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SOLANGE MARIA BEGGIATO MEZZAROBA
BEBIDAS ALCOÓLICAS NA ADOLESCÊNCIA:
RELAÇÃO ENTRE USO E DOMÍNIOS SOCIAIS
MARÍLIA, SP
2006
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SOLANGE MARIA BEGGIATO MEZZAROBA
BEBIDAS ALCOÓLICAS NA ADOLESCÊNCIA:
RELAÇÃO ENTRE USO E DOMÍNIOS SOCIAIS
Tese apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação da Faculdade de
Filosofia e Ciências da Universidade Estadual
Paulista para obtenção do título de Doutor em
Educação.
Orientador: Prof. Dr. Raul Aragão Martins
MARÍLIA, SP
2006
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M617b Mezzaroba, Solange Maria Beggiato
Bebidas alcoólicas na adolescência: relação entre uso e domínio sociais /
Solange Maria Beggiato Mezzaroba – Marília: [s.n.], 2006.
XXXf.
Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Estadual Paulista, Faculdade
de Filosofia e Ciências, Marília, SP.
Orientador: Dr. Raul Aragão Martins
1. Bebida alcoólica – Adolescência – Uso. 2. Alcoolismo – Adolescência - Uso.
3. Bebida alcoólica - Adolescência – Domínio social. 4. Alcoolismo – Adolescência –
Domínio social. I. Martins, Raul Aragão. II. Título
CDU 178.1
SOLANGE MARIA BEGGIATO MEZZAROBA
BEBIDAS ALCOÓLICAS NA ADOLESCÊNCIA:
RELAÇÃO ENTRE USO E DOMÍNIOS SOCIAIS
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de
Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista para obtenção do título de
Doutor em Educação.
COMISSÃO EXAMINADORA
Marília, ____ de _______________ de 2006.
AGRADECIMENTOS
Para que este trabalho fosse realizado, muitas pessoas dele
participaram direta ou indiretamente. Quero neste momento apresentar os meus
sinceros agradecimentos a todas elas, e especialmente:
Aos adolescentes que tiveram o desprendimento e coragem de participar das
etapas da pesquisa e especialmente aqueles que tão cordialmente se
colocaram a disposição para a realização das entrevistas, abrindo mão de
algumas horas de seus estudo e lazer;
À direção das escolas pesquisadas, pela permissão para entrarmos na
instituição dando-nos o apoio necessário. Na oportunidade gostaria de
agradecer especialmente ao Professor Alderi Luis Ferrarezi, Rosa Maria
Cardoso, Alceu Martins de Albuquerque Filho e Maria Tereza Rebollo. A
vocês que acreditaram no meu trabalho, muito obrigado;
Ao meu orientador, professor Raul Aragão Martins que confiou, mesmo que à
distância na minha capacidade. Mestre, amigo, incentivador, sempre pronto e
a disposição para contribuir de forma agradável e reforçadora a todas minhas
iniciativas. Firme em suas orientações, porém aberto a compreender e
respeitar a opinião de seus orientandos;
A minha fada madrinha, que sem seu empurrão hoje não estaria concluindo
este trabalho;
Quero fazer um agradecimento especial ao professor José Antonio Damásio
Abib, pela sua paciência e dedicação incondicional. Sempre foi para mim um
exemplo e estímulo para continuar na vida acadêmica;
Aos meus amigos de curso Rovilson, Linete, Elisa, Andréa que juntos
percorremos este caminho;
Aos amigos e colegas de trabalho, Suely, Romilda, Vera, Sonia, Fátima, Zilah,
Mari Nilza, Evangelina, Marcos, João, Elen, Luciana, que sempre estiveram
atentos à conclusão da pesquisa;
Aos meus alunos que se mostraram interessados na pesquisa e entenderam
meus momentos de ansiedade;
As minhas filhas Maria Fernanda, Mariella, Paula que por serem jovens
contribuíram nas diversas discussões que tivemos sobre o meu tema de
pesquisa;
Aos meus pais que na sua simplicidade sempre me ensinaram dedicação e
perseverança aos trabalhos empreendidos;
Ao meu marido Ivan que me deu condições logísticas, arcando sempre com
alguma parte das atividades cotidianas para que eu pudesse concluir este
trabalho, muito obrigada.
A
S ROSAS DO TEMPO
Carlos Drummond de Andrade
Admirável espírito dos moços,
a vida te pertence. Os alvoroços,
as iras e entusiasmos que cultivas
são as rosas do tempo, inquietas, vivas.
Erra e procura e sofre e indaga e ama,
que nas cinzas do amor perdura a flama.
MEZZAROBA, Solange Maria Beggiato. Bebidas alcoólicas na adolescência: relação
entre uso e domínios sociais. 2006. 142 f. Tese (Doutorado em Educação) -
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Marília, 2006.
RESUMO
De acordo com o V Levantamento Nacional realizado pelo Centro Brasileiro de
Informações sobre Drogas Psicotrópicas – CEBRID, em 2004, a média de idade do
primeiro uso de bebidas alcoólicas foi de 12,7 anos. Podemos concluir desse dado
que os adolescentes têm adquirido o hábito de beber cada vez mais cedo. Sob efeito
do álcool, o adolescente pode envolver-se em situações de risco pessoal bem como
acarretar injúrias a outrem. Considerando que a conduta de beber é construída
socialmente, o conhecimento de como adolescentes categorizam essa conduta e
quem consideram autoridade para regular o seu uso, é importante na elaboração de
programas preventivos e de intervenção. A partir da constatação dessas questões
este trabalho foi desenvolvido tendo como objetivos: identificar os adolescentes (de
uma escola pública e de uma particular) que faziam uso abusivo de álcool e analisar
como os mesmo viam este hábito e quem eles reconheciam como autoridade para
controlá-lo. Inicialmente realizamos um rastreamento com 65 jovens que
consentiram em participar da pesquisa. Para o rastreamento utilizamos o AUDIT,
instrumento que permite identificar por meio das respostas apresentadas, o nível de
consumo alcoólico. Com seis adolescentes que obtiveram escore positivo no AUDIT,
realizamos uma entrevista semiestruturada, buscando apreender a concepção que
os mesmos tinham em relação ao fato de beberem de forma abusiva, quem eles
consideravam autoridade para controlar o hábito, como julgavam esse
comportamento e em que domínios sociais enquadravam tal ato. Os resultados
obtidos mostraram que os jovens entrevistados não associam o hábito de beber
abusivamente com questões morais. Acreditam que o comportamento de beber
abusivamente está ligado aos domínios pessoais e prudenciais, ou seja, dizem
respeito apenas a eles, e mesmo que as conseqüências advindas deste
comportamento sejam prejudiciais a outros, não teriam relação com questões
morais. Têm a crença de que necessitam passar por experiências próprias de
bebedeiras e situações de risco para perceber a gravidade da situação. Portanto,
propagandas, conselhos familiares, iniciativas das escolas da forma como têm sido
desenvolvidas são de pouca repercussão ou mesmo não efetivas.
Palavras-chave: adolescência, domínios sociais, bebidas alcoólicas, programas de
prevenção e intervenção, Piaget, Turiel.
MEZZAROBA,Solange Maria Beggiato. Drinking problem among adolescents:
relation between use and social domain. 2006. 142 p.. Thesis (Doctors of Education)
State University Júlio de Mesquita Filho, Marília, 2006.
ABSTRACT
According to the V National Research carried out by Centro Brasileiro de Informação
sobre Drogas Psicotrópicas – CEBRID in 2004, the average age for alcoholic
drinking consumption initiation was 12,7 years old. According to these data, the habit
of drinking starts earlier every year among teenagers. Those facts should be treated
as a public health issue. Under the effect of alcohol the teenager can be involved in
situations of personal risk as well he/she can hurt other people. Taking into
consideration that the habit of drinking is built socially, the knowledge on how
teenagers classify this behavior, and who they consider an authority to keep the use
under regular basis it is important for the creation of prevention and intervention
programs. As from the verification of these facts, this work was carried out aiming to
identify the teenagers abusing from alcohol in a private and in a public school. It was
also analyzed how those teenagers deal with the addiction, and who is considered an
authority for the control. Initially, we carried out a trace with 65 young people that
volunteered to participate in the research. It was used the AUDIT (system) test – a
tracer instrument that identifies through the answers the level of ingested alcohol. We
carried out six semi-structured interview with the teenagers that presented a positive
score in AUDIT. The purpose was to understand how the teenagers face the
problem of abusive drinking, who they consider an authority to control problem, how
they judged the behavior, and in which social level this act is kept. The results
among the interviewed volunteers showed they didn’t associate the habit of drinking
abusively to moral issues. They believe this behavior is connected to personal and
prudential domains, in other words, the problem is personal and even the
consequences arisen from this behavior may be harmful to others they are not
considered moral issues. They are true believers that this is part of the growing
process and they need to face risk situations to evaluate how serious and dangerous
they are. Therefore, we can conclude that advertisements, family advice, school
orientation in the format they are being developed today are considered of low
repercussion or even ineffective.
Keywords: adolescence, social domains, alcoholic drinking, prevention and
intervention programs, Piaget, Turiel.
MEZZAROBA, Solange Maria Beggiato. Boissons alcooliques à l’adolescence:
relation entre l’usage et les domaines sociaux. 2006. 142 p. Thèses (Doctorat of
Education) Univertité Estat Júlio de Mesquita Filho, Marília, 2006
RÉSUMÉ
Selon la V Statisque Nationale realisée par le Centre Brésilien d’Informations sur
Drogues Psychotropes – CEBRID en 2004, la moyenne l’ âge pour la consommation
de boissons alcooliques pour la première fois a été de 12,7 ans. Nous pouvons
conclure de ces donnés que les adolescents ont obtenu l’habitude de boire chaque
fois plus tôt. Ces faits doivent être envisagés comme une question de santé
publique. Sur l’effet de l’alcool l’adolescent peut se compromettre dans des situations
de danger personnels ainsi comme d’entraîner des injures à l’autrui. En considerant
que la conduite de boire est construite socialement, que la connaissance de comme
les adolescents catégorisent cette conduite, et qui ils considèrent l’autorité pour
régler son usage; cela est important dans l’élaboration de programmes préventifs et
d’intervention. À partir de la constatation des faits, ce travail a été developpé, ayant
comme objectifs d’identifier les adolescents qui font l’usage abusif de l’alcool dans
une école privée et publique et d’analyser comme ceux-ci voient l’usage et quelles
sont les autorités qu’ils reconnaissent pour les controler . D’abord nous avons réalisé
des pistes avec 65 jeunes qui ont consenti en participer de la recherche. Pour ces
pistes nous avons utilisé l’AUDIT, instrument qui permet d’identifier à travers des
réponses présentées, le niveau de consommation alcoolique. Avec cinq
adolescents qui ont obtenu le score positif avec l’AUDIT, nous avons réalisé un
interview semi-structuré, en cherchant d’ apprendre la conception que les mêmes
avaient en relation au fait de boire de manière abusive. Quels sont les autorités pour
controler l’usage, comment ils jugent ce comportement, et dans quels domaines
sociaux s’adaptent cet acte. Les résultats obtenus ont montré que les jeunes
interviewés n’associent pas l’habitude de boire beaucoup aux questions morales, ils
croient que ce comportement est lié aux domaines personnels et aussi de la
sagesse, ou soit, que cela n’intéresse qu’à eux memes, en outre que les
conséquences survenues de ce comportement sont préjudiciables aux autres, elles
n’ont pas de relation avec les questions morales. Il s’agit de croire qu’ils nécessitent
passer par des propres expériences d’ivresse et des situations de risque pour
percevoir la gravité de la situation. Pourtant des publicités, des conseils familiers,
des initiatives des écoles sont très peu repercutés ou même inefficaces, à la
manière dont elles sont faites.
MOTS–CLÉ: adolescence, domaines sociaux, boissons alcooliques, programmes de
prévention et d’intervention, Piaget, Turiel.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................ 11
1 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA..................................................................... 18
1.1 Jean Piaget e a Construção da Moralidade ............................................... 23
1.2 Elliot Turiel: a Construção dos Domínios Sociais....................................... 30
1.3 Condutas Sociais e Uso de Substâncias Psicoativas................................. 48
1.4 O Uso de Bebidas Alcoólicas ................................................................... 54
1.5 Adolescência.............................................................................................. 58
2 MÉTODO....................................................................................................... 64
2.1 Participantes............................................................................................... 65
2.2 Local de Realização................................................................................... 65
2.3 Instrumentos............................................................................................... 66
2.3.1 Instrumentos do levantamento inicial ..................................................... 66
2.3.2 Instrumentos da entrevista...................................................................... 67
2.4 Procedimentos ........................................................................................... 67
2.4.1 Procedimento do levantamento inicial .................................................... 67
2.4.2 Procedimento da entrevista..................................................................... 68
2.5 Análises dos dados ................................................................................... 69
2.6 Considerações éticas................................................................................. 69
3 RESULTADOS ............................................................................................. 70
3.1 Levantamento Inicial ................................................................................. 70
3.2 Resultados do Conteúdo das Entrevistas................................................... 73
4 ANÁLISE E DISCUSSÃO............................................................................. 78
4.1 Análise do Levantamento Inicial................................................................. 78
4.2 Análise do Conteúdo das Entrevistas......................................................... 81
4.2.1 Hábito de beber....................................................................................... 82
4.2.2 Construção dos domínios sociais e a bebida.......................................... 87
4.2.3 Autoridade para controlar o uso de bebidas alcoólicas........................... 93
4.2.4 Orientações sobre o uso de bebidas alcoólicas ...................................... 99
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................ 107
REFERÊNCIAS ............................................................................................. 119
APÊNDICES................................................................................................... 126
INTRODUÇÃO
Reflexões sobre moralidade não constituem tema novo nas
diferentes áreas de produção intelectual. Filósofos, sociólogos, psicólogos,
educadores, desde há muito, vêm discutindo e escrevendo sobre o assunto. Em
tempos mais recentes, especialmente após a queda do muro de Berlim, em 1989,
observamos um aumento no interesse sobre a matéria, sobretudo após as lutas
étnicas nos Balcãs, a reorganização européia, a intolerância religiosa, o abalo nas
estruturas financeiras tradicionais. No Brasil, com a abertura política, após anos de
ditadura, pudemos perceber esse mesmo interesse, pois passamos a uma situação
inédita para as gerações pós 1982 e diferente para as anteriores, ou seja, escolher
seus representantes pelo voto direto e conviver com uma democracia nascente. Tais
fatos apontaram para uma necessidade urgente de se discutir sobre a formação de
valores, visando a contribuir, efetivamente, para uma sociedade mais tolerante, justa
e solidária.
Particularmente o tema sempre nos cativou. Uma constante
inquietação nos acompanhava desde o período escolar básico. Talvez pelo fato de
nossa formação acadêmica ter ocorrido numa escola confessional, bastante rígida
na transmissão dos preceitos religiosos, sendo a obediência a esses preceitos a
regra fundamental. A família, por compartilhar das mesmas idéias da escola,
referendava completamente a necessidade de obedecer sem questionamentos às
regras impostas pela sociedade e pela religião. Obedecíamos, porém de uma forma
desconfortável e intrigada. As explicações de que “porque sim” ou “porque não” ou a
ausência de explicações não nos satisfaziam, mas a contestação era vista como
falta de respeito aos mais velhos e a Deus, podendo a mesma ser seguida de algum
tipo de punição ou simplesmente ignorada. Obedecíamos, mas com um sentimento
de que poderia ser diferente, poderia haver explicações do porquê deveríamos
obedecer e o que aconteceria caso não o fizéssemos.
Nossa juventude foi marcada pela repressão. As questões de
obediência foram transferidas e/ou da escola para o Estado. A ditadura militar, com
propósitos disciplinadores, nos impôs, na continuidade, o dever de obediência ao
Estado que representava o que era “melhor” para a sociedade brasileira, sem nos
consultar se era isso que queríamos. As punições para a desobediência agora não
eram mais meros castigos, retirada da mesada ou ter que confessar nossos
pequenos pecados, eram humilhações, perda da liberdade, sessões de torturas
físicas e psicológicas. Os medos infantis e fantasiosos, do desconhecido são
substituídos agora por situações reais e próximas. Obedecíamos, mas com a
sensação clara de que o fazíamos por medo de passarmos pelas mesmas histórias
que escutávamos a boca pequena ou a cada professor, colega ou parente que
desaparecia ou morria subitamente de inexplicáveis ataques cardíacos ou acidentes
pouco prováveis.
Questionávamos esses acontecimentos. Não nos conformávamos
em ter que simplesmente obedecer. Porém, faltavam subsídios na nossa formação
para fazermos diferente do que havíamos aprendido. A inquietação, no entanto,
persistia. Acreditávamos que deveria haver uma outra forma de nos posicionarmos
frente às questões sociais, pessoais e morais, que não apenas pela acomodação e
obediência.
O curso de psicologia nos apontou, mesmo que veladamente,
algumas possibilidades. Eram tempos difíceis. Os atos institucionais obrigavam as
universidades a calarem-se e a calar seu alunado. Porém, uma reunião aqui outra
ali, feitas meio que às escondidas, foram pouco a pouco revelando que nossa
inquietação poderia ter suas razões de ser e que outras formas de pensar havia e
que havia a possibilidade de se pensar, sem apenas obedecer.
Após o término do curso, logo nos inserimos em seus quadros como
docente. Com a necessidade de qualificação de professores, decidimos buscar
complementação de nossa formação no mestrado. Fomos admitidas no Programa
de Psicologia da Educação na PUC de São Paulo, no ano de 1982, período em que
se inicia a abertura política no Brasil. Isso foi decisivo e marcante para nós. A PUC,
na época, se caracterizava como uma instituição contestadora que abrigava em
seus quadros funcionais os defensores de uma volta ao estado de direito da nação
brasileira. Tem início, neste período, a campanha Diretas Já. Sentimo-nos abrigadas
naquilo que desde muito cedo almejávamos. Explicações lógicas e racionais das
coisas, teorias que davam a possibilidade de pensar sobre as questões e não,
apenas, obedecer. Foi um período fértil, difícil e de corrida contra o tempo, pois
tínhamos que construir um sistema de referência que deveríamos ter feito num
tempo adequado, mas o acaso nos proporcionava a oportunidade que agarramos
com urgência.
No curso de mestrado, deparamo-nos com eminentes professores e
colegas também ávidos pela construção de uma sociedade menos repressiva e
respeitadora da liberdade individual, do livre pensar. Os cursos ministrados, as
manifestações de que participávamos pouco a pouco vinham suprir nossas antigas
indagações. Assistíamos extasiadas às aulas ministradas por mestres que voltavam
do exílio. Não tínhamos pressa de que o mestre Paulo Freire (1921-1997),
formulador da teoria libertária da educação, encerrasse suas concorridas palestras.
Realmente foi um momento decisivo e de profundas modificações em nossa forma
de pensar. Obediência agora era sinônimo de subserviência, de alienação, de
distanciamento de valores próprios. A idéia de que construímos nossos valores,
nossa conduta moral estava instalada em nossas crenças pessoais e profissionais.
Ao concluirmos o curso sabíamos que tínhamos ainda um longo caminho a
percorrer, mas agora o faríamos por convicções próprias no sentido de sempre
buscarmos respostas à nossas inquietações.
Na década de 90 (séc. XX), organizamos um curso de atualização
na Universidade Estadual de Londrina para os professores do departamento, no qual
atuávamos, sob a coordenação do Professor José Antonio Abib. A construção da
moralidade na perspectiva de Jean Piaget figurava entre os temas propostos no
programa. Na distribuição das atividades do curso coube-nos desenvolver, sob
forma de seminário, justamente esse tópico. A teoria piagetiana já era por nós
conhecida na época, no entanto, ocorreu nosso primeiro contato com a construção
da moralidade na perspectiva deste autor. Mais do que cumprirmos com as
obrigações do curso foi um acaso oportuno e estimulante desvendarmos a proposta
de uma psicogênese da moralidade. Foi o início de nossos estudos e
aprofundamento do tema nessa perspectiva teórica e suas possíveis aplicações na
prática educacional, área de nossa atuação.
Em 1992, Bárbara Freitag editou o livro Itinerário de Antígona: a
questão da moralidade que veio ampliar nossos conhecimentos, apresentando-nos
Lawrence Kohlberg e sua proposta de educação moral. Nessa época, fomos
informados de que na própria universidade, o professor Aluízio Bzuneck havia
produzido suas pesquisas de mestrado e doutorado, tendo Kohlberg como suporte
teórico. Bzuneck foi de inigualável paciência e atenção ao dispensar-nos seu tempo,
fazendo-nos fiel depositária de suas dissertação, tese, textos originais de Kohlberg.
Tais atitudes foram um alento para continuarmos incluindo o tema em nossos
programas de disciplinas de graduação e pós-graduação, bem como, nas atividades
extensionistas.
Buscando estender nossos conhecimentos sobre a construção da
moralidade, com a convicção e experiência própria de que é possível passar de um
estado de heteronomia para outro mais autônomo, elaboramos um projeto de
extensão – Autonomia Moral: um conquista pela prática - que tinha como objetivo
trabalhar com adolescentes (outra grande paixão nossa) os aspectos relacionados
ao tema. Vale lembrar que este período coincide com o lançamento, pelo Ministério
da Educação e Cultura, dos Parâmetros Curriculares Nacionais e seus Temas
Transversais entre os quais figurava a Moralidade como um deles (BRASIL, 1998).
Dessa forma, unimos os conhecimentos produzidos com nossos estudos, a prática e
uma disposição governamental num mesmo prisma de atuação.
Apesar de muitos anos já terem transcorrido desde a conclusão do
mestrado, sempre acalentamos a idéia de cursarmos o doutorado. Ora por questões
profissionais, ora por questões particulares ou mesmo por não encontrar um tema
que nos atraísse para a efetivação de uma pesquisa substantiva e de relevância
social, o projeto era adiado.
A oportunidade surgiu quando, em conversa informal com colegas
da universidade, os mesmos sugeriram transformar as atividades que vínhamos
desenvolvendo no campo da moralidade, tanto prática como teórica, em alvo de
pesquisa. A idéia nos seduziu e foi tomando contornos mais concretos, culminando
na proposta apresentada para o ingresso no Programa em Educação da Faculdade
de Filosofia e Ciências da UNESP, Câmpus de Marília.
Outro feliz acaso nos aguardava. Sob a diligente orientação do
professor Raul Aragão Martins, a idéia de unir adolescentes, moralidade e uma
questão que vinha nos preocupando cada vez com mais força – o hábito de ingerir
bebidas alcoólicas cada vez mais cedo e como maior intensidade – adquiriu
propriedade, concretizando-se no presente trabalho de pesquisa.
Preocupados com a gravidade do problema, bem como com a
necessidade de ações de enfrentamento do mesmo, buscamos identificar entre os
adolescentes que cursavam a 3ª série do Ensino Médio, de uma escola pública e de
uma particular, no ano de 2004, aqueles que estavam fazendo uso abusivo de
álcool. Tivemos também como objetivo avaliar qual o julgamento que faziam em
relação ao uso desta substância e quem eles consideravam responsáveis pelo
controle da ingestão de bebidas alcoólicas. Esperamos que o presente trabalho
ofereça ainda elementos para o enfrentamento pelas escolas de Ensino Médio, das
questões relacionadas ao tema.
Buscando elucidar e contribuir para a compreensão dessa questão, o presente
estudo focalizará alguns aspectos que julgamos pertinentes. No primeiro capítulo,
apresentamos a teoria de Jean Piaget sobre a construção da moralidade. O autor
foi um precursor, na área de psicologia, ao discutir o tema como sendo uma
construção feita pela criança a partir de sua interação com o meio ambiente.
Examinamos também, neste capítulo a continuidade dada à obra de Jean Piaget
por seus seguidores, em especial, Elliot Turiel (1984). Turiel estava inicialmente
interessado em pesquisar como se dava a passagem de um estágio para outro e
na possibilidade de ocorrência de regressões no julgamento de situações morais.
As pesquisas por ele realizadas o levaram à conclusão de que os julgamentos de
questões morais são diferentes das convenções sociais, afirmando que os
conceitos morais são de natureza social, mas que nem todos os conceitos sociais
têm componentes morais. Na seqüência, procuramos estabelecer um paralelo
entre as questões sociais, morais e pessoais e o beber abusivamente em
adolescentes, além de formas de rastreamento do consumo. Encerramos o
capítulo com uma tentativa de definição de adolescência nos dias atuais, como
essa etapa do desenvolvimento é vista na atualidade, suas transformações,
características e seu envolvimento com o consumo das drogas lícitas e ilícitas.
No segundo capítulo, apresentamos o delineamento da pesquisa
utilizado no presente estudo. Os resultados obtidos tanto com o levantamento inicial
como com as entrevistas são apresentados no terceiro capítulo, fazendo-se
indicação de como foram analisados.
A análise e discussão dos dados obtidos pelo levantamento inicial e
entrevista com os adolescentes são apresentados no quarto capítulo. Nas
Considerações Finais, apresentamos nossas constatações da pesquisa realizada
bem como fazemos algumas indicações de como a teoria da construção dos
domínios sociais pode contribuir em trabalhos e atividades de prevenção ou uso
mais consciente de bebidas alcoólicas.
1 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
O mundo contemporâneo vivenciou nas duas ultimas décadas do
século XX e início do 3º milênio, acontecimentos que, indubitavelmente, provocaram
mudanças nas relações interpessoais. De acordo com a compreensão e poder de
análise das pessoas, os fatos adquirem dimensões diferentes, mas, sem sombra de
dúvidas, todos se vêem afetados por eles o que provoca mudanças nas relações em
todos os níveis. Devemos ressaltar que, na esteira dessas transformações, o
desenvolvimento humano, tal qual se concebia tradicionalmente, vê-se também
atingido. As faixas de desenvolvimento não se estabelecem mais como em outros
tempos, tendo-se uma redefinição do que é infância, adolescência e vida adulta. Os
adolescentes de classes menos favorecidas ingressam cada vez mais cedo no
mercado de trabalho. Aqueles pertencentes às classes A e B vêem-se
precocemente diante do dilema da escolha de um curso universitário, visando à
preparação mais qualificada para atuação profissional. Podemos observar também
mudanças em assuntos antes considerados prerrogativa dos adultos como: a idade
de iniciação sexual, a paternidade e o consumo de substâncias psicoativas lícitas e
ilícitas.
Em relação ao uso de substâncias psicoativas, observamos que, nos
últimos anos, houve um aumento significativo no consumo de álcool e em faixas
etárias cada vez mais baixas. A iniciação no hábito de ingerir bebidas alcoólicas tem
ocorrido cada vez mais cedo, gerando uma fonte de preocupação entre pais,
educadores e responsáveis pelas políticas públicas (PINSKY; BESSA, 2004;
MARTINS, MANZATO; CRUZ, 2005; MARTINS, 2006).
Levando em consideração essa realidade, propagandas e
campanhas contra o uso de drogas têm sido veiculadas pelos diferentes canais de
comunicação, atualmente em nosso país. Diversos órgãos e instituições públicas,
tais como: Ministério da Saúde, Secretarias de Ação Social, Organizações não
governamentais, entre outros, preocupam-se com o aumento do uso de drogas e
com a diminuição da idade dos usuários. Os profissionais da mídia associam artistas
e celebridades esportivas, culturais entre outros, aos comerciais na tentativa de dizer
não ao uso de substâncias psicoativas – SPA, consideradas ilícitas.
Paralelamente, no entanto, presenciamos campanhas também de
grande vulto, muito bem elaboradas, exaltando o consumo das drogas legais como
álcool e tabaco. Os mesmos artistas que dizem não às drogas ilegais, emprestam
suas imagens às cervejas e mais recentemente aos “ices”, como fórmula de
realização e conquistas pessoais. Nega-se, assim, o efeito tão ou mais perigoso do
uso abusivo do álcool.
Embora a venda desses produtos seja proibida para menores de
dezoito anos, não há, no país, uma fiscalização efetiva para coibir tal prática. O que
presenciamos é que, cada vez mais cedo, o jovem tem se iniciado no consumo de
bebidas alcoólicas e na prática de “beber se embriagando”, definido como o
consumo de cinco ou mais doses de uma só vez, sendo uma dose equivalente a
50ml de destilado a 40%, 350ml de cerveja a 4-5%, 150 ml de vinho a 12%, 75 ml de
Martini ou vermute (12 gramas de álcool). Tal situação, a nosso ver, é bastante
preocupante, pois o adolescente apresenta-se mais vulnerável por estar em
desenvolvimento, não sabendo avaliar adequadamente o uso de bebidas alcoólicas,
o que pode levar a uma condição de uso abusivo e em muitos casos, à
dependência.
Buscando entender o problema do uso abusivo de álcool por
adolescentes e propor formas de intervenção, grupos de pesquisadores de diversos
países têm conduzido pesquisas nesse sentido. Podemos destacar, entre outros, o
projeto “Monitoring the future”, realizado com adolescentes americanos desde 1975
(JOHNSTONS; O´MALLEY; BACHMAN, 2003). No Brasil, pesquisas entre
estudantes do ensino fundamental, médio e universitário têm sido realizadas por
Carlini-Contri e colaboradores (1987), Almeida Filho e outros (1989), Scivoletto
(1999), Carlini e outros (2002) e Martins (2006).
