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AMABILIA BEATRIZ PORTELA ARENHART
COLCHA DE RETALHOS – A COSTURA DE PROJETOS DE VIDA NO
COLETIVO DA ECOS DO VERDE
Dissertação apresentada como requisito parcial para a obtenção do grau de
mestre.
Universidade do Vale do Rio dos Sinos.
Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais Aplicadas.
Linha de Pesquisa: Identidades e Sociabilidades.
Orientador: Dr José Ivo Follmann
São Leopoldo
2006
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AGRADECIMENTOS
Ao Livio, meu namorado e companheiro desde 22 de fevereiro de 1984. Amor,
obrigada pelas prosas, pelas flores roubadas, pelo afago, pelo riso! Obrigada
especialmente por ter caminhado lado a lado comigo na empreitada do
mestrado.
À Taís e ao Júlio, filha e filho amados, por terem sabido esperar a minha volta,
por terem compreendido as minhas ausências, por terem reivindicado a minha
presença.
Ao professor José Ivo Follmann, pela atenção, compreensão e presença,
mesmo na ausência. – Professor, quando pequena, ouvia meus pais dizerem
que um “doutor” não precisa mostrar-se constantemente e dizer para todo
mundo quais são os seus dotes. Ele sabe se achegar às pessoas. Ao contrário
daqueles que sabem pouco e alardeiam os seus “grandes conhecimentos”.
Doutor José Ivo Follmann, você sempre me faz recordar esse aprendizado que
meus pais me deixaram.
Aos colegas, companheiros de caminhada no mestrado: obrigada pela força e
pela presença! Luciane Toss Weber, um beijo muito especial pela insistência.
Valeu amiga!
Professora Sonia Mercedes Lenhard Bredemeier, uma Mestra é aquela que
consegue ajudar a despertar no aprendente o desejo pelo saber. Você é uma
Mestra sábia. Obrigada.
Aos catadores de materiais recicláveis da Associação Ecos do Verde, pela
solidariedade para com esta pesquisadora, uma vez que, com muita solicitude,
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atenderam ao convite e participaram desta pesquisa. Continuem catando
esperança e construindo esse projeto de vocês! Muito obrigada!
AGRADECIMENTO ESPECIAL
A minha mãe Edith – a Tita –, mulher pobre e muito corajosa. Instalou em
meu projeto de vida o desejo pelas letras, pela leitura, pela escrita. Dizia sempre
que nada tinha para deixar aos filhos como herança senão os estudos. E
completava: quando terminares o “ginásio”, vais trabalhar de dia e estudar de
noite, para “ser alguém na vida“. Na sua simplicidade, não se dava conta de que
nós já éramos “alguém na vida”; já tínhamos recebido nossos traços, nossas
marcas; já éramos os “filhos da Tita”. Contadora de histórias, envolvia-nos com
enredos sempre iguais e sempre diferentes. Para acalmar a fome e fazer o sono
tomar conta de nossos corpos, às vezes enfraquecidos pela espera das
“compras” que o pai iria trazer. Era difícil para um trabalhador assalariado
sustentar seus seis filhos, pagar aluguel e outras despesas. O “fiado” era a
chance que tínhamos, quando ele conseguia convencer o dono do armazém.
Caso contrário, voltava muito, muito tarde, para driblar os olhares dos
pequeninos...
Mas conseguimos aprender a caminhar... E você Tita, instalou em nós o
desejo e nos fez acreditar na promessa de que um dia nós iríamos conseguir.
Suas histórias serviram de alicerce, pois sempre apontavam para algum lugar lá
adiante...
“Estou convencido de que o mundo contemporâneo
necessita de uma sociologia da escuta. Não um
conhecimento frio, que pára no nível das faculdades
racionais, mas de um conhecimento que considera os
outros como sujeitos. Não um conhecimento que cria
distância, uma separação entre observador e observado,
mas um conhecimento capaz de ouvir, isto é, um
conhecimento que consegue reconhecer as necessidades,
as perguntas, as interrogações de quem observa, mas
também capaz de, ao mesmo tempo, colocar-se
verdadeiramente em contato com os outros” (ALBERTO
MELUCCI, em maio de 2000, em Yokohama, no Japão, in:
IHU On-Line, São Leopoldo, 11 de agosto de 2003).
RESUMO
Esta pesquisa propõe uma reflexão sobre o ser humano como ser de
projeto que se estrutura, social e psiquicamente, também nas relações de
trabalho. Os grupos de pertencimento, entre eles os de trabalho, constituem
redes necessárias para que o sujeito possa, entrelaçado pelos seus vínculos
familiares, comunitários e sociais, constituir seu projeto de vida e sua identidade.
A técnica utilizada para a pesquisa foi Histórias de Vida Temáticas e os sujeitos
pesquisados foram catadores de materiais recicláveis que, organizados em uma
associação, construíram um projeto coletivo que possibilitou uma re-avaliação e
o fortalecimento de seus projetos pessoais. Esse projeto coletivo, chamado
“Ecos do Verde”, constituiu-se em uma identidade coletiva que tem valorizado o
catador associado como um trabalhador importante na complexa teia do meio
ambiente preservado, construindo-se como sujeito que trabalha e tem seu lugar
na sociedade contemporânea, que tudo descarta.
Este estudo utilizou-se da metáfora da colcha de retalhos para pensar a
constituição da identidade do sujeito catador. Cada retalho costurado à colcha
representa os fragmentos vividos, nos diferentes grupos de pertencimento e nos
diferentes momentos da vida do ser humano. Cada fragmento é insubstituível
para compor a história e a identidade de um sujeito. E, somente quando os
retalhos vão sendo costurados, é que o pano vai se constituindo enquanto
colcha. Assim é o catador. Ele reforça as laçadas da linha, costura os retalhos
da vida, enlaça os fragmentos de sua própria história, costurando sua história
nas histórias de outros, e vai compondo sua colcha de retalhos. Esse sujeito, ao
mesmo tempo que re-siginifica o lixo em objeto de valor, resignifica o seu projeto
de vida e se torna trabalhador. De tudo isso, está surgindo a identidade mediada
pela Ecos do Verde: sujeito trabalhador, catador digno, reciclador da dor e da
miséria. Missioneiro valente e corajoso, herdeiro das terras de Sepé!
Palavras chave: sujeito catador – projeto coletivo – grupo – vínculos –
identidade
ABSTRACT
This research aims to reflect about the human being as a project being
who is being structured, socially and psychically , also in the work relations. The
groups to which a person belongs to, among them working groups, always
intertwined with family, community and social ties, constitute the necessary
links to constitute his life and identity project.. The technique used for this
research was Stories of Thematic Lives and the people studied were recycling
material collectors . They are organized in an association and founded a
collective project which has enabled a re-evaluation and the strengthening of
their personal projects. This collective project, called “ Echos of the Green”,
constitutes a collective identity which has given value to the associated collector
as an important worker in the complex web of the environmental preservation,
considering him someone who works and has his place in the contemporary
society which throws out almost everything.
This study used the patchwork metaphor to create the identity
constitution of the garbage collector. Each patch sewed to the patchwork
represents the fragments gone through by individuals in the different groups and
in the different moments of life . Each fragment is irreplaceable in order to form
the story and the identity of a subject.. And only when the patches are being
sewed together the fabric becomes a bedspread. That’s the way the garbage
collector exists. He strengthens the threads, sews the patches of his life,
entangles the fragments of his own life, sewing his into the life of others, thus
making up his own patchwork. This worker, while turning garbage into an object
of value, rethinks his project of life and becomes a worker. From all this surges
the identity mediated by Echos of the Green :a hard worker, a worthy collector, a
recycler of pain and misery. A courageous and brave missionary (missisoneiro),
inheritor of the land of Sepé!
Key-words: garbage collector - collective project – group – links – identity
SUMÁRI0
INTRODUÇÃO.....................................................................................................09
1 RAÍZES DA TERRA – PRIMEIRAS HISTÓRIAS.............................................25
1.1 Santo Ângelo – Capital das Missões ........................................................... 31
1.2 Projeto Coletivo Ecos do Verde: Outras Histórias e Novas Costuras...........34
1.3 Lixo Resignificado e Reciclado ....................................................................41
1.4 Catadores de Materiais Recicláveis: Quem São Esses Sujeitos? ................45
2 O TRABALHO NA ERA DA INDUSTRIALIZAÇÃO ........................................52
2.1 Trabalho: O Pão Nosso de Cada Dia ...........................................................56
2.2 O Trabalho e o Capital .................................................................................59
2.3 O Trabalho na Era do Descartável: A Vida do Sujeito Contemporâneo .......62
2.4 O Desemprego Como Mutilador de Relações .............................................67
2.5 Precarização Vínculos: Os Laços se Desenlaçam ......................................71
3 SER HUMANO COMO SER DE PROJETO ....................................................75
3.1Grupo como Ancoradouro ............................................................................84
3.3 Vínculos: as Costuras Necessárias .............................................................90
4 VIDAS E SIGNIFICADOS ...............................................................................96
4.1 O Descartável na Contemporaneidade ......................................................103
4.2 Criando Possibilidades ..............................................................................105
4.3 Resignificando Vidas .................................................................................106
5 REFERÊNCIAS ........................................................................................... 110
INTRODUÇÃO
O ser humano delineia sua vida a partir de projetos. Estes estão sempre
em construção. Ao longo de seus dias, um ser humano poderá ter vários
projetos que fazem parte de seu projeto maior de vida. Em alguns casos, esses
projetos ocorrem antes da concepção, quando pessoas pensam, imaginam e
fazem planos para ter um filho (biológico ou não) e, em outros, a partir da
gestação. Assim, são outros seres humanos que vão construindo o projeto
inicial de um sujeito. Sartre aponta que “o homem é, antes de mais nada, aquilo
que se projeta num futuro. [...] Nada existe antes desse projeto” (1984, p. 6).
Esses projetos possuem características pessoais de cada um dos
sujeitos que o vivenciam, entrelaçados com projetos de outros seres humanos
que fazem ou fizeram parte de seu grupo. A partir de diferentes influências, cada
ser humano vai se construindo em sua singularidade. Dessa forma, a identidade
de um ser humano está perpassada por seus projetos, por suas vivências,
expectativa de caminho e acessórios, que irá levar consigo na caminhada para
alcançar o objetivo almejado. Na área de Ciências Sociais, Follmann (2001, p.
53-59) é um dos pesquisadores que adotou essa forma de falar da identidade de
um ser humano. Ele argumenta que a identidade é constituída de quatro
dimensões: a do projeto, a da motivação, a das práticas e a das trajetórias
vividas.
Os projetos pessoais trazem em seu bojo marcas, influências de
diferentes pessoas e de diferentes vivências entrelaçados pelo coletivo e vice-
versa. Coletivo esse que incorpora as particularidades de cada um formando um
conjunto. Assim, o coletivo tem traços que são de cada um e de todos e, ao
mesmo tempo, se metamorfoseia com as mudanças e diferenças de cada um
dos seus membros.
Para refletir essa temática e compreender de que forma os projetos –
pessoais e coletivos – articulam-se mutuamente e servem de ancoragem para
que um e outro possam ser construídos, foram escolhidos como o objeto de
estudo, os catadores de materiais recicláveis que fazem parte de um projeto
coletivo. Estes catadores são sócios da Associação de Catadores de Materiais
Recicláveis Ecos do Verde. Tal associação situa-se no município de Santo
Ângelo, no estado do Rio Grande do Sul.
Essa associação é fruto de um agrupamento de pessoas que decidiram
trabalhar em conjunto para que, organizados em um objetivo comum, pudessem
dar conta de suas necessidades e enfrentar de uma maneira mais fortificada e
organizada as dificuldades oriundas do desemprego, Conforme enfatiza Sartre
(2002, p. 452), um grupo se constitui a partir de “uma necessidade ou de um
perigo comum e define-se pelo objetivo comum que determina sua práxis
comum”.
O objetivo inicial da formação desse grupo foi de obter trabalho e renda,
uma vez que eles estavam desempregados. A atividade remunerativa estava
vinculada a pequenos biscates, como coleta esporádica de materiais recicláveis,
jardinagem, serventia na construção civil, entre outros. Segundo Castel, essa é
uma condição de “inúteis para o mundo, que nele estão sem verdadeiramente
lhe pertencer. [...] Não estão ligados aos circuitos de trocas produtivas,
perderam o trem da modernização e permanecem na plataforma com muito
pouca bagagem” (1998, p. 530).
Assim, o trabalho coletivo, organizado em uma associação, legalmente
estabelecida e socialmente reconhecida e valorizada, possibilitou aos
trabalhadores em questão um resgate da sua humanidade. Castel considera
que “a vida social não funciona só com trabalho [...], porém o que permite esticar
o arco e fazer partirem as flechas em várias direções é uma força extraída do
trabalho” (1998, p. 578). Insistente em sua afirmação, Dejours (2000) coloca
que o trabalho faz parte da realização do ego e quem não pode acessá-lo estará
excluído de um importante mediador social.
Tendo a compreensão de que o trabalho é uma forma de integração
social e funciona como um importante organizador social e psíquico da vida do
ser humano, realizar uma pesquisa com um grupo que encontrou, no coletivo,
uma maneira de inclusão no mundo do trabalho formal e legalmente
reconhecido, vem ao encontro do propósito da presente pesquisa: trabalho
enquanto projeto de vida, enquanto integrador social e enquanto possibilitador e
fortalecedor de vínculos.
A razoabilidade da escolha dessa temática é fortalecida justamente
porque vivemos em uma sociedade que preza o trabalho como uma das mais
importantes formas de inserção social. Contudo, contraditoriamente, essa
mesma sociedade priva parcelas enormes da população do acesso a um posto
de trabalho formal. Se o sujeito humano tem no trabalho um dos pontos de
ancoragem de seu viver, privá-lo disso significa deixá-lo à deriva, levando-o
muitas vezes à desumanização. Lucáks (apud ANTUNES, 1997, p. 123)
sustenta que “o trabalho mostra-se como momento fundante de realização do
ser social, condição para sua existência; é o ponto de partida para a
humanização do ser social e o motor decisivo do processo de humanização do
homem”.
Sendo o ser humano um ser de projeto (FOLLMANN, 2001), que
necessita de terceiros para a constituição de sua humanidade e do seu ser
social, um dos pontos principais de sua articulação no vivido é a sua relação
com os outros. Logo, podemos dizer que o sujeito é prioritariamente alguém que
se constitui em grupo. Para Sartre, os outros são a mediação do sujeito com o
mundo, assim sendo, “o outro é indispensável à minha existência tanto quanto,
aliás, ao conhecimento que tenho de mim mesmo” (1984, p. 16). Dessa forma,
os vínculos familiares, comunitários e/ou sociais servem de ancoragem social e
psíquica para um sujeito.
Ao escolher a temática e o objeto de pesquisa, o estudo do tipo de
trabalho bem como dos produtos e materiais manuseados é parte indissociável
do objetivo deste trabalho. Trabalhar com o lixo, com o que fora descartado pela
sociedade, não é qualquer tipo de trabalho nem tem a mesma significação que,
por exemplo, ser pedreiro, doméstico, jardineiro. Ao lixo está associada a idéia
de impuro, contagioso, resto, coisas imprestáveis, enfim, lixo representa o i-
mundo, o não mundo. Juncá não escamoteia essa questão; para ela, “o lixo
simboliza o velho, o que já não serve, o ‘caos da mistura’, as imperfeições, e
deve ser levado para longe” (1997, p. 35). Bottari (apud JUNCÁ, 1997, p. 116)
coloca que, na visão da sociedade em que vivemos, “quem trabalha com o
refugo urbano, com o resto, com ele se confunde, tornando-se também lixo”. Em
Santo Ângelo, os catadores também sofrem com esse tipo de discriminação.
Isso ocorre, principalmente com os catadores autônomos, enquanto os
associados da Ecos do Verde são mais aceitos e valorizados. À medida que se
organizaram e construíram um sujeito coletivo que lhes deu sustentação não só
econômica, mas também social, readquiriram seu valor social. Tal qual os
materiais que eles trabalham, que momentaneamente perderam seu valor de
uso, e, recuperados, retornam à cadeia de produção como objetos de valor
econômico. Esses sujeitos, oriundos de camadas muito pobres da população e
excluídos do mercado de trabalho formal, conseguiram, através de um projeto
coletivo, re-apropriar-se do estatuto de trabalhador e voltar ao mercado de
trabalho.
A questão norteadora desta pesquisa interrogava se a necessidade de
trabalho e manutenção da vida, a possibilidade de construir ou dar continuidade
ao projeto de vida de cada um dos sujeitos associados, estaria sendo embalada
por essa rede de relações, construções e interações coletivas que é a Ecos do
Verde, possibilitando, a partir disso, que o dia-a-dia dos seus associados, seus
projetos, suas vivências, sejam grávidos de sentido, de expectativas, de
cidadania, de desejos, de presente e futuro. Enfim, que possam ser atores de
sua própria história – individual e coletiva!
Assim, havia me proposto a investigar se o trabalho realizado na Ecos do
Verde, de forma individual e coletivizada, possibilitava aos sujeitos que
trabalham, resignificando o lixo, a construção ou a continuação do seu projeto
de vida. Se o coletivo –
Ecos do Verde – está dando sustentação ao projeto
individual desses trabalhadores.
O objetivo geral da pesquisa pode ser reformulado nos termos que
seguem: verificar em que sentido a Associação Ecos do Verde foi e é um
espaço que possibilita a continuidade e/ou o fortalecimento dos projetos de vida
dos sujeitos escutados.
Os objetivos específicos são:
a) Verificar em que sentido os projetos individuais foram responsáveis
pela construção do projeto coletivo da Ecos do Verde;
b) Verificar se o projeto coletivo da Ecos do Verde tem contribuído para a
sustentação das identidades pessoais, possibilitando a continuidade/retomada
do projeto pessoal;
c) Verificar como os associados da Ecos do Verde percebem a identidade
coletiva e como se relacionam com ela;
d) Procurar observar as relações e reações dos sujeitos pesquisados com
as atividades que realizam e qual a importância social, política e econômica que
eles conseguem perceber.
Pesquisar a inter-relação entre o projeto individual, perpassado e/ou
sustentado pelo coletivo, justifica-se pelo fato de oportunizar a interface entre o
teórico e o prático. O enlace teórico-prático possibilitará ao pesquisador delinear
um conceito de identidade, a partir do projeto pessoal do sujeito, entrelaçado
com o projeto coletivo. Esse entrelaçamento, permeado pelos vínculos que cada
sujeito constrói com os outros, uma vez observado, pesquisado e discutido,
possibilitará uma construção teórica que representa o vivido. Assim, o propósito
da presente pesquisa é investigar se o trabalho coletivizado, materializado na
Associação Ecos do Verde, contribui para a sustentação do projeto individual do
sujeito pesquisado (entendendo que fazem parte do projeto individual o
pertencimento, os vínculos familiares-comunitários-sociais, a própria
identidade
1
). Para Melucci (2004, p.45), “a construção da identidade depende do
retorno de informações vindas dos outros”.
Estando ‘entre eles’, embora não seja uma deles, tive a possibilidade de
acreditar e de me embriagar dessas utopias, para, só assim, poder dar às
palavras o sentido mais aproximado do que eu ouvi, vi e, de certa forma, vivi!
Trabalho este, que devo confessar me emociona. É como se eu pudesse
também vivenciar a experiência de dar continuidade a um projeto que é o
resgate de minha própria história. Freud argumenta que nossas opções estão
perpassadas por desejos inconscientes. As escolhas não são apenas de
interesse social. Elas estão perpassadas pelos afetos do pesquisador. Talvez
esteja em algum cantinho latente de minha própria história o interesse que tenho
em realizar minha pesquisa com este grupo especial, bem como a tentativa de
resgatar a importância da coletividade na vida do sujeito. Melucci (2004, p. 16)
ilustra bem esse meu enamoramento: “como observador, não estou fora do
campo que descrevo e, por isso, não temo mostrar-me apaixonado”.
O presente estudo foi sendo construído pela escuta, pela escrita e pelos
conceitos-ferramenta que auxiliaram no entrelaçar práxico entre as questões
levantadas (teóricas) e a pesquisa de campo (questões práticas), a partir de
Histórias de Vidas Temáticas. Tal qual os separadores, eu também realizei um
movimento de “procurar-achar” algo, alguma história de vida que pudesse trazer
um significante importante para esta produção teórica e também para minha
vida pessoal. O desejo do pesquisador não está ausente nessa relação. A
ousadia está na proposta de não só carregar comigo a academia ao encontro
desses trabalhadores, mas também de caminhar no mesmo chão, olhar a
mesma estrada, cada um a partir do viés de seu próprio olhar e de sua história:
os associados, resignificando e re-valorizando o que fora jogado fora pela
sociedade, e a pesquisadora, procurando na história deles o enlace entre o
coletivo e o individual que, cada um e todos, estão construindo. Ao fazer tal
1
Walon, apud Pourtois (1999, p.58) “é por meio das relações com o outro que a pessoa se
constrói. [...] a identidade nunca é concluída definitivamente”.
articulação, é possível pensar em uma aproximação entre a academia e o
barracão de reciclagem.
Pesquisar os sujeitos que trabalham com o que fora descartado, jogado
fora pela sociedade, traz em seu bojo uma proposta grávida de ousadia.
Audácia de trazer de volta para o convívio social, simbolicamente, aquilo que foi
rejeitado pela sociedade. E, nesse sentido, falo não somente do lixo, mas
também do sujeito que tem como a tarefa diária remexer o lixo da sociedade (o
resto - o que não tem mais valor) e retirar o (ainda) aproveitável. Esta é a ênfase
prioritária deste trabalho: o sujeito humano, na sua realidade ‘nua e crua’. Esse
resgate quer propor a interação do sujeito do lixo com o sujeito do ‘saber’. Quer
articular o ‘saber-vivido’ com o ‘saber-ouvido’. Trazer o sujeito do lixo para a
academia para que ele conte sua história e nós possamos articular, re-aprender
e construir saberes. Esta é a ousadia.
Não é possível ignorar que a minha formação em Psicologia possibilita
realizar uma escuta que valoriza os entremeios das falas, os lapsos, os
esquecimentos. Segundo Mezzano, (1998, p. 47), “o olhar psicológico dá um
tom especial ao método de história oral, relacionando-o com o método da
associação livre, proveniente do campo psicanalítico, no qual se considera
valiosa toda lembrança ainda que com distorções e lacunas”.
Ademais, a academia possibilita que a proposta de re-organização das
relações de trabalho e, conseqüentemente, dos projetos de vida do sujeito
catador, saia do ventre da Ecos do Verde e ganhe o mundo. Seja projetada para
além de suas entranhas e torne-se público seu papel de re-inserção desses
sujeitos. Re-inserção esta que não acontece apenas nas relações de trabalho,
mas também na plenitude da vida do catador e de seu grupo de vivência. Além
disso, um trabalho científico poderá ajudar outras áreas do conhecimento a
compreender o trabalho cooperativo, associativo, solidário, como foi o caso em
que a própria Ecos do Verde se viu envolvida (litígios trabalhistas).
Aos sujeitos pesquisados, este trabalho poderá possibilitar um resgate de
sua História, a partir de sua própria fala, de seu próprio relato. Ao fazer essa
reconstituição, eles poderão re-elaborar desejos, expectativas e construir
projetos mais fortificados pela re-leitura e pela solidariedade do grupo. Poderá
fortalecer e/ou resgatar sua identidade de sujeito individual e coletivo. Citando
Follmann (2001, 51):
É na maneira com que um indivíduo ou um grupo (uma coletividade)
estabelece a relação entre seu futuro e seu passado ou, ainda, entre
seus projetos e sua trajetória, que temos, de forma particular, as
manifestações principais para desvendar qual é sua identidade.
A sua história de vida, sendo levada para dentro do mundo do “saber”,
como objeto de valor, poderá estimular, revigorar e fortalecer seu projeto de
vida. De catador de objetos desprezados, descartados, de sobras, torna-se
protagonista de pesquisa, de estudo, de um conjunto de elaborações escritas.
Por inserir novamente no mundo o que fora jogado fora e dar a ele um novo
significado, torna-se alvo de interesse acadêmico e passa a ser re-inserido no
mundo das aprendizagens acadêmicas. E isto é um novo projeto de vida, tanto
para o sujeito individual quanto para a coletividade da Ecos do Verde.
Para ilustrar a reflexão do projeto de vida como passado-presente-futuro,
podemos utilizar a imagem da esteira por onde circulam os materiais que são re-
aproveitáveis. A esteira está colocada em um determinado lugar que possibilita
o acesso de todos os que nela trabalham e que têm como tarefa apreender o
objeto que será re-significado. Cada objeto é sempre novo, é um ‘outro’ que é
colocado no movimento circulante. Mas são também velhos conhecidos, porque
trazem traços, constituições e semelhanças que se aproximam daqueles que já
foram; ou apenas velhos, porque perderam sua capacidade “momentânea” de
valor e, dessa forma, é preciso que sejam investidos de um novo valor. Algumas
vezes, os objetos passam e não são notados nem apreendidos. São olhados e
não são vistos. Num momento seguinte, um objeto semelhante é resgatado. É
um movimento de vai-e-vem contínuo. Vai-e-vem não da esteira, mas do olhar e
da significação que cada um dá ao objeto que, passa e passa ou passa e é
apreendido.
Assim como a esteira da Ecos do Verde, assim como a esteira da Vida,
esta proposta quer fazer circular por entre o meio acadêmico as histórias de vida
dos separadores de materiais recicláveis da Ecos do Verde e, num movimento
de reciprocidade, interação, interlocução, levar os dizeres e saberes da
academia até esses sujeitos para que possam, usufruindo da presente
pesquisa-estudo, sentirem-se mais fortificados na sua capacidade de
compreensão e construção de seus próprios projetos: individuais e coletivos.
Sendo o homem/mulher, um ser que se estrutura nas relações sociais, os
“outros” dessa/as relação/relações são imprescindíveis para que o sujeito possa
dar continuidade aos seus projetos de vida. Projetos estes que interpendem das
relações grupais.
A fim de introduzir o leitor ao marco teórico deste trabalho de
investigação, valho-me de uma pérola da literatura brasileira. Monteiro Lobato
em sua obra “Urupês”
2
tem um conto chamado ‘Colcha de Retalhos’, que traz a
história de uma avó, chamada Joaquina, que costurava uma colcha de retalhos
para sua neta, para quando a menina casasse. Cada retalho representava uma
etapa da vida de sua neta e ela ia costurando esses retalhos para construir a
colcha, ao mesmo tempo que reconstruía a história de sua neta amada:
Cada retalho tem uma história e me lembra um vestidinho de Pingo
d’Água. Este foi a primeira camiseta que vestiu. [...] Este azul, de
listras, lembra um vestido que a madrinha lhe deu aos três anos. [...]
Este vermelho de rosinhas foi quando completou os cindo anos. [...]
Este cá, de xadrezinho, foi pelos sete anos, e eu mesma o fiz. [...]
Pingo d’ Água já sabia temperar um virado, quando usou este aqui de
argolinhas roxas em fundo branco. [...] Este, cor de batata, foi quando
tinha dez anos e caiu de sarampo (1966, ps. 131-132).
Os retalhos de tecidos, somando-se uns aos outros pelos pontos de
costura, constituíram uma colcha. E é no cotidiano da vida que a colcha de
retalhos vai sendo costurada.
Analogamente, no cotidiano de meus estudos, ao pensar na constituição
de um referencial teórico para este trabalho, fui selecionando alguns autores
que pudessem contribuir para minha pesquisa. Procurei construir um corpo
teórico que fosse capaz de dar sustentação ao meu projeto, que contribuísse
para o avanço da discussão, no que se refere ao sujeito humano como um ser
de projetos, pessoais e coletivos; também no que se refere ao trabalho como
estruturante do sujeito, bem como à questão da fragilidade dos vínculos na
sociedade em que estamos vivendo.
