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Universidade Estadual de Maringá
Centro de Ciências Sociais Aplicadas - CSA
Programa de Pós-Graduação em Economia - PME
COMPORTAMENTO ALTRUÍSTA E RACIONALIDADE
ECONÔMICA: uma revisão teórica
Fernando Sérgio de Toledo Fonseca
Dissertação apresentada
como requisito à obtenção
do Grau de Mestre ao
Programa de Mestrado em
Economia da Universidade
Estadual de Maringá.
Maringá
2007
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2
Fernando Sérgio de Toledo Fonseca
Economista
COMPORTAMENTO ALTRUÍSTA E RACIONALIDADE
ECONÔMICA: uma revisão teórica
Orientador:
Prof. Dr. Antônio Carlos de Campos
Dissertação apresentada
como requisito à obtenção
do Grau de Mestre ao
Programa de Mestrado em
Economia da Universidade
Estadual de Maringá.
Maringá
2007
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3
Quando as pessoas encontram a beleza
genuína, seu coração enternece. Quando
entram em contado com a essência da arte,
ficam profundamente impressionadas e
absorvem sua força. A cultura e a educação
são as principais fontes de energia para
cultivar e enriquecer o espírito humano e
para construir a paz.
Daisaku Ikeda
Quando as pessoas medianamente
afortunadas com relação aos bens externos
não encontram na vida satisfação suficiente
para torná-la valiosa, a causa geralmente
está em se preocuparem com elas mesmas
(...) em contrapartida, os que deixam atrás
de si objetos de afeição pessoal, e
especialmente os que cultivaram um
sentimento de simpatia pelos interesses
coletivos da humanidade, mantém às
vésperas da morte, um interesse tão
intenso pela vida como quando possuíam o
vigor da juventude e da saúde.
John Stuart Mill
4
SUMÁRIO
DEDICATÓRIA .................................................................................................................. i
AGRADECIMENTOS ....................................................................................................... ii
RESUMO........................................................................................................................... 1
ABSTRACT....................................................................................................................... 2
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 3
2 O AUTO-INTERESSE E COMPORTAMENTO RACIONAL: NATUREZA,
SIGNIFICADOS E ALTERNATIVAS AO HOMEM ECONÔMICO ..................................... 7
2.1.1 A aliança entre a filosofia utilitarista e a teoria econômica: a origem do homem
econômico......................................................................................................................... 9
2.1.2 O esvaziamento do caráter ético e psicológico da conduta individual: a saga do
homem econômico racional............................................................................................. 15
2.2 Alternativas ao comportamento individual.................................................................. 21
2.2.1 O homem contratual do neo-institucionalismo......................................................... 21
2.2.2 Escolhas contra preferenciais: a lógica do homem sub-racional............................. 29
2.2.3 O homem ético de Sen: uma visão panorâmica do debate sobre ética e economia 35
2.2.3.1 Escolhas, meta-preferências e moralidade: a contribuição de Sen para a teoria da
escolha............................................................................................................................ 40
3 A RACIONALIDADE ALTRUÍSTA: UM PANORAMA GERAL ACERCA DO DEBATE
DO COMPORTAMENTO O-EGOÍSTA ........................................................................50
3.1 Racionalidade instrumental, compromissos morais e altruísmo................................. 50
3.2 Psicologia da escolha e comportamento altruísta ...................................................... 61
3.3 Altruísmo e empatia: relações empíricas e conceituais.............................................. 67
3.4 Internalização de normas e comportamento altruísta: um breve comentário............. 73
4 RACIONALIDADE ALTRUÍSTA SOB A PERSPECTIVA EVOLUCIONÁRIA: A
CONTRIBUIÇÃO DA SOCIOBIOLOGIA AO DEBATE ................................................... 76
4.1 A lógica da ação altruísta sob a perspectiva da Sociobiologia ................................... 76
4.2 A lógica da conduta altruísta sob os mecanismos da seleção de parentesco e
altruísmo recíproco.......................................................................................................... 80
4.3 A evolução do altruísmo: o debate sob a ótica da seleção individual e seleção de
grupo ............................................................................................................................... 88
5 ALISE DO COMPORTAMENTO ALTRUÍSTA SOB PERSPECTIVA DA TEORIA
ECONÔMICA .................................................................................................................. 97
5.1 Altruísmo na família: a abordagem precursora de Becker para o comportamento não
egoísta............................................................................................................................. 97
5.2 Caridade privada e provisão de bens públicos......................................................... 103
5
5.3 Doações envolvendo o altruísmo impuro ................................................................. 106
5.4 Oferta de bens públicos por meio da contribuição voluntária ................................... 110
5.5 Doações como sinalização de riqueza..................................................................... 116
5.6 Responsabilidade moral e escolha econômica ........................................................ 118
5.7 O Modelo de self múltiplo......................................................................................... 122
5.8 A teoria da escolha sob critérios múltiplos e as suas implicações para análise
econômica do altruísmo................................................................................................. 130
5.8.1- Hierarquização das necessidades humanas: a abordagem pioneira de Menger.. 131
5.8.2 Hierarquização das necessidades humana admitindo-se ordenações lexicográficas
...................................................................................................................................... 135
5.8.3 Teoria da escolha sob critérios irredutíveis como alternativa viável ao
comportamento não-egoísta: o modelo de altruísmo genuíno de Muramatsu................ 142
6 CONCLUSÃO............................................................................................................. 153
7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................... 157
6
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 Altruísmo na Família .................................................................................... 101
Gráfico 2 – Equilíbrio Único: parte justa ......................................................................... 126
Gráfico 3 – Caminho de Expansão: renda consumo de equilíbrio ................................. 127
Gráfico 4 – Utilidade Marginal: gasto orientado e despesa altruísta .............................. 128
Gráfico 5 – Preferências Lexicográficas: consumo entre cerveja e pão ........................ 138
Gráfico 6 – Preferências Lexicográficas: consumo entre bem público e bem privado....139
Gráfico 7 Hierarquia móvel com dois critérios de escolha ........................................... 144
Gráfico 8 – Hierarquia móvel com quarto critérios de escolha ....................................... 145
7
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Efeitos dos grupos sobre a probabilidade e velocidade de socorro ................71
Tabela 2 Grau de parentesco ........................................................................................ 82
Tabela 3 Escala de Necessidades.................................................................................133
i
DEDICATÓRIA
Para Dr. Daisaku Ikeda
ii
AGRADECIMENTOS
O objeto de estudo desta dissertação surgiu na conclusão do trabalho de
monografia, cuja inspiração originou-se nas aulas de História do Pensamento Econômico,
ministradas pelo Prof. Dr. Fábio Barbieri. O delineamento da evolução das idéias na
Economia nas aulas de HPE motivaram-me a aprofundar-me nesse tema e fazer o exame
da ANPEC,para dar desenvolvimento a problemas e dilemas não resolvidos no trabalho
monográfico.
Agradeço ao Prof. Dr. Fábio Barbieri pela incrível didática e qualidade das aulas
ministradas. A sua competência acadêmica e profissional será sempre um referencial
para mim. Á Prof. Dra. Maria Sylvia Saes, agradeço pela atenção demonstrada e pelos
comentários de incentivo em alguns dos meus rascunhos do pré-projeto. O seu incentivo
foi crucial para tomada de decisão em fazer o mestrado na UEM.
Expresso meu agradecimento ao orientador deste trabalho, Prof. Dr. Antônio
Carlos de Campos, que confiou na minha capacidade e, acima de tudo, teve muita
paciência. Sem o seu auxílio, talvez não fosse possível concluir este projeto acadêmico,
que eu desejava realizar desde o final da graduação. Agradeço às Professoras Amália
Godoy e Márcia Stake por suas importantes considerações no exame de qualificação.
Quero agradecer aos amigos da Fiesp/Ciesp, que me incentivaram a deixar a vida
organizacional para partir para a vida acadêmica. Em especial, a Talles Guedes, Flávia
Garão e Carmen Victolo, que acompanharam mais diretamente a minha vida acadêmica
em Maringá. Registro ainda os meus agradecimentos.a Mamede, Sueli, Thiago, Alice,
José Mário, Dra. Helena, Maria Cristina, Nilton Fábio e Anícia Todos eles, contribuíram
de alguma maneira significativa para minha tomada de decisão.
Agradeço ao meu ex-chefe de departamento da Fiesp, Pedro Roberto Cauvilla que
me incentivou a assumir novos desafios. Nos momentos mais difíceis pude contar com a
sua colaboração. A sua história de vida e de luta sempre será referência para mim, por
isso vale um muito obrigado especial. Expresso meu agradecimento ao Leonardo Caio,
que me ensinou um lema, que carrego comigo sempre: “Fazer Acontecer!”. Tal frase
expressa o sentido de criar novas oportunidades sem esperar eternamente que elas
aconteçam. As suas palavras de incentivo foram importantes para prosseguir nesta
expedição. Estendo o meu agradecimento ao Pedro Klober. Nossas discussões sobre
ética e compromissos morais nos corredores da entidade me instigaram a pesquisar o
iii
assunto. Ademais, nem sempre consegui convencê-lo das minhas opiniões e por isso,
acredito que a nossa discussão me ajudou a esclarecer e amadurecer algumas idéias
acerca do assunto.
Expresso minha gratidão aos amigos e professores, Zelineide do Espírito Santo e
Cezar Sena. São amigos que, mesmo morando longe, puderam acompanhar de perto a
minha vida acadêmica aqui no Paraná. Pudemos compartilhar experiências enriquecendo-
nos mutuamente.
Aproveito para expressar os meus sinceros agradecimentos ao Prof. Roniés
Bonifácio da Silva que acompanhou a edição deste trabalho e colaborou no empréstimo
de revistas e artigos relacionados ao tema. Seus incentivos foram importantes para o
exame de qualificação e defesa. Agradeço pela oportunidade de poder exercer a minha
verdadeira vocação – a de ensinar - e por sempre confiar em meu trabalho.
Agradeço aos bibliotecários do Nupélia/UEM. Eles sempre estiveram disponíveis
para atender às minhas necessidades mais urgentes, no empréstimo de livros e outras
referências bibliográficas sobre sociobiologia.
Estendo os meus agradecimentos aos dirigentes e membros budistas da BSGI -
Maringá, que me acompanharam nesta trajetória acadêmica, em especial à D. Ilda
Kohatsu e Valdinéia dirigentes da Comunidade Nova Era. Agradeço pela suas orientações
e palavras de incentivo durante os momentos em que tive que desafiar as circunstâncias
mais adversas para concluir este objetivo.
Também registro o meu agradecimento especial ao Prof. Dr. Natalino Medeiros,
que sempre teve orientações importantes, que me conduziram a continuar neste caminho
acadêmico. À Maria Odila, vale um muito obrigado, por sempre estar disponível para
atender as necessidades mais urgentes no atendimento de prazos do programa de
mestrado.
Quero deixar registrado o meu agradecimento especial à minha mãe - D. Ivani -
que foi a pessoa mais próxima em todos os momentos de edição deste trabalho e em
toda a minha vida acadêmica. Do mesmo modo, expresso a minha gratidão ao meu
mestre budista Dr. Daisaku Ikeda. Com base em suas orientações para a vida, pude fazer
a minha revolução humana. À minha mãe e ao meu mestre, dedico este trabalho. Sem
eles, a minha vida acadêmica perderia parte do seu valor e graça, por isso um muito
obrigado especial.
Por fim, agradeço aos bons amigos que fiz no PME: Darlan Krott,
Inimá Brasil, Elisandro Sperandio, Maísa Teixeira, Ricardo Muller, André Martins,
iv
Jaqueline Costa , Cintya Paredes e Edair Silva. Sem a união desses amigos, seria difícil
chegar até aqui. Pudemos compartilhar diversas situações juntos e criamos vínculos de
amizade que permanecerão para sempre em nossas vidas, onde quer que estejamos.
1
RESUMO
Este trabalho visa fazer uma revisão teórica sobre o comportamento altruísta. Discute-se se a
motivação altruísta pode ser incorporada à análise econômica sem recorrer ao padrão de escolha
da mecânica do auto-interesse. Em outros termos, destaca-se a importância do estudo da conduta
altruísta como análise do comportamento econômico, capaz de considerar a integração de
questões de natureza ética e racionalidade econômica no processo decisório individual. A incursão
dessa pesquisa nessa área da teoria econômica, justifica-se pelo fato de que, em uma sociedade
não existe uma única motivação baseada na maximização do auto-interesse, que determina o
comportamento dos agentes. Existe uma pluralidade de motivações, que também pode ser
altruísta, a qual os agentes levam em consideração em seu processo decisório, sendo que tais
motivações podem ser baseadas em princípios éticos e morais. A metodologia adotada refere-se
aos aspectos qualitativos e analíticos da teoria econômica, com a revisão da literatura pertinente
ao assunto. Como resultado, verificou-se que o altruísmo pode ser admitido numa abordagem
racional e instrumental, desde que o indivíduo altruísta leve em conta a utilização eficiente dos
meios disponíveis para promão do bem-estar alheio. Para explicar as razões motivacionais da
ação altruísta, procurou-se abandonar o arcabouço metodológico da teoria da escolha tradicional,
cuja base comportamental está associada à tese do auto-interesse. Nesse percurso houveram
algumas dificuldades para realizar a análise econômica do altruísmo, porque encontrou-se
argumentos bem convincentes acerca da defesa do auto-interesse. Ademais, descobriu-se que o
altruísmo não é sinônimo de altruísmo genuíno, como se imaginou no início dessa pesquisa. Na
verdade, foram encontrados argumentos bem convincentes que relacionam a conduta altruísta
com o egoísmo, ou seja, uma versão aparente de altruísmo ou altruísmo disfarçado. Em suma,
seja o altruísmo concebido como egoísmo disfarçado ou genuíno, este trabalho conclui que tal
conduta humana pode ser enquadrada como um comportamento economicamente racional.
Palavras-chave: Altruísmo; Ética econômica; Racionalidade econômica
2
ABSTRACT
This Study aims for a theoretical review on altruist behavior. The debate considers if the altruist
motivation can be incorporated to economic analysis without resorting to the standard automated
self- interest choice. The emphasis falls upon enhancing studies of altruism conduct as an analysis
of the economic behavior capable of integrating issues of the ethic nature and the economic
rationality in the individual decision process.The exploitation on this area of economic theory has its
importance based on the fact that: in society there isn’t only a self interest maximization motivation
which determines the behavior of the agents. There are numerous motivations that may also be
altruists, which the agents take into account in their decision processes, considering that such
motivations can be based in ethical and moral principles. Qualitative and analytical aspects of
economic theory were adopted for the methodological construct, which was based in the review of
the literature relevant to the theme. As for the results, it was verified that altruism can be admitted
along a rational and instrumental approach, as long as the altruist individual takes into account the
efficient utilization of the means displayed for the promotion of other’s well being. Explaining the
motivational reasons of the altruist action required neglecting the traditional choice theory’s
methodological structure, which supports itself on the self-interest thesis. However, adopting such
suppositions for the economic analysis of altruism had some difficulties, since strong self-interest
arguments were found. Moreover, the findings showed that altruism isn’t synonymous of genuine
altruism, as was thought in the beginning of this research. In fact, many convincing arguments were
found relating the altruist conduct with selfishness, that is, an apparent version of altruism or a fake
altruism. In short, may it be conceived as disguised selfishness or genuine altruism, the study
concludes that such human conduct may fit as an economically rational behavior.
Keywords: Altruism; Economics ethics; Economics Rationale
3
1 INTRODUÇÃO
Muitos economistas contemporâneos têm se dedicado ao estudo das relações
entre questões de natureza ética e racionalidade econômica. Com o intuito de ampliar a
análise do processo de escolha individual, novos trabalhos estão sendo elaborados para
intensificar o debate acerca da possibilidade do comportamento altruísta ser admitido
como um comportamento racional.
De acordo com Muramatsu (1999), o termo altruísmo foi cunhado por August
Comte, no século XIX, para fazer frente à tese do egoísmo. Por definição, o altruísmo é a
preocupação desinteressada do indivíduo acerca do bem estar alheio, sendo também
definido como uma ação moral.
Existe um amplo debate desse tema entre filósofos, economistas, psicólogos e
biólogos. Este debate multidisciplinar ocorre porque a investigação da base motivacional
do comportamento humano, não reduzida ao auto-interesse, está relacionada às muitas
explicações oferecidas pela Filosofia, Psicologia e Sociobiologia. Tais disciplinas têm
contribuído significativamente para o debate das razões para o comportamento altruísta.
É importante ressaltar que grande parte dos modelos econômicos do
comportamento altruísta foram inspirados por essas áreas aqui mencionadas. Na
Economia, o tema tem se estendido nas áreas de metodologia, teoria do bem estar, teoria
do capital humano, economia do desenvolvimento, entre outras áreas.
A proposta dessa dissertação enquadra-se na área de metodologia e teoria
econômica. Vale ressaltar que postulado acerca do comportamental do homem
econômico, tratou-se de um instrumento engenhoso para simplificação da conduta
humana, que explica muitos fenômenos do mundo econômico real. No entanto, mesmo
sendo o auto-interesse um comportamento predominante, para Sen (1982), o auto-
interesse é apenas uma motivação, entre outras que competem entre si no processo
decisório do agente.
Na investigação de modelos alternativos ao comportamento individual, mais
precisamente na busca de modelos que procuram estudar o altruísmo, notam-se as
dificuldades que os economistas encontram para enquadrar a conduta altruísta fora da
mecânica do auto-interesse.
Na análise da literatura pertinente ao assunto, a maioria dos modelos altruístas
discute esse tipo de conduta como egoísmo disfarçado, ou como Muramatsu (1999)
5
neologismo que significa “o barato de quem ajuda”, vem sendo cada vez mais usado
nesse país. A conclusão é que a ação voluntária, produz o mesmo efeito de uma atividade
física (liberação de endorfina), que alivia os indivíduos das desordens físicas e mentais
provocadas pela vida moderna, como stress, enxaqueca, ansiedade etc. Portanto, as
ações altruístas podem ser associadas a alguma magnitude de felicidade pessoal e
qualidade de vida.
No Brasil, menos de 2% da população economicamente ativa faz algum tipo de
trabalho voluntário ou se envolve com ONG´s. Nos países mais desenvolvidos esse
número ultrapassa a 10%
1
.
Por outro lado, observa-se que a benevolência anônima pode ser complicada por
conta do conhecimento limitado dos agentes e da dependência do resultado da ação dos
mesmos sobre o comportamento das outras pessoas que são beneficiadas por uma
conduta altruísta. Muramatsu (1999) por exemplo, diz que dar esmolas às crianças que
vivem nas ruas pode representar um mecanismo de incentivo para que elas sejam
exploradas pela indústria da mendicância, deplorando assim a sua situação. Outro
exemplo, seria a doação de alimentos para famílias com crianças subnutridas: tal
procedimento importante, pode gerar o efeito contrário ao inicialmente desejado, pois tais
famílias poderiam manter seus filhos subnutridos para continuar recebendo os recursos
doados.
Alguém poderia então perguntar por que estudar o comportamento altruísta sendo
que ele não resolve necessariamente as dificuldades da interação social?
São casos difíceis de serem analisados, mas mesmo assim o estudo do
comportamento altruísta pode auxiliar na reflexão para minimização dos problemas
colocados acima.
Esse trabalho sustenta a hipótese de que existe uma pluralidade de motivações
que determina o comportamento dos agentes. Princípios e valores éticos como
reciprocidade, altruísmo etc., que podem ser admitidos como comportamento racional. Em
outros termos, o indivíduo pode agregar o bem-estar alheio como critério de escolha
prioritário, de forma racional.
O objetivo central é apresentar uma revisão literária acerca das razões para o
altruísmo, destacando a sua importância para análise econômica, tendo como ponto de
partida delinear que o auto-interesse não é suficiente para a análise de tais questões,
1
Fonte: matéria Revista Época, disponível em: www.editoraglobo.com.br/generosidade.
Acesso em: 15.out..2006
6
atreladas a objetivos éticos e morais. Da mesma forma, a fim de atender o objetivo central
dessa dissertação, buscou-se estruturar os objetivos específicos, que estão organizados
em quatro capítulos, além desta introdução.
No capítulo 2, promove-se o debate acerca das relações entre o auto-interesse e
comportamento racional, identificando as origens, significados e alternativas ao homem
econômico. Investigam-se as objeções que tem sido feitas por alguns economistas quanto
ao homem econômico racional, levando-se em consideração a natureza e as
7
2 O AUTO-INTERESSE E COMPORTAMENTO RACIONAL: NATUREZA,
SIGNIFICADOS E ALTERNATIVAS AO HOMEM ECONÔMICO
Neste capítulo o foco da análise direciona-se ao estudo acerca da discussão que
envolve o auto-interesse e o comportamento individual. Inicialmente, são apresentados os
pressupostos comportamentais da teoria neoclássica, contemplando a origem e os
significados do homem econômico. Na seqüência, procura-se apresentar as objeções que
tem sido feitas ao homem econômico, delineando a natureza das suas principais
alternativas (contratual, sub-racional e ética).
Para melhor situar a natureza do problema que abarca o auto-interesse e
comportamento individual, julga-se importante, antes de tudo, realizar algumas
considerações acerca da Filosofia Moral e a Economia.
Tendo como base os trabalhos de Giannetti (1988), a associação entre a filosofia
moral e a economia pode ser subdividida em duas ordens de questões:
a) problemas ligados aos determinantes de avaliação do bem-estar numa dada
sociedade, que envolve princípios da reflexão filosófica, envolvendo conceitos de justiça,
liberdade e direitos que são fundamentos da economia do bem-estar.
b) problemas ligados à natureza e à explicação do comportamento do agente
individual;
É sob essa segunda ordem de questão que este trabalho procura estudar a
origem, a natureza e as limitações dos pressupostos comportamentais da teoria
econômica, considerando o papel das variáveis não econômicas como determinantes da
motivação dos agentes nos processos decisórios, que abre espaço para a análise do
comportamento altruísta, foco desse trabalho.
O objetivo desse capítulo é fazer um exercício da evolução do pensamento
econômico acerca do comportamento individual, com a intenção de indicar pontos que
ainda estão por merecer um tratamento analítico mais aprofundado, apresentando a falta
de consenso entre os economistas sobre o comportamento individual. No entanto, não se
procura produzir conclusões rigorosas da conduta individual na vida prática, até porque na
revisão literária pertinente ao assunto, as críticas ao homem econômico têm produzido
mal entendidos e críticas defeituosas do uso da abstração em economia.
8
A discussão acerca da origem do homem econômico é bastante rica em detalhes
históricos e metodológicos no que diz respeito à própria ascensão da Economia enquanto
Ciência. Na pré-história da economia a natureza do comportamento já era bastante
debatida entre os filósofos.
O delineamento acerca da formação de crenças, dos estágios da história da
ciência, dos princípios eternos da natureza humana e da adequação de métodos nas
ciências físicas e sociais é um vasto e exaustivo programa de pesquisa que, contudo,
não corresponde ao foco deste trabalho
2
.
Tendo como objetivo apresentar a evolução do homem econômico, julga-se
relevante somente considerar como ponto de partida dessa expedição a publicação de “A
Riqueza das Nações” de 1776, do filósofo e economista inglês Adam Smith, que marca o
“nascimento” da economia enquanto disciplina autônoma.
Nessa perspectiva a evolução do homem econômico pode ser traçada a partir de
três origens intelectuais, que serão cruciais para o desenvolvimento da economia
neoclássica. Portanto as características do homem econômico serão dadas a partir de
dois pressupostos comportamentais básicos:
a) busca do seu auto-interesse;
b) escolha racional dos meios;
A primeira origem intelectual da noção do homem econômico foi culminada no
famoso conceito smithiano da “mão invisível”. Neste caso o auto-interesse é admitido
como um comportamento compatível com o bem-estar da sociedade, pois o auto-
interesse privado levaria ao bem público (MACFANDYEN, 1986).
Para Giannetti (1988), esta primeira noção de homem econômico é meramente
intelectual, pois a admissão do comportamento egoísta dos agentes não se faz porque
este seja um pressuposto comportamental realista ou apropriado para o mundo
econômico real. Trata-se de um modo de determinar os resultados gerais de uma
economia de mercado pura, tendo como base o grande número de indivíduos que
perseguem seus interesses egoístas
3
.
2
O leitor interessado poderá consultar: Blaug (1993) e Bianchi (1988).
3
Vale esclarecer ao leitor, que por motivo de síntese, este trabalho considera somente a
segunda e a terceira origem intelectual do homem econômico. A primeira origem uma noção
geral a partir da abordagem smithiana, mas aqui considera-se que os traços comportamentais se
tornam mais relevantes a partir da Filosofia Utilitarista e posteriormente ganha novos contornos
com a ascensão dos economistas neoclássicos. A abordagem smithiana do homem econômico é
uma versão remota, mas muito importante e por isso exigiria uma extensa pesquisa para
9
A segunda origem intelectual do homem econômico, surgiu da aliança entre a
filosofia utilitarista e a teoria econômica, com Bentham e Mill (GIANNETTI, 1988).
Conforme será apresentado na próxima seção, essa versão do homem econômico
enfatiza essencialmente o aspecto motivacional e o hedonismo psicológico, cuja
tendência dessa geração de economistas ao tratar o assunto, é considerar o prazer
individual (felicidade) como objetivo principal de vida dos agentes.
A terceira origem intelectual do homem econômico enfatiza o componente
racional, ou melhor, escolha racional dos meios (GIANNETTI, 1988). Essa versão surge a
partir dos trabalhos de Jevons, entre outros economistas neoclássicos, que se
preocupavam com a construção de um modelo lógico, permitindo assim, expressar
quantitativamente as ações econômicas orientadas visando adaptar os meios aos fins.
Nas próximas seções serão apresentados os pressupostos comportamentais da
teoria neoclássica, levando em consideração duas versões do homem econômico, que
foram importantes para os fundamentos metodológicos da Economia Neoclássica: o
Homem Econômico do Tipo Psicológico e o Homem Econômico do Tipo Racional.
2.1.1 A aliança entre a filosofia utilitarista e a teoria econômica: a origem do
homem econômico
A teoria utilitarista, teve como seus principais representantes Jeremy Bentham e
John Stuart Mill. Tratou-se de um movimento filosófico iniciado em meados do século XIX
que teve como um dos principais objetivos o estudo da ação humana, de modo a propiciar
o reconhecimento da multiplicidade e da variedade das fontes de felicidade e também por
conceber na doutrina econômica a relevância da ação moral pelas emoções e
sentimentos na conduta humana.
Na filosofia utilitarista iniciada por Bentham houve um esforço sistemático para
compreender as ações humanas de um modo geral. A natureza humana é concebida por
Bentham como suscetível aos prazeres e dores, sendo esta governada por diferentes
variações do auto-interesse e paixões, classificadas pelo filosofo moral como egoísta e,
em parte, pelas simpatias ou antipatias em relação a outros seres:
caracterizá-lo detalhadamente. Portanto o marco histórico desta pesquisa inicia-se com a Filosofia
Utilitarista, que de fato marca o nascimento do homem econômico.
10
A natureza humana colocou o gênero humano sob domínio de dois
senhores soberanos: a dor e prazer. Somente a eles compete optar o
que devemos fazer bem como determinar o que na realidade faremos.
Ao trono desses dois senhores está vinculada, por uma parte, a norma
que distingue o que é certo do que é errado e por outra a cadeia das
causas e efeitos. Os dois senhores de que falamos, nos governam em
tudo o que fazemos, em tudo que dizemos, em tudo o que pensamos,
sendo que qualquer tentativa que façamos para sacudir este senhorio,
outra coisa não faz se não demonstrá-lo e confirmá-lo. (BENTHAM,
1984, p.3).
Na obra clássica de Bentham Uma Introdução aos Princípios da Moral e da
Legislação
4
é evidenciado o caráter do hedonismo psicológico e moral na conduta
humana. O princípio da utilidade constitui o fundamento da sua obra, sendo que o
comportamento individual é governado pela ação de minimização de dor e maximização
do prazer. De acordo com o princípio da utilidade, Bentham (1984) faz a seguinte
consideração acerca do interesse individual:
Diz-se que uma coisa promove o auto-interesse de um indivíduo, ou
favorece ao interesse de um individuo, quando tende a aumentar a
soma total dos prazeres , ou então, o que vale afirmar o mesmo, quando
tende a diminuir a soma total das suas dores (...) afirmar-se-á que uma
determinada ação está em conformidade com o principio da utilidade, ou
para ser mais breve, a utilidade, quando a tendência que ela tem a
aumentar a felicidade for maior do que qualquer tendência a diminuí-la.
(BENTHAM, 1984, p.4).
Na investigação das motivações humanas, Bentham (1984) se preocupou em
definir um método teórico, com alguns determinantes para mensurar a soma de dor e
prazer. Em outros termos ele lança alguns elementos que devem ser considerados para
mensuração do valor de tais sentimentos:
i) a sua intensidade;
ii) a sua duração;
iii) a sua certeza;
iv) a sua proximidade no tempo ou sua longevidade;
Para Bentham (1984), todos os valores acerca dos prazeres e dores deveriam ser
somados, de modo que o balanço, se fosse favorável ao prazer, indicaria a tendência boa
do ato em relação aos interesses individuais do agente. Se o balanço for desfavorável ao
4
Editada originalmente em 1789.
11
prazer, havendo a existência de dor, indicaria a tendência do ato em relação aos
interesses individuais do agente.
A hipótese do homem econômico em Bentham (1984) está baseada na
maximização do prazer (felicidade) individual e coletivo que deve ser estendido ao maior
número de pessoas, de modo que a ação humana no que diz respeito à busca de
felicidade, está relacionada em certa medida aos princípios morais, da lei e da razão.
A aliança entre filosofia utilitarista inglesa e a teoria econômica ganhou força com
os trabalhos de John Stuart Mill, que vinha sendo orientado pelo seu pai, o economista
e filósofo James Mill com o acompanhamento à distância de Bentham
5
. As definições dos
termos prazer e dor correspondem ao caráter hedonista e, são apresentadas no início de
uma de suas principais obras – O Utilitarismo
6
. O objetivo em definir tais termos é
assegurar que os prazeres associados às atividades culturais e morais, contribuiriam
muito mais para a felicidade do indivíduo que os prazeres meramente físicos
7
.
Para o autor os indivíduos somente conheceriam verdadeiramente a felicidade se
fossem capazes de aprimorar as suas habilidades intelectuais, seus gostos e nculos
sociais que os distinguem de outros animais. Pois,: “os seres humanos têm faculdades
mais elevadas do que os apetites animais; e uma vez conscientes dessas faculdades, não
consideram como felicidade algo que não inclua a gratificação delas”. (
MILL, 2000, p.31).
Mill (2000), ao contrário da teoria benthamita que pregava exaustivamente a
maximização dos prazeres, tenta fazer uma distinção qualitativa entre os prazeres
inferiores e superiores. Essa é uma importante consideração que precisa ser feita em
relação aos dois autores utilitaristas.
Como reformador social, Mill não dissocia a conduta individual das questões
morais. A teoria utilitarista, segundo o autor, tem como seu fundamento a ciência moral,
sustentando que as ações humanas estariam corretas na medida em que elas tenderiam
a promover o prazer e erradas quando tenderiam a produzir a dor. O princípio da
felicidade na perspectiva milliana, de acordo com o critério moral utilitarista do que é certo
ou errado, não está restrito à ação individual, mas é pensado como maximização do
prazer social ou bem-estar coletivo:
5
Para mais informações ver introdução biográfica: Mill (2000), pp. 9-22.
6
Editada originalmente em 1863.
7
Mill destaca que os prazeres são classificados em prazeres inferiores e superiores. Os
primeiros estão relacionados aos prazeres físicos (instintos) e o segundo relacionados a prazeres
meramente intelectuais. Ver: Mill (2000), pp.29-31.
12
Proceder como desejaríamos que procedessem conosco e amar o
próximo como a si mesmo, constituem a perfeição ideal da moralidade
utilitarista (...). Em primeiro lugar, as leis e a organização social devem
tanto quanto possível, harmonizar a felicidade ou interesse de cada
indivíduo com o interesse conjunto. Em segundo lugar, a educação e a
opinião, que possuem um poder vasto sobre o caráter humano, devem
usar este para poder estabelecer na mente de cada indivíduo uma
associação indissolúvel entre felicidade e a prática de modos de conduta
(...), de tal modo que não apenas o indivíduo se torne capaz de
conceber como compatíveis a sua própria felicidade e conduta opostas
ao bem geral, mas também de modo que um impulso direto para
promover o bem geral possa ser em cada indivíduo, um dos motivos da
ação e que os sentimentos correspondentes possam ocupar um grande
e proeminente lugar na vida de todo ser humano. (MILL, 2000, p.41).
Dado então o debate acerca da utilidade moralista da conduta individual, qual seria
a concepção do homem econômico na perspectiva milliana?
Metodologicamente Mill (2000) definiu como objeto de estudo da Economia
Política apenas uma motivação humana: a busca da riqueza. Em outros termos, a Ciência
Econômica tomou o indivíduo maximizador de sua própria riqueza como unidade do
sistema econômico. A partir desse pressuposto comportamental poder-se-ia explicar os
fenômenos econômicos e sociais
8
. Mas é importante notar que, este tipo de conduta na
primeira versão do homem econômico está centrada somente na motivação egoísta,
imbuída de considerações éticas e morais, não assumindo, portanto, nenhum pressuposto
racional de escolha dos meios para o comportamento maximizador. Para Mill (2000) a
riqueza ou dinheiro seria um meio e não um fim em si mesmo:
(...) o amor ao dinheiro não é uma das mais poderosas forças
motrizes da vida humana como o dinheiro é, muitas vezes, desejado em
e por si mesmo; o desejo de possuí-lo é muitas vezes mais forte do que
o desejo de usá-lo, e continua aumentando quando desvanecem todos
os desejos que visam fins para além dele e que ele permite realizar.
Pode-se dizer então, com razão, que o dinheiro não é desejado em vista
de um fim, mas como parte do fim. (MILL, 2000, pp.63).
A essência da natureza humana no âmbito da interação social, concebida por Mill
(2000), como auto-interessada até coincide com teoria smithiana da mão invisível”,
segundo a qual o auto-interesse privado conduziria ao bem-estar coletivo e à
prosperidade dos mercados (MATTOS, 1999). A diferença entre Mill e Smith, reside no
8
Dado que o foco deste trabalho não está em investigar detalhadamente as concepções
metodológicas de Mill, o leitor interessado poderá verificar o debate acerca da metodologia milliana
em: Blaug, 1999, pp. 99-115; e Mattos, 1999.
13
fato de que a teoria milliana acreditava na possibilidade do aperfeiçoamento das virtudes
humanas:
Como tampouco uma necessidade intrínseca de que todo ser
humano seja um egoísta interesseiro e desprovido de todo sentimento e
preocupação que não se centre em sua própria utilidade miserável.
Mesmo hoje, algo muito superior a isso é suficientemente comum para
conferir abundantemente garantia ao que a espécie humana pode vir a
ser. Todo ser humano convenientemente educado é capaz, ainda que
em graus diferentes, de genuínas afeições particulares e de um sincero
interesse pelo bem público. Num mundo em que tanto para se
interessar, tanto para usufruir e tanto para corrigir e melhorar, todo
aquele que possui uma proporção moderada de requisitos morais e
intelectuais pode desfrutar numa existência que é permitido chamar de
invejável. (MILL, 2000, p.38).
Prosseguindo, essa primeira versão do homem econômico, imbuída de caráter
moral e psicológico, ganhou contornos mais nítidos
9
nos trabalhos de Jevons e
Edgeworth.
Inspirado na teoria utilitarista de Bentham e Mill, Jevons (1983) reconhece
algumas leis psicológicas e morais existentes na Ciência Econômica, de modo que com
os estudos de tais leis seria possível predizer os fenômenos econômicos. No entanto,
Jevons (1983) preocupa-se em dar um tratamento matemático à teoria da utilidade,
admitindo que os teóricos moralistas haviam reconhecido o caráter quantitativo da
teoria da utilidade a partir do famoso trecho da soma de prazeres e dores de Bentham,
mencionado nesta seção
10
.
A defesa do caráter matemático na Ciência Econômica, por Jevons (1983), se deu
pelo seu forte desejo em tentar mensurar ou atribuir algum tipo de cálculo aos
sentimentos e impulsos humanos:
Hesito em dizer que os homens terão um dia os meios de medir
diretamente os sentimentos do coração humano. É difícil até mesmo
conceber uma unidade de prazer ou sofrimento; mas é o montante
desses sentimentos que está nos induzindo a comprar e vender, tomar
emprestado e emprestar, trabalhar e repousar, produzir e consumir, e é
a partir dos efeitos quantitativos dos sentimentos que devemos estimar
seus montantes comparativos. (JEVONS,1983, p.33).
9
Grifo nosso. Expressão utilizada por Giannetti (1988), para demonstrar a evolução desta
primeira versão do homem econômico.
10
Tal método de investigação refere-se a sua principal obra Account of a General
Mathematical Theory of Political Economy”, publicada originalmente em 1871.
14
Isso não significa que Jevons tenha a pretensão de dissociar a Ciência Econômica
das Ciências Morais, tanto que afirma:Não hesito em aceitar a teoria utilitarista da moral,
que toma o efeito sobre a felicidade da humanidade como critério do que é certo ou
errado”.(JEVONS, 1983, p.38).
Para o autor, a teoria da utilidade tem como objeto de estudo o cálculo do prazer e
sofrimento, onde o indivíduo teria que satisfazer o máximo de suas necessidades com o
mínimo de esforço possível. Para ele: “maximizar o prazer é o problema da Economia”
(JEVONS,1983, p.47). O autor admite que a teoria da utilidade trata o homem como ele
realmente é: maximizador de prazer.
O retrato do homem econômico ganha novos elementos a partir do tratamento
matemático, envolvendo a escala das necessidades humanas, grau de intensidade dos
desejos e variação da utilidade do bem, resultando no famoso conceito de utilidade
marginal.
Dada, então, a sofisticação do homem econômico nos trabalhos de Jevons (1983),
alguém poderia questionar, se a introdução desses novos elementos manteve o caráter
original do homem econômico, no que diz respeito às questões morais, admitido na teoria
benthamita. Tal questão não parece estar muito clara na principal obra de Jevons (1983),
mas é possível concluir, a partir de um recorte, que a conduta humana está sujeita a
algum tipo de critério moral:
Meu objetivo presente está cumprido ao indicar essa hierarquia de
sentimentos e designar o devido lugar aos prazeres e sentimentos com
que lida o economista. É do grau inferior dos sentimentos que tratamos
aqui. O cálculo da utilidade almeja suprir as necessidades ordinárias do
homem ao menor custo de trabalho. Cada trabalhador, na ausência de
outros motivos deve dedicar sua energia à acumulação de riqueza. Um
cálculo superior da moral do certo ou do errado seria necessário para
mostrar como ele deve empregar da melhor maneira, aquela riqueza
para o bem de outros como de si mesmo. (JEVONS, 1983, p.40).
É interesse notar, que mesmo que o seu propósito esteja restrito ao que ele
denominava de cálculo inferior, é evidente que Jevons (1983) acreditava que seria
possível estimar os sentimentos presentes na conduta humana a partir de algum cálculo
moral, no qual ele denomina de cálculo superior.
Ainda nessa empreitada de pesquisa, foi possível encontrar algumas
considerações acerca da versão original do homem econômico realizadas por Edgewoth.
15
Para o autor, a natureza humana é definida como essencialmente auto-interessada,
sendo denominada como máquina de prazer.
Edgeworth definia a natureza humana como máquina de prazer, não porque trata-
se de um postulado comportamental realista, mas sim uma necessidade intelectual ou
metodológica para apresentar as leis da economia pura
11
. O objetivo da pesquisa de
Edgeworth é demonstrar a lei smithiana da “mão invisível”, de modo que a perseguição
dos agentes por seus interesses individuais levaria ao bem-estar coletivo. Nessa
perspectiva surgem dois teoremas da economia do bem estar, que afirmam que todo
equilíbrio é ótimo de Pareto e que o sistema de mercado competitivo pode ser obtido pelo
ótimo de Pareto, desconsiderando aqui o efeito das externalidades (EDGEWORTH
12
,
1967 apud GIANNETTI, 1988).
Portanto, do ponto de vista dos pressupostos comportamentais do homem
econômico, pode-se observar, mesmo que implicitamenc1731(u)0.590251(e)0.590ETor
16
O homem econômico racional é um construto liberal segundo o qual o indivíduo
seria motivado exclusivamente por razões econômicas e pela busca de fins auto-
interessados. Em outros termos, o homem econômico agiria racionalmente para
maximizar a sua riqueza.
Para Giannetti (1988), nessa segunda versão do homem econômico, houve uma
distinção da versão original neoclássica que foi apresentada na seção anterior. Segundo o
autor, houve o deslocamento da ênfase sobre a motivação para o elemento racionalidade.
Do ponto de vista analítico, essa versão apresenta decididamente o esvaziamento da
noção de auto-interesse de qualquer componente ético (egoísmo) ou psicológico
(hedonismo), de modo que não importa o que o homem econômico faça, pois ele sempre
estará perseguindo o seu auto-interesse:
Se a satisfação dos desejos da minha família, ou dos meus vizinhos,
colegas de profissão, classe social ou nação é parte de minhas
preferências, então elas pertencem ao meu auto-interesse individual. Se
os meus fins incluem o bem estar de terceiros, então os interesses
destes fazem parte integrante do meu auto-interesse. (GIANNETTI,
1988, p.6).
Dada a restrição orçamentária, o indivíduo exprime os seus desejos e objetivos
através das curvas de preferências, de modo que maximiza a alocação dos recursos no
ponto ótimo. Portanto, esse foi o avanço dos estudos acerca da racionalidade humana,
em que cada indivíduo tem sua curva de preferência, de forma que maximiza os seus
desejos sujeito a restrição orçamentária.
O foco desta versão recai sobre a racionalidade da escolha. O agente age
racionalmente dado o conjunto de ações possíveis e o conhecimento prévio de suas
conseqüências. Em outros termos, a teoria econômica adotou um padrão de escolha que
se revela através dos atos do indivíduo. Isto é o que ficou conhecido como preferência
revelada na ação.
Na verdade, tal concepção acerca da preferência revelada foi elaborada
inicialmente por Samuelson na Obra “A Note on the Pure Theory of Consumers
Behavior”
15
, e posteriormente ganhou novos contornos nos trabalhos de Little (1949)
16
.
15
Publicada originalmente em 1938. Para mais informações ver:
http://nobelprize.org/nobel_prizes/economics/laureates/1970/samuelson-bio.html. Acesso em:
16.nov.2006
16
Para mais informações ver: Moldau, 1985, p.14.
17
Quanto a esse axioma da preferência revelada, considera-se importante citar,
ainda que brevemente, o reconhecimento da contribuição de Samuelson à síntese da
teoria neoclássica, citada por FEIWEL (1984):
Jonh Chipman traces the development in two strands of consumption
theory of varied traditions the revealed preference and the
measurement of individual welfare. He argues that Samuels’s
achievement have been instrumental in transforming analysis in both
strands and have provided the foundations for a synthesis of the two.
This has opened the door for building utility functions and welfare
measures based on market observations of consumer demand behavior.
(FEIWEL, 1984, p. 6).
A distinção entre o homem econômico do tipo racional e psicológico, foi realizada
pela primeira vez por Robbins na sua obra “An Essay on the Nature and Significance of
Economic Science”
17
, que esforçou-se em separar estas duas versões:
Es sabido que algunos de los fundadores de la moderna teoría subjetiva
del valor adujeron la autoridad de las doctrinas del hedonismo
psicológico como sanción a sus proposiciones. No así austriacos. Los
cuadros mengerianos fueron construidos desde el príncipio en términos
que nos suponían cuestiones psicológicas. Böhm-Bawerk repudiaba
explícitamente cualquier filiación con el hedonismo psicológico y puede
decirse que hizo lo indecible para evitar esta clase de errores. Pelo los
nombres de Gossen y Jevons y Edgeworth, para no decir nada de sus
seguidores ingleses, son un recordatorio suficiente de un linaje de
economistas muy competentes que tuvieron pretensiones de esa suerte.
(...). Pero es de fundamental importancia distinguir entre la lógica que el
supone (...). Hay un sentido en el cual, por supuesto, la sostener que
antes de la conducta humana tenga un aspecto económico, se supone
al menos una cierta racionalidad: el equivalente a conducta encaminada
a un fin. (ROBBINS, 1944, pp.120-130).
