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UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS – UNISINOS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
NÍVEL MESTRADO
Juliane Cláudia Piovesan
A ARTE DE APRENDER E ENSINAR: UM ESTUDO SOBRE A PRÁTICA
PEDAGÓGICA DOS EGRESSOS DOS CURSOS DE LICENCIATURA EM LETRAS
E MATEMÁTICA DA URI/FW EM SUA RELAÇÃO COM A
FORMAÇÃO DOCENTE ACADÊMICA
São Leopoldo
2006
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UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS – UNISINOS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
NÍVEL MESTRADO
Juliane Cláudia Piovesan
A ARTE DE APRENDER E ENSINAR: UM ESTUDO SOBRE A PRÁTICA
PEDAGÓGICA DOS EGRESSOS DOS CURSOS DE LICENCIATURA EM LETRAS
E MATEMÁTICA DA URI/FW EM SUA RELAÇÃO COM A
FORMAÇÃO DOCENTE ACADÊMICA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade do Vale
do Rio dos Sinos, como requisito parcial para a
obtenção do título de Mestre em Educação.
Orientadora: Profª. Drª. Cleoni Maria Barboza Fernandes
São Leopoldo
2006
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Juliane Cláudia Piovesan
A ARTE DE APRENDER E ENSINAR: UM ESTUDO SOBRE A PRÁTICA
PEDAGÓGICA DOS EGRESSOS DOS CURSOS DE LICENCIATURA EM LETRAS
E MATEMÁTICA DA URI/FW EM SUA RELAÇÃO COM A
FORMAÇÃO DOCENTE ACADÊMICA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade do Vale
do Rio dos Sinos, como requisito parcial para a
obtenção do título de Mestre em Educação.
Banca Examinadora
Profª. Drª. Cleoni Maria Barboza Fernandes - Orientadora – UNISINOS/RS
Profª. Drª. Maria Augusta Salin Gonçalves - UNISINOS/RS
Profª. Drª. Terezinha Azerêdo Rios – Pontifícia Universidade Católica-SP
São Leopoldo
2006
Ficha Catalográfica elaborada na Biblioteca Central URI / FW
371.3
P734a Piovesan, Juliane Cláudia
A arte de aprender e ensinar: Um estudo sobre a prática pedagógica
dos egressos dos cursos de licenciatura em letras e matemática da
URI/FW em sua relação com a formação docente / Juliane Cláudia
Piovesan; Orientação de Cleoni Maria Barboza Fernandes. --São
Leopoldo, 2006.
154f.
Dissertação (Mestrado) Programa de Pós – Graduação em Educação,
Universidade Vale do Rio dos Sinos .
1. Educação – Formação docente 2. Prática pedagógica
3. Educação - Aprendizagem e ensino I. Piovesan, Juliane C.
II.Fernandes, Cleoni Maria Barboza III. Título
Catalogação na fonte: Maria de Fátima Obelar Hernandes. CRB 10/1527
Dedico este estudo à minha família e a
todos que, a cada dia, alimentam o sonho
de ver o aprender e o ensinar com mais
alegria e esperança.
AGRADECIMENTOS
Agradecer é reconhecer a importância que muitos tiveram ao desafiar-me a
compor as primeiras notas e, após, dar uma letra e uma melodia a esta dissertação.
Agradeço à minha família, porque, desde a mais tenra idade, soube colocar
em mim o desejo da busca, do sonho e do possível.
Ao meu noivo João Paulo, com o qual compartilhei os medos e angústias
desta caminhada e que está presente em todos os momentos de minha vida.
Agradeço à professora Cleoni Fernandes, minha orientadora, ser humano
brilhante, que me desafiava e questionava, mostrando que jamais devo desistir
daquilo que, no princípio, parece impossível.
Aos professores do mestrado que partilham seus conhecimentos com muita
competência, alegria e afetividade.
À Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões pela
oportunidade de aprofundar os conhecimentos e proporcionar um maior crescimento
pessoal e profissional.
Aos colegas, que despertaram momentos de desafios, de alegria e de
amizade.
Ao anjinho Carol, que, mesmo tendo uma presença física passageira,
ensinou-me a ver o mundo diferente e mostrou-me que a vida precisa ser vivida a
cada instante, com muita arte, beleza e encanto.
7
Aos professores de Educação Básica, alunos egressos dos Cursos de Letras
e Matemática da URI – Campus de Frederico Westphalen, que se dispuseram a ser
os atores, colaborando através de suas experiências e vivências.
Termino esse trabalho com a certeza de que essa partitura não está acabada
e, talvez, jamais terá um fim...
Ando devagar porque já tive pressa
e levo esse sorriso porque já chorei demais.
Hoje, me sinto mais forte, mais feliz, quem sabe
eu só levo a certeza de que muito pouco eu sei, eu nada sei.
Conhecer as manhas e as manhãs,
o sabor das massas e das maçãs.
É preciso o amor pra poder pulsar,
é preciso paz pra poder sorrir,
é preciso a chuva para florir.
Penso que cumprir a vida seja, simplesmente,
compreender a marcha e ir tocando em frente.
Como um velho boiadeiro levando a boiada,
eu vou tocando os dias pela longa estrada eu vou,
de estrada eu sou.
Todo mundo ama, um dia, todo mundo chora,
um dia a gente chega, no outro vai embora.
Cada um de nós compõe a sua história,
e cada ser em si carrega o dom de ser capaz
e ser feliz.
Ando devagar porque já tive pressa
e levo esse sorriso porque já chorei demais.
Cada um de nós compõe a sua história,
e cada ser em si carrega o dom de ser capaz e ser feliz.
Almir Sater - Tocando em Frente
RESUMO
A pesquisa - A arte de aprender e ensinar: um estudo sobre a prática pedagógica dos
egressos dos cursos de licenciatura em Letras e Matemática da URI/FW em sua
relação com a formação acadêmica - surgiu a partir de observações e reflexões da
pesquisadora como docente da Educação Básica. Dentro desse propósito, procurou
mostrar como a arte de aprender e ensinar foi percebida pelos alunos egressos dos
Cursos de Graduação em Letras e Matemática da URI/FW e qual a interferência em
suas práticas pedagógicas, isto é, a relação estética construída no decorrer da
formação docente, como aluno, e as influências desse processo de formação
universitária na prática do trabalho pedagógico cotidiano. O estudo embasou-se na
teoria freireana e nos escritos de Assmann, Arroyo, Cunha, Fernandes, Giroux, Nóvoa,
Pimenta, Rios, Tardif, Zeichner, entre outros. Esses autores fundamentaram, com
suas diretrizes teóricas, a formação de professores, a prática pedagógica e a estética
do aprender e do ensinar, evidenciando alternativas para mudanças educacionais. A
investigação foi centrada numa abordagem qualitativa, coletando informações
relevantes à compreensão teórica do tema em estudo. Utilizou-se uma pesquisa de
campo, realizando narrativas e entrevistas semi-estruturadas com dez alunos
egressos dos Cursos de Letras e Matemática da URI/FW, atuais professores da
Educação Básica da Rede Estadual e Particular de Ensino do Município de Frederico
Westphalen. Com os dados coletados, procedeu-se à análise através de duas
categorias: a estética do aprender e do ensinar e a relação teoria x prática. A pesquisa
mostrou a importância dos saberes da experiência, exigindo uma relação intrínseca
entre universidade e escola. Reafirmou que a estética no aprender e ensinar é
fundamental, e que poderá ser, ainda mais, uma realidade nas escolas e nas
instituições formadoras, portadoras de novas partituras, com diálogos, reflexões e
ações.
Palavras-chave: formação docente, aprender e ensinar, docência, estética, prática
pedagógica.
ABSTRACT
The research, The Art of Learning and Teaching: a study about the Pedagogical
Practice of the Graduate in the Graduation Courses of Language Arts and Matematics
from the Regional Integrated University of Frederico Westphalen, in the State of Rio
Grande do Sul, Brazil, in its relations to the Academic Formation of Educators which
appeared from personal remarks and considerations of the researcher as a teacher in
the Early Childhood Education. With that purpose one looks for to demonstrate how the
art of learning and teaching was grasped by the graduate in the Graduation Courses of
Language Arts and Matematics from the URI, of Frederico Westphalen and how that
interferes in their pedagogical practices, that is to say, the aesthetic relation built during
the teaching formation, while being a student-teacher, and the influences of that
university formation process in practice at daily pedagogical work. The study is based
on the theories of Freire and the written works by Assman, Arroyo, Cunha, Fernandes,
Giroux, Nóvoa, Pimenta, Rios, Tardif, Zeichner among others. Those authors and their
theoretical directrixes based on the pedagogical formation of educators, the
pedagogical practice and the aesthetics of learning and teaching evidencing some
alternatives for educational changes. The investigation was centered in a qualitative
approach by collecting important information to the theoretical understanding of the
referred theme. It was made a field research through narratives and half-structured
interviews with ten graduate in Language Arts and Matematics Courses in the URI of
Frederico Westphalen, in the state of Rio Grande do Sul, Brazil, who are active
teachers of Early Childhood Education in the particular and state teaching chain in the
municipality of Frederico Westphalen. With those data one has made the analyse into
two categories: the aesthetics of learning and teaching and the relationship between
theory and practice. The research has shown the importance of knowledge from
experience, thus requiring an intrinsic relationship between university and school. It
reaffirmed that the aesthetics in learning and teaching is fundamental and it can be
much more a reality in schools and formative institutions, the owners of new scores,
with dialogues, investigations and actions.
Key Words: Teaching Formation, Learning and Teaching, Teaching, Aesthetics,
Pedagogical Practice
SUMÁRIO
1 NOTAS INICIAIS........................................................................................................... 13
2 ONDE E COMO TUDO COMEÇOU... AS PRIMEIRAS NOTAS................................... 19
3 AS SINTONIAS E DISSONÂNCIAS DO APRENDER E DO ENSINAR........................ 30
4 A FORMAÇÃO DO EDUCADOR: COMPONDO O CENÁRIO...................................... 42
4.1 Processo educativo x reflexividade: sintonias e dissonâncias ................................... 60
5 A FORMAÇÃO INICIAL – ALGUMAS NOTAS.............................................................. 71
5.1 Professor da Instituição de Ensino Superior x professor da Educação Básica .......... 75
5.2 A Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões - URI................. 79
6 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS – COMPONDO CAMINHOS........................ 82
6.1 Sustentação teórico-metodológica............................................................................. 83
6.2 Problema de pesquisa ............................................................................................... 85
6.3 Escolha dos atores..................................................................................................... 86
6.4 Coleta dos dados ....................................................................................................... 87
6.5 Análise e interpretação dos dados............................................................................. 90
7 ORGANIZANDO O CONCERTO .................................................................................. 92
7.1 A arte/estética do aprender e do ensinar: o belo da orquestra .................................. 92
7.1.1 As perspectivas de um Curso de Graduação: acordes regulares e irregulares .... 103
7.1.2 Curso Superior e o aprender e o ensinar com arte: compondo novas partituras .. 105
12
7.2 Cursos de Graduação em Letras e Matemática: partitura x sinfonia........................ 110
7.2.1 Ensinar e aprender: partitura e sinfonia ................................................................ 110
7.2.2 A alegria de aprender ensinar enquanto graduando: ensaios e apresentações ... 112
8 A APRESENTAÇÃO.... DELINEANDO NOVOS ESPAÇOS PARA O CONCERTO... 132
9 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CITADAS ........................................................... 145
10 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CONSULTADAS.............................................. 151
11 ANEXOS ................................................................................................................... 152
Anexo 1: Roteiro prévio para as histórias de vida/narrativas ......................................... 153
Anexo 2: Roteiro prévio para entrevista semi-estruturada ............................................. 154
Anexo 3: Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ................................................ 155
...eu quase que nada não sei. Mas desconfio de muita coisa.
João Guimarães Rosa
1 NOTAS INICIAIS
Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra.
E te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:
Trouxeste a chave?
Carlos Drummond de Andrade
Sons de instrumentos diversos, tons, intensidades, timbres e ritmos distintos -
alguns mais harmônicos, outros mais dissonantes - são ouvidos na educação.
Para esse estudo, utilizo a metáfora de uma sinfonia, na qual procuro
desenvolver uma partitura, utilizando notas, ritmos, harmonias, dissonâncias, no qual
os instrumentos afinados possam se configurar numa música, com razão e
sensibilidade, tocando na construção de um ensinar e aprender mais encantador.
A formação docente e os saberes práticos constituintes da docência têm sido
tema de debates, investigações, pesquisas e produções, com o propósito de verificar
e elaborar situações teórico-práticas para a efetivação do conhecimento. No entanto,
a temática não se esgota, abrindo-se para novas partituras, novas melodias e novas
apresentações.
Com o trabalho em tela, “A arte de aprender e ensinar: um estudo sobre a
prática pedagógica dos egressos dos Cursos de Licenciatura em Letras e
14
Matemática da URI/FW
1
em sua relação com a formação acadêmica”, objetivo
investigar a aproximação da teoria apreendida nos cursos de licenciatura,
relacionando-a com a prática pedagógica dos alunos egressos, dando ênfase à arte
de aprender e de ensinar, isto é, à formação acadêmica nos Cursos de Letras e
Matemática da URI – Campus de Frederico Westphalen e suas teceduras com a
prática docente, tendo como foco a arte de aprender e ensinar.
Vivemos em uma sociedade marcada por um autoritarismo legitimado e uma
democracia camuflada. Uma sociedade classista, competitiva e dominadora,
determinada pela busca acirrada do ter, do poder e do querer. Há uma política
determinantemente injusta, um “jogo de poder” que avassala a grande maioria,
destituindo-a a meros joguetes. O Banco Mundial impõe a competitividade, visando à
melhoria da qualidade, conciliando a ação do poder público com as virtudes do
mercado.
Esse poder hierárquico chega até as escolas, esvaziando-as da capacidade
de pensar sobre si mesmas. Essa política educacional perspectivada pela lógica do
mercado não foi, e não é, resultado de equívocos ou erros de percurso. Ela
corresponde a uma origem histórica e à concepção de Estado, cuja função primeira
é a construção de meios necessários à sustentação do modelo capitalista. A escola,
então, encontra-se permeada por práticas e teses autoritárias.
Nesse sentido, a necessidade de conhecimento e reflexão acerca da
formação docente, da relação teoria x prática, da estética, da arte de aprender e
ensinar é cada vez mais assumida como condição indispensável ao processo de
construção, desenvolvimento e melhoria da qualidade e encanto nas escolas e
universidades, conseqüentemente, na sociedade como um todo.
1
Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões – URI – Campus de Frederico
Westphalen.
15
Observo que o tema A arte de aprender e ensinar: um estudo sobre a prática
pedagógica dos egressos dos Cursos de Licenciatura em Letras e Matemática da
URI/FW em sua relação com a formação acadêmica é atual e relevante no presente
contexto da educação brasileira, na busca de um ambiente escolar mais agradável e
prazeroso, em uma sociedade que, muitas vezes, desumaniza e desencanta. Assim,
é uma temática que impulsiona os docentes a repensarem, constantemente, o
aprender e o ensinar que está sendo desenvolvido nas escolas e universidades,
levando em conta que ser humano pretendem formar, à luz de que visão de mundo
e sociedade será construído, situado num contexto sociocultural econômico e
político do mundo contemporâneo.
O tema em destaque é de fundamental importância para a universidade.
Através de uma discussão da arte de ensinar e aprender dos Cursos de Licenciatura
em Letras e Matemática da URI – Campus de Frederico Westphalen, relacionada à
prática das escolas, poderão ser redefinidas algumas metas e ações. Vislumbrando
novos olhares e compondo novos cenários, projeta-se uma melhor qualidade
educacional, tão necessária na contemporaneidade.
O grande desafio é contrapor-se à prática meramente conservadora de
ensinar e aprender, transformando-a em participação, pesquisa, busca pelo saber,
curiosidade, bem como no belo e no “sabor” pelo conhecimento.
Neste estudo, procuro responder às seguintes questões: como foi percebida
pelos egressos a arte de aprender e ensinar na formação docente dos Cursos de
Graduação em Letras e Matemática da URI/FW? E qual a sua interferência na arte
de aprender e ensinar desses alunos egressos em suas práticas pedagógicas?
Nesse sentido, o trabalho abarca vários autores, fundamentando a construção
desta partitura, os quais fazem de suas diretrizes teóricas a realidade e a esperança
16
de ver a educação com mais qualidade, alegria e aprendizagem. Autores que
postulam questões da formação inicial e contínua, da prática pedagógica, das
atitudes éticas e profissionais, dos processos de desenvolvimento pessoal e
profissional do professor. Defendem que a formação implica crescer e inter-
relacionar-se nessas dimensões. E o processo de desenvolvimento, formação e
interação exige, entre outros aspectos, criatividade, entusiasmo, esperança,
responsabilidade, reflexão pessoal e profissional. Aspectos esses que interferem no
ser, saber e fazer pedagógico, tanto das instituições formadoras quanto da realidade
prática em sala de aula. Dentre eles destaco os seguintes: Alves (1981; 1995;
2001); Arroyo (2001); Assmann (2000) Cortella (2003); Cunha (1992; 1998; 2000);
Demo (1994; 1998); Fernandes (2001; 2003); Freire (1976; 1987; 1993; 1994; 1996;
1998; 2000); Geraldi (1998); Giroux (1988; 1997); Nóvoa (1992; 1994); Pimenta
(1999; 2002; 2005); Rios (2003; 2004; 2006); Snyders (1988; 1993); Tardif (2003);
Zabalza (1994; 2004); Zeichner (1993).
No primeiro capítulo, apresento as Origens do Estudo, realizando um resgate
narrativo de minha história, bem como os motivos que me fizeram escolher esse
tema. Além disso, interferências de autores que sustentam as posições colocadas e
fazem de suas diretrizes caminhos, visões de educação, de formação docente e do
processo de ensinar e aprender.
As sintonias e dissonância do aprender e ensinar constituem a tese do
segundo capítulo, no qual saliento e discuto acerca da estética de aprender e
ensinar, suas possibilidades para a qualificação da aprendizagem. Reflito a falta de
encanto e motivação docente e o papel da escola na busca de um aprender e
ensinar mais dinâmico e qualitativo. Congrego a visão de vários autores que
17
enfatizam a necessidade e importância de um aprender e ensinar pautado no
encanto, na curiosidade, na descoberta, na alegria e na sensibilidade.
Já no terceiro capítulo, reflito e apresento a realidade da formação inicial,
destacando a formação docente, suas implicações, limites e possibilidades. Delineio
aspectos das instituições formadoras e das escolas de Educação Básica, a relação
teoria e prática entre essas esferas. Também a reflexividade como desencadeadora
de um aprender e ensinar com melhor qualidade e alegria. Ainda, enfatizo a
problemática educacional que interfere no ambiente escolar. Coloco que o docente
se constrói a cada momento, na reflexão constante de seu ser/fazer pedagógico,
através de múltiplas situações com que o professor se defronta no processo
educativo. Questiono as relações que deveriam existir entre os saberes da profissão
e o conhecimento dos docentes universitários, entre os professores da universidade
e os professores de profissão
2
(Educação Básica).
É na busca intersubjetiva de superação dos limites que se pode construir um
processo cultural inovador enquanto base para produzir novas realidades sociais
mais humanas e justas, uma escola mais encantadora e aberta para a pesquisa, a
curiosidade, a invenção e a sensibilidade. Nas palavras de Freire (1993, p. 77),
justifico neste trabalho que
a educação que se impõe aos que verdadeiramente se comprometem com
a libertação não pode fundar-se numa compreensão dos homens como
seres vazios, a quem o mundo encha de conteúdos, mas sim a
problematização dos homens em suas relações com o mundo.
No quarto capítulo – Formação Inicial: algumas notas – , relato situações da
formação inicial de professores para desempenho nas escolas, bem como a
importância e responsabilidade das instituições formadoras na construção de um
docente que em seu ser/fazer pedagógico possa agir com ética e estética. Enfatizo a
2
Expressão utilizada por Tardif (2003) quando coloca os saberes da universidade e dos professores
de profissão.
18
necessidade de um aprender e ensinar interconectado. Interpelo situações acerca
do professor universitário e o professor da escola básica, destacando aspectos da
relação teoria x prática e da pesquisa x ensino.
No quinto capítulo, apresento os caminhos metodológicos. A investigação é
regida pela pesquisa qualitativa, analisando os processos da formação docente
presentes na literatura. O trabalho é fundamentado por uma pesquisa de campo,
mantendo contato direto com o ambiente e a situação a ser investigada, realizando
narrativas e entrevistas semi-estruturadas com dez professores dos Cursos de
Licenciatura em Letras e Matemática da rede estadual e particular em escolas do
Município de Frederico Westphalen. Coloco que a análise e a interpretação dos
dados procederam-se através de categorias.
No sexto capítulo, Organizando o Concerto, retrato as análises dos dados,
utilizando-me de autores e das falas dos professores entrevistados escolhidos para a
pesquisa.
E, no último capítulo – A apresentação... delineando novos espaços para o
concerto –, problematizo e reflito sobre os saberes da universidade e sua relação
com a prática dos entrevistados, os encontros e desencontros entre as instituições
formadoras e as escolas de Educação Básica, em relação à arte de aprender e
ensinar, suas inquietações e possibilidades.
2 ONDE E COMO TUDO COMEÇOU... AS PRIMEIRAS NOTAS...
As grandes proezas da história foram conquistas do que
parecia impossível.” Charles Chaplin
O trabalho “A arte
3
de aprender e ensinar: um estudo sobre a prática
pedagógica dos egressos dos Cursos de Licenciatura em Letras e Matemática da
URI/FW em sua relação com a formação acadêmica” explicita a minha necessidade
de investigar a aproximação da teoria apreendida nos cursos de licenciatura e
relacioná-la à prática pedagógica dos alunos egressos, enfocando a arte de
aprender e de ensinar.
Esse tema me faz questionar o seguinte: qual é o papel das agências
formadoras diante das rápidas transformações que estão em curso no mundo atual
e, conseqüentemente, na educação? Que conhecimentos são potencializados nos
cursos de licenciatura e aplicados no contexto escolar? Como os cursos de
licenciatura influenciam a prática pedagógica dos docentes? Qual o lugar da arte de
aprender e ensinar em nossas escolas/universidades?
Essas questões vinculam-se à minha trajetória de vida: filha de professora
4
,
sobrinha de professora, brincava de ser professora e sonhava em dedicar minha
carreira profissional à docência. A família incentivava-me, mesmo alertando para os
3
Arte que nesse trabalho será sinônimo de boniteza (qualidade do que é bonito); encantamento (ato
ou efeito de encantar, magia, sedução, fascinação, encanto); alegria (satisfação, prazer,
divertimento); sensibilidade (afetividade); criação (ato ou efeito de criar, invenção, criatividade);
construção (ação, efeito, modo ou arte de construir) e estética (ciência do belo). Explicações retiradas
do dicionário online: http://www.priberam.pt/dlpo/dlpo.aspx
4
No sentido de facilitar a leitura, usarei a denominação aluno/alunos, professor/professores - de
acordo com a norma culta da língua portuguesa - para indicar a categoria que inclui aluna/alunas;
professora/professoras.
20
perigos subjacentes, especialmente em relação à questão salarial. Mesmo assim,
crescia e, cada vez mais, percebia que os caminhos estavam sendo trilhados para
essa finalidade, esse objetivo. Eu era uma pessoa que sempre realizava com
esmero tudo o que os professores solicitavam, sabendo, muitas vezes, que esses
não davam muita importância aos trabalhos desenvolvidos.
Em minha vida discente, presenciei greves do magistério; não entendia muito.
Ouvia reclamações dos professores, principalmente quanto ao salário. Muitos deles
expressavam o sofrimento pela profissão e a amargura de estar em uma sala de
aula
5
. Assim, ouvia desfiar os dilemas da profissão. Sentia isso, mas sempre pensei
que fosse algo natural. Passagens de minha vida motivavam-me a seguir em busca
da carreira do magistério. E a mais feliz delas era brincar de aulinha com minhas
amigas, quando fazia o papel de professora e me sentia muito realizada. Recordo-
me que repetia as atitudes, os gestos de minha professora, principalmente das
séries iniciais.
Nesse sentido, Freire (1996, p. 100-101) afirma que
é vivendo criticamente minha liberdade de aluno que, em grande parte, me
preparo para assumir ou refazer o exercício de minha autoridade de
professor. Por isso, como aluno que sonha com ensinar amanhã ou como
aluno que já ensina hoje devo ter como objeto de minha curiosidade as
experiências que venho tendo com professores vários e as minhas
próprias, se as tenho com meus alunos.
Vivenciei uma situação que lembro com tristeza. Na 6ª série, tive um
professor que nos dizia que estudava na URI à noite. Então, perguntando sobre o
que ele fazia, respondeu que estudava para saber trabalhar melhor com os
bichinhos como nós. Anos mais tarde, descobri que ele cursava Pedagogia. Nas
5
Para Arroyo (2001), houve uma despersonalização do profissional da educação. Ele questiona o
seguinte: que imagens de mestre, docente, educador, professor/a estamos desconstruindo e
construindo? Para o mesmo autor, mas em seu livro: Imagens quebradas. Trajetórias e tempo de
alunos e mestres (2004, p. 170), está no “momento de rever nossas artes, nossos métodos e nossa
produção? De sair do atelier? Da condição de aulistas? De projetar-nos além e inserir-nos no
pensamento pedagógico e social? De reaprender a lidar com nossa auto-imagem?”
21
aulas desse professor, sentia-me angustiada, com medo, mas não com o medo de
que fala Freire: “o medo é a manifestação da vida” (1987, p. 70). Era o pavor de
estar dentro da sala de aula e a ansiedade pelo término. Nessas situações, sempre
me questionava do porquê de tanta pressão, de tanta aflição, pois sofria muito,
chorava de medo. Para Freire (1998, p. 66),
o medo é um direito mas a que corresponde o dever de educá-lo, assumi-lo
para superá-lo. Assumir o medo é não fugir dele, é analisar a sua razão de
ser, é medir a relação entre o que o causa e a nossa capacidade de
resposta. Assumir o medo é não escondê-lo, somente assim poderemos
vencê-lo.
Diante dessa realidade, buscando entender essa situação que me desafiava,
resolvi cursar o magistério. Na verdade, nem sabia o que era, mas tinha a certeza:
queria ser professora. Cursei o magistério e, atuando como docente estagiária,
iniciei o Curso de Graduação em Pedagogia. Nesse período, havia contato com
alunos apenas no estágio.
Nessa experiência do magistério já percebi a angústia vivenciada pelos
professores. Diziam-me para seguir outra profissão, pois trabalhar com crianças era
muito sofrido e desgastante. Mas nada abrandou meu desejo e, muito menos, fez
desistir do meu sonho.
Em 3 de março de 1997, iniciei o Curso de Pedagogia. Foi um processo muito
importante, firmando ainda mais o desejo de estar em uma sala de aula como
professora. Em 1998, ingressei como aluna bolsista de iniciação científica, com o
projeto “A construção da postura filosófica do professor”, procurando desvendar
como o docente do Ensino Superior adquire o modo de ser e agir em sala de aula.
Fiquei nesse projeto três anos e nele adquiri muitas aprendizagens que me fizeram
descobrir o quanto é importante saber o porquê de ser professor, quais as possíveis
origens e construções (e é isso que faço nesse momento, escrever sobre a razão
das escolhas do projeto em pauta).
22
No ano de 2001, formei-me em Pedagogia. Fiz o concurso do Magistério
Estadual e iniciei, então, como docente nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental,
na Rede Estadual de Ensino do Estado do Rio Grande do Sul. Ingressei, também,
no Curso de Especialização em Planejamento e Gestão da Educação. Deparando-
me com a escola, iniciei meu trabalho acreditando ter mais maturidade, mas levei um
choque frente à realidade.
No primeiro ano de docência, senti-me num mundo estranho, que conhecia,
mas ao mesmo tempo desconhecia. Ao observar o trabalho, conversar e trocar
experiências com minhas colegas, constatei que a maioria dos professores não
acreditava na possibilidade da aplicabilidade prática do apreendido no curso de
graduação. Isso vai ao encontro das palavras de Tardif (2003, p. 86) quando diz que
“o início da carreira é acompanhado também de uma fase crítica, pois é a partir das
certezas e dos condicionantes da experiência prática que os professores julgam sua
formação universitária anterior”.
Na escola, senti-me sozinha, sem amparo, guiada apenas pelo desejo e o
sonho de infância: ser professora. Percebi a desilusão, o sofrimento, a angústia dos
colegas. Nesse processo, muitas vezes, defrontei-me com afirmações: “você faz isso
porque está no início da carreira, depois vai ver que não vale a pena”; “não fique se
‘matando’ para trazer coisas novas, ninguém faz isso”; “não pense que o que você
aprendeu no Curso de Pedagogia vai conseguir aplicar aqui”; “os professores das
universidades conhecem apenas a teoria e nunca vivenciaram a realidade de uma
sala de aula”; “teoria é muito fácil, a dificuldade é na realidade prática”, “pra que
fazer cursos de atualização, eles falam sempre a mesma teoria”.
Sacristán (2002, p. 82) afirma o seguinte: “suspeito que a maior parte da
investigação sobre a formação dos professores é uma investigação enviesada,
23
parcial, desestruturada e descontextualizada, que não entra na essência dos
problemas”.
Assim, deve-se suspeitar do que o professor da universidade fala sobre o
professor em geral, especialmente da Educação Básica. Ainda, afirma Sacristán que
“os professores trabalham, enquanto nós fazemos discursos sobre eles” (idem, p.
81). Como diz Arroyo (2001, p. 74), essa realidade pode ser justificada: “quem está
atrás das grades tem pouco a pesquisar e refletir”.
A partir disso, comecei a pensar algo: será que as teorias e as pesquisas
educacionais conseguem interagir na prática do docente? Comecei a questionar
pois, para mim, iniciante em uma vida docente, o aprender e o ensinar eram algo
agradável; havia encantamento e alegria em construir conhecimento, pesquisar,
observar e refletir acerca do trabalho desenvolvido.
Como professora, e, tendo como colegas de profissão ex-professores, vi
nascer em mim a inquietação de sentir de perto a docência. Por isso, questionava-
me, e ainda questiono, como me formei, construí o meu modo de ser e agir em sala
de aula. Alguns me acolheram e afirmavam serem orgulhosos por esse fato, outros,
no entanto, instigavam-me na busca de algo melhor, menos sofrido e com maior
rentabilidade financeira.
Nas palavras de uma professora licenciada, citada por Arroyo (2001, p. 216),
vejo minha imagem refletida: “saí da Faculdade cheia de projetos, queria voar longe.
Aos poucos, fui descobrindo que as grades limitavam meus vôos. Cortaram minhas
asas. Hoje meus vôos intelectuais são rasteiros. Mas não perdi a esperança de um
dia poder voar, e longe. Fora das grades”. Porém, afirma Arroyo (2001, p. 52) que
é pesada a imagem da tradição que padecemos. A maioria dos professores
e das professoras de Educação Básica foram formados/as para serem
ensinantes, para transmitir conteúdos, programas, áreas e disciplinas de
ensino. Em sua formação não receberam teoria pedagógica, teoria da
24
educação, mas uma grande carga horária de conteúdos de área e
metodologia de ensino.
Esses dizeres fizeram-me refletir constantemente: serão suficientes os
conteúdos da área específica e da metodologia para formar um professor? O que é
necessário modificar nas instituições formadoras para que se tornem realmente
locais do aprender e do ensinar em consonância com uma prática pedagógica com
perspectivas emancipatórias? O que é preciso modificar nas escolas de Educação
Básica para que se tornem um local de aprender e ensinar dialogando
6
com cursos
de licenciatura? Que conhecimentos e saberes permitem aos docentes
desempenhar o seu trabalho eficazmente? Qual o lugar do encantamento do
aprender e do ensinar? É necessário, sim, o desenvolvimento de uma prática
reflexiva eficaz que integre os contextos institucionais da escola e da universidade.
