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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO
UMESP
RENATA CRESSONI-GOMES
MANEJO TÉCNICO DO ATENDIMENTO PSICOLÓGICO EM
AMBULATÓRIO DE REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA
São Bernardo do Campo
2007
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RENATA CRESSONI-GOMES
MANEJO TÉCNICO DO ATENDIMENTO PSICOLÓGICO EM
AMBULATÓRIO DE REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA
Disserta
ção apresentada ao Programa de Pós-Graduação
Mestrado em Psicologia da Saúde da Universidade
Metodista de S
ão Paulo (UMESP), como parte dos
requisitos para a obten
ção do título de mestre em
Psicologia da Sa
úde.
Orientadora: Profa. Dra. Marília Martins Vizzotto
São Bernardo do Campo
2007
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FICHA CATALOGRÁFICA
Cressoni-Gomes, Renata
Manejo técnico do atendimento psicológico em ambulatório de
reprodução humana assistida. / Renata Cressoni-Gomes. -- São Bernardo
do Campo, 2007.
95 p.
Dissertação (Mestrado) - Universidade Metodista de São Paulo.
Faculdade de Psicologia e Fonoaudiologia, Curso de Pós Graduação em
Psicologia da Saúde.
Orientação : Marília Martins Vizzotto.
1. Psicoterapia breve 2. Entrevista psicológica 3. Reprodução humana
assistida 4. Infertilidade 5. Psicanálise I. Título.
CDD 157.9
UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO
UMESP
RENATA CRESSONI-GOMES
MANEJO TÉCNICO DO ATENDIMENTO PSICOLÓGICO EM
AMBULATÓRIO DE REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA
BANCA EXAMINADORA:
Presidente: _____________________________________________________
Profa. Dra. Marília Martins Vizzotto
Titular Umesp: _____________________________________________________
Profa. Dra. Maria Geralda Viana Heleno
Titular USP: _____________________________________________________
Profa. Dra. Leila Salomão de La Plata Cury Tardivo
São Bernardo do Campo
2007
iv
Ao Rafael e ao Felipe, pelo
humor que torna a vida tão
interessante.
v
AGRADECIMENTOS
A realização de um trabalho acadêmico como este é tarefa árdua e penosa. Ao concluí-
lo, no entanto, apesar de dura, a retrospectiva revela-se gratificante. O resultado de todo o
empenho e esforço que se apresenta nas próximas páginas é fruto de um processo muito longo
do qual muitas pessoas fizeram parte e às quais gostaria de agradecer neste momento.
O processo ao qual me refiro se inicia com a fertilização de uma idéia que de se
transformar em um projeto de pesquisa. Agradeço especialmente, neste momento inicial, à
professora Ms. Tania Elena Bonfim, que muito contribuiu para a transformação daquela idéia
em um problema pesquisável e também por ter acreditado que eu seria capaz de concretizar
tal projeto.
A segunda pessoa a quem gostaria de agradecer é a minha orientadora, professora Dra.
Marília Martins Vizzotto, que desde o princípio se interessou pelo meu interesse, permitindo
que eu realizasse o projeto que propus, e que sempre se mostrou disponível, atenciosa e
amorosa em suas orientações.
Agradeço também à professora Dra. Maria Geralda Viana Heleno, minha supervisora,
colega de trabalho, membro de minha banca examinadora e amiga. Agradeço suas valiosas
contribuições, atenção e capacidade de rêverie nos momentos difíceis.
Agradeço à professora Dra. Leila Salomão de La Plata Cury Tardivo por sua atenta
leitura e contribuições durante execução deste trabalho.
À professora Dra. Eda Marconi Custódio, por sua participação atenciosa em meu
processo de qualificação.
Agradeço à amiga, companheira de tantos anos, Taís Mazzotti, por seu carinho e ajuda
que me foram tão úteis e necessários.
Muito importante também foi a oportunidade que me foi dada de trabalhar no
ambulatório de reprodução humana em que foi realizado este trabalho. Agradeço a toda a
equipe, especialmente a Juliana Roberto dos Santos, e a todos os pacientes atendidos com
quem aprendi muito sobre o tema que pretendia estudar, especialmente a Sra. S.
Devo muito também ao meu analista, Marcos, com quem mantenho um vínculo muito
criativo e com quem aprendi muito. Agradeço muito pela paciência, por seu timing impecável,
por me agüentar e por conversar comigo sobre a minha vida, me ajudando a crescer em
múltiplos aspectos.
vi
Agradeço ao Rafael, meu namorado, que esteve e está sempre ao meu lado. Sempre
paciente, amoroso e pronto a me ajudar em todas as situações, especialmente nas mais
difíceis.
Tudo o que pude conquistar até o presente momento não teria sido possível se o
fosse o apoio e incentivo de duas pessoas muito especiais: meu pai, Sergio e minha mãe,
Vera. Agradeço muito aos meus pais, que sempre acreditaram, valorizaram e investiram em
minha carreira.
Agradeço também ao meu irmão, Felipe, companheiro inseparável de toda a vida. E
irmãs, Silvia e Patrícia, por me ensinarem mesmo sem intenção a dura verdade da
rivalidade, lição que me foi tão valiosa para lutar pelo meu espaço e para ser o que sou hoje.
Agradeço à CAPES pelo apoio financeiro disponibilizado, apesar de todas as
dificuldades pessoais e institucionais encontradas no percurso.
E, finalmente, mas com igual importância last but not least agradeço a todos
aqueles que de forma direta ou indireta participaram de minha formação e contribuíram para a
realização desta importante etapa de meu percurso acadêmico. Em especial à professora Ms.
Sonia Marques e à professora Ms. Olímpia Rosa Noronha, e tantos outros colegas, amigos,
profissionais, enfim.
Não teria sido possível concluir esta dissertação sem a participação especial de todos
aqui mencionados. A todos, o meu MUITO OBRIGADA!
vii
CRESSONI-GOMES, R. Manejo técnico do atendimento psicológico em ambulatório de
reprodução humana assistida. 2007. 100 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia da Saúde)
Faculdade de Psicologia e Fonoaudiologia, Universidade Metodista de São Paulo, 2007.
RESUMO
O presente estudo teve por objetivos: descrever o manejo técnico do atendimento psicológico,
ilustrado pelo caso de uma paciente infértil de um ambulatório de reprodução humana
assistida; descrever as vicissitudes no campo analítico nestes atendimentos; e sistematizar esse
manejo técnico em intervenções ambulatoriais em que se privilegia a compreensão das
relações transferenciais. O instrumento utilizado para a coleta de dados foram os próprios
atendimentos, ou entrevistas psicológicas, baseadas no método clínico de abordagem
psicanalítica. A análise e a discussão dos resultados se basearam na apresentação de um único
caso, que ilustrou a técnica que se objetivou sistematizar e descrever. É apresentado o caso da
Sra. S., uma mulher de 41 anos, com parceiro em união estável cinco anos, que realizava
tratamento de infertilidade no ambulatório de reprodução humana. A paciente foi atendida
pela psicóloga no próprio ambulatório durante o período da segunda tentativa de gravidez.
Foram realizados efetivamente três (3) atendimentos e, no período de dois meses, a paciente
não compareceu a três (3) sessões. Foram criadas cinco (5) categorias de análise: 1) Escuta; 2)
Configuração de Queixa Psicológica; 3) Manejo dos Conflitos; 4) Manejo da Transferência; e
5) Enquadre. Estas categorias representaram elementos do atendimento. A divisão do
atendimento em categorias teve propósito didático, no entanto, a sistematização do manejo
deu-se a partir do desenvolvimento destas categorias, mas não numa ordem pré-estabelecida.
A Escuta refere-se à capacidade do psicoterapeuta compreender a relação estabelecida com o
paciente, assim como os elementos metapsicológicos depositados no campo, a partir de seu
quadro de referência teórico-metodológico. A Configuração de Queixa Psicológica refere-se à
aproximação do sofrimento psíquico e dos conflitos que subjazem à queixa orgânica ou
manifesta. O Manejo dos Conflitos representa o modo como são interpretados e devolvidos a
um paciente os conteúdos trazidos para a sessão. Ressalta-se, no manejo dos conflitos, a
eleição de um foco de trabalho em que se privilegia a situação atual da vida do paciente
relacionada especificamente à sua queixa. O Manejo da Transferência refere-se à forma como
os aspectos transferenciais são compreendidos e devolvidos ao paciente. A neurose e psicose
de transferência são evitadas e o trabalho é preferencialmente desenvolvido a partir da
interpretação de situações extra-transferenciais. Por fim, o Enquadre engloba todos os
aspectos formais e dinâmicos que constituem o campo emocional sobre o qual se trabalha.
Este tipo de atendimento pode ser situado entre a entrevista psicológica e o atendimento em
psicoterapia breve com objetivos e tempo limitados, variando de acordo com a qualidade
adaptativa do paciente e sua motivação para o atendimento psicológico. Concluímos que este
modelo de atendimento ambulatorial engloba aspectos tanto diagnósticos quanto de
intervenção e que o papel do psicólogo neste contexto é auxiliar o paciente atendido a
compreender sua queixa em seus aspectos latentes e manifestos, além de propiciar um espaço
de escuta em que os conteúdos trazidos podem ser pensados e compreendidos.
Palavras-chave: psicoterapia breve; entrevista psicológica; psicodiagnóstico interventivo
manejo técnico; atendimento psicológico em ambulatórios; reprodução humana assistida;
infertilidade; psicanálise.
viii
CRESSONI-GOMES, R. Technical handling of the clinical psychological consultation in a
human reproduction clinic. 2007. 100 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia da Saúde)
Faculdade de Psicologia e Fonoaudiologia, Universidade Metodista de São Paulo, 2007.
ABSTRACT
The objectives of the present study were: systematize the technical handling of clinical
psychological interventions evidencing the comprehension of the transference relationships;
describe the vicissitudes in the analytical field during these clinical interventions; and
describe the technical handling of the psychological intervention with one female infertile
patient of a human reproduction school clinic. The method used was the descriptive clinical
method with a psychoanalytical approach. The analysis and the discussion of the results were
based upon the presentation of one case, which served the purpose of illustrating the
technique meant to be described. We present Mrs. S. case, a 41-year-old woman, informally
married for five years, conducting an infertility treatment in the human reproduction clinic.
The patient was attended by the psychologist in the ambient of the clinic during the period of
her second pregnancy attempt. The instrument used to collect data was the psychological
interviews or sessions. Only three (3) sessions took place and, within the period of two
months, the patient missed three of the scheduled appointments. The sessions were analyzed
according to the psychoanalytical theory. Five (5) analysis categories were created: 1)
Listening; 2) Configuration of Psychological Complaint; 3) Conflicts Handling; 4)
Transference Handling; 5) Setting. These categories represent elements of the session. The
division of the session into categories has a didactic purpose; however, the systematization of
the handling in these clinical consultations is made possible by the development of each of
these categories during each session. Listening refers to the capacity of the psychotherapist to
comprehend the relationship established with the patient, as well as understanding all the
meta-psychological elements put on the emotional field, from theory-methodology
perspective. The Configuration of a Psychological Complaint relies on the approximation to
the psychological suffering, and to the conflicts that lie underneath the explicit or organic
complaint. The Handling of the Conflicts refers to the way the psychotherapist comprehends
and returns to the patient the contents brought up to session. It is emphasized that in handling
the conflicts, the psychotherapist selects a specific element and focuses on it during the
treatment, privileging actual life situations specifically related to the complaint. The
Transference Handling deals with the comprehension and devolution of transference aspects
to the patient. The transference neurosis and psychosis are avoided and the work is preferably
developed through the interpretation of the extra-transference situation. Finally, the Setting
embodies all formal and dynamic aspects that constitute the emotional field over which the
treatment is developed. This type of consultation stays in between the psychological interview
and the brief psychotherapy session; it has limited time and objectives that vary according to
the adaptation quality and motivation of each patient to the psychological treatment. We
conclude that this clinical consultation concerns both the diagnosis and the intervention, and
that the role of the psychologist is to assist the patients in acknowledging the latent and
manifest aspects of their complaint as well as provide a listening place in which their contents
can be thought and understood.
Key words: brief psychotherapy; psychological interview; interventive psycho-diagnosis;
technical handling; clinical psychological consultation; assisted human reproduction;
infertility; psychoanalysis.
ix
SUMÁRIO
1 Apresentação .......................................................................................................... 1
2 Fundamentação Teórica ......................................................................................... 4
2.1 Evolução da Técnica: Psicanálise e Psicoterapia Psicanalítica ............... 4
2.2 Psicoterapia Breve de Base Psicanalítica ................................................ 11
2.3 Atendimento Psicológico em Instituições ............................................... 23
2.4 Atendimento Psicológico em Reprodução Humana Assistida ................ 27
3 Método ................................................................................................................... 35
3.1 Participante .............................................................................................. 35
3.2 Ambiente ................................................................................................. 36
3.3 Instrumento .............................................................................................. 38
3.4 Procedimento ........................................................................................... 40
4 Resultados e Discussão .......................................................................................... 42
4.1 Escuta ...................................................................................................... 43
4.2 Configuração de Queixa Psicológica ...................................................... 54
4.3 Manejo de Conflitos ................................................................................ 60
4.4 Manejo da Transferência ......................................................................... 74
4.5 Enquadre .................................................................................................. 78
5 Considerações Finais .............................................................................................. 83
6 Referências ............................................................................................................. 86
7 Anexos ................................................................................................................... 93
7.1 ANEXO A: Aprovação do Comitê de Ética ............................................ 94
7.2 ANEXO B: Termo de Consentimento Livre e Esclarecido .................... 95
1. APRESENTAÇÃO
O trabalho psicológico em ambulatórios médicos tem sido uma experiência pessoal de
diversos psicólogos atualmente. Minha experiência como psicóloga no contexto ambulatorial
tem pouco menos de quatro anos, três deles especificamente no ambulatório de reprodução
humana assistida da Faculdade de Medicina do ABC, subsidiada pela Fundação do ABC. O
próprio ambulatório de reprodução humana em questão tem pouco mais de cinco anos de
existência e conta com a colaboração de psicólogos desde seu início. A equipe de psicologia
sempre foi composta por três a quatro psicólogos (houve variação em número e mesmo
mudança de profissionais ao longo destes anos), contudo, sempre houve dificuldade em
definir e delimitar de forma mais clara seu papel e as possibilidades de atuação neste
contexto.
Inicialmente, nos dois primeiros anos de funcionamento do ambulatório, os
atendimentos individuais eram realizados mediante solicitação de comparecimento do
paciente para entrevista psicológica com fins de pesquisa científico-acadêmica coordenada
por Corrêa (2004). Eram realizadas Entrevistas Clínicas Preventivas, conforme proposta de
Simon (1989, 1998), com posterior avaliação da eficácia adaptativa dos pacientes
entrevistados através da EDAO (Escala Diagnóstica Adaptativa Operacionalizada). A
entrevista psicológica não era parte obrigatória da rotina e do protocolo de atendimento do
ambulatório (como de certa forma ainda não é) e, portanto, a quantidade de pessoas
entrevistadas pelas psicólogas sempre foi bem menor do que o volume de pacientes atendidos
pelo serviço.
Além das entrevistas clínicas preventivas, a equipe de psicologia, nos dois primeiros
anos de funcionamento do ambulatório, realizava também atendimentos de sala espera. A
sala de espera do ambulatório ocupa um corredor, ao longo do qual estão dispostos bancos e
cadeiras para que os pacientes aguardem por suas consultas médicas, exames ou
procedimentos esta disposição física da sala de espera permanece inalterada. A equipe
observou que os pacientes em espera iniciavam (e iniciam até hoje) conversas entre si a fim
de comparar procedimentos realizados, medicação administrada, além de compartilhar
aspectos de suas histórias e trajetórias pessoais. As psicólogas então circulavam entre os
pacientes e procuravam se aproximar desses pequenos grupos com o intuito de compreender
melhor esse movimento dos pacientes, escutando-os e também indicando a existência da
equipe de psicologia no serviço, disponibilizando agendamento de atendimento psicológico
àqueles que demonstrassem interesse ou necessidade.
2
Tal iniciativa parecia importante à época, pois ainda não havia muita integração entre
a equipe de psicologia e a equipe médica. O ambulatório não dispunha de uma sala de
atendimento que pudesse ser utilizada exclusivamente pelas psicólogas e que fosse destinada
a este fim. Havia constante mudança de ambiente; os atendimentos eram realizados onde
houvesse disponibilidade, mesmo que isso significasse o deslocamento para outro prédio
dentro da faculdade de medicina.
Ao longo dos últimos dois anos o serviço cresceu e precisou se adequar e se preparar
para tal crescimento. A equipe de psicologia foi aos poucos se aproximando da equipe médica
e sendo integrada ao serviço. As psicólogas passaram a atender às reuniões semanais da
equipe médica, opinar na discussão dos casos quanto à necessidade de indicação ao
atendimento psicológico e foi-se desenvolvendo um sentido de trabalho mais integrado.
O espaço físico também sofreu remanejamentos e reformas com o passar dos anos e
logo uma sala foi destinada aos atendimentos psicológicos. Os atendimentos que vinham
sendo feitos já não tinham finalidade apenas de pesquisa, mas primordialmente de viabilizar a
atenção psicológica demandada. Muitas reuniões e discussões técnicas foram realizadas entre
a equipe de psicologia (algumas vezes com membros da equipe médica) com o intuito de
definir como deveriam ser estes atendimentos, ou seja, quantas sessões deveriam ser
realizadas com cada paciente; por quanto tempo; qual o tempo de duração das sessões; quais
critérios de indicação; com leitura e método psicanalíticos utilizados de que forma etc. Parecia
muito difícil responder a tantas questões, pois se tratava de uma prática diferente da
psicoterapia tradicional de consultórios, ou mesmo das modalidades breves, ou do trabalho
realizado no contexto hospitalar.
Assim nasceu o interesse em realizar o presente estudo: da necessidade de descrever e
tentar sistematizar essa prática que vem sendo realizada. o a entendo como uma
intervenção em psicoterapia breve; o caracterizo esta técnica simplesmente como entrevista
psicológica; não trabalho com desenvolvimento de assertividade e não entendo que devo
estimular as pacientes a engravidarem ou mesmo desistirem de tentar.
O processo de tentativa e erro permitiu a reflexão sobre a tarefa prática empreendida e,
assim, foi-se construindo um que-fazer baseado nas contribuições teórico-técnicas da
literatura e na possibilidade de aplicação e adequação à realidade com que lidamos o
atendimento psicológico em ambulatórios médicos, em especial os ambulatórios de
reprodução humana assistida.
O trabalho acad
êmico que aqui se apresenta busca assim uma proposta de trabalho
prático, com base no referencial teórico, técnico e metodológico da psicanálise. Obviamente
3
há muitos trabalhos que também apresentam outras propostas, trabalhos que são mencionados
e discutidos ao longo deste estudo, mas que não satisfizeram ou responderam as questões
levantadas por mim e por esta equipe de psicologia, neste serviço de reprodução humana.
Desta forma o presente estudo é uma descrição de uma prática fundamentada no
referencial psicanalítico e que parece atender a demanda técnica desta equipe.
A presente dissertação parte de uma breve resenha histórica do desenvolvimento da
Psicanálise, continuando com a evolução da Psicoterapia Psicanalítica, até o surgimento e
desenvolvimento das modalidades de psicoterapia breve. São discutidos aspectos da cnica e
da teoria da técnica, procurando compor os elementos que se propõe utilizar no trabalho em
ambulatórios.
Privilegia-se a questão da técnica, mas sem perder de vista o pano de fundo, em cima
do qual se discute a técnica, que é a especificidade do ambulatório: a infertilidade e a
reprodução humana assistida. São levantados, portanto, aspectos da infertilidade e do
tratamento médico oferecido a estes pacientes com o intuito de situar o leitor com relação às
especificidades deste contexto. São apresentados também os tipos de atendimentos
psicológicos quem sendo dispensados à população infértil, para então apresentar os pontos
de convergência e divergência com a proposta atual.
4
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1 Evolução da Técnica: Psicanálise e Psicoterapia Psicanalítica
As origens da psicoterapia, enquanto forma de tratamento àqueles que apresentam
sofrimento psíquico, datam de épocas muito remotas na história da humanidade e remetem a
questões místicas, religiosas, supersticiosas e mágicas (KNOBEL, 1986; AMARO, 1996;
ETCHEGOYEN, 2004). Esta tentativa de amenizar o sofrimento psíquico, destituída de
caráter científico em princípio, foi-se modificando e buscando sistematização primeiramente
com as neurociências e posteriormente com o desenvolvimento da própria psicologia e
principalmente da Psicanálise.
As psicoterapias adquiriram este caráter científico, em termos de técnica
sistematizada, com o desenvolvimento formal da teoria, técnica e método psicanalíticos
(ETCHEGOYEN, 2004). O método psicanalítico teve origem formal no final do século XIX e
início do século XX. O marco de sua consolidação se em 1900 com a publicação de A
Interpretação dos Sonhos de Sigmund Freud. Neste trabalho, Freud (1900) afirma que a
técnica de interpretação dos sonhos é o que permitiu a ampliação de significado da
psicanálise, uma vez que esta passa a se constituir não somente como um novo método para
tratar as neuroses, mas também como uma nova psicologia. E é esta nova psicologia que
engloba uma teoria da personalidade, um método de investigação e uma técnica de
tratamento.
A Psicanálise surge, tal como descreve Knobel (1986), em função do determinismo
histórico-sócio-político, e marca com um corte epistemológico o pensamento humano.
De acordo com Freud (1924 [1923]) o objetivo inicial da psicanálise era compreender
a natureza das doenças nervosas funcionais e propiciar aos doentes o tratamento que a
medicina era incapaz de oferecer. Freud afirmava que os médicos não compreendiam e não
sabiam o que fazer com o fator psíquico. Este era visto como não científico, deixado aos
filósofos, charlatães e místicos. Apenas na década de 1880 os fenômenos psíquicos passaram
a ser admitidos. Foi quando se iniciaram os experimentos com a hipnose.
Freud (1924 [1923]) descreve a psicanálise desde seus primórdios e o hipnotismo é
apresentado como um importante marco. Sua utilização pressupunha a existência de processos
mentais inconscientes termo até então discutido teoricamente apenas por filósofos. Havia,
no entanto, experimentos liderados por Charcot, na França, que objetivavam estudar e
demonstrar as relações entre os processos mentais inconscientes e os sintomas observados.
5
Estas experiências faziam uso da hipnose e resultaram em importantes contribuições ao
estudo da histeria e de outras neuroses. Marcaram também o início da associação entre
histeria e trauma.
O fator decisivo para a construção da psicanálise, contudo, foi o caso da paciente Anna
O., atendida por J. Breuer em 1881. Os dados referentes ao caso foram publicados 15 anos
mais tarde, por Breuer e Freud no trabalho intitulado Estudos sobre histeria. Foi a partir do
caso Anna O. que Freud começou a compreender as neuroses. O sintoma que a paciente
manifestava parecia estar no lugar de ações não efetuadas, o que provava a existência de
processos mentais inconscientes.
Freud (1924 [1923]) explica que o método utilizado então no tratamento das neuroses
era o método catártico precursor imediato da psicanálise associado à hipnose, que
consistia na liberação de um afeto estrangulado de forma intensa. Com o tempo Freud
abandona a hipnose e o método catártico por não conseguir induzir a hipnose em número
suficiente de pacientes e por estar insatisfeito com os resultados terapêuticos obtidos. Notava
que os resultados não duravam, não eram permanentes e dependiam muito das relações
pessoais com o médico.
A hipnose então foi substituída pela sugestão em estado de vigília, método utilizado
durante curto espaço de tempo e que consistia em pressionar a fronte do paciente, sugerindo
que ele trouxesse à mente alguma recordação específica do passado. A sugestão, no entanto,
foi logo substituída pela associação livre, cnica através da qual os pacientes assumiam o
compromisso de se absterem de qualquer reflexão consciente, abandonando-se a uma
tranqüila concentração, comunicando as idéias que espontaneamente lhe ocorressem, mesmo
que sentissem objeções em fazê-lo, ou que parecessem destituídas de sentido, sem
importância, irrelevantes ou desagradáveis. A associação livre, enunciada desta forma,
passava a ser então a regra fundamental da Psicanálise.
O emprego da técnica de livre associação somada à interpretação parecia desempenhar
a mesma função do hipnotismo. Freud observou, no entanto, que uma constante e intensa
resistência se opunha à recordação de material patogenicamente esquecido. Foi o início da
elaboração da teoria da repressão. Freud (1924 [1923]) descreve que as mesmas forças
responsáveis por reprimir conteúdos eram as que contribuíam para a formação dos sintomas
neuróticos. Logo foi possível inferir que os sintomas neuróticos nada mais eram do que
substitutos de satisfações proibidas. Os sintomas eram, portanto, prova de que os conteúdos
que não poderiam vir à consciência de modo convencional tiveram êxito em se manifestar de
forma atípica. Freud, com o avanço de suas investigações, elaborou então a segunda tópica,
6
abandonando a teoria topográfica e inserindo os conceitos de id, ego e superego e suas
relações com mecanismos e conteúdos inconscientes.
Todos estes aspectos do desenvolvimento da psicanálise evidenciaram o importante
papel dos impulsos desejosos sexuais na vida mental. Pela primeira vez uma teoria parecia
fornecer uma descrição satisfatória acerca das origens, significados e propósitos dos sintomas
neuróticos, assim como uma base racional para tentativas médicas de curar a queixa
(FREUD, 1924, p. 221).
As descobertas que vinham sendo feitas pela Psicanálise especialmente a
compreensão das neuroses e dos sintomas resultaram no conhecimento sobre a estrutura e o
funcionamento psíquicos, tanto nos casos de patologia quanto em indivíduos considerados
normais. As evidências de que a Psicanálise poderia compreender também o funcionamento
psíquico normal foram obtidas a partir do estudo das parapraxias (FREUD, 1901) e dos
sonhos (FREUD, 1900).
A Interpretação dos Sonhos (FREUD, 1900) revelou que os sonhos eram constituídos
exatamente como os sintomas neuróticos. Os sonhos passaram a ser compreendidos como
uma realização disfarçada de desejos reprimidos. Muito do que se sabe sobre a vida mental
inconsciente provém do estudo do processo que transforma o desejo latente no conteúdo
manifesto do sonho, que ficou conhecido como trabalho do sonho.
O inegável sucesso terapêutico da Psicanálise mostrava-se, então, muito superior a
qualquer resultado alcançado por outras formas de tratamento empreendidas e, à medida que
os estudos progrediam, novas alterações teóricas e técnicas iam sendo formuladas.
Teoria e técnica, deste modo, pareciam ser indissociáveis. Contudo, ao longo de todo o
desenvolvimento da Psicanálise, observou-se outra questão de importância fundamental: a
relação médico-paciente e sua influência no tratamento. Influência exercida tanto sobre as
alterações empreendidas na técnica quanto na teoria. Esta relação foi denominada por Freud
de transferência e é para ela que se volta o tratamento psicanalítico em suas reformulações.
O mundo inconsciente que a Psicanálise pretendia explorar, porém, foi-se se revelando
complexo. Yamamoto (2003) explica que o acesso ao inconsciente mostrou-se dificultado
pela ação de mecanismos psíquicos que obstaculizavam o processo, como as resistências, a
própria transferência, os mecanismos de defesa, os múltiplos fatores que determinavam os
sintomas e os conflitos com suas raízes no passado. A autora afirma que a transposição dessas
dificuldades exigiria o desenvolvimento e aprimoramento dos procedimentos específicos e do
método psicanalítico. Entre os procedimentos aprimorados, a não-diretividade do terapeuta foi
apontada por Yamamoto (2003) como um elemento que favoreceria a evolução da associação
7
livre ferramenta facilitadora para a emergência do reprimido. Além da associação livre, a
interpretação também é indicada como um recurso para análise e transposição da resistência e
da transferência, sempre enfatizando o aqui e agora da relação terapêutica. Soma-se a estes
elementos a neutralidade do terapeuta com o objetivo de estimular a neurose ou psicose de
transferência, a interpretação dos sonhos, e a aceitação do silêncio e do ritmo adotado pelo
paciente ao processo terapêutico (YAMAMOTO, 2003, p. 155).
