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ANDRÉIA GONÇALVES GIARETTA
Família, Pessoa com Síndrome de Down e Nutricionista:
Re-Significando o Ato de Comer.
FLORIANÓPOLIS
2007
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM
MESTRADO EM ENFERMAGEM
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: FILOSOFIA, SAÚDE E
SOCIEDADE
ANDRÉIA GONÇALVES GIARETTA
Família, Pessoa com Síndrome de Down e Nutricionista: Re-
Significando o Ato de Comer.
FLORIANÓPOLIS
2007
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ANDRÉIA GONÇALVES GIARETTA
Família, Pessoa com Síndrome de Down e Nutricionista: Re-
Significando o Ato de Comer.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Enfermagem, da Universidade
Federal de Santa Catarina, como requisito para
obtenção do título de Mestre em Enfermagem-
Área de Concentração: Filosofia, Saúde
e Sociedade.
Orientador: Profª. Dra. Angela da Rosa Ghiorzi
FLORIANÓPOLIS
2007
ANDRÉIA GONÇALVES GIARETTA
FAMÍLIA, PESSOA COM SÍNDROME DE DOWN E NUTRICIONISTA: RE-
SIGNIFICANDO O ATO DE COMER
Esta dissertação foi submetida ao processo de avaliação pela Banca Examinadora para
a obtenção do Título de:
Mestre em Enfermagem
E aprovada na sua versão final em 27 de fevereiro de 2007, atendendo às normas da
legislação vigente da Universidade Federal de Santa Catarina, Programa de Pós-
Graduação em Enfermagem, área de Concentração: Filosofia, Saúde e Sociedade.
Profª. Dra. Marta Lenise do Prado
BANCA EXAMINADORA
Profª. Dra. Angela da Rosa Ghiorzi
Profª. Dra. Rosane G. Nitschke Profª. Dra. Suely T. S. P. de Amorim
- Membro - - Membro -
Dra. Dra.
- Membro - - Membro -
Dedico este trabalho a todas as pessoas com Síndrome
de Down e suas famílias. Espero que este trabalho
tenha contribuído de alguma forma para o crescimento
pessoal e familiar.
Também, não poderia de deixar de dedicar este
trabalho a todos os profissionais da área da saúde,
em especial os nutricionistas. Que esta pesquisa seja a
fonte inspiradora para uma nova forma de abordagem:
o olhar sensível!
Agradecimentos do Fundo do Coração
Agradeço à DEUS, por conceder-me diariamente a oportunidade de viver e por dar-me
forças nesta caminhada!
Agradeço à minha querida FAMÍLIA, em especial aos meus PAIS, por me dar à vida,
por cuidar de mim, apoiar-me e incentivar-me em todos os momentos desta minha
jornada! Por ensinar-me diariamente a ser uma pessoa melhor, mostrando-me que a
família é sem dúvida alguma a base do ser humano! E graças a vocês, posso dizer que
sou uma pessoa abençoada! MUITO OBRIGADA: EU AMO VOCÊS!
Agradeço à minha querida amiga e professora ANGELA. MUITO OBRIGADA por
sempre acreditar em mim e incentivar-me. Com você, aprendi não os ensinamentos
teóricos, acadêmicos; mas sim, como saber saborear a vida melhor, respeitando meus
limites e acreditando nas minhas próprias potencialidades. Agradeço também, toda a
sua generosidade, dedicação e atenção, pois durante muitas e muitas vezes, a porta da
sua casa sempre esteve aberta para mim, recebendo-me e tratando-me como sua filha.
Mesmo nos momentos mais difíceis, doente e com muita dor sua presença sempre foi
constante! Os louros deste trabalho, sem dúvida alguma, também são seus!
OBRIGADA!
Agradeço ao meu querido FABINHO, que ao longo desta jornada sempre me
incentivou, reforçando minhas potencialidades. OBRIGADA por amparar- me nos
momentos de dúvida e
angústia; por auxiliar-me, por compreender-me e por fazer meus resumos! Obrigada
pelas diversas massagens nos pezinhos para relaxar!
Agradeço às famílias UNIDA, ATRAPALHADA, BOAVENTURA, FLORES &
BUSCAPÉ por acolherem-me no seio de suas casas. OBRIGADA por sempre me
receberem com atenção e carinho, ajudando-me sempre! Graças a vocês, posso dizer
que sou uma Nutricionista com um novo olhar!
Agradeço aos meus sogros, Ester e Claudio, por sempre oferecerem ajuda e também
por incentivarem-me ao longo deste caminho. OBRIGADA por estarem aqui!
Agradeço à professora e nutricionista Suely por desde o início, sem mesmo me
conhecer, aceitou meu convite, apoiando-me e incentivando-me nesta jornada!
OBRIGADA!
Agradeço à professora Rosane por sempre incentivar-me e auxiliar-me na
compreensão dos conceitos filosóficos. OBRIGADA pelas suas palavras e pontuações
sábias!
Agradeço à doutoranda Laura pelo apoio, palavras de incentivo e por fazer parte deste
momento tão especial para mim. OBRIGADA!
Agradeço à querida doutoranda Lorena, OBRIGADA por sempre me estimular e
apoiar nos momentos de dúvidas interacionistas e “Maffesiolianas”! Nos encontramos
ano que vem em Recife!!
Agradeço à Associação de Pais e Amigos dos Excepicionais (APAE) de São José,
pois sem seu apoio este trabalho não poderia ter sido realizado. Agradeço a diretora
Adriana e toda sua maravilhosa equipe. MUITO OBRIGADA por sempre estarem
com as portas abertas para mim!
Agradeço à professora e nutricionista Neila, por me indicar o caminho para o
programa de pós-graduação em Enfermagem! OBRIGADA por sempre acreditar em
mim!
Agradeço à direção do Hospital de Guarnição de Florianópolis por permitir minhas
trocas de turnos e minhas dispensas do serviço!
Agradeço à amiga e fonoaudióloga Fátima por inúmeras vezes minimizar minha dor e
minhas crises de ATM ao longo desta jornada!
Agradeço à querida amiga e fisioterapeuta Paty La-Bella por inúmeras vezes também
minimizar minha dor em meus “cupins e também por dividir comigo as angústias
deste processo!
Agradeço às colegas enfermeiras da turma de Mestrado/2005 que agora são
Mestres, por acolherem-me com muito carinho! OBRIGADA pelas contribuições e
elogios ao longo de nossas discussões!
Agradeço à querida Sara por sempre me tratar tão carinhosamente em minhas idas à
casa da Prof. Angela. OBRIGADA pelos bolos, sucos e biscoitinhos! estou com
saudades!
Agradeço às amigas Lizandra, Alessandra e Mariene por ouvirem minhas angústias,
medos e reclamações ao longo desta jornada! Nossa amizade e companheirismo será
para toda a vida!
Agradeço ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem pela maravilhosa
oportunidade de crescimento e especialização. Parabéns pelo excelente trabalho!
OBRIGADA a todas as outras pessoas que direta ou indiretamente me ajudaram ao
longo desta caminhada!
GIARETTA, Gonçalves Andréia. Família, Pessoa com Síndrome de Down e Nutricionista:
Re-significando o ato de comer. 2007. 212f. Dissertação (Mestrado em Enfermagem)
Curso de Pós Graduação em Enfermagem, Universidade Federal de Santa Catarina,
Florianópolis, 2007.
Orientadora: Ângela da Rosa Ghiorzi
Defesa: 27/02/2007
RESUMO
Este estudo buscou construir junto com algumas famílias com pessoas com Síndrome
de Down (SD) uma sistematização metodológica de educação nutricional no processo
de re-significação do ato de comer dessas famílias que foi identificado e compreendido
durante a prática de cuidado nutricional, despertando para a importância da autonomia
e da independência relativa na escolha alimentar de seus integrantes. Os postulados do
Interacionismo Simbólico guiaram esta pesquisa, estabelecendo o processo de
construção-desconstrução-reconstrução da realidade encontrada. Teve como
metodologia, os preceitos da pesquisa qualitativa-participante que se interligaram com
os instrumentos metodológicos da escuta e da observação sensível, além das atividades
lúdicas. Esta pesquisa envolveu onze visitas domiciliares a cada uma das cinco
famílias com pessoas com SD, durante um período de sete meses. Os resultados foram
expressos por análise qualitativa. Para apresentá-los, o trabalho se estrutura em cinco
capítulos por onde os aspectos teóricos, filosóficos e metodológicos sustentam as
discussões e as reflexões do contexto explorado. Parte da compreensão até então
divulgada sobre a SD, revisitando o arcabouço teórico e chega a uma compreensão
sobre o significado do ato de comer que integra razão e emoção, imaginário e rede
simbólica, onde o verbal e o não-verbal se complementaram. Categoriza elementos de
interação entre o social e o individual na construção do significado do ato de comer,
tais como: rotina e mídia: do social para o individual e vive-versa, o estigma de ser
“diferente” e a permissividade alimentar, símbolos significantes do ato de comer para
as famílias e evidenciando a sistematização metodológica de educação nutricional.
Conclui que a família tem um papel fundamental como educadora nutricional para
seus membros, como transmissora do primeiro significado do ato de comer, a partir de
sua construção social e cultural. Evidencia que as pessoas com SD, repetem
comportamentos alimentares idênticos aos de seus pais e, que estar com alteração de
peso não é uma característica estigmatizante da SD. A predisposição genética para a
obesidade nas pessoas com SD pode ser combatida pela compreensão mais ampla
sobre o significado do ato de comer. Comprova a ação do tempo espiralesco no
contexto familiar, determinando um ritmo familiar de interação entre o interno de cada
pessoa e o seu entorno, presente no seu quotidiano. Um ritmo familiar que torna a
prática da autonomia e da independência relativa das pessoas com SD na escolha de
seus alimentos, uma realidade. Mostra que, estando a nutricionista no ambiente
simbólico das famílias, ela pode contribuir com a re-significação do ato de comer,
envolvendo todos os seus integrantes. A sistematização metodológica de educação
nutricional deve ser específica às particularidades e necessidades de cada família.
Palavras-chave: Síndrome de Down, Educação Nutricional, Interacionismo
Simbólico.
GIARETTA, Gonçalves Andréia. Familia, Persona con Síndrome de Down y
Nutricionista: Re significando el acto de comer. 2007. 212 pg. Disertación (Maestría en
Enfermería) Curso de Post Graduación en Enfermería, Universidad Federal de Santa
Catarina, Florianópolis, 2007.
Orientadora: Ângela da Rosa Ghiorzi.
Defensa: 27/02/2007.
RESUMEN
Este estudio buscó construir junto con algunas familias con personas con Síndrome de
Down (SD) una sistematización metodológica de educación nutricional en el proceso
de resignificación del acto de comer de esas familias que fue identificado y
comprendiendo durante la práctica de cuidado nutricional, despertando para la
importancia de la autonomía y de la independencia relativa en la selección alimenticia
de sus integrantes. Los postulados del Interaccionismo Simbólico guiaron esta
pesquisa estableciendo el proceso de construcción-desconstrucción-reconstrucción de
la realidad encontrada. Tuvo como metodología, los preceptos de la pesquisa
cualitativa-participante que se Inter. ligaron con los instrumentos metodológicos de la
escucha y de la observación sensible, además de las actividades lúdicas. Esta
investigación envolvió once visitas domiciliares a cada una de las cinco familias con
personas con SD, durante un periodo de siete meses. Los resultados fueron expresados
por el análisis cualitativo. Para presentarlos, el trabajo se estructura en cinco capítulos
donde los aspectos teóricos, filosóficos, metodológicos sustentan las discusiones y las
reflexiones del contexto explorado. Parte de la comprensión hasta entonces divulgada
sobre el SD, revisando el esqueleto teórico y llega a una comprensión sobre el
significado del acto de comer que integra razón y emoción, imaginario y red
simbólica, donde lo verbal y no verbal se complementan Categoriza elementos de
interacción entre lo social y lo individual en la construcción del significado del acto de
comer, tales como: rutina y medios de comunicación: de lo social para lo individual y
viceversa, el estigma de ser “diferente” y la permisibilidad alimenticia, mbolos
significantes del acto de comer para las familias y evidenciando la sistematización
metodológica de la educación nutricional. Concluye que la familia tiene un papel
fundamental como educadora nutricional para sus miembros, como transmisora del
primer significado del acto de comer, a partir de su construcción social y cultural.
Evidencia que las personas con SD, repiten comportamientos alimenticios idénticos a
los de sus padres y, que estar con alteración de peso no es una característica
estigmatizante del SD. La predisposición genética para la obesidad en las personas con
SD puede ser combatida por la comprensión más amplia del significado del acto de
comer. Comprueba la acción del tiempo en espiral en el contexto familiar,
determinando un ritmo familiar de interacción entre lo interno de cada persona y su
entorno, presente en su cotidiano. Un ritmo familiar que torna la práctica de la
autonomía y de la independencia relativa de las personas con SD en la selección de
sus alimentos, una realidad. Muestra que, estando la nutricionista en el ambiente
simbólico de las familias, ella puede contribuir con la re significación del acto de
comer, envolviendo a todos sus integrantes. La sistematización metodológica de
educación nutricional debe ser específica a las particularidades y necesidades de cada
familia.
Palabras clave: Síndrome de Down, Interaccionismo Simbólico, Educación
Nutricional.
GIARETTA, Gonçalves Andréia. Family, Person with Down ’s syndrome and
nutritionist: re- signifying the act of eating. 2007. 212p. Dissertation (Master’s
degree in Nursing) Post Graduation Course in Nursing, Universidade Federal de
Santa Catarina, Florianópolis, 2007.
Professor: Ângela da Rosa Ghiorzi
Presentation: 27/02/2007
ABSTRACT
This study searched to construct, with some families who have members with Down’s
syndrome (SD), a methodological systematization in nutritional education of the re-
signification process of the act of eating in these families, that was identified and
comprehended during the nutritional care practice, awaking the importance of
autonomy and independence relative to the alimentary choices of their integrants. The
postulates of Symbolic Interactionism guided this research, establishing the process of
construction-deconstruction-reconstruction of the reality. It had as methodology, the
precepts of participating-qualitative research that interlink the methodological
instruments of sensible listening and observation, besides stimulating activities. This
research involved eleven domiciliary visits to each one of the five families with
members who have SD, during a period of seven months. The results were expressed
by qualitative analysis. To represent them, the work is structured in five chapters
where the theoretical, philosophical and methodological aspects sustain the discussions
and the reflections of the explored context. It departs from the comprehension
divulged up to now about SD, revisiting the theoretical frame and it reaches a
comprehension of the meaning of the act of eating that integrates reason and emotion,
imaginary and symbolic net, where the verbal and the non-verbal complement each
other. It categorizes elements of interaction between social and individual in the
construction of the meaning of the act of eating, such as: routine and media; from the
social to the individual and vice-versa, the stigma of being different and the alimentary
permissiveness, significant symbols of the act of eating to the families and evidencing
the methodological systematization of nutritional education. It concludes that the
family has a fundamental role as nutritional educator to its members, as transmitter of
the first meaning of the act of eating, from its social and cultural construction. It
evidences that persons with SD repeat alimentary behaviors identical to their parents
and, that having a weight problem it is not a stigma character of SD. The genetic
predisposition to obesity in people with SD can be combated by a wide-ranging
comprehension of the act of eating. It proves the action of the spiral time in familiar
context, determining a familiar rhythm of interaction between the inner time of each
person and the environment, present in the quotidian. A familiar rhythm that turns real
the practice of relative autonomy and independence of people with SD in their food
choice. It shows that, when the nutritionist is in the symbolic environment of the
families, she or he can contribute to the re-signification of the act of eating, involving
all their integrants. The methodological systematization of nutritional education must
be specific to the particularities and needs of each family.
Key words: Down’s syndrome, symbolic interactionism, nutritional education
SUMÁRIO
1 - INTRODUÇÃO..................................................................................................13
2- OBJETIVOS........................................................................................................22
2.1 - OBJETIVO GERAL ......................................................................................22
2.2 - OB JETIVOS ESPECÍFICOS ........................................................................22
3 - REVISÃO DE LITERATURA ..........................................................................23
3.1 – A Síndrome de Down e seus Significados Biológicos e Sociais.....................23
3.2 – A Síndrome de Down e o Estigma da Deficiência Mental .............................29
3.3 – A Síndrome de Down e seus Significados Clínicos........................................32
3.4 – O Contexto Familiar e os Hábitos Alimentares da Pessoa com Síndrome de
Down .....................................................................................................................38
3.5 – A Síndrome de Down e a Educação Nutricional ............................................46
4 - REFERENCIAL TEÓRICO..............................................................................49
4.1 – Mead e o Mundo dos Símbolos e Significados/Significação ..........................49
4.2 – De Pressupostos Teóricos a Constatações Científicas ....................................56
4.3 - Definições importantes para a concretização da pesquisa ...............................58
4.3.1 – Família....................................................................................................59
4.3.2 – Trabalho Interdisciplinar.........................................................................60
4.3.3 – Educação Nutricional..............................................................................60
4.3.4 – O Ato de Comer......................................................................................60
4.3.5 – Pessoa (Persona) ....................................................................................61
4.3.6 – Estigma...................................................................................................61
4.3.7 – Autonomia e Independência Relativa......................................................62
4.3.8 – Ambiente Simbólico ...............................................................................62
4.3.9 – Quotidiano ..............................................................................................62
5 – METODOLOGIA..............................................................................................64
5.1 – O Local da Pesquisa ......................................................................................65
5.2 – Os Sujeitos da Pesquisa.................................................................................66
5.3 – Coleta de Dados ............................................................................................68
5.3.1 – Instrumentos Metodológicos de Apreensão da Comunicação Não-Verbal
...........................................................................................................................69
5.3.2 – Coleta de Dados através de Técnicas Ludopedagógicas ..........................71
5.4 – Organização e Análise dos Dados................................................................141
5.5 – Cuidados Éticos...........................................................................................141
6 – DESVELANDO O SIGNIFICADO DO ATO SOCIAL DE COMER ..........144
6.1- O SOCIAL INFLUENCIANDO O INDIVIDUAL ATRAVÉS DO QUOTIDIANO
............................................................................................................................145
6.1.1– ROTINA E MÍDIA: DO SOCIAL PARA O INDIVIDUAL E VICE-VERSA..146
6.1.1.1 – O hábito criando a rotina pela repetição........................................148
6.1.1.2 – O cérebro e o inusitado: driblando a rotina ...................................154
6.1.1.3 – A rotina alimentar e a concepção de sobrevivência........................156
6.1.1.4 – A mídia interferindo na rotina familiar...........................................158
6.1.2– O ESTIGMA DE SER “DIFERENTE” E A PERMISSIVIDADE ALIMENTAR
................................................................................................................................161
6.1.3 – AS CRENÇAS E O SIGNIFICADO DO ATO DE COMER .........................165
6.1.3.1 – Crença sobre o ganho de peso..........................................................166
6.1.4 - A FALTA DE LIMITES .....................................................................................
6.1.5 A INSACIEDADE DAS PESSOAS COM SÍNDROME DE DOWN..............176
6.1.6 - AUTONOMIA E INDEPENDÊNCIA RELATIVA NO ATO DE COMER.....179
6.2- SÍMBOLOS SIGNIFICANTES DO ATO DE COMER PARA AS FAMÍLIAS ..181
6.2.1 – Identificando o símbolo significante do ato de comer............................183
6.2.2 – O TEMPO CÍCLICO E O RITMO FAMILIAR ......................................188
6.2.3 - O JOGO DAS MÁSCARAS ....................................................................193
6.2.4 – TRÁGICO DO ATO DE COMER..........................................................195
6.2.5- A FORÇA DO DESTINO E O SIGNIFICADO DO ATO DE COMER ...200
6.3. EVIDENCIANDO A SISTEMATIZAÇÃO METODOLÓGICA DA EDUCAÇÃO
NUTRICIONAL....................................................................................................202
7 - CONCLUSÕES ................................................................................................ 206
8 - REFERÊNCIAS ...............................................................................................215
9 - APÊNDICE.......................................................................................................228
10 - ANEXOS ........................................................................................................... 238
1 - INTRODUÇÃO
O interesse pelo tema da influência ou não do nutricionista na autonomia e
independência relativa das pessoas com ndrome de Down (a trissonomia 21) na
organização de suas escolhas alimentares, surgiu no decorrer de minha trajetória
profissional como nutricionista voltada para a relação destas pessoas tão especiais com
seus familiares.
A partir do desenvolvimento de minha monografia para a conclusão do curso de
especialização em Terapia Nutricional da Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC), em 2001, pude conhecer e perceber melhor a realidade das pessoas com
Síndrome de Down (SD). Durante minhas leituras para embasar minha monografia,
constatei que o sobrepeso e a obesidade também aconteciam com muita freqüência
nesta população.
Em busca de referências literárias que me dessem mais embasamento e soluções
para como repensar o aumento mundial desses danos (sobrepeso e obesidade) nesta
população, encontrei na educação nutricional pistas para minimizar (talvez impedir)
este quadro. Entretanto, a literatura sobre como essas pessoas se alimentam é
praticamente inexistente.
Além disso, embora se tenha conhecimento sobre as características e
potencialidades das pessoas com Síndrome de Down, existe ainda, um preconceito
junto a estas pessoas. Termos como: retardado, excepcional, mongolóide ligados às
pessoas com Síndrome de Down confere uma conotação pejorativa e estigmatizante a
estas pessoas.
Quando penso em uma pessoa, penso nela como um ser pensante que sente e se
emociona, que fantasia e sonha, uma pessoa com uma concepção singular sobre a vida
e, especialmente, o seu viver. Assim sendo, não se pode separar a razão do imaginário
de uma pessoa, o que lhe é singular, o mundo de suas representações, de símbolos e de
significados. Não se pode separar racionalidade e sensibilidade. Logo, o que é da
ordem da sensibilidade (emoções, sensações, sentimentos, imaginário e rede
simbólica) também pode ter uma influência no aumento de peso de pessoas com
Síndrome de Down.
14
O trabalho de Lentali (1997) coloca o sentimento dos pais de uma criança com
Síndrome de Down como sendo os transmissores da síndrome, fruto do imprevisto
genético que marcará a vida de seu (sua) filho (a). Dentro dessa consciência, eles se
questionam sobre como essa criança que está presa ao diagnóstico de deficiente mental
pode renunciar ao seu lugar de “eterna criança” (MAFFESOLI, 2003), objeto
exclusivo de cuidados e de inquietudes, e poder ser sujeito de seu destino.
Trabalhos como o de Nahas (2004) reforçam o sentimento de pena dos pais em
disciplinarem seu (sua) filho (a) com Síndrome de Down. Um sentimento que
escamoteia o verdadeiro: o de culpa. Portanto, como o (a) filho (a) será quando adulto,
dependerá da forma como ele (a) será educado (a). Se a família o (a) educa para ser
uma eterna criança, quando adulta será uma pessoa dependente, que o sabe fazer
suas próprias escolhas, dentre elas, a da alimentação.
Porém, se a família o (a) educar dando-lhe oportunidades de escolhas, e se a
família o (a) ajudar a desenvolver todas as suas potencialidades, respeitando suas
limitações, quando adulto (a) será uma pessoa capaz de assumir suas escolhas,
podendo cuidar de si própria e até ter uma profissão que possa ajudar no seu
crescimento pessoal, como Nahas (2004), já enfatizava.
É de extrema importância para os pais inscreverem seus filhos nos significados
familiares enquanto referência vital para eles, pois transmitem um sentimento de
pertencimento (MAFFESOLI,1996), de raízes. Além disso, há a transmissão das
regras, normas e ritos sociais. É o jogo dos significados, dos símbolos significantes, ou
seja, a gramática intergeracional que permite ao outro se situar na vida social, a partir
de uma origem familiar, que não se resume a um erro cromossômico.
Esse aspecto tem importância fundamental para cada pessoa que nasce no seio
familiar. Desenvolver suas capacidades subliminares e criativas, a partir dos
significados desenvolvidos na sua história de vida, coloca a pessoa num status de
sujeito de seu destino, mesmo aqueles que possuem Síndrome de Down. Quando isso
acontece, eles passam de “não tenho poder” para “poder sobre mim jamais”
(LENTALI, 1997, p. 152).
Assim, dentre os símbolos significantes familiares, está o do ato de comer.
Acredito que a dimensão imaginária sobre o (a) seu (sua) filho (a) “diferente” autoriza
15
aos pais fazerem de tudo para os protegerem de uma realidade social por si só
estigmatizante. Na tentativa de compensação dessa realidade social, o ato de comer
pode adquirir um significado tácito de proteção da “diferença” e, comer, pode se tornar
um ato de satisfação sem limites de desejos não realizáveis, com conseqüências
negativas importantes tanto físicas quanto psicológicas. Entre essas conseqüências
estão: o sobrepeso e a obesidade (PIPES & HOLM, 1980), a hipertensão arterial
sistêmica, a dislipidemia, o diabetes mellitus, os problemas pulmonares, renais e
outros (CHAD et al, 1990).
O conflito dos pais entre a realidade, ter um (a) filho (a) com Síndrome de
Down, seu significado, tão particular para cada ser, e o seu imaginário, onde eles se
autorizam a fazer tudo por eles, pode impedir a criança de se tornar um adulto capaz
de fazer escolhas. Nesse estudo, a prioridade sedada para as escolhas alimentares,
para que essas não a aprisionem no fantasma do sobrepeso e da obesidade, tão comuns
nesse tipo de síndrome.
Dificuldades na alimentação e ingestão inadequada de nutrientes são comuns
em crianças com Síndrome de Down, assim como hábitos e práticas alimentares
impróprios que se associam ao sobrepeso. Crescimento lento, inatividade física e
hipotonia também contribuem para o sobrepeso, pois limitam suas necessidades
calóricas (PIPES & HOLMES, 1980).
Pueschel (2001) afirma que os adolescentes com Síndrome de Down vêm
progressivamente adquirindo peso. E isto pode resultar em obesidade tanto na
adolescência, quanto na fase adulta.
A prevalência de crianças com Síndrome de Down que possuem um Índice de
Massa Corpórea (IMC) maior que o percentil 85 é sempre maior que 30%, porém, este
dado varia com a idade (LUKE et al, 1996). Este índice é similar as mais recentes
estimativas de que o sobrepeso e a obesidade atingem 30% ou mais das crianças e
adolescentes em algumas cidades brasileiras (OLIVEIRA & FISBERG, 2003).
As causas do sobrepeso e da obesidade em pessoas com Síndrome de Down
ainda não foram totalmente esclarecidas. Mas, semelhante ao que é observado na
população em geral, a causa é multifatorial.
16
A importância dos fatores ambientais no controle do sobrepeso foi
amplamente evidenciada (PIPES & HOLM, 1980). Os fatores genéticos e metabólicos
podem ter menor participação na etiologia do sobrepeso e da obesidade se outros
fatores, como hábito alimentar, atividade física e dinâmica familiar, forem favoráveis
ao controle de peso. Prevenir a obesidade através de um estilo de vida ativo, através da
educação nutricional e apoio emocional da família e dos amigos, como o estudo de
Medlen (1998) evidenciou, é a resposta ideal.
O tratamento do sobrepeso e da obesidade implica em modificação dos hábitos
alimentares. O acompanhamento nutricional deve começar desde a primeira infância
(0 a 7 anos). É neste período da vida que a pessoa estrutura a maneira pela qual ela irá
se confrontar com a realidade, através das mensagens recebidas, primeiramente dos
pais e da família, e que são inscritas no corpo e no seu imaginário. Nesta fase, inicia-se
a estruturação de significados e de crenças sobre si mesmo.
Também é neste período que a pessoa tem condições de tomar decisões
psicológicas, escolher e assumir papéis que desempenhará durante toda a vida
(BERNE, 1987). É assim que a pessoa começa a dar forma ao seu significado do ato
de comer, sendo reforçado na sua adolescência. Quando este significado assume, como
em algumas das famílias pesquisadas-cuidadas, a dimensão de comer sem parar, comer
por ansiedade, para vencer o medo e assim por diante, a obesidade tem seu início,
como Fernhall et al (2005), disseram, e se avulta na fase adulta.
A educação nutricional é uma das melhores formas de diminuir os índices de
sobrepeso para evitar a obesidade e, conseqüentemente, de doenças crônico-
degenerativas (KIESS et al, 2001). Entretanto, não a concebo como um ato simplista,
de busca de modificação, transformação de hábitos alimentares. Educação Nutricional,
para mim, é a ação da nutricionista a partir da compreensão do significado do ato de
comer para cada pessoa e, a partir daí, se necessário, reconstruir junto com ela um
novo significado para este ato. Desta forma, coloco-me como mediadora deste ato,
atenta ao que é dito verbalmente e expresso não verbalmente, respeitando o
conhecimento e as experiências vividas das famílias.
Segundo, Marques & Nahas (2003, p. 58)
17
Na atualidade, a pessoa portadora de Síndrome de Down tem uma vida mais
longa e sadia. A sua qualidade de vida tem mudado ao longo das últimas
décadas e, conseqüentemente, aumentando as oportunidades de educação,
lazer, emprego e integração. A expectativa média de vida das pessoas com
Síndrome de Down, que era de apenas 9 anos em 1920, chega, hoje, a 56
anos em países desenvolvidos. No Brasil, não existem dados precisos sobre
a expectativa de vida de pessoas com ndrome de Down, mas acredita-se
que esteja em torno dos 50 anos.
Então, para conduzir uma criança, um adolescente com Síndrome de Down à
fase adulta saudável, sem sobrepeso, sem obesidade, é preciso sim do apoio educativo,
desde que as pessoas que o façam, seja a família, seja o nutricionista ou outro cuidador
em saúde, considerem também o seu imaginário, os seus mbolos-significantes que
dizem respeito à sua compreensão de bem viver.
Estes aspectos foram amplamente constatados durante o desenvolvimento da
prática de cuidado que desenvolvi numa Instituição de Ensino de São José/SC nos
meses de outubro a novembro de 2005, com pessoas com Síndrome de Down e seus
familiares, à luz dos postulados do Interacionismo Simbólico.
Participaram desta prática, 9 pessoas com Síndrome de Down, sendo 6 do sexo
masculino e 3 do sexo feminino, com idades compreendidas entre 6 e 21 anos. Dos
familiares, apenas compareceram as mães e somente 2 (duas) concluíram as atividades
da prática de cuidado. No total, foram realizados 17 encontros com as pessoas com
Síndrome de Down e 7 encontros com as mães, no período proposto de cuidado.
O objetivo maior desta prática foi o de construir junto com as pessoas com
Síndrome de Down e suas famílias uma sistematização nutricional individualizada que
contribuísse para sua independência pessoal na prática quotidiana do ato de comer.
Foram utilizados como instrumentos metodológicos para o alcance do objetivo
proposto, a escuta e a observação sensível, a entrevista aberta com os pais e as
atividades lúdicas que envolveram jogos e brincadeiras.
Dentre os achados desta prática de cuidado, pude evidenciar que a família,
realmente é fundamental dentro do papel de educação nutricional para seus
integrantes, pois é justamente ela quem transmite para seus filhos o primeiro
18
significado do ato de comer, a partir de sua construção social. O membro familiar que
é mais imitado enquanto significado do ato de comer, é a mãe. Isto ficou bem claro em
diversas situações, onde as pessoas com Síndrome de Down repetiam comportamentos
alimentares idênticos aos de sua mãe.
Identifiquei o ato de comer das famílias em processo de cuidado e compreendi
que ele significava para cada família algo diferente como: acalmar a ansiedade; meio
para esquecer os problemas; para aliviar as dores abdominais; para reunir a família;
para manter o corpo saudável, o que confirmou a íntima relação entre o todo e as
partes no ato de comer, entre o social e o individual primeiramente de cada família e,
muito intimamente, de cada pessoa que a compõe.
Assim sendo, mexer na estrutura pessoal, implica também em envolver
concomitantemente toda a estrutura familiar na busca da re-significação do ato de
comer, quando isto for necessário. Portanto, ao re-significar o ato de comer da família,
o cuidador em saúde estará, concomitantemente, re-significando o ato de comer das
pessoas com Síndrome de Down. Este ato social implica em educação nutricional
adequada e o nutricionista é o profissional habilitado para tal. É ele quem irá auxiliar
na identificação e compreensão dos significados e da significação acerca do ato de
comer para as pessoas com Síndrome de Down e suas famílias, ajudando-as, se for o
caso, a re-significarem este ato ou então, compreendê-lo, não fazendo dele uma rotina,
algo sem prazer, um ato mecânico.
Assim, como foi constatado na prática de cuidado referida, não se pode
trabalhar somente uma pessoa da família quando se precisa re-significar o ato social de
comer, da mesma forma que o nutricionista sozinho não pode dar conta de todo este
contexto devido à complexidade que está implícita nele. Embora a pessoa seja simples
na sua essência, as suas relações a tornam um ser complexo.
Para a compreensão da complexidade do seu processo de viver, é preciso que o
cuidador mantenha um olhar multirreferencial sobre a pessoa, na busca da percepção
de sua integralidade. Integralidade do ato de cuidar implica em interdisciplinaridade.
A importância do trabalho interdisciplinar ficou reforçada durante a realização
da prática de cuidado: os vários saberes que contemplavam as pessoas envolvidas se
complementavam para a concretização do processo interacionista de construção-
19
desconstrução-reconstrução da realidade do seu ato de comer. Entretanto, embora
tenha desenvolvido atividades muito intensas e ricas junto com as pessoas com
Síndrome de Down, o trabalho com suas famílias foi incipiente e deixou a questão
suspensa: será que se eu for ao domicílio destas famílias, vivenciar com elas um pouco
do seu quotidiano, onde o ato de comer esinscrito, começar a trazer reflexões sobre
o comportamento adotado frente a ele, poderei contribuir na sua re-significação,
quando necessária, e, com isso, permitir a seus membros despertarem para a
importância da autonomia e independência relativa nas escolhas alimentares saudáveis
das pessoas com Síndrome de Down?
Desta inquietude, surgiu a questão de pesquisa que norteou este estudo: Como
desenvolver uma sistematização metodológica de educação nutricional, no
contexto da interdisciplinaridade, junto com as famílias com pessoas com
Síndrome de Down da prática de cuidado, para re-significarem, quando
necessário, o seu ato de comer, despertando para a importância da autonomia e
da independência relativa na escolha alimentar?
Pesquisadores como Nitschke (1999), Ghiorzi (2004), Althoff (2001) que
sustentaram conceptualmente este trabalho, reforçam a importância do trabalho com a
família, visto que ela é responsável pela educação de seus filhos, em um contexto
social. Sendo assim, como é possível re-significar o ato de comer de um filho, de uma
filha, com sobrepeso ou obeso, sem re-significar o ato de comer se seus pais?
De acordo com Spada (2005), os pais são os primeiros educadores nutricionais.
Nesta sua missão, as crenças e valores ditados pela sua cultura ou culturas, permeiam
todo o processo, que é irrigado por emoções, sentimentos, fatos, símbolos,
significados. Logo, o foco de minha pesquisa, voltou-se para a família como um todo.
O tempo de que dispus para a sua realização, 7 (sete) meses, permitiu o início do
processo de re-significação do ato de comer para as famílias e, muito mais evidente,
para as pessoas, enquanto seres singulares.
Desenvolver uma sistematização metodológica de educação nutricional para
cada família envolvida neste estudo, exigiu de mim habilidades antes não
vislumbradas, como a de escutar e observar sensivelmente. Exigiu também, a prática
da atitude empática. Desta forma, coloquei-me como um instrumento, uma peça, para
20
organizar o caleidoscópio familiar sobre o significado do ato de comer, permitindo
acréscimos, mudanças, sem apresentar verdades absolutas, sem “fazer por” eles, mas
fazendo junto com eles. Assim, além de pesquisadora fui cuidadora. Razão e
sensibilidade caminharam lado a lado comigo nesta trajetória.
Para apresentar os resultados deste belo trabalho, convido os leitores a
mergulharem nos 5 (cinco) capítulos que organizam este estudo, por onde os aspectos
teóricos, filosóficos, metodológicos e práticos, as discussões dos dados alcançados e as
conclusões se dispõem de uma maneira complementar e elucidativa, mas sem terem a
pretensão de se tornarem a única verdade sobre este tema. A pretensão é de vir
contribuir com os trabalhos de pesquisadores e cuidadores da área da saúde,
especialmente os nutricionistas, contribuindo com propostas criativas de cuidado
sensível junto com famílias que têm pessoas com Síndrome de Down.
Para iniciar esta jornada, o leitor irá conhecer um pouco mais acerca da
Síndrome de Down. Qual a sua relação com o sobrepeso e a obesidade? Como a
educação nutricional pode auxiliar a minimizar estes quadros? Qual a importância da
família neste contexto de formação do significado do ato de comer para as pessoas
com Síndrome de Down?
A seguir, explicíta-se ao leitor as bases teóricas, enquanto idéias centrais da
teoria do Interacionismo Simbólico, pressupostos da pesquisadora-cuidadora e
definições que nortearam este trabalho desde seu início até sua conclusão.
Na próxima etapa, o leitor conhecerá os meios metodológicos utilizados para a
concretização desta pesquisa, conjugado perfeitamente com a teoria que norteou este
trabalho. Neste capítulo, mostra-se de forma minuciosa as etapas de criação,
montagem e aplicação desta sistematização metodológica de educação nutricional,
desenvolvida especialmente para cada família deste estudo.
O quarto capítulo destina-se a mostrar os resultados encontrados que se
transformaram em categorias de análise. É o momento de complementação teórico-
prática, de diálogos comigo mesma e com os estudiosos que me ajudaram a
compreender o que estava se mostrando. Assinala que se pesquisa cuidando e se cuida
pesquisando.
21
E finalmente, no quinto e último capítulo, corôo este trabalho apresentando as
conclusões obtidas durante o processo de pesquisar-cuidando, desejando contribuir
com todas as pessoas que se interessam pelo tema e, sobretudo, buscam o cuidado
sensível em suas práticas.
2- OBJETIVOS
2.1 - OBJETIVO GERAL
Desenvolver uma sistematização metodológica de educação nutricional no
processo de re-significação do ato de comer das famílias com pessoas com
Síndrome de Down que foi identificado e compreendido durante a prática de
cuidado nutricional, despertando para a importância da autonomia e da
independência relativa na escolha alimentar.
2.2 - OB JETIVOS ESPECÍFICOS
Identificar o significado do ato de comer das famílias com pessoas com
Síndrome de Down ainda não trabalhadas durante a prática de cuidado.
Analisar os símbolos e os significados identificados junto com este grupo
específico, desenvolvendo o ato de construção-desconstrução-reconstrução da
realidade identificada, na busca da sua re-significação.
Criar e implementar ações nutricionais metodológicas criativas que permitam às
famílias do estudo refletirem sobre o significado de seu ato de comer, re-
significá-lo e assumirem atitudes que contribuam com a autonomia e a
independência relativa das escolhas alimentares de seus membros.
Sistematizar os aspectos metodológicos construídos e aplicados em conjunto na
educação nutricional destas famílias para a comunidade acadêmica e
profissional da área da saúde, sobretudo a de Nutrição.
Identificar o papel da nutricionista dentro deste contexto.
3 - REVISÃO DE LITERATURA
Nesta revisão de literatura, apresento uma síntese sobre a Síndrome de Down e
suas características que estão amplamente descritas na literatura. Dentre os achados
presentes nesta população, encontram-se índices de sobrepeso e de obesidade que cada
vez mais vêm aumentando. Ressalto a importância da educação nutricional para
minimizar os índices de sobrepeso e obesidade e o papel fundamental do/a
nutricionista e da família neste processo. Além disso, pontuo outros trabalhos, como o
do psicólogo Reuven Feuerstein, que contribuíram fortemente com o desenvolvimento
de estudos sobre o aprendizado em pessoas com deficiências mentais e sobre a
complementação do imaginário e do sensível dentro do processo de cuidado das
pessoas.
Faço uma revisão também, sobre a importância da família na construção social
do ato de comer para seus filhos com Síndrome de Down. Pontuo alguns trabalhos
relacionando hábitos e práticas alimentares de pessoas com Síndrome de Down e sua
relação com o contexto familiar. Dessa forma, apresento a importância deste trabalho
para a vida das famílias cuidadas bem como para seus filhos que sofrem todas as
condições negativas que a obesidade e o sobrepeso acarretam no contexto familiar e
social, abrangendo as dimensões psicológicas e físicas, assim como energéticas e
espirituais.
3.1 – A Síndrome de Down e seus Significados Biológicos e Sociais
O registro antropológico mais antigo sobre Síndrome de Down deriva das
escavações de um crânio saxônio, datado do século VII, apresentando modificações
estruturais vistas com freqüência em crianças com Síndrome de Down. Algumas
pessoas acreditam que a Síndrome de Down tenha sido retratada no passado em
esculturas e pictografias. Os traços faciais de estatuetas esculpidas pela cultura Olmec
quase 3.000 anos foram consideradas semelhantes aos de pessoas com Síndrome de
24
Down. Porém, o exame cuidadoso dessas estatuetas gera dúvidas (PUESCHEL, 2006).
Desta forma, nenhum relatório bem documentado sobre pessoas com Síndrome de
Down foi publicado antes do século XIX (PUESCHEL, 2006). A primeira descrição
de uma criança, que se presume que tinha Síndrome de Down, foi fornecida por Jean
Esquirol em 1838. Logo a seguir, Edouard Seguin, em 1846, descreveu um paciente
com feições que sugeriam Síndrome de Down, denominando a condição de “idiotia
furfurácea” (PUESCHEL, 2006).
Entretanto, a Síndrome de Down foi descrita com clareza por John Langdon
Down em 1866. Através de suas pesquisas, percebeu que havia entre as pessoas
afetadas por deficiência mental, um grupo distinto delas com características similares e
traços típicos da síndrome. Na época, fez uma descrição física e clínica tão minuciosa
que é válida até os dias de hoje e que leva seu nome (BÄUML, 2000).
A síndrome de Down é uma condição genética que constitui uma das causas
mais freqüentes de deficiência mental, compreendendo cerca de 18% do total de
deficientes mentais em instituições especializadas. John Langdon Down apresentou
cuidadosa descrição clínica da síndrome, entretanto, erroneamente, estabeleceu
associações com caracteres étnicos, seguindo a tendência da época. Chamou a
condição inadequadamente de idiotia mongolóide. No seu trabalho, ele relata:
A grande família Mongólica apresenta numerosos representantes e pretendo
neste artigo chamar atenção para o grande número de idiotas congênitos
que são Mongóis típicos. O seu aspecto é tão marcante que é difícil
acreditar que são filhos dos mesmos pais...
[
...
]
É difícil acreditar que se
trate de um europeu, mas pela freqüência com que estas características são
observadas, o dúvida de que estes aspectos étnicos resultam de
degeneração. O tipo de idiotia Mongólica ocorre em mais de 10% dos casos
que tenho observado. São sempre idiotas congênitos e nunca resultam de
acidentes após a vida uterina. Eles são, na maioria, exemplos de
degeneração originada de tuberculose nos pais (MOREIRA et al, 2000, p.
96).
No início dos anos 1930, alguns médicos suspeitavam que a Síndrome de Down
pudesse ser devido a um problema cromossômico (PUESCHEL, 2006). No entanto,
somente em 1958, foi que o cientista francês, Jerome Lejeune, descobriu a verdadeira
causa da Síndrome de Down. Ele identificou a presença de 47 cromossomos nas
25
células de crianças com Síndrome de Down. Após alguns anos, dando seqüência às
suas pesquisas, Lejeune identificou o cromossomo extra no par 21 que, em vez de
dois, passava a ter três cromossomos. Por este motivo a Síndrome de Down também é
denominada trissomia 21 (WERNECK, 1995).
Aproximadamente 92,5% dos casos de Síndrome de Down são causados por
não disjunção do cromossomo 21 durante a meiose. A pessoa com Síndrome de Down
possui um cromossomo 21 a mais, ou seja, três cromossomos na célula em vez de dois.
Em 4,5% dos casos ocorre translocação. Neste caso, a diferença é que o terceiro
cromossomo 21 não é um cromossomo "livre", mas está ligado ou translocado a outro,
geralmente ao 14, 21 ou 22. Neste tipo, o número total de cromossomos nas células é
46, mas o cromossomo 21 extra, está ligado a outro cromossomo. Então, ocorre
novamente um total de 3 cromossomos 21, presentes em cada célula (BERNSTEIN &
SHELOV, 2003).
Em aproximadamente 3% dos casos, ocorre mosaicismo (BERNSTEIN &
SHELOV, 2003). Esta condição é detectável por uma linhagem de células somáticas
normais e outra linhagem com trissomia do 21 (GARCIAS et al, 1995). Em geral, o
mosaicismo resulta em uma expressão clínica mais branda da Síndrome de Down
(JORDE et al, 1996).
Independente do tipo que se apresenta (trissomia 21, translocação ou
mosaicismo), é sempre o cromossomo 21 o responsável pelos traços físicos específicos
e função intelectual limitada observados na grande maioria das pessoas com Síndrome
de Down (PUESCHEL, 2006).
A freqüência da Síndrome de Down é estimada em cerca de 1 em 600 nascidos
vivos e em 150 concepções (HERNÁNDEZ & FISHER, 1996). De acordo com
Werneck (1995), em nosso país nascem, por ano, cerca de oito mil bebês com
Síndrome de Down.
uma direta relação entre o aumento da idade materna e a elevação dos riscos
de nascimento de crianças com a síndrome (PUESCHEL, 2006).
Para uma mulher de 35 a 39 anos, o risco de ter um bebê com Síndrome de
Down é 6,5 vezes maior do que para uma mulher de 20 a 24 anos. Para uma mulher de
40 a 44 anos, o risco é 20,5 vezes maior (BERKOWITZ, 2000).
26
De acordo com Stratford (1997), existe ainda uma proporção da incidência por
faixa etária. Para mulheres com 20 anos de idade, a incidência é de 1:2000 nascidos
vivos, para mulheres com 30 anos de idade, a incidência é de 1:1000 nascimentos
vivos. Já para mulheres com 35 anos de idade, a incidência é de 1:500 nascimentos
vivos, para as de 40 anos de idade, a incidência é de 1:70 nascimentos vivos, sendo
que, para mulheres com 45 anos de idade, a incidência é de 1:17 nascimentos vivos.
Várias hipóteses foram desenvolvidas para explicar a relação entre o aumento
da idade materna e a elevação dos riscos de nascimento de crianças com a síndrome.
Mulheres com mais idade têm menos probabilidade de abortar espontaneamente uma
gestação trissômica. Também, é mais provável que o padrão seja devido a um aumento
na não disjunção entre mulheres com mais idade. Todos os ovócitos de uma mulher
são formados durante seu desenvolvimento embrionário. Eles ficam suspensos em
prófase I até que sejam liberados durante a ovulação. Assim, um ovócito produzido
por uma mulher de 45 anos tem a mesma idade. Este longo período de suspensão na
prófase I, pode prejudicar a disjunção normal. Entretanto, este mecanismo de não
disjunção ainda não é compreendido (JORDE et al, 1996).
Vários estudos testaram a hipótese de um efeito da idade paterna para as
trissomias e o consenso é o de haver pouca evidência para tal efeito. Isto pode ocorrer
devido ao fato de que os espermatócitos, ao contrário dos ovócitos, são gerados
durante toda a vida do homem (JORDE et al, 1996).
outros fatores que estão implicados no aparecimento da síndrome, mas não
foram ainda comprovados. São eles: a tendência familiar para a não disjunção
cromossomial, a exposição aos raios-x e as infecções virais, problemas hormonais ou
imunológicos (GARCIAS et al, 1995; PUESCHEL, 2006).
Lembrando que as pessoas com Síndrome de Down apresentam uma
constelação de mais de 300 características que as identificam, aponta-se as da face,
que incluem uma ponte nasal baixa, os olhos com pálpebras estreitas e levemente
oblíquas, com prega de pele no canto interno (prega epicântica), a íris, freqüentemente,
com pequenas manchas brancas (manchas de Brushfield), a cabeça, geralmente, menor
e a parte posterior levemente achatada, a moleira maior com demora para se fechar, a
boca pequena e muitas vezes mantém-se aberta com a língua projetando-se para fora.
27
Ainda pode-se apontar as bochechas que são arredondadas e os cantos da boca
que, às vezes, são caídos. O pescoço é curto e a pele redundante na nuca,
especialmente em neonatos. A língua é grande e protusa. As mãos e os pés tendem a
serem largos e curtos. Aproximadamente 50% das pessoas com Síndrome de Down
têm uma única linha de flexão nas palmas das mãos, que é a chamada linha simiesca
(BERKOWITZ, 2000).
Embora o bebê com Síndrome de Down possa apresentar algumas ou todas
estas características, é importante ressaltar que, como todas as crianças, ele também se
parecerá com seus pais, uma vez que herda os genes destes. Assim, apresentará
características diferentes entre si, como: cor dos cabelos e olhos, estrutura corporal,
padrões de desenvolvimento, etc. Estas características determinam uma diversidade de
funcionamento comum às pessoas consideradas normais (PUESCHEL, 2006).
Durante muitos anos, as pessoas com Síndrome de Down foram chamadas de
retardadas, mongolóides ou excepcionais, termos estes sempre acompanhados de um
caráter pejorativo. Estas denominações conferiram à pessoa, um estigma de ser
incapaz, indesejável, dificultando o desenvolvimento das suas potencialidades e
excluindo-a de um contexto sociológico considerado “normal”. Mas este estigma
também atingia as pessoas descendentes dos mongóis: elas eram vistas como
deficientes.
De acordo com Goffman (1988, p.12), uma pessoa é estigmatizada quando
“deixamos de considerá-la criatura comum e total, reduzindo-a a uma criatura
estragada e diminuída”. O mesmo autor ainda defende que a pessoa estigmatizada,
pode estar na condição de desacreditada.
Ainda resta citar uma característica própria das pessoas com Síndrome de
Down, que é a deficiência mental. Quando se fala em deficiência mental, as pessoas
pensam logo numa condição desesperadora, mas não é verdade. Deficiência mental
significa que a criança terá um desenvolvimento mais lento do que a maioria das
crianças e será mais limitada em suas capacidades. Entretanto, a criança pode ser
ajudada a desenvolver ao máximo suas capacidades e levar a sua vida quotidiana com
alegria. A aprendizagem da pessoa com Síndrome de Down ocorre num ritmo mais
lento. A criança demora mais tempo para ler, escrever e fazer contas. No entanto, a
28
maioria das pessoas com esta síndrome tem condições para ser alfabetizada e realizar
operações lógico-matemáticas (PUPO FILHO, 1996).
E nesse aspecto, os trabalhos de Feuerstein (1979) reforçam que o
desenvolvimento cognitivo de uma pessoa decorre da sua interação com o ambiente e
da experiência de aprendizagem mediada, proporcionada por pessoa próxima (pai,
mãe, educadores...), o que leva a criança a processar conhecimentos significativos para
o seu crescimento intelectual.
Essa interpretação se aproxima da abordagem da inteligência de Vygotsky
(1991), que estabelece que o ambiente sócio-cultural intermedeia a aprendizagem da
criança. A intervenção psicopedagógica pelo Programa de Enriquecimento
Instrumental (PEI) de Feuerstein favorece o desenvolvimento de mudanças cognitivas
estruturais e a correção de funções, como afirmam Moreira e colaboradores (2000).
Feuerstein (apud Beyer, 1996) explicou que as dificuldades cognitivas são
primordialmente determinadas por fatores sócio-culturais e não intelectuais. Numa
lógica de proporção, quanto mais a criança usufruir em seu desenvolvimento do
auxílio cognitivo direto e intencionado de outras pessoas, mais seguramente
apresentará um desenvolvimento cognitivo normal. Inversamente, a não intermediação
humana no processo de aprendizagem da criança acarretará defasagens cognitivas
acumuladas que implicarão no surgimento de problemas no seu funcionamento
cognitivo-intelectual posterior. Por isso, Feuerstein pressupõe que uma das causas
fundamentais dos problemas de aprendizagem reside nas condições de interação social
(interpessoal) da pessoa (BEYER, 1996).