Robbins (1944), prossegue fazendo a distinção entre o caráter psicológico e
racional do homem econômico, definindo a ciência econômica como ciência que estuda a
conduta humana em relação entre os fins dados e os meios escassos:
Esto pues, es cuanto existe tras el homo economicus: el supuesto
ocasional de que en ciertas relaciones de cambio todos los medios, por
así decirlo, está de un lado y del otro los fines. Si, por ejemplo, para
demonstrar las circunstancias dentro de las cuales se forma un precio
en un mercado limitado, se supone que en él compro siempre al me
vende más barato, ello no quiere decir en manera alguna que en
actúan necesariamente motivos egoístas. (ROBBINS, 1944, p. 134).
17
Editada originalmente em 1932.
18
Seguindo a mesma linha de raciocínio a partir da tentativa de separar as duas
versões do homem econômicos propostas por Robbins (1944), verifica-se que na
literatura pertinente ao assunto, existe uma certa ambigüidade quanto ao próprio termo
'auto-interesse' que muitas vezes é entendido como egoísmo psicológico.
Alguém poderia dizer que nas duas versões do homem econômico, a conduta é
essencialmente auto-interessada ou egoísta e, que não haveria diferenças substanciais
entre as duas versões. No esforço para esclarecer esta questão, encontra-se em
Muramatsu (1999), uma breve explanação acerca do egoísmo
18
.
O egoísmo psicológico é constituído em dois componentes:
a) egoísmo ético
b) egoísmo racional
O egoísmo ético trata-se da perseguição frenética do bem-estar individual, estando
sujeito a algum código penal ou moral. A primeira versão do homem econômico, que foi
apresentada na seção anterior, se enquadra nessa concepção de egoísmo, pois, nele é
admitido que a base motivacional da conduta humana é essencialmente egoísta, sem ter
em contrapartida nenhum elemento de racionalidade em termos de escolhas. E, mesmo
assim, encontra-se um forte apelo em relação aos julgamentos morais e éticos.
Por outro lado, o egoísmo racional está subdividido em duas hipóteses:
b.1) a hipótese de que os indivíduos são egoístas, pois perseguem
constantemente o seu auto-interesse;
b.2) a hipótese de que os indivíduos comportam-se de modo racional e
consistente.
Em outros termos, não basta que o indivíduo seja somente egoísta, ele tem que
ser suficientemente racional, com capacidade cognitiva de ordenar as suas escolhas.
Nessa perspectiva Muramatsu faz a seguinte consideração:
Os indivíduos racionais são suficientemente bem informados para fazer
uma ordenação completa e transitiva das suas alternativas. O princípio
da transitividade é um elemento essencial para escolha racional. Isso
quer dizer que se o indivíduo se deparar com três alternativas A, B e C,
ele terá capacidade cognitiva para promover a ordenação ótima das
mesmas. Desse modo se A>B>C, logo A>C. Vale destacar que a
validade da transitividade pressupõe um conhecimento pleno dos
atributos do bem que são objetos da escolha. (MURAMATSU, 1999,
p.18).
18
A autora toma como base para esclarecer a questão do chamado egoísmo psicológico, os
trabalhos do filósofo Kurt Baier (1993). O leitor interessado poderá consultar: Muramatsu (1999),
pp. 17-18.
19
Sob a perspectiva da evolução do pensamento econômico o construto do homem
econômico racional surgiu durante o século XIX, período este que se iniciou uma forte
influência do positivismo nas ciências. Qualquer ciência, seja ela natural ou social, deveria
atingir o seu máximo de desenvolvimento da física clássica e, portanto, servir de modelo
para ciência pura
19
.
A ciência econômica influenciada pela ciência abstrata, definiu os seus postulados
e métodos. Se a finalidade era construir um modelo de estudo em que a conduta humana
e as suas ações econômicas pudessem sustentar de forma consistente e positiva, então a
razão para o nascimento do homem econômico racional está justificada pela teoria
neoclássica: eis então, a saga do homem econômico racional.
O homem econômico racional está no centro do debate metodológico da ciência
econômica que, de certa forma, deixou de lado questões mais antigas ligadas à filosofia e
a moral, presentes em sua primeira versão. Nesse contexto, Hollis (1977), tece o seguinte
comentário:
O homem, á luz do iluminismo e dissecado anatomicamente pelos
utilitaristas, era um feixe individual de desejos. Era simplesmente um
animal complexo, não menos parte da natureza do que qualquer outra
coisa, e não menos sujeito a leis empíricas descobríveis. Seu
comportamento devia ser explicado como uma série de tentativas para
obter o que se desejava. A questão não era se seus desejos eram
metafísicos, religiosos, éticos ou simplesmente dizer que estava
buscando a satisfação de seus desejos. Julgamentos de valor não eram
pertinentes, exceto na medida em que se podia indagar cientificamente
se os meios escolhidos assegurariam o fim, dado o impacto de cada
homem sobre as aspirações dos outros. O ótimo de cada um,
racionalmente calculado e a longo prazo, contribui para o ótimo de longo
prazo de todos. O cálculo é a maximização da utilidade. (HOLLIS, 1977,
p.71).
Deve-se notar que o retrato direto do homem econômico é pouco mencionado nos
livros-textos. Na análise da literatura pertinente ao assunto, percebe-se que ele é
introduzido sutilmente na teoria econômica em diversos livros-textos, sendo sua presença
quase imperceptível. A dificuldade em obter os traços desse retrato falado do homem
19
O Positivismo, mais do que uma escola, foi basicamente uma tendência no pensamento
econômico, em reação ao socialismo abstrato da escola clássica. Baseou-se no ideário e método
positivista de August Comte e na utilização de informões estatísticas para enunciar as leis que
regem as relações do processo econômico, objetivando fazer da economia uma ciência
experimental. O leitor interessado poderá consultar: Hollis, 1997, pp. 11-62.
20
econômico racional trata-se de um verdadeiro quebra-cabeça, cujas peças são reunidas
a partir de alguns recortes aqui e acolá. Nessa perspectiva, Hollis (1977) também
apresenta a mesma dificuldade em juntar estas peças e nisso faz um comentário acerca
dos traços comportamentais do homem econômico racional:
Não é alto nem baixo, gordo nem magro, casado ou solteiro. Não se
esclarece se ele gosta do seu cachorro, espanca a mulher ou prefere
jogo de dardos à poesia
20
. Não sabemos o que deseja, mas sabemos
que, o que quer que seja, ele maximizará impiedosamente para obtê-lo.
Não sabemos o que compra, mas temos a certeza, que quando os
preços caem, ele ou redistribui seu consumo ou compra mais. Não
podemos afirmar o formato de sua cabeça, mas sabemos que suas
curvas de indiferença são côncavas em relação à origem. Pois em lugar
de seu retrato, temos um retrato falado. Ele é filho do iluminismo e
portanto o individualista em busca de proveito próprio da teoria da
utilidade. É um maximizador. Como produtor maximiza a sua fatia de
mercado ou lucro. Como consumidor onisciente e improvável entre, por
exemplo, consumir morango e cimento marginal. Está no ponto que
considera ótimo, que qualquer mudança seria pior para ele. (HOLLIS,
1977, pp. 77-78).
Esse retrato do homem econômico, formalmente é dado pelos axiomas da teoria da
escolha da microeconomia convencional, entre eles temos: completude, transitividade,
continuidade e não-saciedade.
A abstração do homem econômico apresentada acima, se faz necessária na medida
em que são separados os aspectos comportamentais que se deseja estudar. Sobre essa
idéia, Pareto (1971) faz a seguinte consideração:
O mesmo homem que considera como homo economicus para um
estudo econômico, posso considerá-lo como homo ethicus para um
estudo moral, como homo religiosus etc.(...) o homem real compreende
o homo economicus, o homo ethicus, o homo religiosus etc (...). Em
suma considera as diferentes propriedades desse corpo real, desses
homens, corresponde a considerar as diferentes propriedades desse
corpo real, desse homem real e visa apenas cortar as fatias da matéria
que se deve ser estudada. (PARETO, 1971, p.19).
Na versão paretiana, mesmo havendo a separação do objeto ou comportamento
humano que se desejasse estudar, a Economia Política não deveria levar somente em
consideração o estudo das ações econômicas, mas também as ações morais, religiosas,
políticas etc. Nessa perspectiva torna-se necessário fazer uma revisão literária acerca das
20
O autor faz uma comparação que contrasta o gosto popular (jogar pequenos dardos ao
alvo) e das elites dominantes da época (poesia).
21
objeções que se faz em relação ao homem econômico racional, que será realizada nas
22
O significado do termo “instituições”, tem sido discutido entre os economistas “90251( )278],91(d)0.5900255d dd s”m u s”cafi
23
idéias de Simon acerca da racionalidade limitada tiveram forte influência nos trabalhos da
NEI.
Para Simon (1980), a racionalidade limitada pode ser descrita da seguinte forma:
(...) a racionalidade limitada é caracterizada como uma categoria
residual a racionalidade é limitada quando lhe falta onisciência. A falta
de onisciência é fruto, principalmente, da falta de conhecimento das
alternativas, incertezas a respeito de eventos exógenos relevantes e
inabilidade no cálculo de suas conseqüências. (SIMON, 1980, p.42).
A onisciência citada por Simon (1980), é atribuída em contraponto à
hiperracionalidade do homem econômico. As alternativas no processo de escolha não são
conhecidas por completo. Dito de outra forma, o homem contratual é dotado de uma
competência cognitiva limitada que restringe a sua capacidade de colher, armazenar e
processar informações relevantes para a tomada de decisão.
Nesse contexto a hipótese relevante de Simon (1980), para os neo-
instituicioalistas consiste em dois processos de seleção das instituições na tomada de
decisão.
O primeiro deles pode ser caracterizado como processo de seleção por tentativa e
erro. Nesse processo a informação é obtida a cada experiência passada e armazenada a
fim de orientar as tentativas subseqüentes no processo decisório do agente.
O segundo processo corresponde ao que foi denominado por Simon (1980) de
seleção por experiência prévia. Neste caso rotinas e estruturas de gestão empresarial
que apesar de ficarem aquém da solução ótima, para cada caso demandam menos em
termos do fator escasso, que é a racionalidade. Em outros termos as formas de gestão
empresarial experimentadas em ocasiões anteriores podem ser adotadas em um novo
contexto, resultando na economia de esforços despendidos no processo de seleção de
tentativas de erro e acerto.
Nessa perspectiva para Simon (1980), o comportamento humano é
intencionalmente racional, porém de modo limitado. Nesse caso ao invés de maximizar as
suas escolhas, como faz o homem econômico, o homem contratual se contenta em
sobreviver mais ou menos satisfatoriamente buscando alternativas que são boas de
acordo com um padrão determinado (satisface)
25
:
25
O termo “satisface que aparece no dicionário Oxford English Dictionary como satisfy,
significa satisfação e satisfeito. Simon (1980) utiliza este termo em suas obras para maximização
das escolhas do agente que podem estar mais ou menos satisfeitas. O leitor interessado na
24
Com todas estas qualificações e reservas, certamente entendemos hoje,
muitos mecanismos da escolha racional humana. Sabemos como o
sistema de processamento de informões chamado Homem,
confrontando com complexidade além do seu alcance, usa sua
capacidade de processamento de informações para procurar
alternativas, calcular conseqüências, esclarecer incertezas e assim –
algumas vezes nem sempre descobrir formas de ação que são
consideradas adequadas para aquele momento que o satisfazem.
(SIMON, 1980, p. 56).
O assunto “racionalidade limitada”, não se esgota por aqui. Conforme dito, a
racionalidade limitada, proposta por Simon (1980), serviu para a diversificação do
programa de pesquisa da NEI.
Nesse contexto, Williamson (1985), procurou estudar a reestruturação dos
sistemas produtivos como resposta às mudanças observadas no ambiente institucional, a
partir da análise da Economia dos Custos de Transação (ECT), cujo objetivo é estudar
como os agentes em uma transação protegem-se dos riscos associados às relações de
trocas.
Williamson (1985), distingue três níveis de racionalidade:
a) racionalidade forte;
b) racionalidade limitada;
c) racionalidade orgânica;
A racionalidade forte, identificada entre os neoclássicos, assume que os indivíduos
são capazes de colher e processar toda informação disponível, agindo de modo a
maximizar seus objetivos, seja, lucro, receita ou utilidade:
Neoclassical economics maintains a maximizing orientation. That is
unobjectionable, is all of relevant cost are recognized. The maximizing
tradition does not, however, encourage such recognitions. Instead, the
role of institutions is suppressed in favor of the view that firms are
production functions, consumers are utility functions, the allocation a of
activity between alternative mode organization is taken as given, and
unbiquitous. (WILLIAMSON, 1985, p.45).
De acordo com Azevedo (1997), avanços recentes fazem uso intenso dos
pressupostos da racionalidade forte da economia ortodoxa:
a) expectativas racionais (Lucas, 1972);
interpretação em detalhes do termo satisface” de Simon, poderá consultar: Barros, 2004, pp. 69-
71.
25
b) teoria da escolha sob critérios múltiplos (Moldau, 1993);
c) meta-ordenação (Sen,1982);
Particularmente estes dois últimos campos de pesquisa correspondem às formas que
Muramatsu (1999), procurou apresentar as razões para o comportamento altruísta,
conforme será apresentado posteriormente.
O segundo conceito de racionalidade de Williamson (1985), corresponde à
racionalidade limitada. Esse pressuposto comportamental implica que o agente se
empenhará em obter o que é melhor para si. A obtenção de informações necessárias à
tomada de decisão individual, implica que o recurso “racionalidade” é escasso, estando
associado a algum tipo de custo à sua utilização .
O terceiro tipo de racionalidade é denominado por Williamson (1985), como
racionalidade orgânica. Para descrever este conceito, o autor se baseia nos trabalhos de
Alchian (1950) e Nelson & Winter (1982). Nesse caso assume-se que os indivíduos são
racionalmente limitados, de modo que não são capazes suficientemente para orientar a
escolha de um quadro institucional com o objetivo de mitigar problemas contratuais ex-
post. O modo como os agentes enfrentam os problemas contratuais não previsíveis é
através do estabelecimento de rotinas, que muitas vezes não se traduz numa estratégia
racional à situação que se defronta o agente (WILLIAMSON, 1985).
Ainda em análise dos pressupostos comportamentais do homem contratual, tem-se
um segundo conceito que faz parte de suas características - a propensão irresistível ao
oportunismo. Conforme verificado anteriormente o homem econômico, embora sempre
ávido a maximizar o seu auto-interesse, persegue seus objetivos sempre restrito à lei,
como regras de jogo competitivo que ele invariavelmente obedece:
O homem econômico persegue o seu auto-interesse com brio (...) a
dimensão oportunista do comportamento individual está ausente. Os
agentes buscam seu auto-interesse com toda idoneidade, ou seja,
“jogam limpo” todo tempo, sem violar oportunisticamente as regras do
jogo – sem infringir as leis, roubar, mentir, dissimular, trapacear ou
explorar em benefício próprio ambigüidades contratuais e situações
imprevistas que surjam ao longo das transações. (GIANNETTI, 1988,
p.14).
No programa de pesquisa neo-institucionalista, a introdução da propensão ao
oportunismo foi assumida implicitamente na Economia da Informação. Por volta dos anos
26
conduziu à ortodoxia econômica ao desenvolvimento de novas formas e ao estudo de
novos fenômenos que, até então, estavam à margem da análise econômica
26
.
O comportamento a-ético – oportunista – apesar de não ser um pressuposto
comportamental explícito na Economia da Informação, foi explicitamente incorporado a
NEI, a partir da Economia dos Custos de Transação proposta por Williamson (1985).
Seguis esse raciocínio Williamson (1985), distingue três níveis de comportamento
auto-interessado:
a) oportunismo ou auto-interesse forte (self-interest seeking);
b) auto-interesse simples;
c) obediência;
O primeiro conceito denominado self-interest seeking”, assume que não
restrições ao comportamento egoísta dos agentes econômicos. Roubar, mentir,
dissimular, trapacear enfim, são atitudes esperadas dos indivíduos auto-interessados. A
presença do oportunismo leva à busca de salvaguardas contratuais. Segundo Giannetti
(1988), os contratos existem porque existe uma oferta limitada de confiabilidade
interpessoal, que deixa de ocorrer na medida em que a confiabilidade de uma das partes
é baixa em relação à outra.
Para Williamson (1985), há duas formas de oportunismo:
a) oportunismo ex-ante: ação a-ética antes da realização da transação;
b) oportunismo ex-post: ação a-ética durante a vigência do contrato;
Assim os contratos são os principais mecanismos para coibir o oportunismo:
Contract as promise. Another convenient concept of contract is to
assume that economic agents will reliably fulfill their promises. Such
stewardship behavior will not obtain, however, if economic agents are
given to opportunism. Ex-ante efforts to screen economic agents in term
of reliability and, even more, ex-post safeguards to deter opportunism
take on different economic significance as soon as the hazards of
opportunism are granted. Institutional practices that were hithertes
regarded as problematic are thus often seen to perform valued
economizing purposes. When their transaction cost features are assed.
(WILLIAMSON, 1985).
26
Os avanços neste campo de pesquisa da Economia da Informação, tinham como objetivo
explicar as transações em que se observa a existência de assimetrias de informação em que uma
das partes obtém informação privada, não adquirida sem custo pela outra parte. De acordo com
Azevedo (1997), esse programa de pesquisa gerou várias teorias que se complementaram e que
genericamente foram denominadas como Teoria dos Contratos. Entre essas teorias destacam-se:
Teoria do Agente Principal (Jensen e Meckling, 1976), Mechanism Design (Laffont e Masking,
1980), Seleção Adversa (Akerloff, 1970), Signalling ad Self-selection, Incentive Compatibility
(Spence, 1973), Moral Hazard (Arrow, 1968) e Team Production (Groves, 1973).
27
O segundo conceito comportamental trata-se do auto-interesse simples, sem
oportunismo. Nesse caso os indivíduos são movidos pelo auto-interesse, mas preservam
o cumprimento dos contratos, este é o pressuposto adotado pela escola neoclássica, e
que já foi apresentado.
O terceiro pressuposto comportamental trata-se da obediência ou ausência do
auto-interesse:Obedience is the behavioral assumption that is associated with social
engineering”.(WILLIAMSON, 1985, p.35). Nesse caso a análise do comportamento não
está fundamentada no individualismo metodológico, ou seja, o indivíduo é influenciado
pelo meio em que vive, de modo que suas ações são reflexas do meio social (coletivismo
metodológico). De acordo com Williamson (1985), nesse caso, as ações do indivíduo são
coordenadas por uma entidade externa a ele, como governo, ideologia ou religião.
A racionalidade limitada e o oportunismo são os principais elementos do
comportamento humano que Williamson (1985) utiliza para explicar a Economia dos
Custos de Transação. As implicações desses pressupostos são as mais diversas, sendo
que Williamson (1985) cita vários exemplos econômicos, explorando a ameaça do
oportunismo no âmbito da governança corporativa
27
.
Na literatura sobre o assunto, encontram-se alguns autores, entre eles Pereira
(2001), Pessali & Fernández (1998), que criticam os pressupostos comportamentais
admitidos pelos neo-institucionalistas, por conta do afastamento da velha escola
institucional encabeçada por Veblen, Myrdal e Commons entre outros.
De acordo com Pereira (2001), a proposta da velha escola institucionalista era
romper com o programa de pesquisa neoclássico, retomando o uso do processo histórico
associada à teoria econômica e outras ciências sociais. Nesse caso a
multidisciplinaridade seria utilizada para explicar os fenômenos econômicos e sociais. O
autor considera que houve uma distorção dos trabalhos originais da velha escola
institucional, de modo que o programa de pesquisa da NEI, tratou-se muito mais de uma
síntese neoclássica do que uma revolução no pensamento econômico, conforme era a
proposta da escola originalmente.
Preferências estáveis, escolha racional, tendência ao equilíbrio enfim, são os
pontos primordiais para a economia neoclássica e que se estendem ao programa de
pesquisa da NEI, conforme detalhado no artigo de Pereira (2001). O autor sintetiza as
suas objeções da seguinte forma:
27
O leitor interessado poderá consultar a síntese de tais implicações em: Williamson (1985),
pp.64-67 (Apêndice).
28
(...) os neo-institucionalistas percorrem dois caminhos paralelos: o
primeiro é concentrar estudos quantitativos em estudo sobre a
especificidade dos ativos e formas de governança. O segundo é
considerar o homem econômico racional, o que uniformiza o
comportamento dos agentes e permite a modelagem matemática. Essa
uniformização do comportamento dos agentes é uma “gambiarra
metodológica”, que permite a análise do risco. (PEREIRA, 2001, p.32).
Vale a pena esclarecer que os indivíduos continuam sendo racionais, mas apenas
limitadamente, incluindo também o oportunismo. Nesse caso Pereira (2001), refere-se à
padronização do comportamento para fins metodológicos e não à generalização do
comportamento humano como um todo, até porque o próprio Williamson
(1985) se isenta deste tipo de generalização a partir da seguinte afirmação:
I merely assume that some individual are opportunistic some of the time
and that differential trustworthiness is rarely transparent ex-ante. As a
consequence ex-ante screening efforts are made ex-post safeguards are
created. (WILLIAMSON, 1985, p.64).
Para Pessali & Fernández (1998), o comportamento não pode ser entendido como
uma programação genética imutável, mas como algo que vem sendo moldado ao longo
do tempo em função das instituições humanas. Desse modo, os autores afirmam que o
oportunismo é um tipo relevante de comportamento dos agentes engajados nas
transações econômicas, sendo o comportamento humano mais abrangente que isso,
estimulado por uma pluralidade de motivações, como honestidade e lealdade, por
exemplo.
Dadas, então, as objeções aos pressupostos comportamentais da NEI, por algum
momento chega-se a pensar que o homem contratual pode ser um parente muito próximo
do homem econômico, por conta das características metodológicas já mencionadas aqui.
Mas o debate ainda é extenso na literatura e provoca grandes divergências entre a velha
e a nova escola institucionalista, não correspondendo ao foco desse trabalho.
Outra questão em aberto que merece destaque, trata-se do comportamento ético.
Será que a ética poderia ser uma dessas instituições que moldam o comportamento
daqueles que exercem o “jogo social”? A ética seria uma restrição ao comportamento
oportunista? Nessa discussão teria espaço para a análise do comportamento altruísta?
A discussão acerca da ética abre espaço para o estudo do comportamento
altruísta e, talvez, a velha literatura institucionalista teria muito a contribuir para o debate.
29
No entanto optou-se em abordar o comportamento altruísta, seguindo a trilha do homem
ético de Sen (1982), cujas características serão apresentadas ainda neste capítulo.
2.2.2 Escolhas contra preferenciais: a lógica do homem sub-racional
Dados os conceitos e def es acerca da racionalidade limitada do homem
contratual do neo-institucionalismo, nesta se5ão 5007( )-5]TJ252.483 0 Td[(v)9.93324(e)0.590251(s)-0.957164(t)-5.15007(5007( )-5g)-10.3001(a)0.589606(-)-4.60236(s)-0.957164(e)0.590251( )-92.2733(o)0.590251(s)-0.957164( )-81.3829(a)0.590251(s)-0.957164(p)0.590251(e)0.590251(c)-0.957164(t)-5.15007(o)0.590251(s)-0.957164( )-81.3829(g)-10.3001(e)0.590251(r)-4.60236(a)0.590251(i)4.19291(s)-0.957164( )-81.3829(d)0.590251(a)0.590251( )-81.3855(s)-0.957164(u)0.590251(b)0.589606(-)]TJ-252.483 -18.96 Td[(r)-4.60236(a)0.589586(c)-0.958493(i)4.19225(o)0.589586(n)0.589586(a)0.589586(l)4.19158(i)4.19158(d)0.590251(a)0.590251(d)0.590251(e)0.590251( )-222.958(d)0.590251(o)0.590251( )-222.958(c)-0.958493(o)0.590251(m)-5.56086(p)0.590251(o)0.590251(r)-4.60103(t)-5.15007(a)0.590251(m)-5.56086(e)0.590251(n)0.590251(t)-5.15007(o)0.587592( )-212.068(i)4.19291(n)0.590251(d)0.590251(i)4.19291(v)9.93324(i)4.19291(d)0.590251(u)0.590251(a)0.590251(l)4.19291(.)-5.15007( )-212.068(T)-9.75244(r)-4.60236(a)0.590251(t)-5.15007(a)0.589606(-)-4.60236(s)-0.957164(e)]TJ266.79 0 Td[( )-212.068(d)0.590251(e)0.589606( )-212.068(u)0.590251(m)-5.55953(a)0.590251( )-212.068(v)9.93324(e)0.590251(r)-4.60236(s)-0.957164(ã)0.590251(o)0.590251( )-212.068(m)-5.55953(a)0.590251(i)4.19291(s)-0.957164( )-212.068(c)-0.957164(o)0.590251(m)-5.55953(p)0.590251(l)4.19025(e)0.590251(x)9.93324(a)0.590251( )-212.07(e)0.590251( )277.998]TJ-266.79 -18.96 Td[(á)0.589586(s)-0.958493(p)0.589586(e)0.589586(r)-4.60236(a)0.589586( )-5.15007(d)0.590251(o)0.590251( )-5.15007(c)-0.958493(o)0.590251(m)-5.56086(p)0.590251(o)0.590251(r)-4.60236(t)-5.15007(a)0.590251(m)-5.56086(e)0.590251(n)0.590251(t)-5.15007(o)0.591581( )-5.15007(h)0.590251(u)0.590251(m)-5.56086(a)0.590251(n)0.587592(o)0.590251(.)-5.15007( )-5.1504( )]TJT*[( )-2934.67(O)-6.10857( )-397.204(i)4.19158(n)0.590251(í)16.6307(c)-0.958493(i)4.19158(o)0.590251( )-397.204(d)0.590251(e)0.590251(s)-0.958493(s)-0.958493(a)0.590251( )-397.204(e)0.590251(x)9.93191(p)0.590251(e)0.590251(d)0.590251(i)4.19158(5ã)0.587592(o)0.590251( )-397.204(t)-5.15007(e)0.590251(v)9.93324(e)0.590251( )-397.204(c)-0.957164(o)0.590251(m)-5.55953(o)0.590251( )-397.204(p)0.590251(o)0.590251(n)0.590251(t)-5.15007(o)0.590251( )-397.204(d)0.59291(e)0.590251( )-397.204(p)0.590251(a)0.590251(r)-4.60236(t)-5.15007(5007( )-5d)]TJ324.26 0 Td[(a)0.590251( )-397.204(o)0.590251( )-386.314(d)0.590251(e)0.590251(l)4.19291(i)4.19291(n)0.590251(e)0.590251(a)0.590251(m)-5.55953(e)0.590251(n)0.584934(t)-5.15273(o)0.590251( )-386.317(d)0.590251(o)0.590251(s)-0.957164( )277.998]TJ-324.26 -19.08 Td[(p)0.589586(r)-4.60236(e)0.589586(s)-0.958493(s)-0.958493(u)0.589586(p)0.590251(o)0.590251(s)-0.958493(t)-5.15007(o)0.590251(s)-0.958493( )-451.656(c)-0.958493(o)0.590251(m)-5.56086(p)0.590251(o)0.590251(r)-4.60236(t)-5.15007(a)0.590251(m)-5.55953(e)0.590251(n)0.590251(t)-5.15007(a)0.590251(i)4.19158(s)-0.958493( )-451.659(d)0.590251(o)0.590251( )-451.656(h)0.590251(o)0.590251(m)-5.55953(e)0.590251(m)-5.55953( )-451.656(e)0.590251(c)-0.957164(o)0.59291(n)0.590251(ô)0.590251(m)-5.55953(i)4.19291(c)-0.957164(o)0.590251(.)-5.15007( )-451.656(A)2.68538( )]TJ311.877 0 Td[(a)0.590251(p)0.590251(r)-4.60236(e)0.590251(s)-0.957164(e)0.590251(n)0.590251(t)-5.15007(a)0.590251(5ã)0.590251(o)0.590251( )-440.766(d)0.590251(o)0.590251(s)-0.957164( )-440.769(t)-5.15273(r)-4.60502(a)0.590251(5o)0.590251(s)-0.957164( )277.998]TJ-311.877 -18.96 Td[(c)-0.958493(o)0.589586(m)-5.56086(p)0.589586(o)0.589586(r)-4.60236(t)-5.15007(a)0.590251(m)-5.56086(e)0.590251(n)0.590251(t)-5.15007(a)0.590251(i)4.19158(s)-0.958493( )-92.2733(d)0.590251(o)0.590251( )-92.2733(h)0.590251(o)0.590251(m)-5.55953(e)0.590251(m)-5.56086( )-92.2733(s)-0.958493(u)0.590251(b)0.588277(-)-4.60236(r)-4.60236(a)0.590251(c)-0.957164(i)4.19291(o)0.590251(n)0.590251(a)0.590251(l)4.19291( )-81.3829(p)0.590251(o)0.590251(d)0.590251(e)0.590251( )-81.3829(a)0.590251(j)-6.69749(u)0.590251(d)0.590251(a)0.589606(r)-4.60236( )-81.3829(a)]TJ279.775 0 Td[( )-81.3829(e)0.590251(n)0.590251(t)-5.15007(e)0.590251(n)0.590251(d)0.590251(e)0.590251(r)-4.60236( )-81.3829(m)-5.55953(e)0.590251(l)4.19291(h)0.590251(o)0.590251(r)-4.60236( )-81.3829(à)0.590251( )-81.3829(a)0.590251(s)-0.957164(c)-0.957164(e)0.590251(n)0.590251(s)-0.955ão do
homem econômico na teoria neoclásica. Por outro la do, será posível entender porque
os agentes econômicos, em muitas ocasies, não so capazes de traduzir de modo
30
animais. Para Giannetti (2003), houve uma tentativa de reduzir o poder da ética, das
emoções e sentimentos humanos a partir do radicalismo de La Metrie.
Apesar dos autores científicos da época de La Metrie, evidentemente
influenciados pelo iluminismo, argumentarem que os homens são máquinas automáticas,
sendo insignificantes os processos mentais, tais aspectos comportamentais podem
parecer um tanto obscuros para análise econômica. Por outro lado, ajuda a entender
melhor a mecânica da utilidade e do auto-interesse, que são pressupostos básicos do
homem econômico racional.
Grosso modo, pode-se dizer que o homem econômico assemelha-se ao homem
máquina, no que refere-se à generalização e abstração do comportamento humano.
Enquanto as ações do homem máquina são descritas como automáticas, sem nenhum
pressuposto de racionalidade, as ações do homem econômico são descritas como
respostas automáticas às variações nos preços. Ademais, as duas versões assemelham-
se pelo fato de que a moral e os sentimentos não exercem papel algum na determinação
da conduta humana.
Por outro lado, conforme afirma Giannetti (2003), o divisor de águas nas duas
versões refere-se à questão racional. Mesmo no âmbito da ação essencialmente
econômica, os processos mentais de raciocínio lógico desempenham um papel
fundamental na explicação do homem econômico:
Embora não seja dado a permitir que suas crenças e opiniões essas
forças eminentemente perturbadoras (Jevons) interfiram em suas
atividades ou estorvem seus cálculos, o homem econômico ainda assim
possui uma mente que influi. De fato, todas as transações no ciclo das
trocas são essencialmente baseadas em uma operação distintamente
mental e reflexiva, ou seja, o processo inteligente e consciente de
informações prevalece ainda uma mente depurada. (GIANNETTI, 2003,
pg. 78).
Portanto ambas as versões assemelham-se no que refere-se à questão da
indiferença moral, mas divergem nos usos e conceitos dos processos mentais em si.
O homem sub-racional, ainda possui uma outra personalidade, talvez mais suave
em relação a sua primeira versão do homem máquina, denominada por Giannetti (1988),
como versão mitigada. Nessa versão os mecanismos sub-racionais se apresentam a
partir de dois problemas: dissonância cognitiva e akrasia.
De acordo com Elster (1984), a dissonância cognitiva refere-se a análise do
comportamento individual no âmbito da disparidade entre preferências de um lado e
31
ações de outro, ou seja, nem sempre o agente consegue traduzir de forma consistente os
seus objetivos e comportamento desejado. a akrasia, refere-se ao termo aristotélico
utilizado para interpretar a fraqueza de vontade do agente individual. Trata de um conflito
interno entre o interesse imediato do agente e algum tipo de interesse de longo prazo
mais puro ou legítimo
29
.
Numa passagem, Elster (1985) elabora um exemplo sugestivo que aborda a
combinação ideal entre a dissonância cognitiva e a fraqueza de vontade de um fumante.
O autor considera um homem que deseja parar de fumar e até agora cede à tentação
quando lhe oferecem um cigarro. Isto parece perfeitamente consistente com o seu
objetivo de curto prazo, mas não é consistente com o objetivo de médio e de longo prazo.
Para satisfazer o seu desejo mais imediato, o indivíduo omite as razões e argumentos
contra a idéia de parar de fumar, formando crenças e opiniões no curto prazo para reduzir
o seu desconforto mental, como se fosse uma espécie de miragem que omite o seu
objetivo de médio e longo prazo: parar de fumar e ter uma condição de vida mais
saudável.
No exemplo anterior os mecanismos da sub-racionalidade do agente dissonância
cognitiva e fraqueza de vontade são dados por suas ações contra preferenciais, não
conseguindo resistir à tentação de parar de fumar mais um cigarro, entregando-se assim
à recompensa de curto prazo.
Inúmeros exemplos podem ser dados acerca dos mecanismos da sub-racionalidade
no comportamento individual, que reflete os conflitos de interesse dentro do mesmo
indivíduo
30
. Um exemplo do filosofo americano William James acerca de um caso
particular, descreve bem esta situação:
Quantas desculpas alguém com disposição a beber pesadamente não
encontra quando uma nova tentação aparece! É uma nova marca de
bebida que, em nome de sua cultura intelectual no assunto, ele é
forçado a experimentar. De qualquer forma, o copo está
(inadvertidamente) cheio e é pecado desperdiçar. Ou os demais estão
bebendo e seria inconveniente recusar. Ou é apenas para permitir que
durma, ou realize uma determinada tarefa no trabalho. Ou não é
precisamente estar bebendo, é que estão frio hoje. Ou é natal. Ou é
apenas um meio de estimulá-lo a fazer uma resolução, mais firme da
abstinência. Ou é apenas dessa vez e, uma única não conta etc.etc - é
29
Ver Elster (1984), pp.1388.
30
Dado que o aprofundamento deste tema não corresponde ao escopo deste trabalho, o
leitor interessado poderá consultar exemplos mais formais em: ELSTER, 1979, pp.113-155.
32
na verdade, o você deseja, exceto ser um bêbado costumaz. (JAMES
31
.
1890, apud GIANNETTI, 1988, pp.22)
Nesta mesma perspectiva Zilhão (2005), afirma que numa situação de dissonância
cognitiva e fraqueza na vontade, o agente cognitivo é capaz de elaborar crenças e
opiniões para julgar a sua própria ação, numa dada circunstância. Isso significa dizer que
o agente julga o que é melhor para si no que refere-se à recompensa de curto prazo. De
acordo com o autor, qualquer tipo de comportamento compulsivo enquadra-se
perfeitamente nessa questão. Admite-se nesse aspecto que o indivíduo não tem
autocontrole de suas compulsões, isso porque o seu autoconhecimento e autodomínio
são rigorosamente limitados. Nesse sentido, as suas paixões e convicções sempre o
convencem a sucumbir às tentações.
Nota-se, portanto, que a formação de crenças são importantes para determinação
do comportamento individual nesta versão da sub-racionalidade. Nesse contexto, a teoria
tradicional da escolha, a partir dos seus pressupostos comportamentais, limita o valor
explicativo dos mecanismos psicológicos que se desencadeiam numa determinada ação.
A teoria da escolha racional, não permite entender porque um agente requer escolhas
contra preferenciais, até porque tal teoria fundamenta-se num conjunto de axiomas que
hipoteticamente garantem escolhas internamente consistentes
32
.
A análise dos traços comportamentais do homem sub-racional, por ora, remete ao
problema acerca da racionalidade de planos e compromissos. Tendo como base os
trabalhos de Bianchi & Muramatsu (2005), apresenta-se a metáfora de Ulisses e as
Sereias
33
para melhor ilustrar esta questão. A metáfora traz à baila o conflito entre
interesse imediato do agente e algum tipo de interesse de longo prazo, mais genuíno ou
durável
34
:
31
James, W. (1890). Principles of Psychology. New York: Holt.
32
O leitor interessado em investigar, mais detalhadamente as limitações da teoria da
escolha racional no que refere-se ao elementos da psicologia da escolha, poderá consultar:
MURAMATSU, 2004.
33
É importante esclarecer que a primeira abordagem acerca da racionalidade econômica,
planos e compromissos utilizando a metáfora de “Ulisses e as Sereias”, foi realizada por Gauthier
(1996). Posteriormente Bianchi & Muramatsu (2005), retoma a discussão, dando novos contornos a
lógica de planos e compromissos.
34
Utilizou-se a citação direta a seguir para ilustrar a metáfora de Ulisses e as Sereias,
devendo-se notar que tal citação não foi encontrada nos trabalhos das autoras Bianchi &
Muramatsu (2005). Dito de outra forma, as autoras discorrem sobre a metáfora de Ulisses e as
Sereias, mas não fazem nenhuma citação direta. Por isso, para ficar mais compreensível, optou-se
em trazer este trecho, como citação indireta, traduzida por outro autor, conforme ilustrado a seguir.
33
Passaremos agora pela ilha das sereias, Mulheres-pássaro que
enfeitiçam com seu doce canto aqueles que vêm se aproximar da ilha. E
quem escuta a voz delas não mais haveria de rever a terna esposa, nem
filhos e a casa, mas deixará seu ossos na ilha, ao lado de todos os que
encontram a perdição enfeitiçados pelo canto das sereias. Por isso,
todos vocês irão tapar os ouvidos com cera e apenas eu, conforme
disse Circe, poderei ouvir a canção, se esse for o meu desejo. que é
preciso que vocês me amarrem fortemente ao mastro de modo que eu
não possa sequer me mover. Ainda que eu chore e lhes implore que me
desamarrem, vocês não devem me atender, mas apenas apertar os nós
mais ainda!. (POTZMAN, 2001, p. 109-110)
35
.
O herói grego pode voltar da guerra de Tróia à Itaca, tendo duas alternativas
de escolha: uma chegar são e salvo à Grécia para reencontrar sua Penélope e trazer a
glória para o seu povo, ou pode desfrutar do canto das sereias. Note que Ulisses partiu
para a sua conquista com o plano de voltar à Grécia de forma gloriosa,
independentemente das tentações e obstáculos que o levassem a rever seu plano. De
certa forma, o canto das sereias poderia mudar as suas preferências, de modo que
Ulisses por compulsão poderia ir ao encontro das sereias, sendo levado a rever o seu
plano inicial. Muramatsu (2005) argumenta que em termos econômicos, Ulisses decidiu
tomar, inicialmente, um plano contando com o retorno esperado e nisto, a autora
considera duas versões para o tomador de decisão: Ulisses esclarecido (sofisticado) e o
Ulisses Míope.
Em primeira instância, Ulisses adota um plano se ele for viável, isto é, se
o retorno esperado no final da longa viagem não induzi-lo à revisão do seu plano inicial.
Isto significa dizer que o indivíduo age como se estivesse equipado com uma
supercapacidade cognitiva de modo que pode adotar um plano e mantê-lo ao longo do
tempo, deixando de lado os obstáculos que podem conflitar no curso da execução do
plano. Essa é a versão do Ulisses Esclarecido, que pede para ser amarrado ao mastro do
navio para realizar o seu plano inicial, que é voltar à Grécia no final.
Então, em seu processo de escolha existem dois motivos para a realização do
compromisso: a) os que permitem o agente adotar um plano; b) aqueles que dispõem a
levar adiante o seu plano, em outros termos, agir em conformidade com o mesmo. De
35
Homero, A Odisséia, recontada por Menelaos Stephanides, tradução de Janaína Potzman,
São Paulo: Odysseus, 2001, pp.109-110
34
acordo com Muramatsu (2005), nesse caso, o agente antecipa o conflito potencial entre
esses dois motivos. Mas como poderia se explicar os casos em que os agentes não
conseguem levar adiante o seu plano inicial? Nesse ponto entra em cena a versão do
Ulisses Míope, que refere-se aos tomadores de decisão que embora sejam capazes de
antecipar o futuro, e até formular planos de longo prazo, são incapazes de concretizá-los.
Em outros termos o agente que planeja um determinado curso da ação, a utilidade
esperada de levar adiante seu plano torna-se igual ou inferior à utilidade esperada de
desviar-se dele. A visão de longo prazo de Ulisses míope fica obscurecida ao sucumbir
seus desejos pela sedução das sereias. Um caso típico de akrasia e dissonância
cognitiva.
Isso posto, foi trazido para o debate esta metáfora para ilustrar as discrepâncias
que existem entre planos, compromissos e preferências. A teoria da escolha tradicional
teria dificuldades para explicar porque Ulisses implementa um plano de curto prazo que
contrarie as suas preferências de longo prazo. Em diversas situações é possível se
deparar com circunstâncias que não podem ser resolvidas pelo cálculo racional, pois o
fato do agente preferir adotar uma regra de ação para escapar das tentações, pode ser
um indício de que, em determinadas situações, o comportamento do tipo satiface”
36
,
pode ser o melhor caminho. Dito de outra forma, as restrições presentes no cálculo
cognitivo, num curto prazo, impedem o alcance do resultado ótimo. Ulisses por exemplo,
solicitou que fosse amarrado a um mastro para não ser seduzido pelas sereias. Um
fumante arrependido prefere não fumar o primeiro cigarro que seria seguido por uma séria
de outras tentativas para fumar.
Do mesmo modo o arcabouço tradicional da teoria da escolha encontra
dificuldades para explicar estas anomalias como a presença de compromisso moral, que
viola o padrão de comportamento auto-interessado
37
. O comportamento altruísta se
enquadra nessa problemática, uma vez que o indivíduo pode não ter preferências auto-
interessadas. Nesse caso assume-se um comportamento cooperativo, tendo como critério
prioritário de escolha o bem-estar alheio.
36
Conforme proposta de Simon (1955), apresentada na seção anterior.
37
Muramatsu (1999) argumenta que os sentimentos morais, podem entrar em conflito com
as considerações que brotam do cálculo racional. Por exemplo, um professor que aprova o aluno
para não perder a bolsa de estudos parece ser o juiz da barganha entre o senso de justiça e o
sentimento de simpatia. Para esta situação, a simpatia fala mais alto.
35
Nessa incursão da análise do comportamento do homem sub-racional, chega-se por
um momento a questionar quais impactos dessas pequenas incoerências do
comportamento individual na vida econômica real?
A resposta para esta indagação parece ser complexa e de difícil solução. Pode-se
pensar nas receitas obtidas em quantidades adicionais de cigarros vendidos de uma
indústria de tabaco a um fumante que deseja parar de fumar ou em contrapartida pensar
na indústria farmacêutica que lança medicamentos que ajudam o fumante a resistir ao
tabaco. Também pode-se pensar na propaganda de uma nova cerveja a um alcoólatra
que deseja parar de beber, na introdução de novas guloseimas e doces para uma pessoa
que deseja emagrecer, ou na proliferação de casas de jogos de azar para indivíduos
compulsivos, que por algum momento desejariam parar de jogar. Enfim, são diversos
exemplos que merecem uma análise mais aprofundada. Talvez o homem sub-racional
ajude a entender melhor tais questões.
Um grande número de economistas contemporâneos têm se dedicado a investigar
os elementos psicológicos no processo de escolha individual no mundo real (Elster, 1983,
Muramatsu, 2004, Zilhão 2005, Machamer, Darden & Craver, 2000, Giannetti, 2003). Daí
a importância do estudo dos fundamentos psicológicos, das crenças e opiniões para o
progresso explicativo do comportamento individual na teoria da escolha.
2.2.3 O homem ético de Sen: uma visão panorâmica do debate sobre ética e
economia
A abordagem de S-0.166354(m)166354(m)166354(m)1mmmmmmD8087 0 0 1 85.08 287.10.590251(m)-05(a)0.590251(r)-4.60236(m)-5.56086(a)0.5902.31.19291(v)9.93324(e)0.5990251(r)-4.60502(,)-5.15273( 808790251(l)4.19025( )277.9291(,)-5.15007( )-590251( )-135.835(c)-0.)-5.5604505vimpl, tamento
36
“engenharia”
38
. Em outros termos, Sen (1999) refere-se à distinção entre a economia
normativa e positiva.
A tradição ligada à ética, associa o estudo da economia, da ética, da filosofia e da
política em conjunto. O homem ético teve sua origem na Grécia, com Sócrates, Platão e
Aristóteles, recebendo posteriormente novos contornos a partir de Kant e Hegel (ÁVILA,
1998).
