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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
ESTÁGIO CURRICULAR: UM ESTUDO A PARTIR
DAS SIGNIFICAÇÕES SOCIAIS CONSTRUÍDAS
PELAS ESTAGIÁRIAS SOBRE O CURSO DE
PEDAGOGIA/CE/UFSM.
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
Neridiana Fabia Stivanin
Santa Maria, RS, Brasil
2007
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ESTÁGIO CURRICULAR:
UM ESTUDO A PARTIR DAS SIGNIFICAÇÕES SOCIAIS
CONSTRUÍDAS PELAS ESTAGIÁRIAS SOBRE O CURSO
DE PEDAGOGIA/CE/UFSM.
por
Neridiana Fabia Stivanin
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado do Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Maria
(UFSM, RS), como requisito parcial para a obtenção do grau de
Mestre em Educação.
Orientadora: Profª. Drª. Helenise Sangoi Antunes
Santa Maria, RS, Brasil
2007
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Universidade Federal de Santa Maria
Centro de Educação
Programa de Pós-Graduação em Educação
A Comissão Examinadora, abaixo assinada,
aprova a Dissertação de Mestrado
ESTÁGIO CURRICULAR: UM ESTUDO A PARTIR DAS
SIGNIFICAÇÕES SOCIAIS CONSTRUÍDAS PELAS ESTAGIÁRIAS
SOBRE O CURSO DE PEDAGOGIA/CE/UFSM.
elaborada por
Neridiana Fabia Stivanin
Como requisito parcial para a obtenção do grau de
Mestre em Educação
COMISSÃO EXAMINADORA:
Helenise Sangoi Antunes, Profª. Drª. (UFSM)
(Presidente/Orientadora)
Maria Aparecida Paiva, Profª. Drª. (UFMG)
Cleoni Maria Barboza Fernandes, Profª. Drª. (UNISINOS)
Valeska Maria Fortes de Oliveira, Profª. Drª. (UFSM)
(Suplente)
Santa Maria, 29 de Março de 2007.
Dedico esse trabalho a minha
família, ao Marcelo, a Ana Julia e a
minha querida orientadora.
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente a Deus pela força que me concede todos os dias
para conquistar meus objetivos com perseverança e alegria.
A minha família. Meu pai Valmor, minha mãe Nelci, minha irmã Mônica e meu
irmão Vagner. São pessoas especiais/essenciais que sempre me incentivaram e me
apoiaram de todas as formas para que eu pudesse superar com força, alegria e
muita determinação as mais diversas dificuldades, angustias e desafios durante toda
a minha vida.
Ao Marcelo, uma pessoa incrível que se tornou meu noivo. Um porto seguro
onde encontro alento, compreensão e incentivo em todos os momentos.
Aos meus alunos da Escola Marista Santa Marta e a todas as crianças que
convivem comigo. São seus olhares, sedentos de conhecimento e repletos de
alegria e entusiasmo que me incentivam a buscar novas formas de compartilhar um
pouquinho do que sei e do que ainda posso aprender.
À Direção e Coordenação da Escola Marista Santa Marta, pela compreensão
nos momentos em que precisei me afastar da escola em virtude do curso de
Mestrado.
A Otília, minha colega de trabalho, pelo apoio e incentivo diário.
A Mari, pelas gargalhadas sem medida e também pelo incentivo constante.
Aos meus colegas do GEPFICA, em especial a Sharlene, pelo carinho,
compreensão e apoio, além das horas de descontração.
A Universidade Federal de Santa Maria e ao Programa de Pós-Graduação em
Educação, pela oportunidade de realizar esse curso de Mestrado.
A minha querida Orientadora, Profª. Drª. Helenise Sangoi Antunes, uma
pessoa muito, muito especial e humana, alguém que marcou para sempre minha
história de vida, demonstrando confiança, incentivo, carinho e muito amor por mim
enquanto professora e pesquisadora.
À Profª. Drª. Maria Aparecida Paiva, a Profª. Drª. Cleoni Maria Barboza
Fernandes e a Profª. Drª. Valeska Maria Fortes de Oliveira pela disponibilidade de
participar como membro da Comissão Examinadora da Qualificação deste Projeto
de Mestrado em Educação.
RESUMO
Dissertação de Mestrado
Programa de Pós-Graduação em Educação
Universidade Federal de Santa Maria
ESTÁGIO CURRICULAR: UM ESTUDO A PARTIR DAS SIGNIFICAÇÕES
SOCIAIS CONSTRUÍDAS PELAS ESTAGIÁRIAS SOBRE O CURSO DE
PEDAGOGIA/CE/UFSM
Autora: Neridiana Fábia Stivanin
Orientadora: Helenise Sangoi Antunes
Data e Local da Defesa: Santa Maria, 29 de março de 2007.
Essa pesquisa investigou como foram construídas as experiências vivenciadas no
estágio curricular do curso de Pedagogia - Séries Iniciais e Habilitação em matérias
pedagógicas do 2º Grau. Segundo Antunes (2001), essa fase compõe uma das mais
desafiantes da trajetória docente e é marcada por angústias e inquietações. A
pesquisa teve como objetivos principais investigar as significações construídas
acerca das perspectivas do curso, das experiências vivenciadas no estágio e da
relação estabelecida entre a formação adquirida durante o curso e os aspectos que
permeiam as práticas, procurando identificar as influências que essas experiências
exercem sobre a construção da identidade profissional (PIMENTA, 2004) e os
processos formativos (ANTUNES, 2001). A metodologia utilizada caracterizou-se por
uma abordagem qualitativa pautada nas reflexões propostas por Bogdan; Biklen
(1994), baseada em entrevistas semi-estruturadas e relatos autobiográficos com a
colaboração de três estagiárias do curso de Pedagogia Séries Iniciais. Os resultados
alcançados dizem respeito à dimensão do imaginário instituído, representado pelas
más lembranças escolares, marcadas frustrações vivenciadas na escola. O
imaginário assume a dimensão instituinte quando as colaboradoras conseguem
refletir sobre essas imagens negativas através da presença de professores que
manifestaram interesse e ofereceram apoio durante suas trajetórias educativas. Em
relação à construção da identidade profissional, as colaboradoras ingressaram no
curso de Pedagogia sem estarem identificadas com o mesmo, aspecto que constitui
a dimensão do imaginário instituído. Contudo, o envolvimento em projetos de
pesquisa e as experiências vivenciadas no período de estágio curricular contribuíram
para que as colaboradoras se sentissem mais identificadas e realizadas com o
curso. No que se refere aos processos formativos, as informações coletadas com as
colaboradoras demonstram que a dimensão instituída é representada pelo mito da
prática. Mesmo considerando que os processos formativos são a chave da
construção de um profissional de qualidade e que as experiências estabelecidas no
período de graduação foram positivas e significativas, ainda valorizam com maior
ênfase as experiências construídas com a participação em projetos desenvolvidos
na comunidade educativa e no contato com a realidade durante o estágio do curso
de Pedagogia. O imaginário instituinte, que se refere aos processos formativos, está
representado no empenho, na busca pessoal e no desejo de ir além do que é
oferecido na universidade, percebendo a formação como uma porta inicial para a
construção da identidade profissional, refletida na maneira de praticar a profissão.
Palavras-chave: processos formativos; identidade docente; estágio curricular.
ABSTRACT
Master Dissertation
Graduate Program on Education
Federal Uniersity of Santa Maria
TEACHING PRACTICE: A STUDY BASED ON SOCIAL SIGNIFICATIONS
CONSTRUCTED BY THE TRAINEES ABOUT THE UNDERGRADUATE
PEDAGOGY COURSE AT CE/UFSM
Author: Neridiana Fábia Stivanin
Coordinator: Helenise Sangoi Antunes
Place and date of the Presentation: Santa Maria, march, 2007.
This research investigated how experiences were constructed during curricular
training in Pedagogy – Initial Series and Qualification in Pedagogical Disciplines of
High School Level. According to Antunes (2001), this period stands for one of the
most challenging in teaching trajectory and is marked by anguish and concerns. The
research aimed at investigating the meanings constructed about the perspectives of
the course, the experiences lives in training and the relationship established between
the formation acquired during the course and the aspects that act upon the practice,
in order to identify the influences those experiences exert on the construction of
professional identity (PIMENTA, 2004) and formative processes (ANTUNES, 2001).
The methodology employed is characterized by a qualitative approach, by Bodgan;
Biklen (1994), based on semi-structured interviews and autobiographical reports with
the collaboration of three training students from Pedagogy course – Initial Series.
The results accomplished are related to the dimension of the instituted imaginary,
represented by bad school memories and frustrations lived in school. The imaginary
takes the instituintive dimension when the collaborators manage to reflect about
these negative images, based on the presence of teachers who manifested interest
and offered support during their educative trajectories. In relation to the construction
of the professional identity, the collaborators entered the Pedagogy course without
having any identification with it, what constitutes the dimension of the instituted
imaginary. However, their involvement in research projects and the experiences lived
during curricular training time helped the collaborators to feel more identified and
satisfied with the course. In relation to the formative processes, the data gathered
with the collaborators demonstrate that the instituted dimension is represented by the
myth of the pratic. Even recognizing that the formative processes are the key to the
construction of a qualified professional and that the experiences established during
graduation were positive and meaningful, they still value with more emphasis the
experiences constructed via participation in projects developed in the educative
community and in the contact with reality during training time inside Pedagogy
course. The instituintive imaginary, related to formative processes, is represented in
the personal search and effort and in the wish to go beyond what is offered in the
university, thus understanding formation as a initial stage to the construction of
professional identity, reflected in the way of practicing the profession.
Key words: education processes; teaching identity; teaching practice.
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO .................................................................................................... 9
1.1 Justificando a investigação ........................................................................... 9
2. MINHA VIDA E UM OLHAR SOBRE MINHA HISTÓRIA .................................. 13
3. DESAFIOS E INTERFACES NA FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES ... 26
4. SABERES E IDENTIDADE PROFISSIONAL DE PROFESSORES: UM OLHAR
ATRAVÉS DO PROCESSO DE REFLEXÃO DO TRABALHO DOCENTE
................................................................................................................................... 40
5. APROXIMAÇÕES DO IMAGINÁRIO CONSTRUÍDO SOBRE O CURSO DE
PEDAGOGIA NO ESTÁGIO CURRICULAR ........................................................... 53
6. ENCAMINHAMENTOS METODOLÓGICOS ....................................................... 61
6.1 O Estágio como Espaço de Pesquisa ............................................................ 61
6.2 Abordagem qualitativa ..................................................................................... 61
6.3 Instrumentos de coleta das informações ....................................................... 63
6.4. Aproximação com as colaboradoras da pesquisa ....................................... 67
6.4.1. Interações desenvolvidas com as colaboradoras ..................................... 67
6.4.1.1. 1° semestre de 2005 ................................................................................... 67
6.4.1.2. 2° semestre de 2005 ................................................................................... 67
6.4.2. Critérios utilizados para a escolha das colaboradoras ............................ 67
6.4.3. Apresentando as colaboradoras da pesquisa ........................................... 68
6.4.3.1. Colaboradora H.L ........................................................................................ 68
6.4.3.2. Colaboradora B. X. H. ................................................................................. 70
6.4.3.3. Colaboradora E.C. ....................................................................................... 72
7. ESTÁGIO CURRICULAR: UMA APROXIMAÇÃO DAS SIGNIFICAÇÕES
IMAGINÁRIAS INSTITUÍDAS E INSTITUINTES ..................................................... 75
7.1 Lembranças da escola: o imaginário instituído e instituinte sobre as
lembranças escolares ............................................................................................ 77
7.2 Identidade Profissional: a construção dos saberes da profissão ............... 87
7.3 Processos formativos: alguns apontamentos a partir do estágio curricular
do curso de Pedagogia/CE/UFSM ....................................................................... 100
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................ 113
9. REFERÊNCIAS .................................................................................................. 115
Anexos
1. INTRODUÇÃO
1.1 Justificando a Investigação
O processo de construção dessa dissertação de mestrado teve início muito
antes do meu ingresso no Mestrado em Educação do PPGE/UFSM. Enquanto
acadêmica do curso de Pedagogia Séries Iniciais – Habilitação em matérias
pedagógicas do 2º Grau /UFSM –, tive a oportunidade de participar de um projeto de
extensão que teve por objetivo propiciar momentos de formação e reflexão
continuada a professores do município de Engenho Velho/RS, nos anos de 1999 e
2000. Esse projeto intitulava-se “Docência Leiga: A formação construída na
cotidianidade escolar”, e estava vinculado ao GEPEIS – Grupo de Estudos e
Pesquisas em Educação e Imaginário Social, sob a coordenação da Profª. Drª.
Valeska Fortes de Oliveira.
Nos encontros, os professores comentavam fatos do cotidiano escolar a partir
de textos teóricos discutidos nas reuniões de estudo. Esses comentários eram
repletos de significados oriundos da experiência profissional, já que os professores
estavam praticando a docência. Isso chamou minha atenção para a importância de
se estabelecer constantemente a relação entre teoria e prática. Através dos relatos
feitos pelos professores, eu ficava imaginando como agiria quando estivesse na
condição de professora. Em função disso, senti necessidade de repensar a minha
formação, considerando que a grade curricular do curso de graduação destina
apenas o espaço do estágio supervisionado para o acadêmico interagir efetivamente
com uma turma de alunos.
As experiências vivenciadas no meu período de estágio curricular motivaram-
me a investigar esse espaço de formação. O estágio, no ano de 2001, representou
uma etapa desafiadora e o primeiro contato com a escola na responsabilidade de
professora. Todo o processo de construção da proposta pedagógica a ser
desenvolvida no estágio refletia minhas incertezas, angústias e o desejo de fazer a
diferença, com o intuito de contribuir positivamente na realidade educacional em que
estava inserida. As preocupações e decepções aconteciam paralelamente aos
momentos gratificantes de
O processo inicial e suas incertezas só é vencido em virtude da exaltação
de estar colocando em prática o que foi estudado durante o curso de
formação. É a relação teoria-prática que está sendo vivida diariamente; é a
possibilidade de “tornar-se professor”, responsabilizar-se pela turma de
alunos e ensinar os conteúdos julgados necessários para o processo de
crescimento das crianças. Estes fatores, aliados ao desejo de ensinar,
auxiliam o professor a vencer os inúmeros obstáculos do início da carreira.
Mas, muitas vezes, vários profissionais acabam desistindo da educação em
função das exigências que tal início impõe e da insegurança que geram em
relação a sua posição profissional (ANTUNES, 2001, p. 20).
Todas essas experiências ficaram gravadas em minha memória, somando-se
ao desejo de entender como se estabelecem as relações entre as teorias estudadas
e as práticas desenvolvidas em sala de aula.
É oportuno investigar as significações construídas a partir das experiências de
estágio, bem como a relação entre a formação adquirida no curso e os aspectos que
permeiam as práticas, com o intuito de identificar que tipo de influências essas
experiências exercem sobre a carreira docente.
Todas essas perspectivas sobre práticas educativas estão repletas de
significações acerca do entendimento de “ser professor” que cada profissional
possui. Essas significações são representadas pelo docente a todo o momento no
cotidiano educacional em que estuda e atua. Esse aspecto contribui de maneira
significativa para a compreensão do processo de formação.
A imagem de professor que permeia as histórias de vida das estagiárias pode
dimensionar e redimensionar as ações educativas de modo a transformar essa
imagem um referencial que norteará todo o processo de ressignificação do tornar-se
professor. Tal proposta está de acordo com Arroyo (2001, p. 18), uma vez que
“educar incorpora as marcas de um ofício e de uma arte, aprendida no diálogo de
gerações. O magistério incorpora perícia e saberes aprendidos pela espécie humana
ao longo de sua formação”.
A investigação das significações sociais que atravessam a trajetória educativa
a respeito dos mestres possibilita identificar quais aspectos influenciaram na
organização das práticas educativas. Segundo Catani (1997, p. 19), “ao serem
trabalhados, esses relatos favorecem o redimensionamento das experiências de
formação e das trajetórias profissionais e tendem a fazer com que se infiltrem na
prática atual novas opções, novas buscas e novos modos de ensino”.
Está cada vez mais evidente a preocupação que se instala nas turmas de
prática de ensino dos cursos de licenciatura, em especial da graduação em
Pedagogia Séries Iniciais – Habilitação em Matérias Pedagógicas do 2º Grau. Essa
preocupação está relacionada ao desconforto percebido entre a teoria e prática pois,
de acordo com Vasquez (1968, p. 207), “se a teoria não muda o mundo, só pode
contribuir para transformá-lo exatamente como teoria. Ou seja, a condição de
possibilidade-necessária, embora não suficiente para transitar conscientemente da
teoria à prática”.
Muitas vezes as alunas, de modo geral, apostam fortemente no mito da
“prática” (ANTUNES 2001), acreditando que somente ela irá resolver os problemas.
Dessa forma, não se dão conta da necessidade do equilíbrio entre teoria e prática,
pois a teoria elucida os problemas da prática assim como a prática ilustra as
questões da teoria. De acordo com pesquisas de Fernandes (2006, p.5), “esta
polarização da teoria e da prática não dá conta da complexidade da realidade e, sim
exige uma postura tensionada entre elas, entendendo que a teoria dialeticamente
está imbricada com a prática”.
A organização do currículo que compunha a antiga matriz curricular do curso
de Pedagogia do CE/UFSM destacou-se pelo desequilíbrio entre o espaço teórico de
sala de aula (o qual compreende a maior parte do curso) e as práticas de final de
curso, que ficavam conseqüentemente sobrecarregadas. A contribuição teórica dos
cursos de formação é fundamental para a sustentação das práticas em sala de aula;
entretanto, a teoria deve estar calcada em um processo contínuo de vinculação com
a prática, em que nem uma nem outra sejam entendidas como verdades em si
mesmas, mas que se mantenham em constante relação de reciprocidade,
engendrando novas idéias e novas compreensões de mundo. Quando isso não
ocorre, percebe-se que as relações sociais inerentes ao processo educativo deixam
de ser abarcadas, impossibilitando uma mudança concreta na construção dos
indivíduos enquanto agentes sociais e colocando em dúvida a autonomia e a
criticidade das ações docentes no contexto escolar em questão.
Espera-se da licenciatura que desenvolva nos alunos conhecimentos e
influenciam na organização das significações sociais sobre a escola construídas nos
processos de formação;
- Investigar de que forma o período de estágio curricular atua na construção
da identidade profissional de cada estagiária e como elas percebem essa transição
de aluna a professora.
Com base nesse direcionamento, o problema da pesquisa configura-se da
seguinte forma: quais são as significações construídas pelas estagiárias do Curso de
Pedagogia -Séries Iniciais.Habilitação em matérias pedagógicas do 2º grau da
UFSM – sobre o estágio curricular com relação aos processos formativos e a
construção da identidade profissional?
Dentro da perspectiva que vem-se organizando este trabalho é importante
destacar alguns momentos significativos de minha história de vida escolar, já que
são fragmentos importantes para elucidar minha escolha pelo tema da pesquisa,de
acordo com Josso (2004, p.58) esta forma de compreender nossas histórias de vida
permite “um processo de conhecimento de si mesmo que tem início a partir de todas
as pré-concepções que nos habitam no momento em que apreendemos o caminho
biográfico”. Acreditando nesta concepção e entendendo-a como uma possibilidade
de desvelar escolhas, pensamentos e ações, não poderia deixar de apresentar a
minha autobiografia.
2. MINHA VIDA E UM OLHAR SOBRE MINHA HISTÓRIA
Ao longo de nossa vida, vamos percebendo que fatos e pessoas deixam
marcas. Todas essas marcas, positivas ou negativas, contribuem para a nossa
constituição enquanto pessoa e profissional. Com base nessa idéia, me reporto
agora a minha infância para tentar organizar a minha história e entender as
indagações que me levaram a pesquisar sobre a formação de educadores.
Minha vida escolar iniciou aos 5 anos de idade. Na época, eu morava e
estudava em uma localidade do interior do município de Constantina/RS, e
acompanhava as aulas eventualmente com uma professora que morava em minha
casa. Ela me dava um auxílio extra-classe.
No final do ano letivo, essa professora me levou até a Secretaria Municipal de
Educação para realizar uma prova, a partir da qual eu poderia ou não ingressar na
1
a
série. Pois bem, passei nessa prova e a partir de então pude fazer parte
literalmente da escola, sempre acompanhada pela minha professora preferida, que
com muita dedicação e compreensão me incentivou a continuar.
A sala de aula era multiseriada, bem colorida. As professoras procuravam
expor aos colegas os nossos trabalhos escolares, e assim as aulas se
desenvolveram de maneira tranqüila e rotineira até a metade da 4
a
série quando nos
mudamos, eu e minha família, para uma localidade um pouco mais próxima da
cidade.
Ingressei, então, em uma escola estadual um pouco mais exigente do que a
que eu freqüentava. Passei por algumas dificuldades, mas que foram superadas
com esforço. Essa escola possuía o ensino somente até a 4ª série, e então mais
tarde foi necessário mudar para outra, ainda na mesma cidade, onde concluí o 1° e
o 2° grau. Foram muitas trocas de experiências entre os colegas, muitos trabalhos,
muitas provas, muitas amizades, conversas, discussões, tudo normal e saudável:
experiências que me proporcionaram momentos tanto de alegria quanto de tristeza
extrema.
No que se refere aos professores, muitos foram os que me marcaram por seu
companheirismo, dedicação e paixão em ensinar. Há outros que prefiro esquecer,
por seu desleixo e falta de vontade em procurar usufruir de métodos didáticos mais
eficazes que nos propiciassem o entendimento necessário de determinados
assuntos.
Mas tudo bem, nada me impediu de prosseguir. E após a formatura chegou o
tão esperado e sufocante vestibular. Tentei o primeiro e não consegui. Fazer o que?
Continuei, tentei de novo e assim, no 2° ano, consegui ingressar na tão almejada
UFSM, para cursar Pedagogia Séries Iniciais – Habilitação em matérias pedagógicas
do 2º Grau.
A partir de então as coisas mudaram. Não estava mais no colégio. Saí de
casa. Tive nesse momento que aprender a me virar sozinha. Os trabalhos eram
muitos, as responsabilidades aumentaram. Sou eu que tomo as minhas mais
importantes decisões. E as conseqüências, ah, as conseqüências... quantas
expectativas frustradas, pessoas de regiões diferentes, costumes diferentes; o bom
de tudo são exatamente essas trocas de experiências, sempre com vista a nos
construirmos da melhor forma como pessoa.
Ingressei na Universidade Federal de Santa Maria no ano de 1997, para
cursar Pedagogia Séries Iniciais – Habilitação em matérias pedagógicas do 2º Grau.
Minhas expectativas positivas em relação ao curso só aumentaram e se
concretizaram durante toda a graduação, me instigando a buscar conhecimentos
para a atualização da formação e um embasamento teórico capaz de subsidiar a
prática profissional.
Além das disciplinas, da prática docente dos professores, das discussões em
aula e também dos muitos trabalhos elaborados durante a graduação sobre a
atuação docente, acredito que o diferencial da minha experiência acadêmica se
deva à participação nos anos de 1999 e 2000 no GEPEIS (Grupo de Estudos e
Pesquisas em Educação e Imaginário Social), sob coordenação nesse período da
Profª. Drª. Valeska Fortes de Oliveira e da Profª. Drª. Helenise Sangoi Antunes.
Desde o início da graduação, sempre me preocupei em participar de um
grupo de pesquisa, pois entendia ser este o caminho para compreender melhor as
relações de sala de aula, subjacentes à prática e à experiência dos professores
enquanto sujeitos das pesquisas de muitos grupos de estudos que existem no
Centro de Educação da Universidade Federal de Santa Maria. O convite veio
através da. Profª. Drª. Helenise Sangoi Antunes, que na época era minha professora
de Sociologia da Educação. Comecei então a participar das reuniões de estudo para
compreender como o grupo se organizava e também me integrar a ele.
Através do GEPEIS, participei mais efetivamente durante os anos de 1999 e
2000 do projeto “Docência Leiga: a Formação Construída na Cotidianidade Escolar”.
Esse trabalho foi possível através de um acordo do grupo GEPEIS/UFSM com a
Secretaria de Educação Municipal de Engenho Velho. A orientação foi da Profª. Msª.
Isolete Paim Dutra, integrante do grupo que juntamente comigo e uma colega de
curso organizava todo o processo.
As atividades desenvolvidas consistiam em encontros quinzenais com
professores do referido município. Os encontros eram intercalados com leituras
dirigidas por mim e minha colega, discussões, questionamentos e explanações
sobre determinadas temáticas educacionais sistematizadas pela Professora Isolete.
Além disso, foram organizadas oficinas pedagógicas, apresentações teatrais e
trabalhos com fantoches construídos com material de sucata, bem como estudos e
reflexões sobre textos.
O objetivo principal do projeto estava centrado no desenvolvimento
profissional dos professores. Possuía, portanto, um caráter investigativo, com o
intuito de estimular atitudes crítico-reflexivas construídas indissociavelmente sobre
as vivências, anseios, expectativas e experiências de vida. Dessa forma, viabilizou-
se a troca de conhecimentos para contribuir na formação de professores da zona
rural, oferecendo-lhes uma discussão a respeito do seu compromisso enquanto
profissionais da educação. Nesse sentido, foi valorizada a produção de
conhecimentos construídos na prática pedagógica escolar, inerentes à profissão,
compondo importantes fragmentos que levam a pensar a educação no sentido de
desvelar e instigar a compreensão do processo formativo.
No decorrer de todo esse trabalho, foi possível observar mudanças
conceituais dos professores envolvidos, percebidas no avanço concreto da
qualidade de suas escritas, na maneira de ser e ver-se professor, bem como no
modo de expressar-se nas discussões propostas nos encontros, referentes
principalmente às questões do seu cotidiano escolar. Esse processo de dar espaço
para a “voz” dos professores (NÓVOA, 1992) obteve um resultado muito rico, pois
através desses relatos foi possível perceber os aspectos mais relevantes das
histórias de vida de cada profissional.
As experiências vivenciadas através do contato e do convívio com esses
professores me proporcionaram uma valiosa aprendizagem durante a graduação,
pois me permitiram visualizar, através de exemplos da prática, o que na ocasião eu
estava estudando na Universidade. Isso tornou possível estabelecer uma relação
entre teoria e prática e compreender questões pertinentes à realidade de sala de
aula, o que contribuiu para o processo de construção da minha identidade
profissional. Além disso, pude perceber o quanto é importante valorizar em sala de
aula o contexto social dos alunos, já que os professores que seguiam as “cartilhas”
tinham mais dificuldade em atingir os anseios dos alunos, pois o conteúdo não era
atrativo para a vida deles.
Ao final do curso, aumentaram ainda mais as indagações em relação ao
futuro. Embora tenhamos, nessa ocasião, um pouco mais de maturidade e
segurança em nossas atitudes, surgem muitas preocupações quanto ao que vem
pela frente, pois são muitas as possibilidades de um futuro incerto a ser construído a
cada dia de nossa vida profissional e particular. Cabe então, nesse momento,
destacar a fundamental e distinta inspiração da professora companheira e
incentivadora que esteve na minha vida acompanhando os primeiros passos de
minha caminhada escolar, a quem me refiro no início desse texto. Suas práticas
metodológicas e suas ações tanto dentro quanto fora da escola me deram base para
querer fazer um trabalho diferenciado, espelhado na boa experiência que tive na
ocasião em que cursava a 1
a
série do ensino fundamental, uma vez que as relações
estabelecidas eram harmoniosas e comprometidas com o ensino-aprendizagem.
Entre tantos outros professores que fizeram parte da minha vida, ao me
debruçar sobre minhas lembranças percebo que foi ela uma das professoras que
mais me marcou. Por sua sinceridade, amizade, compreensão e principalmente
dedicação e alegria no trabalho, ela desenvolveu em mim e em meus colegas um
espírito de luta, persistência e muito gosto pelo ensino. Partindo disso é que me
sinto professora, e é me reportando a ela que pretendo desenvolver todo o meu
trabalho, cativando os alunos, fazendo com que eles se sintam bem no ambiente
escolar, desenvolvam as atividades com vontade e entusiasmo por aprender e se
tornem capazes de perceber a educação como algo fundamental e indispensável
para a conquista da cidadania, a qual possibilita a efetiva participação e construção
pessoal dos alunos enquanto sujeitos agentes e atuantes no meio social em que
estão inseridos.
Na minha vida acadêmica, uma das pessoas mais marcantes, que me fez
sentir realmente educadora e aprendiz, foi a Professora Helenise Sangoi Antunes,
que orientou o meu estágio, a minha especialização e também este mestrado. Sua
atuação proporcionou a mim e a todas as minhas colegas de aula uma sensação de
segurança, esperança, confiança e compromisso em melhor desempenhar o nosso
papel enquanto professoras. Ela nos guiou. Através de seu entusiasmo, acendeu em
nós uma chama de determinação e dedicação por nossa profissão, recuperando
nossa auto-estima e a valorização pessoal por nós mesmas enquanto seres
humanos e docentes. Nossa orientadora do estágio, naquela fase tão conflitante, foi
algo de muito valor e estima, comparada a um porto seguro onde encontrávamos
ajuda e compreensão, sendo portanto “alguém especial” a todas nós. Com o
exemplo da sua maneira de ser, tenho a certeza de que é possível fazer um trabalho
bom e significativo pela nossa educação e a de nossos alunos.
No ano de 2002, ingressei no curso de Especialização em Gestão
Educacional da UFSM, no qual pude aprofundar meus conhecimentos quanto às
questões relativas à Equipe Diretiva.
Minha pesquisa teve como título “As concepções dos Gestores Educacionais
sobre as práticas de ensino das estagiárias do curso de Pedagogia CE/UFSM”, sob
a orientação da Profª. Drª. Helenise Sangoi Antunes, sendo concluída em setembro
de 2003. Esse trabalho foi realizado com a equipe diretiva de escolas da Rede
Municipal de Ensino de Santa Maria/RS, com o intuito de identificar as concepções
que os Gestores da Educação possuíam sobre as práticas educativas desenvolvidas
pelas estagiárias do curso de Pedagogia – Séries Iniciais da UFSM. A análise desse
contexto tornou-se significativa para que se pudesse compreender um pouco mais a
respeito do processo de estágio, com as angústias, as incertezas e os desafios que
surgem para a estagiária e para a equipe diretiva em relação ao processo de
formação como um todo, abrangendo a construção pessoal e profissional e a
relação teoria e prática estudada na Universidade.
Para desenvolver esse trabalho, foi imprescindível uma revisão literária
relacionada à Formação de Professores e à Gestão Democrática. A metodologia
utilizada caracterizou-se por uma abordagem qualitativa através de entrevista semi-
estruturada, realizada com três gestores de escolas da Rede Municipal de ensino de
Santa Maria. As propostas de reflexões indagadoras referentes à organização
curricular, ao Projeto-Político-Pedagógico e ao trabalho das estagiárias foram
coletadas com os respectivos sujeitos.
Os resultados alcançados apontaram para a necessidade de haver uma maior
interação entre a UFSM e a Rede Municipal de Ensino, procurando estabelecer uma
troca de conhecimentos e saberes. Além disso, demonstraram que o Orientador da
Prática de Ensino não deve ser visto como um supervisor, um interventor, mas sim
um articulador entre o professor regente, a estagiária e os respectivos gestores. Os
gestores também consideraram pertinente a instalação de novas metodologias de
interação entre equipes diretivas que possibilitassem a troca de conhecimentos e
experiências, contribuindo para o enriquecimento e o estreitamento de relações que
podem complementar-se e crescer de maneira conjunta. Além disso, podem ser
criados espaços para estruturar as práticas educativas das escolas a partir do
planejamento participativo e de projetos de trabalho, os quais se baseiam na
contextualização da realidade vivenciada pelos integrantes do ambiente educativo,
contemplando o sentido da escola, do ensino e a valorização da participação.
Outra consideração importante refere-se às atribuições dos gestores. É seu
papel pensar a área a partir dos aspectos administrativos, financeiros e
pedagógicos, e não somente administrativos, pois sua atuação tem por objetivo
mediar a descentralização de decisões, equilibrando ações necessárias a um
contexto educacional voltado a pensar a formação de cidadãos capazes de atender
as demandas exigidas pela realidade social em que estão inseridos.
Através do grupo de estudos coordenado por minha orientadora, também
participei nos anos de 2002 e 2003 do projeto intitulado “Ciclos de Vida Pessoal e
Profissional na Trajetória Docente”. Essa pesquisa embasou-se nas etapas
vivenciadas por professores, levando em consideração “fundamentalmente os anos
de experiência e não sua idade”, calcada nas proposições de Huberman (1992).
