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UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS
CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
ALEX PIZZIO DA SILVA
A ECONOMIA SOLIDÁRIA E A QUALIFICAÇÃO SOCIAL DOS
TRABALHADORES EMPOBRECIDOS
SÃO LEOPOLDO
2007
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2
ALEX PIZZIO DA SILVA
A ECONOMIA SOLIDÁRIA E A QUALIFICAÇÃO SOCIAL DOS
TRABALHADORES EMPOBRECIDOS
Dissertação apresentada à Universidade do
Vale do Rio dos Sinos como requisito parcial
para obtenção do título de mestre em ciências
sociais.
ORIENTADOR: DR. LUIZ INÁCIO GERMANY GAIGER
SÃO LEOPOLDO
2007
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3
Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca da
Universidade do Vale do Rio dos Sinos
Catalogação na Publicação:
Bibliotecária Eliete Mari Doncato Brasil- CRB 10/1184
S586e Silva, Alex Pizzio da
A economia solidária e a qualificação social dos
trabalhadores empobrecidos / por Alex Pizzio da Silva. – 2007.
154 f. : il. ; 30cm.
Dissertação (mestrado) — Universidade do Vale do
Rio dos Sinos, Programa de Pós-Graduação em
Ciências Sociais, 2007.
“Orientação: Prof. Dr. Luiz Inácio Germany Gaiger,
Ciências Humanas”.
1. Economia solidária. 2. Qualificação social. 3.
Ruptura social. 4. Catador - Material reciclável -
Organização social. I.Título.
CDU 334.4:628.477.6
4
A ECONOMIA SOLIDÁRIA E A QUALIFICAÇÃO SOCIAL DOS
TRABALHADORES EMPOBRECIDOS
Dissertação apresentada à Universidade do
Vale do Rio dos Sinos como requisito parcial
para obtenção do título de mestre em ciências
sociais.
Aprovado em março de 2007
BANCA EXAMINADORA
_______Dr._Luis Inácio Germany Gaiger- Unisinos_____________
_______Dr. Marilia Veríssimo Veronese - Unisinos_____________
______Dr._Ivaldo_Gelhen - Ufrgs___________________________
5
AGRADECIMENTOS
Agradeço,
A minha esposa e filhos, aos meus sogros e cunhados, pelo apoio,
paciência e compreensão demonstrados ao longo destes dois anos de ausências.
Ao professor Luiz Inácio Gaiger pela ajuda prestimosa, pela paciência e
dedicação com que me acolheu e orientou.
A professora Marília V. Veronese pelas suas colaborações, sem as quais
este trabalho não seria o mesmo e pelo incentivo para seguir adiante em minha
vida acadêmica.
Ao professor José Rogério Lopes por suas aulas dentro e fora da sala, pela
sua contribuição no meu enriquecimento pessoal e pela amizade e
companheirismo dispensado a seus alunos.
A Maristela gostaria de fazem um agradecimento especial. Entendo que
existem pessoas que vão muito além de sua atuação profissional; são amigas, nos
incentivam e se alegram nossas conquistas. A Maristela é uma destas pessoas
especiais, que com rara beleza alegra dia-a-dia no PPG.
Aos meus colegas e amigos, Joni e Carlos Daniel, pela amizade sincera,
pelo incentivo nas dificuldade e pelas comemoração nas vitórias.
Aos trabalhadores da reciclagem pelo carinho com que me receberam.
A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior–
CAPES, pela bolsa de pesquisa que me proporcionou as condições para a
realização deste curso.
A universidade do Vale do Rio dos Sinos por me propiciar todas as
condições necessárias à realização do meu aprendizado.
6
A vida tornou-se angustiosa para Mário. Devorar seus trajes
e seu relógio não era ainda o fim. O que o alimentava era a
coisa terrível, o chamado pão que o diabo amassou. Mistura
horrível, composta de dias de fome, noites insones e sem
luz, lar sem fogo, semanas sem trabalho, futuro sem
esperança, cotovelos rotos, insolências de porteiros,
zombarias de vizinhos, humilhações, dignidade ofendida,
desgostos, amargura e, por fim, sua própria derrocada.
Vitor Hugo, Os miseráveis.
O homem é um ser que vive de ilusões e de esperanças, às
quais nunca puderam dar morte os grandes cataclismas da
história. Uma das mais bonitas idéias é de um Direito do
Trabalho que, de uma vez para sempre, na luta entre o
Capital e o Trabalho, ponha o primeiro, e a Economia em si,
a serviço do segundo.
Mário de La Cueva
7
RESUMO
Neste trabalho apresento um estudo comparativo entre dois empreendimentos
econômicos solidários na área da reciclagem e de um grupo de catadores que não
optaram pela forma coletiva de trabalho. Busco avaliar as possibilidades da
economia solidária a partir da adesão a suas práticas e valores propiciarem um
processo de qualificação social capaz de superar processos de desqualificação
social, conforme os descrevem Serge Paugam. Para dar conta deste objetivo,
inicialmente reviso o contexto histórico dos trabalhadores empobrecidos.
Posteriormente, revisarei os estudos acerca da marginalidade e da exclusão no
Brasil, a fim de melhor fundamentar o que vem a ser um processo de qualificação
social. Finalmente, busco demonstrar como os trabalhadores da reciclagem, a
partir do desenvolvimento de uma identidade de resistência superam os estigmas
e os rótulos resultantes do exercício da atividade de catação, os quais se
configuram em verdadeiros obstáculos para uma inserção como cidadãos de
direitos.
Palavras chave: qualificação social, reconhecimento social, ruptura social e
economia solidária.
8
ABSTRACT
In this work show a comparative study between two economics solidaries
enterprises in the area of recycling, and a group of collectors who did not choose
by collective work way. I try evaluating the possibilities of solidary economy since
your adhesion its practices and values to make possible a process of social
qualification able to get over the process of lost of social qualification, according
Serge Paugam. For this purpose, firstly I will review the context of the poor
workers. After, I will review the studies about poorness and exclusion in Brazil, due
to get a better base in relation what is a process of social qualification. Finally, I try
to explain how the workers from recycling, since the development of an identity of
resistance win the stigmas and the labels that came from their activity of collectors,
what are truths obstacles to insertion how citizens with rights.
Key words: Social qualification, Social recognize, social break, solidary economy.
9
LISTA DE GRÁFICOS
GRÁFICO 1 – Divisão sexual no empreendimento Profetas da Ecologia.....109
GRÁFICO 2 –
Divisão sexual no empreendimento CEA-Vila Pinto..................110
GRÁFICO 3 – Participantes segundo a cor Profetas da Ecologia..................111
GRÁFICO 4 – Participantes segundo a cor CEA-Vila Pinto............................111
GRÁFICO 5 – Participantes segundo a faixa etária Profetas da Ecologia.....112
GRÁFICO 6– Participantes segundo a faixa etária CEA-Vila Pinto................112
GRÁFICO 7 – Participantes segundo a escolaridade Profetas da
Ecologia...............................................................................................................113
GRÁFICO 8 – Participantes segundo a escolaridade CEA – Vila Pinto........113
GRÁFICO 9 – Participação Profetas da Ecologia...........................................129
GRÁFICO 10 – Acesso a benefícios Profetas da Ecologia.............................129
GRÁFICO 11 – Acesso a benefícios CEA-Vila Pinto........................................130
GRÁFICO 12– Participação CEA-Vila Pinto.....................................................130
10
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
ARLAS – Associação de Recicladoras Amigas Solidárias
CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CBO – Classificação Brasileira de Ocupações
CEA VILA PINTO – Centro de Educação Ambiental da Vila Pinto
CEJAK – Centro Cultural James Kulisz
CTVP – Centro de Triagem da Vila Pinto
CUT – Central Única dos Trabalhadores
DMLU – Departamento Municipal de Limpeza Urbana
EES – Empreendimento Econômico Solidário
EJA – Programa de Educação de Jovens e Adultos
FARRGS – Federação das Associações dos Recicladores de Resíduos
Sólidos do Rio Grande do Sul
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas
IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
MTE – Ministério do Trabalho e Emprego
OIT – Organização Internacional do Trabalho
PAS – Programa Auxílio Solidário
PETI – Programa de Erradicação do Trabalho Infantil
PNQ – Programa Nacional de Qualificação de Trabalhadores
PNSB – Pesquisa Nacional de Saneamento Básico
PNUD – Programa das Nações Unidas Para o Desenvolvimento
SENAES – Secretária Nacional de Economia Solidária
SIES – Sistema Nacional de Informações da Economia Solidária
UFRGS – Universidade Federal do Rio Grande do Sul
UNIRITTER – Universidade Ritter dos Reis
UNISINOS – Universidade do Vale do Rio dos Sinos
UNISOL – União e Solidariedade das Cooperativas e Empreendimentos de
Economia Social do Brasil
11
SUMARIO
INTRODUÇÃO................................................................................................... 12
1 TRABALHO E POBREZA: ASPECTOS DA QUESTÃO SOCIAL NO
BRASIL.............................................................................................................. 15
1.1 Determinantes Históricas.......................................................................... 18
1.2 A Nova Conjuntura do Mundo do Trabalho............................................. 27
1.3 As Reações e Alternativas dos Trabalhadores Empobrecidos............. 32
2 DESQUALIFICAÇÃO E QUALIFICAÇÃO UMA ABORDAGEM
CONCEITUAL.................................................................................................... 37
2.1 Desqualificação Social............................................................................... 38
2.2 O debate Sobre a Pobreza e a Exclusão no Brasil.................................. 45
2.3 Qualificação Social..................................................................................... 56
3 A ECONOMIA SOLIDÁRIA E A QUALIFICAÇÃO SOCIAL DOS
TRABALHADORES
EMPOBRECIDOS.............................................................................................. 63
3.1 O Desenvolvimento da Economia Solidária no Brasil............................ 64
3.2 A Hipótese da Qualificação Social............................................................ 71
3.3 O Reconhecimento Social Como Condição Para o Exercício da
Cidadania.......................................................................................................... 80
4 METODOLOGIA DESENVOLVIDA NA PESQUISA...................................... 86
4.1 A Opção Por Um Estudo Comparativo .................................................... 87
4.2 As Situações e os Participantes da Pesquisa......................................... 96
4.3 O Desenrolar das Atividades de Pesquisa.............................................. 105
5. PRÁTICAS E VALORES QUE QUALIFICAM OS TRABALHADORES....... 108
5.1 A Caracterização Socioeconômica dos participantes da pesquisa...... 109
5.2 O Desenvolvimento Econômico............................................................... 115
5.3 O Desenvolvimento Social........................................................................ 120
5.4 O Desenvolvimento Político...................................................................... 127
CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................... 138
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................. 141
APÊNDICE A - Roteiro de Entrevista............................................................ 150
APÊNDICE B - 2 Questionário Socioeconômico.......................................... 153
12
INTRODUÇÃO
Nas últimas décadas assistimos a um período de grandes transformações
sociais. No Brasil, a partir de uma abordagem mais ampla da sua situação
socioeconômica, suas desigualdades, incluindo-se aí a distribuição da riqueza e o
acesso a bens e serviços, constatamos que o país atravessa uma crise social.
Muitas são as investigações em ciências sociais que abordam a questão. De
forma geral, as transformações sociais ocorridas neste período têm sido
tematizadas com base na integração do país as formas de acumulação flexíveis, a
integração à economia global, acrescida das políticas de ajustes institucionais e
fiscais implantadas mais intensamente no Brasil da década de 1990.
Pesquisas recentes dão conta que uma parcela significativa da população
economicamente ativa do país encontra-se desempregada ou precariamente
inserida no mercado de trabalho. Se a crise do mundo do trabalho fragilizou as
forma de ser e de existir dos trabalhadores, por outro lado, ela propiciou o
desenvolvimento de formas alternativas de geração de trabalho e renda. Nesse
contexto, presenciamos a intensificação da atividade de catação de norte a sul do
13
país, onde muitos trabalhadores empobrecidos têm adotado essa atividade como
forma de inserção no mercado de trabalho.
Caracterizada como uma forma degradante de inserção, a atividade de
catação tem despertado o interesse de pesquisadores que tem indicado o caráter
desqualificante da atividade e seus efeitos negativos sobre as bases psico-sociais
de quem dela se beneficiam.
Entretanto, na área da coleta e seleção do lixo as opções pelas formas
cooperativistas e associativistas vinculadas à economia solidária têm sido
fomentadas e estimuladas, caracterizando-se como uma das principais opções
para o equacionamento da falta de trabalho e renda e da superação das
desqualificações decorrentes da atividade.
O trabalho que ora apresento irá tratar sobre as possibilidades da economia
solidária em qualificar socialmente trabalhadores que vivenciaram processo de
desqualificação social. Trata-se de um estudo comparativo entre dois
empreendimentos representativos - o Centro de Educação Ambiental - CEA Vila
Pinto e a Associação de Catadores Profetas da Ecologia – ambos situados em
Porto Alegre, e de um grupo de catadores individuais no município de São
Leopoldo na grande Porto Alegre.
14
Este trabalho desenvolve-se em partes distintas e complementares. Na
primeira parte deste estudo faço uma da recuperação da realidade histórica dos
trabalhadores empobrecidos e as reações apresentadas pelos trabalhadores
empobrecidos diante da nova configuração do mundo do trabalho. Na segunda,
realizo um debate conceitual entorno dos conceitos de desqualificação e
qualificação social. No terceiro capítulo, a abordagem centra-se na economia
solidária, suas práticas e valores e sua emergência no Brasil. Nesse momento,
apresento minha hipótese de trabalho que encontra-se relacionada as
possibilidades da economia solidária se configurar em um processo de
qualificação social. Em seguida realizo uma apresentação detalhada da
metodologia utilizada e dos participantes do estudo e finalmente, no quinto
capítulo apresento os resultados da pesquisa e minhas conclusões.
15
Capítulo 1
TRABALHO E POBREZA: ASPECTOS DA QUESTÃO SOCIAL NO BRASIL
No Brasil, o fenômeno da pobreza surge como um componente da nossa
questão social a perdurar desde os tempos do período colonial. Dessa maneira, a
pobreza tem sido objeto de análise por parte das ciências sociais e não raro sua
ocorrência tem sido tematizada em associação com a realidade dos trabalhadores.
As análises têm se orientado por vieses específicos de cada área, cada qual
acentuando mais um ponto ou outro e compondo um cenário geral que, se não se
apresenta uniforme concorda em algumas constatações. Entre elas podemos
destacar a existência de um sentimento de perplexidade com a permanência da
pobreza quando sabemos que, o nosso país atingiu as maiores taxas de
crescimento econômico em termos mundiais durante o século XX. Assim,
deparamo-nos com um cenário de profundas desigualdades a marcar nossa
realidade social.
O Brasil não é um país pobre, mas desigual e com um número muito
grande de pessoas pobres. Atualmente o país ocupa a 10ª colocação dentre os
países mais desiguais, numa lista que apresenta 126 países e territórios.
16
Segundo relatório de 2006 do Programa das Nações Unidas Para o
Desenvolvimento – PNUD
1
, o Brasil está melhor que Colômbia, Bolívia, Haiti e
seis países da África Subsaariana.
A avaliação sobre os desafios e potenciais do Brasil realizada pela
ONU/UNCT, concluiu que o Brasil possui,
[...] um enorme potencial, mas também enfrenta sérios desafios. Com a
quinta maior população do mundo e o décimo quarto maior PIB, o país
classifica-se em 63º lugar no Índice de Desenvolvimento Humano.
Apesar de ser um país que vem realizando um trabalho bastante
inovador na promoção dos direitos humanos, apresenta, não obstante,
um grande número de pessoas que continuam a enfrentar grandes
dificuldades para o exercício da cidadania. (ONU, 2005, p,3).
Segundo números divulgados pelo IPEA (2006), o país apresenta uma
realidade preocupante. Mesmo considerando a redução nos índices de
desigualdade e pobreza, no ano de 2004 o Brasil possuía um contingente de 19,8
milhões de pessoas vivendo na condição de indigência
2
e 52,5 milhões de
pessoas em situação de pobreza.
3
Conforme Asseburg e Gaiger,
O Brasil é conhecido como terra de desigualdades. Uma das
conseqüências mais graves das inúmeras disparidades sociais que
ostenta são os seus níveis superlativos de pobreza, decorrentes da
1
Notícia divulgada no site da PNUD Brasil em 09/11/2006.
2
A indigência ou extrema pobreza é definida como a condição da população que sobrevive com
menos de ¼ de salário mínimo domiciliar mensal per capita. Fonte: IPEA.
3
A pobreza propriamente dita é definida como a situação daquela população que vive com
rendimentos entre ¼ e ½ salário mínimo domiciliar mensal per capita. Fonte: IPEA.
17
desigual apropriação e repartição da riqueza, em nítido contraste com a
capacidade produtiva do país (ASSEBURG; GAIGER, 2006, p.2).
A retratar este cenário desconcertante surgem as múltiplas dificuldades
enfrentadas pelos trabalhadores empobrecidos. Dentre os problemas mais
freqüentes podemos destacar, o desemprego, a informalidade, a falta de proteção
social, a baixa renda média real, a discriminação por sexo, idade e raça, entre
outros. Todos estes fatores quando considerados em conjunto configuram uma
realidade social complexa e de difícil diagnóstico.
Segundo Wanderley (2004), o entendimento acerca da realidade social,
hoje, exige uma revisitação crítica da ação dos sujeitos e dos processos históricos
que amalgamam cada sociedade. Assim, torna-se importante perceber que a
questão social adquire um conteúdo especial na multidimensionalidade das
relações sociais e na forma pela qual os sujeitos, individuais e coletivos são
determinados pelos processos e estruturas sociais e, ao mesmo tempo, instituem
esses processos e estruturas.
Com base nesta constatação, depreendo que o atual contexto da realidade
social brasileira, no que diz respeito a cidadania dos trabalhadores empobrecidos,
pode ser analisado a partir da síntese de duas condicionantes: as transformações
vivenciadas no mundo do trabalho e as determinantes sociais históricas. Gostaria
de iniciar pela segunda, pois identifico no Brasil urbano do início do século XX o
18
germe de elementos importantes à compreensão da realidade atual dos
trabalhadores empobrecidos no que se refere à conquista da cidadania.
1.1 DETERMINANTES HISTÓRICAS
No início do séc. XX a sociedade brasileira era uma sociedade em
mudança, que se queria moderna e civilizada, na direção de um progresso
sintonizado com o padrão europeu. Contrastando com esse projeto de
modernização do país - implementado e desejado pelas classes dominantes -
estava à classe trabalhadora em suas peculiaridades, representando o avesso da
sociedade que se queria construir (TELLES, 1999). A partir dessa abordagem,
percebe-se uma relação entre a questão social e a situação de uma classe
operária de característica urbano-industrial, composta por camponeses que
migravam do campo, imigrantes estrangeiros, mulheres e escravos libertos. No
que se refere aos escravos, sua substituição pela mão-de-obra de origem
européia, ademais da competição que ensejou, ampliou a sua marginalização
social. Nesse contexto, a questão do negro em alguns casos foi entendida como
uma questão de higiene pública.
Tal entendimento adquire relevância, pois encontraremos aí importante
elemento a discussão que se desenvolverá adiante; a idéia de inferioridade social.
Ou seja, a idéia da existência de contingentes populacionais em condições
hierarquizadas de inferioridade. Essa inferioridade, que inicialmente foi
19
relacionada aos negros e as suas atividades, gradativamente passa a ser
relacionada às classes populares em geral.
A partir dessa realidade, as práticas de vida e lazer dos trabalhadores
empobrecidos adquirem relevância e vão se tornando objeto de médicos
higienistas, autoridades públicas e reformadores sociais do início do séc. XX.
Desse modo, o “interesse pelo assunto [...] se inscreve nas preocupações da
burguesia industrial que, na conjuntura toma medidas para viabilizar o seu projeto
de construção de uma sociedade moderna e racional” (SILVA, 1990, p.17).
Esta concepção de sociedade corresponde a um paradigma sociocultural
que Boaventura Santos denominou de “razão indolente”. Na sua perspectiva, a
partir dos sécs. XVI e XVII, a modernidade ocidental emergiu como um ambicioso
e revolucionário paradigma sociocultural, numa tensão dinâmica entre regulação
social e emancipação social. A partir de meados do séc. XIX, com a consolidação
da convergência entre o paradigma da modernidade e o capitalismo, a tensão
entre a regulação social e a emancipação entrou num processo histórico de
degradação, caracterizado pela gradual e crescente transformação das energias
emancipatórias em regulatórias. Resumidamente, pode-se dizer que este
paradigma, aqui representado pelo positivismo - em suas várias formulações -
assentava-se na distinção entre sujeito e objeto, entre natureza e sociedade ou
cultura, na redução da complexidade do mundo a leis simples suscetíveis de
formulação matemática; numa concepção da realidade dominada pelo
mecanicismos determinista e numa separação absoluta entre conhecimento
20
cientifico – considerado o único valido e rigoroso – e outras formas de
conhecimento com o senso comum e, por fim, centrada na manipulação e
transformação da realidade estudada pela ciência (SANTOS, 2002a; 2004). Tendo
como base este paradigma fomenta-se, no Brasil, uma série de pesquisas e
estudos, buscando dar embasamento científico para a formulação de políticas de
Estado como as que resultaram no inquérito nacional para a formulação do salário
mínimo na década de 30.
Segundo Rodhen (2004), as concepções de família no Estado Novo
formavam um espectro importante da política social neste período, havendo uma
valorização da idéia de uma homogeneidade política e social que refletia a
coesão, a unidade e a ordem necessárias à pátria. Este apelo implicava,
sobretudo, na definição de um modelo de família consonante com os objetivos do
Estado e que tentava expurgar o que ameaçaria a ordem pretendida. Buscando
modelar o novo cidadão, o Estado Novo visou prioritariamente à família,
procurando intervir nas condutas, modos de relacionamentos, relações sexuais,
habitação etc. O modelo de família previsto, adequado à construção de uma
moralidade pública era aquele pretendido pelas elites, bem diferente das famílias
reais das classes populares. Tratava-se da família nuclear, sem inúmeros
agregados, que tinha uma habitação própria, e não morava nos cortiços sem
privacidade, calcado no casamento indissolúvel, no homem como provedor e na
mulher “do lar”, mãe e educadora.
21
Todavia, essa inquietação com os trabalhadores não se reduz ao discurso
científico, passando a compor o discurso intelectual como um todo. Assim seus
hábitos e costumes;
[...] ganham espaço público, sendo tematizados pelos artistas plásticos,
romancistas e pela crônica jornalística, representações que buscam
resgatá-los do anonimato, ainda que alguns discursos tragam a marca
domesticadora, quando a intenção era denunciar suas precárias
condições de vida e trabalho. Essa postura aparece na descrição dos
bairros operários, feita pela imprensa da época, nos inquéritos sobre o
padrão de vida dos operários, nos romances que, ao representarem uma
visão negativa do viver proletário, acabam desqualificando as suas
praticas culturais. (SILVA, 1990, p. 18).
Dessa forma, toda essa empresa discursiva acabava por ressaltar a idéia
de proteção de;
um povo imaturo sem interligação entre si e com o resto da sociedade,
sem vocação para a universalidade e incapaz de solidariedade e ação
coletiva; de outro lado, o perigo que representavam quando em seu
protesto, formavam a “ralé” e a “populaça” sem raízes culturais onde
ancorar alguma legitimidade. (PAOLI, 1989, p.49) apud (WANDERLEY,
2004a, p.111).
Se por um lado, a situação era tematizada em relação a uma possível
imaturidade atribuída à classe trabalhadora, por outro lado a questão ganha
complexidade, pois, esse período foi marcado pelo ânimo trabalhista, com
mobilizações, protestos e greves (FAUSTO,1977). Nesse sentido, a que se
destacar o papel do Estado como interventor social. Segundo Wanderley (2004),
nesse período, os problemas gerados pela industrialização e pela concentração da
mão de obra nas zonas urbanas foram considerados pelas autoridades como
22
tendo um caráter de higiene pública e ordenamento social. A partir dessa
concepção, o que irá se verificar serão formas de regulação da população
baseadas na tutela daqueles considerados inferiores. Em outras palavras,
desenvolveu-se um olhar sobre os trabalhadores, onde os mesmos foram muitas
vezes percebidos como;
[...] selvagens, ignorantes, incivilizados, rudes, feios e grevistas. Sobre
os trabalhadores urbanos que compõem a classe operária em formação
nos inícios da industrialização no Brasil constituiu-se paulatinamente
uma vasta empresa de moralização. Seu eixo principal: a formação de
uma nova figura do trabalhador, dócil, submisso, mas economicamente
produtivo; a imposição de uma identidade social ao proletariado
emergente, se assim podemos chamá-lo. Conjuração do mal, contenção
das convulsões futuras da história, a tentativa de domistificação do
operariado passa pela construção de um novo modelo de
comportamento e de vida, que se tenta impor aos dominados. (RAGO,
1997, p.12).
Contudo, não se pode deixar de assinalar que a história dos trabalhadores
neste período registrou conquistas. Em decorrência das “lutas dos trabalhadores
internos e das influências vindas do exterior, os operários progressivamente
adquiriram as mesmas formas de proteção e de assistência operadas em outros
países” (WANDERLEY, 2004, p.113).
