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CENTRO UNIVERSITÁRIO DE CARATINGA
Programa de Pós-Graduação Meio Ambiente e Sustentabilidade
Mestrado Profissionalizante
CULTURA E RELIGIOSIDADE NA
REPRESENTAÇÃO DE QUALIDADE DE VIDA DA
POPULAÇÃO RURAL DO CÓRREGO DO
BERTOLDO DE BAIXO, DO MUNICÍPIO DE
CARATINGA MG
DANIELE BATISTA SOARES
CARATINGA
Minas Gerais Brasil
Novembro de 2006
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CENTRO UNIVERSITÁRIO DE CARATINGA
Programa de Pós-Graduação Meio Ambiente e Sustentabilidade
Mestrado Profissionalizante
CULTURA E RELIGIOSIDADE NA
REPRESENTAÇÃO DE QUALIDADE DE VIDA DA
POPULAÇÃO RURAL DO CÓRREGO DO
BERTOLDO DE BAIXO, DO MUNICÍPIO DE
CARATINGA MG
DANIELE BATISTA SOARES
Dissertação apresentada ao Centro
Universitário de Caratinga, como parte
das exigências do Programa de Pós-
Graduação em Meio Ambiente e
Sustentabilidade, para obtenção do
título de Magister Scientiae.
CARATINGA
Minas Gerais Brasil
Novembro de 2006
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ii
DANIELE BATISTA SOARES
CULTURA E RELIGIOSIDADE NA
REPRESENTAÇÃO DE QUALIDADE DE VIDA DA
POPULAÇÃO RURAL DO CÓRREGO DO
BERTOLDO DE BAIXO, DO MUNICÍPIO DE
CARATINGA MG
Dissertação apresentada ao Centro
Universitário de Caratinga, como parte
das exigências do Programa de Pós-
Graduação em Meio Ambiente e
Sustentabilidade, para obtenção do
título de Magister Scientiae.
APROVADA: 15 de dezembro de 2006.
Prof. Amédis Germano dos Santos Prof. Jorge Luiz de Góes Pereira
(Orientador)
Prof
a
. Pierina German Castelli Prof
a
. Francis Paulina L. da Silva
iii
Aquele que deseja pouco, não tem
necessidade de muito; isto pode ser um
bom conselho, para se contentar e se
resignar com uma realidade dura, mas
não é uma fórmula, para se julgar o bem
estar, nem uma receita de justiça social. O
resultado dessa falsa consciência é que,
muitas vezes, desigualdades agudas
sobrevivem, justamente por encontrar
aliados entre os que sofrem privações. O
desvalido acaba por aceitar a legitimidade
de uma ordem injusta e se torna um
cúmplice implícito dela.
Amartya Sen
iv
Ao José Nelson, pelo companheirismo e cumplicidade,
que são características fundamentais do profundo e verdadeiro amor.
Ao filho perdido, por ter me ensinado o que é amor incondicional, solicitude e
temperança.
Ao Arthur,
v
AGRADECIMENTOS
À Fundação Educacional de Caratinga e ao Professor e Reitor Antônio
Fonseca, por ter me dado a oportunidade do crescimento e aprimoramento
profissional, pela paciência de me ensinar a ver as coisas e as pessoas de
formas diferentes, além do apoio durante os momentos mais complexos do
meu desenvolvimento profissional na Instituição.
À professora Ana Louise Fiúza, por toda dedicação ao projeto desse trabalho,
pelo carinho, compreensão e estímulo.
Ao meu orientador Germano, por ter me dado a oportunidade de “beber” um
pouco do seu enorme conhecimento, pela disponibilidade e paciência.
À Thelma Sales, pelo apoio, doçura e compreensão nos momentos mais
sensíveis das minhas “andanças”.
À Celeste, Kelly e Cida: as palavras ou os discursos escritos por meio delas
são ínfimos para expressar aqui, os meus agradecimentos.
E vocês, ‘Bruxas’ de plantão e por natureza, são capazes de
COMPREENDER isso!
Aos moradores do Córrego do Bertoldo, por toda aprendizagem, colaboração e
carinho para a construção desse estudo.
Ao corpo docente do curso de Fisioterapia, que tanto contribuiu e forneceu
elementos essenciais para meu aprendizado profissional.
Aos amigos Helder e Adamar, pelas imensas horas de “elucubrações” e pelos
doces momentos “históricos” desses últimos anos.
A todos aqueles que dedicaram muito carinho, atenção e amor ao Arthur nos
inúmeros momentos em que não pude estar com ele e pelas tantas vezes que
também me deram colo, minimizando o meu sofrimento.
vi
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Distribuição da população do Córrego do Bertoldo de Baixo por
gênero e faixa etária (n=149)............................................................34
Tabela 2: Relação de homens e mulheres adultos e idosos nas séries do
ensino fundamental...........................................................................35
Tabela 3: Relação de homens e mulheres adultos e idosos nas séries do
ensino médio.....................................................................................36
Tabela 4: Renda (em salário mínimo) das famílias do Córrego do Bertoldo de
Baixo (n = 27)....................................................................................38
Tabela 5: Correlação entre renda familiar e quantidade de eletrodomésticos nas
famílias do Córrego do Bertoldo de Baixo (n=27).............................39
Tabela 6: Animais domésticos nas famílias do Córrego do Bertoldo de Baixo
(n=27) ...............................................................................................43
Tabela 7: Animais que povoam as moradias das famílias do Córrego do
Bertoldo de Baixo (n=27) ..................................................................43
Tabela 8: Problemas de saúde mais freqüentes nas famílias do Córrego do
Bertoldo de Baixo (n=27) ..................................................................44
Tabela 9: Famílias que procuram médico para solucionar seus problemas de
saúde (n=27).....................................................................................46
vii
RESUMO
SOARES, DANIELE BATISTA. Centro Universitário de Caratinga, novembro de
2006.
Cultura e religiosidade na representação de qualidade de vida da
população rural do Córrego do Bertoldo de Baixo do Município de
Caratinga MG.
Professor Orientador: Professor Dr. Amédis Germano dos
Santos.
O objetivo deste estudo foi compreender as representações de qualidade de
vida sob o ethos da população rural do Córrego do Bertoldo de Baixo. Trata-se
de pesquisa qualitativa, do tipo estudo de caso, realizada através de
entrevistas semi-estruturadas, da observação participante e de um formulário,
cujos dados objetivos coletados foram organizados em tabela por tipo e
subgrupo de variáveis e analisados por meio do programa SPSS versão 10.0
for Windows. Dos dados subjetivos emergiram quatro categorias, a saber:
trabalho, educação e religiosidade; o homem, a natureza e a religiosidade; as
relações sociais, o tempo livre, o lazer e a religiosidade e a última, satisfação
com a vida, qualidade de vida e religiosidade. Evidenciou-se que a
religiosidade foi a categoria que surgiu de forma transversal às demais, no
ethos de vida da comunidade rural estudada, logo, ela apresenta-se como um
forte elemento da identidade social, que influencia significativamente a
construção da representação de Qualidade de Vida. A religiosidade, as crenças
e os ritos dão sentido às suas vidas, marcam as relações com o trabalho, com
a natureza, bem como as relações sociais e aquelas próprias da religião
católica. Com este estudo, pretendeu-se contribuir com a ampliação dos
viii
procedimentos e estratégias metodológicas utilizados por profissionais
docentes, não docentes e técnicos na produção do conhecimento, a fim de que
desenvolvam a sensibilidade às diversas formas de expressão do saber
popular. Acredita-se também que, ao se desenvolver a habilidade de escutar e
de respeitar a identidade cultural de uma população, emerge-se a possibilidade
de valorização desses saberes favorecendo a interação entre o conhecimento
científico e as formas de pensar e agir da sociedade.
Palavras-chaves: Representação social, qualidade de vida, cultura, população
rural, religiosidade.
ix
ABSTRACT
SOARES, DANIELE BATISTA. Centro Universitário de Caratinga, novembro de
2006.
Culture and religious in the Córrego do Bertoldo de Baixo do
Município de Caratinga (MG) rural population quality of life representation.
Adviser: Dr. Amédis Germano dos Santos.
The aim of the study was to understand the Córrego do Bertoldo de Baixo
quality of life representation under the ethos of rural population. This is a
qualitative research, case study type, made through semi-structured interview,
participant observation and form, of which objective data collected were
organize on the ta6(t)1.40380.086(t)1.4 -9.23319( 11(a6(t)13g7t.s 0 Td(-9.23319(ch)2.80762( )-445.403(o)2.80762(b)13.445)-1.40511(d)13(o)2403(o)2.85.21279(t)e198E-19.8715( .445)-1.40511(d)13(o)2403(o)22(b)13.445)-1.40511634472( )-190.086(o)2.8ch)2.80762(633.445)-1.493(t)1.405112.8ch3(d)2.2912(o)13.44592(n)2.80762( )-296.4(o)2403(o)22(b)13.445a
x
to arise the possibility to valorize these knows to suit the interaction between
the cientific knowledge and the ways to think and act of the society.
Key-words: Social representation, quality of life, culture, rural population,
religious.
CONTEÚDO
LISTA DE TABELAS .........................................................................................VI
RESUMO..........................................................................................................VII
ABSTRACT.......................................................................................................IX
APRESENTAÇÃO............................................................................................ 01
INTRODUÇÃO................................................................................................. 03
METODOLOGIA DO ESTUDO .............................................................................. 10
TRABALHO DE CAMPO...................................................................................... 13
CAPÍTULO I ..................................................................................................... 17
QUALIDADE DE VIDA ..................................................................................... 17
1.1 HISTÓRIA DA CONSOLIDAÇÃO DO TERMO QUALIDADE DE VIDA ....................... 17
1.2 C
ONCEITO OU SIGNIFICAÇÃO DO CONSTRUCTO
“Q
UALIDADE DE
V
IDA
”?.......... 20
1.3 I
NSTRUMENTOS E INDICADORES PARA AVALIAÇÃO DA
Q
UALIDADE DE
V
IDA
..... 23
CAPÍTULO II .................................................................................................... 26
REPRESENTAÇÃO SOCIAL........................................................................... 26
CAPÍTULO III ................................................................................................... 32
O ETHOS DA COMUNIDADE DO CÓRREGO DO BERTOLDO DE BAIXO... 32
3.1 LOCALIZAÇÃO E HISTÓRIA .......................................................................... 32
3.2 ASPECTOS SOCIAIS E ESCOLARIDADE.......................................................... 34
3.3 ASPECTOS ECONÔMICOS ........................................................................... 36
3.4 CONDIÇÕES SANITÁRIAS E DE SANEAMENTO BÁSICO..................................... 41
3.5 S
AÚDE
..................................................................................................... 45
3.6 R
ELIGIÃO E RELIGIOSIDADE
........................................................................ 47
CAPÍTULO IV................................................................................................... 50
REPRESENTAÇÕES DA QUALIDADE DE VIDA DA COMUNIDADE DO
CÓRREGO DO BERTOLDO DE BAIXO.......................................................... 50
4.1 TRABALHO, EDUCAÇÃO E RELIGIOSIDADE..................................................... 50
4.2 O HOMEM, A NATUREZA E A RELIGIOSIDADE ................................................. 58
4.3 RELAÇÕES SOCIAIS, TEMPO LIVRE, LAZER E RELIGIOSIDADE .......................... 67
4.4 SATISFAÇÃO COM A VIDA, QUALIDADE DE VIDA E RELIGIOSIDADE.................... 75
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................. 81
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................. 85
ANEXO 1.......................................................................................................... 93
TERMO DE CONSENTIMENTO INFORMADO............................................ 93
ANEXO 2...................................................................................................... 94
INSTRUMENTO PARA COLETA DE DADOS:............................................. 94
ANEXO 3.................................................................................................... 100
1ª ENTREVISTA SEMI- ESTRUTURADA.................................................. 100
ANEXO 4.................................................................................................... 101
2ª ENTREVISTA SEMI- ESTRUTURADA.................................................. 101
ANEXO 5.................................................................................................... 102
QUADRO 1: PRINCIPAIS EVENTOS RELIGIOSOS FUNDAMENTOS DA
IGREJA CATÓLICA.................................................................................... 102
1
APRESENTAÇÃO
Durante seis anos em que trabalhei em um hospital metropolitano como
especialista em Fisioterapia Respiratória, desenvolvi a prática de ouvir os
pacientes a fim de descobrir a história do acometimento e da evolução de sua
doença, que a maioria das vezes, era crônica e, por isso, provocava o
comprometimento de seu desempenho funcional.
A morbi-mortalidade causada pelas doenças crônicas estimulou o avanço
biotecnológico dos tratamentos realizados pelos diversos profissionais da área
da saúde. Tal avanço possibilitou o prolongamento do tempo de vida e
impulsionou as pesquisas sobre a qualidade de vida desses pacientes.
Esse aspecto contribuiu para a utilização corriqueira e indiscriminada da
expressão qualidade de vida. A partir dessa constatação, tal expressão tornou-
se objeto de minha atenção, que a maioria das vezes percebia que ela era
utilizada por profissionais liberais, administradores, políticos, agentes
comunitários e gestores públicos, sem levar em consideração a complexidade
epistemológica do termo. Apesar do incômodo, ainda o havia alcançado a
reflexão necessária para entender a extensão de sua aplicabilidade,
principalmente em decorrência da complexidade dos aspectos relacionados à
diversidade cultural e ao sincretismo religioso da população brasileira.
Diante de uma oportunidade para um novo perfil de trabalho deixei a
capital para atuar como docente, na Faculdade de Fisioterapia de Caratinga,
cidade do interior do leste de Minas Gerais. Obviamente que os novos
pacientes apresentavam condições e estilos de vida muito diferentes dos
2
anteriores. Destes, aproximadamente, 50% eram provenientes de regiões
rurais e os outros, apresentavam uma condição socioeconômica restrita.
Ao investigar suas histórias de vida, algumas vezes, sentia dificuldades
de compreender a linguagem, os costumes e os hábitos de vida. Isso era
fundamental, que esse modo de vida determinava suas prioridades pessoais
e profissionais. Isso, por sua vez, interferia na adesão e na efetividade do
tratamento. Foi a partir dessa nova experiência que meu incomodo em relação
à utilização generalista e positivista da expressão “Qualidade de Vida” se
acentuou.
Em função disso e por ter também, uma formação essencialmente
positivista, me sentia muitas vezes limitada quanto à aplicação dos
conhecimentos necessários à educação e atenção integral a saúde desses
pacientes. Apesar de reconhecer a necessidade da atuação do especialista no
tratamento da doença, essa práxis, se torna insuficiente para alcançar a
ideologia da atenção primária à Saúde. Nesse sentido, costumava ouvir de
pacientes, de amigos e de familiares, quando se referiam a atenção que
recebiam de determinados especialistas da área da saúde, que o profissional
era muito competente, porém sabia apenas o conteúdo específico de sua área
de atuação.
A necessidade de incorporar uma nova formação congruente com o
verdadeiro significado de visão holística do cliente motivou-me a buscar um
programa de mestrado que preenchesse essa lacuna do conhecimento
científico. Foi nessa busca que descobri e me identifiquei com a proposta do
Mestrado Profissionalizante em Meio Ambiente e Sustentabilidade, mais
especificamente com a linha de pesquisa, “Ambiente e Saúde”, que tem como
objetivo contribuir com o desenvolvimento regional do trabalhador rural, através
de estudos voltados à melhoria de sua qualidade de vida (FUNEC, 2001).
3
INTRODUÇÃO
Nesses últimos 40 anos, o termo qualidade de vida foi utilizado de forma
indiscriminada e interpretado de várias maneiras, de acordo com o contexto
sociocultural e histórico no qual foi empregado, de conformidade com a área do
conhecimento que o utilizou. Autores como Farquhar (1995a), Bowling (1995c),
Paschoal (2000), Augusto (2000), Minayo et al. (2000) e Seidl e Zannon (2004)
realizaram trabalhos de revisão sobre o termo, identificando as suas múltiplas
facetas, dimensões e representações, tanto no campo acadêmico quanto no
senso comum.
Entretanto, podemos resumir duas vertentes principais de sua
utilização: a popular, usada na linguagem cotidiana por pessoas da população
em geral, principalmente a mídia, políticos, gestores públicos e profissionais da
área da comunicação social e visual e, no campo da pesquisa científica, nos
diversos campos do saber, das áreas humanas à área da saúde.
Souza e Kalichman (1993) discriminaram os conteúdos e, principalmente,
os limites do “viver com boa qualidade de vida em sociedade”.
Eles levantaram pontos e questionamentos do que seria esse padrão
mediante enorme variabilidade de qualidade de vida social existente. Desses,
destacaram três pontos. O primeiro, a qualidade de vida como condição de
existência referida ao modo de viver em sociedade, dentro das limitações do
momento histórico para se viver o cotidiano.
O segundo ponto, a qualidade de vida como significado de uma existência
que satisfaça às exigências e às demandas desse cotidiano histórico. Para
eles, caso esse nível de satisfação não seja atingido, estabelece-se uma
4
situação de sofrimento na sociedade. Esses autores, baseando-se na
conceituação de qualidade de vida dada por Rozenfeld e Porto (1992),
concluíram que a qualidade de vida das pessoas estava universalmente
vinculada a dois parâmetros: o grau de liberdade que cada nação é capaz de
oferecer aos seus cidadãos e a capacidade de usufruto das conquistas técnico-
científicas pelo conjunto das populações, o que estabelece correspondência
entre a idéia de cidadania e o direito do consumidor.
O terceiro e último ponto, considerado por Souza e Kalichman (1993) foi a
possibilidade individual e privada de consumir bens e serviços, considerando
que a satisfação individual estaria diretamente relacionada à capacidade e à
habilidade de aquisições sociais. Interpretando-se de outra forma, é a
possibilidade de se efetivar a eqüidade no plano social e no somatório dos
indivíduos.
Além destes pressupostos, Minayo et al. (2000) acrescentam que a
concepção humana de qualidade de vida identifica-se também com o grau de
satisfação encontrado na vida familiar, amorosa, social e ambiental e, à própria
estética existencial. É a capacidade de unir todos os elementos e padrões de
valores ligados ao conforto e bem-estar, predeterminados por uma sociedade
marcada pela relatividade cultural. Esses autores chegaram a questionar se a
qualidade de vida não seria somente uma representação social, devido à
multiplicidade de elementos de subjetividade e de incorporação cultural
necessários para a interpretação do construto. Entretanto, essa questão se
tornou improvável, em função dos parâmetros passíveis de avaliação universal,
como a satisfação das necessidades mínimas elementares da vida humana.
Essas necessidades elementares são representadas pela educação, habitação,
trabalho, saúde, lazer, segurança, previdência social e a proteção à
maternidade e à infância, garantidos pelo artigo da Constituição Federal.
Para esses autores, a própria sociedade define e se mobiliza para conquistar o
padrão de qualidade de vida, consciente ou inconscientemente. Dessa forma, a
noção de qualidade de vida relaciona-se, por fim, ao campo da democracia, do
desenvolvimento e dos direitos humanos e sociais.
Farquhar (1995a), Guyatt et al. (1993), Gill et al. (1994) e Paschoal (2000)
identificaram que alguns conceitos como “nível de vida”, “condições de vida”,
“satisfação com a vida”, “bem-estar e “felicidade foram utilizados como
5
substituto ou significado do termo “Qualidade de Vida”. Porém, cada termo tem
seu significado próprio, o que demanda instrumentos de avaliação específicos
e interpretações de resultados diferenciados.
Conforme Paim (1995), em discussão sobre estudos de condição de vida
e saúde, o modo de vida é construído na medida em que um indivíduo
1
se
submete às formas de inserção num espaço ocupacional disponível e, ao ser
absorvido por ele, vende ou troca sua força de trabalho por uma certa
remuneração. O autor decompõe o modo de vida em: condições de vida e
estilo de vida. Para ele, o primeiro depende diretamente das condições de
renda e indiretamente das políticas públicas que favorecem ou não a
distribuição de bens de consumo coletivo; e estilo de vida se refere a um
conjunto de comportamentos, hábitos e atitudes que não necessariamente
corresponde ao modo de vida. Paschoal (2000) concorda com as definições
anteriores e acrescenta que o nível de vida é um indicador de qualidade de
vida que agrega as dimensões sociais e econômicas. Esse é um conceito
constituinte do termo qualidade de vida, que o nível de vida depende
primordialmente de definições e perspectivas políticas. As condições de vida
são também um indicador de qualidade de vida que inclui o conceito de nível
de vida, uma vez que considera as suas dimensões associadas às questões
psicológicas.
O conceito de felicidade, também abordado no trabalho de revisão do
autor como qualidade de vida, remete-se a um ponto de vista subjetivo do
constructo. A felicidade é vista como uma espécie de bem-estar, conseqüência
das reflexões das pessoas sobre as circunstâncias de suas vidas. A reflexão
pressupõe conhecimento e crença; por isso, o balanço que as pessoas fazem
da vida pessoal, para situar sua felicidade com a vida e sua alegria de viver, é
influenciado por reflexões ancoradas no aspecto cognitivo.
Outro conceito abordado para medir a qualidade de vida é o de
preenchimento ou satisfação das necessidades (Liss, 1994 apud
Paschoal, 2000). Existe, entre os conceitos de qualidade de vida e
necessidade, uma relação de reciprocidade, que a satisfação das
1
- O indivíduo, nesta perspectiva, segue a tradição vigotskiana (Vygotsky, 1996), ou seja,
considerado sempre uma entidade social e, como tal, um símbolo vivo do grupo que ele
representa.
6
necessidades fundamentais pode resultar em alto grau de qualidade de vida e
vice-versa. Uma impulsiona o atendimento à outra, por isso, ambas
impulsionam o desenvolvimento humano em forma espiral.
Tomando-se as características semelhantes e isolando-se os elementos
7
povo perder a essência e autenticidade, como exerceram uma dominação,
cunhada pelo nome de educação (Hervieu-Léger, 2005). Eles trouxeram um
conhecimento formal, mas também a domesticação e a subserviência. Os
princípios e fundamentos pregados e incutidos estão entranhados como
códigos genéticos em nossa constituição como seres individuais e coletivos,
determinando nosso modo de agir e pensar. A perspicácia da simbiose entre
política e religião, utilizada pelos colonizadores, foi estratégia eficaz para
subjugar e exercer poder em massas conformadas e resignadas.
Para Peters e Bennett (2003), as características repressivas e impositivas
da didática da religião representa uma parte integral e modeladora do
comportamento da sociedade, intervindo na formação de ideais e idéias e
exercendo influência nas áreas econômicas, sociais, políticas e de saúde.
Segundo as concepções de Martins (1986), Châtellier (1995) e Durkheim
(1996), por meio de suas características e história de origem, a religião exerce
um poder ambivalente, que ela mantém a coesão e a disciplina de grupos
sociais, oferece acalento, conforto e conformismo nas situações de estresse e
adversidade. Em contrapartida, ela exerce um poder coercitivo e alienante nas
diversas camadas sociais, principalmente nas populações que se encontram
em situações de privação, contingência e escassez.
Visto dessa forma, torna-se incoerente a análise da qualidade de vida
subjetiva, sob paradigmas positivistas, quanto se tenta medir quantitativamente
conceitos e categorias que são, por natureza, imensuráveis. Ora, concepções
de satisfação, bem-estar, felicidade, percepção de qualidades, representação
de fatos e eventos de construções de vida, sejam positivos ou negativos, são
absolutamente pessoais, histórico-dependentes e instáveis (Rocha
et al., 2000).
Por essas razões, as proposições de avaliação dos indicadores objetivos
e subjetivos do modo e da qualidade de vida, presentes na literatura
(Bowling,1995c; Kliempt et al. 2000; Rogerson, 1995; Fleck et al.,1999),
constituem uma análise parcial e, portanto, insuficiente, para que os
profissionais comprometidos com o desenvolvimento humano possam traçar
estratégias mais eficazes para aumentá-lo. Considerando os estudos de
Bowling (1995b) e Farquhar (1995a) e partindo-se de um contexto educacional
religioso; as representações dos domínios físico, psicológico, funcional, de
8
relações sociais e ambientais e de crenças pessoais tornam-se mais
complexas, necessitando de estudos metodologicamente apropriados para
avaliar adequadamente esses conceitos e as representações dos mesmos.