O objetivo do projeto foi pesquisar como são construídas as significações
imaginárias no decorrer das trajetórias de vida, ampliando os conhecimentos sobre o
contínuo processo de ser aluna e tornar-se professora. Isso contribuiu para
pensarmos a formação inicial e continuada de professores, empregando as
possibilidades de escrita autobiográfica e das reflexões nos diários de aula como
promotoras de reflexão sobre as lembranças da escola, sobre a prática docente e
sobre as trajetórias de vida de algumas estagiárias e de professores da rede de
ensino de Santa Maria/ RS. Com base nesse estudo, foi possível identificar os
saberes das professoras que estão atuando na rede de ensino e os saberes das
alunas em processo de formação.
O projeto resultou na publicação de um livro intitulado “Ciclos de vida pessoal
e profissional na trajetória docente”, que apresenta os resultados da pesquisa que
vem sendo desenvolvida desde 2002 sob a orientação Profª. Drª. Helenise Sangoi
Antunes. Essa professora partiu dos estudos desenvolvidos no seu Doutorado em
Educação (vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, sob a orientação da Profª. Drª. Merion
Campos Bordas), de sua experiência como professora-pesquisadora e da
necessidade que sentiu de prosseguir com suas investigações sobre o tema ciclos
de vida de professores no ensino fundamental. Por meio desse projeto, pretendeu-
se oportunizar espaços aos docentes para refletirem sobre sua carreira na busca
pelo aperfeiçoamento e qualificação dos seus processos de formação inicial e
continuada, de modo a contribuir para a melhoria de sua prática educativa.
Sentindo a necessidade de aprofundar seus estudos na área de Alfabetização
e Formação de Professores, a Profª. Drª. Helenise Sangoi Antunes criou em
setembro de 2004 o GEPFICA – Grupo de Estudo e Pesquisa sobre Formação
Inicial, Continuada e Alfabetização. Esse grupo surgiu em decorrência dos estudos e
pesquisas desenvolvidas após o Doutorado em Educação, com o intuito de
aprofundar os estudos na área de processos formativos de professores e as
discussões que envolvem a área de Alfabetização e Letramento. Sob esse enfoque,
desenvolvem-se desde o ano de 2002 os seguintes projetos de pesquisa que
sustentam a produção desse grupo:
- “Ciclos de Vida Pessoal e Profissional na Trajetória Docente”. Essa
pesquisa foi financiada pela FAPERGS, através do Apoio Recém-Doutor, e também
através de bolsa de iniciação científica do programa PIBIC/CNPq/UFSM;
- “Laboratório de Alfabetização: Repensando a Formação de Professores”.
Essa pesquisa tem como objetivo investigar novas metodologias para contribuir para
a melhoria e qualificação das alunas em formação e dos professores
alfabetizadores. Nesse sentido, estabelecemos parcerias com as escolas visando ao
estudo da teoria proposta por Ferreiro (1989, 1991, 2002, 2003, 2004) e também por
Soares (1999, 2004), entre outros, no anseio de repensar a prática pedagógica
vigente nas primeiras séries do ensino básico. Essa pesquisa recebeu financiamento
através do FIEX/UFSM e do edital PROEXT/SESU/MEC, e atualmente se configura
no projeto que articula o convênio institucional entre CEALE/UFMG e
GEPFICA/UFSM.
A investigação desse projeto propõe antecipar a relação teoria e prática dos
cursos de Educação Especial e Pedagogia, vinculados ao Centro de
Educação/UFSM, buscando implementar através de grupos de estudos ações e
práticas educativas interdisciplinares e de intervenção no cotidiano escolar. Esse
projeto está recebendo financiamento através do Prolicen-UFSM.
Nesse contexto, ainda durante o ano de 2005 foi assinado através do
GEPFICA/UFSM o convênio de cooperação com o CEALE (Centro de Alfabetização,
Leitura e Escrita da Faculdade de Educação da UFMG). A partir de então, novas
perspectivas de parcerias acadêmicas foram e serão construídas para qualificar
mais as ações de ensino, pesquisa e extensão desenvolvidas pelo referido grupo de
que faço parte.
A participação no GEPFICA/UFSM tem sido muito significativa. É mais uma
oportunidade de leituras, fundamentações e trocas de experiências com os vários
educadores que fazem parte do grupo, discutindo e aprendendo juntos novas formas
de pensar e praticar a docência.
Além das atividades que desenvolvo na Universidade, também sou professora
na Escola Marista Santa Marta. Essa escola é uma obra social das Instituições
Maristas, está situada em uma área de invasão do município de Santa Maria/RS e
atende mais de 900 crianças carentes. Preocupada com a realidade que a envolve,
a escola organiza suas ações pedagógicas calcadas nas proposições de Hernández
(1998, 2000), e busca através dos Projetos de Trabalho considerar diariamente o
contexto social dos alunos.
A proposta que inspira os projetos de trabalho está vinculada à perspectiva
do conhecimento globalizado e relacional. Essa modalidade de articulação
dos conhecimentos escolares é uma forma de organizar a atividade de
ensino e aprendizagem que implica considerar que tais conhecimentos não
se ordenam para sua compreensão de uma forma rígida, nem em função
de algumas referências disciplinares preestabelecidas ou de uma
homogeneização dos alunos. A função do projeto é favorecer a criação de
estratégias de organização dos conhecimentos escolares em relação a: 1)
o tratamento da informação e 2) a relação entre os diferentes conteúdos
em torno de problemas ou hipóteses que facilitem aos alunos a construção
de seus conhecimentos, a transformação da informação procedente dos
diferentes saberes disciplinares em conhecimento próprio (HERNÁNDEZ;
VENTURA, 1998, p. 58).
Considerando a realidade social em que os alunos estão inseridos, a ação
através dos projetos representa uma forma de valorizar e trabalhar de maneira
diferenciada as dificuldades de aprendizagem encontradas na escola. Essa proposta
foi implantada na escola a partir do segundo ano de desenvolvimento de suas
atividades educativas. Assim, desde o ano de 1998, a instituição tem uma
caminhada importante junto à Pedagogia de Projetos.
Os temas dos projetos são escolhidos pelos alunos a cada novo semestre,
de acordo com série e turno. O processo de escolha do tema tem duração mais ou
menos de uma semana. Inicialmente os alunos, em sala de aula, fazem pesquisas
bibliográficas e pesquisas de opinião com os pais, tentando identificar temas
condizentes com a sua realidade social. Essas escolhas pretendem que os temas
possam, de algum modo, ser revertidos em benefício da comunidade, através das
ações concretas que serão estabelecidas a partir deles.
Segundo Hernández; Ventura (1998, p. 67), essa etapa pressupõe que “o
professorado e os alunos devem perguntar-se sobre a necessidade, relevância,
interesse ou oportunidade de trabalhar um ou outro determinado tema. Todos
analisam, de diferentes perspectivas, o processo de aprendizagem que será
necessário levar adiante para construir conjuntamente o projeto”.
Posteriormente, os alunos elencam temas para que o professor os registre no
quadro. Nesse momento, vários temas aparecem. Em seguida, o professor organiza
a votação. Depois da escolha do tema por turma, os alunos começam a organizar a
defesa do mesmo para as outras turmas de mesma série. Constroem cartazes e
tentam convencer os colegas das outras turmas sobre a importância de seu tema.
No dia que antecede a votação, ocorre a defesa do tema de cada turma para
as demais do mesmo turno e série. Essa é uma ocasião muito especial para os
alunos, pois é a hora de galgar votos destacando os pontos mais importantes de seu
tema.
O critério da escolha de um tema pela turma não se baseia num “por que
gostamos”, e sim em sua relação com os trabalhos e temas precedentes,
porque permite estabelecer novas formas de conexão com a informação e a
elaboração de hipóteses de trabalho que guiem a organização da ação
(HERNÁNDEZ; VENTURA, 1998, p. 68).
A votação acontece com cédulas contendo o tema representante de cada
turma, e os alunos escolhem marcando com um “x”. Finalizado o processo de
escolha do tema, na sala de aula os alunos são indagados a respeito do que sabem
sobre o tema e do que gostariam de aprender sobre ele.
Hernández; Ventura (1998, p. 119) destacam a peculiaridade dessa fase do
andamento do projeto, considerando que “cada projeto tem uma organização
própria, determinada por um conjunto de fatores entre os quais devemos destacar:
os objetivos definidos pela professora, os conteúdos específicos do tema e as
características do grupo que vai realizar o trabalho”. A especificidade das
características dos temas é tratada pela escola de maneira cuidadosa dentro de
cada projeto e está diretamente ligada à forma como os professores direcionam as
atividades conjuntamente com os conteúdos.
Feito o levantamento dos assuntos considerados importantes pelos alunos, os
professores se reúnem por série para organizar os conteúdos e as ações concretas
condizentes com o tema e os assuntos a serem desenvolvidos durante o semestre.
Estudar e analisar as informações em torno do tema ou problema do qual
se ocupa o Projeto, com o critério de que aquelas apresentem novidades,
proponham perguntas, sugiram paradoxos, de forma que permita ao aluno
ir criando novos conhecimentos. Esta seleção de informação deve ser
contrastada com outras fontes que os estudantes já possuam ou possam
apresentar, e também com as conexões que possam surgir de outras
situações e espaços educativos, os quais tenham lugar dentro do horário e
do planejamento da escola (HERNÁNDEZ; VENTURA, 1998, p. 69).
Esses conteúdos compõem uma “teia de assuntos” que tem característica
flexível de realização, ou seja, tanto podem ser acrescentados e a ela quanto podem
ser extintos se assim for necessário.
Um dos aspectos importantes a serem destacados na organização do
currículo escolar por projetos é a possibilidade de um trabalho globalizado dos
assuntos destacados em aula. Trabalhar de maneira globalizada é um desafio para
o professor, pois exige que ele dedique mais tempo ao planejamento diário das
atividades a serem desenvolvidas. Mas na medida em que esse tipo de metodologia
se torna um hábito, ela contribui para aprendizagem dos alunos e ainda faz com que
o professor se mantenha estimulado a inserir na sua prática atividades conectadas
umas às outras. Esse processo torna os conteúdos mais significativos para os
alunos.
Definitivamente, a organização dos Projetos de trabalho se baseia
fundamentalmente numa concepção da globalização entendida como um
processo muito mais interno do que externo, no qual as relações entre
conteúdos e áreas de conhecimento têm lugar em função das
necessidades que traz consigo o fato de resolver uma série de problemas
de aprendizagem. (...) Globalização e significatividade são, pois, dois
aspectos essenciais que se plasmam (HERNÁNDEZ; VENTURA, 1998, p.
63).
É importante destacar o fato de que as diferentes fases e atividades
desenvolvidas num Projeto ajudam os alunos a se tornarem conscientes de seu
próprio processo de aprendizagem. Além disso, exigem do professor a disposição
necessária para responder aos desafios que surgem com a estruturação de um
currículo mais aberto e flexível. Dessa forma, o progresso do aluno depende da
capacidade do professor em tornar os conteúdos cada vez mais significativos e
interessantes.
Para que isso aconteça de maneira harmoniosa, o professor deve pensar e
repensar sua prática para que o ambiente escolar possa ser um espaço de
aprendizagens significativas para o seu aluno e para ele mesmo. Segundo
Hernández (1998), é possível chegar a esse caminho por diversas vias:
Uma das mais relevantes seria a consciência do indivíduo sobre seu
próprio processo como aprendiz. Consciência que não se estabelece no
abstrato e seguindo princípios de generalização, mas sim em relação com
a biografia e a história pessoal de cada um e de cada uma. Nesse
processo, as relações que se vão estabelecendo com a informação se
realizam à medida que esta ‘vai sendo apropriada’ (transferindo, pondo em
relação...) em outras situações, problemas e informações, a partir da, entre
outros possíveis caminhos e opções, reflexão sobre a própria experiência
de aprender (HERNÁNDEZ, 1998, p. 79).
O processo de reflexão vai tomando forma a partir das competências que
cada professor constrói no processo de formação inicial, e exige a retomada da
teoria sempre que necessário para sustentar o embasamento das práticas de forma
mais clara, objetiva, sistematizada e consistente. Esse processo de reflexão é uma
característica importante percebida na escola. A todo momento, os professores
procuram avaliar o que se propuseram fazer e o que está realmente acontecendo,
enfatizando as ações concretas do Projeto e o modo como elas estão sendo
conduzidas dentro de uma proposta globalizada, flexível e condizente com os
conteúdos.
Uma perspectiva de globalização que pretenda alcançar esse objetivo
requer que o tema ou problema abordado em sala de aula seja fator no
qual confluam os conhecimentos que respondam às necessidades de
relação que o aluno pode estabelecer e o docente vá interpretar. Reclama,
por isso, no professor, uma perspectiva de flexibilidade frente à descoberta
dos conhecimentos que vão conformando as respostas ou dúvidas dos
estudantes diante do tema proposto (HERNÁNDEZ; VENTURA, 1998, p.
58).
Dentro de um trabalho organizado por projetos, a avaliação da aprendizagem
também toma outra forma, desmistificando conceitos quantitativos e avançando para
uma concepção que valorize a evolução do aluno no desenvolvimento do Projeto.
Essa metodologia permite ao professor identificar o crescimento do aluno
individualmente, dentro e fora do contexto que envolve a sala de aula. Conhecendo
sua realidade através do espaço que ele tem para falar, torna-se mais fácil entendê-
lo e ajudá-lo, mas para isso o professor deve estar bem atento às pistas que o aluno
aponta. Para Hernández; Ventura (1998, p. 88), “a avaliação com um sentido
significativo não é só a avaliação dos alunos. É, sobretudo, a contrastação das
intenções da professora com sua prática. O resultado é sempre início do
planejamento da intervenção posterior”. Dessa maneira, a avaliação adquire um
sentido de formação para alunos e professores, resolvendo dúvidas e problemas
num espaço mútuo de trocas em sala de aula. Através da avaliação, o professor
pode propor a construção de um novo sentido à sua prática, valorizando e
respeitando o processo de aprendizagem do aluno.
Uma das fases de conclusão do projeto no semestre é a elaboração de um
dossiê, que representa um relatório organizado pelo professor com as atividades
significativas. Esse material configura-se em um registro histórico muito importante,
pois possibilita a avaliação do processo pelo qual passou cada tema de projeto, o
quanto contribuiu e o que poderá ser alterado para a sua melhoria.
Além das atividades consideradas significativas pelo professor, no relatório os
alunos também expõem o que aprenderam com o tema, conforme Hernández;
Ventura (1998):
A recapitulação final tem razão de sTw2]TJ20 0aA recasTwren- n4( e)sou .4(2)1., a- n4( do)sou caTwdifeerate
Nesse sentido, o dossiê constitui uma forma de superação das barreiras
encontradas nas escolas, permitindo que tudo que foi produzido durante meses,
semestres, anos possa ser registrado, divulgado e, principalmente, valorizado pela
comunidade educativa.
Partindo do que foi exposto, ressalta-se a importância da busca coletiva na
reflexão acerca das mudanças de práticas dentro das instituições de ensino, fator
determinante para a evolução e a atualização do rendimento e da autonomia no
processo educativo. Nesse sentido, é importante considerar que as práticas
educacionais desenvolvidas na escola têm conseguido resgatar a auto-estima das
crianças, dando-lhes condições de refletir, discutir e compreender através de
situações “micros” de sua realidade as situações “macros” da sociedade como um
todo, propondo ações concretas para a comunidade.
São essas experiências vivenciadas durante os processos formativos que
influenciaram a minha forma de ser e estar professora. A escolha do tema de
pesquisa deriva dessas vivências, pois todas as colaboradoras da pesquisa
desenvolveram seus estágios com base na Pedagogia de Projetos proposta por
Hernández; Ventura (1998).
Neste sentido, passa-se a considerar no próximo capítulo algumas questões
relevantes sobre a formação de professores dentro de uma perspectiva
fundamentada em autores que desenvolvem esta temática com muita propriedade,
assim enriquecem o trabalho e trazem aspectos que contribuem para esta
pesquisa.
3. DESAFIOS E INTERFACES NA FORMAÇÃO INICIAL DE
PROFESSORES
As perspectivas e pesquisas atuais sobre formação inicial e continuada de
professores intensificaram-se nas últimas décadas, percebidas nos estudos de
Fernandes (2006), Antunes (2001, 2005, 2005a), Pimenta; Libâneo (1999), Leite
(2006), Pimenta; Lima (2004), Dias (2002), Gatti (2000), Brzezinski (1998), Freire
(1999), Reali; Mizukami (1996), Sacristán (1995), Stivanin (2003), Garcia (1999),
Tardif (2000), Schön (2000), Perrenoud (2002), Pimenta (2005), Ferreira (1998),
Nóvoa (2001). É possível perceber a preocupação com algumas questões que se
sobressaem ao trabalho do professor, tais como: as condições de trabalho; a forma
como organizam a construção do conhecimento; os processos reflexivos de sua
prática; os saberes da experiência; seu desenvolvimento profissional; o contexto de
diferenças culturais em que atuam.
Essas perspectivas consideram ainda que a atividade que os professores
desempenham é uma atividade teórico-prática, e portanto procuram dar subsídios
para a construção de práticas mais condizentes com as necessidades educativas.
É realmente difícil imaginar a possibilidade de educar longe de uma perspectiva
concreta e de uma realidade definida. Pensar a profissão descontextualizada da
realidade em que ela irá se desenvolver dificulta ao futuro professor estabelecer as
relações necessárias para a própria construção do seu processo formativo.
A profissão do professor precisa combinar sistematicamente elementos
teóricos com situações reais. Por essa razão, ao se pensar um currículo
de formação, a ênfase na prática como atividade formadora aparece, à
primeira vista, como exercício formativo para o futuro professor.
Entretanto, em termos mais amplos, é um dos aspectos centrais na
formação do professor, em razão do que traz conseqüências decisivas
para a formação profissional (LIBÂNEO; PIMENTA, 1999, p. 267).
Com base na estrutura curricular antiga do curso de Pedagogia,
implementada em 1984
1
e ainda vigente no ano de 2007, a aproximação com a
realidade escolar acontecia quando os graduandos já haviam passado pela
formação considerada “teórica”. Porém, essa aproximação deveria acompanhar
1
Em anexo.
toda a graduação, pois desse modo a educação concebida teoricamente dentro do
curso poderia se amparar em situações concretas de sala de aula.
Discutir e repensar a formação inicial dos professores hoje se torna cada
vez mais pertinente e essencial para identificar as razões de tantas inquietações
acerca da sensação de falta de preparo para a atuação docente. A tarefa
primordial da formação inicial é dar condições para que os futuros educadores
sintam-se preparados, seguros de suas práticas. Entretanto, muitas são as
inquietações a respeito da formação oferecida nos cursos de formação de
professores. Um aspecto que contribui para que isso ocorra é a falta de relação
teoria-prática durante o curso. Segundo Libâneo; Pimenta (1999), isso poderia ser
melhorado se novas perspectivas de currículo fossem ampliadas:
Desde o ingresso dos alunos no curso, é preciso integrar os conteúdos
das disciplinas em situações da prática que coloquem problemas aos
futuros professores e lhes possibilitem experimentar soluções. Isso
significa ter a prática, ao longo do curso, como referente direto para
contrastar seus estudos e formar seus próprios conhecimentos e
convicções a respeito. Ou seja, os alunos precisam conhecer o mais
cedo possível os sujeitos e as situações com que irão trabalhar. Significa
tomar a prática profissional como instância permanente e sistemática na
aprendizagem do futuro professor e como referência para a organização
curricular (LIBÂNEO; PIMENTA, 1999, p. 267).
Esses aspectos elucidam a necessidade de conciliar a teoria com a prática
constantemente durante a graduação e podem modificar a maneira de pensar a
respeito da profissão e contribuir para as acadêmicas irem se construindo enquanto
docentes, através dos desafios e das atividades diárias que compõem o espaço
educativo, de modo a ressignificar o próprio processo de formação. Nas palavras de
Fernandes (2006, p.6), “A inserção do professor em formação desde o início do
curso rompe com uma visão de que a teoria antecede à prática e esta, a prática,
reduz-se à aplicação de teorias, compreensão de conhecimento e de ciência
arraigada em nossos currículos e em nossas concepções”.
Desta forma, o estágio, é ainda a única oportunidade de inserção e reflexão
sobre o contexto educativo, pois possibilita uma aproximação com situações
concretas de sala de aula. O estágio curricular através do desenvolvimento das
atividades e da intervenção na realidade educacional, contribui para que as
acadêmicas adquiram confiança e segurança em suas práticas, já que de um modo
geral elas constroem sua identidade profissional através das experiências diárias de
sala de aula.
A estagiária, conforme Stivanin (2003), contribui para a melhoria da qualidade
da educação da escola e sua atuação influi no desenvolvimento dos alunos e de
suas potencialidades. Além disso, o estágio contribui significativamente com o
processo de tornar-se e sentir-se professora ao longo de sua trajetória de vida. O
contato com os alunos, com a coordenação pedagógica e toda a comunidade
educativa é uma experiência significativa para as estagiárias, pois possibilita que se
sintam parte de um grupo e dessa forma possam vislumbrar melhor sua profissão.
Para que isso se concretize de maneira positiva, segundo Antunes (2001, p.
29) “Deve haver nos currículos a incorporação de abordagens atualizadas e
coerentes com os desafios da realidade na qual [as graduandas] irão atuar e, por
último, uma maior adequação dos conteúdos dessa formação inicial à realidade
prática do Magistério”. Dessa forma, as graduandas/estagiárias podem sentir-se
mais seguras de seu trabalho, o que influencia na construção e na apropriação da
identidade profissional, considerando que a construção da identidade docente é um
processo individual e coletivo e que está em constante movimento. Assim, a
constituição do professor ocorre através das escolhas, das vivências e reflexões a
respeito de ser professor, de acordo com história de vida e com a prática social que
desempenha.
Um processo de (re) construção contínua da identidade, que cada um faz de
si próprio, cotidianamente, e, no caso da identidade profissional, a
(re)constrói em meio a uma rede de relações em que cada um se sustenta
em vários outros. A auto-identidade toma um lugar fundamental na
construção da identidade, uma vez que o sujeito não é passivo nessa
construção, mas um autor e ator ativo daquilo que os outros (e ele próprio)
quiseram fazer dele (DIAS, 2002, p. 70).
Um dos objetivos principais da formação inicial de professores é de contribuir
para o desenvolvimento dos saberes que podem ser mobilizadas no desempenho da
prática profissional. Isso ajuda as acadêmicas a fortalecer suas concepções de
ensino para melhor decidir sobre suas ações, suas escolhas e sobre os saberes que
devem ser mobilizados, constituindo sua identidade profissional a partir do diálogo
constante com as diversas representações e com a sua própria interpretação do
ambiente que as cerca.
Segundo Antunes (2005, p. 45), “o espaço de formação inicial deve ser um
momento de fortalecimento de capacidade da criação humana”. Nesse sentido, é
importante que este evidencie e valorize os saberes existentes em cada acadêmica,
saberes que serão mobilizados e empregados à medida que forem necessários em
suas futuras práticas.
Acredita-se que sob essa perspectiva, os alunos do curso de Pedagogia –
Habilitação em Séries Iniciais e Matérias Pedagógicas do 2º grau poderão
desenvolver concepções mais realistas e adequadas da profissão docente,
ampliando o seu próprio autoconhecimento e autoconfiança e valorizando suas
qualidades específicas através da antecipação do confronto com possíveis situações
profissionais.
Além da falta de relação teoria-prática, citada anteriormente, a organização
curricular é outro aspecto que desencadeia um sentimento de despreparo para a
atuação docente. De acordo com Pimenta; Lima (2004, p. 33), “os currículos de
formação têm-se constituído em um aglomerado de disciplinas isoladas entre si, sem
qualquer explicitação de seus nexos com a realidade que lhes deu origem”.
A forma como estava estruturado o curso onde (primeiramente eram
trabalhadas todas as disciplinas teóricas e somente no final se estabelecia o contato
com a realidade de sala de aula através de observações para atuação no estágio)
proporciona esse sentimento de despreparo, já que o estágio é o único espaço de
contato com a realidade educacional durante o curso.
De acordo com Gatti (2000, p. 53), “a revisão e a mudança dessas condições
é ponto básico de qualquer ação que venha a objetivar melhor qualificação nas
Licenciaturas, aliada necessariamente a uma visão social em que o ensino seja
tomado em sua real importância”. E segue:
Criamos um quadro curricular em que de modo estanque oferecemos,
quiçá muito precariamente, noções de sociologia, biologia, psicologia etc...,
acreditando que assim o aluno fará sua síntese e daí tirará, a partir de
métodos discutidos nas práticas de ensino, as aplicações pertinentes
estabelecendo as relações necessárias (GATTI, 2000, p. 55).
De um modo geral, conforme Gatti (2000) passam-se precariamente noções
de sociologia, biologia, psicologia, etc, os quais são trabalhados de forma rudimentar
projetando no aluno a responsabilidade de que ele crie as metodologias para serem
aplicados posteriormente no estágio supervisionado. Neste sentido, o desconforto
percebido entre as estagiárias em conseqüência da falta de contato com o contexto
escolar em que irão atuar reflete a desarticulação entre a teoria e a prática.
O professor será formado com uma forte aquisição de conhecimentos
acumulados, sem a preocupação de sua intervenção na prática
educacional (...) a dimensão teórica do currículo permite ao futuro
professor, no máximo, a acumulação do conhecimento e sem criticá-lo
aplica o que aprendeu no cotidiano das relações pedagógicas. Este
professor estará habilitado para organizar, sistematizar e hierarquizar
idéias, mas sem dúvida, será incapaz de compreender a explicação e
interpretação dos fenômenos naturais e humanos a partir da origem real
(BRZEZINSKI, 1998, p. 167).
Essa realidade evidencia a necessidade de que as mudanças pensadas para
direcione para a formação de professores com algum sentido e qualidade
diferencial”.
A figura do professor enquanto formador não pode exercer uma posição
neutra no processo de formação, mas estar calcada no princípio de que ele também
participa da mudança de todo o contexto educacional. Está no professor formador o
compromisso de trazer para a sala de aula da Universidade os fatos e exemplos
concretos de que tem conhecimento para que as graduandas identifiquem o seu
campo de trabalho.
Para que esse processo não seja superficial, um faz-de-conta, os próprios
formadores precisam estar atentos a sua formação, é necessário perceber que sua
atuação está diretamente ligada à qualidade da formação das acadêmicas que saem
todo ano da Universidade. A maneira de agir e se posicionar diante dos conteúdos e
a relação que fazem destes com o contexto educacional vai influenciar na maneira
com que seus alunos desenvolverão sua prática.
Além disso, é importante que o professor formador incentive seu aluno a
buscar subsídios além dos oferecidos na sua formação. O processo de busca
propicia ao aluno entender que se escolhemos ser professor é por que seremos
eternos aprendizes nos mais diferentes contextos. Freire (1999) contribui nesse
sentido quando considera a incompletude do ser humano:
É na inconclusão do ser, que se sabe como tal, que se funda a educação
como processo permanente. Mulheres e homens se tornaram educáveis na
medida em que se reconheceram inacabados. Não foi a educação que fez
mulheres e homens educáveis, mas a consciência de sua inconclusão é
que gerou a sua educabilidade (FREIRE, 1999, p. 64).
A consciência do inacabamento que o autor defende é um aspecto
importante que poderá abrir caminhos para a formação continuada do professor,
através da qual surgirão condições de reestruturar suas práticas com base na
disposição para a procura, a curiosidade e o aprender. Quando isso não acontece,
temos uma educação que não propicia espaços de trocas, configurando um
ambiente em que se perdem oportunidades de construir experiências ricas e
significativas.
Todos podem aprender com as experiências vivenciadas, inclusive o
professor formador. Propiciar oportunidades de trocas possibilita momentos de
reflexão sobre o processo de formação. Com isso, as teorias trabalhadas na
universidade adquirem sentido e significado para a formação profissional de cada
futuro educador.
A importância da motivação proposta pelos formadores com relação ao
desenvolvimento profissional que envolve a formação inicial e continuada dos
futuros educadores é o ponto crucial para a construção da identidade profissional.
Os cursos de formação podem ter importante papel nessa construção ou
fortalecimento da identidade, à medida que possibilitam a reflexão e a análise
crítica das diversas representações sociais historicamente construídas e
praticadas na profissão. Será no confronto com as representações e as
demandas sociais que a identidade construída durante o processo de
formação será reconhecida, para o qual são necessários os conhecimentos,
os saberes, as habilidades, as posturas e o compromisso profissional
(PIMENTA; LIMA, 2004, p. 64).
Pensada dessa maneira a formação inicial contribui para a atuação docente
das estagiárias, possibilitando-lhes organizar com critério o saber, mediante a sua
complexidade, de modo a torná-lo mais acessível e condizente ao desenvolvimento
do aluno. Isso resulta na construção de um trabalho coletivo, que compartilha o
conhecimento por ambos adquirido e acarreta mudanças de concepções no ensino-
aprendizagem, apresentando novas visões e novas práticas em relação à sala de
aula e à formação educativa.
Neste sentido, é importante que a atividade docente do formador e do
formando esteja ancorada no comprometimento cuidadoso com a formação do seu
aluno e com a sua formação pessoal.
É preciso que saibamos que, sem certas qualidades ou virtudes como
amorosidade, respeito aos outros, tolerância, humildade, gosto pela alegria,
gosto pela vida, abertura ao novo, disponibilidade à mudança, persistência
na luta, recusa aos fatalismos, identificação com a esperança, abertura à
justiça, não é possível a prática pedagógico-progressista, que não se faz
apenas com ciência e técnica (FREIRE, 1999, p. 136).
O comprometimento com a amorosidade e o cuidado com o ato educativo,
segundo Freire (1999), podem possibilitar o discernimento necessário acerca das
potencialidades dos alunos, pois permitem o compartilhamento de dificuldades e a
quebra de barreiras que ainda imperam na relação professor-aluno. Além disso, tais
aspectos primam por relações de troca mútua, conhecimentos compartilhados e
saberes sempre em processo de construção e reconstrução.
A sensibilidade para esse processo de construção e reconstrução da prática
educativa possibilita que o professorentenda sua formação inicial e continuada
dentro do contexto de sala de aula, ampliando assim sua percepção e crescimento
com relação ao seu desenvolvimento pessoal e profissional.
O desenvolvimento pessoal e profissional depende muito do contexto em
que exercemos nossa atividade. Todo professor deve ver a escola não
somente como um lugar onde ele ensina, mas onde aprende. A atualização
e a produção de novas práticas de ensino surgem de uma reflexão
partilhada (NÓVOA, 2001, p. 14).
O aprendizado constante e reflexivo oferece ao professor condições de
observar com outros olhos o ambiente de trabalho. No momento em que o professor
se dispõe a refletir sobre sua prática com o seu grupo de iguais, ele consolida
espaços de formação mútua. Além disso, torna-se capaz de compreender e explicar
os processos educativos de que participa, contribuindo para mudanças significativas
no seu agir docente e na sua formação.
Através do movimento contínuo que caracteriza a pesquisa e a reflexão diária,
o professor abrange todas as questões trabalhadas em aula, tecendo sua fala e sua
prática de forma diversificada e não apenas de acordo com uma visão doutrinadora
e alienada. Mizukami (1996, p. 61) comenta essas atitudes reflexivas do professor:
“A reflexão oferece a eles [os professores] a oportunidade de se tornarem
conscientes de suas crenças e suposições subjacentes a essa prática. Possibilita,
igualmente, o exame de validade de suas práticas na obtenção de metas
estabelecidas”.
Portanto, refletir possibilita ao professor a (re)ssignificação constante de suas
práticas. O professor que reflete sobre o que faz muda seu pensamento e suas
ações frente aos alunos, reelabora sua maneira de ensinar e aprender através de
formas diferenciadas de entender e praticar a profissão. Sacristán (1995, p. 76)
considera que “o professor não é um técnico que se limita a aplicar corretamente um
conjunto de diretivas, mas um profissional que se interroga sobre o sentido e a
pertinência de todas as decisões em matéria educativa”. Assim, segundo o autor,
assumir a dimensão profissional da atividade docente implica considerar os
professores capazes de definirem o seu próprio desenvolvimento profissional.
O desenvolvimento profissional dos professores ocorre ao longo de sua vida
na profissão. Evidencia-se nesse processo a participação de vários e complexos
fatores pessoais e profissionais. Entre eles, pode-se destacar a construção da
autonomia, a relação com o grupo de iguais, as escolhas, as experiências e
vivências pessoais e profissionais. Logo, é um processo contínuo que se produz ao
longo da trajetória educativa do professor, e está inserido em um projeto de vida do
qual cada professor é sujeito participativo e responsável por seu crescimento ou por
sua estagnação profissional.
De acordo com Garcia (1999, p. 144), o desenvolvimento profissional é
entendido como “um conjunto de processos e estratégias que facilitam a reflexão
dos professores sobre sua própria prática, que contribui para que os professores
gerem conhecimento prático, estratégico e sejam capazes de aprender com sua
experiência”. Esse aspecto é identificado com um projeto de formação continuada,
no qual a formação inicial é o ponto de partida para o exercício da profissão.