Em estudo realizado por Martinez (1997) com adolescentes com Síndrome de
Down para avaliar a inclusão da disciplina de matemática no currículo do segundo
grau, a autora chama atenção para o seguinte aspecto: as pessoas com Síndrome de
Down usualmente não têm dificuldades para memorizar seqüências; elas podem levar
tempo para aprender, porém após aprenderem, elas podem repetir a seqüência
corretamente inúmeras vezes. Obviamente, a presença de um educador, que medeia
este processo, é fundamental. A autora ainda ressalta que não se deve ter preconceito
sobre o que uma pessoa com deficiência pode aprender, mas acreditar que, sendo-se
paciente e se achando o jeito certo de ensinar, não limites para que pessoas com
29
deficiência possam aprender. Apesar de suas dificuldades, se as pessoas com Síndrome
de Down forem motivadas, elas poderão aprender muito (MARTINEZ, 1997).
A concepção otimista de Feuerstein (1979) contrasta radicalmente com a visão
de que retardados e autistas são condenados a uma diminuição na função cognitiva a
todo custo. As técnicas desenvolvidas por ele podem ser aplicadas a todas as
dificuldades de aprendizado, incluindo condições inatas como a Síndrome de Down,
atraso no desenvolvimento, disfunção sensório-motora, problemas comportamentais e
emocionais, assim como cultural e privação sócio-econômica.
No seu instituto de pesquisa, a meta principal é a de ajudar as crianças a
viverem de forma independente como os adultos. Um dos programas propostos
destinou-se a preparar muitos adolescentes e jovens adultos com Síndrome de Down e
com outros problemas de ordem psicossocial, para servirem como cuidadores
assalariados para os mais idosos e com deficiências. “Nós os temos como diplomados
no curso. Eles têm uma grande dose de paciência; eles ficam satisfeitos quando as
pessoas que eles cuidam querem contar a eles uma história. Eles as tratam como
pessoas sensíveis, com respeito, diferentemente de outros cuidadores que mantêm o
velho autoritarismo” (BEYER, 1996, p. 100).
Desta forma, a educação da pessoa com Síndrome de Down deve atender às
suas necessidades especiais, sem se desviar dos princípios básicos da educação
proposta às demais pessoas. A criança deve freqüentar desde cedo a escola, e esta deve
valorizar, sobretudo os acertos da criança, trabalhando sobre suas potencialidades para
vencer as dificuldades (PUPO FILHO, 1996).
3.2 – A Síndrome de Down e o Estigma da Deficiência Mental
Desde os primeiros anos de vida, observam-se evidentes retardos no
desenvolvimento dos bebês. A lentidão ao responder a estímulos, como virar, sentar,
ficar de pé, prejudica a interação adequada com as pessoas do convívio diário da
criança. A demora no desenvolvimento da fala é atribuída, em parte, à presença de
língua caracteristicamente grande e saliente. Além disso, a perda da audição ocorre
30
mais freqüentemente na Síndrome de Down que na população em geral, tornando as
crianças acometidas, especialmente vulneráveis à deficiência de fala e linguagem
(BERKOWITZ, 2000).
O impacto que uma criança com deficiência mental tem sobre a família, vem
sendo muito pesquisado nas últimas décadas (SILVA & DESSEN, 2004). Um filho
com Síndrome de Down produz impacto nos pais que devem viver a adaptação frente a
esta realidade. É um processo lento para a maioria dos casos (BUSTAMANTE et al,
1999).
De acordo com Rodrigues (2000), os pais planejam e esperam a chegada de um
bebê, idealizando a vinda de uma criança perfeita, saudável, bonita... e, com certeza,
imaginam ainda, que esta criança virá realizar os projetos e desejos pessoais dos pais
que ficaram mal elaborados em suas vidas. Sendo assim, há essa expectativa de que os
filhos realizarão os seus sonhos e desejos. E quando isso não ocorre, pode gerar uma
situação de conflito e desajuste familiar, na maioria das vezes. Se essa situação não é
superada, pode dificultar a inclusão desse (a) filho (a), não só no grupo familiar, mas
também no social, no escolar...
Pode-se entender então, o quanto é sofrido, frustrante e desesperador quando os
pais se deparam com aquele bebê não sonhado, não imaginado. Dá-se o impacto e o
choque da perda daquele (a) filho (a) que tanto se esperou durante a gravidez
(RODRIGUES, 2000). Portanto, ao nascimento de uma criança com Síndrome de
Down é de se esperar o surgimento de vários problemas emocionais por parte dos pais
(NAHAS, 2004). Depressão, mágoa, rejeição, insegurança, vergonha, medo,
sofrimento, culpa são alguns dos sentimentos vivenciados pelos pais de crianças com
deficiência mental (SILVA & DESSEN, 2004).
Todos esses sentimentos são naturais, desde que possam ser superados. Alguns
pais tendem a culpar-se mutuamente pelo problema, distanciando-se no momento em
que o casal mais necessita de apoio e a criança de amor (NAHAS, 2004).
Desta forma, como qualquer criança, as com Síndrome de Down, também
necessitam de amor, atenção e aceitação por parte dos pais. Precisam de um ambiente
harmonioso, onde possam crescer com segurança, onde possam desenvolver a sua
auto-estima e sua independência. Se os pais tiverem uma percepção positiva de seus
31
filhos, eles, por sua vez, o perceberão e se sentirão amados e aceitos. O bem-estar
emocional é da maior importância no desenvolvimento de qualquer pessoa, inclusive a
com Síndrome de Down (PUESCHEL, 2006).
Com relação à disciplina, os pais devem ter em mente que ela faz parte da
criação natural de qualquer criança. Pueschel (2006) observa que é importante que a
disciplina seja aplicada carinhosa e consistentemente, tanto em casa como em qualquer
outro local. Assim, as crianças aprendem a ter responsabilidade e desenvolvem um
senso de ordem quando os limites são estabelecidos e quando existem padrões a serem
respeitados e cumpridos (PUESCHEL, 2006).
Voltando-se a atenção novamente para as crianças com Síndrome de Down,
tendo-se como parâmetro as crianças sem a síndrome, ver-se-á que as com síndrome
são menores estaturalmente e seu desenvolvimento físico e intelectual mais lento.
Durante os primeiros meses, este desenvolvimento mais lento é pouco notado.
Com o passar do tempo, estas diferenças ficam mais visíveis, se a criança não for
estimulada corretamente. Geralmente, as pessoas com Síndrome de Down possuem as
mesmas capacidades de uma pessoa sem a síndrome e são capazes de aprender a ler,
escrever e ter uma profissão (NAHAS, 2004). Cabe às pessoas que cuidam e convivem
com elas, sobretudo os pais, estimularem e desenvolverem essas capacidades, segundo
a própria criança, segundo o seu potencial de aprendizado, sem culpas, sem pena,
guiando-as para serem adultos independentes.
Embora a Síndrome de Down seja classificada como uma deficiência mental,
não se pode nunca predeterminar qual será o limite de desenvolvimento da pessoa.
Historicamente, a pessoa com Síndrome de Down foi rotulada como deficiente mental
severa e, em decorrência deste rótulo, acabou sendo privada de oportunidades de
desenvolvimento (PUPO FILHO, 1996).
Moreira et al (2000) colocam que, na sua experiência, constataram casos de
pessoas com Síndrome de Down que apresentaram desempenho intelectual limítrofe
ou mesmo normal. Os mesmos autores chamam a atenção para o fato das pessoas com
Síndrome de Down estarem incluídas em escolas regulares ou participando do
mercado de trabalho (MOREIRA et al, 2000).
32
Embora, atualmente, alguns aspectos da Síndrome de Down sejam mais
conhecidos, e a pessoa tenha melhores chances de vida e desenvolvimento, uma das
maiores barreiras para a inclusão social delas continua sendo o preconceito. No
entanto, embora o perfil da pessoa com ndrome de Down fuja aos padrões
estabelecidos pela cultura atual - que valoriza, sobretudo, os padrões estéticos e a
produtividade -, cada vez mais a sociedade está se conscientizando de como é
importante valorizar a diversidade humana e de como é fundamental oferecer
equiparação de oportunidades a todas as pessoas. Desta maneira, as pessoas com
necessidades especiais podem exercer seu direito de conviver na sua comunidade.
Cada vez mais, as escolas do ensino regular e as indústrias preparadas para receber
pessoas com Síndrome de Down, têm relatado experiências muito bem-sucedidas de
inclusão benéfica para todos os envolvidos (PUPO FILHO, 1996).
3.3 – A Síndrome de Down e seus Significados Clínicos
Vários problemas de significado médico ocorrem com maior freqüência entre
pessoas com Síndrome de Down. As cataratas congênitas ocorrem em cerca de 3% dos
neonatos com Síndrome de Down. Se a catarata não for removida logo após o
nascimento, a criança pode ficar cega (PUESCHEL, 2006).
Muitas anomalias congênitas do trato gastrintestinal têm sido observadas em
recém-nascidos com Síndrome de Down. Estima-se que até 12% de crianças com a
síndrome apresentam tais anomalias. Pode haver um bloqueio do tubo alimentar
(atresia do esôfago), uma ligação entre o tubo alimentar (esôfago) com o tubo de ar
(traquéia), um estreitamento da saída do estômago (estenose pilórica), um bloqueio do
intestino adjacente ao estômago (atresia duodenal), ausência de certos nervos em
algumas partes dos intestinos (doença de Hirschsprung) e ausência de abertura anal
(ânus imperfurado) e outras anomalias ainda não identificadas. A maioria dessas
anomalias congênitas requer intervenção cirúrgica imediata (PUESCHEL, 2006).
As infecções respiratórias são muito comuns na primeira infância e o risco de
desenvolver leucemia é de 15 a 20 vezes maior entre as pessoas com Síndrome de
33
Down do que na população em geral (JORDE et al, 1996). Embora não haja defeitos
sérios do sistema imunológico em crianças com Síndrome de Down, várias mudanças
sutis existem nos mecanismos de defesa de seus corpos. Os pesquisadores têm relatado
que essas crianças muitas vezes têm menor número de células sanguíneas (linfócitos
específicos) que são importantes na defesa geral do corpo. Também foram encontradas
anormalidades na função das células linfócitos B e T em crianças com Síndrome de
Down (PUESCHEL, 2006).
Aproximadamente 10 a 20% das crianças ou jovens com ndrome de Down
apresentam a instabilidade atlanto-axial. Esta alteração consiste em um aumento do
espaço intervertebral entre a primeira e segunda vértebra da coluna cervical. Ela é
causada por alterações anatômicas (hipoplasia do processo odontóide) e pela hipotonia
músculo-ligamentar. A instabilidade pode levar a uma subluxação, e esta pode causar
lesão medular ao nível cervical, gerando comprometimento neurológico (sensitivo-
motor) ou até a morte, por parada respiratória ocasionada por lesão do centro
respiratório medular. Assim, são contra indicados os movimentos bruscos do pescoço,
que podem ocorrer em atividades como: mergulho, nado golfinho, cambalhotas,
equitação (PUPO FILHO, 1996).
O mais significante problema médico é que, aproximadamente 40%, nascem
com defeitos cardíacos estruturais (JORDE et al, 1996). O problema mais comum está
relacionado com a parte central do coração, onde orifícios nas paredes entre as
câmaras e o desenvolvimento anormal das válvulas cardíacas, podem estar presentes
(PUESCHEL, 2006).
Tanto o hipotireoidismo quanto o hipertireoidismo ocorrem nas crianças com
Síndrome de Down, sendo o primeiro mais comum e encontrado em 20% das pessoas
com esta síndrome (GILBERT, 1996).
Nos últimos anos, a literatura médica tem apresentado vários registros de apnéia
do sono em pessoas com Síndrome de Down. A apnéia do sono é devida,
principalmente, a alguma obstrução no fundo da garganta, por amígdalas e adenóides
grandes e, também, por obesidade. As crianças com apnéia, geralmente, apresentam
respiração barulhenta, roncam e têm curtos episódios durante o sono em que não
respiram (PUESCHEL, 2006).
34
Sabe-se que a Síndrome de Down é caracterizada por uma deficiência no
crescimento, nos primeiros anos de vida. Estudos sobre o crescimento de pessoas com
Síndrome de Down têm demonstrado que esta deficiência no crescimento começa
intra-uterinamente e continua até a criança estar entre 3 e 5 anos de idade (CRONK et
al, 1978).
Em relação ao sobrepeso e à obesidade nas pessoas com a ndrome, segundo o
National Health and Nutrition Examination Survey (NHANES II), pesquisas
comprovaram que 50% de crianças com esta síndrome, com idades entre 1 mês a 18
anos, estão com sobrepeso (LUKE et al, 1996). Entretanto, a prevalência de sobrepeso
e obesidade tem aumentado mundialmente, independentemente ou não de se ter
Síndrome de Down. Assim como as crianças, os adultos com Síndrome de Down têm
uma tendência aumentada para o sobrepeso (RUBIN et al, 1998).
Sabe-se que a tendência à obesidade se faz presente desde a tenra infância na
Síndrome de Down (ROGERS & COLEMAN, 1992) e que grandes possibilidades
destas crianças se tornarem adolescentes e adultos com este problema.
Cronk et al (1988) colocam que, na primeira infância, aproximadamente 15%
das pessoas com Síndrome de Down tornam-se obesas. Aos 9 anos de idade, a maioria
dessas crianças es acima do percentil 95 nas curvas de crescimento estabelecidas
para as crianças saudáveis e sem a síndrome (STYLES et al, 2002).
Embora o se trate ainda de uma referência publicada, durante a prática de
cuidado referida, 22,2% dos sujeitos cuidados apresentaram sobrepeso e 33,3%
obesidade, o que vem confirmar os estudos já publicados.
No estudo realizado por Prasher (1995) com adultos com Síndrome de Down,
encontrou-se que 31% e 22% dos homens e mulheres, respectivamente, estavam com
sobrepeso e que 48% e 47% dos homens e mulheres, respectivamente, estavam com
diferentes graus de obesidade. Na minha prática de cuidado, 33,3% de pessoas do sexo
masculino estavam com sobrepeso e 33,3% das do sexo feminino, com obesidade.
Gomes & Amorim (2000) realizaram um estudo em Curitiba/PR com 23
crianças com Síndrome de Down, com idades entre 2 e 6 anos, e constataram que 83%
delas estão dentro dos padrões da normalidade para peso e 17% estão com sobrepeso
ou obesidade.
35
Em estudo realizado por Bonchoski et al (2004) em Umuarama/PR, realizado
com 14 meninos com idades compreendidas entre 7 e 11 anos, verificou-se que o
Índice de Massa Corporal (IMC) estava dentro do padrão normal. Entretanto, também
foi observado que o IMC pode estar dentro da faixa de peso saudável, mas a gordura
corporal pode estar acima do limite ideal, indicando que esta população poderia ser
considerada como “falso magro”.
É interessante chamar a atenção para o fato de que Fernhall et al (2005)
mostraram que os adultos com Síndrome de Down não possuem uma taxa metabólica
basal menor do que aquelas pessoas que não têm a Síndrome. Logo, não co-relação
com a obesidade enquanto característica da Síndrome de Down. Isto vem reforçar que
a obesidade e o sobrepeso em adultos estão ligados ao seu estilo de vida. Portanto, a
manutenção de um peso adequado se deve a hábitos alimentares adequados, à
atividade física e a dinâmicas familiares favoráveis ao controle de peso.
Além disso, a hipotonia generalizada, presente nas pessoas com Síndrome de
Down, também pode contribuir para a tendência ao sobrepeso e à obesidade. Com a
hipotonia, os músculos envolvidos na digestão não dão a sensação de saciedade após
uma refeição, o que faz com que eles comam mais que o necessário. Além disso, o não
tratamento do hipotireoidismo pode contribuir também para o aumento de peso
(PUESCHEL, 2006).
De acordo com Flodmark et al (2004), os índices de obesidade em crianças sem
Síndrome de Down vêm aumentando na Europa e Estados Unidos. No Brasil, o
panorama de prevalência crescente não é diferente.
A prevalência de excesso de peso entre crianças e adolescentes brasileiros
aumentou de 3,7% na década de 70 para 12,6% na década de 90 (WANG et al, 2002).
Foi relatada, em São Paulo, prevalência de 2,5% de obesidade em crianças menores de
10 anos, entre as classes econômicas menos favorecidas, e de 10,6% no grupo mais
favorecido (MONTEIRO et al, 1995). Em estudo realizado em escola de classe média-
alta no nordeste do Brasil, foram detectadas em crianças e adolescentes prevalências
de 26,2% de sobrepeso e 8,5% de obesidade (BALABAN & SILVA, 2004).
Este quadro é conseqüência do processo de transição nutricional que o Brasil
vem passando nas últimas décadas, caracterizado por um aumento exagerado do
36
consumo de alimentos ricos em gordura e açúcares e com alto valor calórico
associados a um excessivo sedentarismo. Nesta questão, sedentarismo, um
condicionamento por redução na prática de atividade física e incremento de hábitos
que não geram gasto calórico considerável, como: assistir TV, uso de vídeo games e
computadores entre outros. Enfim, o que se destaca é a importante mudança no estilo
de vida, determinada por fatores culturais, sociais e econômicos (DAMIANI et al,
2000).
Desta forma, fatores como hábitos alimentares inadequados, ingestão calórica
excessiva, menor taxa de metabolismo basal durante o período da infância
(FERNHALL et al, 2005), menor atividade física, hipotonia e hipotiroidismo estão
associados ao sobrepeso em pessoas com Síndrome de Down (PIPES & HOLM,
1980).
No ano de 2003, Marques & Nahas realizaram uma pesquisa com adultos com
mais de 40 anos com Síndrome de Down, residentes no estado de Santa Catarina, e
verificaram que uma em cada três mulheres deste grupo está na faixa da obesidade, e
os homens situam-se mais na faixa do sobrepeso.
Além do achado citado acima, evidenciaram que a qualidade de vida da
população alvo, de acordo com os respondentes, fundamentou-se em “sentir-se feliz”.
Isso, segundo os mesmos autores, reforçou os achados de Robinson (2000, p. 105) de
que as pessoas com a Síndrome são “indivíduos implacavelmente felizes”. Outro
achado desta pesquisa foi o de que a população alvo não apresentava traços acentuados
de depressão, nervosismo, cansaço e esgotamento. Logo, pode-se inferir que, ser feliz,
enquanto estado de espírito, é uma condição sine qua non para o bem-viver, para se ter
saúde.
O estudo de Pick & Zuchetto (2000) reforça a afirmação de que as pessoas com
Síndrome de Down são alegres. Além disso, apresentam as características de serem
cooperativas, escrupulosas, educadas, que gostam de rotina, que resistem à mudança e
que apresentam certos momentos de teimosia.
No trabalho de Gilbert (1996), o senso de alegria das pessoas com Down pode
acrescentar muito à família. A alegria é o fator desencadeante de saúde, pois
harmoniza o funcionamento do corpo, da mente e do espírito.
37
Entretanto, nos últimos anos, Pueschel (2006) coloca que um grande mero de
pessoas com Síndrome de Down apresentou desordens psiquiátricas como a depressão,
os distúrbios de comportamento e os problemas de ajustamento. Para Pupo Filho
(1996), os sinais de depressão nas pessoas, normalmente, consistem em um humor
triste e irritadiço, junto com distúrbios de apetite, sono, energia, e perda de interesse
em atividades antes apreciadas. Pessoas com Síndrome de Down são mais inclinadas a
apresentar perdas de memória, significativas queda de atividade e praticam conversas
consigo mesmo, do tipo alucinatórias. Elas também freqüentemente, desenvolvem
desordens depressivas em reação a perdas: morte de um membro da família, mudança
de um colega de quarto, saída da pessoa responsável em tratá-las em grupo (PUPO
FILHO, 1996). Além disso, foi estimado que cerca de 15% a 25% de pessoas mais
velhas com Síndrome de Down apresentam sinais precoces de doença de Alzheimer
(PUESCHEL, 2006).
Retomando o enfoque sobre o sobrepeso e a obesidade, uma das maneiras de se
verificar se uma pessoa apresenta uma dessas condições, é utilizar o Índice de Massa
Corporal (IMC). Para tal, utiliza-se o peso da pessoa e divide-se pela sua altura ao
quadrado. Crianças podem ser classificadas com sobrepeso quando o IMC estiver
acima do percentil 85 e, como obesas, quando o IMC estiver acima do percentil 90
(WAITZBERG, 2000).
Conforme as últimas recomendações da Organização Mundial de Saúde em
1997, em adultos o sobrepeso é definido como Índice de Massa Corpórea (IMC) entre
25 e 29,9 Kg/m
2
e a obesidade como IMC maior que 30 Kg/m
2
, sendo que o IMC
maior ou igual a 40 Kg/m
2
é classificado como obesidade mórbida (GARRIDO
JÚNIOR, 2004).
Em crianças sem Síndrome de Down, o sobrepeso é associado negativamente
com o desenvolvimento motor. Levando-se em consideração que a própria síndrome
estigmatiza as pessoas que a possuem, o sobrepeso pode limitar ainda mais a
capacidade de participar em atividades físicas, sociais e recreativas, que são tão
importantes para o desenvolvimento emocional e físico do ser humano (LUKE et al,
1996), e também, ao meu ver, social. Além disso, a falta de atividade física, quer seja
pela falta de oportunidade, pela hipotonia, pela falta de conhecimentos dos pais, pelo
38
preconceito ou pela pouca sociabilidade, também pode levar ao sobrepeso e à
obesidade.
Assim sendo, os fatores genéticos têm uma ação permissiva para que os fatores
ambientais possam atuar, como se criassem um "ambiente interno" favorável à
produção do ganho excessivo de peso (OLIVEIRA et al, 2003). As preferências
alimentares das crianças, assim como as atividades físicas, são práticas influenciadas
diretamente pelos hábitos dos pais, que persistem freqüentemente na vida adulta, o que
reforça a hipótese de que os fatores ambientais são decisivos na manutenção ou não do
peso saudável. Portanto, a informação genética constitui-se em uma causa suficiente
para determinar sobrepeso e obesidade, mas, não sempre necessária, sendo possível
reduzir-se a sua influência, através de modificações no micro e macro ambiente em
que vivem as pessoas (COUTINHO, 1999).
Enfim, a família tem um papel importantíssimo para o controle de peso das
pessoas com Síndrome de Down. Os familiares têm que incentivar a prática do
exercício físico e devem proporcionar a oferta de alimentos saudáveis na dieta
familiar, pois desta forma estará contribuindo na formação dos hábitos alimentares de
seus filhos, independentemente ou não da Síndrome de Down.
3.4 O Contexto Familiar e os Hábitos Alimentares da Pessoa com
Síndrome de Down
A alimentação integra uma das atividades mais importantes para a pessoa. Além
das razões fisiológicas, envolve aspectos sociais, psicológicos e econômicos. Ou seja,
quando se analisa a relação da pessoa com seu comportamento alimentar, existem
razões emocionais, simbólicas, econômicas, culturais, sociais e psicológicas que
determinam seus hábitos alimentares. Nas palavras de Cervato et al (2004, p. 12), os
hábitos alimentares estão intimamente associados aos sentimentos familiares, à
disponibilidade alimentar, à economia e às crenças e significados que cada pessoa
confere aos alimentos”.
39
Neste contexto, a família é de extrema importância na construção do significado
do hábito alimentar familiar, enquanto grupo, e do hábito alimentar de cada um de seus
membros. O comportamento alimentar praticado tem suas bases fixadas na infância,
transmitidas pela família e sustentadas por tradições.
Segundo Pegolo (2005), o comportamento alimentar é diretamente influenciado
pelos pais. Dessa forma, a freqüência com que os pais demonstram hábitos alimentares
saudáveis pode estar associada à ingestão alimentar e ter implicações de longo prazo
sobre o desenvolvimento do comportamento alimentar dos filhos. Porém, ao longo da
vida, o comportamento alimentar pode vir a se modificar em conseqüência de
mudanças do meio, relativas à escolaridade ou relacionadas às mudanças psicológicas
das pessoas (MANHAN & ESCOTT-STUMP, 1998).
Entendendo a família como o primeiro contato da criança com o mundo, o
comportamento de todos os seus membros irá, fatalmente, influenciar o
comportamento da criança, o que poderá condicionar seus hábitos. Assim sendo, uma
família que tem uma alimentação de boa qualidade, com consumo diário de legumes e
verduras, por exemplo, certamente influenciará na aceitação da criança desses
alimentos. A visualização freqüente de tais alimentos à mesa, acompanhada de
demonstrações agradáveis e verbalizações positivas, cria o ambiente propício para que
o hábito alimentar seja incorporado.
Bueno (2002) fala que no período de 0 a 7 anos de idade, a criança,
inconscientemente, assimila o comportamento dos pais e das pessoas mais
significativas ao seu redor. Ela não percebe a diferença entre os pais e ela mesma. Não
uma distinção consciente. No período entre os 7 e 14 anos de idade, a criança inicia
de modo consciente e/ou inconsciente, a copiar, ou seja, a modelar os comportamentos
sociais básicos. Ela passa a observar o comportamento dos amigos, familiares e,
literalmente, os copia (modela-os). Bueno (2002, p. 29) coloca que “os valores mais
importantes acerca da vida, são formados durante esta fase. São baseados em onde
você estava e no que estava acontecendo ao seu redor”. Colocação importante para se
compreender a formação de um hábito.
Bueno (2002) também diz que é durante o período de adolescência, dos 14 aos
21 anos, chamado de período de socialização, que a pessoa aprende a estabelecer as
40
primeiras interações com os outros seres humanos. “É o período onde o indivíduo
forma seus valores sociais de relacionamentos, muitos dos quais são usados até o fim
da vida” (BUENO, 2002, p. 29).
Assim, os hábitos alimentares começam a se formar na primeira infância. A
promoção de uma alimentação saudável tem início com o estímulo ao aleitamento
materno, que evita a obesidade e a desnutrição, com reflexo nos índices de mortalidade
infantil. A educação alimentar inicia-se muito precocemente, nos primeiros meses de
vida, quando são construídos os alicerces dos hábitos alimentares (VIEIRA et al,
2004). Entretanto, a influência mais marcante na formação dos hábitos alimentares é o
produto da interação da criança com a própria mãe ou a pessoa mais ligada à sua
alimentação (EUCLYDES, 2000; GOLAN, 2002). É importante lembrar que os
lactentes ingerem os alimentos que lhes são oferecidos e do modo como são
preparados (VIEIRA et al, 2004).
A família oferece amplo campo de aprendizado social à criança. O ambiente
doméstico, o estilo de vida dos pais, as relações interfamiliares, os significado dos
hábitos alimentares podem ter grande influência na alimentação, nas preferências
alimentares e afetar o equilíbrio energético da alimentação pela disponibilidade e
composição dos alimentos. Assim, a família poderá estabelecer o aprendizado de um
hábito socialmente aceito, mas nem sempre adequado, ou inserir novos hábitos,
contribuindo para a formação de uma sistematização de comportamento alimentar
adequado ou não (GOLAN, 2002).
Pueschel (2006) coloca que comer em um restaurante, favorece este
aprendizado, especialmente na área do comportamento social. Se os membros da
família fornecerem bons exemplos à mesa, a criança seguirá o modelo, imitando seu
comportamento.
A qualidade dos alimentos consumidos pelas crianças pode refletir-se, a curto e
longo prazo, na saúde infantil, por uma programação nutricional que explicaria
doenças da idade adulta relacionadas a práticas nutricionais inadequadas no período
neonatal (ANDERSON et al, 1999) e na infância (OLIVEIRA & ESCRIVÃO, 2001).
Tomando como exemplo a obesidade, as crianças amamentadas têm melhor
capacidade de manipular os níveis séricos de colesterol do que as que recebem
41
fórmulas lácteas. Com isso, têm mais probabilidades de promoverem a prevenção da
obesidade na idade adulta (OLIVEIRA & ESCRIVÃO, 2001).
Portanto, cabe aos familiares estimularem, tanto quanto possível, a formação de
bons hábitos nas crianças, seja pelo exemplo ou exercendo influências positivas quanto
ao consumo de alimentos de qualidade, através de verbalizações positivas ou
desenvolvendo atividades lúdicas e prazerosas que possam tornar a hora da refeição
um momento de prazer e facilitar a introdução e aceitação de novos alimentos.
Utilizar os alimentos como forma de recompensa para acalmar a criança ou
discipliná-la, é uma forma de educação errônea. Birch (1999) coloca que a estratégia
de fazer uma criança comer um alimento com o propósito de ganhar um prêmio, tende
a reduzir o gosto da criança pelo alimento que ela deve comer para obter a
recompensa. Isto faz com que a criança faça uma associação cerebral negativa com o
alimento, excluindo-o da sua alimentação. Toda vez que se coloca diante do alimento
ou, até mesmo, quando algo lembra este alimento, o cérebro dispara a ordem: alimento
ruim.
Calvert et al (1976) concluíram que os pais de crianças com Síndrome de Down
não utilizam os alimentos para compensá-las ou acalmá-las. Outras pesquisas não
foram feitas posteriormente para confirmarem ou não este achado. Entretanto, em
minha prática de cuidado, constatei que duas famílias das cinco que cuidei, utilizavam
sim os alimentos para compensar a situação vivencial de seu filho “ser diferente por
minha culpa” e também para acalmá-lo.
Desta forma, as crianças formam associações entre os alimentos e os contextos
sociais em que a alimentação ocorre: os contextos sociais da alimentação que são
percebidos pela criança como positivos, reforçam a sua preferência pelos alimentos
oferecidos. os contextos negativos, reduzem a preferência da criança pelos
alimentos que estão sendo apresentados. Muitas vezes podem até abominar um
determinado alimento, pois o associam a uma emoção negativa que, pela repetição,
fica gravada em seu cérebro (BIRCH, 1999).
Ainda segundo o mesmo autor, muitas crianças que rejeitam inicialmente
muitos dos alimentos, terminarão por aceitá-los se tiverem ampla oportunidade de
provar o alimento em condições favoráveis. Porém, estas alterações na aceitação de
42
alimentos pelas crianças que resultaram da degustação, ocorrem de modo
relativamente vagaroso, podendo requerer de 8 a 10 exposições antes que se consiga
modificações definidas na aceitação. Birch (1999, p.14) concluiu ainda que as
“alterações na aceitação de alimentos resultantes de exposição repetida são
provavelmente atribuíveis à “segurança apreendida”.
Em síntese, o papel da família é fundamental tanto no processo de formação dos
hábitos alimentares quanto na modificação dos mesmos. Para Mello et al (2004), o
ambiente familiar é um fator importante no manejo da obesidade infantil. Em estudo
realizado com crianças e adolescentes com idades entre 7 e 13 anos, na cidade de Porto
Alegre (RS), foi verificado que 71,1% das crianças e adolescentes tinham a obesidade
presente na família, sendo 39,5% dos pais obesos. foi descrito que crianças com
pais obesos tendem a apresentar piores resultados ao tratamento para redução do peso.
Portanto, a inclusão da família no manejo da obesidade, como proporcionado no
programa de educação, parece ser uma iniciativa coerente (MELLO et al, 2004).
Em um estudo realizado por pesquisadores da Universidade de Harvard, foi
constatado que a criança que se alimenta na presença dos pais, se alimenta melhor,
quando em comparação com outras de mesma idade que fazem as refeições de forma
solitária. Os pesquisadores concluíram que a presença dos pais não causa um efeito
emocional positivo, mas também educativo e, ainda, que as crianças necessitam de
limites, necessitando desta orientação dos pais e, na ausência deles, de outro adulto
competente (BOCCIA, 2000). Pode-se apontar a nutricionista como profissional de
saúde competente para educar as pessoas sobre a alimentação adequada e sobre o
ambiente onde ela se dá.
Spada (2005) também aponta os pais como os primeiros educadores
nutricionais. Destaca ainda que, assim como outros ambientes socialmente influentes,
o núcleo familiar interage com as predisposições genéticas à obesidade. Ele pode
reforçá-las ou inibi-las.
Além disso, Birch (1999, p. 15) coloca que as refeições
Apresentam um importante evento nas interações familiares, com estruturas
temporais portadoras de significado. As crianças aprendem muito cedo que
43
os alimentos são servidos em uma ordem particular nas refeições e que as
ocasiões sociais especiais pedem alimentos especiais.
Todos estes aspectos evidenciados até aqui reforçam uma necessidade de
aprendizado deste processo de se alimentar. No caso específico de crianças com
Síndrome de Down, Unonu & Johnson (1992) enfatizam que suas habilidades
alimentares, freqüentemente se desenvolvem num ritmo mais lento, cujos motivos
foram descritos no subtítulo 3.3. Em conseqüência desta característica clínica, o seu
estado nutricional, muitas vezes, é deficiente. Ainda segundo esses autores, e também
confirmado em minha prática de cuidado, os maiores problemas alimentares
encontrados nessas crianças são: ingestão inapropriada, excessiva e diminuída de
energia e nutrientes, hábitos alimentares pobres e habilidades alimentares atrasadas.
Situações essas que se pode atrelar ao comportamento familiar.
No estudo de Gomes & Amorim (2000) e nos meus próprios em 2005, os
grupos de alimentos preferidos pelas crianças com Síndrome de Down em idade pré-
escolar são as carnes em primeiro lugar e, em seguida, o grupo das massas. O grupo
dos vegetais e das frutas está entre aqueles que as crianças menos gostam. Este achado
coincide com o estudo realizado com crianças com ndrome de Down com idades
entre 1 e 12 anos por Calvert et al (1976) que concluíram que elas ingerem uma
variedade limitada de alimentos, consumindo poucas frutas e vegetais. Além disso, os
mesmos autores identificaram dificuldades dessas crianças em utilizarem utensílios
para comer, em comerem os alimentos servidos para a família e dificuldades para
mastigarem os alimentos.
Quando outros pesquisadores avaliam a ingestão alimentar de pessoas com
Síndrome de Down, como Gomes & Amorim (2000), os resultados parecem ser
similares. Em seus estudos, encontraram que a ingestão calórica das crianças em idade
pré-escolar foi satisfatória para os meninos e, para algumas meninas, o consumo foi
muito além do preconizado, enquanto que para outras, foi muito abaixo.
Com relação à ingestão de cálcio e ferro consumido pelas crianças do estudo, o
resultado foi o de que a ingestão de lcio foi bem inferior e satisfatória ao
recomendado para o ferro. a ingestão de proteínas ficou bem acima do
44
recomendado. Para carboidratos e lipídeos, a ingestão foi satisfatória (GOMES &
AMORIM, 2000).
No estudo de Calvert et al (1976), aproximadamente metade das crianças
alimentaram-se com menos energia, cálcio, ferro, vitamina A e tiamina segundo o que
é recomendado pela Dietary Reference Intakes - DRIs (Referências Dietéticas para
Ingestão de Nutrientes), (s/d). Aproximadamente 75% delas, excederam a ingestão de
proteínas e vitamina C. nos trabalhos de Unonu & Johnson (1992), o resultado
encontrado foi o de excedente dos níveis recomendados pela DRIs (s/d) de ingestão de
proteínas, vitamina C e A, riboflavina e niacina, enquanto que a ingestão de energia,
tiamina e vitamina B
12
foi satisfatória.
Pode-se constatar que nesses estudos realizados (inclusive o meu próprio), as
preferências alimentares das crianças, adolescentes e adultos com a Síndrome de
Down, não diferem das pessoas que não a possuem. Logo, pode-se inferir de que o
erro alimentar é proveniente das pessoas que ensinam e estimulam essas pessoas a
comerem, em primeira instância, a sua família, mais particularmente a mãe e depois o
pai. Não se trata de um problema acentuado por parte das pessoas com a síndrome.
Toda a pessoa constrói o seu ato de comer, a partir da aprendizagem assimilada e
registrada ao longo de sua existência. É claro que a família não pode ser culpabilizada
pelas escolhas que cada um de seus membros faz, à medida que vai crescendo. Cada
pessoa tem o seu livre arbítrio para seguir o caminho que o desejar, apesar da família
ter uma forte contribuição nesta escolha.
Gostaria de chamar a atenção para alguns achados da minha prática de cuidado.
É interessante ressaltar a preferência por refrigerantes por todos os participantes. Este
achado vem ao encontro de outros que associaram o consumo de refrigerantes com
sobrepeso e obesidade em pessoas sem Síndrome de Down.
De acordo com Giammattei et al (2003) em estudo conduzido em estudantes
com idades entre 11 e 13 anos sem Síndrome de Down, houve uma associação positiva
entre obesidade e o consumo de refrigerantes.
Andrade et al (2003), em estudo realizado com adolescentes com e sem
sobrepeso no município do Rio de Janeiro, verificaram que dentre os alimentos de alta
densidade energética que mais contribuíram para o consumo total de energia de
45
meninos com e sem sobrepeso, foram os refrigerantes. Isto também se repetiu entre
meninas sem sobrepeso.
Assim, reforça-se a compreensão de que estar obeso e ter sobrepeso não é uma
característica da Síndrome de Down. Pessoas com esta síndrome tendem a se alimentar
da mesma forma que pessoas sem ela, de acordo com a preferência da faixa etária. O
que falta é uma correta orientação nutricional.
A baixa ingestão de frutas e verduras não é um privilégio de pessoas com
Síndrome de Down, pois seus pais também o fazem. Se os adultos não desenvolvem
este hábito, como podem exigi-lo de uma criança, independentemente de ter ou não a
Síndrome de Down? Assim sendo, quem deve ser o alvo de intervenção nutricional em
primeira instância? Com toda a certeza: os pais e a família que constituem.
Assim, comer, ação praticada diariamente por todas as pessoas, impossível de
ser negada, não pode resumir-se à alimentação de células. Comer percorre a existência
da pessoa e coexiste com valores instalados na sua cultura, com significados para a
pessoa e para a sociedade. Portanto, relacionado à dimensão do comer, um sistema
de valores e crenças familiares associados e, qualquer alteração dessa ordem, atinge
tanto a vida social, quanto os significados do ato de comer para cada família, para cada
pessoa.
Todas as coisas possuem um significado, ou seja, representam algo e, desde
crianças, as pessoas se inserem neste mundo de mbolos e significados, do qual os
hábitos alimentares fazem parte (GARCIA, 1992).
Portanto, cabe à família como um todo buscar as suas estratégias para ter
hábitos mais saudáveis de alimentação. Rodrigues & Boog (2005, p. 42) afirmam que
[...] cabe à educação nutricional, o desafio de criar estratégias educativas
que não se restrinjam à transmissão de informações, mas possibilitem a
criação de novos sentidos para o ato de comer através da mobilização de
aspectos que alcancem as várias dimensões do comportamento alimentar [..]
Do exposto até aqui, pode-se compreender a construção social do ter um (a)
filho (a) com Síndrome de Down e do ser uma família que abriga uma criança, um
adolescente e/ou um adulto com esta síndrome. Nesta construção, insere-se o ato de
comer, impregnado de convicções e crenças familiares sobre o significado de sua
46
prática: como para acalmar a minha ansiedade; como para esquecer os problemas; para
aliviar minhas dores abdominais; para reunir a família; para manter meu corpo
saudável
5
.
Após essas considerações, fica a certeza de que é preciso auxiliar cada família a
desenvolver a sua própria sistematização para o ato de comer e isso implica em re-
significar suas convicções e suas crenças sobre ele, quando elas não contribuem com
seu bem-viver, com uma vida saudável. assim, as pessoas com Síndrome de Down
podem adquirir a sua autonomia e independência relativa, nas suas escolhas
alimentares saudáveis.
3.5 – A Síndrome de Down e a Educação Nutricional
De acordo com os dados encontrados na literatura, os índices de sobrepeso e
obesidade em pessoas com a síndrome são elevados. Qualquer uma destas duas
situações, acarretam inúmeros problemas de saúde nas pessoas em geral. Logo, para se
minimizar estes dados, especificamente em pessoas com Síndrome de Down, a
educação nutricional tem sido sugerida e recomendada juntamente com outras
mudanças no estilo de vida das pessoas.
A educação nutricional deve dar a oportunidade para a prática de bons hábitos
alimentares às pessoas em geral e, especificamente, às pessoas com Síndrome de
Down e seus familiares. As pessoas necessitam ter a capacidade de integrar uma boa
nutrição dentro de seus hábitos diários (EVERS, 1998). Esta capacidade implica em
interação também com seu ambiente simbólico.
Educar significa capacitar, potencializar, para que o educando seja capaz de
buscar a resposta ao que pergunta. Educar significa preparar para a autonomia e para a
independência relativa de cada ser. É a troca de informações entre o educador e o
educando, utilizando uma linguagem entendível, dentro de um ambiente que conduz
ao aprendizado. Assim, o educador nutricional é o profissional da saúde envolvido na
educação ou no aconselhamento de informações relacionadas à nutrição e/ou aos
5
Estas expressões foram retiradas da fala das pessoas que participaram de minha prática de cuidado em 2005.
47
aspectos que levam à aderência de um novo comportamento alimentar (GADOTTI,
1998).
Como mediador, o educador nutricional deve fornecer apoio emocional, assim
como dados cognitivos para complementar as informações e experiências nutricionais
adquiridas ao longo da vida de uma família, de uma pessoa, e permitir um ajuste
comportamental de acordo com as necessidades reais e a situação de cada pessoa. O
papel do nutricionista como educador é o de contribuir para que a pessoa conquiste
condições adequadas de bem-viver durante o seu quotidiano e as pratique, enquanto
exercício de sua cidadania, com consciência.
Entendo que o lúdico e o onírico são componentes de uma educação nutricional
adequada, com base no processo interacional. Fazer uma nutrição divertida e
compromissada com a evolução da pessoa, integrando a nutrição na escola, na
comunidade e dentro de casa, enfatizando sempre, segundo Evers (1998), a mudança
de comportamento, implica em estar atento à compreensão que a pessoa tem sobre a
vida, a sua vida, permitindo adaptações criativas. Este processo se faz através da
construção-desconstrução-reconstrução do significado do ato de comer para a família e
para cada pessoa que a constitui.
Educar nutricionalmente divertindo, sugere que se utilize modalidades lúdicas
de aprendizado, enquanto instrumento que possibilite intervir no espaço simbólico das
relações (VYGOTSKY,1991). Logo, primeiramente, nos domicílios de cada família e,
depois, nos lugares de valor simbólico para as pessoas em interação com a
nutricionista. Portanto, seguindo e experienciando essa educação nutricional pudemos
(eu, algumas mães e as pessoas com Síndrome de Down) avançarmos na promoção da
saúde, ao possibilitarmos a nossa sensibilização através do lúdico e das inter-relações
existentes na comunidade institucional, como sugeriu Contini (2001).
No que se refere a brincar, as crianças com Síndrome de Down apresentam
uma atividade lúdica adequada ao seu nível cognitivo (SILVEIRA, 2002). É na
interação com o outro que essa criança pode construir seus significados, os quais os
interacionistas, fundamentados no Interacionismo Simbólico, se propõem a entender.
O significado formado no contexto social envolve um processo de interpretação
que tem dois passos distintos. Primeiro, a pessoa indica para si mesma as coisas que
48
possuem significado, um processo no qual ela es interagindo ou comunicando-se
consigo mesma. Segundo, a pessoa seleciona, checa, suspende, reagrupa e transforma
os significados à luz da situação na qual ela está colocada e da direção de sua ação.
Assim, a interpretação é considerada como um processo formativo em que os
significados são utilizados para dirigir as ações (ALTHOFF, 2001). E o fazem de uma
maneira orquestral.
No caso específico da brincadeira, no dizer de Volpato (2002), ela tem um
papel fundamental no desenvolvimento do próprio pensamento da criança. É por meio
dela que a criança aprende a operar com o significado das coisas e dá um passo
importante em direção ao pensamento. Isso conduz ao desenvolvimento da capacidade
de fazer escolhas conscientes, que estão intrinsecamente relacionadas à capacidade de
atuar, de acordo com o significado de ações ou de situações, e de controlar o próprio
comportamento por meio de regras. É o processo de construção-desconstrução-
reconstrução do significado que é intencional e simbolicamente sustentado (GHIORZI,
2002). Mas os adultos também reencontram a sua criança interior quando se soltam
das amarras do dever ser, do dever fazer, do dever ter, através da brincadeira, da arte
que instiga o imaginário.
4 - REFERENCIAL TEÓRICO
Para chegar a uma resposta frente a uma questão norteadora de pesquisa, é
preciso que o pesquisador parta de pressupostos, conceitos ou teorias que permitam a
comprovação ou não daquilo que ele propõe desenvolver. Para a pesquisa que se
desenhou, escolhi seguir a teoria do Interacionismo Simbólico, porque ela tocou o
imaginário das pessoas, permitindo o desvelamento da real necessidade de cada uma,
bem como a compreensão do sentido, do significado do momento vivido por cada
uma.
Assim, apresentarei as concepções de Mead à cerca do Interacionismo
Simbólico, sobre símbolos e significados/significação abrangendo a compreensão de
ato social, consciência, pensamento, inteligência reflexiva, pessoa, o Eu e o Mim que
se fundem em determinados atos sociais, e a de sociedade. Coloco também, meus
pressupostos teóricos que nortearam a pesquisa e acabaram se confirmando como
confirmações pontuais. Além disso, apresento as definições sobre família, trabalho
interdisciplinar, educação nutricional, ato de comer, pessoa (persona), estigma,
autonomia e independência relativa que considerei fundamental para a sustentação da
proposta metodológica. Com o desenrolar da pesquisa, outra definição foi se
mostrando necessária para que atingisse o meu objetivo: a de ambiente simbólico e a
de quotidiano.
4.1 – Mead e o Mundo dos Símbolos e Significados/Significação
De acordo com Mead (s/d), os indivíduos estão em constante interação uns com
os outros, com o meio social que os cerca e consigo mesmo. As pessoas fazem uso de
símbolos em sua comunicação e os símbolos são interpretados por elas e passam a ter
significado quando ambos o compreendem. Para ele, tem-se que compreender as
atitudes e as condutas de um grupo social, para então se poder compreender as atitudes
e as condutas de uma pessoa.
50
Dessa afirmação, advém a concepção de que é através do processo de interação
que as pessoas formam os significados sobre o mundo que as rodeia. Uma pessoa age
em relação às pessoas e às coisas, com base nos significados que ela tem para si. O
Interacionismo Simbólico propõe uma base epistemológica e metodológica para o
entendimento do significado na interação entre os seres humanos.
Segundo Mead (s/d), existe uma forte ligação entre o processo de
desenvolvimento e a relação da pessoa com seu meio e com sua situação de organismo
que não se desenvolve plenamente sem o suporte de outras pessoas da sua sociedade.
As pessoas se agrupam pelo prazer de estarem juntas, de conviver, compartilhar para,
desta forma, ampliarem suas experiências de vida, seus significados.
Dentro desta perspectiva, a proposição dos pesquisadores do Interacionismo
Simbólico é de analisar a reorganização das representações coletivas ou da densidade
moral, passando pela relação pessoa-pessoa dos grupos dos excluídos e abordando o
ponto de vista a partir dos conflitos que se tramam no contexto das representações
coletivas ou simbólicas (GHIORZI, 2002).
Uma das idéias apresentadas pelo Interacionismo Simbólico, é a de que uma
pessoa vive tanto em um ambiente físico quanto em um ambiente simbólico, a partir
dos quais adquire um conjunto complexo de símbolos que possuem significados
comuns. Dessa maneira, a pessoa decide o que deve ou não fazer, com base nos
símbolos apreendidos na interação com os outros e nas suas crenças sobre a
importância desses significados. Assim, a pessoa não responde ao ambiente físico
dado, mas a um ambiente que é mediado através do processo simbólico, designado
ambiente simbólico. Dessa maneira, o comportamento é influenciado pelo significado
dos símbolos (ALTHOFF, 2001).
Mas o que é um símbolo? O que é símbolo significante?
De acordo com Mead (s/d), os símbolos envolvem a compreensão de gestos e
seus significados, o que remete uma pessoa para além da situação social, para a
compreensão da significação do seu próprio gesto. Segundo esse autor, o significado
surge no processo de interação entre as pessoas, na maneira como elas agem na
presença do outro, em relação a um determinado estímulo. O significado formado no
contexto social, envolve um processo de interpretação e interação.
51
Assim, para Mead (s/d, p.34), “o indivíduo
6
biológico deve ser capaz de
despertar em si a reação que seu gesto provoca no outro, utilizando-se dessa reação do
outro para o controle de sua própria ação posterior”. Tais gestos são símbolos
significantes. Eles permitem que as pessoas envolvidas em processo de interação,
possam se adaptar e se re-adaptar mutuamente dentro do ato vivido, porque “provocam
implicitamente no indivíduo que os praticou, as mesmas reações que provocam
explicitamente ou que se supõe que devem provocar nos outros indivíduos”
(MEAD,s/d, p.89). Nessa proposição, Mead permite a transformação da pessoa
biológica, com reações automatizadas, em um ser pensante e, nesse contexto, ele
evidencia o gesto vocal como “a verdadeira fonte da linguagem propriamente dita e de
todas as formas derivadas do simbolismo, e, assim, da mente” (MEAD, s/d, p.35). O
gesto vocal caracteriza-se pelo silêncio, pelas palavras e sentenças formadas por cada
pessoa e por qualquer outro ruído emitido.
A mente é povoada pelos gestos significantes. Sua existência é possível em
termos de gestos significantes, “porque somente em termos de gestos que são símbolos
significantes, pode existir o pensamento que é simplesmente uma conversação
subjetivada ou implícita do indivíduo consigo mesmo por meio de tais gestos
(MEAD, s/d, p.90).
É a mente quem interioriza as vivências de cada pessoa, advindas do “processo
social de comunicação”, do qual surgirá o significado, as suas subjetivações
internalizadas e oriundas primeiramente do gesto vocal, enquanto símbolo significante.
Os gestos internalizados são símbolos significantes porque têm a mesma significação
para as pessoas que pertencem ao mesmo grupo social ou à mesma comunidade ou à
mesma sociedade. Nesse momento, a pessoa incorpora o ato social.
Ainda segundo Mead (s/d), ato social é um todo dinâmico, algo que está
acontecendo entre pessoas e o seu meio e não apenas um estímulo individual que leva
a uma reação individual. Ou seja, ao gerar um estímulo em uma pessoa, ela o
interpreta, adquirindo uma significação e gerando uma reação pensada ao estímulo
inicial. Por sua vez, isto também irá gerar uma reação na primeira pessoa
6
Mead utiliza a palavra indivíduo nos seus textos. Ela foi mantida, enquanto fidelidade ao que está escrito, mas a
compreensão que se dá a ela, é a de persona.. Quando não se estiver fazendo uma citação sua, a palavra utilizada
será PESSOA.
52
caracterizando o ato social em termos de atitudes. Essas representam não somente o
que está ocorrendo imediatamente, mas o que ocorrerá posteriormente. As etapas
posteriores desse ato social estão presentes na primeira etapa. O ato individual está
incrustado no ato social da conduta. Ele surge dentro do ato social e atinge os outros
membros do grupo social. Ou seja, o ato social acolhe todas as reações, estímulos,
símbolos e símbolos significantes de um grupo social.
Assim sendo, a base da significação que um estímulo provoca em uma pessoa,
está presente na conduta social ou na natureza da sua relação com tal conduta. Isto é, a
significação ocorre na pessoa reflexiva que relacionará o gesto, a reação de adaptação
a esse gesto e a resultante do ato social que o gesto inicia em si própria. Isso implica
em considerar, segundo Mead, que cada pessoa provoca em si mesma a reação que
está despertando no outro.