De acordo com Ávila (1998), os gregos entendiam por “ethos”, o conjunto de
condutas morais, pelas quais uma comunidade busca a melhor maneira de viver que lhes
garanta sua preservação, de modo a atingir o maior nível possível de felicidade em
sociedade.
Segundo Prado (1998), o modo de vida dos gregos na polis, deveria refletir a
ordem cósmica contemplada pela razão
39
. As leis associadas ao comportamento da
sociedade configuravam a doutrina das leis, conciliando assim a ciência política que se
mantinha por meio dos costumes. As leis da polis, deveriam promover a igualdade,
equidade, e direito à palavra na ordem social.
Sob esta perspectiva Aristóteles num dos seus clássicos (Ética a Nicômacos),
associa a economia ao estudo da ética e da política:
Mas como muitas atividades, artes e ciências, suas finalidades
também são muitas; a finalidade da medicina é a saúde, a da
construção naval é a nau, a da estratégia é a vitória, da economia a
riqueza(...). a ciência política determina quais são as demais ciências
que devem se estudar em cidade e quais os cidadãos que devem
aprendê-las, e até que ponto; e vemos que mesmo as atividades tidas
de mais alta estima se incluem entre as ciências, como por exemplo, a
estratégia, a economia e a retórica. Uma vez que a ciência política usa
as ciências restantes e, ainda mais, legisla sobre o que devemos fazer e
sobre aquilo que devemos abster-nos, a finalidade desta ciência inclui
necessariamente a finalidade de outras, e então esta finalidade deve ser
o bem do homem. (
Ética à Nicômaco
, apud, KURY, 1985, pp.17-18).
38
A Engenharia Econômica denominada por Sen, refere-se à tradição da Economia
Neoclássica que se utilizou de métodos quantitativos, a partir da generalização de modelos para
explicar a realidade. A ascensão do homem econômico racional é um dos exemplos da abordagem
matemática na teoria econômica, conforme ,mencionado nas seções anteriores.
39
De acordo com o autor, a existência de uma ordem cósmica no mundo grego, tratava-se
de uma ordem harmônica entre o homem e a natureza, governada pelos princípios coerentes
universais e eternos. Dito de outra forma, os essenciais religiosos (cosmos), encontra-se na
natureza e no mundo dos homens, conduzindo à harmonia entre os indivíduos e as leis da
natureza. Neste contexto, a função do pensamento racional era encontrar um modo de conciliar a
maneira de viver das pessoas na cidade-estado com a ordem cósmica.
37
Segundo Sen (1999), o estudo da economia nessa primeira versão, apesar de
estar relacionada diretamente à busca da riqueza, os pensadores gregos, admitiam que o
problema da motivação humana estava associado à questão amplamente ética sobre
como os indivíduos devem viver. De acordo com o autor, apesar do Estado exercer uma
forte influência nos assuntos econômicos, a finalidade do Estado era promover o bem
comum e nessa perspectiva, não é correto dizer que os indivíduos sempre agiram em
consonância com a moral e a ética, mas deve reconhecer que nessa primeira versão as
considerações éticas não deveriam estar desassociadas ao comportamento real, de
acordo com os pensadores gregos.
Na versão aristotélica o objetivo da ética é determinar o bem supremo (a
felicidade) para os homens. O Bem que o filósofo tenta investigar não está restrito apenas
ao bem econômico: A vida dedicada a ganhar dinheiro é vivida sob compulsão e,
obviamente, ela não é o bem que estamos procurando; trata-se de uma vida apenas
proveitosa e com vistas a algo mais”. (Ética à Nicômaco, apud ,KURY, 1985, p.20).
O algo mais citado por Aristóteles, trata-se do Bem Supremo almejado pelos
humanos que é a felicidade. Nota-se que, em contraponto ao homem econômico, sub-
racional e contratual, a admissão do homem ético na versão aristotélica é um ser social,
cuja auto-realização depende da felicidade de sua família, amigos, da sua comunidade e
até mesmo de um bom governo. Neste sentido, a ciência política abarca todas as outras
ciências, inclusive a economia, que teria como objetivo o bem comum (finalidade
suprema) e alguma coisa a mais:
(...) a finalidade da ciência política é a finalidade suprema e o principal
empenho desta ciência é infundir um certo caráter nos cidadãos por
exemplo, torná-los bons e capazes de praticar boas ões. (
Ética à
Nicômaco
, apud, KURY, 1985, pp.28).
A segunda origem da economia de acordo com Sen (1999), está voltada para a
abordagem “engenheira”. Trata-se da ascensão da teoria neoclássica que prioriza a
abordagem positiva, cujos detalhes acerca do comportamento individual foram
mencionados anteriormente.
O importante aqui é ressaltar o distanciamento, no que refere-se às questões
éticas, entre a economia positiva e a economia normativa. Sen (1999) faz suas
ponderações e reconhece o triunfo e a relevância da economia positiva, afirmando a
importância do equilíbrio entre as duas abordagens:
38
Eu gostaria de afirmar que as questões profundas suscitadas pela
concepção da motivação e realização social relacionada à ética,
precisam encontrar um lugar de importância na economia moderna, mas
ao mesmo tempo é impossível negar a abordagem da engenharia que
também tem muito a oferecer à economia. (SEN, 1999, p.22).
Quando se analisa a perspectiva ética, proposta por Sen (1982), é comum
encontrar a distinção entre simpatia e engajamento moral, que permite entender a
natureza do problema:
If the knowledge of torture of others makes you sick, it is a case of
sympathy; if its does not make you feel personally worse off, but you
think it is wrong and you are ready to do something to stop it, it is a case
of commitment. I do not wish to claim that the words chosen have any
very great merit, but the distinction is, I think, important. It can be argued
that behavior based on sympathy is in an important egoistic, for on Is
oneself pleased at others´ pleasure an pained at others pain, and the
pursuit of one’s own utility may thus be helped by sympathetic action. Is
action based on commitment rather than sympathy which would be non-
egoistic in this sense? (SEN, 1982, p. 92).
Dito de outra forma, quando o bem-estar de uma pessoa depende
psicologicamente do bem estar de um terceiro, isto é um caso de simpatia
40
. O
engajamento moral por sua vez, não pode ser reduzido à mecânica do auto-interesse,
porque existem outros fatores motivacionais que fazem com que o indivíduo tenha a pré-
disposição em agir de acordo com os seus compromissos éticos e morais:
A person’s concept of his own welfare can be influenced by the position
of others in ways go well beyond “sympathizing” with others and may
actually involve identifying with them. Similarly, in arriving at goals, a
person’s sense of identify may well be quite central. And, perhaps most
important in the context of the present discussion, the consideration of
the goals of others in the group with whom the person has some sense
of identify. (SEN, 1985, p.86).
Para Muramatsu (1999) que compartilha das idéias de Sen, o compromisso ético
não pode ser visto como uma ação irracional. O desempenho econômico de um agregado
depende da qualidade moral dos indivíduos, pois as ameaças do risco moral e da seleção
adversa promovem uma perda de bem-estar. A autora admite que o homem econômico
40
Existe um amplo debate acerca da distinção entre simpatia, empatia e engajamento moral
que influenciarão alguns modelos convencionais do comportamento altruísta. A retomada de tais
questões será realizada no decorrer deste trabalho.
39
está mais próximo de um idiota racional (rational fool)
41
porque o padrão motivacional é
tão pobre que não percebe que a busca desenfreada do seu interesse próprio, sem
nenhum comprometimento ético, pode conduzir a sociedade (da qual ele faz parte) a uma
tendência redutora de bem-estar.
Giannetti (1988), afirma que o homem ético de Sen pode ajudar a entender o lado
da oferta de serviços prestados por profissionais, como médico, juiz, promotor público,
policial, dentista e porque não político? Teoricamente se espera que em tais profissões,
haja a suspensão dos interesses individuais para o atendimento do bem de outrem ou até
bem social.
Sen (1999) vai além destes casos, e utiliza os trabalhos de Michio Morishima
(1982), para ilustrar o extraordinário desempenho econômico do Japão no pós-guerra:
O êxito de algumas economias de livre mercado, como o Japão, na
obtenção da eficiência, também tem sido citado como prova da teoria do
auto-interesse. Contudo o êxito de um mercado livre nada nos diz sobre
a motivação que está por trás da ação dos agentes econômicos em uma
economia desse tipo. De fato, no caso japonês, existe eloqüentes
provas empíricas de que o afastamento sistemático do comportamento
auto-interessado em direção ao dever à lealdade e à boa vontade tem
desempenhado um papel importante no êxito da indústria. O que Michio
Morishima (1982), denomina “ethos japonês”, certamente é difícil de
encaixar em qualquer descrição simples de comportamento auto-
interessado. (SEN, 1999, p.34).
O homem ético de Sen, ajuda a entender muitas questões atuais que envolvem o
mercado. Em muitas situações não dúvidas de que a existência dos determinantes
éticos se sobrepõe às questões econômicas em termos de preferências pessoais. Os
consumidores podem agir de forma contrária à sua utilidade e satisfação de preferências,
quando, por exemplo, deixam de consumir produtos agrícolas geneticamente modificados
ou de empresas que não tenham nenhum tipo de compromisso ético, ecológico ou social,
entre diversos exemplos de responsabilidade social.
Conforme verificado, o mundo em que habita o homem econômico é inadequado
para lidar com questões do tipo: compromisso moral, altruísmo, gratuidade, senso de
dever etc. O homem ético de Sen, abre espaço para análise do comportamento altruísta e
sob esta empreitada de investigação, as considerações de Zamagni (1995), sendo um
incentivo para entrar nesse universo complexo acerca da escolha individual:
41
O termo Rational Fools foi utilizado por Sen, como crítica aos fundamentos
comportamentais da Teoria Econômica. Ver: Sen, 1982, pp. 84-106
40
A promising route to escape the structures of naive economics,
according to wich people are turhlessly self-interessed, is by paying
attention not only the structure, but also to the content of preferences, to
their object or source and to what motives people’s preferences (...) In
this sense, thinking about the economics of altruism contributes to
rethinking so economics. (ZAMAGNI, 1995, p. xv).
Nessa perspectiva Sen (1982) propõe a abordagem de meta-ordenação, na qual
as preferências do indivíduo podem estar associadas a uma ordenação de preferências,
de acordo com algum critério ético. Seria como se os indivíduos fizessem várias
ordenações de todas as alternativas disponíveis e escolhessem a ordenação que fosse
mais moral, conforme será apresentado na próxima seção.
2.2.3.1 Escolhas, meta-preferências e moralidade: a contribuição de Sen para
a teoria da escolha
Dado a visão abrangente do Homem Ético de Sen, nesta subseção é apresentado
as críticas elaboradas pelo autor acerca da teoria da escolha tradicional. Além disso,
busca-se apresentar ainda que brevemente, a proposta de Sen ao tratamento da escolha
racional envolvendo considerações morais.
Ao longo deste primeiro capítulo, buscou-se apresentar uma visão abrangente da
racionalidade econômica destacando as vertentes do auto-interesse como base
motivacional da ação humana. Não há dúvidas de que em várias ocasiões, o auto-
interesse pode ser um critério prioritário para o processo de escolha individual, mas isto
não exclui a possibilidade dos indivíduos se comportarem de forma altruísta, envolvendo
algum tipo de compromisso moral, seja por sacrifícios de um causa pública ou ideológica,
por membros de sua família ou até em benefício de estranho que poderá não retribuir o
favor.
Para o leitor não familiarizado com o assunto (o altruísmo), é importante esclarecer
que a abordagem ética de Sen, no que refere-se ao tratamento da escolha racional, não
está inteiramente relacionada ao altruísmo. Trata-se de uma abordagem ampla da ética e
compromisso moral, que admite a complexa relação entre o auto-interesse e a
racionalidade econômica para explicar comportamentos via determinantes éticos. Tais
determinantes que impulsionam ação moral e ética são motivados por diversos valores,
crenças e objetivos que compõem um todo complexo.
41
É neste universo da escolha individual pela perspectiva de Sen, que se um espaço
para incursão pela análise econômica do comportamento não-egoísta
42
. Dito de outra
forma, a conduta altruísta pode ser tratada como um determinante ético, sendo apenas
um tipo de comportamento entre outros diversos que pode ser analisada pela perspectiva
ética de Sen.
Para apresentar o arcabouço teórico das relações entre a racionalidade auto-
interessada e a moralidade, Sen (1982), sugere o seguinte problema: Do you really want
to convince us that the dictates of morality are in all circumstances coincident with those
rational self-interested or no?t”. (Sen, 1982, p.74)
43
.
O problema levantado por Sen (1982), sob o ponto de vista não científico, pode
parecer de fácil resposta, basta observar a vida cotidiana das pessoas e as circunstâncias
específicas em que se percebe que a moralidade parece muitas vezes refrear a busca
obstinada pelo auto-interesse: algumas vezes o auto-interesse torna-se um critério
prioritário para a tomada de decisão e em outras ele deixa de ser um critério prioritário,
isto é, depende de uma determinada circunstância que é analisada.
Por outro lado, do ponto de vista científico, se for levado em consideração a
“incipiente” psicologia da escolha sujeita à teoria da escolha racional em sua versão
tradicional, desvendar este enigma não parece tarefa tão fácil. Isto porque a teoria da
escolha tradicional, não permite entender a relação entre compromissos ético e moral no
processo de escolha individual. Ou seja, não permite entender porque um indivíduo
poderia agir de forma contrária a prescrição da teoria econômica, deixando o seu auto-
interesse de lado para levar em consideração o bem-estar alheio como um critério
prioritário (determinante ético). De acordo com Sen (1982), a escolha racional e a moral
podem ser definidas em termos de preferências, num contexto em que ambas poderiam
ser essenciais para o processo decisório dos agentes.
Nesta perspectiva a autor ilustra o problema presente, a partir do Dilema dos
Prisioneiros, cujo postulado de racionalidade econômica na perspectiva individual, limita o
poder explicativo para lidar com a noção de coletivo.
Suponha que existam dois prisioneiros culpados para serem investigados. Cada
prisioneiro será interrogado separadamente, havendo, portanto a possibilidade de
42
Vale esclarecer que a abordagem ética de Sen para a análise da conduta altruísta, foi utilizada
Muramatsu (1999). Com base nos trabalhos da autora é que se faz estas considerações,
pretendendo seguir nesta expedição.
43
42
confessar e não confessar. Se ambos os prisioneiros confessarem o crime, a sentença
será de 10 anos de prisão para cada um. Se nenhum dos dois confessarem, a pena será
de apenas 2 anos de prisão para ambos. Se um confessar e o outro não confessar, o
primeiro poderá ganhar liberdade e o segundo poderá sofre a penalidade de 20 anos na
prisão. Dado as alternativas disponíveis para a escolha do indivíduo, se o seu
companheiro confessar ele confessa também. Se o seu companheiro não confessar, ele
confessa do mesmo modo. Qual é o equilíbrio desse jogo? O equilíbrio é que ambos
confessem. Este resultado tem elementos importantes para análise da ética econômica.
Cada prisioneiro toma a melhor decisão individual, levando em consideração o que
outro poderá fazer. Verifica-se que o melhor mesmo para cada prisioneiro seria ganhar a
liberdade, mas este resultado implicaria trair o outro. O custo por ser traído é pegar 20
anos de prisão, no entanto o benefício em ser traidor é a primeira vista, vantajoso pois o
prisioneiro traidor pode ganhar a liberdade. Os pay offs que os prisioneiros se defrontam,
são baseados na maximização do seu auto-interesse. Neste caso, analisando as
possíveis decisões do outro, os prisioneiros concluem que, independentemente do que
faça o outro, a melhor decisão para cada indivíduo é confessar.
Existe uma sutil relação de empatia entre os prisioneiros, onde cada indivíduo se
coloca no lugar do outro. Neste caso a empatia é aparece num caso de prudência, pois se
o outro prisioneiro não é confiável é melhor confessar em qualquer situação.
Neste caso tem-se dois indivíduos A e B, onde
1
a
e
0
a
, representam
respectivamente a possibilidade de confissão e não confissão para o indivíduo A.
Similarmente para o indivíduo B, tem-se
1
b
e
0
b
, que representam a confissão e não
confissão, respectivamente. A ordenação das preferências para ambos os prisioneiros
são:
Jogador A Jogador B
01
ba
10
ba
00
ba
00
ba
11
ba
11
ba
10
ba
01
ba
Quadro 1: Dilema dos Prisioneiros - PD: Preferências
Fonte: adaptado a partir de Sen (1985, p.343)
43
Para A e B, respectivamente,
1
a
e
1
b
são estritamente estratégias dominantes,
sendo que este poderia ser o resultado final do jogo. Mas Sen (1985), por hipótese,
admite que ambos os prisioneiros preferem
00
ba
à
11
ba
. Os prisioneiros poderiam estar
numa situação melhor se houvesse um contrato mútuo de confissão de não confissão,
mas na ausência de algum contrato de coação, ambos os prisioneiros estariam numa
situação pior se optarem por uma estratégia estritamente individualista. Em outros termos,
pode-se dizer que tal estratégia representaria o equilíbrio de Nash, pois a ação orientada
somente pelo auto-interesse por parte de um prisioneiro, não representa o melhor
resultado para ambos, ou seja para o coletivo. Isto é perfeitamente racional. Então qual
seria o sentido de uma confissão racional para este caso? Sen (1985), argumenta que na
ausência de um contrato, nenhum prisioneiro pode influenciar a ação. No modelo
tradicional do Dilema dos Prisioneiros as ações dos outros não influenciam as decisões
do indivíduo. Se for levada em consideração a racionalidade individual, o resultado dessa
interação será coletivamente pior, porque ambos prisioneiros serão guiados pelo auto-
interesse e acabarão escolhendo
11
ba
à
00
ba
, de modo que poderão ganhar 10 anos em
vez de 2 anos de prisão.
Dado a descrição das preferências individuais e os prováveis resultados do jogo,
onde se enquadra a questão moral neste processo? Na verdade desde os tempos de
Platão, os pensadores vêm discutindo como se organizam as preferências, os desejos, as
crenças dos indivíduos em termos do processo de escolha racional. Neste contexto a
influência kantiana, torna-se importante para entender a relação entre a moral autônoma
da vontade (escolhas) como lei universal :
Por último, há um imperativo que, sem pôr como condição nenhum
propósito a obter por meio de certa conduta determina essa conduta
imediatamente. Tal imperativo é obrigatório. Não se refere à matéria da
ação e ao que desta possa resultar, mas à forma e princípio onde ela
resulta, consistindo o essencialmente bom da ação no ânimo que se
nutre por ela, seja qual o êxito. Esse imperativo pode denominar-se: o
da moralidade (...).O imperativo categórico é, pois único e é como
segue: age só segundo uma máxima tal, que possas querer ao mesmo
tempo que se torne uma lei universal (...). A universalidade da lei pela
qual sucedem efeitos constitui o que se chama natureza no sentido mais
amplo; isto é, a existência das coisa, enquanto determinadas por leis
universais. Resulta daqui o imperativo universal do dever, pode
formular-se assim: age como se a máxima de tua ação, torna-se por sua
vontade, lei universal da natureza. (KANT, 1986, pp. 65;70-71).
44
O critério de moralidade apresentado por Kant (1986) para o processo de escolha
procura investigar se uma ação está capacitada para enquadra-se na forma da lei de
mnodforma universal. A norma moral universalizada significa em si mesma, o respeito à
pessoa humana como fim e não exclusivamente como meio. O imperativo categórico da
moralidade ao qual o filósofo se refere, está atrelado a três princípios: a universalidade da
lei, a dignidade do indivíduo e a autonomia da vontade.
Para Kant (1986), os seres humanos, ao contrário de outros animais, teriam a
capacidade de formar preferências a partir dos seus desejos e crenças. A regra moral
kantiana não é uma decisão exterior, provêm da consciência. Em outros termos, o
fundamento da razão da moralidade é regido pelo imperativo categórico, que representa
uma ação como objetivamente necessária, sem condições ou limites de regras externas
do que se deve fazer
44
. O indivíduo é autônomo e é governado por leis que impõe a si
mesmo, na forma de imperativos categóricos, ou seja, o indivíduo faz uma determinada
ação
χ
, independentemente dos seus desejos e crenças pessoais ou fatores externos.
Em síntese, para o filósofo a escolha moral racional deve ser livre de qualquer estado
psicológico tais como crenças e desejos.
Retornando ao Dilema dos Prisioneiros, a perspectiva kantiana parece pouco
aplicável ao modelo de escolhas, cujos economistas tem se dedicado a explicar o
comportamento. Com base nas preferências. Sen (1982) argumenta que de acordo com a
regra moral kantiana, certamente nenhum prisioneiro desejaria confessar, desde que
00
ba
fosse superior a
11
ba
. Então a não confissão satisfaz a regra moral de Kant
45
, porque a
sua conduta não é determinada por fatores externos, crenças ou desejos e sim por sua
autonomia da vontade de fazer aquilo que julga que deve ser feito, independentemente do
que os outros façam. Nesta perspectiva Sen (1982) argumenta que a abordagem da
moral kantiana satisfaz também o Princípio de Equidade de Sidwick (1972):
“Whatever
action any of us judges to be right for himself, he implicitly judges to be right for all similar person’s
in similar circumstances”. (SIDWICK
46
, 1972, apud SEN, 1982, p.78).
Do mesmo modo os conceitos de honestidade e justiça de Rawls (1967), não
fogem da estrutura kantiana. Para o autor, numa situação inicial dos prisioneiros, cada um
44
Para este caso, Kant (1986) afirma que as causas externas que moldam a conduta do indivíduo
é denominada como imperativo hipotético. O indivíduo faz uma ação , não por iniciativa da própria
vontade, mas por que existem fatores externos, como cultura, normas e costumes de uma
sociedade que condicionam a sua ação. A sua ação é determinada por fatores externos e não
provem de sua própria consciência.
45
Para mais informações acerca da razões da escolha moral ver:Kant, 1986, p.55-93
46
SIDWICK, H. The Method of Ethics. 7º ed. Londres: p.379, 1907
45
poderia optar por não confessar. Isto certamente melhora a posição pior de um indivíduo,
desde que melhore a situação de cada um. Portanto é possível derivar esta regra a partir
do Princípio de Pareto. (RAWLS
47
, 1967, apud SEN, 1982)
Sen (1982) procura investigar os princípios da moral a partir de outros autores, no
entanto é possível verificar a dificuldade que ele encontra em obter argumentos
consistentes a favor da confissão dos prisioneiros, que seria a ação mais honesta para
este caso. O autor traz a baila à dimensão do conflito existente entre a moral e os
modelos de racionalidade. Esta é a natureza do problema deste trabalho acerca da
análise econômica do comportamento não egoísta. Se for considerado que a conduta
altruísta está atrelada a princípios morais e éticos, como seria possível relacionar o
altruísmo como conduta moralmente racional?
No caso do Dilema dos prisioneiros, a busca pela ação moral considerando a
confissão dos indivíduos, deixando de lado a busca somente pelo auto-interesse, poderia
conduzi-los a um resultado coletivo melhor. Ou seja, o sacrifício de algum ganho
individual, partir da boa conduta (honestidade), resultaria em melhores resultados para
todos.
Sob esta perspectiva Sen (1982), reformula a apresentação do Dilema dos
Prisioneiros, considerando agora, a variação na ordenação de preferências e os aspectos
morais:
Jogador A Jogador B
00
ba
00
ba
01
ba
10
ba
11
ba
11
ba
10
ba
01
ba
Quadro 2: Dilema dos Prisioneiros - AG:Preferências
Fonte: adaptado a partir de Sen (1985, p.350)
Neste caso cada prisioneiro poderia confessar se sentir que o outro faria o mesmo,
mas também poderia não confessar se o outro não confessasse. Note no Quadro 1, que a
primeira ordenação, para os indivíduos A e B, são
01
ba
e
10
ba
, respectivamente. A ação
individual não está atrelada ao comportamento dos outros. no Quadro 2, o Dilema dos
Prisioneiros tem dois pontos de equilíbrio para ambos os culpados,
00
ba
e
11
ba
, que são
47
RAWLS, J. A Theory of Justice. Oxford: Polity, 1972.
46
resultados que dependem de como cada prisioneiro espera que o outro se comporte. Esta
sutil diferenciação no modelo traz a variação nas ordenações e a introdução da
consideração do comportamento alheio sobre o processo de escolha individual. Sen
(1982) denomina este novo aspecto, como Jogo de Confiança (Assurance Game). O
Dilema dos Prisioneiros (Prisioner´s Dilema), em si, conforme apresentado no quadro 1,
não apresenta nenhum tipo de contrato mútuo de confissão, ou seja, os agentes são
guiados somente pelo seu auto-interesse sem levar em consideração as preferências dos
outros. No caso do Jogo de Confiança, cada prisioneiro faria a coisa certa se fosse
simplesmente assegurado que o outro fizesse o mesmo.
As preferências no Dilema dos Prisioneiros (quadro 1), e no Jogo de Confiança
(quadro 2) são denominadas como PD-preferências e AG-preferências, respectivamente.
A hipótese básica de Sen, de acordo com o quadro 2, é que os prisioneiros se
comportariam como se eles tivessem AG-preferências, estando seguros de um similar
bom comportamento entre si. Nisto o autor considera que ambos os prisioneiros estariam
numa situação melhor em relação à PD-preferências.
Do mesmo modo o elemento confiança, não muda o sentido das ordenações dos
prisioneiros, já que se admite por hipótese, um contrato mútuo entre eles. No quadro 3,
0
a
0
b
são estratégias estritamente dominantes os indiduos para A e B,
respectivamente.Isto é, se cada o individuo não levar em consideração as preferências do
outro, ou seja, agir independentemente do comportamento alheio. Além de AG e PD-
preferências, Sen (1982) elabora outro tipo de preferência denominada OR-preferências
48
,
significando que a tomada de decisão do indivíduo é baseada não em suas
preferências, mas também a partir das dos outros. Isto fica claro quando ambos os
prisioneiros se comportam como se eles tivessem OR-preferências, podendo estar em
situação melhor se comparado com o que poderia acontecer se os indivíduos tivessem
PD-preferências.
48
Do inglês Other-Regarding Preferences . O autor não específica bem esta preferência, portanto
acredita-se que este relacionada aos compromissos essencialmente genuínos. Por exemplo, se
isto for aplicado a esteja trabalho acerca do altruísmo, PD-preferências pode representar o auto-
interesse, AG-preferências o altruísmo recíproco(contrato mútuo), ou seja o individuo realiza
uma boa ão se em contrapartida receber algo em troca. OR-preferências pode representar o
altruísmo genuíno, o individuo o faz sem esperar algo em beneficio para si mesmo. Sen (1982)
nos somente insights de suas idéias, não apresentando algum modelo mais formal e prático de
sua proposta. Este trabalho buscará na medida do possível, agregar a estes insights de Sen,
outros modelos para explicar as razões para o altruísmo.
47
Jogador A Jogador B
00
ba
00
ba
10
ba
01
ba
01
ba
10
ba
11
ba
11
ba
Quadro 3: Dilema dos Prisioneiros - OR: Preferências
Fonte: adaptado a partir de Sen (1982 p. 78)
Abaixo de AG-preferências e OR-preferências,
0
a
0
b
é claramente o melhor
resultado para todos na perspectiva de PD-preferencias, levando-se em consideração a
não cooperação do jogo do Dilema dos Prisioneiros. AG-preferências garante o resultado
ótimo do jogo, que poderia ser alcançado dado a “confiança”. OR-preferências garante um
ótimo incondicional, ou seja, o individuo age sob a perspectiva ética, tendo o bem-estar
alheio como critério prioritário. PD-preferências garante que o resultado ótimo em termos
de bem-estar coletivo, nunca poderia ser alcançado, exceto se houver algum tipo de
contrato que garanta mútuos benefícios para os individuo envolvidos. Nesta perspectiva o
alcance do ótimo social, considerando a ordenação das três preferências, pode ser dado
de acordo com o elemento moral: OR, AG, PD-preferências, onde as preferências do tipo
OR serão as mais superiores, até porque podem representar compromissos moralmente
genuínos, seguidas por AG e PD preferências.
Em termos práticos num jogo cooperativo, seria melhor que os bandidos não
confessassem, isto é, levando em consideração a empatia e a confiança entre os
agentes. Do ponto de vista da sociedade, o melhor é que ambos venham a confessar.
Portanto incentiva-los a traição é melhor solução do ponto de vista social. Por outro lado,
para os prisioneiros o melhor resultado seria a cooperação. Do ponto de vista prático, pela
contribuição de Sen (1982) vários problemas sociais poderiam ser resolvidos a partir da
cooperação. Mas nem sempre é isso que acontece, pois mesmo havendo a cooperação
entre os agentes envolvidos num problema de interativa estratégia, muitas vezes o
resultado dessa cooperação é a competição, deixando de lado a cooperação.
Assim de scorda(n)0.590251(e)0.590240.961690251( )-103.164(S)2.68538(e)0.590240.961690251( )-103.164(()-4.60236(1)0.590251(1)0.590251(8)0.591581(2)0.5990251(o)0.590240.9616a8538(e)0.590240.9616.19291(n)0.59291(t)-5.5007(c)-0.958493(o)0.590251(t)-5.15007(i)4.19240.963590251( )-135.835(d)0.590240.9616584934(z)9.93324(e)0.5990251( )-5.15007(c)-0.955953(e)0.59953(e30.995953(p)]TJ294.684 090240.961690251( )-222.958(p)0.590251(o)0.590251(d)0.590251(e)0.590251(r)-4.60236(i)4.19240.961615007( )-114.054(l)4.19291279.590251(r)-4..15273(i)4.19040.969.590251(l)4.19291(u)0.590251(m)-5.562e30.9959.998]TJ-247.914 -18.96 Td[(c)-0.958493(o)0.58538(s)-0.958493(su)0..348 -18.96 Td[(p)0.590251(e)0.590251(r)-4.60236(ai)4.19158(ç)-0.958493(ã)0.5902291(a)0.590251( )16.6281(u)0.59051(s)-0.969.36 Tm(b)51(8175.835(é)]90251(e)0.587592(r)-4.60236(a)0.5k538(s)-0.958493(s)-0.60236(a)0.5g)55607())-5.00103( )]30.1890251(o)]TJ21(s)-0.958493( )-2574033(p)0.590251(a)0.590251(r)-4.60538(m)-5.56086( )-2590251(a)4.15007(r)-4.60236(ê)0.5902538(m)-5.90251( )-59.6021(o)0.590251(r)-4.60236(d)0.590251(e)0.590251(n)0.590251(a)0.59õ0251( )-5.15007(d)0.590251(e)0.590251(s)-0.960236( )-70.4925(c)-0.957164(o)0.590251(e)0.590251( )-244.739(o)0.590251(s)-0.955953( )-103.164(s)-0.9u0251( )-244.739(o)0.590251(s)-0.990251( )-222.958(p)0.51.3829(i)4.19291(s)-0.9589586(u)0.90251(a)0.590251(v)9.87592( )-81.3829(i)4.10251(s)-0.990251( )-48.7117(r)-4.60236(e)0.590251(s)-0.957164(u)0.590251(l)4.19251(o)9e)00236(e)]T.93324(i)4.19291(d)0.590251(o)0.590251(s)s coopotição more o pant a0.7132007(o)0.590251( )-135.835(d)0.531.862(i)4.19158(s)-0.93.164(d)0.590254(a)0.519158(d)0.557164(o)0.590251(n)0.59954505(i)4.19291(a)0.o.164(d)0.590254(a)0.50.081(a)0.590251(g)-1056086(o)0.590251(r)-4.60236(a)0.90251(e)0.590254(a)0.590251( )-48.7117(r)-4.60236(e)0.590251(sa)0.57164(u)0.5936(c)-0.954505(o)]T74033(p)0.590251(a)0.590251(r)-4.60236(i)4.19254(a)0.519158coa b befícioa paradaíraisuda dm
48
A partir dessas premissas, o fato de consideramos uma preferência do tipo OR,
eleva a problemática da introdução do bem estar alheio no processo de escolha
individual.
Sen (1982) identifica a preferência individual como bem estar individual, propondo
então o tratamento do bem-estar como uma representação numérica de preferência
revelada pela escolha individual. Ele sugere uma abordagem alternativa de meta-
ordenação ou meta-preferências (metaranking). No entanto o autor fornece mais detalhes
sobre esta abordagem, mas destaca que ela pode estar associada a uma ordenação das
alternativas de acordo com algum critério ético.
Considerando o Dilema dos Prisioneiros, pode-se dizer que AG-preferências é
moralmente superior a PD-preferências e OR preferências é superior a AG-preferências.
Dito de outra forma, significa dizer que se o indivíduo fizer várias ordenações das
alternativas disponíveis ele pode escolher a ordenação que for a mais moral:
To ilustre, consider a set x of alternative action combinations and the
following three rankings of this action set x: ranking A, representing my
personal welfare ordering (thus in some sense, representing my personal
interests), ranking B reflecting my isolated” personal interests ignoring
sympathy (when such a separation is possible, wich is not always so),
and ranking C in terms of wich actual choices are made by me. The most
more moral ranking M can, conceivably, be any of these rankings A, B or
C. Or else it can be some other ranking quite from all three. But even
when some ranking M distinct from A, B, C is identified as being at the
top of the moral table, that still leaves open the question as to hoe A, B
and C may be ordered vis-à-vis each other. If, to take a particular
example, it so happens that the pursuit of self-interest, including pleasure
and pain from sympathy, is put morally above the pursuit of “isolated”
self-interest, and the actual choices reflect a morally superior position to
the pursuit of self-interest, then the morality in question precipitates
meta-ranking M, C, A, B in descending order. This, of course, goes will
beyond specifying that M is morally best. (SEN, 1982, pp. 100-101).
É importante considerar que a abordagem de meta-preferências enfrenta
dificuldades em termos de tratamento formal, mas permite a possibilidade de empregar
essa noção em diferentes contextos como um conjunto de prioridades políticas, sistemas
de classe e comportamento alternativos ao auto-interesse, como o altruísmo.
Neste contexto, Muramatsu (1999), utilizou o modelo lexicográfico de Moldau
(1985), para dar um tratamento mais formal à noção de meta-preferências de Sen (1982),
49
explicando as razões para o altruísmo genuíno como determinante ético e moral, que será
apresentado no decorrer deste trabalho.
A perspectiva de Sen (1982) deixa claro que dado a pluralidade de motivações que
conduzem a ação humana e escolha individual, uma única ordenação, a partir de uma
função utilidade, não é adequada para a base de escolha do indivíduo. Os tipos de
necessidades que motivam o processo decisório do individuo pode partir de necessidades
de satisfazer seu auto-interesse, de ganhar prestigio social, necessidades psicológicas e
até a necessidade de honrar compromissos ético e morais, sacrificando parte do seu
auto-interesse para satisfazer os interesses da comunidade, da família etc. Todas estas
alternativas podem ter varias ordenações, não estando restrita a uma única função
utilidade. Esta visão de racionalidade proposta por Sen (1982), pode-se questionar a
utilização do auto-interesse nos modelos econômicos de escolha a partir de vários
ângulos. Assim sendo a admissão do compromisso moral como parte do processo de
escolha pode ser um ponto de partida razoável para entende os motivos de uma
determinada ação ou escolha.
Enfim, neste capítulo foi investigado as alternativas teóricas ao comportamento
individual a fim de obter outros padrões de comportamento, que pudessem ampliar o
debate acerca dos processos decisórios dos agentes. Entre essas alternativas, entende-
se que o homem ético de Sen a partir da abordagem de meta-preferências é a versão
mais adequada para a análise econômica do altruísmo. No próximo capítulo será
abordado a lógica e as razões para esse tipo de comportamento, destacando as
contribuições da Filosofia Moral, Psicologia Experimental e Econômica, a fim de ampliar o
debate acerca do auto-interesse versus altruísmo.
50
3 A RACIONALIDADE ALTRUÍSTA: UM PANORAMA GERAL ACERCA DO DEBATE
DO COMPORTAMENTO NÃO-EGOÍSTA
Este capítulo tem por objetivo sustentar a possibilidade de um tratamento racional
para a conduta altruísta, para tanto será apresentado o debate na filosofia moral,
psicologia experimental e econômica. Dito de outra forma, o capítulo procura apresentar
argumentos que permitem compreender a lógica da ação altruísta como conduta racional.
3.1 Racionalidade instrumental, compromissos morais e altruísmo
Nesta seção procura-se investigar as relações entre compromissos morais,
racionalidade instrumental e o altruísmo. No final do capítulo anterior, foi apresentada
uma visão panorâmica da abordagem de Sen (1982) acerca dos compromissos morais,
destacando a pluralidade de motivações que conduzem a ação humana.
As origens da lógica dos compromissos morais nunca deixaram de perturbar a
mente de filósofos, psicólogos e economistas. Considera-se que estes dois últimos são os
descendentes diretos dos filósofos morais. Nessa perspectiva, admite-se que a conduta
altruísta pode estar relacionada a algum tipo de compromisso moral ou ético e por isso
vale a pena citar o seguinte problema:Será o compromisso moral um valor em si mesmo,
internalizado pelos agentes?”(MURAMATSU, 1999, p.8).
Ao investigar o altruísmo como parte da natureza humana, é comum tentar reduzir
o comportamento humano como essencialmente egoísta, altruísta ou hedonista, mas o
presente trabalho evita cair nesse debate. Seguindo a trajetória de Sen (1982), é
conveniente pensar que o comportamento humano é composto por uma diversidade de
motivações dificilmente isoláveis, como resultados de processos mentais que determinam
o processo de escolha dos agentes.
Retomando o arcabouço teórico das relações entre racionalidade, auto-interesse e
moralidade, vale apresentar a seguinte questão dada por Sen (1982), como ponto de
partida desta investigação: “Do you really want to convince us that the dictates of morality
are in all circumstances with those rational self-interest or not”.
(SEN, 1982, p.74).
Os problemas levantados por Muramatsu e Sen, conduz à investigação do
comportamento humano de forma não reducionista em contraponto aos postulados
comportamentais da teoria neoclássica, que simplifica a conduta humana restrita somente
às ações auto-interessadas. Nessa perspectiva é mais factível pensar que as pessoas
51
altruístas ou egoístas, nem sempre terão a mesma conduta em toda ou qualquer situação
com a qual elas venham a se deparar, por conta da pluralidade de motivações que
determinam o processo decisório na escolha individual.
Para alguns autores, inclusive para os psicólogos contemporâneos, os
compromissos morais derivam de regras cognitivas adquiridas pelo senso de empatia e
simpatia
49
. É sob esta perspectiva, que admite-se que a conduta altruísta é derivada dos
sensos de empatia e simpatia. Do mesmo modo as questões relacionadas à ética e a
moral, representam o Bem Superior
50
, que garante a convivência social harmoniosa entre
os indivíduos. Nessa mesma linha de raciocínio a conduta altruísta pode ser admitida
como derivada tanto do senso de simpatia e empatia como do senso de moralidade e
ética, de modo que o indivíduo pode promover o bem-estar alheio, como forma de
garantia do bem estar pessoal
51
.
Por outro lado, Muramatsu (1999), recomenda relaxar tais hipóteses acerca da
conduta altruísta no que se refere a moral. Para a mesma, o bem moral e o altruísmo não
representam a mesma coisa. Para ilustrar tal distinção, buscou-se um exemplo recente
acerca dos conflitos do Oriente Médio, envolvendo Israel versus Líbano: um soldado
israelense que arrisca a sua vida pelo ideal nacionalista de honrar a ética e a glória do
seu povo israelense, pode ser considerado um indivíduo altruísta, pois promove o bem-
estar de sua etnia. Em nome dessa motivação altruísta, ele justifica o massacre de
crianças, adultos e famílias de origem libanesa. Nessa situação a conduta altruísta
promove o genocídio entre os povos de Israel versus Líbano, sendo, portanto uma
conduta moralmente condenável.
Nesse estágio do presente debate, vale citar algumas contribuições do filósofo e
economista David Hume, acerca da natureza humana para entender o comportamento de
um soldado israelense. Para o autor, o comportamento humano não pode ser admitido
pela ótica reducionista. A concepção huminiana nega o reducionismo comportamental que
admite o indivíduo como sendo egoísta/altruísta ou malevolente/benevolente. Os
indivíduos agem segundo o que acreditam ser de seu interesse, e tais interesses são em
49
Vale destacar os trabalhos na área de Psicologia Experimental de Darley & Latané
(1986); Clark & Word (1972) e Piliavin (1981). Este debate acerca das relações de empatia e
altruísmo, será retomado nas próximas seções.
50
Termo aristotélico que representa a felicidade, conforme apresentado no capítulo anterior.
51
Alguns autores, como Sen (1982), costumam diferenciar os conceitos de simpatia e
empatia, conforme foi citado anteriormente. Para simplificar a análise, este trabalho utiliza o
termo simpatia e empatia como sinônimos, uma vez que os significados dos dois termos são
indiferentes para a análise. Isto também vale para os conceitos de moralidade e ética, que podem
ser entendidos como sinônimos.
52
grande medida, causados por uma pluralidade de motivações, inclusive motivações
imbuídas de paixões e crenças morais, culturais e religiosas.
Percebe-se que as considerações de Hume, remetem, novamente, aos traços
comportamentais do Homem Sub-Racional. Um soldado israelense dito altruísta, pode
não ter conhecimento de sua mente de forma que o seu auto-conhecimento e auto-
domínio são limitados. Em outros termos, a motivação altruísta desse soldado é
inteiramente sujeita aos mecanismos sub-racionais de fixação de crenças e paixões. O
soldado israelense altruísta justifica para si mesmo as idéias que comandam a suas
crenças, a partir de verdades soberanas. São diversos os casos deste tipo de conduta,
pode-se pensar nos homens bomba da Al qaeda, por exemplo. A propensão psicológica
(hábito mental) é dada pela convicção de estar certo, transformada num argumento de
verdade: “É melhor não meter na cabeça a idéia de contar a um apaixonado os defeitos
de sua amada, ou a um litigante a fragilidade de sua casa ou de fazer um fanático ver a
razão”.
(LOCKE
52
, 1975 apud GIANNETTI, 2003, p. 104)
Para Hume, entre o egoísmo e o altruísmo, estão as paixões humanas como amor,
ódio, raiva, inveja, orgulho, compaixão além de outros sentimentos que agitam a mente e
fazem parte da natureza humana:
Os homens têm temperamentos bem diferentes, alguns têm propensão
para afetos mais ternos, outros para afetos mais ásperos; mas no
essencial podemos afirmar que o homem, em geral, ou a natureza
humana é apenas o objeto tanto do amor quanto do ódio, sendo preciso
alguma causa que, por uma dupla relação de impressões e idéias, por
exercitar essa paixões (...). Os homens naturalmente amam seus filhos
mais que seus sobrinhos, seu primos mais que os estranhos, no caso
em que toda as outras circunstâncias são iguais. É daí que surgem
nossas regras comuns do dever, que nos fazem preferir uns aos outros.
Nosso senso de dever segue sempre o curso usual e natural de nossas
paixões. (HUME, 2001, pp.522-524).
Nests mesma linha de raciocínio huminiana, Holmes (1990), argumenta que as
paixões que envolvem o auto-interesse e altruísmo são impulsos para formação de
crenças religiosas, culturais entre outras coisas. Para o mesmo autor, o estudo das
paixões que justificam muitas das irracionalidades humanas é o caminho para entender
um determinado tipo de comportamento social.
52
LOCKE, J. (1975). An Essay Concerning Human Understanding. Ed. Nidditch. Oxford
University Press, Oxford.
53
De uma forma geral, os filósofos éticos do século XVIII, que procuravam reconciliar
em suas obras, o altruísmo e egoísmo, admitiam um certo equilíbrio entre paixões que,
em princípio, poderiam conduzir o homem à direções conflitantes. De acordo com Bianchi
(1988), os filósofos éticos admitiam que as tendências naturais do indivíduo, estavam
propensas a contrabalancear-se mutuamente e assim impedir que a busca desenfreada
da felicidade individual prejudicasse as necessidades e desejos da sociedade.
Para Elster (1990), a natureza humana não deve ser reduzida ao egoísmo nem ao
altruísmo. O autor cita o caso da Revolução Chinesa que, em nome do “altruísmo
universal”, exigiu que os cidadãos chineses deveriam sacrificar o seu auto-interesse em
favorecimento de outros cidadãos. Nesse caso, o governo chinês assumiu que todos os
indivíduos são essencialmente auto-interessados. De acordo com o autor, realizar
políticas com base em universalismo comportamental é a mais pura parcimônia, por conta
da generalização da conduta humana. Em outros termos, o governo realiza políticas com
base na generalização do comportamento humano reducionista, o que é contraditório.