No Brasil, o Centro Brasileiro de Informação sobre Drogas
Psicotrópicas – CEBRID, desde 1987, vem realizando levantamentos de caráter
nacional objetivando obter o diagnóstico do consumo de drogas entre os jovens
brasileiros. No ano de 2005 publicou o V Levantamento Nacional sobre o Consumo
de Drogas Psicotrópicas entre estudantes do Ensino Fundamental e Médio da Rede
Pública de Ensino nas 27 capitais brasileiras. Esse estudo teve como objetivos:
traçar o diagnóstico do consumo de drogas entre estudantes da rede
pública nas capitais dos estados brasileiros; comparar a tendência do uso
de drogas com os levantamentos realizados anteriormente; comparar os
fatores de relacionamento familiar e aspectos pessoais associados ao uso
pesado de drogas; comparar o uso de drogas entre os estudantes
brasileiros e os de outros países. (GALDUROZ, 2005, p. 14)
Os dados dessa pesquisa são considerados de suma importância,
pois fornecem subsídios às propostas de intervenção, prevenção e campanhas de
saúde pública com dados recentes e adequados à realidade nacional. As conclusões
do V Levantamento apontam entre outras questões que: 1) o uso de drogas não é
exclusividade de determinada classe socioeconômica, devendo, portanto, as
campanhas preventivas estenderem-se a todos segmentos da população; 2) o uso,
na vida, de certas drogas foi maior para o sexo masculino, como maconha, cocaína,
etc. Para o sexo feminino o maior uso, na vida, foi de medicamentos como
anfetamínicos e ansiolíticos; 3) as drogas legais, álcool e tabaco, foram as drogas
com menor média de idade para o primeiro uso: 12,5 anos para o álcool e 12,8
anos,para o tabaco; 4) o bom relacionamento com os pais e a prática de uma
religião parecem ser fatores protetores. O V Levantamento alerta para o fato de que,
“dentre as substâncias psicotrópicas analisadas no estudo, o álcool foi a que teve
menor média de idade do primeiro uso”. Sugerindo que, a “questão do álcool no
Brasil é, de fato, um grande problema de saúde pública” (GALDUROZ, 2005, p.
367).
Levando em consideração os dados obtidos pela V Levantamento,
várias propostas de intervenção vêm sendo desenvolvidas. Entre elas, podemos
destacar o programa BASICS, desenvolvido pela equipe liderada pelo Prof. Dr. G. A.
Marlatt, da Universidade de Washington, Seattle, USA (MARLATT et al., 1998;
BAER et al., 2001; DIMEFF et al., 2002) que visa à moderação de uso e
conseqüente redução de danos que o consumo abusivo de álcool pode provocar.
Essa abordagem já foi testada em outras universidades norte-americanas
(BORSARI; CAREY 2000; MURPHY et al., 2001). A partir de 1988, uma proposta de
prevenção e intervenção está sendo avaliada entre os estudantes da UNESP
(KERR-CORRÊA et al., 1999; KERR-CORRÊA et al., 2001a, 2001b; KERR-
CORRÊA, SIMÃO; MARTINS, no prelo).
Para Martins (2006), fazer uso abusivo de qualquer substância
psicoativa não ocorre por acaso ou por iniciativa individual, mas pode incluir uma
multiplicidade de fatores biopsicossociais, podendo ser então vista como uma
condição socialmente construída na relação entre o indivíduo e seu meio ambiente.
Nessa perspectiva, o indivíduo deixa a condição passiva frente a seus hábitos de
ingestão de álcool, passa a ter possibilidade de assumir o controle de suas ações o
que possibilita engajamento nas atividades de programas preventivos e/ou
educativos, bem como no próprio tratamento da dependência de SPA. A percepção
do indivíduo interativo e com possibilidades de controle de suas ações está baseada
na teoria do desenvolvimento dos domínios sociais de Elliot Turiel (19848).
Na sua teoria de domínios sociais, Turiel (1984,1989) considera que
o sujeito social é um ser em contato direto com o fenômeno social, que define,
interpreta e julga, e assim, constrói interacionalmente as categorias fundamentais do
conhecimento social (MARTINS, 1991). Essas interações, que envolvem pessoas e
o meio ambiente, são recíprocas, e tipos qualitativamente diferentes de eventos
experenciados por elas produzem os domínios básicos de pensamento social: o da
moralidade e o das convenções (DAVIDSON; TURIEL; BLACK, 1983; GEIGER;
TURIEL, 1983; SMETANA, 1981, 1985, 1986). Nucci (1981), em estudos
posteriores, observou a existência de um terceiro domínio - o de assuntos pessoais.
Tisak e Turiel (1984) mostram que há uma diferenciação entre danos causados a
terceiros, pertencentes ao domínio moral, e os causados à própria pessoa,
compreendido como um sub-domínio da moralidade, chamado de “regras de
prudência”.
O raciocínio e o julgamento moral têm papel importante na
determinação de ações em situação moral, mas não em todas as situações.
Poderíamos então colocar o uso abusivo de álcool sob o domínio da moralidade? Ou
estaria sob os domínios sociais apontados por Turiel, entre outros? Considerando
que a conduta de beber é construída socialmente, o conhecimento de como
adolescentes categorizam essa conduta, e quem consideram autoridade para
regular o seu uso, é importante na elaboração de programas preventivos e de
intervenção.
Depois dessas considerações iniciais, discutiremos nesta sessão o
referencial teórico utilizado para fundamentar e analisar os dados obtidos pela
pesquisa. A opção pela teoria proposta por Turiel deveu-se ao fato de a
considerarmos um corpo teórico sólido, coerente com o tema em questão.
No item 1.1, apresentamos a teoria de Jean Piaget, pois a partir dela
Elliot Turiel fundamenta e amplia o conceito de construção dos aspectos morais e
convencionais que será discutido na seção 1.2. Em 1.3, estabelecemos um paralelo
entre as questões sociais, morais e pessoais e o uso abusivo de bebidas por
adolescentes. O uso de bebidas alcoólicas e as formas de rastrear este uso serão
abordados no item 1.4. Encerramos o capítulo, com uma apresentação do conceito
de adolescência nos dias atuais.
1.1 Jean Piaget e a Construção da Moralidade
A construção da moralidade tem sido objeto de reflexões, tema de
pesquisa, além de preocupação constante nos meios educacionais (ARAÚJO, 1993,
NUCCI, 2000; SCARIN, 2003; LEPRE, 2005; SILVA, 2004), porém, encontramos
poucas iniciativas visando a aliar uso e/ou abuso de álcool e questões morais.
A construção da moralidade constitui um tema complexo, portanto
uma análise compartimentalizada não dá conta de abarcar todas suas interfaces.
Contribuições da filosofia, sociologia, psicologia, entre outras áreas de
conhecimento, são fundamentais para a compreensão da moral, sua construção e
implicações para a vida cotidiana.
Jean Piaget (1932,1977), em sua obra sobre a construção da
moralidade, concilia aspectos das áreas de conhecimento citadas acima. Da
filosofia, os principais inspiradores são Jean-Jacques Rousseau e Immanuel Kant.
Freitag (1992, p. 176) aponta que:
como Kant, Piaget calca a consciência moral na razão e não, como
Rousseau, no coração. Mas, ao contrário de Kant e inspirado em Rousseau,
Piaget nega o caráter a priori de um princípio moral e defende a tese da
gênese e da educabilidade da moralidade autônoma.
De Emile Durkheim, o autor busca os elementos sociológicos
relevantes para a formulação de sua teoria psicológica sobre o desenvolvimento da
moralidade.
Em seu livro O julgamento moral na criança, publicado em 1932,
Piaget nos legou sua principal contribuição para a investigação e discussão da
psicogênese da moralidade. Logo no início dessa obra, o autor deixa clara sua
definição de moral, como sendo ”[...] um sistema de regras, e a essência de toda
moralidade deve ser procurada no respeito que o indivíduo adquire por essas
regras” (PIAGET, 1977, p. 11). Existe uma concordância entre os estudiosos do
tema quanto à definição, todavia as divergências surgem em relação a como se dá
esse respeito e observância às regras. Para Piaget, a importância reside não tanto
na obediência às regras, mas nas razões de se seguir algumas e não outras.
O autor adverte que ”[...] a moral infantil esclarece de certo modo, a
do adulto. Portanto, nada é mais útil para formar os homens do que ensinar a
conhecer as leis dessa formação” (1977, p. 9). Buscando compreender as leis dessa
formação, isto é, a formação dos julgamentos morais, e entendendo que o início da
moralidade está no respeito às regras que são transmitidas, Piaget (1977) interrogou
um grande número de meninos, sobre o jogo de bolinha de gude. Escolheu o jogo
porque acreditava que os jogos infantis são admiráveis instituições sociais,
comportando um sistema complexo de regras.
Da observação do jogo de bolinhas de gude dois grupos de
fenômenos evidenciaram-se: quanto à prática das regras – modo como as crianças
de diferentes idades aplicam as regras para si mesmas e para os outros; e quanto à
consciência da regra – modo como em diferentes momentos, as crianças
compreendem as mesmas.
Em relação à prática das regras foram identificados 4 estágios
sucessivos:
a) Estágio motor e individual: (de 0 até 2 anos) – neste estágio a criança
joga por jogar, ou seja, ela apenas manipula as peças do jogo em gestos
repetitivos e regulares em função de sua vontade própria. A prática do
jogo se caracteriza pela inexistência de regras, numa atividade individual,
nada havendo de coletivo;
b) Estágio egocêntrico: (2 a 5 anos) – segundo Piaget, “esse estágio se
inicia no momento em que a criança recebe do exterior o exemplo de
regras codificadas [...]” (1977, p. 23). As crianças limitam-se a imitar os
adultos, parecem jogar como eles fazem. Apesar de brincarem juntas e
em grupo, fazem-no ainda de forma individual, jogam cada uma para si,
sem se preocuparem com as regras e a codificação das mesmas. A essa
duplicidade – imitação dos outros e atividade individual - Piaget, chamou
de egocentrismo;
c) Estágio da cooperação nascente: (7 a 10 anos) –marca o início das
regras coletivas. As crianças começam a fazer uso das regras, pensando
em formas de organizar o jogo. Há uma preocupação em ganhar,
havendo para isso uma necessidade de controle entre os participantes, o
que aponta para a vigência de um único conjunto de regras a ser seguido
por todos. Porém, neste estágio, ainda existe uma variação relacionada
às regras gerais do jogo;
d) Estágio da codificação das regras: (11 a 12 anos) – as regras são, agora,
discutidas à exaustão. Os participantes combinam as regras
minuciosamente, sendo estas conhecidas por todos. Há um interesse
pelas regras em si mesmas. O jogo torna-se coletivo, e o desafio de
vencer deve passar pelo respeito às regras estabelecidas antes de o jogo
se iniciar.
A passagem de um estágio para outro se dá, segundo Piaget, “[...]
sob os aspectos de uma continuidade sem interrupções [...]” (PIAGET, 1977, p. 24)
“Não havendo linearidade e sua direção geral só é percebida quando as coisas são
esquematizadas e desprezam-se as oscilações”. (PIAGET, 1977, p. 24).
Quanto à compreensão ou à consciência da regra, Piaget
estabeleceu três estágios:
a) Em um primeiro estágio, as crianças pequenas não teriam compreensão
das regras, pois não haveria um jogo propriamente dito. Não existe uma
obrigatoriedade das regras ao jogar. A regra não tem caráter coercivo,
pois ainda é motora;
b) Num segundo estágio, as crianças vêem as regras como sendo sagradas,
tendo uma origem divina, portanto não podem ser mudadas. Quando são
interrogadas sobre quem criou as regras e se podem ser mudadas, as
crianças respondem que elas sempre existiram assim e que qualquer
mudança pode representar uma infração grave;
c) No terceiro e último estágio de consciência das regras, essas são vistas
como sendo uma elaboração dos homens, tendo um caráter racional e
autônomo. Nesse momento, é importante seguir regras, pois isso
favorece a participação de todos de forma igualitária. As regras podem
ser mudadas desde que haja concordância do grupo, perde assim seu
sentido divino e são consideradas como leis surgidas em conseqüência
do acordo mútuo.
Freitag (1992, p. 179) enfatiza que a construção da consciência
moral pela criança, conforme teorizado por Piaget, se dá em etapas: “estruturas em
si coerentes que constituem uma totalidade, seguem uma certa seqüência, em que a
estrutura anterior é absorvida pela subseqüente”. Os estágios se sucedem de tal
forma que o subseqüente inclui o anterior, tornando-o mais complexo
qualitativamente. A criança, de um estado inicial de anomia, passa pela heteronomia
até alcançar a autonomia moral. Esse percurso não ocorre apenas pela simples
passagem do tempo cronológico, mas sim pela interação que a criança estabelece
com o mundo. As formas de interações que a criança vivencia podem contribuir para
o alcance ou não da autonomia moral.
Piaget afirma haver duas formas de respeito à norma: respeito
unilateral e respeito mútuo. Uma relação baseada na imposição de normas e regras
pelos mais velhos, devendo os mais novos acatá-las e segui-las sem discussão, por
meio da coação, é o que caracteriza o respeito unilateral. Esse tipo de
relacionamento, em que os mais novos devem apenas obedecer aos mais velhos
mantém o estado de heteronomia. Entendendo por heteronomia – ser governado por
outrem.
A autonomia moral – isto é, ser governado por si próprio, construir
suas próprias regras por meio da reciprocidade e intercâmbio de pontos de vistas –
por outro lado pressupõe um relacionamento baseado na cooperação, princípio
motor do respeito mútuo. Num relacionamento fundamentado pelo respeito mútuo,
há trocas de pontos de vista e, neste intercâmbio, a criança vai construindo seus
próprios valores, caminhando progressivamente para um estado de autonomia.
Alcançar o estágio de autonomia, segundo Piaget, depende do
processo de socialização pelo qual as pessoas passam. Autonomia ideal - governar-
se por si próprio - respeitando os outros e assumindo as conseqüências de seus
atos, é uma possibilidade que pode vir a ser concretizada ou não dependendo das
interações realizadas no ambiente. A socialização baseada na cooperação, tendo o
respeito mútuo como o sentimento que perpassa esse processo, pode levar à
autonomia concretizando sua possibilidade. Já um contexto de coação, em que as
regras estão preestabelecidas e mantidas por meio do respeito unilateral, mantém a
heteronomia, dificultando atingir o estágio final da construção da moralidade
proposto por Piaget.
Observamos que grande parte dos ambientes de socialização –
família, escola - são autoritários, sendo que os indivíduos privilegiam práticas de
coação e o respeito unilateral, em detrimento da cooperação e o respeito mútuo. Em
vista disso, La Taille (1996, p.19) afirma que:
[...] um grande número de pessoas permanece a vida toda moralmente
heterônoma, procurando inspirar suas ações em verdades reveladas ‘por
deuses variados’ ou ‘doutores’ considerados a priori como competentes e
‘acima de qualquer suspeita’.
Buscando entender precisamente quais as conseqüências que a
pressão adulta exerce sobre a construção da moral infantil, Piaget desenvolveu
um segundo grupo de pesquisas, objetivando conhecer o raciocínio das crianças
em relação às mentiras e ao roubo. As investigações foram feitas a partir de
breves histórias que continham situações sobre a problemática em questão.
Observou também, nessa área, a ocorrência de um estado de heteronomia
precedendo a construção da autonomia.
Conforme Silva (2004), num primeiro momento, “[...] a criança
mostra-se, na heteronomia, imersa num tipo de pensamento denominado por
Piaget de realismo moral, o qual só considera uma ação boa se ela estiver de
acordo com as prescrições adultas”. A regra é entendida e observada em seu
sentido literal, não levando em consideração as intenções e os motivos da
conduta. Posteriormente, por volta de nove anos, a criança supera o realismo
moral, passando a construir a idéia de que fazer o bem não necessariamente
significa agir de acordo com as regras colocadas pelos adultos (SILVA, 2004). A
partir dessas constatações, a criança passa a se relacionar de maneira oposta às
regras, iniciando um raciocínio autônomo com respeito aos deveres e obrigações
morais.
A noção de justiça - outro tema pesquisado pelo psicólogo genebrino
- assim como outros valores ocorrem no processo de desenvolvimento da
moralidade, sendo também construída pelo sujeito. Segundo Piaget (1977), a
criança acredita no que ele denomina justiça imanente que envolve uma
correspondência direta entre falta e sanção. Apesar de ser encontrada mais
freqüentemente em crianças, é possível perseverar na vida adulta com essa idéia de
justiça, sem que isso possa trazer algum tipo de problema ou dificuldade. A punição
pelo erro ou falta é atribuída a alguém superior. Há ainda a justiça retributiva, e
nesse caso, acontece uma proporcionalidade entre ato e sanção subseqüente. Aqui
o delito não fica sem punição, e o tamanho do castigo deve ser proporcional ao dano
produzido. A justiça distributiva envolve a noção de igualdade e reciprocidade tanto
no campo dos direitos quanto no campo dos deveres. A falta ou delito é
contextualizado, considerando os fatores atenuantes. A diferenciação entre a justiça
distributiva e as demais reside na relação do adulto com a criança. Na primeira, a
relação que se estabelece é de cooperação e respeito mútuo, enquanto na justiça
imanente e retributiva a relação observada é de coação e respeito unilateral.
Lawrence Kohlberg (1927-1987), psicólogo americano, deu
seqüência aos estudos da construção da moralidade iniciados por Jean Piaget. Além
do interesse teórico e metodológico tinha também uma motivação prática que era
buscar subsídios para a educação da juventude americana que tivesse suas bases
nos princípios da solidariedade e cooperação (FREITAG, 1992, p.194), ideal que
perseguiu em diversos trabalhos realizados durante sua vida.
Em sua obra, Kohlberg (1981, 1984), mantém os pressupostos da
Epistemologia Genética, enquanto estrutura teórica, porém passa defender a tese de
que o desenvolvimento da moralidade não atingiria seu estado de autonomia nos
períodos colocados por Piaget, mas mudanças importantes ocorreriam na
adolescência, sendo que os últimos estágios de raciocínio moral poderiam
completar-se na idade adulta. Buscando a verificação de suas hipóteses,
desenvolveu pesquisas com adolescentes e adultos.
Kohlberg (1981, 1984) compreendeu a evolução da consciência
moral pressupondo uma “passagem” progressiva e irreversível por seis diferentes
estágios dispostos em três níveis de julgamento moral (pré-convencional,
convencional e pós-convencional), numa perspectiva linear e universal do
desenvolvimento moral. Os estágios de desenvolvimento moral seriam: (a)
orientação para a punição e a obediência, (b) hedonismo instrumental relativista, (c)
moralidade de aprovação e relações interpessoais, (d) orientação pela lei e pela
ordem, (e) orientação para o contrato social e (f) princípios universais de
consciência, avaliáveis por meio da escala de julgamento moral por ele construídas.
(MILNISTSKY-SAPIRO, 2000, p. 10);
As pesquisas efetivadas por Lawrence Kohlberg despertaram grande
interesse o que resultou em um significativo acervo de conhecimento bem como um
número de adeptos e seguidores que continuaram sua obra após sua morte. Entre
eles destacamos Elliot Turiel.
1.2 Elliot Turiel: a Construção dos Domínios Sociais
Como discípulo de Kohlberg, Elliot Turiel manteve-se fiel aos
princípios epistemológicos da escola piagetiana em suas pesquisas sobre a
construção do desenvolvimento social pelos indivíduos.
De acordo com Martins (1991), Turiel estava inicialmente
interessado em compreender, a partir da abordagem kohlberguiana do
desenvolvimento moral, como se dava a passagem de um estágio para outro e a
possibilidade de ocorrência de regressões no julgamento de situações morais. Com
os resultados dessas pesquisas, concluiu que os julgamentos de questões morais
são diferentes de outros conceitos sociais. Turiel constata que “[...] embora
julgamentos morais sejam sociais por natureza, nem todos os julgamentos sociais
são morais” (TURIEL, 1975, p. 7). Portanto, faz-se necessário estabelecer as
diferenças entre o raciocínio sobre os temas convencionais e aqueles de cunho
moral.
Em seu livro “El desarrollo del conocimiento social” (TURIEL, 1984),
Turiel apresenta sua teoria tendo como tese fundamental a idéia de que “la vida
social está guiada por procesos racionales y que la construcción de diferentes
categorías fundamentales de conocimiento comienza en la primera infancia”
(TURIEL, 1984, p. 9). A separação em domínios de conhecimento, proposta por
Turiel, não significa, segundo ele, estabelecer também uma separação entre
pensamento e ação ou raciocínio individual e grupal. Ao contrário, propõe que a
possibilidade de estudar os domínios do conhecimento de forma separada “ofrece
una base a partir de la cual es posible comprender las interrelaciones entre
pensamiento, accion y contenido cultural” (TURIEL, 1984, p. 9). Para o autor, o
conhecimento dos fatos deste mundo são construídos mediante interações com o
meio social “el desarrollo social es un proceso por el cual los individuos generam
modos de comprender el mundo social, realizando inferencias y elaborando teorías
acerca de los acontecimientos experimentados em él” (TURIEL, 1984, p. 11).
Para Turiel, tanto moralidade como convenções, na concepção de
alguns pesquisadores, têm uma função controladora que leva as pessoas a
acomodar-se ao seu grupo de pertença. Estudos sobre a construção do sujeito
social exigem uma conceituação sobre o que é o ambiente social, mais
precisamente uma definição da cultura na qual a pessoa está inserida. O autor
considera que os pesquisadores desse tema dividem-se em opiniões bem opostas.
Cita Benedict, Whiting, Child como os que a vêem como um todo abrangente e
integrado, concebendo a cultura como um meio pelo qual se controla o
comportamento dos indivíduos. Por sua vez, considera que Geertz, Shwartz e
Shweder a definem como sendo caracterizada pelas diferenças e não
necessariamente integradas uns com os outros, mas como um conjunto de
mecanismos de controle – planos, fórmulas, regras, instruções – para reger a
conduta. O ser humano é o animal que mais depende dos mecanismos
extragenéticos e extracorporais, para pautar seus comportamentos (TURIEL, 1984).
Embora os grupos difiram quanto à definição, observa-se, porém, um consenso de
que, em ambos os grupos, a cultura é vista como desempenhando um papel de
controle.
Turiel (1984, p.16) argumenta que “una tesis fundamental de estos
enfoques es que la cultura es un principio básico que domina al individuo y que
existe una correspondencia entre las posibilidades que ella ofrece y la conducta de
la persona”. Insatisfeito com as duas propostas, a solução que encontra para a
“questão das relações existentes entre o meio ambiente social e o indivíduo é a
proposta por Asch” (MARTINS, 1991, p. 44). Asch (1966) desenvolveu uma
pesquisa, objetivando identificar como as pessoas julgam certas frases. Nessa
pesquisa, Asch apresentava frases, para um grupo, cuja autoria era atribuída a um
personagem da história, e para outro grupo, o autor das mesmas frases seria outro.
Os resultados indicaram que as pessoas julgam as frases de acordo com a
combinação conteúdo-específico e seu suposto autor. Ao analisar os resultados
Asch, percebeu que a influência da situação no comportamento não pode ser
avaliada sem referência ao sentido atribuído a ele pelo sujeito. A esse processo
Asch denominou “determinação relacional”, acreditando que o conhecimento e a
ação mudam de acordo com as condições materiais e sociais dos indivíduos, não
caindo, no entanto no relativismo. Pelo contrário, Asch postula que considerar
diferenças culturais em função de mudanças de direção é exatamente transcender o
relativismo, pois leva em consideração as propriedades estruturais da experiência e
da ação, sem, porém, abandonar o conceito de natureza humana (ASCH, 1966, p.
318). Turiel considerando que os estudos sobre cultura, propostos pelos grupos de
pesquisadores por ele apontados - Geertz; Shwartz e Shweder versus Benedict;
Whiting e Child - são estereotipados e falham em captar todas as nuances da
sociedade e seus componentes. Propõe-se tratar a relação indivíduo/sociedade na
perspectiva de Asch.
Assim sendo, Turiel passa a basear seus estudos no pressuposto de
que as pessoas definem, interpretam e julgam as relações sociais, não se
acomodando e nem recebendo passivamente do grupo as convenções sociais e os
juízos morais. As pessoas participam ativamente na construção das categorias
fundamentais do conhecimento social, em interação com o meio. As interações com
o meio constituem uma tentativa de compreender as outras pessoas e como elas se
relacionam. A interação entre indivíduo e meio social é recíproca. Os indivíduos não
só sofrem o controle do meio, como buscam entendê-lo, construindo suas estruturas
sociais e morais.
O desenvolvimento, de acordo com Turiel (1984), implica uma
expansão do conhecimento social e uma complexidade cada vez maior das
interações com os outros. O autor considera que os desenvolvimentos de conceitos
sociais são dependentes dos tipos de eventos vivenciados pelos sujeitos. Assim, o
autor compreende o sujeito social como estando numa situação interacional como o
meio ambiente social. A relação “interacional” é vista aqui como um indivíduo único
interagindo com os eventos que estão presentes no seu meio ambiente social.
Fiel ao enfoque estrutural piagetiano, Turiel endossa a tese
fundamental dessa teoria - o pensamento está organizado e se constrói a partir das
interações da criança com o meio, em conformidade com afirmações do próprio
Piaget quando declara que “[...] o conhecimento, pois, não provém em sua origem,
nem dos objetos nem do sujeito, senão das interações [...] entre o sujeito e estes
objetos” (PIAGET, 1975, p. 72). O pensamento e o conhecimento não estão dados
na estrutura biológica do indivíduo nem provêm diretamente do meio, a idéia não é
maturacional ou inatista, mas interativa. A proposta interativa afirma que o
conhecimento se forma mediante a ação do sujeito sobre acontecimentos, tarefas e
problemas, assim como mediante a reflexão sobre as ações, portanto as
experiências influem no tipo de pensamento ou conhecimento construído (PIAGET,
1975, p. 73). A pessoa interpreta os acontecimentos mediante suas estruturas de
pensamento. O modelo estrutural interativo tem como questão central o pressuposto
da existência de relações sistemáticas entre o desenvolvimento e a natureza dos
acontecimentos do meio com os quais as crianças se defrontam.
Existe uma interação entre as variáveis de experiência e o estágio
do desenvolvimento. Assim, podemos esperar que uma experiência similar influa de
distinto modo em crianças que atravessam diferentes ou os mesmos estágios.
O desenvolvimento implica mudanças seqüenciais sistemáticas na
organização do pensamento em diferentes domínios. O desenvolvimento dirige-se
continuamente para um aumento de equilíbrio, de modo que cada estágio é mais
equilibrado que o anterior, o que não representa simplesmente um ajuste ou
conformidade às pressões externas.
As pessoas, no seu desenvolvimento, defrontam-se com tipos de
acontecimentos que diferem entre si e isso contribui para a construção de distintos
domínios de conhecimento. Os tipos de acontecimentos qualitativamente diferentes
que experimentam, dão lugar a distintos domínios de pensamento (TURIEL, 1984, p.
47). O domínio é o componente organizativo das ações.
De acordo com o conteúdo das experiências são construídos os
seguintes domínios:
a) O domínio psicológico que inclui o conceito de pessoa, as
conseqüências das ações realizadas afetam principalmente aquele que as
praticou não havendo quebra da ordem social ou injustiça a outros
(MILNISTSKY-SAPIRO, 2000, p. 12);
b) O domínio socioconvencional com os conceitos de sistemas e relações
sociais organizadas “compartilhadas pelo sujeito com seu grupo, as quais
são arbitrárias e contingentes à sociedade nas quais se desenvolvem,
servindo para normatizar as ações sociais”. (MILNISTSKY-SAPIRO, 2000,
p. 12);
c) O domínio moral envolvendo os julgamentos prescritivos de justiça,
direitos e bem-estar. Os conceitos resultantes desse domínio “dizem
respeito às conseqüências intrínsecas das ações avaliadas. Esta área
compreende princípios considerados universais”. (MILNISTSKY-SAPIRO,
2000, p. 12).
A criança constrói esses conhecimentos atuando sobre os diferentes
acontecimentos com os quais se defronta no seu dia-a-dia. As situações não são
todas do mesmo tipo ou estão incluídas na mesma classe, ao contrário, têm
propriedades diversas o que contribui para a construção das diferentes formas de
conceber as interações sociais.
Dessa forma, segundo Turiel, o pensamento se organiza dentro de
fronteiras mais estreitas e de acordo com certos domínios. Segundo este modelo,
Turiel propõe que a construção do conhecimento social se dá dentro de domínios -
moral, social e psicológico - e não se estende através de todos eles. Os domínios e
seus critérios são derivados do processo de ir e vir entre a formulação de
parâmetros definidos e os dados coletados no meio social. Os domínios são
suficientemente amplos nos seus limites, fazendo-os ir além de níveis e tópicos
específicos. Ao mesmo tempo, são menos globais do que outras formas
freqüentemente usadas para classificar o pensamento social (TURIEL, 1989, p. 94).
Essa constitui, sem dúvidas, a grande contribuição efetuada por
esse autor da atualidade e pouco conhecida entre os meios acadêmicos brasileiros -
os pensamentos de ordem social, tanto os convencionais quanto os morais, não
estão organizados em um único sistema, mas em domínios. A concepção de Turiel
amplia a compreensão dos julgamentos e ações das questões convencionais e
morais, contribuindo para preencher os aspectos lacunares das teorias de Piaget e
Kohlberg a esse respeito. A idéia da construção do conhecimento social em
domínios fornece explicações a algumas questões sem respostas em outras teorias,
tais como as aparentes regressões a estágios anteriores. De acordo com a proposta
de Turiel não se trataria de regressão, mas temas relacionados a domínios
diferentes.