Pessoa reflexiva é a que tem a consciência de si, de sua reação, através do
esclarecimento do significado da questão: por que essa situação provocou em mim tal
reação? E nessa atitude, a explicação não é só racional, é também emocional.
Para Mead, a pessoa pode fiscalizar diretamente seus processos sensoriais e
controlar as suas reações. Mas, ainda para Mead (s/d), ela nunca pode controlar as suas
reações através das vias motoras. Esta afirmação (nunca pode) coloca em cheque os
próprios princípios do Interacionismo Simbólico, o que me faz questionar sua
afirmação. A atitude de análise sensorial de um ato social descrita anteriormente, é o
que Mead chama de inteligência humana, que permite à pessoa captar a significação
do que escuta, do que observa, colocando-se no lugar do outro e reagindo a partir da
sua própria significação do gesto inicial, e não por imitação. Desse modo, a pessoa
organiza as suas atitudes e ao fazer isso, ela dá uma significação para as coisas,
determinando o meio. “A inteligência é pois, uma função da relação da forma com seu
meio”(MEAD, s/d, p.337).
“O meio social esdotado de significações em termos do processo de atividade
social; é uma organização de relações objetivas que surgem na relação com o grupo de
organismos dedicados a tal atividade, em processos de experiência e condutas sociais”
(MEAD, s/d, p.162).
53
Do dito acima, pode-se dizer que cada pessoa tem a sua própria experiência,
mas essa experiência tem algo que é comum a todos os envolvidos no campo em que
ela se desenvolveu. Então, há algo que é peculiar à pessoa e que partiu de uma
linguagem comum, de um mundo comum. Mead explica essa posição através dos
paralelismos interacionistas entre “o que ocorre no mundo físico da pessoa e o que
ocorre no organismo quando uma pessoa tem uma experiência sensorial” (MEAD,s/d,
p.78), em última instância, ele busca a co-relação entre o físico e o psicológico, entre
“a consciência do indivíduo em sua relação com as condições nas quais a experiência
se dá” (MEAD, s/d, p.83). A sua conduta é sempre a sua ação (a forma) em relação ao
seu meio.
“A consciência como matéria, como experiência, do ponto de vista da
psicologia conducionista ou dinâmica, é meramente o ambiente do grupo humano
individual ou social enquanto constituído por esse grupo individual ou social, ou
dependente dele ou existencialmente relativo a ele” (MEAD, s/d, p.146). A
consciência, enquanto experiência e não inteligência reflexiva, está primeiramente
vinculada ao mundo objetivo e não ao cérebro. Ela pertence ao meio em que as
pessoas estão ou, segundo Mead (s/d, p.147), é “a característica dele”. Existe uma
relação entre uma coisa com um organismo que permite o aparecimento de novas
características em virtude do organismo (MEAD, s/d). Então, precisa-se compreender
quais elementos do ato social que permitem a pessoa controlar a experiência. O que
rodeia uma pessoa constrói a sua experiência.
Dentro do processo estímulo (gesto) reação (simbolização da experiência) -
adaptação às reações, que, por sua vez, se transforma em um novo estímulo para que a
pessoa que emitiu o primeiro possa mudar seu ato e começar um outro distinto. A
pessoa estabelece uma comunicação perfeita: verbal e não-verbal. O gesto se converte
em expressão comunicacional. Para Mead, a linguagem passa a representar um certo
significado, ter sentido. O gesto, enquanto símbolo significante, além de seu caráter
intelectual apresenta também o caráter emocional. Estabelece-se a tríade
indissociável do pensamento, da comunicação e da significação do símbolo.
Todos os pontos evidenciados até aqui, remetem à compreensão de Pessoa,
segundo a proposição de Mead. Para ele, o indivíduo se torna pessoa no seu processo
54
de desenvolvimento como um todo, alicerçado por suas experiências adquiridas no ato
social através das atividades sociais, enquanto resultado de sua interação com o (s)
outro (s). Toda a atividade em que a pessoa é o principal objeto, implica na atividade
direta da memória e da imaginação.
Para Mead (s/d, p.170),
O indivíduo se experimenta a si mesmo como tal, não diretamente, senão
somente indiretamente, a partir dos outros pontos de vista particulares dos
outros membros individuais do mesmo grupo social, ou a partir do ponto de
vista generalizado do grupo social, enquanto um todo, ao qual pertence.
Porque entra em sua própria experiência como pessoa ou indivíduo, não
diretamente ou imediatamente, não se convertendo em sujeito de si mesmo,
senão somente na medida em que se converte primeiramente em objeto para
si, do mesmo modo que outros indivíduos são objetos para ele ou na sua
experiência, e se converte em objeto para si, somente quando adota as
atitudes dos outros indivíduos fazendo parte de um meio social ou contexto
de experiência e conduta, em que tanto ele como os outros estão inseridos.
Logo, ser uma pessoa implica em se relacionar, onde entra em jogo a
conversação entre o seu Eu consciente e o seu Mim social. Dessa conversação, a
pessoa racionaliza e isso se traduz em pensamento. Dentro do contexto do
interacionismo simbólico de Mead, o Eu social é fruto da sensibilidade do organismo
da pessoa que responde de forma reacional às atitudes dos outros, enquanto que o Mim
é a adoção das atitudes organizadas dos outros, interiorizando em si as atitudes dos
outros que gerarão condutas. E quando isso ocorre, Mead diz que a pessoa tem
consciência de si e vai reagir como um Eu. Um não existe sem o outro e ambos
residem no processo de pensamento, na memória da pessoa e pertencem à conversação
de gestos.
Assim sendo, a pessoa aparece na experiência como um Mim, enquanto a
pessoa é parte integrante de uma comunidade, mas, segundo Mead (s/d, p. 225)
[...] uma parte especial da comunidade, com uma herança e uma posição
especiais que o distingue de todos os demais
[
...
]
Assim, ele tem consciência
de si mesmo como tal, e não somente enquanto cidadão político, ou na sua
condição de membro de grupos que participa, mas também a partir do ponto
de vista do pensamento reflexivo.
O indivíduo, enquanto pessoa mantém um contínuo intercâmbio social.
55
que o Mim se traduz em conduta e o Eu em reação a uma determinada
situação, no ato social em si, essas duas tendências humanas podem se fundir,
traduzindo-se em profundas experiências emocionais. Isso ocorre quando as pessoas
são levadas a uma completa identificação entre elas, onde o interesse de um é o
interesse de todos (atitudes religiosas, patriotismo e trabalho de equipe). Mas também
há fusão do Eu com o Mim, quando a pessoa é vista como um objeto social.
Quando uma pessoa sofre estímulos do meio considerados perigosos,
problemáticos, há uma tendência de que esses provoquem naquela uma grande
variedade de reações que precisam ser organizadas para darem uma referência ao que
deve ser feito. É nesse momento que a fusão entre Eu e Mim se concretiza para que no
ato social as distintas atitudes dos outros sejam expressas
[...] em termos do nosso próprio gesto, que representa o papel que
desempenhamos na nossa atividade social cooperativa.
[
...
]
a coisa que
realmente fazemos, as palavras que falamos, nossas expressões, nossas
emoções, isso é o Eu’; mas está fundido com o ‘Mim’ [...] (MEAD, s/d,
p.294).
Na situação social, o Eu e o Mim são essencialmente elementos sociais.
Do exposto acima, pode-se dizer que os símbolos desempenham um papel
muito importante no pensamento humano e são oriundos do meio, uma vez que são
evocados a partir das experiências passadas, vividas pelas pessoas e dos valores dados
a elas. Logo, símbolos são imagens mentais que originarão condutas próprias da
relação da pessoa com o seu meio e permitirão uma organização social. Assim, toda a
sociedade é uma organização “das relações cio-fisiológicas de seus membros
individuais (relações entre os sexos, resultantes de sua diferenciação fisiológica, e as
relações entre pais e filhos) sobre as quais se funda e das quais se origina” (MEAD,
s/d, p.251). E nesse contexto, a família é a unidade dessa organização social que
permitirá, através de seu desenvolvimento, formas de organização social mais amplas
(Estado, clã, tribos) que, no seu conjunto, constituirão a sociedade humana organizada.
56
4.2 – De Pressupostos Teóricos a Constatações Científicas
Todo o pressuposto sustenta o que se quer pesquisar e não necessariamente será
comprovado cientificamente. Ele mostra o ponto de partida para a realização de uma
pesquisa, quebrando com a crença de que um pesquisador é neutro dento do processo
de pesquisar. Assim, além dos postulados teóricos e filosóficos do Interacionismo
Simbólico, dos conceitos que permitem a coerência epistemológica e metodológica,
um pressuposto junta-se a esses elementos para auxiliarem na busca da resposta ao
problema levantado.
Neste estudo, todos os pressupostos da prática de cuidado quanto os da pesquisa
foram confirmados.
4.2.1 Sim, toda a pessoa é eficiente e deficiente em certos aspectos e em
certos momentos de suas vidas. Mas sempre pode re-significar esses momentos
vividos, desde que auxiliada por pessoas (nesse caso, a nutricionista especificamente)
de forma interacional, logo, em parceria.
4.2.2 Sim, o lúdico se colocou como um instrumento facilitador no ato social
de identificação de símbolos significantes possibilitando a re-significação das pessoas
em processo interacional (nutricionista/equipe interdisciplinar/pessoas com Síndrome
de Down e suas famílias) para compreensão do ato de comer. Isto se dá, porque ele
permite a manifestação do imaginário das pessoas cuidadas, desvelando a real
necessidade de cada um e da família como um todo.
4.2.3 – Sim, toda experiência que a pessoa vivencia com o seu corpo, por meio
de jogos, tendo ou não tendo Síndrome de Down, representa uma alavanca ao processo
de seu desenvolvimento integral. Pelo jogo, a pessoa pôde aprender, verbalizar,
comunicar-se interacionalmente (construção-desconstrução-reconstrução) comigo e
com os outros membros da família para re-significar a sua compreensão do ato de
comer, internalizá-la e desenvolver novos comportamentos.
57
4.2.4 Sim, o estigma de que a pessoa com Síndrome de Down não pode ser
independente nas suas escolhas e modo de viver é construído inter-relacionalmente
pela sociedade, pela família e pela própria pessoa com a síndrome. Neste estudo,
apenas uma família apresentou preocupação em educar seu filho para a independência
e autonomia relativa, estimulando-o e respeitando-o em suas escolhas, inclusive as
alimentares.
4.2.5 Sim, a independência das pessoas com Síndrome de Down nas suas
escolhas alimentares, bem como no preparo dos alimentos é possível e viável, desde
que essas pessoas saibam o que querem e como podem fazê-lo, além de serem
compreendidas, respeitadas, acreditadas e estimuladas para tal dentro de suas
limitações. Para isso poder acontecer, a família tem um papel fundamental.
4.2.6 Sim, a culpabilidade, muitas vezes inconsciente, dos pais que
participaram desta pesquisa, levou a uma permissividade exagerada na oferta de
alimentos, como forma compensatória da situação vivencial de seus filhos, que é
também social. Outros membros da família, neste estudo os avós, os irmãos, também
foram permissivos em excesso com eles.
4.2.7 Sim, a família é fundamental dentro do papel de educação nutricional,
porque é ela quem transmite para seus filhos o primeiro significado do ato de comer, a
partir de sua construção social.
4.2.8 - Levando em consideração o símbolo significante e a significação do ato
de comer para as pessoas com Síndrome de Down e suas famílias, a educação
nutricional é sim uma das estratégias para se diminuir os índices de sobrepeso e
obesidade, porque permite a sua re-significação (construção-desconstrução-
reconstrução).
4.2.9 Sim, a nutricionista é a profissional habilitada a realizar a educação
nutricional e é ela quem auxilia na identificação e compreensão dos significados e a
58
significação acerca do ato de comer para as pessoas com Síndrome de Down e suas
famílias, preparando-as para uma vida mais autônoma. Entretanto, o suporte
interdisciplinar é fundamental neste processo.
4.2.10 - Tanto a família quanto as pessoas com Síndrome de Down precisam ser
engajadas na reconstrução do ato de comer, quando ele interfere no seu bem-viver,
permitindo que o ciclo interacionista se concretize.
4.2.11 – A partir da re-significação do ato de comer da família, pode-se sim re-
significar o ato de comer de seus filhos com Síndrome de Down, pois eles repetem, por
imitação, exatamente o mesmo comportamento alimentar de sua família.
4.2.12 Sim, o tratamento dos membros da família voltado para seu ente com
Síndrome de Down tem uma forte influência no comportamento alimentar dele,
influenciando no aparecimento e na instalação do sobrepeso e da obesidade. Vários
comportamentos alimentares mantidos pelos pais são repetidos pelos filhos.
4.2.13 Re-significar este ato de comer implicou em proporcionar à família
como um todo a sua própria sistematização alimentar, singularizando este processo.
4.2.14 Sim, a educação nutricional deve ser singular, específica para cada
família.
4.3 - Definições importantes para a concretização da pesquisa
Definir é caracterizar, dar significado a um conceito (BIDERMAN,1998).
Definir pode ser compreendido como uma compreensão não absoluta de algo e que
permite um constante ciclo de interação entre quem pesquisa, o pesquisado, o seu
contexto e o ato social.
59
Assim, para esta pesquisa, as definições que me pareciam essenciais para a
realização do estudo foram: família; trabalho interdisciplinar; educação nutricional; ato
de comer; pessoa (persona); estigma; autonomia e independência relativa.
Com estas definições, parti para o campo e, a cada encontro no domicílio das
famílias que compuseram este estudo, duas definições foram crescendo e mostrando a
sua importância. São as de ambiente simbólico e a de quotidiano.
Por isso, voltei às leituras de Mead e a compreensão de ambiente simbólico
passou a incorporar as minhas definições de base. Definição escrita por Mead, mas
que apresentou mais elementos constitutivos no desenrolar do trabalho ou, talvez, se
clareou mais para mim. Assim, de elemento pouco valorizado, o ambiente simbólico
passou a ser de extrema importância no processo interacionista.
Atrelada à compreensão de ambiente simbólico está a compreensão de
quotidiano. Os trabalhos de Maffesoli (1995), Nitschke (1999) e Ghiorzi (2002; 2004)
auxiliaram-me na estruturação de sua definição.
4.3.1 – Família
A família é uma unidade dinâmica de pessoas em interação (BURGESS, 1968)
e, em primeira instância, a unidade fundamental de reprodução e conservação da
espécie (MEAD,s/d). Ela deve permitir o crescimento individual, a autonomia e a
diferenciação de seus membros contribuindo para a manutenção das diferenças
humanas, organizando o que servirá de matriz para o futuro indivíduo adulto (SILVA,
1998) e, sobretudo, organizando a sociedade humana (MEAD, s/d). Ela constitui em si
um ato social, permitindo a constante inter-relação de seus membros com o meio. É a
partir dela que os símbolos adquirirão significado e o indivíduo pode se tornar uma
pessoa no sentido dado por Mead.
60
4.3.2 – Trabalho Interdisciplinar
Trabalhar interdisciplinarmente permite a fusão do Eu, enquanto reação a uma
determinada situação, com o Mim, a conduta onde o interesse do pesquisador e das
pessoas em estudo é o interesse de todos. Essa compreensão de que todos sabem, não
de maneira igual, diferente, mas que se traduz em saber, configura o ato social
interacional em prol de pessoas percebidas como objetos sociais (MEAD,s/d), sujeitos
do seu próprio destino. Trabalhar interdisciplinarmente requer do pesquisador um
olhar inter-referencial e uma ação consciente, centrada na inter-relação dos saberes das
várias áreas da ciência e do empirismo, sustentados por uma epistemologia
compreensiva.
4.3.3 – Educação Nutricional
Educação nutricional é a intervenção reflexiva no universo de símbolos,
símbolos significantes do ato de comer das pessoas, considerando a interação entre
elas e o meio que gera estímulos e provoca reações pensadas e sentidas, integrando o
ato social de comer. Essa intervenção pode ser feita pela nutricionista, pela equipe
interdisciplinar discutindo o ato social de comer dentro das suas áreas específicas, mas
complementando-as indissociavelmente, bem como pela família preparada para tal.
4.3.4 – O Ato de Comer
O ato de comer não implica somente na nutrição equilibrada que alimentará as
células do organismo. O ato de comer significa para cada pessoa algo diferente. Ele
está intimamente associado aos sentimentos familiares, à disponibilidade alimentar, à
economia e às crenças e significados que cada pessoa confere.
Portanto, o ato de comer percorre a existência da pessoa e coexiste com valores
instalados na sua cultura, com significados para a pessoa, para a família e para a
61
sociedade. Relacionado à dimensão do comer, um sistema de valores associados e
qualquer alteração dessa ordem atinge a vida social, e os significados do comer para
cada pessoa.
4.3.5 – Pessoa (Persona)
Para Mead (s/d), o indivíduo se torna pessoa no seu processo de
desenvolvimento como um todo, alicerçado por suas experiências adquiridas no ato
social através das atividades sociais, enquanto resultado de sua interação, sobretudo
com ele mesmo e, posteriormente com o (s) outro (s). Desta forma, o indivíduo
biológico, de reações automáticas, passa a ser pensante, uma Persona que surge e se
desenvolve da conversa interna com ela mesma. O Eu consciente conversa com o Mim
social. Complementando esta compreensão, Ghiorzi (2004) enfatiza que a pessoa é um
ser integrado com ela mesma, com o outro e com a natureza. É um ser que pensa, que
sente, se emociona e que vive a vida de todo o dia com base no seu referencial de vida.
Ela constrói ao longo de sua existência, a sua representação da realidade, enquanto
totalidade de sua aprendizagem, a partir dessa interação, usando símbolos
significantes. É com essa representação de realidade que ela se comunica com os
outros. Uma comunicação centrada em fatos, idéias, sentimentos e emoções, no seu
imaginário e na sua rede simbólica.
4.3.6 – Estigma
De acordo com Goffman (1998, p.12) estigma “é um atributo que torna o
indivíduo diferente dos outros... especialmente quando o seu efeito de descrédito é
muito grande”, sendo que, algumas vezes, ele também é considerado um defeito, uma
fraqueza, uma desvantagem.
62
4.3.7 – Autonomia e Independência Relativa
A autonomia refere-se às condições pelas quais as pessoas podem escolher,
neste caso específico a sua alimentação, seus alimentos e, até mesmo, prepará-los. E a
independência relaciona-se com a autonomia, no sentido de se ter condições para
colocá-la em prática. Porém, ninguém é totalmente autônomo e independente, porque
se é um ser de relações. Religa-se aos acontecimentos, a sua história, a suas
experiências, a suas emoções..., enfim, a si mesmo, aos outros, às coisas, aos
acontecimentos e a um lugar. Por isso que se é autônomo e independente de forma
relativa, não total (GHIORZI, 2004).
4.3.8 – Ambiente Simbólico
Para Mead (s/d), cada pessoa vive seu quotidiano num ambiente físico, mas
muito mais além, em um ambiente simbólico, enquanto processo interativo. A família,
o outro, a própria pessoa interagem constantemente e, através dos processos sociais de
experiência e comportamentos, os gestos, quando refletidos, buscam identificar as
intenções dos outros. Quando os gestos representam a idéia que está por trás da
intenção de uma pessoa e provocam a mesma idéia no outro, passam a ser um símbolo
significante e o ambiente se torna simbólico. Então, a pessoa responde a um ambiente
que é mediado através do processo simbólico. É neste ambiente simbólico que a
pessoa vive o seu dia a dia. Nesta pesquisa, o ambiente simbólico foi a interação dos
membros da família, no seu ambiente físico, seu domicílio. O ato social de comer
estava permeado por símbolos significantes em cada família pesquisada/cuidada.
4.3.9 – Quotidiano
O quotidiano deve ser considerado como o palco e o agente da construção da
vida das pessoas, da sua maneira de viver o presente diariamente relacionado com os
63
aspectos culturais que o permeiam. Enfim, o quotidiano traduz a própria maneira de
viver das pessoas. É o local onde o simbólico se mostra no processo interacional, pois
é rico em sentimentos, emoções, enfim, de um imaginário atravessado por uma rede
simbólica. Ele é a expressão do que acontece (GHIORZI, 2004). É a partir dele que se
pode investigar, analisar e compreender a subjetividade dos seres humanos. É neste
quotidiano que se pode compreender o imprevisível, dar valor ao casual, ao banal, às
inconcretudes, às apresentações incompletas da vida e às ações subjetivas dos sujeitos
nos seus ambientes de relações (PEREIRA, 2006).
Uma vez compreendidos todos esses componentes do referencial teórico, o passo
seguinte foi o de construção e implementação da metodologia da pesquisa.
5 – METODOLOGIA
Para a realização desta pesquisa, optei pelo método qualitativo de cunho
participante, pois o mesmo permite o desvelamento dos significados que as pessoas
dão aos fatos, aos atos sociais e também permite uma construção interacional de um
novo significado no seu próprio quotidiano. Optei em dar seqüência ao trabalho
iniciado durante a prática de cuidado, porém enfatizando a pesquisa voltada para a
família como um todo, em seu domicílio. É no domicílio, habitat natural da família,
que o seu quotidiano se revela: as interações quotidianas no sentido amplo da palavra.
Todo o meu trabalho foi guiado pelo princípio do pesquisar-cuidando.
A pesquisa qualitativa permite compreender o problema no meio em que ele
ocorre, sem criar situações artificiais que mascaram a realidade, ou que levam a
interpretações ou generalizações equivocadas (TRIVIÑOS, 1987).
Dentre a abordagem qualitativa, a pesquisa-ação participante, descritiva,
permitiu-me inter-relacionar-me na prática com as famílias em estudo, associando o
cuidado à pesquisa, como preconiza Demo (1995). Requereu o envolvimento ativo de
todos nós, os sujeitos da pesquisa, concretizando-se em uma participação mútua:
pesquisar-cuidando numa interação de caráter social. De acordo com Patrício (1994),
os pesquisados são sujeitos da geração de conhecimentos e participantes na
intervenção que promoverá a mudança, nesta pesquisa, especificamente, foi a de re-
significação da família sobre o seu ato de comer, quando este não estava adequado às
suas necessidades.
Do ponto de vista metodológico, os princípios interacionistas enfatizam que
símbolos e interação devem ser os principais elementos a se apreender na investigação.
Sendo assim, partindo-se da idéia de que símbolos, significados e definições são
forjados pelos sujeitos sociais, inseridos em um meio, é necessário apreender a
natureza reflexiva dos sujeitos pesquisados. Isto é, pratiquei o exercício, não tão fácil,
de fugir da falácia do objetivismo, como enfatiza Minayo (1994), substituindo a minha
própria perspectiva pela das famílias em estudo.
65
5.1 – O Local da Pesquisa
A pesquisa foi realizada no domicílio de 5 (cinco) famílias que participaram da
minha prática de cuidado realizada no segundo semestre do ano de 2005.
A atividade em saúde que conta de pesquisar-cuidando nos domicílios se
chama Visita Domiciliar e se caracteriza por ser uma atividade em saúde destinada ao
grupo familiar e não a uma única pessoa, realizada por profissionais de saúde. Ela é
uma atividade contínua, sistemática, teórica e metodologicamente estruturada com
objetivo determinado pelo tipo de trabalho a ser realizado. Em todas as Visitas
Domiciliares uma estruturação ética e estética, onde não se busca vigiar, punir,
cobrar e/ou impor novos pensamentos, novas idéias, mas sim, permitir à família se
perceber no processo de construção do seu viver e agir adequadamente a partir desta
percepção. É uma atividade que exige do profissional de saúde uma atitude empática.
Deve ser agendada, registrada e evoluir de acordo com as necessidades do grupo
familiar. Exige do pesquisador-cuidador um constante vaivém teórico-prático. Esta
atividade tem início, meio e fim (GHIORZI, 2004; ALTHOFF, 2001).
Assim, meu papel no domicílio familiar foi o de mediar a identificação, a
compreensão e o enfrentamento familiar sobre o significado do ato de comer para si e
as possibilidades de sua re-significação, num contínuo processo de construção-
desconstrução-reconstrução da realidade encontrada.
Entrei em contato telefônico com as famílias convidando-as a participarem de
uma reunião na Instituição de Ensino, na qual seus filhos estavam matriculados,
localizada no município de São José, para apresentar os resultados da prática de
cuidado e explicar a proposta de continuidade através do projeto de pesquisa. A
família precisou estar de acordo com sua participação na pesquisa e consenti-la através
do termo de consentimento livre e esclarecido (Apêndice 1).
As Visitas Domiciliares foram agendadas de forma quinzenal, durante a semana
e nos finais de semana, sendo para cada família em dia e horário adequados, pois o
intuito foi o de fazer com que o máximo de pessoas da família participasse.
O tempo máximo executado para cada visita domiciliar foi de 2 (duas) horas. O
número total de visitas para cada família foi de: 11 visitas. Houve ainda o 12° encontro
66
final, onde todas as famílias foram reunidas para um momento de avaliação de suas
experiências durante este período e de confraternização através de um lanche coletivo,
no qual cada família contribuiu com um prato culinário de sua preferência. As visitas
aconteceram no período de maio a novembro de 2006.
Realizar as visitas domiciliares, permitiu-me conhecer sua cultura, suas
interações, suas práticas diárias, entre elas a do ato de comer e confirmou ser o seu
ambiente, o local verdadeiro de construção simbólica quotidiana, de seus símbolos
significantes.
5.2 – Os Sujeitos da Pesquisa
Os sujeitos da pesquisa, como já dito, foram as famílias como um todo. A sua
identidade pessoal e familiar foi preservada no anonimato. Para tal escolheram nomes
fictícios que foram usados em citações que justificaram a categorização dos dados
analisados.
A amostragem ideal para os estudos qualitativos é aquela capaz de refletir a
totalidade nas suas múltiplas dimensões, sem se ter a pretensão de generalizações dos
achados. Logo, não houve intenção de quantificar uma determinada categoria de
análise evidenciada nas 5 (cinco) famílias em estudo, mas sim, como sugere Minayo
(1994), aprofundar e ampliar a abrangência da compreensão de um grupo social.
Portanto, o grupo social de estudo foi composto por 16 pessoas (pai, mãe e filhos).
A seguir, identifico cada família do estudo e seus integrantes de acordo com a
idade e classificação do estado nutricional que se encontravam no momento da
pesquisa.
7
Família Flores
Idade
(anos)
Estado Nutricional
Inicial
Estado Nutricional
no Final do Estudo
Sérgio 45 Sobrepeso Sobrepeso
7
Os nomes grifados identificam as pessoas com Síndrome de Down. Todas as vezes que elas aparecerem a partir
daqui, serão identificadas da mesma forma, o que facilitará a análise individual.
67
Regina 37 Sobrepeso Sobrepeso
Bárbara 14 Eutrófica Eutrófica
Osvaldo
9 Obesidade Obesidade
Família Unida
Idade
(anos)
Estado Nutricional
Inicial
Estado Nutricional
no Final do Estudo
Carol 31 Sobrepeso Sobrepeso
Everton
12 Eutrófico Eutrófico
Duda 7 Eutrófico Eutrófico
Família
Boaventura
Idade (anos)
Estado Nutricional
Inicial
Estado Nutricional
no Final do Estudo
Lessa 50 Eutrófico Eutrófico
Bela 46 Sobrepeso Sobrepeso
Festival de Dança
21 Obesidade Obesidade
Família Buscapé
Idade (anos)
Estado Nutricional
Inicial
Estado Nutricional
no Final do Estudo
Suelen 49 Obesidade Obesidade
Amanda 24 Obesidade Obesidade
Ester
8 Obesidade Obesidade
Família
Atrapalhada
Idade (anos)
Estado Nutricional
Inicial
Estado Nutricional
no Final do Estudo
Antônio 56 Obesidade Obesidade
Carmem 54 Obesidade Obesidade
Moises
16 Obesidade Obesidade
As terminologias acima empregadas são dados empíricos, resultante da minha
observação junto às famílias, pois não tinha como objetivo mensurar o peso. Assim,
utilizando-me do mesmo método empírico de observação do estado nutricional e
68
confirmando minha inferência junto com as pessoas específicas, coloquei-os aqui.
Deste modo, com base na observação, o peso pode ter apresentado variações,
pequenas, mas variações.
5.3 – Coleta de Dados
De acordo com Minayo (1994), a pesquisa qualitativa requer atitudes
fundamentais do pesquisador, tais como: a abertura, a flexibilidade, a capacidade de
observação e de interação com os sujeitos sociais e a capacidade de inter-relacionar os
dados encontrados sob a óptica dos saberes das diversas áreas que permitem a
apreensão da integralidade do significado expresso pelas pessoas em particular e no
seu coletivo, a família. Nesse processo, apreender e compreender o mundo imaginário
e simbólico das famílias sobre o ato de comer implicou na possibilidade de lhes
permitir escutar as suas próprias associações, convicções e crenças a respeito deles.
Assim, a re-significação do ato de comer para um significado mais amplo, mais
adequado a cada família, resultou do diálogo, da reflexão dos saberes estruturados e
empíricos, dentro de um tempo simbólico ilimitado.
Como instrumentos metodológicos interacionistas de busca e compreensão do
significado dado pelas famílias com relação ao seu ato de comer, optei pelo uso
concomitante da observação participante e da escuta e observação sensível sobre seus
comportamentos e atitudes que envolveram esse ato social. Amparei-me por um
diálogo integrativo das expressões verbais e não-verbais e por atividades lúdicas e das
artes que foram desenvolvidas ao longo de nossos encontros.
Através desse tipo de observação participante, pude dar seqüência ao cuidado
iniciado na prática de cuidado nutricional junto com algumas mães e seus filhos com
Síndrome de Down e auxiliar as famílias na construção de sua própria sistematização
nutricional no processo de re-significação do ato de comer identificado e
compreendido por alguns de seus membros.
69
5.3.1 Instrumentos Metodológicos de Apreensão da Comunicação Não-
Verbal
Segundo Ghiorzi (2004), observar sensivelmente é entrar em sintonia com o
outro, com quem se está pesquisando. Traduz-se pela percepção do outro e pela
atenção que se dá ao outro no processo relacional e envolve afeto, linguagem e postura
corporal. Esse comportamento interacional cria e estabelece vínculos e um estado de
afinidade. A pessoa se sente segura, acompanhada, escutada e, finalmente,
compreendida.
Para conseguir uma melhor sintonia entre as famílias e eu, utilizei a técnica do
espelhamento. De acordo com as propostas de cuidado da Programação
Neurolingüística (PNL), o espelhamento “é uma forma de estabelecer e criar vínculos
com o outro, outros e consigo mesmo. Produz um Estado de Afinidade, sintonia,
confiança, segurança e sensação de ser acompanhado, de ser escutado e de ser
compreendido” (BUENO, 2002, p.37). Geralmente, o espelhamento num processo
dialógico é inconsciente para quem o pratica, porém ele pode ser acionado e
estimulado conscientemente, aplicando-se técnicas específicas. Modelei expressões
faciais, postura, movimentos corporais, gestos, qualidade vocais, frases, palavras,
respiração com o objetivo de propiciar o processo interacional com as famílias, que é
empático.
A observação sensível consiste no registro descritivo do corpo de cada pessoa e
do seu movimento em processo interacional. Ela se centra no movimento dos olhos, no
tipo da respiração, na postura corporal, nos gestos, nas mímicas faciais, no timbre da
voz, nos lapsos de memória, nos silêncios das famílias (GHIORZI, 2004).
A observação sensível inseriu-se naturalmente na observação participante das
pesquisas qualitativas, como preconizam Gauthier et al (1998) e, além de ser utilizada
como estratégia no conjunto da investigação, ela foi valiosa para a compreensão da
realidade pesquisada. Ela permitiu o estabelecimento de sintonia comunicacional,
levando a pessoa à reflexão sobre o que dizia e fazia, permitindo-lhe a
operacionalização do foco interacionista: construção-desconstrução-reconstrução da
realidade vivida, sentida.
70
Foi a atividade que permitiu a interação entre pesquisador-cuidador e a pessoa
pesquisada-cuidada, permitindo a apreensão e compreensão de suas reações, de seus
símbolos e dos símbolos significantes, assim como quais as atitudes que advieram
deste ato social. Desta forma, pude mergulhar no mundo da família” (NITSCHKE,
1999), um mundo simbólico, no seu ambiente simbólico.
Para Silva (1996), a compreensão da comunicação não-verbal pode resgatar a
capacidade do profissional de saúde de perceber com maior precisão os sentimentos do
paciente, suas dúvidas e dificuldades de verbalização. Ajuda ainda, o profissional de
saúde a potencializar a sua própria comunicação, enquanto elemento transmissor de
mensagens.
Pode-se definir a comunicação não-verbal como toda a informação obtida por
meio de gestos, posturas, expressões faciais, orientações do corpo, singularidades
somáticas, naturais ou artificiais, organização dos objetos no espaço e até pela relação
de distância mantida pelas pessoas (SILVA, 1996). Ainda de acordo com essa autora, a
comunicação não-verbal possui quatro funções básicas: complementar a comunicação
verbal, substituir a comunicação verbal, contradizer o verbal e demonstrar os
sentimentos (SILVA, 1996). Para Ghiorzi (2002; 2004), a comunicação não-verbal
traduz a essência de cada pessoa, aquilo que realmente ela sente e pensa, embora,
muitas vezes, não tenha consciência disso. É pela compreensão do não-verbal que se
consegue chegar ao mundo dos símbolos e dos significados.
Outro instrumento que se mesclou à observação sensível para a captação e a
compreensão dos símbolos significantes sobre o ato de comer das pessoas que cuidei-
pesquisei, foi a escuta sensível. Esta é tida como parte integrante da escuta, só que é
atravessada pela rede simbólica das pessoas e vai além do audível, do dito (BARBIER,
1993; GHIORZI, 2004). Isso significa dizer que a rede simbólica específica da família
é dotada de um componente estrutural-funcional ao lado do seu componente
imaginário e se traduz no pensamento de fundo.
Escutar sensivelmente significou estar atenta aos curtos-circuitos da
comunicação, percorrendo as tentativas subterrâneas não-verbais desta relação, o
simbolismo usado para demonstrar uma atitude. Foi através das pistas quotidianas de
comportamento e atitudes das pessoas, que pude compreender o modo de vida delas.
71
Este modo de vida vinha ancorado em emoções e em experiências, o que exigiu um
respeito tuo entre nós. As famílias foram consideradas nas suas escolhas, porque
estas são produtos constantes da dinâmica cruzada da subjetividade familiar e da
norma coletiva social.
O momento em que estive junto com a família, foi um momento de
reconstrução coletiva sobre a compreensão e a prática de se alimentar adequadamente.
Ghiorzi (2004) enfatiza que o nosso trabalho deve envolver: ver juntos, escutar
juntos e fazer juntos.
O registro da comunicação não-verbal foi feito através do diário de campo e de
um gravador, para facilitar o registro e a análise das mensagens não-verbais através da
entonação de voz, das longas pausas, das dúvidas. Isso foi feito com a devida
aquiescência das famílias. Após, foi realizada a transcrição das fitas, e as anotações
entregues aos participantes para que confirmassem ou não a veracidade dos dados e
consentissem em sua utilização na pesquisa.
As anotações feitas no diário de campo tiveram a descrição de todas as
manifestações não-verbais que envolveram o processo relacional entre as pessoas com
Síndrome de Down, suas famílias, eu e o contexto ambiental externo, ou seja, os
estímulos enviados que despertaram uma resposta transacional. Nestas anotações,
também constaram as minhas reflexões feitas no transcurso do processo de pesquisar-
cuidando, conforme sugerem Gauthier et al (1998). Também registrei os meus
sentimentos e emoções vivenciados no decorrer da pesquisa. Minhas inferências foram
compartilhadas com as famílias para que as validassem ou não, facilitando o processo
interacionista.
5.3.2 – Coleta de Dados através de Técnicas Ludopedagógicas
Como atividades lúdicas, foram utilizados jogos e brincadeiras. Através do
lúdico e da arte, a pessoa vive diferentes momentos em suas relações. Relações estas,
que passam pelo mundo pessoal e grupal. Por meio do lúdico e da arte, a pessoa
expressa seu mundo de criatividade, interagindo consigo mesmo e com as pessoas que
72
a cercam, ou seja, sua ludicidade extrapola as barreiras do seu mundo subjetivo
(ERDMANN, 1998). O lúdico leva à pessoa magia e fantasia, permitindo que seu
imaginário confira um significado ao seu momento vivido, onde, muitas vezes, as
palavras faltam e não conseguem expressá-lo. É através desse imaginário que a pessoa
liga seus desejos à realidade existente e encontra sentido no seu viver (ERDMANN,
1998).
Através do lúdico e da arte, pude captar e compreender o mundo de símbolos
significantes e significados acerca do ato de comer dos sujeitos em pesquisa, suas
verdades, seus valores e crenças, hábitos e costumes, ajudando-os a re-significá-lo.
Segundo Erdmann (1998), a ação lúdica é o veículo de expressões e realizações da
pessoa e isto se através da interação co-criadora e dialógica, entre as pessoas com
Síndrome de Down, suas famílias e seu meio social.
A atividade lúdica possibilitou a socialização, discussão e aprofundamento,
troca de experiências sobre uma temática, numa atmosfera agradável, prazerosa,
alegre, divertida e de liberdade de expressão. Portanto, confirmando a concepção de
Erdmann (1998), menos formal em relação às técnicas formais de aprendizado.
Permitiu também, que as famílias interpretassem, conhecessem melhor o seu mundo
interno e as suas relações com o mundo exterior, discutindo e refletindo comigo e com
amigos, vizinhos, parentes a qualidade destas relações, como Santos & Padilha (1998)
postularam. Deu a oportunidade às pessoas de se voltarem para o seu interior na busca
do autoconhecimento e sair dele, para a busca da compreensão do outro, do
desconhecido, do novo conhecimento de uma forma descontraída. Erdmann (1998), no
seu trabalho intitulado “A Dimensão dica do Ser/Viver Humano: pontuando
algumas considerações”, já afirmava esta característica do lúdico.
Foi através do lúdico que os membros das famílias começaram a desenvolver e
aprimorar o seu potencial, nas diferentes áreas de socialização, linguagem,
psicomotricidade e criatividade, sempre utilizando o mundo imaginário. Portanto,
confirmou-se que o imaginário é o fio condutor entre a realidade, o faz de conta e o
seu ideal, melhor dizendo, seu real verdadeiro, aquilo que a pessoa é, pensa, sente e
deseja. Brincando, jogando e refletindo sobre as crenças e convicções que surgiram
73
nas famílias sobre o ato de comer, surgiram estratégias criativas para a criação
metodológica nutricional singular de cada família para a re-significação desse ato.
Durante o processo de pesquisar-cuidando, as atividades lúdicas propostas
foram dividias em três períodos a saber: 1
o
- o período de captação dos significados e
dos símbolos significantes do ato de comer (construção da realidade do ato de comer) ;
2
o
o período de discussão desses significados com as pessoas envolvidas
(desconstrução da realidade); e 3
o
o período de construção de uma nova realidade
firmando o processo pesquisar-cuidando (reconstrução da realidade).
Em cada período, as dinâmicas envolveram uma seqüência que contemplou
uma atividade inicial de descontração; uma atividade lúdica específica no meio para
que as famílias em estudo pudessem identificar o significado que dão ao ato de comer
e discuti-lo; e uma dinâmica final para integração do processo pesquisar-cuidando
através da re-significação desse ato e com a construção de uma sistematização
metodológica de educação nutricional para permitir aos seus membros, especialmente
as pessoas com Síndrome Down, a autonomia e independência relativa nas suas
escolhas alimentares.
Para conhecer quais as atividades que dão prazer e que divertem ao mesmo
tempo as pessoas envolvidas neste projeto, lancei a pergunta “Qual seria a forma de
trabalho que mais lhe daria prazer e que lhe divertiria?” com o objetivo de conhecer
o estilo comportamental e cognitivo de cada família para fazer escolhas de técnicas
adequadas, para melhor ajudar na re-significação do seu ato de comer. Esta pergunta
foi feita durante o encontro realizado na Instituição, quando apresentei os achados da
prática de cuidado e este novo projeto, assim como na primeira visita domiciliar. A
resposta foi registrada por cada membro de cada família em uma folha de ofício
devidamente identificada pelo nome e sobrenome dos membros das famílias
participantes.
A seguir, esquematizo as dinâmicas vivenciais realizadas com as famílias neste
estudo, com o intuito de demonstrar como o lúdico e a arte permitem à pessoa trazer à
consciência o que está na sua essência e no seu imaginário.
74
Encontro: Formando a Teia Interacional Familiar
Objetivo: conhecer algumas características dos membros dos grupos como: o que
gostam e o que não gostam de fazer, de comer, idade, local de nascimento; descontrair
e desinibir. Permitir às famílias conhecerem a pesquisadora e, talvez, conhecerem-se
melhor. Fazer uma comparação com a teia formada no decorrer da brincadeira com a
trama que constitui o drama familiar quotidiano, enfocando o papel de cada membro
neste jogo familiar e social.
Tempo utilizado: 15 a 20 minutos
Procedimentos: Formou-se um grande círculo, todos em pé, soltos. Com um novelo de
lã nas mãos, um primeiro participante voluntário se apresentou e jogou o novelo para a
próxima pessoa do rculo. O procedimento foi repetido até todos os participantes se
apresentarem.
Resultados: De início, as famílias Flores e Rodrigo ficaram um pouco desconfiadas,
talvez pela proposta audaciosa que estava apresentando, ou até pelo fato de eu me
propor a ir a suas residências gratuitamente. Percebi-as um pouco inibidas, talvez com
vergonha, midas por falarem sobre suas vidas, seus desejos e seus quotidianos. Isto
ficou comprovado pela comunicação não-verbal de seus corpos: braços cruzados, olhar
para o horizonte, não me fitando, poucas palavras. Isto demonstrou uma certa
insegurança perante minha pessoa. É interessante ressaltar que os homens (chefes dos
lares) foram os que mais deixaram transparecer a desconfiança. As famílias
Boaventura, Unida e Buscapé tiveram uma excelente recepção. Logo questionaram
sobre o trabalho, fitavam-me nos olhos, sorriam, participavam.
Família Flores: Regina, de 37 anos, falou que gosta de comer de tudo, de se reunir
com os amigos, de sair e que nasceu aqui em Florianópolis. Sérgio, de 45 anos, referiu
gostar de jogar futebol, ir à academia, de comer de tudo, de se reunir com os amigos e
que também é ilhéu. Bárbara, de 14 anos, gosta de comer chocolate, bolacha recheada,
75
de se reunir com os amigos, de sair, de usar o computador. Ela também é da terrinha.
Osvaldo falou que gosta de jogar bola, assistir filmes, de comer miojo. Ele tem 9 anos.
Todos os membros desta família identificaram a formação familiar como uma teia
tramada pela participação de todos. Cada um tem um importante papel dentro desta
teia. Evidencia-se nesta família o desejo de união familiar.
Família Unida: Carol, de 31 anos, contou que gosta de comer de tudo, que gosta de
ficar com sua família e que nasceu aqui, em Florianópolis. Everton, de 12 anos, disse
gostar de jogar vídeo-game com o irmão e de comer de tudo. Duda, de 7 anos, também
gosta de jogar vídeo-game com o irmão e com o tio. Como a Família Flores, esta
família também compreendeu o objetivo do jogo. Carol contou que é isso que fala para
os filhos, que todos são importantes para ela.
Família Boaventura: Bela tem 46 anos e nasceu em Campos Novos/SC. Gosta de
comer de tudo, de se reunir com os amigos, de sair, assistir novela. Lessa, de gosta de
ver filme, de ouvir música. É do interior de São Paulo. Festival de Dança tem 21 anos
e gosta de comer churrasco, de beber coca-cola, de ir ao cinema com a namorada, de
sair com os amigos e ir a um barzinho com eles, de ouvir música e de nadar. Falou que
nasceu aqui em Florianópolis. A reação desta família foi idêntica às anteriores. Bela
contou que Festival de Dança, muitas vezes, fantasia situações que, na prática, não
acontecem, como ir ao cinema com a namorada, sair com os amigos e ir a um barzinho
com eles. Isto não acontece, mas é um desejo expresso.
Família Buscapé: Suelen, de 49 anos, falou que gosta de comer de tudo, em especial
massas e de assistir novelas. É natural de Florianópolis. Amanda tem 24 anos e falou
que gosta de assistir o seu time de futebol (Viracopos) jogar no estádio de futebol. Ela
gosta também de jogar futebol e de dançar. É ilhoa. Ester tem 9 anos e falou que gosta
de comer chocolate, pizza, salsicha, salgadinho de pacote, de beber coca-cola, de
assistir o Viracopos jogar e de brincar de bola. Reconheceram que uma família é um
conjunto bem interacional, mas não discutiram os tópicos enfocados durante a
dinâmica, sobretudo a dos papéis de cada um no todo familiar.
76
Família Atrapalhada: Carmem, de 54 anos, gosta de comer de tudo, sobretudo, de
salada. Além disso, gosta de assistir novela, de fazer tricô e crochê. Nasceu em
Imbituba/SC. Antônio, de 56 anos, natural de Florianópolis, gosta de ver filme e de
assistir televisão. Moisés tem 16 anos, gosta de comer de tudo, de ouvir música, de
nadar, de jogar vídeo-game e de assistir televisão. Também nasceu em Florianópolis.
A analogia entre uma teia e uma família foi evidenciada mais uma vez. Ao acabar
meus comentários, Carmem disse que concordava sobre a importância da família
unida, mas respeitando as individualidades.
2° Encontro: Iniciando o processo de construção-desconstrução da realidade de
cada família com relação especificamente ao significado do ato de comer.
1° Momento: Alongamento
Objetivo: energizar e alongar o grupo, descontrair e desinibir, preparando-os para a
atividade seqüencial.
Tempo utilizado: 10 minutos
Procedimentos: Convidou-se um dos membros do grupo para mostrar qual exercício
de alongamento que poderíamos fazer. Os exercícios de alongamento foram repetidos
por todos.
2° Momento: Dinâmica da Colagem/Desenho/Modelagem/Montagem
Objetivo: identificar como cada membro se e se sente no contexto familiar, para
identificar os significados e símbolos significantes da própria dinâmica familiar.
Trazer a identificação e os significados dos papéis da família e correlacioná-los com a
construção do ato de comer.
Tempo utilizado: 1 hora
Procedimentos: Foram distribuídas revistas que continham as mais diversas imagens
que expressavam o dia a dia. Também foram entregues massinha de modelar, papel,
canetinha hidrocor. Pediu-se para que cada participante escolhesse o que desejasse
77
fazer: colar, desenhar, modelar ou montar uma equipe de time de futebol. Desta forma,
cada membro optou por uma atividade diferente. Após a confecção do material, foi
pedido para que cada um explicasse o que havia construído. Em seguida, após a
apresentação de todos, foi lida uma história que falava sobre os papéis exercidos, via
de regra, pelas pessoas que compõem uma família. Discutiu-se sobre os papéis
existentes em cada família, fazendo uma co-relação com o ato de comer que ela
desenvolvia. Recolheu-se o material feito elogiando o trabalho de cada participante.
O texto construído para facilitar a compreensão e discussão sobre os papéis
que cada pessoa desempenha em suas relações, sobretudo a familiar, baseou-se na
concepção de Berne (1987) e Karpman (1968) sobre o assunto. Para estes autores,
somente três papéis utilizados no jogo quotidiano da vida. São eles: vítima,
perseguidor e salvador.
O papel de perseguidor é caracterizado por aquela pessoa que dita as normas e
leis, colocando limites. Este papel pode ser utilizado com uma conotação negativa,
quando a pessoa abusa do poder, aniquilando o outro com ele.
O papel de salvador é caracterizado por aquela pessoa que quer ajudar o
próximo (os profissionais da área da saúde se utilizam deste papel). O salvador
saudável pode ensinar ao outro como fazer, dar-lhe opções, sem impor a sua vontade.
Entretanto, negativamente, a pessoa que se utiliza deste papel abafa o outro, não o
deixa voar, não o deixa usar o seu livre arbítrio, fazer escolhas, decidir.
O último papel identificado por estes autores, é o de vítima. vítimas
naturais, formadas a partir das desigualdades sociais, raciais e espirituais. Entretanto,
a vítima que não identifica em si a causa e o efeito de uma ação. Para esta pessoa, o
motivo de algo sempre es no outro. Ela nunca e assume seus erros. O outro
sempre é o culpado.
Desta forma, com cada família procurou-se conhecer quais os papéis que cada
um de seus membros desempenha no seu dia a dia, dando ênfase aos papéis atrelados
ao ato de comer.
78
Resultados:
Família Unida: De acordo com as atividades feitas pelos membros desta família,
todos se vêem e se sentem dentro do contexto familiar, pois ao representar e explicar
sua família todos se incluíram em seus desenhos e colagens. O pai tem uma
importância fundamental para esta família. Todos os membros dela esperam
ansiosamente por seu retorno para casa (ele é caminhoneiro). Carol identificou-se
como perseguidora para com seus filhos e seu marido. Neste momento, seu filho Duda,
olha diretamente para Carol indicando que concorda com o que ela diz. Também se
identificou com o papel de salvadora saudável, no sentido de ensiná-los para a vida.
Entretanto, ela disse que agora ela permite que sua família seja mais independente,
no sentido de fazer suas escolhas. Antigamente, Carol se identificou como uma
perseguidora patológica. Com relação aos papéis desempenhados pelos seus membros
no ato de comer, a família como um todo não identificou nenhum dos papéis
discutidos. Entretanto, Carol, neste contexto, percebeu que executa os papéis de
perseguidora e de salvadora patológica. É ela quem cuida da comida, decide o que
comer, determina o cardápio familiar e decide também onde comer. Ela só é liberal,
hoje, na escolha que cada um faz da quantidade dos alimentos ingeridos. O papel mais
desempenhado por Carol, é o de perseguidora patológica. As pessoas desta família
foram participativas, demonstrando estarem atentas e com disposição para interagir.
Everton manteve durante todos os nossos encontros o mesmo comportamento
desenvolvido durante minha prática de cuidado, em 2005: o de uma criança tímida e
reservada. Esta percepção foi alicerçada pelo modo de se portar: cabeça baixa, olhando
para o chão com os ombros caídos e em silêncio. Nesta dinâmica, o símbolo
significante desta família começa a se delinear. Carol falou muito sobre como sua
família come junta, e sobre a importância deste fato acontecer. O símbolo significante
é o de estarem juntos.
Família Buscapé: Nesta família, apenas Amanda não se viu no contexto familiar, pois
ela desenhou seu pai, sua mãe e a irmã Ester. Ela não se desenhou. Também o
desenhou seus outros três irmãos. Ela disse que o seu desenho não necessariamente
expressava sua família, mas sim era a representação de uma família qualquer. Ester
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não modelou os membros da sua família, mas sim, modelou vários alimentos: coxinha,
pastel, salsicha. Para ela, esta era sua representação de família. Com relação ao ato de
comer, é Arnaldo, marido de Suelen, quem decide o que comer no almoço, enquanto
que no jantar, o cardápio é escolhido por Suelen e Amanda. Entretanto, Suelen deixou
transparecer o seu papel de perseguidora patológica no contexto familiar, ao dizer que
quem não quiser comer o que essendo oferecido, não tem outra opção. Fica com
fome. Os gestos dela mostraram a coerência entre a verbalização e o seu imaginário:
falou alto, gesticulou e olhou-me nos olhos. Arnaldo e Suelen são os perseguidores
patológicos nesta família, pois toda ela tem que comer o que os dois decidem. A
escolha do local de comer se por consenso. Os horários das refeições são
determinados em função do retorno do trabalho. Com relação a quanto comer, a
decisão é de cada um. Ester escolhe o que comer e o quanto, dentro das opções
impostas pela família, porém ela não se serve. As três participantes durante esta
atividade pareceram dispersas, incomodadas, agitadas. Distraiam-se com facilidade.