Do mesmo modo, Holmes (1990), afirma que a admissão de um comportamento
universalista com base na motivação humana é contraditória, uma vez que a ação
humana é resultado de uma variedade de motivações. Em nome desse universalismo
comportamental sistemas de governos foram implantados no decorrer da história da
humanidade e moralmente justificados.
Nesse contexto universalista, o nepotismo e o paternalismo são também
formas de altruísmo, capazes de conduzir a sociedade a uma trajetória redutora de bem-
estar. Segundo Muramatsu (1999), isso ocorre porque a benevolência voltada para
determinadas pessoas favorece uma parte em detrimento de todas as outras.
O economista Hahn (1979), com cautela o impacto do altruísmo sobre a
alocação eficiente de recursos na economia, isso porque, o altruísmo voltado para um
grupo especifico de pessoas pode prejudicar o bem geral. O altruísta anônimo tem
conhecimento limitado do resultado de sua ação sobre o comportamento dos
beneficiários, que pode ser aético.
A partir das considerações do parágrafo anterior, observa-se que um retorno
aos traços comportamentais do Homem Contratual, cuja propensão ao oportunismo e
racionalidade limitada, também envolve as transações no âmbito altruísta. Muramatsu
(1999), cita alguns exemplos acerca dos efeitos problemáticos que envolvem o altruísmo:
Dar esmolas para as crianças que vivem nas ruas de qualquer cidade
brasileira, pode representar um mecanismo de incentivo para que
54
meninas e meninos sejam explorados pela instaurada ”indústria da
mendicância”, piorando assim uma situação bastante crítica. Outro
exemplo seria a distribuição de alimentos para famílias com crianças
subnutridas: tal medida importante pode gerar o efeito contrário ao
inicialmente desejado, pois algumas famílias, mantêm seus filhos
subnutridos a continuar recebendo assistência. (MURAMATSU,1999,
p.9).
Para a autora, o estudo das razões para o altruísmo talvez não possa resolver as
dificuldades da interação social. Nesse ponto, ests trabalho é contrário à posição de
Muramatsu (1999), porque o estudo do altruísmo pode ajudar a refletir sobre outras
questões que podem minimizar tais problemas. Ainda sim, pode-se aliar o estudo do
altruísmo com o desenvolvimento econômico e social, tendo como ponto de partida
algumas questões: será que se todas as doações governamentais realizadas para
bolsões de pobreza no Brasil, fossem aplicadas em infra-estrutura nestas localidades
haveria espaço para o desenvolvimento econômico e social destas comunidades?
Poderia haver algum tipo de medida de bem-estar, que pudesse identificar os efeitos
reais do “altruísmo” do chamado Terceiro Setor? Haveria algum tipo de mensuração que
pudesse identificar esse tipo de comportamento e, em contrapartida, identificar o volume
de recursos que impulsiona a economia da filantropia? Enfim, são somente algumas
questões que podem ser estudadas, tendo como ponto de partida a análise econômica
das razões para o altruísmo. Este trabalho não aborda tais questões, somente se
restringe a questões teóricas e metodológicas acerca das razões para o altruísmo, mas
pode ser um ponto de partida para lidar com questões mais complexas, conforme exposto
acima.
Alguns economistas, como Elster (1990), argumentam que as ações dos agentes
para ajudar os outros dependem dos resultados que elas podem gerar. Ajuda-se um filho
ou um desconhecido com base na escolha dos melhores meios, dadas as restrições. Em
outros termos o conceito instrumental de racionalidade econômica não exige em
contrapartida a predominância do auto-interesse:
An illustration could be love often defined as taking pleasure in another
person’s pleasure. If I give a present to someone. I love, am I not simply
using that person as sa. tmra oa.thh. .002390.71603(h)0.710(n)0.713207(r)-5.00129(a)0.713207(t)0.356603(i)4.71247?7(a)60236(.)R
55
provide such care. And still many do. Some contributors to charities give
anonymously and hence cannot be motived by prestige. (ELSTER,1990,
pp.44-45).
Numa linha de raciocínio análoga, o comportamento genuinamente altruísta pode
ser racional desde que se utilizem meios eficientes para satisfação do objetivo, que é o
bem-estar alheio. Note que o valor instrumental de racionalidade continua existindo, mas
agora sem levar em consideração o auto-interesse.
Empatia, senso de comunidade e moralidade são três fontes de altruísmo
definidas por Jencks (1990). A empatia trata-se da capacidade do indivíduo identificar
algumas pessoas e de incorporar seus interesses em sua função de bem-estar. O senso
de comunidade refere-se à identificação com um grupo maior pelo indivíduo, ou seja,
trata-se dos interesses coletivos no qual o indivíduo é parte integrante. A moralidade trata-
se da incorporação de normas éticas na função utilidade do indivíduo. Por fim, Jencks
(1990), define a conduta altruísta da seguinte forma: “I describe individuals as unselfish”
(or “altruistic”) when they fell and act as if the long-term welfare of others in important
independent of its effects own welfare”.
(Jencks, 1990, p.53).
Para Muramatsu (1999), quando se tenta associar a complexa relação entre
altruísmo e compromisso moral é bastante sugestivo recorrer ao escritos do filósofo
Platão que, desde os primórdios, buscou investigar o senso de justiça que permeia as
relações sociais.
O livro II da República de Platão, traz considerações importantes acerca do senso
de justiça. Dois companheiros de Sócrates, Adimanto e Glauco dialogam sobre a justiça
com o mesmo:
“-
Ó Sócrates , queres aparentar que nos persuadiste ou persuadir-nos de
verdade de toda a maneira é melhor ser justo do que injusto”.(A República, II ; 357a, trad.
Maria Helena da Rocha Pereira, sem data, p.53).
Os companheiros de Sócrates procuram investigar se a justiça seria um fim em si
mesmo, que foi a questão levantada no início dessa seção. De forma geral, todo o livro II
da República de Platão, insiste em saber a natureza da justiça e da injustiça.
Retornando ao diálogo, Glauco afirma que a sorte do injusto é superior à do
homem justo. Nesse caso, quando Glauco busca investigar a gênese do senso de justiça,
ele sugere que o homem apegou-se à justiça, não pelo fato dela ser um fim em si mesma,
mas porque a justiça seria uma via de conter o mal, ou seja, a justiça permite a boa
convivência social, impedindo a luta de todos contra todos (um mal necessário):
56
(...) afinal de contas, a vida do injusto é muito melhor do que a do justo
no dizer deles. Porque a mim ó Sócrates não me parece desse modo
(...). Dizem que uma injustiça é, por natureza um bem e sofrê-la um mal,
mas que ser vítima de injustiça é um mal maior do que o bem que há em
cometê-la (...). Daí se originou o estabelecimento de leis e convicções
entre elas e a designação de legal e justo para as prescrições das leis.
Tal seria a gênese e essência da justiça, que se situa a meio caminho
entre o maior bem não pagar a pena das injustiças e o maior mal
ser incapaz de se vingar de uma injustiça”. (A República, II ; 358 a; 359
a; trad. Maria Helena da Rocha Pereira, sem data, pp.54-55).
Sócrates responde que a justiça é uma das coisas boas a serem perseguidas,
porque conduz a felicidade e talvez não um fim em si mesma. O que importa não é o valor
da justiça em si, mas suas conseqüências, pois ela promove um bem, ou seja, o senso de
justiça é uma virtude humana. Não contentes com a resposta de Sócrates, Glauco e seu
irmão Adimanto, questiona a posição socrática, utilizando a Fábula do Anel de Giges,
para apresentar que a injustiça impera sobre a justiça:
(Giges) era ele um pastor que servia em casa do que era então
soberano da Lídia. Devido a uma grande tempestade e temor de terra,
rasgou-se o solo e abriu-se uma fenda onde ele apascentava o rebanho.
Admirado ao ver tal coisa, desceu por e contemplou, entre outras
maravilhas que para aí, fantasiam, um cavalo de bronze, oco, com umas
aberturas, espreitando através das quais viu dentro um cadáver,
aparentemente maior que um homem, e que tinha mais nada senão um
anel de ouro na mão. Arrancou-lhe o anel e saiu. Ora, como os pastores
se tivessem reunidos, da maneira habitual, a fim de comunicarem ao rei,
todos os meses, o que dizia respeito aos rebanhos, Giges foi também
com o seu anel. Estando ele, pois, sentado no meio dos outros, deu por
acaso uma volta no engaste
53
do anel para dentro, em direção a parte
interna da mão, e ao fazer isso, tornou-se invisível para os que estava
ao lado, os quais falavam dele como se tivesse ido embora. Admirado,
passou de novo a mão pelo anel e, virou para fora o engaste. Assim que
o fez tornou-se visível. Tendo observado estes fatos, experimentou a ver
o anel tinha aquele poder, e verificou que, se voltasse o engaste para
dentro, se tornava invisível; se voltasse para fora, ficava visível. Assim
senhor de si, logo fez com que fosse um dos delegados que iam junto
ao rei. Uma vez chegado, seduziu a mulher do soberano, atacou-o e
matou-o, e assim assenhoreou do poder
54
. (A República, II; 359d-360a;
trad. Maria Helena da Rocha Pereira, sem data, pp.56-57).
Portanto, a partir da Fábula do Anel de Giges, Glauco conclui que se houvessem
dois anéis, se um fosse dado a um homem de boa índole e o outro ao homem de
53
Engaste: guarnição de metal que segura a pedraria nas jóias. Ver Dicionário de Língua
Portuguesa: HOLANDA, Aurélio, (1993).
54
Giges foi rei da Lídia de 687-651 a.C, depois de ter assassinado o monarca anterior,
Candaules, e de ter desposado a viúva deste.
57
índole, não haveria ninguém para preservar a justiça. Muramatsu (1999), argumenta que
a posse do anel permite que a injustiça impere e para esse caso o custo da ação
moralmente orientada é muito alto.
Para esse caso, alguns autores afirmam que os julgamentos morais estão restritos
a algumas sanções externas (desaprovação social). Quando estas sanções deixam de
existir, não sentido para a existência dos julgamentos morais. Dito de outra forma, os
indivíduos cumprem as normas morais, não porque elas tenham o valor em si mesma,
mas porque os indivíduos as temem
55
.
O compromisso e julgamento moral podem estar ligados à possibilidade do agente
auferir alguma recompensa interna (melhoria da auto-imagem), sendo capaz de motivá-lo,
e isto é dado como parte integrante do seu auto-interesse:
Meu caro amigo, de todos vós, que vos proclamais defensores da
justiça, começando nos heróis de antanho, cujos discursos se
conservaram, até aos contemporâneos, ninguém jamais censurou a
injustiça ou louvou a justiça por outra razão que não fosse a reputação,
honrarias, presentes delas derivados. (A República, II; 366e; trad. Maria
Helena da Rocha Pereira, sem data, p.68).
Na área de metodologia da economia, o raciocínio tautológico dos postulados
comportamentais da teoria neoclássica, admite o conceito do auto-interesse esclarecido.
Se o indivíduo age de acordo com o senso de justiça e princípios éticos, não importa: tudo
faz parte do seu auto-interesse. Esses conceitos foram apresentados no capítulo anterior,
com a descrição dos traços comportamentais do Homem Econômico Racional. As
sanções externas e recompensas internas, sob esta ótica fazem parte do auto-interesse
individual. Sob essa perspectiva, Ghandi é tão auto-interessado quanto Dalai Lama, São
Francisco de Assis ou Madre Teresa de Calcutá. Nesse estágio do debate, não se deve
deixar de lado a defesa da tese do auto-interesse esclarecido que vem da Escola de
Chicago, com George Stigler. Numa de suas Conferências intituladas “Economia ou
Ética?” ele expressou que o mundo era composto por pessoas razoavelmente bem
informadas que agem de modo inteligente para realizar os seus interesses próprios.
Refutar essa teoria do auto-interesse esclarecido é tarefa impossível segundo o autor.
Para ele o comportamento maximizador é passível de experiência empírica,
previsível e imutável para qualquer indivíduo:
55
Ver Muramatsu (1999), p. 11.
58
As políticas sociais e as instituições, não o comportamento individual,
são o objeto apropriado para a solicitação do economista-pregador. Isto
decorre da lógica da teoria econômica: nós nos relacionamos com
pessoas que maximizam sua função utilidade e seria inconsistente e
inútil persuadir as pessoas a não agir desse modo. Se nós pudermos
persuadir um monopolista a não maximizar seus lucros, então outros
reformadores poderão persuadir os recursos a não se deslocar em
direção ao uso que lhe garanta maior remuneração, e nossa teoria se
tornaria irrelevante. (STIGLER
56
, 1986, apud SILVA FILHO, 2000, p.
167).
Quando Stigler confronta o auto-interesse e questões éticas, afirma que o auto-
interesse sempre prevalecerá e que as questões éticas fazem parte do comportamento
maximizador de utilidade do agente:
(...) Eu acredito que seja possível e mesmo que seja um problema
científico ortodoxo determinar o conjunto de preceitos éticos do
comportamento pessoal (teste)... poderia mostrar que o sistema ético
está baseado no comportamento da utilidade.(STIGLER
57
, 1986, apud
SILVA FILHO, 2000, p. 16).
Dadas as dificuldades em testar as hipóteses do auto-interesse esclarecido, o
próprio Stigler desafia os jovens doutorandos que façam o teste da invencibilidade da
teoria do auto-interesse esclarecido. De fato, é possível concordar em parte com os
argumentos de Stigler. Nesse trabalho não se busca tecer falsas ilusões quanto ao
comportamento altruísta, até porque é levado em consideração a predominância do auto-
interesse que faz parte da natureza humana. Mas, em contra-partida, as afirmações de
Stigler não parecem convencer, até porque este trabalho toma como ponto de partida que
o auto-interesse é uma das motivações da conduta humana entre outras diversas. A
generalização e reducionismo do comportamento humano ao auto-interesse, limitam o
poder explicativo da teoria econômica quanto a outros padrões de comportamentos não
fundamentado no auto-interesse.
Para Sen (1999), a posição de Stigler não é fundamentada por completo em
termos de prever tais ações humanas. Reforçando, o próprio Sen relata tal argumento
com detalhes a respeito da existência de outros padrões de comportamento
fundamentados na “Teoria dos Sentimentos Morais” de Smith.
Do mesmo modo, o senso de justiça ou engajamento moral não pode ser
explicado em termos do auto-interesse, por isso foi apresentado a Fábula do Anel de
56
STIGLER, George J. (1986). The Essence of Stigler.Ed. Kurt R.
57
Idem
59
Giges, para trazer ao debate esta questão. Admite-se que para Sócrates o senso de
justiça trata-se muito mais de uma virtude social, que um mero senso fruto do auto-
interesse.
Nessa mesma perspectiva o Pai do Liberalismo Econômico, ajuda a entender
melhor esta questão socrática em defesa da justiça. Smith sustenta que a partir dos
sentimentos humanos é que se derivam os sensos de justiça e por fim origina as regras
gerais da moralidade, que é uma virtude social:
Otros actos, por lo contrario, provocan nuestra aprobación, y de todos
cuantos nos rodean oímo la miesma favorable opinón respecto a ellos.
Todo el mundo deseoso de honrarlos y premiarlos. Estimulan todos
aquellos sentimientos que por naturaleza más deseamos: el, amor, la
gratidud, la admiración del prójimo (...). Así és como se forman las
regras generales de la moralidad. Están em última instancia fundadas
em la experiencia de lo que, en casos particulares, aprueban o repueban
nuestras facultades Morales o nuestro sentido del mérito y de la
convivencia. (SMITH, 1992, pp. 109-110)
58
.
A noção de j que a ustiça seja um mal necessário (ela evita a guerra de todos
contra todos), não é uma explicação suficiente para explicar a sua origem. A perspectiva
socrática e smithiana, o senso de justiça vai além de um mal necessário. O senso de
justiça é algo que envolve todas as virtudes sociais, considerando os sentimentos morais
e virtudes características dos seres humanos.
Muramatsu (1999), tece as seguintes considerações acerca das sanções externas
e ações genuinamente altruístas, apresentando questões típicas do cotidiano, para nossa
reflexão:
Não dúvidas que as sanções e recompensas externas de fato
influenciam o comportamento individual. Mas dizer que a mera
existência das mesmas determinam o comportamento efetivo dos
agentes é querer dar um passo maior que as pernas. Por que as
pessoas não jogam papel no chão quando alguém está olhando para
elas? Porque ocorrem doações anônimas para entidades filantrópicas?
Qual a lógica da doação de órgão e de sangue para pessoas
desconhecidas? Porque gastamos nosso tempo precioso e irreparável
para ajudar um cego a atravessar a rua, que nunca retribuirá o favor?
(MURAMATSU, 1999, p.13).
Essa problemática que autora coloca, nos leva a refletir sobre as relações entre
compromissos morais e altruísmo. A Fábula do Anel de Giges, permite entender a razão
58
Obra original editada em 1759
60
dos comportamentos voluntários conforme exposto na citação direta anterior. Do mesmo
modo alguém poderia argumentar que tais ações voluntárias são justificadas pelas
expectativas dos indivíduos ganharem alguma recompensa interna. Nisto retorna-se às
explicações dadas por Stigler acerca da teoria do auto-interesse esclarecido. Essa
pesquisa evita cair nesse dilema: se as ações altruístas genuínas podem ou não ser
derivadas de alguma recompensa interna, não corresponde à análise que será feita neste
trabalho.
Para o filósofo Schmidtz (1990), o fato de os indivíduos serem honestos e
comprometidos com uma comunidade que respeita, representa um fim em si mesmo. Os
indivíduos podem ter razões auto-interessadas para promover o bem-estar alheio. Alguns
economistas como Harsanyi (1982), Rabin (1995) e Hammond (1987), utilizam para esse
caso, o termo preferência moral, que a idéia de que os indivíduos aceitam as normas
éticas, com a pretensão de garantir a boa convivência e de maximizar os seus interesses
de longo prazo
59
. No entanto, segundo o filósofo Schmidtz (1990), quando as preferências
morais são internalizadas, elas se tornam autônomas e capazes de representar objetivos
para a tomada de decisão, ao contrário de serem simplesmente meios alternativos para
satisfazer o auto-interesse dos indivíduos.
Moral da história: a vontade de honrar compromissos morais pode ser autônoma,
de modo que o indivíduo pode tornar-se o melhor juiz de si mesmo, ciente dos resultados
relacionados ao curso de ação alternativos. Isso está em consonância com a proposta de
Sen acerca dos compromissos morais. Por isso, buscou-se investigar às questões mais
complexas ligadas ao senso de justiça, recompensas internas e sanções externas para
explicar que uma ação altruísta pode ser justificada pelo senso moral, pela autonomia e
racionalidade instrumental. A conduta altruísta pode ser justificada pelo senso moral e
autonomia da escolha, não condicionada a meros meios alternativos para satisfazer o
auto-interesse do agente e também pode ser justificada pela racionalidade instrumental,
na medida que leve em conta a utilização eficiente dos meios disponíveis para promoção
do bem-estar alheio. Portanto, essa é a principal evidência que o presente debate
procurou esclarecer, tornando assim o ponto de partida para análise econômica do
comportamento não egoísta.
59
Citado por Muramatsu, 1999, p. 13.
61
3.2 Psicologia da escolha e comportamento altruísta
Como mencionado anteriormente, o objetivo é fazer um exercício reflexivo acerca
da possibilidade do altruísmo enquanto escolha racional. A partir do debate anterior, é
possível afirmar que uma parte da resposta para o problema desse trabalho, tem a ver
com as razões morais que justificam o comportamento altruísta. Sanções externas e
recompensas internas podem explicar parte das razões para o altruísmo, mas como
mencionado a existência de uma pluralidade de motivações que competem entre si, o
processo de escolha individual não pode ser reduzido aos mecanismos de sanções e
recompensas.
Posto isto, nota-se que todo debate apresentado até esta seção, revela que a base
motivacional da teoria econômica é bastante restrita. A defesa da abordagem ética pode
ser considerada um ramo da Psicologia. Nessa perspectiva, procura-se apresentar alguns
aspectos acerca da constituição motivacional para a teoria da escolha, considerando o
contraste entre Economia e Psicologia. A incursão introdutória nesse debate, será o
suporte para a próxima seção, em que serão apresentadas as relações entre empatia e
altruísmo, a partir das contribuições da Psicologia Experimental.
As modernas disciplinas de Economia e Psicologia são descendentes diretas da
Filosofia. Como resultado da evolução científica, houve a separação dessas duas
ciências, sendo que cada qual constituiu os seus próprios métodos de investigação. No
entanto apesar de terem métodos distintos de metodologia, as duas ciências se cruzam
quando o assunto estudado refere-se a postulados comportamentais e processo de
escolha racional.
Hogarth & Reder (1987), consideram que para os economistas a definição de
racionalidade, envolvendo a escolha individual está restrita à maximização da função
utilidade definida como uso alternativo de recurso de acordo com a dotação inicial. Ou
seja, as quantidades de recursos são interpretadas como restrições sob possíveis
escolhas avaliadas na tomada de decisão. O comportamento racional é dado em um
determinado conjunto de quantidades de recursos, sujeito à restrição orçamentária, onde
o agente deve maximizar tais recursos a usos alternativos.
A teoria da escolha racional deixou de ser estudada somente pelos economistas,
tornando-se um tópico especial da Psicologia desde 1950, quando alguns psicólogos
62
inspirados nos modelos econômicos, iniciaram um vasto programa de pesquisa para
investigar a natureza da escolha humana
60
.
A diferença tênue entre economistas e psicólogos na explicação do processo de
escolha individual, é que os economistas explicam a escolha individual a partir da
apresentação de resultados, sob as hipóteses da escolha racional da teoria econômica
tradicional. Dito de outra forma, para os economistas a escolha é consistente se atender
aos padrões comportamentais da racionalidade, dados, mais precisamente, pela teoria
neoclássica. Para os psicólogos, o que importa na tomada de decisão do agente é o
processo pelo qual a escolha é realizada, ou seja, a motivação, a formação de crenças e
capacidade cognitiva que desencadeiam no curso do processo decisório individual
(HOGARTH & REDER, 1987).
Em termos metodológicos, os psicólogos não estão dentro de uma estrutura rígida
de racionalidade como os economistas. Os psicólogos, conseguem adaptar qualquer tipo
de anomalia comportamental em seus modelos no estudo da escolha individual. Os
economistas estão “presos” num conjunto de axiomas e postulados comportamentais que
dificultam a análise de comportamentos alternativos. Tudo que foge desse padrão de
escolha, conforme considerações de Sen (1999), é entendido como irracional. A incursão
pela análise do comportamento não-egoísta por exemplo é algo tido como irracional, pois
foge de tais postulados comportamentais. Verifica-se, portanto que tais postulados
reduzem o poder explicativo da teoria econômica acerca de outros tipos de
comportamento.
Para Simon (1987), a diferença na análise da escolha entre economistas e
psicólogos, está que, para os primeiros existe um tratamento uniforme para o
comportamento racional e para os segundos não uniformidade comportamental, ou
seja, os psicólogos lidam tanto com a racionalidade quanto com a sub-racionalidade
61
:
In Economics, rationality is viewed in terms of choices it produces in the
other social sciences; it is viewed in terms de process it employs. The
rationality is substantive rationality, while the rationality of psychology is
procedural rationality. (SIMON, 1987, p.26).
60
Vale citar o trabalho pioneiro de Edward (1954), que publicou um artigo dando certa
relevância entre a Economia e Psicologia no processo de escolha individual: The Theory of
Decision Making .
61
Sub-Racionalidade, não significa a irracionalidade em si, mas as mudanças inesperadas
no curso da ação desejada. Envolve elementos como dissonância cognitiva e akrasia, conforme
apresentado no capitulo anterior.
63
Simon (1987) explana que o tratamento de racionalidade da economia neoclássica
difere de outras ciências em três aspectos primordiais:
a) existência do silêncio acerca do conteúdo das preferências, objetivos e utilidades
dos agentes;
b) postulado global de consistência do comportamento;
c) postulado em que o comportamento objetivamente racional em relação ao
ambiente em que os agentes estão inseridos, sem levar em consideração
incertezas;
Em contraste à teoria econômica, Simon (1987), observa que em outras ciências
sociais o tratamento da escolha considera os seguintes aspectos:
a) buscam determinar empiricamente a natureza e as origens da utilidade e
preferências dos agentes e suas variações no decorrer do tempo, a partir do
processo de aprendizado social e individual;
b) buscam determinar os processos de aprendizado, social e individual, como
aspectos motivacionais para uma determinada ação;
c) procuram determinar as estratégias computacionais e o conteúdo das motivações
no curso da ação, considerando o processo das informações acerca dos
resultados da ação como limitada capacidade cognitiva dos agentes;
d) procuram descrever e explicar as formas dos processos sub-racionais
(motivações, formação de crenças e estímulos sensoriais), que influenciam o foco
de atenção e definição de uma situação do conjunto de fatos dados os processos
racionais.
O caminho que leva à ação racional, segundo Simon é descrito a partir do seguinte
esquema
62
: propósito ou motivação escolha ação. De acordo com esta seqüência
dada por Simon, a teoria econômica se atém somente ao resultado da escolha, sendo que
a motivação já é dada, pois é plenamente redutível ao auto-interesse. Para Simon (1987)
a Psicologia tem muito a contribuir com a Economia, com os seus métodos de
investigação, levando em consideração a racionalidade limitada e o estudo do conteúdo
das motivações humanas para tomada de decisão dos agentes.
O método experimental para Psicologia e Economia é defendido por Hogarth &
Reder (1987), como forma de capturar variáveis não econômicas para explicar a
62
Tal esquema foi retirado de Barros (2004).
64
validação das teorias no processo decisório dos agentes, sob o âmbito da consistência
63
.
Outros economistas como Prescott (1970), Lucas (1987) e Plott (1987), admitem que é
possível haver uma contribuição entre a Economia e Psicologia nessa área experimental,
principalmente no que se refere ao conteúdo da formação de expectativas dos agentes
quanto às variáveis econômicas e os seus impactos no processo de escolha racional.
Para Arrow (1987), o conceito de racionalidade não está somente restrito à Ciência
Econômica. O princípio de racionalidade e toda a discussão que existe em torno dela,
também é tema de estudos das outras ciências sociais e humanas, com concepções bem
diferentes entre si. Para o mesmo autor, os postulados comportamentais da teoria
econômica podem levar às conclusões contrárias em casos observados, quando, por
exemplo, são levados em consideração os limites da capacidade cognitiva dos agentes,
podendo haver inconsistência com os postulados econômicos.
O leitor deve notar que toda a discussão que está sendo levantada até este ponto do
trabalho, refere-se à questão de consistência interna da racionalidade de escolha
individual. Os economistas desde os primeiros anos da graduação, aprendem que os
indivíduos são suficientemente informados para fazer uma ordenação completa e
transitiva das alternativas existentes. O princípio de transitividade é primordial para a
escolha racional. Se o indivíduo se depara com três alternativas
X
,
Y
e
Z
, ele pode
fazer a ordenação ótima das mesmas. Assim
f
X
Y
,
Y
f
Z
, logo
f
X
Z
. Mas vale destacar
que nem sempre estes atributos da transitividade são consistentes.
Neuman (1965), cita um experimento de Kenneth May para demonstrar uma
situação em que o axioma de consistência da relação de preferência não é satisfeito
64
.
Suponha-se a existência de três maridos, dotados de algumas qualidades. O
primeiro (
X
) é inteligente, feio e mais ou menos rico. O segundo (
Y
) é mais ou menos
inteligente, bonito e pobre. O terceiro (
Z
) é pouco inteligente, relativamente bonito e
muito rico. Neste experimento 62 universitárias americanas fizeram uma ordenação dos
maridos disponíveis. Quando se comparou a alternativa (
X
) com a (
Y
), 39 alunas
63
Vale destacar alguns trabalhos na área da economia experimental, entre ele evidencia- se
o brilhante trabalho de SILVA FILHO, Geraldo Andrade (2000): Auto-interesse versus
Considerações Morais: Evidência da Economia Experimental. Também vale cita os avanços nesta
área de pesquisa que teve a sua maior projeção com o Prêmio Nobel em Economia de Kahneman
& Smith no ano de 2002.
Esse processo tem sido gerado por pesquisadores em duas áreas: a de psicólogos
cognitivos que têm estudado o julgamento humano e tomadas de decisões e a de economistas
experimentais que têm testado modelos e postulados econômicos em laboratório.
64
Este experimento foi retirado do trabalho de Muramatsu (1999), p.18-19;
65
preferiram a primeira e 23 escolheram a segunda. Então
f
X
Y
. Quando foi compara as
alternativas (
Y
) e (
Z
), 57 preferiram (
Y
) e 5 escolheram (
Z
). logo
Y
f
Z
. Quando o
marido tipo(
X
) é comparado com o tipo (
Z
), este ultimo é preferido (33 para
Z
e 29
para
X
). Portanto temos que inicialmente
X
f
Y
f
Z
,mas como resultado final
Z
f
X
.
Isso resulta na violação do axioma da transitividade.
Alguém poderia dizer que para este caso as pessoas são irracionais, mas isso ocorre
não porque as pessoas sejam irracionais, mas porque a inconsistência pode ser explicada
porque cada marido foi observado como um conjunto de critérios. Quando isso ocorre, a
escolha é baseada em termos de cada um dos critérios existentes, que vai ao encontro
das idéias de Sen (1982), acerca das meta-preferências que foram apresentadas no
capítulo anterior.
Ainda assim, alguém poderia argumentar que a escolha é determinada somente pelo
critério prioritário, mas isso não parece convencer, porque no mundo real as escolhas não
são somente determinadas pelo critério prioritário. Suponha que Antônio (indivíduo
racional) acaba comprando uma televisão com “x” polegadas, com base no critério tela
tipo plasma da mesma. Isso porque após ter satisfeito os outros critérios mais importantes
(qualidade do motor, garantia, marca da televisão, estilo, conforto, imagem etc.), Antônio
se deparou com uma situação em que estava indeciso entre duas televisões, mas ao
considerar a bela cor cinza metálica, como um design arrojado do revestimento de uma
das televisões, ele consegue tomar a decisão.
De acordo com Elster (1979) a tomada de decisão com base em critérios pode ter a
sua formalização a partir da introdução das preferências lexicográficas. Do mesmo modo
a escolha eticamente motivada, envolvendo a conduta altruísta, pode utilizar o mesmo
arcabouço de preferências a partir da hierarquização das necessidades do agente
65
.
Vários estudos na área da psicologia econômica, demonstram as limitações do
conceito de racionalidade pela teoria da escolha tradicional
66
. Existem vários exemplos
acerca da violação dos axiomas da teoria econômica. Entre eles buscou-se um exemplo
bem sugestivo para ser apresentado, dado por Tversky & Kahneman (1986):
Problema 1 (N=183): Imagine que você decidiu assistir um filme no cinema cujo
ingresso custa R$ 10. Quando você entra no saguão do cinema, você descobre que
65
O assunto não será estendido, porque será apresentado posteriormente o arcabouço
teórico e a noção geral acerca da formalização das preferências lexicográficas.
66
O leitor interessado poderá consultar: Elster (1987), Simon (1987), Schelling (1984),
Tversky & Kahneman (1987), Hogarth & Reder (1987), MacFandyen (1986).
66
perdeu o dinheiro do ingresso. Você pagaria novamente R$ 10 pelo ingresso do cinema?
Dos indivíduos que compuseram este experimento 88% responderem “sim” e 12% “não”.
Problema 2 (N=200). Imagine que você decidiu assistir o filme e pagou R$ 10 pelo
ingresso. Suponha que no dia do filme, ao entrar no saguão do cinema você descobre
que perdeu o bilhete e o ingresso não pode ser mais recuperado. Você pagaria R$ 10 por
um novo bilhete? Dos indivíduos que compuseram este experimento 46% responderam
que “sim”e 54% “não”.
A proposta de Tversky e Kahneman (1987) é apresentar alguns problemas de
inconsistência na escolha. De acordo com o postulado de racionalidade, as escolhas dos
indivíduos devem ser internamente consistentes. Dessa maneira, o agente racional
responderia positivamente (ou negativamente) às duas questões colocadas
anteriormente, pelo fato que a des(utilidade) marginal é igual nas duas situações, pois
perder um nota de R$10 é o mesmo que perder um ingresso que custa R$ 10. Segundo
os autores, entender a psicologia da escolha é importante para análise econômica na
tomada de decisão. A consistência é somente um aspecto da noção de comportamento
racional, que deixa de atender os critérios de racionalidade, conforme os experimentos
apresentados.
Posta esta discussão dos conflitos existentes acerca da racionalidade, tal debate
abre espaço para a análise do comportamento altruísta que pode ser admitido como
racional. O leitor deve notar, que os debates colocados nesse trabalho são apenas
insights, que permitem gradualmente distanciar-se dos postulados comportamentais da
teoria econômica tradicional, dando liberdade para analisar a conduta altruísta sob outras
perspectivas que também são econômicas. Atribuir o conceito de racionalidade como
maximização do auto-interesse é algo que não parece convencer. Então até aqui, tem-se
três aspectos importantes para a condução do nosso trabalho:
a) baseados na psicologia econômica, entender o conteúdo dos gostos e
preferências se torna importante para o processo decisório do agente. O
comportamento altruísta, pode ser analisado a partir das emoções, e estímulos
psicológicos que conduzem a sua ação. Nessa perspectiva, considerar as
relações entre empatia, como uma das motivações que conduzem a motivação
altruísta e os seus resultados é factível sob o ponto de vista da psicologia
econômica; delinear-se-á tais relações na próxima seção;
b) um processo de escolha que fuja da visão unidimensional da função utilidade
também é factível para a análise do comportamento não-egoísta. O altruísta
67
pode fazer as suas escolhas baseadas em critérios que podem ser pessoal,
social ou ético, sendo que o bem-estar alheio pode ser um critério prioritário.
Em outros termos, se o indivíduo altruísta faz suas escolhas mediantes
critérios, não significa que o mesmo seja irracional. É esta a discussão que foi
apresentada nesta seção e que se procurou retratar de forma genérica. Tal
idéia será formalizada no último capítulo deste trabalho;
c) O altruísmo pode ser explicado pela perspectiva da preferência moral
autônoma para tomada de decisão a fim de honrar compromissos éticos e
morais. O valor instrumental e racional prevalecem para este tipo de conduta,
desde que o indivíduo altruísta leve em conta a utilização eficiente dos meios
disponíveis para promover o bem-estar alheio, conforme apresentado na seção
anterior.
Tendo como base os trabalhos da psicologia econômica, apresentar-se-á na
próxima seção as relações empíricas e conceituais entre empatia e altruísmo. Nessa
perspectiva, pode-se entender que a empatia corresponde ao estado emociona e surge
da condição ou estado emocional de outro indivíduo e seus efeitos para a ação altruísta.
A busca por tecer tais considerações pode auxiliar no melhor entendimento da lógica da
ação altruísta, sendo a base para a compreensão dos modelos econômicos que serão
apresentados no decorrer desse trabalho.
3.3 Altruísmo e empatia: relações empíricas e conceituais
O conceito de empatia está intrinsecamente relacionado à ação altruísta. Para
evitar interpretações deturpadas acerca desse conceito, considera-se uma definição geral,
comumente utilizada pela psicologia tradicional. A empatia, de acordo com a definição
geral, refere-se a um estado emocional que surge da preocupação da condição ou estado
emocional de uma outra pessoa, ou seja, a tendência de sentir o que uma pessoa sentiria,
se estivesse numa mesma situação por outra pessoa.
Segundo o pai do liberalismo econômico, a conduta humana pode ser unificada
pela simpatia. É a partir dela que os indivíduos adotam critérios quanto à conduta moral.
Neste contexto, Smith tece as seguintes considerações acerca da natureza humana:
68
Por más egoísta que quiera suponerse al hombre, evidentemente hay
algunos elementos en su naturaleza que lo hacen interesarse en la
suerte de los otros de tal modo, que la felicidad de esto le es necesaria,
aunque de ello nada obtenga, a no ser el placer de presenciarla. De esta
naturaleza es la lástima o compasión, emoción que experimentamos
ante la miseria ajena, ya sea cuando la vemos cuando se nos obliga, a
imaginarla de modo particularmente vívido. El que con frecuencia el
dolor ajeno nos haga padecer, es un hecho demasiado obvio que no
requiere comprobación; porque este sentimiento, al igual que todas las
demás pasiones de la naturaleza humana, en modo alguno se limita a
los virtuosos y humanos, aunque posiblemente sean esto que lo
experimenten con la más exquisita sensibilidad. (SMITH, 1992, p. 31).
Para Smith, a empatia conduz o indivíduo a colocar-se no lugar do outro, de modo
que tais sentimentos que desencadeiam no curso da ação, tornam-se um critério de
escolha:
Como no tenemos la experiencia inmediata de lo que otros hombre
sienten, solamente nos es posible hacernos cargo del modo en que
están afectados, concibiendo lo que nosotros sentiríamos en una
situación semejante (…). Por medio de la imaginación nos ponemos en
el lugar del otro, concebimos estar sufriendo los mismos tormentos,
entramos, como quien dice, en su cuerpo, y, en cierta medida, nos
convertimos en una misma persona, de allí nos formamos una idea de
sus sensaciones, y aun sentimos algo que, si bien en menor grado, nos
el del todo desemejante a ella. (SMITH, 1992, p. 32).
Para Khalil (1997), ao considerar a abordagem smithiana, existe uma identificação
errônea na literatura ao considerar o termo da empatia ao altruísmo e auto-interesse ao
egoísmo. Para o autor a visão smithiana acerca da empatia é restrita aos julgamentos
morais: “(...) Sympathy is identified only with judgment. This reading the door for a
functionalist interpretation of Smith’s theory conduct sympathy since it is a criterion of
approbation consistent since they are a function of social need”.
(
KHALIL,1997, p. 256).
Então, se a simpatia (empatia) está relacionada aos sentimentos e julgamentos
morais, quando um indivíduo se empenha a examinar a própria conduta, conclui-se que
tal indivíduo se “divide” em duas pessoas: uma pessoa que é o juiz examinador da sua
própria conduta e a outra pessoa em que a conduta é julgada. Portanto, na visão de
Khalill (1997), ao considerar o bem-estar alheio, esta ação pode ser um relevante critério
de escolha para o juiz que existe “dentro” do indivíduo, com a sua observação imparcial.
Nessa mesma linha de raciocínio, a empatia não pode ser reduzida somente ao
caso do altruísmo, porque abrange tantos outros sentimentos morais como critério de
aprovação de conduta. Ela é um elemento importante para a conduta altruísta. Isto
significa dizer que a empatia é um estado emocional que precede a ação altruísta, não
69
desconsiderando que ela tenha as suas influências sobre outros tipos de comportamentos
e julgamentos morais.
Para Boulding (1962), a filantropia genuína com base no senso da empatia, faz
com que o indivíduo se coloque no lugar dos outros, alegrando-se e entristecendo-se com
a felicidade e dores alheias, respectivamente, como se fossem dele próprio. Para o autor
isto é a base e a fonte para a doação genuína
67
.
A base neurológica e cognitiva para empatia foi pesquisada desde 1958 por
MacLean
68
. De acordo com o autor as emoções são processadas pelo hipotálamo e
córtex frontal do sistema límbico cerebral, que por sua vez é divido em duas partes: uma
relacionada aos sentimentos e emoções e a outra à autopreservação. Tais mecanismos
cognitivos conduziram os homens à sociabilidade e a preservação da espécie na sua
evolução, sendo a empatia um fator determinante para este processo.
Existem diversas pesquisas acerca da empatia e altruísmo que poderiam ser
citadas nesse trabalho. Selecionou-se algumas que se julgam ser as mais importantes.
Experimentos realizados por Hoffman (1981), que procurou identificar evidências de
empatia em crianças de 1 a 2 anos. O foco da pesquisa, partiu de simulações sonoras,
em que procurou-se investigar porque as crianças nessa faixa etária choram ao ouvir
outras crianças chorando. O autor concluiu que crianças nesta faixa etária são capazes
de sentir emoções alheias (amadurecimento empático) e dado que elas não podem ajudar
as outras crianças que estão chorando, elas expressam sentimentos e emoções fazendo
a mesma coisa. Hoffman (1981) prossegue afirmando que as crianças que se predispõem
em ajudar outras a partir do choro, é muito mais uma questão de auto-alívio do que
altruísmo genuíno
69
.
Nests mesma linha de raciocínio de Hoffman (1981) outros autores entendem o
comportamento empático como egoísmo disfarçado
70
. Em outros termos, a necessidade
67
Citado por Muramatsu, 1999, p. 20.
68
Ver Hoffman (1981), p. 129.
69
Outros experimentos com crianças buscaram identificar as relações entre empatia e
altruísmo. Nancy & Miller (1987), simulou situações em slides, contos e filmes para crianças de
faixas etárias diferentes e identificou a partir de diversas expressões, inclusive a facial a relação
existente entre altruísmo e empatia. Em geral as crianças se emocionaram com a simulação e
depois se predispunham a ajudar o indivíduo em situação desfavorável. Vale citar que tal
experimento foi baseado em simulações, mas o importante aqui é ressaltar a vontade de crianças
em ajudar alguém em situações menos favorecida. Tal programa de pesquisa, envolveu cientistas
de diversas áreas. No artigo dos autores, não ficou claro onde ocorreu o experimento.
70
Entre alguns autores, vale a consultar: Piliavin, 1972.
70
dos indivíduos ajudarem outrem é uma forma de reduzir o seu desconforto empático,
amenizando a própria dor e aliviando a sua própria consciência
71
.
Essa linha de argumentação é convincente, porque o desconforto empático possui
elementos que marcam a motivação altruísta. O desconforto empático é provocado pela
felicidade alheia e não apenas pelo mal-estar sentido pelo indivíduo, que se coloca no
lugar do outro. A ação pode ter como objetivo prioritário ajudar os outros, não apenas
satisfazendo o auto-interesse pessoal. Nesse contexto Muramatsu (1999), argumenta que
o potencial de gratificação dominada por recompensas internas ou psíquicas, depende do
sucesso de amenizar a dificuldade enfrentada pelo outro.
Neste mundo que estabelece as relações entre empatia e altruísmo é importante
distinguir as relações entre intenções e resultados. Ests trabalho se restringe aos
resultados da ação altruísta, motivada pelo bem-estar alheio, não se aprofundando nos
elementos que marcam a intencionalidade da ação.
De acordo com Hoffman (1981), a psicologia tradicional sustenta que a ajuda é
uma resposta instrumental, que reflete um motivo egoísta. Isto pode ser verdade em
alguns aspectos. O autor cita como exemplo, que em algumas circunstanciais, o que leva
a pessoa a ajudar as outras é o desejo de ganhar prestigio social ou sinalizar a renda, ou
seja, é uma forma de auto-recompensa (self-reward)
72
.
Darley & Latané (1968), demonstram a partir de evidências empíricas o contrário
de Hoffman (1981). Em seus experimentos os autores concluem que é mais provável que
um indivíduo ajude o outro quando não ninguém por perto. Inspirados na violência
urbana de Nova York, os autores procuram investigar a velocidade de socorro a algum
indivíduo em perigo
73
. Neste experimento, os participantes ouviram através de fone de
ouvido os sons de alguém sofrendo um ataque epilético. A tabela a seguir sintetiza os
resultados do experimento.
71
Ver Hoffman, 133-134.
72
Será apresentado um modelo econômico que abrange esse tipo comportamento doação
como sinalização e obtenção de prestigio social.
73
Dado a violência urbana em Nova York, muito autores da época (anos 60 e 70) apontavam
para a decadência moral ou desumanizarão característicos no meio urbano (apatia). Em
contraponto a tais argumentos Darley e Latané (1968), procuraram demonstrar as razões para
empatia e se de fato ela se comprova em situações de emergência e perigo.
