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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO
F
ACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS
A QUESTÃO DEMOCRÁTICA NO CONTEXTO DA CRISE ORGÂNICA DO
P
ARTIDO COMUNISTA BRASILEIRO (PCB): 1979-1987
Milce Ferreira de Moura
Marília
2005
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MILCE FERREIRA DE MOURA
A Questão Democrática no Contexto da Crise Orgânica do Partido
Comunista Brasileiro (PCB): 1979-1987
Dissertação apresentada como requisito parcial para
a obtenção do título de Mestre em Ciências Sociais,
junto ao Programa de Pós-Graduação em Ciências
Sociais da Universidade Estadual Paulista “Júlio de
Mesquita Filho”, Faculdade de Filosofia e Ciências.
Área de Concentração: Ciências Sociais
Orientador: Dr. Marcos Tadeu Del Roio
Marília,
Faculdade de Filosofia e Ciências - UNESP
2005
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Moura, Milce Ferreira de.
M929q A questão democrática no contexto da crise
orgânica do Partido Comunista Brasileiro (PCB):
1979-1987 / Milce Ferreira de Moura – Marília, 2005.
191f. ; 30 cm.
Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Faculdade
de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista,
2005.
Bibliografia: f. 181-191
Orientador: Profº. Dr. Marcos Tadeu Del Roio
1. PCB. 2. Questão democrática. 3. Socialismo. I. Autor.
II. Título
CDD 335.4
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade
Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Faculdade de Filosofia e Ciências.
Título: A QUESTÃO DEMOCRÁTICA NO CONTEXTO DA CRISE ORGÂNICA DO
PARTIDO COMUNISTA BRASILEIRO (PCB): 1979-1987
Por: MILCE FERREIRA DE MOURA
Aprovada em: 17/06/2005
Banca Examinadora:
____________________________________
Dr. Marcos Tadeu Del Roio (Presidente/Orientador) - UNESP/Marília
____________________________________
Dr. Marly de Almeida Gomes Vianna - UFSCAR/ São Carlos
____________________________________
Dr. Paulo Ribeiro Rodrigues da Cunha - UNESP/Marília
__________________________________________
Dr. Lúcio Flávio Rodrigues de Almeida (Suplente) - PUC/ São Paulo
__________________________________________
Dr. Jair Pinheiro (Suplente) - UNESP/ Marília
Marília, Junho de 2005
AGRADECIMENTOS
Chegado ao término dessa etapa quero agradecer as pessoas que fizeram parte de minha
trajetória nesses últimos anos entre a graduação e o mestrado e que direta e indiretamente contribuíram para
a minha formação, para a execução desse trabalho e para o meu suporte emocional. Quero agradecer a toda
minha família, pai, irmãos e especialmente à pessoa que foi a minha fortaleza nessa empreitada, minha mãe,
Elza, que esteve ao meu lado nas horas difíceis e alegres desse processo, que me deu o apoio emocional, e
muitas vezes material para que eu prosseguisse nos meus estudos.
Aos amigos que fiz nesses anos e que tornaram mais divertida a passagem pela faculdade:
Mariza, Ivanete, Juliana Pimentel, Antonieta, Heloísa, Alexandre, Moisés e Reginaldo. À Andréia Zinetti
por ser sempre a melhor amiga em todo esse percurso. À amiga Márcia Moraes que me auxiliou além da
conta na coleta do material para esta pesquisa, meus sinceros agradecimentos. À Ana e Tarcísio por terem me
recebido em seu apartamento em São Paulo, na fase de levantamento do material para a pesquisa.
Aos funcionários do CEDEM/SP e da biblioteca da Faculdade de Filosofia e Ciências. A
CAPES pelo financiamento dessa pesquisa.
Não poderia deixar de agradecer ao meu orientador da graduação, Antonio Carlos Mazzeo,
que fez nascer em mim a paixão pela história do Partido Comunista Brasileiro e que me orientou nesses
estudos por quase quatro anos. A ele meu franco agradecimento.
Ao professor Paulo Cunha por ter acompanhado esta pesquisa desde a graduação, pela
participação no exame de qualificação e agora no exame de defesa da dissertação. Ao professor Francisco
Corsi pela participação na banca do exame de qualificação e pelas observações preciosas ao meu trabalho. A
professora Marly Vianna, por aceitar prontamente ao convite para integrar esta banca.
E por fim quero agradecer ao meu Mestre e orientador, Marcos Del Roio, que me ajudou a
crescer e a ganhar confiança nesse processo. Ao seu raro senso de compromisso e dedicação com o processo de
orientação. Pelo apoio e compreensão nos momentos difíceis e pela amizade revelada.
RESUMO
A questão democrática começou a ganhar dimensão nas discussões do PCB a partir de 1956,
impulsionada pelo processo de revisão desencadeado com a crise do stalinismo. Diante das
discussões que se abriam em torno da questão das “vias nacionais”, a democracia política
apareceria como o elemento capaz de subsidiar a construção de uma estratégia ao socialismo
mais próxima à realidade brasileira. A valorização da democracia política e a política
democrática em gestação, porém só se afirmariam plenamente no interior do PCB a partir do
final dos anos setenta, quando a crise nacional tornaria evidente para o partido a conclusão da
revolução econômico-burguesa e a interdição do terreno econômico para a efetivação de uma
revolução de caráter nacional, caminho preconizado pela estratégia comunista, o que obrigaria
o PCB a se voltar para as possibilidades de encaminhamento do processo revolucionário
brasileiro através da via política-democrática. A luta democrática ganharia centralidade e
passaria a ser o terreno privilegiado tanto para o desenvolvimento da luta da classe operária
quanto para a solução dos problemas nacionais, não equacionados pela revolução burguesa.
Com base nessas referências o propósito dessa pesquisa é analisar quais as implicações da
centralidade da questão democrática na estratégia política do PCB. A hipótese lançada é a de
que embora a revalorização da questão democrática fosse urgente e legítima, particularmente
diante da perspectiva de democratização nacional aberta com a crise da ditadura, a ênfase
nessa questão induziria o PCB à incorporação de uma concepção democrática-liberal, que o
afastaria progressivamente da classe e dos valores operários que ele visava representar,
sobretudo com a conquista de sua legalidade em 1985. Para a verificação do objetivo
buscamos analisar além da bibliografia relevante ao tema, os documentos, Teses e artigos
veiculados no jornal do partido, Voz da Unidade, relativos ao período de 1979-1987.
Palabras-Chave: PCB, questão democrática, renovação, crise, socialismo.
ABSTRACT
The democratic issue started to get relevant in the discussions of the PCB beginning from
1956, boasted by the reviewing process triggered by the Stalinism crisis. In face of the
discussions which opened up around the “national vias” issue, the democratic policy would
appear as an element which could subsidize the construction of a strategy to socialism closer
to the Brazilian reality. The valuation of de political democracy and the democratic policy in
elaboration, would only reassure totally inside the PCB, starting in the end of the 70’s by this
time, the national crisis would make clear for the party the conclusion of the economical
burgeoise revolution and the interdiction of the economical grounds for the accomplishment
of a nationwide revolution, the way proclaimed by the communist strategy. This would force
the PCB to go back to the possibilities of guiding the Brazilian revolutionary process via
democratic policy. The democratic fight would gain centrality and would become the
privileged grounds for the development of the fight of the working class as well as for the
solution of national problems, not solved by the burgeoise revolution. Based in these
references, the purpose of this research is to analyze what are the implications of the centrality
of the democratic issue in the political strategy of the PCB. The hypothesis is that, although
the re evaluation of the democratic issue was urgent and legitimate, particularly in face of the
perspective of the national democratization opened with the dictatorship crisis, the emphasis
on the issue would lead the PCB to the incorporation of a democratic-liberal conception,
witch would progressively deviate it from the working class and its values. These values were
the goals the party aimed to represent, above all, after it became legal in 1985. To check the
objective we’ve analyzed, besides the relevant bibliography of the theme, documents, thesis
and articles published in the party newspaper, Voz da Unidade, from 1979 to 1987.
Key Words: PCB, democratic issue, renewal, crisis, socialism.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 8
CAPÍTULO I: ELEMENTOS PARA UMA ANÁLISE DA QUESTÃO DEMOCRÁTICA NO
INSTRUMENTAL TEÓRICO-PRÁTICO DO PCB...................................................................... 20
1.1 Ecos da crise stalinista no PCB: os “poréns” da revisão interna de 1956-1957........................... 24
1.2 A “Renovação Inconclusa”: A Declaração de Março de 1958 e a via nacional ao socialismo.... 28
1.3 A “ruptura da unidade” ................................................................................................................ 37
1.4 O governo João Goulart e as condições de teste para a via brasileira ao socialismo................... 39
1.5 O golpe militar de 1964 e a derrota da estratégia nacional-democrática do PCB........................ 46
1.6 A emergência da luta contra a ditadura e a valorização da democracia política pelo PCB...........50
1.6.1 6° Congresso: estratégia e tática................................................................................................. 52
1.6.2 A afirmação da política de frente democrática na luta contra a ditadura ................................... 60
1.7 A crise latente............................................................................................................................... 64
CAPÍTULO II: CAMINHOS E DESCAMINHOS NA CONSTRUÇÃO DA “ALTERNATIVA
DEMOCRÁTICA” DO PCB............................................................................................................. 70
2.1 A recolocação da crise interna e a consolidação da política democrática...................................... 73
2.2 A “alternativa” para a crise nacional: a proposição de uma nova estratégia................................. 83
2.3 Limites e debilidades da proposta democrática do PCB apontados na discussão interna............. 88
2.4 A sobreposição da questão política e a subalternalização dos interesses da classe operária na
política do PCB..................................................................................................................................... 96
2.5 “A oposição quer negociar”: o coroamento da política do PCB.................................................. 106
2.6 Qual Democracia?......................................................................................................................... 118
CAPÍTULO III: AS FACES DA INSTITUCIONALIZAÇÃO DO PCB..................................... 120
3.1 “Nova República”, Velha política ................................................................................................ 124
3.2 A política de unidade em xeque: 1986 e os primeiros sintomas da desarticulação
interna........... 135
3.3 O Malogro da Legalidade...............................................................................................................143
3.4 O 8° Congresso e as faces da institucionalização do PCB.............................................................154
3.5 O declínio irreversível .................................................................................................................. 167
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................................ 176
BIBLIOGRAFIA................................................................................................................................181
INTRODUÇÃO
A partir do final dos anos setenta o Partido Comunista Brasileiro (PCB) vivenciou
sua mais aguda crise interna ou o processo denominado por Gramsci de “crise orgânica”, que
emerge quando contradições insanáveis presentes há tempos na estrutura - no caso na
estrutura do Partido - chegam à maturidade ou se revelam, colocando-a em xeque (G
RAMSCI,
2000, p.37).
A história do PCB, narrada por muitos de seus atores, foi marcada por vários
períodos de crise político-ideológica, principalmente após os anos cinqüenta. Mas estas crises,
apesar da profundidade e da relevância das questões e problemas postos, não adquiriram um
caráter orgânico e estrutural, naquelas circunstâncias. Na realidade, as crises político-
ideológicas desencadeadas a partir de 1956, no bojo da crise do stalinismo e da necessidade
colocada por esta de revisão e renovação da teoria e prática do partido, começaram a pôr
embrionariamente os problemas e questões, que viriam a adquirir dimensões estruturais nos
anos setenta e oitenta.
O que possibilitou a transformação desses problemas e questões, trazidos dos anos
cinqüenta, em problemas orgânicos, foi por um lado a contestação produzida pela mudança
na estrutura da sociedade brasileira - gerada pelo abrupto desenvolvimento capitalista
nacional em menos de uma década (entre 1968-1973) -, e por outro lado, pelo esgotamento da
estratégia socialista mundial com a crise do “socialismo real”. Dito em outras palavras, o
desencadeamento dessas crises colocaram contestações significativas e questões intangíveis
ao Partido, que desestruturaram seu arcabouço teórico-prático e evidenciaram sua
incapacidade de superar seus próprios problemas.
9
De certa maneira, as crises político-ideológicas que atingiram o bloco socialista e
o Movimento Comunista Internacional nos anos 50-60 foram “sustentadas” pela estabilidade
do regime socialista e pela solidez da União Soviética no cenário econômico-político
internacional. Nos anos 70, ao contrário, o sistema de “socialismo real”, cada vez mais
inserido na economia mundial, ver-se-ia associado à crise capitalista mundial e sofrendo seus
abalos. A justificava da viabilidade do projeto socialista-comunista não podia mais se ancorar
no sucesso econômico do bloco socialista: era preciso encontrar novos caminhos capazes de
legitimar a alternativa socialista nos novos tempos. Diante do esgotamento gradual do modelo
soviético e da estagnação da estratégia socialista nos países capitalistas, tornava-se imperioso
para o MCI elaborar e buscar vias originais ao socialismo ou estratégias adequadas aos novos
tempos.
A crise brasileira, entretanto, é que daria a maior parcela de contribuição para
aguçar os problemas e debilidades estruturais no interior do PCB: sob ela a teoria e prática do
PCB se depararam com contestações significativas, que as desnortearam. O acelerado
desenvolvimento capitalista gerado pelo boom econômico dos anos 68-73 produziu
significativas transformações estruturais. Ao final dos anos 70, momento em que a crise
emerge nas fileiras do PCB, a realidade brasileira era a seguinte: acentuada industrialização,
urbanização, modernização e penetração do capitalismo na agricultura, elevação do
capitalismo brasileiro à etapa monopolista, internacionalização da economia. Essas mudanças
não transformaram apenas o quadro nacional, mas agravaram igualmente suas contradições,
sobretudo ao promover a concentração da propriedade privada da terra, sua modernização
conservadora, o aumento dos desequilíbrios regionais, a proletarização dos trabalhadores
rurais, e conseqüentemente uma crescente migração rural-urbana que, juntamente com a
10
industrialização subsidiaram um vertiginoso crescimento do proletariado industrial e de uma
classe média assalariada, mas sob um crescente empobrecimento dessas massas
1
.
O pano de fundo em que esta mudança social - represada pelos mecanismos da
ordem institucional durante o boom econômico - viria à tona seria a “crise de hegemonia” da
classe instalada no poder, que de acordo com Gramsci ocorre quando há uma dissociação
entre os “representantes” e seus “representados”, que se fracionam e polarizam-se em torno de
interesses e idéias distintas.
2
Essa ruptura - patente na realidade brasileira especialmente a
partir do princípio dos anos oitenta -, aconteceria de acordo com Gramsci:
[...] porque a classe dirigente fracassou em algum grande
empreendimento político para o qual pediu ou impôs pela força o
consenso das grandes massas (como a guerra) ou porque amplas massas
(sobretudo de camponeses e pequeno-burgueses intelectuais) passaram
subitamente da passividade política para uma certa atividade e apresentam
reivindicações que, em seu conjunto desorganizado, constituem uma
revolução. Fala-se de ‘crise de autoridade’: e isso é precisamente a crise de
hegemonia, ou crise de Estado em seu conjunto.
(GRAMSCI, 2000, p. 60,
grifos nossos)
O esgotamento do “milagre brasileiro” não podia mais ser encoberto e os
paliativos para a contenção da crise econômica fracassariam a partir de 1979, com o segundo
choque do petróleo
3
. A ditadura militar não detinha mais a capacidade e os elementos para
1
Todas essas mudanças conjugadas introduziram novos dinamismos de um capitalismo avançado, mas também
se transformaram em fermento político e social para a emergência dos movimentos operário e popular a partir do
final da década de setenta. Durante o auge do “milagre” a emergência dessas mudanças na estrutura das relações
sociais foi represada pelo aparelho repressivo, mas a partir de 1973-74, com seu esgotamento e a gradual
liberalização da ordem política, as transformações no quadro nacional e os movimentos sociais, proscritos da
cena brasileira com a vigência da repressão, se insurgiram com toda força.
2
Sobre o conceito de hegemonia: “O exercício ‘normal’ da hegemonia, no terreno tornado clássico do regime
parlamentar, caracteriza-se pela combinação da força e do consenso, que se equilibram de modo variado, sem
que a força suplante em muito o consenso, mas ao contrário, tentando fazer com que a força pareça apoiada no
consenso da maioria, expresso pelos chamados órgãos da opinião pública [...]” Antonio G
RAMSCI, 2000, p. 95,
grifos nossos.
3
O modelo econômico levado a cabo pela ditadura procurou aumentar as relações entre o mercado nacional e o
internacional, aprofundando o padrão anterior. Isso se deu em grande medida através de uma política de
incentivos tanto para atrair as multinacionais, quanto para promover fusões entre indústrias nacionais e
estrangeiras, mas principalmente através de uma política industrial que passou a privilegiar os investimentos e
expansão dos setores produtivos voltados para a exportação e consumo das classes mais abastadas. Em
detrimento da expansão das atividades dirigidas ao mercado interno – principalmente da indústria produtora de
meios de produção, tecnologia e equipamentos - e ao consumo das classes baixas. Esse padrão de acumulação
acentuou a dependência financeira e tecnológica do Brasil em relação aos centros capitalistas e ao mesmo tempo
11
justificar a manutenção de tal ordem ou do aparelho repressivo, perdendo progressivamente o
consenso inclusive entre as elites políticas que apoiaram seu empreendimento. O “aparelho
hegemônico” tendia a se “estilhaçar”, e a lançar a instabilidade no seio do poder, isso explica
a perda das bases do regime, e o crescimento do movimento oposicionista, cuja maior
expressão seria a campanha pelas Diretas Já em princípios de 1984. (Cf. GRAMSCI, 2000, p.
95)
Mas, a revelação da crise de hegemonia seria um excelente teste para os partidos,
para seu projeto de sociedade e sua estratégia política, porque abria oportunidades para a
construção de uma nova hegemonia, ou seja, ela colocaria em teste a capacidade do partido
em dirigir a situação em favor de sua classe e propor soluções para a crise.
O grande problema na abertura da crise de hegemonia era que a capacidade de
reação da burguesia se mostrava bem mais eficaz e rápida do que a das classes subalternas
4
.
(GRAMSCI, 2000, p. 61) O tempo dado ao PCB, por exemplo, para a “digestão” das mudanças
– não dimensionadas por ele no transcorrer da ditadura – e para organizar às lutas em favor de
sua classe seria relativamente curto frente à estratégia de auto-reforma do regime militar, e a
perspectiva de reequacionamento dos interesses das frações burguesas representadas por ele.
Apesar das possibilidades abertas pela crise de hegemonia, os problemas e as
deficiências do Partido, principalmente sua tendência à burocratização e ao anacronismo,
tendia a se agravar sob sua emergência, isto porque, segundo Gramsci a mesma instabilidade
deixou o país à mercê das flutuações da economia mundial. O país passou a depender significativamente tanto da
importação de tecnologia quanto do financiamento externo. Sob esse padrão o crescimento da economia
brasileira teria seu auge entre os anos de 1968-1973. A crise mundial, porém, a partir de 1973 com a forte alta
dos preços e a escassez de produtos no mercado mundial, viria demonstrar as fragilidades do modelo brasileiro.
Enquanto os países industrializados do centro capitalista teriam condições internas de substituir as importações
por produção interna, protegendo-se, o Brasil teria suas importações e o recurso ao financiamento externo
aumentados, na mesma medida que reduzidas sua exportações. A escassez de produtos e o aumento da demanda
interna pressionariam o retorno da inflação, obrigando o governo a por um freio no crescimento minando as
bases do milagre. Ver Paul S
INGER, 1982.
4
Segundo Gramsci “a classe dirigente tradicional, que tem um numeroso pessoal treinado, muda homens e
programas e retoma o controle que lhe fugia com uma rapidez maior do que a que se verifica entre as classes
subalternas; faz talvez sacrifícios e expõe-se a um futuro obscuro com promessas demagógicas, mas mantém o
poder, reforça-o momentaneamente e dele se serve para esmagar o adversário e desbaratar seus dirigentes, que
não podem ser muito numerosos nem adequadamente treinados”. Antonio G
RAMSCI, 2000, p. 61
12
verificada no centro do poder permearia e se refletiria no interior dos partidos políticos
(GRAMSCI, 2000, p. 96) A tendência ao anacronismo e a defasagem, capaz de ser encoberta
em outros períodos de crise não o seria sob a crise de hegemonia e a crise orgânica do partido.
Sob esse processo ela tenderia a paralisar a ação do partido e sua capacidade de agir
rapidamente em face às mudanças externas. Não conseguindo reagir ou adaptar-se
positivamente diante da nova realidade, e nem responder as novas demandas sociais, o partido
não seria capaz de conduzir a situação em favor de sua classe, e propor uma alternativa para a
crise nacional que primasse por seus interesses, num momento imprescindível para ela.
Foi precisamente esta a situação em que se debateu o Partido Comunista
Brasileiro a partir de 1979
5
. Além de suas questões internas - contornadas ao longo dos anos e
dos processos de crise anteriores -, o PCB precisava responder às mudanças no quadro
nacional e da crise da estratégia socialista, para propor uma nova teoria e uma nova prática, já
que suas categorias teórico-práticas se esgotavam com a emergência da crise brasileira e da
crise do modelo socialista. As questões e contestações já não eram apenas internas, não
nasciam exclusivamente de dentro de suas estruturas, mas pelo contrário impor-se-iam na
realidade, exacerbando os problemas internos existentes.
Uma das principais questões a se problematizar nesse processo foi a questão
democrática
6
.
Desde o processo desencadeado com a erosão do stalinismo em 1956 o PCB vinha
num crescente processo de mudança e de tentativa de renovação de sua teoria e prática. Os
questionamentos postos com a crise do stalinismo em especial em torno dos rumos da
revolução nos países capitalistas e da crítica à supressão da democracia política nos regimes
5
Note-se, como veremos no decorrer do primeiro capítulo, a crise vivida pelo PCB nos anos setenta e oitenta não
nasce em 1979, ela explode a partir desse momento, mas gesta-se antes, sobretudo após o golpe de 1964.
6
Aqui é importante esclarecer que ao falarmos do problema democrático ou da valorização da democracia pelo
PCB, estamos nos referindo a democracia no seu sentido universal e burguês: democracia política, liberdades e
direitos. A necessidade de valorização da democracia política-burguesa seria uma das principais questões
colocadas pela crise do stalinismo a partir de 1956.
13
comunistas, impunham ao PCB o repensar das fórmulas teóricas e da própria concepção de
partido. Afinal, o combate pelo socialismo numa sociedade em pleno desenvolvimento e
articulação como a brasileira, exigia uma concepção e um partido capaz de se mover nessa
realidade. Nos limites dessa compreensão o partido mergulhou a partir de 1958, com a
elaboração de sua nova política contida na Declaração de Março, num tortuoso processo de
conhecimento da realidade nacional, passando a enfatizar a necessidade de aplicação de uma
política democrática de massas.
A maturação dessa política começou a dar seus sinais após a derrota de 1964,
imposta pela interrupção do processo democrático em curso e início da ditadura militar
brasileira. A autocrítica e a necessidade de propor uma política positiva contra a ditadura
contribuíram para a elevação da política democrática e de massas em gestação desde 1958, e
que se traduziu na idéia de formação de uma frente ampla contra a ditadura. Enquanto grande
parte da esquerda brasileira optaria pelo caminho armado, o PCB se aferraria à necessidade de
organizar uma frente ampla e democrática e o trabalho de massas para fazer frente à ditadura.
Esse processo de elevação da política democrática ao centro da estratégia
comunista encontrou um terreno propício para se afirmar com o esgotamento definitivo da
estratégia nacional preconizada pelo partido, que se patenteou ao final dos anos setenta.
A abertura da crise nacional (crise do capitalismo brasileiro em conjunto com a
crise da ditadura militar), revelava ao mesmo tempo o agravamento das contradições
estruturais da sociedade brasileira e a face do desenvolvimento econômico, processados nos
quadros do boom econômico dos anos de 1968-1973. A elevação do capitalismo nacional à
etapa monopolista seria acompanhada por uma crescente internacionalização da economia
brasileira, associação com o capital internacional, e à transformação do latifúndio em empresa
capitalista.
14
Essas transformações indicavam a conclusão da revolução econômico-burguesa
no Brasil, mas em moldes antinacionais e antidemocráticos e, portanto, a impossibilidade de
realizar uma revolução de caráter nacional-democrático como enfatizado pela estratégia
comunista.
Ante o esgotamento do caminho econômico-nacional o PCB passaria a
compreender que a via político-democrática, ou a realização de uma revolução democrática
seria o terreno privilegiado tanto para a luta da classe operária, para abrir caminho rumo às
transformações socialistas, quanto para a solução dos problemas nacionais não equacionados
pela revolução burguesa conservadora efetivada sob o regime militar. A luta nacional só
poderia avançar na medida em que se avançasse a luta democrática. A eficácia da política de
frente democrática utilizada no combate à ditadura também contribuiria para a emergência da
questão democrática ao centro da estratégia comunista
7
.
Sob essa problemática, nosso propósito nessa pesquisa é examinar quais as
implicações da centralidade democrática na estratégia comunista. A valorização da
democracia política tão almejada e discutida nos processos de crise anteriores equacionaria os
problemas em torno da questão democrática? A que essa centralidade conduziria o PCB na
prática?
A hipótese na qual nos baseamos é a de que a ênfase na questão democrática
conduziria o PCB a um desnorteamento de sua perspectiva de classe. O grande equívoco do
partido seria falar em democracia de massas, mas levar a termo uma política que não ia além
dos limites do jogo político-institucional, ou uma política que daria ênfase apenas aos
aspectos políticos da luta democrática. Inegavelmente, o que se observaria nos anos oitenta
7
Aqui cabe assinalar que o problema do esgotamento do caminho nacional e o problema da centralidade
adquirida pelo caminho político-democrático a partir do final dos anos setenta eram, entre outras, questões de
fundo que aguçavam a discussão interna. Mas, o problema maior e de caráter concreto em torno do qual a crise
se reabriria em 1979 seria, como veremos no segundo capítulo, a questão do partido, da manutenção do caráter
partidário ou pelo controle da máquina. A questão partidária entrelaçada às várias questões candentes davam o
caráter da crise vivida pelo PCB. Nossa opção foi por analisar nesse processo o problema da valorização da
democracia política.
15
seria o distanciamento do PCB em relação às lutas e aos movimentos da classe operária, e sua
crescente institucionalização, fatores que se acentuariam após a conquista de sua legalidade
em 1985.
Para a definição do período em estudo, 1979 a 1987, levamos em consideração
duas ordens de questões:
I- A primeira refere-se à conjuntura nacional e internacional na qual a crise do
PCB se insere e o debate em torno da questão democrática se eleva aguçando seus problemas
internos. No contexto nacional, o ano de 1979, marcou o princípio da “abertura” do regime
militar, com a Lei da Anistia, o retorno dos exilados e a reforma partidária, que extinguiu o
sistema do bipartidarismo
8
. Concebido no bojo do sucesso econômico do “milagre brasileiro”,
o projeto de democratização visava atingir a “normalização institucional”, que consistia em
“liberalizar o regime não para superar a ordem autoritária, mas para institucionalizá-la”.
(SALLUM JUNIOR, 1994, p.138). Esse projeto não apenas reequacionaria a hegemonia
burguesa, ou os interesses das frações burguesas representadas pelo regime, como promoveria
uma transição “lenta, gradual e segura”, para um governo democrático, que conservaria a
essência autoritária do Estado. (ANTUNES, 1992, p.122)
Neste projeto de transição ‘pelo alto’ a democracia vislumbrada distanciava-se
enormemente da democracia de participação ampliada requerida pelos movimentos sociais
que emergiam na cena política e social. Essa perspectiva faria renascer assim a preocupação
com a democracia em todos os níveis da sociedade brasileira, inclusive para o PCB. Uma das
questões que se colocavam tanto dentro quanto fora do partido era a seguinte: como
compactuar com uma transição para a democracia, projetada por um regime que nascera em
1964, exatamente do temor do surgimento de uma democracia burguesa? E que se
8
Dentro da estratégia de reforma do regime ditatorial, esse processo se realizou primeiro através da “distenção”
do governo Geisel (1974-1979), e posteriormente da “abertura” do governo Figueiredo (1979-1985).
16
aperfeiçoara destruindo as frágeis bases dos movimentos operário, popular e democrático?
(FERNANDES, 1982, p. 9)
Mas, a preocupação dos comunistas com o tema democrático não viria à tona
apenas influenciada pelos processos nacionais. As experiências democrático-socialistas ou
“eurocomunistas” em curso na Itália, França e Espanha, reabriram para o PCB, bem como
para todo MCI, a discussão em torno das “vias nacionais” ao socialismo e, por conseguinte do
valor da democracia política nestas vias específicas
9
.
A alternativa “eurocomunista”, tal como foi denominada a partir de meados dos
anos 70, nasceu da inquietação em se elaborar uma via socialista adequada às condições do
capitalismo desenvolvido, mas que levasse em consideração a democracia política e a
existência de liberdades formais para a realização de qualquer experiência socialista nos
países capitalistas desenvolvidos: uma via democrática ao socialismo. Na qual a marcha para
o socialismo devia se realizar através de uma constante democratização da vida econômica,
social e política. Nessa perspectiva, o socialismo era concebido como um estágio superior da
democracia e da liberdade, ou como a liberdade e a democracia integrais
10
. (CLAUDIN 1977, p.
133)
9
A crítica ao socialismo existente na União Soviética desencadeada a partir de 1956 com as denúncias de
Krushev no XX Congresso do PCUS, levou os principais Partidos Comunistas da Europa Meridional (Itália,
França e Espanha), a problematizar e ampliar a discussão em torno da necessidade de elaborar vias nacionais,
específicas ao socialismo e de valorizar a democracia política e suas liberdades no socialismo. Aos poucos, a
repressão por parte de Moscou aos movimentos por liberalização em alguns satélites comunista, principalmente a
intervenção na “Primavera de Praga” (agosto de 1968), tornou mais aguda para estes partidos a
incompatibilidade do regime existente na União Soviética com o “socialismo democrático” e a necessidade de
elaborar uma via ao socialismo adequada as realidades do capitalismo maduro, mas que levasse em consideração
as liberdades democráticas. Ver Fernando C
LAUDIN, 1977.
10
Segundo Perry Anderson a alternativa eurocomunista ao modelo russo, dava ênfase central à necessidade de se
preservar a série completa de liberdades cívicas, características da democracia capitalista, em qualquer
socialismo a ser realizado no Ocidente, numa ordem política que defendesse igualmente os direitos individuais e
a pluralidade partidária, mantendo as instituições parlamentares e repudiando qualquer ruptura violenta com a
propriedade privada dos meios de produção. Em outras palavras, uma via pacífica, gradual e constitucional para
o socialismo, antípoda do modelo da Revolução de Outubro e do regime bolchevique daí derivado. Perry
A
NDERSON, 1984, p. 86
17
Convém assinalar, que o debate em torno dessas experiências e da valorização da
democracia política se tornava ainda mais importante diante da emergência da crise do
“socialismo real” e do crescimento dos movimentos por liberalização, em especial na Polônia
e Hungria.
Tanto a reedição do debate das vias nacionais e a emergência da crise do sistema
socialista, quanto a perspectiva de democratização da sociedade nacional problematizaram
sobremaneira a discussão em torno da questão democrática no interior do PCB: de um lado
suscitava-se a necessidade de se pensar sobre o Estado democrático que se queria construir no
Brasil e, de outro, levantava-se a necessidade de repensar os caminhos e as vias sobre as quais
poder-se-ia desencadear o processo revolucionário brasileiro.
II - A segunda questão que levamos em consideração para a definição do período,
vai de encontro aos objetivos da pesquisa, os anos de 1979-1987 assinalam na história do
PCB a afirmação e consolidação da política democrática em curso desde 1958, sob o comando
de Giocondo Dias como secretário-geral do partido. O ano de 1979, além das questões
conjunturais que pressionavam a discussão em volta do problema democrático no interior do
partido, marcou a ascensão de Giocondo Dias ao cargo de secretário-geral do PCB. É certo
que Dias só foi oficialmente empossado no cargo em maio de 1980, mas assumiu a função já
em 1979
11
.
A ascensão de Giocondo Dias ao comando do PCB deu curso ao projeto de
modernização do partido e de suas concepções, iniciado em 1958 e que tomara um novo
impulso após o golpe de 1964, com a elevação da política de frente democrática para fazer
frente à ditadura. Nesse processo de modernização, em particular após o golpe militar de
1964, Prestes - então líder máximo do PCB - acabou suplantado aos poucos pela figura de
11
De acordo com João Falcão, “embora Prestes fosse o secretário-geral do partido”, Giocondo “foi obrigado a
ir assumindo esse papel após sua chegada ao Brasil, na medida em que aquele se retraía, recusando-se
inclusive a participar de reuniões com o CC” João F
ALCÃO, 1993, p. 354.
18
Dias no comando da organização e na aplicação da política de frente democrática, muito pelo
fato de não endossar a crença da maioria da direção no processo de democratização para a
derrota da ditadura. A divergência de Prestes com a orientação enfatizada pela maioria da
direção adquiriu contornos mais definidos, após as quedas na direção nacional e direções
intermediárias entre 1974-75. O ano de 1979 foi o ponto culminante dessa divergência e em
contrapartida, do auge do processo de afirmação da política democrática.
O ano de 1987, por sua vez encerra o período de Giocondo Dias como secretário-
geral, mas em que já estavam patentes as implicações da centralidade da questão política-
democrática que viria se exacerbar nos primeiros anos da década de noventa
12
.
Quanto à metodologia nossa análise teve como enfoque além da bibliografia
relevante ao tema, o estudo dos documentos do PCB, das Teses preparatórias aos seus
Congressos e dos artigos, todos relativos ao período em estudo, e veiculados em seu
semanário oficial, Voz da Unidade. Além do fundo histórico-político, procuramos
fundamentar a análise das fontes sempre tendo em vista as determinações estruturais
intrínsecas à dinâmica da crise na qual estava mergulhado o PCB.
O trabalho está estruturado em três capítulos. No primeiro capítulo, realizamos
uma introdução à análise da “questão democrática” nas discussões do PCB, buscando mostrar
a gênese do problema que colocaria a “questão democrática” no centro da crise interna a partir
do final dos anos 70: a saber, o problema da estratégia do Partido no processo revolucionário
brasileiro. E por sua vez, os antecedentes da questão democrática no instrumental teórico-
prático do PCB, os problemas que a envolviam e como ela ganharia status de uma questão
problemática preparando o terreno para o aprofundamento de sua crise interna. Priorizamos,
dessa forma, a análise de um extenso período que vai de 1956 – momento em que a crise do
stalinismo começa a problematizar a discussão em torno da estagnação da teoria e da
12
Giocondo Dias foi substituído na secretaria-geral do PCB no 8° Congresso do PCB em julho de 1987 por
Salomão Malina. Mas Giocondo nem chegou a participar daquele Congresso, doente morreu em setembro
daquele ano.
19
estratégia socialista – até fins da década de 1970, quando a crise orgânica do Partido se torna
clara.
No segundo capítulo, o objetivo foi verificar os caminhos e descaminhos que
levaram à consolidação da nova estratégia política do PCB, ao redor dos anos de 1979-1983.
Em meio a que problemas, divergências, ganhos e perdas se construiu e se consolidou sua
nova política. Ou precisamente, procuramos responder à questão: com a modificação da
estratégia e o privilegiamento da questão democrática, o PCB conseguiu responder às novas
demandas sociais ou sanar seus problemas internos? Onde ficava os interesses da classe
operária com a elevação da questão política-democrática na estratégia do PCB?
No capítulo três, nossa análise versou em torno do período 1984-1987. Nossa
principal preocupação nesse capítulo foi verificar qual o saldo da opção feita pelo PCB no
decorrer da transição da ditadura à democracia, por compactuar com o projeto de transição
negociada? Ou posteriormente, já sob a “Nova República” em manter sua política de frente
democrática? A conquista da legalidade e a afirmação da política democrática valeriam as
escolhas e posições assumidas pelo partido no processo de derrota à ditadura, e de garantia da
estabilidade da transição? Qual a face do Partido Comunista Brasileiro ao final do seu 8°
Congresso, em 1987?
20
CAPÍTULO I
E
LEMENTOS PARA UMA ANÁLISE DA QUESTÃO DEMOCRÁTICA NO
INSTRUMENTAL TEÓRICO-PRÁTICO DO PCB
As mudanças operadas em março de 1958 na política do PCB ficaram,
portanto, restritas à tática. A estratégia continuou a mesma que vinha sendo
seguida desde o final dos anos vinte [...] Este processo inconcluso de
renovação, ao não superar plenamente os problemas gerados pela crise
político-ideológica dos anos 1956-1957 continua recolocando questões
muito parecidas com aquelas que o PCB enfrentou naqueles anos. Tanto isso
é verdade, que elas reaparecem de vez em quando, como foi o caso da
acirrada luta interna que o Partido enfrentou entre 1979-1983.
(SEGATTO,
1988, Apresentação, p.V-VI)
O processo de revisão e renovação, abertos no Partido Comunista Brasileiro
(PCB) entre 1956-1958, e seus posteriores desdobramentos, sintetizam de maneira
significativa os elementos presentes na catalisação da crise orgânica evidente no Partido desde
fins da década de setenta. Em grande medida, os elementos, problemas e indagações que
viriam adquirir dimensões orgânicas ao final dos anos setenta e ao longo dos anos oitenta
começaram a se problematizar, embrionariamente, a partir da revisão interna que se
desencadeou no seio do Partido em 1956, no bojo da crise do stalinismo.
A abertura desse processo pôs em discussão questões fundamentais para a
renovação da teoria e da estratégia socialista mundial - como o questionamento da
universalidade do modelo soviético de revolução e dos vínculos entre socialismo e
democracia. Em meio à necessidade de se repensar os caminhos da revolução socialista e, por
21
conseguinte, da necessidade de se descobrir vias específicas a ela, a questão democrática
principiou a ganhar ênfase e dimensão nas discussões dos comunistas: a renovação da
estratégia socialista mundial vinculava-se de forma essencial à realização da democracia, ou
melhor, a valorização da democracia seria um elemento importante para a renovação da
estratégia socialista, em especial nos países capitalistas ocidentais, em que as estruturas
sociais eram econômica, política, e culturalmente diversas das sociedades orientais, nas quais
a revolução se tornara vitoriosa em 1917.
13
Entre os problemas em destaque, o questionamento da validade universal do
modelo de revolução russa, teria o mérito de situar no centro do debate a urgência da
elaboração de uma nova estratégia ao socialismo, capaz de tirar a revolução mundial da
estagnação e reafirmar a alternativa socialista no quadro internacional. Ademais, a paralisação
da revolução socialista internacional de um lado, e a crítica ao modelo-guia de outro, exigiam
a busca não apenas de uma nova teorização revolucionária, mas igualmente de novos
caminhos, vias exclusivas que levassem em consideração as realidades nacionais.
Essa se constituiria na grande problemática posta pela crise do stalinismo e pela
revisão/renovação posterior: o futuro do socialismo e do correto encaminhamento dos
problemas em curso com a “desestalinização”, dependiam em grande medida da renovação da
estratégia socialista mundial, e da redefinição tanto da compreensão do processo
revolucionário quanto dos caminhos que levariam ao socialismo.
De tal modo que, o processo de revisão que se desenvolveu no Partido Comunista
Brasileiro (PCB) a partir de 1956 calcou-se, entre outras coisas, no empenho pela construção
de uma política próxima à realidade brasileira, que além das singularidades nacionais
computasse ainda a relevância da luta democrática para a construção de uma sociedade
socialista, - principalmente sob a crítica da supressão da democracia política nos regimes
13
A valorização do tema democrático se fez nesse processo norteada, sobretudo pela estagnação da revolução
socialista mundial e em torno da crítica sobre os erros do stalinismo, entre eles a subestimação e supressão da
democracia política nos regimes comunistas.
22
comunistas, realizada pelo XX Congresso do PCUS – promovendo um renascimento da
preocupação com a questão democrática.
Apesar disso, este processo de revisão e renovação em curso no PCB e em todo
MCI, não se desdobraria de maneira tranqüila, e muito menos linear. Segundo José Antônio
Segatto, dos recuos e conciliações entre o pensamento comprometido com a mudança e o
pensamento atrelado ao sistema de pensamento em crise, originaria uma “renovação
pragmática” que fabricaria uma pseudo “via nacional” e que em sua essência seguiria
tributária do modelo de revolução da Internacional Comunista. (S
EGATTO, 1995, p.95).
A conjuntura que emergiria com o governo João Goulart, a partir de 1961,
proporcionaria as condições de teste para via brasileira ao socialismo, e a efetivação do golpe
político-militar de abril de 1964, por sua vez determinaria sua “derrota”. Mais uma vez, o
PCB ver-se-ia diante da necessidade de discutir e elaborar uma estratégia compatível com a
realidade nacional. Porém, na conjuntura, o problema estratégico seria relegado à segundo
plano - frente ao objetivo imediato de promover a derrota da ditadura e o (re) estabelecimento
de um Estado de direito, democrático -, retardando a discussão em torno do problema
estratégico.
A política de “frente democrática” desenvolvida pelo PCB no contexto da
ditadura, apesar de não tocar no problema de fundo, por um lado, faria com que o partido se
voltasse para a valorização da democracia política, para a luta pela reconquista de um patamar
mínimo democrático, e por outro, para aguçar o debate em torno da valorização estratégica da
questão democrática a partir do final da década de 1970, quando a evidência da crise do
regime militar colocaria em pauta a perspectiva de democratização da vida política nacional.
A partir dessas considerações, o que nos
23
pertinente para o propósito desse trabalho, analisar o processo que se estende desde a revisão
interna a partir de 1956 até a emergência da “crise orgânica” em fins da década de 1970.
24
1.1 Ecos da crise stalinista no PCB: Os “poréns” da revisão interna de 1956-1957
A crise do stalinismo desencadeada em todo Movimento Comunista Internacional
(MCI) a partir de 1956 reabriu para o PCB, a discussão em torno de questões problemáticas,
cristalizadas no pensamento comunista, e que precisavam ser repensadas, - como o debate em
torno dos caminhos possíveis da revolução, do questionamento da universalidade do modelo
soviético, da estagnação da revolução socialista internacional, do questionamento do
internacionalismo proletário, da desconsideração da questão democrática, do papel que o
partido assumira frente às massas. A discussão em torno dessas questões gerou um processo
de crise profunda em todo MCI que se estendeu pelos anos sessenta e setenta adentro.
O questionamento dos princípios nasceu da crítica realizada em torno das
denúncias feitas por Nikita Krushev no XX Congresso do PCUS em fevereiro de 1956 e da
constatação das profundas deformações sofridas pela teoria e prática socialista na Era
stalinista.
O processo no qual o Partido Comunista Brasileiro (PCB) mergulhou entre 1956-
57, visava não apenas discutir os problemas vindos à tona com a crise do stalinismo, mas dar
conta das transformações em processo no MCI e no mundo capitalista ao seu redor, e
principalmente, encontrar respostas e caminhos para a inércia de sua teoria e estratégia na
sociedade brasileira, capazes de subsidiar a construção de uma “via nacional” ao socialismo.
Não obstante, esse processo de revisão foi marcado por recuos e conciliações, que
ao final contribuíram para as ambigüidades e lacunas da nova política expressa na Declaração
de Março. Pois, se por um lado a crise do stalinismo produziu no PCB o desejo e o imperativo
25
pela recuperação de um marxismo criador, por outro, gerou oposições internas às mudanças
e à uma ruptura radical com o pensamento em crise.
14
O pensamento comprometido com a renovação salientava a indispensável
atualização da política do Partido, especialmente no que se refere à necessidade de procurar os
caminhos próprios para a revolução brasileira. (SANTOS, 1988, p.17)
Aos poucos, porém a exaltação das críticas e a radicalização do discurso
renovador produzidas no calor das denúncias do XX Congresso e do processo de
“desestalinização” em curso no MCI, - na exigência não apenas de uma profunda autocrítica,
mas também de uma mudança na teoria e prática do Partido – assumiram frente à direção um
caráter de ameaça à conservação da estrutura e à unidade partidária.
15
Na verdade, as críticas, as teses e o discurso renovador tocavam em princípios e
questões fundamentais nos quais se assentava o marxismo-leninismo, e através dos quais o
PCB se instruía há décadas, a saber, a concepção de Partido, o modelo de revolução soviético,
e o “internacionalismo proletário”: a renovação dependia de uma ruptura essencial com os
preceitos stalinistas, que predominaram durante anos no pensamento comunista e que teriam
14
De acordo com José Antonio Segatto (1995), três correntes se formaram no decorrer da luta interna, entre o
segundo semestre de 1956 e os primeiros meses de 1957: a “corrente renovadora”, a corrente conservadora e o
“centro pragmático”. A “corrente renovadora” seria responsável pela abertura pública dos debates e cujas críticas
eram dirigidas ao “dogmatismo”, “sectarismo”, “mandonismo” e aos pilares do marxismo-leninismo. Sob a
crítica desses princípios a corrente renovadora enxergava a necessidade de uma ruptura radical com o stalinismo
e suas corolárias; A “corrente conservadora” era composta pelo núcleo dirigente (Prestes, João Amazonas,
Maurício Grabois, Carlos Marighelella, entre outros) que embora reconhecesse alguns erros e desvios na política
do Partido, reagiram no sentido de preservar os princípios e a política anterior do Partido.A princípio a posição
desse grupo deu a tônica da luta interna e do processo de renovação, posteriormente com a reviravolta na luta
interna os conservadores foram derrotados e expulsos do partido, a partir de então formaram o PC do B em 1962;
O “centro pragmático”, no começo adotou uma postura cautelosa de “crítica ao stalinismo e apoio à abertura dos
debates, desde que sob controle”. O centro apoiou num primeiro momento, os conservadores na luta contra os
renovadores e, com a derrota destes, voltou-se contra os primeiros, na tentativa de isolá-los, e atrair os
renovadores ainda restantes. Majoritário, o “centro pragmático” saiu vitorioso da luta interna: absorveram
algumas teses dos renovadores, mas conservaram muitos dos princípios da doutrina marxista-leninista. Cf. José
Antônio S
EGATTO, 1995, p. 63-65.
15
A princípio, com o abalo provocado pelas denúncias do XX Congresso do PCUS, o PCB se fechou para a
discussão dos problemas que vinham à tona com a crise do stalinismo. O debate só foi oficializado em fins de
outubro de 1956, - quando as críticas se acirraram - na tentativa de estabelecer os princípios sob os quais se devia
processar a discussão ideológica. Porém, o “Projeto de Resolução sobre os Ensinamentos do XX Congresso”,
passou por cima dos problemas e dos principais pontos em discussão. Ver Daniel Aarão R
EIS FILHO, 2002, p.83
e Dulce PANDOLFI, 1995, p.177.