Essa formação profissional é favorecida quando os docentes têm
oportunidades de refletir e pesquisar, de forma crítica, com seus pares sobre suas
práticas educativas, expressando suas indagações, suas concepções, analisando os
contextos para a partir dessas informações experimentarem novas formas para suas
práticas educativas.
A formação envolve um duplo processo: o de autoformação dos professores a
partir da reelaboração constante dos saberes que realizam em sua prática,
confrontando suas experiências nos contextos escolares, e o de formação
nas instituições escolares onde atuam. Por isso é importante tornar a escola
um espaço de trabalho e de formação, o que implica uma gestão democrática
e práticas curriculares participativas, propiciando à constituição de redes de
formação contínua cujo primeiro nível é a formação inicial (PIMENTA; LIMA,
2004, p. 68).
Diante do dinamismo e da complexidade que envolve a educação, é preciso
pensar a formação inicial como um espaço que vai dar condições para as
graduandas se aproximarem e conhecerem elementos importantes de sua profissão.
Contudo, o entendimento da profissão não pode ficar estagnado na formação inicial:
a profissão deve ser entendida como um plano globalizado que envolve formação
inicial e continuada de professores. Esse processo possibilita a construção da
autonomia compartilhada e uma forma de articular teoria e prática na qual os
professores constroem saberes na busca de um aperfeiçoamento da prática
educativa atingindo desenvolvimento pessoal e profissional.
Conforme aponta Tardif (2000, p. 115), “na medida em que o professor
esculpe suas práticas ancoradas em seus saberes, é capaz de racionalizá-las,
defini-las e objetivá-las, estabelecendo de modo particular as suas próprias razões
de agir”. A sala de aula pode nesse contexto tornar-se um espaço de pesquisa,
construção do conhecimento e aprofundamento teórico para todo professor. Basta
estar disposto a refletir sobre os saberes que são próprios a sua prática cotidiana.
Nesse sentido, o saber prático adquire um caráter próprio da conduta de
cada professor, o que possibilita que seja criticado, melhorado e refletido a todo o
momento no contexto educacional.
Ao confrontar suas ações cotidianas com as produções teóricas, é
necessário rever as práticas e as teorias que informam, pesquisar a prática e
produzir novos conhecimentos para a teoria e a prática de ensinar. Assim, as
transformações das práticas docentes só se efetivarão se o professor ampliar
sua consciência sobre a própria prática, a de sala de aula e a da escola como
um todo, o que pressupõe os conhecimentos teóricos e críticos sobre a
realidade (PIMENTA; LIMA, 2004, p. 13).
O cotidiano escolar possui muitas peculiaridades que, de maneira geral,
passam despercebidas até mesmo para seus participantes. A fundamentação
teórica tem a função de elucidar as situações da prática. O professor então deve
estar atento para a busca efetiva dessa fundamentação teórica. Isso possibilita que
as práticas educativas não se transformem em um processo mecânico sem sentido e
significado, tanto para quem aprende quanto para quem ensina.
Esses elementos são importantes a fim de contemplar a ação profissional de
interação e construção mútua com o aluno, tomando decisões, pensando e agindo
de maneira autônoma, autêntica, articulando e dando sentido aos seus saberes de
modo significativo. Segundo Tardif (2000, p. 208), “O saber é constructo social
produzido pela racionalidade concreta dos atores, por suas deliberações,
racionalizações e motivações, as quais são fontes de seus julgamentos, escolhas e
decisões”.
Nessa perspectiva, a formação profissional incita uma interação constante
entre a teoria e a prática, em um ensino reflexivo calcado no processo entendido por
Schön (2000) como reflexão-na-ação. Assim, o aprender através do fazer é possível
a partir de um ensino cuja capacidade de refletir seja estimulada pela interação
professor-aluno nas mais diferentes situações.
Uma das contribuições que um profissional reflexivo consegue acrescer a sua
carreira, a partir de sua formação inicial, é a capacidade de mobilizar seus
conhecimentos e saberes de forma a enriquecê-los através da experiência, da
articulação dos saberes construídos durante seus estudos e dos saberes cotidianos
adquiridos na prática. Propor práticas reflexivas no saber fazer do professor é,
segundo Perrenoud (2002), o diferencial para novas práticas em sala de aula. O
professor que reflete sobre suas práticas tem a oportunidade de crescimento
intelectual em seu próprio ambiente escolar.
A reflexão efetiva no ambiente de trabalho faz com que o professor se torne
mais autônomo, crítico, reflexivo de si mesmo no contexto pessoal e profissional,
tornando suas práticas mais condizentes com a sua realidade e melhorando
significativamente a qualidade de ensino. O processo de reflexão vai tomando forma
a partir das competências que cada professor constrói no processo de formação
inicial, e pressupõe uma volta à teoria sempre que necessário para alicerçar as
práticas de maneira mais clara, objetiva, sistematizada e consistente.
De acordo com Perrenoud (2002, p. 13), visando chegar a uma verdadeira
prática reflexiva, “essa postura deve se tornar quase permanente, inserir-se em uma
relação analítica com a ação, a qual se torna relativamente independente dos
obstáculos encontrados ou das decepções”. O processo de reflexão deve
compreender então uma preocupação e interesse dos profissionais da educação. O
professor que se envolve realmente em um processo de reflexão possui em suas
atitudes um diferencial que é a disponibilidade de fazer uma pausa para a análise de
suas práticas.
Esse processo deve ser instigado desde a formação inicial e permanecer
ativo durante o processo de formação continuada. Reforçando-se a cada dia com
uma nova e reformulada prática, provoca um verdadeiro trabalho de análise com
muita responsabilidade, o que segundo Perrenoud (2002, p. 17) deve estar
comprometido “com a formação de pessoas capazes de evoluir, de aprender de
acordo com a experiência, refletindo sobre o que gostariam de fazer, sobre o que
realmente fizeram e sobre os resultados de tudo isso”. Nesta perspectiva, a reflexão
permite a reconstrução da prática, possibilitando o crescimento pessoal e
profissional do professor, já que instiga-o a buscar novas formas de pensar e agir a
partir das diversas situações vivenciadas no ambiente escolar.
O professor possui saberes, saberes estes oriundos de sua prática, de sua
construção intelectual, enfim de sua história de vida. Também as estagiárias
possuem seus saberes inerentes à maneira de ser, conseqüentes das experiências
vivenciadas ao longo de sua trajetória educativa. Esses saberes pessoais e
profissionais, enquanto formação inicial, são saberes que se aplicam, se ampliam e
se modificam nas práticas de ensino.
Quando os alunos chegam ao curso de formação inicial, já têm saberes do
que é ser professor. Os saberes de sua experiência de alunos que foram
de diferentes professores em toda sua vida escolar. Experiência que lhes
possibilita dizer quais foram os bons professores, quais eram cem em
conteúdo, mas não em didática, isto é, não sabiam ensinar. Quais
professores foram significativos em suas vidas, isto é, contribuíram para
sua formação humana (PIMENTA, 2005, p. 20).
A característica dinâmica desses saberes faz com que estejam em constante
adequação dentro da realidade educativa. Representam práticas dos antigos
mestres que serviram como um norte por seu êxito e contribuição para a formação
pessoal e refletem a escolha de seguir ou não, construindo assim um imaginário do
“ser professor” oriundo da necessidade de se aproximar das significações
construídas na escolarização. Segundo Ferreira (1998, p. 50), “O imaginário social
enquanto sistema de representação que existe em toda e qualquer sociedade se
institui expressando e reproduzindo as necessidades da população, seus objetivos,
seus desejos, sua cultura”. Com isso, a valorização das significações construídas na
trajetória educativa proporciona, para a formação inicial, a colaboração necessária
para a transposição do processo de ser aluno para o papel de professor e ver-se
como tal, construindo uma identidade profissional onde o saber científico busque um
suporte na experiência de modo a permitir uma retro-alimentação na relação entre
teoria e prática.
Uma identidade profissional se constrói, pois, a partir da significação social
da profissão; da revisão constante dos significados sociais da profissão; da
revisão das tradições. Mas também da reafirmação de práticas
consagradas culturalmente e que permanecem significativas. Práticas que
resistem a inovações porque prenhes de saberes válidos às necessidades
da realidade. Do confronto entre as teorias e as práticas, da análise
sistemática das práticas à luz das teorias existentes, da construção de
novas teorias (PIMENTA, 2005, p. 19).
Nesta direção, é fundamental que a formação inicial possa configurar-se em
um processo de aprendizagem que não se contente em definir os fatores isolados,
mas que busque entendê-los na sua relação com todos os processos, tornando-os
significativos para a vida de cada professor e aluno e influenciando diretamente em
todas as decisões relacionadas à profissão.
Partindo do que foi considerado até então, ressalta-se a importância da busca
coletiva para a reflexão acerca de mudanças das práticas dentro das instituições de
ensino. Isso representa fator determinante para a evolução e a atualização do
rendimento e da autonomia no processo de formação inicial, pois permite que essa
formação inicial não signifique um ponto de chegada, mas um ponto de partida para
constantes transformações. Para Libâneo; Pimenta (1999), o processo de
articulação entre formação inicial e continuada estaria desse modo relacionado.
Por um lado, o processo de formação inicial estaria estreitamente vinculado
aos contextos de trabalho, possibilitando pensar as disciplinas com base no
que pede a prática; cai por terra aquela idéia de que o estágio é aplicação da
teoria. Por outro, a formação continuada, a par de ser feita na escola a partir
dos saberes e experiências dos professores adquiridos na situação de
trabalho, articula-se coma formação inicial indo os professores à universidade
para uma reflexão mais apurada sobre a prática. Em ambos os casos,
estamos diante da modalidade de formação em que há interação entre as
práticas formativas e os contextos de trabalho (LIBÂNEO; PIMENTA, 1999, p.
268).
Faz-se necessário então, repensar e reavaliar as relações instituídas na
escola e na Universidade a fim de se avançar para o instituinte, compreendido como
aquele que se organiza, se reconstrói e busca processos emergentes através das
relações objetivas e subjetivas. A vida profissional do profesor transcorre em
constante movimento, desenha-se, redesenha-se nas ações instituídas e instituintes,
sejam eles sujeitos individuais ou coletivos. Trata-se, pois, de um acúmulo de
experiências, dúvidas, certezas e incertezas que fazem parte da história de vida.
A habilidade que tem-se de aprender é precisa e necessária para que
possamos reconstruir “um mau aprendizado” Freire (1999, p. 77). Para que essa
habilidade transforme a prática educativa em algo crescente, progressista,
articulando saberes indispensáveis para a formação de educandos e educadores,
estes devem ser capazes de modificar e modificar-se. Em função disso, o ensino
adquire uma consciência crítica e ativa da real necessidade do formar e formar-se,
de modo que a diferença surja da reconstrução de antigas imagens e símbolos que
podem transformar e ampliar a qualidade do aprender e do ensinar.
Neste contexto, no próximo capítulo passa-se a apontar alguns aspectos que
considera-se importante a respeito do processo de construção dos saberes e da
identidade profissional, através do processo efetivo de reflexão, o qual acredita-se
ser um elemento fundamental para a transformação das práticas educativas.
4. SABERES E IDENTIDADE PROFISSIONAL DE PROFESSORES:
UM OLHAR ATRAVÉS DO PROCESSO DE REFLEXÃO DO
TRABALHO DOCENTE
O trabalho docente, que abrange as experiências vivenciadas no estágio de
curso levando em conta a realidade inicial e suas descobertas, é um espaço
significativo para reflexões acerca da profissão de professor, já que possibilita o
contato com o contexto educativo.
São inúmeras as exigências acrescentadas ao trabalho do professor e
também das alunas estagiárias na sociedade atual. Conseqüentemente, esses
profissionais precisam rever suas posições sobre o que é educar no momento atual,
de forma a contribuir com a formação de cidadãos capazes de construir meios
alternativos para enfrentar os desafios que são apresentados no seu cotidiano.
A nova sociedade exige cidadãos responsáveis, capazes de iniciativa,
dispostos a correr riscos, inovadores e flexíveis na sua capacidade de
adaptação a novas formas de vida, resistentes a desânimos ou frustrações
em face das dificuldades, interventores e lutadores de idéias, realizadores
de projetos, avaliadores de sucessos e fracassos (ALARCÃO, 2003, p.
100).
É em função dessa demanda por cidadãos que devemos estar atentos quanto
à formação de docentes dispostos a aprender constantemente, refletindo
efetivamente sobre suas práticas e inclinados a transformá-las. “É da natureza da
atividade docente proceder à mediação reflexiva e crítica entre as transformações
sociais concretas e a formação humana dos alunos, questionando os modos de
pensar, sentir, agir e de produzir e distribuir conhecimentos” (PIMENTA; LIMA, 2004,
p. 15). As autoras acreditam que a problematização e a análise da prática social do
ensinar possibilita ao professor utilizar os conhecimentos elaborados das ciências,
das artes, da filosofia, da pedagogia e das ciências da educação como instrumentos
para a compreensão e proposição do real.
Investir na postura reflexiva pode ser o diferencial da formação inicial e
continuada de professores para atender a essas exigências atuais. Segundo Lima
(2002, p. 244), “a valorização dos processos de reflexão e sua incorporação efetiva
à vida do professor representam a teia de saberes adquiridos formal e
informalmente. A condição de professor aprendiz está para além de um mero
executor e ultrapassa os limites da titulação”.
O professor é o sujeito de sua ação e como tal não reproduz apenas o
conhecimento, mas faz de sua sala de aula um espaço de práxis docente e de
transformação humana. Isso significa acreditar que na ação refletida e no
redimensionamento da prática está o ponto central para o professor ser “agente de
mudanças na escola e na sociedade” (LIMA 2002).
O processo de reflexão é condição significativa para o professor estar na
posição de aprendiz, sempre disposto a mobilizar seus saberes a fim de tornar sua
prática mais condizente com a realidade em que atua e ao mesmo tempo de
construir sua identidade como professor.
Melhora o professor que está procurando sempre um desempenho mais
elevado na profissão. Isto exige coragem para aceitar novos desafios, uma
coragem que requer colocar constantemente em risco a segurança
construída no trabalho anterior e avançar superando o medo de domínios
desconhecidos, tanto teóricos como práticos (MORAES, 1996, p. 104).
Essa postura em relação à sua prática e em relação ao seu processo
formativo pode e deve ser instigada na Universidade. É importante que se
estabeleça nos espaços de formação a compreensão de seu verdadeiro papel e
função, pois a partir disso o professor em formação será capaz de intervir
coerentemente em seu processo formativo e no seu desenvolvimento profissional,
além de construir perspectivas condizentes com o espaço em que vai atuar.
Lima (2002, p. 247) considera que “a universidade tem uma importância e um
papel fundamental no desenvolvimento profissional desse docente e na construção
de sua identidade”. A autora salienta que os programas de formação só poderão
representar um espaço de crítica e de reflexão se assumirem uma postura de
análise das práticas dos professores numa perspectiva de desenvolvimento
profissional. Essa concepção possibilita que as acadêmicas percebam a profissão
como um processo sempre em construção, pois considerando o trabalho com seres
humanos e também as constantes mudanças que ocorrem no cotidiano educacional,
é insustentável que se pense a educação sem considerar a busca constante por
qualificação ao longo da trajetória docente.
O professor precisa conceber sua formação inicial como ponto de partida
dentro de um processo de formação sempre em constante crescimento e
transformação para o aperfeiçoamento profissional. Nas palavras de Moraes (1996,
p. 105), “O professor recém-formado geralmente inicia seu trabalho sem uma
compreensão aprofundada do que faz. Entretanto, o questionamento contínuo de
sua atividade profissional conduz à construção de compreensão teórica mais sólida”.
Neste sentido, o importante é a relação entre a teoria e a prática para a
construção de ações sempre renovadas e cada vez mais condizentes, pois ao
questionar suas práticas o professor é capaz de perceber os pontos positivos e
negativos que a compõem. Assim, o professor melhora e renova suas práticas
através das teorias que proporcionam fundamentos para uma compreensão mais
coerente da prática.
A condição de processo formativo sempre em construção e reconstrução
demanda que pensemos também sobre a construção e reconstrução de identidades
de professores. Nóvoa (1992, p.16) entende a construção da identidade como “um
processo histórico e que vai ocorrendo ao longo da trajetória de vida pessoal e
profissional”.
A identidade não é um dado adquirido, não é uma propriedade, não é um
produto. A identidade é um lugar de lutas e conflitos, é um espaço de
construção de maneiras de ser e de estar na profissão. Por isso, é mais
adequado falar processo identitário, realçando a mescla dinâmica que
caracteriza a maneira como cada um se sente e se diz professor (NÓVOA,
1992, p. 16).
O autor ressalta o processo identitário entendendo-o como um todo complexo
graças ao qual cada um se apropria do sentido de sua história pessoal e
profissional, mas isso demanda tempo (NÓVOA, 1992).
A identidade representa, nesse sentido, todas as vivências que configuram a
trajetória educativa. Essas vivências e lembranças podem ser percebidas na
maneira de entender a profissão. O espaço de sala de aula e a relação com os
alunos são imagens, comportamentos de professores com que nos identificamos e
com que organizamos uma maneira própria de praticar a profissão.
Nesta direção, Nóvoa (1992) menciona os três AAA que devem sustentar o
processo identitário de professores: A de Adesão, A de Ação e A de
Autoconsciência.
- Quando comenta o “A” de Adesão, o autor considera que ao praticar a
docência o professor é influenciado a aderir a princípios, valores e projetos que
demandam um investimento positivo nas potencialidades das crianças e dos jovens.
- Com relação ao “A” de Ação, o autor acredita que quando o professor
escolhe as melhores maneiras de agir, toma decisões de foro profissional e de foro
pessoal. Entende assim que todas as atitudes tomadas pelo professor resultam das
experiências que o mesmo vivenciou, e que estas marcam muito sua maneira de
trabalhar em sala de aula por seu sucesso ou fracasso.
- Quanto ao “A” de Autoconsciência, o autor ressalta que todo o trabalho do
professor é organizado a partir da reflexão sobre sua própria ação. Esse processo é
decisivo na medida em que mudar e inovar estão intrinsecamente relacionados com
o pensamento reflexivo.
É nessa “mescla” que os professores se constituem, envolvendo a pessoa e o
profissional nessa construção e reconstrução da identidade. “A maneira como cada
um de nós ensina está diretamente dependente daquilo que somos como pessoa e
profissional” (NÓVOA 1992, p. 17).
Assim, é possível perceber que a identidade de professores modifica-se de
acordo com suas experiências e vivências, as quais influenciam na maneira de
conceber e praticar a profissão. Ao trabalhar, o professor não apenas ensina, mas
modifica sua identidade de trabalhador.
O trabalho está no centro do processo de construção, destruição e
reconstrução das formas identitárias, porque é no e pelo trabalho que os
indivíduos, nas sociedades salariais, adquirem o reconhecimento financeiro
e simbólico da sua atividade. É também apropriando-se do seu trabalho,
conferindo-lhe um “sentido”, isto é, dando-lhe, ao mesmo tempo, uma
significação subjetiva e uma direção objetiva, que os indivíduos ascendem
à autonomia e à cidadania (DUBAR, 1997, p. 51).
O autor acredita que essa forma identitária está relacionada intimamente com
a maneira que o professor concebe seu trabalho e a instituição em que trabalha, e
“cruza o espaço prioritário de investimento e de reconhecimento (a empresa ou a
rede familiar) com a temporalidade típica, legível na relação com o futuro e na
reconstrução biográfica (progressão ou ‘bloqueamento’)” (DUBAR 1997, p. 46).
Para o autor, as formas identitárias adquirem um sentido de “mundo vivido no
trabalho” e correspondem a um tipo de formação que atende a um sistema de
objetivos, métodos pedagógicos e de organização da prática. “A formação é
essencial na construção das identidades profissionais porque facilita a incorporação
de saberes que estruturam, simultaneamente, a relação com o trabalho e a carreira
profissional” (DUBAR 1997, p. 51).
A maneira com que cada professor concebe sua profissão e o sentido que dá
a ela define sua identidade profissional. Essa identidade pode estar permeada de
buscas, desafios e crescimentos, uma vez que o trabalho que o professor
desenvolve abrange aspectos sociais, culturais, econômicos, políticos, afetivos,
humanos e, portanto, não é uma atividade neutra.
Se é verdade que a experiência do trabalho docente exige um domínio
cognitivo e instrumental da função, ela também exige uma socialização na
profissão e uma vivência profissional através das quais a identidade
profissional vai sendo pouco a pouco construída e experimentada e onde
entram em jogo elementos emocionais, relacionais e simbólicos que
permitem que um indivíduo se considere e viva como um professor e
assuma, assim, subjetivamente e objetivamente, o fato de fazer carreira no
magistério (TARDIF, 2002, p. 108).
A identidade passa por constantes transformações, adquirindo novas
características para atender as necessidades de novas demandas da sociedade e
as próprias necessidades da pessoa do professor. Na construção dessa identidade
também estão presentes as práticas em que o professor acredita, a maneira como
as organiza e os objetivos que pretende alcançar dentro de determinada realidade e
de um tempo histórico específico. São identidades permeadas por práticas que
estão e vão sendo testadas, avaliadas e refletidas de acordo com sua vivência. Para
Pimenta (2005, p. 18), “A identidade não é um dado imutável. Nem externo que
possa ser adquirido. Mas é um processo de construção do sujeito historicamente
situado. A profissão do professor, como as demais, emerge em dado contexto e
momento históricos”.
A identidade profissional desenvolve-se e adapta-se ao contexto sócio-
político-histórico em que o professor está inserido. Assim, o professor não é um
sujeito aparte desse processo, mas um construtor de sua identidade. Refletir sobre
seu trabalho possibilita-lhe desenvolver sua autonomia e sua emancipação
profissional, aspectos importantes para a construção da imagem que identifica seu
papel enquanto professor e sua forma de contribuição para a transformação da
sociedade.
Dialogar sobre o ofício de mestre é tentar interpretar a história mais
recente. Durante as últimas décadas, podemos acompanhar um movimento
de afirmação profissional dos professores que vêm se reconhecendo e
exigindo ser reconhecidos como categoria, com sua especificidade
histórica, social e política. Que vêm afirmando e defendendo sua identidade
(ARROYO, 2001, p. 21).
Arroyo (2001) enfatiza a grande influência das questões sociais, econômicas
e políticas na construção do que “somos”, de nossas imagens e auto-imagens, de
nossa identidade. Pensa que é impossível para o professor não “carregar” o legado
histórico de lutas e conflitos que os docentes travaram para conquistar seus
objetivos: “O ofício de mestre faz parte de um imaginário onde cruzam traços sociais
afetivos, religiosos, culturais, ainda que secularizados. A identidade de trabalhadores
e de profissionais não consegue apagar esses traços de uma imagem social,
construída historicamente” (ARROYO, 2001, p. 33).
Para o autor, o “ofício de mestre” está baseado em um fazer qualificado,
profissional. Compreende um grupo de trabalhadores qualificados, mestres de um
ofício: “Uma identidade respeitada, reconhecida socialmente, de traços bem
definidos” (ARROYO, 2001, p. 18). Afirmar e reafirmar essa identidade ao
trabalhador em educação é um ato individual e coletivo. Implica escolhas, modo de
ser, agir e entender a profissão de acordo com as experiências da história de vida
pessoal e profissional de cada professor.
A constituição da identidade está ligada também às práticas sociais e culturais
que o professor realiza diariamente e que interferem na maneira de se perceber e de
ser percebido no meio social em que está inserido.
A constituição de uma identidade está conectada a uma série de
combinações que fazem as relações que estabelecemos com os outros (e
conosco mesmos) serem extremamente “intertextuais”; está conectada a
diferentes histórias, interesses, localizações sociais, enfim, ao
entrelaçamento de diferentes mundos provados, num jogo sutil de
cruzamentos, interseções e intercâmbios entre as formas de vivermos nossas
identificações e aos vários elementos que as possibilitam.Trata-se de
dinâmicos e contínuos movimentos de identificações, que se constituem em
mecanismos responsáveis por nos tornar aquilo que somos (DIAS, 2002, p.
67).
É possível perceber então que a constituição da identidade se concretiza
partindo de construções e reconstruções constantes que cada professor faz de si
mesmo dentro dos espaços em que as relações sociais e profissionais ocorrem.
Discutir sobre o cotidiano escolar com seu colega possibilita ao professor
perceber-se no outro. Ao vivenciar tal situação pode compreender melhor sua
posição enquanto profissional identificando-se ou não com determinadas práticas,
concepções e interpretações. Dessa forma vai construindo sua própria identidade,
neste emaranhado de vivências suas e de todos os participantes do contexto
escolar.
A discussão sobre seu papel com o grupo de iguais também proporciona aos
professores a percepção de diferentes dimensões sobre o entendimento da
profissão como membro de um grupo social e profissional.
Constrói-se, também, pelo significado que cada professor, enquanto ator e
autor, confere à atividade docente no seu cotidiano a partir de seus valores,
de seu modo de situar-se no mundo, de sua história de vida, de suas
representações, de seus saberes, suas angústias e anseios, do sentido
que tem em sua vida ser professor (PIMENTA, 2005, p. 19).
Pimenta (2005) entende que a construção da identidade abrange a
significação social da profissão para o professor. Além disso, exige dele que revise
constantemente essa significação social e as tradições. Nesse processo também
ocorrem as reafirmações das práticas consagradas culturalmente e que
permanecem significativas, práticas estas que resistem a inovações porque estão
repletas de saberes válidos às necessidades da realidade.
Ao adquirir o caráter de sujeito de sua ação, o professor tem condições de
romper com modelos ideais que circulam no contexto educativo. A partir de então,
não apenas reproduz o conhecimento, mas faz do espaço de sala de aula uma
oportunidade de participar da construção de sua profissão, produzir saberes e
um espaço de práxis docente e de transformação humana”. Para Lima (2002), é na
ação refletida e no redimensionamento das práticas que os professores podem ser
agentes de mudanças na escola e na sociedade.
Refletir sobre o trabalho educativo exige do professor uma postura de
pesquisa diária. Com base nessa perspectiva, o professor vai estar se questionando,
investigando e analisando constantemente sua prática: no que e para que ela está
contribuindo.
A formação inicial, deve instigar o futuro professor à reflexão criando
ambientes de análise, partilha e reflexão sobre a forma que se pensa, se decide,
comunica e age em sala de aula. Assim, os futuros docentes terão condições de
mobilizar os conhecimentos da teoria da educação e da didática necessários à
compreensão do ensino como realidade social. Com isso, desenvolvem a
capacidade de investigar sua própria prática e a partir dela de constituir e
transformar os “saberes-fazeres” docentes em um processo contínuo de construção
de suas identidades como professores.
A condição de pensar a prática durante o curso possibilita ao futuro professor
tomar consciência de sua profissão. Perrenoud (2002) contribui nesse sentido
quando aponta a importância da reflexão do estagiário diante das condições, das
dificuldades, das angústias e das transições por que passa. A reflexão, segundo o
autor, não deve ser uma disciplina a mais e sim uma atitude que permeie toda a
formação.
A dimensão reflexiva está no centro de todas as competências profissionais,
tendo em vista que ela constitui seu funcionamento e seu desenvolvimento.
Portanto, ela não pode ser separada do debate global sobre a formação
inicial, sobre a alternância e a articulação entre teoria e prática, sobre o
procedimento clínico, sobre os saberes, sobre as competências e sobre os
hábitos dos profissionais (PERRENOUD, 2002, p. 18).
Investir em uma postura reflexiva desde a formação inicial possibilita que os
saberes da experiência sejam confrontados com a realidade prática do professor.
Esse confronto, por sua vez, dá condições para que as situações diárias de sala de
aula sejam fortalecidas pela reconstrução de práticas que não deram certo ou que
ainda podem ser melhoradas.
Logo, de acordo com Mizukami (2006), os professores formadores também
devem estar envolvidos nessa concepção de formação. É essencial que eles
percebam a influência de suas ações em sala de aula e como elas vão incidir
profundamente sobre a maneira como seus alunos pensam a educação, a profissão
e a identidade profissional.
Nesse caso, o desafio de formar um profissional reflexivo é evidente diante da
dificuldade que esse profissional tem de visualizar sua prática futura sem ter um
contato prévio com ela. Contudo, a reflexão pode e deve ser feita a todo momento
em situações variadas dentro da academia.
De acordo com Perrenoud (2002, p. 65), “A prática reflexiva é uma relação
com o mundo: ativa, crítica e autônoma. Por isso depende mais de uma postura do
que de uma estrita competência metodológica”. Em função disso, os formadores não
podem limitar-se à mera transmissão de informações, mas devem propor
interpretações e vínculos entre o que seus alunos acreditam e o que lhes é proposto.
Desse modo, a construção de uma prática reflexiva adquire um aspecto coletivo e se
torna presente desde o início do curso, permanecendo por todo o desenvolvimento
profissional do professor. Lima (2002, p. 247) aponta o papel da universidade nessa
formação: “Os programas de formação poderão representar um espaço de crítica e
de reflexão coletiva, desde que assumam uma postura de análise da prática de
professores, numa perspectiva de desenvolvimento profissional”.
Todas as experiências vivenciadas pelo professor fazem parte do seu
desenvolvimento profissional. São fatores importantes que aos poucos vão
organizando uma maneira própria de perceber e de agir na profissão. Sob essa
perspectiva, o desenvolvimento profissional está diretamente ligado à forma como o
professor constrói/reconstrói essas vivências.
O professor, como profissional do humano, tem uma especial
responsabilidade sobre sua atuação e, assim, o conhecimento de si mesmo
no que é, no que faz, no que pensa e no que diz, ou o autoconhecimento,
que abrange a dimensão metacognitiva e metapráxica, é a mola
impulsionadora de seu desenvolvimento pessoal e profissional (ALARCÃO,
2003, p. 104).
O desenvolvimento profissional exige do professor interesse pessoal pela
constante formação. Esta só ocorrerá se o professor se mantiver instigado e curioso
por aprender, ampliando e melhorando sua prática de maneira condizente com a
realidade em que atua.
Os professores constroem sua profissão através das experiências vivenciadas
ao longo da vida. Dessa forma, podemos destacar que as representações que os
professores geram no decorrer desse processo configuram um estilo, um agir, uma
maneira de conceber e praticar a docência.
Se uma pessoa ensina durante trinta anos, ela não faz simplesmente alguma
coisa, ela faz também alguma coisa de si mesma: sua identidade carrega as
marcas de sua própria atividade, e uma boa parte de sua existência é
caracterizada por sua atuação profissional. Em suma, com o passar do
tempo, ela vai se tornando – aos seus próprios olhos e aos olhos dos outros
– um professor, com sua cultura, seu ethos, suas idéias, suas funções, seus
interesses, etc... (TARDIF, 2000, p. 56).
O conceito de desenvolvimento profissional está vinculado à construção de
uma autonomia sempre crescente, numa união com as formas através das quais o
professor produz/constrói a profissão no processo de profissionalização. Nesse
sentido, a relação teoria/prática assume uma dimensão de busca por novos
processos de formação.
De acordo com Leite (2006), formar para o desenvolvimento profissional
assumindo a perspectiva da profissionalização não é tarefa fácil de ser
implementada. Mais fácil tem sido teorizar nessa perspectiva, sob o risco de uma
renovação apenas aparente no pensamento do formador ou daquele em formação.
Em função disso, há uma enorme preocupação para que as condições formativas
educacionais possam ser situadas no contexto heterogêneo e de grandes
adversidades com que nos deparamos nos dias atuais.
Para tanto, é importante compreender o desenvolvimento profissional como
um processo amplo, dinâmico, flexível, completo, caracterizado por diferentes
etapas pessoais e coletivas de construção da profissão. Sob esse enfoque podemos
citar os escritos de Huberman (1992), Machado et. al. (2004) e Antunes (2001,
2005), relacionados aos ciclos dos professores levando em consideração os anos de
experiência, os quais visam compreender como os elementos do processo de ensino
e as perspectivas particulares da vida influenciam no trabalho profissional.
Concomitantes às etapas profissionais transcorrem também as pessoais. Por
ser um processo contínuo, o desenvolvimento profissional não se produz de forma
isolada, ou seja, está inserido em um projeto de vida no qual se combinam e
interagem diferentes modalidades formativas.
Uma parte importante da competência profissional dos professores tem
raízes em sua história, pois, em cada ator, a competência se confunde
enormemente com a sedimentação temporal e progressiva, ao longo da
história de vida, de crenças, de representações, mas também de hábitos
práticos e de rotinas de ação (TARDIF, 2000, p. 69).