71
Tabela 1: Efeitos dos Grupos sobre a Probabilidade e Velocidade de Socorro
Tamanho do Grupo N % de indivíduos
que prestaram
socorro
Tempo
em
Segundos
2 (sujeito e tima) 13
85 0.87
3 (sujeito, tima e 1
expectador)
26
62 0,72
6 (sujeito, tima e 4
expectadores)
13
31 0.51
Fonte: adaptado a partir de Darley & Latané (1968), p. 380
De acordo com a tabela anterior, 85% dos sujeitos que pensaram ests5r934(s9292[(1)0.59(o)0.590290251(p)5.1132)0.356603(a)0.713207(n934(s)-0. 0 8.3330.5913207(n24(s)-0.1(d)0.5902.039 0902n7(n24(s)-0h7(n24(s)-0251(p)0.590251(o)0.590243(d)0.590251(87 0)0.934(s929643(a)0.59025187 0)0.643(a)0.59051(s)-0.957v1(d)0.5902.039 5902 Td[(1)0.590251(3)55651(b)0.590251(87 0)0.643(a)0.59051(87 0)0007(4)0.5902u)0.590251(o)0.590251(s)-0.95902 )-5.15007(e)0.5902512.72 Td[(q)-10875929643(a)0.59025187 0)0.0236(o)0.589606( )]TJ893( )-5.150 Td[(1)0.590251(3)556m3871 5578 l3871 5475 l3830 5451(87 0)0.643(a)0.59051(87 0)0.934(s9291( )-353.643(a)0.0 Td36(e)0.535251(s)-0.957164(a)0.59025e)0.575.206n)0.5902164(a)0.590ps s9291( )-353.64srast s9292[(1)0.59(o..590251(r98)-5.251(i)4.192951(%)-4.01211( )-359(o0.356603(a)0.7575.206n934(s)-0. 0 07(n24(s)-0u7(n24(s)-01( )-353.6490251(m)-5.55953(p590251(1c)-8352l.039 0902493())-4.6024( )]TJ127.684 12.643(d)0.590251(1c)-83528.3330.5913207(n2(3)55651(b)0.590290251(3)556m3871 55786(,)-5.15007( )-353.6451(1c)-835251(1)0.589606( ))-353.643(s)-078451(1c)-8352236(u)0.590251(p)0.590251(o)0.590251(1c)-83528.3330.59132q)-1087592964( )-353.643(q)]TJ292.039 0 Td[(u)0.590251(e)0.590251( )-342.752(p1c)-835236(e)0.590251(s)-0.957164(t)-5.15007320.9440236(a)0.590251(m)-5.55953( )-342.752(e)0.584934(s)-0 Td164(t)-5.152739320.9440e5e)0.579.174n)0.5902953( )278]TJ17.3131 -12.6 Td[(s)-0.957164(o9320.94405.1228 25.32 Td[(T)-9.9320.9440464(t)-5.15007320.9440643(a)0.59051(s)-0.9571( )-353.6490251(m)-5.559530.590251( )-342.752(p120.9440e5(a)0.590251(d)08]TJ251(o)0.590251(r)-4.60236(e)078]TJ17.3131 -12.6 T3330.5024( )]TJ127.684 12.6 Td[(159(o)0.5902902551( )-342.75,.590251(r356603(a)0.7579.174n934(s)-0. 0 6(,)-5.15007( )-(p5902n7(n24(s)-017.3131 -12.6 T3(s)-0164(t)-5.152733(s)-051(b)0.590251(.3131 -12.6 Td[(s)7( )-5.1500u3871 5578 l3871 547934(s9292[(1)0.64(o9)0.590251(a)0.590251(b)0.59025 )-5.15007(e)0.590251( )-5.15007(4)0.590251( )278]TJ12.6 TLT*.3(d)0.5902515.74165251(r)-4.60236(d)0.590255.7403251(,)-5.150051(b)0.5902515.7403251(p)5.1132)o3871 5578 l3871 547o36(d)0.590255.7403251]TJETQq7( )-353.643(8)0.5902512.6 TLT*( )-5.1500,3(d)0.5902515.7403254( )278]TJ12.6 TLT*( )-5.1500236(d)0.590255.740325d4(s)-0 Tdid)0.5903.926n)0.5902z( )278]TJ7( )-353.643(8)0.59025255.74032536(e)0.590251(s)-0.957164(t)-5.15005.740325pl3871 547934(s9292[(1)0.64(oa64(t)-5.15005.74032506( ))-353.06( ))-353.06( ))-353.643(s)-0.95455.740325d4(s)-)-6.69749(e)0.590251(i)4.192915.740325pl3871 547934(s9292[(1)0.64(o1( )-353.64s)-0.902515.1228 25.32s)-0.90251pl3871 547933330.5m3871 55786(,)-5.1(r)0.5902902551( )-342.75915.7376251(a)0.590251(356603(a)0.7503.926n934(s)-0. 0 51(b)0.5902é733(s)-0d733(s)-0i.039 0902493((p590251(8)-5.)0.1(i)4.19291(v)9.93324(í)18)-5.)0.6(,)-5.15007( )-353.6451(b)0.5902(%)-4.01211( )-5.15007(d)8)-5.)0.251(r)-4.60934(s9292[(1)0.64(oa64(t)-5.150098)-5.)0.2736(,)-54875590251(3)556m3871 5578 l3871 5477( )-353.643(8)0.5902525-201.17-12.6 T37592925-201.17-14( )278]TJ163.152 -1( )-353.64s)-0.90251a64(t)-5.15009801.17-10.590251(g)-10.3001(u)0.9801.17-10236(o)0.589606( )]TJ85.1228 25.32 Td[(0 Td164(t)-5.1590251(m)-5.55953(6947.43(d)0.590251(801.17-193( )-5.150od)0.5982287 1 85.08 s)-0.9025151(801.17-11(i)4.19291(v)9.93324(í)1801.17-15v)9.93324(í)1801.17-1a64(t)-5.15009801.17-106( ))-353.06( ) os
72
numa situação em que ele está sozinho é maior do que se estivessem com outros
expectadores. Talvez uma das razões para isto é que o indivíduo deva esperar a reação
de outros expectadores ao seu redor para tomar a decisão
74
.
Os experimentos de Piliavin (1972), procurou identificar as reações para ajuda,
direta e indireta, de um transeunte em caso de emergência, ensangüentado. O estudo
apontou que os homens estão mais propensos a socorrer do que as mulheres. Os
homens tendem à ajuda direta e as mulheres à indireta. No caso da ajuda indireta,
envolve a chamada de ambulância, polícia etc., nesse caso o impacto emocional e o
cálculo cognitivo dos custos e recompensas são primordiais para ação altruísta.
Por outro lado, Batson (1981) observou um tipo de reação emocional egoísta em
situações de emergência. O autor argumenta que o objetivo do altruísta é reduzir o
sofrimento do outro, sendo assim ele tem um custo de não ajudar o outro e um ganho
mínimo de decidir não ajudar. Nessa perspectiva, Batson (1981), sintetiza o processo
psicológico que conduz o indivíduo a ajudar o outro
75
:
a) o indivíduo precisa perceber a necessidade do outro;
b) para ajudar o indivíduo, deve colocar-se no lugar do agente que precisa de ajuda;
c) para que a ajuda seja altruísta, é necessária a existência de algum nculo entre
doador e beneficiário;
d) o individuo tem que vivenciar a ação empática;
As considerações de Baston (1981), dizem que a ação de ajudar pode ser
simultaneamente motivada por razões altruístas e egoístas. No entanto boa parte dos
estudos da Psicologia Experimental apontam que as motivações altruístas (bem-estar
alheio) representam um critério mais importante do que a egoísta.
Para Eisenberg & Miller (1987), existem outros fatores motivacionais que
precedem à ação altruísta do que a empatia. Como explicar a ação de pessoas que
realizam doações anônimas às entidades filantrópicas de forma voluntária? Como explicar
tais ações sendo que os doadores não têm nenhum contato “empático” com os
recebedores? Talvez uma resposta para tais questões esteja na internalização de valores
morais, que será apresentada na seção seguinte.
74
Para mais detalhes ver: Clark & Word (1968).
75
Tais considerações foram retiradas de Muramatsu (1999).
73
Em concordância com Hoffman (1981), as relações entre empatia e altruísmo
constituem um caso ainda não resolvido pela ciência, portanto tal assunto não será
estendido neste trabalho. A contribuição desse debate, com os resultados descritos, teve
a intencionalidade de apenas apresentar a empatia como fator psicológico que precede a
ação altruísta, auxiliando a melhor compreensão do nosso tema.
3.4 Internalização de normas e comportamento altruísta: um breve
comentário
Conforme apresentado, alguns aspectos da ação altruísta, como empatia e
compromissos morais, colocam em xeque a teoria do auto-interesse. Compreender
porque os agentes incorrem em custos de reduzir o seu conjunto de possibilidade de
escolha, em nome do bem-estar alheio, não parece ser tarefa simples. Procura-se aqui,
discorrer ainda que brevemente, acerca de internalização de normas e sua complexa
relação com o altruísmo.
Agentes fazem doações anônimas para entidade filantrópicas. Gastam parte do
seu tempo, que é precioso, em serviços voluntários nessas instituições. Ajudam pessoas
deficientes ao se locomover, seja para atravessar a rua ou para entrar num veículo
coletivo. Deixam gorjetas em restaurantes, onde não voltam mais. Ajudam amigos ou
estranhos que às vezes nunca retribuirão o favor
76
. Tais comportamentos observados na
vida cotidiana, levam a acreditar que o altruísmo genuíno faz parte também da natureza
humana. Explicar tais ações com base na aprovação da auto-imagem ou prestígio social,
não parece convincente, pois em algum aspecto tais ações estão condicionadas ao
compromisso moral como forma de internalização.
Para Frank (1990), certas emoções raiva, desprezo, desgosto, inveja, ganância,
vergonha e culpa - são sentimentos morais conforme descrito por Smith. Do mesmo
modo a caridade, generosidade e empatia são sentimentos morais que competem entre si
no cálculo racional. O indivíduo que deixa uma gorjeta para o garçom, trava uma relação
entre o senso de justiça (bom serviço prestado) e sentimento de empatia.
O cálculo racional está relacionado aos sentimentos morais, que são
internalizados pelos agentes. Krebs (1982), afirma que a interação entre as informações
76
São exemplos citados por alguns autores, como Frank (1990) e Muramatsu (1999).
74
do ambiente externo e o processamento de informação interna do indivíduo é o que a
origem do comportamento:
Internalization is the key to moral development. Inasmuch as a person
does the right thing in order to obtain a reward or avoid punishment (in
response to external contingencies), his or behavior is not generally
considered moral. It is when people resist temptation even though they
do not expect to be rewarded or punished that we commonly consider
their behavior to fall within the moral domain based as it on the notion
that external events determine behavior, behaviorist theory faces a
particular perplexing problem is explaining why people behave morally.
(KREBS, 1982, pp. 456-57).
A questão de internalização de normas e compromissos morais para o
comportamento altruísta, segundo Krebs (1982), pode estar relacionada ao forte desejo
de evitar os sentimentos de culpa como resultado do comportamento egoísta. Conforme
explanado nas seções anteriores, a conduta altruísta pode estar condicionada a sanções
internas. Então, se forem levados em consideração os argumentos de Krebs (1982), o
sentimento de culpa pode ser uma expressão de tais sanções, que representa um alto
custo psíquico do agente se caso não agir altruisticamente. Reduzir o comportamento
altruísta ao sentimento de culpa, talvez não seja uma explicação louvável, dado a mistura
de impulsos dependentes entre si determinantes para conduta humana, conforme
abordagem smithiana.
De acordo com Simon (1980), o hábito é uma forma de internalização, pois ele é
utilizado pelo agente para economizar a sua escassa capacidade cognitiva, como forma
de aprendizado social e individual. Thaler (1987), argumenta que a capacidade do
agente é importante para a psicologia da escolha econômica, uma vez que o processo de
aprendizado, a partir de rotinas, é internalizado pelos agentes.
De um modo geral, seguindo a trilha de Muramatsu (1999), esse trabalho tem
adotado a visão internalista. Os internalistas adotam um conjunto de motivações para a
compreensão do comportamento humano. A proposta dos internalistas é que o indivíduo
não pode adotar sinceramente uma proposta ética sem ter uma motivação que a
justifique, ou melhor, condizente com mesma. Existem mecanismos psíquicos que ajudam
a executar as regras ou padrão de conduta.
De acordo com a visão internalista de Nagel (1970), os agentes podem ser
altruístas porque eles possuem uma concepção self consistente com ação motivada pelo
bem-estar alheio. Para Collard (1978) o comportamento altruísta em grandes
comunidades depende necessariamente do senso de dever e justiça, que são
75
internalizados. Preferências (resultantes da empatia) e os princípios éticos são
complementares
77
.
Para Muramatsu (1999), defender a idéia de racionalidade altruísta não significa
desconsiderar a importância dos conflitos de interesse. A autora sugere que a
maximização é restrita por um senso de compromisso moral e valores de justiça. Esse
trabalho trata somente de um tipo de comportamento e seus resultados para a teoria
econômica, restrito às questões metodológicas. Mas vale a pena citar que existe um
grande interesse pelos cientistas sociais acerca das conseqüências econômicas e sociais
resultantes do agente que se depara com dilemas morais. No caso desse trabalho,
procura-se evidenciar que o bem-estar individual pode entrar em conflito com o bem-
estar alheio, se o objetivo de promover o bem-estar alheio for prioritário. A questão da
cooperação e o bem-estar social não dependem somente das sanções criadas pelas
instituições, mas depende também da intensidade de simpatia e do senso de obrigação
moral internalizado nos agentes de uma dada sociedade.
De certa forma, compromissos morais, internalização de normas, empatia,
racionalidade instrumental, autonomia da escolha e senso de dever, foram termos
utilizados exaustivamente até esse ponto do trabalho, que ofereceram importantes
indícios de que o processo de escolha está sujeito ao cálculo cognitivo dos custos e
benefícios de promover os objetivos conflitantes do agente. E por conta disso, justifica-se
a incursão pela filosofia moral e psicologia para entender a lógica da racionalidade
altruísta.
A racionalidade altruísta também envolve o sacrifico pessoal
78
. Porque é mais
comum o indivíduo ajudar parentes próximos que pessoas estranhas? Porque uma mãe
seria capaz de arriscar a sua própria vida para salvar o seu filho numa situação de
perigo? O indivíduo que se predispõe a arriscar a sua vida para salvar o outro pode refletir
um comportamento irracional? Para responder tais questões, adentra-se numa outra área
da ciência que ajudará a entender a lógica da ação altruísta para o sacrifico pessoal e a
sua influência na construção dos modelos econômicos acerca deste comportamento.
Explanar-se-á tais questões no próximo capítulo.
77
apud Muramatsu (1999), p. 30.
78
Vale ressaltar que o altruísmo não é sinônimo de sacrifício pessoal, nos termos em que o
indivíduo arrisca a sua vida para salvar o outro.
76
4 RACIONALIDADE ALTRUÍSTA SOB A PERSPECTIVA EVOLUCIORIA: A
CONTRIBUIÇÃO DA SOCIOBIOLOGIA AO DEBATE
Dado o debate panorâmico acerca da racionalidade altruísta do capítulo anterior,
investiga-se, a partir de então, a lógica da ação altruísta sob a perspectiva biológica.
Alguns índicos dessa lógica foram apresentados, por meio da contribuição da filosofia
moral e psicologia experimental.
Na literatura a respeito da Economia do Altruísmo é consenso a contribuição da
biologia ao debate foi de fundamental importância na influência de economistas na análise
da racionalidade do comportamento não-egoísta
79
:
This will be argued on grounds drawn from evolutionary biology and, in
particular, from the surrounding altruism” that are so focal sociobiology.
A growing number of economists are participating in a potential
integration of economics and evolutionary theory. From participants in
this conference this includes, at least, Simon (1973, 1983), Becker
(1976), Nelson & Winter (1982), and Lucas (1987). Among our no
present colleagues participating Hirshleifer (1977, 1978) and Samuelson
(1983). (CAMPELL, 1987, p.171).
A partir das argumentações de Campell (1987), entende-se que a incursão desse
trabalho pela biologia para entender a lógica da ação altruísta está justificada. Nas
próximas seções, apresentar-se-á a contribuição dessa ciência e o debate existente
acerca do assunto.
4.1 A lógica da ação altruísta sob a perspectiva da Sociobiologia
79
Ver coletânea de artigos em: Zamagni, 1995, pp. XV-XXII;
77
Procurar investigar a lógica da ação altruísta, sem levar em consideração as
contribuições da biologia, seria uma tarefa incompleta, como muito bem salienta
Muramatsu (1999). Como os biólogos explicam o comportamento altruísta? Como o
economista pode incorporar a sua análise de modelos de escolha racional agregando a
lógica da ação altruísta admitida pelo biólogo? Será apresentado que a investigação da
conduta altruísta tem inspirado tanto economistas quanto biólogos e outros cientistas
sociais a buscarem respostas para esta questão.
De uma maneira geral, do ponto de vista biológico o altruísmo refere-se a todo
comportamento de um animal que favorece outro animal em detrimento de seu próprio
benefício. Dito de outra forma, um indivíduo é considerado altruísta, quando beneficia
outros indivíduos, levando em consideração o custo e beneficio para si mesmo. Nesse
caso os custos e benefícios são mensurados em termos de probabilidades de
sobrevivência e reprodução do seu próprio genes
80
(reproductive fitness) ou expectativa
de aumento do número de sua descendência (OKASHA, 2003).
A explicação das origens do altruísmo, sempre foi uma pauta fascinante no
programa de pesquisa dos adeptos da teoria evolucionista de Darwin. Os evolucionistas
se interessam pelo assunt,o não somente pelas contribuições do altruísmo no mundo
animal, mas porque para eles o comportamento altruísta é de difícil explicação pela
abordagem darwinista. A abordagem da Biologia Evolucionária para o comportamento
altruísta é um ponto secundário nesse trabalho. É proposto, antes de entrar no tema
propriamente dito, esclarecer ao leitor não familiarizado com o assunto algumas
considerações acerca da Teoria Evolucionista que condicionarão posteriormente o
programa de pesquisa dos sociobiólogos.
A Biologia Evolucionária tem como ponto primordial, em seu programa de
pesquisa, o princípio de seleção natural, elaborado pelo Pai da Origem das Espécies
81
que esclarece este princípio da seguinte forma:
80
O gene corresponde a uma unidade genética material, composto por uma seqüência de
nuclóides, que promove uma função unidade específica para um organismo. Em outros termos o
gene é admitido como uma unidade de conveniência, um pedaço de cromossomo, caracterizado
pelos critérios de fecundidade, longevidade e fidelidade da cópia. Os genes ficam situados dentro
do núcleo das células (nuclóides) em fitas chamadas cromossomos. Assim toda célula tem genes,
que em nível molecular são identificados como desoxiribonucleico (DNA), que interagem para
formar as características físicas dos organismos. Ver: Ruse, 1983, p.15; Strickberger, p. 520 e
Dawkins, 2001, pp. 216-217.
81
Obra editada originalmente em 1859.
78
Mas, se as variações úteis a um ser organizado qualquer se apresentam
algumas vezes, seguramente, os indivíduos que disso são o objeto têm
mais probabilidade de vencer na luta pela sobrevivência pois em virtude
do princípio tão poderoso da hereditariedade, estes indivíduos legam
aos descendentes o mesmo caráter inato neles. Dei o nome de seleção
natural a este princípio de conservação ou de persistência do mais
capaz. Este princípio conduz ao aperfeiçoamento de cada criatura em
relação às condições orgânicas e inorgânicas da sua existência, e
portanto na maior parte dos casos, ao que podemos considerar como
um progresso de organização. (DARWIN, 1977, pp.124-125).
A Biologia Evolucionária, trata da evolução genética de populações e a principal
contribuição de Darwin para essa área da ciência foi a elaboração do princípio da seleção
natural. Desse modo, na história da evolução, os organismos nascem, vivem e morrem de
forma que os seus genes estarão presentes nas gerações futuras. Para que isso ocorra é
necessário que se reproduzam de modo a serem os mais capazes de lutar pela
sobrevivência e garantir a reprodução (RUSE, 1983).
A principal doutrina seguida pelos evolucionistas modernos é a de que tudo o que
acontece em larga escala, considerando longos períodos de tempo, não passa de uma
soma de fatos que ocorrem em pequena escala. Em outros termos, a teoria moderna da
genética de populações admite que a mutação, transmissão e seleção de genes fornece
os mecanismos da contínua evolução das espécies. Com esses argumentos, os
evolucionistas podem permear em determinadas áreas da investigação biológica e outras
tantas ciências que são de seu interesse
82
.
A partir dos pressupostos da teoria evolucionista, chega-se ao ponto primordial do
surgimento da Sociobiologia, que se apresenta como uma sub-área da teoria
evolucionista. O objetivo dos sociobiólogos é adaptar o estudo do comportamento social
animal como sub-disciplina da Biologia da Genética das Populações no campo da
evolução. O entomologista
83
Edward. O . Wilson, da Universidade de Havard, publicou em
junho de 1975, o livro intitulado Sociobiology: New Synthesis, que declara abertamente as
suas intenções:
This book is condensation of Sociobiology: The synthesis, which made
an attempt to codify Sociobiology into branch of Evolutionary Biology a
particularly of modern population biology. I believe that the subject
concept to be ranked as coordinate with such disciplines as molecular
biology and developmental biology. (WILSON, 1980, p.4).
82
O leitor interessado em mais detalhes acerca da Teoria Evolucionista, poderá consultar:
Simpson (1953), Dobzhansky (1970) e Maynard Smith (1975).
83
Entomologista é o profissional do ramo da Zoologia que estuda os insetos.
79
Em princípio, as inovações propostas pelos sociobiólogos, em seu programa de
pesquisa, trataram de um caminho aberto por outros. De acordo com Ruse (1983), os
sociobiólogos pretendem ser evolucionistas ortodoxos, porque seguem a linha de Darwin,
que também pretendia explicar o comportamento social animal em termos da evolução
conduzida pela seleção natural.
Nessa perspectiva Wilson (1980), tece algumas considerações acerca da essência
da Sociobiologia:
Sociobiology is defined as the systematic study of biological basis of all
social behavior. For the present it focuses on animal societies, their
population structure, castes and communication, together with all of the
physiology underling the social adaptations. (WILSON, 1980, p.4).
No início de sua obra, o autor vai mais adiante, visualizando as contribuições
importantes da Sociologia num futuro que ele julga próximo, para o desenvolvimento das
ciências sociais
84
.
But the discipline (Sociobiology) is also concerned which the social
behavior of early man adaptative features of organization in the more
primitive contempory human societies (....). It may not be too much to
say that Sociobiology and other social sciences, as well as the
humanities, are the last branches of biology waiting to be included in the
Modern Synthesis. One of the function of Sociobiology then is to
reformulate the foundations of the social sciences in a way that draws
these subjects into the Modern Synthesis. Whether the Social Sciences
can be truly biologic zed in this fashion remains to be seen. (WILSON,
1980, p. 4).
Dado o delineamento acerca da Teoria Evolucionista e o enquadramento da
Sociobiologia como ramificação dessa teoria, retorna-se, então, ao assunto (altruísmo).
Conforme dito, explicar as origens do altruísmo nunca deixou de preocupar os
84
80
evolucionistas. É nesse contexto que o altruísmo se destaca como problema central da
Sociobiologia:
This brings us to the central theorical problem of Sociobiology: How can
altruism, which by definition reduces personal fitness, possibility evolve
by natural selection? The answer is kinship: if the genes causing the
altruism are shared by two organisms because of common descent, and
if the altruistic act by one organism increases the joint contribution of the
next generation, the propensity to altruism will spread thought the gene
pool
85
. This occurs even though the altruist makes less of a solitary
contribution to gene pool as the price of its altruistic act. (WILSON,
1980, p. 3).
O altruísmo é o problema central da Sociobiologia, no entanto, a lógica da ação
altruística para a sociobiologia é aparente. Segundo Dawkins (2001), o ato aparentemente
altruísta é aquele que parece, superficialmente, aumentar a probabilidade do altruísta
morrer e do favorecido sobreviver. Sendo assim, o altruísmo beneficia aos interesses
reprodutivos de quem o pratica. Isso pressupõe que os genes do indivíduo possam
provocar o altruísmo nele mesmo.
Por enquanto, o leitor pode ser tentado a pensar que o comportamento altruísta
exige o egoísmo, mas, por outro lado, pode-se perguntar como a seleção natural
proposta pelo Pai da Origem das Espécies poderia explicar a interação entre indivíduos
egoístas e altruístas no processo evolucionário? Será que o comportamento
genuinamente altruísta e a cooperação entre indivíduos poderiam existir num processo de
seleção natural?
Tentar-se-á investigar estas interrogações nas próximas seções. Serão
apresentados os tipos existentes de altruísmo na perspectiva da Sociobiologia e o debate
existente acerca da evolução deste comportamento entre os adeptos da seleção
individual e seleção de grupo.
4.2 A lógica da conduta altruísta sob os mecanismos da seleção de
parentesco e altruísmo recíproco
85
Não se encontrou uma tradução literal do termo gene pool, para a língua portuguesa.
Recorremos, então, ao glossário de biologia (em inglês), cujo significado do termo refere-se a
todos os genes presentes numa população, durante um dada geração ou período de tempo.Ver:
Strickberger, 1989, p.521.
81
De acordo com Humphrey (1997), o comportamento altruísta que é geralmente
assumido nas Ciências Biológicas tem dois principais tipos diferentes:
a) O primeiro tipo de altruísmo foi explicado teoricamente por William Hamilton
(1963), que apresentou como um gene que predispõe em auxiliar seus parentes (prole)
podendo prosperar uma determinada população. Em outros termos, a teoria de Hamilton
(1963), prevê a relação genética parental entre dois indivíduos, no qual apresenta o custo
do doador em relação ao benefício do recebedor da ajuda, multiplicado pelo grau de
parentesco.
b) O segundo tipo de altruísmo foi apresentado por Robert Trivers (1971),
denominado como altruísmo recíproco. Nesse caso, o altruísmo não está limitado
somente pela relação parental, mas envolve as relações sociais de uma forma geral,
sendo que o custo do doador e o benefício do receptor da ajuda é mensurado como
relação de troca e expectativa futura de retribuição de favores.
Nesse contexto, é importante esclarecer que o altruísmo foi um assunto tratado
exaustivamente por outros autores dessa ciência desde os seus primórdios. No entanto,
as contribuições de Hamilton (1963) e de Trivers (1971), deram novos contornos ao
comportamento altruísta, sendo portanto, sintetizadas por Wilson em 1975, com a
publicação do livro Sociobiology: New Synthesis.
O altruísmo por seleção de parentes (kin selection) proposto por Hamilton (1963)
refere-se ao grau de parentesco. De acordo com Ruse (2001), o indivíduo compartilha
alguns genes com outras pessoas e, por isso, os tais genes são selecionados por sua
capacidade de produzir características que vão garantir sua duplicação. É de interesse
reprodutivo do indivíduo, fazer com que essas pessoas com quem ele compartilha os
seus genes possam se reproduzir, por que, de alguma forma, estarão fazendo cópias dos
seus próprios genes.
Em outros termos, vale a pena para o indivíduo ser altruísta com seus parentes
porque assim ele transmitirá cópias de seus próprios genes. Disso surge a teoria de
aptidão inclusiva (inclusive fitness), proposta por Hamilton em 1964, que é a aptidão
inerente ao indivíduo, com a influência dessa mesma aptidão sobre a de parentes que
não sejam seus descendentes diretos. Como por exemplo, primos, sobrinhos, netos etc.
É possível quantificar a probabilidade de uma cópia de um gene particular dos
indivíduos reprodutores (pais) em sua descendência. De acordo com Krebs (1993), cada
indivíduo reprodutor (pais originais) contribuem exatamente com 50% dos seus genes
para a sua descendência. Este tipo de cálculo é denominado pelos biólogos como
82
coeficiente médio de relacionamento dos parentes beneficiados (
r
), em que o cálculo de
r é dado pela seguinte fórmula:
r = Σ(0,5)
L
onde: L = gerações
Assim, o grau de parentesco pode ser sintetizado a partir da seguinte tabela:
Tabela 2: Grau de Parentesco
R Descendentes
diretos
Descendentes
indiretos
0,5 prole Totalmente irmãos
0,25 Netos Metade irmãos,
sobrinhos
0,125 Bisnetos Primos
Fonte: Krebs, 1993, p. 268
A condição para que ocorra o altruísmo por seleção parental pode ser sintetizada
pelo seguinte exemplo: imagine uma interação entre um indivíduo altruísta (doador) e um
recebedor na qual os custos e benefícios dessa interação podem ser calculados em
termos de chances de sobrevivência do doador e recebedor. Se o doador tem um custo
(
C
) e o recebedor um benefício (
B
) então o resultado da ação altruísta, pode ser
expressa a partir da seguinte equação, conhecida como regra de Hamilton:
r
C
B 1
>
, ou alternativamente, a ação altruísta só ocorre se
0
>
CrB
A regra de Hamilton diz o quanto uma ação altruísta poderá ser favorecida pela
seleção de parentes. Se o benefício para o parente, multiplicado pela probabilidade de
que o gene seja compartilhado, exceder o custo para o indivíduo, esse gene se propagará
na população (genes pool). Para melhor entender essa regra, imagine um extremo
exemplo de altruísmo, em que o gene que programa um indivíduo para morrer no
salvamento de seus parentes. Uma cópia do gene poderia ser perdida numa população
por conta da morte do altruísta, mas o gene poderia se elevar na freqüência do gene pool
83
se, na média, o altruísmo agir salvando a vida de dois irmãos ou irmãs (
r
= 0,5), ou 4
sobrinhos ou sobrinhas (
r
= 0,025) ou 8 primos (
r
=0,125). Por essa regra ajudar dois
irmãos equivale ajudar 8 primos, pois iguala a totalidade de genes do indivíduo:
Hamilton desenvolveu e formalizou uma idéia que fora acalentada
também por vários outros biólogos e que se tornou mais célebre com o
do biólogo J. B. Haldane: quando lhe perguntaram se ele daria sua vida
por um irmão, Haldane respondeu: Não. Mas daria por dois irmãos ou
oito primos. (PINKER, 1998, p. 421).
No mundo animal, os exemplos são os mais diversos de auto-sacrifício para
conservação da espécie. De acordo com Ruse (1983), o altruísmo por seleção parental se
apresenta de forma mais consistente nos insetos sociais, especialmente as formigas,
abelhas e vespas. No caso das abelhas, em geral as fêmeas, são estéreis e são escravas
que se dedicam o tempo todo a atacar os predadores que se aproximam do ninho, e se
dedicam a proteger a rainha, que tem como principal função fecundar os ovos e proteger
seus irmãos e irmãs. Segundo Dawkins (2001), o comportamento de aferroar das abelhas
operárias trata-se de um ato de suicídio. Durante o ato de picar, órgãos retais são
geralmente arrancados do corpo e a abelha morre em seguida. Talvez seja por isso que
os sociobiólogos voltem toda sua atenção para essa área da seleção de parentes. É
importante ressaltar que existe uma gama de outros exemplos e debates intensos acerca
do comportamento social animal.
No caso dos seres humanos, o tema principal é o do auto-interesse na reprodução.
Para a sociobiologia as estratégias de maximizar os genes nas futuras gerações estão
presentes, conscientemente ou não, nas ações humanas.
De acordo com Ruse (1983), o altruísmo de seleção de parentesco ocorre via
manipulação parental
86
. A conduta altruísta dos filhos pode beneficiar mais os pais do que
eles próprios. Quando um indivíduo ajuda um primo de primeiro grau está ajudando um
indivíduo que é 12,5% aparentado a ele, dito de outra forma está ajudando um individuo
que é 25% aparentado com seu pai ou mãe. De acordo com o autor, é bem possível que
seja de interesse dos pais induzirem os filhos ao altruísmo.
86
A teoria da manipulação parental foi proposta por Alexander em 1974. Supõe-se a
existência de alguma forma de altruísmo que poderá evoluir da seleção, sendo do interesse do
indivíduo ajudar seus parentes mais próximos. É do interesse dos pais do indivíduo que ele se
torne altruísta, sendo uma forma de manipulação, para garantir a sobrevivência no gene no âmbito
parental.No reino animal, por exemplo, a abelha rainha manipula suas operarias estéreis por meios
químicos, fazendo-as cuidar de sua própria prole.
84
Em termos mais gerais, para a biologia, ensinar as crianças a serem honestas e
generosas com o próximo não se trata somente de uma questão cultural, mas também de
uma forma de guiá-las de forma que ajude os interesses biológicos dos pais:
(...) durante a socialização dos impulsos altruístas e egoístas dos filhos
espera-se um conflito fundamental. É de supor que os pais socializem
seus filhos para que ajudem mais altruisticamente e de forma menos
egoísta do que eles fariam naturalmente... (TRIVERS
87
, 1971 apud
RUSE, 1983 p.75)
O debate entre os sociobiólogos é polêmico e intenso. Os adeptos do spts0251(d)0.590íR gt e eama 35.8353001(u)0.590251(e)0.590251( )-5.15007(35.8353251(d)0.590251(e)0.590251(p)0.590236(e)0.590251(m)-5.55953( )-16.0405(35.8353251(d)0.590405(35.83538493(o)0.590251(c)-0.958493(i)4.19158(o)0.591581(b)0.590251(a)0.59058(o)0.591581(b)0.59091(o)0.590251(g)-10.3001(i)4.19291(a)0.590251(,)-5.15405(35.8353251(o)0.590251(m)-5.55953(a)]TJ2751(n)0.590251(s)]TJ2251(,)-5.15007( )-157.616(35.8353251(e)0.590251(p)0.5907164(e)0.590251(s)-0.95749(u)0.59075.687 010.99o)0.590953( )-146.725(35.8353251(s)-0.9591(i)43290251(a)0.58791(o)0.59091(c)-0.957164(o)0.590251(,)0.95236(e)0.590725((e).356251( )-1)-190.2(e).3567164(o)0.590251( )-201.251(t)-5.15007(e)0.590251(n)0.590ú51(d)0.590251(e)0.590251( )-1)-190.2(e).3567164(o)0.590a51(o)0.590251(m)-5.557164(e1 re21(s)-0.951(p)0.590.59090.2(e).390251(o)0.590251(s)-0.957164( )-5.1500]TJ-275.687 -10.99Td[(u)0.589251( )0.589086(o)0.591581( )0.589ç493(i)4.191õ81( )0.589251(p)0.5907164(e)-201.177(6i)4090251( )-201.177(6i)4090251(e)0.590251( )-1)-190.2c)-0.958493(o)0.590251(m)-5.56086( )-16.0251(o)0.590251(l)4.192236(e)0.590007(a)0.590251(m)-5.55953(b)0.590251(n)0.590251(t)-5.15007(r)-4.60251( )-1)-190.2c)-0.95251(o)0.590251(m)-16.0953(a)]TJ2751(n)0.590251(s)]TJ2251( )-1)-190.2cs
85
conclusão é de que, se ambos indivíduos não sabem a estratégia do outro, a melhor
estratégia é cooperar.
O problema é que enquanto um indivíduo pode se beneficiar da cooperação mútua,
ele pode desempenhar-se igualmente melhor, com bravura para a cooperação de outros.
De acordo com Okasha (2003), Hamilton e Axelrod apresentaram em 1981, a
importância desse tipo de estratégia til for tat, admitindo nesse tipo de estratégia duas
regras básicas: (i) no primeiro encontro ocorre à cooperação (ii) nos encontros seguintes
o oponente não leva em consideração o encontro anterior, de modo que não coopera. Se
todos os indivíduos da população adotarem essa estratégia (til for tat) então não haverá
estratégia alternativa porque todos não irão cooperar, surgindo o termo denominado por
Maynard Smith (1982) de Estratégia Evolutivamente Estáveis
89
.
O resultado para a evolução do altruísmo recíproco é relevante. A cooperação no
arcabouço do dilema dos prisioneiros corresponde ao comportamento altruísta e não
cooperação corresponde ao auto-interesse. De acordo com Axerold e Hamilton (1981)
90
, o
objetivo é apresentar intuitivamente resultados em que se entende que o comportamento
altruísta pode ser seletivamente vantajoso para um organismo, caso exista a expectativa
de retorno para o futuro. Ao longo do tempo, os indivíduos interagem e são capazes de
ajustar o seu comportamento de acordo com que os outros indivíduos fizeram no
passado, podendo haver o altruísmo recíproco.
A evolução do altruísmo recíproco é aparente, porque a seleção natural
desenvolveu o empenho do altruísmo recíproco, tanto em pequenos grupos, quanto em
grandes como desenvolvimento da agressão moralista que está relacionado ao
comportamento dos indivíduos que não cooperam (punishment). De modo que, o mesmo
processo de seleção permite também o incentivo a trapacear, nesse caso o
comportamento egoísta se disfarça em altruísmo recíproco, para evitar punições e
retaliações. Em síntese:
Dessa forma as emoções que compõem o senso moral podem evoluir
quando os indivíduos interagem repetidamente, podendo recompensar a
cooperação, presente com a futura e punindo a traição hoje com a
traição de amanhã. (MURAMATSU, 1999, p.39).
89
Do inglês: ESS - Evolutionaliry Stable Strategy. A idéia acerca deste tipo de estratégia
ficará mais clara na seção seguinte, em que será apresentada a perspectiva da evolução do
altruísmo por seleção individual e seleção de grupo.
90
Apud Okasha, 2003: Axerold, R., Hamilton, W.D., 1981. The evolution of cooperation.
Science 211, 1390-1396.
86
No reino animal os exemplos acerca do altruísmo recíproco são os mais diversos.
Dawkins(2001), discute o exemplo dos camundongos que, mantidos em isolamento,
tendem a desenvolver feridas numa parte da cabeça que não podem alcançar. De acordo
com os estudos do autor, se os camundongos fossem mantidos em grupos não teriam
problemas graves, porque os indivíduos costumam lamber suas cabeças mutuamente.
Trivers (1971), cita, por exemplo, o caso dos peixes limpadores. Membros de certas
espécies de peixes pequenos, como camarões, tem o hábito de retirar parasitas de peixes
maiores de outras espécies. Os peixes maiores se beneficiam ao serem limpos e os
limpadores por sua vez obtém uma boa refeição. Em muitos casos, conforme afirma
Dawkins (2001), os peixes grandes abrem suas bocarras para que os limpadores possam
limpar seus dentes e em seguida saem nadando através das brânquias. Poderia se
esperar que o peixe grande permitisse que os limpadores entrassem em sua bocarra,
fizessem a limpeza e por fim os devorassem, mas isso não acontece, e talvez seja um
caso de altruísmo recíproco, entre tantos outros casos no reino animal.
No contexto humano, Trivers (1971), afirma que as sociedades humanas tendem a
se comportarem altruísticamente:
Não existe prova direta com referência ao grau de altruísmo recíproco
praticado durante a evolução do homem ou da sua base genética atual,
mas em vista da prática universal e quase diária do altruísmo recíproco
entre esses seres humanos, no dia de hoje, é razoável supor que ele
tem sido um fato importante na evolução humana, e que as tendências
subjacentes que afetam o comportamento altruístico tenham
componentes genéticos ponderáveis. (TRIVERS
91
, 1971, p. 48 apud
RUSE, 1983, p. 48).
De acordo com Ruse (1983), a partir da teoria do altruísmo recíproco, Trivers (1971),
pôde tirar algumas conclusões sobre a psicologia humana, entre elas destacam-se:
a) Não se deve esperar que os indivíduos sejam totalmente altruístas, porque sempre
haverá indivíduos dispostos a agir oportunamente para trapacear
92
.
b) Os indivíduos, por hipótese em condições normais, sejam mais generosos com os
amigos do que com os desconhecidos. Em outros termos as pessoas tendem a
ajudar quem as ajudam e são menos inclinadas a ajudar quem não as ajudam.
91
Trivers, R. L. (1971) The evolution of reciprocal altruism. Quarterly Review of Biology, 46,
35-57
92
Essa conclusão de Trivers (1971), remete à discussão acerca do comportamento a-ético
do Homem Contratual. De fato, através desse debate pode-se investigar como a ética poderia
influenciar as relações sociais.
87
c) Os indivíduos altruístas devem estar prontos a condenar os trapaceiros, até
porque os trapaceiros tendem a se aproveitar das emoções oriundas do
comportamento altruísta
93
.
d) As pessoas deveriam mostrar-se mais sensíveis às necessidades e ao custo do
altruísmo. Quanto mais uma pessoa em relação ao que possui, maior será o
crédito em receber a solidariedade e probabilidade de um gesto altruístico numa
situação adversa, ao contrário do que ocorreria com um indivíduo mesquinho e
tapeceiro.
e) Deveria existir uma seleção com referência à culpa, ou seja, se um trapaceiro for
descoberto, é de seu interesse quanto ao do outro indivíduo que foi enganado que
volte a merecer confiança. De acordo com o autor, a culpa é uma predisposição a
reparar um mal, auxiliando o trapaceiro e o indivíduo enganado a recuperarem a
confiança.
f) A amizade como a agressão moralista, culpa e solidariedade são mecanismos que
regulam o sistema altruísta. Para o autor, no processo de seleção os indivíduos
(ou pelo menos a maioria) tendem a se tornar hipócritas, porque na maioria das
vezes os indivíduos passarão a suspeitar do gesto altruístico dos outros e até
agirão se comportando de forma aparentemente altruísta para beneficiar a si
próprio.
g) Pelo processo de seleção, os indivíduos estarão prontos a consolidar suas
relações sociais a partir do altruísmo recíproco, de modo que o sentimento de
culpa, a educação familiar e outros fatores motivacionais conduziriam o
desenvolvimento do altruísmo recíproco.
Algumas dessas discussões podem parecer óbvias e outras até irreais, mas, de
acordo com o autor, tais conclusões podem ser comprovadas em estudos observados de
sociedades sem escrita até as sociedade mais desenvolvidas
94
.
Nessa perspectiva Pianka (1999)considera que a reciprocidade é absolutamente
essencial para evolução e manutenção deste tipo de comportamento altruístico. Para o
autor, as questões suscitadas por Trivers (1971), sugerem, em síntese, que sempre os
altruístas tendem a entrar em conflito com os trapaceiros, sendo que o altruísmo recíproco
93
Isto leva à reflexão acerca dos mecanismos de proteção e até sinalização das entidades
filantrópicas, como forma de transparência na alocação dos recursos pelos mantenedores.
94
Alguns sociobiólogos elaboraram alguns mecanismos promotores do altruísmo humano,
de modo que inspirados em Trivers (1971), fizeram um modelo geral paloaertrueeerolmen
88
poderia constituir a base das relações sociais, como a amizade e disputa, gratuidade e
simpatia, lealdade e traição, confiabilidade, antipatia, vingança, confiança, desonestidade
e hipocrisia. Assim para Pianka (1999), que compartilha das idéias de Trivers (1971), o
altruísmo recíproco poderia, atualmente, ser a base principal para a formação do nosso
senso de justiça.
Em economia, existem alguns trabalhos de base empírica que buscam aplicar a
89
As duas primeiras abordagens já foram discutidas na seção anterior, restando
apenas fazer o delineamento sobre a teoria do gene egoísta de Dawkins (1976). De
acordo com esta teoria, os indivíduos são controlados pelos genes, cujo interesse é de se
replicar, de forma que os indivíduos são programados geneticamente para serem
egoístas:
(...) somos máquinas criadas por nossos genes. Assim como gangsters
de Chicago
96
, nossos genes sobreviveram, em alguns casos por milhões
de anos, em um mundo altamente competitivo. Isto nos permite esperar
certas qualidades em nossos genes. Sustentarei que uma qualidade
predominantes a ser esperado em um gene bem sucedido é o egoísmo
implacável. Este egoísmo do gene originara no comportamento
individual(...). Por isso mais que desejamos acreditar diferentemente, o
amor e o bem-estar universais da espécie como um todo, são conceitos
que simplesmente não tem sentido na evolução.(DAWKINS, 2001, p.
22).
O autor estende a discussão da teoria do gene egoísta, afirmando que tal teoria
não pretende definir uma moralidade baseada na evolução de modo a tecer
considerações de como o ser humano deva se comportar moralmente, mas pretende
dizer que realmente ele é baseado na evolução. Com isso, o autor admite que o
comportamento humano é essencialmente egoísta:
Fique advertido que se você desejar, como eu desejo, construir uma
sociedade na qual os indivíduos cooperam generosamente e
desinteressadamente para o bem comum, você poderá esperar pouca
ajuda da natureza biológica. Tentamos ensinar generosidade e
altruísmo, porque nascemos egoístas. (DAWKINS, 2001, p.23).
Para Dawkins (2001), não interessa, para sua teoria, porque as pessoas se
comportam altruísticamente, se o fazem por motivos egoístas ou inconscientes. A base de
sua teoria é apenas relacionar os mecanismos de diminuição ou aumento de
sobrevivência do suposto altruísta e as expectativas de sobreviver do suposto receptor
(beneficiado).
Mas, se para Dawkins (2001), o gene é essencialmente egoísta, haveria
possibilidade da evolução do altruísmo numa determinada sociedade? Dito de outra
96
Dawkins (2001), refere-se hipoteticamente aos bem sucedidos gangsters de Chicago para
descrever as qualidades como resistência, habilidades (dedo rápido no gatilho), sobre as
condições de sobrevivência, auto-preservação e ambiente competitivo vividos por estes bandidos.