26
levado a um acolhimento acrítico dos modelos e teses soviéticos, e à retração de uma
elaboração teórica própria.
Não por acaso, a radicalização das críticas e das posições em torno dos pilares do
marxismo começou a ser vista pelo Comitê Central como um perigo à unidade partidária e à
sobrevivência do Partido, o que fez nascer em seu interior um sistema de defesa que visava
garantir a manutenção do debate e do processo de renovação interno sob certos limites -
limites capazes de assegurar a conservação do Partido, mas em prejuízo de um “acerto de
contas” com os erros e deformações de sua teoria e prática.
O ponto de inflexão nas discussões deu-se a partir da carta do secretário geral do
PCB, Luís Carlos Prestes - publicada na imprensa comunista em novembro de 1956. A “carta
rolha”, como ficou conhecida, além de atentar para o perigo das teses renovadoras à unidade
partidária, estabeleceu o conteúdo do que era e do que não era permitido discutir. Nesse
patamar, o debate, as críticas e os objetos de revisão não deviam se perpetrar contra as
“questões de princípio”. Em nome da defesa dos pilares do marxismo, não se podiam criticar
o Partido e sua estrutura, o “internacionalismo proletário”, e a URSS, modelo de revolução
para todos que almejavam o socialismo.
A partir daí, torna-se muito difícil saber o que ainda restava como objeto de
debate, nem mesmo o que comportaria uma revisão crítica do desempenho
do PCB, que vinha sendo explícita e implicitamente, o ponto obrigatório da
maioria dos artigos publicados na imprensa pecebista [...] Quando Prestes
fixa o âmbito da discussão praticamente no terreno da atividade prática, do
reforçamento do partido e da defesa de sua unidade, já é evidente que o
debate se esvaziara e que os debatedores deveriam aguardar o seu novo
curso.
(SANTOS, 1988, p. 135)
Em conseqüência, a lógica da discussão passou a ser o “patriotismo de Partido”:
os que insistissem em aprofundar as questões lançadas pelo XX Congresso se situariam contra
a “legalidade partidária”, sua unidade e preservação. O teor da luta interna a partir de então,
dar-se-ia pelo combate ao “revisionismo”, aos perigos fracionistas e liquidacionistas, dirigidos
à desmoralização do Partido e de sua direção. (SANTOS, 1988, passim).
27
O que se observaria a partir desse momento seria um recuo das posições críticas -
os críticos que continuavam no Partido seriam obrigados a se retratar frente ao partido. O
processo de revisão e renovação perderia enfim o estímulo inicial por um rompimento radical
com o pensamento em crise, os problemas por usa vez não seriam solucionados através da
discussão ideológica, mas sim através da marginalização e do “enquadramento” dos críticos.
Esses fatores determinaram o caráter da renovação produzida no decorrer do processo, mesmo
após a retomada parcial da revisão em fins de 1957 e a derrota das posições conservadoras.
16
Segundo José Antonio Segatto, a renovação impulsionada a partir de então, apesar
de considerar muitas das teses dos renovadores, não favoreceu uma revisão e uma ruptura
essencial, mas sim a conservação e adaptação aos elementos e preceitos da doutrina marxista-
leninista, que não excediam os limites estipulados anteriormente para a discussão
ideológica.
17
A conservação do ideário stalinista condicionou, desta maneira, uma mudança
maior nas análises, teoria e projeto político do Partido, o que impôs sérios limites à elaboração
de uma estratégia autônoma - como se pretendia logo nos primeiros meses de discussão.
(SEGATTO, 1995, p.103)
Essas limitações estariam presentes de modo pleno no documento final que
continha a nova política do PCB: a “Declaração de Março”, síntese da tentativa de uma via
brasileira ao socialismo.
16
A publicação em julho de 1957 pela Voz Operária de uma “Resolução do CC do PCUS”, que destituía três
dirigentes da alta cúpula do PCUS, acusados de emperrar a revisão e as correções aconselhadas pelo XX
Congresso, deslocou no PCB o eixo da luta interna e do processo de revisão em curso contra o grupo
conservador na direção do partido e resistente as mudanças. Há nesse momento um reconhecimento por parte de
alguns dirigentes, Prestes inclusive, do empenho e contribuição dos renovadores. Raimundo S
ANTOS, 1998,
p.211.
17
Dessa forma, reconhecia-se a necessidade de uma renovação, mas também de uma unidade em torno do
Comitê Central (CC) e de Prestes. O processo de renovação” terminou por excluir os críticos do quadro
partidário e afastar os dirigentes resistentes às mudanças da Comissão Executiva e do Secretariado, como João
Amazonas, Mauricio Grabois, entre outros, além de designar uma comissão para elaborar o documento de
atualização da política do PCB, que ficou conhecido como “Declaração de Março de 1958”.
28
Não podemos, contudo, na tentativa de analisar a renovação nas concepções do
PCB, perder a dimensão histórica. Apesar dos percalços do processo de revisão dos anos
1956-1957, o PCB avançaria substancialmente, como veremos a seguir, em suas análises e,
por conseguinte, em sua prática na sociedade nacional. O tempo que o partido teria para se
refazer, para digerir as mudanças, o desmoronamento de suas bases teóricas e a avalanche de
problemas e questões nascidos com a crise do stalinismo, seria muito curto. A crítica e a
incorporação de novas lutas viria, mas a síntese desse processo não seria imediata, a
Declaração de Março seria apenas o princípio do processo de assimilação dessas mudanças,
de reconstrução de suas idéias.
1.2 A “Renovação Inconclusa”
18
: A Declaração de Março de 1958 e a via nacional ao
socialismo
Resultado final da revisão e renovação empreendidas nas bases teóricas e práticas
do pensamento comunista, a Declaração se constituiu no primeiro ajuste de contas do Partido
com o stalinismo e o princípio de um complicado, mas necessário caminho de conhecimento
da realidade brasileira. A nova linha política nela contida e entendimento da realidade
nacional e do desencadeamento do processo revolucionário brasileiro sintetizava, por um
lado, algumas das necessidades e problemas postos pela crise político-ideológica dos anos 56-
57, mas, por outro lado, traria intrínsecas as próprias debilidades e resistências desse processo
de revisão, que pode ser notado na manutenção de alguns princípios importantes, que
truncaram a renovação e uma elaboração estratégica consistente.
18
A expressão é de José Antonio SEGATTO, 1988, Apresentação, p. I.
29
Contudo, comparada à política anterior derivada do Manifesto de Agosto de
1950
19
, a nova política do PCB além de representar um salto qualitativo na maneira de
conceber e fazer política dos comunistas brasileiros deu o primeiro passo para a valorização
da questão democrática no discurso e prática do PCB: a Declaração significou na prática, o
reencontro do Partido com a capacidade de fazer política, a valorização dos processos
políticos, das instituições democráticas, etc. (SANTOS, 1996, p.35; VIANNA, 1988, p.170).
A revisão em curso em todo MCI e a necessidade de renovação imposta por ela,
obrigava o PCB a se debruçar sobre a realidade nacional no intuito não apenas de
compreender o processo histór0as bril7(ei, com)8.rea
30
revolução imediata, baseada em modelos golpistas e insurrecionais, e passava a encarar o
processo revolucionário brasileiro ao socialismo como o resultado de uma “construção” da
hegemonia política e ideológica da classe trabalhadora na sociedade capitalista. Essa
hegemonia devia se edificar a partir de uma luta árdua e paulatina, ou através da luta pelas
conquistas e ampliação das liberdades democráticas, da participação no processo eleitoral e
dentro do Parlamento que poderiam dar vitórias decisivas à classe operária, do empenho na
realização das reformas estruturais, da formação de alianças com setores democráticos e
nacionais e de uma “frente nacionalista e democrática” capaz de viabilizar a constituição de
um governo nacionalista e democrático, etc.
Em conseqüência, o processo de transição ao socialismo passava a ser concebido
como resultado de um processo de acumulação de forças incessante apto a promover reformas
na estrutura econômica e nas instituições políticas, a partir das quais poder-se-ia apontar para
a transição socialista. Dessa maneira, reforma e revolução, passavam a ser vistas como
processos complementares, a via pacífica e democrática alterava, assim, a própria visão do
PCB sobre o processo revolucionário e a relação entre reforma e revolução
20
.
Tal compreensão evidenciava a emergência no interior do PCB da percepção de
que, nas condições presentes do processo histórico brasileiro e da conjuntura internacional, a
classe trabalhadora e seu partido só poderiam realizar sua revolução através de uma luta
constante, que devia se valer de todos os meios legais, democráticos, institucionais para fazer
avançar suas conquistas, promover as reformas necessárias na estrutura da sociedade e enfim
criar as condições para o desenvolvimento da revolução socialista brasileira.Tanto o contexto
internacional - com o processo de desestalinização e o desenvolvimento da política de
coexistência pacífica desenvolvida pela União Soviética e MCI - quanto à correlação de
forças nacionais, com a crescente democratização da vida política brasileira, o ascenso do
20
Mas, como veremos mais adiante, apesar das mudanças a ênfase da política e da estratégia do PCB
permaneceu na questão nacional.
31
movimento operário e a vigência de um governo de caráter democrático e nacionalista vistas
sob o governo de Juscelino Kubitschek, favoreciam na prática a viabilidade de um caminho
democrático e pacífico ao socialismo. O caminho pacífico significava a atuação dentro da
legalidade democrática e constitucional e a utilização de formas legais de luta e organização
das massas.
Em comparação à postura derivada do Manifesto de Agosto de 1950, pode-se
dizer, que por efeito da vigência da Declaração de Março o PCB passou a “fazer política”: ao
incentivar a organização das lutas cotidianas dos trabalhadores, concorrer às eleições através
de outras legendas, conceber a participação eleitoral como um meio político para fazer
avançar os objetivos da classe, lutar pelas reformas e ao estabelecer alianças amplas e
flexíveis no impulsionamento da frente democrática.
Mas, se a nova visão recuperou o argumento democrático e principalmente gerou
a elevação da consciência dos comunistas de que a revolução socialista dependia de um
processo de construção da hegemonia e acumulação de forças permanente, por que, segundo
as críticas, esse novo entendimento não teria produzido uma “renovação essencial”, e a
elaboração de uma política e de uma estratégia nacional? Por que, o PCB teria ficado no
processo que se abriu entre 1956-1957, “a meio caminho entre a definição de passos táticos e
a incerteza quanto a uma formulação política de maior alcance estratégico” ? (S
ANTOS,
1988, p. 17)
Grosso modo, diriam muitos, primeiro e, especialmente porque a nova política
contida na Declaração de Março não rompeu com a visão etapista do processo revolucionário
brasileiro, no qual a revolução democrático-burguesa precederia e criaria as condições para a
emergência da revolução socialista. Não rompeu, por conseguinte com a visão da necessidade
de realização de uma revolução nacional-democrática, caráter que assumiria a primeira etapa
da revolução no Brasil. (S
EGATTO, 1995, p.242)
32
Conseqüentemente, o PCB não recuperara o elemento central posto pelo debate
em torno das vias nacionais: a necessidade de elaboração de uma política estratégica nacional
adequada à específica realidade brasileira.
Na verdade, o PCB entendia que apesar do significativo avanço do
desenvolvimento capitalista no Brasil alcançado nas últimas duas décadas, este se dera nos
quadros de uma estrutura atrasada, e em ritmo “bastante desigual”, o que não eliminara os
fatores negativos que determinavam o Brasil como um país subdesenvolvido e dependente na
qual se combinavam estruturas atrasadas e avançadas. (D
ECLARAÇÃO SOBRE A POLÍTICA DO
PCB, março/1958 In: PCB: Vinte Anos de Política 1958-1979 (documentos), 1980, p.4).
Nesse sentido, a conservação do monopólio da terra e a presença do imperialismo norte-
americano na economia nacional, obstruíam o pleno desenvolvimento das forças produtivas
capitalistas nacionais, e promoviam um desenvolvimento dentro dos marcos da dependência
ao imperialismo, que agravava suas contradições fundamentais, sem superá-las.
(DECLARAÇÃO SOBRE A POLÍTICA DO PCB, março/1958 In: PCB: Vinte Anos de Política 1958-
1979 (documentos), 1980, p.5). Isso inviabilizava na prática o desenvolvimento do país como
uma nação independente e progressista, e, por conseguinte, o desenvolvimento das condições
necessárias para uma transição socialista, vista a necessidade de uma etapa de acumulação de
forças ao socialismo.
21
Como decorrência da exploração imperialista norte-americana e da
permanência do monopólio da terra, a sociedade brasileira está submetida,
na etapa atual de sua história, a duas contradições fundamentais. A primeira
é a contradição entre a nação e o imperialismo norte-americano e seus
agentes internos. A segunda é a contradição entre as forças produtivas em
desenvolvimento e as relações de produção semifeudais na agricultura. O
desenvolvimento econômico e social do Brasil torna necessária a solução
dessas duas contradições fundamentais.
(DECLARAÇÃO SOBRE A POLÍTICA
DO
PCB, março/1958 In: PCB: Vinte Anos de Política 1958-1979
(documentos), 1980, p. 12-13)
21
A visão - importada da análise da III Internacional Comunista e institucionalizada no seu VI Congresso em
1928 para o desenrolar da revolução em países dependentes e coloniais – era de que a etapa burguesa de
acumulação e desenvolvimento pleno, ou a revolução democrática - burguesa, era necessária para preparar o
caminho à revolução socialista. Ver Antonio Carlos M
AZZEO, 1999, p.46.
33
Nesse sentido, a revolução democrático-burguesa, assumia na sociedade
brasileira um caráter de libertação nacional contra o imperialismo norte-americano e as
sobrevivências feudais no campo, devendo ser em sua essência uma revolução nacional e
democrática, antifeudal e antiimperialista, que conduziria a uma completa libertação
econômica e política da dependência para com o imperialismo, ao lado de uma transformação
radical da estrutura agrária, com a liquidação do monopólio da terra e das relações pré-
capitalistas de trabalho. Essas transformações removeriam as causas do “atraso” brasileiro, e
criariam as condições do socialismo.
A solução desses entraves ao desenvolvimento nacional, segundo a visão do PCB,
abria caminho para a solução de todos os problemas da sociedade brasileira, por isso o caráter
de principalidade da questão nacional sobre as demais ordens de questões, inclusive a
democrática: a contradição entre o desenvolvimento da nação em moldes independentes e
progressistas e a presença do imperialismo norte-americano que impedia sua efetivação, seria
naquela conjuntura a “contradição principal” da sociedade brasileira.
22
A conjuntura nacional e internacional favorecia a luta de libertação nacional em
todo mundo: a solução dos problemas que obstruíam o desenvolvimento brasileiro - e da
contradição principal - em moldes nacionais e independentes podia se dar dentro de um
quadro pacífico e democrático.
A nova orientação política enfatizava:
É na luta contra o imperialismo norte-americano e os seus agentes internos
que as forças progressistas da sociedade brasileira podem acelerar o
22
É preciso ressaltar que a preocupação com o desenvolvimento econômico nacional, não era unicamente do
PCB. Na verdade, o debate em torno do desenvolvimentismo foi a tônica dos debates da época (anos 50),
principalmente nos países subdesenvolvidos, na “periferia” do capitalismo mundial. O desenvolvimentismo se
transformou em uma estratégia hegemônica e global, após a Segunda Guerra Mundial, visando a industrialização
e o desenvolvimento econômico dos países subdesenvolvidos através de políticas estatais e intervenção na
economia. Foi concebido com uma estratégia - a partir do centro capitalista – capaz de se contrapor à ameaça de
expansão do comunismo para regiões atrasadas, na esteira da nova ordem mundial pactuada ao final do conflito
mundial. A nova política do PCB foi elaborada assim, na esteira dos debates da época em torno da viabilidade ou
inviabilidade de um desenvolvimento capitalista em moldes nacionais. Ver Ricardo BIELCHOWSKY, 2000.
34
desenvolvimento independente e o processo de democratização da vida
política do país. Para atingir esse objetivo, as forças progressistas têm
interesse em defender, estender e consolidar o regime de legalidade
constitucional e democrático”.
(DECLARAÇÃO SOBRE A POLÍTICA DO
PCB março/1958 In: PCB:Vinte Anos de Política 1958-1979
(documentos) 1980, p. 9, grifos nossos)
Nesse contexto o PCB propunha o desenvolvimento de um processo paulatino de
acumulação de forças, que passava pelo trabalho sindical e parlamentar, pela formação e
vitalização de uma frente única nacionalista e democrática capaz de dar ênfase à construção
de um governo nacionalista e democrático,
[...] pois este abrirá caminho para uma nova correlação de forças, que
possibilite completar as transformações revolucionárias exigidas pelo
desenvolvimento econômico e social de nossa Pátria [...]
(DECLARAÇÃO
SOBRE A
POLÍTICA DO PCB, março/1958 In: PCB: Vinte Anos de
Política 1958-1979 (documentos), 1980, p. 21-22)
A valorização da democracia política (do processo eleitoral, da política de
alianças, da luta legal e institucional) estava deste modo a serviço do objetivo estratégico de
constituição de um governo capaz de defender os interesses nacionais contra a política de
dependência externa ao imperialismo norte-americano. (Cf. VIANNA, 1988) A conquista de
um tal governo passava na visão do PCB pela utilização de todos os meios e lutas legais e
democráticas, ou seja, a política democrática enfatizada pela nova política estava a serviço
desse projeto nacional.
É preciso ressaltar que essa discussão acerca dos limites da renovação e da
instrumentalização da questão democrática só ecoou forte no interior do partido a partir do
final dos anos 70 e pelos 80 adentro, quando não se podia mais encobrir ou negar a crise de
sua estratégia nacional-democrática. A análise da política do Partido no pré-64, do golpe
militar de abril, e da sucessão dos regimes militares, deram o substrato para a conclusão a que
se chegou nos anos 80 de que a renovação dos anos 50-60 se esgotara e de que a estratégia
nacional-democrática mostrara seus limites.
35
O que se assinalava então sobre esse processo dos anos 56-57, era que a política
da Declaração de Março avançara substancialmente nas análises da realidade brasileira e na
maneira de conceber o jogo democrático e fazer política do Partido. Contudo, diria Luiz
Werneck Vianna, esse novo entendimento da questão democrática estava a serviço da solução
da questão nacional. O PCB descobriria a política e a democracia pelo nacionalismo e não
necessariamente pela necessidade de se elaborar uma estratégia centrada na democracia
23
. (Cf.
VIANNA, 1988, p.173).
[...] o que era radicalmente novo na Declaração de Março não possuía luz
própria. Tratava-se de uma construção derivada de exigências políticas para
o estabelecimento da ‘frente única nacionalista’. A valorização da
democracia política não surge a serviço de uma nova estratégia. Seu
papel era o de viabilizar – por isso um recurso tático – a solução da
questão nacional [...]
(VIANNA, 1988, p.176, grifos nossos).
Isso se evidenciaria plenamente no pré - 64. Por um lado, como veremos, os
acontecimentos que levaram ao golpe de abril de 1964 e a sucessão dos regimes militares
colocaram em xeque o argumento nacional que dera base à estratégia nacional - democrática
do Partido. E por outro evidenciaram os limites da renovação de sua política, principalmente
de sua política democrática.
Uma das teses que alicerçava o argumento nacional da estratégia do PCB e que
será posta em questionamento pelo golpe e pelo aprofundamento do regime, era a questão da
“burguesia nacional”. O PCB entendia que com o desenvolvimento do capitalismo nacional
“surgiu e se fortaleceu cada vez mais uma burguesia interessada no desenvolvimento
23
As categorias estratégia e tática provêm do vocabulário militar, das considerações sobre a guerra. No sentido
utilizado pelo PCB em seus documentos, discurso e prática, tática e estratégia se relacionam a linha política do
partido - são partes dela – e com a noção de “etapa”. A estratégia era concebida como o campo maior onde se
desenvolvia a linha política do partido. A estratégia apontava assim para o conjunto de procedimentos que
deviam se efetivar ao longo de toda uma etapa histórica, ou precisamente, para o golpe principal da classe
operária, para que aplicação da linha política conduzisse aos resultados desejados. A estratégia se modificaria
com a passagem da revolução de uma etapa a outra. A tática na verdade concretizava a estratégia, ao se ocupar
das formas de luta e de organização cotidianas da classe operária. Essas lutas cotidianas se colocariam a cada
conjuntura, assim a tática podia variar várias vezes segundo os refluxos do processo revolucionário,
diversamente da estratégia. Ver José Antonio S
EGATTO, 1995, p. 99-100, e, também Hector Luis SAINT-PIERRE.
A Política Armada. Fundamentos da guerra revolucionária. 2000.
36
independente e progressista da economia do país”. (DECLARAÇÃO SOBRE A POLÍTICA DO
PCB, março/1958 In: PCB: Vinte Anos de Política 1958-1979 (documentos), 1980, p. 5).
Essa fração burguesa teria um papel chave na condução da revolução nacional-
democrática, antiimperialista e antifeudal e na composição da frente nacionalista-democrática,
visto seu interesse na eliminação dos entraves econômicos que, inviabilizavam um
desenvolvimento autônomo e progressista do país. Os interesses em comum colocavam a
“burguesia nacional” e a classe operária do mesmo lado, pelo menos na primeira etapa da
revolução brasileira.
Embora explorada pela burguesia, é do interesse do proletariado aliar-se à
ela, uma vez que sofre mais do atraso do país e da exploração imperialista do
que do desenvolvimento capitalista.
(DECLARAÇÃO SOBRE A POLÍTICA DO
PCB março/1958, In: PCB: Vinte Anos de Política 1958-1979
(documentos), 1980, p. 16).
Apesar de atentar para o caráter “inconseqüente” da “burguesia nacional” - pois
esta era uma “força revolucionária inconseqüente”, que vacilava em certos momentos, tendia
aos compromissos com os setores entreguistas e temia a ação independente das massas - o
PCB salientava a importância da participação da burguesia nacional-progressista, na
composição e condução da frente nacionalista-democrática. (DECLARAÇÃO SOBRE A POLÍTICA
DO
PCB, março/1958 In: PCB: Vinte Anos de Política 1958-1979 (documentos), 1980, p.17)
As teses da burguesia nacional-progressista e da necessidade de realização de uma
revolução nacional-democrática seriam em grande medida, responsáveis pela conduta e pelos
erros do PCB frente ao governo João Goulart e nos momentos anteriores ao golpe.
37
1.3 A “ruptura da unidade”
O que interessa agora marcar é que, efetivamente, a renovação impulsionada pelo
processo aberto em 1956 e que se sintetizou na Declaração de 1958, não solucionou os
problemas e divergências, surgidos na luta interna dos anos de 1956-57.
Tanto pelo lado dos que não admitiam as mudanças processadas a partir do XX
Congresso do PCUS, quanto pelo lado dos que exigiam uma mudança profunda e radical com
o sistema de pensamento em crise, houve reticências, isto porque, ou a renovação seria vista
como “revisionista”, uma traição aos princípios marxistas - leninistas da revolução, ou como
uma renovação parcial, pragmática, que não tocava nas principais questões postas pela
desestalinização.
A curto prazo, a ruptura do antigo núcleo dirigente e a criação do PC do B em
1962, se constituiu numa alta expressão dessas debilidades do processo aberto em 1956. Os
ex-dirigentes não aceitavam a virada política do Partido com a aprovação da Declaração de
Março taxando-a de revisionista, reformista, uma fiel linha de apologia ao capitalismo
“disfarçada de caminho democrático”, que subordinava os interesses da classe operária aos da
burguesia. (S
EGATTO, 1995, p.83). A confirmação das teses da nova política - em torno da via
pacífica e democrática, do papel concedido à burguesia na formação da frente e na primeira
etapa da revolução brasileira, entre outras – pelo 5°Congresso do PCB em agosto de 1960
24
e
24
A polêmica se reacendeu dois anos após a aprovação da nova política, com a publicação, em abril de 1960, das
Teses para a discussão do 5°Congresso e o novo projeto de Estatutos do PCB, as teses seriam uma confirmação,
com algumas correções, da Declaração de Março. A luta interna polarizou-se entre o antigo núcleo dirigente
derrotado em 1957, identificado com uma posição critica em relações a linha tirada do XX Congresso do PCUS,
contra a linha da Declaração e as teses, e o novo núcleo dirigente que falava em nome da renovação. As críticas
às teses recaíam de modo geral em torno da via pacífica da revolução brasileira, da constituição e direção de
frente única, do papel da burguesia e da luta por um governo nacionalista e democrático nos quadros legais.
Segundo as críticas dos conservadores, das teses e da nova política derivava uma linha de apologia ao
capitalismo, de ilusões na burguesia e de subordinação do proletariado à seus interesses; a via pacifica e
democrática conduzia a uma adaptação ao capitalismo e ao evolucionismo sob disfarce de caminho pacifico. Cf.
José Antonio S
EGATTO, 1995, p. 83-84.
38
posteriormente a decisão de alterar os Estatutos e nome do Partido em 1961
25
, foram os
estopins para a ruptura definitiva desse grupo, que já se encontrava isolado dentro do partido.
A proposição dessa mudança representava para os ex-dirigentes o abandono
definitivo das tradições e princípios marxista-leninistas que caracterizavam o Partido
Comunista desde o seu nascimento. O PCB já não era o partido da classe operária fundado
em 1922, pelo contrário, era um novo partido com o qual não se identificavam. Por isso a
decisão de criar o PC do B foi vista pelo grupo, como a “reorganização” do verdadeiro Partido
Comunista. O que unificava os dissidentes, segundo Moisés Vinhas, era a luta para “resgatar
as tradições revolucionárias dos comunistas brasileiros, que estariam sendo traídas e
vilipendiadas pela ‘maioria direitista e revisionista’ do Comitê Central”. (VINHAS, 1982,
p.187).
Com a cisão o PCB seria um dos primeiros partidos a sofrer as conseqüências da
disputa sino-soviética, ou entre o Partido Comunista da República Popular da China –
inconformado com os resultados do XX Congresso - e o PCUS. A cisão do PC do B foi a
primeira de um processo que resultaria na fragmentação de organizações de esquerda, adeptas
da luta armada e na quebra do monopólio do marxismo até então em poder do PCB, após o
golpe de 1964. (Cf. VINHAS, 1982, p.187)
Não obstante, as rupturas desse período, não foram vistas pela direção partidária
como expressões da crise e fragilidades acumuladas no processo de revisão, mas, como um
processo de depuração do quadro partidário. O afastamento dos divergentes, porém, não
solucionaria os problemas e questionamentos em voga desde a revisão interna dos anos 1956-
1957, pelo contrário, estes se agravariam com o passar do tempo.
25
O estopim da ruptura definitiva foi as medidas adotadas pelo CC em 1961 para a legalização do PCB, que
alterava o nome do partido para Partido Comunista Brasileiro e não mais Partido Comunista do Brasil, numa
tentativa de descaracterizar sua vinculação com o comunismo internacional. Eliezer P
ACHECO, 1984, p.219.
39
1.4 O governo João Goulart e as condições de teste para via brasileira ao socialismo
Com o sancionamento da nova política pelo seu 5°Congresso (setembro de 1960),
o PCB começou a pôr em prática a sua estratégia e sua política de acumulação de forças. O
crescente clima de democratização, o avanço das forças nacionais e democráticas e a
efervescência política de princípios dos anos 60 davam respaldo para a nova inserção do
partido tanto na sociedade civil quanto política. O partido passou a valorizar as instituições
político-sociais e os processos legais, sempre no intuito de impulsionar a formação da frente
única e por conseqüência a constituição de um governo nacionalista e democrático - objetivo
estratégico do partido
26
.
A posse de João Goulart como presidente da República em setembro de 1961 e a
conjuntura que emergiu a partir de então, marcaram o ponto de inflexão sofrido pela política
do PCB: a emergência de um governo considerado “nacional-democrático” parecia indicar ao
PCB a concretização de suas teses e objetivos, a formação de um governo de coligação
nacionalista e democrática e a realização da via nacional-democrática, já não eram
perspectivas tão distantes.
Mas antes de nos atermos ao desenvolvimento da política do PCB, vejamos mais
detidamente a conjuntura que levou João Goulart à presidência.
O resultado das eleições presidenciais de 1960 representou uma derrota para o
conjunto das forças democráticas e nacionalistas, pois a vitória de Jânio Quadros sobre o
candidato das forças nacional-democráticas, o general Lott, levou a direita ao poder. João
26
O PCB, porém não abandonaria outras formas de lutas e enfrentamento, a luta travada ao lado, ou em
conjunto com os posseiros de Formoso e Trombas no interior de Goiás seria um exemplo. Ver Paulo Ribeiro
Rodrigues da C
UNHA. Aconteceu Longe Demais – A Luta pela terra dos posseiros de Formoso e Trombas e a
Política Revolucionária do PCB, no período 1950-1964. Dissertação de Mestrado, 1994.
40
Goulart conseguiu se eleger vice-presidente “capitalizando” votos tanto das forças populares
quanto dos conservadores e reacionários.(ALMEIDA, 2002, p. 90)
Na verdade a eleição de Goulart estava dentro dos planos estratégicos de Jânio
Quadros.
Ele sabia perfeitamente que a cúpula das Forças Armadas jamais toleraria a
sua eventual substituição por Jango. Estimulando alguns de seus apoiadores
a investir em João Goulart, Jânio também se precavia contra um golpe de
direita militar (que não poderia querer substituí-lo por Jango) quanto
ampliava simultaneamente, as chances de um golpe, inspirado por ele (como
tentou com sua renúncia
). (ALMEIDA, 2002, p. 90).
Mas a tentativa de golpe do Presidente, seis meses após sua posse, seria frustrada:
com a renúncia tinha a certeza de ser chamado de volta pelas forças reacionárias temerosas
pela posse de Goulart, seu obj
41
majoritariamente conservador conduzido por PSD (Partido Social Democrático) e UDN
(União Democrática Nacional).(ALMEIDA, 2002, p. 91)
Bem visto pelos setores de esquerda e pelos movimentos, popular, nacionalista e
democrático, mas mal visto pela direita, a solução encontrada por Jango foi o
desenvolvimento de uma política em duas frentes:
[...] de um lado procurou negociar, transigir, conciliar com a direita; de outro
(inclusive para negociar a partir de uma posição mais forte), buscou o
respaldo do movimento popular – sindicatos, organizações estudantis,
associações camponesas, militares [...] (
ALMEIDA, 2002, p. 91)
Esse constante deslocamento entre a direita e a esquerda se tornou a tônica do
governo João Goulart, mesmo com o retorno ao presidencialismo após a realização do
Plebiscito Nacional em janeiro de1963.
A posse de João Goulart foi supervalorizada pelo PCB, primeiro pelas
mobilizações antigolpistas que gerara e segundo por que Jango aparecia no cenário político
como um típico representante da burguesia progressista interessada no desenvolvimento do
país. Com o apoio das massas e de segmentos da burguesia nacionalista, “Jango” , como ficou
conhecido, representava a possibilidade real para concretização dos objetivos do partido: a
constituição de um governo nacional e democrático e a realização das reformas de estrutura,
ou seja, os primeiros passos para a realização da via brasileira (nacional-democrática) ao
socialismo.
O apoio do Partido ao governo e a luta em torno das reformas de base estavam de
tal modo, dentro do quadro estratégico prescrito pela nova política do PCB, pois a realização
das reformas econômicas, políticas e sociais garantiria que o desenvolvimento das forças
produtivas da sociedade nacional tomasse um curso capaz de aproximá-lo da revolução
nacional-democrática.
42
Por isso, primeiro o resultado do plebiscito favorável
27
ao retorno do
presidencialismo em janeiro de 1963 e posteriormente o comprometimento definitivo do
presidente com a realização das reformas a partir de fins de 1963, foram superdimensionadas
pelo PCB. O PCB não compreendia que a guinada do presidente à esquerda em favor das
reformas fazia parte de sua política em “duas frentes”, pois com o fracasso do Plano Trienal
em fins de 1963 e, por conseguinte de sua tentativa de tentar conciliar com as forças
conservadoras de direita, Jango procurou mudar de tática e passou a acenar para a esquerda
com a bandeira das reformas de base. Na verdade, a instabilidade econômica, a perda
progressiva do apoio da burguesia e o agravamento da crise, aliados ao desejo de Goulart
continuar n cargo, levaram o Presidente a se voltar para a esquerda e o PCB, principalmente.
O constante deslocamento de Jango entre a direita e a esquerda foi visto pelo PCB
como uma expressão do caráter dúplice da burguesia nacional-progressista e sua vinculação
com o movimento popular, nacionalista e democrático, como um sintoma de sua força, e não
necessariamente como a representação da debilidade de sua posição, de sua fraqueza.
(ALMEIDA, 2002, p.91)
A perspectiva de vitória de seu projeto nacional-democrático, delineada por esses
fatores e expressa pela certeza da realização das reformas e pelas possibilidades do
movimento democrático nacionalista, contribuíram não apenas para uma supervalorização da
conjuntura, mas, sobretudo para um rápido afastamento do Partido em relação à sua política
de acumulação de forças. (Cf. SEGATTO, 1995, p.169-170)
Rapidamente a sua concepção de frente única se estreitou, o que impossibilitou
na prática as negociações para a formação da frente única nacionalista e democrática. A
radicalização das posições e da crença no poder de mobilização e decisão do presidente, do
movimento social e de seu próprio poder tornou insuperável e inconciliável as divergências
27
A vitória no plebiscito foi vista pelo PCB como a demonstração prática da mudança da correlação de forças no
país em favor das forças nacionalistas e democráticas, e como um voto nacional pelas reformas e contra o
imperialismo.(R
EIS FILHO, 1990, p.31; VINHAS, 1982, p. 193)
43
entre as forças, o que conduziu ao fracasso do acordo político para o empreendimento da
frente.
28
Ao mesmo tempo, o PCB passou a exercer uma pressão ferrenha sob o governo
Goulart e a endossar a palavra de ordem de reformas imediatas “na lei ou na marra”,
proferida por Francisco Julião, líder das Ligas Camponesas.
29
Enquanto as posições do Presidente tendiam para a esquerda e as posições do
PCB se encaminhavam para uma radicalização crescente, o golpe de direita se articulava. De
acordo com Caio Navarro de Toledo, as motivações para tal articulação eram evidentes:
[...] a partir do momento em que se comprova a incapacidade do governo em
reverter a tendência estagnante da economia, sua tolerância diante da
ampliação das greves, o clima de agitação social permanente - interpretado e
magnificado pela reação como sinal de ‘comunização’ do país -, a quase
totalidade da burguesia brasileira passou a conspirar ativamente contra o
governo [...] a crise econômica e o avanço político-ideológico das classes
trabalhadoras e populares passavam a ser encarados como realidades
inaceitáveis. Difundiam os ideólogos liberais e conservadores que as classes
subalternas, no limite, buscariam impor soluções não-capitalistas à crise
econômico-social. Tal ameaça – objetivamente muito remota – provocou a
unificação política da classe dominante.
(TOLEDO, 2001, p. 43-44)
Frente ao avanço do golpe de direita, João Goulart numa tentativa de autodefesa,
também procuraria se lançar na articulação de um golpe preventivo. O ponto culminante da
radicalização das posturas do PCB dar-se-ia justamente em volta de sua cogitação em
compactuar com as manobras golpistas do presidente João Goulart – ante a ameaça do golpe
direitista
30
.
28
Quando do lançamento da Frente Popular de caráter progressista, a 23 de março de 1964, concebida por San
Thiago Dantas para neutralizar a crescente radicalização política e chegar a um acordo em torno de um programa
de reformas, já era muito tarde para se consolidar uma tal frente: a cooperação entre os atores políticos já não era
mais possível. (F
IGUEIREDO, 2001, p.52)
29
Na verdade essa postura baseava-se no entendimento do partido sobre o caráter da “burguesia nacional”: o
PCB via na vacilação do presidente e na sua política de compromisso com as forças conservadoras, a expressão
do caráter dúplice da burguesia nacional – da qual era representante -, a luta entre seus aspectos nacional e
democrático de um lado e vacilante e conciliador de outro. Nesse sentido, era necessário pressionar o presidente
para que desenvolvesse seu potencial revolucionário. A luta pelas reformas e pelo governo nacionalista e
democrático só teria êxito, através da derrota da conciliação do governo e dos setores vacilantes da frente única.
José Antônio S
EGATTO, 1995, p.154.
30
Entretanto, é preciso ressaltar que o Comitê Central do Partido Comunista jamais admitiu a cogitação em
participar na trama golpista de esquerda. Em autocrítica admitiria apenas a “pressa” inconseqüente na realização
de seus objetivos. Sobre o processo autocrítico pós-golpe ver “Informe de Balanço do CC ao VICongresso,
1967” In: PCB: Vinte Anos de Política 1958-1979 (documentos), 1980.
44
O PCB, que se mantivera à margem das outras articulações golpistas do
governo, em fevereiro de 64 se juntaria a ele com a dupla perspectiva de
realizar as reformas e legalizar o partido. A inclinação da burguesia pelo
golpe, a partir do segundo semestre de 63, e, concomitantemente, as
articulações de Goulart visando a reeleição fizeram os comunistas
cogitarem dessa alternativa [...] A mudança de atitude do partido também
se explica pelo momento político em radicalização e o temor de que Goulart
tentasse seu golpe continuísta sem eles. (
LIMA, 1995, p.149, grifos
nossos)
Na verdade, o PCB não conseguia enxergar o pavor que tomava conta tanto das
frações burguesas quanto das camadas médias da população e setores conservadores da Igreja
Católica, com a crescente radicalização de suas posições, com a guinada à esquerda de
Goulart, e com as propostas de reformas imediatas. As grandes manifestações vistas nas
principais capitais brasileiras, que levaram para as ruas a bandeira da defesa da propriedade,
da família e da moral cristã, e que exigiam o impeachment do presidente articuladas por
aqueles setores evidenciavam o temor pelo processo em curso.
Mas as implicações da dependência em relação ao governo não eram
avaliadas, nem o pânico que tomara corpo nas camadas médias e, sobretudo,
na própria burguesia. Os últimos ziguezagues de esquerda de Jango não
eram percebidos como movimentos de um líder que se afastava de sua
classe, nem o PCB extraia as implicações dos estímulos incendiários as
massas urbanas e rurais [...] A bandeira da legalidade, tão importante em
1961, estava mudando de mãos e a importância deste fato parecia passar
despercebida
.(REIS FILHO, 1990, p.33)
A postura do Presidente João Goulart e sua aproximação com a esquerda, em
especial o PCB ofereceu à direita, às forças conservadoras o próprio argumento de que
necessitavam para a decapitação do movimento em curso e do processo democrático: o
argumento de que a defesa da democracia, da legalidade democrática exigia naquela
conjuntura de radicalização, a “ruptura” das regras democráticas. Essa bandeira impunhada
pelos conspiradores de direita em março, abril de 1964 atraiu amplo apoio da opinião pública
para o empreendimento golpista. (Cf. F
IGUEIREDO, 2001, p. 53) O estopim para o golpe foi as
45
medidas tomadas por Goulart a partir do grande comício pelas reformas em 13 de março de
1964.
31
A empolgação com o andamento do processo democrático levou o partido a se
iludir com a perspectiva de uma vitória fácil e rápida da revolução nacional-democrática, e
conseqüentemente a abandonar facilmente a tática de conquistas parciais e progressivas - tão
caras ao Partido em 1958 e 1960 na reafirmação da política da Declaração de Março frente
aos conservadores. As posturas e palavras de ordem do PCB em nada guardavam relação
com a tese de uma “via de democratização progressiva”, em destaque na Declaração de
Março. (Cf. VIANNA, 1988, p.176)
Sobre esse momento Salomão Malina diria:
[...] levávamos a cabo uma política de acumulação de forças, vitalizando o
movimento sindical, organizando a classe operária, mas não fomos
suficientemente fortes: a pressão do golpismo, oriunda da própria esquerda e
do movimento popular, nos conduziu à vacilações e, enfim, violando a nossa
orientação oficial mesma, fizemos concessões essenciais [...] Acabamos na
prática, por legitimar a política golpista que estava no ar. O resultado é
sabido: Jango e o movimento popular não deram nenhum golpe. Ao
contrário o golpe foi dado para atingir todas as forças populares e
democráticas.
(ALMEIDA, 2002, p.92)
Todavia, o golpe e o aprofundamento da ditadura militar
32
, mostrariam quem
perderia com a interrupção do processo democrático. A postura do PCB diante de tal
conjuntura sairia cara à esquerda e aos movimentos operário, popular e democrático, aos
objetivos do partido, e principalmente aos da classe operária. A autocrítica realizada após o
31
Já no princípio de 1964, convencido de que o golpe direitista era certo, de que a direita fechava o cerco,
Goulart na intenção de atrair os setores de esquerda para seu lado, regulamenta – sob intensas críticas dos setores
da burguesia associada ao capital internacional, a Lei de Remessa de Lucros e a 13 de março, no comício das
reformas que reuniu mais de 200 mil pessoas – através de dois decretos do Executivo, anunciaria a
nacionalização das refinarias privadas de petróleo e a desapropriação de terras com mais de 100 hectares que
ladeavam rodovias e ferrovias federais. (T
OLEDO, 2001, p.38 )
32
É preciso ressaltar que não havia uma unicidade entre os conspiradores como se imaginou. Foi no âmbito
político-institucional que se manifestaram após o golpe as grandes divergências entre os conspiradores: de
acordo com Jacob Gorender, os líderes civis do golpe não tinham em vista uma ditadura militar, apostavam na
realização das eleições presidenciais em 1965, como estava previsto pela Constituição, mas todos almejavam a
presidência; entre os militares as posições também não eram nada homogêneas, a solução encontrada seria a
instauração da primeira ditadura militar brasileira, fato inédito na História brasileira. Ver Jacob G
ORENDER,
2001, p. 109
46
golpe conduziria o partido à conscientização da debilidade da democracia brasileira no pré-64,
para qual sua postura contribuíra - mas evidente não determinara -, e a conscientização da
importância da democracia política para luta da classe operária.
1.5 O golpe militar de 1964 e a derrota da estratégia nacional-democrática do PCB
O golpe político-militar de 1964 e o regime ditatorial vigente a partir de então,
colocaram em xeque o argumento nacional que dava base à estratégia nacional-democrática
do PCB. Uma a uma, as teses em torno da existência de uma “burguesia nacional” interessada
no desenvolvimento independente e progressista do país e da existência de “obstáculos
históricos” (latifúndio e imperialismo) que entravavam o desenvolvimento nacional e
progressista brasileiro, se desestruturaram com a clarificação dos objetivos do golpe e com o
aprofundamento da ditadura militar.
No pré-64, as propostas de reformas de base, encabeçadas pelo PCB, assumiram
para as classes dominantes a face de um “modelo de desenvolvimento” não compatível com
seus interesses. Esse modelo de desenvolvimento intrínseco ao projeto reformista apresentou-
se para as frações burguesas como uma proposta de reforma social e democratizante onde o
desenvolvimento econômico, as conquistas nacionais estariam associadas à justiça social, a
distribuição dos frutos do progresso, e à reforma do sistema de propriedade agrária e urbana, e
que objetivava a realização de uma revolução de independência nacional, ao mesmo tempo
em que realizasse uma revolução democrática. (FIORI, 2001, p.28)
Para o PCB, a luta que se desencadeou em torno e pelas reformas estruturais com
o apoio de uma intensa movimentação popular e nacionalista, esboçava a perspectiva de uma
47
revolução nacional-democrática. O que o PCB não percebeu era o radicalismo que essa
proposta de desenvolvimento representava para as classes dominantes, proposta que não se
enquadrava no seu objetivo de desenvolvimento brasileiro. O desencadeamento desse
processo de revolução nacional e democrática foi suficiente para a articulação golpista e
reacionária, entre as frações de classe burguesas, o aparato militar e o imperialismo norte-
americano, com vistas a interromper esse processo, e ao mesmo tempo para retomar um
desenvolvimento autoritário e excludente feito em cima da desestruturação dos movimentos
que principiavam a ganhar espaço na cena política brasileira, quando o golpe militar se
efetivou.
33
O objetivo do golpe tornava-se evidente: nascido da necessidade imperiosa da
burguesia interna e mundial de “sufocar” e “paralisar” o aprofundamento dos processos de
revolução nacional, revolução democrática e descolonização, em andamento no pré-64, o
regime militar se colocou frente à sociedade nacional como uma “tentativa de vergar o arco
histórico para trás” (no que se refere às revoluções nacional e democrática), ao mesmo tempo
em que se constituía no pré-requisito político para a aceleração do desenvolvimento
capitalista e da “incorporação do Brasil ao espaço econômico, cultural e político das nações
capitalistas centrais e de sua superpotência” (Cf. FERNANDES, 1982, p.46)
Ao mesmo tempo em que visava recompor a hegemonia burguesa - com o
reordenamento do bloco no poder e a destruição das frágeis bases do movimento social e
democrático que principiavam a ganhar consciência e organização - a solução militar-
institucional visava retornar à um curso de desenvolvimento compatível com os interesses das
33
O cenário internacional, sobretudo na América Latina não era favorável em princípios da década de 60 aos
movimentos democráticos e de libertação nacional. Entre 1962-1963 verificou-se em boa parte da América
Latina uma contra-ofensiva do imperialismo que visava impedir a propagação do fenômeno cubano. Nesse
período foram dados golpes de Estado na Argentina, Peru, Equador e República Dominicana. O imperialismo
estava em crise, reduzira-se sua influência e dominação. Os golpes militares objetivavam alijar do poder as
forças que se manifestavam em favor da Aliança Para o Progresso e sufocar a efervescência social em curso. No
Brasil não seria diferente: a conduta de João Goulart despertaria uma desconfiança crescente nos círculos ligados
aos interesses norte-americanos, que acabariam financiando as mobilizações golpistas. Ver Assis T
AVARES.
Revista Temas de Ciências Humanas, 8, 1980.
48
frações burguesas dominantes, ou precisamente como evidenciou Ricardo Antunes “vencer as
barreiras sociais e políticas que obstaculizavam o pleno desenvolvimento de um projeto
internacionalizador, em gestação desde meados da década de 50” .(ANTUNES, 1992, p.115)
Evidentemente, o projeto reformista de forte cunho popular defendido pelo PCB
ao lado do presidente, apresentava-se como um “perigo” para a efetivação do projeto de
desenvolvimento internacionalizador da burguesia interna e externa. Daí a essência do golpe
militar, uma contra-revolução destinada a criar as condições institucionais indispensáveis à
aceleração da acumulação do capital própria a uma etapa monopolista de desenvolvimento
capitalista” (ANTUNES, 1992, p.115). Enquanto o PCB primava pela realização de uma
revolução de independência nacional e democrática, o golpe foi uma medida justamente para
impedir a concretização desse escopo.