Turiel passa a concentrar seus estudos teóricos e empíricos nas
relações entre as categorias de interação social e o desenvolvimento e ações
sociais. Sua atenção está, portanto, focada nos domínios sociais que se referem às
convenções e à moralidade.
Face às definições apresentadas de domínio, é necessário
diferenciar convenções sociais de prescrições morais. A primeira, convenções
sociais, é definida como uniformidades comportamentais que coordenam as
interações dos indivíduos dentro dos sistemas sociais, têm objetivos
socioorganizativos. Podemos citar como exemplos: formas de cumprimento, de
vestimenta, de tratamento, entre outras. Essas formas são arbitrárias e se validam
mediante consenso, portanto dependem do contexto social, podendo ser alteradas
desde que haja acordo entre os membros dos grupos envolvidos. Homens russos
cumprimentam-se com beijos no rosto da mesma forma que as mulheres o fazem no
ocidente. É ato comum em países africanos homens andarem de mãos dadas como
forma de coleguismo, sem nenhuma conotação homossexual. Em algumas regiões
do Japão, as mulheres que andam com os ombros desnudos são consideradas de
reputação duvidosa. Fazer uma visita a alguém sem ter marcado horário com
antecedência é um comportamento inaceitável na Alemanha. No Brasil, isso pode
acontecer com freqüência e o fato é visto com tolerância e até sinal de amizade mais
estreita.
As formas como comportar se socialmente estão relacionadas com a
organização social do grupo de pertença. “Las convenciones no son estrictamente
reglas, pero están constituídas dentro de unidades sociales definiendo uma clase de
interacciones sociales” (TURIEL, 1984, p. 53). Os atos convencionais são arbitrários,
pois quando se apresentam deslocados de seu contexto original não apresentam
argumentos fortes de sustentação dos mesmos. Para a mulher mulçumana, constitui
uma falta grave aparecer em público com os cabelos descobertos, pois isso é visto
como fonte de sedução para os homens, ato indigno para uma mulher temente aos
preceitos do Corão. Num contexto em que as regras do Islã não são obrigatórias, as
mulheres não têm a prática de cobrir os cabelos, e o fato de não fazê-lo não é
considerado uma falta. Ao contrário, existe toda uma valorização dos cabelos como
fonte de sedução, sendo visto também como um complemento importante à beleza
ocidental.
Já as prescrições morais não são percebidas como modificáveis
mediante consenso. Não significa, porém que sejam fixas e inalteráveis. Ao
fazermos uma análise retrospectiva, é possível observarmos mudanças históricas
em aspectos específicos, podendo citar entre outros, a escravidão. Porém, as
mudanças que ocorreram não foram feitas por meio de consenso, mas sim pelos
méritos intrínsecos e necessários a esta mudança. As ações para extinguir o
trabalho escravo não foram arbitrárias ou fruto de acordos sociais, mas por sim
acreditar-se tratar de ato indigno para com semelhantes de outra raça. Embora as
prescrições morais façam parte da organização social, não estão definidas por ela,
nem sua justificação se baseia em seu status de regulação explícita ou implícita. As
teorias morais baseiam-se em conceitos acerca do bem-estar das pessoas, seus
direitos e justiça. Estão ligadas, portanto, a questões obrigatórias e universalmente
aplicáveis, servindo para qualquer pessoa quando em situações similares. Não se
baseiam em preferências individuais ou em inclinações pessoais, decisões dessa
natureza estão mais relacionadas às convenções sociais. As prescrições morais são
analiticamente independente dos sistemas socioorganizativos, não que estejam à
parte deles, mas os argumentos que os fundamentam são de outra ordem.
Tendo em vista a hipótese estrutural de que a criança está em
interação com o meio e é desta forma, que ela constrói os juízos sociais Turiel e
colaboradores desenvolveram diversas pesquisas visando à análise tanto da
natureza dos acontecimentos sociais como da forma pela qual as pessoas
interpretam os acontecimentos (TURIEL, 1984, p. 57). Turiel apresentava para as
crianças situações que envolviam tanto questões de ordem convencional, como
chamar a professora pelo nome de batismo - o que é considerado falta de polidez
nos países onde foram realizadas as pesquisas - como questões que envolviam
aspectos morais - usar de força física para conseguir seu objetivo, roubar,
discriminar, entre outros. Como resultado percebeu que as crianças não necessitam
de que os outros lhes digam ou lhes sirvam de modelo para considerar uma atitude
como sendo má ou transgressora. Concluiu que “[...] el niño puede generar
prescripciones mediante abstracción a partir de experiência misma (ya sea como
observador o como participante)” (TURIEL, 1984, p. 59). Elas formam juízos de bom
e mau, de justo ou injusto, quando estão tentando entender as experiências sociais.
Os juízos não estão presentes na experiência mesma, mas evoluem a partir dela e
nas relações que estabelecem com ela.
A criança experimenta acontecimentos sociais de ordem
convencional que supõem um conjunto de regras socioorganizativas assim como os
de ordem moral que implicam conseqüências intrínsecas a eles. Também visando a
fundamentar essa posição Turiel realizou uma série de estudos observacionais. A
partir destes estudos, obteve duas medidas inter-relacionadas: a primeira está ligada
às transgressões sociais e a segunda se refere às formas de interação social
geradas por cada classe de transgressão.
Em relação às transgressões sociais, observou que elas criam
oportunidades para que os envolvidos se comuniquem entre si, observando as
normas sociais. Esta comunicação oferece uma retroalimentação à pessoa que
transgride a regra e constitui um acontecimento que pode ser observado por outros
sujeitos que não participam diretamente nesse fato concreto, mas abstraem
informações quanto a suas conseqüências e resultados, tomando um cunho
educativo.
Outras pesquisas realizadas pela equipe de Turiel (1984, p. 69)
demonstraram que as crianças apresentam respostas adequadas em situações
convencionais como em prescrições morais e começam a construir de modo
separado, diferentes classes de juízos em relação a cada domínio. As crianças,
portanto, elaboram inferências sobre os acontecimentos que experienciam. A
afirmação de que as interações indivíduo-meio são recíprocas e não ocorrem em
uma só direção, segue que a natureza do acontecimento é importante na hora de
saber o que a criança abstraiu dele. As investigações têm demonstrado também que
os padrões de interação social próprio de cada domínio aparecem em diferentes
idades e contextos.
Cada domínio de juízo tem diferentes cursos de desenvolvimento.
Deve-se abordar o problema das origens do pensamento em termos de uma análise
de domínios. Isso significa que as crianças começam a formar juízos morais distintos
numa idade muito precoce, graças as suas interações sociais e que, ao crescer,
esses juízos podem transformar-se em outros qualitativamente diferentes,
conservando ainda assim sua qualidade moral.
Turiel propõe que a moralidade e as convenções sociais
representam categorias básicas de juízo social. Essas categorias, porém, segundo
ele, não são construídas a partir das interações sociais da criança, mas que o
comportamento dos adultos e a comunicação que deles provêm é que são os
responsáveis pelo comportamento e os juízos das crianças. As respostas dos
adultos refletem a forma cultural específica de distinguir entre os acontecimentos
sociais.
Ao fazer a proposta de que as categorias de juízos sociais se
organizam dentro de domínios e que o desenvolvimento propicia transformações
nestas formas de organização, aponta para a necessidade de especificar e analisar
empiricamente dois aspectos dos conceitos sociais: os critérios de julgamento e
suas categorias de justificação. Os critérios de julgamento se referem às categorias
usadas pelos indivíduos na identificação e classificação dos parâmetros de domínio
de conhecimento e as categorias de justificação dizem respeito à forma de raciocínio
dentro de um domínio de conhecimento. São essas formas que dão corpo às
hipóteses que subjazem às transformações relacionadas com a idade (TURIEL,
1984, p. 69). Pesquisas realizadas por Turiel e colaboradores (1989, p. 95)
documentaram que moralidade era identificada e definida através de critérios como
obrigatoriedade, não sendo determinada por inclinações pessoais, imutáveis não
assentados em bases arbitrárias e aplicáveis em todas as situações e em todos
contextos sociais. Já as convenções sociais eram vistas como contingentes a
aspectos de cada sistema social. Elas existem para coordenar as interações sociais,
são contingentes às regras, autoridade e existência prática.
Um ato convencional pode se converter numa questão moral. Isso
sendo entendido pelas conseqüências que este ato provocaria à própria pessoa que
o realiza ou a outrem. Beber se embriagando, não é julgado como uma questão
moral, mas embriagada a pessoa pode provocar danos a ela e a outros que não
necessariamente estejam envolvidos com seu comportamento de beber.
Os conceitos sociais podem e têm implicações com os conceitos
morais. Beber não é visto como pertencente aos domínios morais, mas as
conseqüências desse comportamento, sim.
Ao propor que existe uma relação não arbitrária entre raciocínio e
acontecimento, supõe-se que a orientação do indivíduo até eles, sejam morais ou
convencionais, não derivam por completo da própria cultura.
A concepção construtivista interativa do desenvolvimento supõe a
existência de um tipo de relação diferente entre os domínios conceituais e os
acontecimentos sociais. Os conceitos sociais e seus conteúdos não são unidades
previamente formadas e que são transmitidas já elaboradas ao indivíduo, mas se
constroem mediante um processo de desenvolvimento. Os conceitos sociais, os
acontecimentos que estimulam a formação desses conceitos e os que constituem
seu objeto formam, uma vez construído, um conjunto de componentes inter-
relacionados.
Os conceitos morais são construídos por meio de experiências da
criança com as ações interpessoais que têm conseqüências intrínsecas, enquanto
que os convencionais o fazem mediante as experiências com elementos do sistema
social e situações de coordenação cuja natureza é arbitrária.
Segundo Turiel (1984), existe um tema para cada domínio. Isto é, os
conceitos morais se relacionam com o tema de justiça, dos direitos e do bem estar,
enquanto que os convencionais estão relacionados com a organização social.
Transformar acontecimentos em conceitos depende de uma
atividade interpretativa. Um tema, no entanto, pode estar relacionado a dois
domínios. Podem entrar em conflito ou em concordância. Um dos exemplos mais
claros dessa possibilidade talvez seja aquele em que as decisões morais estejam
em contradição com as funções socioorganizativas.
Beber numa festa é considerado aceitável e até bem visto como
forma de interação entre os participantes da mesma. Permite uma socialização e
partilha um comportamento comum. Porém, quando foge aos parâmetros tidos como
aceitáveis e com conseqüências desastrosas tanto para a pessoa embriagada como
para os participantes da festa, estabelece-se um conflito com a proposta inicial.
Outro aspecto a ser ressaltado é quem pode ter este comportamento ou não. É
aceitável que os adultos ingiram bebidas alcoólica em festas, mas não o é para as
crianças ou menores de 18 anos. São situações conflitivas com limites tênues.
A fim de confirmar empiricamente suas afirmações, Turiel e seus
colaboradores realizaram diversas pesquisas nas quais utilizaram tanto o método
observacional, seguido de entrevistas, como o de histórias-estímulo padronizadas.
Por meio dessas pesquisas chegaram a conclusões importantes para o estudo da
formação das convenções sociais e dos juízos morais.
Smetana (1981, p. 135), em seu trabalho com crianças, concluiu que
as transgressões morais são consideradas mais graves do que as transgressões de
regras convencionais, devendo ser punidas (MARTINS, 1991). Nucci e Nucci (1982,
p. 406) também encontram resultados que corroboram os dados das pesquisas de
Smetana, apontando que, além disso, há “uma evolução na forma das crianças
reagirem às transgressões morais, as menores pedem a intervenção dos adultos,
enquanto as maiores pedem ao agressor que se coloque no lugar da vítima”.
As constatações obtidas pelas pesquisas sugerem que as crianças,
desde muito cedo, começam a diferenciar o evento social do moral por suas próprias
características. Na seqüência, Turiel (1984) e colaboradores passaram a realizar
pesquisas com objetivo de detalhar aspectos da teoria do desenvolvimento social
em domínios.
Smetana (1985) realizou investigações, buscando examinar o
julgamento de crianças por meio de histórias que tinham atributos associados com
os domínios social e moral. Suas conclusões sugerem que as inferências feitas
pelas crianças vêm de diferentes temas de interações moral e convencional, ao
invés de adquirirem o conhecimento de atos específicos.
Após essas pesquisas, Smetana (2003, p. 260) dirige sua atenção
para a compreensão da legitimidade da autoridade paterna em adolescentes, em
atos de diferentes domínios sociais. Os resultados indicaram que as concepções dos
jovens e seus pais sobre a autoridade paterna mudam durante a passagem para a
adolescência e que essas concepções são diferenciadas de acordo com os
domínios.
Os sistemas sociais possuem regras e proibições para sua
organização, bem como sanções para quando as mesmas não forem acatadas.
Tanto as regras e proibições quanto as sanções são forças controladoras dos
comportamentos das pessoas. Faz-se necessário, pois, analisar qual o papel que as
mesmas ocupam no desenvolvimento social dos indivíduos e sua relação com a
construção dos juízos morais e convencionais. A filosofia, as ciências jurídicas e a
psicologia têm se ocupado em estudar qual o efeito das regras como fonte
reguladora das ações das pessoas. As posições adotadas por diferentes autores se
aproximam ou se conflitam dependendo da teoria adotada. Dentre elas, podem-se
destacar os trabalhos realizados por Piaget (1932,1977) e Kohlberg (1981,1984)
entre outros. Esses autores assinalam que ”[...] el desarrollo de la comprensión de
lãs reglas se caracteriza por um cambio em el modo em que los niño pequeños las
conciben,” (TURIEL, 1984, p. 101). Inicialmente vêem as regras como sendo algo
fixo e imutável para posteriormente em estágios mais avançados, admitirem
mudanças desde que haja acordo entre as partes envolvidas. Turiel (1984, p. 101),
porém faz notar que “[...] em estos estudios las reglas asociadas com diferentes
domínios y contextos (por ejemplo, juegos, lenguaje, moralidad y convención) se
clasifican todas dentro del mismo grupo”. Estudos apresentam a idéia de que o
indivíduo possui um conceito unitário das regras, pois não levam em consideração
os diferentes domínios de pensamento e seus contextos.
A teoria de construção dos domínios de pensamento elaborada por
Turiel propõe que as crianças e os adolescentes não tratam as regras igualmente de
forma unitária, mas, as avaliações e os juízos sobre elas variam segundo o domínio
específico (TURIEL, 1984, p. 103). Desta forma, regras e sanções são classificadas
de acordo com o evento em questão – social ou moral – sendo que nestes domínios
as regras são sociais, sua justificação básica repousa na organização social
(domínio convencional) e na justiça e bem-estar (domínio moral). As regras
prudenciais não se encaixam nestes domínios, sua justificação básica e sua fonte de
autoridade são o interesse próprio. A razão para acatá-las, seria evitar danos a si
próprio. A violação desse tipo de regra acarreta conseqüências imediatas. Beber em
excesso pode ter como conseqüência danos físicos ou passar por vexames que
denigrem a imagem da pessoa embriagada. Observar ou não as regras prudenciais -
já que elas dizem respeito ao interesse pessoal - está mais relacionada às
estimativas de suas conseqüências danosas advindas de suas práticas, do que das
questões sociais.
Os temas ligados às concepções individuais, sobre assuntos
pessoais, recaem no domínio psicológico ou pessoal. Esse domínio reúne “o
conjunto de ações que definem os aspectos privados da própria vida individual, onde
a questão `certo ou errado` é uma preferência em vez de obrigação” (MARTINS,
1991, p.75).
Os resultados das pesquisas conduzidas por Turiel (1984) sugerem
que a criança, desde muito cedo, forma conceitos sistemáticos sobre as regras,
porém, não unitários. Para compreender o que as pessoas pensam sobre as regras,
deve-se certificar de que tipo de regras está-se falando, é importante ter-se em
conta a qual domínio ela pertence.
Turiel conclui que a orientação para as regras não é apenas uma
questão de obediência ou desobediência. “Los niños formam concepciones acerca
de las funciones de las reglas y de la relación entre éstas y su acto correspondiente”
(TURIEL, 1984, p. 125).
Ao analisar o desenvolvimento dos conceitos de convenção social e
os de prescrição moral, Turiel estabeleceu a hipótese de que a diferenciação entre
os temas dos diferentes domínios emerge muito cedo na vida, mantendo-se por toda
a infância, adolescência e vida adulta. Acreditando mesmo que o desenvolvimento
desses conceitos se inicia antes da idade de três ou quatro anos. Com o objetivo de
comprovar sua hipótese, realizou uma série de pesquisas e constatou que as
mudanças nos conceitos socioconvencionais acontecem num processo gradual que
se diferenciam desde a idéia da convenção como descrição da uniformidade social
(aos 6 ou 7 anos) até alcançar a concepção das convenções como coordenação das
interações sociais (18 – 25 anos). As mudanças na forma de pensar ocorrem
mediante a negação das formas anteriores e afirmação da subseqüente. “La
afirmación lleva a la negación, que, a su vez, desemboca em la afirmación” (TURIEL,
1984, p. 134). Tal proposição é compatível com a idéia de que o desenvolvimento
dá-se graças ao processo de equilibração. As mudanças nas formas de pensar
sobre os aspectos sociomorais surgem dos conflitos, dos desequilíbrios diante dos
acontecimentos vivenciados. O pressuposto básico do estruturalismo piagetiano se
mantém quando está presente a idéia de que cada forma de pensar representa uma
reorganização estrutural da anterior. O nível anterior passa a fazer parte do novo
apresentando uma forma qualitativamente diferente.
Na investigação dos domínios socioconvencionais, morais e
pessoais, é de fundamental importância que os acontecimentos ou temas escolhidos
sejam apropriados para o domínio que se está pesquisando, lembrando também que
há a possibilidade de certas situações incluírem uma combinação de domínios,
envolvendo a coordenação de diferentes tipos de juízos. Assim, algumas práticas
sociais – como beber socialmente – cumprem funções socioorganizativas de
natureza convencional: numa festa onde há bebidas alcoólicas os participantes
devem usufruir delas. Porém, a violação das práticas sociais – beber em excesso –
pode ter implicações morais se isso causar danos a outros. Os juízos basicamente
convencionais podem assumir implicações morais secundárias. Assim sendo,
situações que exigem uma decisão de comportamento moral incluem também
componentes sociais de natureza não moral que podem afetar o processo de
tomada de decisão. Essas situações dependem da coordenação de juízos de
diferentes domínios.
Os comportamentos das pessoas nem sempre têm correspondência
estreita com seus juízos morais. Pode-se julgar uma situação hipotética de uma
forma e, quando a mesma ocorre, comportar-se de outra. Isso pode prender-se ao
fato de que, quando está julgando a situação sem participar dela, a pessoa não tem
todos os dados referentes à mesma. Outro aspecto a ser considerado é que não se
pode prever o comportamento das pessoas quando em situações extremas ou
quando vivenciando uma situação que, fora dela, tenha julgado que se comportaria
de uma forma considerada moral e aceita pela organização social.
Muitas situações incluem componentes de mais de um domínio que
devem coordenar-se simultaneamente. Milgram (1974) pôde constatar tal situação
quando realizava um conjunto de experimentos que tinham como objetivo analisar a
obediência à autoridade. Num destes experimentos, o sujeito era instruído a
administrar choques elétricos cada vez mais potentes a um aprendiz, sob a alegação
de que esses choques levavam a uma aprendizagem mais eficiente. O aprendiz era
cúmplice do experimentador e estava colocado numa sala ao lado do sujeito, não
podendo ser visto. Os choques não eram administrados realmente. A cada resposta
errada que o aprendiz dava era aplicado um choque, sendo os volts aumentados
gradualmente até 450. O experimento é relatado na íntegra no livro A obediência à
autoridade de Milgram, editado pela primeira vez em 1974.
Embora não considerando adequado ou moralmente correto, o
sujeito continuava a ministrar os choques sob pressão do experimentador. O que
pode demonstrar que o sujeito estava sob a coordenação de juízos de domínios
diferentes. O sujeito cedia às convenções socioorganizativas – tinha que obedecer –
embora julgasse moralmente incorreto.
Turiel aponta para o fato de que as investigações de Piaget em
relação ao desenvolvimento da moralidade, realizadas em 1932, estavam
estreitamente relacionadas às suas explicações do desenvolvimento cognitivo e não
social. As pesquisas efetuadas por Turiel levam em consideração a separação entre
moralidade e convenção, investigando assim de modo direto as concepções infantis
sobre convenção. Segundo Turiel,
El hecho de que los niños discriminen de modo sistemático entre diferentes
clases de reglas indica que las entienden e interpretan desde la perspectiva
del modo de razonar específico del domínio al que pertencen. (TURIEL,
1984, p. 184).
Isso evidencia a necessidade de, ao se fazer uma análise evolutiva
do desenvolvimento dos conhecimentos socioconvencionais, morais e pessoais, ser
preciso especificar as origens do domínio do qual está se falando. Os juízos
diferenciados não implicam que nestes domínios não aparecem mudanças
evolutivas, mas que os precursores dos juízos mais avançados se originam dentro
dos domínios.
1.3 Condutas Sociais e Uso de Substâncias Psicoativas
Na adolescência, de acordo com a teoria de desenvolvimento de
Jean Piaget, explicitada no livro Seis Estudos de Psicologia, 1986, o jovem pode
alcançar o raciocínio hipotético-dedutivo, o que possibilita generalizações,
abstrações e articulações reflexivas. Da síntese desses novos elementos, surgem
questionamentos dos princípios e regras da sociedade, da escola, da religião e da
família.
O desenvolvimento cognitivo constitui-se num aspecto essencial
para o desenvolvimento da moralidade, porém não suficiente, ou seja, ter autonomia
intelectual não é suficiente para o desenvolvimento de uma moral autônoma. Ser
autônomo moralmente depende de iniciativas diversas das questões acadêmicas,
depende de discutir, analisar as situações conflitantes que surgem no dia-a-dia por
meio de uma visão autônoma. Os adultos têm papel fundamental para que isso
ocorra.
Visando a uma melhor compreensão sobre abuso de álcool,
pesquisas têm buscado relacionar fatores psicológicos, biológicos, ambientais entre
outros. Os aspectos do desenvolvimento sociomoral, no entanto, não têm recebido
atenção como um aspecto que deve ser considerado como parte do problema e
também incluído na solução do mesmo.
Berkowitz e colaboradores (1991) realizaram uma revisão de
literatura, assim como um estudo piloto, tendo como objetivo analisar a influência do
raciocínio sociomoral na decisão do jovem para se envolver com o uso/abuso de
substâncias psicoativas. A revisão da literatura realizada apontou para ênfase nas
predisposições fisiológicas e psicológicas, o que caracterizaria o uso de substâncias
psicoativas como um comportamento fora do controle pessoal de quem o faz, sendo
considerado como doença ou predisposição genética. Peele (1987) argumenta, no
entanto, que não é correto caracterizar o uso de drogas dessa forma, pois:
culturas que promovem a crença que as pessoas são responsáveis pelo uso
de drogas, como os judeus e chineses, tendem a ter menores índices de
abuso, do que aquelas que acreditam que o uso está fora do controle
pessoal como os americanos nativos e os irlandeses americanos. (PEELE,
1987, p. 189).
Tal fato aponta para a necessidade de se incluir as variáveis
sociomorais na análise do uso de substâncias psicoativas, principalmente aquelas
consideradas lícitas, como o álcool, e que são aceitas e utilizadas em situações
sociais comemorativas e de confraternização.
Derivados inicialmente de abordagens utilitarista sobre
comportamento anti-social e criminal, têm surgido muitos modelos cognitivistas
sobre abuso de substâncias químicas. Esses modelos geralmente propõem que a
decisão para se envolver em comportamentos aditivos de drogas e álcool é gerada
no cálculo individual que o usuário faz da relação entre custo e benefício desse
comportamento. Segundo esse modelo, as pessoas interpretam que os benefícios
dos efeitos do uso da droga - como uma possível redução de estresse, alteração de
humor, estados de prazer intenso, desinibição - são maiores e melhores do que o
custo do consumo – dependência, envolvimento com comportamento ilegal,
questões financeiras, entre outros. Essa perspectiva sugere que alguns indivíduos
decidem ser usuários de drogas. A disparidade entre custo e benefício pode ajudar a
explicar porque as pessoas cada vez mais se sentem atraídas para comportamento
de uso de drogas. Os efeitos positivos são imediatos ao passo que as
conseqüências negativas se dão a longo prazo, muitas vezes, quando a
dependência já está instalada.
De acordo com os autores mencionados, existem na literatura
alguns fatores que dificultam o estudo da relação entre abuso de drogas e valores.
Atualmente há mais valores de concordância do que discordância entre usuários e
não usuários de drogas e álcool. Em décadas passadas, havia discriminação para
com os jovens que faziam uso abusivo de substâncias psicoativas, sendo as
pessoas estigmatizadas socialmente por esse comportamento. Hoje observa se uma
grande tolerância para com os usuários, não sendo os mesmos discriminados pelo
seu vício. Alguns jovens relatam que se isso for um critério para fazer ou não
amizade, resultaria na falta quase total de amigos, numa referência a uma conduta
quase que generalizada pelos jovens. Outro aspecto levantado seria uma falha na
literatura em distinguir entre o que seriam valores morais e outros tipos de valores.
Por outro lado não fica claro de que forma o sistema de valores gerais de uma
pessoa tem relação direta na sua decisão em se envolver ou não com o uso de
drogas.
Utilizando-se da teoria da construção dos domínios sociomorais
proposta por Turiel (1984), Nucci, Guerra e Lee (1991), realizaram uma pesquisa
que tinha como objetivo identificar como adolescentes usuários e não usuários de
drogas classificavam o uso de drogas ilegais. Os adolescentes que faziam uso de
drogas tendiam a identificar esse comportamento como sendo mais uma questão de
ordem pessoal ou prudencial do que de ordem socioconvencional e a única fonte
legítima de autoridade para controlar o uso eram eles mesmos. Sendo uma questão
pessoal, os jovens não reconhecem como autoridade nenhuma outra fonte
controladora que não sejam eles próprios, acreditando-se capazes de controlar o
envolvimento com as substâncias psicoativas e seu uso. Para eles, o controle e, até
mesmo a suspensão ocorre pela experiência adquirida pelo uso e observação de
suas conseqüências.
Blasi, Kohlberg e Candee e Rest (apud BERKOWITZ et al., 1991)
realizaram diferentes estudos que apontaram a existência de uma relação
significante entre raciocínio moral e o comportamento ilegal e anti-social. Blasi
utilizou, em sua pesquisa, uma população de adolescentes delinqüentes para
analisar a relação entre raciocínio moral e comportamento moral. Os resultados
apontaram que indivíduos delinqüentes usaram modelos de desenvolvimento de
raciocínio moral mais baixo do que os não delinqüentes. Blasi concluiu que o
raciocínio moral é um importante aspecto a ser considerado na delinqüência. Gibbs
(1987), Gibbs et al outros (1984) em suas pesquisas e estratégias de intervenção
com adolescentes delinqüentes, corroboraram a conclusão de Blasi.
Envolver-se com o uso de drogas lícitas ou ilícitas é uma questão
que não pode ser atribuída a um único fator, mas trata-se de comportamento que
reúne vários aspectos, entre eles, os domínios morais. Berkowitz e colaboradores
(1991), visando entender a relação entre desenvolvimento sociomoral e o uso de
drogas, propõem que um estudo mais completo ocorreria com a conjunção da
abordagem dos domínios para o raciocínio social com o entendimento que eles têm
sobre o curso do desenvolvimento dos domínios morais.
A abordagem dos domínios sociais define moralidade como sendo
ações pessoais vinculadas às questões de bem estar e justiça. Ações morais são
distintas de convenções sociais e questões pessoais. Mais recentemente, Tisak e
Turiel (1984) adicionaram a prudência como uma outra categoria para descrever
atos pessoais que são potencialmente perigosos para a própria pessoa. Na
perspectiva dos domínios sociais, a pessoa, quanto solicitada a classificar suas
ações, pode colocá-la em uma das categorias básicas – convencional, moral ou
pessoal - ou pode interpretar a ação em termos de mais de uma categoria, exigindo
a coordenação do conhecimento de mais de um domínio. Smetana (1982) realizou
pesquisas visando analisar como mulheres consideravam o aborto, se viam como
uma questão moral vinculada à outra vida humana ou se o aborto era visto como
uma questão pessoal, sem conseqüências morais. Como parte do procedimento,
Smetana (1982) utilizou a categorização dos estágios morais de Kohlberg. Na
conclusão, a autora aponta que as mulheres que percebiam o aborto como uma
questão moral, encontravam-se em um estágio de desenvolvimento maior do que as
mulheres que acreditavam ser o aborto uma questão pessoal.
O mesmo raciocínio poderia ser empregado para a questão do uso
de substâncias psicoativas? Seria possível aplicar o modelo dos domínios sociais
visando a identificar se os usuários percebem seu comportamento como uma
questão convencional/pessoal ou se percebem como uma questão moral que pode
causar danos para si próprio assim como para outros?
