O segundo
aspecto notável das práticas políticas pré-coloniais era de que a
soberania tendia a ser compartilhada. Não era inusual para uma
comunidade ter obrigações nominais e lealdade a mais de um
centro político.”
135
Como se pode perceber, a visão de artificialidade do Estado pós-
colonial é, de qualquer maneira, corrente na percepção da literatura sobre o
Estado fracassado: seja ela caracterizada pelo desligamento entre etnia ou
nacionalidade e o Estado, ou pelo descumprimento de regras históricas, ou
pela imposição do modelo estatal sobre sociedades despreparadas ou
culturalmente distintas, a percepção da literatura é de que os novos Estados
são artificiais por não corresponderem a uma — ou, como acontece não
raramente, mais de uma — dessas concepções do que deveria ser o caminho
natural de um Estado. Ao contrário, os Estados fracassados foram criados e
mantidos de fora para dentro, num “fiat administrativo”
136
internacional que
respondeu às vontades da comunidade internacional — os novos Estados
incluídos —, e não às realidades internas dos referidos Estados.
135
Precolonial sovereignty had two features radically different from sovereignty exercised
in modern Africa. First, in large parts of precolonial Africa, control tended to be exercised
over people rather than land. Land was plentifu l and populations thin on the ground. (...)
The second notable aspect of precolonial political practices was that sovereignty tended to
be shared. It was not unusual for a community to have nominal obligations and allegiances
to more than one political center”. HERBST, 1996:127-8.
136
HERBST, 1996:121.
60
O nascimento desses novos Estados teve, assim, uma série de
motivações externas, todas elas ligadas muito fortemente à lógica da política
internacional do pós-Segunda Guerra e, particularmente, da Guerra Fria: o
fortalecimento das tendências defensoras da autodeterminação dos povos,
aliado à instrumentalização da disputa entre os Estados Unidos e a União
Soviética, levada a cabo, no âmbito das
61
atuaram largamente no sentido de garantir a ordem e sua influência na
periferia. Essa atuação se desenvolveu através de mecanismos legais, políticos
ou econômicos, como infusões de dinheiro, ajuda militar e inibição aos conflitos
territoriais na periferia
139
, chegando ao congelamento legal de grande parte das
fronteiras internacionais
140
. Assis Malaquias defende que as próprias missões
de manutenção de paz das Nações Unidas (UNPKO) na África não fazem outra
coisa senão permitir a sobrevivência de “Estados quebradiços e inviáveis”
naquela região, servindo apenas para “promover e sustentar o sistema
Westfaliano em uma região periférica”
141
. Desse modo, enquanto a
desconexão entre nação e Estado, o não seguimento das "regras históricas" de
formação dos Estados, ou a discrepância entre o modelo estatal e o nível de
desenvolvimento ou a cultura política das sociedades pós-coloniais perpassam
a compreensão de artificialidade em seu âmbito interno, em seu âmbito externo
essa compreensão é marcada pelo entendimento da responsabilidade da
comunidade internacional pelo fenômeno, ao promover e garantir a existência
de Estados apenas de forma legal, desconsiderando as características
empíricas que deveriam marcar a existência de um Estado natural.
Desse modo, assim como a manifestação e a percepção do
fenômeno do fracasso estatal são entendidos pela literatura sobre o Estado
fracassado como típicos da Guerra Fria, também a parte externa de sua causa
o é: o Estado artificial, cujo reconhecimento é definido simplesmente por uma
decisão jurídica externa, é percebido com sendo uma aberração da Guerra
139
Entre outros, ver HELMAN e RATNER, 1992; HERBST, 1996; JACKSON, 1998;
CARMENT, 2003.
140
ZACHER, 2001:230.
141
UN peace operations allow brittle and nonviable African states to survive in the short
term. (...) UN peace operations in Africa succeed mainly in promoting and sustaining the
Westphalian system in a peripheral region”. MALAQUIAS, 2002:416.
62
Fria
142
, quando questões conjunturais impediram que os fatores empíricos
determinassem os critérios de estatidade, ao contrário da prática internacional
clássica, na qual o reconhecimento externo é conquistado por comunidades
políticas que alcançaram o modelo esperado de Estado para ser considerado
por seus pares, então com uma ação jurídica, como um membro de facto da
comunidade internacional — o que Jackson chama de "soberania positiva"
143
—; “o direito internacional clássico é, assim", como coloca o referido autor, "o
filho e não o pai dos Estados”
144
. Desde o fim da Segunda Guerra e o início da
Guerra Fria, ao contrário, a comunidade internacional vêm repudiando esse
antigo modelo em benefício de outro, a "soberania negativa"
145
, no qual os
Estados são reconhecidos ou ignorados "arbitrariamente" pela comunidade
internacional — no sentido do reconhecimento se dar a total despeito de sua
realidade empírica —: em 1982, Jackson e Rosberg já levantavam os casos
das bantustões sul-africanos como Bophuthatswana, Transkei, Ciskei e Venda,
os quais, apesar de reunirem as mesmas características empíricas de outros
territórios africanos internacionalmente reconhecidos, como o próprio enclave
do Lesoto, não eram reconhecidos como Estados a não ser pela África do
Sul
146
.
2.4. Soluções para o problema
A visão corrente da literatura sobre o fracasso estatal, de que a
ordem internacional da Guerra Fria propiciou o surgimento de Estados
142
MALLABY, 2002:2.
143
JACKSON, 1990:50-3.
144
"Classical international law is therefor e the child a nd not the pa rent of states ". Ib id., 53.
145
Ibid ., 42-9.
146
JACKSON e ROSBERG, 1982:13-4.
63
artificiais, através do reconhecimento internacional de Estados que não
perfaziam as condições ideais do modelo de Estado ocidental, restabelece, por
conseguinte, na raiz da causa do problema o desligamento entre a realidade
jurídica do sistema de Estados e a sua realidade empírica; ao mesmo tempo,
contudo, ao apontar suas causas como próprias da ordem internacional da
Guerra Fria, ela estabelece a temporalidade do fenômeno, permitindo que, com
término do conflito americano-soviético no início da década de 1990, uma nova
ordem se estabeleça, na qual novas correlações entre a estatidade empírica e
a jurídica, bem como novas abordagens dessas, possam ser propostas a fim
de se solucionar o problema.
Nesse sentido, a literatura sobre o Estado fracassado está unificada
ao perceber uma discrepância entre a realidade empírica e a realidade jurídica;
não obstante, a literatura se divide novamente, nesse ponto, sobre como
responder a esse problema: se adequando a realidade empírica à realidade
jurídica, ou, ao contrário, adequando a realidade jurídica à realidade empírica.
As variações de resposta sobre um problema correspondem
logicamente às percepções que se manifestam sobre suas causas. Na
literatura do Estado fracassado repete-se esse mesmo padrão lógico. O tipo de
resposta para o problema dos Estados fracassados corresponde, em geral, às
visões que se têm das causas desse fracasso: aqueles que entendem que a
artificialidade do Estado é marcada pela sua incapacidade de fomentar, após a
independência, a criação de uma unidade nacional ou o desenvolvimento de
burocracias e estruturas estatais tendem, geralmente, a propor soluções que
passam pela adequação da realidade empírica à jurídica, respeitando o atual
ordenamento legal do sistema internacional, o traçado e a existência dos atuais
64
Estados, mas agindo no sentido de levá-los a desenvolverem as qualidades
estatais empíricas de que eles carecem. De modo diferente, a outra parte da
literatura, que entende que o ordenamento político (estatal ou não) de uma
sociedade deve corresponder àquelas suas realidades que entender serem
colocadas a priori — como o delineamento étnico ou nacional, ou a cultura
política — sustentam, em geral, que a resposta deva passar por uma
adequação da realidade jurídica à empírica.
É importante salientar, contudo, que mesmo entre aqueles que
defendem o reforço da estatidade empírica a fim de que ela se adapte à atual
realidade jurídica, há muitos que sustentam também alguma alteração do atual
ordenamento legal internacional. Esses autores reforçam a idéia de distinção,
dentro do conceito amplo de soberania internacional, entre o conceito
específico de “soberania legal internacional”, que dispõe sobre a existência
jurídica do Estado lés a lés a seus pares e sua conseqüente capacidade de
firmar acordos, e o conceito específico de “soberania westfaliana” ou
“soberania vateliana”, que dispõe sobre o direito estabelecido, a partir da Paz
de Westfália de 1648, de autonomia e de não-intervenção
147
. Essa distinção é
importante porque ela relativiza, nas soluções propostas por essa linha de
autores, o impacto da violação da soberania internacional do Estado frente à
resposta proposta: apenas a soberania westfaliana seria violada — de forma
temporária —, já que se respeitaria a existência jurídica do Estado. Essa noção
se reflete, por exemplo, nas idéias de Keohane, ao afirmar que “a soberania
deve ser ‘desempacotada’ (...). Alguns aspectos da soberania deveriam ser
mantidos, mas outros são obstáculos a eventuais sucessos e deveriam ser
147
KRASNER, 2000:2.
65
descarregados”
148
. A relativização temporária da soberania internacional é, por
seu lado, condizente com a própria explicação que a literatura sobre o Estado
fracassado dá ao fenômeno do fracasso estatal, o qual é, como se viu,
parcialmente imputado ao reconhecimento internacional desses Estados,
acompanhado pela sua conseqüente dotação dos direitos à autonomia e à não-
intervenção. Assim, seria difícil conceber soluções para esse problema que não
passassem por alguma revisão, ainda que temporária e limitada, dessa ordem
legal internacional que é vista como uma das causas principais do fenômeno
do fracasso estatal.
Desta maneira, as propostas de reforço da empiricidade do Estado
fracassado visam sua adequação à realidade jurídica internacional, mas
permitem, para tanto, sua relativização. Tais propostas estão fortemente
ancoradas, em geral, naquelas explicações que percebem as causas da
artificialidade do Estado fracassado em sua incapacidade histórica de replicar
ou de desenvolver as qualidades que marcam o Estado moderno, seja em
termos institucionais ou da relação entre nação e Estado, os quais se
traduzem, em termo de resposta, naquilo que se entende modernamente pelos
conceitos de “construção de Estados” (state building) e de “construção de
nações” (nation building), respectivamente. Francis Fukuyama sugere que a
distinção entre os termos “construção de nações” e “construção de Estados”
não é tanto conceitual, mas principalmente histórica e geográfica:
“Nos Estados Unidos, este esforço ficou conhecido como
construção de nações. Esta terminologia talvez reflita a
experiência nacional, na qual a identidade cultural e histórica foi
148
“[S]overeignty needs to be ‘unbundled’ (…). Some aspects of sovereignty should be
retained, but others are obstacles to eventual success and should be jettisone d”.
KEOHANE, 2004:276.
66
fortemente influenciada por instituições políticas como o
constitucionalismo e a democracia. Os europeus tendem a ser
mais conscientes da distinção entre Estado e nação e destacam
que a construção de nações, no sentido da criação de uma
comunidade unida por uma história e uma cultura comuns, está
muito além da capacidade de uma potência externa.”
149
Realmente, esse tipo de uso do conceito de construção de nações
enquanto formação de estruturas de governança democráticas e
constitucionais é recorrente na literatura americana, algumas vezes
indiscriminadamente
150
, e outras como propostas propriamente ditas, como faz
Richard Joseph ao sugerir um projeto de “nacionalidade civil” para os países
africanos que se baseie não nas identidades étnicas, históricas ou culturais,
mas no republicanismo, no constitucionalismo e nos direitos civis, nos moldes
das idéias de Habermas
151
. No entanto, o termo “construção de nações”, em
oposição ao de “construção de Estados”, é usado também amiúde na tentativa
de se responder àquela artificialidade marcada pela não criação de uma
identidade nacional pelos Estados pós-coloniais: Yaakov Kop, por exemplo,
utiliza o termo para referir-se à necessidade de se criar uma identidade
nacional em Israel entre pessoas originárias de tão variados lugares
152
; Ian
Bremmer traça uma distinção bastante clara entre os conceitos de construção
de Estados e construção de nações, debruçando-se sobre as relações entre os
dois processos e concluindo que, dificilmente, um pode ser muito bem sucedido
sem o outro — reforçando, assim, a idéia da inviabilidade de um Estado que
não seja sustentado por uma base nacional
153
.
149
FUKUYAMA, 2004:131.
150
Cf. IGNATIEFF, 2002:123.
151
JOSEPH, 2003:17.
152
KOP, 2003:22.