A Psicanálise, portanto, que inicialmente pretendia eliminar os sintomas e curar o
paciente, a esta altura possuía objetivos muito mais sofisticados e ambiciosos. Os tratamentos
que inicialmente duravam de algumas semanas a alguns meses tiveram sua duração
consideravelmente prolongada em função de mudanças empreendidas na teoria e na técnica.
Duração à parte, a Psicanálise constituía então, como afirmado, um corpo teórico
consistente, uma técnica de investigação do inconsciente e um método de tratamento com
caráter científico.
É fato, porém, que a Psicanálise enfrenta atualmente uma crise que transcende o limite
de sua condição de ciência, esbarrando em aspectos da realidade atual que têm em
contrapartida, dado força às psicoterapias e outras formas mais imediatas de cura. É verdade
que o paciente que procura tratamento analítico tem hoje perfil diferente do paciente dos
primórdios da psicanálise, mas também houve mudança nos papéis e configurações da família
e da sociedade; a realidade econômica atual é diferente; há um crescente clima de violência
que tem gerado estado de alerta constante; a forte influência da mídia é inquestionável; um
leque repleto de tratamentos alternativos com promessas de curas miraculosas e instantâneas
não pára de crescer; além da utilização crescente de recursos auxiliares da moderna
psicofarmacologia nos tratamentos psicoterápicos (KNOBEL, 1986; ZIMERMAN, 1999;
SIMON, 2000, 2006; ETCHEGOYEN, 2004).
O termo psicoterapia, em princípio utilizado pelo próprio Freud, com o tempo
encontrou polêmica e rechaço no meio psicanalítico por suscitar confusão quanto à vasta
gama de possibilidades teóricas e práticas. Tal confusão se deveu ao fato de psicoterapia
poder designar desde modalidades suportivas ou de apoio, passando por modalidades de
psicoterapia de aconselhamento, de reasseguramento, até modalidades definidas como
psicoterapia cognitiva, sistêmica, entre outras (BRAIER, 1984; ZIMERMAN, 1999).
Ainda assim, a psicoterapia psicanalítica, tal como vem sendo desenvolvida, tem
encontrado forte respaldo mesmo entre psicanalistas tradicionais por sua seriedade enquanto
forma de tratamento, cujos resultados referentes à evolução clínica dos pacientes podem ser
comparados aos obtidos em psicanálise convencional (ZIMERMAN, 1999).
8
Braier (1984), Zimerman (1999) e Etchegoyen (2004) defendem que tanto em
psicanálise, quanto em psicoterapia de base psicanalítica existem convergências e
divergências quanto a metas, indicações, contra-indicações, técnicas e processos; contudo,
indicam que a utilização do termo todo psicanalítico seria uma forma de unificar e
manter as diferenças entre ambas. A utilização do termo método psicanalítico, por
conseguinte, pressuporia uma condição básica para o psicoterapeuta: possuir uma sólida
formação metapsicológica, em termos teóricos e práticos.
Abrimos um parêntese neste momento para apresentar rapidamente a questão da
formação em psicanálise.
A precisão da cnica requer clareza teórica quanto à concepção de homem e de seu
funcionamento psíquico. Knobel (1986) propõe que a delimitação da técnica parta da tomada
de posição em relação à teoria explicativa do fenômeno com o qual se trabalha. Não há,
portanto, espaço para ecletismo, empirismo ou intuição (usada de modo aleatório). A prática
em psicoterapia requer a escolha de uma linha de trabalho e uma formação consistente.
Sobre esta questão Knobel (1986) afirma que:
[...] para praticar a psicoterapia uma pessoa deve estudar, aprender, formar-se dentro
de um referencial teórico e uma experiência prática, supervisionada. A intuição ou a
empatia podem, sem dúvida, ajudar a quem tem formação, mas o a substituem. A
simples leitura de uma teoria psicológica ou de sua técnica não significa formação. Há
autodenominados psicanalistas e psicoterapeutas que com leituras, especulações e
uma forte dose de narcisismo e onipotência erigem-se em críticos de sistemas
terapêuticos e criadores de outros aparentemente mais atuais, mas que na realidade
não são mais que a expressão viva da resistência à formação. Em psicoterapia
analítica as bases para a formação estão na psicoterapia psicanalítica pessoal, no
estudo da teoria e das técnicas psicanalíticas e na supervisão de casos tratados (p.
21).
Knobel (1986) acrescenta ainda que o psicoterapeuta, além de sua formação, deve ser
dotado de disponibilidade terapêutica ou disponibilidade interna terapêutica, atitude
imprescindível ao tratamento. Simon (1989, 2005) também parece fazer referência a uma
atitude semelhante, que chama de interesse genuíno pelo paciente. Deste modo, não basta,
como bem afirma Knobel, que o terapeuta faça uma leitura da teoria e da técnica, pois a
relação terapeuta-paciente é uma verdadeira experiência emocional, que deve ser tratada e
vivida como tal e é nesta relação que se dá o tratamento. Daí a importância e a necessidade da
análise pessoal e do trabalho supervisionado como partes integrantes da formação.
9
A psicoterapia, desta forma, poderia ser compreendida como uma aproximação ao
padecer humano através da relação interpessoal. Nesta relação, uma das partes, o paciente, se
compromete a falar livremente sobre suas questões (pensamentos, sentimentos, angústias), de
modo a fornecer elementos a serem analisados pela outra parte, o psicoterapeuta, que se
compromete a auxiliar na compreensão de tais questões. O psicoterapeuta, portanto, é um
profissional com formação que o capacita a exercer tal atividade diante de um paciente.
Pretende-se salientar com essa discussão que o emprego do todo psicanalítico está
profundamente relacionado à postura adotada pelo profissional. Esta postura poderia ser
compreendida como o que Simon (1989) chama de o novo que o pode ser ensinado, pois
este novo ser psicoterapeuta psicanalista não se ensina pedagogicamente, implica uma
atitude criativa paulatina. Portanto, pode-se ensinar psicanálise, mas não se pode ensinar a ser
psicanalista. É justamente isso que depende da formação aqui discutida.
A este respeito, Freud (1924 [1923]) relata o fato lamentável de que o conhecimento
literário da psicanálise foi adquirido por muitas pessoas, especialmente nos Estados Unidos e
na Inglaterra e, como conseqüência, estas pessoas se consideraram capazes de empreender
tratamentos analíticos sem ter recebido qualquer formação especial. As conseqüências de tal
empreendimento foram prejudiciais à ciência, aos pacientes tratados e implicaram o próprio
descrédito da psicanálise. O fato levou à fundação da primeira clínica para tratamento de
pacientes externos em Berlim, em 1920 viabilizando o tratamento analítico a amplos
círculos da população ao mesmo tempo em que formava médicos analistas clínicos, sob a
condição de que estes também se submetessem à análise pessoal. Foi possível então
estabelecer critérios para a formação e exercício da tarefa de analista.
Apresentada a importante questão da formação dos psicoterapeutas e analistas,
retomemos a discussão fundamental da diferenciação entre Psicanálise e Psicoterapia
Psicanalítica.
Muitos autores se posicionam com relação a esta problemática, mas apresentaremos
apenas algumas contribuições que condizem com a posição que adotamos.
Zimerman (1999) procurou diferenciar psicanálise de psicoterapia, demonstrando a
relevância desta diferenciação através de parâmetros objetivos e subjetivos. Os parâmetros
objetivos dizem respeito a uma crescente e volumosa produção de trabalhos relacionados ao
assunto, em que opiniões e posições nem sempre convergem entre si, gerando
constrangimento entre praticantes da psicanálise oficial formação oficializada pela
International Psychoanalytic Association (IPA) e profissionais que adquirem formação de
base psicanalítica paralela. os parâmetros subjetivos dizem respeito ao desconforto dos
10
profissionais que trabalham com fundamentação psicanalítica não oficial, desconforto esse
gerado pelo que o autor chama de indefinição da sua identidade profissional no campo da
psicanálise (p. 31). Tais profissionais, seja por desejo próprio, ou por sentirem necessidade,
acabaram aproximando-se cada vez mais de um setting mais característico do que se
denomina psicoterapia psicanalítica.
Pode-se dizer que, segundo Zimerman, a psicoterapia psicanalítica deriva de uma
dificuldade muito mais burocrática do que técnica. Entendemos que este é um aspecto da
realidade que contribuiu para o desenvolvimento de outras formas de aplicação do
conhecimento psicanalítico. No entanto, preferimos adotar a diferenciação que Simon (1999)
faz destas modalidades, delimitando convergências e divergências quanto a objetivos, manejo
específico e enquadre.
Simon (1999) parte do trecho de um artigo de Freud sobre técnica, de 1912
Recomendações aos médicos que exercem a psicanálise em que a Psicanálise é referida
como modo de pesquisa e tratamento. Simon considera que existe uma contradição nesta
afirmação e desenvolve toda sua argumentação a partir desta contradição. A sugestão que faz
para a resolução desta contradição é considerar que Freud estaria trabalhando com dois
conceitos de ciência ciência pura e ciência aplicada. O conceito de ciência pura
representaria para Simon o que Freud chamou de pesquisa, enquanto ciência aplicada diria
respeito ao que Freud considerou tratamento.
De acordo com Simon (1999), estariam contidas nessa diferenciação recomendações
muito específicas relativas à atitude do psicoterapeuta ou psicanalista. Na pesquisa pura
Psicanálise a postura adotada visaria à pesquisa da relação com o analisando, dentro da
situação analítica, sem finalidade outra que não seja a descoberta do desconhecido. Já a
pesquisa aplicada Psicoterapia Psicanalítica seria aplicável a todas as pessoas que
procuram ajuda para a cura dos quadros sintomáticos de maior ou menor gravidade e/ou
problemas de ajustamento nos vários setores da adaptação.
Simon (2006) continua discutindo esta questão no artigo O futuro da psicoterapia
psicanalítica. A linha condutora de seu raciocínio em ambos os textos (SIMON, 1999, 2006)
debruça-se sobre as contribuições de Bion (1967) contidas em Notas sobre memória e desejo.
Este parece ser o divisor de águas eleito por Simon para diferenciar mais especificamente
ciência pura de ciência aplicada. Bion (1967) afirma que no trabalho de análise não se
deve permitir que desejos de resultados, de cura ou mesmo de compreensão se proliferem
(p. 31) e é a partir desta afirmação que Simon estabelece parâmetros para minimizar a
11
confusão quanto a método e objetivos empregados em Psicanálise e em Psicoterapia
Psicanalítica.
Simon (1999) procura solucionar o problema indicando que psicoterapia psicanalítica
e psicanálise concordam quanto à teoria de base, mas divergem parcialmente em relação ao
método e completamente em relação aos objetivos a que se propõem. Simon salienta também
que nem todos os pacientes têm a mesma demanda psicoterápica, ou seja, há diferenças
relacionadas às queixas e à gravidade de seus problemas ou distúrbios. Isto representa que os
aspectos metodológicos e os objetivos de um tratamento em psicoterapia psicanalítica
divergirão da psicanálise também em função do diagnóstico do paciente.
Desta forma, Simon indica a utilização de sua Escala Diagnóstica Adaptativa
Operacionalizada EDAO (SIMON, 1989, 1998) para avaliar a eficácia adaptativa dos
pacientes que procuram ajuda psicoterápica, a fim de empreender o tratamento mais adequado
à gravidade de cada caso.
Simon (1999) define ainda duas modalidades de psicoterapia psicanalítica, uma
destinada a Quadros Medianos (Psicoterapia Psicanalítica q.m.), outra destinada a Quadros
Graves (Psicoterapia Psicanalítica q.g.). A partir do diagnóstico adaptativo
1
, o autor indica
que há diferenças técnicas quanto a indicações, objetivos, uso de coadjuvantes, diretividade,
freqüência semanal, manejo da transferência, interpretação, duração e alta.
À evolução da Psicanálise e desenvolvimento da Psicoterapia Psicanalítica seguiram-
se também formulações de modalidades mais breves de atendimento psicológico, também
com diferenças técnicas importantes. Passamos agora a descrever o desenvolvimento destas
modalidades breve com fundamentação psicanalítica.
2.2 Psicoterapia Breve de Base Psicanalítica
A psicoterapia pode ser definida resumidamente, segundo Zimerman (1999), como o
tratamento realizado com métodos e propósitos psicológicos. Knobel (1986) também define a
psicoterapia como tratamento, acrescentando que seu objetivo é a busca da saúde, pois se trata
de uma técnica terapêutica, ou seja, tem o intuito de ajudar ou assistir. Knobel (1986) e
Simon (1999, 2006) indicam que não se trata de investigação da personalidade objetivo da
psicanálise ainda que algum conhecimento sobre si mesmo desta prática. O termo
psicoterapia, portanto, se destina ao que Simon (1999) designa como Ciência Aplicada,
1
A proposta diagnóstica de Ryad Simon é brevemente apresentada na seção seguinte Psicoterapia Breve de
Base Psicanalítica.
12
diferenciando-se da Psicanálise (Ciência Pura). Mas de que modo a psicoterapia deu origem à
psicoterapia breve?
Iniciamos esta discussão com o trabalho de Freud apresentado na Conferência de
Budapeste de 1918, publicado em 1919, intitulada Linhas de progresso na terapia
psicanalítica. Nesta ocasião, Freud alertou a respeito de fatos que sobreviriam posteriormente
aos quais os psicanalistas deveriam se adaptar para levar a psicanálise a estratos menos
favorecidos da sociedade. Afirmou que seriam criadas instituições médicas com oferecimento
de tratamento psicoterápico gratuito. Falou sobre a necessidade de adaptação da técnica às
novas condições. A aplicação popular do método psicanalítico teria de misturar o ouro puro
da psicanálise ao cobre da sugestão direta. Contudo, independente da estrutura e composição
da psicoterapia para as grandes massas, os elementos mais importantes e eficazes da
psicanálise deveriam permanecer intactos.
Estas novas formas, portanto, não diriam respeito a um abandono ou rechaço às
contribuições teórico-metodológicas da Psicanálise; pelo contrário, fariam referência à
adaptação e adequação da Psicanálise à realidade e demandas atuais.
Um movimento adaptativo neste sentido foi a tentativa de abreviar o tratamento que se
tornara tão extenso. A análise convencional não poderia dar conta de atender a crescente
demanda. Seria necessário implantar técnicas breves, principalmente em instituições, que
atendessem grandes números de pessoas, a custos reduzidos (BRAIER, 1984).
As psicoterapias breves, neste sentido, se desenvolveram sob diversas abordagens,
mas neste trabalho são indicadas apenas as técnicas breves de base psicanalítica.
Dentre os precursores da psicoterapia breve, Freud é apontado por muitos estudiosos
do assunto como o primeiro deles (SMALL, 1974; BRAIER, 1984; SIFNEOS, 1989;
KNOBEL, 1986; YOSHIDA, 1990; YAMAMOTO, 2003). Os casos atendidos por Freud em
geral tiveram um período breve de duração. Eram pacientes com queixas específicas ou
sintomatologia claramente configurada em categoria nosológica. Os objetivos de Freud eram
a análise e compreensão da etiologia das doenças de seus pacientes para remissão dos
sintomas apresentados. Interessava-se por conhecer a natureza do inconsciente e da
personalidade e, portanto, a técnica estava vinculada à necessidade de investigação.
Freud (1937), em seu artigo Análise terminável e interminável, afirma ter tratado
grande quantidade de pacientes durante a primeira época da Psicanálise que desejavam ser
curados o mais rápido possível. Contudo, nos anos que se seguiram Freud passou a ter um
novo tipo de experiência, principalmente proveniente das análises didáticas que empreendia,
em que havia um número relativamente pequeno de casos graves, cujos tratamentos se
13
prolongavam por períodos mais ou menos extensos. Notou uma mudança na meta terapêutica,
que visava agora primordialmente esgotar as possibilidades de doença além de alterações
profundas da personalidade.
Yoshida (1990) afirma que Freud tinha consciência de que as mudanças que foram
sendo empreendidas na técnica, desde a hipnose até a associação livre, resultaram em
alterações tanto na natureza quanto nas metas das intervenções psicoterapêuticas, tendo como
uma de suas conseqüências o prolongamento dos tratamentos.
Depois de Freud, Ferenczi e Rank são indicados como precursores da psicoterapia
breve, principalmente por suas contribuições referentes à técnica ativa, que objetivava
estimular a produção de material significativo, tirando o paciente de sua posição acomodada
(YOSHIDA, 1990; YAMAMOTO, 2003).
Após Rank e Ferenczi, Franz Alexander e Thomas French (1946) apresentam-se
também como importantes autores no desenvolvimento da psicoterapia breve, principalmente
pelas contribuições contidas no trabalho intitulado Terapeutica Psicoanalítica, em que
distinguem cinco períodos na evolução da técnica psicanalítica: hipnoses catárticas; sugestão
em estado de vigília; associação livre; neurose transferencial; e reeducação emocional. As
principais contribuições, contudo, dizem respeito ao conceito de reeducação emocional, a
partir do qual introduzem dois princípios importantes: o princípio da flexibilidade e o
princípio da experiência emocional corretiva.
Alexander e French colocaram à prova alguns pressupostos da técnica standard, como
a relação da profundidade do trabalho terapêutico e sua associação ao número de sessões
semanais, ao uso do divã e ao prolongamento do tratamento para superação das resistências.
Sua compreensão da finalidade terapêutica se definia por readaptação emocional. Os autores
colocaram a ênfase na capacidade adaptativa do paciente e indicaram que isto implicaria algo
equivalente por parte do terapeuta, devendo este se adequar a cada caso. Este seria o princípio
de flexibilidade definido pelos autores. Sua proposta também implicava uma atitude ativa por
parte do terapeuta, no entanto, de acordo com Yoshida (1990), tal postura difere da proposta
de Ferenczi,
que limitava a atividade do terapeuta às injunções aos pacientes, estes autores
[Alexander e French] propõem alterações na freqüência das sessões relacionadas às
necessidades específicas de cada etapa do tratamento, assim como o controle das
relações transferenciais, a fim de se evitarem regressões excessivas do paciente,
levando ao prolongamento desnecessário da análise (YOSHIDA, 1990, p.16).
14
A outra importante contribuição de Alexander e French diz respeito ao princípio de
experiência emocional corretiva, que consiste em reexpor o paciente a situações emocionais
que não pôde resolver no passado, mas, na situação terapêutica, em circunstâncias mais
favoráveis. A proposta pretendia que o terapeuta planejasse suas reações com o objetivo de
proporcionar experiências emocionais corretivas, as quais, por sua vez, levariam a insights.
Tal planejamento deveria basear-se na avaliação diagnóstico-dinâmica da personalidade do
paciente e nos problemas reais e atuais de sua vida. O tratamento se basearia primordialmente
nestes últimos em detrimento dos conflitos primitivos, guiado, no entanto, pelos mesmos
princípios psicodinâmicos da psicanálise (YOSHIDA, 1990).
Após Alexander e French, Yoshida (1990, 2001) e Yamamoto (2003) indicam dois
grupos de pesquisadores que se ocuparam das psicoterapias psicodinâmicas breves a partir
dos anos 50: um deles liderado por Balint, e seguido de Malan, na Inglaterra; e outro liderado
por Sifneos, nos Estados Unidos. Os estudos de Malan (1983) e de seus colaboradores
consistiam na apresentação dos resultados obtidos em tratamentos de Psicoterapia Breve
Intensiva e indicação de um método de avaliação psicodinâmica que verificasse os fatores que
prolongam o tratamento, possibilitando a ajuda psicanalítica em períodos mais breves, desde
que os pacientes possuíssem determinadas características como: alta motivação para a
psicoterapia, capacidade de insight, ego capaz de tolerar frustrações e angústias, além de uma
queixa bem específica.
Malan introduz também o conceito de foco e denomina o tratamento que propõe de
Psicoterapia Focal, levantando um problema técnico e indicando que a ênfase de um
tratamento deve recair sobre o principal centro de conflito, o foco do trabalho terapêutico. Tal
questão se mostrou relevante e evidente na prática das técnicas breves, uma vez que a
limitação do tempo requer do psicoterapeuta certa habilidade em termos da seleção do foco (o
que necessariamente implica a questão do diagnóstico que trataremos mais adiante).
Sifneos (1989, 1993), representante do grupo norte-americano, desenvolveu um
modelo de psicoterapia breve que denominou Psicoterapia Breve Provocadora de Ansiedade
(do inglês S.T.A.P.P. Short-Term Anxiety-Provoking Psychotherapy) cuja indicação se
destinava a pacientes adultos, com queixa bem específica, inteligência acima da média, alta
motivação para mudanças internas (não apenas alívio de sintomas), além de um ego bem
desenvolvido e estruturado. Dentre as indicações o autor inclui sintomas neuróticos
claramente delimitados, conflitos edipianos ou situações de perda, separação ou fobias que
poderiam ser facilmente solucionadas.
15
Também são consideradas as contribuições de Bellak e Small no campo da
psicoterapia breve. Os autores (BELLAK; SMALL, 1965 apud SMALL, 1974) diferenciam a
psicoterapia breve da Psicanálise por seus objetivos, fatores de tempo e métodos. Com relação
aos objetivos, consideram que o objetivo da psicoterapia breve se limita à remoção e melhoria
de sintomas específicos, sem intentar a reconstituição da personalidade. Quanto ao tempo de
duração, Small (1974) indica que se espera que uma psicoterapia breve dure menos que o
tratamento psicanalítico convencional, no entanto, ressalta a dificuldade em estabelecer
parâmetros fixos, uma vez que se trata de uma questão empírica que depende de muitas
variáveis. As diferenças metodológicas, segundo Bellak e Small (1965 apud SMALL, 1974),
referem-se às
limitações atribuídas ao uso da associação livre, nas modificações do uso da
interpretação, no constrangimento imposto ao desenvolvimento de uma neurose de
transferência, na ênfase dada a uma transferência positiva no relacionamento de
trabalho, e no desejo de comparar as interpretações modificadas com outros tipos de
intervenções (médicas e ambientais, por exemplo) (p. 23).
Muitos outros autores se ocuparam do tema, mas não nos alongaremos nesta exposição
uma vez que breve menção foi feita aos principais expoentes da psicoterapia breve.
Trataremos neste ponto das contribuições específicas de Braier, Knobel e Simon.
Braier (1984), Knobel (1986) e Simon (1989, 1998, 2005) desenvolveram propostas de
psicoterapia breve de base psicanalítica que de certa forma se baseiam nos precursores já
mencionados. Estas propostas procuraram delimitar não apenas a técnica, mas também a
teoria da técnica, estabelecer critérios de indicação e esboços para avaliação de resultados. As
três propostas mencionadas serão mais pormenorizadamente descritas, pois compõem a base
teórica que elegemos para fundamentar a presente proposta.
A teoria da técnica reúne os aspectos teóricos que fundamentam a cnica. Tal
afirmação, aparentemente redundante, diz respeito ao corpo teórico utilizado, neste caso, o
corpo teórico da psicalise e sua aplicação, a técnica, nestes tratamentos com objetivos e
tempo limitados.
Braier (1984) relaciona como objetivos da psicoterapia breve de orientação
psicanalítica, a superação de sintomas, a superação de incidentes agudos e de situações
prioritárias atuais. Conceitua a modalidade que propõe como psicoterapia de objetivos
limitados, basicamente interpretativa ou de insight, que deve ser empregada em indivíduos
com capacidade egóica suficiente para serem tratados por meio dela (p. 5). Indica que o
esquema conceitual utilizado é o mesmo da Psicanálise, ressaltando que sua aplicação se
16
naqueles meios e situações em que o é possível a utilização do tratamento clássico, como
nos ambientes hospitalares, por exemplo.
Expusemos brevemente os fins terapêuticos propostos por Braier e pode-se considerar
que, de certa forma, coincidem com os fins propostos por Knobel (1986), que indica que a
psicoterapia breve tem como objetivos ajudar a resolver conflitos de diversas estruturações,
que vão do que podemos chamar com um pouco de eufemismo de normal até o
evidentemente patológico, como conduta manifesta e/ou latente (p. 101). O autor chama a
atenção para a importância de discriminar o motivo manifesto na consulta do motivo latente,
para que se discrimine também o complexo problemático que será objeto do tratamento.
Enfatiza também que a psicoterapia efetiva deve promover melhoras na adaptação, auxiliando
o paciente a encontrar o caminho mais adequado para sua própria estrutura e seu próprio
contexto sócio-familiar (p. 105), devendo o psicoterapeuta, contudo, renunciar a fantasias de
cura, contentando-se em aliviar, atenuar, modificar, adiar e, raramente, eliminar sintomas ou
condutas patológicas.
A meta se baseia nos aspectos inicialmente levantados nas entrevistas diagnósticas.
Knobel (1986) sugere que sejam investigadas nestas entrevistas as seguintes condições:
estrutura egóica com funcionamento discriminativo da realidade; capacidade de falar e ouvir
(preservação de funções autônomas do ego, sem perturbações biológicas severas); história
bio-psico-dinâmica (evolução e desenvolvimento adaptativo); capacidade de estabelecer
relacionamentos (inclusive com o terapeuta); capacidade de sentir e expressar afetos positivos
e negativos; capacidade de compreender ou reconhecer conflitos ou situações de crise; nível
de motivação para a psicoterapia; disposição para investimento emocional além do
investimento de tempo e dinheiro no tratamento.
Simon (2005) compartilha de postura semelhante. Indica que na Psicoterapia Breve
Operacionalizada (P.B.O.), que é a sua proposta, os objetivos se assemelham àqueles da
Psicoterapia Psicanalítica que visam a cura e remissão de sintomas ciência aplicada em
oposição aos propósitos de investigação desinteressada pelo desconhecido, objeto da
Psicanálise ciência pura.
A P.B.O. proposta por Simon baseia-se em uma experiência iniciada na década de
1970 quando o autor idealizou e desenvolveu o Programa de Saúde Mental dos Alunos da
Escola Paulista de Medicina, em que objetivava oferecer atendimento psicológico com
objetivos preventivos a um número extenso de pessoas. Tal experiência levou ao
desenvolvimento de uma escala diagnóstica (EDAO Escala Diagnóstica Adaptativa
17
Operacionalizada), cujo critério adotado para nortear a avaliação foi o critério adaptativo
(SIMON, 1989, 1998). Este critério foi escolhido por Simon (1989) por representar o:
[...] conjunto de respostas de um organismo vivo, em vários momentos, a situações
que o modificam, permitindo manutenção de sua organização (por nima que seja)
compatível com a vida. De tal forma que a adaptação é a condição para a
sobrevivência. Enquanto vida, inferimos que algum modo de adaptação
existindo (p. 14).
Desta forma, o diagnóstico adaptativo é uma proposta de avaliação do conjunto de
respostas de um indivíduo nos quatro setores da vida, propostos pelo autor, a saber: setor
afetivo-relacional (A-R); setor produtivo (Pr); setor orgânico (Or); e setor sócio-cultural (S-
C). As respostas em cada setor são avaliadas segundo a capacidade do indivíduo em
solucionar seus problemas e segundo a adequação destas respostas. Respostas adequadas são
aquelas capazes de solucionar o problema, proporcionando satisfação e sem gerar conflito
interno ou externo; respostas pouco adequadas são aquelas que solucionam o problema, mas
geram conflito interno ou externo, ou então não satisfazem o indivíduo; respostas
pouquíssimo adequadas, por sua vez, são aquelas que solucionam o problema, mas não geram
satisfação e geram conflitos internos ou externos. A incapacidade de dar solução a um
problema caracteriza a situação de crise.
O diagnóstico adaptativo, dessa forma, depende da adequação das respostas nos
diferentes setores adaptativos. Quanto mais adequadas as respostas, melhor a eficácia
adaptativa. Simon (1989, 1998) propõe cinco grupos para classificação da adaptação: grupo 1
Adaptação Eficaz; grupo 2 Adaptação Ineficaz Leve; grupo 3 Adaptação Ineficaz
Moderada; grupo 4 Adaptação Ineficaz Severa; e grupo 5 Adaptação Ineficaz Grave. Os
dados para avaliação da adaptação e para a classificação diagnóstica são coletados a partir de
uma entrevista intitulada Entrevista Clínica Preventiva.