Nucci, Guerra e Lee (1991) realizaram uma pesquisa com 139
estudantes dos últimos anos do Ensino Médio que faziam uso ocasional e uso
regular de substâncias psicoativas. Os estudantes foram divididos de acordo com o
relato em relação ao uso das drogas. Era-lhes perguntado o quanto eles
consideravam perigoso e errado o uso de cada tipo de droga e a intensidade do uso,
bem como quem eles indicavam como possível autoridade para regulá-los sobre o
consumo de drogas. Era também solicitado que eles respondessem se percebiam
seu comportamento como sendo uma questão moral, socioconvencional, pessoal ou
prudencial. Dos entrevistados, poucos percebiam o uso de drogas como sendo algo
errado porque poderia causar danos a outras pessoas, não relacionando o uso com
as questões morais. Houve uma tendência maior em considerar o consumo de
drogas como uma matéria de ponderação pessoal e de prudência, sendo o uso ou
não visto como uma decisão pessoal.
Os resultados da pesquisa indicaram que alguns participantes não
consideraram espontaneamente as conseqüências interpessoais dos danos
causados pelo uso de drogas. Existe, contudo, evidências indiretas de que a
tendência em relacionar considerações morais ao uso pessoal de drogas aumenta
com a idade.
O problema do uso e abuso de substâncias psicoativas
particularmente em relação aos jovens, está longe de ser solucionado. Esse
problema tem sido investigado em várias perspectivas diferentes. Só recentemente,
no entanto, os aspectos cognitivos e morais estão sendo considerados como pontos
relevantes nesse assunto. Berkowitz e colaboradores (1991) recomendam que mais
pesquisas devam ser implementadas, objetivando uma maior compreensão dessa
questão e suas possibilidades de estratégias de intervenção.
Preocupado também com a questão da ingestão de álcool por
jovens, um grupo de pesquisadores da Universidade de Connecticut desenvolveu
pesquisa tendo como objetivo analisar os efeitos da exposição a propagandas de
álcool no comportamento de beber em jovens (SNYDERS et al., 2006). Eles partem
da hipótese de que uma exposição cumulativa a propagandas de bebidas alcoólicas
pode mudar a forma de pensar dos jovens sobre o uso de álcool e aumentar a
quantidade consumida. A indústria de bebidas argumenta que o propósito das
propagandas não é recrutar novos consumidores ou aumentar a quantidade do
consumo, mas competir com outras marcas de bebidas existentes no mercado.
Buscando testar essa hipótese, entrevistaram uma amostra aleatória
de jovens entre 15 e 26 anos sobre 24 propagandas diferentes veiculadas na mídia
americana. Foram realizadas quatro entrevistas com cada jovem no intervalo de
quatro meses. A análise dos dados apontou que realmente a exposição às
propagandas leva o jovem a ingerir ou aumentar seu consumo de bebidas alcoólicas
e que mesmo aquele jovem que não havia ingerido nenhuma dose até o início da
pesquisa o fez após a exposição às propagandas.
Os dados dessa pesquisa confirmam os efeitos danosos das
propagandas, mesmo que as pessoas e os jovens não as vejam como tal, mas que,
a longo prazo, podem instigar o consumo, mesmo que seja por curiosidade.
1.4 O uso de Bebidas Alcoólicas
O álcool, diferentemente de outras drogas, se consumido em
pequenas quantidades, não é prejudicial. Ele pode facilitar a circulação sanguínea,
divertir, relaxar, descontrair, entre outras coisas. (FIGLIE et al., 2004, p. 47). A
questão principal é o limite ou determinar o que seriam pequenas quantidades.
A dificuldade parece ser exatamente essa: achar um ponto de
equilíbrio de consumo de bebidas alcoólicas, levando em consideração as questões
pessoais e os danos que pode causar aos outros, o que deixa de ser uma questão
de prudência para se transformar numa questão moral.
É de suma importância identificar o mais cedo possível o uso
excessivo de álcool. No Brasil, encontra-se à disposição dos profissionais que
trabalham nesta área o AUDIT - Alcohol Use Disorders Identification Test de Barbor
et al (2005), instrumento que permite, por meio das questões propostas, identificar a
forma como as pessoas vêm fazendo uso do álcool.
De acordo com Barbor et al., “a maioria das pessoas que fazem uso
abusivo de álcool não são diagnosticadas” (BARBOR et al., 2005, p. 7). Dessa
forma, muitas pessoas relatam sintomas e problemas que não são associados
inicialmente com o uso abusivo de álcool. O hábito de ingerir bebidas alcoólicas em
excesso passa desapercebido, mesmo para os profissionais de saúde envolvidos no
atendimento.
O AUDIT, especificamente, apresenta-se como um instrumento
simples - desenvolvido pela Organização Mundial de Saúde (OMS) - de investigação
de uso excessivo de álcool, possibilitando identificar pessoas que fazem uso de risco
de álcool, uso nocivo e dependência.
Barbor et al (2005) definem uso de risco como sendo um padrão de
consumo de álcool que aumenta a probabilidade desse hábito trazer conseqüências
perigosas tanto para quem faz uso como para quem o cerca. Uso nocivo está
relacionado ao padrão de consumo que acarreta danos físicos e mentais para ao
indivíduo. E finalmente, dependência alcoólica diz respeito a um conjunto de
fenômenos comportamentais, cognitivos e fisiológicos que podem se desenvolver
depois do uso repetido do álcool. (BARBOR et al., 2005). Esse padrão de consumo
apresenta uma vontade muito forte de consumir bebidas alcoólicas, bem como uma
falta de controle da quantidade ingerida. Apesar de já ter sofrido conseqüências
desagradáveis por este hábito, o indivíduo deixa de fazer suas atividades cotidianas,
dando prioridade ao ato de beber. Conseqüentemente, isso levará a um aumento da
tolerância ao álcool além de sérias reações fisiológicas quando o uso é interrompido.
O consumo de álcool está relacionado a várias doenças, pode acarretar transtornos
psicológicos, assim como problemas de ordem sociais e legais.
Os autores supra mencionados defendem a importância de um
rastreamento para verificação do consumo de álcool, por acreditarem que “as
pessoas que não são dependentes do álcool podem parar ou reduzir seu consumo
se tiverem um apoio e assistência apropriada para isto” (BARBOR et al., 2005, p. 8).
Depois da dependência instalada, o indivíduo vai necessitar de um tratamento
especializado mais difícil e mais longo. Sabe-se que nem todo aquele que consome
álcool, mesmo o que faze uso de risco, torna se dependente, mas, para chegar a
dependência, a pessoa deve ter sido um dia um bebedor de risco. Uma investigação
do consumo de álcool traz vários benefícios, entre eles pode-se destacar a
oportunidade de avaliar junto com a pessoa que apresenta uso de risco e uso
nocivo, as conseqüências perigosas para si e para os que a rodeiam que pode
acarretar esse hábito, além de contribuir com informações que nem sempre a
pessoa possui.
A utilização do AUDIT como instrumento de rastreamento pode ser
vantajoso em diversos contextos. Entre os grupos apontados pela OMS encontram-
se os adolescentes que podem ser beneficiados com ações primárias quando a
aplicação apresenta escores elevados de consumo de bebidas alcoólicas. O AUDIT
foi elaborado a partir de dados coletados de uma ampla amostra multinacional,
tendo utilizado, para sua elaboração, princípios conceituais estatísticos para a
seleção dos itens investigados.
O instrumento é estruturado em dez questões com um grupo de
respostas, cada resposta tem uma pontuação que varia de zero a quatro. A
obtenção de oito ou mais pontos indicam um padrão de beber de risco ou nocivo. O
ponto de corte foi obtido após vários estudos amostrais para o desenvolvimento do
inventário, sendo que sensibilidade (porcentagem de casos positivos que o teste
identifica corretamente) e especificidade (porcentagem de casos negativos que o
teste identifica corretamente) dos tópicos levantados foram calculados por critérios
múltiplos. Inicialmente vários pontos de corte foram apontados para identificar um
valor mais preciso para sensibilidade e especificidade. Finalmente o ponto de corte
oito foi adotado como referência para identificação de uso abusivo, pois uma
pontuação de oito pontos ou mais permitiu que o AUDIT fosse sensível a vários
índices de uso problemático de álcool (BARBOR et al 2005).
A utilização do AUDIT como instrumento para identificação da forma
como o grupo pesquisado está fazendo uso de álcool, constitui um primeiro
momento de um trabalho de prevenção e tratamento. Os resultados obtidos, quando
em caso positivo, ou seja, oito ou mais, servem para nortear as futuras ações a
serem implementadas. Em jovens, a auto-indicação como fazendo uso abusivo de
álcool não ocorre com freqüência, talvez pelo fato de temerem repreensão dos pais
ou instituições escolares. Assim sendo, a utilização do AUDIT caracteriza-se um
poderoso instrumento de rastreamento e conhecimento do hábito de beber de
adolescentes, pois os mesmos respondem individualmente o inventário sendo que a
identificação pode ser feita de várias formas procurando sempre manter a
privacidade dos avaliados.
1.5 Adolescência
Tendo em vista que neste estudo o principal enfoque foi discutir a
relação do jovem frente ao uso e/ou abuso de álcool e suas conseqüências, faz-se
necessário refletir sobre o conceito de adolescência, adolescente e o significado
desses conceitos.
A adolescência ou juventude, nas sociedades ocidentais, consiste no
período de desenvolvimento humano no qual o indivíduo adquire os conhecimentos
e valores para entrar no mundo do trabalho e construir a sua própria família.
Portanto, compreende um fenômeno socioeconômico e não apenas biológico como
era pensado e descrito em estudos que consideravam apenas as mudanças físicas
e biológicas características dessa fase.
Há muito tempo a adolescência tem sido considerada como uma
etapa difícil do desenvolvimento humano, sendo denominada por alguns educadores
e pais como período da “aborrescência”. Ouve-se também que ao iniciar a
puberdade, dever-se-ia trancar o jovem num armário guardar a chave e só
destrancar quando ele completasse 20 anos. Essas afirmações denotam as
dificuldades de se compreender e lidar com os jovens nesse período da vida. Esse
fato é tão antigo que Aristóteles, cerca de 300 anos antes de Cristo, se queixava de
que os adolescentes eram impetuosos, irascíveis e tendiam a deixar se levar pelos
seus impulsos. Platão também, ao falar sobre esse período, afirmou que os meninos
não deveriam ter permissão para beber até que alcançassem 18 anos, por causa de
sua fácil excitabilidade. Em suas palavras “não se deve despejar fogo sobre fogo”
(PLATÃO apud. MUSSEN e outros, 1988, p. 443).
Bock e colaboradores (2002) afirmam ser a adolescência um
fenômeno não universal nem natural, o que dificulta o estabelecimento de uma
definição única para o termo, provocando algumas confusões ao dedicar-se a essa
tarefa. Não há um momento claro que demarque o início e o final dessa etapa.
Segundo a Organização Mundial da Saúde, a adolescência é um período da vida
que começa aos 10 e vai até os 19 anos. O Estatuto da Criança e do Adolescente
coloca como idade inicial 12 anos, estendendo-se até os 18 anos. Papalia e Olds
(2000, p. 310) afirmam que a adolescência dura quase uma década
aproximadamente dos 12 ou 13 até o início dos 20 anos. A multiplicidade de critérios
para definir adolescência e a falta de consenso estão relacionadas ao fato de que
essa temática também varia de acordo com as culturas e organizações de cada
sociedade.
Bock (2002) argumenta que a questão não se refere à adolescência
e sim ao adolescente, pois adolescência não é uma fase natural do desenvolvimento
humano, mas um derivado da estrutura socioeconômica. A autora destaca que:
Parece contraditório afirmar que não existe adolescência, mas que existem
adolescentes. Acontece que os critérios que poderiam definir esta etapa não
fazem parte da constituição do indivíduo, mas são construídos pela cultura.
Não podemos falar de uma fase natural do desenvolvimento humano
denominada adolescência. Mas, quando uma determinada sociedade exige
de seus membros uma longa preparação para entrar no mundo adulto,
como na nossa, teremos de fato o adolescente e as características
psicológicas que definirão a fase, que, a título de compreensão, diremos
que foi artificialmente criada. (BOCK, 2002, p. 256)
Essa afirmação vem esclarecer que o período da adolescência pode
ser considerado breve para algumas sociedades menos desenvolvidas no aspecto
tecnológico, ou um período mais prolongado, em sociedades de tecnologias mais
avançadas. Em alguns grupos os meninos começam muito cedo a participar da vida
econômica. A preparação para assumir obrigações e desfrutar dos privilégios da
vida adulta não exige um tempo muito longo de seus membros. Em sociedades mais
sofisticadas, tanto tecnologicamente quanto nas exigências de trabalho, essa fase
se prolonga em conseqüência de fatores socioeconômicos que são determinantes
para que o jovem tenha um período maior de preparação para entrar no mundo
adulto e do trabalho e das responsabilidades na formação da família.
A flexibilização de critérios na caracterização do período da
adolescência compreende também a problemática de se viver numa sociedade
dividida em classes. Assim sendo, não é verdadeiro afirmar que todo adolescente
passa pelo mesmo processo, pois depende da classe social em que ele está
inserido. Bock afirma que
é só pensar nos bóias frias, nos serventes da construção civil, nos
trabalhadores braçais, de maneira geral. Muitos jovens fazem curso
superior, só uma minoria, no entanto, atinge esse nível de escolarização em
nosso país. Muitos deixam a escola antes de terminar o primeiro grau e já
entram para o mercado de trabalho (BOCK, 2002, p. 257).
A autora utiliza como critério básico para definir o período da
adolescência, o determinante econômico que propicia condições diferentes de
desenvolvimento do jovem dependendo de sua classe social.
No Brasil, o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 2
o
considera, para efeitos desta lei, a pessoa até 12 anos incompletos como criança e
aquela entre 12 e 18 anos como adolescente. A partir de 18 anos, a pessoa é
definida como jovem. A mesma lei reconhece a idade de 14 anos como uma faixa
etária componente da adolescência, segundo o artigo 64 e 65. Ao se relacionar
critérios econômicos e critérios legais, observam-se contradições, pois a lei favorece
aqueles que não precisam de seu favorecimento – aqueles pertencentes às classes
média e alta – deixando à margem aqueles para os quais acredita-se que ela tenha
sido elaborada, uma vez que ela não se aplica, na prática, para as pessoas inseridas
nas classes mais pobres.
Concretamente, quando o assunto é adolescência, está-se referindo
ao período de transição entre a puberdade e o estado adulto, mesmo observando as
diferenças apontadas acima. Transformações físicas, biológicas e psicológicas
ocorrem. Os caracteres corporais infantis são abandonados para dar lugar às
características sexuais de cada gênero.
Do ponto de vista psicológico, a questão básica e fundamental da
circunstância evolutiva que significa essa etapa, é a formação da sua identidade. “O
adolescente se afasta da identidade infantil e vai construindo pouco a pouco uma
nova definição de si mesmo” (SERRÃO; BALEEIRO, 1999, p. 15). Estabelece-se,
assim, uma tensão do jovem com o universo adulto. O adolescente vê-se diante de
uma situação inusitada: não encontra mais espaço no mundo infantil, mas também
não é aceito no mundo adulto. É um período de reorganização pessoal e social que
pode ser marcado por atos de rebeldia, algumas vezes acompanhado de atos de
transgressão. É um momento de ampliação social em que o jovem procura
transcender o âmbito familiar. Nesse período, o grupo de pares adquire ponto de
referência muito maior que a família, os membros socializadores são os amigos da
mesma idade e que passam pelas mesmas indefinições. Nas palavras de Bock
(2002, p. 261):
O jovem está no meio do caminho. Atrás de si tem toda uma infância, onde
a família, a escola e os pequenos grupos de amigos deram-lhe proteção,
segurança, ao mesmo tempo em que lhe ofereceram um conjunto de
valores, crenças e referenciais que formaram sua identidade. Diante de si
tem um futuro como adulto adaptado à sociedade, onde segurança e
proteção são pretensamente oferecidas pelas instituições sociais – a
fábrica, o escritório, a família -, da qual se espera que ele seja o ator social.
Diante da perda de controle de sua vida e de luta para ganhar a
independência, o jovem vê-se impulsionado a definir seus objetivos e valores, a
descobrir quem realmente é e o que fazer com essa descoberta. A sociedade espera
que ele supere a “crise”, que seja um período passageiro. Para isso, no entanto,
segundo Bock, o jovem deve abandonar suas utopias e seus gestos transgressivos,
para se adaptar ao mundo adulto (BOCK, 2002, p. 262).
É um período de decisões e, muitas vezes, o jovem não encontra
apoio e suporte para enfrentá-las ao mesmo tempo que é cobrado para que as
assuma. Todas essas dificuldades são fontes geradoras de estresse. Segundo Silva
e Mattos “se todo este processo ocorre de forma protegida e assistida, uma possível
experimentação de drogas psicoativas nessa época tenderá a se resolver com a
maturidade” (SILVA; MATTOS, 2004, p. 41).
Como idade cronológica e início na vida adulta não necessariamente
coincidem, os cuidados e os programas de atenção à criança e ao jovem não
deveriam ter seus prazos para desligamento baseados na idade. De acordo com os
mesmos autores, programas de recuperação e acompanhamento de jovens que
fazem uso e/ou abuso de substâncias psicoativas lícitas ou ilícitas “não podem ser
interrompidos pelo fato de ele ter completado dezoito anos”. (SILVA; MATTOS,
2004, p. 41).
O que leva o adolescente a consumir álcool de uma forma
desregrada e sem controle? Dar resposta a essa pergunta não constitui tarefa fácil.
Vários estudos apontam para diferentes direções. Os cientistas que têm como
referência os aspectos biológicos apontam como fator de risco “hipótese da
vulnerabilidade genética”, ou seja, filhos de pais alcoólatras têm maior probabilidade
de se tornarem alcoólatras também. Outros creditam ao “aprendizado social” o
hábito de consumir tanto bebidas alcoólicas como outras drogas psicoativas. Desde
pequeno, o jovem exposto a um modelo de pais que consomem bebidas, e que, em
muitos casos, dão aos filhos para experimentar, vêem nesse hábito tanto um
componente de fraternização bem como liberador das tensões cotidianas o que
pode levar à dependência. Outros ainda colocam a questão maturacional das
estruturas cerebrais responsáveis pela inibição dos impulsos, que não estariam
totalmente fechadas no período da adolescência, deixando mais vulnerável o jovem
quando em contato com a hipótese genética ou de aprendizado social. Silva e
Mattos acreditam que:
Evitar o contato com as drogas durante o período de maior vulnerabilidade
dá tempo ao cérebro de completar seu amadurecimento e de serem
implementadas medidas de fortalecimento para o enfrentamento de
situações ambientais, possibilitando que a pessoa encontre formas
alternativas de satisfação na vida, não restritas às drogas. (SILVA;
MATTOS, 2004, p. 44).
Pode-se observar, mais do que responder a pergunta feita no
parágrafo anterior, uma vez que não se tem uma possibilidade única. A preocupação
deve estar focada em buscar formas para assistir e proteger os adolescentes tanto
em situação de risco real como aqueles que não se encontram nessa situação.
Tornar-se adulto não é apenas uma questão de simples passagem
de tempo, envolve uma construção lenta que deve pôr em relação uma série de
eventos pertinentes a esse período. Essa construção não é empreendimento único
do jovem, mas a somatória de sua história passada e seu meio ambiente atual. Se
as condições experimentadas forem satisfatórias e mais estruturadas, ele terá mais
condições de sair deste período enriquecido e com maiores possibilidades de
enfrentar o mundo adulto.
2 MÉTODO
Delinear um procedimento de pesquisa exige do pesquisador uma
análise e compreensão específica de seu objeto de estudo. No presente trabalho,
para uma cobertura adequada do tema, ou seja, identificar entre os adolescentes
que estavam fazendo uso abusivo de álcool, da 3ª série do Ensino Médio, de uma
escola pública e de uma particular, da cidade de Londrina, como julgam o uso
destas substâncias e quem consideravam como autoridades responsáveis pela
regulação do uso, exigiu uma combinação de métodos.
Identificar quantos, quais e em que quantidade, adolescentes das
duas escolas estavam fazendo uso de álcool apenas pela autonomeação
acreditamos que não seria um dado fidedigno. Cremos que poderia não
corresponder à realidade dos acontecimentos, uma vez que seria uma avaliação
sem os critérios adotados pela pesquisa. Realizamos então, um levantamento inicial,
com a utilização de um instrumento padronizado – AUDIT. A partir da avaliação do
instrumento aplicado, efetivamos uma análise quantitativa dos dados buscando
relacionar quantos e quais jovens faziam, na época do levantamento, uso abusivo de
álcool.
Segundo Bauer e Gaskell (2002, p. 24), “os dados não falam por si
mesmos, mesmo que sejam processados cuidadosamente, com modelos
estatísticos sofisticados”. Para analisar a prática e as concepções dos participantes
em relação ao uso abusivo de álcool que faziam, passamos à segunda etapa da
pesquisa, dando agora prioridade as questões qualitativas. Foram realizadas
entrevistas semi-estruturadas, com questões mais ou menos abertas, sendo estas
utilizadas na forma de guia para que os participantes pudessem responder
livremente aos temas propostos. De acordo com Flick (2004, p. 107) “a vantagem
desse método é que o uso consistente de um guia de entrevista aumenta a
comparabilidade dos dados”. Segundo Turiel, as entrevistas buscam descobrir “a
organização do pensamento, sendo, portanto utilizadas para obter dados sobre
processos de raciocínio e não simplesmente sobre as conclusões ou produtos
delas”. (TURIEL, 1984, p. 35).
2.1 Participantes
Participaram do levantamento inicial da pesquisa 65 adolescentes de
ambos os sexos com idade variando de 15 a 18 anos, da terceira série de duas
escolas de Ensino Médio. Desses 65 alunos, 26 são de uma escola pública da
região central da cidade de Londrina e 39 de uma escola particular.
Das entrevistas participaram seis adolescentes, dois do sexo
feminino e 4 do sexo masculino com idade variando de 16 a 18 anos, sendo 4 da
escola particular e 2 da escola pública.
2.2 Local de Realização
A pesquisa foi desenvolvida em duas escolas de grande porte da
cidade de Londrina, no estado do Paraná, no ano de 2004. Uma escola pública da
rede estadual de ensino e outra escola da rede particular.
A escolha de uma escola pública e outra particular foi feita visando
a estabelecer uma comparação entre as duas redes de ensino, em relação ao uso
de álcool. Na comparação, objetivamos avaliar se havia diferenças de consumo de
bebidas alcoólicas entre as escolas e a população que as freqüenta.
A escola pública, embora localizada na região central da cidade,
atende alunos de classe social baixa, sendo que no turno matutino, funcionam salas
de Ensino Fundamental de quinta à oitava série e o Ensino Médio. O Ensino Médio
possui três salas de primeira e segunda série e cinco salas de terceira série.
A escola da rede particular é uma das que recebem alunos de alto
poder aquisitivo, sendo reconhecida pelo número de aprovação de seus alunos nos
vestibulares das universidades mais concorridas da cidade e do país. Seus alunos
são oriundos das classes sociais média alta e alta da região.
2.3 Instrumentos
Os instrumentos escolhidos dependeram da fase da pesquisa e são
descritos nos itens seguintes.
2.3.1 Instrumento do levantamento inicial
Para o levantamento inicial foi utilizado o AUDIT - Alcohol Use
Disorders Identification Test (BARBOR et al., 2005), adaptado para o Brasil por
Méndez (1999). Esse instrumento, por meio de suas questões, identifica a
quantidade de álcool consumida pelo respondente. (APÊNDICE A), conforme
explicitado no primeiro capítulo.
A escolha desse instrumento foi feita por acreditarmos que o AUDIT
é um inventário de rastreamento para uso de álcool que apresenta um alto grau de
confiabilidade, fácil aplicação e entendimento por aqueles que vão ser investigados.
2.3.2 Instrumento da entrevista
Para as entrevistas elaboramos um roteiro aos moldes de
entrevistas semi-estruturadas. Essa modalidade de entrevistas permite ao
entrevistador uma liberdade maior para desenvolver as situações na direção que
considere adequada, deixando o entrevistado falar livremente, aprofundando os
temas na direção dos objetivos propostos pela pesquisa. O roteiro foi elaborado com
as perguntas principais, sendo que o entrevistador pôde fazer as indagações que
julgasse necessárias, caso percebesse a necessidade. (APÊNDICE B)
2.4 Procedimentos
Da mesma forma que no item sobre os instrumentos, o
procedimento é descrito pela fase da pesquisa.
2.4.1 Procedimento do levantamento inicial
Após obtermos o consentimento das escolas para realização da
pesquisa e de acordo com as exigências do Comitê Nacional de Ética, antes de
submeter os adolescentes a qualquer dos procedimentos, entregamos a cada um
dos alunos o Termo de Consentimento Livre Esclarecido (APÊNDICE B). A maioria
dos jovens era, na época, menor de idade, devendo, portanto o Termo ser assinado
também pelos pais. Na escola particular, foram entregues 396 TCLE, e, embora
tenham sido tiradas todas as dúvidas dos alunos, somente 68 alunos retornaram
com ele assinados pelos pais. Na escola pública, foram repassados 130 Termos de
compromisso, sendo que apenas 37 retornaram assinados.
Mesmo sem a adesão esperada no começo da pesquisa, para o
levantamento inicial, optamos por manter o procedimento já delineado e realizá-la
com aqueles que decidiram colaborar. Apesar de marcar data para realização do
AUDIT, o número de alunos que estava presente foi menor que o número de Termos
devolvidos.
Os alunos foram procurados na sala de aula pela própria
pesquisadora. Inicialmente explicou-se a finalidade da pesquisa, seu procedimento,
assim como foi enfatizada a confidencialidade dos dados.
Aplicamos o AUDIT nos alunos que fizeram a devolução dos Termos
de Consentimento e que estavam presentes na escola, no dia da aplicação. Os
jovens eram reunidos em grupos de aproximadamente 10 alunos, em uma sala
separada, para responder o instrumento. Antes de responderem foi feita uma
explicação de como deveriam proceder, procuramos tirar todas as possíveis
dúvidas.
2.4.2 Procedimento da entrevista
Depois do screening, fizemos contatos com todos os adolescentes
que foram identificados como fazendo uso abusivo de álcool, convidando-os a
participar da entrevista. Desses apenas seis alunos mostraram-se dispostos a
participar.
As entrevistas foram realizadas num espaço neutro, ou seja, nem na
escola nem na casa dos adolescentes. Este procedimento foi utilizado por
consideramos que os jovens estariam mais tranqüilos quanto ao sigilo da conversa,
falando mais livremente sobre o consumo de bebidas alcoólicas e outros temas
discutidos na entrevista.
Solicitamos o consentimento para que as entrevistas fossem
gravadas, sendo que todos os jovens concordaram com o pedido. Os adolescentes
mostraram se participativos e interessados em falar sobre os temas abordados.
2.5 Análise dos Dados
Os dados quantitativos foram digitados em uma planilha eletrônica e
posteriormente exportados para o programa de estatística SPSS (SPSS, 2003) para
a realização de análises. As entrevistas foram transcritas em processador de texto e,
em seguida, analisadas em busca de categorias.
2.6 Considerações Éticas
Essa pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética do Centro
Universitário Filadélfia, UNIFIL, do qual recebeu no dia 13 de março de 2004,
manifestação favorável para o desenvolvimento da mesma. Consideramos que não
há nenhum risco de prejuízo psicológico para os participantes da pesquisa. Caso
algum deles apresente quadro clínico desfavorável em relação ao uso de álcool,
sugeriremos que procure atendimento especializado.
3 RESULTADOS
Os dados foram analisados de acordo com a sua constituição. Os
quantitativos, originados do levantamento inicial, foram tabulados em uma planilha
eletrônica e posteriormente exportados para um programa de estatística (SPSS,
2003), no qual foram submetidos a análises paramétricas e não paramétricas. Os
dados qualitativos, oriundos das entrevistas, foram inicialmente transcritos e
digitados em um programa de texto e realizado uma análise em busca de categorias
que representassem as concepções que os adolescentes tinham sobre o uso
abusivo de álcool.
3.1 Levantamento Inicial
Na tabela 1, estão discriminados os dados colhidos dos
adolescentes que participaram do levantamento inicial. A escola particular foi
designada de ALFA e a escola pública BETA.
Na escola particular, 39 responderam ao inventário, desses 14 eram
mulheres e 25 homens, sendo que 33 tinham, na época, menos de 18 anos e 6 eram
maiores de 18 anos. Dos participantes, 24 se nomearam como católicos, quatro de
religiões diversas e 11 declararam não terem religião alguma. Em relação ao nível
socioeconômico, 26 alunos da escola particular se encaixaram no nível A, 11 no B e
dois no nível C.
Em relação aos dados do AUDIT, 14 alunos foram apontados como
positivos, ou seja, obtiveram oito pontos na avaliação. Isso demonstra que vinham
fazendo uso abusivo de álcool. Os outros 25 obtiveram escores menores que oito
pontos, não se caracterizando como bebedores abusivos. Na categoria Binge, 13
alunos obtiveram escore positivo e 26 negativo.
Tabela 1 – Freqüência e percentagem de sexo, idade, religião, NSE, Binge e AUDIT dos
participantes por escolas.