153
BREMMER, 2003:29-30,37.
67
As concepções de construção de Estados, por outro lado, são mais
abundantes na literatura talvez porque a própria percepção de “capacidade
administrativa limitada”
154
como causa da artificialidade do Estado seja mais
freqüente. Fukuyama definiu a construção de Estados como a “criação de
novas instituições governamentais e o fortalecimento daquelas já
existentes”
155
; em termos práticos, ela tem-se traduzido no desenvolvimento de
receituários de políticas públicas e de desenho institucional a serem aplicados
pelos governos dos Estados fracassados ou por interventores internacionais, a
fim de alçá-los à condição de Estados de facto. Robert Rotberg, por exemplo,
de forma condizente à abrangência de sua percepção das manifestações do
fracasso estatal, prescreve um receituário igualmente amplo de atividades que
devem ser levadas a cabo a fim de restaurar a condição de Estado de facto ao
Estado fracassado. O autor apresenta, de forma bastante detalhada, o caminho
a ser seguido para se alcançar a restauração da ordem, o fortalecimento da
sociedade civil, a criação de um corpo legal democrático e a estabilização
econômica. Jens Meierhenrich contribui ao livro organizado por Rotberg com
um capítulo dedicado exclusivamente ao “passo-a-passo” da construção de
Estados a partir de intervenções externas
156
.
Fukuyama, entretanto, se posiciona de forma bastante cética em
relação a tais modelos prontos de construção de Estados. Em seu artigo “Why
There Is No Science of Public Administration” ele defende que o conhecimento
da administração pública, fundamental para a construção de Estados, é muito
mais uma arte que uma ciência, uma vez que ela terá que incorporar uma
154
...limited administrative c apacity.... KRASNER, 2004:86.
155
FUKUYAMA, 2005:9.
156
MEIERHENRICH, 2004:159-65.
68
grande quantidade de informações e práticas contextuais e responder a
motivações que não são baseadas simplesmente no auto-interesse
econômico
157
. Nesse sentido, o artigo antevê algumas conclusões do livro
“Construção de Estados”, em que Fukuyama afirma que, apesar do seu relativo
sucesso em prover estabilidade a curto prazo nos casos de colapso
institucional, a comunidade internacional tem em geral falhado ao tentar criar
nos Estados fracassados instituições estatais auto-sustentadas
158
; ao contrário,
Fukuyama entende que as tentativas de imposição de modelos de gerência
pública pela comunidade internacional têm na verdade sufocado o
desenvolvimento de instituições auto-sustentáveis, formadas com base na a
capacidade local, gerando uma virtual dependência do país, para manutenção
da ordem e da governança, da burocracia e das estruturas institucionais
“temporárias” providas pela comunidade internacional
159
.
A preocupação de Fukuyama responde a uma ampla corrente de
propostas de intervenção para a construção de Estados, para a qual a
comunidade internacional deve tomar para si a responsabilidade de intervir —
direta ou indiretamente — a fim de fomentar o desenvolvimento de
características empíricas nos Estados fracassados e sua conseqüente
transformação em um Estado de facto. Essa linha pode ser percebida já no
artigo inaugural de Helman e Ratner, de 1992. Nele, os autores sugeriram uma
abordagem de construção de Estados cujos níveis de intervenção variariam de
acordo com a magnitude da manifestação do fracasso estatal:
157
FUKUYAMA, 2004:189, 200.
158
FUKUYAMA, 2005: 132-5.
159
Ibid. , 136-7.
69
“Onde o Estado alvo ainda mantém algum tipo de estrutura
governamental mínima — onde o Estado está fracassando, mas
ainda não fracassou —, a ONU deveria prover ajuda através do
que melhor descrito como ‘assistência de governança’. (...) Para
aqueles Estados que já fracassaram, uma segunda forma mais
intrusiva de protetorado (conservatorship) seria apropriada. Aqui,
o Estado poderia realmente delegar certas funções
governamentais à ONU. (...) Finalmente, há a opção mais radical:
a tutela direta da ONU. Tal plano ressuscitaria o antigo sistema de
tutela e o aplicaria aos Estados fracassados.”
160
A idéia de protetorado ou de tutela é parcialmente retomada por
Krasner, que propõe um sistema de “soberania compartilhada”, que seria uma
espécie de parceria estabelecida entre um Estado fraco e um parceiro externo,
na qual a autoridade sobre áreas específicas, como recursos naturais, justiça
ou política monetária, seria divida entre o governo nacional e o parceiro, que
poderia ser um outro Estado, uma organização internacional ou organizações
não-governamentais
161
.
Como se afirmou anteriormente, essa linha de autores que
defendem a manutenção da atual realidade jurídica internacional e o reforço da
estatidade empírica — a fim de que os Estados condigam com ela — sustenta
também, em alguma medida, uma parcial alteração do atual ordenamento legal
internacional. Tanto Helman e Ratner quanto Krasner fazem um adendo
importante aos seus modelos de intervenção para construção de Estados, no
sentido de proteger a ordem jurídica internacional vigente: ambos sugerem que
160
Where the target state still maintains some type of minimal governmental structure
where the state is failing, but not yet failed the U.N. should provide aid through what is
best described as ‘governance assistance.’ (...) For those states that have already failed, a
second, more intrusive form of conservatorship would be appropriate. Here, the state could
actually delegate certain governmental func tions to the U.N. (...) Finally, the re is the mo st
radical option: direct U.N. trusteeship. Such a plan would resurrect the old trusteeship
system and apply it to failed states”. HELMAN e RATNER, 1992:13-4.
161
KRASNER, 2000:3-4.
70
suas propostas não deveriam ser levadas a cabo sem o consentimento dos
próprios Estados alvos
162
. Krasner sugere, contudo, que seria aceitável que
parte da soberania externa do Estado fosse violada a fim de restabelecer a
estatidade empírica do Estado fracassado; sua própria sugestão de uma
soberania compartilhada é concebida de forma que “um elemento central da
soberania — o acordo voluntário — seria preservado, enquanto outro elemento
central — o princípio da autonomia — seria violado”
163
, uma vez que a
“soberania internacional seria usada para comprometer a soberania
westfaliana/vateliana”
164
. Na verdade, poder-se-ia até mesmo discutir se a
permissão de uma intervenção externa violaria a soberania westfaliana, já que
esta confere ao Estado o direito à não intervenção de outro Estado em seus
negócios internos, e não necessariamente o dever de nunca autorizar a outro
Estado que intervenha neles. Nesse sentido, as ações de construção de
Estados de cunho mais impositivo, como as propostas pela literatura da
intervenção humanitária ou de segurança, ou como aquelas levadas a cabo no
Afeganistão e no Iraque, podem sim ser consideradas dentro do arcabouço da
idéia de proteção da soberania legal internacional em detrimento da soberania
westfaliana, já que pretendem, como objetivo final, gerar um Estado habilitado
a ser um membro completo da comunidade internacional. Fukuyama, no
entanto, dada a sua parcial descrença nos processos de construção de
Estados atuais e na dependência gerada no país da burocracia internacional,
desconfia dessas opções, e afirma que “não está claro se há ou não qualquer
162
“Nenhum Estado deveria ser um objeto de uma tutela da ONU sem vontade” (“No state
should be the unwilling object o f a U .N. trusteeship”.) HELMAN e RATNER, 1992:15.
163
One core element of sovereignty — voluntary agreement — would be pres erved, while
another core element — the principle of autonomy — would be violated”. KRASNER,
2004:108.
164
International legal sovereignty wo uld be used to compromise Westphalian/Va tellian
sovereignty”. KRASNER, 2000:3.
71
alternativa real para um relacionamento quase permanente e quase colonial
entre o país ‘beneficiário’ e a comunidade internacional”
165
.
Uma outra corrente de pesquisadores sugere que, ao contrário de
intervir nos Estados fracassados a fim de adaptá-los ao status quo legal
atualmente vigente, a comunidade internacional deve proceder a uma
readequação jurídica, já que, ao seu ver, foi exatamente a interferência jurídica
“arbitrária” da comunidade internacional que gerou tais Estados artificiais. Ao
se falar aqui em reordenamento jurídico do sistema internacional, referir-se-á
principalmente à redefinição dos atores participantes do sistema internacional
— ou seja, do que se chamou sua “soberania jurídica internacional”—, quer
seja quanto ao seu reconhecimento enquanto participante do sistema, ou
quanto à “blindagem” que o sistema dá à sua existência, através do seu
reconhecimento. Os tipos de readequação jurídica, assim como seu objetivo,
variam novamente de acordo com as causas da artificialidade dos Estados pós-
coloniais percebidas pelos autores, e vão em sentidos diversos como
reestruturar a configuração do sistema de Estados estabelecido durante a
Guerra Fria, ou mesmo abdicar da própria concepção de um sistema exclusivo
de Estados, reconhecendo atores não-estatais como participantes do sistema
internacional.
As primeiras dessas propostas de adequação estão ligadas àquelas
compreensões da artificialidade estatal que sugerem que ela seja causada pelo
desligamento entre o traçado dos Estados pós-coloniais e as realidades étnico-
-nacionais dos terrenos que se encontram. Essas propostas se qualificam pela
crítica à insistência da comunidade internacional em virtualmente manter o
165
FUKUYAMA, 2004:137.
72
status quo em relação às fronteiras nacionais
166
, postura essa que é, nesse
entendimento, o principal empecilho ao surgimento de novas unidades estatais
que reflitam de fato as realidades étnicas e nacionais. Jeffrey Herbst, por
exemplo, sugere que as propostas de formação de novos Estados (na África,
no seu caso) deveriam necessariamente passar pelo aumento do “dinamismo
da formação de Estados, para que unidades nacionais mais fortes possam
emergir, e as disfuncionais [ou artificiais] não precisem necessariamente
continuar indefinidamente”
167
. Herbst sugere que a ausência dessas
alternativas no pós-Guerra Fria deve-se também, em parte, ao próprio
ceticismo da comunidade internacional a respeito da possibilidade de
reconfiguração das fronteiras internacionais
168
, mas que muitas alternativas
poderiam despontar uma vez que se “[declarasse] publicamente que a
comunidade internacional não está cegamente acoplada ao atual sistema de
Estados”
169
.
As propostas de Herbst refletem não apenas a preocupação com a
coerência entre os Estados e suas bases ético-nacionais, mas também trazem
traços daquela compreensão de que a artificialidade do Estado pós-colonial é
causada também pela não replicação das experiências de desenvolvimento
histórico dos Estados ocidentais, principalmente no que diz respeito à
experiência de guerra — ou, no mínimo, de ameaça externa —, que teriam
fomentado a formação tanto das nações, quanto dos mecanismos de
166
Cf. ZACHER, 2001.
167
“[T]he aim of any alternative should be to increase the dynamism of state formation, so
that stronger national units can emerge and dysfun ctional ones do not necessarily have to
continue indefinitely”. HERBST, 1996:132.
168
Ibid. ,136.
169
This [the presentation o f alternatives] could be accomplished by publicly declaring that
the international community is not blindly wedded to the current state system”. Ibid., 133.
73
governança efetiva. Pode-se dizer que o que essa parte da literatura sugere, de
certa forma, é que a insegurança faz mais bem do que mal ao nascimento de
Estados de facto
170
e que, portanto, a comunidade internacional deveria alterar
sua ordenação legal, que estabelece, principalmente na periferia, o virtual
congelamento do status quo — congelamento esse mantido pelas potências —,
para que se restabeleçam as condições de insegurança que levaram à criação
dos Estados ocidentais em seu tempo. Como coloca Herbst,
“permirtir um maior dinamismo na criação de Estados africanos
ajudaria a recapturar o elemento da perspectiva pré-colonial da
soberania que insistia que o controle político tinha que ser
conquistado, e não instituído por um fiat administrativo.”
171
Michael Desch, no entanto, sugere que, a partir do fim da Guerra
Fria, o aumento do volume e da intensidade dos conflitos étnicos, do
separatismo e das demandas por autonomia, somado ao crescente
desinteresse, por parte das potências, em manter o status quo na periferia
através de meios físicos — militares ou financeiros —, deverá levar
naturalmente ao crescimento dos níveis de insegurança na periferia, o que
levará, por fim, à emergência de novos Estados fortes — ou “naturais” —, cuja
existência como membros do sistema internacional não poderá deixar de ser
reconhecida pela comunidade internacional
172
.
A última linha de propostas de readequação da realidade jurídica
internacional à sua realidade empírica baseia-se principalmente nas
percepções de artificialidade do Estado causadas pelo desajuste entre as
170
DESCH, 1996:239-41.