A “modernização conservadora” em curso a partir de 1964 ditar-se-ia por um
lado, por uma crescente associação entre o Estado ditatorial brasileiro e o capital estrangeiro,
entre a burguesia interna e a burguesia internacional: relações que aprofundavam a subsunção
da economia brasileira à internacional, e conseqüentemente inviabilizavam um projeto
nacional de desenvolvimento - e por outro lado, por um crescente retrocesso democrático que
objetivava impedir, “a transição de uma democracia restrita para uma democracia de
participação ampliada”. (F
ERNANDES, 1980, p.113)
Portanto:
[...] em oposição à modernidade que vinha ‘dos de baixo’, que se voltava
para a revolução dentro da ordem (intensificando os ritmos e a profundidade
da descolonização prolongada, da revolução nacional e da revolução
democrática), a modernidade burguesa atinge seu primeiro ápice histórico
como uma modernização controlada de cima e a partir de fora com mão de
ferro. Ela se dissocia, em todos os planos em que isso podia ser feito
deliberadamente e pela via política [...] tanto da descolonização (o
subdesenvolvimento continua a ser uma mercadoria e um produto político a
serem explorados pelas classes burguesas nacionais e estrangeiras), quanto
da revolução nacional e da revolução democrática [...]
(FERNANDES, 1982,
p.46, grifos do autor).
49
Esse projeto burguês de desenvolvimento inerente ao golpe, desmistificou as teses
comunistas acerca de um nacionalismo burguês antilatifundiário, antimonopolista e
antiimperialista. Nesse quadro, o golpe de 64 expressou a derrota da estratégia nacional-
democrática do PCB, de seu objetivo de realização de uma revolução nacional em associação
com uma revolução democrática. O bloqueio de sua via nacional ao socialismo impunha o
“repensar das fórmulas teóricas, dos programas, da estratégia e da tática” ou seja, uma
reavaliação, particularmente das concepções sobre o Brasil e sobre a revolução brasileira.
(R
EIS FILHO, 1990, p.46)
O impacto do golpe recolocou a discussão aberta em 1956-58, a questão
estratégica colocava-se no centro da crise, sob o peso da derrota da chamada via nacional ao
socialismo, decretada pela interrupção do processo democrático, sobretudo, com o
aprofundamento do regime militar e a clarificação do projeto militar de desenvolvimento
político-econômico, entre 1968-1973.
Porém, na conjuntura do golpe e posterior sucessão dos regimes militares o PCB
não seria capaz de oferecer uma saída, uma resposta para o bloqueio de sua estratégia
nacional-democrática. De certa forma, a vigência da ditadura retardou a exacerbação dessa
discussão: a tática se sobrepunha à estratégia, a derrota da ditadura adquiria caráter primordial
frente ao desencadear do processo revolucionário, seja de que caráter fosse, nacional,
democrático ou socialista.
50
1.6 A emergência da luta contra a ditadura e a valorização da democracia política pelo
PCB
A intervenção militar precipitou divergências e insatisfações latentes em torno da
política da Declaração de Março e da estratégia desenvolvida na sociedade nacional,
recolocando os problemas que estiveram na base da formulação da nova política entre 1956-
1958. Porém, a luta interna que se travou no interior do PCB entre 1964-1967, limitou-se
segundo Daniel Aarão à procura de responsáveis pelos “erros” e pela “derrota”, e
conseqüentemente não tocou no problema de fundo: o bloqueio e derrota da estratégia
nacional-democrática com a intervenção militar.(REIS FILHO, 1990, p.47)
Para uns, o Partido tinha incorrido em graves ‘desvios de direita’: havia
alimentado ilusões nas massas sobre as possibilidades de realizar através de
uma aliança do proletariado com a burguesia, uma reforma estrutural de
base, dentro dos marcos estritamente legais. Para outros, os erros eram
resultado dos ‘desvios de esquerda’. Os comunistas haviam abandonado a
bandeira da legalidade democrática, superestimado a correlação de forças,
propondo medidas acima das condições objetivas da realidade brasileira.
(PANDOLFI, 1995, p.199)
Por um lado, o partido pecara pelo “excesso de radicalismo”, o que contribuíra
para o sucesso do golpe direitista, por outro, pecara pela “falta de radicalismo”, o que
colaborara para a interrupção do processo revolucionário brasileiro. Nesse patamar, a luta
interna se polarizou entre os que acreditavam ser necessário a retomada, aprofundamento e
consolidação da política da Declaração - posição que englobava a maior parte do partido e de
sua direção -, e os que acreditavam ser necessário uma ruptura com a linha oficial, sobretudo
com as teses sobre a via pacífica democrática.
Porém, autocríticos de que o “golpismo”, no qual o partido incorreu no pré-64,
determinou sua derrota e a das forças democráticas e nacionalistas, a direção partidária se
conscientizou da necessidade de se retomar a política de acumulação de forças, e passou a
51
reafirmar sua convicção na luta pacifica e democrática contra o regime militar. Essa postura
contribuiu na prática para que as posições se exasperassem: a insatisfação se tornou oposição
de fato e a exaltação da ação imediata, da luta armada se colocou para os opositores à linha
oficial, como única alternativa ao “imobilismo” do PCB e à sua lentidão em promover a
inversão do processo inaugurado pela ditadura.
34
(REIS FILHO, 1990, p.52). Se o PCB era
criticado no pré-64 por suas posições “reformistas” e pacifistas, em 1967 a opção pelo
caminho pacífico e por uma luta legal e institucional, não será menos controversa. A
divergência conduziu o Partido à fragmentação: muitos grupos se formaram em torno dos
dissidentes (PCBR, ALN, MR-8) todos optando pela luta armada.
No entanto, é preciso ressaltar que a maioria das organizações que aderiram à luta
armada, como forma de fazer frente à ditadura e ao “imobilismo” do PCB, não rompeu de
todo com a visão do processo revolucionário brasileiro, preconizada pelo PCB,
principalmente no que tange à questão nacional. Consideradas as devidas diferenças entre as
várias organizações armadas, a maior parte delas ainda enfatizavam a necessidade de uma
revolução de libertação-nacional: o objetivo continuava a ser a eliminação dos entraves ao
pleno desenvolvimento do país. Dessa forma, a tarefa central era a derrubada da ditadura e a
expulsão dos imperialistas norte-americanos, que aliados a setores da classe dirigente local,
obstruíam o desenvolvimento das forças produtivas nacionais. (R
IDENTI, 1993, p.54)
Os pontos de discordância entre as posturas do PCB e do grosso das organizações
armadas estavam, entre outras questões, na discussão das formas de combate à ditadura
militar. Na verdade, o PCB apesar de não alterar seu esquema analítico, compreendia que,
diante da conjuntura que se iniciava com o golpe, a recuperação da revolução nacional-
34
A partir de então, a luta interna se agravou e o impasse contribuiu para a geração de dissidências internas que
anteciparam a fragmentação do partido. O PCB sofreu com a oposição e dissidência em seus principias Comitês
Estaduais (São Paulo, Guanabara, e também em Pernambuco, Paraná e Rio grande do Sul), favoráveis as teses
esquerdistas de luta armada. A oposição sistemática desses comitês levaria o PCB a destituir em setembro de
1967, a Comissão Executiva e a intervir e destituir nos Comitês Estaduais de São Paulo e Rio de janeiro e a
expulsar alguns elementos do Comitê Central, como Carlos Marighella, Jover Telles, Câmara Ferreira, Mário
Alves, Jacob Gorender, Apolônio de Carvalho.
52
democrática só podia se efetivar depois de vencida a ditadura: o problema nacional só teria
uma solução positiva, quando os movimentos, operário, popular e democrático tivessem as
condições mínimas necessárias para a organização de suas lutas, ou seja, quando se
reconquistasse um Estado de direito, um governo democrático.
Enquanto os dissidentes e a maioria das organizações armadas mantinham a
principalidade da questão nacional e da luta armada como forma de pôr termo à ditadura e ao
problema nacional, o PCB colocava o problema da luta contra a ditadura e da reconquista do
Estado de Direito em primeiro plano, necessária para a retomada do processo esboçado em
princípios dos anos de 1960.
Embora não tocando no problema de fundo, essa apreensão se estabeleceria como
um elemento importante para a emergência da “consciência democrática” do PCB.
1.6.1. 6° Congresso: estratégia e tática
Apesar de reconhecer a inflexão no processo político, com o golpe, a falência da
estratégia nacional-democrática não se tornou evidente naqueles momentos: o 6° Congresso
do PCB reconhecia a interrupção do processo de revolução nacional-democrática pelo golpe
direitista, mas não sua derrota definitiva. A perspectiva de retomada do processo democrático
alimentava de certa forma a crença na recuperação do processo interrompido em 1964. Por
isso, a derrota do regime era tida como uma condição prévia para o retorno à situação que se
esboçara nos primeiros anos da década de sessenta. Em conseqüência dessa compreensão, a
luta contra o regime militar e pelo restabelecimento do Estado de direito passava a ser o
objetivo imediato de luta definido pelo 6° Congresso do PCB.
53
A análise sobre os três primeiros anos da ditadura militar, presente no documento
do 6° Congresso do Partido, de dezembro de 1967, seria capaz de captar as inflexões sofridas
na vida brasileira no pós-64, o novo processo político que se iniciava a partir de então, o nível
alcançado pela sociedade brasileira e por suas forças produtivas e a modificação da natureza
da estratégia econômica do passado (Cf. SANTOS, 1996, p.36)
O PCB reconhecia que com o golpe,
O Estado brasileiro foi colocado a serviço de uma política de alienação da
soberania nacional e de repressão às aspirações democráticas e progressistas
do povo. O traço essencial dessa política está em que impõe ao país um
curso de desenvolvimento que reforça a dependência e a subordinação ao
imperialismo norte-americano e defende as posições da reacção
interna
.(RESOLUÇÃO POLÍTICA DO VI CONGRESSO, dezembro/1967 In:
PCB: Vinte Anos de Política 1958-1979 (documentos), 1980, p.167)
Não obstante, a Resolução do 6° Congresso novamente apontou a conservação do
latifúndio e a presença do imperialismo como as contradições principais da sociedade
brasileira: a revolução brasileira continuava a ser, em sua primeira etapa nacional-
democrática, antifeudal e antiimperialista. Na verdade, entendiam os comunistas que a
“interdição do caminho capitalista progressista”, com o golpe devia-se como no pré-64 aos
“obstáculos históricos” que obstruíam o desenvolvimento nacional. O golpe e a ditadura
apenas reforçavam as teses comunistas e a necessidade de se lutar pela eliminação desses
entraves. (SANTOS, 1996, p.37).
O Brasil vive uma crise de estrutura. Esta decorre do aguçamento das
contradições entre as forças produtivas nacionais, que buscam novas formas
de desenvolvimento e progresso, e os obstáculos que a actual estrutura da
economia do país lhes opõe. As forças sociais que defendem a conservação
dessa estrutura são o imperialismo, os latifundiários e os capitalistas
brasileiros ligados ao imperialismo
.(RESOLUÇÃO POLÍTICA DO VI
CONGRESSO, dezembro/1967 In: PCB: Vinte Anos de Política 1958-
1979 (documentos), 1980, p.171)
Sendo assim:
54
A revolução brasileira, em sua presente etapa, deverá liquidar os dois
obstáculos históricos que se opõem ao progresso da nação: o domínio
imperialista e o monopólio da terra. Ela é assim, nacional e democrática.
Devido à preponderância do factor nacional, a direcção do golpe principal
está voltada contra o imperialismo, particularmente o norte-americano, e
seus agentes internos.
(RESOLUÇÃO POLÍTICA DO VI CONGRESSO,
dezembro/1967 In: PCB: Vinte Anos de Política 1958-1979
(documentos), 1980, p.172)
A insistência na tese dos “obstáculos históricos” e da “crise de estrutura”, não
permitiria ao PCB enxergar os mecanismos adotados pelo regime militar para sair da crise e
seu encaminhamento rumo ao milagre econômico dos anos de 1968-1973. (REIS FILHO, 1990,
p. 54)
O PCB também não abriria mão de sua tese sobre a existência de uma “burguesia
nacional-progressista”. O documento do 6° Congresso salientava que a participação dos
setores burgueses antiimperialistas em favor do golpe de 1964, apenas teria refletido o
“caráter vacilante e dúplice da burguesia nacional”. Na verdade,
[...] Embora sua contradição com o imperialismo e o latifúndio seja o factor
permanente que predomina em seu comportamento político, seus interesses
de classe exploradora levam-na a procurar o encaminhamento dessa
contradição para soluções de conciliação, e isso imprime à sua conduta um
carácter dúplice e vacilante
.(RESOLUÇÃO POLÍTICA DO VI CONGRESSO,
dezembro/1967 In: PCB: Vinte Anos de Política 1958-1979
(documentos), 1980,
p.98).
Isto, porém não implicava a exclusão da “burguesia nacional” da frente única e do
processo da revolução nacional-democrática, mas apenas que se deveria ter uma atenção
maior na questão da hegemonia da frente.
Assim, na essência o PCB não alterou sua visão tanto em relação ao desencadear
do processo revolucionário brasileiro, à estratégia a seguir, quanto em relação ao caráter da
burguesia brasileira.
55
Mas se a autocrítica não tocou na essência dos erros do pré-64, conduziu, porém a
elaboração de uma tática positiva frente à ditadura, centrada na luta pelas liberdades
democráticas.
35
Na verdade, o processo autocrítico realizado pelo 6° Congresso levou o PCB a
reconhecer não apenas as ambigüidades e fraturas que caracterizavam as forças envolvidas na
luta pelas reformas, como também o baixo nível de organização das massas e a debilidade da
democracia brasileira nos momentos anteriores ao golpe.
Segundo a análise que predominou no Congresso, as ilusões nas quais incorrera
com a ascensão do movimento de massas e democrático, não o teria permitido enxergar as
fraquezas das forças em ascensão e a gravidade do momento político, induzindo-o a contribuir
para a desestabilização do governo, a atacar a legalidade democrática e a precipitar os
acontecimentos.
36
Sua ação, ao invés de colaborar para a concretização de um processo de
revolução nacional e democrática, teria somado para a realização de uma contra-revolução
destinada a sobrepujar, refrear os processos nacionais e democráticos em curso, que na prática
desestruturaram o movimento de massas, operário e popular, num prejuízo à classe operária e
sua luta. (INFORME DE BALANÇO DO CC AO VI CONGRESSO, dezembro/1967 In: PCB: Vinte
Anos de Política 1958-1979 (documentos), 1980, p.86)
35
Já em maio de 1965 quando o ComiCentral se reuniu pela primeira vez - procurou se orientar por uma tática
de resistência centrada na luta pelas liberdades democráticas. Começava a ganhar corpo a visão de que somente
através de uma acumulação de forças, de uma mobilização das massas e de construção de uma ampla frente
democrática seria possível derrotar o regime. Essa orientação permitiu ao Partido participar das eleições de 1966
apoiando o nascente MDB. Essa posição foi confirmada pela aprovação em junho de 1966 das Teses
Preparatórias (reelaboradas) para o 6° Congresso, que lançadas para discussão em setembro reafirmaram a
convicção na luta pacifica e democrática para derrotar o regime. (V
INHAS, 1982, p.238)
36
Sobre esse processo autocrítico ver “Informe de Balanço do Comitê Central ao VI Congresso, dezembro/1967”
In: PCB: Vinte Anos de Política 1958-1979 (documentos),1980.
56
O abandono do processo de acumulação de forças e, por conseguinte da defesa da
legalidade e do processo democrático estava dessa forma na raiz da derrota das forças
democráticas, em 1964.
37
Todos esses erros e ilusões nos quais o partido incorrera ante o ascenso do
processo democrático, derivavam, sobretudo da falta de prosseguimento e aprofundamento do
processo iniciado em 1956, que levara o partido a não ter a necessária firmeza na luta pela
aplicação de sua linha política, principalmente após a posse de João Goulart em 1961, quando
se tornaram mais evidentes as vacilações na aplicação da linha do 5° Congresso e a tendência
a dela se afastar. (INFORME DE BALANÇO DO CC AO VI CONGRESSO, dezembro/1967 In: PCB:
Vinte Anos de Política 1958-1979 (documentos), 1980, p.82.)
Imbuído de tal compreensão tanto em relação às conseqüências negativas do
retrocesso político democrático, quanto à “má aplicação” de sua linha oficial, o PCB
reafirmou ao final de seu 6° Congresso a necessidade de dar prosseguimento à via
democrática e pacífica e à recuperação das teses de 1958, agora para fazer frente à ditadura.
Convém lembrar que entre as forças de esquerda que buscavam se opor à ditadura,
o PCB se constituiu na única a apostar no caminho pacífico. Nesse sentido, de acordo com
Moisés Vinhas, “a linha aprovada retomava as melhores tradições do PCB em condições
particularmente difíceis, sob o fogo cruzado da repressão e do esquerdismo”, além da
pressão ideológica externa, dos partidos comunistas, chinês, cubano entre outros.
38
(VINHAS,
1982, p.243).
37
Essa visão, segundo o documento do 6° Congresso, estava intimamente ligada à compreensão que se tinha do
desencadeamento do processo revolucionário, de fundo pequeno-burguês e golpista, que consistia em admitir a
revolução não como um fenômeno de massas, mas como o resultado de uma ação de cúpula, que imprimia à
ação do partido “um sentido imediatista de pressa pequeno-burguesa”, ao desvia-lo da perspectiva de luta
persistente pelos objetivos táticos e estratégicos, através do processo de acumulação de forças e da conquista da
hegemonia do proletariado (R
ESOLUÇÃO POLÍTICA DO VI CONGRESSO, dezembro/1967 In: PCB: Vinte Anos de
Política 1958-1979 (documentos), 1980, p.185)
38
A conjuntura internacional também não era favorável a política adotada pelo Partido frente à ditadura militar,
na União Soviética haveria uma “virada” na política desenvolvida pelo PCUS, direcionada a congelar as
mudanças iniciadas no XX Congresso do PCUS, com a queda de Nikita Krushev e o preparo da reação do “Pacto
57
A conjunção desses fatores daria ao 6° Congresso um valor muito grande na
consolidação da política democrática do partido, precisamente num momento em que todos,
de uma maneira ou de outra, estavam contra a sua política. (ALMEIDA, 2002, p.182)
A tática proposta baseava-se nas análises sobre o transcorrer dos três primeiros
anos da ditadura: nesse ínterim, o PCB enxergava que não apenas havia crescido o
descontentamento com o regime - inclusive entre as frações burguesas que apoiaram o golpe,
como também se estreitava a base política na qual se assentava a ditadura. Na prática, esses
fatores criavam uma grande oposição de forças díspares, mas contrárias à política econômica
e social colocadas em curso pelo regime militar, que unidas poderiam contribuir para o seu
debilitamento. Essa compreensão é que levou o PCB a propor uma tática voltada para
acumulação permanente de forças que devia se efetivar sob a construção de uma ampla frente
democrática associada a uma organização das massas contra o regime militar. (VINHAS, 1982,
p.245)
Essa “atividade permanente” devia estar ligada de maneira concreta à experiência
cotidiana das massas, pois:
Na situação actual, nossa principal tarefa táctica consiste em mobilizar, unir
e organizar a classe operária e demais forças patrióticas e democráticas para
a luta contra o regime ditatorial, pela sua derrota e a conquista das liberdades
democráticas
. (RESOLUÇÃO POLÍTICA DO VI CONGRESSO,
dezembro/1967 In: PCB: Vinte Anos de Política 1958-1979
(documentos), 1980, p.
174)
Na superação das debilidades da classe operária e demais forças sociais e das
dificuldades em se organizar o conjunto das forças oposicionistas é que se encontrava o
caminho para a modificação radical da situação brasileira, por isso, “cada vitória, pequena ou
de Varsóvia” contra o processo de “socialismo com face humana” em curso na Tchecoslováquia. Na própria
América Latina a conjuntura não era favorável à política de frente democrática e pacífica do PCB: em agosto de
1967 realizar-se-ia o encontro da OLAS (Organização Latino-Americana de Solidariedade) em Havana -Cuba,
no qual aprovariam uma resolução que propunha a luta armada em toda América Latina. O PCB seria o único
partido latino-americano a não assinar a resolução, visto que ela contrariava tudo aquilo defendido pelo partido
naquele momento. (A
LMEIDA, 2002, p.181)
58
grande, ou mesmo derrota na luta pelas liberdades” incorporar-se-ia à “experiência de luta”
que levaria as massas a avançar em seus objetivos, formar e prestigiar suas organizações e
seus líderes (RESOLUÇÃO POLÍTICA DO VI CONGRESSO, dezembro/1967 In: PCB: Vinte Anos
de Política 1958-1979 (documentos), 1980, p.175). Todas as formas de luta legais tornavam-
se importantes e necessárias para unir e mobilizar as forças que se opunham à ditadura.
39
Importante ressaltar que mesmo não realizando uma “revisão conceitual” de sua
estratégia, o PCB, como vimos, desenvolveu no âmbito da luta imediata uma política positiva
frente à ditadura. O principal elemento dessa política era a compreensão de que a ditadura não
seria “derrubada” mas sim “derrotada” por um amplo movimento de oposição, organizado,
legal e interessado na restituição do Estado democrático e das liberdades formais.
O processo de isolamento e derrota da ditadura é o do desenvolvimento da
luta de massas e da unidade de acção das forças democráticas. No seu curso,
as palavras de ordem e as formas de luta mudarão à medida que a ação das
massas se desenvolver. A oposição e o combate crescentes ao regime
ditatorial tornarão ainda mais reduzida sua base social e política, aumentarão
sua instabilidade e poderão conduzir à sua desagregação e derrota.
(RESOLUÇÃO POLÍTICA DO VI CONGRESSO, dezembro/1967 In: PCB:
Vinte Anos de Política 1958-1979 (documentos), 1980, p.182, grifos
nossos)
Na verdade, como já se indicou, a conjuntura que emergia após 1964 com o
retrocesso democrático, não oferecia as condições para o desenvolvimento da estratégia do
partido: a derrota do Estado ditatorial era uma condição prévia também para se retomar a
política estratégica do PCB, ou seja, diante da vigência do autoritarismo, a tática de luta
contra o regime e pelas liberdades democráticas se sobrepunha à estratégia, pois as condições
39
A Resolução Política do 6° Congresso enfatizava: “A participação nas eleições, mesmo com o sistema
eleitoral vigente que impede a manifestação democrática do direito de voto, é um importante meio para unir as
correntes que se opõem à ditadura, para desmascarar sua política diante das massas e inflingir-lhe derrotas que
a debilitem”. (PCB: Vinte Anos de Política dezembro/1967, 1980, p.182)
59
para se lutar pela revolução nacional-democrática só dar-se-iam sob um Estado democrático.
40
Segundo Luiz Werneck Vianna:
Não estando a ‘tática’ (a luta contra o regime) prisioneira e dependente
diretamente dos fins imediatos da ‘estratégia’ (a conquista de um governo
nacional-democrático sob hegemonia operária), ela desfruta de uma larga
autonomia. Esta autonomia criará o campo livre para a explicitação do
argumento e da prática democráticas.
(VIANNA, 1988, p. 180)
Sobre o problema da centralidade da questão democrática, é importante lembrar
que já em 1967, Nelson Werneck Sodré, ao analisar o movimento iniciado em 1964,
reconheceria que no processo da revolução burguesa, a questão democrática adquiria
prioridade para a classe operária e demais cl
[(pritáecetar2( e pa4, )]8.7.42 0 TD0.0001 Tc091((a)8.9“[( burgrár[(nacio”.( )TJ7.98 0 0 7.304c0 50em)8.4003 Tm0.0038 Tc0 Tw1NNA)Tj12 0 0 31218.502365.4003 TD-00013 Tc11038 Twia’Stra)]9.9.48 0 0 9.42718.502365.4003 TD-015038 Tc0 [(OD6(o)2(RÉs. )]TJ12 0 0 153.28.502365.4003 TD-0.0001 Tc150011 Tww(,71988,247180Ess.9(iscussão,ria qsn W)9.13)-064, )]TJ1 -.725 -2.3 TD0.7003 Tc093((a)-4.tr), va à anela)5(anatar)4e da(anza e dor as. )]TJ.89.42 0 TD0.4003 Tc096084 Tw[ Soico Sobre“ o problem28.9(a [( burgrá”co.)]TJ7.98 0 0 7.42 W) 48Tc8.4003 Tm0.0038 Tc0 Tw2NNA
60
ressalta a importância das lições tiradas da derrota de 1964: o golpe e a ditadura militar
conseguiram, em suas palavras, um feito ou um “milagre político”, o de,
[...] ajudar as condições para a formação da frente democrática, cuja
existência é fato indiscutível, não tendo surgido de ações combinadas e
menos ainda conspirativas de pessoas ou de grupos. É nesse quadro que se
coloca a necessidade de tirar proveito da lição em que se constitui o golpe de
1964 [...] (S
ODRÉ, 1978, p. 256)
Claramente, a compreensão sobre a importância da vigência de um Estado
democrático para o desenvolvimento da luta da classe operária e demais classes subalternas,
seria para o PCB a grande lição tirada dos acontecimentos em processo desde 1964.
1.6.2. A afirmação da política de frente democrática na luta contra a ditadura
A princípio, porém, é necessário observar que, esse avanço nas análises e posturas
do PCB - em relação à importância que a luta democrática assumia diante do regime militar -,
não se traduziu imediatamente numa ação bem sucedida. A desestruturação dos movimentos
operário, popular e democrático vista a partir de 1964 e a situação de repressão a que estavam
submetidos tanto esses movimentos quanto o próprio PCB, dificultaram a organização das
lutas e da frente democrática. Até princípios dos anos 70 a frente não obteve êxitos
significativos.
A inversão desse quadro deu-se, em grande medida, a partir da decretação do AI-5
em de 1968. A política de frente democrática - a tática adotada pelo 6° Congresso do PCB
para fazer frente à ditadura - começou a ganhar consistência e dimensão.
43
43
Os atos institucionais decretados a partir de 1965, capacitaram o regime para desmontar qualquer manifestação
de rebeldia contrária ao Estado e ao seu projeto de modernização: de um lado, criaram as condições para o
aprofundamento do regime e impulso de seu projeto de modernização, de outro, visava neutralizar seus
adversários tanto na sociedade civil quanto no seio das classes dominantes. Esses golpes impostos pelos Atos
Institucionais se efetivaram através da centralização do poder do Estado da cassação e prisão de lideranças dos
61
O AI-5 foi uma necessidade deles [do regime] e, naquela altura dos
acontecimentos, a linha estabelecida em 1967 no VI Congresso armava - nos
para acertar no fundamental. O centro de nossa tática passava a ser a luta
pelas liberdades democráticas, compreendendo que o nó da democracia é
que iria definir o processo.
(ALMEIDA, 2002, p. 96)
O AI-5 marcou o início de uma nova etapa que aprofundou o regime militar tanto
repressiva quanto economicamente, os anos de 1968-1973 se tornaram expressões do
“binômio expansão econômica e autocracia”, o que dificultou ainda mais atos de oposição e
a manifestação das massas justamente no momento em que o movimento de oposição
começava a se dinamizar. (ANTUNES, 1992, p.121)
Com a promulgação do AI-5 e em resposta à ele, a deflagração generalizada da
luta armada e da guerrilha urbana, o PCB se conscientizou não apenas da inflexão sofrida na
cena política, mas também da necessidade de um trabalho paulatino de organização das lutas
oposicionistas precisamente de um projeto de “resistência ao regime”.
Consciente do aprofundamento do regime militar, o PCB tendia à uma nova
avaliação da situação inaugurada. Um documento divulgado em março de 1970, do Comitê
Estadual da Guanabara, marcou a reviravolta na análise ideológica dos comunistas sobre a
caracterização da ditadura militar brasileira.
Os comunistas da Guanabara procuravam enfatizar a natureza que assumia o
regime com o aumento da repressão (agora às claras) a partir de fins de 1968-69 e a partir daí
determinar a maneira de combatê-lo, derrotá-lo e traçar com base nesse conhecimento, as
perspectivas para depois de sua queda. Há nesse documento a preocupação em se avaliar o
processo econômico e político desencadeado a partir de 1968 e apontar os possíveis “focos”
de resistência surgidos com o aprofundamento do regime tanto em decorrência da nova
conjuntura econômica com o início do milagre, quanto em decorrência da elevação do arbítrio
movimentos populares, fechamento de entidades do movimento popular, dissolução do sistema pluripartidarista
e, diminuição dos poderes do Parlamento em proveito do executivo, usurpação da autonomia do judiciário,
cassação de deputados, governadores e vereadores, controle das eleições legislativas. Ver Daniel Aarão R
EIS
FILHO, 1990, p.58.
62
e da violência, com a vigência do AI-5. Com a etapa iniciada com o AI-5 a ditadura militar
passava a ser conceituada pelos comunistas como um regime fascista.
A princípio, o Comitê Central do PCB rejeitou a análise realizada pelo Comitê
Estadual da Guanabara, mas posteriormente a partir de novembro de 1973 adotaria, tanto as
análises quanto as posturas enfatizadas pelo documento.
44
A partir de então, a análise do
processo de “ fasso ” vem nadaemeanto pós( o AI-5levou do PCBa( refirem)814ae)-09(r da cnvicção )504( )]TJ 106585 -2.3 TD-0.0037 Tc0.8593 Tw[ deque5 a ditadra não seciaveênciada or dtlos derepercussão regime,a
a, tapzeisilitr dedeisetab(ilztr o( regim)824(e)-08(a. )]TJ4.7257 -2.3 TD0.0024 Tc010868 Tw[A( rsoluçãoo)526s los com8[(unistasdo)526(a)14( Guanabae)]TJ17047 0 TD010318 Tw[ia in)526tstizvos dema.ignificfatava a
63
nem de maneira imediata, seu trabalho, portanto devia se subordinar e se adaptar a uma tal
realidade.
[...] se os fatores temporários ainda favorecem o processo de fascistização, a
nossa tática só pode necessariamente ser defensiva, de resistência tenaz e,
se preciso, prolongada. Temos, portanto que trabalhar com essa perspectiva,
afastando de nosso Partido e, se possível, das demais forças da oposição,
quaisquer ilusões sobre uma vitória fácil sobre a ditadura.
(RESOLUÇÃO
POLÍTICA DO
CE DA GUANABARA, março/1970 In: Revista Temas de
Ciências Humanas, 1981,n° 10, p.85, grifos nossos)
Em conseqüência da conjuntura iniciada com a elevação da repressão e o
fortalecimento do regime, passava-se a compreender que:
A perspectiva é a de nos preparamos, tanto no plano da atividade política
como na da organização, para um trabalho em profundidade, cujos
resultados só serão colhidos depois de um
período de maturação. Um
trabalho adaptado a uma situação de violenta reação política, em que a luta
de resistência surgiu como decorrência de uma série de derrotas e desgastes
impostos ao movimento revolucionário, nacional democrático
.(RESOLUÇÃO
POLÍTICA DO
CE DA GUANABARA, março/1970 In: Revista Temas de
Ciências Humanas, 1981, n° 10 p. 85, grifos nossos)
A idéia era que, a partir de ações parciais os comunistas deviam contribuir para
romper a passividade em que se encontravam as massas e principalmente para transformar
pouco a pouco “aquele sentimento passivo” num grande movimento de massa, efetivamente
em frente única oposicionista. O Partido, portanto, devia subordinar sua ação e o trabalho de
organização da oposição a uma tal realidade, com a finalidade de contribuir para a
dinamização da frente, para o aparecimento de “focos políticos de resistência”. .(RESOLUÇÃO
POLÍTICA DO
CE DA GUANABARA, março/1970 In: Revista Temas de Ciências Humanas, 1981,
n° 10 p. 85, grifos nossos)
A crise do regime militar a partir de meados dos nos setenta, conferiu um terreno
propício para a rearticulação da sociedade civil e formação da frente almejada. Aos poucos,
com o esgotamento do milagre econômico brasileiro a partir de 1973-74, a oposição ao
regime começou a crescer mesmo entre as classes dominantes: a crise econômica contribuía
para as fraturas e dissensões no seio de suas forças políticas e, em contrapartida, para a
64
expansão do movimento oposicionista, reforçado pelos próprios dissidentes do da ditadura. O
MDB, único canal de expressão das oposições passou nesse quadro de partido da “oposição
consentida” a partido de “oposição real”, mandatário das insatisfações
populares.(FERNANDES, 1982, p.66; MAZZEO, 1999, p.166)
As vitórias eleitorais do MDB sobre a ARENA nas eleições de 1974 e 1978
expressavam por um lado, a perda de legitimidade do regime militar junto à sociedade e por
outro, a perda de apoio político entre as classes médias por parte da ditadura.
Para o PCB, as vitórias eleitorais de 1974 e 1978 e o impulsionamento dos
movimentos de massas e oposicionista, confirmavam a justeza de sua linha política tanto
criticada. Mesmo desmantelado pela repressão entre 74-76, o PCB veria sua política de
constituição de uma ampla frente democrática para derrotar a ditadura se consolidar e ser
aceita por grandes setores da oposição (SEGATTO, 1981, p.108).
45
1.7 A crise latente
Não pretendemos esgotar aqui a análise dos fatores que determinaram a
emergência da crise orgânica nas fileiras do PCB. Visto nosso objetivo nesse capítulo ter sido
o de examinar a gênese do problema em torno da questão democrática, essa discussão
realizar-se-á no próximo capítulo. Por hora basta marcar que, no momento em que sua
orientação começou a ganhar consistência, a crise interna se recolocou no interior do PCB. Na
verdade, o quadro aberto na cena nacional ao final dos anos 70, com a perspectiva de auto-
45
Entre 1974-75 nove membros do Comitê Central foram assassinados pelos órgãos da ditadura militar: David
Capistrano, Luis Inácio Maranhão, João Massena Mello, Élson Costa, Itair Veloso, Orlando Bonfim, Jaime
Miranda, Hiram Lima e Walter Ribeiro. Após esses acontecimentos parte da direção do PCB. Ver Dulce
P
ANDOLFI, 1995, p.210 e Moisés VINHAS, 1982, p.247.
65
reforma do regime militar e recomposição do bloco hegemônico no poder, precipitou as
divergências latentes em seu interior e a catalisação de uma crise anunciada desde 64-67,
quando o golpe militar havia posto em xeque a estratégia do partido e seu argumento
nacional. A emergência da crise do regime e do capitalismo nacional, patente ao final dos
anos 70, reabriu assim as discussões suspensas e adiadas no interior do partido.
Três seriam os fatores a problematizar a discussão em torno do valor estratégico
da democracia e a catalisar a recolocação da crise no PCB: a especulação aberta em torno do
projeto de transição pactuada, que levava a se questionar a permanência ou mudança da
política de alianças amplas nessa conjuntura; o ressurgimento dos movimentos sociais e
populares, sobretudo o operário-sindical entre 1978-1980; e por último, mas não menos
importante, o desnudamento da falência da estratégia nacional-democrática preconizada pela
orientação política do PCB – produzido pelas transformações na estrutura econômica-política
e social brasileira e que patenteavam a inviabilidade de uma revolução de caráter nacional-
democrático.
Sob essa conjuntura, o debate político-ideológico se reabriu em torno do
questionamento da política de frente democrática. Afinal, com a perspectiva de
democratização da sociedade nacional e o ressurgimento dos movimentos sociais qual seria a
melhor orientação: continuar enfatizando uma política de alianças amplas, de frente
democrática, ou adotar uma nova postura, uma frente que levasse em consideração as
possibilidades abertas com o surgimento de novos movimentos sociais e o ressurgimento do
movimento operário e popular?
A crise se agravou à medida que se tornou evidente o modelo de desenvolvimento
impulsionado pela ditadura e a inviabilidade do projeto de revolução nacional-democrática do
PCB. De maneira contundente, a crise do regime militar e a evidência da modernização
66
conservadora, patenteavam o que já se tornara evidente em 1964 com a decretação do golpe,
que:
O revés do PCB em abril de 1964 não foi episódico, como também não foi,
simplesmente uma batalha perdida ao longo de sua extensa trajetória de
lutas. Significou, isto sim, a derrota definitiva de seu projeto nacional-
democrático ou de revolução democrático-burguesa, que acompanhava e
perseguia desde seu nascimento. A ditadura militar, ao completar e realizar
de forma plena e radical o processo (autoritário e excludente) da revolução
burguesa no Brasil, matou o projeto pecebista – e este deixou de ter sentido
de ser e existir.
(SEGATTO, 1995, p. 248)
Na verdade, a eficácia do projeto conservador de desenvolvimento conduzira a
efetivação da revolução burguesa no Brasil ou à etapa monopolista, mas de maneira
excludente, o que teria contribuído para concentrar os frutos do progresso, e aprofundar a
dependência e a subsunção do país ao imperialismo norte-americano e sob fortes custos
sociais.
A etapa burguesa, ao contrário das expectativas do PCB se completara, mas não
eliminara os problemas essenciais da sociedade nacional, pelo contrário se fizera em cima da
conservação de estruturas arcaicas e impulsionadas por essas estruturas. Ao contrário do que
acreditava o PCB, a presença do imperialismo e a manutenção do latifúndio não se
constituíram em obstáculos para o desenvolvimento conservador orientado pelos interesses
das frações burguesas que sustentaram o golpe militar. Ou seja, o desenvolvimento
impulsionado pelo regime militar não havia sido feito em nome de uma revolução nacional e
muito menos democrática e antiimperialista, pelo contrário conduzira a uma crescente
dependência externa e associação entre as burguesias interna e externa. Isso desmistificava a
ilusão comunista de existência de uma “burguesia nacional” interessada no desenvolvimento
autônomo e progressista do país e, portanto, interessada na efetivação de uma revolução
nacional-democrática no Brasil.
A visão trazida dos anos vinte e consolidada nos anos 50 - não submetida a
revisões -, impediria o PCB de reconhecer a evolução plena do capitalismo brasileiro, o
67
caráter da burguesia interna e seus verdadeiros planos para o desenvolvimento nacional, as
particularidades conservadoras assumidas pelo desenvolvimento econômico nacional, e
impulsionado pelo milagre econômico dos anos de 1968-1973, fatores que conjugados
impediriam-no de compreender que nem o latifúndio e muito menos a presença do
imperialismo haviam sido obstáculos ao desenvolvimento capitalista no Brasil, mas, antes de
tudo os seus agentes.
Como evidencia Florestan Fernandes, em muitos momentos da História brasileira,
a convergência de interesses entre as frações burguesas resultou na combinação de estruturas
sócio-econômicas arcaicas e modernas: o subdesenvolvimento teria sido um grande negócio
para as frações burguesas (agrária, urbana, industrial e para o imperialismo). Dessa forma,
“não podia caber à burguesia, em tal situação, uma firme propensão à autonomização do
desenvolvimento capitalista (em face dos centros imperialistas) e uma forte disposição ao
aprofundamento da revolução acarretada pela tendência à universalização do trabalho
livre”. (FERNANDES, 1982, p.143)
[...] não se deve esquecer que as burguesias nacionais da periferia fabricam o
seu destino histórico e o destino histórico de seus países. A dominação
imperialista, o subdesenvolvimento com sua terrível incidência sobre a
descolonização que não se desata, o desenvolvimento capitalista desigual,
etc., fazem parte de seu estilo de ser burgueses e da sua arte econômica de
converter as fortes desvantagens coletivas em bênçãos de minorias
ultraprivilegiadas.”
(FERNANDES, 1982, p.69, grifo do autor)
O golpe militar de 1964 e os posteriores regimes militares seriam expressões
dessas peculiaridades conservadoras que predominavam na formação econômico - política
brasileira. Mas, o PCB como vimos, não rompeu com sua visão de um capitalismo obstruído
pela ação de forças retrógradas externas e internas, que exigiam em contrapartida a realização
de uma revolução nacional-democrática, mesmo quando da realização de seu 6°Congresso em
1967.
46
46
A crítica realizada por Caio Prado Júnior à visão etapista de revolução nos debates sobre as teses aprovadas
pelo 6°Congresso do PCB, já antecipavam em 1966 essa realidade. Caio Prado discordava da tese de existência
68
Porém, o evidente avanço da revolução burguesa e das forças produtivas,
empreendidas pelo regime militar, ao final da década de 70 superaria por si só a etapa
econômico-burguesa preconizada pelo PCB. E a crise do capitalismo mundial só viria aguçar
e aprofundar as contradições e debilidades do desenvolvimento econômico brasileiro (os laços
de dependência), bloqueando os caminhos de retorno à um desenvolvimento nacional e
independente, quando a ditadura fosse derrotada.
A crise interna que se processará no interior do PCB a partir de 1979 visará dar
conta da efetivação de tão complexas transformações e oferecer uma estratégia e uma teoria
compatível com essa nova realidade. É nesse sentido que a discussão desencadeada ao redor
do questionamento da política de frente democrática, conduziria o PCB a discussões e
questões muito mais profundas. A necessidade de valorização da democracia política na
estratégia do partido – já apontada internamente – agora se impunha na própria realidade
brasileira.
Reabria-se a discussão iniciada com a crise de 56-58, a renovação promovida
mostrara seus limites. O diferencial dessa crise seria o seu caráter orgânico estrutural: a “crise
orgânica” da sociedade brasileira e do capitalismo mundial, não só aguçava as debilidades
presentes na teoria e prática do Partido como não deixava margens para soluções burocráticas
ou adiamentos - como se dera nas crises anteriores - impondo sem recuos, a questão da
renovação estratégica e da tática do Partido.
As discussões e os problemas adiados ao longo dos anos de ditadura se tornavam
urgentes. Afinal, quais as perspectivas para a reconstrução do Estado democrático após a
queda final do regime e após quinze anos de ditadura? Que caminhos seguir para a eliminação
dos problemas nacionais não eliminados pela revolução burguesa levada a termo? Ou mesmo,
de um passado feudal no Brasil que levava o PCB a ver “sobrevivências feudais e semifeudais”, considerados
elementos pré-capitalistas que obstruíam o desenvolvimento econômico brasileiro, e que exigiam em
contrapartida a realização de uma revolução prévia capaz de eliminar esses arcaísmos, uma revolução de caráter
nacional-democrático. Ver Caio P
RADO JUNIOR, 1966.
69
como se inserir na conjuntura que se esboçava com a perspectiva de democratização, como se
inserir na legalidade burguesa?
Em torno desses questionamentos a questão democrática e o caminho
democrático, se apresentariam como alternativa estratégica.
70
CAPÍTULO II
C
AMINHOS E DESCAMINHOS NA CONSTRUÇÃO DA “ALTERNATIVA
DEMOCRÁTICADO PCB
[...] não há solução para os problemas brasileiros fora da democracia. (DIAS,
“Contra o Arbítrio e a Política de Confronto”, 8-15/01/1982, 1983,
p.111)
[...] a democracia é o pressuposto para a solução dos nossos problemas.
A partir dela, as camadas populares poderão encontrar os mecanismos de
redirecionamento da economia para contemplar os seus interesses. A
democracia, para nós, é a base de uma alternativa global para a sociedade
brasileira. Neste final de século, pensamos que somente um projeto
democrático macroscópico pode viabilizar um Brasil civilizado
[...] (DIAS,
“Contra o Arbítrio e a Política de Confronto”, 8-15/01/1982, 1983, p.
111, grifos nossos)
Durante grande parte de sua existência e atuação política, o PCB se empenhou em
contribuir para a configuração de um Brasil plenamente capitalista e moderno, através de sua
estratégia nacional-democrática, mas, dentro de um campo estratégico no qual o objetivo era
criar as condições para a edificação de uma sociedade socialista. A luta pela democracia,
assim, nunca esteve desvinculada dos fundamentos econômico-sociais: era preciso eliminar os
obstáculos internos e externos que impediam um desenvolvimento pleno do capitalismo
brasileiro e a afirmação e desenvolvimento de um governo nacional-democrático. (DEL ROIO,
2003, p. 293) Todavia, como vimos no capítulo anterior, a conclusão da revolução burguesa
no Brasil que se efetivou sob o modelo econômico do regime militar - pelo menos em seus
71
termos econômico-produtivos -, interditou definitivamente os caminhos para um
desenvolvimento econômico, nacional e independente, decretando o esvaziamento da
estratégia do PCB.
A etapa econômica fora ultrapassada com a efetivação da revolução econômico-
burguesa e com a elevação do capitalismo brasileiro ao estágio monopolista, mesmo sem
equacionar os problemas históricos da sociedade brasileira. Por isso, não mais se colocava a
questão de desenvolver as forças produtivas capitalistas. As transformações produzidas pelo
desenvolvimento capitalista colocavam a luta democrática e a nacional sobre novos
patamares.
Com o bloqueio do terreno econômico, a ênfase passou a incidir sobre o terreno
da política: a luta pela democracia não mais se subordinava a efetivação de uma revolução de
caráter econômico-nacional. Note-se: a revolução burguesa ainda era o horizonte, mas agora
definitivamente sob o âmbito da política e não da economia. Se anteriormente a afirmação de
uma democracia plena passava pelo equacionamento dos problemas econômico-nacionais e
pelo avanço das forças produtivas capitalistas, com o esvanecimento do caminho nacional, a
própria questão democrática passava a ter o potencial de solucionar os problemas nacionais,
ou seja, ganhava autonomia frente ao problema econômico. A partir de então, o PCB atrelaria
a solução dos problemas econômico-sociais à conquista da democracia.
O esvanecimento do nacionalismo e a crise nacional, aliados à eficácia e à
positividade que adquiria a política de frente democrática contribuíram deste modo para
plantar no centro da estratégia comunista a bandeira da centralidade democrática. Porém, essa
centralidade na política do PCB, se construiria aos poucos. Na realidade, com a falência
definitiva do caminho nacional e com a perspectiva da transição para a democracia, abrir-se-ia
no interior do PCB um contumaz processo de discussão ideológica em torno dos problemas
que emergiam com a crise nacional e com a falência de sua estratégia nacional-democrática.
72
Exigindo em contrapartida, a busca de caminhos alternativos tanto para a crise nacional
quanto para sua crise interna. Frente a esses processos, a questão democrática ou o caminho
democrático, apareciam como o elemento por excelência para a alternativa a ser construída
pelo partido no bojo da crise política-econômica da sociedade brasileira. A divergência, na
verdade, ficava por conta de qual noção de democracia afirmar nesse processo ou
precisamente em esclarecer e determinar o papel e o lugar que cabia à democracia na
estratégia do PCB.
Assim, entre os anos de 1979-1983, o PCB voltou-se para a discussão de seus
problemas – que se imbricavam com os problemas nacionais – e a redefinição de sua
estratégia política e de seus princípios. A alternativa democrática do PCB se forjou, dessa
forma, em meio a um complexo processo nacional e de crise interna.