O objetivo de cura proposto por Simon (1999, 2005) implica a detecção de
situações-problema sobre as quais se intervém com o objetivo de empreender mudanças nas
respostas que o indivíduo apresenta às situações, esperando que este possa conscientizar-se da
inadequação de suas respostas e dos fatores implicados nesta inadequação. Pode-se dizer que
os objetivos primordiais propostos por Simon dizem respeito à superação de períodos de crise,
melhora da adequação das respostas nos diferentes setores adaptativos e, consequentemente,
melhora da eficácia adaptativa de modo geral.
18
Observa-se na descrição destas três propostas que os objetivos acima relacionados
mantêm relação intrínseca com o diagnóstico realizado, pois a superação dos sintomas
depende diretamente da identificação dos sintomas e dos conflitos subjacentes.
Os critérios de indicação às psicoterapias breves estão, assim, relacionados ao
diagnóstico, que, por sua vez, se relaciona com a possibilidade de atingir os objetivos
terapêuticos propostos.
Yoshida (2001) indica que a qualidade adaptativa das respostas de um paciente e sua
configuração adaptativa geral são muito importantes enquanto critérios de indicação à
psicoterapia, mas afirma também que além de saber se um paciente dispõe de recursos
adaptativos para iniciar uma psicoterapia é importante identificar o grau de consciência que
tem de seu problema e seu empenho em enfrentá-lo.
A autora indica que a possibilidade de um tratamento ser levado adiante tem relação
com a qualidade da eficácia adaptativa apresentada pelo paciente no início do atendimento.
Deste modo, pacientes com adaptação eficaz em crise ou ineficaz leve e moderada (quadros
medianos) seriam mais capazes de obter benefícios dos atendimentos, empreendendo
mudanças mais efetivas. Em contrapartida, pacientes com adaptação ineficaz severa ou grave
(quadros graves) apresentariam menores probabilidades de concluir os atendimentos ou
empreender mudanças em suas respostas adaptativas, limitando sua melhora ao abrandamento
dos sintomas ou diminuição da ansiedade. Yoshida (2001) também atenta para a avaliação da
aliança terapêutica, ou seja, para a qualidade da relação que pode ser estabelecida entre
paciente e psicoterapeuta.
Os critérios de indicação às psicoterapias breves invariavelmente implicam também a
avaliação de fatores motivacionais. o importante quanto a qualidade da relação que pode
ser estabelecida entre paciente e psicoterapeuta é a motivação do paciente para a mudança e
para o autoconhecimento (BRAIER, 1984; KNOBEL, 1986; SIMON, 2000; YOSHIDA,
1990, 2001).
Apresentadas as questões relativas aos critérios diagnósticos e de indicação,
passaremos a discorrer sobre aspectos referentes à técnica propriamente dita, a fim de
estabelecer os elementos teóricos que fundamentam a prática psicoterápica breve. Knobel
(1986) indica que os pressupostos da técnica breve diferem dos pressupostos da psicanálise
clássica em quatro aspectos fundamentais:
1)
É não-regressiva;
2)
É não-transferencial;
3) A elaboração dos conflitos é predominantemente cognitiva (em detrimento de afetiva);
19
4) Mudanças objetais se operam pelo processo de substituição de informações falsas por
informações verdadeiras (aproximação do objeto real).
Iniciaremos pelo primeiro aspecto, referente à regressão. Em Psicanálise a regressão é
propiciada por uma série de elementos tais como: posição deitada ao divã, regra fundamental
da associação livre, silêncio do analista, freqüência de sessões, etc. A regressão no processo
analítico é uma vivência útil e necessária para que o objetivo terapêutico seja alcançado e para
a estimulação da neurose de transferência e sua conseqüente elaboração. Trata-se de um
processo, através do qual, modos ou estados de funcionamento psíquico de etapas anteriores
entram em vigor, mais especificamente por meio da transferência (BARANGER;
BARANGER, 1979; BRAIER, 1984; KNOBEL, 1986).
Em Psicoterapia Breve, segundo Knobel (1986), a regressão não deve ser estimulada
como no processo analítico. Evitar a regressão no tratamento breve pode ser feito a partir da
ativação de meios que permitam o controle permanente de funções egóicas mais conscientes.
Entretanto, é consensual a afirmação de que todo contato com finalidades terapêuticas
mesmo a relação médico-paciente estimula inevitavelmente um estado regressivo
(BARANGER; BARANGER, 1979; BRAIER, 1984; KNOBEL, 1986, 1991; SIMON, 1989,
2005). O psicoterapeuta sempre terá uma representação inconsciente para o paciente em
termos transferenciais. O que poderá ser diferente na Psicoterapia Breve em relação à
Psicanálise será o manejo destes conteúdos percebidos.
O contato com o psicoterapeuta, desta forma, despertará fantasias no paciente em
relação à cura e aos cuidados que poderá receber e as interpretações que o psicoterapeuta fizer
poderão determinar de que modo o paciente entrará em contato com tais aspectos de sua
personalidade. Isso levará o paciente a se conscientizar de seus problemas e de seu mal-estar,
tanto quanto de suas possibilidades de melhora e fantasias em relação aos poderes do
psicoterapeuta.
Isso nos leva ao segundo aspecto das modalidades breves, que diz respeito aos
conceitos de transferência e de neurose de transferência. A neurose transferencial faz parte da
técnica psicanalítica clássica e é produzida a partir de interpretações que induzem à regressão
(KNOBEL, 1986). Pressupõe também a reedição de determinadas situações e mecanismos
arcaicos na relação terapêutica (BRAIER, 1984). O objetivo da estimulação da neurose de
transferência é o de recriar as situações conflitivas, ou seja, uma nova neurose, para que se
proceda à elaboração da mesma. A elaboração da neurose transferencial resultaria em
20
mudanças estruturais do aparelho mental, consequentemente na reestruturação da
personalidade e na resolução de conflitos básicos (BRAIER, 1984; KNOBEL, 1986).
Uma vez que em psicoterapia breve de base psicanalítica as metas terapêuticas não são
as mesmas da Psicanálise, também variações técnicas relativas a essa questão. Há que se
assinalar que os autores não pretendem transmitir a idéia de que a transferência deve ser
ignorada por não ser aconselhável estimular a neurose de transferência. A transferência, de
acordo com Braier (1984), Knobel (1986) e Simon (1989, 2005), mesmo em modalidades
breves se configura como um importante recurso para a compreensão da dinâmica psíquica do
paciente, mas deve ser manejada de modo diferente.
O foco do tratamento breve recai sobre as situações conflitivas atuais da vida do
paciente, que normalmente coincidem com a queixa manifesta. Por essa razão Braier (1984)
afirma que o trabalho interpretativo se volta mais às relações que o paciente mantém com os
objetos de sua realidade externa, do que à relação com o psicoterapeuta.
Em função dessa mudança de foco, Braier (1984), Knobel (1986) e Simon (2005)
indicam a possibilidade do trabalho com elementos extra-transferenciais, ou como propõe
Simon: cotransferenciais.
A cotransferência é definida por Simon (2005) como transferências experimentadas
com outras pessoas no momento atual [e que] são trazidas em forma de narrativa nas sessões
psicoterápicas, carregadas de sentimentos e reproduzidas às vezes com muita intensidade
(p.18). O autor considera que essas transferências experimentadas fora da relação terapêutica
têm relação com a transferência dirigida ao psicoterapeuta, no entanto, a interpretação direta
desta relação, da transferência, pode resultar em recusa e negação por parte do paciente, que
tem clara consciência de que se refere a aspectos vividos fora da sessão com outras pessoas. O
que Simon procura ressaltar é que as cotransferências, se interpretadas em seus aspectos
defensivos ou irrealisticamente gratificantes podem levar a insights acerca das origens
inconscientes de seus conflitos e também a mudanças nas relações afetivas com os objetos
externos atuais (p.18).
Chegamos então ao terceiro aspecto das técnicas breves a elaboração dos conflitos.
Como indicamos anteriormente, o trabalho elaborativo em Psicanálise se primordialmente
a partir da criação da neurose de transferência e de sua superação. Esse tipo de elaboração,
portanto, envolve tempo, atualidade, projeção e introjeção (KNOBEL, 1986, p. 57).
Elementos dos quais não se dispõem em psicoterapia breve, segundo o autor. Knobel afirma
ainda que a elaboração em psicoterapia breve seja predominante cognitiva, em detrimento de
afetiva. Explica que o trabalho se concentra na
21
captação e compreensão da realidade interna e sua confrontação com a realidade
externa, atuando o terapeuta mais como uma extensão dos aspectos egóicos mais
evoluídos do paciente e menos como tela projetiva-introjetiva com todos os seus
componentes emocionais transferenciais (KNOBEL, 1986, p. 57).
Para Braier (1984) o insight e a elaboração pressupõem uma participação afetiva no
conhecimento acerca da realidade psíquica, isto é, o se trata de simplesmente compreender
no sentido intelectual, mas também de poder experimentar emocionalmente o contato com os
aspectos inconscientes do mesmo (p. 30). Para o autor, o processo de elaboração implica a
assimilação das interpretações do analista, mas também implica tempo, regressão do
analisando, superação de resistências e análise exaustiva dos conflitos a partir da neurose
transferencial. Indica também que em psicoterapia breve de tempo e objetivos limitados, o
insight e a elaboração serão também limitados no sentido afetivo e em sua profundidade.
Em psicoterapia dinâmica breve, entretanto, o autor indica que o insight pode também
ser propiciado por meio de interpretações, mas estas deverão se dirigir aos psicodinamismos
relacionados ao motivo do tratamento, aos objetos externos, à vida cotidiana e presente,
sempre avaliando as condições psíquicas do paciente.
Braier (1984) indica que as limitações do enquadramento em psicoterapia breve
reduzem a promoção de insight a experiências iniciais de insight, o que significa a
possibilidade de autoconhecimento em relação às dificuldades apresentadas na queixa e o
em relação a todos os aspectos do conflito básico. O psicoterapeuta terá uma função muito
mais ativa na tentativa de propiciar a elaboração, mas esta dependerá também dos recursos
egóicos do paciente e de sua capacidade associativa.
Passaremos finalmente à discussão do quarto aspecto indicado mutação objetal. Para
Knobel (1989) a mutação dos objetos internos, fundamentalmente por meio de projeções e
introjeções, é bastante significativa para o resultado do processo de elaboração aqui
compreendida como cura, melhora ou alívio de sintomas.
O autor afirma que a possibilidade de mutação dos objetos em profundidade guarda
íntima relação com a regressão, com a elaboração emocional e com a neurose de transferência
e, portanto, em psicoterapia breve essa mutação se de modo diferente. Para Knobel, o que
se muda em psicoterapia breve são informações falsas por informações verdadeiras. Em
psicoterapia breve não tempo para o longo processo de reatualização da historicidade de
um indivíduo, mas é possível que a limitada troca de informações falsas por verdadeiras
seja capaz de mobilizar situações internas que levem à mudança.
22
Por fim, a técnica breve em si, fundamentada nos argumentos apresentados, deve ser
também desenvolvida a partir do estabelecimento de um enquadre, ou setting, rigoroso, em
que se delimita o espaço sico, o horário de atendimento, duração das sessões e privacidade
da relação, aspectos todos indispensáveis e incluídos no tratamento a ser realizado dentro do
tempo determinado.
O enquadre, também referido como setting, é o conjunto de procedimentos que
organizam, normatizam e possibilitam o processo psicanalítico. É a soma de regras, atitudes e
combinações do contrato analítico dias e horários das sessões, honorários e forma de
pagamento, interrupções, faltas, etc. (Zimerman, 1999). Essa composição de regras forma
ao atendimento, mas não se configura como o atendimento em si. Segundo o autor a função
do enquadre não é apenas a de emoldurar o trabalho psicoterapêutico. Sua função é servir
de cenário para novas e velhas experiências emocionais. Além disso, o enquadre é alvo
constante de ataques transgressores por parte do paciente e às vezes do analista.
Zimerman coloca ainda que o enquadre funciona como um importante fator
terapêutico psicanalítico, na medida em que possibilita a criação de um espaço em que o
analisando pode trazer seus aspectos infantis para o vínculo transferencial.
As características do enquadre e do contrato terapêutico, contudo, dependerão de cada
caso e da avaliação inicial que poderá ser feita. As psicoterapias, de modo geral, inclusive as
modalidades breves são planejadas a partir do diagnóstico.
Simon (2005) indica que é a partir do diagnóstico adaptativo que se estabelece a
modalidade de atendimento que será oferecida ao paciente. A Psicoterapia Breve
Operacionalizada proposta pelo autor pode durar de uma a doze sessões, contudo, a indicação
dependerá da qualidade adaptativa de cada paciente. Quadros mais graves, segundo Simon
(2005), nem sempre poderão se beneficiar da P.B.O. Nestes casos poderá ser aconselhado o
desenvolvimento de psicoterapia psicanalítica para quadros graves.
Também é relevante trazer ao presente trabalho a contribuição de Simon com relação à
Entrevista Clínica Preventiva (SIMON, 1989, 1995, 2005), um instrumento que permite ao
mesmo tempo a coleta de dados para o diagnóstico adaptativo e a intervenção do
psicoterapeuta com fins preventivos. O objetivo primordial de agregar a este estudo as
contribuições de Simon com relação à Entrevista Clínica Preventiva é demonstrar que o
processo psicodiagnóstico, especialmente o diagnóstico adaptativo apresentado, pode
coincidir com a intervenção.
23
Pode-se considerar aqui um ponto de intersecção entre as cnicas breves e a técnica
de entrevista, e entre o diagnóstico e a intervenção, assim como sua aplicação e manejo no
âmbito ambulatorial.
2.3 Atendimento Psicológico em Instituições
O intuito de tratar da inserção da psicologia nas instituições, em especial as
instituições destinadas ao cuidado da saúde, é trazer ao conhecimento do leitor um breve
aporte ao desenvolvimento da psicologia da saúde.
A psicologia da saúde se define como um
domínio da psicologia que recorre aos conhecimentos provenientes das diversas áreas
da psicologia, com vista à promoção e proteção da saúde, à prevenção e tratamento da
doença, à identificação da etiologia e diagnóstico relacionados com a saúde, com as
doenças e disfunções associadas, à análise e melhoria do sistema de cuidados de saúde
e ao aperfeiçoamento da política de saúde (MATARAZZO, 1982, p.4, apud
RIBEIRO, 1998).
Destacam-se, assim, quatro objetivos essenciais da psicologia da saúde: promoção,
proteção, prevenção e tratamento. Em dois domínios distintos: saúde e doença; com a ressalva
de que não se limitam ao âmbito mental. A psicologia da saúde passou a participar também de
contextos tradicionais de saúde, não mais se restringindo às patologias mentais (RIBEIRO,
1998).
O trabalho de Caplan (1980) Princípios de Psiquiatria Preventiva já tratava da
questão preventiva, mas ainda numa perspectiva voltada para os transtornos mentais. O autor
define o termo psiquiatria preventiva como o
corpo de conhecimentos profissionais, teóricos e práticos, que podem ser utilizados
para planejar e executar planos destinados a reduzir (1) a incidência de distúrbios
mentais de todos os tipos numa comunidade (prevenção primária), (2) a duração de
um número significativo daqueles distúrbios que efetivamente ocorrem (prevenção
secundária) e (3) a deterioração que poderá resultar desses distúrbios (prevenção
terciária) (CAPLAN, 1980, p. 31).
A migração da Psicologia para a área da saúde está vinculada a três revoluções da
saúde. Ribeiro (1998) afirma que a primeira revolução tem origem no fim do século XVIII,
com o advento da Revolução Industrial, que resultou num aumento de epidemias,
demandando a adoção de medidas de saúde pública essenciais, assim como mudanças
comportamentais nos hábitos de higiene e saneamento. A segunda revolução da saúde ocorreu
na década de 1970 e foi marcada pela mudança de foco da doença para a saúde e,
24
consequentemente, por um retorno a um modelo ecológico de saúde, em lugar do modelo
biomédico. A terceira revolução seguiu a evolução política, econômica e social que busca os
melhores resultados com o menor custo possível; é marcada, portanto, por uma monitorização
constante sobre quais tipos de intervenção geram os melhores resultados.
Paulatinamente, a Psicologia ganhou espaço nas instituições de saúde. O modelo
biomédico, com suas raízes no Renascimento do século XIV, baseado na concepção
cartesiana de mundo, mostrou-se eficaz nas situações agudas. Nas situações de enfermidade
crônica, segundo apura Ribeiro (1998), o modelo biomédico deixou de ser eficaz. O modelo
ecológico de saúde, que então ganhou força, é proposto pela Organização Mundial de Saúde
(1998) e preconiza uma visão holística de ser humano, levando em consideração os diversos
aspectos de sua vida.
A OMS (1998) a partir desta concepção define saúde como o estado de completo bem-
estar físico, mental e social, ou seja, considera o homem e sua saúde em sua unidade bio-
psico-social.
Os psicólogos, desta forma, passaram a participar dos cuidados à saúde não apenas à
saúde mental nesta perspectiva integrada (ecológica) e por isso foram se inserindo nos
contextos antes restritos à medicina. Ribeiro (1998), porém, indica que esta inserção
introduziu novos aspectos na prática do psicólogo, entre eles a necessidade de definir quem é
o cliente neste novo contexto; qual deve ser a relação psicólogo-doente; e qual deve ser o
tempo de duração da intervenção.
Definir quem é o cliente representa distinguir quem procura o tratamento psicológico,
pois muitas vezes é o médico quem solicita este atendimento. O paciente procura o médico
para solucionar o mal estar provocado por sua enfermidade física (RIBEIRO, 1998).
Morales-Carmona e Díaz-Franco (2000) também consideram importante que as
instituições que tratam da saúde das pessoas compreendam a saúde mental como elemento
indispensável à saúde geral do paciente e indicam que o esquema de trabalho tradicional dos
profissionais em saúde mental sofre alterações no âmbito institucional, uma vez que a
motivação das pessoas para o atendimento psicológico pode ser precária. Isso se deve ao fato
de não existir uma demanda explícita pela atenção psicológica por parte do paciente e
tampouco por parte da equipe, pois o foco de ambos é o padecimento orgânico que acomete o
paciente e modifica sua situação vital.
A rela
ção psicólogo-doente, consequentemente, sofrerá também modificações. O
psicólogo que trabalha em contextos médicos está vinculado a uma instituição e faz o
atendimento da população usuária do serviço prestado por esta. O psicólogo é desta forma um
25
membro da equipe de saúde, da qual fazem parte: dicos, biólogos, enfermeiros e outros
profissionais. A população atendida geralmente não procura o profissional de saúde mental
(psicólogo, psiquiatra) nem sempre sequer sabe o que é um psicólogo procuram a
especialidade médica de tal ambulatório ou instituição. Fato que implica uma diferença
fundamental na forma de manejo do trabalho psicoterápico.
O trabalho psicológico em instituições médicas ainda tem de lidar com uma rede
transferencial (RIBEIRO, 2004) que permeia a relação terapeuta-paciente. Este paciente, que
não procurou inicialmente um psicólogo, e sim um centro médico, relaciona-se com uma
queixa orgânica, com uma equipe médica, com uma instituição, elementos que no momento
do atendimento psicológico são representados na relação com o psicoterapeuta. Cabe,
portanto, ao psicoterapeuta manejar tal rede transferencial para que possa compreender a
demanda psicológica por trás da queixa orgânica concreta.
Trabalhos que tratam do manejo do atendimento psicológico em instituições, sob um
referencial psicanalítico, podem auxiliar na delimitação de uma técnica específica para
ambulatórios médicos, que em geral enfrentará limites, especialmente em relação à duração
do tratamento, resultando normalmente em atendimentos breves. Os trabalhos de Campos
(1988), Simon (1983); Yoshida; Enéas; Vasconcelos; Rillo; Duarte (1994); e Yoshida;
Coelho-Filho; Enéas; Gatti; Xavier (1994) apresentam experiências de psicoterapia em
instituições, no entanto, estas instituições são destinadas a tratar especificamente da saúde
mental das pessoas, ou seja, são instituições buscadas justamente para o tratamento
psicoterapêutico e não para tratamento médico, como é o caso dos ambulatórios, em que há a
inserção do psicólogo na equipe de saúde de determinada especialidade.
O atendimento psicológico em instituições, em especial os ambulatórios médicos, deve
considerar todos estes fatores que interferem no enquadre, especialmente o fato de que o
tempo limitado (proposta das psicoterapias breves) é praticamente uma imposição no âmbito
institucional. Os atendimentos, muitas vezes, permitem apenas o levantamento de algumas
informações que possibilitam a compreensão dos aspectos mais emergenciais. É possível
identificar situações de crise, ou situações que estejam interferindo qualitativamente na
adaptação do indivíduo, mas o limite técnico de tempo, o número de sessões, a relação com a
instituição, o tratamento médico e especialmente a motivação do paciente para tratar das
questões psicológicas são fatores que interferem muito no manejo clínico que pode ser feito
de tal atendimento.
O enquadre no
âmbito institucional necessariamente nos remete às contribuições de
Bleger (1984) Psico-higiene e Psicologia Institucional que afirma que a instituição não é
26
apenas um lugar em que o psicólogo pode trabalhar, mas também um nível de sua tarefa. A
possibilidade de realização desta tarefa, contudo, implica o estabelecimento de determinadas
regras a serem seguidas com rigor. Estas regras, por sua vez, constituem o enquadramento.
A primeira regra descrita pelo autor diz respeito ao próprio psicólogo. Este deve
cumprir o que chama de atitude clínica,
que consiste no manejo de um certo grau de dissociação instrumental que lhe
permita, por um lado, identificar-se com os acontecimentos ou pessoas, mas que, por
outro lado, lhe possibilite manter com eles uma certa distância que faça com que o
se veja pessoalmente implicado nos acontecimentos que devem ser estudados e que
seu papel específico não seja abandonado. A atitude clínica forma parte do papel do
psicólogo e mantê-lo permanentemente em sua tarefa é uma das exigências
fundamentais do enquadramento (BLEGER, 1984, p. 47-48).
As demais regras do enquadre se referem, de modo mais abrangente, a uma clara
explicitação do caráter da tarefa profissional a ser desempenhada pelo psicólogo em todos os
níveis da instituição. Esta explicação deve incluir, além da clarificação do caráter da tarefa, o
tempo de dedicação à tarefa, os honorários e principalmente a dependência econômica e
independência profissional, ou seja, o psicólogo deverá ser um assessor ou consultor, não um
empregado. Esta última condição confere autonomia ao psicólogo para que desenvolva um
trabalho livre das influências que não sirvam ao objetivo de proteção e promoção da saúde no
âmbito institucional, mas é ao mesmo conflitante com a realidade enfrentada pelos
profissionais da área. Fazemos esta ressalva para indicar que o trabalho autônomo também
pode representar desemprego e ausência de remuneração. Neste sentido, é importante
observar as regras do enquadramento, mas nem sempre é possível impor uma condição de
independência profissional.
Bleger (1984) indica ainda que a utilização da psicanálise no contexto institucional
não significa empreender tratamentos psicanalíticos com seus membros. O autor recomenda o
uso da Psicanálise para desvendar o que subjaz aos conflitos.
Esclarecida a importância da compreensão destes elementos, presentes no contexto
institucional, passamos agora a discorrer sobre a especificidade da instituição em que se
realizou este estudo. Abordamos a seguir as questões referentes à infertilidade e à reprodução
humana assistida, assim como os modelos de atendimento psicológico que m sendo
desenvolvidos nesta área.
27
2.4 Atendimento Psicológico em Reprodução Humana Assistida
Os atendimentos psicológicos realizados com casais inférteis podem assumir formas
distintas dependendo de fatores como: lugar em que são realizados (consultório, ambulatório
ou clínica de infertilidade); orientação teórico-metodológica do profissional; concepção da
enfermidade; e, principalmente, objetivos do atendimento.
Quanto ao local em que se realiza o atendimento, procuramos nos concentrar no
contexto ambulatorial, proposta do presente estudo. Fizemos menção, no entanto, a trabalhos
desenvolvidos em contextos semelhantes, como é o caso das clínicas de infertilidade.
Abordamos inicialmente os aspectos referentes à definição e dados epidemiológicos da
infertilidade, seguido dos aspectos psicológicos relacionados à infertilidade. As questões
teórico-metodológicas e os objetivos do atendimento psicológico aparecem interligados e
decorrentes dos aspectos conceituais da enfermidade, portanto, finalizamos o tema com as
contribuições referentes às técnicas e abordagens de atendimento psicológico presentes na
literatura.
Os dados epidemiológicos referentes à infertilidade são apresentados com base apenas
no último relatório da Organização Mundial de Saúde, intitulado Current Practices and
Controversies in Assisted Reproduction: report of a WHO meeting, de 2002. A escolha se
deve ao fato de serem encontrados, mesmo em artigos mais recentes, estatísticas idênticas às
apresentadas pelo relatório.
Os dados deste relatório indicam que a infertilidade é uma disfunção caracterizada
pela incapacidade de um casal engravidar após pelo menos um ano de tentativa, mantendo
relações sexuais freqüentes, com interrupção de uso de quaisquer métodos contraceptivos. A
enfermidade afeta mais de 80 milhões de pessoas no mundo um em cada dez casais sofre de
infertilidade primária (homens e mulheres que nunca tiveram filhos ou engravidaram) ou
secundária (homens e mulheres que tiveram filhos ou engravidaram, com ou sem perda
gestacional, e que não conseguem engravidar novamente ou levar a gestação a termo). Os
dados revelam uma realidade que requer atenção profissional, além de políticas públicas que
lidem com a problemática.
Essas taxas, segundo a OMS (2002), podem variar de menos de 5% at
é mais de 30%
de país para país e têm relação com o nível de desenvolvimento da região. As maiores taxas
de pessoas inférteis são encontradas nos países em desenvolvimento, onde a infertilidade se
deve principalmente a obstruções tubárias (de um quarto a um terço das mulheres inférteis),
resultado do não tratamento ou prevenção de infecções no trato genital, incluindo doenças
28
sexualmente transmissíveis, infecções pós-parto ou pós-aborto, e tuberculose pélvica
números que poderiam ser significativamente reduzidos através da prevenção de doenças
venéreas e abortos clandestinos, por exemplo.
Os problemas de infertilidade não são, no entanto, predominantemente femininos. A
distribuição entre os indivíduos inférteis é de 40% de causas femininas, 40% de causas
masculinas, e 20% dos casos que têm como causa a associação de fatores masculinos e
femininos (podendo ser causas genéticas, imunológicas ou mesmo desconhecidas).
A Organização Mundial de Saúde aponta também que nos países em desenvolvimento
os serviços de infertilidade e as tecnologias de reprodução assistida (TRA) o estão
disponíveis da mesma forma que em países desenvolvidos. Os países em desenvolvimento
têm outros problemas no cerne da atenção à saúde pública, problemas como a malária, a
tuberculose, a infecção pelo HIV, entre outras doenças com índices significativos de
morbidade e mortalidade que precisam ser resolvidos prioritariamente.
Ainda que não seja uma questão prioritária de saúde pública em muitos países, o
problema é reconhecido como uma questão central na vida dos indivíduos inférteis e fonte de
sofrimento social e psicológico entre homens e mulheres (OMS, 2002).
Diante deste cenário, diversos centros públicos e privados têm-se organizado tanto
nos países desenvolvidos quanto nos países em desenvolvimento, para proporcionar
tratamento aos casais que sofrem com a infertilidade. Os avanços na medicina reprodutiva nos
últimos 25 anos tiveram, dessa forma, um impacto significativo na vida de casais inférteis e
subférteis. O primeiro bebê resultado de fertilização in vitro nasceu em 1978, na Inglaterra, e
desde então se estima que mais de um milhão de bebês tenha nascido a partir do emprego de
TRA em todo o mundo (OMS, 2002), o que representa aumento de expectativas e fonte de
esperança entre os casais que buscam uma solução para seu problema.
A solução, no entanto, não é facilmente alcançada, mesmo quando acesso a
tratamentos e às técnicas de reprodução assistida. O tratamento de infertilidade lida
fundamentalmente com chances muitos pequenas de sucesso. As taxas normais de gravidez,
quando não há qualquer tipo de comprometimento orgânico, variam em torno de 20% ao mês;
com as técnicas de reprodução assistida, as taxas chegam até 35% de chance de sucesso por
tentativa (OMS, 2002). As chances de fracasso, logo, ultrapassam em muito as chances de
sucesso e, portanto, os efeitos da infertilidade e do tratamento sobre o casal têm sido objeto de
estudo de muitos pesquisadores.