Com esta dinâmica, ainda não consegui perceber o seu símbolo significante sobre o ato
de comer.
Figura 1: Desenho da família Buscapé para Amanda.
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Figura 2: Cartaz que representa a família Buscapé para Suelen.
Família Boaventura: Através das atividades desenvolvidas por esta família, todos os
seus membros se vêem e se sentem dentro do contexto familiar. Isto ficou claro,
quando eles explicaram seus cartazes. Lessa mostrou sua família, através de seu cartaz,
como sendo sólida, unida, onde todos possuem limites. Lessa desempenha o papel de
autoridade/ chefia na família, entretanto não é autoritário. De acordo com a literatura
pesquisada, este papel é o de perseguidor saudável, pois nada é imposto à família.
Respeita-se e ouve-se a opinião de todos. Bela seria a vice-chefe da família. Sua filha,
a pessoa que assume suas funções quando os pais estão ausentes, é a preparadora
física. Festival de Dança é a pessoa que mais necessita de atenção. Ele é o atleta, o
jogador da família. Interessante notar que ele também se assim: ele é o atleta, seus
pais a torcida e sua irmã a der, quem o puxa” para realizar suas atividades. Bela
identificou-se como controladora: tudo tem que estar a seus olhos para que saia bem.
Logo, perseguidora. Bela identificou Lessa desempenhando o papel de negociador,
inclusive durante o ato de comer. É o salvador. Nesta família, Festival de Dança
executa o papel de perseguidor patológico: se for contrariado faz birra. Ele gosta de
impor sua vontade. Relacionado ao ato de comer, um consenso familiar na escolha
do cardápio e do local de comer, assim como sobre o que comer. A decisão da
quantidade dos alimentos a serem ingeridos, depende de cada um. O papel mais
praticado por esta família, em seu quotidiano, é o de salvador saudável Esta família
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demonstrou ser muito comunicativa, aberta à novidade, ao diálogo. Todos me fitavam
nos olhos, postavam-se voltados para mim. O símbolo significante que começa a se
esboçar parece ser o de elo.
Figura 3: Cartaz que expressa a família Boaventura para Lessa.
Família Atrapalhada: Nesta família, apenas Antônio não se viu no contexto familiar,
pois ele não colou uma figura masculina que o representasse. Ele falou que não precisa
colocar a sua foto no cartaz, pois não é importante. Antônio se identificou como
perseguidor, pois ele costuma pegar no pé de Moisés e de Carmem para não comerem
muito. Entretanto, este seu papel é evidente durante as refeições. Quem decide o que
comer é Carmem e Antônio, por consenso. Todo final de semana a família se reúne e é
Antônio quem decide o cardápio. Cada um escolhe dentro das opções dadas por
Antônio o que comer. Antônio executa seu papel de perseguidor perante a família, mas
dentro de um contexto saudável. Com relação às quantidades, Carmem serve Moisés.
Entretanto, se Moisés quiser repetir a comida, ele pode. Carmem evidenciou que seu
filho exerce o papel de vítima na sua presença. Antônio controla a quantidade que
Moisés e Carmem comem e solicita que parem de comer. Nesta dinâmica, o símbolo
significante desta família começa a se delinear: é o de união familiar. Neste encontro,
percebi Antônio ainda mido, calado, não me fitava nos olhos, não conversava muito,
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respondia o que eu perguntava. Moisés e Carmem eram o contrário: riam, faziam
piadinhas, fitavam-me nos olhos, postavam-se frente a frente comigo.
Figura 4: Desenho que expressa a família Atrapalhada para Moises.
Figura 5: Cartaz que simboliza a família Atrapalhada para Antônio.
83
Família Flores: A partir dos cartazes construídos, todos os membros desta família se
viram e se sentiram dentro do contexto familiar, pois eles se incluíram em suas
atividades. Bárbara e Osvaldo indicaram que seu pai mantém certa distância junto à
família. Regina e Bárbara colaram uma foto de bebê para representar Osvaldo. No
cartaz de Bárbara, a foto que representa Sérgio está colocada distante dela, de sua mãe
e de seu irmão, indicando afastamento. As fotos que os representavam, estavam
coladas uma próxima da outra, indicando proximidade e carinho. Junto à foto de
Sérgio, está a bola de futebol (que é o esporte favorito dele). Osvaldo também
desenhou uma cena semelhante a da irmã: ele, sua mãe e Bárbara estavam próximos,
enquanto que seu pai, distante. Ninguém identificou o uso de papéis específicos dentro
da família. Todas as responsabilidades da casa estão sob a tutela de Regina. Ela se
considera a empregada da casa, na verdade, uma vítima, embora não tenha se
percebido desta maneira. O papel de perseguidora também é executado por ela: a
decisão sobre o que comer, onde comer e o quanto comer para sua família é dela.
Bárbara escolhe o que comer dentro das possibilidades e o quanto se servir. Sérgio
apenas se percebe como o provedor financeiro da família. Realmente ele mantém a
distância. Neste momento, percebi Sérgio inquieto mãos batendo sobre a mesa e
pernas se mexendo muito. Os outros participantes riram, fitaram-me sempre e
postavam-se diante de mim, sem esquivas.
Figura 6: Cartaz que expressa a família Flores para Bárbara.
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Figura 7: Cartaz que expressa a família Flores para Regina.
3° Momento: Dinâmica “Abrace um Amigo”
O fechamento foi feito com a solicitação aos membros da família que se abraçassem
individualmente e que, em seguida, dessem um grande abraço coletivo, se possível,
diariamente. O objetivo desta dinâmica foi o de registrar mentalmente a importância
da união da família, do papel que cada um de seus membros desempenha para o
quotidiano sadio, feliz.
Durante todos estes momentos, desenvolvi a escuta e a observação sensível,
fazendo anotações no meu diário de campo no próprio momento de desenvolvimento
das dinâmicas.
Após o término deste 2° encontro, analisei o material desenvolvido pelos
participantes, minhas anotações perceptivas e discuti com minha orientadora o que
estava se mostrando. Em conjunto, estabelecemos qual deveria ser a próxima atividade
lúdica para a dinâmica vivencial do próximo encontro, sem perder o objetivo desta
pesquisa e de acordo com os temas emergidos na dinâmica de cada família, pela
análise do conteúdo verbal e não-verbal. Isto aconteceu em todos os encontros
posteriores, com o intuito de desvelar como desenvolver uma sistematização
nutricional sadia, de acordo com as características de cada família.
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Cada encontro se estruturou sempre em 3 (três) partes: momento de
descontração, de entrada no espírito da dinâmica vivencial; momento da dinâmica em
si; e momento de discussão e fixação dos temas e categorias evidenciadas.
3° Encontro: Complementando as informações colhidas na dinâmica anterior e
conhecendo o que significa o ato de comer para cada família em estudo.
Neste encontro, tive que retomar a atividade anterior para poder concluir o
objetivo proposto e realizar a atividade determinada para o encontro. O motivo foi
devido não ter conseguido trazer a identificação e os significados dos papéis da família
e correlacioná-los na construção do ato de comer. Por vários momentos, durante a
dinâmica, esqueci de questioná-los sobre o assunto, deixando buracos nas
informações.
1° Momento: Jogo da Adivinhação
Objetivo: Descontrair e desinibir, preparando-os para a atividade seqüencial.
Tempo utilizado: 10 minutos
Procedimentos: Distribuiu-se aos membros da família uma caneta e um pedaço de
papel. Solicitou-se que os mesmos escrevessem ou desenhassem um animal de que
gostassem. Em seguida, pediu-se para que, individualmente, cada um imitasse o
animal que escreveram ou desenharam. O restante do grupo tinha que adivinhar qual o
bicho escolhido.
2° Momento: Contando uma História Ilustrada (Anexo 1)
Objetivo: identificar o que significa o ato de comer para cada família, a partir de uma
história ilustrada. O objetivo de ter optado pela história ilustrada reside no fato de que
as pessoas com SD têm dificuldade de se concentrarem por um longo período num
foco só. Desta forma, contando a história e ao mesmo tempo montando-a com figuras,
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consegui fazer com que eles prestassem atenção e conseguissem participar da
atividade.
Tempo utilizado: 1 hora
Procedimentos: Foi contada uma história que abordava o quotidiano de duas culturas
opostas: a japonesa e a italiana. Ao mesmo tempo em que a história ia sendo contada,
ia-se montando, através de figuras recortadas de revistas, a história sobre a vida de um
homem japonês (Tanaka) e uma mulher italiana (Maria) que se casaram. No decorrer
desta história, eles têm dois filhos e a família tem que administrar o ato de comer de
acordo com as preferências individuais e do grupo. Há a questão cultural forte na
construção dos hábitos alimentares. Esta história não tinha um final específico. Cada
membro familiar deveria dar um fim a ela e colocar ao grupo, gerando discussão sobre
a sua escolha e sobre a identificação do que viviam com relação ao ato de comer, por
eles praticado diariamente.
Resultados:
Família Unida: Para esta família, o melhor final para a história seria satisfazer cada
gosto alimentar, preparando os alimentos juntos e também individualmente. Esta
resposta foi realçada pela comunicação não-verbal de Carol: voz imponente, firme,
decisiva.
Família Buscapé: Para ela, o melhor final para a história coincidiu com o da família
Unida. Suelen, especialmente, se mostrou firme nesta conclusão, utilizando-se do
gesto vocal como meio de confirmação do verbalizado: falou alto e com voz firme.
Percebia ainda as três participantes dispersas, incomodadas, agitadas: levantavam
várias vezes do lugar. Distraiam-se com facilidade. O olhar era vago, colocado sobre
o horizonte.
Família Boaventura, Família Flores e Família Atrapalhada encontraram, mais uma
vez, a mesma solução que foi a de satisfazer cada gosto alimentar, preparando os
alimentos conjuntamente. Na família Flores, coube a Osvaldo demonstrar através dos
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gestos a importância da solução encontrada: levantou seus braços e gritou, numa
tentativa de impedir as brigas relatadas na história. A partir deste encontro, Sérgio
começou a ficar mais participativo e interessado pelas atividades. Percebo que minha
ida à sua casa não é mais massante ou entediante para ele. Sinto-o menos inquieto:
suas pernas e mãos não se mexem constantemente.
Traçando-se um paralelo com a atividade anterior, a dos papéis, somente a
família Boaventura foi coerente com o seu final de história. Para as outras famílias,
não consenso, não escolhas, alguém assume as decisões por todos. Há
claramente uma dicotomia entre o SER e o QUERER SER.
3° Momento: Reprogramação Emocional
O fechamento foi feito com um exercício de reprogramação emocional com o intuito
de relaxarem, acalmarem, após as descobertas que fizeram sobre si e sobre o grupo.
Foi solicitado para as pessoas relaxarem em suas cadeiras, fecharem os olhos e
seguirem minhas orientações.
Encontro: Ainda elaborando a construção-desconstrução do significado do ato de
comer para cada família.
Ainda foi preciso retomar o objetivo do encontro anterior que era o de
identificar o que significava o ato de comer para cada família, a partir de uma história
ilustrada, para poder, através da complementação dos dados, pôr em prática a
discussão do tema evidenciado anteriormente. Como os dados ainda não estavam
muito transparentes, neste encontro continuei a identificar o que significa o ato de
comer para cada família, através da técnica do genossociograma.
O genossociograma é uma técnica desenvolvida por Schützenberger (1995),
uma espécie de árvore genealógica construída a partir da memória e completada pelos
acontecimentos importantes da vida das famílias, com o toque da afetividade. Quem
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constrói esta árvore, pode perceber os personagens que a constitui, tanto no aspecto de
vínculos quanto no de papéis executados.
Deste modo, é mais fácil identificar a ligação existente entre acontecimentos,
fatos, contexto simbólico em que esta ligação se consolidou e passou a ser memória
familiar para ser lembrada ou não. As “coincidências (de datas, acidentes,
nascimentos, comemorações, mortes, doenças) e que são repetidas ao longo das
gerações familiares, não são coincidências, mas sim, o que Schützenberger (1995)
chama de ndrome de Aniversário.
Nesta pesquisa, o genossociograma foi utilizado com o objetivo de se
conhecer se havia outros casos de pessoas com SD na história familiar e, sobretudo
com alteração de peso, para se buscar esclarecer se a carga genética é maior que a
carga social. Também se buscou identificar quais as repetições de doenças, acidentes,
mortes, nascimentos que estas famílias possuíam ao longo de suas histórias e, como
estes acontecimentos, ligaram-se ao ato de comer. Ele foi fundamental para ajudar a
compreender a sua construção, os símbolos significantes para a família. Assim, através
do genossociograma foi revelada a cultura familiar, suas crenças e valores e,
sobretudo, o ambiente simbólico da construção social transgeracional do seu ato de
comer.
1° Momento: Brincadeira “O feitiço caiu em mim”
Objetivo: Descontrair e desinibir, preparando-os para a atividade seqüencial.
Tempo utilizado: 10 minutos
Procedimentos: Distribuiu-se papel e caneta para todos os participantes. Em seguida,
solicitou-se que cada um escrevesse em seu papel alguma coisa que gostaria que seu
vizinho da direita realizasse. Poderia ser qualquer coisa: imitar alguém, cantar uma
música, imitar um animal, etc. Pediu-se para que colocassem o seu nome na folha e
entregassem os papéis para a pesquisadora. Após, explicou-se que, aquilo que
escreveram seria executado por ele próprio. Convidou-se um voluntário para iniciar a
tarefa até que todos tivessem concluído.
2° Momento: Construir o Genossociograma Familiar
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Objetivo: identificar o que significa o ato de comer para cada família, através das
lembranças de cada membro da família, sem consulta aos demais membros e
antecedentes.
Tempo utilizado: 1 hora e 15 minutos
Procedimentos: Numa folha de cartolina foi colocada, através de símbolos pré-
estabelecidos, a história familiar de cada membro da família. O nome, idade, causas
das mortes de familiares, doenças dos antepassados inter-relacionando com fatos,
acontecimentos, emoções e as reações, sobretudo, as reações ligadas aos alimentos.
Ajudava a esclarecer as idéias colocadas, através de questionamentos.
Resultados: Como esta dinâmica envolveu mais de um encontro com as famílias, os
resultados aqui colocados são globais. Os esquemas gráficos estão colocados como
apêndices.
Família Unida: Ao rememorar a sua história familiar foram evidenciados os seguintes
aspectos: pessoas com SD tanto pelo lado materno quanto paterno de Everton; avó
materna com sobrepeso, hipertensão arterial sistêmica e Diabetes Mellitus; avó paterna
com hipertensão arterial sistêmica e vítima de acidente vascular cerebral; a causa das
mortes de seus familiares não estava presente em suas memórias; o tipo de
alimentação que a família Unida realiza hoje, mostrou ser uma repetição do que Carol
comia quando criança: arroz, feijão, carne, leite. O comportamento alimentar de comer
por ansiedade (beliscar) por Carol também é repetido por Everton. Carol gosta muito
de café e o toma com muita freqüência. Este hábito ela criou quando era criança e seus
dois filhos também repetem este comportamento. O símbolo significante desta família
tem suas raízes na infância de Carol: a família sempre comeu unida, reunida. Ao longo
de nossa conversa, a família permaneceu tranqüila e participativa: respirar calmo, voz
suave, olhares diretivos. Como resumo, identifica-se a predisposição familiar para a
formação de pessoas com a SD; antecedentes com distúrbios metabólicos crônicos e
cardiocirculatórios não permitindo às pessoas serem obesas ou estarem com sobrepeso.
O hábito alimentar se mostra alicerçado em comer repetindo os comportamentos
alimentares de Carol, sobretudo, em situações de ansiedade (Apêndice 2).
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Família Buscapé: Nesta família, não há história de pessoas outras com SD. Ester tem
quatro irmãos, destes somente Amanda está obesa. Os outros são eutróficos. Os pais de
Ester também são obesos. Suelen contou que Ester era muito apegada a seu sogro.
Quando ele faleceu, quatro anos atrás, Ester tinha 4 anos e, a partir deste momento,
Ester começou a ganhar peso progressivamente. Suelen contou que a alimentação de
Ester não foi modificada neste período de perda. A avó paterna de Ester é diabética,
hipertensa e cardíaca, entretanto não há laços consangüíneos entre as duas, já que o pai
de Ester é adotado. Suelen não se recorda de como era o hábito alimentar de seus pais,
pois não morou com eles durante a infância. Somente a partir dos 11 anos é que foi
morar com eles. Suelen relatou não ter tido alteração na sua alimentação durante a
gravidez e nem mesmo quando soube que Ester tinha SD. Então, o que explica a sua
obesidade? Ao longo de nossa conversa, a família permaneceu participativa e inquieta,
agitada: tom de voz alto, gestos com as mãos e olhares diretivos misturados com
olhares fixos no horizonte, talvez na busca de sua memória. Em síntese, há uma
associação direta entre a alteração do hábito alimentar de Ester e o distúrbio
emocional pela perda do avô. (Apêndice 3).
Família Boaventura: Nesta família história familiar de pessoas com SD pelo lado
materno. A irmã da ade Festival de Dança tem um filho com SD, que hoje tem 42
anos de idade. Bela é hipertensa, tem dislipidemia, hipotiroidismo e sobrepeso. Lessa
tem hipercolesterolemia. A avó materna de Festival de Dança era hipertensa, safenada
e cardiopata. O avô paterno de Festival de Dança era diabético e tinha sobrepeso. O
pai de Bela teve diagnóstico de câncer de lon no final de 1996. Um ano depois, seu
irmão também teve a confirmação do mesmo diagnóstico. Quando o irmão de Bela
soube que seu pai tinha câncer, ele ficou abalado emocionalmente. Quando ele soube
do seu diagnóstico, lutou para viver o máximo que pôde, porém nunca aceitou a
doença. O pai de Bela lutou contra a doença durante 2 anos e seu irmão durante 7
anos. Neste período de doença, Bela teve alteração no seu hábito alimentar: não tinha
tempo para fazer comida caprichada: salada de frutas, suco. Cozinhava alimentos mais
simples, mais rápidos, como por exemplo, macarrão com carne moída. Nesta época,
Bela fazia três refeições ao dia. Bela lembrou que, do seu lado paterno, todos faziam
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três refeições e, que do lado materno, sua mãe e avó faziam mais refeições ao dia.
Aliás, a família Boaventura toda faz três refeições ao dia. O hábito de comer peixe por
Bela foi adquirido na sua infância, quando foi morar com seus avós maternos aqui em
Florianópolis. Quando criança Bela acompanhou o ritmo alimentar de seus avós:
quatro refeições ao dia. Aos 10 anos de idade, Bela tinha a responsabilidade de
preparar o almoço para ela e sue irmão. O comportamento de comerem unidos com
calma, tranqüilidade, conversando, Bela adquiriu com os pais: a hora de comer era
assim. Ainda hoje o ambiente permanece o mesmo, porém o ritmo de comer é mais
rápido, devido às atividades quotidianas. Lessa contou que os pais comiam devagar,
tranquilamente, enquanto ele não. A alimentação de Lessa era rotineira, quando
criança. A rotina se tornou um hábito para ele.história de alcoolismo na família de
Lessa (irmão e tio paterno). Durante a realização desta atividade, a família foi
participativa. Bela gesticulou muito e falou em tom de voz alto. Em resumo, há uma
predisposição familiar para gerar crianças com SD, além de transtornos cardíacos e de
tireóide que agravam as condições das pessoas com a síndrome. Quanto à alimentação,
destaca-se o hábito de comer três refeições ao dia por todos os membros da família, a
introdução de novos alimentos ao cardápio da família, após a união do casal e o gosto
pela rotina e da reunião familiar na hora das refeições (Apêndice 4).
Família Atrapalhada: Há pessoas com SD, tanto pelo lado materno quanto paterno
de Moisés. Elas têm 16 e 20 anos e, na constelação familiar, são primos em e
grau respectivamente. Moisés tem duas irmãs. Ambas estão com sobrepeso. Antônio é
obeso, diabético e hipertenso. Carmem é obesa, está com a glicose de jejum alterada e
é hipertensa. A avó materna de Moisés também é diabética e hipertensa. Os dois avós
paternos de Moisés são diabéticos e hipertensos. O diagnóstico de diabetes de Antônio
foi dado logo após o falecimento de sua mãe. Antônio não recordou dos seus avós.
Lembrou que seus pais comiam quatro vezes ao dia. E ele também mantinha este ritmo
quando criança. Comiam: carne, feijão, macarrão, arroz e quase nenhuma salada. Este
fato, explica o porquê que Antônio não gosta delas. O ambiente familiar das refeições,
quando criança, era tranqüilo, todos comiam juntos e não conversavam entre si.
Entretanto, Antônio comia rápido e ia fazer outras atividades (não lembrou quais).
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Atualmente, ele faz quatro refeições, come rápido e não conversa durante as refeições.
Aos finais de semana a família se reúne na casa de praia. Nas datas festivas (Natal,
Ano Novo), a família come: peru, carne suína, salpicão, maionese, carne assada,
farofa. Na família de Carmem, por ocasião de mortes dos parentes, não havia o hábito
de comerem durante os funerais. Quando criança, Carmem comia tudo que quisesse e
ela faz o mesmo com seus filhos. Quando criança, ela também comia em silêncio, pois
seu pai não permitia conversas durante as refeições. Carmem e Moisés também fazem
quatro refeições por dia. Ao longo de nossa conversa, a família permaneceu
participativa. O tom de voz não se alterou e os olhares eram diretivos. Em síntese,
antecedentes familiares com história de doenças crônicas, hereditárias, onde o
sobrepeso e a obesidade se constituem em fatores de risco para o desencadeamento das
mesmas. uma predisposição hereditária para a formação de filhos com SD. No que
tange a alimentação, destacam-se os seguintes pontos: o hábito de comer rápido e em
silêncio pela família, comer quatro refeições ao dia e a baixa aceitação de saladas por
Antônio (Apêndice 5).
Família Flores: Nesta família, não história familiar de antecedentes com SD. Os
avós maternos de Osvaldo são hipertensos e estão acima do peso. O avô paterno de
Osvaldo, falecido, era diabético, cardíaco, obeso e doente renal. Os bisavôs
maternos de Osvaldo também eram cardíacos. Regina não lembrou de como era
alimentação dos avôs, nem dos pais. Regina contou que, quando entrou para a
faculdade, nunca tomou cada manhã. Exatamente o que Bárbara, sua filha, repete
atualmente. Quando Bárbara era criança, somente ela e a mãe almoçavam em casa. E
elas comiam o “mata fome”: miojo. Justamente, uma das preferências de Osvaldo
atualmente. Regina contou que, após o falecimento de seu sogro, não teve alteração no
seu hábito alimentar, o que não aconteceu após o nascimento de Osvaldo. Ela comia a
comida do hospital e muita bolacha recheada e outros doces. Exatamente como sua
filha o faz hoje. Sérgio comia quando criança e adolescente quatro vezes ao dia.
Hábito que mantém até hoje. Lembrou que o ambiente familiar na hora das refeições,
quando criança, era tranqüilo, com conversas sobre o dia a dia. Contou que seu pai
comia muito rápido e ele também faz o mesmo. O pai de Sérgio sempre foi muito
93
durão, fechado e não era muito afetuoso com os filhos. Exatamente como ele é. Mortes
e nascimentos não interferiram no seu hábito alimentar, mesmo após o nascimento de
Osvaldo. A família mostrou-se participativa. Sérgio estava agoniado para terminar
nosso encontro (olhava no relógio todo o tempo). Disse que queria ir jogar futebol.
Seria mesmo? Ou seria o tema que o inquietava? Resumindo, a história familiar
aponta doenças crônicas, com carga hereditária e não compatíveis com sobrepeso e
obesidade. Fator de risco para a família. Quanto ao seu hábito alimentar, destacam-se:
o gosto por alimentos ricos em açúcares e gorduras por Regina e Bárbara e a falta de
Sérgio na hora das refeições (Apêndice 6).
3° Momento: Dinâmica da Rosa
O fechamento do encontro foi feito a partir de um botão de rosa. Com ele, foi feito
uma analogia entre o desabrochar de uma rosa e o desabrochar de uma história
familiar. Em ambas as situações, é mostrado a beleza interna, o fortalecimento dos
laços familiares. O objetivo desta dinâmica foi o de fortalecer os laços familiares.
Encontro: Complementando os dados de construção-desconstrução do
significado do ato de comer.
Com exceção da Família Flores e Buscapé, as demais não conseguiram concluir
a tarefa anterior de forma integral. Isto fez com que se retomasse o objetivo anterior
com estas famílias. Com a Família Flores e Buscapé foi realizada uma nova dinâmica.
Então, para as demais famílias, a dinâmica empregada foi ainda a de construção
do genossociograma familiar, que se deu como descrito anteriormente.
1° Momento: Brincadeira Dança da laranja em duplas - para todas as famílias.
Objetivo: Descontrair e desinibir, preparando-os para a atividade seqüencial.
Tempo utilizado: 10 minutos
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Procedimentos: Solicitou-se aos participantes que formassem duplas. Distribuiu-se
uma laranja para cada dupla e a mesma tinha que ser colocada na testa dos dançarinos,
que não podiam deixá-la cair. Colocou-se a música escolhida por cada família para que
dançassem, sem deixar a laranja cair. Em seguida, houve a troca das duplas com a
repetição da atividade. A dupla que dançou sem deixar a laranja cair no chão, ao
término da brincadeira recebia uma salva de palmas.
2° Momento: Continuação da Construção do Genossociograma Familiar
O objetivo e o procedimento foram os mesmos já descritos anteriormente. Os
resultados deste encontro já estão descritos no primeiro relato.
2° Momento (apenas para a família Flores): Dinâmica dos Limites
Objetivo: Explicar o que são os limites, qual a sua importância no contexto familiar e
social, incluindo a importância dos limites no ato de comer. Permitir o diálogo entre os
membros da família, conduzindo-os a acharem os seus próprios limites para suas
situações quotidianas.
Tempo utilizado: 1 hora
Procedimentos: No primeiro momento desta atividade, foi discutido o que se
compreende por limites, construindo-se um cartaz para que pudessem ver e refletir.
Em seguida, cada membro familiar recebeu duas folhas e uma caneta. Em uma folha
tinha que responder as seguintes questões: O que eu aceito/eu quero e O que eu não
aceito/não quero relacionados à comida, aos estudos, aos relacionamentos e à
arrumação do quarto/ casa. Na outra folha, cada membro familiar teve que escrever
quais eram seus limites dentro das questões efetuadas tanto para si, quanto para os
outros (amigos, familiares) e para os pais ou filhos. Para as pessoas que não sabiam
escrever, individualmente foram questionadas e suas respostas foram anotadas. Em
seguida foi feita a discussão do material.
Resultados: Através deste quadro abaixo, sintetizo os resultados da dinâmica dos
limites com a família Flores.
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O que aceita/
O que quer
Bárbara Sérgio Regina
Comida Aceita tudo de
bom. Para comer
aceita estar com
barulho, com
música. Quer
comida quando
tiver fome.
Aceita comidas não
gordurosas, comida
light, comer frutas,
refrigerante diet,
sucos e aceita comer
tudo o que gosta.
Aceita tudo que é
saboroso. Quer fazer
refeições tranqüilas,
sem brigas ou
discussões na hora de
comer.
Estudo Aceita estudar
com música e
quer estudar
quando tiver
vontade
Aceita acordar cedo.
Aceita realizar as
tarefas de casa, embora
nem sempre tenha
vontade. Quer manter a
ordem por mais tempo.
Casa/Quarto Aceita o quarto
com barulho e
quer o quarto
sempre
arrumado.
Aceita ver a casa
arrumada.
Aceita dividir o
trabalho da casa com o
curso de especialização.
Quer trabalhar fora e
quer estudar.
Relacionamento
Aceita que seus
pais peçam para
ela fazer as
coisas e quer
ganhar muito
carinho.
Aceita reunir amigos
e parentes.
Aceita dividir seus
familiares e amigos
com mais pessoas. Quer
agradar as pessoas e
fazer com que elas se
sintam bem.
Percebe-se que Regina não colocou limites nas situações solicitadas. Ela
simplesmente registrou situações diárias que ela gostaria e não gostaria que
acontecesse. Ela não achou uma regra clara para estas situações desconfortantes. Na
realidade, o papel de vítima se sobressaiu: ela não tem culpa em nada, os outros que
96
são os culpados. Bárbara impôs seus limites: quer comer só quando tem fome, pede
para que seus pais não gritem com ela ao solicitar algo. Os limites impostos por Sérgio
indicaram a sua preocupação com assuntos relacionados somente a ele, deixando claro,
desta forma, sua individualidade.
O que não
aceita/
O que não quer
Bárbara Sérgio Regina
Comida Não aceita
comidas pesadas
à noite. Não quer
comida que
engorde.
Não aceita comer
comidas gordurosas,
comer doces, tomar
refrigerante normal.
Não aceita que
imponham que ele
coma alguma coisa.
Não aceita alimentos
que lhe façam mal. Não
quer alimentos que
engordem.
Estudo Não aceita
estudar com
barulho e não
quer estudar só
quando tem
prova.
Não aceita trabalhar
aos finais de
semana.
Não aceita que
reclamem quando não
faz determinada tarefa.
Não quer sentir
preguiça.
Casa/Quarto Não aceita quarto
frio e não quer
quarto
bagunçado.
Não aceita não ter o
que comer.
Não aceita não
conseguir realizar-se
profissionalmente. Não
quer abdicar de seus
sonhos – curso de
especialização.
Relacionamento
Não aceita que
mandem fazer as
coisas e sim
pedirem. Não
Não aceita não
poder receber os
amigos e parentes
em casa.
Não aceita que falem
mal dela ou de outras
pessoas pelas costas.
Não quer prejudicar
97
quer que gritem
com ela.
ninguém para conseguir
seus objetivos.
Percebe-se que Sérgio tem a vontade e o desejo de ter mais tempo para sua
família, pois ele se impôs o limite de não trazer trabalho para casa. Regina mantém o
mesmo comportamento que na situação anterior.
Durante esta dinâmica com Osvaldo, sentei-me a sós com ele em seu quarto e
fui questionando-o e anotando as respostas no meu caderno. Entretanto, suas respostas
não tiveram uma lógica: tudo que ele respondeu que não aceitava ou queria seus pais
disseram que ele o faz e adora. O que ele respondeu que não aceita é: suco de uva,
miojo, galinha, feijão, guaraná, nescau e jogar bola. Exatamente tudo o que ele faz e
gosta no seu dia a dia. Suas respostas demonstraram o seu conflito interno: o querer e
o fazer.
Durante a realização desta atividade, percebi que, conversar sobre situações
não resolvidas e problemas internos da família, é meio constrangedor para todos,
inclusive para mim. Senti o ar “pesado”. Somente Regina aproveitou a oportunidade
para continuar a manifestar seus desagrados relacionados à sua família. Sua expressão
facial indicou raiva, goa: testa franzida, voz com entonação agressiva, forte, muitos
gestos com as mãos como mexê-las de um lado para o outro.
Na contramão, percebi Sérgio num beco sem saída: “agora temos que discutir
sobre nossos problemas?”. Neste dia, ele bateu com os dedos das mãos sobre a mesa,
olhou o relógio, mexeu com as pernas, não olhou diretamente em meus olhos. Senti-
me no meio de um fogo cruzado. Tentei explicar que o objetivo não era um jogo de
acusação, mais sim, de conversa para que identificassem os gostos, as necessidades e
os desejos de cada e da família como um todo para que compreendessem essa teia
familiar. A falta de limites impede o crescimento individual e grupal. O reflexo disso
também se dá na construção do ato social de comer.
2° Momento (apenas para a família Buscapé): Dinâmica Feedback sanduíche
8
8
Feedback sanduíche é uma técnica da PNL, utilizada para fazer com que a pessoa que receba a informação
deva entendê-la, sendo capaz de aceitá-la e sendo capaz de fazer algo com a mesma. Com isto, se mantém a
relação aberta, saudável e intacta (BUENO, 2002).
98
Objetivo: Mostrar os elementos de análise construídos até agora sobre a família e
sobre o significado do ato de comer, para esclarecer qualquer dúvida ou resgatar
alguma informação perdida ao longo dos encontros.
Procedimentos: Foi feito um cartaz que contemplava a síntese das informações obtidas
até este momento relacionadas com o foco da pesquisa, que foram agrupadas em
categorias de análise da família, enquanto um todo, e de cada um de seus membros. A
categorização era lida e checada junto com os membros familiares, para que as
validassem ou não.
Tempo utilizado: 1 hora
Resultados:
Família Buscapé:
1) O HÁBITO CRIANDO A ROTINA PELA REPETIÇÃO
Arnaldo, marido de Suelen, é quem decide o que comer. Ester opta pelo que comer,
mas não se serve. Ela pode repetir o quanto quiser. Entretanto, se a mesma quiser
repetir é autorizado. Suelen come de três a quatro vezes por dia, Amanda e Ester,
cinco vezes.
2) O CÉREBRO E O INUSITADO: DRIBLANDO A ROTINA
A rotina diária foi observada nesta família. Comer, dormir, ir trabalhar, ver televisão à
noite, todos estes hábitos são rotineiros nesta família.
3) A ROTINA ALIMENTAR E A CONCEPÇÃO DE SOBREVIVÊNCIA
Nesta família, o ato de comer é sinônimo de sobrevivência. É um ato mecanicista, sem
brilho, sem prazer.
4) A MÍDIA INTERFERINDO NA ROTINA FAMILIAR
Esta categoria não foi observada nesta família.
99
5) O ESTIGMA DE SER “DIFERENTE” E A PERMISSIVIDADE ALIMENTAR
Suelen disse que faz uma compensação alimentar, liberando o que Ester quer comer,
pelo fato dela ter Síndrome de Down. Seu marido também o faz, de forma mais intensa
que ela.
6) CRENÇA SOBRE O GANHO DE PESO
Ester começou a ganhar peso após o falecimento de seu avô paterno, a quem era muito
ligada. Suelen afirmou que seu ganho de peso iniciou após comer os alimentos cozidos
no “vapor” em seu ambiente de trabalho. Também associou o ganho de peso com o
parar de fumar. Amanda associou o seu ganho de peso com a comida da escola.
7) A FALTA DE LIMITES
Esta família admitiu fazer o jogo do engana-engana para com Ester. Especialmente na
hora em que ela solicita algo para comer e a família não quer dar.
8) A INSACIEDADE DAS PESSOAS COM SÍNDROME DE DOWN
Esta categoria não foi observada na família Buscapé.
9) AUTONOMIA E INDEPENDÊNCIA NO ATO DE COMER
Esta categoria não foi observada na família Buscapé.
3° Momento: Dança em Duplas – para todas as famílias
O fechamento foi feito com uma dança em duplas. Solicitei que cada família
escolhesse a sica que gostaria de dançar, formasse as duplas e iniciasse a dança.
Após dançarem alguns minutos juntos, solicitava verbalmente para que trocassem de
parceiros. Repeti este procedimento até que todos tivessem dançado com todos. No
final, pedi para que todos dessem um longo abraço e um beijo um nos outros. Esta
dinâmica teve como objetivo aproximar os membros familiares, fazer com que
trocassem carinhos e afagos, quebrar o clima de incomodação gerado anteriormente e
mostrar a importância de cada um na sua história familiar.
100
Encontro: Complementando os dados de construção-desconstrução e iniciando a
reconstrução do significado do ato de comer.
Neste encontro, trabalhei com uma dinâmica diferente em cada família, pois
com o desenvolvimento das dinâmicas anteriores, cada família apresentou a sua
singularidade com relação ao ato de comer.
1° Momento: Brincadeira Jogo do espelho - para todas as famílias.
Objetivo: Descontrair e desinibir, preparando-os para a atividade seqüencial.
Tempo utilizado: 10 minutos
Procedimentos: Solicitou-se aos participantes que formassem duplas e que ficassem
frente a frente. Em seguida, solicitou-se que um dos membros da dupla comandasse os
movimentos e o outro os reproduzisse com a maior fidelidade possível, como se
estivesse frente a um espelho. Após alguns minutos, houve a troca das duplas com a
repetição da atividade.
2° Momento:
Família Flores: Continuação da Dinâmica dos Limites
Objetivo: Explicar o que são os limites, qual a sua importância no contexto familiar e
social, incluindo a importância dos limites no ato de comer. Permitir o diálogo entre os
membros da família, permitindo-lhes acharem os seus próprios limites para suas
situações quotidianas.
Procedimentos: No primeiro momento desta atividade, foi discutido o que a literatura
fala sobre limites, sobretudo os trabalhos de Zagury (2001), construindo-se um cartaz
para que pudessem ver e refletir. Em seguida, cada membro familiar recebeu duas
folhas e uma caneta. Em uma folha tinha que responder as seguintes questões: O que
eu aceito/eu quero e O que eu não aceito/não quero relacionados à comida, aos
estudos, aos relacionamentos e à arrumação do quarto/ casa. Na outra folha, cada
membro familiar teve que escrever quais eram seus limites dentro das questões
101
efetuadas tanto para si, quanto para os outros (amigos, familiares) e para os pais ou
filhos. Para as pessoas que não sabiam escrever, individualmente foram questionadas e
suas respostas foram anotadas. Em seguida foi feita a discussão do material.
Resultados: Na continuação deste encontro, a família como um todo achou a solução
para tudo aquilo que eles colocaram na dinâmica anterior. O que ficou acordado para
Bárbara fazer foi: atender aos pedidos dos pais e não ficar postergando, saber
conversar e pedir aos pais, não ir gritando. O que ficou acordado para Regina fazer foi:
não berrar, solicitar, pedir as coisas para Bárbara, saber conversar com Bárbara. O que
ficou acordado para Sérgio fazer foi: almoçar com a família, saber pedir com
delicadeza as coisas para Bárbara, não brigar, não trazer trabalho para casa, dar
atenção para os filhos. Desta vez, o clima familiar foi menos tenso: no início pareceu-
me que quiseram acusar um ao outro, porém, logo em seguida, acalmei a todos,
explicando a importância de se achar um meio termo para as resoluções de suas
queixas. A partir deste momento, a conversa fluiu sem conflitos. Entretanto, Sérgio
parecia ainda incomodado: seus dedos das mãos batiam sobre a mesa e pernas
balançavam sob a mesa o entregavam. Acho que o mesmo ainda se sentia incomodado,
pois é como se estivesse encurralado “agora tenho que falar, encarar o problema de
frente”. Entretanto, após todos conversarem e chegarem a um consenso familiar,
acredito que ele tenha ficado mais tranqüilo, pois dialogou com todos calmamente,
apontando as soluções para os problemas familiares.
Família Boaventura: Dinâmica sobre O que é o stress e qual a alimentação que
ajuda a combatê-lo.
Objetivo: Explicar o que é o stress, quais os seus malefícios para o organismo e qual a
importância de controlá-lo. Conhecer quais os alimentos que favorecem o stress e
quais que o combatem.
Procedimentos: No primeiro momento desta atividade, foi discutido o que se
compreende por stress pela família e quais seus efeitos deletérios sobre o organismo.
A compreensão teórica foi sustentada pelos trabalhos de Ballone (2005). Em seguida,
102
foi aplicado um questionário (anexo 3) para se conhecer se a dieta de cada membro da
família é de baixo, moderado ou alto nível de stress. Após, através de recortes de
revistas, a família construiu um cartaz classificando os alimentos como permitidos ou
proibidos para o stress. Na seqüência, a família explicou o porquê de cada alimento ser
bom ou ruim no controle do stress. Expliquei o que são os nutrientes e quais lutam
contra os radicais livres causadores do stress.
Resultados: Com relação ao questionário, Bela e Festival de Dança têm uma dieta de
baixo stress e Lessa tem uma dieta de moderado stress. A partir da construção do
cartaz dos alimentos permitidos e proibidos para o controle do stress, pôde-se
constatar que a família Boaventura tem e gosta dos alimentos que são proibidos para
esta condição. Chocolates, frituras, bebidas alcoólicas, bolos, doces em geral fazem
parte do cardápio desta família. Entretanto, o consumo destes alimentos, segundo a
percepção da família, é justamente para relaxar. Eles são consumidos em festas e nos
finais de semana. Durante o decorrer desta dinâmica, Festival de Dança deixou bem
claro seu gosto por alimentos extremamente calóricos, ricos em gorduras e açúcares.
Seus olhos brilhavam e sua língua passava sobre seus lábios indicando suas
preferências. O som “Humm” era o que mais ouvia. Porém, quando via uma fotografia
de um alimento de que não gostava, franzia a testa e colocava a língua para fora,
indicando nojo. O som “eca” era o mais ouvido nestes momentos. Durante este
encontro sua participação foi muito ativa.
Família Atrapalhada: Dinâmica do Feedback sanduíche
Objetivo: Mostrar os elementos de análise construídos até agora sobre a família e
sobre o significado do ato de comer, para esclarecer qualquer dúvida ou resgatar
alguma informação perdida ao longo dos encontros.
Procedimentos: Foi feito um cartaz que contemplava a síntese das informações obtidas
até este momento relacionadas com o foco da pesquisa, que foram agrupadas em
categorias de análise da família, enquanto um todo, e de cada um de seus membros. A
103
categorização era lida e checada junto com os membros familiares, para que as
validassem ou não.
Resultados:
Família Atrapalhada:
1) O HÁBITO CRIANDO A ROTINA PELA REPETIÇÃO
Carmem e Antônio cresceram comendo num ambiente familiar em que a conversa
entre os membros não era permitida. Hoje, na sua família, este hábito também é
praticado. Antônio recordou que seus pais não comiam saladas e ele também tem este
hábito. Antônio e Carmem decidem o que comer, onde comer. Todos os membros
comem quatro vezes ao dia.
2) O CÉREBRO E O INUSITADO: DRIBLANDO A ROTINA
O ato de comer para Carmem e Antônio é um ato rotineiro, sem brilho. Todo o santo
dia eles devem comer, cozinhar, decidir o que comer e o fazem sem prazer.
3) A ROTINA ALIMENTAR E A CONCEPÇÃO DE SOBREVIVÊNCIA
Para esta família, a força para sobreviver vem da alimentação.
4) A MÍDIA INTERFERINDO NA ROTINA FAMILIAR
A família Atrapalhada sempre faz suas refeições assistindo televisão. Desta forma, a
televisão impede o diálogo familiar durante as refeições. Além disso, as imagens
mostradas em telejornais, via de regra, são de situações de mortes, acidentes, guerras e
assim por diante. Uma vez repetido e repetido este hábito, o cérebro registrará os
acontecimentos de acidentes, catástrofes e mortes com a hora da refeição. E esta não
será prazerosa, a não ser que a pessoa tenha um distúrbio de conduta e/ou mental.
5) O ESTIGMA DE SER “DIFERENTE” E A PERMISSIVIDADE ALIMENTAR
Na família Atrapalhada, o alimento é empregado como forma de agrado, conquista por
Carmem para com Moisés. Não limites no que come. Apesar de não ser
verbalizado, é evidente o sentimento de pena de Carmem, por seu filho ser “diferente”
104
dos outros. Liberar comida é como uma tentativa de se redimir pelo fato de o ter
concebido com a Síndrome de Down.
6) CRENÇA SOBRE O GANHO DE PESO
Antônio, da família Atrapalhada, relatou que começou a ganhar peso após os 40 anos
de idade. Disse que acha que seu aumento de peso foi devido à idade, à diminuição da
atividade física e, também, porque comia demais.
7) A FALTA DE LIMITES
Carmem libera os alimentos para Moises.
8) A INSACIEDADE DAS PESSOAS COM SÍNDROME DE DOWN
Nesta família, Antônio diz para Carmem e para Moisés o quanto eles devem comer
para que eles não comam a mais, pois, mãe e filho exageram nas quantidades de
alimentos servidos. Para Moisés, a explicação tem associação com sua síndrome. Para
Carmem, não.
9) AUTONOMIA E INDEPENDÊNCIA NO ATO DE COMER
Esta família não pratica este exercício. Todos devem comer o que é decidido por
Antônio e Carmem.
Família Unida: Dinâmica da Ancoragem
Objetivo: Instalar uma memória de segurança, de conforto em Carol para anular o
medo de uma forma geral, que a levava a comer muito.
Procedimentos: aqui foi aplicada a técnica de ancoragem. Uma âncora é uma
informação instalada sensorialmente em forma de memória. Esta informação tem a
capacidade de desencadear um estado interior que se deseja, pois é uma associação
que se estabelece entre um estado e um estímulo. Quando se associa um estado a um
estímulo, está-se instalando sensorialmente uma memória, que, uma vez estimulada,
desencadeia um determinado estado interno na pessoa. A âncora serve como um
105
recurso importante para fazer lembrar uma habilidade de uma pessoa que se encontra
adormecida ou dar a habilidade à pessoa para tal (BUENO, 2002). A técnica envolve a
instalação de uma âncora na memória que irá substituir as reações de desconforto após
a pessoa passar por uma situação de medo.
Resultados: Esta dinâmica foi realizada somente com Carol. Ela se sentiu confortada
e segura. Isto ficou também demonstrado através de sua expressão facial: sorriso
maroto, olhos nos meus olhos e um ar de confiança em seu semblante.
Família Buscapé: Dinâmica Conhecendo o Aparelho Digestivo
Objetivo: Explicar qual a função do aparelho digestivo, em especial enfatizando o
pâncreas e suas funções, devido à predisposição familiar para Diabetes Mellitus e a
presença da obesidade, enquanto fator de risco.
Procedimentos: Em uma folha de papel pardo, desenhou-se a silhueta de uma das
participantes. Distribui-se recortes de revista sobre: estômago, intestinos, pâncreas,
fígado, vesícula biliar. Solicitou-se às participantes que colassem dentro da silhueta a
posição de cada órgão. Após a colagem, explicou-se a função de cada órgão,
enfatizando a do pâncreas e a doença Diabetes Mellitus.
Resultados: Nenhuma das participantes acertou a posição correta internamente dos
órgãos. Elas posicionaram o fígado do lado esquerdo do corpo e não sabiam onde
posicionar a vesícula biliar e o pâncreas. Amanda identificou o intestino delgado e
grosso como “as tripas”. Suelen disse que a doença Diabetes Mellitus era “açúcar alto
no sangue”. Aprendeu isso no seu trabalho; ela é auxiliar de serviços gerais num
hospital dermatológico. Nenhuma delas soube explicar a conexão entre o pâncreas e a
doença, nem o que era insulina e para que servia. Neste dia somente, Suelen e Amanda
participaram, pois Ester estava doente, abatida e não se juntou a nós. Durante a
dinâmica, as duas riram com as brincadeiras e também consegui perceber um interesse
e uma participação maior delas. Questionavam-me a cerca do assunto querendo ir mais
além. Também mantinham o olhar em mim.
106
3° Momento: Brincadeira Laranja no Pé – para todas as famílias
Fechou-se este encontro com a brincadeira da laranja no pé. Todos sentados lado a
lado, formando uma fileira, deveriam passar a laranja de a pé, sem a ajuda das
mãos, para o vizinho. O intuito de concluir as atividades com esta brincadeira foi o de
proporcionar entrosamento, diversão, espírito de equipe e alegria aos membros da
família, após termos feito as atividades propostas para cada família.
Encontro: Complementando os dados de construção- desconstrução e iniciando a
reconstrução do significado do ato de comer.
Neste 7° encontro, somente com a família Buscapé trabalhei com uma dinâmica
diferente. A partir da dinâmica anterior, percebi a necessidade de se explicar para a
família como os nutrientes são metabolizados pelas pessoas com e sem SD. O objetivo
principal desta dinâmica foi o de co-relacionar metabolismo e limites na alimentação.
1° Momento: Brincadeira Costa com Costa - para todas as famílias.
Objetivo: Descontrair, alongar e desinibir, preparando-os para a atividade seqüencial.
Tempo utilizado: 10 minutos
Procedimentos: Solicitou-se aos participantes que formassem duplas e que ficassem
posicionados de costas, costa com costa, bem juntinhos. Em seguida, solicitou-se que
cada integrante da dupla pegasse as mãos um do outro, por cima, de modo a ficarem
com os braços bem esticados. Segurando as mãos, pediu-se para um deles dobrar bem
devagar para frente, ficando com o corpo do parceiro sobre as suas costas. Depois,
deveriam trocar a sua função.
107
Momento: Dinâmica do Feedback Sanduíche para as famílias Flores,
Boaventura e Unida.
O objetivo e os procedimentos desta dinâmica, descritos anteriormente, foram
mantidos para estas famílias.
Resultados:
1) O HÁBITO CRIANDO A ROTINA PELA REPETIÇÃO
Família Flores: O gosto e preferência pelos alimentos doces, como, chocolate,
bolacha recheada, brigadeiro é observado em Regina e repetido por Bárbara. Sérgio
não come saladas, seu filhos também não. Regina é a pessoa responsável pelo cardápio
familiar. Ela que decide o que comer. Se ela não quiser cozinhar, todos irão comer em
restaurante ou um lanche rápido. Todos os membros comem quatro vezes ao dia.
Família Boaventura: Lessa não tem o hábito de comer frutas diariamente. Festival de
Dança também não. Lessa come três vezes ao dia, seu pai também o fazia. Festival de
Dança e Bela seguem este ritmo. Lessa atualmente come peixe, pois Bela introduziu-o
em sua alimentação. Ela começou a comê-lo depois que morou um tempo com seus
avós. Atualmente nesta família, o almoço não é realizado conjuntamente. Seus
integrantes comem de três a quatro vezes ao dia.
Família Unida: Carol come por ansiedade. Este comportamento foi adquirido na sua
infância quando permanecia longos períodos em casa, sozinha com a irmã. Por não ter
nada o que fazer, comia. Nesta época, também passou por uma situação de medo que
fez com que registrasse em seu cérebro esta associação: estou com medo, como. Seu
filho Everton também repete seu comportamento, especialmente à noite. Carol é quem
decide o que comer, onde comer. Entretanto, seus filhos decidem o quanto comer.
Carol come três vezes ao dia, Duda quatro e Everton seis (duas refeições na escola).
2) O CÉREBRO E O INUSITADO: DRIBLANDO A ROTINA
Família Boaventura: Festival de Dança também gosta da rotina e precisa dela, pois
se a mesma for quebrada, fica irritado, sem rumo. Lessa também gosta da rotina. É
108
uma pessoa rotineira, criado por uma mãe também rotineira, inclusive quanto ao hábito
de comer. Assim, eles não conseguem sair desta rotina.
Família Flores: Regina expressou se descontentamento para com as rotinas
domésticas (lavar, passar, limpar, entre outras). E colocou a culpa nelas por não poder
fazer coisas para seu benefício (estudar).
Família Unida: Esta família não se manifestou sobre as rotinas diárias.
3) A ROTINA ALIMENTAR E A CONCEPÇÃO DE SOBREVIVÊNCIA
Família Unida: Carol também falou que às vezes come por obrigação, por
necessidade, porque senão, não consegue viver.
As famílias Boaventura e Flores não têm esta concepção sobre o ato de comer.
4) A MÍDIA INTERFERINDO NA ROTINA FAMILIAR
Família Flores: Esta família admitiu que seu filhos usam a televisão e o computador
com muita freqüência. Desta forma, as refeições são feitas de maneira muito rápida,
pois Osvaldo e Bárbara precisam usar o computador, ver a televisão. Quais os sites
que acessam? Com quem conversam? Sobre o quê? E os programas de TV,
contribuem ou não para o desenvolvimento sadio deles? Esta utilização exagerada
destes instrumentos comunicacionais não impede o diálogo entre pais e filhos? Ou será
que é isso mesmo que os pais desta contemporaniedade desejam?