2
Lobato, Monteiro. ‘Urupês’, Obras Completas. Vol. 1, 1966, Editora Brasiliense.
Procurei fazer com que os autores me ajudassem a costurar os objetivos
do trabalho aos objetivos da academia e dos sujeitos pesquisados. Tarefa
árdua e cheia de apreensões. Contudo, começo a costurar alguns conceitos-
ferramenta, como a avó de Pingo d’Água utilizava tesoura, agulha, linhas e
retalhos para fazer uma colcha – pano que serve para cobrir o lado ‘nu’ da
cama, que é utilizado por cima dos lençóis deixando-a ‘arrumada’, ‘organizada’.
Assim, espero que os referenciais que uso sirvam para arrumar e organizar meu
estudo, sem transformar-se em mero amontoado de retalhos sem consistência.
Os autores que dão sustentação a esta pesquisa estão agrupados
segundo os temas principais de estudo. Embora no decorrer da Introdução já
esteja sendo anunciado quem são os meus companheiros nesta tarefa de
costurar retalhos de letras, idéias e histórias – vividas e sonhadas, apresento-os,
segundo os temas estudados:
- para trabalhar o ser humano como ser de projeto, busco interpretar a
história dos associados da Ecos do Verde com Sartre, Follmann, Melucci;
- em relação à questão do grupo como ancoradouro do sujeito, sigo
tecendo meu escrito juntamente com Melucci, Rivière, Fernandez, Sartre;
- quanto aos vínculos, costuras necessárias no cotidiano da vida, o
pensamento de Paugam, Castel, Sartre, foram imprescindíveis;
- para tratar do trabalho, como ponto de amarração e estruturação de um
sujeito, tenho a companhia de Dejours, Ricardo Antunes, Castel, Juncá, Hannah
Arendt.
No decorrer do desenvolvimento da pesquisa, além desses autores
mencionados, outros são de inestimável contribuição: Bosi, Carreteiro, Castells,
Freud, Gaiger, Guareschi, Guatari, Touraine. Dessa forma, retomo a sabedoria
da avó de Pingo D’água: a existência se concretiza no conjunto, costurado
juntamente com a história de cada fração. Cada fibra que teceu o pano, cada
linha que emendou os retalhos, cada um dos retalhos da colcha são
imprescindíveis para sua confecção.
A colcha de retalhos da avó Joaquina, do conto Urupês, de Monteiro
Lobato, foi utilizada por ela para contar a história da neta. Cada retalho era
como um ícone da lembrança de cada fase. E dessa forma, através de cada
retalho e sua história, a avó reconstruía a história de vida de sua neta e a sua
própria história. Carreteiro (2003, p. 284) destaca que a “história de vida, ao
mesmo tempo que, contempla a história de um grupo social, faz também um
apelo à história de um indivíduo ou de indivíduos em suas singularidades”.
Em uma pesquisa de campo com seres humanos, é preciso olhar para
além da colcha de retalhos como algo decorativo ou de utilidade prática. É
preciso perceber as histórias que estão por detrás dos retalhos. É preciso que o
pesquisador se disponha a colocar o ouvido a serviço da sua proposta de
trabalho e olhar para além das aparências. Com esse ‘escutar’, está entrelaçado
o olhar, o ouvir, o pensar, o caminhar, o sorrir
3
.
A História de Vida se apresenta como uma técnica metodológica que
possibilita ao pesquisador inteirar-se do tema de seu interesse e, ao mesmo
tempo, perceber como o entrevistado se coloca dentro do tema. Para um bom
desenvolvimento da pesquisa, a metodologia deve poder contemplar os
objetivos do projeto, mas, acima de tudo, deve servir de ferramenta para a
interação entre pesquisado e pesquisador. O relato oral, hoje denominado
‘história oral’, é uma fonte de conservação e de difusão do conhecimento e do
saber. Para Querioz (1987, p. 274-275), a
história oral é termo amplo que recobre uma quantidade de relatos a
respeito de fatos não registrados por outro tipo de documentação, ou
cuja documentação se quer completar. Colhida por meio de entrevistas
de variada forma, ela registra a experiência de um só indivíduo ou de
diversos indivíduos de uma mesma coletividade. Neste último caso,
busca-se uma convergência de relatos sobre um mesmo
acontecimento ou sobre um período do tempo. A história oral pode
captar a experiência efetiva dos narradores, mas também recolhe
destas tradições e mitos, narrativas de ficção, crenças existentes no
grupo, assim como relatos que contadores de histórias, poetas,
cantadores inventam num dado momento. Na verdade tudo quanto se
narra oralmente é história, seja história de alguém, seja história de um
grupo, seja história real, seja ela mítica.
3
Becker (1977, p. 132) assinala que o cientista deve “entrar suficientemente na situação para ter
dela uma visão global”.
A partir da década de 50, a história oral reaparece como técnica científica
de pesquisa. Durante muito tempo foi questionada a objetividade bem como, as
implicações psicológicas que a técnica suscitava. Diziam alguns autores que
essa forma de pesquisa estava impregnada de subjetividade, que poderia
maquilar os dados obtidos, levando a uma interpretação não objetiva dos dados
colhidos e da proposta pesquisada. Seu reaparecimento acontece na Psicologia
Social e tem como finalidade o esclarecimento de problemas de memória
enquanto ação humana estruturante (QUEIROZ, 1987).
Neste trabalho, a principal técnica utilizada foi Histórias de Vida Temática,
que consistiu em realizar entrevistas anotadas com alguns associados, com
temas previamente escolhidos, segundo os objetivos da pesquisa. É importante
ressaltar que esta técnica trabalha com a memória, recordações, anseios e
desejos do entrevistado bem como com os recortes que o próprio entrevistado
faz, a partir de sua subjetividade. Pode-se dizer que isto é o que se busca em
histórias de vida e, como nos diz BOSI (1995), o que interessa quando
trabalhamos com história de vida é a narrativa da vida de cada um, da maneira
como ele a re-constrói e do modo como ele pretende que seja sua a vida assim
narrada
4
. A história de vida pode ser considerada um instrumento privilegiado
para análise e interpretação, na medida em que incorpora experiências
subjetivas mescladas a contextos sociais. Queiroz enfatiza que a história de vida
se define como o “relato de um narrador sobre sua existência através do tempo,
tentando reconstituir os acontecimentos que vivenciou [...] e que foram
significativos” (1987, p. 275).
Trabalhar com Histórias de Vidas é como se a própria história do
pesquisador também perpassasse a história dos pesquisados. O risco que
corremos é exatamente esse: não nos distanciarmos o suficiente para
mantermos a autonomia da escrita. De outro lado, a escrita é sempre feita a
partir do olhar que olha.
E quem olha algo, olha aquilo que lhe fala.
Assim, o
pesquisador irá escrever o que ouviu. Nem sempre o que se ouve é o que se
4
Confira Guita G. Debert (1986, p. 141-156).
fala, é o que o sujeito está a dizer. Esta é uma das limitações da técnica
5
.
Contudo, o pesquisador obtém os ganhos da relação aproximada e é isso que
dá legitimidade ao trabalho e cria a aceitabilidade por parte do pesquisado.
Para a pesquisa aqui relatada, acompanhei alguns momentos do cotidiano
da Ecos do Verde há um ano e meio. Minha participação tem sido de escuta e
presença solidária
6
.
Foram realizadas entrevistas individuais, orientadas pelas temáticas
enfatizadas, ficando sempre em aberto a possibilidade de utilizar a própria fala
do entrevistado para ser re-utilizada como pergunta, indagação ou
problematização.. Os registros dos dados foram realizados em gravações de fita
K7 e no diário de campo. No diário de campo foram anotadas as falas não
gravadas, bem como as impressões e observações do próprio pesquisador,
acerca do contexto no qual foi realizada a entrevista
7
.
O número total de associados da Ecos do Verde é 38 trabalhadores,
sendo 31 do sexo masculino e 7 do sexo feminino. Na usina de reciclagem
trabalham 30 catadores. Destes, 4 são do sexo feminino e 26, do sexo
masculino. No ponto de compra, situado na cidade, trabalham 8 catadores,
sendo 3 do sexo feminino e 5 do sexo masculino.
A presente pesquisa foi realizada com os 30 catadores que trabalham na
usina. Destes, foram entrevistados nove associados – 30% -, dois do sexo
feminino e sete do sexo masculino.
A História de Vida Temática é a história de vida ou história oral, orientada
a partir de temas que tenham mais interesse para o enfoque da pesquisa e/ou
para o problema a ser pesquisado. Assim, no estudo em questão, os temas
escolhidos como prioridades são:
5
Novo (1998, 101 diz que o “ser humano implica-se com outros seres humanos. (...)
Entendemos que os processos afetivo-emocionais estão na base das práticas e mediatizam a
nossa relação com o mundo”.
6
Pereira apud Vasconcelos, (2004, p. 38) “o pesquisador deverá estar familiarizado com o
problema a ser estudado”.
7
Ver, Yves Winkin, (1999, 129-145).
Filiação/origem: Neste enfoque, a prioridade foi a família de origem, seus
pais e/ou cuidadores/acolhedores; quais as condições e as experiências com
relação ao trabalho dos mesmos; qual a região de nascimento e crescimento do
entrevistado.
Grupo de pertencimento atual
: A entrevista foi dirigida para que o
entrevistado falasse do seu respectivo grupo de pertencimento na atualidade;
quem e quantos são os membros que compõem o grupo; quem é seu
companheiro/a; tem filhos e quantos são; os filhos pertencem a este
relacionamento ou são de relacionamentos anteriores, seu/sua ou de seu
companheiro/a; como é a relação entre filhos, enteados e outros que fazem
parte do grupo familiar; qual a idade dos integrantes do grupo; qual a situação
financeira e de trabalho do grupo familiar: trabalham em quê e onde; qual é o
bairro em que residem; possuem casa própria; pagam aluguel ou habitam em
casa cedida; qual a infra-estrutura da moradia: peças, banheiro, pátio; móveis e
utensílios.
História de vida profissional do entrevistado
: Nesta temática, o interesse
consistiu em fazer com que o entrevistado pudesse re-construir sua trajetória e
suas relações de trabalho. Interessava também que fosse observado se as
relações de trabalho tiveram vínculo empregatício ou não. Importava também ter
presente a escolaridade do entrevistado e se havia realizado algum curso de
formação profissional.
Relação com a Ecos do Verde
: Neste enfoque, a prioridade principal foi a
participação na Ecos do Verde: o entrevistado é sócio fundador ou de que forma
começou a participar (Já conhecia a associação? Como soube do trabalho?
Quem o apresentou?); como foram as relações iniciais (acolhimento,
aprendizado, relacionamento); como vê e/ou sente o trabalho em grupo; o que
esse trabalho representa para ele, para seus colegas, para sua família, para a
sociedade.
A organização da atividade de pesquisa de campo foi planejada da
seguinte forma: a pesquisadora reservou de um a três turnos semanais para a
pesquisa de campo na Usina, alternando manhã e tarde.
Havia sido combinado também a participação da pesquisadora (como
ouvinte) em assembléias, reuniões, encontros. Essas atividades foram
realizadas, mas é de salientar que esses momentos já faziam parte do meu
diário, uma vez que já vinha tendo oportunidades de participação.
Para apresentar o relatório da pesquisa, a Introdução destaca a temática
pesquisada, o problema formulado, os objetivos e hipóteses levantadas, bem
como a metodologia utilizada. Aponta também os referenciais teóricos que
serviram de costura na colcha de retalhos da História de Vida dos sujeitos
pesquisados.
No capítulo I, visando a contextualização sócio-cultural do objeto de
pesquisa, é apresentada a história do município e da Associação Ecos do
Verde. Julgando-se conveniente faz-se referência à História dos antepassados;
os Sete Povoados Jesuítico-Guaranis, que trazem em seu rastro a utopia de que
um mundo melhor é possível.
O capítulo II apresenta uma breve contextualização histórica do trabalho,
discutindo a importância do trabalho como ponto de sustentação da vida
cotidiana do sujeito. Traz presente também a importância dos vínculos e as
dificuldades oriundas da falta de trabalho.
O capítulo III discute o ser humano como um ser de projeto desde o seu
nascimento. Dessa forma, só é possível pensar o ser humano como um ser
eminentemente grupal e que precisa do ‘outro’ para constituir-se enquanto
sujeito.
O capítulo IV apresenta a articulação entre sociedade contemporânea e as
relações de trabalho na era do descartável. Traz também um breve relato das
entrevistas a partir das temáticas escolhidas.
Quanto às Histórias de Vidas que foram sendo ‘contadas’, estão presentes
em diferentes momentos do conjunto da dissertação, sempre que o recorte foi
importante e/ou necessário. Estas histórias são a seiva de que se alimenta este
trabalho.
Enfim, este escrito tem por finalidade apresentar o que fora coletado nas
entrevistas, colocando um ponto que é apenas momentaneamente final.
Poderíamos dizer que são recortes do momento, com estrutura de durabilidade,
contudo sempre à mercê de novas descobertas, novas escritas.
1 – RAÍZES DA TERRA – PRIMEIRAS HISTÓRIAS
“A vida não tem sentido a priori.
Antes de alguém viver, a vida,
em si mesma não é nada;
é quem a vive que deve dar-lhe um sentido;
e o valor nada mais é do que esse sentido escolhido”
(SARTRE, 1984, p.21).
A história é o fio condutor da humanidade, que entrelaça o vivido com o
advir, criando experiências/vivências do presente, de um determinado momento,
que, ao ser pensado, já é história. Para Melucci (2004, p.13), “as experiências
cotidianas parecem minúsculos fragmentos isolados da vida... Contudo, é nessa
fina malha de tempos, espaços, gestos e relações que acontece quase tudo o
que é importante na vida social”.
Ao retomar a história do município de Santo Ângelo para poder falar da
Associação Ecos do Verde, ressurge na memória a História das Missões e a
experiência das Comunidades Jesuítico-Guaranis. É muito comum nessa região,
pessoas que ao se agruparem para lutar por um objetivo (especialmente,
aquelas que são e/ou estão despojadas de boas condições econômicas e
sociais), fazerem referências a essa história. Dessa forma, uma pesquisa que
tem como ponto de referência a questão da identidade pessoal e coletiva,
parece vir ao encontro de fragmentos de nossa reminiscência. Começo, então, a
delinear o meu propósito: construir um corpo, dar forma a ele e inseri-lo na
linguagem. Linguagem sempre simbólica, neste caso, discurso escrito. Antes
imaginado, vivido, rabiscado.
Na linha do tempo, a história da Região das Missões, terra onde está
localizada a Associação de Catadores de Materiais Recicláveis Ecos do Verde,
remonta aos idos de 1626, quando chegaram a estes pagos os padres jesuítas
espanhóis. Foram eles que começaram a fundar reduções onde os índios
guaranis viviam em comunidades organizadas. Na segunda fase desse trabalho
dos jesuítas, foram construídos sete povoados missioneiros, com suas igrejas,
estâncias e ervais. O povoado de Santo Ângelo Custódio foi fundado no ano
1707.
Em 1750, o Tratado de Madrid estabeleceu novos limites entre as terras
de Portugal e Espanha. Tal tratado estabelecia que a Colônia do Sacramento,
povoação portuguesa no rio da Prata, seria entregue à Espanha. Em troca,
passariam para Portugal os Sete Povoados Missioneiros. Os índios não
aceitaram deixar suas terras, casas e gado, para fixar-se do outro lado do rio
Uruguai. A reação dos missioneiros provocou a Guerra Guaranítica (1754-
1756)
8
, já que eles decidiram enfrentar os exércitos de Portugal e Espanha.
Pouco adiantou a luta dos bravos guerreiros guaranis. Em 1756, a Guerra
8
Porto (1943, p.429) “A Guerra das Missões se assim pode ser classificada essa seqüência de
chacinas, em que dois exércitos disciplinados e aparelhados com as melhores armas do tempo
se atiraram contra chusmas de índios quase indefesos, é uma das páginas mais dolorosas da
história das Missões”.
acabou com o povo desta terra (os índios guaranis) e, em 1767, os jesuítas
foram expulsos
9
.
A vida cotidiana nas Comunidades Jesuítico-Guaranis era diferente de
nossa realidade. Porém, como essas comunidades são lembradas e citadas
inúmeras vezes para encorajar grupos, associações e movimentos de pobres e
desamparados de nossa região, é salutar buscar o que poderia aproximar
vivências tão distintas.
Um ponto de destaque, que interessa à Associação Ecos do Verde e à
sociedade como um todo, é que nas aldeias jesuítico-guaranis não havia
pobreza, miséria ou fome
10
. Para suprir as necessidades da população, havia
duas formas de propriedade:
Tupanbaé
e Abambaé. A primeira consistia na
propriedade comunal, para cujo cultivo todos dedicavam parte de seu tempo. O
objetivo dessa propriedade era atender o exército, as viúvas, os órfãos e outros
que não podiam cultivar uma roça privada. Também poderia valer-se da colheita
comum o grupo familiar que não retirava alimentação suficiente da propriedade
privada. A segunda forma era caracterizada pela roça particular, onde cada
família trabalhava para obter seu sustento. Algumas famílias trabalham em
comum com outras, também a roça particular (sistema de muxirão/mutirão)
11
. A
propósito, Furlong (1962, p. 398) afirma que:
Por lo que respecta a la agricultura no hay que olvidar que em cada
reducción hubo el Abambaé y el Tupambaé, esto es, el campo que era
propriedad de cada índio, y que cultivaba para si y para los suyos, y el
campo cultivado, por turnos, por todos los índios, y cujos productos
eram para la comunidad.
Um outro ponto interessante é o fato de os índios guaranis terem
trabalhado melhor, mais organizados e animados, quando trabalhavam em
grupos. Como eram de uma cultura extrativista, precisavam de motivação e
incentivo para trabalhar de forma mais sistemática. Isto era necessário pelo fato
9
Dos Sete Povos que existiam no Rio Grande do Sul restam hoje os vestígios de quatro deles e
que foram tombados como Patrimônio Histórico Nacional: São Nicolau, São Lourenço Mártir,
São João Batista e São Miguel. Também há vestígios escondidos sob as ruas, terrenos e
prédios das cidades de São Borja, São Luiz Gonzaga e Santo Ângelo. Em dezembro de 1983, a
UNESCO - Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura - reconheceu
como Patrimônio da Humanidade os remanescentes da redução de São Miguel.
10
Segundo NEUMANN, 1986, p. 60, “toda a população missioneira trabalhava para o bem
comum da redução”.
11
Conferir em ARNALDO BRUXEL, 1987, p.61-62.
de as reduções terem um grande contingente de pessoas. Ademais, os guaranis
gostavam de conversar enquanto faziam suas atividades. Segundo Bruxel
(1987, p. 62):
As reduções não podiam sustentar-se apenas com caça e pesca, mel e
frutas silvestres. Para alimentar tanta gente em área tão limitada, era
necessário empenhar todas as energias no trabalho agrícola, bem
organizado. [...] Não era fácil habituá-los ao trabalho e mantê-los
ocupados. [...] Daí a necessidade de muita organização. [...] Muito
contribuiu para o bom êxito a modalidade do trabalho em grupo, pois
os índios eram extremamente gregários e muito tagarelas
.
Outra questão que merece a re-leitura para os dias de hoje, era a
preocupação com a natureza, responsável por parte de sua alimentação e
sobrevivência. Evidentemente, na época, não se tinha a industrialização dos
dias atuais, mas era constante o cuidado e a preocupação que esse povo tinha
com o ambiente em que vivia.
Com relação ao trabalho, é possível dizer também que o mesmo não
servia aos interesses privados e nem tinha como fim a exclusão dos membros
da comunidade. O trabalho servia para construir laços e prover as necessidades
do grupo familiar e do grupo comunitário.
Atualmente existem muitos grupos de pesquisa que têm como objetivo
resgatar a história desse povo. Alguns estão preocupados com o resgate
verídico dos fatos e outros, com a questão da herança mitológica, religiosa e
utópica dos guaranis das missões jesuíticas, através de re-leituras feitas no
presente. Os preparativos para a celebração dos 250 anos da morte de Sepé
Tiaraju ( 07 de fevereiro de 2006), em São Gabriel-RS, têm contribuído para
contextualizar, refletir e discutir a história dos guaranis dos Sete Povoados
Missioneiros
12
. Nessa história, destaca-se a figura do índio Sepé Tiaraju, sendo
um referencial simbólico muito forte na região. Embora as pessoas e
organizações da região trabalhem no nível simbólico que somos herdeiros
dessa terra, que “foram doadas por Deus e São Miguel”, a figura que se
sobressai nestas Histórias/Estórias é a de Sepé Tiaraju.
12
No momento em que a escrita desse trabalho está sendo realizada, os preparativos para a
celebração dos 250 anos da morte de Sepé, está sendo realizado através de comitês, em várias
cidades do estado. Quando o presente trabalho estiver sendo apresentado para a banca
examinadora, esta celebração já terá acontecido.
Sepé Tiaraju foi Corregedor indígena nas Missões. Era um índio já
evangelizado. Por ser um índio cristão, reunia em sua pessoa a tradição tribal
herdada de seu povo e também, a mística e a doutrinação dos jesuítas. Como
líder político, destacou-se pela sua coragem e pela decisão de enfrentar o
exército inimigo. Após sua morte, foram atribuídos a ele inúmeros atos de
valentia na luta e na defesa de seu povo. Para compreender a história de Sepé
e a simbologia acerca do mito, destaco alguns autores que poderão conduzir o
leitor pelo fantástico caminho da leitura literária: O poema Lunar de Sepé, de
Simões Lopes Neto, em seu livro “Lendas do Sul”; Manoelito Ornellas, em sua
obra “O Santo Herói das Tabas”; Alcy Cheuiche em seu livro Sepé Tiaraju.
Para Regina Zilberman (1994, p. 117),
o mito não é, pois, apenas um tipo de relato, mas se compõe de uma
rede peculiar de temas – que dizem respeito ao aparecimento de uma
instituição ou hábito – e de motivos – no interior dos quais se verificam
a magia e o predomínio do mundo natural – que são recorrentes na
cultura humana e afiançam a permanência desta modalidade de
expressão.
Mito, lenda ou personagem vivo, há quem diga que Sepé Tiaraju ainda
está presente nestas plagas. Não só em pinturas, gravuras, estátuas, lendas.
Está presente como o Sopro do Minuano que faz eco por entre os povoados,
pois contam os “antigos” desta terra
13
que, quando a noite silencia e nem a
coruja tem coragem de sair da toca, ouve-se apenas o alarido dos quero-queros
anunciando que no alto da coxilha, o bravo guerreiro São Sepé volta para rever
a Terra que um dia foi de seu povo. Terra que se encharcou do sangue Guarani
e que ainda geme a morte de seus filhos
14
. Ornellas (1966, p. 50), eleva Sepé
ao posto de “primeiro caudilho riograndense”. Ele defende que “a imaginação
popular canonizou o índio” e deu-lhe um “fulgor de santidade”. Para esse autor,
Sepé não é uma criação da fantasia. É um herói de carne e osso”.
13
Referência aos moradores das beiras das estradas, sem terra desde há muito tempo, que
sobreviviam de pequenos servicinhos nas fazendas das redondezas. Povo que conheci muito
bem pois fazem parte de minha memória e de minha história. (São Miguel, São Lourenço, São
João Batista).
14
No dia 07/02/2006 será celebrado 250 anos da morte de Sepé Tiaraju. A Celebração será
através da Romaria da Terra, em São Gabriel-RS. Na região das Missões estão previstos para
acontecer vários eventos para refletir a questão da terra, a questão indígena, a questão
ecológica, a questão da pobreza. Tais eventos procuram recuperar a história e propor políticas
públicas para tais temas. Estão sendo criados comitês, composto por entidades, para organizar
as discussões e organizar as celebrações.
Para Abbagnano (1998p. 674),
o mito é a justificação retrospectiva dos elementos fundamentais que
constituem a cultura de um povo. O mito não é uma simples narrativa,
nem uma forma de ciência, nem ramo de arte ou história, nem uma
narrativa explicativa. Cumpre uma função sui generis, intimamente
ligada à natureza da tradição, à continuidade da cultura, à relação
entre maturidade e à atitude humana em relação ao passado. A função
do mito é, em resumo, reforçar a tradição e dar-lhe maior valor e
prestígio, vinculando-a à mais elevada, melhor e mais sobrenatural
realidade.
Assim, sob o ideário guaranítico repleto de simbolizações religiosas,
mitos e lendas, muitos grupos, associações, organizações, como a Ecos do
Verde, se animam e se fortalecem. Acreditando serem herdeiros desse povo,
sentem-se encorajados a buscar o que é seu por herança. É uma forma de
manter a esperança e de continuar a luta. No sistema simbólico missioneiro,
“Sepé Tiaraju” pertence ao grupo das categorias culturais relevantes, cujo status
epistemológico não depende de sua observabilidade (LARAIA, 2004, p.63).
O Frei Sérgio Görgen propôs uma lei em que declara Sepé “herói
missioneiro rio-grandense”, instituindo o dia de sua morte (07 de fevereiro),
como data oficial. Na presença de líderes indígenas, no dia 30 de novembro de
2005, o governador Rigotto assinou a lei que torna Sepé Tiaraju herói oficial do
estado
15
.
Não será possível deixar de falar de Sepé neste escrito, sem convidar o
leitor a se envolver nos encantos desse trecho literário de Ornellas (1966, p.
105), que conta um suposto diálogo sobre a morte do bravo missioneiro, entre a
índia Jussara, sua amada, e um índio que tinha acompanhado Sepé, na trágica
batalha:
- E Sepé, o chefe dos guaranis? Os índios se entreolharam, pávidos,
sem voz. - Sepé - disse por fim um guerreiro - foi o deus da batalha.
Muito antes do grande combate, três dias apenas, ele enfrentou com
poucos homens, quase mil inimigos. Lutou como ninguém até hoje
lutou em terras das Missões. Sua cabeça destacava-se entre os corpos
que se chocavam. Não era um homem que lutava, era uma força que
os homens desconhecem. - Sepé, ó filha de Tuja, subiu aos céus num
cavalo de fogo, e, ele mesmo, voltou ao combate de Caiboaté,
coroando a sua cabeça por um arco de luz lutando de novo e
certamente para de novo morrer com seus irmãos. – Sepé – concluiu o
índio que narra o fim trágico de sua tribo – morreu como um herói e
15
Conferir Jornal Zero Hora (RS), quinta-feira, 1º de dezembro de 2005, p. 35 (geral).
como um santo. Ele passa, de noite, entre as nuvens com um
resplendor a luzir no fundo do céu, montado num cavalo de fogo.
1.1 SANTO ÂNGELO – CAPITAL DAS MISSÕES
O município de Santo Ângelo está localizado na região noroeste do Rio
Grande do Sul, distante 442 km da capital do Estado. Foi um dos Sete
Povoados Jesuítico-Guaranis
16
. Possui atualmente uma população estimada
em 76.973 habitantes, sendo que 11.206 pessoas habitam a zona rural e 65.967
residem na zona urbana
17
. A área total do município é de 676,60 Km².
Dentre as atividades econômicas desenvolvidas no município,
correspondem ao setor primário aquelas atividades ligadas diretamente à terra
(agricultura, pecuária, extrativismo). Atualmente, no município, planta-se
principalmente milho, soja e trigo. Para a subsistência, cultiva-se feijão,
mandioca, batata, arroz, legumes, verduras, etc.
O setor secundário diz respeito à transformação da matéria-prima em
bens de consumo (atividade industrial, construção civil e mineração). A
economia do município tinha como referência as safras de soja e milho. Como,
nos últimos anos, a extensão territorial diminuiu acentuadamente devido às
emancipações, atualmente as atividades básicas da economia do município são
as pequenas indústrias e a prestação de serviços. Existem atualmente cerca de
200 indústrias, em especial, de pequeno porte, em diferentes setores: derivados
16
Os sete Povoados em ordem de Fundação: São Francisco de Borja; São Nicolau; São Luiz
Gonzaga; São Miguel Arcanjo; São Lourenço Mártir; São João Batista; Santo Ângelo Custódio.