Mesmo considerando a importância de tais conquistas, se atentarmos para
os processos sociais consignados naquelas décadas encontraremos aí a raiz de
grande parte dos estigmas e das representações atribuídos, hoje, aos
trabalhadores empobrecidos, os quais constituem verdadeiro entrave para a
conquista da cidadania por parte desses trabalhadores. Desta forma, certas
23
características e situações como: estar desempregado ou subempregado, ser
pobre, possuir carência, ser passível de ou estar assistido, possuir baixa
qualificação, viver na informalidade, entre outros, são atributos e situações que
trazem consigo uma carga muito negativa. Assim, ganha importância considerar o
impacto que essas representações e estigmas negativos produzem sobre o
trabalhador em suas condições sócio-políticas, na sua auto-estima individual e
coletiva e, na sua reprodução como tal.
Algumas das situações arroladas quando acrescidas da situação de
pobreza compõem um quadro de difícil superação, pois, como destaca Telles
(2001) esses casos se ancoram num imaginário persistente;
que fixa a pobreza como marca de inferioridade, modo de ser que
descredência indivíduos para o exercício de seus direitos, já que
percebidos numa diferença incomensurável, aquém das regras da
equivalência que a lei supõe e o exercício dos direitos deveria
concretizar (TELLES, 2001, p.21).
A partir dessa constatação, podemos concluir que o imaginário que fixa a
pobreza como marca de inferioridade conduz a produção de uma hierarquia que
diferencia os indivíduos em superiores e inferiores. Nesse último caso, a
dificuldade de se livrar das marcas desta inferioridade representa verdadeiro
estigma a desqualificar quem a vivencia. Pois, como destaca Lima (2002), o
estigma opera como um mecanismo de discriminação social, reproduzindo a
pobreza na consciência daquele que é pobre, ao gerar culpa sobre a sua condição
de pobre. Desta maneira, ser pobre numa sociedade que valoriza o êxito
econômico e a ostentação como forma de distinção é o pior que pode acontecer a
24
alguém. Isso equivale a dizer que ser pobre implica em algo mais do que mera
condição social. Para Paugam,
Nas sociedades modernas, a pobreza não é somente o estado de uma
pessoa que carece de bens materiais; ela corresponde, igualmente, a
um status social especifico inferior e desvalorizado, que marca
profundamente a identidade de todos os que vivem essa
experiência.(PAUGAM, 2003, p. 45)
No Brasil, os exemplos acerca da existência de um status social
hierarquizado entre superiores e inferiores são variados. Para Telles (2001), a
violência policial é a prova cabal da existência de uma hierarquia a diferenciar os
cidadãos. Segundo esta autora, a forma de atuação policial – agindo distintamente
em casos semelhantes - estaria a declarar que os direitos civis mais elementares
como a integridade física e moral só valem para aqueles que detém os atributos
de respeitabilidade, percebidos como o monopólio das classes superiores,
reservando às classes inferiores à imposição autoritária da ordem.
Neste momento, gostaria de me reportar ao trabalho de Jessé Souza, por
considerar que ele nos fornece elementos importantes à compreensão das
questões arroladas até aqui. Em um trabalho criativo e inovador, este autor,
intenta apresentar uma explicação alternativa para a permanência de nossa
desigualdade; esta permanência estaria vinculada à especificidade do nosso
processo de modernização. Para ele, ao importarmos um modelo de
modernização de fora para dentro importamos também uma concepção de mundo.
25
Tal concepção encontra-se vinculada diretamente a duas das instituições
fundamentais da modernidade: o Estado e o Mercado.
O argumento do autor é de que estas instituições não são apenas
grandezas materiais regidas por critério de eficácia formal, mas sim,
materialização de concepções de mundo com uma hierarquia peculiar específica
e, que esta é a forma especificamente moderna de construir distinções sociais e
legitimá-las (Souza, 2005). Em suas conjecturas, o autor traz para o centro do
debate sobre a desigualdade um conceito caro a ciência social, o conceito de
classe social.
Jessé Souza (2005) argumenta que o problema da classe social tem sido
injustamente relegado ao segundo plano no contexto do debate acerca da
singularidade de nossa desigualdade. O autor enfatiza que o tema tem aparecido
como uma espécie de resíduo do marxismo, esquecendo que Marx não foi o único
teórico das classes sociais, numa clara alusão a Max Weber.
Em seu texto “Raça ou classe?”, Jessé Souza busca em Bourdieu
inspiração para desenvolver a tese acima citada. Destaca que, Bourdieu vincula
de maneira criativa a herança marxista e weberiana sobre o tema, retirando de
Marx a tese da determinação de classe do comportamento em sociedade e, de
Weber, a noção de biodimensionalidade da estratificação social sob o capitalismo,
substituindo o aspecto da honra pelo tema do prestígio associado ao
conhecimento.
26
Segundo o autor, Bourdieu ao unir ambos os princípios e inter-relacioná-los,
constrói uma noção de estratificação social que combina aspectos econômicos e
socioculturais, que vincula a situação de classe a uma condução da vida
específica. Esta condução de vida representa uma dada atitude em relação ao
mundo em todas as dimensões sociais e, não se restringe ao econômico. Será
esta condução da vida específica, ou seja, a dimensão weberiana do status que
permitirá construir laços objetivos de solidariedade, por um lado, e de preconceito,
por outro. Para Jessé Souza, esta atitude em relação ao mundo irá igualmente
propiciar a justificação de privilégios ao permitir que estes apareçam como
qualidades inatas dos indivíduos e não como socialmente determinadas (SOUZA,
2005).
Esta concepção “sócio-cultural” de classe faz toda a diferença por
oposição a um conceito economicista de classe, precisamente por
apontar para fatores extra-econômicos, existenciais, morais e políticos,
subliminares e subconscientes que constroem e permitem um padrão de
desigualdade que é o único possível no contexto formal e de
democracia aberta, típicos da moderna sociedade capitalista: um padrão
que pressupõe opacidade e intransparência ao esconder a fonte cultural
e portanto, construída da desigualdade. A desigualdade passa a ser
justificada e naturalizada na medida em que é percebida como resultado
do “mérito” e, portanto, como resultado de qualidades individuais.
(SOUZA, 2005, p.46)
Ou seja, o que está em jogo é a noção;
historicamente construída e culturalmente contingente de personalidade
e de condução de vida que vai separar e unir por vínculos de
solidariedade e preconceito pessoas e grupos sociais em superiores e
inferiores, segundo critérios que passam a dever sua objetividade
incontestável ao fato de estar inscritos na lógica opaca e intransparente
de funcionamento do Estado e do mercado. (SOUZA, 2005, p.49).
27
Nesta parte inicial, busquei reconstruir aspectos relativos ao nosso
processo de modernização e suas conseqüências para a classe trabalhadora. Em
outras palavras, destaquei aspectos concernentes à passagem de uma economia
de característica rural para um modelo de desenvolvimento urbano industrial, o
que implicou na implantação de modelos de gestão social os que culminaram com
a disseminação no seio da classe trabalhadora de um modelo familiar tido não
somente como ideal, mas como desejado.
Tão conseqüente quanto à delimitação de papéis sociais estabelecidos
através do modelo familiar que se queria implantar, são as conseqüências dessa
estruturação para a identidade social dos trabalhadores, pois, além de atuar como
elemento gerador de processos de subjetivação, o trabalho surge como elemento
definidor de relações sociais e fator de integração social. Toda essa situação
ganha em complexidade com a atual conjuntura do mundo do trabalho, mais
precisamente com o processo de reestruturação produtiva do Capital, posta em
prática mais intensamente a partir dos anos 70.
1.2 A NOVA CONJUNTURA DO MUNDO DO TRABALHO
Nas últimas décadas, sobretudo a partir do início dos anos 70, presenciou-
se uma profunda transformação na sociedade contemporânea, onde a
reestruturação proposta pelo Capital estabeleceu outros contornos para o sistema
social, criando novas relações no mundo do trabalho e afetando a forma de ser e
de existir da sociedade. Segundo Antunes (2003), a situação é complexa, uma vez
28
que nesse mesmo período ocorreram mutações intensas em âmbito econômico,
social, político e ideológico. Neste sentido, estas mudanças tiveram
conseqüências que ultrapassam o âmbito da produção da base material da vida
social e, de forma conseqüente, afetaram diretamente os processos de
subjetivação da sociedade em geral e da classe trabalhadora em particular. Assim
sendo, é importante perceber como e em que medida esta nova configuração
social, produzida a partir desta reestruturação implica na formação do Eu.
4
Segundo Dowbor,
O sentimento é difuso, mas profundo. Várias gerações viveram com um
sentimento de que basta ser sério, dedicado, ou até sacrificado, para que o
sucesso seja alcançado. Ou seja, uma pessoa honesta e trabalhadora teria
seu lugar na sociedade. A erosão deste sonho gera um sentimento amplo de
insegurança, e mais, de perda de referenciais. (DOWBOR, 2003, p.34).
Este tipo de sentimento reflete diretamente sobre o imaginário dos
trabalhadores, pois coloca em questão a percepção da perda de referenciais. De
maneira geral, não podemos mais nos orientar por uma conduta estabelecida em
outros tempos e que serviu de mote orientador para gerações passadas. Ricardo
Antunes, citando Castel (1998), destaca que o trabalho continua como referência
central, não só na sua dimensão econômica, mas também se concebe o trabalho
em seu universo psicológico, cultural e simbólico. Fato perceptível quando se
4
O conceito de Eu aqui expresso referencia-se na obra de George Mead e deve ser referido “a
instância da personalidade humana responsável pela resposta criativa aos problemas práticos”
(Honneth, 2003, p.130).
29
analisam as relações que vivenciam os reveses do desemprego, do não trabalho e
do não labor. (ANTUNES, 2005).
Deste modo, adquire importância perceber a existência de um vínculo entre
a identidade e o trabalho. Estudos como o de Wautier (2001), têm indicado ser
este vínculo particularmente mais intenso no mundo do trabalho associativo.
O conceito de identidade tem sido objeto de abordagens multidisciplinares:
psicologia, sociologia e antropologia têm logrado contribuir na sua construção
conceitual. Tentando uma unificação destes campos, a “sociologia clínica vai
tentar estabelecer uma articulação entre processos sociais e processos psíquicos,
que apesar de natureza distinta, interagem” (WAUTIER, 2001, p. 49). Para esta
autora, a identidade social pode ser definida como uma identidade socialmente
reconhecida. Desta forma;
Seria a resultante de duas formas de identificações sociais: uma,
realizada pelo indivíduo que se atribui características de seu grupo
(identificação no sentido em que nós próprios nos tornamos idênticos a
um outro, semelhante dele). A outra forma é realizada pelo meio no qual
vive o indivíduo e que lhe atribui algumas características: é a ação pela
qual somos identificados, reconhecidos (operação de diferenciação)
(CODOL, 1986, p, 157). Dubar acrescenta uma dimensão
complementar. Há não só um encontro (uma transação) entre
identidade para si, atribuída a si mesmo pelo indivíduo, e a identidade
para outrem, atribuída, dada ao indivíduo, mas há também a transação
entre identidade que o indivíduo quer construir para si, projeta, e a
herdada (as identificações anteriores). (WAUTIER, 2001, p. 52).
30
Em outras palavras, a identidade social corresponde aos atributos que o
indivíduo possui e aos papéis que desempenha. Nesta visão, a identidade é
formada através da interação entre o “Eu” e a Sociedade. Assim, ela preenche o
espaço entre o privado e o público, onde o privado reflete a singularidade do
indivíduo e o público reflete a condição de cidadão. Para Damatta (1987), o papel
social de indivíduo e de cidadão é uma identidade social de caráter nivelador e
igualitário. Em decorrência, a identidade social estabelece uma relação de
reconhecimento e de pertencimento do indivíduo frente ao outro, permitindo que o
indivíduo seja identificado através de certas características, como pertencente a
esse ou aquele grupo.
Não obstante a complexidade do atual contexto do mundo do trabalho e
suas conexões com os processos de subjetivação como os descritos acima, faz-se
necessário abordarmos suas conseqüências em termos de produção e reprodução
da base material da vida social. Nesta direção, a transição do modelo de produção
fordista para o modelo de acumulação flexível (Harvey, 2003), combinada com a
internacionalização do Capital e a profusão das empresas transnacionais servem
de indicativo. Numa síntese bem articulada, Dowbor, apresenta de forma sucinta
as nuanças deste processo, para ele;
O principal motor das transformações é seguramente a revolução
tecnológica que vivemos. A mudança nas tecnologias muda as
dimensões espaciais do trabalho, na medida em que as finanças, o
comércio, os diversos serviços "intangíveis" que hoje assumem tanta
importância, como publicidade, advocacia, gerenciamento à distância,
31
circulam nas "ondas" do novo sistema de informações (TCI –
Tecnologias de Comunicação e Informação) em segundos, fazendo por
exemplo uma secretária que trabalha em Washington perder o emprego
para uma secretária que vai fazer o mesmo trabalho, via computador, a
partir da Índia. [...] É importante lembrar que o processo caótico de
globalização que sofremos gera regras únicas para realidades desiguais
[...]"Hoje, enquanto ficamos falando da crise financeira, em todo o
mundo 1,3 bilhão de pessoas subsistem com menos de um dólar por dia;
3 bilhões vivem com menos de dois dólares por dia; 1,3 bilhão não tem
água potável; 3 bilhões carecem de serviços de saneamento, e 2 bilhões
não têm eletricidade". Discurso do Fórum Social Mundial em Porto
Alegre? Não, discurso do presidente do Banco Mundial, J. Wolfensohn,
frente à Junta de Governadores da entidade. Esta "fratura social
mundial" que nos desarticula não só em termos políticos e sociais, mas
também em termos econômicos, está se tornando o problema central do
planeta. Com isto, a própria função do emprego muda: de uma visão
meramente produtivista, evoluímos para uma compreensão melhor da
função de estruturação social que o trabalho assegura. [...] As
oportunidades, mas também os imensos desequilíbrios gerados, levaram
a um gigantesco êxodo rural mundial. Hoje, mais da metade da
população já reside em cidades. O Brasil tinha dois terços de população
rural nos anos 1950, hoje tem 80% de população urbana. [...] Em termos
de emprego, a mesma dinâmica que expulsou a mão-de-obra para as
cidades, gerando as imensas periferias caóticas e miseráveis, hoje reduz
a própria base urbana de emprego. [...] o universo do trabalho é assim
atingido por um movimento sísmico de transformações estruturais.
(DOWBOR, 2002, p. 40)
Ao se estabelecer novos processos e dinâmicas produziu-se uma realidade
ambígua. Por um lado, verifica-se uma ampla apropriação da riqueza produzida no
país por uma minoria da população. A concentração de renda no plano nacional
gera um contingente populacional expressivo privado de recursos mínimos para
escapar da pobreza. Assim, para aquela grande parcela de trabalhadores
empobrecidos têm sido reservado um lugar marcado pela desigualdade, pela
exploração e pela dominação econômica, social e política. Isso em termos de
possibilidades emancipativas representa um novo quadro a ser considerado, pois
implica novos desafios. Segundo Dowbor;
32
Houve um tempo em que a inserção do homem no processo produtivo
dependia essencialmente dele mesmo, de quanto plantaria no seu
campo, de iniciativas pessoais. Hoje, o processo produtivo avançou para
um aprofundamento das divisões técnicas interdependentes, onde o
acesso ao trabalho é bastante limitado. O candidato a trabalhar fica
numa situação precária, onde se reduziram drasticamente os espaços
de inserção individual, pois as atividades econômicas ficam dominadas
por sistemas empresariais integrados, com muita tecnologia e pouco
emprego, enquanto as atividades tradicionais que permitiam a iniciativa
individual tiveram o seu espaço reduzido. Gera-se uma imensa
sociedade do "bico", bicos de venda, bicos de aulas, bicos de mecânica,
bicos de manutenção domiciliar. Para a grande massa da população
marginalizada da dinâmica produtiva principal, será necessário construir
uma ampla articulação dos vários segmentos de trabalho precário,
trabalho informal, trabalho voluntário ou semi-voluntário de terceiro setor
e assim por diante. (DOWBOR, 2003, p.46).
Em outras palavras, a realidade social brasileira apresenta um grande
contingente de trabalhadores fragilizados sócio-economicamente, onde suas
perspectivas de futuro não representam possibilidades de uma inserção social
adequada. Em suas lutas diárias este contingente se depara com toda a sorte de
dificuldades na luta pela sobrevivência. Entretanto, a contrastar com essa
realidade desponta uma riqueza social, oculta atrás da condição de pobreza
caracterizada pelas várias formas alternativas de geração de trabalho e renda
empreendidas pelos trabalhadores.
1.3 AS REAÇÕES E ALTERNATIVAS DOS TRABALHADORES
EMPOBRECIDOS
Os trabalhadores empobrecidos têm sido pródigos em apresentar formas
alternativas de geração de trabalho e renda. Sejam elas através de iniciativas
individuais e ou autônomas, seja através de coletivos organizados com atividades
33
ligadas aos setores da produção, da prestação de serviços e da comercialização,
entre outros.
A catação tem surgido como forma de enfrentamento às transformações no
mundo do trabalho e na busca de meios de sobrevivência, constituindo-se regra
geral de norte a sul do país, tanto em cidades de pequeno porte no interior do
país, como nas grandes capitais.
A atividade de catação não é uma atividade nova. Segundo Carmo et al.
(2004), no século XIX o trabalho de “lixeiro” surge na França, sendo que, em
1846, o lixo passa a ser considerado como algo que demandasse orçamento e
cuidados próprios. Com o advento da industrialização o lixo passa a existir como
resíduo sólido, passando a ser produzido em grandes quantidades, e seu acúmulo
começa a gerar uma grande soma de resíduos nas áreas urbanas. O surgimento
do lixo inorgânico culmina na reciclagem ou no reaproveitamento. A reciclagem já
fora implantada por empresários no século XVIII em Roma, que lucravam não só
ao garantirem a limpeza das ruas, como também ao venderem os dejetos
humanos e de animais como adubo.
No Brasil, o catador surge na figura do velho garrafeiro do início do séc. XX.
Aqui, como em outros países em desenvolvimento, o trabalho como catador tem
permitido que uma considerável parcela da população se veja inserida no
mercado, mesmo que ainda informalmente. Todavia, somente em 2002 a
34
atividade de catar materiais recicláveis vai ser incluída na Classificação Brasileira
de Ocupações – CBO. (GONÇALVES, 2005).
A realidade das populações que vivem e trabalham em reciclagem no Brasil
é muito complexa e controversa. Os dados são imprecisos, segundo a Pesquisa
Nacional de Saneamento Básico – PNSB (2000) existiam naquele ano de 200 mil
a 800 mil pessoas trabalhando nos lixões. No Rio Grande do Sul, segundo os
dados do Guia da reciclagem 2005, estima-se que existam cerca de 11 mil
carroceiros e catadores de recicláveis, 86 entidades reconhecidas, sendo que
destas 52 fazem parte da FARRGS (Federação das Associações dos
Recicladores de Resíduos Sólidos do Rio Grande do Sul). Porém, as próprias
entidades responsáveis pelo levantamento reconhecem a existência de demais
associações não catalogadas e conseqüentemente mais um sem número de
trabalhadores beneficiando-se da atividade de catação.
Os dados foram divulgados pelo Programa Nacional do Lixo – UNICEF
onde se verificou que 68% das cidades com mais de 50.000 habitantes
apresentam a atividade de catação. Sendo que na região sul a atividade era
verificada em 60% dos municípios. Os dados da pesquisa mostram a relevância
que tal atividade tem alcançado enquanto alternativa de geração de trabalho e
renda. Cabe ressaltar, contudo, que por mais otimistas e positivas que possam ser
os resultados desta atividade, elas não devem servir para encobrir a realidade de
miséria que aflige a maioria dos envolvidos. Resumida em si mesma, tal opção
35
constitui-se em um dos aspectos sociais mais degradantes. Desta feita, pessoas
de todas as idades trabalham misturadas ao lixo, entre animais e máquinas, e em
condições de insalubridade e risco lutam pela sobrevivência. Para autores como
Telles, esse é o lugar dos não direitos e da não cidadania;
é o lugar no qual a pobreza vira carência e a justiça se transforma em
caridade e os direitos, em ajuda a que o individuo tem acesso não por
sua condição, mas pela prova de que dela está excluído. É o que
Sposati chama de “mérito da necessidade” que define a lógica perversa
de uma relação com o Estado que cria a figura do necessitado, que faz
da pobreza um estigma pela evidência do fracasso do individuo em lidar
com os azares da vida e que transforma a ajuda em uma espécie de
celebração pública de sua inferioridade já que o seu acesso depende do
indivíduo provar que seus filhos estão subnutridos, que ele próprio é um
incapacitado para a vida em sociedade e que a desgraça é grande o
suficiente para merecer a ajuda estatal. (TELLES, 2001, p.26).
A partir destes lugares verifica-se há existência de outras barreiras a impor
um lugar, a impedir mobilidades e a dificultar uma inserção adequada como
cidadão. Na verdade, a pobreza brasileira, persistente através de décadas;
é o retrato de uma sociedade que confundiu e ainda confunde
modernização com modernidade, uma sociedade na qual as noções de
igualdade, liberdade e justiça – valores definidores dos tempos
modernos – não tem função crítica e, na melhor das hipóteses, viram
assunto de uma eterna desconversa que é para Roberto Schwars, a
marca registrada do que ele chama de desfaçatez da classe.(TELLES,
2001, p. 32).
* * *
Resumidamente, neste capítulo abordei aspectos relativos à nossa questão
social. Iniciei fazendo uma breve retrospectiva do processo de modernização do
36
país tendo como enfoque principal o plano social, mais especificamente as
conseqüências desse processo para os trabalhadores populares. Neste sentido,
procurei descortinar as raízes de estigmas que hoje afligem estes trabalhadores
através das políticas de gestão social empreendidas pelo Estado nesse período.
Posteriormente, procurei atualizar a realidade dos trabalhadores empobrecidos a
partir das transformações vivenciadas no mundo do trabalho. Desta maneira,
constatei haver outras barreiras a impor um lugar, a impedir mobilidades e a
dificultar uma inserção adequada como cidadão que ultrapassam o plano material.
Esta constatação torna-se relevante, pois, como se verificará adiante, para além
da dinâmica da exclusão-inclusão, enfocarei as questões relativas aos processos
de desqualificação social e da qualificação social.
37
Capítulo 2
DESQUALIFICAÇÃO E QUALIFICAÇÃO: UMA ABORDAGEM CONCEITUAL
Neste capítulo, avançarei nas discussões iniciadas anteriormente relativas
às situações de pobreza vivenciadas por uma parcela significativa dos
trabalhadores. Para dar conta deste objetivo irei inicialmente recorrer aos estudos
realizados aqui no Brasil, que tratam da questão da pobreza, seja ela através da
idéia de marginalização, exclusão ou inclusão marginal. Contudo, como se
verificará adiante meu enfoque se centrará na dinâmica da desqualificação e da
qualificação social em detrimento da exclusão/inclusão que tem sido o mais usual.
Alguns motivos sustentam esta opção. Inicialmente, gostaria de destacar que o
conceito de desqualificação constitui-se em conceito central do referencial teórico
desta pesquisa, destacadamente a obra de Paugam (2003), onde o conceito surge
com potencial analítico.
A reconstrução histórica do processo de desqualificação social pode ajudar
a compreender como as estruturas sociais se impõem aos indivíduos com poder
constitutivo, forjando modos de subjetivação e atuando sobre a base psicossocial
desses indivíduos. Do mesmo modo, e não menos importante, encontra-se a
38
crítica que de forma sistemática têm sido feita à banalização do conceito de
exclusão, um reducionismo que nos dizeres de Martins (1997, p.15), faz com que
o conceito de exclusão pareça uma espécie de deus/demônio que a tudo explica.
5
Adiante irei aprofundar o assunto.
2.1 DESQUALIFICAÇÃO SOCIAL
As transformações sofridas pelo mercado de trabalho em boa medida têm
se constituído em verdadeira tragédia para o trabalhador, uma vez que implica na
exclusão ou inclusão precária neste universo. Assim, a desqualificação e a
precarização das relações de trabalho, intensificadas com a adoção de
procedimentos e rotinas que priorizam a substituição do trabalho vivo por trabalho
morto, ou a substituição de homens por máquinas, tem fragilizado sobremaneira
os trabalhadores em geral, inclusive os mais qualificados, mas com maior ênfase
para os menos qualificados (ANTUNES, 1999). Em decorrência, observa-se um
“grave processo de degradação do trabalho e do trabalhador, com efeitos
dessocializantes no âmbito das famílias trabalhadoras e no aperfeiçoamento da
cidadania” (IVO, 2001).
Essa realidade tem sido objeto de interesse de vários setores da sociedade,
entre eles o meio acadêmico. Como destaca Véras (2003), cada vez mais estudos
5
Essa crítica se aplica aos autores que recorrem ao termo de forma indistinta. Contudo, alguns
autores têm procurado utilizá-lo de forma a não banalizá-lo preferindo relacionar o termo a
questões macro-estruturais, como é caso, por exemplo, de Vera da Silva Telles, Aldaíza Sposati e
Marcio Pochmam, no caso deste último, a crítica se refere a uma ausência de conceituação do
termo em sua obra.
39
têm se dedicado à compreensão desta degradação, do enfraquecimento dos
vínculos sociais e dos riscos de marginalização de segmentos amplos da
população. Seguindo esta tendência, o sociólogo francês Serge Paugam ao
analisar as transformações do mercado de trabalho e suas conseqüências para os
indivíduos, concluiu, que estas mudanças seriam responsáveis por um processo
que ele designou de desqualificação social (PAUGAM, 1999). Sua abordagem
traz à discussão os estigmas relacionados às condições de vida degradadas ou
precarizadas e ganha complexidade teórica na medida em que não é apenas uma
forma de se referir a velhos problemas, mas aponta para a temática da chamada
nova pobreza.