Diversos artigos t
êm procurado compilar dados referentes aos aspectos emocionais
relacionados à infertilidade, ao impacto do diagnóstico e do tratamento sobre a vida dos
29
casais, ao desenvolvimento e etiologia do problema, além de indicar possibilidades de
tratamento psicológico (LEVY JR, 1983; FLORES-COLOMBINO, 1987; CAVALCANTI,
1989; ALLISON, 1997; CARREÑO-MELÉNDEZ; BUSTOS-LÓPEZ; MORALES-
CARMONA, 1997; ISAÍAS-LÓPEZ, 1999; AVELAR; MORAES; MARINHO; CAETANO,
2000; GUAZZELLI; VAZ, 2000; PALACIOS; JADRESIC, 2000; LARA; GRYMBERG;
GONZÁLEZ; AMEZCUA, 2001; LARA; GRYMBERG; SUGYIAMA, 2001; LARA;
GRYMBERG; MORALES-CARMONA, 2001; DOMINGUEZ, 2002; MOREIRA; MAIA;
TOMAZ, 2002; BARBOZA, 2003; SILVA; FUHRMEISTER; CAPP; CORLETA, 2003;
CWIKEL; GIDRON; SHEINER, 2004; ANDERHEIM; HOLTER; BERGH; MÖLLER,
2005; MOREIRA; TOMAZ; AZEVEDO, 2005; MOREIRA; LIMA; SOUSA; AZEVEDO,
2005).
Estudos de revisão da literatura (CAVALCANTI, 1989; AVELAR et al., 2000;
PALACIOS; JADRESIC, 2000; DOMINGUEZ, 2002; MOREIRA et al., 2002; SILVA et al.,
2003; MOREIRA et al., 2005a; MOREIRA et al., 2005b) apontam que até meados da década
de 80, os problemas de infertilidade eram predominantemente atribuídos a causas
psicológicas. Essa atribuição, denominada hipótese psicogênica da infertilidade, era
designada aos casos em que não era possível encontrar uma causa orgânica aparente e
decorria principalmente de dois aspectos: a) das limitações das técnicas diagnósticas e
terapêuticas da medicina; e b) da observação de aspectos psicológicos em pacientes inférteis.
Os autores sugerem que os avanços na medicina reprodutiva, especialmente o advento
das TRA e os modernos recursos diagnósticos, diminuíram significativamente a porcentagem
de pacientes que não conseguiam engravidar e de problemas não diagnosticáveis.
Com relação aos aspectos psicológicos observados em pacientes inférteis, os autores
indicam que o foco dos estudos, a partir do final da década de 80, migrou das causas
psicogênicas da infertilidade para os aspectos psicológicos presentes em indivíduos inférteis.
Estudos que se dedicam à compreensão da psicogênese da infertilidade geralmente se
baseiam em teorias psicodinâmicas, caracterizando a enfermidade como sintoma histérico
conversivo, ou como doença psicossomática (LEVY-JUNIOR, 1983; FLORES-
COLOMBINO, 1987; ALLISON, 1997), ou ainda como expressão de conflitos inconscientes
narcísicos (GONDIM, 2002; RIBEIRO, 2004, 2006).
J
á os estudos sobre os aspectos psicológicos de pacientes inférteis, de modo geral,
variam muito quanto à teoria de base utilizada. Muitos trabalhos estudam variáveis
psicossociais mensuráveis por meio de escalas, como estresse, ansiedade e depressão, para
citar algumas (ANDERHEIM et al., 2005; BOIVIN; SCHMIDT, 2005; SCHNEIDER;
30
FORTHOFER, 2005; PERTERSON; NEWTON; ROSEN, 2003). Estes autores buscam
estabelecer correlações entre níveis de estresse, ansiedade e depressão e os resultados obtidos
com os tratamentos de infertilidade, no entanto, as análises estatísticas não indicam
correlações significativas, ou seja, não é provável que estas variáveis determinem se as
pacientes submetidas aos tratamentos engravidarão ou não.
Outros estudos avaliam qualitativamente as repercussões da infertilidade e seu
tratamento na vida de homens e mulheres (individualmente ou enquanto casal). Estes estudos
(AVELAR et al., 1999; AVELAR et al., 2000; PALACIOS; JADRESIC, 2000;
DOMINGUEZ, 2002; MOREIRA et al., 2002; FAISAL-CURY, 2003; SILVA et al., 2003;
MOREIRA et al., 2005a; MOREIRA et al., 2005b; MELAMED, 2006; MELAMED;
RIBEIRO; SEGER-JACOB, 2006; WOILER, 2006) indicam que o diagnóstico de
infertilidade pode representar uma interrupção do projeto de vida do casal, despertando
sentimentos de frustração, raiva, angústia, culpa, estresse, ansiedade e depressão. Estes
autores indicam que o diagnóstico de infertilidade desencadeia uma crise vital, resultando em
perda de auto-estima, sentimentos de inadequação, disfunções sexuais (em alguns casos) ou
mesmo comprometimento do desempenho profissional. Apontam também reações comuns
entre os casais inférteis, como isolamento social e dificuldades nos relacionamentos
interpessoais, também se referindo a estas reações como problemas adaptativos.
A dissertação de mestrado de Corrêa (2004) realizado no mesmo ambulatório que o
presente estudo buscou avaliar a eficácia adaptativa de 57 homens e 57 mulheres realizando
tratamento de fertilização in vitro. Os achados da autora indicaram diferenças na qualidade da
adaptação entre homens e mulheres: 64,9% dos homens apresentaram adaptação ineficaz leve
(8,8% em crise); enquanto 52,6% das mulheres apresentaram adaptação ineficaz severa
(31,6% em crise). Os dados indicam maior comprometimento da adaptação das mulheres
dessa amostra e a autora afirmou que este fato, em grande parte dos casos, tem relação com o
sofrimento advindo da infertilidade e de seu tratamento.
Outro estudo brasileiro é o de Helena Montagnini (2004), realizado na Escola Paulista
de Medicina, que objetivou avaliar os estados emocionais de casais inférteis submetidos ao
programa de fertilização in vitro e verificar a relação entre o estado emocional das mulheres e
a ocorrência de gravidez. A autora avaliou 20 casais e concluiu não haver relação
estatisticamente significativa entre sintomas emocionais e a ocorrência de gravidez, mas foi
possível verificar diferenças significativas entre o estado emocional de homens e mulheres.
As mulheres apresentaram-se mais ansiosas e depressivas e com auto-estima mais baixa do
31
que os homens. É apresentada também a importância do atendimento psicológico aos casais
inférteis.
A questão referente à gênese da infertilidade, portanto, cedeu lugar à preocupação com
a saúde mental de mulheres e homens (individualmente ou enquanto par) e suas reações
diante do diagnóstico e do tratamento. trabalhos indicando, dessa forma, como deveria ser
o atendimento psicológico oferecido a pacientes inférteis e qual deveria ser o papel do
psicólogo nestes atendimentos.
Apresentamos neste momento diversas propostas apresentadas por diferentes autores
acerca das possibilidades de atendimento psicológico. Gostaríamos de enfatizar que a
apresentação destas propostas tem o intuito de fazer um levantamento sobre os tipos de
abordagens e técnicas utilizadas por outros profissionais de saúde mental, atuantes na área de
reprodução humana. Posteriormente utilizaremos estes dados para contrapor a proposta
contida nesta dissertação.
Avelar et al. (1999, 2000) indicam a utilização do instrumental da psicanálise nos
atendimentos aos pacientes inférteis. Propõem que se crie um campo para reflexão sobre o
sofrimento psíquico do casal, onde o papel do psicólogo seria acolhê-los e oferecer uma
estrutura suportiva ao evento traumático da infertilidade. Para estes autores é importante
escutar o que o casal traz, possibilitando que falem de suas histórias de vida, seus projetos,
medos, fantasias e expectativas, ressaltando que o tratamento médico lida com possibilidades.
Sua proposta é que ao menos uma entrevista inicial faça parte do protocolo de tratamento
médico para todos os pacientes de um serviço de reprodução humana, proporcionando assim
uma primeira oportunidade de escuta e levando quem fala (paciente ou casal) a se escutar;
num segundo momento seria proposto ao casal (ou paciente) um acompanhamento
psicológico caso o resultado de gravidez seja negativo, possibilitando a verbalização de
frustrações e angústias. Avelar et al. (1999, 2000) apontam também que a escuta e a oferta de
suporte emocional não tem objetivo de acalmar ou aconselhar os casais, mas afirmam que a
verbalização pode ter efeito no alívio de estresse e ansiedade, aumentando assim as chances
de sucesso de gravidez.
Guazzelli e Vaz (2000) sugerem como primeira forma de intervenção a escuta dos
casais, a partir da qual é possível ajudá-los a elaborar sentimentos desagradáveis que a
infertilidade provoca. Os autores indicam também que uma das tarefas do analista é ajudar
homens e mulheres a renunciar às suas esperanças de ter um filho e aceitar a dura realidade de
que não poderão conceber. Consideram importante que os casais sejam questionados quanto a
seus objetivos de vida, para que possam encontrar alternativas que favoreçam o bem-estar e a
32
auto-estima. Os autores também sugerem que os casais sejam aconselhados a respeito do
momento adequado para suspender a investigação e o tratamento médico. Esta proposta faz
menção a outro extremo perigoso nestes atendimentos. É o contraponto do trabalho para o
sucesso da gravidez e, neste sentido, toda postura extremista pode ser perigosa.
Lara et al. (2001a, 2001b, 2001c) recomendam a realização de entrevistas em
profundidade antes da inclusão das pacientes nos tratamentos dicos, para que sejam
levantados indicadores relevantes da forma como tais tratamentos repercutirão na vida
psíquica dessas mulheres. Recomendam também a formação de grupos psicoterapêuticos
focalizados no tema da infertilidade ou psicoterapia breve individual com duração em torno
de seis meses. Este grupo considera importante a intervenção na estrutura narcisista da
personalidade de mulheres que se submetem continuamente a tratamentos de reprodução
assistida, levando-as a avaliar se devem persistir em suas tentativas em ter o filho idealizado
ou se dispõem de outras opções, como a adoção ou a aceitação de sua infertilidade.
Outro grupo de pesquisadores (MOREIRA et al. 2002) considera que no atendimento
psicológico em infertilidade, é necessário utilizar-se do diagnóstico, das condições e
necessidades do indivíduo para se escolher o tratamento mais eficaz, sendo mais indicadas as
psicoterapias breves. Afirmam ainda que a função do psicólogo, independente de sua
abordagem teórica, deve ser conscientizar o casal infértil da magnitude de seus problemas no
contexto biopsicossocial, assim como procurar integrá-lo com a equipe profissional do centro
de medicina reprodutiva. Os autores indicam como objetivos da psicoterapia breve de
orientação dinâmica a superação de sintomas e de problemas atuais da realidade do paciente
infértil, desenvolvendo modos mais eficazes de enfrentar determinadas situações conflitivas
relacionadas à infertilidade, assim como a recuperação da capacidade de auto-
desenvolvimento. Moreira et al. (2002, 2005a, 2005b) indicam também que o psicólogo deve
discutir com os casais as decisões a serem tomadas em relação ao tratamento, ajudando o
casal a aceitar o tratamento médico e a aumentar o sentimento de controle sobre a vida,
reduzindo sentimentos de angústia e ansiedade. O psicólogo deve avaliar o estresse do casal
(ou do paciente) em uma primeira entrevista no início do tratamento médico para fazer
encaminhamentos para aconselhamento ou para apoio psicológico durante e após cada
intervenção terapêutica do tratamento médico.
Silva
et al. (2003) apontam que as intervenções do psicólogo devem visar à redução de
sintomas depressivos e do estresse. Para estes autores, o aconselhamento psicológico pode
variar em função do quadro psicológico: casais com tempo de infertilidade de seis meses a
dois anos devem ser informados a respeito da infertilidade e receber atenção quanto às
33
necessidades, dúvidas e temores individuais a respeito da gravidez; quando o tempo de
infertilidade é de dois a cinco anos deve-se conversar a respeito de problemas psicológicos
relacionados às diferentes opções terapêuticas do tratamento médico; quando o tempo de
infertilidade ultrapassa cinco anos deve-se lidar com a adaptação à idéia de não ter filhos ou
com a escolha de métodos alternativos, como a adoção, além da resolução de sintomas
depressivos gerados pela infertilidade.
Para Ribeiro (2004), o serviço de reprodução humana com a presença de um
profissional de saúde mental, aparentemente considera que a infertilidade é uma experiência
que promove perturbação significativa na estrutura psíquica. A autora afirma que o psicólogo
que faz parte da equipe pode, além de oferecer atendimento aos pacientes, atuar também
como consultor da equipe, trabalhando sua dinâmica interna e oferecendo apoio e orientação a
seus membros. Quanto ao atendimento aos pacientes, diz que os atendimentos podem ser
pontuais, por não apresentarem um setting específico. Essa relação analítica sofre, segundo a
autora, infiltrações, contaminações, das complexas relações da equipe médica, da qual o
profissional da área de saúde mental faz parte (RIBEIRO, 2004, p. 87). O resultado é a
formação de uma complexa rede transferencial, que requer do profissional atenção,
habilidade e a presença de um supervisor. Para esta autora, cabe ao psicólogo dar continência
às angústias e aos traumas oriundos dos procedimentos dicos, colaborando com a decisão
do casal de quando proceder ou parar com tais procedimentos.
Outros estudos (PALACIOS; JADRESIC, 2000; DOMINGUEZ, 2002; FAISAL-
CURY, 2003) indicam que as diversas formas de terapia ou suporte psicológico têm
influência nos índices de sucesso nos procedimentos de reprodução assistida, privilegiando
abordagens que objetivem reduzir níveis de estresse e ansiedade.
Os estudos apresentados, de modo geral, parecem indicar o atendimento psicológico
como um recurso oferecido a pacientes inférteis em sua busca pela gravidez, seja para
aumentar taxas de sucesso, ou para aplacar as dificuldades emocionais decorrentes do
processo. Não parece haver, contudo mesmo quando há coincidência de abordagem teórica
consenso quanto a como proceder tecnicamente nestes atendimentos. Não uma clara
delimitação teórico-metodológica a ser seguida. São indicadas entrevistas, mas não se discute
a técnica. São indicadas psicoterapias breves, mas seus referenciais teórico-técnicos não são
demarcados.
Neste estudo, considerou-se que a delimita
ção técnica desta modalidade de
atendimento deve partir do posicionamento teórico. A teoria explicativa aqui adotada é a
psicanálise, referencial que engloba tanto o corpo teórico (teoria da personalidade), quanto a
34
técnica. O desafio é a adequação do método psicanalítico tradicional à realidade atual
escassez de recursos financeiros, indisponibilidade de tempo, dificuldades de locomoção e
motivação do paciente que impõem certas restrições à realização da tradicional análise
(KNOBEL, 1986, 1991; SIMON, 1989, 1998, 2005; BRAIER, 1997) e mais
especificamente, a adequação do método psicanalítico à especificidade do atendimento em um
ambulatório de reprodução humana assistida.
Ante ao exposto, esse estudo apresenta como Objetivos:
Descrever o manejo técnico no atendimento psicológico realizado com uma paciente
de um ambulatório de reprodução humana assistida;
Descrever as vicissitudes no campo analítico nestes atendimentos ambulatoriais.
Sistematizar o manejo técnico psicológico em intervenção ambulatorial em que se
privilegia a compreensão das relações transferenciais.
35
3 MÉTODO
A eleição do método clínico para a realização deste trabalho se justifica justamente por
sua natureza, já que tratamos do próprio manejo do atendimento psicológico em um contexto
ambulatorial, descrevendo as vicissitudes do campo analítico e as relações transferenciais.
O método clínico satisfaz as necessidades deste tipo de investigação, pois nele,
segundo Hyman (1973) a prática e a observação coincidem, pois os fatos sobre os quais se
debruça a compreensão são obtidos a partir da observação realizada no curso da interação
(entrevistas e tratamento) entre terapeuta e paciente. Observa-se e descreve-se, portanto, o
próprio atendimento realizado.
Cabe aqui ressaltar a questão, bem apontada por Vizzotto (2003) de que nos referimos
ao Método Clínico de abordagem psicanalítica e não ao Método Psicanalítico clássico. Tal
confusão existe em função da Psicanálise poder ser compreendida como corpo teórico, como
método de investigação e como técnica psicoterápica (HERRMANN, 1999).
Assim, anunciamos aqui a nossa opção pela utilização do método clínico de
abordagem psicanalítica e a adoção do desenho de pesquisa que elege a casuística como
parâmetro para descrição e análise. Não se trata de descrição de diagnóstico propriamente dito
e nem do acompanhamento longitudinal de caso, mas sim de um recorte clínico de um caso
atendido em que tentamos descrever, por categorias de análise, o processo psicoterapêutico
ambulatorial.
A escolha desta proposta metodológica é consciente de todas as críticas empregadas
por vários segmentos científicos, dadas as suas limitações quanto ao poder de generalização e
réplica, acrescendo-se ainda da subjetividade do modelo psicanalítico. E, aqui aproveitamos
os dizeres de Jonsen (1986) quando exibe seu raciocínio clínico ao afirmar que teorias
elegantes e questões críticas o levam a respostas para os problemas clínicos que buscam
soluções. Completa ainda esse autor, que o espírito dos antigos habita os corredores dos
modernos hospitais.
3.1 Participante: o caso clínico
Relatamos dados gerais de um caso atendido. O caso da Sra. S.
é ilustrativo do manejo
da técnica e da sistematização que nos propusemos a realizar neste estudo.
Ressaltamos que a escolha pela narrativa de recortes do atendimento individual de
uma mulher, em detrimento do casal que não consegue ter filhos, se justifica pela maior
36
procura das mulheres (individualmente) pelo atendimento psicológico. Há também estudos
que indicam que as mulheres sentem-se mais deprimidas e estressadas (MONTAGNINI,
2004) ou apresentam pior eficácia adaptativa em relação aos homens (CORRÊA, 2004). Desta
forma, consideramos importante apresentar neste estudo a sistematização do atendimento
mais demandado pelos pacientes da instituição em que foi realizado.
A Sra. S. é uma paciente de 41 anos, em união estável cinco anos companheiro
também com 41 anos. Tentam engravidar a dois anos sem sucesso. A paciente tem formação
superior e atua como autônoma (designer); o marido é piloto de aviões comerciais.
O diagnóstico dico do casal é ESCA (Esterilidade Sem Causa Aparente) não
foram encontradas causas orgânicas que justificassem a infertilidade do casal. Em seu
histórico ginecológico a paciente tem um abortamento provocado, 21 anos, e uma cirurgia
para retirada de nódulo na mama esquerda. realizou tratamento de infertilidade
anteriormente em clínica particular (FIV, com transferência de cinco embriões), também sem
sucesso. O primeiro procedimento médico indicado no ambulatório foi o TPC (Teste Pós
Coito), com ciclo natural (sem indução de ovulação), cujo resultado foi positivo (muco não-
hostil), mas sem gravidez; a segunda indicação foi o Coito Programado (CP) com ciclo
induzido (administração de medicação para indução da ovulação). O encaminhamento ao
atendimento psicológico foi feito durante a reunião de inserção (reunião semanal da equipe
médica em que todos os novos casos são discutidos para decisão do tratamento a ser indicado
e conseqüente inserção do caso na rotina de procedimentos do ambulatório). Foi considerado
pela equipe que a paciente apresentava ansiedade intensa e desejo urgente pela gravidez,
configurando um quadro que merecia atenção psicológica.
3.2 Ambiente:
O estudo foi realizado no ambulatório de Reprodução Humana Assistida da Faculdade
de Medicina do ABC, mantida pela Fundação do ABC. Os atendimentos foram realizados em
uma sala de atendimento individual, designada à equipe de psicologia, localizada dentro do
ambulatório.
Explicaremos brevemente o funcionamento do ambulat
ório a partir de seus
procedimentos de rotina, a fim de situar o leitor quanto à inserção do trabalho psicológico
dentro deste contexto maior.
Iniciaremos pela forma de capta
ção de pacientes. Todos os pacientes novos, que
desejam iniciar um tratamento reprodutivo, ao agendarem a primeira consulta (pessoalmente
37
ou por telefone), são orientados a comparecer a uma palestra de ação educativa, coordenada
pela enfermeira responsável do ambulatório. Nesta palestra são esclarecidos os aspectos da
rotina do ambulatório e são também fornecidas informações sobre a infertilidade e sobre a
natureza dos tratamentos médicos oferecidos pela instituição. É solicitado que o casal
interessado compareça a esse primeiro contato, mas é comum a presença de mulheres
desacompanhadas (seja porque o marido não pôde ausentar-se do trabalho, porque não se
dispôs a comparecer, ou porque a mulher busca uma produção independente). São raras as
ocasiões em que apenas o marido comparece à palestra (por razões semelhantes, exceto
produção independente), mas também é passível de acontecer.
Nesta ocasião, após a transmissão de todas as informações pertinentes, os casais
podem tirar dúvidas e levantar questões de seu interesse. Terminada a palestra, os casais são
atendidos separadamente para preenchimento de sua ficha (armazenada em seu prontuário) e
recebem da enfermeira e de suas assistentes os pedidos de exames clínicos e laboratoriais de
rotina previamente assinados pelos médicos do serviço.
Durante este primeiro atendimento, é possível que a enfermeira e suas auxiliares
identifiquem casais ou pacientes que poderiam ser encaminhados ao atendimento psicológico.
São realizados também, neste momento, outros tipos de encaminhamentos urologia,
andrologia, genética mas este pode ser considerado um momento de triagem de pacientes
para a psicologia, uma vez que a própria psicologia não faz parte do protocolo enquanto
atendimento obrigatório de todos os pacientes ingressantes no ambulatório.
Com os pedidos de exames em mãos e as guias de encaminhamento a outras
especialidades, os pacientes iniciam o processo de investigação das possíveis causas de sua
infertilidade. É fato que muitos casais o provenientes de outros serviços de reprodução
humana e já trazem consigo pilhas de exames anteriormente realizados. Nestes casos nem
todos os exames precisam ser repetidos, mas normalmente há alguns a serem refeitos. Esse
período de investigação pode durar de semanas a meses, dependendo dos recursos do casal
(emocionais e materiais), principalmente porque muitos exames não são realizáveis na rede
pública de saúde.
Concluídos os exames, os casais agendam a primeira consulta médica, momento em
que todos os exames realizados serão lidos, conferidos e transcritos no prontuário. Nessa
consulta verifica-se também a necessidade de repetição de algum dos exames e é também um
momento oportuno para encaminhar casais ou pacientes (individualmente) ao atendimento
psicológico caso o médico observe algo que o justifique normalmente os encaminhamentos
nesta fase se justificam por crises de choro dos pacientes, observação de ansiedade intensa,
38
elementos preocupantes da história do casal revelados na consulta, dificuldades emocionais
decorrentes de abortamentos anteriores, etc.
Após esta consulta, os casais aguardam o agendamento de uma nova consulta, que só
ocorre após a discussão e decisão entre a equipe com relação ao procedimento a ser indicado
em cada caso. Todos os casos são avaliados na Reunião de Inserção do ambulatório. Esta
reunião acontece semanalmente, todas as terças-feiras, e todos os membros da equipe de
saúde participam (médicos, enfermeira, embriologistas, geneticistas e psicólogas). Os casos
são apresentados à equipe para discussão e decisão quanto ao tratamento a ser indicado. Neste
momento podem também surgir casos em que, a partir da discussão, se julgue apropriado
convidar paciente ou casal para atendimento psicológico.
Uma vez decididos os procedimentos, os casais são contatados por telefone para
agendar nova consulta médica, em que serão fornecidas orientações quanto a diagnóstico,
procedimento propriamente dito, medicação e custos.
Há que se incluir nesta descrição do funcionamento do ambulatório que há casos
específicos em que o encaminhamento ao atendimento psicológico é obrigatório. Casos de
ovodoação, sêmen doado, produção independente e útero de substituição devem
necessariamente passar por atendimento psicológico antes de iniciarem o tratamento.
Nos casos em que há fracasso consecutivo em três tentativas, é feita nova discussão
com o objetivo de reavaliar a indicação e rever o protocolo de medicação utilizado. Devido ao
fato de o resultado negativo ser fonte intensa de angústia e depressão, muitos casos o
encaminhados ao atendimento psicológico no momento desta reavaliação.
A cada início de tentativa os pacientes assinam um Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido que tem por objetivo certificar que os procedimentos, taxas de sucesso e
fracasso, assim como possíveis riscos, foram informados. Este serviço não limita a
participação nos tratamentos por critérios como idade da mulher, número de tentativas,
condições sócio-econômicas ou características psicológicas. No entanto, a equipe médica, nos
casos especiais em que o atendimento psicológico é obrigatório, solicita um parecer favorável
ou contrário à realização do tratamento.
Concluímos, dessa forma, a descrição do ambiente em que foi realizado este estudo.
3.3 Instrumento:
A modalidade de atendimento psicológico abordada neste trabalho, que é em si o
próprio instrumento de coleta de dados, não poderia ser descrita apenas como entrevista,
principalmente por não abarcar o propósito específico do psicodiagnóstico, como propõem
39
Ocampo e Arzeno (1999). O atendimento (instrumento) poderia ser situado entre a entrevista
psicológica e a sessão de psicoterapia breve de tempo e objetivos limitados. Não é possível
classificar os atendimentos como psicoterapia breve por muitas vezes se tratar de
atendimentos brevíssimos (apenas alguns poucos encontros). A entrevista poderia então ser
empregada para coleta de dados, para proporcionar um espaço de escuta e um recurso de
intervenção, simultaneamente.
O presente trabalho se utiliza das contribuições de Bleger (1998), Ocampo e Arzeno
(1999) e Simon (1989, 1995, 2005) para delimitar a técnica de entrevista. Ocampo e Arzeno
(1999) conceituam a entrevista inicial como entrevista semidirigida, em que o paciente pode
expor livremente seus problemas como desejar. Nesta entrevista, o campo psicológico
configurado por entrevistador e entrevistado é estruturado por aquilo que o entrevistado
assinala. No entanto, esta técnica difere da entrevista de caráter livre ou aberto pelas
intervenções que faz o entrevistador. Para estas autoras, as intervenções são mais diretivas no
princípio da entrevista, a fim de realizar as apresentações e esclarecer os papéis de cada um, e
segue com intervenções de caráter menos diretivo, para que o paciente possa expressar-se
livremente. A postura diretiva deve ser adotada preferencialmente ao final da entrevista ou
sempre que o entrevistador julgar necessário esclarecer alguns pontos ou preencher possíveis
lacunas importantes à compreensão do material exposto pelo paciente. É neste sentido que nos
amparamos nas contribuições dessas autoras. Estas autoras (OCAMPO; ARZENO, 1999)
indicam que os aspectos que devem ser observados na entrevista inicial para compreensão do
funcionamento do paciente são: tipo de vínculo que estabelece com o psicólogo; transferência
e contratransferência; tipo de vínculo que o paciente parece estabelecer com outros em suas
relações interpessoais; ansiedades predominantes; condutas defensivas habitualmente
utilizadas; e aspectos patológicos e adaptativos. Todos estes elementos integram aspectos
diagnósticos e prognósticos que poderão ser utilizados. Contudo, como já fora mencionado,
há que se ressaltar que a entrevista não tem caráter puramente diagnóstico. São consideradas
também as contribuições de Bleger (1998), que afirma que a técnica de entrevista psicológica
consiste em um instrumento de investigação que permite a obtenção de dados a respeito do
entrevistado. Segundo o autor este instrumento não possibilita o conhecimento da vida total
de uma pessoa, mas sim o conhecimento de seu comportamento total durante a entrevista. No
decorrer deste processo, ainda de acordo com o autor, a função de escuta do entrevistador,
associada às funções de vivenciar e observar, possibilita o conhecimento do comportamento
do entrevistado, tanto o comportamento verbal quanto o não verbal. Ao definir entrevista
como uma relação entre duas (ou mais) pessoas na qual uma (o técnico) procura
40
compreender e atuar sobre o que a outra (o entrevistado) deposita no campo estabelecido entre
ambos o autor propõe que o manejo dessa situação parta da abertura para que o entrevistado
configure este campo.