171
“[A]llowing for more dynamism in the creation of African states would help recapture the
element of the precolonial perspective on sovereignty that insisted that political control had
to be won, not instituted by administrative fia t”. HERBST, 1996:136.
172
DESCH, 1996: 259-261.
74
culturas políticas locais tradicionais da periferia e o modelo de organização
estatal, imposto a partir do exterior durante a colonização e à época das
independências. Essa linha acaba sendo uma das mais controversas, uma vez
que propõe um reordenamento significativo do sistema internacional, a fim de
que ele passe a reconhecer e incluir como membros, também, modelos
alternativos de organização política que não o Estado nacional ocidental, bem
como atores não-estatais.
Uma das bases do argumento dessa linha de propostas é que o
modelo estatal ocidental tem sido mantido no mundo muito menos por sua
eficiência do que por uma incapacidade da comunidade internacional de pensar
fora dele, a qual é causada por uma série de fatores. Ronald Deibert, por
exemplo, sugere que o próprio corpo de vocabulário que as — diversas —
teorias de Relações Internacionais têm usado para ver e descrever o mundo
tem-se tornado uma espécie de “cortina ontológica”, repetindo e reforçando o
modelo estatal e dificultando em muito que se pense fora dele
173
, e propõe uma
“redescrição conceitual do presente” — como o neomedievalismo —, a fim de
se livrar dessas cortinas e se permitir pensar em formas alternativas
174
. Rosa
Brooks afirma que, realmente, “ambos o direito internacional e as
compreensões populares sobre as relações internacionais tomam como dado
que os Estados-nação são (e deviam ser, e devem ser) os tijolos construtores
da ordem mundial”
175
. Brooks sugere que essa visão vem, muitas vezes, de um
certo “darwinismo social teleológico”, ao se pressupor que o Estado seja
173
There is a sense, to put it succinctly, that the entrenched vocabulary shared by many
has become a kind of ontological blind er”. DEIBERT, 1997:169.
174
Ibid. , 184-5.
175
“… both international law and popular understandings of international affairs take it for
granted that nation-states are (and ought to be, and must be) the building blocks of world
order…”. BROOKS, 2005:11.
75
inevitável, melhor e mais avançado apenas porque ele emergiu como o modelo
dominante de organização social
176
. Contra essa tendência, diversos autores
se propõem a remover do modelo de Estado seu caráter praticamente divino,
lembrando, como o fazem Lisa Anderson e Ana Paula Tostes, que o Estado
moderno não se desenvolveu sem modelos competidores ou alternativos, como
clãs, tribos, sectos, cidades-Estado, reinos feudais, etc., que proviam também
alguma ordem social, mas sobre os quais ele prevaleceu muito mais por
vantagens circunstanciais do que absolutas
177
, vantagens essas que podem
não se estar repetindo, nos dias atuais, nas sociedades da periferia — o que
explica seu fracasso empírico. Além disso, como sugere Brooks, a história do
Estado no próprio ocidente não é particularmente feliz: nem sempre ele foi um
meio de portar paz, prosperidade, segurança, dignidade — para não mencionar
representação política — aos seus súditos
178
, os quais foram, aliás, muitas
vezes canibalizados nos processos de unificação nacional e estatal e de
suplantação de seus modelos competidores, em processos que encontraram
suas apoteoses nos Estados totalitários
179
.
Desmistificando, assim, o próprio modelo de Estado-nação, essa
linha da literatura tenta relativizar também a sua universalidade enquanto
componente sine qua non para a existência de uma sociedade internacional
“saudável”, abrindo espaço para uma reforma nas bases do sistema
internacional que venha a reconhecer uma participação mais contundente tanto
de atores subnacionais quanto supranacionais
180
. Tal abordagem é
176
Ibid ., 16.
177
ANDERSON, 2004:1; TOSTES, 2004:56.
178
BROOKS, 2005:24-5.
179
Ibid ., 15.
180
Cf. MALAQUIAS, 2002:423.
76
amplamente reconhecida na literatura do Estado fracassado pelo titulo de “neo-
medieval”, o qual remonta, por sua vez, a algumas idéias levantadas por
Hedley Bull em seu A Sociedade Anárquica, publicado originalmente em 1977.
Ali, Bull conceitualiza o neo-medievalismo como sendo “um sistema de
lealdades múltiplas e autoridades sobrepostas”
181
, e o apresenta como sendo
tanto uma suposta evidência, levantada por alguns, de que o sistema de
Estados estaria em declínio
182
, e como uma alternativa para uma virtual queda
do sistema de Estados contemporâneo
183
. O segmento neo-medieval da
literatura do Estado fracassado toma o fracasso estatal exatamente dessas
duas maneiras — excetuando, contudo, os qualificativos “suposto” e “virtual” —
: ele é um sinal da inviabilidade da manutenção do sistema de Estados, e é, ao
mesmo tempo, um modo de organização internacional possível. “Se o próprio
Estado é um fracasso”, sugere Brooks,
“talvez devêssemos estar nos perguntando, ao contrário, se não
há outra forma de ordenamento internacional que nem se arrime
sobre ficções de igualdade soberana estatal, nem busque
totalmente superar as estruturas de poder sub-internacionais
existentes. (...) Nos também podemos precisar nos desfazer das
ficções legas associadas com a crença de que toda sociedade
deve ser parte de algum Estado soberano às vistas do direito
internacional, e, ao contrário, criar novas maneiras para que
ambos indivíduos e grupos interajam com as entidades
internacionais dentro de um arcabouço de direito internacional.”
184
Essa interação de entidades sub-estatais com as entidades
internacionais faz parte também de outra sugestão apresentada por Jeffrey
181
BULL, 2002:286.
182
Ibid ., 296-310.
183
Ibid ., 286-7.
184
If the state itself is a failure, (…) maybe we should instead be asking questions about
whether there is some other form of international ordering that neither relies on fictions of
state sovereign equality nor seeks to wholly trump existing sub-international power
structures”. BROOKS, 2005:24.
77
Herbst ao problema do fracasso estatal na África, que explicita também
bastante claramente as propostas da corrente neo-medieval:
“Uma proposição ainda mais revolucionária seria que pelo menos
partes da África serem reordenadas em torno de alguma
organização além do Estado soberano. (...) Seria particularmente
útil encorajar a participação de unidades subnacionais — sejam
elas regiões potencialmente separatistas ou simplesmente
unidades como cidades ou regiões que tem sido largamente
abandonadas por seu próprio governo central — em organizações
como a Organização Mundial da Saúde, a UNICEF e o PNUD, que
provenham recursos diretamente para o desenvolvimento. A
participação, em organizações técnicas e de serviços, de líderes
ou ‘senhores-da-guerra’ tradicionais é atraente porque a aceitação
internacional poderia ser calibrada ao tipo e às condições de
poder realmente sendo exercido.”
185
Assim, como se vê com essa passagem, apesar da divisão entre a
literatura sobre como responder ao problema da artificialidade do Estado — se
adequando a realidade empírica à realidade jurídica, ou, ao contrário,
adequando a realidade jurídica à realidade empírica —, todas elas parecem
retomar invariavelmente a intenção inicial das propostas de solução do
fenômeno desenvolvidas no escopo da literatura sobre o Estado fracassado,
que é exatamente a de recuperar o casamento entre as práticas jurídicas
internacionais e as suas realidades empíricas. Tanto em termos da percepção
do fenômeno em si quanto de suas causas, e também nas propostas de
185
Grifo nosso. “A far more revolutionary approach would be for at least parts of Africa to be
reordered around some organization other than the sovereign state. ( …) It would be
particularly useful to encourage the participati on by subnational units, be they potential
breakaway regions or simply units such as towns or regions that have been largely
abandoned by their own central government, in technical meetings, and later directly, in
organizations such as the World Health Organization , UN International Children's
Emergency Fund, and UN Development Program that provide resources directly for
development. Participation in technical and service delivery organizations by traditional
leaders or ‘warlords’, who currently exercise authority and may deliver services but are not
sovereign, is appealing because international acceptance could be calibrated to the kind
and conditions of power actually being exercised ”. HERBST, 1996:139-40.
78
solução para ele, apesar de todas as discrepâncias entre os autores, pode-se
perceber uma unidade de pensamento, que é a base do conceito do Estado
fracassado.
QUADRO RESUMIDO DA LITERATURA SOBRE O ESTADO FRACASSADO
PERCEPÇÃO EXPLICAÇÕES SOLUÇÕES
GERAL PARTICULARES GERAL PARTICULARES
TIPO DE
ADEQUAÇÃO
arbitrariedade do
traçado das fronteiras
na colonização
reforma das
fronteiras
realidade jurídica
à empírica
desligamento
entre Estado e
nação
não-desenvolvimento
de identidade nacional
durante a colonização
ou após a
independência
construção de
nações (nation
building)
realidade
empírica à
jurídica
não seguimento da
experiência ocidental
de formação do Estado
(principalmente guerra)
flexibilização que
permita desenvol-
vimento “natural” de
Estados
realidade jurídica
à empírica
não
desenvolvimento
de estruturas de
governança
não desenvolvimento de
estruturas de
governança durante a
colonização ou após a
independência
construção de
Estados (state
building)
realidade
empírica à
jurídica
anarquia
interna
artificialidade
do Estado
imposição de modelo de organização
social à culturas políticas distintas
readequação
entre realidade
empírica e
jurídica
reconhecimento e
inserção no sistema
internacional de
modelos e atores
alternativos
realidade jurídica
à empírica
80
3. IMPLICAÇÕES DO DESENVOLVIMENTO DA
LITERATURA SOBRE O FRACASSO ESTATAL PARA A
DISCIPLINA DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS
As idéias de “Estado fraco” e de “Estado fracassado”, nos moldes
em que vem sendo utilizadas por parte da literatura interessada em avaliar
esse tipo de fenômeno, tiveram seu desenvolvimento, como já se observou,
fortemente influenciado pelo próprio desenvolvimento do corpo teórico da
disciplina de Relações Internacionais, principalmente a partir do final da década
de 1970 e início da década de 1980. Os próprios textos que introduziram os
marcos teóricos daquela literatura, o artigo “Why Weak States Persist: the
Empirical and the Juridical in Statehood”, de Robert H. Jackson e Carl Rosberg,
e o posterior livro “Quasi States: Sovereignty, International Relations and the
Third World”, de Jackson, foram estudos marcadamente vinculados à área de
Relações Internacionais, preocupados em avaliar o funcionamento dos regimes
de soberania no sistema internacional.
A despeito dessa grande influência do desenvolvimento do corpo
teórico das Relações Internacionais sobre o processo de concepção do
conceito de fracasso estatal, pode-se argumentar que este processo se deu
através de uma literatura específica, a qual, como apresentado anteriormente,
81
dedicou-se a apresentar, a debater e, enfim, a estabelecer as definições,
percepções, explicações e soluções do fenômeno compreendido pela idéia de
“fracasso estatal”.
Pode-se perceber, contudo, que noções e conceitos do debate
específico sobre os “Estados fracassados” passaram também a ganhar espaço
nas discussões da literatura mais ampla das Relações Internacionais. Tal
processo, apesar de ser já percebido desde o surgimento do debate na década
de 1990 — como denota, por exemplo, a menção do problema dos Estados
fracassados por Huntington em seu “Clash of Civilizations”, de 1996 —, tornou-
se mais comum principalmente após o ressurgimento do termo, no pós-11 de
Setembro de 2001.
A entrada do tema dos “Estados fracassados” na literatura de
Relações Internacionais não se deu, no entanto, de forma homogênea em
todas as perspectivas teóricas. A apropriação do conceito se deu de maneira
bastante mais contundente por parte de liberais ou pós-positivistas do que
entre os realistas, ainda que se encontrem, nesse paradigma, menções
pontuais nas análises de autores importantes.
3.1. Perspectivas liberais
Devido à grande influência, no desenvolvimento dos conceitos de
“Estado fraco” e de “Estado fracassado” no início da década de 1990, das
concepções e das temáticas típicas do Liberalismo internacional, acabou-se
por observar o desenvolvimento de uma interface natural entre essa
abordagem teórica e as concepções geradas pelo desenvolvimento da
82
literatura sobre o fracasso estatal. Com poucas exceções, os pioneiros dessa
literatura se ancoravam em bases liberais, e, nas publicações mais modernas,
percebe-se igualmente uma preponderância de autores vinculados a essa
teoria.