Minha preocupação nasceu de uma situação vivida, sentida, aguçada pelo
desejo e inquietação de saber, bem como pela percepção da falta de esperança e
alegria no ensinar e no aprender. Decorre disso o desgaste da formação? A angústia
de analisar o contexto real? Há falta de uma política de formação nos cursos de
licenciatura que circunstancie o ensinar e o aprender mais próximos,
interconectados? Questiono-me se a má qualidade no ensino escolar decorre da
falta de motivação dos professores e se isso, também, é conseqüência de uma
política neoliberal e de desvalorização do magistério. Sinto que o próprio professor
não se valoriza, apenas se angustia e demonstra seu desalento em palavras e
também em ações na sala de aula. Como coloca Arroyo (2001, p. 13),
às vezes diante da figura do professor(a) sinto-me como se estivesse diante
de um velho e apagado retrato de família. Com o tempo perderam-se cores
e apagaram-se detalhes e traços. A imagem ficou desfigurada, perdeu a
6
Diálogo que implica escuta, não numa posição passiva de apenas ouvir, mas de refletir, interferir e
dialetizar constantemente. “A verdadeira escuta não diminui em mim, em nada, a capacidade de
exercer o direito de discordar, de me opor, de me posicionar” (FREIRE, 1996, p.135).
25
viveza, o interesse. Mais um retrato a guardar na gaveta de nossos sonhos
perdidos, para revê-lo em tempos de saudade.
Desse modo, o que me impulsionou a refletir e procurar realizar uma pesquisa
e ingressar no Mestrado foi a ânsia e o desejo de investigar se os cursos de
licenciatura da URI – Campus de Frederico Westphalen possuem conexão com a
realidade das escolas e como interagem no processo pedagógico que envolvem os
educadores que vêm até a universidade realizar sua formação.
Através da pesquisa, pretendo buscar um maior aprofundamento acerca da
prática pedagógica dos egressos dos Cursos de Licenciatura em Letras e
Matemática da URI/FW em sua relação com a formação acadêmica. E, a partir
disso, desvendar qual o lugar da arte de aprender e ensinar na universidade (como
aluno) e na escola (como docente). Como a universidade desenvolve/constrói o
aprender e o ensinar? Questionando, então, como foi percebida pelos egressos a
arte de aprender e ensinar na formação docente dos Cursos de Graduação em
Letras e Matemática da URI/FW? E qual a interferência na arte de aprender e
ensinar dos alunos egressos?
Como ressalta Arroyo (2001, p. 110),
saímos da faculdade atualizados no domínio dos conhecimentos de cada
área. Tentamos ser bons docentes. Aos poucos vamos descobrindo que
nossa docência está condicionada pelas estruturas e processos em que ela
acontece.
Freire e Shor (1987) destacam que a universidade tende a desenvolver seus
cursos e formar distante da realidade. Os conceitos/teorias estudados, muitas vezes,
estão distantes do concreto da prática pedagógica.
Eis a importância, então, de discutir essa problemática, devido à necessidade
de firmar uma educação com melhor qualidade, tal como afirma Cortella (1998, p.
14), de que “a qualidade tem que ser tratada junto com a quantidade”. O autor
26
enfatiza que “a qualidade na Educação passa, necessariamente, pela quantidade.
Em uma democracia plena, quantidade é sinal de qualidade social e, se não se tem
a quantidade total atendida, não se pode falar em qualidade. Afinal, a qualidade não
se obtém por índices de rendimento unicamente em relação àqueles que freqüentam
escolas, mas pela diminuição drástica da evasão e pela democratização do acesso”.
Para Rios (2003), qualidade não é um termo de sentido unívoco, mas possui
uma multiplicidade de significados. Na educação está voltada para uma ação
educativa específica, que é a docência, e questiona o seguinte: de que docência se
fala quando se fala numa docência de qualidade? Que qualidades deve ter a boa
docência que se quer? E, ainda, diz que “a melhor qualidade se revela na definição
dos caminhos para se fazer a mediação entre o aluno e o conhecimento e que se
revela na sensibilidade do gesto docente na orientação de sua ação para trazer o
prazer e a alegria ao contexto de seu trabalho e da relação com os alunos (2001, p.
137).
Já Demo (1994, p. 19) afirma que “qualidade é questão de competência
humana”, enfatizando a necessidade de “consciência crítica e capacidade de ação,
saber e mudar”.
É urgente promover o debate entre as Instituições formadoras dos cursos de
licenciatura e as escolas nas quais se desenvolve a prática pedagógica. Essa
questão não poderá ser concebida como um assunto isolado, mas um diagnóstico
sobre a situação atual da educação e da formação de professores na
contemporaneidade. Pois, como salienta Arroyo (2001, p. 29), “sabemos pouco
sobre nossa história. Nem nos cursos normais, de licenciatura e Pedagogia nos
contaram quanto fomos e quanto não fomos. O que somos”.
27
Assim, questiono quais são os conhecimentos, o saber-fazer que os
professores mobilizam diariamente na escola, a fim de realizar, concretamente, as
suas diversas tarefas. Tardif (2003, p. 11) afirma que “o saber é sempre o saber de
alguém que trabalha alguma coisa no intuito de realizar um objetivo qualquer”.
Então, o saber do professor está relacionado com sua pessoa e sua identidade, com
sua experiência de vida e com sua história profissional. Aponta Tardif (2003) que o
educador deve empenhar e investir no trabalho o que ele é como pessoa. E, como
enfatiza Arroyo (2001, p. 170), “a docência só é suportável, reinventada, a cada dia.
Como a vida”. Compartilho com Freire (1998, p. 72-73) a idéia de que
minha presença no mundo, com o mundo e com os outros implica o meu
conhecimento inteiro de mim mesmo. E quanto melhor me conheça nesta
inteireza tanto mais possibilidade terei de, fazendo História, me saber
sendo por ela refeito. E, por que fazendo História e por ela sendo feito,
como ser no mundo e com o mundo, a “leitura” de meu corpo como a de
qualquer outro humano implica a leitura do espaço. Neste sentido, o
espaço da classe que acolhe os medos, os receios, as ilusões, os desejos,
os sonhos de professoras e de educandos deve constituir-se em objeto de
“leitura” de professores e de educandos.
E, nesse contexto, pretendo seguir a carreira, reconstruindo e reinventando;
buscando compreender os motivos reais que permeiam negativamente a escola e
tentando fazê-la mais atraente e mais feliz. Sonho com essa possibilidade, porém,
muitas vezes, receio perante os desafios
7
do ambiente escolar. Como ensina Freire
(1987, p. 70), “o medo vem de seu sonho político e negar o medo é negar o sonho”.
E, também, que “sem arriscar não há possibilidade de existir” (idem, p. 76). Assim,
pretendo investigar se a formação inicial responde positivamente para a
transformação desse ideário, pois busco, como enfatiza Shor (1987, p. 13), “que a
teoria consiga abranger o cotidiano”, uma vez que, “a prática de todo o professor é o
7
Desafios que, através de observações, constatei na minha prática cotidiana como aluna e como
professora.
28
resultado de uma ou outra teoria, quer ela seja reconhecida quer não” (ZEICHNER,
1993, p. 21).
Freire (1993) ensina que toda a ação educativa deve ser feita no sentido de
levar o ser humano a refletir sobre seu papel no mundo e, dessa forma, ser capaz de
mudar este mundo e a si próprio. E acrescenta que “só a ação política na sociedade
pode fazer a transformação social” (FREIRE, 1987, p. 207).
Esse é o grande desafio de ser professor, tendo o compromisso ético, político
e estético de guiar o ser humano na busca do ser mais. E, como nos diz Freire
(1996), “com decência e boniteza de mãos dadas”. Sua vocação ontológica, que ele
deve tornar correta, é a do sujeito que opera e transforma o mundo. Conforme relata
Freire, em seu livro Pedagogia do Oprimido (1993, p. 68), “educador e educando,
através do diálogo, se educam; a verdadeira educação tem um caráter reflexivo”.
Esses dizeres fazem-me refletir, constantemente, sobre a concretude do
trabalho em sala de aula, alicerçado em diálogos e conflitos, histórias e memórias
heterogêneas e repletas de significados que propiciam acreditar na possibilidade do
conhecimento por meio das relações humanas.
Cumpre salientar a necessidade da presença dos cursos de licenciatura
nessa atmosfera, no sentido de qualificar e “encantar” o aprender e o ensinar, na
convicção de que “ensinar a aprender só é válido (...) quando os educandos
aprendem a aprender ao aprender a razão de ser do objeto ou do conteúdo”
(FREIRE, 1994, p. 81).
Enfim, minhas preocupações vão na direção de se fazerem ouvir as distintas
vozes, que possam formar um conjunto harmonioso e, ao mesmo tempo,
29
dissonante
8
na investigação da relação do aprender e ensinar na universidade com
as práticas epistemológicas e pedagógicas dos alunos egressos.
8
A dissonância, na música, é um acorde irregular, conflituoso de notas, mas que produz harmonia.
Num contexto escolar, muitas vezes, opiniões divergentes, irregulares, convergem numa situação de
conflito que produz conhecimento.
3 AS SINTONIAS E DISSONÂNCIAS DO APRENDER E DO ENSINAR
A arte mais importante do mestre é provocar a alegria da ação
criadora e do conhecimento. Albert Einstein
Este capítulo discute as sintonias e as dissonâncias da aprendizagem, na
perspectiva de melhor compreender, na visão de autores, a estética do aprender e
do ensinar, suas implicações e perspectivas na prática pedagógica, projetando uma
construção do conhecimento com qualidade e alegria.
O relatório da UNESCO “Educação: um tesouro a descobrir” (Relatório
Delors) afirma que a educação hoje necessita apoiar-se em quatro pilares: aprender
a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver juntos e aprender a ser. Segundo o
relatório, a educação tem por missão, por um lado, transmitir conhecimentos sobre a
diversidade da espécie humana e, por outro, levar as pessoas a tomarem
conhecimento da semelhança e da interdependência entre todos os seres humanos
do planeta.
O Banco Mundial, principal organismo de financiamento da Educação na
América Latina, compreende o papel da escola de forma a preparar os indivíduos
para o trabalho, assegurando condições para o desenvolvimento econômico. Vê a
formação inicial como “beco sem saída”, apresentando muitos problemas. Enfatiza
que a formação em serviço rende mais com menos dinheiro e que não é preciso
formar novos professores, mas, sim reciclar os já existentes. Conforme esclarece
Torres (1996), trata-se de uma proposta formulada por economistas para ser
31
executada por educadores, operando na lógica da relação custo-benefício e da taxa
de retorno.
É necessário romper com essa orientação, reafirmando o sonho e, como
acena Freire, fazendo frente “à malvadez neoliberal, ao cinismo de sua ideologia
fatalista e a sua recusa inflexível ao sonho e à utopia” (1996, p. 15).
Observo a fragilidade com que a maioria dos assuntos educacionais são
investigados. Isso não se dá por acaso, há toda uma política que realmente concorre
para que os processos educacionais não se modifiquem, em benefício de uma
minoria que está no poder. Pois, como afirma Freire, “do ponto de vista da classe
dirigente, das pessoas que estão no poder, a tarefa principal da educação
sistemática é reproduzir a ideologia dominante” (1996, p. 49).
Nos estudos de Sousa Santos (1997), é possível perceber que a regulação da
vida dos indivíduos é profunda e fortemente marcada pelo princípio do mercado,
atingindo a educação. O autor refere-se aos pilares da regulação e da emancipação.
O da regulação medeia-se pelos princípios do Estado, do mercado e da
comunidade. Já o pilar da emancipação é constituído por três lógicas da
racionalidade: a estético-expressiva, da arte e da literatura; a cognitivo-instrumental,
da ciência e da técnica, e a moral prática, da ética e do direito. Destaca que cada
pilar da emancipação possui lugar de destaque no pilar da regulação. Cada um dos
pilares pretende maximizar seu potencial, quer pela regulação, quer pela
emancipação.
Assim, partindo da articulação desses princípios e racionalidades, a
modernidade construiu um ambicioso e revolucionário projeto cultural. No entanto, o
que é possível constatar é que, em vez de os princípios coexistirem
harmoniosamente, eles se sobrepuseram uns aos outros, levando o processo a um
32
desequilíbrio. O pilar da regulação sofreu um desenvolvimento desequilibrado,
orientado para o mercado. Já o pilar da emancipação reduziu-se à racionalidade
cognitivo-instrumental. Enfatiza Sousa Santos (2000, p. 56) que
em vez de um desenvolvimento harmônico dos três princípios da regulação
- Estado, mercado e comunidade -, assistimos geralmente ao
desenvolvimento excessivo do princípio do mercado em detrimento do
princípio do Estado e do princípio da comunidade.
Desse modo, o que passou a existir na modernidade tardia foi a absorção do
pilar da emancipação pelo pilar da regulação. Mercado, ciência e direito associam-se
em um projeto regulativo hegemônico capaz de anular potenciais emancipatórios.
Sousa Santos (2004) ressalta que a dimensão estética da ciência tem sido
reconhecida por cientistas e filósofos. Para ele, a criação científica, no paradigma
emergente, assume-se como próxima à criação literária ou artística, porque, à
semelhança dessas, pretende que a dimensão ativa da transformação seja
subordinada à contemplação do resultado. Além disso, “a racionalidade estético-
expressiva é, talvez, a que condensa melhor as antinomias da situação presente e,
portanto, aquela em que são mais fortes os sinais do futuro” (SOUSA SANTOS,
2001, p. 92). Complementa que, “para podermos reconstruir o conhecimento-
emancipação como uma nova forma de saber, temos de começar pelas
representações inacabadas da modernidade, ou seja, pelo princípio da comunidade
e pela racionalidade estético-expressiva (SOUSA SANTOS, 2000, p. 95).
A racionalidade estético-expressiva é, por “natureza”, tão permeável e
inacabada como a própria obra de arte e, por isso, não pode ser encerrada
na prisão flexível do automatismo técnico-científico (...). O caráter
inacabado da racionalidade estético-expressiva reside nos conceitos de
prazer, de autoria e de artefactualidade discursiva (SOUSA SANTOS,
2001, p. 76).
Levando isso em conta, na formação docente, é necessário criar um senso
comum ético e político apoiado na solidariedade, na participação e, acima de tudo,
um senso comum estético voltado a um reencantamento da prática docente,
33
minimizando as influências das forças do mercado, que planejadamente se instalam
na educação. E, ainda, nas palavras de Sousa Santos (2000, p. 107):
o conhecimento-emancipação tem de converter-se num senso comum
emancipatório: impondo-se ao preconceito conservador e ao conhecimento
prodigioso e impenetrável, tem de ser um conhecimento prudente para uma
vida decente.
Assim sendo, questiono-me em que lugar estará a estética
9
, a beleza do
aprender e do ensinar? O professor tem sido cobrado e responsabilizado pelas
fragilidades do sistema educacional sem que as escolas estejam providas de
recursos materiais, de equipamentos, de condições de trabalho e de profissionais
que auxiliem o trabalho docente. Aos professores, premidos pela urgência, desejam
que seja revelada “uma luz no fim do túnel”. Mas, acredito que só pode ensinar bem
quem aprendeu bem. E, para aprender bem, é preciso aprender sempre. Como
preconiza Freire (1996, p. 25): “quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende
ensina ao aprender”. E, ainda,
sou professor a favor da boniteza da minha própria prática, boniteza que
dela some se não cuido do saber que devo ensinar, se não brigo por este
saber, se não luto pelas condições materiais necessárias sem as quais
meu corpo, descuidado, corre o risco de se amofinar e de já não ser o
testemunho que deve ser de lutador pertinaz, que cansa mas não desiste.
Boniteza que esvai de minha prática se, cheio de mim mesmo, arrogante e
desdenhoso dos alunos, não canso de me admirar (FREIRE, 1996, p. 115-
116).
Analisando a figura docente, é possível constatar que o campo da educação é
vasto e diversificado. Há hierarquias, níveis, modos de ser diferentes, salários
diferentes. Há traços bem diferenciados que destacam a formação e peculiaridades
individuais que refletem a auto-imagem social difusa e, até mesmo, distorcida
daquilo que se almeja ser. Por isso, há necessidade do resgate do verdadeiro papel
9
Para Rios (2003, p. 98), “afirmar uma dimensão estética na prática docente é trazer luz para a
subjetividade construída na vivência concreta do processo de formação e de prática profissional”.
34
da educação, de seus princípios, de suas limitações e dos caminhos a seguir.
Nesses avanços e recuos, fica a pergunta: o que é educar?
Arroyo (2001, p. 67) enfatiza que educar “é revelar saberes, significados, mas
antes de mais nada revelar-nos como docentes educadores em nossa condição
humana. É nosso ofício. É nossa humana docência”. Para Freire (1993), o ato de
educar é muito mais do que uma ação direcionada à tarefa de acessar o
conhecimento. Para ele, tão ou mais importante que isso, é saber de que saber se
trata, quem o produziu e a quem serve.
Nesse enfoque, educador e educadora são aqueles que, uma vez
reconhecendo a consistência dos saberes erguidos pela prática social dos
indivíduos, problematizam-nos na medida que os relacionam a outros saberes e
perspectivas; são os que se portam e se postam inconformados com as
adversidades impostas, socialmente, à oportunidade de viver-se dignamente.
Ressalta Freire (1996), que educar é construir, é libertar o ser humano das
cadeias do determinismo neoliberal, reconhecendo que a História é um tempo de
possibilidades. É como viver, exige a consciência do inacabado, porque a "História
em que me faço com os outros (...) é um tempo de possibilidades e não de
determinismo" (p. 58-59).
Ainda para Freire (1996), "o educador que 'castra' a curiosidade do educando
em nome da eficácia da memorização mecânica do ensino dos conteúdos, tolhe a
liberdade do educando, a sua capacidade de aventurar-se. Não forma, domestica"
(p. 63). A autonomia, a dignidade e a identidade do educando têm de ser
respeitadas, caso contrário, o ensino tornar-se-á "inautêntico, palavreado vazio e
inoperante" (p.69). Educar é transformar, é estar constantemente buscando o
aprimoramento e a incessante procura de saberes e conhecimentos gerais e
35
específicos. No entanto, o que constato na educação é que os docentes continuam
fechados em suas áreas, no domínio das competências específicas de sua
disciplina. O docente espera que tudo esteja relacionado diretamente à área
específica de formação.
Também é necessário destacar que as relações que resultam no amor e no
ódio pelo magistério, expressadas por Arroyo (2001), configuram a nova forma de
ser e vivenciar o magistério, pois tudo aquilo que é estruturado através do tempo é
resultado da construção histórico-cultural e pessoal do professor.
Segundo Assman (2000, p. 29), a educação confronta-se com a apaixonante
tarefa de formar seres humanos, para os quais a criatividade e a ternura sejam
necessidades vivenciais e elementos definidores dos sonhos de felicidade individual
e social. E que o ambiente pedagógico deve ser um lugar da fascinação e
inventividade.
Reencantar a educação significa colocar a ênfase numa visão de ação
educativa como ensejamento e produção de experiências e aprendizagens
(ASSMAN, 2000, p. 29).
Como afirma Moran, para haver mudanças no ensino é imprescindível que
existam educadores maduros intelectual e emocionalmente, pessoas curiosas,
entusiasmadas, abertas, que saibam motivar e dialogar. Pessoas com as quais valha
a pena entrar em contato, porque delas saímos enriquecidos (2001).
Para Freire (1996), um simples gesto do professor pode ser muito mais
expressivo na vida de um aluno do que se possa imaginar. Muitas vezes, um olhar
de admiração, um balançar de cabeça demonstrando algo positivo ou, por outro
lado, um gesto revelando decepção, pode significar muito mais do que as palavras
proferidas pelo professor. Conseqüentemente, o autor recomenda que os
educadores reflitam com muita seriedade sobre a importância desses gestos. Shor
36
(1987, p. 144) destaca que “reinventar os aspectos visuais e verbais em sala de aula
são duas formas de se opor às artes destrutivas da educação passiva”.
Desse modo, a educação é um processo artístico, um exercício estético,
porque é um ato de conhecimento. Shor (1987, p. 145) diz o seguinte:
conhecer (...) é algo de belo! Na medida em que conhecer é desvelar um
objeto, o desvelamento dá “vida” ao objeto, chama-o para a “vida”, e até
mesmo lhe confere uma nova “vida”. Isto é uma tarefa artística porque
nosso conhecimento tem qualidade de dar vida, criando e animando os
objetos enquanto estudamos.
De acordo com Rios (2003, p. 97), “a sensibilidade e a criatividade não se
restringem ao espaço da arte. Criar é algo interligado a viver, no mundo humano. A
estética é, na verdade, uma dimensão da existência, do agir humano”.
Portanto, os professores precisam ensinar com paixão e alegria. Se assim
não for, Alves (2001) diz que é preferível mudar de profissão ou terão que conviver,
freqüentemente, com a frustração que acomete as pessoas que não amam sua
profissão. Dificilmente o professor conseguirá transmitir satisfação ou provocar o
desejo de aprender se não está feliz/alegre
10
exercendo sua profissão.
É necessário que o educador se torne um aprendiz permanente, construtor de
sentidos. O aluno precisa construir e reconstruir conhecimento a partir do que faz.
Para isso, o educador deve ser curioso, buscar sentido para o que faz e apontar
novos sentidos para seus educandos.
Freire e Shor (1987) acreditam que, a partir do momento em que o educador
entra na sala de aula, do momento em que diz aos alunos: “olá, como vão?”, inicia,
necessariamente, um jogo estético. Assim, a educação é, simultaneamente, uma
10
Lorieri e Rios (2005, p.57-58) enfatizam que “a alegria, que tem a ver com a afetividade – não
considerada como algo romântico, mas como suporte das relações entre os humanos –, é
fundamental para o desenvolvimento do trabalho de professores, professoras, alunos, escola em sua
totalidade. A idéia de alegria nos leva à movimentação – lembremo-nos do allegro das composições
musicais, um andamento animado, vibrante. E nos aproxima da idéia de felicidade (...), o sinônimo de
bem comum, um bem que se experimenta em companhia, que ganha seu sentido se está ‘disponível’
para todos na sociedade”.
37
determinada teoria do conhecimento posta em prática, um ato político e um ato
estético. Dimensões que andam de mãos dadas, criando e recriando.
Nesse enfoque, o educador Freire afirma a necessidade da alegria no
ensinar. No prefácio que fez para o livro Alunos felizes, de autoria de Georges
Snyders, publicado em 1993, Freire deixa claro o que é a alegria na escola, que
tanta falta faz hoje e que deve conduzir o educando à alegria de viver.
Se o tempo na escola é um tempo de enfado em que educador e
educadora e educandos vivem os segundos, os minutos, os quartos de
hora à espera de que a monotonia termine a fim de que partam risonhos
para a vida lá fora, a tristeza da escola termina por deteriorar a alegria de
viver. É necessária ainda porque viver plenamente a alegria na escola
significa mudá-la, significa lutar para incrementar, melhorar, aprofundar a
mudança. Para tentar essa reviravolta indispensável é preciso deixar bem
longe de nós a distorção mecanicista; é necessário encarnar um pensar
dinâmico, dialético. O tempo que levamos dizendo que para haver alegria
na escola é preciso primeiro mudar radicalmente o mundo é o tempo que
perdemos para começar a inventar e a viver a alegria. Além do mais, lutar
pela alegria na escola é uma forma de lutar pela mudança do mundo (p. 9-
10).
Snyders (1988), em sua pesquisa sobre a alegria na escola, encontrou
bastante dificuldade para compilar textos literários que retratassem essa emoção no
ambiente escolar. O mais desconcertante é o caso dos escritores: “a maioria, ao
evocar sua juventude, nem mesmo concebe que a alegria seja possível na escola.
Eles proclamam que não só sua experiência de vida, mas até mesmo suas leituras,
deram-se essencialmente fora da escola, na maior parte das vezes na biblioteca de
seus pais” (p. 14).
Assmann (2000) trata, com muita propriedade, da necessidade de reencantar
a educação, que implique em ensejamento e produção de experiências de
aprendizagem. Isso pressupõe reencantamento de educadores e educandos. Para
esse autor, “o ambiente pedagógico tem que ser um lugar de fascinação e
inventividade. Não inibir, mas propiciar aquela doce alucinação entusiástica
requerida para que o processo de aprendizagem aconteça. Quando essa dimensão
38
está ausente, a aprendizagem vira um processo meramente instrucional”
(ASSMANN, 2000, p. 29).
As palavras de Nóvoa (1994, p. 16) dão ao papel do professor um novo tom:
os professores não podem mudar tudo, mas podem mudar alguma coisa.
(...). Viver com esperança não autoriza ninguém a cultivar as ilusões, não
é, não pode ser, renunciar a ter esperança.
Assim, conhecimento é informação com sentido. Então, o educador deve ser
um profissional do sentido. Na escola, a alegria deve ser construída. A alegria do
prazer da descoberta, sempre com a certeza de que deter conhecimento não é deter
poder.
O bom professor é o que consegue, enquanto fala, trazer o aluno até a
intimidade do movimento de seu pensamento. Sua aula é assim um desafio
e não uma ‘cantiga de ninar’. Seus alunos cansam, não dormem. Cansam
porque acompanham as idas e vindas de seu pensamento, surpreendem
suas pausas, suas dúvidas, suas incertezas (FREIRE, 1996, p. 96).
Cumpre destacar que não se pode abrir mão de uma antiga lição: a educação
é, ao mesmo tempo, ciência e arte. O profissional da educação é também alguém
que domina a arte
11
de reencantar, de despertar nas pessoas a capacidade de
engajar-se e mudar.
O artista e o cientista, separadamente, projetam suas experiências de
realidade nos meios de expressão que escolhem. Eles não vivem em
universos separados mas ocupam os dois extremos de um espectro
contínuo – um arco-íris alargando-se do infravermelho do físico ao
ultravioleta do poeta com gamas intermediárias – com manifestações
híbridas tais como arquitetura, fotografia, xadrez, culinária, psiquiatria ou
cerâmica. Não existe em nenhum lugar uma fronteira clara que indique
onde o reino da ciência termina e o da arte começa (KOESTLER, 1992).
12
As escolas continuam preocupadas em ensinar e não param para pensar o
que é ensinar, como se aprende, por que se aprende. Assim sendo, é imprescindível
parar para pensar a escola, pensar no que se está fazendo. Freire afirma que “a
11
Ensinar e aprender com arte fundamenta-se no gostar, na pesquisa, no prazer de conhecer, de
saber, de construir. Também, na relação humana, na interação e na reciprocidade entre os sujeitos é
que acontece o aprender e o ensinar com arte.
12
Comunicação de Arthur Koestler, proferida na abertura da conferência da PEN – Associação
Internacional de Escritores, no Queen Elizabeth Hall – Londres, 1992.
39
prática educativa tem de ser, em si, um testemunho rigoroso de decência e de
pureza” (1996, p. 36). Nesse sentido, também afirma (SNYDERS, 1988, p. 277) que
“gostaria de uma escola que tivesse a audácia, que corresse o risco de assumir sua
especificidade, jogar totalmente a carta de sua especificidade”.
Nessa perspectiva, saliento as palavras de Shor (1987) quando aponta que os
estudantes são excluídos da busca, da atividade do rigor. Ocorre, na escola, muita
memorização. E, também, “o conhecimento lhes é dado como um cadáver de
informação, um corpo morto de conhecimento e não uma conexão viva com a
realidade deles. Hora após hora, ano após ano, o conhecimento não passa de uma
tarefa imposta aos estudantes pela voz monótona de um programa oficial” (1987, p.
15).
Vive-se numa educação em que o ensino não é aliado da pesquisa, com a
produção do conhecimento. E acredito ser essa uma das principais causas da falta
da beleza, da estética no aprender e no ensinar. Se, como diz Alves (1981), “saber é
saborear”, o sabor, a apreciação do aprender e do ensinar deve, indubitavelmente,
passar pela criação, pela curiosidade, pela construção e pelo sonho.
Snyders (1993, p. 27) assenta que “a escola preenche duas funções: preparar
o futuro e assegurar ao aluno as alegrias presentes durante esses longuíssimos
anos de escolaridade que a nossa civilização conquistou para ele. Percebe-se que
muitos alunos transpõem para a escola as alegrias vindas de fora, como festas,
excursões, passeios,... tudo com o objetivo de sair da escola”. Snyders (1988, p.
109) afirma também que “não é segredo para ninguém que a alegria dos jovens se
proclama bem mais no seu feriado, em sua vida familiar, do que na escola”.
Então, para ele, uma das primeiras reformas pedagógicas a serem produzidas
é organizar, em todos os níveis, a possibilidade de que os alunos, em grupos,
40
exprimam suas reações e demandas em relação àquilo que estão vivendo. Na
realidade, produzir no educando uma cultura que o induza a investigar e buscar.
A escola é um local de contradições, lutas, lutas de classes, portanto,
também luta para que o esmagamento social não continue fatalmente em
um igual esmagamento escolar – e o que quero dizer é a participação da
alegria na luta de classes na escola (SNYDERS, 1988, p. 198).
Além disso, Snyders (1993, p. 193) afirma que “para que os alunos possam
extrair alegria de uma matéria ensinada, é preciso que, de uma maneira ou de outra,
eles se reconheçam nela”. E que “gostaria de captar para a escola uma parte do
imenso entusiasmo que os concertos pop, os espetáculos esportivos provocam”
(1988, p. 211).
O risco é contudo que a escola apareça aos alunos como um medicamento
amargo que é preciso ser engolido por eles agora, a fim de garantir para
mais tarde, um mais tarde bem indeterminado, prazeres prometidos, senão
assegurados (SNYDERS, 1988, p. 12).
Snyders (1993) observa, na escola, um espaço para cultivar a alegria, ligada
ao campo específico da cultura e do conhecimento. Acredita que é possível
transformar esse espaço, esse tempo tão precioso em algo agradável, que dê
satisfação, que tenha um sentido e um significado.
Freire (1996) articula o espaço escolar à dimensão estética, sendo um
movimento do fazer e do re-fazer, como processo criativo. Percebo, no autor, a
concepção de educação como um processo de subjetivação e um processo social,
crítico e consciente. Um processo histórico de construção do homem e da
sociedade, a partir da sua cultura, de seu cotidiano e da tomada de consciência.
Nessa ótica, o autor situa o aluno como participante do seu próprio processo,
sendo sujeito que pensa, age, sente, sonha, imagina; por isso, cria e recria sua
própria cultura. Rios (2003, p. 24) coloca que “o ofício de ensinar deve ser um
espaço de entrecruzamento de bem e beleza”. Arroyo (2001, p. 19) diz que
41
o termo ofício remete à artífice, remete a um fazer qualificado, profissional.
Os ofícios se referem a um coletivo de trabalhadores qualificados, os mestres
de um ofício que só eles sabem fazer, que lhes pertence, porque aprenderam
seus segredos, seus saberes e suas artes. Uma identidade respeitada,
reconhecida socialmente de traços bem definidos.
Cortella (2003, p. 123) enfatiza que “por ser um lugar de relações efetivas, a
sala de aula é espaço para confrontos, conflitos, rejeições, antipatias, paixões,
adesões, medos e sabores”. Por isso, essa sala exala humanidade e precariedade;
a tensão contínua do compartir conduz, às vezes, a rupturas emocionadas ou a
dependências movidas pelo temor da solidão; afinal, ser humano é ser junto, e ser
junto implica um custo sensível.
A busca do prazer e do gostar do que está fazendo integra prioritariamente
o universo discente e o universo da criatividade. É difícil imaginar que
Newton, Mozart, Fernando Pessoa, Michelangelo, Tom Jobim, por
exemplo, não tivessem no prazer uma das suas fontes de animação, sem
por isso deixar de envolver-se com atividades que exigem concentração e
esforço (CORTELLA, 2003, p. 124).
Ainda, para o autor (idem, p. 124), “a criação e recriação do conhecimento na
escola não está em apenas falar sobre coisas prazerosas, mas, principalmente, em
falar prazerosamente sobre as coisas; quando o educador exala gosto pelo que está
ensinando, ele interessa nisso também o aluno”.