O desenvolvimento profissional é favorecido quando o professor tem
oportunidades de refletir e pesquisar com seus pares, de forma crítica, suas práticas
educativas. Nesse espaço de diálogo, explicitam suas crenças e preocupações,
analisam os contextos e a partir dessas informações experimentam novas formas
para sua atuação.
Esse processo possibilita a autonomia partilhada e uma forma de articular
teoria e prática através da qual os professores constroem saberes e competências
no contexto da busca constante por aperfeiçoamento da prática educativa. Portanto,
conforme Mizukami (1996), trata-se de um caminho de constantes mudanças
durante sua trajetória.
Nem só no curso de formação básica, nem só na prática em sala de aula.
Não só nos cursos de formação continuada, nem só no exercício profissional
deslocado de qualquer tipo de repertório (...). Nessa aprendizagem, ao longo
da trajetória profissional, o professor vai realizando aos poucos sínteses
pessoais que contemplam os diferentes tipos de conhecimento, inclusive os
da prática. Tais sínteses pessoais, quando relatadas, oferecem indicadores
de tentativas, por parte do professor, de objetivação de um conhecimento
que é seu e que só foi possível construir a partir do exercício da docência
(MIZUKAMI, 1996, p. 85).
Assumir a reflexão, a crítica, a pesquisa como atitudes que possibilitam ao
professor participar na construção de sua profissão e no desenvolvimento da
inovação educativa pressupõe a formação de um profissional capaz não só de
compreender e explicar os processos educativos dos quais participa, mas também
de contribuir na transformação da realidade educacional no âmbito de seus projetos
pessoais e coletivos como membro de um grupo social e profissional.
A reflexão como estratégia formativa, caracterizada por Schön (2000) de
várias formas, aponta para a reconstrução da prática profissional a partir da própria
prática. A reflexão da prática, na prática e sobre a prática, possibilita tomar
consciência dos processos de construção da atividade profissional. Em decorrência
disso, é necessário que os professores se sintam envolvidos em processos
educacionais que estimulem as posturas citadas acima. Cavaco (1991) destaca a
importância e o papel das escolas em romper com o círculo vicioso, que se instala
em muitas das instituições educativas, de constante alienação e progressivo
desinvestimento.
Se a escola se organizar para acolher os novos docentes, abrindo o caminho
para que possam refletir e ultrapassar de forma pertinente e ajustada as suas
dificuldades, se assumir coletivamente a responsabilidade de seu
encaminhamento através de projetos de formação profissional, talvez
contribua para inverter, por essa via, a atual tendência para a descrença
generalizada que se associa à desvalorização social da imagem do professor
(CAVACO, 1991, p. 168).
Conforme estudos de Cavaco (1991), se torna possível articular educação e
formação, rompendo com o círculo vicioso que a autora aponta e implementando
uma recriação da função docente baseada na diversificação e no enriquecimento
das atividades práticas.
A importância da concretização de atividades diversificadas dentro do
contexto educativo reflete a necessidade de estarmos, enquanto profissionais em
desenvolvimento, abertos para as mudanças que acorrem diariamente. O professor
deve ver o local onde atua como um lugar de constantes aprendizados, trocas e da
vontade de saber mais. De acordo com Arroyo (2001, p. 55), “o ofício de ensinar-
aprender se fundamenta sobretudo na consciência que as novas gerações e todos
nós temos do que não sabemos, da vontade de saber mais, do que chamamos de
curiosidade”. Assim, o professor deve ver a sala de aula não só como o lugar onde
ensina, mas onde também aprende. Nessa perspectiva, ele pode trocar de lugar
com o aluno, aliando-se a ele e pensando o conteúdo a partir da realidade que
envolve o educando. Agindo dessa maneira, o professor organiza suas práticas
educativas contemplando as necessidades e os interesses dos educandos,
contribuindo para que a escola não seja mais uma experiência amarga na vida das
crianças e melhorando sua própria auto-estima e construção pessoal. Para Alarcão
(2003) os professores já estão caminhando nesta direção.
Os professores estão saindo hoje da crise de identidade e de
reconhecimento social que os assolou. Procuram sistematizar seus dilemas e
seus saberes fazeres, redefinir valores, identificar um código deontológico,
participar de modo mais ativo nas decisões educativas em nível da escola e
da nação, organizar-se em moldes mais consentâneos com as exigências e
suas funções acrescidas, inerentes à escola de massas (ALARCÃO, 2003, p.
105).
Tal situação exige que a atividade docente esteja ancorada no
comprometimento cuidadoso com a formação do aluno e com a formação pessoal
do professor, de modo a possibilitar o discernimento necessário sobre as
potencialidades dos alunos. Visando compartilhar dificuldades e quebrar barreiras
que ainda imperam na relação professor-aluno, a docência deve primar por relações
de troca mútua, conhecimentos compartilhados e saberes sempre em processo de
construção e reconstrução.
Neste sentido, passa-se a tratar no próximo capítulo algumas contribuições
dos estudos no campo do imaginário social com o intuito de utilizar estes
fundamentos para encaminhar a compreensão de alguns aspectos importantes com
relação ao imaginário instituído e instituinte das colaboradoras da pesquisa. Procura-
se desta forma, identificar alguns apontamentos quanto a dimensão simbólica que o
curso representa para essas colaboradoras.
5. APROXIMAÇÕES DO IMAGINÁRIO CONSTRUÍDO SOBRE O
CURSO DE PEDAGOGIA NO ESTÁGIO CURRICULAR
O período de estágio incita, de um modo geral, alguns questionamentos.
Como organizar uma aula? A primeira aula... Como prever o tempo que aquela
atividade planejada vai levar? Vai dar tudo certo? Vou conseguir conduzir esse
primeiro dia de aula e os demais de acordo com o que planejei?
Todos esses questionamentos são pertinentes a quem vai pela primeira vez
adentrar uma sala de aula. Talvez seja esse o momento em que começa-se a
rememorar as imagens que tem-se sobre o que é ser professor: a maneira de estar
na sala de aula, a maneira de falar com o aluno, a forma de olhar, de ser e estar
diante do contexto educativo que envolve a atividade docente.
Cada uma das imagens é uma peça importante na experiência multifacetada
que é educar. De cada momento dessa experiência retira-se uma palavra, uma
atitude, uma decisão para, aos poucos, construir uma postura própria de ser
professor.
O modo de aprender a profissão, conforme a perspectiva da imitação, será
a partir da observação, imitação, reprodução e às vezes reelaboração dos
modelos existentes na prática consagrados como bons (...) Nesse processo
[os professores] escolhem, separam aquilo que consideram adequado,
acrescentam novos modos, adaptando aos contextos nos quais se
encontram. Para isso, lançam mão de suas experiências e dos saberes que
adquiriram (PIMENTA; LIMA, 2004
, p. 35).
A trajetória educativa, de maneira geral, é composta por momentos positivos
e negativos na relação professor-aluno. Os momentos positivos são recordados com
satisfação e marcam com alegria a vida de cada pessoa. No entanto, quando se
trata de lembranças de momentos negativos, de experiências difíceis, por vezes se
gostaria de esquecê-las, já que é necessário sobreviver no contexto de sala de aula.
O esquecimento, segundo Antunes (2001), é uma forma de ressignificar a
experiência negativa e continuar convivendo no ambiente educativo e em outros
ambientes.
Desde o nascimento, as pessoas vivem em constantes interações com outras.
Essas interações tornam cada pessoa um sujeito sócio-histórico Castoriadis (2000),
pois ocorrem em um tempo-histórico em um determinado espaço e em um
determinado grupo. Dessas interações emergem significações sociais sobre vários
assuntos, significações que permanecem na memória mesmo sem sabermos.
Na vida social, as pessoas agem assimilando regras, definindo condutas a
partir de suas expectativas, mas também considerando as expectativas dos
outros. É esse jogo de expectativas, através da produção de sentidos que
nele se dá, que acaba sendo um dos principais motivadores das imagens
que elaboramos. Imagens de tudo que está a nossa volta, dos outros e de
nós mesmos (FERREIRA, 2000, p. 118).
De acordo com as vivências que vamos adquirindo ao longo da nossa
trajetória de vida, as imagens e as significações sociais vão sendo modificadas,
ampliadas, sempre partindo do que já sabemos e experienciamos. Nada se cria a
partir do irreal. O ser humano só constrói a partir do que conhece. Para Oliveira
(1998, p. 68), “a atividade criadora da imaginação está relacionada com a riqueza e
variedade de experiências acumuladas e possibilitadas ao homem. Quanto mais rica
a experiência humana, tanto maior o material de que dispõe a imaginação”.
Desenvolver nas acadêmicas essa concepção de criação do novo é um
desafio, considerando que de um modo geral toda a sua educação foi estabelecida
no entendimento vertical da aprendizagem/educação, onde o professor detinha todo
o conhecimento e o aluno só ouvia. Essa forma de educação nos dias atuais é
insustentável, insuficiente e sem sentido, levando em consideração o grande número
de informações a que as crianças, de um modo geral, têm acesso diariamente.
Diante dessa realidade, é necessário que novas concepções de educação
sejam implementadas. Porém, na maioria das vezes, a escola e a Universidade
acabam perpetuando ações que não permitem desenvolver em seus alunos a
autonomia necessária para entender o seu processo educativo. Como fazer o
diferente se ainda, de um modo geral, as acadêmicas possuem uma formação
fragmentada e por vezes considerada deslocada da realidade concreta em que irão
trabalhar? Antunes (1997, p. 18) complementa essa questão: “Acredito que um dos
aspectos fundamentais para que a escola consiga desenvolver a autonomia e a
capacidade de criação de seus alunos constitui-se na ‘vontade pedagógica’ de
conhecer os sentidos construídos pelos alunos sobre a escola”.
Essas considerações estimulam a pensar na dimensão simbólica do curso de
Pedagogia/CE/UFSM no intuito de conhecer os mitos, os ritos, os desejos e as
imagens que penetram as relações que se estabelecem nessa instituição.
O estudo do imaginário pode contribuir para compreender como se
estabelecem as significações imaginárias construídas no estágio supervisionado, as
perspectivas adquiridas sobre o curso e sobre seus processos formativos. Processos
esses que para Fernandes (2006, p.1) “estão impregnados das ideologias e dos
valores, nem sempre percebidos, mas revelados nos atos e nas escolhas que
fazemos”. Nesse sentido, é importante conhecer alguns conceitos que envolvem o
termo “imaginário”, bem como um pouco de sua história.
O termo “imaginário” tem significados diferentes para cada um de nós. Para
uns, o imaginário é tudo o que não existe; uma espécie de mundo oposto à
realidade dura e concreta. Para outros, o imaginário é uma produção de
devaneios de imagens fantásticas que permitem a evasão para longe das
preocupações cotidianas. Alguns representam o imaginário como
resultados de uma força criadora radical própria à imaginação humana.
Outros o vêem apenas como uma manifestação de um engodo
fundamental para a constituição identitária do indivíduo (BARBIER, 1994, p.
15).
Ao longo da história, o termo “imaginário” passou progressivamente por três
fases, de acordo com Barbier (1994). A primeira denomina-se fase da sucessão:
evidencia a atualização do pensamento racional e a potencialização da função
imaginante do ser humano. Além da contribuição significativa dos pré-socráticos,
observa-se nesse período a imposição gradativa, pelo pensamento grego, de um
dualismo entre o real e o imaginário.
A fase seguinte, segundo Barbier (1994), é a fase da subversão, momento em
que os estudos sobre o imaginário irão manter-se ao mesmo tempo ocultos e
voluntariamente ignorados, permanecendo subversivos. Nessa época, esses
estudos eram percebidos como algo que deveria ficar escondido para que não
provocassem nenhuma mudança, demonstrando ainda a existência do dualismo
entre o real e imaginário. Já a última e mais recente fase, a da autorização, é
marcada pelo reequilíbrio entre a atualização e a potencialização do imaginário e o
real/racional, segundo Barbier (1994). A obra de C. Castoriadis (2000) é a que
melhor apresenta as vias de acesso à plena realização dessa fase de autorização.
É possível perceber que ao longo da trajetória histórica, de acordo com as
fases representadas por Barbier (1994), os estudos realizados sobre a imaginação
ficaram por muito tempo escondidos. Isso evidencia uma preocupação de época por
parte dos cientistas, já que não era possível a explicação de questões relativas à
imaginação através da racionalidade técnica.
Imaginação, imaginário, imagens, representações simbólicas e
representações míticas - expressões que foram durante muito tempo
banidas do pensamento considerado científico e legítimo, por
caracterizarem um campo “perigoso”, onde a preocupação com a
constatação ficaria prejudicada. A imprecisão desses conhecimentos os
coloca em choque com aqueles comprovados por explicação através de
atividade racional. A própria cientificidade fica “abalada”, porque científico é
o conhecimento que pode ser comprovado (OLIVEIRA, 1998, p. 62).
Na tentativa de compreender o ser humano de forma mais abrangente,
entendendo sua complexidade, é que o imaginário social ou a sociedade instituinte,
como um conjunto de regras, normas e valores, permite um novo olhar sobre as
relações sociais. Segundo Castoriadis (2000, p. 400), “As coisas sociais são o que
elas são mediante as significações que elas figuram imediatamente ou
mediatamente, diretamente ou indiretamente”. Essa concepção possibilita uma
aproximação maior com as significações construídas sobre o estágio
supervisionado, dentro de uma perspectiva de sociedade instituída e instituinte.
A imaginário instituído é entendido como um emaranhado de sentidos, de
imagens e interpretações perpetuadas ao longo do percurso histórico. O que está
instituído é o que está estabelecido, mas também aquilo que pode tornar-se, “vir a
ser”. Assim, sociedade instituída e sociedade instituinte estão co-relacionadas pelo
próprio movimento de existência e permanência de ambas, ou seja, uma precisa da
outra para existir: “A própria norma se altera pela alteração daquilo de que ela
deveria ser norma de identidade, aguardando ser rompida pela colocação explícita
de uma outra norma” (CASTORIADIS, 2000, p. 417).
Nesse contexto, o sentido da nova norma, do “novo” só será possível através
da tensão entre o imaginário instituído e instituinte, entendido como o imaginário
radical. O imaginário radical é analisado por Castoriadis (2000, p. 414) da seguinte
maneira: “Denominamos imaginação radical o que, na psiquê/soma é posição,
criação, fazer ser para a psiquê/soma”. Com esse sentido, o imaginário radical é o
que impulsiona a criação, a invenção do novo e conseqüentemente fortalece a
sociedade instituinte. O imaginário radical contribui para que novas formas de
pensamento sejam conhecidas e ampliadas, e também para que cada sujeito
exercite sua capacidade imaginativa e sua autonomia.
É importante conhecer, segundo Antunes (2001), os mitos que se
estabelecem dentro da Universidade. Durante muito tempo ela foi entendida como o
único local de construção do conhecimento. Nos dias atuais, é impossível deixar de
considerar a relação concreta que deve ser estabelecida entre a formação
vivenciada na Universidade e o local real em que os acadêmicos irão atuar,
considerando que o conhecimento também se constrói na escola, conforme apontam
estudos de Tardif (2002).
Apesar da necessidade de existirem novos olhares, novas formas de pensar a
instituição, ainda é possível visualizar muitos mitos que envolvem a Universidade, o
que acaba perpetuando a maneira de entendê-la tal como ela se forma. Inclui-se
nesse contexto a complexidade de relações estabelecidas com o curso, com as
pessoas e com o processo formativo. A importância de buscar um entendimento
mais amplo dessas relações é percebida nas contribuições de Oliveira (1998).
Compreender o processo educativo a partir de sua dimensão simbólica, é
tomá-lo a partir de entendimento que este é uma construção que nos faz
sujeitos de emoções, de razões, de desejos e paixões. A aproximação dos
sentidos construídos pelos sujeitos da educação nos faz penetrar num
campo onde se articulam representações míticas, religiosas e ideológicas.
Aprender seus sentidos significa percorrer caminhos sinuosos, o campo
visível e invisível, o que se mostra e o que está oculto, o dizível e o
indizível (OLIVEIRA, 1998, p. 65).
O cotidiano vivido pelas estagiárias é constituído de experiências
significativas, singulares, dinâmicas e desafiadoras, mediadas pela dimensão
simbólica construída em cada uma dessas experiências, o que possibilita que as
estagiárias se relacionem de diferentes formas com essas vivências.
A investigação desse campo propõe conhecer um pouco mais das falas, dos
silêncios, dos mitos e dos significados construídos sobre o estágio supervisionado,
buscando uma aproximação dos sentidos criados pelas estagiárias sobre o curso,
sobre os processos formativos e sobre a passagem de aluna para professora.
Conforme Oliveira (1998, p. 63), “A dimensão simbólica da educação e da
pedagogia recoloca os sujeitos da educação a partir de sua cultura, de sua
sociedade, das suas emoções, das suas vivências, dos sonhos, mitos e ritos.
Subjetividade e objetividade estão imbricadas”.
Buscar uma aproximação com a dimensão simbólica configura-se numa
possibilidade de adentrar no que não é costumeiramente percebido. Essa forma de
compreender a realidade torna-se um desafio para todos aqueles que se dedicam a
investigar a formação inicial de professores.
Em função disso, algumas das experiências vivenciadas na Universidade
contribuem para que as simbologias se perpetuem como mitos existentes. Antunes
(2001), em seus estudos, percebeu que as acadêmicas estagiárias acreditam que a
prática se sobrepõe à teoria, configurando o “mito da prática sobre a teoria”.
Portanto, ainda não conseguem perceber que a prática é subsídio para a teoria e a
teoria contribui significativamente para repensar a prática.
O risco de uma teoria geral sem embate com a prática e, esta reduzida a
formativo pode desencadear novos entendimentos da profissão, do curso e das
imagens construídas ao longo da trajetória educativa das alunas.
O imaginário radical possibilita que as alunas possam construir sua
autonomia. De acordo com Antunes (2001, p. 36), “por mais que a sociedade
instituída busque formas para a sua autoperpetuação, ela só existirá como tal pelo
movimento constante de criação e alteração das significações construídas”. É
necessário, portanto, desenvolver um projeto coletivo de sociedade através do qual
os sujeitos possam participar efetivamente das decisões frente aos jogos de poder
Foucault (2006)
3
. Para Antunes (2001), “a autonomia novamente encontra-se em
oposição dialética entre o individual e o coletivo, no momento em que os indivíduos
precisam superar os ritos, os mitos, valores, normas, crenças para que consigam
instaurar uma relação de emancipação”.
Às vezes as pessoas deixam-se regular por mecanismos sem mesmo nos dar
conta disso. Esse processo de alienação frente aos jogos de poder é conhecido por
heteronomia. A heteronomia é compreendida por Castoriadis (2000, p. 139) como “a
alienação da sociedade às suas instituições, como autonomização das instituições
com relação à sociedade”. Dessa forma as instituições, depois de sua criação,
passam a ter vida própria, agindo por conta própria. Conforme aponta Antunes
(2001), “ao invés de as instituições serem construídas para atender os sujeitos, eles
é que acabam agindo e vivendo em prol das instituições”.
O período de estágio pode contribuir para que as alunas se tornem mais
reflexivas e menos alienadas, pois mesmo diante das dificuldades e novidades, é
preciso avançar no sentido de não ape0008 e5 TD]TJ12.3adcs aluo pom paetivoJ/cerque -19.07 - TD- TD0.0025 Tw(instau agindJ-ra aas pditsentaruídas”. soc)dar m O 595(me com a-o)1.1(sentuneP consa; Lári.7(2.7 0 TD43-0.0004 Tc0.1626 Tw7(reflex, “4o “Tjn Antun )]TJonsa-7.57511.63-0.0004 Tc.0748 Tw82que as al,08 essendTJ18.1755 -10725 TD-0.0004 Tc0.0424 Tw1[( )-244o pode csprojeto de estcurquedonsroc)-5fo2.7 0 TD45-0.0004 Tc0.1626 Tw17(reflex)]Tla só eeJ-marca c)T exiiv
A construção e o fortalecimento da identidade e o desenvolvimento de
convicções em relação à profissão estão ligados às condições de trabalho e
ao reconhecimento e valorização conferida pela sociedade à categoria
profissional. Dessa forma, os saberes, a identidade profissional e as práticas
formativas presentes nos cursos de formação docente precisam incluir
aspectos alusivos ao modo como a profissão é representada e explicada
socialmente (PIMENTA; LIMA, 2004, p. 66).
Percebendo-se a identidade como um processo, pode-se considerar que o
curso, o estágio, as aprendizagens das disciplinas, as experiências pessoais e
profissionais no espaço da Universidade e fora dela contribuem para a sua
construção. Quando a aluna está no estágio, ocorre a sua participação efetiva no
cotidiano da escola. A partir dessa experiência, ela tem espaço para visualizar como
o professor é visto pela sociedade e isso influencia na sua vida e na maneira de se
perceber professor. Assim, aos poucos vai consolidando sua própria postura frente
ao contexto educativo e frente a sua profissão (LEITE, 2006).
Na maioria das vezes, a aluna/estagiária percebe que sua aula está distante
do que ela idealizou durante seus processos formativos. Isso pode ser percebido
com a contribuição de Valle (1997, p. 41), que faz questionamentos significativos: A
escola está em crise? Ou é uma crise imaginária? Essas dúvidas e incertezas
ocorrem em virtude da falta de fortalecimento da capacidade de criação humana.
Para superar essa realidade é importante que as acadêmicas acreditem e apostem
na criação de práticas inovadoras e diferenciadas. Assim, poderão encontrar
alternativas para minimizar as dificuldades encontradas nas escolas.
Desse modo, concorda-se com Valle (1997) quando salienta que é necessário
“pensar não o que a escola foi ou é, mas o que desejamos que ela seja para nós”. O
trabalho do professor deve estar imbricado de coerência, qualificação e também de
sonhos, utopias que fazem parte de nossa vida e que contribuem para tornar as
pessoas mais humanas, solidárias, confiantes na sua profissão e na construção de
uma sociedade capaz de criar mecanismos e meios de emancipação.
6. ENCAMINHAMENTOS METODOLÓGICOS
6.1 O Estágio como Espaço de Pesquisa
Em relação à pesquisa no campo do estágio, os autores Pimenta; Lima
(2004), Marcondes; Turra (2006), Ghedin; Brito; Oliveira (2006), Antunes (2001,
2005, 2005a) e Stivanin (2003) têm sua importância quando se considera a
possibilidade significativa de analisar e compreender melhor esse espaço de
formação.
A aproximação com a realidade educacional faz do estágio uma oportunidade
de reflexão. Ao vivenciarem o cotidiano da escola, as acadêmicas desempenham
papéis que são próprios ao contexto educacional. Isso faz com que pensem com
mais propriedade sobre sua profissão e sobre sua atuação.
Os questionamentos e as indagações que emergem no estágio
supervisionado são reflexos das percepções que se constroem sobre os processos
formativos, sobre as escolhas profissionais e sobre a identidade profissional.
São essas percepções e interpretações que essa pesquisa dedica-se a
estudar.
6.2 Abordagem qualitativa
A metodologia que se pretende utilizar para o desenvolvimento dessa
pesquisa caracteriza-se por uma abordagem qualitativa pautada nas reflexões
propostas por Bogdan; Biklen (1994). Acredita-se que essa metodologia constitui um
processo de reflexão que apresenta os elementos necessários para auxiliar o
pesquisador na compreensão da realidade a ser investigada. Trata-se, portanto, de
um estudo que busca conhecer o processo de formação das acadêmicas/estagiárias
do curso de Pedagogia Séries Iniciais – Habilitação em matérias pedagógicas do 2°
grau para o Magistério/CE/UFSM.
A abordagem qualitativa apresenta algumas características defendidas por
Bogdan; Biklen (1994) que merecem ser destacadas porque possibilitam a
fundamentação necessária para o desenvolvimento desse trabalho: “A investigação
qualitativa é descritiva. Na sua busca de conhecimento, os investigadores
qualitativos tentam analisar os dados em toda sua riqueza, respeitando tanto quanto
possível a forma em que estes foram registrados ou transcritos” (BOGDAN; BIKLEN
1994, p. 48). A pesquisa não tem por objetivo induzir e quantificar dados esperados
e sim analisar com cuidado as falas e as escritas sobre as significações sociais
construídas sobre o curso de Pedagogia. Os resultados a serem alcançados terão
sua análise no decorrer do processo e não de maneira pré-estabelecida. Para
Bogdan; Biklen (1994, p. 50), “Não se trata de montar um quebra-cabeça já
conhecido de antemão”, mas de construir os significados dos dados ao longo da
pesquisa.
A análise dos dados deve, pois, ser minuciosa e fundamentada para que a
riqueza dos fatos e depoimentos possa ser valorizada e percebida. Para Bogdan;
Biklen (1994, p. 49), “A investigação qualitativa exige que o mundo seja examinado
com a idéia de que nada é trivial, que tudo tem potencial para constituir uma pista
que nos permita estabelecer uma compreensão mais esclarecedora do nosso objeto
de estudo”. Esse aspecto ressalta a atenção e dedicação que merecem e exigem as
pesquisas qualitativas pois, investigando questões que compõem a subjetividade
humana, é imprescindível que a análise dos dados seja cuidadosa para que os
detalhes possam ser compreendidos de maneira coerente.
“A interação do pesquisador com os sujeitos da pesquisa” (BOGDAN;
BIKLEN, 1994) também foi um aspecto significativo para que a pesquisa pudesse
ser desenvolvida. A participação durante o 1º semestre de 2005 nas disciplinas MEN
421 – Prática de Ensino na escola de 1º grau I e MEN 422 – Prática de Ensino na
escola de 1º grau II, foi essencial para que se pudesse estabelecer relações mais
estreitas com os sujeitos da pesquisa. Essas oportunidades possibilitaram conhecer
com mais clareza o espaço da pesquisa e também os sujeitos da mesma.
A interação do pesquisador com os sujeitos da pesquisa constitui um
elemento significativo nas pesquisas qualitativas, conforme estudo desenvolvido por
Bogdan; Biklen (1994), Antunes (2001) e Deslandes (1994), pois promove um
conhecimento mais profundo do contexto sócio-cultural no qual eles estão inseridos.
“O significado é de importância vital na abordagem qualitativa” (BOGDAN;
BIKLEN 1994, p. 50). Essa característica da abordagem qualitativa, considerando o
interesse dessa pesquisa em investigar quais as significações construídas pelas
acadêmicas estagiárias em relação ao seu processo formativo, a construção de sua
identidade profissional e o significado de sua trajetória educativa, contribui para uma
aproximação significativa no modo como cada colaboradora constrói suas
percepções sobre os aspectos acima mencionados.
Para tanto, segundo Bogdan; Biklen (1994, p. 51), é necessário que “os
investigadores qualitativos estabeleçam estratégias e procedimentos que lhes
permitam tomar em consideração as experiências do ponto de vista do informador”.
Essa forma de entender a pesquisa permite uma compreensão sobre as percepções
e interpretações que as colaboradoras fazem de suas experiências pessoais e
profissionais. Isso possibilita o enriquecimento da pesquisa, pois reflete a forma
particular como cada colaboradora constrói seus significados dentro do estágio
supervisionado, que é o campo dessa pesquisa.
6.3 Instrumentos de coleta das informações
Um dos instrumentos significativos a serem utilizados na pesquisa são os
relatos autobiográficos, pois através dos mesmos acredita-se ser possível perceber
alguns aspectos relevantes que permeiam a história de vida de cada sujeito. Isso
permite evidenciar possíveis relações existentes entre as lembranças das trajetórias
de vida e os processos formativos de cada colaboradora.
O respeito pelo autobiográfico, pela “vida”, é apenas um aspecto duma
relação que permita fazer ouvir a voz dos professores em certo sentido (...).
Ouvir a voz do professor devia ensinar-nos que o autobiográfico, a “vida”, é
de grande interesse quando os professores falam do seu trabalho
(GOODSON, 1992, p. 71).
No momento em que cada pessoa organiza a sua história de vida, ocorrem
reflexões sobre aspectos importantes e significativos. Essas reflexões podem
desencadear processos de transformações no modo de pensar sobre determinados
acontecimentos, fatos e vivências, pois ao recordar o indivíduo modifica a relação
consigo mesmo, com o outro e com o ambiente que o cerca. Dessa forma, retira
lições de cada uma das experiências de sua vida, percebendo-se assim autor de sua
própria existência.
De acordo com Josso (2004, p. 153), “o trabalho sobre narrativa de vida se
oferece como a passagem de uma tomada de consciência da formação do sujeito
para a emergência de um sujeito da formação por meio da mediação de uma
reflexão crítica sobre a forma de pensar o seu itinerário experimental e existencial”.
Essa tomada de consciência, de forma crítica, ganha espaço no momento em que
cada pessoa retoma a sua história de vida, pensando nos empenhos, desejos,
conquistas e formas como lembra cada experiência.
Investigar se as experiências da história de vida das estagiárias influenciaram
na constituição das significações construídas durante o curso de Pedagogia é
objetivo desafiador. Contudo, é um elemento significativo na busca de uma
aproximação maior na compreensão sobre as escolhas profissionais, as
representações de seus processos formativos e sobre a construção da identidade
profissional. Para Warschauer (2004, p. 9), a narrativa na metodologia com histórias
de vida tem sua importância porque “permite explicitar a singularidade, e com ela
vislumbrar o universal, perceber o caráter processual da formação e da vida,
articulando espaços, tempos e as diferentes dimensões de nós mesmos”.
As narrativas das histórias de vida podem possibilitar que se percebam as
inúmeras vivências por que passaram as acadêmicas, sua forma de pensar o curso
e as significações sociais estabelecidas dentro e fora de seus processos formativos.
Dessa forma, através da construção de suas histórias de vida, elas estarão
reconstruindo as relações estabelecidas consigo mesmas e com os outros.
O dinamismo que envolve o processo de formação vai constituindo a
identidade pessoal e profissional das acadêmicas. Em decorrência disso, a maneira
de se perceber ao longo da história possibilita que através das interações sociais
constantes seja possível formar-se e transformar-se.
Só uma história de vida permite captar o modo como cada pessoa,
permanecendo ela própria, se transforma. Só uma história de vida põe em
evidência o modo como cada pessoa mobiliza os seus conhecimentos, os
seus valores, as suas energias, para ir dando forma à sua identidade, num
diálogo com os seus contextos (MOITA, 1992, p. 116).
Conhecer um pouco mais do cotidiano das colaboradoras através de suas
histórias de vida permite explorar a pluralidade de imagens construídas ao longo de
suas trajetórias, imagens que podem ser ressignificadas quando são estabelecidas
relações com o passado, o presente e o futuro da formação no momento que se
escreve e fala sobre ela. Para Josso (2004, p. 263), “a interpretação narrativa
espontânea do itinerário de vida comporta uma dimensão imaginária porque se trata
de uma releitura do passado na ótica do questionamento, dos projetos, dos desejos
e das perspectivas de vida inscritas no presente, no passado e nas projeções”.
Sob esse enfoque, a imaginação pode contribuir para o sujeito colocar-se no
futuro e vislumbrar ações que podem ser concretizadas através da criação de novos
repertórios para a prática docente. Para Ferreira (2000, p. 289), “A capacidade de
imaginar é um processo incessante de criar antecipadamente o novo, o inexistente
ainda, conferindo ao homem uma originalidade marcante: o ser capaz de concretizar
nas coisas e nos outros os seus próprios traços”.
Ao rememorar momentos, professores e aprendizagens significativas de
acordo com as etapas educativas vivenciadas ao longo de sua trajetória de vida, as
acadêmicas podem mobilizar seus saberes e seus conhecimentos para instaurar
novas formas de pensar a educação, os seus processos formativos e sua identidade
profissional.
As autobiografias também possibilitam uma aproximação da memória
docente, compreendida aqui como um elemento importante do processo de
formação do professor. Na concepção de Antunes (2001, p. 48), “A memória existe
para que as pessoas não esqueçam que têm uma história, um compromisso e uma
responsabilidade de usarem a imaginação e a capacidade de criação”. A criação do
novo possibilita ir além da formação recebida, pensando em algo que ultrapasse as
concepções previamente estabelecidas e instaurando novos olhares sobre a forma
de conceber e praticar a profissão. Logo, a memória reitera e viabiliza a
possibilidade de reflexão sobre as histórias de vida das colaboradoras da pesquisa.
Falar das próprias experiências formadoras é, pois, de certa maneira,
contar para si mesmo a própria história, as suas qualidades pessoais e
socioculturais, o valor que se atribui ao que é “vivido” na continuidade
temporal do nosso ser psicossomático. Contudo, é também um modo de
dizermos que, neste continuum temporal, algumas vivências têm uma
intensidade particular que se impõe à nossa consciência e delas
extrairemos as informações úteis às nossas transações conosco próprios
e/ou com o nosso ambiente humano e natural (JOSSO, 2004, p. 48).