O que nos interessa analisar neste capítulo é em meio a que problemas,
divergências, ganhos e perdas se construiu e se consolidou a “alternativa democrática” do
PCB. Qual a noção de democracia nela embutida? Ou ainda: o que significou o
privilegiamento da democracia na estratégia comunista? A ênfase na questão política-
democrática supriu as debilidades e lacunas em sua estratégia? Ou mesmo, conseguiu
responder aos problemas apontados na discussão político-ideológica interna? Qual o papel
cabia à classe operária na nova estratégia do partido?
Tendo em vista essas questões primeiro buscamos analisar o processo de crise
interna, a emergência dos problemas, as noções de democracia em voga e a proposta
alternativa do PCB para a crise nacional. Posteriormente, procuramos evidenciar os elementos
que coesionaram a política de frente democrática, e que por sua vez levaram o partido a
sobrepor a questão política-democrática à questão econômico-social, e a aderir e defender a
necessidade de uma “transição negociada” para a ultrapassagem do militarismo.
73
2.1 A recolocação da crise interna e a consolidação da política democrática
Se a clandestinidade, a repressão e as barreiras no contato com as massas
dificultaram a ação e análise do PCB no pós-golpe e agravaram seus problemas estruturais. O
desmantelamento de sua organização partidária pela repressão entre 1974-1975 com o
assassinato e prisão de vários membros da Direção Nacional e direções intermediárias apenas
acentuou as dificuldades enfrentadas pelo partido desde 1964.
A “privação da máquina” vinha justamente no momento em que se reuniam as
melhores possibilidades para a aplicação de sua política, unitária e de massas. Esse fator além
de aumentar o fosso existente entre a análise do partido e o movimento real da sociedade
brasileira precipitou divergências latentes. (David Capistrano Filho, “As derrotas da
democracia foram derrotas do PCB”, VOZ DA UNIDADE, n° 28, 10 a 16/10/1980, p. 6)
Mas, o exílio a que seriam forçados os dirigentes restantes logo a seguir,
dificultou mais uma vez a explicitação dessas divergências que passaram a ocorrer
esparsamente nos contatos da direção no exterior
47
. O curto-circuito no interior do partido só
veio à tona em 1979, com a anistia e o regresso dos dirigentes: a reintegração física do partido
conferiu um terreno fértil para a emergência dos problemas e das divergências. A princípio
entre 1979-1983 a luta interna girou em torno de três posições: a posição que aglutinava a
maior parte do centro dirigente em volta de Giocondo Dias, a posição do então secretário-
geral do PCB, Luis Carlos Prestes e alguns integrantes da direção e a posição da “corrente
renovadora” que a princípio apesar das diferenças fechava com as posições da direção
partidária, e contra Prestes.
47
No período do exílio, entre 1975 e 1979, não houve nenhuma reunião do Comitê Central no Brasil. No exterior
quatro, foram as reuniões da cúpula dirigente: em janeiro de 1976, março de 1977, novembro de 1978 e a última
em maio de 1979. Ver Edgar C
ARONE, 1982, vol. 3.
74
Muitos eram os problemas, a maior parte, porém, atrelava-se a questões
estruturais e à discussão da política em desenvolvimento pelo partido desde o golpe de 1964 e
que se sancionou no seu 6°Congresso em 1967. Mas, o problema imediato que o núcleo
dirigente enfrentaria seria a divergência com o seu então secretário-geral, Luis Carlos Prestes.
Na realidade, a divergência com Prestes começou a ganhar contornos já em 1968
e se impulsionou, sobretudo após as quedas de 1974-75
48
. Prestes não concordava com a tese
defendida pela maioria do Comitê Central de que a ditadura aos poucos seria isolada. Apesar
dos avanços da “frente antifascista” ainda não havia uma correspondência “entre a
insatisfação crescente das massas e a forma concreta de sua manifestação”. O baque sofrido
pelo partido entre 1974-1975 seria um dos maiores exemplos de que a democratização em
desenvolvimento era um engodo. Além do mais, a desorganização da classe operária e sua
ausência na frente expressava a debilidade do movimento oposicionista
49
. (Resolução Política
do CC dezembro de 1975, In: DOCUMENTOS: PCB VINTE ANOS DE POLÍTICA, 1980, p.233)
Apesar das discordâncias, Prestes continuou a se submeter aos princípios teórico-
organizativos do Partido, e a subscrever as resoluções aprovadas pela maioria do Coletivo
Nacional
50
. Esse mal-estar entre o secretário-geral e o centro dirigente começou a se
desdobrar em maio de 1979 na última reunião da direção no exílio, quando Prestes tentou
mais uma vez sem sucesso propor a substituição da Resolução do 6°Congresso. Esta foi a
48
Em de agosto de 1977, numa carta ao Comitê Central, Prestes criticou o “liberalismo” e a acomodação
reinantes no interior do PCB que levavam-no de um lado a não buscar uma efetiva ligação com a classe operária
e de outro às ilusões quanto ao processo de liberalização posta em curso pelo regime, e conseqüentemente ao
“afrouxamento” da “vigilância revolucionária” o que resultara nos assassinatos de vários membros da Direção
Nacional. Ver Luis Carlos Prestes. “Carta de Prestes ao Partido” (agosto de 1977) In: Edgar C
ARONE, 1982, p.
209.
49
Essas posições apareciam claramente na Resolução Política do Comitê Central de dezembro de 1975, síntese
da primeira reunião da direção no exílio e após as quedas. Nesta reunião as posições de Prestes predominaram e
deram o teor dos documentos aprovados. Mas em março de 1977, a direção retornou à rota anterior ao reafirmar
a crença no processo de democratização e amplitude da frente, sem imposições classistas. Ver Resolução Política
do CC (dezembro de 1975) In: Documentos: PCB Vinte anos de Política, 1980, pp. 231-241, e também João
F
ALCÃO, 1993, p. 327, 333.
50
A partir de maio de 1980 o Comitê Central ou o grupo de dirigentes nacionais do PCB passou a denominar-se
“Coletivo Nacional de Dirigentes Comunistas” (CNDC) para efeito de identificação de seus pronunciamentos.
75
última reunião da direção em que Prestes participou
51
. Afastado do PCB e rompido com a
direção, Prestes tornou pública e aberta suas insatisfações e discordâncias com a orientação
oficial do partido, ao lançar a Carta aos Comunistas, em março de 1980.
A Carta aos Comunistas representou na prática a ruptura definitiva de Prestes
com o PCB e sua orientação oficial, nela Prestes apontava por um lado, as debilidades
estruturais do partido, como a falta de princípios, o apego aos cargos, a total ausência de
democracia interna no funcionamento da direção e a falência da direção. E por outro, a
ultrapassagem da política de frente democrática pela própria realidade, com a emergência das
lutas operárias e sociais. Além do mais, para Prestes o PCB fora incapaz de realizar o “desafio
histórico” de organizar as lutas da classe operária e sua própria inserção nela. A intransigente
busca por legitimação perante o Estado, e a separação que se via na prática entre a luta por
uma democracia política e a luta por uma democracia social e econômica, também atestavam
o liberalismo dominante na política do PCB
52
. (Cf. PRESTES, 1980, p. 18-21)
Para a direção ao defender em sua carta a liquidação imediata do domínio dos
monopólios nacionais e estrangeiros por uma frente na qual a classe operária teria papel
chave, Prestes propunha o programa da frente única antiimperialista, antilatifundiária e
antimonopolista que correspondia a uma fase subseqüente da vida política brasileira, que só
veria chegar o seu tempo após a derrota concreta da ditadura. (Doc. CNDC “Sobre a carta aos
51
Segundo o próprio Prestes “a última tentativa de mudar a resolução foi na reunião de maio de 1979,
acreditava que se o cerne da crise nacional era o poder dos monopólios então era a classe operária que deveria
estar à frente do processo, a classe operária era a única conseqüente na luta contra os monopólios, por isso o
Partido deveria ser classista e não policlassista”. Citado por Denis de M
ORAES e Francisco VIANA, 1997, p.
240
52
A conquista de uma democracia de massas exigia a realização da democracia de forma plena, política, social e
econômica: “Nós, comunistas, não podemos abdicar de nossa condição de lutadores pelo socialismo,
restringindo-nos à suposta ‘democracia’ que nos querem impingir agora os governantes, nem às conquistas
muito limitadas pela atual ‘abertura’, que na prática exclui as grandes massas populares (...) Um partido
comunista não pode, em nome de uma suposta democracia abstrata e acima das classes, abdicar do seu papel
revolucionário e assumir a posição de freio dos movimentos populares, de fiador de um pacto com a burguesia,
em que sejam sacrificados os interesses e as aspirações dos trabalhadores [...] Ao contrário, para os
comunistas, a luta pelas liberdades políticas é inseparável da luta pelas reivindicações econômicas e sociais das
massas trabalhadoras [...]”.
(PRESTES, 1980, p. 26-27).
76
Comunistas do companheiro Luiz Carlos Prestes”, VOZ DA UNIDADE, n° 8, 22 a 28/05/1980,
p.13). Na fase por qual passava o país, e onde a ditadura era o principal inimigo a combater,
não seria possível falar em frente de esquerda ou colocar uma ou outra força como “força
motriz” da frente democrática: visto o objetivo de derrotar a ditadura e conquistar um Estado
democrático, a união de forças, interessadas ou não no socialismo, era a opção mais acertada
naquele momento.
A direção veria na postura do seu secretário-geral, a manifestação do
“esquerdismo” reinante no pré-64, que impedira durante muito tempo a renovação
democrática do partido e do qual os dirigentes tentavam se livrar desde o golpe militar de
1964.
Nesse sentido, o ataque promovido por Prestes à política do 6°Congresso, e a
violação dos princípios partidários dariam à direção à oportunidade que faltava para liquidar
de vez o “prestismo” nas hostes do PCB, consolidar a hegemonia do novo núcleo dirigente e
garantir a coesão em torno da política democrática. (Cf. LIMA, 1995, p.267-298) A
legitimidade da política democrática precisava ser afirmada:
Neste momento, importa menos defender a atuação da direção comunista do
que a política do VI Congresso [...] consideramo-nos, antes de mais nada,
comprometidos com essa linha e a serviço dela. Trata-se de uma linha
política, vale a pena reiterá-lo, que visa orientar a ação do Partido Comunista
Brasileiro no rumo de uma política de massas [...] Conseqüentemente, trata-
se de uma linha que condena o golpismo, o “esquerdismo”, a busca de
perigosas tensões como método obsessivo de um suposto caminho
revolucionário.
(Declaração Política do CC. “Comunistas respondem
ao secretário-geral”, VOZ DA UNIDADE, n° 2, 10 a 16/04/1980, p.3)
Dessa forma, o processo de “depuração”, renovação da máquina partidária e
afirmação da política democrática que se impulsionou no pós-golpe passou a ser direcionado
contra Prestes e os “prestistas”. (LIMA, 1995, p. 268) A divergência com a esquerda que
tomara corpo nos anos de 1964-67 encontrou assim seu desfecho final nos primeiros anos da
década de oitenta, com a disputa interna entre os impulsionadores da política democrática
(direção e corrente renovadora) e o resquício da esquerda que não havia rompido em 1967,
77
expresso na figura de Prestes. A “demolição” das posições de Prestes e de seu grupo seria
realizada pela “corrente renovadora”, através das páginas da Voz da Unidade até meados de
1981
53
. (LIMA, 1995, p. 268)
A aliança estratégica do centro dirigente com a corrente renovadora permitiria a
esta última exercer um papel fundamental no processo de “modernização” das concepções
partidárias. A primeira fase da Voz da Unidade, entre março de 1980 e julho de 1981
exemplifica bem essa aliança
54
.
O que possibilitaria a aliança entre as duas correntes num primeiro momento seria
a crença no processo de democratização em curso e na visão de que o país vivia plenamente
sua revolução burguesa, a fase econômico-social se completara, portanto, cabia centrar a luta
nos aspectos políticos da revolução burguesa, por isso, a democracia devia aparecer como
centro da tática e da estratégia do PCB (CARONE, 1982, p. 10) A partir dessa conclusão,
renovadores e centristas fechavam juntos na defesa da frente democrática, na necessidade da
“unidade contra o retrocesso”, na defesa da aliança com os liberais e na defesa do
MDB/PMDB.
O que afastaria os renovadores do centro dirigente, seria principalmente sua noção
de democracia e sua visão da renovação da máquina partidária. No que se refere à noção de
democracia, os renovadores buscavam promover uma substantivação do tema democrático
dentro partido e em sua estratégia. A maior parte das idéias renovadoras no que diz respeito à
questão democrática estavam sintetizadas no ensaio de Carlos Nelson Coutinho “A
53
Oficialmente Prestes foi substituído na secretaria-geral em maio de 1980 por Giocondo Dias, que permaneceu
no cargo até o 8º Congresso em julho de 1987.
54
Entre março de 1980 a julho de 1981 a redação da Voz da Unidade estava dividida entre renovadores e
centristas: Armênio Guedes e Gildo Marçal Brandão pelos renovadores, Lyndolfo Silva e Teodoro Mello, pelo
centro. (Hamilton Garcia de L
IMA, 1995, p. 361, nota 79) Em 1981 criaram-se dois conselhos de direção
predominantemente integrados pela corrente renovadora: um em São Paulo, composto por Antonio Gaspar,
David Capistrano Filho, Francisco de Almeida, Gildo Marçal Brandão, Luiz Arturo Obojes, Marcos A. Coelho
Filho, Marco Aurélio Nogueira, Marco Daminiani, Marco Moro, Rachel Soares, Reinaldo Belantini e Rute
Tegori; e outro no Rio de Janeiro, formado por Carlos A. Lopes, Ivan Ribeiro, Leandro Konder, Luiz Werneck
Vianna, Mauro Malin, Rogério Marques Gomes e Teresa Otonni. Ver Raimundo S
ANTOS, 1992, p. 84.
78
Democracia como Valor Universal”, de 1979. Marcando a posição renovadora, a discussão
promovida por Coutinho, em tese, procurava fugir ao esquema em voga de uma democracia
tática ou de uma democracia liberal. Além de sinalizar para se pensar a democracia longe de
instrumentalismos, Coutinho e os renovadores tentavam pôr em pauta a noção de uma
democracia substantiva, de um projeto democrático-socialista que ultrapassasse a discussão
restrita da relevância da democracia para a derrota da ditadura
55
.
O que se apontava na discussão feita por Coutinho, era que a democracia não
podia ser apenas uma resposta para o momento específico que vivia a sociedade brasileira –
como indicava a postura da direção - muito menos uma “etapa” no caminho do socialismo, a
se abandonar posteriormente, pelo contrário, devia ser, sobretudo a base da alternativa para
todos os problemas nacionais e para a construção de uma sociedade socialista, ou seja, um
patamar mínimo que se conservaria e aprofundaria no socialismo
56
. (COUTINHO, 1980, p.34).
Os renovadores buscavam promover dessa forma uma substantivação da democracia na
estratégia comunista, ao ligar a democracia liberal à democracia socialista.
Essa discussão acerca da questão democrática seria realizada, sobretudo pelos
renovadores do Rio de Janeiro que além de Carlos Nelson Coutinho, tinha entre seus
integrantes Armênio Guedes, Leandro Konder, Luiz Werneck Vianna, entre outros. Grande
parte das idéias enfatizadas pelos renovadores cariocas era uma influência direta das teses do
PCI (Partido Comunista Italiano) e obviamente do contato de alguns desses intelectuais no
55
A tentativa de promover essa revalorização do tema democrático no Partido, provinha do reconhecimento, por
parte de Coutinho e dos renovadores, de que havia uma subestimação do valor dado à democracia na estratégia
do partido rumo ao socialismo. Diante do questionamento que se abria em torno da política de “frente
democrática”, criticava-se a “falsa” e “mecânica” compreeno da democracia como expediente tático, relevante
somente no contexto da necessidade de união de todas as forças oposicionistas para derrotar o regime. Carlos
Nelson C
OUTINHO, 1980, p.21.
56
Nesse sentido, a democracia ou muitas das liberdades conquistadas em seu exercício se constituíam num fim
indissociável do socialismo e, num “valor histórico-universal”. A validade histórico-universal da democracia e
dos institutos criados por ela, se resumia à sua função de
79
exílio com as experiências democrático-socialistas em curso nos principais países da Europa,
em particular na Itália.
O problema visto pela direção na tentativa dos renovadores de substantivação da
democracia na estratégia comunista, seria o “direitismo” ou “reivisionismo” a que ela
conduziria: assim como o “esquerdismo” o “direitismo” era visto pela direção como um
desvio da luta ideológica que cabia combater
57
.
No que se refere à questão da renovação da máquina partidária, os renovadores
buscavam romper com os vícios e os erros do passado no projeto de transformação do PCB
em um partido democrático de massas. Os paulistas seriam a principal vertente da corrente
renovadora a se empenhar nesse projeto de renovação do partido, muito por se encontrarem
atrelados à estrutura partidária - pois detinham a direção do Coletivo de Dirigentes
Comunistas de São Paulo -, num grau maior do que os renovadores do Rio de Janeiro.(LIMA,
1995, p.282)
A concepção de renovação dos paulistas nascia, sobretudo, da sua atividade
política, da experiência ganha no processo de reorganização do PCB em São Paulo, entre os
anos de 1976-1979
58
. Desde o princípio de seu trabalho, o objetivo dos paulistas seria uma
política de rearticulação que estivesse livre dos vícios e das concepções envelhecidas que
57
Segundo Giocondo Dias “as tendências direitistas e esquerdistas são, na realidade, pólos complementares.
São irmãs gêmeas: ambas correspondem a uma posição oportunista, embora encobrindo seu conteúdo de forma
diferenciada [...] Tanto as posições de direita quanto as de esquerda, quando não combatidas, levam à
postergação das múltiplas tarefas partidárias. Tanto uma como outra conduzem quer à expectativa, à
passividade, à conciliação, quer, sob as mais variadas formas, à aventura, à omissão e à falta de ímpeto
revolucionário, à precipitação e à acomodação ” Giocondo D
IAS, “A Luta Ideológica e os Desvios” 13-
20/11/1981, 1983, p. 64.
58
O grande problema do processo de reorganização do PCB, após as quedas de 1974-75 foi a ausência da
direção nacional que se encontrava no exílio. Essa distância ao mesmo tempo em que impossibilitou a direção no
exílio de participar efetivamente do processo de reestruturação do partido, possibilitou um “afrouxamento dos
controles partidários” internos, o que levou a constituição de “centros dirigentes dispersos”, ou a uma
descentralização do poder partidário. (L
IMA, 1995, p.423) Essas novas lideranças que surgiram no vazio deixado
pela direção nacional, entraram em contato com novas formas de organização partidária e de direção, levando
por sua vez ao questionamento de velhos dispositivos partidários. Essas novas lideranças se uniriam ao grupo de
dirigentes e intelectuais do PCB que voltavam do exílio, e ao lado desses engrossariam o coro pela renovação
democrática do PCB, dando origem a corrente renovadora.
80
tolhiam a ação dos comunistas na sociedade nacional e que contribuísse para a emergência de
um partido mais democrático. (SANTOS, 1992, p. 56-57),
Todavia, a preocupação central dos paulistas no processo de reorganização do
PCB no Estado seria a de promover a renovação do partido, mas sem romper com a unidade
interna. Enfatizavam que:
O maior risco a ser evitado no processo de reorganização do partido é a
quebra da unidade política, ideológica e de ação. As iniciativas de quantos
esteja, preocupados em reagrupar nossas fileiras devem sempre levar em
conta a questão da unidade [...] unidade em torno dos princípios de
organização, expresso nos Estatutos; unidade em torno de nossa teoria, o
marxismo-leninismo; unidade em torno de nossa linha política expressa na
Resolução Política do VI Congresso e nos documentos do partido; unidade
em torno do CC do partido [...]
(Comunicado n° 1 Setembro de 1977. In:
O PCB EM SÃO PAULO: DOCUMENTOS (1974-1981), 1981, p. 26,
grifos nossos)
Apesar dessa ênfase na “unidade com renovação” a atividade dos renovadores em
São Paulo e o grau de autonomia adquirido pelo CEDC/SP seriam vistos pela direção como
uma atividade paralela ao trabalho da direção nacional, um risco real à sua autoridade e uma
violação do princípio do centro único dirigente ou do “centralismo democrático”
59
.
Assim, após a derrota das posições da esquerda prestista na luta interna, a
“corrente renovadora” é que passou a representar um risco ao projeto de recuperação do
controle partidário e, portanto uma ameaça a combater. A ofensiva da direção contra a
corrente renovadora se daria em duas fases: a primeira através da intervenção e destituição de
seus membros da redação e dos conselhos de direção da Voz da Unidade em julho de 1981; e
59
Em março de 1982 os paulistas realizaram seu Encontro Estadual pela Legalidade do PCB, uma
complementação do Encontro Nacional (8° Congresso) que se iniciaria naquele ano. Os paulistas aprovariam as
Teses preparatórias para o 8° Congresso com algumas ressalvas e ratificariam seu lema “renovação com
unidade”, ao defender a “normalização do relacionamento” entre o centro dirigente e o CEDC/SP em prol da
unidade partidária. Entretanto a direção não reconheceria a legitimidade do documento, “Unidade, Renovação,
Democracia”, aprovado naquele encontro, pois entediam que ele se contrapunha à Alternativa que vinha sendo
elaborada pelo PCB, ou seja. Ver Documentos: Unidade, Renovação, Democracia. Encontro Resoluções do
Encontro Estadual de São Paulo pela Legalidade do PCB, 1982.
81
a segunda através, da intervenção e destituição dos renovadores do Coletivo Estadual de
Dirigentes Comunistas de São Paulo, em princípios de setembro de 1983.
Na primeira ofensiva, os renovadores do Rio de Janeiro se afastaram do PCB,
apesar de ainda participarem dos debates realizados em torno das Teses para o 7° Congresso.
Fora do PCB a maioria destes ingressou no PMDB e outros mais tarde no PT. Os paulistas
60
,
só romperam com o PCB em agosto de 1983: cientes da decisão da direção de intervir na
direção no CEDC/SP, os paulistas lançaram um documento intitulado “Chegou a Hora da
Verdade” em 31 de agosto de 1983, no qual rompiam preventivamente com o partido e
expunham suas divergências.
Nesse documento denunciavam os descaminhos da orientação do partido, entre as
quais: a luta falaz pela legalização e pela legitimação do PCB frente ao Estado
61
; o
distanciamento do partido em relação aos trabalhadores, aos intelectuais e ação política
cotidiana; a errônea separação entre o “empenho de negociação” e o “empenho de luta”; a
fragmentação do 7° Congresso e, sobretudo, o bloqueamento do processo de renovação, que
se desenvolvera até o regresso dos dirigentes em 1979-1980.(Doc do CEDC/SP 31 agosto de
1983 “Chegou a Hora da Verdade”. In: PARA RENOVAR A POLÍTICA DOS COMUNISTAS, 1983).
60
Após a intervenção na Voz da Unidade, diversamente dos renovadores do Rio de Janeiro, os paulistas optaram
por continuar a batalha pela renovação da máquina e de suas concepções, dentro do partido. Sua visão da
importância da máquina e da unidade subsidiou essa decisão: os paulistas ainda acreditavam na superação da
crise entre as duas instâncias em prol da unidade do PCB. Na verdade, se fiavam no fato de que ainda detinham
um importante instrumento na luta pela renovação partidária: o Coletivo de São Paulo.
61
Segundo o CEDC/SP “sempre entendemos que a legalidade da ação política dos comunistas repousava na
legitimidade de nossa ação [...] ora, assistimos nos últimos meses a uma contraposição mecânica e oportunista
entre legalidade e legitimidade. Isto nos planos interno e externo. [...] A nossa direção central [...] busca
desesperadamente uma legitimidade interna que lhe escapa das mãos, e com esta inflige sérios danos à nossa
legitimidade na sociedade, desligando-nos das correntes profundas do movimento social. Procurando enfrentar
nossas diversas dificuldades com uma arraigada mentalidade grupista, busca afirmar-se em uma falaz luta
pela legalidade que nos rouba credibilidade e nem por isto garante o fim almejado”. (Coletivo Estadual de
Dirigentes Comunistas de São Paulo, “Chegou a Hora da Verdade”, In: D
OCUMENTO: FOLHETO. Para renovar a
política dos comunistas, 1983, grifos nossos)
82
Todos esses descaminhos levavam os dirigentes paulistas a constatar a
“ilegitimidade” do que denominavam “direção residual” e a impossibilidade de continuar a
batalha pela renovação comunista dentro do PCB. A maior parte dos renovadores paulistas
optou pelo afastamento do partido e pela unidade no PMDB e em torno do programa de doze
pontos exposto pelo presidente daquele partido, Ulysses Guimarães. Outros optaram por uma
aliança tardia com o que ainda restava da esquerda, mas que não teria êxito em grande medida
pelo fato da esquerda já estar neutralizada e não representar uma posição de peso nos rumos
da política partidária
62
.
Para a maioria dos coletivos municipais e distritais que se solidarizavam com o
CEDC/SP, a intervenção revelava o “completo desvirtuamento do processo de renovação”
que se desenvolvia, e a opção pela solução dos problemas pela via administrativa. A ameaça
de “liquidacionismo” utilizada como justificativa pela direção apenas ocultava a necessidade
de uma avaliação sobre o desempenho da direção e de sua burocratização. (Cf. D
OCUMENTOS:
FOLHETO. Para Renovar a política dos Comunistas, 1983, s/p)
Tanto pelo lado dos paulistas quanto dos cariocas, o afastamento justificava-se
pela impossibilidade de continuar a “batalha” pela renovação da teoria e da prática comunista,
dentro do PCB.
O fato era que, com a supressão das ameaças “esquerdistas” e “revisionistas” o
PCB estava pronto e livre para dar prosseguimento a sua política democrática.
62
Em 1983, quando da intervenção no CEDC/SP e afastamento dos dirigentes, os renovadores paulistas tomaram
a iniciativa de criar um órgão de circulação de suas idéias. Na empreitada de criação da Revista Presença,
contaram com o apoio dos renovadores cariocas, também fora do partido. A partir de então, o diálogo com o
PCB realizar-se-ia através das páginas da revista. Editada em São Paulo, pela Editora Caetés, a revista Presença
circulou entre novembro de 1983 e junho de 1992.
83
2.2 A Alternativa” para a crise nacional: a proposição de uma nova estratégia
A principal alteração na visão do partido expressa nas Teses preparatórias ao 8°
Congresso e sintetizadas no documento “Uma Alternativa Democrática para a crise
brasileira” – e que nos interessa apontar aqui – seria na compreensão da objetivação do
capitalismo no Brasil
63
. As Teses reconheciam que a evolução do capitalismo brasileiro ou a
efetivação da revolução burguesa se afirmara, mas sem a liquidação de traços estruturais pré-
capitalistas, particularmente o latifúndio, e à base da aliança de grandes grupos da burguesia
brasileira com o capital estrangeiro. Nesta “via de desenvolvimento dependente” - em que o
capital estrangeiro penetrara “em larga escala na estrutura produtiva brasileira, estendendo
seu domínio sobre a economia nacional” e a penetração do capitalismo na agricultura se
fizera através da conservação e ampliação da forma latifundiária de propriedade – formara-se
uma complexa estrutura econômica, de articulação entre formas avançadas e atrasadas, que
aprofundaria as contradições da estrutura econômica nacional. (VOZ DA UNIDADE, n° 55,
Teses para um Debate Nacional de Comunistas pela Legalidade do PCB, 08/05 a 14/05/1981,
tese 9)
Essa política de modernização, empreendida sob a tutela do regime militar, da
articulação com os monopólios internos e do imperialismo, conduzira o capitalismo brasileiro
à etapa monopolista, processo que por sua vez alcançara rapidamente a indústria, o comércio,
os bancos, os transportes e a agricultura. O Estado brasileiro adquiria neste quadro um novo
papel, sua ação subordinava-se aos interesses dos grandes monopólios internacionais. O
capital estrangeiro, na realidade, não era mais um elemento externo às determinações do
63
Ver Voz da Unidade, n° 55 “Teses para um Debate Nacional de Comunistas pela Legalidade do PCB”, 8/05 a
14/05/1981, Suplemento Especial e o documento resultante do 8° Congresso, Uma Alternativa Democrática para
a crise brasileira, 1984.
84
Estado brasileiro e sim um elemento estrutural constitutivo do mesmo, isto porque
interiorizara suas exigências.
Essa nova configuração levara à formação de uma burguesia predominantemente
monopolista, e no seio dela a formação de uma oligarquia financeira - grupos financeiros
nacionais e uniões internacionais -, que em articulação com a oligarquia latifundiária e com a
alta tecnocracia estatal se constituiria no segmento social mais reacionário da sociedade
brasileira, a dominar o Estado brasileiro. Esses grupos se ergueriam como as superestruturas
dominantes na economia nacional
64
. (Teodoro Melo, Subsídio para estudo da Alternativa.
VOZ DA UNIDADE, n° 229, 30/11 a 06/12/1984)
O traço positivo dessas transformações seria a formação de um grande contingente
populacional assalariado - que contribuiria para o fortalecimento da sociedade civil e elevação
da consciência política -, tanto com a conversão da classe operária na maioria da população
economicamente ativa, e no seu significativo nível de organização e profissionalização,
quanto com a emergência de uma classe média urbana proletarizada
65
.
Todo esse processo e a nova configuração da sociedade brasileira teriam alterado
significativamente, segundo o PCB, o desencadeamento do processo revolucionário brasileiro,
e por conseqüência colocavam em novos patamares as lutas democrática e nacional. O grande
diferencial era que a opressão já não seria exclusivamente sobre a classe operária, mas sob a
sociedade brasileira como um todo.
De acordo com Teodoro Melo, antes da elevação do capitalismo brasileiro à etapa
monopolista, a classe latifundiária seria a fonte principal de “antidemocratismo” da sociedade
64
As Teses enfatizavam que com o golpe de 1964 e a instalação da ditadura, a burguesia não-monopolista ou a
“burguesia nacional” fora expulsa dos centros decisórios do país e perdera não só sua independência econômica,
mas também sua capacidade de atuar como uma “força revolucionária”.
65
As Teses reconheciam, porém, que o principal mecanismo acionado para que se alcançassem os elevados
índices de crescimento econômico dos anos de 1968-1973, constituíram-se na superexploração da classe operária
e na subtração da renda da imensa maioria da população - através da inflação, do confisco salarial, e do
endividamento externo e interno. (V
OZ DA UNIDADE, n° 55, Teses para um Debate Nacional de Comunistas pela
Legalidade do PCB, 08/05 a 14/05/1981, tese 10)
85
nacional, ou o principal fator a bloquear a expansão dos direitos políticos e da democracia no
país. A fonte do antidemocratismo era assim exclusivamente interna. A luta nacional, por sua
vez, impunha o combate a um “inimigo externo”, o imperialismo, que apesar de possuir
agentes internos, não se localizava no Brasil e muito menos dominava o Estado e a economia
nacional. Assim, a luta democrática e a nacional guardavam uma clara autonomia e
individualidade entre si. (Teodoro Melo, Subsídio para estudo da Alternativa, VOZ DA
UNIDADE, n° 229, 30/11 a 06/12/1984)
A luta no interior da sociedade brasileira dava-se de tal modo entre o bloco de
forças nacionais e democráticas e o bloco de forças reacionário e imperialista, isto porque
acreditavam os comunistas que boa parte da burguesia brasileira, tinha interesses no
desenvolvimento autônomo nacional e progressista do país, podendo assim se aliar às demais
forças democráticas no projeto de combate ao imperialismo e de um desenvolvimento
nacional-progressista. A estratégia nacional-democrática se justificava, dentro desse quadro,
na medida em que ainda subsistiam as causas econômico-sociais que uniam as forças
nacionais e democráticas.
Entretanto, o golpe de 1964, o aprofundamento de uma “via dependente de
desenvolvimento” e a penetração do capital estrangeiro e do imperialismo na estrutura
produtiva e no Estado brasileiro, além de elevarem o capitalismo nacional à etapa
monopolista, modificariam de forma decisiva essa luta: primeiro, porque, segundo as Teses,
desapareciam as “condições objetivas” que dimensionavam positivamente o papel da
“burguesia nacional” e, por conseguinte o bloco das forças revolucionárias passava a integrar
somente a classe operária, o campesinato e a pequena burguesia urbana ou a classe média
assalariada
66
; segundo, e mais importante, porque a presença dos monopólios capitalistas
66
Mas dentro da lógica de derrota do militarismo seguida pelo PCB, as tarefas desse bloco ainda não se
colocavam, pois era primeiro preciso derrotar a ditadura e para isso ainda se fazia necessária a união das mais
diversas forças políticas.
86
(união entre os grupos reacionários internos e externos) na economia e na política nacional, já
não permitiria separar ou distinguir as fontes de antidemocratismo e de antinacionalismo, elas
estariam unidas e representadas pelos monopólios capitalistas. Isto tornaria as lutas, nacional
e democrática, inseparáveis
67
.
Com a interdição do caminho nacional pela via da economia e elevação à etapa
burguesa de desenvolvimento, a luta nacional para sua equação tendia a se ligar à luta
política-democrática: esta passaria a ter o potencial e as possibilidades para equacionar a
questão nacional.
Na realidade vivida pela sociedade brasileira naquele momento, os monopólios
capitalistas estariam representados pelo Estado militar vigente desde 1964, a proposta das
Teses para a superação da crise nacional seria então a seguinte: primeiro era necessário
promover a derrota do regime militar e sua substituição por um governo de transição
democrática; posteriormente, com a ultrapassagem dessa etapa de transição, colocar-se-ia a
necessidade de construção de uma “democracia de massas”
68
, que abriria caminho para as
transformações de ordem socialistas. Basicamente, esta seria a “alternativa democrática” do
PCB para a crise nacional, expressa pelas Teses e que se confirmaria no documento base do
VII Congresso, “Uma Alternativa Democrática para a Crise Brasileira”.
67
Na verdade, como enfatizava Teodoro Melo “O capitalismo, em seu estágio monopolista, é, em toda à parte,
por necessidade objetiva de sua reprodução, intrinsecamente antidemocrático, e tende a lançar mão de formas
autoritárias e fascistas de dominação de classe para assegurar-se a extração de superlucros de toda a
sociedade (...) O resultado dessas mudanças todas foi que a luta democrática assumiu entre nós um conteúdo
novo. Sem deixar de ter a oligarquia latifundiária como um alvo, passou agora a desenvolver-se principalmente
sob a forma de luta contra o poder político dos monopólios [...]” (Teodoro Melo, Subsídio para estudo da
Alternativa, V
OZ DA UNIDADE, n° 229, 30/11 a 06/12/1984, p.4)
68
Segundo as Teses somente uma democracia de massas poderia garantir a vitória das forças democráticas sobre
o poder dos monopólios e um padrão de desenvolvimento econômico e social progressista, assim enfatizavam:
“[...] lutamos pelo fortalecimento do conjunto da sociedade civil, ou seja, para que os cidadãos possam
expressar as suas idéias e aspirações através de uma rede de organizações de base (sindicatos, comissões de
empresa, associações de bairro e profissionais, comunidades de inspiração religiosa, etc.) capazes de intervir
na solução dos problemas específicos que lhes dizem respeito e, partindo destes, na decisão das grandes
questões nacionais. Só esta democracia de massas, organizada de cima para baixo, poderá assegurar a
formação e a participação cada vez maior de um amplo bloco democrático, antiimperialista e antimonopolista
na política nacional”. V
OZ DA UNIDADE, n° 55, Teses para um Debate Nacional de Comunistas pela Legalidade
do PCB, 8/05 a 14/05/1981, p. 17-19, tese 23.
87
Nessa primeira etapa, onde o obstáculo a se superar era o militarismo - maior
representante do poder político-econômico dos monopólios – todas as ações políticas legais
que pudessem contribuir para fortalecer as posições do bloco democrático e enfraquecer as do
bloco reacionário, seriam válidas e importantes. Particularmente porque, em vinte anos à
frente do Estado e da economia nacional a reação interna e o imperialismo basearam seu
poder na supressão ou restrição da democracia política. (DOCUMENTO: Uma Alternativa
Democrática para a Crise Brasileira, 1984, p.158)
É nesse sentido que o PCB se voltará, para a necessidade do ganho político,
defendendo no plano político geral todas as lutas capazes de acumular forças para a derrota e
ultrapassagem do militarismo. Entre elas:
- A “unidade” das forças democráticas e oposicionistas para além das divergências
partidárias, políticas e até, mesmo ideológicas;
- A luta pela convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte, um caminho
“pacífico” e democrático” capaz de selar a sorte do autoritarismo e equacionar os
problemas das massas, e que possibilitaria a criação de um novo patamar político-
econômico;
- A defesa da atuação dentro Parlamento e no processo eleitoral, concebido como um
momento propício para a mobilização, organização e unificação das massas populares
e da consciência democrática (V
OZ DA UNIDADE, n° 55, Teses para um Debate
Nacional de Comunistas pela Legalidade do PCB, 08/05 a 14/05/1981, tese 26, p.21);
- A necessidade de um “entendimento” nacional capaz de dar margem à elaboração de
um “programa comum” das oposições, para por termo à ditadura e subsidiar a
transição para a democracia;
88
- E por último, mas não menos importante, a luta pela sua própria legalidade, vista
como um elemento básico para o reordenamento democrático, e que devia se constituir
num divisor de águas entre a ditadura e a democracia
69
.
Todas essas lutas contribuiriam, segundo o PCB, para o debilitamento do regime
militar e, por conseguinte para a “desobstrução” do caminho para a construção de uma
democracia de massas e de uma sociedade socialista.
2.3 Limites e debilidades da proposta democrática do PCB apontados na discussão
interna
Por lançar as bases para a nova estratégia do PCB, as Teses deviam ser, por um
lado, o ponto de partida para se pensar e discutir as mudanças na sociedade brasileira e por
outro, o instrumento pelo qual o PCB devia expressar e sintetizar seu novo entendimento da
realidade, seus projetos e alternativa para a crise nacional e para sua própria crise interna.
Deviam ser assim o lugar e o momento por excelência, para se abordar os problemas que
emergiam em sua estrutura.
Porém, as Teses e posteriormente a reiteração de suas bases pela Alternativa
frustraram “os que esperavam do PCB uma contribuição para a elaboração de uma
alternativa política para o país”. (Marco Aurélio Nogueira, “As Teses que não Temos”, VOZ
DA
UNIDADE, n° 86 11/12 a 18/12/1981, Suplemento/Debate) Bem verdade, que havia nas
Teses sinais de um esforço em assimilar parte das conquistas e discussões teóricas dos
69
De acordo com as Teses, “sendo o anticomunismo o principal pretexto utilizado pela ditadura para a
repressão às forças democráticas em geral, o reconhecimento do direito à organização dos comunistas
significaria uma vitória e um benefício ao conjunto destas forças”. (V
OZ DA UNIDADE, n° 55, Teses para um
Debate Nacional de Comunistas pela Legalidade do PCB, 08/05 a 14/05/1981, p.22, tese 29)
89
comunistas brasileiros nos últimos tempos e também em se reconhecer as mudanças na
sociedade nacional, como por exemplo, a necessidade de um partido e de uma democracia de
massas compatíveis com essas novas demandas. Mas, segundo os debatedores - tanto à
esquerda quanto à direita - as Teses, não iriam a fundo nas questões-problemas em voga,
realizariam uma abordagem superficial e inconsistente desses problemas ou simplesmente
banalizariam e ocultariam os problemas do partido, sua crise, a ruptura de Prestes, os
problemas do “campo socialista”, entre outras questões.
A emergência dos problemas estruturais (burocratismo, enrijecimento do partido e
de sua teoria, anacronismo da organização partidária, etc.) e a recusa do partido em investiga-
los apenas atestava as dificuldades da direção partidária em lidar com seus problemas.
Na prática, essa recusa por parte da direção seria assinalada no debate interno,
principalmente pela corrente renovadora - como o principal obstáculo e a principal debilidade
da proposta do PCB para apontar um caminho legítimo rumo à superação da crise nacional.
Afinal, como promover uma mudança real na política do partido ou apontar uma alternativa
para a crise nacional, sem o necessário balanço de sua atividade político-partidária até ali, sem
um necessário “acerto” de contas? Que tipo de renovação resultaria de um processo sem esse
contrapeso? E mais importante, como falar em democracia ou em caminho democrático se
internamente não, se discutiam as divergências e optar-se-ia por métodos nada democráticos
para sua solução?
Esses questionamentos dilaceraram o partido, a “unidade” defendida no plano
político geral não encontraria ecos em seu interior. Na verdade, como vimos, essa unidade no
plano político, só se manteria às custas de um saldo interno negativo: a ruptura e o
afastamento de Prestes, a marginalização dos renovadores - cariocas e paulistas - e a
conseqüente perda de seus quadros intelectuais mais aguerridos.
90
Mas, não podemos esquecer, que antes de sua marginalização do partido, a
corrente renovadora, e mais precisamente o grupo do Rio de Janeiro ainda procuraria marcar
suas posições, já de fora do partido, no debate preparatório ao 8° Congresso entre julho de
1981 e fevereiro de 1982
70
. Na realidade, a ruptura dos vínculos com o partido contribuía,
para uma exposição clara e marcada de suas divergências com a orientação da direção e os
rumos que tomava o processo de renovação.
Convém lembrar que na abertura das discussões a esquerda ou os “prestistas”
apesar de continuarem no partido já estavam desbaratados e com a saída de Prestes
praticamente não representavam uma corrente de peso na discussão interna, capaz de influir
nos rumos da orientação política
71
. A ofensiva contra a corrente renovadora, por sua vez,
apenas se iniciava com a retomada do controle pela direção da Voz da Unidade.
A contribuição dada por esse grupo no debate interno traria à tona problemas de
fundo da teoria e prática do partido, mas intocáveis pela maioria. Além da questão do
anacronismo político-partidário apontada, as críticas desse grupo também recaiam sob a
abordagem superficial - realizada pelas Teses - dos problemas do “socialismo real” e sob a
limitação da proposta democrática do PCB.
No que tange à questão internacional, as Teses seriam criticadas pela ausência de
uma abordagem razoável da situação em que se encontrava o mundo socialista, do problema
do “cisma” entre União Soviética e China, dos movimentos por democratização que
emergiam nos países do Leste, sobretudo na Polônia e Hungria, e conseqüentemente dos
70
Divulgadas as Teses para discussão e estudo interno em maio de 1981, o debate se abriu oficialmente nas
páginas da Voz da Unidade, em julho daquele ano, em seu n° 64, de 10 a 16/07/1981, e se encerrou em fevereiro
de 1982, no n° 94 de 19/02 a 04/03/1982.
71
De acordo com Hamilton Garcia os “prestistas” se dividiam em dois grupos, “os residuais e os condicionais.
Os primeiros seguiam Prestes por absoluta fidelidade e identidade de pontos de vista, os segundos enxergavam-
no com extrema simpatia por representar uma vertente mais combativa no seio do núcleo dirigente, mas não
estavam dispostos a segui-lo a todo custo”. Assim, quando Prestes se afastou do partido e os deixou “órfãos” na
luta interna, este grupo sofreria uma significativa “atração pela política centrista” e acabariam neutralizados na
luta interna. Por isso encontramos uma grande dificuldade para a identificação de seu posicionamento nas
discussões abertas no caderno de Suplemento de debates da Voz da Unidade. Hamilton Garcia de L
IMA, 1995, p.
353-354, Nota 58.
91
problemas decorrentes da supressão da democracia política nos regimes comunistas, etc.
(Leandro Konder “Força e Fraqueza das Teses” VOZ DA UNIDADE, n° 64 10 a 16/07/1981,
Suplemento/Debate; Ney Moura Teles “A união Soviética não é o Papa”, VOZ DA UNIDADE,
n° 68 08 a 15/08/1981, Suplemento/Debate)
Por trás das críticas renovadoras ao modelo soviético o que realmente se
questionava era como podia o partido ensaiar uma estratégia democrático-socialista, sem o
devido balanço e reflexão crítica dos problemas do “socialismo real” ou passando longe da
discussão dos vínculos entre democracia e socialismo. Esse contrapeso seria imprescindível
para a readequação da estratégia comunista em países como o Brasil
72
.
Mas a maior fonte de polêmica e crítica no debate interno, tanto entre a esquerda
quanto entre a corrente renovadora, seria mesmo a nova estratégia do partido e o
privilegiamento, nela expresso, da questão democrática.
Para os renovadores, a mera colocação da centralidade na questão democrática
não significava na prática, uma centralidade real. Segundo essa crítica, as Teses não
conseguiam se libertar do velho “projeto de emancipação nacional”, respaldado por uma
aliança entre burguesia e classe operária e da tese dos obstáculos históricos ao
desenvolvimento brasileiro
73
.
Essa superficialidade da centralidade democrática na política comunista levava o
PCB inclusive, a restringir a luta democrática à conquista da democracia política. O que os
72
Na Alternativa apesar das ressalvas feitas à situação dos países socialistas, o PCB reiterou sua posição de
apoio e defesa ao modelo soviético. Segundo a Alternativa, o “criticismo” - surgido em segmentos do MCI face
às dificuldades no sistema socialista - tomava algumas das mazelas da experiência socialista, mas sem a devida
“contextualização histórica”, que levava esses segmentos a uma “negação doutrinária” e a uma postura anti-
soviética. Na verdade, de acordo com a Alternativa a problemática do socialismo não podia ser reduzida à suas
dificuldades: “o que é mais essencial não reside aí, numa apreciação histórica correta, essencial é o conjunto de
tendências permanentes que operam no desenvolvimento das experiências socialistas”. (D
OCUMENTOS: UMA
ALTERNATIVA DEMOCRÁTICA PARA A CRISE BRASILEIRA, 1984, p. 47)
73
A centralidade democrática ficava ambígua com a afirmação que “dada à estrutura e o estágio do capitalismo
em nosso país, a contradição fundamental da sociedade brasileira, opõe em primeiro ligar, o povo à aliança do
imperialismo com seus sustentáculos internos”. (V
OZ DA UNIDADE, n° 55 Teses para um Debate Nacional de
Comunistas pela Legalidade do PCB, 8/05 a 14/05/ 1981)
92
renovadores apontavam era que, se o partido almejava construir uma alternativa democrática
consistente para a crise brasileira, esta não podia ser apenas a resposta para a erradicação do
passado autoritário. (Rafael Alvarez, “Reflexões sobre o Debate Atual”, VOZ DA UNIDADE, n°
94, 19/02 a 04/03/1982, Suplemento/Debate)
Isto porque de acordo com Leandro Konder, para a construção de uma alternativa
democrática consistente não bastava a garantia de não retroceder – como parecia indicar a
postura do partido - era preciso também se capacitar para “avançar”. (Leandro Konder,
“Força e Fraqueza das Teses”, V
OZ DA UNIDADE, n° 64 10/07 a 16/07/1981). Além do mais
a luta pela democracia política, nos termos em que se colocava, podia induzir a uma excessiva
confiança no legalismo. (Lino Santana, “As Bases e o específico da política dos comunistas”,
V
OZ DA UNIDADE, n° 82 13/11 a 20/11/1981)
Pelo menos nesse ponto, esquerda e direita concordavam que a ênfase nos
aspectos políticos da construção e conquista da democracia empobrecia por demais a “via
democrática de massas”. Ademais, a noção de democracia de massas presente nas Teses era
considerada tanto de um lado como de outro, como um retrocesso em relação ao
posicionamento da Resolução Política de novembro de 1978
74
, que enfatizava:
[...] Na atual situação, a prioridade deve ser concedida à luta pela conquista
das liberdades democráticas [...] A construção de uma democracia de
massas, porém, não é apenas a erradicação desse passado autoritário, do
qual o atual regime militar-fascista representa a culminação. É também,
e, sobretudo, a base para um crescente aprofundamento da democracia -
entendida como um todo político, econômico e social – com a permanente
incorporação de novos grupos e camadas sociais na vida política do país [...]