Assim sendo, afirmo, neste trabalho, que é no encanto com que se ensina e
se aprende que emerge a alegria
13
, e essa é resultante de um processo de
encantamento recíproco, nas contradições das relações concretas e socioculturais
do ambiente escolar.
13
Para Lorieri e Rios (2005, p. 58), “necessitamos reconhecer que a instalação da alegria em nossas
escolas se apresenta como um ideal, algo que não está pronto, mas que pelo fato de ser desejado e
necessário, impulsiona-nos a ir à sua busca”.
4 A FORMAÇÃO DO EDUCADOR: COMPONDO O CENÁRIO
Ensinar e aprender se vão dando de tal maneira que quem
ensina aprende, de um lado, porque reconhece um
conhecimento antes aprendido e, de outro, porque, observando
a maneira como a curiosidade do aluno aprendiz trabalha para
apreender o ensinando-se, sem o que não o aprende, o
ensinante se ajuda a descobrir incertezas, acertos, equívocos.
Paulo Freire
Neste trecho da partitura, transito por um estudo fundamentado sobre as
instituições de formação docente, destacando, através de teóricos, os aspectos da
universidade (formação docente inicial) e da Educação Básica; a relação teoria e
prática; a pesquisa acadêmica e a realidade vivenciada nas escolas. Também
destaco a reflexão no processo educativo como desencadeadora de uma educação
de melhor qualidade. Acredito que, através do estudo desses aspectos, é possível
visualizar e analisar os limites e as possibilidades de um aprender e ensinar com
mais encantamento e alegria.
Vivemos numa sociedade que se transforma aceleradamente. A informação
desloca-se, envelhece e morre. As desigualdades agravam-se, aprisionam. Nas
palavras de Sousa Santos (2000, p. 41), “há um desassossego no ar. Temos a
sensação de estar na orla do tempo, entre um presente quase a terminar e um futuro
que ainda não nasceu”. Mas questiono o seguinte: o papel do educador está
mudando? As instituições de formação seguem essas transformações?
Então, nesse contexto, urge preparar o educador para uma prática reflexiva,
para a inovação, a cooperação. Sendo o educador um profissional que está
interligado à formação da consciência do ser humano, deve, indubitavelmente, ser
43
uma pessoa de visão aberta, dinâmica, e um profundo questionador do seu fazer e
da realidade à sua volta. Assim, indago se ocorre uma formação que venha ao
encontro dessa realidade de incertezas, na construção de um ser humano crítico,
reflexivo e político. Pois, como salienta Arroyo (2001, p. 35), “somos a imagem que
nos legaram, socialmente construída e politicamente explorada”.
Cumpre salientar que formar professores é uma tarefa bastante complexa. E
os problemas da profissão docente no Brasil são inúmeros, excedendo os limites dos
cursos de formação acadêmica. Justamente por isso, não são medidas simplistas,
apresentadas como uma fórmula mais eficiente e produtiva de preparar os
profissionais da educação que irão resolver os problemas atuais das licenciaturas.
Também a não-valorização do profissional da educação, os salários baixos,
as precárias condições de trabalho e a falta de um plano de carreira para a profissão
continuam sendo questões sem solução, que comprometem diretamente a formação
docente no Brasil. O salário faz com que o docente trabalhe três turnos,
ocasionando, na maioria das vezes, a queda na qualidade da sua aula, a
impossibilidade de aperfeiçoar-se constantemente e a falta de tempo para preparar e
refletir criticamente sobre sua prática pedagógica.
Para Libâneo (2002, p. 42), “o sistema de promoção na carreira do magistério
precisa prever formas de estímulo à iniciativa individual de auto-formação e
desenvolvimento profissional, de modo que os professores tenham acesso a
melhores níveis salariais”. Por outro lado, o desestímulo de jovens à escolha do
magistério na qualidade de profissão futura e a desmotivação dos professores em
exercício para buscar aprimoramento profissional são questões importantes que
desestabilizam a qualidade da profissão docente.
44
Ao mesmo tempo, fazem-se necessários estudos e pesquisas que respondam
a questões essenciais, como estas: "o que é formar professores?" ou "como formar
professores?". Além disso, as universidades e demais instituições de Ensino
Superior precisam continuar trocando informações e buscando, em experiências
mais significativas, a chave para as questões que dizem respeito aos cursos de
formação docente no país.
Nóvoa (1992, p. 16) enfatiza que “as escolas normais legitimam um saber
produzido no exterior da profissão docente, que veicula uma concepção dos
professores centrada na difusão e na transmissão de conhecimentos, mas são
também lugares de reflexão sobre as práticas, o que permite vislumbrar uma
perspectiva dos professores como profissionais produtores de saber e de saber-
fazer”. Será que as escolas e os educadores conseguem vislumbrar um cenário de
produção, de saber e de reflexão?
Assim, percebo o grande desafio das instituições formadoras e do profissional
da educação num mundo de mudanças contínuas, de poucas certezas e muitas
incertezas, em fazer do ensinar e do aprender processos de qualidade e
impulsionadores da vida humana.
Os esforços em estabelecer e manter relacionamentos entre universidades e
escolas são complexos e, muitas vezes, não produzem os efeitos desejados. Essa
idéia não é nova, vem se desenvolvendo, no Brasil e no mundo, de muitas maneiras
e há alguns anos. Nessa situação, professores, diretores e supervisores continuam
estudantes, mas tornam-se parceiros e co-autores do processo de pesquisa. Trata-
se de uma participação ativa, consciente em cada decisão, ação, análise ou reflexão
realizada pelos atores.
45
E, como salienta Nóvoa (1992, p. 09), “não há ensino de qualidade, nem
reforma educativa, sem inovação pedagógica, sem uma adequada formação de
professores”. Sabendo que educar, diante desse horizonte, é ter coragem de romper
consigo mesmo para, então, instaurar uma nova compreensão da ação e
fundamentar uma ação reflexiva.
Dada a natureza do trabalho docente, que é ensinar como contribuição ao
processo de humanização dos alunos historicamente situados, espera-se
da licenciatura que desenvolva nos alunos conhecimentos e habilidades,
atitudes e valores que lhes possibilitem permanentemente irem construindo
seus saberes-fazeres docentes a partir das necessidades e desafios que o
ensino como prática social lhes coloca no cotidiano. Espera-se, pois, que
mobilize os conhecimentos da teoria da educação e da didática
necessários para a compreensão do ensino como realidade social, e que
desenvolva neles a capacidade de investigar a própria atividade para, a
partir dela, constituírem e transformarem os seus saberes-fazeres
docentes, num processo contínuo de construção de suas identidades como
professores (PIMENTA, 1999, p. 18).
Nesse cenário, um dos pontos mais críticos dos sistemas educacionais que
vem sendo discutido é a formação dos professores. A urgência e a necessidade de
investir nessa realidade torna-se cada vez mais evidente.
Tardif (2003, p. 241) enfoca que, “na formação de professores, ensinam-se
teorias sociológicas, docimológicas, psicológicas, didáticas, filosóficas, históricas e
pedagógicas que foram concebidas, na maioria das vezes, sem nenhum tipo de
relação com o ensino nem com as realidades cotidianas do ofício de professor”.
Assim, conseqüentemente, as teorias e aqueles que as professam não podem ter,
para os professores de profissão, nenhuma eficácia e nenhum valor.
Muitas vezes os alunos, nas instituições formadoras, passam um tempo
“assistindo a aulas” baseadas em disciplinas, depois vão estagiar para “aplicar”
esses conhecimentos e, finalmente, quando a formação termina, eles começam a
trabalhar sozinhos, aprendendo seu ofício na prática. Quando se deparam com o
ambiente natural de aula, percebem claramente a diferença entre aquilo que a
46
academia lhes proporcionou, em termos de fundamentação teórica, e a prática que
ele passa a vivenciar como docente.
Assim, pensar na formação humana é um pensar na própria formação, no
próprio percurso. A auto-imagem constrói-se a cada dia. Como enfatiza Arroyo
(2001, p. 47), “todo ofício é uma arte reinventada que supõe sensibilidade, intuição,
escuta, sintonia com a vida, com o humano”.
Percebo que o papel das instituições de Ensino Superior e das universidades
na formação inicial de professores está a ser desafiado. Há estudos que mostram o
quanto são necessárias mudanças e transformações. Zeichner (1993, p. 54) afirma
que “a visão de ensino como uma ciência aplicada, na qual a função do aluno-
mestre era de aplicar durante o practicum
14
aquilo que tinha aprendido previamente
nas universidades”.
Aprender a ensinar e a melhorar o método de ensino era como aprender a
tornar a prática de ensino mais parecida ou com as práticas específicas
defendidas nas Universidades ou com o que era exibido por determinados
professores cooperantes (ZEICHNER, 1993, p. 55).
Nesse particular, destaco a importância de criar condições para que a
experiência pedagógica do estudante comece o mais cedo possível, em seu curso
de licenciatura, pois assim terá um conteúdo prático para a sua reflexão sobre a
prática, tendo, ainda, condições de discutir e questionar. Assim,
aprender a ensinar é um processo que continua ao longo da carreira
docente e que, não obstante a qualidade do que fizermos nos nossos
programas de formação de professores, na melhor das hipóteses só
poderemos preparar os professores para começarem a ensinar
(ZEICHNER, 1993, p. 55).
Mizukami (2002, p. 14) enfatiza que é “no cotidiano da sala de aula que o
professor defronta-se com múltiplas situações divergentes, com as quais não
aprende a lidar durante seu curso de formação”. Isso gera reflexão, pois o professor,
14
De acordo com Zeichner (1993), inclui todos os tipos de observações e práticas de ensino num
programa de formação inicial de professores.
47
com seus valores globais, constrói novas formas de agir na realidade em sala de
aula. De acordo com Zeichner (1993, p. 22), ensino reflexivo implica que o professor,
em vez de refletir apenas sobre a aplicação em sua sala de aula, critique e
desenvolva suas teorias e práticas à medida que reflete sozinho e em conjunto, na
ação e sobre ela, acerca de seu ensino e das condições sociais que modelam sua
prática. Nesse panorama, os cursos de formação precisam considerar os níveis de
reflexão como elementos suleadores
15
na sua realização.
Imbernón (2000) corrobora com essa idéia entendendo que o papel da
formação inicial é fornecer as bases para construir um conhecimento pedagógico
especializado, pois é o começo da socialização profissional e da assunção de
princípios e regras práticas.
Uma bagagem sólida no âmbito científico, cultural, contextual,
psicopedagógico e pessoal que deve capacitar o futuro professor ou
professora a assumir a tarefa educativa em toda a sua complexidade,
atuando reflexivamente com a flexibilidade e o rigor necessários, isto é,
apoiando suas ações em uma fundamentação válida para evitar cair no
paradoxo de ensinar a não ensinar (IMBERNÓN, 2000, p. 66).
Gonçalves (1998) acredita que os professores formadores de professores
devem ter clareza suficiente de que os docentes que estão formando, além da
competência em relação ao conteúdo com o qual irão trabalhar, precisam,
necessariamente, saber como transformar o conteúdo científico aprendido em um
conteúdo escolar, de modo a ser assimilado pelo aluno. Coloca Gómez (1992, p.
108) o seguinte: “a distância entre a investigação e o mundo da prática é muito
grande”.
O conhecimento científico que se transmite nas instituições de formação
converte-se definitivamente num conhecimento acadêmico, que se aloja
não na memória semântica, significativa e produtiva do aluno-mestre, mas
15
Expressão que não consta nos dicionários de Língua Portuguesa, utilizada por Freire na acepção
de substituir o termo norteadores, nortear de conotação ideológica, norte – acima, superior; sul –
abaixo, inferior. Explicações fundamentadas para o uso dessa expressão encontram-se na página
218 de seu livro Pedagogia da Esperança.
48
apenas nos satélites da memória episódica, isolada e residual (GÓMEZ,
1992, p. 108).
Assim, é possível perceber que, na prática da vida profissional, o professor
defronta-se com múltiplas situações para as quais não possui respostas pré-
elaboradas e que não são susceptíveis de serem analisadas pelo processo clássico
de investigação científica. É necessário que os conhecimentos auxiliem no aprender
a pensar, a refletir criticamente, a identificar e resolver problemas, a investigar, a
aprender e a ensinar. Zeichner (1993, p. 56) enfatiza que “a teoria ainda é
considerada por muitos como residindo exclusivamente nas universidades e a
prática como residindo unicamente nas escolas de ensino básico secundário”.
Nesse enfoque, Universidade x Educação Básica, teoria x prática - pergunto o
seguinte: que relações deveriam existir entre os saberes profissionais e os
conhecimentos dos docentes universitários, e entre os professores do ensino básico
e os professores universitários (pesquisadores ou formadores) no que diz respeito à
profissionalização do ensino e à formação de professores? Ocorre uma crise,
insatisfação e críticas ferrenhas contra a formação universitária oferecida nas
faculdades e institutos profissionais.
Na literatura analisada e no meu convívio na Escola Básica, constatei que há
uma tendência de os professores sentirem que os pesquisadores acadêmicos são
insensíveis às complexas circunstâncias vivenciadas em seu trabalho e, muitas
vezes, sentem-se explorados pelos pesquisadores universitários. Por vezes, os
educadores rejeitam a pesquisa acadêmica, considerando-a irrelevante para as suas
vidas na escola, não a vêem como subsídio para melhorar a prática cotidiana. A
formação inicial oferece instrumentos e prepara para o exercício da docência, mas é
no cotidiano, em sala de aula, que se configura o jeito peculiar de ser e atuar.
49
Acredito ser necessário que o professorado possua uma atitude investigadora
e crítica em relação à prática pedagógica e aos conhecimentos historicamente
produzidos e constituam, junto com seus colegas, um conhecimento baseado na
investigação. É um desafio para os professores da Educação Básica repensar sua
forma de trabalho e seu papel ético, político, estético e pedagógico, visando à
construção de uma nova cultura escolar.
Nesse sentido, os professores universitários que trabalham e investigam a
formação poderiam formar parcerias (grupos de estudo, discussões, reflexões em
conjunto) com os professores da Educação Básica, desenvolvendo projetos
destinados à produção do currículo escolar e à investigação dos
conhecimentos/saberes que são produzidos em reflexão-ação nos processos de
mudança de práticas e concepções.
O que ressalto - baseado em estudos feitos por Cunha (1992; 1998 e 2001),
Tardif (2003) e Geraldi et al (1998) - é que os alunos passam pelos cursos de
formação de professores sem modificar suas crenças anteriores sobre o ensino.
Admite-se que uma boa parte do que os professores sabem sobre o ensino, sobre
os papéis do professor e sobre como ensinar provém de sua própria história de vida
e de vida escolar. Também é preciso salientar que a formação profissional não pode
mais ser reduzida aos espaços formais e escolarizados organizados para esse
objetivo. Precisa, sim, ser concebida como algo que pode dar-se antes, durante e
depois do processo formal. É imprescindível entender que o processo de
desenvolvimento inicia-se no momento em que se escolhe a profissão, percorre os
cursos de formação e prolonga-se em todos os momentos do exercício profissional.
Um professor tem uma história de vida, é um ator social, tem emoções, um
corpo, poderes, uma personalidade, uma cultura, ou mesmo culturas, e
seus pensamentos e ações carregam as marcas dos contextos nos quais
se inserem (TARDIF, 2003, p. 265).
50
Então, as fases da formação docente começam durante a formação escolar
anterior, transformam-se na formação universitária inicial, continuam no momento do
ingresso na profissão, nos primeiros anos de carreira, e prosseguem durante uma
parcela substancial da vida profissional. Contempla Gonçalves (1998, p. 123) que
defendemos a necessidade do ensino como pesquisa e da pesquisa no
ensino por acreditarmos que ela pode ser a mola propulsora da formação e
da transformação do professor formador de professores, bem como do
professor em formação.
Isso precisa ser profundamente repensado e trabalhado de forma coletiva
pelos profissionais das diversas áreas de conhecimentos nas universidades. Então,
inicialmente, para vislumbrar um novo cenário na educação, é imprescindível que se
disponha de uma reflexão profunda nas instituições formadoras. Para tanto, é
preciso valorizar paradigmas de formação que promovam a preparação continuada
de professores, que assumam a responsabilidade do seu próprio desenvolvimento
profissional e que participem como protagonistas na implementação de políticas
educativas.
Arroyo (2001, p. 124) alerta que “carregamos a lenta aprendizagem de nosso
ofício de educadores, aprendido em múltiplos espaços e tempos, em múltiplas
vivências”. De todo modo, são e continuam sendo aprendizes, mas questiono isto:
onde se dá esse aprendizado? Na Escola Normal? No curso de Pedagogia, de
Licenciatura? No exercício do Magistério? Afirma Arroyo (2001, p. 124) que “as
lembranças dos mestres que tivemos podem ter sido nosso primeiro aprendizado
como professores”. Enfim, o que nos levou a ser mestres? Como se aprende a ser
professor nesses tempos e espaços de formação? Diz Tardif (2003, p. 244) o
seguinte:
seremos reconhecidos socialmente como sujeitos do conhecimento e
verdadeiros atores sociais quando começarmos a reconhecer-nos uns aos
outros como pessoas competentes, pares iguais que podem aprender uns
com os outros.
51
A formação de professores constitui-se num processo de investigação na
ação, mediante o qual o professor submerge no mundo complexo da aula para
compreender de forma crítica, questionando e participando na (re)construção
permanente da realidade escolar. Para Nóvoa (1992), a construção de práticas
educativas eficazes só surge de uma reflexão da experiência pessoal, partilhada
entre os colegas, sendo que se manter atualizado sobre as novas metodologias de
ensino e desenvolver práticas pedagógicas mais eficientes são alguns dos principais
desafios da profissão de educador. E, ainda, concluir o Magistério ou a Licenciatura
é apenas uma das etapas do longo processo de capacitação.
De acordo com Arroyo (2001), há alguns anos surgiu o conceito de
profissional reflexivo como uma forma de valorizar os saberes experimentais. Ele
teve mais influência na pesquisa educacional do que nas atividades concretas de
formação, mas foi importante na reorganização das práticas educativas. No entanto,
o autor recorda as palavras do educador americano John Dewey: "quando se diz
que um professor tem dez anos de experiência, será que tem mesmo? Ou tem um
ano de experiência repetido dez vezes?”.
Só uma reflexão sistemática e continuada é capaz de promover a dimensão
formadora da prática, pois a formação depende do trabalho de cada um. Arroyo
(2001) enfatiza que mais importante do que formar é formar-se; que todo o
conhecimento é autoconhecimento e que toda a formação é autoformação. Por isso,
a prática pedagógica inclui o indivíduo, pois ninguém forma ninguém isoladamente.
Cada um forma-se a si próprio com os outros.
De igual forma, percebo a grande problemática que se insere na formação do
educador, em transformar sua prática em algo dinâmico, alegre e de qualidade. Mas
52
a mudança de postura do professor está relacionada à construção de um novo
referencial pedagógico.
É importante defender a necessidade de construir uma verdadeira práxis e
dar uma atenção especial às vidas dos professores (experiência e identidade). A
troca de experiências consolida espaço de formação, no qual cada professor é
chamado a desempenhar o papel de formador e de formado. Torna-se necessária
uma formação na qual se destaca o valor da prática como elemento de análise e
reflexão do professor, numa dimensão participativa, flexível, ativa e investigadora.
Nesse contexto, o professor deve saber que é a curiosidade que move, que
insere na busca, é através dela que se aprende e se ensina. Na construção do
conhecimento deve haver o exercício da curiosidade (FREIRE, 1996). Ela faz
comparar, perguntar, refletir. O bom professor é aquele que traz o aluno até seu
pensamento, fazendo da aula um desafio.
Mas, refletindo nesse cenário de mudanças na formação docente, constato
que se vive em um tempo caracterizado por transformações paradigmáticas. Então,
o que esperar da educação? Qual o papel do educador? Quais os rumos do
processo educativo? Pensar o papel do educador e das instituições formadoras
frente a essas mudanças é um grande desafio. O que define um excelente
professor? Como ele trabalha junto aos seus alunos? É possível a qualquer
profissional, desde que dominando em profundidade os conhecimentos de sua
disciplina, tornar-se um educador com qualidade?
Cumpre enfatizar, perante os questionamentos, que é importante refletir se é
através de um Curso de Licenciatura que se vislumbrará uma outra educação e
como os Cursos de Licenciatura participam dessa realidade. Para Charlot (2002, p.
90), “a pesquisa educacional não entra ou pouco entra na sala de aula, pois os
53
professores, na verdade, estão se formando mais com os outros professores dentro
das escolas do que nas aulas das universidades ou dos institutos de formação”.
Assim, a experiência docente é geradora de conhecimento, mas é necessária uma
sistematização, que passa por uma postura crítica do educador em relação às suas
próprias experiências. O conhecimento perpassado aos educandos não é somente o
produzido por especialistas de áreas distintas do conhecimento, mas ele próprio
torna-se um especialista do saber, na relação prática-teoria-prática.
O professor precisa repensar criticamente a educação, a sua formação e a
formação recebida nos cursos. Será que, com ela, ele é capaz de intervir? É capaz
de elaborar o processo educativo imbuído na formação de um ser crítico? Na
realidade, muitos professores procuram, cada vez mais, cursos e conferências para
buscar uma resposta que não encontraram nem na sua formação inicial, nem na sua
prática atual.
Ensinar é um ato criador, crítico, consciente e curioso, e não algo mecânico.
Por isso, um professor que não leva a sério a sua docência, que não estuda e
ensina mal o que mal sabe, que não luta para que disponha de condições materiais
indispensáveis à sua prática, atrofia a formação dos estudantes. Ou seja, como nos
diz Freire (1996), anula-se como professor.
A educação precisa respeitar a compreensão do mundo dos educandos,
desafiá-los a pensar criticamente. É indispensável que ela não separe o ensino do
conteúdo, do conteúdo de ensino, do pensar certo. Mas, para isso, é preciso uma
formação permanente dos educadores e educadoras, superando as marcas
autoritárias e elitistas. Assim, para que “quem sabe possa ensinar a quem não sabe
é preciso que, primeiro, quem sabe saiba que não sabe tudo, segundo que, quem
não sabe saiba que não ignora tudo” (FREIRE, 1994, p. 188).
54
Cunha (1992) enfatiza que quando se fala em educação de professores,
parece que se deve partir da indagação sobre o que determina o seu desempenho
na prática de sala de aula, que é o lugar privilegiado onde se realiza o ato
pedagógico.
É preciso, como coloca Giroux (1997, p. 158), “desenvolver programas nos
quais os futuros professores possam ser educados como intelectuais
transformadores que combinam a reflexão e prática acadêmica a serviço da
educação (...), que sejam cidadãos reflexivos e ativos”. Assim, é preciso um
programa de formação permanente nas universidades, para superar as posturas
autoritárias, desenvolver um trabalho participativo, encarar com seriedade o
processo de produção e apreensão do conhecimento e aproveitar contribuições de
campos diferentes. Assim, os educadores poderão ver com clareza os caminhos
possíveis e optar por aqueles que mais se aproximam da utopia de uma educação
que ajude no processo de humanização e na conquista da cidadania
16
.
Para a formação do profissional da educação, além de conhecimento docente
e de conhecimentos teóricos atualizados (o que se conseguirá estudando,
discutindo, lendo, pesquisando), são necessárias outras habilidades que se
traduzem na prática de modo a criar situações adequadas a cada turma ou grupo
humano que tiver sido sua responsabilidade.
O ato de ensinar fundamenta-se na formação inicial e contínua, no currículo e
socialização, no conhecimento das disciplinas, na experiência da profissão, na
cultura pessoal e profissional e na aprendizagem entre os pares. Tardif (2003)
16
Para Rios (2003, p. 112-113), o termo cidadania tem encontrado, historicamente, compreensões
diversas (...) em virtude da organização da vida social nos diferentes contextos. Afirma que “cidadania
implica uma consciência de pertença a uma comunidade e também de responsabilidade partilhada”.
Nos estudos de Giroux (1997, p. 208), “uma linguagem radical de cidadania (...) implica um
fortalecimento dos laços horizontais entre cidadão e cidadão”. Assim, visualiza-se o contexto
cidadania como esforço conjunto entre os indivíduos na verdadeira busca de ser cidadão.
55
preconiza que os saberes que servem de base para o ensino não se limitam em
conteúdos que dependem de conhecimento especializado. Correspondem muito
pouco aos conhecimentos obtidos na universidade e produzidos pela pesquisa na
área da educação. “Para os professores de profissão, a experiência de trabalho
parece ser a fonte privilegiada de seu saber-ensinar” (TARDIF, 2003, p. 61).
Nesse sentido, o saber profissional está, de um certo modo, na confluência
entre várias fontes de saberes provenientes da história de vida individual,
da sociedade, da instituição escolar, dos outros atores educativos, dos
lugares de formação (TARDIF, 2003, p. 64).
Estudos mostram que há muito mais continuidade do que rupturas entre o
conhecimento profissional do professor e as experiências pré-profissionais,
especialmente aquelas que marcam a socialização primária (família e ambiente de
vida), assim como a socialização escolar enquanto aluno. Eddy, citado por Tardif
(2003, p. 82-83), diz que “a primeira fase, na transição do idealismo para a realidade,
é marcada pela reunião formal de orientação que ocorre vários dias antes do início
do ano letivo”. E, ainda, estudiosos afirmam que consideram os cinco ou sete
primeiros anos de carreira um período crítico de aprendizagem intensa da profissão,
repleto de perspectivas e expectativas.
Zeichner enfatiza que "cada um deve responsabilizar-se pelo seu próprio
desenvolvimento profissional... A universidade pode, quando muito, preparar o
professor para começar a ensinar" (1993, p. 17).
Assim, a prática pedagógica deve refletir no cotidiano do profissional da
educação como processo conscientizador e formador da cidadania dos educandos.
Diz Freire (1996, p. 24) que “a reflexão sobre a prática torna-se exigência da relação
teoria/prática, sem a qual a teoria pode ir virando blablablá; a prática, ativismo”. A
construção de uma prática pedagógica diferenciada da concepção dominante exige
uma redefinição do profissional de educação sobre o ser humano que se quer
56
formar. Enquanto profissional da educação, o dever é repensar, constantemente, a
sua prática, sua formação, para que ocorra uma melhor qualidade no processo
educativo. Como diz Pimenta, “é na leitura crítica da profissão diante das realidades
sociais que se buscam os referenciais para modificá-los” (1999, p. 19).
O professor é um intelectual em processo contínuo de formação, portanto, a
formação é, na verdade, autoformação, pois os professores elaboram os saberes
em confronto com as suas experiências práticas. É no referido confrontamento e na
troca de experiências que os professores refletem as suas práticas. Os que não
têm por hábito refletir a sua prática, apenas aceitam e cumprem orientações sem
pô-las em dúvida.
Trabalhar a formação do professor implica não apenas qualificá-lo em uma
área específica ou mesmo capacitá-lo nas teorias e metodologias de sua área do
conhecimento, mas é imprescindível que ele compreenda a totalidade do fazer
educativo. Nesse sentido, Pimenta faz a seguinte colocação:
contrapondo-me a essa corrente de desvalorização profissional do
professor e da concepção que o considera como simples técnico
reprodutor de conhecimento e/ou monitor de programas pré-elaborados,
tenho investido na formação de professores, entendendo que na
sociedade contemporânea cada vez mais se torna necessário o seu
trabalho enquanto mediação nos processos constitutivos da cidadania dos
alunos, para que ocorra a superação do fracasso e das desigualdades
escolares. O que, me parece, impõe a necessidade de pensar a formação
de professores (PIMENTA, 1999, p. 15).
O processo de formação, apoiado nessa proposta, possibilita integrar
instituições de formação docente com autonomia. Assim coloca Tardif (2003, p.
181):
para as faculdades de educação, o reconhecimento da prática da
profissão como processo de aprendizagem profissional deveria incluir o
desenvolvimento de uma parceria com os professores, de modo que estes
tomem parte, diretamente, na formação de professores.
57
No horizonte de pensar a formação do educador, Saviani (1996) afirma a
necessidade de os cursos fornecerem uma fundamentação teórica que permita uma
ação coerente, o desenvolvimento de uma consciência aguda da realidade em que
os futuros professores vão atuar e uma instrumentalização técnica que permita uma
ação futura eficaz. Como forma de garantir o cumprimento dessas finalidades, cada
disciplina deve ser trabalhada de modo que os alunos cheguem a uma teoria geral
de educação "no nível atitudinal ('o que o educador precisa viver'), no nível crítico-
contextual ('o que o educador precisa fazer'), no nível cognitivo ('o que o educador
precisa saber'), no nível instrumental ('o que o educador precisa fazer')" (Saviani,
1996, p. 61).
Freire (2000, p.19) salienta que “é necessário estar sempre à espera de que
um novo conhecimento surja, superando que, já tendo sido novo, envelheceu”. Há
que ter presente, também, a idéia de que não há uma saída única para a melhoria
almejada. A função de qualificar professor precisa estar repleta de condições,
ancorada em um projeto político-pedagógico de educação.
A formação do professor requer a reelaboração de saberes confrontados
com a prática. Para Pimenta (1999), é importante produzir a escola como espaço
de trabalho e formação, o que implica uma gestão democrática e práticas
curriculares participativas, proporcionando a constituição de redes de formação
continuada, cujo primeiro nível é a formação inicial.
Na percepção dialética, o futuro com que sonhamos não é inexorável.
Temos de fazê-lo, de produzi-lo, ou não virá de forma como mais ou
menos queríamos. É bem verdade que temos de fazê-lo não
arbitrariamente, mas com os materiais, com o concreto de que dispomos e
mais com o projeto, com o sonho por que lutamos (FREIRE, 1993, p. 102).
Tendo em vista que ensinar implica contribuir para o processo de
humanização, é imprescindível que os professores tenham oportunidade de medrar
58
conhecimentos, habilidades e valores que lhes permitam construir,
permanentemente seus saberes e fazeres docentes, a partir das exigências e
desafios de sua prática.
Para tanto, ilustro com a analogia do "curso de preparação de nadadores",
criada por Jacques Busquet, em 1974:
Imagine uma escola de natação que se dedica um ano a ensinar anatomia
e fisiologia da natação, psicologia do nadador, química da água e formação
dos oceanos, custos unitários das piscinas por usuário, sociologia da
natação (natação e classes sociais), antropologia da natação (o homem e a
água) e, ainda, a história mundial da natação, dos egípcios aos nossos
dias. Tudo isso, evidentemente, à base de cursos enciclopédicos, muitos
livros, além de giz e quadro-negro, porém sem água. Em uma segunda
etapa, os alunos-nadadores seriam levados a observar, durante outros
vários meses, nadadores experientes; depois dessa sólida preparação,
seriam lançados ao mar, em águas bem profundas, em um dia de temporal.
(BUSQUET apud PEREIRA, 1999, p. 112).
Pergunto-me o seguinte: será que os atuais Cursos de Licenciatura
encontram-se nessa situação? Terá alegria e encantamento uma educação vista por
esse ângulo?
Assim, as universidades e as demais instituições de Ensino Superior precisam
repensar seu atual modelo de formação de professores e buscar uma nova cultura
institucional das licenciaturas. As universidades precisam assumir o desafio e o
compromisso social de formar, de maneira diferenciada, profissionais da educação
capazes de atuar como agentes de mudança na escola.
É necessário que a instituição, atenta a essa problemática, procure intervir
com sua experiência no sentido de propiciar a esse docente condições que o
impeçam de sentir-se incapaz, desanimado e desacreditando seus saberes
adquiridos.
Por isso, a mudança no ensino dá-se através de uma articulação profunda
entre professores e instituição. A construção de um professor crítico, reflexivo e
responsável por sua própria formação não se dá no vazio. Ela está inserida num
59
contexto educacional determinado, e é nele que o docente é chamado a ser
competente. Cabe ao professor desvencilhar-se de receitas e soluções prontas e
buscar, na partilha de suas experiências com outros colegas, soluções criativas e
compatíveis com o problema em questão. À instituição faz-se necessário que esteja
aberta a essas questões e promova debates e discussões incentivando os
professores a que investiguem a si mesmos, suas práticas, e sejam construtores de
teorias ligadas a suas situações imediatas e próximas.