Na verdade, pode-se perceber que o Liberalismo não apenas
influenciou no desenvolvimento da literatura, como também passou a se
utilizar, direta ou indiretamente, de muitas de suas concepções e conceitos.
Entre os autores liberais se pode averiguar a apropriação mais contundente
dos conceitos e idéias geradas pelo debate sobre os Estados fracassados. O
tema ganhou capítulos em publicações recentes, como Humanitarian
Intervention, organizado por Robert Keohane e J.L. Holzgrefe
186
, além de
figurar, de forma espontânea, no rol de questões avaliadas por pesquisadores
renomados como David Held
187
ou Fred Halliday
188
. Ademais, como já se
observou, após a grande vaga de utilização do próprio termo “Estado
fracassado” no princípio da década de 1990, as idéias levantadas nesse debate
continuaram a ser utilizadas e desenvolvidas dentro do enfoque de outras
discussões, como acerca da boa governança, da intervenção humanitária ou
da soberania, todas vinculadas majoritariamente às linhas de pesquisa da
tradição liberal.
A entrada das discussões sobre o fracasso estatal dentro do rol de
temas do paradigma liberal lhe trouxe algumas implicações importantes, que de
certa forma alteraram a postura típica desse paradigma frente a alguns temas
centrais em sua concepção.
186
HOLZGREFE & KEOHANE, 2003.
187
HELD, 2001, 2004 e 2005.
188
HALLIDAY, 1994 e 2002.
83
O primeiro desses impactos se deu em relação ao princípio da
autodeterminação dos povos, o qual, desde que o presidente americano
Woodrow Wilson o incluiu entre seus 14 pontos em 1918, despontou como um
dos pilares fundadores do Liberalismo nas Relações Internacionais. Sua
importância chegou a ser tão marcadamente forte que até mesmo Henry
Kissinger atribui a esse princípio, em detrimento à balança de poder, o fator
determinante que levou ao início das hostilidades entre a Grã-Bretanha e a
Alemanha hitlerista, quando da ocupação de Praga em 1939
189
. Em 1941, ele
seria reforçado como princípio para a construção da ordem internacional do
pós-Guerra, pela Carta Atlântica anglo-americana
190
, e consagrado finalmente
nessa posição pela Carta da Organização das Nações Unidas, em 1945
191
, e,
finalmente, pela resolução 1514 (Declaration on Granting Independence to
Colonial Countries and Peoples) da sua Assembléia Geral, em 1960.
O início do desenvolvimento da literatura sobre o fenômeno dos
Estados fracos e fracassados, no começo da década de 1990, foi
acompanhado por um certo questionamento acerca das implicações da
aplicação irrestrita desse princípio como causa do fracasso estatal nos países
pós-coloniais. Tal questionamento, como já se apontou, está presente desde o
texto inaugural de Robert Jackson e Carl Rosberg, de 1982
192
, e é a base do
diálogo imaginário que Jackson estabelece com o burocrata do Colonial Office
britânico, na introdução de seu ”Quasi States
193
. Posteriormente, Jackson
retorna ao tema, afirmando então categoricamente que “os ‘Estados
189
KISSINGER, 1996:273.
190
Ibid, 340.
191
Carta da ONU.
192
JACKSON & ROSBERG, 1982:15.
193
JACKSON, 1990:13-6.
84
fracassados’ são uma conseqüência do fim do império. Eles são um preço da
autodeterminação irrestrita de antigas dependências — geralmente
coloniais”
194
. Diversos outros textos seguem a mesma conclusão: o artigo
referencial “
85
concebível de despotismo”, pois trata humanos adultos e sãos como crianças
imaturas e os obriga a “se comportarem puramente passivamente”
198
.
Em relação especificamente à questão da intervenção humanitária,
que despontou como um tema significativo no pensamento liberal desde sua
conceituação no fim da década de 1980, o impacto do desenvolvimento do
conceito de fracasso estatal teve conseqüências importantes, apesar de não ter
gerado implicações significativas sobre a noção de intervenção humanitária per
se. Isso porque esse novo debate teve como efeito uma revisão do objeto e
dos procedimentos da intervenção humanitária, que, nas palavras de Michael
Ignatieff, precisava “ser repensad[a] no contexto de caos ao invés de tirania”
199
.
É verdade, também, que a aceitação internacional do conceito de “Estado
fracassado” passou a servir como facilitador da legitimação de missões de
intervenção humanitária, uma vez que, em alguma medida, passou-se a
entender que, em casos de colapso estatal, a intervenção não feriria os
princípios da soberania e da não intervenção. Como afirmam Nicholar Wheller
e Alex Bellamy,
“a razão pela qual o Conselho de Segurança legitimou a
intervenção militar norte-americana na Somália (...) foi porque ela
não tomou a forma do modelo clássico de intervenção contra a
vontade de um governo. O Estado somali tinha efetivamente
entrado em colapso e a intervenção humanitária foi legitimada por
198
A paternal government is the greatest conceivable despotism”. KANT, Immanuel, “On
the Relationship of Theory to Practice in Political Right” Apud JACKSON, 1998:1. “Kant
believed that a paternal government was ‘the greatest conceivable despotism’ because it
treated adult and sane human beings ‘as immature children ’ who cannot be entrusted with
responsibility for their own lives. It thereby ‘suspends’ their freedom and obliges them ‘to
behave purely passively’”. Ibid., 12.
199
The problem of intervention also needs to be rethought in the context of chaos rather
than tyranny”. IGNATIEFF, 2004:305.
86
ter-se entendido que ela não enfraquecia os princípios da
soberania e da não-intervenção”.
200
No entanto, é possível afirmar que essa expansão do foco da
intervenção humanitária também aos Estados fracassados não significou uma
alteração nos princípios que norteavam essa prática desde a década de 1980,
fundados fortemente na primazia da promoção e proteção dos direitos
humanos fundamentais frente aos princípios da soberania e da não-
intervenção
201
.
O desenvolvimento da concepção de fracasso estatal teve, ainda,
um impacto fundamental sobre a relação do pensamento liberal com a idéia do
papel do Estado. O começo da década de 1990 foi marcado por um forte
questionamento do Estado, provocado, por um lado, pela percepção de seu
crescente enfraquecimento frente ao mercado, percepção essa influenciada e
incentivada pelo fortalecimento das proposições e visões liberais do fim da
Guerra Fria.
Por outro lado, assistiu-se também no início da década de 1990 a
um movimento político e intelectual de incentivo da diminuição do tamanho e
âmbito de atuação do Estado, também fortemente ancorado nas teorias
liberais, e manifesto através do chamado “Consenso de Washington” e, de
forma prática, pelo redirecionamento nesse sentido das políticas de instituições
financeiras internacionais como o Fundo Monetário Internacional.
200
The reason why the Security Council legitimated the US military intervention in Somalia
(…) was because it did not conform to the classical model of intervention agains t a
government’s will. The Somali state had effectivel y collapsed and humanitarian intervention
was legitimated because it was perceived as not undermining the principles of sovereignty
and non-intervention”. WHEELER & BELLAMY, 2004:567.
201
Ibid ., 560.
87
Ambas essas posições passaram a contrastar com o diagnóstico
apresentado pela literatura que começava a estudar o fracasso estatal,
segundo a qual haveria, ao contrário, exatamente uma crise governamental em
grande parte da periferia, e que, na verdade, não seria o excesso de Estado a
causar as mazelas que passaram a se observar com mais freqüência no pós-
Guerra Fria, mas sim a ausência de estruturas estatais adequadas. Francis
Fukuyama, um dos liberais mais proeminentes do pós-Guerra Fria — quando
ganhou fama com seu O Fim da História e o Último Homem
202
— faz, na sua
obra de 2005, uma revisão crítica desse processo da década de 1990,
reconhecendo nele problemas dessa ordem:
“(...) [N]aquele período, a ênfase relativa estava fortemente na
redução da atividade estatal, a qual muitas vezes podia ser,
deliberadamente ou não, entendida como uma tentativa de corte
generalizado na capacidade do Estado. (...) O resultado foi que,
em muitos países, a reforma econômica liberalizante deixou de
cumprir sua promessa. De fato, em alguns países, a ausência de
uma estrutura institucional adequada os deixou em situação pior
depois da liberalização do que se esta não tivesse ocorrido”
203
.
De certa forma, assim, essa literatura ajudou a compor um novo
campo de pesquisa e de atuação dentro do arcabouço mais amplo do
Liberalismo, marcado pela preocupação com os mecanismos de boa
governança e com as suas formas de implementação internacional. A idéia de
“boa governança” passou a se referir, então, às formas de tornar mais
transparente, participativo, responsável e eficiente “os processos de tomada de
202
Cf. FUKUYAMA, 1992.
203
FUKUYAMA, 2005:20.
88
decisão e os processos pelos quais as decisões são implementadas”
204
, a fim,
inclusive, de atrair investimentos
205
.
Em casos mais extremos de desintegração estatal, a literatura liberal
passou a elaborar sobre a idéia da “construção de Estados”, ou seja, a criação
propriamente dita — em geral por parte da comunidade internacional — de
novas instituições estatais e governamentais em Estados onde essas deixaram
de funcionar. Esse princípio baseia-se, em geral, nas experiências levadas a
cabo na Alemanha e no Japão, após a conclusão da Segunda Guerra
Mundial
206
.
Tanto a idéia de boa governança quanto a de construção de Estados
passaram, principalmente no final da década de 1990, a influenciar fortemente
a atuação de diversas instituições internacionais, principalmente da ONU e do
Banco Mundial, que levaram a cabo projetos nos dois sentidos; em alguma
medida, gerou também mudanças na atuação do próprio Fundo Monetário
Internacional. A partir dos eventos de 11 de Setembro de 2001, o interesse
nesses temas tem crescido, e incentivos à boa governança e empreitadas de
construção de Estados têm sido levados a cabo por países isoladamente ou
em consórcio — como foi o caso do Reino Unido em Serra Leoa
207
e, mais
recentemente, do grupo de países liderados pelos EUA no Afeganistão e no
204
(…) ‘Governance’ means: the process of decision-making and the process by which
decisions are implemented (or not implemented)”. UNESCAP, 2006.
205
GOLDSMITH, 2001:32.
206
FUKUYAMA, 2005:59; ETZIONI, 2004:13-4.
207
Em Serra Leoa, o Reino Unido desenvolveu o que chamou de um projeto “holístico” de
reconstrução. Incluem-se nesse empreendimento a re-estruturação das forças armadas,
policiais e do sistema judiciário, projetos de descentralização política e de combate à
corrupção (incluindo o financiamento das eleições presidenciais) e de desenvolvimento de
infra-estrutura, a um investimento público britânico anual médio de £ 25 milhões. (Sierra
Leone – Making a Difference – Foreign and Co mmonwealth Office ).
89
Iraque
208
— ou por meio de instituições internacionais — como a ONU no
Camboja
209
ou no Timor Leste
210
.
O descompasso liberal entre aqueles que pregavam uma redução
mais drástica no tamanho do Estado e aqueles que enfocavam, opostamente, o
reforço das instituições estatais começou a se ajustar na literatura liberal no
começo do novo milênio. Recentemente, trabalhos como os de Hernando de
Soto e de Francis Fukuyama têm-se destacado por sua tentativa de
reaproximar as duas tendências, dividindo as idéias de “escopo” e de “força” do
Estado, propondo uma concomitante redução da primeira e reforço da segunda
e limitando, assim, o alcance da atuação do Estado sem prejuízo de sua
efetividade
211
. De qualquer maneira, é possível se afirmar que o
desenvolvimento da literatura sobre o Estado fracassado contribuiu para essa
reaproximação das correntes liberais à idéia de Estado, fortemente atacada no
princípio da década de 1990.
208
Após as ocupações do Afeganistão e do Iraque em 2001 e 2003, respectivamente, as
forças militares dos Estados Unidos e seus aliados passaram, ao mesmo tempo que
levavam a cabo processos de formação de novas estruturas estatais, a desenvolverem,
elas mesmas, uma série de atividades governamentais e burocráticas, desde nomear e
demitir ministros e funcionários até fazer entregas em hospitais e reformar escolas
(ETZIONI, 2004:16).