74
Aliás, o ponto culminante das divergências entre Prestes e o Comitê Central dar-se-ia justamente com a
proposta da direção para substituir essa resolução de novembro de 1978. Prestes não concordava com a nova
orientação do CC, e muito menos com a substituição da resolução: se fosse para se substituir algo, que se
substituísse logo a orientação do 6°Congresso. A reunião do Comitê Central realizada naquela ocasião, em maio
de 1979, ainda no exílio foi a última com a participação de Prestes. Segundo o próprio Prestes: “o mesmo Comitê
Central que em outubro de 1978 aprovara e distribuíra um documento político, contra o qual votaram apenas
dois membros da direção, poucos meses depois, no começo de 1979, se propunha a aprovar um novo documento
com orientação política oposta ao primeiro, sem antes ter feito um balanço da aplicação e dos resultados
obtidos com a política apresentada em outubro de 1978. O meu repúdio, na qualidade de Secretário Geral do
PCB, a tal tipo de procedimento levou a que a maioria do CC, revelando mais uma vez sua verdadeira face
oportunista e total falta de princípios, recuasse e se chegasse à aprovação de um documento de conciliação,
anódino e inexpressivo, em maio do ano passado” Luis Carlos P
RESTES, 1980, p. 15-16.
93
(Resolução Política, novembro de 1978. In: DOCUMENTOS. PCB:
VINTE ANOS DE POLÍTICA, 1980, p. 291-292, grifos nossos)
Para a esquerda o erro no qual o PCB incorria, era enxergar a questão democrática
apenas na sua dimensão política. O fato da questão política-democrática se mostrar como uma
questão fundamental na sociedade nacional, sobretudo frente à necessidade de ultrapassagem
do militarismo, não pressupunha, que ela se constituísse no “condão mobilizador” da maioria
da população. (Gilberto Aramis de Sousa, “Frente Democrática. Luta de Classe”, VOZ DA
UNIDADE, n° 79, 23/10 a 30/10/1981, Suplemento Especial/Debate) Ademais, como falar em
“democracia de massas” se na prática o partido se distanciava e se divorciava a passos rápidos
do movimento operário e de suas bandeiras naquele momento?
Os aspectos políticos da democracia eram importantes para as massas, mas postos
isoladamente não seriam capazes de apontar uma alternativa que pudesse comportar as
expectativas das massas pela edificação de uma democracia integral: após tantos anos sob
uma política econômica voltada para seu desmonte e degradação econômica, a perspectiva de
construção de uma nova democracia devia comportar bem mais que vantagens políticas. Isto
porque, segundo Gilberto A. de Sousa:
Nem o esforço solicitado de bem ligarmos as reivindicações específicas à
questão democrática mais geral, conseguirá grandes mobilizações caso não
esteja embebido no cotidiano de nosso povo. E o que marca este cotidiano, o
que hoje transparece da forma mais escancarada são as questões ligadas a
todo processo de humilhação material e espiritual a que nossa população está
submetida
. [...] qualquer trabalho político que, ao inspirar seus apelos de
mobilização em fontes que não sejam aquelas próprias da crueza do dia-a-dia
de nosso povo, perderá a credibilidade, a capacidade de convencimento, o
poder de mobilização. Será desacreditado e dará lugar a outros chamamentos
políticos [...]
(Gilberto Aramis de Sousa, “Frente Democrática. Luta de
Classe”, VOZ DA UNIDADE, n° 79, 23/10 a 30/10/1981, Suplemento
Especial/Debate)
Sendo assim, na opinião de João Moreira:
[...] o desenvolvimento e aperfeiçoamento da democracia, por si só, em um
processo contínuo e sem ruptura, não é capaz de transformar um sistema
social dada à estreita articulação entre o grande capital e o Estado a qual
torna a democracia política inseparável das características da organização
94
econômica. A democracia política no Brasil só poderá ser efetivamente
garantida e ampliada [...] com profundas transformações democráticas e
revolucionárias de cunho econômico-social, que dêem solução ao domínio
dos monopólios e da propriedade latifundiária da terra e, simultaneamente, à
questão da dependência ao imperialismo, capazes de elevar o nível de vida
material e cultural dos trabalhadores [...]
(João Moreira, “Estratégia
Democrática e Socialismo”, VOZ DA UNIDADE, n° 92, 29/01 a
04/02/1982, Suplemento/Debate, grifos nossos).
Dessa forma, a ênfase nos aspectos políticos da democracia não seria suficiente
para propor uma alternativa democrática real, com base na realidade por qual passava o país.
Para se constituir numa luta conseqüente e somar para a luta da classe operária, a democracia
política não podia dissociar-se dos aspectos econômico-sociais da luta democrática -
principalmente num momento em que as manobras para a reorganização do poder burguês
poderiam determinar o curso do processo de transição, numa direção extremamente
desfavorável para as classes trabalhadoras. Sem a dimensão econômico-social a democracia
se restringia a uma democracia liberal-burguesa.
E isso se tornava claro na absolutização e superestimação do jogo político-
institucional pelo partido – superestimação que o induzia a obscurecer seus reais objetivos na
construção do socialismo, a esquecer o caráter de luta de classe por trás do regime, e presente
no interior da frente democrática.
A luta pela sua legalidade, seria uma das maiores expressões do excessivo
legalismo no qual incorria o partido, segundo as críticas recorrentes. As críticas enfatizavam
que, a legalidade era importante sim, mas não devia ser confundida com a luta mais restrita
pela obtenção de seu registro eleitoral. A obtenção do registro eleitoral seria apenas o
princípio da conquista da legalidade e não a culminação desse processo. Sendo assim, a
legalidade do partido devia ser a expressão de seu enraizamento na sociedade nacional e no
movimento das massas trabalhadoras. E essa luta o PCB parecia ter deixado de lado.
Além do mais, a conquista da legalidade condicionava-se aos limites
determinados pelo processo de democratização da sociedade brasileira, ou seja, a legalidade
95
seria uma conseqüência da luta incessante pela democratização e não um imperativo para seu
desencadear.
Mas o que nos interessa marcar nesse momento é que, a afirmação do caminho
democrático e a reiteração da política de frente democrática, expressa pelas Teses, não foram
suficientes para acalmar as divergências e muito menos para cerrar fileiras ou obter um
consenso em torno da política em exercício pelo partido - nem mesmo pela direita que
desejava ver a radicalização democrática na estratégia do PCB. O que se questionava tanto de
um lado como de outro eram os limites da noção de democracia intrínseca à política de frente
democrática.
O fato é que o PCB, a despeito das divergências internas e das próprias
possibilidades que se apresentavam na cena social e política, reafirmaria sua posição de
“unidade contra o retrocesso” no desenrolar do processo de abertura, que se concluiria em
1984, com a negociação via Colégio Eleitoral e a vitória da Aliança Democrática. Na
realidade, segundo a linha oficial do PCB, a derrota e substituição do regime militar por um
governo de transição democrática seria a primeira etapa para a implementação da Alternativa.
Para seu encaminhamento, a “alternativa democrática” precisava ancorar-se num governo de
ampla coalizão democrática, capaz de expressar os interesses das mais diversas forças com
interesse na democracia e na superação da crise nacional. Por isso, a ênfase que será dada pelo
partido à negociação e aos aspectos políticos do problema democrático, rumo à ultrapassagem
do militarismo, como veremos nos próximos itens.
96
2.4 A sobreposição da questão política e a subalternalização dos interesses da classe
operária na política do PCB
Uma das principais críticas de Luiz Carlos Prestes, contida em sua “Carta aos
Comunistas”, à orientação política em desenvolvimento pelo partido, era a de que o Comitê
Central do PCB elevara a política e as resoluções do seu 6°Congresso a um “dogma
indiscutível”, recusando-se a analisar com espírito crítico se aquelas eram de todo corretas.
(PRESTES, 1980, p.14-15). O que Prestes apontava era a superação e ultrapassagem da política
daquele Congresso pela realidade brasileira: a orientação do 6°Congresso, e expressa na
política de frente democrática, não correspondia mais à realidade do movimento operário-
popular, muito menos do momento por qual passava a sociedade nacional como um todo.
Importante lembrar, no entanto, que a base da proposta original da Resolução do
6°Congresso do PCB (dezembro de 1967), pressupunha a criação de um “pacto” – que devia
traduzir-se na formação de uma frente conjunta - entre a classe operária, a pequena burguesia
nacional, o campesinato e os setores burgueses dominantes cujos interesses estivessem em
contradição com a política do regime militar. A necessidade de construir uma frente única
democrática contra o regime caminhava ao lado da necessidade de organizar as lutas sociais.
Ou seja, o trabalho de construção da frente não podia excluir o trabalho de organização das
massas. Tanto que a ênfase estaria em que:
A classe operária é a principal força motriz da frente ditatorial. A
actividade primordial dos comunistas deve dirigir-se no sentido de organizar
e desenvolver a unidade de acção da classe operária em defesa de seus
interesses econômicos e políticos imediatos e pela derrota da ditadura. É
indispensável partir sempre da defesa daqueles interesses que possam levar
os trabalhadores a se unir e lutar. A formulação acertada das reivindicações
mais sentidas dos trabalhadores relacionadas com o salário, as condições de
vida e trabalho, os direitos de reunião e manifestação, bem como a
organização da luta por estas reivindicações como a escolha de formas
adequada para a condução da luta deve ser uma preocupação permanente dos
comunistas. A luta contra a política salarial, ao mesmo tempo em que
97
atende aos interesses mais sentidos da classe operária e de todos o
assalariado, possui grande importância política, pois atinge as bases da
política econômico-financeira da ditadura. É necessário, portanto, concentrar
esforços para organizá-la e intensificá-la, de modo a que nela participem
amplas massas e se desenvolva a unidade de acção dos trabalhadores em
todos os níveis – nas empresas, municípios, Estados e
nacionalmente
.(Resolução Política do VI Congresso, dezembro de
1967. In: DOCUMENTOS. PCB: VINTE ANOS DE POLÍTICA 1958-1979.
São Paulo, 1980, p.175, grifos nossos)
Aos poucos, porém, o PCB desenvolveria apenas metade de sua orientação, a de
trabalhar na construção e consolidação da frente democrática. Segundo Hamilton Garcia, ao
contrário, do que Prestes enfatizava a orientação (plena) do 6°Congresso não seria alçada a
um “dogma indiscutível”, mas, reduzida a uma “mera efígie”. (LIMA, 1995, p. 275)
Mas, o que levaria o PCB a adiar as lutas econômico-sociais ou a alterar o núcleo
da política do 6°Congresso?
O problema é que o PCB não conseguiria reverter, na prática, o seu afastamento
em relação ao movimento operário e popular. Primeiro, pelas dificuldades criadas com a
elevação da repressão e a perseguição aos comunistas. E segundo, porque o partido se
depararia com um novo operariado na qual não tinha bases, muito menos inserção.
A nova classe operária se educara/formara sob o signo da derrota de 1964 e dos
duros anos de repressão e arrocho salarial. Como ressalta, Dias Filho,
[...] o golpe militar alimentou no movimento dos trabalhadores uma onda de
críticas não só ao conteúdo das orientações partidárias e sindicais até então
predominantes, como também à própria forma de expressão partidária e
sindical, vistas como cupulistas, alheais às condições concretas da classe e
de seus movimentos. A organização nas fábricas tem origem na crítica ao
desprezo que havia pela organização e luta dos trabalhadores nos locais de
trabalho antes de 1964.
(DIAS FILHO, 1994, p. 117).
Sob a influência dessa crítica e da esquerda católica e marxista, – que
procurava romper com o “vanguardismo” da “esquerda tradicional” - o movimento dos
trabalhadores buscava novas formas de organização, não hierarquizadas. O PCB, dentro dessa
crítica, identificava-se como uma organização hierárquica, que não possibilitava uma efetiva
participação das massas. (DIAS FILHO, 1994, p. 119)
98
Essa falta de inserção no movimento operário-popular agravar-se-ia com o
desmantelamento da organização partidária, entre 1974-1975 e a morte de nove membros de
sua direção. O exílio dos dirigentes restantes, a perda da máquina partidária, a dificuldade de
reconstrução do partido, e a distância que passaria a separar os dirigentes e a base, contribuiu
para dificultar tanto a análise das transformações por quais passava o país, quanto o trabalho
interno e conseqüentemente o trabalho de massas. O que por sua vez agravou a defasagem
entre o movimento real da sociedade brasileira e a teoria e prática do partido, acentuando o
distanciamento entre o partido e os movimentos sociais-populares
75
. Toda essa conjuntura
alterou a rota da orientação comunista.
A partir de então, o PCB procurou se entranhar no MDB e se empenhar de
corpo e alma no objetivo de consolidar a frente democrática que surgia em volta dele: a frente
democrática e o MDB eram os únicos canais de expressão para um partido sem condições
mínimas para realizar um trabalho de massas, e para um “partido sem partido”
76
. Aos poucos,
o PCB adiou o programa de reformas aprovado pelo 6°Congresso, como uma forma de
facilitar os entendimentos rumo à ampliação e consolidação da frente
77
. (LIMA, 1995, p.292)
O programa de reformas só se colocaria num momento posterior, com a derrota do regime
militar e a conquista de um Estado de direito democrático.
75
Sobre a dificuldade de inserção dos comunistas nos movimentos da classe operária diria Salomão Malina: “no
movimento sindical, não havia uma reunião que não contasse com a presença da polícia política. Candidatar-se
a um cargo nas fileiras sindicais sem um atestado de ‘ideologia política’ era impensável. A participação nessas
condições, principalmente para os comunistas, era uma dificuldade concreta”. Salomão M
ALINA, Entrevista
“PCB: problemas e perspectivas”, In: Revista Novos Rumos, ano 5, n° 16, 1990, p.210.
76
Mesmo com a fragmentação do Movimento Democrático Brasileiro (MDB) após a reforma partidária de 1979,
o PCB continuou a enfatizar a necessidade da unidade do movimento oposicionista, de preferência em torno do
PMDB, herdeiro direto MDB. Dentro dessa perspectiva, o PCB enfatizava nos anos 80 que “enfraquecer o
PMDB é enfraquecer a frente democrática” ou,
99
As lutas econômico-sociais se tornavam deste modo num “corolário da
democratização”, sobretudo a partir do fim dos anos 70: os problemas econômico-sociais
enfrentados pelas massas passavam a ser explicadas pela ausência de democracia e não
necessariamente pela natureza do regime vigente. (LIMA, 1995, p. 293)
Uma análise central para a sobreposição da questão política-democrática era a
compreensão de que apesar da crise econômica e social:
[...] ainda não amadureceram as condições para uma resposta hegemônica
das classes trabalhadoras, colocando na ordem do dia à mudança de
formação econômico-social. Até pelo contrário: erra gravemente quem
subestima os riscos muito reais de uma involução autoritária que anule os
espaços de liberdade duramente conquistados até aqui.
(Luiz Sérgio N.
Henriques, “Onde está o reformismo do PCB?”, VOZ DA UNIDADE, n°
38, 19/12 a 30/12/1980, p.6, Idéias, grifos do autor)
Em outras palavras, se o conteúdo econômico-social não se estabelecia naquele
momento, também não se fazia necessária a hegemonia da classe operária. (Givaldo Siqueira,
“Abertura se garante é com mais democracia”, VOZ DA UNIDADE, n° 23, 05/09 a 11/09/980,
p.7) Era preciso unir forças em torno do objetivo comum, e a imposição da hegemonia
operária na frente ou das reivindicações econômico-sociais, dentro desse quadro, podiam
desservir, tanto à estabilidade da transição quanto à classe trabalhadora, se usada pela ditadura
para justificar e impor novos golpes. Para encontrar um canal legítimo de expressão, as
bandeiras operárias, deviam ser introduzidas no programa da frente oposicionista sem
prejuízo das bandeiras consensuais, ou melhor, não podiam estar em divórcio com as
bandeiras democráticas, para não se dividir o movimento de oposição ao regime.
Esses argumentos dariam base e coesão para o posicionamento do PCB frente ao
movimento grevista do ABC e à movimentação social em geral
78
.
78
Tomamos como base para nossa análise o posicionamento do PCB frente ao movimento operário-sindical, que
emerge com as greves do ABC, entre 1978-1980, mas a orientação do Partido no meio social em geral era
uníssona.
100
As greves do ABC
79
paulista expressaram, em sua essência, as significativas
transformações na organização dos trabalhadores e a nova configuração da classe operária. Ao
mesmo tempo em que eram expressões do próprio esgotamento do padrão de acumulação da
ditadura, processados sob o desenvolvimento econômico-industrial das décadas do milagre
brasileiro. Colocando os trabalhadores no centro da política nacional, o movimento grevista
aos poucos ganhou materialidade e dimensão, e das reivindicações salariais imediatas, a luta
operária acabaria por questionar a superexploração do trabalho e seus fundamentos políticos.
(A
NTUNES, 1992, p. 27)
Apesar de exaltar a emergência da movimentação operária no ABC, o PCB – à
medida que o movimento tomou forma e conteúdo e evidenciou a opção pelo “confronto” e
não pela “unidade” – passou por um lado, a apontar suas lacunas. O “espontaneísmo”, a falta
de organização prévia com que se deflagraram e se conduziram as greves, a falta de uma
“teleologia” ou de um projeto maior e não apenas imediatista, e a aversão a toda forma de
organização presente em suas concepções, deram munição ao partido para demonstrar a
incapacidade do movimento para derrubar a ditadura. E, em contrapartida, para reafirmar sua
posição, democrática, organizada, livre de sectarismo e com um objetivo claro dentro de uma
perspectiva estratégia de longo prazo.
O momento de admiração pela classe operária do ABC, porém, não impede
o necessário julgamento do erro na condução da greve, pelos efeitos
políticos prejudiciais já produzidos, e pelo risco de novos efeitos negativos
quanto às recentes conquistas do movimento democrático. O desconfiar da
política, o culto à espontaneidade e a classe operária como categoria abstrata,
fez com que seus líderes não procurassem - ao contrário evitassem -
representar a classe [...] Os conflitos sociais emergentes em nossa sociedade
precisam encontrar canais legítimos de expressão, o que implica na
necessidade do abandono desse caprichoso plano de Estado-Maior [...]
(Luiz
Werneck Vianna, “A greve do ABC e a cidadania operária”, VOZ DA
UNIDADE, n° 5, 01/05 a 07/05/1980, p.5)
79
Não pretendemos entrar aqui numa análise minuciosa sobre as greves, visto nosso objetivo ser o de verificar
como a opção democrática do PCB divorciava-se das posições do movimento grevista. Para uma análise mais
detalhada de cada uma das grandes greves, a de maio de 1978, a Greve Geral de março de 1979 e a greve geral
de 1980, ver Ricardo A
NTUNES, A Rebeldia do Trabalho. O confronto operário no ABC paulista: As greves de
1978/1980, 1992 e também Marco Aurélio SANTANA, Homens Partidos. Comunistas e Sindicatos no Brasil,
2001.
101
E por outro lado, o PCB passou a minimizar os impactos e os significados das
greves:
[...] e todos agora se voltam para o sindicato. Alguns, infelizmente com o
mesmo sectarismo de sempre, tomando a nuvem por Juno, ou seja, vendo
numa crise isolada, como a do ABC, a perspectiva imediata da derrubada
do governo [...] Os trabalhadores do ABC não representam o retrato da
grande maioria dos trabalhadores do resto do país é ainda o ‘peleguismo’
que domina o movimento sindical.
(Paulo Cavalcanti, “Construir um PC
influente na vida política nacional”,
VOZ DA UNIDADE, n° 12, 19/06 a
25/06/1980, p.9, grifos nossos).
O desgaste promovido, sobretudo pelas greves de 1980, em São Bernardo, e a
reação do governo militar a elas, por exemplo, apenas evidenciavam ao PCB os fundamentos
de suas preocupações com a possibilidade de um eventual retrocesso
80
.
Nas condições
brasileiras, a greve geral praticada pelo movimento, não se justificava, pois ela somente seria
possível se dispusesse em seu favor de um “consenso político nacional”, ou se realizasse sob
um ascenso revolucionário das massas, sustentado num grau de organização e consciência
política elevados, e segundo a visão do PCB nenhuma das possibilidades estava posta. (Doc.
do CNDC “Os rumos do sindicalismo brasileiro”, 23/06/1983 DOCUMENTOS: O PCB NA
LUTA PELA DEMOCRACIA
1985, p.9-10). Portanto, o momento ainda não era de um confronto
geral e aberto com a ditadura.
As divergências entre as posturas do PCB no movimento sindical e o novo
sindicalismo, se cristalizaram entre 1979 - quando começou a se cogitar da necessidade de
criação de um partido “classista” - e 1983 quando se realizou a 2ª Conclat (Conferência
80
As greves metalúrgicas de 1980 atingiram um grau de radicalização maior do que as anteriores: as greves
duraram cerca de 42 dias (de 30/03 a 11/05/1980), mesmo após a decretação de sua ilegalidade pelo TRT em 15
de abril, da intervenção no sindicato a 17 de abril, da prisão dos dirigentes do sindicato no dia 19, e após São
Bernardo amanhecer sitiada pela polícia no dia 20 do mesmo mês, a continuidade da greve reafirmava-se a cada
assembléia pelo comando de greve. O cerco do governo militar contra o movimento de 1980 visava impedir os
êxitos das greves anteriores de 1978 e 1979. Se vitoriosa a greve de 1980, podia não só fortalecer ainda mais o
movimento e espalhar seu exemplo, como também desestabilizar a política econômica do regime. Assim, ceder a
qualquer reivindicação dos grevistas era contribuir para o seu fortalecimento. Ver Ricardo A
NTUNES, 1992, e
Márcia BERBEL. Partido dos Trabalhadores: Tradição e Ruptura na esquerda brasileira (1978-1980), 1991.
102
Nacional da Classe Trabalhadora) criada, à revelia da postura do PCB, a CUT (Central Única
dos Trabalhadores).
81
Quanto à criação do Partido dos Trabalhadores, o PCB entendia que naquele
momento, onde se impunha a realização de uma frente mais ampla em contraposição à
ditadura, adiantar uma proposta “classista”, seria uma irresponsabilidade que poderia
comprometer a unidade da frente pela democracia, tanto no plano político-partidário quanto
no sindical.
82
(BERBEL, 1991, p. 95).
A mesma lógica valia para a realização da 2ª Conclat e da criação da CUT: a
iminência das eleições municipais de 1982 e, a própria falta de consenso e unidade no
movimento sindical, não ofereciam condições para a realização do Congresso que devia criar
a CUT. Além do mais, sua criação podia, dispersar o esforço do movimento oposicionista
para derrotar o regime, e partidarizar ainda mais o movimento, e naquele momento, a
“unidade” precisava estar acima das divergências, pois era preciso dar prioridade ao ganho
político
83
.
Porém, o adiamento da Conclat para agosto de 1983, não solucionou as
divergências e as divisões existentes no interior do movimento, pelo contrário as exacerbou
sobremaneira. Tanto que com a proximidade de sua realização, o PCB passou mais uma vez a
81
As divisões se cristalizaram no movimento sindical opondo dois grandes grupos: a “Oposição Sindical”
composta pelos “sindicalistas autênticos”, setores progressistas da Igreja Católica, militantes egressos da
esquerda armada e, a “Unidade Sindical”, composta por sindicalistas ligados ao PCB, PMDB, PC do B, MR -8 e
pelos setores mais conservadores do movimento sindical. Os autênticos partiam de uma crítica radical à estrutura
sindical, defendiam o pluralismo sindical, apontavam para uma política de frente de esquerda, praticavam o
paralelismo sindical, defendiam uma CUT combativa e pelas bases, e só aceitavam a Constituinte se convocada
pelo povo e precedida da derrubada da ditadura. A Unidade defendia a unicidade sindical, condicionava a
criação da CUT a um prévio fortalecimento do movimento sindical, a consolidação das intersindicais estaduais, e
desenvolvia uma política de frente democrática na luta contra a ditadura, levantando a bandeira da Constituinte e
da unidade das oposições. Ver Ivan P
INHEIRO, 1989, p.169-170 e Marco Aurélio SANTANA, 2001, p.195.
82
Sobre o processo de formação do PT, Ver Rachel MENEGUELLO PT: A Formação de um Partido. 1989 e
Márcia R. B
ERBEL. Partido dos Trabalhadores: Tradição e Ruptura na esquerda brasileira (1978-1980), 1991.
83
A 1ª Conclat realizada em agosto de 1981 colocou em pauta a criação da CUT que se formalizaria na próxima
Conclat, em agosto de 1982, o Congresso devia convocar-se especificamente para este fim. O acordo entre os
dois grupos - Oposições e Unidade – consistia em que a Oposição abria mão de criar a CUT na 1ª Conclat (1981)
e a Unidade se comprometia a criá-la na Conclat em 1982. O que se criou naquele momento foi a Comissão
Nacional Pró-CUT, encarregada de dirigir o movimento, criar as condições para a construção da sindical e
organizar a 2ª Conclat. Ver Ivan Pinheiro, 1989, p. 171.
103
se opor a ela, e a valer-se do mesmo argumento: falta de unidade, falta de participação das
confederações e de outras entidades. Essa postura precipitou a divisão.
[..] somos contrários, na atualidade, à criação da Central Única dos
Trabalhadores porque o movimento sindical está dividido, não construiu um
sistema de alianças na sociedade e nem dispõe de ampla base de massas,
inclusive porque é um sindicalismo de cúpulas e não penetrou de forma
organizada nas empresas.
(Documento do CNDC, “Os rumos do
sindicalismo brasileiro” 23/06/1983, In: O PCB na Luta pela
Democracia, 1985, p.8)
Na verdade, esse posicionamento abriu espaço para que as Oposições Sindicais –
setores vinculados ao PT - assumissem a dianteira do processo e realizassem a Conclat na data
prevista, 26 a 28 de agosto de 1983, em São Bernardo, e fundasse a CUT sem participação da
Unidade Sindical, coroando a divisão. (Cândido Hilário Garcia de Araújo “CUT, uma
alternativa de unidade e luta”, VOZ DA UNIDADE, n° 286, 21 a 27/02/1986, Suplemento
Sindical). Enquanto o PCB e outros partidos representados na Unidade Sindical realizaram
uma outra conferência, nos dias 5 e 6 de novembro de 1983, optando por não criar uma outra
central sindical, mas sim uma Coordenação Nacional da Classe Trabalhadora (Conclat), com
o objetivo de lutar pela reunificação do movimento operário-sindical. (SANTANA, 2001,
p.240)
Essa escolha de alianças afastaria na prática os comunistas do pólo dinâmico que
surgia em meio às greves do ABC, conduzindo-os a um enfraquecimento progressivo no meio
operário-sindical
84
. Declínio que se pavimentaria, substancialmente, com a ocupação dos
espaços no movimento político e social de esquerda pelo Partido dos Trabalhadores.
Com bem marcou Marco Aurélio Santana, o PCB, na realidade, “parecia
assombrado pelos fantasmas do passado”, toda posição de confronto se identificava com a
84
De acordo com Marco Aurélio SANTANA, “ao não apostar na aliança com os autênticos – no momento em
que estes ainda não haviam consolidado um bloco com as Oposições Sindicais -, depois em não investir na
criação da CUT, mais tarde por se anexar aos conservadores na Conclat e no CGT, o PCB foi tecendo seu
desaparecimento paulatino do seio do movimento operário e sindical do Brasil”. Ver S
ANTANA, 2001, p.292
104
mais pura manifestação do “esquerdismo” que levara o movimento democrático e de massas à
derrota em 1964. (SANTANA, 2001, p. 276)
Esta foi uma das principais críticas de Luis Carlos Prestes, à postura do PCB:
A luta contra os desvios ‘esquerdistas’ e golpistas se converteu numa
obsessão quase cega que nos tem levado freqüentemente a identificar
qualquer atitude ou posição combativa pelas causas justas dos
trabalhadores com um suposto ‘esquerdismo’ ou golpismo.
(PRESTES,
1980, p.32, grifos nossos)
O fato é que, a síntese da autocrítica dos nos anos 65-67, mormente a condenação
do “esquerdismo” – identificado no movimento do pré-64 com a posição de exigência das
reformas de base -, armariam o PCB contra toda e qualquer postura que pudesse sinalizar o
afastamento do partido da luta democrática, do “movimento real” da sociedade brasileira, ou
que significasse a subestimação da democraci
105
O problema era que a condenação do movimento operário e de suas
reivindicações viria justamente no momento em que ele possuía um papel decisivo na cena
política-social com a emergência das greves operárias no ABC paulista. (DIAS FILHO, 1994,
p.7)
Convém ressaltar que, até a emergência dos movimentos de massa, mais ou
menos entre 1968-1978, o PCB deu destaque à necessidade de organizar as lutas populares em
especial as lutas operárias. Mas, a valorização do papel das massas, se sustentava, segundo
Dias Filho, na medida em que contrapunham a via pacífica à via armada e como uma forma
de responder aos seus críticos. (DIAS FILHO, 1994, p. 37) Nessa perspectiva, a luta operária e
de massas devia somar para o projeto de derrota da ditadura: os comunistas esperavam que o
resultado do incentivo e organização das lutas reivindicativas, quando viesse à tona, fosse
canalizado para dentro da frente democrática, e conseqüentemente que contribuísse para o
projeto de resistência e derrota da ditadura
85
. (LIMA, 1995, p. 254)
Essa retórica de enaltecimento da ação das massas, porém, como vimos, perdeu
força em seu discurso com a eclosão e a radicalização do movimento grevista do ABC: a
movimentação da classe operária sob as greves não mais se enquadrava na visão preconizada
pelos comunistas do papel a ser desempenhado pelo movimento social no projeto de derrota
da ditadura. Diante do impasse gerado em torno do movimento, o PCB passou a defender uma
“solução negociada” para as greves ou uma “trégua”, que na prática aumentou o fosso
existente entre ele e o movimento operário.
A ênfase da política do PCB estava voltada para o ganho institucional: o processo
eleitoral, a luta pela sua legalidade, o estabelecimento de alianças, a luta pela Assembléia
Nacional Constituinte, entre outras. O PCB projetava a centralidade para o jogo político-
85
O PCB considerou o ressurgimento do movimento operário como uma aquisição da frente pelo
restabelecimento de um ordenamento institucional-democrático, ou um movimento setorial que devia contribuir
para o objetivo maior. O problema era que, na prática, a luta pela democracia, nos termos colocados pelo PCB e
pela frente, não acontecia de forma tão direta quanto o partido acreditava, ou queria acreditar. Ver Marco
Aurélio S
ANTANA, 2001, p.186 e também Ricardo ANTUNES, 1992, p. 87
106
institucional, na contramão dos movimentos sociais emergentes. Mesmo que dentro de um
campo estratégico mais amplo - que impunha primeiro a derrota da ditadura para colocação
dos problemas mais sentidos pela classe operária -, esta postura garantiria os desgastes e as
derrotas do partido no movimento operário-sindical, pois o momento político-econômico
vivido pela sociedade nacional era crucial para a redefinição das classes sociais no interior da
sociedade civil e política.
Ninguém negará que o movimento grevista possuía suas deficiências, mas o PCB,
desde a derrota de 1964, na ofensiva ideológica contra o esquerdismo, passou a identificar
toda forma de confronto com esquerdismo e incompreensão do momento político. E esta
postura o impediu ver a potencialidade da classe operária que emergia na cena política-
social
86
.
2.5 “A oposição quer negociar”
87
: o coroamento da política democrática do PCB
O adiamento das lutas, a sobreposição da questão política à questão econômico-
social e a opção por uma transição negociada e segura, no entanto, não se deram tão
imediatamente ou tão claramente desde o princípio do desenvolvimento da política de frente
democrática. Na verdade, as circunstâncias e os impasses criados, já no próprio processo de
transição é que levaram o PCB a consolidar essa solução para a ultrapassagem da ditadura. A
86
Como ressalta Dias Filho os dirigentes do partido acertavam quando se referiam à debilidade do movimento
grevista para a derrubada da ditadura, para a conquista do poder de Estado, ou mesmo para a vitória em suas
reivindicações salariais.Entretanto, se a organização dos trabalhadores era deficiente em vários aspectos,
apresentava mudanças decisivas, iniciando uma nova era para os movimentos de massa, da qual o PCB já não
fazia mais parte”. Guilherme Cavalero D
IAS FILHO, 1994, p. 123.
87
Severo Gomes, senador pelo PMDB de São Paulo, sobre as perspectivas do processo sucessório e a postura da
Frente Democrática diante dele, em entrevista à Reinaldo Mestrinel. VOZ DA UNIDADE, n° 152 “Não há
democracia verdadeira onde o Partido Comunista não é legal”, 12/05 a 13/05/1983.
107
alternativa democrática seria discutida e forjar-se-ia em meio aos impasses do quadro da
transição para um regime democrático e do agravamento da crise econômica nacional, entre
os anos de 1980-1983.
Grandes e importantes elementos de coesão da postura do PCB, os golpes
desferidos contra o movimento oposicionista e democrático, e as idas e vindas do processo de
abertura e transição “amarraram”, cada um há seu tempo, a ação do partido a partir do final
dos anos 70, dando base ao argumento dos perigos de enrijecimento do regime e à paralisação
e anulação das conquistas do movimento democrático-oposicionista.
Mas antes de nos atermos ao processo que levou ao coroamento da estratégia
democrática do PCB, vejamos mais detidamente a conjuntura que marcou o quadro da
transição brasileira.
O projeto de liberalização do regime foi concebido no bojo do sucesso econômico
do “milagre brasileiro”, nos princípios da década de 70: o crescimento e a estabilidade
econômica, a ausência de oposição dentro das Forças Armadas e o rígido controle exercido
sobre a sociedade civil, indicavam o momento propício para iniciar a transição. O objetivo era
“realizar a volta organizada aos quartéis enquanto o regime ainda tinha prestígio e alguma
força criativa” e promover a “reconstitucionalização” do regime ou o retorno ao Estado de
Direito, mas não necessariamente a democratização da vida política do País. Este projeto de
abertura devia comportar garantias básicas para o regime, evitar o retorno de pessoas,
instituições e partidos anteriores a 1964, e realizar uma transição segura, lenta e gradual
(SILVA, 2003, p. 262)
Mas, a vitória eleitoral da oposição em 1974, e o crescimento subseqüente do
movimento democrático-oposicionista e do movimento de massas, abalaram as estruturas do
projeto inicial do regime: a sociedade civil não se deixou aprisionar dentro do espaço
concedido pelo projeto da ditadura. A partir de então, a tônica do processo de transição e
108
abertura passou a se dar sob o conflito entre os fatores de obstrução e os fatores de aceleração
das mudanças
88
. (DINIZ, 1984, p. 21)
Entre 1974-1982, o governo militar lançou mão de vários recursos e dispositivos
para refrear os avanços e os espaços do movimento oposicionista e democrático e ao mesmo
tempo para reafirmar sua iniciativa no processo de transição: entre eles, o desmantelamento
do Partido Comunista Brasileiro entre 1974-1975 e o assassinato de nove membros de sua
direção, o assassinato do jornalista Vladimir Herzog e do sindicalista Manuel Fiel Filho; a
“Lei Falcão” de 1975, que instituiu uma nova legislação eleitoral; os Pacotes de Abril de 1977
e de maio de 1981, que editaram uma série de medidas de alteração da ordem constitucional; a
reorganização partidária de outubro de 1979; a reforma eleitoral de maio de 1982 e a criação
dos Estados do Mato Grosso do Sul e de Rondônia – que visavam aumentar a representação
do PDS no senado, etc.
Porém, o projeto aberturista do governo não encontrou resistência somente no
crescimento do movimento oposicionista, mas também, na pressão vinda dos seus próprios
setores “linha-duras” - que receavam que com a liberalização a oposição tomasse a liderança
do processo e colocasse em risco as garantias que detinham sob o militarismo -, e no
agravamento da crise econômica a partir do 2° choque do petróleo em 1979
89
.
Se em 1974 - quando sobreveio o primeiro choque do petróleo - a adoção de uma
nova estratégia econômica, o II PND, contribuíra para reduzir o impacto político negativo do
88
De acordo com Eli Diniz, “a cada conquista da oposição, a cada demonstração de autonomia e
independência correspondia a um passo atrás, representado pelo acionamento de novos mecanismos restritivos
para impedir que seus desafios ultrapassassem os limites do tolerável tal como definido pelos mentores militares
e civis do reformismo conservador (...) A abertura nunca fluiu de forma unilinear em direção à meta de
redemocratização, mas foi sempre um movimento essencialmente contraditório, consistindo não apenas na
eliminação de alguns dos instrumentos mais repressivos, mas também na criação permanente de novos
casuísmos para reprimir os avanços oposicionistas e refrear os impulsos democratizantes”. Eli D
INIZ, 1984, p.
26.
89
Os atentados de direita militar se iniciaram em meados de 1976, mas só atingiram seu ápice no princípio dos
anos 80, com a culminação nos atentados do Riocentro em abril de 1981, que definitivamente colocaram a perder
o projeto do regime, pois agravou sua crise institucional e levou-o a sucumbir à pressão dos linha-duras e
retornar à estratégia de reduzir os impactos dos avanços da oposição, através de mudanças nas regras político-
eleitorais.
109
desequilíbrio externo sobre a continuidade do projeto de institucionalização do militarismo,
ao evitar o acirramento das tensões políticas e garantir inclusive mais alguns anos de
estabilidade e crescimento
90
. A partir do segundo choque do petróleo em 1979, sobretudo nos
três primeiros anos da década de 80, não seria mais possível manter o crescimento e a
estabilidade econômica, tanto que em 1981 Figueiredo anunciaria a incapacidade do país de
fazer frente às suas dívidas e em 1983, decretaria a moratória. O agravamento da crise
econômica influiria negativamente na crise política-institucional da ditadura, em andamento
desde 1974. (S
ILVA, 2003, p.271)
Tanto a crise institucional suscitada pelos atentados terroristas de direita, como
a crise econômica colocaram a perder o projeto de abertura do governo militar. O retorno dos
setores linha-duras à dianteira do processo de abertura e do governo militar, acentuaria
substancialmente o conflito entre os já indicados fatores de obstrução e de aceleração das
mudanças.
Em conseqüência dessas determinações conjunturais, o posicionamento do PCB
no plano político geral indicava para que não se subestimasse a força da ditadura. Se a
situação aparentemente adversa em que se encontrava a ditadura – resultante tanto da
explicitação de sua crise política-econômica, quanto do cerco oposicionista que se fechava
contra ela, com o crescimento da oposição em torno do MDB e a emergência das lutas
populares e sociais -, por um lado contribuía para desestabilizar o centro da estratégia de auto-
reforma do regime, por outro, não possibilitava afirmar o batimento definitivo da ditadura e
muito menos a alteração do caráter da luta contra ela. (Armênio Guedes, “O impasse político
e a saída democrática”, V
OZ DA UNIDADE, n° 39, 31/12 a 08/01/1981, p.3)
90
O II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), que cobriu os anos de 1975-1979, constituiu-se num
programa de substituição de importações que concentrou investimentos nos setores de bens de capitais e
intermediários. O plano visava enfrentar o estrangulamento externo, ocasionado pela alta dos preços das
matérias-primas e exacerbado pela elevação extraordinária dos preços do petróleo em fins de 1973. A ênfase do
II PND foi dada ao Programa Nacional do Álcool (Proálcool), ao Acordo Nuclear com a Alemanha e à acelerada
construção das usinas hidrelétricas de Itaipu e Tucurú, alternativas energéticas à vulnerabilidade do país em
relação ao petróleo. Ver Brasilio S
ALLUM JÚNIOR, 1994 e Francisco Teixeira da SILVA, 2003, p. 267.
110
Segundo a postura oficial do partido, os setores de oposição que, com base na
análise das dificuldades do regime, passavam a defender a substituição da política de frente
democrática por uma frente que capitalizasse a potencialidade dos movimentos surgidos na
cena político-social, incorriam no erro da supervalorização do momento político e da
potencialidade do movimento social e popular. Apesar do despertar do movimento de massas
no país, não existia um bloco de “forças políticas capacitadas para liderar uma mobilização
popular de porte suficiente”, capaz de derrubar o regime e implementar profundas mudanças
sociais. (s/a, “Por que unidade é valor estratégico”, V
OZ DA UNIDADE, n° 37, 12/12 a
18/12/1980, Atualidades, p.3)
Na realidade, a crescente polarização entre as posições do movimento
democrático e oposicionista e as posições dos setores conservadores do regime, conduzia na
opinião do partido a uma situação de impasse:
[...] assistimos ao desenvolvimento de um processo de abertura, que
ultrapassa em muito o projeto liberalizante proposto pelo regime, e que é
crescentemente alimentado pela participação política ativa de importantes e
representantes setores da sociedade [...] ao mesmo tempo em que temos um
governo que não se dispõe a abrir mão do autoritarismo e do arbítrio como
meio de dirigir o conjunto da Nação. Esta disjunção [...] é uma das razões do
impasse no qual o país se encontra atualmente mergulhado. (
s/a, “Por que
unidade é valor estratégico”, VOZ DA UNIDADE, n° 37, 12/12 a
18/12/1980, Atualidades, p.3)
Assim, se a situação em que se encontrava a ditadura permitia, por um lado,
afirmar que em dezesseis anos de vigência, a ditadura nunca estivera tão isolada, por outro
lado, a instabilidade política do novo quadro e, as resistências dos setores mais conservadoras
do regime também se levavam a crer que se chegara:
[...] a um momento muito complexo do processo de abertura, em que o
essencial, para as forças oposicionistas e democráticas, é evitar um impasse
e um confronto, que nas condições políticas atuais podem conduzir a um
retrocesso. É claro que ao se evitar um retrocesso se está, simultaneamente,
defendendo e consolidando o que já foi conquistado; e, ao mesmo tempo,
trabalhando ativamente pelo avanço e aprofundamento do processo
democrático.
(Armênio Guedes, “Avançar sem dar margem ao
111
retrocesso político”, VOZ DA UNIDADE, n° 13, 26/06 a 04/07/1980, p.
3, grifos nossos)
As forças de oposição não podiam cair na armadilha do “quanto pior, melhor”,
apostar no aprofundamento da crise seria naquela conjuntura, “cortejar o retrocesso”.
(s/a,“Crise e Sucessão”, VOZ DA UNIDADE, n° 159, 30/06 a 06/07/1983, Opinião Nacional,
p.3)
Os casuísmos da liberalização, as ações terroristas de direita, a reação do governo
às greves do ABC e as medidas antidemocráticas do regime que visavam limitar os espaços de
manobra da oposição, ratificavam, segundo o PCB, a iniciativa política que ainda detinha a
ditadura.
Nessas condições, a superação ou ultrapassagem do militarismo dependia
enormemente de uma “guerra de posições” e não de um confronto aberto com a ditadura
(Armênio Guedes, “O impasse político e a saída democrática”, VOZ DA UNIDADE, n° 39,
31/12 a 08/01/1981, p.3). A instabilidade causada pela própria resistência interna dos setores
mais conservadores do regime, ao projeto de auto-reforma, exigia das forças de oposição a
conscientização da gravidade do quadro político-nacional e em contrapartida, a união dos
mais diversos segmentos da sociedade em torno da bandeira capaz de unificá-los: o
restabelecimento de um Estado de Direito e das liberdades formais. A “unidade” seria o único
caminho para se isolar, derrotar e substituir o regime ditatorial. (s/a, “Por que unidade é valor
estratégico”, VOZ DA UNIDADE, n° 37, 12/12 a 18/12/1980, Atualidades, p.3)
Dessa forma, apesar da positividade expressa pela retomada do movimento
operário-social, a questão central da vida nacional ainda seria “a de avançar no sentido da
construção de um regime democrático”.(s/a, “Por que unidade é valor estratégico”, VOZ DA
UNIDADE, n° 37 12/12 a 18/12/1980, Atualidades, p.3) O momento político não permitia
“vacilações”, o encaminhamento de uma abertura conseqüente, exigia segundo o PCB, a
112
defesa da “unidade contra o retrocesso”, como um objetivo estratégico - acima das
divergências ideológicas, políticas e partidárias. A política de unidade seria para o PCB a
garantia contra o isolamento das forças democráticas e populares:
Para nós, a unidade não é uma questão abstrata. Na base da unidade,
entendida como algo estrategicamente necessária, encontra-se um conceito
muito simples: no Brasil, a conquista da democracia e a sua consolidação
exigem
grandes lutas e excepcionais esforços. (s/a, “Por que unidade é
valor Estratégico”, V
OZ DA UNIDADE, n° 37 12/12 a 18/12/1980,
Atualidades, grifos nossos, p. 3)
Importante ressaltar que, ao lado da defesa incondicional da “unidade contra o
retrocesso” o PCB começou a enfatizar, já em 1980, a necessidade de um “entendimento
nacional” capaz de gerar um bloco de forças para a superação dos problemas nacionais e
ultrapassagem da ditadura. Na verdade, a unidade das forças oposicionistas e democráticas,
pressupunha a consolidação de um pacto democrático para a ultrapassagem definitiva da
ditadura. Pacto este que devia traduzir-se na elaboração de um “programa comum” capaz de
expressar os anseios do conjunto das forças democráticas. (Frederico Pessoa, “É preciso
encontrar denominador comum para combater a crise”, V
OZ DA UNIDADE, n° 21, 22/0 a
28/08/1980, p.5)
A defesa do “entendimento” ou de uma “solução política negociada” pelo partido,
vinha na esteira da deterioração do quadro político-econômico nacional. Três seriam os
fatores que levaram a consolidação dessa solução pelo PCB: o agravamento da crise
econômica, a derrota das Diretas no Congresso e os impasses do processo sucessório.