17
Dados fornecidos pela Secretaria do Planejamento do Município de Santo Ângelo-RS, datado
de 2002.
do leite, confeitarias e padarias, vestuário, frigoríficos (porcos e aves), curtume,
fundição de ferro, metalúrgicas, artefatos de cimento, esquadrias de madeira,
serralherias, estruturas metálicas, calçados, reciclagem de papel, baterias,
artefatos de couro, bebidas, sabão, produtos químicos, artefatos de plástico,
funilarias, velas, bombas de chimarrão, óleo, ração, entre outras (FREITAS,
2005).
E o setor terciário refere-se a atividades variadas, como comércio,
profissões liberais, prestação de serviços (trabalho na área financeira,
educação, saúde, informática), meio ambiente e ecologia. Associada a estes
dois últimos, e mantendo-se de forma autônoma, está incluída no setor terciário
a atividade que este projeto toma como objeto de estudo, que é a destinação do
lixo produzido pela cidade (doméstico, comercial e industrial). Saliento que, para
a presente pesquisa, o que interessou mais enfaticamente é a
questão dos
sujeitos que trabalham com o lixo produzido na cidade.
O município também dispõe de inúmeros serviços públicos de
competência do Estado e da Federação (educação, saúde, segurança,
judiciário, etc.). Quanto a esses serviços, pela sua localização, o município de
Santo Ângelo é um pólo regional. Tem ainda inúmeras lojas, instituições
bancárias e/ou financeiras, farmácias, supermercados. Conta também com bons
serviços de transporte: rodoviários, com várias possibilidades de locomoção
para cidades da região e capital, bem como outros Estados; Rede Ferroviária
para a escoação dos produtos; aeroporto regional. Inúmeras atividades na área
turística movimentam a região, devido aos remanescentes arquitetônicos,
esculturais e outros, ligados aos Povoados Guaraníticos. Na área de Educação
possuí uma bem organizada rede de ensino municipal e estadual, além de duas
Instituições de Ensino Superior: Instituto de Ensino Superior de Santo Ângelo –
IESA e a Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões –
URI.
Nos últimos anos, o município de Santo Ângelo sofreu inúmeras
alterações quanto ao seu meio ambiente. Um dos fatores que contribuíram para
isso foi o aumento da população em sua zona urbana, ocorrido de forma não
planejada, com infra-estrutura precária e sem serviços básicos, como: saúde;
saneamento; serviços coletivos de atendimento às crianças (creches, casas de
acolhimento); serviços de atenção ao meio ambiente para evitar a devastação
das matas nativas, fauna e flora; recolhimento e destino para o lixo que é
produzido, etc.
No caso específico do lixo, até o final dos anos 90, seu destino era os
depósitos (lixões) a céu aberto, mantidos pelo poder público, e os depósitos
clandestinos. Atualmente, existe uma área oficial (municipal) para onde são
levados os resíduos sólidos, localizada a uma distância aproximada de 10 Km
da cidade, junto à Usina de Asfalto da Prefeitura Municipal. Nesse lugar,
encontra-se também o Aterro Sanitário, para onde é levado o lixo úmido. Em
março de 1997, foi instalada a Usina de Reciclagem de Resíduos Sólidos, que,
atualmente, é operada pela Associação Ecos do Verde (FREITAS, 2005).
No dia 1º de setembro de 1998, o município iniciou a coleta seletiva
(separar o lixo considerado “seco” do lixo que é considerado “úmido”)
18
. Mas,
somente em 2003, a implantação do sistema de coleta seletiva do lixo, que é
realizada por uma empresa terceirizada, foi estendida para todos os bairros. O
lixo úmido é colocado em aterro sanitário. Os materiais recicláveis são
separados e acondicionados de acordo com sua constituição, para,
posteriormente serem vendidos a indústrias de reciclagem.
Para que a coleta seletiva obtenha êxito em seus propósitos, é
necessário que a população contribua efetivamente, separando de forma
adequada o lixo que produz. Em cada bairro, o lixo seco e o lixo úmido são
recolhidos em dias alternados. Contudo, muitas pessoas continuam tendo
dificuldades de adaptar a separação do seu lixo em recipientes diferenciados
(lixo úmido/seco) e observar o calendário de coleta.
Através de pesquisa (fev/2003 a mar/2004) realizada por aluna do curso
de Geografia, Aline Hoffmann Marx, sob orientação da Profª e Ms. Carmem
Regina Dorneles Nogueira, da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai
e das Missões – campus de Santo Ângelo, patrocinada pela FAPERGS, foi
18
Lixo seco: papel, papelão, plásticos, vidros, metais (latas, alumínio, ferro), isopor. Lixo úmido:
restos de comida, cascas, restos de vegetais, erva mate, papel higiênico, fraldas descartáveis,
absorventes, etc.
possível obter dados atualizados sobre a Coleta Seletiva do município, os quais
poderão contribuir para uma melhor estruturação da mesma
19
.
Segundo dados da pesquisa mencionada, a maioria da população
(67,64%) possui o hábito de separar o lixo seco do úmido, sendo que 63,97%
estão informados sobre o horário adequado para colocar nas lixeiras o material
a ser coletado. Para 62,14% da população, a coleta seletiva é importante, e
para 48,9% o lixo úmido deveria ser coletado diariamente. Esses dados não são
coerentes com o que se observa na Ecos do Verde. Olhando o lixo que chega
na Usina de Reciclagem da Ecos do Verde, percebe-se muito lixo misturado
(úmido/seco).
Ao ser perguntada sobre o que mudou com a coleta seletiva do lixo,
75,73% da população disse que o volume de lixo espalhado pela cidade tem
diminuído; 15,44% responderam que diminuiu o número de catadores nas
lixeiras e 8,83% disseram que não houve mudança. Para melhorar a coleta
seletiva, 89,33% da população sugeriu campanhas de conscientização acerca
da importância de separar o lixo. Dessa forma estaria ajudando no combate à
poluição, na melhoria da saúde pública e ajudaria as pessoas que trabalham
com a reciclagem a obterem maior ganho. Segundo dados da pesquisa, a
quantidade de lixo que o município recolhe por dia é de 35 a 40 toneladas.
1.2 PROJETO COLETIVO ECOS DO VERDE: OUTRAS HISTÓRIAS E NOVAS
COSTURAS
19
Relatório de bolsa de iniciação científica: Impactos Sócio-ambientais da Implantação da Coleta
Seletiva do Lixo no município de Santo Ângelo. Bolsista: Aline Hoffmann Marx. Orientador:
Carmem Regina Dorneles Nogueira. Fevereiro de 2003 à março de 2004. Universidade Regional
Integrada do Alto Uruguai e das Missões. Bolsa da FAPERGS.
Embora tímidos e desorganizados, alguns trabalhadores começaram a
catar materiais recicláveis de forma mais sistemática e diária. Havia uma certa
disponibilidade de materiais, alguns compradores e poucos catadores. Embora a
venda dos materiais fosse precária, o resultado compensava e era melhor que
ficar desempregado. Contudo, era preciso articular-se para fortalecer e valorizar
tanto o trabalho como o trabalhador. Então, começaram a organizar-se em uma
associação na região sul da cidade. A relação mais aproximada dos catadores
entre si possibilitou a delineação de projetos para o grupo ou em grupo.
Dessa forma, entre aqueles que nada tinham a não ser as mãos para
catar, um embrião coletivo começa a tomar forma. E, pensando em melhores
condições de vida com trabalho e cidadania, foi gestado, em Santo Ângelo-RS,
um projeto coletivo, o qual se chamou Cooperativa Ecos do Verde - Cooperativa
de Coletores de Materiais Recicláveis de Santo Ângelo LTDA
20
. Surgiu nos
anos de 1994 e 1995, a partir de um grupo de trabalhadores desempregados
que viviam de biscates. A maioria era moradores do Bairro Harmonia (Santo
Ângelo-RS). Começaram a conversar sobre uma forma de conseguir trabalho e
renda. Reuniram-se com os vizinhos e começaram a discutir algumas
possibilidades. Inicialmente, montaram uma associação de catadores de papel,
à qual deram o nome de Associação dos Catadores de Lixo da Zona Sul de
Santo Ângelo – ACLISA. A associação teve dificuldades na obtenção de um
local para realizar o depósito dos materiais e fazer um ponto de venda. Após
inúmeras negociações com o Poder Público Municipal, foi oferecido para a
Associação uma Usina de Reciclagem, no interior do Município.
De posse dessa proposta, eles transformaram a associação em
cooperativa, pois, na época, dessa forma, era mais fácil operacionalizar as
documentações e exigências legais. No dia 08/06/1996 foi realizada a
Assembléia de fundação da Ecos do Verde, com 14 sócios, tendo como objetivo
separar e vender os materiais recicláveis (papel, plásticos, vidros, ferros, cobres,
etc...). Segundo Tomazzi, (2003, p. 18), “uma das maiores dificuldades
encontradas foi a falta de documentação dos interessados. Alguns não tinham
Carteira de Identidade, outros não tinham CPF, outros, ainda, nenhum dos dois”.
20
Recentemente, a cooperativa foi transformada em Associação, por facilitar algumas questões
legais.
Os documentos legais para o efetivo funcionamento da cooperativa foram
obtidos em março de 1997. Em julho do mesmo ano, iniciaram-se as atividades
na Usina de Reciclagem e Compostagem de Lixo de Santo Ângelo. Inicialmente,
não havia transporte coletivo e/ou público até a Usina, e a distância é de
aproximadamente 10 Km da cidade. Muitos trabalhadores iam a pé ou de
bicicleta. Atualmente, a Prefeitura disponibiliza um ônibus que leva os
trabalhadores de manhã (8:00) e os busca no final da tarde (17:30). O almoço é
realizado no local e cada um é responsável pela sua alimentação. Além da
Usina de Reciclagem, a Ecos do Verde dispõe de um ponto de compra dentro
do perímetro urbano, onde recebe doações e compra materiais dos catadores
que circulam pela cidade. Esse ponto de compra é fundamental, uma vez que os
catadores que circulam na cidade, retiram o lixo valorizado, antes que o
caminhão o recolha
21
.
A Ecos do Verde firmou parceria com a Prefeitura de Santo Ângelo, em
julho de 1997, para realizar a reciclagem na Usina de Reciclagem, sendo que o
local é do Poder Público e as máquinas são da Associação. Nesse local, os
caminhões da empresa coletora descarregam todo o lixo que é recolhido como
sendo ‘seco’, e é separado, acondicionado e/ou enfardado e fica esperando a
comercialização.
Em janeiro de 2003, começou a funcionar um projeto chamado “Gente
Cuidando de Gente”, que tem por objetivo realizar um trabalho junto aos
catadores individuais que circulam pela cidade. Segundo o cadastramento feito
pela Prefeitura, através da Secretaria de Assistência Social, Trabalho e
Cidadania, existem aproximadamente 100 catadores em Santo Ângelo, atuando
nas ruas. Esse projeto é resultado do apoio e engajamento de várias pessoas e
entidades do município, incluindo a Ecos do Verde e a Secretaria Municipal de
Assistência Social, Trabalho e Cidadania (TOMAZZI, 2003).
21
A Ecos do Verde prestou assessoria para um grupo de catadores da cidade de Santa Rosa,
distante aproximadamente 55km de Santo Ângelo. Por um determinado período (de 2000 à
2002), o grupo da cidade vizinha fez parte da mesma cooperativa. Atualmente, o grupo de Santa
Rosa tem associação própria. Outra experiência semelhante aconteceu com um grupo de
catadores de Giruá, município localizado à 35km aproximadamente de Santo Ângelo. No
momento, este grupo também tem sua própria associação.
O recolhimento seletivo do lixo – Coleta Seletiva – é um trabalho que
necessita de conscientização constante. Há a necessidade de construir uma
nova cultura a respeito das “sobras” que a sociedade gera: o que fazer com o
resíduo do produto que se vai ou se pretende comprar? Como descartar,
acondicionar, aproveitar e para onde direcionar tais resíduos? Nesse momento,
as iniciativas a respeito dessas preocupações giram em torno da seleção e
reciclagem.
A partir da organização da Ecos do Verde, Santo Ângelo teve um
aumento elevado de pessoas que catam o lixo. Desde cedo, pessoas com
carrocinhas, carrinhos, bicicletas, sacos, vão dando uma nova forma aos
movimentos da cidade. Existem vários caminhos por onde circulam os
catadores: alguns percorrem os bairros residenciais, antes que os caminhões
coletores passem, retirando o que lhes interessa. Outros, catam no centro e
recolhem preferencialmente mais papelão.
Atualmente, o material que chega até a usina de reciclagem é um lixo do
qual, na maioria das vezes, já foi catado a parte rentável. Assim, o trabalho da
Ecos do Verde precisa ser intensificado para que os seus associados tenham
acesso ao material reciclável que a sociedade se desfaz e possam ter maior
rendimento. A partir dessa realidade, surgiu a idéia da Associação também
comprar material dos catadores que percorrem as ruas. Como o catador que
anda de porta em porta (de lixeira em lixeira) tem a possibilidade de vender seu
material para outros receptores, a Ecos do Verde precisa criar um diferencial
que atraia os vendedores de materiais. Dessa forma, o que vai definir quem
vende para quem, são questões pessoais, que vão desde o dinheiro que o
comprador “empresta” para a compra do gás, de remédios, até a distância do
ponto de entrega, a relação de amizade, o preço, etc.
A Associação de Catadores de Materiais Recicláveis Ecos do Verde
oferece dois estímulos básicos aos catadores individuais/autônomos: o
empréstimo de um carrinho coletor (são ao todo 30 carrinhos) e um preço
diferenciado para quem aceitar entrar nessa parceria. Além disso, recebem
formação, informação e orientações para realizarem a tarefa de maneira mais
adequada. Esses catadores fazem parte do Projeto Gente Cuidando de Gente
que tem como parceiro o Poder Público Municipal e entidades privadas. Para
fazer parte desse grupo, ter acesso ao carrinho e o preço mais elevado, o
catador deverá entregar o material coletado à Associação Ecos do Verde.
A Ecos do Verde, que até o ano de 2004 era uma cooperativa,
transformou-se em uma Associação. Tal acontecimento deve-se ao fato de que
a cooperativa vinha sofrendo processos trabalhistas, sob a alegação de que a
mesma contratava trabalhadores e não os pagava devidamente. Interpelada em
juízo, numa ação trabalhista já julgada, a Ecos do Verde foi condenada a pagar
as indenizatórias trabalhistas, e espera o julgamento de outras quatro. Os
julgadores não compreenderam a realidade da Cooperativa Ecos do Verde e
não fizeram nenhum tipo de estudo de caso para averiguar sua forma de
funcionamento. A Ecos do Verde foi tratada como se fosse uma cooperativa de
fachada, conhecida como “cooperativa gato”
22
. Foram retirados, por ordem
judicial, valores monetários da Ecos do Verde que se encontravam em bancos.
Também foi penhorado um automóvel “Kombi”, usado para o transporte de
materiais doados por empresas e instituições. O referido veículo é de
fundamental importância para a Ecos do Verde, pois algumas instituições doam
os materiais, especialmente papéis e documentos, sob a condição de que sejam
picotados no local. Para esta tarefa, é necessário levar a “máquina picadeira”.
Além do veículo, um computador, de uso da Ecos do Verde, também está
penhorado. Sem ter muita saída e sem conseguir convencer as autoridades
competentes de que funcionavam como uma cooperativa, o grupo de
associados começou um estudo para a transformação da cooperativa em uma
associação. Entenderam os associados que essa forma de constituição legal
deixaria mais claro quais os vínculos entre os catadores e a associação.
Conflitos desse tipo, embora tragam desgastes emocionais e perdas
financeiras, contribuem para a reflexão do grupo, bem como daqueles que estão
dispostos a fazerem parte dele. Talvez seja interessante destacar que nem
todos que participam ou pretendem participar de uma associação têm de fato a
necessária compreensão desse tipo de empreendimento. Seria ideal que os
22
Cooperativa Gato é o nome popular de cooperativas de fachada, a que trabalhadores se
associam, sem contudo participarem dos lucros. Tal procedimento, serve para driblar a
legislação trabalhista, impostos e encargos sociais que uma empresa privada está obrigada.
integrantes de um projeto desse tipo tivessem oportunidades de reflexão e
discussão acerca do que é um projeto coletivo. Contudo, no dia a dia, torna-se
algo de difícil execução, pois, quando as pessoas aparecem para participar
nesse tipo de empreendimento, fazem-no por necessidades econômicas
imediatas; como diz o ditado popular, “minha precisão é para ontem”. O
aprendizado acerca do trabalho coletivo, da colaboração, da cooperação,
acontece durante a execução das atividades. Segundo o ex-presidente da
associação Ecos do Verde, Adair Tomazzi, este é um risco que um projeto
desse tipo corre. Não tem como conhecer os projetos pessoais de cada
trabalhador antes que ele esteja participando do projeto coletivo e é inviável a
formação pedagógica prévia. É possível também que se detectem contradições
no próprio berço do projeto, ou seja, práticas que venham a contradizer o
objetivo. Contudo, não é meu interesse tal viés e não irei realizar nenhum tipo
de pesquisa a esse respeito.
Costurando os rasgos que apareceram, remendando alguns retalhos
puídos, re-elaborando histórias e estórias, a Ecos do Verde tem nove anos de
existência. Durante sua trajetória, houve muitos tropeços, medos e audácias.
Mas continua caminhando e construindo seu projeto e conta hoje com 41
associados que fazem a separação dos materiais recicláveis, e 25 catadores de
materiais recicláveis, que recolhem esses materiais pela cidade. Esses
catadores mantêm com a Associação uma relação de parceria: a Ecos do Verde
fornece o carrinho para catar e transportar os materiais e um “preço melhor”
para os produtos que os mesmos entregam à Associação. No caso dos
associados, a relação é de cooperação: o trabalho é feito em conjunto, de forma
cooperativa, e as decisões são tomadas pela assembléia. A maioria dos
catadores, parceiros do empreendimento, realiza suas atividades de maneira
informal: eles próprios fazem seus horários, buscam seus objetivos e não
dependem de estar cotidianamente sob o compromisso de cumprir tarefas que
um trabalho formal exige. Conversando com alguns deles, foi possível constatar
que eles gostam e preferem esse tipo de relação com a Ecos do Verde (ou com
algum outro comprador de materiais recicláveis). Saliento que a relação desses
catadores não parece ser de exploração, pois é de seu interesse estarem livres
para ir por onde quiserem. Estão livres também para deixar de entregar seus
materiais à cooperativa, quando quiserem. O carrinho e o preço diferenciado
são estímulos da Ecos para angariar os catadores livres. Contudo, eles podem a
qualquer momento deixar de entregar-lhe seus materiais.
Os associados da Ecos mantêm uma relação de trabalho formal, devendo
cumprir horários. As faltas não justificadas (ao trabalho), dentro das regras
estabelecidas por eles, são descontadas. Fazem rotatividade nas funções de
catar, enfardar, limpar, organizar. A participação em eventos, cursos, encontros
de formação, que sejam de interesse coletivo, é estimulada, não sendo
descontado o dia (de trabalho), por tratar-se de falta justificada. O valor total das
vendas, descontadas as despesas, é dividido em partes iguais entre os
associados.
A formação e a discussão sobre a organização acontecem de forma
contínua e permanente. Discutem-se as vantagens do trabalho cooperativo, tais
como: trabalhar em conjunto, em cooperação; realizar a venda coletiva; utilizar a
coleta seletiva como possibilidade de obter o material de trabalho, o que só foi
possível por estarem organizados em cooperativa/associação; estar respaldado
por uma instituição que é reconhecida e valorizada. Segundo Tomazzi (2003,
p.19) “não é só o resultado econômico que dá um clima de contentamento, que
realiza as pessoas. São as vitórias conjuntas. É ganhar pelo trabalho realizado
(o resultado do trabalho e esforço). Mas é sentir alegria, satisfação de pertencer
a uma equipe”. De acordo com os próprios trabalhadores, o fato de pertencerem
à cooperativa torna-os mais respeitados e mais valorizados. “Não somos
catadores que remexem lixo. Somos cooperadores que fazem uma ação
ecológica e ajudam o meio ambiente” (M.E). É dessa forma que eles se
compreendem. Tal pensamento afina com o referencial da economia solidária,
pois, segundo Gaiger:
Os empreendimentos econômicos solidários extrapolam o econômico e
acabam sendo empreendimentos de caráter social, educativo,
comunitário. A autogestão sustenta ser possível compatibilizar
objetivos econômicos com objetivos sociais, objetivos produtivos com
objetivos humanos. Se a vida material, a vida econômica, serve para
garantir nossa sobrevivência, ela deveria garantir também a nossa
humanização, não o seu oposto (2001, p. 62).
A organização e a realização do trabalho de forma coletiva [e/ou
cooperada] propicia a integração e valorização dos trabalhadores, podendo vir a
questionar as relações de opressão, miséria e exclusão a que estão submetidos.
Serve também de apoio e de motivação
23
para dar sustentação aos projetos
pessoais. Essa sustentação é extremamente necessária, visto que os sujeitos
pesquisados se encontram em situação de fragilidade sócio-econômica e
psíquico-emocional. É fundamental, também, como suporte para o trabalho que
realizam, pois, embora discursemos que trabalhar com reciclagem e materiais
re-aproveitáveis é politicamente correto, que é trabalho igual aos outros e
importante para o meio ambiente, o fato é que, real e concretamente, eles
mexem e re-mexem diariamente restos, sobras, lixo! Podemos pensar em
reciclagem, re-significação, mas o produto primeiro, que desce pelo cone e é
distribuído na esteira é, de fato, lixo! Daiani Barboza (2000, p. 54) diz que “o lixo
é visto como podre e inútil; algo que pode ser jogado fora”.
1.3 LIXO RE-SIGNIFICADO E RECICLADO
Foi no século XIX que o lixo passou a ser considerado algo que precisa
de cuidados apropriados. Essa preocupação surge devido ao aumento da
população e, conseqüentemente, do lixo produzido. Mas não só o lixo foi para
os arredores: tudo o que poderia lembrar atividades sujas, mal-cheirosas e
desagradáveis, foi afastado do convívio. Podemos citar os açougueiros,
ferreiros, pobres, doentes, etc. Carlos Mine (apud Grippi, 2001, p. XIII) destaca
que “o lixo é matéria prima fora do lugar. A forma segundo a qual uma
sociedade trata seu lixo, seus velhos, os meninos de rua e os doentes mentais,
atesta o seu grau de civilização. O tratamento do lixo doméstico (...) é uma
questão cultural”.
23
Ver FOLLMANN (2001, p. 56-57).
O lixo tornou-se uma questão mais e mais preocupante na medida em
que a industrialização avança. Vivemos a era do descartável. A grande
produção de lixo não encontra formas de aproveitamento e nem local para
armazenamento. Diferente do lixo orgânico, que se decompunha e/ou virava
adubo, a sociedade teria de se preparar para conviver com o lixo inorgânico.
Dados do IDEC (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) dão conta de
que, atualmente, no Brasil, são recolhidas cerca de 240 mil toneladas diárias de
lixo urbano. Segundo pesquisa realizada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística), 68% do lixo recolhido em municípios com cerca de 20
mil habitantes são despejados em lixões ou alagados
24
.
Segundo o dicionário de Aurélio Ferreira (1986), lixo é tudo “o que não
presta mais e se joga fora; coisa ou coisas inúteis, velhas e sem valor; sujeira,
sujidade, imundície; ralé”.
Já para Houaiss (2001) a palavra “lixo” significa:
qualquer objeto sem valor ou utilidade, detrito oriundo de trabalhos
domésticos ou industriais que se joga fora; uso formal ou de forma
pejorativa: coisa ordinária, malfeita, feia; pessoas sem qualquer dote
moral, físico ou intelectual; a camada mais baixa da sociedade;
escória, ralé.
Dessa forma, pode-se entender que a palavra “lixo” significa algo que
“perdeu a utilidade, ou que não queremos mais usar”, “aquilo que sobra, que se
joga fora, que é sujo, inútil, velho ou que não tem mais valor. Podemos pensar o
lixo como todo e qualquer resíduo proveniente das atividades humanas ou
gerado pela natureza.
Associada ao lixo está a questão do “descartável”. Com o passar dos
anos, mais e mais objetos descartáveis passaram a fazer parte de nossas vidas
diárias: sacos e sacolas de supermercados, garrafas, talheres e pratos,
telefones celulares, pilhas, baterias, aparelhos eletrodomésticos em geral, etc.
O lixo, para efeitos de coleta seletiva, é dividido em dois grupos:
24
Informações obtidas no site: http://www.ibire.org.br/lixo.htm no G o o g l e; em 24 jun. 2005.
- lixo úmido: é composto de objetos não re-aproveitáveis e/ou que se
decompõem. Ex.: restos de alimentos, de vegetais, cascas, erva mate, papel
higiênico, absorventes, fraldas descartáveis, etc.;
- lixo seco: é composto de objetos passíveis de re-aproveitamento. Ex.:
papel, papelão, plásticos, metais, isopor, etc.
Ainda podemos classificar os resíduos em:
- lixo domiciliar: é constituído pelo lixo produzido nas casas, bares,
lanchonetes, restaurantes, repartições públicas, lojas, supermercados, comércio,
empresas, organizações em geral. É composto por sobras de alimentos,
embalagens, papéis, papelões, plásticos, vidros, pilhas, componentes elétrico-
eletrônicos, etc. O destino desses materiais é o aterro sanitário. Quando
separado adequadamente, poderá ser feito a reciclagem de acordo com os dois
grupos citados acima.
- lixo industrial: é o lixo produzido pelas indústrias, que possui
características próprias dependendo das matérias-primas utilizadas. Deve ter
um lugar apropriado para ser armazenado e/ou reciclado.
- lixo hospitalar: pode ser perigoso. Necessita ser acondicionado e
transportado em veículos especiais. Seu destino deverá ter um tratamento
específico ou ser destinado para um local apropriado. O ideal é que seja
incinerado.
- lixo agrícola: é composto basicamente por esterco, adubo químico,
fertilizante, veneno químico. O maior problema desse tipo de lixo é as
embalagens que, até o momento, não têm destinação apropriada. O ideal seria
a obrigatoriedade do recolhimento das embalagens por parte da empresa que
vende o produto contido nelas, para um destino adequado
25
.
- lixo tecnológico: é composto por TVs, rádios, aparelhos e/ou
componentes elétrico-eletrônicos em geral. À semelhança do lixo agrícola,
deveria ser recolhido pela empresa vendedora do produto.
25
Isso deveria valer para todo o tipo de embalagem que está conectado com o produto vendido.
Segundo dados do IBGE, o Brasil produz 240 mil toneladas de lixo por
dia. Cada pessoa produz em torno de 5 kg de lixo, semanalmente. Isso poderá
ser alterado dependendo do poder aquisitivo e do perfil consumidor da
população. O que influencia também é a quantidade de produtos
industrializados que são colocados a disposição. Quanto mais resíduos esses
produtos deixarem para trás, mais lixo é produzido.
Até o presente momento, no Brasil, o poder público municipal é o
responsável pelo processo de coleta, transporte, tratamento e destinação final
dos resíduos (seco ou úmido). Nenhuma empresa que utiliza embalagens não
degradáveis em seus produtos colocados à venda é responsável pela
destinação do resíduo.
Segundo dados do CEMPRE – Compromisso Empresarial para
Reciclagem, 237 municípios brasileiros realizam programas de coleta seletiva,
sendo que a maior concentração destes está nas regiões sudeste e sul do país.