90
forma, pelo processo de seleção natural como a teoria do gene egoísta entenderia a
evolução do comportamento altruísta?
Na procura de recortes aqui e acolá, encontra-se um exemplo bastante sugestivo
de Dawkins (2001), que, mesmo sendo hipotético, esclarece estas questões. Imagine uma
espécie de ave que seja vítima de um parasita transmissor de doenças e que precise
passar boa parte do seu tempo removendo o parasita com o bico de seu corpo. A ave não
consegue remover com o bico o parasita que se instala em sua cabeça. Então tem-se que
o indivíduo A retira o parasita da cabeça do indivíduo B. Depois Dawkins (2001), sugere
que o indivíduo A tem um parasita na cabeça e, naturalmente procura o indivíduo B, para
que possa retribuir a sua ação anterior. Indivíduo B, simplesmente não retribui e vai
embora. Portanto, Dawkins (2001), diz que o individuo B é um trapaceiro e o indivíduo A é
um tolo. Então, nesse mundo evolucionista, se têm duas estratégias: primeiro agir
altruísticamente e segundo agir egoisticamente trapaceando os altruístas. Os tolos
(altruístas) penteiam a cabeça de qualquer um que necessite e os trapaceiros não
penteiam ninguém e ainda aceitam o altruísmo dos tolos.
O resultado é positivo para um tolo entre os tolos, pois todos se beneficiam. Se
houver um trapaceiro nessa população, ele se beneficiará porque é penteado por todos os
tolos. O gene egoísta do trapaceiro poderá se difundir na população e o gene dos tolos
podem se extinguir. Dawkins (2001), diz que se houver uma população de 50% de tolos e
50% de trapaceiros, o resultado, em termos de bem-estar, é menor do que se houvesse
uma população de 100% tolos. Se houver um aumento de 90% de tolos nesta população
de trapaceiros, o resultado médio será mais baixo, pois animais de ambos os tipos,
estariam morrendo por conta das infecções dos parasitas. Neste contexto os tolos seriam
eliminados mais rapidamente do que os trapaceiros.
Por esse exemplo inicial de Dawkins (2001), conclui-se que o altruísmo da forma
genuína, não poderia existir e se tornaria uma ameaça para extinção de uma população.
Nesse caso, prevalece então a replicação do genes egoísta.
Com base nesse exemplo, Dawkins (2001), sugere de que nessa sociedade,
também haja indivíduos denominados “rancorosos”. Esses indivíduos penteiam estranhos
e aqueles que já o pentearam antes, mas se houver algum trapaceiro, eles lembram-se do
incidente e se recusam a pentear esses indivíduos no futuro. Nessa sociedade é
indistinguível reconhecer os tolos dos rancorosos, mas ambos os tipos se comportam
altruísticamente, conduzindo um bem-estar alto para esta população. No entanto, se
houvesse um único indivíduo rancoroso numa população de trapaceiros, este indivíduo
91
não sobreviveria. Se caso houvesse um aumento da replicação dos genes rancoroso a
população como um todo poderia se estabilizar.
A partir desse exemplo de Dawkins (2001), alguns pontos levantados na seção
anterior se tornam mais claros. O comportamento rancoroso, trata-se da prática do
altruísmo recíproco, que se apresenta como Estratégia Evolutivamente Estável (EEE),
que agora faz sentindo por conta dos seguintes resultados apresentado nesse exemplo
hipotético:
a) inicialmente ocorre a queda dramática da população de tolos, levando a sua
eliminação total à medida que os trapaceiros os exploram;
b) os trapaceiros experimentam uma explosão populacional crescente, por conta
da replicação dos seus genes, mas depois terão que se haver com os indivíduos
rancorosos;
c) durante a extinção dos tolos, os rancorosos também apresentam declínio
inicialmente, por conta da presença prejudicial dos trapaceiros, mas mesmo assim os
indivíduos rancorosos conseguem se manter;
d) os rancorosos começam a aumentar na medida em que os trapaceiros vão
sendo eliminados de modo que estes tendem a se extinguir. Com isso, a população se
estabiliza evolutivamente, não havendo mais tolos e trapaceiros.
No mundo de Dawkins (2001), não haveria espaço então para o altruísmo genuíno
(tolos), porque paradoxalmente o seu altruísmo, transformar-se-ia em risco para a
população. Eles seriam responsáveis inicialmente pelo avanço do número de trapaceiros.
Então, para o autor, haveria espaço para a evolução do altruísmo recíproco (egoísmo
disfarçado), que se enquadra perfeitamente na teoria do gene egoísta, porque o gene é
egoísta e se replica sempre, não havendo espaço para o altruísmo puro.
Apesar da teoria de Dawkins, ter o seu valor explicativo bastante relevante,
existem críticas a ela. Wilson e Sober (1998), a criticam porque essa teoria admite uma
idéia antiga e ultrapassada de ver os organismos como unidades estáveis, proprietários
de uma composição genética imutável, replicada a seus descendentes.
Muramatsu (1999), afirma que, atualmente, já se sabe que um genótipo bem
simples é um agrupamento de genes, com aptidões relativas diferentes. A própria autora,
comenta que a controvérsia principal à teoria do gene egoísta refere-se sobre quem é, de
fato, a unidade de seleção – o indivíduo ou o gene.
92
Nesse ponto do debate, no que se refere à unidade de seleção, existe uma ampla
discussão, mas será evitado um prolongamento nessa análise técnica devido à pouca
familiaridade com o assunto.
Quanto às críticas que interessam à teoria do gene egoísta, encontra-se algumas
considerações relevantes, realizadas pelo cientista cognitivo Steven Pinker (1998). Nesse
estágio do tema - altruísmo é comum encontrar as contribuições das Ciências
Cognitivas ou Psicologia Evolucionária ao debate
97
:
Para Pinker (1998), a mente é adaptação desenvolvida pela seleção natural, mas
isso não quer dizer que tudo o que o indivíduo pensa, sente e faz é biologicamente
adaptativo. Em outros termos, se de fato evoluímos dos macacos, isso não que dizer que
a nossa mente seja igual à deles. E o objetivo da seleção natural é replicar genes, mas
isso, não quer dizer que o objetivo supremo das pessoas seja replicar genes. Segundo o
autor, o comportamento humano não pode ser somente interpretado como uma máquina
biológica pronta para replicar genes a todo o momento:
(...) entender significa explicar o comportamento como uma complexa
interação entre (1) gene, (2) anatomia do cérebro, (3) o estado
bioquímico deste, (4) a educação que a pessoa recebeu da família, (5) o
modo que a sociedade tratou este indivíduo e (6) os estímulos que se
impõe a pessoa. De fato, cada um desses fatores e não apenas os
genes, tem sido impropriamente invocado como origem de nossas
falhas e justificativa de que não somos senhores de nosso destino.
(PINKER, 1998, p. 64).
Nesse debate acerca da influência dos genes no comportamento, o neurocientista
Steven Rose, ao criticar um livro de Wilson, no qual este assegurou que os homens têm
maior atração pela poligamia do que as mulheres, o neurocientista acusou Wilson de
dizer, dissimuladamente, para que as senhoras não censurassem seus maridos por
darem umas escapadinhas, porque não seria culpa deles serem geneticamente
programados
98
. Apesar de hilário, isso leva a entender que, no campo dos sentimentos
existe um debate intenso entre os cientistas cognitivos e os biólogos, quanto aos
mecanismos de programação genética e mental.
97
A Psicologia Evolucionária reúne duas revoluções científicas. Uma é a revolução cognitiva
nos anos 50 e 60, que compreende o estudo da mecânica do pensamento e emoções, no âmbito
da computação e informações cognitivas. A outra revolução ocorreu na década de 60 e 70, que
corresponde à Biologia Evolucionária, que explica a adaptação dos seres em termos de seleção
natural e replicação do genes, conforme apresentado na seção anterior. As duas revoluções
formam a Psicologia Evolucionária. Pela Ciência Cognitiva é possível entender como a mente
funciona e pela Biologia Evolucionária, é possível compreender porque os indivíduos a tem.
98
Ver: Pinker, 1998, p. 64.
93
Quando Pinker (1998), discute a biologia do altruísmo no âmbito parental, ele
argumenta que a idéia de que os animais tentam propagar os seus genes, podendo
deturpar teoria e os fatos. Para o autor, a maioria das pessoas não sabem nada de
genética. O indivíduo ama os seus filhos não porque deseja propagar os seus genes
(consciente ou inconscientemente), mas porque os ama. Para Pinker (1988), a teoria do
gene egoísta, não se refere aos verdadeiros sentimentos dos indivíduos. É somente uma
metáfora dos genes de uma pessoa como os seus reais motivos (consciente ou
inconscientemente):
Com isso, é fácil extrair a única e correta moral de que todo amor é
hipócrita. Isso confunde os verdadeiros motivos da pessoa com motivos
metafóricos dos genes. Os genes não são titereiros; atuaram como
receita para fazer o cérebro e o corpo e depois saíram de cena. Eles
vivem em um universo paralelo, espalhados pelos corpos, com sua
próprias agendas. (PINKER, 1998, p. 422).
Para os neurocientistas, o altruísmo como os outros sentimentos, teve a sua
origem na região límbica do cérebro, estando ligado ao hipotálamo do cérebro e ao córtex
frontal. O sistema mbico es dividido em duas partes: uma ligada aos sentimentos,
emoções e autopreservação e a outra está associada aos sentimentos “morais”, como a
empatia. A conexão dessas partes do cérebro conduzem o indivíduo ao instinto de
preservação da espécie e sociabilidade. A região límbica, como o hipotálamo, auxilia os
indivíduos a ganhar maior sensibilidade em relação aos sentimentos dos outros, ou seja a
capacidade de “ver com o coração”
99
.
Nesse processo evolucionista, Pinker (1998), também tece suas considerações
acerca do desenvolvimento do altruísmo recíproco. Para ele, somente alguns animais
tiveram a capacidade de desenvolver esse tipo de altruísmo, sob condições especiais. O
mesmo considera que a mente humana foi adaptada no processo evolutivo para atender
as demandas do altruísmo recíproco, porque desde os primórdios os indivíduos
precisavam trocar utensílios, alimentos, informações etc. Com base nessa reciprocidade é
que a raça humana evoluiu. Portanto, para Pinker (1998), a mente humana foi regulada
no processo evolutivo para receber e distribuir favores.
Enqaunto para os biólogos, o comportamento humano é explicado pelos circuitos
genéticos, para os neurocientistas (cientistas cognitivos) o comportamento é explicado por
módulos, conexões mentais altamente sofisticadas. Tanto para os biólogos quanto para
99
Ver: Muramatsu, 1999, p. 41 e Hoffman, 1991, p. 129;
94
os cientistas cognitivos, essa postura mecanicista permite entender como o homem
funciona e como ele se enquadra no universo físico.
Com essa explanação, chega-se mais uma vez no debate acerca do homem
máquina, conforme discutido no primeiro capítulo. Explicar as razões para o altruísmo
está conduzindo esta pesquisa à versão mecanicista na qual o comportamento humano é
inteiramente um subproduto dos mecanismos fisiológicos. Explicar o comportamento
altruísta, utilizando os circuitos biológicos e cognitivos ainda não é convincente.
Visualizando todo contexto comportamental apresentado aqui, o que o Pai da
Origem das Espécies diria disso? Haveria espaço nesta discussão para o aprimoramento
das virtudes humanas, como o altruísmo genuíno, honestidade e caridade?
Para responder essa questão, retoma-se o debate acerca das características das
correntes da biologia, para a qual o comportamento altruísta ocorre por seleção individual,
enquadrando-se na teoria do gene egoísta, altruísmo recíproco e seleção de parentesco.
Para seleção individual, a idéia é que os indivíduos tendem a herdar as
características egoístas de seus progenitores, sendo que após varias gerações, se houver
um grupo altruísta esses serão sobrepujados pelos egoístas e o grupo permanecerá
egoísta, isso porque os indivíduos altruístas tendem a se sacrificar pelos outros e serem
explorados pelos indivíduos egoístas. Os adeptos da seleção individual admitirão que,
realmente, o grupo desaparece e que o fato de o grupo extinguir-se ou não, pode ser
influenciado pelo comportamento dos indivíduos naquele grupo. Admite-se que, se ao
menos os indivíduos em um grupo tivessem a capacidade de previsão, poderiam perceber
que a longo prazo é de seu interesse reter sua ganância para impedir a destruição do
grupo como um todo
100
. Os biólogos adeptos desta teoria se intitulam como darwinistas
tão somente por conta de acreditarem no princípio de seleção natural.
Na realidade, a possibilidade do altruísmo genuíno pode ser explicada sob a
perspectiva darwinista de seleção de grupo. A idéia de seleção de grupo em uma dada
população, cujos membros individuais estejam dispostos a se sacrificar pelo bem do
grupo poderá ter menos probabilidade de se extinguir, se comparado a outro grupo rival,
cujos membros são egoísta em que vigorará o ditado popular “cada um pra si e Deus para
todos”.
Na abordagem darwinista, a moralidade e outras virtudes humanas são produtos
da seleção de grupo em que os indivíduos altruístas estão dispostos a se sacrificarem
100
Ver: Dawkins, 2001, p. 28.
95
pelo auto-interesse da espécie. O homem é admitido como um animal social, e por isso o
seu comportamento em grupo é conduzido pela simpatia:
Hasta tenemos conciencia todo de que poseemos estos sentimientos
simpáticos; pero nuestra conciencia no nos dice si son institinvos, si
proceden de una época muy lejana, como en los animales inferiores, o
si fueron adquiridos por cada uno de nosostro durante infancia. Como el
hombre es animal sociable, es también casi seguro que debió heredar
cierta tendencia a ser fiel a sus compañeros y obidiente al jefe de su
tribu, cualidade comunes a la mayor parte de los animales sociables.
(DARWIN, 1943, p. 146)
101
.
Os instintos sociais que Darwin cita, tratam-se do amor e da simpatia, que,
segundo o autor, são institutos especiais, como um impulso natural, que conduzem o
homem à ação altruística. O sentido moral trata do bem estar do grupo, cujos indivíduos
compartilham de hábitos, culturas e religiões entre outras coisas, passadas de geração
para geração.
Darwin acreditava que, se os membros de uma tribo pudessem cultivar as virtudes
humanas como a fidelidade, obediência, coragem e estivessem dispostos a praticar o
altruísmo pelo bem comum, sua tribo seria vitoriosa, pelo processo de seleção natural.
Com isso, em todas as partes do mundo a moralidade e outras virtudes aumentariam e
influenciariam as pessoas por toda parte:
Mas a medida que el hombre fué perfeccionando su inteligencia; a
medida que fué comprendiendo todas las consecuencias de sus actos; a
medida que adquirió conocimiento suficiente para desechar cosmbres
dunestas y vanas superticiones; a medida que empezó a mirar más y
más, no solo el bienestar, si que también la felicidad de sus prójimos; a
medida que el hábito del ejemplo y de uma experiencia beneficiosa,
producto de la instrucción, fué desarrollando sus simpatias y
extendiéndolas a los indivíduos de todas las razas, al imbecil, al lisiado u
a todos los miembros inútiles a la sociedad, y finalmente, a los mismos
animales inferiores, no hay Duda entonces el nível de su moralidad fué
progresivamente elevándose más y más. (DARWIN, 1943, p. 167).
O Pai da Origem das Espécies, fez algumas objeções à Filosofia Utilitarista,
porque Darwin,não acreditava necessariamente que a conduta humana seria governada
sempre pelos prazeres e dores. Para o próprio, esses sentimentos poderiam surgir
conscientemente em algumas circunstâncias especiais. A conduta humana, trata-se muito
mais de um instinto social que de admissão consciente da maximização do prazer ou
101
Obra originalmente editada em 1871.
96
minimização da dor. Nem sempre os indivíduos tem consciência e cálculo da busca de
prazer ou dor
102
.
Interessante notar que esse não é o único encontro de Darwin com os
economistas clássicos. De acordo com Sober (1993), os trabalhos de Smith e Malthus,
tiveram forte contribuição para a construção da teoria da evolução de Darwin
103
. Portanto,
as relações entre a Biologia e a Economia, não são tão recentes como se imagina.
Quanto à perspectiva darwinista acerca da conduta humana, Muramatsu (1999),
argumenta que o comportamento altruísta genuíno deixou de ser explicado com base na
idéia de seleção de grupo, tornando-se quase extinto da Biologia Evolucionária nas
décadas de 60 e 70. Observou-se, nas seções anteriores, que foi nesse período que
surgiu a idéia de seleção individual, na qual o altruísmo passou a ser entendido como
auto-interesse esclarecido, pelas teorias de seleção de parentesco, altruísmo recíproco e
teoria do gene egoísta.
A discussão é extensa, mas acredita-se ter propiciado ao leitor não familiarizado
com o tema, os pontos primordiais da evolução do debate acerca do comportamento
altruísta na perspectiva biológica. No próximo capítulo serão apresentados, os modelos
econômicos e os seus resultados para a racionalidade altruísta.
102
Ver: Darwin, 1943, pp. 161-162
103
O leitor interessa pode ver: Sober, 1993, pp.13-20.
97
5 ALISE DO COMPORTAMENTO ALTRUÍSTA SOB PERSPECTIVA DA
TEORIA ECONÔMICA
Este capítulo pretende analisar alguns modelos econômicos mais relevantes da
literatura acerca do comportamento altruísta. Dentro da estrutura deste trabalho, o
objetivo é apresentar a contribuição da economia para o debate acerca do assunto,
levando-se em consideração a abordagem analítica de alguns modelos selecionados.
Inicialmente, são apresentados os modelos econômicos cuja conduta altruísta é
motivada essencialmente pelo auto-interesse. Ou seja, o altruísmo é admitido como auto-
interesse esclarecido ou altruísmo disfarçado. Os três últimos modelos, incluem em
alguma medida a abordagem ética, admitindo a ação altruísta como um fim em si mesma,
o que garante uma análise preliminar da possibilidade do altruísmo genuíno.
5.1 Altruísmo na família: a abordagem precursora de Becker para o
comportamento não egoísta
A abordagem pioneira acerca de modelos econômicos que contemplam a conduta
altruísta como comportamento racional, foi desenvolvida inicialmente por Becker
(1974,1976 e 1981). Os trabalhos de Becker influenciaram boa parte dos modelos
econômicos de altruísmo existentes na literatura pertinente ao assunto. A sua contribuição
foi admitir o tratamento racional para esse tipo de conduta.
A Sociobiologia teve grande influência nos trabalhos de Becker e de seus
descendentes. Em seu trabalho: “Altruism, Egoism and Genetic Fitness - Economics and
Sociobiology (1976), o autor admite que a Sociobiologia teria muito a contribuir com a
Economia, de forma que uma análise mais sofisticada poderia ser realizada unindo a
racionalidade individual” dos economistas e a racionalidade coletiva dos sociobiólogos:
Economics generally take tastes as given, and work out the
consequences of changes in prices, incomes and other variables under
the assumption that tastes do note change. When pressed, either they
engage in ad hoc theorizing or they explicitly delegate the discussion of
tastes to the sociobiology, psychologist or anthropologist. Unfortunately,
these disciplines have not developed much in way of systematic, usable
knowledge about tastes. (BECKER, 1976, p. 284)
98
Para Becker, os economistas têm relutado para ampliar a discussão sistemática
das mudanças na estrutura dos gostos ou preferências. Na economia, o auto-interesse é
predominante em relação aos outros fatores motivacionais, de modo que permeia todas
as unidades sociais, como a família e o mercado. De acordo com o autor, os economistas
reduziram a natureza humana ao comportamento predominante do auto-interesse, isso
equivale a uma evasão do problema acerca da pluralidade de motivações e gostos que
compõem a natureza humana.
Baseado na teoria smithiana, Becker (1981) assume que o egoísmo é comum nas
transações do mercado e ao altruísmo é comum nas relações entre familiares. De acordo
com o famoso trecho do Pai do Liberalismo Econômico, o auto-interesse permeia as
relações ente os agentes no mercado:
Dê-me àquilo que eu quero e você terá isto que você quer - esse é o
significado de qualquer oferta deste tipo; e é dessa forma que obtemos
um dos outros, a grande maioria de serviços de que necessitamos. Não
é da benevolência do açougueiro, do cervejeiro ou do padeiro que
esperamos o nosso jantar, mas da consideração que eles têm pelo
próprio interesse. Dirigimo-nos não à sua humanidade, mas à sua auto-
estima, e nunca lhe falamos das nossas próprias necessidades, mas
das vantagens que advirão para eles. (SMITH, 1985, p.50).
O altruísmo é comum dentro da família e neste contexto Smith afirma:
Every man feels his own pleasures and his own pains more sensibly
than those of other people (…). After himself, the members of his own
family, those who usually live in the same house with him, his parents,
his children, his brothers and sisters, are naturally the objects of his
warmest affections. They are naturally and usually the persons upon
whose happiness or misery his conduct must have the greatest
influence. (SMITH
104
, 1953 apud BECKER, 1981, p.209)
Becker (1981) busca defender a função da família na atividade econômica, de
modo que o altruísmo para o autor, será admitido no arcabouço da função utilidade, ou
seja, a função utilidade do altruísta depende positivamente do bem-estar do beneficiário.
Vale dizer que os argumentos para a construção teórica do seu modelo, foram inspirados
pelas idéias de Wilson (1975), que apresentou a síntese da Sociobiologia, incluindo a
idéia de seleção de parentesco, conforme apresentado anteriormente.
104
SMITH, ADAM (1853). The Theory of Moral Sentiments. London: Henry G. Bohn.
99
O modelo de Becker (1981), considera dois agentes: um agente altruísta (h) e
outro membro de sua família, sendo egoísta, podendo ser por exemplo a esposa ou filho
(w). A ação altruísta significa que a função utilidade de h depende positivamente do bem-
estar de w. Formalmente, o altruísmo é definido da seguinte forma:
{
}
)(,,...,
1 wmhhh
UZZUU
ψ
=
(1)
onde:
0/
>
wh
UU
=
h
U
utilidade do altruísta
w
U
= utilidade do beneficiário
ψ
= função positiva de
w
U
, que representa o bem-estar do beneficiário
jh
Z
= quantidade de j-ésimo bem consumido por h, sendo
mj ,...,1
=
Se h é essencialmente altruísta e se gastar parte de sua renda com w, ao invés de
gastar consigo mesmo, e se h e w consomem quantidade de
h
Z
e
w
Z
para um único
consumo agregado, a restrição orçamentária de h pode ser descrita da seguinte forma:
hh
IyZ
=
+
(2)
onde:
h
Z
= preço de
h
Z
é igual a unidade (consumo total de h)
y
=quantia gasta com w
h
I
= é a renda de h imputada no mercado do casamento (marriage market)
Portanto o consumo total de w (beneficiário) é igual a soma da sua própria renda
mais a contribuição de h (marido):
yIZ
ww +
=
(3)
onde:
w
Z
= consumo total de w
w
I
= renda que poderia ser imputada de (w) no mercado de casamento, se ela
tivesse casado com uma pessoa egoísta ao contrário de h (marido altruísta).
Isolando
y
da equação da equação (3), tem-se:
ww
IZy
=
, substituindo
y
na equação (2), chega-se a equação da renda familiar:
hwwh
IIZZ
=
+
hhwwh
SIIZZ
=
+
=
+
(4)
onde:
100
h
S
= renda familiar
Portanto, a renda familiar é determinada pelo consumo total de h e w e a soma das
rendas de ambos imputadas no mercado do casamento.
Assim um indivíduo altruísta maximiza a sua própria utilidade (1), sujeita à renda
familiar (4). O indivíduo h pode elevar a utilidade de w, na transferência de recursos.
Becker (1981), a partir dessas tautologias, definiu o altruísmo a partir do consumo e
formação de escolhas, que segundo o próprio autor, são os elementos que realmente
motivam as ações das pessoas.
A alocação de recursos por um altruísta h, é determinada pela condição de
equilíbrio:
1
/
/
=
w
h
Z
U
ZU
(5)
A equação (5) é resultado da maximização (1), sujeita à equação da renda familiar
(4). Dessa maximização pode-se estimar a função demanda para h e w:
)(
hhh
SZZ
=
;
)(
hww
SZZ
=
(6)
onde:
0>
h
S
Zi
para os i agentes,
whi ,
=
, se
w
Z
e
h
Z
aumenta a renda familiar se
eleva.
Se a renda da esposa cair (w), o marido (h) promove o aumento de recursos
transferidos a ela, sendo que o consumo de h pode diminuir, cancelando parte da redução
de
w
I
. Se houver a queda da renda do marido
h
I
, o marido altruísta (h), reduzirá a
transferência de recursos para a esposa (w), de forma que o consumo de w também cai.
Dado que a renda familiar é o resultado da soma da renda do altruísta (h) e do
beneficiário (w), o indivíduo altruísta estará em condições melhores se houver ações que
aumentem a renda familiar e não ao contrário.
O comportamento do altruísta (h), pode ser apresentado graficamente, conforme
visto na figura a seguir. O consumo do altruísta
h
Z
está no eixo x e
w
Z
(consumo do
beneficiário) está no eixo y e
10
,UU
e
2
U
são as curvas de indiferença de h. Se a
restrição orçamentária é
h
S
, o equilíbrio será o ponto e, onde a inclinação da curva de
indiferença será dada por:
w
h
Z
U
ZU
/
/
101
Um aumento da renda familiar eleva paralelamente a curva de restrição
orçamentária, sendo que o novo equilíbrio será dado no ponto
e
. Neste ponto o consumo
de h e w serão maiores do que o equilíbrio e:
Gráfico 1 - Altruísmo na Família
Fonte: Becker, 1981, p.3
Sejam
210
,, UUU
, as curvas de indiferença de (h) e
h
S
-
h
S
trata-se da restrição
orçamentária. O ponto que representa o ponto de equilíbrio, em que a inclinação da curva
de indiferença é igual à inclinação da reta orçamentária. Se houver um ganho de renda
para essa família, isso leva a um descolamento paralelo da restrição orçamentária de
h
S
-
h
S
para
hh
SS
, surgindo um novo ponto de equilíbrio
e
, aumentando
h
Z
e
w
Z
.
O altruísmo de h é somente eficaz se a inclinação da curva de indiferença no
ponto de dotação inicial
0
E
(
hh
IZ
=
e
ww
IZ
=
) para o ponto e. Observa-se que as
contribuições são
ww IZy
=
e o consumo do altruísta equivale a
hh IZy
=
. O altruísta
não aloca apenas a renda entre o seu consumo próprio e a contribuição para o
beneficiário, mas ele também é responsável pela determinação do consumo total do seu
beneficiário (esposa).
Nota-se que a reta da restrição orçamentária e o ponto de equilíbrio e, dependem
da renda familiar. Isso resulta que, a reta orçamentária não muda mesmo quando ocorrem
redistribuições de renda entre os indivíduos. Quando se consideram as dotações
1
E
e
102
2
E
, o ponto de equilíbrio continuará sendo e. Quando se considera uma situação
0
E
, o
altruísmo deixa de ser eficaz, pois o altruísta está numa situação sub-ótima tendo
dificuldades para caminhar para a posição de equilíbrio inicial, pois transferiu recurso para
w, que não retribuirá o favor pelo fato de não auferir utilidade pelo consumo alheio. Sendo
assim, se beneficiário w (esposa), maximiza a renda social (familiar), tem-se:
yIZS www
+
=
=
(7)
Nesse caso o beneficiário (w) vai preferir evitar as ações que aumentem
w
I
, se y
cair muito mais do que esse aumento. Se
w
I
menor, for compensado por y bem maior, w
promove ações que baixem
w
I
.
De acordo com o autor, o seu modelo permite afirmar que os interesses dos
benfeitores altruístas são iguais aos dos beneficiários egoístas:
Como o beneficiário egoísta (esposa ou filho) quer maximizar a renda
familiar, ele é levado pela mão invisível do auto-interesse para agir como
se fosse altruísta com relação ao seu benfeitor. Colocando
diferentemente, o recurso escasso ”amor” é usado economicamente,
porque o cuidado suficiente de um altruísta induz mesmo um
beneficiário egoísta a agir como se ele se preocupasse com o benfeitor
tanto quanto ele se preocupa consigo mesmo. (BECKER
105
, 1976 c,
apud MURAMATSU, 1999, p. 53).
Para o autor, tanto o altruísta quanto o beneficiário egoísta internalizam todas as
externalidades que os afetam individualmente. Ou seja, os indivíduos em questão, não
internalizam somente o efeito de suas próprias ações sobre a renda própria do outro, mas
também consideram o impacto direto das mesmas no consumo do outro
106
.
Poderia um beneficiário egoísta tentar aumentar a sua utilidade em detrimento do
seu próprio beneficiário altruísta? De um modo geral pode-se dizer que ele fará tudo para
aumentar a sua renda e tudo para evitar a redução da mesma, independente dos efeitos
dessa ação sobre o altruísta. Entretanto a contribuição do altruísta não está sob o controle
do egoísta w. Se houver um aumento da renda própria de w e tiver o efeito de diminuir a
renda do altruísta, o altruísta reduzirá a sua contribuição para ele numa proporção maior
105
BECKER, G. (1976c). A Treatise on the Family: Enlarged edition. Cambridge: Havard
University Press
106
O autor estende o seu modelo para saber como funciona a interação de outros membros
de uma família, tecendo comentário acerca dessa interação, que envolve outros sentimentos como
inveja e mecanismos de retaliação que minimize as ações aéticas do beneficiário. Acredita-se que
a idéia básica do modelo está posta, sendo que o leitor interessado em outras implicações poderá
consultar: BECKER, G., 1981, p. 6-10
103
do que o aumento na renda do beneficiário, porque a renda familiar cai. Dessa maneira, o
nível de consumo ótimo de w cai. Como ambos estarão numa situação sub-ótima, o
beneficiário não tem incentivo para fazer ações que prejudiquem o altruísta.
Portanto, o modelo de altruísmo da família conclui que os beneficiários egoístas de
uma dada família, internalizam todas as externalidades que os afetam individualmente. A
família é admitida por Becker como unidade da atividade econômica, sendo que o
beneficiário (esposa ou filho), agirá para favorecer a elevação da renda do altruísta (pai),
elevando assim a renda familiar e a parcela que será destinada ao próprio beneficiário.
5.2 Caridade privada e provisão de bens públicos
Na literatura sobre a caridade privada é bastante comum haver modelos que
assumem as doações como um bem público puro. A utilidade individual é assumida como
função de consumo de bens privados e do total de bens públicos que são ofertados.
Nesse contexto, as preferências podem ser admitidas como puramente altruísta.
De acordo com Andreoni (1987), as doações são motivadas por diversos aspectos
psicológicos e morais, como simpatia, compromisso ético, auto-imagem, prestigio social
etc. De acordo com o autor, o modelo tradicional não permite “capturara natureza ou
alguns aspectos motivacionais que conduzem a doação
107
.
O modelo assume simplesmente que existem somente um bem público e um bem
privado na economia. Seja
i
x
o consumo do bem privado pelo agente
i
e
i
g
é a doação
de
i
para o bem público. Além disso, esta economia é composta por
n
agentes, sendo
que cada um deles possui uma dotação (riqueza) de
i
w
, resultando em
=
=
n
i
i
gG
1
, onde
ni
...2,1
=
é o total de provisão de bens públicos. A função utilidade é contínua e quase-
côncava para o i-ésimo indivíduo:
),(
iiii
gxUU
=
Dada a função utilidade, segue a solução do problema de maximização:
Max
),(
iii
gxU
Sujeito a
iii
w
g
x
=
+
, onde
0
i
g
107
O modelo foi retirado de Andreoni (1987). Acrescenta-se que tal modelagem foi utilizada
por outros economistas como Stark (1989), Becker (1974) e Roberts (1984).
104
Seja
=
j
gG
1
, onde
i
j
, as doações feitas por todos os agentes menos
i
.
Então
i
gGG
=
1
, se admitir-se que todos são maximizadores de utilidade, tem-
se:
Max
),(
,
GxU
iiGxi
Sujeito à:
ii GwGx
i
+=+
, onde
iGG
(1)
A solução da equação fornece a função demanda por bem público:
(
)
{
}
iii
GGwMaxG ,
+=
γ
, sendo
ni
,...,2,1
=
(2)
Em relação à restrição da equação (1), se não for levada em consideração a
doação realizada pelo agente
i
, então a mesma poderá ser escrita como
(
)
ii
GwG
+=
γ
que será equivalente à
(
)
iii
GGwG
+=
γ
. A função de doação
γ
é a curva de
Engel
108
. Isso significa dizer que, a derivada de
γ
é positiva:
1'0
γ
, assegurando que
tanto o bem público quanto o bem privado são bens normais.
Assumindo que cada indivíduo faça contribuições, isto é,
0
>
i
g
, temos:
(
)
ii
GwG
+=
γ
, invertendo
γ
e somando
i
g
em ambos os lados da equação,
tem-se:
GGwg
ii
+=
1
γ
e
)(
Gwg
ii
φ
=
, onde
GGG
=
1
)(
γφ
. Tal equação refere-
se à doação (contribuição) de equilíbrio de
i
cuja riqueza é
i
w
.
Assumindo que
*
w
é o nível de riqueza acima do qual as pessoas vão fazer as
doações, logo
)(
*
Gw
φ
=
é o nível crítico de renda. Se admitir-se que
*
i
w
é igual para
todos os agentes, tem-se:
*
wwgi
i
=
, se
*
ww
i
>
0, se
*
ww
i
Esse resultado pode ser escrito da seguinte forma:
)(
1
*
*
=
>
==
n
i
wwi
ii
wwgG
, desde que
)(
*1
wG
=
φ
, tem-se:
)()(
*
**
1
>
=
wwi
i
www
φ
(3)
Dada à distribuição de riqueza entre
n
agentes, tem-se que solucionar a equação
(3), para o nível de renda crítico
*
w
. A média da contribuição da população para o bem
108
A curva de Engel estabelece a relação entre renda e demanda. A obtenção da curva se dá
através da maximização da utilidade.
105
público depende do número de indivíduos de renda
i
w
, maior que o nível de renda crítico
*
w
.
Nesse estágio do modelo, Andreoni (1987), questiona o que acontece com as
doações quando a população cresce. Então, o autor sugere a seguinte equação:
>==
swsw
n
n
s
sH
in
,
1)(
)(
1
φ
Dado que existe um vetor
),...2,1( wnww
, o autor sugere que se pode pensar numa
solução
*
n
ws =
. Agora, suponha-se que uma função densidade de probabilidade
)(wf
,
em que
´0 ww
descreva a distribuição de renda da economia em questão. Pela Lei
dos Grandes Números
109
, quando o número de indivíduos aumenta
n
,a expressão
)(sH
n
, converge para
)(sH
, resultasndo:
( )
dwwfswsH
w
s
)()(
´
=
Resolvendo a integral para
s
, obtém-se a solução em que o limite
n
, seja
equivalente a
***
ww
n
=
. Para calcular o valor de
**
w
, precisa-se determinar o valor de
limite de
n
H
. Assumindo que os bens privados são normais, tem-se que
1
φ
é finito.
Dado que o valor do vetor riqueza as sociedade é conhecido
),...2,1( wnww
, encontra-se a
equação
)(
**
wsw
n
=
. Logo,
lim
n
0
)(
lim
*1
==
n
w
H
n
n
φ
, isto leva à:
( )
0)()(
**
´
== dwwfwwwH
w
s
, então
´
**
ww
. Nesse contexto Andreoni (1987),
tece as seguintes considerações:
a) a fração da população que contribui para o bem público tenderá a zero, pois
quando a população cresce, os indivíduos tendem a cooperar relativamente menos, pois
preferem tomar carona na contribuição alheia (free riders)
110
, tendendo a não contribuir
para o bem público.
109
A Lei dos Grandes Números (LGN), diz que quando uma amostra cresce (tende ao
infinito),a média amostral converge para a média populacional. Dito de outra forma, quanto maior a
amostra mais o valor obtido pela média amostral estará próximo do valor “correto” da média. Ver:
Sartoris, 2003. pp. 176.
110
O leitor interessado poderá consultar: Andreoni, 1993, pp.447-454.
106
b) Quando
n
tende a infinito, somente os indivíduos mais ricos contribuirão, ou
seja,
´)(
1
wGn
=
φ
.
c) O crescimento demográfico permite que as doações também cresçam, mas com
o decorrer do tempo a contribuição média tenderá a zero.
A ártir dessa perspectiva, o autor cita a importância das contribuições privadas
para as atividades filantrópicas. Na ocasião de edição do seu artigo (1987), o autor
verificou que tais contribuições representavam cerca de 2% do Produto Interno Bruto
norte-americano. É com base nessa dimensão que o autor afirma que esse modelo, dito
modelo tradicional do altruísmo puro, tem pouco poder preditivo. O autor argumenta que
por maior que seja a população, os indivíduos preferem contribuir, mesmo que sua
contribuição seja insignificante em relação ao volume total de contribuição da sociedade.
Para o mesmo autor, o agente deriva a utilidade em si mesma, como se a doação
i
g
fosse um aumento positivo na sua auto-imagem. Para esse debate basta recordar a
questão da internalização das ações altruístas que foi nesse trabalho anteriormente.
Posto isso, na próxima seção apresentar-se-á o modelo do altruísmo impuro do mesmo
autor, que abrange a questão da internalização.
Em suma, o modelo de altruísmo tradicional, cujos alguns autores como Stark
(1989), Roberts (1984) e Becker (1974) realizam suas análise com modelagens bem
semelhantes conclui que, quando a população cresce, o indivíduo tende a cooperar cada
vez menos, tendendo a não contribuir para o bem público, pois no equilíbrio somente os
ricos contribuirão. Nesse caso, a motivação é essencialmente egoísta, pois a contribuição
ao bem público serve para melhorar a auto-imagem do indivíduo.
5.3 Doações envolvendo o altruísmo impuro
Conforme apresentado anteriormente, Andreoni (1987) argumenta que o modelo
de altruísmo tradicional tem pouco poder explicativo, uma vez que tal modelo não busca
apresentar as reais razões porque as pessoas contribuem para o bem público. Para o
autor, o indivíduo sente um efeito de acalentamento (warm-glow effect)
111
. Em outros
111
O termo warm glow pode ser traduzido como brilho quente, mas não indica o sentido
correto destacado por Andreoni (1989). Por essa razão utilizou-se o termo acalantamento sugerido
por Muramatsu (1999).
107
termos, a ação caridosa pode gerar uma sensação de bem-estar pela aprovação social e
pela transformação positiva na concepção que o agente tem de si mesmo.
O modelo proposto por Andreoni (1989) considera o efeito acalantamento,
assumindo duas razões para o indivíduo contribuir para o bem público. Primeiro, porque
as pessoas demandam mais do bem público, isso nas palavras do autor é entendido na
literatura econômica como altruísmo
112
. Segundo, porque a função utilidade do indivíduo
derivada da ação altruísta (oferta de bem público) é motivada pelo egoísmo associada às
doações individuais, ou seja, a existência do efeito acalentamento, pois a ação filantrópica
em si, aumenta a utilidade do indivíduo.
Para efeitos de simplificação, Andreoni (1989) admite que economia tenha
somente dois bens, um público e outro privado. Os indivíduos possuem uma riqueza
w
,
que será alocada entre o consumo privado
i
x
e as doações para o bem público
i
g
. Uma
parte da riqueza
i
w
será gasta com o pagamento de um tipo de imposto para provisão de
bens públicos
i
τ
. A economia é formada por n agentes
),...,2,1(
ni
=
, Então:
Seja
=
=
n
i
i
gG
1
, onde
),...,2,1(
ni
=
que equivale ao total de contribuições privadas
para o bem público,
=
=
n
j
T
1
corresponde ao total de contribuições públicas obrigatórias.
Portanto, a oferta total de bem público é dada por
TGY
+
=
.
O modelo de altruísmo poderia expressar as seguintes preferências como
),(
YxUU
iii
=
, assim a utilidade dependeria somente do consumo privado e do total de
oferta de bem público. Nesse caso, Andreoni (1989) assume que o indivíduo faz
contribuições ao bem público considerando o feito acalantamento:
),(
iiii
gxUU
=
, ou seja,
este efeito gera um ganho de utilidade para o indivíduo. Pode-se denominar tais
preferências como uma combinação entre egoísmo e altruísmo, podendo ser rescritas da
seguinte forma:
),,(
iiii
gYxUU
=
,
),...,2,1(
ni
=
, em que
i
U
é assumida como função
utilidade estritamente quase-côncava e crescente em todos os argumentos. Note que a
função contém tanto o egoísmo quanto o altruísmo. Observa-se que
i
g
entra na função
utilidade duas vezes: uma como parte do bem público e novamente como bem privado.
112
Andreoni (1989), considera que a relação do bem público e altruísmo foi introduzido por
Barro (1974) e Becker (1974) e posteriormente por Roberts (1987).
108
Sejam
=
gjijG
i
as doações feitas por todos os agentes, exceto o indivíduo
i
. Cada indivíduo se depara com o seguinte problema de maximização:
),,(,
,,, iiigiyxi
gYxUMax
(1)
Sujeito à
iiii
w
g
x
τ
=
+
YTgG
ii
=
+
+
, sendo que
iii
g
y
τ
+
=
é a contribuição total de
i
e a
contribuição total para o bem público, incluindo um componente voluntário
)(
i
g
e um outro
compulsório
i
τ
. A restrição orçamentária pode ser escrita como
iii
w
y
x
=
+
. Seguindo
também
=
n
i
yi
1
. Então
=
yjijy
1
, o total de contribuições feita por todos exceto
i
.
Dado que
ii
YYy
=
, então o modelo de maximização será:
y
Max
);(
iiiii
YYYYwU
τ
+
(2)
Diferenciando a equação (2) em relação a
Y
e igualando a zero, calcula-se o nível
ótimo de
Y
para i-ésimo, assumindo um equilíbrio com solução interior em que
0
>
i
g
para todo
i
. Assim, pode-se descrever a solução do problema de maximização de
i
U
,
como uma função dos fatores exógenos de tal problema de otimização.
);(
iiiii
YYwfY
τ
+
+
=
, subtraindo
i
Y
dos dois lados:
iiiiii
YYYwfyi
+
+
=
);(
τ
(3)
O primeiro argumento de
i
f
é o componente altruísta da função utilidade,
enquanto o segundo corresponde ao componente egoísta. Então, numa situação de
altruísmo puro, a equação (3) seria uma função apenas do primeiro termo:
iiiii
YYwfy
+
=
)(
. Note que essa formulação implica que os altruístas puros
consideram
i
Y
um substituto perfeito da sua riqueza pessoal
i
w
. Isso é o que Becker
(1974) denominou de riqueza social,
ii
Yw
+
. Essa expressão implica que somente o
total de doação é importante
i
y
. O Altruísmo puro implica que a doação voluntária
i
τ
é
substituta perfeita de
i
g
. Como resultado o agente é indiferente sobre a fonte (origem) da
contribuição, desde que o seu consumo privado
)(
i
x
e oferta total de bens públicos
)(
Y
permaneçam inalterados.
Adicionando o argumento egoísta da equação (3),
ii
Y
τ
+
, tem-se um caso de
altruísmo impuro. Nesse sentido, as contribuições privadas deixarão de ser substitutas
perfeitas da riqueza individual. Além disso, a contribuição via pagamento de impostos
109
equivale perfeitamente à contribuição pessoal voluntária. Desse modo, quando o indivíduo
compara as situações, que garantem a contribuição pessoal
)(
i
g
maior, deve-se analisar
os sinais das primeiras derivadas parciais de
);(
iiiii
YYwf
τ
+
+
. Denominando a
derivada parcial em relação ao primeiro argumento
ia
f
, em que “a” refere-se ao
componente altruísta da função utilidade. Como tanto a atividade de caridade quanto o
bem privado são bens normais
10
<
<
ia
f
., então,
ia
f
pode ser a propensão marginal a
contribuir por razões altruístas. Pode-se denominar a derivada em relação ao segundo
argumento “e” como egoísta, ou seja a propensão marginal a doar por motivos egoísta,
denominado como
ie
f
, então para o caso dos altruístas puros, tem-se:
ii
i
y
fi
w
f
=
Se o indivíduo abre mão de um dólar da sua riqueza
i
w
, então ele sabe que será
recompensado com uma mesma quantidade de
i
Y
(um aumento de um dólar). Desse
modo o indivíduo está disposto a reduzir seu
i
g
em um dólar para compensar a queda de
um dólar em sua riqueza
i
w
. Se o indivíduo for altruísta impuro, os bens
i
g
e
i
Y
,
deixam de ser substitutos perfeitos. Ele aceitará reduzir em menos de um dólar, porque
não quer deixar de ganhar utilidade com a redução de sua doação pessoal. Logo tem-se:
ii
i
y
fi
w
f
pois
ieia
i
ff
y
fi
+=
onde
0
ie
f
Para entender a relação entre o altruísmo e o componente egoísta de doação
(warm-glow giving), necessita-se perguntar sobre a magnitude do aumento em
i
Y
para
manter
Y
constante, quando uma queda de um dólar em
i
w
. Para responder essa
questão, Andreoni (1989) sugere que ocorra a diferenciação da equação (2) e
posteriormente igualar tal equação a zero. Então tem-se:
iieiiia
yfywfy
++
=
.(
)
Assumindo que
j
α
é a solução que resolve a equação, podemos considerar a
seguinte razão:
ie
ieia
i
j
f
ff
w
y
+
=
=
1
α
Admite-se
j
α
é um índice de altruísmo. Para os altruístas puros,
1
=
j
α
e, para os
egoístas
iaj
f
=
α
, conseqüentemente quando se considera o altruísmo impuro, tem-se
1
<
<
jia
f
α
.