Já nas famílias Família Unida e Boaventura, este comportamento não é evidenciado.
5) O ESTIGMA DE SER “DIFERENTE” E A PERMISSIVIDADE ALIMENTAR
Família Flores: Esta família disse que usa o alimento como forma de compensação
para com seu filho Osvaldo. Até sua avó usa o alimento preferido dele para acalmá-lo,
quando vai buscá-lo na escola.
As famílias Unida e Boaventura não se utilizam deste recurso para mostrar a seus
filhos com Down que não são “diferentes”
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6) CRENÇA SOBRE O GANHO DE PESO
Família Flores: Para esta família, o motivo que levou Osvaldo começar a ganhar peso
foi a introdução dos alimentos sólidos.
Família Boaventura: Para Bela, Festival de Dança começou a ganhar peso na época
em que foi diagnosticado o hipotiroidismo. Entretanto, outro fato, que também
contribuiu para isto, no mesmo período, e que ficou mascarado pela doença, foi o fato
dele ter saído da escolinha da professora Deise, com a qual mantinha um vínculo
afetivo muito grande. O emocional e o físico se complementaram para decretarem o
aumento de peso.
Família Unida: Carol relatou que começou a ganhar peso faz três anos. Neste período
seu marido acidentou-se de caminhão. De lá para cá, começou a aumentar o peso.
7) A FALTA DE LIMITES
Família Flores: Esta família admitiu que é difícil colocar limites nos filhos, porque
Sérgio e Regina têm educações diferentes.
Família Boaventura: Esta família também admitiu que se utiliza da estratégia da
chantagem com Festival de Dança, quando precisa que ele os obedeçam. Ela acontece
em várias situações do seu quotidiano, como por exemplo, na situação de ir à escola, ir
visitar alguém que ele não queira e, inclusive com os alimentos.
A família Unida não usa deste artifício para pôr limites a todos que a compõem. Nela,
a educação dada tem base no limite e, sobretudo, quando a atitude de um prejudica o
todo.
8) A INSACIEDADE DAS PESSOAS COM SÍNDROME DE DOWN
As famílias Unida e Boaventura têm problemas com relação à saciedade alimentar de
seus filhos. Everton solicita mais alimentos após jantar e sua mãe tem que controlar
sua quantidade de alimentos. Os pais de Festival de Dança também admitiram que o
advertem quando abusa da quantidade de comida.
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9) AUTONOMIA E INDEPENDÊNCIA NO ATO DE COMER
Esta categoria só foi observada na família Boaventura.
Momento (apenas para a família Buscapé): Dinâmica Conhecendo o Metabolismo
das pessoas com e sem SD
Objetivo: Compreender e conhecer a diferença na metabolização dos alimentos por
uma criança com e sem Síndrome de Down (SD).
Procedimentos: Apresentou-se para a família dois perfis de corpos de crianças
recortados em cartolina: uma com SD e outra sem SD. Forneceu-se: pernas, braços e
troncos. Todos eles dos mais variados tamanhos. Após realizar perguntas sobre o
hábito alimentar, freqüência alimentar e nível de atividade física, questionou-se os
participantes se aquelas crianças esquematizadas no papel ganhariam peso de forma
igual ou diferente. Desta forma, cada criança recebia uma perna, braços e tronco de
acordo com a sua resposta às perguntas. Quando acertavam ou erravam a resposta,
sempre lhes eram explicados os porquês.
Resultados: Durante esta brincadeira, ficou evidenciado que Suelen e Amanda sabem
que a oferta, com freqüência, de alimentos ricos em gorduras e açúcares à Ester,
contribui para seu aumento de peso. Todos os questionamentos feitos a ambas sobre a
oferta destes alimentos aliados à baixa atividade física, foram respondidos
corretamente. Isto demonstrou que tanto Suelen quanto Amanda sabem que não devem
liberar com muita freqüência os alimentos ricos em gorduras e açúcares. Mas, no seu
quotidiano, o fazem de maneira diferente. Por quê? Esta questão não foi colocada e
discutida durante nossos encontros, porque é preciso que se dêem conta do que fazem
naturalmente e homeopaticamente. Caso contrário, corria o risco de se
desestruturarem. É preciso respeitar o tempo do outro e isto implica em silenciar, dar
elementos para que as pessoas cheguem à conclusão do que fazem e aguardar o
momento certo para tal. É muito difícil precisar um tempo para haver uma re-
significação de algo. Pode se dar em poucas horas, semanas, meses, anos ou, até
mesmo, NUNCA. Durante esta dinâmica, pude perceber o crescente interesse em
nossos encontros, assim como, à minha ida em sua casa. Suelen e Ester me esperavam
na porta da casa, me cumprimentavam e me faziam sentir à vontade. Por diversas
111
vezes, me ofereceram o jantar. Neste dia aceitei. Os questionamentos ainda
continuaram sobre o porquê de Ester necessitar de menos comida. Desta vez, foi seu
pai quem me questionou. E o diálogo se prolongou.
3° Momento: Brincadeira Jogo dos Animais – para todas as famílias
Fechou-se este encontro com a brincadeira do Jogo dos Animais. Distribuiu-se papel e
caneta para todos os participantes. Em seguida, solicitou-se que cada um escrevesse
em seu papel algum nome de um animal. Após, todos eles me entregaram os papéis
dobrados. Fez-se um sorteio e cada participante escolheu um papel. Pediu-se para cada
um imitar o animal sorteado. Os demais participantes tiveram que adivinhar o animal,
caso contrário quem não o fizesse receberia um castigo escolhido pelo grupo. O intuito
de concluir as atividades com esta brincadeira foi o de proporcionar entrosamento,
diversão, espírito de equipe e alegria aos membros da família, após termos feito as
atividades específicas propostas. Todas as famílias gostaram e se divertiram com esta
dinâmica. Especialmente as crianças com SD quiseram imitar mais de um animal.
Encontro: Complementando os dados de construção-desconstrução e iniciando a
reconstrução do significado do ato de comer.
Neste encontro, somente com a família Buscapé, trabalhei outra vez, com
uma dinâmica diferente. O motivo disto acontecer era o de conhecer como a família
lidava com as situações de superproteção, situações de obstáculos, situações de
imposição de limites.
1° Momento: Brincadeira da Mímica - para todas as famílias.
Objetivo: Descontrair e desinibir, preparando-os para a atividade seqüencial.
Tempo utilizado: 10 minutos
112
Procedimentos: Solicitou-se aos participantes que formassem duplas e que estas, em
sigilo, optassem por imitar algum animal ou objeto. Em seguida, solicitou-se que um
dos membros da dupla fizesse a mímica. A outra dupla tinha que adivinhar. Após a
descoberta da mímica a outra dupla tinha que fazer o mesmo.
Momento: Construção da árvore individual que represente o significado do ato
de comer – para todas as famílias exceto a família Buscapé
Objetivo: identificar o significado individual do ato de comer.
Procedimentos: Solicitou-se que cada pessoa desenhasse uma árvore que representasse
sua história individual do significado do ato de comer. Para tal, deveria responder às
seguintes questões: por onde a árvore começa; o que foi colocado no solo para adubar
esta árvore; como foram conduzidos os elementos nutrientes pelo tronco e o que
aconteceu com a copa. Além disso, cada membro tinha que explicar sua árvore de
forma que no final se chegasse ao significado individual sobre o significado do ato de
comer.
Resultados:
Família Boaventura: Lessa desenhou uma árvore nativa, incrustada no meio da
floresta. O adubo de sua árvore o os nutrientes presentes no solo. Estes nutrientes
são conduzidos pela seiva para o resto da árvore. Para ele, seu adubo é o bem-estar,
respeito em todos os sentidos, tranqüilidade. Para Lessa a árvore nativa é associada ao
seu hábito simples de viver e que ninguém mexe. Bela desenhou uma árvore frutífera.
O adubo da sua árvore é o solo fértil. Para ela, seu adubo também é o bem-estar,
buscando todo dia estar bem. Ela achou que sua personalidade é viçosa como a copa
de sua árvore. Ela disse que os nutrientes são conduzidos para a árvore através da
alimentação e da irrigação do solo. Para ela, seu nutriente é conduzido pelo lazer:
viajar, sair para comer e também o trabalho. Festival de Dança desenhou uma árvore
raia, a árvore do seu sítio. Sua árvore não tem raiz depois disse que tinha. Não
respondeu quais eram os nutrientes da sua árvore, porém falou que os mesmos entram
pela raiz. O adubo do Festival de Dança é comer muito, de preferência, para crescer.
113
O significado do ato de comer para os membros da família é: comer bastante para ter
saúde, crescer (Festival de Dança); alimentar-se bem, respirar, tomar sol, bem-estar,
bom humor, dar frutos, não estar poluída (Bela); tranqüilidade, inteligência, estar bem,
ter respeito e comer (Lessa). A maneira como faziam a síntese desse significado,
mostrado pelo corpo e seu movimento (braços fletidos, com os músculos salientes, em
força; voz firme; voz suave) mostrou a coerência entre o dito e o não-dito.
Figura 8: Árvore de Festival de Dança
Figura 9: Árvore de Lessa
114
Figura 10: Árvore de Bela
Família Atrapalhada: Carmem desenhou uma bananeira. Ela falou que o adubo da
sua árvore é o esterco de galinha, gado. Deve-se adubar com água, terra, barro para de
ter uma bananeira bem forte, com bastante banana. Ela não soube responder como o
adubo é conduzido para o resto da árvore. Carmem se identificou com as
características da sua bananeira: o tronco da sua árvore é semelhante ao seu. Seu
adubo é a comida, os alimentos. Para Carmem, o ato de comer significa comer para
ficar forte. Este significado é reforçado pelos seus risos. Antônio desenhou um
coqueiro. O adubo da sua árvore é um adubo específico para coqueiro (não especificou
qual). Os nutrientes ficam todos na raiz, eles não são conduzidos até a copa. Disse que
a raiz do coqueiro é quem força para a árvore crescer. O adubo para ele são os
alimentos. É deles que Antônio tira forças para sobreviver. O significado do ato de
comer para ele é comer para sobreviver. Antônio reforçou este significado mantendo-
se sério, compenetrado, num tom de afirmação, de segurança, portanto, firme. Moisés
desenhou uma macieira. Esta macieira tem um tronco bem fino e uma copa frondosa
carregada com maçãs. Moisés disse que sua árvore come pela raiz: aipim é o seu
alimento. Moisés se identificou com o tronco da macieira: é a sua barriga. A copa
115
frondosa simboliza o seu comer muito. Portanto, para Moisés o ato de comer significa
ser grande, crescer, vingar, para não morrer. Ele come para ser grande. Este
significado foi reforçado pelo gesto com os braços de uma pessoa forte.
Figura 11: Árvore de Antônio
Figura 12: Árvore de Moises
116
Figura 13: Árvore de Carmem
Família Flores: Sérgio desenhou uma árvore comum, frutífera: a macieira. Explicou
que a árvore está florescendo, por isso o motivo dela não ter frutos. O adubo das
árvores são as próprias folhas que caem no chão, algum passarinho que morreu, a
água, a matéria orgânica. Para Sérgio, as raízes captam os nutrientes e estes são
levados até a copa pelo tronco. O seu adubo é aquilo que ele gosta de comer: todas as
comidas, as vitaminas, a água, a ginástica. Para ele, o seu adubo é conduzido pela boca
até o estômago. Para Sérgio, o ato de comer significa um ato material, individualizado
ele com ele. Significa escolher a quantidade e a qualidade alimentar para ele poder
trabalhar e fazer ginástica. Sérgio teve uma reação de surpresa quando lhe contei sobre
o seu significado do ato de comer. Isto ficou demonstrado quando franziu a testa e
levantou as sobrancelhas. Bárbara disse que sua árvore era uma árvore bolacheira (em
alusão ao gosto pelo biscoito recheado e outros biscoitos). O adubo da sua árvore são
as cascas de frutas, as vitaminas, a água. Não soube responder como o adubo é
conduzido pela árvore. Para ela, o seu adubo é a comida, as besteiras: bolachas
(recheadas), água, bebida (não especificou qual). Ela disse que seu adubo entra pela
boca, mas não soube responder como ele é conduzido pelo seu organismo. O seu ato
117
de comer significa comer alimentos sólidos e líquidos. Durante nossa conversa, várias
vezes, Bárbara colocou os dedos na boca, não me fitando e se movimentando muito na
cadeira para se posicionar. Suas atitudes me indicaram incômodo, talvez, certa
insegurança ao conhecer este significado. Osvaldo fez uns rabiscos ao desenhar sua
árvore. Para ele, o adubo da sua árvore é a minhoca. A sua árvore produz dois frutos:
maçã e banana. Ele respondeu que comeu a maçã e a mesma fez crescer. O seu ato de
comer significa comer para crescer – para o alto e para os lados. Durante nossa
conversa, várias vezes, Osvaldo gritava e se desconcentrava. Apontou com os dedos
várias vezes o cartaz para explicar os questionamentos. Regina desenhou uma árvore
de jardim, de rua. Uma árvore com mais folhas do que frutos (não especificou o
nome). Regina disse que o adubo é o alimento como fonte de energia para crescer e
“jogar” para o corpo todo. Ela contou que a sua raiz é o açúcar. O significado do seu
ato de comer não é só comida. É a música, é a leitura. É um ato centrado nela,
individual, ela escolhe o que quer comer, a música que quer ouvir e a leitura que quer
fazer. Este ato de comer também significa espiritualidade no sentido de crescimento e
desenvolvimento. Durante nossa conversa, Regina me fitou nos olhos, colocando, às
vezes, os dedos na boca. Seu tom de voz era constante, indicando calma, consciência
em dar as respostas.
Figura 14: Árvore de Sérgio
118
Figura 15: Árvore de Regina
Figura 16: Árvore de Bárbara
119
Para a família Unida foi construído o perfil do significado do ato de comer desde a
infância até os dias de hoje. Como se trabalhou com a questão do medo com esta
família, pensou-se em fazer uma dinâmica na qual se pudesse fazer um retorno no
tempo, como uma linha de tempo, permitindo a identificação dos momentos de
ancoragem do medo.
Procedimentos para a família Unida: Em um quarto escuro, foi colada à parede uma
folha de papel pardo. Com o auxílio de uma lanterna, foi feito, em folhas separadas, o
contorno do perfil do corpo de cada um de seus membros. Em seguida, solicitou-se
que cada membro desenhasse internamente ao contorno, o trajeto do seu significado de
comer, desde a infância (começando pelo pé do perfil) até os dias de hoje (desenhado
na cabeça do perfil). Posteriormente, pediu-se para que cada um explicasse seu cartaz
até se conhecer o significado individual do ato de comer.
Resultados:
Família Unida: A partir de seus desenhos chegou-se à compreensão do significado do
ato de comer para cada membro desta família. Para Carol, significa ter tranqüilidade,
estar reunido, ter amor, carinho, compartilhar e harmonizar a parte interna de cada um
com o contexto externo. Para Everton, o significado é o de se alimentar. Duda indica
comer para se nutrir. Durante a explicação dos cartazes, as manifestações não-verbais
reforçaram os significados dados por cada um: Carol olhava para os filhos e apontava
para eles. Duda e Everton não me olhavam fixamente por muito tempo, olhavam para
o chão, com o tom de voz baixo e suave, mas mostravam seu entendimento ao
responder os meus questionamentos. Duda também riu por várias vezes, indicando que
estava se divertindo e, se isto acontece, segundo Bueno (2002), ele estava aprendendo
com as explicações sobre o sistema digestivo e sua conexão com o cérebro.
120
Figura 17: Perfil de Duda
Figura 18: Perfil de Everton
121
Figura 19: Perfil de Carol
2° Momento (apenas para a família Buscapé): Brincadeira da Amarelinha
Objetivo: identificar as reações de enfrentamento das situações quotidianas pelos
membros da família, dos obstáculos, enfim diante de alguns fatos da vida,buscando
identificar a percepção da família sobre superproteção,
Procedimentos: Foi desenhado em papel pardo o esqueleto da brincadeira amarelinha.
Em cada quadrado da amarelinha tinha um número (de 1 a 5). De acordo com a
escolha do mero, mostrava-se uma figura ou desenho que mostrava uma pessoa nas
seguintes situações: pessoa com o quebrado, pessoa isolada dos amigos, uma pedra,
uma família superprotegendo o filho e um desenho que mostrava a mãe impondo
limites ao filho. Todas as participantes percorreram todos os quadrados da amarelinha.
Para cada situação oferecia de 4 a 5 opções de respostas com outras fotos.
Esquematizarei agora, as opções de respostas escolhidas por mim, para cada situação
colocada para a família:
122
1) Pessoa com o pé quebrado: comer sem parar, comprar desesperadamente, procurar o
carinho/auxílio da mãe, procurar os amigos, procurar a superproteção da família.
2) Pessoa isolada dos amigos: isolar-me com meus brinquedos, comer sem parar,
procurar minha família e estou brava, comer de bem com a vida.
3) Pedra: comer sem parar, procurar o carinho/auxílio da mãe, procurar os amigos,
procurar a superproteção da família, procurar minha família e estou brava.
4) Família superprotegendo o filho: comer sem parar, isolar-me com meus brinquedos,
isolo-me dos amigos, comprar desesperadamente, comer de bem com a vida.
5) Impondo limites ao filho: comer sem parar, procurar os amigos, comer de bem com
a vida, procurar minha família e estou brava, isolo-me.
É importante ressaltar que a interpretação das respostas divergiu do que eu tinha
proposto, pois muitas vezes o desenho dava dupla interpretação ou permitia-lhes uma
interpretação diferente, de acordo com a sua bagagem de registros memoriais.
Resultados: A seguir descrevo as respostas dadas pela família:
Suelen:
1) Pessoa com o quebrado: procurar a superproteção da família. Entretanto, Suelen
explicou que a foto simbolizava a sua família. Quando ela precisa de carinho, procura
a família.
2) Pessoa isolada dos amigos: primeiro escolheu isolar-me com meus brinquedos,
depois trocou por comer de bem com a vida. Disse que faz um lanche para ficar mais
feliz. Percebe-se o uso da comida para diminuir as angústias e sofrimentos da vida.
3) Pedra: optou procurar o carinho/auxílio da mãe. Falou que procura o filho ou o
filho procura a mãe para resolver os problemas, os obstáculos. Suelen se viu no papel
de mãe e ela busca o auxílio de um filho (não foi perguntado qual) para resolver os
problemas.
4) Família superprotegendo o filho: Suelen não interpreta este desenho como
superproteção, mas sim a foto da família. Optou por comprar desesperadamente. Disse
que compraria presentes para dar à família.
123
5) Impondo limites ao filho: Ela optou pela fotografia que tinha duas crianças
brincando: procurar os amigos. Suelen disse que esta foto representa o impor limites:
“Vamos para casa!” – referindo-se a Ester.
Percebeu-se que Suelen optou por muitas vezes por imagens que traziam pessoas
reunidas. O significado para ela de família. Para enfrentar as situações do dia a dia, a
família é sua opção. Os alimentos também são utilizados como forma de resolver os
problemas, porém comer para ela não significa se sentir culpada, mas sim feliz. Com
relação à Ester, Suelen deixou transparecer que impõe limites. Será? Muita das vezes
em que fui à sua casa, não era este o comportamento demonstrado. Ela gritava com
Ester, tentando se impor ou chantageando-na em várias situações do quotidiano,
inclusive durante o ato de comer, para conseguir obter algo seu. Suelen reforçou suas
respostas com as manifestações não-verbais de: dúvida através da expressão facial,
franzindo a testa, rindo e com olhares não diretivo a mim.
Amanda:
1) Pessoa com o quebrado (interpretou esta figura como a pessoa estando triste,
precisando de carinho, de cuidado): optou pela figura de uma criança isolada.
2) Pessoa isolada dos amigos: optou por isolar-se com seus brinquedos. Entretanto, em
sua explicação, disse que a pessoa isolada da foto de sentiria melhor se ganhasse
presentes. Por isso sua escolha.
3) Pedra: optou por procurar a família e estar brava. Explicou que a criança esbrava
e procurou apoio em sua família.
4) Família superprotegendo o filho: optou por comprar desesperadamente. Entretanto,
explicou que sua opção seria de dar e receber presentes.
5) Impondo limites ao filho: comer sem parar. Amanda disse que a foto exprime que
Ester não pode comer todas as comidas. Tem que ter moderação. Simboliza ela
impondo limites para Ester.
Amanda reforçou suas respostas com as manifestações não-verbais de: dúvida
através da expressão facial, franzindo a testa, rindo e com olhares não diretivo a mim.
Além disso, às vezes gaguejou.
124
Ester
9
1) Pessoa com o quebrado: optou por procurar a superproteção da família. Ester
disse que a foto era sua família: ela, a mãe, o pai, o irmão e Amanda.
2) Pessoa isolada dos amigos: optou por comer sem parar. Disse que ela iria comer
tudo aquilo que estava no desenho.
3) Pedra: optou por comprar desesperadamente. Disse que os presentes eram para a
família.
4) Família superprotegendo o filho (identificou a si e à Amanda na imagem): optou por
comprar desesperadamente. Falou que Amanda iria lhe dar presentes.
5) Impondo limites ao filho (interpretou como ela dando limites para Amanda): optou
pela figura que representa o isolamento e a tristeza.
Percebeu-se que e família utiliza-se da comida e dos presentes para com Ester. Atitude
que exprime pena ou ameniza o sentimento de culpa? Para Ester, quem precisa de
limites é Amanda. Ela jamais. Será que, somente pelo fato de ser a caçula e a
temporona, Ester recebe todas as atenções e mimos da família?
Ester reforçou suas respostas com as manifestações não-verbais de: apontava para o
cartaz, confirmando sua resposta, falava mais alto, quando contrariada.
Suelen e Amanda não confirmaram diretamente a superproteção para com Ester.
Ambas falaram que liberam os alimentos que Ester deseja, porém não com muita
freqüência. Mas a comunicação não-verbal as traiu. o me fitarem diretamente nos
olhos, guaguejaram para responderem sobre este tema. Além disso, falarem em tom de
voz baixo, em especial Amanda, que este assunto (superproteção), não é muito falado
na família.
3° Momento: Brincadeira do Círculo & Beijo - para todos
Fechou-se este encontro com a brincadeira do círculo e beijo. Formou-se um círculo de
mãos dadas. O objetivo desta brincadeira era tentar beijar a pessoa que estivesse na sua
frente. As pessoas que estavam de mãos dadas com ela deveriam fazer resistência. O
intuito de concluir as atividades com esta brincadeira foi o de proporcionar
9
Aqui foi trocada a forma de identificar a pessoa com SD em função do destaque que se deu aos outros nomes.
125
entrosamento, diversão, espírito de equipe e alegria aos membros da família após
nossas discussões.
Encontro: Complementando os dados de construção e desconstrução e iniciando
a reconstrução do significado do ato de comer.
1° Momento: Jogo do Equilíbrio - para todas as famílias.
Objetivo: Descontrair e desinibir, preparando-os para a atividade seqüencial.
Tempo utilizado: 10 minutos
Procedimentos: Solicitou-se aos participantes que formassem duplas e que ficassem
frente a frente. Em seguida, solicitou-se que cada integrante da dupla juntasse os pés
ponta com ponta e se dessem as mãos (um segura no pulso do outro). Após, solicitou-
se para que se afastassem gradualmente, sem perder o equilíbrio ou cair, procurando
relaxar o corpo ao máximo, criando uma unidade de equilíbrio. A partir daí, cada
dupla ficou livre para criar os movimentos que quisesse, mantendo-se unida. Após
alguns minutos, houve a troca das duplas com a repetição da atividade.
Momento: Continuação da Construção da árvore individual que represente o
significado do ato de comer
Objetivo: discutir a simbologia de cada árvore com as famílias, para explicar para cada
membro familiar o significado individual do ato de comer.
Procedimentos: Leu-se para cada membro familiar o significado universal da sua
árvore criada, retirado no livro Dicionário de Símbolos de Chevalier & Gheerbrant
(1999). Após, explicou-se o significado individual do ato de comer que cada um deu,
buscando validar ou não as inferências feitas com os desenhos, as falas, as mímicas e o
texto simbólico.
126
Resultados:
Família Flores: Explicou-se para Sérgio que a significado simbólico da macieira
expressa globalmente os desejos terrestres ou a complacência em relação a esses
desejos. As pessoas que escolhem esta árvore que levam uma vida mais materialista.
Portanto, o significado conferido por ele ao seu ato de comer confere com o
significado simbólico universal da maçã/ macieira. Sérgio demonstrou espanto perante
às explicações. Franziu a testa, arregalou os olhos. A árvore simboliza o aspecto
cíclico da evolução cósmica, morte e regeneração, sobretudo as frondosas. Mostrou-se
à Bárbara e à Regina que as árvores desenhadas por elas expressavam este aspecto.
Ambas também demonstraram espanto frente a “coincidência”. Assim como Sérgio,
franziram a testa, arregalaram os olhos e disseram vários “hummmm”. Inconsciente
coletivo para Jung, consciência quântica para outros, mostrou-se presente na bagagem
hereditária da humanidade.
Família Atrapalhada: Expliquei à Carmem que a bananeira é o símbolo da
fragilidade, da instabilidade das coisas. De imediato, ela não se identificou com estas
características, porém, em seguida, concordou e falou que se acha emocionalmente
instável. Carmem manifestou suas reações não-verbais: falou “ahhhh....”, olhou-me
nos olhos, ficou com o ar de dúvida: franziu a testa. Dentre os significados atribuídos
para a árvore eso da imortalidade. Após explicar isto a Moisés, questionei-o sobre
com qual conceito ele se identificava: de imediato respondeu imortal. Esta resposta
ficou confirmada pelos seus gestos não-verbais: sorrisos e rapidez ao responder.
Antônio não comentou nada sobre o significado da árvore. Permaneceu com o olhar
distante.
Família Boaventura: Como os três membros desta família desenharam uma árvore
inespecífica, li o significado de árvore para todos. O conceito reforçado nesta família
foi de que a árvore é o símbolo do Cosmo vivo, em perpétua regeneração. Tanto Bela,
quanto Lessa e Festival de Dança ressaltaram em seus desenhos a harmonia de suas
árvores com a natureza. Enfatizando o quanto a natureza é importante para as pessoas
e quanto ela os influi. Bela foi a que mais se mostrou surpresa com a simbolização
127
universal da árvore: falou “puxa e riu. Mas percebeu o quanto esta compreensão
estava enraizada na mente dos integrantes de sua família. Novamente o inconsciente
coletivo, para uns, ou a consciência cósmica para outros, estava presente na memória
individual de cada um.
Momento (apenas para a família Buscapé): Construção da árvore individual que
represente o significado do ato de comer
O objetivo e os procedimentos desta atividade foram descritos anteriormente
Permaneceram os mesmos com esta família.
Resultados:
Amanda desenhou uma macieira. Falou que o adubo de sua árvore era o solo. Ele
contém o adubo, a água, tudo que a árvore necessita. Sua árvore está carregada com
frutos: ela (árvore) é bem sucedida. Não soube responder como os nutrientes são
levados até a copa. Amanda disse que seu adubo é a família. Ela se identificou com
sua árvore: tronco viçoso, grande, frondoso. O ato de comer para Amanda significa ter
força, energia. Ao longo de nossa conversa, Amanda fitou-me poucas vezes
diretamente, às vezes, o silêncio imperava. Suelen desenhou uma árvore nativa. Para
ela, o adubo de sua árvore é o estrume. Além disso, completou com terra e água. Fez
uma analogia com a árvore: “quanto mais adubo eu coloco na árvore, maior a copa;
quanto mais massa em como, mais gorda eu fico”. O seu adubo é o alimento, a água, o
ar, a luz. Não soube explicar como os nutrientes são levados até a copa. O ato de
comer para Suelen significa poder sobreviver. No processo dialógico, Suelen fitou-me
diretamente, gesticulou com as mãos para tentar explicar as coisas. Ester rabiscou
alguns traços. Ela desenhou uma árvore de comida. Ela tinha: almôndega, picolé,
pastel, bolacha, salgadinho. Não deu para compreender a explicação de sua árvore,
pois a mesma respondia coisas sem nexo. No dia desta dinâmica, ela estava distante,
mais no seu mundo interno e com muita dificuldade para se expressar verbalmente.
128
Figura 20: Árvore de Amanda.
Figura 21: Árvore de Ester.
129
Figura 22: Árvore de Suelen.
3° Momento: Jogo com Bola - para todas as famílias
Fechou-se este encontro com um jogo de bola utilizando-se a bola de vôlei. Formou-se
um círculo entre os participantes e cada integrante jogou a bola da maneira que
desejasse e para qual membro que quisesse. O intuito de concluir as atividades com
esta brincadeira, foi o de movimentar os participantes, fazendo com que pais e filhos
se movimentassem mais, desta forma, aumentando o seu gasto energético.
10° Encontro: Complementando os dados de construção e desconstrução e dando
continuidade à reconstrução do significado do ato de comer.
1° Momento: Brincadeira Dança de Costas - para todas as famílias.
Objetivo: Movimentar o corpo, fazer a energia circular e agregar.
Tempo utilizado: 10 minutos
130
Procedimentos: Solicitou-se aos participantes que formassem duplas e que estas se
juntassem pelas costas. Colocou-se uma sica do agrado de cada família e cada
dupla começou a dançar de acordo com o ritmo da música, sendo que um dos
membros da dupla comandou os movimentos e o outro acompanhou. Após algum
tempo, inverteu-se o comando. Depois, houve a troca das duplas com a repetição da
atividade.
Momento: Construção do símbolo que representa o significado do ato de comer
para a família
Objetivo: identificar o significado do ato de comer de cada família em estudo.
Procedimentos: Solicitou-se que, a partir das discussões que se fizeram na construção
da árvore individual sobre o significado do ato de comer, os integrantes de cada
família discutissem os esclarecimentos feitos e chegassem a uma conclusão a respeito
do símbolo significante do ato de comer para a família.
Resultados:
Família Unida: O símbolo significante que representa o ato de comer desta família é
uma mesa dentro do caminhão. O significado deste símbolo para a família é: união,
reunião. As manifestações não-verbais foram feitas pelos braços de Carol: eles
indicavam o gesto de reunião, indicando a união com seus filhos. O caminhão
simboliza o pai, o marido, assim, simbolicamente, ao comerem dentro do caminhão,
estão todos reunidos.
131
Figura 23: Símbolo Significante da família Unida
Família Atrapalhada: Para ela, o mbolo significante que representa o ato de comer
da família é a mesa posta, com cadeiras dispostas ao seu redor. O significado deste
símbolo para a família é: fartura, união, reunião. As manifestações não-verbais se
constituíram de: risos e braços indicando as quatro cadeiras na mesa da cozinha.
Figura 24: Símbolo significante da família Atrapalhada
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Família Boaventura: Para esta família, o símbolo significante que representa o ato de
comer é uma figura abstrata expressando um elo de ligação, significando reunião, estar
junto simplesmente pelo prazer de estar junto. As manifestações não-verbais
confirmaram este significado: Bela apontou com seu dedo e sua mão em direção ao
cartaz, fazendo movimentos circulares, representando a figura do elo.
Figura 25: Símbolo significante da família Boaventura
Família Buscapé: Esta família identificou como símbolo significante que representa o
seu ato de comer, o peixe. O significado deste símbolo para a família é o da
sobrevivência. As manifestações não-verbais no dia desta dinâmica, se constituíram
de: gestos de articular os braços, olhar-me diretamente e piscar sucessivamente ao
longo de nossas conversas.
133
Figura 26: Símbolo significante da família Busca
Família Flores: Aqui, entre eles, o símbolo significante do ato de comer é a mesa com
quatro pratos, enfatizando a importância da reunião deles. O significado deste símbolo
para a família adquire força de compreensão através da articulação de seus braços
fazendo com eles o gesto de reunião, indicando a união familiar.
A discussão sobre o significado universal dado aos símbolos que as famílias criaram
sobre o ato de comer fez parte do próximo encontro.
Figura 27: Símbolo significante da família Flores
134
3° Momento: Alongamento – para todas as famílias
Fechou-se este encontro com um alongamento. Convidou-se um dos membros do
grupo para mostrar qual exercício de alongamento que poderíamos fazer. Cada família
escolheu o seu: alongar braços e pernas, alongar em duplas ou alongar somente um dos
membros Os exercícios de alongamento foram repetidos por todos. O objetivo desta
atividade foi o de energizar, alongar o grupo e descontrair após discussão das
atividades realizadas.
11° Encontro: Complementando os dados de construção e desconstrução e dando
continuidade à reconstrução do significado do ato de comer. Preparando para a sua
re-significação.
Este 11° encontro foi o de coroamento de todos os dados encontrados a respeito
do símbolo significante do ato de comer nas dimensões individual e grupal. Nesta
oportunidade, com a intenção de fornecer mais informações complementares às
famílias sobre nutrição e alimentação dentro de um contexto social, construiu-se a
Pirâmide dos Alimentos.
1° Momento: Brincadeira Alongamento Guiado - para todas as famílias.
Objetivo: Descontrair, alongar e desinibir, preparando-os para a atividade seqüencial.
Tempo utilizado: 10 minutos
Procedimentos: A partir de meu comando, os integrantes da família executaram os
movimentos de alongamento que foram selecionados para eles, respeitando suas
limitações. Os exercícios de alongamento foram repetidos por todos.
135
Momento: Continuando a Construção do símbolo que representa o significado
do ato de comer para a família
Objetivo: discutir o símbolo significante que representa o significado do ato de comer
para cada família à luz da produção da humanidade.
Procedimentos: Leu-se para cada família o significado universal do símbolo
significante que reconheceram como seu para identificar o seu ato de comer, a partir
dos trabalhos de Chevalier & Gheerbrant (1999). Chegou-se a conclusão do
significado familiar do ato de comer das famílias em estudo.
Resultados:
Explicou-se para as famílias Unida, Flores e Atrapalhada o significado universal,
histórico da mesa: compartilhamento, comunhão da refeição, comunhão do diálogo,
comungar o dia a dia. Nas três famílias o significado universal coincide com o
significado familiar. A família Unida reforçou a importância do compartilhamento das
refeições sem brigas, sem discussões. Para Carol, a hora das refeições “é sagrada”. A
família Flores ficou surpresa ao ver que, em seu imaginário, a união e a reunião
também estão presentes. Não é uma vontade consciente. A família Atrapalhada,
durante a discussão, reforçou a importância do comer reunido e deixou transparecer
que a família reunida, ali em sua residência ou em sua casa de praia é primordial para
o seu bem-estar.
A família Buscapé desenhou um peixe para simbolizar o significado do ato de comer
para a sua família. O significado universal do peixe é: espiritualidade, nascimento,
elemento de regeneração, revelação, pureza, fertilidade, fecundidade, amor, alegria e
longevidade. Todos estes significados universais traduzem exatamente o que a família
Buscapé não tem em seu ato de comer, não tem em suas vidas, mas, estranhamente, o
escolhem como um símbolo. Na discussão, evidenciaram que o sobreviver é diferente
do viver. E concordaram comigo quanto expliquei sobre os outros nutrientes da vida.
A figura abstrata desenhada pela família Boaventura representou um elo de ligação,
significando reunião, estar junto simplesmente pelo prazer de estar junto. Um elo
136
representa uma adesão interior de todas as pessoas que constituem esta família. Elas
estão juntas não pela obrigação de estar, imposta pelo poder social e religioso. Estão
juntas porque o querem e se sentem unidas entre si. Este significado deixou
transparecer como esta família vive. A ligação, união e entrosamento entre seus
membros, refletem-se no seu dia a dia e também na autonomia e independência
relativa que Festival de Dança tem.
Momento: Discussão sobre a Pirâmide dos Alimentos para cada família
individualmente
Objetivo: Propiciar o aprendizado sobre os princípios básicos da Pirâmide dos
Alimentos, discutindo sobre os alimentos e os nutrientes.
Procedimentos: Com o auxílio de uma Pirâmide dos Alimentos impressa, discutiu-se
sobre os princípios básicos deste guia: proporcionalidade, moderação e variedade
alimentar. Retomou-se a explicação sobre as funções dos nutrientes e quais os
alimentos são fontes dos diferentes tipos de nutrientes, quais os alimentos indicados
para as pessoas que têm Diabetes Mellitus e Obesidade.
Resultados:
Como resultados de uma forma geral, além da explicação da pirâmide alimentar e seus
princípios, foram esclarecidas as dúvidas geral das famílias que, coincidentemente,
assemelharam-se. A seguir descrevo-as.
1) Massa engorda, é ruim?
Explicou-se a importância do grupo dos carboidratos às famílias. Antônio manifestou-
se contra o consumo desses alimentos devido a Diabetes. No entanto, lhe expliquei a
importância desses alimentos de forma controlada para a pessoa diabética. Mesmo
assim, sua expressão facial foi de dúvida: franziu a testa, balbuciou.
2) Qual a diferença entre os cereais integrais e os refinados?
Elucidou-se a diferença entre estes dois tipos de alimentos, enfatizando a importância
das fibras numa alimentação balanceada, especialmente no auxílio da saciedade das
pessoas com SD e na regulação do trânsito intestinal. Carol manifestou sua aprovação,
137
olhando-me diretamente nos olhos. Carmem contou que ela e Moisés gostam muito
das frutas e saladas. Festival de Dança também manifestou sua aprovação no
consumo das frutas. Ele apontou para o cartaz, indicando-as e riu.
3) Qual a importância das frutas e verduras em nossa alimentação?
Festival de Dança, Duda, Moisés, Carmem e a família Flores responderam a esta
pergunta. O consenso foi que estes alimentos fornecem vitaminas que ajudam no
crescimento. Olhares diretivos, mexer os braços em direção ao cartaz apontando para o
grupo das frutas e verduras e rir foram alguns dos gestos não-verbais utilizados no
momento da discussão.
4) Qual a importância das carnes, do ovo e do feijão?
A função das proteínas foi enfatizada neste momento. Festival de Dança estava
disperso, não prestando atenção, nem participando neste momento. A família Unida
teve a mesma compreensão que Carmem, indicando que estes alimentos servem para
crescer.
5) Pra que serve a água?
Todos responderam de forma correta sobre a função da água no organismo. Entretanto,
Bela disse que Festival de Dança é chegado na coca-cola. E ele concordou com sua
mãe e sorriu. Moisés disse que bebe muita água. E é verdade, pois todas as vezes que
eu ia à sua residência, ele pegava uma ou duas garrafinhas de 500ml de água da
geladeira. Everton também.
6) Qual a importância de não se comer pizza, biscoito recheado, cachorro quente, pão
de queijo frequentemente?
Neste ponto, enfatizei as diferenças no metabolismo das pessoas com SD, na
importância da atividade física diária e no controle desses alimentos, pois são ricos em
gordura, açúcares e são pobres em nutrientes. Entretanto, as manifestações não-verbais
foram muitas: “hummm”, “que delícia”, risos, olhares “suculentospara a pirâmide,
foram algumas das manifestações agregadas aos comentários. A família Flores
mostrou-se surpresa neste momento pela explicação sobre o pão de queijo. “ah, eu não
sabia” foi o que disseram.
Todas as famílias foram muito participativas durante este encontro.
138
3° Momento: Brincadeira da Mímica - para todas as famílias.
Como a brincadeira Jogo dos Animais (que trabalhava com mímica) foi bem aceita por
todas, demonstrando que as famílias se divertiram, optou-se por fechar este encontro
com a brincadeira da mímica, que esta atividade foi de grande diversão para todos.
Solicitou-se aos participantes que formassem duplas e que estas, em sigilo, optassem
por imitar algum animal ou objeto. Em seguida, solicitou-se que um dos membros da
dupla fizesse a mica. A outra dupla tinha que adivinhar. Após a descoberta da
mímica a outra dupla tinha que fazer o mesmo. O objetivo desta atividade foi o de
proporcionar divertimento, prazer e alegria.
12° Encontro: Reconstruindo o significado do ato de comer
Neste encontro, houve uma reunião com todas as famílias juntas na casa da
família Atrapalhada. Mas nem todos os integrantes desta pesquisa puderam
comparecer. O motivo foi: terem outras atividades neste mesmo dia. Era fim de ano
e as atividades se multiplicam nesta época do ano tão festiva. Participaram deste
último encontro, Regina e Osvaldo; Suelen, Amanda e Ester; Carmem, Antônio e
Moisés. O objetivo deste encontro grupal foi de confraternizar, discutir sobre o índice
glicêmico dos alimentos e perceber se, através de seus pratos escolhidos e trazidos
para a confraternização, haviam re-significado o seu ato de comer, no que tange à
qualidade adequada para eles e para o grupo. Ao seu término, foi realizado um lanche
coletivo, onde cada família participante levou um prato de doce ou salgado.
1° Momento: Jogo de Vôlei
Objetivo: Descontrair e desinibir, preparando-os para a atividade seqüencial.
Tempo utilizado: 30 minutos
139
Procedimentos: Formou-se uma roda entre os participantes e com o auxílio de uma
bola, jogou-se vôlei entre os adultos e as crianças.
2° Momento: Discussão sobre o Índice Glicêmico dos Alimentos
Objetivo: Fazer um feedback não diretivo com as famílias sobre o processo realizado
de re-significação ou não do seu ato de comer, a partir das escolhas dos pratos para a
confraternização e da quantidade ingerida pelos seus integrantes, adicionando a
explicação sobre o Índice Glicêmico dos Alimentos.
Procedimentos: Cada família recebeu um material xerocado que continha: o que era o
índice glicêmico dos alimentos e exemplos de alguns alimentos com seu respectivo
índice. Explicou-se a importância deste assunto para o controle da obesidade e do
Diabetes Mellitus.
Resultados: Regina e Carmem de início não entenderam a explicação dada,
confundindo índice glicêmico com calorias dos alimentos. Após nova explicação,
ambas responderam de imediato que não poderiam comer nada, pois o índice
glicêmico dos alimentos que ingerem, era alto. Suelen concordou com elas.
Novamente, expliquei e fui fazendo comparações entre os alimentos. Desta forma, o
grupo pôde compreender melhor. Antônio não se manifestou. Permaneceu mais
calado, assim como Amanda. As pessoas com SD permaneceram brincando no pátio
enquanto conversávamos sobre o índice glicêmico. Após aproximadamente 30 minutos
de conversa, os participantes começaram a se queixar de fome. Desta forma, iniciamos
nosso momento final: o da confraternização.
3° Momento: Confraternização
Pôde-se perceber, através de seus pratos escolhidos e compartilhados com o
grupo, que as escolhas alimentares ainda permaneciam incongruentes. A família Flores
trouxe o alimento preferido por Osvaldo: pão de queijo. A família Atrapalhada
140
apresentou sanduíche de atum e empadão de frango. E a família Buscapé trouxe uma
torta de queijo.
Entretanto, o curioso, é que depois que terminamos a discussão sobre o índice
glicêmico dos alimentos, Carmem e Regina falaram que aqueles alimentos que
estavam sobre a mesa não eram os ideais. Amanda e Suelen concordaram com elas.
Porém, logo em seguida, Regina disse que hoje o consumo desses alimentos era
permitido, pois era um dia de festa. Eis aí o trágico do ato de comer. As famílias deram
sinais de re-significação de seu ato de comer e, até apontaram a solução. Começaram a
administrar seus conflitos e, num tom de “eu mereço”, com grande poder simbólico,
permitiram-se comer um pouco daquilo que é tão proibido. A semente foi lançada e
compreendida. Agora, o trabalho precisa continuar.
141
5.4 – Organização e Análise dos Dados
Minayo (1994) coloca que a análise dos dados é um conjunto de técnicas de
análise que permite o pesquisador interpretá-los.
A pesquisa-ação participante é uma prática concreta de análise que se destina às
pessoas que desejam tornarem-se sujeitos e não objetos da ação social. Desse modo, a
pesquisa se torna uma obra coletiva, uma vez que o pesquisador compartilha seus
métodos e episteme com os demais participantes.
A análise dos dados foi feita mediante transcrição das fitas cassetes, das
anotações de campo e dos resultados das atividades lúdicas. Ela obedeceu os seguintes
passos: a pré-análise representada pela seleção e organização dos dados; a descrição
analítica, na qual os dados foram submetidos a um estudo orientado pelo referencial
teórico-metodológico, possibilitando a expressão de concepções relacionadas às
categorias definidas pelo referencial teórico e as que emergiram do momento do
pesquisar-cuidando, finalizando com a interpretação inferencial, onde busquei elucidar
os aspectos mais latentes, tornando-os mais visíveis. Os dados foram submetidos à
análise de conteúdo, conforme preconiza Bardin (1977). Voltei à literatura, aos textos
que poderiam elucidar o que encontrava. Realmente, empreguei um conjunto de
técnicas de análise para compreender o processo relacional, que é comunicacional.
5.5 – Cuidados Éticos
Segundo o Conselho Nacional de Saúde, Resolução n° 196, de outubro de 1996,
as pesquisas que envolvem seres humanos devem atender a algumas exigências éticas
e científicas fundamentais.
A eticidade da pesquisa implica em:
1) Consentimento livre e esclarecido dos sujeitos da pesquisa e a proteção a
grupos vulneráveis e aos legalmente incapazes (autonomia). Neste sentido, a pesquisa
envolvendo seres humanos deverá sempre tratá-los em sua dignidade, respeitá-los em
sua autonomia e defendê-los em sua vulnerabilidade. Exige-se que o esclarecimento
142
dos sujeitos se faça em linguagem acessível e que se incluam necessariamente os
seguintes aspectos:
1.1) A justificativa, os objetivos e os procedimentos utilizados na pesquisa;
1.2) Os desconfortos e riscos possíveis e os benefícios esperados;
1.3) Os métodos alternativos existentes;
1.4) A forma de acompanhamento e assistência, assim como seus responsáveis.
O termo de consentimento livre e esclarecido obedece aos seguintes requisitos:
a) Ser elaborado pelo pesquisador responsável e expressar o cumprimento de
cada uma das exigências do Conselho Nacional de Saúde (Resolução n° 196/96);
b) Ser aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa, que referenda a
investigação;
c) Ser assinado ou identificado por impressão dactiloscópica, por todos e cada
um dos sujeitos da pesquisa ou por seus representantes legais;
d) Ser elaborado em duas vias: uma delas é dada ao sujeito da pesquisa e/ou
representante legal e a outra é arquivada pelo pesquisador.
2) Ponderação entre riscos e benefícios, tanto atuais como potenciais,
individuais ou coletivos (beneficência), comprometendo-se com o máximo de
benefícios e o mínimo de danos e riscos;
3) Garantia de que danos previsíveis serão evitados (não maleficência);
4) Relevância social da pesquisa com vantagens significativas para os sujeitos
da pesquisa e minimização do ônus para os sujeitos vulneráveis, o que garante a igual
consideração dos interesses envolvidos, não perdendo o sentido de sua destinação
sócio-humanitária (justiça e equidade).
5) Prever procedimentos que assegurem a confidencialidade das informações, a
privacidade do sujeito, a proteção de sua imagem e a não estigmatização dele,
garantindo que as informações não serão utilizadas em prejuízo das pessoas e/ou da
comunidade, inclusive em termos de auto-estima e prestígio econômico-financeiro.
6) Assegurar aos sujeitos da pesquisa os benefícios resultantes do projeto, seja
em termos de retorno social, acesso aos procedimentos, produtos ou agentes da
pesquisa.
143
7) Dar liberdade ao sujeito de se recusar a participar ou retirar o seu
consentimento, em qualquer fase da pesquisa, sem penalização alguma e sem prejuízo
ao seu cuidado.
Além disso, como cuidado ético em minha pesquisa, empreguei a atitude
empática durante nossas vivências, permitindo que os sujeitos da pesquisa se
expressassem por completo, sem julgá-los, buscando sempre procurar compreender o
que me colocavam, mas sem perder o meu eixo referencial.
Procurei deixá-los à vontade para que seus símbolos e significados a cerca do
ato de comer pudessem emergir de sua consciência e de seu imaginário. Escutar o dito
e o não-dito, observar e agir de acordo com a necessidade das famílias permitiu a
captação dos potenciais individuais e coletivos, procurando evitar o mínimo de riscos e
danos à integridade física e psicológica das famílias. Deixei-as à vontade para
escolherem seus codinomes, preservando-os assim de uma possível identificação.
Este projeto de pesquisa foi submetido à aprovação do Comitê de Ética da
UFSC, sob o número 097/2006.
6 – DESVELANDO O SIGNIFICADO DO ATO SOCIAL DE COMER
Este capítulo apresenta a maneira de como desenvolvi uma sistematização
metodológica de educação nutricional no processo de re-significação do ato de comer
de famílias constituídas com pessoas com Síndrome de Down, em seu domicílio.
Inclui minhas percepções, minhas dificuldades, desafios e medos, mas também minhas
fortalezas, vitórias e satisfações dentro deste processo.
Nele, o fio condutor mais evidente foi a proposta interacionista de
construção/desconstrução/reconstrução da realidade identificada executada durante a
prática assistencial. Dentro deste processo interacionista, as famílias puderam re-
significar o seu ato de comer, tanto individualmente quanto grupalmente.
Para compreender o significado dado pelas famílias em estudo sobre o ato de
comer, escolhi estar junto com elas em seu domicílio, uma vez que minha prática de
cuidado me revelou que, para esta compreensão, é preciso estar no seu ambiente
natural e viver junto com as pessoas em estudo, viver um pouco do seu quotidiano.
Poder compartilhar e vivenciar suas interações quotidianas onde o contexto
social se faz presente, onde o poder se instala displicentemente e tacitamente,
revelando as tramas familiares do drama desse viver, foi de grande riqueza e
aprendizado para mim. Tudo isto só foi possível, porque as famílias me permitiram
mergulhar em seu quotidiano: o pano de fundo onde se desenrola o processo de viver
da família.
É nesse quotidiano minúsculo que se a vida de todo dia, a maneira de viver
das pessoas, composta por pequenos momentos repletos de significados
(MAFFESOLI, 1995). É nesse quotidiano que natureza e cultura se encontram, onde
se vive as alegrias do presente, do “aqui e agora” (MAFFESOLI, 1995). É nesse
quotidiano pleno de múltiplas e minúsculas situações vividas, experienciadas, que as
relações sociais se efetuam com todas as suas tramas e os seus dramas. Todas as coisas
possuem um significado, ou seja, representam algo para nós e, desde crianças, somos
inseridos neste mundo de símbolos e significados, onde os hábitos alimentares fazem
parte (GARCIA, 1992).
145
Assim, construir a compreensão do significado do ato de comer das famílias
implicou em identificar primeiramente como, em seu quotidiano, se a estrutura e a
dinâmica familiar. Logo, evidenciei os papéis desenvolvidos por cada membro na
constelação familiar atrelando-os ao significado que davam ao ato de comer, através
da dinâmica da Colagem/Desenho/Modelagem/Montagem.
A seguir, passo a descrever e discutir as categorias que emergiram do discurso
oral e não-verbal das famílias em estudo, bem como os significados do ato de comer
apreendidos durante as dinâmicas vivenciais.
6.1- O SOCIAL INFLUENCIANDO O INDIVIDUAL ATRAVÉS DO
QUOTIDIANO
Lembrando o aspecto interacional sustentado por Mead (s/d) em que as pessoas
estão em constante interação uns com os outros, com o meio social que os cerca e
consigo mesmo, é preciso compreender as atitudes e as condutas de um grupo social
para então ser possível compreender as atitudes e as condutas de uma pessoa.