Reavaliando as linhas de pensamentos e proposições desses grupos de
investigadores sobre a qualidade de vida, percebe-se a amplitude e extensão
da complexidade do termo, quando o referencial de avaliação são os atores
sociais, portanto, as representações sociais de qualidade de vida.
Segundo Durkheim (1996) o inconsciente coletivo ou a representação
social é aquele a priori, aquilo que não é consciente na sociedade; as pessoas
agem de acordo com o que foi sendo absorvido pela educação na família, na
igreja, nas diversas Instituições sociais e na escola. Não se reflete o porquê da
ação, simplesmente se age, automaticamente, de acordo com as regras e
padrões preestabelecidos dentro dessa sociedade. Portanto, as
representações sociais de uma comunidade influenciam na qualidade de vida
dessa comunidade.
Para O’Dea (1969) o homem vive em constante incerteza quanto ao
futuro das suas condições materiais, de segurança e bem-estar físico e
emocional, o que caracteriza a contingência. Além disso, por possuir pouca ou
nenhuma capacidade de controlar ou modificar as suas condições de vida,
levando-se em consideração os conflitos entre o que se deseja e a realidade do
que se pode construir ou consumir; vive eminencialmente, a situação da
impotência. Em função das condições precárias das distribuições de função,
recursos e rendas, portanto, da desigualdade socioeconômica, o homem vive
socialmente em condições de escassez. Estas três características, por sua vez,
levam ao sentimento de frustração e à situação de privação.
Segundo O’Dea (1969) e Châtellier (1995), tais características favorecem
a busca pela religiosidade, pois, é ela quem estimula e facilita a criação dos
mecanismos de ajustamento e adaptação às condições adversas da vida.
Segundo os autores, a religião fornece interpretações supra-empíricas, ordena
e santifica as normas sociais.
Partindo desses pressupostos e levando-se em consideração que a
maioria dos estudos sobre Qualidade de Vida são realizados com populações
urbanas, identificou-se uma lacuna e decidiu-se enfatizar esse objeto de estudo
com uma população rural. Assim, emergiu a questão norteadora desse estudo:
9
Considerando a particularidade do ethos de vida, como a população rural do
Córrego do Bertoldo elabora a representação social de qualidade de vida?
Arraigadas à questão norteadora surgiu outras que se tornaram
fundamentais à proposta desse estudo: Qual é o Ethos desta população rural?
Quais os valores, costumes e crenças diferenciam aquela população rural da
urbana? Os indicadores de qualidade de vida prescritos para a população
urbana constituem parâmetros para a identificação da qualidade de vida desta
população rural? O que a população estudada percebe como indicadores de
qualidade de vida?
A partir dessas questões estabelecemos como objetivo desse estudo a
compreensão das representações sociais de qualidade de vida sob o ethos da
população rural do Córrego do Bertoldo de Baixo.
O projeto inicial desta dissertação enfocava, de forma generalista, as
representações sociais que a população investigada faz de qualidade de vida.
À medida que os dados foram colhidos, evidenciou-se a religiosidade centrada
na cultura da igreja católica, como categoria transversal a todas as outras
categorias de representação social da população rural investigada. A partir daí,
precisou-se reestruturar o objetivo do estudo sob a óptica da cultura e da
religiosidade dessa população.
Portanto, a relevância deste estudo é contribuir com a ampliação dos
procedimentos e estratégias metodológicas utilizados por profissionais
docentes, não docentes e técnicos na produção do conhecimento, a fim de que
desenvolvam a sensibilidade às diversas formas de expressão do saber
popular. Acredita-se também que ao se desenvolver a habilidade de escutar e
de respeitar a identidade cultural de uma população emerge-se a possibilidade
de valorização desses saberes favorecendo a interação entre o conhecimento
científico e as formas de pensar e agir da sociedade.
A abordagem dos assuntos propostos por esse estudo foi dividida em
quatro capítulos. No primeiro, discutiu-se sobre o termo “Qualidade de Vida”,
no segundo apresentaram-se os aspectos relativos à representação social, no
terceiro abordou-se o ethos do Córrego do Bertoldo; atendendo a um dos
objetivos proposto na pesquisa e, no quarto e último capítulo, discutiu-se sobre
as representações de Qualidade de Vida da comunidade do Córrego do
Bertoldo de Baixo pautadas pela cultura e religiosidade local.
10
Metodologia do estudo
Esse estudo foi construído sob o enfoque da pesquisa qualitativa, pela
possibilidade que seus instrumentos de coleta de dados dão de compreender
as interpretações que os atores sociais fazem da esfera de mundo onde vivem.
Estas interpretações são frutos da construção de suas idéias e valores
permeados pela construção histórica local. Seria uma forma de o pesquisador
ver através dos olhos do outro (Bauer, Gaskell, 2002).
A pesquisa qualitativa se dedica a envolver com posições valorativas,
facilita a descrição complexa do tema proposto e condições de análise de
categorias tais como, as questões de valores pessoais, costumes, culturas,
hábitos, crenças e construções históricas. Além disso, possibilita a
compreensão e classificação dos processos dinâmicos experimentados por
grupos sociais (Oliveira, 1999; Bauer, Gaskell, 2002).
Este trabalho é um estudo de caso que, “como estratégia de pesquisa,
busca a compreensão de fenômenos sociais contemporâneos complexos
quando os limites entre fenômenos e contexto não são claramente evidentes e
múltiplas fontes de evidência são usadas” (Yin, 1989 citado por Pereira,
1999, p.5). “Esse método permite que a investigação empírica mantenha
características holísticas e significativas de eventos da vida real” (Rothaman,
1994 citado por Pereira, 1999:05).
A população estudada reside no Córrego do Bertoldo de Baixo, que
pertence ao Distrito de D. Modesto, do Município de Caratinga, localizado no
Leste do Estado de Minas Gerais. Segundo Veiga (1995), essa população se
caracteriza como rural por estar localizada geograficamente, fora da
aglomeração urbana e por apresentar um número inferior a 50 mil habitantes e
menos de 80 habitantes por km
2
. Sob a óptica social, Pereira (2004) distingui
essa população por apresentar características culturais que a remete ao mundo
rural, como formas de relacionamentos coletivos, como dom e contra-dom, a
forte influência da família nos projetos de vida individuais e coletivos dos
indivíduos, a religiosidade marcante na vida das comunidades, a econômica
marcada pelo tempo e espaço da natureza, o predomínio
11
Os sujeitos foram selecionados de forma proposital e, como critérios de
inclusão, a origem no Córrego do Bertoldo de Baixo e a concordância em
assinar o termo de consentimento informado (ANEXO 1). Excluíram-se os
sujeitos com idade inferior a 18 anos, considerados pela Constituição
Brasileira, como menores de idade e os sujeitos que não nasceram no Córrego
do Bertoldo de Baixo. Para resguardar suas identidades, utilizaram-se nomes
fictícios.
Assim, a seleção dos sujeitos da pesquisa e a coleta de dados foram
realizadas em 4 etapas, a saber:
Para facilitar a superação dos rituais de aceitação (Geertz, 1989) e a
introdução da pesquisadora na comunidade, a seleção dos sujeitos e a coleta
de dados foram realizadas junto a um representante da região e baseado na
resolução 196/96, que regulamenta as pesquisas realizadas com seres
humanos, e que, no período de realização da investigação, era a legislação
vigente. Foram feitos contatos iniciais e esclarecimentos gerais, a respeito do
Programa de Pós-graduação em Meio Ambiente e Sustentabilidade e sobre os
objetivos do estudo. Nesse caso, os líderes comunitários e religiosos, além de
pessoas que exerciam atividades públicas de reconhecimento pela população,
se tornaram colaboradores primários do processo da investigação. Essa se
constituiu na primeira etapa.
Numa segunda etapa, coletaram-se dados relativos aos aspectos
socioeconômicos, culturais, hábitos de vida e condições sanitárias da
comunidade através de um formulário (ANEXO 2) que constava de perguntas
abertas e fechadas. Embora o Córrego tenha um total de 35 famílias, o
formulário foi aplicado a 27, já que as demais não eram originárias do local.
O respondente foi um representante que tinha condições da dar as
informações exatas dos dados de sua família. As perguntas tiveram como
objetivo levantar dados socioeconômicos e culturais. Ao aplicar o formulário, a
pesquisadora aproveitou o momento para observar o ethos da população, os
costumes locais e dos grupos familiares.
Numa terceira etapa, fez-se uma entrevista semi-estruturada destacando
a história do local, o cotidiano da família e o sentido de qualidade de vida
(ANEXO 3). Foram entrevistados 24 sujeitos representantes desse mesmo
número de famílias, com idades entre 25 e 79 anos, sendo 15 do gênero
12
feminino e 9 do gênero masculino. A intenção era entrevistar 27 sujeitos, um
representante de cada família, porém, a reincidência de informações
evidenciou que isso não seria necessário. Iniciaram-se as entrevistas por
sujeitos mais velhos, paulatinamente finalizando com os mais novos. Essa
estratégia foi utilizada visando à construção do histórico cultural dos primeiros
moradores daquela comunidade e o processo de evolução das idéias, valores e
costumes da comunidade.
As entrevistas (ANEXO3) foram realizadas nos meses de maio e junho de
2004, com o objetivo de identificar os indicadores que esta população qualifica
como valores positivos de qualidade de vida, de se ter uma “boa vida” ou de
“se viver bem”, segundo seus valores internos, necessidades, crenças e
hábitos sociais e culturais.
Apesar da reincidência de informações, percebeu-se que a abordagem da
entrevista não foi suficiente à compreensão do objeto de estudo. Assim, foi
necessário retornar ao campo, estabelecendo-se uma quarta etapa, através de
uma nova entrevista semi-estruturada (ANEXO 4) e uma entrevista específica
sobre a rotina religiosa dos moradores com a Coordenadora Paroquial da
comunidade. Essa segunda entrevista foi realizada com os mesmos 24
sujeitos, nos meses de julho e agosto de 2004 e teve o objetivo de
compreender a representação de qualidade de vida desses sujeitos. Em função
disso, aprofundou-se algumas questões norteadoras da primeira e inseriram-se
outras, de caráter ainda mais subjetivo.
Paralelamente às etapas anteriores, foi realizado, por uma auxiliar dessa
pesquisa, nascida na região, um levantamento do número exato de moradores,
de residências, a idade, ocupação e escolaridade de cada morador do Córrego
do Bertoldo de Baixo. Além desse levantamento, construiu-se uma “árvore
genealógica” da família que deu origem aos moradores do local e que eram
donos de todas as terras daquele córrego. Esses dados fizeram-se
necessários, visto que não havia dados específicos do Córrego do Bertoldo de
Baixo pelo fato de esse pertencer ao Distrito de Dom Modesto.
A descoberta do universo vivido pela comunidade implica compreender,
numa perspectiva interna, o ponto de vista dos sujeitos e dos grupos acerca
das situações em que vivem. Para isto, foram utilizadas as técnicas da
observação participante associadas às entrevistas com expansão de notas de
13
campo. Durante toda a coleta de dados, manteve-se uma atitude positiva de
escuta, empatia e convivência freqüente com a comunidade e com seu
cotidiano.
As entrevistas foram gravadas, com o consentimento dos entrevistados,
transcritas na íntegra para minimizar prováveis subjetividades do pesquisador e
armazenadas em arquivo word versão 1998. Os dados das entrevistas foram
organizados em um quadro sinótico e submetidos a um sistema de codificação
das categorias. Essa estratégia evidenciou a reincidência de discursos e suas
discrepâncias.
O gravador foi colocado distante do campo de visão dos atores para evitar
constrangimentos e desvio da atenção dos entrevistados. As entrevistas
tiveram a duração de 60 a 120 minutos e aconteceram nas casas dos sujeitos,
o que correspondia, na maior parte das vezes, aos seus locais de trabalho.
Concomitantemente às entrevistas, foram realizadas observações participantes
ao contexto de estudo, com participação em eventos, considerados pela
população, como os mais importantes daquela comunidade. Entre eles
estavam as atividades profissionais cotidianas e os eventos religiosos.
Os dados objetivos, coletados através do formulário foram organizados
em tabela por tipo e subgrupo de variáveis e analisados por meio do programa
SPSS versão 10.0 for Windows. Cada variável foi submetida à análise
estatística descritiva, por meio de freqüências absolutas (n) e relativas (%),
médias e desvios-padrão.
Trabalho de Campo
A minha introdução no Córrego do Bertoldo de Baixo, foi facilitada por
uma guia, que além de ter nascido no Córrego vizinho (Córrego da Matinha),
tem vários parentes que são “filhos” do Córrego do Bertoldo, facilitando a
construção da história local.
Para uma rápida localização espacial do leitor, o Córrego do Bertoldo de
Baixo representa 1/3 do distrito de D. Modesto. Esse pertence ao Município de
14
Caratinga, que fica a leste do Estado de Minas Gerais, entretanto, a descrição
geográfica da área de estudo será detalhada no capítulo I deste estudo.
Dessa forma, a Grande Bacia do Córrego do Bertoldo é composta então,
por três bacias, que se denominam: Córrego do Bertoldo de Cima, D. Modesto
e Córrego do Bertoldo de Baixo. Estas foram divididas não só pelos seus
acidentes geográficos, mas principalmente, pelos donos originais daquelas
terras. Pelas informações colhidas com a guia, norrego do Bertoldo de
Cima, vivem os herdeiros da família dos “Angelos”. o Córrego do Bertoldo
de Baixo é habitado pela família dos “Teixeira”, representado pelo Sr. Joaquim
Teixeira e entre os dois córregos, situa-se um aglomerado de casas que é
considerado núcleo urbano, denominado D. Modesto.
Em D. Modesto não se encontra uma tradição familiar, mas uma fusão
destes e de moradores “estranhos” e da cidade, nome que se referem às
pessoas que nasceram na cidade de Caratinga. Os sujeitos do estudo não
sabem informar o porquê de o Córrego se chamar Bertoldo.
O Córrego do Bertoldo de Baixo foi escolhido por apresentar grande parte
dos herdeiros, dos donos originais daquelas terras, fixados àquela localidade.
Em função do objetivo da minha pesquisa, era necessário obter informações de
pessoas com essas características, pois falar de qualidade de vida é falar de
percepção, de valores e idéias que, por sua vez são frutos de um contexto
cultural. Contexto esse, elaborado ao longo da história de vida destes
moradores.
Ao questionar o motivo da permanência daqueles moradores em sua área
de origem em comparação com aqueles das outras bacias, tanto a guia como
alguns moradores justificaram, evasivamente, que a fixação dos mesmos se
dava, em função da distância entre o Córrego do Bertoldo de Baixo e a cidade
de Caratinga e, da atividade familiar baseada no plantio de verduras e
legumes. Essa explicação foi fundamentada comparando a localização do
Córrego do Bertoldo de Cima, muito próximo ao centro de cidade de Caratinga,
e pela prevalência da atividade cafeicultora do local, que segundo eles,
favoreceu a presença de algumas pessoas “estranhas”.
Assim, em 19 de maio de 2004 iniciamos o trabalho de campo no Córrego
do Bertoldo de Baixo. A princípio, a idéia era fazer apenas uma visita de
reconhecimento do local para mapear as casas e as famílias, reconhecer a
15
estrutura e a hierarquia social, porém, as oportunidades de entrevistas
ocorreram espontaneamente, quando visitamos a moradora mais antiga do
Córrego. Assim, iniciei um processo que estava programado para as próximas
visitas.
Nas primeiras vistas, meu olhar à priori passou por um período de
estranhamento ao ethos dos moradores. Era constrangedor para mim, chegar
às casas das pessoas sem ter avisado previamente a minha visita, poder entrar
pelos fundos das casas e chamar pelas pessoas. Se estivesse sozinha não
conseguiria, mas, como estava na companhia da guia, esse acesso se deu
sem problemas e sem constrangimento para os moradores. Nas duas casas
em que visitei fui muito bem recebida, convidada para entrar e tomar um café,
fato que sinaliza hospitalidade e aceitação do visitante, segundo informações
da guia.
Iniciamos a coleta de dados pelos moradores mais antigos, pois
entendemos que era uma ordem ideal para construir o histórico da população
do Córrego do Bertoldo. Isso facilitou a compreensão do contexto e do ethos de
vida daquela comunidade. Acreditou-se também que era uma forma de
compreender os valores, as idéias e a representação de qualidade de vida, de
acordo com as diferentes faixas etárias.
As visitas ao campo, ocorreram em dias e horários variados, em função
dos horários de trabalhos das famílias e dos dias destinados à venda dos
produtos na CEASA Centrais de Abastecimento S/A. A rotina de trabalho dos
moradores do Córrego do Bertoldo começa às 4 (quatro) horas da manhã e
termina, aproximadamente, às 18 (dezoito) horas ou quando o sol se põe. Ao
escurecer, não possibilidades de dar continuidade nos trabalhos da “roça”,
mas para as mulheres, é nesse horário que se iniciam os trabalhos da casa
como, lavar as roupas, “arrumar” a cozinha do almoço, limpar a casa e
programar os trabalhos do dia seguinte.
As famílias estabelecem seus horários em função do tempo da natureza.
Tantos os homens como as mulheres, trabalham no cultivo das verduras e
legumes, entretanto, normalmente, são os homens da família que exercem a
função comercial dos produtos. Nem todos os adolescentes trabalham no
cultivo das olericulturas. No caso dos adolescentes, do sexo masculino, alguns
estudam e trabalham na Cidade de Caratinga. Houve ainda, o registro de um
16
morador que foi tentar a vida nos Estados Unidos da América, para a fim de
conseguir uma “vida melhor” para sua família. E outros dois moradores tinham
a intenção de também ir para esse país. As “meninas”, normalmente estudam,
ajudam nos serviços de casa e eventualmente, auxiliam os trabalhos da “roça”,
e, em alguns casos, vão para a cidade de Caratinga, trabalhar como
empregada doméstica ou no comércio.
Quanto às observações do cotidiano não-ocupacional, notei que as
relações sociais são pautadas pela rotina do trabalho. Os encontros sociais,
não ocorrem com grande freqüência e se restringem às festividades familiares,
que são raras, por problemas de saúde e óbitos ou devido aos eventos
religiosos. Esses últimos acontecem com grande freqüência ao longo de todo
ano e normalmente atingem todas as faixas etárias dos moradores do Córrego
do Bertoldo de Baixo.
No Córrego do Bertoldo de baixo não igreja, capela ou santuário. As
atividades religiosas acontecem em suas próprias casas ou os moradores se
deslocam até a igreja do Núcleo urbano, D. Modesto.
17
CAPÍTULO I
QUALIDADE DE VIDA
1.1 História da consolidação do termo Qualidade de Vida
O termo Qualidade de Vida foi citado pela primeira vez em 1920 por
Pigou, em um livro sobre economia e bem-estar material que tratava de política
assistencial para populações menos abastadas (Wood-Dauphinne, 1999). O
termo não foi valorizado, por isso foi olvidado temporariamente. Após a II
Guerra Mundial, a Organização Mundial de Saúde (OMS) incorporou a noção
de bem-estar físico, psíquico e social à definição de saúde, gerando discussões
quanto ao conceito e à possibilidade de medir o bem-estar (Paschoal, 2000).
Segundo Musschenga (1997), simultaneamente às preocupações com o
conceito de qualidade de vida relacionado à área de saúde, o termo ressurgiu
para criticar políticas que visavam a um progresso econômico ilimitado. Dois
autores Ordway, em 1953, e Osborn, em 1957 manifestaram apreensão
quanto às implicações de um crescimento econômico descontrolado, o que
poderia levar ao esgotamento dos recursos não-renováveis, prejudicando,
conseqüentemente, o futuro e o bem-estar das próximas gerações, isto é, a
qualidade das condições externas de vida. Esses autores criticaram, ainda, a
idéia materialista dominante sobre se ter uma boa vida e alertaram quanto à
necessidade de rever esse valor. Para eles, o crescimento econômico sem
18
limites colocaria em risco a “qualidade interna da vida humana” e não apenas a
“qualidade das condições externas de se viver”.
A partir da década de 1950, houve uma expansão do termo Qualidade de
Vida. Posteriormente empregaram-no para avaliar o desenvolvimento
econômico, mas não consideraram a eqüidade da distribuição dessa renda.
O termo também foi incluído no relatório da Comissão dos Objetivos
Nacionais do Presidente John Eisenhower, em 1960. Os valores associados a
uma boa vida englobavam a educação, a saúde, o crescimento econômico e
individual e o bem-estar econômico da população, denominado como welfare
(Farquhar, 1995b). A partir daí, outros indicadores econômicos foram
construídos para avaliar a qualidade de vida municipal, estadual e de diversas
nações culturalmente diferentes. Então, as regiões que possuíam as melhores
medidas do Produto Interno Bruto (PIB), a renda per capita, a taxa de
desemprego e de quaisquer outros indicadores, gozavam de ótima qualidade
de vida (Bowling, 1995; Paschoal, 2000).
Paulatinamente, o constructo “Qualidade de Vida” foi relacionado às
políticas sociais como indicador de resultados, paralelo a termos semelhantes,
que eram empregados como boa vida, felicidade e bem-estar
(Musschenga, 1997).
As ciências sociais desenvolveram indicadores estatísticos com o intuito
de medir dados e eventos relativos ao bem-estar social, avaliando as
condições objetivas de vida. Novos indicadores foram criados, como a
mortalidade infantil, esperança de vida, taxa de evasão escolar, nível de
escolaridade, taxa de violência, saneamento básico, nível de poluição,
condições de moradia e trabalho, qualidade do transporte, do lazer e outros
(Farquhar, 1995b; Bowling, 1995a; Paschoal, 2000).
Paschoal (2000) afirmou que nos Estados Unidos da América, na década
de 1960, surgiu a pesquisa sobre qualidade de vida com o intuito de munir
políticos de dados, para estabelecer políticas sociais eficazes e auxiliar
políticas públicas a fim de minimizar as desigualdades sociais. Desde então, o
conceito de qualidade de vida ampliou-se para o desenvolvimento social
expresso em boas condições de trabalho, crescimento pessoal, saúde,
educação, moradia, transporte e lazer, dentre outros. Conforme estudos de
19
Farquahar (1995) e Bowling (1995a) estabeleceu-se o chamado welfare state,
proposição originada na Europa, desde a década de 1930.
Ainda que os indicadores de qualidade de vida fossem interessantes para
analisar e confrontar a qualidade de vida objetiva entre regiões diferentes, para
Néri (2000) e Paschoal (2000), eles não eram satisfatórios para estimar,
especificamente, a qualidade de vida das pessoas dentro da sociedade. A
avaliação da qualidade de vida percebida pelo indivíduo era imperativa. Era
indispensável saber o índice de satisfação das pessoas com a qualidade de
vida de suas vidas, isto é, a percepção subjetiva de bem-estar ou, de viver
bem. Oportunizou-se, ao sujeito, expressar suas idéias, valores e sentimentos
quanto às suas condições de vida objetiva e subjetiva. Somente ele poderia
aquilatar a sua qualidade de vida e não um pesquisador com construções a
priori de um modelo predeterminado de uma boa qualidade de vida subjetiva.
Nessa mesma época, o conceito se estendeu para os campos da arte, do
lazer, da moradia, do transporte, do emprego, da conservação e da
preservação do meio ambiente e da educação. Além disso, os gestores
públicos voltaram a sua atenção para a função da medicina e para a saúde da
população (Bowling, 1995b; Paschoal, 2000).
Na metade dos anos 60, Elkington escreveu um editorial num periódico
médico, intitulado “Medicina e Qualidade de Vida”, no qual levantou questões
sobre a responsabilidade da medicina para a manutenção da vida de
pacientes, portadores de doenças crônicas. A partir de 1970, o uso do termo
“Qualidade de Vida se estendeu à pesquisa social, ao contexto da atenção à
saúde e aos ensaios clínicos médicos em patologias crônico-degenerativas
(Farquahar, 1995; Paschoal, 2000). Na área das Ciências Sociais, o termo saiu
em publicação pela primeira vez, em 1974, o que favoreceu o desenvolvimento
metodológico do constructo. Somente em 1977, o termo “Qualidade de Vida foi
introduzido no Medical Subject Heading of the US National library of Medicine
(Tamburini, 1998). Entretanto, verificou-se que esse termo havia surgido na
literatura médica na década de 1930 (Seidl e Zannon, 2004).