Para Paugam, falar em desqualificação social significa abordar questões
relativas à situação de pobreza e a processos de exclusão do mercado de
trabalho. Trata-se de um processo abrangente, dinâmico e de múltiplas
dimensões, onde, pelo fato de valorizar o caráter multidimensional e evolutivo da
pobreza, o estudo da desqualificação social e conseqüentemente dos que dela
participam significa:
estudar a diversidade dos status que definem as identidades pessoais,
ou seja, os sentimentos subjetivos acerca da própria situação que esses
indivíduos experimentam no decorrer de diversas experiências sociais,
e, enfim as relações sociais que mantém entre si e com o outro.
(PAUGAM, 2003, p. 47)
De acordo com o autor, nas sociedades modernas a pobreza não é
somente o estado de despossuir; ela corresponde a um status social específico,
40
inferior e desvalorizado, que marca profundamente a identidade de todos os que
vivem essa experiência (PAUGAM, 2003, p.46).
A pobreza caracterizada como desqualificante alude a uma pobreza com
condições precárias de vida e vista como ameaça a coesão social. Em outras
palavras, fala-se aqui de uma precariedade econômica e social que revela a
existência de um contingente de indivíduos economicamente desnecessários e
supérfluos, ao mesmo tempo, que expõem um modo de vida caracterizado pela
instabilidade conjugal, pelo baixo nível de participação nas atividades sociais e por
uma vida familiar inadequada.
Se por um lado, a construção conceitual da desqualificação social abrange
situações de pobreza, por outro, ela está vinculada a processos de exclusão.
Paugam articula três idéias ao conceito de desqualificação social as quais se
encontram igualmente vinculadas ao conceito de exclusão. A noção de trajetória,
ou seja, de que há um processo que deve ser percebido de forma longitudinal, o
que permite apreender o percurso temporal dos indivíduos; o conceito de
identidade, positiva ou negativa, de crise e de construção dessa identidade e, por
fim, destaca o aspecto da territorialidade, ou seja, a base espacial que abriga
processos excludentes. Do mesmo modo, buscando destacar o caráter processual
implícito na noção de desqualificação, o autor enfatiza as fases que a compõem: a
fragilidade, a dependência e a ruptura.
41
A fragilidade está relacionada à experiência vivida da deslocalização social.
Essa deslocalização diz respeito a experiências como: a dificuldade de inserção
profissional ou ainda, a perda de uma referência como o local de moradia. Trata-
se de experiências tipicamente dolorosas, o que por sua vez, produz em quem as
vivencia a sensação de estarem deslocadas. Tem-se aqui a sensação de estar
vivendo uma situação de inferioridade social em relação a uma situação anterior.
Neste sentido, Paugam enfatiza que, “uma situação continuada de fragilidade
pode conduzir a fase da dependência” (2003, p. 34).
Segundo as conclusões de Paugam, a dependência é de fato a fase em
que os serviços sociais se responsabilizam pelas dificuldades enfrentadas pelos
indivíduos. A maioria das pessoas que vivenciam esta situação, em boa medida,
desistiu de ter um emprego. Os que “vivem a experiência da dependência
procuram compensações para suas frustrações tentando valorizar sua identidade
parental, sua capacidade para cuidar do lar e exercer diversas atividades em suas
comunidades” (PAUGAM, 2003, p.38). Por fim, a continuidade da dependência
pode levar a experiência da ruptura.
A ruptura se constitui numa experiência onde os indivíduos vivenciam um
acúmulo de dificuldades, tais como: afastamento do mercado de trabalho,
problemas de saúde, falta de moradia, perda de contatos com a família etc. Trata-
se da última fase do processo, produto de uma soma de fracassos que conduzem
a uma acentuada marginalização. (PAUGAM, 2003, p.39).
42
Paugam vincula a questão da desqualificação social à construção de uma
identidade e de um status e, a condição social objetiva das populações
reconhecidas como em situação de precariedade econômica e social. Para ele, o
tema da desqualificação social não pode ser estudado de forma aprofundada sem
referência a uma hierarquia dos status sociais.
As considerações teóricas de Paugam encontram-se inspiradas no
pensamento de Erving Goffmam, sobretudo nos seus trabalhos relacionados ao
estigma. Segundo Paugam, Goffmam examinou “a relação entre a identidade
social
6
e a identidade pessoal.
A identidade pessoal e a identidade social de uma pessoa, antes de
mais nada, dependem do cuidado que as pessoas têm de a definir
quanto à identidade pessoal, é freqüente que um tal cuidado se
manifeste já antes do nascimento e perdure após a sua morte; então,
para essa pessoa, não se trata de sentimentos, de identidade ou outros.
Em contrapartida, a identidade em si é, antes de tudo, uma realidade
subjetiva, reflexiva, necessariamente experimentada pelo indivíduo em
questão [...] Certamente, o indivíduo se vale, para construir uma imagem
de si mesmo, de matérias iguais aos utilizados pelos outros para
construir-lhe uma identificação social e pessoal. E ele não exerce nisso
grau menor de liberdade quanto ao estilo de construção (GOFFMAM,
!988) apud (PAUGAM, 2003, p.61).
Desse modo, para Paugam, o conceito de identidade social desenvolvido
por Goffman, “permite dar prosseguimento à análise da designação ou da
rotulagem, bem como examinar o controle da informação que um indivíduo pode
exercer sobre a deficiência ou descrédito que o caracterizam” (PAUGAM, 2003,
p.61).
6
Goffmam prefere a expressão identidade social a status social.
43
A partir desses elementos e tendo a assistência social como eixo
transversal do processo, Paugam caracteriza o processo de desqualificação social
como:
O movimento de expulsão gradativa, para fora do mercado de trabalho,
de camadas cada vez mais numerosas da população – e as experiências
vividas na relação de assistência, ocorridas durante as diferentes fases
desse processo. Cumpre realçar que o conceito de desqualificação social
valoriza o caráter multidimensional, dinâmico e evolutivo da pobreza e o
status social dos pobres socorridos pela assistência. (PAUGAM, 1999,
p.68).
A construção conceitual da desqualificação social empreendida por Paugam
é realizada buscando compreender situações que ocorreram gradativamente em
países que já conheceram razoável desenvolvimento econômico-social e, que a
partir das novas etapas do desenvolvimento contemporâneo, passam a discriminar
segmentos cada vez mais amplos da população. (VÉRAS, 2003).
Pode-se dizer que no caso francês, analisado mais de perto por Paugam, a
desqualificação social encontra-se relacionada à crise do Estado de bem estar
social, ao fenômeno da exclusão dos trabalhadores do mercado formal de trabalho
e a relação dos indivíduos inseridos neste contexto com os serviços de assistência
social característico do modelo francês.
44
Nessa conjuntura, a desqualificação social revela uma nova forma de
pobreza. Os efeitos dessa pobreza dizem menos respeito a situações de
carências em termos materiais, passando a estar relacionados a situações de
assistência. Neste sentido, Paugam retoma as idéias de Simmel, para quem;
7
O fato de alguém ser pobre não significa que alguém pertença a uma
categoria específica de pobres. Não obstante ser um pobre comerciante,
um pobre artista, um pobre empregado, mas continua se situando numa
categoria definida por uma atividade específica ou posição. Nessa
categoria, ele pode ocupar devido a sua pobreza uma posição que se
modificará gradualmente. Mas os indivíduos que, em diversos status e
ocupações, se encontram nesta situação, eles não ficam ainda
reagrupados de alguma maneira numa totalidade sociológica particular,
distinta da classe social à qual pertencem. É a partir do momento que
passam a ser assistidos, talvez mesmo quando sua situação poderia
normalmente lhe dar direito a assistência, mesmo antes desta ser
concedida, que eles se tornam parte de um grupo caracterizado pela
pobreza. Esse grupo não permanece unificado pela interação entre seus
membros, mas pela atitude coletiva que a sociedade em sua totalidade
adota em relação a ele. (SIMMEL, 1971, p.177) apud (PAUGAM, 2003,
p.54).
Paugam enfatiza que neste caso, “o que é sociologicamente pertinente não
é a pobreza em si, mas as formas institucionais que esse fenômeno assume numa
dada sociedade ou num determinado meio”. (PAUGAM, 2003, p.55).
Contudo, embora o fenômeno da pobreza seja recorrente em nossa
sociedade, no Brasil, em se tratando de desqualificação social a situação é
diferente. A construção conceitual da desqualificação empreendida por Paugam,
está atrelada a uma realidade diversa da nossa. Isso faz com que tenhamos que
7
SIMMEL, George. The poor, 1971. Apud. PAUGAM, Serge. Desqualificação social: ensaio sobre
a nova pobreza. São Paulo: Educ & Cortez editora, 2003.
45
adotar certas precauções quanto a sua aplicação em estudos que abordem a
realidade brasileira, pois, em nosso país, não se pode fazer referência acerca da
perda de um patamar social de cidadania e assistência como no caso francês.
Como se vê, o fato de não termos atingido um estágio avançado de cidadania
como o constituído pelo Estado Providência, deve ser considerado. Neste sentido,
para que possamos ter uma maior clareza epistemológica do conceito de
desqualificação social e, de seu uso enquanto categoria analítica aplicada ao
estudo que ora realizo, é conveniente que retomemos a literatura brasileira que
aborda os temas da exclusão e da pobreza.
2.2 O DEBATE SOBRE A POBREZA E A EXCLUSÃO NO BRASIL
No Brasil, o tema da pobreza e conseqüentemente da desigualdade, faz
parte da agenda de pesquisas pelo menos há meio século. Estudos envolvendo a
temática foram fortemente desenvolvidos por aqui entre as décadas de 1950 e
1970. Naquele momento, os pesquisadores, ao analisarem o fenômeno da
pobreza recorriam na maioria das vezes, à noção de marginalidade, como se pode
verificar nos trabalhos de (FORACCHI, 1982); (PEREIRA, 1971); (PAOLI, 1974)
entre outros.
Para (PEREIRA, 1971), a marginalidade é uma forma específica de
incorporação social. Sua argumentação procura demonstrar que as formações
46
capitalistas periféricas comportam em sua estrutura um contingente populacional
marginal, sendo esta população uma decorrência da superabundância de mão-de-
obra. Esse fato permite ao autor, caracterizar a marginalidade como realidade
estrutural ligada às contradições do modo de produção capitalista numa dinâmica
de participação-exclusão. Para Luiz Pereira, o desenvolvimento econômico nas
formações subdesenvolvidas periféricas é um desenvolvimento excludente, que
como característica apresenta um contingente de trabalhadores que participam no
mercado de trabalho como ofertantes de mão-de-obra, sem serem
necessariamente absorvidos.
Para Foracchi (1982), esta forma de perceber a questão, contempla
respectivamente o nível econômico (fatores de produção) e o político (relações de
dependência), e suas variáveis configuram e determinam a noção de
marginalidade. Desta forma, as populações marginais averiguadas no campo de
investigação,
aparecem para a investigação como situadas nas fímbrias ou nos limites
das necessidades de consumo da força de trabalho [...] sua existência é
definida pela participação-exclusão e desta perspectiva é legítima a
afirmação de que a marginalidade é uma forma específica de
participação e esta marginalidade ocorre tanto nos setores afluentes ou
dominantes, quanto nos setores marginalizados de cada sistema
econômico, global, capitalista, periférico, contemporâneo. (FORACCHI,
1982, p.12).
Contudo, esta maneira de conceber o problema da marginalidade ganhará
contornos adicionais. Com Foracchi (1982), a apreensão conceitual da
47
marginalidade referenciada na participação-exclusão passa a não se esgotar nos
níveis político e econômico. Sua abordagem sugere que:
a noção de marginalidade com conotação de participação-exclusão, não
se esgota nos níveis políticos e econômicos. Ela se esclarece na medida
em que a investigação seja capaz de se propor à identificação do nível
cultural como expressão simbólica do econômico e do político,
apreendendo, ao mesmo tempo, como esses níveis em estruturas
distintas de significação [...] a participação-exclusão expressa, assim, um
processo de interiorização da objetividade, ou seja, uma modalidade de
experiência do campo das carências. Sob este aspecto, é menos uma
definição de um enfoque segundo o qual o comportamento representa
uma interiorização de uma situação objetiva. (FORACCHI, 1982, p.
12/13).
Também em Paoli, encontraremos presente tal visão. A marginalidade aqui,
igualmente se traduz por um tipo de exploração da força de trabalho requerida
pelo capital nas economias dependentes. A situação de marginalidade é
demonstrada pelos graus de participação econômica e cultural. Aonde ele, o
marginal, vem ao mundo como “um tipo humano cujo papel é de “sobra” em
relação às estruturas fundamentais da sociedade em que se insere – no caso, as
formações capitalistas periféricas”, Paoli (1974, p.145). Além disso, suas
formulações em “Trabalho e marginalidade” apontam para uma oposição entre o
que era reconhecido como trabalhadores assalariados e os maloqueiros
“linguagem esta que identificava com base na maneira de morar, um tipo humano
desqualificado socialmente” (Herdem, p.76).
Segundo Leal (2004), um apanhado geral sobre as teorias da
marginalidade, demonstra que a noção diz respeito a vários fenômenos que
48
significam uma forma de exclusão dos benefícios possíveis das sociedades
urbano-industriais, leia-se, baixa qualidade de moradia, serviços de saúde etc.
Assim, a marginalidade é definida como carência em relação à inserção no
mercado de trabalho, à proteção social e à cidadania. Ou seja, a marginalidade
surge como uma insuficiência em relação à inserção no mercado de trabalho, à
proteção social, à habitação, à cidadania e ao consumo.
Esta maneira de perceber o problema não se transforma completamente
nas décadas posteriores, permanecendo, mesmo quando a noção de exclusão
social surge com mais força no centro do debate. No Brasil, desde meados da
década de 80 e mais intensamente nos anos 90, as ciências sociais passam a
explorar a questão da exclusão. Naquele momento, o debate acerca do tema
ganhou corpo e se intensificou fortemente, seja no meio acadêmico ou fora dele.
Em alguns casos o termo se refere a situações diferenciais como: ruptura de laços
sociais ou formas de inserção precárias, ou ainda, ao não acesso a bens matérias
e simbólicos. As situações abarcadas pelo termo são múltiplas e distintas:
“moradores de favelas, trabalhadores sem-terra, desempregados mesmo de
classe média, idosos, toxicômanos, mendigos e outros são considerados como
excluídos, para interlocutores diferentes” Leal (2004, p. 2).
Ponderando acerca da freqüência que o termo exclusão social aparece e a
diversidade de situações a que ele faz referência, torna-se difícil saber exatamente
49
a que ele alude. Autores como Martins criticam este uso impreciso do conceito.
Segundo suas observações, estamos presenciando uma espécie de:
fetichização da idéia de exclusão e certo reducionismo interpretativo que
suprime as mediações que se interpõem entre a economia propriamente
dita e outros níveis e dimensões da realidade social; e também, entre
economia e outros âmbitos de interpretação do mundo da vida [...] todos
os problemas sociais passam a ser atribuídos a essa coisa vaga e
indefinida a que chamam de exclusão, como se a exclusão fosse um
deus-demônio que explica-se tudo. Quando na verdade não explica
nada (MARTINS, 1997, p. 15-16).
Assim, nosso autor critica a generalização do conceito de exclusão ao
mesmo tempo em que lança as bases para a sustentação da idéia da inexistência
da exclusão, em favor da idéia de contradição. Desta forma, Martins propõem
que:
Rigorosamente falando não existe exclusão: existe contradição, existem
vítimas de processos sociais, políticos e econômicos excludentes; existe
o conflito pelo qual a vítima dos processos excludentes proclama seu
inconformismo, seu mal-estar e sua reivindicação corrosiva. Estas
reações por não se tratarem de exclusão não se dão fora dos sistemas
econômicos e dos sistemas de poder. Elas constituem o imponderável
de tais sistemas, fazem parte deles ainda que os negando. (MARTINS,
1997, p. 14).
Ao mesmo tempo, o autor observa a permanência de uma intranqüilidade
teórica em relação à exclusão proveniente de uma mudança nos modos de
explicá-la conceitualmente.
Na verdade, a categoria exclusão é resultado de uma metamorfose nos
conceitos que procuravam explicar a ordenação social que resultou no
desenvolvimento capitalista. Mais do que uma definição precisa de
problemas, ela expressa uma incerteza e uma grande insegurança
teórica na compreensão dos problemas sociais da sociedade
contemporânea. (MARTINS, 2003, p.27).
50
Acresça-se a esta consideração o fato de que, mesmo criticando
asperamente o conceito de exclusão e afirmando sua não-existência, o termo é
adotado como sinônimo de pobreza. Neste caso, o que chamamos de exclusão
corresponde ao que conhecemos por pobreza. Assim sendo, importa para nós
atentar para a circunstância de que, ao mudarmos o nome de pobreza para
exclusão podemos estar dissimulando o fato de que a pobreza hoje, mais do que
mudar de nome mudou de forma, de âmbito e de conseqüências. Desta forma,
sua conclusão consiste em demonstrar que a pobreza hoje inclui a negação
subjetiva da pobreza. Mais do que privação econômica há nela certa dimensão
moral, não oferecendo mais alternativa e nem mesmo a possibilidade remota de
ascensão social (MARTINS, 2004, p.18).
Cabe aqui uma pequena ressalva. Pobreza e exclusão não podem ser
concebidas simplesmente como sinônimos de um mesmo fenômeno, embora
encontrem-se articuladas. Desta forma,
Embora não se constituindo em sinônimos de uma mesma situação de
ruptura, de carência, de precariedade, pode-se afirmar que toda situação
de pobreza leva a formas de ruptura do vínculo social e representa, na
maioria das vezes, um acúmulo de déficit e precariedades. No entanto, a
pobreza não significa necessariamente exclusão, ainda que possa a ela
conduzir. (SAWAIA, 1999, p.22).
Em síntese, para Martins, apenas a idéia de excluído é insuficiente e não
explica muito acerca do fenômeno. Além disso, o conceito aparece despido de
uma compreensão histórica. Segundo o autor, na sociedade capitalista não
51
podemos versar sobre uma exclusão absoluta, ou seja, não pode haver uma
sociedade capitalista baseada na exclusão, pois toda dinâmica desta sociedade
baseia-se em processos de exclusão para incluir de outro modo, segundo regras e
lógicas próprias.
Para Martins, é característica desta sociedade a exclusão, isto é, o
desenraizamento. Este desenraizamento se constitui num processo de exclusão
dos indivíduos em relação àquilo que eles eram e àquilo que eles costumam ser.
Na sua ótica, o sistema precisa transformar cada indivíduo em membro da
sociedade e a maneira pela qual se entra nesta sociedade ocorre de duas formas:
como produtores ou consumidores de mercadorias. Desta maneira, o que deve ser
analisado é a forma de inclusão na sociedade. A este processo o autor dá o nome
de inclusão precária ou marginal. A inclusão marginal é um processo inerente à
forma de produção e acumulação capitalista, que por si só já é um sistema
excludente. Trata-se de um processo em que as escolhas oferecidas aos cidadãos
são insuficientes para reverter o quadro de privação em que estão inseridos
(MARTINS, 1997, 2003, passim).
Dessa perspectiva, o problema da exclusão se define na maneira
encontrada pelos indivíduos para participar desta sociedade, ou seja, nas formas
utilizadas pelos indivíduos para realizarem sua inserção. Neste sentido, torna-se
elucidativo o exemplo das meninas prostitutas de Fortaleza. Destaca Martins:
52
[...] elas não são excluídas, ao contrário: elas são meretrizes justamente
para ganhar o dinheiro que viabiliza sua inclusão na economia e no
mercado. Com esse dinheiro elas (e suas famílias) se tornam, de algum
modo, consumidoras. Porque é com o dinheiro que elas ganham na
prostituição, na sua exclusão moral, que elas se incluem na economia.
Elas se tornam compradoras, elas alimentam esse sistema com a
prostituição infantil. Por isso o problema está em discutir as formas de
inclusão, o comprometimento do caráter destes membros, das novas
gerações, desde cedo submetidos a uma socialização degradante. O
que a sociedade capitalista propõe hoje aos chamados excluídos está
nas formas crescentemente perversas de inclusão. (MARTINS, 2003,
P.124).
Em autores como Sawaia encontramos opinião semelhante. Para esta
autora, estamos todos incluídos de alguma forma no circuito reprodutivo das
atividades econômicas. Porém, esta inclusão nem sempre se dá de forma digna e
decente, sendo que a grande maioria encontra-se inserida através da insuficiência
e das privações, que se desdobram para fora do econômico (SAWAIA, 1999, p. 8).
Nessa direção é útil perceber que a nova dinâmica da sociedade capitalista
exclui e demora a incluir.
O momento transitório da passagem de exclusão para inclusão está se
transformando num modo de vida que permanece: o modo de vida do
excluído que permanece que não consegue ser reincluído. E tal modo de
vida compromete sua dignidade, sua capacidade de ser cidadão, sua
condição humana, do ponto de vista moral e político. (VÉRAS, 1999,
p.40).
Tal constatação adquire relevância, pois considero que no caso brasileiro o
processo de desqualificação social surge em decorrência do modo pelo qual um
contingente expressivo da população acaba por se inserir na sociedade e as
53
implicações desta inserção nas suas condições de vida. Ou seja, através de uma
forma subordinada de integração, precária e instável: a inserção marginal. Trata-
se de indivíduos possuidores de renda insuficiente, com baixa instrução,
indivíduos que vivem em sub-habitações etc.
Vivenciar esta forma de inserção é, sobretudo, experimentar trajetórias,
modos de vida que comprometem sua dignidade, sua capacidade de ser cidadão,
sua condição humana, do ponto de vista moral e político. Sawaia, ao comentar as
formulações de Martins (1997) a respeito da inclusão marginal destaca que,
além da humanidade formada de integrados (ricos e pobres), inseridos
de algum modo no circuito de atividades econômicas e com direitos
reconhecidos, há uma outra humanidade no Brasil, crescendo rápida e
tristemente através do trabalho precário, no pequeno comércio, no setor
de serviços mal pagos, tratados como cidadãos de segunda classe.
Entre esses dois mundos, há uma fratura cada vez maior e difícil de
ultrapassar. (SAWAIA, 1999, p.40).
Isso equivale a dizer que o processo de desqualificação social está
relacionado à convivência cotidiana dos indivíduos com um misto de situações de
precariedade
8
e vulnerabilidade
9
. Nesta dinâmica, a desqualificação social e as
situações conseqüentes acabam por se correlacionar com o plano psicossocial
dos indivíduos. Esta forma de inclusão, quando vivenciada no dia-a-dia, traz
embutido um sentimento de desumanização ou coisificação do ser humano,
8
A precariedade refere-se à ausência de condições consideradas pela sociedade como
minimamente necessárias ao bem-estar.
9
A vulnerabilidade refere-se ao déficit de capacidade dos indivíduos, grupos ou comunidades de
satisfazerem suas necessidades básicas.
54
constituído por uma multiplicidade de dolorosas experiências cotidianas de
privações, de anulações e também de inclusão enganadoras (Martins, 2003,p.21).
Em face ao exposto, o conceito de desqualificação social enquanto
categoria analítica aplicada a este estudo se apresenta como: o processo, onde
indivíduos em situação de marginalização se revestem de um status de
inferioridade social, que além de impedi-los de aprofundar um sentimento de
pertencimento, serve de barreira que impede uma inserção adequada como
cidadão. Em outros termos, trata-se de um processo percebido através de uma
trajetória de vida (visto de forma longitudinal), onde, experiências e situações
estigmatizadas são vivenciadas e interiorizadas, com efeitos negativos sobre suas
condições sócio-políticas e sobre sua auto-estima.
Uma das características centrais deste processo é que o indivíduo, ao se
tornar um desqualificado social perde ou não adquire qualidades que o
recomendam à consideração pública. A fala da coordenadora da ASMARE
(Associação de Catadores de Papel, Papelão e Materiais Recicláveis de Belo
Horizonte) torna-se emblemática neste sentido. Em entrevista sobre sua vida,
antes de participar da associação, à coordenadora destaca: “(...) naquela época,
nós não nos considerávamos gente. A gente dizia, nós somos bicho mesmo (...)”.
A superação deste patamar passa a ser desejado e buscado por aqueles que se
encontram nesta situação.
55
Outra característica da desqualificação é que ela implica numa
invisibilidade. Esta invisibilidade encontra sua melhor expressão na noção de
ausência, desenvolvida por Boaventura Sousa Santos. Em “Para Uma Sociologia
das Ausências e Emergências”, o autor desenvolve uma noção de ausência que
consiste em demonstrar que o que não existe na realidade foi produzido para
permanecer oculto por relações sociais injustas e predatórias. Esta constatação
adquire relevância, pois implica em perceber que a ausência constitui-se num
artifício, que permite a naturalização da desigualdade entre indivíduos mais
qualificados e aquela população considerada desqualificada. Este artifício surge
como resultado de um acordo social excludente, que não reconhece a cidadania
para todos, onde a cidadania de uns é distinta da de outros, assim como também
são distintos seus direitos, suas oportunidades e seus horizontes.