A partir do conhecimento da história familiar e pessoal das famílias em estudo,
pôde-se perceber que alguns dos hábitos alimentares praticados atualmente foram
construídos a partir da observação e repetição de condutas, sobretudo das mães, ao
longo da vida de cada pessoa participante deste trabalho. Os aspectos coletivo, no
sentido de um grupo de pessoas, neste caso a família, e social se apresentam mesclados
à rotina, à mídia, aos rótulos sociais, às crenças impostas pela mídia que povoam o
quotidiano familiar.
O termo quotidiano remete ao que se pratica todos os dias, habitualmente.
Porém, o quotidiano deve ser considerado num aspecto muito maior: ele é palco, mas
também agente da construção da vida das pessoas. É a partir dele que se pode
investigar, analisar e compreender a subjetividade dos seres humanos. É neste
quotidiano que se pode compreender o imprevisível, dar valor ao casual, ao banal, às
inconcretudes, às apresentações incompletas da vida e às ações subjetivas dos sujeitos
nos seus ambientes de relações (PEREIRA, 2006).
146
Portanto, o quotidiano desmascara os disfarces, sendo o difuso, o pontual e o
efêmero a sua tônica. Na perspectiva de análise do quotidiano, busca-se o
compreender, abandonando-se o julgamento, a condenação, a justificação. Busca-se
olhar o outro para nele penetrar, buscando o significado de sua atuação, do ser/estar
junto e no mundo. Valorizar a vida corriqueira, banal de todos os dias, pode parecer
algo insignificante, porém, percebe-se que é nesse contexto que a família vive,
desenvolve-se e que, quando se passa a considerá-la, pode-se mais facilmente
compreendê-la e descobrir formas de cuidá-la nas diversas situações e dificuldades do
seu viver quotidiano.
A partir de seu quotidiano, a família vive a sua concretude humana e cria seus
próprios ritos acerca do ato de comer, permitindo a transmissão de suas crenças e
valores de geração em geração.
Assim sendo, é neste quotidiano, que se conhece e compreende como se o
processo de viver de cada família, de cada pessoa e para que ele existe. Como no caso
do ato social de comer, que se reconstrói em cada nova geração, é vivenciado no
movimento dinâmico e criativo deste viver. Compreende-se como que este ato de
comer é construído coletivamente e individualmente por cada ser humano, dando um
significado à vida particular e única de cada um.
6.1.1– ROTINA E MÍDIA: DO SOCIAL PARA O INDIVIDUAL E VICE-
VERSA
O que vem a ser uma rotina? Para Maffesoli (1996) e outros pesquisadores
como Nitschke (1999), Ghiorzi (2004) que se dedicam a estudar a dimensão
minúscula, microsocial do quotidiano, a rotina vem da repetição desencantada de algo,
da falta de prazer e de criatividade, enfim, do excesso de racionalismo. Ainda segundo
Maffesoli (1996), racionalismo é: 1) reduzir um evento à causalidade; 2) é considerar
os acontecimentos humanos unicamente do ponto de vista de uma finalidade e 3) é
considerar a razão unicamente do seu ponto de vista instrumental. Nestas condições,
age-se pensando estar tudo sob controle. Não há surpresas no viver ou se aparecem,
147
são raras, porque as pessoas ficam atentas para que elas não sejam desestabilizadoras.
Age-se mecanicamente, de forma previsível. É como se o piloto automático fosse
acionado no cérebro.
Para Maffesoli (1985), a repetição é um signo de não-tempo e, como tal,
ordenadora do tempo. Traduz-se em uma categoria sociológica que permite a
compreensão da vida quotidiana. Neste contexto, foi de extrema utilidade, uma vez
que mostrou a astúcia com que as famílias, passivamente resistiam à minha presença.
Mostravam-me seus ritos, através de seus hábitos rotineiros, sobretudo relacionados ao
ato de comer. Percebiam soluções, mas negociavam a sua própria sobrevivência na
medida em que eram forçadas a relativizar o seu quotidiano e compreender os seus
“pequenos nada”, tão plenos de significados.
Por outro lado, eu mesma, ainda presa ao paradigma de racionalidade, muitas
vezes quis, pelo imediatismo, trazer respostas e, desta forma, geri mal as dúvidas.
Precisei relativizar aquilo que sou frente às famílias em estudo e buscar a harmonia
conflitual, expulsando de mim o meu próprio sentimento de culpa por não ser melhor
naquele momento para responder suas dúvidas e gerenciar com mais habilidade esta
constatação, para poder permitir o mesmo às famílias.
Este foi o exercício de vislumbramento, de re-encantamento de quotidianos
presos à necessidade dos pais serem os melhores educadores para seus filhos,
perfeitos, com tudo sob controle. Ir e vir nesta caminhada da prática assistencial e da
pesquisa mostrou que cada um de nós não era mais o mesmo. Estávamos impregnados
de outros sinais, conhecimentos, sentimentos e emoções que sustentaram o sonho e
moveram as pessoas, de forma interacional. O quotidiano passou a ter sentido, a ser
visto de forma mais feliz e não apenas suportável e necessário para os grandes eventos
transformadores da sociedade.
Apresento agora, as facetas da rotina no quotidiano das famílias pesquisadas.
148
6.1.1.1 – O hábito criando a rotina pela repetição.
Na família Boaventura, Bela relatou que seu pai realizava três refeições ao dia
(desjejum, almoço e jantar). Recordou que durante sua infância este hábito também era
repetido por ela e até hoje este comportamento alimentar é mantido por Bela.
Lessa disse que come rápido e que conversa durante as refeições. Atualmente
realiza três refeições ao dia. Recordou que seu pai comia três vezes ao dia,
rapidamente.
Lessa também contou que não tem o hábito de comer muitas frutas. E ele reconhece
isto: é falta de hábito”. Mas hoje, assim, fruta eu não sou muito afim, como,
mas”... [longo silêncio]. Acha que, quando era criança, comia mais frutas porque “era
sobremesa, então era pegar ou largar”. Comia por hábito, rotina. É o hábito, às
vezes se torna hábito, a minha mãe tinha hábitos. Tinha uma rotina”.
Seu filho, Festival de Dança, também não come frutas. Bela reconheceu que
este hábito de Lessa é que molda o comportamento do filho: “porque que o Festival de
Dança não come fruta? Chega até a apodrecer na cesta”... [longo silêncio].
Bela disse que adquiriu o hábito de comer peixe quando criança, ao morar
durante seis meses na casa de seus avós. Ela [avó] introduziu o peixe que não
tinha [onde morava]. Eu lembro que ela pegava para fazer o molho”. Ao casar-se com
Lessa, Bela introduziu este hábito em sua casa. Desta forma, Lessa somente começou a
comer peixe depois que começou a morar com Bela. “O que eu me dei superbem, foi
pelo fato de ela [Bela] gostar também de frutos do mar, de peixes. Eu nunca comi
sabe, mas como eu vim morar aqui”... [longo silêncio] (LESSA).
A influência de Lessa nos hábitos alimentares de Bela, também aconteceu. Bela
contou que, após casar-se, aprendeu a cozinhar novos pratos. Tipo strogonoff, os
peixes, aipim, pizza. Eu aprendi tudo que ele gostava de comer: o quibe, a pizza, a
farinha de milho dele. Ele é paulista, então são hábitos paulistas. Aprendi a trabalhar,
como fazer cuscuz. Aí eu aprendi, conheci e aprendi lá em São Paulo” (BELA).
Na família Flores, o hábito de comer frutas e saladas não é muito aceito.
Osvaldo e Bárbara não as comem. Ele [Osvaldo] tava levando fruta pra escola,
sabe o que eu descobri? Eu boto a fruta, ele abre a lancheira e deixa a fruta em
149
casa”. Entretanto, quando era criança, Bárbara comia poucas frutas e salada. “Frutas
também como mais por obrigação”. Sérgio pareceu não gostar muito de saladas. Ela
faz pra ela [Regina], ai fazendo a gente sempre come”.
Ainda a Família Flores contribuiu com um outro exemplo que esclarece esta
questão de repetição. Para Regina, o úcar é “um prazer, uma satisfação pessoal, de
imediato. Mas, ao mesmo tempo, depois, uma sensação de culpa, de exagero, digamos
assim”. Quando sua filha Bárbara explicou a construção da sua árvore (dinâmica da
construção da árvore individual que represente o significado do ato de comer), a
mesma relatou que era uma árvore bolacheira. Falou isto, em alusão ao seu gosto por
biscoitos recheados. Aliás, Bárbara contou que seu adubo (o termo adubo é
proveniente da dinâmica construção da árvore individual que represente o
significado do ato de comer) é as besteiras”. Besteiras como: biscoito recheado,
chocolate, brigadeiro... Para Bárbara, o doce significa “felicidade”.
Bárbara reproduz o mesmo comportamento alimentar que sua mãe: a
preferência por alimentos doces. Regina disse que
“Às vezes acontece assim, de eu almoçar, aí chega duas horas, eu quero
comer alguma coisa, aí eu fico procurando... eu abro o armário, se tiver um
doce, uma bolacha recheada se tiver eu como, se o tiver eu não como...
Essa semana, acho que a Bárbara veio e disse “ai mãe, não tem nada
doce?” “não sei, eu tinha comprado acabou...”, “ai mãe, faz um
brigadeirinho...”, “então Bárbara faz”, “ah mãe, mas eu...”, “só se for
brigadeiro branco...”, “ah, pode ser...” aí eu fui fazer, fiz, levei pra ela, ela
ficou com o prato... Depois ela veio, “queres?”, “eu não quero”, depois ela
botou na geladeira e... eu passei e peguei uma colherinha, porque eu me
enrolo, né? Depois outra colherinha... Ela tinha deixado uma porção assim,
eu terminei com a porção. foi... Se eu abro a geladeira e se tem um doce
ali eu como. Eu tenho evitado comprar chocolate, mas a gente acabou
trocando o chocolate pela bolacha recheada”.
A preferência alimentar de Regina pelos doces foi registrada em seu cérebro,
durante a sua infância. Relembra que seu pai, quando voltava para casa, trazia algum
150
doce ou bolacha de chocolate para ela. Além disso, quando os dois saiam juntos, ela
ganhava uma coxinha e um achocolatado. Ela mesma referiu que tudo que ela gosta
“tem sabor de chocolate”... [longo silêncio]. Para Regina, o prazer de comer chocolate
está na sua estrutura de memória e, de acordo com Bueno (2002), toda memória é
resultado de um estímulo sensorial colado a uma emoção. No caso aqui, a emoção de
se sentir amada e próxima ao pai. Quanto mais intensa a emoção, mais duradoura a
memória. O registro está lá, esperando para ser ativado, quando algo ou alguém aperta
o botão da emoção vivenciada no passado. A sensação interna é imediata: prazer ou
desprazer. A reação da pessoa decorre desta sensação: harmonia ou stress.
Regina vivenciou um forte stress emocional, por ocasião da necessidade de uma
intervenção cirúrgica em Osvaldo, para correção cardíaca. Procedimento este comum
em crianças com Síndrome de Down. Durante quatro meses, sua alimentação não foi
balanceada do ponto de vista nutricional, mas, inconscientemente, sua compensação
emocional se traduzia em comprar besteiras” doces, bolachas recheadas. As pessoas,
de uma maneira geral, sempre buscam encontrar sentido quando vivenciam obstáculos,
sofrimentos. E, para que encontrem esse sentido, necessitam se agarrar à sua “bengala”
emocional de prazer, de felicidade. Na verdade assim, se eu não me engano, o café
era do hospital. Daí eu acho que o almoço, enquanto ele [Osvaldo] tava no quarto
ainda vinha para acompanhar. Mas eu, sinceramente não lembro. O que eu lembro é
que à noite, principalmente, a refeição da noite era da lanchonete do hospital. Eu
lembro que era sempre lanche ou eu descia para comprar bolacha. Bolacha recheada.
Era sempre besteira”.
Retomando o contexto de formação de hábitos familiares, a família Atrapalhada
tem o hábito de não conversar durante as refeições. Carmem contou que seu pai não
gostava que ela e seus irmãos conversassem durante a hora da refeição. Ela falou que
“foi criada rigidamente”. Já Antônio relatou que, quando era criança, sua família
comia reunida, em ambiente calmo, sem brigas. Entretanto, também não se
conversava. Quando questionados sobre quando costumam conversar, discutir idéias,
sobre o que pensam e sentem, Antônio falou que “pensando, ninguém nunca pensa...
para não pensar besteira [...] conversamos alguma coisinha... mas bater papo não”.
151
Antônio disse que não come saladas, come rápido e faz quatro refeições ao dia.
Estes hábitos, ele recordou realizar desde a infância, época em que seus pais
mantinham este comportamento. “Eu comia ligeiro. Acho que uma meia hora”.
Na família Unida, quando Carol sentia-se angustiada, ansiosa e com medo,
mantinha um comportamento: comer. “Ah, comia. Pão, café, nescau, fruta, o que
tinha pela frente eu ia beliscando, ia comendo... bolacha ... Eu comia, de vez em
quando tava beliscando, era aquele vício de beliscando... Era aquela bolachinha,
aquele pão, abre a geladeira, até a e brigava com a gente porque gasta luz... Abre
a geladeira, fecha a geladeira... não tinha fome, tinha aquela ansiedade, vontade de
toda vida comendo”(CAROL)
Carol recordou que “a mãe é que dizia que eu não saía da frente da geladeira,
comia o dia todo... Era aquele come, come mais de pouquinho”... Carol tem medo que
seu marido, que é caminhoneiro, morra. Eu fico meio nervosa, alvoroçada quando
ele não liga. Quando ele não liga, eu nem durmo. Eu fico bem atacada. Deu como
uma coisinha e outra, mas como eu te disse, não de sentar na mesa ”...(CAROL).
Quando era criança (10 anos), Carol falou que ficava sozinha em casa com a
irmã. Como não tinham atividades para fazer, iam brincar e, nestas brincadeiras, a
comida sempre participava. “Minha mãe teve que trabalhar, meu irmão foi trabalhar e
eu cuidei da casa. Ficava eu e a minha irmã em casa. A minha mãe fazia arroz com
leite, arroz doce... a gente chegava a brincar de casinha, brincar de madame, de uma
ir para a casinha da outra, em cada quarto separado... Ah, espera aí que eu vou trazer
a sobremesa... a gente comia o dia todo”.
Carol relembrou que sua mãe tinha desejo por algo doce após o almoço. A
minha mãe é uma que acabou de almoçar e toma um gole de café pretinho. E eu é uma
fruta, uma laranja... Parece que a comida desce melhor”. O beliscar após o almoço
um alimento doce não é um processo fisiológico. “Não, é psicológica... A psicologia
de vontade de comer uma coisinha doce, pode ser uma laranja, tem que ter uma
coisinha diferente”. O meu problema é esse, acabei de comer e tem Mirabell ali em
cima, dentro de uma hora, me uma vontade de comer uma coisinha doce... Como
uma Mirabell, duas” (CAROL).
152
Spada (2005) dizia que comer em demasia pode ser uma forma que a pessoa
encontra para lutar contra o stress, a depressão e suas fraquezas, perdendo total ou
parcialmente a capacidade de identificar o que é de fato imprescindível para a sua
vida. É o que se pode evidenciar nos relatos de Carol.
Sabe-se também que os hábitos alimentares das crianças são moldados pela
disponibilidade e acessibilidade de comida em casa, pelo exemplo dos pais, pelos
hábitos de visionamento de televisão da família, etc. As estratégias de prevenção de
hábitos errôneos, prejudiciais à saúde física e mental, devem buscar identificar e
compreender o ambiente familiar, num processo de
construção/desconstrução/reconstrução da realidade destes hábitos, promovendo a
informação e formação dos pais, contribuindo para a construção de um ato de comer
sadio para cada família (SCHOTTZ, 2006). Isso implica em respeitar culturas, sem
ditar normas, impor condutas. Mas sim, apontando aspectos positivos e negativos
específicos de cada família. Assim, a sistematização do ato social de comer de cada
família fica coerente, intimamente relacionado no contexto teórico e, sobretudo, no
contexto prático, no quotidiano familiar.
O ato de comer está relacionado a uma necessidade física e a uma necessidade
emocional. Quando uma pessoa se alimenta, somam-se o prazer oral da alimentação à
necessidade do organismo de sais minerais, proteínas, carboidratos, enfim, a toda fonte
de energia que precisa para pensar, agir e amar. Trata-se também de uma necessidade
emocional, porque implica em oferecer atenção, cuidado e amor a quem se es
alimentando, ou seja, a si mesmo (GARCIA, 1992).
Na família Atrapalhada, Carmem utiliza-se da comida como uma forma de
alimentar não somente seu corpo, mas também sua mente, suas emoções. Eu como
porque a gente é esganado. Eu como pelos olhos” (CARMEM).
Pode-se observar nestes quotidianos das famílias em estudo, toda a complexidade
das relações que envolvem o ato de comer.
Ainda, para reforçar este aspecto, tome-se o exemplo da família de Carol. Ela é a
responsável pela alimentação da família Unida. É ela quem decide o que comer e
aonde comer.
153
De acordo com Gambardella et al (1999), a família é a primeira instituição que tem
ação direta sobre os hábitos da pessoa, à medida que se responsabiliza pela compra e
preparo de alimentos em casa, transmitindo dessa forma seus hábitos alimentares às
crianças.
Quanto à quantidade dos alimentos ingeridos, Carol disse que cada um serve-se
daquilo que quer, mas não pode deixar no prato. Com relação a Everton (12 anos),
Carol disse que agora ele se serve. Sempre controlei direitinho, agora não preciso
mais controlar”. Entretanto, quando seus filhos eram pequenos, ela era quem decidia a
quantidade. Hoje em dia, quando acha que Everton está exagerando ou que é demais o
que ele escolhe, Carol impõe seu papel de mãe, de educadora. Hum. Quando ele
põe um prato muito cheio eu já chamo sua atenção”.
Com relação a seu outro filho Duda (7 anos), Carol é quem lhe serve, sob a
supervisão do filho. “Ele que determina porque ele é meio coisa” para comer, não
adianta botar muito que ele vai deixar. O Everton eu já tenho que puxar a rédea, é ao
contrário”. Duda é quem indica o que quer comer e quanto. “Tem dia que ele se serve,
mas eu sempre aviso que eu não quero que sobre comida no prato”.
Carol mantém como hábito fazer três refeições ao dia e às vezes acompanha os
filhos no lanche da tarde. “De manhã, ao meio dia e à noite. Geralmente o café da
tarde, é raro eu comer, ontem foi um dia... E o erro é esse, eu acho, eu deveria tomar
café e não jantar à noite. O difícil de tirar é o jantar”.
Everton faz seis refeições ao dia. De acordo com Barbosa (2005), para se atender as
necessidades nutricionais de um pré-escolar, é necessário uma dieta que contenha
alimentos variados, de todos os grupos alimentares, em porções adequadas e
distribuídas em cinco ou seis refeições diárias. Duda realiza quatro refeições ao dia,
não atendendo as recomendações de acordo com Barbosa (2005), de fazer 6 refeições
ao dia. Estas diferenças de número de refeições na mesma família, se devem ao fato de
que Everton realiza os lanches matutino e vespertino na escola. Já Duda disse que não
faz lanche no colégio, pois não gosta.
Todos estes hábitos e comportamentos alimentares fazem parte da rotina diária de
cada pessoa. Por um lado, tem-se o quotidiano enquanto uma sucessão de atos que se
observa diariamente e se vai registrando na memória. Alimentam-se hábitos, quando
154
se repete algo que tenha um significado bom ou mau para si. São os hábitos que fazem
a rotina, ou lhe servem como estrutura.
O dia a dia de uma pessoa, ou a sua rotina feita de hábitos, é a materialização do
conceito de viver da pessoa, de como ela percebe o mundo, os outros e ela própria. Em
outras palavras, seu quotidiano é assumido também por sua rotina. Ele é a
representação de seu pensamento com relação a si mesma e de sua relação com o
mundo, com os outros. E isto pode ser criativo ou não, estritamente racional ou
recheado pelo seu imaginário.
Assim, pode-se dizer que há uma influência do social no individual, mas com uma
interação específica, numa via de duas mãos, tecendo a trama do drama quotidiano.
Um não se constrói sem a existência do outro. Logo, todo hábito pode ser
reconstruído, quando não adequado à pessoa que o pratica.
O quotidiano, de acordo com Maffesoli (1995), mostra-se como lugar das interfaces
natureza-cultura, propondo-se como dialética no sentido de conjunção de situações
contraditórias, sem o objetivo de elaborar síntese. Isto significa dizer que não há
necessidade de haver transformação de uma pessoa, naquilo que ela é, mas ela tem
capacidade de integrar algo novo.
6.1.1.2 – O cérebro e o inusitado: driblando a rotina
De acordo com Katz & Rubin (2000), o cérebro humano está preparado, em termos
de evolução, para procurar e reagir ao que é inesperado ou inusitado, como as novas
informações absolutamente inéditas vindas do mundo exterior. É o que estimula o
cérebro. Ao reagir à novidade, a atividade cortical aumenta em mais e variadas áreas
do cérebro. Desta forma, isso fortalece as conexões sinápticas, liga áreas diferentes em
novos padrões e acelera a produção de neurotrofinas. São estas moléculas que
promovem a saúde das células nervosas e das sinapses.
Neste mecanismo, encantar-se com os elementos que rodeiam uma pessoa,
buscando descobrir algo novo no amanhecer, por exemplo, leva à saúde mental. A
estimulação cerebral pela quebra de rotina, permite o re-encantamento do trabalho, por
155
exemplo, do ato de comer e, consequentemente, do viver. Assim, a rotina é inimiga do
prazer, da motivação, da alegria e da abertura para o novo (KATZ & RUBIN, 2000).
Na família Atrapalhada, por exemplo, os hábitos alimentares estão tão enraizados,
tão rotineiros, mecânicos e tão sem vida, prazer, que Carmem respondeu que como
por hábito, porque chegou a hora, como até sem fome”. E Antônio come “pra não
ficar com fome, que já é mania”.
Carmem e Antônio ainda comentaram que não gostam da repetição diária.É
chato. se for uma coisa muito boa para repetir. se fosse um tipo de um sorvete
bem gostoso” (CARMEM). “Eu não ligo para isso. Eu tenho que fazer, né? Gosto ou
não gosto tem que [longo silêncio] (ANTÔNIO). O “dever ser”, o “ter que” tão
decantados por uma sociedade moderna, implica em não prazer em se realizar as
rotinas domésticas. Elas perdem o brilho e o encanto.
Mesmo assim, pessoas que gostam da rotina, como é o caso de Festival de
Dança. À medida que tu treina eles, eles desenvolvem essa postura, essa rotina,
ficam obsessivo nisso. Isso eu observei em todos eles. Se a família não presta atenção,
eles adquirem um comportamento obsessivo nessa rotina” (BELA). Tanto Bela quanto
Lessa contaram que Festival de Dança tem a sua rotina, até mesmo a alimentar e ele
não gosta de quebrá-la. “É justamente isso, pra quebrar a rotina dele tem que
preparar ele antes. Se não ele pode ficar muito mal-humorado. Ele tem o esquema
dele” (LESSA).
Esta característica de Festival de Dança, de ser uma pessoa rotineira, reforça os
achados na literatura (PICK & ZUCHETTO, 2000; MARTINEZ, 1997), que enfocam
a rotina como uma característica das pessoas com ndrome de Down. Afirmam que a
quebra da rotina faz com que haja um curto-circuito cerebral, fazendo com que as
pessoas com SD fiquem sem rumo, sem ação, sem saber o que fazer. Seu cérebro não
consegue automatizar a ação.
Lessa também disse que é uma pessoa que gosta da rotina. Pra mim tem que
incorporar a rotina, eu gosto de rotina”. Relembrou que, quando era criança, sua mãe
tinha uma rotina alimentar para o seu cardápio diário. Ou seja, a família sabia o que
iria comer durante a semana, pois sempre era a mesma coisa. “Então, a gente sempre
sabia o que a mãe ia fazer hoje, amanhã. Normalmente, o básico era todo dia.
156
Mudava poucas vezes o acompanhamento, mas, quando era coisas assim tipo
macarrão, pode ter certeza que era almôndega” (LESSA). Além disso, enfatizou que
o horário das refeições era sempre o mesmo. “A gente sempre teve horário para as
refeições” (LESSA). “Minha sogra era muito metódica, muito coordenada.
Extremamente assim” (BELA). Até assim, depois que ficou ela e o meu pai, ela
seguia o ritmo” (LESSA).
Vê-se que a rotina traz segurança, porque organiza um contexto, ordena as coisas,
mas, ao mesmo tempo, tira o brilho do novo e do inesperado. Expulsa da vida das
pessoas a possibilidade de viver o seu lado profano. Por isso, elas usam de astúcia,
muitas vezes sem terem consciência disto, para driblarem a repetição, o que é
socialmente instituído, permitindo-se viverem a vida no que ela tem de melhor e de
pior, aceitando e compreendendo a finitude humana. O “aqui e agora” é o foco. O
prazer, a meta (MAFFESOLI, 1995).
6.1.1.3 – A rotina alimentar e a concepção de sobrevivência
Katz & Rubin (2000) falam que a alimentação pode ser uma excelente
oportunidade para introduzir estímulos ao cérebro. Entretanto, para algumas famílias o
ato de comer significa mais uma atividade que deve ser praticada para assegurar a sua
sobrevivência.
Na família Buscapé, Suelen disse: Pra mim, o que significa comer é com o
estômago cheio pra poder trabalhar. Acho também que é uma opção de vida, né? A
gente tem que comer pra viver, porque se tu não comer tu vais adoentar, em minha
opinião. Porque se eu não como, eu morro, né? A gente precisa se alimentar”.
“Se alimentar pra viver a vida, pra ter forças, energia pra trabalhar...
Sobrevivência, né?”(AMANDA)
para a família Unida, Carol falou que tem horas que me agonia. Tem dia
que eu como e eu me sinto arrependida, agoniada. Não sei por quê. A gente come
porque precisa, senão a gente se sente fraca, tonta... Tem dia que é nove, dez horas,
eu sou obrigada a por um gole de café na boca, uma bolachinha, alguma coisa”...
157
Para Antônio, da família Atrapalhada, a força para sobreviver vem da
alimentação. “É do rango, da comida. Se não comer não sobrevive”.
A sobrevivência neste contexto, adquire a força do viver saudável, reduzido ao
aspecto de “ter saúde”. Mesmo que isto implique no fato da pessoa viver a vida sem
paixão, com medo. Medo das crises, dos conflitos, do desconhecido, das perdas, da
miséria. Esses aspectos do viver exigem reflexão, mudança e nem sempre as pessoas
estão preparadas para a crítica, para perder o poder imposto pela rotina, pelo silêncio.
O medo é um grande desencadeador de stress. Ele é gerador de angústia. O
medo de si, e se conhecer, de afrontar o seu mundo de sombras e viver com ele. O
medo gera um silêncio hipersonoro e, ao mesmo tempo, não audível, porque as
pessoas não podem dizer para si mesmas o que são e o que querem (GHIORZI, 2004).
O grande medo visível das famílias pesquisadas foi o de que seus filhos
adoecessem por falta de comida. Um medo ritualizado na escolha e no preparo dos
alimentos. Esses tinham que dar conta da robustez do corpo para enfrentarem o
quotidiano de trabalho. Também havia casos de manutenção da forma física para o
equilíbrio da saúde (mesmo que isto significasse mais ausência do lar). E ainda, os
alimentos tinham que saciar o desejo de cada membro da família e aplacar a culpa por
ter um (a) filho (a) com Síndrome de Down. Sobrevivência do corpo e da mente
através do ato de comer.
Trabalhar o medo gerou a abertura de novas possibilidades de relacionamentos
intrafamiliares, fazendo com que o alimento e a refeição se tornassem coadjuvantes do
ato de viver saudável.
Em um outro ponto de vista, a sobrevivência indica uma busca de vida maior
que traz consigo mais trabalho, mais exercício, etc, redundando em mais stress e
menor qualidade de vida. Nada assegura uma certeza desejada e as escolhas que as
pessoas fazem indicam como viver suas vidas.
Com relação ao ato social de comer, as pessoas têm consciência de que o
frango está contaminado, as maçãs envenenadas, os transgênicos comandam as
plantações, enfim, os alimentos estão contaminados por águas poluídas, as pessoas
também o estão por ar poluído. As pessoas desacreditam de tudo e de todos e vivem
pesadelos homéricos. Predomina o descrédito, a dúvida. O que fazer? É preciso
158
complementar o social e o natural no ato de comer. O consumidor precisa ser bem
informado e vigilante. Isto significa dizer que a informação necessita se transformar
em conhecimento para que possam colocar em ação. Este foi o aspecto fundamental do
trabalho com as famílias. E nesta abordagem, a mídia adquire força coercitiva, com
caráter de difundir e multiplicar a informação que o vendedor quer dar.
6.1.1.4 – A mídia interferindo na rotina familiar
Outro aspecto social que tem interferência no individual é a influência da mídia.
A mídia funciona como um canal para transmissão de informações. A projeção
ou influência dos veículos de comunicação provocam efeitos como os de visibilidade,
de verdade e de credibilidade, embora, muitas vezes, encubra a realidade através de
informações apelativas.
um desenvolvimento tecnológico pela imagem que pode re-encantar o
mundo, enquanto fenômeno social. Este desenvolvimento se centra no imaginário, no
lúdico e no onírico (MAFFESOLI, 1996). A imagem está presente no quotidiano
familiar através da publicidade da televisão e da informática muitas vezes
transformada em “sonho coletivo”. E a imagem passa a ter a astúcia enquanto
categoria sociológica de viver o quotidiano, enquanto nova forma de convívio em rede,
porque tem um caráter lúdico. Dessa forma, pode-se dizer que cada um existe através
do reconhecimento e do olhar do outro.
A partir desta compreensão, trazendo um paralelo para a área nutricional,
segundo Arnaiz (1996), dependendo dos valores e significados atribuídos aos
alimentos pela mídia e do papel por eles desempenhado na alimentação, as
conseqüências sobre a saúde das pessoas podem ser maiores ou menores.
Pegando-se a obesidade como exemplo, Oliveira et al (2003) afirmam que,
apesar de a obesidade existir há muitos anos, apenas nas últimas décadas tem se
tornado epidêmica devido preponderantemente às influências do ambiente familiar e
do ambiente social, cultural, educativo e sócio-econômico.
159
Além do aspecto referido acima, também o estigma moldado pela mídia do
corpo bonito, do corpo saudável, enfim, do corpo de consumo que acompanha
gerações e gerações, mudando de acordo com a necessidade política e econômica de
uma nação.
Para se prosseguir com essa referência da influência da mídia no hábito e na
rotina alimentar, Cambraia (2004) salienta que a motivação para comer e o consumo
de alimentos podem ser afetados pelos sons associados à alimentação, provenientes da
imagem televisiva. Transmissões de informações social e ambiental afetam a
preferência alimentar.
Oliveira et al (2003) colocam que foi detectada a associação significante entre
horas despendidas com hábito de assistir TV e aumento das prevalências de sobrepeso
e obesidade. Consideram que tal associação ocorre possivelmente, em função da
natureza sedentária da atividade, acrescida da relação que existe entre a mesma e o
consumo de lanches e, também, ao efeito cumulativo da exposição a propagandas de
alimentos hipercalóricos. Desta forma, ocorre um ciclo vicioso: obesidade -
diminuição da atividade - assistir TV - comer sem ter fome, mas pelo hábito
obesidade. Desta maneira, o ato de comer extrapola as necessidades fisiológicas, e
pode ser reduzido a uma rotina não prazerosa, sob influência da mídia, segundo o
contexto do momento imposto pelo social.
Na família Flores, a influência da mídia é constante. Na frente da tv, é uma
coisa que eu acho que ele [Osvaldo] muito, é outra válvula de escape, quando
incomodando, acho que ele passa muito tempo na frente da televisão” (REGINA).
Bárbara admitiu que come rápido porque precisa voltar ao computador, e vai utilizar
um outro veículo poderoso de informações, que já conquistou a maior parte dos jovens
e das pessoas em geral.
Regina e Sérgio sabem o que devem fazer para diminuir omero de horas que
seus filhos gastam com a televisão e o computador. Utilizam as seguintes estratégias:
“Essa semana todos os dias de manhã que ele [Osvaldo] tava em casa, eu deixei de
fazer muita coisa pra ir pra cima jogar bola com ele. Ele bota o uniforme dele, vai
lá em cima, joga, brinca, brinca, daí eu falo: Osvaldo, agora tá na hora de ir. Daqui a
pouco a mãe tem que fazer almoço, então vamos brincar mais um pouquinho porque a
160
mãe tem que descer. meio que vai negociando, uma horinha, daí desce. Vai
tomar banho pra se arrumar pra ir pra escola. Então essa semana eu procurei fazer
assim. Põe o uniforme e vamos pra cima, para brincar. Ele tem que correr!
Como a gente o desce, não tem parquinho, tem que usar o espaço em cima e
fazer ele correr”. Já para Sérgio: quando eleo tá vendo televisão, ele tá brincando
ali, junto com os rapazes ali. Um escutando música, brincando de carrinho”...
Na família Atrapalhada, Antônio admite que sua família silencia nas horas de
refeições, porque sempre estão assistindo televisão. “A televisão sempre ligada”
(CARMEM). Muitas vezes têm programas que contam histórias tristes, mortes,
assaltos e assim por diante, fazendo com que a hora da refeição seja marcada pelas
tragédias do quotidiano. A família precisa chorar em comum as suas adversidades
através da imagem televisiva, como também rir junta.
Tensão emocional na hora da comida leva aos distúrbios gastrintestinais, além
de fazer uma associação cerebral negativa entre o alimento que está sendo ingerido e o
fato trágico. Se isto se repete sempre, comer passa a ser algo não prazeroso e o
alimento em questão, algo ruim, que desconforto, dor, mal-estar. Logo, não como,
porque não gosto (GHIORZI, 2004).
Assim, a mídia influencia não somente o que deve ser consumido, mas também
a aversão ou não a determinado alimento. Desse modo, a influência social, ditando
hábitos, tendências, principalmente entre crianças e adolescentes, os seduz com
alimentos bonitos, vencedores e charmosos (FABER BOOG et al, 2003),
conquistando-os de imediato.
Muitas vezes estes alimentos sedutores, que preenchem os desejos criados pela
mídia, substituem carências de outras naturezas (FABER BOOG et al, 2003) ou
impõem carências não sentidas. Dentre elas, pode-se citar o desejo de ser magro,
fazendo com que a pessoa perceba-se sempre gorda, com uma visão distorcida da
realidade, levando-a ao uso abusivo de medicamentos para emagrecer ou à instalação
da bulimia, da anorexia nervosa; o desejo de ser poderoso, forte, com músculos bem
definidos levando os jovens ao consumo de anabolizantes e assim por diante.
Informação que se transforma em conhecimento aplicável no quotidiano, acaba
por abolir o aspecto ludibriador dos produtores, de fiscalizador dos profissionais da
161
saúde e de ludibriado por parte do consumidor. As pessoas passarão a exercer o seu
papel de cidadão e não deixarão passar os alaridos como algo inconseqüente. O
cenário, o palco da vida, se transforma em local de ação, de construção, enfim, de
INTERAÇÃO. Os estigmas são rompidos.
6.1.2– O ESTIGMA DE SER “DIFERENTE” E A PERMISSIVIDADE
ALIMENTAR
Colocando outro ponto em evidência dentro do contexto de significado do ato
de comer, pôde-se constatar que a forma de tratamento interativo entre pais e filhos
também é repetida tanto no aspecto coletivo quanto social.
Ainda na família Flores, Regina identificou que trata Osvaldo (9 anos) como o
seu pai a tratava: um bebê. A questão quanto à forma de tratamento para com Osvaldo
faz com que Regina se reporte à forma de relacionamento entre ela e, principalmente,
o seu pai para explicar o porquê que ela ainda trata e vê Osvaldo como um bebê.
“Eu não sei se tem relação, mas acho que é porque ele é pequeno, ele é
fofinho, porque ele é caçula... Porque eu também fui bebezão por muito
tempo, todo mundo paparicava, porque eu era temporona, tinha muita gente
pra cuidar... eu fui dar banho no Osvaldo e ele me pediu colo eu: “ai
Osvaldo, tu não é mais bebê, eu não consigo mais te pegar no colo”, ele:
“dá um colinho”. Ainda fui tentar pegar ele como neném e não mais
porque ele não é mais neném... Acho que é assim, ele é o último filho e acho
que no último filho tu acaba sempre estendendo mais um pouco a infância,
independente de ser deficiente ou não, tu sempre estende mais porque ele é
o último. Acho que tem a ver com meu pai. De certa maneira, era muito
protetor. Sempre passou a mão na cabeça, nunca foi rígido, autoritário,
sempre foi maleável”.
Este comportamento também é repetido por Bárbara. Ela também trata o irmão
como uma criança menor do que ele é. “Como uma criança menor”.
162
Durante a realização da minha prática assistencial, Regina contou que muitas
vezes utiliza alimentos para acalmar Osvaldo. Sua mãe (avó de Osvaldo) também o
faz com muita freqüência. Geralmente ao buscá-lo na escola, a avó sempre leva um
dos seus alimentos preferidos: pão de queijo. “Ah, se deixar ela vai todo dia, né? D
eu digo: MÃE! Mas ela diz: “ele vem mais quieto”. Porque antes eles [seus pais] não
conseguiam trazer, mas “ah, tem pão de queijo no carro”. Então, quando é a mãe que
vai buscar, daí eu já evito de dar janta porque já sei que ele vem comendo”...
Na família Buscapé, também a proteção para com Ester (8 anos). Suelen
disse que faz uma compensação alimentar, liberando o que Ester quer comer, pelo fato
dela ter Síndrome de Down. Seu marido também o faz, de forma mais intensa que ela.
Porém, em seu discurso, Suelen deixa transparecer um pouquinho de sentimento de
“pena”, que muitas vezes esconde o verdadeiro: a culpa. Às vezes a gente um
[sorvete] no final de semana, vai compra um picolé no Genésio, ou então faço aqui
às vezes... Às vezes eu fico meio assim, pra não comprar porque fica difícil, né?”
Nesta fala de Suelen, percebe-se a contradição entre o querer liberar a comida e o
sentimento de culpa por não liberá-la.
Na família Atrapalhada, também foi encontrado o fato de que o alimento é
empregado como forma de agrado, conquista. Moisés (16 anos) contou que sua mãe
faz surpresas para ele: nhoque, lasanha, panqueca. Ela [Carmem] é boazinha,
querida...”. Este comportamento gera grande alegria e satisfação, percebida por ambas
as partes: mãe e filho. “Ele [Moisés] é um amor, não é?” (Carmem).
O contexto familiar pode muitas vezes utilizar o alimento de forma errônea,
para compensar o estigma social construído, como o de pessoa “portadora de
Síndrome de Down. Segundo Goffman (1988), um estigma é dado a uma pessoa de
forma inadequada, com base no que se julga correto, normal. Para ele, “estigma é um
atributo que joga um descrédito profundo em alguém ou algo, na relação estabelecida
entre um atributo e um estereótipo” (GOFFMAN, 1988, p.113). Esta atitude gera um
desconforto entre a pessoa que rotula e a que sofre a pressão, o peso do rótulo. Um
desconforto que pode ser traduzido, em muitos casos, como culpa pela diferença e,
desta culpa, surgir a compensação por pena da sorte do outro. Muitas vezes, a
compensação se traduz em falta de limites, entre eles, o do ato de comer.
163
Regina, Carmem e Suelen reconhecem que o liberar a comida não é interessante
e correto para com seus filhos com Síndrome de Down, apesar de parecer sentirem-se
culpadas por não o fazer. É de vez em quando, uma vez ou outra, né? De mês a
mês, de 15 em 15 dias... Não é assim... uma vez ou outra e quando tem alguma
coisa aqui em casa, aí a gente faz uma lasanha ” (CARMEM).
Durante a dinâmica Dinâmica Conhecendo o Metabolismo das pessoas com e
sem SD, Suelen reconheceu que as pessoas com Síndrome de Down não devem ter sua
alimentação liberada, nem seus caprichos alimentares satisfeitos, pois isto pode gerar
ou reforçar o sobrepeso ou a obesidade. “Eu acho que essa [menina com SD] tem
mais tendência para engordar”. Assim sendo, a pergunta é: porque o fazem se sabem
que esta liberação alimentar traz conseqüências negativas para a saúde de seu (sua)
filho (a)?
Esta permissividade alimentar esconde um sentimento de culpa por parte dos
pais, por terem sido, geneticamente, os causadores da alteração cromossômica. Para
compensarem a sua “falta”, um dos meios encontrados é o da permissividade do fazer,
do comer, do ser o que quiserem. E no contexto alimentar não é diferente, mesmo que
esta permissividade influencie diretamente a saúde de seu (sua) filho (a), levando-o (a)
a uma descompensação metabólica, como no caso do sobrepeso e da obesidade.
Será que esta falta de limites ou esta permissividade relacionada ao ato de
comer não esconde um desejo inconsciente, por parte dos pais, de fugirem da
realidade? Durante toda uma vida, homem e mulher se preparam para gerar filhos dos
quais querem se orgulhar. Seres humanos capazes de se perpetuarem através da
procriação. Há o desejo inconsciente de exibi-los, mostrá-los ao mundo, como se neles
estivesse a prova do quanto são bem sucedidos na vida. Do quanto, por isso, devem ser
respeitados (WERNECK, 1995).
Aliado a esta ideologia, existe a veiculação publicitária que vende, a cada
momento, a imagem consumista de jovens belos, fortes, saudáveis e muito felizes.
Como se a aparência física fosse sinônimo do sucesso. Desta forma, aquele sonho dos
pais desmorona abruptamente e o casal se numa situação que dói muito: o bebê
idealizado, imaginado é uma criança estigmatizada, que a princípio não gera nos pais
nenhuma razão para se orgulharem (WERNECK, 1995). Nesse trajeto, onde o que se
164
busca é educar um filho feliz e apto para a vida em sociedade, o ato de comer pode
assumir uma outra função: a de proteção.
Além desta criança que nasceu não satisfazer os desejos dos pais, eles se
deparam com outra situação social no trilhar do seu quotidiano: a exclusão de seus
filhos. Ter um (uma) filho (a) com Síndrome de Down significa ter que passar por
todos os preconceitos e pré-julgamentos que a sociedade possa ter. Desta forma, o ato
de comer também pode significar uma forma de compensar esta situação de exclusão
social. Para Santos (2003, p.6)
O ultrapassar dos limites ocorre por conta das carências e medos presentes
nas conjunturas da vida diária dos indivíduos crianças e familiares. A
obesidade não se instala ao acaso, es sempre relacionada ao excesso de
comida. Por outro lado, as crianças que buscam na comida a fonte de
satisfação e o combustível necessário para enfrentar as frustrações do dia-a-
dia contam com uma certa dose de aprovação (não consciente) das famílias
para tal prática.
Mas por que viver com base nas diferenças? A diferença não é um ponto de
vista? Não seria mais fácil ter uma coerência ou uma congruência entre os diferentes
sistemas de representações coletivas?
Afinal de contas, as pessoas vivem em co-presença, segundo Goffman (1988).
Se elas estão em família, existe uma fachada social que permite a aproximação de
outras pessoas, ao mesmo tempo em que uma exclusão de seus segredos, de sua parte
mais íntima. Elas agem de acordo com as regras sociais de conduta, mas o que se passa
nos seus bastidores, como enfatiza Goffman (1988) não chega à superfície de uma
discussão. Será que se mantendo em silêncio, as famílias não querem perder a imagem
que foi socialmente construída por terem uma criança com Síndrome de Down? E a
criança, como fica? Ela tem uma imagem de si e uma outra, a que a sociedade faz dela
e lhe atribui.
165
6.1.3 – AS CRENÇAS E O SIGNIFICADO DO ATO DE COMER
Na família Atrapalhada, o ato de comer para Carmem significa comer muito
para crescer. Carmem desenhou uma bananeira para simbolizar o seu significado do
ato de comer. Carmem conseguiu se ver em seu desenho: “baixinha, gordinha,
cabeluda...”. Carmem identificou no tronco grosso e curto da bananeira o seu próprio
corpo. Sua bananeira foi desenhada bem forte, bonita e com muitas bananas, pois foi
bem adubada: “esterco de galinha, gado, de tudo... faz uma árvore bem grande”. Ela
também precisa de muitos alimentos para crescer: “comida... muita comida... feijão,
arroz, salada, carne, peixe, ovos, macarrão...”. E assim Carmem o fez com seu filho
quando o mesmo era pequeno.
Carmem contou que Moises recebeu uma “alimentação reforçada” até uns
dois anos e pouco”. De acordo com Carmem, Moises era muito fraco, muito
magrinho”, ela e seus familiares achavam que Moises “não iria vingar”. Portanto,
desta forma foi lhe ofertado comida forte”: farinha láctea, leite ninho, vitamina, ovo
de codorna...
Ao fazer a sua árvore alimentar, Moisés identificou a copa frondosa e carregada
de maçãs em seu desenho, como a grande quantidade alimentar ingerida por ele. Ao
questioná-lo sobre o porquê das inúmeras maçãs desenhadas, Moisés respondeu:
“porque eu como um monte”. Ele também disse que plantou a macieira pequena e que
agora ela havia crescido. Para Moisés, comer significa ser grande, ele come para ser
grande. Portanto, comer é para ser grande, para crescer, para vingar, para não morrer,
assim como seus pais fizeram com ele, quando o mesmo era bebê. Neste momento,
percebe-se novamente o ato social de comer repetindo-se de geração em geração:
comer para vingar, para viver; e a influência do social no individual: o que significa o
ato de comer para Carmem também o é para seu filho.
Portanto, pode-se dizer que cada pessoa tem a sua própria experiência
registrada de forma subjetiva, de acordo com seu sistema de crenças e valores, mas
que tem algo que é comum a todos os envolvidos no campo em que ela se
desenvolveu. Então, algo que é peculiar à pessoa e que parte de uma linguagem
comum, de um mundo comum.
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Schottz (2006), coloca que o hábito alimentar de cada pessoa, grupo ou
sociedade é determinado por inúmeros fatores associados biológicos, geográficos,
psicológicos e culturais, além dos econômicos. Culturalmente, o papel da família é
reconhecido como fundamental nessa formação: as mães são as principais
responsáveis pelo alimento que entra em casa. A escolha do alimento, a quantidade
que deve ser ingerido, depende da crença sobre o seu efeito no organismo humano.
Crenças esta imbricadas culturalmente na sociedade à qual as mães pertencem. É no
ambiente familiar que crenças e valores são adquiridos para serem transmitidos às
novas gerações, o que o torna um excelente enquadramento para intervenções. Das
crenças encontradas nas famílias em estudo, discuto as que se seguem.
6.1.3.1 – Crença sobre o ganho de peso
A fim de compreender como a questão cultural influencia o modo de agir das
pessoas, em especial relacionado ao ato de comer, é preciso buscar identificar as
crenças que sustentam o hábito alimentar. As crenças representam o elemento
subjetivo do conhecimento. Muitas delas o inquestionáveis e imutáveis. Repetem-se
simplesmente, pois, ao serem ignoradas, podem causar mal à pessoa, sobretudo aos
bebês, às crianças.
Desde que se nasce, vai-se compondo mapas internos e gravando-os no
inconsciente. Esses mapas se traduzem nas verdades de cada ser, na sua história que
determina suas crenças. As crenças nascem da educação na infância, de exemplos de
pessoas, de experiências repetidas e registradas na mente consciente, que se traduzem
em comportamentos inquestionáveis. o praticados pura e simplesmente, porque a
pessoa sabe que trarão um resultado específico, vivido por seus antecedentes. Os
comportamentos mantêm e reforçam as crenças. As crenças não nascem com a pessoa,
elas são adquiridas ao longo da vida. Enquanto imutáveis, tornam-se "verdades"
culturalmente aceitas (BUENO, 2002).
Dentro das famílias estudadas, as crenças sobre o porquê do aumento de peso
ficaram explicitadas durante as dinâmicas realizadas. Por exemplo, na família
167
Atrapalhada, Antônio relatou que começou a ganhar peso após os 40 anos de idade.
Disse que acha que seu aumento de peso foi devido à idade, à diminuição da atividade
física e, também, porque comia demais. Ah, isso é da idade”. Antigamente a gente
comia pouco ao meio-dia, porque nós trabalhava no centro e passava à lanche,
mas à noite eu comia bem. Eu acho que é porque comia demais”.
Sua crença tem fundamento científico, pois as necessidades de energia
diminuem com a idade. Em adição ao declínio normal no metabolismo, uma
diminuição na atividade física reduz ainda mais as necessidades energéticas (MAHAN
& SCOTT-STUMP, 1998). Foi o que aconteceu com ele, além, é claro, do hábito
alimentar errôneo.
Este aumento de peso de Antônio também pode estar associado ao fato dele ter
comprado sua barbearia e esta ter ficado mais próxima a sua residência. Isto pode ter
contribuído para Antônio ficar com menos stress, fazendo com que houvesse um
relaxamento na sua alimentação. “Ele mudou de emprego, montou uma barbearia pra
ele em casa. Tudo nessa época aí [próximo aos 40 anos de idade]. Ele começou a levar
uma vida mais tranqüila. Não precisava mais pegar ônibus. A barbearia era dele, era
mais tranqüilo” (CARMEM).
Na família Buscapé, Suelen disse que ganhou peso após ir trabalhar num
Hospital Psiquiátrico em São José/SC. Suelen associou o modo de preparo dos
alimentos com seu aumento de peso. Lá, a comida era feita “no vapor”,
diferentemente de sua casa. Acha que não aumentou sua ingestão alimentar neste
período, mas o fato dos alimentos terem esta forma de preparo, a vapor, é que faz com
que a pessoa aumente o peso. Uma crença que não tem nenhuma sustentação teórica-
científica.
Entretanto, próximo ao período de ganho de peso Suelen relatou que perdeu seu
pai. Seis meses antes de trabalhar o pai faleceu. Ela confessou que sentiu muito a falta
do pai, pois os dois mantinham uma relação muito estreita de amizade e
companheirismo. “Meu pai morreu o meu filho tinha quatro meses. Doze anos sem a
mãe, a gente convivia com ele... Ai ele sempre me chamava pra fazer as coisas,
porque ele sempre tinha assim oh, um galo pra matar, um porco... Ele sempre me
chamava pra eu ajudar”.
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Somado a isto, Suelen relaciona o seu aumento de peso ao fato de ter parado de
fumar, o que se pode justificar através do conhecimento de que muitas pessoas
compensam a sua ansiedade por não estarem mais fumando, com uma maior ingestão
de alimentos, o que provoca um significativo aumento de peso. Elas engordam em
média oito quilos após um ano sem cigarro (GUEDES et al, 2005). De acordo com o
Ministério da Saúde (2001), de forma geral, 1 em cada 10 fumantes pode ganhar de 11
a 13,5 Kg ao parar de fumar, ficando a média de ganho de peso após a cessação de
fumar em torno de 2 a 4 Kg. Ao ser questionada se tinha aumentado a comida para
compensar a falta do cigarro, Suelen negou. Disse que o seu consumo alimentar
permaneceu o mesmo. Fuga para não encarar a verdade?
a família Flores, contou que no caso de Osvaldo, o início do aumento de
peso coincidiu com a ingestão, introdução dos alimentos sólidos, como macarrão,
feijão, batata frita, frango aos 5 anos de idade. Ele [Osvaldo] demorou muito pra
começar a comer assim sólidos, era tudo amassadinho... antes ele não era gordinho,
mas sempre foi barrigudo, desde bebê. Uma barriguinha proeminente ele sempre teve.