Escola ALFA Escola BETA Total
f % f % f %
Sexo
Feminino 14 21,5 21 32,3 35 53,8
Masculino 25 38,5 5 7,7 30 46,2
Idade
Adolescente 33 84,6 24 92,3 57 87,6
Adulto 6 15,3 2 7,6 8 12,3
Religião
Católica 24 61,5 16 61,5 40 61,5
Outras 4 10,2 6 23 10 15,3
Não tem 11 28,2 4 15,3 15 23
NSE
A 26 66,6 5 19,2 31 47,6
B 11 28,2 16 61,5 27 41,5
C 2 5,12 5 19,2 7 10,7
AUDIT
Positivo 14 35,8 1 3,8 15 23
Negativo 25 64,1 25 50 50 76,9
Binge
Positivo 13 33,3 5 19,2 18 27,6
Negativo 26 66,6 21 80,7 47 72,3
Na escola BETA, dos 26 alunos que responderam o instrumento, 21
eram do sexo feminino e cinco do masculino, sendo dois maiores de 18 anos. A
religião católica contou com um número maior de adolescentes: 16. Seis se
declararam como participantes de outras religiões e quatro não tem religião. Quanto
ao nível socioeconômico, a maioria se situa no nível B, 16 alunos. De acordo com
suas respostas, cinco estão no nível A e cinco no nível C. Em relação ao AUDIT,
apenas um obteve um índice de oito ou mais pontos e 25 foram considerados, pelas
respostas dadas, como não fazendo uso abusivo de álcool. Na categoria Binge,
cinco adolescentes foram apontados como positivos e 21 negativos.
Ao comparar os resultados das duas escolas, pudemos observar
que houve uma adesão maior de rapazes na escola ALFA do que na escola BETA.
O número de alunos pertencentes ao nível socioeconômico A, na escola particular
foi maior do que na pública, sendo que, nesta, a maioria dos participantes encontra
se no nível B. Conforme já mencionado, a escola ALFA é uma das escolas
particulares de Londrina que recebe alunos de alto poder aquisitivo. Por isso, o
maior número deles pertence ao nível socioeconômico A. Por ser uma escola
pública central, a escola BETA atende alunos de condição social boa.
A tabela 1 evidencia a diferença entre os alunos das duas escolas
que fazem uso abusivo de álcool apontado pelo AUDIT. Na escola particular, 35,9%
dos participantes da pesquisa foram enquadrados na categoria positivo, contra 3,8%
da escola pública. Na categoria Binge, ou picos de bebidas, a diferença é de
quatorze pontos percentuais entre as duas escolas, 19,3% na escola BETA e 33,3%
na escola ALFA.
Quando comparados em relação às religiões que professam, as
duas escolas apresentam praticamente a mesma freqüência apontada para a
religião católica: 61,5%. Para outras religiões, observamos um número maior na
escola BETA do que na escola ALFA, 23,1% para a primeira e 10,2% na segunda.
Já na escola ALFA, um número maior de alunos se declarou sem religião, 28,2% do
que na escola BETA, 15,3%.
3.2 Resultado do Conteúdo das Entrevistas
Com base na avaliação do AUDIT os adolescentes que receberam
pontuação oito ou mais pontos, de ambas escolas, foram selecionados para a
entrevista. Como na escola BETA só um jovem obteve positivo para o AUDIT,
também aqueles que receberam positivo para Binge foram considerados como
pertencentes à amostra. Estabelecemos então, contato com os mesmos sendo que
apenas seis deles concordaram em participar da entrevista. Os outros, ou não foram
localizados ou se recusaram dizendo que estavam muito ocupados com provas,
preparação para o vestibular ou que não queriam participar, entre outras
justificativas recebidas.
No quadro 1, foram agrupadas as falas que representam aquilo que
se chamou de HÁBITO DE BEBER, ou seja, o comportamento dos jovens frente ao
consumo de bebidas desde do início, em diferentes situações, motivos e as
possíveis conseqüências acarretadas por esse hábito.
Início do hábito de
beber
Motivos para beber Ocasiões em que bebe Conseqüências de beber
... é de 13 para 14,
porque faço aniversário
no fim do ano e sempre
andei com gente, por ex.
um ou dois anos mais
velho do que eu e uns
poucos da minha idade.
Desde quando eu tenho
uns 13 anos... ah! eu
sempre tive uns amigos
mais velho assim daí tipo
, 16, 17 anos daí eles já
começaram a beber
assim e eu tipo, fui junto
daí...
Olha era golinho assim,
em churrasco de família,
um pouquinho
assim....deve ter sido o
que...quando estava no
primeiro colegial, mas
assim golinho...
...tomar uma latinha
assim escondido, de vez
em quando, acho que
tinha uns 13 ou 14 anos,
13 anos eu acho.
..Eu bebo mais pelo,
pelo...clima e pelo prazer
de beber. Gosto de sentar
com meus amigos tomar
uma cerveja, e tal
vai certeza, paga 15, 20
reais pra entrar e fala vou
conseguir. Vou beber
todas que esse dinheiro
dá...
...quando bebia era
sempre para alegrar
assim...as vezes eu
estava meia....sabe, no
sábado a gente tem aula
então já chegava na
balada meio morta, então
bebia para dar uma
animadinha.
...Bem, não tem dia marcado
assim para eu beber, tipo
assim, este fim de semana vou
beber, mas geralmente, final de
semana acontece, porque a
gente vai sair com o pessoal,
então...
Sábado já é praticamente de lei,
assim e domingo quando a
gente não tem nada para fazer
a tarde assim, a gente vai
...é mais em festa assim, mas
no final de semana, mais
quando não tem nada p/ fazer...
não tem nenhum compromisso,
estudar no caso, não tem tipo
assim, daí sábado e Domingo e
férias é bem mais, porque
férias... Churrasco de faculdade
sempre, bebida liberada
assim,que todo mundo vai pra
passar mal...
vomitar... ficar com dor de
estômago... dar vexame...
dar trabalho para os
outros, criar situações
indelicadas... ficar feio na
frente dos outros...dar
trabalho...
AH! eu tipo, não passo mal
de vomitar assim, só uma
vez por mês, acho, mas
chego a ficar bem .. vou até
o limite...
NOSSA!!! Demais de
marcada. Perde o valor. Os
meninos comentam. Nossa
eles comentam...
á...ah! de vomitar assim...
em festa....apesar que eu
não costumo vomitar,
porque eu não passo muito
mal...mas já aconteceu de
vomitar, de tipo....negócio
de briga...não minha mas,
de amigo, não sei o que...e
fica todo mundo falando,
brigando, sabe
Quadro 1: Hábito de beber
No quadro 2, foram selecionadas alguns relatos relacionados à
forma como os adolescentes vêem a bebida nos diferentes domínios sociais.
SOCIAL MORAL PESSOAL
Acho que é natural do ser humano,
porque vc vê que em várias culturas
todo mundo bebe assim.
Óbvio que pode trazer coisas ruins
com certeza, mas também pode
trazer coisas boas...o prazer de vc
estar lá com o pessoal, conversando
mesmo, isso é uma coisa que eu
faço, que eu acho que é muito ...
(risos) tipo todo mundo fala não vou
bater e tal só que , eu procuro tipo
... eu não corro sabe, eu ando de
2ª, 3ª quando eu to mal assim, q eu
sei né.... com carro não, nunca
aconteceu nada, nunca bati o carro
, daí não sei mas , tipo quando eu
sento assim vou dirigindo eu posso
ta ruim , mas eu coloco na minha
cabeça tipo que eu tenho que voltar
pra casa agora...
Pô, daí um cara embriagado bate
no carro da galera que esta todo
mundo sóbrio e morreram!Isto dá
mais impacto, por que é uma
questão que vc esta fazendo mal ao
outro, entende?
Porque acho que moderadamente vc
toma ali, óbvio que vai ter um caso ou
outro na exceção, que vai gerar um
alcoolismo, mas ai vai da própria
pessoa perceber dos que estão em
volta...
Mas, não é só da idade assim, óbvio
que eu também acho...que nem, acho
que é ruim bebida quando vc é
pequeno, novo...o ideal é quando vc
já tem uma certa formação pessoal,
própria mesmo
Mas é o seguinte, vc esta bebendo e
vc não esta vendo automaticamente
tipo : “Eu estou estragando minha
vida”, a não ser a hora que vc sai
bêbado dirigindo e bate...ai vc cai na
real e nunca mais bebe e dirigi.
Quadro 2: Construção dos domínios sociais e a bebida.
No quadro 3, são apresentados os relatos dos jovens entrevistados
em relação a quem eles reconhecem como tendo autoridade para controlar a
ingestão de bebidas alcoólicas.
..Faz parte do próprio crescimento da pessoa, ela mesma perceber as coisas.
Porque por mais que falem, ela só vai saber mesmo quando ela passar por esta
situação... 40 a 50% de eu mesmo não beber vem da minha própria
experiência...
...por mais que falem sempre dos danos do álcool, os males você acaba não
levando em conta. Até que chega uma hora que você... sabe?
Eu acho que com esta idade o adolescente já tem para si o que ele quer, o que
é bom e o que não é...
Os pais têm que se impor. Não é Não. Você esta de castigo, você esta de
castigo. Você não vai sair por que eu mando aqui esta é minha casa então você
não vai sair.
...Ainda mais com o pessoal que vem hoje, com esta juventude...
AH! Não sei...acho que na verdade... eu não respeitaria ninguém se eu quisesse
beber, sabe? Se eu quisesse beber, eu acho que não iria respeitar ninguém, ao
menos se a pessoa estivesse comigo assim naquela hora naquele momento...
Acho q pessoas que já viveram uma situação, já foi prejudicada pelo álcool,
porque a melhor pessoa para falar é quem já passou por isso, porque você não
pode colocar alguém que nunca bebeu na vida e falar assim... “não bebe porque
não é bom”... e a pessoa nunca experimentou! Ela não sabe o que causa, a
vergonha que você sente depois... ela não sabe de nada!! Como é que ela vai
poder falar?
Acho q a minha irmã, ela sempre... minha irmã sabe como que é assim, quando
que eu vou beber ou não... não é que eu escuto ela, é que eu sei que ela sabe
entendeu?
Quadro 3: Autoridade para controlar o uso de bebidas.
No quadro 4, os adolescentes expõem como avaliam as orientações
que recebem das instâncias que estão em contato com eles em relação ao uso de
bebidas alcoólicas: pais, escola e mídia.
Pais Escola Mídia
Ai que tá, meu pai acho que ele
pode até ter tentado assim
orientar, só que ele não sabe,
então não tem como assim, ele
sempre falou não bebe não faz
isso tal. Só que tipo não tem como
sabe... ele não sabe como
orientar, porque ele não viveu a
mesma coisa que eu...
Ele dá umas orientações muito
assim (risos) sem restrição... “não
bebe não faz isso” entendeu?...
Tipo não bebe só isso, entendeu?
Adianta os pais falarem mas, não é
só isto...porque se os pais falarem
“Olha, não vai beber hoje”Tipo ela
não vai deixar de beber porque o pai
ou a mãe falou, sabe?
quando minha tia era casada, no
ultimo ano antes dela se divorciar, o
marido dela começou a bater nela,
porque bebia, e eu e minha irmã
éramos muito nova devia ter uns dois
anos a gente nem sabia assim, até
um pouco mais uns 5 mas a gente
não tinha consciência né, daí minha
mãe contava que as conseqüência ,
e também tem um vizinho que ele
espancava a mulher toda vezes era
só ele beber que ele batia nela,
então as vezes você tava dormindo
e escutava a confusão , nossa de
madrugada, não precisava falar nada
né.
Eu acho que faz até, na 7ªserie
assim se faz vários trabalhos...faz
um trabalho legal até, tipo não é
uma campanha assim para não
beber mas você aprende muito...
no colegial já é bem menos assim, é
por conta mais de cada professor....
Não, porque é aquela coisa né. O
adolescente foi evoluindo e o modo
de ensinar não evoluiu. Então é
aquele negócio...aquela palestrinha,
aquele teatrinho maçante...isto não
adianta mais, o adolescente acha
até meio ridículo.
Quanto ao Fundamental eu não sei
porque não estudei lá, mas eu acho
que no colegial...eu não acho que
ele faz um trabalho pedagógico
assim. Porque acho que eles são
muito preocupados somente com o
vestibular, a universidade, isto é
segundo plano assim.
não, nunca falou nda, nunca ouvi,
acho q eles preferem nem mexer,
ate pq se falar é perigoso ate ser
vaiado, pq não tem ninguém ali que
não beba, é muito raro.
AH! Acho que foi na sétima série eles
falaram alguma coisa sobre drogas e
álcool, mas não é aquela coisaaaaaa
aaaaaaaaaassim.
AH! Eu acho que não. Pelo menos
que eu me lembre eles nunca
falaram sobre bebida na escola. Não
eu não me lembro de ter tido nenhum
tipo instrução assim. Acho que
nenhuma matéria nunca comentou
sobre isto.
...eu acho que se fizer campanha vão
beber mais ainda... tem efeito
contrário
É como já falei as crianças não
prestam atenção e quem já não se
considera criança mais, se considera
adolescente...Assiste este tipo de
propaganda e dá risada, sabe. Fala
“Nossa que ridículo”
...a propaganda da cerveja
definitivamente não atinge nada. Pô
vai lá mostra mulheres bonitas... Mas
ali esta fazendo marketing da marca,
você não conhece ela, você vai
comprar ela para ver como é que é
mas, aquele BEBA COM
MODERAÇAO não vai influenciar em
nada
Não adianta nada, não...APRECIE
COM MODERACAO. Não tem efeito
nenhum. Agora se eles mostrassem
um vídeo com uma pessoa passando
mal. Tomando glicose. Você tem
que chocar a pessoa.
AH! Eu acho que na verdade elas
não funcionam. Eles falam só porque
é lei, né? Colocar APRECIE COM
MODERAÇAO, BEBA COM
ODERAÇAO, mas acho que não
influencia em nada, falar e não falar.
acho que é inútil, não tem diferença
nenhuma, porque eles colocam um
monte de mulher bonita com um
monte de cerveja de repente ...
BEBA COM MODERAÇÃO...
ninguém que vai beber, vai beber
com moderação! quando você vê
aquilo lá, é o paraíso te colocam
numa praia maravilhosa, um monte
de mulher linda, ou homens sarados
...e BEBA COM MODEDRAÇÃO!?
Quadro 4: Orientações sobre o uso de bebidas alcoólicas
4 ANÁLISE E DISCUSSÃO
4.1 Análise do Levantamento Inicial
Nesta seção, analisamos e discutimos os dados obtidos na pesquisa
sob a ótica do referencial teórico adotado, buscando compreender e dar significado
tanto aos aspectos quantitativos quanto aos qualitativos. Também apontamos para
algumas possibilidades de intervenção na questão abordada neste trabalho – um
consumo de bebidas alcoólicas mais responsável pelos jovens, além de formas de
enfrentamento do problema pelas escolas e famílias.
Consideramos o número de Termos de Consentimento Livre
Esclarecido devolvido baixo em relação à nossa expectativa inicial - 18% na escola
particular e 28,5% na pública. Esperávamos uma adesão maior por parte dos
alunos. Acreditamos que os adolescentes sentiram-se intimidados a levarem para os
pais assinarem, pois, no Termo, constavam os objetivos do trabalho e talvez eles
receassem que os resultados do inventário do rastreamento pudessem ser
repassados aos responsáveis. Nas duas escolas, fomos às salas de aula,
acompanhadas por uma coordenadora da instituição, para explicar o trabalho que
seria realizado, fazendo posteriormente a entrega do Termo de Consentimento Livre
Esclarecido. Observávamos que, ao fazer a leitura do documento junto com os
alunos, os mesmo teciam comentários entre si, riam e diziam que nem iriam
participar, pois com certeza iriam estourar nos pontos. Alguns rindo, diziam que se
os pais soubessem dos resultados não os deixariam mais sair de casa, ir a baladas,
entre outras coisas. A cada comentário enfatizávamos que eles poderiam ficar
tranqüilos, pois haveria sigilo absoluto, que os resultados seriam utilizados de forma
anônima e confidencial. Alguns professores presentes na sala reforçavam a
importância do trabalho, outros em tom de brincadeira diziam que eles estavam
fritos, pois se os pais soubessem o que eles aprontavam iriam saber quem eram
realmente seus filhos. Acreditamos que esses fatores contribuíram para a baixa
adesão ao levantamento inicial. Mesmo assim, optamos por manter o procedimento
já delineado e realizar a pesquisa com aqueles que decidiram colaborar.
Observamos uma inversão em relação ao sexo entre as duas
escolas pesquisadas. Na escola particular, houve uma maior adesão dos meninos
do que das meninas, sendo que na escola BETA a proporção de meninas foi maior
que de rapazes. Talvez, por isso, o número de adolescentes com escore positivo no
AUDIT tenha sido menor do que na escola ALFA. De acordo com o V Levantamento
Nacional sobre o Consumo de Drogas Psicotrópicas, realizado pelo CEBRID
(GALDURÓZ et al., 2005) apesar de o consumo ter aumentado entre as meninas, a
taxa de rapazes que bebem de forma abusiva ainda é maior.
O fato de a porcentagem de positivo para o AUDIT, quando
considerada no total da amostra pesquisada, (23,07%), não ter tão expressiva, ainda
assim merece uma análise mais acurada. Quando observados os resultados
separadamente, no entanto, as proporções ganham dimensões diferentes. Na
escola particular, o número de adolescentes que faz uso abusivo de álcool pode ser
considerado alto, 14, especialmente quando lembramos que foram 39, os que
responderam.
Segundo o relato de alguns dos entrevistados, é freqüente a
participação deles em churrascos e festas particulares nos finais de semana. Essas
festas ocorrem em chácaras ou nas casas dos jovens. Dessa forma, não tendo
permissão para beberem em bares e locais púbicos, fazem-no em ambientes
protegidos, livres da vigilância legal e dos pais.
Chamou-nos a atenção a presença de apenas um aluno com escore
positivo na escola BETA, em contraste com a escola particular (conforme assinalado
no parágrafo anterior) onde quase a metade foi pontuada como fazendo uso
abusivo, uso nocivo e, em alguns, podendo até serem caracterizados como
dependentes do álcool.
Algumas hipóteses podem ser levantadas para o fato. Alguns
alunos, da escola BETA que acreditando fazerem uso abusivo de bebidas
alcoólicas, não quiseram participar do levantamento, não sendo possível identificá-
los, portanto, na amostra. A maioria dos que participaram eram do sexo feminino, de
acordo com o V Levantamento Nacional do CEBRID, em geral há um predomínio do
uso de drogas para o sexo masculino em relação ao feminino (GALDUROZ, et al,
2005). Outra possibilidade pode ter sido a falta de sinceridade ao responderem o
inventário. A questão financeira também poderia ser levantada como um fator
responsável pelo número reduzido de bebedores abusivos, haja vista, serem os
adolescentes da escola ALFA de poder aquisitivo maior dos alunos da BETA,
embora o V Levantamento aponte que “o uso de drogas não é exclusividade de
determinada classe socioeconômica” (GALDUROZ, et al, 2005), mas na
adolescência a falta de autonomia financeira pode constituir um obstáculo. Ou
ainda, esses jovens realmente fazem uso adequado de bebidas alcoólicas, por
diversas razões. No entanto, essas são hipóteses que não têm como serem
comprovadas, permanecendo assim como hipóteses.
4.2 Análise do Conteúdo das Entrevistas
Com base na avaliação do AUDIT, os adolescentes que
receberam pontuação oito ou mais pontos, de ambas escolas, foram selecionados
para a entrevista. Contatamos os mesmos para darmos andamento à segunda
fase da pesquisa, ou seja, as entrevistas. Apenas seis deles concordaram em
participar. Os outros alunos pontuados como fazendo uso abusivo de álcool ou
não foram localizados ou se recusaram, dando desculpas tais como: estavam
muito ocupados com provas, preparação para o vestibular, ou mesmo que não
queriam participar por acreditarem que iriam se expor mais do que ao
responderem o inventário. Com o que concordamos plenamente, pois, ao propor
aos jovens que falassem sobre o assunto, queríamos ir além da pontuação obtida
no AUDIT. Queríamos compreender e analisar quais as concepções que os
mesmos tinham sobre o alto consumo de bebidas alcoólicas, queríamos dar
significado aos números. Sabendo das justificativas apresentadas por aqueles
que se recusaram a dar seus depoimentos, procuramos realizar as entrevistas
num ambiente neutro, isto é, nem na escola e nem na casa dos alunos.
Propiciamos um clima de confidencialidade, reafirmando que tudo aquilo que
fosse ali falado tinha um caráter sigiloso e que eles poderiam responder o que
julgassem conveniente. Caso houvesse alguma questão que não quisessem
abordar, poderiam ficar à vontade. Todos os que deram suas contribuições,
fizeram-no sem resistências e mostraram-se bem tranqüilos ao falarem sobre os
temas.
Após a transcrição das entrevistas, observamos que as falas dos
adolescentes apresentavam pontos comuns e que se repetiam, podendo ser
agrupados nos quatro grandes temas: 1) o hábito de beber; 2) construção dos
domínios sociais e a bebida; 3) autoridade para controlar o uso de álcool; 4)
orientações sobre o uso de bebidas alcoólicas.
4.2.1 Hábito de beber
Os adolescentes relataram que iniciaram o uso de bebidas
alcoólicas a partir dos 13 anos aproximadamente. Na idade em que ainda se
encontravam no Ensino Fundamental entre sétima e oitava séries. Dado consoante
com os encontrados no V Levantamento Nacional sobre consumo de drogas do
CEBRID em 2004, que apontaram que, dentre as substâncias psicoativas analisadas
no estudo, o álcool foi a que teve a menor média de idade do primeiro uso, 12,5. O
que, segundo os autores do V Levantamento, demonstra que “a questão do álcool
no Brasil é, de fato, um grande problema de saúde pública”. (CEBRID, 2005).
Os rapazes afirmaram que sempre tiveram amigos mais velhos, uns
dois ou três anos, do que eles, e que os mesmos já bebiam. Então para não ficarem
fora dos hábitos dos mais velhos ou para fazerem parte da turma, passaram a ingerir
álcool também. A presença de bebidas alcoólicas é uma constante nas festas que os
jovens freqüentam atualmente. Dificilmente há reuniões, churrascos ou outras
comemorações sem a presença de álcool, de alguma forma. Podemos concluir, a
partir desse relato, a importância das amizades na fase da adolescência. As
opiniões dos amigos, querer fazer parte do grupo de pertença revestem-se de
importância maior do que a preocupação com as sanções que possam receber de
seus responsáveis, caso esses façam proibição formal para a ingestão de bebidas.
Esses relatos confirmam a força da socialização secundária, ou aquela recebida fora
do âmbito familiar, depois que a criança entra na escola.
Além disso, o fato de os pais também ingerirem álcool, mesmo que
em situações sociais ou festas comemorativas, contribui para o ingresso do jovem
ao hábito de consumir bebidas alcoólicas. Muitas vezes o primeiro uso se dá na
própria residência e é freqüentemente estimulado pelos pais (GALDUROZ, et al,
2005).
Na sociedade brasileira, as comemorações na maior parte das
vezes, são sinônimo de comida e bebidas. As crianças crescem vendo seus
familiares e amigos bebendo e, muitas vezes, são convidadas a experimentarem
também. Os pais não se dão conta que podem sem o perceber ou querer, estar
iniciando seus filhos no hábito de ingerir álcool. Sendo em pequenas quantidades e
num clima de brincadeiras, em que a diversão é o objetivo, a criança não tem como
identificar qual a quantidade adequada de bebidas que pode ser ingerida e quais as
conseqüências que o excesso pode causar. Soma-se a isso o fato de os familiares
esconderem das crianças as conseqüências das bebedeiras familiares. Os
pequenos vêem os pais alegres, mais comunicativos como resultado de um índice
de álcool mais elevado, não percebendo, no entanto, os possíveis efeitos
desastrosos na continuidade.
Turiel (1984) considera que o desenvolvimento dos conceitos sociais
está diretamente relacionado com os eventos vivenciados pelos sujeitos. As pessoas
participam ativamente da construção das categorias fundamentais do conhecimento
social em interação com o meio. As interações com o meio constituem uma tentativa
de compreender as outras pessoas, e como elas se relacionam. Assim sendo, ao
experenciarem situações de ingestão abusiva de álcool pelos pais desde cedo, as
crianças podem julgar que esse ato é aceito socialmente. Ainda mais, se levarmos
em consideração o fato de que os pais, para as crianças, são vistos como heróis e
têm, nos seus comportamentos modelos de atuação.
A associação – bebida/festa - foi relatada por mais de um jovem
entrevistado quando afirmavam que “... como se fosse uma coisa tipo uma festa,
para festejar...” ou “... bebo mais pelo clima e pelo prazer de beber... gosto de sentar
com meus amigos tomar uma cerveja, e tal...”. Segundo Laranjeiras (2005), beber
pode ser muito prazeroso, mas beber muito pode acarretar problemas em várias
áreas da vida do bebedor abusivo. Devemos lembrar que os entrevistados foram
selecionados justamente por se encontram dentro dos considerados bebedores que
fazem uso abusivo de álcool e não apenas como meros bebedores sociais. Ao
analisarmos suas falas, percebemos que não se davam conta de que com consumo
de bebidas alcoólicas que vinham fazendo até então, haviam rompido a barreira do
social.
Para as meninas entrevistadas, a ingestão de bebidas alcoólicas se
dava mais em companhia de grupos de amigos, com o namorado em festas do que
em casa. As duas relataram que nas festas familiares eram acompanhadas mais de
perto pelos pais quando iam experimentar alguma bebida. Podemos observar aqui
uma diferença de hábitos em relação ao gênero. Há uma maior tolerância com os
rapazes do que com as meninas. Para os meninos, o fato de bebericar nas festas
familiares pode ser sinônimo de iniciação ao mundo masculino, já para as moças,
isso pode ser visto como um comportamento não tão desejável e compatível. Por
isso, talvez, as mesmas se iniciam no hábito de beber bebidas alcoólicas mais com
os amigos do que em casa. De acordo com o relato de um dos jovens entrevistados,
o fato de beber abusivamente pode ser fator de desinteresse pela moça a qual
estava paquerando “... Ah! Eu acho que perde sim... sim, sim, perde sim ... Mas
perde ponto sim... já aconteceu de eu estar a fim de uma menina e ir lá e tipo... sabe
sair conversando depois daí vai lá e ficar com ela, mas antes disso ela passar mal,
daí ah! Desanda, nunca mais vou atrás mesmo”.
Além dessas questões, observamos também que a freqüência de
beber passa a aumentar. Inicialmente acontece em algumas ocasiões mais restritas,
ampliando gradativamente. Um dos entrevistados afirmou que “... mas eu acho que
com o tempo assim cada vez vai ficando mais,... sai da prova geralmente vai para
um bar, tomar cerveja...” Percebemos que já não havia mais um motivo especial
para beber, mas, que toda hora era hora, ou qualquer coisa era motivo para
“festejar”. Outro apontou que “... não tem dia marcado assim para beber...”,
“...sábado já e praticamente de lei e domingo quando a gente não tem nada para
fazer à tarde assim, a gente vai...”. O que observamos nessa fala, é que a lei é
beber, colocando se como uma necessidade imperativa às saídas do grupo de
amigos. Ao afirmar que é praticamente de lei, deixa claro que não é possível um
encontro entre amigos sem a ingestão de qualquer tipo de bebida. Ao que parece, o
encontro não se dá pelo prazer de se reunir com amigos, mas pela oportunidade de
beber.
Beber além do limite não necessariamente está de acordo com os
critérios do AUDIT, ou seja, consoante o número de doses ingeridas, mas, para eles,
beber além dos limites significa dar vexame, incomodar os outros, vomitar, criar
situações indelicadas. Isso também aconteceria apenas quando já estivessem
totalmente embriagados. Essas situações – dar vexame – não aconteceriam na
mesma freqüência com que bebiam. G relatou que passou por essa situação apenas
duas vezes “aproximadamente”, considerando as conseqüências dos eventos muito
desagradáveis, por isso procurou não repeti-las. Já R afirma não ser “... do tipo de
passar mal, assim vomitar... dar vexame...” mas que pelo menos uma vez por mês
“... vou até o limite... só se acontecer alguma coisa que me impeça de tomar todas...”
Como não apresenta reações de embriaguez, como as relatadas por G, R continua a
beber acima dos níveis considerados aceitáveis.
Apesar dos altos índices de bebidas que ingeriam e da freqüência
com que o faziam os adolescentes entrevistados não se consideravam alcoólatras.
Embora fazendo uso abusivo de álcool, conforme apontado no rastreamento inicial,
achavam-se no controle da situação acreditando que não se tornariam dependentes
de álcool. Segundo G., “... acho que moderadamente você toma ali, óbvio que vai ter
um caso ou outro, na exceção, que vai gerar um alcoolismo, mas aí vai da própria
pessoa...” G se exclui dessa possibilidade, um ou outro, mas não ele. Mesmo R
tendo casos próximos de alcoolismo na família, seu avô, acredita que não vai ficar
igual a ele “... não, não... eu acho que tenho consciência, eu acho que tenho, né.
Não vou ficar igual a ele...”. Na busca de sua identidade adulta, alguns adolescentes
se sentem acima do bem e do mal, acreditando-se capazes de driblar os efeitos
danosos de seu comportamento de risco. Platão, há muitos séculos, alertava que “os
meninos não deveriam ter permissão para beber, por causa de sua fácil
excitabilidade”, para ele, “não se deve despejar fogo sobre fogo”. (Platão apud.