O atendimento que se realiza no ambulatório médico não pode ser considerado como
uma sessão analítica, talvez não possa ser considerada nem mesmo uma sessão de
psicoterapia breve, mas talvez seja possível chamá-lo de sessão-entrevista
2
.
Nesta sessão-entrevista estariam contidos, então, a relação interpessoal (transferencial/
contratransferencial /cotransferecial) que se estabelece entre psicoterapeuta e paciente, com a
conseqüente emergência de um campo emocional e os fatos clínicos, oriundos dos conteúdos
verbais e não-verbais colocados pelo paciente neste campo.
Trazemos também para esta delimitação de instrumento o conceito de
psicodiagnóstico interventivo (ANCONA-LOPES, 1998; YEHIA, 2004; GIOVANETTI;
SANTANNA, 2005) como uma possibilidade de agregar ao processo psicodiagnóstico
intervenções que o psicoterapeuta faz na medida em que alguns conteúdos tornam-se
evidentes. Neste modelo não existe uma separação bem discriminada de modo que a
intervenção (tratamento) comece tão logo se finde o processo diagnóstico; trata-se de um
processo dinâmico em que ambos podem ocorrer simultaneamente.
3.4 Procedimento:
Os atendimentos psicológicos foram realizados mediante agendamento prévio. A
paciente foi encaminhada pela equipe médica e agendou a primeira entrevista. Os
atendimentos tiveram duração de 50 (cinqüenta) minutos. A psicóloga realizou um primeiro
atendimento entrevista inicial e agendou um segundo com intervalo de uma semana. Após
o segundo atendimento, foi proposto um acompanhamento psicológico. A duração do
acompanhamento psicológico foi estabelecida em função do momento que a paciente se
encontrava no tratamento médico, com possibilidade de novo acordo após resultado da
tentativa.
A paciente estava iniciando uma tentativa de coito programado e, portanto, foi
proposto à paciente o acompanhamento com um atendimento semanal durante o período desta
2
Knobel utiliza este termo em seu livro Psicoterapia Breve de 1986, na descrição de um atendimento realizado a
um jovem rapaz, cuja problemática tornou-se tão evidente em uma primeira entrevista que não foi possível não
intervir e indicar ao rapaz o conteúdo que se evidenciava. Knobel indica que a entrevista que deveria ter um
propósito diagnóstico adquiriu, naquele momento, o caráter interventivo e por isso chamá-la de sessão-
entrevista.
41
tentativa. A paciente concordou com a proposta, porém, não compareceu aos atendimentos
após a segunda entrevista. Foi realizado contato telefônico após a segunda falta, com o
objetivo de convidar a paciente para um novo atendimento, a fim de esclarecer os motivos das
faltas e reavaliar a possibilidade e interesse na realização de um acompanhamento. A paciente
compareceu para um terceiro atendimento, mas optou por não dar continuidade ao
acompanhamento naquele momento, afirmando que agendaria novo atendimento se julgasse
necessário.
Os atendimentos foram transcritos na íntegra após o rmino de cada um, para
posterior análise de conteúdo. Neste trabalho, esses atendimentos foram analisados por
estabelecimento de categorias, a partir do referencial psicanalítico.
Estas categorias, por sua vez, tiveram propósito apenas didático, pois não são etapas
subseqüentes, mas elementos presentes em todos os momentos de todos os atendimentos.
Questões Éticas: Este trabalho foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em
Pesquisa a que se submete a Faculdade de Medicina responsável pelo ambulatório de
reprodução humana assistida (anexo A). Um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
(anexo B) foi entregue e assinado pela paciente participante do estudo.
42
4 RESULTADOS E DISCUSSÃO
São apresentados a seguir os dados da análise do manejo proposto, usando um único
caso atendido como ilustração clínica da proposta aqui apresentada. O conteúdo das sessões
transcritas foi analisado, tal como já relatamos no método, a partir do referencial psicanalítico.
Foram realizados: análise de conteúdo e conseqüente estabelecimento de categorias de
análise. As categorias propostas foram construídas a partir do arcabouço teórico, levantado e
apresentado neste trabalho. As categorias objetivam uma divisão didática do atendimento e
compõem o quadro referencial utilizado nesta modalidade de atendimento a teoria da
técnica. Estas categorias não configuram uma ordem ou etapas a serem seguidas no
atendimento, mas elementos deste. As cinco categorias propostas são todas consideradas
componentes da sistematização deste manejo que nos propusemos descrever; as categorias
recebem estas denominações: 1) Escuta; 2) Configuração de Queixa Psicológica; 3) Manejo
dos Conflitos; 4) Manejo da Transferência; e 5) Enquadre. Para a análise foram utilizados
fragmentos (vinhetas clínicas) das entrevistas realizadas para ilustrar cada categoria,
permitindo a descrição da técnica e do manejo referente a cada um dos elementos desta
modalidade de atendimento.
Foram realizados efetivamente três atendimentos psicológicos com a paciente
3
. O
primeiro atendimento ocorreu ao final da primeira tentativa de gravidez (teste pós-coito com
ciclo natural). A paciente compareceu no horário agendado e afirmava estar bastante ansiosa
em relação ao sucesso da tentativa. O segundo atendimento ocorreu na semana seguinte ao
primeiro atendimento. Neste atendimento, procurei estabelecer com a paciente um contrato de
trabalho. Propus que fossem realizados atendimentos semanais (uma vez por semana) durante
o período da tentativa seguinte (coito programado com ciclo induzido). A paciente concordou,
mas não compareceu ao atendimento por três semanas consecutivas. Entrei em contato com a
paciente por telefone após a segunda falta, solicitando que comparecesse para uma nova
entrevista. A Sra. S. indicou indisponibilidade de horário para a semana seguinte e o
atendimento foi agendado para a semana posterior (aproximadamente um mês após o segundo
atendimento). Neste terceiro atendimento a paciente compareceu no horário agendado e
havia dado início a uma segunda tentativa por decisão própria. Afirmava estar insegura
quanto à sua decisão e, portanto, havia agendado consulta médica no mesmo dia do
atendimento psicológico.
3
Chamaremos a paciente, ao longo dessa descrição, de Sra. S., a fim de resguardar o sigilo de sua identidade.
43
Iniciamos neste ponto a análise destes atendimentos de acordo com as categorias
estabelecidas.
4.1 Escuta
Definimos a escuta no atendimento psicológico ambulatorial como a compreensão de
tudo aquilo que ocorre na entrevista entre paciente e psicoterapeuta, considerando todos os
fenômenos presentes em uma relação desta natureza. Os fenômenos a que nos referimos são
os elementos transferenciais e contratransferenciais, juntamente com todos os elementos do
sistema tensional inconsciente, ou seja, o funcionamento dinâmico que se estabelece a partir
da personalidade dos participantes desta situação o campo emocional (BARANGER;
BARANGER, 1979; BLEGER, 1998).
Obviamente o manejo técnico destes elementos difere do manejo da situação analítica
clássica, pois adotamos neste trabalho uma proposta psicoterápica breve, de acordo com as
contribuições de Braier (1984), Knobel (1986, 1991) e Simon (1989, 1996, 2005). O que se
pretende com esta discussão é alertar para o fato de que não estimular a regressão e a neurose
de transferência, como se faz tecnicamente no modelo psicanalítico clássico, não significa não
compreender os elementos metapsicológicos e seu funcionamento na sessão.
Esta escuta, portanto, pressupõe questões referentes à formação do psicoterapeuta. Tal
como afirmam Braier (1984), Knobel (1986), Zimerman (1999) e Etchegoyen (2004), esta
formação diz respeito ao conhecimento do método psicanalítico. O conhecimento deste, por
sua vez, implica o conhecimento teórico e o treino da técnica mediante a realização dos
atendimentos, supervisão dos atendimentos realizados e análise pessoal do psicoterapeuta.
A discussão a respeito desta formação é pertinente por tratar de uma situação que tem
caráter contínuo. O aprendizado do atender não se fazendo intuitivamente, tampouco
pode ser rapidamente apreendido, depende da incorporação paulatina do corpo teórico e da
ampliação do conhecimento a respeito de si mesmo, além, é claro, da prática.
O caso da Sra. S. ilustra de que modo tais elementos podem ser observados e
compreendidos. Apresentamos vinhetas clínicas dos atendimentos realizados em que houve
compreensão, ainda que incipiente, dos elementos do campo dinâmico, mesmo quando não
houve intervenção que objetivasse apontar à paciente e tornar conscientes estes elementos.
Apresentamos sequencialmente algumas questões consideradas centrais em cada um
dos três atendimentos realizados. A análise de tais questões pretende demonstrar de que forma
os conteúdos introduzidos no campo puderam ser compreendidos (escutados) a partir de um
44
referencial psicanalítico, considerando os aspectos da dinâmica psíquica da paciente e os
aspectos transferenciais.
Queremos ressaltar neste ponto que a equiparação da escuta à compreensão a partir de
um dado referencial teórico não exclui uma atitude anterior de curiosidade e interesse
profundo pela pessoa que se coloca à nossa frente. É deste interesse genuíno que nos fala
Simon (1989, 2005), pois é esta a atitude que permite uma aproximação respeitosa ao padecer
do outro. Compreendemos que se trata de um pré-requisito para o trabalho que a dupla poderá
empreender.
Os trechos selecionados e apresentados dizem respeito aos fatos clínicos emergentes
do campo que, de acordo com Quinodoz (1994), refletem a estrutura psíquica da paciente.
Ainda a respeito dos fatos clínicos, Riesenberg-Malcolm (1994) acrescenta que a
conceituação do fato clínico que ocorre dentro da sessão depende do quadro de referência do
analista e da base teórica a partir da qual este percebe e analisa as comunicações do paciente.
Para esta autora a utilização da teoria pode ocorrer durante a sessão, operando de modo
inconsciente, como um núcleo sólido de idéias que funcionam de base para um pensamento
mais rápido e consciente que auxilia o analista a julgar e selecionar o que será explicitado ao
paciente; e fora da sessão, momento em que a teoria passa ao plano consciente da mente do
analista e é utilizada para a compreensão do fato ocorrido na sessão, sem o envolvimento
emocional do momento vivido.
Assim, demonstramos de que forma foi feita esta compreensão durante a sessão, com a
descrição do clima emocional vivenciado, seguida de uma posterior tentativa de
aprofundamento da compreensão a partir da teoria usada de modo mais consciente.
Em nosso primeiro contato, a Sra. S. não sabia ao certo porque havia agendado o
atendimento psicológico. Apresentou o que considerava ser a sua queixa, afirmando estar
ansiosa e insegura em relação à impossibilidade de conseguir engravidar e relatou possíveis
sintomas depressivos. A paciente explicou seu quadro clínico orgânico tal como os médicos
lhe haviam explicado mostrando não haver motivos concretos reais para sua infertilidade.
Demonstrou-se angustiada por este fato e por isso aceitara a indicação da equipe médica para
o atendimento psicológico.
A paciente iniciou, ent
ão, o primeiro atendimento com a afirmação de que havia me
procurado por não ter nada (...) eu resolvi vir aqui porque eu não tenho nada! Eu fiz todos
os exames, meu marido também e não deu nada (sic).
Esta afirma
ção teve um papel fundamental em todo o desenvolvimento deste primeiro
atendimento. A seleção desta vinheta teve o intuito de demonstrar de que modo a interação
45
entre paciente e psicóloga se configurou em termos de uma relação terapêutica. A afirmação
aparentemente inócua é uma manifestação de conteúdos conscientes e inconscientes da
paciente e despertou reações também conscientes e inconscientes na psicóloga. Isso
demonstra de que modo o campo da entrevista começou a ser configurado pela personalidade
da entrevistada, tal como propõe Bleger (1998), cabendo ao entrevistador compreender e atuar
sobre o que é depositado no campo que se estabelece entre ambos.
A afirmação inicial de que não nada me provocou duas sensações diferentes. A
primeira foi sentir-me inútil, pois não ter nada representava o haver também nada a ser
feito. A segunda sensação foi sentir-me pressionada a dar à paciente aquilo que ela pedia:
confirmação de sua perfeição, fornecendo assim o aval solicitado para que engravidasse. O
mecanismo a ser compreendido nesta situação é o da identificação projetiva. O termo foi
introduzido e conceituado por Klein (1946) no artigo intitulado Notas sobre alguns
mecanismos esquizóides. Segundo a autora, a identificação projetiva diz respeito ao processo
em que partes do self são excindidas e projetadas para fora do self e para dentro do objeto. É a
principal defesa contra a ansiedade (anterior à repressão) na posição esquizo-paranóide e tem
também objetivo de penetrar no objeto e controlá-lo. Tal mecanismo provocou em mim o
sentimento de onipotência, reação contratransferencial que, quando compreendida de ser
utilizada para compreender o mecanismo de controle onipotente utilizado pela Sra. S.
Observamos que aqui aparece uma questão referente às relações transferenciais apesar
da categoria em questão referir-se à escuta. Repetimos que a divisão aqui proposta tem efeito
didático, porém todos os elementos ocorrem concomitantemente. Aqui se configura a
instalação do campo emocional que buscamos compreender. E é a partir do método clínico
que observamos as alterações que vão se produzindo neste campo.
A percepção inicial da sensação de nada a fazer provocou uma paralisação. Instalou
uma sensação de confusão, pois ao mesmo tempo em que me era tirada toda a possibilidade
de fazer algo, também me eram atribuídos poderes onipotentes para resolver os problemas
que os médicos ainda o haviam resolvido. O mecanismo de controle onipotente ganhara
força com o fato de que concretamente não havia de fato nenhum problema que justificasse a
dificuldade da Sra. S. para engravidar.
Ressalta-se ainda que o fato de nos prolongarmos nesta quest
ão, neste pequeno trecho
do início do primeiro atendimento, diz respeito ao próprio objetivo do atendimento
psicológico oferecido a mulheres inférteis que se pretende discutir aqui. Não é raro encontrar
estudos e relatos de experiência que indiquem o atendimento psicológico como um recurso
que facilite a concepção, que resulte em gravidez (PALACIOS; JADRESIC, 2000,
46
DOMINGUEZ, 2002, BARBOZA, 2003, FAISAL-CURY, 2003, CWIKEL et al., 2004,
MOREIRA et al., 2005a).
Este é um ponto crucial deste tipo de atendimento, pois todo o curso posterior dos
atendimentos psicológicos dependerá da postura adotada desde o primeiro contato, em que a
paciente pede algo à psicóloga, pede por meio de identificações projetivas que trabalhem
para o sucesso do tratamento médico, para a gravidez.
A posição tomada aqui não se equipara a esta função. Entendo que, na qualidade de
psicoterapeuta devo ocupar-me das questões psíquicas e das questões que envolvam a
promoção e proteção da saúde dos pacientes atendidos (RIBEIRO, 1998). Além disso, não é
realisticamente possível ao psicólogo engendrar uma gravidez. É possível, em nível
simbólico, fertilizar idéias que poderão resultar em insights. A única forma de o psicólogo
julgar-se capaz de contribuir para o sucesso da gravidez, seja esta como for, é por meio da
fantasia de controle onipotente, muitas vezes resultado de contra-identificações projetivas.
Ainda que consideremos a hipótese psicogênica da infertilidade, sustentada por alguns autores
(LEVY JUNIOR, 1983; FLORES-COLOMBINO, 1987; GUAZZELLI; VAZ, 2000,
CWIKEL et al., 2004), devemos considerar que sintomas e formações de compromisso dessa
natureza levariam algum tempo para serem elaborados, sendo necessário o empreendimento
de tratamentos psicoterapêuticos ou psicanalíticos de longa duração.
Não estamos dizendo, no entanto, que o psicólogo é isento de desejo. É possível que o
psicólogo queira ou torça para que a paciente engravide, pois é inevitável identificar-se
com o sofrimento observado. Aliás, trata-se de uma questão de empatia ser capaz de
identificar-se com este sofrimento. Esta identificação é fundamental para que o psicólogo
compreenda a dor do paciente e seja empático, mas é também imprescindível, como bem
afirma Bleger (1984), que seja feita a dissociação instrumental, movimento em que o
profissional de saúde mental é capaz de separar-se do objeto com o qual se identificou
inicialmente a fim de poder ajudá-lo genuinamente sem ver-se implicado pessoalmente na
situação.
Isto tudo faz parte desta escuta, desta compreensão inicial do fenômeno que se mostra
neste primeiro momento, bem como mais adiante, ao longo de todos os atendimentos.
A este respeito também podemos recorrer às contribuições de Bion (1967), em seu
texto Notas sobre memória e desejo, em que afirma que a observação psicanalítica deve se
ocupar daquilo que está ocorrendo em detrimento daquilo que ocorreu ou que vai ocorrer.
Bion diz ainda que o psicanalista não deve permitir que desejos de resultados, de cura ou
mesmo de compreensão proliferem (p.31). No entanto, conforme diferenciação
47
estabelecida na fundamentação teórica deste trabalho, o desejo de cura na psicoterapia
psicanalítica, e mais ainda neste atendimento de natureza breve, pode existir. É necessário,
contudo, que o desejo de cura não se equipare ao desejo de que a paciente engravide.
Por isso a escuta é tão importante para a compreensão dos conflitos que subjazem a
um sintoma observado.
Discriminar os conteúdos provenientes de identificações projetivas dos objetivos do
atendimento psicológico o é tarefa fácil, mas é algo extremamente necessário. A análise
mais profunda da função deste tipo de transferência nos remete a questões que envolvem o
narcisismo e a arrogância do psicoterapeuta (BION, 1957b) em conluio com os aspectos
projetados da personalidade da paciente. Se for feita esta aliança, se este conluio se
estabelece, instala-se um processo de estancamento, de impasse, que serve ao propósito de
proteger o paciente da melhora e da conscientização de seus conflitos mais primitivos
(ROSENFELD, 1988).
Assim é que entendo que a compreensão destes sentimentos foi fundamental para que
eu me discriminasse da paciente e não me colocasse também onipotente e arrogantemente
objetivando a gravidez. E isso é possível neste momento por meio da escuta.
A postura adotada, diante destas percepções, foi o silêncio procurando promover
empaticamente um espaço de escuta para que a paciente continuasse projetando os aspectos
de sua personalidade e se estabelecesse uma relação entre eu e ela, marcada preferencialmente
pela transferência positiva, tal como Simon (2005) propõe que seja feito em contatos de
natureza mais breve.
A relação transferencial deve ser continuamente percebida e compreendida, no
entanto, a técnica que aqui se propõe, a exemplo das modalidades breves, não recomenda
interpretações da transferência diretamente. Em lugar de interpretar a situação transferencial,
a opção é interpretar a situação extra-transferencial, tal como colocam Braier (1984) e Simon
(2005). Simon também se refere a esta situação como co-transferência e afirma que é possível
haver elaboração se houver uma vivência emocional significativa desta situação (os aspectos
referentes ao manejo das relações transferenciais, contratransferenciais e co-transferenciais
serão mais bem abordados em categoria subseqüente).
Permiti, ent
ão, que a Sra. S. falasse livremente, ora fazendo pequenos questionamentos
durante sua fala, visando esclarecer melhor alguns pontos que ficavam confusos; ora
demonstrando empatia e compreensão em relação às questões apresentadas. Aqui a postura
adotada pode ser equiparada às contribuições de Ocampo e Arzeno (1999), em Entrevista
Inicial, em que recomendam compreender o tipo de vínculo inicial que o paciente é capaz de
48
estabelecer com o entrevistador, bem como a transferência e contratransferência. Também é
nesta linha condutora que Bleger (1998), em A entrevista psicológica, propõe a observação do
campo que se estabelece a partir de variáveis do entrevistado. As contribuições de Ocampo e
Arzeno (1999) dizem respeito mais especificamente à situação clássica do processo
diagnóstico anterior à indicação de um tratamento específico. No entanto, penso que na
modalidade de atendimento aqui apresentada, diagnóstico e intervenção se confundem. São
processos concomitantes e ocorrendo simultaneamente. Retomando a fala da paciente, a Sra.
S. continua dizendo:
P Eu estou fazendo o coito programado, mas não sei se vai dar certo. ______ E... eu não
sei... acho que não entendo muito bem o que está acontecendo. Eu já tenho 41 anos e eu acho
que eu estou com medo das coisas não darem certo, do meu tempo acabar, sabe? Eu estou
com muita pressa. Eu sei que eu fui deixando pra depois, que eu não tentei engravidar antes,
mas é que eu acho que agora é que é a hora. Eu estou casada já faz um tempo, meu trabalho
está mais estável agora e eu acho também que hoje eu tenho mais maturidade pra ter um
filho, cuidar dele. Não que antes eu era como eu vou te falar? não que antes eu tinha uma
vida louca, nada disso! É que eu acabei dando mais atenção à minha profissão, eu estava em
outro momento.
T Você está preocupada que o fato de você ter deixado o filho para mais tarde possa
representar não ter um filho?
P É isso mesmo. Eu tenho muito medo de não conseguir nunca ter um filho... porque eu não
quis por muito tempo. Eu nunca fui o tipo de mulher que se imaginava casada e com filhos...
eu me imaginava trabalhando, bem sucedida. Eu me sinto mal com isso, eu acho que não
tenho mais tanto tempo, já estou com 41 anos. Você entende o que eu quero dizer?
T Entendo (...)
Minha intervenção neste trecho é elaborada a partir da hipótese de que os ataques em
fantasia feitos à maternidade e aos bebês resultam em culpa e angústia persecutórias (KLEIN,
1937, 1952b), dificultando um processo reparatório autêntico que poderia resultar em
gravidez mesmo no plano psicológico. Não é possível pensar a gravidez, assim como não é
possível engravidar realisticamente. As bases desta ansiedade remontam a épocas muito
remotas do desenvolvimento, calcadas nas primeiras relações objetais que o bebê estabelece
desde o nascimento.
49
É importante apontar que para Melaine Klein (1937, 1952b) ao longo do processo do
desenvolvimento (desde o nascimento) o bebê experimenta ansiedade proveniente de fontes
internas e externas e a causa da ansiedade persecutória é a atividade interna do instinto de
morte que dá origem ao medo de aniquilamento. O bebê tem experiências tanto gratificantes
quanto frustradoras desde o início da vida e são estas experiências que constituirão os
estímulos para os impulsos libidinais e destrutivos, para o amor e o ódio. O seio materno,
primeiro objeto com o qual o bebê se relaciona, será o protótipo das futuras relações de objeto
no decorrer da vida. Este seio será amado na medida em que puder gratificar e proporcionar
experiências satisfatórias, sentido como bom; e será odiado na medida em for fonte de
frustração, sentido como mau. O objeto mau, frustrador será o perseguidor terrível; e o
objeto bom tenderá a ser transformado em seio ideal capaz de satisfazer ilimitadamente as
necessidades do bebê. Tal polarização e uso do mecanismo de idealização são fundamentais
enquanto meios para defender-se dos objetos maus e conseqüente ansiedade persecutória.
É importante compreendermos que o mecanismo de idealização separa e afasta o seio
perseguidor do seio ideal, e a experiência de frustração da experiência de gratificação. Como
este processo de cisão divide o objeto e os sentimentos em relação ao objeto, envolve também
um processo de negação. Idealização e negação o capazes de fazer desaparecer o objeto
perseguidor, assim como as experiências de frustração e se ligam, portanto, a um forte
sentimento de controle onipotente do objeto (KLEIN, 1952b).
Melaine Klein sugere ainda que o desenvolvimento normal pressupõe esta cisão e os
primitivos mecanismos de defesa descritos contra a ansiedade persecutória, mas também
pressupõe que por volta do sexto mês de vida, o bebê tenha um ego capaz de integrar-se.
Nesta integração espera-se que o instinto de vida e os impulsos amorosos prevaleçam sobre o
instinto de morte e os impulsos destrutivos, de modo que sejam percebidos como dirigidos a
um mesmo objeto (o seio-mãe), um objeto total, dando origem à ansiedade depressiva, à culpa
e ao desejo de reparar o objeto amado que fora antes danificado.
É possível considerar que além da dificuldade de se imaginar casada e com filhos
existe uma dificuldade real na vida da Sra. S., afinal, ela não consegue engravidar. Quando a
Sra. S. diz que já está com 41 anos e pergunta se a psicóloga entende o que quer dizer, parece
manifestar até com certo alívio que não conseguir mais ter filhos é também livrar-se da
retaliação que ocorreria em resposta aos ataques realizados (KLEIN, 1937). Queremos
apontar com esta afirmação que durante toda a vida haverá oscilação entre mecanismos
depressivos e esquizóides. Situações novas sempre colocarão em cheque o equilíbrio psíquico
de um indivíduo e solicitarão respostas que as solucionem. A qualidade destas respostas
50
dependerá de fatores externos, mas primordialmente de fatores internos (tensionais,
defensivos, orgânicos e objetais), tal como propõe Simon (2005). A interação entre estes
fatores, por sua vez, dependerá do modo como se estabeleceram as primeiras relações de
objeto (desde o nascimento).
A compreensão dos elementos transferenciais que representam esta estrutura não
significa a devolução à paciente tal qual se compreende; é preciso encontrar uma forma que
faça sentido. E a intervenção fará sentido se a paciente puder ter uma experiência emocional
significativa a partir da intervenção, assim como ocorre quando interpretamos diretamente a
transferência. A proposta de Simon (2005) de compreensão e interpretação da cotransferência
indica um tipo de intervenção possível em atendimentos breves, sem causar ansiedade tão
intensa como causa a interpretação da situação transferencial direta.
No caso da Sra. S. entendemos que o estabelecimento de um espaço de escuta permitiu
que a paciente introduzisse no campo suas fantasias e ansiedades iniciais (BLEGER, 1998),
tanto em relação ao tratamento médico e à instituição, quanto em relação ao contato
psicoterapêutico.
A atitude clínica de escuta permaneceu presente durante toda a entrevista,
acompanhada da atitude de interesse genuíno pela paciente. Essa postura clínica teve por
objetivo contribuir com a criação de um campo emocional adequado ao trabalho terapêutico
(BLEGER, 1998), permitindo a compreensão de conteúdos conflitivos da vida psíquica da
paciente.
Esta atitude permaneceu nos atendimentos seguintes, propiciando à paciente a
possibilidade de sentir-se à vontade para expor suas questões.
No segundo atendimento a paciente iniciou a sessão indicando que não havia nada a
ser dito, pois nada de novo havia acontecido desde a última sessão. Contudo, ela pôde
reconhecer que foi possível pensar no que foi dito. Entendi que essa percepção permitiu que a
paciente passasse a descrever determinados conteúdos relacionados à forma como se sente
diante de algumas condições específicas do tratamento:
P Bom, doutora... Não aconteceu muita coisa desde que eu vim aqui na semana passada
falar com você. Essa semana e o final de semana foram normais, nada de novo. Mas eu
pensei em muitas coisas que a gente conversou. Na sexta-feira, não, foi na quinta, eu tive
consulta aqui com o médico. Cada vez que eu venho aqui eu passo com um médico diferente.
Até por isso eu tinha também pensado em passar para o ambulatório da tarde, como eu tinha
te falado. Eu acho que eu estou, na verdade, um pouco cansada...
51
T Cansada?
A indagação objetivou que a paciente explicasse melhor a questão do cansaço. A Sra.
S. continuou apresentando suas queixas em relação ao tratamento. Afirmou que estava
encontrando dificuldades em lidar com uma mudança o radical em sua rotina, pois antes de
iniciar este tratamento ia ao médico ginecologista apenas uma vez ao ano. Com o tratamento,
a freqüência aumentou para três a quatro vezes por semana [necessário para o controle de
crescimento folicular durante uma tentativa, qualquer que seja o tratamento indicado]. Além
disso, afirmou estar cansada pela distância que precisa percorrer sempre que precisa
comparecer às consultas, pois reside em uma cidade afastada do centro de reprodução.
Podemos tratar brevemente desta questão se lembrarmos de alguns dados apontados
pela Organização Mundial de Saúde (2002), que revelam insuficiência de recursos para o
tratamento de infertilidade nos países em desenvolvimento. O Brasil é um país em
desenvolvimento, mas dispõe de diversos centros de infertilidade em diferentes estados,
normalmente clínicas particulares ou centros afiliados a universidades públicas e privadas. No
estado de São Paulo apenas uma instituição disponibiliza tratamento gratuito subsidiado pelos
órgãos públicos. O ambulatório em que realizamos este trabalho não é gratuito, mas oferece
tratamento a custos reduzidos por se tratar de uma clínica-escola e isto representa um
atrativo para casais de diversas regiões do país. A Sra. S. reside em uma cidade no interior do
estado de São Paulo, mas se dispõe a percorrer a distância, às vezes até três dias em uma
mesma semana, fato que revela aspectos positivos da Sra. S.