De vez em quando, fazia fisioterapia, mas depois, à medida que ele foi crescendo,
ficando com mais idade daí é que ele foi ganhando peso” (REGINA). A crença que
está por trás desta avaliação é a de que a introdução dos alimentos sólidos foi o que fez
com que Osvaldo iniciasse seu processo de aumento de peso. Entretanto, este fato não
tem nenhum fundamento teórico-científico. O que acontece de fato, é que se a
quantidade de alimentos oferecidos a Osvaldo for superior às suas necessidades
nutricionais, o aumento de peso fatalmente acontecerá. Além disso, este tipo de
abdômen proeminente é uma característica da própria síndrome.
Na família Buscapé, Amanda começou a ganhar peso aos 14 anos de idade. Ela
associou este fato à alimentação que mantinha naquela época no colégio. “Na escola a
gente comia muita sopa, muita macarronada”...
A alimentação em excesso nas fases da infância e da adolescência, sobretudo a
que investe em demasia em alimentos hipercalóricos, como os carboidratos
combinados, podem levar a um aumento do tecido adiposo, resultando em sobrepeso e
obesidade. É justamente nos períodos da lactância e da adolescência que ocorre
169
primariamente a hiperplasia (aumento do mero de células) do tecido adiposo
(MAHAN & ESCOTT-STUMP, 1998).
O número de células de gordura aumenta em ambas as crianças: magras e
obesas durante toda a infância até a adolescência, mas o número aumenta mais rápido
nas crianças obesas do que nas magras (MAHAN & ESCOTT-STUMP, 1998). Desta
forma, a ingestão de alimentos calóricos em excesso contribui para o aumento de peso
tanto na infância como na adolescência. Na fase adulta então, torna-se uma marca
muitas vezes desgastante.
De acordo com os princípios da Programação Neurolingüística (PNL) todas as
crenças errôneas acerca de qualquer fato podem ser modificadas, incluindo-se aí, as
sobre o ato de comer. Bueno (2002) coloca que somente a partir da mudança de atitude
mental é que se pode conduzir as pessoas a aprenderem novas habilidades, novas
crenças. É com a inserção de um novo aprendizado que isto pode se concretizar.
Entretanto, nesta pesquisa devido à complexidade do contexto, a técnica da ancoragem
(técnica utilizada pela PNL para se chegar à mudança de atitude mental) não foi
realizada. Todas as crenças a respeito do ganho de peso por parte das pessoas com SD
foram explicadas a partir da sustentação teórico-metodológica, reforçando a
importância da ajuda de uma pessoa especialista na quebra de crenças errôneas, como
um programador neurolinguístico. Esta ação sentida e necessária ficou ao critério de
cada família.
Na família Boaventura, Bela contou que Festival de Dança começou a ganhar
peso aos 13, 14 anos de idade. Aentão, ele era uma criança magra. Neste período
inicial da adolescência, houve a descoberta do hipotiroidismo. Entretanto, este fato na
época, camuflou um outro acontecimento muito marcante na vida de Festival de
Dança: a sua saída da classe da Deise.
Deise foi a professora que alfabetizou Festival de Dança, ensinou-o a tocar
flauta e fez teatro com ele e seus amigos. Ele ficou dos 11 aos 14 anos de idade junto
com esta professora. Bela contou que Festival de Dança sentiu muito por deixá-la e a
seus amigos. “É bem triste” (FESTIVAL DE DANÇA). “Pode ser que ele tenha
sentido sim, porque o Festival de Dança tinha uma integração perfeita. O
desenvolvimento do Festival de Dança, a fase de desenvolvimento dela neste período
170
teve uma integração perfeita. Porque caminhou o cognitivo com vamos dizer, o
social” (BELA).
De acordo com Brennan (1987), enquanto ser humano de relações, se a pessoa
esquece quem ela é: um ser sensitivo, emocional e integrado, cria bloqueios mentais
com relação às experiências vividas, separando-se do seu Eu integrado e,
conseqüentemente, gerando a doença, tanto física quanto psíquica independentemente
de ter ou não Síndrome de Down. Neste contexto, não poder expressar-se
emocionalmente pode levar ao sobrepeso e à obesidade. Se Festival de Dança não
conseguiu verbalizar isso, usou o seu corpo como instrumento de demonstração de sua
emoção.
De acordo com Spada (2005, p.12)
O corpo tem uma linguagem a qual é a única que não saberia mentir. Ele
interpreta e reage com fineza ao desamparo psicológico por meio de
manifestações psicossomáticas. O corpo pode reagir a uma ameaça
psicológica como se ela fosse de ordem fisiológica, portanto, saída de uma
clivagem entre psique e soma, ligada à desnutrição dos estados afetivos.
Pode-se pensar a obesidade como conseqüência de um bloqueio na
capacidade de representar ou elaborar as demandas pulsionais que o corpo
faz ao espírito e vice-versa.
Ghiorzi (2004) diz que é também desde a infância que as pessoas aprendem a
esconder suas emoções, não as dizerem. Isto é registrado em seus corpos e em seus
imaginários, criando bloqueios, censuras, proibições. Desta forma, a comida irá
preencher este não-dito, esta proibição.
6.1.4 - A FALTA DE LIMITES
Desde o primeiro momento em que eu pude participar do quotidiano da família
Flores, percebi que Osvaldo não tinha limites. Seus pais entravam no jogo dele, o da
chantagem para conseguir o que queria, e também o chantageavam para conseguir
171
controlá-lo. Para qualquer situação, inclusive para comer, a chantagem era utilizada
para se obter algo: atenção, silêncio, obediência, boca aberta... Não havia limites de
ambas as partes.
De acordo com Zagury (2001, p. 23) dar limites é
Ensinar que os direitos são iguais para todos; ensinar que existem outras
pessoas no mundo; fazer a criança compreender que seus direitos acabam
onde começam os direitos dos outros; dizer “sim” sempre que possível e
“não” sempre que necessário; mostrar que muitas coisas podem ser feitas e
outras não podem ser feitas; fazer a criança ver o mundo com uma
conotação social (con-viver) e não apenas psicológica (o meu desejo e o
meu prazer são as únicas coisas que contam); ensinar a tolerar pequenas
frustrações no presente para que, no futuro, os problemas da vida possam
ser superados com equilíbrio e maturidade; evitar que seu filho cresça
achando que todos no mundo têm de satisfazer seus mínimos desejos e, se
tal não ocorrer, não conseguir lidar bem com a menor contrariedade,
tornando-se, sim, frustrado, amargo ou, pior, desequilibrado
emocionalmente; dar o exemplo (quem quer ter filhos que respeitem a lei e
os homens tem de viver seu dia-a-dia dentro desses mesmos princípios
ainda que a sociedade não tenha apenas indivíduos que agem dessa forma).
Além disso, dar limites é ter regras claras: o que pode e o que não pode ser
feito; o que é ético e/ou que não o é. Quando se fala em limites, não se refere somente
aos outros, mas para si próprio também: o que posso/ quero fazer e o que eu não posso/
mas quero fazer.
Zagury (2001) ainda coloca o que pode acontecer quando os pais não impõem
limites: descontrole emocional, histeria, ataques de raiva; dificuldade crescente de
aceitação de limites; distúrbios de conduta, desrespeito aos pais, colegas e autoridades,
incapacidade de concentração, dificuldades para concluir tarefas, excitabilidade, baixo
rendimento; agressões físicas se contrariado, descontrole, problemas de conduta e
problemas psiquiátricos nos casos em que há predisposição.
Regina e Sérgio afirmaram que impor os limites aos filhos é difícil. “É difícil
porque a gente vem de uma educação, de uma formação. Teu marido vem de outra,
172
na hora de dar, tu tem um modelo, ele tem um modelo, vocês se divergem, tu acha
que tu é o certo, sempre acha que tu é o melhor. Hoje em dia, como tu disse, os filhos
questionam mais. Eu acho que a maior dificuldade aí. Eles rebatem, coisa que
antigamente nós não fazíamos. Eu acho muito complicado” (REGINA). “Porque cada
um tem uma personalidade diferente, o teu limite pode ser diferente da outra pessoa.
Não dá para pôr limites na vida de outras pessoas. A principio, o que eu acho... Limite
para os filhos é hora para a brincadeira, hora de comer, hora de estudar, hora de
usar o computador. Seria praticamente isso para os filhos” (SÉRGIO).
Porém, ao mesmo tempo, Regina sabe que para se colocar os limites tem que
haver uma negociação. Esta deve acontecer entre ela e seu marido, ela e seus filhos e
ela consigo mesma. Somente através do diálogo familiar, os limites poderão existir.
“Pode ser assim, eu vou comprar, mas tu vai comer só um pedaço, não vais comer
tudo de uma vez só. Vou levar uma caixa de bis, mas é um por dia. Tem que negociar”
(REGINA).
Em contrapartida, Sérgio falou que é difícil impor limites para os outros. Ele
relatou que impõe limite para si próprio. “Eu botei como limites para mim: não ficar
muito tempo fora, ficar mais tempo com a família. Ter uns limites internos: assim vai
numa festa, tem vários pratos de comida, pra gente o comer tudo... a gente põe
limites pra gente”. Será que ele é coerente no que diz e que faz? No decorrer das
dinâmicas, Regina e Bárbara queixaram-se de que ele traz trabalho para casa e joga
muito futebol com os amigos, passando pouco tempo com sua família.
Pode-se estabelecer um paralelo com a dificuldade em dar limites aos filhos da
família Flores com a história da humanidade no quesito de educação familiar. Primeiro
tudo era proibido. O respeito e a obediência aos pais, sobretudo à figura paterna, e aos
mais velhos, eram inquestionáveis. Tudo girava em torno do poder patriarcal.
Mulheres ficavam em casa, cuidando dos filhos e da administração das tarefas
domésticas (ARIÈS, 1981; COSTA, 1999; DONZELOT, 1986).
Depois, veio a guerra. As mulheres começaram a ocupar os postos dos seus
homens que estavam no campo de batalha e o trabalho fora do lar passou a ser
necessário e indispensável. Com a saída das mulheres de casa, veio o sentimento de
culpa pelo abandono dos filhos e, o que antes era proibido, passou, muitas vezes, a ser
173
permitido, como forma de se redimirem da culpa (ARIÈS, 1981; COSTA, 1999;
DONZELOT, 1986).
Além disso, o efeito psicológico da guerra, o medo de perder a vida dos filhos e
a sua própria, gerou uma necessidade muito grande de se viver o aqui e agora, com
toda intensidade, onde a permissividade passou a imperar (ARIÈS, 1981; COSTA,
1999; DONZELOT, 1986).
Entretanto, todos viram que proibição exagerada, assim como permissividade
exagerada, não contribuem com o crescimento de ninguém. Psicólogos e sociólogos
passaram a ditar a necessidade de se encontrar o meio termo. A necessidade de limites
na educação e na convivência com os outros, permeia o quotidiano do ser humano
(GHIORZI, 2004).
Especificamente no ato de comer, a falta de limites faz com que a família use os
alimentos de forma errônea, baseada na troca, no jogo do engana-engana, da
chantagem, da liberação, muitas vezes para não se incomodar, em outras, para não
olhar e encarar a verdade. “É assim ó: de uns tempos pra ele começou a cobrar
que ele não cresce, então, tudo que a gente diz que é pra crescer ele come. Vou levar o
mamão lá na lancheira, mas o mamão é bom pra crescer, ah tá, daí ele leva”
(REGINA).
Como Osvaldo não come frutas, Regina contou que diariamente ele tem levado
uma fruta para comer antes do lanche servido na escola. Só que lá na escola, o
alimento é usado como recompensa com o seu consentimento: “daí lá, elas
[professoras da escola] só deixam comer o lanche se ele comer primeiro a fruta. E se
não, não come o lanche. Só se comer a fruta primeiro”.
“Ele tem os horários dele assim, ele acorda, toma remédio, depois toma
Nescau, daí come pãozinho, daí a gente enrola um pouco ele porque ele sempre pede
mais. Dali uma hora mais ou menos, toma mais um nescauzinho... o enrolar ali não é
que tem uma chantagem” (SÉRGIO). Antigamente acho que eu tinha dito pra ti,
uma vez eu usava pra acalmar, mas acho que hoje eu não tenho essa necessidade”
(REGINA).
“Agora ele reclama, até a tarde. Ele diz que a barriga pedindo, ele diz:
com fome!” e digo: “tás com fome o qguri, isso é hora de come? Não faz muito
174
tempo que almoçasse, como é que a barriga pedindo? Pois é amor, mas agora não
é hora de fazer lanche”... mas ele vem na cozinha toda hora, antes ele não dizia que
tava com fome, agora ele fala”(REGINA).
Pelos relatos de Regina, pode-se constatar que a contradição entre ceder e
impor limite está presente nela. Eu digo: “ah, a barriga, muito barrigudo, vai
explodir”... daí ele diz: não, não vai”. No final ele vai e aceita... Se tu insistir um
pouquinho, que às vezes a gente fica com pena de negar comida, tem aquela coisa,
“ah ele tá com fome, a criança com fome, tu vai dizer não, vai negar comida?”...
Mas eu percebi que às vezes, ele pede, daí tu diz não, ele pede de novo, ele entende
e pára de pedir. Então é a questão do momento”.
A falta de limites de uma criança ou adolescente está ligada à predominância do
Eu-criança no momento das relações das pessoas com Síndrome de Down e suas
famílias nas suas escolhas alimentares ou, pelo menos, nos seus desejos alimentares
(BERNE, 1987).
Cada pessoa tem um conjunto de comportamentos e de sentimentos que se
inter-relacionam quando eles entram em relação. A esse conjunto Berne (1987)
denominou de estado de ego. Para ele, existem três estados de ego que se tangenciam
durante o processo relacional da pessoa. São eles: estado de ego pai (o que eu posso);
estado de ego adulto (o que sou) e o estado de ego criança (aquilo que desejo)
(BERNE, 1987). Sabe-se que ter desejo é saudável, alimentar um desejo, cuidar dele,
também, mas nem todos os desejos são exeqüíveis, pois podem ou prejudicar o outro
que está em relação ou a si próprio.
Esse conjunto de comportamentos e sentimentos se estruturam na primeira
infância da pessoa, a que vai do zero até os sete anos de idade. Aqui a criança é uma
esponja: ela absorve tudo o que es ao seu redor e, sobretudo, o comportamento
daquelas pessoas que estão mais diretamente ligadas a elas: normalmente, os pais
(BUENO, 2002). O mundo se resume nela e nestas pessoas. A maneira com se
trabalham os desejos e as necessidades nesta etapa de vida, vai determinar o modo
como se comportarão nas fases subseqüentes. Se é o EU QUERO quem predomina, a
vida será sempre um jogo deste estado de ego, onde serão convidadas a participarem
as pessoas que confirmarão o seu papel mais forte, o do seus desejos imperativos.
175
Portanto, os pais devem conhecer esse mecanismo e auxiliarem seus filhos a
contrabalançarem os três estados de ego e encontrarem o trágico da vida, ou seja, o
meio do caminho conciliador (MAFFESOLLI, 2003). Neste contexto, a formação de
bons hábitos nas crianças depende e muito da conduta dos pais, seja pelo exemplo não-
verbal (procurando também manter uma alimentação adequada, evitando certos
excessos, principalmente na frente dos filhos, mantendo o ambiente de comer
prazeroso, calmo, aconchegante), seja pela informação passada sobre este ato de
comer. Novamente se constata que dar limites é saudável e adequado.
Na família Buscapé, a falta de limites para com Ester também existe. O jogo do
engana-engana também ocorre ao invés do limite. Às vezes passa um carro e ela
[Ester] fala ‘eu quero!’. Eu falo “não, esse é produto de limpeza, volta pra lá!”
(AMANDA). “É, engana”(SUELEN).
Por que os pais cedem? Eis a questão, pois esta atitude também é encontrada
em famílias que não têm uma criança com Síndrome de Down, logo, não se pode
vincular somente à questão da culpabilidade por ter gerado um filho assim, à questão
da pena pelo fato do seu filho ser diferente” das outras crianças. Mas o que vem a ser
“ser diferente”?
Santos (2003) coloca que a questão dos limites permeia a lista interminável de
dificuldades em relação à obesidade infantil.
Para Spada (2005, p. 28), a obesidade situa-se frequentemente em torno de um
ambiente familiar alterado no qual se podem identificar características de
superproteção, rigidez e falta de solução dos conflitos”.
A autora ainda destaca dois traços comuns em famílias que possuem algum
membro com transtorno alimentar: 1) quase sempre a mãe e o pai têm dificuldades
para estabelecer limites e normas claras, confundindo a todos acerca de seus próprios
limites e dos outros e 2) os pais (gênero masculino) são descritos, quase sempre, como
figuras mais omissas e distantes do grupo familiar, como se o participassem muito
do dia a dia da família ou não se interessassem muito por isso (SPADA, 2005). Estes
dois aspectos estão presentes na história da família Flores.
Na família Boaventura, a chantagem alimentar também acontece. Para Bela a
chantagem é necessária, pois somente assim Festival de Dança obedece. Tem que
176
funcionar assim, senão, não funciona. Ele é muito difícil. Se ele se comportar direito,
for para aula, à noite a gente pode ir um barzinho na sexta-feira. Quer ir num
barzinho com a gente? A gente vai almoçar fora, mas primeiro a gente tem que passar
lá no fulano, dar uma caminhada... aí a gente pode ir almoçar fora” (BELA).
Entretanto, Bela assume que esta chantagem aconteceu depois que Festival de
Dança se tornou adolescente. “É agora de adolescente. Essa fase. Quando criança,
não tinha problema. Ele fazia birras, a gente tinha que pôr limite, é uma questão de
posição, sim. A gente educava. A educação a gente não negocia... a educação dele
não é para se negociar” (BELA). Neste ponto, o papel de educar que cabe aos pais é
reconhecido e exercido por Bela.
A questão dos limites nunca foi um problema para a família. Sempre. Para ele
e para ela [com relação aos limites]. O que a gente faz chantagem hoje é que é
adolescente, mais acomodado... Ele pode sair com a gente sexta à noite, sábado
pode sair, domingo. a gente combina que a tal hora ele quer estar em casa pra ele
fazer os programas dele” (BELA). Aqui em casa ninguém faz tudo o que quer, tem
limites, tem as regras também, né? Regras e deveres. Cada um tem que respeitar o
espaço do outro” (LESSA).
Entretanto, Bela afirmou que Lessa faz as vontades de Festival de Dança. Ele
faz, que eu e a minha filha não fizemos de jeito nenhum. Agora o pai dele segue
totalmente. Então o pai dele até participa nisso. “Ah, não tem Festival de Dança,
vou lá na padaria comprar pra ti” (BELA).
6.1.5 – A INSACIEDADE DAS PESSOAS COM SÍNDROME DE DOWN
Outro aspecto muito relatado pelos familiares das pessoas com Síndrome de
Down que tem ligação direta com o significado do ato de comer, especificamente para
as pessoas com Síndrome de Down, foi a dificuldade de saciedade delas.
Na família Unida, Carol disse que em casa, é arroz, feijão e carne. Ontem à
noite foi arroz, feijão, carne e farofa por cima. Ele [Everton] fica “eu tô com fome, eu
tô com fome...” eu já disse pra ele, é isso ou isso”.
177
na família Buscapé, Suelen falou que a Ester é assim oh, se ela quiser só o
arroz com feijão, ela come isso. Às vezes ela come a carne... Não é assim todo
dia o que ela quer, o que tem a gente põe ali né, pouquinho né, porque depois se
quiser, a gente põe mais. A gente não põe aquele monte pra depois... Geralmente o
repetir aqui em casa, é pra deixar no prato” (AMANDA).
Na família Atrapalhada, Antônio diz para Carmem e para Moises quanto que
eles devem comer para eles não comerem a mais, pois, mãe e filho exageram nas
quantidades de alimentos servidos. “Pra não ficar tão barrigudo, porque já estão tudo
gordo. Quanto mais come, mais barrigudos vão ficar” (ANTÔNIO).
Antônio admitiu que se ambos desejarem, eles poderão ter autonomia para
comer menos. “Se quiser parar, pára, né. Ainda bem que eles comem bastante
salada”.
“Hoje eu botei duas colheres de arroz pra ele [Moises] e dois pedaços de
galinha, era ensopada a galinha, mas não botei muito molho não... e botei era alface e
salada de tomate picadinha e couve mineira, com um pouquinho de farinha. Depois só
repetiu com mais salada e mais um pedacinho de galinha. E não comeu mais arroz”
(Carmem).Se deixar ele come bastante” (ANTÔNIO).
Apesar de Carmem servir Moises, parece que ela sempre cede aos pedidos do
filho.
A explicação científica para o fato das pessoas com Síndrome de Down terem
dificuldade para parar de comer após uma refeição, reside no fato de terem hipotonia
muscular generalizada. De acordo com Coelho e Castanheira (2003), por terem os
músculos envolvidos na digestão flácidos, as pessoas com Síndrome de Down tendem
a comer sem parar. É esta flacidez muscular que não a sensação de saciedade após
uma refeição.
A falta de saciedade em Festival de Dança é exemplificada pela grande
ingestão de líquidos junto com a comida. Ele toma dois litros por refeição no
restaurante, toma mais um suco ou uma garrafa d’água se deixar. Se deixar ele toma
o dia inteiro, eu não sei como é que cabe. Eu fico impressionada” (BELA). “A
quantidade de líquidos é impressionante. Às vezes ele toma refrigerante faz 15
minutos, ele vai deitar, levanta e vai pegar água” (LESSA).
178
A falta de controle alimentar também acontece com Festival de Dança, porém,
seus pais falaram que, somente quando ele exagera na ingestão alimentar, é que eles o
repreendem. “Isso [controle alimentar] a gente faz quando ele exagera. A gente
fala” (BELA). “Pega leve, olha a maionese, olha o ketchup. Isso é diário” (LESSA).
As fibras alimentares presentes nas frutas, verduras, hortaliças e alimentos
integrais podem ajudar a minimizar o problema da dificuldade de saciedade nas
pessoas com SD. É sabido do poder de saciedade das fibras, que promovem a
satisfação da fome e conseqüente ingestão menor de alimentos (CUPPARI, 2002).
Além disso, o consumo de alimentos ricos em fibras é eficaz no controlo do peso e no
combate à obesidade, uma vez que o seu baixo valor energético contribui para a
diminuição do valor calórico total da dieta. Os alimentos ricos em fibra necessitam de
melhor mastigação, estimulando uma maior secreção de saliva e de suco gástrico, que
distendem o estômago e favorecem a sensação de saciedade. Na presença de fibras, a
velocidade do esvaziamento gástrico é reduzida, diminuindo a fome e prolongando a
sensação de saciedade. A fibra contribui ainda para a diminuição da absorção de
ácidos graxos e de sais biliares no intestino delgado (MANHAN & ESCOTT-STUMP,
1998).
Todos estes benefícios do efeito das fibras no controle da saciedade e da
obesidade foram explicados às famílias no decorrer da pesquisa. A estratégia a ser
usada, então, é a de dar alimentos ricos em fibras a seus filhos.
Existe também àquelas pessoas que são eternamente insatisfeitas com aquilo
que comem. Como explicar isto? O que acontece é que a insatisfação é com a vida,
com a própria pessoa e não com a comida em si. A alimentação apenas serve como
uma válvula de escape para aquele desconforto espiritual, no sentido de
desenvolvimento, de prazer e alegria. O vazio interno que dentro das pessoas é a
verdadeira razão para a eterna insatisfação com a quantidade de comida (SPADA,
2005).
Decorrente também desta disfunção muscular, as pessoas com Síndrome de
Down acabam sendo rotuladas como incapazes de escolher e preparar o seu prato.
Autonomia e independência ficam prejudicadas.
179
6.1.6 - AUTONOMIA E INDEPENDÊNCIA RELATIVA NO ATO DE COMER
De acordo com Pueschel (2006), a hora das refeições oferece excelentes
oportunidades para combinar a aquisição de habilidades manuais com o aprendizado
social e cognitivo. Embora o ritmo de desenvolvimento de crianças com Síndrome de
Down possa ser mais lento, apresentando necessidades que requerem compreensão
especial, a maioria geralmente consegue alimentar-se com independência, superando
os problemas na hora da refeição (PUESCHEL, 2006).
Na família Unida, Everton exerce sua autonomia em relação à alimentação.
“Agora ele se serve. Sempre controlei direitinho, agora não preciso mais controlar”
(CAROL). Carol ensinou Everton a servir-se da quantidade que o satisfaça, sem ter
desperdício ou abuso da comida. “Hum. Quando ele já põe um prato muito cheio eu
chamo a atenção”.
Na família Atrapalhada, Carmem contou que Moises tem livre acesso à
geladeira. Ele pode comer o que quiser. Ele pega, se serve e come.
A família Boaventura mostrou ser um grande exemplo para as outras famílias
no que tange à independência de seu filho com Síndrome de Down. Bela contou que
Festival de Dança pode decidir o que comer, tendo as coisas dentro de casa, não
precisa ter alguém com a comida pronta pra ele. Ele é um rapaz de 21 anos, ele tem
que se virar porque todo mundo trabalhando. Não ter alguém ali com
responsabilidade, isso que eu falando. Essa independência. Ele sabe a hora de
tomar banho, ele sabe organizar o quarto dele, ele sabe separar a roupa suja da
limpa, ele sabe o que lanchar. A rotina dele é independente. Se eu vou viajar de
manha, ele sabe exatamente o que fazer de manha até à noite. A gente sempre
procurou dar autonomia para ele muito rápido, né?
Os pais podem ter uma influência definitiva no desenvolvimento da
independência dos filhos. A busca da autoconfiança é um aspecto primordial no
processo de maturação da criança com Síndrome de Down. É importante no
desenvolvimento de sua auto-estima, que a criança se sinta satisfeita e realizada
quando consegue fazer algo sozinha (PUESCHEL, 2006).
180
Além disto, este é o papel social da família: transmitir e ensinar a seus filhos
como se comportarem frente as mais diversas situações do dia a dia, dentro dos seus
limites de autonomia e independência.
Resgatando minha compreensão de autonomia e independência relativa, poder
escolher o que comer, até mesmo preparar sua refeição e ter condições para colocá-la
em prática, para as pessoas com Síndrome de Down implica na compreensão de
relatividade. Todas as pessoas com SD possuem limitações, assim como as pessoas
que não possuem SD, umas mais que as outras. Cabe à família observar e identificar as
limitações de seus filhos e desenvolver suas capacidades específicas, sem levá-los a
condições de risco. Ninguém é totalmente autônomo e independente, pois toda a
pessoa é um ser de relações. Repetição e exemplo são elementos essenciais nesta
tarefa. O ato de comer também envolve escolhas, posturas e criatividade. Usar o lúdico
e a arte, inovar na alimentação, é a estratégia possível. Preparar pratos coloridos,
variados, saborosos aos olhos, contar histórias sobre as vitaminas, sobre os alimentos...
Deixar a imaginação tomar conta do ser é uma saída que se mostrou aprovada nesta
pesquisa.
Bela também ressaltou que cada membro da sua família respeita as preferências
dos outros. “Isso que eu digo, cada um tem sua individualidade, seus prazeres, seus
gostos. Ninguém tem medo de errar entre nós. Ninguém tem medo de errar perante os
outros. A gente não tem aquela preocupação do que os outros vão pensar o que é mais
ou menos isso que acontece. A gente não tem essa preocupação. Porque assim, do
jeito que eu lido com ele ali, eu lido com ele na rua, então se um menino ali na rua
vem e tira com ele no botequinho, eu disse: “não precisa ter medo Festival de Dança”
(BELA).
Com toda a certeza, a família Boaventura se preocupa em educar seus filhos
para a autonomia e independência relativa. Bela sempre se preocupou com a melhor
educação de seus filhos: contextualizada, dialogada e dando oportunidades de
escolhas. Ela é pedagoga e sempre praticou o diálogo em casa, explicando os porquês
de atitudes e comportamentos, de proibições e liberações, inclusive, explicando os
temores dos pais. Dessa forma, Festival de Dança tem um quotidiano típico para sua
idade dentro de suas possibilidades.
181
Assim, a família Boaventura permite aos seus membros o exercício de sua
cidadania. Pode-se dizer que todos os significados construídos diariamente por
Festival de Dança e sua família acerca do ato de comer e de outras situações sociais,
decorreram da interação social compartilhada e respeitosa entre eles.
As outras 4 (quatro) famílias deste estudo, não deixaram transparecer esta
propriedade de preparo e respeito para a autonomia e independência relativa nas
interações sociais. O mais praticado foi a superproteção decorrente do medo, da culpa,
da impaciência e da descrença de que fossem capazes de exercerem autonomia e
independência relativa. O que corroborou com meus pressupostos com relação aos
sentimentos dos pais de pessoas com Síndrome de Down; da influência da família no
não-aprendizado de autonomia e independência relativa e de que estas pessoas são
capazes de exercerem esta condição, desde que saibam o que querem e como podem
fazê-lo, além de serem compreendidas, respeitadas, acreditadas e estimuladas para tal.
6.2- SÍMBOLOS SIGNIFICANTES DO ATO DE COMER PARA AS FAMÍLIAS
De acordo com Eliade (2002, p. 8)
O pensamento simbólico não é uma área exclusiva da criança, do poeta ou
do desequilibrado: ela é consubstancial ao ser humano; precede a
linguagem e a razão discursiva. O mbolo revela certos aspectos da
realidade – os mais profundos – que desafiam qualquer outro meio de
conhecimento. As imagens, os símbolos e os mitos não são criações
irresponsáveis da psique; elas respondem a uma necessidade e preenchem
uma função: revelar as mais secretas modalidades do ser. Por isso, seu
estudo nos permite melhor conhecer o homem, “o homem simplesmente”,
aquele que ainda não se compôs com as condições da história.
Assim, um mbolo liga as pessoas ao bem e ao mal que dentro delas. Por
exemplo, os pais deixam de ser somente pessoas bondosas e passam a serem tiranos,
aqueles que proíbem os filhos de fazer algo, que dão castigos, que exigem o
cumprimento de tarefas, etc. Um símbolo ocupa o lugar de uma palavra, de uma
intenção, de um desejo. Ele sentido ao que fica implícito em uma relação, ao que
182
fica suspenso, em silêncio durante um diálogo. Ele significado ao que se sente. Ele
deve ser compartilhado, desde que se pretenda estar por inteiro na vida (GHIORZI,
2004).
Retomando-se as idéias do Interacionismo Simbólico, Mead (s/d) coloca que é a
partir das interações entre as pessoas que surgem os significados e que, quando estes
são compartilhados, se traduzem em símbolos.
O símbolo é o conceito central do Interacionismo Simbólico, pois sem ele não é
possível a interação humana. Símbolos são classes de objetos sociais utilizados para
representar alguma coisa. Objetos físicos, ações humanas e palavras podem ser
considerados símbolos (OLINISKI, 2006). É através do processo de interação que as
pessoas constroem os significados.
A interação humana pode ser mediada pelo uso de símbolos, pela sua
interpretação e pela determinação do significado das ações dos outros, ou seja, a ação
humana é constituída com base nos significados que as pessoas atribuem aos objetos,
aos fatos (MEAD, s/d).
Desta forma, o significado do ato de comer para cada pessoa é construído
diariamente através da interação familiar, do modo como cada um dos seus membros
age em relação a ele, o que leva à sua definição por cada membro familiar, mas
também através da socialidade das imagens divulgadas pela mídia.
Para se compreender o significado do ato de comer de uma família, é
indispensável se compreender como ocorre a interação familiar e social. Para Mead
(s/d), a sociedade é um processo social que precede a mente e o self. A atividade
grupal se baseia no comportamento cooperativo por parte dos membros da sociedade,
sendo que a cooperação entre os seres humanos ocorre quando cada ser percebe a
intenção dos atos dos outros e constrói a sua própria resposta. Logo, o comportamento
humano envolve uma resposta às intenções dos outros, transmitidas pela comunicação
não-verbal. Os gestos, dentro deste processo comunicacional e relacional, podem
adquirir um sentido comum e, aí, são denominados de símbolos significantes. Os
gestos são símbolos.
A partir desta compreensão, a metodologia utilizada para fazer vir à consciência
a compreensão das pessoas deste estudo com relação ao significado do seu ato de
183
comer, não poderia ser outra que não o lúdico, a arte. Desta forma, o conjunto das
dinâmicas vivenciais empregadas, permitiu a compreensão do símbolo significante
familiar que representava o ato de comer para cada família em estudo.
Partiu-se da interação direta proposta por Mead (s/d) entre o “eu” (a parte
espontânea, impulsiva, desorganizada e imprevisível da pessoa) e o mim” (atitudes
organizadas dos outros que a pessoa assume). “O ‘eu’ provoca o ‘mim’ ao mesmo
tempo que reage a ele” (MEAD, S/D, p. 205). Assim, é a pessoa que define o mundo
em que age, o que envolve escolhas conscientes, autodireção, realizada de acordo com
a avaliação que faz de sua própria ação e da ação dos outros e redirecionamento de si
próprio (MEAD, s/d).
6.2.1 – Identificando o símbolo significante do ato de comer
Para a família Atrapalhada o símbolo significante que representa o ato de comer
é a mesa posta, com cadeiras. O significado deste símbolo para a família é: fartura,
união, reunião. “O importante é sempre junto. Ali fartura. Porque na hora da
comida tem sempre fartura. Na hora da comida o que o pode faltar é comida”
(ANTÔNIO).Eu também acho que reunir também é importante. É como na época de
Jesus com os discípulos à mesa, reunia” (CARMEM).
De acordo com o Dicionário de Símbolos de Chevalier & Gheerbrant (1999), o
significado da mesa é: compartilhamento, comunhão da refeição, comunhão do
diálogo, comungar o dia a dia. Este significado universal, histórico coincide com o
significado dado pela família Atrapalhada à mesa.
Ao longo de nossos encontros, a família Atrapalhada deixou transparecer que
este significado de fartura, muita comida permeia suas vidas. “A gente não cresce
mais. A gente come mais de esganado. Devia comer menos, porque a gente não
crescendo mais, né?” (CARMEM). Gestualmente, este significado ficou evidenciado,
quando no nosso último encontro, que ocorreu na residência da família Atrapalhada,
Carmem preparou dois tipos de lanches (sanduíche de atum e empadão de frango)
184
numa quantidade exagerada para o número de participantes, indicando que a fartura
definitivamente simboliza o ato de comer para a família.
Para a família Unida, assim como para a família Rodrigo, o símbolo
significante que representa o ato de comer para eles é a mesa, entretanto para a família
Unida, é uma mesa dentro do caminhão. O significado deste símbolo para a família
Unida é: união, reunião. “Não é só o comer. Também tem que ter... tem que ser família
unida. Não adianta sentar ali e comer onde um esde cara virada pro outro, tudo
brigando. A comida nem alimenta direito. Então, a família tando unida, a comida faz
um efeito melhor. Eu acho, eu sinto um amor, carinho grande de ficar perto deles
[filhos] e a gente comendo. Eu penso assim” (CAROL). A família explicou que a
mesa dentro do caminhão simbolizava poder comer dentro do caminhão. Para esta
família, o caminhão é o elo entre eles, a confirmação da presença do marido, do pai. É
que se sentem em união, em paz, felizes. Durante nossos encontros, muitas vezes
compartilhei com a família Unida o café da tarde. Este era sempre colocado à mesa,
onde comíamos e continuávamos as discussões do dia, sempre juntos, reunidos.
Assim, a mesa é definitivamente o local simbólico de reunião para esta família.
Carol sabe que o ato de comer é muito mais do que nutrir o corpo: é nutrir a
alma com harmonia familiar. Pois assim, corpo e alma irão fazer parte desta comunhão
diária: comunhão de comida, de amor, de união, de beleza. Desta forma, o significado
do ato de comer para a família Unida não é comer; precisa ter união e beleza. O
desenho do caminhão foi o gesto significativo de confirmação da necessidade de
união. Além disso, Carol gesticulava com os braços abertos, buscando o aconchego de
todos no seu abraço.
Oliniski (2006) também coloca que os símbolos são desenvolvidos socialmente
por meio da interação quotidiana, compartilhada. A família Unida compartilha
tranqüilidade, reunião, amor, carinho, harmonia interna. Ela se utiliza de símbolos,
interpreta-os e dá um significado próprio ao ato de comer.
A família Buscapé aponta como símbolo significante que representa o seu ato
de comer, o peixe. O significado deste símbolo para a família é o da sobrevivência. “O
peixe significa a comida, a comida para nós... é sobreviver. O peixe sobrevive igual a
nós. A sobrevivência pra nós... comer é sobreviver” (SUELEN).
185
Percebe-se através das falas de Suelen e Amanda que sobreviver e viver para
elas não m diferença. “Eu não sei explicar. Sobrevive a gente vive. Agora a gente
tem que lutar para se manter. A alimentação, a gente tem que comer para sobreviver”
(AMANDA). “Viver a gente vive. Sobreviver a gente tem que manter, eu acho.
Acho que tem que se manter para sobreviver” (SUELEN). E se manter com o quê?
“Com a alimentação, com o ar, com várias coisas” (SUELEN). Família, união”
(AMANDA). “A dignidade, o caráter tem que ter para sobreviver” (SUELEN).
Através das respostas dadas pela família Buscapé, percebe-se que ela aponta
alguns elementos essenciais do viver, mas não os colocam como significantes para o
ato de comer. Viver e se alimentar se dicotomizam. O ato de comer envolve outros
nutrientes além dos carboidratos, proteínas, lipídeos, minerais e vitaminas. Envolve
também motivação, prazer, energia, carinho, cuidado para si, lazer, bem-estar,
convívio. Tudo isto compõe o ato de comer.
Por que esta família sente assim? Certamente um dos aspectos que se pode
apontar é o da perda do encantamento pela vida, passando a encará-la como algo sem
brilho, sem paixão. A família passa a viver o seu quotidiano de forma mecânica e
repetitiva (GHIORZI, 2004). Assim, o viver se anula dando lugar ao sobreviver. A
chama da paixão pela vida acabou, porque o tempo para se cuidar, de dar atenção para
si mesmo é quase inexistente. Desta forma, as rotinas massacrantes do quotidiano os
engolem, fazendo de suas vidas particulares um mero momento de sobrevivência,
apagada, sem brilho.
É interessante salientar que o significado a cerca do ato de comer envolve todos
os membros da família Buscapé. Assim, Amanda se confronta com o mundo que a
rodeia cheio de significados, onde o ato de comer se inclui, provocando nela uma
interpretação e uma resposta, onde o gesto de imitação da rotina diária da mãe
(acordar, tomar café, ir trabalhar, voltar, tomar banho, jantar, ver novela e dormir)
repete-se sem brilho, sem gosto e sem prazer. Em uma das visitas domiciliares,
constatei a monotonia alimentar (mesmas cores dos alimentos, não variação de
cardápio e sem decoração) e a expressão facial das pessoas que estavam se
alimentando era de indiferença ao que comiam, parecendo comerem por comer. Além
disso, não falavam, não se inter-olhavam, apenas comiam.
186
De acordo com o Dicionário de Símbolos de Chevalier & Gheerbrant (1999) o
significado do peixe é: espiritualidade, nascimento, elemento de regeneração,
revelação, pureza, fertilidade, fecundidade, amor, alegria e longevidade. Todos estes
significados universais traduzem exatamente o que a família Buscapé não tem em seu
ato de comer, não tem em suas vidas, mas, estranhamente, o escolhem como um
símbolo. Pode-se pensar que, de acordo com os postulados de Mead (s/d) e Haguette
(1992), falta uma interação de cada membro desta família consigo mesmo: a conversa
interior para que encontre em si o processo social de experiência comportamental que
levou a esta cisão entre o universal e o individual, sentido e vivido no coletivo
familiar.
A família Flores, quando solicitada a formar em conjunto o seu símbolo
significante do ato de comer, apresentou a mesa com quatro pratos, enfatizando a
importância da reunião deles. Entretanto, não é o que vivenciam em seu quotidiano.
“Eu gosto quando todo mundo junto, mas nem sempre consigo. É cada um por si”
(REGINA). Desde o ano passado, a família não faz as refeições conjuntamente.
Regina come com Osvaldo. Em seguida, Sérgio chega e come. E, por último, chega a
Bárbara e come sozinha. Isto se deve aos horários de trabalho e de estudo. Entretanto,
nem nos finais de semana eles comem juntos, pois muitas vezes Bárbara sai com os
amigos. Talvez neles ela encontre aquilo que sua família não dá: atenção, carinho. Isto
ficou comprovado gestualmente por mim, quando numa manhã de sábado fui à sua
residência fazer uma dinâmica e Bárbara ao término da mesma foi almoçar com seus
amigos. Desta forma, naquele dia a família não almoçou reunida. Sérgio acha que
poderia almoçar junto com sua família, pois desta forma seria um tempo a mais
investido neles.
Portanto, inconscientemente, no seu imaginário, o desejo de comerem reunidos
tenha sido manifestado através da identificação simbólica da mesa. Esta foi uma ótima
oportunidade para se conscientizarem que o desejo de compartilhar uma refeição, de
estarem juntos, ainda não é executado, mas está lá, na mente, de forma latente.
O significado de compartilhamento, comunhão da refeição e do diálogo
atribuído à mesa por Chevalier & Gheerbrant (1999), não é existente no quotidiano
familiar da família Flores. Assim, pode-se questionar: o diálogo acontece quando? O
187
dar atenção, carinho, colo, afagos existe em que parte do dia? Talvez, por não existir
nem diálogo, nem atenção, a imposição dos limites para a família Flores, seja
praticamente inexistente ou difícil de ser colocada em prática no seu dia a dia.
Para a família Boaventura, o símbolo significante que representa o ato de comer
é uma figura abstrata que representa um elo de ligação, significando reunião, estar
junto simplesmente pelo prazer de estar junto. “União é a hora que a gente junto.
Pela postura de que a gente senta à mesa e almoça junto e janta junto, entende. Desde
criança, a gente prevê isso, é uma coisa nossa. A hora que a gente quer ficar junto, a
gente almoça, entende. A gente procura almoçar junto. Fazer um churrasco, um
cozido, para estar junto” (BELA).
Gestualmente, este significado ficou evidenciado, quando jantei com eles,
através de risos, de comer devagar e conversando, naquela noite sobre o rotavírus, de
maneira interacional, trocando idéias, dando opinião. Eles estavam juntos por prazer.
Estar junto com o outro pelo prazer de viver este momento, é, como enfoca
Maffesoli (1996), a maneira contemporânea de se dizer o simbolismo, no
reconhecimento do outro e na procura do outro através do reconhecimento.
Aqui se instala o princípio relacional: a identificação de si pelo reconhecimento
do outro. Há um sentimento de pertencer, de fazer parte de uma tribo. Então, através
da figura abstrata (imagem não acabada) é que percebem a possibilidade de se
religarem e de interagirem afetuosamente. O sentimento de pertencimento leva a um
consenso, no sentido de partilha, para chegarem a uma sintonia relacional, conforme
propõe Schütz (1994), onde a individualidade morre e o conjunto prevalece. O
ambiente se torna da ordem do imaginário, do lúdico e do onírico. Isto é consenso, que
é da ordem afetual e emocional. O ambiente se torna simbólico, pois é mediado pelos
símbolos significantes, que são apreendidos e aprendidos pela interação.
Desta forma, o significado do ato de comer para as famílias estudadas resumiu-
se em: reunião familiar, união, estar junto, ligação familiar, sobrevivência,
compartilhamento.
O que aqui foi apresentado corrobora com a idéia do Interacionismo Simbólico
de que a família consiste em pessoas interagindo umas com as outras ou em relação ao
outro. A interação social é o processo que forma a conduta humana e é a partir dela
188
que todas as coisas que estão entorno das pessoas adquirem um significado. Atrelado a
estes significados, está o do ato de comer, que para cada família deste estudo tinha um
significado atrelado à cultura, ao social e às suas vivências. Muitas não tinham
consciência do que sentiam e se surpreenderam ao visualizar e refletir sobre seu
imaginário. Social e individual, no sentido de particular, singular, se mesclaram e se
exteriorizaram a partir do registro de memória de cada pessoa frente ao ato vivido.
Assim sendo, a pessoa isoladamente não tem força suficiente para ir além das
forças externas que a circundam, pois é o outro que está próximo de si, aqui também
compreendido o Outro Social, quem lhe reconhece como ela é. A partir desta
compreensão, pode-se dizer que o ato de comer mostrado e copiado pelos membros de
uma família está enraizado no grupo ao qual pertencem, pelas vivências sociais.
Destacou-se também, na visualização deste símbolo significante, a influência
do espírito do tempo na formação de um símbolo. Um tempo cíclico.
6.2.2 – O TEMPO CÍCLICO E O RITMO FAMILIAR
De acordo com Ghiorzi (2002), o tempo cíclico carrega consigo uma
ambivalência: a das luzes (a força que impulsiona a pessoa para viver, o que
compreende seu crescimento e o seu declínio) e a das sombras (a força que acaba com
a vida física do ser humano: a morte). O tempo cíclico cria uma realidade que é
repetida através dos arquétipos e dos rituais, dentre eles está o ato de comer.
De acordo com Maffesoli (2003), a repetição de um ciclo se faz sempre sob a
forma “espiralesca”, porque se cai sempre um pouco perto do ponto de partida no
processo de retornar (GHIORZI, 2002). Um fato é vivido singularmente, mas sua
singularidade se enraíza num substrato arcaico não temporal. Tudo o que é vivido com
intensidade emocional é registrado na memória, faz vir à consciência o que já está lá.
Escuta-se a vida quando se vive o tempo cronológico, biográfico e sociológico.
Para Ghiorzi (2002), o tempo de se escutar, estando aberto para o mundo, para os
outros, para suas experiências, para suas histórias de vida é também um tempo não
acabado, não produtivo. É o tempo de se lembrar. Um tempo, sobretudo, qualitativo
189
que exprime crenças, valores, normas, costumes e maneiras de uma pessoa ou de um
grupo social para se adaptarem às condições temporais da existência, suas estratégias e
manobras para contornarem as condições impostas por um meio dinâmico. Condição
esta de se ter um (a) filho (a) com Síndrome de Down e de como o ato de comer,
impregnado de convicções e crenças familiares sobre o significado de sua prática, se
insere, de como ele é conduzido, trabalhado no quotidiano familiar.
As famílias jogam frequentemente com o caos sob a forma de transgressões das
regras que foram criadas para dar uma forma à vida coletiva e social.
E é exatamente o que se observa na família Flores. A falta de diálogo entre os
familiares faz com que se gere a falta de limites, falta de regras claras para todos os
membros familiares. Esta falta de limites é uma forma de transgressão da vida
quotidiana em família. Conseqüentemente, o caos familiar é instalado. Todos os
membros estão insatisfeitos: pais e filhos. Desta forma, acham-se caminhos para a fuga
da realidade, onde o ato de comer é encaixado, utilizando a comida e a televisão como
medidas paliativas para o caos.
O tempo cíclico pode ser evidenciado na maneira como Regina e Bárbara
tratam Osvaldo. Também a compensação/liberação alimentar para com Osvaldo é
repetida por Regina e por sua mãe (avó de Osvaldo). Este retorno cíclico, utilizando-se
a comida como subterfúgio, está impregnado à maneira de educar Osvaldo.
Para Spada (2005, p.23) a mãe
[...] muitas vezes por não poder suportar ou se dar conta de seu
próprio mundo emocional, transfere para a criança expectativas
pessoais e frustrações, sobrecarregando-a emocionalmente e/ou com
alimentação. Por sua vez, o filho também aceita colocar-se nesse
lugar, que certamente lhe traz alguma “compensação”, instalando-se
um círculo vicioso e prejudicial para a dupla.
Outra situação cíclica na família Flores é o pouco consumo/aceitação das frutas
e saladas por todos os membros. Tanto Regina quanto Sérgio não fazem muita questão
de comê-las. Desta forma, seus filhos também repetem este comportamento.
190
Esta concepção cíclica do tempo, mostra que o que existe é um tempo móvel:
nem totalmente linear, nem totalmente cíclico, mas que vaivém de dentro da pessoa ,
de sua essência para o mundo ao seu redor. Existe uma necessidade vital de
regeneração. Necessidade antropológica baseada na convicção de que a vida sempre
recomeça (MAFFESOLI, 2003). Isto significa dizer que a pessoa vive o tempo
cronológico, biográfico e sociológico, escutando a si mesma, abrindo-se aos outros e
ao mundo, podendo se adaptar às condições temporais da existência impostas pelo
dinamismo do viver. O tempo individual e o tempo familiar podem ser diferentes e,
normalmente, as preferências individuais são ignoradas, para se cumprir as convenções
familiares e as convenções sociais.
Simbolicamente, este tempo se mostrou para a família Boaventura como
repetição de hábitos transmitidos de geração em geração como uma realidade
referencial, onde a rotina teve um papel importante. Por imitação, Festival de Dança
adaptou sua preferência alimentar à transmitida por seus pais. A oportunidade de
experimentar novas situações depende agora, da compreensão dos pais em modificar o
que está ritualmente sendo repetido, permitindo acréscimos, sem medos do novo.
Na família Unida, o comportamento de ansiedade de Carol, que é descontado na
comida, representa dar o seu corpo em sacrifício, para acumular tristezas e doenças e,
assim, ser vista como uma vítima. Este comportamento está sendo repetido por
Everton. É preciso romper com esta repetição e o trabalho deve ser começado por
Carol, mostrando-lhe o seu comportamento e indicando-lhe outras formas para a
resolução da ansiedade, para que reconstrua o significado que esdando a si mesma e
interferindo na educação de Everton. É preciso que ela recupere sua harmonia interna,
pois ela tem interferência no seu entorno.
Na família Buscapé o gosto por massas é visto em Suelen, Amanda e Ester.
Todas elas apreciam as massas em geral. A liberação da comida por parte dos pais de
Ester é repetido por sua irmã Amanda para com ela. A chantagem é feita por Suelen e
repetida por sua filha Amanda para com Ester. O tempo cíclico se mostra como um
símbolo de educação com regras de ritualização para que a família consiga obediência
de Ester, caracterizado por uma rotina com dificuldades de argumentos para tal. Esta
família construiu o seu processo educacional a partir da sua cultura, do registro dos
191
acontecimentos que marcaram sua vida, sua história.
E enfim, na família Atrapalhada, o ciclo de se alimentar em abundância marca a
importância dada para a família com a quantidade dos alimentos e a sua influência no
estado geral de saúde de cada um de seus membros. Moisés incorporou este ritmo
familiar e, de acordo com a história familiar marcada por doenças com relação direta
ao metabolismo, precisa reconstruir o seu significado de comer.
Ainda é preciso ressaltar que, dentro do tempo espiralesco, o ritmo favorece o
equilíbrio entre “o querer viver” da pessoa (interno) e a pressão do mundo (externo).
Segundo Maffesoli (1995, p. 33), o ritmo é “uma forma harmoniosa, que se inscreve
num processo (dinâmico) de pequenas seqüências (estáticas) que se ajustam umas às
outras”.
Cada pessoa que compõe a família possui seu ritmo individual, acompanhado
de um sentimento de duração de tempo, que dá intensidade a um certo momento que se
caracteriza como um instante eterno (BERGSON, apud GHIORZI, 2002). Cada
família tem o seu próprio ritmo e suas representações que, em um determinado
momento, se colocam em relação com o pensamento de outras famílias e constituirão,
de maneira harmoniosa, as divisões do tempo social.
O ritmo é a manifestação de uma vontade de adaptação do mundo interior de
cada pessoa que se exterioriza e chega a uma harmonia social. Conhecer este ritmo
familiar facilitou a compreensão do significado atribuído ao ato de comer.