Em Santo Ângelo, a coleta seletiva é feita desde 1998, recolhendo-se o
lixo seco e o lixo úmido, em dias alternados. A população é responsável pela
separação do seu lixo. Ela deve colocá-lo, devidamente acondicionado e
segundo escalas pré-estabelecidas,
26
em frente a sua residência ou
estabelecimento público/privado, para que o caminhão coletor o leve para o
aterro sanitário ou para a usina de reciclagem. Esse processo de seleção
encontra dificuldades em seu efetivo funcionamento, especialmente no que diz
respeito à separação do lixo por parte da população.
A separação do lixo e a coleta seletiva são fundamentais para o processo
de reciclagem. É através da coleta seletiva e do recolhimento feito por
catadores, que parte do lixo produzido pode voltar a ser matéria prima e deixar
de poluir o meio ambiente. A reciclagem é o retorno da matéria-prima ao ciclo de
produção. Esse processo diminui o acúmulo de resíduos, diminuindo a poluição
do ar, da água e do solo.
26
Existe um cronograma da coleta seletiva que estabelece qual o tipo de lixo, o dia, o horário e o
bairro que o mesmo será recolhido.
Isto ainda não é tudo. Precisamos costurar mais um retalho nesta colcha
de pensamentos, reflexões e construções. O processo de selecionar o lixo,
acondicioná-lo em embalagens apropriadas e encaminhá-lo para a coleta
seletiva, requer, de quem o faz, uma mudança de sentido do lixo, para sua vida.
Assim, os objetos que foram descartados, jogados fora como algo que não
presta, deverão ser re-significados ou ser significados de novo. A partir desse
novo significado, o lixo adquire uma significação de matéria prima. A significação
é o que as coisas querem dizer. Assim, o lixo reciclado tem uma nova
significação. Esse novo traz consigo, marcas do velho. Não é um sentido
inventado do nada. Por isso, a palavra “re-significado” aproxima-se mais desse
novo entendimento acerca do lixo que será reciclado. Ao ser selecionado e
separado para a reciclagem, o lixo é resignificado. Aquilo que era i-mundo e que
havia sido jogado para fora do mundo, é inserido novamente na cadeia de
produção.
1.4 CATADORES DE MATERIAIS RECICLÁVEIS: QUEM SÃO ESSES
SUJEITOS?
Andantes, errantes, caminheiros...
Retalhos, trapalhos, pensalhos...
De onde surgiram tantos?
É a miséria que dói o estômago.
E a vista já não alcança o horizonte.
Mas, o que foi que sumiu?
O fim do mundo, diante do olhar do pobre?
Ou, o direito à vida?
Boca do lixo, boca maldita!
Denúncia muda, que incomoda.
Trapo humano que atrapalha... trapalhos!
Mundo do lixo, lixo do mundo! O que sobrou para mim?
Alguns poucos pensalhos...
retalhos de pensamentos, pensamentos em retalhos.
Até que a reciclagem me atinja e me tinja de verde amarelo!
Catador: arte, arteiro, carteiro.
Traz em sua bagagem a catação e a reciclagem,
a re-significação da mensagem:
Um novo mundo é possível.
O catador não é figura recente em nossa história. Charles Baudelaire
(1857), na poesia “Vinho dos Trapeiros”, faz referencia ao catador. No Brasil,
essa atividade é lembrada na figura do “velho garrafeiro” (século XX)
27
.
Atividade antiga, o catador tornou-se imprescindível à medida que a
industrialização avançou. Disso derivam pelo menos duas conseqüências: o
desemprego e os resíduos. Quanto mais industrialização, mais desemprego e
mais resíduos. Quando mais desemprego e mais resíduos, mais catador.
O sujeito catador é diferente, dependendo da região em que habita.
Segundo o que relatam alguns autores, em algumas cidades/regiões do país, o
catador é trabalhador sazonal (da cana de açúcar) e, quando não tem trabalho
na cana, vai para a catação; em outros lugares são moradores de rua. Tem
ainda muitas crianças e adolescentes.
28
Em Santo Ângelo, a característica dessa categoria de trabalhadores é um
pouco diferente: os que catam de forma autônoma nas ruas, em sua grande
maioria, são adultos; tem alguns idosos, alguns jovens e pouquíssimas crianças.
Na maioria das vezes, quem leva as crianças são mães que não têm onde
deixar seus filhos.
No projeto Gente Cuidando de Gente, do qual fazem parte os catadores
de rua e que mantém parceria com a Ecos do Verde, não tem crianças nem
adolescentes. Na Associação Ecos do Verde tem apenas jovens adultos, e
adultos. Não é permitido que crianças e adolescentes encontrem-se no recinto
da Usina. No ponto de compra, os trabalhadores da associação também não
podem levar crianças e adolescentes. Os trabalhadores da Ecos do Verde
mantêm com a associação uma relação de continuidade. Alguns já estão na
Ecos do Verde há mais de 6 anos. Os mais recentes estão há ano na
associação. Segundo a fala de um dos catadores da usina, quem sai da
associação são aqueles que não têm família, não têm compromisso com outras
pessoas.
27
Ver, Raquel de Souza Gonçalves, 2005, p. 92.
28
Confira GONÇALVES, Raquel de Souza (2005); JUNCA, Denise Chrysóstomo de Moura
(1996, 1997, 2000).
A maior parte dos catadores (associados ou parceiros da Ecos) tem idade
entre 18-40 anos, concentrando-se na faixa etária adulta, sendo que a maioria é
do sexo masculino. E o desemprego é o motivo que os levou a essa atividade.
Alguns nunca tiveram carteira assinada. Viviam de biscastes, trabalhando na
construção civil, fazendo limpeza de pátio, cuidando de chácaras de terceiros.
O grau de escolaridade varia entre a 1ª e 4ª série do ensino fundamental,
embora alguns tenham o ensino médio (incompleto e completo) e uma pessoa
tem graduação e pós-graduação. Mesmo justificando sua escolaridade de forma
oficial, encontram muita dificuldade para ler e, principalmente, para escrever
29
.
Segundo o IBGE, 705 mil pessoas vivem da atividade de catador, no
país. A profissão foi reconhecida no final de 2002, segundo a Classificação
Brasileira de Ocupações - CBO/2002
30
. A designação segundo o CBO é:
catador de material reciclável (5192-05)
: catador de ferro-velho, catador de
papel e papelão, catador de sucata, catador de vasilhame, enfardador de sucata
(cooperativa), separador de sucata (cooperativa), triador de sucata
(cooperativa).
Em Santo Ângelo, segundo dados extra-oficiais, o número de catadores
que andam de porta em porta é de aproximadamente 400 pessoas, sendo que
esse número oscila, dependendo do período do mês ou do ano. Não existe no
município lixão público ou privado. O lixo úmido é levado pelos caminhões
coletores até o aterro sanitário. Como o aterro fica ao lado da usina de
reciclagem, algumas vezes, durante o almoço, alguns catadores da Ecos do
Verde, vão até o local e catam latinhas e pett. Eles aproveitam o intervalo do
almoço porque os trabalhadores responsáveis de aterrar o lixo úmido, não estão
no local. Contudo, eles não se caracterizam como catadores de lixão. Dessa
forma, a figura tradicional do catador de lixão não existe em Santo Ângelo. É
29
As informações acerca dos catadores individuais foram retiradas de uma pesquisa realizada
pela Secretaria Municipal de Assistência Social, Trabalho e cidadania, em Tomazzi, 2003. Com
relação aos Associados da Ecos do Verde, foi obtida na própria Associação.
30
Documento normalizador do reconhecimento da nomeação e da codificação dos títulos e
conteúdos das ocupações do mercado de trabalho brasileiro.
possível destacar algumas características dos catadores que trabalham nessa
cidade
31
:
- Catador que sobrevive da catação
: esse catador está diariamente na rua
e sobrevive de catar os materiais re-aproveitáveis. Ele procura conhecer os
horários do caminhão coletor e passar antes do mesmo, retirando o que lhe
interessa, fechando adequadamente o material onde o lixo está acondicionado.
Faz isso de forma sistemática e contínua. A maioria possui carrinho para coletar.
Alguns fazem a seleção ao próprio carrinho, acondicionando os materiais
separadamente e levando-os diretamente ao ponto de venda. A maioria faz a
seleção em casa e, posteriormente, leva no ponto de venda. Ainda neste grupo,
há catadores que juntam tudo o que aparece e acabam jogando, o que não
conseguem vender, no pátio de sua casa, nos terrenos baldios ou nos rios.
- Catadores eventuais
. São catadores que recolhem materiais em grandes
aglomerações, como festas, feiras, eventos sociais. Neste grupo estão crianças,
jovens e pessoas que trabalham nos eventos e acabam coletando para
conseguir uma renda extra. Neste caso, os materiais são em grande quantidade,
visíveis e de fácil acesso. Os catadores desse tipo não estão organizados.
- Catador predatório
: Recolhe o que lhe interessa e deixa o restante jogado
pelas calçadas. Vive de pequenos biscates e coleta os materiais como forma de
complementar a renda familiar. Este catador encontra muita resistência por parte
da população. Ele também não está organizado.
- Catador que recolhe apenas alimentos
: É um número muito reduzido de
catadores, são figuras conhecidas pela população. Catam, principalmente junto
a lancherias, bares e pequenos mercados.
- Catador da Usina
: Em Santo Ângelo, são os associados da Ecos do
Verde que trabalham na usina, onde os caminhões coletores descarregam o lixo
oriundo da coleta seletiva. Seu trabalho consiste em catar na esteira os
materiais passíveis de aproveitamento. Cada um fica responsável pela catação
de alguns dos materiais que são encontrados na esteira. No seu entorno, ficam
31
A tipificação dos catadores foi construída tendo presente o trabalho de Carmo; Oliveira;
Miiqueles (2005), adaptando-os a realidade local.
vários tonéis, onde são acondicionados os materiais, devidamente separados.
Quando um tonel está cheio, um outro trabalhador o troca por um vazio. Os
materiais são levados para a prensa ou para um lugar específico, onde eles
ficam separados em função de sua classificação. Há ainda os trabalhadores que
ficam na prensa, no enfardamento e na classificação, como, por exemplo, de
vidros e garrafas. Há um rodízio nas funções, todos procuram fazer todas as
atividades. É respeitada a questão de carregamento de peso: mulheres e
pessoas que não se encontram em condições de saúde, não carregam os tonéis
cheios, não enfardam e nem levam os volumes pesados para fora da Usina.
Os catadores individuais fazem das ruas da cidade o seu espaço/local de
trabalho. Onde há material passível de reciclagem, há catador e há trabalho.
Esses catadores têm o céu por teto e não há limites físicos que os impeça de
catar, salvo as grades, os cachorros e as “caras feias” de gente que se sente
incomodada pela presença de tais sujeitos. Segundo a pesquisa realizada pelo
Tomazzi (2003, p. 29), aproximadamente 40% da população não vê com bons
olhos os catadores
32
. O trabalho é duro e o ganho é pouco. Em uma pesquisa
informal, através de observações e bate-papos com os catadores que entregam
seu material no ponto de compra da Ecos do Verde, obtive a informação de que
a renda mensal dos catadores individuais é de aproximadamente R$:200,00
(duzentos reais). Isso, quando catam muito bem, com uma rotina bem
organizada. Em muitos momentos, esses catadores trabalham com a família ou
com algum dos membros do grupo familiar, a fim de aumentar o valor obtido
com a venda do que fora coletado.
Já os catadores da Usina, assim como os catadores do ponto de compra
da Ecos do Verde, não contam em seu trabalho, com a ajuda do grupo familiar,
mas se fortalecem no grupo coletivo. Uma observação que é importante para a
caracterização da Ecos do Verde é que no ponto de compra, situado no
perímetro urbano, não existe a catação propriamente dita. O trabalho é de
recebimento dos materiais, classificação, picação, prensa e enfardamento. Outra
atividade realizada por esse grupo é a de buscar o material nos
estabelecimentos que doam seus materiais, especialmente papéis. Em alguns
32
Essa referencia diz respeito, especialmente ao catador que cata na rua.
casos, é necessário levar a picadeira, pois os estabelecimentos só aceitam doar
o material se este for picado no próprio local.
A parte administrativa da Associação da Ecos do Verde funciona junto ao
ponto de compra, no perímetro urbano e é cedido pelo governo estadual. O local
e os galpões da Usina pertencem à Prefeitura Municipal. A associação dispõe
das máquinas e dos associados.
Este é o universo daqueles que trabalham catando materiais recicláveis.
Trabalho árduo, cansativo, e, às vezes, escaldante. É preciso força física para
empurrar os carrinhos ladeira acima. É também preciso força física para segurá-
los ladeira abaixo. Assim como em suas vidas, é necessário serem um pouco
equilibristas, para sustentarem tantos sacos em torno do carinho. Na Usina, não
é diferente: é necessário empurrar os fardos até a parte mais alta, onde o
carrinho levará até o galpão de armazenamento ou ao setor, no pátio, onde o
fardo ficará depositado. É preciso também agüentar o sol forte sob o telhado de
metal, onde ficam as esteiras, ou sob suas próprias cabeças, quando classificam
no pátio. O que muda é que não precisam de sacos (e bem grandes) para
colocar os olhares de desaprovação e as discriminações por parte dos cidadãos
que habitam a cidade, visto estarem afastados 10 km desses olhares.
Poderíamos pensar que não são somente as prisões, os manicômios e os
orfanatos que estão afastados da cidade. Na sociedade industrial, talvez
possamos incluir na categoria dos “foracluídos” da sociedade, os lixões, as
usinas de reciclagem e, até mesmo, o próprio catador e sua família que vive,
muitas vezes, nos arredores dos lixões.
A movimentação dos catadores começa cedo. Seu trabalho é garimpar
materiais passíveis de serem re-aproveitados. Fazem uso de carroças,
carrinhos, bicicletas, para transportar o que foi coletado. Abrem sacos, sacolas,
pacotes. Retiram o que consideram aproveitáveis. Alguns refazem e
acondicionam novamente o que não lhe interessa. Outros simplesmente deixam
tudo jogado. Os cachorros latem. As pessoas espiam. Fazem cara feia. Cara de
nojo. A imagem do catador, suas roupas, seu carrinho, o mexer e re-mexer no
lixo, catando o que é aproveitável, tudo isso é provocador, pelo fato de expor
publicamente a pobreza. Mas o sujeito humano, na função de catador, nem
olha. Já está acostumado.
Uma experiência interessante foi vivida pela Professora Cleci
Schalemberger Streb (UNICAMP), quando estava realizando uma pesquisa com
catadores. Cleci se dispôs a circular com um catador, enquanto ele realizava a
busca de materiais. O local escolhido foi a própria UNICAMP, local de trabalho
da referida professora. O catador bem que tentou avisá-la quanto à rejeição que
havia por parte da população. E obteve a seguinte resposta de Cleci: “Imagine,
a Unicamp é a minha casa, trabalho lá, não vai haver problemas”. Mas, segundo
depoimento da professora, não foi como ela esperava:
Foi engraçado... A gente passando, eu na carroça, junto. Acho
impossível alguém não ver você em cima de uma carroça. Passei ao
lado de colegas (não amigos, mas colegas) e fui ignorada ao
cumprimentá-los. É aquela coisa do preconceito. Não adianta dizer
que não existe, porque existe (STREB, Jornal da Unicamp, 2001).
Isso demonstra o quanto as pessoas têm dificuldades em conviver com a
diferença e, mais grave ainda, com a pobreza e suas conseqüências.
Trabalhar com o lixo, fazer disto uma fonte de renda e organizar sua
sobrevivência a partir do descartado, é algo que está sendo organizado e
construído, também em Santo Ângelo. A falta de trabalho fixo (vagas no
mercado formal de trabalho) levou muitos trabalhadores a esse “ofício”: catar
material re-aproveitável que, ao ser retirado do lixo, deixa de ser lixo. É de
salientar que somente depois que os olhos e as mãos do catador retiraram do
lixo o material, esse passa a ter valor.
Segundo alguns trabalhadores da Ecos do Verde, o fato de estar na
cooperativa, dá mais incentivo, pois um catador anima o outro e as pessoas
respeitam e consideram a profissão. É também importante apontar que a Ecos
do Verde faz trabalho de informação na comunidade. Isso contribui para que o
trabalho seja visto de uma forma diferenciada.
Com estas lembranças, com estes recortes, com essas construções
teóricas advindas da história, da simbólica e do desejo, são apresentados ao
leitor os sujeitos que movimentaram e deram vida a este estudo. É pouco, diante
de tantas histórias de vidas e, às vezes, de morte. Um estudo é sempre limitado,
parcial, inacabado. Nos capítulos que seguem, a proposta é costurar as histórias
vividas e ouvidas, ao pensamento escrito de autores que podem auxiliar na
costura desta colcha de retalhos.
2 – TRABALHO NA ERA DA INDUSTRIALIZAÇÃO
“O trabalho se inscreve na dinâmica da realização do ego.(...)
Não podendo gozar os benefícios do reconhecimento de seu trabalho,
nem alcançar assim o sentido de sua relação para com o trabalho,
o sujeito se vê reconduzido ao seu sofrimento
e somente a ele” (DEJOURS,2000, 34-35).
A sociedade industrial tem seu nascedouro na sociedade européia em
torno do século XVI. Essa nova forma de organização social significou a
substituição da ferramenta (processo manual) pela máquina (processo industrial)
e contribuiu para consolidar o capitalismo como modo de produção dominante.
A passagem da produção artesanal e manufatureira para a produção mecânica
é o ponto culminante de uma evolução tecnológica, social e econômica, que
vinha se processando no mundo europeu.
A chamada primeira Revolução Industrial (1760 e 1850) tinha como
grande vedete a máquina a vapor. Os trabalhadores mais especializados,
especialmente os artesões, eram requisitados para trabalhar nas fábricas. Os
que migraram do campo não tinham qualificação para as atividades emergentes
e acabavam ficando à deriva. Formava-se dessa forma o exército de reserva
33
.
33
Trabalhadores desempregados que estão à espera de vagas no mercado de trabalho. Quando
a economia vive momentos de expansão, necessita-se de mão de obra barata e disponível.
Nota-se que os trabalhadores rurais, além de não conseguirem ingressar no
mercado de trabalho incipiente, perderam suas atividades no campo, seus
vínculos comunitários e, em alguns casos, até os vínculos familiares.
Num segundo momento, a partir de 1860, temos a chamada segunda
revolução industrial. É a era do taylorismo/fordismo, em que a organização do
trabalho industrial é configurada de acordo com as diretrizes de Taylor e Ford
34
.
As máquinas produzem mais rápido, com menor custo e em larga escala. Os
trabalhadores realizam atividades padronizadas, com tempo e espaço
controlado. Embora as máquinas velozes tenham substituído muitos
trabalhadores, outros tantos foram contratados para operá-las. Estes, contudo,
deveriam ter conhecimento específico para operar as máquinas.
A terceira Revolução Industrial (década de 1990) apresenta-se como a
era da inteligência artificial, robótica, microeletrônica, informação e rapidez,
aldeia global, sociedade em rede
35
. Nessa terceira revolução industrial, o mundo
torna-se altamente tecnológico e informacional, sendo possível se conectar com
as pessoas do outro lado do mundo. Evidentemente, essa possibilidade está
reservada para quem tem acesso a esse tipo de tecnologia. Diga-se de
passagem, que é uma porção de gente. Contudo tem uma outra porção que não
pode pagar a conta telefônica.
É importante destacar também que, por força da revolução industrial, a
forma de organizar o trabalho mudou completamente nesse novo modo de
produção. O trabalhador passou a ter um espaço diferenciado para desenvolver
suas atividades profissionais, que agora acontece na empresa e não mais no
espaço doméstico. O tempo de quem trabalha nesse sistema também precisou
ser modificado e assimilado: tem horários pré-fixados, rígidos, diferenciados, por
turnos. Dessa forma, um grupo familiar não terá necessariamente o mesmo
horário de trabalho. Conseqüentemente, não terá os mesmos horários para
encontros familiares e/ou de lazer.
Cessada a demanda, esses trabalhadores são descartados. Ver também Paul Singer, 2000, p.
12-13.
34
Ver ANTUNES, 2000, p. 36-40.
35
CASTELLS, 2005.
O tempo livre (de trabalho) - tempo para os vínculos sociais com
familiares e amigos, tempo de estudar, de amar - é ditado pelo horário do
trabalho. O trabalhador só organizará seu dia-a-dia depois de saber qual o seu
horário de trabalho.
Essa forma de organizar o trabalho é totalmente diferente das formas
anteriores e tem como características:
a ) O capital e os instrumentos de trabalho estão nas mãos de uma pessoa
ou de um grupo;
b ) o trabalhador assalariado é detentor tão somente de sua força de
trabalho, a qual vende para aqueles que dispõem do capital e dos instrumentos
para a realização do trabalho. É com a venda da sua força de trabalho que o
trabalhador deverá providenciar o seu sustento e o de sua família, ou seja,
daqueles que dependem do seu salário
36
;
c ) a organização industrial capitalista tem seu referencial básico na fábrica.
Assim, o trabalhador possui um local de trabalho que não é mais o ambiente
familiar;
d ) fala-se agora em mercado, instância que regula as trocas, inclusive a
força de trabalho;
e ) promessa de liberdade individual: o trabalhador não pertence a ninguém,
podendo ir para “onde quiser”. Contudo, o trabalhador precisa ir aonde tem
trabalho. Logo, essa liberdade é aprisionada pelo sistema de oferta de trabalho.
Com a modernização e o avanço das tecnologias, algumas dessas
características sofreram mutações. Contudo, esse sistema mantém-se em sua
estrutura básica: capital e trabalho como forças antagônicas. Ao menos, por
enquanto!
A era da industrialização, que é a passagem do artesanal para o industrial
transferiu a habilidade do artesão para a máquina. Por meio desta, produziu-se
36
Salário é o que o trabalhador recebe em troca de sua força de trabalho, isto é, de sua
capacidade e disponibilidade de trabalho.
com maior rapidez, maior quantidade e menor custo. As conseqüências são:
desemprego; alienação da produção; migração do campo para a cidade, devido
à promessa de emprego; urbanização descontrolada; salários reduzidos e carga
horária aumentada. Isso, sem contar o trabalho infantil, usado como forma de
ajudar o sustento das famílias.
A passagem do século XX para o século XXI é marcada pela pobreza
alarmante, desemprego acentuado e fragilização e/ou temporização dos postos
de trabalho. O desemprego ou a precarização das relações de trabalho tem
transformado a classe trabalhadora em refém de uma sociedade que tem no
descartável uma grande referência: descartam-se embalagens, descartam-se
postos de trabalho, descartam-se sujeitos humanos, descarta-se a humanidade
do sujeito. Imaginemos isso tudo de forma globalizada, rápida e organizada em
rede, que a tecnologia e a informatização possibilitam!
Estamos falando de
povos inteiros, de contingentes humanos descartados, numa dimensão nunca
antes vista na história. José de Souza Martins (1997, p.33), aponta que a
“sociedade moderna está criando uma grande massa de população sobrante,
que tem pouca chance de ser de fato re-incluída nos padrões atuais de
desenvolvimento econômico”.
O momento que vivemos está sendo chamado por alguns autores, de
globalização ou era da informatização: a produção deu um salto para a área do
conhecimento, internacionalizando o capital, a informação e as relações
empresariais. As redes de comunicações articulam a economia do mundo
37
.
Tudo isso tem contribuído para que se aumente a produção de riquezas
com menos custo e em menos tempo. Nunca se produziu tanto como se produz
hoje. Contudo, com a mesma facilidade que se produzem riquezas, produz-se
também a miséria. Em cada momento diferente, seja chamado de “crise” ou de
“mudanças”, o capital se re-organiza, se moderniza e se fortalece. Em
contrapartida, a classe dos que vivem do trabalho enfraquece, se fragiliza e se
37
Para Giddens (1991), o momento que vivemos é caracterizado por um capitalismo de
informação, complexo, globalizado e de alto risco. A globalização descentralizou o poder
internacional, levando-o à fragmentação, sem visualização ou objetificação. O tempo e o lugar
perderam sua centralidade. O poder é volátil, o capital é volátil, a informação é volátil.
desorganiza. Para Antunes (2000, p.104-105), essa reestruturação capitalista
re-direciona o trabalho estável para formas fragilizadas e precárias de relações
entre capital-trabalho (relações terceirizadas, sub-contratos e contratos
temporários).
Para José de Souza Martins (1997, p.35), a sociedade capitalista está se
transformando:
numa sociedade dupla, duas ‘humanidades’ na mesma sociedade. De um lado,
uma humanidade constituída de integrados (ricos e pobres). [...] E uma sub-
humanidade: uma humanidade incorporada através do trabalho precário, no
trambique, no pequeno comércio, no setor de serviços mal pagos ou, até
mesmo, escusos, etc. [...] insuficiências e privações que se desdobram para
fora do econômico.
2.1 TRABALHO: O PÃO NOSSO DE CADA DIA
E o trabalho? - O trabalho? Ah, o trabalho ia muito bem. Mas, para
quem? Para o capital (de ontem e de hoje). Para os trabalhadores, as condições
de trabalho eram muito precárias e desumanas. Isso era (e é!) uma realidade
para toda a sociedade capitalista. Não é algo peculiar ao Brasil.
No início da industrialização, os trabalhadores tinham uma carga horária
elevadíssima: trabalhavam de segunda a sábado, até 15 horas por dia, em
alguns casos, até mesmo aos domingos. O salário era baixo, fazendo com que
todo o grupo familiar tivesse que trabalhar, inclusive crianças (a partir dos sete
anos). E a segurança no trabalho era precária, o que incidia num grande número
de acidentes.
Essa realidade provocou protestos e reivindicações. Começam a surgir
organizações de trabalhadores em busca de seus direitos trabalhistas e sociais.
Em meados de 1917, os operários organizaram a primeira greve em São Paulo.
Durante a greve, José Martinez foi morto. Com a morte desse operário, o
movimento espalhou-se por várias regiões do país, adquirindo um caráter geral.
Foi somente dessa forma que o governo e os empresários começaram a
negociar. Com muita lentidão e sob a idéia de que os problemas sociais eram
“caso de polícia” (segundo o presidente da Primeira República Washington
Luis), os trabalhadores do Brasil começaram a sua organização, forçando
governo e empresários a negociar e a reconhecer alguns direitos trabalhistas e
sociais.
A partir dos anos cinqüenta, com políticas desenvolvimentistas e
populistas, com a chamada divisão internacional do trabalho, com a presença de
empresas multinacionais operando em setores estratégicos da economia, a
burguesia industrial perdeu a soberania na condução do desenvolvimento
nacional e aceitou um papel subalterno. Isto levou o país ao capitalismo
dependente. Esse tipo de desenvolvimento, dependente do capital externo foi
acompanhado de inúmeros financiamentos internacionais. Os anos setenta
foram “anos dos empréstimos” de capital internacional, empréstimos esses que
resultaram no pesadelo do aumento demasiado da dívida externa, agravada
pelo aumento das taxas de juros internacionais.
Essa realidade passou a se complicar à medida que as organizações
financeiras internacionais passaram a exigir planos de estabilização monetária e
reformas no aparelho do Estado, segundo critérios e interesses dos mesmos.
Esta era a forma pela qual países como o Brasil deviam demonstrar “boa
vontade” para saírem da crise. Além disso, poderiam, num futuro próximo,
inserir-se à nova economia globalizada. Evidentemente, que medidas como
essa exigiriam um enorme esforço da população, pois primeiro o bolo deveria
crescer, para que depois pudesse ser repartido. Dessa forma, os trabalhadores
deveriam ter paciência, com a promessa de que todos sairiam ganhando.