É no próprio processo de resolução dos problemas da vida da escola,
na capacidade de teorizar e para encontrar respostas mais adequadas,
que a formação adquire todo seu significado. Esta perspectiva ecológica
de mudança interativa dos profissionais e dos contextos dá um novo
sentido às práticas de formação contínua construídas a partir das
escolas (NÓVOA, 1992, p. 73).
Mas é importante enfatizar que aprender a ser professor é um processo que
deve produzir-se por meio de situações práticas que sejam, efetivamente,
problematizadas, exigindo uma prática reflexiva competente.
Cabe sinalizar que a percepção que os professores aprendem a ter de si
mesmos como intelectuais e a identificação do trabalho que realizam na busca do
conhecimento, em parceria com colegas e profissionais da universidade, podem
ajudá-los a romper as condições que restringem suas possibilidades de
desenvolvimento profissional e pessoal. Destaca Giroux a importância de “levar para
dentro da escola forças que os auxiliem na luta pelas condições materiais e
ideológicas que lhes permitam agir como intelectuais” (1988, p. 50). Essa iniciativa
pode gerar transformações positivas no ensino escolar, pois envolvem mudanças
tanto nas instituições que formam os profissionais do ensino, quanto nas que eles
irão trabalhar.
60
Acredito que é possível pensar em escolas como ambientes melhores para
trabalhar, nas quais os docentes e formadores de docentes possam assumir papéis
de líderes da reforma educativa, competentes e críticos, na busca de uma educação
mais humanitária, com melhor qualidade, tendo presente a arte de ensinar e
aprender. Isso poderá ser efetivado na prática através do esforço, interesse e
competência dos professores, aliado a uma política de educação que valorize o
professor.
4.1 Processo educativo x reflexividade: sintonias e dissonâncias
Nos escritos até aqui empreendidos, destaco a relevância de uma formação
docente calcada na busca de melhor qualidade, guiada por aportes políticos, éticos
e estéticos. Assim, percebo que um dos pontos a serem trabalhados em instituições
formadoras é a reflexão.
A reflexão é um dos conceitos mais utilizados por educadores investigadores.
A maioria das referências escritas sobre propostas de formação de professores, de
alguma forma, incluem esse conceito como elemento estruturador. Atualmente,
alguns autores (Gómez, García, Arroyo, Nóvoa, Zeichner, entre outros) enfatizam
uma nova abordagem de formação que se apóia no conceito de reflexão.
De acordo com o dicionário Aurélio, refletir é fazer retroceder, desviando da
direção inicial, é causar reflexão. Por sua vez, reflexão é o ato ou efeito de
refletir(se), ou ainda, volta da consciência, do espírito, sobre si mesmo, para
examinar o seu próprio conteúdo por meio do entendimento e da razão.
Nesse contexto, falar sobre educação é dialogar, refletir sobre a prática social,
cultural, política e histórica concreta e intrinsecamente associada ao próprio
61
processo de construção do humano e do mundo humano. E, nas palavras de
Baptista (2001, p. 01),
tocou-nos, de facto, um tempo difícil. Um tempo iluminado pelo brilho da
ciência e da tecnologia mas, tristemente, obscurecido pela constatação de
que o sofrimento que atinge o homem na sua humanidade continua a ter a
marca do próprio homem. Tocou-nos um tempo violento, desencantado e
incerto. Um tempo sem tempo.
E, ainda, como salienta Júlio César Barbosa (Este tiempo, Barcelona), citado
por Baptista:
nos tocó un tiempo difícil de cuestiones, de pocas reflexiones. Donde ciertas
decisiones nada tienen que ver com las razones. Nos tocó un tiempo difícil,
pero estamos en este viaje y yay que armarnos de paciencia, yay que
armarnos de corage para poder resistir, el embate de existir (...). Este tiempo
necesita nuestra mano, se procurarmos juntos lo haremos mais temprano
(2001, p. 02).
Mas, neste tempo em que estamos vivendo, como construir um ensinar e um
aprender pautado na beleza e no encantamento? Os problemas existentes
expressam a saturação de um paradigma de educação que não atende mais ao
momento em que se vive.
Sob essa perspectiva, surge nas últimas décadas uma tendência
denominada, genericamente, de formação de professores reflexivos, fazendo um
profundo exame da situação atual da docência e indicando - bem como praticando -
novos caminhos, não mais separando de forma drástica a formação inicial da
continuada e tendo como referencial a prática docente. O ensino como prática
reflexiva estabeleceu-se como uma tendência significativa nas pesquisas em
educação, protagonizando o saber docente a partir da prática e situando a pesquisa
como um instrumento de formação de professores. Mas pergunto-me o seguinte:
que tipo de reflexão tem sido realizada pelos docentes? Que condições de trabalho
e de vida os docentes possuem para refletir?
É complexa a constatação da situação docente, as exigências que se
colocam, hoje, aos educadores, necessitam de um pensamento crítico, autônomo e
62
reflexivo. Alicerçada numa cultura
17
marcada pelo compromisso, a responsabilidade
profissional dos docentes deverá ser comprometida, sensível aos acontecimentos
que marcam o mundo e a vida de homens e mulheres. Nesse contexto, em que
medida as reflexões da prática, do real, do fazer, do agir e do ser poderão auxiliar
em uma mudança significativa na educação, no educador, na busca de um novo
caminho? Em alguns momentos, penso como nos versos compostos e cantados por
Adriana Calcanhoto, na música Metade:
eu perco o chão, eu não acho as palavras,
eu ando tão triste, eu ando pela sala,
eu perco a hora,
eu chego no fim,
eu deixo a porta aberta,
não moro mais em mim!
O educador perde o chão perante a exploração de sua força de trabalho, pelo
excesso de atividades, pelas expectativas da sociedade em relação ao seu trabalho,
pela imagem veiculada pela mídia e pelas condições de trabalho. Para Rios (2003,
p. 63), ensino competente é um ensino de boa qualidade, fazendo alusão ao termo
“boa qualidade”, vendo nele a possibilidade de fazer conexão com as dimensões
técnica, política, ética e estética da atividade docente. Para Demo (1998), o cidadão
competente não é só capaz de apropriar-se do conhecimento de modo
independente, como também é capaz de movimentar-se socialmente, orientado por
princípios éticos que visem à construção de uma sociedade mais justa e igualitária..
Perde o chão quando não sabe para onde vai.
Como enfatiza Nóvoa (1992, p. 12), “os professores vivem tempos difíceis e
paradoxais. Apesar das críticas e das desconfianças em relação às suas
17
Para Cortella (2003, p. 41), cultura é o "conjunto dos resultados da ação do humano sobre o mundo
por intermédio do trabalho”. Ainda o autor, na página 42, diz que “nós humanos somos (...) um
produto cultural, não há humano fora da cultura, pois ela é nosso ambiente e nela somos socialmente
formados (..) e historicamente determinados”.
63
competências profissionais, exige-se-lhes quase tudo. Temos de ser capazes de
pensar a nossa profissão”.
Ao falar do professor como profissional reflexivo, recorro a Zeichner (1993),
que chama a atenção para o uso dessa idéia, de opor-se ao da racionalidade
técnica, que separa teoria e prática, e sustenta que o professor deve aplicar a teoria
produzida na universidade à sua prática na escola (p. 21). O mesmo autor escreve
que
reflexão significa o reconhecimento de que a produção de conhecimentos
sobre o que é um ensino de qualidade não é propriedade exclusiva das
universidades ou dos centros de investigação e desenvolvimento e de que
os professores também têm teorias que podem contribuir para uma base
codificada de conhecimentos do ensino (ZEICHNER, 1993, p. 16).
Refletir sobre a prática apresenta-se, então, com dois aspectos
complementares. Por um lado, indica a necessidade de interferência na prática, da
sua modificação por um processo próprio, intrínseco à pessoa. Por outro lado, refletir
sobre a prática é praticar a reflexividade, ou seja, dinamizar a vivência através de um
processo recriador, adotando como perspectiva a possibilidade inerente de
construção de um novo saber. Como ressalta Geraldi et al (1998, p. 248), “a ação
reflexiva é um processo que implica mais do que a busca de soluções lógicas e
racionais para os problemas, envolve intuição, emoção, não é um conjunto de
técnicas que possa ser empacotado e ensinado aos professores”.
E, retomando Zeichner (1993, p. 17), friso que “o conceito de professor como
prático-reflexivo reconhece a riqueza da experiência que reside na prática dos bons
professores”. Isso significa reconhecer que o processo de aprender e de ensinar
prolonga-se durante toda a carreira docente.
Para Nóvoa (1992), a construção de práticas educativas eficazes só surge de
uma reflexão da experiência pessoal partilhada entre os colegas. Já Gómez (1992,
64
p. 112) salienta que, “ao criar uma nova realidade, a prática abre um novo espaço ao
conhecimento, à experiência, à descoberta, à invenção, à reflexão e à diferença”.
Percebo que o professor aprende fazendo e refletindo, constantemente, na e sobre a
ação. Ao refletir sobre sua prática, os professores não só desenvolvem suas
estratégias, como também compreendem os objetivos e os princípios que devem
levar à prática. Nesse sentido, salientam Lorieri e Rios (2004, p. 23) que “a reflexão
não se volta apenas para o pensar, mas também para o agir, uma vez que entre o
pensar e o agir há uma relação estreita, que chamamos de relação dialética”.
Assim, é preciso valorizar paradigmas de formação que promovam a
preparação de professores reflexivos, que assumam a responsabilidade do seu
próprio desenvolvimento profissional e que participem como protagonistas na
implementação de políticas educativas. Isso assumido de forma integrada, pois
adquirir uma prática não significa que as responsabilidades devam ser
individualizadas. Como diz García (1992, p. 61), “os professores reflexivos
necessitam de comunicar e partilhar suas idéias com os outros colegas, o que
sublinha a importância das atividades de trabalho e de discussão em grupo”.
Giroux (1997) desenvolve a concepção do professor como intelectual crítico,
cuja reflexão é coletiva no sentido de incorporar a análise dos contextos escolares
ao contexto mais amplo e colocar direção de sentido à reflexão: um compromisso
emancipatório de transformação das desigualdades sociais. Confirmam-se esses
dizeres nas palavras de Ghedin (2002, p. 130) quando ressalta que “a reflexão
crítica emana da participação num contexto social e político que ultrapasse o
espelho restrito da sala de aula”.
Nessa perspectiva, reflexão é a mola-mestra para as mudanças educacionais,
imersão consciente do ser humano no mundo de sua experiência, sendo essencial
65
ao processo de aprendizagem. Pressupõe um processo de busca interior que
presume um distanciamento do senso comum, criando um novo senso comum
(SOUSA SANTOS, 2000), oportunidade para que os educadores adotem uma
postura crítica de suas práticas e da estrutura na qual estão inseridos.
Para tanto, a reflexão crítica exige que se coloquem dentro da ação, pois o
educador - como mediador entre educando e conhecimento - deve ser um
profissional reflexivo, comprometido com o processo educativo, integrado ao mundo
e, principalmente, um eterno aprendiz, aquele que busca inovar e inovar-se. Para
isso, torna-se necessário criar condições de colaboração e de trabalho em equipe
entre os professores, que facilitem e justifiquem a aplicação de estratégias
reflexivas.
Destaco que o desenvolvimento de capacidades reflexivas implica também
uma socialização da vida escolar, articulando estruturas de gestão e organização
com ações de formação continuada, práticas formativas e situações reais de
trabalho, constituindo, então, a cultura organizacional.
Para que seja concretizada uma prática de um ensino reflexivo, é necessário,
ainda, escutar e respeitar diferentes perspectivas, prestar atenção às alternativas
disponíveis, indagar as possibilidades de erro, procurar várias respostas para a
mesma pergunta e refletir sobre a forma de melhorar o que já existe. Na concepção
sobre reflexão profissional, o educador não é reduzido a uma estação de mera
aquisição de competências, mas é tido como pessoa ativa, que atua e reflete sobre
sua atuação.
O profissional competente atua refletindo na ação, criando uma nova
realidade, experimentando, corrigindo, inventando através do diálogo que estabelece
com esse real. Num processo reflexivo, o mestre deve estimular o educando a
66
construir e comparar novas estratégias de ação, novas pesquisas, novos modos de
enfrentar e definir os problemas. É necessário que o professorado possua uma
atitude investigadora e crítica em relação à prática pedagógica e aos conhecimentos
historicamente produzidos e constitua, junto com os colegas, um conhecimento
baseado na investigação, pois como enfatiza Rosa (1997, p. 52), “refletir é
processo”.
E essa reflexão deve levar à crítica e à autocrítica, um processo permanente
que deve acontecer durante toda a carreira do professor. O que leva o educador a
assumir uma postura reflexiva são os problemas que encontra ao realizar a tarefa
educativa. “Se o educador não tiver desenvolvido uma capacidade de refletir
profundamente, rigorosamente e globalmente, suas possibilidades de êxito estarão
bastante diminuídas” (SAVIANI, 1996, p. 26).
Para que o professor possa escolher e analisar como se processaria, na
prática, uma tendência que viesse ao encontro da construção do conhecimento, é
preciso que tenha uma visão de conjunto, que seja um profundo conhecedor de
pedagogias que fizeram e fazem parte do contexto educativo.
O professor prático-reflexivo reconhece a riqueza das experiências que reside
na prática. O processo de melhoria do seu ensino deve começar pela reflexão da
sua experiência. Pensa sua prática, buscando conhecimentos que favoreçam a
tomada de decisão frente às situações desafiadoras. Refletir é buscar um novo
referencial, que confirma e aponta novos caminhos para a prática pedagógica.
Nesse particular, é possível afirmar que a reflexão é um ato voluntário e
consciente. Freire (1996) explica que há um nível de consciência capaz de perceber
as problemáticas advindas da realidade, mas que não estabelece relação com a
criticidade. Isto é, não dialoga com a realidade, problematizando-a em seus
67
fundamentos últimos. O ato de refletir deve estar inserido no contexto social do
educador. A reflexão desperta o senso-crítico, desvelando a realidade e integrando-
se no pensar pessoal e profissional. Consoante a essa realidade, ressalta Freire
(1976, p. 135) o seguinte:
no contexto concreto somos sujeitos e objetos em relação dialética com o
objeto; no contexto teórico assumimos o papel de sujeitos cognoscentes da
relação sujeito-objeto que se dá no contexto concreto para, voltando a este,
melhor atuar como sujeitos em relação ao objeto. Estes momentos
constituem a unidade (...) da prática e da teoria, da ação e da reflexão. (...)
A reflexão só é legítima quando nos remete sempre (...) ao concreto, cujos
fatos busca esclarecer, tornando assim possível nossa ação mais eficiente
sobre eles. Iluminando uma ação exercida ou exercendo-se, a reflexão
verdadeira clarifica, ao mesmo tempo, a futura ação na qual se testa e que,
por sua vez, se deve dar a uma nova reflexão.
É refletindo sobre a ação, criando uma nova realidade, experienciando,
buscando, corrigindo, errando e inventando que o professor reflexivo se constrói. A
partir desse ponto de vista, o ato reflexivo deve ocorrer em um contexto de
observação, interpretação, análise dos fatos da comunicação oral e escrita,
demonstrando que refletir faz parte do ser humano. Quando o professor reflete sobre
sua ação, sobre sua prática, sua compreensão amplia-se, ocorrendo análises,
críticas, reestruturações e incorporações de novos conhecimentos que poderão
respaldar o significado e a escolha de ações posteriores.
Também o professor deve, a partir disso, ter uma profunda reflexão e agir,
conscientemente, segundo o que determinou para que seu trabalho, na prática
pedagógica, seja eficiente e criativo, superando a racionalidade técnica. Nesse
particular, García (1992, p. 110) enfoca que “o profissional reflexivo constrói de
forma idiossincrática o seu próprio conhecimento profissional, o qual incorpora e
transcende o conhecimento emergente da racionalidade técnica
18
”.
18
Para Gómez (1992, p. 96), “no modelo da racionalidade técnica, a actividade do profissional é
sobretudo instrumental, dirigida para a solução de problemas mediante a aplicação rigorosa de
teorias e técnicas científicas. Para serem eficazes, os profissionais da área das ciências sociais
68
De todo modo, somente uma reflexão sistemática e continuada é capaz de
promover a dimensão formadora da prática. A sociedade coloca o professor em
situações desafiadoras; ele intervém em um cenário complexo, vivo e mutável.
Nesse meio, enfrenta problemas individuais, grupais, mas o êxito do profissional
depende da sua capacidade de manejar a complexidade e resolver problemas
práticos, e esse processo é, indubitavelmente, reflexivo.
Kincheloe (1997) afirma que se o professor assumir-se como ser crítico e
reflexivo, terá o compromisso de desencadear mudanças efetivas nas práticas que
realiza; transformações ocorridas especialmente no âmbito cognitivo, as quais levam
os sujeitos a superarem a dicotomia entre teoria e prática, além da tradicional
relação sujeito-objeto. A reflexão por ele efetuada deve conduzir à ação, pois
exprime o poder de reconstruir a vida ao participar de decisões e da ação social.
Sob essa direção, o professor deve instigar essa reflexão sobre os variados
aspectos que estão interligados ao meio educativo. Concebendo fundamentalmente
o educador como um ser criativo, a sua atividade criadora inscreve-se no mundo
real, social e material em que existe como indivíduo. É o trabalho docente vivido e
lido que desenvolve uma qualidade diferente no professor que, na condição de ser
humano concreto, possui a possibilidade dialética de realizar, distanciar-se, ler/reler
e intervir no curso de sua própria ação, na concretude de sua vida cotidiana.
devem enfrentar os problemas concretos que encontram na prática, aplicando princípios gerais e
conhecimentos científicos derivados da investigação”. Segundo Contreras (2002, p. (p.90-91), a idéia
básica do modelo de racionalidade técnica é que a prática profissional consiste na solução
instrumental de problemas mediante a aplicação de um conhecimento teórico e técnico, previamente
disponível, que procede da pesquisa científica. É instrumental porque supõe a aplicação de técnicas
e procedimentos que se justificam por sua capacidade para conseguir os efeitos ou resultados
desejados. (...) O aspecto fundamental da prática profissional é definido, por conseguinte, pela
disponibilidade de uma ciência aplicada que permita o desenvolvimento de procedimentos técnicos
para a análise e diagnóstico dos problemas e para o tratamento e solução. A prática suporia a
aplicação inteligente desse conhecimento, aos problemas enfrentados por um profissional, com o
objetivo de encontrar uma solução satisfatória”.
69
A postura do professor está relacionada à construção de um novo referencial
epistemológico e pedagógico, que abarque a realidade das escolas, permitindo uma
prática pedagógica com mais alegria, também sustentado em uma outra visão de
mundo. Nesse processo, o professor pode aprender a fazer uma prática reflexiva,
agir conscientemente, analisando sistematicamente a sua ação enquanto construtor
de conhecimentos.
Mas tenho pensado se é possível ser um professor reflexivo tendo o seu
cotidiano repleto de cobranças? É possível, mas desafiador; difícil pela falta de
tradição; difícil pela falta de condições; difícil, sobretudo, pela exigência do processo
de reflexão.
Percebo que é necessário respeitar os professores como seres humanos
incompletos e eternos aprendizes, que, paulatinamente, ressignificarão suas práticas
pedagógicas. Mas o processo reflexivo não surge por acaso. É o resultado de uma
longa trajetória de formação que se estende por todo o processo vital. É difícil,
justamente, porque a sociedade em que se vive não propicia espaço para a reflexão
e a educação, não raro, reduz-se à transmissão de conteúdos mais do que à
reflexão sobre eles e suas causas geradoras.
Um profissional do ensino é alguém que deve habitar e construir seu próprio
espaço pedagógico de trabalho de acordo com as limitações complexas que só ele
pode assumir e resolver no cotidiano, com o apoio necessário de uma visão de
mundo, de homem e de sociedade.
É preciso ter cuidado, como salienta Pimenta (2002), porque a apropriação
generalizada da reflexão, nos governos neoliberais, transforma o conceito professor
reflexivo em um mero termo, expressão de moda, um mero discurso falacioso e
retórico, servindo apenas para criar discursos à medida que o despe de sua
70
potencial dimensão político-epistemológica, imprescindível para a melhoria das
condições escolares.
Fundar e fundamentar o saber docente na práxis (ação-reflexão-ação) é
romper com o modelo “tecnicista mecânico” da tradicional divisão do
trabalho e impor um novo paradigma epistemológico capaz de emancipar e
“autonomizar” não só o educador, mas, olhando-se a si e à própria
autonomia, possibilitar a autêntica emancipação dos educandos, não sendo
mais um agente formador de mão-de-obra para o mercado, mas o arquiteto
da nova sociedade, livre e consciente de seu projeto político (GHEDIN,
2002, p. 135).
Cabe, ainda, sonhar com a possibilidade de os sujeitos indignarem-se e
permitir a realização humana em sua plenitude ou inconclusão. E vale dizer que são
embalados e modificados pelos sonhos que têm quando são capazes de reescrevê-
los diante de novas situações. E nada substitui o sonho, senão a capacidade de
sonhar, e nada abala e elimina essa capacidade única, a não ser a desistência
própria. E, nessa partitura, Freire (1987, p. 220), complementa que: “antecipar o
amanhã pelo sonho de hoje e fazer com que o sonho se torne cada vez mais
possível”.
5 A FORMAÇÃO INICIAL – ALGUMAS NOTAS
É na inconclusão do ser, que se sabe como tal, que se funda a
educação como processo permanente. Mulheres e homens se
tornaram educáveis na medida em que se reconheceram
inacabados. Paulo Freire
A formação inicial de professores para desempenhar função na escola básica
tem sido uma esfera envolta por contradições, harmonias e dissonâncias, avanços e
retrocessos ao longo da história educacional no Brasil. Libâneo (2002, p. 39)
destaca que,
na história da educação brasileira, a formação de professores tem sido
marcada por um amálgama de, ao menos, três componentes: (1) a idéia de
primeiro receber teoria e depois colocá-la em prática, (2) fornecer formação
técnica (fase do tecnicismo educacional), (3) propiciar consciência crítica
para perceber as contradições da realidade, captar as desigualdades
sociais, ir além das aparências para atingir o fundo das coisas. Sabemos
que nenhum desses posicionamentos deu conta de melhorar as práticas de
formação.
A educação superior desempenha um papel muito importante no
desenvolvimento de um país. No Brasil, identifica-se uma pequena parcela da
população qualificada nesse nível. Analisar a educação superior no Brasil significa,
também, entender o contexto de um mundo globalizado. Para Zabalza (2004, p. 25),
“a universidade transformou-se em mais um recurso do desenvolvimento social e
econômico dos países, submetendo-se às mesmas leis políticas que os demais
recursos”. E, ainda, “o certo é que a universidade faz parte consubstancial das
dinâmicas sociais e está submetida aos mesmos processos e às mesmas incertezas
do âmbito político, econômico ou cultural que afetam qualquer uma das realidades e
instituições sociais com as quais convive” (p. 25). Assim, estudar as instituições de
72
Ensino Superior, os Cursos de Graduação, é algo complexo, pois é um local de
contradições que tem sido muito exigido na contemporaneidade.
De acordo com Magda Becker Soares apud Pereira (1999, p. 118), “as
universidades cumprem sua função pública ao preparar um tipo diferenciado de
professor, e não, necessariamente, ao atender às demandas de mercado”. Na
opinião dessa professora, as universidades, na qualidade de instituições de ensino,
pesquisa e extensão, devem formar professores, sem, contudo, dissociar essas
atividades, ou seja, é necessário haver uma articulação – entendida, aqui, como
junção, fusão, união – da formação docente com a pesquisa – compreendida como
processo de produção do conhecimento. Concretamente, isso significa que as
universidades devem assumir a formação do professor investigador, um profissional
dotado de uma postura interrogativa e que se revele um pesquisador de sua própria
ação docente.
No contexto da formação docente, ocorreu um aumento significativo de
publicações, ensaios, congressos e pesquisas acerca da profissionalização, dos
saberes, de competências, entre outros, provenientes de diversas partes do mundo.
Assim sendo, os cursos de licenciaturas
19
são discutidos em sua estrutura atual,
bem como em relação às perspectivas de mudanças, perante as determinações
legais.
Com a implantação da Lei 9394/96 - Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional -, intensificaram-se os debates sobre as políticas de formação de
19
Sem adentrar nas proposições da Lei de Diretrizes e Bases da Educação – 9394/96, mas tendo-as
como pano de fundo, refiro-me às mudanças propostas pelas Resoluções: Resolução CNE/CP 1, de
18 de fevereiro de 2002 - Institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores
da Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena e Resolução
CNE/CP 2, de 19 de fevereiro de 2002 - Institui a duração e a carga horária dos cursos de
licenciatura, de graduação plena, de formação de professores da Educação Básica em nível superior.
73
professores, reforçando-se a importância de discutir e analisar as perspectivas de
mudanças nos currículos desses cursos. Para Kullok (2001, p. 137),
no mundo contemporâneo, as rápidas transformações destinam às
universidades o desafio de reunir em suas atividades de ensino, pesquisa e
extensão os requisitos de relevância, excluindo a superação das
desigualdades sociais e regionais, qualidade e cooperação universitária.
Ainda, para a autora, numa sociedade não basta dominar um conteúdo, é
preciso articulá-lo com as demais áreas de conhecimento e saber como trabalhar
essa informação, transformando-a em conhecimento. Então, ocorre a necessidade
da relação entre ensinar e aprender, precisando de atualização constante,
compreendendo como o ser humano pensa, reflete, analisa, compara, critica,
argumenta, busca e processa informações, produz conhecimento, descobre, cria,
pesquisa, inventa e imagina.
Assim, a formação do professor investigador e reflexivo deve resultar da
vivência do licenciando, durante sua trajetória na universidade, da pesquisa como
processo, o que faz com que o futuro professor não só aprenda, mas também
apreenda o processo de investigação e, o mais importante, incorpore a postura de
investigador em seu trabalho cotidiano na escola e na sala de aula. Para tanto, é
imprescindível que os professores-pesquisadores das universidades, formadores de
educadores, assumam uma postura investigativa no que diz respeito à sua própria
ação docente, dos processos de aprendizagem que ocorrem durante a formação,
verdadeiros investigadores de seu próprio processo de ensino.
Contrapondo-se a esse cenário, observa Cunha (1998, p. 10) que “o
panorama usual dos cursos de graduação nega, quase sempre, a idéia do ensino
com pesquisa. Em geral, neles está presente a concepção positivista de ciência,
marcada pelas prescrições e certezas”. Afirma Cunha (1998, p. 12) que “a pesquisa
é vista como atividade para iniciados, fora do alcance de alunos de graduação, na
74
qual o aparato metodológico e os instrumentos de certezas se sobrepõem à
capacidade intelectiva de trabalhar com a dúvida”.
Cumpre destacar que o que se observa é um ensino repetitivo, com verdades
prontas e acabadas, sem lugar para as interrogações e curiosidades, no qual o
aluno apenas ouve, sem interpelações e, após, reproduz num procedimento
avaliativo.
Trago de Fernandes (2003, p. 377) a idéia de que a sala de aula universitária
pode ser um
espaço privilegiado, um locus por onde transitam diferentes concepções e
histórias de ensinar e aprender, constituindo um território demarcado pelos
conflitos, encontros e possibilidades de construir ou destruir a capacidade
humana, que é a dialética da vida: teoria e prática, conteúdo e forma,
sentimento e imaginação, aceitação e rejeição. Nesse sentido, a sala de
aula envolve as dimensões da cotidianeidade, tanto na dimensão subjetiva
- da consciência do sujeito -, quanto na dimensão objetiva - da cultura.
Território compreendido como um espaço geográfico delimitado fisicamente
por uma decisão política. Daí as fronteiras serem subtraídas ou
expandidas. Essa idéia oriunda da Geografia Física é atravessada pela
produção histórica do espaço geográfico.
Nesse horizonte, ensinar é uma atividade altamente determinada por fatores
que escapam ao controle de quem ensina. Portanto, ensinar exige aprender a
inquietar-se e indignar-se com o fracasso sem deixar-se destruir por ele, construindo
nos limites de realidade possibilidades e alternativas.
Cabe sinalizar que se torna mister construir uma nova relação entre o ensinar
e o aprender, na qual o conhecimento, o afeto, a estética e a ética sejam uma
constante e andem de mãos dadas.
Zabalza (2004, p. 169) ressalta que “o principal desastre didático ocorrido no
ensino (...) foi tornar independente o processo de ensinar e de aprender. Disso
derivou-se a divisão de funções: ao professor, cabe o ensino; ao aluno, a
aprendizagem”. Situada nessa dicotomia, a aprendizagem torna-se desgastante e
desqualificada, sem encantamento e beleza, apenas uma obrigação. Para tanto, faz-
75
se necessária uma mudança de mentalidade sobre o processo de ensinar e
aprender nas práticas de formação de professores.
5.1 Professor da Instituição de Ensino Superior
20
x professor da Educação
Básica
Fundamentar a relação entre o professor da universidade e o professor da
escola de Educação Básica é um aspecto importante, o qual abarca uma nova forma
de distribuição de poder com relação à produção do conhecimento. As instituições
de formação, ou universidades, ao longo do tempo, têm chamado para si a condição
de instância mais importante do saber e do conhecimento. Mas, como enfatiza
Zeichner,
os formadores de professores têm a obrigação de ajudar os futuros
professores a interiorizarem, durante a formação inicial, a disposição e a
capacidade de estudarem a maneira como ensinam e de melhorar com o
tempo, responsabilizando-se pelo próprio desenvolvimento profissional
(1993, p. 17).
Percebo, através de observações e vivências, que o professor da
universidade, em sua maioria, não conhece a escola; tendo o “conhecer” o
significado de viver a escola nos seus desafios, nas suas contradições, nas relações
múltiplas e simultâneas que se estabelecem em diferentes níveis e com expectativas
diferenciadas. Tardif afirma que “os educadores e os pesquisadores, o corpo
docente e a comunidade científica tornam-se dois grupos cada vez mais distintos,
destinados a tarefas especializadas de transmissão e de produção dos saberes sem
nenhuma relação entre si” (2003, p. 35). Libâneo (2002, p. 11) questiona o seguinte:
“como os saberes provenientes da pesquisa universitária afetam os saberes e as
20
De acordo com a legislação (Decreto n° 5.225, de 2004), em vigor, as Instituições de Educação
Superior estão organizadas da seguinte forma: Universidades, Universidades Especializadas, Centros
Universitários, Centros Universitários Especializados, Faculdades Integradas e Faculdades, Institutos
Superiores ou Escolas Superiores e Centros de Educação Tecnológica.
Informações retiradas do site: http://www.educacaosuperior.inep.gov.br/educacao_superior.stm
76
práticas dos professores?” Indaga, ainda (Libâneo, 2002, p. 39): “que tipo de
formação inicial leva o futuro professor a tornar-se um sujeito pensante, culto e
crítico? E acrescenta que
persiste o já conhecido fosso entre teoria e prática, em que os
pesquisadores não conseguem operar a transposição didática de sua
elaboração teórica para os professores envolvidos na trama diária do
trabalho docente. Os professores, por sua vez, desconfiam da eficácia da
produção acadêmica sobre seu próprio trabalho (LIBÂNEO, 2002, p. 14-
15).
Para Zabalza (2004, p. 123), “poucos professores universitários assumem seu
compromisso profissional como docentes de fazer (propiciar, facilitar, acompanhar)
com que os alunos aprendam. Eles não desejam assumir essa responsabilidade,
nem se sentem preparados para fazê-lo”. Assim, o que se percebe é que, na
universidade, assume-se como bom professor aquele que ensina conteúdos. A
aprendizagem do aluno é outro pólo, que não está na alçada dos docentes. Para
Zabalza (2004, p. 123),
quando falamos sobre ensino, aludimos também ao processo de
aprendizagem: ensinar é administrar o processo completo de ensino-
aprendizagem que se desenvolve em um contexto determinado, sobre
certos conteúdos específicos, junto a um grupo de alunos com
características particulares.
