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discurso militar, por exemplo. Paco assume o comportamento de “olho por olho, dente por
dente”, muito característico da realidade masculina medieval, para af irmar-se como “homem”
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.
No diálogo que se desenvolve em
(15) , o tema da corag em é novamente levantado, só que,
dessa vez, é Paco quem p ergunta a Tonho se ele estava com medo do “negrã o”. A resposta de
Tonho é precedida, no texto, de uma rubrica, indicando que a fala da personagem deve expressar
falta de convicção. Ora, a entoação anula, de certa maneira, a força da negativa (“Eu, não”). A
função dessa rubrica é cara cterizar o ato de fala da personagem. Assim, quando Tonho nega,
“sem convicção”, que tem medo do negrão, essa aparente contra dição entre o dito e o não-dito
nos conduz a uma implicatura: a personagem, tomada de surpresa, ficou a ssustada com a
ameaça do “negrão”, mas não podia revelar isso ao companheiro de quarto
96
. A pergunta de
Paco, também ela, encerra implicitamente uma ameaça, na medida em que põe à pro va a
coragem de Tonho. A resposta de Tonho é, por sua vez, ambígua, se examinarmos os
movimentos de sentido contrários: explicitamente, o texto contém uma negação categórica (“Eu,
não”), mas a reaçã o da personagem é de hesita ção (“sem convicção”). Manter uma informação
implicitada, de a cordo com Van Dijk ( 2003), não é uma opçã o neutra. No caso da ambigüi dade,
poderá haver uma razão política para tal. Os enunciados ambíguos muitas vezes são construídos
para preservar a imagem positiva do falante: evita-se explicitar opiniões que não são, para
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A máxima “olho por olho, dente por dente” nos reporta ao discurso bíblico do Velho Testamento (A Bíblia de
Jerusalém, Êxodo, 21, 24), que faz parte do “Código da Aliança”, um texto referente ao Decálogo. Considerando que a
mentalidade medieval era dominada pelo discurso religioso da Igreja Católica, certamente o comportamento
masculino, nesse período, do “olho por olho, dente por dente” encontra-se fundamentado também em pressupostos
religiosos.
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Grice (1982) trata do funcionamento da conversação, oferecendo uma abordagem do processo de interação
conversacional. Ele parte do suposto de que numa situação discursiva, paralelamente à significação convencional das
palavras, são veiculadas informações implícitas, que são interpretadas no momento da interação. O autor distingue o
que ele chama de implicaturas convencionais e implicaturas não-convencionais ou implicaturas conversacionais. As
primeiras são determinadas pela significação convencional das palavras; as outras se relacionam a certos traços gerais
do discurso. Vale salientar que o propósito declarado de Grice é tratar a fala como uma variedade do comportamento
intencional. Ele formula um princípio geral do discurso, o Princípio de Cooperação (PC), nos seguintes termos: “Faça
sua contribuição conversacional tal como é requerida, no momento em que ocorre, pelo propósito ou direção do
intercâmbio conversacional em que você está engajado” (1982, p. 86). Assumindo este princípio com o a base de seu
raciocínio, Grice (1982, p. 86-88) estabelece quatro categorias, tomadas de empréstimo a Kant, às quais estão ligadas
máximas e submáximas, que, uma vez infringidas, produzirão determinados efeitos de sentido. São elas: 1) Categoria
de quantidade; 2) Categoria de qualidade; 3 ) Categoria de relação; 4) Categoria de modo. Estabelecidas as máximas
conversacionais, Grice (1982, p. 92) caracteriza com maior precisão as implicaturas conversacionais: “Se uma pessoa,
ao (por, quando) dizer (ou fazer como se tivesse dito) que p, implicitou que q, pode-se dizer que ela implicitou
conversacionalmente q desde que (1) pode-se presumir que ela esteja obedecendo às máximas conversacionais ou pelo
menos ao Princípio de Cooperação; (2) a suposição de que ela esteja consciente de que (ou pense que) q é necessária
para tornar o seu dizer p ou fazer como se dissesse p (ou fazê-lo NAQUELES termos) consistente com a presunção
acima; e (3) o falante pensa (e espera que o ouvinte pense que ele pensa) que faz parte da competência do ouvinte
deduzir, ou compreender intuitivamente, que a suposição mencionada em (2) é necessária”. A implicatura
conversacional deve ser inte rpretada pelo ouvinte mediante um cálculo, que levará em consideração: 1) o significado
convencional das palavras usadas, juntamente com a identidade de quaisquer referentes pertinentes; 2) o Princípio de
Cooperação e suas máximas; 3) o contexto, lingüístico ou extralingüístico, da enunciação; 4) outros itens de seu
conhecimento anterior (background); 5) o fato (ou fato suposto) de que todos os itens relevantes cobertos por (1)-(4)
são acessíveis a ambos os participantes, e ambos sabem ou s u põem que isto ocorra.