Houve muitos ganhos: de capital, para aqueles que já o detinham, e, de
precarização e perdas, para aqueles que não o tinham. Estes repartiram um
bolo que não cresceu: diminuição das indústrias que empregavam mão de obra
massiva, privatização de empresas e serviços públicos, desemprego, cortes nos
investimentos sociais como saúde, moradia, previdência, educação. Segundo
José de Souza Martins (1997, p. 36), “o conjunto da sociedade já não é a
produção, mas a sociedade de consumo e da circulação de mercadorias e
serviços. Portanto, o eixo de seu funcionamento sai da fábrica e vai para o
mercado”.
A nova forma de organização e consolidação do capital foi se constituindo
em torno dos anos 80. É a partir desse momento que surge o conceito de
globalização, para designar esses acontecimentos
38
. “Globalização” vem
substituir conceitos como “internacionalização” e “transnacionalização”. Isto
tudo, porém, não é algo que nasceu da noite para o dia, mas foi se solidificando
e se transformando no decorrer dos anos. A principal ênfase é a
interdependência de povos e países do planeta.
Segundo Paul Singer (2000, p.19) “a globalização é um processo que se
realiza há mais de 50 anos”. O economista citado enfatiza que é uma
“reorganização da divisão internacional do trabalho” (p.21). Pode-se acrescentar
que o lado mais perverso e desumano da globalização é justamente colocar
para todos que “eles podem: basta clicar, acessar, participar”. Contudo, o
sistema capitalista atual, elimina postos de trabalho, deixando à deriva um
contingente enorme de “participantes”. Esse é o lado cruel da economia
capitalista globalizada: o crescimento do desemprego e a precarização do
trabalho
39
.
Do ponto de vista da classe trabalhadora, essa realidade requer uma
organização de trabalhadores, forte e inter-articulada com vários grupos e/ou
categorias: empregados em setores formais e informais, desempregados,
mulheres e jovens (estes dois últimos, por sua vez, ocupam postos de trabalhos
mais precários do que os homens adultos)
40
. Contudo, o temor de perder o
pouco que consegue; a individualização em detrimento do coletivo, a
concorrência acirrada e estimulada (pelo próprio capitalismo de mercado), a
fragilização do trabalho e dos vínculos identitários, comunitários e sociais têm
levado os trabalhadores a acreditar e/ou buscar uma saída individual e
localizada. Os grandes movimentos reivindicatórios na área econômica
perderam espaço. Segundo Touraine (1999), desde os anos 80, os “movimentos
38
SINGER, Paul. 2000,p. 19-22.
39
Ibidem, p. 23-24.
40
ANTUNES, 1997, p. 41-42.
que mais tocaram a opinião pública, por seu conteúdo, e não só por seu
contexto, foram geralmente os movimentos para a defesa dos movimentos
culturais” (p. 69).
Castel, em Metamorfoses da Questão Social, coloca que, atualmente, a
sociedade é cada vez mais uma “sociedade de indivíduos” (1998, p.595). Dessa
forma, os trabalhadores encontram muitas dificuldades em aglutinar-se em torno
de objetivos comuns, dificultando ainda mais as lutas e conquistas por proteções
sociais, já que estas são de cunho coletivo.
2.2 O TRABALHO E O CAPITAL
A sociedade capitalista se caracteriza, fundamentalmente, pela existência
de duas classes sociais. Mas, existem diferenças históricas, sociais e culturais,
próprias de cada época, de cada forma adotada e de cada momento. Porém,
não estou me propondo a discutir a sociedade capitalista, apenas demonstrar
que existem dois atores básicos
41
: a classe dos que possuem e vivem do
capital (e dos meios de produzi-lo) e a classe-que-vive-do-trabalho
42
. São dois
segmentos sociais que se constituem e se diferenciam: de um lado, os
proprietários dos meios de produção, que são também proprietários e
vendedores das mercadorias produzidas. De outro lado, os que estão privados
dos meios de produção e têm como única propriedade, sua força de trabalho, e
41
GUY BAJOIT em aula na Unisinos, (13-14/julho/2005) afirma que existem duas classes sociais
no capitalismo: os donos do capital e dos meios de produção e os donos da força de trabalho.
Embora trabalhe com a idéia que não teremos sociedade sem classes sociais, afirma que
poderemos ter sociedade sem exploração de classes sociais.
42
RICARDO ANTUNES vai chamar a classe trabalhadora de “classe-que-vive-do-trabalho”,
pretendendo dessa forma “enfatizar o sentido atual” desse grupo. Segundo ele, “a expressão
classe-que-vivem-do-trabalho pretende dar contemporaneidade e amplitude ao ser social que
trabalha” (1999, p.101-102).
que vendem como mercadoria. Para falar de classe trabalhadora vou utilizar
como referência Ricardo Antunes (2000, p. 103):
Uma noção ampliada de classe trabalhadora inclui, então, todos
aqueles e aquelas que vendem sua força de trabalho em troca de
salário, incorporando, além do proletariado industrial, dos assalariados
do setor de serviços, também o proletariado rural. [...] Essa noção
incorpora o proletariado precarizado, o subproletariado moderno, part
time, o novo proletariado dos Mc Donalds, os trabalhadores hifenizados
de que falou Beynon, os trabalhadores terceirizados e precarizados
das empresas liofilizadas de que falou Juan José Castillo, os
trabalhadores assalariados da chamada economia informal, [...]
trabalhadores desempregados, expulsos do processo produtivo e de
mercado de trabalho.
Castel assinala que o assalariado “é alguém que não tem nada, que não
tem propriedade, que tem apenas a força de seus braços para vender e que o
faz geralmente de forma frágil e miserável” (2004, p. 242).
Em seu livro, A Condição Humana (1997), Hannah Arendt diferencia dois
conceitos que muitas vezes aparecem como iguais: labor e trabalho: “labor é a
atividade que corresponde ao processo biológico do corpo humano. Tem a ver
com as necessidades vitais produzidas e introduzidas no processo da vida. [...]
Assegura não apenas a sobrevivência do indivíduo, mas a vida da espécie
(p.15-16)”. Por trabalho ela entende a atividade que o homem realiza a partir da
transformação. Para tanto, é necessário utilizar a criatividade, o pensamento, a
aprendizagem: “o trabalho é a atividade correspondente ao artificialismo da
existência humana. [...] Produz um mundo artificial de coisas, diferente de
qualquer ambiente natural. [...] A condição humana do trabalho é a
mundanidade” (p.15). Para Marx (2000), o trabalho é algo desenvolvido pelo ser
humano e serve para este satisfazer suas necessidades.
Guareschi e Grisci (1993, p.47) entendem que podemos compreender o
trabalho como a “ação transformadora, consciente e desejante, que o
trabalhador exerce sobre a natureza, com ou sem o auxílio de uma máquina,
sobressaindo-se à mesma”.
Essa concepção permite-nos construir um referencial para o trabalho
associando a ele, bem estar, prazer, reconhecimento, motivação, criação,
relações de afeto, identidade, projeto de vida
43
. Para Dejours, o trabalho
também está implicado em todas as relações, afetos, expectativas e projetos do
sujeito:
Quando a qualidade do meu trabalho é reconhecida, também meus
esforços, minhas angústias, minhas dúvidas, minhas decepções, meus
desânimos adquirem sentido. Todo esse sofrimento, portanto, não foi
em vão; não somente prestou uma contribuição à organização do
trabalho, mas também fez de mim, em compensação, um sujeito
diferente daquele que eu era antes do reconhecimento. O
reconhecimento do trabalho, ou mesmo da obra, pode depois ser
reconduzido pelo sujeito ao plano da construção de sua identidade (
2000, 34).
Assim sendo, o ser humano tem a necessidade de se constituir a partir de
projetos de vida na relação e inter-relação com outros seres humanos
44
e uma
forma disso se concretizar é nas relações de trabalho.
Se olharmos à nossa volta, é fácil perceber que o mundo se construiu a
partir das transformações daquilo que o homem um dia viu, pensou, planejou e
construiu. Então, falamos em uma sociedade que se estrutura a partir das
relações e constituições do trabalho. Dessa forma, o sujeito que faz parte dessa
sociedade é um sujeito que está imbuído de, entrelaçado, constituído por essas
relações. Essa vivência é realizada com e a partir de outros sujeitos. Construir
uma sociedade com essa realidade só é possível na interação entre sujeitos.
Assim, o homem precisa estar com e entre outros homens para poder dar conta
das atividades e das necessidades, sejam elas da ordem histórica, cultural,
social, física, afetiva, emocional ou psíquica.
Se o trabalho possibilita realizar alguns dos desejos e prazeres humanos,
proporcionando-lhe realizações, expectativas, projetos, cultivando e estimulando
criatividade, aprendizagens, conhecimentos, possibilidades de gerenciarmento
43
CARRETEIRO, trabalha com a perspectiva sartreana de projeto e, segundo ela, Sartre diz ser
o ‘projeto um dos organizadores da existência ao qual o ser humano não pode escapar’(2001,
89).
44
JOSÉ IVO FOLLMANN diz que “os indivíduos tornam-se sujeitos históricos na medida em que
conseguem mobilizar a sua capacidade de conceber e produzir novos projetos, avaliá-los e de
engajarem-se neles ou deles se afastarem. É na concepção de seus projetos pessoais de
existência e no empenho de fazer as ‘costuras’ necessárias que os indivíduos tornam-se estes
sujeitos. Isso não ocorre a não ser na interação com os projetos dos outros e com os projetos
coletivos”(2001, p. 55).
de sua vida e relacionamentos com outros sujeitos, podemos nos perguntar o
que irá acontecer se ele estiver à margem desse processo?
Castel (2000, p. 593-594) aponta que foram necessários muitos e muitos
anos de sofrimentos, organizações, lutas e conquistas para “fixar os
trabalhadores em suas tarefas e nelas conservá-los através de um leque de
vantagens ‘sociais’ que vão qualificar um status constitutivo de identidade
social”. Ele pondera que “é no momento em que a civilização do trabalho parece
impor-se definitivamente sob a hegemonia da condição de assalariado que o
edifício racha”, trazendo novamente a realidade de “viver com o que se ganha
cada dia”. Acrescenta também, que a “sociedade salarial” não está acabada,
não está decretada sua morte, uma vez que inúmeras “profissões liberais
tornam-se cada vez mais profissões assalariadas”. Continuando sua reflexão,
afirma que “a sociedade atual é ainda maciçamente uma sociedade salarial”.
Ricardo Antunes, em seu livro Adeus ao Trabalho (1997), em especial no
capítulo IV - Qual a crise da sociedade do trabalho - entende que o trabalho
ainda é fundamental na sociedade atual, ao contrário daqueles que defendem a
“perda de sua centralidade na sociedade contemporânea”.
2.3 O TRABALHO NA ERA DO DESCARTÁVEL: A VIDA DO SUJEITO
CONTEMPORÂNEO
A modernidade é aplaudida, o ser humano quer ser moderno, o celular
toca, a máquina opera apenas com um toque dos dedos, o outro lado do mundo
pode ser visto e ouvido do banco da praça, os bips dos eletrônicos não dão
descanso, o sujeito corre, os trabalhadores trabalham, as crianças choram. O
mundo se agita e se transforma em um grande shopping center. Além disso,
tudo é muito prático: as garrafas pett deram um alívio aos estoques, as fraldas
descartáveis deram a liberdade para o trabalho feminino, os enlatados
substituíram o almoço demorado e o longo tempo perdido lavando louças. Isso
sem contar as máquinas, amigas e companheiras das donas de casa, digo, das
diaristas! Quanta economia de tempo! E a velocidade das comunicações então?
Hoje tudo, ou quase tudo se resolve ao leve toque de nossos dedos ou ao som
de nossa voz.
Então, os problemas se acabaram? Retornamos finalmente ao Jardim do
Éden? Calma, nem tudo é o que parece ser! E, às vezes, é preciso querer ver.
A sociedade capitalista, tecnológica e informatizada trouxe inúmeros
avanços, abriu inúmeras possibilidades de vida melhor e mais saudável, trouxe
expectativas de curas para problemas graves nas áreas da saúde, viajou pelo
universo a procura de respostas sobre seu início, enfim, trouxe avanços em
diferentes áreas do conhecimento. Houve mudanças profundas com essas
tecnologias: o ser humano foi substituído pela máquina, tanto na produção
quanto na prestação de serviços. É a era da automação, do auto-atendimento,
da máquina inteligente
45
. Com isso, inúmeros trabalhadores tornaram-se
desempregados e outros tantos continuaram sem emprego.
O que diferencia a sociedade capitalista na contemporaneidade é a forma
rápida com que as mudanças acontecem, em especial, nas relações de
trabalho. As pessoas simplesmente vão sendo descartadas. Além de aumentar
o contingente de desempregados, subempregados, aumenta a fragilização nas
relações de trabalho, tornando o emprego extremamente vulnerável. Vive-se um
cotidiano de relações frágeis e muito temor: de um lado, está o empregador
exigindo mais e pagando menos e, de outro, uma legião de trabalhadores em
situação de miséria. É um pouco o que diz o ditado: se correr o bicho pega e se
ficar o bicho come.
Para Guareschi (1999, p. 144), o que está diferente na sociedade, hoje, é
que “as pessoas são simplesmente excluídas do trabalho, excluídas da
produção”. Algumas nem chegam ao mercado de trabalho, embora “sonhem”
com ele. Durante as entrevistas com os associados da Ecos do Verde, foi
45
Ver GUARESCHI, 1999, p. 141-145.
possível perceber que a maioria das pessoas que trabalham lá não teve acesso
a vínculo formal de emprego. Aquelas que tiveram carteira de trabalho assinada
foi por um período mínimo, entre dois e cinco meses. A propósito, Castel (1998,
p. 28), enfatiza que existe um grupo de trabalhadores que nunca encontraram
um lugar na sociedade salarial; “a impossibilidade de conseguir um lugar estável
nas formas dominantes de organização do trabalho e nos modos reconhecidos
de pertencimento comunitário [...] é que ainda constitui os ‘supranumerários’ de
outrora, de ontem e de hoje”.
A organização social atual, além de não ter nenhuma política econômica
e social para aqueles que já estavam à espera de uma “oportunidade”, agrava
ainda mais a situação, ao empurrar para a margem do processo produtivo uma
grande parcela de trabalhadores, oriunda das relações de trabalho que foram
substituídas pela tecnologia. Com isto, agravam-se também as relações e os
vínculos interpessoais.
Os trabalhadores que, no momento, estão desempregados se entreolham
como inimigos uns dos outros, cada qual lutando desesperadamente por um
espaço nesse mercado. Com isso, diminui a possibilidade de se criar em
organizações de trabalhadores que busque novas formas de vivenciar as
relações de trabalho e de se constituir redes de solidariedade que visem o
fortalecimento dessas organizações.
E aqueles que já estavam à margem, continuam lá. Nesse grupo vão se
construindo gerações de seres humanos que estão permanentemente em
situação provisória. Insegurança, medo e vergonha fazem parte de seu dia-a-
dia. Castel (1998) refere-se à condição dessa população como “ser de lugar
nenhum” (p. 120). São “indivíduos que não têm em parte alguma, um lugar na
estrutura social” (p. 136). Quanto a isso, José de Souza Martins também é muito
claro: “a sociedade moderna está criando uma grande massa de população
sobrante, que tem pouca chance de ser de fato re-incluída nos padrões atuais
de desenvolvimento” (1997, p. 33)
46
.
46
Ver também FORRESTER, 1997.
Esses sujeitos que estão sobrando nas relações de trabalho, na sua
maioria, em algum lugar, bem no fundinho de seu ser, mora o desejo de
conseguir “ser alguém na vida”. Mora o desejo de lutar pela vida, pela dignidade,
pelo direito ao trabalho. E, se esses seres ainda têm uma forcinha, uma sobra
de energia, e se encontrarem com outros seres que também têm acesa a chama
do desejo, a chama da teimosia, eles “catam” desesperadamente uma
possibilidade. Às vezes, é nos restos do mundo que eles encontram o que
procuram. É no lixo da sociedade moderna, que surge uma possibilidade de ser
reconhecido como trabalhador, estatuto tão apreciado na sociedade salarial.
E foi assim que surgiu, nos recantos missioneiros, a associação Ecos do
Verde. Inicialmente, o projeto de cada um dos associados era conseguir
emprego! A catação lhes parecia algo que serviria apenas para o imediato, o
provisório, até conseguir algo melhor. O entrevistado T. V. foi um dos oito, que,
entre os nove entrevistados, tinham essa intenção:
Comecei aqui para sair logo. E foi o que aconteceu. Faz dois anos que
eu fui trabalhar em São Leopoldo, de carteira assinada. Era ajudante
na construção civil. Mas quando a obra acabou, mandaram a gente
embora. Nem direito ao seguro-deseprego eu tive. Daí voltei. Vou ficar
por aqui. Está muito dificil achar outro trabalho. Eu só estudei até a 2ª
série do primário. Vou ficar até que der (24/11/2005).
Os trabalhadores da Ecos do Verde também acalentam o sonho do
salário mínimo, carteira assinada, décimo terceiro, férias, salário-família... Eles
almejam tal condição: “eu gostaria de ter carteira assinada, décimo terceiro
salário
47
. Quando chega o Natal, os outros trabalhadores, recebem o salário
dobrado. Nós? Só o mesmo dinheiro no fim do mês” (C.S. 22/11/2005). Para a
L.F., esse desejo é só sonho: “eu até penso em ter carteira assinada. Mas, como
vou ter experiência que as patroas pedem? Sem falar que aqui ninguém quer
saber de minha vida particular. Nos outros lugares, o patrão quer até a ficha
corrida”
48
. Já o T. V., 35 anos, há quatro na Ecos do Verde, ainda sonha com os
direitos que um trabalho formal lhe proporcionaria: “a carteira assinada é que dá
o direito de ter décimo terceiro salário e férias. Aqui a gente ganha quinze dias
47
Ver Juncá 2005, p. 174.
48
Quando fala ficha corrida ela se refere a uma certidão negativa que muitas empresas pedem
que o trabalhador tire junto a polícia civil para verificarem se não há ocorrência policial, onde o
trabalhador seje réu.
de férias. Acho que ia ser legal poder assinar a carteira” (23/11/2005). A maioria
refere-se à carteira assinada como o documento de identidade que lhe daria a
identidade necessária para habitar esse mundo.
Essa experiência chamada “Ecos do Verde” retirou do anonimato os
trabalhadores ora associados, dando-lhes um lugar, ajudando-os a construir
uma nova identidade, ou a fortalecer a que estava fraca. Se inicialmente lhes
interessava o emprego, hoje lhes interessa manter e continuar a construção da
associação. É um projeto de trabalho coletivo que está sendo construído a cada
dia, com o de cada um e de todos.
Convém frisar que empreendimentos desse tipo não devem apresentar-
se como proposta de transformação social. Contudo, sua tarefa é necessária e
fundamental para que esses trabalhadores possam sobreviver nesta sociedade.
Além disso, oportunizam para trabalhadores desprovidos de formação técnica,
política e social a aquisição de novas aprendizagens ou o fortalecimento das já
existentes. O entrevistado M. E. aponta para isso, expressamente: ”Desde que
estou aqui na associação, já participei de vários cursos. Desde como a gente se
apresenta em público até como se organiza em uma associação” (09/11/2005).
Para o entrevistado C. S.:
o mais difícil foi aprender a separar os diferentes materiais para a
reciclagem. Agora parece tão fácil. Garanto que, até a senhora, de
tanto vir aqui e olhar, já aprendeu um pouquinho (risos). Eu fiz
também, outros cursos. Já participei em Porto Alegre de cursos. Tudo
ajuda a gente a trabalhar melhor, até as nossas conversas, (referindo-
se as entrevistas que realizo com eles), sempre se aprende alguma
coisa (09/11/2005).
Apesar das perspectivas de mudanças sociais acerca das relações de
trabalho, o trabalho ainda é fundante para a vida dos sujeitos trabalhadores,
mesmo para aqueles que nunca chegaram a um posto de trabalho formal. O fato
é que o trabalho é um dos “nós” que amarram as costuras/estruturas da vida do
sujeito.
O trabalho inclui tanto a sua sobrevivência física quanto a emocional e
afetiva. A partir deste viés, podemos pensar três costuras fundamentais:
- O trabalho como sustentação/ancoragem econômico-pessoal e também
de colaboração ou sustentação do seu grupo de convivência;
- O trabalho como sustentação/ancoragem social e como contribuinte
fundamental para a formação da identidade pessoal e coletiva;
- O trabalho como sustentação/ancoragem psíquica.
Antunes (1995, p.123), citando Luckács, coloca o trabalho como
“momento fundante da realização do ser social, condição para sua existência; é
o ponto de partida para a humanização do ser social e o motor decisivo
do processo de humanização do homem”. Para Dejours (2000, p. 34-35) o
“trabalho se inscreve na dinâmica da realização do eu”
49
. A partir dessas
colocações, pode-se pensar que o trabalho condensa a realização tanto do
próprio sujeito quanto dele nas relações com os outros. Estando esse sujeito se
construindo e encontrando sentido através das relações de trabalho com e na
relação com outros, posso supor que o trabalho coletivo na Ecos do Verde vem
ao encontro do conjunto de significações que o sujeito humano necessita para
viver com satisfação o seu dia-a-dia.
2.4 O DESEMPREGO COMO MUTILADOR DE RELAÇÕES
Na sociedade capitalista, o emprego/desemprego é um dos definidores
fundamentais da significação social dos seres humanos. Através do emprego, o
trabalhador garante (ou deveria poder garantir) o acesso aos bens, serviços e
relações que necessita para sua sobrevivência.
49
“O trabalho continua sendo uma referência não só economicamente, mas também
psicologicamente, culturalmente e simbolicamente dominante.A vida social não funciona só com
trabalho [...] e é sempre bom ter várias cordas no arco: lazeres, cultura, participação em outras
atividades valorizadoras...[..] porém o que permite esticar o arco e fazer partirem as flechas em
várias direções é uma força extraída do trabalho” (Castel, 1998, p.578).
Para falarmos do desemprego, parece oportuno a diferenciação entre
“emprego” e “trabalho”, bem como, o que significa “ocupação”. Segundo Paul
Singer (2000), esses três termos não significam a mesma coisa, embora tenham
pontos comuns. E essa diferenciação é importante na medida em que este
estudo trabalha com a idéia de que a sociedade em que vivemos estrutura e
organiza a vida dos trabalhadores (empregados ou não), tendo como referencial
o trabalho.
O que é trabalho e seu significado já foi colocado no ponto anterior,
através de autores como Hanna Arendt, 1997; Marx, 2000; Guareschi e Grisci,
1993. Contudo, convém lembrar que o trabalho tem seu referencial básico na
ação humana que transforma a natureza. Essa transformação é realizada a
partir da aprendizagem, reflexão e planejamento.
Emprego, para Singer (2000, p. 12), “implica assalariamento - uma
relação de emprego só existe quando alguém, em geral uma firma, emprego
para alguém”. Segundo o próprio autor, esse “dar” é um engodo, visto que nada
é “dado”, mas é realizado um contrato de compra e venda. Ele enfatiza que o
“emprego resulta de um contrato pelo qual o empregador compra a força de
trabalho ou a capacidade de produzir do empregado”.
Já o significado de “ocupação”, ainda segundo Singer, é “toda a atividade
que proporciona sustento a quem a exerce”. Dessa forma, o emprego
assalariado é apenas um dos tipos de ocupações que os seres humanos
exercem. O que aproxima essas três palavras é que todas trazem em seu bojo a
ação humana. É a ação de realizar a atividade que possibilitará o trabalhador a
desenvolver o trabalho, executar as tarefas do seu emprego ou de sua
ocupação.
Assim, os sujeitos privados da propriedade dos meios de produção são
obrigados a vender a única mercadoria de que dispõem: sua força de trabalho.
O valor da força de trabalho corresponde ao valor dos meios de subsistência
que devem satisfazer as necessidades humanas da família do trabalhador
(alimentação, habitação, educação, saúde, lazer, prazer, etc.).
Como o capital requer cada vez menos trabalhadores na produção de
mercadorias, o aproveitamento da força de trabalho é reduzido drasticamente, o
que ocasiona um aumento do contingente de trabalhadores supérfluos. Isso tem
sido denominado por alguns autores, como Antunes (1999:200), de desemprego
estrutural:
A força humana de trabalho é descartada com a mesma tranqüilidade
com que se descarta uma seringa. Assim faz o capital, e há então uma
massa enorme de trabalhadores e trabalhadoras que já são parte do
desemprego estrutural, são parte do monumental exército industrial de
reserva que se expande em toda parte. Essa tendência tem se
acentuado, em função da vigência do caráter destrutivo da lógica do
capital, muito mais visível nesses 20, 30 anos.
Para os sujeitos humanos, o trabalho é tido como uma das relações
sociais, responsáveis pela construção da identidade e pelo ordenamento dos
vínculos sociais. E, sendo o homem/mulher, um ser que se estrutura nas
relações sociais, os “outros” dessa relação/relações são imprescindíveis para
que o sujeito possa dar continuidade aos seus projetos de vida. Projetos estes
que interdependem das relações grupais. Dessa forma, negar o acesso a uma
das mais importantes formas de interação social, que é o trabalho, dificulta para
esses sujeitos, o acesso a sua rede de relacionamentos.
O desemprego acontece quando um trabalhador não está inserido no
mercado formal de trabalho nem realiza atividades ligadas à dinâmica do
trabalho, que possa dar conta de suas necessidades e expectativas como
sujeito desejante. Numa linguagem marxista, é quando o trabalhador não
encontra para quem vender sua força de trabalho e passa a viver à margem da
produção social das mercadorias.
Robert Castel (2003), Paul Singer (2000), ao falarem de precarização do
trabalho, colocam que na contemporaneidade, os postos de trabalho fixos, ou
duradouros quase não existem mais. Em muitos setores, não há perspectiva de
novas vagas nem de ocupação de todo o tempo do trabalhador. Mudou a forma
de contratação e de efetuação desse contrato: muitos postos são temporários,
outros necessitam de poucas horas de trabalho para sua execução. Outros são
voláteis, circulam pelo mundo, onde houver melhor oferta para o capital. Outros
ainda, simplesmente deixaram de existir. Há muita incerteza quanto à
continuidade do trabalho em várias atividades hoje desenvolvidas. Isso leva a
um estado de medo, ansiedade, temores. É como se todos, num período
próximo, poderiam perder seus empregos.
Segundo Viviane Forrester (1997, p. 64), vive-se uma situação de horror,
uma vez que “o desemprego invade hoje todos os níveis de todas as classes
sociais, acarretando miséria, insegurança”. Castel (2004, p.250) chama isso de
“efeito bumerangue”, destacando que “a precarização do trabalho permite
compreender os processos que alimentam a vulnerabilidade social e produzem,
no final do percurso, o desemprego e desafiliação”. “Desafiliação”, para ele,
significa não pertencer a nenhum grupo social, sendo que o trabalhador poderá
perder sua noção de identidade, de pertencimento. Essa desafiliação está
intimamente ligada ao que ele chama de “supérfluos para a sociedade”, visto
não existir emprego/lugar social para os sujeitos a quem cabe esse predicado
50
.
Como o ser humano interdepende dos outros, o desemprego constitui
uma das formas mais violentas de desumanização, encarceramento e
isolamento da pessoa. José de Souza Martins (1997, p. 32), enfatiza que “o
capitalismo na verdade desenraiza e brutaliza a todos. [...] todos nós, em vários
momentos de nossa vida e de diferentes modos, dolorosos ou não, fomos
desenraizados e excluídos”.
A falta de trabalho (remunerado e reconhecido) causa desestruturação
dos laços sociais do sujeito, acompanhada de desestruturação social e psíquica.
O tempo de desemprego acaba fazendo com que o sujeito não se reconheça
em sua identidade. E então, pergunta a si mesmo: como olhar para seu espelho
e ver o trabalhador que fazia planos, pensava projetos, que tinha
reconhecimento diante dos outros, se o que a imagem me mostra é alguém que
50
CASTEL diz que os “trabalhadores sem trabalho ocupam um lugar de inúteis para o mundo”
(1998, p. 496). FORRESTER também trabalha com essa idéia: “Uma quantidade importante de
seres humanos já não é mais necessária ao pequeno número que molda e detém o poder”
(1997, 27).
está derrotado pela anulação que o desemprego me impõe?