Assim, a memória constitui-se na forma como cada pessoa repensa suas
ações. Através da capacidade de criação humana, cada um poderá instaurar novas
concepções e atitudes, modificando sua forma de pensar sobre os processos
formativos, a construção da identidade profissional e a passagem de ser aluna para
tornar-se professora.
As entrevistas semi-estruturadas evidenciam outro modo de aproximação com
os sujeitos da pesquisa. De acordo com Deslandes (1994), esse instrumento
engendra a entrevista aberta e com isso permite ao informante falar livremente sobre
o tema proposto. Antunes (2001) ressalta a importância das entrevistas ao se basear
em Bogdan; Biklen (1994), pois esses autores consideram que “as boas entrevistas
produzem uma riqueza de dados, recheados de palavras que revelam as
perspectivas dos respondentes. As transcrições estão repletas de detalhes e
exemplos”.
É fundamental que o colaborador da pesquisa sinta-se bem ao falar sobre os
aspectos questionados, pois isso irá refletir em um maior número informações em
suas falas. A interação do entrevistador com o entrevistado é essencial no momento
da entrevista, pois demonstra interesse e atenção à fala, além de permitir explorar
através de exemplos o que o entrevistado quer dizer com certa afirmação.
O que se revela mais importante é a necessidade de ouvir
cuidadosamente. Ouça o que as pessoas dizem. Encare cada palavra
como se ela fosse potencialmente desvendar o mistério que é o modo de
cada sujeito olhar para o mundo. Se a principio não conseguir compreender
o que o sujeito está a tentar dizer, peça uma clarificação (BOGDAN;
BIKLEN, 1994, p. 137).
Essa maneira de conduzir as entrevistas semi-estruturadas poderá auxiliar o
investigador na compreensão e interpretação do contexto da entrevista, evitando
dúvidas com os sentidos das falas. Comentários, avaliações e opiniões por parte do
entrevistador devem ser evitados no momento da entrevista, uma vez que podem
desviar do foco principal ou ocasionar desconforto para o entrevistado, fazendo com
que ele se sinta “confuso” quanto ao que estava pensando e dizendo.
De acordo com Bogdan; Biklen (1994, p. 137), “Ao pedir a alguém que partilhe
de si próprio contigo, é importante que não o avalie, para o não sentir-se de alguma
forma diminuído”. As avaliações pessoais do pesquisador não são pertinentes na
hora da entrevista, já que poderiam influenciar a fala do entrevistado, fazendo com
que este modifique sua forma de responder para estar de acordo com o que pensa o
pesquisador.
As proposições acima consideradas sintetizam os instrumentos a serem
usados para pesquisar como são construídas as significações imaginárias a respeito
dos processos formativos, bem como o processo de ser aluna e tornar-se
professora, com base em alguns indicadores que contribuem para repensar a
por três colaboradoras, que são acadêmicas/estagiárias do oitavo semestre do curso
de Pedagogia do Centro de Educação, todas com habilitação em Séries Iniciais.
6.4 Aproximação com as colaboradoras da pesquisa
6.4.1 Interações desenvolvidas com as colaboradoras
6.4.1.1 1º Semestre de 2005
No primeiro semestre de 2005, ocorreu o acompanhamento na Disciplina
MEN 421 – Prática de Ensino na escola de 1º grau I. Durante esse período
acompanhei as acadêmicas na apresentação de sua autobiografia e na organização
de sua proposta de estágio.
6.4.1.2 2º Semestre de 2005
Nesse semestre, acompanhou-se a disciplina MEN 422 – Prática de Ensino
na Escola de 1º grau II. Essa experiência constituiu-se no acompanhamento das
orientações individuais e semanais realizadas na UFSM, junto com a Profª.
Orientadora do Estágio Supervisionado. A disciplina MEN 422 foi muito importante
no sentido das trocas de saberes, experiências e materiais durante o processo de
estágio e para a organização das atividades propostas nos planos de aula das
acadêmicas. Esse acompanhamento foi uma possibilidade de aproximação com as
colaboradoras da pesquisa, o que permitiu o desenvolvimento das entrevistas semi-
estruturadas com as estagiárias e a coleta das reflexões feitas nos diários de aula.
6.4.2 Critérios utilizados para a escolha das colaboradoras
- Realização do Estágio Curricular em 1ª e 2ª séries dos anos iniciais do
Ensino Fundamental;
- Participação em Projetos Extensão;
- Disposição de participar como colaboradora da pesquisa.
6.4.3 Apresentando as colaboradoras da pesquisa
Colaborador
as
Idade Formação Série de atuação
no estágio
Participação em
projeto de
Pesquisa,
Ensino e/ou
Extensão.
H. L. 30
anos
Pedagogia - Séries Iniciais -
Habilitação em Matérias
Pedagógicas do 2º grau.
2ª série Não
B. X. H. 21
anos
Pedagogia - Séries Iniciais -
Habilitação em Matérias
Pedagógicas do 2º grau.
1ª série Sim
E. C. 22
anos
Pedagogia - Séries Iniciais -
Habilitação em Matérias
Pedagógicas do 2º grau.
1ª série Sim
6.4.3.1 Colaboradora H.L.
Nasci no dia 10 de setembro de 1975, em Santa Maria às 9 horas no Hospital Casa de
Saúde. Sou filha de Paulo Olivério Vargas Lopes e Maria Elaine Garcia Lopes, que também
são naturais de Santa Maria. Tenho uma irmã que se chama Hábaly Silvana Lopes Vaz, que é
Médica Psiquiatra e tem sua formação na UFSM. Meu pai é Funcionário Público Municipal e
formado em Administração em Gestão Pública na ULBRA, já aminha mãe é Professora
aposentada em Habilitação Pré-escola, também com formação na UFSM.Minha descendência
paterna é de italianos, minha bisavó que se chamava Maria Elisa veio de Roma, meu bisavô
que se chamava Francisco era português e italiano, ele nasceu em Coimbra, na Freguesia da
Ponte, num lugarejo chamado Pavoa. O bisavo Alfredo e a bisa Josephina também
respeitavam a mesma ordem, ele era português e ela era italiana. O meu pai comenta que a
bisa Josephina era muito bonita, tinha um olho de cada cor, (um era azul e o outro era verde),
e tinha muitos dotes culinários, um deles era fazer um delicioso pão batido.Meus avós
paternos se chamavam Olivério Lopes Diniz e Marieta Vargas Lopes, meu avô era advogado e
engenheiro, minha avó era dona-de-casa e encadernadora de livros.Meus bisavôs maternos
se chamavam Oracélia Severo dos Santos e Patrício dos Santos, vindos da colônia
Conceição, pais da minha avó Deolinda Severo dos Santos Garcia. Os pais do meu avô eu
não obtive informações. Meu avô, se chamava Dirceu Garcia, era Ferroviário e exercia uma
função tipo torneiro mecânico, somente com um diferencial, desenhava as peças dos trens e
tinha que fazê-las depois. Quando eu nasci, meu avô já havia falecido, convivi mais com
minha avó materna. A casa da vó sempre foi o lugar da junção dos netos, pois o pátio era bem
amplo com arvoredo que podíamos subir e brincar de super-heróis. Eu e minhas duas primas
brincávamos de “Magayver”, Mulher-Maravilha. She-ra e He-man.Nos finais de semana e
também nas férias, ia pousar na casa da minha vó, ficava lá dias, e nem sentia saudades de
casa, as vezes, eu queria ir embora, mas não era sempre. Minha infância foi bem agitada,
andava de bicicleta de montão, brincava de Barbie e de fazer roupinhas para elas; fazer
comidinha e mostrar casinha. Educação Infantil. Sempre fui uma criança extrovertida,
esperta, brincava de escrever, dando riscos nos papéis, pois tinha influência da minha irmã
que é cinco anos mais velha que eu, então, foi aquela choradeira para querer ir para a
escola.Quando eu e minha família íamos viajar nas férias era cômica, eu via as “Brisoletas” e
queria estudar nelas. Eu achava lindas aquelas escolinhas azuis na beira da estrada, uma
mais bonitinha que a outra. Eu queria freqüentar todas elas. Não importava a cidade, poderia
ser em Caçapava, cachoeira, Jaguari, Santiago ou Rosário. Eu começava...é nesta que eu
quero estudar! Passava alguns metros aparecia outra, eu dizia, não eu quero é nesta,
resumindo, eu queria estudar numa escolinha rural.Então surgiu a grande oportunidade da
minha vida! A esposa do meu primo é formada em Belas Artes e abriu em 1980 uma Escolinha
de Artes, eu fui a primeira aluna a me matricular. Eu só desenhava um desenho apenas a
tarde toda, todos os dias:uma cara redonda, dois olhos que eram duas bolas e um traço que
era a boca. Só que não era um por tarde, era várias, umas vinte, mais ou menos, sem
exagerar; o pedido sempre foi que mandassem folhas extras para mim.Em 1981, fui
matriculada no jardim de Infância do Instituto de educação Olavo Bilac. Lá foram ensinados
muitos valores como: honestidade, bondade, coleguismo, espírito de equipe e amizade.
Cantávamos o Hino Nacional e o Hino da Escola. O uniforme tinha de ser impecável e a fila
bem feita.Minha professora do jardim de Infância se chamava Madalena. Ela era muito
carinhosa, meiga, boa professora. Agradeço a minha boa coordenação motora a ela, pois os
alinhavos, fechos e botões de abre-fecha eu não esqueço jamais. A formatura do jardim foi
realizada no Salão de Festas da escola, o cardápio foi Risoto, pãozinho de cahorro-quente e
refrigerante, após o jantar foram entregues os diplomas pela Diretora da escola e pela
Professora.Ensino Fundamental - 1ª à 4ª série.Meu Ensino fundamental foi realizado no
IEOB. Lembro-me das professoras: Elsa-1ª série, Maria Helena-2ª série, Neuza-3ª série e
Glaci-4ª série.A 5ª série pertencia à área, pois cada disciplina tinha seu professor, então
tínhamos de escolher a professora conselheira, sempre a professora mais boazinha,
compreensiva, e realmente elas eram assim mesmas, um amor de pessoas. Agüentava
turmas de 30 alunos pré-adolescentes uma manhã inteira. Na 6ª série, a turma organizou uma
excursão para a Serra Gaúcha, foi a primeira vez que viajei sozinha, sem acompanhante da
família, somente com professores e colegas. A 7ª série, foi muito legal, fomos para
Octoberfeste. Uma bagunça no ônibus, a turma era a mesma desde a 1ª série, tiramos fotos
juntos, caminhamos pelo centro de Santa Cruz e fizemos compras. A 8ª série foi em clima de
despedida, pois nem todos da turma que estavam juntos desde o jardim de Infância, iriam para
a mesma escola para cursar o Ensino Médio. Quando o ano chegou ao fim, fizemos uma festa
de despedida.Ensino Médio- Em 1990, fui cursar o Ensino Médio na Escola Estadual Profª
maria Rocha. Fiquei na escola até 1992, quando me transferi para o colégio Padre Rômulo
Zanchi, devido esta, ser mais próxima à minha casa. Em 1998 voltei a estudar no Instituto
Mariano de Rocha, onde concluí meu Ensino Médio. No ano seguinte prestei vestibular para
Ciências Contábeis ficando apenas com a pontuação do ponto de corte. Mais obstinada do
que nunca, e incentivada pela minha família, fui fazer cursinho pré-vestibular. Tentei por dois
anos Letras, primeiro para Habilitação Espanhol e depois Inglês, mas não fui aprovada. Então,
fui fazer no ano de 2001 o famosa teste vocacional, para saber definitivamente qual a área
que eu tinha maior tendência, e posteriormente, dar um direcionamento aos meus estudos.
Para minha surpresa o resultado do teste apontava para Pedagogia Habilitação Séries Iniciais.
Depois do teste, meu pai falou-me que eu adorava brincar de escolinha. E que eu era uma
professora exigente, mas muito carinhosa, aceitava até que os alunos conversassem em
aula.Universidade- Em 2002 prestei vestibular na UFSM, confiante que já estava passada,
pois a minha pontuação extrapolava o ponto de corte consideravelmente. Então, a convite de
minha tia fui trabalhar em uma ferragem. No dia do listão, saí nervosa para trabalhar, estava
ansiosa, quando cheguei vi que o rádio não estava lá, então liguei um rádio relógio para ouvir
o listão, em seguida um dos funcionários me disse que este estava estragado e se desligava
sozinho. Fiquei apavorada precisava ouvir o listão, o rádio não se desligou, e meu nome foi
divulgado às 16 horas e 45 min em 1ª turma do Curso de Pedagogia Séries Iniciais. Meu
esforço foi recompensado! O celular não parava de tocar, e eu não consegui trabalhar
mais...contava as horas para ir embora para casa comemorar! A minha entrada na
universidade foi maravilhosa, consegui realizar-me no curso, pois as disciplinas oferecidas
foram ministradas por ótimos professores, que me fizeram ampliar meus horizontes em
relação à educação num todo, num universo intelectual vasto de conhecimentos voltados para
as mais diversas áreas. No curso fiz amizades valiosas, tanto com funcionários, como com
professores ou com colegas. Os momentos ruins já esqueci, as palavras amargas que ouvi,
também. O que vai ficar, será todos os momentos inesquecíveis que passei dentro da
universidade com meus amigos e minhas amigas; das piadas na fila do xérox ou das
“maratonas” para não perder o circular-universidade.
6.4.3.2 Colaboradora B. X. H.
Eu sou a segunda filha das três que meus pais possuem. Conta a minha mãe chamada Eliana
que das três gravidez que ela teve, a minha foi a única planejada. Minha mãe engordou 20 Kg
durante os nove meses da gestação. Não posso dizer que foi um período tranqüilo para ela,
porque durante todo o tempo em que estive em sua barriga, ela enjoou quase que todo tempo
e mantêm ate hoje a lembrança de alguns cheiros que marcaram o seu olfato antes mesmo de
eu ter nascido.Eu nasci para o mundo através de uma cesariana, em uma sexta-feira às 22
horas do dia 17 de outubro de 1984, na Casa de Saúde de Santa Maria. Era consenso entre
os que me conheciam, que eu era um bebê muito lindo. Nos primeiros três meses eu privei
meus pais de muitas noites de sono devido às cólicas que eu sentia durante a noite, igual a
tantos outros bebês que nascem neste mundo.Nos primeiros meses de vida, minha única
alimentação era o leite materno, isso perdurou até os noves meses de idade, quando intercalei
com sopas de legumes, feitas por minha mãe. Nos meus primeiros dois anos de vida eu tive
uma protetora chamada Medianeira, que era a nossa emprega doméstica na época. A
primeira grande decepção da minha vida, foi exatamente nessa época, quando a Neneia,
como eu a chamava, deixou a nossa casa para casar-se. Aliado a isso, meu pai começou a
viajar mais seguido. Nesse período, sem nenhum outro motivo aparente eu tinha febres altas,
que segundo informações do meu pediatra, Doutor Leonir Moreira, essas febres eram
provenientes da ausência da Neneia e do meu pai. À medida que o tempo foi passando eu fui
me acostumando a essa nova realidade.Contam meus pais que na minha primeira infância, eu
era uma criança considerada brava e emburrada, e muito dependente da presença do meu pai
Jader e da minha mãe Eliana. A minha primeira escola foi o Patronato Agrícola Antônio Alves
Ramos, localizada na cidade de Santa Maria. A escolha da escola foi influenciada
decisivamente pelo fato da minha Tia Margareth lecionar naquela escola. Lembro até hoje do
nome e do rosto da minha primeira professora, ela era morena clara, cabelos curtos, alta e
chamava-se Tia Geneci. No segundo ano do Jardim de infância, minha Tia Margareth, além de
ser minha guardiã nas idas e vindas à escola, foi também minha professora. Conta a Tia
Marga, como a chamava e chamo até hoje, que eu era muito detalhista em meus trabalhos,
enquanto eles não estivessem de acordo com a expectativa que tinha, permanecia na sala,
mesmo quando era dada a hora do recreio. Lembra ela que uma das minhas características
marcantes era a liderança, tomava a frente nas atividades, estava sempre cheia de idéias para
contribuir na aula. Tinha facilidade em fazer novas amizades, era como uma mediadora na
turma, se alguém estava com algum problema com outro colega eu interferia, tentando
resolver a questão. Diz a Tia Marga, que sempre tive facilidade em me comunicar, adorava
participar ativamente das apresentações e momentos que exigissem a atenção de um grande
público, garantindo ela, que nunca decepcionei. A vaidade era outra característica que trago
até hoje. Não saía de casa sem estar com algo no cabelo, uma pulseira, ou qualquer coisa
que pudesse me enfeitar. Aos seis anos e meio, deixei o Patronato e fui cursar a primeira série
do ensino Fundamental no Colégio Sant’Anna. A incerteza e a insegurança, ocasionaram em
mim muitos momentos de tristezas, que me faziam chorar na sala de aula a ponto de meu pai
durante um considerável período de tempo permanecer na porta da sala de aula. Mas o
tempo, sabiamente, associado a uma atitude mais drástica dos meus pais colaboram para que
eu entendesse, que a troca de colégio, dos colegas e da Tia Margareth, precisavam ser
enfrentados. E assim eu fiz. E no Sant’Anna, estudei durante 11 anos, até a conclusão do
ensino médio.Este ano de 1991 foi um pouco complicado, pela questão de eu chorar em sala
de aula, acabei recebendo muitos apelidos, o mais marcante deles, que durou por mais alguns
anos, era de “B. Chorona”. Isso me incomodava muito, mas eu fui obrigada a reconhecer que
era merecedora do apelido. Recebi muito apoio da professora, chamado Leisa, que nunca me
discriminou por isso, pelo contrário, me ajudou a superar as mudanças repentinas. Tenho até
hoje contato com alguns dos meus colegas daquela época. Conta um deles, chamado
Clauson, que em certa aula, onde a professora havia pedido para escrevermos certas letras
no caderno de caligrafia, que ele estava com dificuldade de realizar a tarefa, me pediu ajuda e
eu o tranqüilizei dizendo que o importante era ele tentar fazer do jeito que conseguisse, não
importava se ia sair bonito ou não. O Clauson diz que tem até hoje essa lembrança de mim,
que sem saber, o incentivei a continuar tentando. O pai desse mesmo rapaz lembra de mim
chorando, com cara de brava na fila da escola.O tempo passou um pouco e o choro deixou de
ser constante e tornou-se esporádico, apenas em momentos que me sentia ameaçada, ou
com medo de fracassar, sentimento que guardo até hoje. A segunda série não me traz
nenhuma lembrança, com exceção do nome da professora, chamada Tia Ana Cláudia. Acho
que talvez por isso, nos dias de hoje, não tenho interesse algum por lecionar nessa série.
Parece que ficou uma lacuna em minhas lembranças dessa época. Nesse período, brincava
com minhas irmãs, principalmente a mais velha, já que nossa diferença é de 5 anos. Tenho
uma foto que mostra como eram nossas brincadeiras. Tínhamos um quadro-negro, e minha
irmã, chamada Rafaela, era muito esperta, ficava com bem mais da metade do quadro,
deixando pra mim um espaço que mal dava para fazer meus desenhos. Minha irmã mais nova
se chama Fernanda, e sempre foi protegida por ser a caçula.Chego então terceira série, minha
professora era a Tia Janete. Uma pessoa maravilhosa, mas que sabia ser firme e enérgica nas
horas em que era necessário. A turma dessa época era muito alegre, agitada e companheira.
Guardo com carinho o nome de alguns colegas como a Aline, que permanece em minha vida
como uma das minhas melhores amigas, a Bruna Speroni, o Maurício, o Vinícius, a Andressa,
o Rodrigo, a Silvana, a Nádia, a Fernanda, a Janaína, a Anne e tantos outros, muitos dos
quais falo e tenho contato até hoje. Várias lembranças engraçadas tenho dessa época, como
a competição que era quando solicitado a procura de alguma palavra no dicionário. Eu por
muitas vezes era a primeira a encontrar, sendo isso um motivo de orgulho para mim.A partir
daí, no ano de 1994, minhas lembranças não são tão detalhadas, passam a ser momentos,
fatos isolados. Meus colegas mudaram, as professoras deixaram de ser uma por ano e
passaram a ser três, quatro, cinco e até sete ou oito, dependo das disciplinas. O que causava
uma falta de organização da minha parte, já que quando estava acostumando com uma aula,
mudava o período, o professor e lá ia tudo outra vez.Era uma fase muito diferente, tanta
descoberta, novas amizades, novos conflitos. Eu tinha conseguido finalmente me livrar do
rótulo de “B. Chorona”, assumindo outras características marcantes. Passei a construir
opiniões, pensamentos, idéias, refletir sobre assuntos que antes não me chamavam atenção.
Passei a ser mais questionadora, teimosa, defendendo muitas vezes com unhas e dentes uma
opinião. Posso avançar tranqüila nesse meu breve relato sobre a minha vida, pois esse
período foi tranqüilo. Marcado principalmente pela questão da minha primeira menstruação,
que ocorreu quando eu tinha apenas 9 anos de idade. Isso mexeu um pouco com a minha
vida, mudou alguns hábitos, algumas brincadeiras, mas superei com sucesso esse imprevisto.
Falo agora do meu ensino médio, que também ocorreu na mesmo instituição, o Colégio
Santa’Anna. Essa foi uma época maravilhosa, de amizades verdadeiras, de companheirismo,
de descobertas, de festas, de diversão e tantos outros acontecimentos marcantes. O primeiro
namorado, a primeira nota realmente baixa, o primeiro fracasso real. Mas tudo de uma
maneira tão natural que por muitas vezes o que parecia ser enorme, transformava-se em um
pequeno obstáculo que muita força de vontade seria superado.Nesse período, manifestou-se
em mim um gosto pela profissão do professor. Lembro-me bem, que no 3º ano do ensino
médio, tive uma professora de português, ela é uma pessoa adorável e tinha um ótimo
relacionamento com os alunos, muito prestativa e atenciosa. Em decorrência de um problema
na garganta que até hoje não lembro ao certo o que seria, uma ou duas vezes ela ficou sem
voz, o que a impediu aparentemente de dar aula. O que ela fez? Sabendo da facilidade que eu
tinha e tenho de me comunicar, ela me pediu para dar aula em seu lugar. Como o colégio
adotava polígrafos, o conteúdo da aula estava todo ali, precisa apenas de uma exposição oral.
Eu fui responsável por esta parte, me senti muito a vontade ministrando uma aula para os
meus próprios colegas, muito dos quais nem prestavam atenção no que eu falava. Mas isso
não me impedia de continuar. Quando a dúvida de alguém era maior que o meu conhecimento
sobre o assunto, eu recorria a ajuda da professora.Durante os três anos de ensino médio, eu
realizei as provas do PEIES, não obtendo muito sucesso na minha pontuação. Ao término do
ultimo ano, precisei fazer a opção de que curso eu iria fazer. As vésperas da data limite para a
inscrição, decidi fazer pedagogia no PEIES e Relações Públicas no vestibular. Acabei
entrando na pontuação para Pedagogia e optei pela redação do PEIES. Lembro do dia em
que saiu o listão com os aprovados, toda minha família estava reunida em volta do rádio,
esperando pela tão sonhada entrada na UFSM. Quando meu nome foi dito, meus pais não
cabiam em si de tanta alegria, pulavam, choravam, era uma felicidade só.Mas aquele simples
momento, em que meu nome foi dito na rádio, mudou completamente minha vida dali em
diante. Comecei a me questionar muito sobre a profissão, sobre as possibilidades de
emprego, essas coisas. Foi nesse momento que aquela tão famosa pergunta teve um
significado: “O que eu quero ser quando crescer?”No momento, eu já tinha crescido, estava na
hora de decidir, de assumir responsabilidades. Eu não me sentia preparada. No ano de 2003,
tentei vestibular para o curso de Direito na Unifra, mas não passei. Estava completamente
confusa quanto ao meu curso. Não tinha uma relação de amizade sincera com as minhas
colegas, chorava todo dia quando retornava da faculdade. Minha vida estava perdendo o
sentido, não sabia o que estava acontecendo. Não lembro exatamente qual foi o fator que
mudou isso. Hoje, posso encher a boca e falar que eu faço Pedagogia na UFSM. Que estou
realizada com minha escolha, que não imagino outra profissão. Deve isso em grande parte
aos meus pais, que sempre me apoiaram, as minhas colegas que hoje tenho uma relação de
amizade sincera, a Giana e a Edinéia. Foi também com o projeto do qual participo: “A
aprendizagem através do lúdico”, que pude sentir de perto a profissão. Esse projeto com a
orientação de um professor e grande amigo, pelo qual tenho muita admiração Getúlio Lemos,
me fez dar um sentido novo a minha caminhada no curso. Fez-me ter a certeza que valeu a
pena toda a indecisão, todos os conflitos. Afinal, assim a vitória tem mais valor. E hoje posso
me considerar uma vitoriosa, uma pessoa feliz, capaz, persistente, corajosa, que sabe o quer
da sua profissão, da sua prática da sua vida.Meu namorado também tem responsabilidade em
tudo de positivo que estou realizando hoje. Além de me amar muito, me apoio em qualquer,
sempre me incentivando a seguir em frente, para provar à todos que sou capaz. Ele se chama
Maicom e tem um filho lindo chamado Pedro, que já mora no meu coração como parte
inseparável de mim.Ainda sinto uma certa insegurança, certas dúvidas em relação ao estágio,
tenho muito medo do fracasso, mas isso só me faz persistir e buscar o sucesso. São
obstáculos que eu irei de vencer, com garra e amor a profissão. Agradeço antecipadamente a
professora Helenise Sangoi Antunes, pelo carinho, pela dedicação, pelo interesse em suas
alunas.
6.4.3.3 Colaboradora E.C.
No dia 26 de fevereiro do ano de 1983, às 5 horas e 20 minutos nasce, na cidade de Santa
Maria, uma menina que se chama E.C. Seu nome foi escolhido porque iniciava com a mesma
letra do nome da mãe Édila. Sendo a primeira criança nascida na família materna era o centro
das atenções, pois desde quando nasci até minha mãe casar-se com o pai de minha irmã
moramos na casa de minha avó materna. No ano seguinte nasceu meu primo com quem
cresci e brinquei muito durante toda minha infância. Quando tinha quase cinco anos de idade
minha irmã nasceu, somos companheiras e ela sempre me acompanhava em minhas
atividades. Durante nossas infâncias brincávamos, brigávamos, mas de qualquer forma
sempre estávamos juntas; hoje algumas coisas já estão diferentes, pois somos duas pessoas
muito distintas, mas mesmo assim continuamos bastante ligadas e sempre uma apoiando a
outra. Antes de ir para a escola sempre brincava com meu primo, minha irmã e com uma
amiga que morava em frente a minha casa; após iniciar a escola meu grupo de amigos
sempre eram colegas de aula com algumas exceções de minhas vizinhas e algumas
primas.Quando fiz 6 anos de idade iniciei a pré escola na Escola Estadual de Ensino
Fundamental Edson Figueiredo, no turno da manhã, com a professora S. lembro-me de
alguns colegas como a Marcela, o Rodrigo, a Fernanda, o Francisco, que foram meus colegas
durante todo o ensino fundamental. A professora da pré-escola era uma pessoa maravilhosa,
existiam muitos momentos lúdicos naquela sala, mas também lembro da dificuldade que era
para ela fazer com que nós largássemos os jogos e brinquedos para poder trabalhar outras
atividades; ela fazia atividades para desenvolver diversas habilidades motricidade fina, tato,
motricidade ampla, percepção, nos contava histórias e fazia outras atividades que nem
lembro. Durante este período eu não tinha nenhum problema quanto freqüentar a escola. No
ano seguinte fui transferida para a escola da Cohab Tancredo Neves, pois havíamos nos
mudado para lá, não gostava muito da escola, pois tudo era diferente desde a professora, que
si quer lembro-me de seu nome ou de sal imagem, os colegas aos quais eu não estava
habituada e até mesmo a organização da escola. Na metade do mesmo ano voltamos a residir
no centro e voltei à primeira escola. Senti muitas dificuldades, pois quando voltei a diferença
de conteúdos era assustadora, na escola que iniciei a alfabetização, apenas algumas letras do
alfabeto haviam sido apresentadas, já na outra turma que eu havia chegado a maioria dos
alunos já estavam avançados nos conteúdos e em suas hipóteses de leitura e escrita,
trabalhando textos e outras atividades mais complexas que simplesmente a cópia das letras.
Eu tinha dificuldades em acompanhar as atividades propostas à turma, mas a professora
tentava me auxiliar. Mesmo assim o que mais lembro dela, a professora J., é que as vezes
perdia a paciência com a turma, como eu havia entrado posteriormente assustava-me com
ela. Com isso, comecei a não querer mais freqüentar as aulas. Minha mãe insistia comigo,
mesmo assim precisava levar-me e, as vezes, até mesmo ficar ao lado de fora da sala de
aula. Apesar de tudo consegui vencer a primeira série. Durante o resto dos anos iniciais
consegui superar as dificuldades que haviam permanecido após a turbulência da primeira
série. A professora da 2ª série chamava-se Z., tratava bem seus alunos e era uma pessoa
tranqüila, não recordo muitas coisa dela e de suas aulas. Já a professora M da 3ª série era a
mãe de um colega, mas isso era uma coisa que nem mesmo fazia alguma diferença para a
turma, pois hoje refletindo percebo que ela tratava a todos igualmente. Ela foi a professora
mais amorosa que tive durante os anos iniciais, e acredito que aprendi muito com ela, não só
conteúdos conceituais e procedimentais, mas os que nunca esquecemos os atitudinais, isso
tudo de uma forma diferenciada e com muito carinho. Na minha caminhada do restante do
ensino fundamental não lembro de muitos fatos marcantes, apenas que na 6ª série peguei
recuperação na disciplina de língua estrangeira (em inglês). Tive professores bons, outros que
não lembro nem mesmo sei se os reconheceria hoje, mas nenhum que marcasse este trecho
de minha trajetória. Alguns de meus colegas ainda eram os mesmos, mas muita gente já havia
passado pelas turmas que freqüentei. O primeiro contanto, que recordo, foi o auxílio que dei a
alguém no processo de ensino-aprendizagem foram algumas aulas particulares a uma vizinha
que tem necessidades especiais por pedido de seus pais. Eu estava na 6ª série e ela cursava
a 2ª série do ensino fundamental. Revisava alguns conteúdos, tentava esclarecer as dúvidas e
auxiliava na resolução das atividades de casa.Tive alguns outros contatos com crianças que
moravam na redondeza de minha casa. Eu e uma amiga brincávamos de “dar aulas”.
Tínhamos um espaço onde arrumávamos como uma sala de aula. Nós nos divertíamos muito
e muitas vezes aprendíamos coisas diferentes.Após iniciar a 7ª série troquei de turma para
ficar com uma amiga e deixei para traz alguns dos colegas que haviam entrado comigo na
escola. Quando iniciei o ensino médio senti um abismo, tanto na questão escolar quanto na
vida pessoal. Comecei mudando em meus pensamentos e preferências, pois surgiam novas
situações e desliguei-me um pouco dos estudos, não dava tanta importância para alguns
deveres e compromissos da nova fase da vida, a adolescência. Além disso, iniciei meu
namoro na metade daquele ano. Quanto à organização escolar, atitude dos professores,
relação professor-aluno e aluno-aluno eram diferente de tudo que havia vivido até ali. Os
professores já não nos tratavam como crianças, mas sim como adolescentes quase adultos e
isto era totalmente ao contrário do ensino fundamental. Nós deveríamos nos virar e estudava
quem era interessado. Fui mal nos primeiros bimestres, quando me dei por conta tive de
estudar muito para passar de ano. Tudo mudou até mesmo meus hábitos de estudo. Com tudo
isso, comecei a interessar-me e gostar mais de estudar.Fiz o PEIES, mas não passei e
encerrei a escola fazendo vestibular para administração habilitação em cooperativismo, como
eram apenas 8 vagas a relação de candidatos por vaga ficou muito alta e não passei. Na
verdade fiz as provas para estes cursos por não saber o que queria. No ano seguinte iniciei o
curso pré-vestibular e então minha opção para o vestibular já havia mudado descobri que a
Psicologia me encantava. Na hora da inscrição optei pela Pedagogia por saber ser um curso
próximo do que queria e sua relação de candidato-vaga ser muito mais baixa. Meu
pensamento era de apenas aproveitar algumas disciplinas quando passasse para Psicologia.
Entrei na Pedagogia. Comecei o curso no 1º semestre do ano de 2002. Tudo era novo para
mim. Até então meu sentimento quanto a Pedagogia ainda era o mesmo. O tempo foi
passando e conforme se dava minha caminhava o interesse aumentava. Com isso, vi que
tinha razão da proximidade entre a pedagogia e a psicologia, mas passei por cima disto e
encontrei outros motivos para gostar do curso. Acredito neste curso e nesta profissão. Apesar
disso também penso que algumas coisas aqui poderiam mudar, como a questão da
aproximação do aluno com a sua prática. Aqui desenvolvemos muitos de nossos
conhecimentos teóricos, no entanto, é preciso testá-los. Esta sempre foi uma das maiores
preocupações que tive durante a graduação. Por isso, fui atrás de algo que pudesse me dar o
suporte de que necessitava.Passei para Psicologia no segundo semestre de 2003 na ULBRA
e cursei algumas disciplinas, terminei o semestre e, por questão financeira, tranquei o curso.