Segundo Sawaia, a naturalização do fenômeno da exclusão e o papel do
estigma (dois dos componentes centrais no processo de desqualificação social),
servem para explicar, especificamente no caso da sociedade brasileira,
a natureza da incidência dos mecanismos que promovem o ciclo de
reprodução da exclusão, representado pela aceitação tanto do nível
social, como do próprio excluído, expressa em afirmações como “isso é
assim e não há nada para fazer”. Por outro lado, revela também uma
fragilização do vínculo societal. Tanto a atmosfera social de
conformismo, como a compreensão da condição da exclusão social
como fatalidade são reveladoras de processos nos quais os vínculos
sociais estão no mínimo fragilizados. Este caráter natural do fenômeno
vem contribuir com o denominado ciclo de exclusão, no sentido de
reforçá-lo e reproduzi-lo. O estigma definido como cicatriz, como aquilo
que marca, denota claramente o processo de qualificação e
desqualificação do indivíduo no ciclo da exclusão. (SAWAIA, 1999, p.
23).
56
O fenômeno da desqualificação social não é exclusividade de grupos
isolados, pelo contrário, situações como as apresentadas até aqui e, que via de
regra podem conduzir a processos de desqualificação, são percebidos em estratos
sociais diferenciados. Porém, estudos como de Juncá (1996, 1997, 2000) e
Gonçalves (2005), têm demonstrado a ocorrência de uma série de situações
típicas deste fenômeno no universo dos catadores de recicláveis.
A ênfase deste estudo recai sobre catadores associados. Esta opção torna-
se significativa, pois da perspectiva da análise, além de representarem um
momento posterior ao catador isolado, o associativismo aparece concebido como
estratégia no equacionamento da situação destes indivíduos. Ou seja, uma
alternativa que os qualifiquem socialmente.
2.3 QUALIFICAÇÃO SOCIAL
O tema da qualificação tem sido recorrente no campo da sociologia do
trabalho.
10
Inicialmente, estes estudos diziam respeito às realidades ligadas ao
mercado formal de trabalho. Porém, com a emergência da reestruturação
produtiva e a flexibilização das relações de trabalho estes estudos mudam o foco,
passando a lançar um olhar cada vez maior sobre o conjunto da força de trabalho
como um todo, buscando entender não somente o que vinha acontecendo nas
10
Ver os trabalhos de Castro (1996); Hirata (1994); Leite (1996).
57
atividades econômicas, mas, mais do que isso, buscando compreender as
complexas relações que se estabelecem entre os diferentes setores do mercado
de trabalho.
A temática ao mesmo tempo ganhou relevância no domínio das
intervenções, passando a ser objeto igualmente de planos de ações desenvolvidos
tanto por setores governamentais, quanto em âmbito sindical.
11
O saldo deste
conjunto de esforços teóricos e práticos tem sido expresso na necessidade de
qualificar os trabalhadores (GONZAGA, 1997). Constatações idênticas foram
obtidas em estudos na América Latina (IRANZO, 1997).
Segundo Neves e Leite, diante deste fato cabe de imediato o seguinte
questionamento:
Existe um núcleo comum de entendimento sobre a noção de
qualificação? Sabe-se que qualificação é um dos conceitos chaves da
sociologia do trabalho e no seu sentido mais tradicional está ligado às
exigências definidas pelo posto de trabalho nas empresas tayloristas e
ou fordistas. De uma maneira mais ampla a qualificação do trabalhador
compõe um conjunto de saberes escolares, técnicos e sociais, que o
tornam capacitado profissionalmente. (NEVES; LEITE, 1997, p.11)
De maneira geral, a resposta a esta pergunta tem se limitado a evidenciar
os elementos que compõem a qualificação. Do mesmo modo e de maneira
derivada expressões como: qualificação, qualificação social ou profissional têm
11
Em relação ao plano de ações, ver o Plano Nacional de Qualificação de Trabalhadores - PNQ,
implementado no governo Lula. Anteriormente o Plano de formação de trabalhadores – PLANFOR
no governo FHC. Programas da CUT como Integrar exemplifica a ação sindical.
58
sido utilizadas como sinônimos de um mesmo conjunto de dimensões. O que de
fato diz pouco ou quase nada, quando se intenta saber o que vem a ser um
processo de qualificação social.
Evidencia-se que tal abordagem acentua de forma mais intensa a dimensão
cognitiva da qualificação, ou seja, as competências, habilidades ou formação
necessárias à realização de tarefas laborais que exijam maior apropriação de
ferramentas operacionais tais como: informática, técnicas de gestão humana e
financeira entre outras. Essa abordagem aparece anunciada de maneira mais
clara através da propalada competência profissional. A conseqüência imediata
desta maneira de perceber a qualificação é o deslocamento das dimensões
sociais e políticas para um segundo plano. A questão colocada nestes termos
evidencia uma realidade latente da desigualdade social, a qual pode ser expressa
através da relação desqualificação/qualificação. Tal realidade encontra-se
presente nesse dualismo;
Manifesta-se na diferença crescente entre os rendimentos e as
condições de vida de um número reduzido de trabalhadores qualificados,
contratados por empresas do setor moderno da economia, e os de um
setor, majoritário e em expansão, de pessoas qualificadas e não
qualificadas que têm empregos precários (temporários ou de baixos
salários), estão desempregadas ou trabalham informalmente.
(RODRIGUEZ, 2002, p.332).
Deste modo a desigualdade, representada e efetivada nas diferenças de
condições de vida, confronta-nos com formas de inserção precarizadas
59
característica dos indivíduos menos qualificados por um lado, enquanto de outro
lado, permite o acesso às benesses do sistema para os mais qualificados.
Contudo, é necessário que não percamos de vista o fato de que a noção de
qualificação envolve dimensões diferentes e uma das mais importantes foi
apontada por Kergoat (1987) onde, a qualificação é entendida como relação
social. Neste sentido, ações como as do PNQ têm apontado para uma visão de
construção social, contrapondo-se à idéia da aquisição de competências como
processo individual ou derivado das exigências de mercado. A dimensão social de
suas diretrizes remetem a valores éticos que dizem respeito à participação, a
solidariedade e ao engajamento nas organizações sociais. Isso significa adotar
uma postura diferente da visão tecnicista que concebe a qualificação como
necessidade para o desempenho de uma atividade profissional. Visto desta forma,
a qualificação passa a ser condição sine qua non para assegurar uma atividade
produtiva decente para os trabalhadores, na pluralidade inerente à condição de
seres humanos. Nesse sentido, o trabalho surge como elemento de integração
social e como forma de otimizar ações que concorrem para a promoção da
cidadania.
Segundo Moura (2004), entende-se perfeitamente que, hoje em dia, o
desenvolvimento depende muito mais da qualidade dos fatores, que propriamente
de sua quantidade. Neste aspecto, o processo de qualificação das pessoas,
tornando-as capazes de desempenhar atividades cada vez mais complexas
60
tornou-se elemento chave, não somente na visão macro, onde a sociedade é
extremamente beneficiada, mas também no aspecto micro, onde os sujeitos,
depois de passarem por um processo de qualificação, passam a ter maiores
chances de se integrarem ao processo produtivo e, também, como não poderia
deixar de ser na própria sociedade onde vivem.
Em decorrência da argumentação apresentada, impõe-se que se procure
estabelecer um conceito genérico de qualificação social que dê conta dos
elementos de um processo de qualificação social, como se pretende nesta
pesquisa. Desta forma, o conceito não pode ser expresso senão numa formatação
multidimensional.
Assim sendo, baseado na discussão realizada até o momento, defino a
qualificação social como; o processo em que indivíduos alicerçados em práticas e
valores experimentam um desenvolvimento em âmbito econômico, político e
social, que serve de base para que os mesmos vivifiquem os laços sociais
contribuindo na satisfação de objetivos comuns, no exercício da cidadania e da
capacidade de se fazer representar na esfera pública, adquirindo assim, maior
autonomia como sujeitos.
Três são as dimensões analíticas fundamentais deste conceito: as práticas
e valores que dizem respeito aos modos e meios, através dos quais, os indivíduos,
orientam e conduzem suas ações e comportamentos com vistas à realização de
61
objetivos comuns; o fortalecimento dos laços sociais que implica na recuperação
do enlaçamento social e do sentido de coletividade e, por fim, a autonomia que
corresponde,
a capacidade e a possibilidade do indivíduo em satisfazer suas
necessidades básicas, sob as condições de respeito às idéias individuais
e coletivas, supondo uma relação com o mercado, onde parte das
necessidades deve ser adquirida, e com o Estado, responsável por
assegurar outra parte das necessidades. (SPOSATI, 1998, p.7).
Desta forma, a autonomia além de implicar na satisfação de bens materiais
e simbólicos, implica na possibilidade, aberta pelo sujeito e para o sujeito, do
mesmo construir sua própria história, ou seja, ser o autor de sua trajetória.
* * *
Neste capítulo, procurei argumentar no sentido de evidenciar a existência
de situações que em determinados momentos podem conduzir à desqualificação
ou à qualificação. No caso da desqualificação social, ela surge, como procurei
demonstrar, em decorrência de processos de inclusão marginal. Já a qualificação
social pode ser obtida, como veremos adiante, por meio da adoção de práticas e
de valores coletivos, os quais conduzem à reconstituição do pertencimento social
e a recuperação do sentido de coletividade. Onde, “o econômico como projeto e
atividade passe a ser suporte de algo mais essencial, que é a participação efetiva,
62
o exercício de uma solidariedade pública, o engajamento expressivo e a recriação
do laço social” (KEMP, 2004).
Enfim, gostaria de destacar que as situações de
desqualificação/qualificação não representam necessariamente o reverso uma da
outra. O que ocorre em muitos casos é uma superação de adversidades, um
sobrepujar de barreiras, que impedem um avanço no sentido de um
desenvolvimento econômico-social. Concluindo, devo esclarecer que, a
elaboração teórica de Paugam foi utilizada de forma substancial por mim até aqui.
Porém, mesmo que a construção teórica desenvolvida pelo autor tenha me servido
de inspiração, no que tange a elaboração do conceito de qualificação social, esta
consta de uma produção pessoal, pois, convém recordar, que Paugam em
momento algum discorre sobre o tema da qualificação social.
63
Capítulo 3
A ECONOMIA SOLIDÁRIA COMO ESPAÇO DE QUALIFICAÇÃO SOCIAL
A Organização Internacional do Trabalho – OIT em seu último boletim anual
descortina um cenário nada alentador. Cerca de um terço da mão de obra do
mundo encontra-se desempregada ou precariamente inserida no mercado de
trabalho. Na América Latina e no Caribe cerca de 17,5 milhões de seres humanos
estão na condição de desocupados (OIT, 2006). Contudo, o aprofundamento da
crise do mundo do trabalho abriu espaço para o surgimento e o avanço de outras
formas de organização do trabalho, conseqüência, em grande parte, da
necessidade dos trabalhadores de encontrarem alternativas de geração de renda.
Assim, pensar alternativas de desenvolvimento social significa pensar alternativas
de acesso ao mercado de trabalho. Neste sentido, para muitos trabalhadores a
economia solidária tem servido como porta de entrada.
64
3.1 O DESENVOLVIMENTO DA ECONOMIA SOLIDÁRIA NO BRASIL
A economia solidária se coloca como um campo de possibilidades na busca
de soluções para a crise social em que vivemos. As experiências de economia
solidária vêm se caracterizando por apresentar um leque de possibilidades dentro
de um caminho democrático participativo, impulsionando o desenvolvimento com
mais justiça social e concebendo uma nova lógica para a organização da
produção: a solidariedade.
Vista sob esta perspectiva, a economia solidária desponta como mais um
capítulo do protagonismo associativista dos trabalhadores. Para autores como
SANTOS (2002c), a economia solidária faz parte das lutas por uma globalização
não-hegemônica e da indignação e resistência efetiva aos valores e as práticas
que constituem o núcleo central do capitalismo, enquanto sistema econômico e
forma de civilização. Neste sentido, a economia solidária representa uma opção
política, pois desafia o capitalismo, que se baseia na desigualdade de recursos e
poder, no patriarcalismo e na destruição ambiental. Pode-se depreender que o
diferencial da economia solidária reside na posse coletiva dos meios de produção,
na auto-gestão e nas relações sociais de produção que ela enseja. Suas origens
mais remotas podem ser encontradas no século XIX, “quando a proletarização do
mundo do trabalho provocou o surgimento de um movimento operário associativo
e das primeiras cooperativas auto-gestonárias de produção” (GAIGER, 2003,
p.182).
65
No Brasil, há um certo consenso quanto ao desenvolvimento da economia
solidária. Para autores como Gaiger (2003); França Filho; Laville (2004); Singer
(2000), este desenvolvimento inicia-se nos anos de 1980 ganhando impulso
significativo na década seguinte. Sua emergência encontra-se relacionada ao
combate ao desemprego, ao combate a pobreza e a busca de alternativas de
geração de renda. O termo tem sido freqüentemente utilizado “para identificar
diferentes iniciativas de grupos sociais que se organizam sob o princípio da
solidariedade e da democracia para enfrentar suas problemáticas locais através
da elaboração de atividades econômicas” (FRANÇA FILHO; LAVILLE, 2004: 149).
Ela resulta de movimentos sociais que reagem à crise do desemprego em massa
da década de 1980.
Semelhantemente, no Rio Grande do Sul, a emergência da economia
solidária encontra-se articulada com o surgimento e a expansão de iniciativas
populares de geração de trabalho e renda, que gradativamente constituem-se em
um movimento propriamente dito, com um discurso mais elaborado e com formas
de organização mais articuladas e generalizadas (ICAZA, 2004).
Pensar hoje os empreendimentos econômicos solidários a partir da imersão
na história dos trabalhadores, significa perceber que o “solidarismo econômico
entre os trabalhadores vem de longa data e materializa-se num conjunto
heterogêneo de experiências de diferentes proveniências, em época e lugar”.
(GAIGER, 2004a, p. 373).
66
Hoje, é visível a ampliação dos empreendimentos de economia solidária.
Em linhas gerais, a ecosol
12
em sua forma de atuação econômica
abrange diferentes setores produtivos, envolve categorias sociais as
mais diversas e comporta variadas formas de organização, de grupos
informais e pequenas associações a cooperativas e empresas de médio
e pequeno porte. Mencionem-se as associações rurais espalhadas em
várias regiões do país, os grupos coletivos de produção nos
assentamentos da reforma agrária, as empresas autogestionárias, as
associações de coleta e triagem de resíduos recicláveis, as cooperativas
de trabalho e de crédito, entre outros. (GAIGER, 2005, p.8).
A constatação da expansão de tais empreendimentos representa uma
perspectiva promissora, sobretudo no que se refere às mudanças de qualidade
das condições e relações de trabalho. Se no âmbito econômico os
empreendimentos suscitam alguma cautela na sua análise, no âmbito da cultura
possuem grande significação, afinal são experiências destacadamente educativas.
(DOWBOR, 2002). Os EES em sua racionalidade diferem das empresas
capitalistas, isso faz com que os seus participantes tenham que ser educados ou
re-educados, pois a prática da ecosol exige dos indivíduos que dela participam um
comportamento social pautado pela solidariedade e não mais pela competição.
Além do que, esse comportamento social conduz a um maior comprometimento
com as questões públicas.
12
Quando me referir à economia solidária utilizarei de forma genérica o termo ecosol, em letras
minúsculas e itálico para diferenciar do Movimento da Economia Solidária também designado de
Ecosol.
67
Semelhante opinião é encontrada em França Filho e Laville. Segundo os
autores,
é exatamente nesse ponto que reside uma das vocações da economia
solidária que se desenha através de certo número de experiências [...]
agindo no campo da educação ambiental, como no caso das
associações ou cooperativas de reciclagem de lixo, ou no âmbito da
educação mais geral, como no caso dos cursinhos pré-vestibular para
estudantes carentes ou ainda no campo artístico e outras atividades
menos conhecidas; tais iniciativas partem da necessidade de enfrentar
problemas públicos. Elas tendem a realizar, desse modo, uma dupla
dimensão: aquela de um agir no espaço público, de um lado, que se
articula, por outro lado, com a elaboração de atividades econômicas, que
permite a geração de renda digna para aqueles que estão implicados
direta ou indiretamente, na iniciativa. (FRANÇA FILHO; LAVILLE, 2004:
180).
Deste modo, a economia solidária não se limita à luta pelos meios e formas
de produção, mas acrescenta ao seu contexto práticas, projetos, valores e
percepções que não correspondem à lógica capitalista. Ou seja, ela acrescenta
uma outra racionalidade que difere do utilitarismo do mercado capitalista.
Conforme Gaiger,
[...] as relações sociais de produção desenvolvidas nos empreendimentos
econômicos solidários são distintas das formas assalariadas. Muito
embora, também aqui, os formatos jurídicos e os graus de inovação no
conteúdo das relações sejam variáveis e sujeitos a reversão, as práticas
de autogestão e cooperação dão a esses empreendimentos uma
natureza singular, pois modificam o princípio e a finalidade da extração
do trabalho excedente.[...] de outra parte, a cooperação mostra-se capaz
de converter-se no elemento motor de uma nova racionalidade
econômica, apta a sustentar os empreendimentos através de resultados
materiais efetivos e de ganhos extra-econômicos. (GAIGER, 2003: 193).
68
Seguindo na mesma direção, seus trabalhos recentes apontam para o fato
de que,
A economia solidária não teria dado curso a um movimento social em
nosso país, nem a um debate vicejante sobre o seu projeto político, se
não houvessem emergido e proliferado, por diferentes e às vezes
insuspeitos caminhos, diversas iniciativas de associação econômica,
expressando um novo protagonismo econômico e social dos
trabalhadores, ainda que escudadas por organizações igualmente
díspares em sua atuação e propósitos (GAIGER, 2005: 7).
As últimas décadas têm se caracterizado pela ação conjunta de atores de
movimentos sociais, agentes de políticas públicas e cidadãos politicamente ativos,
na busca de uma nova ética de solidariedade que vise à superação dos níveis de
pobreza e desigualdades (SCHERER-WARREN, 1996).
Dentro da pluralidade de ações que têm sido gestadas pela sociedade,
tanto na esfera pública, civil ou privada,
13
com o intuito de intervir de maneira
positiva na realidade dos trabalhadores da reciclagem destaca-se as que
procuram organizar os trabalhadores implementando a capacitação dos catadores
para que abracem e continuem em sua atividade recuperadora de materiais
recicláveis, mas em melhores condições de salubridade, onde este trabalho seja
valorizado e onde possa ser agregado valor aos produtos recuperados,
conseguindo-se, assim, aumentar a sua renda quando forem comercializados.
13
São exemplos o Programa Lixo e Cidadania - UNICEF, Programa de Erradicação do Trabalho
Infantil – PETI do Governo Federal, os diversos fóruns estaduais e municipais que tratam da área
da coleta e da seleção do lixo; Programa Reciclagem Solidária-AMBEV, As Incubadoras
tecnológicas de cooperativas populares etc.
69
Esse grupo de ações cria uma importante relação com a economia
solidária, dado que na área de coleta e seleção de recicláveis as opções pelas
formas associativas têm sido fomentadas e estimuladas por tais programas,
caracterizando-se como principal opção para o equacionamento da falta de
trabalho e renda e diminuição dos processos de marginalização social a qual tais
grupos encontram-se submetidos diminuindo assim o seu déficit de cidadania.
Segundo Souza, J.R. (2005), a multiplicação de EES no campo da
reciclagem se deve a ação de entidades religiosas, ONGs e Poder Público, que na
busca de saídas para os problemas enfrentados pelos trabalhadores investiram
em soluções coletivas que articulavam a geração de trabalho e renda com as
questões ambientais. A conseqüência desta articulação foi à intensa participação
destes trabalhadores no debate da Política Nacional de Resíduos Sólidos que
resultou não só no reconhecimento como categoria profissional na CBO, mas
também, na escolha dos mesmos como parceiros preferenciais na gestão desses
resíduos.
Conforme dados divulgados pelo Atlas da Economia Solidária, encontramos
em todo território brasileiro EES cuja atividade destina-se a coleta e a seleção de
recicláveis. O mapa abaixo identifica as regiões de maior e menor incidências da
atividade no país, apontando para as regiões sul e sudeste como as de maior
concentração.
70
Mapa dos EES de Coleta e Reciclagem no Brasil
Fonte: Atlas da Economia Solidária - MTE/SENAES (2006).
No Rio Grande do Sul, segundo relatórios do SIES
14
foram cadastrados 98
EES atuando na área de coleta e seleção de recicláveis. Apresentam a seguinte
distribuição dentro do território rio-grandense;
14
A economia solidária tem sido uma resposta importante dos trabalhadores e das comunidades
pobres em relação às transformações ocorridas no mundo do trabalho. O Ministério do Trabalho e
Emprego – MTE por meio da Secretária Nacional de Economia Solidária – SENAES, tem
desenvolvido um conjunto de ações visando o fortalecimento dessa realidade. Dentre elas
destacam-se, o Mapeamento da Economia Solidária que se caracteriza por ser uma iniciativa que
busca identificar e caracterizar tais formas de organização. Nesse processo, foram coletadas
variadas informações sobre os EES. Todas essas informações constituem o Sistema Nacional de
71
Mapa dos EES de Coleta e Reciclagem no RS
Fonte: Atlas da Economia Solidária – MTE/SENAES (2006).
3.2 A HIPÓTESE DA QUALIFICAÇÃO SOCIAL
Como assinalado nos capítulos anteriores, minha opção de estudo recai
sobre os recicladores associados que optam por um EES como alternativa no
equacionamento de sua situação, e aos processos decorrentes desta opção. Para
tanto, parto da assertiva de que a realidade social destes atores não é um dado
Informações da Economia Solidária – SIES, que tem dentre seus objetivos identificar e demonstrar
as potencialidades e as dificuldades da economia solidária no país.
72
acabado. Ela se constitui diariamente como a resultante de uma dinâmica, onde
os atores interagem, estabelecendo relações entre si e a sociedade, com a
finalidade de adquirirem uma condição cidadã e serem reconhecidos como
cidadãos de direitos. Dentro da dinâmica que compõe minha hipótese de trabalho,
a Economia Solidária representa um espaço de qualificação social.
A economia solidária apóia-se em valores e práticas como solidariedade,
cooperação, democracia e autogestão, através dos quais, busca organizar a
produção e a reprodução da sociedade de modo a eliminar as desigualdades
materiais, convergindo para a valorização social do trabalho humano. Dito de outra
forma, tais valores e práticas são adotados com a finalidade de construir relações
sociais igualitárias, que coloquem o ser humano em primeiro lugar, promovendo o
seu desenvolvimento pessoal e social. Neste sentido, Gaiger tem ressaltado que
as experiências de economia solidária incutem em seus membros
hábitos de cooperação, solidariedade e espírito público, formando uma
“competência cívica subjetiva”, ao mesmo tempo em que favorecem a
articulação e a agregação de interesses em âmbito mais amplo. Eles
operam, portanto, no sentido de converter a confiança cevada no
convívio cotidiano, nas relações de proximidade, em confiança
social.(GAIGER, 2005:11).
Em função do exposto e considerando o objeto deste trabalho sustenta-se
aqui a hipótese de que a adesão e a incorporação das práticas e valores da
Economia Solidária, por parte dos sujeitos, constitui-se em um processo de
qualificação social que repercute em dois processos interligados, porém distintos.
O primeiro diz respeito a um maior acesso à renda e a um fortalecimento dos
73
laços sociais através dos quais os atores tenderiam a romper com a relação de
dependência social. Neste sentido, Gaiger tem enfatizado que
a separação moderna entre vida material e vida social, de par com a
redução das condutas esperadas na primeira à utilidade, conduziu ao
esvaziamento dos laços sociais, parece ter gerado igualmente um efeito
de revalorização do vínculo, uma necessidade e uma busca às vezes
angustiante de intercâmbio e reconhecimento (GAIGER, 2005, p.2).
Deste fato decorre o segundo processo, que diz respeito a uma maior
interlocução no espaço público, onde se desenvolveriam processos de
reconhecimento social nos termos de uma gramática de conflito moral, como as
descreve Honneth (2003).
Como conseqüência destes processos, os atores passariam a apresentar
uma maior interação com os extratos intermediários da sociedade, aumentando
assim, a possibilidade de aquisição e de acesso a bens materiais, simbólicos e
serviços. Ou seja, uma maior apropriação dos benefícios sociais característicos da
cidadania, que permitiria a estes atores se reconhecerem como cidadãos de
direitos. Seguindo nessa direção, os estudos de Gaiger têm indicado que o maior
grau de solidarismo interno nos EES,
corresponde também a maior envolvimento com as necessidades locais
e com os problemas sociais em geral. Se os valores e a vivência da
partilha formam a base psicossocial do grupo empreendedor,
estimulando iniciativas em prol da comunidade, a mesma identidade o
projeta na arena social, fortalecendo sua capacidade de disputar
recursos e auferir dividendos no mercado das políticas públicas e da
economia solidária. (GAIGER, 2005:12).
74
Neste sentido, adquire relevância atentarmos para a estreita relação entre o
reconhecimento social e a cidadania. Sendo o primeiro um elemento fundamental
para a conquista da segunda. Assim, apresentarei brevemente alguns elementos
teóricos que darão sustentação a essa afirmação. Para tal, irei recorrer entre
outros a obra de Axel Honneth (2003) e posteriormente trabalharei com aspectos
relativos à cidadania, relacionando-os com a questão dos catadores de recicláveis.