Quanto à crise econômica, a política em curso pelo regime configurava-se, de
acordo com a opinião do PCB, numa política de “desastre nacional” que se encaminhava no
sentido de preservar a essência do regime, o privilégio dos monopólios e do imperialismo,
mas às custas da desnacionalização e sucateamento do parque industrial brasileiro, e do
agravamento das condições de vida e trabalho das classes assalariadas. (DOCUMENTO: UMA
ALTERNATIVA DEMOCRÁTICA PARA A CRISE BRASILEIRA, 1984, p. 21) Esse aprofundamento da
113
crise econômica, pressionava conseqüentemente, o processo político em seu conjunto, o que
impunha novos parâmetros à intervenção das forças sociais e políticas. Ou seja, a solução da
questão econômica implicava primeiro a resolução da questão política.
Por sua vez, o equacionamento da questão política naquele momento – em que se
colocava a questão da continuidade ou da ultrapassagem da ditadura – passava pelo correto
encaminhamento do processo sucessório, principalmente com a derrota das Diretas ou da
emenda Dante de Oliveira que, se vitoriosa, faria retornar as eleições diretas para presidente
da República
91
.
É preciso marcar que, dentro da lógica de seu projeto de derrota democrática da
ditadura, as Diretas eram vistas pelo PCB como uma saída possível para encaminhar o
processo, mas não necessariamente um fim para pôr termo ao militarismo. A eleição de um
novo presidente, mesmo que direta não era aceita como uma solução definitiva, isto porque
sem uma nova Constituição, continuaria a vigorar um aparato autoritário. Segundo Salomão
Malina, o novo presidente, qualquer que fosse o seu perfil, ainda teria poderes ditatoriais, pois
o aparato legal à sua disposição continuaria o mesmo. Somente a promulgação de uma nova
Constituição estipularia as novas regras do jogo político
92
. (MALINA, 1990, p. 213)
Essa compreensão levou o PCB, segundo Salomão Malina, a se colocar
diferenciadamente” na campanha pelas Diretas: “não poderíamos prever exatamente como
91
Nas idas e vindas do processo de abertura, como vimos, o governo militar lançou mão de alguns dispositivos
para reduzir a margem de manobra da oposição democrática. Uma dessas medidas foi a reforma eleitoral de
maio de 1982, que passou a exigir 2/3 dos votos do Congresso para aprovar emendas à Constituição vigente de
1967, visando ampliar inclusive as vantagens do PDS nas eleições indiretas para presidente da República. Por
isso, a emenda Dante de Oliveira votada em abril de 1984 – que restabeleceria as eleições diretas para presidente
da República -, não obteve a necessária maioria de 2/3 do Congresso para sua aprovação.
92
A promulgação de uma Nova Constituição era o patamar mínimo para o equacionamento dos problemas
nacionais, inclusive o econômico-social. Esta postura aparece claramente numa entrevista dada por Giocondo
Dias a Maurício Dias: “P: Mas o tema da Constituinte, já ensaiado, parece que não encontra muito apoio
social. Por quê? R: Ainda não houve uma campanha de esclarecimento [...] Por outro lado, há problemas tão
imediatos, tão cruciantes, que muitas vezes explicar a um homem que tem fome, que precisa de emprego, o
problema da Assembléia Nacional Constituinte, ele não vai entender. P: Por hipótese: se fosse o Sr. a negociar
com o governo, o que o sr. punha na mesa, estes temas de interesse imediato do trabalhador ou a Constituinte?
R: A Constituinte. A revogação do Decreto-Lei n° 2012 pode resolver o problema de parte das massas, mas só a
Constituinte acaba com essa situação ilegal que existe aí”. Ver Giocondo D
IAS, “Queremos a Legalidade”
18/05/1983, 1983, p. 136.
114
se daria a finalização do processo, mas fomos para a campanha das Diretas, certos de que se
elas não se viabilizassem se acharia outra saída”. (ALMEIDA, 2002, p.105) Isto explica o
lançamento pelo PCB da idéia de “negociação para a mudança” antes mesmo da votação da
emenda Dante de Oliveira pelo Congresso e também seu empenho na concretização do pacto.
A derrota das Diretas por sua vez evidenciou para o PCB o impasse a que chegara
o quadro político-nacional: de um lado havia uma acumulação de forças crescente no campo
democrático e oposicionista - expressa na campanha das Diretas -, mas estas não estavam
organizadas suficientemente para derrubar o regime; de outro, estava a máquina do Estado,
mas isolada e em deterioração. O entendimento e a negociação eram os únicos caminhos para
a superação desse impasse (ALMEIDA, 2002, p. 104)
A virtual impossibilidade de solução para os problemas institucionais ou de
qualquer saída para a crise econômica e social através de decisão isolada do
governo ou da oposição é que impõe objetivamente a busca de soluções
negociadas, entre as duas partes, neste momento da vida brasileira.
(Declaração Política da Comissão de Reorganização do PCB, “Hora
de programa e candidato único para as mudanças”, 27/05/1984 In: O
PCB na luta pela democracia, 1985, p.38)
A negociação também era vista pelo PCB como uma alternativa aos caminhos em
voga: ao “golpismo”, uma solução à revelia da participação da sociedade civil e ao “pacto de
elites” ou a conciliação, solução recorrente e predominante na história brasileira. Apenas a
“solução negociada” beneficiaria a Nação como um todo e seria a única capaz de evitar a
regressão, a instabilidade e o caos. (Giocondo Diais, “Solução Negociada para a Crise
Brasileira”, VOZ DA UNIDADE, n° 174, 13/10 a 19/10/1983, p.8-9) Nesse sentido, não se
justificava a contraposição feita entre luta e negociação, realizada frente à perspectiva de um
acordo para a transição
93
. Pois:
Sem luta e negociação, simultaneamente, não se teria chegado à abertura, ao
fim do AI-5, à anistia, às conquistas trabalhistas antigas. A negociação não
pode ser entendida como uma capitulação ao governo. Ela sempre lhe foi
93
A negociação também era para o PCB um outro aspecto da pressão da sociedade e das massas pelas mudanças
necessárias e pelo fim da ditadura. Ver “Hora de programa e candidato único para as mudanças” 27/05/1984
In: D
OCUMENTOS: O PCB na luta pela democracia, 1985, p.38.
115
imposta pelas lutas e pela unidade democrática. Surge do próprio
reconhecimento da inviabilidade de qualquer mudança, por via institucional,
que não resulte de uma grande pressão da sociedade e de um acordo político
que envolva o governo.
(Declaração Política da Comissão de
Reorganização do PCB,
116
ruas, a transição democrática se viabiliza”, VOZ DA UNIDADE, n° 232, 05/01 a 11/01/1985,
p.8-9)
A constituição da Aliança Democrática resultante do acordo entre PMDB e PDS
consolidou o pacto para a transição. A compreensão da necessidade de apoiar e participar da
Aliança Democrática provinha da análise realizada pelo PCB sobre a situação de impasse em
que se encontrava a transição. Ademais, a Aliança Democrática - sob a proposição de um
pacto político-social entre a sociedade e o Estado ou o povo e o governo -, continha, segundo
o partido, propostas eficazes para “operar uma inflexão na tradição autoritária e elitista do
País”. (Giocondo Dias, “Os Comunistas, a Aliança e a repressão”, VOZ DA UNIDADE, n°
224, 27/10 a 02/11/1984, p.6) Entre elas: o restabelecimento das eleições diretas para
presidente, a convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte livre e soberana, o
restabelecimento da independência e prerrogativas do poder Legislativo e Judiciário, a
reforma da legislação eleitoral, entre outras, expressos no documento que selou a aliança, o
“Compromisso com a Nação” (s/a,“Os Compromissos da Aliança Democrática”, VOZ DA
UNIDADE, n° 213, 11/08 a 17/08/1984)
Dessa forma, o principal compromisso da Aliança seria a remoção do entulho
autoritário e o restabelecimento de um Estado de Direito Democrático, o que ia de encontro
com o que o PCB acreditava ser necessário e possível naquele momento. Por isso,
enfatizavam:
[...] os comunistas lutam para que nada interfira negativamente no processo
sucessório de forma a tumultuá-lo [...] Insistimos em que o decisivo agora é
a vitória da Aliança Democrática no Colégio Eleitoral, a organização e
desenvolvimento das várias forças sociais e dos trabalhadores,
especialmente.
(Declaração Política da Comissão pela Legalidade do
PCB, “Rumo à vitória no Colégio Eleitoral” 16/09/1984. In: O PCB
na luta pela democracia, 1985, p.54)
oposicionistas – mesmo que indiretamente – passava a se constituir no “terreno privilegiado para a mobilização
da sociedade e das massas”. (Declaração Política da Comissão de Reorganização do PCB, “Hora de programa
e candidato único para as mudanças”, 27/05/1984, In: O PCB na luta pela democracia, 1985, p. 39)
117
Todavia, o apoio à Aliança Democrática não era uníssono no movimento
oposicionista. O PT e os movimentos sociais ligados a ele, que se autodenominavam a
“oposição autêntica”, não apoiaram sob quaisquer argumentos e condições, a Aliança e o
pacto nela expresso, para subsidiar a transição. Para esses setores, a Aliança Democrática era
a antítese da proposta das Diretas: enquanto uma, se vitoriosa, representaria uma “ruptura
radical” com a abertura limitada e pactuada, preconizada pela ditadura; a outra representava a
coroação da estratégia do regime, a implantação de uma meia-democracia que deixaria à
margem os interesses das classes trabalhadoras. (S
ILVA, 2003, p.273)
Na prática, o arranjo expresso pela Aliança Democrática representou mesmo a
concretização dos objetivos iniciais da estratégia do regime, pelo menos no que diz respeito à
vitória da transição segura. Notadamente porque, garantiu uma transição sem riscos para as
classes dominantes representadas pelo ex-regime, pois: sem o julgamento dos ex-ditadores,
sem a investigação dos crimes cometidos pelos órgãos de repressão, sem o compromisso com
demandas econômico-sociais, e, sobretudo, sem a participação dos principais atores em
emergência na cena política e social, o movimento social em geral, o movimento operário-
sindical em particular e o Partido dos Trabalhadores (PT).
O apoio e a adesão do Partido Comunista à solução negociada expressa pela
Aliança Democrática coroou a política desenvolvida por ele desde o golpe de 1964. A AD foi
o momento culminante de sua estratégia democrática ou como diria Hamilton Garcia de Lima,
“o fruto maduro” que concretizou o “compromisso histórico” do PCB com a burguesia nos
anos 80. (L
IMA, 1995, p. 290)
118
2.6 Qual Democracia?
Apesar de afirmar nas Teses e na Alternativa a necessidade de construir uma
“democracia de massas”, na prática o PCB terminou por defender uma democracia restrita,
porque limitada à dimensão política. Nos termos em que se colocava, a centralidade da
questão democrática não apenas fragmentava a luta democrática, separando os aspectos
políticos dos econômico-sociais, como também subalternalizava os interesses da classe
operária em prol do projeto maior de “derrota democrática” da ditadura.
É fato que a proposta do partido preconizava a realização posterior da democracia
de massas, ou seja, depois de conquistado o Estado de Direito. Mas essa “fragmentação” ou
esse “etapismo”, por si só descredenciavam a proposta do partido frente às massas, e às suas
necessidades e aspirações.
Diante da necessidade de por fim ao militarismo, a luta democrática acabou se
confundindo com a própria derrota da ditadura, e conseqüentemente se restringiu apenas aos
aspectos políticos da conquista da democracia, à conquista de um Estado de Direito, à
remoção dos dispositivos autoritários, e ao restabelecimento das liberdades políticas formais.
Na realidade, o PCB percebia a crise nacional em sua totalidade econômica-política e social,
mas creditava-a, sobretudo, a uma crise política: a vigência da ditadura se estabelecia como
uma das maiores responsáveis pelos problemas nacionais e num dos maiores obstáculos para
sua superação. A conquista de um regime democrático era desta forma o patamar mínimo para
o equacionamento dos problemas brasileiros.
O problema é que a defesa e posteriormente a consolidação do “pacto
democrático” pelo partido se faria, em cima do medo do retrocesso, o que o conduziria a
aderir à solução negociada e a enfatizar um “etapismo” para o equacionamento dos problemas
119
nacionais, onde a solução da questão política se sobrepunha às questões econômico-sociais,
evidenciando que sob aquela conjuntura, a democracia política era o patamar mais elevado
com que se poderia sonhar.
As lições dos acontecimentos de 1964 também se transformaram em elementos de
coesão para a futura adesão do PCB à transição negociada. Se por um lado a derrota de 1964
e as sucessivas derrotas impostas ao movimento operário - sob a vigência da ditadura -,
contribuíra para a explicitação do argumento e da prática democrática no interior do partido,
por outro, criara um medo que imobilizou sua ação: a valorização ou a ênfase na democracia
política se afirmaria sob o medo de novos golpes contra o movimento operário e o
oposicionista em geral, sob a crítica das debilidades da classe operária, e da radicalidade de
suas posturas no pré-64.
Por todas as escolhas feitas nesse período o PCB não sairia ileso desse processo.
Como veremos no próximo capítulo, os caminhos que levaram a consolidação da política e do
“pacto democrático” trariam sérias conseqüências ao PCB, a curto e longo prazo. A
experiência de lutas vivida pelos comunistas dentro do MDB/PMDB - após seu
desmantelamento -, alteraria a face do Partido Comunista, sua política e sua própria
identidade. Muito do que o PCB se transformaria nos anos 80, o abandono das lutas, a
predileção pelo compromisso com os liberais, a postura frente ao movimento grevista do
ABC, seriam fruto dessa experiência, que geraria uma crise quanto à sua identidade de classe.
Esses sintomas, todavia, só se fariam sentir no transcorrer da transição democrática, como
poderemos verificar no próximo capítulo.
120
CAPÍTULO III
AS FACES DA INSTITUCIONALIZAÇÃO DO PCB
Elementos de crise vêm se acumulando em nosso partido [...] o tempo
(político) conspira contra nós: ou superamos rapidamente o circuito crítico
que nos imobiliza, capitalizando os nossos acertos até a derrota política da
ditadura, ou a ponderação política real do PCB na reorganização democrática
da sociedade brasileira terá o peso de uma pluma [...] o PCB está às
vésperas de uma crise de identidade. Esta tendência não é recente, mas
ganhou uma dinâmica nova no bojo das condições que nos propiciaram
a legalidade. É no contexto da transição democrática que ela está vindo à
luz, alargada inclusive pelo conjunto de questões não resolvidas (ou só
resolvidas administrativamente) que emergiram a partir de 1979.
(José
Paulo Netto, “Crise de Identidade no PCB”, VOZ DA UNIDADE, n°
303 20 a 26/06/1986, Tribuna de Debates: Conferência Nacional
Política, p. 6, grifos nossos)
O 7° Congresso do PCB encerrou-se oficialmente em janeiro de 1984, quando a
direção partidária deu por concluídos os trabalhos do Encontro Nacional pela Legalidade do
PCB iniciado em dezembro de 1982. Pela primeira vez na história do Partido Comunista
Brasileiro um Congresso se desenrolava de uma forma fragmentada: a fragmentação
justificava-se segundo a direção devido à impossibilidade de realizar as claras um grande
encontro público.
A despeito dessas “justificativas” o certo é que o PCB chegaria ao final do seu
Congresso em 1984, apaziguado: as divergências, oposições e ameaças à consolidação da
política democrática e do novo núcleo dirigente haviam sido literalmente eliminadas no
decorrer dos anos de 1980-1983, desobstruindo o caminho à aprovação da Alternativa e da
121
adesão à solução política negociada. (Manuel Palácios Apud PANDOLFI, 1995, p. 220) A
“unidade” interna alcançada ao final desse processo e a inviabilização das eleições diretas na
cena política nacional possibilitaram ao PCB mergulhar de corpo e alma na negociação e no
entendimento que conduziram ao pacto da Aliança Democrática. O ano de 1984 foi assim
dedicado à negociação e à corrida do partido em busca de sua legalização
96
.
Com a vitória da Aliança Democrática no Colégio Eleitoral
97
um novo período de
lutas se inaugurava para a sociedade nacional e para o PCB, pois ao mesmo tempo em que se
colocava fim ao regime político-militar que oprimia o país, seria dada a largada para o
lançamento dos pressupostos para a construção de uma sociedade democrática. O
encaminhamento desse processo é que ia definir se seriam lançadas as bases para uma nova
democracia, e, portanto para a construção de uma democracia de massas, ou se seriam
retomadas as bases da democracia anterior a 1964 e, portanto para a reconstrução da
democracia burguesa.
O momento pelo qual o PCB lutara do interior da frente democrática e do
MDB/PMDB enfim havia chegado. Qual seria o posicionamento do partido ante a nova
conjuntura? As questões e problemas adiados em prol da conquista de um patamar mais
elevado teriam por fim um encaminhamento sob a transição?
Ainda que o PCB reconhecesse o salto qualitativo que se dera com a inauguração
do governo de transição, não alteraria sua orientação política e sua rota de análise. A crença
na legitimidade de sua política e a necessidade de garantir o encaminhamento e a estabilidade
da transição contra possíveis retrocessos políticos, reforçava no PCB a imperiosidade de se
96
Em maio de 1984, após uma intensa campanha e busca de apoio na sociedade civil e política para sua
legalização, o PCB deu o primeiro passo para a conquista da legalidade, com o encaminhamento dos seus novos
Estatutos e Programa ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
97
Na eleição pelo Colégio Eleitoral, que se realizou a 15 de janeiro de 1985, a AD, chapa de Tancredo e Sarney
angariou 480 dos votos válidos, sendo que 26 foram abstenções e 180 foram dados à chapa governista, formada
por Paulo Maluf e Flávio Marcílio. (s/a “Após vinte anos, o fim da ditadura”, V
OZ DA UNIDADE, n° 234, 19 a
25/01/1985, p. 4)
122
manter a política de unidade democrática – eficaz e vitoriosa na luta contra a ditadura -, agora
para subsidiar a transição e o governo da AD.
Tal compreensão, porém, não encontraria uma contrapartida interna. Os
argumentos utilizados com sucesso para cerrar fileiras em seu interior em torno da política de
frente democrática na conjuntura anterior, não seriam suficientes para reiterar aquela coesão
interna sobre a transição. O que informava a desarticulação em torno da orientação seguida
pelo partido era que, a colocação de questões essenciais para a construção do partido e da
democracia de massas enfatizadas pela Alternativa, e o encaminhamento da questão
econômico-social colada aos interesses da classe operária não podiam mais ser adiadas para
um momento posterior, ou colocadas em segundo plano em nome da estabilidade da transição.
A reprovação da política e do posicionamento do PCB, entretanto, não viria
somente de seu interior, as derrotas eleitorais sob a “Nova República” evidenciavam a falta de
apelo da política de frente democrática entre as massas e a perda de atração do partido na cena
de esquerda, e no movimento operário organizado. A classe operária e seu movimento não o
reconheciam mais como o representante de suas lutas, ou um seu instrumento.
Tanto a dissensão interna quanto a falta de expressão no meio operário-social de
esquerda sinalizavam que havia algo de errado na política do PCB, no seu posicionamento
face à transição e ao governo Sarney. Afinal, apesar de afirmar o socialismo como norte e os
interesses da classe operária como seus, os resultados político-eleitorais sob o novo período
indicavam que o PCB pouca ou nenhuma inserção tinha naquele segmento, ou mesmo em
qualquer outro.
De fato, essa falta de apelo e inserção do partido seria resultado não apenas das
escolhas feitas por ele até ali, mas ao mesmo tempo da incorporação da perspectiva
institucional e do grau de resignação política e social alcançado pelo PCB através da ênfase
nos aspectos políticos da luta democrática.
123
Assim, embora o PCB se esforçasse para dar destaque a obrigatoriedade de
retomar o trabalho de massas, de marcar sua identidade operária e dissociá-la do PMDB na
realidade que se inaugurava, a centralidade que depositava no jogo político-institucional não o
permitiria fazer com que sua política chegasse à classe operária, e mais importante que se
transformasse em instrumento de sua mobilização. Em grande medida, a experiência
democrática vivida pelo partido no interior do MDB/PMDB até 1985 contribuiria para alterar
a identidade e a perspectiva de lutas do PCB. As derrotas político-eleitorais e a perda de
espaços na esquerda e no movimento operário-social do PCB para o PT seriam indícios
evidentes de seu declínio político-social e de sua institucionalização.
Sendo assim, o que nos importa analisar nesse capítulo são as implicações das
escolhas feitas pelo PCB entre 1984-85, em especial após a reiteração da política de frente
democrática sob a transição. No que essas opções o transformariam? Ou mesmo, qual a face
do Partido Comunista Brasileiro ao final de seu 8° Congresso, em 1987?
124
3.1 “Nova República”, Velha Política
Com a inauguração da “Nova República” os objetivos pelos quais o PCB lutara
nos últimos vinte anos na oposição à ditadura pareciam se concretizar: a posse de um governo
comprometido com as forças e propostas democráticas, os primeiros passos para a reconquista
do Estado de Direito e a conquista de seu registro legal. Mesmo não participando da
composição governista ou dela excluído, estas eram razões bastante fortes para o otimismo e o
apoio do PCB ao governo empossado em 1985.
A “Nova República” com Tancredo e Sarney, ao contrário do que seria com Paulo
Maluf e Flávio Marcílio era vista pelo partido como uma grande vitória política das forças
democráticas e oposicionistas. (Salomão Malina “Uma política para enfrentar a crise”, VOZ
DA
UNIDADE, n° 383, 26/02 a 03/03/1986, p. 8)
Movido pelas esperanças no processo que se iniciava e pela necessidade de
garantir a estabilidade da transição para um regime democrático, o PCB reiteraria a
necessidade de se manter a unidade das forças democráticas e a frente utilizada na luta contra
a ditadura. Certo era para o partido que a situação política mudara qualitativamente, mas não
os objetivos. A nova conjuntura não pressupunha a existência de uma democracia no Brasil.
Na verdade, a vitória da Aliança Democrática no Colégio Eleitoral e a posse dos
eleitos apesar de elevarem a luta pela democracia a um patamar bem mais favorável às forças
democráticas e populares, não haviam colocado um fim à luta pela conquista da democracia
política. Ao contrário, a transição era somente a primeira etapa da implantação da democracia.
E a fundação desta estava condicionada ao correto e conseqüente encaminhamento da
transição, pois nela é que se decidiriam “o nível de institucionalização da democracia na vida
política e sua influência sobre a organização econômica e social do país”. (Declaração
125
Política “Os Comunistas e a transição democrática”, 10/02/1985, In: DOCUMENTOS: O PCB
NA LUTA PELA DEMOCRACIA, 1985, p. 59)
O principal objetivo da transição, segundo o PCB, era remover a “herança
ditatorial” deixada pelo regime e lançar as bases de uma “nova política econômica e social”.
A transição só se concluiria quando desobstruídas as vias da democracia e do progresso social
brasileiro. A reconstrução do Estado Democrático de Direito, passava, por conseguinte pelo
estabelecimento de uma nova institucionalidade que só uma nova Constituição poderia
oferecer. Isto porque, apesar da crescente democratização ainda vigorava a Constituição
outorgada em 1967 pelo regime militar. A vigência dessa Constituição autoritária ameaçaria o
processo de consolidação da democracia política, pois legalmente continuavam valendo as
regras outorgadas por aquela Constituição. Só a revogação dessa constituição e a promulgação
de uma nova, poderiam por fim ao arcabouço judico-político legado pela ditadura militar
98
.
Por isso o PCB entendia que:
[...] a Constituinte não é um fim em si, ela é o meio mais democrático para
reestruturar todo arcabouço jurídico-político do país, para a instalação de um
Estado Democrático de Direito aberto às grandes transformações estruturais
que a sociedade brasileira exige [...]
(Salomão Malina, “É essencial
manter a unidade da frente democrática”, VOZ DA UNIDADE, n° 235
26/01 a 01/02/1985, p. 5)
A lógica utilizada pelo partido para reafirmar a política de frente democrática
ancorava-se ainda na virtual possibilidade de um retrocesso político: a transição se constituiria
num árduo processo de lutas e tensões e os setores reacionários poderiam se valer da divisão
das forças democráticas para desestabilizar o governo de transição e criar obstáculos às
mudanças. Por isso, o momento não era propício para cindir forças: se a unidade democrática
fora na luta contra a ditadura a “garantia contra o isolamento das forças democráticas e
98
A luta pela instalação de uma Assembléia Nacional Constituinte, nesse contexto, seria o principal objetivo do
processo de transição: era preciso batalhar pela eleição, no pleito de novembro de 1986, de uma bancada
democrático-progressista comprometida com as aspirações populares e democráticas. Todos os esforços das
forças democráticas e populares deviam estar voltados para o processo eleitoral e para o processo constituinte
propriamente dito. Além do mais, para o PCB o processo eleitoral e as vitórias nas urnas das forças democrático-
progressistas antes seriam termômetros para se medir o grau de retrocesso ou de avanço da democracia.
126
populares”, sob o governo de transição ela passava a ser o “suporte para promover a
reorganização democrática da sociedade brasileira”. (José Paulo Netto, Apresentação, In:
DOCUMENTOS: O PCB NA LUTA PELA DEMOCRACIA, p. IX) O importante era não subestimar a
pressão das forças reacionárias para deter a implantação da democracia e renovar não apenas
a unidade como também o pacto político. Dessa forma:
[...] uma ampla e sólida frente democrática é o principal elemento político –
na ótica dos comunistas – capaz de levar o país à democracia, garantir sua
estabilidade e progresso. No centro da política dos comunistas e da classe
operária coloca-se, por isto, a tarefa de lutar para que a transição
democrática não conduza a divisões no seio do povo e das forças
democráticas – mas, ao contrário, revigore a sua unidade, consolide as
posições conquistadas e abra as perspectivas de um país soberano, livre e
progressista.
(Declaração Política “Os comunistas e a transição
democrática”, 10/02/1985, In: DOCUMENTOS: O PCB NA LUTA PELA
DEMOCRACIA
, 1985, p. 68-69)
A manutenção da frente era igualmente importante para subsidiar o processo
Constituinte, para que os trabalhos da Assembléia atingissem objetivos os mais próximos
possíveis das aspirações populares. (Salomão Malina “É essencial manter a unidade da frente
democrática”, VOZ DA UNIDADE, n° 235 26/01 a 01/02/1985, p.5)
Mas, segundo o PCB o processo em curso, justamente por ser um processo de
transição, era limitado, pois ainda não se punha sob ele o equacionamento da questão
econômico-social. Para o partido, o objetivo no processo de transição no seu limite continuava
a ser político:
Os novos dispositivos de organização da Nação Brasileira deverão
estabelecer a democracia no País, embora dentro de um esquema geral em
que o poder econômico não sofrerá ainda mudanças radicais. O passo à
frente será no sentido de assegurar as liberdades democráticas, o Estado de
Direito, o livre debate de questões nacionais, a liberdade de organização
partidária, as garantias contra as aventuras golpistas. Isto pode parecer
pouco, mas em verdade constitui o caminho para o processo social e para a
libertação do povo da exploração pelas oligarquias e pelas multinacionais.
(Fernando Barcelos de Almeida OAB/RS “Temas para a futura
Constituição”, VOZ DA UNIDADE, n° 284, 31/01 a 06/02/1986, p.5)
127
Contudo, a formalização de um novo pacto político-social poderia encaminhar já
na transição as bases para a equação da questão econômico-social. Mas o pacto entre as forças
interessadas na reconstrução democrática dependia significativamente de um consenso em
torno da plataforma de mudanças e das reivindicações mais sentidas pelas massas
trabalhadoras. De acordo com o PCB, se, se viabilizasse, o pacto lançaria não apenas as bases
para a reorganização política da sociedade brasileira, porque daria a estabilidade necessária ao
governo de transição, mas ao mesmo tempo as bases econômico-sociais. Por isso, o pacto
político modelado pelo “Compromisso com a Nação” – documento que selou a AD – devia ser
detalhado naquele momento, e se ampliar para englobar as reivindicações sociais.(Doc. Do
CDNP “A orientação sindical dos comunistas para a transição democrática”, março de 1985,
In: DOCUMENTOS: O PCB NA LUTA PELA DEMOCRACIA, 1985, p.16)
A satisfação das reivindicações populares, ainda que parcial passa por um
complexo processo de alteração na vida do País, algo que seguramente não
se realiza por decreto. Exige a pactuação de diferentes forças políticas e
sociais para a definição de prioridades e realização da mudança. A idéia de
pacto social apresentada pelo presidente eleito tem em vista essa realidade e
visa garantir a estabilidade do governo e da transição democrática. Os
trabalhadores, vítimas principais do regime de repressão e arbítrio, são
objetivamente interessados nessa estabilidade. Interessa-lhes fortalecer o
processo que institucionalize as conquistas políticas, viabilize as mudanças,
alargue a democracia [...]
(“A orientação sindical dos comunistas para a
transição democrática”, março de 1985, In: D
OCUMENTOS: O PCB NA
LUTA PELA DEMOCRACIA
, 1985, p. 14)
Para o PCB a solução dos problemas concretos das massas passava pela
convergência entre luta e negociação, o pacto ou acordo entre as forças se inscrevia na
perspectiva de “lutar para negociar, negociar para mudar”. O grande empecilho para a
construção desse pacto era conciliar interesses tão díspares, como os dos trabalhadores e dos
empresários capitalistas, ou mesmo “convencer o movimento dos trabalhadores, em um dos
seus períodos mais ativos, de que era possível um pacto como caminho para a obtenção da
melhoria” de suas condições de vida . (SANTANA, 2001, p. 259)
128
Por isso segundo o PCB a materialização do pacto exigia um posicionamento
claro do governo tanto frente aos trabalhadores quanto frente aos setores liberal-burgueses: de
um lado era preciso deixar claro que esse pacto não implicaria maiores sacrifícios aos
trabalhadores e de outro, dirimir as preocupações de que o pacto fosse se constituir numa
espécie de “amortecedor das reivindicações dos assalariados”. (Alon Feuerwerker “O que
falta para o pacto”, VOZ DA UNIDADE, n° 270, 05 a 11/03/1985, p. 3)
Grande parte do otimismo do PCB em relação ao processo de reorganização
democrática baseava-se no fato do partido enxergar o governo da Aliança Democrática como
expressão ou extensão da frente democrática: o governo da Aliança seria visto como a frente
no poder. Para o PCB com a vitória da AD, a frente democrática se transformara de
“instrumento de resistência” em um instrumento para operar a transição a partir do
governo
99
. (Resolução Política “Avançar na transição, consolidar a democracia, construir o
Partido”, VOZ DA UNIDADE, n° 311 15 a 22/08/1986, Voz Documneto)
Na nova situação de ocupante do governo federal, a frente democrática já
não tem como traço de união o combate ao inimigo representado pelo regime
ditatorial [...] a antiga unidade, forjada na resistência ao inimigo comum,
adquire novos contornos. Agora no governo, a frente democrática ganhou
também uma forma institucional, uma dimensão orgânica.
(Declaração
Política “Um PCB Renovado para um Brasil Renovado”, 1-
2/06/1985, In: DOCUMENTOS: O PCB NA LUTA PELA DEMOCRACIA,
1985, p. 73)
Isto explicaria o apoio muitas vezes incondicional do partido ao governo Sarney e
a defesa do programa estabelecido pelo documento “O Compromisso com a Nação”, firmado
no pacto que dera vida a Aliança Democrática
100
. Essa identificação não permitiria ao PCB
99
Porém, o fato da frente democrática estar representada no governo de transição não pressupunha seu
esgotamento no âmbito da sociedade civil, pelo contrário, a frente democrática devia se manter dentro e fora do
governo, o “sucesso da transição” dependia de sua manutenção (Salomão Malina “É essencial manter a unidade
da frente democrática”. V
OZ DA UNIDADE, n° 235, 26/01 a 01/02/1985, p. 5) Tratava-se, não apenas de batalhar
para que a Aliança se mantivesse, mas de “fazê-lo no seu interior e fora dela, lutando por uma nova acumulação
de forças nos movimentos sociais”. (Declaração Política “Um PCB Renovado para um Brasil Renovado”, In:
DOCUMENTOS: O PCB NA LUTA PELA DEMOCRACIA, 1 a 2/06/1985, 1985, p.74)
100
O episódio da morte de Tancredo e da posse de Sarney exemplificou bem o grau de coesão adquirido entre a
cúpula dirigente dos comunistas ao projeto de reconquista do Estado de Direito. De acordo com Pandolfi, frente
129
ver e compreender os desdobramentos da transição e a direção em que o governo Sarney e a
AD se moviam nesse processo.
Mas, ainda que os comunistas alimentassem ilusões quanto ao governo
empossado e quanto à aliança que o sustentava, seu caráter e natureza já estavam implícitos
no pacto, pelo peso que nele teriam as forças liberais, conservadoras e reacionárias. De fato,
há de se convir que a Aliança Democrática e a via do Colégio eleitoral se constituiriam numa
solução para os temores tanto do setor liberal-democrático da burguesia brasileira - presentes
na frente - quanto do seu setor conservador. Pois, de um lado a solução do Colégio Eleitoral
para o impasse a que chegara a situação política em 1983-84, evitaria o “julgamento nas
urnas” do regime militar. E de outro, dissiparia os riscos de uma “guerra civil” ou da
explosão das massas canalizada pela campanha das Diretas, como pareciam temer as forças
liberal-democráticas. (FERNANDES, 1986, p.69)
Dessa forma, o objetivo do pacto, se não era claro para o PCB, era para os
pactuantes: recuperar o velho padrão de dominação e acumulação apodrecido sob o regime
militar. Tratava-se de “decomposta a ditadura” conseguir “os mesmos fins por outros
meios”, ou melhor, de manter os requisitos políticos do capitalismo monopolista. E ao
mesmo tempo, dar continuidade à transição “gradual e segura”. (FERNANDES, 1986, p.37-38)
A morte de Tancredo Neves, nesse sentido, apareceria como “providencial” tanto
para os setores liberal-democráticos do PMDB quanto para os setores conservadores da
Frente Liberal, pois nenhum dos dois setores agrupados na AD possuía condições de cumprir
as promessas de campanha de Tancredo, sobretudo as anteriores à negociação, quando ainda
à defesa de algumas lideranças de esquerda, em especial PT e PDT, para reduzir o mandato presidencial e
convocar imediatamente as eleições para presidente, “o PCB colocou-se veemente contra, acusando de golpistas
todos aqueles que não reconheciam a legitimidade do presidente”, isto porque, “além do conteúdo
desestabilizador” as propostas de eleições presidenciais em 1986 “tiraria do centro das preocupações o
processe Constituinte” Dulce P
ANDOLFI, 1995, p. 228
130
se podia chamar a candidatura do PMDB de oposicionista. (Cf. FERNANDES, 1986, p. 108-
109)
Vê-se por isso que o projeto de reconstrução democrática, embutido no pacto
liberal-conservador distanciava-se enormemente de um projeto de democracia de massas ou
de uma democracia de participação ampliada: o retorno ao Estado de Direito e a construção
das bases democráticas seria uma concessão e não necessariamente uma conquista. Como
bem marcou Florestan Fernandes, a real bandeira da Aliança Democrática e de seu governo
empossado em março de 1985 seria uma “democracia por conta-gotas”, exatamente como a
vislumbrada pelos idealizadores do projeto de auto-reforma do regime militar. (FERNANDES,
1986, p. 111)
O governo Sarney, entretanto procuraria dar legitimidade e uma faceta
democrática ao processo de recondução ao Estado de Direito:
[...] A Aliança Democrática empenhou-se a fundo em conciliar os ‘anseios
democráticos do povo brasileiro’ com a ‘vocação constitucional’ liberal-
conservadora, que consiste em deslocar para o tope todos os processos
cruciais de decisão política e de fazer da Constituição uma fachada (...)
simulação da prática democrática.
(FERNANDES, 1986, p. 70)
A remoção dos dispositivos militares
101
se efetivaria, mas a passos largos, e a
proposta da Assembléia Nacional Constituinte – compromisso aceito pela Frente Liberal no
pacto – acabaria adaptada aos interesses das forças representadas no novo governo, através de
sua transformação em Congresso Constituinte
102
.
A emenda convocatória da Constituinte sancionada pelo governo em fins de 1985
daria ao Congresso a ser eleito em novembro de 1986, o poder de elaborar a nova
101
Em maio o governo promulgaria uma série de medidas com vistas a restaurar as instituições representativas: o
restabelecimento das eleições diretas para presidente e eliminação do Colégio Eleitoral, o direito de voto aos
analfabetos, e legalização do PCB e do PC do B. Contudo, nada seria feito em relação aos principais dispositivos
do regime militar, a Lei de Imprensa, a Lei de Segurança Nacional, e quanto o poder do presidente de governar
por decreto-lei sem a consulta prévia ao Parlamento. Thomas S
KIDMORE, 1988, p. 506
102
Diante da mobilização popular ocasionada pela campanha das Diretas em 1984, a bandeira da Assembléia
Nacional Constituinte apareceria para o setor dissidente do regime disposto a negociar o fim da ditadura, como
uma maneira bem menos arriscada de reconstruir o Estado de Direito, por isso a aceitariam. Florestan
F
ERNANDES, 1986, p. 37-38.
131
Constituição. Sua garantia era que apenas 2/3 do Senado seria eleito nesse pleito já que o
restante já havia sido eleito em 1982, e ainda não haviam cumprido seus mandatos
103
.
Os critérios utilizados para a convocação da Constituinte demonstravam os limites
do projeto de construção da democracia brasileira. Segundo Florestan Fernandes, a
transformação da Assembléia Nacional Constituinte em Congresso Constituinte traduzia “as
obrigações e os objetivos do pacto conservador” pois se constituiria num passo decisivo no
projeto de transição lenta e segura. Na verdade, uma Assembléia Nacional Constituinte livre,
soberana e popular poderia representar uma ruptura com a ordem política e social dominante
por isso as medidas tomadas pelo governo para sabotá-la de antemão.(FERNANDES, 1986, p.
67) Além do mais, convocada especificamente para a elaboração da nova Constituição, a
Assembléia acabaria por se soltar “dos controles institucionais e políticos, seja dos partidos
da ordem e dos políticos profissionais, seja das classes possuidoras mais privilegiadas e das
várias instâncias ultraconservadoras do governo da ‘Nova República’”. (FERNANDES, 1986,
p.45)
É conveniente lembrar que nessa estratégia governista de conferir legitimidade ao
processo de transição o Plano Cruzado teria um papel fundamental
104
. Implantado em
fevereiro de 1986, o Plano Cruzado se constituiria numa tentativa do governo de ampliar sua
base política e social, através da rejeição de políticas ortodoxas e da tutela do FMI. Com o
sucesso do plano econômico o governo Sarney alcançaria os fins almejados, restabeleceria a
103
O governo Sarney nomearia ainda uma “Comissão de Notáveis” - presidida por Afonso Arinos de Melo
Franco, ex-líder da UDN - composta por 50 membros para elaborar um projeto de Constituição a partir do qual a
constituinte abriria seus trabalhos em 1987.
104
O governo da “Nova República” herdaria um déficit público, uma dívida externa e uma inflação galopante
dos governos militares anteriores. A meta do Plano Cruzado era uma política econômica que estabilizasse a
inflação, cobrisse o déficit interno sem brecar o crescimento e que promovesse uma melhor distribuição de
renda. As principais características do plano foram: a criação do cruzado; a abolição da indexação; o
congelamento de hipotecas e aluguéis por um ano e dos preços por prazo indeterminado; o reajuste do salário
mínimo pelo valor médio dos seus 6 últimos meses mais abono de 8% e reajustes automáticos sempre que a
inflação chegasse a 20%; e por fim a criação do seguro-desemprego, os juros já haviam sido tabelados em
novembro de 1985 (S
KIDMORE, 1988, p. 538; DUPAS, 1986, p. 118)
132
confiança dos mais variados setores da sociedade civil no governo de transição e ainda traria o
PMDB para sua base de sustentação
105
.
As críticas ao imobilismo, as pressões sindicais com a erosão do salário e os
sinais de alarme da classe produtora tiveram, na terapia de choque contra a
inflação, uma resposta à altura. Recompôs-se o ‘amplo arco de apoio’ que
viabilizou a própria transição. O PMDB reconciliou-se com o governo, os
sindicatos perderam o controle de suas bases (satisfeitas com a repentina
melhora da renda real) e os empresários (especialmente a indústria nacional)
puderam conviver com uma fase momentânea de grande prosperidade,
conciliando boa margem com excelente expansão do faturamento.
(DUPAS,
1986, p. 157)
Para o PCB, o Plano ao mesmo tempo em que evidenciava o encaminhamento das
mudanças necessárias assumidas no pacto e a elevação das condições de vida da população,
legitimava seu apoio ao governo da AD, ou a correção de sua política. (SANTANA, 2001, p.
253)
O Plano Cruzado I, entretanto, simbolizaria na prática o “pacto reformista por
excelência”: de um lado conseguiria neutralizar os setores democráticos nacionais e a classe
operária e de outro os setores conservadores com “a perspectiva de uma maior acumulação
interna”. (Jairo Ferreira “A crise da Transição e Alternativa democrática”, VOZ DA
UNIDADE, n° 342 24 a 30/04/1987, p. 5, Voz Debate)
O governo Sarney conseguiria sustentar essa estratégia, segundo seus interesses,
até as eleições de novembro de 1986 – em que seriam eleitos os parlamentares para compor o
Congresso Constituinte -, sob a expectativa de vitória do PMDB. Após o pleito, pressionado
pelas contradições e desgaste do plano econômico, o governo anunciaria o Cruzado II, um
105
Com a morte de Tancredo as tensões entre o PMDB e o PDS se acirraram no interior do governo, o temor dos
peemedebistas era que sua vitória conquistada após anos de luta contra a ditadura, fosse roubada por políticos
que pouco tempo atrás estavam nas fileiras da ditadura. O primeiro ano do governo Sarney seria gasto dessa
forma na tentativa de Sarney se afirmar politicamente frente a sua base governista, majoritariamente formada
pelo PMDB e frente à população, pois nem de longe seu governo inspirava a confiança e esperanças despertadas
por Tancredo em sua campanha. Cf. Thomas Skidmore, 1988, p. 499-500.
133
“pacote fiscal” que visava aumentar a arrecadação do governo através do reajuste de alguns
preços públicos e do aumento de impostos indiretos
106
.
Essas medidas corretivas ao Plano Cruzado I marcariam uma inflexão na
orientação na economia, na política e no social, do governo Sarney. Na essência a partir de
então o governo se reencontraria com sua face conservadora e com os objetivos liberais e
conservadores expressos no pacto. O Cruzado II expressaria dessa forma, a vitória do projeto
conservador e a dispersão das forças democráticas e progressistas presentes no interior do
governo e da Aliança Democrática. (Cf. Jairo Ferreira “A crise da Transição e Alternativa
democrática”, VOZ DA UNIDADE, n° 342 24 a 30/04/1987, p. 5, Voz Debate)
As medidas impopulares contrastavam com a vitória eleitoral de novembro de
1986, conduzindo o governo a perder rapidamente o apoio da população. O governo Sarney
ainda tentaria reconquistar o apoio popular, com a decretação da moratória da dívida externa
em fevereiro de 1987, e com a convocação dos trabalhadores e empresários à negociação de
um pacto para ultrapassagem da crise, que objetivava garantir a estabilidade da situação
econômico-social e sustentar o governo nas medidas tomadas, no qual seria endossado pelo
PCB.
O apoio, porém, não viria e o fracasso do Plano Cruzado se confirmaria já nos
primeiros meses de 1987. O PCB que se colocara na sustentação do governo e do Plano
acabaria culpando a reação e também o movimento operário pelo fracasso do Plano, pela
inflexibilidade nas negociações para o pacto.
106
O fato é que se, os efeitos da estratégia econômica traria ganhos políticos ao governo Sarney, no plano
econômico teria o efeito contrário: o congelamento dos preços, e retomada do poder aquisitivo da população
impulsionaria um excesso de consumo, o que por sua vez geraria um desequilíbrio no balanço de pagamentos,
pois com a elevação do consumo aumentaria a importação sem uma expansão na mesma medida das
exportações. Ou seja, a inflação não seria debelada pelo contrário aumentaria induzida pelo excesso de demanda
e a estabilização não se sustentaria. Dez dias após as eleições de novembro de 1986 o governo anunciaria o
Cruzado II, ou as alterações no plano econômico original em 21 de novembro de 1986. As medidas eram
rigorosas e indicavam um aumento de impostos sobre cigarros, bebidas alcoólicas, e automóveis além do
aumento das tarifas de eletricidade, telefone, do álcool e da gasolina, descongelamento dos preços, indexação
dos salários, do câmbio e dos juros. O objetivo das medidas era conter o poder aquisitivo do consumidor para
estabilizar o nível entre oferta e demanda, e reduzir o desequilíbrio no balanço de pagamentos. (D
UPAS, 1986, p.
159)
134
A partir de então o governo da “Nova República” buscaria cada vez mais
sustentação nas forças “viúvas” da ditadura, presentes na sociedade e no interior de seu
governo. (FREIRE, 1989, p.186) Na economia, aprofundaria a orientação ortodoxa retomada
pelo Cruzado II, com a implantação do Plano Bresser em junho de 1987, adotando uma
política de estabilização através do arrocho salarial, do corte de investimentos públicos,
privatização das estatais e abertura do país ao capital estrangeiro - medidas que apontavam
para uma política próxima à do FMI
107
.
No âmbito político-social, o governo Sarney passaria se utilizar, dos dispositivos
legados pela ditadura, sobretudo do poder de governar por decreto-lei, sem consulta prévia ao
Parlamento, da Lei de Segurança Nacional, e do direito de intervir militarmente em greves,
passando as questões sociais e trabalhistas para o Ministério da Justiça e para as Forças
Armadas. Ademais, conseguiria impor no Congresso a ampliação de seu mandato para cinco
anos, além de atuar para limitar a soberania da Constituição que estava sendo elaborada.
(FREIRE, 1989, p. 168)
O PCB, entretanto, demoraria a acordar para essa realidade. Os ajustes viriam
apenas após seu 8° Congresso, mas além de serem mínimos e não alterar a linha política,
ainda viriam tardiamente quando o declínio do partido já não podia mais ser revertido.
107
Bresser Pereira seria o substituto de Dílson Funaro, idealizador do Plano Cruzado, no Ministério da Fazenda a
partir de abril de 1987.
135
3.2 A política de unidade em xeque: 1986 e os primeiros sintomas da desarticulação
interna
Menos de um ano após a conquista de sua legalidade e de inaugurada a transição,
os problemas e divergências internas começaram a aparecer no interior do PCB. A
reafirmação da política utilizada no combate à ditadura e o apoio incondicional do partido ao
governo de transição, pareciam não encontrar mais respaldo interno e não ser mais suficiente
para manter a coesão em torno da política de frente democrática, como ocorrera na luta contra
a ditadura.