MUSSEN et al. 1988, p. 443). Platão deveria estar se referindo, sem o saber, a
“hipótese da vulnerabilidade genética” ou simplesmente à maior vulnerabilidade ao
álcool que só se confirma quando em contato com ele. Pensando nesse aspecto,
Silva e Mattos (2004, p. 44) afirmam “ser melhor evitar o contato com as drogas no
período de maior vulnerabilidade dando tempo ao cérebro para completar seu
amadurecimento e encontrar formas alternativas de prazer que não unicamente o
álcool”.
4.2.2 Construção dos domínios sociais e a bebida
Em sua teoria da construção dos domínios sociais, Elliot Turiel
propõe que, apesar do julgamento das questões morais serem sociais por natureza,
“nem todos julgamentos sociais são morais” (1975, p. 7) Nessa perspectiva, o
raciocínio sobre temas convencionais e morais são diferentes. Isso posto,
perguntamos: beber de forma abusiva pode ser considerado um tema de conteúdo
moral ou convencional? Como os jovens entrevistados avaliam o comportamento de
beber se embriagando? Há uma intersecção de domínios nessa questão?
Ao analisarmos o conteúdo das entrevistas realizadas, percebemos
que os adolescentes não haviam ainda refletido sobre essas questões. Acreditavam
que tal comportamento era inofensivo e, quanto muito, os prejuízos advindos de tal
prática afetava apenas a eles mesmos. Alguns não tinham nem idéia que a
quantidade de álcool ingerida por eles era tão alta, fato que pudemos comprovar
tanto quando preenchiam o AUDIT, quanto nas entrevistas. Um jovem verbalizou
que ficara assustado ao ver o resultado da avaliação, dizendo: “... puxa! Acho que os
velhos têm razão! Ando mandando muito, mesmo”.
Na construção dos conceitos, tanto convencionais como morais, o
meio social reveste-se de grande importância. Em contato com os acontecimentos
vividos, o indivíduo realiza inferências e elabora seus sistemas de referência
sobre esses acontecimentos. Existe uma relação recíproca entre indivíduo e meio
social em que os indivíduos não só sofrem o controle do meio, como buscam
entendê-lo, construindo suas estruturas sociais e morais. Quando os jovens
justificam, porque bebem e em quais situações, evidenciam-se as influências do
meio social “... eu bebo mais pelo clima... gosto de sentar com meus amigos
tomar uma cerveja e tal...”. Um ambiente social que enaltece o consumo de
bebidas como forma de socialização pode favorecer o desenvolvimento do hábito.
Na perspectiva da proposta interativa de construção dos conceitos sociais, morais
e pessoais, os tipos de conhecimento a serem construídos dependem da ação
dos sujeitos sobre os acontecimentos, tarefas e problemas que vivenciam. Existe,
portanto, relações sistemáticas entre o desenvolvimento e a natureza dos
acontecimentos, do meio com os quais a pessoa defronta-se.
Dessa maneira, acostumado a vivenciar cenas de embriaguez ou
consumo abusivo, o adolescente pode ser levado a acreditar que tal prática é
natural, como observamos no relato “... acho que é natural do ser humano, porque
você vê que em várias culturas todo mundo bebe, assim...”. De acordo com essa
percepção, beber seria um traço inerente ao ser humano. Como está presente em
muitas culturas, ao fazer essa afirmação, o entrevistado poderia estar referindo-se a
predisposições fisiológicas e/ou psicológicas, portanto, fora do controle pessoal,
sendo percebida quase como uma conseqüência natural dos seres humanos. Da
mesma forma que as pessoas crescem, vão à escola, também bebem. Pela
afirmação, a cultura é entendida como uma fonte controladora, determinando as
condutas e não vendo as pessoas como capazes de definir, interpretar e julgar as
relações sociais tal como propõe Turiel. Talvez, em conseqüência dessa maneira de
pensar, os adolescentes não tivessem, até a data das entrevistas, parado para
refletir sobre seus conceitos de suas bebedeiras, agrupando-os em aspectos de
“foro íntimo” sem qualquer ônus para os outros.
Porém, para que os jovens não se acomodem e/ou recebam
passivamente do grupo as convenções sociais e os juízos morais, a presença de
adultos faz-se imprescindível. Turiel (1984) esclarece que o comportamento dos
adultos e a comunicação que deles provêm é que são responsáveis pela construção
dos comportamentos e juízos daqueles que lhes estão próximos. Assim sendo, o
contato que desde pequenos, têm com as bebidas alcoólicas pode influenciar sua
futura relação com elas. Podemos fazer aqui uma analogia com a proposta de Asch
(1966) quando, em suas pesquisas, considerou que as pessoas julgam as situações
estabelecendo relação entre o conteúdo específico e o autor da mesma. O valor
atribuído ao autor da situação é determinante para quem a avalia. Assim sendo,
quem e qual a avaliação que o adolescente faz de quem bebe pode influenciar seu
início e quantidade no hábito de consumir bebidas alcoólicas. Se tiverem os pais em
alta conta e os virem bebendo, isso pode contribuir para beberem também. Se os
colegas e amigos mais chegados fazem uso excessivo das bebidas, podem também
julgar e interpretar que esse comportamento é adequado. Um aspecto a ser
ressaltado aqui é maior ou menor vulnerabilidade de exposição ao álcool. Como não
sabemos como cada organismo se comporta frente ao uso de bebidas alcoólicas,
Silva e Mattos (2004) acreditam que se deve evitar “o contato com as drogas
durante o período de maior vulnerabilidade” o que daria um tempo maior tanto para
o cérebro completar seu amadurecimento como também propiciar um maior
conhecimento de suas capacidades além da aprendizagem de formas outras de
entretenimento do que apenas beber.
No curso do desenvolvimento, nós nos deparamos com diferentes
tipos de acontecimentos. Essa diversidade na qualidade dos acontecimentos
proporciona a construção de domínios de conhecimentos diferentes. As situações
experenciadas não são todas do mesmo tipo ou estão incluídas na mesma classe,
ao contrário, têm propriedades diversas o que contribui para a construção das
diferentes formas de conceber as interações sociais.
No entanto, muitas questões podem não estar claramente
categorizadas como sociais ou morais, elas podem conter elementos de ambos
os domínios. Algumas situações que inicialmente podem ser categorizadas como
sendo de convenção social, podem ter implicações morais em suas
conseqüências. Turiel (1984) aponta para o fato de que muitas situações incluem
componentes de mais de um domínio que devem coordenar-se simultaneamente
Um ato convencional pode se converter numa questão moral. Isso
pode ser entendido pelas conseqüências que esse ato pode provocar à própria
pessoa que o realiza ou a outrem. Beber se embriagando, não é julgado como
uma questão moral, mas embriagada a pessoa pode provocar danos a ela e a
outros que não necessariamente estejam envolvidos com seu comportamento de
beber.
Um dos adolescentes entrevistados aponta para esse fato quando
relatou achar “... sacanagem! Pó, daí um cara embriagado bate no carro da galera
que está todo mundo sóbrio e morreram!”. Apesar de sóbrios, morreram em
conseqüência do alto teor alcoólico de outros. O jovem considera uma injustiça tal
situação. Outro jovem, que já tinha 18 anos, relatou que sabia que não deveria
dirigir embriagado, mas o fazia assim mesmo. Procurava, segundo ele “... andar
devagar, só em segunda e terceira...” o que, acreditamos, não o isentava da
possibilidade de um dia envolver-se em situações perigosas, pois ele parece não
perceber as implicações desse seu comportamento, que inicialmente pode ser
considerado social, mas pode passar a ter conotações morais pelas suas
conseqüências.
Na visão construtivista interativa, as experiências têm lugar
fundamental. No entanto, algumas situações não precisam e nem devem ser
experenciadas pelas crianças para que aprendam através da ação, pois elas
podem trazer danos físicos, entre outras conseqüências. Não há necessidade de
que, só após uma bebedeira e suas conseqüências, o adolescente perceba que
se trata de um comportamento indesejável e perigoso. Nesses casos, a
aprendizagem pode ocorrer de forma vicária, ou seja, pelos modelos e
acontecimentos semelhantes chegar a perceber as questões morais envolvidas
na convenção social de beber. Na perspectiva da teoria dos domínios sociais de
Turiel (1984), os conceitos morais se formam através das experiências da criança
com as ações interpessoais que têm conseqüências intrínsecas. Dessa forma, o
comportamento dos adultos e a comunicação que deles provêm é que são os
responsáveis pela construção dos conceitos e juízos sociais e morais das
crianças.
Além disso, algumas situações podem conter elementos de
domínios diferentes, podem estar relacionadas a dois domínios o que provoca
uma ambigüidade ao ter que categorizar o tema. Embora o comportamento de
beber se embriagando não tenha sido considerado como uma questão moral
pelos entrevistados, quando instigados a refletir sobre as possíveis
conseqüências desse ato, alguns deles julgam “... uma sacanagem...” alguém
embriagado provocar danos e até a morte de quem não está envolvido na
situação. Ao mesmo tempo em que têm uma ação similar, criticam-nas pelos
efeitos que podem provocar. Esse pode ser um exemplo claro de temas que
entram em conflito pelas suas conseqüências. Da mesma forma que beber se
apresenta como um meio de socialização, sendo neste, aspecto, considerada
uma convenção, o resultado desse comportamento pode fugir do âmbito das
convenções, convertendo-se em morais. Juízos basicamente convencionais
podem assumir implicações morais secundárias.
Nucci e outros (1991) objetivavam identificar como adolescentes
classificavam seu comportamento de consumir substâncias psicoativas. Os
resultados apontaram que poucos entrevistados percebiam o hábito como algo
errado ou imoral, tendiam a julgar o comportamento como um assunto pessoal. As
respostas de nossos entrevistados apontaram para mesma direção. Os
adolescentes acreditavam ser o comportamento de beber embriagando-se uma
decisão pessoal, enquadrando-o, portanto, no domínio psicológico ou pessoal. Esse
domínio reúne “... o conjunto de ações que definem os aspectos privados da própria
vida individual, onde a questão “certo ou errado” é uma preferência em vez de
obrigação” (MARTINS, 1991, p. 75). A justificativa para emitir certos
comportamentos é o interesse próprio, sendo ele a única fonte de autoridade.
Aceitar ao não as regras de prudência seria uma questão pessoal, tendo como
objetivo evitar danos a si mesmo. A relação com o outro e as possíveis
conseqüências de suas ações não estão nesse raciocínio.
Quando os adolescentes se sentem no controle da situação,
capazes de assumir o comando de suas ações, não percebem que elas podem ter
implicações morais secundárias. De acordo com o relato de um deles “... você está
bebendo e você não está vendo automaticamente tipo: eu estou estragando minha
vida... a não ser a hora que você sai bêbado dirigindo e bate... aí você cai na real e
nunca mais bebe e dirige...”. Podemos fazer a seguinte interpretação dessa fala:
inicialmente o comportamento de beber é social e pessoal, porém ao sair bêbado e
provocar um acidente, as implicações secundárias conseqüentes passam a ser
morais. O jovem só se dará conta disso, segundo as palavras do entrevistado,
depois de ter cometido a infração. Haveria uma forma de evitar conseqüências
desastrosas dessa natureza? Quantos acidentes, com conseqüências graves, que
provocam lesões permanentes, interrompendo carreiras brilhantes em seus estágios
iniciais, poderiam ser evitados se adolescentes e jovens adultos construíssem o
conceito de que seus comportamentos de domínio pessoal podem ter
conseqüências de cunho moral, para ele e para outrem? Como possibilitar ao jovem
a construção de um quadro de referência que o torne capaz de controlar seus
impulsos de domínio pessoal e estabelecer uma coordenação entre os domínios?
Como levá-los a perceber que embora os domínios tenham temas diferentes, há
uma relação entre eles e suas fronteiras possuem limites tênues? Acreditamos ser
esse um desafio para nós educadores engajados na atividade de socialização de
nossas crianças e adolescentes...
4.2.3 Autoridade para controlar o uso de bebidas alcoólicas
A adolescência traz consigo não só mudanças físicas e biológicas
como também psicológicas e com elas conflitos de identidade. O jovem pouco a
pouco vai deixando para trás seu mundo infantil para entrar no mundo adulto. Não é,
na nossa sociedade ocidental, muitas vezes, um período de transição fácil,
estabelece-se uma tensão entre o adolescente e o mundo adulto. Dentre essas
tensões, podemos apontar a questão da autoridade adulta em relação aos jovens.
Quem eles passam a respeitar, quais as opiniões que são significativas para eles,
são questões presentes para pais, professores que lidam com essa população.
Em nossa pesquisa, percebemos que, apesar de haver alguma
divergência nas respostas, quase todos os entrevistados acreditam que, em relação
ao hábito de consumir bebidas alcoólicas, as fontes de autoridade para controlar tal
hábito seriam eles mesmos. Podemos comprovar isso por meio das seguintes falas:
...faz parte do próprio crescimento da pessoa, ela mesma perceber
as coisas. Porque por mais que falem, ela só vai saber mesmo quando ela passar
por esta situação... 40 a 50% de eu mesmo não beber, vem da minha própria
experiência...
...por mais que falem sempre dos danos do álcool, os males você
acaba não levando em conta. Até que chega uma hora que você... sabe?
...AH! Não sei...acho que na verdade... eu não respeitaria ninguém
se eu quisesse beber, sabe? Se eu quisesse beber, eu acho que não iria respeitar
ninguém, ao menos se a pessoa estivesse comigo assim naquela hora naquele
momento...
Apesar de poucas experiências relativas ao consumo de álcool, o
adolescente julga que a aprendizagem de moderação e controle do uso ocorre
através dele mesmo. Sente-se capaz de, sozinho, discernir entre o certo e o errado.
Smetana e Turiel (2003, p. 260), buscando entender a legitimidade da autoridade
paterna em adolescentes, em atos de diferentes domínios sociais realizou uma série
de pesquisas. Os resultados obtidos indicaram que, durante a passagem para a
adolescência, as concepções dos jovens sobre autoridade paterna mudam. Se, no
período da infância, as crianças crêem piamente nas determinações de seus pais,
agora, na adolescência, essa crença pode ser abalada e alguns jovens não mais
escutam as recomendações paternas, desejando viver as experiências e delas tirar
suas conclusões sobre as conseqüências advindas.
Os jovens parecem levar ao pé da letra a concepção construtivista
de aprender com a experiência. Se outros conceitos são construídos a partir do
contato e na relação com os objetos, as experiências de diferentes naturezas
deveriam seguir o mesmo princípio? Acreditamos que não. Como já mencionamos
anteriormente, em algumas situações a criança ou jovem não necessariamente,
deve passar por elas para tirar suas conclusões. Pode aprender o que é certo ou
errado por meio de estratégias organizadas pelos adultos, modelo e discussões de
situações colhidas em jornais, revistas, etc. Sabemos que, na perspectiva, da
educação construtivista, devemos passar gradualmente da coerção, em que há um
sentimento de respeito unilateral, para um estado de cooperação, estando presente
aí o respeito mútuo. Embora essa afirmação seja a pedra basilar para o alcance da
autonomia, a fim de preservar a integridade física da criança e dos jovens, em
alguns casos, um grau de coerção se faz necessário.
Especificamente, no caso da bebida, aprender com a experiência,
como disseram alguns dos entrevistados, pode causar danos, às vezes, irreparáveis
e desnecessários. Eles mesmos, durante as entrevistas, relataram casos de amigos
ou conhecidos que sofreram injúrias físicas em conseqüências do alto teor alcoólico
deles ou de quem os acompanhava. Citaram, como exemplos, fatos em que eles
estiveram direta ou indiretamente envolvidos tais como: numa festa após terem
bebido bastante, podendo ser considerados embriagados, pularam na piscina. Ao
pular, um o fez em cima de outro, fraturando-lhe uma vértebra cervical, causando
graves problemas físicos. Outro relatou que um amigo viajava no carro do carona
quando o motorista, “levemente” embriagado saiu da pista capotando o carro várias
vezes. O carona sofreu também lesões medulares, ficando paraplégico. Mesmo
diante desses fatos, relatados por eles, ainda assim acreditam serem eles a
autoridade para controlar seu hábito de beber.
Nem todos entrevistados, no entanto, concordaram com a visão de
aprender pela experiência no caso da bebida. Alguns disseram que “... os pais têm
que se impor. Não é não. Você está de castigo, está de castigo. Você não vai sair
porque eu mando aqui, esta casa é minha então você não vai sair...”. Na afirmação,
podemos perceber mesmo a busca e permissão pelo adolescente de uma posição
mais firme dos pais, destacando a necessidade de, em certas situações, haver uma
imposição dos pais sobre a vontade dos filhos.
Outros acreditavam que, se não eles mesmos eram a autoridade
para controlar o consumo de bebida alcoólica, quem deveria fazê-lo seriam pessoas
que “... já viveram uma situação, já foi prejudicada pelo álcool, porque a melhor
pessoa para falar é quem já passou por isso...” Dessa forma, ter sido vítima de uma
situação embaraçosa, desastre ou outra injúria qualquer confere status de exemplo.
Ainda que uma vez, passar pela experiência é visto como importante. O jovem
completa “... porque você não pode colocar alguém que nunca bebeu na vida e falar
assim... “não bebe porque não é bom”... e a pessoa nunca experimentou! Ela não
sabe o que causa, a vergonha que você sente depois... ela não sabe de nada!!
Como é que ela vai poder falar?...”
Um único adolescente apontou a irmã como autoridade para
controlar sua ingestão de álcool. Isso porque, segundo ele, a irmã já havia passado
por situações semelhantes, portanto ela o entendia, diferentemente dos pais que
eram evangélicos e não faziam uso de bebidas alcoólicas. Apesar de nomear a irmã
como possível autoridade, no caso da bebida, ainda assim não leva em
consideração suas advertências como ele mesmo afirma “... não é que eu escuto
ela, é que eu sei que ela sabe, entendeu?
Pudemos observar assim que a questão da autoridade para o uso de
bebidas é controvertida, pois alguns, poucos, acham que os pais devem impor-se,
outros não aceitam qualquer imposição nesse sentido, acreditando que devem
passar pela experiência para adquirirem controle e moderação sobre o uso. Outros
ainda não acreditam que devem ter controle ou moderação, quando têm vontade
bebem e pronto.
Nos debates com pais, professores e os demais profissionais
envolvidos, a questão de ter ou não ter autoridade é sempre levantada. Pais e
professores desejam sempre estar no controle das situações. Acreditam que manter
a tutela de seus subordinados é importante para uma boa educação. Mas, muitas
vezes, fazem-no de maneira punitiva o que, no período da adolescência, pode levar
a uma atitude de contestação com comportamentos opostos aos desejados. A
autoridade não se dá pela imposição, como um entrevistado assinalou, mas, na
visão construtivista, por meio da reciprocidade, do respeito mútuo e do exercício do
intercâmbio de pontos de vistas, propiciando assim à criança e ao jovem descentrar-
se de suas opiniões. E, sempre lembrando, que se trata de um processo, de uma
construção, portanto não é da noite para o dia ou numa única vez que ocorre a
aquisição de novos conceitos.
Piaget (1932, 1977), Kohlberg (1981,1984), Turiel (1984) vêm, na
transgressão, oportunidades para que os envolvidos se comuniquem entre si. A
comunicação que se estabelece a partir de uma transgressão tem função de
retroalimentar a pessoa que transgride. Sendo feita com respeito mútuo, adquire
cunho educativo tanto para quem teve participação direta quanto para os que
apenas presenciaram os fatos. A transgressão, desta forma, não é vista como fim ou
efeito de situação mal elaborada sem recuperação, mas como questão que provoca
um desequilíbrio no processo de construção dos conceitos de qualquer natureza. Os
conflitos surgidos a partir de uma situação na qual o jovem ingeriu grandes doses de
bebidas alcoólicas, devem ser vistos como possibilidade de reflexão sobre o fato e
oportunidade para uma mudança.
Está presente aqui, a idéia de que cada forma de pensar representa
uma reorganização estrutural da anterior, o nível anterior passa a fazer parte do
novo, apresentando uma forma qualitativamente diferente. O que antes poderia ser
pensado como uma questão inserida no domínio das questões pessoais, após a
transgressão e as discussões realizadas entre o transgressor e os adultos, têm a
possibilidade de ser vista como uma questão sociomoral, pois, além de constituir
uma situação que traz prejuízos pessoais, pode acarretar também danos a outrem.
Devemos lembrar também que, na adolescência, o grupo de pares
adquire ponto de referência muito maior que a família. Os membros socializadores
são muito mais os amigos da mesma idade e que passam pelas mesmas
indefinições do que o grupo familiar. Como já dito, o adolescente está a meio do
caminho – nem criança e nem adulto. Essa indefinição provoca conflitos e estresse
que, muitas vezes, podem ser liberados pela bebida em companhia de amigos
também angustiados e à procura de suas identidades. Segundo Silva e Mattos
(2004, p. 41), “se todo este processo ocorre de forma protegida e assistida, uma
possível experimentação de drogas psicoativas nessa época tenderá a se resolver
com a maturidade”.
Acompanhar o processo “de forma protegida e assistida”, no caso
das bebidas alcoólicas, deve acontecer através da reciprocidade do sentimento de
respeito mútuo. Os exageros iniciais devem ser vistos como um desconhecimento
dos efeitos e conseqüências que grandes quantidades de bebidas alcoólicas podem
produzir no organismo. Mais do que punir ou impor castigos expiatórios de forma
arbitrária, essas transgressões se revestem de oportunidades para refletir sobre o
assunto e como enfrentá-lo.
Sabemos que a educação deve passar gradativamente da coerção,
que implica cuidados com a integridade física, inclusive, daquele que está em
desenvolvimento, para a cooperação, o que, de acordo com a visão construtivista,
asseguraria um possível alcance da autonomia. Assim sendo, quando o adolescente
se inicia no mundo adulto das festas, churrascos e baladas, as experiências com as
bebidas alcoólicas deveriam ser, a princípio, inicialmente monitoradas e controladas
de perto pelos adultos significativos de modo que, paulatinamente, isso possa ser
feito de forma responsável por eles mesmos.
Já que os amigos, nesse período, se revestem de grande
importância para os adolescentes, faz-se necessário o acompanhamento do grupo
de convivência, objetivando o conhecimento dos hábitos e opiniões dos mesmos
sobre vários temas inclusive quanto à ingestão de bebidas alcoólicas.
4.2.4 Orientações sobre o uso de bebidas alcoólicas
Em 2005, o Centro Brasileiro de Informação sobre Drogas
Psicotrópicas – CEBRID publicou o V Levantamento Nacional sobre o Consumo de
Drogas Psicotrópicas entre estudantes do Ensino Fundamental e Médio da Rede
Pública de Ensino nas 27 capitais brasileiras. Os resultados da pesquisa apontaram
que as drogas legais, álcool e tabaco, foram as drogas com menor média de idade
para o primeiro uso 12,5 anos e 12,8 anos, respectivamente. Os jovens vêm
consumindo bebidas alcoólicas numa idade cada vez menor em relação aos
levantamentos anteriores. Nas conclusões, sugerem que “dentre as substâncias
psicotrópicas analisadas no estudo, o álcool foi a que teve menor média de idade do
primeiro uso” (GALDUROZ, 2005, p. 367), o que torna a questão do álcool no Brasil
um grande problema de saúde pública.
Diante de dados tão preocupantes, os segmentos que lidam com os
jovens nesta faixa etária, têm empreendido várias iniciativas de intervenção. As
ações desenvolvidas visam tanto à prevenção quanto à recuperação daqueles que
já se encontram em situação de consumo abusivo ou mesmo dependência. Em
nosso trabalho, buscamos perceber como os adolescentes vêem essas ações. Para
tanto, solicitamos que eles nos falassem como viam as orientações que recebiam,
em relação ao consumo de álcool, dos pais, da escola e das campanhas veiculadas
na mídia.
Todos os entrevistados consideram as campanhas veiculadas na
mídia como incapazes de impedir o consumo de bebidas alcoólicas bem como
alertar para os prejuízos que elas podem causar. Um deles relatou que sente que as
campanhas têm na verdade “... efeito contrário...”, levando os adolescentes a beber
mais ainda. Outro complementa que isto ocorreria porque “... porque eles colocam
um monte de mulher bonita, com um monte de cerveja e de repente... BEBA COM
MODERAÇÃO...”. No entendimento desse jovem, a associação entre a bebida
alcoólica e a possibilidade de ter sucesso, ascensão social e mulheres bonitas
neutraliza o aviso da necessidade de consumir a bebida com moderação. Completa,
dizendo não acreditar na possibilidade de beber com moderação “...ninguém que vai
beber vai beber com moderação!...”.
A estratégia de marketing adotada é percebida pelos adolescentes
quando dizem “... quando você vê aquilo lá, é o paraíso, te colocam numa praia
maravilhosa, um monte de mulher linda, ou homens sarados...”, numa alusão, nada
subliminar, de que, ao fazer uso de determinada bebida alcoólica, o consumidor
pode conseguir as mesmas regalias transmitidas pela propaganda. A possibilidade
de obter tudo aquilo que é anunciado fica mais fácil quando se comporta da forma
demonstrada. Não é por acaso que as campanhas desta ou daquela bebida usam
desses artifícios, atingindo seus objetivos quando aumentam o consumo de bebidas
alcoólicas, conforme apontado pelas pesquisas do CEBRID. Mesmo percebendo ser
uma jogada mercadológica, os jovens não conseguem se livrar dela.
SNYDERS e colaboradores (2006) comprovaram esse fato pelos
resultados que obtiveram, em sua pesquisa, sobre o efeito, nos jovens da exposição
a propagandas de bebidas alcoólicas. Segundo esse grupo de pesquisadores, uma
exposição cumulativa às propagandas pode induzir ao início e ao aumento do uso
das referidas bebidas. Mesmo que os fabricantes dessas bebidas argumentem que o
objetivo das campanhas não seria recrutar novos consumidores ou aumentar a
quantidade do consumo, mas sim competir com outras marcadas existentes no
mercado. Apesar dessas justificativas, os efeitos que observamos são exatamente o
contrário: a longo prazo pode instigar o consumo, mesmo que seja por curiosidade.
Há alguns anos, as propagandas eram mais voltadas para o público
masculino, traziam sempre homens bebendo acompanhados de mulheres
exuberantes, em situações paradisíacas. Hoje podemos comprovar uma mudança
no tom empregado nas campanhas que buscam atingir também as mulheres quando
colocam “... homens sarados...” e grupos mistos em momentos de lazer,
bebericando juntos, indicando para direitos iguais nesse hábito. Ainda que, de
acordo com o V Levantamento realizado pelo CEBRID, o sexo feminino faça um
maior uso, na vida, de anfetamínicos e ansiolíticos, o consumo de bebidas alcoólicas
também aumentou entre a população feminina.
As advertências: APRECIE COM MODERAÇAO, BEBA COM
MODERAÇAO que aparecem ao final das propagandas “... não influencia em
nada...” na opinião de uma jovem entrevistada. Segundo ela, “... Eles falam só
porque é lei, né?...”. Dessa forma, esses avisos teriam apenas a função de atender
ao disposto na lei, talvez sabendo, de antemão, não terem pouco ou nenhum
significado real. Alguns jovens acham mesmo que é ridícula a colocação de tal
observação dizendo que o adolescente “... Assiste este tipo de propaganda e dá
risada, sabe. Fala! Nossa! Que ridículo...”. Outra jovem, participante desta pesquisa,
acredita que o que poderia ter algum efeito seria mostrar “... um vídeo com uma
pessoa passando mal. Tomando glicose. Você tem que chocar a pessoa...”. Mas
isso iria em sentido contrário aos objetivos das campanhas publicitárias.
As campanhas do governo, Mistério da Saúde, entre outras, também
não cumprem seus objetivos de alerta aos perigos das bebidas alcoólicas para a
população em geral. Os adolescentes entrevistados as consideram sem efeitos para
eles, pois as existentes só falam sobre os perigos de dirigir embriagados. Os
menores de 18 anos não têm licença para a condução de automotivos, desse modo,
as propagandas não os atingem. Mesmo assim, eles as consideram ruins. Um
entrevistado fez a seguinte avaliação “... Agora estas propagandas do governo eu
acho que 90% são fracas. Tipo assim, você olha lá falando Não dirija alcoolizado.
Sabe, pelo menos em mim não tem aquele impacto psicológico assim... acho que
propagandas mais agressivas assim poderiam dar uma... pelo menos uma
assustada. Mas não é este susto que vai fazer você moderar, a ter uma
conscientização também...” Quando questionamos se haveria fato mais chocante do
que a morte que, algumas vezes, é mostrada nas propagandas, o jovem nos
respondeu que a morte é apenas insinuada e não o fato real. Na continuidade
relatou que “... Eu lembro que tinha uma propaganda foi veiculada nos EEUU, me
mandaram por e-mail... estava um motorista bêbado dirigindo e bateu no carro de
uma garota sóbria, ela nunca bebia. Ela ficou tipo... o motorista, acho que morreu e
ela ficou tipo, totalmente deformada vários problemas. Acho que isto tem um peso
maior. Aparecia ela toda machucada..”.