Retomando a fala da paciente, é possível notar que a descrição que a Sra. S. faz da
relação que estabelece com a equipe médica revela seus sentimentos de angústia:
P (...) É estranho, eu venho, faço ultrasson, é um médico novo, é muita gente...ah, não sei,
eu venho, deito lá, abro as pernas, o médico olha...Acho que eu me sinto um pouco invadida,
sabe?(...)
P (...) mas acho que não é tão ruim assim. Acho que a gente acaba acostumando. Eu vejo as
pessoas conversando na sala de espera, elas vão falando das coisas delas, eu acho aquilo tão
estranho. Mas parece que elas e eu também a gente vai desenvolvendo uma casca, vai
ficando mais banal vir, abrir as pernas, ser examinada, fazer o ultrasson, acho que vai
ficando mais normal. Mesmo assim ainda é um pouco estranho. Eu acho que mesmo pro
médico; deve ser um pouco constrangedor pra ele também. Mas ele também deve acostumar.
Eu sempre fui ao médico, ao ginecologista, pra fazer prevenção. Ele me perguntava um
52
monte de coisas: se eu tinha cólica; se eu como direito; como é meu intestino... Ai, era
horrível ficar respondendo! O que ele tem que ficar perguntando do meu intestino... mas eu
sei que ele precisa perguntar e que eu preciso responder, é o trabalho dele e é a minha saúde.
Mas é um pouco ruim mesmo assim.
O segundo atendimento segue esta temática que ilustra toda a dificuldade que a
paciente enfrenta por não conseguir engravidar quando decide que é o momento adequado. O
fato de não conseguir requer que se submeta a exames e procedimentos contínuos que exigem
um investimento constante de energia. O aumento da freqüência das consultas e a natureza
dos exames constrangem a paciente, pois é necessário deitar, abrir as pernas e responder a
questões sobre o seu intestino (sic.), ou seja, é necessário revelar a verdade sobre seus
excrementos e se deixar penetrar por toda uma equipe (pois nem sempre é um único médico
que realiza os exames e procedimentos). A ansiedade e angústia decorrentes dessa situação
são bastante evidentes.
Quando analisamos este trecho do atendimento, inevitavelmente nos defrontamos com
os aspectos transferenciais que dizem respeito à dificuldade da paciente em estar ali comigo,
pois esta é também uma situação que gera ansiedade, na qual eu olho para seus excrementos e
a penetro. Tudo o que a paciente descreve a respeito da sua relação com a equipe e com o
tratamento está sendo vivido ali comigo. É claro que esta mensagem é transmitida de modo
inconsciente e é por isso seria muito angustiante mostrar à Sra. S. que ela se sente assim a
meu respeito. Além disso, os dados de realidade o podem ser ignorados. Ser atendida e
examinada por diferentes membros da equipe médica a cada consulta não é uma fantasia da
paciente, é algo que de fato acontece.
O que queremos ressaltar neste ponto é que realidade objetiva e realidade psíquica
coexistem. Os relatos que a paciente faz acerca da realidade do ambulatório não devem ser
subjugados, pois têm repercussão em sua vida emocional. Queremos atentar para o fato de
que o conteúdo manifesto deve ser escutado tanto quanto o conteúdo latente. Não podemos
nos prender a um deles, pois correremos o risco de não compreender aquilo que é latente; ou
de preocupar-nos tanto em compreender o latente que nos esquecemos de escutar o conteúdo
manifesto, ou seja, aquilo que é mais evidente e que também faz parte dos conflitos do
paciente.
Na terceira sess
ão a paciente pareceu estar mais à vontade e não foi necessário fazer
intervenções que reassegurassem o espaço de escuta e o interesse por seu mundo interno. Isto
foi possibilitado na medida em pude escutar atentamente tudo o que foi dito, procurando
53
compreender o funcionamento dinâmico do campo, a transferência, a contratransferência, as
ansiedades predominantes e os mecanismos de defesa mais utilizados, tal como Ocampo e
Arzeno (1999) recomendam que seja feito em um processo psicodiagnóstico.
A Sra. S. não comparecia aos atendimentos havia quatro semanas, alegando não ter
tido disponibilidade para vir por motivo de compromissos profissionais. Estava na segunda
tentativa de coito programado. A tentativa atual havia sido iniciada por decisão própria. Veio
para consulta médica somente para se assegurar de que não representaria nenhum problema:
P (...) Desculpa eu não ter vindo antes, eu tive uns compromissos do trabalho e não deu.
Mas eu não me esqueci não, eu queria ter vindo. Hoje eu vim, aproveitei que eu tinha
consulta com você e marquei consulta com o médico. Eu acabei de passar com o Dr. F. A
primeira tentativa que eu fiz deu errado. Antes eu tinha feito aquela tentativa para o teste
pós-coito, mas foi sem remédio. A primeira que eu fiz com remédio foi essa e não deu certo.
Eu acabei menstruando na sexta-feira. Como foi na sexta-feira à tarde não dava pra vir pra
consulta na sexta mesmo. Então pedi pra secretária marcar pra hoje. Eu fiz uma coisa que eu
não sabia se era certo (ruborece). Eu fui na farmácia no domingo e comprei o remédio e
comecei a tomar por conta própria. Eu revi todos os passos que o Dr. A. tinha me explicado e
fiz igual. Hoje na consulta eu contei pro Dr. F. Ele até deu risada na hora que eu falei.
Primeiro eu fiz todas as minhas perguntas. Perguntei se tinha algum problema tomar o
remédio na seqüência (eu estou tomando o Clomid), perguntei se tinha alguma chance do
bebê nascer com defeito... perguntei tudo. Aí, depois eu contei pra ele que eu já tinha
começado a tomar e ele riu. Eu li toda a bula do remédio, principalmente os efeitos
colaterais, que é a parte que eu sempre leio e depois que eu falei com ele eu fiquei mais
tranqüila. Eu não costumo tomar remédio, como eu te falei, era difícil até eu ir ao médico
antes desse tratamento. Eu sempre preferi resolver as coisas de um jeito mais natural, não
gosto muito desse negócio de remédio. Eu não queria ter que ficar tomando remédio pra
conseguir engravidar, mas infelizmente não pra ser de outro jeito. Acho que foi até por
causa disso também que eu resolvi começar a tomar sem perguntar antes pro médico. Eu
tenho certeza que se eu tivesse esperado vir aqui pra perguntar ele ia mandar eu esperar até
o ano que vem. Ainda mais que agora vai entrar as férias e vai funcionar o plantão. Acho
que foi um jeito que eu encontrei de eu também decidir alguma coisa, controlar alguma e não
ficar na mão deles, com eles decidindo tudo, controlando tudo.
54
É possível observar no relato da Sra. S. sua dificuldade de vincular-se e o medo que
tem da dependência. Sente-se angustiada e insegura, mas procura soluções inadequadas para
seu problema.
Se avaliarmos a questão da infertilidade nesta paciente sob o prisma da adaptação,
seguindo o modelo proposto por Simon (1989, 1998, 2005) podemos concluir que uma
solução adequada para uma situação-problema do setor orgânico poderia ser caracterizada
pela busca e adesão a tratamento adequado, com conseqüente aceitação das limitações que tal
condição impõe.
Tal compreensão é possibilitada por uma escuta atenta, sustentada por uma teoria
consistente. Encerramos neste momento a descrição desta primeira categoria e prosseguimos
com a descrição sistemática das categorias seguintes.
4.2 Configuração de queixa psicológica
Uma entrevista psicológica sempre envolve duas partes: a parte que busca o
atendimento por um determinado motivo o paciente; e outra parte, com a formação
necessária, como indicamos, para atender esse paciente o psicoterapeuta. Muitos autores
discutem a relação que se estabelece entre paciente e psicoterapeuta, enquanto par, neste tipo
de contato (BARANGER; BARANGER, 1979; ARZENO, 1995; BLEGER, 1998;
OCAMPO; ARZENO, 1999).
A entrevista inicial, em geral, serve ao propósito de conhecer o entrevistado em seus
múltiplos aspectos, iniciando com a configuração de uma queixa. A queixa é definida por
Arzeno (1995), Bleger (1998) e Ocampo e Arzeno (1999) como o motivo manifesto somado
ao motivo latente da consulta. Estes autores apontam a identificação desta queixa como o
primeiro passo de um processo psicodiagnóstico (após a solicitação pelo atendimento).
Ocampo e Arzeno (1999) sugerem que além da queixa seja também observado o tipo
de vínculo que o paciente estabelece com psicólogo; a transferência e a contratransferência; o
tipo de vínculo que o paciente parece estabelecer em outras relações interpessoais; ansiedades
predominantes; condutas defensivas utilizadas; aspectos patológicos e adaptativos.
Tais elementos se apresentam dentro da relação entre paciente e psicólogo, portanto,
dentro do campo que se configura entre o par (BLEGER, 1998).
Dessa forma, a compreensão da queixa dependerá de uma série de elementos, pois a
queixa manifesta o motivo explícito da consulta pode esconder aspectos latentes que só
poderão ser compreendidos no campo (BARANGER; BARANGER, 1979; BLEGER, 1998).
55
No caso que apresentamos, os elementos trazidos pela Sra. S. para a entrevista, no
primeiro atendimento, diziam respeito a aspectos concretos de sua infertilidade: exames
médicos, tentativas anteriores, dificuldade para engravidar. A Sra. S., no entanto, fez também
referência a questões da vida psíquica. Caminhou da percepção de (ausência de) sintomas
orgânicos para a percepção de sintomas psicológicos, como a intensa ansiedade.
Apresenta-se aqui uma importante categoria, tendo em vista que nos interessa como
psicoterapeutas principalmente a motivação (consciente e inconsciente) que o paciente traz ao
atendimento bem como suas expectativas em relação ao tratamento psicológico. Se nos
prendermos ou nos restringirmos à queixa orgânica, corremos o risco de também nos
prendermos a um conluio com a paciente e à sua impossibilidade de pensar no conflito
propriamente dito.
Em um caso como este isto significaria nos atermos à queixa manifesta e aos aspectos
concretos de sua infertilidade, resultando em uma tentativa mútua da psicoterapeuta e da
paciente em obter a gravidez. A compreensão do conteúdo latente, tal como foi explicado na
categoria anterior, tem o poder de libertar psicoterapeuta e paciente do contexto concreto,
permitindo o surgimento de uma nova dimensão, a dimensão do latente, do abstrato a
configuração de uma queixa psicológica.
Entendemos que a dificuldade em entrar em contato com os conflitos é um movimento
natural e esperado neste tipo de situação, principalmente devido ao fato de o atendimento
psicológico estar inserido no contexto médico. Consideramos, como afirmam Braier (1984) e
Knobel (1986), que muitos elementos emergirão no campo como resistência, uma vez que não
há tratamento sem resistência.
O trabalho de compreensão da queixa especialmente a queixa latente será
possibilitado pela identificação dos elementos que impõem resistência e pela identificação de
elementos favoráveis à superação das resistências, como a motivação do paciente para o
tratamento e para a mudança e a qualidade do vínculo estabelecido possibilidade de aliança
terapêutica (YOSHIDA; GATTI; ENÉAS; COELHO FILHO, 1997).
Vejamos como a Sra. S. inicia a primeira sessão para discutirmos alguns desses
elementos:
P (...) eu resolvi vir aqui porque eu não tenho nada! Eu fiz todos os exames, meu marido
também e não deu nada. Isso está me deixando muito ansiosa, acho que até um pouco
deprimida (...).
56
Ao falar da ansiedade, a paciente continua descrevendo os aspectos da situação que
vive e é imediatamente remetida a outros aspectos de sua história que relaciona ao momento
que vive no presente. Fala de sua idade avançada (41 anos); das escolhas que fez ao longo
vida; dos motivos para não ter tido um filho quando era mais jovem. A paciente parte do o
tenho nada! queixa orgânica, concreta para a busca e compreensão de conteúdos
relacionados ao sofrimento psíquico queixa psicológica.
P (...) eu não sei, acho que não entendo muito bem o que está acontecendo (...) Eu tenho
41 anos e eu acho que eu estou com medo das coisas não darem certo, do meu tempo acabar,
sabe? Eu estou com muita pressa.
T Você está preocupada que o fato de você ter deixado o filho para mais tarde possa
representar não ter um filho?
Aqui a tentativa de remeter a paciente às questões psicológicas o representa
desconsideração pelas questões orgânicas, concretas. A paciente enfrenta o problema de não
conseguir engravidar e paralelamente parece estabelecer relações com eventos passados e
presentes. A ansiedade predominante é persecutória, pois vivencia a infertilidade como
punição por ataques feitos à maternidade. Percebo esta ansiedade persecutória quando a
paciente traz a questão da pressa e o medo de uma punição (coisas não darem certo /.../
tempo acabar). Lembro Klein (1946) quando afirma que a ansiedade persecutória é
originada do medo de aniquilamento, proveniente dos ataques feitos ao objeto mau que frustra
e priva. Obviamente, as primeiras relações objetais vividas pela paciente terão influência
sobre o modo como lida com as situações que se apresentam. Já neste primeiro encontro é
possível compreender este conteúdo e o funcionamento de alguns mecanismos esquizóides,
embora isso não represente necessariamente um funcionamento predominantemente psicótico.
Queremos ressaltar que a própria situação de entrevista psicológica já é capaz de
suscitar angústia persecutória e propiciar um estado de regressão (BARANGER;
BARANGER, 1979) e isto deve ser compreendido. Há uma tendência à regressão, ainda que
esta não seja estimulada neste tipo de atendimento, assim como há elementos que oferecem
resistência ao movimento regressivo (BRAIER, 1984; KNOBEL, 1986).
Devemos nesse momento fazer uma pausa para tratar de uma questão que pode
interferir na configuração desta queixa psicológica e, consequentemente, na compreensão do
dos elementos latentes do campo. Queremos tratar da possibilidade do psicoterapeuta se
colocar em uma posição de curiosidade e interesse pelo mundo mental do paciente (SIMON,
57
1989, 2005), com disponibilidade interna terapêutica (KNOBEL, 1986, 1991), de modo que
possam juntos empreender uma jornada rumo à descoberta de conteúdos do paciente. Muitos
estudos que tratam dos aspectos emocionais relacionados à infertilidade perseguem a tentativa
de traçar um perfil psicológico dos indivíduos inférteis, ou mesmo descrevê-los, de modo a
sugerir que indivíduos inférteis apresentam determinados problemas ou quadros sintomáticos
(AVELAR et al., 1999; AVELAR et al., 2000; PALACIOS; JADRESIC, 2000;
DOMINGUEZ, 2002; MOREIRA et al., 2002; BARBOZA, 2003; FAISAL-CURY, 2003;
SILVA et al., 2003; MOREIRA et al., 2005a; MOREIRA et al., 2005b; MELAMED, 2006).
Não queremos afirmar que tais estudos não têm utilidade. Ao contrário, consideramos
uma importante contribuição à compreensão dos mecanismos observados nestes pacientes,
como é o caso do trabalho de Corrêa (2004), realizado no mesmo ambulatório em que
realizamos o presente estudo, no qual avalia e descreve a eficácia adaptativa de uma amostra
composta por 57 casais, entrevistados individualmente, que realizavam o procedimento de
fertilização in vitro, ampliando o conhecimento disponível sobre os fatores que interferem na
adaptação.
Nosso intuito é atentar para o fato de que a individualidade é algo indiscutível, não é
possível atender o paciente como algo pré-concebido. De fato é possível encontrar muitos
aspectos em pacientes atendidos que coincidem com o que é descrito na literatura, mas é
necessário escutar cada paciente. No caso da Sra. S., é importante verificar de que forma este
sofrimento descrito nos artigos apresenta-se nesta paciente, se é que de fato ele existe da
mesma forma.
É comum, por exemplo, a afirmação de que a infertilidade representa uma interrupção
no projeto de vida do casal (AVELAR et al., 1999; AVELAR et al., 2000; DOMINGUEZ,
2002; MOREIRA et al., 2002). Se considerarmos que todos os casais que não conseguem ter
filhos têm seu projeto de vida interrompido, corremos também o risco de considerar que esta é
a única possibilidade de um casal ter um projeto de vida e, portanto, a solução mais
apropriada ao seu problema seria conseguirem a gravidez o mais rápido possível para que
possam continuar com suas vidas. Tomemos o caso da Sra. S. para essa discussão. A paciente
expressa claramente que nunca teve esse projeto de vida:
P (...) Eu tenho muito medo de não conseguir nunca ter um filho... porque eu não quis por
muito tempo. Eu nunca fui o tipo de mulher que se imaginava casada com filhos... eu me
imaginava trabalhando, bem sucedida. Eu me sinto mal com isso, eu acho que não tenho
mais tanto tempo, já estou com 41 anos (...)
58
Não poderíamos, desse modo, tratar da questão de seu projeto de vida. Uma questão
diferente se apresenta mais ligada a aspectos narcísicos. Novamente, diversos trabalhos
que tratam da infertilidade do ponto de vista das questões narcísicas (LARA et al., 2001a;
LARA et al., 2001b; LARA et al., 2001c; RIBEIRO, 2004, 2006). Há que se observar,
contudo, como se dá esta relação nesta paciente.
Isso nos remete a outra questão também importante: quais conflitos resultam em quais
sintomas? Não parece haver uma lógica universal para esse processo. Flores-Colombino
(1987) indica que a infertilidade pode ser um sintoma neurótico resultante de somatizações,
conversões histéricas ou atuações, mas atenta para o fato de que os mesmos fatores
psicológicos que em uma mulher dão origem à infertilidade, em outra podem ser causa de
compulsão à concepção e, por isso, seria um erro buscar os conflitos responsáveis pela
patologia de forma generalizada.
Por todas essas questões, a relação estabelecida com cada paciente o campo
emocional é tão importante para a compreensão e configuração da queixa que subjaz ao
conteúdo manifesto.
Retomemos então o caso da Sra. S. para melhor ilustrar esta questão. No segundo
atendimento a paciente fala de sua relação com o médico (figura do médico) e com o
tratamento. Fala do incômodo com o número de vezes que precisa vir ao ambulatório e da
distância, mas aos poucos vai sendo auxiliada por mim na compreensão de sua queixa
psicológica (latente) e separando-a da queixa concreta (distância, freqüência). Acompanho a
paciente neste processo e faço algumas intervenções com o objetivo de auxiliá-la na
compreensão das questões psíquicas:
P É... eu acabo tendo que vir muitas vezes aqui. Foi uma mudança muito radical na minha
rotina. Antes eu ia ao ginecologista uma vez por ano. Agora eu tenho vindo três, quatro vezes
por semana, por causa dos ultrassons. É bastante cansativo. Mas eu não sei se é pela
distância eu venho de [nome da cidade], é meio longe mas acho que tem também essa
questão com os médicos, não sei te explicar direito. É estranho, eu venho, faço ultrassom, é
um médico novo, é muita gente na sala... Ah, não sei, eu venho, deito lá, abro as pernas, o
médico olha... Acho que eu me sinto um pouco invadida, sabe?
T Talvez você esteja falando de um constrangimento por sentir que aqui não consegue
resguardar sua privacidade. Toda vez que vem e é examinada você sente que estão entrando
em questões muito íntimas, pessoais, questões inclusive da sua sexualidade. Isso parece te
59
assustar porque as suas coisas vão ficando muito expostas, como se você não tivesse
limites, como se pudessem olhar inclusive os seus pensamentos, os seus sentimentos.
P É verdade, é isso mesmo...
O trecho selecionado revela que há aspectos da realidade que em si já configuram uma
queixa. Os atendimentos são de fato realizados por diferentes membros da equipe, pois há um
rodízio de profissionais nas diversas atividades do ambulatório. Mas também questões
subjacentes aos dados de realidade, questões que remetem a paciente à sua exposição e
também a um investimento de energia ao qual não está habituada para a adesão ao tratamento.
Não parece ser fácil a tarefa de se abrir, de lidar com a incapacidade de engravidar. Minha
réplica à sua queixa foi mostrar à Sra. S. que compreendo sua dificuldade objetiva, mas a
subjetiva também. Além disso, objetivei mostrar que suas coisas podem ser colocadas ali,
comigo, em nossa relação.
O mesmo movimento permanece na terceira sessão. O trecho selecionado para ilustrar
essa categoria foi uma fala minha indicando que tudo o que a paciente diz tem relação com
seu mundo interno, suas coisas, ou seja, existe uma queixa a ser compreendida e ela faz
sentido a cada nova informação, pois esse é o modo pelo qual ela pode me mostrar esse
mundo interno. A Sra. S. responde reconhecendo a possibilidade de poder escutar o que ela
mesma diz à medida que conversa comigo:
T (...) Ao me contar todas estas coisas a respeito dos seus pais, você está falando a respeito
de você, das coisas que você tem medo, das coisas que deseja.
P Olha, é verdade!!! Mas é impressionante como a gente não percebe até a gente começar
a falar e ouvir aquilo que fala. Acho que é isso que você faz aqui, né, me ajuda a escutar e
entender as coisas que eu mesma te falo. Foi muito proveitoso pra mim, ter essas conversas
com você. Mesmo eu tenho fugido um pouco, foi muito bom pra mim.
Aqui parece importante retomar que houve uma seqüência do primeiro ao terceiro
atendimento e que evolutivamente percebe-se uma aproximação ao conteúdo latente da
queixa. Lembro novamente o quanto a escuta (já explicada na categoria anterior) foi
importante para a configuração da queixa propriamente dita. O campo que se instalou mostrou
esta possibilidade desde o primeiro instante em que a paciente esteve comigo.
60
4.3 Manejo dos conflitos
Nesta categoria é essencialmente discutida não apenas a compreensão (escuta) do
conteúdo, mas a forma (técnica) como esse conteúdo é devolvido à paciente.
Como apresentamos em momento anterior, o manejo dos conflitos, em um modelo
breve de atendimento como este, segue as recomendações de Braier (1984), Knobel (1986) e
Simon (1989, 2005). Retomo as contribuições de Braier (1984) referentes à questão do insight
nos atendimentos breves, que indicam a possibilidade de elaboração a partir das interpretações
do psicoterapeuta, devendo estas se dirigir aos psicodinamismos relacionados ao motivo do
tratamento, ou seja, predominantemente aos objetos externos, aos elementos da vida cotidiana
do paciente. Lembramos também Knobel (1986), que indica a possibilidade de elaboração
primordialmente cognitiva, em detrimento de afetiva, isto é, levando em consideração os
extratos mais evoluídos e conscientes da personalidade do paciente, buscando que as
mutações objetais se dêem principalmente pela substituição de informações falsas por
informações verdadeiras. o poderíamos também deixar de mencionar a ênfase dada por
Simon (2005) ao manejo e interpretação da cotransferência, que objetiva levar o paciente a
conscientizar-se de seu funcionamento psíquico a partir das relações que mantém com objetos
externos ao vínculo terapêutico.
Estas contribuições são importantes e foram retomadas porque o manejo dos conflitos
deve objetivar a promoção de condições que levem ao insight e à elaboração. O modo como
se proporcionam estas condições é o que tentamos descrever nesta categoria.
Ao longo da sessão inicial a Sra. S. falou sobre seus sentimentos, pensamentos e
medos relacionados à infertilidade. Minhas intervenções referentes a tais conteúdos se
valeram do método clínico e arcabouço teórico-metodológico da psicanálise, como já
definimos anteriormente. Por método clínico pretendemos dizer que ante as associações e
verbalizações da paciente, uma hipótese clínica era levantada, baseada nos argumentos acima
apresentados, e orientava as intervenções realizadas. A partir de cada intervenção, observou-
se a reação da paciente para avaliar a hipótese. As hipóteses levantadas procuraram identificar
como se articulavam medos, desejos e defesas sistema tensional inconsciente dominante
além de compreender a dinâmica do campo emocional permeado pela transferência,
contratransferência e cotratransferência.
Na vinheta que segue, a paciente apresenta seu medo (consciente) por ter deixado para
muito tarde a escolha de ter filhos e o conflito entre ser mulher-mãe e mulher-profissional:
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P (...) Eu tenho muito medo de não conseguir nunca ter um filho... porque eu não quis por
muito tempo. Eu nunca fui o tipo de mulher que se imaginava casada com filhos... eu me
imaginava trabalhando, bem sucedida. Eu me sinto mal com isso, eu acho que não tenho
mais tanto tempo, já estou com 41 anos (...)
A Sra. S. expressa um medo consciente: não ter mais tempo de ter filhos em função da
idade avançada (41 anos). Chamou-me a atenção, no entanto, o fato de que ela não tenha
tentado antes, quando ainda tinha tempo. Ela deixa claro que não se imaginava casada e
com filhos, ou seja, não desejava, não tinha conscientemente esta aspiração. Digo
conscientemente porque existem aspectos inconscientes que ainda precisam ser investigados.
O que existia antes não era apenas ausência de desejo pela maternidade, existia também
repudio e ataque aos bebês, o que remete a conflitos muitos primitivos, que ao serem
compreendidos, referem-se às primeiras relações objetais estabelecidas, como explicamos na
categoria referente à Escuta. Levanto a hipótese de que exista culpa persecutória pelos
ataques feitos à maternidade no passado, considerando também o medo da retaliação, segundo
contribuições de Klein (1946, 1948).
Todas essas considerações passam pela minha mente muito rapidamente durante o
atendimento e são inicialmente apenas hipóteses que podem ser levantadas. Sua confirmação
dependerá do curso desta e de outras sessões e do campo que poderá ser desenvolvido entre a
paciente e eu.
Os apontamentos que pude fazer neste momento começaram pelas questões mais
conscientes para em seguida apresentar alguns aspectos mais inconscientes, que poderiam
gerar angústia mais intensa (BRAIER, 1984; KNOBEL, 1986). A interpretação lidou
fundamentalmente com os aspectos mais integrados do ego adulto. Em lugar de dizer à Sra. S.
que os ataques feitos ao corpo da mãe resultaram no medo de que a sua própria capacidade de
gerar bebês lhe tenha sido tirada, digo:
T (...) Você tem medo de ter esperado demais, de não ser mais capaz fisicamente de gerar
um filho, medo de entrar na menopausa, de se sentir culpada.
P (...) Nossa!!! É exatamente isso que eu sinto: culpa! Tudo isso é muito difícil, mas a pior
parte é que eu sempre achei que se um dia eu quisesse, eu conseguiria (...)
A rea
ção da paciente pareceu confirmar a hipótese, no entanto, minha sensação foi de
que a paciente pseudoconcordava com o que eu dizia. Ao me ouvir, a paciente ficou
62
ruborizada e emitiu um nossa! em tom surpreso, admitindo de fato sentir-se culpada.
Pareceu se incomodar com a percepção de culpa, falando sobre a dificuldade de tudo isso,
mas em seguida apresentou um novo assunto, como se anulasse ou negasse o que ela própria
acabara de dizer.
P (...) as coisas sempre deram certo pra mim. Eu nunca poderia imaginar que alguma coisa
que eu quisesse muito como eu quero engravidar pudesse ser assim tão difícil, que eu não
conseguiria (...) As coisas foram acontecendo, eu fui aproveitando, fui deixando filho para
mais tarde (...) Não cabia um filho na minha vida (...) as coisas também sempre deram certo
pra mim em outras áreas, como nos relacionamentos. Eu nunca fiquei sozinha, solteira. Eu
não tive muitos namorados, mas tive alguns relacionamentos longos, relacionamentos
duradouros, fui aprendendo com eles. É ruim perceber que de repente todo aquele poder que
eu parecia ter... pra isso [a gravidez] eu não tenho. Não sei direito como te explicar.