Axel Honneth é um representante da Escola de Frankfurt que busca
reconstruir a teoria crítica com base em uma teoria do reconhecimento. Para tanto,
Honneth busca inspiração em dois autores, Hegel e Mead. Em Hegel, nosso autor
encontra no conceito de luta por reconhecimento os elementos para desenvolver
um conceito de luta moralmente motivada que permita reproduzir a noção de
conflito.
De maneira complementar as formulações de Hegel, Honneth recorre à
psicologia social de George Mead, onde encontra um conceito intersubjetivista de
pessoa que, além de apropriado às formulações de Hegel pode funcionar segundo
Silva, J.P (2000), como um corretivo aos propósitos idealistas deste último.
Assim, com base nestes dois autores, Honneth desenvolve uma tipologia
formada por três formas distintas de reconhecimento:
As relações primárias, cujas formas de reconhecimento são o amor e
a amizade;
75
As relações legais, cuja formas de reconhecimento são as
identificadas com os direitos;
As comunidades de valor, cuja forma de reconhecimento é a
solidariedade.
Para cada uma destas dimensões existe uma relação prática do sujeito com
o self, relações que são definidas respectivamente como autoconfiança básica,
auto-respeito e auto-estima.
Para Honneth, a possibilidade de formação de indivíduos autônomos
depende do desenvolvimento dessas três formas de relação com o self. Por outro
lado, essas formas de relação com o self só podem ser adquiridas mediante o
reconhecimento de outros (SILVA, J.P, 2000). Podemos dizer que o sujeito deve
ter suas qualidades e capacidades reconhecidas e legitimadas pelos outros de
forma que o sujeito, sentindo-se reconhecido, disponha-se a reconhecer também o
outro em suas singularidades.
Retomando a questão das relações entre o sujeito e o self, destaque-se que
estas relações são criadas e mantidas por meio de lutas sociais. Lutas essas que
não se limitam a conflitos em torno de interesses, mas são lutas por
reconhecimento. Por fim, cada uma destas formas de reconhecimento contém um
potencial para o conflito, pois são geralmente motivadas por formas de
desrespeito, a citar:
76
O desrespeito à integridade física;
O desrespeito à integridade social;
O desrespeito à dignidade;
Cada uma destas formas de desrespeito corresponde a uma forma de
reconhecimento citados anteriormente.
Para autores como Habermas (1998), a exigência de respeito visa não só à
igualdade das condições de vida, mas também a proteção da integridade das
formas de vida que os membros de grupos que foram discriminados podem
reconhecer-se a si próprio.
No cotidiano dos catadores encontramos continuamente as formas de
conflito social motivadas pelo desrespeito. Assim, o insulto e a falta de autonomia
gerada pela não-participação no exercício do poder e a degradação, aparecem
como violação respectivamente da autoconfiança, do auto-respeito e da auto-
estima. Para Honneth, esses conflitos emergem onde as formas de vida tornam-se
intoleráveis.
Quando retornamos à realidade dos catadores estas formas de desrespeito
tornam-se mais evidentes. Passarei então a exemplificar, com base no cotidiano
destes sujeitos, situações onde se evidenciam tais formas de desrespeito.
77
Na dimensão do desrespeito a integridade física podemos citar como
exemplo, os óbitos de crianças, em geral antes de seis meses de vida, e a
interrupção brusca de gestações provocadas ou não. Para mães, principalmente
as que constituem a base do sustento de suas famílias, o trabalho mais leve, pelo
menos no final da gravidez, ou o repouso pós-parto são realidades
desconhecidas. Muitos problemas de saúde não chegam a ser objeto de
atendimento médico por falta dos meios para fazê-lo.
Na dimensão do desrespeito a integridade moral e do desrespeito à
dignidade, estudos como o de Juncá demonstram que a visão predominante na
sociedade identifica a atividade de catador como degradante, de maneira
pejorativa, quem trabalha com refugo humano, com o resto, com ele se confunde.
Assim, os recicladores vão recebendo novos rótulos e com eles vão acumulando
novas marcas de desqualificação social. Em São Paulo, são chamados de
reviradores de lixo, vira latas humanos; e em Pernambuco, são chamados de
homem-gabiru, numa associação ao rato que vive do lixo, procria velozmente,
produz repugnância e mostra o lado sujo do ambiente (JUNCÁ, 1996)
Conforme esta autora, a desvalorização não está presente apenas em
quem está fora do lixo:
Já contaminou, em algum momento, vários dos catadores que a
princípio, relutaram em ingressar em tal atividade. Sua fala aponta para
uma vergonha inicial seguida de uma aceitação: [...] “quando eu fiquei
78
desempregado e vim para o lixo, tinha a maior vergonha. Ficava por aqui,
olhando, às vezes catava só papelão e dava para outras pessoas. Até
que um dia achei uma caixa cheia de lingüiça. Era da boa. Deu para o
mês todo. Aí eu falei : epa o negocio é ficar por aqui mesmo”. (JUNCÁ,
1996: 117).
Esses sujeitos se deparam com toda a sorte de dificuldades na luta diária
pela sobrevivência, reforçando assim, uma triste probabilidade de se tornarem
agentes ativos e passivos de uma realidade onde a violência social é a tônica.
Quando se trata de crianças e adolescentes, essa situação é agravada pelo fato
destas serem oriundas de famílias sócio-economicamente fragilizadas, sem
condições de lhes oferecer uma inserção social adequada, assim como
perspectivas de futuro.
Os rótulos e estigmas que os catadores acumulam os desqualificam cada
vez mais como pessoas, e também para a vida em sociedade. Um retrato de
preguiça, indolência e marginalidade lhes é atribuído por uma fala originária de
outro lugar. (JUNCÁ, 1997). Para autores como Taylor (1998), a exigência de
reconhecimento adquire premência, pois o reconhecimento incorreto dos outros
pode conduzir uma pessoa ou grupo de pessoas a serem prejudicadas, sendo
alvo de uma distorção, quando eles refletem uma imagem limitativa, de
inferioridade ou de desprezo deles mesmos. A premissa por trás desta exigência é
a de que os grupos dominantes consolidam sua hegemonia inculcando uma
imagem de inferioridade nos grupos subjugados.
79
Considerando esse último aspecto, adquirem relevância as análises de
Santos (2002, 2004), em relação às lógicas de produção da não-existência, ou
existência desqualificada. O autor analisa as lógicas de produção da não
existência, como a lógica da classificação social. Nela, categorias sociais que
naturalizam hierarquias, assimetrias entre raças, sexo e classes sociais assumem
caráter natural. Como conseqüência, quem é inferior não pode se tornar
alternativa credível para quem é superior.
O saldo da discussão empreendida até o momento acerca da noção de
reconhecimento, indica existir uma equivalência entre os efeitos dos déficits de
reconhecimento e do processo de desqualificação social apresentado no capítulo
2 deste trabalho. Ou seja, a ausência de reconhecimento produz sobre as bases
piscosociais dos sujeitos efeitos similares aos sentidos por quem vivencia um
processo de desqualificação.
Como indiquei anteriormente, a desqualificação social corresponde ao
processo onde indivíduos em situação de marginalização se revestem de um
status de inferioridade social, que além de impedi-los de aprofundar um
sentimento de pertencimento serve de barreira que impede uma inserção
adequada como cidadão. Em outros termos, trata-se de um processo percebido
através de uma trajetória de vida (visto de forma longitudinal), onde experiências e
situações estigmatizadas são vivenciadas e interiorizadas com efeitos negativos
sobre suas condições sociopolíticas e sobre sua auto-estima. Assim, tanto o
80
processo de desqualificação, como os déficits de reconhecimento apresentam
conseqüências negativas para os indivíduos ao refletir uma condição de
inferioridade.
A inferioridade social quando tematizada em relação ao cotidiano dos
catadores e a sua busca por uma inserção adequada como cidadão revela que,
tanto os déficits de reconhecimento quanto a desqualificação social impedem a
aquisição da cidadania. Contudo, como irei abordar adiante, existe na noção de
reconhecimento um potencial para o conflito, suscetível de conduzir a conquista
da cidadania e a superação da desqualificação.
3.3 O RECONHECIMENTO SOCIAL COMO CONDIÇÃO AO EXERCICIO DA
CIDADANIA
Conforme Carvalho (1983), a conquista da cidadania é um problema
complexo. Segundo o autor, no Brasil pós-ditadura militar, tem-se intensificado as
reivindicações entorno da cidadania plena. Segundo Marshall (1967), a noção de
cidadania é formada por três elementos analiticamente distintos: civil, político e
social. A cada um destes elementos corresponde um conjunto de direitos. A saber,
a cidadania civil é formada pelos elementos necessários à liberdade individual, a
cidadania política é formada pelos direitos de participação no governo da
sociedade, a cidadania social garante a participação na riqueza coletiva, o que
inclui os direitos à educação, à saúde, ao trabalho, a salários justos e a uma vida
81
digna. Os direitos sociais permitem às sociedades politicamente organizadas
reduzir os excessos de desigualdades produzidas pelo capitalismo.
Segundo Jessé Souza,
No Brasil, com as suas grandes desigualdades sociais e sua
conseqüente naturalização, marginalização de massas [...] as
dificuldades de consolidação de uma ordem democrática e de um
mercado competitivo eficiente, teria como conseqüências a sub-
cidadania para a maior parte da população e o abismo material e
valorativo entre classes e os grupos sociais que compõem a nossa
sociedade. (SOUZA, 2004).
Para Honneth (2003), quando as possibilidades de reconhecimento são
negadas aos sujeitos, esses reagem com os sentimentos morais que
acompanham a experiência do desrespeito (perda de auto-estima, indignação
etc.), estes acabam se tornando fonte de protestos e resistência a serem
articuladas em uma esfera pública, naqueles termos propostos por Habermas
(1984).
Tratando-se da conquista da cidadania, uma das considerações principais é
que cada grupo deve poder desfrutar do direito de ter iguais oportunidades e
recursos ao seu exercício (Costa; Werle, 2000). Neste sentido, o acesso a bens
materiais, simbólicos e serviços passa a ser requisito para o exercício da
cidadania.
82
A promoção da cidadania via demandas públicas dos sujeitos em uma
esfera pública, exige processos de legitimação e reconhecimento social. O
reconhecimento e a legitimidade dos interlocutores é requisito não apenas da
convivência democrática, em geral, mas especialmente na esfera pública, como
espaço de conflito que tem a argumentação, a negociação, as alianças e a
produção de consensos possíveis como seus procedimentos fundamentais
(DAGNINO, 2002; 2005).
As formulações de Honneth (2003), introduzem um elemento dinâmico na
teoria crítica: a luta moralmente motivada. Essa constatação é promissora, pois
quando formulada em termos de conflito aproxima-se de estudos desenvolvidos
aqui no Brasil. Refiro-me ao trabalho de Telles (2001) sobre a questão social
brasileira. Para essa autora é
através do conflito que os não iguais impõem o seu reconhecimento
como indivíduos e interlocutores legítimos, dissolvendo as hierarquias
nas quais estavam submissos, numa diferença sem equivalência
possível. É nele, portanto, que se decifra o enigma dos direitos,
enquanto conquista de reconhecimento e legitimidade, sem o que a
cidadania formulada nos termos da lei não se universalisa e não tem
como se enraizar nas práticas sociais (TELLES, 2001, p.30).
Quando aproximamos esta discussão do estudo de Kemp, percebemos que
os EES apresentam uma lógica que difere da lógica do capitalismo, segundo esta
autora, nos EES
83
o econômico enquanto projeto e atividade passa a ser suporte de algo
mais essencial, que é a participação efetiva, o exercício de uma
solidariedade pública, o engajamento expressivo e a recriação do laço
social. O enlaçamento social e o sentido de coletividade destruído pelos
processos de marginalização e exclusão social provocados pela crise
econômica, são recuperados nos processos associativos da economia
solidária. (KEMP. at al, 2004, p. 2).
Nessa mesma direção, os estudos desenvolvidos por Gaiger demonstram
que,
as experiências de economia solidária sinalizam traços de protagonismo:
de um lado ao adotarem o princípio de fortalecer a capacidade de ação
dos empobrecidos, em linha de ruptura com a lógica dominante de
produção de bens e com divisão de produção de bens e com divisão de
produção e apropriação dos meios dos frutos do trabalho; de outro lado
ao não reprisarem, em seu âmbito interno e no seu perímetro social,
condutas alimentadoras da dualização social. A economia solidária
instituiria uma racionalidade sócio-produtiva orientada em princípios
igualitaristas, quanto a repartição da riqueza material, do poder e dos
bens culturais (GAIGER, 2006, p.1).
O desdobramento desta questão implica explorar as conexões existentes
entre as relações de trabalho, o mercado e seus efeitos na produção da
subjetividade, a partir da contraposição de elementos como competitividade e
individualismo, solidariedade e associativismo e suas conseqüências na
constituição de subjetividades. Ou seja, as experiências de ecosol além de romper
com as relações sociais de produção próprias do capitalismo, buscam difundir na
sociedade outros valores éticos e modos de conduta social.
84
Neste sentido, o estudo empreendido pela colega Aline Mendonça Santos
(2004), sugere que, a vivência nos EES tende a promover mudanças nos
comportamentos dos trabalhadores, passando os mesmos a serem mais
participativos e solidários. Em outras palavras, percebe-se nos trabalhadores uma
mudança na maneira de pensar o trabalho e tudo mais que o cerca. Contudo, o
alcance das mudanças de comportamento varia de empreendimento para
empreendimento, sendo condicionadas por fatores como: tempo de participação
no empreendimento ou nível de desenvolvimento organizativo.
Por fim, no plano das subjetividades adquire relevância destacar os debates
realizados na 1ª Conferência Nacional de Economia Solidária, realizada em 2006.
Nela, reafirmou-se o compromisso da Economia Solidária com concepções e
práticas fundadas em relações de colaboração solidária, inspiradas por valores
culturais que colocam o ser humano na sua integralidade ética e lúdica como
finalidade da atividade econômica, ambientalmente sustentável e socialmente
justa, ao invés da acumulação privada do capital (SENAES, 2006). Neste sentido,
o movimento social da economia solidária guarda em seu seio o germe para a
produção de uma nova subjetividade, capaz de romper com a razão indolente
como buscarei evidenciar através dos dados da pesquisa.
* * *
Neste capítulo, procurei realizar uma breve apresentação da ecosol, suas
práticas e valores e sua emergência no Brasil. Busquei também evidenciar a
85
relação existente entre a ecosol e o universo da reciclagem. Apresentei minha
hipótese de trabalho, segundo a qual, a economia solidária através de suas
práticas e valores caracteriza-se como um processo de qualificação capaz de
superar processos de desqualificação social, bem como a implicação desta
qualificação com processos de reconhecimento social. No próximo capítulo,
procederei à apresentação da metodologia do estudo comparativo desenvolvido
no presente estudo.
86
Capítulo 4
METODOLOGIA DESENVOLVIDA NA PESQUISA
O objetivo deste capítulo é apresentar o universo desta pesquisa. Assim,
irei discorrer nas próximas páginas sobre os meandros do estudo: quem são os
participantes da pesquisa, quais critérios me conduziram a definir a favor de uns
em detrimento de outros, quais as opções que eu tinha em termos de
empreendimentos e indivíduos para pesquisar, bem como as opções em termos
de métodos e técnicas utilizados e, por fim, quais foram as dificuldades
metodológicas encontradas durante o estudo.
Inicialmente é oportuno recordar que a finalidade empírica deste estudo é
verificar a hipótese apresentada no capítulo anterior, onde proponho que a
economia solidária a partir da adesão a suas práticas e valores se configure em
um processo de qualificação social capaz de superar processos de
desqualificação social. Ou seja, verificar a possível passagem de uma situação de
desqualificação social para uma situação de qualificação social e, a partir desta
última, auferir seus efeitos na construção da cidadania.
87
Minha experiência profissional
15
possibilitou-me o conhecimento da dura
realidade vivida por muitas famílias que retiram seu sustento das ruas e dos lixões
de norte a sul do país. No desenvolvimento destas atividades deparei-me, em
alguns momentos, com descrições pessoais que chamavam minha atenção.
Alguns indivíduos ao relatarem sua trajetória pessoal apresentavam discursos
diferenciados. Esses relatos evidenciavam um sobrepujar das dificuldades e das
desqualificações. Entre os sujeitos que proferiam tais relatos havia em comum o
fato dos mesmos fazerem parte de um EES, tal constatação foi fundamental na
formulação de minha hipótese de trabalho.
4.1 A OPÇÃO POR UM ESTUDO COMPARATIVO
Inicialmente planejava realizar um estudo de caso-mulicaso conforme
define Yin (2004). Entretanto, a partir da banca de qualificação percebeu-se que a
opção por um estudo comparativo seria mais apropriada. O professor José Luiz
Bica de Mello, que participou da banca de qualificação, chamou-me atenção para
as dificuldades na realização de um estudo de casos múltiplos. A falta de tempo
15
Desenvolvo atividade como educador junto ao Programa Auxílio Solidário – PAS no município de
São Leopoldo. Trata-se de um programa de inserção produtiva, onde trabalhadores em situação de
vulnerabilidade são reunidos em grupos de 30 trabalhadores com o objetivo de formar coletivos de
trabalho. Para dar conta deste objetivo são realizados encontros de formação que contam com
módulos de educação cidadã e organização coletiva do trabalho com ênfase na economia
solidária. A mim cabe a tarefa de ministrar a formação para a cooperação e consolidar processos
de constituição de cooperativas. Registre-se ainda minha participação em trabalhos de consultoria
para o Fundo das Nações Unidas Para Infância – UNICEF. Tratou-se de uma consultoria
desenvolvida pela Prof. Ivete Keil onde se buscava verificar a efeitividade das ações desenvolvidas
no Programa de Erradicação do Trabalho Infantil – PETI, onde as crianças pesquisadas em sua
totalidade eram originárias de famílias que retiravam seu sustento da atividade de catação, muitas
delas realizadas em lixões.
88
para poder acompanhar os grupos de trabalhadores ao longo de alguns anos, e
assim, verificar o possível desenvolvimento qualitativo desses trabalhadores seria
a principal dificuldade. Da mesma forma, o professor Bica destacou que a riqueza
do trabalho residiria na comparação entre os diferentes sujeitos dos
empreendimentos e a suas possíveis diferenças.
Assim, optei em conjunto com o professor Gaiger pela realização de um
estudo comparativo. Procedendo através da comparação de situações
diferenciadas pretender-se-ia evidenciar um desenvolvimento contínuo dos
sujeitos em termos de qualificação social. O raciocínio que está por trás desta
idéia é de que, mesmo considerando-se as diferenças que caracterizam cada
sujeito e a maneira como as situações são vividas, a adesão às práticas e valores
da ecosol conduziriam a certa homogeneidade em seus efeitos. É como se fosse
possível distinguir o sujeito A, e dizer que depois de certo tempo, o mesmo
corresponderia ao sujeito B.
O estudo comparativo enquanto estratégia de pesquisa adquire interesse,
pois reside na ultrapassagem da unicidade e na constatação de regularidades ou
de constantes entre organizações cujas semelhanças e dessemelhanças são
analisadas, pois elas permitem analisar as relações entre uma gama múltipla de
variáveis (Bruyne, 1991). Antes de tudo, a comparação é um modo de conhecer e
descrever e pode ser considerada como um modo de fazer pesquisa, um modo
89
que é utilizado com os mais variados objetos de investigação, do mais simples ao
mais complexo.
Considerando o objeto desta pesquisa verifica-se a necessidade de
obtenção de informações variadas que dêem conta da multiplicidade de situações
e de vivências experimentadas pelos atores e ainda, considerando o número de
situações a serem analisadas a opção pelo estudo comparativo mostrou-se a mais
adequada.
A comparação de um pequeno número de casos similares permite,
melhor do que um único caso teorizar a respeito da própria organização.
O estudo comparativo de casos emprega uma linguagem de conceitos e
categorias para apreender os fatos. Tal abordagem de natureza
qualitativa, contribui, por um lado, para elaboração de tipologias que
estão ligadas ao mesmo tempo aos resultados da pesquisa empírica e
as exigências da teoria [{...} a comparação pode se efetuar de forma a
não mostrar apenas situações de antes e após uma mudança, mas os
próprios processos de mudança em suas diversas fases. (Bruyne,
1991).
Segundo Rebughini,
De acordo com seu uso metodológico e epistemológico, o método
comparativo permite obter explicações, descrições ou compreender
melhor a formação dos significados e do sentido nos fenômenos sociais.
Comparar dois ou mais objetos significa, de fato, colocar em evidência
as suas recíprocas peculiaridades e a relação que intercorre entre os
fenômenos sociais e a especificidade do contexto nos quais se verificam.
(Rebughini, 2005: 238).
90
Para dar conta dos objetivos da pesquisa através de um estudo
comparativo, optei por um processo de análise a partir de três situações distintas e
dispostas em um gradiente. Considerem-se as situações A, B e C.
No primeiro caso, a situação A, deveria constar de um grupo de catadores
de material reciclável individual, ou seja, aqueles que catam nas ruas
isoladamente sem constituírem uma associação de trabalho, são indivíduos que
não optaram pelo trabalho associativo como solução para suas dificuldades. Os
casos B e C deveriam ser associações ou cooperativas que tivessem uma certa
trajetória dentro da economia solidária, mas que apresentassem níveis de
desenvolvimento e resultados práticos diferenciados. Desta forma, este trabalho
analítico de situações diferenciadas busca confrontar diferenças e semelhanças
de cada situação, tendo em vista a verificação da hipótese da qualificação social.
Esta opção metodológica pode ser melhor visualizada a partir do esquema
abaixo.
91
Catadores Individuais
Economia solidária
Desqualificação Social
Empreendimento
Coletivo
Situação B
Empreendimento
Coletivo
Situação C
Qualificação Social
92
Pelo fato de cobrir uma ampla gama de informações, o estudo comparativo
pode recorrer a várias técnicas de coleta de dados. Assim, para dar conta do
nosso objeto utilizar-me-ei de entrevistas qualitativas.
A entrevista qualitativa se refere a entrevistas do tipo semi-estruturadas
com um único respondente (a entrevista em profundidade) ou com grupo
de respondentes (o grupo focal). [...] a compreensão dos mundo da vida
dos entrevistados e de grupos sociais especificados é a condição sine
qua non da entrevista qualitativa (Gaskell, 2004:64)
.
Como referi anteriormente, a realidade social dos atores que trabalham na
reciclagem não é um dado natural. Resulta daí, que esta realidade decorre das
interações que estes atores realizam entre si e sua situação. Partindo desta
constatação e da necessidade de descrever os efeitos subjetivos que as situações
e experiências ocasionaram aos sujeitos que as vivenciaram, o uso da entrevista
mostrou-se o mais adequado, pois
o emprego da entrevista qualitativa para mapear e compreender o
mundo da vida dos respondentes é o ponto de entrada para o cientista
social que introduz, então, esquemas interpretativos para compreender
as narrativas dos atores em termos mais conceituais e abstratos, muitas
vezes em relação a outras observações
(Gaskell, 2004: 65).
Assim, a entrevista qualitativa fornece os dados básicos para a
compreensão das relações sociais entre os sujeitos e sua situação (Gaskell,
2004). As entrevistas realizadas com os participantes desta pesquisa foram do tipo
semi-estruturada, onde eu seguia um roteiro
16
pré-estabelecido, mas que ao
16
Ver anexo 1 neste trabalho.
93
mesmo tempo me deu flexibilidade para avançar em questões que surgiram no
decorrer das entrevistas.
Objetivamente, os outros recursos metodológicos que utilizei na pesquisa
me forneceram uma gama variada de informações sobre os sujeitos e
empreendimentos pesquisados. Esse leque de informações permitiu-me realizar
comparações entre os sujeitos do empreendimento A e B, entre os sujeitos do
mesmo empreendimento e comparar os empreendimentos entre si. Assim,
comparei dados que dizem respeito as bases econômicas: renda mensal,
capacidade de consumo etc. Ao desenvolvimento social, fundamentalmente a
vivificação dos laços sociais e o enfrentamento aos estigmas. As bases políticas, o
engajamento e a participação comunitária, movimentos sociais etc., além da
apropriação dos benefícios públicos. Para tanto, o roteiro de entrevista foi
elaborado de maneira que as respostas me propiciassem uma visão da vida
desses sujeitos antes e depois de fazerem parte dos empreendimentos.
17
Como técnica complementar fiz uso da observação participante. Para
Becker (1999), o cientista social que realiza o estudo de uma comunidade ou
organização, tipicamente utiliza-se do método de observação. A observação dá
acesso a uma ampla gama de dados, inclusive os tipos de dados cuja a existência
o investigador pode não ter previsto. Neste sentido, a observação participante
17
No caso dos catadores individuais verifica-se como foi essa vida antes e depois de iniciar a
atividade de catação.
94
consiste na participação real do pesquisador na vida da comunidade, do grupo ou
de uma situação determinada. O observador assume, pelo menos até certo ponto,
o papel de membro do grupo. Daí se dizer, que por meio da observação
participante se pode chegar ao conhecimento da vida de um grupo a partir do
interior dele mesmo.
Paralelamente à observação participante, destacamos o uso do diário de
campo, que segundo Neto,
[...] esse diário é um instrumento ao qual recorremos em qualquer
momento da rotina do trabalho que estamos realizando. Ele, na verdade,
é um "amigo silencioso" que não pode ser subestimado quanto à sua
importância. Nele diariamente podemos colocar nossas percepções,
angústias, questionamentos e informações que não são obtidas através
da utilização de outras técnicas. (Neto, 1994, p.63) apud (SETÚBAL,
1999, p. 52).