Crocker (1993) citado por Paschoal (2000) realizou uma revisão sobre as
idéias de Amartya Sen e Martha Nussbaum sobre desenvolvimento humano.
Esse termo foi desenvolvido por esses autores, na década de 1980, quando
20
àqueles subjetivos da qualidade de vida. Eles contestaram a idéia, defendendo
o posicionamento de que as variáveis socioeconômicas eram apenas um dos
meios de se atingir a qualidade de vida, assim como as idéias utilitaristas não
eram meios suficientes para garantir bem-estar psicossocial.
A partir do início da década de 90, o periódico Quality of Life Research,
editado pela International Society for Quality of Life Research, reuniu trabalhos
científicos sobre Qualidade de Vida de diferentes áreas do conhecimento
(WHOQOL
2
, 2004). Desde então, houve um aumento crescente de
instrumentos de avaliação de qualidade de vida gerais e específicos. Os
instrumentos foram aperfeiçoados ficando mais simples e breves,
apresentando estrutura multidimensional, considerando a opinião do indivíduo
investigado (Tamburini, 1998).
1.2 Conceito ou significação do constructo “Qualidade de Vida”?
Para definir um conceito, é interessante discorrer um pouco sobre o
significado das palavras que o compõem. A palavra qualidade tem sido
empregada em nossa cultura, com múltiplos sentidos e significados. Ela pode
se referir a um atributo ou condição natural de algo a um tulo de habilidade
ocupacional. Entretanto, quando utilizada com o sentido de “atributos que
convêm ou se adaptam a um ente”, estaria aproximando do sentido geral em
que o termo é freqüentemente empregado. Por sua vez, vida é um termo mais
abrangente e inerente ao contexto e ao momento em que é agregado. A sua
lista de significações é extensa, porém pode-se considerar o seu emprego no
sentido de “existência” ou como “o espaço de tempo compreendido entre o
nascimento e a morte do ser humano” (Michaelis, 2000). Não se pretende,
aqui, elaborar um conceito de qualidade de vida, mas elucidar as significações
sobre aqueles conceitos que mais se aproximam do contexto e da intenção
dessa pesquisa.
Todavia, a vida por si mesma é uma construção histórica complexa, que
se subdivide em diversos aspectos. Para, então, estudarmos a qualidade de
2
World Health Organization’s project to develop a quality of life instrument (the WHOQOL)
21
uma vida, faz-se necessário aval-la em seus diversos elementos de
composição e por vezes de forma individualizada, levando-se em consideração
a visão do observador e aquela de quem a possui (Paschoal, 2000).
Assim, para delimitar o significado da expressão “Qualidade de Vida”,
torna-se necessário congregar os conhecimentos, os valores e as experiências
de indivíduos e coletividades de variadas épocas, espaços e histórias
diferentes. A noção de qualidade de vida é relativizada por determinantes
históricos e culturais, pela concepção de bem-estar, de acordo com a
estratificação social e pela passagem de um estrato para outro
(Paschoal, 2000).
Especificamente na área da saúde, houve uma necessidade de se
diferenciar o conceito de qualidade de vida, devido à demanda de estudos
destinados às patologias crônicas. Entretanto, Farquhar (1995b), em seus
estudos sobre o constructo, identificou que a maior parte dos conceitos
elaborados para as pesquisas nesta área é baseada no conceito de saúde da
Organização Mundial da Saúde, formulado em 1947. Entretanto, Segre e
Ferraz (1997), Fleck et al. (1999), Paschoal (2000), Minayo et al. (2000), entre
outros pesquisadores dos indicadores de qualidade de vida, fazem diversas
críticas sobre este conceito de saúde, considerando ora utópico, ora
reducionista, porém útil como norteador na busca de esforços para a
construção e a implementação de uma boa qualidade de vida.
Em meio a tantos confrontos de idéias, valores e interesses por parte dos
investigadores, empenhados em descobrir e medir quantitativamente e
qualitativamente esses constructo, Farquhar (1995b) organizou as construções
conceituais e propôs uma taxonomia, classificando os termos por origem das
definições: científicas e leigas. Subdividiu as de origem científica em 4 tipos:
globais ou abrangentes, do tipo por componentes, que desmembra a qualidade
de vida em componentes de estudo, as restritas, que se dedicam ao estudo de
apenas uma dimensão ou pequeno número dessas e as definições do tipo
combinadas, que englobam os tipos globais e por componentes.
Ainda que cause controvérsias ou apresente alguma inadequação a
algumas situações específicas, o conceito de qualidade de vida da OMS é o
mais aceito e utilizado pela comunidade científica. O grupo de especialistas
dessa Organização Mundial definiu que a “Qualidade de Vida é a percepção do
22
indivíduo acerca de sua posição na vida, de acordo com o contexto cultural e
os sistemas de valores nos quais vive e em relação a seus objetivos,
expectativas, padrões e preocupações”. (The WHOQOL Group,1995,p.3)
Este grupo de especialistas considerou que, embora não houvesse
consenso na conceituação do termo, houve características do construto que
apresentaram concordância entre pesquisadores, tais como, a subjetividade, a
multidimensionalidade e a bipolaridade. Com relação à subjetividade, discutiu-
se que ela não é total, pois há condições externas ao indivíduo que influenciam
nessa avaliação, como aquelas presentes no meio e nas condições de vida e
trabalho. Quanto à multidimensionalidade, tem-se pelo menos o consenso em
três dimensões: a física, a psicológica e a social, apesar de poder-se incluir
outras de ordem prática, conceitual e empírica como a dimensão espiritual,
expressa na percepção do indivíduo quanto ao significado de sua vida. E em
relação à bipolaridade, considerou-se que o constructo apresentava dimensões
positivas e negativas (Paschoal, 2000).
Outras características podem ser acrescentadas ao termo qualidade de
vida: a complexidade e a mutabilidade. O termo torna-se complexo em função
da multidimensionalidade, da bipolaridade e da subjetividade. A abstração do
termo explica por que a boa qualidade tem significados diferentes para
diferentes pessoas, em lugares e tempos diferentes. Logo, a avaliação de
qualidade de vida muda com o tempo, pessoa, lugar e contexto cultural, muda
inclusive, conforme o estado de humor do indivíduo, da ocorrência de eventos
cotidianos, sociohistórico e ecológicos (Paschoal, 2000).
Independente de qualquer conceito, ideologia ou prerrogativas, este
estudo dedicou-se a buscar, além dos dados objetivos de qualidade de vida,
predeterminados pela construção histórica e social do mundo urbano como
bom padrão ou condição de vida, aqueles subjetivos, percebidos e
representados pela população de estudo, isto é, pela óptica do mundo rural.
23
1.3 Instrumentos e indicadores para avaliação da Qualidade de Vida
Com o objetivo de avaliar, quantificar e compendiar a complexidade do
conceito Qualidade de Vida e de sua inerência às questões culturais e
socioeconômicas, vários instrumentos de qualidade de vida foram elaborados,
utilizando os mais diversos tipos de indicadores, sejam sociais, econômicos,
históricos, biomédicos, sanitários ou de educação, de forma isolada, restrita ou
de forma global (Minayo et al., 2000).
Um dos primeiros instrumentos utilizados, para avaliar resumidamente a
qualidade de vida, foi o Índice de Desenvolvimento humano (IDH) com o
objetivo de associar as dimensões de saúde e educação às questões
econômicas. Ele se fundamenta no princípio das capacidades humanas, isto é
nas habilidades, aptidões e potencialidades de expansão de realizações
materiais, cognitivas e da saúde. O IDH utiliza, como indicadores, os níveis de
renda por meio da avaliação do Produto Interno Bruto (PIB) real per capita, a
saúde pela expectativa de vida e a educação pela taxa de alfabetização de
adultos e pelo número de matrículas nas primeiras três séries do ensino
fundamental. Entretanto, esse Índice tem suas limitações, quando se tornam
necessárias comparações interterritoriais e apresenta inconsistências, pois o
desenvolvimento humano vai além de processos objetivos e quantitativos e
quando estabelece o mundo ocidental como base de referência de seus
valores, demonstra problemas de ordem ética e filosófica (Minayo et al., 2000;
PNUD, 2006)
A despeito dessas questões, o IDH tem sido bastante utilizado e inspirou
a criação do Índice de Condições de Vida (ICV). Originalmente, foi construído
para avaliação dos municípios mineiros e posteriormente estendido aos
municípios brasileiros. Esse instrumento é considerado mais complexo do que
o IDH. Fundamenta-se em cinco dimensões, cada uma delas avaliada por meio
dos respectivos indicadores considerados de maior importância. As dimensões
avaliadas são: renda familiar, educação, infância, habitação e longevidade.
Apesar de sua utilidade e abrangência, considera apenas os aspectos objetivos
relativos à qualidade de vida (Minayo et al., 2000; PNUD, 2006).
24
Ao longo do tempo, outros instrumentos foram surgindo com as mais
diversas metodologias de aplicação para avaliar algumas dimensões da
qualidade de vida de uma população. Desses, muitos se dedicam a outros
indicadores objetivos como a taxa de desemprego, consumo alimentar,
condições de saneamento básico e outros. Além desses, outros instrumentos
se empenham em avaliar indicadores subjetivos, por meio de perquirição sobre
a percepção ou as sensações do sujeito em relação a componentes materiais,
emocionais ou de saúde, perfilhados como básicos ou importantes para a
qualidade de suas vidas. Entretanto, ainda assim, esses instrumentos partem
de princípios objetivos ou técnicos, com uma capacidade de abrangência
restrita para atender e avaliar, amplamente, todas as dimensões e
características que envolvem o conceito e o significado de qualidade de vida.
(Paschoal, 2000; Minayo et al., 2000)
Pode-se observar, dessa forma, que a maior parte das pesquisas sobre
qualidade de vida está voltada para as questões de funcionalidade, capacidade
e desenvolvimento de sociedades. uma valorização da independência
individual, do progresso e do desenvolvimento social. Avalia-se o quanto as
pessoas podem ser produtivas naquele meio estudado por questões de
interesses diversos, sejam eles políticos, econômicos, socioculturais ou
especificamente de saúde (Gill et al., 1994; Bowling, 1995a; Farquhar, 1995a;
Rogerson, 1995; Paschoal, 2000).
Até então, os estudos sobre a qualidade de vida de populações tinham a
finalidade de viabilizar ações e projetos sociais capazes de reparar, prevenir ou
solucionar os déficits ou problemas encontrados e manter um padrão mínimo
de desempenho individual ou coletivo dentro da situação avaliada (Bowling,
1995b; Rogerson, 1995; Farquhar, 1995a; Paschoal, 2000).
De 1990 até os dias de hoje, desenvolveram-se instrumentos de medidas
de qualidade de vida na área da saúde, específicos para cada tipo de doença,
com o objetivo de acompanhar os trabalhos multiprofissionais e
transdisciplinares. A comunidade científica voltou-se para essa parcela da
população objetivando a prestação de serviços que otimizassem os
tratamentos e os tornassem efetivos e eficientes, de forma que a longevidade
da população seja vivida com qualidade (Neri, 2000; Minayo et al., 2000;
Paschoal, 2000; Seidl e Zannon, 2004)
25
Alguns desses instrumentos incluíram em seus domínios de estudo a
dimensão das crenças, espiritualidade e da religiosidade, como tentativa de
abranger, cada vez mais, elementos que estariam relacionados, de alguma
forma, com a qualidade de vida individual ou coletiva. O grupo de
pesquisadores da qualidade de vida da OMS foi o precursor dessa idéia,
elaborando um instrumento focado nesse módulo. Entretanto, Seidl e Zannon,
(2004) realizam críticas sobre a metodologia empregada nos instrumentos que
procuram avaliar essa dimensão no Brasil. Para elas, faltam instrumentos
válidos para mensurar adequadamente a dimensão da religiosidade, levando-
se em consideração as variáveis relativas à prática da religião, à intensidade da
crença religiosa, aos mecanismos de fé, à extensão do significado da religião
para cada pessoa e à filiação religiosa, bem como, às diferenças culturais dos
meios urbanos e rurais diante da heterogeneidade e do sincretismo
característicos da população brasileira.
Bowling (1995a) e Farquhar (1995a) ressaltam a importância do enfoque
metodológico dae ossauas, huadigativa hessa hm or he fnaetm8 0 Td5[(o)2.80762(n)2.80762(t)1.40511(o)2.80762(s )-83.70( )-83.7013(b)22.847911(d)13.4459s(o)2.80762(s )-9.8741(d)22.8731(u)2.81021(e)2.81021( )1.40251]TJ-339.12 -19d5[(o)[(m)-7.42551(d)13.4462(g)2.8089249(r)3.21279(u)13.4472(m)-7.42551(e)2.80892(n)2.80762(t)1.40381(o)2.80892(d)13.4472s9(F)-6.0204(u)2.80892(a)2.80892( )-104.979(F)-6.0204utoliiam ceniaa c iogaaamo cimpimgat (essaarc o
26
CAPÍTULO II
REPRESENTAÇÃO SOCIAL
Para Jodelet (2001), as representações sociais são aspectos do
conhecimento
3
prático, destinados à comunicação e à compreensão de um
contexto social concreto e, ao mesmo tempo, idealista. São configurações de
conhecimentos expressos por meio de recursos cognitivos como imagens,
constructos, teorias, classes de idéias ou categorias. Esses recursos cognitivos
são apenas uns dos meios das representações sociais e, como essas são
construídas e compartilhadas no meio de origem, formam o senso comum que
favorece a comunicação desse meio social.
Vista dessa forma, a representação social pode ser considerada,
fundamentalmente, um fato social. Portanto, necessita ser compreendida
dentro da situação de origem, ou seja, a partir dos seus elementos simbólicos,
ideológicos e do seu formato de comunicação. Por meio das representações,
compreendemos o mundo e nos comunicamos com ele (Spink, 1993;
Jodelet, 2001).
As representações também surgem como construções significativas dos
atores sociais relativos a elementos importantes dessa sociedade. Esses
princípios se alinham à noção de senso comum, isto é, partem do pressuposto
3
Segundo Berger (1985), conhecimento é definido como a certeza de que os fenômenos são
reais e possuem características específicas.
27
das formas de aquisição não formais do conhecimento. Geertz (1989) relata
que, na análise do senso comum, nem sempre se deparam situações estáveis
e consensuais, podem-se encontrar controvérsias, isto é, situações de
adversidades que, entretanto, não derrubam a posição do consenso, pois esse
consenso é sustentado por algo que sustenta a disciplina e a organização
social (Spink, 1993).
Nesse contexto, importam mais as conseqüências práticas do
conhecimento adquirido e expressado nesse meio. Assim, podemos nos
considerar atores, realizando interações simbólicas, o que permite ajustes e
barganhas nas relações sociais (Spink, 1993; Jovchelovitch, 2000;
Jodelet, 2001).
Esses símbolos são porções da realidade
4
social, dinamizados pela ação
do sujeito, o que dá significação e construção do seu meio. Para que se
estabeleçam os mbolos, são imprescindíveis a pré-existência e o pré-
estabelecimento de uma rede de sentidos e significados. Intrinsecamente a
essa rede, ocorrem as atividades de construções e reconstruções dos
símbolos. A relação do sujeito com a realidade social é de interdependência,
pois nela ele maneja, restaura e reajusta os conflitos, as adversidades e
constrói a sua identidade (Jovchelovitch, 2000).
Os atores sociais tramam e produzem as representações, com o objetivo
de suportar a heterogeneidade e as mudanças do mundo em que vivem. Ao
fazer isso, eles ultrapassam os limites de sua individualidade e entram no limite
do meio social. Dessa forma, as representações promulgam o espaço do
sujeito e esse se esforça para decodificar, elaborar e dar sentido a seu espaço
(Jovchelovitch, 2000).
Segundo Jovchelovitch (2000) e Moscovici (2003), as representações
sociais são formadas em seus espaços, onde os atores sociais se encontram,
trocam experiências e informações, realizam as mediações de suas idéias e
valores e dão sentido à vida.
O conceito de
experiência tratado aqui perpassa o apresentado pelo
cientificismo moderno, que é reduzido ao sentido de experimento, aquilo que é
4
Para Berger (1985), a realidade é uma qualidade pertencente aos fenômenos que
reconhecemos independente de nossa própria volição. Não podemos desejar aquilo que não
existe.
28
planejado de modo técnico, previsível e passivo. Ao contrário disso, Benjamin
(1994) defende experiência de forma que ela seja um acontecimento cujo
resultado é desconhecido, produzindo infinitas condições de possibilidade. Dias
e Sousa (1999), refletindo sobre o conceito elaborado por Benjamim,
acrescenta que experiência “não é o que ocorre e é registrado fora do sujeito,
mas sim o que ocorre no/com o sujeito, por isso o modifica, o transforma, altera
sua identidade” (Dias e Sousa, 1999, p. 27).
Portanto, a representação social não se limita ao ato representacional
psíquico do sujeito; é uma manifestação subjetiva do meio social que edifica
saberes. Então, a análise da representação não se restringe ao sujeito, mas às
construções do campo social onde ele se insere. As representações sociais
não podem ser entendidas e analisadas como se fossem um somatório ou
aglutinado de representações individuais (Jovchelovitch, 2000;
Moscovici, 2003).
A linguagem
5
, a confabulação, os rituais, os processos produtivos, as
artes e arquétipos culturais, isto é, a atuação comunicativa e as práticas sociais
da esfera pública delineiam e transformam as representações sociais. Portanto,
a análise delas deve-se reportar a essas mediações sociais
(Jovchelovitch, 2000).
Considerando-se que tais processos são também culturais, torna-se
pertinente as discussões de Velho (1999) e Dumont (1985) sobre o conceito de
cultura. Para eles, a ela é algo que transcende as questões de distância física e
espacial. também outros aspectos significativos, como a religião, a
identidade étnica, a ideologia política. Porém, o ponto mais importante é
identificar, dentro de uma sociedade complexa, a unidade e a descontinuidade,
bem como os objetos simbólicos de comunicação e expressão universalizantes
da emoção que os codificam como uma unidade cultural.
Cultura é “a maneira pela qual os humanos se humanizam por meio de
práticas que criam a existência social, econômica, política, religiosa, intelectual
e artística” (Chauí, 2002, p. 295).
5
- A linguagem é uma produção humana acontecida na história, é uma expressão viva de
experiências vividas no presente e no passado (Dias e Sousa, 1999, p.25)
29
Geertz (1989) enfatiza a cultura como uma teia de significados,
produtora/produto do homem. O próprio Geertz (1989) afirma concordar com
Weber, quando este diz “que o homem é um animal amarrado às teias de
significados que ele próprio teceu”. Ele também assume cultura como “sendo
essas teias e sua análise; portanto, não como uma ciência experimental em
busca de leis, mas como uma ciência interpretativa, à procura do significado
(Geertz, 1989, p.15).
Velho (1999) e Dumont (1985) acrescentam, ainda, que qualquer
sociedade vive a contradição entre as particularizações ou experiências
restritas de grupos, segmentos e indivíduos e a universalização de paradigmas
e temas vividos através de outras experiências. Os indivíduos vivem essas
experiências particularizantes e universalizantes de formas diferentes, de
acordo com as relações internas do grupo, com suas formas de expressão
cognitiva em função da classe social a que pertencem. Mesmo dentro de uma
mesma classe social, podemos ter visões de mundo distintas, partindo do
princípio das vivências e relações que estes indivíduos têm interna e
externamente e que sofrem mutações no decorrer da construção de sua
identidade. Isso evidencia que, ao estudarmos populações, comunidades ou
segmentos com representações culturais diferentes, um dos instrumentos mais
eficazes é a linguagem com toda sua representação epistemológica, seja na
forma de comunicar, de sentir ou expressar. No contexto cultural, ela vai nos
possibilitar compreender o outro, decodificar suas percepções de mundo e sua
própria vida.
Assim, o foco da análise deixa de ser voltado para a lingüística ou para os
conteúdos cognitivos e se dedica à organização social do discurso, que se
pode considerar essa linguagem um ato social (Traverso-Yépe,1999;
Jovchelovitch, 2000).
Jodelet (2001) defende que o estudo das representações sociais deve
interligar as atividades sociais, os aspectos emocionais, afetivos, cognitivos,
além dos elementos do discurso e da linguagem às interações sociais que
influenciam as representações. E ainda, interligar com aqueles elementos
submetidos à interferência dessas representações, como as coisas materiais,
sociais e ideológicas.
30
Partindo do princípio de que as representações são interpretações de um
sujeito sobre a realidade de um objeto, não se pode aceitar que este objeto
esteja reproduzido em sua integridade e autenticidade. Essa representação
estará fundamentada, de forma subjetiva, pelos aspectos, elementos e
situações sociais de curto e longo alcances históricos (Spink, 1993).
A situação social de longo alcance histórico recebe o nome de imaginário
social. Ela se refere à rede de significados construída ao longo da história, pelo
homem. Esse imaginário é constituído pelas construções culturais de uma
sociedade. Essas construções culturais, por sua vez, são selecionadas pelas
representações da construção de mundo, relativo ao período histórico. A partir
daí, são reinterpretadas segundo os critérios de pertença de um grupo social
(Geertz, 1989; Spink, 1993). Entretanto, essas representações sociais não são
uma eterna reinterpretação de contextos pregressos de grupos sociais, pois
recebem influências, adaptações e ajustamentos, de acordo com as
experiências históricas ou com as transformações do contexto social, político e
econômico. As representações sociais também são moduladas pelas novas
informações da ciência e da tecnologia, veiculadas corriqueiramente pelos
diversos meios de comunicação nos diversos grupos sociais (Spink, 1993).
Spink (1993) enfatiza algumas funções da representação social como
forma de conhecimentos práticos: amparo e legitimação de identidades sociais,
adaptação às novidades e direcionamento das condutas e das comunicações.
Ela alcança, então, funções afetivas, cognitivas e sociais.
A função cognitiva envolve dois processos na elaboração da
representação. O primeiro é a ancoragem, que pode ser considerada como a
capacidade de inserir o desconhecido em representações pré-existentes. Ela
ocorre no meio social real, portanto, não traduz qualquer processo individual. O
novo é transformado em algo familiar sob a coação do grupo e, dessa forma,
transforma-se num saber que se torna influente neste grupo. O segundo é a
objetificação, que é um processo de transformação das noções abstratas em
concretas, em outras palavras, é a simbolização dos elementos abstratos
(Spink,1993; Jodelet, 2001; Sartori, 2002; Moscovici, 2003). Resumidamente,
para Jodelet (2001), a objetificação é simbolização e a ancoragem é a
interpretação do sujeito.
31
A função afetiva tem o papel de proteção da identidade do grupo por meio
de estratégias que envolvem o sujeito e o grupo, portanto, ela se refere à
interação social e, por último, a função social enfatiza as relações intra-sociais
quando ocorrem as negociações e os ajustamentos (Spink, 1993; Jodelet,
2001; Moscovici, 2003).
As representações sociais são estruturas dinâmicas porque se formam e
são entendidas no contexto das comunicações sociais. É essa característica
que a diferencia das representações coletivas de Durkheim e das
representações culturais de Sperber. Ela gera debates e discussões sobre a
natureza do conhecimento e sobre a interação indivíduo e sociedade, o que a
enquadra no paradigma de complexidade. Por esse motivo, a sua
compreensão demanda uma extensa investigação nos diversos campos das
ciências sociais, humanas, biológicas, da saúde e outras. (Spink, 1993).
Em se tratando dessas questões e levando-se em consideração a história
educacional e religiosa da população brasileira e a gênese do mundo rural, faz-
se necessário a referência a estudos que envolvam a busca de representações
sociais da qualidade de vida dessa parcela representativa da população
brasileira.
Talvez, a maior importância para os estudos sobre representações sociais
no mundo rural e sua relação com o ethos religioso está no fato de a
religiosidade ser um forte elemento da identidade social dos moradores das
localidades rurais, é ela que muita das vezes sentido as suas vidas, marca
as suas relações com a natureza, com os festejos na época da colheita, as
orações para que a chuva caia e não percam a plantação, e assim por diante.