Para Cunha (1998, p. 59),
se as universidades estão mesmo dispostas a investir no ensino com
pesquisa, deverão organizar estruturas de apoio para acelerar o processo.
Não se trata de dar receitas prontas e nem de deixar os professores
dependentes de outras instâncias de formação. Trata-se, sim, de favorecer
a articulação do trabalho coletivo e da reflexão rigorosa sobre os processos
de ensinar e aprender e sobre as condições em que os mesmos
acontecem.
Percebo que as instituições formadoras necessitam organizar seus cursos de
formação de modo a articular o ensinar e o aprender, a teoria e a prática, num
processo relacional e coletivo.
É importante lembrar que, quando o docente se prepara para ser professor,
ele vive o papel de aluno. O mesmo papel que seu aluno também viverá tendo a ele
77
como professor. Desse modo, a formação do docente necessita articular, como
ponto de referência para orientar a organização institucional e pedagógica dos
cursos, a preparação profissional e o exercício futuro da profissão.
Assim, pode-se afirmar o conhecimento da realidade, como aponta Freire
(1987, p. 131):
... nossa experiência na universidade tende a nos formar à distância da
realidade. Os conceitos que estudamos na universidade podem trabalhar
no sentido de nos separar da realidade concreta à qual, supostamente, se
referem. Os próprios conceitos que usamos em nossa formação intelectual
e em nosso trabalho estão fora da realidade, muito distantes da sociedade
concreta....[ ...] tornarmo-nos excelentes especialistas, num jogo intelectual
muito interessante – o jogo dos conceitos! É um balé de conceitos.
O distanciamento entre discurso e prática nos cursos de formação inicial pode
encontrar, a partir do trabalho conjunto entre docentes da universidade x docentes
da escola (particular, estadual ou municipal), uma possibilidade de superação.
A indissociabilidade entre teoria e prática define a práxis educativa: ação,
reflexão, criação e transformação. Conforme Freire (1987, p. 121), se
os homens são seres do fazer é exatamente porque seu fazer é ação e
reflexão. É práxis. É transformação do mundo. E, na razão mesma em que
o fazer é práxis, todo fazer do que fazer tem que ter uma teoria que o
ilumine. O que fazer é teoria e prática. É reflexão e ação.
Esse entendimento admite teoria e prática numa visão de unidade e a escola
como espaço da formação dos futuros professores, através de uma parceria entre a
escola e a universidade. Dessa maneira, torna-se imprescindível pensar os
fundamentos da formação inicial vinculada à prática da própria profissão, de forma
que o aprendiz comece a analisar a sua própria prática, que é parte da construção
da identidade/ofício docente. Para Cunha (1998, p. 35),
há a confirmação de que a prática é um elemento importante na
aprendizagem e que a experiência que o indivíduo vive é insubstituível no
seu significado educativo. O fazer e o refletir sobre este fazer tem sido (...)
um mecanismo fundamental para delinearem seu desempenho docente.
78
As relações entre teoria e prática na formação do professor precisam ocorrer
na análise e reflexão da prática pedagógica, tanto na formação universitária
(professores universitários), quanto nas escolas (professores de Educação Básica) .
Se, na sua profissão docente, for necessário que o professor desenvolva em seus
alunos a capacidade de relacionar a teoria à prática, é indispensável que, na sua
formação, os conhecimentos especializados que está constituindo sejam
contextualizados de tal modo a promover uma permanente construção de
significados desses conhecimentos com referência à sua pertinência em situações
reais, sua relevância para a vida pessoal e social, sua validade para a análise e
compreensão de fatos da vida real.
Cunha (2001, p. 46) coloca que
os Cursos de Licenciatura apresentam descompassos entre a prática
pedagógica que realizam e, muitas vezes, o discurso que professam. A
reprodução do modelo dominante que se faz pela forma de ensinar tem
repercussões fortes na maneira que os futuros professores vão ensinar
seus alunos. Esses cursos sofrem o desprestígio e a proletarização da
profissão docente.
Assim, ocorrem muitos problemas, dos quais destaco estes: a desvinculação
das disciplinas de formação pedagógica com a realidade das escolas, falta de
continuidade nos planos educacionais e a indefinição do papel da educação numa
sociedade de rápidas transformações. Para Cunha (1998, p. 55), “a teoria destitui-se
de sentido porque não consegue qualquer vinculação prática”. Fernandes (2001, p.
180) destaca que
(...) há a necessidade de revisitar a formação pedagógica para configurá-la
como um constructo teórico prático marcado pela intencionalidade de um
projeto de ação transformador e emancipatório, que tem, na sua dimensão
coletiva, a possibilidade de concretude.
Torna-se necessário compreender como os docentes percebem a
profissionalização e como ela se estabelece, no campo epistemológico e na inserção
79
no mundo do trabalho, controlados pelas estruturas sociais de poder. Acerca disso,
ressalta Cunha (2001, p. 71) que
refletir sobre a própria ação e dar a volta por cima das dificuldades que a
escola coloca deveriam ser condições para o trabalho na universidade,
especialmente nos cursos de licenciatura.
Destaco, novamente, que se vive em tempos de transição paradigmática,
tornando-se necessário incorporar essa condição às formas de pensar e investigar a
educação, podendo auxiliar na busca de novas possibilidades de entendimento dos
processos formadores do profissional docente. Como enfatiza Zabalza (2004, p.
145), “o exercício da profissão docente requer uma sólida formação, não apenas nos
conteúdos científicos próprios da disciplina, como também nos aspectos
correspondentes à sua didática e ao encaminhamento das diversas variáveis que
caracterizam a docência”. E, para Libâneo (2002, p. 35), “uma educação de
qualidade para os alunos depende de uma formação teórica e prática de qualidade
dos professores”. E, também, com a certeza de que nunca se acaba de aprender,
pois o conhecimento é processo e as notas são construídas no cotidiano.
5.2 A Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões - URI
21
A Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões é uma
instituição multicampi, comunitária, reconhecida pela Portaria nº 708, de 19 de maio
de 1992, com sede da administração superior na cidade de Erechim, Estado do Rio
Grande do Sul. Mantida pela Fundação Regional Integrada, entidade de caráter
técnico-educativo-cultural, com sede e foro na cidade de Santo Ângelo, Rio Grande
21
Contextualização retirada do PDI - Plano de Desenvolvimento Institucional 2003-2007.
80
do Sul
22
. A URI possui autonomia didático-científica, administrativa e de gestão
financeira e patrimonial, obedecendo ao princípio da indissociabilidade entre ensino,
pesquisa e extensão.
À luz de disposições estatuárias, norteia-se pela unidade de patrimônio e
administração; estrutura-se com base em departamentos acadêmicos que integram
as funções de ensino, pesquisa e extensão e exercitam a indissociabilidade entre
elas. Enquanto organização, pauta-se pela racionalidade na utilização de recursos
humanos e materiais, enfatizando a universalidade do conhecimento e o fomento à
interdisciplinaridade. Através de decisões colegiadas, pratica o princípio da
democracia e vivencia a alternância de poder, via processo eleitoral.
A universidade integra-se à cultura regional e nacional, estimulando a
interação com a sociedade; busca a sua internacionalização e investe em projetos
de ensino, pesquisa e extensão.
As atividades de ensino, pesquisa e extensão são de responsabilidade dos
departamentos acadêmicos:
1) Departamento de Ciências Exatas e da Terra;
2) Departamento de Ciências Biológicas;
3) Departamento de Engenharias e Ciência da Computação;
4) Departamento de Ciências da Saúde;
5) Departamento de Ciências Agrárias;
6) Departamento de Ciências Sociais Aplicadas;
7) Departamento de Ciências Humanas;
8) Departamento de Lingüística, Letras e Artes.
22
Foco da pesquisa (egressos dos Cursos de Licenciatura em Letras e Matemática).
81
A Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões originou-se
da cooperação técnico-científica de IES, da integração e inserção regional. Modelo
multicampi no seu processo de criação, congregou o conhecimento e a diversidade
cultural do seu contexto para constituir um projeto institucional que assumisse o
compromisso do desenvolvimento pleno e integral da população, a partir do resgate
cultural e da recuperação econômica.
A história da URI confunde-se com a história da ocupação missioneira e
imigratória. A experiência comunitária vivida nas reduções jesuítico-guarani e,
posteriormente, na região colonizada por italianos, alemães, poloneses, russos e
judeus determinou o modelo de gestão compartilhada, assumido pela URI na sua
criação, no seu processo transitório de vivência universitária, determinante para
reconhecer a prática histórica de ensino superior e a constante busca de sua própria
superação.
A universidade – Campus de Frederico Westphalen possui, atualmente, 18
cursos de graduação, sendo que, para o presente estudo, serão investigados
egressos dos Cursos de Letras e Matemática.
6 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS – COMPONDO CAMINHOS...
Delimitando os procedimentos metodológicos, tenho presente que a pesquisa
não é uma realidade definitiva, mas é trabalho em processo não totalmente
controlável ou previsível. Ao adotar a metodologia escolhi um caminho, um percurso,
que, muitas vezes, no decorrer da pesquisa teve de ser reinventado, afinado para
que o prosseguimento da partitura fosse harmônico.
Essa investigação preocupou-se em analisar se os Cursos de Licenciatura em
Letras e Matemática da URI – Campus de Frederico Westphalen organizam-se de
modo satisfatório para que os alunos se desenvolvam como profissionais eficientes,
reflexivos, autônomos, com base para ensinar e aprender com rigor, seriedade,
encantamento, ética e estética, enfim, estão preparados para atuarem nas
complexas situações da sala de aula, num mundo globalizado, cada vez mais
exigente. E, assim, analisei como foi percebida pelos egressos a arte de aprender e
ensinar na formação docente dos Cursos de Graduação em Letras e Matemática da
URI/FW, e qual a sua interferência na arte de aprender e ensinar desses alunos
egressos em suas práticas pedagógicas.
E, nessa concepção, através de teorias em que fundamentei a presente
escrita, percebi várias afirmações que fortalecem a importância do trabalho
pedagógico prático e outras que afirmam a teoria como fundamental para a
consistência da atuação prática. Além disso, o trabalho inseriu-se na discussão da
arte de aprender e ensinar, como fundamento de um aprender e um ensinar que
tenham como alicerce a criatividade, a busca, a pesquisa, enfim, o prazer da
83
apropriação do conhecimento. Então, com essa investigação, que se originou de
uma experiência prática em confronto com teorias, busquei compreender como
ocorre esse processo na realidade, na relação teoria e prática.
6.1 Sustentação teórico-metodológica
Esta pesquisa, inicialmente, analisou processos da formação docente
presentes na literatura, consciente de que pesquisar é um conjunto de ações
propostas para encontrar a solução para um problema. Escolher um tema de
pesquisa significa eleger uma parcela delimitada de um assunto, estabelecendo
limites ou restrições para o seu desenvolvimento. A definição do tema surgiu com
base na observação do cotidiano na vida profissional do professor, em contato e
relacionamento com colegas, bem como em pesquisas já realizadas.
Esta pesquisa está fundamentada na abordagem qualitativa que tem “o
ambiente natural como sua fonte direta de dados e o contato direto do pesquisador
como seu principal instrumento” (LÜDKE e ANDRÉ, 1986, p. 11). Para as autoras, a
pesquisa qualitativa supõe contato direto do pesquisador com o ambiente e a
situação a ser investigada, através do trabalho de campo. Ela se firma na obtenção
de dados descritivos mediante contato direto e interativo do pesquisador com a
situação objeto de estudo.
Destaco, o caráter qualitativo, pois considero que há uma relação dinâmica
entre o mundo real e o sujeito, isto é, um vínculo indissociável entre o mundo
objetivo e a subjetividade do sujeito. Para André (1995, p. 81), “dentro dessa linha
de pesquisa, admite-se que não existe uma única e exclusiva forma de interpretação
do real”.
84
É fato que, como coloca Gil (1999), um bom pesquisador precisa, além do
conhecimento do assunto, ter curiosidade, criatividade, integridade intelectual e
sensibilidade social. São, igualmente, importantes a humildade para ter atitude
autocorretiva, a imaginação disciplinada, a perseverança, a paciência e a confiança
na experiência. Assim, busquei aglutinar esses fatores com dedicação para
desenvolver a pesquisa.
Uma dimensão importante de uma investigação é a revisão de literatura. Essa
se refere à fundamentação teórica adotada para tratar o tema e o problema de
pesquisa. Resulta do processo de levantamento e análise do que já foi publicado,
sobre o tema e o problema de pesquisa escolhido, permitindo um mapeamento de
quem já escreveu e o que já foi escrito sobre o tema e/ou problema da pesquisa.
Para Luna (2000), a revisão de literatura em um trabalho de pesquisa pode ser
realizada com os seguintes objetivos:
- determinação do “estado da arte
23
”: o pesquisador procura mostrar
através da literatura publicada o que já sabe sobre o tema, quais as lacunas
existentes e onde se encontram os principais entraves teóricos ou metodológicos;
- revisão teórica: inserir o problema de pesquisa dentro de um quadro de
referência teórica para explicá-lo. Geralmente, acontece quando o problema em
estudo é gerado por uma teoria, ou quando não é gerado ou explicado por uma
teoria particular, mas por várias. De acordo com Marre (1991), a revisão de literatura
fornece relações básicas ou sugere outras, possibilita focos de abordagem teórica
da realidade, bem como, avalia o próprio projeto de pesquisa em seu conjunto.
23
Na busca de uma qualificação do processo de pesquisa, especialmente, em relação à análise dos
achados, revisei pesquisas nessa área em eventos da ANPED (Associação Nacional de Pós-
Graduação e Pesquisa em Educação) e ENDIPE (Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino)
para utilizá-los como referências, sem a preocupação de trabalhá-los como modelos.
85
Esta pesquisa transitou por vários autores, que iluminaram, com suas
diretrizes teóricas, a realidade e a esperança de ver a educação com uma melhor
qualidade, mais alegria e aprendizagem. Nesse sentido, para compor a revisão
teórica, apoderei-me da teoria freireana e dos escritos de Tardif, Arroyo, Cunha,
Fernandes, Nóvoa, Pimenta, Rios, Giroux, Zeichner, entre outros, na perspectiva de
que a confluência desses contributos teóricos ensejasse a compreensão da
realidade acerca da formação docente, de um aprender e ensinar mais feliz.
De acordo com Luna (2000, p. 10), “a metodologia é um instrumento
poderoso justamente porque representa e apresenta os paradigmas de pesquisa
vigentes e aceitos pelos diferentes grupos de pesquisadores, em um dado período
de tempo”.
Nesse caminho, estabeleço aproximações ou conclusões provisórias sobre o
objeto de estudo, já que o processo de conhecimento é sempre inconcluso. Sem
desacreditar ou desmerecer esse esforço, interessa inserir uma parcela significativa
e específica da realidade na totalidade do conhecimento já produzido sobre a
temática, na busca dos determinantes essenciais da realidade concreta.
6.2 Problema de pesquisa
As notas da investigação buscaram a compreensão do foco de estudo. Assim,
enfatiza Gatti (2002, p. 57) que
saber enunciar problemas exige experiência e maturação diante de uma
temática. É problema uma questão que não tem uma resposta plausível
imediata ou evidente.
Nessa trajetória, enuncia-se a questão da pesquisa:
- como foi percebida pelos egressos a arte de aprender e ensinar na formação
86
docente dos Cursos de Graduação em Letras e Matemática da URI/FW? E qual a
sua interferência na arte de aprender e ensinar desses alunos egressos em suas
práticas pedagógicas?
6.3 Escolha dos atores
A escolha dos sujeitos desta pesquisa procedeu-se pela formação nos Cursos
de Graduação (egressos) em Matemática e Letras da URI – Campus de Frederico
Westphalen, compreendidos pelo currículo de 1999 a 2005.
Esse critério adveio da conexão entre experiências teóricas (formação
universitária) e as práticas dos egressos. Destaco que o Curso de Matemática iniciou
no ano de 1999 e o Curso de Letras foi o primeiro da universidade (1970). Assim,
defini os sujeitos no intuito de melhor visualizar a realidade compreendida entre os
anos de 1999 a 2005, tendo como princípio, como enfatiza Minayo (1998), abranger
a totalidade do problema investigado em suas múltiplas dimensões.
A escolha pelos Cursos de Graduação em Letras e Matemática procedeu
devido à necessidade de uma maior investigação dessas áreas do conhecimento,
bem como ao fato de não haver tantos estudos direcionados para os cursos em
pauta com o tema a arte de ensinar e aprender.
Para a pesquisa, foram escolhidos cinco alunos egressos de cada curso.
Destaco que, para definição dos sujeitos, foram selecionados professores da rede
pública e particular que trabalham no Município de Frederico Westphalen
24
.
Destaco que foram escolhidos cinco docentes egressos que atuam nas
disciplinas de Matemática e Física e cinco que atuam na área de Letras, mais
especificamente, nas disciplinas de Língua Portuguesa e Literatura.
24
Destaco que não há muitos alunos egressos do Curso de Licenciatura em Matemática da URI/FW
atuando no magistério em Frederico Westphalen, pois formaram-se apenas três turmas até o ano de
2005.
87
Quadro Resumo - Entrevistas com Professores
CURSO Nº DE PROFESSORES DISCIPLINAS
Matemática 05 Matemática e Física
Letras 05 Língua Portuguesa/Literatura
6.4 Coleta dos dados
Para a presente pesquisa, de caráter qualitativo, foi realizado um
levantamento de dados, através de narrativas e entrevistas semi-estruturadas, com
profissionais docentes egressos dos cursos de Licenciatura da URI – Campus de
Frederico Westphalen, tornando possível o contato com a realidade empírica.
Destaco as narrativas, pois como enfatiza Cunha (1998, p. 39), “quando uma
pessoa relata os fatos vividos por ela mesma, percebe-se que reconstrói a trajetória
percorrida dando-lhe novos significados”. O professor constrói a sua postura com
inúmeras contribuições, sendo essas na família, na vida escolar, na sociedade, no
trabalho,.... Assim, pretendi provocar que esse organizasse, através de narrativas,
sua trajetória, descobrindo os significados que possuem os fatos já vividos,
articulando ao processo de acadêmico na universidade e relacionando com o seu
ser e fazer pedagógico em sala de aula.
Cunha (2002, p. 39) destaca que “a narrativa provoca mudanças na forma
como as pessoas compreendem a si próprias e aos outros. E, ainda, (p. 42) “a
perspectiva de trabalhar com narrativas tem o propósito de fazer a pessoa tornar-se
visível para ela mesma”.
Assim sendo, utilizei esse aporte para conhecer a realidade do docente, suas
histórias e memórias e, então, melhor compreender e alicerçar o estudo em foco,
pois, como aponta Larrosa (1999 p. 48),
88
o sentido do que somos depende das histórias que contamos e das que
contamos a nós mesmos (...), em particular das construções narrativas nas
quais cada um de nós é, ao mesmo tempo, o autor, o narrador e o
personagem principal.
Também utilizei entrevistas, tendo ciência de que, como enfatiza Szymanski
(2002, p. 40), “uma entrevista é uma situação de interação humana”. E, como
salientam Lüdke e André (1986, p. 37), que “a grande vantagem da entrevista sobre
outras técnicas é que ela permite a captação imediata e corrente da informação
desejada, praticamente com qualquer tipo de informante e sobre os mais variados
tópicos”. E, ainda, Minayo:
a entrevista (...) está sendo por nós entendida como uma conversa a dois
com propósitos bem definidos. Num primeiro nível essa técnica caracteriza-
se por uma comunicação verbal que reforça a importância da linguagem e
o significado da fala. Já, num outro nível, serve como um meio de coleta de
informações sobre um determinado tema científico (1998, p. 57).
Para Lakatos (1993, p. 195-996), a entrevista tem sido considerada como “um
encontro entre duas pessoas, a fim de que uma delas obtenha informações a
respeito de determinado assunto, mediante uma conversação de natureza
profissional”.
Minayo, em relação à pesquisa de campo, destaca que “se apresenta como
uma possibilidade de conseguirmos não só uma aproximação com aquilo que
desejamos conhecer e estudar, mas também de criar conhecimentos, partindo da
realidade presente no campo” (1998 p. 51).
De acordo com Moura (1998), a entrevista estabelece um contato face a face
entre as pessoas. Tendo como caráter a semi-estrutura, possibilitou adicionar,
modificar de acordo com os objetivos do estudo, considerando as informações
relevantes para o processo de estruturação da pesquisa.
Para André (1995, p. 61), “o uso da sensibilidade na fase da coleta significa,
por um lado, saber ver mais do que o óbvio, o aparente. Significa tentar capturar o
89
sentido dos gestos, expressões não-verbais, das cores, dos sons e usar essas
informações.
Dessa forma, o estudo utilizou como procedimentos básicos: histórias de vida
(narrativas) e entrevistas semi-estruturadas, mapeando a relação da percepção da
arte de aprender e ensinar apreendida no curso de graduação com a prática
pedagógica dos profissionais egressos.
Na busca de sistematizar o trabalho, foram seguidas as etapas descritas
abaixo.
Primeira etapa
- Diálogo com professores (dez egressos escolhidos) dos Cursos de
Graduação em Letras e Matemática da URI - Campus de Frederico Westphalen,
elencando os objetivos e a importância da pesquisa (a relação/influência da arte de
aprender e ensinar no curso de graduação com a realidade da sala de aula –
trabalho cotidiano).
Segunda etapa
- Relatos das histórias de vida, narrativas (por escrito):
* experiências vivenciadas pelo educador, quando discente de um curso
de graduação, determinando fatos, instantes e momentos que para eles foram
cruciais e constitutivos na prática pedagógica;
* a sua trajetória, os conhecimentos adquiridos e qual o valor no seu
trabalho cotidiano.
Terceira etapa
- Aplicação de entrevista semi-estruturada, apoiada nas narrativas dos
professores sujeitos e do problema desta investigação.
90
Quarta etapa
- Análise das interferências do curso de graduação na prática pedagógica,
utilizando-se das narrativas (histórias de vida) e das entrevistas semi-estruturadas.
6.5 Análise e interpretação dos dados
Lüdke e André (1986, p. 25) afirmam que “é muito provável que, ao olhar para
o mesmo objeto ou situação, duas pessoas enxerguem diferentes coisas. O que
cada pessoa seleciona para ‘ver depende muito de sua história pessoal e
principalmente de sua bagagem cultural”.
Para análise e interpretação dos dados coletados, utilizei os princípios da
técnica de análise de conteúdo, procurando encontrar padrões ou regularidades nos
dados e, posteriormente, alocá-los dentro desses padrões, através do exame de
porções do texto, e relacioná-los com a revisão da literatura abordada na pesquisa,
pois, como enfatiza Triviños (1987, p. 159), “qualquer técnica adquire sua força e
seu valor exclusivamente mediante o apoio de determinado referencial teórico”.
Para Laville (1994, p. 214), “o princípio da análise de conteúdo consiste em
desmontar a estrutura e os elementos desse conteúdo para esclarecer suas
diferentes características e extrair sua significação”.
Também foram analisadas as entrevistas através de categorias que, como
salienta Minayo (1998, p. 70), “se referem a um conceito que abrange elementos ou
aspectos com características comuns ou que se relacionam entre si”. Então,
trabalhar com elas significa agrupar elementos, idéias em torno de um conceito
abrangente.
Para a análise, utilizei as três fases descritas por Minayo (1998):
91
Etapa 1
- PRIMEIRA FASEorganizar o material a ser analisado. No caso, as
entrevistas realizadas e as histórias de vida/narrativas;
Etapa 2
- SEGUNDA FASE - aplicar o que foi definido na fase anterior, conectando
com as categorias;
Etapa 3
- TERCEIRA FASEdesvendar o conteúdo subjacente ao que está sendo
manifesto, analisando e relacionando as entrevistas e narrativas, com a teoria
elencada na pesquisa em pauta.
Nessa linha, ambicionei desenvolver a presente pesquisa, aceitando o desafio
sem esquecer que as descobertas são provisórias. Como coloca Sousa Santos
(2000, p. 54),
a incerteza do conhecimento, que a ciência moderna sempre viu como
limitação técnica destinada a sucessivas superações, transformando-se na
chave do entendimento de um mundo que mais do que controlado tem de
ser contemplado.
Percebo, então, que uma das grandes aprendizagens é saber compartilhar
para redescobrir, já que o olhar de pesquisador vasculha lugares, muitas vezes já
visitados, sendo importante o modo diferente de olhar. E, ainda, que pesquisar é
uma grande aventura, que exige rigorosidade, criatividade, dedicação e espírito de
busca. E, apoderando-me das palavras de Nóvoa,
o professor é a pessoa. E uma parte importante da pessoa é o professor.
Urge, por isso, (re)encontrar espaços de interação entre as dimensões
pessoais e profissionais, permitindo aos professores apropriar-se dos seus
processos de formação e dar-lhes um sentido no quadro das suas histórias
de vida (1992, p. 25).
7 ORGANIZANDO O CONCERTO
A escola enche o menino de matemática, de geografia, de
linguagem, sem, via de regra, fazê-lo através da poesia da
matemática, da geografia, da linguagem. Carlos Drummond de
Andrade
Orquestra, na linguagem da música, é um conjunto de instrumentos afinados
que produzem sons harmoniosos. Neste trabalho, esta linguagem é utilizada como
simbologia, já que o aprender e o ensinar também se articulam de sons regulares e
irregulares para compor o conhecimento, a aprendizagem.
Este capítulo descreve a análise dos dados, a organização interpretativa entre
a teoria estudada e as falas dos atores, realizadas através de narrativas e
entrevistas com professores egressos dos Cursos de Letras e Matemática da URI –
Campus de Frederico Westphalen. O trabalho é realizado através da associação de
categorias e os cursos são analisados em conjunto. Esse processo ocorreu através
de estudos de autores na área, bem como da leitura e releitura das escritas e falas
dos entrevistados.
7.1 A arte/estética do aprender e do ensinar: o belo da orquestra
A arte de aprender e de ensinar, neste trabalho, configura-se como
fundamento de um aprender e ensinar criativo, dinâmico, alegre e prazeroso, no qual
a busca
25
e a pesquisa sejam uma constante. Para Freire (1994, p. 81), “ensinar é
25
Para Rios, em palestra proferida em 29 de maio 2006, no Encontro Pare e Pense, promovido pela
ONG Parceiros Voluntários e o Consulado Geral dos Estados Unidos da América - São Paulo,
“busca” significa que o ser humano não possui a “posse”.
93
um ato criador, um ato crítico e não mecânico. A curiosidade do professor e dos
alunos, em ação, encontra-se na base do ensinar-aprender”.
Ao questionar os professores dos Cursos de Letras e Matemática da URI –
Campus de Frederico Westphalen sobre o aprender e o ensinar com arte, percebo,
pelas falas, que esse sentido se processa através do ensinar um conhecimento de
maneira prazerosa, contextualizada e criativa, bem como na significação/sentido do
conteúdo para a vida do aluno. Colocam que “é ensinar com sentimento, emoção,
não enfocando somente o conhecimento, mas também a vivência de cada aluno, a
vida e a realidade”. Do mesmo modo, enfatiza um entrevistado que
se a gente gosta do que faz, se apaixona, faz com prazer, torna-se gostoso
para o aluno e para o professor também. É o momento de aprender com
prazer. Eu vejo que na Matemática, e também em outras disciplinas, é
possível ensinar de uma forma prazerosa (Professor egresso do Curso de
Matemática – URI/FW).
Para Cortella (2003, p. 124-125), “a alegria vem, em grande parte, da leveza
com a qual se ensina e se aprende, vem da atenção àquelas perguntas que
parecem fora do assunto, mas que vão capturar o aluno para outro passeio pelos
conteúdos; vem da percepção de que aquilo que se está estudando tem um sentido
e uma aplicabilidade (mesmo não imediata)”.
Para um professor egresso
26
do Curso de Matemática - URI/FW:
eu acho que ensinar com arte é a criatividade. Na faculdade temos a base,
os conteúdos, mas todas as pessoas têm isso, todos chegam a ser
docentes passando pela graduação e aprendendo a mesma coisa, mas o
algo a mais, o diferencial está em você: utilizar a criatividade
.
Um professor interlocutor do Curso de Matemática afirma que, apesar de
trabalhar com uma disciplina que é considerada um “pouco difícil”, tenta ensinar com
arte e, ao mesmo tempo, aprende muito com os alunos. Acredita que ensinar com
arte é conseguir fazer o aluno entender e sentir que a Matemática também é
26
Ao citar, neste trabalho, professor egresso, refiro-me ao aluno egresso dos Cursos de Letras e
Matemática da URI/FW, atual professor de Educação Básica e interlocutor dessa investigação.
94
prazerosa. Então, a partir do momento que surpreende o aluno, ensinando a ele de
uma forma diferente, fazendo com que consiga entender, acredita estar ensinando
com arte.
Em geral, os depoimentos dos professores enfatizam a necessidade do gostar
da profissão, um gostar como prazer, satisfação pelo trabalho realizado. E, para
Souza (1996, p. 120), “prazer aparece como condição intrínseca à docência: sem
gostar não se é professor”.
E, na perspectiva de um professor entrevistado,
ensinar com arte é o ensinar, porque hoje os nossos alunos não são como
antigamente. Não basta chegar lá na frente, só falar e achar que isso é o
ensinar. Hoje precisamos ir muito além disso. Os alunos têm acesso a
muitas outras informações, que não são transmitidas apenas pelo
professor. Há os meios de comunicação que influenciam, então o professor
precisa preparar uma aula dinâmica, o educador precisa ser dinâmico,
afetivo, demonstrar ao aluno que gosta de ensinar. Quando você é
dinâmico e mostra para o aluno que gosta do que faz, aí, com certeza, ele
vai aprender com arte (Professor egresso do Curso de Letras – URI/FW).
Nesse sentido, utilizo os dizeres de Freire (1996, p. 160): “a afetividade não
se acha excluída da cognoscibilidade”. E, pelas das falas dos interlocutores, posso
afirmar que a maioria considera a arte de aprender e ensinar como algo presente
através de um ensino afetivo e dinâmico, voltado para a vida do discente. Rios
(2001, p. 131) complementa que “ afetividade traz cor e calor à prática educativa. E
beleza”.
Questionando sobre o aprender e ensinar com arte, um professor egresso do
Curso de Matemática da URI/FW enfatiza que seria a contextualização, a forma de
ensinar voltada ao individual dos alunos, ao que ele já traz de conhecimento, à sua
realidade, ao seu trabalho, ao seu dia-a-dia. Também, sistematizar as informações
do melhor modo, possibilitando que o aluno aprenda, muitas vezes colocando-se no
lugar dele. Ainda, que o professor precisa fazer algo diferente do papel, caneta,
professor, quadro, giz. Cortella (2003) reforça, afirmando que os conteúdos podem
95
ser ensinados de modo diferente, partindo das ocupações prévias que os discentes
carregam, contextualizando-os e inserindo-os em um cenário marcado pela alegria.
Para um entrevistado egresso do Curso de Letras, o professor deve ensinar
com arte, deve ser um artista, pois é tanta tecnologia evoluindo rapidamente. Então,
hoje, o professor deve ser dinâmico, criativo e sem separar a aprendizagem do
ensinar com estética. Cunha (2000, p. 48) salienta que “há, entretanto, uma função
que a máquina não faz, pois só a sensibilidade humana pode intervir interpretativa e
interativamente no conhecimento. Essa função é ser ponte entre o conhecimento
disponível de todas as maneiras e as estruturas cognitivas, culturais e afetivas dos
educandos”. Também Lorieri e Rios (2004 p. 55) enfatizam que “a dimensão estética
diz respeito à presença da sensibilidade, da afetividade no trabalho educativo”.
Nesse sentido, observo em alguns professores sujeitos da pesquisa que,
mesmo permeados por dificuldades no magistério, o gostar da profissão ainda se
destaca.