51
Robert Castel diz
que o trabalho é
suporte privilegiado de inscrição na estrutura social. [...] que existe uma
forte correlação entre o lugar ocupado na divisão social do trabalho e a
participação nas redes de sociabilidade e nos sistemas de proteção
que ‘cobrem’ o indivíduo diante dos acasos da existência (2003, p. 24).
O desemprego acarreta graves conseqüências à saúde dos sujeitos e
está associado à ocorrência de distúrbios psicológicos e à baixa na auto-estima,
assim como tem uma relação com a emergência e o agravamento de problemas
sociais, como o aumento da criminalidade e ruptura dos laços sociais.
2.5 PRECARIZAÇÃO DOS VÍNCULOS: OS LAÇOS SE DESENLAÇAM
O trabalho é uma das formas de que o ser humano dispõe para estar
vinculado a um ou mais grupos e o desemprego poderá criar impedimentos para
o cultivo de tais vínculos.
Para falar da fragilidade e até mesmo do rompimento de tais elos,
gostaria de usar uma metáfora. Proponho imaginar o tecer de uma malha de
tricô
52
. São pontos e laçadas que vão sendo realizados com linhas e agulhas, a
partir do conhecimento de quem realiza o trabalho, tendo como finalidade a
confecção de uma peça de vestuário. Uma vez terminada a tarefa e estando a
malha pronta, alguém irá usá-la. Suponhamos que numa das vezes em que
usou a malha, a pessoa tenha arrebentado um dos fios de linha que se
entrelaçam. A partir disso, podemos pensar duas possibilidades: a pessoa
51
REBÉRIOUX (apud: Dejours, 2000, p. 43). “O trabalho continua sendo o único mediador da
realização do ego no campo social, e não se vê atualmente nenhum candidato capaz de
substituí-lo”.
52
Na linguagem de fabricação de vestuário, “tecer uma malha” refere-se a fabricar (manual ou
mecanizada) uma peça de vestuário, sendo que na maioria dos casos trata-se de uma blusa.
consertou a malha, amarrando novamente a linha. Nesta opção, é possível que
fique uma pequena marca. Talvez até se note. Cria uma cicatriz. Contudo, será
possível usá-la, pois ela continuará com as linhas entrelaçadas. A outra
possibilidade é de que a pessoa não consertou a linha que arrebentou e a malha
foi se desenlaçando, soltando os pontos de amarração. Dessa forma, mesmo
que a malha não tenha se desfeito totalmente, perdeu as suas características,
perdeu sua identidade
53
. E quanto mais for usada, sem fazer as amarrações
necessárias, mais descaracterizada e desqualificada se tornará. Algo que tem
como característica ou estrutura constitutiva enlaces e amarrações nas laçadas
de linhas, não sobreviverá, perderá seu sentido de existir. Não será mais uma
malha, não aquecerá, não revestirá o corpo nu. Serão apenas linhas soltas e
laçadas desconexas.
A partir desta metáfora, podemos pensar o trabalhador desempregado.
Se o trabalho é um ponto fundamental de amarração de sua estrutura,
arrebentada essa possibilidade e sem condições de refazer os enlaces e as
amarrações, o sujeito trabalhador, de certa forma, também se rompe. Wickert
diz que a “vivência de desemprego acarreta um rompimento dos traços
identificatórios e estruturantes da identidade do trabalhador que, quando não
substituídos por outras formas de exercício da subjetividade, traduz-se em
sofrimento psíquico” (1999, p.70).
Chauí, Marx e Lafargue consideravam que o trabalho, em si mesmo, é
uma das dimensões da vida humana que revela nossa humanidade, pois é por
ele que dominamos as forças da natureza, é por ele que satisfazemos nossas
necessidades vitais básicas e é nele que exteriorizamos nossa capacidade
inventiva e criadora (1999, p. 33).
Através do trabalho, o homem se constrói na inter-relação com os outros.
Esses relacionamentos fundamentam a vivência e as perspectivas futuras.
Ajudam a construir o sentido da vida. Quando o sujeito é impedido de trabalhar,
é impedido também de pertencer a um determinado grupo social. Além disso,
53
MELUCCI diz que “Podemos falar de identidade a propósito de um indivíduo ou de um grupo.
Porém em ambos os casos, referimo-nos a estas três características: continuidade do sujeito,
independente das variações no tempo e das adaptações ao ambiente; delimitação desse sujeito
em relação aos outros; e capacidade de reconhecer-se e ser reconhecido”(2004, p. 44).
dificulta-se a construção de outros vínculos, pois lhe falta o que a sociedade
considera fundamental: ter e se manter através do trabalho de suas próprias
mãos. Estar desempregado significa que uma das linhas (que teceram a malha
de tricô) se rompeu e a malha começa a se desestruturar. Começa a perder
pontos. Desfazem-se laçadas. Segundo Serge Paugam (2003, p. 39), “os
indivíduos que passam pela experiência da ruptura conhecem um acúmulo de
dificuldades: afastamento do mercado de trabalho, problemas de saúde, falta de
moradia, perdas de contatos com a família, etc. ”.
Se o trabalho proporciona as relações entre as pessoas e a construção
de um projeto que dê sentido à vida, o desemprego leva ao isolamento, à perda
do projeto e do sentido da vida. Castel (2004, p.19) enfatiza que “desempregado
de longa duração, perdeu seu emprego e se isolou na esfera doméstica. [...] Sua
existência está de tal forma privada, que está privada também de qualquer
sentido ou projeto”. Embora, inicialmente, o grupo dê sustentação ao sujeito
desempregado, com o passar do tempo, acontece um afastamento tanto de
parte do grupo de relações comunitárias e, às vezes, do grupo familiar, como de
parte do desempregado. Com isso, os vínculos começam a enfraquecer e
aumenta paulatinamente a dificuldade do sujeito em refazer-se. Paugam coloca
que “o risco do enfraquecimento dos vínculos sociais é proporcional às
dificuldades encontradas no mercado de trabalho” (2003, p. 73). Isto é mais
difícil quando os trabalhadores que perderam o posto de trabalho interpretam
esses acontecimentos como um fracasso profissional pessoal, sem que possam
esconder a incompetência atribuída a si mesmos. Desse sentimento ao
isolamento, é uma questão de tempo. Isolado por vontade própria, o sujeito
perde os motivos e os sentidos do existir. De acordo com Melucci, “quando a
relação estrutura a identidade, as falhas relacionais estão na base de sua
desestruturação” (2004, p. 45).
Dessa forma, a fragilização ou enfraquecimento dos vínculos sociais,
familiares e comunitários, que davam sustentação ao trabalhador, deixa esse
trabalhador solto, como as laçadas da malha de tricô ou como um barco à deriva
54
. Para Paugam,
a desclassificação social é uma experiência humilhante, ela
desestabiliza as relações com o outro, levando o indivíduo a fechar-se
sobre si mesmo. Mesmo as relações no seio da comunidade familiar
podem ser afetadas, pois é difícil para alguns admitir que não estejam
à altura das pessoas que o cercam. [...] à desclassificação profissional
soma-se uma desintegração familiar que aprofunda o sentimento de
culpa” (2001, p. 74).
Além de dificultar as relações, pois obriga ao distanciamento social,
expresso na diminuição da freqüência em encontros sociais, gerado pela
necessidade de redução nos gastos e pela impossibilidade de estar na
dependência do grupo, a condição de estar desempregado faz emergir
sentimentos como a falta de confiança, a perda da estima e o desespero diante
das tentativas frustradas de reingresso no mercado de trabalho. Se o
trabalhador não puder contar com um grupo que o acolha e ajude a se
fortalecer, desenvolverá um sentimento de inutilidade diante do mundo.
Segundo Paugam, essas pessoas “perderam o sentido de suas vidas” (1999, p.
51). Não ter sentido para a vida é não ter direção, não saber para onde ir ou não
ter para onde ir. Neste caso, é grande a probabilidade do desempregado de
isolar-se em um “canto” de sua casa. Pode-se pensar que esse
isolamento/afastamento do convívio social é o último recurso antes da procura
andarilha
55
. É também acentuada a possibilidade do desempregado tornar-se
um andarilho, que anda infinitamente pelas estradas, pelas ruas, pelas praças.
Castel (2003) refere-se aos andarilhos e vagabundos que são citados por
autores que retratam a história do século XVII, como sujeitos que passaram por
um “processo de desfiliação, alimentado na origem pela precariedade da relação
com o trabalho e pela fragilidade das redes de sociabilidade” (p.128). A maioria
dos sujeitos, rotulados dessa forma, eram “pobres coitados levados a tal
situação pela miséria e pelo isolamento social, pela falta de trabalho e pela
ausência de suportes relacionais”(p.139).
Com relação ao isolamento do desempregado, Paugam coloca que
54
Ver Castel, 1998, p.24.
55
Para Mario Corso, “os andarilhos estão na rua em busca de um sentido. A procura de algo ou
alguém e a sua forma de procurar é andando” (2000:75)
com a perda do emprego, o operário não perde somente o seu salário,
mas também seu status de trabalhador, a maneira como organiza o
tempo e o espaço, a sociabilidade nos cafés, suas relações com os
companheiros no fim do dia. Então ele se vê ameaçado de isolar-se no
ambiente familiar, em sua casa. O recuo em direção às esferas das
relações domésticas é uma forma de escapar do olhar dos outros. O
medo e a culpa o obrigam a se esconder , a se refugiar entre as
paredes de um espaço privado (2003, p.36).
O sujeito não anda só enquanto ele pertencer a um grupo, enquanto ele
tiver braços que lhe abracem e laços que lhe enlacem.
3 – O SER HUMANO COMO SER DE PROJETO
“O homem é, antes de mais nada,
aquilo que se projeta num futuro”
(Sartre, 1984, p.6)
O ser humano, para tornar-se “alguém”, para construir-se como sujeito,
precisa do olhar do “outro”. É esse olhar que o define. É esse outro, ou esses
outros que irão dar forma, delinear um corpo, inscrever esse “ser” na cultura.
Antes e fora dessa inscrição, o filhote humano é apenas um “amontoado de
carne, ossos, nervos, sangue”. Segundo Esteban Levin (1997, 30), “é o outro
que, ao inscrever uma letra, configura uma imagem do corpo e do movimento de
um sujeito. Esta marca simbólica no corpo introduz um destino e institui um
sujeito”. É preciso investir a criança de desejo, afeto, expectativas, projeto.
Quando nasce, a criança é um projeto dos pais, do grupo de acolhimento, da
comunidade. Recebe dos adultos - responsáveis pelo seu acolhimento, cuidado
e crescimento - uma expectativa para o “futuro”. Uma espécie de projeto inicial
56
. Assim entendido, o ser humano se constitui como sujeito na sua relação com
o outro (GUARESCHI, 1999; CARRETEIRO, 2001; BOCK , 2002).
56
Para Erikson, (apud POURTOIS & DESMET, 1999, p. 57) “O eu só se constitui no seio das
interações sociais”.
Follmann contempla essa idéia ao construir seu conceito de identidade.
Para ele, a identidade é constituída de quatro dimensões: projeto, motivos,
práticas e o vivido. O conceito elaborado por ele, abarca o sentido de ser
humano e de projeto de vida humana que este escrito trabalha:
identidade é o conjunto, em processo, de traços resultantes da
interação entre os sujeitos, diferenciando-se e considerados diferentes
uns dos outros ou assemelhando-se e considerados semelhantes uns
dos outros, e carregando em si as trajetórias vividas por estes sujeitos,
em nível individual e coletivo e na interação entre os dois, os motivos
pelos quais eles são movidos (as suas maneiras de agir, a intensidade
da adesão e o senso estratégico de que são portadores) em função de
seus diferentes projetos, individuais e coletivos (2001, p.59).
O homem é um “ser de projeto” desde que nasce, pois depende dos
cuidados de terceiros e é fruto de seus projetos, ao menos até poder dar conta
de si mesmo. Contudo, esse “si mesmo” é sempre “com e para os outros”.
Sartre assinala que “quando dizemos que o homem é responsável por si
mesmo, não queremos dizer que o homem é apenas responsável pela sua
estrita individualidade, mas que ele é responsável por todos os homens” (1984,
p.6).
Ao nascer um bebê, alguém pensa, projeta algo sobre ele. Diante disso,
é possível ser constituída a articulação de um projeto de vida ou de morte, de
criação ou construção, de abandono ou destruição. Isso faz parte do script inicial
e é pensado por outros, pois o ser humano quando nasce, não está em
condições de propor nada. No início, alguém “fala” por ele
57
. Sartre ressalta que
o “outro é indispensável à minha existência tanto quanto, aliás, ao conhecimento
que tenho de mim mesmo” (1984,p.16).
Embora, tanto o homem como os animais realizam determinadas
atividades tendo em vista a sua sobrevivência, apenas o homem consegue
realizar essas atividades de forma pensada, articulada, planejada e projetada.
Para Follmann (2001, p. 56) o “ser humano é um ser de projeto”. Ele destaca
que o projeto,
57
Esteban Levin, 1997, p. 34-35.
dentro da experiência de fragmentação que é a experiência diária dos
indivíduos em sociedade, nada mais é que a tentativa permanente de
dar sentido e coerência à sua existência em interação com a
complexidade plural que os envolve e atravessa.
Sartre também contribui para delinear a questão do projeto, neste estudo.
Ele trabalha com a idéia do ser como alguém que se constitui a partir de
projetos e que é o projeto/os projetos que irão direcionar o ser constantemente
para o futuro. Para Sartre, (apud CARRETEIRO, 1989, p.88-89) o projeto está
sempre sendo construído e a transcendência é constantemente reafirmada.
Segundo ele, qualquer ato humano está inscrito num projeto, implícito ou
explícito e é através do projeto/dos projetos que o ser humano organiza sua
vida.
O projeto é como um “molde” daquilo que será costurado em vista do
objetivo ou dos objetivos. Contudo, não é algo acabado. Há sempre uma
margem de mudança que poderá ser da estrutura do projeto, do desejo, dos
afetos ou da particularidade do próprio sujeito.
Ao iniciarem suas atividades como catadores na Ecos do Verde, oito dos
nove entrevistados, colocaram que fazer parte da associação e ser catador de
materiais recicláveis não era o projeto de vida que eles tinham se proposto. A
idéia inicial era ficar na Ecos até conseguirem “coisa melhor”. Esses eram os
projetos pessoais quando os associados constituíram o projeto coletivo.
Segundo colocações dos entrevistados, algumas coisas contribuíram
decisivamente para que eles assumissem a associação e o trabalho de catação:
dificuldade de conseguir um outro trabalho, principalmente um emprego que
oportunizasse a carteira assinada
58
; necessidades econômicas urgentes (fome);
falta de qualificação profissional; falta de experiência; discriminação social
devido ao bairro em que moram.
A Ecos do Verde possibilitou aos seus associados a re-elaboração e
construção de seus projetos pessoais. Embora três dos nove entrevistados
ainda sonhem com outro emprego e com carteira assinada, é na Ecos do Verde
58
Todos os trabalhadores entrevistados dizem que gostariam de possuir carteira assinada. Tal
desejo é devido aos direitos trabalhistas que são oriundos desse vínculo. Além disso, acreditam
que a carteira assinada é um documento que prova serem trabalhadores.
que seus projetos se realizam. Contudo, percebe-se que a sociedade salarial
ainda é referência de trabalho e participação social.
Durante a escuta de alguns dos entrevistados da Ecos do Verde, percebi
que a pobreza não possibilita projetos a longo prazo. A precariedade de suas
condições de trabalho, somada às necessidades básicas urgentes, permite-lhes
apenas pequenos projetos ou, como disse A. S., 19 anos, há quatro na Ecos do
Verde, “nós pobre, só podemos sonhar pequeno. Não adianta sonhar o que as
pernas não podem dar. A gente sonha em ter uma casinha, pagar as contas,
comer e, quem sabe, comprar uma roupinha para os filhos da gente”
(01/11/2005). Um outro entrevistado, C.S., 29 anos, casado, dois filhos, está há
8 anos na Ecos do Verde, deixa claro seus projetos, desde que chegou para
fazer parte da associação:
Eu comecei loguinho depois da fundação. Vim por falta de trabalho.
Desde pequeno queria ser motorista. Nunca tive chance de estudar.
Aliás, chance eu tive, mas eu não gostava da escola. O que fazer lá?
Bem, depois comecei a fazer bicos na construção civil. Aí, quando
fiquei um rapaz, pensei que eu queria trabalhar de carteira assinada.
Foi outro sonho que durou dois meses. Sabe, que até hoje só tive dois
meses de carteira assinada? Quando vim parar aqui, pensei comigo
mesmo: só até arrumar coisa melhor: carteira assinada, décimo
terceiro, férias pagas, previdência, enfim ser um trabalhador de
verdade. Mas, eu fui ficando. Era difícil realizar meu sonho, ou projeto
como a senhora fala. Então resolvi que o meu projeto... (risos). Viu,
tenho facilidade para aprender a falar... (risadas devido a utilização da
linguagem da psicóloga) então que o meu projeto foi ficar por aqui
mesmo. E já faz oito anos. Durante esse tempo consegui comprar
minha casinha. Até que é bem grande. E fiz vários cursos aqui mesmo
(28/10/2005).
O entrevistado C. S. tem muita facilidade de comunicação e é bem
humorado. Já participou de cargos na coordenação dos trabalhos na usina e
também na diretoria da associação:
Eu sou uma pessoa simples, mas esperta. É só me ensinarem, que eu
aprendo logo. Talvez por isso sempre participo dos cursos e dos
encontros que interessam para nós. Já fui até em Porto Alegre, em
uma visita aos catadores de lá. Olhando o jeito deles, acho que o
nosso é bem melhor. Aqui, todos trabalham juntos. No final do mês nós
dividimos tudo. Até as despesas (risos) a gente divide. Isso é que nos
deixa satisfeito. Se um dia, alguém de nós não pode trabalhar com
força porque está tendo algum problema, o companheiro ajuda e nós
ficamos nas mesmas condições. Isso é pensar junto e fazer junto, não
é (28/10/2005)?
A fala de G.L., 36 anos, separada, mãe de quatro filhos, oriunda do meio
rural, e que veio para a cidade à procura de melhores condições de vida, traduz
o quanto a Ecos possibilitou a re-organização de sua vida e lhe deu novas
perspectivas:
Na colônia não deu mais para ficar. Meu pai alugava umas terrinhas. A
gente plantava milho, feijão, mandioca, batata doce. Coisa para comer.
E eram cinco filhos. Depois meus pais faleceram. Eu ainda era uma
mocinha. As pessoas disseram para eu dar as crianças pequenas. Eu
era a mais velha e tive pena de dar meus irmãos. Então vim para a
cidade. Me juntei com o pai de meus filhos e trabalhei como doméstica
para criar meus irmãos. Mas, o serviço de doméstica é brabo. A gente
agüenta muitas coisas e ainda é explorada. Eu queria arrumar outra
coisa, essa vida não servia para mim (17/10/2005).
Ao ser indagada sobre sua entrada na Ecos do Verde, G.L. falou o
seguinte:
Eu fiquei sabendo por um vizinho que iam inscrever gente na
cooperativa. Eu vim, me inscrevi e depois de cinco dias, eles me
chamaram. Eu gostei de ficar aqui. As pessoas se ajudam. Quando
falta alguma coisa, por exemplo, gás ou comida, a gente consegue um
vale. Aliás, depois que eu comecei aqui, posso fazer compras no
mercado com vale que a associação dá. Eles aceitam porque tem
crédito. E se a associação tem crédito a gente também tem. Às vezes
eu penso que trabalhar de carteira assinada talvez fosse melhor. Mas
quando eu penso mesmo, aí eu vejo que não. Aqui nós temos nossa
liberdade. E todos trabalham juntos. Todos têm que saber o que fazer,
pois tudo é nosso. Agora o que eu quero para o ano que vem, é
melhorar minha casa. Ela tá muito ruim. Falta um quarto. E chove
dentro. Mas eu vou lutar e vou conseguir. Quando saio daqui, eu cato
materiais, no fim de semana também. Durante o almoço, eu também
cato no lixão. Tudo isso aumenta os ganhos da gente. Mas o meu
projeto é ficar aqui. Está melhor que antes (17/10/2005).
Nas falas dos entrevistados está sempre presente um projeto de vida, um
objetivo pelo qual o sujeito se propõe a continuar vivendo. As histórias que
foram contadas, sejam vividas ou sonhadas, surgiram de muitas lutas.
Poderíamos pensar que os catadores da Ecos do Verde são grandes guerreiros.
Guerreiros contra a fome, a miséria, a falta de moradia, a falta de trabalho. Só
mesmo a solidariedade de seus iguais, para fortalecer seus projetos! É preciso
juntar os trapos, costurar os retalhos para cobrir a vida nua de condições sócio-
econômicas. Linhas para as costuras, agulhas para os enlaces, retalhos para
compor a colcha e muitas mãos que se abraçam: para os pobres, as relações
entre eles é que lhes sustentam o corpo, os sonhos, a realidade, o trabalho, a
comida, a casa. Para Fernandez (2003, p.33), o sujeito poderá ser pensado
como uma “síntese criativa de uma trama complexa de fios que vêm de dentro e
de fora e que surgem da própria interação desses dois âmbitos”.
É desse “alinhavar” o seu estar no mundo que o sujeito poderá articular a
construção de sua vida e as conexões necessárias ao seu bem estar
59
.
Segundo Carreteiro (2001, p. 91), “o sujeito é criador de projetos. [...] Participar
de projetos, imaginá-los, sonhá-los, realizá-los, elaborá-los, destruí-los,
abandoná-los, representa laborar na construção da civilização”. Do mesmo
modo, Follmann (2001), sustenta:
uma identidade pode ser concebida como um processo resultante de
uma construção social, de uma construção pessoal e de uma
construção na interação do nível pessoal com o social, sendo assim,
ao mesmo tempo, algo proposto socialmente e algo reivindicado
pessoalmente... (...) Uma construção realizada tanto para outrem como
para si mesmo, tendo por resultado sempre uma “costura”, de uma
parte, entre o que é “herdado” e o que é “almejado” e, de outra parte,
entre o que é “atribuído” e o que é “assumido” (2001, p. 59).
Os projetos dos seres humanos são construídos e vivenciados tanto no
nível pessoal como no coletivo. E cada uma dessas dimensões vai possibilitar e
fortalecer a outra. Há uma inter-relação e interdependência. O sujeito não
deverá ser pensado apenas pelo viés histórico-social-cultural, sem levar em
conta a sua construção psíquica, emocional e afetiva. Embora pensemos que,
como ser grupal ele carrega as marcas do seu grupo de pertencimento, o qual
está inserido num contexto social, existem traços que fazem parte de sua
condição de ser “único” na relação com seu grupo de acolhimento. Um outro
sujeito nesse mesmo grupo, é sempre um outro sujeito. Assim, existe algo que é
exclusivo de um determinado alguém e que marcará seu estar no mundo de
forma diferenciada dos outros. Melucci destaca que “a identidade define,
portanto, nossa capacidade de falar e de agir, diferenciando-nos dos outros e
permanecendo nós mesmos” (2004, p.45).
Contudo, o projeto pessoal, no qual está implicada a identidade, só é
possível à medida que o sujeito se relaciona com outros sujeitos e, ao mesmo
tempo, se diferencia destes. O outro é como um espelho para o eu. O olhar do
outro retribui para o eu a sua imagem, possibilitando-lhe construí-la, modificá-la,
59
SARTRE (1984, 2002), MELUCCI (2004).
questioná-la. Este, porém, não pode deixar-se apreender pela imagem estática
que este vê refletida. É imagem e não o eu próprio.
Segundo Follmann,
os indivíduos tornam-se sujeitos históricos na medida em que
conseguem mobilizar a sua capacidade de conceber e produzir
projetos, de avaliá-los e de engajarem-se neles ou afastarem-se deles.
É na concepção de seus projetos pessoais de existência e no
empenho de fazer as ‘costuras’ necessárias que os indivíduos tornam-
se esses sujeitos. Isso não ocorre a não ser em interação com os
projetos dos outros e com os projetos coletivos (2001, p. 55).
O pensamento sartreano trabalha com a idéia da mediação. Cada um é
mediador e mediado. Assim, cada sujeito se sustenta a partir de um terceiro
60
.
Isto de certa forma se aproxima do pensamento freudiano. Para Freud (1996), a
relação entre a mãe e seu bebê é uma relação dual. O bebê não poderá
constituir-se como um ser diferente da mãe, se não tiver um outro que corte
esse olhar que é de completude. Um se espelha e se completa no olhar do
outro. É preciso um terceiro, um mediador nessa relação para que os envolvidos
possam ir para além da relação pessoal e se abrir para a cultura
61
. Sartre
(2002, p. 474-480) também argumenta nesse sentido: “no grupo as relações são
ternárias e não binárias (eu-tu), pois entre o indivíduo e o grupo, há sempre um
terceiro. [...] Todos os membros do grupo são terceiras pessoas”.
No projeto coletivo, a figura do mediador também é fundamental. Cada
participante do grupo é um mediador nas relações entre seus pares. E o grupo é
a mediação entre essas mediações (SARTRE, 2002, p. 473-474).
A Ecos do Verde é o coletivo que faz a mediação entre os diferentes
projetos pessoais para que os seus associados possam caminhar em busca de
um mesmo objetivo. Ao construírem um projeto de trabalho coletivo, os
trabalhadores da Ecos do Verde têm a tarefa de costurar os projetos individuais
ao projeto cooperativo/coletivo. Tal empreendimento não é simples e nem de
fácil construção. É um pouco semelhante ao dilema dos porcos espinhos, de
Schoppenhauer: é necessário perceber a distância adequada dos porcos para
que um não violente ou oprima o outro e, ao mesmo tempo, possam aquecer-se
60
Ver SARTRE, 2002, p.474-478.
61
Ver LEVIN, 1998, p 35-80.
e não morrerem de frio. Follmann coloca que “o engajamento em projetos
coletivos, [...] pode facilitar a realização dos projetos individuais” (2001, p. 56).
Para Carreteiro (2001, p. 88),
o ser humano é essencialmente social, pois, como nos diz Freud, ele
está sempre participando de grupos, coletivos, associações e
instituições. Estes produzem ideais, desejos, sistema de valores e de
normas que atravessam os sujeitos, e se transformam muitas vezes
em projeto a serem alcançados.
O empreendimento desse grupo de trabalhadores que utilizam como
matéria prima de seu trabalho objetos e/ou produtos que são jogados fora pela
sociedade, fortalece-se justamente pelo fato de eles estarem conseguindo fazê-
lo de forma coletiva, pelo fato de cada associado servir de sustentação, de
apoio, de muleta para o outro. Os projetos que cada sujeito tem em relação a si
mesmo, em relação ao seu grupo de convivência, em relação ao grupo de
trabalho, em relação à sociedade, estão enlaçados entre si. O depoimento de
um dos entrevistados associados sugere que o seu projeto pessoal é amparado
pelo projeto coletivo. Associado há mais ou menos dois anos, L.M. tem 21 anos,
casado, com um filho. Veio trabalhar na Ecos por não ter conseguido “achar”
trabalho. Sua escolaridade é a 7ª série do 1º grau, e não tem nenhuma
qualificação profissional. Muito alegre e receptivo nas entrevistas, ao ser
perguntado se gostaria de participar da pesquisa, respondeu que “até é bom
conversar com a psicóloga” (26/10/2005). Segundo ele, a maior dificuldade que
encontrou quando chegou na Ecos foi “aprender a separar os materiais segundo
critério de venda” (26/10/2005). Perguntado sobre seus planos, apresenta seu
projeto para o mais breve possível: “meu sonho é ter uma casa minha. Gostaria
de meu canto. Mas acho que só trabalhando aqui não vou conseguir. Tinha que
pensar algo no grupo para que a gente possa adquirir uma casa” (31/10/2005).