209
Em 1991, como resultado dos acordos de Paris, que puseram fim a 20 anos de guerra
civil em Camboja, o Conselho de Segurança da ONU estabeleceu a Autoridade de
Transição das Nações Unidas no Camboja (UNTAC), com um amplo mandato para a
reconstrução do país, que previa a manutenção da missão de manutenção da paz
(UNAMIC), a realização de eleições e a administração civil temporária do país (HELMAN &
RATNER, 1992:4). A UNTAC permaneceu, porém, apenas até a realização das eleições
em 1993, e, apesar do reconhecimento do propósito de construção de Estado da missão,
muitos questionaram sua efetividade (PARIS, 2003:456).
210
Igualmente, no Timor Leste, questiona-se a efetividade da atuação da ONU devido à
sua pressa em transmitir o governo (PARIS, 2003:456). Naquele país, em 1999, para por
fim à violência que sucedeu ao fim dos 24 anos de ocupação indonésia, o Conselho de
Segurança estabeleceu a Força Internacional para o Timor Leste (INTERFET) e a
Administração de Transição das Nações Unidas no Timor Leste (UNTAET), que vigorou
entre 1999 e 2002. Contudo, diferentemente do que se passou no Camboja, o CS
determinou a manutenção da ajuda administrativa ao Timor Leste com o fim da UNTAET,
através da Missão de Apoio das Nações Unidas no Timor Leste (UNMISET) (MARTIN &
MAYER-RIECKH, 2005).
211
DE SOTO, 2000:33-9; FUKUYAMA, 2005:17-31.
90
3.2. Perspectivas realistas
O desenvolvimento da literatura sobre o fracasso estatal parece ter
tido um impacto muito mais discreto sobre o campo do Realismo do que aquele
percebido sobre o campo do Liberalismo.
Ainda assim, é significativa a ligação de alguns realistas como
Stephen Krasner e o próprio Robert Jackson com essa literatura. Ademais,
principalmente após os ataques terroristas aos Estados Unidos em 2001,
quando esse tema começa a entrar muito mais fortemente nas preocupações
de segurança da comunidade internacional, aumenta o interesse dos realistas
pelo fracasso estatal, inclusive com o reconhecimento da importância dessa
questão por nomes tradicionais no realismo, como Henry Kissinger
212
e
Stephen Walt
213
.
O que se percebe no Realismo, em relação à questão do fracasso
estatal, é o surgimento de uma disputa acerca de sua pertinência ou não
enquanto problema real de segurança internacional, a ser tratado pela teoria
realista. Essa disputa reflete e interage, de certa maneira, nas próprias
discussões no campo do Realismo, surgidas principalmente a partir da década
de 1990 como reação à multiplicidade de críticas de que essa corrente vinha
sendo vítima após a queda do regime soviético e o fim da Guerra Fria. Algumas
das novas tendências vinham propor alargamento dos temas de segurança
abordados dentro da esfera realista, conseqüência, por exemplo, de uma certa
212
KISSINGER, 2002.
213
WALT, 2002:62.
91
relativização dos conceitos de ameaça e de medo
214
, ou simplesmente da
simples mudança do enfoque das análises realistas, do poder para a ameaça.
A contribuição de Stephen Walt foi significativa nesse sentido, ao sugerir que a
balança internacional tende a responder aos Estados ameaçadores, e não aos
Estados poderosos — seria, portanto, uma “balança de ameaças”, e não uma
“balança de poder”
215
. Não seria absurdo, deste modo, que Estados poderosos,
como os Estados Unidos, o Reino Unido, a Espanha ou a Itália, incluíssem
diversos Estados fracassados em suas preocupações de segurança, já que
estes, apesar de disporem de muito pouco poder absoluto, podem ser vistos
como uma ameaça real.
Essa preocupação com os Estados fracassados passou, dessa
maneira, a entrar nas análises de diversos pesquisadores identificados com a
corrente realista, inclusive no sentido de corroborar suas definições mais
amplas de ameaça. O próprio Walt chegou a afirmar que uma das lições a
serem aprendidas com os ataques de 11 de Setembro de 2001 é a
consideração dos Estados fracassados como um problema de segurança
nacional para os EUA, que deve gerar naquele país um esforço em prol de
missões de construção de Estados em áreas estratégicas
216
. Também Stephen
Krasner sempre manifestou de forma muito contundente sua visão de que o
fracasso estatal constitui-se em um sério problema para a segurança regional e
internacional
217
.
214
BUZAN, 1991.
215
NOGUEIRA & MESSARI, 2006:50.
216
WALT, 2002:62.
217
KRASNER, 2000:1-2; KRASNER, 2004:86.
92
Há-de se salientar, contudo, que mesmo nessas correntes do
realismo em que a preocupação com o fracasso estatal ganhou algum espaço
analítico, essa abordagem foi muito diferente daquela desenvolvida pelas
linhas de pesquisa liberais. Como seria de esperar, dadas suas matrizes
teóricas, a preocupação dos realistas nesse caso é com os interesses —
especialmente aqueles definidos em termos de segurança e de poder — de
Estados particulares, e não com alguma noção de comunidade internacional ou
com questões de ordem moral. Mesmo entre aqueles realistas que, na linha
das formulações de John Ikenberry, reconhecem o papel da institucionalização
e das organizações internacionais, a preocupação passa pelo risco de ameaça
à ordem internacional estabelecida, a cuja legitimação essa institucionalização
serve
218
. Um exemplo marcante dessa posição é a defesa feita por Robert
Jackson da atuação das grandes potências em alguns casos de fracasso
estatal. Apesar de Jackson fundamentar fortemente sua posição na própria
Carta das Nações Unidas, ele foca naqueles preceitos da Carta que dispõe
sobre a responsabilidade das potências para com a manutenção da ordem
internacional, sendo cuidadoso em ressaltar que aquelas só devam se envolver
caso haja risco de facto para a estabilidade e para a ordem internacional
219
, e
afastando-se assim de uma interpretação mais liberal da Carta.
Entre outras tendências do realismo, principalmente aquelas ligadas
ao neo-realismo mais tradicional, a preocupação com o fracasso Estatal
ganhou espaço principalmente como alvo de críticas. Essas tendências tendem
a minimizar o fracasso estatal como um problema sério à segurança externa
dos Estados e à ordem internacional. Na verdade, reconhece-se a existência
218
IKENBERRY, 2001.
219
JACKSON, 1998:4.
93
de riscos específicos à segurança advindos de algumas incapacidades em
alguns Estados-chave, mas se nega geralmente a idéia de que o “fracasso
estatal” em absoluto seja um problema com o qual os Estados devam
despender preocupação e recursos. Ao contrário, critica-se a tendência de se
tratar a idéia geral de “fracasso estatal” como um problema em si, preferindo se
focar em problemas pontuais de segurança gerados por deficiências
específicas dos Estados, ao invés de englobá-los sob aquele rótulo. Logan e
Preble sintetizam bem essa posição, em sua crítica ao comentarista
conservador americano Jonah Goldberg, que havia se posicionado a favor de
missões americanas de construção de Estados:
“O primeiro problema com o argumento de Goldberg é sua
afirmação de que os Estados fracassados são uma ameaça à
segurança americana. Eles quase sempre não são. Ademais,
quando Estados fracassados apresentam uma ameaça, é outra
coisa que não o ‘fracasso’ que é ameaçador. Empreender projetos
de construção de nações de larga escala não faria nada para
eliminar as ameaças, e poderia atolar os Estados Unidos em
conflitos civis longe de seus interesses nacionais”.
220
É possível perceber traços dessa lógica nos principais autores da
corrente realista. Kenneth Waltz, por exemplo, não faz qualquer menção direta
à questão do fracasso estatal em seus trabalhos mais recentes. Apesar disso,
podem-se inferir algumas considerações a esse respeito de uma resposta dada
por ele durante uma entrevista realizada no âmbito do projeto Conversations
With History, promovido pela Universidade da Califórnia em Berkeley. Ao ser
220
“The first problem with Goldberg’s argument is his claim that failed states are a
threatening to American security. They almost always aren’t. Moreover, when failed states
do present threats, it is something other than the ‘failure’ that is threatening. Attempting
large-scale nation-building projects would do nothing to eliminate threats, and could bog the
United States down in civil conflicts far removed from its national interests”. LOGAN &
PREBLE, 2006.
94
perguntado sobre como impedir o acesso de grupos terroristas a armamentos
nucleares, químicos ou biológicos, Waltz respondeu:
“O que realmente podemos fazer a respeito disso? Todo o
possível para impedir que materiais nucleares, incluindo mísseis
nucleares, caiam em suas mãos. Nós fazemos isso em alguma
escala. Nós subsidiamos a Rússia para capacitá-la a desmontar
seus armamentos nucleares e a guardar os armamentos
nucleares que ela tem. Isso faz muito sentido, e nós deveríamos
fazer mais disso”
221
.
Pode-se inferir dessa afirmação algumas considerações.
Primeiramente, a óbvia posição típica realista, em que os assuntos
internacionais devem ser tratados diretamente de Estado para Estado. Em
segundo lugar, pode-se perceber o reconhecimento, por parte de Waltz, de
uma fraqueza interna de um Estado — a incapacidade de controlar seu arsenal
nuclear, no caso — que pode, especificamente, levar a um problema de
segurança para outros Estados; nesse caso, Waltz reconhece a atribuição (até
mesmo lógica) de atuação desses Estados que se sentirem ameaçados por
uma fraqueza específica de um terceiro.
Em suma, pode-se afirmar que, ainda que o tema se mostre
marginal para pensadores importantes como Waltz ou John Mearsheimer,
várias tendências do Realismo do pós-Guerra Fria não se mostraram
indiferentes ao desenvolvimento da literatura sobre o fracasso estatal nesse
95
contribuindo para o debate mais específico entre as correntes realistas,
principalmente após os eventos de 11 de Setembro de 2001.
3.3. Perspectivas pós-positivistas
Uma das correntes teóricas entre as quais as noções de fracasso
estatal tiveram maior impacto foi o pós-positivismo, principalmente em sua
vertente conhecida como pós-colonialismo. Tal movimento, que se originou nas
áreas de crítica literária e da antropologia mais ampla, começa a alcançar a
disciplina de Relações Internacionais a partir do final da década de 1970, com
a publicação de Orientalismo , de Edward Said
222
. Contudo, é apenas a partir
da década de 1990 que se percebe um desenvolvimento mais sistemático
dessa abordagem, e conseqüentemente seu maior reconhecimento enquanto
corpo analítico das Relações Internacionais. Segundo Steve Smith e Patrícia
Owens, o pós-colonialismo tem contribuído significativamente para a derrubada
de barreiras no campo das Relações Internacionais, devido a sua origem
interdisciplinar
223
.
A preocupação dessa corrente com a “própria condição criada no
momento pós-colonial”
224
, em especial aquelas relativas às relações entre os
novos Estados e as antigas metrópoles e às questões de identidade que
marcam tais relações, levou ao seu grande interesse pela classificação de
muitos de tais Estados pós-coloniais como “fracassados”, principalmente no
sentido de criticar tal colocação. No entanto, há-de se considerar que, se é
222
SAID, 2001 [1978]
223
SMITH & OWENS, 2004:288.
224
NOGUEIRA & MESSARI, 2006:228.
96
claro que o pós-colonialismo contribui criticamente para a literatura específica
sobre os Estados fracassados, ele também se utiliza muito dela na sua própria
construção: a classificação de muitos Estados “periféricos” como fracassados
expõe e reforça a existência de diferenças de identidade e de tratamento no
sistema internacional, e, conseqüentemente, a ausência de uma moralidade
internacional universal e uniforme, que são as bases do argumento pós-
colonialista.
Esse tipo de argumento está presente nas análises de autores
referenciais dessa corrente. Como afirmam Nogueira e Messari,
“autores como Siba N’Zatioula Grovogui e Kate Manzo identificam
falhas no pensamento humanista que se quer universal, mas
preferem reformá-lo a rejeitá-lo (...) Manzo refere-se a sua
estratégia como um humanismo crítico, enquanto Grovogui usa o
que chama de etnografia invertida para fazer o mesmo”
225
.
Nesse sentido, o tema dos “Estados fracassados” tem aparecido na
construção de argumentos que demonstram tais falhas. Em seu artigo
Regimes of Sovereignty: International Morality and the African Condition”, por
exemplo, Siba Grovogui aborda a idéia de “Estados fracassados” e a atribuição
desse epíteto a alguns Estados em detrimento de outros a fim de expor a
ausência de critérios uniformes de conduta internacional. Utilizando-se de sua
técnica de “etnografia invertida”, Grovogui avalia a formação do regime de
soberania na própria Europa, em comparação com aquele de suas ex-colônias,
para concluir que eles se basearam em moralidades diferentes, em que
entraram em consideração critérios de identidade e de interesse dos países
tidos como “centrais”.