Eu acredito que, no Português, ensinar com arte é pôr a língua na
praticidade, é a arte da linguagem, da comunicação. Eu fico meio
desiludida pela questão da educação (greve, descaso), mas quando entro
em sala de aula é muito estranho, eu gosto. Durante a greve
27
comecei
pensar em mudar de profissão. Então, analisei os cursos de graduação da
URI: na área da saúde, não gosto; no Direito, não gosto. Pensei que podia
fazer Letras novamente (Professor egresso do Curso de Letras – URI/FW).
Percebo, então, como salientam Lorieri e Rios (2004, p. 54), que “é
justamente enfrentando os problemas e procurando superá-los que teremos
possibilidade de instalar o prazer e a alegria na escola”. E acredito nessa
possibilidade, pois vislumbro nos professores a consciência da problemática
educacional, das políticas públicas que, muitas vezes, não vêm ao encontro da
qualidade. A maioria mantém a esperança, a alegria de ser professor e a
preocupação com a busca, a pesquisa, a realização própria e, também, de seus
27
O entrevistado referiu-se à greve do Magistério Público Estadual/RS, ocorrida no mês de março do
ano de 2006.
96
alunos. Em Pimenta (2002a, p. 77), visualizo que “é na leitura crítica da profissão
diante das realidades sociais que se buscam os referenciais para modificá-la”.
Ao referir-me, nas entrevistas, acerca do gostar de ensinar, todos os
professores assinalam positivamente. Isso se confirma no depoimento de um
professor egresso do Curso de Letras que salienta ser prazeroso ver a descoberta
no rosto das crianças e jovens. Oportunizar atividades interessantes e diferentes
propicia o prazer de estar em sala de aula.
Outro professor egresso do Curso de Letras argumenta o seguinte:
com certeza. Porque eu acho que a profissão professor e o ensinar são
muito bonitos. Eu vejo que hoje o professor, apesar de toda a
desvalorização, dos problemas salariais (a própria sociedade que não
acredita muito no professor), exerce uma função primordial na sociedade. E
não é ser professor, é ser educador. É ensinar o conteúdo, mas ensiná-lo
para a vida. E o educador, muitas vezes, é pai, mãe, amigo. O que eu
gostaria, principalmente por também ser professora de magistério, era que
os meus alunos, no futuro, pudessem estar em sala de aula e dissessem
que gostariam de dar uma aula como eu dei, pensar em mim como um
exemplo, não só como transmissora de conteúdos, mas educadora, isso
pra mim seria a maior realização.
A maioria dos professores interlocutores demonstra que gosta da profissão,
mesmo diante da desvalorização salarial e social. A alegria de ver o aluno aprender,
a amizade, a crença de que esse ser humano está construindo sua vida com sua
ajuda é o que faz com que esse professor valorize o seu ser/fazer pedagógico.
Assmann coloca o “prazer como dinamizador do conhecimento” (2000, p. 30). E,
realmente, posso afirmar que o prazer dos professores investigados é o que
dinamiza e faz com que busquem inovar o seu ensinar e aprender. Afirmam gostar
de ensinar, de trazer novidades; gostam quando o aluno pergunta, contesta, porque
se sentem úteis: alguém está ouvindo, aprendendo e interessando-se. E, ainda, nas
palavras de um professor egresso do Curso de Letras:
eu adoro dar aula porque nós formamos cidadãos, esse é o grande motivo.
É gratificante a amizade dos alunos mesmo fora da sala de aula, ver que o
aluno lembra de você, mesmo depois de meses, anos. E saber que ele se
97
encaminhou para a vida profissional com a sua ajuda. Independente de
questões salariais.
Nesse sentido, Freire (1996, p. 165) afirma que,
como prática estritamente humana, jamais pude entender a educação
como uma experiência fria, sem alma, em que os sentimentos e as
emoções, os desejos, os sonhos devessem ser reprimidos por uma espécie
de ditadura reacionalista. Nem tampouco jamais compreendi a prática
educativa como uma experiência que faltasse o rigor em que se gera a
necessária disciplina intelectual.
Na concepção da maioria dos professores egressos do Curso de Matemática,
o gostar da profissão é muito gratificante. É recíproco o aprender e o ensinar e é
nessa interação da busca conjunta, da pesquisa, que se realizam.
Eu acho que escolhi certo a profissão. É gratificante acompanhar a
evolução dos alunos, a construção do conhecimento. Eu pretendo ficar
anos na mesma escola podendo acompanhar os alunos, observando a
evolução não só física, mas uma evolução do conhecimento. Também
acho importante a socialização, não só no sentido do conteúdo, mas em
todos os outros sentidos. Não sendo só generoso, mas também sendo
rígido. Às vezes, temos que ser rígidos porque depois a sociedade não vai
passar a mão na cabeça deles. Nem todos podem ser aprovados em todos
os momentos. Gosto porque trabalhamos com seres humanos, envolve
família e sociedade.
Para Freire (1996, p. 161), “a prática educativa é tudo isso: afetividade,
alegria, capacidade científica, domínio técnico a serviço da mudança”.
Ao questionar os professores sobre como descreveriam um ensinar e
aprender com encantamento, enfatizam que é a realização, é fazer com que o aluno
goste da aula, aprenda com prazer e alegria; mas que isso só é possível com
planejamento, organização e gosto pelo que se faz. Para muitos, principalmente do
Curso de Matemática, é a contextualização, é observar que o aluno está
aprendendo, bem como a troca de conhecimento. Abaixo, a fala de um professor
egresso do Curso de Letras:
em primeiro lugar, o professor tem que gostar do que faz e transmitir isso,
porque é muito importante que o aluno sinta isso, aquele brilho, aquele
sentimento que vem de dentro. E, se o professor prepara suas aulas e
ensina de forma dinâmica, com certeza, vai encantar seus alunos e se
realizará. Também ter vontade de dar aula, os gestos do professor são
muito importantes. Ainda, uma aula com encanto deve ter elogio, o
professor elogiar seus alunos nas suas conquistas, isso estimula o
98
aprender. Nós não sabemos o poder que tem o elogio. Fazer uma aula não
com transmissão, mas com participação e construção do conhecimento, e
isso também é decorrente de uma troca de carinho entre professor e aluno,
ocorrendo crescimento de ambos.
Ainda para um professor:
eu acredito que seja a contextualização. A maior briga nossa enquanto
acadêmicos era que tínhamos disciplinas voltadas para o matemático e nós
nos perguntávamos para quê aquilo, onde utilizar. Então, aprender com
encantamento é observar uma função específica e real dos conteúdos para
o ser humano. E você ensinar dessa maneira é o encantamento para o
aluno (Professor egresso do Curso de Matemática – URI/FW).
Para Arroyo (2001, p. 81), “o que leva o docente a se dedicar e com eficiência
ensinar sua matéria? É a crença, o valor dado, a importância dada a essa
aprendizagem para um dado ideal de ser humano, para um projeto de sociedade”.
Assim, para a maioria dos professores entrevistados, ensinar com
encantamento é possibilitar ao educando aulas dinâmicas, utilizando várias
possibilidades, demonstrando que gosta de estar em sala de aula, independente de
todas as dificuldades que permeiam a educação e o ambiente escolar. Dedicar-se ao
ensinar e ao aprender como um ato prazeroso, dinâmico, criativo e amoroso.
Outro depoimento de um professor egresso do Curso de Letras compreende
que “é fazer com que o aluno não boceje em sala de aula. Deve ser uma aula
criativa, dinâmica. A postura do professor influencia muito, até mesmo a postura
física, o tom de voz. A questão do encantamento também entra nos instrumentos
que se utiliza para dar aula, tem que variar os métodos de ensino”. Além disso, outro
interlocutor ressalta que o principal é o professor se colocar no lugar do aluno: “eu,
enquanto aluno, gostaria de estar na situação do meu aluno?” (Professor egresso do
Curso de Matemática – URI/FW). Freire (1996) enfatiza que não se pode imaginar o
que um simples gesto do professor, um balançar a cabeça pode significar na vida de
um aluno. Nesse sentido, expõe um professor entrevistado:
99
para mim é ter alegria, é conseguir trocar conhecimentos com colegas e
alunos. Quando o professor chega com entusiasmo, alegria, o aluno
corresponde a isso. Também considero encantador o toque no aluno,
chegar perto, conversar, pedir se está conseguindo realizar as atividades,
mostrando que tem atenção e carinho, que ele é importante (Professor
egresso do Curso de Matemática – URI/FW).
Para Pimenta (2002, p. 78), “conhecemos com as teorias, com a nossa
experiência. Mas também conhecemos por intermédio das emoções, do olhar
instrumental, da sensibilidade, da cognição, do afeto”.
Nesse aspecto, Freire (1996, p. 135) assenta que “escutar é obviamente algo
que vai mais além da possibilidade auditiva de cada um. Escutar (...) significa a
disponibilidade permanente por parte do sujeito que escuta para a abertura à fala do
outro, ao gesto do outro, às diferenças do outro”.
Outro professor interlocutor ressalta que
ensinar com encantamento é gostar do se faz, só há encanto quando se
gosta. O aprender exige um pouco do aluno, às vezes não é só do
professor, pois este, por vezes, tenta de várias maneiras envolver o aluno,
que também precisa estar aberto. É aí que vejo que o ambiente escolar
deve ser um engajamento de toda a comunidade escolar, incentivo à
cultura. Às vezes, há escolas com os mesmos professores, mas que devido
ao engajamento dos pais, da comunidade, uma torna-se melhor que a
outra. Eu acredito que é a comunidade escolar encantada com o aprender
(Professor egresso do Curso de Letras – URI/FW).
Perante os depoimentos dos professores entrevistados, constato a
necessidade de que toda a comunidade escolar esteja presente na escola, bem
como de incentivar a cultura. Arroyo (2001, p. 123) ressalta que é imprescindível “dar
condições aos docentes para que sejam mediadores da cultura”.
Observo que a maioria dos interlocutores dessa pesquisa, egressos dos
Cursos de Letras e Matemática, demonstram alicerçado o gosto pelo aprender e
ensinar e que, novamente, colocam a criatividade, a contextualização, a metodologia
dinâmica, o envolvimento discente e a valorização do ser humano como primordiais
100
para a efetiva qualidade de uma aula. E é Arroyo que complementa, afirmando que
“sempre nossa docência será uma humana docência” (2001, p. 83).
Ao questioná-los sobre a possibilidade de aprender e ensinar com encanto,
todos os entrevistados acreditam ser possível. Lorieri e Rios (2004, p. 59) interrogam
o seguinte: “como fazer, efetivamente, para construir a alegria na escola, para criar
condições para um trabalho prazeroso, apesar dos entraves e das dificuldades?”.
Os professores dos cursos de licenciatura entrevistados enfatizam que é
possível, mas não é fácil, pois depende de muitos aspectos, não apenas do trabalho
do professor. Os alunos, a realidade social, o material pedagógico e a estrutura da
escola influenciam muito. Mas confirmam que o professor motivado, gostando do
que faz, já é um longo caminho andado. Por vezes, o professor transforma uma
turma para melhor. É possível quando o professor se dedica, quando se dispõe a
preparar uma aula, diversificar as atividades. Também salientam que há professores
que trabalham 60 (sessenta) horas (para sobreviver) e não têm tempo para preparar
aulas diferentes. E afirmam que, para ensinar com arte/encanto, precisam de tempo
de planejamento. Para Arroyo (2001 p. 151), “nos afirmamos na medida em que
explicitamos, aprofundamos e sistematizamos”. E Assmann (2000, p. 32) diz que “a
educação só consegue bons ‘resultados’ quando se preocupa com gerar
experiências de aprendizagem, criatividade para construir conhecimentos”.
Freire (1996, p. 134) auxilia nessa reflexão quando afirma que
ensinar e aprender têm a ver com o esforço metodicamente crítico do
professor de desvelar a compreensão de algo e com o empenho
igualmente crítico do aluno de ir entrando como sujeito da aprendizagem,
no processo de desvelamento que o professor ou professora pode
deflagrar. Isso não tem nada que ver com transferência de conteúdo e fala
da dificuldade mas, ao mesmo tempo, da boniteza da docência e da
discência.
Interlocutores do Curso de Letras descrevem o professor como um
profissional do encanto, com aulas dinâmicas e agradáveis, sem desvincular ensinar
101
e aprender do encanto. Para Lorieri e Rios (2004, p. 66), “a alegria é produzida por
um trabalho que ‘dá gosto’”. E para um professor egresso:
é uma questão de vocação. O que desmotiva o professor, mesmo aquele
que gosta de ensinar, é a falta de interesse dos alunos e a questão salarial,
mas se o professor realmente nasceu para dar aula ele vai saber valorizar
os pontos positivos da profissão em detrimento aos pontos negativos. O
encanto vem no prazer de estar em sala de aula, pois nas férias não vejo a
hora de voltar para a escola (Professor egresso do Curso de Letras –
URI/FW).
No depoimento de um entrevistado do Curso de Letras:
sim, eu acredito que sim, gostando daquilo que se faz. Eu não acho que é
trazendo peripécias, não é trazendo maravilhas, eu acho que é fazendo o
que se gosta com vontade.
Freire (1987, p. 38), sobre o gostar de ensinar, complementa que “aprendeu
como ensinar na medida em que mais amava ensinar e mais estudava a respeito”.
Um professor do Curso de Matemática acredita ser possível, mas questiona o
seguinte:
o que o professor está fazendo em sala de aula hoje? Ele entra numa
escola e esta tem uma listagem de conteúdos a serem cumpridos e pede
para relacionar os conteúdos pensando no vestibular, enfatizando o
Peies
28
. Então tem toda uma carga de conteúdos para vencer. E a
educação é só ‘encher caderno’ para o vestibular. E o ensinar para a vida
onde fica? Vejo que o ensinar com encanto tem relação com a busca das
necessidades, do interesse dos alunos, mesmo com um conteúdo
programático o professor tem que fazer o diferencial na maneira de passar,
na forma de ensinar, nos macetes e na metodologia.
Arroyo (2001, p. 187) auxilia nessa reflexão do professor de Matemática
quando enfatiza que “a preocupação com preparar para a vida, para se virar no
mercado competitivo continuará como um pesadelo a perturbar nossos sonhos
pedagógicos”.
E, nesse contexto, enfatizo que somos “marcados” por uma lógica de
mercado que observa e planeja a educação para o trabalho competitivo, que
28
PEIES – Programa de Ingresso ao Ensino Superior, implantado pela UFSM em 1994, com provas
de acompanhamento realizadas ao final de cada série do Ensino Médio.
102
observa e, planejadamente, articula a educação para o seu benefício, não para a
humanização
29
e hominização
30
.
Através da observação da teoria e da análise das narrativas e entrevistas dos
professores egressos do Curso de Letras, da URI – Campus de Frederico
Westphalen, sujeitos desta pesquisa, percebo que a arte de aprender e ensinar está
bem fundamentada entre os educadores. Ocorre a preocupação com a
aprendizagem dinâmica, real, prazerosa e com qualidade. Observo, também, que
alguns estão desmotivados pela desvalorização do magistério, angustiados pelo
salário, pelo desprestígio social. Mas mesmo assim, permanecem convictos de que
o ensinar e o aprender precisam estar permeados pelo lado estético, amoroso e
alegre. Para Rios (2001, p. 99-100), “ação docente envolve (...) técnica e
sensibilidade. E a docência competente mescla técnica e sensibilidade orientadas
por determinados princípios, que vamos encontrar num espaço ético-político”.
E, ademais, complementa Rios (2001, p. 130): “a alegria se constrói em coro”.
Vejo essa possibilidade quando, como enfatiza um professor entrevistado, há a
necessidade de buscar a comunidade escolar, motivar pais, alunos, professores e
direção para que o ensino aconteça de modo alegre, prazeroso e com mais
qualidade.
A ação docente pode ser criadora de felicidade. A felicidade não está
presente na escola na hora do recreio, na festa junina ou na comemoração
de aniversários – ela está presente quando se aprendem os conteúdos
necessários para a inserção na sociedade, quando se respeitam os direitos
de todos, quando se aprimoram as condições de trabalho” (RIOS, 2001, p.
131).
Também ressalto que os professores interlocutores sabem a dificuldade e
complexidade de seu trabalho educativo e têm consciência de que, como diz Freire,
29
Para Cortella (2003, p. 43), humanização é “um conceito ético que indica o processo de criar
condições de vida digna para as pessoas como um todo”.
30
Cortella (2003, p. 43) enfatiza que é a “noção do humano produzir-se, produzindo cultura e sendo
por ela produzido”.
103
“ensinar, aprender, estudar são atos sérios, mas também provocadores de alegria”
(2000, p. 72).
7.1.1 As perspectivas de um curso de graduação: acordes regulares e
irregulares
Na perspectiva de que tudo o que fizemos tem um motivo, pretendo mostrar
como se procedeu, nos entrevistados, a busca pelo curso de graduação. O objetivo
é perceber sua relevância, história e articulação com a estética do aprender e do
ensinar em sua vida profissional. Também revelo um pouco dos acordes regulares e
irregulares em minha trajetória (origens do estudo), na qual consegui visualizar, na
vida familiar e escolar, bem como através de experiências, que é possível um
ensinar e aprender mais alegre e dinâmico.
Através das narrativas de histórias relatadas pelos respondentes da pesquisa,
percebo que a busca pelo Curso de Letras vem pelo sonho de infância, pela falta de
oportunidade/condições financeiras, pela influência da família e pela paixão na
gramática e na leitura. Os professores do Curso de Matemática enfatizam que
advêm pelo gosto das Ciências Exatas, pela facilidade na aprendizagem da
Matemática e pela influência dos professores da Educação Básica e da família.
No relato dos participantes, fica evidenciada a importância do Ensino Superior
para a vida profissional. Os professores respondentes manifestam-se sobre as
perspectivas que os Curso de Letras e Matemática proporcionam, sendo as
seguintes destacadas: ampliação do conhecimento, obtenção de um título, questão
financeira e intelectual, formação humana e profissional e base para o futuro
profissional. Alguns professores interlocutores da pesquisa colocam que aprenderam
no curso a gostar de ser professor, outros que abriu as “portas” para a profissão que
104
exerce, ou seja, o magistério. E, nos dizeres de um professor egresso do Curso de
Matemática,
é a base, não teria como ser um profissional sem passar por todo aquele
processo, obtendo a base do conhecimento. Quanto às idéias das práticas
que você pode fazer em sala de aula, tanto da parte das leis, da Filosofia,
da Psicologia, disciplinas que, muitas vezes, você não dá a mínima
importância no momento do curso, mas depois vê que é além do que
imaginava. Claro, depois que se inicia a prática percebe que tudo é muito
pouco, mas a graduação é o caminho por onde seguir e ampliar. Você vai
saber pesquisar, buscar, é o pilar onde vai construir a sua carreira.
Outro professor egresso do Curso de Letras enfatiza que
o Ensino Superior hoje é o básico. Não há como pensar em vida
profissional sem o Ensino Superior, seja ele licenciatura ou bacharelado.
Ele é o início de tudo. Com certeza, foi ele que fez me apaixonar pela
minha profissão, porque foi no Ensino Superior, na graduação, que eu
aprendi a gostar de Letras e que eu comecei aprender a ser professora.
Rios salienta que (2001, p. 17) uma das atividades que realiza com maior
alegria é ensinar, fazer aulas: “gosto das aulas tanto quanto gosto daquilo que
ensino. Fui escolhendo devagar o meu ofício e hoje tenho certeza de que não
poderia fazer escolha melhor”.
Assim, posso afirmar que os professores egressos do Curso de Letras e
Matemática da URI – Campus de Frederico Westphalen buscaram o Ensino Superior
como forma de ampliar os conhecimentos para ter uma profissão, mas que, ao
ingressarem na universidade, muitos não sabiam que carreira iriam seguir. Vejo
também que a influência da família e a falta de recursos financeiros, bem como
professores do curso de graduação, por vezes, decidem o futuro profissional de um
ser humano. Assim, as interferências externas foram decisivas na escolha, mas
muitos aprenderam a gostar de ensinar através do curso de graduação. Grande
parcela dos interlocutores enfatiza, com tenacidade, que não saberia, hoje, exercer
outra profissão. Isso demonstra que o Ensino Superior lhes proporcionou alegria e
encanto para que pudessem dar seqüência à sua vida profissional.
105
7.1.2 Curso Superior e aprender e ensinar com arte: compondo novas
partituras
Questionados acerca do aprender e ensinar com arte no ensino de
graduação, os docentes ressaltam que, dependendo da aula ou do docente que
trabalhava, havia prazer na aprendizagem. Isso percebido através de metodologias
diferentes, motivação e alegria do docente em estar em uma sala de aula. Também
quando mostravam a realidade da educação básica, contavam várias situações que
eles passaram enquanto professores e, muitos, dizem os docentes, mostravam que
“eram mesmo apaixonados”.
Mas contrapondo-se, em alguns depoimentos, é possível perceber que o
aluno egresso, em muitas ocasiões, não tinha a possibilidade de visualizar e
participar de uma aula alegre e dinâmica. Alguns docentes do Curso de Matemática
colocam que as aulas eram “técnicas, sem abertura, não tinha alegria, motivação”.
E, nas palavras de um entrevistado: “há professores que eu penso e digo que
gostaria de ser um pouco como eles e de outros eu não quero levar nada”. Muitos
professores atores da pesquisa mencionam que não conseguiam perceber alegria
de ensinar e aprender, estavam no curso por obrigação e que muitos docentes
sabiam a matéria e não sabiam ensinar de forma dinâmica. E, no relato de um
professor entrevistado do Curso de Letras,
às vezes, a maior motivação da turma era quando preparávamos
atividades artísticas: música, dança, teatro e apresentávamos para outras
turmas. Alguns professores motivavam o aprender, mas a maioria não
trazia metodologias que agradavam ou encantavam.
Um docente deixa transparecer sua indignação perante disciplinas de seu
curso. E nas suas palavras:
em algumas disciplinas, os educadores lançavam cópias de capítulos para
serem resumidos ou, então, apresentados aos colegas. Lembro-me de uma
aula da disciplina de Teoria da Literatura em que a professora entregou-
106
nos uma apostila sobre Figuras de Linguagem; pediu para que
estudássemos o conteúdo e, na aula seguinte, aplicou uma prova
(Professor egresso do Curso de Letras – URI/FW).
Vejo, pelo depoimento do professor, que em muitas situações, o ensinar
procedeu-se de forma tradicional
31
, sem a preocupação com o aprendizado do
educando e, também, sem vincular ocasiões de encanto e alegria.
Para um docente entrevistado, “tinha um professor que só era alegre em sala
de aula, era um ser completamente realizado pela profissão, acho que é o melhor
professor que já conheci. Era o mais comum em didática porque utilizava quadro, giz
e a língua. Mas da maioria não percebi, havia alguns mais preocupados com os
conteúdos, outros mais carinhosos, mais humanos”. Lorieri e Rios (2004, p. 57)
corroboram afirmando que “a alegria, que tem a ver com a afetividade (...), é
fundamental para o desenvolvimento do trabalho de professores, professoras,
alunos, escola em sua totalidade”.
Na visão de um entrevistado, em alguns professores percebia alegria, arte e
encanto, em outros não. Acredita que os alunos tinham mais expectativas do que os
próprios professores de estar em sala de aula. Mas, contrapondo-se, havia aulas
que esse docente não esquece, pois o professor transmitia alegria, prazer,
realização no que estava fazendo; relacionando teoria a situações práticas da vida
dele. E, hoje o egresso utiliza essas situações para aplicar em seu processo
educativo.
Para Freire (1996, p. 160), “a atividade docente de que a discente não se
separa é uma experiência alegre por natureza”.
31
É uma sistemática educacional na qual os professores depositam informações nas mentes dos
estudantes, que são, naturalmente, passivos recebedores de conhecimentos. Para Freire, essa
educação é “um ato de depositar, de transmitir (...)” (1993, p. 59).
107
Outro professor respondente coloca que percebia a arte de aprender e
ensinar em determinadas situações:
eu percebia que alguns professores tinham muito amor no ensinar. Eram
justamente aqueles professores que vinham com uma aula preparada, que
vinham com a arte. Eles estavam preocupados em ensinar um ser humano
que logo estaria em uma sala de aula atuando como professor. Acredito
que não tem como o professor chegar na sala de aula do ensino de
graduação para falar da teoria e não praticar. Esses professores, alguns,
principalmente eu posso falar na área de língua estrangeira, tinham aulas
dinâmicas, diferentes, mostravam que gostavam de dar aula, enquanto
outros, infelizmente, tentaram repassar conteúdos (Professor egresso do
Curso de Letras – URI/FW).
No depoimento de um professor egresso do Curso de Matemática, constato
que o curso de graduação pode proporcionar novas visões do aprendizado quando
enfatiza que sentiu alegria na disciplina de prática
32
, quando percebeu que ensinar
podia ser diferente da maneira como aprendeu no Ensino Médio. Sentiu que é
possível gostar da profissão. “Quando eu entrei na faculdade eu pensava assim: ser
professor é seguir o livro didático, pronto e acabou. E, no início da faculdade, ainda
sentia isso. Pensava que era aquele conteúdo e pronto, não iria fugir daquilo. Eu
acreditava que a Matemática era algo fechado, se eu pegasse um livro de
Matemática de 1900, ia ser a mesma coisa do que hoje. Mas quando começaram as
práticas, percebi que é diferente, que a Matemática vai evoluindo também. E isso foi
muito gratificante”. E, ainda:
em alguns sim, percebia que eram mesmo apaixonados. Teve professor
que marcou a minha vida, em quem me espelho na prática docente.
Pensava: desse profissional pretendo seguir o exemplo. Acredito que o
professor precisa colocar-se no lugar do aluno. O professor deve ser muito
humano com os alunos, procurar entendê-los, saber que vêm de várias
famílias diferentes, culturas diferentes, realidades diferentes. Deve
demonstrar carinho pelo aluno, que é importante para ele. Se o aluno se
sentir valorizado ele aprenderá melhor. Observo isso em muitos
professores, além de trazerem metodologias e técnicas diferentes, nas
quais o aluno podia colocar a sua maneira de pensar em determinada
situação (Professor egresso do Curso de Matemática – URI/FW).
32
Posso afirmar que percebi, nos entrevistados, que as disciplinas de práticas e as aulas de estágio
foram marcantes para a vida pessoal e profissional desses docentes.
108
Nesse aspecto, reforço as posições de Freire quando diz que “a alegria não
chega apenas no encontro do achado, mas faz parte do processo da busca. E
ensinar e aprender não podem dar-se fora da procura, fora da boniteza e da alegria”
(1996, p. 160).
Ainda nas narrativas, os professores deixam transparecer que as aulas da
universidade que realmente emanavam encanto e alegria eram as planejadas destas
maneiras:
- com poemas, obras de arte, músicas;
- que possuíam comparações com a realidade;
- que relacionavam a teoria x prática;
- que tinham relação com a vida;
- que eram trabalhadas no laboratório/conteúdo contextualizado;
- que envolviam prática de ensino
33
;
- com construção de materiais práticos;
- com experiências.
Percebo, então, no discurso dos professores, que as aulas prazerosas eram
as que tinham conexão com a vida. Despertavam interesse porque possuíam a
relação teoria e prática, bem como experiências e atividades que emanavam alegria,
com músicas e poemas.
Assim, a arte de aprender e ensinar na formação docente dos Cursos de
Graduação em Letras e Matemática da URI/FW pode ser detectada na motivação
dos professores, no planejamento das aulas, no conhecimento relacionado com a
vida cotidiana e na alegria que alguns professores demonstravam.
33
Quando os docentes egressos entrevistados explicitam as práticas de ensino, referem-se às aulas
de estágio, no contato com os professores, o que é nomeado, legalmente, de Estágio Curricular
Supervisionado.
109
Cunha (1998, p. 88) enfatiza que “aprender é aprender a criar, e o que faz da
aprendizagem algo criativo é a pesquisa. A verdadeira aprendizagem é aquela
construída com esforço próprio através de elaboração pessoal”. Com esses dizeres
de Cunha, observo que os entrevistados desta pesquisa procuravam buscar esse
encontro com a criatividade, a pesquisa, mas que, muitas vezes, isso era banido de
seu processo de aprender e ensinar.
Através dos depoimentos dos entrevistados, analiso que alguns professores
dos Cursos de Letras e Matemática procuravam trabalhar de forma dinâmica,
transmitindo alegria e motivação, mas outros eram apenas transmissores de um
saber já produzido, não construindo em suas aulas a busca, a pesquisa e a
descoberta.
Para Cunha (2000, p. 48),
numa perspectiva ampla, importa ressaltar que o perfil do professor
universitário também não é homogêneo; assim como há, de fato, o
contingente que produz a ciência, os que cultivam a erudição, também há
muitos docentes que se aproximam mais do perfil dos professores
secundários, isto é, dos que interagem na interpretação do conhecimento já
produzido. Além disso, numa análise crítica das condições do ensino
universitário, é possível afirmar que, para responder aos desafios atuais,
nem o estereótipo da profissão científica nem o da prática interpretativa,
em separado, conseguem dar conta do recado. A reconfiguração do
trabalho docente requer uma simbiose dessas duas vertentes acrescidas
de outras habilidades/conhecimentos/saberes, que provoquem no
estudante o protagonismo de seu próprio saber.
Constato, pelas narrativas e entrevistas, que os professores egressos dos
Cursos de Letras e Matemática procuram desenvolver na sua prática pedagógica os
momentos de encanto e arte que tiveram no curso de graduação. E as situações
inquietantes do curso auxiliam na reflexão de seu modo de ser e agir como docente.
Arroyo (2001, p. 125) coloca que “a imagem da professora, do professor que tivemos
não explica com exclusividade a imagem que cada um de nós carregamos”. Algo
que me faz refletir é que os docentes egressos procuram desenvolver em suas salas
de aulas situações alegres, com metodologias que cativem o processo, bem como
110
muitos alimentam e constróem em seus alunos a pesquisa e a curiosidade, realidade
que nem sempre vivenciaram em seu curso de graduação.
7.2 Cursos de Graduação em Letras e Matemática: partitura x sinfonia
A formação docente é um tema amplamente discutido na academia e posto à
compreensão, cada vez maior, da importância do educador para a formação humana
em um mundo globalizado e cada vez mais exigente. Essas discussões transferem-
se para a problemática da formação docente, isto é, não somente saber ministrar
conteúdos, mas também estimular a reflexão e o aprendizado amplo, dinâmico e
prazeroso do saber. Assim, um professor competente não se faz apenas com
teorias, mas juntamente com a prática, a busca de um saber mais e de um fazer
melhor. Assim, ensinar e aprender: partituras e sinfonias, algo interligado, em
conexão e comunhão constantes.
7.2.1 Ensinar e aprender: partitura e sinfonia
Neste compasso do trabalho, é explicitado sobre o aprender e o ensinar no
curso de graduação e suas interferências na prática pedagógica do docente
egresso.
Primeiramente, destaco sobre a utilização do repassado/aprendido no curso
com a prática. Nesse sentido, muitos interlocutores colocam que o Ensino Superior é
a base para a profissão do magistério, mas que muito do que é construído durante a
graduação precisa ser repensando, reestruturado na prática do docente de
Educação Básica, pois afirmam, com ênfase, que é na prática em sala de aula que
se aprende a profissão de professor.
111
Ressalto que a universidade é um espaço de aprendizagem e que como
interpela Tardif (2003, p. 57), “raramente acontece que a formação teórica não tenha
de ser completada com uma formação prática, isto é, com uma experiência direta do
trabalho, experiência essa de duração variável e graças à qual o trabalhador se
familiariza com seu ambiente e assimila progressivamente os saberes necessários à
realização de suas tarefas”. E o autor complementa (Idem, p. 58) acerca dos
saberes profissionais, que são “saberes mobilizados e empregados na prática
cotidiana, saberes esses que dela se originam, de uma maneira ou de outra, e que
servem para resolver os problemas dos professores em exercício e para dar sentido
às situações de trabalho que lhes são próprias”.