Então continuei o curso de Pedagogia e no 5º semestre inicie, juntamente com algumas
colegas, um projeto ao qual intitulamos de “A Aprendizagem através do Lúdico”. Começamos
a trabalhar com crianças com dificuldades de aprendizagem e trazíamos atividades que iriam
desenvolver sua aprendizagem através da brincadeira. Com este projeto podemos estudar
vários assuntos e ainda ter algumas experiências; tentamos ter a prática aliada a teoria, pois
o que levávamos a eles era pensado conforme suas condições e a cada problema surgido
procurávamos estudar sobre tal assunto. Além destes conhecimentos conseguimos
desenvolver mais nosso exercício de professor. Quanto mais se aproxima o fim da graduação
fico feliz por tudo que construi como futura profissional, no entanto, um novo sentimento surge,
o medo. A partir de agora começo a ver-me de forma diferente porque falta muito pouco para
entrar no mercado de trabalho e não sei como isto irá se configurar. Espero continuar
estudando, pois gosto e necessito e, mesmo assim, espero que não demore muito tempo para
trabalhar e continuar construindo mesmos sonhos quanto à educação. Além disso, espero
poder algum dia contribuir para mudar a educação e fazê-la cada vez melhor.
Partindo das considerações acima nota-se a importância dos relatos
autobiográficos mencionados no sentido de contribuir para o desenvolvimento desta
investigação.
O que está em jogo neste conhecimento de si mesmo não é apenas
compreender como nos formamos por meio de um conjunto de
experiências, ao longo de nossa vida, mas sim tomar consciência de que
este reconhecimento de si mesmo como sujeito, mais ou menos ativo ou
passivo segundo as circunstâncias, permite à pessoa, daí em diante,
encarar o seu itinerário de vida, os seus investimentos e os seus objetivos
na
base de uma auto-orientação possível, que articule de uma forma mais
consciente as sua heranças, as suas experiências formadoras, os seus
grupos de convívio, as suas valorizações, os seus desejos e o seu
imaginário nas oportunidades socioculturais que soube aproveitar, criar e
explorar, para que surja um ser que aprende a identificar e a combinar
constrangimentos e margens de liberdade (JOSSO, 2004, p. 58).
Nesta direção, as autobiografias constituem-se em uma forma de
aproximação com as colaboradoras. Através desses relatos entende-se ser possível
avançar na compreensão de aspectos relevantes aos processos formativos e da
construção da identidade profissional das acadêmicas, contribuindo para
fundamentar e enriquecer essa pesquisa.
7. ESTÁGIO CURRICULAR: UMA APROXIMAÇÃO DAS
SIGNIFICAÇÕES IMAGINÁRIAS INSTITUÍDAS E INSTITUINTES
Para compreender os sentidos construídos pelas colaboradoras desta
pesquisa com relação aos seus processos formativos, as lembranças da escola e a
sua identidade profissional, foram utilizadas as entrevistas semi-estruturadas com
três estagiárias do curso de Pedagogia – Séries Iniciais/CE/UFSM. Através dessas
entrevistas, foi possível construir aproximação das percepções das colaboradoras
com relação ao curso, já que esse instrumento lhes permitiu falar livremente sobre o
tema proposto. Além das entrevistas, também foram utilizados relatos
autobiográficos das alunas/estagiárias.
Escrever e falar sobre as histórias de vida adquiridas ao longo da carreira
docente viabiliza aos sujeitos não só buscarem reconhecer imagens
instituídas em relação a sua vida e profissão, como, através das relações
estabelecidas com as experiências de hoje, produzir e recriar essas
imagens, ao invés de ficar presos ao passado, desacreditando
paulatinamente na capacidade de criação humana (ANTUNES, 2001,
p.51).
Nessa perspectiva, os relatos autobiográficos se tornam um caminho para
refletir sobre as experiências vivenciadas durante a trajetória educativa das
colaboradoras e também sobre suas escolhas profissionais, possibilitando uma
aproximação das percepções instituídas sobre a escola, os professores e a
comunidade escolar. Dessa forma, após a coleta das informações com as
colaboradoras, foi realizada a leitura das mesmas, selecionando as seguintes
categorias para a análise das informações:
- Lembranças da escola;
- Identidade Profissional;
- Processos Formativos.
Para tornar essa análise mais compreensível, procurou-se conceituar as
categorias:
- LEMBRANÇAS DA ESCOLA: de acordo com Antunes (2001, p. 54), essas
lembranças são “as significações imaginárias instituídas e instituintes sobre a
escola, os professores, o Ensino Fundamental, o Ensino Médio, a Graduação, que
conseguiram permanecer na memória e são recordadas quando algum fato faz com
que elas sejam desencadeadas”. Nesse sentido, as lembranças se referem a todas
as experiências vivenciadas durante a trajetória educativa das pessoas. Elas podem
ser percebidas nas recordações das práticas educativas dos professores, no
ambiente de sala de aula e nas trocas com os colegas. São lembranças que ficam
guardadas na memória e que são recuperadas quando revivemos algum
acontecimento significativo.
- IDENTIDADE PROFISSIONAL: a identidade é entendida neste trabalho a
partir da concepção de Nóvoa (1992, p.16): “A identidade não é um dado adquirido,
não é uma propriedade, não é um produto. A identidade é um lugar de lutas e
conflitos, é um espaço de construção de maneiras de ser e estar na profissão”.
Portanto, ela é entendida como um processo em constante construção e que vai se
transformando à medida que ocorre a reflexão a respeito das experiências e das
escolhas dentro da profissão de professor.
- MEMÓRIA: o entendimento da memória neste trabalho está baseado nas
concepções de Kenski (2004, p.146), para quem “as construções elaboradas em
nossa memória dependem não apenas das nossas experiências individuais e não
partilhadas com outros sujeitos. Como construções sociais, elas dependem do
relacionamento social e das solicitações familiares, da classe social, da escola, da
igreja, da profissão... que nos fazem lembrar das coisas acontecidas, de uma
maneira coletiva e particular”. Dessa forma, a memória auxilia na compreensão da
construção dos sentidos, pois possibilita que os sujeitos se percebam pertencentes a
um determinado contexto histórico a partir de experiências vivenciadas individual e
coletivamente.
- IMAGINÁRIO INSTITUÍDO: o imaginário instituído é caracterizado, de
acordo com Castoriadis (2000), pelas representações sociais que estão
incorporadas, sancionadas de acordo com cada sociedade, e representadas por
mitos, ritos, valores, crenças e leis.
- IMAGINÁRIO SOCIAL: Castoriadis (2000, p. 414) define o imaginário social
“no sentido primário do termo, ou sociedade instituinte, o que no social histórico é
posição, criação, fazer ser. Denominamos imaginação radical o que na psique/soma
é posição, criação, fazer ser para a psique/soma”. Nesse sentido, a sociedade
instituinte é possível através do imaginário radical, entendido como
introdução/criação do novo que possibilita o rompimento da sociedade instituída
para a sociedade instituinte. Assim, o imaginário radical é considerado como o motor
que impulsiona a criação do novo a partir do que já existe.
- PROCESSOS FORMATIVOS: são todas as experiências vivenciadas
durante a trajetória educativa, desde o ambiente familiar até a universidade, as quais
permitem visualizar a profissão de uma maneira reflexiva. No entendimento de
Mizukami (2006, p. 152) “Aprender a ensinar e aprender a ser professor são
processos e não se restringem a um curso, a um programa ou a um momento da
vida do profissional. São processos inerentes a todo um percurso profissional”.
7.1 Lembranças da escola: o imaginário instituído e instituinte sobre as
lembranças escolares.
Investigar as lembranças escolares e escrever sobre elas é um desafio para o
pesquisador que se interesse em entender um pouco mais sobre essas lembranças.
Estudar, aprender, escrever, ler, “ser alguém na vida” e conquistar seus objetivos
são desejos da maioria das crianças. A escola é “ainda” um meio para se chegar à
concretização das aspirações citadas, e em função disso é almejada com muita
alegria, entusiasmo e curiosidade pelas crianças (ANTUNES, 2001).
No veio das relações interpessoais estabelecidas na escola estão as trocas,
as vivências, as frustrações, o medo do fracasso, os inúmeros sentimentos que
povoam a mente de crianças e jovens que experenciam o cotidiano escolar.
Também estão presentes na escola as regras, os limites, as imposições, os olhares
e atitudes que por vezes acabam descolorindo o olhar e as imagens construídas
sobre a escola. De acordo com Antunes (2001, p.59), “Esta curiosidade em
freqüentar, em conhecer este universo, na maioria das vezes, começa a ruir no
momento em que a criança torna-se adulta e começa dar-se conta das regras, dos
ritos, dos mitos que fazem parte desta engrenagem de socialização que se intitula
escola”.
Os estudos na perspectiva do imaginário Castoriadis (1987); Castoriadis
(2000); Antunes (1997); Antunes (2001); Oliveira (1997); Oliveira (1998); Ferreira;
Eizirik (1994); Córdoba (1994) contribuem para buscar uma aproximação dos
sentidos construídos pelas estagiárias sobre suas vivências escolares, tentando
identificar os significados atribuídos a determinadas situações, pessoas, lugares,
cheiros e símbolos que ficam imersos na memória. Para Oliveira (1997, p. 66), “A
dimensão simbólica nos revela uma face da escola, em que estão contidos os
desejos, as expectativas, os sonhos, os mitos construídos em torno da instituição a
partir dos sentidos e dos significados atribuídos”.
Através da aproximação da dimensão simbólica, buscou-se conhecer os
sentidos construídos pelas estagiárias do curso de Pedagogia sobre a escola, seus
professores, a construção de sua identidade profissional e seus processos
formativos. Sob essa perspectiva, o imaginário instituído caracteriza-se nesta análise
como as recordações negativas sobre as práticas educativas desenvolvidas pelas
professoras em relação aos seus antigos mestres.
A cada dia que passa, a escola e seus profissionais encontram-se mais
preocupados com a educação, devido às informações de que os alunos, de maneira
geral, têm acesso aos mais diversos meios de comunicação. Dessa forma, educar
crianças apresenta-se como um desafio cada vez mais inquietante, pois exige do
professor que repense constantemente suas práticas e a forma como entende as
crianças e a educação. Assim, pode tornar fortalecidas as suas práticas educativas
através das trocas em sala de aula, concebendo esse espaço como um lugar em
que, além de ensinar, o professor também pode aprender.
Vive-se em uma “sociedade consumista de produtos e não de idéias” (CURY,
2006, p.22). Por esse motivo, o interesse dos jovens e das crianças não está mais
centrado em discutir idéias e pensamentos, ou seja, em pensar sobre a existência
humana, mas está preso à necessidade de ter e não de ser. Trata-se, portanto, de
indivíduos condicionados, reféns de um sistema que almeja a alienação dos jovens,
os quais sempre demonstraram indignação com determinadas práticas impostas
pela sociedade. Segundo Cury (2006, p. 7), “Os jovens sempre foram contestadores,
sempre discordaram dos erros dos adultos, sempre lutaram positivamente pelo que
pensam. Hoje é raro! Muitos deles amam o sistema que os transforma em
consumidores, que sufoca sua identidade e seus projetos”.
Nesse contexto, é necessário ir além da preocupação mencionada acima. É
fundamental que os professores comprometam-se com a efetivação de práticas que
estimulem o desejo de estudar com base nas informações que despertem nas
crianças o gosto pelo aprender, pelas trocas, pela compreensão e discussão do
mundo que as cerca. De acordo com Cury (2006, p. 24), “A sala de aula deveria ser
um teatro no qual professores e alunos seriam atores na produção de
conhecimentos”. A partir dessa idéia, faz-se necessária uma nova postura em
relação às práticas escolares. Não há como estabelecer em sala de aula relações de
imposições de idéias e conteúdos. É importante que ocorra o fortalecimento das
trocas de experiências entre alunos e entre professor e alunos, de forma que estes
não sejam mais depósitos de informações, e sim construtores de seus próprios
conceitos.
O desejo de freqüentar a escola é algo muito intenso nas crianças que ainda
não estão nesse ambiente. Contudo, as adversidades que envolvem o contexto
educativo, os dramas e as particularidades de alunos, pais e professores muitas
vezes acabam por tornar a escola um ambiente menos prazeroso.
A minha primeira escola foi o Patronato Agrícola Antônio Alves Ramos, localizada na cidade de
Santa Maria. A escolha da escola foi influenciada decisivamente pelo fato de minha Tia Margareth
lecionar naquela escola. Lembro até hoje do nome e do rosto da minha primeira professora, ela era
morena clara, cabelos curtos, alta e chamava-se Tia Geneci. No segundo ano do Jardim de
infância, minha Tia Margareth, além de ser minha guardiã nas idas e vindas à escola, foi também
minha professora (Relato autobiográfico de B.X.H., 08/2005).
É possível perceber que no começo de sua escolaridade, a estagiária B. X. H.
expressava muita alegria por freqüentar a escola no jardim e no pré-escolar
4
. Esses
sentimentos são reflexos da segurança que tinha em estudar na mesma escola em
que sua tia trabalhava. Porém, a mudança de colégio desencadeou a insegurança, o
“choro”, o medo do fracasso. Esses processos ficam aparentes na fala da
colaboradora de pesquisa quando coloca o que segue:
4
Essa terminologia estava vigente na época.
Aos seis anos e meio, deixei o Patronato e fui cursar a primeira série do ensino Fundamental no
Colégio Sant’Anna. A incerteza e a insegurança ocasionaram em mim muitos momentos de
tristezas, que me faziam chorar na sala de aula a ponto de meu pai, durante um considerável
período de tempo, permanecer na porta da sala de aula. Este ano de 1991 foi um pouco
complicado; pela questão de eu chorar em sala de aula, acabei recebendo muitos apelidos. O mais
marcante deles, que durou por mais alguns anos, era de “B. Chorona”. Isso me incomodava muito,
mas eu fui obrigada a reconhecer que era merecedora do apelido (Relato autobiográfico de B.X.H.,
08/2005).
O medo do fracasso e da reprovação é uma realidade concreta nas escolas e
em várias instituições, sejam de ensino ou não. Para Ferreira; Eizirik (1994, p.6),
“muitos dos problemas vividos na escola advêm da formação de conceitos
interiorizados, crenças cristalizadas na rotina do cotidiano, que acabam por
‘naturalizar’ práticas, tornando-as imperceptíveis entraves à realização de suas
propostas”. Essa concepção de escola e de práticas escolares que ficam
estagnadas no tempo acaba por perpetuar situações de fracasso e de desencanto
pela escola.
Estar na escola e nela não aprender é uma forte experiência de
desgarramento. É uma clara e dolorosa marginalização. É um não ser do
grupo. É um perder espaço social. É começar a cair fora das cenas dos
colegas. Aprender em uma turma é fazer parte de um corpo. É ter garantia
de identidade e pertencimento (GROSSI, 2006, p.30).
Para a autora, a ruptura com o grupo, com a turma, tem conseqüências
negativas na vida da criança, pois ela vai percebendo que não está acompanhando
seus colegas e nem atendendo às expectativas de sua professora. Com isso, vem o
desinteresse e a evasão. Evadidas, as crianças perdem o vínculo social que lhes
possibilita sentirem-se parte de um “grupo orgânico essencial” que é a escola
(GROSSI, 2006, p.30).
O estigma de perdedor assola a sociedade. Cada vez mais é necessário
acompanhar as evoluções tecnológicas e científicas. Esse processo, muitas vezes,
se torna desleal uma vez que, considerando as características individuais dos seres
humanos, suas peculiaridades e diferenciações, em algumas situações os indivíduos
não conseguem acompanhar as evoluções e dessa forma se tornam fracassados.
Nesse sentido, muitas vezes a escola marca negativamente as crianças,
contribuindo para a perpetuação do fracasso escolar através da falta de
sensibilidade de alguns professores em assumir um compromisso que é seu: o de
tomar para si a importância da vida e do desenvolvimento de cada aluno,
identificando sua parcela de influência na constituição deste.
Essa prática demonstra a incapacidade de professores e também nossa
de, na maioria das vezes, aceitarem as diferenças e os limites do outro,
aquele ser humano que pode ser eu, você, a aluna da autobiografia, o meu
colega professor, que fazem parte de um cotidiano com suas intensidades,
forças, existências, fraquezas, dores, alegrias, humores e amores
(ANTUNES, 2001, p.64).
Essa incapacidade de estar sensível aos reflexos e às influências de práticas
de professores para com o aluno pode ser evidenciada na fala da colaboradora
B.X.H. quando relata a sua experiência na 2ª série do ensino fundamental. O
descaso fez com que, de maneira geral, o professor fosse apenas mais um, em um
espaço de poderia ser palco de parcerias e aprendizados mútuos e significativos.
A segunda série não me traz nenhuma lembrança, com exceção do nome da professora, chamada
Tia Ana Cláudia. Acho que talvez por isso, nos dias de hoje, não tenho interesse algum por lecionar
nessa série. Parece que ficou uma lacuna em minhas lembranças dessa época (Relato
autobiográfico de B.X.H., 08/2005).
Por outro lado, o medo de fracassar pode ser o motor que vai impulsionar
novas conquistas, posições e atitudes, considerando que na maioria das vezes
precisa-se de desafios para conseguir-se os objetivos que de outra forma não
seriam alcançados. Dentro da perspectiva do imaginário, é possível apreender que a
criação de novas possibilidades, ou até mesmo o rompimento com determinadas
posições e concepções, é importante para que cada pessoa possa passar de uma
posição instituída para uma instituinte.
O imaginário instituinte nessa análise é marcado pela superação dos
obstáculos encontrados na escola e nas práticas educativas, por meio da figura de
professores que apoiaram as colaboradoras e se envolveram de maneira
diferenciada nas suas trajetórias educativas.
Recebi muito apoio da professora, chamada Leisa, que nunca me discriminou por isso, pelo
contrário, me ajudou a superar as mudanças repentinas (Relato autobiográfico de B.X.H., 08/2005).
Nesse sentido, à medida que cada pessoa vai criando formas de romper com
a alienação de determinadas situações impostas (situações de que muitas vezes
nem nos damos conta, pois estão tão enraizadas que passam despercebidas em
nosso dia-a-dia), ela pode através do imaginário radical conquistar sua autonomia.
Segundo Castoriadis (2000), essa autonomia só pode ser alcançada enquanto
projeto coletivo, mas que requer a parcela particular de tomada de consciência sobre
a responsabilidade individual para que se concretize.
Na fala da estagiária B.X.H., observa-se que, ao mesmo tempo em que o
medo do fracasso está presente em toda a vida, desde seu processo inicial de
escolarização até os dias de sua entrevista para essa pesquisa, ele a impulsiona na
busca por novas possibilidades de superação.
Ainda sinto uma certa insegurança, certas dúvidas em relação ao estágio. Tenho muito medo do
fracasso, mas isso só me faz persistir e buscar o sucesso. São obstáculos que eu irei vencer, com
garra e amor à profissão (Relato autobiográfico de B.X.H., 08/2005).
O medo do novo, da novidade, da desacomodação, é combustível para a
perpetuação de práticas consagradas como certas e intocáveis. Contudo,
considerando e retomando as constantes evoluções e transformações que se fazem
sentir na sociedade atual, a procura por novas possibilidades para trabalhar as
transições por que as pessoas, as crianças e as escolas vêm passando configura-se
em uma possibilidade para buscar a construção de novas significações do que seja
ensinar. Para Cury (2003, p. 80), o professor deve ensinar seu aluno a “ter
flexibilidade no trabalho e na vida, pois só não muda de idéia quem não é capaz de
produzi-la. Leve-os a extrair de cada lágrima uma lição de vida”.
Essa realidade é percebida no relato da estagiária B.X.H., tanto na
autobiografia quanto na entrevista, no que se refere à busca pela superação dos
obstáculos que se apresentam. Através da superação do medo, a estagiária constrói
sua autonomia, defende suas idéias e supera os preconceitos e os mitos.
Enquanto professores sensibilizados e comprometidos com uma educação
capaz de propor condições de desenvolvimento a todas as crianças, não podemos
mais nos conformar com situações de fracasso escolar. É necessário que se
ultrapasse a constatação das realidades educacionais e que se avance para uma
nova postura quanto a essas realidades.
Apesar de todas as transições, dificuldades, descaminhos e até mesmo
desencantos por que passou e passa a escola, ela continua sendo símbolo de
conhecimento, prosperidade, crescimento, alegria e realização de pais e filhos que
almejam conquistar seus sonhos por seu intermédio.
A escola é uma instituição criada historicamente com uma função social e a
partir de uma dimensão simbólica. Enquanto espaço público destinado a
todos, vai simbolizar uma possibilidade de acesso ao ensino que é uma
porta para “uma vida melhor” e com melhores oportunidades.
Simbolicamente, também será uma forma que fará a diferença daqueles
que “conseguiram ascender socialmente” (OLIVEIRA, 1997, p.59).
Em função disso, é importante que os sentimentos em relação à escola não
esmoreçam nem por parte dos alunos nem por parte dos professores, mas que
sejam valorizados, ampliados e conquistados mutuamente.
As escolas, os professores, devem significar experiências significativas e
agradáveis para a criança, e não de esquecimento. Muitas vezes, em virtude de
experiências sem sentido, sem significado para a criança, tais vivências precisam
ser esquecidas. O esquecimento nessa situação é uma forma de sobrevivência em
um ambiente que não é prazeroso. Para Kenski (2004, p.148), “O indivíduo, para se
integrar socialmente, precisa ‘esquecer’ aqueles comportamentos não condizentes
com o padrão do grupo e manter-se identificado com os valores que a cultura
impõe”. Dessa forma, o desejo pelo conhecimento, a vontade inadiável de aprender
a ler e escrever expressa nas primeiras séries de escolarização acaba sendo
“apagada” nos corações de muitas crianças, e elas passam apenas a reproduzir
mecanicamente um sistema educacional que foi historicamente instituído.
Para a estagiária E.C., a mudança de colégio, da mesma forma como relatado
pela estagiária B.X.H., teve conseqüências negativas devido à necessidade de se
adequar a outra realidade escolar.
A professora da pré-escola era uma pessoa maravilhosa. Existiam muitos momentos lúdicos
naquela sala, mas também lembro da dificuldade que era para ela fazer com que nós largássemos
os jogos e brinquedos para poder trabalhar outras atividades. Ela fazia atividades para desenvolver
diversas habilidades: motricidade fina, tato, motricidade ampla, percepção, nos contava histórias e
fazia outras atividades que nem lembro. Durante este período, eu não tinha nenhum problema
quanto a freqüentar a escola. No ano seguinte, fui transferida para a escola da Cohab Tancredo
Neves, pois havíamos nos mudado para lá. Não gostava muito da escola, pois tudo era diferente,
desde a professora, de quem sequer lembro o nome ou a imagem, os colegas, aos quais eu não
estava habituada, e até mesmo a organização da escola (Relato autobiográfico, E. C. 08/2005).
Novamente, percebe-se que as experiências sem significado para a criança
são esquecidas. Mesmo estando em classe de alfabetização, período em que
geralmente os professores marcam a vida de seus alunos, no caso relatado o que
aconteceu foi o contrário.
Nesse sentido, o comprometimento que cada professor tem com a vida das
crianças, suas angústias e desejos, e também o fato de acreditar e apostar nas
potencialidades de seus alunos reflete diretamente na sua maneira de desenvolver
as atividades propostas em aula e até mesmo na sua percepção da profissão do
professor.
Ser um mestre inesquecível é formar seres humanos que farão a diferença
no mundo. Suas lições de vida marcam para sempre os solos conscientes
e inconscientes dos seus alunos. O tempo pode passar e as dificuldades
podem surgir, mas as sementes de um professor fascinante jamais serão
destruídas (CURY, 2003, p.72).
Ser um professor inesquecível é um desafio. Enquanto seres humanos
suscetíveis a diversas falhas, muitas vezes não temos consciência do quanto
marcamos a vida de nossos alunos. Porém, uma vez que assumimos a educação
como profissão, precisamos estar dispostos a fazer constantes reflexões a respeito
de nossas atitudes, principalmente aquelas que não trazem para a sala de aula a
valorização das adramáticas de nossos alunos. Não há mais como dar aulas sem
essa avaliação. O aluno não é um receptor de conteúdos sem significado, ele é um
sujeito de sentidos que interage, aprende e também ensina. Conhecer sua vida,
seus pensamentos e a forma como compreende a sua vida é o diferencial para uma
educação que se aproxime do que a criança realmente tem desejo de conhecer.
Ser professor não é nem vocação natural, nem missão generosa de
abnegados. Ensinar é mais do que um ofício. É uma profissão, embasada
sobre um corpo de conhecimentos, os quais têm que ser do domínio do
profissional. Mais ainda, hoje, tais conhecimentos estão se ampliando e se
modificando muito. É preciso atualizar-se (GROSSI, 2006, p.31).
Logo, o compromisso com a educação está diretamente ligado com nossa
formação. Há muito para ser revisto e as bibliografias estão no nosso dia-a-dia para
nos ajudar. Não se trata de mudar tudo, mas é necessário ter consciência e
sensibilidade para compreender que nossos atos enquanto professores devem estar
bem fundamentados, no intuito de ensinar e aprender de verdade. Esse pode ser um
caminho para enfrentarmos com mais discernimento as dificuldades atuais na área
da educação.
O relato que segue reflete a presença marcante da professora que, além de
dar aulas, foi importante nas questões afetivas da estagiária E. C.
Já a professora M., da 3ª série, era a mãe de um colega, mas isso era uma coisa que nem mesmo
fazia alguma diferença para a turma, pois hoje refletindo percebo que ela tratava a todos
igualmente. Ela foi a professora mais amorosa que tive durante os anos iniciais, e acredito que
aprendi muito com ela, não só conteúdos conceituais e procedimentais, mas os que nunca
esquecemos, os atitudinais; isso tudo de uma forma diferenciada e com muito carinho (Relato
autobiográfico, E. C. em 08/2005).
Desenvolver um trabalho com amorosidade, carinho e envolvimento é uma
necessidade real da sociedade atual. Cada vez mais as pessoas estão se fechando
em seus cotidianos. A falta de segurança, a disputa desenfreada por espaços de
atuação e a individualização do ser humano têm afetado negativamente o processo
“fundamental” de socialização entre as pessoas. Para Freire (1999) a abertura e a
valorização da amorosidade e da afetividade são componentes importantes para a
prática educativa.
Esta abertura ao querer bem não significa, na verdade, que, porque
professor, me obrigo a querer bem a todos os alunos de maneira igual.
Significa, de fato, que a afetividade não me assusta, que não tenho medo
de expressá-la. Significa esta abertura ao querer bem a maneira que tenho
de autenticamente selar o meu compromisso com os educandos, numa
prática específica do ser humano (FREIRE, 1999, p. 59).
Freire (1999) acredita na amorosidade e na afetividade para estabelecer
relações mais significativas entre o professor e o aluno. Dessa forma, a afetividade
deve andar junto com a responsabilidade ética de cada professor. É necessário que
os professores utilizem o espaço de sala de aula para propiciar oportunidades cada
vez mais coerentes e marcantes de trocas de experiências e vivências entre as
crianças, de modo que assim elas possam recordar com alegria e entusiasmo esses
momentos, além de serem estimuladas a resolver com autonomia diferentes
situações de interação com o outro, que possui características e maneiras de pensar
diferentes da sua. Para Cury (2003, p. 66), educar para a emoção “é estimular o
aluno a pensar antes de reagir, a não ter medo do medo, a ser líder de si mesmo,
autor de sua história, a saber filtrar os estímulos estressantes e a trabalhar não
apenas com fatos lógicos e problemas concretos, mas também com as contradições
da vida”.
Em nosso dia-a-dia, tem-se aprendido e ensinado a se proteger de tudo e de
todos. Nesse contexto, é necessário que a escola e os professores invistam em uma
educação que valorize mais a ajuda mútua, a solidariedade e a compreensão. Com
esse objetivo, as crianças poderão mudar seus comportamentos em relação aos
colegas e em relação a sua vida, tornando-se pessoas mais tolerantes e autônomas
em suas ações.
É preciso que saibamos que sem certas qualidades ou virtudes como
amorosidade, respeito aos outros, tolerância, humildade, gosto pela alegria,
gosto pela vida, abertura ao novo, disponibilidade à mudança, persistência
na luta, recusa aos fatalismos, identificação com a esperança, abertura à
justiça, não é possível a prática pedagógico-progressista, que não se faz
apenas com ciência e técnica (FREIRE, 1999, p. 136).
A atitude de confiança e aposta da professora depositada na aluna fez com
que B.X.H. despertasse para sua futura profissão:
Nesse período, manifestou-se em mim um gosto pela profissão do professor. Lembro-me bem que
no 3º ano do ensino médio tive uma professora de português, uma pessoa adorável que tinha um
ótimo relacionamento com os alunos, muito prestativa e atenciosa. Em decorrência de um problema
na garganta que até hoje não lembro ao certo o que seria, uma ou duas vezes ela ficou sem voz, o
que a impediu aparentemente de dar aula. O que ela fez? Sabendo da facilidade que eu tinha e
tenho de me comunicar, me pediu para dar aula em seu lugar. Como o colégio adotava polígrafos,
o conteúdo da aula estava todo ali, precisava apenas de uma exposição oral. Eu fui responsável
por essa parte, e me senti muito à vontade ministrando uma aula para os meus próprios colegas,
muitos dos quais nem prestavam atenção ao que eu falava. Mas isso não me impedia de continuar.
Quando a dúvida de alguém era maior que o meu conhecimento sobre o assunto, eu recorria à
ajuda da professora (Relato autobiográfico de B.X.H., 08/2005).
É perceptível na fala da estagiária a forte influência que a oportunidade dada
pela professora exerceu sobre sua história de vida. Mesmo percebendo suas
limitações, a professora teve sensibilidade para proporcionar momentos marcantes
na vida da estagiária.
Muitas vezes, se está tão envolvido com objetivos distantes, com problemas
passageiros, que não percebemos que a vida é construída aos poucos e por
pequenos gestos, os quais, a exemplo do que fez a professora ao abrir espaços de
trocas e contribuições dos alunos, podem proporcionar momentos significativos a
todos os atores do processo educativo.
7.2 Identidade Profissional: a construção dos saberes da profissão.
Ao longo de nossa trajetória educativa, vamos vivenciando no contexto
escolar fatos, sentimentos, trocas, maneiras de pensar e agir nossas e das pessoas
com as quais convivemos. Dessa forma, antes de chegar à Universidade, já possuí-
se um entendimento do que é ser professor a partir das recordações de antigos
professores que passaram por nossa trajetória educativa, desde as primeiras
brincadeiras como professores ainda na família até as recordações experiênciadas
junto ao Ensino Médio.
Os alunos que chegam aos Cursos de Licenciatura freqüentaram por longo
tempo os bancos escolares e convivem com professores durante toda essa
jornada. Essa inserção na cultura escolarizada forja neles marcas
importantes e delineia concepções de docência com muita intensidade.
Talvez essa seja a única profissão em que o estudante, ao ingressar na
universidade, já tenha um longo tempo de formação, ainda que nem
sempre tenha consciência dessa perspectiva e condição (FERNANDES,
2006, p. 3).
De acordo com a autora, os estudantes das licenciaturas são os únicos que,
ao chegarem à universidade, já têm um percurso de formação e um conhecimento
específico de sua profissão, baseado em sua trajetória educativa. Por muito tempo,
os saberes dos alunos foram desconsiderados, por se entender que os graduandos
nada sabiam sobre sua profissão. Porém, conforme Arroyo (2001, p. 124),
“Carregamos a função que exercemos, que somos e a imagem de professor que
internalizamos. Carregamos a lenta aprendizagem de nosso ofício de educadores,
aprendido em múltiplos espaços e tempos, em múltiplas vivências”.
Isso ocorre a partir da percepção, do entendimento e da análise de posturas e
jeitos de ser próprios dos professores que se fizeram presentes na trajetórias de
vida. Assim, possuí-se uma percepção pessoal do que seja um “bom ou mau”
professor, pensando na maneira com que conduzia as aulas a partir de nossa
concepção de aluno. Logo, os alunos “sabem sobre o ser professor por meio da
experiência socialmente acumulada, as mudanças históricas da profissão, o
exercício profissional em diferentes escolas. (...) sabem um pouco sobre as
representações e os esteriótipos que a sociedade tem dos professores” (PIMENTA,
2005, p.20).