A forma como essas populações se relacionam com o mundo prático está
permeada por sincretismo, principalmente da religiosidade cristã católica.
Assim, podemos dizer que essa relação com o “outro mundo” (Da Matta, 1996)
e as formas que tomam essa religiosidade na vida prática é um componente
essencial da qualidade de vida das populações rurais.
32
CAPÍTULO III
O
ETHOS
DA COMUNIDADE DO CÓRREGO DO BERTOLDO DE BAIXO
3.1 Localização e História
Orrego do Bertoldo de Baixo é parte da sub-bacia hidrográfica do
Córrego Bertoldo que se encontra na mesorregião geográfica do Vale do Rio
Doce, na porção Leste do Estado de Minas Gerais. A distribuição areal da sub-
bacia corresponde em grande parte ao território do Distrito de Dom Modesto,
pertencente ao Município de Caratinga MG (Nascimento et al., 2004).
A população do Córrego do Bertoldo de Baixo está distribuída em 52
moradias
6
construídas nas terras adquiridas através de doação familiar ou
herança. Em relação às condições habitacionais, a maior parte das residências
possuía, em média, seis cômodos, divididos em copa/sala, cozinha, um
banheiro, dois quartos e uma área externa. Exceções feitas às casas mais
antigas e centenárias, herança dos moradores de origem, que apresentaram
um número maior de cômodos.
Através do levantamento histórico do Córrego do Bertoldo de Baixo, por
meio dos relatos dos moradores mais antigos daquela comunidade, identificou-
se que originalmente todas as terras daquela localidade pertenciam ao Sr.
6
Considerou-se moradia, qualquer construção dotada de cômodos separados da moradia
principal, pertencente ou não à mesma família.
33
Joaquim Teixeira e sua esposa, D. Virgínia Teixeira. Além dessas terras, eles
eram proprietários daquelas que atualmente se referem como Bairro das
Graças e Bairro Zacarias, bem como parte do atual centro da Cidade de
Caratinga.
Atualmente, as terras do Córrego do Bertoldo de Baixo estão em posse
da terceira e quarta gerações dessa família. A divisão das terras em vida
tornou-se uma prática comum e desenvolveu-se, na região, em função da
preocupação dos pais em relação aos conflitos familiares que emergiam
durante as divisões de herança. Assim, a maioria deles optou por participar da
divisão das terras, em vez de deixar que os filhos a fizessem, como era
costume, após o falecimento de um dos proprietários principais. Determinadas
famílias faziam questão de destacar nos documentos que regulamentavam a
doação de terras, que os filhos não podiam dispor destas antes do falecimento
dos progenitores.
Após adquirir herança, alguns filhos, sobretudo os que não moravam no
Córrego do Bertoldo de Baixo, optaram por vender as terras, preferencialmente
para parentes que, em sua maioria, residiam na localidade. No entanto, quando
não tinham esta alternativa, as terras eram vendidas para estranhos”, palavra
que a população utilizava para designar aquele que não era nascido no
Córrego do Bertoldo de Baixo.
Atualmente, o Córrego do Bertoldo de Baixo conta com aproximadamente
oito famílias de “estranhos” e o tamanho das propriedades varia entre 4
(quatro) litros
7
a 10 (dez) alqueires de terra. Embora a proximidade das
residências entre “estranhos” e os morado7013(m)-7.42551(o)2.8076,orrrrago ,amhm m dad e
34
3.2 Aspectos sociais e escolaridade
A população do Córrego do Bertoldo de Baixo é constituída por 149
habitantes, dos quais 73 (48,99%) são do sexo masculino e 76 (51,01%) do
feminino.
Adotando a estratificação estabelecida pelo Estatuto da Criança e do
Adolescente, Lei 8.069 de 13/07/90 e do Estatuto do Idoso, parecer nº1301, de
2003, Projeto Lei nº. 3.561 de 1997, a classificação da população do Córrego
do Bertoldo assim se definiu: crianças (0-12 anos incompletos), adolescentes
(12 anos completos a 18 anos incompletos), adulto (18 anos completos a 60
anos incompletos) e idosos (idade igual ou superior a 60 anos). A tabela 1 a
seguir, demonstra a distribuição da população por gênero e faixa etária.
Tabela 1: Distribuição da população do Córrego do Bertoldo de Baixo por
gênero e faixa etária (n=149)
Faixa etária Gênero
Masculino
n (%)
Feminino
n (%)
Criança 16 (21,9) 13 (17,1)
Adolescente 7 (9,6) 12 (15,8)
Adulto 43 (58,9) 45 (59,2)
Idoso 7 (9,6) 6 (7,9)
Total 73 (100,0)
76 (100,0)
Fonte: Dados da pesquisa
Observou-se predomínio da população adulta nos gêneros, em um total
de 88 (59,0%) sujeitos sobre as demais faixas etárias enquanto que a
população de idosos foi a menor encontrada, totalizando 13 (8,7%).
A população do Córrego do Bertoldo de Baixo se distribuiu em quatro
níveis de escolaridade assim agrupados: não estudavam (em função da idade),
pré-escola, ensino fundamental e ensino médio. A maior parte da população
35
(75,17%) se enquadra no nível do ensino fundamental. Destes, 44,97%
estudam ou interromperam os seus estudos nas séries iniciais (antiga a
séries) e 27,52% estudam ou interromperam os estudos nas séries finais do
ensino fundamental -a 8ª Séries. Não houve casos de pessoas cursando ou
que tivessem concluído o ensino superior.
Das 29 crianças do Córrego do Bertoldo de Baixo, dez (34,48%) não
freqüentam escola em função da idade, quatro (13,79%) freqüentam a
educação infantil e 15 (51,72%) cursam o ensino fundamental.
Entre os adolescentes, 11 (57,90%) cursam o ensino fundamental e oito
(42,10%) o ensino médio. Dos 88 adultos, 64 (72,72%) têm ensino fundamental
incompleto e oito (9,09%) completo. Sete adultos (7,95%) têm ensino médio
incompleto e seis (6,82%) Ensino Médio completo. Um (1,14%) adulto não
estudou em escola convencional, mas sabe ler, um (1,14%) é analfabeto e um
(1,14%) é deficiente mental. Em relação aos idosos, dez (76,92%) têm ensino
fundamental incompleto e três (23,08%) nunca estudaram em escola
convencional, mas sabem ler.
Assim, dos 149 moradores, 117 têm ensino fundamental incompleto. Para
uma visualização mais detalhada, as tabelas 2 e 3 mostram a distribuição da
população adulta e idosa, por gênero, de acordo com as séries de formação
escolar. Optou-se por acrescentá-las, visto que a amostra de sujeitos para a
entrevista semi-estruturada foi selecionada deste grupo de pessoas.
Tabela 2: Relação de homens e mulheres adultos e idosos nas séries do
ensino fundamental
Série Homens Mulheres
N % n %
1 1 2,32 2 5,90
2 5 11,63 1 2,94
3 8 18,60 4 11,76
4 16 37,20 17 50,00
5 3 7,00 4 11,76
6 4 9,30 3 8,82
7 2 4,65 - -
8 4 9,30 3 8,82
Total 43 100,00 34 100,00
Fonte: Dados da pesquisa
36
Tabela 3: Relação de homens e mulheres adultos e idosos nas séries do
ensino médio
Série Homens Mulheres
N % n %
1 4 80,00 1 16,67
2 1 20,00 1 16,67
3 - - - -
Completo - - 4 66,66
Total 5 100,00 6 100,00
Fonte: Dados da pesquisa
Os indivíduos adultos e idosos pararam seus estudos nas séries acima
relacionadas. Um dos fatores que contribuíram para isso foi a dificuldade de
acesso às escolas de ensino médio e superior, o poder aquisitivo da população
e a disponibilidade de tempo, uma vez que o trabalho no campo, demanda
tempo integral de dedicação.
3.3 Aspectos econômicos
Os moradores do Córrego do Bertoldo de Baixo cultivam olericulturas,
café e cana de açúcar. Prevalece na região o cultivo de verduras, quiabo,
milho, feijão, mandioca e o café. O cultivo desses produtos destina-se ao
consumo interno da família, à comercialização no mercado e no CEASA da
cidade de Caratinga, nas regiões circunvizinhas e na Cooperativa de
Horticultores (Cooperhorta), empresa que abastece o mercado do Município de
Ipatinga.
Os alimentos básicos para a dieta familiar são adquiridos nas redes do
comércio local. Normalmente os produtos de consumo interno giram em torno
daqueles da cesta básica: arroz, feijão, macarrão e fubá. Segundo os
moradores, eventualmente consomem carnes. Essa situação se assemelha ao
37
que foi identificado na Pesquisa de Orçamentos Familiares referente aos anos
de 2002 e 2003 (POF, 2002/03, s/p) do IBGE identificando que “as áreas rurais
consomem duas vezes mais arroz polido, quase três vezes mais feijão, quase
sete vezes mais farinha de mandioca e quase oito vezes mais fubá de milho do
que a região urbana”.
Através dos relatos dos moradores, identificou-se que, eventualmente,
uma troca dos excedentes produzidos entre eles. Essa prática, provavelmente,
baseia-se e se justifica devido à relação de parentesco, de primeiro ou segundo
grau, predominante nessa comunidade. Essa situação faz com que os
indivíduos se presenteiem com o que é produzido em casa. Não foi observado,
durante a pesquisa de campo, se os moradores atribuem valor econômico ou
de renda a essa relação de troca e ganho de alimentos excedentes entre as
famílias.
A POF (2002/03) avaliou, pela primeira vez, a renda familiar não-
monetária. Essa se refere às rendas que não originam de pagamentos em
dinheiro, mas que ocorrem por meio de produção de mantimentos ou produtos
alimentares pela própria família, doações, trocas, caça, pesca e etc.
Identificou-se que nas áreas rurais, o rendimento não-monetário
representa 23,3% da renda, o que o coloca em segundo lugar como principal
fonte de renda familiar. A renda por meio do trabalho representa 53,4% da
renda familiar, o que a coloca em primeiro lugar.
Dos 112 indivíduos pertencentes às 27 famílias oriundas do Córrego e,
portanto, sujeitos deste estudo, 19 eram aposentados, tanto por tempo de
serviço como por invalidez; 25 eram agricultores, seis mulheres eram
empregadas domésticas, duas pensionistas e dois homens se caracterizavam
como vendedores viajantes. Constatou-se que poucos indivíduos associavam
atividades ocupacionais.
Dos indivíduos aposentados, três trabalhavam como agricultores e um
deles exercia a função de motorista de caminhão. Dentre os agricultores,
apenas um associava o cultivo de cana para a própria fabricação da cachaça.
Na região, havia apenas um homem que se dedicava comercialmente ao
cultivo do café. Três moradores, apesar de terem residência fixa no Córrego do
Bertoldo de Baixo, trabalhavam em localidades urbanas vizinhas como padeiro,
38
motorista de caminhão e frentista. Até a última visita ao Córrego, havia dois
indivíduos em vias de se mudar para os Estados Unidos da América.
Outras atividades não remuneráveis também foram identificadas: 32
estudantes e oito adultos que plantavam para consumo interno, mas não eram
aposentados.
Em função dos tipos de atividades ocupacionais, a renda salarial das
famílias da comunidade do Córrego do Bertoldo de Baixo varia entre um e
quatro salários mínimos por família, média de dois salários mínimos por mês. A
tabela 4 apresenta a renda familiar mensal dos moradores do Córrego do
Bertoldo de Baixo.
Tabela 4: Renda (em salário mínimo
8
) das famílias do Córrego do Bertoldo de
Baixo (n = 27)
Salário Famílias
n %
Até um salário 3 11,1
De um a dois salários 10 37,0
Dois a três salários 9 33,3
Mais de três salários 6 22,2
Total 27 100,0
Fonte: Dados da pesquisa
O mero de pessoas que residiam numa mesma moradia variou entre
uma e oito pessoas. A maior freqüência ocorreu com famílias constituídas por
três a quatro pessoas, representando, respectivamente 33,34% (nove) e
22,22% (seis). Notou-se que três famílias eram constituídas de oito pessoas,
representando 11,11% das famílias estudadas.
Um dos dados mais recentes do IBGE refere-se à dificuldade de
chegarem ao final do mês com o rendimento familiar. Segundo a pesquisa,
89% da população rural apresentou essa dificuldade. Viu-se que aqueles que
8
Base para salário mínimo: R$300,00 vigente à época da pesquisa
39
recebem até R$400,00 de rendimento, ganham em média R$260,21, mas
gastam em média R$454,70, isto é, o valor médio das despesas é maior que o
valor do rendimento.
Levando-se em consideração a média da renda da comunidade e a
freqüência de moradores por residência, a renda per capita variou entre cento e
cinqüenta a duzentos reais. Entretanto, esse valor médio não representa a
realidade da comunidade, devido à ocorrência de variação econômica mensal,
em função do tipo de atividade ocupacional exercida naquele meio. Ainda
assim, se considerarmos que famílias constituídas por seis pessoas com
renda mensal entre um e dois salários mínimos, a sua renda per capita variará
entre setenta e cinco a cem reais, o que os colocam dentro da linha de
pobreza, caracterizada pelo IBGE (POF, 2002/2003).
Esses instrumentos oficiais de avaliação de desenvolvimento social
consideram o poder aquisitivo, também, um dos indicadores objetivos de
qualidade de vida, visto que, quanto maior a renda mensal, maior a capacidade
de adquirir bens materiais que favoreçam o conforto e bem-estar da vida
cotidiana.
Tabela 5: Correlação entre renda familiar e quantidade de eletrodomésticos nas
famílias do Córrego do Bertoldo de Baixo (n=27)
Quantidade de
eletrodomésticos
p-valor
Coeficiente
de
Correlação
de Pearson
Direção e
força da
correlação
Dois 0,06 + 0,635 Positiva
moderada
Renda familiar
Três 0,06 + 0,635 Positiva
moderada
Mais de três 0,03* + 0,789 Positiva
moderada
Fonte: Dados da pesquisa
A tabela acima indica uma correlação positiva moderada significante entre
renda familiar e mais de três eletrodomésticos. Considerando-se apenas as
40
médias das variáveis de cada tabela, o parâmetro de desenvolvimento social
urbano, referente à relação direta entre a renda salarial e o poder aquisitivo, foi
verificado também na população rural de estudo.
Porém, ao comparar as variáveis das tabelas 4 e 5 observa-se que
apenas seis famílias (22,2%) possuíam renda familiar superior a três salários
mínimos (tabela 4), em contrapartida, 19 (70,4%) possuíam mais de três
eletrodomésticos (tabela 5). Então, o que se verificou quantitativamente, por
meio de cálculos estatísticos, não reflete a verdade das condições de vida reais
dessa população. Os números não falam por si, eles exigem análise sob os
contextos vividos pelos atores sociais. Essa é uma evidência de insuficiência
encontrada nos indicadores quantitativos utilizados pelos governos para avaliar
as condições de vida de populações culturalmente diferentes.
Vários fatores podem explicar essa correlação positiva moderada, muitos
deles emergiram naturalmente durante as entrevistas e outros foram captados
por meio da observação participante.
Apesar de os achados numéricos urbanos se reiterarem na população
rural, eles não se verificam ao serem analisados sob a óptica da cultura e do
comportamento dessa população.
Um dos elementos culturais reconhecidos como geradores de conforto e
bem-estar, são os aparelhos eletrodomésticos. Esses estão presentes em
todas as famílias, com variação de quantidade. Verificou-se que as famílias
possuíam eletrodomésticos básicos. Geladeira e ferro elétrico foram
encontrados em todas as famílias, seguindo-se fogão a gás em 23 (85,2%),
liquidificador em 19 (70,4%), batedeira e ventilador em sete (25,9%),
espremedor de frutas em duas (7,4%) e apenas uma família (3,7%) possuía
vídeo cassete.
Pela observação participante, durante as conversas após as entrevistas,
foram capturados relatos do tipo: “não tenho jeito” ou “não sei lidar com esses
produtos modernos”, “na roça não tem necessidade disso”. Esses relatos
evidenciam que a aquisição de bens é uma questão de prioridade, o que é
mais útil na vida cotidiana e ocupacional rural.
Além disso, identificou-se que alguns entrevistados haviam ganhado
produtos eletrodomésticos dos filhos que não residiam naquele Córrego. Ao
analisar as notas de campo expandidas, percebeu-se que entre esses estavam
41
aqueles com renda familiar de até três salários mínimos, e que possuíam de
cinco a seis eletrodomésticos.
Essa constatação nos possibilita afirmar que os mais jovens, seja no
campo ou na cidade, estão mais abertos à incorporação das novidades
tecnológicas e, portanto, parece existir uma resistência dos mais velhos em
incorporar essas novidades.
Os agricultores da região se adaptaram à demanda do mercado.
Conforme Alves (1981) e Rosendahl e Corrêa (2001) na visão secular e
utilitarista, as coisas perdem suas características de estabilidade e durabilidade
e se tornam descartáveis. Tanto as coisas como as pessoas são valorizadas
pela sua utilidade e funcionalidade e não pelo valor intrínseco. Desenvolvem-
se, então, as idéias e valores de um mundo secular, individual e utilitarista e, o
homem passa de dono das coisas a elemento de posse desse mundo. Isso
gera sentimento de sofrimento e impotência o que, segundo O’Dea (1986)
favorece a união às coisas sagradas numa posição de inferioridade,
submissão, deferência e devoção.
Apesar de todas as residências possuírem o fogão a gás, era comum a
utilização diária dos fogões a lenha. Esse, além de representar uma forma de
economia, também expressava os costumes locais e a época desprovida de
eletricidade. Embora atualmente, toda a região do Córrego do Bertoldo de
Baixo apresenta rede de energia elétrica.
3.4 Condições sanitárias e de saneamento básico
O abastecimento de água do Córrego se por meio de poço artesiano
ou nascente. Devido ao contrato entre alguns moradores que cultivam
hortaliças e a Cooperhorta, do Município de Ipatinga, a construção de poço
artesiano tornou-se uma condição para se efetivar o contrato. Dessa forma, o
consumo de água ocorria de forma mista, tanto para o consumo próprio, como
para a irrigação das culturas.
Em estudo recente sobre saneamento rural e condições de saúde,
realizado por Ferreira (2005), a análise bacteriológica de amostras de águas
42
utilizadas para fins domésticos do Córrego do Bertoldo de Baixo identificou que
as águas oriundas das minas, caixas d’águas e do Córrego não eram
consideradas potáveis. Encontraram entre 200 a 3000 Unidades Formadoras
de Colônias de coliformes fecais por 100ml de água. As águas coletadas dos
filtros, das cisternas e torneiras não apresentaram coliformes fecais, porém
apresentaram coliformes totais. A despeito dessa condição, essas últimas
foram consideradas potáveis, porém não deixam de representar uma condição
de risco (Prefeitura Municipal de Caratinga/Secretaria de Saúde, 2004;
Ferreira, 2005).
Não um sistema de coleta de lixo naquele Córrego. Normalmente, os
moradores realizavam a queima do lixo e dos resíduos domiciliares e, apenas 2
famílias levavam o lixo para o núcleo urbano de D. Modesto. Em D. Modesto o
sistema de coleta de lixo funcionava uma vez por semana.
Durante a coleta de dados, por meio do formulário e das entrevistas,
pode-se constatar que apesar dessas duas formas de tratamento do lixo,
despejavam outros resíduos da casa, diretamente no córrego que permeia a
região. Isso ocorria através dos sistemas de encanamento e escoamento de
águas oriundas da cozinha e banheiro, pois o Córrego do Bertoldo de Baixo
não possui sistema de esgotamento de água. Os moradores relataram que isso
era uma prática comum, principalmente na região vizinha ao Córrego do
Bertoldo de Baixo, a despeito de todas as informações passadas por técnicos
do sistema público, sobre a importância e a técnica correta para a construção
de fossas sépticas.
Ainda, em relação às condições habitacionais, sanitárias e de
saneamento, observou-se que apenas uma família (3,7%) não possuía animais
43
Tabela 6: Animais domésticos nas famílias do Córrego do Bertoldo de Baixo
(n=27)
Animais domésticos N %
Cão 23 85,2
Gato 7 25,9
Galinha 19 70,4
Porco 8 29,6
Boi 11 40,7
Cavalo/burro 8 29,6
Fonte: Dados da pesquisa
Nove famílias (33,3%) criavam três ou mais de três animais. A criação de
animais domésticos alcançava três funções: animais para o consumo interno
da família, companhia ou distração e aqueles que se destinavam à segurança
da casa.
Levantaram-se dados também, sobre animais peçonhentos e não
peçonhentos identificados nesta pesquisa como aqueles que povoam as
residências das famílias da região. Dentre esses animais houve destaque para
aranha, mosquito e taruíra, presentes em 26 (96,3%) famílias conforme a
tabela 7.
Tabela 7: Animais que povoam as moradias das famílias do Córrego do
Bertoldo de Baixo (n=27)
Animais n %
Moscas 25 92,6
Baratas 24 88,9
Aranhas 26 96,3
Mosquitos 26 96,3
Ratos 14 51,9
44
Tabela 7 Cont.
Cobras 17 63,0
Pulgas 3 11,1
Taruíras 26 96,3
Sapos 25 92,6
Fonte: Dados da pesquisa
Raros era o aparecimento de escorpiões e pulgas. Sabe-se que esses
dados foram influenciados pela época do ano em que foram colhidos, pois
um comportamento sazonal de aparecimentos desses animais. Segundo a
FUNASA, a maior parte dos animais presentes na região do Córrego do
Bertoldo de Baixo pode servir como vetores e reservatório de doenças.
A presença destes tipos de animais sejam eles domésticos ou não,
associados às condições sanitárias e de saneamento básico inadequados são
fatores a colaborar para os problemas de saúde identificados pelos moradores
e pela Secretaria Municipal de Saúde, na região.
A tabela 8 relaciona os problemas de saúde mais freqüentes nas famílias
oriundas do Córrego do Bertoldo de Baixo. Verificou-se que dor de cabeça
esteve presente em todas as famílias da região, seguida de verminose e gripe
em 26 famílias (96,3%) e esquistossomose em 20 (74,1%).
Tabela 8: Problemas de saúde mais freqüentes nas famílias do Córrego do
Bertoldo de Baixo (n=27)
Doenças n %
Verminose 26 96,3
Pediculose 7 25,9
Bicho de pé 13 48,1
Esquistossomose 20 74,1
Anemia 15 55,6
Gripe 26 96,3
Dor abdominal 5 18,5
45
Tabela 8 Cont.
Dor no estômago 12 44,4
Dor na coluna 23 85,2
Pressão alta 10 37,0
Diarréia 7 25,9
Dor de cabeça 27 100,0
Artrite 2 7,4
Pneumonia 4 14,8
Fonte: Dados da pesquisa
Vinte e seis famílias (96,3%) apresentavam mais de duas doenças
associadas e apenas uma família (3,7%) apresentava associação entre duas
doenças. Quatro famílias (14,8%) apresentavam relato de um tratamento
cirúrgico em qualquer um de seus membros, uma família (3,7%) referiu-se a
três procedimentos cirúrgicos e 22 famílias (81,5%) não se referiram a cirurgia.
Sabe-se que os dados acima relatados pelas famílias, podem ter sido
subestimados, pois coletas de dados baseadas em memórias passadas podem
variar de acordo com a importância que os fatos ou os eventos tiveram no
passado e a repercussão dos mesmos no presente. Porém, apesar dessa
realidade, os registro da Secretaria Municipal de Saúde, sobre a ocorrência de
doenças em toda a Bacia do Córrego do Bertoldo relativa ao ano de 2004,
confirmam os dados relatados pela população.
3.5 Saúde
Quanto ao sistema de atenção à saúde, relatos dos moradores de que
na região, até o ano de 2004, agentes do Programa de Saúde da Família
(PSF), realizavam visitas freqüentes às famílias do Córrego do Bertoldo de
Baixo. Durante as visitas, os moradores recebiam informações e palestras
sobre o processo de saúde-doença e sobre a importância do controle e
prevenção de doenças. O sistema público de saúde da região mantém
46
programas básicos de controle de algumas parasitoses, devido à presença de
doenças endêmicas, características do Município de Caratinga.