Mas, o que levaria os setores antes aferrados à política de “unidade contra o
retrocesso” na luta contra a ditadura, a questionar a legitimidade dessa política sob o curso da
transição? Ou mesmo, o que mudaria na ótica daqueles que apoiaram a opção democrática do
PCB em 1984 para a ultrapassagem do militarismo?
Em grande medida, a quebra da unidade interna em torno da política de frente
democrática devia-se ao prolongamento indiscriminado de uma política considerada superada
sob a nova conjuntura. O que se apontava era que, se a política de frente democrática, de
alianças amplas e irrestritas fora correta na luta contra a ditadura, seu prolongamento no
intuito de cumprir as tarefas de “estabilização” e “consolidação” da transição democrática,
não se mostrava correto sob a transição democrática. (PANDOLFI, 1995, p. 231)
O primeiro sintoma da desarticulação e dissensão interna em torno da política
desenvolvida pelo PCB seria quanto à política e à aliança sindical dos comunistas, discutida
na Conferência Nacional Sindical do PCB, em fevereiro de 1986. O objetivo da Conferência
era debater e apontar a política sindical dos comunistas para o período da transição
democrática.
136
Grande parte das discussões questionava a opção do PCB pela Conclat e não pela
CUT. Por traz dessa discussão o que se indagava era como seria possível construir o PCB
legal e de massas distante da classe operária, ou em divórcio com os movimentos e as
bandeiras levantadas pelos setores mais combativos do movimento operário brasileiro, que
despontara no ABC
108
.
Afinal, entendiam os críticos, o partido só podia crescer no seio da classe operária
junto dos seus setores mais combativos, e isso naquele momento significava optar pela CUT,
ficar longe desses setores da classe operária seria “entregar o que ela tem de melhor para o
PT e para o esquerdismo em geral”
109
. (Eliezer Pacheco. “O perigo do isolamento”, VOZ DA
UNIDADE, n° 286, 21/02 a 27/02/1986, Suplemento Sindical, p.1)
O restabelecimento dos laços do PCB com alguns dos segmentos mais
importantes do sindicalismo brasileiro era apontado como imprescindível para a afirmação da
identidade e do projeto comunista. Ademais, apesar dos erros em sua trajetória, afirmava-se, a
CUT além de se consolidar sob uma base de massas que se ampliava a cada dia, esteve
sempre à frente das lutas mais importantes das massas trabalhadoras, isso lhe conferia um
atestado de combatividade pelas lutas da classe operária. Diversamente da CONCLAT que era
108
Porém, não podemos ignorar dois fatos: o primeiro que apesar da posição da direção a base ia para a luta
muitas vezes na contramão da orientação oficial do partido; e o segundo fato que a classe operária que
despontara no ABC se formara na crítica ao PCB e ao que denominavam de “esquerda tradicional”. Da mesma
forma ocorria com o PT e a CUT, frutos dessa nova conformação da classe operária brasileira. Ou seja, tinham
verdadeira aversão ao PCB e ao que ele representava.
109
Intrínseco a esta crítica estava o reconhecimento do erro de posicionamento do PCB contra a realização do
Congresso Sindical e de criação da CUT, entre 1982-1983. A postura do PCB naquele momento não apenas
precipitara a divisão – pois impulsionaria a criação da CONCLAT - como também abrira o flanco para que
setores vinculados ao PT tomassem a frente do processo e formalizassem a realização do Congresso e a criação
da CUT. (Candido Hilário Garcia de Araújo. “CUT, uma alternativa de unidade e luta”. V
OZ DA UNIDADE, n°
286, 21 a 27/02/1986, Suplemento Sindical, p.2) Com esse posicionamento o partido se colocara no lado oposto
ao novo sindicalismo que despontara nas greves do ABC. A correção desse erro passava em 1986 pela adesão à
CUT. A opção sindical dos comunistas era um elemento chave para a construção do partido no seio da classe
operária e dos trabalhadores em geral, por isso a discussão CUT versus CONCLAT tornava-se pertinente
naquele momento.
137
hegemonizada por setores conservadores, e não possuía uma base de massas
110
. (Candido
Hilário Garcia de Araújo. “CUT, uma alternativa de unidade e luta”. VOZ DA UNIDADE, n°
286, 21 a 27/02/1986, Suplemento Sindical, p.2)
Ainda que o PCB não concordasse com a transformação da Conclat numa central
sindical, entendia que a orientação da sindical ia de encontro a sua no meio operário e na
política geral: a Conclat tinha no critério sindical a sua forma de organização, - diferente da
CUT que buscava romper com a estrutura oficial -, e politicamente a Conclat apostava no
encaminhamento das mudanças, mas sem romper com a estabilidade da transição
democrática. (s/a “Pela unidade programática e organizativa do sindicalismo”, VOZ DA
UNIDADE, n° 281 10 a 16/01/1986. Suplemento Sindical)
Essa identidade conduziu o partido, a despeito das críticas, a reafirmar na
Conferência Nacional Sindical, realizada nos dias 8 e 9 de março de 1986, os elementos
centrais de sua política: a necessidade de um acordo político-social entre todas as forças
empenhadas na transição e a opção preferencial pela Conclat e criação da CGT
111
. Segundo o
partido não devia existir restrição à aliança ao trabalho comum com a CUT e o PT, mas não
havia sentido estabelecer alianças preferenciais com estes setores, em função destes “se
contraporem ao avanço da transição democrática”. O partido prosseguia a identificar no
campo dos setores sindicais vinculados a CONCLAT as melhores condições para o
desenvolvimento de sua política. A orientação da CONCLAT era coincidente com a sua, pois
110
Segundo Eliezer Pacheco “Não ignoramos as grandes diferenças de concepções que nos separam da
orientação hoje predominante na CUT [...] nem os graves equívocos cometidos pela sua política. De outro lado, é
estranho que, geralmente, silencie-se sobre as profundas diferenças existentes entre nós e os segmentos
conservadores e/ou pelegos existentes na Conclat. Estas não são menores do que aquelas que nos separam da
CUT [...] (Eliezer Pacheco. “O perigo do isolamento”, V
OZ DA UNIDADE, n° 286, 21 a 27/02/1986, Suplemento
Sindical, p.1)
111
Dada a impossibilidade de reunificar o movimento sindical numa só central, o PCB optaria por permanecer na
CONCLAT e criar a CGT (Central Geral dos Trabalhadores), a luta a ser travada no interior da CONCLAT a
partir de então, devia ser no sentido de não permitir que o imobilismo e o conservadorismo prosseguissem no
CGT. (Hércules Côrrea “Queremos um CGT de combate”, V
OZ DA UNIDADE, n° 288 13 a 19/03/1986)
138
se baseava no princípio: luta e negociação. (Resolução Sindical “Unidade para ampliar e
aprofundar a democracia”, VOZ DA UNIDADE, n° 288 13 a 19/03/1986)
Os debates para a Conferência Sindical e as críticas ao posicionamento oficial do
partido, apesar de se restringirem à sua política operário-sindical anunciavam o que ainda
estava por vir.
A prova concreta dessa dissensão viria com a convocação da Conferência
Nacional Política. Os debates preparatórios para a Conferência entre julho e agosto de 1986
tomaram uma dimensão inimaginável pela direção, que extrapolaram os limites fixados,
trazendo à tona as contradições e as fragilidades da política de frente democrática.
O objetivo da direção ao convocar a Conferência era reajustar a tática para o
período da transição já que segundo ela, a estratégia política em sua essência estava correta.
Entretanto, para surpresa da direção, o alvo das críticas e centro das discussões seria
justamente a política de frente democrática consolidada no projeto de resistência e combate à
ditadura.
O principal equívoco da política do PCB apontado no debate, era sua tendência a
reconhecer e tratar o governo da Aliança Democrática como se fosse o governo da frente
democrática. O que informavam as críticas, era que para os objetivos do movimento
democrático e de massas a Aliança Democrática já cumprira seu papel: pôr fim ao regime de
exceção e dar início à transição para a democracia. Atrelada aos interesses dos partidos que a
compunham não tinha mais “condições para subsistir como defensora dos interesses mais
legítimos do povo brasileiro”. (Jurandir Guimarães “Como romper o ciclo fatal?”, VOZ DA
UNIDADE, n° 306 11 a 17/07/1986, Tribuna de Debates, p. 13)
Embora a “unidade política circunstancial” que dera forma à política de frente
democrática, no projeto de derrota da ditadura, tenha se mostrado justa e vitoriosa, ela não
poderia “prolongar-se indefinidamente, obscurecendo a diversidade contraditória de
139
interesses de classe que conforma o Estado e o processo de acumulação”.O PCB precisava
superar a síndrome da instabilidade e do retrocesso que condicionavam e deformavam sua
ação política, levando-o inclusive a relevar os desvios do governo Sarney e transição
conservadora impetrada por ele. (Remy Fontana, “Um passo adiante na transição
prolongada”, VOZ DA UNIDADE, n° 304 27/06 a 03/07/1986, Tribuna de Debates: Conferência
Nacional Política, p. 9, grifos nossos)
Conforme a maioria das discussões, ao levantar a bandeira da sustentação do
governo e da transição contra possíveis atrasos políticos, o PCB parecia ter perdido a
consciência de que numa sociedade perpassada pela luta de classes o risco de retrocesso seria
permanente, especialmente “na medida em que as classes dominantes vejam seu domínio
ameaçado”. Se o PCB não fosse capaz de compreender essa realidade corria o risco de ficar
“atrelado ao bloco burguês” sob pena de “ameaçar” a democracia. (Eliezer Pacheco “A
esquerda está no nosso rumo”, VOZ DA UNIDADE, n° 307 18 a 24/07/1986, Tribuna de
Debates)
A estabilidade da transição não seria garantida pela contenção das lutas sociais e
operárias, como dava a entender o PCB, mas sim através das reformas substantivas, capazes
de encaminharem a resolução das demandas populares e sociais reprimidas ao longo de duas
décadas.
[...] A possibilidade da democracia não está na contenção das demandas
populares, mas na sua satisfação. Se o preço da consolidação democrática for
a domesticação da vontade popular, teremos necessariamente uma
democracia de participação restrita (logo, vulnerável a toda espécie de
golpismo) Isto significa [...] que o pacto democrático não pode excluir a
pressão organizada e a contestação legítima, antes as pressupõe [...]
.(José
Paulo Netto, “Crise de Identidade no PCB”, VOZ DA UNIDADE, n°
303 20 a 26/06/1986, Tribuna de Debates: Conferência Nacional
Política do PCB, p. 6, grifo do autor)
A limitação da proposta democrática embutida na política de unidade democrática
também seria um ponto bastante discutido nas prévias da Conferência Política. Segundo Jairo
Ferreira, ao colocar o Estado de direito como objetivo máximo do encaminhamento da
140
questão democrática, o PCB perdia a dimensão de que as liberdades políticas se consolidam
essencialmente através de transformações na estrutura econômica. (Jairo Ferreira “Estabilizar
e ampliar as conquistas democráticas”, VOZ DA UNIDADE, n° 305 04 a 10/07/1986, p. 13)
As bases da democracia que estavam sendo lançadas na transição não podiam
consolidar-se e ampliar-se sem as transformações que a nova sociedade exigia, principalmente
se o objetivo era a edificação das bases para uma democracia de massas. (Nilson Miranda,
“Para um PCB forte, 8° Congresso já!”, VOZ DA UNIDADE, n° 305, 04/07 a 10/07/1986,
Tribuna de Debates, p.14)
O que o PCB garantia na prática com sua postura na cena política e no meio
operário-social, era um “desgaste ideológico” de sua imagem e uma perda progressiva da
confiança da classe trabalhadora. A ênfase na unidade em14 580.3403 i4 580.TJoJ-19.375Tf7.405 0 T7.0016 Tc0.7w(U)Tj9.luta4 1 Tf15.975 0.7400009 Tc0.3484 Tw[( em)9.4(i)-7sóCB sendo32.86 -21.2TD0.0002 Tc259emo6.5(o-oJ-1luta real6( )]8reio.375 00.3100009 Tc0.0043 Tw30 políticoor)-6.3(m)8.5(ações)]Ttrab5(çada as tranções)]Ttrab5(is(a)-5./TT6 1 Tf-18.58 10.09-0.0003 Tc0 0214 Tw[( u)6.5(“J1tidoJ-1or(o)”.T4 1 Tf17.85 00.70.001 Tc0.02214 Tw[8 na estr(Mhadoraria)/TRosa32.86 -2.352D0.0002 T214 Tw[(na estDória Res ( F, “te, e)]TJ)5.S)-7Paulo:.375 04 9.48 003 Tc0 Tw[(“w[0 políticser ou(i)-7eis(stavam)8./TV.375 0 9.48 351.78 597w[ 404 0.0001 Tc-0.0001“w[2OZ DA )]TJ12 0 0 12 343.14 42.3 TD404 0.0001 Tw(U)Tj9.48 0 0 9.48 351.78 437.2TD404 0.0001 Tc0 0214 5.8(D12 0 12 319.56 473.3 D404 0.0001 Tc0 0244 Tw[06 n° 305, 04/09 a 1 a32.86 -2.338D0.0002 Tc0.1798 Tw334 na est, )08
141
interno, ao cancelar a realização da Conferência, que devia se efetivar em agosto. O motivo
alegado seria a aproximação das eleições de novembro de 1986, que daria forma à Assembléia
Nacional Constituinte. A justificativa era que sua realização poderia prejudicar a luta eleitoral
e a própria discussão. Ademais, para a direção a política eleitoral do partido já estava definida
e a Conferência pouco alteraria a intervenção dos comunistas naquele pleito. (PANDOLFI,
1995, p.234)
Com o cancelamento da Conferência, o PCB perdia uma oportunidade
significativa para discutir os problemas de sua orientação antes do primeiro grande teste para
sua legalidade, como a própria direção sublinhava. Segundo Paulo Cavalcanti:
A transferência da Conferência Nacional prejudicou o debate em torno
desses problemas. Se a direção nacional do PCB não soube compreender a
necessidade de compatibilizar a conferência com as eleições, pior para ela.
Faltou-lhe competência para analisar o quadro político. Daí o perigo em que
nos encontramos, eleitoralmente de não termos fôlego para assegurar uma
boa representação na Constituinte. Nossos candidatos, mesmo os já
parlamentares, exercem seus mandatos com espírito de gueto [...] não basta
encher os ‘vídeos’ de TV com bandeiras, com foice e martelo. Urge uma
mais íntima ligação com as massas.
(Paulo Cavalcanti “Debater é
preciso”, VOZ DA UNIDADE, n° 309 01 a 07/08/1986, Tribuna de
Debates)
O fato é que apesar das críticas a direção ainda confiava na conversão do PCB em
uma força política expressiva. O PCB acreditava que sua contribuição na frente democrática
para o batimento da ditadura, para o pacto que possibilitara o país viver a transição para a
democracia, todo esse histórico o credenciava como uma força política expressiva, e o
resultado de todo esse trabalho somado ao trabalho de organização do PCB legal, deveria
estar expresso nas urnas, especialmente nas eleições de novembro de 1986.
A aposta em sua vitória era grande, por isso a direção desprezava os sinais
apontados nos debates de julho, agosto de 1986, e ao invés da Conferência Nacional Política a
direção Nacional do PCB se reuniria para aprovar uma Resolução Política que visava orientar
os comunistas para o processo que se abria com a iminência da eleição da Assembléia
Nacional Constituinte.
142
Na Resolução política a direção reconhecia as contradições presentes no governo
da Aliança Democrática e no processo de transição e as delongas na execução dos
compromissos assumidos no “Compromisso com a Nação”. Mas, destacava que ainda que não
houvesse se “modificado qualitativamente o bloco das classes e no sistema de poder que
oprime a nação”, a composição de forças políticas que chegaram ao governo produzira uma
alteração significativa no regime político, que favorecia os interesses democráticos e
nacionais. (Resolução Política “Avançar na transição, consolidar a democracia, construir o
Partido”, V
OZ DA UNIDADE, n° 311 15 a 22/08/1986, Voz Documento, p. 3)
A não eliminação do “entulho autoritário”, as dificuldades na implementação de
mudanças econômico-sociais, eram resultado das “fortes resistências” e “pressão reacionária”
a qual estava submetido o novo governo e a transição. Na verdade, para deter a transição
democrática “diminuir seu ritmo e profundidade”, articulara-se um “forte bloco reacionário”
que se beneficiava das posições ocupadas no Estado e na sociedade civil.(Resolução Política
“Avançar na transição, consolidar a democracia, construir o Partido”, V
OZ DA UNIDADE, n°
311 15 a 22/08/1986, Voz Documento, p. 3)
Por essas razões, o documento renovaria os principais compromissos da
orientação seguida pelo partido até ali: a defesa da máxima coesão e unidade das forças
interessadas no encaminhamento da transição, o apoio ao governo Sarney, e a necessidade de
prosseguir afiançando sua estabilidade, e a instalação de uma Assembléia Nacional
Constituinte
112
(Resolução Política “Avançar na transição, consolidar a democracia,
construir o Partido”, VOZ DA UNIDADE, n° 311 15 a 22/08/1986, Voz Documento, p. 3-4)
112
Ainda nessa reunião em que seria aprovada a Resolução Política, o PCB lançaria sua proposta para a nova
Constituição. Colocando como meta o reordenamento político-social ou os pressupostos para a construção do
Estado democrático de direito, o projeto comunista previa a estatização do sistema financeiro, a realização da
reforma agrária e garantia de autonomia dos Estados para realizá-la, direito de voto para os maiores de 16 anos,
pluralismo partidário, direito à informação ou o veto à censura, o direito de greve, a adoção do parlamentarismo,
restabelecimento das eleições diretas para presidente em mandatos de quatro anos com direito à reeleição, a
admissão da entrada do capital estrangeiro no país mas sem prejuízo ao capital nacional e a impossibilidade
daquele de atuar no setor de monopólio estatal, restauração da estabilidade dos trabalhadores, entre outras. Ver
143
Segundo o documento:
O PCB, ao apoiar o governo Sarney na consecução das mudanças e contra
qualquer tentativa de desestabilização, orienta-se pela necessidade de a
transição culminar com o Estado de Direito democrático e sem abdicar de
sua posição independente e de classe, do seu direito de crítica e de luta
contra posições que não correspondam aos interesses dos trabalhadores e da
nação. Mas as aspirações populares, reafirmamos, somente serão
transformadas em atos de governo, se não extrapolarem o caráter
democrático [...]
(Resolução Política “Avançar na transição, consolidar
a democracia, construir o Partido”, VOZ DA UNIDADE, n° 311 15 a
22/08/1986,Voz Documento, p. 5)
O justo encaminhamento das mudanças necessárias e da estabilidade da transição
passava, portanto, segundo a resolução, pela orientação sintetizada na fórmula: “lutar para
negociar, negociar para mudar”.(Resolução Política, VOZ DA UNIDADE, n° 311 15 a
22/08/1986, p. 5)
As eleições de 1986, no entanto, viriam demonstrar os equívocos não apenas da
política do PCB como também de suas apostas.
3.3 O Malogro da Legalidade
A questão da legalização do PCB começou a aparecer com certa força nas
discussões dos comunistas a partir de fins dos anos setenta e início dos oitenta, no decurso do
processo de abertura da sociedade civil e política. A conquista da legalidade do partido
passava a ser vista pela direção, como um divisor de águas entre a ditadura e a democracia,
especialmente numa sociedade como a brasileira, onde o “anticomunismo” se tornara nos
últimos anos, “doutrina oficial do Estado”. Por essa razão, a legalização do PCB era colocada
pela direção como uma espécie de termômetro para medir o avanço ou o recuo do processo de
VOZ DA UNIDADE, n° 311 15 a 22/8/1986 e s/a “O projeto do PCB: utopia com os pés no chão”, VOZ DA
UNIDADE, n° 312, 22 a 28/08/1986, p. 9.
144
democratização do país: se conquistada representaria um indício seguro de que o país
caminhava para a “normalidade democrática”. (Giocondo Dias, “PCB aposta na abertura,
que não parou apesar do regime”, VOZ DA UNIDADE, n° 29, 17/10 a 23/10/1980, p. 4)
A legalidade era apresentada, de tal modo, como um objetivo estratégico: o
projeto de modernização do Partido Comunista ou de afirmação de sua face democrática
dependia enormemente de sua legalização jurídica. Ou seja, a legitimação do PCB perante o
Estado era uma exigência mínima para a construção de um partido de massas, somente a
partir dessa legitimação o PCB poderia se credenciar frente à sociedade como um partido
democrático e voltado para a defesa da democracia.
Assim, em grande medida a aposta do PCB na defesa da unidade, do
entendimento, da negociação e do pacto democrático no período que antecede a “Nova
República”, não era somente uma resposta ao isolamento das massas, mas também uma
resposta aos “desafios do projeto de construção de um PCB de massas” (LIMA, 1995, p. 392)
Por isso a busca incessante do partido nos anos 80 para “se credenciar para a obtenção do
bilhete de entrada nas grandes disputas pelos destinos do país”. (SANTANA, 2002, p. 28)
Na opinião da direção, a ilegalidade a qual estava submetido o PCB, em especial
nos últimos anos - com a crescente democratização e a emergência dos movimentos de massa
- transformara-se num empecilho para seu crescimento, e inserção junto às massas, sobretudo,
junto à classe operária e seus movimentos. (P
ANDOLFI, 1995, p. 226) Pois, obrigado a utilizar
outras legendas para eleger seus candidatos ou a ser uma corrente dentro do PMDB –
enquanto a maioria dos partidos se reorganizava – o PCB não dispunha dos meios legais para
afirmar seu projeto ou agir livremente
113
.
113
O PCB e outros partidos comunistas, como o PC do B, seriam os únicos a não se beneficiarem com a reforma
partidária de 1979, que possibilitou a volta do pluripartidarismo e a reorganização da maioria dos partidos antes
incrustado no MDB e ARENA.
145
O PCB parecia entender que a falta de uma existência legal era responsável por
todos os males que enfrentara nos últimos anos: o refluxo no meio social, o distanciamento da
classe operária e de suas lutas cotidianas e a perda progressiva de espaços nesse meio para o
PT. A legalidade, nesse sentido, era colocada pela direção partidária, como uma questão de
sobrevivência ou como um remédio capaz de solucionar boa parte dos problemas do PCB.
A colocação dessa condição para a retomada do trabalho de massas seria um dos
principais fatores a contribuir para o “congelamento” do trabalho de massas e de inserção
social dos comunistas durante grande parte de sua luta contra a ditadura.
A conquista da legalidade jurídica em maio de 1985, no entanto, recolocaria para
o PCB a preocupação tardia de construir o partido junto às massas em especial junto à classe
operária e marcar urgentemente a identidade comunista, visando dissociar sua imagem e sua
política do PMDB. Afinal após mais de dez anos de coabitação dentro do MDB/PMDB, o
PCB tinha a oportunidade de afirmar seu projeto, visão e objetivos frente à sociedade e às
massas em geral
114
. Juridicamente credenciado para a batalha política, o PCB necessitava do
mesmo modo se afirmar social e politicamente, como uma força política autônoma e com
identidade própria. Este era o grande desafio que se punha ao PCB com a conquista de sua
legalidade.
O problema central passava a ser então o de “construir o partido” entre as massas,
era preciso voltar seus esforços para a criação, extensão e fortalecimento de suas bases (s/a
“1985: O Partido Comunista Brasileiro na legalidade”, VOZ DA UNIDADE, n° 280 03 a
09/01/1986, p. 3)
114
A saída do PMDB, todavia não pressupunha a ruptura com a política de frente democrática, pelo contrário o
PCB continuava a reiterar a necessidade da unidade, segundo Salomão Malina “devemos levar em conta que
ainda assim nós continuamos a ser uma força unitária, e acreditamos que a unidade dentro da frente tem que
continuar a existir. O PCB legal, neste momento, significará, dentro do quadro da frente democrática, uma
força que, lutando decisivamente pelos interesses da população, será também, simultaneamente a força que
lutará pela unidade dentro dessa mesma frente, cuja divisão neste momento poderá por em risco todo o
processo”. (Salomão Malina, “A unidade na transição democrática tem que continuar a existir”, V
OZ DA
UNIDADE, n° 254 15 a 21/06/1985, p. 8)
146
A construção do PCB legal exigia em contrapartida, a retomada do trabalho de
estruturação das bases, ou melhor, o resgate do “padrão leninista de organização”,
[...] aquele que tem nos núcleos de dinamização partidária (bases) o espaço
principal de ação e intervenção do partido para erradiar-se para a sociedade.
Sem estes núcleos, vinculados aos locais de trabalho, moradia e estudo, a
ação política dirigida desde o centro não se realizará. É com uma vida
dinâmica e democrática ao nível das bases que o centro dirigente poderá
permear com suas propostas a classe operária, os trabalhadores e o conjunto
da sociedade.
(Resolução sobre política de organização. VOZ DA
UNIDADE, n° 311, 15 a 22/08/1986, Voz Documento, p.6)
A construção desses núcleos precisava ser um empenho de todos os comunistas e
não somente da direção. Mas, além da dinamização de núcleos por locais de trabalho, moradia
e estudo, a reconstrução orgânica do PCB demandava igualmente: o desenvolvimento de uma
campanha nacional (permanente) de filiações, que devia se direcionar, sobretudo para as
grandes unidades fabris; o desenvolvimento de um trabalho de educação política dos filiados e
de formação e reciclagem de quadros dirigentes e intermediários; a elaboração de uma política
de finanças capaz de dotar o partido dos recursos materiais necessários; a formação de
comissões municipais em 20% dos municípios de cada Estado; e o reforço do trabalho de
propaganda e divulgação do PCB, para fortalecer a imprensa partidária. (Resolução do CDNP
“Sobre questões de organização”, VOZ DA UNIDADE, n° 298, 16 a 22/05/1986; Resolução do
CDNP “Sobre a política de organização”, VOZ DA UNIDADE, n° 311, 16 a 22/08/1986, Voz
Documento)
Se o objetivo era construir o partido em meio à classe operária, esse trabalho devia
se realizar, mormente nos grandes centros urbano-industriais, onde se concentrava grande
parte do contingente operário.
[...] Dentro de uma política de concentração, a prioridade básica para este
esforço encontra-se nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas
Gerais, sobretudo nos municípios e regiões industriais e nas principais
empresas dos setores mais dinâmicos e importantes da economia
(metalurgia, petróleo, química, energia, comunicações, transportes e
informática). Esta política de concentração não significa subestimar a
importância de outros estados com relativo desenvolvimento industrial ou a
construção do partido entre os assalariados agrícolas, o campesinato e os
147
trabalhadores das camadas médias urbanas, cabendo a cada organização do
partido o estudo da realidade da sua jurisdição e a adoção de sua política de
concentração
[...] (Resolução do CDNP “Sobre a política de
organização”, VOZ DA UNIDADE, n° 311, 16 a 22/08/1986, Voz
Documento)
Entendia-se que pela tradição e força do movimento operário-industrial nesses
Estados, o trabalho de reorganização do partido tinha grandes chances de êxito, afinal o PCB
reconhecia-se como o partido da classe operária, representante de seus interesses.
Convém marcar que as eleições sob o período de transição seriam consideradas
pela direção partidária, um excelente teste para avaliar a intervenção comunista ou o resultado
do trabalho de reestruturação do partido. Já em 1985 nas eleições municipais de novembro, o
PCB teria a oportunidade de participar com legenda e candidaturas próprias. Mas, nesse pleito
ainda prevaleceria a lógica de apoiar o PMDB e a AD, como forma de consolidar o processo
democrático. Isto porque, entendiam os comunistas que naquele primeiro pleito sob a
transição se decidiria:
[...] se vai se manter e se ampliar a democracia da Nova República (...) Ou se
vai haver um retrocesso autoritário, com os movimentos dos trabalhadores
manietados e seus partidos com o âmbito de ação mutilados. Desse modo é
esse o critério que deve ser adotado na campanha eleitoral e na votação. Que
candidatura mais tem chance de garantir, se eleitos, um esquema de poder
que garanta e amplie as liberdades da Nova República, quais deles têm mais
chance de derrotar os candidatos que são agentes do retrocesso. (
Renato
Pompeu. “Pelo voto útil”, VOZ DA UNIDADE, n° 270, 05 a 11/03/1985,
Conversa de Balcão, p. 4)
Mesmo onde concorreria com candidaturas próprias o partido obteria um
resultado marginal, expressão de sua frágil inserção em muitos movimentos sociais e
particularmente no operário-sindical.
O PCB, todavia, não se deixaria abater. Na verdade, o pleito de 1985, seria
tomado pela direção como um “ensaio geral” para as próximas eleições e principalmente para
avaliar onde estavam as lacunas do processo de reorganização nacional do partido e seus
erros. De acordo com a compreensão do partido os resultados eleitorais indicavam que:
148
[...] o espaço aberto pela conquista da legalidade ainda não foi ocupado com
a audácia e a combatividade possíveis e necessárias. Constatou-se, em vários
locais que os comunistas não avançaram o quanto podiam na afirmação da
autonomia e do caráter particular do PCB, às vezes, até diluindo-se no
conjunto das forças democráticas.
(s/a “1985: O Partido Comunista
Brasileiro na legalidade”, VOZ DA UNIDADE, n° 280 03 a 09/01/1986,
p. 3)
Ou seja, era preciso saber ocupar esse espaço e marcar sua posição política. E para
isso nada mais urgente do que redobrar o empenho no projeto de estruturação nacional do
PCB, os resultados deveriam aparecer nas próximas eleições de novembro de 1986.
Nesse pleito, a estruturação e organização do PCB legal, adquiriam um duplo
significado e importância: transformar o PCB num partido de massas e também para uma
participação mais ativa e coordenada no processo Constituinte. Isto porque, a campanha
eleitoral de 1986, ofereceria um terreno privilegiado para os comunistas avançarem na
reorganização do PCB. Do interior da frente democrática e na luta “conducente à
Constituinte”, o partido teria a oportunidade de mostrar suas bandeiras, de se colocar como
“força unificadora da batalha antiimperialista, antimonopolista e antilatifundiária”, e de se
afirmar como “vanguarda política” da classe operária. (Resolução do CDNP “Sobre a
política de organização”, V
OZ DA UNIDADE, n° 311, 16 a 22/08/1986, Voz Documento)
A partir dessas eleições é que se poderia avaliar se a legalidade jurídica do PCB
estaria se confirmando no âmbito sócio-político. As eleições de 1986 eram vistas dessa forma,
como uma excelente ocasião para a afirmação da identidade do partido e para seu
credenciamento frente ao eleitorado como um partido comprometido com a defesa radical da
democracia, da transição, dos pontos programáticos do “Compromisso com a Nação”, mas
que também possuía uma identidade e uma política autônoma e independente em relação às
outras forças políticas e ao governo. (Resolução do CDNP “Sobre questões de organização”,
V
OZ DA UNIDADE, n° 284, 31/01 a 06/02/1986, Voz Documento)
Para atingir os fins almejados no processo eleitoral, os comunistas deviam buscar
coligações nas disputas majoritárias, através de projetos comuns e adotar candidatura própria
149
quando se pudesse contar com uma segura possibilidade de vitória. (Doc. “Sobre a política
eleitoral”, VOZ DA UNIDADE, n° 298, 16 a 22/05/1986)
Diversamente da campanha anterior, o PCB apesar de apoiar candidaturas
progressistas - onde se mostrava mais indicado a coligação -, procuraria dar mais ênfase à sua
independência política visando marcar sua identidade.
Mas, se a campanha eleitoral não atingisse os fins almejados - a eleição de uma
bancada comunista ou mesmo de uma bancada democrático-progressista para integrar à
Constituinte -, ela devia ao menos contribuir para reforçar a imagem do PCB e para sua
reconstrução orgânica:
[...] A campanha eleitoral deve ser direcionada para alcançar as metas já
definidas pelo nosso partido; mas deve ser – senão ao preço de não lográ-las
– direcionada para a construção e organização do PCB.
(Resolução do
CDNP “Sobre a política de organização”, VOZ DA UNIDADE, n° 311,
16 a 22/08/1986, Voz Documento)
A direção partidária confiava no acerto da reiteração da política de frente
democrática e conseqüentemente na positividade do histórico de lutas do partido para a
edificação de um partido de massas:
O avanço da transição democrática, bem como o acerto da nossa orientação
geral nesse processo, abre ao PCB alternativas para o aprofundamento da sua
ligação com as massas e para o crescimento e expansão da sua influência e
autoridade [...]
(Resolução do CDNP “Sobre a política de organização”,
V
OZ DA UNIDADE, n° 311, 16 a 22/08/1986, Voz Documento)
O PCB, entretanto não conseguiria atingir seus objetivos nas eleições de 1986.
150
governador próprio e senador
115
. (s/a “Comunistas avaliam derrota eleitoral”, VOZ DA
UNIDADE, n° 326, 11 a 18/12/1986)
Ao menos, segundo a análise da direção, o processo de transição e o compromisso
com a democracia sairiam fortalecidos desse processo, pois o PMDB venceria em grande
parte dos Estados e várias forças contrárias à transição seriam derrotadas, como Paulo Maluf
em São Paulo. (s/a “Comunistas avaliam derrota eleitoral”, VOZ DA UNIDADE, n° 326, 11 a
18/12/1986)
A tentativa da direção, apesar das evidências e do relevo dado ao processo
eleitoral se encaminhava no sentido de minimizar os impactos da derrota. Ao avaliar a derrota
Salomão Malina, afirmaria que o PCB não era um “partido eleitoreiro”. A eleição se
constituiria num momento importante, mas advertia que o PCB não podia ser “um partido de
véspera de eleição”. (s/a “Comunistas avaliam derrota eleitoral”, VOZ DA UNIDADE, n° 326,
11 a 18/12/1986) Essa conclusão servia por um lado para lembrar os comunistas das
armadilhas quanto às ilusões dos ganhos político-institucionais, mas por outro, para mascarar
os reais motivos da derrota, pois se movia no sentido de menosprezar os resultados eleitorais
daquele pleito antes considerado decisivo para o projeto de afirmação política do PCB.
Para que se tenha uma idéia, apesar da frustração a direção buscaria ver o
resultado do pleito de 1986 como uma derrota eleitoral e não uma derrota política. Só assim
poderia seguir acreditando na legitimidade de sua política, e na conversão do PCB num
grande partido de massas. A falta de representatividade do PCB nas urnas, segundo as
análises, expressava que sua reorganização ainda não atingira o ápice para convertê-lo numa
unanimidade nacional. Ademais, era preciso levar em conta três fatores: a difusão do
anticomunismo na campanha eleitoral; o fato de ser a primeira vez em quarenta anos que o
PCB ressurgia para a legalidade, como um partido pequeno e em fase de construção; e o
115
Os três deputados eleitos e que integrariam o Congresso Constituinte seriam: Roberto Freire por Pernambuco,
Fernando Santana pela Bahia e Augusto Carvalho pelo Distrito Federal.
151
grande número de votos nulos e brancos, que indicavam a existência de espaços ainda não
ocupados.
De acordo com Salomão Malina, o fato do PCB:
[...] aparecer com sua legenda, suas palavras de ordem, se apresentando para
a população na busca de solucionar os nossos problemas, tudo isso
representa um acúmulo de capital que colheremos no futuro. Participamos
das eleições em todo Brasil. O fato de termos participado em apoio à
transição democrática, de ter sido uma força importante na articulação da
frente democrática, demonstrava a viabilidade do partido que é organizado
nacionalmente. Tivemos votos na legenda até onde o PCB não está
organizado. A vitória da política democrática nos demonstra que existe
uma massa crítica que permitirá a viabilidade do partido.
(s/a
“Comunistas avaliam derrota eleitoral”, V
OZ DA UNIDADE, n° 326,
11 a 18/12/1986, grifos nossos)
Segundo Pandolfi, o PCB procurava fiar-se na crença de que seu crescimento e
fortalecimento viriam com o aprofundamento da democracia, como se fosse um
desdobramento natural da transição democrática, que só completaria seu ciclo com a
promulgação da Nova Constituição e a instituição de um Estado de direito, por isso cabia
esperar e batalhar pela consolidação política do PCB legal. (PANDOLFI, 1995, p. 232)
Há de se convir, no entanto que o desempenho do PCB nas eleições de 1986 já
denunciava sua fraca inserção no movimento social e operário, ou no limite, sua inexistência
nesses movimentos. A debilidade da postura do partido estava na disjunção entre o que se
almejava e o que se via na prática, pois apesar de afirmar a necessidade de marcar seu projeto
político e identidade o PCB seguia atrelado a uma política de alianças que o descredenciava
diante dos setores mais dinâmicos e avançados da classe trabalhadora. Além do mais, a ênfase
no jogo político-institucional – processo eleitoral, política de alianças, apoio ao governo, no
processo constituinte – não encontrava um contrapeso na organização do trabalho de massas.
A direção comunista também não se indagava se o histórico de lutas do partido
seria suficiente perante a classe operária, para credenciá-lo como vocalizador de suas
demandas. O problema é que na prática suas posturas, alianças e discurso não diferiam
significativamente da posição do PMDB, e do discurso liberal-democrático. O PCB não
152
representava naquela conjuntura uma alternativa aos partidos burgueses existentes. Mesmo
fora do PMDB, ele não conseguiria se desvincular de sua imagem, de suas lutas e da política
daquele partido, no qual militara durante os últimos dez anos.
A definição de seus aliados evidenciava a distorção da identidade comunista:
enquanto o PFL - partido dissidente da ditadura - era considerado aliado na transição, PT e
CUT eram tratados como inimigos da transição. Isto porque, com a inauguração da “Nova
República”, o partido veria o campo político dividido em dois: “os democratas conseqüentes”
e os antidemocráticos, no primeiro campo se encontravam PMDB, PFL e ele próprio PCB, e
no segundo o PDT de Brizola, PT e PDS. O que levava o partido a estabelecer essa divisão
era a defesa da transição e do programa estabelecido pela AD, os que não defendiam e
apoiavam o “Compromisso com a Nação” e o governo, se colocavam contra a transição
democrática. (PANDOLFI, 1995, p. 228)
Não podemos esquecer, que a busca do PCB por legitimar-se frente ao Estado
decorria em grande medida da necessidade de cumprir as exigências da legislação partidária,
já que em maio de 1985 o partido obteria apenas o registro provisório para seu
funcionamento. Ou seja, era preciso batalhar para a construção do PCB legal e para conquistar
o registro definitivo
116
. Esse também seria um dos fatores a contribuir para que o partido se
lançasse num trabalho de reorganização nacional que privilegiaria muito mais o lado
institucional, a campanha por filiações, e os ganhos eleitorais, do que o trabalho de massas.
O fato é que a derrota de 1986 serviria para demonstrar as falhas na política
seguida pelo PCB e a incongruência na sua crença de que a legalidade o transformaria numa
força política e social expressiva, sem que houvesse em contrapartida um trabalho para
reconquistar os espaços perdidos ou mesmo um trabalho para reconstruir sua imagem e a
identidade comunista, mantida na subalternidade diante dos liberal-democratas. Por si só a
116
O registro definitivo para o funcionamento do PCB só seria conquistado após o fim da transição, em março de
1990.
153
concessão da legalidade jurídica não seria capaz ou suficiente para trazer as massas para o
lado do PCB, para devolver sua inserção no meio social e operário ou sua hegemonia na
esquerda. As eleições subseqüentes demonstrariam essa realidade, na mesma proporção em
que se dava o declínio político-eleitoral e social do PCB na cena de esquerda, o PT avançava
na conquista desses espaços antes hegemonizados pelos comunistas
117
.
Mas é preciso marcar que apesar de sua base de massas e de possuir um grande
poder de mobilização da classe operária, o Partido dos Trabalhadores não estava isento de
contradições e limites. Embora ancorado num forte discurso classista que marcaria seus
primeiros tempos, o PT não possuía um claro projeto para a construção da hegemonia da
classe operária. Na verdade, o discurso e a prática petista não ultrapassava o limite
reivindicativo, a defesa da satisfação dos iindiesses materiais imediatos da classe
trabalhadora. Por conseguiind, sua proposta política não colocava em questão a ultrapassagem
da ordem capitalista e construção de uma nova, apesar de proferir o socialismo como norte.
(DEL ROIO, 2004, p. 72)
Nos limites de sua formação, o PT se conformaria como um “partido sindicalista”,
não conseguiria ultrapassar o estágio da consciência política coletiva denominada por
Gramsci de “sindical-corporativa”. Ou seja, sua orientação não superaria os limites do
“sindicalismo teórico”
118
. (GRAMSCI, 2000, p. 46) Segundo Gramsci, nesse estágio:
117
Nascido em meio às grandes greves do ABC paulista entre 1979-1980 e como um seu resultado, o PT seria a
expressão política da movimentação social-operária que emergira no final dos anos setenta, ou a “alternativa
política-partidária” criada para representar no âmbito político-institucional as demandas requeridas pelos “novos
atores”. A proposta de criação de um novo partido atrelado às lutas cotidianas dos trabalhadores e a seus
interesses imediatos, conseguiria atrair não apenas o operariado, mas também a esquerda e a juventude católica e
marxista, sobretudo os que se opunham à forma de organização e à política do PCB, os remanescentes dos
grupos trotskistas, setores da nova classe média (proletarizada), e o contingente dos movimentos disseminados
com o incentivo das CEBs - movimentos contra a carestia, pelos direitos da mulher, pelos direitos humanos,
movimentos de bairro, por melhores condições de vida e moradia, etc. Ver Marta H
ARNECKER, 1994.
118
O “sindicalismo teórico” segundo Gramsci seria apenas uma das manifestações do economicismo e próprio
de “um grupo subalterno, que não adquiriu ainda consciência de sua força e de suas possibilidades e modos de
desenvolvimento e, por isso, não sabe sair da fase de primitivismo”. Isso ocorreria porque nesse grupo
subordinado a questão de sua transformação em grupo dominante nem seria cogitada. Ver Antonio G
RAMSCI,
2000, p. 48.
154
[...] se atinge a consciência da solidariedade de interesses entre todos os
membros do grupo social, mas ainda no campo meramente econômico. Já se
põe neste momento a questão do Estado, mas apenas no terreno da obtenção
de uma igualdade político-jurídica com os grupos dominantes, já que se
reivindica o direito de participar da legislação e da administração e mesmo
de modificá-las, de reformá-las, mas nos quadros fundamentais existentes
[...]
(GRAMSCI, 2000, p. 41)
Nesse sentido apesar de questionar a desigualdade da ordem capitalista, a proposta
petista não se punha a questão de sua superação, apenas buscava diminuir tais desigualdades.
Faltava em sua proposta a medição entre a consciência econômica e consciência política, ou a
dimensão da importância do jogo político-institucional como meio para construir a hegemonia
da classe operária
119
. Essa limitação marcaria tanto o PT quanto o movimento operário em
geral.
3.4 O 8° Congresso e as faces da institucionalização do PCB
Os sinais do declínio do PCB já estavam evidentes e implícitos na derrota de 1986
e o 8° Congresso e os debates que o precederiam apenas refletiriam tal realidade. A derrota de
1986, de fato, apenas materializava a situação de decadência do partido, apontada nos debates
para a Conferência Nacional Política entre julho, agosto de 1986, colaborando para aumentar
as pressões internas por mudanças na orientação política. (SANTANA, 2001, p. 261)
A direção, no entanto sairia pela tangente ao conferir um caráter extraordinário ao
8° Congresso do partido, que teria por objetivo não a alteração da linha política, mas apenas a
119
O PT não conseguiria fazer a passagem para a “fase estritamente política”, na qual segundo Gramsci:“as
ideologias geradas anteriormente se transformam em ‘partido’, entram em confrontação e lutam até que uma
delas, ou pelo menos uma combinação delas, tenda a prevalecer, a se impor, a se irradiar por toda a ´era social,
determinando,, além da unicidade dos fins econômicos e políticos, também a unidade intelectual e moral, pondo
todas as questões em trono das quais ferve a luta não no plano corporativo, mas num plano ‘universal’, criando
assim a hegemonia de um grupo social fundamental sobre uma série de grupos subordinados. Antonio
G
RAMSCI, 2000, p. 41.
155
adequação e correção de sua tática para o fim da transição e para orientar a ação do partido no
pós-Constituinte.
As discussões preparatórias dariam continuidade ao debate interrompido com o
cancelamento da Conferência em 1986, e reforçariam as críticas já lançadas. Em quase quatro
meses de discussão (fevereiro a maio de 1987), o questionamento que repetidamente viria à
tona seria: como o PCB chegara ao ponto em que se encontrava? Como explicar o fato do
PCB, principal articulador da frente antiditatorial, ter entrado no novo período sem uma base
de massas?
Evidente, que as escolhas feitas e as posições assumidas pelo partido no período
imediatamente anterior, teriam um peso muito grande para o esboço da situação em que se
encontrava o PCB. Mas, a reiteração da mesma lógica, da mesma luta, da mesma política
utilizada no combate à ditadura contribuiria sobremaneira para que o partido não conseguisse
reverter sua retração no meio operário e social.
Para os que apoiaram e sustentaram a política de unidade para a ultrapassagem da
ditadura, e que agora se colocavam contra sua continuidade, a política de frente democrática
era justa e correta, mas em decorrência da nova conjuntura ela estava defasada e esgotada, por
isso não mais se justificava. A política de frente democrática dera seus frutos na luta pelo
isolamento e batimento do regime militar. Naquela ocasião, o objetivo comum de por fim a
ditadura conseguira atrair amplo apoio e adesão para o empreendimento de formação de uma
frente oposicionista e pelo restabelecimento da democracia. Porém, derrotada a ditadura e
inaugurada a transição os interesses se diversificaram, não havia mais um inimigo comum a se
combater, e a frente então seria rompida. Ou seja, a política de frente democrática fora uma
fórmula vitoriosa, mas que não interessava mais à grande parte das forças liberal-
democráticas, e isso estava patente antes mesmo das eleições de 1986 como já havia sido
assinalado nas discussões daquele ano.
156
O equívoco de sua reiteração estaria demonstrado na derrota político-eleitoral do
PCB nas eleições de 1985 e, em especial de 1986 e na sua perda de espaços no meio social e
operário para o PT, e em menor proporção para o PDT e PC do B. (Aníbal Valença
“Reelaboração da estratégia e da tática”, VOZ DA UNIDADE, n° 342, 24 a 30/04/1987, Voz
Debate 8° Congresso)
Como considerar então correta, justa e vitoriosa uma política que não mobilizava
as massas, sem respaldo em seus movimentos?