Para dar conta dos objetivos propostos neste estudo foram realizadas
diversas visitas regulares aos empreendimentos durante o período de janeiro de
2006 a novembro de 2006.
Finalmente, com o propósito de elaborar o perfil sócio-econômico dos
grupos participantes da pesquisa empreguei um questionário descritivo.
18
O uso
do questionário permitiu-me estabelecer algumas diferenças significativas entre os
empreendimentos, diferenças essas que a princípio não se encontravam
evidentes.
18
Ver anexo 2 neste trabalho.
95
No tratamento dos discursos reunidos pelas entrevistas empreguei o
método de análise de conteúdo. A análise de conteúdo é um conjunto de
instrumentos metodológicos que se aplicam a "discursos" extremamente
diversificados. Seu objetivo consiste na manipulação de mensagens (conteúdo e
expressão desse conteúdo), para evidenciar os indicadores que permitam inferir
sobre uma outra realidade que não a da mensagem (BARDIN, 1995).
Por sua vez, a análise de conteúdo divide-se em dois tipos: qualitativa e
quantitativa. A característica da análise qualitativa é a inferência ser fundada na
presença do índice (tema, palavra, personagem etc.) e, a partir disso, descobrir os
"núcleos de sentido" que compõem a comunicação, enquanto que, na análise
quantitativa o determinante é a freqüência com que o índice se apresenta no
discurso. Segundo Setúbal,
A análise de conteúdo tem como suporte instrumental qualquer tipo de
mensagem, formas de expressão dos sujeitos sociais e, como produto,
um conhecimento não linear, por conseguinte não espasmódico, já que
sua derivação se dá pela observação social do objeto de estudo, onde o
tempo e a circularidade da comunicação são considerados significativos.
Constitui-se outra forma de olhar para as comunicações que,
dependendo da postura teórica, política e cultural do pesquisador,
poderá conduzir a produção de um novo conhecimento, onde a história e
a cultura se fazem presentes. (SETÚBAL, 1999, P. 59).
A organização da análise de conteúdo envolve 3 fases: a pré-análise, a
exploração do material e, por fim, a análise e a interpretação dos resultados.
96
A pré-análise é a fase de organização propriamente dita. Aqui, o
pesquisador busca tornar operacional as idéias iniciais de maneira a conduzir a
um esquema preciso do desenvolvimento das operações sucessivas, num plano
de análise. A exploração do material consiste essencialmente em operações de
codificação, desconto ou enumerações, em função de regras previamente
formuladas. Por fim, a interpretação dos resultados. Nesta fase os resultados
brutos são tratados de maneira a serem significativos. O analista, tendo a sua
disposição resultados significativos pode propor inferências e adiantar
interpretações a propósito dos objetivos previstos ou que digam respeito a outras
descobertas. Por outro lado, os resultados obtidos podem servir de base a outra
análise disposta em torno de novas dimensões teóricas ou práticas (BARDIN,
1995).
4. 2 AS SITUAÇÕES E OS PARTICIPANTES DA PESQUISA
A seleção dos participantes da pesquisa realizou-se considerando-se
alguns critérios. Na seleção dos catadores individuais o critério principal foi a
possibilidade de acesso a esses trabalhadores. Assim, os catadores individuais
foram selecionados no município de São Leopoldo na grande Porto Alegre. A
escolha se deve ao fato de eu desempenhar atividade profissional junto a
prefeitura deste município. Desta forma, foram selecionados aleatoriamente três
catadores que estão ingressando em uma experiência de trabalho associativo. A
opção tornou-se significativa, pois me proporcionou acompanhar in-loco o início
97
destas pessoas em uma cooperativa de reciclagem e as dificuldades encontradas
por elas em decorrência desta opção. Trata-se de pessoas que foram removidas
de uma área central no município, a avenida Imperatriz Leopoldina, para uma área
periférica da cidade, a vila Santa Marta no bairro Campina. Cabe esclarecer que
em virtude destas pessoas desenvolverem a atividade de catação e diante da
impossibilidade de continuar realizando-a nos locais de costume, foi ofertado por
parte da prefeitura municipal uma vaga no programa e consequentemente o
acesso a cooperativa que assumiu o galpão de reciclagem do município. Abaixo,
realizarei uma breve apresentação desses participantes.
A primeira entrevistada foi a Lúcia,
19
49 anos, divorciada, natural do
município de Espumoso no interior do estado do Rio Grande do Sul. Deixou o
campo em 1979 vindo para Sapucaia do Sul no Vale dos Sinos cuidar de um
sobrinho recém-nascido, filho de sua irmã mais velha. Não mais retornou ao
campo e desenvolveu uma carreira de trabalho em empresas calçadistas até
meados da década de 1990. A partir de 1998, movida pela necessidade e pela
dificuldade de conseguir emprego começou a realizar a atividade de catação que
perdura até os dias atuais.
A segunda entrevistada foi a Carmem, 19 anos, natural do município de
São Leopoldo, tentou conseguir um emprego regular sem obter sucesso, cuidou
19
Todos os nomes dos participantes foram alterados para evitar a identificação dos mesmos e,
conseqüentemente, algum tipo de constrangimento.
98
de crianças por um ano e a dois anos tem na atividade de catação a forma de
sustento.
A terceira entrevistada foi a Matilde, 21 anos, natural de São Sebastião do
Caí. Quando era criança trabalhava com os pais auxiliando no corte de mato.
Casou-se e virou dona-de-casa. Com a dificuldade do marido em conseguir
trabalho
20
e, diante do despejo da casa onde moravam, resolveram vir para São
Leopoldo, visto que os pais de Matilde já tinham vindo anteriormente. Chegando à
São Leopoldo encontrou seus pais vivendo da catação e desde 2002 Matilde
realiza a atividade de catação para o sustento da família, enquanto o marido
realiza biscates.
Na seleção dos empreendimentos que iriam fazer parte deste estudo o
primeiro critério utilizado foi que eles apresentassem momentos de
desenvolvimento diferenciados - econômicos, administrativos e de relacionamento
com a Ecosol - para que eu pudessem compará-los.
Um critério secundário utilizado por mim foi escolher dentre
empreendimentos que integram a Unisol. A UnisoL Brasil - União e Solidariedade
das Cooperativas e Empreendimentos de Economia Social do Brasil - consiste em
uma associação civil sem fins lucrativos, cujos fundamentos são o compromisso
com a defesa dos interesses da classe trabalhadora. Com base em laços de
20
o marido desempenhava a mesma atividade dos pais da Matilde, ou seja, corte de lenha.
99
solidariedade e cooperação tem por objetivo principal reunir as entidades,
empresas coletivas constituídas por trabalhadores a fim de promover efetivamente
a melhoria socioeconômica de seus integrantes, garantido-lhes trabalho e renda
com dignidade. Essa entidade encontra-se ligada ao movimento da Economia
Solidária. Por fim, outra característica observada foi o fato dos empreendimentos
integrarem a FARRGS (Federação das Associações de Recicladores do Rio
Grande do Sul). O acesso aos empreendimentos também foi observado.
Dentre os empreendimentos aventados para a realização da pesquisa
quatro empreendimentos foram visitados, a citar: Associação de Recicladoras de
Lixo Amigas Solidárias – ARLAS no município de Canoas, Associação de
Recicladores de Dois Irmãos, no município de Dois Irmãos, o Centro de Educação
Ambiental – CEA da Vila Pinto e o Profetas da Ecologia, ambos em Porto Alegre.
A Associação de Recicladoras de Lixo Amigas Solidárias – ARLAS,
mostrou-se, através da líder Dona Beatriz receptiva a participar da pesquisa. O
empreendimento apresentou características apropriadas ao estudo tais como: uma
certa trajetória, algumas conquistas para o grupo, ligação com a ecosol etc.
Contudo, não optei pelo empreendimento por considerar o baixo número de
integrantes. Quando da minha visita, apenas 11 pessoas participavam da
associação.
100
A Associação de Recicladores de Dois Irmãos mostrou-se um excelente
empreendimento para a realização da pesquisa. O empreendimento possui um
alto grau de desenvolvimento, realizando, hoje, todo o ciclo da reciclagem. Ou
seja, coleta, triagem e reciclagem de alguns materiais. O grupo conta, inclusive,
com um produto próprio produzido a partir do material reciclado no
empreendimento. Após ponderar sobre algumas especificidades desse
empreendimento acabei por descartá-lo. Foi preponderante para isso a sua
localização. Considerei as dificuldades que eu teria para visitá-lo com a freqüência
necessária à realização do estudo e também as características do município. Um
empreendimento situado em um município de colonização alemã, com valores e
padrões culturais diferenciados dos demais municípios, com uma população
pequena, tudo isso poderia provocar uma distorção na comparação.
Assim, os empreendimentos selecionados foram, respectivamente, o
Centro de Educação Ambiental da Vila Pinto e a Associação de Recicladores
Profetas da Ecologia. Passarei em seguida a apresentar algumas das
características dos grupos pesquisados.
21
Irei iniciar pelo Centro de Educação Ambiental da Vila Pinto – CEA. Meu
primeiro contato com empreendimento foi em dezembro de 2005, quando realizei
uma visita para conhecer o local e discorrer sobre a pesquisa com a Dona Marli,
líder do empreendimento. Neste primeiro contato, que durou toda uma manhã, fui
21
Dados gerais descritivos que foram obtidos através de questionário socioeconômico serão
apresentados juntamente com os dados obtidos na pesquisa no próximo capítulo.
101
apresentado ao empreendimento e as suas atividades. Descrevi a proposta de
pesquisa para a dona Marli que concordou com a realização do estudo, alegando
que via em meus olhos que eu era bem intencionado. Combinei que iria iniciar a
pesquisa em março de 2006.
A história do CEA remonta ao ano de 1995 quando um grupo de mulheres
excluídas do mercado formal de trabalho, domiciliadas na Vila Pinto, zona leste de
Porto Alegre, se reuniu com o objetivo de criar um trabalho alternativo para
conquistar sua independência financeira, garantir seus direitos de mulheres e
cidadãs e, melhorar assim a sua qualidade de vida. No início caminhavam nas
ruas da cidade coletando lixo seco, e posteriormente o transportavam para um
campo localizado no centro desta vila, a fim de selecionar entre o lixo os materiais
recicláveis. Após a seleção e a separação do material era feita a venda deste
produto e o ganho obtido com a venda era dividido de forma eqüitativa.
Em 1996, fundaram o Centro de Educação Ambiental – CEA, a área
ocupada foi cedida pela Prefeitura Municipal de Porto Alegre em “Permissão de
Uso por Tempo Indeterminado” e, elegeram a líder comunitária Marli Aires
Medeiros como presidente. O Centro de Educação Ambiental administra dois
associados operacionais: o Centro de Triagem da Vila Pinto – CTVP, associação
de trabalhadores de baixa renda que realizam a seleção de material reciclável
garantindo o sustento financeiro de 50 famílias e o funcionamento do Centro
Cultural James Kulisz – CEJAK, associação que desenvolve atividades nas áreas
102
da educação, cultura, lazer e qualificação profissional aos moradores da Vila
Pinto, atendendo cerca de 1400 pessoas/mês.
O CEA-Vila Pinto encontra-se localizado na Vila Pinto, bairro Bom Jesus,
zona leste de Porto Alegre, entre as avenidas Protásio Alves, Ipiranga e Antônio
de Carvalho. Ocupa um terreno de 8000 metros quadrados na parte central da Vila
Pinto. A Vila Pinto, juntamente com as Vilas Divinéia e Nossa Senhora de Fátima
integra a região conhecida por "Grande Mato Sampaio".
No CEA da Vila Pinto realizei 5 entrevistas. Apresentarei brevemente os
entrevistados deste empreendimento. Como critério para seleção dos
entrevistados, considerei o tempo de participação no empreendimento e a função
desempenhada. Os entrevistados foram:
Maria, 25 anos, trabalha na triagem de materiais. Natural de Porto
Alegre, está no empreendimento a 7 anos. Anteriormente trabalhou
como serviços gerais em uma loja.
Sirlei, 32 anos, líder de grupo na produção, trabalha na triagem de
materiais. Natural de São Francisco de Paula, está a 5 anos no
empreendimento. Anteriormente trabalhou como serviços gerais e foi
catadora de rua.
Alexandre, 37 anos, organiza ações culturais, é responsável pela
captação de recursos e pela mobilização dos integrantes, se
autodefine como ativista social. Natural do Rio de Janeiro, mudou-se
103
para Porto Alegre aos 7 anos. Está no empreendimento a 3 anos.
Anteriormente era traficante.
Delmar, 31 anos, trabalha na triagem de materiais. Natural de Porto
Alegre, está no empreendimento a 1 ano e 3 meses. Antes de
trabalhar no empreendimento se prostituía.
Ismael, 45 anos, líder de grupo, trabalha nas prensas. Natural de
Porto Alegre, está no empreendimento a 5 anos. Anteriormente
trabalhou em várias empresas, sempre em atividades que exigiam
baixa qualificação.
Apresentarei agora o segundo empreendimento participante da pesquisa, o
Profetas da Ecologia.
Situado no bairro Navegantes, o empreendimento localiza-se ao lado dos
trilhos da Tremsurb vizinhando com o shopping DC Navegantes e com a igreja
Nossa Senhora dos Navegantes. Empreendimento formado nos anos 90 teve
como seu principal apoiador o padre marista Antonio Cechim. De sua formação
inicial não restou nenhum integrante, sendo que hoje, o Profetas da Ecologia
conta com 24 integrantes, dos quais a grande maioria é proveniente de outros
municípios, mais precisamente do interior do estado. Outra característica do
empreendimento reside no fato de manter-se na informalidade desde o início de
suas atividades. Nos últimos dois anos, o Profetas da Ecologia tem se destacado
pela realização de algumas parcerias, como a realizada com a Universidade Ritter
104
dos Reis – UNIRITTER e a Trensurb, onde foi realizado um projeto de implantação
de uma unidade de produção de papel reciclado. Outra parceria foi realizada com
um grupo da Arquitetura da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS,
o que possibilitou a reforma das instalações do empreendimento. O fato do
empreendimento estar em fase de desenvolvimento o credenciou para o estudo.
No Profetas da Ecologia foram realizadas três entrevistas, a citar:
Vera, 59 anos, cuida da cozinha e realiza pequenos trabalhos, mora
no empreendimento. Natural de Uruguaiana está no empreendimento
a 1 ano. Anteriormente era dona-de-casa e chegou a trabalhar no
comércio.
Iracema, 45 anos, trabalha na triagem de materiais. Natural de
Canoas, está no empreendimento a 1 ano e 8 meses. Anteriormente
era catadora de rua.
Gaudério, 63 anos, é um dos coordenadores do empreendimento e
trabalha como prenseiro. Natural de Cachoeira do Sul, está no
empreendimento a 4 anos. Anteriormente trabalhou em várias
empresas como motorista, auxiliar de serviços gerais, entre outras
atividades.
105
4.3 O DESENROLAR DAS ATIVIDADES DE PESQUISA
O trabalho de campo foi desenvolvido durante os meses de março a
novembro, ou seja, durante um período de 8 meses. No início dos trabalhos de
campo eu realizava visitas semanais aos empreendimentos alternando os dias de
visita, numa semana eu ia na segunda-feira, noutra na terça e assim
sucessivamente. Como em ambos os empreendimentos eu obtive autorização
para a realização da pesquisa diretamente dos coordenadores, as primeiras visitas
causavam muita curiosidade nos grupos. Nas visitas iniciais limitei-me a
observação e a coleta de informações através de fontes secundárias,
freqüentemente eu era visto conversando com pessoas que não faziam parte do
empreendimento, como por exemplo: uma estudante de arquitetura que fazia um
mosaico num banheiro que estava sendo construído no Profetas da Ecologia, em
parceria com a UFRGS. Ou um mecânico que realiza a manutenção das prensas
no CEA – Vila Pinto. Essas fontes secundárias me forneceram informações
adicionais e me proporcionaram coletar uma imagem externa dos
empreendimentos que me auxiliou a entender mais rapidamente suas dinâmicas.
Todos esse processo foi registrado em meu diário de campo.
Após as primeiras visitas, os integrantes dos empreendimentos foram se
acostumando ao fato de serem observados e passaram a interagir muito comigo.
Propunham assuntos para conversarmos, me chamavam pelo primeiro nome, sem
fazer nenhum tipo de cerimônia e até mesmo faziam brincadeiras. Sem dúvida,
106
algo que facilitou essa quebra de gelo foi o fato de eles enxergarem em mim a
oportunidade de receberem algum apoio do meio acadêmico. Assim, tornou-se
comum eles me pedirem ajuda na realização de alguma atividade ligada a projetos
ou solicitar-me ajuda para contatar com outros profissionais.
Passados os meses iniciais da pesquisa, a partir do final de junho até início
de agosto, realizei a aplicação dos questionários socioeconômicos, a seleção dos
entrevistados e a realização das entrevistas. Tendo realizado essas tarefas eu
passei a visitar os empreendimentos a cada duas semanas. A opção pelo
espaçamento das visitas, naquele momento, foi adotada na tentativa de realizar
um distanciamento, espaçando as visitas eu almejava notar possíveis nuanças
que não estivessem sendo percebidas por mim. Seguindo essa sistemática,
realizei visitas periódicas aos empreendimentos até o final do mês de novembro,
após realizei somente contatos telefônicos e uma visita no mês de dezembro.
Houve dificuldades na realização da pesquisa. No plano pessoal minha
situação financeira e as atividades profissionais sem dúvida foram um limitante no
número de visitas. Quanto as dificuldades apresentadas pelos pesquisados
gostaria de destacar o bloqueio que alguns entrevistados apresentaram para
compreender a natureza do estudo que eu realizava e a dificuldade de
compreensão de algumas questões levantadas nas entrevistas. No caso
específico do CEA-Vila Pinto, o acesso ao empreendimento, ou seja, o chegar até
lá não foi uma tarefa fácil devido as características violentas da região. A
107
desconfiança que eu causava ao passar pelas ruas incomodava a mim e
aparentemente aos moradores, visto que tornava-se evidente para eles que eu
não era da região.
* * *
Apresentei nesse capítulo minhas opções metodológicas para a realização
da pesquisa, as características gerais dos participantes, as situações vivenciadas
na pesquisa e as dificuldades enfrentadas. No próximo capítulo irei apresentar os
resultados da pesquisa e as conclusões a que cheguei, considerando a hipótese
da qualificação social.
108
Capítulo 5
PRÁTICAS E VALORES QUE QUALIFICAM OS TRABALHADORES
As discussões realizadas até o momento tangenciaram várias questões
relativas aos trabalhadores empobrecidos. No início deste trabalho dissertei
acerca da situação histórica dos trabalhadores empobrecidos, as transformações
vivenciadas no mundo do trabalho, as conseqüências destas transformações no
âmbito dos trabalhadores empobrecidos e as reações apresentadas pelos
mesmos. Posteriormente, realizei uma abordagem conceitual sobre a
desqualificação social relacionando-a com a situação dos catadores. No terceiro
capítulo, expus minha hipótese de trabalho, na qual a ecosol propicia um processo
de qualificação social capaz de superar os processos de desqualificação. Em
seguida, apresento a metodologia empregada na realização deste estudo. E
finalmente, os dados obtidos e as conclusões a que cheguei.
Iniciarei apresentando os dados socioeconômicos dos empreendimentos
pesquisados. Em seguida, irei discorrer acerca da comparação entre os sujeitos e
entre os empreendimentos, onde pretendo demonstrar, através dos discursos dos
trabalhadores e das minhas observações como eles superam as desqualificações
109
sociais decorrentes dos estigmas e dos rótulos que lhes são atribuídos pela
sociedade em função de seus modos de vida e da atividade de catação.
5.1 A CARACTERIZAÇÃO SOCIOECONÔMICA DOS PERTICIPANTES DA
PESQUISA
Os empreendimentos pesquisados apresentaram semelhanças e diferenças
significativas quando consideradas suas caracterizações gerais. Iniciando pelo
número de integrantes dos empreendimentos, quando da realização da coleta de
dados o Profetas da Ecologia contava com 22 trabalhadores. Já no CEA -Vila
Pinto, esse número mais que dobrava, passando para 50 integrantes. Inicio a
descrição geral dos integrantes dos empreendimentos apresentando a distribuição
de seus participantes quando considerado a variável sexo.
Gráfico 1: Divisão sexual no Empreendimento
22
Profetas da Ecologia
Participantes segundo divisão por sexo
76,50%
23,50%
0,00%
10,00%
20,00%
30,00%
40,00%
50,00%
60,00%
70,00%
80,00%
90,00%
Masculino Feminino
Gráfico 2: Divisão sexual no Empreendimento
23
CEA-Vila Pinto
22
Os valores deste e dos demais quadros foram obtidos sobre uma amostragem correspondente a
60% dos integrantes do empreendimento. No momento da coleta dos dados isso correspondia a 17
sobre 22.
110
Participantes segundo a divisão por sexo
26,60%
73,40%
0,00%
10,00%
20,00%
30,00%
40,00%
50,00%
60,00%
70,00%
80,00%
Masculino Feminino
Uma rápida observação dos gráficos 1 e 2 revela que a divisão sexual nos
empreendimentos é similar e aponta para uma maior participação das mulheres. A
predominância feminina nos empreendimentos (corroborada pelas minhas
observações e conhecimento de outros empreendimentos de reciclagem) está a
indicar uma maior propensão das mulheres a se engajar ao trabalho associativo
no âmbito da triagem coletiva de materiais recicláveis. Uma possível explicação
para esse maior engajamento coletivo pode ser o fato de mais de 70% das
mulheres pesquisadas declararem serem elas as chefes de família. A necessidade
de garantir o sustento da família faz com que estas mulheres optem pela atividade
de catação. Contudo, o trabalho na rua é mais desgastante e inseguro que nos
empreendimentos , resultando daí a sua maior propensão ao trabalho coletivo.
23
Os valores deste e dos demais quadros foram obtidos sobre uma amostragem correspondente a
60% dos integrantes do empreendimento. No momento da coleta dos dados isso correspondia a 30
sobre 50.
111
Da mesma forma, os empreendimentos apresentaram certa
homogeneidade quanto a identificação da cor de seus integrantes. No Profetas da
Ecologia 64,7% dos integrantes se identificam como negros ou pardos e 35,3 % se
identificam como brancos. Já no CEA, 70% se identificam como negros ou pardos
e 30% como brancos. Vejamos os gráfico 3 e 4 abaixo.
Gráfico 3: Participantes segundo a Cor Profetas da Ecologia
Composição dos participantes segundo a cor
35,3
23,5
41,2
0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
Branca Pardo Preta
Gráfico 4: Participantes segundo a Cor CEA – Vila Pinto
Composição dos participantes segundo a cor
30
6,7
63,3
0
10
20
30
40
50
60
70
Branca Pardo Preta
112
Observando os gráficos 5 e 6 percebe-se que, no Profetas da Ecologia
52,9% dos seus integrantes possuem entre 18 e 39 anos. Considerando-se a
mesma faixa-etária, no CEA-Vila Pinto o percentual sobe para 86,6 %.
Gráfico 5: Participantes segundo a faixa etária Profetas da Ecologia
Participantes segundo faixa etária
17,60%
35,30%
41,10%
6%
0,00%
5,00%
10,00%
15,00%
20,00%
25,00%
30,00%
35,00%
40,00%
45,00%
De 18 a 24
anos
De 25 a 39
anos
De 40 a 59
anos
60 anos ou mais
Gráfico 6: Participantes segundo a faixa etária CEA – Vila Pinto
Participantes segundo faixa etária
36,60%
50%
13,40%
0
0,00%
10,00%
20,00%
30,00%
40,00%
50,00%
60,00%
De 18 a 24
anos
De 25 a 39
anos
De 40 a 59
anos
60 anos ou mais
113
Quanto a escolaridade ambos os empreendimentos apresentaram situação
similar em termos de ensino fundamental, sendo que, considerando o ensino
médio os integrantes do CEA-Vila Pinto apresentaram uma maior escolaridade .
Gráfico 7: Participantes segundo a escolaridade Profetas da Ecologia
Participantes segundo a escolaridade
5,90%
70,70%
11,70%
0
11,70%
0,00%
10,00%
20,00%
30,00%
40,00%
50,00%
60,00%
70,00%
80,00%
Ensino
fundamental
completo
Ensino
fundamental
incompleto
Ensino médio
completo
Ensino médio
incompleto
Nunca
estudou
Gráfico 8: Participantes segundo a escolaridade CEA – Vila Pinto
Participantes segundo a escolaridade
16,70%
50,00%
10,00%
16,70%
6,60%
0,00%
10,00%
20,00%
30,00%
40,00%
50,00%
60,00%
Ensino
fundamental
completo
Ensino
fundamental
incompleto
Ensino médio
completo
Ensino médio
incompleto
Nunca
estudou
Resumidamente, o perfil dos integrantes dos empreendimentos pode ser
definido como, mulheres negras ou pardas com ensino fundamental incompleto,
114
sendo que na sua maioria possuem três ou quatro anos de estudo. Situam-se na
faixa-etária de 18 a 39 anos e em muitos casos têm sua origem no interior, ou
seja, são migrantes. O ingresso no universo da reciclagem se deveu em grande
medida ao desemprego, ao preconceito quanto a idade, a extrema necessidade, e
no caso de jovens que nunca trabalharam, a falta de alternativas de trabalho.
Podemos evidenciar algumas destas constatações através das falas abaixo.