Em função dessa informação, perguntou-se sobre o acesso aos postos de
saúde. Os moradores informaram que apesar de pertencerem ao Distrito de D.
Modesto, que mantém um posto de saúde, os moradores daquele Córrego
eram cadastrados no Posto de Atendimento do Bairro vizinho, denominado
Nossa Senhora das Graças, pela proximidade geográfica e facilidade de
deslocamento até o local.
Observou-se que, apesar das orientações e da atenção à Saúde na
região, as consultas e tratamentos com médicos e dentistas eram irregulares
conforme demonstrado na tabela 9.
Tabela 9: Famílias que procuram médico para solucionar seus problemas de
saúde (n=27)
Vai ao médico n %
Sim 8 29,6
De vez em quando 19 70,4
Total 27 100,0
Fonte: Dados da pesquisa
Vinte e três famílias (85,2%) afirmaram que, além de irem ao médico,
recorriam a chás caseiros, como prática de cuidado à saúde. Vinte e uma
famílias (77,8%) afirmaram que procuravam o dentista de vez em quando,
cinco (18,5%) eram assíduas e apenas uma (3,7%) não procurava o dentista.
Quanto a esse último dado, levou-se em consideração o fator uso de prótese
dentária.
Em relação ao serviço público de saúde, os moradores relataram
insatisfeitos, especialmente em relação às formas de atendimento dos médicos
e funcionários do posto.
47
3.6 Religião e religiosidade
Das 27 famílias participantes da pesquisa, todas declararam-se católicas.
Destas 20 (74,1%) freqüentam algum tipo de evento religioso. As outras sete
famílias (25,9%), não têm participação ativa e constante, e por esse motivo,
inicialmente negaram participação em grupos de atividades sociais ou
religiosas. Considerou-se evento religioso
9
, apenas os Fundamentos da Igreja
Católica como: Encontro de casais com Cristo (ECC), Encontro de
Adolescentes com Cristo (EAC), Pastoral da Infância Missionária, Novena de
São Sebastião, Reunião de Reflexão, Missões nas Famílias, Terço, Novena de
Natal, Jubileu, Adoração do Santíssimo, Mês de Maio Mês de Maria e
Pastoral Familiar. Esses eventos promovem a interação entre os moradores do
lugar. Dentre eles, há os de característica permanente, que acontecem ao
longo de todo o ano e aqueles que ocorrem anualmente.
A Comunidade de dom Modesto se divide em 2, o Córrego do Bertoldo de
Cima, que geralmente freqüenta a Paróquia do Senhor Bom Jesus e o Córrego
do Bertoldo de Baixo que freqüenta a Igreja de D. Modesto, junto daqueles que
moram nesse local. Essa divisão se fez, espontaneamente, pela proximidade
das comunidades com as respectivas igrejas.
A Igreja do Nosso Senhor Bom Jesus é considerada a matriz daquela
região, porém ela situa-se no bairro vizinho ao Distrito de D. Modesto, bairro
de Santa Cruz. Este bairro fica a aproximadamente 5km de distância da Igreja
de D. Modesto. Essa segue todo o calendário eclesiástico da Igreja matriz. A
Coordenadora Paroquial da Comunidade de D. Modesto é responsável pela
organização e execução das atividades religiosas daquela região. Ela é
orientada pelo Conselho Pastoral Paroquial e Comunitário da Paróquia do
Senhor Bom Jesus.
O calendário específico das atividades religiosas é elaborado pelos
Conselhos daquela Paróquia, para então, ser enviado à Igreja de D. Modesto.
Além da coordenadora, tem-se um vice-coordenador, um tesoureiro e uma
secretária, que é responsável pela redação das atas. Essas pessoas
9
Esses eventos foram organizados e descritos por meio de um quadro, no anexo 5.
48
participam das reuniões mensais, que ocorrem todo domingo, na Paróquia
do Senhor Bom Jesus onde recebem todas as orientações e determinam os
dias em que ocorrerão as missas em D. Modesto. Só há um padre para atender
9 comunidades, que são: D. Modesto, Santa Efigênia, Mendes, Calixto, Santa
Izabel e outros. Então não como celebrar mais do que 3 missas por mês.
Essas ocorrem durante a semana, porém às vezes ocorrem no domingo.
Como as missas celebradas por padres, ocorrem esporadicamente, a
comunidade oficia um estudo da bíblia proferido e discutido por um Ministro
Extraordinário da Eucaristia. Essas reuniões acontecem também em horários
que contemplam a participação da maior parte dos moradores, geralmente, nos
horários em que a “lida” na horta já se encerrou.
Segundo a líder religiosa da comunidade, existe a missa comum e a
missa do dízimo, que é especial. O dinheiro vai dentro de um envelope. O
montante é repartido, metade vai para a Paróquia e a outra metade para a
Igreja da comunidade de D. Modesto.
No dia da missa do dízimo, os envelopes são entregues com o nome das
pessoas. São 8 setores de dízimo. Cada setor trabalha com o seu dízimo. O
Distrito de D. Modesto é divido em 8 setores, cada setor tem um responsável
pela coleta do dízimo. O valor da mensalidade é de acordo com o que cada
pessoa ou família pode dar. Segundo líder religiosa, a pessoa tem que ter
“consciência” sobre o valor que deve ser dado.
Dentre os eventos dos fundamentos da Igreja, o de maior repercussão na
comunidade são As missões. Essas ocorreram nos meses de setembro e
outubro, culminando com o Jubileu. As missões são rezas realizadas por um
grupo de pessoas, de casa em casa. Iniciam em uma casa da comunidade, que
recebe a imagem da Nossa Senhora Aparecida, carinhosamente chamada pela
população de “santinha”. O morador constrói um altar dentro da própria casa e
o enfeita com velas, flores e fitas. A imagem fica exposta nesse local e, à noite,
toda a família, parentes, amigos e os moradores da comunidade se reúnem ao
seu redor para iniciar a reza do terço do rosário. Geralmente, rezam uma parte
naquela casa e depois saem rezando, carregando a imagem, com velas
acesas, em procissão, em direção à outra casa, onde a “Santinha” ficará
exposta por mais um dia. Normalmente, forma-se um grupo de 40 a 50
pessoas, que participa sequencialmente das rezas e das procissões.
49
Na semana do Jubileu do Senhor Bom Jesus, os moradores realizam
homenagens ao padroeiro de Dom Modesto. Durante sete dias, a comunidade
se reúne em festejos religiosos. Diariamente tem missas e logo após, as
barraquinhas, quermesses com exposição e venda de doces e salgados
caseiros, algum artesanato, miniatura de imagens de santos, fitas, velas e
adornos sacros em geral.
Os eventos religiosos mobilizam a comunidade e mantém as relações
sociais. Nota-se dessa forma, que a religiosidade pauta o cotidiano e a vida
daqueles moradores do Córrego do Bertoldo de Baixo.
50
CAPÍTULO IV
REPRESENTAÇÕES DA QUALIDADE DE VIDA DA COMUNIDADE DO
CÓRREGO DO BERTOLDO DE BAIXO
4.1 Trabalho, educação e religiosidade
Na região, a atividade predominante é a agricultura familiar, pois todos os
membros da família desempenham função no cultivo e comercialização de
seus produtos, sobrevivem dessa produção que, por sua vez, dependem dos
ciclos da própria natureza (Schneider, 2004). Segundo Abramovay et al.
(1998), a lógica desse mundo rural consiste na
necessidade de reprodução da
condição social de agricultor como um contínuo dos projetos familiares.
Justapõe-se a essa condição, a emancipação financeira, a constituição familiar
e, ainda, a manutenção dos bens da família paterna, seguindo a tradição da
estrutura da família patriarcal.
Considerando o contexto de agricultura familiar estabelecido nessa
comunidade, existe uma lógica para que os filhos exerçam atividades que
possibilitam um ganho pecuniário individualizado para realizar seus próprios
projetos. Pela admiração da postura de seus pais, repetem o mesmo processo
educacional com seus filhos:
Eu tenho um casal de filho do segundo casamento, todos dois
tão trabalhano, todos dois tão fazeno prá eles. Eu tenho uma p0 Tc6.24aT128.977(t)a128.977(t)-2.140085 u
51
anos dela... Eu falei, ‘minha fia, eu num podeno gastá
dinhero não’... ‘Não papai, se o sinhô num incomodá eu
vendê aquele boi que eu comprei e eu faço a minha festinha’..
Ela féiz a festinha dela, e num dependeu de mim. Não
dependeu de mim, porque ela trabalha. Hoje ela estudano à
noite, eu pego eles à noite e levo prá escola. Mas de dia,
todo mundo trabaiando. Meu menino, por exemplo, comprô a
moto dele novinha com o suor dele. Eles falam...’ah! meu fio
num pode trabaiá, mas o papai e a mamãe pode!’. O filho que
novo, num pode. Porque a Lei proíbe dele trabalhá. Por isso
que a vida tá ficano desse jeito. (César, 65 anos, agricultor)
Percebe-se, nesse discurso, o valor dado à educação que vem do
“berço”, que representa o processo educacional do saber-fazer. Woortmann e
Woortmann (1997) relatam que é pelo saber técnico que se constrói a família e,
por sua vez, é o controle desse saber que impõe a hierarquia do grupo
doméstico. O poder é exercido por quem tem saber, portanto o rito de
passagem que transforma o homem em chefe de família, não é a força física
nem a idade, mas o domínio e a habilidade do saber técnico. Esse saber é
então novamente transmitido ao filho. Portanto, o trabalho na terra é também
ideológico, produz categorias sociais e por meio das ações simbólicas, produz
a cultura local. Essa questão pode ser percebida também, pelo relato abaixo:
Eu tirei o ano primário na escola Isabel Vieira [escola do
bairro das Graças], nós fomos os primeiros alunos da escola.
Quando a gente chegava da aula a gente num tinha prazo prá
nada não. Mamãe falava assim: minha fia, seu almoço no
canto do fogão, o seu pai já foi pro serviço e tá esperano voceis
lá... E saía com um paninho e chapéu de palha na cabeça, uma
enxadinha nas costas e eu saía com meus irmãos (eu era a
mais velha), e saia caladinha... e assim eu fui cresceno,
trabalhano com o papai e a mamãe, e fui trabalhando na vida
foi assim... era assim..uma luta que a gente tinha, mas nunca
faltou o pão de cada dia.[...] (Augusta, 56 anos, agricultora)
Na agricultura familiar o trabalho de crianças e de jovens é fundamental à
reprodução social familiar. Além disso, é um instrumento que estabelece
vínculo entre o Homem e a natureza. Na agricultura familiar, quando não
braços masculinos suficientes, as meninas e moças também passam a
trabalhar, efetivamente, na roça, como evidencia o discurso a seguir:
52
Graças a Deus, criei meus filho com dificulidade, trabalhano
muito, ensinano eles a trabalhá. Toda vida a gente trabalhô
com horta porque eu tenho minha horta aí, trabalhei com os
filhos, pondo eles na horta trabalhano, minhas minina ino pra
escola, estudá. Estudava sempre no bairro das Graças.
Quando elas chegava da aula, assim que elas almoçava eu
falava assim: oh! Vão colhê alface. Iam pro canteiro de alface,
quando num tinha, elas ia capiná... As minhas menina falava
assim: ih mãe esse trem é [?] demais da conta [?], a gente fica
doente aqui, nessa horta...eu falava assim: não! vão trabalhá
minhas fias, senão a gente num tem dinheiro o, tem que
ajudá a mamãe e o papai aqui. Então foi assim que eu criei
meus filho trabalhano, nunca ficaram à toa, nunca ficaram
andando nas estrada, nunca deixei. (Augusta, 56 anos,
agricultora)
Os discursos anteriores evidenciam o sentimento de orgulho de seus pais
terem lhes ensinado o trabalho braçal e a adquirir independência financeira
precocemente, dando continuidade à educação que receberam dos pais. Além
disso, criticam a ausência dessa postura em outras famílias do Córrego.
Segundo Sorokin et al. (1986), entre todas as grandes classes
ocupacionais, a agricultora era a que mais predominava como herança de
ocupação dos pais para os filhos, transição que ocorria desde a infância. Vinte
anos mais tarde, na população do Córrego, tal afirmação é válida para os
indivíduos idosos, adultos e alguns adolescentes, pois essa herança
ocupacional, não está sendo transmitida aos filhos pelos pais com menos de 40
anos, que se formaram pais nos últimos 20 anos. Provavelmente, essa postura
se deve às mudanças de paradigmas relativos aos valores do meio rural, em
relação ao retorno financeiro do trabalho no campo, se comparado ao “peso”
do “serviço braçal”.
Em função disso, mesmo que não tenham concluído sequer o ensino
fundamental, os pais mais novos se esforçam para que os filhos estudem, já
que percebem suas limitações pelo fato de não terem estudado:
Cada um trabaia de um jeito né, puxa prum lado, Deus marca
tudo no lugar certo prá pessoa. Então, a minha famía é muito
grande, num teve auxílio e num incomodava prá istuda não,
agora a gente tem que esforçá os fio pra estudá né. Porque a
gente num sabe e os filho péga prá insiná os pais né, muitas
coisa né. A pessoa têno saúde tem de lutá pra estudo né. A
gente, as véis ruim, tem que falá que tá bom, e Deus ajuda
(...) (Sirano, 40 anos, agricultor).
53
Porém, o pouco acesso à educação formal que os pais dos entrevistados
tiveram em seu tempo de criança e de jovens não desencadeou tanto impacto
social como no caso dos sujeitos do estudo que viveram a lógica do mundo
rural e sua transição para o processo de urbanização e tecnologização da vida
atual. Atualmente, as necessidades do mundo urbano se disseminam no
espaço rural através de diversos instrumentos de comunicação, muito diferente
da realidade em que viveram os pais dos sujeitos. Assim, os sujeitos
entrevistados conseguem perceber a lacuna deixada pela baixa escolaridade:
Igual eu tive oitava série, eu tenho muito arrependimento de
não ter continuado o estudo porque faz falta gente, faz muita
falta o estudo. Se com o estudo está difícil, imagina sem ele
(Graça, agricultora, 39 anos).
A despeito do nível escolar, os moradores do Córrego do Bertoldo são
portadores de um saber que oportunizou experiências de vida suficientes para
almejar um futuro melhor para os seus filhos. Pelos discursos, parecem
compreender a importância de uma formação educacional mais elevada do que
aquela que tiveram. Ao modo deles, expressam as contradições da
transformação dos modos de vida quando criticam os direitos da criança e a
perda de autoridade dos pais, inclusive para ensinar a trabalhar. Além disso,
quando se referem ao trabalho, estão tratando daquele braçal:
Só a vida ficô difícil por outro lado. Hoje é assim, não tá podeno
mais ensiná o filho trabalhá. Porque o filho tem que estudá.
Agora, esse filho não aprende a trabalha o, quando é
piqueno. Depois de 18 anos é que ele vai trabalhá. Às véis, a
pessoa estuda, estuda, estuda e depois não vai pró imprego e,
o papai mais a mamãe tá lá na roça velhinho. O pai tá lá
trabalhano e o filho tem mordomia. Os pais vai falá com o filho,
ele aprendeu foi estudá e não trabalhá. fala, a culpa é do
pai. Mais não é não. A educação do pai é aquela do berço, mas
acontece que o filho não qué ouvi mais. Cabô. na escola,
aprendendo, aquele mundo bunito, com os colegas e, tem
um mundo prá eles. E o pai mais a mãe ficô lá, no cantinho,
não pode mais corrigí. Então é por isso que a vida difícil. Eu,
com 65 anos, acho muito errado essa lei de falá que o filho de
menor [menor de 18 anos] não pode trabalhá. Como é que fazê
as coisa errada ele pode? Mata, robá...ah! (César, 65 anos,
agricultor)
54
Há, neste discurso, uma relação entre a dialética da agricultura familiar e
a educação formal, que evidencia visões diferentes sobre o que é melhor para
as crianças, mesmo no meio rural. Relacionam as mudanças ocorridas desde a
infância deles à dos filhos ao aumento das dificuldades da vida. Contudo,
posicionam-se contrariamente a algumas dessas determinações, no caso o
trabalho da criança e do adolescente.
A predominância de ensino fundamental incompleto representa para eles
uma situação limitante, tanto para uma projeção socioeconômica, como para a
participação ativa e a sua completa interação nos eventos sociais e religiosos.
uma dificuldade na leitura e interpretação dos textos sacros, devido à
linguagem que os estruturam, expressam que necessitam de ajuda de pessoas
com nível escolar e cultural suficientes para realizar a interpretação destes
textos.
Esse ano, o temário falando muito sobre os documentos da
Igreja, os documentos do Vaticano, mas eu falei que eu num
intendendo nada disso. Ninguém intende esse negócio do
Vaticano, é a coisa mais difícil, é coisa que só o Papa que sabe
o quê que é isso. Que a gente num intende. vino um casal
aí, pra nos ajuda, nessa reflexão, porque eles participo de
congresso, ele vai em Brasília.....eu nunca fui nesses
congressos”. (líder religiosa)
Brandão (1986), em seu estudo sobre religião popular, relata sobre a
relação entre as pessoas com e sem conhecimento técnico-científico. As
pessoas com um saber popular relacionam-se com aqueles que julga saber
mais, de forma inclusiva, considerando-o um agente complementar ao seu
modo de vida, mas, segundo o autor, de forma crítica, reconhecendo a
limitação do outro para a compreensão do seu modo e estilo de vida.
Geralmente, as pessoas que assistem os moradores do Córrego, são
casais que moram na cidade de Caratinga e que trabalham ativamente nas
atividades da igreja, como os Ministros extraordinários da Eucaristia ou aqueles
que participam de grupos religiosos. Quando esses convidados não podem vir
até a comunidade, ocorre um sentimento de frustração e tristeza naqueles que
apresentam dificuldade de leitura. Esses sentimentos puderam ser observados
ao longo das entrevistas:
55
muito difici mesmo pra nóis, nossa senhora,is que são da
roça aqui, que tem poca leitura, difici dimais, tem que
vindo dois casais da rua prá ajudá. muito difici, viu!
(Francisca, 60 anos)
A dificuldade de compreensão e interpretação dos textos sacros utilizados
nas homilias, associada ao ritmo do cotidiano rural que despende longas
jornadas de trabalho, incluindo o domingo, dificulta e restringe a freqüência a
esses eventos.
Sei lá, a gente é trabalhá aqui na roça, a vida passa assim,
é enf a cara... Amanhece o dia.... Ta pelejando com
sirviço, anoitece a gente tá aí com as panela mexeno... O
serviço é esse né... E depois a gente pega e.... É durmi, né.
(Francisca, 60 anos, aposentada)
Segundo Passos (2000), a dificuldade de entender a linguagem escrita e
falada das cerimônias religiosas, pode desestimular os indivíduos e afastá-los,
enfraquecendo assim, a ligação entre indivíduos e igreja. Por outro lado, essa
dificuldade pode contribuir para a adesão do grupo à Igreja, pois há uma
limitação no poder de argumentação, fundamentado em suas próprias
reflexões, que sempre se baseiam em interpretações de segundos e
terceiros como pode ser verificado no discurso a seguir:
Em Caratinga, sempre tem umas reunião de leigos, viu
falá? É a reunião da forania, é ali que junta as pessoas prá falá
sobre o evangelho, prá falá sobre esse roteiro. Só que os
roteiros é feito pelos padres e pelos seminaristas e pelas irmãs.
A forania é assim, um grupo de pessoas que unem e discute e
refletem,... Aquelas pessoas mais adiantadas, igual o padre
que sabe tudo né, que é estudado... Que tem estudo pra isso,
as irmãs também, tem muito estudo pra isso né, mas a gente
num tem estudo pra essas coisa né (Augusta, 56 anos).
Nesse sentido, a líder religiosa também tem um papel fundamental na
agregação da comunidade à Igreja, pois ela reinterpreta a interpretação dos
textos feita pelos indivíduos “com mais estudos” e leva a informação na
linguagem da comunidade como evidencia o relato a seguir:
56
Se eu não participá lá, eu num tenho nada, eu num tenho nem
jeito de trabalha aqui em D. Mudesto. Eu participo de reuniões
lá, eu vô lá todo mês, no segundo domingo. Eu vô lá na
liderança, participá lá, buscá lá, prá trazê pra cá. Os plenárias
que acontece aqui, os plenário que vem marcado, vem tudo de
lá pra cá. Os resumos que a gente faiz...então se eu num
participá lá, o tem como. Eu marco com o Padre lá, prá
depois passá pra comunidade. (Augusta, 56 anos, líder
religiosa)
Segundo Aranha (1989), as raízes da educação religiosa no Brasil
originaram-se no século XVI através da colonização. Ordenados pela Coroa
Portuguesa, os Jesuítas chegam ao Brasil com a incumbência de auxiliar a
manutenção da unidade política através da dominação da fé e da consciência.
Dessa forma controlavam a fé e a moral dos habitantes da nova terra.
Ainda que atualmente postule-se por uma nova concepção de educação
religiosa, a maioria das comunidades, tal como a do Córrego do Bertoldo de
Baixo, carrega marcas dessa herança colonial. Embora os discursos apontem
para a nova concepção evangelizadora, ainda estamos longe de alcançar esse
ideal de educação, afinal foram 210 anos de educação jesuítica.
Na comunidade, os cultos e pregações ocorriam em meio doméstico ou
no interior de pequenos grupos. Esse tipo de Catolicismo foi freqüente nas
primeiras gerações que ocuparam o Córrego do Bertoldo, como pode ser
verificado no discurso a seguir:
Eu gostava muito de ir na escola, sabe. Fica naquela luta com
aquela mininada lá, eu gostava. Eu dava caticismo, era muito
bão mesmo. Mas era uma rezação que o papai tinha pra todo
lado. Eu gostava. Ele rezava pra todo lado. Nóis rezamo muito
tempo ali no bairro das Graças tinha uma capelinha lá que foi o
monsenhor que fez. O lugá que juntava gente! Luiz de bambu,
sabe. Fincava os bambu grosso. Fazia uma procissão muito
cumprida, tudo de luiz de bambu com querosene, pra clariá a
57
analfabetos ou semi-analfabetos, que por sua vez, receberam instruções da
mesma forma, por interpretações particulares acríticas. Então uma
propagação de concepções, princípios e normas religiosos reinterpretados ao
longo dos anos, o que a mesma autora denominou de “inércia conservadora”,
um saber sem o conhecimento dos princípios originais da doutrina.
Apesar de Queiroz retratar uma história do passado, parece descrever o
que atualmente ocorre no Córrego do Bertoldo de Baixo. Não padres ou
missionários disponíveis para celebração de missas diariamente, então a
população assiste ao que denominam de celebração ou culto, oficiado por um
líder religioso leigo.
No córrego do Bertoldo de Baixo uma nítida relação entre a educação,
o trabalho e a religiosidade. Essa relação influencia a construção da
representação de qualidade de vida daquela população. Segundo O’Dea
(1969), Durkheim (1996) e Eliade (1992) a religiosidade se expressa em vários
momentos da vida. Tanto nos momentos de crise como no desenvolvimento
humano e de mudanças de status; ela se faz presente e é representada pela
repetição dos atos litúrgicos e ritos de passagens. Esses sacralizam as crises e
as situações marginais na vida individual e coletiva.
Pesquisadores como Pargament et al. (1988), Pollner (1989), Lukoff et al.
(1992), Tix e Frazier (1998), Hill et al. (2000), Faria e Seidl (2005) e Panzini e
Bandeira (2005) dedicaram seus estudos à relação da religiosidade,
espiritualidade e crenças com as situações estressantes e de bem-estar, bem
como, aos tipos de adaptações que as pessoas desenvolviam em função da fé,
da crença e de sua religiosidade, para enfrentar certas adversidades da vida.
Isso gerou uma nova ideologia e uma quebra de paradigmas dos
profissionais da área da saúde, que passaram a desenvolver estudos e
instrumentos que abrangessem esses fatores. A partir daí, vários estudos,
tanto quantitativos como qualitativos foram fomentados com o objetivo de se
verificar a relação entre saúde, qualidade de vida, crenças pessoais, fé e
espiritualidade/religiosidade (Tillmann e Oliveira, 2004).