Para a referida autora, reconhecer os aspectos que envolvem a profissão não
significa estar identificado com eles, ou seja, ver-se como professor. A identificação
com a profissão passa pelos saberes que temos dela, mas não se esgota nisso. É
necessário que ocorra o conhecimento e o estudo aprofundado das questões
pedagógicas, das práticas educativas desenvolvidas e de como a educação foi
entendida ao longo do processo histórico. Dessa forma, a construção da identidade
exige reflexão sobre a profissão, e por isso requer estudo, prática, sensibilidade e
comprometimento para entender que ela está sempre em processo.
A identidade pode ser analisada na perspectiva individual e coletiva.
Enquanto a primeira é constituída pela história - a experiência pessoal, que
se expressa no sentimento de originalidade e continuidade -, a segunda é
uma construção desenvolvida no interior dos grupos e das categorias que
se estruturam na sociedade, conferindo à pessoa um papel e um status
social (PIMENTA; LIMA, 2004, p. 112).
Entendendo a identidade como um processo dinâmico sempre em construção
que ocorre de maneira individual e coletiva, ela pode estar inserida em uma rede de
significados que pressupõe a capacidade das pessoas de simbolizar, representar,
criar e compartilhar significados em relação às situações, às posições e às pessoas
com as quais se convive. A identidade emana das relações sociais, dos papéis
sociais e de como se é reconhecido pelos outros no meio do trabalho e na família,
por alunos e colegas.
É uma construção que tem uma dimensão espácio-temporal, atravessa a
vida profissional desde a fase da opção pela profissão até a reforma,
passando pelo tempo concreto da formação inicial e pelos diferentes
espaços institucionais onde a profissão se desenrola. É construída sobre
saberes científicos e pedagógicos como referências de ordem ética e
deontológica. É uma construção que tem uma marca das experiências
feitas, das opções tomadas, das práticas desenvolvidas, das continuidades
e descontinuidades, quer ao nível das representações, quer ao nível do
trabalho concreto (MOITA, 1992, p. 115).
Conseqüentemente, a identidade não é uma concepção pronta e acabada.
Ela se encontra em movimento, sempre suscetível a mudanças, adequações, novas
concepções e entendimentos do que é ser professor. Sendo movimento, possibilita
ao professor pensar, refletir a respeito de suas vontades, suas dificuldades e
escolhas, as quais vão se transformando aos poucos na maneira de praticar a
docência. Assim, o professor vai incorporando atitudes e gestos com os quais vai se
identificando ao longo do tempo para socializar o conhecimento. Nessa concepção,
a identidade estabelece relações entre o passado e o futuro de acordo com o
presente, permitindo que o professor transforme os significados que dá a sua
identidade dentro do contexto em que está inserido, uma vez que “o passado é
sempre reconstruído com micro ou macro diferenças no presente” (CURY, 2003,
p.13).
Pimenta (2005, p. 20) destaca a função da Formação Inicial para a construção
da identidade de professor nos cursos de graduação: “O desafio, então, posto aos
cursos de formação inicial é o de colaborar no processo de passagem dos alunos de
seu ver o professor como aluno ao ver-se como professor. Isto é, de construir a sua
identidade de professor”.
É importante que a formação inicial possa contribuir para que, através dos
estudos e reflexões sobre os textos produzidos por outros educadores, os futuros
professores possam aproximar-se do que é ser professor, de sua condição social, de
seu grupo de iguais e de todo o comprometimento que envolve a profissão do
educador, de suas crises, conquistas, reformulações e dificuldades, enfim, de todas
as mudanças por que passou a profissão ao longo dos anos. Nas idéias de Pimenta;
Lima (2004, p. 62), “a identidade é construída ao longo da trajetória educativa e
profissional de cada professor. Mas é no processo de formação que consolida as
intenções, opções e concepções que o curso de maneira geral se propõe a
legitimar”.
Ao elucidar os fatos históricos por que passaram e ainda passam os
professores para afirmar e reafirmar sua identidade em meio a tantas mudanças
sociais e econômicas que, de maneira direta e indireta, acabaram influenciando no
modo de conceber a profissão, o aluno pode estar conhecendo o processo de
construção e evolução da sua profissão ao longo do processo histórico. Assim,
poderá compreender melhor a profissão de professor, as marcas, a maneira de
praticar a docência de acordo com as diferentes demandas em determinadas
situações. Nesse sentido, obteria uma orientação adequada do que já foi feito,
discutido e experimentado, tendo mais discernimento para observar e estudar com
mais cuidado “os modismos em educação”, que sempre vêm com uma proposta de
inovação pedagógica, mas que por vezes acabam sendo repetição de práticas
descabidas com uma nova roupagem para dissimulá-las.
Neste mundo marcado pela velocidade das comunicações e da
disseminação das idéias, neste mundo invadido por uma inflação
tecnológica sem precedentes, é preciso que os professores aprendam a
cultivar um cepticismo saudável, um cepticismo que não é feito de
descrença ou desencanto, mas antes de uma vigilância crítica em relação a
tudo quanto lhes é sugerido ou proposto. A inovação só tem sentido se
passar por dentro de cada um, se for objecto de um processo de reflexão e
de apropriação pessoal (NÓVOA, 1998, p. 30).
O fortalecimento de práticas coerentes só será favorecido se o professor se
entender como um profissional reflexivo em constante formação. Esse processo
contínuo de formação desencadeia uma constante reflexão sobre suas práticas e
experiências cotidianas, possibilitando a ressignificação dos seus saberes e,
conseqüentemente, da sua identidade de professor.
É impossível compreender a construção da identidade dos indivíduos fora do
seu contexto de historicidade dentro da evolução da sociedade. Para Castoriadis
(1987, p. 228), “O homem só existe na e pela sociedade - e a sociedade sempre é
histórica. A sociedade como tal é uma forma, e cada sociedade dada é uma forma
particular e mesmo singular. A forma implica organização, em outras palavras ordem
(ou, se assim se preferir, a ordem desordem)”. Nesse sentido, através da
perspectiva dos tempos e dos espaços de ordem política, social e cultural, é que os
sujeitos vão interpretando e significando sua profissão, além de construir seu espaço
dentro da sociedade. É em relação aos espaços citados que cada pessoa vai se
posicionando e descobrindo a sua singularidade, constituindo sua identidade
profissional.
A forma como cada um de nós constrói a sua identidade profissional define
modos distintos de ser professor, marcados pela definição de ideais
educativos próprios, pela adoção de métodos e práticas que colam melhor
com a nossa maneira de ser, pela escolha de estilos pessoais de reflexão
sobre a ação (NÓVOA, 1998, p.28).
O processo de reflexão sobre as ações educativas desenvolvidas possibilita
que o professor observe constantemente o modo como organiza suas práticas,
questionando suas ações, reformulando concepções e aumentando sua capacidade
de vivenciar dificuldades de sua profissão com mais embasamento teórico, já que
sempre próximo a sua reflexão está o seu comprometimento com a educação,
baseado na busca por novas alternativas, novas fundamentações para delinear
novas práticas. Isso estimula o desenvolvimento profissional do professor, pois
professores competentes têm a capacidade de perceber a importância do seu
desenvolvimento profissional reflexivo, o que viabiliza a reconstrução constante e
permanente de sua identidade.
O desenvolvimento profissional e pessoal de professores está diretamente
ligado à forma que cada professor encontra para problematizar individual e
coletivamente as práticas que desenvolve.
É assim que o professor transforma-se num pesquisador, a caminho de
construir sua autonomia profissional, enriquecendo-se de conhecimentos e
práticas e aprendendo a resolver problemas, inclusive aqueles imprevistos.
Sabemos que boa parte das situações de ensino são singulares, incertas e
muitas vezes desconhecidas, por isso, não basta o professor ter uma lista
de métodos e técnicas a serem utilizados. O que ele precisa é desenvolver
a capacidade de dar respostas criativas conforme cada situação. Não
precisa tanto saber aplicar regras já estabelecidas, mas construir
estratégias, descobrir saídas, inventar procedimentos. Ou seja, o professor
precisa ser capaz de inventar suas próprias respostas (LIBÂNEO, 2001, p.
67).
Esse entendimento de práticas amplia a visão que o professor tem de seu
ambiente de trabalho e faz com que cada professor disponha da oportunidade de
construir e reconstruir suas posições, atitudes e principalmente a maneira de
entender o seu aluno e a sua profissão.
Conceber a formação e a auto-formação como um processo contínuo e
particular é ponto fundamental para a construção da autonomia que cada professor
deve possuir. Autonomia, segundo Castoriadis (1987), é um projeto coletivo de
sociedade. Nesse sentido, a autonomia deve perpassar a vida do professor,
refletindo em suas escolhas e decisões, agindo como algo capaz de possibilitar ao
profissional o entusiasmo necessário ao seu trabalho e às transformações do
contexto sócio-cultural no qual está inserido. Dessa forma, o professor interage,
participando efetivamente do processo de ensino-aprendizagem e proporcionando
também aos seus alunos, através dos exemplos de sua prática sensível, o
conhecimento da realidade em que estão inseridos. Para Lisita (2006, p. 48), “A
construção da autonomia docente supõe uma posição a respeito da transformação
das atuais condições que distorcem ou que limitam a prática educativa, incluindo-se
os interesses e os conflitos que permeiam as relações sociais e pessoais que
ocorrem no ensino”.
Perceber que a sua maneira de praticar a docência tem fundamental sentido
na vida de seus alunos é o começo de uma ação produtiva e significativa para
procurar entender, conhecer e despertar nos alunos o gosto de aprender e buscar
além do que o professor ensina. De acordo com Libâneo (2001), com isso ocorre
uma transformação na vida do professor, o qual
Torna-se investigador em sua aula analisando suas práticas, revendo
rotinas, inventando novas soluções; desenvolve habilidades de participação
grupal e de tomada de decisões, seja na elaboração do projeto pedagógico
e da proposta curricular, seja nas várias atividades da escola como
execução de ações, análise de problemas, discussão de pontos de vista,
avaliação de situações, etc... (LIBÂNEO, 2001, p. 66).
Essa percepção de práticas educativas vai proporcionar um elemento a mais
na formação do professor e de cada educando. Diferentemente de “transmitir o
conteúdo”, o professor incita a construção de novas concepções, de novos
conceitos, organizados pelos próprios alunos de acordo com a sua realidade, o que
permite uma maior interação com a sociedade em que estão inseridos, refletindo
sobre ela.
Além de compartilhar o conhecimento, os professores precisam estar atentos
ao significado e à coerência com que desenvolvem suas atitudes enquanto pessoa e
profissional, bem com à representação dessas atitudes para seus alunos dentro e
fora do contexto escolar.
O que acontece conosco é que se o que aprendemos não tem sentido, não
atende alguma necessidade, não “aprendemos”. O que aprendemos tem
que “significar” para nós. Alguma coisa ou pessoa é significativa quando
ela deixa de ser indiferente. Esquecemos o que aprendemos sem sentido,
o que não pode ser usado. Guardar coisa inútil é burrice. O corpo aprende
para viver. É isso que dá sentido ao conhecimento. O que se aprende são
ferramentas, possibilidades de poder. O corpo não aprende por aprender.
Aprender por aprender é estupidez (GADOTTI, 2003, p. 37).
Nesse sentido, a forma como o professor organiza suas atividades deve estar
baseada na realidade dos alunos, pois ela é um indicativo que pode despertar-lhes o
interesse para determinado assunto. Não se trata aqui de trabalhar assuntos só
relacionados ao ambiente em que vivem, mas partir da percepção desse meio para
tecer relações mais consistentes da realidade com todo o contexto global de que as
crianças também fazem parte.
Essa percepção de prática educativa é possível quando o professor entende
que ele é ator de seu desenvolvimento profissional. Este, por sua vez, vai se
concretizar se o professor se mantiver interessado na busca incessante por novas
formas de fundamentar suas ações diante das mais diversas situações que se
apresentam no cotidiano escolar de acordo com cada sociedade. Essa reflexão faz
com que o professor avance sobre o sentido que dá a sua profissão e à sua
identidade de professor dentro do local social em que atua.
Toda a identidade é um conjunto de representações que a sociedade e os
indivíduos têm sobre aquilo que dá unidade a uma experiência humana
que, por definição, é múltipla e facetada, tanto no plano psíquico como no
plano social. Essas representações, evidentemente, são construídas de
forma diferente segundo os diversos tipos de sociedade, segundo o lugar
social que o indivíduo ocupa na sociedade e os conjuntos de valores, de
idéias e normas, que pautam o código de leitura, por meio do qual ele
interpreta a sua visão de mundo (MARQUES, 2005, p. 91).
Nessa perspectiva, a partir das ações dos professores é que os alunos vão
construir a sua identidade, tendo por base a percepção sobre o professor, sua
postura, sua coerência, se é humano, se evidencia preocupação com a vida do seu
aluno ou apenas transmite o conteúdo. Todas essas representações é que
constituem sentido na maneira de ser professor de acordo com a sociedade em que
se está inserido. É a partir desses referenciais que os indivíduos organizam sua
própria percepção da realidade. “Toda a identidade é socialmente construída no
plano simbólico da cultura. Ela é um conjunto de relações e representações”
(MARQUES, 2005, p. 92).
A sociedade é constituída de sentidos, símbolos e valores que ao longo do
tempo foram sendo instituídos e reformulados. Ela está em plena construção e
reconstrução, sempre partindo do que está para elaborar novas concepções e
possibilidades de vir a ser. Trata-se de atitudes, maneiras de se portar diante de
determinadas situações, compreendendo assim um conjunto de estratégias
instituídas que a mantêm constituída da forma que é, através do sentido que os
indivíduos lhe atribuem.
Aquilo que mantém uma sociedade reunida é evidentemente sua
instituição, o complexo total de suas instituições particulares, aquilo que
chamo a “instituição da sociedade como um todo” - tomando aqui a palavra
instituição no sentido mais amplo e mais radical: normas, valores,
linguagem, instrumentos, procedimentos e métodos de fazer frente às
coisas e ainda, é claro, o próprio indivíduo. Tanto em geral como no tipo e
na forma particular que lhe dá a sociedade considerada (CASTORIADIS,
1987, p. 229).
Sob essa ótica, o comportamento, as atitudes e as posições dos indivíduos de
maneira geral são influenciados pela forma como a sociedade a qual pertencem
exige e também por vezes determina. Para funcionar e continuar existindo, a
sociedade precisa de uma representação própria, que a mantém viva de acordo com
que tipo de indivíduos ela deseja formar através da unidade de todas as partes que
formam a sua identidade.
Há, portanto, uma unidade da instituição social da sociedade; observando-
a mais de perto, descobrimos que essa unidade é em última instância a
coesão interna do tecido imensamente complexo de significações que
impregnam, orientam e dirigem toda a vida daquela sociedade e de todos
os indivíduos concretos que comportalmente a constituem. Esse tecido é o
que eu chamo o magma das significações imaginárias sociais trazidas pela
instituição considerada, que nela se encarnam e por assim dizer, a animam
(CASTORIADIS, 1987, p. 230).
Essa rede complexa de significações imaginárias vai nortear a vida do
indivíduo, estabelecendo relações com a maneira de pensar e entender sua própria
vida a partir dos significados que ele constrói sobre que é certo ou errado. Em
relação às atitudes consideradas coerentes, as significações são convenções,
normas e valores que vão sendo legitimadas ao longo do tempo e aceitas em
determinados contextos sociais, até que sejam substituídas por outras, mas sempre
baseadas no que já existiu. São essas relações que mantêm a sociedade tal qual
como ela é. Para Castoriadis (1987, p. 231), “Denomino imaginárias essas
significações porque elas não correspondem a – e não se esgotam em – referências
a elementos ‘racionais’ ou ‘reais’ e porque são introduzidas por uma criação. E as
denomino sociais pois elas somente existem enquanto são instituídas e
compartilhadas por um coletivo impessoal e anônimo”.
Dentro desse processo organizacional que compõe a sociedade, ela se
encontra fortalecida e, de acordo com o autor, por mais que ocorram conflitos e
crises, uma sociedade é ainda essa mesma sociedade.
É possível apreender nessa pesquisa que o imaginário instituído em relação
à identidade profissional das colaboradoras diz respeito à escolha pelo curso sem
identificação com o mesmo, sendo ele uma segunda opção.
Durante os três anos do ensino médio, eu realizei as provas do PEIES, não obtendo muito sucesso
na minha pontuação. Ao término do último ano, precisei fazer a opção de que curso eu iria fazer. Às
vésperas da data limite para a inscrição, decidi fazer Pedagogia no PEIES e Relações Públicas no
vestibular. Acabei entrando na pontuação para Pedagogia e optei pela redação do PEIES. Lembro
do dia em que saiu o listão com os aprovados, toda minha família estava reunida em volta do rádio,
esperando pela tão sonhada entrada na UFSM. Quando meu nome foi dito, meus pais não cabiam
em si de tanta alegria, pulavam, choravam, era uma felicidade só. Mas aquele simples momento,
em que meu nome foi dito no rádio, mudou completamente minha vida dali em diante. Comecei a
me questionar muito sobre a profissão, sobre as possibilidades de emprego, essas coisas. Foi
nesse momento que aquela tão famosa pergunta teve um significado: “O que eu quero ser quando
crescer?”
No momento, eu já tinha crescido, estava na hora de decidir, de assumir responsabilidades. Eu não
me sentia preparada. No ano de 2003, tentei vestibular para o curso de Direito na Unifra, mas não
passei. Estava completamente confusa quanto ao meu curso. Não tinha uma relação de amizade
sincera com as minhas colegas, chorava todo dia quando retornava da faculdade. Minha vida
estava perdendo o sentido, não sabia o que estava acontecendo (Relato autobiográfico de B.X.H.,
08/2005).
Fiz o PEIES, mas não passei e encerrei a escola fazendo vestibular para Administração -
Habilitação em Cooperativismo. Como eram apenas 8 vagas, a relação de candidatos por vaga
ficou muito alta e não passei. Na verdade, fiz as provas para estes cursos por não saber o que
queria. No ano seguinte, iniciei o curso pré-vestibular e então minha opção para o vestibular já
havia mudado: descobri que a Psicologia me encantava. Na hora da inscrição, optei pela
Pedagogia por saber ser um curso próximo do que queria e sua relação candidato-vaga ser muito
mais baixa. Meu pensamento era de apenas aproveitar algumas disciplinas quando passasse para
Psicologia. Entrei na Pedagogia. Comecei o curso no 1º semestre do ano de 2002. Tudo era novo
para mim. Até então, meu sentimento quanto à Pedagogia ainda era o mesmo. O tempo foi
passando, e conforme se dava minha caminhava, o interesse aumentava. Com isso, vi que tinha
razão da proximidade entre a Pedagogia e a Psicologia, mas passei por cima disto e encontrei
outros motivos para gostar do curso (Relato autobiográfico de E.C., 08/2005).
Com base nos relatos autobiográficos das colaboradoras, percebe-se que,
como temos citado desde o início desse capítulo, a identidade é construída e esse
processo demanda tempo. As colaboradoras entraram no curso de Pedagogia -
Séries Iniciais sem estarem identificadas com o mesmo. Mas isso não as impediu de
buscarem essa identificação durante o curso.
O processo de construção da identificação com a identidade profissional tem
seu marco na graduação. Mesmo vivenciando experiências durante a trajetória
educativa, cada indivíduo vai construindo sua forma de perceber a profissão durante
o curso. As disciplinas, a convivência com os colegas, com os professores e também
os relatos de experiências de outros profissionais possibilitam que aos poucos cada
um possa construir e organizar uma maneira de praticar a sua profissão com a qual
esteja identificado, sendo que essa maneira, para obter condição de processo, deve
primar pelo movimento, pela transformação e adequação de novas práticas.
No relato autobiográfico de B.X.H., fica evidente a influência das colegas para
a superação das dificuldades encontradas durante a fase inicial do curso. Além
disso, é possível perceber que a participação em projetos de pesquisa também
possibilitou à colaboradora “sentir de perto a profissão”.
Não lembro exatamente qual foi o fator que mudou isso. Hoje, posso encher a boca e falar que eu
faço Pedagogia na UFSM. Que estou realizada com minha escolha, que não imagino outra
profissão. Devo isso em grande parte aos meus pais, que sempre me apoiaram, e as minhas
colegas com que hoje tenho uma relação de amizade sincera, a Giana e a Edinéia. Foi também
com o projeto do qual participo (“A aprendizagem através do lúdico”) que pude sentir de perto a
profissão. Esse projeto, com a orientação de
É possível identificar que algumas vezes as acadêmicas não visualizam sua
profissão no período de graduação enquanto não ocorre o estágio. Acreditam que
somente a prática vai dar condições de desenvolver e conhecer sua profissão.
Assim, não percebem que a universidade é um espaço de fundamentações, estudos
e também de interações com a comunidade escolar em que vão atuar. O que se faz
necessário é a busca do equilíbrio entre a teoria e a prática, sendo que nem uma
nem outra tenha maior destaque, sendo consideradas aspectos complementares.
Nesse processo, o papel das teorias é iluminar e oferecer instrumentos e
esquemas para análise e investigação que permitam questionar as práticas
institucionalizadas e as ações dos sujeitos e, ao mesmo tempo, colocar
elas próprias em questionamento, uma vez que as teorias são explicações
sempre provisórias da realidade (PIEMTA; LIMA, 2004, p. 43).
Logo, é importante que essa relação de teoria e prática seja estabelecida
com mais freqüência na universidade. Uma maneira de tentar essa aproximação é
estabelecer relações do eixo teoria-prática durante toda a graduação. Aproximar as
graduandas do contexto real em que vão atuar, mesmo que na forma de relatos,
discussões e questionamentos a respeito de sua escolha pela educação, suas
experiências com professoras, o significado que essa profissão tem em suas vidas,
e várias outras questões pedagógicas, configura uma possibilidade de atentar para a
relação da teoria e da prática de modo a minimizar as discrepâncias sentidas pelas
graduandas. Para Brzezinski (1998, p.169), “entende-se que o eixo teoria-prática
deve perpassar todas as disciplinas do currículo que formam o professor e não ser
restrito a uma disciplina, ou a um momento particular do currículo. Essa postura
possibilita ao futuro professor compreender as relações entre o que, como, e para
que ensinar, durante toda a sua formação”. Nessa perspectiva, o que se faz
necessário é um comprometimento diferenciado também por parte dos professores
formadores, no sentido de contribuir para que as graduandas possam avançar na
questão do distanciamento aparente entre teoria e prática.
Então agora eu estou vendo e relacionando, e tudo tem a ver, tudo é uma coisa ligada à outra, só
que muitas vezes no curso os professores não se comunicam entre eles, cada um faz como acha, e
aí tu fica com falhas, seqüelas entre um conteúdo e outro, e depois para ti conseguir sozinha fazer
esses “ganchos”... é mais difícil, e sentimos na pele agora para conseguirmos relacionar tudo. São
poucos os professores que conseguem trazer a prática deles com a tua prática e com a teoria que
tu precisa trabalhar. São muito poucos os que conseguem. E isso nos prejudica muito. Eu acho que
o tempo todo eles tinham que fazer “ganchos”, não em apenas algumas disciplinas que tu precisa
da prática, ali 2 ou 3 horas de observação, mas com todas as disciplinas do curso de Pedagogia
que tu vai ter que ter para dar aula, todas deveriam estar ativas em sala de aula, participando,
procurando atividades, para que tu já possa ir participando até a hora do teu estágio, o que fará
com que os relacionamentos sejam melhores. Tenho colegas que tiveram que trocar de escola
porque simplesmente não deu, não conseguiram se encontrar, o relacionamento não estava bom...
Então, se tu, desde o início adotar a escola como eu fiz... quando cheguei na época do estágio,
duas professoras me “disputaram”, uma dizia que eu ia fazer na turma dela, a outra também... foi
legal. Mas como a 1ª série sempre me chamou mais a atenção, eu optei por ela. É uma forma de
reconhecimento por parte da escola, e eu acredito não estar fazendo feio.... (risos). (Entrevista
semi-estruturada B.X.H., 15/10/2005).
Sabe-se que a organização curricular do curso de Pedagogia muitas vezes
não possibilita essa relação e acaba, por assim dizer, massificando as alunas nos
últimos semestres. Nesse contexto, os professores formadores não podem se omitir
de seu papel no sentido de chamar a atenção de seus alunos, desde as primeiras
disciplinas, fazendo relações com a prática, exemplificando-a, tornando-a mais
concreta e coerente com o contexto de sala de aula, proporcionando assim uma
maior compreensão do que está sendo estudado, que dessa forma terá sentido para
a vida e para a profissão. Isso significa, a partir da concepção de Pimenta; Lima
(2004, p. 49), que “o papel da teoria é oferecer aos professores perspectivas de
análise para compreender os contextos históricos, sociais, culturais, organizacionais
e de si mesmos como profissionais, nos quais se dá sua atividade docente, para
neles intervir, transformando-os”.
É com base nessa perspectiva que o currículo deveria ser organizado, no
sentido de primar por espaços de consolidação de bases teóricas sempre
fortalecidas no tempo e no espaço onde elas devam ser aplicadas e ampliadas.
Esse é o diferencial para que ocorra a prática reflexiva do professor, auxiliando-o a
reconstruí-la e ressignificá-la dentro do contexto educativo.
Nesse sentido, é possível apreender nessa pesquisa que o imaginário
instituinte sobre a identidade profissional das colaboradoras diz respeito ao estágio
curricular como possibilidade de construção da identidade docente.
As experiências vivenciadas no período de estágio contribuem
significativamente para a construção da identidade profissional. Nos estudos
desenvolvidos por Pimenta; Lima (2004), é possível perceber esse espaço da
graduação como uma possibilidade mais concreta de aproximação das estagiárias
com a realidade de sala de aula.
Aprender a profissão docente no decorrer do estágio supõe estar atento às
particularidades e às interfaces da realidade escolar em sua
contextualização na sociedade. Onde a escola está situada? Como são
seus alunos? Onde moram? Como é a comunidade, as ruas, as casas que
perfazem as adjacências da escola? Que fatores explicam a constituição
dessa escola e dessa comunidade?Quais seus problemas e características
e como interpenetram na vida escolar? Quais os determinantes históricos,
sociais, econômicos, políticos e culturais dessa realidade? (PIMENTA;
LIMA, 2004, p. 111).
Esses aspectos influenciam na maneira como o estagiário deve organizar
suas práticas para que elas possam refletir concretamente as necessidades de
determinada escola.
O imaginário instituinte nessa pesquisa é representado pela ressignificação
da identificação com o curso através do estágio curricular. De acordo com
Castoriadis (1987, p.237), “A criação, contudo, enquanto obra do imaginário social,
da sociedade instituinte (societas instituans, e não societas instituta), é o modo de
ser do campo social-histórico mediante o qual esse campo existe. A sociedade é
autocriação que se desdobra como história”. Esse processo de ressignificação, de
criação de possibilidades para superar obstáculos e dificuldades e poder ir aos
poucos se identificando com o curso é percebido nas falas das colaboradoras.
Eu acho que agora a “B.” é uma pessoa bem realizada... no meu estágio está correndo tudo muito
bem, graças a Deus. As minhas amizades são pessoas muito verdadeiras, que apostam em mim o
tempo todo. Quando eu acho que não vou conseguir, elas me dizem o contrário. Acho que eu
provei, durante o curso, para muita gente, que eu sou capaz! Eu acho que tiveram pessoas que não
acreditaram em mim (chorando), talvez pelo preconceito que sofri, ou porque eu vim de escola
particular... mas essa não é minha realidade. Muitas vezes, as pessoas se fechavam para mim e eu
para elas, não conseguíamos romper com essa “barreira” e mostrar que eu sou diferente, que não é
assim que sou. Eu até posso ter passado essa imagem... Hoje, me vendo me formar, fazendo
estágio, o sucesso que eu acredito estar tendo... porque eu sou feliz... estou realizada e acredito
ser porque meu estágio está correndo bem, porque se eu estivesse infeliz, insatisfeita, eu não
estaria desenvolvendo um bom trabalho... Então, eu dei um “tapa de luva” em muita gente que não
acreditou, gente muito bonita na teoria, que falava muito bem para se justificar... mas quando era
para serem práticas na escola, quando era para se relacionarem com os outros... falhavam nesse
sentido... Eu acho que eu ganhei muito com isso, tanto na experiência no projeto junto com as
crianças, quanto com a minha experiência de vida, que está sempre presente em qualquer coisa
que eu faça. Acho que está indo tudo muito bem... graças a Deus e a mim também. Com relação à
identidade, não consigo definir... sempre tive muita dificuldade para esse tipo de definição, acho
que eu sou uma pessoa muito... no estágio procuro ser uma pessoa em 1° lugar amorosa,
simpática, aberta, tranqüila, tento ser uma professora que busca a valorização do outro, valorizar os
trabalhos, pedir ajuda, ser humilde no sentido de dizer que eu não sei tudo... “às vezes tem que
esperar...a profe não sabe tudo...vai procurar...”.
Então, eu acho que isso faz meu estágio crescer, aprendo junto e tenho a plena convicção de que
eu não sei muita coisa... e a partir do que eu sei, eu tenho buscado evoluir... pode ser que eu
demore mais... tem colegas que talvez tenham evoluído mais durante o curso, mas eu estou
evoluindo no estágio... tanto na teoria, nos estudos, como nas minhas práticas. Me definir como
professora... eu não sei... mas eu sou uma professora muito feliz e satisfeita com meu trabalho...
(risos), a cada dia eu cresço, estou bem tranqüila, não sou perfeita e está longe de mim querer
ser... tenho plena convicção de que com 6 meses de estágio eu não vou conseguir definir... Sei que
ano que vem vai ser outra turma completamente diferente, vou começar do zero novamente, a cada
ano, a cada dia... no sentido de que cada dia é uma reação diferente, uma experiência diferente...
uns com fome... outros com preguiça...
Então, eu acho que é assim...
(Entrevista semi-estruturada, B.X.H., 15/10/2005).
Portanto, o estágio constitui-se em uma oportunidade de pôr em prática todos
os conhecimentos e discussões realizadas durante o curso, evidenciando uma
maneira particular de conceber a profissão baseada nas várias experiências
vivenciadas durante toda a trajetória educativa. É nesse espaço que se encontram
os subsídios para se repensar as identidades profissionais através dos desafios e
dos aprendizados. Para Pimenta; Lima (2004, p.127), “Nesse processo, [os
estagiários] encontram possibilidade para ressignificar suas identidades
profissionais, pois estas, como vimos, não são algo acabado: estão em constante
construção, a partir das novas demandas que a sociedade coloca para a escola e a
ação docente”.
Dentro das experiências realizadas no estágio, os envolvidos têm a
possibilidade de crescimento. O professor orientador, o estagiário e também o
regente da turma em questão são desafiados com essa nova condição, e têm a
oportunidade de refletir e aprender com ela, contribuindo de maneira significativa
para um bom início da profissão, da prática cotidiana e também do processo de
formação como um todo.
7.3 Processos formativos: alguns apontamentos a partir do estágio
curricular do curso de Pedagogia/CE/UFSM
Os processos formativos e a formação inicial de professores já foram de
diversas formas muito criticados, avaliados e reconstruídos ao longo do processo
histórico. Esse movimento foi estabelecido com o objetivo de alcançar a construção
de uma educação, de uma formação com qualidade para desempenhar a profissão
de professor. Concomitante a isso, muitos autores como: Nóvoa (1992); Freire
(1999); Pimenta (2005); Pimenta; Lima (2004), Antunes (2001), Tardif (2000; 2002);
Perrenoud (2002); Arroyo (2001) dedicaram seu tempo a colaborar com
possibilidades de compreensão do aluno e do contexto escolar. Recentemente,
propuseram-se a entender também a pessoa do professor (NÓVOA, 1992) através
das narrativas de sua história de vida, do estudo e da compreensão das mesmas,
elucidando a importância de seu papel frente à educação de crianças que se quer
autônomas, críticas e conscientes de sua realidade. Nas concepções de Leite
(2006), a formação deve assegurar vários pontos:
É preciso assegurar que a formação de professores possibilite ao
profissional docente saber lidar com o processo formativo dos alunos em
suas várias dimensões, além da cognitiva, englobando a dimensão afetiva,
da educação dos sentidos, da estética, da ética e dos valores emocionais.
O processo formativo docente deve contemplar e assegurar aos
professores a possibilidade de uma formação contínua que propicie o
avanço de outras formas de trabalho com os alunos, que busque estimular
o trabalho coletivo e interdisciplinar, condições imprescindíveis para
o
desenvolvimento da capacidade de romper com a fragmentação das
disciplinas,
que hoje estão sendo trabalhadas isoladamente (LEITE, 2006,
p.69).