Eu trabalhei na Avipal, eu trabalhei em várias firmas também. Mas
quando eu fiquei desempregado mesmo, aí não teve mais jeito, quando
eu chegava numa empresa pra trabalhar, “quantos anos tu tem?” tantos
anos “ah! então não tem”. Ou então, o estudo também, porque hoje em
dia sem estudo....eu tenho pouco estudo, daí então aquilo...porque se
chegar outro com mais estudo, aquele outro, ou menos idade, aquele já
leva um pouco de vantagem. Ismael. CEA-Vila Pinto.
O que me motivou a trabalhar aqui foi a necessidade, porque não tinha
emprego, aí tinha uma vaga, aí peguei e fiquei ate agora. (Maria, CEA
Vila-Pinto);
Quanto aos catadores individuais entrevistados, eles se encaixam dentro
deste perfil. Feita essa breve caracterização socioeconômica dos integrantes dos
empreendimentos e dos sujeitos pesquisados, abordarei a comparação entre os
sujeitos que integraram a pesquisa, considerando os planos econômico, social e
político.
115
5.2 O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
No plano econômico, quando analisei o resultado financeiro dos
participantes da pesquisa, verifiquei que os catadores que integram o EES
obtiveram um ganho maior do que seus colegas que optam por trabalhar
individualmente. Contudo, destaque-se que dada a atual conjuntura do mercado
de reciclagem os ganhos obtidos pelos sujeitos que optam pelo trabalho coletivo
em relação aos catadores individuais, apesar de significativos, ainda são
insuficientes para garantir uma vida digna, quando consideradas suas
necessidades básicas de consumo, tais como: alimentação, moradia, vestuário,
lazer etc.
Os participantes dos EES apresentaram um rendimento superior aos
catadores individuais na ordem de até 40%. A renda média
24
declarada dos
catadores individuais foi de R$ 180, 00 reais, no Profetas da Ecologia esta renda
ficou em R$ 290, 00 reais e no CEA ela foi de R$ 253,00 reais. Quando
comparados somente os empreendimentos coletivos temos uma diferença apenas
aparente de ganhos, visto que os empreendimentos de reciclagem operam hoje
com praticamente a mesma quantidade de material.
25
Assim, a diferença na
24
A composição da renda inclui os recursos auferidos pela venda de material reciclado acrescido
dos benefícios como Bolsa Família, quando os mesmos possuem esse benefícios.
25
O fato do Departamento Municipal de Limpeza Urbana – DMLU em Porto Alegre ser o principal
fornecedor de material para os empreendimentos de reciclagem do município deve ser
considerado. Dado a demanda dos vários empreendimentos lá existentes a quantidade é dividida
quase que equanimente, sendo destinado em média de um a dois caminhões semanais para os
empreendimentos dependendo da produção de lixo na semana da coleta. O diferencial dos
empreendimentos está na capacidade de fechar parcerias com empresas e instituições visando a
doação de material. Contudo, nesse domínio muitas empresas por conta da ISO Ambiental só
116
média de renda a favor do Profetas da Ecologia se explica pelo número menor de
integrantes que participam do rateio dos recursos auferidos com a venda do
material triado. Alguns entrevistados declararam que se não estivessem
trabalhando no empreendimento talvez estivessem passando necessidades. Esse
é o caso, por exemplo, da Iracema, do Profetas da Ecologia:
Eu catava era na rua, sem carrinho sem nada, era na mão mesmo, eu
juntava saquinhos e socava papel, saía a revirar os lixos das pessoas
para trazer. [...] agora, como eu lhe contei como está baixo os preços
das coisas eu acho que sozinha eu passava fome. Assim se eu não
estivesse aqui dentro eu acho que agora eu estava passando fome, que
juntando de saquinho em saquinho você vai ali dá R$ 0,50 centavos.
Como eu vejo catarem ali perto de casa, dá cinqüenta centavos, dá um
real, depende do material, se não chega nem a cinqüenta centavos.
Acho que agora eu passaria fome se eu não estivesse aqui. Aqui
melhorou. (Iracema, Profetas da Ecologia).
Quando a abordagem econômica inclui outras variáveis que não somente o
resultado financeiro observou-se outras diferenças. Os trabalhadores que
compõem os EES apresentaram ganhos extras no enfrentamento das dificuldades
diárias. Abstraindo-se a questão da maior capacidade de negociação apresentada
pelos EES quando da venda dos materiais triados. O fato de ter um endereço de
referência e a possibilidade de assumir compromissos à prazo, além de
representar uma melhora no padrão de consumo com vistas as suas
necessidades básicas, representa um ganho em termos de auto-estima, pois,
proporciona a estes sujeitos experimentar uma consideração pública diferente do
descrédito que é vivenciado por aqueles que cataram ou catam individualmente.
doam material para empreendimentos que estejam licenciados pela secretária ambiental, a
ausência de alguma documentação por parte dos empreendimentos passa a ser um limitador na
obtenção das certificações e consequentemente na obtenção das doações desses materiais.
117
Isso se torna evidente quando nos discursos dos trabalhadores surge a questão
do consumo. Mesmo possuindo uma renda baixa, os trabalhadores dos EES têm o
seu acesso ao crédito mais facilitado. Seja formalmente através do crediário nas
lojas, bancos, micro crédito solidário, seja através de alternativas de crédito
informais como o fiado, prática mais comum nos comércios de bairro.
[...] a vantagem aqui, é que quanto mais a gente se esforça a gente
adquire, e aquele ali é um dinheiro certo, um dinheiro que se for fazer
uma conta ou falta as coisas dentro de casa vai ali no armazém e diz
que tal dia paga. É um dinheiro que é certo, então isso aí para mim foi
uma grande coisa. Com o dinheirinho daqui eu tirei um tanquinho na loja
aqui Colombo...então é uma coisa que a gente dá um passinho, aperta
um pouco o cinto...eu estou adquirindo aos pouco. (Iracema, Profetas da
Ecologia).
[...] quando tu vai comprar numa loja a pessoa ficava meio assim ‘ah,
recicladora’. Agora tá melhor, eles estão dando um papel aí que a gente
compra como autônomo, porque antes era horrível da gente comprar,
agora tá bem melhor. (Maria, CEA-Vila Pinto).
Depois que eu estou aqui eu consegui está casa onde eu moro, eu não
tinha...eu morava de favor num quartinho dormindo no chão. Consegui
comprar minha casa, uma televisão que é a única coisa de valor que eu
tenho e uma cama e um colchão. (Sirlei, CEA-Vila Pinto).
No caso dos catadores individuais o fato de seu local de trabalho ser as
ruas ou os lixões os desqualifica, fazendo com que a atividade de catação adquira
um caráter público, como sendo uma atividade de subsistência e não atingindo o
status de uma atividade profissional. Desconsiderando-se a menor remuneração
obtida isoladamente, o que já significa uma dificuldade a mais quando
comparados com os integrantes dos EES, a conseqüência desta desqualificação
aponta para um déficit em termos de acesso a bens materiais que corresponde a
sua baixa capacidade de consumo e a uma desvalorização social que remonta a
118
idéia de incapacidade. Em alguns casos, a doação é a maneira através da qual os
catadores individuais obtêm seu acesso a bens materiais.
Nós ganhava rancho, eu tenho móveis dentro da minha casa bons, que
eu só tenho, porque eu ganhei. Meu fogão ganhei de natal de uma
mulher que eu fui buscar lixo ela disse “eu vou comprar um fogão e vou
te dar um novo” ligado na luz, coisa que eu nunca tive um fogão assim,
me deram, se nós não ganhássemos não conseguia. (Matilde, catadora
individual).
Os sujeitos que vivem da reciclagem nem sempre relacionam a atividade de
catador individual, nas ruas, como um trabalho. Tal percepção se altera quando os
mesmos exercem a atividade vinculada a um empreendimento. Isso se torna
evidente em alguns discursos, como o que reproduzo abaixo.
No tratamento do lixo é a primeira vez que eu trabalho, já separei, ajudei
minha mãe na cidade, onde a gente morava, a catar na rua. Eu andava
de carrinho, mas os trabalhos que eu costumava trabalhar eram em
supermercado, de limpeza, doméstica, vários trabalhos, eu não tive só
um. Eu trabalhei em vários serviços. [...] como eu lhe falei antes, era só
uma renda. Só que depois eu fui vendo algo mais importante, que não
era só um trabalho, isso aqui para mim era minha vida, minha vida
estava aqui dentro. (Sirlei, CEA – Vila Pinto)
Outro fator a diferenciar e qualificar os trabalhadores dos EES
comparativamente aos catadores individuais é a possibilidade de realização de
cursos.
26
Ao comparar os participantes da pesquisa, verifiquei que os catadores
individuais praticamente não realizam cursos ou intentam em voltar a estudar e a
elevar sua escolaridade. Situação diferente observou-se nos EES, nesses
26
Para efeitos da análise que ora apresento todas as ações referentes a cursos, escolaridade etc.
foram interpretadas como de qualificação econômica. A realização de um curso de capacitação
como uma oficina de papel reciclado, por exemplo, lhes confere um conhecimento que se reverte
diretamente em ganhos financeiros, seja dentro do EES, seja fora dele.
119
espaços há uma procura por parcerias com instituições públicas ou privadas que
ofereçam oportunidades de qualificação.
A três anos atrás quando cheguei aqui eu era um analfabeto digital, não
entendia nada de informática. Hoje em dia eu tenho um correspondente
lá em Hanover, eu escrevo em português prá ele, ele me escreve em
inglês e depois em alemão, quer dizer, ele acredita que daquela maneira
ele ta me incentivando a ler a mesma mensagem em diversos idiomas, é
interessante. Mas eu era um analfabeto digital, aqui encontrei o tele-
centro e tive um conhecimento básico, a partir daqui, fui nos Irmãos
Maristas, num outro projeto de inclusão digital fazer um curso de
informática onde eu buscava uma qualificação um tantinho melhor; foi
onde conheci o Word, o Excel, a utilizar melhor a internet. Fora isso a
gente junto com outras instituições a gente busca essa capacitação,
esse conhecimento pra tu tocar o teu dia-a-dia dentro do
empreendimento. (Alexandre, CEA-Vila Pinto).
No caso do CEA, há um claro incentivo de parte dos coordenadores do
empreendimento no sentido de estimular o retorno à escola
27
daqueles que
pararam de estudar e como conseqüência elevem seu nível de escolaridade. No
caso dos que estão cursando o ensino regular o empreendimento procura
flexibilizar suas atividades diárias de maneira que elas não venham a atrapalhar o
bom rendimento escolar. Essas considerações finais podem explicar o porquê dos
participantes do CEA apresentarem uma maior escolaridade, como pode ser
observado nos gráficos 7 e 8 apresentados na caracterização dos integrantes dos
empreendimentos. Em termos de aquisição de conhecimentos relativos a atividade
de triagem, os trabalhadores dos EES demonstraram possuir um conhecimento
sobre os tipos de materiais recicláveis superior aos catadores individuais. Quase
que a unanimidade dos entrevistados, incluindo-se aí aqueles que já realizavam a
27
No CEA os integrantes são estimulados a participar do curso de Educação de Jovens e Adultos
– EJA.
120
atividade anteriormente, declararam ter adquirido esse conhecimento no
empreendimento.
Concluindo, a que se destacar que mesmo obtendo ganhos em termos de
qualificação econômica, esses ganhos ainda são insuficientes para o
equacionamento de todas as necessidades apresentadas pelos participantes dos
empreendimentos.
5.3 O DESENVOLVIMENTO SOCIAL
Como procurei demonstrar no primeiro capítulo desta dissertação vários
fatores, sejam eles históricos ou de conjuntura, conduzem um grande número de
trabalhadores na busca pela atividade de catação como forma de geração de
trabalho e renda. Trilhar este caminho mostrou-se uma tarefa difícil para os
sujeitos que participaram desta pesquisa.
Suas falas surgerem que a atividade de reciclagem, a fora todas as
dificuldades relativas à sua realização diária como: locais insalubres, alta
exigência em termos de resistência física etc., oferecem dificuldades adicionais ao
transferir uma imagem desqualificada e estigmatizada àqueles que dela
participam.
121
Assim, o trabalho como elemento que serve de suporte para a inscrição
destes sujeitos na estrutura social passa a fornecer elementos negativos que não
recomendam os sujeitos à consideração pública. Em outras palavras, essa
desconsideração pública diz respeito a um conjunto de signos opacos mas
imediatamente compreensível por todos, posto que inscritos no corpo, na forma de
falar, de andar etc. e são imediatamente reconhecidos como sinal de inferioridade.
Destaquei abaixo algumas falas onde se evidenciam a rotulagem e a
desconsideração que caracteriza a atividade.
Eu acho que tem muita gente que não dá muito valor não, como não
trabalha aqui dentro não dá muito valor pro trabalho que a gente faz, têm
muitas críticas [...] tem gente que tem discriminação, tem gente que
ainda faz discriminação bastante quanto ao reciclador. (Maria, CEA-Vila
Pinto);
Lixeiros! geralmente eles têm preconceito por não saber mesmo o que
tem de bom aqui dentro que eles poderiam aproveitar. Até no colégio
mesmo que o meu menino está, eles têm preconceito com ele, dizem, a
tua mãe é uma lixeira...ele diz, não minha mãe não é uma lixeira...ah
vocês comem do lixo...não, nós temos o trabalho da minha mãe, a gente
não come do lixo, a gente come do trabalho dela. Ainda tem muito
preconceito.
(Sirlei, CEA-Vila Pinto);
Eles acham muito nojento. Elas acham nojento porque “ah, vocês vivem
do lixo dos outros, do lixo da gente. Vocês têm que mexer nisso. No
passado aqui, no passado eu achava muita coisa, muito, teve épocas
como de quando inaugurou aqui o galpão, achava placenta, achava
ferro, achava até pedaços de pessoas às vezes. (Delmar, CEA-Vila
Pinto);
Eles olham para gente como se a gente fosse uns lixeiros mesmos,
como sempre, eles não olham para nós com uma cara [...]Aqui eles
acham que é um lixão. Simplesmente eles não têm uma visão dentro
da...de ver as coisas acontecerem. Pra eles é uma reciclagem de lixo, é
lixo só e acabou. (Iracema, Profetas da Ecologia);
122
Eu penso que é discriminatória, mas não é discriminatória de ah, ele é
catador... é de que ele é pobre. Isso no geralzão, mesmo é porque liga,
sempre vai ligar a atividade com a miserabilidade, oh pô, vive do lixo.
(Alexandre, CEA-Vila Pinto);
Eu te digo que a gente é meio desclassificado quando passa na rua,
chamam até...olha o cara juntando lixo aí, lixeiro. (Gaudério, Profetas da
Ecologia);
Eu não sei se eles têm um pouco de medo, uma coisa assim, ou eles
acham uma coisa horrível a pessoa estar aqui mexendo com o lixo...mas
eles ficam horrorizados, ficam apavorados, acham que é uma coisa
horrorosa, mas não sei, como eu te digo...eu também achava, agora que
eu estou aqui dentro eu vejo que é um trabalho como qualquer trabalho,
não é muito agradável, mas é um trabalho. (Vera, Profetas da Ecologia).
Essa desqualificação atribuída aos catadores manifesta-se igualmente no
grupo familiar. Assim, uma combinação de vergonha e desprezo serve de
obstáculo a apartar sujeitos e a impedir uma convivência mútua. Esta situação
pode ser caracterizada através da passagem abaixo.
É aquela coisa, se o senhor fosse visita-los o senhor ia dizer que era
mentira, que são meus irmãos. Eles têm condições, meus irmãos têm
carro, a minha irmã que mora na Mathias Velho a casa dela é um
palácio, a escadinha sobe tudo arrodiando para os quartos. Então uma
vez até fiquei sentida com ela, ela mesma disse: que eu não era irmã
dela porque a minha casa não servIa nem de galinheiro pra ela. Todos
meus irmãos têm, todos eles. É por isso que ninguém me procura. Nem
no velório do meu filho, que eles eram tios e tia de sangue eles não
foram. (Iracema. Profetas da Ecologia).
A fixação da pobreza como marca de inferioridade e a dificuldade de se
livrar desse estigma operam de maneira contraproducente na construção das
identidades sociais. Essa constatação adquire relevância, pois a discussão
entorno do conceito de identidade dá prosseguimento à análise da rotulagem e
123
permite igualmente examinar como os sujeitos, a partir do controle das
informações relativas às suas atividades podem subverter a desqualificação.
Nesse sentido, é relevante resgatarmos as discussões sobre a identidade
social e a sua construção contínua, haja vista que em Goffmam (1988),
encontramos a hipótese da resistência ao estigma, uma vez que os sujeitos
dispõem de uma margem de autonomia na definição de si. Considerando os
catadores pesquisados observou-se que os participantes dos EES desenvolveram
estratégias de resistência e superação dos estigmas.
As estratégias de resistência foram desenvolvidas a partir do controle das
informações relativas às questões ambientais e sociais por parte dos sujeitos.
Dessa maneira, fazendo uso da figura do agente ambiental e a partir de um
conjunto de atividades desenvolvidas no âmbito social, esses sujeitos dão margem
à construção de uma identidade social de resistência que, além de lhes conferir
características positivas, serve de base para superação dos processos de
desqualificação social. O trabalho como prática social que, num primeiro
momento operava como um processo a desqualificar esses sujeitos e apartá-los
do convívio com o restante da sociedade, passa a requalificá-los e a servir de
elemento de integração social.
Através de uma atitude de identificação e distanciamento com a atividade
de catação estes sujeitos constroem uma imagem do catador, reconhecida e
124
legitimada, como realizadores de um trabalho útil e socialmente necessário para
toda a sociedade. Vejamos algumas falas.
Então foi um meio de achar um trabalho, porque pra mim isso aqui
significa um trabalho, mas aí depois com o tempo eu fui vendo que não
era só um trabalho porque a gente vê muitas coisas acontecerem aqui
dentro, coisas sociais que acontecem aqui dentro que a gente fica
gratificado, vale muito mais do que o trabalho que a gente faz. Aí pra
mim já não significou mais aquele trabalho, tipo do emprego mesmo,
entende. Porque a gente vê, quando eu trabalhava de guarda aqui, vê
aquele monte de crianças entrando no portão e aquilo ali tava te
gratificando, essa parte que tu não via antes, outros trabalhos que a
pessoa pega aí de carteira assinada e tu não vê essa parte social
acontecer, das crianças entrar pra aquele centro ali, vim ali estudar. A
gente se dedica um pouco mais ainda pra manter...pra dar esse suporte
aí...prás crianças que os pais não têm as condições de pagar o cara ali
pra ensinar...o computado, as coisas que têm aqui dentro, as pessoas
aqui não têm como pagar mesmo e se vai pagar lá fora é muito dinheiro.
E aqui dentro é tudo de graça. Isso então começa a gratificar a gente [...]
quando eu entrei aqui, muitas pessoas pensavam como eu até pensei,
que era um trabalho, um coletivo. Mas depois a gente tem que misturar
também um pouco com o trabalho e com o social. São duas coisas que
a gente às vezes ali na frente tem que trabalhar, porque se tu não
produzir, tu não vai ganhar teu dinheiro. Então a pessoa ali, tem que dar
uma, assim, de empresa; tem que fazer, tem que trabalhar, tem que
lutar, entende. Mas dá também um alívio, porque sabe que têm pessoas
que entram aqui que têm vários problemas, família, que às vezes tem
que resolver e tal. [...] Esse trabalho aqui, vamos supor assim, ele é
importante pro nosso meio ambiente, como todo mundo fala às vezes
que nós somos os doutores do planeta, porque daqui a gente tem um, foi
um recurso de uma outra parte pra gente tirar o sustento e ao mesmo
tempo da gente ter esse outro trabalho com a natureza, a gente está
ajudando também. (Ismael, CEA-Vila Pinto);
O catador é um privilegiado para mim. Ele está limpando o meio
ambiente, não está só levando uma renda para casa, está limpando
aquilo que polui o meio ambiente. Aqui mesmo eles podem estar com
seus filhos, aqui dentro participando de aulas, projetos, escolas...tirando
das ruas do mundo das drogas...é isso. (Sirlei, CEA-Vila Pinto).
A resistência vem acompanhada de uma vivificação do laço social
demonstrada através de uma solidariedade democrática
28
dispensada ao outro e
28
A solidariedade democrática “refere-se a um estilo de ação e mobilização social contemporânea,
fundamentado em princípios, comportamentos e dispositivos institucionais orientados para o bem-
estar coletivo.” (GAIGER, 2005, p.13).
125
a através do sentimento de pertencimento à sociedade. Desta feita, em
concomitância com um conjunto de ações que procuram desenvolver os
trabalhadores nos EES e ou a comunidade local, estes sujeitos passaram a
atribuir maior valor à convivência cotidiana no empreendimento. Em alguns casos
essa convivência coletiva supera em importância a convivência familiar. Esse fato
ganhou visibilidade quando questionei o que eles mais sentiriam falta caso
deixassem o empreendimento.
Às vezes as pessoas chegam de manhã meio atrapalhadas, mas só que
eles não largam lá no portão aquilo que trouxeram de casa, eles trazem
aqui pra dentro. Daí a gente tem que resolver aquilo, resolver o que ele
está passando pra não transmitir aqui dentro pros outros. Isso já é uma
parte que a gente sempre tenta ser cuidadoso nisso. Mas antes não era,
sabe. Quando eu entrei pra trabalhar assim, não era. “Ó meu vamos
trabalhar, vamos trabalhar... vamos, eu não quero saber se tem
problema ou não, deixa lá fora e deu. Aqui, agora é trabalho.” Mas
depois eu fui mudando e fui me adaptando a entender as pessoas. E
antes era assim, era trabalho e vamos, vamos e deu. (Ismael. CEA-Vila
Pinto);
Eu sentiria muita falta é das colegas, das pessoas. Eu gosto daqui de
dentro, eu consegui bastante amizade aqui dentro. (Maria, CEA-Vila
Pinto);
Da minha amizade com as gurias. Das gurias. Da Sirlei, da Maria, da
dona Marli que é concebida assim; como uma amiga, uma irmã, uma
mãe. Ela xinga, ela briga, ela põe a boca no trombone, se precisar ela
põe a boca e se precisar dá até uns puxões de orelha na gente, mas dá
pra ver que é pro nosso bem. A Sirlei, a Maria, a Lucia Helena, quando
eu saí daqui eu senti muita falta delas também, pois eram pessoas que
me entendiam, que conversavam comigo e eu explicava minha situação.
Tinha umas que até perguntavam besteiras, como é que eu fazia minha
relação sexual com os caras e eu “imagina, usa tua imaginação; usa a
cabeça”. Sabe, as gurias me entendem, compreendem minha situação.
Às vezes eu falo pra elas “discuti com minha mãe hoje” “mas a tua mãe
é tão querida pra ti, a tua mãe te ajuda, a tua mãe te cuida, tu tem que
dar a volta por cima disso aí. (Delmar, CEA-Vila Pinto);
126
Eu sentiria falta é das colegas. Porque eu digo, aqui é minha família,
todos são adoráveis eu não tenho queixa de ninguém...bom 1 (um) ano
e pouco que estou aqui e entrou e saiu gente e eu estou aqui. Aqui eu
nunca tive nada contra ninguém e nem eles contra mim. Aqui eu soube
viver de novo a minha vida. Tanto eu, como elas uma já conhece a
outra, porque têm pessoas aqui que já trabalham há mais tempo no
empreendimento [...] então é uma coisa assim que é a família da gente
né [...] aqui a gente convive com eles, aqui eu sempre digo lá até para as
minhas vizinhas, “aqui é minha casa,” porque aqui se nota um problema
que a outra pessoa tem, você está convivendo há tanto tempo com
aquela pessoa ali que se ela entrar no portão você já nota...como já
notei muitas amigas, às vezes eu vejo meia caídas eu digo o que houve?
O que aconteceu contigo? Nada Iracema, não tu não está bem, tu não é
assim, ou às vezes está chorando lá no banheiro, você chega e diz para
dona Eliana “olha a fulana está chorando lá no banheiro” e a dona Eliana
chama para conversar também...sabe é uma coisa assim para acalmar a
gente desabafar. Eu que sou mais chorona quando tenho os meus
problemas já começo num rio de lágrimas e... Eu acho que aqui é minha
maior família minha. (Iracema, Profetas da Ecologia).
Através da análise da trajetória dos pesquisados, isto é, “o movimento das
socializações numa relação com o passado e com o presente, mas também uma
projeção de si no futuro” (WAUTIER, 2001, p,102). Percebeu-se que a vivência
associativa combinada com o solidarismo que caracteriza os EES, possibilitou a
superação e a recusa da imagem do inferior, do subalterno, que acompanha
constantemente aqueles que experimentam a desconsideração pública. Como
conseqüência desse processo percebeu-se uma elevação da auto-estima destes
sujeitos, num grau que lhes permite vislumbrar um futuro melhor.
Quando considerando os catadores individuais, a projeção do futuro
representa apenas a manutenção das condições de sobrevivência, não inclui
sonhos, nem mudanças significativas em suas condições de vida. Via de regra
assumem um discurso de descrédito em relação a si próprio. Contrariamente, os
127
trabalhadores dos EES enxergam-se como vencedores e a partir daí avaliam de
forma positiva suas perspectivas em relação ao seu futuro.
O futuro da gente a gente determina. Sabe, porque o futuro é assim, a
gente constrói ele dia-a-dia, a gente programa ele, ele acontece. Mas a
gente faz ele dia-a-dia. (Ismael, CEA-Vila Pinto);
Eu estou imaginando a minha vida, não digo numa casa fina, numa casa
arrumadinha, pintadinha, repartida, que não chova e, eu tô me
enxergando um pouco grande demais, não tô me enxergando mais aqui.