Perguntado se ele teria uma sugestão para o grupo, ele respondeu: “Cá entre
nós, se a gente fez um grupo para trabalhar, não poderia fazer para morar?
Existe uma cooperativa de moradia, não é? Mas, por enquanto vamos continuar
sonhando, quem sabe um dia” (31/12/2005)! Juncá realizou uma pesquisa com
catadores, por ocasião de seu doutorado em Saúde Pública, na qual ela destaca
que “se no início o que definia a ida para o lixo era a questão da sobrevivência,
agora alguns projetos de vida estavam sendo construídos” (2005, p. 182).
A precariedade das relações de trabalho e a falta de políticas
habitacionais fazem com que os projetos desses trabalhadores sejam frágeis,
com poucas expectativas, beirando a desistência. É preciso muita coragem para
continuarem acreditando em uma vida digna, a partir do que a vida lhes está a
oferecer. É como eles dizem: “é difícil, mas não podemos esmorecer”.
Os muitos “eus” que estão associados e que se tornaram esse “nós”, o
qual não pode esmorecer, é o que lhes possibilita “continuar sonhando”. Esse
“nós não podemos esmorecer” é a forma que encontraram para constituir seus
projetos pessoais e coletivos. Mais do que isso: é a forma pela qual adquirem
uma identidade que lhes dá o reconhecimento social. Tal reconhecimento por
parte do “outro” permite que esses sujeitos possam continuar lutando. Ora, o
catador que é reconhecido como alguém que faz parte da Ecos do Verde é um
catador que tem referências, que tem vínculos, que tem projetos!
A Ecos do Verde possibilita essa construção: um projeto maior, um pano
de fundo, construído com retalhos e fragmentos de projetos de todas aquelas e
aqueles que constituem seu conjunto: é uma bela colcha de retalhos que tem o
objetivo de construir um coletivo de trabalho e de relações de trabalho que
visam ao bem estar de todos. Coletivo este, sempre em construção. Para
Melucci (2001, p.69):
O processo de construção, manutenção, adaptação de uma identidade
coletiva tem sempre dois ângulos: de um lado a complexidade interna
de um ator, a pluralidade de orientações que o caracteriza; de outro, a
sua relação com o ambiente (outros atores, oportunidades/vínculos).
A Ecos do Verde constitui-se um dos projetos fundamentais da vida de
seus associados, já que vivemos em uma sociedade em que o trabalho é um
dos pontos de apoio da estrutura na qual o sujeito se constitui. Lukács (apud
ANTUNES 1997, p.123) considera o trabalho como “momento fundante de
realização do ser social, condição para sua existência; é o ponto de partida para
humanização do ser social e o ‘motor decisivo do processo de humanização do
homem’”.
3.1 O GRUPO COMO ANCORADOURO
O ser humano precisa de outros seres humanos não só para nascer, mas
também para ter continuidade como vivente
62
. Dessa forma, podemos entendê-
lo como um ser essencialmente grupal. O grupo de acolhimento e de
convivência é o que dá a sustentação para que um nascituro possa constituir-se
como sujeito e ancorar seu projeto de vida.
Inicialmente, o grupo de acolhimento (família) é responsável pelos
cuidados com o nascimento, saúde, higiene, etc. A seguir, as preocupações
com o andar, com a fala, com as sociabilidades. Muitas vezes, o grupo de
acolhimento recebe (e necessita) ajuda de outros grupos (parentes, vizinhos,
comunidade) para dar conta dessas responsabilidades. Posteriormente, vêm as
preocupações com as aprendizagens escolares. Nesse momento, ao grupo de
acolhimento e também de outros já mencionados, acrescenta-se o grupo
escolar. A escola é responsável pelas aprendizagens ditas “formais”, pela
sociabilização social para além da comunidade, etc.
Todas as dimensões da vida humana estão implicadas na inter-relação
com outros seres humanos. A vida humana só poderá ser humana quando
vivenciada em grupo. E no decorrer da vida, existem vários e diferentes grupos
de pertencimento e formadores de identidades. Para Marília Veronese (2004,
p.96) “somos um eu, mas irremediavelmente ligados ao outro”. Compreendemos
que o ser humano não poderá viver só e estará, desde a tenra idade, em
companhia de outros. Trata-se de uma relação de reciprocidade, que é
fundamental para a constituição do ser. A dimensão que o grupo tem na vida de
um sujeito está contemplada em Sartre (2002, p.475), segundo o qual, o “grupo
é mediação”. Mediação é interceder entre um e outro associado, entre um e
outro projeto e criar as condições necessárias para se construir o projeto
coletivo. Isso acontece numa dialética em que os projetos individuais podem
62
LEVIN, 1997, p.43, diz que “quando uma criança nasce, ainda não há sujeito [...]. O momento
do parto não coincide com o advir de um sujeito”.
contribuir para a construção do projeto coletivo e este pode dar a sua
contribuição e sustentação para os projetos pessoais. Sartre sustenta que um
grupo irá constituir-se
a partir de uma necessidade ou perigo comum e define-se pelo objetivo
comum que determina sua práxis comum; mas, a necessidade comum,
a práxis comum, tampouco o objetivo comum, não poderão definir uma
comunidade se esta não se fizer comunidade, experimentando como
comum a necessidade individual e projetando-se na unificação interna
de uma integração comum em direção a objetivos que ela produz
como comuns (2002, p.452).
O pensamento sartreano trás um alerta sobre o cuidado que o grupo deve
ter para impedir a serialização
63
. Para Sartre (2002, p. 361-364), a série é uma
forma de organização que nega a reciprocidade. Os sujeitos estão reunidos em
torno de algo que lhes é comum, contudo, é exterior a eles. Agindo como série,
os sujeitos deixam de ser grupo. Para Enriquez (1994, p. 56), o que favorece o
vínculo grupal, o que os diferencia enquanto grupo de um amontoado de
pessoas é “a necessidade de um projeto comum”. [...] um grupo só se constitui
em torno de uma ação a realizar, de um projeto ou de uma tarefa a cumprir”.
O grupo trabalha com a reciprocidade e a busca constante da totalização.
Totalização é diferente de totalidade. Totalidade é algo acabado, e totalização é
construção, é vir a ser. Dessa forma, podemos pensar o projeto coletivo da Ecos
do Verde como um “vir a ser” constante, criando possibilidades de que os seus
associados possam construir projetos pessoais, a partir dessa forma coletiva de
trabalho. Guareschi assinala que “o que faz um grupo ser grupo são as relações
que nele se estabelecem” (1999, p. 142).
Sendo a Ecos do Verde um grupo de trabalho coletivizado
64
, interessa a
este estudo a idéia de Follmann (2001) a respeito da relação entre projeto e
identidade. Ele argumenta que o projeto/projetos do sujeito é constituinte de sua
identidade. Valendo-se dessa construção teórica, pode-se dizer que a Ecos do
Verde fornece um suporte importante para o sujeito catador construir sua
63
SARTRE utiliza o exemplo da fila do ônibus para apresentar sua idéia de serialidade (2002, p.
361-364).
64
RIVIERE, Pichon (1998, p. 234) Grupo como o conjunto restrito de pessoas, ligadas entre si
por constantes de tempo e espaço, e articuladas por sua mútua representação interna, que se
propõe, de forma explícita ou implícita, uma tarefa que constitui sua finalidade.
identidade: ele deixa de ser “lixeiro” e passa a constituir-se como trabalhador,
sendo, muitas vezes, referido como colaborador da reciclagem e/ou defensor da
ecologia. Como escreve Dejours, o “reconhecimento do trabalho, ou mesmo da
obra, pode ser reconduzido pelo sujeito ao plano da construção de sua
identidade” (2000, p.34).
Usando a construção de identidade de Follmann (2001, p.59) podemos
compreender a Ecos do Verde como um grupo que está em permanente
construção de um projeto coletivo, que possibilita aos seus associados constituir
também seus projetos pessoais. Essas articulações possibilitam que os sujeitos,
tanto em sua condição pessoal quanto na condição coletiva, possam construir
suas identidades. Neste caso, o que possibilitou às pessoas em questão
constituírem a Ecos do Verde como projeto coletivo foi justamente a condição de
obterem trabalho e renda a partir de um grupo de trabalho. Dessa forma, a Ecos
do Verde possibilita a sustentação dos projetos pessoais e coletivos desse
grupo.
Assim, a Ecos do Verde constitui uma identidade coletiva para os seus
associados, a partir das experiências projetadas e/ou vividas por cada um e por
todos, perpassadas pelos motivos e pelas ações que visem à concretização
daquilo que é projetado. Isto tudo é processo em construção permanente
65
,
onde o pessoal e o social interagem continuamente.
É possível dizer então que a Ecos do Verde se constitui em um grupo que
ancora os projetos pessoais e fortalece a decisão de cada um em fazer parte do
trabalho de catação. Esse projeto coletivo, que tem como objetivo gerar trabalho
e renda para o grupo de associados através da catação e separação de
materiais re-aproveitados oriundos da coleta seletiva, constitui-se em uma
identidade coletiva aceita, respeitada e valorizada
66
. Melucci (2004, p.45) afirma
que a construção da identidade do sujeito “depende do retorno de informações
vindas dos outros”.
65
Aproxima-se de SARTRE quando este refere-se ao grupo como totalização, sempre “um vir a
ser” (2002, p. 450s).
66
CASTEL, Robert, 1998, p. 415.
É válido destacar dentro deste capítulo o tipo de inserção que o trabalho
de catação proporciona a um sujeito. Embora tenhamos discursos bem
elaborados que enfatizam a importância do trabalho do catador, a maioria dos
escritos, especialmente os oriundos de pesquisa de campo, demonstram a dor,
a ansiedade, a discriminação, que sofrem esses trabalhadores
67
. Em muitos
momentos, eles se confundem com os objetos que catam. Juncá (2005, p. 172)
destaca que, para os catadores por ela pesquisados, era um ponto de honra
a possibilidade de se autodenominar ‘trabalhadores’, isso não
significava dizer que assim também eram considerados. [...] No aterro
e, em geral, nos bairros onde moravam, podiam se dizer trabalhadores.
Todos se conheciam e pertenciam a um ‘mundo de iguais’. Mas e fora
dali?
Fora de seus grupos de pertencimento a resposta é outra. E quem fala é
catador da Ecos do Verde, M. E., 32 anos, casado e que está na associação
desde sua fundação:
As pessoas vêem a gente como lixeiro. Tratam-nos como lixo. Não
querem saber do lixo. Querem que o poder público leve o lixo de frente
de sua casa e não querem vê-lo nunca mais. Com nós é a mesma
coisa. Não querem nos ver. Algumas pessoas quando sabem onde a
gente trabalha, nos tratam diferente. Eu já estou aceitando melhor.
Quando perguntam onde trabalho, eu digo que é na Ecos do Verde.
Daí as pessoas perguntam: é no lixão? Não! Eu respondo. É na Usina
(13/10/2005).
Segundo M. E., os trabalhadores da usina têm um certo temor diante do
que as pessoas dizem, o que revela claramente uma preocupação com a sua
identidade social. A maioria diz já estar acostumada, pois, além de trabalharem
na Ecos, também realizam catação depois do trabalho e no final de semana.
Porém, durante as entrevistas, ficou claro que ainda se incomodam: “as pessoas
nos olham como se a gente tivesse uma doença braba, coisa ruim, contagiosa.
Mas a senhora pode ver que o lixo não contagia ninguém, nós não ficamos
doentes e nem a senhora que vem aqui” (13/10/1005).
Perguntado se essas situações acontecem quando eles vão buscar
materiais em nome da Ecos, ele responde que não.
67
Conferir DAIANE BARBOZA (2000); JUNCÁ, Denise (1996, 1997, 2000, 2005); GRIPPI,
Sidney (2001); BEIRAS, Adriano (2004); GONÇALVES, Raquel (2005); CARMO, Maria (2005);
CARREGAL, Lucia (1990); LEAL, Antonio (2005); STREB, Cleci Schalemberger (2001).
Olha, a maioria das vezes a gente busca em lugares que já têm
consciência da importância do trabalho. Quando a gente chega e diz
que é da Associação, eles nos tratam diferente. A gente entra dentro
do estabelecimento, junta os materiais, às vezes pica, tudo bem
certinho. Agora, se fosse um catador sozinho, desses que andam pelas
ruas, aí eles iam colocar as coisas lá na rua e ainda dizer que não era
para deixar sujeira. Não sei por que, mas que é diferente, é
(13/10/2005)!
O catador sozinho fala em seu nome próprio. Como não há um
reconhecimento público desse nome, não há uma resposta. O que não existe,
está fora do cotidiano. Ele é apenas um catador. Assim seria se fosse um outro
catador. É apenas um catador. Contudo, ao falar em nome da Ecos do Verde, o
catador é um representante de muitos. Ao falar em nome de um coletivo, que foi
sendo construído em interação com outros grupos sociais, que é visualizado e
tem reconhecimento público, o catador é ouvido, olhado e valorizado. Ele fala
em nome do grupo. Ele é o representante do grupo. Ele é um catador que
representa outros. Ele é reconhecido não em seu nome próprio, mas em nome
de todos os outros, em nome do coletivo
68
. A Ecos do Verde deu-lhes a
condição de serem catadores sem sofrerem com a discriminação da pobreza e
do lixo.
Os trabalhadores encontraram diferentes formas de driblar a
discriminação que sentem devido ao trabalho que realizam. L.F. 28 anos, sexo
feminino, também trabalha na associação desde o início e vê o trabalho na
usina como outro qualquer. Contudo, acredita que as pessoas pensam mal a
respeito do trabalho que eles realizam e, por isso, evita anunciar para todo o
mundo onde trabalha. L.F., é muito cuidadosa consigo mesma. Veste roupas
limpas e bonitas para ir trabalhar. Arruma bem o cabelo e, por vezes, pinta o
rosto. Sem falar nas unhas, que estão sempre pintadas. Quando chega ao local
de trabalho, troca suas roupas por outras simples e, ao sair, toma um banho e
veste-se novamente. Durante o intervalo do almoço, reserva um tempo para ir
catar no lixão público que fica ao lado da usina. Os caminhões de lixo úmido (e
misturado com latinhas e pett) colocam o lixo em um espaço a céu aberto para
ser posteriormente aterrado. Antes que as máquinas aterrem o lixo, alguns
trabalhadores da usina recolhem os materiais re-aproveitáveis e vendem para a
68
Sartre (2002), utiliza o conceito de série para referir-se a cada um, sem estar ligado a outros e
de totalização para referir-se a cada um, por meio do qual todos se fazem presentes.
própria cooperativa, por 50% do valor que é pago aos catadores de rua. Essa
redução do valor resultou de um acordo entre os associados, justificado pelo
fato de eles estarem em um lugar privilegiado (mesmo recinto do aterro) e serem
as únicas pessoas que podem transitar nesse lugar. Coloco esse episódio para
situar a catação que a senhora L.F. realiza. Perguntada se ela também cata na
rua, respondeu de forma enfática:
Não! Jamais catei ou cataria na rua. A gente é mal visto e é chamado
de lixeiro. Aqui na usina não. A gente é reciclador. Somos um grupo de
trabalhadores que fazem o mesmo trabalho e ninguém discrimina
ninguém. Lá fora não, parece que a gente tem uma marca, que a gente
está sujo (19/10/2005).
Essa fala demonstra o temor que os catadores sentem frente a uma ação
que os discrimine. Os catadores sabem que a sociedade não os vê com “bons
olhos”. Os olhares são de desprezo, desaprovação, rejeição. Eles não querem
ser identificados como lixeiros. O lixo é algo que é jogado fora, desprezado,
repudiado. Eles não querem a sua pessoa sendo colocada nessa situação.
Assim, ao estar escondida, distante 10 km da cidade, sem que ninguém a veja,
a catadora entrevistada realiza a catação. Contudo, não deseja ser vista nem
reconhecida como catadora de rua. No grupo, ela se sente protegida e
consegue relacionar-se melhor com seu trabalho.
Carreteiro (2003, p. 60) alerta que a invalidação e a depreciação, pelas
quais passam os seres humanos que vivem em situação de pobreza, levam
esses sujeitos a desenvolverem sentimentos de desvalorização e de diminuição
e estas experiências não são compartilhadas. “Se, por um lado, as expressões
desses sentimentos sofrem uma censura do próprio sujeito, por outro, a
sociedade dispõe de poucos suportes para auxiliar a expressão dos mesmos”.
A fala da entrevistada L.F. demonstra que a Ecos do Verde tem dado
sustentação ao projeto de vida desses catadores e, ao mesmo tempo, permite
uma re-articulação da identidade. Tal possibilidade acontece a partir do trabalho
e do projeto coletivo. Estar participando de uma associação diminui o
sentimento de discriminação que o catador associado sente. É como se um
encorajasse o outro. Um dá sustentação ao outro. Compreendemos que as
pessoas possuem projetos pessoais e coletivos, e que uns e outros, e ao
mesmo tempo o grupo todo, servem de ancoragem recíproca. Isso só é possível
a partir dos vínculos que se criam e se refazem, com e a partir dos grupos de
pertencimento.
O projeto/projetos que um sujeito elabora e vivencia no decorrer de sua
vida são os responsáveis pela constituição de sua identidade, e o trabalho
contribui de maneira significativa na construção dessa identidade,
principalmente quando este é realizado em grupo, possibilitando que o sujeito
crie vínculos mais ou menos duradouros.
3.2 VÍNCULOS: AS COSTURAS NECESSÁRIAS
Os vínculos entre os seres humanos, entre estes e seu grupo/grupos e
entre grupos, são os enlaces necessários para que seja possível construir a
humanidade do sujeito. Quando se fala de humanidade, fala-se da condição do
ser que nos é possibilitada pela cultura e construída no pessoal e no coletivo por
cada vivente. Para Fernandez (2003, p.44), vínculo é a “estrutura relacional em
que ocorre uma experiência emocional entre duas ou mais pessoas”. Os
vínculos podem ser compreendidos como relações afetivas e sociais que os
indivíduos mantêm entre si e com o outro/outros (PAUGAM, 2003). Esses
vínculos são tecidos desde a construção do projeto de vida do bebê humano e
seguem-se por toda a sua vida. Os vínculos são constituídos pelas inter-
relações entre os sujeitos, ao mesmo tempo que eles são constitutivos desses
sujeitos e de suas inter-relações. Guareschi (1999, p. 142) utiliza a nominação
“relação” para dizer que “o ser humano é um ser que se constrói e se constitui a
partir dos milhões de relações que ele estabelece com todos os seres
existentes”.
Vivemos várias relações e inter-relações em diferentes grupos (trabalho,
família, comunidade, escola, amigos, grupo de esportes, de dança, grupo
religioso, etc.). Em cada uma dessas participações e em cada momento
histórico, somamos, acrescentamos, construímos, afastamos partes de nossa
identidade. Cada vivência dessas contribui decisivamente para a identidade
pessoal e a identidade do grupo de pertencimento
69
.
Caso esses vínculos se fragilizem ou se rompam, o sujeito ficará à deriva.
Os vínculos são as teias que vão sendo tecidas em torno das relações e dos
objetos que fazem parte da vida do sujeito. São comparáveis às costuras dos
retalhos entre si, para formar uma colcha de retalhos
70
. Sem as costuras, não
há colcha. Sem vínculos, não há relações. Sem relações, não há identidade. O
rompimento de algumas costuras resultará em um “buraco”, em uma “des-
costura” no conjunto. Dessa forma, a colcha de retalhos ficará comprometida.
Haverá um “vazio” de sentido. Se isto acontecer também com o sujeito humano -
um vazio de sentido - este sujeito encontrará muita dificuldade de restabelecer
as suas redes sociais. Carreteiro (2003, p. 60-62) contextualiza o sofrimento
que decorre da fragilização e ruptura dos vínculos, procurando destacar a
relação sofrimento-corpo:
Quando os suportes institucionais são muito fragilizados, o corpo
aparece como o único bem que as pessoas sentem possuir. [...] O
corpo se constitui suporte contra as violências. [...] A violência
representa uma forma de linguagem e o corpo se apresenta como
metáfora da subjetividade. [...] O corpo torna-se o capital derradeiro.
[...] Sempre pronto para entrar em ação. Torna-se um corpo em estado
de alerta.
Esses sofrimentos se realizam no corpo do sujeito e também nas
relações familiares, comunitárias e sociais e as conseqüências são graves:
fechamento em si mesmo, que poderá levar à depressão, alcoolismo,
drogadição, delinqüência e violência, errância, separações, suicídio, etc. Para
sair dessa condição é necessário muito esforço pessoal e grupal. É necessário
um grupo que o/a acolha novamente e lhe dê ancoragem diante dessa falta de
69
Para FERNANDEZ, 2003, p.4, Freud percebeu que a “história de cada homem inclui a história
de seus grupos de pertença”.
70
Metáfora usada na introdução deste escrito, a partir do conto Colcha de Retalhos, de Monteiro
Lobato em sua obra “Urupês”.
confiança que impera no sujeito que perdeu suas vinculações
71
. A propósito
Paugan (2001, p. 72-75), faz um alerta enfático:
O risco de enfraquecimento dos vínculos sociais é proporcional às
dificuldades encontradas no mercado de trabalho. [...] Quanto maior é
a precariedade profissional, menor é a possibilidade do indivíduo
auferir ajuda do seu meio social. [...] Como a desclassificação social é
uma experiência humilhante, ela desestabiliza as relações com o outro,
levando o indivíduo a fechar-se sobre si mesmo. Mesmo as relações
no seio da comunidade familiar podem ser afetadas.
Na sociedade em que vivemos, uma das possibilidades de construir e/ou
restabelecer os vínculos sociais é o mundo do trabalho.
Para Castel (1998, p.532),
Na sociedade industrial, sobretudo para as classes populares, o
trabalho funciona como um “grande integrador” [...] Há a integração
familiar. Há a integração escolar, a integração profissional, a
integração social, política, cultural etc. Mas o trabalho é um indutor que
atravessa esses campos, é um princípio, um paradigma, algo enfim
que se encontra nas diversas integrações concernidas e que então
torna-se possível a integração das integrações sem fazer
desaparecerem as diferenças ou os conflitos.
As relações de trabalho e a situação econômica possibilitam ao
trabalhador fazer parte de uma série de relações sociais e culturais. Não ter
trabalho, limita a participação do trabalhador, seja pela questão financeira, seja
pela redução nas relações interpessoais. O desemprego, a fragilização e a
insegurança no trabalho levam os trabalhadores a desorganizarem suas vidas e,
às vezes, perderem os vínculos familiares e comunitários. Como a sociedade é,
ainda, uma sociedade salarial, está impregnado na cultura que todos devem
trabalhar, e quem não o faz, considera-se majoritariamente que seja por
preguiça ou por vagabundagem. A falta de postos de trabalho e a
desqualificação profissional são colocadas como questões individuais, “não
trabalha quem não quer”, diz-se. Porém, a precarização e a fragilização do
trabalho deixam poucas chances ao sujeito que vive na pobreza. Ainda assim,
os trabalhadores buscam, incessantemente, articulações que lhes possibilitem
referências econômicas, sociais e culturais. E estas são ancoradas pelos grupos
de pertencimento.
71
CARRETEIRO, 2003, p. 68, “é importante pensar na construção de espaços que restaurem o
sentimento de confiança, onde os sujeitos não se sintam fazendo parte de uma massa de
desqualificados, mas acolhidos em sua singularidade”.
A nossa identidade fica muito fragilizada e comprometida quando as teias
que unem uns sujeitos a outros, seja por motivos pessoais ou coletivos, não têm
condições de dar sustentação. As palavras de Melucci contribuem para esta
reflexão:
As situações críticas são, por excelência, o momento em que nossa
identidade e suas fragilidades são reveladas: quando somos
submetidos a expectativas contraditórias, quando perdemos nossas
identificações tradicionais, quando entramos em um novo sistema de
normas. Esses conflitos são provas difíceis para nossa identidade e
podem comprometê-la. [...] pode ocorrer uma ruptura, uma
fragmentação do eu, ou a perda dos seus limites. [...] uma
incapacidade de produzir e de manter uma definição de si mesmo
dotada de certa estabilidade.
Tal concepção ajuda-nos a compreender em que medida o
entrelaçamento de projetos pode fortalecer o sujeito, além de possibilitar um re-
arranjo em suas condições sócio-econômicas. A Ecos do Verde poderá
contribuir decisivamente nessa elaboração ajudando na construção e re-
construção de algumas teias sociais:
- Os integrantes do grupo pesquisado, na sua maioria, foram
desempregados. Assim, estiveram fora das relações e vínculos ligados ao
trabalho, que, segundo Castel (1998), são fundamentais na sociedade em que
vivemos;
- Constituíram-se enquanto grupo para terem acesso ao trabalho e às
condições mínimas de sobrevivência;
- O projeto coletivo acolheu e entrelaçou-se nos projetos individuais, em
vista de objetivos comuns;
- O grupo se trabalha incessantemente (SARTRE, 2002). Se re-constrói a
cada dia para poder dar continuidade ao projeto Ecos do Verde, e para que esse
projeto possa alimentar os projetos individuais
72
.
72
SARTRE, (2002, p.550) “O sentido do empreendimento particular – embora, como tal, seja
bem-sucedido – encontra-se em sua utilização alhures por outros empreendimentos, por outros
companheiros de equipe”.
Dessa forma, parece-me que, no caso da associação Ecos do Verde, há
uma efetiva construção de vínculos sociais, mediada pelas relações de
trabalho
73
.
Retomemos agora a metáfora da colcha de retalhos, utilizada na
Introdução. Essa metáfora auxilia na reflexão sobre a identidade de um sujeito.
Para confeccionar uma colcha desse tipo, são necessários retalhos de tecidos
que serviram para diferentes outras confecções. Alguns desses retalhos
poderão estar guardados há muito tempo e outros, serem recentes. Quem
costura a colcha, procura fazer com que cada retalho costurado combine com o
seguinte. A colcha terá características próprias aliadas às combinações
herdadas e aprendidas por quem a confecciona. A identidade do sujeito tem
muitas semelhanças com a confecção de uma colcha de retalhos. Os retalhos
são comparáveis com as várias experiências e vivências do sujeito. As linhas
que costuram os retalhos entre si são os vínculos que dão a sustentação aos
projetos pessoais. Projetos esses que, costurados com um mesmo objetivo,
constituem um coletivo.
Os coletivos trazem em seu bojo um conjunto de intenções, de projetos,
que estão no nível do ideal. É como um modelo que os grupos têm presente
quando estão realizando suas atividades. Sartre (2002) chamou isso de “gênese
ideal”. É importante reconhecer que, ao se compor um projeto de trabalho
coletivo, já se têm um prospecto daquilo que se quer. O caminho já está
delineado e o lugar para chegar, pré-definido. O projeto será concretizado a
cada dia vivido. Coletivo que, no caso estudado, chama-se Associação de
Catadores de Materiais Recicláveis de Santo Ângelo Ecos do Verde ou,
simplesmente, Ecos do Verde, pois assim já é reconhecida!
73
idem (1984, p.21), “A vida não tem sentido a priori. [...] é quem a vive que deve dar-lhe um
sentido; e o valor nada mais é do que esse sentido escolhido”.
4 – VIDAS E SIGINIFICADOS
A história de cada um
foi sendo tecida com a história de outros,
transformando retalhos em colcha.
A colcha de retalhos transformou-se em algo coletivo,
Mas está atravessada por cada pedaço singular de tecido,
que não perdeu suas características individuais.
Cada pedaço desses falará de um determinado sujeito,
de suas emoções,
de suas condições de obtenção do retalho que foi costurado:
coloridos, escuros, velhos, grossos, tristes, alegres, puídos...