Apesar do grande número de pesquisas referentes a esses temas e sobre
a qualidade de vida, de-se perceber a escassez de estudos dessa área de
conhecimento, voltados para as populações rurais. A lógica do mundo rural tem
58
suas peculiaridades e características próprias quanto ao modo de vida, quanto
às questões culturais, educacionais e religiosas.
4.2 O homem, a natureza e a religiosidade
uma relação entre o homem, a natureza e a religiosidade no Córrego
do Bertoldo de Baixo, que orienta e determina a dinâmica cotidiana da
comunidade. A representação de natureza e a relação que os moradores
estabelecem com ela podem ser compreendidas vinculadas aos aspectos
históricos da religiosidade.
Para Salatino (2001) as raízes da crise socioambiental são antigas e se
originaram da tradição judaico-cristã. Aponta como principal componente a
história da antiga nação hebraica, que se originou e desenvolveu em regiões
semi-áridas. Para esse autor, essa restrição de contato e conhecimento da
biodiversidade pode ter gerado a dicotomia Homem-natureza. Esse mesmo
comportamento se verificou mais tarde no Cristianismo, o que pode ter gerado
um comportamento de valorização do homem em detrimento da natureza.
Dessa forma, no Cristianismo, o homem assume uma posição hierárquica
superior aos demais seres vivos, que é a única criação à imagem e
semelhança de Deus. Na descrição do livro da Gênesis, está escrito “crescei e
multiplicai-vos, enchei e dominai a terra. Dominai, sobre os peixes do mar,
sobre as aves dos céus e sobre todos os animais que se movem na terra
(Gn1,28)
Essa passagem foi interpretada por White (1967) citado e defendido por
Salatino (2001) como uma ordem ao homem de dominar a natureza. Essa
dominação, no decorrer da história, teve interface com a destruição do poder
daquilo que se temia ou daquilo de que não tinham controle, ou seja,
destruição da natureza. Entretanto, na passagem sobre a orientação da
construção da Arca de Noé, verifica-se a seguinte parte do versículo: “um casal
virá ter contigo para que lhes conserve a vida. Recolhe tudo que de
comestíveis, armazena-os, a fim de te servirem de alimento, assim como a
eles” (Gênesis 6,13-22), que por sua vez, foi interpretada por Edward-Jones et
59
al. (2000) também citado por Salatino (2001) como uma recomendação de zelo
e proteção da natureza.
Entretanto, Waldman e Garcia (1991) contestam o posicionamento do
historiador Lynn White e argumenta que “não é a Bíblia que autoriza a
devastação, mas sim uma lógica de devastação que recai sobre a própria
interpretação da Bíblia”. O Homem a interpretou de acordo com as condições
cognitivas, históricas e sociais da época, ou mesmo, da forma que lhe foi mais
conveniente, considerando a singularidade da concepção judaico-cristã e as
simbologias utilizadas à época para o uso da linguagem.
Esta exploração do meio ambiente vincula-se também à história de nossa
formação sociocultural, uma vez que, como afirma Passos (2000), somos
produto de uma aliança entre a coroa portuguesa e a classe mercantil,
agregação de um projeto da cristandade com o projeto de modernidade da
Europa do século XVI. Portanto, a colonização brasileira foi fundamentada na
exploração e na subserviência, sem projeto emancipatório e de identidade.
Esse comportamento de exploração do meio ambiente pela necessidade
da própria subsistência e de seus herdeiros, proporcionou uma visão parcial e
dicotômica do Homem com a natureza.
Olha pro que coisa mais linda. As natureza, tudo.
cresceno. no meio da horta, tá distraído, lá. Como é
que pode, né, Deus fazê aquela coisa cresce da terra né.
Como é que pode, né. Como é que Deus dexo. Ih...a gente até
distrai lá na roça. (Santa, 41 anos, agricultora)
A população do Córrego do Bertoldo vincula o sucesso ou o fracasso da
produção aos desejos de Deus, em detrimento a todo o saber da técnica de
cultivo. É sempre esse “outro” da natureza o causador da destruição das
plantações e não o agricultor, conforme relato seguinte:
A chuva trapalhô, por causa que quebro a metade da cove,
podreceu e morreu muito, nóis ficamo colheno 5 mil mói.
Eu ainda dei graças a Deus que a minha cove num cabô tudo.
A enchente levô tudo e eu ainda tinha pra colhê. Chove muito
elas caba tudo, as fóia fica quais morreno, mais nóis cuidamo
dela e ela venceu, deu muito ainda, o resto do ano. [...] No meu
caso é melhor [plantação nos morros]. Vai chovê e eu vô tê. Se
Deus quisê eu muita. Igual o “Eduardo” [um dos nossos
60
sujeitos], que planta na baxada, num vai colhê. Porque num
vai tê e sobrano agora. Agora que é hora de fazê um
dinherinho num tem jeito, porque num vendeno, todo mundo
tem (Santa, 41 anos, agricultora).
Além disso, os fenômenos naturais que ameaçavam a vida humana eram
considerados determinação divina em decorrência de algum mau
comportamento ou de pecado, cometidos tanto de forma individual como
coletiva. Isso motivou e motiva até hoje, as orações de esperança e as
penitências para serem merecedores da misericórdia divina, bem como as
oferendas como agradecimento ao pedido alcançado, como pode ser
observado no discurso a seguir:
Na Festa de São Sebastião, as pessoa dão leitoas, frango....às
véis um saco de semente da plantação dele, prá pagá uma
promessa né. É um agradecimento das graças que recebeu de
São Sebastião, durante o ano. (Augusta, 56 anos, agricultora e
líder religiosa)
Além de relacionarem as condições climáticas à predeterminação divina,
o discurso abaixo esboça uma contribuição para a variação da renda familiar e,
conseqüentemente, para a instabilidade econômica. Mas, acima de tudo,
evidencia o comportamento dos moradores em relação à consciência
ambiental:
Cê arrepara no Caratinga pro cê vê quando entra as água
[época das chuvas]. Não vai tê verdura não. Vem as água, vem
o sol no mês de janeiro. Aí vem as enchente (riu) e acabá tudo.
Nóis reza muito pra num inchente muito forte, porque tem
que as verdura pros coitado cumê (Santa, 41 anos,
agricultora).
Ao pedir a Deus para que não mande uma enchente muito forte, transfere
a responsabilidade dos desequilíbrios socioambientais a Ele. Assim, elabora
um discurso apelativo de misericórdia, não somente para o benefício próprio,
mas para “os pobres coitados” dos seus clientes, acreditando ser um motivo
forte, o suficiente para que suas preces sejam atendidas. Portanto, mais uma
vez, demonstra o seu distanciamento da natureza.
61
nos discursos anteriores uma postura de devoção. Segundo Oliveira
(1985) essa maneira característica de ritos e de culto a um santo devotado se
refere a um contrato de aliança, na forma de dom e contra-dom. Há uma
relação de reciprocidade onde o fiel se empenha a retribuir simbolicamente o
recebimento da dádiva divina.
Além desse comportamento, existem, no Córrego do Bertoldo, diversos
outros aspectos que destacam a ruptura Homem-natureza, como pôde ser
observada no trabalho de campo a forma como se relacionam com o próprio
ambiente, isto é, com o local de moradia.
Os moradores do Córrego, normalmente, aproveitam os resíduos
orgânicos para a alimentação dos animais domésticos, mas, os resíduos
inorgânicos, especialmente plásticos e vidros são deixados nos arredores das
casas e expostos às chuvas e aos ventos. Assim, gradativamente, vão sendo
empurrados ao curso do rio.
Apesar de a devolução das embalagens dos agrotóxicos ser
regulamentada por lei, não se constitui em uma prática dessa comunidade.
Algumas famílias queimam as embalagens de agrotóxicos e os demais
resíduos inorgânicos, o que contamina o solo, as águas e o ar, pela emissão de
monóxido de carbono e componentes nitrogenados. Entretanto, considerando-
se que não existe coleta de lixo no Córrego, entre queimar e deixar os resíduos
inorgânicos nos arredores das casas, a primeira opção parece ser a menos
danosa ao meio ambiente, inclusive esteticamente. Este último aspecto não
incomoda os moradores, a maioria convive com o lixo no entorno da casa
evidenciando que o “olhar” para essa situação não foi educado.
Em relação ao curso d’água que se origina no Bertoldo de Cima,
passando pelo distrito de Dom Modesto até chegar ao Bertoldo de Baixo,
observa-se uma aglomeração de fatores responsáveis pela contaminação de
suas águas. Pela condição topográfica, as águas da cabeceira recebem o
acúmulo dos produtos tóxicos que são aplicados na agricultura daquela região,
mais os dejetos oriundos do esgoto das águas utilizadas nas residências,
sejam elas da própria casa ou dos locais de criação de animais, e se distribuem
em seus cursos d’água. Além disso, a maioria das moradias não tem nenhum
tipo de fossa. Por causa dessa condição, os agricultores que realizam contrato
62
com a Cooperhorta são obrigados a construir poços artesianos, como declara a
agricultora abaixo:
O problema local aqui também é igual, já vem o caso do
problema muito da água, aqui no córrego do Bertoldo, é um
lugar muito assim... a maioria aqui, quê ojá ando por aqui a
fora, principalmente esse córrego, é verdura de folha né. Daí a
gente trás um problema muito grande né. Porque a gente
trabalha com a Coperhota, não pode ser qualquer água, tem
que ser uma água tratada, eu falo assim...nascente, igual eu
tenho 2 poço ali, que ele furô. Igual assim, eu tenho dois poços,
eu tenho essa água que desce mas ela o serve pra horta,
porque ela vem de D. Modesto. Até eles estão querendo fazer
um negócio lá, parece que até começaram né Tiãozinho!... eles
começaram até a fazer um negócio lá, deve ser mais ou menos
pra tratar da água né, não sei se eles vão dá, continuam
precisando terminá ou não, sabe. Mas é o que a gente
queria,... assim, que melhorasse, porque tem tanta água ali e
não posso usar. Tive de fazer dois poços e às vezes passo até
dificuldade, a água é menos, pra economizar às vezes um
pouco... E só esse que eu acho de mais, o problema maior só a
água, igual por exemplo, incomoda né, por que é coisa pra
vida. Igual onde eu trabalho, por exemplo na coperhorta, o
pessoal de Ipatinga vieram aqui para fazer examinar a água,
então, uma coisa bem mais… que a gente queria que
melhorasse era isso sabe? (Mônica, 33 anos, agricultora)
Com essa classificação, o sujeito parece revelar que tem algum
conhecimento sobre a situação de contaminação. Aqueles que mantêm
contrato com a cooperhorta, enunciam mais fortemente o distanciamento entre
ele e a natureza. Para eles, não existe condições de uso para água do córrego,
deixando claro que usa água potável, tal como determina a cooperativa. Com
isso, parece entender que está fazendo a sua parte, e, se a água está
contaminada, não nada a fazer para mudar a situação como no relato a
seguir:
As águas que vêm de D. Modesto (consideradas contaminadas
e poluídas), passa aqui (no entorno da casa), mas graças a
Deus, eu nem ponho as mão nela. (Salomé, 35 anos,
agricultora)
Isso caracteriza a relação dos moradores com o curso d’água,
demonstrando que, embora ele atravesse os seus quintais, simplesmente o
63
desconsideram, sobretudo para a irrigação da plantação que será fornecida à
cooperativa. Nesse momento, se colocam “fora” da situação de causador e
passam à condição de observador passivo de uma condição inadequada.
Exime-se, portanto, da responsabilidade com o meio ambiente em que se
encontram inseridos.
Mesmo sabendo da contaminação do Córrego, alguns dos moradores que
não tinham vínculo com a cooperativa utilizavam essa água para regar a
plantação, o que novamente fortalece as evidências da dicotomia Homem-
natureza. Para os sujeitos, a contaminação da água é uma situação evidente e
natural, como descrito pelo discurso abaixo:
Essas água aqui, vem tudo de D. Mudesto, tudo contaminada.
(Sirano, 40 anos, agricultor)
Esses hábitos e costumes resultam um em processo de naturalização que
gera posturas acríticas e, por conseguinte, perda da capacidade de indignar-se,
tal como é o caso da presença das parasitoses na água, o que se tornou, entre
os moradores, motivo de ironia e até de brincadeiras:
Oh fulano, o inzame deu xistose? Não? ih, então teve falta
de sorte(riu muito).”Cê pode repiti o inzame, aposto que vai
xistose”. Esse lugá aqui é lugá de xistose, mesmo. (Sirano,
40 anos, agricultor)
Nesse caso, existe uma contradição entre discurso e prática que,
embora tenham conhecimento das condições insalubres da água, se expõem
aos riscos de contaminação ao consumirem os alimentos irrigados por essas
águas. Em todas as casas visitadas, o relato das famílias era de que
consumiam água filtrada do filtro de barro. A água utilizada para outros fins,
como a higiene da casa, higiene pessoal e o preparo de alguns alimentos, é
proveniente das nascentes.
Portanto, a representação social de natureza da comunidade do Córrego
do Bertoldo de Baixo revela a dicotomia Homem-natureza, que se constitui em
fator preponderante do imobilismo dos moradores em relação às condições
insalubres do meio ambiente, fato esse, provavelmente associado ao baixo
64
nível de escolaridade da população. Demonstraram, durante as entrevistas,
que tem conhecimento dos problemas socioambientais da região,
especialmente a poluição do solo e das águas, entretanto, o senso comum
cerceia as possibilidades de transformação da realidade instalada.
Woortmann e Woortmann (1997) afirmam que na região rural, a natureza
é cognitiva e simbolicamente aprendida, onde o processo do trabalho ocorre
intrinsecamente às relações sociais. Historicamente, o existe uma natureza
independente do Homem e distante da cultura. As forças produtivas dependem
de meios materiais e intelectuais, no entanto, esses meios intelectuais são
modelos de saber, por meio e com os quais, o homem trabalha a natureza.
Entende-se por meios intelectuais o saber reportado socialmente por um
código lingüístico reproduzido pela transmissão e pelo aprendizado. Essa
transmissão se faz pelo próprio trabalho, é um saber-fazer por hierarquia
familiar, pois ela envolve além da técnica, valores e construções de papéis.
Nesse sentido, emerge a Educação Ambiental, como um processo de
aprendizagem permanente, baseado no respeito a todas as formas de vida do
planeta, que coloca em evidência, além dos aspectos naturais, os políticos, os
sociais, os econômicos e os culturais, utilizando-se, inclusive, da ecologia. Mas
essa concepção parece, ainda, não ter chegado ao Córrego do Bertoldo
(Fonseca, Costa e Costa, 2005).
Entretanto, não se trata de privar o homem do contato com a natureza, ou
distanciá-lo dela a fim de preservar para as gerações futuras, tal como postula
a Educação Ambiental conservadora. Segundo Loureiro (2004), essa
concepção apresenta práticas direcionadas para a conservação de áreas
protegidas e a defesa da biodiversidade, separando natureza e Homem. Tal
posição não rompe a relação do Homem com aquilo que deve preservar,
como também o exime de responsabilidades com esta natureza.
Essa concepção, associada à ausência de políticas de agricultura de
subsistência, pode reforçar o êxodo rural no Córrego, tendência expressa nos
depoimentos dos pais mais jovens, cujos filhos, ainda crianças, afirmam que
“não querem ficar na roça”, bem como aqueles que estão almejando mudar
para os Estados Unidos da América.
65
O minino meu [cerca de 8 anos] fala assim, eu pai, eu num
quero ficá nessa roça aqui não, subi esse morro aí todo dia. Ele
que num é bobo, ele num qué ficá na roça de jeito nenhum. Eu
num güento ainda não, mais eu quero estudá os meus minino
pra num dependê só de roça. Se eu tivesse outro trem pra fazê
eu num dependia de roça não. Eu ia arrumá outra coisa pra
fazê. (Felício, 41 anos, agricultor)
Ao contrário disso, a concepção pertinente e viável à sociedade atual é a
do desenvolvimento sustentável, que, segundo Charlot e Silva (2005), se
recusa a opor o Homem à natureza, na certeza de que ambos formam uma
unidade tão indissociável, que é impossível se falar em desenvolvimento sem
evidenciar tal relação. No entanto, Leff (2001) chama a atenção para a
divulgação e vulgarização da preleção
da sustentabilidade no discurso oficial,
pois este enfatiza a luta por um crescimento sustentado, sem uma justificativa
rigorosa da capacidade do sistema econômico de internalizar as condições
ecológicas e sociais (de sustentabilidade, equidade, justiça e democracia). Na
realidade, o que predomina no Brasil é desenvolvimento sustentado, que os
interesses econômicos predominam sobre os ambientais.
No córrego do Bertoldo de Baixo não foram identificados indícios de
desenvolvimento da consciência ambiental e compreensão do desenvolvimento
sustentável para a formação de uma sociedade responsável e comprometida
com a preservação do meio ambiente e, conseqüentemente, com a qualidade
de vida e o bem-estar da sua e das próximas gerações.
Embora a religiosidade esteja incisivamente presente na vida dos
moradores do Córrego do Bertoldo de Baixo e eles a expressem através de
preces, de orações, ou de cantos durante as atividades cotidianas, o tempo da
natureza mantém-se em primeiro plano.
Para os moradores, os dias da semana não seguem a lógica urbana. Não
restringem suas atividades agrícolas a determinados dias ou horários. Não
existe um funcionamento das atividades agrícolas reguladas ao dia de sábado,
de domingo, de feriado ou de dia de santo. Eles trabalham orientados por uma
demanda externa a eles:
É todo dia, de domingo a domingo que nóis trabalha. Nóis num
faia de domingo sem panhá verdura não, porque no
Shopping [Shopping do Vale do Aço] quem compra verdura,
66
qué todo dia fresquinha. De domingo a domingo, tem 5 ano que
nóis trabaia [entregam para a cooperhorta]. Prá nóis não tem
dia santo. Esses dia de festa, dia santo, semana santa, sexta-
fera da paxão aqui que nóis trabalha mais. Às véis dá no
domingo [o feriado] e na segunda-fera ele qué verdura lá, uai.
(Santa, 41 anos, agricultora)
O tempo do trabalho e o tempo da natureza encontram-se tão imbricados
que não se percebe a submissão do primeiro ao segundo. Existe uma
demanda de mercado que só será atendida se a produção estiver pronta para o
consumo. Nesse caso, foi a experiência e a técnica que lhes possibilitou o
conhecimento sobre o número de dias que determinado produto leva do plantio
à colheita para estar pronto ao consumo.
Associado a esses dois tempos anteriores, insere o tempo da
religiosidade. Existe uma adaptação do tempo da religiosidade ao tempo do
trabalho. Por mais que exista a obrigatoriedade intrínseca ao sujeito e,
portanto, a responsabilidade religiosa, o tempo do trabalho predomina, tal como
declara o sujeito:
Engraçado, né. seis e meia eu saio correno. Porque sete
hora [19:00h] começa a missa. O padre sabe que quase
ninguém tem tempo de dia. E num vai quase ninguém. Agora, a
noite vai muita. Gente de todo lado. (Santa, 41 anos,
agricultora)
Nota-se uma relação de “troca” ou barganha na relação entre o pároco e
os moradores. Segundo O’Dea (1986) e Chatellier (1995) essa é uma forma de
manter ou estimular a adesão do grupo, pois se as pessoas se vêem
desprovidas ou rechaçadas desse espaço sagrado perdem seu referencial e
assenta-se a anomia.
Segundo O’Dea (1969) e Alves (1981), durante muito tempo, considerou-
se que o conhecimento vinha apenas através da razão, subordinando a
imaginação à observação e aos dados científicos. Essa época era
caracterizada pela cisão entre corpo e mente, medicina e religião.
Partindo-se dessa cisão, à religião coube o governo do mundo invisível
com a função exclusiva de proteger as almas aflitas. Nesse ínterim, a religião
tornou-se um referencial do pobre oprimido. A ciência manteve a religião
67
imobilizada por um tempo, alterando suas interpretações originais. Entretanto o
que se preconiza durante a evangelização era a busca e o sentido de uma vida
feliz, de forma que essa trouxesse satisfação, conforto e segurança para o ser
humano. Em contrapartida, o que a ciência tinha a oferecer era um
conhecimento mecânico, racional, mas desprovido de significações e
sentimentalismos (Alves, 1981). Entretanto, sabe-se que a cisão entre a ciência
e os dogmas da religião foi necessária, para que a primeira evoluísse dentro de
um paradigma próprio (Tillmann, Oliveira, 2004).
A partir da década de 90, vários cientistas (Pollner, 1989; Lukoff, Turner,
1992; Tix, Frazier, 1998; Hill et al., 2000; Panzini, Bandeira, 2005; Ferriss,
2002; Flech et al., 2003; Faria, Seidl e Zanon, 2004) têm-se desdobrado nos
estudos sobre religiosidade, espiritualidade e crenças pessoais, associando-os
à saúde mental, física, ao bem-estar e à qualidade de vida. Esses grupos
baseiam-se em teorias socioantropológicas e acreditam que a religião tem um
papel de suporte para o homem se adaptar às situações de contingência,
impotência, escassez, frustração e privação (O’Dea, 1969; Alves, 1981;
Martins, 1986).
4.3 Relações sociais, tempo livre, lazer e religiosidade
Desde o nascimento, o homem tem a necessidade de desenvolver o
sentimento de pertencimento aos grupos sociais. Esse sentimento se
estabelece culturalmente e tem início dentro do primeiro grupo social que se
tem contato, a família. Nesse sentido, Bravo (1983) conceitua grupo social
como a reunião de duas ou mais pessoas que se encontram em interação, em
ação recíproca de idéias, de sentimentos a fim de atingir um objetivo comum.
O comportamento de grupo dos moradores do Córrego do Bertoldo de
Baixo vai ao encontro da idéia de Bravo, mantendo, obviamente, as
características peculiares à comunidade rural estudada. O mesmo autor, trata
também do conceito de comunidade, afirmando que ela é um “conjunto
articulado de grupos sociais num determinado espaço” (p.22). Chama este
primeiro conceito de preliminar e apresenta outro, que considera mais
68
abrangente, assim, comunidade é “segmento da população agrupada em lugar
ou atividade com a forma de vida similar, com possibilidades de mudanças
similares (p.22)”.
Apesar da pequena distância entre os domicílios da comunidade, as
famílias relataram que as relações sociais no grupo local acontecem em
situações específicas, tais como as relacionadas ao trabalho, a problemas de
saúde e a encontros de cunho religioso.
Isso se deve, primeiramente, às condições de trabalho. De forma geral,
todos relataram que a “Vida” na roça era extenuante e que, ao final do dia,
ficavam excessivamente cansados para qualquer tipo de atividade social ou de
lazer. O segundo motivo era o inconveniente de terem que interromper as
atividades que estavam realizando, como no discurso a seguir:
É porque cada um tem seu serviço, uai. Às véis ela
costurano [vizinha], eu apertada aqui panhano verdura. E eu
num tamém saí do meu serviço pra mim ir lá. Porque se
eu for vai atrasá meu serviço. E ela tamém num vem aqui
não. E ela tem muito mais tempo que eu. Ela num trabalha na
horta que nem eu não (Santa, 41 anos, agricultora)
Entretanto, a necessidade do outro, especialmente em decorrência de
algum favor, marca o tempo social dos contextos sociais.
Ah, vivê aqui é bom, né, prá gente, como diz o outro, cada um
na sua casa, a gente na da gente, né? E quando a gente
pode, a gente vai na casa s, que hoje, hoje ninguém tá nem
prêsse negóço de passiá muito na casa do outro mais. Vai lá
mais é de pricisão, né (Ernesto, 63 anos, aposentado).
Assim, muitas vezes, as relações sociais são motivadas por fatores
externos ao sujeito, não por espontaneidade:
É cada um na sua, né. Cada um cuida da suas coisa lá. Eu
acho que todo mundo tem o direito de vivê do jeito que qué.
Mais vive bem também, os vizinho aqui é uma família mesmo.
Na hora das dificudades, do lazer, tá todo mundo junto (Adão,
55 anos, agricultor e produtor de cachaça).
69
Assim, ao se referir às relações sociais, a maioria dos moradores
fundamenta-se em idéias individualistas, propagadas pelo sistema capitalista:
“cada um na sua”. A percepção sobre o sentido das relações sociais varia entre
os sujeitos mais jovens e os que têm acima de sessenta anos. São visões e
interpretações de mundo diferente, não em função da idade, como pelas
contingências causadas pela lógica do mundo utilitarista.