Quanto aos conteúdos do Ensino Superior em relação à prática pedagógica
do docente, destaca um professor egresso o seguinte:
o Ensino Superior, em relação a conteúdos, utilizo algumas coisas, pois há
uma grande diferença entre o ensino-aprendizagem da universidade e
aquele que nos deparamos em sala de aula. Na universidade os
professores nos colocavam conteúdos como se nós já soubéssemos, e não
é bem assim (Professor egresso do Curso de Letras – URI/FW).
Outro interlocutor do Curso de Letras complementa que "os conteúdos, de
alguma maneira, foram importantes, mas nem todos. Infelizmente, tenho que ser
realista que hoje o currículo não está muito preocupado com a formação integral do
professor. Muitas vezes, ele trabalha com o conteúdo, pensa que ensina, os alunos
pensam que aprendem e fica naquele faz de conta”. Também salienta que os
conteúdos da universidade são pouco aproveitados na prática pedagógica: “utilizo o
pouco de gramática que tive, o resto nada”.
Para um professor entrevistado, egresso do Curso de Matemática:
hoje, depois de terminar o curso, vejo que no momento acadêmico é quando
recebemos os subsídios, as relações práticas dos professores, nas quais
eles tentam passar os conhecimentos básicos para o nosso futuro
profissional. Os conteúdos da graduação são utilizados, claro que em cada
112
realidade. Quando começamos no magistério, percebemos que não sabemos
nada, temos que retomar tudo, explorar a matéria, contextualizar.
Pelos depoimentos, posso afirmar que o curso de graduação é importante
para a vida do profissional do magistério, mas que a relação entre os conteúdos do
Ensino Superior e a prática do egresso na Educação Básica é complexa e encontra-
se distante, pois a maioria dos educadores respondentes coloca que pouco é
visualizado na atuação pedagógica.
É necessário, então, que os professores possuam apoio das universidades,
assessorias, auxílio à reflexão/reconstrução e conexão teoria e prática, para dar
maior suporte aos seus próprios processos de produção do conhecimento.
Contribuindo com a temática, Cunha (1998, p. 83), através de suas pesquisas,
detecta que “uma das principais queixas dos estudantes refere-se ao fato de que os
cursos, via de regra, não preparam para a realidade dos problemas que irão
enfrentar depois de formados (...). O conhecimento que é produzido na universidade
nem sempre acompanha esse dinamismo. Ao contrário, não raras vezes é tratado
como dogma e de forma descontextualizada. O resultado é o distanciamento da
teoria, que é produzida na academia, da realidade em que é aplicada”.
Assim, as interferências e inferências do curso de graduação na prática
pedagógica do docente egresso encontram-se distantes, produzindo, nesse
professor, muitas vezes, indignação, mas não o acomodamento, pois percebo que
procuram atualizar-se e desenvolver aulas dinâmicas, valorizando o aluno e sua
experiência de vida.
7.2.2 A alegria de aprender e ensinar enquanto graduando: ensaios e
apresentações
Neste momento da pesquisa, destaco como o docente egresso dos Cursos de
Letras e Matemática percebeu a alegria de ensinar e aprender enquanto graduando,
113
bem como após a conclusão do curso (enquanto professor), através da relação
teoria e prática, fundamental para a concretização do saber fazer competente que,
de acordo com Rios (2001), é “saber fazer bem”.
Questionados sobre a relação do curso de graduação com a prática
pedagógica atual, percebo que muitos docentes visualizam essa afinidade através
da organização do planejamento (plano de aula), da didática e dos estágios, além do
conhecimento. Mas a maioria enfatiza, com veemência, que a aprendizagem decorre
na atuação prática em sala de aula, “construímos na prática com o aluno, é
processo”, afirma um professor egresso do Curso de Matemática.
E no relato de um professor interlocutor:
a relação é o conhecimento adquirido durante as aulas, mas a maneira de
dar aula não aprendi no Curso de Graduação, pois a metodologia não se
aprende na teoria, mas na prática. Por vezes, os professores trabalhavam
técnicas que mais desanimavam que motivavam (Professor egresso do
Curso de Letras – URI/FW).
E, ainda, outro entrevistado do Curso de Letras:
o que levo para a minha sala de aula é o aprendizado dos planos de aula,
como associar a teoria e a prática. Também a construção do plano de aula
foi fundamental para que soubéssemos transmitir o conhecimento para o
aluno, mas os conteúdos aprendidos devem ser contextualizados com
situações reais, do dia-a-dia do aluno, para que tenham significado.
Alguns colocam que muitas situações do curso de graduação são articuladas
em sala de aula na Educação Básica. Reforço com os dizeres de um professor:
há situações que só aprendi em sala de aula, na prática. Hoje tenho mais
relação com o ensino, com a educação, e percebo que devemos buscar
sempre mais, mas acredito que a graduação tem muito a ver com a sala de
aula, com a prática que desenvolvo (Professor egresso do Curso de
Matemática– URI/FW).
Além disso, menciona um professor egresso do Curso de Matemática que, na
relação teoria e prática, faz parte a questão das práticas do curso. E coloca que,
muitas vezes, inconscientemente, está trabalhando em sala de aula com um
conteúdo e lembra que trabalhou nas aulas da graduação de modo diferente e,
114
então, improvisa. Salienta que muito do que os professores construíam utiliza na
prática em sala de aula.
Pimenta (2005, p. 92) afirma que “a atividade teórica é que possibilita de
modo indissociável o conhecimento da realidade e os estabelecimentos de
finalidades para sua transformação. Mas para produzir tal transformação não é
suficiente a atividade teórica; é preciso atuar praticamente”. E os dizeres da autora
traduzem-se nas falas dos atores desta pesquisa.
Para Tardif (2003, p. 257),
a prática profissional nunca é um espaço de aplicação dos conhecimentos
universitários. Ela é, na melhor das hipóteses, um processo de filtração que
os dilui e os transforma em função das exigências do trabalho, ela é, na
pior das hipóteses, um muro contra o qual vêm se jogar e morrer
conhecimentos universitários considerados inúteis, sem relação com a
realidade do trabalho docente diário, nem com os contextos concretos de
exercício da função docente.
Ainda, um professor egresso do Curso de Letras coloca que, nos primeiros
semestres, quando havia mais teoria, sentia que era muito distante. Afirma que
aquilo que teve no curso pouco utiliza em sala de aula, no seu processo educativo,
mas, muitas vezes, relembra experiências como discente e também docente para
solucionar situações conflitantes do processo educativo.
Assim, através das entrevistas e narrativas, constato que, ao se depararem
com situações-problemas na profissão, os professores recorrem a soluções que se
encontram muito mais fundamentadas em suas experiências como alunos ou em
situações familiares do que, propriamente, nos conhecimentos adquiridos durante a
graduação. As crenças estabelecidas durante os anos em que foi aluno são tão
fundamentais que se mantêm mesmo depois de ter-se graduado. Essa afirmação é
constante entre os professores, tanto os iniciantes quanto os experientes. Para os
novos, o drama estabelece-se no momento em que devem enfrentar a situação real
de sala de aula. As teorias estudadas em tempos de graduação, por vezes, não
115
conseguem abarcar as situações diárias carregadas de imprevisibilidade e de
singularidade.
Estudiosos afirmam que muitas das teorias que os professores aprendem
nas universidades foram construídas a partir do estudo de ambientes que nada
têm a ver com aqueles em que o professor vai trabalhar e que, por falta de
contextualização, não funcionam, pois as variáveis que deram origem a esses
estudos, e cujas conclusões são ensinadas aos futuros professores em termos de
teorias, são muito diferentes daquelas que os professores têm de enfrentar nas
suas escolas reais.
Azzi (1996, p. 4) salienta que “compreender a prática é concebê-la na sua
unidade com a teoria, concebendo-as – teoria e prática – em sua relação de
autonomia e dependência”. Para Nóvoa (1992, p. 25), “a formação não se constrói
por acumulação (de cursos, de conhecimentos ou de técnicas) mas sim através de
um trabalho de reflexividade crítica sobre as práticas e de re(construção)
permanente de uma identidade pessoal. Por isso é tão importante investir a pessoa
e dar um estatuto ao saber da experiência”.
Observo, pelas falas dos interlocutores, que o saber também é construído no
cotidiano da ação pedagógica, na busca, na pesquisa, no planejamento, na reflexão
do aprender e do ensinar.
Outro aspecto que transparece nas entrevistas e narrativas é relativo aos
professores que não inovam, são conservadores
34
. Cortella (2003) enfatiza que as
instituições sociais possuem uma natureza contraditória e vê, nesse aspecto, a
possibilidade da mudança, podem ter uma função conservadora e uma função
inovadora. E afirma Cortella (p. 135) que “a escola pode, sim, servir para reproduzir
34
Para Cortella (2003, p. 48-49), “os processos pedagógicos (...) não são neutros, estando imersos
no tecido social e tendo, ainda, a tarefa de elaborar o indispensável amálgama para a vida coletiva,
sendo conservadores e inovadores”.
116
as injustiças mas concomitantemente, é também capaz de funcionar como
instrumento para mudanças”.
Na fala de um professor egresso do Curso de Letras:
tive um professor na Especialização que diz que somos o reflexo daquilo
que tivemos: se tivemos professores dinâmicos, seremos dinâmicos; se
tivemos professores tradicionais, nós seremos tradicionais. Eu acho que o
que eu trouxe da graduação foi o tradicional. Eu não consigo dar aula se
não tenho um quadro. Se não puder escrever, não dou aula. Isso eu trouxe
da graduação, pois tive professores tradicionais, e eu sou uma professora
extremamente tradicional, tenho plena consciência disso. E, para mim, o
tradicional é assim, eu não levo coisas diferentes, não faço técnicas, não
sou amiga das técnicas, acho que, de repente, por que não fiz magistério.
Eu gosto de chegar e dar o conteúdo.
Nesses dizeres, aproprio-me das palavras de Shor (1987, p. 125): “o método
expositivo coloca o professor como autoridade que transfere conhecimento
especializado aos alunos”. E o que percebo é que muitos docentes ainda utilizam a
exposição do conteúdo como única forma de repassar o conhecimento. O autor (p.
100) ainda coloca que “poucos de nós somos experientes o suficiente para romper
drasticamente com nossos velhos hábitos de ensino e aprendizagem”.
Permito-me afirmar, então, pelos depoimentos dos professores egressos, que
há falta de articulação entre teoria e prática educacional, entre conteúdos e
métodos. E afirmo que se torna difícil um ensinar e um aprender com estética
permanecendo essas situações. O professor universitário precisa ser um profissional
que reflete sobre as suas práticas e o seu efeito sobre os alunos. Só desse modo
poderá formar seres humanos reflexivos, interessados, que questionam o mundo
que os rodeia, de acordo com as novas concepções que adquiriram durante a sua
formação acadêmica.
É necessário valorizar o conhecimento dos professores de profissão e
reconhecê-los como colaboradores e parceiros nas práticas formativas. O
conhecimento, então, deve constituir-se a partir de vivências e análises da prática
117
profissional e a formação teórica e, ainda, entre a experiência concreta nas salas de
aula e a pesquisa, bem como entre os professores e os formadores universitários.
Acredito que aprender a partir de práticas, relacionando com teorias, poderia
denominar-se de aprendizado para ensinar, pois é através dele que se tem
oportunidade de aprender a lidar com a surpresa, a incerteza e a complexidade do
cotidiano da sala de aula.
Ao perguntar aos professores se visualizaram no curso de graduação
relações práticas com a Educação Básica, que também é um dos pontos destacados
para que haja a estética, a motivação e um aprendizado de qualidade, a maioria, em
seu relato, afirma que não foi impossível perceber essa relação. Em alguns
depoimentos, ressaltam que grande parte nunca tinha sido professor de Educação
Básica e os que trabalharam ou trabalhavam parecia que tinham esquecido. Não
havia uma relação/conexão do próprio conteúdo com a prática em sala de aula.
No início de minha profissão docente foi frustrante, porque não tinha noção
de que iria me defrontar com várias situações, realidades que me defrontei.
Eu acredito que se eles tivessem comentado alguma coisa eu teria
chegado mais preparado para aquela situação, sabendo mais o que fazer.
Tive um pouco essa relação na questão das práticas, mas fora isso era
mais conteúdo, mais teórico (Professor egresso do Curso de Matemática–
URI/FW).
Muitos docentes trabalhavam a ‘matemática pura’, então, percebia que
faltava esse contato com a educação básica. Isso pode ser comprovado
nos estágios. Os professores vão para as escolas assistir os estagiários e
se chocam com a realidade (Professor egresso do Curso de Matemática–
URI/FW).
Nesse aspecto, Tardif (2003, p. 234) coloca que, “em toda atividade
profissional, é imprescindível levar em consideração os pontos de vista dos práticos,
pois são eles realmente o pólo ativo de seu próprio trabalho, e é a partir e através de
suas próprias experiências, tanto pessoais quanto profissionais, que constróem seus
saberes, assimilam novos conhecimentos e competências e desenvolvem novas
práticas e estratégias de ação”. Diante das palavras de Tardif e dos relatos dos
118
professores, percebo a importância da relação teoria x prática dos professores do
Ensino Superior. Para os egressos, é imprescindível no processo de ensinar e
aprender ter alegria
35
e dinamismo, e que esses fatores sejam uma constante no
cotidiano das universidades. E ainda outro depoimento:
não consegui perceber a relação teoria x prática, porque os professores
que eu tive de prática de ensino, de estágio, nenhum atuava em sala de
aula da Educação Básica, era muito distante. Quando eu entrei na sala de
aula para realizar o meu estágio, senti uma dificuldade muito grande,
porque não tive contato. Ex.: no estágio: assistia a dois ou três períodos
(acho isso insuficiente), fazia o planejamento (todos os planos), e chegava
para trabalhar. O professor do estágio ia visitar a turma e ele conferia se o
planejamento estava sendo seguido. Se não estivesse chamariam a minha
atenção. E todo o bom professor sabe que o planejamento é flexível, por
várias situações que ocorrem na cidade, no país, na sociedade, por
observar que o planejado não agradou e aí você modifica. Eu acho uma
grande falha para um curso de licenciatura o profissional professor não ter
experiência com a Educação Básica, que é onde o graduando atuará ou
está atuando (Professor egresso do Curso de Letras – URI/FW).
Através de leituras de autores, bem como das falas dos professores
entrevistados e da própria experiência, posso afirmar que teoria e prática são
concebidas como dimensão de um mesmo processo, e se efetivam no momento em
que a teoria orienta a ação. Esta, por sua vez, reorienta a própria teoria, articulando
um processo de reflexão, mudança e transformação.
O relato de um professor egresso do Curso de Letras demonstra a inquietude
perante essa situação quando diz o seguinte:
eu teria o maior dos prazeres em ver os professores da graduação
trabalhando com o Ensino Médio e com o Ensino Fundamental, para mim,
iria ser o êxtase, porque uma coisa é dizer como fazer e outra é realmente
fazer na prática. O problema é conseguir fazer com que o aluno se
concentre, os alunos chegam muito agitados. Eu, enquanto professor, não
posso concorrer com a televisão, com a Internet; e nem quero. Eu acho
que a educação não tem a função de ser uma coisa ágil, que muda, que
vira. Não, a educação não é isso. Você tem que saber que cada coisa tem
o seu lugar. Eu tive professores que trabalhavam na Educação Básica, mas
que os trabalhos em sala de aula não eram reais. Eu ainda não era
professora, mas muitas das minhas colegas eram e afirmavam que muito
35
Rios e Lorieri (2004, p. 56), ao falar em alegria, colocam que “é algo que se experimenta quando
estamos numa situação de bem-estar; quando podemos realizar experiências positivas, quando
atingimos objetivos muito desejados. Qual de nós não a experimentou, em momentos diversos da
vida? É mesmo por conhecermos a alegria, e por sabermos o que ela significa, que é preciso busca-
la, descobri-la, inventá-la”.
119
do que era passado pelos professores não era possível aplicar em sala de
aula. Eu acredito que todo professor deveria ter um vínculo com a escola
pública, não é possível ser professor de um curso de licenciatura se não
tem a menor idéia de como está a realidade.
Nesse aspecto, o resultado da investigação reforça as posições de Freire
(1996, p. 108) quando afirma que “uma das preocupações centrais do docente deve
ser a de procurar a aproximação cada vez maior entre o que diz e o que faz, entre o
que parece ser e o que realmente está sendo”. Tardif (2003, p. 55) questiona isto:
“será preciso uma outra reforma do ensino para finalmente vermos os responsáveis
pelas faculdades de educação e os formadores universitários dirigirem-se à escola
dos professores de profissão para aprenderem como ensinar e o que é ensino?”.
Para um professor egresso do Curso de Matemática,
muitos professores da universidade fazem graduação, mestrado, doutorado
e dão aula para cursos de licenciatura que formam professores para a
Educação Básica. Percebo, então, que faltava esse contato com os alunos
de Educação Básica, até mesmo para que eles valorizassem e tivessem
mais respeito por esses professores. Eu percebo que era correto o que
eles ensinavam, mas se eles tivessem contato com a Educação Básica, no
momento de preparar as atividades, tendo conhecimento da realidade, até
a maneira de transmitir, passar esse conteúdo, elaborar a proposta iria ser
diferente, mais contextualizado. Quando você está na faculdade e não está
dando aula, acha que tudo o que aprende vai conseguir aplicar, e isso é
ilusão. Muito do que se aprende é correto, mas depois para aplicar, fazer
uma transformação na escola: ou compra uma briga com todo mundo, ou
desiste daquilo e vai ser como a maioria. Claro que nunca podemos desistir
do que se quer, mas é preciso encontrar um equilíbrio, aos poucos ir
implementando uma forma de ensinar mais dinâmica. Quando saí da
faculdade e fui dar aula, eu pensei que iria aplicar tudo o que tive na
graduação, mas sofri barreiras, fui podado. Eu parei e pensei: o jeito é ser
tradicional. Mas refleti novamente e percebi que, aos poucos, dá para fazer
um ensinar e um aprender diferentes, fazendo acontecer aprendizagem
com alegria e arte.
Tardif (2003, p. 86) salienta que “é a partir das certezas e dos condicionantes
da experiência prática que os professores julgam sua formação universitária
anterior. Segundo eles, muita coisa da profissão se aprende com a prática, pela
experiência, tateando e descobrindo, em suma, no próprio trabalho. Ao estrearem
em sua profissão, muitos professores se lembram de que estavam mal preparados,
sobretudo para enfrentar condições de trabalho difíceis, notadamente no que se
120
refere a elementos como o interesse pelas funções, a turma de alunos, a carga de
trabalho, etc.”.
E ainda o autor (Idem, p. 53): “a experiência...filtra e seleciona os outros
saberes, permitindo assim aos professores reverem seus saberes, julgá-los e avaliá-
los, e, portanto, objetivar um saber formado de todos os saberes retraduzidos e
submetidos ao processo de validação constituído pela prática cotidiana”.
Alguns interlocutores salientam que os professores da URI já adiantavam as
situações, a questão disciplinar, como trabalhar o conteúdo com o aluno e o cuidado
em estabelecer relações práticas com a sala de aula de Educação Básica.
Observo que o Curso de Matemática possibilitou mais situações relativas à
teoria e prática, isso se revela nos dizeres de professores egressos, quando afirmam
que a maioria dos professores conseguia estabelecer relações com a prática do
Ensino Básico, por exemplo: “tinha um professor com vinte e dois anos de magistério
em todos os níveis que passava muito tempo falando sobre a sua prática,
relacionando com a teoria. E era muito bom ouvir e ir tentando imaginar o futuro
sendo professor”.
Pimenta (2005, p. 105) auxilia na reflexão quando enfatiza que
o exercício da atividade docente requer preparo. Preparo que não se esgota
nos cursos de formação, mas para o qual o curso pode ter contribuição
específica enquanto conhecimento sistemático da realidade do ensino-
aprendizagem na sociedade historicamente situada, enquanto possibilidade
de antever a realidade que se quer (...), enquanto identificação e criação das
condições técnico-instrumentais propiciadoras da efetivação da realidade que
se quer. Enfim, enquanto formação teórica (quando a unidade teoria e prática
é fundamental) para a práxis transformadora.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (9394/96), em seu Art. 61, inciso I,
fundamenta que deve ocorrer a relação teoria-prática e, quando se abordam os
problemas da formação docente, este é um dos aspectos relevantes. Nesse sentido,
tendo em vista que a articulação teoria e prática é tida como uma idéia indissociável,
121
precisa ser trabalhada simultaneamente, tornando-se um dos eixos centrais da
formação docente.
É necessário, então, que o curso de graduação colabore para o exercício da
função/atividade docente, pois ser professor não é uma atividade burocrática, mas
uma profissão que exige conhecimento da ciência, conhecimento do ser humano,
didática, criatividade, motivação e amor. Para Pimenta (1999, p. 20), “o desafio (...)
posto aos cursos de formação inicial é o de colaborar no processo de passagem dos
alunos de seu ver o professor como aluno a seu ver-se como professor”.
Pimenta (2002a, p. 80) ressalta que “ser professor universitário supõe o
domínio de seu campo específico de conhecimento. Mas ter o domínio do
conhecimento para ensinar supõe mais do que uma apropriação enciclopédica”.
Tardif (2003) explica que a atividade profissional dos professores de profissão
deve ser considerada como espaço prático de produção, de transformação e
mobilização de saberes, bem como de teorias, conhecimentos e de saber-fazer
específicos ao ofício docente. O autor instiga um repensar/refletir as relações entre
teoria e prática, pois compreende que, tanto a universidade como os professores de
profissão, são produtores de saberes, de teorias e de ações.
7.2.3 A universidade e suas influências na prática do aluno egresso
Neste compasso da partitura, são analisadas as influências dos Cursos de
Graduação em Letras e Matemática no processo pedagógico do professor egresso,
suas interferências em relação à arte de aprender e ensinar.
Questionados sobre a universidade e seu papel no desenvolvimento ético e
estético do educando, os interlocutores salientam que deveria haver maior inserção
122
entre teoria e prática, além de uma maior ligação do conhecimento com a realidade
social e política das esferas administrativas, bem como inserção na comunidade.
Outro aspecto que transparece nas falas é que alguns entrevistados
acreditam que os jovens estão indo muito imaturos para a universidade, não sabem,
muitas vezes, o motivo pelo qual estão cursando determinada faculdade, e essa
imaturidade não consegue chegar à compreensão daquilo que os docentes querem
passar, do que é ética, do que é ser um profissional competente. Para um professor
egresso Curso de Letras:
a universidade faz esse papel de desenvolver seres humanos, e acredito
ser um dos papéis fundamentais. No lado estético, eu percebia o professor
que gostava e o que não gostava de estar em sala de aula. Eu percebia o
professor que planejava e aquele que jogava, sem nenhuma preparação,
os conteúdos, que estavam aí para “matar” tempo, não tinha a
preocupação que o aluno gostasse e aprendesse. Entregar polígrafo para
ler em sala de aula, isso eu posso muito bem fazer em casa.
Para Freire (1996, p. 106), “nunca me foi possível separar em dois momentos
o ensino dos conteúdos da formação ética dos educandos. A prática docente que
não há sem a discente é uma prática inteira. O ensino dos conteúdos implica o
testemunho ético do professor. A boniteza da prática docente se compõe do anseio
vivo de competência do docente e dos discentes e de seu sonho ético”.
Outro depoimento de um aluno do Curso de Letras, atual professor, enfatiza
que “o Curso de Letras é completamente fora da realidade, porque eu não vejo uma
relação da universidade com a comunidade. Eu acredito que poderia desenvolver
um trabalho diferente com as escolas. O meu curso não teve relação humana com o
aluno”. Esses dizeres requerem reflexões e a necessidade de visualizar novas
possibilidades, que construam situações de repensar e modificar a universidade.
Um professor participante da investigação, egresso do Curso de Matemática,
revela que “o processo de aprender depende da universidade, mas também
123
depende do aluno. A universidade faz a parte dela, mas para sentir-se um bom
profissional, um bom educador, também depende de você mesmo. Se correr atrás,
trazendo uma boa metodologia, com certeza estará sendo um educador consciente”.
Preparada ela está, só falta um pouco de empenho e ênfase nisso, em
conversar mais com os alunos, além de toda a teoria, conversar sobre os
valores, a ética, de saber ser um bom profissional, agindo com alegria e
dinamismo. Vejo que na categoria dos professores há muita desunião, e
então, se pudéssemos ser mais colegas, ter mais ética profissional, muita
coisa iria melhorar (Professor egresso do Curso de Letras – URI/FW).
Para Freire (1996, p. 26), “quando vivemos a auteticidade exigida pela prática
de ensinar-aprender participamos de uma experiência total, diretiva, política,
ideológica, gnosiológica, pedagógica, estética e ética, em que a boniteza deve
achar-se de mãos dadas com a decência e com a seriedade. E assim acredito que a
universidade deve ter como princípio a busca pela competência, a qualidade e a
ética
36
”.
Questionados sobre o que mudou na sua forma de ver o aprender e o ensinar
após a conclusão de um Curso de Graduação, muitos professores egressos colocam
que é realmente na inserção da prática que o educador percebe como se procede o
aprender e o ensinar. E, como coloca Pimenta (2002a, p. 27), “os saberes
pedagógicos podem colaborar com a prática. Sobretudo se forem mobilizados a
partir dos problemas que a prática coloca, entendendo, pois, a dependência da
teoria em relação à prática, pois esta lhe é anterior. Essa anterioridade, no entanto,
longe de implicar uma contraposição obsoleta em relação à teoria, pressupõe uma
íntima relação com ela”.
36
Para Rios, no texto escrito para o Seminário Internacional Pare e Pense
(http://www.parceirosvoluntarios.org.br/pare_pense_2006/memorial.asp), “Conduta ética e o
compromisso humano como fundamentos da ação social transformadora”, a ética é elemento
fundamental nas ações e relações dos indivíduos e dos grupos, quando estes se propõem a construir
a história e a cultura com sentido libertador.
124
Além disso, os respondentes enfatizam que perceberam a complexidade de
ser professor e que os Cursos de Graduação em Letras e Matemática da URI/FW
proporcionam a postura e a maneira de planejar as aulas. Alguns professores
salientam que mudou a forma de ver o ensino, antes observavam como meramente
tradicional e, como graduandos, visualizaram que deve haver construção e
envolvimento. Um professor egresso do Curso de Matemática coloca que “pensava
que ensinar e aprender era transmissão, receber conteúdos do professor e
acumular. Na graduação isso foi modificado, você deve construir o conhecimento
com o aluno. Depois, na sala de aula, você precisa ter um equilíbrio, não pode
querer levar tudo ao extremo. Até o erro eu vejo como uma aprendizagem e não
puno o aluno que erra”.
É importante pontuar que, na perspectiva de muitos entrevistados,
principalmente do Curso de Matemática, como alunos na Educação Básica,
observavam o ensinar e o aprender de forma mais técnica e muito exata. E, no
decorrer do curso, visualizaram que não é só uma técnica, são conhecimentos
necessários para a vida do ser humano.
Mudou muito. Quando estava na faculdade não tinha noção do que era
sala de aula. Ver o professor de graduação dando aula é bem diferente de
dar aula. Quanto se troca de lugar, você percebe que não é fácil (Professor
egresso do Curso de Letras – URI/FW).
Do mesmo modo, outro depoimento:
na realidade, na educação básica e na graduação havia o professor que
transmitia o conhecimento e os alunos deveriam assimilar, decorar. Hoje,
percebo que ensinar e aprender não é só isso, deve haver todo um
envolvimento emocional, social, o construir com o aluno, explorar o que ele
já sabe (Professor egresso do Curso de Matemática – URI/FW).
Mas, em contrapartida, na percepção de alguns professores, na graduação
não houve mudanças significativas, pois como afirma um professor entrevistado,
“acredito que hoje possuo uma visão mais clara do ensinar e do aprender, mas
continuo sendo uma professora tradicional conforme o curso de graduação”.
125
Também que, durante a graduação, os professores da universidade passaram uma
visão ilusória da educação e que somente após o ingresso como docentes puderam
perceber essa situação, na atuação prática em sala de aula.
Eu só fui perceber mudanças depois, na minha prática profissional. Na
realidade, durante a graduação, eu não era professora, eu era só aluna. A
minha experiência profissional foi no estágio, eu era professora de alunos
imaginários. Mas quando você vai lá e se depara com aquela situação de
ter que preparar aula, pensa: mas eu busco em que lugar? Isso é uma
frustração, porque teoria é uma coisa e prática outra. Claro que na questão
da postura, do planejamento, nisso a universidade conseguiu deixar suas
marcas (Professor egresso do Curso de Letras – URI/FW).
Concordando com seu colega, outro professor entrevistado relata o seguinte:
eu percebi que minha forma de ver o ensinar e o aprender mudou depois
que comecei na prática (após a conclusão do curso), pois antes pensava
que ensinar e aprender era como eu tinha aprendido no Curso de
Graduação, porque o estágio havia sido insuficiente para perceber o que é
realmente ensinar e aprender. E aí você se depara com uma sala de aula,
inexperiente, com pouco material, não com muito conhecimento. Observa
várias realidades, depara-se com desvalorização da sociedade, alunos
desmotivados, outros que querem aprender, professores cansados. Então
eu passei a avaliar a educação depois que comecei a atuar no magistério,
antes possuía uma visão muito ilusória (Professor egresso do Curso de
Letras – URI/FW).
Posso afirmar, nesse aspecto, que muitos professores egressos dos Cursos
de Letras e Matemática da URI/FW não mudaram o seu modo de ver e de agir após
se tornarem graduados. Percebo, então, a necessidade de um ensino com mais
qualidade e alegria. Torna-se necessária uma competência capaz de planejar e
efetivar um processo de ações que possibilite o discente a ir construindo,
aprendendo o/no processo, através da pesquisa, da descoberta e num contexto
permeado pela arte, pela estética e pelo encanto.
Mas, em contrapartida, também visualizo, pelas falas, que alguns professores
conseguiram mudar sua forma de ver o aprender e o ensinar para uma efetiva
construção do conhecimento. E como coloca Pimenta (2002a, p. 211):
o desafio está em superar um modelo centrado na fala do professor – em
que se toma o dizer do conteúdo com ato predominantemente do ensino e
a repetição do aluno como ato de aprendizagem – em direção a uma nova
construção da sala de aula, em que coabitem tanto o dizer da ciência (...)
126
quanto a leitura da realidade (...) da qual o aluno, como futuro profissional,
terá de dar conta.
Questionados, ainda, se iniciassem hoje um curso de graduação, o que
mudariam, colocam o seguinte:
- exigiriam mais dos professores;
- não aceitariam tudo sem questionar;
- pesquisariam mais;
- trabalhariam mais a prática;
- teriam a visão de que não é necessário dar o conhecimento pronto, mas
aguçariam a busca, a curiosidade;
- valorizariam mais as aulas;
- estudariam mais para as provas;
- procurariam aprender mais;
- começariam o curso pensando em ser professor;
- questionariam sobre o como ensinar;
- teriam mais maturidade;
- exigiriam mais técnicas de ensino, maiores subsídios práticos.
Pelas colocações dos entrevistados dos Cursos de Letras e Matemática da
URI/FW, posso afirmar que a licenciatura fornece subsídios teóricos, mas falta o
alicerce com a prática, pois somente quando o docente percebe a importância do
aprender e do ensinar (através de sua atuação prática) é que se interessa pela
busca, pela pesquisa e pelo saber. Vários entrevistados exigiriam mais dos
professores da graduação. Colocam que procurariam aprender, perguntar e,
principalmente, pesquisar de modo mais aprofundado, porque sentem falta,
atualmente, na atuação como professor em sala de aula, no processo de aprender e
127
ensinar próprio e na construção com o aluno. Isso se confirma nos dizeres dos
entrevistados:
em primeiro lugar, eu exigiria muito mais dos professores, não aceitaria
muita coisa do que eles trouxessem. Eu exigiria mais conhecimento,
pesquisas científicas, aprofundamento de assuntos. Trabalharia mais a
prática. Eu mudaria até a própria visão de ser professora. Antes via o
professor como alguém que estava na frente dos alunos, falando,
ensinando, explicando, escrevendo no quadro. Hoje, professora é médica,
psicológica, mãe, amiga. E que não precisa dar o conhecimento pronto,
mas aguçar a busca, a curiosidade do conhecimento que existe (Professor
egresso do Curso de Letras – URI/FW).