225
Ibid ., 118.
97
Dessa forma, Grovogui observa que, diferentemente do que se
observa em relação à África (ou à “periferia” em geral), o regime de soberania
na Europa ocidental não se baseou, historicamente, exclusivamente em
critérios de legitimidade ou de capacidade doméstica dos Estados, permitindo a
existência de diversos “quase-Estados” — na linguagem de Jackson, ou
Estados fracassados propriamente —, como Bélgica (que ela compara à sua
própria ex-colônia, o Congo), Suíça, Vaticano, Andorra, Liechtenstein, etc. As
considerações desse regime passaram, ao contrário, por questões relativas à
identidade, bem como pelo interesse dos países centrais pela manutenção da
balança de poder naquela região
226
.
Dessa maneira, Grovogui sugere que a definição dos regimes de
soberania reflete, na verdade, a inexistência de uma moralidade internacional
uniforme
227
, e a estipulação de forma diferenciada de tais condições de
soberania, influenciados de forma fundamental pelas iniqüidades estruturais do
sistema internacional. Quando Robert Jackson, em seu “Quasi States”,
desenvolve sobre a prevalência de critérios empíricos de estatidade no
surgimento dos Estados na Europa da Idade Moderna — sugerindo a
impossibilidade do não-reconhecimento da França pela Inglaterra e vice-versa
—, ele os apresenta em relação a dois Estados igualmente poderosos, mas
não em relação aos Estados menos poderosos do mesmo sistema — sua
“periferia”
228
. Ali, como Grovogui sugere a partir do seu estudo dos casos da
Bélgica, Suíça, Andorra, etc., os critérios empíricos de estatidade não foram tão
vitais ao seu reconhecimento internacional quanto os interesses dos países
226
Ibid ., 325-30.
227
GROVOGUI, 2002:316.
228
JACKSON, 1992:51.
98
mais poderosos — no caso da Bélgica, particularmente, das próprias Inglaterra
e França. As conferências de Berlim e de Paris foram momentos em que se
mostraram de maneira mais óbvia e organizada a diferenciação de tratamento
entre territórios cujas condições de legitimidade e capacidade eram
semelhantes, porém cujas condições geográficas e culturais e,
conseqüentemente, cujas relações com o “centro” do sistema eram muito
diferentes — como, por exemplo, a Bélgica e o Congo.
Grovogui sustenta que as relações internacionais resultam no
estabelecimento de uma ordem hegemônica, baseada num ethos de hierarquia
e privilégio entre fortes e fracos, bem como em mecanismos de subordinação e
discriminação desses sob aqueles. Essas relações de hierarquia acabam por
ter grande impacto nas definições das condições específicas de soberania para
cada reivindicante, condições essas que dependem, assim, das decisões
coletivas das potências hegemônicas, e, por conseguinte, refletem
historicamente distribuições de poder particulares, que definem o papel e o
lugar de cada região geográfica e de cada “grupo de identidades”, juntamente
com o alcance dos critérios de soberania disponíveis a eles
229
. Isso significa
dizer que, historicamente, o reconhecimento dos Estados menos fortes está
baseado em critérios diversificados, se dando não exclusivamente com base
nas condições internas empíricas dos reclamantes, mas também de acordo
com os interesses dos Estados centrais quanto aquelas regiões específicas,
naquele tempo específico. Desse modo, o recente desenvolvimento da noção
de “Estados fracassados”, além de jogar luz sobre esse tipo de relação, ajuda a
perceber também a renovação constante dos critérios impostos pelos Estados
229
Ibid., 322-5.
99
centrais para o reconhecimento das reivindicações de soberania e da “condição
de Estado” por parte dos diversos Estados, bem como as relações de
hierarquia que existem na comunidade e determinam quem estipula as
condições e quem as precisa responder — quem é, assim, a audiência
privilegiada a quem a reivindicação externa deve ser feita.
Igualmente, propondo uma leitura pós-positivista das questões de
governança global, Himadeep Muppidi se utiliza do tema dos “Estados
fracassados” para exemplificar a aplicação do conceito de “object -
responsibility” à estruturação dos mecanismos de governança nas Relações
Internacionais. Tal conceito, desenvolvido por Elaine Scarry em seu “The Body
in Pain: The Making and Unmaking of the World”, refere-se ao processo através
do qual os seres humanos estipulam significado e, conseqüentemente,
responsabilidades, a objetos do mundo material. Para Scarry, essa atribuição
de responsabilidade torna-se mais visível quando o objeto deixa de cumpri-las:
“Nosso comportamento em relação a objetos no momento
excepcional em que eles nos ferem deve ser visto dentro do
contexto de nossas relações normais com eles. A norma cotidiana
é de que o objeto é adaptado à consciência sensitiva: a cadeira
rotineiramente alivia o problema do peso. Quando o objeto se
prova incapaz de adaptar-se à consciência, insuficientemente
capaz de acomodar o problema do peso, (...) o objeto será
descartado ou posto de lado”.
230
Muppidi sustenta que esse mesmo princípio é utilizado na
elaboração da relação entre o que se entende por “ordem internacional” e as
230
Our behavior towards objects at the exceptional moment when they hurt us must be
seen within the context of our normal relations with them. The ongoing, day-to-day norm is
that an object is mimetic of sentient awareness: the chair routinely relieves the problem of
weight. Should the object prove insufficiently mimetic of awareness, insufficiently capable of
accommodating the problem of weight (…), the object will be discarded or set aside ”.
SCARRY, 1985: 295-6 apud MUPPIDI, 2005:282.
100
formas de materialização dessa ordem, através dos mecanismos de
governança global. Essa relação se dá, contudo, seguindo um padrão colonial,
no qual um grupo de Estados é visto como tendo naturalmente condições
especiais, enquanto outro deve acomodar-se às normas estabelecidas.
Nesse cenário, a idéia do fracasso estatal soma-se à noção de
rogue states”, ou a qualquer outro tipo de enfrentamento frente à ordem
estabelecida, como um desvio por parte desses Estados de sua “object-
responsability” para com a “ordem internacional”; a “dissidência é lida não
como uma asserção da soberania ou da diferença democrática em assuntos
legitimamente contestados, mas como um sinal de irresponsabilidade”
231
.
Assim como a solução para a cadeira que não agüenta o peso é descartá-la ou
consertá-la, as soluções para os “Estados fracassados”, por não cumprirem o
papel esperado deles, passam pelo seu abandono — o abandono do modelo
de Estado tradicional, pelo menos —, ou por sua alteração.
231
MUPPIDI, 2005:283.
101
CONCLUSÃO
As discussões sobre o fracasso estatal têm ganhado, principalmente
após os eventos de 11 de setembro de 2001, grande visibilidade tanto no meio
acadêmico quanto político internacional, chegando, inclusive, a encontrar certa
popularização entre audiências não vinculadas diretamente ao campo das
Relações Internacionais.
Este trabalho buscou traçar um grande panorama dos debates que
deram origem às concepções contemporâneas dos conceitos de “Estado fraco”
e “Estado fracassado”. Nesse sentido, procurou-se avaliar, por um lado, a inter-
-relação entre a literatura sobre o fracasso estatal e o desenvolvimento da
disciplina de Relações Internacionais, principalmente a partir da década de
1980, a fim de responder a duas perguntas principais: quais os fatores
conceituais e circunstanciais das Relações Internacionais que têm influenciado
no desenvolvimento da literatura e do conceito de “Estado fracassado”; e quais
as implicações dessa literatura para o desenvolvimento da própria disciplina de
Relações Internacionais.
Uma segunda preocupação fundamental se deu em relação à
organização e à sistematização da literatura voltada especificamente ao debate
acerca do fracasso estatal, com o objetivo de buscar aqueles aspectos que lhe
102
proviessem uma unidade, ao mesmo tempo que apresentando sua enorme
variedade. Como se observou, o estabelecimento de seu conceito-chave,
definido pela fórmula de Robert Jackson de que os Estados fracassados têm os
atributos jurídicos do Estado, sem demonstrarem seus atributos empíricos,
abre espaço para uma gama muito ampla de interpretações: se há algum
consenso sobre a máxima citada, há, por outro lado, pouca concordância na
literatura sobre quais as “funções típicas de Estado” que permitiriam a
avaliação de sua empiricidade em cada caso.
Não obstante, buscou-se ressaltar a existência de alguma unidade
na literatura no que se refere à conceituação do fracasso estatal.
Primeiramente, a definição jacksoniana, ainda que abra espaço para
interpretações as mais variadas, é amplamente utilizada — até mesmo já
vulgarmente — para definir um Estado como fracassado. Igualmente, a
percepção particular do fenômeno do fracasso estatal é bastante ressonante
em toda a literatura: multiplicam-se descrições de imagens de caos e de
anarquia, as quais parecem se incluir no contexto mais amplo da perda do
sentido político dos conflitos na periferia, especialmente para as audiências dos
países centrais do sistema.
Em terceiro lugar, a literatura encontra também uma certa unidade
em sua explicação para o fenômeno do fracasso estatal, que passa
necessariamente por sua artificialidade histórica, quer seja esta entendida
como o desligamento entre uma unidade nacional necessária e o Estado, como
o não desenvolvimento histórico de estruturas de governança típicas, ou como
a própria artificialidade do modelo estatal nessas regiões.
103
Finalmente, também a solução para o problema do fracasso estatal
reflete a unidade conceitual estabelecida na literatura pela aceitação do
conceito de Robert Jackson. Se há um descompasso entre a realidade jurídica
e a realidade empírica desses Estados perante a comunidade internacional, a
solução passa, conseqüentemente, pela readequação entre ambas. Para esse
fim, a literatura alterna entre a adequação da realidade empírica à jurídica e a
adequação da realidade jurídica à empírica, que refletem, logicamente, sua
explicação inicial para o problema.
Outro ponto importante que se procurou ressaltar foi o diálogo do
conceito de “Estado fracassado” com a grande disciplina de Relações
Internacionais. Como se buscou demonstrar, apesar de uma relativa
independência do desenvolvimento desse conceito, dada a particularidade de
sua literatura específica, esse desenvolvimento refletiu amplamente a marcha
conceitual da disciplina de Relações Internacionais, primeiramente entre as
décadas de 1980 e 1990, quando o acaloramento dos debates entre realistas e
liberais, somadas ao fortalecimento do construtivismo e das correntes pós-
positivistas, passaram a oferecer uma multiplicidade de concepções teóricas
que trouxeram foco a novas questões e a novas abordagens para as Relações
Internacionais.
Esse movimento intelectual na disciplina não apenas fomentou o
desenvolvimento da literatura sobre o fracasso estatal, como também passou a
se alimentar, em alguma medida, dos conceitos e debates gerados por ela.
Como se procurou apresentar, a preocupação com o fracasso estatal teve
implicações importantes nos debates de Relações Internacionais nesse
período, seja na (re)formulação de conceitos próprios a cada corpo teórico,
104
seja na construção de argumentos de crítica entre concepções teóricas
diferentes.
Os eventos de 11 de Setembro de 2001 e a conseguinte vinculação
entre o fracasso estatal e o terrorismo — reconhecido como uma das principais
questões de segurança internacional a partir de então — vieram reforçar a
importância que ambas as comunidades política e acadêmica passaram a dar
ao tema, e, conseqüentemente, assistiu-se a um aumento da produção acerca
da questão do fracasso estatal. Novamente, percebe-se que esse novo
desenvolvimento se deu fortemente vinculado à produção mais ampla de
Relações Internacionais, que passou a abordar cada vez mais esse tema e a
se sustentar sobre considerações produzidas pela literatura específica do
fracasso estatal.
Uma última consideração a ser feita diz respeito ao futuro da
preocupação acadêmica e política com o fenômeno do fracasso estatal.
Apesar da dificuldade em se traçar algum panorama nesse sentido, podem-se
vislumbrar algumas tendências importantes, principalmente ao se considerar as
lições históricas aprendidas pela observação do próprio desenvolvimento da
literatura e do termo. Como se sugeriu, a formação da literatura sobre o Estado
fracassado respondeu a fatores históricos específicos, vinculados às questões
de política internacional — e, em especial, a fatores de segurança
internacional. Mesmo as concepções teóricas que embasaram esse
desenvolvimento estiveram, também, largamente relacionadas a mudanças na
cena política internacional: a Détente e a crise do petróleo provieram um
ambiente propício para o desenvolvimento da interdependência de Nye e
Keohane; o reaquecimento da Guerra Fria, no governo Ronald Reagan, trouxe
105
ao centro das atenções o neo-realismo estrutural de Watlz; o fim “imprevisto”
da União Soviética e a chamada “nova ordem mundial” abriram espaço para as
tendências liberais de ênfase cosmopolita e para a crítica construtivista.