Há um saudosismo nos discursos das pessoas mais velhas, que outrora
viveram uma época de encontros entre amigos, parentes e vizinhos, quando
ficavam longas horas à beira do fogão à lenha, jogando baralho e contanto
casos antigos ou anedotas da época. Sobre isso, D. Francisca destaca:
Antes nóis ia, quando tinha os minino piqueno a gente ia, ia
lá, eu nos vizinho, sabe. Ês pegava, ia brincá de baralho, sabe.
Se divia ir pvê, ficava até tardão. Cabô tudo isso, minina,
agora as amiga fica assim tudo sumida, quando encontra
mesmo numa festa na igreja lá. Confesso que é difici mesmo,
eu num tem ido na casa dos outro não, é mui difici boba
(Francisca, 60 anos, aposentada)
Nesse tempo vigorava, naturalmente, entre eles o sentimento de grupo, a
valorização da coesão da família e a solidariedade. O tempo do lazer parecia
ter seu lugar na comunidade. Porém, atualmente, o tempo de trabalho e o
tempo de lazer no campo encontram-se totalmente imbricados.
A respeito do lazer e do tempo livre, Oliveira (2006), afirma que são
fundamentais ao ser humano, reparando psíquica, física e socialmente o
sujeito, recompondo as energias, ampliando sua capacidade criativa,
melhorando a auto-estima e aumentando a satisfação pessoal.
Os moradores interpretavam os termos, “convivência”, “descanso”,
“divertimento” e “lazer indiscriminadamente, utilizando um termo pelo outro.
Assim, as reuniões de caráter religioso fazem parte dos pequenos momentos
de lazer do grupo e, apesar de não terem expressado verbalmente, isso ficou
implícito durante as entrevistas, quando foram interrogados sobre o que faziam
para descansar.
Normalmente, os moradores negam a utilização do termo “lazer” para
definir aquilo que fazem no “tempo livre”. Além disso, o tempo livre está
atrelado ao tempo da religiosidade, que não representa tempo livre, mas
70
obrigações prazerosa com a fé. Assim vive-se a ambigüidade do tempo ser
livre, mas também de obrigação, o tempo do não-trabalho.
Para as famílias do Córrego do Bertoldo de Baixo, não havia espaço ou
tempo para o divertimento. Eles riam quando eram inquiridos sobre essa
questão. A reação dos moradores diante da pergunta, era de estranhamento ou
deboche, tal como evidenciado no discurso abaixo:
Quanto eu discansano eu tô carregano pedra (Felício, 41
agricultor).
Discanso num tem não! Discanso é meio difícil, (Lúcia, 34
anos, agricultora).
A gente não tem muito prazo de sair, na verdade não tem dia
nenhum né, a gente quase não tem tempo de sair por que o
serviço não deixa (Mônica, 33 anos, agricultora).
Das 27 famílias, dez relataram que não se divertiam. Para as outras 17
famílias, o lazer ou descanso se dava através do trabalho, como pode ser
constatado no discurso a seguir, quando foi interrogado sobre como ela se
diverte:
[...] o que eu mais gosto de fazê é lavá ropa. Minhas ropas fica
limpinha. Enquanto tivé uma manchinha, se eu que é sujo
eu ranco tudo (...). Toda vida eu gosto de lavá ropa. Mas é uma
veis por semana que eu lavo ropa. Que eu num conta,
que eu num posso lava mais não (Santa, 41 anos, agricultora).
Ah, pra mim eu fico muito feliz,(disse toda animada e sorrindo)
lazer sim, por que eu trabalho, eu mexo com horta mais esse é
o meu lazer também. ?(Graça,39 anos, agricultora)
Quando inquiridos sobre as atividades ligadas ao lazer, das 27 famílias
entrevistadas, cinco relacionavam o lazer ao trabalho, cinco consideravam os
momentos de descanso quando assistiam a programas de televisão ou rádio à
noite ou após o período de trabalho e, apenas 6 famílias referiram-se a visita a
71
amigos e parentes, distantes do Córrego, como uma atividade ligada ao
descanso.
Apesar de não fazer parte das propostas de análise deste trabalho,
comparando as respostas entre os gêneros, a população feminina relacionava
mais o lazer às atividades religiosas. Essa população, durante todo o estudo,
relatou grande participação em grupos de atividades ligadas à Igreja Católica.
Existiam vários grupos de orações ligados ao estudo e doutrinamento de
jovens e de casais, bem como grupos de atividade mista, como a Sociedade
São Vicente de Paulo (SSVP).
Portanto, as Relações sociais se restringiam, na maior parte das vezes, à
rotina religiosa, percebida como atividade social e de lazer. Os eventos
religiosos eram o ponto de encontro e de interação das famílias daquela região:
tem a celebração em Dom Mudesto. Custuma tê missa tamém,
mais é a celebração, né, que o padre num pode vim todos os
dias, né. (...) Ah, a celebração é com o pessoal mermo do
lugar lá, né. É bom dimais aí! Ah, é tudo bom, né? Falo nas
coisa de Deus, tudo é bom né, é encontrá com os amigo,
conversá, né (Ernesto, 63 anos, aposentado).
Mesmo considerando cansativo, o período de trabalho na horta, os
moradores não perdem alguns eventos religiosos, que ocorrem anualmente
como as missões que culminam na Festa do Jubileu. Geralmente, as missões
iniciam num horário que permite a presença da maior parte da população local.
Esse é um momento considerado por eles de alegria, emoção e até lazer:
Ah, é um encontro muito gostoso, a gente lê, a gente canta,
ouve da Palavra de Deus, né? (Francisca, 60 anos,
agricultora).
Nóis vão pra conversa, pra reza e nóis canta muito. Aí seis e
meia eu saio correno. Porque sete hora [19:00h] começa a
missa. O padre sabe que quase ninguém tem tempo de dia.
E num vai quase ninguém. Agora, a noite vai muita. Gente de
todo lado (Santa, 41 anos, agricultora).
É nesse momento que a comunidade se diverte, encontra os amigos e
parentes e “batem-papo”, como eles mesmos dizem. É um momento de
72
descontração, em que pessoas de todas as idades se reúnem e trocam as
informações mais recentes de suas vidas.
Nóis vão pra conversa, pra reza e nóis canta muito (...) É uma
veiz. Todo mêis tem missa lá, com o padre José de Fátima. (...)
Ah, eu canto muito, eu acho muito bunito. o povo lá, tudo
alegre, tudo satisfeito, todo mundo quê me vê. (...) Conversa.
Conta os caso. Descobre como é que é. De onde que és é.
Antigamente quando a mamãe morava aqui eu era assim,
assim e assim. Conto os caso como é que eu era, né.
A Igreja, ou as festividades que ocorrem devido a comemorações
religiosas é um ponto de encontro com amigos e parentes. É o momento em
que se pode conversar sem interferir na rotina de trabalho do outro.
Observou-se que o catolicismo predominante no Córrego do Bertoldo é o
classificado como popular. Brandão (1986) considera o catolicismo popular
como um espaço “de re-significação” do Catolicismo oficial. um
deslocamento da compreensão das concepções dos significados e dos
símbolos da esfera oficial para a esfera popular. Assim estabelecem as re-
significações num sentido de reciprocidade. É uma interação cultural entre o
povo e aqueles considerados como elite. Assim, a Religião popular é a parte
subalterna de um trabalho simbólico e político no setor religioso” (Brandão,
1986, p. 298). Nesse sentido, Brandão considera a Religião um lócus de
construção do ”saber ou conhecimento local”. O autor considera que a religião
no Brasil, é uma importante esfera de produção de sentido, onde o “saber
local”, portanto popular, encontra campo fértil para ação e construção social.
Gaeta, (1997), Queiroz (1973) e Brandão (1996) relatam que no
catolicismo popular cultuam-se os santos de forma mista, uma associação
entre a forma ortodoxa e elementos religiosos indígenas ou dos cultos negros
ou ainda, do Espiritismo do século XIX, como pode ser verificado no discurso a
seguir:
Teve muita fofoca pra atrapalhar meu casamento. E essa gente
do Valfrido
10
gostava muito de mim, deu minino pra mim e pro
papai batiza. A avó dele morava com eles dentro de casa,
10
Nome fictício dado ao marido da entrevistada.
73
porque ela era viúva e diziam que ela era muito feiticeira. Isso é
o que o zoto contava. Quem me contava isso era a menina que
eu fui madrinha dela [rimos]. A menina ia lá pra casa, a irmã do
74
ruim, a gente levanta de cabeça ruim, dor no corpo pra todo
lado, e...é muito pobrema..Nossa Senhora! nem fala...só
Deus pra cura a gente sabe? Quem as pessoa assim igual
eu, não é fácil não minha fia. (Filomena, 52 anos, pensionista)
Ah, graças a Deus. O poco que a gente faiz, tem que agrade
muito a Deus
.
Que nóis tem saúde né. is não pode cramá
mais por causa que esse fumo (excesso de produção) que
teno é por todo lado. Ninguém fazeno dinhero mais não.
(Santa, 41 anos, agricultora)
Nasci pobre, sô pobre até hoje, como se diz, tenho minha
casinha de morada, meu carrim pra trabalha, sou filha de
pessoas simples, humildes e pobres...mas eu amo minha vida,
amo minha pessoa...como se diz, mais, primero eu amo a
Deus, amo a minha pessoa, eu gosto e acho...e me sinto muito
feliz. (Augusta, 56 anos, agricultora)
Esses discursos incluem o lugar central ocupado por Deus na definição
de qualidade de vida para esta população.
A gente tá ali pra fazê oração pra eles, pra que eles fiquem lá,
pra que Jesus abençoa eles, pra eles passá a gosta daquele
encontro. E dexá de í praquele mau caminho e participá. Sê um
jovem bom....porque hoje, quantos jovem que tá no mau
caminho e nas drogas. Então é isso, que a gente tá fazendo
a liturgia. Augusta, 56 anos, agricultora)
Pela amizade e oportunidade de encontrar com os amigos, o povo se
apóia nos movimentos religiosos, como destacam nos depoimentos. O prazer
como se referem às atividades religiosas é demonstrado não pelo sorriso,
75
mesmo processo, saem da casa onde o andor ficou por um dia,
vão em direção à próxima casa a ser visitada, rezando o terço,
e lá fazem a celebração bíblica, seguindo o roteiro das Missões
nas famílias.A cada dia, o andor é levado em procissão,
rezando-se o terço, de uma casa à outra até que se complete
31 dias de missões. Cada celebração tem um tempo máximo
de duração de 1 hora. No último dia, todos os andores saem
novamente, no mesmo horário, da última casa visitada de cada
setor e retornam à igreja para a celebração final das missões.
(Descrição dos Lideres religiosos, seguindo documento dos
fundamentos da Igreja, do ano de 2004)
Brandão (1989) analisa as festas religiosas, especialmente as procissões
brasileiras, e afirma que elas ocupam um lugar simbólico, onde
cerimonialmente “separam-se o que deve ser esquecido e, por isso mesmo, em
silêncio o-festejado” e aquilo que “deve ser resgatado da coisa ao mbolo,
posto em evidência de tempos em tempos, comemorado, celebrado”. Assim, a
função da festa é lembrar o passado, tornando-o presente por meio da
representação. Para Durkheim (1989) a festa possui duas faces, uma que
revela o lado profano, que é a pessoa como indivíduo, e a outra que reflete a
santidade, isto é, as pessoas procuram aproximar-se dos deuses, agindo
muitas vezes como eles.
4.4 Satisfação com a vida, qualidade de vida e religiosidade
Os dados objetivos desse estudo, sobre a satisfação com a vida,
indicaram que 23 famílias (85,2%) referiram estar parcialmente satisfeitas e
quatro (14,8%) totalmente insatisfeitas. Esses dados numéricos são
confirmados pelos depoimentos nas entrevistas. Parece haver consciência do
sentimento de alegria desvinculado da riqueza, como muitas pessoas
costumam associar.
Porque quantas vezes a pessoa às véis é rico, tem de tudo,
tem todo o conforto na vida e num tem aquilo que é necessário,
que precisa em casa que é a alegria, (Augusta, 56 anos,
agricultora).
76
Em contrapartida, grupos de pessoas que apontam o dinheiro como
base para se ter boa vida:
O que ta faltando na vida?... falta o dinheiro pra gente, que a
gente não tem, pra tê o conforto que a gente pricisa, tê as coisa
no lugar (Filomena, 52 anos, agricultora)
(Disse sorrindo)...tê uma boa vida é uma pessoa tê dinhero
(riu) isso é tê boa vida. A gente também (...) quem tem dinhero
é que manda tudo, né. Então (...) dinhero é o que em farta
né. (riu e rimos também). Em todo lugar o dinhero em farta.
Então a gente vai levano a vida (riu) do jeito que a gente pode,
né. Num tenho nada a recramá não (Lúcia, 34 anos,
agricultora)
Apesar do reconhecimento da necessidade do dinheiro para ter qualidade
de vida, raras vezes se a contraposição aos princípios de aceitação e
resignação ao destino divino. Geralmente, essa reação pessoal acontece
quando um ente familiar querido se encontra numa posição, considerado pelo
gestor, de desvantagem ou injustiça. Apesar da resignação fundamentada no
poder divino, parece haver indícios de crises existenciais:
Mas falá que a gente muito sastisfeito, muito alegre, o é
não. Depende do dia da gente, hoje alegre...amanhã
triste. E assim...vai levano o barco (Filomena, 52 anos,
pensionista)
Mesmo em conflito emocional com as condições de vida, o discurso é
velado pelos princípios éticos e morais religiosos de aceitação das condições
pregadas pelo Catolicismo. Imediatamente, manifesta-se o medo das
conseqüências das blasfêmias e da heresia.
Ah... Boa o é não minha fia, é penosa, não é fácil não, a
gente luita muito e cadê? O mantimento a gente colhe poco, e
do pouco que colhe ainda tem de... No final do ano tem que por
um pouco na venda né, porque o terreno fraco. Dinheiro ce
sabe, é pouco, pra gente manter a casa, sabe como é que é
né. Então, a gente tem que falar que ta bão né. E levá o que
Deus deixou pra gente né, (Filomena, pensionista, planta para
despesa da casa)
77
Embora sua vida não seja a que, essencialmente, gostaria de ter,
verbaliza o conformismo com o que Deus lhe deu, embora tacitamente
evidencie o contrário. A obrigatoriedade em se conformar parece evidenciar
que reclamar é pecado e desagrada a Deus:
E tamém, a gente passa muito trabalho com a família da gente,
e tem uns fio da gente que tem uns pobrema de vício, bebe,
numa família grande igual a essa, sabe né, não tem como
falar que muito alegre não, mas com as força de Deus, Deus
ajuda a gente, que a gente vai infrente sabe? Eu sou uma
pessoa muito religiosa, rezo muito, então com as força de Deus
a gente chega onde tem que chegá sabe.
(Filomena,
pensionista, planta para despesa da casa)
A gente, as véis ta ruim, tem que fala que ta bom, e Deus ajuda
[...] (Sirano)
Quando se trata de posse de bens materiais, o conflito relacionado à
negação de valores divinos e a defesa do conceito de justiça terrena,
associado ao esforço do trabalho pesado:
Porque esse negócio de a gente pensá as coisas que a gente
morre e num leva nada, é bobagem. Num tem nada que pensá
isso. Na medição de terra aqui, que tocô pra mim, eu fiquei
perdendo 2 alqueires de terra, eu lembrei das meninas. O tanto
que as meninas trabaiô, perdê dois alqueires de terra, é
bastante valor aqui, né. Eu ficava lembrando, meu Deus,
minhas fias traba tanto e agora, ela que vai toma esse
prejuízo? (Silvia, 79 anos, agricultora)
A qualidade de vida é percebida como algo externo ao sujeito. Da mesma
forma que as pessoas idosas e os adultos, os mais jovens manifestaram um
estranhamento ao termo qualidade de vida, como se não houvesse
representação do termo no contexto de sua vida diária.
(Pensou).... É uma palavra até difícil pra eu te informa, sobre
qualidade de vida. eu teria que informar porque e, por
exemplo, eu acho que [silêncio] sobre qualidade de vida por
exemplo... eu acho que a vida é difícil, mas sabendo viver ela é
fácil. Então, ficô uma palavra mei difícil de eu te informá. Eu sei
fala assim, o que que a gente faiz, o quer que a gente passa.
78
Mas te informá assim, sobre qualidade de vida fica mei difícil.
(César, 65 anos, aposentado e agricultor)
Necessitou-se então, substituir o termo “qualidade de vida”, por “boa
vida”, “vida boa” ou “viver bem”. Entretanto, ao usar os dois primeiros termos
de substituição do termo “qualidade de vida”, provocamos uma reação negativa
no grupo entrevistado. Após recebermos algumas respostas que retrucaram a
pergunta, acompanhadas de expressões de espanto, deboche ou de graça, é
que compreendemos o sentido dos termos para a comunidade. Eles eram
empregados para caracterizar pessoas ociosas ou preguiçosas, portanto, para
eles, destituídas de valores sociais e morais.
Ainda assim, e mesmo para alguns que poderiam estar sob a influência
dos centros urbanos; ter qualidade de vida, ou melhor, viver bem, seria obter
algo que está dentro do contexto real de sua vida material.
Qualidade de vida, para eles, sempre está relacionada a Deus e ao
trabalho, que, como destacado em outra categoria, orientam a dinâmica da
comunidade:
eu teria que informar porque e, por exemplo, eu acho que
[silêncio] sobre qualidade de vida, por exemplo. Eu acho que a
vida é difícil, mas sabendo viver ela é fácil. Então, ficô uma
palavra mei difícil de eu te informá. Eu sei fala assim, o que
que a gente faiz, o quer que a gente passa. Mas te informá
assim, sobre qualidade de vida fica mei difícil. (César, 65 anos,
aposentado e agricultor)
Qualidade de vida é... uma vida de trabalho né, todo mundo
sabe, né. Porque todo mundo vive é com o trabalho, né. Igual
nóis aqui na roça (César, 65 anos, agricultor)
Isso está associado à base de sustentação financeira e de perpetuação
da família, nota-se um conflito de idéias e atitudes da população, quanto aos
princípios ensinados pelo Catolicismo; referentes ao desprendimento das
coisas materiais e confiança na providência divina, com o conceito de justiça
terrena, como forma de compensação dos trabalhos braçais e da vida sofrida:
Ah, acho que graças a Deus nóis tinha vontade de comprá uma
porterinha, um pedaço de terra, né. Mas acho que, bom,
graças a Deus (Carlos, 34 anos, agricultor e frentista)
79
No que diz respeito ao trabalho braçal e a vida sofrida, outro sujeito
parece fazer um desabafo:
Eu acho a vida muito boa, mais aqui, Deus me livre. Deus me
livre de ficá na roça. É muito boa a roça pra você ficá lá, mas
pra ganhar dinhero, aqui. Isso aqui não dinhero mais o.
Mais pra vivê de saúde é muito bão (Felício, 41 anos,
agricultor)
O sujeito revela o cansaço do trabalho agrícola de muitos anos sem
retorno financeiro que o permita satisfazer as necessidades pessoais e da
família. Destaca que o ambiente rural é um espaço de se viver com qualidade
de vida, mas sem depender financeiramente dele para viver, é o que também
indica outro sujeito:
Porque num ta aguentano mexé com roça, q, cansô,
cansado, né. Ah, num vale a pena morá na roça desse jeito
não né. (Francisca, 60 anos, aposentada)
Mas, ainda é a fé o instrumento para conquista de bens materiais e
terrenos. Nos momentos de crise ou de dificuldades financeiras, ou, até
mesmo, mediante desejos materiais acalentados para favorecimento próprio ou
familiar, a reação é de “pegar com Deus”:
Tô, muito satisfeita graças a Deus, a gente não tem muito
dinheiro, igual eu estou te falando, mas eu fico muito satisfeito
com a vida que eu levo e com a dos meus filhos aqui pertinho
(Graça, 39 anos, agricultora)
A crença ou a em uma entidade superior é sempre buscada nos
momentos difíceis, diante de situações sociais ou familiares conflitantes:
Então quando a gente às is, tem fé em Deus e segura na
mão de Deus, de verdade, eu acho que tudo vai em frente,
porque primeiro, a gente tem que colocá Deus em primeiro
lugar. Porque a gente colocando Deus em primeiro lugar o
resto tudo vem (Augusta, 56 anos, agricultora)
Quando humanamente esgotam-se todos os esforços para remediações,
ou quando os indivíduos se vêem limitados de exercer qualquer tipo de ação
80
para a resolução do que consideram problema de vida, acreditar em Deus
torna-se o consolo.
Essa comunidade rural se comporta como um grande grupo familiar,
portanto, um senso comum, regulado pelo sistema educacional religioso,
que, a maioria das vezes, considera o consumismo como pecado, soberba ou
cobiça. Essa regulação pode contribuir para a adaptação às condições de vida
rudimentares, apesar de as famílias terem conhecimento dos diversos produtos
no mercado, pelos meios de comunicação utilizados freqüentemente por eles.
Em geral, ainda que tenha um grupo que se considera satisfeito com suas
vidas, mas que anseiam uma situação de vida melhor que a atual, não ousam
verbalizar os seus desejos, porque isso representaria uma blasfêmia. Quando o
fazem, a colocação é acompanhada por expressões de desculpas a Deus e,
simultaneamente, o estilo de vida é visto, ora como sorte, ora como destino,
ambos traçados e predeterminados por Deus.
81
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Através desse estudo não pretendi testar teorias, resolver problemas ou
anunciar a verdade. Ao tentar compreender as representações de qualidade de
vida da comunidade rural do Córrego do Bertoldo de Baixo, propus-me, com as
observações e as entrevistas, tecer minhas idéias com a dos sujeitos e a dos
interlocutores intelectuais. E esse é o momento de retomar os pontos principais
que foram abordados ao longo desse estudo.
O objeto de estudo dessa investigação, a expressão qualidade de vida,
tem sido muito empregada e interpretada nos últimos 40 anos sob diversos
contextos sociocultural e histórico e, muitas vezes, é identificada com o grau de
satisfação encontrado na vida familiar, amorosa, social e ambiental e a estética
existencial. Apesar de existirem características que são assentidas
universalmente, pesquisadores não chegaram a um consenso sobre o conceito
qualidade de vida. O que se problematiza, portanto, é a incorporação cultural
que compõe as dimensões desse constructo. O conhecimento e as crenças
pessoais intercambiam entre si, produzindo o universo cultural.
Nesse sentido, o ethos de vida da comunidade rural estudada influencia a
construção da representação de Qualidade de Vida, visto que a religiosidade
se constituiu em um forte elemento da identidade social apresentando-se
transversalmente a todas as categorias que emergiram. A religiosidade, as
crenças e os ritos dão sentido à vida dessa comunidade, marcam as relações
com o trabalho, com a natureza e com as relações sociais e aquelas próprias
da religião católica.
82
Isso tem relação com a identidade cultural e educacional brasileira,
marcada pelos princípios cristãos. Assim, a religião interfere na formação de
valores e ideais, exercendo influência nas formas de o sujeito representar as
diversas dimensões da vida. Diante disso, ela se torna um dos muitos domínios
que formam o constructo qualidade de vida.
A religiosidade é o que mantém a união da comunidade, é o que dá norte
aos valores individuais e às idéias de grupos. Ela é a sustentação das idéias de
senso comum da comunidade. Traçando-se uma linha contínua, iniciando nos
moradores mais antigos até os mais novos, nota-se, em seus discursos, por
mais distantes que estejam em seus desejos e ações, que um valor se repete
quanto à situação de suas vidas; o respeito, o temor, a submissão e a
resignação aos princípios religiosos.
De uma forma geral, os sujeitos com idade acima de 50 anos têm uma
preocupação voltada para os filhos, o bem-estar material da família, o que
significava ter uma casa própria “boa” para morar. uma preocupação com a
saúde, mas de forma que esta permita a continuidade do trabalho e essa é
uma idéia que vai ao encontro da lógica de reprodução social do mundo rural.