A idéia de vinhetas chocantes foi uma questão repetida por alguns
dos jovens entrevistados. Isso pode ser exemplificado na fala “... eles não mostram o
cara morto, se mostrassem seria mais agressivo...”. Alguns consideraram que “... as
propagandas mais fortes sempre são associadas ao álcool com direção, né, aí quem
não dirige fica na mesma. Fala: não é para mim...” Não se sentem atingidos. No
entanto, podem ser alvo de outros perigos quando fazem ingestão de altas doses de
bebidas alcoólicas tais como: envolver-se em brigas, com conseqüências para si e
outros; sofrer quedas e comportamento sexual de risco. Esses riscos não são
lembrados como muita ênfase nas propagandas. Isso se daria porque existe outra lei
que proíbe a venda de bebidas alcoólicas a menores? Essa lei, como tantas outras,
em nosso país não é cumprida, pois não há uma fiscalização para a observação de
seu cumprimento.
As orientações que os adolescentes receberam da escola também
não foram consideradas como produtivas a ponto de evitar que os mesmos não
fizessem uso abusivo do álcool. Tanto as iniciativas da escola particular quanto as
da escola pública foram vistas como insatisfatórias.
Uma jovem, quando questionada sobre as orientações recebidas,
respondeu que achava que nunca havia escutado falar nada sobre o assunto ”...
Pelo menos que eu me lembre, eles nunca falaram sobre bebida na escola. Não eu
não me lembro de ter tido nenhum tipo instrução assim. Acho que nenhuma matéria
nunca comentou sobre isto...”. Outra relatou que talvez não falar sobre o assunto
fosse até deliberado por parte da escola “... acho que eles preferem nem mexer, até
porque se falar é perigoso ser vaiado, porque não tem ninguém ali que não beba, é
muito raro...”.
As estratégias lembradas por alguns ocorreram mais no Ensino
Fundamental sendo, porém abandonadas no ensino Médio “... no colegial... eu não
acho que ele faz um trabalho pedagógico assim bom... porque acho que eles são
muito preocupados somente com o vestibular, a universidade, beber isto é segundo
plano assim...”. O adolescente aqui aponta para uma preocupação exclusivamente
acadêmica da escola, de transmissão de conhecimentos acadêmicos, deixando a
formação para um outro momento que não interfira nas atividades de ensino,
previamente planejadas. Isto é corroborado por outro jovem quando diz “... Eu acho
que faz... até na 7ª série assim se faz vários trabalhos... faz um trabalho legal até,
tipo não é uma campanha assim para não beber, mas você aprende muito... no
colegial já é bem menos assim, é por conta mais de cada professor...”.
No Ensino Médio, as orientações passam a ser mais esporádicas e
também, segundo um entrevistado, feitas de forma não condizente com a idade dos
alunos “... O adolescente foi evoluindo e o modo de ensinar não evoluiu. Então é
aquele negócio... aquela palestrinha, aquele teatrinho maçante... isto não adianta
mais, o adolescente acha até meio ridículo...”. As mesmas práticas adotadas para as
crianças persistem para os adolescentes.
Os entrevistados da escola pública apontaram que tiveram uma
experiência interessante, mas que foi iniciativa da Unidade do Corpo de Bombeiros
da cidade. Na oportunidade, o Corpo de Bombeiros estava fazendo uma campanha
contra Bebida e Direção e foram à escola. Realizaram uma semana de palestras.
Segundo os alunos, eles usaram uma estratégia que consideraram muito positiva “...
na verdade eles nem explicaram nada porque eles falaram que não iriam explicar
nada porque nós já estávamos cansados de saber e então eles iriam mostrar...”
Então eles fizeram várias palestras mostrando os diversos acidentes. Levaram
“slides”, levaram filmes mesmo do Siat (órgão responsável por prestar socorro às
vítimas de acidentes de carro na cidade de Londrina) chegando, socorrendo os
corpos assim. E também levaram um monte de fotografias. Eles colaram nas
paredes com uns papeizinhos pretos. Daí levantava, tinha gente morta, carros
batidos...”. Essa forma de apresentar as conseqüências do uso indevido de bebidas
alcoólicas teria servido, para os jovens que participaram, mais que palavras e
sermões. “... Os meninos prestaram atenção. Porque quando tem palestra, sabe, de
ficar falando eles nem escutam, entra por aqui, sai por aqui... Esta iniciativa dos
Bombeiros chamou bem mais a atenção deles eu acho. Porque tinha os vídeos, os
acidentes, as fotografias eram bem fortes, sabe, então acho que deu impacto...”.
Observamos aqui, novamente, a necessidade de chocar para dar resultados.
A adolescência é vista como um período de auto-afirmação e de
negação da autoridade paterna, muitas vezes, marcada por atos de transgressão.
Curiosamente, no entanto, alguns jovens entrevistados, sentiram as orientações
recebidas dos pais como as mais satisfatórias e de maior repercussão. Mesmo que
não as seguissem à risca, levavam-nas em consideração quando diante do dilema
de beber ou não. Eles acreditam que adianta os pais falarem para agir com cuidado
em relação à bebida. Um entrevistado relatou que “... e eu tive uma formação tão
boa em casa em questão a isto, que eu tinha consciência que eu bebia porque eu
queria beber... mas que não iria virar alcoólatra por isso...” Um bom relacionamento
entre pais e filhos também foi apontado como fator importante para que escutassem
as orientações recebidas dos pais. “... A minha mãe sempre fala:’ Não bebe, não
fuma, sabe?’ Aí eu falo” Ah! Mãe, eu não vou mentir para você que eu não coloco
nada na boca... eu procuro sempre contar tudo para minha mãe. Mas toda vez que a
gente sai...a minha mãe não dá a chave para gente porque ela quer ver como a
gente chega...”. Outra jovem relatou que “...minha mãe evita proibir para que a gente
não gosta da coisa, daí ela deixa, só que ela fala para a gente se controlar, ainda
mais agora que a gente vai fazer 18, daí ela fala assim: você quem sabe...”. De
acordo com esses relatos, os pais vão, pouco a pouco, transferindo para os filhos a
responsabilidade o controle do uso de bebidas alcoólicas.
Alguns jovens, porém, relataram que, mesmo querendo, os pais não
sabiam como dar orientações sobre essa questão. Ou reprimiam simplesmente ou
tomavam iniciativas muito frouxas. Um adolescente apontou que “... meu pai acho
que ele pode até ter tentado assim orientar, só que ele não sabe, então não tem
como assim, ele sempre falou não bebe não faz isso tal...” ou então como outro
declara: “...Ele dá umas orientações muito assim sem restrição... “não bebe não faz
isso” entendeu?... Tipo não bebe, só isso...”.
Um aspecto importante levantado foi a experiência dos pais em
relação à bebida. Se eles nunca haviam bebido ou tomado algum “pileque”, como
poderiam orientar sobre isto? “... Só que tipo não tem como saber... ele não sabe
como orientar, porque ele não viveu a mesma coisa que eu...”. Ter passado por
situações semelhantes é o que habilitaria os pais a fazerem recomendações dignas
de serem levadas a sério pelos jovens.
Alguns apontaram a Igreja e os grupos de jovens que freqüentavam
como tendo um status de maior significância na regulação do hábito de beber sem
embriagar-se. Uma jovem ponderou que talvez a escola pudesse seguir a mesma
metodologia empregada pela Igreja para orientar os jovens quanto aos malefícios de
beber em grandes quantidades.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
No dia três de setembro de 2006, o Fantástico, programa
dominical a que grande parte da população brasileira assiste, veiculou uma
reportagem sobre um acidente de trânsito ocorrido naquela madrugada, no qual
cinco jovens perderam a vida. Possivelmente, relatava o repórter, o motorista
estivesse embriagado. A cena realmente chocava aqueles que a viam. Um pai
sentado no asfalto acariciava a mão inerte de seu filho. Dor e comoção de todos
os presentes. O tio de um dos jovens fez uma declaração: “Infelizmente, o jovem
pensa que pode tudo! Acredita que nada vai lhe acontecer”.
Embora chocante essa cena nada tinha de inédita. Várias vezes
assistimos a noticias parecidas. Todos têm histórias para contar de acidentes de
carro, quedas, afogamentos, brigas com lesões corporais provocados por
adolescentes e jovens que se encontravam embriagados, podendo ser creditado
ao abuso de álcool o determinante de tão graves acontecimentos.
Por estarmos sempre ligados ao trabalho prático e teórico com
adolescentes éramos freqüentemente notificados de eventos como esses. Tal
situação despertou nos o interesse em compreender qual era realidade dos
adolescentes londrinenses, como vinham fazendo uso do álcool, se havia diferença
entre estudantes de escola particular e pública, quem eles reconheciam como
autoridade para controlar o uso e se percebiam esse hábito como tendo conotações
morais ou não.
Vivemos numa cultura que, por conseqüência talvez de nossa
colonização, tem quase como regra fazer suas comemorações com muita comida
acompanhada, na maioria das vezes, de bebidas alcoólicas. Dessa forma, as
oportunidades para beber têm início em casa. Por brincadeira, para acompanhar o
clima ou por curiosidade, os jovens têm o primeiro contato com o álcool com os pais
oferecendo-lhes as primeiras doses.
Essa prática se estende para as suas festas quando também terão
seus motivos para festejar. Como são menores de 18 anos e teoricamente, não
poderiam comprar bebidas alcoólicas, as mesmas são consumidas em
comemorações organizadas em locais privados. As práticas observadas em seus
lares são, fruto de modelo, reproduzidas nos locais de convivência dos
adolescentes. Longe da vigilância dos adultos, os jovens nem sempre conseguem
estabelecer moderação em seus comportamentos e exageram na quantidade de
bebidas ingeridas. Com o aumento da freqüência desses encontros regados a
bebidas alcoólicas, desconhecendo seus limites e vulnerabilidades, passam a beber
cada vez mais. Por conseqüência, estabelece-se uma relação indissociável entre os
encontros e bebidas alcoólicas, constituindo-se a presença delas uma
obrigatoriedade. A análise dos dados revelou que, assim como em outros locais, os
adolescentes entrevistados vêm consumindo álcool cada vez mais cedo
(GALDUROZ, 2005). De tal maneira que, adolescentes de 13, 14 anos já estão
consumindo quantidades consideradas abusivas, sendo alguns enquadrados como
dependentes.
Apesar de os adolescentes fazerem uso de bebidas alcoólicas, esse
parece não ser um assunto que gostam de comentar abertamente, haja vista a baixa
adesão dos mesmos à pesquisa realizada. Ao lerem os objetivos explicitados no
Termo de Consentimento e como eram menores de idade e, portanto seus pais
deveriam assinar também, muitos alunos deixavam claro que não queriam fazer
parte do grupo pesquisado. Talvez temessem os resultados? Preocupação com a
possibilidade de serem descobertos como bebedores abusivos e delatados para os
familiares ou para a escola? A figura de uma representante da escola nos
acompanhando nas salas pode ter-se constituído num fator inibitório?
Embora acreditem que a aprendizagem deva ocorrer pelas próprias
experiências e não reconheçam nos adultos uma fonte de autoridade para controlar
o consumo de bebidas alcoólicas, os adolescentes parecem ter clareza de que se
envolver em bebedeiras não é um comportamento desejável e referendado pela
maioria das pessoas. Por isso, a indisponibilidade de falar com um deles sobre o
assunto principalmente quando poderiam ser identificados, como era o caso.
O adolescente busca se afastar das características que o relacionam
como criança para cada vez mais se aproximar do mundo adulto, na tentativa de
construção de uma nova identidade (SERRÃO; BALEEIRO, 1999). Nesse período,
geralmente, as companhias têm maior força para determinar os comportamentos
que o grupo familiar. Desejando fazer parte da “turma” os adolescentes passam a
apresentar os mesmos hábitos que ela. Em virtude desta vontade, se, nas reuniões,
churrascos e baladas, a maioria faz uso de álcool ou é atraída para as festas
exatamente por isso, é de se esperar que o jovem, querendo ser considerado como
participante do grupo, passe a beber também. Aquele que, por qualquer motivo, não
ingere bebida alcoólica é considerado o diferente, “nerd”, entre outros adjetivos que
o colocam fora das regras de adesão aos encontros do grupo. Além disso, se,
durante seu desenvolvimento, a criança observa que os adultos fazem uso de
bebidas para festejar, vai associar esse comportamento como sendo próprio do
mundo adulto, assim, ao beber, sentir-se-á um adulto também. Tal situação estaria
consoante com a adotada por Turiel (1984) quando afirma que o desenvolvimento
dos conceitos sociais está diretamente relacionado com os eventos vivenciados
pelos sujeitos.
Não estamos advogando uma vida abstêmia ou com ausência quase
total de ingestão de bebidas alcoólicas, mas que essa ingestão possa ser feita de
forma equilibrada e com responsabilidade. Como o jovem não tem clareza de seus
limiares de tolerância e sua vulnerabilidade ao álcool, fica difícil pensar num beber
equilibrado. Aristóteles já em seu tempo, alertava para a impetuosidade da
juventude. Esta impetuosidade, em algumas ocasiões, é a responsável por atitudes
que subestimam os perigos de envolver-se em situações de risco e transgressão.
Sentindo-se “super-homens” nenhum mal lhes ocorrerá. Assim sendo, mesmo que
possa ser visto como caretice, um acompanhamento adequado ao adolescente
sobre suas indagações e o período de mudanças pelo qual está passando, faz-se
necessário.
De acordo com Turiel (1984), durante o seu desenvolvimento, as
pessoas entram em contato com acontecimentos diferentes o que proporciona a
construção de distintos domínios de conhecimento. As convenções sociais são
reunidas no domínio convencional e têm um caráter socioorganizativo, que dispõe
como as pessoas devem se relacionar. As disposições desse domínio são
arbitrárias e dependentes do contexto na qual estão inseridas. Já as regras
morais, que envolvem julgamentos de justiça, direitos e bem-estar, fazem parte do
domínio moral. Estão incluídos nesse domínio conceitos tidos como universais
independentes do meio. As questões que incluem o conceito de pessoa e as
conseqüências dos atos cometidos afetando principalmente aquele que os
praticou, pertencem ao domínio psicológico ou pessoal.
Isso posto, observamos que os jovens acreditam que a decisão de
beber, seja ela de que forma for, é pessoal, uma preferência particular não
considerando as conseqüências desse comportamento para si e para os outros.
Querendo beber, deve fazê-lo de acordo com sua vontade, não entrariam aqui
avaliações do que é certo ou errado. Não se sentem cometendo nenhum ato de
transgressão, uma vez que beber ou não a quantidade que desejar está relacionado
com sua disposição pessoal. Sentindo-se donos de suas ações, não se preocupam
nem mesmo com sua própria integridade.
No entanto, questões convencionais e pessoais podem converter-se
numa questão moral pelas conseqüências que acarretam. Os conceitos sociais
podem e têm implicações com os conceitos morais. Os jovens entrevistados não
viam o fato de beberem como pertencente aos domínios morais e, quando
questionados sobre as conseqüências desse comportamento, pensavam apenas no
que poderia acarretar para eles próprios. Mesmo assim, acreditavam ser uma
deliberação pessoal e que, quando percebessem que beber abusivamente os estava
afetando, poderiam resgatar o controle sobre suas ações.
Um mesmo tema apresenta conteúdos de dois domínios, que
podem entrar em conflito. Muitas vezes, decisões convencionais ou pessoais
entram em contradição com os conceitos morais. Analisar a situação como sendo
moral ou social depende da atividade interpretativa realizada pela pessoa. A
interpretação que ela fará está, condicionada às interações que a mesma teve
durante seu desenvolvimento. Se uma criança, nas suas experiências
interpessoais, tem a possibilidade de analisar uma questão como pertencente a
dois domínios, as conseqüências de tal ação é que irão determinar sua inclusão
num ou noutro domínio. Quando, na sua vida, defrontar-se com a mesma
situação, terá condições melhores de interpretá-la como sendo convencional,
moral ou pessoal. O comportamento de beber poderia ilustrar essa questão.
Quando, no seu desenvolvimento, o jovem tem oportunidade de discutir a
ingestão de bebidas alcoólicas como sendo um comportamento aceitável numa
festa, tendo propriedades de socialização – convencional. Porém, quando foge
aos parâmetros tidos como aceitáveis e com conseqüências desastrosas tanto
para a pessoa embriagada como para os participantes da festa, o ato de beber
modifica seu caráter adquirindo propriedades morais.
Os conteúdos dos domínios sociomorais são experenciados no
processo de interação da criança com os adultos. Assim sendo, passar a
interpretar os conceitos como pertencendo a este ou aquele domínio está
relacionado com os limites oferecidos pelos adultos de seu meio. Se a criança
depende, durante seu desenvolvimento, dos cuidados dos adultos, a idéia de
liberdade é dada à criança pelo adulto. O que ela pode ou não fazer, o que é fruto
ou não de sua escolha, o que deve ou não ser considerado certo ou errado, ela
constrói a partir dos modelos que recebe e de como os adultos lidam com essas
questões.
Devemos destacar também a força que o grupo exerce sobre os
jovens determinando seus hábitos e comportamento. Às vezes, o jovem pode
julgar de uma forma incorreta o fato de embriagar-se, mas cede às convenções
socioorganizativas do grupo. Para não ficar de fora, embora julgue moralmente
incorreto, continua a beber sob pressão da turma. Observamos, de acordo com
Smetana (1985), que há um decréscimo da autoridade dos pais sobre o
comportamento dos adolescentes no que se refere àquilo que consideram
questões pessoais. Como os adolescentes julgam que a ingestão de bebidas
alcoólicas está incluída no domínio pessoal, não reconhecem os adultos como
autoridade para controlar as quantidades ingeridas. Acreditam que só passando
pela experiência de beber embriagando-se, poderão, a partir das conseqüências,
deduzir seus efeitos. Aprender com a experiência é um dos pressupostos da
teoria construtivista. Ninguém, no entanto, precisa aprender que o fogo queima,
colocando a mão sobre ele. A possibilidade de se ferir é aprendida pelas
propriedades que dela se infere, por modelo, pelas orientações obtidas das
pessoas significativas. Por que o mesmo não se aplica na questão da ingestão,
em excesso, das bebidas alcoólicas? Quando, às vezes, uma única experiência
de embriaguez pode ser fatal?
Os jovens, na maioria das vezes, não reconhecem os adultos –
pais, professores – como aptos para controlar o consumo de bebidas. Isso pode
ocorrer pela forma como o controle é feito ou por acreditarem que eles não podem
falar sobre o assunto por também beberem exageradamente. Acreditam que está
autorizado a dar exemplos aquele que já passou pela experiência. Mas, ao
mesmo tempo, depoimentos de ex-alcoolista não atingem o efeito esperado ou
mesmo, como reforça Aratangy (1998, p. 12), podem “confirmar a onipotência
adolescente, fazendo-os acreditar que, como o depoente, serão capazes de largar
a droga quando assim o desejarem”.
Devemos ressaltar que, numa sociedade competitiva como a
nossa, que prioriza as realizações individuais, a ênfase recai sobre os conteúdos
de cunho pessoal, evitando mesmo debater as questões sociais e morais. Dessa
forma, os jovens se espantam quando questionados se beber abusivamente pode
ser incluído no rol dos temas morais. Observamos uma perplexidade quando
confrontados com essa possibilidade. Enquanto estão participando das baladas
não interpretam suas atitudes e beber se embriagando passa ser condição. Não
percebem como possibilidade divertir-se sem a presença do álcool.
O fato de perceberem como improvável o encontro com o grupo
sem a presença de bebidas alcoólicas pode estar relacionado às propagandas
das mesmas. A idéia de divertimento, ócio, sucesso profissional e pessoal é
fortemente associada às campanhas de substâncias alcoólicas. Para o jovem que
se encontra num período de formação e construção de sua identidade a ilusão
anunciada é assimilada de tal forma que passa a comportar-se como os
personagens das propagandas. Snyders e colaboradores (2006) da Universidade
de Connecticut, realizaram uma pesquisa tendo como objetivo analisar os efeitos
da exposição a propagandas de álcool no comportamento de beber em jovens.
Concluíram que uma exposição constante e atrativa leva o jovem a ingerir ou
aumentar seu consumo de bebidas alcoólicas e que, mesmo aquele que nunca
havia experimentado antes, pode fazê-lo após contato com as propagandas.
Diante dessa constatação não seria o caso de os órgãos de
saúde pública avaliarem a possibilidade de proibir essas campanhas publicitárias
que só trazem benefícios para as empresas fabricantes, assim como o fizerem
com o tabaco? Pretensão demais? O mesmo se pensava sobre os cigarros e,
graças a intervenção de diferentes setores, hoje é uma realidade.
Além das propagandas, vivemos, no Brasil, uma situação de
impunidade na questão de venda de bebidas alcoólicas para menores de dezoito
anos. A lei que proíbe tal prática existe, mas não é observada pelos comerciantes,
e não há uma vigilância efetiva para o cumprimento da mesma. Por outro lado,
quando os donos do estabelecimento atendem ao disposto na lei, medidas de
contra controle são implementadas pelos jovens. Os menores solicitam aos mais
velhos que efetuem a compra e, fora do estabelecimento consomem a quantidade
que desejarem. Parece que estamos diante de um círculo vicioso sem
possibilidade de rompimento.
As tentativas das campanhas publicitárias de prevenção e
necessidade de beber com moderação têm se mostrado ineficazes. Os
adolescentes pouca ou nenhuma atenção dão a elas. Acham mesmo graça e se
divertem com os avisos colocados no final das propagandas. BEBA COM
MODERAÇÃO ou SE BEBER NÃO DIRIJA, SE DIRIGIR NÃO BEBA. Essa última,
então, não os afeta de forma alguma, pois não têm habilitação para dirigir, e os
pais, como serão responsabilizados caso seus filhos sejam pegos nessa
contravenção, são mais atentos para este fato do que para o consumo de álcool.
Após mostrar uma realidade paradisíaca, associada à bebida em questão,
advertem que devem fazer uso dela com moderação. A mensagem é
contraditória, pois parece que para se ter tudo aquilo anunciado, deve se beber
muito, quanto mais melhor.
As campanhas de prevenção do Ministério da Saúde também não
alcançam seus objetivos, isto é, diminuir o número de acidentes que têm como
causa a ingestão de álcool. Mesmo fazendo exposição parcial ou sugestiva sobre
as conseqüências da associação direção/álcool, não se tem notícias de seus
efeitos. Na visão de “super-homens” dos jovens, eles continuam a acreditar que
nunca serão alvos de situações semelhantes. As conseqüências desastrosas
dessa combinação não ocorrem apenas no trânsito, mas proporcionam o
envolvimento em comportamentos de risco como quedas, brigas, relacionamentos
sexuais sem proteção, entre outros, com seqüelas tão nocivas quanto os
acidentes de carro. Portanto, as iniciativas, nesse sentido, devem estar mais
próximas da realidade dos adolescentes e jovens.
As atividades proporcionadas pelas escolas visando à
conscientização para um uso responsável de bebidas alcoólicas também não
alcançam seus objetivos. São realizadas, às vezes, de forma pontual, isoladas do
cotidiano escolar (Aratangy, 1998). Os alunos realizam as atividades propostas
visando à aquisição de notas, cumprem-nas apenas para atender as exigências
curriculares do processo acadêmico. São, muitas vezes, pesquisas minuciosas,
com excelente material gráfico, mas não há apropriação por parte daqueles que
as fizeram, se é que realmente o fizeram. Ter informação detalhada sobre os
efeitos, causas e conseqüências do uso de álcool não necessariamente leva a
uma alteração nas práticas do comportamento em questão. Essas atividades são
vistas como maçantes, repressivas e aborrecidas. Assim que as concluem caem
no esquecimento, não adquirindo significado na vida de quem as fez.
Devemos pensar, então, no desenvolvimento de propostas que
possam realmente levar os jovens a desenvolverem o hábito de beber com
responsabilidade. As propostas devem levar em consideração tanto os jovens que
já se encontram no hábito de beber abusivamente como aqueles que ainda não
se iniciaram nessa prática.
Turiel (1984), no desenvolvimento de sua teoria dos domínios
sociais, observou que, desde muito cedo, as crianças são capazes de diferenciar
entre as questões morais, convencionais e pessoais. O que as fazem estabelecer
essa diferenciação são as situações experenciadas por elas e as interações e
negociações delas decorrentes. Isso deve ser levado em consideração numa
proposta de educação e prevenção para o comportamento de beber com
responsabilidade. O assunto, portanto, não deve ser abordado apenas quando se
acredita que o jovem estará mais exposto às possibilidades de consumir bebidas
alcoólicas, mas deve se iniciar bem mais cedo, principalmente, se atentarmos
para o fato de que, de acordo com o último levantamento realizado pelo CEBRID
(GALDUROZ, 2005) a idade para o início do consumo de bebidas alcoólicas foi
de12,3 anos.
Tanto pais como escola, e o ideal seria que um em colaboração
com o outro, devem, desde cedo, trabalhar no sentido de discutir as implicações
de um beber responsável. A perspectiva a ser adotada deveria ser mais ampla e
não se restringir apenas a atividades pontuais e isoladas, como uma aula ou lição
de moral sobre o tema. Esses recursos não têm efeito sobre o jovem
principalmente se vêem que aqueles que pregam o fazem incoerentemente com a
forma que se comportam. Como pais podem exigir de seus filhos uma atitude
responsável em relação à bebida, se eles mesmos não a têm? Como professores
podem almejar que suas explicações sobre os efeitos e complicações advindas
do uso abusivo do álcool surtam resultados, se seus alunos os vêem embriagar-
se nas festas de formatura ou em bares locais? A incoerência entre o que é
ensinado e os comportamentos adotados não promove a credibilidade em quem
os observa.
As situações de conflito como notícias de acidentes provocados
pela embriaguez ou mesmo ocorrências vividas pelos próprios alunos, pais ou
professores devem servir não como julgamento rígido e condenação sumária,
mas sim como oportunidade para se questionar e refletir sobre o ocorrido e as
formas de evitá-lo. As experiências a serem analisadas e refletidas devem estar
associadas ao contexto do jovem. As propostas de discussão devem evitar o uso
de repressão que mais instigam o contra controle do que promovem
comportamentos autônomos.
Ao pensar numa proposta de educação e prevenção para o uso
de álcool, a escola não pode restringi-la a uma disciplina ou professor específicos,
mas todo o projeto pedagógico deveria contemplar essa questão. Envolver os
alunos na construção desse projeto poderia ser uma iniciativa estimulante e
desafiadora para eles. A relação entre escola e pais deve ser de parceria e não
de busca de culpados. Os encontros e reuniões promovidos entre esses dois
segmentos devem ser de acolhimento por parte da escola dos problemas
enfrentados pelos pais e tentativa conjunta na busca de soluções.
Levar os jovens a construírem uma perspectiva de seu
comportamento de beber abusivamente, deixa de ser uma questão pessoal e
assume características morais quando suas conseqüências têm efeitos deletérios
si e para os outros. Isso exige que pais, professores, órgãos públicos se envolvam
na compreensão de como se dá essa construção e as possibilidades de
intervenção que ela oferece. Dessa forma, poderemos, no futuro não mais nos
chocar com notícias tais quais a relatada no começo dessa seção.
Acreditamos também, que as questões colocadas neste trabalho
merecem continuidade e maior abrangência objetivando um aprofundamento de
aspectos relacionados ao hábito de beber abusivamente pelos jovens.
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APÊNDICES
APÊNDICE A: AUDIT
LEVANTAMENTO DE USO DE ÁLCOOL ENTRE ADOLESCENTES DE
LONDRINA
Nome:
Endereço:
Escola: Turma: Série: Idade: Sexo:
2. Na sua casa vocês possuem (assinale com um X na quantidade
correspondente)
0 – não
tem
1 -
um
2 - dois 3 - três 4 ou
+
2.1 Televisão (cores)
2.2 Rádio
2.3 Banheiro
2.4 Automóvel
2.5 Empregada Mensal
2.6 Aspirador de pó
2.7 Maquina de lavar roupa
2.8 Vídeo cassete e/ou DVD
2.9 Geladeira
2.10 Freezer (aparelho
independente ou parte da
geladeira duplex)
3. Assinale o grau de instrução do chefe da família
Analfabeto / Primário incompleto
Primário completo / Ginasial incompleto
Ginasial completo / Colegial incompleto
Colegial completo / Superior incompleto
Superior completo
4. Cite a sua religião:
INSTRUÇÕES PARA RESPONDER AS QUESTÔES DE NÚMEROS 5 A 18
Nas questões de número 5 ate 11 cada dose equivale
1 coquetel (batida)
1 garrafa de ICE 1 dose de pinga ou whisky a
40% (36 ml)
1 lata de cerveja (355 ml) 1 taça de vinho (150 ml)
Nas questões de números 1 a 3 faça um círculo ou um X na opção
correspondente a sua resposta e na questão 8 coloque o número de vezes
pedido (caso não tenha bebido coloque zero)
5. Lembre da ocasião que mais bebeu neste mês. Quanto você bebeu?
( 0 ) 0 doses ( 3 ) 5 a 6 doses
( 1 ) 1 a 2 doses ( 4 ) 7 a 8 doses
( 2 ) 3 a 4 doses ( 5 ) Mais que 8 doses
6. Com que frequência você bebeu bebidas alcoólicas no mês passado?
( 0 ) Não bebi ( 4 ) 3 a 4 vezes por semana
( 1 ) Aproximadamente uma vez por
mês
( 5 ) Quase todos os dias
( 2 ) 2 a 3 vezes por mês ( 6 ) Uma vez por dia ou mais
( 3 ) 1 ou 2 vezes por semana
7. Nos últimos 30 dias quantas doses você bebeu, em média, nos finais de
semana? [some o que você bebeu nos finais de semana (de 6
a
feira a noite ao
domingo) e divida por 4]
( 0 ) 0 doses ( 3 ) 5 a 6 doses
( 1 ) 1 a 2 doses ( 4 ) 7 a 8 doses
( 2 ) 3 a 4 doses ( 5 ) Mais que 8 doses
8. Nos últimos 30 dias quantas vezes você bebeu 5 ou mais doses em uma
única ocasião?