Eu to me enxergando dentro do supermercado, não no balcão ali, mas
fazendo limpeza como eu fazia, arrumadinha, bem limpinha. (Sirlei,
CEA-Vila Pinto);
Eu até tava dizendo pra professora Marciene, hoje, eu não quero ser o
mesmo tio Galdério, eu quero ser renovado, eu quero me sentir jovem, já
que vai vir jovens pra cá, e eu quero me sentir esse jovem no meio
deles, aprender...e eu disse assim pra ela, “que a gente morre de velho
aprendendo” e eu quero aprender mais coisas ainda. E eu não me sinto
velho, me sinto jovem, então eu quero aprender mais. Que ela tava me
mostrando em papel que teve 2 genros meus que trabalharam na usina
do gasômetro fazendo papel e um até já sabe dar aula. E eu trouxe, eu
tenho lá em casa uma agenda que tem a foto da Gladis e das minhas
netas que foi ele que fez. Então eu vou trazer, no momento não está
aqui mais vou trazer pra mostrar pra ela. E eu quero aprender também
porque eu não sei. E eu sou curioso, tudo que não sei eu gosto de
aprender. Por idade, por não ter estudo mas eu sou curioso. Se tu disse
assim, “eu sei fazer esse papel aqui,” então tu vai me ensinar, se eu não
aprender é porque sou meio burrinho mesmo, mas eu sou curioso.
(Gaudério, Profetas da Ecologia).
5.4 O DESENVOLVIMENTO POLÍTICO
Os catadores que fizeram parte desta pesquisa apresentaram graus de
capacidade de organização e de reivindicação bastante diferenciados entre eles.
No caso dos catadores individuais, estes apresentaram baixa capacidade de
mobilização com vistas a gerar demandas públicas e destacaram-se por
128
apresentar uma postura de conformidade característica daqueles que se socorrem
da assistência. Resignados com a situação que vivenciam, buscam nos
programas assistenciais uma saída para sua condição. Nessa direção,
freqüentemente reivindicam auxílio de políticos para poder ingressarem em algum
programa ou para receberem alguma doação, como por exemplo, cestas básicas.
Nessa relação muitas vezes acabam se tornando massa de manobra sem
apresentar nenhum ganho em termos de capital político.
Já no caso dos catadores organizados em EES a situação mostrou-se
diferente. Os integrantes do Profetas da Ecologia individualmente não
apresentaram um grau de desenvolvimento político muito diferente dos catadores
individuais. Contudo, quando considerados coletivamente os mesmos
demonstraram capacidade de mobilizar-se na busca por recursos, com vistas a
melhorar suas condições de vida. Assim, efetivaram algumas parcerias com
empresas, organizações não governamentais e universidades. Iniciaram projetos
sociais e obtiveram, via parcerias, fundos para implantarem uma oficina de papel
reciclado. Estas conquistas demonstram o esforço empreendido pelo grupo na
busca de melhorias no plano pessoal e coletivo. Porém, estas conquistas ainda
não representam um ganho significativo em termos de autonomia do grupo em
relação a efetivação de demandas públicas, estas só se concretizaram a partir da
intervenção de mediadores.
29
Todas estas constatações são corroboradas pelos
gráficos abaixo, que demonstram que os integrantes do Profetas da Ecologia
29
Pessoas ligadas às ONGS e Universidades que desenvolvem atividades de gestão ou de
captação de recursos para os empreendimentos.
129
possuem uma baixa participação em partidos políticos, associações de bairro e
movimentos sociais, além de demonstrar que menos de um terço do grupo tem
acesso a benefícios sociais.
Gráfico 9: Participação - Profetas da Ecologia
Participantes segundo a participação política
0,00%
11,80%
0,00%
5,90%
82,30%
0,00%
10,00%
20,00%
30,00%
40,00%
50,00%
60,00%
70,00%
80,00%
90,00%
Partido
político
Associação
de bairro
Orçamento
participativo
Outros Não participa
Gráfico 10: Acesso a benefícios - Profetas da Ecologia
Participantes possuidores de benefícios sociais
29,40%
70,60%
0,00%
10,00%
20,00%
30,00%
40,00%
50,00%
60,00%
70,00%
80,00%
Sim Não
Os integrantes do CEA da Vila Pinto apresentaram o maior grau de
desenvolvimento político e de capacidade de articulação entorno de demandas, o
CEA mostrou ser a experiência referencial deste estudo. Na comparação entre
130
empreendimentos os resultados obtidos nesse EES foram superiores. Como
podemos observar nos gráficos abaixo.
Gráfico 11: Acesso a benefícios – CEA-Vila Pinto
Participantes possuidores de benefícios sociais
44,00%
56,00%
0,00%
10,00%
20,00%
30,00%
40,00%
50,00%
60,00%
Sim Não
Gráfico 12: Participação - CEA-Vila Pinto
Participantes segundo a participação política
6,60%
10,00%
40,00%
6,70%
36,70%
0,00%
5,00%
10,00%
15,00%
20,00%
25,00%
30,00%
35,00%
40,00%
45,00%
Partido
político
Associação
de bairro
Orçamento
participativo
Outros Não participa
Este empreendimento destacou-se entre outros fatores pela capacidade
apresentada em organizar a comunidade em seu entorno. Em outras palavras,
demonstrou uma capacidade de organizar não só as demandas do grupos, mas as
131
demandas da comunidade da Vila Pinto. Assim, através de sua ação, um projeto
de creche comunitária foi aprovado para a Vila Pinto em parceria com o Centro
Cultural, e uma cozinha comunitária está sendo instalada no empreendimento
visando beneficiar a comunidade. Pleitos dos moradores, tais como: asfalto e
melhorias na infra-estrutura do bairro são reivindicadas e defendidas nas plenárias
do Orçamento Participativo por integrantes do empreendimento, que acabaram
por tornarem-se delegados do Orçamento Participativo.
Além da sua ação junto ao poder público, o empreendimento se destaca
pela capacidade apresentada em realizar parcerias com a iniciativa privada,
angariando recursos materiais que se convertem em ações em benefício dos
participantes do empreendimento e da comunidade em geral. O maior exemplo
nesse sentido é o Centro Cultural James Kulisz – CEJAK, construído totalmente
com o apoio e a doação de empresas privadas.
A fala de um dos participantes do CEA-Vila Pinto sintetiza bem esse
processo.
O empreendimento não trabalha apenas empreendimento, pensando
nas questões do empreendimento e seus associados, ele sabe que o
bem estar da comunidade é o bem estar do associado, porque o
associado está dentro da comunidade, então a gente tem que buscar
organizá-los junto à outras entidades. Por que e como chegou o asfalto
na frente da casa dele? Por que e como chegou aquela oficina de
capoeira ou de dança ou de artes plásticas que o filho dele esta
fazendo? é assim que a gente mobiliza o adulto. A gente vive dizendo
que a nossa riqueza é a informação, e dentro dessa forma a gente vai
trocar experiências, discutir questões e esse associado, esse membro
da minha comunidade vai abrir horizontes. Vai conhecer pessoas, vai
conhecer assuntos, vais discutir questões da sua comunidade que ele
nem se atentava pra isso, e em algumas ocasiões a gente tem que
132
conseguir identificar algumas pessoas com potencial de liderança, ainda
um tanto acanhadas, sem a oportunidade de se expor. Daí que gente
identifica algumas pessoas, se você ver a minha lista de delegados os
nomes estão lá. E você deve ter passado por alguns deles lá na frente, e
deve ter percebido o quanto essas pessoas já são esclarecidas ou o
quanto elas primam por se esclarecer cada vez mais, e essa é uma
forma de inclusão social. Eles, estão fazendo a geração de renda deles
lá, mas o empreendimento esta pensando além, que ele precisa se
incluir nesse grupo pensador que esta pensando nas políticas pra
região, e pra comunidade. Então eles aos poucos vão abrindo os olhos e
vão participando nessas questões mais aprofundadas em vez de ficar
apenas na superfície. (Alexandre, CEA-Vila Pinto).
A partir destas ações, a geração de trabalho e renda passa a ser apenas
uma das finalidades do empreendimento. Ações culturais de cunho afirmativo ou
identitário, ações políticas de busca por direitos coletivos e individuais e ações
educativas no âmbito ecológico passam a compor o dia- a- dia do
empreendimento. Como expressão política destas ações surge um novo
entendimento acerca dos benefícios sociais que não os concebe como
manifestação de dependência. É a partir desse novo entendimento que a busca
por benefícios sociais é estimulada, no CEA-Vila Pinto, sem que o mesmo seja
concebido dentro de uma relação de sujeição e clientelismo, mas como direito a
ser conquistado.
Alguns fatos colaboraram para que o CEA-Vila Pinto como empreendimento
coletivo chegasse ao patamar em que se encontra. Em primeiro, lugar a
participação de uma liderança forte no empreendimento capaz de arregimentar
pessoas ao redor de uma proposta coletiva, dirimindo conflitos e conduzindo as
ações do empreendimento sempre de maneira a beneficiar o grupo e a
comunidade. Segundo, um conjunto de ações no plano cultural foram sendo
133
desenvolvidas dentro do empreendimento e na comunidade com o objetivo de
aproximar o empreendimento e aqueles que dele não participam. Terceiro, a
habilidade desenvolvida em estabelecer parcerias e realizar negociações com o
poder público e com a iniciativa privada.
E por fim, o tempo de participação dos sujeitos no empreendimento. Os
integrantes do CEA-Vila Pinto apresentaram uma média de tempo de participação
no empreendimento de 3 anos e 7meses. O Profetas da Ecologia por sua vez
apresentou uma média de tempo de participação no empreendimento de 1 ano e 4
meses. Ou seja, os integrantes do CEA-Vila Pinto possuem um tempo de
participação no empreendimento quase três vezes maior do que seus colegas do
Profetas da Ecologia.
Encaminhando-me para o final desta análise, gostaria de destacar mais
alguns pontos. Através da comparação de sujeitos e de empreendimentos
diferenciados, procurei demonstrar que houve uma qualificação social por parte de
alguns destes sujeitos que serviu de base para que os mesmos vivificassem os
laços sociais, com efeitos diretos na satisfação de objetivos comuns, no exercício
da cidadania e na capacidade e possibilidade dos sujeitos em satisfazerem suas
necessidades básicas. Considerando principalmente os integrantes do CEA-Vila
Pinto, a hipótese apresentada neste trabalho se confirma. Contudo, dada a
especificidade dos empreendimentos e dos sujeitos pesquisados, as situações de
pesquisa e de certa maneira a baixa representatividade da amostragem em
termos nacionais, a que se ter cautela quanto as possíveis generalizações dos
134
resultados por mim apresentados. Nesse sentido, a confirmação da hipótese deve
ser considerada mais como um potencial a se realizar.
Mesmo apresentando uma visão positiva acerca dos EES e dos processos
realizados, isso em momento algum significa que não haja problemas, nem que a
trajetória do CEA-Vila Pinto não mereça retoques. Ao optarem por um EES como
forma de superação de suas dificuldades, os trabalhadores têm se deparado com
uma série de obstáculos.
Em primeiro lugar, a passagem de uma lógica de trabalho baseada no
individualismo e na competição, para uma lógica de trabalho baseada na
coletividade e no solidarismo mostrou ser uma tarefa difícil. A maior parte dos
entrevistados destacaram a dificuldade em realizar tal passagem, sendo que
alguns não conseguiram efetivá-la. Como exemplo destaco que duas das três
catadoras individuais que participaram desta pesquisa acabaram desistindo de
participar de uma cooperativa de reciclagem por não conseguirem se adaptar ao
trabalho coletivo.
Em segundo lugar, a questão econômica como destacado anteriormente
ainda apresenta resultados insuficientes para garantir uma inserção adequada
como cidadão. Mesmo com toda capacidade demonstrada pelo CEA-Vila Pinto em
contatar e estabelecer parcerias com a iniciativa privada o empreendimento ainda
vende seu material a terceiros e não diretamente as empresas de reciclagem. A
venda à atravessadores representa uma perda considerável no valor do material,
135
uma atenuante nesse caso é que a quantidade de material a ser negociada com
essas empresas é alta e dificilmente um empreendimento consegue obter tal
quantia isoladamente. Uma saída aventada pelos que militam no campo da
reciclagem é a venda consorciada do material. Contudo, a dificuldade de diálogo
entre os vários empreendimentos têm surgido como uma barreira a impedir o
estabelecimento de uma central de vendas comum.
A extrema rotatividade apresentada pelos trabalhadores nos
empreendimentos aparece como um sério complicador no desenvolvimento dos
EES, pois o bom desenvolvimento dos integrantes nos empreendimentos está
diretamente relacionada ao tempo de participação nos mesmos. Trata-se de um
tempo variável que se altera de sujeito para sujeito, mas que demonstra ser de
médio a longo prazos. Segundo minha análise, podemos encontrar aí uma
possível explicação para a diferença de desenvolvimento apresentada pelo CEA-
Vila Pinto e o Profetas da Ecologia. No caso desse último, da sua formação inicial
não restou ninguém e somente dois participantes permanecem a mais de três
anos no empreendimento. Situação totalmente diferente é encontrada no CEA-Vila
Pinto, onde das 10 mulheres que iniciaram o empreendimento 5 continuam até
hoje.
Entretanto, é relevante destacar que a eficácia das práticas associativas vai
se estabelecendo gradativamente. Assim, os trabalhadores dos EES na área da
reciclagem vão construindo suas próprias condições para poder reivindicar e
disputar o fundo público, como no caso do Orçamento Participativo, ou na
136
elaboração de políticas públicas que contemplem suas necessidades, como
também, para modificar suas posições subjetivas frente à atividade que exercem,
no momento em que essa atividade vai se tornando reconhecida e valorizada na
sociedade” (KEMP, 2004, p,). Isso se evidencia na fala abaixo,
Eu penso o seguinte, a nível de valorização nacional deveria ser
considerado uma profissão, deveria ser profissionalizado a atividade.
Porque aí remonta a toda aquela questão da auto-estima, toda aquela
questão de dar o conhecimento pra ele da importância desse trabalho, aí
a gente vai ampliar lixões, sim mas e aí qual o problema de ampliar
lixões... Bom, se gari é profissão o catador deve ser profissão e ele deve
se apoderar desse conhecimento ecológico, desse conhecimento mais
ambientalista, se apoderar dessa informação de que o que ele faz não é
apenas a margem, ou o que ele faz não é apenas a sobrevivência. Então
pra que essa camada de profissionais, pra essa camada de
sobreviventes se sentir digna e viver mais dignamente a questão
profissionalizante é mais preponderante. Aí quando tu diz que há a um
movimento nacional organizado, não quero saber se vai me chamar de
catador, de reciclador, de agente ambiental, não... No momento em que
eu sou considerado um profissional já muda muito, pode ser que eu não
vou ganhar mais nem ganhar menos, vou continuar fazendo a mesma
coisa, mas se tiver toda uma política voltada pra ele, pra interesse dele,
isso faz com que ele passe a repensar a sua situaçao na sociedade. Ele
como indivíduo produtor e reconhecido como esse indivíduo que produz
e contribui pra economia nacional, muitos deles não têm essa visão
dessa contribuição, tanto economicamente quanto pro meio ambiente.
(Alexandre, CEA-Vila Pinto).
Percebe-se que, os desafios que estes sujeitos se colocam através de uma
luta por reconhecimento ultrapassam a satisfação de interesses materiais, e dizem
respeito ao reconhecimento como ser humano de sua forma de ser e de seus
modos de vida. Certamente entra em jogo o reconhecimento, a visão de mundo e
de comportamentos que emergiram baseados na solidariedade democrática e no
trabalho associativo. Neste sentido, Gaiger destaca que,
137
pela via dos embates da cidadania, a solidariedade vivida no interior dos
empreendimentos externaliza-se, com chances apreciáveis de transferir
os princípios de respeito às diferenças, tolerância, confiança e
cooperação, para o âmbito das condutas coletivas. A economia solidária
seria praticante e difusora de uma solidariedade de estilo democrático.
[...] Essa solidariedade, formada por relações de proximidade, tende a
confinar-se em suas próprias fronteiras, sendo porém suscetível de
integrar-se à via democrática, quando não estiver baseada em
elementos autoritários ou despóticos e quando coadunar-se com a
universalidade e isonomia de direitos, sem antepor-lhes prerrogativas
exclusivas para os indivíduos que engloba. Nesse caso, seus princípios
de auto-organização favorecem a vida associativa, articulando a ajuda -
mútua, a cooperação social e a mobilização reivindicativa. Em
conjunturas de abalo do regime democrático, ela funciona como um
espaço relativamente protegido, de permanência dos laços e dos valores
reciprocitários. (GAIGER, 2005, p.12).
Assim, essas práticas se apresentam como alternativas contra-
hegemônicas
30
em relação ao sistema econômico vigente. Nessa perspectiva, as
práticas associativas têm que ser compreendidas tanto em seu potencial e em
suas ações de confronto e influência sobre o sistema político e sobre o Estado,
como também em sua possibilidade de afetar o modo de produção e de vida das
pessoas envolvidas na ação coletiva (KEMP, 2004).
30
A expressão contra hegemônica encontra-se neste trabalho referenciada na obra de Boaventura
Santos (2006) onde o autor destaca a necessidade de pensarmos alternativas contra hegemônicas
em relação ao modelo de globalização neoliberal.
138
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Gostaria neste momento de elaborar alguns comentários finais acerca do
estudo realizado e de minha trajetória no Programa de Pós-Graduação em
Ciências Sociais.
Os catadores, embora pobres e com baixa escolaridade não são destituídos
de conhecimento e de habilidades, ao contrário, são fonte de conhecimento e de
sabedoria e tomam decisões baseadas numa compreensão e avaliação precisas
de suas necessidades. Deve-se ter respeito à capacidade dos próprios catadores
para gerar trabalho e renda e novas condições de vida a partir da experiência
construída por eles mesmos, traçando com eles as saídas para a sua situação de
desqualificação social. Rompe-se, assim, com a concepção invalidante da prática
assistencialista, construindo um novo pensamento e a uma nova prática no trato
da exclusão social, com a participação autônoma dos atores diretamente
envolvidos.
O estudo de experiências bem sucedidas como a do Centro de Educação
Ambiental da Vila Pinto permite que a riqueza social oculta atrás da condição de
pobreza venha à tona como uma alternativa credível.
139
Meu objetivo com este estudo, não é tirar conclusões absolutas acerca da
realidade dos trabalhadores empobrecidos, a multidimensionalidade do fenômeno
da pobreza sem duvida extrapola o universo desta pesquisa. Neste sentido, minha
intenção na divulgação destes resultados é estimular e contribuir para o debate
acerca da efetividade das ações empreendidas pelas e para as comunidades
pobres, tendo em vista que a justiça social e a consolidação da democracia estão
a requerer ações tanto no plano da redistribuição, quanto no do reconhecimento.
Isso significa assumir que desvantagem econômica e desrespeito cultural estão
entrelaçados e apoiando-se um ao outro.
A realização deste estudo significou muito para mim, deixando de lado as
questões acadêmicas, a convivência fraterna com os pesquisados foi uma
experiência muito gratificante. O respeito, a cordialidade e o carinho que me foi
dispensado por essas pessoas sem dúvida ficará para sempre em minha
lembrança.
Fazer pesquisa, como destaca a professora Marília, implica em fazer
escolhas, entre fazer parte de um agrupamento de interesses privados
(corporativismo acadêmico, empresarial etc) onde o conhecimento só serve para
gerar benefícios para um pequeno grupo; ou ser parte da coletividade social e com
ela efetivamente contribuir, onde o conhecimento não fica aprisionado, retido, mas
retorna às comunidades que também o produziram. É necessário fazer opções
metodológicas, teóricas, éticas, estéticas e políticas, e eu fiz as minhas. Destaque-
140
se, aqui, o papel preponderante dos meus professores na realização destas
escolhas.
Cabe destacar que o trabalho ora apresentado ensejou em mim algumas
questões a serem respondidas em futuras pesquisas. Considero que uma das
lacunas deste trabalho diz respeito a questão do reconhecimento social. A questão
do reconhecimento social que apresentei desenvolvida e sustentada teoricamente
na obra de Axel Honneth, foi por mim pouco explorada na análise dos dados da
pesquisa. Cabe justamente aqui aprofundamentos em estudos posteriores.
Identificar quais os déficits de reconhecimento mais influenciam negativamente na
participação igualitária dos cidadãos em uma esfera pública, é um assunto que
pretendo retomar adiante.
141
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Bookman, 2004.
150
APENDICE A
Roteiro de entrevistas
1) Poderia me repetir seu nome?
2) Qual a sua idade?
3) Possui filhos?
4) Desde quando você trabalha no empreendimento?
5) Qual a sua ocupação no empreendimento?
6) Quais os motivos levaram você a participar do empreendimento?
7) Me fala um pouco sobre a sua infância?
8) Antes de você participar do empreendimento o que você fazia?
9) Que lembranças você guarda desta época? (anterior ao
empreendimento)
10) Quais as dificuldades que você teve para se adaptar ao trabalho
coletivo?
11) Quais as profissões que você apreendeu ou cursos de qualificação que
você fez?
12) Quais são as suas fontes de renda? (trabalho no empreendimento,
bicos, benefícios sociais, etc.)
13) Você já solicitou ou recebeu algum auxilio financeiro, público ou de
terceiros? Quais? (Cestas básicas, benefícios sociais, doações, etc.)
151
14) Atualmente você recebe algum beneficio assistencial?
15) Como você utiliza ou utilizou este auxilio? (comprar comida, roupas,
pagar contas, etc.)
16) Hoje você acha que poderia dispensar essa assistência?
17) Você conhece outras pessoas neste ou em outros empreendimentos na
mesma situação que você?
18) Antes de participar no empreendimento você tinha contato com outras
pessoas que já participavam dele? (No caso de ser fundador, verificar se
tinha contato com integrantes de outros empreendimentos)
19) Quais são os problemas do empreendimento? (limites) Qual a sua
opinião a este respeito?
20) Quais são os conflitos entre os participantes do empreendimento? Por
que razões? São duráveis? Como são resolvidos?
21) Sem citar nomes no empreendimento existe alguma(s) pessoa(s) que
não se comportam de maneira que você considere a mais correta?
Como você se relaciona com estas pessoas?
22) Como são tomadas as decisões no empreendimento?
23) Você freqüenta ou participa de associações de bairro ou outras formas
de mobilizações que tenham como objetivos buscar melhorias pessoais
e coletivas? Quais?
24) Como você vê a atividade de catador comparativamente a outras
atividades?
25) O que as pessoas da comunidade pensam a respeito do
empreendimento? Você concorda com a opinião deles?
26) Você pensa em sair do empreendimento e ou mudar de atividade? Por
quê?
27) Caso você sai-se do empreendimento do que você mais sentiria falta?
28) Me fala da sua casa, como ela é? Hoje ela lhe agrada?
29) O que você conseguiu comprar para sua casa depois que veio
participar no empreendimento?
30) Me fala da comunidade, como ela é? Hoje ela lhe agrada?
152
31) Quem é seu melhor amigo (a), me fala dele (o que faz, onde morra,
etc.)
32) O que você costuma fazer nos finais de semana? (aonde vai, quais as
atividades, etc.)
33) Você tem um passatempo favorito? Qual?
34) Você vê sua família com freqüência? (pais, irmãos, filhos)
35) Você costuma freqüentar outras comunidades (bairros)? Quais?
36) Você tem amigos lá?
37) Como você vê seu futuro?
38) O que significa para você a expressão vencer na vida?
39) Você se considera um vencedor?
40) Você costuma fazer compras regulares? (freqüência)
153
APENDICE B
Questionário Socioeconômico
1)Nome:___________________________________________________________
2) Sexo: Masculino ( ) Feminino ( )
3) Data de Nascimento:_______/_______/_______
4) Município onde
nasceu:________________________________________________
5) Como você se identifica em relação a sua cor?
Branco ( ) Amarelo ( ) Pardo ( ) Negro ( )
6) Qual seu estado civil?
Casado ( ) Solteiro ( ) Outro ( )
____________________
7) Possui filhos: Sim ( ) Não ( )
Quantos?______________________
8) Ainda está estudando? Sim ( ) Não ( ) Até que série
estudou:_________
9) Qual sua posição na sua casa?
154
Chefe de família ( ) Cônjuge ( ) Filho ( ) Outros ( )
10) Quando entrou no empreendimento (mês e ano):___________/________
11)Que tipo de atividade você realizava antes de ingressar no
empreendimento:____________________________________________________
___
12) Qual sua atividade no empreendimento:
Triador ( ) Coordenador ( ) Outro:______________________________
13) Já desempenhou cargo de coordenação no empreendimento? Sim ( ) Não (
)
14) Possui algum tipo de benefício (Bolsa família, vale gás, etc.): Sim ( ) Não (
)
15) Qual o valor destes benefícios?
R$:____________________________________
16) Qual seu ganho financeiro mensal no empreendimento?
R$:________________
17) Quantas pessoas dependem desta
renda?________________________________
18) Participa de algum tipo de associação ou mobilização política ou comunitária?
( ) Partido político ( ) Associação de bairro ( ) Orçamento participativo
( ) Outro:________________________________( ) Nunca participou
( ) Já participava
( ) Passou a participar depois de ingressar no empreendimento.
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