110
O autor conclui que quanto maior for
i
α
, maior será a disposição do agente para
substituir sua doação pessoal
)(
i
g
por outras fontes de contribuição. Quando
ji
α
α
>
, o
indivíduo
i
é mais altruísta do que
j
. O modelo de Andreoni (1989) portanto, destaca
que a doação para o bem público possui também um componente egoísta, dito modelo de
altruísmo impuro.
Em suma, o modelo de altruísmo impuro de Andreoni (1987), caracteriza o
indivíduo por uma função utilidade, em que seus argumentos representam a motivação
altruísta relacionadas à motivação egoísta no que refere-se às doações individuais. O
altruísta impuro gera um ganho de utilidade para o próprio indivíduo, como se sua ação de
caridade estivesse próxima ao consumo de um bem privado.
5.4 Oferta de bens públicos por meio da contribuição voluntária
Sugden (1984), discute as dificuldades da teoria econômica convencional em
explicar as doações voluntárias. Para o autor a atividade voluntária é baseada em algum
princípio moral, que leva em consideração o bem-estar alheio.
Os economistas, na maioria dos seus modelos assumem que os indivíduos
derivam a sua utilidade de bem-estar de outrem, mas de acordo com Sugden (1984), tal
hipótese não provê a solução do problema, ou seja, para o autor, não basta assumir que
os agentes atuam com base em seu auto-interesse.
De acordo com Sugden (1984), o setor voluntário se difere do mercado
propriamente dito, porque refere-se à provisão de bens públicos. A caridade possui
características de bem público, pois a contribuição do indivíduo confere benefícios para
um grupo de pessoas. Neste contexto, os serviços providos do setor voluntário são bens
públicos, mesmo nos casos de doações sangüíneas ou socorro a estranhos.
O problema em admitir a contribuição voluntária como bem público reside na
questão de tomada de carona (free-rider), quando os outros estão contribuindo:”If an
individual takes other people’s contributions as given, she will contribute less as other
people contribute more”. (SUGDEN, 1984, p.773).
O princípio de reciprocidade é ilustrado da seguinte forma: seja
G
um grupo de
pessoas no qual o indiíiduo
i
é um membro. Suponha que todos os membros de
G
exceto
i
, estão fazendo pelo menos um esforço
ξ
para a produção de bem público.
Então, se deixar
i
escolher o nível de esforço que ele preferiria que todos os
111
membros de
i
tivessem feito. Se esse nível for menor que
ξ
, então
i
tem uma obrigação
para com todos os seus companheiros do grupo fazer uma esforço de pelo menos
ξ
. Isto
é o que Sugden (1984), denomina como Princípio de Reciprocidade.
Note que o Princípio de Reciprocidade não requer que o indivíduo contribua mais
que as outras pessoas do grupo. De acordo com o autor tal sistema de reciprocidade é
derivado do Princípio Compromisso Incondicional. Ou seja, cada agente deve fazer uma
contribuição para o bem público equivalente aquele que ele desejaria que os outros
fizessem, independentemente da doação efetivamente feita. Neste caso, o indivíduo não
deve tomar carona (free-rider) quando os outros estão contribuindo.
Sugden (1984), argumenta para este caso, que os indivíduos tem obrigações não
para com a sociedade em si, mas para o grupo ao qual pertence, que podem ser
ocupacional, religioso ou político. Com base nesta discussão, ele apresenta o modelo de
reciprocidade no setor voluntário. No modelo existem
n
indivíduos e um bem público.
Seja
i
U
a utilidade de cada indivíduo
i
, que é uma função crescente da quantidade de
bem público
z
e, uma função crescente do esforço
q
, para produção de bens públicos.
As contribuições do indivíduo podem ser representadas como:
),(
zqUU
iii =
),...,2,1(
ni
=
(1)
A taxa marginal de substituição entre
i
q
e
z
é dada por:
),...,2,1(
/
/
)(
,,
ni
z
U
qU
TMgSzqh
i
ii
qzi
i =
==
(2)
Assumindo que:
0)(
,
>
zi
qh
(3)
0/)(
,
>
zqh
zi
(4)
As restrições são naturalmente associadas para uma função utilidade definida de
um bem
z
(good) e uma mal
q
(bad). Note que existe uma dimensão normativa da
concepção de esforço. O Princípio de Reciprocidade afirma que, com certas qualificações,
se um indivíduo contribuir com um dado nível de esforço para o bem público, o outro
deverá fazer o mesmo. Diferentes definições de nível de esforço levam a diferentes
preposições acerca dos deveres individuais.
Um possível conceito de esforço é o empenho como tempo de trabalho. Suponha-
se que as contribuições dos indivíduos possam ser medidas em horas de trabalho. As
equações (1) à (4), pode ser consideradas, por exemplo, como hipóteses da utilidade
112
individual que é derivada do prazer e da prestação de serviços ao bem público, sendo que
ambos os bens são normais.
Outro conceito é o esforço como contribuição monetária absoluta. Suponha-se que
as contribuições do indivíduo são expressas na forma de dinheiro e o esforço é
mensurado em unidades monetárias. As expressões (1) à (4) são consideradas como
hipótese de que a utilidade individual é derivada do consumo próprio do indivíduo, em
termos de bem privado e público, sendo ambos bens normais.
De acordo com Sugden (1984), a melhor alternativa é pensar o esforço como
contribuição monetária relativa: o esforço do indivíduo é mensurado pelo tamanho da sua
contribuição como proporção a sua renda. Então a função dos bens públicos será:
=
i
ii
qfz
)(
α
(5)
A idéia aqui é que o termo
i
ii
q
α
, mede o esforço total de todos os indivíduos
como fator de produção de bem público, sendo que
i
α
é uma constante para cada
indivíduo
i
. Sugden (1984), justifica a necessidade da constante em seu modelo, para
ressaltar o fato de que nem sempre os esforços são igualmente produtivos para os
diversos agentes. A função (.)
f
é admitida como contínua, crescente e côncava. O autor
formula uma função (.)
F
para um dado vetor de esforços dos indivíduos ou
contribuições, ),...,2,1(
qnqqq
=
, para um grupo de indivíduos
G
e para um nível de
esforço 0
>
ξ
, então ),(
ξ
GF
é definida por:
)(),(
kk
j k
j
qGGfGF
αξαξ
+=
(6)
Então,
),(
ξ
GF
é uma função contínua, crescente e côncava. Ela expressa a
quantidade de bens públicos que seria produzida se todos os membros de
G
contribuíssem com
ξ
e se cada não membro
k
tivesse contribuído com
k
q
.
Agora considera-se qualquer grupo
G
e qualquer indivíduo
i
, membro do grupo.
Toma-se como dadas as contribuições
k
q
de todos os indivíduos
k
que não são membros
de
G
. É sabido
G
i
q vai ser o valor da contribuição que maximiza
(
)
[
]
ξξ
,, GFU
i
, isto é,
ξ
.
Se o indivíduo
i
pudesse escolher o nível de contribuição de todos os membros do grupo,
ele escolheria o esforço
ξ
, pois este último é o valor que maximiza
i
U . De acordo com o
Princípio de Reciprocidade, o indivíduo
i
é obrigado a contribuir pelo com menos
G
i
q ,
dado que todos os membros de G , estão fazendo a mesma coisa. Caso algum membro
113
de G contribuir com pelo menos
G
i
q ele é obrigado a contribuir com, pelo menos, a
quantia dada por todos os outros membros.
Sugden (1984), formaliza a idéia adotando o senso de dever (obligations). Para
qualquer vetor de contribuições
q
, para qualquer grupo de indivíduos G e para qualquer
membro do grupo, o indivíduo
i
estará fazendo a sua obrigação para com o grupo, se e
somente se, tiver ou (a)
G
i
i
qq ou (b)
ji
q
q
.
Deve-se notar que a definição de obrigação, enunciada anteriormente é válida
também quando G é composto pelo indivíduo
i
e, neste caso, ele é o único membro
do grupo. Neste caso, o indivíduo
i
não terá ninguém para retribuir ação cooperativa.
Nesta perspectiva, Sugden (1984) afirma que faz parte do auto-interesse de
i
contribuir com
G
i
q , pois essa contribuição maximiza a função utilidade do indivíduo. O
autor assume que as pessoas perseguem o seu auto-interesse dentro do Princípio de
Reciprocidade, sendo conveniente dizer que cada pessoa possui a obrigação consigo
mesma, de pelo menos, contribuir com aquilo que o seu auto-interesse requer. Então, o
indivíduo
i
, está maximizando a sua utilidade sujeito ás restrições morais, se fazer a
contribuição mínima compatível com suas obrigações.
Em defesa do Princípio de Reciprocidade, Sugden (1984) afirma que tal teoria não
prevê a existência do problema de carona, mas diz que ele pode ser resolvido, pois de
acordo com o autor os indivíduos só cooperam para o bem público se forem beneficiados.
Ademais para o autor, a teoria da reciprocidade prevê uma provisão insuficiente de
bens públicos, pois conduz a uma situação sub-ótima em termos dos critérios paretianos,
que diz que a eficiência é possível numa comunidade de indivíduos idênticos. Uma
comunidade homogênea refere-se à renda e gostos iguais dos agentes que a compõem,
que se aproxima do critério de eficiência de Pareto. Neste caso a provisão de bens
públicos poderia ser bem sucedida a partir da atividade voluntária (caridosa).
Sugden (1984), admite em seu modelo a noção de compromisso incondicional, o
que não vai ao encontro do critério de eficiência de Pareto. Dito de outra forma a noção
de compromisso incondicional sugere que cada pessoa contribua com o quanto ela
desejaria, independente da contribuição alheia, e por essa razão, o autor admite que tem
que levar em consideração a heterogeneidade das contribuições. Se isto for verdade,
pode acontecer que o Princípio de Reciprocidade em comunidade heterogênea não
114
aconteça, sendo que estas podem ser menos capazes de prover o bem público através
da cooperação voluntária, ao contrário de comunidade homogêneas
113
.
Para Sugden (1984) a análise econômica do comportamento não-egoísta, mais
precisamente a Economia do Altruísmo (Economics of Altruism) está em sua fase de
“infância”, porque não existe uma teoria unificada, para explicar observações regulares,
acerca deste comportamento e por isso, o autor defende a superioridade do princípio de
reciprocidade, pois acredita que a caridade é um argumento da função utilidade individual,
tomando como dadas às doações dos outros. Portanto para o autor, o Princípio de
Reciprocidade é mais factível com a realidade, no sentido de explicar as contribuições em
detrimento da atividade voluntária.
5.5 Doações como sinalização de riqueza
Em oposição aos modelos convencionais de caridade, Glazer & Konrad (1996),
prescrevem que somente os ricos contribuem, pois a parcela de contribuição total dos
agentes menos ricos é relativamente insignificante. Neste contexto, os autores
consideram uma motivação adicional para ação caridosa - o forte desejo de demonstrar
ou ostentar riqueza, talvez porque os indivíduos ricos prefiram socializar com os outros o
status de “higher social”.
As pessoas sinalizam seu status no consumo de bens privados, mas os autores
entendem que isto não é exclusivo somente no consumo de tais bens. Primeiro, que o
consumo desses bens podem ser banidos moralmente pelas normas sociais, quando não
há em contrapartida doações para o setor filantrópico. E por isso, a ostentação de riqueza
sempre está aliada às atividades filantrópicas, que são ações moralmente aceitáveis pela
sociedade. Segundo, a posse de bens de luxo pode ser observada com desconfiança. Um
consumidor pode impressionar os outros com a compra de um relógio Rolex falsificado,
ou locação de carro caro para uma determinada situação. Tudo isso pode representar
uma falsa riqueza.
Para os autores, as contribuições para atividade filantrópica podem representar
bons sinais para pessoas que pertencem a uma determinada classe de renda elevada.
Ademais, com o desejo de ostentar riqueza, o indivíduo que faz doações pode usá-las
113
Ver resultado de equilíbrio, envolvendo o critério de eficiência de Pareto em: Sugden
(1984), pp.778-787
115
116
as crenças que se formam sobre a renda de
i
podem ser representadas, somente a partir
da doação observada:
)(
^^
iii
g
yy
=
Neste modelo o equilíbrio é definido pelas escolhas de realizar doações
)(*
yg ,
como uma função de suas rendas e também pela função das crenças,
)(
^
ii
g
y
=
,
estritamente monotônica. Para cada agente
i
de renda
i
y
, temos o seguinte vetor:
( ) ( )
iiiii
ygygyygy
*))(*(;*
^
, este vetor maximiza a função utilidade (1),
sujeito a equação (2), sendo
0,
ii
xg .
Na situação de equilíbrio, as crenças devem ser corretas isto é:
( )
iii
yygy =
*(
^
Assim, se tais crenças formadas forem corretas, as doações individuais para o
bem público são capazes de sinalizar a renda dos doadores ricos
115
. Portanto ao contrário
de outros modelos, a teoria de Glazer & Konrad (1996), evidência que as doações para
atividade filantrópica, não são somente realizadas para a provisão de bens públicos em si,
pois a caridade também pode ser um bem de luxo consumido pelos maximizadores de
utilidade.
5.5 Doações como sinalização de riqueza
Em oposição aos modelos convencionais de caridade, Glazer & Konrad (1996),
prescrevem que somente os ricos contribuem, pois a parcela de contribuição total dos
agentes menos ricos é relativamente insignificante. Nesse contexto, os autores
consideram uma motivação adicional para ação caridosa - o forte desejo de demonstrar
ou ostentar riqueza, talvez porque os indivíduos ricos prefiram socializar com os outros o
status de “higher social”.
As pessoas sinalizam seu status no consumo de bens privados, mas os autores
entendem que isso não é exclusivo somente no consumo de tais bens. Primeiro, que o
consumo desses bens podem ser banidos moralmente pelas normas sociais, quando não
há em contrapartida doações para o setor filantrópico. E por isso, a ostentação de riqueza
sempre está aliada às atividades filantrópicas, que são ações moralmente aceitáveis pela
sociedade. Segundo, a posse de bens de luxo pode ser observada com desconfiança. Um
115
Ver: Glazer & Konrad (1996), pp.1022-1023
117
consumidor pode impressionar os outros com a compra de um relógio Rolex falsificado,
ou locação de carro caro para uma determinada situação. Tudo isso pode representar
uma falsa riqueza.
Para os autores, as contribuições para atividade filantrópica podem representar
bons sinais para pessoas que pertencem a uma determinada classe de renda elevada.
Ademais, com o desejo de ostentar riqueza, o indivíduo que faz doações pode usá-las
para sinalizar a riqueza aos outros. Para esse caso, as doações são consideradas como
bem de luxo.
Aquele velho ditado popular que diz que o que a mão direita faz, a esquerda não
deve saber, não se aplica ao modelo dos autores. Pelo contrário, as pessoas quando
doam recursos para tais entidades sociais, ganham prestígio social e melhoria na sua
auto-imagem. O indivíduo ganha um maior nível de satisfação que o gerado por qualquer
outro bem de luxo
116
.
De acordo com Glazer & Konrad (1996), nesse mundo da ostentação da riqueza,
as doações de pessoas mais ricas tendem a anular as doações das menos ricas, em
relação ao volume total. As pessoas ricas não têm motivação alguma para elevarem a
oferta de bem-estar social, mas têm razões consistentes para conquistar prestígio social
ao se engajarem nas atividades filantrópicas. De acordo com os autores, nesse universo
não há espaço para doações anônimas.
Com base nesses argumentos os autores prescrevem o seguinte modelo.
Considere um conjunto
I
e indivíduos
Ii
. A distribuição de renda é prescrita por uma
função densidade
)(
yf
no intervalo
[
]
maxmin
, yy
. Um consumidor ganha utilidade com o
consumo de um bem privado não observado
i
x
e também com o seu status de renda. O
status do indivíduo
i
é determinado pela renda quida
i
g
y
^
, que corresponde à crença
que os outros indivíduos possuem sobre a renda do agente
i
menos as suas doações
para a caridade
i
g
. A função utilidade pode ser descrita da seguinte forma:
),(
^
iiii
g
y
xUU
=
(1)
Considerando a mesma função para todos os indivíduos, a utilidade para cada
argumento é estritamente positiva e decrescente para ambos os argumentos. O indivíduo
não ganha satisfação diretamente pela doação, o que é diferente do modelo de altruísmo
116
Indivíduos que desejam ostentar riqueza e demonstrá-la aos outros, em geral não fazem
doações anônimas. Os autores sustentam os seus argumentos a partir de evidências empíricas. O
interessado poderá consultar: Glazer & Konrad (1996), pp. 1020-1021.
118
impuro de Andreoni. Cada indivíduo se preocupa com o efeito da sinalização de renda
gerada pela sua doação individual. Também é assumido que
(
)
),0(,
maxmaxmin
yUyyU >
,
isso é, ninguém doa toda a sua renda. A restrição orçamentária é dada por:
iii
g
x
y
+
=
(2)
A renda
i
y
é exógena e varia de indivíduo para indivíduo. Seja
i
g
observável pela
instituição filantrópica, enquanto
i
x
e
i
y
não podem ser observados pelos outros. Então,
as crenças que se formam sobre a renda de
i
podem ser representadas somente a partir
da doação observada:
)(
^^
iii
g
yy
=
Nesse modelo, o equilíbrio é definido pelas escolhas de realizar doações
)(*
yg
,
como uma função de suas rendas e também pela função das crenças,
)(
^
ii
g
y
=
,
estritamente monotônica. Para cada agente
i
de renda
i
y
, temos o seguinte vetor:
( ) ( )
iiiii
ygygyygy
*))(*(;*
^
, este vetor maximiza a função utilidade (1),
sujeito a equação (2), sendo
0,
ii
xg
.
Na situação de equilíbrio, as crenças devem ser corretas isto é:
( )
iii
yygy =
*(
^
Assim, se tais crenças formadas forem corretas, as doações individuais para o
bem público são capazes de sinalizar a renda dos doadores ricos
117
. Portanto, ao
contrário de outros modelos, a teoria de Glazer & Konrad (1996), evidencia que as
doações para atividade filantrópica, não são somente realizadas para a provisão de bens
públicos em si, pois a caridade também pode ser um bem de luxo consumido pelos
maximizadores de utilidade.
5.6 Responsabilidade moral e escolha econômica
Zsolnai (1997), apresenta um modelo maximin” de escolha para explicar que o
agente ao tomar uma decisão, ele considera o seu interesse próprio e também considera
o bem-estar da comunidade que ele faz parte. A idéia é que, quando o indivíduo se
117
Ver: Glazer & Konrad (1996), pp.1022-1023
119
deparar com um dilema ético, ele tenderá a fazer uma escolha maximin” para minorar o
pior dos resultados possíveis
118
.
O autor inicia o seu artigo procurando investigar a complexa relação entre escolha
econômica sujeita a princípios éticos. Nesse contexto ele tece a seguinte crítica em
relação ao padrão de escolha da teoria tradicional:
The basic fault of the rational choice model is its lack of psychological
realism. Rational decision makers should maximize their utility functions
under perfect information. This is a highly unrealistic requirement for
human beings. By more than 50 years of research Herbert Simon has
demonstrated that real-word decision makers are not capable of
maximizing their utility functions, partly because of their strongly
bounded computing capacities, partly because of the strictly limited
information they usually have. Real-world decision makers are only
capable of making satisficing choices (…). Daniel Kahneman´s recent
research shows that decision makers are unable to foresee the real
experienced utility of their chosen decision alternatives. For this reason
their choices are not rational for most cases. (ZSOLNAI, 1997, p. 355)
Na tomada de decisão o agente se depara com os seguintes dilemas:
a) o primeiro refere-se à identificação das normas éticas que pode ser aplicada
numa dada situação de escolha;
b) o segundo diz respeito ao conjunto de stakeholders, que são o conjunto de
agentes que serão afetados pela tomada de decisão do indivíduo;
c) o terceiro refere-se aos objetivos perseguidos pelos agentes;
d) o quarto trata do fato do indivíduo sempre ter mais de uma alternativa,
podendo escolher o melhor curso da ação;
e) o quinto diz respeito ao fato de que a situação escolhida envolve também
considerações éticas, ou seja, normas que vão representar o senso de
responsabilidade moral do tomador de decisão;
f) o último dilema refere-se à avaliação múltipla de cada alternativa de escolha,
considerando as normas éticas e os seus resultados sobre os objetivos do
indivíduo e sobre os stakeholders ;
Dadas, então, as premissas mencionadas anteriormente, Zsolnai (1997), formaliza
o seu modelo:
118
A identificação do modelo tipo maximin não fica muito clara no modelo do autor. Por isso,
foi utilizada a explicação de Muramatsu (1999) para conceituar o termo maximim.
120
m
AAA
,...,
2,1
)2(
m
, refere-se ao conjunto de alternativas, considerando duas
alternativas distintas.
A regra de decisão é dada por
para selecionar o curso da ação moralmente
responsável.
),...,(
2,1
*
m
i
AAA
A
=
O vetor de objetivos perseguidos pelo indivíduo é dado da seguinte forma:
)1(,...,,...,,
21
nGGGG
nj
, para esse caso o indivíduo tem pelo menos um objetivo
que buscará atingir.
O vetor de normas éticas é dado como:
)1(,,...,
1
pDDD
pk
, de forma análoga o indivíduo tem pelo menos uma norma
ética que buscará atingir.
)1(,...,...,
1
rSSqS
r
, representa o vetor stakeholders.
O modelo da escolha moralmente responsável é composto por três variáveis
relevantes.
a)
)(
i
AD
, valor das normas éticas;
b)
)(
i
AG
, valor instrumental que representa os objetivos perseguidos pelos
agentes;
c)
)(
i
AS
, vetor externo dado pelos stakeholders;
Assim o autor faz a seguinte esquematização do seu modelo:
1)(
=
ik
AD
, se a decisão alternativa
)(
i
A
, corresponder à norma ética
k
D
;
0)(
=
ik
AD
, se a decisão alternativa
)(
i
A
, for neutra em relação à norma ética
k
D
;
2)(
=
ik
AD
, se a decisão alternativa
)(
i
A
, violar a norma ética
k
D
;
1)(
=
ij
AG
, se a decisão alternativa
)(
i
A
, for positiva para atingir o objetivo
j
G
;
0)(
=
ij
AG
, se a decisão alternativa
)(
i
A
, for neutra para atingir o objetivo
j
G
;
2)(
=
ij
AG
, se a decisão alternativa
)(
i
A
, for negativa para atingir o objetivo
j
G
;
1)(
=
iq
AS
, se a decisão alternativa
)(
i
A
, for boa para o stakeholder
Sq
;
0)(
=
iq
AS
, se a decisão alternativa
)(
i
A
, se for neutra para o stakeholder
Sq
;
121
2)(
=
iq
AS
, se a decisão alternativa
)(
i
A
, for ruim para o stakeholder
Sq
;
Como então seria possível construir e agregar as funções
(.)(.),
GD
e
(.)
S
?
Zsolnai (1997), sugere que sejam
pk
w
w
w
,...
,...,
1
os pesos que representam a importância
relativa das normas éticas
pk
DDD
,...,...,
1
, para uma sociedade, sendo que
=
k
k
w
1
,
então temos:
[
]
=
k
ikki
ADwAD
)()(
(1), em que
)(
i
AD
representa o valor média da decisão
alternativa a
)(
i
A
.
Sejam
nj
u
u
u
,...,
,...,
1
, os pesos que representam a importância relativa dos
objetivos
nj
GGG
,...,1
,...,
. Isso requer que
=
j
j
u
1
.
Então,
[
]
=
j
ijji
AGuAG
)()(
(2), em que
)(
i
AG
representa o valor médio da
decisão alternativa a
)(
i
A
.
Finalmente, sejam
nj
v
v
v
,...,1
,...,
, os pesos que representam os stakeholders
nj
SSS
,...,1
,...,
. Isto requer que
=
q
q
v
1
, assim tem-se:
[
]
=
q
iqqi
ASvAS
)()(
, em que
)(
iq
AS
, representa o vetor médio externo da decisão
alternativa a
)(
i
A
.
O vetor a seguir representa uma avaliação múltipla da decisão alternativa a
)(
i
A
:
[
]
)(),(),()(
iiii
ASAGADAV =
(1)
O primeiro componente do vetor representa a avaliação da decisão alternativa do
ponto de vista da sociedade. O segundo componente, representa a avaliação alternativa
do ponto de vista do agente (objetivos individuais), enquanto o terceiro componente do
vetor refere-se à avaliação da decisão dos stakeholders .
A regra de decisão da escolha é a seguinte:
[
]
)(),(),(
minmax
*
iiii
ASAGADA =
.
De acordo com Zsolnai (1997), a escolha moralmente responsável demanda a
escolha menos pior no espaço multidimensional dos valores éticos, instrumentais e
122
externos. Então, se houver duas decisões alternativas A e B, a escolha moralmente
responsável A, será escolhida, se, e somente se:
[
]
[
]
)(),(),()(),(),(
minmin
BSBGBDASAGAD
iii
>
Segundo o autor, o princípio básico da escolha moralmente responsável assegura
uma regra de decisão para promover uma decisão ótima entre as normas éticas, o
interesse próprio e os objetivos daqueles cujo bem-estar será afetado pelo curso da ação
escolhida (stakeholders). Ele considera que a teoria da escolha tradicional não produz
resultados satisfatórios acerca de determinadas circunstâncias em que o agente se
depara com as normas éticas: “However, social commitment and empathy are such
scarce resources in our economics that awards and other prizes have been established for
decision markers who have them”. (ZSOLNAI, 1997, p.362)
O autor defende que o seu modelo de escolha permite que vários objetivos
possam ser simultaneamente considerados. Os três objetivos podem ter o mesmo
denominador comum entre si, dada a forma que o auto
123
morais. O autor argumenta que os agentes podem agir de modo socialmente racional e ao
mesmo tempo, individualmente irracional. Por esse motivo, o autor afirma que dentro de
um indivíduo qualquer, por exemplo Smith, duas pessoas: S-Smith e G-Smith, que
representa o indivíduo auto-interessado e o indivíduo que considera os interesses do
grupo ao qual pertence, respectivamente.
Quase nenhum economista negaria a existência do altruísmo na escolha racional.
Para esclarecer esse ponto, Margolis (1984) destaca duas versões distintas de motivação
altruísta em seu modelo:
a) altruísmo de participação (participation altruism), ou seja, o indivíduo ganha
utilidade se contribuir com recursos para promover o bem-estar alheio, de
modo que o mesmo sente-se satisfeito em participar de atos sociais;
b) altruísmo de bens (goods alltruism): o indivíduo ganha utilidade com um
aumento de bens para promover o bem-estar alheio, ou seja, a sua função
utilidade incorpora o desejo de ver os outros numa situação de bem-estar
elevado;
Para o altruísmo de participação, a utilidade é dada como:
),(
**
yx
UU
=
, sendo que
,...),(
21
xxx
=
o vetor de bens de consumo próprio de
Smith e
=
y
valor dos recursos que o mesmo transfere para a causa pública.
Para o caso do altruísmo de bens, a função utilidade é:
),(
****
zx
UU
=
, sendo
,...),(
21
zzz
=
o vetor das cestas de bens disponíveis para
outras entidades nas quais Smith tem um interesse altruísta.
Vale destacar que esta última versão de altruísmo é repetidamente encontrada nos
modelos convencionais de maximização da utilidade como o modelo de altruísmo impuro
de Andreoni (1989), conforme apresentado anteriormente. Margolis (1984), sugere que a
utilidade para ambos os tipos de altruísmo pode ser descrita como:
),,()
**
,
*
( zyxU
UU
fU ==
.
As duas motivações de natureza altruísta são qualitativamente distintas, pois o
altruísmo de participação está baseado em benefícios psíquicos internos gerados pela
participação social e o altruísmo de bens refere-se aos benefícios observados
externamente. Muramatsu (1999), argumenta que vários economistas e psicólogos
interessados nesse tipo de modelo (self múltiplo), consideram que tal abordagem geraria
avanços para análise microeconômica convencional.
124
Seja
U
a utilidade com base na qual o agente Smith faz a escolha. Pode-se definir
que
),(
SGUU
=
, onde G é a utilidade de G-Smith do indivíduo, que se refere à
percepção de Smith sobre a situação da sociedade como um todo. Seja
S
, por sua vez, a
utilidade que caracteriza S-Smith. A utilidade-
G
é uma função do gastos de Smith com
G
-Smith, dos gastos
)(
g
voltados para os interesses da comunidade, dados os recursos
disponíveis para
S
-Smith, sendo
)(
s
a distribuição dos bens entre despesas auto-
orientadas e as altruístas. O mesmo vale para os argumentos da função utilidade-
S
.
Então, a participação de Smith dependerá de quão grande a parcela dos seus
recursos destinados para o interesse da comunidade (grupo) e dos recursos destinados
para o satisfazer o seu auto-interesse. Isso será representado por uma razão de
participação
)/(
sg
, na qual
g
é a quantidade total de recursos alocados em
G
-Smith,
que corresponde aos interesses da comunidade e
s
é a quantia alocada em
S
-Smith.
Esta proporção Smith alocará os recursos para maximizar
G
ou
S
-Smith. A razão entre a
utilidade marginal das despesas feitas para o benefício do grupo e a utilidade marginal
dos gastos auto-orientados é que definirá a razão
´´/
SG
(value ratio) das oportunidades
de gastos de Smith:
),(
SGUU
=
0,
>
S
U
G
U
gg
U
e
0
<
ss
U
(1)
As derivadas de (1) com relação a
s
e
g
são:
´..
GU
g
G
UU
GGg
=
=
(2)
SU
s
S
UU
sss
..
=
=
(3)
Assumindo que
gs
UU
=
, rearranjando os termos, tem-se o seguinte equilíbrio:
´
´
S
G
U
U
G
s
=
(4)
Admitindo a despesa de qualquer indivíduo, exceto Smith, como um parâmetro,
pode-se definir
Gg
UW =
*
,
ss
UW =
*
a condição de equilíbrio será:
´
´
*
*
S
G
W
W
g
s
=
(5)
125
Considerando que
*
*
g
s
W
W
W =
. Para esse caso a condição de equilíbrio será:
´
´
S
G
W =
, sendo que
0
>
g
W
e
0
<
s
W
A função
U
demonstra como Smith faz a escolha dada numa determinada
circunstância. O modelo de Margolis (1984) descreve que a noção de utilidade marginal
decrescente é relevante para discussão de gasto social versus gasto com o consumo
próprio. A função
W
capta o sentido do altruísmo de participação, pois, refere-se ao peso
que Smith a utilidade-
S
quando vai escolher e alocar uma unidade adicional dos
recursos destinados à comunidade ou consumo próprio. Quanto maior for a razão de
participação
)/(
sg
, maior será o peso dado por Smith ao auto-interesse na margem. A
razão de valor,
´´/
SG
, descreve o sentido indireto de altruísmo de bens.
Se
´´/
SGW
>
, o agente agirá com base em seu auto-interesse. Se
´´/
SGW
<
, o
indivíduo destina seus recursos para o interesse do grupo, reduzindo
s
e aumentando
g
.
Quanto menos recursos o agente tiver destinado ao grupo, mais o agente desejará
participar.
Para Margolis (1984) o problema da cooperação não pode ser resolvido pela
remoção do altruísmo de bens. O autor sugere a necessidade de encontrar mecanismos
que tornem possível garantir uma medida de altruísmo de bens, dadas as vantagens do
egoísmo
120
. o altruísmo de participação oferece uma solução parcial, pois, os
indivíduos relativamente não-egoístas de um grupo poderiam ser protegidos se tais
altruístas desenvolverem mecanismos para limitar o oportunismo.
O autor descreve a lógica do seu modelo de “parte justa” de alocação de recursos
entre valores privados e valores sociais. Quanto maior a parcela dos recursos que o
indivíduo gasta altruisticamente, maior o peso que o indivíduo dará aos seus interesses
egoístas na alocação marginal dos seus recursos. Entretanto, quanto maior for o benefício
que o indivíduo oferece ao grupo relativamente ao seu benefício próprio, maior será a sua
tendência de agir altruísticamente.
O autor ilustra o seu modelo, a partir do gráfico que se segue, que representa o
equilíbrio de “parte justa”. No gráfico 2, tem-se que a curva tracejada, positivamente
inclinada, demonstra
W
aumentando quando a parcela da renda de Smith alocada para o
120
Entende-se que o altruísmo de bens pode ser um tipo de altruísmo impuro, cujo indivíduo
pode se beneficiar na provisão de bens ao grupo, estando em evidência o seu auto-interesse.
126
interesse do grupo aumenta na direção do nível de riqueza
I
. A curva negativamente
inclinada dá a razão do valor
´´/
SG
. Tem-se que o único equilíbrio se dá no ponto E, pois
´´/
SGW
=
.
Gráfico 2 - Equilíbrio Único (E): parte justa
Fonte: MARGOLIS
121
, 1984 apud MURAMATSU, 1999, p. 94
O gráfico 3, mostra o caminho de expansão (renda-consumo de equilíbrio), ou seja
o conjunto das alocações de Smith quando o nível renda cresce. Em cada ponto da curva
tem-se:
´´/
SGW
=
que é uma situação de equilíbrio
Se a condução for válida para toda curva
Is
, os dois pontos qualquer da curva
deve-se ter:
´)(´).(
GSW
=
, e se a alocação for eficiente, vale também:
ISG
=
+
Em outros termos, se a alocação de um aumento
I
na renda for dividido entre o
gasto com o bem público
)(
G
e com a própria despesa do indivíduo
)(
S
, correspondendo
a
G
e
S
, a mudança
´.
SW
que será igual a mudança em
´
G
.
121
MARGOLIS, H. Selfishness, Altruism and Rationality. Chicago: University of Chicago
Press, 1984, p. 40
127
Gráfico 3 - Caminho de Expansão: renda consumo de equilíbrio
Fonte: MARGOLIS
122
, 1984 apud MURAMATSU, 1999, p. 94
O que acontece quando se admite que a utilidade gerada pela participação for
maior com a utilidade gerada pela motivação do altruísmo de bens? Margolis (1984),
ilustra este processo a partir do seguinte gráfico:
122
MARGOLIS, H. Selfishness, Altruism and Rationality. Chicago: University of Chicago
Press, 1984, p. 40
128
Gráfico 4 - Utilidade Marginal: gasto auto-orientado e despesa altruísta
Fonte: MARGOLIS
123
, 1984 apud MURAMATSU, 1999, p. 94
O gráfico 4, descreve o caminho de expansão que é definido com um reta
horizontal e a curva à esquerda refere-se à utilidade marginal do gasto auto-interessado.
A curva à direita equivale à utilidade marginal da participação. A linha reta representa a
utilidade marginal do altruísmo de bens. O eixo horizontal nas duas direções, com
referência ao ponto de origem mensura a despesa. Assim, quando a renda é
I
, Smith
gasta $
x
com seu interesse próprio e $
y
com o altruísmo. Quando a renda é
+
I
o
indivíduo gasta $
+
x
e $
+
y
, com auto-interesse e altruísmo, respectivamente.
Em síntese, o princípio da parte justa do modelo altruísta de Margolis (1984), pode
ser sumarizado:
123
MARGOLIS, H. Selfishness, Altruism and Rationality. Chicago: University of Chicago
Press, 1984, p. 40
129
a) Quanto maior for a razão de valor,
´´/
SG
maior será a propensão de Smith alocar
R$ 1,00 adicional, uma unidade de recurso adicional para as demandas do seu
lado G-Smith.
b) A função de ponderação,
W
, está relacionada positivamente com a razão de
participação
sg
/
, porque a probabilidade de Smith direcionar R$1,00 adicional
para
S
-Smith deve aumentar quando ocorre um aumento na razão de
participação. Em outros termos a utilidade marginal da contribuição social cai
quanto mais recursos forem destinados às atividades sociais;
c) O agente está em equilíbrio quando a tendência a favorecer o seu auto-interesse
for igual à propensão em agir com base no interesse público, ou seja, quando se
tem
´´/
SGW
=
,
)/(
sgfW
=
e
1
W
.
Portanto, a probabilidade de Smith se engajar numa causa pública depende da
sua noção ou percepção da importância da causa e do valor marginal da sua contribuição.
Muramatsu (1999), argumenta que tal função multifacetada de Smith (S-Smith e G-
Smith) é lexicográfica, pois não existe qualquer relação unidimensional ente utilidade-G e
utilidade-S, dado que são motivações geradas por sistemas de motivação
independentes
124
, abrindo espaço, então, para análise econômica do altruísmo genuíno
no arcabouço da utilidade. No entanto, as características motivacionais do agente e os
atributos cognitivos, são responsáveis pelo processamento das informações e nesse
contexto Muramatsu (1999), considera que a Psicologia tem muito a contribuir com a
Economia:
A psicologia tem muito a dizer aos economistas. Na verdade, existem
basicamente dois ramos de estudos da área de psicologia econômica.
Um deles é consistente com o arcabouço da teoria da utilidade, mas
defende a necessidade de explorar a natureza psicológica das
estruturas de preferência a fim de ganhar poder preditivo. O outro, por
sua vez, sustenta que abordagem de maximização de utilidade é
fundamentalmente usada como uma descrição psicológica do
comportamento individual. (MURAMATSU, 1999, p. 97)
124
Este ponto ficará mais claro quando for apresentado mais adiante a teoria da escolha com
objetivos múltiplos de Moldau (1985)
130
De um modo geral, pode-se que dizer o modelo de Margolis (1984), mostra um
caminho em que é possível questionar a teoria tradicional baseada na utilidade
unidimensional. Na verdade, o autor duas funções utilidade (S-Smith e G-Smith), na
construção do Self- Múltiplo.
5.8 A teoria da escolha sob critérios múltiplos e as suas implicações para
131
Dada a perspectiva ética de Sen (1982), que foi apresentado no início desse
trabalho, a teoria da escolha sob critérios irredutíveis pode formalizar a idéia de Sen, no
que se refere às ordenações de preferências baseadas em critérios morais.
A aplicabilidade da teoria da escolha sob critérios irredutíveis para o estudo do
altruísmo genuíno foi realizada por Muramatsu (1999)
125
. Para a autora, a teoria da
escolha com objetivos múltiplos é uma alternativa apropriada para a discussão da conduta
altruísta sem que seja preciso reduzi-la à motivação essencialmente auto-interessada.
Os modelos convencionais de utilidade, conforme foi apresentado nas seções
anteriores, não conseguem explicar o altruísmo genuíno. Por isso, recorre-se ao modelo
de Muramatsu (1999), que pode ser o modelo que mais se aplica à perspectiva do
altruísmo genuíno, sob o foco da análise da escolha econômica e abordagem ética de
Sen.
Na seqüência dessa breve introdução, será apresentada a abordagem pioneira de
Menger acerca da hierarquização das necessidades humanas que serviu de inspiração
para formalização de tal idéia a partir das ordenações lexicográficas. Em seguida serão
apresentadas as definições e conceitos de ordenações lexicográficas e para finalizar,
retoma-se o debate acerca do comportamento não-egoísta, apresentando o modelo de
altruísmo genuíno de Muramatsu (1999).
5.8.1- Hierarquização das necessidades humanas: a abordagem pioneira de
Menger
No primeiro capítulo desse trabalho, foi apresentada a evolução da teoria da
utilidade desde os seus primórdios com os trabalhos de Bentham e Mill. Entretanto, a
teoria da utilidade como é conhecida na Escola Neoclássica, teve suas origens estendidas
aos trabalhos independentes por Walras (1954), Jevons (1970) e Menger (1988), por volta
dos anos de 1870.
A descoberta independente e quase simultânea do princípio de utilidade marginal
por Jevons, Menger e Walras, marcou o início da Escolha Neoclássica. Dessa maneira,
se teve a progressão da Escola de Lausane a partir de Walras, a Escolha Austríaca (Böm
125
O campo de aplicabilidade da teoria da escolha de Moldau (1985), pode ser conduzido a
uma série de casos e áreas da Economia. O autor indicou a sua aplicabilidade para o estudo das
escolhas por parte do poder público, estendendo a sua análise para tomada de decisão da firma
entre diferentes critérios e estratégias de ação.
132
Bawerk, Wieser) a partir de Menger e da Escola Anglo-Saxã (Edgeworth, Marshall) a
partir de Jevons:
O ano de 1871, em que apareceram a Teoria de Política Econômica de
Jevons, bem como os Princípios de Economia Política de Carl Menger, é
hoje considerado por todos, e com razão, o início de uma nova época da
evolução da Economia Política. Jevons já havia exposto suas idéias
básicas nove anos antes, em uma conferência (publicada em 1866), a
qual porém, só despertou pouca atenção na época. Walras por sua vez,
começou a publicar em 1874. Assim tem-se a plena certeza de que
os trabalhos desses três fundadores se desenvolveram totalmente
independentes um dos outros (HAYEK, 1934)
126
.
Deve-se notar que o problema central dos três autores é o mesmo - a utilidade
marginal. Entretanto os seus trabalhos se diferem entre si quanto ao quadro referencial.
Mas, o interessante é observar que tais caminhos percorridos por cada um deles,
chegaram a resultados tão similares.
É importante ressaltar que a teoria da utilidade no molde da Escola Neoclássica,
foi quase integralmente antecipada por Gossen, quase vinte anos antes da publicação de
Jevons
127
. Entretanto, esse autor não exerceu grande influência na academia, não tendo
seguidores como ocorreu nos trabalhos influentes de Menger, Walras e Jevons.
A origem da teoria da utilidade, admitindo o hedonismo psicológico, já foi
delineada no primeiro capítulo desse trabalho. Cabe, agora, esclarecer a posição de
Menger (1988) dentro dessa linha de pensamento. Para o autor austríaco, o homem
econômico atua em resposta as suas sensações de necessidades, de modo que a sua
racionalidade é compreendida pela sua percepção de necessidades e pelo entendimento
da maneira pela qual estas podem ser satisfeitas por suas ações em relação ao meio
ambiente.
Tendo como base o trabalho de Moldau (1985), haveria duas maneiras distintas de
interpretar a teoria da utilidade:
a) a primeira como representando o princípio de maximização de prazer ou
satisfação, baseada na filosofia utilitarista de Bentham e Mill, conforme já apresentado.
126
Trecho introdutório de Hayek (1934) ao livro Princípios de Economia Política de Menger
(1988),
p. 4
127
Referente a primeira conferência em que houve a publicação de Jevons sobre a teoria da
utilidade em 1866. Ver Moldau (1985), p.14
133
b) a segunda reintrepretação corresponde à noção mais ampla de satisfação de
necessidades redutíveis à busca do prazer, sendo esta última associada aos trabalhos de
Menger (1988).
Ao contrário dos outros autores (Gossen, Jevons, Walras), Menger (1988) não
utiliza o conceito de utilidade como magnitude a ser maximizada pelo agente. A
determinação do valor para o autor austríaco está conduzida em termos de outros
objetivos que derivam o comportamento do agente, que procura satisfazer
progressivamente suas necessidades. Dito de outra forma, o indivíduo buscaria atender
sucessivamente suas necessidades postas em ordem decrescente quanto à sua
importância.