Como já se admitiu, muito das ondas de repercussão da idéia do
fracasso estatal advieram das percepções geradas em conseqüência,
primeiramente, do fim da Guerra Fria e, posteriormente, dos eventos de 11 de
setembro de 2001. No início da década de 1990, a idéia ganhou força num
momento de transformações, em que se propunha um fortalecimento da
comunidade internacional e de sua responsabilidade pela promoção dos
direitos humanos. O fracasso da missão norte-americana na Somália, em 1993,
e o novo enfoque da política externa norte-americana nos chamados rogue
states limitaram em larga escala o foco político na idéia de fracasso estatal
durante o restante da década de 1990, limitando também, a reboque, o
ambiente acadêmico dessa discussão a apenas alguns segmentos da
disciplina de Relações Internacionais.
Os eventos de 11 de setembro de 2001, quando os Estados Unidos
foram atacados por terroristas do grupo Al Caida, trouxeram o tema de volta ao
centro das atenções de pesquisadores acadêmicos e de formuladores de
política externa, principalmente devido à associação imediata desses terroristas
ao Afeganistão — e desse como um Estado fracassado. Novamente, as
dificuldades enfrentadas pelos Estados Unidos no projeto de construção de
Estado no Afeganistão têm gerado um ambiente político desfavorável a novas
intervenções em Estados fracassados. Ademais, a própria intervenção
americana no Iraque e o atual foco de sua política externa em países como a
Coréia do Norte, a Síria e o Irã parecem demonstrar um afastamento dos
106
Estados fracassados de suas preocupações de segurança, e um retorno
dessas preocupações à questão dos chamados rogue states.
Contudo, diferentemente do que se passou na década de 1990,
parece que atualmente o ambiente acadêmico continua se mostrando
interessado no tema do fracasso estatal, ainda que esse tenha saído, de facto,
das preocupações mais centrais de segurança das principais potências — em
especial dos Estados Unidos. Uma das explicações para tal fato talvez esteja
na manutenção da idéia de Estado fracassado no discurso político dessas
potências, dada sua capacidade legitimadora de atuação internacional. A
aplicação do conceito ao Iraque, antes da guerra de 2002 com os Estados
Unidos, por exemplo, é bastante questionável em termos conceituais, uma vez
que o país contava com estruturas de governança bem definidas e, ainda que
num sistema tirânico e perverso em termos de direitos humanos e civis, estava
longe de poder ser considerado um “buraco negro no qual caiu uma sociedade
política”, como propõe a definição de Estado fracassado de Robert Rotberg
232
.
A idéia de que o Iraque era um Estado fracassado foi utilizada, como se
observou, entre os fatores que justificaram a intervenção da coalizão liderada
pelos Estados Unidos. No entanto, até que ponto haverá espaço político para
tal utilização talvez demagógica da idéia de Estado fracassado é difícil precisar.
Em segundo lugar, pode-se explicar a manutenção do interesse da
academia pelo tema dos Estados fracassados por causa de sua popularidade e
da diversidade de abordagens que o tema tem ganhado. Enquanto no princípio
da década de 1990 havia um certo padrão nos textos sobre o fracasso estatal
232
A collapsed state exhibits a vacuum of authority. It is a mere geographical expression, a
black hole into which a failed polity has fallen ”. ROTBERG 2004:9.
107
— expondo o fenômeno e clamando por ações da comunidade internacional —,
atualmente se assiste a uma multiplicidade muito maior de enfoques, que
passam pelo questionamento de algumas respostas ao problema, sugestões
alternativas ao modelo westfaliano, e outras que chegaram mesmo à crítica da
própria idéia de que exista algo como o “fracasso estatal”.
Além disso, tanto os debates sobre o Estado fracassado como o
próprio termo ganharam uma popularidade nesses primeiros anos do século
XXI que não conheceram na década de 1990, nem mesmo em sua explosão
inicial no imediato pós-Guerra Fria. A apropriação, que na segunda metade da
década de 1990, se deu de forma muito indireta por debates como o de
governança ou intervenção humanitária — que usavam alguns conceitos da
literatura sobre o fracasso estatal, mas raramente usavam o termo em si —,
hoje é feita de forma mais direta, com uma interface explícita do tema fracasso
estatal em literaturas como sobre desenvolvimento sustentável ou sobre as
guerras de quarta geração. Também, o número de artigos jornalísticos — e
mesmo de entradas de blogs — que fazem uso dessa terminologia também
fornece um forte indício de que o termo, diferentemente da década de 1990,
entrou no conhecimento popular, o que contribui para o prolongamento de sua
manutenção.
Desta forma, ainda que seja difícil prever o futuro do tema dos
Estados fracassados, as circunstâncias atuais levam a acreditar que ele ainda
persistirá por algum tempo, muito provavelmente no ambiente acadêmico e,
quiçá também, no ambiente político internacional.
108
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ANEXO A
Fund for Peace. Failed States I ndex 2005
[http://www.fundforpeace.org/ programs/fsi/fsindex2005.php].
Acessado em 12/9/2005.
Failed States Index 2005
LEGENDA
I Mounting Demographic
Pressures
V Uneven Economic
Development along Group
Lines
IX Widespread Violation of
Human Rights
II Massive Movement of
Refugees and IDPs
VI Sharp and/or Severe
Economic Decline
X Security Apparatus as "State
within a State"
III Legacy of Vengeance -
Seeking Group Grievance
VII Criminalization or
Delegitimization of the State
XI Rise of Factionalized Elites
IV Chronic and Sustained
Human Flight
VIII Progressive Deterioration of
Public Services
XII Intervention of Other States or
External Actors
RANK
COUNTRY
I II III IV V VI VII VIII IX X XI XII TOTAL
1
Cote d'Ivoire
8 8 7.7 8.8 9 7.7 9.8 9.5 9.4 9 9.1 10 106
2
Dem. Rep. of
the Congo
9 9.4 9 7 9 8 8 9 9.1 8.7 9.1 10 105.3
3
Sudan
8.6 9.4 7.8 9.1 9 8.5 9.2 8.7 8 9.8 8.7 7.3 104.1
4
Iraq
8 9.4 8.3 6.3 8.7 8.2 8.8 8.9 8.2 8.4 10 10 103.2
5
Somalia
9 8 7.4 6.3 9 8.3 9.8 10 7.8 10 8.7 8 102.3
6
Sierra Leone
9 8 7.5 8.9 8.7 10 7.5 9.1 8.7 6.3 8.6 9.8 102.1
7
Chad
8 9.1 7.1 8.3 9 8 8.9 9 9.1 7 9.4 8 100.9
124
RANK
COUNTRY
I II III IV V VI VII VIII IX X XI XII TOTAL
28
Laos
9 6.7 6.3 8.8 9 6.5 7.9 2.5 9.4 9 9.7 6.7 91.5
125
ANEXO B
Fund for Peace. Failed States I ndex 2006
[http://www.fundforpeace.org/ programs/fsi/fsindex2006.php].
Acessado em 20/6/2006.
Failed States Index 2006
LEGENDA
I Mounting Demographic
Pressures
V Uneven Economic
Development along Group
Lines
IX Widespread Violation of
Human Rights
II Massive Movement of
Refugees and IDPs
VI Sharp and/or Severe
Economic Decline
X Security Apparatus as "State
within a State"
III Legacy of Vengeance -
Seeking Group Grievance
VII Criminalization or
Delegitimization of the State
XI Rise of Factionalized Elites
IV Chronic and Sustained
Human Flight
VIII Progressive Deterioration of
Public Services
XII Intervention of Other States or
External Actors
RANK
COUNTRY
I II III IV V VI VII VIII IX X XI XII TOTAL
1
Sudan
9.6 9.7 9.7 9.1 9.2 7.5 9.5 9.5 9.8 9.8 9.1 9.8 112.3
2
DRC
9.5 9.5 9.1 8 9 8.1 9 9 9.5 9.8 9.6 10 110.1
3
Cote d'Ivoire
8.8 7.6 9.8 8.5 8 9 10 8.5 9.4 9.8 9.8 10 109.2
4
Iraq
8.9 8.3 9.8 9.1 8.7 8.2 8.5 8.3 9.7 9.8 9.7 10 109
5
Zimbabwe
9.7 8.9 8.5 9 9.2 9.8 8.9 9.5 9.5 9.4 8.5 8 108.9
6
Chad
9 9 8.5 8 9 7.9 9.5 9 9.1 9.4 9.5 8 105.9
7
Somalia
9 8.1 8 7 7.5 8.5 10 10 9.5 10 9.8 8.5 105.9
8
Haiti
8.8 5 8.8 8 8.3 8.4 9.4 9.3 9.6 9.4 9.6 10 104.6
9
Pakistan
9.3 9.3 8.6 8.1 8.9 7 8.5 7.5 8.5 9.1 9.1 9.2 103.1
10
Afghanistan
7.9 9.6 9.1 7 8 7.5 8.3 8 8.2 8.2 8 10 99.8
11
Guinea
7.5 7.2 8.1 8.4 8 8 9.1 9 8.1 8.1 9 8.5 99
12
Liberia
8 9.3 7 7.1 8.6 8.9 7.8 9 7.2 7.3 8.8 10 99
13
Central African
Republic
9 7.7 8.8 5.5 8.5 8.1 9 8 7.5 8.9 8 8.5 97.5
14
North Korea
8 6 7.2 5 9 9.5 9.8 9.5 9.5 8.3 8 7.5 97.3
15
Burundi
9 9.1 7 6.7 8.8 7.8 7.2 8.5 7.5 7.3 7.8 10 96.7
16
Yemen
7.8 6.7 7 8.2 9 7.8 8.8 8.2 7.2 9 9.4 7.5 96.6
17
Sierra Leone
8.5 7.9 7.1 8.9 8.7 9 8 8 7 7 7.7 8.8 96.6
18
Burma/Myanmar
8.9 8.8 9 6 9 7.1 9.2 8.2 9.8 9 8 3.5 96.5
19
Bangladesh
9 5.8 9.5 8.5 9 7 9 7.5 7.8 8.3 8.9 6 96.3
20
Nepal
8.5 4.8 9.2 6 9.2 8.5 9.2 6.2 9.1 9 9 6.7 95.4
21
Uganda
8 9.2 7.8 5.7 8.4 7.5 8 8 8 8.5 7.9 7.5 94.5
22
Nigeria
8 5.9 9.1 8.5 9 5.4 9 8.3 7.1 9.2 9 5.9 94.4
23
Uzbekistan
7.7 5.8 7.5 7.5 8.1 7 9.3 7 9.3 9.1 9.1 7 94.4
24
Rwanda
9.5 7 9 8.2 7.2 8 8.7 6.9 7.7 5 8.9 6.8 92.9
25
Sri Lanka
8 8.2 9.1 6.7 8 5.7 8.6 7 7.2 8.5 8.9 6.5 92.4
26
Ethiopia
9 7.6 7 7.5 8.5 8 7.6 6.2 8 7.5 8.7 6.3 91.9
27
Colombia
7 9.1 7.4 8.5 8.5 3.2 8.7 6.5 7.6 9 9.2 7.1 91.8
28
Kyrgyzstan
8 6.6 7 7.5 8 7.5 8.3 7.3 7.9 8.3 7.9 6 90.3
29
Malawi
9 6 6 7 8.8 8.8 8 9 8 5.5 6.7 7 89.8
30
Burkina Faso
9 5.9 6.5 6.6 8.8 8.2 7.8 8.4 6.5 7.6 7.7 6.7 89.7