Notou-se também, que de uma forma geral, os moradores não estavam
totalmente alheios às suas condições objetivas de vida, bem como não
deixavam de perceber e de almejar as coisas que eram necessárias para se ter
uma “boa qualidade de vida” ou de viver bem, dentro de suas concepções de
vida e de seu “limite socioeconômico”, mas sempre que citavam sobre o que
faltava em suas vidas, a atitude, imediatamente posterior ao discurso, era de
submissão e arrependimento do tipo, “eu sei o que me faz falta, mas não devo
dizer ou pedir muito, pois Deus sabe o que faz... o que pode e o que eu
mereço”.
Durante as entrevistas com as pessoas mais jovens, não se observou
uma postura de resignação quanto às condições de vida, nem um
posicionamento de dedicação religiosa intensa. A forma de se colocar diante da
vida se aproxima da proposta do princípio de individualismo, mas ainda não se
configura totalmente como tal. Os “sonhos”, os objetivos de vida eram em
função de aliviar a realidade em que viviam. Não se aspirava algo muito longe
de sua realidade socioeconômica.
83
uma nítida relação entre a religiosidade, o homem e a natureza no
Córrego do Bertoldo de Baixo, que orienta e determina a dinâmica cotidiana da
comunidade. A representação de natureza dos moradores vincula-se à
atividade predominante naquela comunidade, a agricultura familiar, onde
dependem dos ciclos da natureza para viver. Assim, a representação de
natureza veiculada pela comunidade revela a dicotomia homem-natureza, que
se constitui em fator preponderante do imobilismo dos moradores em relação
às condições insalubres do meio ambiente, fato esse, provavelmente associado
ao baixo nível de escolaridade da população. Demonstraram, durante as
entrevistas, que tem conhecimento dos problemas socioambientais da região,
especialmente a poluição do solo e das águas, entretanto, o senso comum
cerceia as possibilidades de transformação da realidade instalada.
Ao final desta caminhada, o que ficou para a pesquisadora, a priori,
habituada às “certezas” das mensurações possibilitadas pelas pesquisas
quantitativas, foi que um estudo desta natureza não se conclui. Ao iniciá-lo,
buscava respostas para minhas perguntas. Algumas delas puderam ser
respondidas, outras deram origem a novas indagações, ainda mais fortes e
abrangentes que as primeiras. E que talvez nem possam ser respondidas. Mas
isso é positivo, pois a humanidade caminha se tiver de buscar respostas
para suas perguntas (Dias e Sousa, 1999).
Inserida naquele contexto, procurei compreender os moradores dessa
comunidade com sensibilidade, a fim de captar as intenções expressas em
suas falas e em seus gestos. Após percorrer todo esse caminho me pergunto e
pergunto também aos pares: temos utilizado os discursos mais adequados ao
mergulharmos nas pretensões de compreender grupos culturais tão
peculiares? Os instrumentos que utilizamos respondem aos anseios dos
grupos culturais específicos? Damos vozes aos sujeitos para falarem o que
sentem, mas a nossa escuta é seletiva. Nesse sentido, embora as pesquisas
qualitativas representem o preenchimento de muitas lacunas, a experiência
com este estudo aponta que ainda temos muito a caminhar.
O maior desafio encontra-se no fato de que os sujeitos vivem as
experiências particularizantes e universalizantes de formas diferentes, de
acordo com as relações internas do grupo, com suas formas de expressão
cognitiva em função da classe social a que pertencem. Mesmo dentro de uma
84
mesma classe social, podem-se ter visões de mundo distintas, partindo do
princípio das experiências que estes sujeitos têm interna e externamente e que
sofrem mutações no decorrer da construção de sua identidade.
Esse discurso evidencia que, ao estudarmos as comunidades um dos
instrumentos mais eficazes é a linguagem, com toda sua representação
epistemológica, seja a forma de comunicar, de sentir ou expressar. No contexto
cultural, é ela que vai possibilitar a maior aproximação da compreensão do
outro, decodificar suas percepções de mundo e sua própria vida, como afirma
Dumont (1985), “só se consegue comunicar com as pessoas que se pretende
estudar, quando houver domínio da língua que elas têm em comum, a qual é o
veículo de suas idéias e de seus valores, da ideologia em que pensam e em
que se pensam”.
Além disso, ainda estamos em estágio embrionário no que diz respeito à
compreensão da religiosidade, das crenças e da espiritualidade em todos os
campos da vida, que essa discussão foi e ainda é muito rechaçada pela
comunidade científica. Acredito que temos receio de cair no empirismo e não
poder mensurar, comprovar cientificamente. Isso não significa que iremos jogar
fora o que passou, mas remete-nos à necessidade de repensar nossas ações e
intervenções investigativas, especialmente no contexto atual da realidade rural,
e apontar novas perspectivas.
Depois dessa pesquisa considero-me mais consciente, uma vez que
consegui me despir de muitos preconceitos e aprendi a “olhar outro com o olhar
do outro”. Aprendi a perceber que, por detrás das palavras, existe sempre um
sujeito que tem uma história de vida singular, construída através de um coletivo
que interfere em sua forma de pensar, sentir e estar no mundo, muito além da
compreensão e interpretação de quem apenas leu ou apenas interpretou. Por
isso, essa experiência trouxe-me sentimentos que a linguagem verbal não
consegue traduzir e a linguagem escrita é incapaz de registrar. É essa ciência
só poderá ser alcançada para aquele que esteve, de “corpo e alma” em campo.
O rural é realmente um espaço de pesquisa ainda muito tímido, talvez por
preconceito, ou porque está em construção ou mesmo esquecido, como se
fosse um outro mundo. Acredito, por isso, que um novo olhar sobre as
entrevistas e as notas de campo poderá apontar caminhos que o tempo
despendido a este estudo não possibilitou enxergar.
85
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93
ANEXOS
ANEXO 1
TERMO DE CONSENTIMENTO INFORMADO
Mediante os esclarecimentos necessários feitos pela equipe de trabalho,
da área da saúde do Mestrado Profissionalizante em Meio Ambiente e
Sustentabilidade, que realiza a pesquisa sobre a
Qualidade de vida da
população rural do Córrego do Bertoldo de baixo
e compreensão dos
objetivos deste estudo, dou meu consentimento para que a equipe realize a
coleta de dados necessários, através de entrevistas, questionários e
gravações, desde que sejam garantidos o anonimato e a livre escolha de
desistir de participar deste estudo a qualquer momento, sem que isto traga
nenhuma forma de represália e constrangimento à minha pessoa.
_______________________________________
Assinatura do (a) responsável
Impressão digital
________________________________________
Daniele Batista Soares
94
ANEXO 2
INSTRUMENTO PARA COLETA DE DADOS:
Título:
Qualidade de vida da população do Córrego do Bertoldo de Baixo
Por:
Daniele Batista Soares
Nomes dos entrevistados:
Tempo de moradia no local:
01) Condição da casa onde mora:
a) Casa própria
b) Casa alugada
c) Caseiro
d) Dono de fazenda/sítio
e) Da família
f) Outros:_______________________________________
02) Se é caseiro
a) Trabalho por temporada de safra
b) Contrato de trabalho _____ anos
c) Passa apenas parte da semana no local
03) Número de pessoas que moram na casa: ___________
Idade
Gênero
F /M
Grau de
escolaridade
Ocupação
Renda
Mensal
Local
de
trabalho
Religião
Condição
De
saúde
04) Onde fica o banheiro desta casa?
a) dentro de casa
b) fora de casa
95
c) não tem banheiro
d) Outro:____________________________________________
05) O banheiro é usado:
a) só pela família
b) por mais famílias
c) não sabe
d) só por trabalhadores
06) Sua casa possui energia elétrica?
a) sim
b) não
c) outros_______________________________
07) Abastecimento de água;
a) poço ou nascente
b) caixa d´água (sist. Água encanada e tratada)
c) reservatório de água não tratada
d) Outro:________________________________________________
08) tratamento de água no domicílio:
a) filtrada
b) clorada
c) sem tratamento
d) fervida
09) Destino do lixo:
a) queimado
b) enterrado
c) a céu aberto
d) sistema de coleta/lixão
e) encostas
f) rios/lagoas
96
10) Meios de comunicação:
a) rádio
b) televisão
c) telefone público
d) telefone convencional em casa
e) telefone celular
f) outros: __________________________________________
11) Meios de transporte que utiliza:
a) cavalo
b) charrete
c) bicicleta
d) motocicleta
e) ônibus
f) caminhão
g) carro
h) outros _________________________________________________
12) Participa de grupos comunitários?
a) cooperativa______________________________________________
b) grupo religioso___________________________________________
c) associação_______________________________________________
d) não participa
e) outros___________________________________________________
13) Qual medicação caseira costuma usar?
_____________________________________________________________
_____________________________________________________________
14)Quais os alimentos mais consumidos pela família?
_____________________________________________________________
____________________________________________________________
97
15) qual o modo de aquisição desses alimentos
a) comprado
b) produzido na comunidade
c) doado
d) plantio próprio
e) outros___________________________________________________
16) Quais os alimentos produzidos ou plantados pela família?
__________________________________________________________
__________________________________________________________
17) Existe algum produto/alimento que é plantado e comercializado pela
família?
a) não
b) sim
Quais______________________________________________________
________________________________________________________
18) Tem animais de criação em casa?
a) não
b) cão, quantos______
c) gatos, quantos_____
d) galinha
e) porco
f) boi
g) cavalo/burro
h) outros:__________________________________________________
19) São animais comuns na sua casa ou em sua proximidade
a) moscas
b) escorpião
c) barata
d) aranha
e) mosquito
98
f) ratos
g) cobra
h) pulgas
i) muriçocas
j) taruíra
k) sapos
l) pombos
m) outros___________________________________________________
20) Como os membros da família se divertem?
__________________________________________________________
__________________________________________________________
21) Quais eletrodomésticos você tem em casa?
a) geladeira
b) fogão a gás
c) liquidificador
d) vídeo cassete
e) microondas
f) freezer
g) ferro elétrico
h) batedeira
i) espremedor de frutas
j) ventilador
k) outros
________________________________________________________
________________________________________________________
22) Costuma ir ao médico?
a) Sim
b) Não
c) Ao curandeiro
d) À benzedeira
99
23) Costuma ir ao dentista tratar dos dentes?
a) Sim, quantas vezes por ano_____________ ou: qual o espaço de
anos__________
b) Não, nunca foi
c) Raramente vai
d) Outros__________________________________________________
24) Quais as doenças que você e sua família já tiveram?
a) Vermes
b) Escabiose (sarna)
c) Pediculose (piolho)
d) Bicho de pé
e) Esquistossomose (barriga d’água)
f) Malária
g) Febre amarela
h) Anemia
i) Gripe
j) Dor abdominal
k) Dor no estômago
l) Dor na coluna (onde_______________________________)
m) Pressão alta
n) Sinusite
o) Diarreia
p) Derrame cerebral
q) Epilesia
r) Dor de cabeça ( cefaléia)
s) Psoríase
t) Artrite
u) Pneumonia
v) Outros__________________________________________________
w) Cirurgias________________________________________________
25) Você está satisfeito(a) com a sua vida? Porque?
100
ANEXO 3
1ª ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA
PERGUNTAS NORTEADORAS
1) Há quanto tempo mora no Córrego do Bertoldo?
2) Onde você nasceu?
3) Há quanto tempo está nesta casa? É própria?
4) Como é a vida aqui? Como é morar aqui?
5) Fale-me sobre a sua família? Como ela é?
6) Quais as atividades que você faz? Em que trabalha?
7) Quem mais trabalha nessas atividades
8) Como funciona a assistência à saúde?
9) Como você faz quando tem algum problema de saúde?
10) O que é qualidade de vida para você?
11) Quais são as coisas mais importantes para se ter qualidade de vida?
12) Falta alguma coisa para você?
13) O que você mais gosta de fazer? O que o(a) faz feliz?
101
ANEXO 4
2ª ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA
PERGUNTAS NORTEADORAS
1) Como é viver aqui na roça ou no Córrego do Bertoldo?
2) O que você faz aqui na roça?
3) A que horas começa e termina o seu serviço na roça?
4) Qual o melhor horário para trabalhar?
5) Depois que termina o serviço, o que você faz?
6) Como você descansa, ou, o que faz nos momentos em que não está
trabalhando?
7) O que se faz Sábado e domingo?
8) O que você mais gosta de fazer aqui?
9) Como é a vida das pessoas que vivem aqui? Dos homens e das
mulheres? E das crianças, adolescentes e idosos?
10) Como as pessoas divertem, ou descansam aqui?
11) Vocês costumam ir à casa de amigos e parentes? O que fazem lá?
12) Qual é o local que costumam reunir e por quê?
13) Fale-me sobre a sua casa? O que mais lhe agrada nela? Tem
alguma coisa na casa que o(a) aborrece ou incomoda?
14) Há alguma coisa que você gostaria de ter e não está conseguindo?
15) Qual é o sentimento em relação a isso?
16) O que você planeja para a sua vida? quanto tempo que você
planeja isso?
17) De que você tem saudade?
18) O que é viver bem na vida?
19) Vive-se bem aqui?
20) Você gostaria de sair daqui para viver em outro lugar? Por q?
102
ANEXO 5
QUADRO 1: PRINCIPAIS EVENTOS RELIGIOSOS FUNDAMENTOS DA
IGREJA CATÓLICA
EVENTOS CARACTERÍSTICAS
CONSIDERAÇÕES DA
COMUNIDADE
Encontro de
Adolescente
com Cristo
EAC
Os organizadores do evento são pessoas
e/ou casais católicos da comunidade e os
jovens que se formaram no EAC. Eles
elaboram o encontro de forma que seja
cativante e estimule o adolescente a
participar continuamente. Os objetivos
desse encontro são: ensinar os jovens a
trabalhar, desvia-los do caminho das
drogas e dos maus comportamentos (do
mau caminho SIC). A meta é impedir que
os adolescentes trilhem os caminhos das
drogas e dos comportamentos
considerados desviantes pela
comunidade.
Os adolescentes ouvem palestras
religiosas proferidas por casais, quem
vem da cidade de Caratinga; participam
da liturgia e dos cantos. -se parte da
bíblia e fazem a reflexão do evangelho.
Durante as palestras, os jovens fazem
testemunho de vida, falam de bons
exemplos de conduta de vida, comentam
o que é a droga e o que o devem fazer.
Durante do dia eles cantam e almoçam
com os “tios”, que são os organizadores
do evento.
“eles saem dali com a noção
do que vão fazer”.
“A gente tá ali prá fazê oração
prá eles, pque eles fiquem lá,
prá que Jesus abençoa eles, prá
eles passá a gostá daquele
encontro. E dexá de í praquele
mau caminho e participá. um
jovem bom....porque hoje,
quantos jovem que tá no mau
caminho e nas drogas. Então
é isso, que a gente fazeno, a
liturgia”. (Augusta)
Pastoral da
Infância
Missionária
É um grupo formado de crianças de 4 a
14 anos. O grupo é dividido em 3, nas
seguintes faixas etárias: de 4 a 7 anos, 7
a 10 e de 10 a 14 anos. Após a formação
dos grupos, as crianças fazem visita a
doentes e crianças pobres e adoram o
santíssimo. O objetivo é a evangelização.
Com o intuito de incentivar os jovens
participantes, os adultos orientam e
auxiliam a compreensão dos textos
sacros e os jovens lêem e explicam os
livros para os adultos.
103
Reunião de
Reflexão
Cada segunda-feira, a reunião acontece
em uma das casas da comunidade. A
abertura inicia-se com uma oração e a
evocação do Divino Espírito Santo,
então é que se passa à leitura do roteiro.
Nos momentos finais, eles fazem leitura
de uma parte do evangelho e de algumas
perguntas orientadas pelo roteiro. Elas
devem ser refletidas e respondidas pelo
grupo. comentários sobre as
perguntas da reflexão e do roteiro.
Durante essa reunião, o grupo discute
muito sobre o tema, e no final, tem-se as
orientações dos trabalhos que a
comunidade deve realizar durante a
semana. Os trabalhos geralmente são
visitas a alguma pessoa necessitada, a
um preso, a um doente, ajuda a uma
pessoa pobre, etc.
O grupo de reflexão pode ser freqüentado
por todas as faixas etárias, porém, ele é
um grupo de catequese para adultos.
“Nós, adulto, são catequizado
também, porque nós num
sabemos de nada, quem fala que
sabe tudo... olha aqui, arrepio
todinha... tá pecano, mas
pecano demais. Nós num
sabemos de nada, quem fala que
sabe tudo, minha fia, num sabe
de nada. Nós temos que refletir,
temos que e é por aqui,
através dessa reflexão, porque
tudo que acontece no mundo
aqui, tudo que o papa fala lá,
aqui. O Mundo inteiro vai falá
sobre a Eucaristia”. (Augusta, 56
anos)
“O grupo de reflexões é ligado a
comunidade eclesial de base,
que é um movimento religioso
antigo, uma catequese pra
adulto, que ajuda a gente vive
em comunidade. Através desse
grupo a gente fica mais unido
ainda”. (Adão, 55, alambiqueiro).
Terço
As reuniões do terço ocorrem
separadamente do grupo de reflexão. O
terço é rezado com o quadro da Nossa
Senhora Aparecida, em cada casa, de
quinze em quinze dias. Como nem todos
podem reunir toda semana, devido ao
trabalho na roça, sorteiam as casas onde
ocorrerão esses encontros. O quadro fica
na casa da pessoa sorteada até a
próxima reunião, quanto então, é
encaminhado à casa seguinte.
Adoração do
Santíssimo
É ministrada por um “leigo que tem
mais estudo”. Assim a comunidade
denomina a pessoa com um nível escolar
mais elevado, que compreende a
linguagem utilizada nos textos bíblicos,
mas não é um componente da Igreja
como os padres, os seminaristas ou as
freiras. Geralmente essa pessoa vem da
cidade de Caratinga. Na celebração eles
rezam, cantam e um ministro da eucaristia
dá a comunhão.
104
Encontro de
Casais com
Cristo (ECC)
O objetivo desse encontro é a
evangelização dos casais e estimular a
participação desses na Pastoral Familiar.
Normalmente, esse tipo de encontro
acontece na cidade de Caratinga.
relatos que esses encontros ocorrem
anualmente em Dom Modesto. Entretanto
o último encontro aconteceu 3 anos na
Escola de D. Modesto.
“É, de quinze em quinze dias
[encontro de casais], nóis o
numa casa, marca pra casa.
Na, semana que vem agora vai
ser na casa do Cézar. É assim,
vai marcando”. (Francisca, 60
anos, aposentada)
Novena de São
Sebastião
São Sebastião é considerado um
santo mártir pela Igreja Católica. Conta a
história, que ele deu a sua vida por Jesus.
Isso foi o maior exemplo de fé e de
coragem cristãs, além de ser a maior
prova de amizade. Portanto, acredita-se
que Jesus também não negaria a
realização dos pedidos de seus devotos.
A Novena acontece na Igreja de D.
Modesto no período de 08 a 20 de
Janeiro. São 9 dias de reza, na presença
da imagem de São Sebastião, que é
enfeitada pela comunidade. Eles rezam o
terço, cantam e seguem o livro que
orienta a novena. Ao final da novena
ocorre uma missa e uma procissão ao
redor da igreja. Isso culmina com a Festa
de São Sebastião. Ao final de cada dia de
novena a comunidade realiza leilões.
Algumas pessoas doam leitoas, frangos e
outras oferendas como pagamento de
promessas ou agradecimento aos pedidos
feitos a Deus ou a São Sebastião, durante
o ano. No dia da Festa de São Sebastião
é organizado um bingo. O dinheiro
arrecadado é direcionado para a
comunidade, para aqueles que são
carentes e para as obras da igreja.
105
Missões nas
Famílias
As missões são manifestações
que ocorrem em todo o Brasil, ela é
coordenada pelos Missionários
Redentoristas. Os Missionários
Redentoristas fazem parte de uma
congregação religiosa, fundada por Santo
Afonso Maria de Ligório em 1732, em
Scala, no sul da Itália. Os Missionários
Redentoristas, que continuam a obra
missionária de Santo Afonso, são
sacerdotes e irmãos, que vivem e
trabalham em comunidade fraterna.
O objetivo geral das missões é “a
evangelização para conversão
fundamental, levando o povo de Deus a
uma vida de comunhão e participação na
comunidade”.
a implementação das missões, se faz
através de fases
“Os padres de cada paróquia
determinam se vai ocorrer ou
não. Os padre tamém, ganha prá
fazê isso, é o trabalho deles. Os
Missionários são de Aparecida
do Norte, eles vêm de lá.
Ficaram aqui na paróquia nossa,
4 missionário redentoristas. São
redentoristas porque andam o
Brasil inteiro, é o nome deles né.
Eles evangelizam o Brasil inteiro
né. Além desses missionários
redentoristas, vem um deles
coordenando”.
“Cada setor teve suas reza, teve
o andorzinho. Eles pede prá
colocá a Nossa Senhora né, não
pode outro santo não, Nossa
Senhora das Graças, Nossa
Senhora de Fátima....é sempre a
mãe de Jesus. Diz eles, que a
Nossa Senhora...tem diversas
Nossas Senhoras, só que ela
resume numa . Então qualquer
Nossa Senhora pode ser
colocada no andor.” (Augusta, 56
anos)
“É gostoso, minha fia. Onti nóis
fomo em cima busca a
santinha, nóis dexa a santinha
numa casa. Hoje nóis ia busca a
santinha na casa da cumade
Ana, a mãe dele. Mais como ta
assim, um negoço duma missa
em Dom Mudesto, num sabe
certo se vai te inda não. Vai faia,
por causa da reunião do grupo
também, sabe, diz que vai faia
hoje”. (Francisca, 60 anos,
aposentada).
“Ah, é um encontro [missões]
muito gostoso, a gente lê, a
gente canta a Palavra de Deus,
né?” (Francisca, 60 anos,
aposentada)
106
Novena de
Natal
Tem um roteiro e comemora a
vinda de Jesus. Segundo D. Augusta é o
Tempo do advento em que o salvador vai
chegar. É um tempo de festa, de alegria.
É o mesmo que preparamos nossa casa
para recebermos uma visita.
Nas casas, sobre a mesa, eles
colocam uma bíblia, vela, água e
manjedoura vazia. A novena termina no
dia 22 de dezembro e a reunião final
ocorre no dia 23 na igreja. Cada pessoa
leva um quitute para a confraternização
final.
Jubileu
O Jubileu é um tempo de graça e de
perdão. Ele acontece, aproximadamente
entre os dias 7 a 14 de setembro. Durante
esse período a comunidade se reúne na
Igreja de D. Modesto para cantar e rezar o
terço.
Durante esse período eles festejam com
uma quermesse, com barraquinhas
vendendo doces, salgados, velas,
santinhos etc. Todo dinheiro arrecadado
vai para as obras de caridade da igreja ou
para financiar cursos de interesse da
Igreja, como o curso dos Cânticos.
“O Jubileu, reza sete dias. O
Jubileu, todo ano tem esse
Jubileu do Senhor Bom Jesus,
sabe, que é o padroeiro de Dom
Mudesto”. (Francisca, 60 anos,
aposentada).
Mês de Maio
Mês de Maria:
É um mês de festa e coroação de Maria, a
mãe de Jesus. É comemorado durante
todo o mês de maio. Todos os dias a
comunidade vai à Igreja rezar o terço e
cantar.
Após a celebração, acontece a coroação
da imagem de Maria. As crianças entram
em procissão, vestidas de anjo, cantando
e dispõe-se ao redor de um altar,
preparado pela comunidade, com a
Imagem da Nossa Senhora. As crianças,
geralmente levam pequenos balaios de
flores e outras levam oferendas a Nossa
Senhora, como palmas, véu, coroa,
coração etc. A cada momento, uma
criança canta um verso sacro e deposita
na imagem da Nossa Senhora a sua
oferenda. Quando findam as oferendas,
que culmina com a colocação da coroa na
cabeça da Imagem, todas as crianças
cantam e jogam as pétalas de flores.
Ao final dessa celebração a comunidade
realiza leilões e bingo.
Pastoral
Familiar
:
Essa Pastoral é uma organização
que incentiva o casamento das pessoas
da comunidade e a sua participação dos
casais na Igreja.
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