Na família Boaventura, o ritmo alimentar familiar foi alterado devido ao câncer
de seu pai e seu irmão. Bela contou que não tinha tempo para caprichar na
alimentação, pois a correria era grande. “Claro que quando eu muito corrida não
é assim tão caprichada [alimentação], porque, quando tais correndo num hospital,
corre pro outro... Então tu faz rapidinha ... [alimentação]. [Caprichada] No sentido
de fazer a salada tranqüila, de fazer uma salada de frutas, ter um suco... [rapidinha]
de fazer um macarrãozinho rápido com carne”.
Além disto, de um ano para cá, devido à mudança na rotina familiar, Festival
de Dança fica o dia inteiro na escola, sua filha na universidade e devido ao ritmo de
trabalho do casal, a alimentação da família foi modificada: eles almoçam juntos nos
finais de semana. Durante a semana, sua filha almoça na universidade, Festival de
192
Dança na escola e Lessa e Bela comem ou em casa ou em restaurante. Além disso,
Bela falou que uma adaptação encontrada pela família para re-estabelecer seu antigo
ritmo familiar foi o dela preparar pratos de que seus filhos e marido gostam para a
reunião familiar voltar a acontecer durante os finais de semana.
Na família Atrapalhada, o ritmo alimentar familiar foi alterado quando Antônio
adquiriu sua barbearia, pois neste momento ele retornou a comer em casa com a
família e deixando de almoçar os “lanches” de que ele tanto gosta. Desta forma, ele se
readaptou a rotina doméstica. Entretanto, Antônio admitiu em nossas conversas que
ultimamente estava comendo sanduíche na hora do almoço ao invés do tradicional
arroz com feijão e carne. Esta foi a maneira encontrada por Antônio para se readaptar
ao seu ritmo alimentar estabelecido pela rotina do trabalho.
Na família Unida, o ritmo alimentar familiar é alterado toda vez que o marido
de Carol retorna para casa de suas viagens. Ela disse que prepara nestes dias a comida
que seu esposo gosta e a família reunida faz as refeições. Neste momento o ato de
comer da família se completa: o coroamento entre o compartilhar a refeição e o
estar junto, reunido.
O ritmo alimentar na família Flores é alterado quando nas férias a família toda
se reúne com os outros familiares, alugam uma casa de praia e todos reunidos
almoçam.
Na família Buscapé, o ritmo alimentar familiar é alterado quando Suelen,
Amanda e Ester almoçam na associação do clube de futebol da cidade. Amanda faz
parte da diretoria do clube e, muitas vezes, almoça lá. Neste momento, a alegria, o
encontro com os amigos, o prazer, a descontração, o cuidado de si é incorporado ao ato
de comer dessas três mulheres, pois ele não se traduz somente em comer para
sobreviver. Ele agrega outros “nutrientes” que alimentam a vida do dia a dia.
Quando as pessoas valorizam o tempo de si e o tempo do outro, o que está
permeando esta atitude é o sensível presente no quotidiano minúsculo e que se traduz
por um misto de sentimentos, paixão, imagens e diferenças, segundo Maffesoli (1995).
Viver este quotidiano, ainda sob a óptica de Maffesoli (1995), com a qual concordo, é
valorizar as categorias de análise como o jogo duplo; o uso de máscaras; a trama social
com seus dramas, caos, festas e o trágico.
193
Neste estudo, o jogo das máscaras auxiliou na identificação dos elementos
constituintes do símbolo significante do ato de comer das famílias pesquisadas.
6.2.3 - O JOGO DAS MÁSCARAS
É no quotidiano que podemos conhecer e compreender o jogo de máscaras que
as pessoas de uma família e ela própria usam no decorrer do tempo. Maffesoli (2003)
chama essa condição de funcionamento pessoal e familiar de mitologia das máscaras.
O autor coloca que a pessoa não é senão uma máscara (persona); pontual, que
representa seu papel, sem dúvida, tributário de um conjunto, mas do qual poderá
amanhã, escapar para expressar e assumir outra figura. Isso significa dizer que, ao
longo do quotidiano, do tempo familial, os membros de uma família e a família como
um todo, podem se utilizar de máscaras, como forma de resistência, como aceitação de
um destino vivido e afrontado coletivamente pelo grupo familiar.
Ainda segundo Maffesoli (2003), a mitologia das máscaras se expressa
regularmente quando a “pequena morte”, as mortes do dia a dia, aquelas das dores da
perda, das incertezas, de que tudo está mal acabado, mal elaborado, a dos obstáculos se
faz onipresente. Neste contexto, de acordo com a forma de confrontação com a
realidade de cada pessoa, a família pode trocar de máscaras ao longo de sua trajetória.
Entretanto, o uso das máscaras no quotidiano não é algo vergonhoso ou ruim.
Com o intuito de não promover o desequilíbrio na ordem familiar e até mesmo com o
objetivo de se proteger, todas as pessoas fazem o uso de algum tipo de máscara ao
longo de suas vidas.
A máscara é compreendida por Maffesoli (2003) como uma proteção de todas
as formas de absolutismo, uma carapaça contra a ameaça e a agressão externas. A
máscara não se sobrepõe às pessoas. Ela faz parte delas, permitindo uma liberdade
diante da opressão. Desta forma, as pessoas se salvam através do jogo da aparência, da
manutenção da impressão que não pode ser desmascarada. A máscara ajuda a jogar o
jogo da vida, em todas as suas dimensões.
194
Na família Flores, Regina usa a máscara de vítima com relação a sempre usar
os outros como uma forma de explicar o porquê dela não fazer algo em sua vida. Com
relação à prática desportiva, ela colocou que sempre tem mais coisas para fazer.
Nunca tem tempo, entendeu? Quando eu vejo, já foi”. O motivo por ela não ter
retornado ao mercado de trabalho foi o nascimento de seu filho. Ela admitiu que com o
passar dos anos, ela se acomodou. Amesmo em relação a comer, Regina disse que
come porque “às vezes, tem uma festa... todo mundo come. Aí tu come”.
Regina se faz de vítima para se eximir, por um lado, da responsabilidade e que,
para as coisas darem certo, ela tem que querer e fazer.
Especialmente por ter um (a) filho (a) com Síndrome de Down, as famílias
podem se sentir no papel de vítima de um erro cromossômico, de uma sociedade
estigmatizante e, com isso, culpadas. Para aliviar o peso da culpa, uma das formas
encontradas é a liberação do uso da comida para saciar a si e a sua criança.
Na família Atrapalhada, Carmem também usa a máscara de vítima. Ela disse
que: não faço caminhada, para fazer comida, arrumar a casa”. Carmem sabe o que
deve fazer para emagrecer: fazer caminhada, esportes, comer menos”. Falou também
que não caminha com seu marido à noite, pois tem que ficar em casa com seu filho e
neto.
Carmem usa os outros e as lidas domésticas como desculpa por não fazer a
atividade física que é tão importante para o seu controle de peso. Depois que eu parei
de trabalhar, deixei várias coisas para ficar em casa. Deixei de me cuidar: fazer as
unhas, arrumar o cabelo, para ficar mais em casa” (CARMEM). Apesar desta
justificativa, seu marido disse que ela “não vai porque não quer” (ANTÔNIO).
Na família Boaventura, a máscara de controladora da qualidade e quantidade
dos alimentos foi usada para educar Festival de Dança, no sentido de dar limites a ele.
Bela não se comovia com suas chantagens e manhas “Ele fazia birras. A gente tinha
que pôr limite, é uma questão de posição, aí sim” (BELA).
Agora, na sua adolescência, está acontecendo o inverso: ela usa a liberação dos
alimentos como forma de chantagear o filho para obter o que ela quer que ele faça.“É
chantagem mesmo. É agora de adolescente. Essa fase!”
Entretanto, Festival de Dança também se utiliza da máscara de vítima para
195
com seus pais: principalmente se ele for contrariado. A birra e muitas vezes a
imposição de suas vontades se faz presente no dia a dia. Seu pai cai em seu jogo, e,
segundo Bela, ela e sua filha, não. “Agora o pai dele cede totalmente” (BELA).
Na família Buscapé, a máscara da liberação também se faz presente no
contexto familiar.É só de vez em quando, uma vez ou outra, né?” (SUELEN).
Durante o período de pesquisa, não evidenciei nenhuma máscara na família
Unida.
Do aqui exposto, vê-se que uma máscara, enquanto categoria de autoproteção
da pessoa, por um determinado momento, não é algo prejudicial. Torna-se um recurso
patológico quando a pessoa usa a máscara o tempo todo em seu viver. Ela é a própria
máscara. Assim, é preciso encontrar o meio do caminho entre duas situações que se
polarizam. A esta atitude, Maffesoli (2003) chama de trágico. Existe algo de trágico na
construção do significado do ato de comer por uma família.
6.2.4 – TRÁGICO DO ATO DE COMER
O trágico do ato de comer, seguindo o raciocínio de Maffesoli (2003), está entre
a força vital de escolha própria de uma pessoa e as circunstâncias exteriores que lhes
são impostas pelo contexto social, através do incremento das imagens pela tecnologia.
Nas sociedades contemporâneas, uma tendência das pessoas refugiarem-se
em seus lares, uma vez que “lá fora” se tornou uma ameaça, algo que não se pode
prever no que se transformará. Assim, a família e seu espaço domiciliar tornam-se o
foco das atenções em saúde. É preciso encontrar a harmonia consensual, dentro do
contexto definido anteriormente, que se funda na diferença e na tensão de dois
pólos.
Partindo desta compreensão, o significado do ato de comer passa
obrigatoriamente pela abertura do diálogo das diferenças, buscando apreender a
realidade de cada família e os nexos, significados que dão ao seu viver e,
principalmente, a si mesma.
196
Neste estudo, o ato de comer apresentou-se repetido a partir de uma
necessidade de retorno a um padrão pré-estabelecido pela família, de forma
intergeracional, para não promover desequilíbrio na ordem familiar.
O ritual quotidiano, pelo próprio fato da redundância, tem sabor de trágico:
eterno recomeço do mesmo, mas também um trágico fundador (MAFFESOLI, 2003).
Tomando-se, por exemplo, a finitude humana, Ghiorzi (2002) refere que o trágico se
coloca para a pessoa em viver a certeza de que ela é finita. Junto desse sentimento es
o de querer viver e ela o faz integrando o trágico no seu quotidiano em doses
homeopáticas, de uma maneira negociada. Quando se faz essas negociações com as
pequenas mortes quotidianas, começa-se a afrontar o próprio destino: a morte.
A cada dia vive-se um ritual, preparando-se para a grande morte. que a
repetição desse ritual é de uma maneira diferente, sempre colocando algo novo. É o
que Maffesoli (2003, p.39) chama de iniciação: “reaparecer mudado e, no entanto, o
mesmo”. Para ele, ao integrar a morte, vivendo-a homeopaticamente dia a dia, dá-se à
vida uma qualidade intensa, pois assim se vive a vida que nos tocou.
Então, a alimentação é um ato social impregnado de simbolismo, pleno de
significado que pode ser interpretado como o trágico do viver humano, onde cada
pessoa se permite, no dizer de Rezende (2000) uma pequena indulgência”. Desta
forma, as famílias começam a aprender a administrar seus conflitos e, num tom de eu
mereço”, com grande poder simbólico, permitem-se comer um pouco além.
O “eu mereço” ficou evidenciado em duas famílias: Boaventura e Atrapalhada.
Na família Boaventura, os pequenos prazeres alimentares são vivenciados
esporadicamente como uma forma de recompensa pelas situações stressantes do dia a
dia. “Olha, quando a gente saí é muito bom tomar uma caipirinha pra desestressar... é
muito bom... não é habito de alimentação, mas a gente toma. Coca nas festinhas
(BELA).
Na família Atrapalhada, o consumo dos alimentos ricos em gorduras não é feito
rotineiramente. É só de vez em quando, uma vez ou outra, né? De mês a mês, de 15
em 15 dias” (CARMEM).
197
Durante minha prática de cuidado, Carol disse que controla a ingestão dos
alimentos ricos em açúcares e gorduras de seus filhos: “...as baboseiras, é só de vez em
quando. Final de semana e olhe lá...”.
É importante ressaltar que esse aspecto trágico do ato de comer, não deve ser
visto como uma necessidade, mas sim como um desejo que realizado, tocará na auto-
estima de quem o empregou. Este movimento re-encanta a vida da pessoa e a fortalece
no enfrentamento das dificuldades pessoais e coletivas.
Introduzir o lúdico no momento da alimentação, as cores, enfim, usar a arte, a
criatividade, pode facilitar a aderência a um determinado tipo de alimento e, até
mesmo, minimizar o desconforto que muitas pessoas têm na hora das refeições. Eis
o trágico implementado na construção do significado do ato de comer: ludismo, jogos,
alegrias, entretenimento e outras atividades que valorizem o espírito criativo e não a
repetição.
Na família Unida, por exemplo, Carol excede na quantidade dos alimentos em
função do seu medo de perder o seu marido. Esse comportamento dela é repetido por
Everton. Os dois ficam entre PRECISAR COMER POR ANSIEDADE e NÃO
COMER PARA MANTER A SAÚDE. A partir desta contestação, apliquei em Carol,
com seu consentimento, a técnica da ancoragem, para ela dar um novo significado às
situações de medo que possa se defrontar em seu quotidiano. Assim, ao instalar
sensorialmente a memória de sentir-se segura, a sua reação imediata não seria a de
descontar na alimentação. Consequentemente, Everton percebendo sua mãe mais
tranqüila, segura, não iria repetir o comportamento desenvolvido por ela. Eis o trágico
do ato de comer destas duas pessoas, o meio termo, o caminho encontrado.
Na dinâmica realizada com a família Boaventura sobre o stress ao mesmo
tempo em que brincávamos de uma forma descontraída, informal, lúdica, discutíamos
sobre a importância dos alimentos para ajudar o organismo a “lutar” contra os efeitos
nocivos desta situação. Esta foi a estratégia que encontrei para auxiliá-los a
encontrarem o seu meio do caminho. O caminho encontrado por eles foi comer os
alimentos ricos em açúcares e gorduras e as bebidas alcoólicas somente
esporadicamente, com moderação.
198
Na família Flores, os dois pólos que geravam conflito eram: COMER
CARBOIDRATOS LIVREMENTE e FICAR OBESO. As brincadeiras e os jogos
permitiram que, no decorrer de nossos encontros, fosse explicado para a família a
composição de dois alimentos que Osvaldo mais gosta e come: pão de queijo e miojo.
Enfocando o excesso calórico e de gordura.
Para auxiliá-los a acharem o trágico neste processo, foi falado sobre a
importância das fibras e da atividade física para o controle de peso de seu filho. Então,
em conjunto, acharam a solução: a família, especialmente Sérgio e Regina, vão comer
mais saladas e frutas. Concluíram que eles devem dar o exemplo.
Além disso, nesta família havia a grande luta entre: QUERER A PRESENÇA
DO PAI E MARIDO e O PAI E O MARIDO SE MANTER AFASTADO. Escutando-
os, fazendo-os descontrair e brincar, começaram a rir, a se olharem de forma mais
marota e Sérgio conseguiu perceber e ver a solução para a queixa. Sérgio verbalizou e
assumiu perante si mesmo e perante sua família, que realmente ele é ausente. A
solução encontrada pela família foi a de os quatro almoçarem na mesa da sala, pois a
mesma é maior e consegue acomodar a família inteira, desta forma todos podem
almoçar reunidos. Também, Sérgio sugeriu, que no jantar, a televisão permanecesse
desligada.
Fazer a família pensar e dialogar sobre seus limites, foi fundamental para o
crescimento familiar e individual. Principalmente, porque a permissividade exagerada
deles tem uma relação direta na contribuição do aumento de peso de Osvaldo.
Na família Atrapalhada, os pontos polares eram: DIALOGAR e SILENCIAR.
As estratégias utilizadas os levaram a dialogar. Na dinâmica da construção do símbolo
significante que significasse para a família o ato de comer, o diálogo sobre o porquê da
família não fazer atividade física e não emagrecer emergiu. O trágico para eles, por
consenso foi Carmem fazer um rodízio com Antônio. Quando ela for caminhar pela
parte da manhã, Antônio cuida de Moises e quando Antônio for caminhar à noite,
Carmem permanece com Moises e seu neto. Desta forma ambos podem fazer atividade
física. Carmem também falou que a família deveria fazer uma quantidade menor de
comida para eles. Quanto ao comer em silêncio e em frente à televisão, acordaram em
ouvir uma música relaxante neste horário para poderem ouvir uns aos outros.
199
Com a família Buscapé, o desvelamento dos pontos polares METABOLISMO
DE PESSOAS COM SD e METABOLISMO DE PESSOAS SEM SD, foi o ponto
máximo para que encontrassem o trágico do ato de comer deles. A decisão tomada foi
a de não ofertar os alimentos que Ester gosta com tanta freqüência, especialmente
pizza. Com relação às suas rotinas sem encantamento, acordaram fazê-las
acrescentando algo de novo como: alterar a ordem de ida para o trabalho, comer em
lugares diferentes, conversando entre si, pausadamente. Convidar os amigos para
compartilharem suas refeições.
Até aqui apontei as famílias se percebendo, se conhecendo e encontrando o seu
meio do caminho de forma individual. Mas, quando colocadas em conjunto, marcando
o nosso último encontro, o grupo encontrou as suas respostas para as situações polares
de: TER NA FAMÍLIA ALGUÉM COM SD e OUTROS O; TER PESO
ADEQUADO e QUERER LIBERDADE PARA COMER DE TUDO; TER CULPA
NA ANOMALIA TRISSÔMICA e NÃO TER. Para estas situações polares, o trágico
encontrado por eles foi: de que seus filhos com SD necessitam do mesmo carinho,
afeto, atenção, respeito e educação que seus filhos que não m SD. Os alimentos
devem ser controlados e não liberados a todo o momento. Eles, os pais, não devem
ceder às chantagens de seus filhos. Regina admitiu que conversar com seu filho,
explicando-lhe o que está acontecendo, é melhor do que o chantagear. Brincar com ele,
dar atenção, dar colo também é uma das formas encontradas por Regina para acalmar
seu filho, sem ter que ofertar a comida no seu lugar. E a principal solução acordada
foi: eles darem o exemplo a seus filhos. Carol reconheceu que, quando come por
ansiedade, Everton também pede por comida. Desta forma, seu comportamento está
fazendo com que ele a imite. E esse comportamento não é adequado.
Colocando-se a necessidade de criatividade para a compreensão do mundo
simbólico de cada pessoa, a compreensão da ação da força do destino neste mundo de
significados significantes é indispensável.
200
6.2.5- A FORÇA DO DESTINO E O SIGNIFICADO DO ATO DE COMER
Esse aspecto tem importância fundamental para cada ser que nasce no seio de
uma família. Desenvolver suas capacidades subliminares e criativas, a partir dos
significados desenvolvidos na sua história de vida, coloca o ser humano num status de
sujeito de seu destino, mesmo aqueles que possuem Síndrome de Down. Quando isso
acontece, eles passam de “não tenho poder” para “poder sobre mim jamais”
(LENTALI, 1997, p. 152). Uma família transmite seus valores e crenças, dita as
normas do certo e do errado, mas cabe a cada um de seus membros a escolha de seu
destino.
Assim, atrelada à condição de ser uma pessoa com Síndrome de Down eso
ato de comer, muitas vezes estigmatizado por regras que incluem as dificuldades
digestivas, circulatórias, de autonomia e independência desta pessoa. A pessoa não faz
escolhas. A dimensão imaginária sobre o (a) seu (sua) filho (a) “diferente” autoriza aos
pais a fazerem de tudo para os protegerem de uma realidade social por si só
estigmatizante. Na tentativa de compensação dessa realidade social, o ato de comer
pode adquirir um significado tácito de proteção da “diferença” e comer pode se tornar
um ato de satisfação sem limites de desejos não realizáveis, com conseqüências
negativas importantes tanto físicas quanto psicológicas.
O trabalho de Lentali (1997) coloca o sentimento dos pais de uma criança com
Síndrome de Down como sendo eles os transmissores da síndrome, fruto do imprevisto
genético que marcará a vida de seu (sua) filho (a). Dentro dessa consciência, eles se
questionam sobre como essa criança, que está presa ao diagnóstico de deficiente
mental, pode renunciar ao seu lugar de “eterna criança” (MAFFESOLI, 2003), objeto
exclusivo de cuidados e de inquietudes e poder ser sujeito de seu destino?
Trabalhos como o de Nahas (2004) reforçam o sentimento de pena dos pais em
disciplinarem seu (sua) filho (a) com Síndrome de Down. Um sentimento que
escamoteia o verdadeiro: a sua culpa. Portanto, como o (a) filho (a) será quando
adulto, só dependerá da forma como ele (a) será educado (a). Se a família o (a) educa
para ser uma eterna criança, quando adulta será uma criança dependente. Porém, se a
família o (a) educar para ser uma pessoa livre e independente, se a família o (a) ajudar
201
a desenvolver suas capacidades, quando adulto (a) seuma pessoa independente que
saberá cuidar de si própria e até ter uma profissão que possa ajudar na sua manutenção
(NAHAS, 2004). A esta afirmação de Nahas (2004) sinalizo para o fato de que sim
uma dependência de graus diferentes entre as pessoas que têm a Síndrome de Down.
Então, a autonomia e a independência relativa delas dependem de suas possibilidades.
Trabalhar com estas possibilidades, maximizando o seu potencial, é o fator essencial
para lhes permitir evoluir.
O palco no qual se desenrola o processo de viver da família é o seu quotidiano.
É nesse quotidiano minúsculo que se a vida de todo dia, a maneira de viver das
pessoas, composta por pequenos momentos repletos de significados (MAFFESOLI,
1995). É nesse quotidiano que natureza e cultura se encontram, onde se vive as
alegrias do presente do “aqui e agora” (MAFFESOLI, 1995). É nesse quotidiano pleno
de ltiplas e minúsculas situações vividas, experienciadas que as relações sociais se
efetuam com todas as suas tramas e os seus dramas. Todas as coisas possuem um
significado, ou seja, representam algo para as pessoas e, desde crianças, elas são
inseridas neste mundo de símbolos e significados, onde os hábitos alimentares fazem
parte (GARCIA, 1992).
A partir de seu quotidiano, a família cria seus próprios ritos a cerca do ato de
comer, permitindo a transmissão de suas crenças e valores. E é nele que a família
depara-se com a inter-relação indissociável entre o real e o imaginário: ter um (a) filho
(a) com Síndrome de Down, estigmatizado por uma sociedade por si estigmatizante
e o seu próprio significado dentro deste contexto. No seu mundo particular, o de
significados atrelados às representações, os pais se autorizam a fazer tudo por eles, o
que pode impedir a criança de se tornar um adulto capaz de fazer escolhas, nesse caso
específico, escolhas alimentares que não a aprisionem no fantasma do sobrepeso e da
obesidade, tão comuns nesse tipo de síndrome.
Durante o trabalho de pesquisar-cuidando, pude perceber que a família Flores
não estava mais chantageando Osvaldo com algo ou alguma coisa. Vi Sérgio chamá-lo
e colocá-lo em seu colo, conversando carinhosamente com ele, brincando logo em
seguida com seus carrinhos. Regina também aplicou o que havia se proposto na hora
de negar algo a Osvaldo, explicou e falou normalmente com seu filho, sem gritar ou
202
chantegear. Após esta atitude dela, Osvaldo obedeceu sua mãe. Não gritou, nem atirou
os brinquedos ao chão. Ele compreendeu e pôde, assim como Regina, re-significar seu
comportamento.
6.3. EVIDENCIANDO A SISTEMATIZAÇÃO METODOLÓGICA DA
EDUCAÇÃO NUTRICIONAL
Uma última constatação ainda deve ser feita. É a da sistematização dos aspectos
metodológicos construídos e aplicados em conjunto na educação nutricional destas
famílias. Numa tentativa de síntese deste processo, evidencio:
Família Antes da Re-
significação
Depois da Re-
significação
UNIDA
Esta família comia
compulsivamente perante
as situações de
medo/ansiedade do dia a
dia.
O início da re-
significação do ato de
comer desta família,
começou a partir da
dinâmica da Ancoragem,
feita em Carol, onde o
comer compulsivo
atrelado ao sentimento de
medo foi reconstruído.
Depois disso, ela tem se
controlado e, certamente
haverá reflexo nos outros
membros da família.
BOAVENTURA
Consumo de alimentos
ricos em gorduras pela
família com o objetivo de
liberar o stress.
A partir da dinâmica
sobre o que é o stress e
qual a alimentação que
ajuda a combatê-lo no 6°
203
encontro, onde a família
pôde ver os riscos a que
estavam expostos, por
ingerirem este tipo de
alimento é que decidiram
mudar. O caminho
encontrado pela família
foi comer os alimentos
ricos em açúcares e
gorduras e as bebidas
alcoólicas somente
esporadicamente, com
moderação.
FLORES
Esta família reclamava
que Sérgio não despendia
muito tempo para sua
família e eles não
conseguiam fazer as
refeições reunidas.
Sérgio e Regina não
comem frutas e verduras.
Usam de chantagem,
inclusive com alimentos,
para que Osvaldo os
obedeça. Uso de
alimentos sem limites.
O início da re-
significação do ato de
comer desta família, deu-
se da re-significação do
contexto de educação,
inclusive a alimentar, a
partir da dinâmica dos
Limites. Nesta ocasião,
Sérgio verbalizou e
assumiu que dedica
muito pouco tempo à sua
família. Ele sugeriu que a
família como um todo,
almoçasse reunida
durante o seu dia a dia e
que a televisão fosse
desligada ao comer.
204
Sérgio e Regina
admitiram que irão comer
mais saladas e frutas.
Concluíram que eles
devem dar o exemplo aos
filhos. Regina falou que
brincar com Osvaldo, dar
atenção, dar colo a ele,
também é uma das
formas encontradas por
ela para acalmar seu
filho, sem ter que ofertar
a comida no seu lugar.
ATRAPALHADA
Confecção de grande
quantidade de alimentos
na hora das refeições e o
não hábito da prática de
atividade física por
Carmem e Antônio.
Comer em silêncio com a
televisão ligada.
Carmem disse que a
solução para a prática
desportiva pode ser
solucionada se ela e seu
marido fizerem um
rodízio de horários entre
eles, para cuidarem de
Moisés e do neto.
Carmem também falou
que a família deveria
fazer uma quantidade
menor de comida para
eles, porque comem
demais e estão
engordando. Quanto ao
comer em silêncio e em
frente à televisão,
acordaram em ouvir uma
205
música relaxante neste
horário para poderem
ouvir uns aos outros.
BUSCAPÉ
Liberação de alimentos
sem limites para com
Ester por parte de
Amanda e Suelen. Comer
para sobreviver, sem
prazer, sem
encantamento,
rotineiramente.
Decisão da família de
não ofertar os alimentos
que Ester gosta com
tanta freqüência,
especialmente pizza.
Acordaram fazer suas
rotinas com algo de novo
como: alterar a ordem de
ida para o trabalho,
comer em lugares
diferentes, conversando
entre si, pausadamente.
Convidar os amigos para
compartilharem suas
refeições.
7 - CONCLUSÕES
Desenvolver uma sistematização metodológica de educação nutricional no
processo de re-significação do ato de comer das famílias com pessoas com Síndrome
de Down, constituiu-se num verdadeiro desafio para mim, como nutricionista.
Desafio, primeiramente, porque minha formação acadêmica e minha prática
profissional não me embasavam cientificamente, metodologicamente e sensivelmente
para trabalhar de forma tão audaciosa e inovadora a que me propus. Trabalhar com o
cuidado, conceito este, que aprendi ao longo desta minha jornada, enquanto mestranda,
implicou não no domínio de conhecimento e técnicas de nutrição, mas, e sobretudo,
em olhar e escutar sensivelmente cada pessoa participante deste trabalho, aspecto este
que, até então, não exercia em meu quotidiano.
O olhar e a escuta sensível mostram-me que as pessoas comunicam-se muito
mais autenticamente de forma não-verbal. Compreender o que fazem através do seu
corpo e do movimento dele e se congruência com o que dizem verbalmente, exigiu
de mim muitas idas e vindas, num constante processo dialógico comigo mesma, com
as pessoas e o ambiente em que se encontravam. Realmente, as pessoas são seres de
relações. E a primeira relação social que experienciam é no seio da família.
Este olhar e esta escuta sensível foram empregados para iniciar o processo de
construção-desconstrução-reconstrução do significado do ato de comer das famílias
que estava pesquisando-cuidando. Sem eles, e a correta validação das famílias, não
poderia ter feito afirmações tão específicas sobre o imaginário delas e suas cognições
sobre o tema a ser desvelado.
Assim, o ato de comer mostrou-se como um ato social, de construção entre o
social e o individual. Ele não se resume somente na nutrição equilibrada, teoricamente
calculada e construída por nós nutricionistas. O cuidar nutricionalmente refletiu
compreender o que significa o ato de comer para as famílias como um todo
primeiramente e, singularmente, para cada integrante dela, num processo interacionista
de construção desta realidade. Dizer, calar, escutar e compreender o que estava sendo
dito e o que estava por trás dos seus não-ditos, nos permitiu cumprir o ciclo
interacionista de construção-desconstrução-reconstrução.
207
Imaginário e razão complementaram-se e permitiram às famílias iniciarem o
seu processo de re-significação do ato de comer, ajustando necessidades e desejos,
negociando preferências. O que importa não é somente o que eu como e quanto eu
como, mas sim o que significa para cada pessoa o comer. Era necessário conhecer e
compreender o mundo da subjetividade que envolvia este ato para, na
intersubjetividade de todos, objetivar a sistematização metodológica adequada a cada
família.
Sustentada pelas idéias teóricas do Interacionismo Simbólico de Mead e de
outros teóricos como Maffesoli, Vygotsky, Ghiorzi, entre outros; consegui tocar o
imaginário das pessoas envolvidas nesta pesquisa, permitindo o desvelamento da real
necessidade de cada uma, bem como a compreensão do sentido, do significado do
momento vivido por cada uma, atrelando ao ato de comer.
Este olhar e esta escuta sensível ajudaram-me a mergulhar no quotidiano de
cada família e a construir junto com elas uma sistematização metodológica de
educação nutricional. Todo este processo parecia ser simples de imediato, porém
mostrou-se complexo no decorrer das Visitas Domiciliares. Simples porque envolveu
o dia a dia de cada pessoa que estava sendo cuidada-pesquisada através da arte, do
lúdico e do divertimento. Complexo porque escutar e observar o que não é dito, o que
não é explícito no processo relacional requer habilidade e preparo.
Neste trabalho, a educação nutricional traduziu-se em inovar para captar as reais
necessidades de cada família. Neste caminho, a arte, o lúdico e o onírico estiveram
presentes todo o tempo, ajudando na compreensão e na elaboração desta
sistematização metodológica. Sem dúvida alguma, o lúdico, a arte e o onírico,
colocaram-se como instrumentos que permitiram ao imaginário das pessoas cuidadas-
pesquisadas aflorar e, desse modo, permitiu às famílias compreenderem o significado
do momento vivido, nomeando-o e buscando re-significá-lo.
Assim, a reflexão e a compreensão sobre o significado de seu quotidiano, no
momento exato do processo de pesquisar-cuidando, onde o ato de comer estava
incrustado, auxiliou as famílias a assumirem atitudes que contribuíram com a melhoria
da qualidade de vida delas. Além dos aspectos nutricionais, da ciência da nutrição,
208
também abordei outros aspectos que identificavam cada família, cada pessoa que a
compunha e que tinham ligação direta com o significado do seu ato de comer.
Neste contexto, estava alerta para os sentimentos, as sensações e as emoções
que permeavam o dia a dia das famílias. Trabalhei com o sentimento de medo, que
gerava o comportamento do comer compulsivamente pelos membros da Família
Unida; o de culpa por ter gerado um (a) filho (a) com Síndrome de Down, que
inconscientemente fazia com que os pais, os irmãos, os parentes mais próximos, enfim,
a família, não colocasse limites para com suas crianças, o que ficou confirmado nas
famílias Flores e Buscapé. Trabalhei também, com as crenças da família Atrapalhada
sobre confeccionar e liberar uma quantidade de alimentos para com Moisés e com
Carmem, além de elucidar sobre o uso dos alimentos ricos em gorduras e açúcares
para compensar o stress da família Boaventura.
O Referencial Teórico escolhido guiou teórica, filosófica e metodologicamente
o processo de pesquisar-cuidando, permitindo uma construção da realidade de forma
coerente, seqüencial, levando à operacionalização do objetivo proposto. Neste
trabalho, pude realmente constatar a influência do contexto externo, social, no
contexto interno da família e, mais especificamente, de cada membro familiar, como
Mead (s/d) preconiza. Essa influência traduz-se em uma rede interacionista, como uma
trama que amarra, nós e se apóia nas crenças e valores de cada um e de todos, mas
permite que teçam novos fios. A teia do drama, das alegrias e tristezas do quotidiano,
da natureza se inter-relacionando com a cultura, como enfatiza Maffesoli (1996).
Enquanto trama de fios, cada pessoa interioriza uma experiência particular,
singular, mesmo tendo vivido o mesmo fato em família. Vivendo no presente, no aqui
e agora, executa a troca de bens, de palavras, no contexto das relações sociais Neste
processo, constrói a sua representação de mundo e é com ela que se comunica o tempo
todo. É com ela que pensa, sente e age. É com ela que interage, construindo,
desconstruindo e reconstruindo significados consigo mesma e junto com o outro.
Foi o que vivenciamos, eu e as famílias, através das dinâmicas de:
colagem/desenho/modelagem/montagem; contando uma história ilustrada; construção
do genossociograma; dinâmica dos limites; dinâmica do feedback sanduíche; dinâmica
sobre o que é o stress e qual a alimentação que ajuda a combatê-lo; dinâmica
209
conhecendo o aparelho digestivo; dinâmica conhecendo o metabolismo das pessoas
com SD; brincadeira da amarelinha; construção da árvore individual que represente o
significado do ato de comer; construção do símbolo que representa o ato de comer para
a família; explicação sobre a pirâmide dos alimentos e explicação sobre o índice
glicêmico dos alimentos.
Nosso processo relacional, que é comunicacional, iniciou com ruídos, com
muitos não-ditos subterrâneos que não deixavam que nos revelássemos uns aos outros.
Por muitas vezes, senti-me insegura e com medo. Medo de não saber fazer, de não
saber responder aos questionamentos das famílias e aos meus próprios. As famílias,
por sua vez, mostraram-se participativas e abertas à minha proposta. Claro que a
dúvida, a incerteza e medo pelo novo, inusitado também surgiu por parte delas. Umas
mais do que as outras. Entretanto, o entrosamento e a confiança foram crescendo nesta
jornada, chegando ao ponto de muitas delas convidarem-me a compartilhar o ato de
comer, considerando-me já membro de suas famílias.
E, ao longo desta caminhada, a nossa comunicação foi ficando com menos
ruídos até, finalmente, ser completa: dizíamos, sentíamos e simbolizávamos o que
queríamos expressar. Sabíamos silenciar quando necessário e relativizávamos os fatos,
os acontecimentos, enfim, o contexto verbal e não-verbal, como sendo daquele
momento e não regra geral minha ou da família.
Desta maneira, foi possível evidenciar a rede cultural familiar onde este ato de
comer se inscreve, permeado pelo social e pelo individual, no sentido de particular,
singular Estes dois pólos relacionais se mesclavam e se exteriorizavam a partir do
registro de memória de cada pessoa da família e dessa como um todo, frente às suas
vivências. Neste registro, os filtros neurológicos, sociais e individuais intervieram e
deram significado ao visto, sentido e percebido (como sustentaram Bueno, em 2002, e
Ghiorzi, em 2004). Sem saber o porquê, as famílias buscavam encontrar uma maneira
para resolver o quê fazer nesta tensão bipolar. Na verdade, nada mais estavam fazendo
do que encontrar o trágico, o meio do caminho, do significado do ato de comer. As
famílias tiveram que negociar entre a percepção, a atenção e a ansiedade que a
compreensão desta interação (social-individual) no seu significado do ato de comer,
lhes impunha.
210
Através das técnicas ludopedagógicas, do arsenal da arte em suas múltiplas
proposições (contos, desenhos, dramatizações, música, colagens, dança) à medida que,
o tempo ia passando, os medos foram se tornando potencialidades de crescimento,
indicativos da necessidade de mudança; as culpas tornaram-se certezas da não-culpa;
os desejos e as vontades assumiram a compreensão de “pequenas indulgências”, como
denominou Rezende (2000), que cada família se permitia, que cada integrante dela se
dava o direito de receber, com forte significado de “EU MEREÇO”. O “eu mereço”
ficou evidenciado em duas famílias: Boaventura e Atrapalhada. Na família
Boaventura, os pequenos prazeres alimentares são vivenciados esporadicamente como
uma forma de recompensa pelas situações estressantes do dia a dia. Já na família
Atrapalhada, o consumo dos alimentos ricos em gorduras não é feito rotineiramente. A
sintonia entre nós foi crescendo a tal ponto que pudemos alcançar os objetivos
propostos nesta pesquisa.
Este estudo evidenciou que a autonomia e a independência relativa das pessoas
que compõem uma família, para, por exemplo, escolherem e decidirem o que comer,
nem sempre são consideradas. Em apenas uma família, a família Boaventura, esta
atitude de confiança e de respeito foi demonstrada, inclusive com o seu membro com
Síndrome de Down. Nas demais, a superproteção imperou.
Como assinalado no capítulo metodológico, uma pesquisa qualitativa não
tem a intenção de generalizar os seus achados. Mas, neste estudo, o fato de ter
encontrado uma pessoa com Síndrome de Down praticando a sua autonomia e
independência relativa, não para escolha dos alimentos de sua alimentação, mas
para as outras escolhas do seu viver, me permite dizer ser possível e viável ensiná-las
para esta prática de cidadania. As famílias precisam ter confiança nelas, estimulá-las
para tal. Esta é a tarefa que me cabe, após este estudo. Ou é a tarefa de quem deseja
contribuir com a melhoria da qualidade de vida dessas pessoas tão especiais.
Sem dúvida alguma, a família realmente é fundamental dentro do papel de
educação nutricional, porque é ela quem transmite para seus filhos o primeiro
significado do ato de comer, a partir de sua construção social. Neste processo, da
mesma maneira como Feuerstein (1979) experienciou, ela pode mediar o
desenvolvimento cognitivo de seus filhos com Síndrome de Down, através da
211
interação com o ambiente e a experiência vivida.
Todas as pessoas e, especialmente as com Síndrome de Down, necessitam ter
motivação para aprenderem algo. Trabalhamos com as suas potencialidades para
vencerem as dificuldades impostas pela sociedade e pelo meio em que estão inseridas,
como Martinez (1997) e Pupo Filho (1996) indicaram, de uma forma lúdica, mas
disciplinar, como apontou Pueschel (2006). Eis constituído o ambiente simbólico de
nossos encontros, que se colocava de forma complementar ao ambiente simbólico de
cada família. Esta postura reforçou os postulados do Interacionismo Simbólico que
afirmam que as condutas e comportamentos individuais só são compreendidos, se
compreendemos as condutas e os comportamentos sociais.
Assim, pude perceber a influência da mãe na construção dos hábitos
alimentares, como Euclydes (2000) havia constatado; a necessidade absoluta de não
chantagear a criança ou qualquer pessoa com comida, tão bem defendido por Birch
(1999), pois o registro na sua memória será maléfico para o seu desenvolvimento
integral; a influência positiva em fazerem as refeições com os pais, seguindo os bons
exemplos, aprendendo por imitação, como preconizou Boccia (2000).
Neste conjunto, atuei como a profissional habilitada a mediar o processo de
construção de uma educação nutricional adequada às necessidades de cada família. Fui
eu, nutricionista, quem auxiliou na identificação e compreensão dos significados e a
significação acerca do ato de comer para as famílias com pessoas com Síndrome de
Down, ajudando-as a re-significarem este ato. Entretanto, tenho bem claro que, como
Evers (1998) chamou a atenção com suas pesquisas, uma boa nutrição se traduz em
um hábito diário, o que corrobora o contexto do parágrafo anterior.
Além disso, confirmei que não se pode trabalhar somente uma pessoa da
família, quando se trata de mudança de bito, sobretudo, o alimentar, da mesma
forma que sozinha não pude dar conta deste ser integral, por si só, interdisciplinar. Eu
não pude fazer todo o trabalho sem a colaboração das pessoas que se dedicam a
estudar e compreender pessoas com necessidades especiais, o que reforça a
importância de um trabalho interdisciplinar. O ato de comer é um ato construído
socialmente e deve ser visto e entendido a partir dos vários olhares das áreas do saber:
biológico, antropológico, sociológico, filosófico e psicológico.
212
Através desta pesquisa, pude compreender, na vivência de seu quotidiano, o
significado do ato de comer das famílias com pessoas com Síndrome de Down. Posso
afirmar que, para se instalar uma sistematização nutricional mais adequada, preventiva
do sobrepeso e da obesidade, precisei envolver a família como um todo, em co-
presença como evidencia Goffman (1988), face a face, no seu próprio ambiente,
compartilhando informações, ações e criando oportunidades para a re-significação do
seu ato de comer, quando se fizer necessário. Razão e imaginário, emoções e símbolos
significantes constituem o ambiente simbólico de todos.
Significativamente, o quotidiano desmascarou os disfarces, sendo o difuso, o
pontual e o efêmero a sua tônica. Na perspectiva de análise do quotidiano, não houve
lugar para julgamentos, condenações e justificativas do POR QUÊ de um sentimento,
de uma emoção e de uma ação, como enfocam Maffesoli (1995), Nitschke (1999) e
Ghiorzi (2002; 2004).
Foi valorizada a vida corriqueira, banal de todos os dias, de cada família, dando
importância às suas vivências. Foi assim que pude auxiliá-las no processo
interacionista de construção-desconstrução-reconstrução de sua realidade, valorizando
o seu quotidiano. Foi nele que o ato social de comer se reconstruiu em cada nova
geração da grande família. Isto se traduziu em vivenciá-lo no movimento dinâmico e
criativo do viver. Compreendemos, as famílias e eu, como este ato de comer foi
construído coletivamente por cada uma delas e individualmente por cada pessoa que a
compõe, dando um significado à vida particular e única para cada uma.
Neste contexto, o tempo adquiriu força de intervenção no quotidiano para que o
processo de re-significação do ato de comer tivesse início. Os 12 (doze) encontros que
tivemos para esta etapa de meu estudo, que se somaram aos 17 (dezessete) anteriores
da prática de cuidado, mostraram que viver é ir e vir entre luzes e sombras, entre
alegrias e sofrimentos e que nada assegura as certezas desejadas.
A maneira de como se escolhe viver os limites, a vida, muitas vezes ancorada
nas tendências sociais, é que vai determinar a saúde. Estar doente não pode mais ser
visto como um golpe do destino. O pensar o pode mais ficar restrito ao de
sobrevivência, como o existente nas famílias Buscapé, Atrapalhada e Unida, mas sim,
213
voltado para o prazer de viver, com tudo o que a vida tem de bom e de pior, como
reforça Maffesoli (2003). Cada pessoa escolhe o seu destino.
Desta forma, ter sobrepeso ou obesidade pode ser compreendido também como
uma escolha, a partir das informações que se tem, a partir do modo que se escolhe
viver a vida. Nas famílias em estudo, muitas pessoas obesas, sem Síndrome de Down,
eram tristes, melancólicas, desencantadas com a vida. as pessoas com Síndrome de
Down eram alegres, felizes, confirmando os achados de Marques & Nahas (2003),
Nahas (2004), Robinson (2000), Gilbert (1996) e Pick & Zuchetto (2000).
Ser obeso ou ter sobrepeso não pode estar vinculado ao estigma de ter Síndrome
de Down. E isto justamente foi discutido com as famílias Buscapé, Boaventura,
Atrapalhada e Flores. Os pais das pessoas com Síndrome de Down achavam que seu
(sua) filho (a) estava acima do peso devido à SD. Esta crença foi desmistificada
através da compreensão do porquê que eles têm uma tendência aumentada para o
sobrepeso e a obesidade. Desta forma, ficaram compreendidos os reais motivos de uma
pessoa com SD estar acima do peso: a maneira de como escolheu ou escolheram por
ela (o que é o mais comum) a sua forma de viver.
É claro que uma condição genética com maior tendência para a obesidade e
para o sobrepeso nas pessoas com Síndrome de Down, como evidenciaram Rubin et al
(1998), mas, o que ficou fortemente evidenciado neste estudo, foi que o contexto
familiar de culpas, medos, superproteção, repetição da rotina alimentar, erros
alimentares, falta de atividade física, falta de confiança na capacidade de autonomia e
independência relativa em seus filhos com ndrome de Down, teve maior influência
para o seu aumento de peso. Sendo assim, pode-se pensar em predisposição genética
para o sobrepeso ou a obesidade, independente da SD. Então, concluiu-se que o ato de
comer pode ser re-significado, quando as famílias compreendem que o metabolismo de
cada pessoa reage diferentemente ao que ela come.
Ainda gostaria de concluir, que para com cada família deste estudo, o foco de
trabalho foi diferente: família Flores, enfoque nos limites (uso de atividade lúdicas
como a confecção de cartazes); família Buscapé, enfoque na diferença metabólica
entre pessoas com e sem SD (uso de atividade lúdicas como a confecção de cartazes,
com colagens); família Unida, enfoque nas situações de medo/ansiedade (uso da
214
técnica de ancoragem da PNL); família Boaventura, enfoque no stress sobre o
organismo (uso de atividade lúdicas como a confecção de cartazes, com colagens) e
família Atrapalhada, com enfoque na rotina e prática de atividade física (discussão de
textos).
Assim, desta forma espero ter contribuído com todos os profissionais da área da
saúde e, em especial, os nutricionistas, com o desenvolvimento de uma sistematização
metodológica de educação nutricional para ajudar na re-significação do ato de comer,
não somente das pessoas com SD, mas para com qualquer outra pessoa. Incentivando a
elaboração de ferramentas de trabalho criativas e lúdicas.
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VOLPATO, G. Jogo, Brincadeira e Brinquedo: Usos e Significados no Contexto
Escolar e familiar. Florianópolis: Cidade Futura, 2002. 208 p.
VYGOTSKY, L.S. A Formação Social da Mente. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
p. 104 – 118.
WAITZBERG, D.L. Nutrição Oral, Enteral e Parenteral na Prática Clínica. 3. ed.
São Paulo: Atheneu, 2000. p. 1023 – 1030.
WANG, Y. et al. Trends of obesity and underweight in older children and adolescents
in the United States, Brazil, China, and Russia. Am J Clin Nutr. v. 75. p. 971-7. 2002.
WERNECK, C. Muito prazer eu existo. 4. ed. Rio de Janeiro: WVA, 1995. 259 p.
YOZO, R.Y.K. 100 Jogos para Grupos. 16. ed. São Paulo: Agora, 1996. 191 p.
ZAGURY, T. Limites sem trauma. 14. ed. Rio de Janeiro: Record, 2001. 174 p.
APÊNDICE
229
APÊNDICE 1
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
CAMPUS UNIVERSITÁRIO - TRINDADE
DEPARTAMENTO DE ENFERMAGEM
CEP.: 88040-970 - FLORIANÓPOLIS - SANTA CATARINA
Tel. (048) 331.9480 - 331.9399 Fax (048) 331.9787 - e-mail: [email protected]c.br
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Eu,_____________________________________, abaixo assinado, declaro
através desse documento, que estou ciente do trabalho de pesquisa intitulado “Família,
Pessoa com SD e Nutricionista: Re-significando o ato de comer” que tem por objetivo
desenvolver uma sistematização metodológica de educação nutricional individualizada
para cada família participante deste trabalho. A pesquisa será realizada pela mestranda
Andréia G. Giaretta (tel. 32442003 ou 99611711).
Consinto em participar do estudo de forma livre e espontânea. Consinto que a
pesquisadora à minha residência e faça as dinâmicas propostas para este estudo.
Consinto ainda o uso do gravador de voz para os registros de nossos encontros.
Permito meu filho participar também de todas estas atividades.
Declaro ainda que estou ciente de meus direitos de anonimato e de desistir a
qualquer momento. Também estou de acordo que os dados obtidos sejam utilizados e
divulgados no referido estudo, bem como em eventos científicos.
Florianópolis, ____ de ___________ de 2006.
_______________________________________
Assinatura
Familia
Unida
Pessoa com SD
Sobrepeso
*
*
Diabética e Hipertensa
#
*
#
#
Come compulsivamente
+
+
Hipertensa com passado de
AVC
História de pessoa com SD na família
APÊNDICE 2
Familia Buscapé
Pessoa com
SD
Obesidade
Filho
adotivo
*
Diabética e Hipertensa
*
Preferência por massas
Sem Limites
Alimentares
APÊNDICE 3
Familia Flores
Pessoa com SD
Obesidade
Sobrepeso
Sobrepeso e Hipertensão
*
Diabética e Hipertensa
*
Sem Limites Alimentares
Adora Doces
Não Come Frutas
^
^
^
^
APÊNDICE 6
Familia Boaventura
Pessoa com SD
História de pessoa com SD na família
Obesidad
e
Sobrepeso
Relações Rompidas
Câncer de Cólon
Hipertensão e Dislipidemia
Hipercolesterolemi
a
Não come frutas e gosta de
rotina
APÊNDICE 4
Familia Atrapalhada
Pessoa com SD
Obesidade
*
Diabética e Hipertensa
*
*
*
*
*
História de pessoa com SD na família
APÊNDICE 5
ANEXOS
ANEXO 1
CONTANDO UMA HISTÓRIA ILUSTRADA
Um dia Maria, uma bela jovem conheceu Tanaka. Tanaka era um homem
japonês e ficou encantado com Maria, a jovem italiana. Maria e Tanaka ficaram
conversando por muito tempo e ao final da conversa, Tanaka pediu o telefone de
Maria para poderem continuar se encontando. E assim, durante um ano, encontravam-
se diariamente. Desta forma, resolveram se casar.
Após casarem, Maria e Tanaka começaram a morar em sua casa. Durante 1 ano
Tanaka viajava muito, devido ao seu trabalho e não passava muito tempo em casa com
Maria. Neste período, Maria ficou grávida de gêmeos: Toshiko e Giuliano. Maria e
Tanaka ficaram muito felizes.
Quando as crianças estavam com a idade de 2 anos, Tanaka parou de viajar e
desta forma começou a fazer as refeições com Maria, Giuliano e Toshiko.
A casa de Maria e Tanaka era muito bonita. Ficava num bairro com muitas
árvores. A casa tinha três quartos, um banheiro, uma sala e uma cozinha. Aliás, a
cozinha era muito bonita e grande. Nela havia refrigerador, frezzer, fogão, microondas,
batedeira, liquidificador e claro a máquina de fazer macarrão de Maria. Maria adorava
cozinhar e era ela quem preparava o almoço e o jantar da família.
Com o passar dos dias, Maria e Tanaka começaram a brigar muito durante a
hora das refeições, especialmente no almoço e no jantar. Por que eles brigavam tanto?
Porque Maria só queria comer macarrão, pão, batata e frango ensopado e queria
que seus filhos também comessem esses alimentos. Como Maria era italiana adorava
cozinhar estes pratos. O problema é que Tanaka é japonês e não gosta desses
alimentos. Ele gosta e queria comer sushi, sashimi, peixe cru e arroz. que Maria
não gostava desses alimentos e portanto não os fazia. E os filhos? Era uma briga só...
João gostava de peixe igual ao pai e Toshiko gostava de macarrão igual a mãe!!!!
E agora? Como podemos ajudar esta família a solucionar este problema? Como
podemos ajudar Maria, Tanaka, João e Toshiko a pararem de brigar? Qual é o melhor
final para esta história?
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