Afinal de contas, segundo Carlos Alberto Noronha, o “triunfo de uma linha
política” só poderia “ser medido pela sua capacidade de se transformar em ação de massas”,
não bastava ter uma boa linha política, ainda que isso fosse indispensável, era necessário
“contar com o instrumento para levar essa política à sua realização”. Ou seja, para ser
vitoriosa ela precisava ser aprovada e colocada em prática pelo menos por grande parte da
massa em geral e da trabalhadora em particular. (Carlos Alberto Noronha “Até quando... vão
abusar de nossa paciência?” VOZ DA UNIDADE, n° 339, 03 a 09/04/1987, Voz Debate 8°
Congresso)
Mas, a classe operária não se identificava com o discurso comunista que em
grande medida se confundia com o do PMDB. Sendo assim, a causa da derrota nas eleições de
1986, não devia ser procurada na falta de coligações ou numa insuficiente política de
reorganização, mas, no fato de que “entre uma postura de nenhuma diferença e nitidez, ou
quase, com os partidos à direita, em especial o PMDB”, era de se esperar que o “eleitorado
votasse na matriz e não na imitação barata”. (Humberto Cavalcanti “Por um Partido
Comunista Brasileiro”, VOZ DA UNIDADE, n° 339, 3 a 9/04/1987,Voz Debate 8° Congresso)
Além do mais, o partido chegara a uma tal situação que não se constituía numa
alternativa eleitoral nem para a burguesia progressista e nem para a classe operária e as
massas em geral, que nele não votavam, por já terem seus representantes. (Avelino Capitani
157
“O que está acontecendo?”, VOZ DA UNIDADE, n° 342, 24 a 30/04/1987, Voz Debate 8°
Congresso)
Qual seria então a razão de existir do Partido Comunista, se nem a massa atrasada
e a avançada e tampouco seus aliados liberal-democratas não o reconheciam como uma
alternativa política e eleitoral válida para representar seus interesses? De que estaria valendo
para o PCB ou para os objetivos da classe operária, a defesa do acordo entre capital e
trabalho, da contenção das lutas sociais, ou seu atrelamento ao governo, e a defesa de uma
transição que não avançava e que aos poucos demonstrava sua face conservadora, senão suas
derrotas e seu desaparecimento no meio operário-social?
O problema estava em que, ao contrário da burguesia o PCB não conseguia
identificar seus reais oponentes, por isso situava-se na cena política e social como um “vetor
dos interesses da classe dominante e instrumento do arrefecimento da luta de classes”
(Carlos Eduardo Vieira “A vanguarda da classe operária”, VOZ DA UNIDADE, n° 340, 10 a
16/04/1987, Voz Debate, 8° Congresso, p. 6) O que o partido não se dava conta era que
muitos dos seus aliados do pós-64 já haviam ficado pelo caminho com a inauguração da
transição, por estarem satisfeitos com o fim do militarismo e com as conquistas da “Nova
República”. (Raimundo de Souza Malheiros, “Nova República: nova tática com novo
partido”, V
OZ DA UNIDADE, n° 342, 24 a 30/04/1987, Voz Debate 8° Congresso)
Por isso, apontavam as discussões, o partido precisava despertar para a realidade
de que seus “inimigos principais” ou os principais entraves ao projeto de construção de uma
democracia de massas eram as “forças formadoras da ditadura, reagrupadas no PFL, PDS e
PTB”. (Ion Mascarenhas “Unir o povo para avançar na democracia”, V
OZ DA UNIDADE, n°
338 27/03 a 02/04/1987, Voz Debate) E a partir daí superar as diferenças ou pelo menos não
deixar que estas impedissem uma aliança com o PT, PDT e PC do B, como ocorrera no
interior da antiga frente.
158
A tática ou o princípio do “ruim com ele, pior sem ele” seria um dos fatores
responsáveis pela posição assumida pelo partido. Sob a transição ela se tornara um útil
pretexto para justificar o “reboquismo” de suas posições em relação ao governo e à política de
conciliação. Na verdade, sua utilização dava a entender que o PCB se subordinava à transição
impetrada pelo governo Sarney, por entender que as alternativas em voga na cena brasileira
estavam entre a transição conservadora e o retrocesso político, por isso sua opção por abonar
a transição conservadora que se efetivava. (Cf. Byron Sarinho – PE, “Transição, gueto,
legalidade e outros ingredientes da crise”, V
OZ DA UNIDADE, n° 339, 03 a 09/04/1987, Voz
Debate 8° Congresso).
Mas havia outros fatores que colaboravam para o posicionamento do partido, a
superestimação do papel e das alianças com a “burguesia nacional” no processo social e
político, por exemplo, era “um caso de amor antigo” do PCB, responsável por suas ilusões
quanto a política de conciliação e às possibilidades da democracia burguesa.
O fator mais recente seria os “desvios ideológicos à direita” ou a proliferação do
“liberalismo pequeno-burguês” que encontrara um terreno fértil dentro do PCB após a
conquista de sua legalidade em 1985. (Carlos Alberto Noronha “Até quando... vão abusar de
nossa paciência?” V
OZ DA UNIDADE, n° 339, 03 a 09/04/1987, Voz Debate 8° Congresso)
Mas, o erro determinante do partido sob a transição e que o conduziria a ficar a
reboque de uma política de alianças defasada, como avalista do governo de transição teria
sido não exigir sua participação no governo da Aliança Democrática, ou ter visto sua exclusão
desse governo como esperável.
[...] desde o golm7o po0 Tão doteu05 Tw[(dás, o PCBo)]TJ15.4408 0 TD0 Tc020305 Tw[(de cloc ou entre às riz)-63(m)17.9leiA s
umcrizmafrcentesde poso -257(su)-85um2116(a -)5.4A(liança s)044(em-4(mo(crátice que -)5.4voluntcaiaom)759em-4(entees quncie -)5.4eista ívlidm-4(s )]TJT*c0.0146 Tc009831 Tw[(..o)algunsà dição que nãoA)-5.5 participom)8.7(so)]TJ159181 0 TD0.0109 Tc0.9748 Tw[(A)-5.5 or que nãotí]onhim29.2(o)-0.8àsforças, o queé( )]TJ-159181-11.1275 TD0.0007 Tc003305 Tw[umie -..o) porg
159
governo de Transição Democrática, era um direito conquistado numa luta
árdua e permanente contra a ditadura [...]
(Ion Mascarenhas “Unir o povo
para avançar na democracia”, VOZ DA UNIDADE, n° 338 27/03 a
02/04/1987, Voz Debate 8° Congresso)
A exclusão do PCB do governo da AD evidenciaria por si só a mudança no
realinhamento das alianças pós-ditadura, e o rompimento da frente. Segundo Ion
Mascarenhas, a imposição de sua participação mesmo que não se concretizasse teria sido
determinante para que o PCB se despisse de suas ilusões, quanto ao governo e à continuidade
da frente, ou seja, “uma negativa formal do governo teria sido muito útil para que desde cedo
determinássemos seu caráter”. (Ion Mascarenhas “Unir o povo para avançar na
democracia”, VOZ DA UNIDADE, n° 338 27/03 a 02/04/1987, Voz Debate)
A partir desse erro o PCB tenderia não apenas a uma falsa identificação entre o
governo de transição e a frente democrática, mas também a não enxergar o esgotamento da
frente democrática, a ver no PFL um aliado e a não ver a direção em que se movia o governo
e a AD e os mecanismos utilizados pelo governo Sarney para moldar o Estado de direito,
segundo os interesses das frações de classe por ele representados.
De acordo com Marco Aurélio Santana, “mesmo quando sinais concretos
indicavam que a Aliança Democrática dispensava os comunistas”, o PCB não alteraria sua
postura e sua análise sobre o novo governo, ao contrário, ainda tentaria justificar a postura da
AD como sinais da luta travada em seu interior entre os setores conservadores e os
democrático-progressistas. (SANTANA, 2001, p. 253)
Essa ação da Aliança ficou claramente estampada nas eleições de 1985 (...)
Apesar dos acordos sacramentados anteriormente, a Aliança Democrática
deixou os comunistas do Rio Grande do Sul fora da participação em rádios,
televisão, bem como da propaganda em geral. Na análise dos comunistas
daquele estado, isso indicava a influência de setores conservadores e um não
compromisso com a mobilização e organização da massa para fazer o
processo avançar (...) Mesmo diante de fatos como este – a relação
PCB/Aliança Democrática -, que estava longe de ser específico e isolado, o
partido continuava fazendo vista grossa, não querendo aceitar que o varejo
aqui era o atacado
[...] (SANTANA, 2001, p. 254)
160
Em sua maioria, as discussões indicavam que o processo democrático não
avançaria sem luta e muito menos enquanto os comunistas continuassem a conciliar com a
burguesia e o governo. Se o objetivo era a construção de uma democracia de massas, o PCB
precisava apoiar não o governo como fiador da transição, mas o processo democrático. A
consolidação da “Nova República” e conseqüentemente da transição, deveria se dar através da
mobilização das massas e não de sua contenção.(Raimundo de Souza Malheiros “Nova
República: nova tática com novo partido”, VOZ DA UNIDADE, n° 342, 24 a 30/04/1987, Voz
Debate 8° Congresso)
Nesse sentido, a palavra de ordem da desestabilização e do lema “lutar para
negociar, negociar para mudar” induziria a uma “posição apaziguadora”, que paralisaria a
luta, e colocaria como finalidade do processo de transição o “acordo” e não a “vitória:
[...] É uma incongruência a idéia de fazer avançar o processo de transição e,
simultaneamente, garantir a estabilidade da transição. Tudo que é transitório
é, por isso mesmo, instável (...) Achar que se deve lutar e ao mesmo tempo
assegurar a estabilidade num processo de transição – em que a disputa pela
hegemonia é nota característica – só serve ao inimigo, porque tem o efeito de
amortecer e paralisar a luta. A palavra de ordem ‘lutar para negociar,
negociar para mudar’ nega a necessidade de mobilizar a classe operária e as
massas e aprofundar o processo democrático, enfrentando a resistência das
forças reacionárias. Exprimir com tal lema a política do PCB é submeter a
classe operária aos desígnios da burguesia [...]
(Celso da Silva Soares
“Uma alternativa democrática e popular”, V
OZ DA UNIDADE, n° 340,
10 a 16/04/1987)
Na verdade, algumas críticas apontavam que a postura do partido ia contra os
objetivos consagrados na Alternativa: a construção de um partido e de uma democracia de
massas. A ênfase na conquista do Estado de direito transmitia a impressão de que o partido
abandonara o objetivo de construção de uma democracia de massas em troca da conquista de
um patamar mínimo, mas que se mostrava possível naquele momento: a garantia do Estado de
direito. Nele é que pareciam se encerrar as perspectivas para a transformação da sociedade
nacional. (Byron Sarinho – PE, “Transição, gueto, legalidade e outros ingredientes da crise”,
VOZ DA UNIDADE, n° 339, 03 a 09/04/1987, Voz Debate 8° Congresso)
161
Segundo Teresa Lucena, em nome da conquista desse patamar o partido procurava
fazer com que as massas e em particular a classe operária esquecessem o profundo
compromisso do governo com as classes dominantes, ao tentar encobrir o caráter conservador
do governo de transição e as limitações da democracia político-burguesa. (Teresa R. de
Lucena “Sobre a formação do bloco histórico”, VOZ DA UNIDADE, n° 339, 03 a 09/04/1987,
Voz Debate 8° Congresso)
Os debates travados nas páginas da Voz da Unidade se encerraram em maio de
1987, mas o 8° Congresso só se realizaria em julho, entre os dias 17 e 20
120
. As discussões
realizadas evidenciavam com precisão a transformação sofrida pelo PCB nos últimos tempos.
Suas opções, sua lógica de ação e as influências liberais trazidas de dentro do PMDB teriam
levado o PCB a incorporar a perspectiva institucional, sem que o partido representasse uma
força política de peso no âmbito político-institucional. A direção partidária, entretanto não
esmoreceria, o “otimismo incorrigível”
121
que marcara a trajetória comunista nos anos setenta
e oitenta, ainda impulsionava a direção comunista a acreditar na legitimidade da política
democrática para colocar o PCB numa posição de força na cena política e social, bastavam
alguns ajustes em sua orientação geral.
Em conseqüência, o documento resultante dos trabalhos do Congresso deixava
transparecer algumas pequenas mudanças na visão do partido, mas a lógica de sua orientação
geral seria mantida. As alterações eram nítidas tentativas de responder as críticas recorrentes,
e superar as interpretações errôneas principalmente no que diz respeito à postura do PCB ante
o governo Sarney e à AD, que levavam-no a confundir a frente democrática com a Aliança
Democrática e a apoiar o de maneira absoluta o governo Sarney.
120
O 8° Congresso em 1987 foi o primeiro Congresso do PCB realizado na legalidade. Nele seria extinto o cargo
de secretário-geral, e criados os cargos de presidente nacional e vice-presidente do partido, como uma forma de
atender as exigências da lei de organização partidária. E para os quais seriam eleitos Salomão Malina para
presidente e Roberto Freire para vice.
121
A expressão é de Carlos Alberto Noronha, “Até quando... vão abusar de nossa paciência?” VOZ DA
UNIDADE, n° 339, 03 a 09/04/1987, Voz Debate 8° Congresso.
162
A Declaração Política do 8° Congresso reconhecia que tanto a Aliança
Democrática quanto o governo Sarney estavam perpassados por contradições e limitações
oriundas de sua natureza e composição. Juntos eles seriam produtos de uma convergência de
interesses e de um acordo antiditatorial entre as forças democráticas, liberais, conservadoras e
até reacionárias. Suas contradições e limites refletiam o choque de interesses, os projetos de
classe e os compromissos existentes nos seus interiores.
Aliança Democrática nesse sentido não poderia ser vista ou confundida com a
frente democrática e o campo democrático em geral,
[...] já que parte dos seus integrantes não compõem esta última, em particular
aqueles setores que lutam para limitar, quando não para reduzir e retroceder,
o alcance da democratização e das mudanças econômicas e sociais. A
Aliança não expressa o conjunto das reivindicações da Frente Democrática.
Formada em torno de uma plataforma restrita de mudanças democráticas, no
plano político e econômico-social, ela resultou de uma convergência de
interesses entre o movimento democrático, e forças que integrando ou
sustentando o governo Figueiredo até então, passaram nos meses finais de
seu mandato a se opor à sua política e continuidade. Ao alargar os limites
políticos e sociais da antiga frente que historicamente lutou contra a
ditadura, esta convergência formou um bloco de forças suficientemente
poderoso para derrotar o regime ditatorial, mas por sua composição e
compromissos simultaneamente limitou o programa para a transição [...]
(DOCUMENTOS: DECLARAÇÃO POLÍTICA DO 8° CONGRESSO
(Extraordinário) do PCB “Uma Política para a democracia na
perspectiva do socialismo”, 1987, p. 23)
A desconsideração desses limites e contradições por parte do PCB teria conduzido
tanto à subestimação do papel da transição, quanto dos traços de continuidade do governo, e
conseqüentemente à ilusões quanto ao “potencial mudancista” da AD e do governo Sarney.
O governo Sarney, por sua vez, por ser decorrente dessa aliança seria igualmente
marcado por tendências conservadoras e renovadoras, pelos pesos de PMDB e PFL em sua
composição. A implementação do Plano Cruzado I e a revogação de parte da legislação
autoritária de um lado, e a conservação da Lei de Segurança Nacional, da Lei de Greve, o
caráter congressual dado à Constituinte, a manutenção da tutela na Nação sob poder das
Forças Armadas, e as inflexões no âmbito econômico-social a partir do Cruzado II e do Plano
163
Bresser, de outro lado, seriam expressões tanto do compromisso do governo com o
encaminhamento das mudanças, quanto das limitações impostas pelas forças conservadoras.
(DOCUMENTOS: DECLARAÇÃO POLÍTICA DO 8° CONGRESSO (Extraordinário) do PCB “Uma
Política para a democracia na perspectiva do socialismo”, 1987, p.14-15)
Diante de um governo com tais tendências, os comunistas deviam assumir uma
posição de apoio crítico e independente, que significava apoiar o governo em seus acertos e
criticar e se opor aos seus equívocos, ou seja, uma política que não se pautasse nem por uma
“oposição sistemática” e nem por um apoio incondicional e acrítico. (D
OCUMENTOS:
D
ECLARAÇÃO POLÍTICA DO 8° CONGRESSO (Extraordinário) do PCB “Uma Política para a
democracia na perspectiva do socialismo”, 1987, p.4)
Mas, a nova postura do partido frente ao governo e a AD não significava uma
ruptura com a política de frente democrática, pelo contrário, a crise econômica e a demora na
execução das mudanças necessárias ao encaminhamento da transição, repunham segundo o
documento, a necessidade do entendimento, e da unidade entre as forças democráticas, em
torno do objetivo comum que continuava a ser a conquista do Estado de Direito democrático –
tido pelo PCB como uma condição essencial para a implementação de seu projeto de
dimensão estratégica, a construção de uma democracia de massas que abriria caminho para as
transformações socialistas. (D
OCUMENTOS: DECLARAÇÃO POLÍTICA DO 8° CONGRESSO
(Extraordinário) do PCB “Uma Política para a democracia na perspectiva do socialismo”,
1987, p.3)
Deve-se dizer, no entanto que, a Declaração Política daria um peso maior à tarefa
de atrair para as fileiras da frente democrática as forças de esquerda. A renovação da unidade
na transição e a incorporação das forças de esquerda eram imprescindíveis para forjar a partir
da transição um novo bloco político-social, capaz de impulsionar as mudanças necessárias na
fase subseqüente à transição.
164
[...] é preciso que desde agora, seja renovada a ação unitária, na sociedade
e nas instituições, das forças democráticas e patrióticas, sobretudo as de
esquerda, frente às questões concretas destacadas pelo processo político
real. Sem recusa às alianças e convergências mais amplas, e até episódicas,
para abrir caminho ao futuro, ainda que seja com um só passo. O decisivo é
reforçar nossa unidade e a mobilização popular, para incorporar no cotidiano
do Estado e da cidadania as idéias programáticas que exprimam as
esperanças e os interesses mais profundos do nosso povo.
(DOCUMENTOS:
DECLARAÇÃO POLÍTICA DO 8° CONGRESSO (Extraordinário) do PCB,
“Uma Política para a democracia na perspectiva do socialismo” 1987,
p.7, grifos nossos)
A Declaração Política continha ainda uma autocrítica quanto à intervenção do
partido na transição. Segundo o documento, em sua intervenção o partido revelara
incompreensões em relação à importância da democracia burguesa para a luta da classe
operária. O principal equívoco decorrente dessa incompreensão teria sido a tendência a
“omitir o caráter de classe da democracia” e a alimentar ilusões quanto às suas
possibilidades. Essa tendência, não levava em consideração o fato de que a democracia
burguesa “jamais será suficiente para os trabalhadores e para qualquer aspecto dos
interesses populares” ou que naquele momento, a luta era sim pela democracia burguesa,
“mas sem a ilusão de que a democracia será completada com o Estado de direito
democrático (isso não aconteceu em nenhum país), mas com a conquista da democracia
socialista”. (D
OCUMENTOS: DECLARAÇÃO POLÍTICA DO 8° CONGRESSO (Extraordinário) do
PCB “Uma Política para a democracia na perspectiva do socialismo”, 1987, p. 47)
A insuficiência do trabalho de reorganização do PCB legal, também era apontada
com uma das debilidades da ação do partido sob a transição, e cuja maior expressão seria a
fraca ligação do partido com a classe operária e as massas em geral:
[...] A política de concentração permanece com graves dificuldades: a
organização ainda caminha com lentidão, a imprensa não chega à classe (...)
a nossa presença nas suas lutas é fluida. Na nossa política de frente
democrática, nem sempre fomos capazes de expressar claramente a nossa
autonomia como Partido independente, vinculado ao proletariado [...]
(DOCUMENTOS: DECLARAÇÃO POLÍTICA DO 8° CONGRESSO
(Extraordinário) do PCB “Uma Política para a democracia na
perspectiva do socialismo”, 1987, p. 49-50)
165
A construção de um partido de massas e a afirmação política e social do partido
exigiam uma rápida inversão dessa situação, que devia se dar através de uma intensa
participação do PCB em todos os âmbitos da luta e do movimento social, de modo a ganhar a
confiança das massas e de “influir no correta condução de suas ações e de suas entidades”.
[...] Devemos estar em todos os campos de luta da classe operária e do povo,
para ajudá-los a interpretar politicamente as suas demandas, para
compartilhar os seus problemas, para disputar solidária e democraticamente
a direção dos seus combates. Devemos participar mesmo das lutas com cujo
encaminhamento não concordamos – a nossa presença será um fator
corretivo, nunca a nossa ausência.
(DOCUMENTOS: DECLARAÇÃO
POLÍTICA DO 8° CONGRESSO (Extraordinário) do PCB “Uma Política
para a democracia na perspectiva do socialismo”, 1987, p. 49-50)
Por isso,
Será tanto maior o peso do PCB na transição e nos seus desdobramentos
quanto mais concretamente o Partido, através da ação cotidiana dos seus
organismos e militantes, estiver na liderança e no bojo dos movimentos
reivindicativos do povo. Desta inserção na luta depende e dependerá o
peso da nossa credibilidade e autoridade política e a força da nossa
influência institucional
. (DOCUMENTOS: DECLARAÇÃO POLÍTICA DO
CONGRESSO (Extraordinário) do PCB “Uma Política para a
democracia na perspectiva do socialismo”, 1987, p. 50, grifos nossos)
Com esse objetivo o 8° Congresso reiteraria a necessidade de dar mais atenção a
construção e fortalecimento dos núcleos de bases, em investir numa política de filiação mais
audaciosa, ampla e imediata, e de uma política de formação, distribuição e reciclagem dos
quadros e de educação dos militantes. (D
OCUMENTOS: DECLARAÇÃO POLÍTICA DO
C
ONGRESSO (Extraordinário) do PCB “Uma Política para a democracia na perspectiva do
socialismo”, 1987, p. 58)
Com as correções de posicionamento, o PCB visava orientar sua conduta e
intervenção para a conclusão do processo de transição, seu próprio trabalho de reorganização
e as perspectivas para depois de concluído o processo Constituinte. As correções, entretanto
não seriam suficientes para reverter o declínio e a crise em que se encontrava o partido.
166
Embora o PCB estivesse diante do momento por qual lutara e se empenhara na
oposição à ditadura durante vinte anos, pois as bases para a construção da democracia ou
reconstrução do Estado de direito estavam sendo lançadas, e a classe trabalhadora dava provas
de suas potencialidades, o PCB não conseguiria avançar na prática. O problema , como bem
assinalou Florestan Fernandes, era que as oportunidades esperadas pelos agrupamentos de
esquerda surgiriam todas de uma só vez, apanhando a esquerda “desprevenida”. No caso dos
comunistas isso aconteceria muito por se encontrarem “com os calções trocados, tirados por
empréstimo da burguesia ‘nacional’”
(FERNANDES, 1986, p, 79-80)
O fato é que o PCB chegaria ao final de 1987 e de seu 8° Congresso batido,
política e ideologicamente, pois seria um partido que se pretendia da classe operária, mas que
nela não tinha inserção, e um partido que agia como se fosse um partido governista, sem sê-lo
e sem obter nenhum beneficio político em troca. (S
ANTANA, 2001, p. 254) Não à toa as
críticas o acusariam de estar se transformando, num partido do entendimento, defensor do
acordo entre capital e trabalho, ou num partido da ordem, defensor da democracia burguesa.
As faces de sua institucionalização estariam expressas no liberalismo que tomara conta do
partido, sobretudo de sua direção, na perda da identidade operária ou na descaracterização
política e ideológica, na perda de hegemonia na esquerda e no legalismo de sua orientação.
Em nome da defesa da democracia política, da conquista do Estado de direito, o PCB
hipotecaria sua identidade e garantiria com essa postura seu declínio social e político.
A única concessão do governo da “Nova República” ao PCB seria a sua
legalização, que convenhamos viria estrategicamente num momento em que o Partido
Comunista pouca ou nenhuma força teria para emergir como interlocutor das massas.
Podemos dizer que, sua legalização naquele momento significava que o PCB já não
representava um risco real para a hegemonia burguesa, por isso seria concedida. Afinal de
contas, o PCB desempenhara até ali o “papel que seus aliados liberais esperavam que
167
desempenhasse: o de conter as lutas sociais em nome das reformas institucionais”, ou em
nome do Estado de direito. (LIMA, 1995, p. 310)
O partido que se auto-intitulava defensor dos interesses da classe operária acabaria
por se tornar um dos esteios da democracia burguesa, seu porta-voz mais aguerrido.
3.5 O declínio irreversível
Não é nossa pretensão esgotar nesse trabalho as determinações do último período
de vida do PCB. Por hora basta dizer que os quatro anos subseqüentes à realização do 8°
Congresso comprovariam o declínio irreversível em que mergulhara o Partido Comunista
Brasileiro. O PCB, porém, ainda acreditaria que seus problemas seriam apenas uma questão
de má aplicação da linha política, nada que os ajustes realizados pelo 8° Congresso não
solucionassem.
O processo de reestruturação econômica e democratização da sociedade e do
Estado soviético em curso nos países de “socialismo real”, por expressar o resgate da idéia de
democracia como questão primordial e parte inerente da própria construção do socialismo,
daria um certo alento e legitimidade ao que PCB vinha desenvolvendo e salientando na última
década: a importância da democracia política e do Estado de Direito para o desenvolvimento
do processo revolucionário brasileiro rumo às transformações socialistas. O partido adentraria
o ano de 1988, confiante no processo que despontava com as mudanças empreendidas na
União Soviética e com a promulgação na nova Constituição brasileira. Sob a perspectiva da
reconquista do Estado de Direito, o partido propunha a formação de um novo bloco político-
social, herdeiro da frente para consolidar a democracia e impulsionar as mudanças
168
econômicas e sociais não encaminhadas sob a transição. A necessidade de formação do novo
bloco se inscrevia na perspectiva da renovação socialista de “mais democracia, mais justiça
social”:
As forças democráticas e progressistas, neste momento em que a transição
caminha para seu desfecho, passam a defrontar-se com as tarefas da nova
fase que o País vai viver sob um Estado de direito, reacendendo as
esperanças de renovação política, econômica e social. Esse anseio de
renovação (...) a partir de agora aponta a necessidade da formação de um
novo bloco político que reúna as forças interessadas na construção de uma
democracia moderna – ou seja, pluralista e socialmente ampliada, na qual o
desenvolvimento venha a ser produto da afirmação da democracia política e
de sua vinculação com mudanças econômicas e sociais
[...] (Declaração
Política, “Um Novo Bloco Político para mais democracia e justiça
social”, VOZ DA UNIDADE, n°385, 11 a 17/03/1988)
Apesar de não alterar a estrutura econômica nacional, o PCB veria a nova
Constituição, promulgada em outubro de 1988, e a instituição do Estado de Direito, como
grandes vitórias políticas. A nova Constituição representaria um salto de qualidade inclusive
em relação à situação que vigorava desde a instalação do governo de transição,
principalmente no âmbito político-social. Conquistado esse patamar mínimo necessário para o
desenvolvimento das lutas sociais e de massas, tratava-se de batalhar pela consolidação do
Estado de direito através da formação do novo bloco.
As eleições continuavam a representar um momento importante tanto para a
construção e afirmação política e social do PCB quanto para dar forma ao novo Estado.
Afinal, era preciso aproveitar esse momento privilegiado em que as atenções estavam voltadas
para a política: o objetivo ainda seria sair das eleições com um PCB mais influente na vida
nacional.
Já nas eleições municipais (para prefeitos e vereadores) de 1988 o PCB buscaria
dar vazão ao ajuste em sua orientação optando por coligações com o PT. A estrondosa vitória
169
das forças progressistas e de esquerda nesse pleito, sobretudo do PT revigoraria as esperanças
comunistas
122
.
O PCB veria no resultado das eleições de 1988 uma mudança qualitativa na
correlação de forças político-eleitoral com o avanço do campo democrático e progressista e de
esquerda sobre o centro-liberal, o que expressaria por um lado o descontentamento com os
partidos tradicionais, em especial o PMDB e suas promessas não cumpridas, e de outro, a
exigência por parte da população de mudanças econômico-sociais e sua aposta na democracia
política como instrumento de luta para melhorar suas condições de vida.
As perspectivas abertas com o avanço das forças de esquerda induziriam o PCB a
apostar numa candidatura própria para a eleição presidencial em 1989, esta seria uma grande
oportunidade para o PCB se apresentar como uma opção clara a um “eleitorado disposto a
buscar alternativas”. (Cezar Rogelio Vasquez, “A trilha do Brejal”, VOZ DA UNIDADE, n°
424, 09 a 15/12/1988, Ponto de Vista, p. 4)
Deve-se dizer igualmente que a adoção de uma candidatura própria além de
considerar as perspectivas abertas para o avanço das forças de esquerda, seria uma solução
para a dissensão interna em torno do lançamento de uma candidatura à presidência: metade do
partido se inclinava pelo apoio à candidatura de Lula pela esquerda e a outra endossava a
proposta de lançamento da candidatura de Ulisses Guimarães pelo PMDB.
Ainda em 1988, o PCB lançaria a candidatura de Roberto Freire à Presidência da
República. A eleição em dois turnos, segundo o partido, possibilitaria no primeiro turno a
explicitação dos vários projetos das forças progressistas e de esquerda, e no segundo uma
ampla aglutinação em torno da candidatura mais expressiva do campo democrático-
122
Os partidos de esquerda tiveram uma expressiva vitória nas eleições de 1988, com a eleição de prefeitos de
cinco das nove mais importantes capitais do país: em São Paulo, com Luiza Erundina do PT, no Rio de Janeiro,
com Marcelo Alencar do PDT, em Potro Alegre com Olívio Dutra do PT e em Curitiba com Jaime Lerner do
PDT e em Vitória com Vitor Buaiz do PT, entre outros municípios. (s/a “Avançada dos partidos progressistas”,
V
OZ DA UNIDADE, n° 421, 18 a 24/11/1988, Nacional, p. 3)
170
progressista
123
. Essa era a princípio a visão do PCB. (Luiz Carlos Azedo “Em sintonia com as
mudanças”, VOZ DA UNIDADE, n°n° 423, 02 a 08/12/1988, p. 3)
A impossibilidade de celebrar uma ampla unidade de forças democráticas e
progressistas desde já, os comunistas pretendem lançar imediatamente o seu
candidato próprio com objetivo de defender essa unidade no segundo turno,
oferecendo ao debate político-eleitoral suas propostas [...]
(Luiz Carlos
Azedo, “Em sintonia com as mudanças”, VOZ DA UNIDADE, n° 423,
02 a 08/12/1988, p. 3)
A candidatura de Roberto Freire à presidência seria um momento importante para
a mobilização do partido, para mostrar à sociedade o papel que os comunistas poderiam
desempenhar no processo democrático. Através dela o PCB se submeteria à consideração de
várias forças políticas e sociais, ao apresentar suas propostas para a sociedade e para os
problemas nacionais. Nesse sentido, ela seria também um teste decisivo para o partido e sua
política.
Mas, a campanha de Roberto Freire ganharia uma repercussão não imaginada pelo
PCB quando de seu lançamento. Na realidade, vale ressaltar que o processo de renovação em
curso na União Soviética projetaria os holofotes para a candidatura do Partido Comunista.
Aos poucos a candidatura de Roberto Freire literalmente pegaria uma carona na positividade
do que acontecia nos países socialistas.
O discurso do “socialismo renovado” importado e incorporado por Freire atrairia
grande interesse por parte da opinião pública, da mídia e da população. A imagem do
candidato do PCB acabaria aos poucos associada à renovação e à democratização em
andamento nos países de “socialismo real”. Tanto que Roberto Freire seria identificado como
o Gorbatchov brasileiro, as pesquisas de intenção de voto também indicariam sua progressiva
ascensão. Em um artigo editorial da Voz da Unidade afirmar-se-ia:
[...] a onda pegou não há dúvidas de que a estratégia de uma campanha
inovadora que vise nesse momento conquistar os corações e as mentes dos
formadores de opinião irá se traduzir em votos e em índices de pesquisa que
123
O vice na chapa de Roberto Freire, Sérgio Arouca seria escolhido meses depois.
171
poucos de nós sonhávamos no início da campanha.
(s/a “A nova onda de
Freire”, VOZ DA UNIDA
172
candidatura de Roberto Freire já no primeiro turno dias depois viria apenas reforçar esse
desnorteamento.
Com uma votação aquém do esperado e do indicado pelas pesquisas, a derrota da
candidatura comunista cairia como um balde de água fria no partido em especial em sua
direção
124
. Naquele momento a direção partidária parecia ter chegado ao seu limite, o
“otimismo incorrigível” das últimas décadas daria lugar aos questionamentos. Afinal, por que
apesar dos esforços e de desenvolver uma orientação política considerada justa, o PCB não
conseguiria se afirmar como uma força política de peso na cena política nacional? Se a
valorização da democracia política para a estratégia rumo ao socialismo se mostrava justa,
inclusive pelo exemplo da renovação do socialismo mundial, o que estaria errado com o PCB?
Tanto o impacto da derrota de 1989 quanto a aceleração do processo de erosão do
“socialismo real”, contribuiriam para a pressão em torno de uma renovação profunda que
agora provinha diretamente da direção partidária. Era preciso discutir o esgotamento do
modelo-partidário marxista-leninista e de seus princípios: o PCB, sua estrutura, seus
princípios seus símbolos tradicionais, e seu próprio nome pareciam estar em descompasso
com o discurso renovado proferido pelo PCB em sua campanha e em face ao novo socialismo
emergente na cena internacional. Na verdade, estes princípios e símbolos, seriam expressões
do modelo e da doutrina em esgotamento, e o resultado da eleição presidencial de 1989
demonstraria não apenas a rejeição do PCB como alternativa política-eleitoral, mas, sobretudo
a rejeição de todo arcabouço teórico-prático ao qual o PCB ainda estava ligado. Justamente
por isso, entedia-se, a simpatia atraída pela candidatura Freire não teria se traduzido em votos.
(s/a “PCB: Começa o Congresso da Renovação”, VOZ DA UNIDADE, n° 482, 08 a
14/02/1990)
124
Com a derrota, o PCB se integraria à Frente Brasil Popular dando seu apoio ao candidato do PT, Luis Inácio
Lula da Silva no segundo turno, contra o candidato, do PRN (Partido da Reconstrução Nacional) Fernando
Collor de Mello.
173
Sob os impactos tanto dos resultados eleitorais de 1989 quanto do processo de
erosão do socialismo na União Soviética, o PCB realizaria o seu IX Congresso em março de
1991. Em reflexo às mudanças no Leste europeu, o IX Congresso forneceria a base teórica
para a mudança radical de rumos políticos, e venceria as resistências à incorporação da
plataforma de valores liberal-democráticos, se encarregando de implantar definitivamente a
política de "radicalidade democrática", que significava a superação do marxismo-leninismo,
da tese de ditadura do proletariado, de centralismo democrático, de concepção de partido
único
125
etc. (DECLARAÇÃO POLÍTICA DO IX CONGRESSO, In: FREIRE, 1991, p.109)
A partir do desmoronamento dessas concepções o socialismo deveria ser
reinventado sob a fórmula do "socialismo com democracia e liberdade", que exigia não só a
crítica ao modelo fracassado, mas, sobretudo, a ruptura com toda tradição emanada da III
Internacional, na qual se baseara o regime do Leste e da URSS e que encontrava no
"marxismo-leninismo" sua doutrina legitimadora. Romper com o ideário do marxismo-
leninismo significava dessa forma, romper com toda estrutura de poder ideológico, social e
econômico criado pelo stalinismo e edificado na União Soviética. O marxismo-leninismo
havia se tornado uma camisa de força teórica que congelara e estagnara a teoria política do
socialismo, sob as teses de ditadura do proletariado, de ruptura revolucionária, de centralismo
democrático, que sob a nova realidade não teriam mais validade. (Cf. Declaração Política do
IX Congresso, In: FREIRE, 1991, p.107-110)
Na realidade, as experiências socialistas soviéticas apenas haviam demonstrado o
grau de sectarismo e dogmatismo de um socialismo sem democracia: o socialismo não
poderia ser concebido sem processos pluralistas, sem liberdades, direitos conquistados, e
125
“[...] é possível no presente antecipar o futuro de liberdade e justiça, gerando zonas de rupturas possíveis e
ultrapassando os limites do velho reformismo evolucionista. A chave está na política de radicalidade
democrática, incorporando a cidadania à modernidade, através do processo democrático e de sua ampliação,
tendo nos conflitos de classe e seus interesses os elementos necessários às conquistas historicamente almejadas”.
(D
ECLARAÇÃO POLÍTICA DO IX CONGRESSO, In: FREIRE, 1991, p. 109)
174
muito menos ir contra essas conquistas universais. Em conseqüência, a democracia deveria
ser parte inerente e imprescindível ao socialismo como um tipo de sociedade mais justa, a
modernidade que emergia com o fim da bipolaridade, implicava uma sociedade democrática
baseada na construção da cidadania e aliada à realização dos grandes ideais de liberdade,
igualdade social e riqueza material. (FREIRE, 1991, p.23)
Convém ressaltar que embora a proposta de dissolução do PCB e criação de um
novo partido estivesse em pauta no IX Congresso, as resistências internas impediriam que ela
se concretizasse naquele momento. O IX Congresso, no entanto forneceria os elementos e
daria o substrato para esse caminho.
Vale assinalar que o golpe de Estado a Gorbatchov e o fechamento do PCUS em
19 de agosto de 1991 e a posterior desintegração da URSS seriam substanciais para reforçar
essa proposta de dissolução do PCB. A derrocada dos regimes dito socialistas e as mudanças
em processo no PCB, segundo os adeptos da dissolução, teriam “sido de tal monta que não
era mais possível conviver com a ‘velha’ estrutura organizacional e nem com o antigo
instrumental simbólico”. (PANDOLFI, 1995, p.23) Ante o colapso do “modelo” era preciso
buscar outras alternativas, criar novos instrumentos de ação política compatíveis com a nova
realidade.
A criação do Partido Popular Socialista (PPS) ou, como enfatizavam os adeptos
da dissolução a transformação do PCB em PPS promovida pelo X Congresso
126
do partido
em 25 de janeiro de 1992, seria a “solução política” encontrada para resolver os dilemas
vividos nos últimos tempos, e a incompatibilidade vista entre a concepção partidária marxista-
leninista e as propostas de um “socialismo renovado” que ganhara corpo nos últimos anos.
(P
ANDOLFI, 1995, p.26)
126
Essa decisão levou a “esquerda” do Partido a romper com o grupo majoritário e a convocar no mesmo dia
uma “Conferência Nacional de Reorganização do PCB”, realizada no Colégio Roosevelt em São Paulo. Em
1995, após cumprirem todas as exigências feitas pelo TSE conseguiram o registro definitivo do PCB. Ver
Antonio Carlos M
AZZEO, 1995, p.95
175
A ruptura definitiva e absoluta com o ideário e a estrutura partidária marxista-
leninista, enfim abriria o caminho para a incorporação total de uma concepção democrático-
liberal: já despido de sua identidade de lutas não seria difícil para o partido transitar de fato
para este campo. Transmutado em PPS, o antigo PCB apenas se livraria dos acessórios
incompatíveis com a face demonstrada por ele nos últimos tempos.
176
4. Considerações Finais
Buscamos mostrar nesse trabalho as implicações para a intervenção do PCB, da
centralidade adquirida pela questão democrática em sua estratégia política nos anos oitenta.
Iniciamos nossas investigações focalizando um período relativamente longo da história do
partido, entre os anos de 1956 até fins dos anos setenta, que nos permitiu compreender o
problema que envolvia a questão democrática e o processo de elevação dessa questão na
política do partido, impulsionada, mormente pela erosão do stalinismo e de seus princípios a
partir de 1956. Nesse processo de revisão e renovação da teoria e prática socialista, a
democracia política aparecia como o elemento novo, desconsiderado pelo stalinismo, capaz de
subsidiar a construção de uma estratégia mais próxima à realidade brasileira e de uma via
centrada nas massas.
A síntese desse processo de renovação e incorporação do valor democrático,
porém, como vimos, não se deu de maneira imediata. A Declaração de Março de 1958 foi
apenas o princípio de um tortuoso e truncado processo de assimilação das mudanças e
incorporação de novas lutas, que encontrou seus momentos de afirmação nas derrotas sofridas
pelo PCB e pelo movimento democrático de massas nos anos sessenta e setenta. Foi assim em
1964 com o golpe militar de direita, em 1968 com a elevação da repressão marcada pela
vigência do AI-5, e entre 1974-1975 com o assassinato de vários membros da direção do
partido e de seu desmantelamento pela repressão. Essas derrotas e golpes condicionaram a
intervenção e a compreensão dos comunistas.
A centralidade democrática se afirmou sob o signo da derrota de 1964, sob uma
valorização da democracia política impulsionada em meio aos retrocessos políticos que
177
marcaram as inflexões do regime militar e ante as perspectivas de novos golpes contra o
movimento de massas e contra o próprio partido.
Podemos dizer, nesse sentido, que o golpe militar de 1964, e seus impactos sobre
o partido, ao mesmo tempo em que impulsionou a maturação de uma política democrática ou
da conscientização da relevância da democracia política para a luta da classe operária, limitou
o processo de elevação da compreensão de uma democracia plena: as lições tiradas da derrota
de 1964 contribuíram para a emergência da compreensão da relevância da democracia política
como terreno privilegiado para as lutas da classe operária, ou de uma consciência
democrático-burguesa, mas impediram que essa compreensão ultrapassasse os limites da
democracia política – o medo de novos golpes e de incorrer novamente na subestimação dos
avanços políticos alcançados pelo movimento oposicionista na luta contra a ditadura, ataram a
ação do partido, impedindo-no de avançar na prática.
Essa centralidade da luta democrática elevada sob a pressão de uma realidade
maior, a luta contra a ditadura militar, encontrou sua afirmação definitiva nos anos oitenta
com o esgotamento da revolução econômico-burguesa empreendida sob a tutela do regime
militar e conseqüentemente do esgotamento do caminho econômico-nacional preconizado
pelo PCB. Como indicamos no segundo capítulo, a centralidade democrática nos anos oitenta,
178
nacional” e à aliança com ela um papel fundamental no processo que se inaugurava com a
transição para um Estado de Direito, em prejuízo de uma aliança privilegiada com a classe
operária.
Movido por esse entendimento e necessidade, o PCB apostou todas as suas fichas
e seu espólio de lutas, em nome da conquista de um patamar mais elevado para o
desenvolvimento da luta da classe operária, ou na conquista de um Estado de Direito, por
entender que através da democracia política a classe operária podia capacitar-se como classe
hegemônica e encontrar os momentos de ruptura que levariam às transformações socialistas.
Sobretudo, porque ainda preexistia um entrave à realização desses objetivos, a permanência
do Estado ditatorial.
A força dessa realidade e a necessidade de revertê-la levou o PCB não apenas a
enfatizar o adiamento das lutas econômico-sociais da classe operária e subalternalizar os
interesses desta em prol do objetivo de conquista do Estado de direito, como também a
defender uma saída pelo alto ou uma solução política negociada para pôr fim ao regime
militar que há vinte anos oprimia a sociedade brasileira. De maneira que não se pode dizer,
que o PCB premeditou ou idealizou as opções feitas por ele no decorrer da transição da
ditadura à “Nova República”, mas as aceitou ou as adotou condicionado pela sua
compreensão do processo vivido pela sociedade nacional, ou mesmo pelos seus medos.
Submetido há duas décadas aos mais variados tipos de perseguições e limitações
de suas ações e lutas, o PCB viu na conquista de um novo patamar, a inauguração da “Nova
República”, o início da transição para a democracia e a conquista de sua legalidade como
saltos de qualidade, que foram supervalorizados por ele. Foi assim que o PCB transitou de
uma postura de subestimação da legalidade e da democracia político-burguesa no pré-64, para
uma postura de superestimação do jogo político-institucional, sobretudo após 1985. Não à toa,
o PCB foi acusado internamente de estar embriagado e embevecido, com a nova situação de
179
legalidade e com o encaminhamento da transição para um Estado de direito, como se o novo
patamar fosse capaz de reverter todos os problemas enfrentados e agravados sob a vigência da
ditadura, em especial seu refluxo no meio social e operário.
Convém destacar que, afastado da classe operária e de seus movimentos, por vinte
anos, e obrigado a procurar no MDB uma forma de sobrevivência política, um respiradouro, o
PCB na verdade, se acostumou ao jogo político-institucional, à política de bastidores - ou
mesmo incorporou a perspectiva institucional -, perdendo progressivamente a capacidade de
se envolver nas lutas cotidianas das massas e de mobilizá-las. Como bem marcou Hamilton
Garcia de Lima, pelo grau de resignação política e social alcançado pelo núcleo dirigente
comunista, pode-se dizer que o PCB sofreu nos anos oitenta “quase que um processo de
cooptação pelas classes dominantes”. (LIMA, 1995, p. 444)
A centralidade democrática conduziu o PCB em uma direção inversa ao que ele
pretendia, ou seja, a se afastar da classe que visava representar, jogar pela contenção de suas
lutas e pela estabilidade da ordem burguesa vigente e a se transformar num partido residual,
sem expressão política e social.
O final dos anos oitenta foi praticamente definitivo para reforçar essa realidade na
qual mergulhara o partido. A derrota político-eleitoral da candidatura de Roberto Freire à
presidência em 1989, evidenciou de uma vez por todas a falta de apelo do partido na
sociedade nacional, em especial no meio operário-social e de esquerda. Reforçando por sua
vez a proposta de uma mudança radical de rumos políticos. A crise do “socialismo real” e o
posterior colapso da renovação em curso na União Soviética, apenas pavimentaram essa crise.
O ápice do tortuoso processo de mudanças iniciado no PCB em 1956 e de valorização da
democracia política teve assim seu desfecho na incorporação definitiva de uma perspectiva
democrático-liberal e na extinção da estrutura partidária que entravava sua plena
incorporação.
180
Esperamos que ao finalizarmos nossa análise tenhamos respondido as questões
propostas no início dessa pesquisa, embora saibamos que o período da história do PCB
analisado e o tema proposto não apenas contém vários aspectos para análise como também
são de densa discussão, muito pela relação com os acontecimentos nacionais e internacionais.
De forma, que temos consciência de que não foram esgotadas todas as possibilidades de
análise do tema e do período propostos, sobretudo no que diz respeito às determinações da
crise do Movimento Comunista Internacional e, mais especificamente da crise do sistema de
“socialismo real” no PCB, e em relação a um tratamento mais teórico e conceitual da questão
democrática.
O último período de vida do Partido Comunist
181
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