O conflito que se evidenciou neste ponto foi justamente a relação
onipotência/impotência. A Sra. S. apresentou claramente sua fantasia de controle onipotente
sobre o objeto, tal como descreve Klein (1946), no entanto, a situação de infertilidade parecia
desafiar este mecanismo, que sempre encontrou respaldo na realidade as coisas sempre
deram certo pra mim. A paciente fez uso da racionalização como mecanismo de defesa,
procurando justificar-se em relação ao não-desejo pelo filho no passado. Este mecanismo,
contudo, não foi eficaz e nem capaz de aplacar sua angústia. Busquei apontar a questão
referente ao controle, procurando levar a paciente a considerar seus limites e a necessidade de
tolerar a frustração por não conseguir fazer a gravidez também dar certo:
T Parece que com a gravidez não está sendo exatamente da mesma forma. Não bastou
querer, dedicar-se e sentir-se preparada para que desse certo e isso está gerando muita
frustração em você, principalmente porque você se depara com os seus limites.
P Exatamente!!! Acho que essa era a palavra que eu queria encontrar pra explicar como eu
me sinto: LIMITE! Realmente eu sempre dei um jeito de conseguir que as coisas
funcionassem conforme eu queria e dessa vez não está dando certo. O meu maior medo é que
realmente não dê mais tempo de engravidar.
A rea
ção da Sra. S. à minha fala pareceu representar um insight, mas embora eu tenha
tido esta percepção, também fiquei com a sensação de que não era um insight. Havia também
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em sua fala indícios de que ela se livrava de um peso enorme ao pronunciar a palavra
limite. A paciente se dava conta de que o limite era real e estava relacionado com o tempo,
tempo determinado pelo relógio biológico, que a seu ver parecia totalmente incompatível
com o relógio psicológico. Somente agora, a essa altura da vida, a Sra. S. considerava estar
preparada (e com o parceiro certo) para ter filhos. Os mecanismos de defesa que parecem ser
mais exaustivamente utilizados pela paciente são: racionalização, acompanhada de negação e
fantasias de controle onipotente.
O controle onipotente sobre o objeto, como coloca Klein (1946, 1948, 1952b), origina-
se na mais tenra infância em situações de intensa angústia e privação que o bebê experimenta
e tem relação com o mecanismo de identificação projetiva. Resulta de um processo que
envolve a projeção de aspectos excindidos do self para dentro do objeto com a finalidade de
controle, podendo ser projetados tanto aspectos bons quanto maus do self. O mecanismo
envolve também a negação.
A natureza dos mecanismos de identificação projetiva e de controle onipotente nos
ajuda a compreender de que modo a Sra. S. se coloca na relação neste momento. Minha
sensação de que sua reação à minha fala não representa um insight também ajuda a
compreender a função de tais mecanismos. Sua afirmação de que as coisas sempre deram
certo (sic.) indicam uma tendência maníaca a negar a perda e, além disso, a desprezar o
objeto de desejo, ficando evidente sua dificuldade em suportar a frustração quando coisas dão
errado. Sua fantasia de controle onipotente aumenta ainda mais a dificuldade em lidar com
objetos que têm vontade própria, ou seja, se não é possível controlar um objeto, então ele
não existe. No momento em que tento mostrar à Sra. S. sua dificuldade em lidar com o limite,
com os objetos que têm vontade própria ela é capaz admitir sua limitação, mas isso o
parece aplacar sua angústia, pois não se trata de angústia depressiva (KLEIN, 1948). Passa
então a dirigir seu controle para outro objeto eu, a psicóloga.
A compreensão de minha contratransferência fora da sessão me ajudou a compreender
que quando as coisas dão errado para a Sra. S. ela não tem responsabilidade por isso, pois ela
sempre pôde, de acordo com sua fantasia, dar certo. Logo, se dessa vez não está dando
certo, é porque algo externo a ela contribui para isso. Ela projeta para dentro de mim sua
incapacidade de conceber, que se transforma na sensação do limite do trabalho que posso
realizar, ou melhor, que não posso realizar, pois não a engravido. Isso se transforma no medo
de que não mais tempo de engravidar estamos quase no fim da sessão e esse é o nosso
limite.
64
No segundo encontro a Sra. S. falou de seu constrangimento com os médicos. Como já
relatamos, considerava excessivo o número de vezes que precisava comparecer às consultas,
em função da natureza do tratamento, além de queixar-se especificamente do desconforto em
ser consultada a cada dia com um membro diferente da equipe. Recorda-se também da
freqüência com que ia ao ginecologista antes de tentar engravidar, que era bem menor (uma
vez ao ano, aproximadamente). Aponto que sua irritação poderia estar associada à sensação de
se sentir invadida, com muita interferência de terceiros em sua intimidade, principalmente em
sua sexualidade como demonstramos na análise da categoria anterior.
É importante indicarmos neste momento que parte da dificuldade que mulheres ou
casais enfrentam ao se submeterem a tratamentos dessa natureza tem relação com estas e
outras características do próprio tratamento. A literatura indica (CWIKEL et al., 2004;
MOREIRA et al., 2005a, 2005b; RIBEIRO, 2004, 2006; MELAMED, 2006; WOILER, 2006)
que o tratamento geralmente representa um fardo que impõe alterações importantes na rotina
do casal tratamento hormonal, monitoramento médico, periodicidade das consultas, controle
de crescimento folicular por ultrassonografia, etc. Compreendemos, portanto, a dificuldade
real que o tratamento representa, mas, na condição de psicoterapeutas, não podemos ignorar o
conteúdo simbólico desta situação.
Apresentamos a seguir a intervenção procurou investigar se a paciente era capaz de
reconhecer sua vulnerabilidade, tristeza e impotência, expressas por sua incapacidade de
conceber e necessidade de recorrer ao tratamento médico. Lembramos que tecnicamente a
intervenção procura trazer para a paciente, de forma vívida e relacionada à sua queixa, alguns
dos aspectos inconscientes do conflito que subjaz à queixa. Quando a Sra. S. afirma que tem
que ir muito aos médicos e às consultas, também está expressando, em relação à minha
pessoa, que tem que vir muito, a muitas consultas com a psicóloga, quando na verdade
gostaria de resolver tudo mais rápido, sem precisar pensar, se expor, se mostrar. É neste
sentido que trabalhamos muito mais com o conteúdo proveniente das cotransferências
(SIMON, 2005).
T Você está falando do constrangimento que vive por sentir que aqui não consegue
resguardar sua privacidade. Toda vez que vem e é examinada você sente que estão entrando
em questões muito íntimas, pessoais, questões inclusive da sua sexualidade. Isso te assusta
porque as suas coisas vão ficando muito expostas.
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Após minha intervenção, a paciente novamente parece concordar, mas prontamente
procurar minimizar a queixa que ela própria expôs inicialmente, pois reconhecer o seu
desconforto representava reconhecer também a sua impotência. Novamente recorre a defesas
maníacas. Oscila entre reconhecer o sofrimento e negá-lo, mas predominantemente nega.
P É verdade, é isso mesmo... mas acho que não é tão ruim assim. Acho que a gente acaba
acostumando. Eu vejo as pessoas conversando na sala de espera, elas vão falando das coisas
delas, eu acho aquilo tão estranho. Mas parece que elas e eu também a gente vai
desenvolvendo uma casca, vai ficando mais banal vir, abrir as pernas, ser examinada,
fazer o ultrasson, acho que vai ficando mais normal. Mesmo assim ainda é um pouco
estranho. Eu acho que mesmo pro médico; deve ser um pouco constrangedor pra ele também.
Mas ele também deve acostumar. Eu sempre fui ao médico, ao ginecologista, pra fazer
prevenção. Eu ia uma vez por ano, pelo menos. Ele me perguntava um monte de coisas: se eu
tinha cólica; se eu como direito; como é meu intestino... Ai, era horrível ficar respondendo!
O que ele tem que ficar perguntando do meu intestino... mas eu sei que ele precisa perguntar
e que eu preciso responder, é o trabalho dele e é a minha saúde. Mas é um pouco ruim
mesmo assim.
Percebo neste momento que transferencialmente a paciente teme que seus conteúdos
sujos estejam sendo investigados na sessão. A Sra. S. expressa claramente, em termos
transferenciais, sua dificuldade em mostrar-se e depender do outro. É obrigação do médico
cuidar, assim como é minha obrigação remexer em seus conteúdos fecais, mas o é
confortável, é assustador. A casca a que se refere são as defesas de que faz uso para lidar
com a angústia. Procuro indicar sutilmente esse medo em relação à minha figura, novamente
iniciando pela situação extra-transferencial. Procuro também intervir de modo a diminuir sua
ansiedade persecutória:
T Eu entendo como deve ser difícil se sentir desta forma: invadida, olhada por dentro,
avaliada... e você deve sentir isso também em relação a mim, afinal você está vindo aqui, está
me mostrando as suas coisas e de uma certa forma também está preocupada com a
avaliação que eu possa estar fazendo de você.
A partir desta interpreta
ção a Sra. S. aparentemente percebe seu movimento de não
entrar em contato com o sofrimento e parece tentar justificar-se quanto à sua posição
66
defensiva, mostrando o quanto tem estado nervosa ultimamente. Parece me alertar quanto a
possíveis ataques inadvertidos, como os que realiza com o marido:
P Nossa, é mesmo... É como se fosse aquela casca que eu estava te falando, não entra
muito em contato, né? Porque eu acho que se fosse entrar em contato mesmo, eu não
conseguiria continuar. É estranho, mas acho que é assim mesmo. Acho que a pior parte é
essa falta de privacidade, como você falou, até aqui, com você, é como se eu tivesse que
mostrar coisas muito íntimas. Acho também que deve ser por causa de tudo isso que eu estou
tão nervosa ultimamente. Você não tem idéia como eu estou. Meu marido até assusta com
umas reações que eu tenho às vezes. Outro dia eu fiz uma sopa e, como eu tinha feito
bastante, eu congelei um pouco. tirei a sopa pra descongelar, mas eu ia esquentar uma
parte, porque era pra mim e pra ele. Eu peguei uma panelinha e pedi pra ele colocar a
sopa na panela. Ele pegou e virou o pote inteiro na panela. Eu fiquei doida, será que ele não
percebeu que não ia caber. Eu falei pra ele: você quer colocar São Paulo dentro de Embu,
não cabe!. Ele ficou bravo comigo, porque eu dei um berro: NÃÃÃOOOO!, ele até
assustou. Esse é um exemplo, mas eu tenho estado assim direto. Esses dias eu fiquei super
brava porque a gente tem que ter relação durante esse período que o médico manda, todos os
dias. Ele até foi bonzinho e tudo, disse que é difícil fazer todo dia, mas mesmo assim eu fiquei
muito estressada. Têm acontecido várias outras coisas desse tipo. Qualquer coisa me tira do
sério. Não sei mais o que eu faço. Só sei que estou com os nervos à flor da pele. Será que tem
a ver com o tratamento? Como é que eu faço pra controlar isso? Porque não pra ficar
assim o tempo todo, vai chegar uma hora que meu marido vai pedir as contas, tem hora que
nem eu me agüento.
Senti-me ameaçada e o modo que encontrei de me livrar do sentimento
contratransferencial foi com um acting out inconscientemente. Compreendemos que o que a
Sra. S. tentou transmitir transferencialmente foi sua dificuldade em suportar a angústia
proveniente das interpretações que lhe foram oferecidas. Por mais que a Sra. S. entendesse
que o meu trabalho (e o dos médicos) fosse mexer nas suas coisas, tinha medo de que não
pudesse suportar. Não cheguei a responder suas perguntas, mas mostrei a ela que não podia
resolver seus problemas magicamente, mas digo isso em tom defensivo, respondendo com
uma atuação à sua transferência:
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T Bem, Sra. S., infelizmente não soluções mágicas para esse problema. Embora eu
entenda o quanto você gostaria que isso fosse possível. Seria ótimo se eu pudesse te dar uma
pílula mágica e você ficasse calma, te desse um outro remédio miraculoso e você ficasse
grávida... Mas, infelizmente, esses tipos de solução só existem nos desejos, na fantasia.
P Eu acho que ajuda muito. Eu estou gostando muito. É uma situação diferente, dá
trabalho pensar em todas essas coisas, principalmente porque eu tenho que olhar pra essa
parte ruim que é minha. É muito melhor quando o problema é do outro, quando o outro é
problemático... Acho que o que é mais difícil pra mim é quando eu faço um negócio que eu
não queria fazer, mas que eu não consigo controlar e também quando eu vejo que o outro
fica pensando um monte de coisas a meu respeito e eu não posso fazer nada.
Procuro mostrar, embora tenha feito um acting out sua dificuldade em pensar sobre
seus conteúdos. Isso também a faz devolver uma atuação. O objetivo de tal intervenção foi
tentar trazer para o plano mais consciente, mais cognitivo (KNOBEL, 1986), aspectos da
dinâmica psíquica inconsciente. Fiz isso me utilizando da cotransferência (SIMON, 2005).
Em vez de interpretar ou estimular a transferência diretamente, busquei mostrar as
dificuldades dela em entrar em contato com seus conflitos, porém, meu acting foi prejudicial
a todas as tentativas teóricas que eu desejava.
Podemos trazer para a discussão também os estudos que apresentam propostas de
atendimento psicológico para equiparar à descrição que estamos fazendo deste modelo. De
modo geral, os modelos que encontramos na literatura recomendam: uma escuta atenciosa das
questões trazidas para o atendimento (AVELAR et al., 1999; AVELAR et al., 2000;
GUAZZELLI; VAZ, 2000); o aconselhamento quanto à adesão ou ao momento de prosseguir
ou parar com as tentativas (DOMINGUEZ, 2002; MOREIRA et al., 2002, MOREIRA et al.,
2005a, MOREIRA et al., 2005b); a diminuição do estresse e da ansiedade (FAISAL-CURY,
2003; SILVA, 2003; CWIKEL et al., 2004); ou o auxílio na resolução e superação de
conflitos e sintomas relacionados à infertilidade (LEVY-JUNIOR, 1983; FLORES-
COLOMBINO, 1987; RIBEIRO, 2004; ANDERHEIM et al., 2005; MOREIRA et al.,
2005b). As propostas variam muito quanto a objetivos e fundamentação teórica. O modelo
que buscamos sistematizar talvez se aproxime mais dos estudos que recomendam a escuta
atenciosa e o auxílio na resolução e superação de conflitos e sintomas, mas parece se afastar
em termos técnicos.
O presente modelo privilegia nesta escuta e elabora
ção de conflitos a compreensão da
relação bipessoal e de todas as vicissitudes do campo emocional. Este posicionamento se
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justifica pela escolha da teoria que fundamenta este modelo a teoria psicanalítica. Por este
motivo o tema da transferência e seus desdobramentos estão presentes em todas as categorias
aqui apresentadas. Continuamos, assim, com esta descrição.
Após este segundo atendimento foi agendado um terceiro para a semana seguinte. No
entanto, a paciente liga desmarcando e remarca para a semana posterior, na qual não
comparece novamente. Isso perdura por aproximadamente um mês, quando finalmente a
paciente agenda o atendimento e comparece, o que parece confirmar uma hipótese levantada
no início do segundo atendimento de que a paciente sente que precisa vir a muitos
atendimentos.
O início do terceiro atendimento é marcado por justificativas quanto à dificuldade em
comparecer. A paciente parece preocupada em ser repreendida, pois suas faltas representam
ataques ao nosso trabalho, ao nosso vínculo e a mim mesma:
P Bom dia, doutora. Tudo bem? Desculpa eu não ter vindo antes, eu tive uns compromissos
do trabalho e não deu. Mas eu não me esqueci não, eu queria ter vindo. Hoje eu vim,
aproveitei que eu tinha consulta com você e marquei consulta com o médico. Eu acabei de
passar com o Dr. F. A primeira tentativa que eu fiz deu errado. Antes eu tinha feito aquela
tentativa para o teste pós-coito, mas foi sem remédio. A primeira que eu fiz com remédio não
deu certo. Eu acabei menstruando na sexta-feira. Como foi na sexta-feira à tarde não dava
pra vir pra consulta na sexta mesmo. Então pedi pra secretária marcar pra hoje. Eu fiz uma
coisa que eu não sabia se era certo. (ruborece). Eu fui à farmácia no domingo e comprei o
remédio e comecei a tomar por conta própria. Eu revi todos os passos que o Dr. A. tinha me
explicado e fiz igual. Hoje na consulta eu contei pro Dr. F. Ele até deu risada na hora que eu
falei. Primeiro eu fiz todas as minhas perguntas. Perguntei se tinha algum problema tomar o
remédio na seqüência (eu estou tomando o Clomid), perguntei se tinha alguma chance do
bebê nascer com defeito... perguntei tudo. Aí, depois eu contei pra ele que eu já tinha
começado a tomar e ele riu. Eu li toda a bula do remédio, principalmente os efeitos
colaterais, que é a parte que eu sempre leio e depois que eu falei com ele eu fiquei mais
tranqüila. Eu não costumo tomar remédio, como eu te falei, era difícil até eu ir ao médico
antes desse tratamento. Eu sempre preferi resolver as coisas de um jeito mais natural, não
gosto muito desse negócio de remédio. Eu não queria ter que ficar tomando remédio pra
conseguir engravidar, mas infelizmente não pra ser de outro jeito. Acho que foi até por
causa disso também que eu resolvi começar a tomar sem perguntar antes pro médico. Eu
tenho certeza que se eu tivesse esperado vir aqui pra perguntar ele ia me mandar esperar até
69
o ano que vem. Ainda mais que agora vai entrar as férias e vai funcionar o plantão. Acho
que foi um jeito que eu encontrei de eu também decidir alguma coisa, controlar alguma e não
ficar na mão deles, com eles decidindo tudo, controlando tudo.
A paciente toma decisões por conta própria por o conseguir tolerar a própria
dependência e impotência. Aspectos muito agressivos e destrutivos de sua personalidade
aparecem em seu relato. Não consegue lidar com o fato de que não é capaz de engravidar por
vias naturais e por isso assume o controle onipotente sobre quando iniciar, já que não quer
aguardar a indicação e orientação médica. Nega ter qualquer problema, e, portanto, não
precisa de orientação profissional, sente-se capaz de resolver seus problemas sem ajuda. Tal
funcionamento lhe dá sensação de autonomia, contribuindo para a manutenção das fantasias
de controle onipotente.
As consultas, tanto médicas quanto comigo, especialmente por voltar depois de tanto
tempo, parecem ter uma função de tentativa de reparação. A Sra. S. tenta amenizar a culpa e
abrandar a angústia persecutória, mas ao mesmo tempo busca a manutenção do controle
onipotente. A paciente parece pedir nestas consultas um aval para que continue controlando.
Falamos de uma pseudo-reparação (KLEIN, 1937) porque a Sra. S. não é capaz de tolerar a
frustração e lidar com a perda: frustração por o conseguir as coisas como e quando quer; e
perda de uma capacidade reprodutiva que sempre julgou ter e que não imaginava possível
perder.
T Algumas decisões são tomadas em função do momento de vida e das coisas que estão
acontecendo no momento. Assim como não ter um bebê antes foi uma decisão que você julgou
mais adequada naquele momento da sua vida, agora você toma outras decisões que tem a ver
com tudo o que você está vivendo agora. A parte mais difícil de tudo isso talvez seja o medo
que você tem de se arrepender das decisões que toma. Como você está me contando que ficou
com medo de se prejudicar por não ter iniciada uma nova tentativa com a orientação do
médico. Você está preocupada e está me explicando suas razões para decidido começar a
tentativa, da mesma forma como fez com o médico, tentando se assegurar de que não irá se
prejudicar.
P
É, eu fiquei preocupada sim. Vai que acontece alguma coisa. Embora eu tenha feito isso,
eu não estou mais com tanta pressa como eu estava na primeira vez que eu vim aqui. É claro
que eu não queria esperar até o ano que vem, seria um mês perdido, mas eu fiz isso, eu acho,
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muito mais pra sentir que eu decido alguma coisa. Foi como eu te falei antes, eu já me sinto
muito invadida de precisar fazer tudo isso pra conseguir engravidar...
T Eu entendo como você se sente. Essa decisão de ter ou não um filho sempre pareceu a
você estar em suas mãos. Da mesma forma que você decidiu em outras fases da sua vida que
não era a hora de ter um filho.
A questão do controle parece levar a paciente a fazer associações com eventos de sua
história pessoal. A Sra. S. retoma dados de sua vida familiar, em especial fala das figuras
materna e paterna:
P É verdade! Eu queria poder engravidar agora sem tanta dificuldade, afinal agora isso faz
sentido. Antes eu não me imaginava mãe, com filhos, mas não era por causa da minha
carreira. Eu vou ser sincera com você. Eu acho que tem mais a ver com os modelos. Eu
nunca tive antes a sensação de que eu estava com a pessoa certa, então não dava pra eu ter
um filho com uma pessoa que era totalmente diferente do que eu imaginava pra casar, ter
uma família...
T Como é que você imaginava?
P Eu imaginava que deveria ser alguém como o meu pai, porque ele é o modelo que eu
tenho de um bom pai. Meu pai... que saudade do meu pai! Ele faleceu, mas tudo o que eu
sou hoje é por causa dele. Se eu tivesse me tornado alguém como a minha mãe teria sido
horrível.
T Horrível como?
P Ah, doutora, minha mãe sempre foi muito rígida, muito preocupada com limpeza, com
detalhes. Imagina: na minha casa nós somos em quatro irmãs, só mulheres, então minha mãe
sempre foi super cuidadosa com a gente, sempre cuidou muito, ficava em cima até demais.
Meus pais se separaram quando a gente ainda era pequena. Eu sou a caçula... quando eles se
separaram eu tinha uns 10 anos. Aí, a gente foi morar com a minha mãe no interior. Mas
eu não gostava, minha mãe era rígida demais, muito difícil conviver com ela. Depois a gente
voltou pra pra morar com o meu pai. Até hoje eu não sei por que os meus pais se
separaram, mas eu sei que o meu pai morreu amando a minha mãe. E ela até o fim recusou
voltar pra ele. Isso é um segredo na família que até hoje ninguém sabe. Inclusive, trazer a
gente pra cá [ABC Paulista] foi uma tentativa de trazer a minha mãe de volta. Eu só sei que a
melhor coisa que aconteceu foi vir morar com o meu pai. Quando a gente voltou pra casa do
meu pai eu tinha 14 anos. Aí, você imagina, meu pai é japonês, super tradicional, um
71
homem muito correto, ele era médico e mesmo com tudo isso ele tinha uma cabeça muito
aberta. Ele nunca precisou ficar proibindo a gente de fazer as coisas. Ele deixava muito claro
o que era certo e o que era errado, principalmente porque ele dava o exemplo. Então pra
mim sempre foi muito claro o que eu precisava fazer, eu sempre tive que ser responsável
pelas minhas coisas e eu acho que isso foi muito bom pra mim. Meu pai sempre teve uma
índole impecável e isso eu aprendi com ele.
Alguns elementos edípicos começam a ser colocados no campo. Aparece a idealização
do pai e também as dificuldades enfrentadas na relação com a mãe. Conforme a paciente vai
descrevendo o pai e a mãe, sou capaz de compreender de que forma a questão transferencial
se configura:
T Você então esperou para ter um filho até que encontrasse alguém que pudesse dar a seus
filhos uma educação parecida com a que você teve.
P Foi! Antes eu não tinha encontrado. Eu não sei também porque eu fiquei tanto tempo com
pessoas que não tinham nada a ver com o que eu queria. Eu não sei se eu tinha medo de ficar
sozinha, acho que não era isso. Acho que eu acabava me envolvendo e era difícil sair das
relações. De alguma forma eu ficava presa na relação e levava muito tempo pra conseguir
sair, mesmo sabendo que a pessoa não tinha nada a ver comigo. Mas também eu não vou
ficar reclamando, porque, como você mesma falou, era o que eu podia fazer no momento. Era
bom enquanto durava, mas eu sabia que ia acabar. Acho que depois de muito tempo,
depois que meu pai morreu, que eu amadureci é que eu encontrei alguém como eu queria.
Alguém que me dá liberdade, como o meu pai me dava. Isso me ajudou muito a crescer, como
eu cresci quando saí da casa da minha mãe e fui morar com o meu pai. Na casa do pai não
tinha esse negócio de horário pra chegar, pra sair. Eu tinha a chave de casa e eu podia ir e
vir como eu quisesse. Isso era maravilhoso, porque também eu não ia dormir na rua, então
eu fui criando um senso de independência e de responsabilidade que eu jamais teria criado se
eu tivesse ficado morando com a minha mãe. Minha mãe é terrível nesse sentido. Você sabe,
eu estava até observando minha mãe outro dia e eu percebi umas coisas que eu nunca tinha
me dado conta antes. Eu percebi que a minha e é muito próxima, é mais apegada quando
a criança ainda é bem pequena. Eu estava vendo, ela é assim com os meus sobrinhos.
Quando eles eram bem pequenos, que ainda não conseguiam fazer as coisas sozinhos, ela
vivia paparicando, agradando, ela era super apegada. Conforme eles foram crescendo,
começaram a andar a falar a fazer as coisas sozinhos, aí ela foi se distanciando.
72
T E por que você acha que isso acontece? O que isso te faz pensar?
P Eu acho que tem a ver com a questão da dependência. Quanto mais a pessoa depender
dela e ela tiver que fazer as coisas pela pessoa, mais ela vai se apegar e ficar cuidando da
pessoa. Por isso também eu acho que se eu tivesse ficado teria sido pior pra mim. Aqui,
com o meu pai, por mais que a gente tivesse muita liberdade, eu não me sentia largada,
abandonada, eu sempre sentia meu pai muito presente, muito participativo, coisa que minha
mãe não consegue ser. Até hoje eu tenho muita dificuldade com ela. Às vezes ela vem me
visitar, mas não é uma coisa muito calorosa. Eu não quero ser desse jeito com os meus filhos.
T Você tem medo de se ver parecida com a sua mãe. Mas talvez você perceba que faz isso,
que é parecida. Você está muito preocupada em depender do serviço para conseguir
engravidar, tanto que tomou a decisão por conta própria de iniciar uma nova tentativa. Você
também deixou de vir aqui conversar comigo. Esta situação de depender de mim, de depender
do serviço te angustia.
Neste momento parece importante fazer uma referência à questão do diagnóstico.
Procuramos indicar ao longo do trabalho a possibilidade deste ocorrer simultâneo ao processo
interventivo. É possível, contudo, após a realização e apresentação das sessões, a
configuração de um quadro adaptativo e a identificação de como se articulam nesta paciente
os elementos do sistema tensional inconsciente dominante.
Sistema tensional inconsciente dominante é o sistema composto pela tríade
metapsicológica formada por desejos inconscientes; medos, angústias e sentimentos; e
mecanismos de defesa. A configuração dinâmica dessa tríade representação qualidade do
equilíbrio adaptativo do ego (PHILLIPSON, 1981 apud ROSA, 2005).
O diagnóstico não é o foco do trabalho, mas é foco de nossa atenção.
Aponto primeiramente aspectos da relação com a mãe (cotransferência) para depois
apontar a atualização de tal relação na sessão. A mãe controladora é a figura com que se
identifica e também a figura que odeia. Ao descrever a mãe, queixa-se justamente das
próprias dificuldades e deixa transparecer o medo de depender (da psicoterapeuta, do serviço
médico, do tratamento) e também mostra, novamente, suas fantasias e desejo de controle
onipotente. O pai é descrito como um homem íntegro e democrático, o que pode ser
compreendido como idealizado e pouco castrador. A liberdade excessiva de que Sra. S. fala,
avaliada como algo muito bom, revela um pai muito permissivo, quando seu papel é o de
interditar e impor limites. Segundo Vizzotto (1991) a função do pai é romper o vínculo
narcísico mãe-bebê, marcando mais tarde a simbolização do indivíduo com o mundo externo.
73
A Sra. S. se relaciona com o mundo externo por meio de uma organização defensiva
sua casca que lhe dá um senso de independência. Isto é observado por suas tentativas de
evitar a dependência do serviço que procura (inicia o tratamento por conta própria) e do
atendimento psicológico que também procura (falta a três sessões consecutivas e finalmente
abandona o atendimento).
Observamos também sua dificuldade em estabelecer e manter vínculos, assim como os
ataques que realiza aos elos de ligação (BION, 1959). A Sra. S. deseja ter um filho, mas
curiosamente seu marido não parece, em seus relatos, ser mais do que um mero coadjuvante.
Não é possível estabelecer um vínculo criativo, o par não produz os bebês, se é que
conseguem formar o que chamamos de par, pois a paciente não se vincula desta forma. Isto
também revela sua independência que comentamos no parágrafo anterior. A Sra. S. nega a
necessidade do outro nas relações.