126
RANK
COUNTRY
I II III IV V VI VII VIII IX X XI XII TOTAL
31
Egypt
8 6 8.5 6 8 7 9 7.3 8 6.5 7.7 7.5 89.5
32
Indonesia
7.5 8.2 6.3 8.3 8 6.8 6.7 7.2 7.5 7.5 7.9 7.3 89.2
33
Syria
7 7.1 8 6.8 8.9 6.5 9 5.5 9 7.5 7.1 6.2 88.6
34
Kenya
9 7.1 6.7 8 8 6.8 7.3 7.2 6.9 7 7.6 7 88.6
35
Bosnia and
Herzegovina
6.5 8.5 8.6 6 7.3 6.2 8.1 5.8 5.3 7.5 8.7 10 88.5
36
Cameroon
6.5 6.8 6.5 8 8.7 6 8.5 8 7.2 7.6 7.9 6.7 88.4
37
Angola
8 8.5 6.3 5 9 4.9 8.8 7.6 7.8 6.8 8 7.6 88.3
38
Togo
7 5.8 6 6.5 7.5 8 8.7 8.1 8.1 8.1 7.8 6.7 88.3
39
Bhutan
6 8.1 7 6.7 9 8 8.4 6 8.6 5 8.4 6.7 87.9
40
Laos
8 5.9 6.3 6.6 5.9 6.5 7.9 8 8.2 9 8.9 6.7 87.9
41
Mauritania
9 5.9 8.5 5 7 7.8 7.1 8.2 7.1 7.6 7.9 6.7 87.8
42
Tajikistan
7 6.6 6.2 6.5 7.4 6.8 8.9 7.5 8.6 7.5 8.7 6 87.7
43
Russia
8 7.2 8 7 8 3.7 8.2 6.9 9.1 7.5 9 4.5 87.1
44
Niger
9.4 4.3 8.5 6 7.2 9 7.9 8.5 6.5 6.7 6 7 87
45
Turkmenistan
7 4.2 5.2 6 7.2 8 9.1 7.2 9.7 8.5 8 6 86.1
46
Guinea-
Bissau
7 4.9 5.5 7 9.3 7.4 7.8 8 7.9 7.5 6.5 6.6 85.4
47
Cambodia
7.5 6.5 7 8 7.2 6 7.8 7.5 6.9 6.7 7.5 6.4 85
48
Dominican
Republic
7.8 7 6.5 8.5 8 6 6.2 8 7.1 7 7.4 5.5 85
49
Papua New
Guinea
8 2.5 8 8 9 7 7.8 8 6.1 7 6.7 6.5 84.6
50
Belarus
9 5.1 5.5 3.5 8.5 6.3 9 7.5 7.3 6.8 8 8 84.5
51
Guatemala
8.7 6 7.1 6.7 8 7.1 7.5 7.1 7.1 7.5 6 5.5 84.3
52
Equatorial
Guinea
7 2 6.7 7.5 9 4 9 8 8.5 8.3 8 6 84
53
Iran
6.5 8.7 6.9 5 7.5 3 8.1 6.1 9.1 8 8.8 6.3 84
54
Eritrea
8 7.2 5.4 6 6 8 8 7.3 6.8 7.2 7.5 6.5 83.9
55
Serbia and
Montenegro
5.7 8.5 8.6 5.5 8 6.5 7.8 5 5.6 6.5 8.6 7.5 83.8
56
Bolivia
7.5 4 7 7 8.8 6.2 7 7.8 6.7 6.5 8.4 6 82.9
57
China
8.5 5.1 8 6.6 9.2 4.5 8.5 7.3 9 5.5 8 2.3 82.5
58
Moldova
7 4.7 7.3 8 7.5 7.5 7.4 7 6.8 5.5 6.8 7 82.5
59
Nicaragua
6.5 5.5 6.4 7.1 9 8.5 7.3 7.2 5.7 6.5 7 5.7 82.4
60
Georgia
6 6.8 7.4 6.1 7 5.5 7.7 6.3 5.6 8.1 7.1 8.6 82.2
61
Azerbaijan
6 8.1 7.3 5 7.5 5.9 8.1 6.5 6 7 7.5 7 81.9
62
Cuba
7.5 4.7 5.5 6 7.9 6.5 7.8 4 8.3 8 8 7.7 81.9
63
Ecuador
6 5.6 6.8 7.1 8 5.2 8.3 7.4 6.7 6.8 7.8 5.5 81.2
64
Venezuela
7.5 4.8 6.8 7 8 4 7.5 7 7.8 7.5 7.3 6 81.2
65
Lebanon
6.8 4.3 7.8 7 6.8 5.3 6.4 5 6.8 7.5 8.3 8.5 80.5
66
Zambia
9.2 5.2 5.2 6.7 7.3 7.6 7.5 7.8 5.8 6 5.2 6.1 79.6
67
Israel
7 8.5 9 3.5 7 3.8 7.3 7 7 4.8 7.5 7 79.4
68
Philippines
7 5.5 7.2 5.7 7.5 5.3 7.8 6 6.1 7 7.2 6.9 79.2
69
Peru
6.5 4.6 7 7.6 8 5.4 6.8 6.4 6.8 8 7.1 5 79.2
70
Vietnam
7 6.5 5.3 7 6.2 5.6 7 6.6 7 7.5 7 5.9 78.6
71
Tanzania
7 6.8 6 6 7 7 6.5 7.8 6 6 5.2 7 78.3
72
Algeria
6 6.6 7.1 5.6 7.4 3.5 7.5 7.6 7.5 6.8 6.4 5.8 77.8
73
Saudi Arabia
6 6.9 7.9 3.5 7 2 8.5 4.1 8.5 7.8 7.5 7.5 77.2
74
Jordan
6 6.8 6 5 7.6 6.5 6.8 5.8 6.1 6.8 6.6 7 77
75
Honduras
8.8 2.1 5.3 6 9 7.6 7.5 6.9 5.6 6 6.4 5.5 76.7
127
RANK
COUNTRY
I II III IV V VI VII VIII IX X XI XII TOTAL
76
Morocco
6.5 8 6.9 6.2 7 6.5 8 5.7 6.6 5.6 5.5 4 76.5
77
El Salvador
8.5 6.1 6 7 7 5 7 7.4 6.7 6 3.9 5.5 76.1
78
Macedonia
5.7 5.1 7.1 7 7.5 6 7.2 5.6 5.3 6.1 6.2 6.3 75.1
79
Thailand
7.5 5.7 8.1 4.3 7.5 2 6.8 6 6.5 6.8 7.2 6.5 74.9
80
Mozambique
7 2 4.5 8.1 7.1 7 7.4 8 6.7 5.5 5.5 6 74.8
81
Mali
8.5 4.2 6 8 6.8 8.5 4.6 8.6 4.7 4.5 3.5 6.7 74.6
128
RANK
COUNTRY
I II III IV V VI VII VIII IX X XI XII TOTAL
121
Greece
5 1.4 3.5 5.5 5 3.5 4 3 3 2 1.5 3.7 41.1
122
Argentina
3 1.4 4 4 5.2 4.2 3.5 4 3.7 2 2.8 3 40.8
123
South Korea
(Republic of
Korea)
4 4.2 3.5 5.5 2.5 1 3.9 1.5 2.8 1 3 7 39.9
124
Germany
4 5 4.9 3 6.2 3.2 2.3 1.8 2.9 2.5 1.8 2.1 39.7
125
Spain
3.2 1.8 5.8 1.5 5 3.3 1.5 1.5 2.9 3.2 5.7 2 37.4
126
Slovenia
4 1.5 3.5 3.5 5.5 3.2 3.2 3.5 3.7 3 1.2 1 36.8
127
Italy
3.5 2.8 3.5 3 4.5 4 3.2 1.5 1.8 2.5 2.8 2 35.1
128
USA
5 6 3 1 6 1.5 2.5 1 5 1 1.5 1 34.5
129
France
4 3.8 6 2 5 3 1.5 1 3.2 1 1.8 2 34.3
130
UK
3.5 3.9 5 2 5 1 2.5 1.8 2 2.5 3 2 34.2
131
Portugal
5 1 2.5 2 4 3.7 1.5 3.8 3.3 1 1.4 3.5 32.7
132
Chile
3 1 3.5 2 4 3.4 1.5 3.5 3.6 2 1.5 3 32
133
Singapore
2 1 3 3 2.5 3.3 3.5 1 3.5 1 4 3 30.8
134
Netherlands
3 4.1 4.8 2.5 4 2 1.2 1 1.5 1 1 2 28.1
135
Japan
4 1 3.8 2 2.5 2.6 1.8 1 3 1 1.3 4 28
136
Austria
2.5 2.1 3.5 1 5 1.9 1.3 1 1.5 1 2 3.3 26.1
137
Denmark
3 2.5 4.5 2 2 2 1 1 1.5 1 1 3.3 24.8
138
Belgium
3 1.5 3.5 1 4 2 1.5 1 1.5 1 1.5 2.5 24
Aus4
129
ANEXO C
LAMBACH, Daniel. AW: Dissertation on Failed States [mensagem
pessoal]. Mensagem recebida por <[email protected]om>
em 2 de março de 2006.
Dear Leandro,
thank you for your kind email. In my opinion, your assessment of the
situation absolutely correct: in academic discourse, the 'failed state' as a
concept was already present by the early to mid-90s, while in politics, it
did not feature much at all. I was unable to find any major references to
this in any of the countries I studied, too. I also agree with you that, in
academia, the 'failed state' neatly fitted into the highly visible debates
about sovereignty et al. It seems to me that in politics this debate was
taking place at the same time but under the framework of 'humanitarian
intervention'. Since 9/11, the debate about this has largely subsided,
while the same substantive arguments are exchanged back and forth
over failed states now. I haven't been able to investigate this hypothesis,
however, so take it with caution.
I've just found two articles that look at the political discourse in a similar
way. Maybe they are of use to you:
Neil Cooper (2005): Picking out the Pieces of the Liberal Peaces. In:
Security Dialogue, 36: 463-478.
Greener-Barcham, Beth K.; Barcham, Manuhuia (2006): Terrorism in the
South Pacific? In: Australian Journal of International Affairs, 60:1, 67-82.
If you have any further questions, please do not hesitate to contact me.
I'd be interested to know where you are taking your research and what
conclusions you reach.
Best wishes from Germany,
Daniel Lambach
130
ANEXO D
LAMBACH, Daniel. AW: Dissertation on Failed States [mensagem
pessoal]. Mensagem recebida por <[email protected]om>
em 17 de março de 2006.
Dear Leandro,
I think your idea of linking the debate about state failure to the general
development of knowledge is interesting, if ambitious. Your other idea
that the concept developed as part of the overall debate about the state
in IR and Political Science is quite challenging, too, but my own thinking
goes along different lines than your hypothesis. In my opinion, the state
debate (with writers like Ohmae, Strange et al.) was quite divorced from
early research into failed states. My biggest objection would be that
those who wrote about failed states in the early days (Zartman, Clapham
et al.) were specialists in developing countries. The only one who
attempted to combine both discourse was Sorensen, but he seemed to
be a lone voice for a long time.
In my opinion, the concept emerged out of the confluence of two
separate phenomena. The first was the re-assertion of the relevance of
the state in the periphery, e.g., in development discourse (at the World
Bank or UNDP) as well as in academic writing (Bringing the State Back
In and other books). The second one was the veritable explosion of
internal conflict in peripheral countries in Africa and Eastern Europe from
1990 onwards. These conflicts were usually thought of as ethnic ones,
but the debate quickly shifted to include the state (the failed state
argument) and political economy (the greed hypothesis). So I think the
debate about failed states started not so much because of fears about a
general decline of sovereignty (even though it still needs to be studied
how the 'transformation of statehood' argument that has been developed
for OECD countries applies to the periphery) but rather from a conflict-
centred point of view. Another point that (I think) supports my argument
is that the writing has been very policy-oriented from the start - Helman
& Ratner were both retired diplomats and most of the subsequent
literature devoted a lot of space to the question 'What do we do with
these states?'
Still, I don't want to limit your creativity - this is just my own two cents. I'd
be interested to hear what you think about the issue.
Best wishes,
Daniel
131
ANEXO E
GONZALES, Alberto. Memorando para o Presidente, 25 de
Janeiro de 2002.
[http://msnbc.msn.com/id/4999148/site/newsweek/]. Acessado
em 2 de abril de 2006.
132
133
134
135
ANEXO F
ASHCROFT, John. Memorando para o Presidente, 1.º de
Fevereiro de 2002.
[http://news.findlaw.com/wp/docs/torture/jash20102ltr2.html].
Acessado em 2 de abril de 2006.
136
137
ANEXO G
BUSH, George W. Memorando, 7 de Fevereiro de 2002.
[http://lawofwar.org/Bush_memo_Genevas.htm]. Acessado em
2 de abril de 2006.
138
Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a
reprodução total ou parcial dessa dissertação por processos de
fotocopiadoras ou eletrônicos.
Assinatura: ___________________________________
Local e data: __________________________________
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