O argumento central de Menger pode ser compreendido a partir do seguinte
tabela:
Tabela 3: Escala de Necessidades
I II III IV V VI VII VIII
IX X
10 9 8 7 6 5 4 3 2 1
9 8 7 6 5 4 3 2 1 0
8 7 6 5 4 3 2 1 0
7 6 5 4 3 2 1 0
6 5 4 3 2 1 0
5 4 3 2 1 0
4 3 2 1 0
3 2 1 0
2 1 0
1 0
0
Fonte: Menger,1988,p.81
Menger (1988), em análise à tabela 3, sugere que os números expressos na tabela
são grandezas e graus de importância às necessidades, de modo que o número 10 cabe
à satisfação da necessidade que depende da conservação da vida. A escala 9 a 0,
designa os graus de importância que cabem, em ordem decrescente, ao abatimento das
demais necessidades. A escala da coluna I, indica a importância da necessidade de
134
alimentação, sendo essa importância decrescente de acordo com a sua progressiva
satisfação. A escala da coluna V, indica a necessidade por fumar, a qual também seria
decrescente em função de níveis crescentes de satisfação. Para uma interpretação
correta da tabela anterior, vale a citação literal do autor:
Todavia, na medida em que a necessidade de alimentação tiver sido
atendida até determinado graus de plenitude - por exemplo, até o ponto
em que o atendimento suplementar dessa necessidade tenha para o
referido indivíduo, simplesmente a importância que designamos com o
número 6 - o consumo de fumo começa a ter para esse indivíduo a
mesma que o atendimento suplementar da necessidade de alimentação,
e conseqüentemente o indivíduo em questão se empenhará, a partir
135
5.8.2 Hierarquização das necessidades humana admitindo-se ordenações
lexicográficas
Dada a abordagem pioneira de Menger, acerca da hierarquização das
necessidades humanas, busca-se investigar os aspectos formais em que seja possível
compreender a hierarquia de vontades e necessidades humanas. Conforme visto, Menger
(1988) foi o precursor dessa abordagem.
Para melhor compreender os aspectos conceituais acerca das necessidades
humanas, optou-se em recorrer aos trabalhos de Maslow (1954), para efeito de
simplificação. Esse autor foi um importante psicólogo e consultor americano, que
apresentou a teoria da motivação
128
, segundo o qual as necessidades humanas estão
ordenadas em níveis, numa hierarquia de importância e de influência.
Para o autor, a motivação humana é ditada pela satisfação das necessidades:
El hombre es un animal que desea y que raramente alcanza un estado
de completa satisfacción, excepto durante um corto tiempo. A medida
que se satisface, pugna outro todavia em el fondo, etc. Es una
característica del ser humano, a lo largo de toda su vida, el hecho de
que prácticamente este siempre deseando a lo. Nos encontramos,
entonces, con la necesidad de estudiar las relaciones de todas las
motivaciones en particular, de modo que nos hallamos enfrentados
concomitantemente com la necesidade de renunciar a las unidades
motivacionales aisladas, en el caso de que queramos establecer el
amplio entendimiento que andamos buscando. (MASLOW, 1954, p.73)
Maslow (1954), sugere a seguinte hierarquia das necessidades:
a) necessidades fisiológicas: constituem no mais baixo nível de todas as
necessidades humanas, representadas pela necessidade de alimentação (fome e
sede), de sono e repouso (cansaço), de abrigo (frio ou calor), desejo sexual etc.
Tais necessidades estão relacionadas com a sobrevivência e preservação da
espécie;
b) necessidades de segurança: constituem na busca de proteção contra a ameaça ou
privação, a fuga ao perigo. Surgem no comportando quando as necessidades
fisiológicas estão relativamente satisfeitas. Um exemplo desse tipo de
necessidade pode estar relacionado às incertezas e insegurança do empregado
quanto à sua permanência no emprego;
128
As obras do autor em geral são utilizadas no curso de Administração de Empresas, na
disciplina Teoria Comportamental da Administração. Para o caso deste trabalho, falar de hierarquia
de necessidades, sem mencionar a contribuição desse autor para o tema, seria tarefa incompleta.
136
c) necessidades sociais: constituem em necessidade de associação, participação,
companheirismo, de troca de amizade e amor. Surgem quando as necessidades
fisiológicas e sociais estão relativamente satisfeitas. Em suma as necessidades
sociais referem-se ao fato do indivíduo dar e receber afeto;
d) necessidade de auto-estima: compreendem a auto-confiança, status, aprovação e
prestigio social. Tais necessidades conduzem a sentimentos de auto-confiança,
força de vontade, capacidade e poder, ou seja, são necessidades relacionadas
com o modo pelo qual o indivíduo se vê e se avalia;
e) necessidade de auto-realização: referem-se às necessidades de cada indivíduo
realizar o seu próprio potencial e auto-desenvolver-se, de modo que são
necessidades elevadas na hierarquização das mesmas. Surge quando as
necessidades fisiológicas, de segurança, auto-estima encontram-se relativamente
satisfeitas.
Para Maslow (1954), quando as necessidades mais baixas estão relativamente
satisfeitas, as necessidades mais elevadas começam a dominar o comportamento do
indivíduo. Do mesmo modo, quando alguma necessidade de nível mais baixo deixa de ser
satisfeita, ela volta a predominar no comportamento. Para o autor, o indivíduo possui mais
de uma motivação, ou seja, todas as motivações atuam conjuntamente para a
determinação do comportamento.
Transferindo o debate psicológico para o campo da Economia, encontra-se em Lux
e Lutz (1986), a possibilidade de oferecer um modelo econômico de escolha mais
realista
129
, numa abordagem econômica humanista:
So far we presented the most essential ingredients of humanistic
economics (1) the affirmative of physiological and psychological needs,
2) the hierarchical prepotencies of the physiological needs and (3) the
importance of adequate security in activating the physiological and moral
needs. Equipped with such a foundation framework, we believe that the
current scopes of economic science can fruitfully enlarger in both its
descriptive and normative and normative aspects, but is the latter where
humanistic appears most relevant and witch we consider most
worthwhile. (LUX & LUTZ, 1986, p.399-400).
Os autores sustentam que o elemento central da perspectiva humanística da
escolha está entre os objetivos de bem-estar individual e de bem-estar coletivo, pois em
129
Os autores não formalizam o modelo, somente dão alguns insights acerca da possibilidade
do modelo de escolha econômica incluir outras necessidades além da satisfação do auto-interesse.
137
certos momentos o agente prefere restringir os impulsos de maximização e transpor o
auto-interesse, escolhendo em favor das considerações éticas e altruísmo.
Nessa mesma perspectiva, Georgescu-Roegen (1954), tece algumas críticas
quanto à visão unidimensional da teoria da escolha tradicional. Na visão do autor, muitas
questões importantes não podem ser respondidas por conta do postulado único (auto-
interesse) do comportamento individual. Georgescu-Roegen (1954), argumenta que
economistas importantes, como Walras e Jevons, defenderam a existência da
unidimensionalidade da utilidade. O próprio Walras, chegou a assumir a dificuldade
quanto ao termo utilidade, mas ao final, o mesmo preferiu adotar o termo:”The absolute
intensity of utility escape us...very well, then: this difficulty is not insurmountable. Let us
assume that this relationship exists…”
(WALRAS
130
., 1896, apud GEORGESCU-ROEGEN,
1954, Ibid, p.192p.97)
Dado, então, o debate teórico acerca da hierarquização das necessidades, passa-
se a discutir essa abordagem nos termos das preferências lexicográficas. Para facilitar a
compreensão do termo ordenações lexicográficas, recorre-se à Muramatsu (1999), que
um exemplo simples: suponha que um agente se depara com um conjunto de
alternativas
+
R
X
. Admitindo-se então duas cestas contendo dois bens, representados
por
Xyx
,
, sendo que as cestas são iguais aos vetores
),(
21
xx
e
),(
21
yy
,
respectivamente. Pode se dizer que a cesta
x
é estritamente preferida à cesta
y
, se
)(
11
yx
>
ou
)(
11
yx
=
e
)(
22
yx
>
.
O leitor deve observar que a ordenação lexicográfica viola o axioma de
continuidade de preferências, sendo que os seus limites não são preservados. Por
exemplo, uma função de produção é contínua se uma pequena alteração no insumo
ocasionar uma pequena variação na produção.
Simon (2004) dá a seguinte definição formal: Seja
f
uma função
k
R
em
m
R
. Seja
0
x
um vetor em
k
R
e
)(
0
xfy
=
sua imagem. A função é contínua em
0
x
e, dada
qualquer seqüência
{
}
=
1
n
n
x
em
k
R
que converge a
0
x
, vale a seqüência
{
}
=
1
)(
n
n
xf
da
imagens em
m
R
converge a
)(
0
xf
. A função é dita contínua se é contínua em cada
ponto do domínio”.
Intuitivamente uma função é contínua se o seu gráfico puder ser desenhado sem
que seja preciso levantar o lápis do papel. A função, será contínua se
)()(lim
bgxg
=
, se
130
WALRAS, Léon. Eléments d´économie politique pure (3
rd end.) Paris, 1896.
138
)(
g
tem o limite no ponto b e tal limite
)(
bx
coincidir com o valor
)(
g
no ponto
)(
b
.
Para o caso das ordenações lexicográficas está hipótese não se aplica, pois o limite no
ponto
)(
b
, não converge para o verdadeiro valor de
)(
g
no ponto
)(
b
.
De acordo com Muramatsu (1999) o termo lexicografia é oriunda da maneira como
um dicionário é organizado. Quando se consulta um dicionário, sabe-se que uma palavra
que inicia com a letra “a”, antecede uma outra letra que pode ser “t”. Quando duas
palavras como “abacaxi” e “armário”, é sabido que a posição ocupada pelas mesmas será
a segunda letra.
Com base nos trabalhos de Newman (1965), é sugerido um exemplo de Moldau
acerca das preferências lexicográficas:
Gráfico 5 - Preferências Lexicográficas: consumo entre cerveja e pão
Fonte: Moldau, 1985, p.85
Suponha um consumidor obcecado pelo consumo de cerveja. Com base no gráfico
anterior, o consumidor irá preferir uma combinação que contenha mais cerveja a qualquer
quantidade de pão. Se as duas combinações contivessem a mesma quantidade de
cerveja, o consumidor dará sua preferência pela combinação que tiver mais pão. Nota-se
139
que todas as combinações que estão à direita e acima do ponto
0
x
, considerando uma
reta perpendicular que passa por
0
x
, são melhores (região
0
B
) que as possibilidades de
consumo à esquerda e abaixo de
0
C
, onde
0
W
é o conjunto de alternativas piores para o
indivíduo.
Outros autores, como Muramatsu (1999), consideram o mesmo gráfico realizando
algumas adaptações:
Gráfico 6- Preferências Lexicográficas: consumo entre bem público e bem privado
Fonte: Muramatsu, 1999, p. 105
Para o gráfico anterior, assume-se que o agente é propenso a fazer o bem aos
outros, independente das chances de aumentar o bem-estar individual. Nesse caso o
indivíduo irá escolher uma cesta contendo os dois bens: bem público e bem privado. O
bem público refere-se aos recursos alocados para o consumo de bens e serviços da
comunidade. O bem privado refere-se aos bens de consumo próprio. De forma análoga,
se o indivíduo estiver numa situação em que existam duas cestas com a mesma
quantidade de bens públicos, ele tenderá a preferir a combinação que tiver mais bens de
consumo próprio. De acordo com a autora o estudo de ordenações lexicográficas ajudar a
entender a escolha realizada em favor dos nossos compromissos morais.
Georgescu-Roegen (1954), discute a análise de ordenações lexicográficas de
forma distintada que foi realizada até aqui. O autor propõe o Princípio de Irredutibilidade
das Necessidades (Principle of the Irreduticibility of Wants):
140
But not all human wants can reduced to a common basis. In contrast
with the principles already mentioned the Principle of the Irreduticibility
of wants seems to have escaped the attention of neoclassical
economists (…).In support of the irreduticibility of wants, one may refer
to many everyday facts: that bread cannot save someone from dying of
thirst, that living in luxurious palace does not constitute a substitute for
food etc. (GEORGESCU-ROEGEN, 1954, p. 196).
Em outros termos um critério deixa apenas de ser prioritário quando ele é
completamente satisfeito (saciado). O autor cita três princípios básicos utilizados por
alguns precursores da teoria da utilidade com base na hierarquia das necessidades:
a) O Princípio de Subordinação de Necessidades (Principles os Subordination of
Wants): esse postulado é atribuído aos trabalhos de Jevons que considera que a
satisfação de uma necessidade permite o surgimento de uma necessidade
superior;
b) Princípio da Saciedade (Principle of Satiable Wants): atribuído aos trabalhos de
Gossen acerca da satisfação total de uma única necessidade;
c) Princípio Crescente das Necessidades (Principle of Satiable Wants): atribuído ao
trabalho de Menger, acerca da ausência da saciedade absoluta das necessidades
que serão sempre crescentes;
De acordo com Georgescu-Roegen (1954), a teoria da utilidade reduz todas as
necessidades ao único denominador comum (a utilidade), por isso o autor propõe o
Princípio de Irredutibilidade das Necessidades, que caracteriza as mesmas pelo grau de
importância. Ou seja, quando um objetivo mais importante é completamente satisfeito, o
agente passa a considerar outros objetivos menos prioritários, sendo que a função dessa
escolha é determinada pelo critério menos importante.
Muramatsu (1999), aplica as idéias de Georgescu-Roegen (1954) para a escolha
eticamente motivada, baseada nas seguintes hierarquias de necessidades:
a) necessidades biológicas: referem-se às necessidades fisiológicas para a
manutenção da vida;
b) necessidades psicológicas: referem-se às necessidades do indivíduo ganhar
status e prestígio social;
c) necessidade de auto-realização: compreende a vontade do agente honrar
compromissos morais na promoção do bem-estar social;
Imagine que o indivíduo deva escolher uma combinação de bem público,
1
x
e de
bem privado
2
x
. Considere que o primeiro critério (necessidades biológicas) seja
satisfeito por qualquer combinação de bens público e privado, mensurado por uma
141
unidade de satisfação por qualquer necessidade biológica denominada como
)(
s
, de
modo que
21
x
x
s
+
=
. O segundo critério, refere-se às necessidades psicológicas
)(
p
,
que são satisfeitas pelo consumo de bem privado, tal que
2
x
p
=
. As necessidades de
auto-realização compreendem o terceiro critério que se refere aos compromissos morais,
denominados como
)(
m
. Esse critério refere-se ao número de agentes que precisam da
ajuda de um indivíduo, tal que
21
bxaxm
+
=
)0,(
>
ba
.
Então, se a necessidade de manutenção da vida
)(
s
for mais importante que a
necessidade psicológica
Ss
, em que
S
é a saturação do critério sobrevivência, o
agente irá fazer sua escolha com base na dimensão de “s”. Se houver duas combinações
com o mesmo “s”, o indivíduo começa a considerar a maior combinação de bem público e
privado que atenda as suas necessidades de natureza psicológica
)(
2
xp
=
, escolhendo a
melhor combinação que tiver
2
x
. Se
Ss
>
, a necessidade biológica passa a ser
secundária às escolhas baseadas nas necessidades psicológicas
)(
p
. Do mesmo modo
se houver duas cestas com
)(
p
iguais, o agente passa a considerar a combinação de
bem público e privado que atenda as suas necessidades de natureza relacionadas aos
compromissos morais
)(
m
, de modo que esta última irá determinar a escolha
131
.
Para Moldau (1985), nesse universo das preferências lexicográficas existem duas
versões estudadas pelos economistas:
a) a primeira versão é adotada pela maioria dos economistas, e pressupõe uma
hierarquização de critérios imutáveis com o mesmo critério prioritário em todo
campo de escolha do indivíduo. Tal versão é representada pelos economistas
Little e Gorman (1971);
b) a segunda versão é representada por Georgescu-Roegen (1954) e Encarnación
(1964) e admite que diferentes critérios podem ser prioritários de forma mutável,
assumindo que cada necessidade deixa de ser prioritária quando é completamente
saciada;
Moldau (1985), critica a abordagem de Georgescu-Roegen (1954), quanto à
questão de saciedade das necessidades. O autor afirma:
131
142
Dificilmente se poderia aceitar que a necessidade seja prioritária frente
às variações substanciais da renda do indivíduo. Em particular, a
saciedade das necessidades biológicas básicas é um fato indiscutível
que não tem escapado as observações de mercado ou mesmo ao
exame introspectivo. Por outro lado, a noção de que determinada
necessidade deixa de ser predominante quando totalmente saciada,
dificilmente pode ser aceita como representativa do caso geral conforme
observado acima. (MOLDAU, 1985, p.92).
O autor propõe uma versão alternativa a de Georgescu-Roegen (1954), que
corresponde a noção de que determinadas necessidades podem deixar de ser prioritárias
antes de serem totalmente satisfeitas, havendo nessa transição pontos do espaço de
bens em que mais de uma necessidade se tornariam igualmente importantes. Essa noção
será utilizada a seguir, aplicada ao modelo de altruísmo genuíno de Muramatsu (1999).
5.8.3 Teoria da escolha sob critérios irredutíveis como alternativa viável ao
comportamento não-egoísta: o modelo de altruísmo genuíno de Muramatsu
O modelo de altruísmo genuíno de Muramatsu (1999), em sua versão preliminar
propõe o entendimento da conduta altruísta a partir da abordagem ética. A autora utiliza a
teoria da escolha sob critérios múltiplos irredutíveis de Moldau (1985), como alternativa
plausível para o altruísmo genuíno. Nesse caso as considerações acerca da promoção do
bem-estar alheio são entendidas como um fim em si mesmo, não sendo redutível ao auto-
interesse.
Retomando o debate da sub-seção anterior acerca da saciedade das
necessidades, pode-se classificar essa teoria da escolha dada por Moldau (1985), como
uma terceira versão das ordenações lexicográficas. Nesse caso a escolha é determinada
pela importância relativa dos critérios, ao contrário de necessidades completamente
satisfeitas conforme proposto por Georgescu-Roegen (1954). Com base nesse terceiro
tipo de ordenação lexicográfica, Moldau (1985) sugere um exemplo: Suponha que num
ponto do conjunto de alternativas de um consumidor de baixo nível de ingestão calórico, a
prioridade pode ser o conteúdo calórico. Ademais, em outro ponto em que se observa um
baixo vel de proteínas, o conteúdo protéico será o critério prioritário para a tomada de
decisão.
143
De forma geral, os principais axiomas que o modelo de Moldau (1985) contemplam
são
132
:
a) axioma de comparabilidade
b) axioma de transitividade
c) axioma de não saciedade
d) axioma de continuidade da relação de não-preferência em termos do critério
Para exemplificar, tais premissas Muramatsu (1999) propõe uma análise gráfica
desse modelo de hierarquia móvel dos critérios irredutíveis para entender a conduta
altruísta. Em sua primeira análise gráfica, a autora (1999), considera dois bens (público e
privado) com dois critérios de escolha. Portanto, imagine que o agente consome dois
bens, um bem público
)(
1
x
e um bem privado
)(
2
x
, e que possui apenas dois critérios (a
e b). O critério (a), refere-se à necessidade de satisfazer o auto-interesse próprio e o
critério (b), diz a respeito da necessidade de contribuir para a promoção do bem-estar
social. Esses dois critérios são respectivamente apresentados pelas funções
),(
21
xxUU
aa
=
e
),(
21
xxUU
bb
=
. O gráfico a seguir ilustra a escolha do consumo desses
bens em termos da importância relativa dos critérios (a) e (b):
132
Julga-se que não seja preciso colocar por completo a formalização do modelo sob critérios
múltiplos de Moldau, até porque tal formulação de variáveis é extensa. O objetivo é somente traçar
um panorama geral da idéia de ordenações lexicográficas. Ao leitor interessado nas premissas e
detalhes da formalização do modelo indica-se que consulte: Moldau (1985), pp. 17-39
144
Gráfico 7 - Hierarquia móvel com dois critérios de escolha
Fonte: Muramatsu, 1999, p.117
O gráfico 8, indica que a necessidade de satisfazer o auto-interesse é
predominante em toda a região OPR, incluindo a linha PR. No ponto R, tem-se dois
critérios igualmente importantes, isto é,
ba
UU
=
. Observando a curva PR, em que o auto-
interesse (a) é prioritário, qualquer combinação de bem público e privado, que contenha
maior quantidade de bem privado será preferido ao ponto R. Todas as combinações sobre
a curva RS, os critérios (a) e (b), são igualmente importantes, sendo que a esquerda de
a
U
é prioritário e a esquerda da curva RS,
b
U
é prioritário.
A autora considera também
´´´´´´´´´´´´
bbbaaa
UUUUUU
, admitindo-se que
´´´´´´
aaaa
UUUU
<
<
<
e
´´´´´´
bbbb
UUUU
<
<
<
, como vários níveis de satisfação associados
aos critérios (a) e (b). Caso se observe a curva
´´´´´´
ba
MUU
, verifica-se que qualquer
alocação abaixo dessa curva está relacionada a níveis inferiores de satisfação de
critérios. Nesse caso, o ponto N é preferido a todas as combinações alternativas abaixo
´´´
b
MU
e à direita de RM, pois elas estão relacionadas a níveis mais baixos de satisfação
do critério mais importante, que referem-se ao bem-estar social. O ponto N é preferido a
qualquer combinação à esquerda de RM e abaixo de
´´´
a
U
, porque se refere a um nível de
satisfação do critério prioritário mais elevado, independentemente do fato do critério
145
prioritário de uma alternativa à esquerda de RS (necessidade de satisfazer o auto-
interesse). Em relação ao ponto M, tem-se que o critério (a) é tão importante quanto o (b).
Muramatsu (1999), afirma que o ponto N é preferido a M porque, embora as duas
alternativas apresentem o mesmo nível de satisfação do critério prioritário (M e N estão
sobre
´´´´´´
ba
MUU
), sendo que N está relacionada a um nível mais elevado de satisfação
do segundo critério.
Na seqüência a autora considera que um agente pode escolher uma alternativa de
consumo de bem público
)(
1
x
e um bem privado
)(
2
x
, mas que se depara com quatro
objetivos irredutíveis. Dito de outra forma, o agente possui quatro tipos de necessidades
que motivam o processo decisório, representados por (a), (b), (c) e (d), sendo que:
a = necessidade de satisfazer o seu auto-interesse
b = necessidade de ganhar status e prestígio social
c = necessidades psicológicas, referentes à necessidade de se ter uma auto-
imagem positiva
d = necessidade de honrar os compromissos éticos e morais, satisfazendo os
interesses da sociedade
Portanto, o agente vai se deparar com quatro funções representativas da
satisfação de cada um dos critérios, representadas por
),(
21
xxU
a
,
),(
21
xxU
b
,
),(
21
xxU
c
e
),(
21
xxU
d
. Muramatsu (1999), sugere o seguinte gráfico para análise:
Gráfico 8 - Hierarquia móvel com quatro critérios de escolha
Fonte: Muramatsu, 1999, p. 119
146
De acordo com o gráfico 8, sobre as curvas RS, R´S` e R´´S´´, tem-se
respectivamente as seguintes funções:
ba
UU
=
,
cb
UU
=
e
dc
UU
=
. Para as alternativas
à esquerda de R, critério (a) é prioritário. Entre RS e R´´S´´o critério (b) é prioritário. Entre
R´S´e R´´e S´´ o critério (c) é prioritário. Neste contexto, as alternativas devem ser
analisadas a partir da curva MABCN. Se percorre-se o ponto M em direção ao ponto A,
percebe-se que o critério prioritário (auto-interesse) se mantém constante. Entretanto,
tem-se que
ba
UU
=
, enquanto em A, tem-se que, entre os pontos A e B, a importância
do critério (b) (necessidades sociais) fica inalterada, enquanto (a) perde importância e as
necessidades psicológicas e morais vão se tornando mais importantes. No ponto B, as
necessidades sociais e psicológicas tornam-se igualmente importantes sendo que as
duas coincidem com o critério de primeira ordem. Ao longo do trecho BC, nota-se que
c
U
é constante e as necessidades de honrar compromissos morais tornam-se relativamente
mais importantes, em função de outros critérios. Em C,
dc
UU
=
, o critério prioritário (d)
passa a ser prioritário, tornando-se o critério de primeira ordem, sendo que o agente
passa a direcionar os seus recursos para o aumento do bem público, tendendo ao ponto
N.
A autora argumenta que o critério de primeira ordem pode variar dependendo do
ponto em que se encontra o indivíduo relativamente à curva MABCN, que determina a
importância de primeira ordem. Todo ponto abaixo dessa curva resulta numa satisfação
mais baixa do critério prioritário. Pode-se notar que o ponto está associado a um índice
inferior de satisfação do critério (b), enquanto o ponto Q é associado a um nível de
satisfação inferior para o critério prioritário (c), na composição da hierarquização das
necessidades.
Muramatsu (1999), afirma que o critério de primeira ordem ajuda a entender a
determinação do equilíbrio. Os critérios de ordem superior serão necessários quando
existirem duas alternativas em que a importância relativa dos critérios prioritários sejam
iguais. Nesse contexto, a autora conclui que a versão da teoria de escolha com objetivos
múltiplos irredutíveis tem a vantagem de incorporar, de maneira direta, outras motivações
que não podem ser reduzidas ao auto-interesse. Na prática, a escolha efetiva pode ir
contra o interesse próprio e o bem-estar individual, admitindo o bem-estar alheio como
critério prioritário. Ademais, a autora tece críticas quanto a limitação da teoria de escolha
convencional no que diz respeito a ordenação unidimensional. Assim, a partir desse
147
modelo é possível realizar a análise econômica do altruísmo genuíno, sendo que tal
abordagem é perfeitamente consoante às idéias de Sen (1982), acerca da escolha
baseada nos compromissos morais e éticos.
5.9. Modelos de altruísmo: algumas qualificações sobre o debate
Nas seções anteriores, destacou-se alguns modelos principais de altruísmo. Em
sua maioria o comportamento altruísta assume alguma versão do modelo de maximização
de utilidade sujeito às restrições. Em geral o altruísmo é assumido pelos economistas
como versão do auto-interesse esclarecido: o altruísmo é admitido como conduta racional
se somente se o agente máxima a sua própria função utilidade, baseada no auto-
interesse em detrimento do bem-estar alheio. Entre estes modelos estão:
a) Modelo de altruísmo na família (Becker, 1974);
b) Modelo tradicional de altruísmo (Roberts,1984 e Stark, 1989);
c) Modelo de altruísmo recíproco (Sugden, 1984);
d) Modelo de altruísmo impuro (Andreoni, 1987);
e) Modelo de altruísmo como sinalização de riqueza (Glazer e Konrad, 1996);
O modelo de altruísmo da família considera que os beneficiários egoístas de uma
dada família, internalizam todas as externalidades que os afetam individualmente. A
família é admitida por Becker como unidade da atividade econômica, sendo que o
beneficiário (esposa ou filho), agirá para favorecer a elevação da renda do altruísta (pai),
elevando assim a renda familiar e a parcela que será destina ao próprio beneficiário.
O modelo de altruísmo tradicional, no qual alguns autores como Stark (1989),
Roberts (1984) e Becker (1974) realizam suas análise com modelagens bem
semelhantes, conclui que, quando a população cresce, o indivíduo tende a cooperar cada
vez menos, tendendo a não contribui para o bem público, pois no equilíbrio somente os
ricos contribuirão. Nesse caso, a motivação é essencialmente egoísta, pois as
contribuições ao bem público servem para melhorar a auto-imagem do indivíduo.
O modelo de altruísmo impuro de Andreoni (1987), caracteriza o indivíduo por uma
função utilidade, em que seus argumentos representam a motivação altruísta
relacionadas à motivação egoísta, no que se refere às doações individuais. O altruísta
impuro, gera um ganho de utilidade para o próprio indivíduo, como que se sua ação de
caridade estivesse próxima ao consumo de um bem privado.
148
O modelo de altruísmo recíproco de Sugden (1984), admite que a ação filantrópica
149
muito abstrata e por ignorar diferenças que separam ações voltadas
para satisfação pessoal daquelas feitas em resposta às considerações
sobre o bem-estar alheio. (MURAMATSU, 1999, pp.77-78).
Em defesa da abordagem ética, admitindo o altruísmo, como conduta genuína,
encontram-se os seguintes modelos:
a) Modelo de escolha moral (Zsolnai, 1997);
b) Modelo de Self Múltiplo (Margolis, 1984);
c) Modelo de altruísmo genuíno sob os critérios múltiplos irredutíveis (Muramatsu,
1999);
O modelo de escolha moral proposto por Zsolnai (1997), utiliza um “maximim” para
explicar a tomada de decisão baseada no auto-interesse do indivíduo, e também a
tomada de decisão baseada no bem-estar da comunidade na qual ele pertence. A idéia é
que, se o indivíduo se depara com dilema ético, ele estará propenso a fazer a escolha
para minorar o pior dos resultados possíveis.
O modelo Self Múltiplo de Margolis (1984) está baseado na escolha moral, que é
caracterizada por duas funções existentes em cada indivíduo (self dual). Cada uma
dessas funções está associada a motivações diferentes, pois em uma delas o agente
busca satisfazer o seu auto-interesse e na outra ele busca maximizar o bem-estar da
comunidade a partir da contribuição de bens públicos. Uma função preserva o auto-
interesse e a outra a motivação essencialmente altruísta.
O modelo de altruísmo genuíno de Muramatsu (1999) está associado à idéia de
metas-preferência de Sen (1982), pois sua construção analítica permite explicar o
altruísmo genuíno utilizando a noção de critérios múltiplos irredutíveis. Para explanar tal
modelo, retornamos ao debate acerca da utilidade, apresentando o argumento central de
Menger (1988) sobre a hierarquização das necessidades humanas e, posteriormente,
apresentamos o mesmo debate admitindo a noção de ordenações lexicográficas para a
hierarquia das necessidades irredutíveis entre si.
O leitor pode se perguntar qual o avanço que se teve na teoria econômica, com a
abordagem do comportamento altruísta, isto é, admitindo-se as contribuições da
psicologia, filosofia moral e sociobiologia. Pontualmente, não é uma tarefa muito simples
identificar tais avanços até porque muitos elementos teóricos deste trabalho, foram
questões discutidas pelos economistas clássicos. Tais questões ganharam novos
contornos com os economistas contemporâneos que tratam do assunto.
150
Em termos práticos, a começar pela sociobiologia, pode-se afirmar que os estudos
dessa área tiveram forte influência para o tratamento racional da conduta altruísta. O
modelo pioneiro de Becker (1974), que aborda o altruísmo na família teve influência direta
da socibiologia, no sentido de trazer reflexões acerca das relações familiares com as
relações econômicas, na alocação de recursos entre seus membros tendo em vista o grau
de parentesco. Ademais, vale reiterar que o trabalho pioneiro de Becker (1974),
influenciou outros trabalhos na área da dinâmica evolucionária do altruísmo, incluindo os
modelos de altruísmo de Samuelson (1993), Stark (1993) e Simon (1990). Todos esses
modelos entre outros, estabelecem a relação entre a sociobiologia com a teoria
econômica.
Essa pesquisa contemplou somente dois modelos que tiveram a influência direta
da sociobiologia, como o modelo de Becker (1974) e Sugden (1984). Este último modelo,
conforme visto, trata das relações de reciprocidade, sendo influenciado pela teoria do
altruísmo recíproco de Trivers (1971). Seguindo a argumentação de Zagmani (1995), de
um modo geral, concordamos que a sociobiologia influenciou boa parte dos modelos
econômicos existentes acerca da conduta altruísta. Conforme verificado, o altruísmo é o
problema central da sociobiologia, ou seja, falar de altruísmo sem considerar a
contribuições dessa área biológica, seria uma tarefa incompleta. Ademais, os
pesquisadores da área da economia do altruísmo, retomaram na década de 70, algumas
questões clássicas acerca do altruísmo. Tal fato, pode ser considerado um avanço para a
teoria econômica, que, mesmo permanecendo na mesma linha neoclássica, procurou dar
um novo tratamento a tais questões que foram deixadas de lado com a ascensão da
economia neoclássica.
A incursão dessa pesquisa pela área da psicologia teve a intenção de trazer para o
debate a empatia como determinante das relações sociais que envolve algum tipo de
altruísmo. Conforme analisado, a empatia é um velho conceito da psicologia, utilizado por
Smith na sua obra “Teoria dos Sentimentos Morais”. O leitor deve notar que a retomada
desse assunto foi realizada tão somente para identificar a empatia como mecanismo
psicológico que antecede a ação altruísta. Os modelos aqui apresentados, mesmo que
intrisicamente, partem do pressuposto empático para determinação do comportamento
altruísta.
Deve-se notar que tais elementos da psicologia, estão incluídos em todos os
modelos econômicos aqui apresentados, porque são modelos que de certa forma,
procuram questionar o conteúdo da formação de preferências, ou seja, sutilmente,
151
procuram questionar o conteúdo da ação altruísta racional. Essa discussão fica clara no
modelo de Andreoni (1987) que procura identificar o altruísmo como impuro, ou seja,
como versão sutil do auto-interesse. O modelo de Glazer & Konrad (1996) é um outro
modelo, por exemplo, que procura identificar as doações voluntárias como sinalização de
riqueza, sendo uma necessidade psicológica de ostentação de riqueza para o indivíduo
que não faz as doações no anonimato.
Mesmo admitindo que a maioria dos economistas dessa área, têm dificuldades
para entender o altruísmo na sua forma genuína, fica evidente com os modelos aqui
apresentados, que um esforço para entender o conteúdo dessa conduta. É nesse
contexto, que se pode dizer que uma avanço para a teoria econômica, porque um
esforço para entender o conteúdo dos gostos e preferências para o processo decisório do
agente altruísta, levando-se em consideração os estímulos psicológicos e as emoções
como determinantes desse tipo de conduta. O homem econômico racional não é mais
admitido como um conceito filosófico, metafísico ou normativo: é puramente instrumental.
A incursão dessa pesquisa, pela filosofia moral está justificada pelo fato de trazer
ao debate a questão da ética. Conforme já mencionado, os três últimos modelos abordam
a questão da escolha moral. São antigas reflexões dos filósofos, como Platão e
Aristóteles, em definir o que é ético e o que não é ético, que foram trazidas ao debate. A
busca intensa pelo auto-interesse sem fim, sem limites pode não levar as pessoas a se
sentirem mais felizes, isso ficou evidenciado na abordagem do homem ético de Sen, em
que a ética abordada está relacionada à escolha moral que maximiza o bem-estar
individual e coletivo.
Os modelos de Zsolnai (1997), Margolis (1984) e Muramatsu (1999), evidenciam
um avanço para a teoria econômica ao incluírem a dimensão moral para a conduta
altruísta, sendo que os trabalhos de Sen (1982) tiveram uma grande influência para a
construção de tais modelos.
De forma geral, as contribuições da filosofia moral, psicologia e sociobiologia para
o avanço da teoria econômica são ainda incipientes. De qualquer forma, cada uma
dessas ciências procurou dar um tratamento racional para a conduta altruísta. Tais
contribuições são muito mais qualitativas do que específicas (pontuais). Por outro lado,
pode-se observar que, mesmo havendo avanços e contribuições para a teoria econômica,
a abordagem acerca do comportamento altruísta ainda é neoclássica, pelas
características metodológicas que se manteve, entre elas: preferências estáveis, escolha
racional e tendência ao equilíbrio. Vale reiterar que nenhum dos modelos aqui
152
mencionados contemplaram a natureza da evolução histórica das instituições nas
relações sociais, compreendendo, em regras formais e informais, cooperação e valores
para determinação do comportamento altruísta.
Em suma, tais modelos justificam a incursão deste trabalho na análise econômica
do comportamento altruísta, cujo comportamento individual efetivo está baseado tanto nas
demandas morais quanto na perseguição dos diversos objetivos dos agentes.
153
6 CONCLUSÃO
O propósito dessa dissertação foi avaliar questões controversas entre o
comportamento altruísta e racionalidade econômica, tendo como “pano de fundo”, a
introdução metodológica desse debate acerca da ética nas ciências econômicas.
Destacam-se duas questões iniciais que conduziram, então, a nossa investigação acerca
do tema:
c) O altruísmo pode ser admitido como um comportamento economicamente viável?
d) Entre os vários tipos existentes de altruísmo, será que o comportamento
genuinamente altruísta pode ser considerado como um comportamento
economicamente racional?
Essas questões conduziram essa pesquisa a investigar uma parte da Economia do
Altruísmo, a partir de uma ampla revisão literária acerca do comportamento individual
envolvendo compromissos éticos.
A conduta individual na vida prática nem sempre é pautada pelo auto-interesse,
embora seja reconhecido que esse de fato é um comportamento predominante. Várias
situações observadas no cotidiano foram fontes de inspiração para a elaboração desse
trabalho. Como exemplo, caso em que Indivíduos que se engajam em ações voluntárias,
sejam eles ricos ou pobres, para promover o bem-estar alheio. Outro exemplo, são
aqueles Indivíduos que deixaram por ora o bem-estar pessoal em razão da promoção do
bem-estar alheio, seja de um parente ou de um desconhecido que não poderá retribuir a
ação altruísta. Então, por mais que o debate seja estritamente acadêmico, as situações
observadas no cotidiano durante a elaboração deste trabalho foram motivadoras para
essa investigação.
Para explicar as razões motivacionais para justificar a ação altruísta procurou-se
abandonar o arcabouço metodológico da teoria da escolha tradicional, cuja base
comportamental está associada à tese do auto-interesse. Nesse percurso houve algumas
dificuldades para realizar a análise econômica do altruísmo, porque foram encontrados
argumentos bem convincentes acerca da defesa do auto-interesse. Ademais, descobriu-
se que o altruísmo não é sinônimo de altruísmo genuíno, como se imaginou no início
154
desse trabalho. Na verdade, foram encontrados argumentos bem convincentes que
relacionam a conduta altruísta com o egoísmo, ou seja, uma versão aparente de altruísmo
ou altruísmo disfarçado.
Para entender melhor essa problemática, julgou-se importante iniciar essa
investigação pela análise econômica do comportamento individual, acerca das origens,
significados e alternativas ao homem econômico. Foi mostrada desde a origem do
homem econômico desde a aliança da filosofia utilitarista com a teoria econômica, cuja
base está restrita ao componente psicológico, até a sua versão neoclássica, cuja base
está restrita ao componente racional. Ficou entendido a partir da versão racional do
homem econômico, porque ele foi criado e qual foi a sua contribuição para metodologia
da Economia enquanto ciência. Também buscou-se investigar as alternativas ao homem
econômico a fim de obter outros padrões comportamentais que pudessem ampliar o
debate acerca dos processos decisórios das escolhas dos agentes. Entre algumas
alternativas, encontrou-se o homem ético de Sen, a partir da abordagem de meta-
preferências, sendo este a versão mais adequada para a análise econômica da ação
altruísta.
O debate, apresentado colocou em evidência, questões delicadas acerca das
relações entre altruísmo, senso de justiça e compromissos morais. Verificou-se que o
altruísmo nem sempre representa uma conduta ética aceitável, porque o nepotismo e o
paternalismo também são formas de altruísmo. Aspectos ideológicos que justificam um
soldado honrar compromissos éticos em favor de sua pátria promovendo a guerra com
outros povos, também configuram um tipo de altruísmo, cuja conduta é eticamente
inaceitável. Foi possível identificar as contribuições da Psicologia Experimental ao tema,
em detrimento das relações entre empatia e altruísmo. Do mesmo modo, o debate pela
Filosofia Moral, permitiu entender a perspectiva da preferência moral autônoma para
tomada de decisão do agente a fim de honrar compromissos éticos. Portanto, o
enquadramento da conduta altruísta, numa abordagem racional e instrumental foi
possível sob a condição de que o indivíduo altruísta leve em conta a utilização eficiente
dos meios disponíveis para promoção do bem-estar alheio.
Buscou-se investigar também as contribuições da Sociobiologia para a
racionalidade altruísta, a qual se baseia fundamentalmente nos estudos da conduta
altruísta. Houve certas dificuldades nesta área para tratar o altruísmo de forma genuína,
pois, para os sociobiólogos o ato altruísta é aquele que parece superficialmente aumentar
155
a probabilidade do altruísta morrer em favor do seu beneficiário (parente), de modo que o
altruísta beneficia os seus interesses reprodutivos de quem o pratica.
Foram apresentados os mesmos modelos econômicos acerca da conduta
altruísta. Identificou-se que a maioria dos modelos entendem o altruísmo como resultado
do auto-interesse esclarecido, permanecendo ainda dentro da visão unidimensional da
teoria da utilidade. De modo específico, foi apresentado o modelo de altruísmo genuíno
de Muramatsu. A construção desse modelo, foi baseado nos objetivos múltiplos de
Moldau, que permitiram entender a racionalidade altruísta em sua forma genuína. Para
esse caso, os agentes podem ordenar as alternativas em termos dos critérios específicos,
podendo admitir que, em determinadas situações, o bem-estar alheio pode ser um
objetivo prioritário. Ademais, tal modelo de escolha foi compatível com as idéias da
abordagem ética de Sen, conforme apresentado no início desta pesquisa.
Em resposta às questões levantadas no início dessa investigação, o trabalho
conclui que a ação altruísta em suas diversas vertentes, inclusive a genuína pode ser
considerada economicamente racional, sendo possível haver a integração de questões de
natureza ética, envolvendo o altruísmo com a noção de racionalidade econômica.
Esse trabalho não teve a pretensão de refutar a tese do auto-interesse em
detrimento do altruísmo. Reconheceu-se que o auto-interesse é o comportamento
predominante da natureza humana. Do mesmo modo, essa pesquisa reconhece também,
que o homem econômico racional é um instrumental de análise engenhoso que permitiu
grandes avanços na teoria econômica. Entretanto, tendo como base os trabalhos de Sen,
acredita-se que a abordagem da ética na teoria econômica tem muito a contribuir, um vez
que tal abordagem não deveria estar desassociada do comportamento real dos agentes,
elevando o seu poder explicativo das conseqüências do comportamento moral para o
resultados econômicos. De certa forma, isso poderia reduzir o distanciamento entre a
abordagem normativa e positiva da teoria econômica.
Vale reiterar que o modelo de altruísmo genuíno de Muramatsu, baseado na teoria
da escolha sob critérios múltiplos de Moldau, não rompe totalmente com o programa de
pesquisa neoclássico, pois tal modelo exige o uso intenso dos pressupostos de
racionalidade forte da economia ortodoxa. A racionalidade forte assume que os indivíduos
são capazes de colher e processar toda informação disponível, agindo de modo a
maximizar os seus objetivos, mesmo que tais objetivos sejam irredutíveis entre si.
Mesmo evidenciando que o altruísmo genuíno pode ser admitido como um
comportamento economicamente racional, de se reconhecer que as relações de
156
reciprocidade são muito mais comuns entre os indivíduos. Além disso, de se
considerar que as relações econômicas estão assentadas sobre as instituições, regras
formais e informais e valores. Tais relações sociais são resultados da evolução histórica
das instituições.
A teoria econômica na sua versão neoclássica, deixou de lado as suas origens na
filosofia moral. Esse trabalho, procurou evidenciar que as questões relativas ao papel da
racionalidade, da empatia, reciprocidade, altruísmo e valores morais, foram eliminadas da
teoria econômica neoclássica. No entanto, essa pesquisa não abordou os aspectos
institucionais determinantes para o comportamento altruísta. Se, com a ética econômica,
pode-se avaliar o bem do mal, o justo do injusto, então, a construção de instituições como
meios que produzem os fins, pode ser um ponto central entre ética e economia para
entender o comportamento dos agentes altruístas.
A natureza institucional faz parte do fenômeno econômico e, neste contexto, pode-
se investigar em futuros trabalhos as relações entre entidades filantrópicas, instituições e
cooperação para o estabelecimento de resultados socialmente desejáveis. Em termos
práticos, tem-se os seguintes problemas: de acordo com as regras dos jogos (conjunto de
instituições) que conduzem à ação cooperativa e ao comportamento altruísta, qual é o
impacto do setor filantrópico sobre a distribuição de riqueza e renda no Brasil? No setor
filantrópico haveria espaço para ordenamento dos meios (instituições formais e informais)
e a ordenação do fim (resultado das ações dos agentes voluntários) em termos de
eficiências, bem-estar e justiça social? Seria possível que um determinado tipo de
comportamento social conduzisse a criação de instituições (normas) e órgãos (entidades)
que o justifique? Qual o aparato institucional que poderia regular as ações do setor
filantrópico no Brasil, promovendo a eficiência e o bem-estar social? Quais as suas
origens institucionais da filantropia no processo de formação econômica brasileira?
Esse trabalho abre espaço, para o início das investigações expostas
anteriormente. As entidades filantrópicas do terceiro setor, tendo o altruísmo como um
tipo de comportamento social, abarca um volume significativo de doações de recursos
que dita as ações filantrópicas. Assim, acredita-se que para futuros trabalhos a incursão
sobre as questões institucionais, poderia contribuir com o debate acerca das
complexidades do comportamento moral/altruísta e as suas relações com o
desenvolvimento das instituições sociais em seu processo histórico.
157
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