O mecanismo de controle onipotente é exaustivamente utilizado como defesa, pois seu
medo é perder o controle e ser destruída em virtude dos ataques feitos ao interior da mãe e aos
bebês, que também deseja.
Estes são todos os elementos do conflito primitivo não resolvido que gera a angústia
que Sra. S. experimenta atualmente. O atendimento breve ambulatorial, porém, não permite o
trabalho em profundidade de questões dessa natureza. O setting característico da psicoterapia
psicanalítica ou da psicanálise permitiria a regressão e estimulação da neurose de
transferência para a resolução destas questões.
Consideramos possível, no entanto, o cumprimento de objetivos mais modestos,
tratando das questões atuais que decorrem do conflito primitivo, como propõem Braier
(1984), Knobel (1986) e Simon (1989, 1998, 1999, 2005, 2006).
Já fizemos uma breve referência ao modelo clássico dos passos que conduzem um
tratamento psicoterapêutico, que se inicia com o processo psicodiagnóstico, instrumento de
valor diagnóstico e prognóstico, que tradicionalmente é feito mediante a realização de
entrevistas clínicas, aplicação de testes psicológicos e entrevista de devolução. A análise de
todos os elementos que compõem o psicodiagnóstico, somada aos dados observados na
entrevista de devolução, resultam na possibilidade de indicação a tratamentos
psicoterapêuticos, sejam eles de longa duração ou breves (OCAMPO; ARZENO, 1999).
O problema com este modelo clássico em determinados contextos, como este que
estamos apresentando, é que o psicólogo o dispõe de tempo suficiente para realizar
diagnóstico e intervenção separadamente e de modo linear.
74
O conhecimento do corpo teórico da Psicanálise permite um processo criativo em que
pode ser avaliada não apenas a personalidade (estrutura, relações de objeto, conflitos, etc.),
mas principalmente a qualidade e a forma como um indivíduo se adapta e se relaciona com o
mundo interno e externo. Como o fez Ryad Simon (1989, 1998, 2005).
Procuramos, desta forma, apresentar a condução cnica dos atendimentos realizados
com a Sra. S., sempre procurando demonstrar a hipótese clínica que embasava cada uma das
intervenções feitas. o pretendemos afirmar que durante o atendimento seja possível, ou
mesmo aconselhável, o exercício de compreensão teórica de tudo o que ocorre. O
psicoterapeuta deve estar presente no atendimento; a teoria deve estar incorporada de tal
modo que não seja necessário ater-se a ela forçosamente. Por esse motivo insistimos na
questão da formação do psicoterapeuta. A teoria deve fazer parte do psicoterapeuta em vez de
ser utilizada de modo racional.
4.4 Manejo da Transferência
A natureza da técnica proposta neste trabalho, como viemos demonstrando, segue os
parâmetros e diretrizes propostas por Braier (1984), Knobel (1986) e Simon (1989, 1998,
2005) que definem a técnica como não-regressiva e não transferencial. Por conseguinte, são
propostas que privilegiam o manejo das situações extra-transferenciais, ou cotransferenciais,
como sugere Simon (2005), em detrimento do uso de interpretação direta da transferência na
situação psicoterapêutica.
Em diversos momentos, nas demais categorias apresentadas, indicamos de que modo
utilizamos intervenções que objetivaram mostrar à Sra. S. a natureza das relações que
estabelece com outras pessoas, com a equipe de saúde e com a instituição como um todo.
Retomamos aqui alguns dos trechos apresentados com o intuito de ilustrar a questão extra-
transferencial. Apontamos também trechos dos atendimentos realizados em que o manejo
direto da transferência ocorreu.
É conveniente, porém, antes de iniciarmos a análise das vinhetas selecionadas, que nos
posicionemos quanto à concepção de transferência, contratransferência e cotransferência
adotadas neste trabalho.
A transfer
ência foi inicialmente definida por Freud (1912) em termos de sua origem e
função no tratamento psicanalítico. Ele concluiu que se tratava de uma repetição feita pelo
paciente de relações mantidas com objetos ou pessoas de seu passado e revividas na relação
75
presente com o analista. Concluiu também que a função primordial da transferência era a de
resistência.
A elaboração de Freud acerca da transferência foi desenvolvida por seus seguidores e
sua importância no tratamento psicanalítico ganhou proporções maiores e permanece
inquestionável. Houve, contudo, contribuições importantes ao conceito, especialmente de M.
Klein.
Klein (1943, 1946, 1952a) incrementa o conceito desenvolvido por Freud indicando
que a transferência resulta dos mesmos processos que determinam as relações de objeto,
relações que são externalizadas na situação analítica em função da ansiedade que o paciente
experimenta.
A este respeito, Barros e Barros (1989) afirmam que o conceito de transferência para
Klein sofre uma modificação essencial, segundo a qual a questão envolvida na transferência
deixou de ser a relação passado/presente para se tornar a relação existente entre mundo
interno e mundo externo, de modo que a própria relação com os pais reais seja permeada
por elementos transferenciais. O que se analisa, portanto, na transferência o os elementos
inconscientes da transferência que revelam o funcionamento do ego, com seus medos, desejos
e defesas contra a ansiedade. A relação analítica passa a ser vista como uma relação e um
processo de comunicação.
É dessa concepção de transferência que compartilhamos. Quanto à contratransferência,
foi também Freud (1910) quem propôs inicialmente o conceito. Ao introduzir o termo em
seu texto As perspectivas futuras da terapêutica psicanalítica Freud o define como a
resposta emocional do analista aos estímulos provenientes do paciente, ou seja, como o
resultado da influência que o analisando exerce sobre sentimentos inconscientes do analista.
Freud também aponta a contratransferência como um obstáculo que deve ser removido,
indicando a importância da auto-análise para a superação de pontos cegos.
Na década de 1950, porém, o termo contratransferência é retomado, ganhando um
caráter inovador. Passa a ser considerado como um possível instrumento na compreensão da
dinâmica psíquica e no tratamento de pacientes. Paula Heimann (1950) introduziu essa
inovação e ressaltou que a contratransferência não só fazia parte da relação analítica como
também era criada pelo paciente, era parte da personalidade do paciente. Tal publicação foi
protagonista do rompimento entre M. Klein e P. Heimann, mas a contratransferência
permaneceu até os dias atuais objeto de atenção de diversos psicanalistas.
Quanto à possibilidade de utilização da contratransferência como instrumento de
compreensão do paciente, nos posicionamos de modo a encarar a contratransferência sim
76
como tal instrumento, desde que observada a indicação de Freud (1910) de que esta representa
um obstáculo ao tratamento. Portanto, sua compreensão e possibilidade de evitar uma atuação
(acting out) não se poderiam definir como contratransferência.
Este posicionamento é fundamental justamente pela influência que exerce na técnica.
Na análise que fazemos do caso da Sra. S., indicamos momentos em que houve estancamentos
ou paralisações da psicoterapeuta; indicamos também que, em alguns momentos, a
compreensão das reações contratransferenciais puderam ser compreendidas em
oportunidade posterior, com o auxílio da psicoterapia pessoal ou da supervisão.
Quanto à transferência, Klein (1952b) afirma que esta opera durante toda a vida e
exerce influência sobre todas as relações humanas. Nos atendimentos realizados, é necessário
ressaltar, essa transferência foi apenas observada e compreendida. A estimulação da neurose
de transferência foi evitada; a relação transferencial direta, de determinados momentos do
atendimento tornou-se muito evidente e, por esse motivo, foi selecionada e apontada à
paciente quando se julgou imbuída de valor terapêutico.
Na vinheta que segue, a paciente apresenta a mesma atitude do início da sessão,
colocando a psicóloga na posição de alguém que outorga poderes ao mesmo tempo em que é
incapaz de fazer algo pela paciente:
P (...) Eu fui em uma psicóloga uma vez, mas foi muito diferente daqui. Eu estava
imaginando que ia ser parecido. Quando eu fui da outra vez, a psicóloga me deu Florais de
Bach, ela deixou eu mesma escolher o que eu queria tomar. Ela me deu a lista e falou pra eu
ver qual eu achava que servia pra mim. Eu escolhi lá, tomei e foi até bom pra mim. Eu fiquei
mais calma, foi legal. Eu não sei ainda direito como é o seu trabalho... É assim também?
A fala da Sra. S. me fez sentir raiva e por um instante hesitei em responder. A
pergunta deixada por ela o seu trabalho é assim também? foi respondida de modo a
apontar as possíveis relações que poderiam estar se estabelecendo ali:
T Você veio para esse atendimento com uma idéia do que ele poderia ser, com uma
expectativa em relação a ele. Não é a toa que logo no início da sessão você me diz que
resolveu vir para o atendimento porque não tem nada. Será que o seu problema é
psicológico, já que os médicos não encontram nada?
77
O mesmo problema parece se repetir na segunda sessão. A Sra. S. relata sobre
acontecimentos de seu cotidiano em que não consegue controlar a raiva (discutido na
categoria manejo dos conflitos). Embora o acting out tenha existido, e o reconheço,
continuo manejando a cotatransferência, pois não entramos na interpretação transferencial
clássica. Observamos que nesta interpretação procurei ficar no aqui e agora do conteúdo
trazido, relacionando com os aspectos manifestos da sessão (BRAIER, 1984; KNOBEL,
1986). A ameaça que senti levou a um novo acting out, desta vez realizado por mim no
momento em que procurei mostrar à paciente que não havia soluções mágicas para seus
problemas, muito embora o sentimento fosse de que eu precisava fornecer tais soluções:
P Qualquer coisa me tira do sério. Não sei mais o que eu faço. sei que estou com os
nervos à flor da pele. Será que tem a ver com o tratamento? Como é que eu faço pra
controlar isso? Porque não pra ficar assim o tempo todo, vai chegar uma hora que meu
marido vai pedir as contas, tem hora que nem eu me agüento.
T Quando você me pergunta se esse nervosismo se deve ao tratamento, talvez pudéssemos
pensar que tudo o que você vem me dizendo demonstra que tudo o que está acontecendo aqui
está fazendo alguns sentimentos e pensamentos aparecerem. Não há uma solução instantânea
para esse sofrimento. O que tenho para te oferecer é este espaço para pensarmos sobre todas
essas coisas, como estamos fazendo.
É neste sentido que indicamos a possibilidade do uso da contratransferência como um
instrumento de compreensão do paciente (HEIMANN, 1950). Consideramos, contudo, que
esta compreensão só pode ser efetuada em momento posterior, fora do atendimento.
No terceiro atendimento a Sra. S. fala de sua dificuldade com a figura materna,
expressa conflitos internos relacionados à dependência e às fantasias de controle onipotente
(discutido na categoria manejo dos conflitos). Aponto a dificuldade transferencial em
depender de mim e amplio a interpretação para o contexto institucional. As dificuldades
transferenciais não dizem respeito somente à terapeuta, pois esta é parte do todo institucional
com o qual também se relaciona a paciente. É este todo institucional, carregado de
conteúdos que se infiltram na relação psicoterápica, que Marina Ribeiro (2004) chama de
rede transferencial:
T - Veja bem como você inicia a sessão, muito preocupada em depender do serviço para
conseguir engravidar, tanto que tomou a decisão por conta própria de iniciar uma nova
78
tentativa. Você também deixou de vir aqui conversar comigo pelas dificuldades que teve com
as questões do seu trabalho, mas não deixou de ser uma forma de evitar a situação de
dependência. Esta situação de depender de mim, de depender do serviço, te angustia.
O psicoterapeuta inserido no contexto institucional deve ser capaz de identificar estes
aspectos que infiltram o campo emocional, pois exercem influência sobre a compreensão que
poderá ser feita deste campo.
Queremos ressaltar ainda um último aspecto referente ao trabalho neste contexto
específico, que é o trabalho com reprodução humana. Lartigue-Becerra (1999) afirma que o
tema reprodução atualiza em todas as pessoas fantasias primárias construídas desde épocas
muito remotas do desenvolvimento e, por esse motivo, diversas reações contratransferenciais
poderão ocorrer, como: angústia, agressão, sentimentos de culpa, onipotência, necessidade de
ser idealizado, ódio, entre outras. Portanto, a autora considera importante o cuidado com a
saúde mental do investigador nesta área.
Esta é uma contribuição que, mais uma vez, nos remete à questão da formação, em
especial a análise pessoal do psicoterapeuta. A compreensão das reações contratransferenciais
é relevante quanto a compreensão dos elementos transferenciais, pois são todos elementos do
campo que privilegiamos.
4.5 Enquadre
Esta última categoria de análise se refere ao enquadre e este enquadre diz respeito ao
conjunto de elementos que compõem o atendimento psicológico, desde número de sessões,
horários dos atendimentos, até papéis de cada uma das partes e natureza do trabalho a ser
desenvolvido (BARANGER; BARANGER, 1979; ZIMERMAN, 1999).
Neste contexto ambulatorial, no entanto, diversos aspectos concorrem para dificultar
uma clara delimitação das características do enquadre.
Knobel (1986) aponta que a técnica breve deve se valer minimamente de determinadas
condições para o desenvolvimento de um setting apropriado, dentre elas cita a fixação de dias
e horários de atendimento, duração das sessões, resguardo de certa privacidade a fim de que
se possa garantir o sigilo, duração do tratamento como um todo, etc.
Consideramos que tais condições, acrescidas de definições quanto a honorários e
forma de pagamento, podem facilmente ser alcançadas em ambientes privados como os
79
consultórios particulares. O trabalho que se desenvolve em instituições, no entanto, deve
considerar outras variáveis nem sempre manipuláveis.
A participação do psicólogo na equipe de saúde em si já implica algum tipo de
interferência no trabalho que pode ser realizado. No caso deste ambulatório de reprodução
humana existe um produto oferecido aos pacientes a gravidez. Há um esforço coletivo,
para que estes casais engravidem, por parte dos médicos, enfermeiras e biólogos. Está
implícito neste esforço coletivo que o psicólogo também participe, ajudando a aumentar as
taxas de gravidez.
Insistimos nesta questão ao longo de todas as categorias analisadas, pois julgamos ser
este o ponto crucial do atendimento que poderá ser prestado. Queremos ressaltar que o
compromisso do psicólogo não é com o sucesso da gravidez, mas com o sucesso do
tratamento psicológico, ou seja, com a promoção de saúde mental e com a prevenção
específica em seus diferentes níveis, tal como propõe Caplan (1980). Neste sentido, não
podemos deixar de trazer para a discussão as contribuições de Bleger (1984) com relação à
psico-higiene.
Para Bleger, o psicólogo deve intervir intensamente em todos os aspectos e
problemas que concernem a psico-higiene e não esperar que a pessoa adoeça para recém
poder intervir (p. 20). O autor afirma ainda a psico-higiene tem por objetivo não só lidar com
o aspecto profilático da doença, mas também promover maior equilíbrio e melhorar a saúde
da população. Desta forma, há que se utilizar dos recursos de que dispõe a psicologia,
enquanto teoria e profissão, para fazer o melhor pelos pacientes.
Com base nesta afirmação, não podemos concordar com o desejo da equipe de saúde
de que engravidar seja o melhor para todos os casais. Não sabemos se isso é verdade a priori.
Por este motivo, desenvolver uma aguçada capacidade de observação e uso do método clínico
se faz tão importante, a fim de estabelecer uma aproximação maior do objeto observado tal
qual ele apresenta, e não como se acredita que deva ser.
Não sabemos, portanto, a priori, do que as pacientes ou casais atendidos precisam. É
justamente isso que devemos descobrir. Certamente nos deparamos com o que os pacientes
querem, mas nem sempre é disso que precisam. O desejo de suprimir um sintoma, de
modificar algo que identificam como problema, de fato existe, mas é necessário também
observar a serviço de que está o sintoma.
Simon (2006) apresenta, em seu texto
O futuro da psicoterapia psicanalítica, que o
sintoma é um indicador de que algo anda errado na forma do sujeito adaptar-se à vida. Ao
80
eliminar-se o sinal, a ineficácia adaptativa permanece, pode até agravar-se, infelicitando a
pessoa pela vida afora (p. 27).
Não sabemos, portanto, se a melhor solução para as mulheres ou casais que procuram
o ambulatório é a gravidez. Não é possível prever quais seriam as conseqüências de um filho
na vida destes casais ou mesmo se a infertilidade é o que mantém o casal ou um dos membros
do casal livre de outros problemas, quiçá até piores.
É preciso distinguir desejo da instituição e dos pacientes e adotar uma postura
verdadeiramente investigativa, de modo a desvendar as verdades escondidas em cada
atendimento.
Bleger (1984) propõe que esta separação seja facilitada por meio de um enquadre
rigoroso. Este enquadre começa pela adoção de uma atitude clínica, na qual se maneja certo
grau de dissociação instrumental. Esta permite a identificação com os acontecimentos ou
pessoas, ao mesmo tempo em que possibilita manter certa distância, de maneira que o
psicólogo o se veja implicado pessoalmente nos acontecimentos observados e, mais ainda,
não abandone seu papel.
Bleger propõe tamm que se estabeleça clara e explicitamente tudo o que
corresponde ao papel do psicólogo (para a instituição e para os pacientes), expondo o caráter
da tarefa profissional a ser realizada.
Nos atendimentos realizados, as intervenções referentes ao enquadre ocorreram
implicitamente ao longo de todos os atendimentos e explicitamente nos momentos finais de
cada sessão. Procurei esclarecer para a Sra. S. a natureza do trabalho que poderia ser
realizado, assim como as questões práticas (duração das sessões, freqüência, regularidade,
faltas, etc.).
No trecho que segue é interessante observar o modo como a Sra. S. solicita que a
natureza do atendimento seja esclarecida. Ao fazê-lo, mostra suas expectativas e fantasias em
relação ao trabalho a ser empreendido:
P (...) Eu fui em uma psicóloga uma vez, mas foi muito diferente daqui. Eu estava
imaginando que ia ser parecido. Quando eu fui da outra vez, a psicóloga me deu Florais de
Bach, ela deixou eu mesma escolher o que eu queria tomar. Ela me deu a lista e falou pra eu
ver qual eu achava que servia pra mim. Eu escolhi lá, tomei e foi até bom pra mim. Eu fiquei
mais calma, foi legal. Eu não sei ainda direito como é o seu trabalho... É assim também?
Ao que respondo da seguinte forma:
81
T (...) nosso trabalho é promover um espaço para que nós possamos pensar juntas em todas
essas coisas que você pensa, que sente, no significado desta gravidez, deste filho. Eu posso
estar com você e te ajudar a compreender todas essas questões.
P Ah, entendi. É como se o remédio que você vai me dar fosse esse, não é?
T É uma forma de compreender.
P E como a gente vai fazer então? Eu venho de novo na semana que vem?
T Isso. Pode vir na segunda-feira de novo, às 9h30, nós conversamos mais um pouco,
vamos ver o que você pensa e então vamos combinar o número de sessões e tudo o mais.
A natureza do tratamento médico, assim como a própria (falta de) motivação da
paciente para um tratamento psicológico dificultava o estabelecimento de um contrato mais
longo. A cada sessão eu retomava com a paciente a fase do tratamento médico em que estava
e procurava estabelecer uma data para o próximo atendimento, como fiz neste segundo
atendimento:
T Bem, A., você está fazendo a tentativa de coito programado. Você fará o exame de
gravidez daqui a dez dias, correto?
P Isso mesmo.
T Vamos combinar então mais dois atendimentos e aí veremos como você está, se a
tentativa deu certo ou não, e combinaremos outras sessões dependendo de como as coisas
acontecerem. Tudo bem assim?
P Tudo bem.
O terceiro atendimento não aconteceu na data que havia sido combinada no segundo
encontro (os motivos foram explicados e discutidos em itens anteriores desta apresentação e
discussão de resultados). Este terceiro atendimento ocorreu na semana anterior ao início do
período de recesso da faculdade de medicina em que funciona o ambulatório. A paciente tinha
dúvidas quanto à continuidade do atendimento comigo. Esclareço quanto ao período de
recesso, me colocando à disposição caso deseje ser atendida novamente:
P E agora? Vocês vão sair de férias, como vai ser?
T O serviço fecha nesta sexta-feira, dia 09, e volta a funcionar no dia 09 de janeiro, que é
uma segunda. Se você desejar, poderemos continuar os atendimentos no ano que vem.
82
P É, seria bom. Eu preciso primeiro esperar chegar janeiro pra eu ver como vão ficar meus
horários e qualquer coisa eu te procuro.
T Eu estarei aqui caso precise.
O enquadre, portanto, é mais um elemento que compõe o campo emocional que se
estabelece entre paciente e psicoterapeuta. Este campo, por sua vez, é composto de aspectos
tanto estruturais, quanto dinâmicos e é nele que se dá, como afirma Bonfim (1998), o
encontro de duas subjetividades a intersubjetividade.
83
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O intuito desta dissertação foi abordar o atendimento realizado com uma paciente
situando-o, como já exposto anteriormente, entre a entrevista e a sessão de psicoterapia breve,
numa tentativa de sistematizar esse tipo de atendimento. Utilizamos a literatura que
fundamenta ambas as técnicas, no entanto, o atendimento tem especificidades próprias que
influem em seu manejo.
O atendimento psicológico neste âmbito, portanto, tem características específicas que
o diferem do atendimento clínico dos consultórios e das instituições, requerendo manejo
específico e diferenciado.
Apresentamos neste trabalho um esboço de sistematização e manejo técnico do
atendimento psicológico desenvolvido em um ambulatório de reprodução humana assistida.
Elaboramos cinco categorias de análise que tiveram por objetivo descrever minuciosamente
os elementos que constituem este atendimento ambulatorial.
É importante salientar, que esta divisão do atendimento tem propósito didático, ou
seja, não representa etapas do atendimento numa perspectiva linear. São elementos dinâmicos
aos quais deve se ater o psicoterapeuta ao empreender o atendimento psicológico
ambulatorial.
Devemos também atentar para o fato de são estes elementos escuta, configuração de
queixa psicológica, manejo de conflitos, manejo de transferência e enquadre que constituem
o manejo em si. É desta forma que sistematizamos o atendimento ambulatorial.
Manejar o atendimento psicológico, desta forma, é compreender o que ocorre dentro
da sessão-entrevista em todos os seus aspectos metapsicológicos; é fazer uso da escuta
psicanalítica. Este instrumento a escuta deve ser desenvolvido com base em uma formação
consistente, composta não somente pelo conhecimento teórico, mas também pela prática
supervisionada e pela experiência de análise pessoal.
Esta escuta, ou compreensão, deve estar presente em cada momento do atendimento,
pois será o alicerce sobre o qual se edificarão as intervenções que o psicoterapeuta poderá
realizar. A configuração de uma queixa psicológica dependerá da apreensão do conteúdo
latente presente na queixa manifesta ou orgânica; o manejo dos conflitos e da transferência
também dependerá da compreensão destes conteúdos; e o enquadre contém todos os aspectos
formais e dinâmicos que fazem parte do atendimento.
Consideramos importante apontar também nestas considerações finais alguns aspectos
que observamos neste contexto descrito. Um deles diz respeito à motivação do paciente para
84
um tratamento psicológico, uma vez que este procura o médico e não o psicólogo, o que
requer do psicólogo certa habilidade ao conduzir o atendimento. O cuidado é o de não incluir
mais um diagnóstico à lista que já traz o paciente quando chega ao psicólogo. Em lugar disso,
recomendamos o acompanhamento do paciente em sua jornada de descobertas a respeito de si
mesmo; trabalho que só pode ser empreendido a partir de uma escuta atenta, interessada e
respeitosa.
Isso nos remete a outro aspecto: a questão da avaliação psicológica. Em nenhum
momento queremos transmitir a idéia de que o psicodiagnóstico não é importante. Muito pelo
contrário. Uma boa formação psicológica implica a capacidade de desenvolvimento de um
diagnóstico. O diagnóstico precede uma indicação a determinada modalidade de atendimento,
o que pode variar de acordo com a gravidade de cada caso. Desta forma, casos mais graves,
cuja indicação seria mais característica dos tratamentos de longa duração, não poderiam ser
atendidos neste contexto.
O que pretendemos demonstrar neste estudo foi a possibilidade de conjugar
diagnóstico e intervenção, ou psicodiagnóstico interventivo como propõe Âncona-Lopes
(1998) aplicável a qualquer caso, a partir da utilização do método clínico, que consiste na
observação atenta, levantamento de hipóteses a partir da observação, intervenção e retorno à
observação para confirmação ou refutamento das hipóteses levantadas.
Decerto consideramos que este tipo de atendimento apresenta limitações quanto aos
objetivos que poderá ter e alcançar. Não é plausível esperar que mudanças estruturais na
personalidade dos pacientes atendidos sejam empreendidas, especialmente porque esta sorte
de mudanças faz parte dos objetivos da psicanálise convencional. Nossos objetivos no
atendimento ambulatorial são mais modestos e se restringem, em muitas ocasiões, à
conscientização por parte do paciente de que existe um mundo interno, mental, que também
merece cuidados e atenção.
Pensamos também que o momento em que o paciente chega para o atendimento
psicológico é determinante do quanto o paciente poderá envolver-se e prosseguir com os
cuidados psicoterapêuticos. Tomando por base o contexto da reprodução humana,
consideramos que pacientes que buscam o psicólogo ou é encaminhado tão logo
ingressam na instituição têm a oportunidade de refletir sobre o seu problema e se preparar
para o futuro tratamento médico antes de se envolver em tentativas contínuas e ininterruptas.
Podem inclusive avaliar o significado da infertilidade em suas vidas, seu desejo por filhos e as
situações e sentimentos que terão de enfrentar prosseguindo com o tratamento ou optando por
uma vida sem filhos.
85
Qualquer que seja a decisão dos pacientes atendidos, a postura do psicólogo deve
sempre permanecer não diretiva. Cabe ao paciente, não ao psicoterapeuta, fazer escolhas. Ao
psicoterapeuta cabe a tarefa de auxiliar o paciente a considerar os diversos aspectos que
permeiam os caminhos a serem seguidos.
Quanto ao caso apresentado nesta dissertação, o caso da Sra. S., consideramos que
ilustra bem todos os aspectos que pretendemos descrever ao empreender a sistematização
desta modalidade de atendimento.
Concluímos este estudo indicando suas limitações quanto à avaliação dos resultados
obtidos pela intervenção ambulatorial. Estudos posteriores poderiam se dedicar ao assunto,
aplicando o modelo aqui proposto e avaliando resultados terapêuticos alcançados. Deixamos
também uma crítica que deixa em aberto a possibilidade de outros estudos investigarem a
qualidade dos trabalhos ambulatoriais, pois os atendimentos que atendem a uma demanda
exclusivamente clientelista (que representa o desejo manifesto do paciente e o desejo
narcisista da medicina e da instituição), que considera apenas o sucesso baseado em
resultados aparentes a gravidez a qualquer preço não podem representar a qualidade e a
viabilidade de um trabalho efetivo.
86
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ANEXOS
94
ANEXO A PARECER DO COMITÊ DE ÉTICA
95
ANEXO B
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO
FACULDADE DE PSICOLOGIA E FONOAUDIOLOGIA
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Fui informada da pesquisa que tem por objetivo: Descrever e sistematizar formas de
manejo técnico no atendimento psicológico a pacientes em ambulatório de reprodução
humana assistida. Para coleta de dados serão realizados atendimentos psicológicos; este
estudo tem caráter acadêmico e será coordenado pela professora Dra. Marília Martins
Vizzotto da Universidade Metodista de São Paulo. Os dados serão coletados por Renata
Cressoni Gomes. Declaro, ainda, ter compreendido que não sofrerei nenhum tipo de prejuízo
de ordem psicológica ou física e que minha privacidade será preservada. Concordo que os
dados sejam publicados para fins acadêmicos ou científicos, desde que seja mantido o sigilo
sobre a minha participação. Estou também ciente de que poderei, a qualquer momento,
comunicar minha desistência em participar do estudo.
Universidade Metodista / Mestrado Psicologia: 4366-5351
Portanto, eu, ____________________________________________, consinto em participar
da pesquisa acadêmica que tem por objetivo: Descrever e sistematizar formas de manejo
técnico no atendimento psicológico a pacientes em ambulatório de reprodução humana
assistida.
Santo André, _____ de _________________ de 200___.
Assinatura do participante: ___________________________________________________
Documento de Identificação (RG): _____________________________________________
Assinatura do pesquisador: ___________________________________________________
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