Também um professor egresso do Curso de Matemática enfatiza o seguinte:
eu teria muito mais interesse na questão da prática, na leitura de livros de
pesquisadores que estudaram sobre a prática, sobre a educação, e não me
deteria só no cálculo, no conhecimento teórico da Matemática. Eu gostaria
de aprender mais o como ensinar, como passar para o aluno, não adianta
ter conhecimento e não saber transmitir de uma forma segura. Fazer com
que ele compreenda o contexto da interpretação da Matemática, não só o
cálculo puro, mas a questão do contexto que ela tem na realidade.
Pimenta (2002a, p. 218) focaliza que “o processo de ensinagem se efetiva na
parceria de professores entre si e alunos, numa nova aventura do ensinar e
apreender na sala de aula da universidade. Além disso, a aventura e o compromisso
da conquista do conhecimento solicitarão posicionamentos de sedução e parceria,
na direção de um fazer solidário”. E acrescento isto: um conhecimento conquistado
com alegria e sedução.
Constato, nos dizeres dos alunos egressos e, apoderando-me de Pimenta
(2002a), que, na docência universitária, muitas vezes a fragilidade do ensinar revela
a incapacidade de associação da ação de pesquisar com a ação de ensinar. E
acredito que muitos docentes dos Cursos de Letras e Matemática, se tivessem
visualizado a pesquisa, o prazer da busca em seu processo de ensinar e aprender
durante a graduação, construiriam aulas mais dinâmicas, trazendo a arte de
aprender e de ensinar, pois, como coloca Freire (1996, p. 133-134),
128
meu papel fundamental, ao falar com clareza sobre o objeto, é incitar o
aluno a fim de que ele, com os materiais que ofereço, produza a
compreensão do objeto em lugar de recebê-lo, na íntegra, de mim. Ele
precisa de se apropriar da inteligência do conteúdo para que a verdadeira
relação de comunicação entre mim, como professor, e ele, como aluno, se
estabeleça. É por isso, repito, que ensinar não é transferir conteúdo a
ninguém, assim como aprender não é memorizar o perfil do conteúdo
transferido no discurso vertical do professor. Ensinar e aprender têm que
ver com esforço metodicamente do professor de desvelar a compreensão
de algo e com o empenho igualmente crítico do aluno de ir entrando como
sujeito em aprendizagem, no processo de desvelamento que o professor
ou professora deve deflagrar.
De acordo com Mizukami (2002, p. 48),
os conhecimentos, as crenças e as metas dos professores são elementos
fundamentais na determinação do que eles fazem em sala de aula e de por
que o fazem; que aprender a ensinar é desenvolvimental e requer tempo e
recursos para que os professores modifiquem suas práticas; que as
mudanças que os professores precisam realizar de forma a contemplar
novas exigências sociais e políticas públicas vão além de aprender novas
técnicas, implicando revisões conceituais dos processos educacionais e da
própria prática.
Torna-se imprescindível, na formação docente, uma busca constante não
apenas do saber, mas também do fazer, estando cada vez mais inserida a idéia de
práxis
37
no cotidiano dos educadores, para que não haja acomodação, mas que
contemple um saber mais e um fazer melhor, com mais ética e estética.
Então, a formação dos professores necessita de uma permanente reflexão, de
um permanente (re)fazer, pois a reflexão crítica promove a construção de uma
postura educacional autônoma, sólida, coesa, capaz de modificar o contexto
educacional. Acredito que é no centro das escolas, tanto as de formação inicial
quanto as que são espaço de trabalho do professor, que deverão processar-se as
transformações. Mas elas passam, necessariamente, pelo auto-conhecimento; logo,
há que se possibilitar aos docentes reconhecerem-se nas próprias atividades.
37
Para Pimenta (2002a, p. 216), práxis é “ação (motora, perceptiva, reflexiva) do sujeito sobre o
objeto a ser conhecido. Toda a aprendizagem é ativa, exige essa ação, que também possibilita a
articulação do conhecimento com a prática social que lhe deu origem”.
129
Para tanto, universidades e escolas precisam trabalhar em conjunto,
mostrando dispositivos organizacionais articulados que definam novas possibilidades
e valorizem os espaços da prática e da reflexão sobre a prática. Torna-se mister que
os cursos de formação inicial, juntamente com os professores de profissão,
promovam práticas de formação, como estudos, reflexões, análises e
problematizações, percebendo, desse modo, os limites e podendo visualizar
possibilidades, nas quais o aprender e o ensinar possam acontecer de forma
encantadora, com alegria e motivação.
Kullok (2001, p. 142) coloca que
é preciso recuperar o entusiasmo, o prazer e a crença na profissão de
professor, e isso só será alcançado através do esclarecimento do porquê
das incertezas e dificuldades encontradas no sentido e significado do
trabalho docente.
E isso só é possível se o educador gostar, der sabor ao seu trabalho. De
acordo com Snyders (1993, p. 69), “a escola são conteúdos e relações específicas: é
preciso encontrar prazer em ambos para atingir a alegria”. E, ainda, “é preciso que o
professor tenha vontade e, o que é mais difícil, continue a ter vontade de formar os
jovens na alegria” (p. 75). Assim, o novo professor é também um profissional do
encantamento, num mundo de desencanto e de agressividades crescentes.
Pensar e problematizar uma docência com arte, estética, encantamento,
beleza, boniteza é pensar o outro dentro do próprio pensamento sobre formação
docente, teoria x prática, aprender e ensinar; é arriscar-se a pensar diferente, em
processo de tensão e criação constantes. Pois, como coloca Zabalza (1994, p. 31),
“profissional é o que sabe o que faz e por que o faz e além disso está empenhado
em fazê-lo da melhor maneira possível”.
As universidades e centros universitários têm responsabilidade com a
formação docente de qualidade. Mas o atual quadro de aprofundamento de políticas
130
neoliberais, as influências do Banco Mundial - principal organismo de financiamento
da Educação, que a observa pela esfera do mercado - e as políticas públicas
educacionais, por vezes, tentam dissimular a educação de qualidade, como
imperativos planejados para o bem de uma minoria que está no poder. E, mesmo em
contextos adversos, é possível e necessário construir práticas de formação inicial
comprometidas com um ensino de qualidade, vislumbrando novos horizontes
permeados pela dimensão ética, política e estética.
Rios e Lorieri (2004) corroboram com essa idéia afirmando que implantar a
alegria na escola, para que não seja uma proposta romântica ou ingênua, necessita
que o ser humano a reconheça como um ideal que não está pronto, mas que por ser
desejado impulsiona para a busca. E é no real que se pode encontrar a
possibilidade. Os autores (Idem, p. 58), também revelam que “nosso desejo é o
motor que nos impulsiona na busca das possibilidades. E é claro que não basta o
desejo: se falamos em competência, trazemos a idéia de que há necessidade de um
preparo adequado, uma consciência das condições concretas para a construção
cotidiana da melhor qualidade”.
Trago das narrativas um depoimento que considero importante, quando um
interlocutor enfatiza que
todo professor tem a possibilidade de realizar um trabalho muito belo. Essa
beleza pressupõe cuidado, orgulho, garra, determinação, sonho... Essa
beleza perde-se se não houver cuidado diário na prática do ensinar, se não
houver orgulho do saber já consagrado, se não houver garra nas batalhas
diárias pelas condições para o saber, se não houver determinação no
objetivo a ser atingido e se não houver o sonho pelo que ainda está por vir.
Todo educador deve estar sempre atento, para não cair no desânimo, na
mesmice, perdendo a utopia e tirando-a de muitos outros (Professor
egresso do Curso de Letras – URI/FW).
Grossi (2006, p. 01) coloca que “ensinar é apaixonante, porque aprender dá
muito prazer”. E, além disso, é necessário curtir o encanto de ensinar porque nele
também está contido o encanto de produzir a gostosa magia de aprender.
131
8 A APRESENTAÇÃO.... DELINEANDO NOVOS ESPAÇOS PARA O
CONCERTO
Esta partitura, trilhada por encontros e desencontros, chegou a um fim... ou
talvez a um começo...
Trajetória desta investigação:
Encantar.........reler........refletir........sonhar.......concluir?.......Impossível!
Transcrever.......sonhar...........desiludir...........parar...........ler ..........
Escrever......... modificar...........ler..................reler............coletar........
Pensar..............sonhar...............ler.................reler..............refletir.........
Ao tentar concluir esta partitura, sabendo que o concerto desta temática é
muito maior e envolto por várias canções, percebi que a arte de aprender e ensinar
precisa ser uma realidade nas escolas de Educação Básica e instituições
formadoras.
Pude perceber que é necessário buscar novas perspectivas para a educação,
para a formação docente, refletindo sobre as políticas públicas e sobre os
organismos internacionais para concretizar novas dimensões, firmando uma
educação com mais qualidade, alegria e encanto. Conforme Tardif (2003), quanto
133
mais clareza terminológica e conceptual dispuserem os profissionais do ensino e da
academia, tanto mais aumenta sua capacidade de argumentar e negociar com os
órgãos da administração educacional, hoje revestidos de uma necessidade voraz de
realizar reformas.
Vários autores utilizados para escrever esta partitura mostram que a prática
social está carregada de funções decisivas na implementação de políticas oficiais
em educação, mas nem sempre garantindo os direitos dos educadores nas suas
lutas por um maior reconhecimento e valorização social e salarial de sua atividade
profissional.
É necessário construir um status profissional ao professor, com melhores
condições de trabalho (carreira, reconhecimento social, salário condizente com a
função do magistério).
Pude perceber que a iniciação ao ensino é um período transitório, no qual os
professores passam de estudantes a profissionais da educação. As pesquisas vêm
demonstrando que é um tempo de tensões e aprendizagens, em contextos
geralmente desconhecidos, e durante o qual os professores iniciantes apropriam-se
de conhecimento profissional. Nesse período, surgem dúvidas, conflitos e tensões, e
os professores necessitam adquirir adequado conhecimento, que envolve a
competência profissional, em breve espaço de tempo. Por isso, as universidades
precisam proporcionar situações de teoria x prática, para que esse profissional
possa ir construindo a sua postura profissional de forma mais qualitativa, criativa e
encantadora.
Nessa dimensão, percebi que ocorre, muitas vezes, um certo desencanto nos
professores. Desenvolvem o trabalho de forma mecânica, sem perspectivas de
mudar: impugnam o governo, manifestam descontentamento em relação a pais,
134
alunos e direção, mas acabam não projetando uma mudança qualitativa. Diante
disso, aproprio-me das palavras de Mário Quintana, no poema intitulado Das
utopias, publicado na obra Espelho Mágico (1951): “Se as coisas são
inatingíveis...ora! Não há motivos para não querê-las.... Que tristes os caminhos, se
não fora a mágica presença das estrelas”.
É preciso um ensinar e um aprender com estética, uma educação da
sensibilidade humana aprendente. Para Duarte (1991, p. 74),
a educação é, por certo, uma atividade profundamente estética e criadora
em si própria. Ela tem o sentido do jogo, do brinquedo, em que nos
envolvemos prazerosamente em busca de uma harmonia. Na educação
joga-se com a construção do sentido - do sentido que deve fundamentar
nossa compreensão do mundo e da vida que nele vivemos. No espaço
educacional comprometemo-nos com a nossa "visão de mundo", com
nossa palavra. Estamos ali em pessoa - uma pessoa que tem os seus
pontos de vista, suas opiniões, desejos e paixões. Não somos apenas
veículos para a transmissão de idéias de terceiros: repetidores de opiniões
alheias, neutros e objetivos. A relação educacional é, sobretudo, uma
relação de pessoa a pessoa, humana e envolvente.
Para tanto, urge ampliar o conceito de que para a verdadeira qualidade da
escola é necessário priorizar a questão da formação, pois só com professores mais
qualificados, mais habilitados para o desempenho das diferentes tarefas humanas
que são exigidas, é possível construir uma escola com perspectiva autônoma,
democrática, na qual o aprender e o ensinar se tornem uma constante e
encantadora realidade.
Numa sociedade conflituada e complexa, os professores necessitam
construir/aprender uma prática reflexiva, modificando a sala de aula para um
aprender e ensinar mais estético.
A prática docente deriva de uma análise crítica do trabalho realizado na sala
de aula, a partir da apropriação de novos conhecimentos e da associação contínua
entre o pensar e o agir, movimentos que possam viabilizar reflexões, levando a
reestruturações e modificações na prática docente.
135
Promover uma formação inicial voltada para o aprender e ensinar com arte
torna-se necessário, criando oportunidades educativas diversificadas para melhorar
a aprendizagem dos alunos e a qualidade do ensino. Esse processo precisa ser
articulado à esperança, à alegria e ao conhecimento.
Como enfatiza Freire:
há uma relação entre a alegria necessária à atitude educativa e à
esperança. A esperança de que professores e alunos juntos podem
aprender, ensinar, inquietar-se, produzir e juntos igualmente resistir aos
obstáculos a nossas alegrias. Na verdade, do ponto de vista da natureza
humana, a esperança não é algo que a ela se justaponha. A esperança faz
parte da natureza humana. Seria uma contradição se, inacabado e
consciente do inacabamento, primeiro, o ser humano não se entrevisse ou
não se achasse predisposto a participar de um movimento constante de
busca e, segundo, se buscasse sem esperança (1992, p. 38).
Através da teoria e das falas dos interlocutores, acredito que a arte de
aprender e ensinar poderá ser uma realidade no processo escolar a partir das
condições que possibilitem aos professores desenvolverem um trabalho com
dinamismo, aliadas à motivação e ao desejo dos professores de fazer essas
mudanças.
Atrevo-me a afirmar, a partir do estudo, que os professores entrevistados dos
Cursos de Letras e Matemática da URI/FW evidenciaram que ensinar e aprender
com arte é proporcionar uma aula agradável, dinâmica, curiosa e criativa, sempre
demonstrando que gostar da profissão é fundamental. Também que é necessário os
conteúdos terem relação com a vida dos alunos, uma aprendizagem contextualizada
e com sentido. Afirmaram que é possível ensinar e aprender com encanto, mas
revelaram uma situação contraditória perante a falta de motivação, a descrença
no/do próprio professor.
Entretanto, há uma tendência de acreditar, em prol de um aprender e ensinar
com estética. Os dados revelaram que o docente é um profissional que trabalha com
136
valores e sentimentos. Foi possível perceber que esses professores gostam da
profissão que escolheram e se esforçam para realizá-la com criatividade e
dinamicidade, tentando proporcionar ao discente uma aula agradável e prazerosa.
Destacaram com veemência a desvalorização do magistério, o desgaste
social da profissão, ainda crêem que o ensinar e aprender pode processar-se com
alegria e afetividade.
Nesse aspecto, o resultado da investigação reforçou as posições de Cunha,
nas quais “ensinar e aprender transformam-se em atividades prazerosas, mesmo
que envolvam intenso esforço e trabalho. O aluno sente que o professor acredita na
sua capacidade de ser sujeito do processo de aprender e o professor encontra a
verdadeira gênese de sua tarefa de ensinar” (1998, p. 112).
Observei, através dos interlocutores, que nos cursos de licenciatura
pesquisados, muitas vezes, não conseguiam visualizar situações inovadoras e com
estética em sua formação, pois lhes foi repassado o conteúdo como transmissão,
num processo acumulativo de apropriação de informações previamente
selecionadas e ordenadas pelo professor.
Em decorrência desses fatos, o aluno era um ser passivo e individual no
processo de aprender e ensinar. Alguns professores dos cursos de licenciatura
pesquisados, por vezes, não valorizavam a construção, a criação, a produção e a
inovação, processos imprescindíveis para vivenciar a arte de aprender e ensinar. E,
como sustenta Demo (2004, p. 35),
professor dispensável é aquele que apenas reproduz conhecimento, ou,
apenas dá aulas reprodutivas; indispensável é o professor que se
apresenta como exemplo a ser seguido na habilidade de manejar
conhecimento com autonomia crítica e autocrítica.
137
Os docentes egressos trabalham, no processo educativo, com as práticas e
momentos estéticos que perceberam no curso de graduação e os momentos apenas
de “depósito” de conteúdos são mantidos para a reflexão da própria prática. E, como
diz Cortella (2003, p. 112), “a prática de pensar a prática – o que fazemos – é a
única maneira de pensar – e de fazer – com exatidão”.
Para Demo (2004, p. 37), aula reprodutiva “impede saber pensar, porque já
vem pensada, concluída (...). Encurta os caminhos, porque, em vez de levar o aluno
a ler, argumentar, elaborar, repassa extratos condensados, prontos para armazenar
e transportar”.
Demo (2004, p. 38) também afirma que “não se pode só reclamar do
professor. Filho do mesmo sistema, precisa de oportunidade, sobretudo de reaver
seu direito de estudar e aprender. O professor que não sabe aprender não pode
fazer o aluno aprender”.
Os interlocutores colocaram explícita e, algumas vezes, implicitamente que a
universidade é o único local de aprender a teoria, a prática e a relação estética entre
a construção do conhecimento. Que a universidade é a detentora do poder. Na
realidade, evidencia-se uma certa “ingenuidade”, pois a universidade é também uma
instituição de aprendizagem, mas como enfatiza Nóvoa (2000, p. 132), “continua a
trabalhar fazendo de conta que é ainda a única detentora do conhecimento (...). Ela
tem que se reorganizar passando de uma função de transmissora do conhecimento
para funções de reconstrução, de crítica e de produção de conhecimento novo”.
É necessário retornar à teoria para compreender que o conhecimento docente
não resulta apenas de formação universitária, mas também de saberes da
experiência. Tardif (2003, p. 109) aponta que “o saber experiencial é um saber
138
ligado às funções dos professores, e é através dessas funções que ele é mobilizado,
modelado, adquirido”.
Os dados apontaram, em relação à teoria e à prática, que os cursos de
formação de professores precisam, em muitas situações, trabalhar de forma
interconectada – e não distanciada –, pois isso dará suporte à profissão do aluno,
futuro professor. Constatei, com esta investigação, que é necessário um diálogo
maior entre as instituições formadoras e as escolas de Educação Básica.
Os professores enfatizaram que a construção da aprendizagem, do ser/fazer
pedagógico, decorre da atuação, no contato direto com a sala de aula, e que muitos
acontecimentos são firmados no processo através de experiências como discente.
Percebi que os docentes entrevistados ressaltaram a importância da prática
dos estágios curriculares para fundamentar e mostrar o aprender e o ensinar, a
atuação do professor, o ser/fazer pedagógico. Para Fernandes (2006), em trabalho
apresentado no XIII Endipe (Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino),
realizado em Recife/Pernambuco,
a inserção do professor em formação no estágio desde a metade do curso
rompe com uma visão de que a teoria antecede à prática e esta, a prática,
reduz-se à aplicação de teorias, compreensão de conhecimento e de
ciência arraigada em nossos currículos e em nossas concepções.
Repensar o estágio, os problemas da realidade, a partir de outra matriz
teórica, na busca de superação do estágio como campo de aplicação de
conhecimentos e de experiência da profissão nos remete aos desafios de
superação da idéia de Universidade como detentora dos saberes válidos,
que se complementam na necessidade de interação entre o campo da
formação e o campo profissional desde o início do curso.
Nesse sentido, teoria e prática são indissociáveis, visto que são condições
fundamentais para aprender e ensinar e para ir construindo o profissional. Para
Fernandes (2006), “há uma urgência de uma postura tensionada entre teoria e
prática, entendendo que a teoria dialeticamente está imbricada com a prática.
Senão, a teoria tende a se tornar um acúmulo de informações sem uma
139
sistematização, que lhe fundamente as evidências colhidas numa prática refletida
que tensione e recrie a teoria”.
O professor, em sua prática pedagógica, deve reconhecer a complexidade de
teorias que emergem das ciências e da importância do contínuo aprofundamento
conectado com o mundo da vida. O ofício docente exige não somente o
conhecimento científico, mas a capacidade de reconstruir o teórico para a realidade
vivenciada. Então, o professor é um ser humano que assume a sua prática a partir
de significados que constrói, possuindo um conhecimento que provém de sua
atividade própria. Pontuo, nesse contexto, a necessidade e importância da
articulação dos saberes científicos com os saberes práticos, que advém da prática
profissional.
Recuperando a fala do professor que enfatiza o termo vocação, na página
100 deste trabalho, percebi que a idéia da vocação, como afirma Alves (1995, p. 31),
é "conceito que vem do latim vocare, que quer dizer ‘chamar’. É um chamado que
vem de dentro da gente, o sentimento de que existe alguma coisa bela, bonita e
verdadeira à qual a gente deseja entregar a vida”. Ele também coloca que “vocação
é diferente de profissão. Na vocação a pessoa encontra a felicidade na própria ação.
Na profissão o prazer se encontra não na ação. O prazer está no ganho que dela se
deriva. O homem movido pela vocação é um amante”. Essa idéia encaminha a visão
do professor dotado de um dom, que se contrapõe à visão que coloco nesse
trabalho, da identidade do professor como um constructo histórico-cultural (NÓVOA,
1992) e da idéia de inacabamento presente na teoria de Freire.
Com essas reflexões, permito-me afirmar que os formadores docentes dos
cursos de graduação, cientes da sua responsabilidade, necessitam “cuidar” seus
alunos, futuros professores, não apenas para aplicarem conteúdos, mas também
140
para serem sujeitos da busca de uma compreensão maior, de um olhar crítico e
reflexivo. O papel da formação vai além do ensino, pois envolve a capacidade de
criar espaços de participação, formação e reflexão, a fim de que o ser humano
aprenda e torne-se capaz de articular de modo qualitativo com as dificuldades e
mudanças que surgirem no seu processo profissional docente, sendo capaz de
refletir constantemente sobre sua prática.
Muitos professores descobriram e outros reafirmaram, no curso, como se
processa a construção do conhecimento em sala de aula, analisando esse aspecto
como positivo para a reflexão e qualificação do trabalho educativo. Somente quando
o aluno, futuro professor, perceber a importância do aprender e do ensinar é que irá
em busca do conhecimento aprofundado, através de pesquisas e reflexões.
Na verdade, há necessidade de que as instituições de formação docente
promovam e fortaleçam um saber articulado entre as concepções teóricas e as
vivências práticas e que problematizem a realidade educacional. Que desafiem os
acadêmicos dos cursos de licenciatura a enfrentar situações diversas, provocando-
os à busca, à construção, à vivência ética e estética, instigando a curiosidade e a
criatividade para possibilitar diferentes momentos do trabalho do profissional
docente.
Tardif (2003) destaca que os saberes profissionais dos professores são
situados, pois são alicerçados e ganham sentido numa situação de trabalho. O autor
conclui que, diferentemente dos conhecimentos universitários, os saberes
profissionais não são construídos e utilizados em função de transferência, mas estão
intimamente ligados a uma situação de trabalho à qual o docente deve atender.
A análise dos dados da pesquisa revelou que as instituições formadoras têm
a responsabilidade de articular a teoria à prática, oferecendo variadas oportunidades
141
de formação, sobretudo na maneira como podem atender ao seu processo de
desenvolvimento profissional.
Mas, então.... que partituras novas devem ser escritas e apresentadas pelas
instituições formadoras em relação à arte de aprender e ensinar? Acredito que será
possível visualizar outras possibilidades através da articulação teoria e prática,
contextualizando nas práticas sociais, atividades dialogadas com escolas e
instituições, experiências, reflexões, leituras e investigação da própria prática
docente. Esses aspectos podem gerar transformações positivas na profissão de
ensinar e aprender, porque envolvem mudanças tanto nas instituições que formam
os profissionais do ensino, quanto nas instituições onde eles irão trabalhar.
Possibilitar essa realidade requer desprendimento, ousadia e coragem,
democratizando estruturas e relações de poder.
É necessário construir legatos
38
que articulem as universidades e as escolas,
tornando-se espaços de criação, desafio, produção, construção, saber e
aprendizagem.
O desafio está posto e é urgente que os professores formadores e os
professores de profissão se envolvam nessa tarefa fundamental, para que a
boniteza, a alegria, a sensibilidade, a criação a construção e a estética componham
outras partituras no processo de aprender e ensinar.
Para Shor (1978, p. 18-19), “o ceticismo e o olhar crítico, o envolvimento
apaixonado com a aprendizagem... a motivação de saber que você está descobrindo
novos territórios. O professor precisa ser um aprendiz ativo e cético na sala de aula,
que convida os estudantes a serem curiosos e críticos... e criativos”.
38
Legato ou ligadura na música significa que as notas devem ser tocadas sem interrupções,
continuamente.
142
Observei, nas análises, que muitos professores enfatizaram a necessidade de
articular os saberes dos docentes universitários com metodologias e maneiras de
trabalhar o ser/fazer pedagógico com mais criatividade e dinamismo. Fernandes
(2001, p. 179) salienta que, “para trabalhar na escola básica (...), exige-se a
formação pedagógica, mas o professor que atua no ensino superior ‘não precisa
desse saber’, que, por sua vez, é legitimado pela universidade na existência dos
cursos de licenciatura, uma contradição que se gesta na própria concepção de
conhecimento e ciência que funda seu projeto sócio-político-cultural”.
Torna-se necessária uma reflexão sobre a formação docente, na qual a
estética esteja presente, promovendo um aprender e ensinar mais envolvente, com
sentido, com mais aprendizagem e alegria.
Ouso afirmar que este trabalho construiu uma das muitas partituras de uma
orquestra, mas convida a compor outras melodias no cenário da arte de aprender e
de ensinar. Implica em projetar outras ações, novas metas na construção de uma
educação escolar mais alegre, dinâmica e prazerosa.
Esse é um processo paulatino, mas possível. Gradativamente, as escolas
embarcarão nessa possibilidade, como salienta Fromm na abertura do livro A Arte
de amar, no qual se lê o seguinte: “aquele que imagina que todas as frutas
amadurecem ao mesmo tempo como as cerejas, nada sabe a respeito das uvas” (p.
08). Portanto, pensar na construção de uma educação com estética, arte, alegria,
sensibilidade e encanto requer amadurecimento, resolução de lacunas, exploração
de potencialidades, busca da cooperação e do prazer de ensinar e aprender.
Sinfonia vem do grego e significa "reunião de vozes”. Na educação, é
necessário que haja vivência de sinfonias, docentes abertos, críticos, pesquisadores
criativos, verdadeiros apaixonados pela profissão. Como diz Cortella (2003, p. 157):
143
paixão por uma idéia irrecusável: gente foi feita para ser feliz! Paixão pela
inconformidade de as coisas serem como são; paixão pela derrota da
desesperança; paixão pela idéia de, procurando tornar as pessoas
melhores, melhorar a si mesmo ou mesma.
E compartilho com Cortella (2003, p. 157) quando questiona isto: “afinal de
contas, por que somos educadores e educadoras? Por que dedicarmos toda uma
existência a essa atividade cansativa, econômica e socialmente prejudicada e
desvalorizada, entremeada de percalços?”. O autor diz que tem uma suspeita: “por
causa da paixão”.
A mudança constrói-se a partir de um sonho comum. Vandré elucidou isso
quando escreveu “caminhando e cantando e seguindo a canção”. Também Chico
Buarque de Holanda que cantou “A Banda”:
E cada qual no seu canto,
em cada canto uma dor.
Depois da banda passar,
cantando coisas de amor.
Acredito nesta possibilidade, sonho com esta realidade: perceber mais
encanto, uma aprendizagem mais qualitativa e guiada pela busca, pela pesquisa e
pela alegria. Com certeza, temos influências externas que, muitas vezes, impedem a
educação de ser mais qualitativa, humana e encantadora.
A arte de aprender e ensinar será ainda mais uma realidade nas escolas e
universidades quando os profissionais da educação trabalharem coletivamente,
alicerçando novas possibilidades, pensando nos desafios como um impulso para a
qualidade educacional.
Notas harmônicas e dissonantes temos no ambiente escolar, mas a melodia
poderá ser prazerosa e alegre. Como diz Almir Sater, na música Tocando em Frente:
“cada um de nós compõe a sua história, e cada ser em si carrega o dom de ser
capaz e ser feliz”.
144
Cheguei ao final desta pesquisa na certeza de que a partitura é inconclusa e
continuará em novas composições e autorias...
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11 ANEXOS
Anexo 1: Roteiro prévio para as histórias de vida/narrativas
O trabalho pretende analisar como foi percebida a arte de aprender e ensinar
na formação docente dos Cursos de Graduação em Letras e Matemática da URI -
Campus de Frederico Westphalen e qual a sua interferência na arte de aprender e
ensinar dos alunos egressos.
Para tanto, visando a tornar mais significativo esse processo, gostaria de
conhecer um pouco de sua história de vida.
Assim, peço que considere, na escrita desta narrativa, as seguintes situações:
- influência na escolha do curso de graduação;
- aspectos positivos e negativos de seu ensino de graduação;
- vida como docente, evidenciando as alegrias/encantamentos;
- construção do conhecimento em sua prática pedagógica;
- descrição da melhor aula que teve na universidade;
- descrição da melhor aula que fez com seus alunos (profissão);
- exposição de como observa o professor atual;
- análise da seguinte citação:
às vezes diante da figura do professor(a) sinto-me como se estivesse diante
de um velho e apagado retrato de família. Com o tempo perderam-se cores
e apagaram-se detalhes e traços. A imagem ficou desfigurada, perdeu a
viveza, o interesse. Mais um retrato a guardar na gaveta de nossos sonhos
perdidos, para revê-lo em tempos de saudade (ARROYO, 2001, p. 13).
Anexo 2: Roteiro prévio para entrevista semi-estruturada
Questões para os professores egressos dos Cursos de Licenciatura em
Letras e Matemática da URI – Campus de Frederico Westphalen
1- Qual a importância do Ensino Superior para sua vida profissional?
2- Para você, o que é ensinar e aprender com “arte”?
3- Você gosta de ensinar? Por quê?
4- Você percebeu alegria de ensinar e aprender do seu curso de graduação? Em
que situação?
5- Qual a relação do seu curso de graduação com a sua prática pedagógica?
6- Na sua opinião, os professores da universidade estão preparados para
estabelecer relações práticas com as salas de aula dos professores de Educação
Básica?
7- Na sua opinião, a universidade está preparada para desenvolver educadores
conscientes, competentes, capazes de agir com ética e estética? Por quê?
8- O que mudou na sua forma de ver o aprender e o ensinar após a conclusão de
um curso de graduação?
9- Se você iniciasse hoje um curso de graduação, o que acha que mudaria? Por
quê?
10- Como você descreveria o ensinar e o aprender com encantamento?
11. É possível aprender e ensinar em sala de aula com encanto? Como?
Anexo 3: Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS – UNISINOS
Programa de Pós-Graduação em Educação
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
O presente estudo está vinculado à linha de pesquisa Práticas Pedagógicas e
Formação do Educador, do Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade do Vale do Rio dos Sinos. O objetivo geral da investigação é analisar a
aproximação da teoria apreendida nos cursos de licenciatura, relacionando-a com a
realidade praticada nas salas de aula de alunos egressos, em relação à arte de
aprender e de ensinar. Os dados coletados serão utilizados na análise da influência
da trajetória e da articulação dos diferentes saberes construídos na arte de aprender
e ensinar em um Curso de Graduação e na prática pedagógica e epistemológica.
Nesse sentido, solicito sua autorização no que se refere às informações concedidas
na entrevista, bem como as narrativas a serem coletadas, como requisito para a
dissertação de mestrado em desenvolvimento.
São Leopoldo, ....................................................... de 2006.
Juliane Claudia Piovesan
Juliane Claudia Piovesan
Pesquisadora
Fones: 55 3744 -8288 – 55 3744-9299
Matrícula: 957925
Mestrado em Educação
Profª Drª Cleoni Maria Barbosa Fernandes -
Orientadora
Programa de Pós-Graduação em Educação
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