Este é o momento de começar a terminar este escrito. Tarefa difícil, uma
vez que as histórias de vida não têm fim. São um eterno recomeçar. Movimento
constante tal qual a esteira ligada. O que dizer agora?
Trabalhadores sérios, olhos desconfiados e pouca conversa. Com
sujeitos assim, comecei esta pesquisa. Aos poucos, porém, o relacionamento foi
mudando. Foi possível construir uma boa relação entre pesquisadora e
pesquisados. Se antes o meu trabalho era apenas de observação, quando foi
findando, era de muito bate-papo, risos e brincadeiras.
Gostaria de destacar que o que eu encontrei nesse lugar, não foi só o lixo
repudiado. Encontrei material reciclável que, outrora, fora lixo descartado.
Encontrei sujeitos catadores, trabalhadores organizados. Encontrei vidas
vividas, amadas, sentidas. Vidas amargas, amigas. Vidas passadas,
construídas. Vidas ressurgidas por detrás dos montes de materiais recicláveis,
no circular das esteiras, nos jogos de futebol em pleno meio-dia. Havia vida
também no chimarrão, na solidariedade do repartir a alimentação.
O trabalhador da Ecos do Verde é um catador de esperança, reciclador
da miséria, transformador de lixo em vida. Penso que estes sujeitos são
audaciosos e muito corajosos ao transformar um trabalho de catação em projeto
de vida. Para alguns, eles são lixeiros, para outros, vagabundos. Para poucos,
são agentes da ecologia. Para o catador, o catador é um trabalhador.
Ao observá-los durante suas atividades na usina de reciclagem, muitas
coisas marcaram minha estada com eles. Em especial, a forma como eles se
relacionam com os objetos que passam na esteira. É evidente que eles estão
em torno da esteira para retirar os materiais, passíveis de serem re-utilizados.
Mãos ágeis retiram o que será reciclado. Uma, duas, três, inúmeras vezes. É um
movimento repetitivo e constante. Algumas vezes, a automação é interrompida
diante de determinados objetos que passam por ali. Alguns objetos têm outra
significação. Esse outro significado é pessoal, subjetivo: um esmalte, um
carrinho, uma roupa. Um dia desses, veio pela esteira um pé de tamanco.
Bonito... Salto alto. Inteiro. A cor vermelha fazia com que ele fosse notado e
apreciado. Isso aconteceu no início da tarde. Duas horas mais tarde, lá estava o
tamanco à espera de encontrar seu outro pé, seu outro, seu par. Estava à
espera do “outro”.
O que poderíamos pensar a partir do tamanco solitário, sem seu par?
Que o catador antes de se constituir em Ecos do Verde também estava sem par.
Também havia ficado à espera. Poderíamos pensar que um sujeito que não
encontra o seu “outro”, não poderá realizar seus projetos, construir sua
identidade. É como o tamanco que ficou à espera de seu par e não pode
cumprir sua função: proteger, criar possibilidades e fazer pés andar... Assim
como um tamanco solitário, o catador M.E. expõe a sua condição: “Comecei na
Associação porque não tinha outra coisa para fazer. Não tinha emprego e nem
perspectiva de conseguir...” (09/11/2005).
E quando foi que o catador começou a construir sua identidade de
trabalhador? Quando ele achou seu outro pé do tamanco, ou seja, quando ele
se dispôs a começar a trabalhar em grupo e contribuí para constituir uma
identidade coletiva suficientemente forte para respaldar seus projetos e
identidade pessoal. E, se o catador ficou na Ecos do Verde, constituindo seu
coletivo, é porque foi capaz de reciclar não somente o objeto descartado mas
também o seu projeto pessoal. O catador M. E. (09/11/2005), como outros
catadores, não veio para a Ecos com a finalidade de ficar:
Eu estava precisando de trabalho e fiz como todo mundo, comecei na
associação. No início, era difícil. Mas o tempo foi passando e a gente
foi ficando. Quem não tinha compromisso com família, foi embora.
Quem tinha família para sustentar, foi ficando. Hoje já não trabalharia
em outro lugar. Não iria me acostumar com um patrão. Aqui, o
resultado do trabalho é nosso. A gente decide o que fazer com o
dinheiro. O trabalho está bem, o que poderia ter uma melhorada era no
local. A gente precisa de um galpão maior e fechar melhor aqui onde
trabalhamos (ele refere-se ao local onde estão as esteiras).
Aqueles que tinham a função de prover ou ajudar no provimento do grupo
familiar, assumiram o projeto coletivo de trabalho com mais afinco. Embora eles
não tivessem a intenção de ficar na associação, eles tinham um projeto familiar
que precisava ser sustentado. Dessa forma, o projeto de provedor do grupo
familiar, sustentou sua estada no projeto de trabalho coletivo e vice-versa. Esse
é o entendimento de Follmann (2001, p. 65), quando ele coloca que o ser
humano vive em permanente ato de “costurar no tempo e no espaço os seus
projetos pessoais com os dos outros e com os projetos coletivos das mais
diversas procedências e direções. A identidade é resultado dessa costura
permanente”.
O que impulsiona os associados da Ecos do Verde nessa atividade de
catação é a possibilidade de conseguir algo mais que um rendimento no final do
mês. E quando os associados começam a envolver-se com o processo de
funcionamento e articulação da associação, esse algo mais torna-se efetivo e os
reanima. A propósito, Melucci ( 1989, p. 53) considera que os participantes de
uma “ação coletiva não são motivados apenas pelo que chamaria de uma
orientação ‘econômica’, calculando custos e benefícios da ação. Eles também
estão buscando solidariedade e identidade”. Dessa forma, podemos dizer que a
identidade da Ecos do Verde está sendo construída humana e solidariamente. E
quando os associados re-afirmam que ser catador na usina é um trabalho como
outro qualquer, estão reafirmando não só a sua condição de trabalhador, mas
de sujeito que se reconhece digno naquilo que faz. Trabalho esse que reúne as
qualidades de outro trabalho: ganhar a vida, prover o sustento da família, ser
reconhecido trabalhador.
A entrevistada L.F. coloca que “as pessoas acham que quem trabalha
aqui é lixeiro. Aqui, é trabalho igual aos outros. Não tenho vergonha de trabalhar
aqui. Não estou roubando e não estou prejudicando ninguém” (08/10/2005). Em
vários momentos os entrevistados colocaram que as pessoas tornam-se
diferentes em relação a eles ao saberem sua profissão e o local de trabalho.
Mas eles estão convictos da dignidade de seu trabalho e reafirmam que são
trabalhadores e não têm vergonha do que fazem. Eles afirmam sua identidade e
defendem seu projeto de trabalho, uma vez que foi justamente nesse local de
trabalho que os catadores construíram sua identidade.
Voltando à fala do entrevistado M.E., dois pontos merecem destaque. A
primeira é que ele, na atualidade, não iria mais querer um patrão. Essa
colocação diz que o associado da Ecos fez a experiência de trabalhar e decidir
sobre o processo de seu trabalho. Ele adquiriu a condição de pensar e elaborar
o seu processo de trabalho, tendo autonomia de decidir sobre ele; o segundo
ponto é o fato de ele dizer que o resultado do trabalho não é expropriado, é de
quem trabalha, de quem cata, separa e vende. Cabe ao próprio coletivo decidir
sobre as condições de trabalho, de venda, de investimento. O processo de
construção do coletivo Ecos do Verde tem possibilitado ao associado o
aprendizado da cidadania. Aprendizado este que tem sido desenvolvido durante
o processo de construção da associação, garantindo que nem o sujeito nem o
produto de seu trabalho são alienados, como ocorre na empresa capitalista.
Esse aprendizado tem servido de base para a construção pessoal e coletiva do
ser cidadão. Ouvindo-os, percebe-se o quanto a maioria dos associados já
avançou no aprendizado e no exercício da cidadania.
Este estudo, ao optar pela técnica de histórias de vida, selecionou
algumas temáticas que possibilitaram limitar as entrevistas, para que o
objetivo da pesquisa não se perdesse em meio às histórias contadas. A partir
da utilização dessa técnica de coleta de informações, convém apresentar
algumas constatações.
Ao serem perguntados sobre o que os levou a participar da Ecos do
Verde, oito (88%) dos entrevistados disseram que foram trabalhar na Ecos do
Verde por estarem desempregados, e que, tão logo fosse possível, mudariam
de emprego. Inicialmente, portanto, não tinham o interesse de continuar na
catação. Pretendiam conseguir algo melhor. Atualmente, apenas três dizem ter
interesse em achar outro trabalho. Pode-se supor que a experiência de trabalho
coletivo vivenciada por esses sujeitos possibilitou-lhes uma re-avaliação de suas
pretensões.
Dois temores aparecem no início da experiência: medo de não
conseguirem trabalhar sem que alguém de fora lhes dissesse o que fazer e
medo de serem chamados de lixeiros. Aceitaram fazer parte do projeto porque
estavam precisando de trabalho e a proposta da associação acenou-lhes para
tal possibilidade. M.E. expressa as experiências iniciais da seguinte forma:
No início a gente não apostou muito. A gente não conseguia ver de
fato como que as coisas iriam acontecer. De outro, lado era difícil
pensar as coisas pela gente. Parecia que precisava alguém dizer o que
fazer. E quando a gente não sabia o que fazer, tinhas que ir atrás. Não
é fácil a gente ter que fazer. Acho que foi isso que fez muitos
desistirem no início. Agora já faz dois anos que quase não existe
desistência. E tem muita gente que quer vir trabalhar aqui
(09/11/2005).
A entrevistada L.F. também fala de suas dificuldades iniciais:
No início, eu não agüentava o cheiro. Era muito ruim. Agora já me
acostumei. Outra coisa que era difícil é que as pessoas acham que
quem trabalha aqui é lixeiro. Aqui, é trabalho igual aos outros. Não
tenho vergonha de trabalhar aqui. Não estou roubando e não estou
prejudicando ninguém (08/10/2005).
Quando começaram a realizar as atividades, dia a dia foram construindo
as formas de relacionamento entre eles e a forma de funcionamento da
associação. Aprenderam, desde a separar os materiais adequadamente, até a
gerenciar a parte administrativa. Acertaram, erraram e tiveram que suportar
juntos os sucessos e os fracassos. Alguns desistiram logo. Outros continuaram
e ainda estão aprendendo. Isso mostra que um projeto é construído de
experiências vividas, discutidas, refletidas e re-vividas. E os associados da Ecos
do Verde, que conseguiram enfrentar a experiência do coletivo, repensaram e
refizeram seus projetos.
Ao serem entrevistados sobre as suas origens, enfatizando a sua relação
com o êxodo rural ou a urbanização, apenas um dos nove entrevistados disse
ter vindo do meio rural. Os outros oito, nasceram e permanecem na cidade. Não
conhecem o trabalho na terra e nem tem pretensão de trabalhar no meio rural.
Um dos entrevistados de origem urbana fez uma experiência de trabalho como
cuidador de cavalos em uma fazenda, tarefa essa que durou poucos meses.
Os trabalhadores da Ecos do Verde, na sua grande maioria, têm ou
tiveram companheiro/a. Entre os entrevistados, dois estão sem companheiro/a e
todos têm filhos/as. O grupo familiar dos entrevistados foi chamado por eles de
“família”, no sentido de família nuclear (pai, mãe e filhos). M. E. (09/11/2005),
falou que o “compromisso com família” (para sustentar) é um dos fatores que
levou muitos dos associados a ficarem trabalhando na Ecos.
O que chamou a atenção é que, dos entrevistados, a maioria nunca teve
uma profissão definida e, na data da entrevista nenhum apresentou tal condição.
As mulheres foram, por algum período, empregadas domésticas ou diaristas,
sem vínculo empregatício formal. E os homens tiveram, como atividade laboral,
biscates na área da construção civil. Alguns mantiveram vínculo empregatício
formal por alguns meses.
A unanimidade, nas entrevistas, foi de que a participação inicial na
associação aconteceu devido ao desemprego. Ao mesmo tempo que essa
realidade fala de uma sociedade em que o trabalho é estruturante da vida
pessoal e social, fala também de que existem uma parcela da população que
está fora desse mercado e que isso vem passando de geração para geração.
Durante as entrevistas, foi afirmado que filhos adolescentes e jovens dos
entrevistados não têm emprego fixo e vivem de biscates. G. L. tem filhos com
idade entre 16 e 18 anos e não consegue trabalho com carteira assinada: “Meu
filho têm 18 anos e está estudando de noite e de dia faz alguns biscates para
ajudar em casa. Estou precisando reformar a casa e fazer mais um quarto. Com
o que ganho não dá. O guri também não consegue nada melhor” (08/11/2005).
De acordo com Juncá (1996, p. 109),para uma grande parcela da população, o
mercado de trabalho “parece apontar para o campo do provisório, do instável,
que, entretanto, se repete a cada geração como uma herança familiar ou o
cumprimento de uma pena da qual é difícil escapar”.
Como já foi colocado no capítulo III, a grande maioria dos entrevistados
começou a participar da Ecos do Verde devido a sua condição de
desempregados. Ao longo do tempo, eles foram constituindo um grupo de
trabalho coletivo e foram criando uma relação diferente com a associação.
Atualmente, dos nove entrevistados, apenas três mantêm uma expectativa de
procurar outro trabalho. Contudo, não me pareceu que eles estivessem se
empenhando para efetivar tal expectativa.
Na usina de reciclagem, apenas um dos entrevistados faz parte do grupo
de fundação. Os outros entrevistados afirmaram que não encontraram
dificuldades de se integrar ao grupo e foram unânimes em dizer que as relações
de trabalho na usina são agradáveis e solidárias. Para L.M. a sua entrada na
Ecos não foi difícil: “eu vim trabalhar aqui através de um primo que já trabalha
na usina. Nunca tive nenhum problema, pois já conhecia vários colegas. Alguns
moram no mesmo bairro. Os colegas são gente boa. Ajudam quem chega
novato” (L.M., 21/10/2005). Os entrevistados A. S. e L. F. também partilham
dessa opinião:
Eu já tinha trabalhado aqui. Depois saí e voltei. Nunca tive dificuldades.
Todo mundo se ajuda. Outro dia eu não tinha gás em casa. Tinha
acabado bem na hora de fazer a comida. Daí eu não tinha como trazer
comida para o almoço. Alguns colegas deram um pouco de sua comida
e eu almocei. Não me deixaram na mão (A. S., 08/11/2005).
A gente divide uma porção de coisas. Eu e outro colega catamos pett e
latinha no lixão ali ao lado. Depois a gente vende e divide. Quando um
não vai ao meio-dia para catar, o outro vai. Tem também uma colega
que a gente divide o suco para o almoço (L.F., 07/11/2005).
Vários são os momentos em que o acolhimento e a solidariedade estão
presentes. Durante as observações, percebi que, quando os catadores
encontram na esteira algum objeto que não lhes serve, logo é repassado para
quem poderá vir a fazer uso dele. Esse procedimento é realizado especialmente
pelas mulheres. Outro fato que achei conveniente relatar diz respeito à relação
entre os associados da Ecos e os catadores que circulam pelas ruas. Durante
uma conversa com os catadores da usina, referi que os catadores que circulam
pelas ruas recolhem o lixo considerado “bom” (papel, pett e latinha), antes do
caminhão coletor recolhê-lo e isto acaba ocasionando perdas para os catadores
da usina. A resposta de dois associados da Ecos, em momentos diferentes, me
surpreenderam: “a gente nem nota. Fazer o quê, não é? Eles também precisam
trabalhar para viver. Nós ainda temos aqui e o nosso do mês está garantido” (A.
T., 18/10/11). Esta relação com o “outro” mostra que os sujeitos catadores da
usina reconhecem no “outro” catador, a sua humanidade, o seu direito à vida, o
seu direito ao trabalho. É através do olhar do outro que o ser humano torna-se
sujeito; assim, é no reconhecimento do outro que poderá ser reconhecido.
Para falar de solidariedade e das boas relações de trabalho, os catadores
utilizam exemplos básicos de sobrevivência. É a partir das necessidades
primárias que eles avaliam se, de fato, o outro é um bom colega. Os catadores
contam suas histórias de solidariedade a partir da socialização da comida,
bebida e trabalho. É na falta e na ajuda recebida que eles se fortalecem. Pode-
se dizer que, para manterem-se de fato nesta sociedade, só com a
solidariedade de seu grupo de pertencimento!
4.1 O DESCARTÁVEL NA CONTEMPORANEIDADE
O tempo da sociedade contemporânea pode ser caracterizado como o
tempo do descartável. Nunca se produziu tanto lixo inorgânico como na
atualidade. Se, de um lado, o descartável aparece como uma revolução em
termos de tecnologia, conservação, higiene, facilidades de armazenamento e
consumo, de outro, tem trazido sérias preocupações a respeito do que fazer
com o que sobrou.
Essa superprodução de lixo é resultado de uma sociedade industrializada
e de incentivo ao consumo. Os bens não têm durabilidade de uso e seu
aproveitamento é medido pelo avanço tecnológico e as novidades do mercado.
Mercado esse, sempre criando novas necessidades para que o consumo seja
cada vez mais estimulado.
Durante muito tempo, esse material foi simplesmente descartado e
jogado nos fundos do quintal, nos terrenos baldios, nos arredores da cidade, nos
rios, nos mares, nos lixões clandestinos e nos lixões públicos. Além do que já
está depositado destruindo o meio ambiente, ainda tem muito lixo para ficar por
aí, uma vez que não existem programas abrangentes que direcionem a
diminuição na produção do lixo não orgânico.
Segundo Eigenheer (apud JUNCÁ, 2005, p. 87), “é preciso consumir cada
vez mais para viver e manter-se na vida moderna, ao mesmo tempo que se
torna necessário evitar que o produto final desse consumo – o lixo – nos
ameace”.
Atualmente, a responsabilidade pelo material que sobra, após o consumo,
é do consumidor. O ideal seria que a empresa produtora já possuísse uma
destinação para os resíduos sólidos antes de estes serem descartados. No
entanto, o que acontece é o contrário: pesquisa-se o que fazer com o resíduo
depois que ele já está acumulado. E o consumidor, não tendo o que fazer com
as sobras do seu consumo, deposita no poder público a obrigação de dar um
destino ao lixo. O poder público, na maioria das vezes, também não tem uma
solução para esta situação.
Algumas empresas perceberam que poderiam obter ganhos daquilo que
estava atrapalhando a sociedade e juntaram o útil ao agradável: de um lado,
havia objetos que poderiam dar-lhes rendimentos e que estavam aí para serem
simplesmente pegos; de outro lado, havia pessoas que estavam em situação de
desemprego e de miséria e que poderiam ser aproveitadas para realizar a
atividade de catar esse material, sem ter custos na contratação de pessoal.
Entre esses dois grupos, tem os atravessadores, que realizam a compra e
venda desses materiais.
Com exceção de grupos de trabalhadores organizados em cooperativas
ou associações, com gestão própria, a maioria dos catadores são extremamente
explorados. Além disso, nem as empresas recicladoras nem os atravessadores
realizam investimento nessa área. Trabalham com máquinas precárias (isso,
quando possuem), sem equipamentos de proteção ou cuidados com a saúde.
Quanto mais precário e desorganizado o trabalho de catação, mais lucro as
empresas obtêm. A atividade de catação, conforme ressalta Gonçalves (2005,
p. 95), “é realizada à base de pura força de trabalho, remunerada a níveis
baixíssimos e que transfere permanentemente para as atividades da rede
capitalista organizada todo o seu valor financeiro”. Quanto aos catadores, a
autora entende que eles se encontram “integrados à economia, ainda que pela
via mais perversa de um trabalho informal socialmente não reconhecido”.
Embora o trabalho de catação não seja reconhecido, nem pela sociedade
nem pelo poder público, os serviços prestados pelos catadores reduzem o
impacto ambiental que o lixo causa, a exploração dos recursos naturais e, até
mesmo, os custos dos valores pagos às empresas de recolhimento do lixo.
4.2 CRIANDO POSSIBILIDADES
A associação Ecos do Verde possibilitou a organização do trabalho com o
lixo como fonte de renda, garantindo a sobrevivência dos catadores e familiares,
bem como a sua integração social. Criou condições de vendas dos materiais
com poder de negociação, mercê do volume de produtos, da infra-estrutura
administrativa, do maquinário, do local coberto para o trabalho e
armazenamento dos produtos. Além disso, constituiu-se numa referência em
termos de valorização do catador e do cuidado com o meio ambiente na região
das Missões. E o mais importante dessa caminhada foi o fortalecimento da
identidade do catador.
Nas entrevistas, alguns associados da Ecos do Verde manifestaram
interesses que, a meu ver, poderiam oportunamente ser convertidos em metas
de ação por parte do coletivo:
a ) organizar uma cooperativa habitacional para a aquisição ou reforma de
moradia;
b ) mediar o acesso ao atendimento de saúde que leve em conta as suas
condições específicas de trabalho com o lixo;
c) pleitear, junto ao poder público municipal, melhorias na infraestrutura do
local de trabalho;
d) adquirir e estimular o uso de equipamentos de segurança do trabalho;
e) fortalecer o coletivo mediante a formação técnica e política contínua;
4.3 RESIGNIFICANDO O DESCARTADO
O sujeito que estava silenciado e oculto não se deu por vencido.
Descartados do mercado formal de trabalho, empurrados para as margens da
sociedade tecnológica, os catadores encontraram no lixo uma forma de
recuperarem ou construírem sua condição de trabalhador. Resignificando o lixo,
resignificam seu projeto de vida. Fazem do lixo sua fonte de renda e, da
catação, sua profissão. Ainda assim, encontram dificuldades de
reconhecimento, por realizarem uma atividade que ainda é desprezada. A
propósito, Juncá expressa muito bem essa questão:
Silenciados por tantos anos e reduzidos à condição de indivíduos
marginais e perigosos, os catadores encontram no lixo um meio de
qualificar e reinventar seu cotidiano. O lixo deixou de ser apenas um
resto ou uma sobra. Da mesma forma, os catadores buscaram
enfrentar sua condição de sobrantes” (2005, p. 184-185).
A relação que a sociedade tem com seu lixo é de repúdio e temor,
procurando afastar do convívio tudo aquilo que incomoda e amedronta. Como o
catador revira o lixo à procura de materiais que possam ser re-aproveitados, ele
é confundido com o lixo. Como o lixo representa o sujo, o que não presta, o
contagioso, é envolvido nessas representações e, por força delas, sofre a
discriminação social.
Muitas vezes, o temor está ligado ao fato de vivermos em uma sociedade
que não dá garantias de permanência no emprego, podendo cada qual, a
qualquer momento, tornar-se um desempregado. A re-absorção do trabalhador
também está cada vez mais difícil e o catador representa a diabólica realidade
de uma sociedade que descarta o que não tem mais valor, segundo os critérios
do mercado. Numa sociedade em que as máquinas substituíram o ser humano
em várias funções, não há estabilidade ou perspectiva de continuidade no
emprego. Aliás, o desemprego é um dos maiores fantasmas que ronda os
trabalhadores na atualidade. Dessa forma, ressalte-se que não é só o lixo que
amedronta: a pobreza, o desemprego, a fome, a miséria e o não-
reconhecimento também amedrontam. E o catador está exatamente neste
cenário. Então, o catador amedronta. A sua condição de pobre, desempregado,
sem eira-nem-beira, é que mete medo. Ou seja, o temor não está exatamente
no catador, está dentro de quem olha e vê no sujeito que vive do lixo, um
depositário de suas projeções catastróficas. O temor das pessoas é da
possibilidade de estarem, um dia, no lugar do catador. Como a sociedade
descarta qualquer um, quem poderá garantir que não será o próximo a ser
descartado? Castel (1998, p. 569) é enfático ao afirmar que
Os excluídos são, na maioria das vezes, vulneráveis que estavam por
um fio e que caíram. Mas também existe uma circulação entre essa
zona de vulnerabilidade e a da integração, uma desestabilização dos
estáveis, dos trabalhadores qualificados que se tornam precários, dos
quadros bem considerados que podem ficar desempregados.
A situação de vulnerabilidade e precariedade nas relações de trabalho e
nas relações sociais tem feito do ser humano um ser provisório, passível de ser
descartado. E isso é estendido para toda a sociedade. Atualmente não são os
pobres que temem a pobreza, eles já fazem parte dela. Quem teme estar nesse
lugar são aqueles trabalhadores que ainda estão vinculados a um trabalho
formal.
Mas, apesar da cara feia, de nojo, de medo por parte dos outros, os
catadores estão orgulhosos de seu trabalho. Vários entrevistados repetiram:
“não tenho vergonha de estar aqui (na usina). Este é um trabalho como outro
qualquer. [...] antigamente eu tinha vergonha. Agora não tenho mais". Embora
inseguros, estão aprendendo que sua profissão é digna e importante. Estão
aprendendo também que o lixo só é lixo até que eles o transformem em fonte de
trabalho. Segundo Achutti, “no lixo não encontraremos mais o fim da linha ou o
fim da cadeia de consumo, encontraremos o fim do desperdício”. Poderíamos
acrescentar que encontraremos o início da vida. Uma vida em construção,
sujeitos em construção. Sujeitos que amam, sorriem, cantam, lutam, caminham,
jogam, trabalham. Catador de sonhos, catadores de utopia, catadores de mundo
novo. Afinal,
A gente não quer só comida,
A gente quer comida, diversão e arte [...]
A gente não quer só comer,
A gente quer comer e quer fazer amor
A gente não quer só comer,
A gente quer prazer pra aliviar a dor
A gente não quer só dinheiro,
A gente quer dinheiro e felicidade
A gente não quer só dinheiro,
A gente quer inteiro e não pela metade. (TITÃS)
Antes do fim, é importante retomar que histórias vividas, contadas e
anotadas, trazem sempre presente os momentos sócio-históricos em que foram
vividos e os momentos sócio-históricos em que foram contadas. Além disso, o/a
pesquisador/a também pincela com sua própria subjetividade as histórias dos
pesquisados por ele/ela ouvidas e escritas. Contudo, não parece ser apropriado
pensar em falta de fidelidade ao que foi vivido, contado ou anotado, uma vez
que é profundamente humano que os afetos permeiem tais construções.
Assim, as histórias se entrelaçam: os associados que contam seus
recortes, a pesquisadora que ouve e re-conta essas histórias e, ao mesmo
tempo, vive esse escutar e contar, com chuva, sol e suor.
Contar histórias e recontá-las faz parte de nossa memória. Da memória
do povo missioneiro. E, entre tantas, duas merecem destaque neste momento: o
cuidado que os guaranis tinham com a natureza, justamente porque era dela
que tiravam boa parte de seu sustento, e a forma de trabalho coletivo na
propriedade comunal chamada Tupanbaé. Acredito ser importante que
trabalhadores pobres e desfiliados da ordem econômica vigente, tenham
presente experiências inspiradoras de novas formas de vida, mais humana e
solidária, possibilitando-lhes um olhar de esperança para seu futuro.
Embalada pela utopia do mundo novo e deixando o mito adentrar a minha
alma, pensei que Sepé poderia vir de novo para fortalecer a luta dessa gente
missioneira e que os pobres desta terra, organizados como na Tupambaé de
outrora, possam plantar nas entranhas da terra a semente da solidariedade, da
dignidade e da humanidade. Talvez não aconteça assim. Contudo, na
reciclagem da Ecos do Verde encontrei guerreiras e guerreiros, que trabalham
coletivamente em busca de melhores condições de vida para si e para todos os
que fazem parte da associação.
Destaco que, ao propor tal pesquisa, a motivação da pesquisadora esteve
impregnada por um certo romantismo ou, talvez, por uma utopia exagerada. No
decorrer das visitas e das entrevistas, a pesquisadora foi tomada por uma certa
ansiedade e decepção: não encontrou a nova sociedade. Encontrou apenas a
sementinha que está sendo germinada. Ainda frágil. Mas tão humana!
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