Os alunos de graduação devem ser valorizados em sua especificidade e suas
histórias de vida, as quais englobam as experiências vivenciadas que muitas vezes
acabam por influenciar na maneira de construir significados sobre determinados
aspectos relacionados à educação. Partindo dessa premissa, o aluno terá maiores
condições de compreender também a vida de seu colega, seu professor e seu aluno
quando estiver atuando. A fragmentação das disciplinas, como a autora coloca,
impossibilita que ocorra uma formação integrada e em consonância com a realidade
dos acadêmicos. Para Leite (2006, p.68), “Os programas de ensino das diferentes
disciplinas dos cursos estão, de um modo geral, estruturados curricularmente, e
sendo trabalhados de forma desarticulada das demandas da prática e da realidade
encontrada nas escolas, caracterizando-se por uma concepção burocrática, acrítica,
baseadas no modelo da racionalidade técnica”.
Há pouca preocupação com as particularidades do aluno acadêmico e da
realidade em que vai atuar, considerando as novas demandas da sociedade do
presente. Trata-se, portanto, de uma formação considerada insuficiente e que não
dá conta da complexidade do conhecimento que o professor precisa dominar para
responder a essas necessidades. No relato que segue, podemos perceber uma
aproximação com o imaginário instituído (CASTORIADIS, 1987) sobre os processos
formativos do curso de Pedagogia vivenciados pela colaboradora da pesquisa E. C.
Percebo bem separado. Inicialmente, eu entrei e tinha bastante teoria, aquela coisa pesada, bem
profunda, que não tem relação com nada que eu tinha visto antes. Aí, conforme foram passando os
semestres, eu fui me identificando com o que eu já tinha visto e com relação ao que eu ia tendo de
experiência com a escola. Então, tu vai entrando mais, acho que é isso. Quando tu está mais perto
do final do curso, parece que tu te dá conta do que se está fazendo e de como aqueles conteúdos
que tu vê no início são importantes para isso.Mas acho que nós precisamos de uma prática para já
ir tendo relação do conteúdo e de como vamos usá-lo. Na formação o curso me atendeu, mas acho
que a questão da prática precisa ter mais. Muito teórico e coisas separadas. Fragmentado.
(Entrevista semi-estruturada, E.C., 15/10/2005).
Essa fragmentação sentida pela colaboradora reflete a necessidade não
dela, mas de vários graduandos das licenciaturas, de um currículo mais flexível que
possa considerar as particularidades da realidade em que ele será desenvolvido,
valorizando os sonhos, as histórias de vida e as concepções que as pessoas trazem
para a universidade.
Um currículo de formação de professores como forma de política cultural
enfatiza a importância de fazer do social, cultural, político e econômico as
categorias básicas de análise e avaliação da escolarização
contemporânea. Dentro deste contexto, a vida escolar deve ser
conceitualizada como arena repleta de contestação, luta e resistência.
Além disso, a vida escolar pode ser uma pluralidade de discursos e lutas
conflitantes, um terreno móvel no qual as culturas da escola e da rua se
chocam e os professores, estudantes e administradores escolares afirmam,
negociam e, às vezes, resistem à forma como a experiência e prática
escolares são dominadas e realizadas. A meta fundamental da educação é
criar condições para que os estudantes se fortaleçam e se constituam
como indivíduos políticos (GIROUX, 1997, p. 203).
Dessa forma, o currículo efetivamente poderia oferecer maiores condições de
inserção na realidade educacional, já que o aluno da graduação poderia desde sua
graduação fazer o diálogo entre as necessidades sentidas por seus alunos e o
contexto social em que ele atua. Perceber e refletir sobre essa globalidade de
relações é fundamental, e torná-la uma prática concreta com os alunos possibilita
entender as condições de domínio e de poder. Há necessidade de perceber isso
para se poder buscar transformações, conscientes de que essas relações existem.
A vida de cada indivíduo está diretamente ligada às questões de ordem
política, cultural, econômica e social. Em decorrência disso, a atuação do professor
não pode estar baseada apenas na transmissão de conteúdos, com o aluno
subordinado e obediente, através de práticas impositivas baseadas em repetitivas
cópias e sem reflexão sobre o que está sendo ensinado, e portanto sem qualquer
relação e significado com a vida do educando.
É necessário resgatar a base reflexiva da atuação profissional com o
objetivo de entender da forma em que realmente se abordam as situações
problemáticas da prática. O professor precisa ter mais condições de
compreender o contexto social no qual ocorre o processo de
ensino/aprendizagem, contexto no qual se mesclam diferentes interesses
valores, bem como mais clareza para examinar criticamente o processo de
educação existente no país (LEITE, 2006, p. 69).
Todo processo de escolarização, na universidade ou na escola, deve primar
por práticas que possibilitem a discussão e o questionamento sobre verdades
absolutas, com base na formação de pessoas mais humanas, compreensivas e
solidárias. A sociedade atual carece disso. Para tanto, é necessário estarmos
atentos aos movimentos sociais, políticos e econômicos que ocorrem a nossa volta,
pois a compreensão destes dá condições de interagir melhor com as dificuldades
encontradas ao longo do percurso educativo e profissional de cada pessoa.
É importante que a formação de qualquer indivíduo possa dar-lhe condições
de atingir suas metas, ser um profissional ativo, crítico e capaz de correr riscos.
Quando isso não ocorre, a formação acaba por não contribuir para o crescimento
individual e intelectual, ficando à mercê de decisões alheias à vontade pessoal.
É preciso repensar a formação de professores a partir do contexto de seu
trabalho, não podendo considerar essa formação descolada ou distanciada
da reflexão crítica acerca da sua realidade. É preciso refletir sobre esta
dimensão através de propostas curriculares, de atividades que permitam a
compreensão da dinâmica e das relações que ali se estabelecem (LEITE,
2006, p. 70).
Esse distanciamento da realidade em que vão atuar as graduandas é outro
aspecto destacado pela colaboradora da pesquisa, quando declara que muitas
coisas vistas na universidade estão aquém do que existe nas escolas.
Para mim, faltaram exemplos práticos em sala de aula, de como funcionava aquilo. Dá ou não dá
certo? Será que eu vou apresentar o conteúdo e vai surtir efeito? Isso que a professora está me
propondo, eu vou conseguir fazer? Por exemplo, a professora de matemática dizia: vamos usar
materiais dourados, vamos usar cartelinhas, vamos fazer isso, vamos fazer aquilo... Até por ali! De
onde é que eu vou tirar papel de cartela se os meus alunos todos comem no refeitório da escola...
não trazem merenda... dependem do lanche oferecido na escola? Então, algumas coisas são fora
da realidade econômica e social da criança, entende? Realidade de universidade, não é a mesma
aqui de fora... como dizem, a universidade é um outro mundo... saiu do arco... e caiu em outro...
aqui tu esquece teus problemas de casa... e quando tu passou do arco tu começa a lembrar... tem
a conta para pagar... tem isso para fazer... então, é outra coisa. Aqui, parece que muda tudo, mas
passou do arco, começa tudo de novo. É bem diferente! A realidade de facilidade de material não é
a mesma, a universidade é privilegiada com materiais, o Estado e o município, não! O que dificulta
o teu trabalho, porque a escola adota o material didático (livro didático), mas será que vai ficar só
no material didático? Só naquele livro? Viver de livro didático?Às vezes tu não encontras nada
nesses materiais, três ou quatro textos e veja lá... porque a realidade paulista de ensino não é a
nossa, a gaúcha, então não tem aproveitamento. Não digo que o aproveitamento seja zero, mas
uns 20% e o restante é tu quem tem que fazer, é tu quem tem que correr atrás, procurar literatura.
Cinco, seis, sete livros às vezes... de português, que tu coloca em cima da mesa para poder retirar
um texto aproveitável, e tudo tem que privilegiar a realidade que os alunos têm, sem ferir um ou
outro. Em tudo temos que ter cuidado, então, caímos novamente no psicológico, no social, no
familiar... é incrível! O Brasil em si vive na pobreza, na dificuldade... (Entrevista semi-estruturada,
H.L., 14/12/2005).
O contexto social trazido através do depoimento da aluna é instigante e
reflexivo. Muitas são as vezes em que se fazem reflexões sobre as questões
econômicas de nossas escolas públicas brasileiras com relação às dificuldades de
materiais educativos, lúdicos, etc... Essa realidade não raro enfraquece o educador,
já que são necessários suportes, como materiais didáticos, para a organização de
aulas que primem pela qualidade e que despertem o entusiasmo do aluno.
Superar esse discurso só será possível através do fortalecimento das práticas
do professor. As dificuldades existem, mas não podem desviar o olhar de nosso
compromisso. Assumí-lo com sensibilidade é indispensável para o professor que
está interessado em verdadeiramente contribuir para uma educação igualitária,
exigente e com qualidade. Para isso, o professor precisa instituir em suas práticas o
espírito de pesquisa, mas com sentido e significado para si e para seus alunos.
Faz parte da natureza da prática docente a indagação, a busca, a
pesquisa. O que se precisa é que, em sua formação permanente, o
professor se perceba e se assuma, porque professor, como pesquisador.
Nessas concepções, a idéia de pesquisa como princípio educativo, ensino
na perspectiva de construção do conhecimento, tem que se fazer parceira
do desafio, do novo, parteira da dúvida, companheira da curiosidade da
imaginação, condições humanas que têm sido, juntamente com o prazer,
isoladas da vida acadêmica (FERNANDES, 2006, p. 4).
A busca pessoal e a pesquisa perpassam o crescimento profissional dos
professores. Nada é estanque e sendo assim sempre teremos algo para aprender.
Um aspecto significativo encontrado no depoimento de nossa colaboradora H.L. é
justamente essa capacidade de perceber e construir uma formação baseada na
busca pessoal. Apesar de vislumbrar o curso de Pedagogia com um olhar instituído
de formação exigente, mas descontextualizada, a colaboradora apropria-se de
maneiras diferenciadas para a complementação do que é considerado como
“incompleto” no que se refere às fundamentações teóricas. Através de muito estudo
particular consegue implementar o novo, a diferença dentro do que está instituído
(Castoriadis, 1983), ultrapassando barreiras e percebendo que seu desenvolvimento
e crescimento necessitam de seu esforço intelectual.
É o resultado de uma procura pessoal que faz com que o professor não se
acomode ao que é em determinado momento, mas o faz procurar por
padrões de desempenho cada vez mais elevados, o faz viver num estado
de permanente insatisfação com sua prática. Por isso, ele se projeta
permanentemente em direção a seu próprio aperfeiçoamento, o que exige
permanente aceitação de desafios e assumir riscos, colocando em xeque a
segurança adquirida anteriormente e superando o medo da mudança
(MORAES, 1996, p. 113).
A busca por uma formação qualificada e atualizada é um desafio constante. A
sociedade vive vertiginosas transformações e educar nessa trama de relações que
se estabelecem todos os dias exige muito empenho e desprendimento por parte do
professor que quer estar em posição de igualdade com essas mudanças. É possível
perceber na fala de nossa colaboradora que esse tipo de formação e busca
aproxima-se do imaginário instituinte.
Eu posso falar que foi mais que boa, foi excelente, porque eu busquei muita coisa, eu como
pessoa, como H.L., busquei bastante leitura, pesquisei bastante, então, para mim foi excelente,
abriu um “leque” de informações, de oportunidades. Talvez para algumas pessoas não, para quem
não entendeu como é a universidade. O professor dá aquele conteúdo, mas tu é quem tem que
buscar mais, e aí tiveram mais dificuldade no estágio. Aí, eu vi colegas dizendo que desistiram do
estágio, trancaram e que talvez daqui um ano voltassem para retomar o estágio, porque não
conseguiram conduzir uma turma. Então, tu fica meio assustada de ver uma colega tua dizendo
uma coisa dessas, mas estas são colegas que não buscaram informações. Daí, tem aquela história:
“quem tem boca, vai à Roma”... tu tem que sair... se pedirem livro, vai buscar... pegar a literatura...
vai na internet... quem é o nome de quem... Então os professores falavam aqui em Jaques D’Elors,
Perrenoud, Gardner, e tu tem que sair atrás, tem que buscar quem são, o que falam... não só ficar
naqueles nomes que eles te dão... tem que procurar outros... O jogo também tem bastantes
pessoas que falam sobre o assunto, tanto na parte da psicanálise, como na parte pedagógica, que
são pedagogas que falam sobre o jogo. Então, tu busca “n” nomes para falar de jogos, não pode
ficar só naquilo, tem que sair atrás, tem que buscar. 80% é busca própria, 20% é o professor que te
auxilia na sala de aula. Todos instigaram a minha busca, principalmente na parte de metodologia,
parte de história da educação, até mesmo da prática a gente teve que buscar, mesmo para fazer a
montagem da proposta tivemos que buscar nomes, nomes desconhecidos que as gurias foram
buscar para os temas delas e fizeram complementação. É uma eterna busca, até mesmo quando a
gente vai dar aula, temos que pegar o livro didático, aí tu já tem que buscar o autor e ver qual o
melhor para qual disciplina. Para matemática é o Imenes, para português é a Profª Magda Soares,
que trabalha bastante a parte de português... então, é uma eterna busca, até mesmo para ti fazer o
estágio. E às vezes tu seleciona... procura... busca... acha... pesquisa... acha um exercício ou uma
atividade que o teu aluno consiga buscar, que mexa com o cognitivo... porque não adianta tu
“enterrar” coisas prontas... prontas... prontas... e ele vai aproveitar o quê? Receber pronto? Ele não
é máquina! (Entrevista semi-estruturada, H.L.,14/12/2005).
A aluna traz para discussão um dos aspectos que é a “incompletude do ser
humano” (FREIRE, 1999). Essa questão já foi tratada em outros capítulos desse
trabalho, contudo é um aspecto significativo para a formação de todas as pessoas e
em especial do professor. Não ser completo, pronto, acabado é o que torna cada
pessoa “mais viva”. Nossa construção pessoal e profissional sempre está em
processo. Na verdade, é esse sentimento que nos dá “fôlego” para direcionar nossas
atitudes, no sentido de estarmos sempre com novas perspectivas, sonhos e metas,
enfim, projeções que mantêm nossa vontade de viver e de sermos melhores, mais
fortalecidos e experientes no que somos e no que nos dispomos a fazer. Assim,
podemos considerar que ela instaurou um olhar instituinte (CASTORIADIS, 1987)
sobre sua formação, já que encontrou meios para modificá-la, tornando-a mais
coerente e condizente com a realidade social em que vai atuar, superando o que
estava posto e estabelecendo uma nova relação com sua formação.
Quando a aluna H.L. expressa em seu depoimento “para quem não entendeu
como é a universidade”, ela demonstra que conseguiu entender o objetivo que a
universidade como instituição de ensino superior sustenta: dar o suporte teórico para
possibilitar o diálogo necessário entre a teoria e a prática.
Ensinar e aprender, enquanto capacidade de agir teoricamente e pensar
praticamente, é a função da escola; e este aprendizado não se dá
espontaneamente através do contato com a realidade, mas demanda o
domínio das categorias teóricas e metodológicas através do aprendizado
da mediação da ação pedagógica. São os processos pedagógicos
intencionais e sistematizados, portanto, que mediando as relações entre
teoria e prática, ensinarão a conhecer. Não basta, portanto, inserir o
trabalhador na prática, para que ele espontaneamente aprenda
(KUENZER; RODRIGUES, 2006, p. 209).
Teoria e prática possuem suas especificidades. É através do processo
educativo que ocorre a mediação entre elas. Quando se está atuando, recorre-se ao
que foi estudado para saber como agir com o educando. Sabe-se que ele tem suas
particularidades, sabe-se que tem seu próprio desenvolvimento, o qual deve ser
instigado, mas também respeitado. Dessa forma, Possuí-se um conhecimento
específico que não seria construído tão qualificadamente somente com a prática, um
conhecimento que garante atitudes condizentes com a profissão de professor. Nesta
perspectiva, teoria e prática precisam dialogar entre si.
Não se pode reduzir uma atividade tão complexa que é a de garantir a
educação de crianças em atitudes baseadas apenas na reflexão da prática sobre
ela mesma, sem fundamentações teóricas. É imprescindível o espaço de formação
que a universidade estabelece para os futuros educadores. Através dele, os
professores podem ter acesso ao conhecimento científico, sócio-histórico e
tecnológico. Partindo disso, o professor vai na prática assimilando e integrando
gradativamente as competências, habilidades e atitudes que aprendeu na
universidade, sem a qual não teria tal desempenho.
De outra forma, também seria impossível estabelecer como experiência de
trabalho apenas o espaço da universidade. Considerando o ensino como prática
social, novamente recorremos à relação necessária de reciprocidade que deve
existir entre teoria e prática.
Diante do exposto, a escola e as relações de aprendizado, trocas e conflitos
que nela ocorrem devem ser valorizadas em sua integralidade e especificidade.
Ambas possibilitam a construção de conhecimentos e saberes tanto quanto na
universidade (TARDIF, 2002). São locais ricos em suas experiências, vivências e
atitudes. Por essa razão, devem ser analisados com todo o cuidado que merecem.
O processo que faz a mediação entre a teoria e a prática é o trabalho
educativo; é através dele que a prática se faz presente no pensamento e se
transforma em teoria; do mesmo modo, é através do trabalho educativo
que a teoria se faz prática, que se dá a interação entre consciências e
circunstâncias, entre pensamentos e bases materiais de produção,
configurando-se a possibilidade de transformação da realidade (KUENZER;
RODRIGUES, 2006, p. 208).
Dessa concepção é possível apreender uma intervenção crítica e criativa no
processo de formação humana e transformação da realidade. Essa lógica deve ser
incorporada aos espaços de formação se almejarmos a compreensão e a realização
de um trabalho educativo que busque a construção de educadores que saibam
pensar, agir e rever suas práticas de maneira autônoma e competente. Dessa forma,
de acordo com Tardif (2000, p. 121), a conexão entre teoria e prática ocorre quando
se admite a relação que nela está intrínseca, qual seja, a relação entre “os sujeitos,
os atores cujas práticas são portadoras de saberes e conhecimento”.
Na perspectiva do autor, é imprescindível superar a ilusão de construir
práticas e teorias distanciadas da concepção de saberes e conhecimentos
construídos por atores da educação e suas subjetividades. Tendo como base essas
afirmações, é necessário que universidade e escola andem lado a lado, já que uma
é a base da construção e organização qualificada e atualizada da outra.
Outro aspecto significativo destacado no depoimento de nossa colaboradora
H.L. diz respeito à forma como os professores da universidade contribuíram em sua
construção profissional no momento em que a instigaram nessa busca pessoal para
superar as dificuldades sentidas durante seus processos formativos, no que se
refere à descontextualização. Acredita-se que é esse movimento de constante
desacomodação de concepções pré-definidas, pré-estabelecidas que dará suporte a
novas práticas educativas, além de possibilitar ao aluno, de uma maneira geral, as
condições de se perceber como ator de seu próprio caminho. Nas concepções de
Macedo (2006, p.62),
Ao entrar numa sala de aula, o aluno não deixa suas referências individuais
e sócio-culturais nos seus nascedouros ou nos corredores da escola, ele
traz consigo sua bagagem de valores e crenças, com os quais vai se
desenvolvendo, se modificando, se aperfeiçoando. Cabe ao professor, na
edificação de sua aula, dialogar autenticamente com essas diferenças,
criar meios de mobilizá-las para implementar o aprendizado, no qual o
princípio didático fundamental é se aproximar o máximo possível das
cosmovisões dos alunos, não para aceitá-las passivamente, mas para
trabalhar ativamente com elas, com todos os recursos que a educação
contemporânea pode fornecer para educarmos na diversidade (MACEDO,
2006, p. 62).
Assim como foi instigada, a aluna H.L. terá maiores condições de estabelecer
a mesma condição com seus alunos, já que percebeu as diferenças que existem
entre uma prática passiva de aprendizagem e uma prática com iniciativa própria e
com mais autonomia.
A construção da autonomia está diretamente ligada a condições particulares,
mas também coletivas. Cada profissional só será realmente autônomo se perceber
seu papel de ator na construção de sua autonomia. Esse processo implica
novamente a consciência da incompletude, aceitação e respeito às diferenças dos
seres humanos. Não pode ser percebido como algo que será construído sobre a
opressão de uns sobre os outros, mas com o objetivo de estabelecer um bem
comum (CONTRERAS, 2002).
Perceber-se autônomo proporciona uma visão diferenciada de formação e
crescimento profissional. Esse entendimento de formação faz com o professor
aproprie-se de uma forma particular de praticar a docência, já que reflete
constantemente sobre ela na busca de cumprir com seu compromisso de maneira
competente.
A oportunidade de crescimento deve ser dada. Através dela, possibilita-se o
aparecimento de novas perspectivas para que cada pessoa possa construir a sua
própria maneira de ensinar e aprender. Como o autor coloca, as diversidades fazem
parte da “riqueza humana” (MACEDO, 2006, p. 62) e devem ser aproveitadas para
serem potencializadas. Esse é o papel do professor e da educação.
Essa riqueza humana deve ser contemplada nos currículos de formação e
nas escolas. Não há como propor uma educação igualitária se os currículos que
regem as instituições de ensino, de maneira geral, não valorizam as diversidades, as
peculiaridades e não são flexíveis à incorporação de novas concepções,
adequações e ampliações com o objetivo de se tornarem mais próximos da
realidade em que são aplicados.
O currículo tem sempre que possuir um interesse emancipatório, uma vez
que deve ser uma prática sustentada pela reflexão como práxis; devendo o
currículo ser visto menos como um plano a cumprir e mais como um
processo que se constrói na interação entre o atuar e o refletir, dentro de
uma dinâmica circular pautada por avaliações contínuas e mediada por
uma espiral pesquisa-ação (FRANCO, 2002, p. 100).
Nesse sentido, o currículo estaria caminhando em sintonia com o
compromisso maior, que é educar com qualidade. Mas, como tornar isso uma
realidade concreta? Como propor mudanças tão fundamentais, mas tão difíceis de
serem postas em prática?
É em virtude dessa dificuldade de concretização que existe a sensação de
distanciamento entre a teoria e a prática. A desarticulação entre as disciplinas e a
falta de contato com a realidade durante as discussões fundamentais sobre os
autores que corroboram com a educação e suas facetas contribuem para que os
alunos percebam seus processos formativos distanciados da realidade futura em
que vão trabalhar. O currículo formal não possibilita, portanto, que as alunas
percebam a dinâmica de sua formação.
O que é preciso não é exatamente esvaziar a lógica disciplinar dos
programas de formação para o ensino, mas pelo menos abrir um espaço
maior para uma lógica de formação profissional que reconheça os alunos
como sujeitos do conhecimento e não simplesmente como espíritos virgens
aos quais nos limitamos a fornecer conhecimentos disciplinares e
informações procedimentais, sem realizar um trabalho profundo relativo às
crenças e expectativas cognitivas, sociais e afetivas através das quais os
futuros professores recebem e processam esses conhecimentos e
informações (TARDIF, 2000, p. 126).
Dessa forma organizados, os cursos de graduação estariam primando por
espaços de trocas concretas entre a teoria e a prática. Mas a racionalidade técnica
impede que isso aconteça, pois até mesmo nas reformulações curriculares os
“currículos” já são elaborados dentro de uma lógica ultrapassada, pois as
experiências dos alunos não são levadas em consideração. Mudanças profundas
não são aceitas e a reformulação curricular acaba por se configurar em uma disputa
entre poderes: “olha somente a minha disciplina”, ela precisa ficar e com muita carga
horária. Na concepção de muitos formadores, ainda perdura a idéia de que os
alunos se formam melhor de forem dadas muitas aulas. A quantidade prevalece
sobre a qualidade. Currículos novos estão sendo elaborados por “mentes arcaicas”
que desconhecem o valor do equilíbrio entre inovação e tradição, entre teoria e
prática.
Diante das mudanças propostas pelas Diretrizes Curriculares
encaminhadas pelo Ministério da Educação, torna-se imprescindível
discutir o currículo com seus atores e autores principais: professores e
alunos em interlocução permanente com a missão da universidade e
com a
prática social, mediando as relações de cuidado entre essas diretrizes,
projetos pedagógicos de curso e necessidades da comunidade onde está
situado o curso. Nesta perspectiva, torna-se necessário desenhar um outro
projeto de curso, em contínuo movimento curricular com perspectiva
interdisciplinar, em que o currículo
contemple uma relação pedagógica
dialógica, mantendo o rigor epistemológico, ou seja, sólida base científica,
formação crítica da cidadania, trazendo a ética e a solidariedade como
valores fundantes na formação do professor, investindo energia no que
ouso denominar de educação da sensibilidade, educação da humanização
dos seres humanos (FERNANDES, 2006, p. 01).
É função da escola e da universidade humanizar, sensibilizar, socializar,
educar e organizar, junto com seus participantes, a construção dos conhecimentos.
Mas para tanto, devem prioritariamente ser valorizados os ambientes em que serão
aplicados esses conhecimentos, pois só assim eles terão sentido e significado para
a vida dos alunos. No depoimento que segue, fica evidente a necessidade de
implementar novas formas de se vislumbrar a formação para que ela esteja de
acordo com a realidade educacional.
Do meu conhecimento, é como eu já tinha comentado, que de início eu não tinha valorizado os
conteúdos... e muitas vezes os conteúdos foram dados de maneira desvinculada, parecia que uma
coisa era separada da outra... e agora no estágio, principalmente no ensino médio, que estamos
buscando muito o que faltou... a minha área é Psicologia e exige bastante. Então, agora eu estou
vendo e relacionando, e tudo tem a ver, tudo é uma coisa ligada à outra, só que muitas vezes no
curso os professores não se comunicam entre eles, cada um faz como acha, e aí tu fica com falhas,
seqüelas entre um conteúdo e outro, e depois para ti conseguir sozinha fazer esses “ganchos”... é
mais difícil, e sentimos na pele agora... para conseguirmos relacionar tudo. São poucos os
professores que conseguem trazer a prática deles com a tua prática e com a teoria que tu precisa
trabalhar. São muito poucos os que conseguem. E isso nos prejudica muito. Eu acho que o tempo
todo eles tinham que fazer “ganchos”, não em apenas algumas disciplinas que tu precisa na prática,
ali 2 ou 3 horas de observação, mas todas as disciplinas do curso de Pedagogia que tu vai ter que
ter para dar aula deveriam estar ativas em sala de aula, participando, procurando atividades, para
que tu já possa ir participando até a hora do teu estágio, o que fará com que os relacionamentos
sejam melhores. Tenho colegas que tiveram que trocar de escola porque simplesmente não deu,
não conseguiram se encontrar, o relacionamento não estava bom... Então, se tu, desde o início
adotar a escola como eu fiz... quando cheguei na época do estágio, duas professoras me
“disputaram”, uma dizia que eu ia fazer na turma dela, a outra também... foi legal. Mas como a 1ª
série sempre me chamou mais a atenção, eu optei por ela. É uma forma de reconhecimento por
parte da escola, e eu acredito não estar fazendo feio.... (risos). (Entrevista semi-estruturada, B.X.H.,
15/10/2005).
A partir da fala da colaboradora, ressalta-se a importância de que a escola e a
universidade sejam percebidas e lembradas como lugares que acolhem, que
significam possibilidades de crescimento. Portanto, é necessário que cumpram seu
papel de tornar as pessoas mais humanas, solidárias e com condições de
desenvolvimento e crescimento pessoal e profissional. Libâneo (2006) traz
discussões importantes sobre a função da Pedagogia e da Educação:
A questão central da Pedagogia é, portanto, a formação humana mediante
a qual os indivíduos adquirem aquelas características humanas
necessárias para a vida em sociedade, considerando uma realidade
sempre em mudança. Mas, trata-se da formação humana de sujeitos
concretos, com suas condições emocionais, intelectuais, sociais, culturais,
vivendo num determinado contexto sócio-cultural hoje visto na relação
entre o global e o local, entre o homogêneo e o diverso, entre o individual e
o comunitário. É para esse mundo que a Pedagogia precisa dar sua
contribuição para a formação das pessoas. Decorre daí o desafio social da
Pedagogia, que consiste em saber como ajudar os indivíduos a agir num
mundo em mudança (LIBÂNEO, 2006, p. 215).
O autor contextualiza sua escrita nas mudanças constantes que ocorrem na
sociedade, para as quais o professor precisa estar atento e qualificado de modo a
ser capaz de promover alterações qualitativas no desenvolvimento e na
aprendizagem na vida de cada pessoa, auxiliando e proporcionando ferramentas
para que ela possa se construir como sujeito com competências para agir e interagir
na sociedade.
Para que a educação aconteça em toda a sua complexidade, é importante
que o espaço de sala de aula configure um momento diferenciado, prazeroso, que
mantenha viva a curiosidade e o interesse. Também é imprescindível que, além de
se preocupar com o rigor metodológico, com sua profissionalidade, o professor
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES FINAIS
Durante todo o desenvolvimento deste curso, perpassando as disciplinas, as
experiências vivenciadas, o contato com as colaboradoras da pesquisa, a coleta, a
leitura e a interpretação dos dados, muitos aprendizados ocorreram.
Neste estudo, procurou-se uma aproximação das significações instituídas e
instituintes construídas pelas estagiárias sobre o curso de Pedagogia - Habilitação
Magistério e Matérias Pedagógicas do 2º grau.
Uma das categorias de análise por meio da qual a pesquisa aproximou-se da
construção dos significados foi a denominada “lembrança da escola”. É possível
depreender desse aspecto que o imaginário instituído está caracterizado pelas más
lembranças da escola, espaços em que ocorreram o choro, o esquecimento e a
frustração em relação à escola, às aulas e aos professores. A superação desse
sentimento ocorreu através da presença de professores que apoiaram, que se
interessaram pela vida dos alunos, instigando-os e acreditando neles.
Diante do exposto, percebeu-se que a referida “superação” configurou-se no
imaginário instituinte quando os indivíduos buscam novas formas para enfrentar os
medos e as frustrações que um contexto educativo mal estruturado pode acarretar.
Ser professor no contexto atual exige muito mais que preparação, exige
comprometimento, pois na escola é possível ver e sentir os pontos negativos da
profissão do professor perante a sociedade e suas frustrações mais freqüentes.
Contudo, a educação é um dos principais caminhos para propor condições as
nossas crianças de desenvolverem seus potenciais. Portanto, ela deve ser uma
experiência significativa na vida das pessoas para que esse espaço de construção
coletiva do conhecimento possa contribuir para a sua construção pessoal e
profissional.
Em relação à construção da identidade docente, as colaboradoras
ingressaram no curso de Pedagogia sem estarem identificadas com o mesmo,
sendo ele sua segunda opção. Esse aspecto caracteriza o imaginário instituído. A
identificação com o curso de Pedagogia ocorreu com a participação em projetos
extra-curriculares e por meio das experiências vivenciadas no estágio curricular do
curso. A construção da identidade profissional assume a dimensão do imaginário
instituinte quando as colaboradoras, através da reflexão sobre a prática nos projetos
e no estágio, se sentem mais seguras, mais professoras, identificando-se com sua
profissão, tornando-se capazes de refletir sobre as imagens construídas enquanto
alunas durante toda a sua trajetória educativa.
Diante dessas considerações, a identidade profissional, como vinha-se
abordando nesse trabalho, é um caminho em constante construção. Esse processo
retoma a importância da presença significativa de professores na escolha da forma
como conduzir uma prática educativa baseada na paixão pelas crianças, pelas
pessoas e também pela educação destas.
Quanto aos processos formativos, percebeu-se que o imaginário instituído
que perpassa essa categoria de análise diz respeito ao mito da prática sobre a
teoria. Mesmo considerando que os processos formativos são a chave da
construção do perfil de um profissional de qualidade e que as experiências
estabelecidas no período de graduação foram positivas e significativas, as
colaboradoras da pesquisa ainda acreditam mais nas experiências construídas com
a participação em projetos desenvolvidos na comunidade educativa e no contato
com a realidade por meio do estágio do curso de Pedagogia.
O imaginário instituinte, que se refere aos processos formativos, está
representado no empenho, na busca pessoal e no desejo de ir além do que é
oferecido na universidade, percebendo a formação como uma porta inicial para a
construção da identidade profissional, refletida na maneira de praticar a profissão.
Nesse sentido, acredita-se ser necessário cada vez mais investir na profissão
do professor e na sua formação. Um dos aspectos que considera-se relevante é o
de possibilitar ao professor em formação, experiências de estágios durante o curso,
inserindo-o no contexto escolar, no contato com alunos, com outros professores e
com os conteúdos, etc.. Pensa-se que dessa forma a formação poderia oferecer
melhores ferramentas para que o processo de aprendizagem e desenvolvimento
profissional da docência, possa gradativamente ser construído. Assim, o tão falado
“choque com a realidade” pode ser minimizado e enfrentado, e situações de
desencantamento e frustrações com a profissão poderiam ser evitadas, pois os
acadêmicos por estarem desde o 1º semestre em contato com a realidade
educacional estarão mais preparados para enfrentá-la.
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