9. Com que frequência você toma bebidas de álcool?
( 0 ) Nunca ( 3 ) Duas a três vezes por semana
( 1 ) vez por mês ou menos ( 4 ) Quatro ou mais vezes por semana
( 2 ) Duas a quatro vezes por mês
10. Nas ocasiões em que bebe. Quantas doses costuma tomar?
( 0 ) Nunca ( 3 ) 7 a 9 doses
( 1 ) 3 ou 4 doses ( 4 ) 10 ou mais doses
( 2 ) 5 ou 6 doses
11. Com que frequência você toma “seis ou mais doses” em uma ocasião?
( 0 ) Nunca ( 3 ) Uma vez por semana
( 1 ) Menos que uma vez por mês ( 4 ) Todos os dias ou quase todos
( 2 ) Uma vez ao mês
12. Com que frequência, durante o último ano, você achou que não seria capaz
de controlar a quantidade de bebida depois de começar?
( 0 ) Nunca ( 3 ) Uma vez por semana
( 1 ) Menos que uma vez por mês ( 4 ) Todos os dias ou quase todos
( 2 ) Uma vez ao mês
13. Com que frequência, durante o último ano, você não conseguiu cumprir
algum compromisso por causa da bebida?
( 0 ) Nunca ( 3 ) Uma vez por semana
( 1 ) Menos que uma vez por mês ( 4 ) Todos os dias ou quase todos
( 2 ) Uma vez ao mês
14. Com que frequência, durante o último ano, depois de ter bebido muito,
você precisou beber pela manhã para se sentir melhor?
( 0 ) Nunca ( 3 ) Uma vez por semana
( 1 ) Menos que uma vez por mês ( 4 ) Todos os dias ou quase todos
( 2 ) Uma vez ao mês
15. Com que frequência, durante o último ano, você sentiu culpa ou remorso
depois de beber?
( 0 ) Nunca ( 3 ) Uma vez por semana
( 1 ) Menos que uma vez por mês ( 4 ) Todos os dias ou quase todos
( 2 ) Uma vez ao mês
16. Com que frequência, durante o último ano, você não conseguiu se lembrar
do que aconteceu na noite anterior por causa da bebida?
( 0 ) Nunca ( 3 ) Uma vez por semana
( 1 ) Menos que uma vez por mês ( 4 ) Todos os dias ou quase todos
( 2 ) Uma vez ao mês
17. Alguma vez na vida você ou alguma outra pessoa já se machucou, se
prejudicou por causa de você ter bebido?
( 0 ) Não ( 4 ) Sim, no último ano
( 2 ) Sim, mas não no último ano
18. Alguma vez na vida algum parente, amigo, médico ou outro profissional da
saúde já se preocupou com você por causa da bebida ou lhe disse para parar
de beber?
( 0 ) Não ( 4 ) Sim, no último ano
( 2 ) Sim, mas não no último ano
Questões 19 e 20: assinale a resposta de acordo com a pergunta.
19. Considerando o último ano, algum membro de sua família bebeu a ponto de
causar problemas em casa, no trabalho ou com amigos?
( ) Não ( ) Sim
20. Se respondeu SIM na questão anterior assinale o membro da família.
( ) Pai ( ) Mãe ( ) Irmão (ã) ( ) Outro
APÊNDICE B – Roteiro das entrevistas
Analisando suas respostas no questionário, observei que de vez em quando você
manda um pouco a mais... Fala me um pouco sobre isto...
O que é ficar alterado para você?
Já lhe aconteceu de dar vexame por ter bebido muito?
Quem você acredita que é importante para moderar, obedecer?
Como fica esta questão de beber muito frente às meninas, isto é a paquera?
Na sua família, vocês têm o habito de beber? Quando?
Você acha que quando os pais bebem com freqüência, isto pode influenciar para
que os filhos bebam também?
O que você pensa sobre as orientações dadas na escola, na televisão, na mídia em
geral, sobre o uso de bebidas alcoólicas?
Você acha que beber pode levar a usar outras coisas?
Como você classifica este comportamento de beber?
Quando esta bebendo, você se preocupa se isto pode causar algum problema, para
os ou para si próprio?
APÊNDICE C – Termo de consentimento livre e esclarecido
Observamos, atualmente, que os jovens vêm fazendo uso abusivo de álcool,
cada vez mais cedo e numa intensidade cada vez maior. Preocupada com esta
questão, eu, SOLANGE MARIA BEGGIATO MEZZAROBA, estou desenvolvendo
uma pesquisa, que faz parte de minha tese para obtenção do grau de Doutor, junto a
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA, UNESP, Campus de Marília.
A pesquisa tem como título: A CONSTRUÇÃO DOS DOMÍNIOS SOCIAIS EM
ADOLESCENTES USUÁRIOS DE ÁLCOOL e tem como principais objetivos:
1. Identificar os alunos que vêm fazendo uso abusivo de álcool;
2. Analisar quem os adolescentes reconhecem como sendo autoridade na
regulação deste hábito.
Buscando atingir estes objetivos será feito um levantamento com alunos da 3
a
série do Ensino Médio, para isto será aplicado um instrumento padronizado (AUDIT).
Este instrumento possibilitará identificar aqueles adolescentes que vêm consumindo
álcool em quantidades elevadas. Após a aplicação deste instrumento serão
selecionados alguns alunos para a realização de uma entrevista. Nesta entrevista
procurar-se-á analisar quem o entrevistado reconhece como sendo autoridade para
controlar seu consumo de álcool.
Os resultados desta pesquisa poderão contribuir para o desenvolvimento de
projetos e políticas de prevenção e tratamento buscando evitar os efeitos e
conseqüências do beber excessivo.
Informo que possuo autorização da instituição para realizar esta pesquisa.
Sendo assim, eu solicito o seu consentimento para incluir seu filho como
participante da pesquisa, já que o mesmo é menor de idade. Asseguro manter sigilo
de todas informações recolhidas, atendendo os princípios éticos que devem nortear a
pesquisa e nossa profissão.
Informo ainda, que em qualquer etapa do estudo, você terá acesso ao
profissional responsável pela pesquisa, no caso eu, para esclarecimentos de
eventuais dúvidas. O contato comigo pode ser feito à Rua Pio XII n
o
585, 1
o
andar,
Londrina, Paraná, ou pelo telefone 3322-3928 ou 9993-2305.
É garantida a liberdade da retirada do consentimento a qualquer momento e
deixar de participar do estudo sem nenhum prejuízo a ambas as partes.
As informações obtidas serão analisadas e será garantido o anonimato dos
participantes. Quanto aos resultados parciais e finais você terá direito de manter-se
informado.
Desde já agradeço sua valiosa colaboração.
______________________________________ Data____/_____/_____
Assinatura do pesquisador
Eu,_________________________________________________, pai (ou responsável)
de_______________________________ fui suficientemente informado sobre a
pesquisa tendo ficado claro para mim quais os propósitos do estudo, os
procedimentos a serem analisados, as garantias de confidencialidade e de
esclarecimentos pertinentes. Ficou claro também que minha participação e de meu
filho é isenta de despesas e pagamentos. Concordo voluntariamente que meu filho
participe deste estudo e que poderei retirar o meu consentimento a qualquer
momento, antes ou durante o mesmo, sem penalidades ou prejuízo”.
________________________________________ Data ____/____/____
Assinatura pai ou responsável
________________________________________ Data____/____/_____
Assinatura - aluno
Declaro que obtive de forma apropriada e voluntária o Consentimento Livre e
Esclarecido para participação neste estudo.
APÊNDICE D: Transcrição de uma entrevista
S: Guilherme, analisando suas respostas no questionário, vi que de vez em quando
vc manda um pouco. Fala um pouco sobre isto...
G: Bem, não tem dia marcado assim para eu beber, tipo assim, este fim de semana
vou beber....mas geralmente, final de semana acontece porque a gente vai sair com
o pessoal, então...as vezes vai num bar tipo, Espetinhos, Valentino uma coisa assim.
Ou então é mais freqüente um churrasco. No churrasco sempre tem a cerveja ali,
então....é aquela coisa. Tipo sexta-feira a gente vai dar uma volta, a gente sempre
toma uma ou outra mas 90% das vezes. Sábado já é praticamente de lei, assim e
domingo quando a gente não tem nada para fazer a tarde assim, a gente
vai....Quanto a beber dia de semana assim, é bem mais raro, óbvio, né. Mas por ex.,
se tem um dia que a gente tem jogo de futebol e tal, e depois do jogo eu posso sair.
Quando o jogo é a noite e a gente vai jogar na Arena, ou na casa de alguém as
vezes a gente senta lá acaba tomando uma cerveja ou outra mas, ao ponto de ficar
alterado. A gente tomas mais, porque sei lá... futebol... estava ali...sai e vai tomar
uma cerveja. Apesar de a própria cerveja desidratar mas....
S: E sábado e domingo, ai fica alterado?
G: Olha varia daí mas, tipo...vc vê que é...
S: O que é ficar alterado para vc?
G: Acho que ficar....eu não bebo para ficar alterado, ficar bêbado já ou para ter
aquela desinibição ou para ter uma facilidade com socialização assim, Óbvio que
tem muita galera, acho que até a maioria toma e já...com a intenção de ficar pelo
menos alegre, assim sabe. Eu de vez em quando toma com este intuito também
mas, é mais na ....a gente vai fazer um churrasco no final de semana e vc vai
tomando vc não vai percebendo. Vc toma ai acaba vc pega outra latinha, outro copo
e vai tomando. É óbvio que chega uma hora que vc esta...vc vê que esta já
mais...com uma desenvoltura maior assim. Mas eu quando percebo que estou
começando...ou que vejo que vou passar mal do estomago ou que já estou ficando
feio, daí paro mesmo. E procuro intercalar, não tomar só cerveja porque mas pelo
dano de desidratação então sempre tomo um refrigerante, uma água. E como é em
churrasco assim eu geralmente como bastante. Daí eu acabo não ficando...quer
dizer é raro...Faz bastante tempo que não passo mal de estomago, de vomitar e tal.
Faz bastante tempo mesmo, eu não gosto disso, não gosto também de dar trabalho
para os outros, não gosto de criar situações indelicadas assim tal, nem ficar meio
feio assim na frente dos outros, então eu num...
S: Já aconteceu?
G: Já, já aconteceu ainda mais no começo, quando vc esta descobrindo
assim...ainda quando vc começa tomas. Ainda mais, não sei se porque foi muito
cedo mas é por que também não tomava muito. Mas é o que ...estava na sétima
série eu já, tipo não sempre...sétima eu tinha 13, 14 anos...mas, eu não tomava todo
fim de semana, era raro mas, era tipo, tomava uma latinha de cerveja já via que
estava meio....um pouquinho zonzo assim. Então nesta época de começar a
descobrir assim, eu lembro que sempre aparecia alguém oferecendo alguma coisa,
tipo uma vodcka, tomava um pouquinho e já ficava meio assim. Então nesta época
já aconteceu de passar mal, umas 3, 4, 5 vezes. E era aquela coisa assim, tipo pá
Não vou mais beber daí dava um mês ou dois v c bebia de novo. Dava uma dessa.
Mas, acho também que era falta de maturidade realmente, também assim. Porque
até hoje vc vê gente que fala assim Ah! vou beber para ficar bêbado, hoje quero
passar mal, tipo assim. Ai eu já vou contra....Eu bebo mais pelo, pelo...clima e pelo
prazer de beber. Gosto de sentar com meus amigos tomar uma cerveja, e tal. Mais
cerveja assim porque quanto a destilado eu acabo nem...quando tomo, tomo bem
pouco para evitar de passar mal. Por que bebida mais forte, como vodcka assim é
super raro eu tomar. Quando tomo é uma caipirinha, só...quando vou em algum
lugar. Acho que não gosto pela própria sensação de passar mal, aquele enjôo ou
então não conseguir focalizar a coisa direito, acho que é bem desagradável.
S: Vc disse que começou beber aos 13 anos...
G: É de 13 para 14, porque faço aniversário no fim do ano e sempre andei com
gente, por ex. um ou dois anos mais velho do que eu e uns poucos da minha idade.
S: E o que seus pais acham ou achavam, quando isto acontecia?
G: Olha...agora quando vejo que estou ficando...então já corto já, não chego em
casa alterado. Mas, que cheguei bêbado em casa se foi...foi 1 ou 2 vezes, assim.
Era coisa assim que estava bêbado mas, já tinha me recuperado. Então ninguém
nem percebeu nada, no máximo o bafo assim, o cheiro da bebida. Antes bebia mais
destilado, agora já não tomo mais.Mas, quando comecei a beber sempre desde de
pequeno, meu pai e minha mãe me instruíam “Não, vc não deve beber, não vai
beber, não vai beber.”E quando fosse beber que o fizesse bem pouquinho,
experimentasse, só. Não aceitar bebidas de estranhos, bababa. Isto eu fui bem
instruído...Não é questão de desobedecer mas, eu tipo ia lá...o
pessoal...praticamente é normal, né, vc fazer uma coisa ou outra escondido de seus
pais,para vc mesmo conhecer assim...dá um negócio, uma sensação de liberdade,
não sei. Mas, no começo eles não sabiam que eu bebia tal. Agora eu tenho uma
liberdade maior é neste ano mesmo. Este ano fiz 17 anos, tarara e o que ajudou um
pouco eles entenderem que eu tenho uma certa responsabilidade é ter passado no
vestibular. Acho que o medo maior é vc ser irresponsável.Por que vc vê, ainda mais
minha mãe que trabalha em colégio, tem contato com a molecada, ela sabe, por ex.
fim de semana, esta todo mundo tendo um porre, lá. Passando mal, gente que toma
glicose...eu nunca tive que tomar glicose na vida. E quando eu saio, eles ainda falam
“Olha não vai beber muito, não vai exagerara, tal ...mas já são mais tranqüilos por
que eles já sabem que eu manero, que eu não vou assim para ficar bêbado mesmo.
S: E vc acha que estas orientações deles foram e são importantes?
G: AH! eu acho. Acho que por mais que vc não vá seguir elas a risca...é bom vc ter
elas. Porque por ex. acho que vamos dizer que algum garoto ou garota que os pais
não têm esta conversa assim e tal e ele vai lá e começa a descobrir por si mesmo.
Daí acho que ele não tem aquela mesma assimilação de entender que aquilo tudo
faz mal só por ele mesmo. Acho que demora um pouco mais, acho que pode causar
um dano maior e tal. Até porque hoje assim quando penso....quando estava na
sétima série era um moleque de nada sei lá. Na oitava também eu não sabia nem o
que estava fazendo direito...eu nem pensava por mim mesmo direito e ia querer de
me achar “Bom ah! estou bebendo, não sei o que...” isto acontece, é óbvio, tipo o
cara de beber tipo ah! vai lá tomando uma cerveja e galera tudo olhando...o cara fica
se “achando”. O duro que também os pais tipo não terem esta conversa...é porque
eu sempre tive quanto a tudo assim...álcool, cigarro...eu sou o mais velho....eu
observava que gente os pais que não tinham tanta conversa assim, eles eram ...
porque tem até uns pais que liberam mas, o pai conversa e o filho modera até por
ele mesmo assim, que acho também que é correto mas, daí varia de cada caso
assim, de cada família. Os pais conhecem o filho que tem daí para ver como é que
é. Mas, é vc vê que aqueles pais que não tiveram esta conversa a molecada já ia,
tipo...começava no álcool daí já fumava um cigarro ali por este fato de todo
mundo..”Nossa! e tal assim...ai eu acho..lógico não é negligência total dos pais
assim, não tem nada ver assim...mas é tipo o papel dos pais....acho que tipo a
família e mesmo o colégio pode ter um desempenho bom assim, quanto a formação
assim. Eu tive um colégio que foi muito bem nisso....
S: Vc estudou o tempo todo neste colégio?
G: Não, eu entrei agora no primeiro colegial quando mudei para Londrina. Antes
estudava no Colégio Regina Mundi lá em Maringá e era colégio religioso de Irmãs
mas, mesmo assim eles não.... o que eu achava bom a postura deles é que tinha
aulas de ensino religioso, filosofia e as vezes tinha uma aula vaga ou outra que eles
encaixavam com alguma orientação. E desde a quarta, quinta série eu tive
orientação sexual, quanto a álcool também, drogas. Tipo tem colégio que não é nem
de Irmãs mas têm medo de falar nisso. Eu acho que lá por ser uma colégio de irmãs
e falarem nisso acho que foi bem, uma parte boa deles assim que contribuiu em boa
parte de minha formação assim considero de lá. Mas mesmo assim, é óbvio, tem a
galera que exagera de lá também, sempre vai ter, né?
S: Quem que vc acredita que é importante para moderar, obedecer?
G: Olha, eu acho que tipo assim, ter esta noção que tem que manerar nas coisas e
evitar o excesso foi, óbvio, teve uma grande participação, por ex. vamos dizer é 40,
50% de eu mesmo de na própria experiência, porque depois que vc passa uma vez
mal, vc começa a ter aquela coisa assim beba mas,....por mais que falem sempre
dos danos do álcool, os males parara, Vc acaba não levando em conta. Até que
chega uma hora que vc, sabe? Cai a ficha assim daí vc entende. É meio estranho...o
fala, fala mas vc não absorve direito. Mas eu acho que os outros 50, 60% maior
parte ai são os pais com a educação. Tipo assim, desde o começo, quando numa
certa idade, ainda novo, mesmo que vc não vai beber. Acho que é interessante eles
já irem falando. Esta outra coisa da formação do colégio. Da TV assim, mídia e os
próprios amigos. Por ex, se estou num lugar e estou começando a ficar alterado mas
vc esta naquele ânimo... porque acontece... tipo uma vez entre várias de vc acabar
exagerando, nem se dar conta disso, não por querer assim e tal.Ou as vezes vc quer
sair, tipo sabe? Não esta nem ai....algum amigo geralmente fala, tipo OH! Cara vc já
esta...vc esta bem ainda, tal. Ou até mesmo quando a pessoa esta dando vexame.
Eles vão e falam “Olha, meio, corta a bebida do cara” Quanto a dar vexame para
mim faz...se eu dei foi quando passei mal assim mas faz bastante tempo. Então
comigo a galera, pelo menos meus amigos... a maioria eles não vão beber para ficar
bêbado mas, beber pelo prazer assim....
S: Os amigos dão este toque....
G: Sim mas, se vc estiver num meio que seus amigos também extrapolam para
caramba, ai vai todo mundo passar aml e..então não adianta. Acho que se vc tem
que ter a sorte de achar um meio legal ali. Mas, não só proque tem um cara que
sempre passa mal que eu vou evitar sair com o cara. Uma hora ele vai se tocar
também, eu acho pelo menos...eu mesmo antes passava mal...não passei muitas
vezes mas...foi menos de 10 com certeza que eu já cheguei a vomitar e tal. Mas, foi
mais aquele começo assim e tal.
S: E a direção...
G: É eu sou menor de idade e não dirijo mas, tem gente que dirige mesmo sendo
menor. Mas, quando a gente vai sair ....eu vejo bastante assim, gente que esta
alterado...visivelmente alterado, tanto maior quanto menor de idade e dirige... eu não
pego carona com gente assim. Não pego nem a pau mesmo. Mas, é tem cara que
vai lá sai com a gente mesmo sendo menor ou maior e ele toma ali 1 ou 2 cervejas
para e diz “ Não,vou dirigir”Daí para dá duas horas ai volta para casa. Evita daí
beber toma um pouquinho no começo daí pára. Mas é porque também o cara tem
consciência . Tem vezes que eu também cara tomar, tomar, tomar e fala Äh! Vou
embora” já sai dirigindo. Já cara que nem conseguia sair com o carro....daí diz “Ah!
vou dar mais um tempo aqui....”
S: E as meninas...
G: Olha, no começo aquela....vamos dizer, sétima série, oitava elas olhavam assim
tipo...com admiração. Já ali no primeiro, segundo colegial uma ou outra começa a
beber também. Óbvio que sempre tem...acho que é mais ou menos como os
homens assim. Tem umas que bebem daí vai entrando mais e mais e assimvai indo.
E vai mudando a mentalidades delas também. Tem aquela época que elas dizem
assim “Ah! sei lá...tipo assim se vc começar a passar mal é óbvio que elas não
gostam também. Também é outro motivo porque a galera dá uma freada também é
por isso.Mas, este ano pelo menos o que mais tenho visto é mais meninas do que
homens passando mal, sabe? Talvez porque os homens tomam um pouco mais e
ganham mais resistência, não sei o peso corporal talvez influi. Mas, é que também
geralmente elas não conhecem assim. Porque as meninas são presa em casa assim
pelos pais de pai e mãe não deixar sair. Então tem algumas que quando sai daí
querem fazer tudo que não fizeram todo o tempo naquele dia. Então vc vê assim
mais meninas extrapolando, misturando destilado com fermentado, cerveja, vinho,
vodcka vc olha assim e pensa “Essa ai vai passar mal...” daí acaba passando mal.
Tipo passar mal feio assim é mais mulheres do que homens na maioria assim dos
lugares. Mas, varia de ambiente para ambiente. Tem churrasco...que nem eu tenho
amigas assim que tomam com a gente mas, tomam tipo, menos ou igual,
moderadamente e param também. Também meninas têm aquela situação delicada
assim...se elas dão vexame fica mais feio e tal.
S: Perde ponto para vc?
G: Ah! eu acho que perde sim...sim, sim, perde sim. Eu não ligo por ex. se a menina
bebe ou não. Isto ai para mim tranqüilo mas, agora mesmo quanto amigo assim as
vezes, quanto as meninas ...vc vai, vc sabe que o cara vai lá e não te ouve, não
ouve ninguém começa a beber, beber, beber, passa mal, vomita, dá trabalho, dá
aquele vexame e tal. Vc acaba ficando meio assim...que nem eu não...eu nunca tive
esta situação de estar ficando com uma menina e ela tipo passar mal assim....mas
não que eu evite de ficar com menina que bebe. Até porque acho que não tem
sentido, eu também bebo mas, eu também não vou extrapolar. Eu gosto de alguém
que tem esta noção de moderação. Que sei que não vai causar problemas para
ninguém ali. Mas perde ponto sim...já aconteceu de eu estar afim de uma menina e
ir lá e tipo...sabe sair conversando depois daí vai lá e ficar com ela mas antes disso
ela passar mal, daí ah! desanda, nunca mais vou atrás mesmo. Mas já menina
passar mal antigamente, ou até um tempo mas, depois ela cria esta noção e não
bebe mais assim para passar mal. Então acho que não tem problema sempre
alguém vai dar uma extrapolada ou outra. Faz parte do próprio crescimento da
pessoa, ela mesma perceber as coisas. Porque por mais que falem ela só vai saber
mesmo quando ela passar por esta situação. Adianta os pais falarem mas, não é só
isto...porque se os pais falarem “Olha, não vai beber hoje”Tipo ela não vai deixar de
beber porque o pai ou a mãe falou, sabe? Não, isto 90% das vezes...porque se a
pessoa tiver vontade, porque acontece dela própria não ter vontade, mas se o pai e
a mãe proibir, por ex, a menina tiver vontade se oferece uma duas vezes ela dá tipo,
uma bicadinha que seja ela dá. Por mais que tenha medo assim dos pais. Por que
eu também quando era mais novo eu também tinha medo que eles percebessem
alguma coisa e dessem bronca. Então bebiam antes ficava quieto, assim...tomava
água...mas estas coisas de chegar com bala na boca nunca assim, nunca porque
acho que é a coisa que mais dá na cara.
S: Na sua família, vcs têm o hábito de beber em festas, etc?
G: No Natal e Ano Novo a gente sempre dava uma bicadinha num champanhe mas,
uma taça ou outra, minha mãe moderava, ou então um ponche mas, minha mãe
moderava. Mesmo que eu quisesse mais. Meus primos, pelo lado do meu pai, eles
bebem mais, em festa assim mas, quando era já vi meu pai bêbado, meu tio bêbado
mas, não era tão bêbado como vejo a galera ficar hoje. Acho que é aquela coisa
assim, que todo mundo sai uma vez na vida sai fora do comum e extrapola. De vez
em quando, acho que até por um certo lado faz bem, não sei, é como sair da rotina.
Até vc pensa”Poxa, meu pai é normal, mesmo”> Mas, por ex., meu primos todos
eles bebem assim mas, um primo por parte da minha mãe, filho da minha madrinha,
eu lembro que a família inteira, do lado da minha mãe, pegava no pé dele. A mãe
dele a irmã, por causa dele beber bastante. Mas, tipo minha própria prima, a irmã
dele, também bebia. Era hipócrita assim ela falar. Minha mãe também metia a boca
nele por beber bastante, por que ele passava mal várias vezes assim. Mas, ele não
era do tipo que bebia e saia dirigindo assim, ou então que bebia e ia fazer alguma
besteira e tal. Então, eu saia com ele também ele bebia mas, eu não ficava numa
situação indelicada assim.
S: Vc acha que quando os pais bebem com freqüência, isto pode influenciar para
que os filhos bebam também?
G: Olha, eu acho que contribui. Em casa assim era só nestas situações de Ano
Novo, Natal assim . Minha avó tal. Mas, quando morava em outra cidade, meu saia,
ia jogar sinuca, bebia assim, mas, para mim era normal ver. Até bem de vez em
quando ele oferecia um golinho de cerveja mas, nada bastante assim. Se eu fosse
sair ele dizia assim, quando voltava perguntava se eu tinha bebido, falava para mim
não beber. Mas que vc ver todo dia seu pai ou sua mãe bebendo acho que isto influi
sim para vc beber. Por que vc pode falar: “Vcs fazem porque não posso fazer
também”. Fica sem moral. Eu lembro quando era pequeno, meu pai e um amigo dele
tinha um hábito de tomar uma latinha de cerveja todo dia. Até meu pai parou e o
amigo dele continuou. Acho que isto é normal, porque ele não esta extrapolando
nem nada, ele esta tomando ali pelo prazer de tomar uma cerveja assim como vc
toma pelo prazer de tomar uma coca-cola. Não porque tem álcool ali, que vc já vai
chamar o cara de alcoólatra. Mas acho que influi sim. Ainda mais se vc v6e que seu
pai passa mal este final de semana, outro mês passa mal de novo dando vexame.
Acho que vc fica mais propicio para tomar.
S: G. vc com sua experiência aprendeu a maneirar vc acha que isto acontece com
todo mundo?
G: Olha acho que pode acontecer, até porque hoje assim é raro eu beber. Mas as
vezes vc pergunta se tem cara que pode ou não vir a ser um alcoólatra .. Mas pelo
fato assim que vc vê que tem gente que bebe, bebe, bebe não fica nenhum pouco
alterado e continua a bebendo e quase todos os dias. Tem um cara lá que morava
aqui mas mudou, ele esta com problema no fígado de tanto beber. Ele bebe tipo
assim, o que eu bebo no final de semana ele bebe quase todos os dias. Ele tem 17
anos ai vc fala assim “Nossa!”. O cara já é alcoólatra, pelo menos observando assim,
um médico pode falar melhor mas, eu acho que é. Acho que tanto o cara que bebe
todo dia assim e o cara que bebe só final de semana exagerado, quanto o cara que
bebe todo final de semana moderado pode ficar alcoólatra.Por ex. tem vezes que
tem festa a semana inteira assim, tipo aniversário assim e vc bebe um pouco cada
dia, chega no final de semana também, leva um pouco na outra semana, ai vc dá
uma olhada assim e....Comigo já aconteceu...ah! daí eu fala assim”Vou dar uma
parada” É que tem gente que vc observa que deve influir assim, genética também,
tanto quanto a própria educação e o meio da pessoa mesmo. Mas acho que varia de
pessoa para pessoa.
S: Vc se preocupa com esta possibilidade?
G: Não é uma preocupação constante assim que me persegue assim, quando vou
beber eu penso “Nossa será que vou virar alcoólatra”? Não tenho isto, mas por ex.
se eu ficar um mês sem bebido eu fico tranqüilo, por ex. Sai num final de semana e
não tem bebida eu penso”Ah! Tudo bem”tomo uma água, um refrigerante, apesar de
não gostar tanto, ou suco assim para mim é tranqüilo. Então eu não tenho tanto
assim esta preocupação mas, eu penso assim será que isto é comportamento
assim. Antes me preocupava mais, quando minha chegava e fala “Cuidado, vc toma
uma aqui, outra amanhã. Vc vai ficar alcoólatra , vc vai ficar alcoólatra. Vc vai ficar
igual seu tio” Meu tio não era um alcooolatra assim mas ele bebia direto, sabe? Acho
que ele esta no limiar do alcoolismo assim. Sei lá mas, agora já não tenho mais
assim....é óbvio que sempre fica um pontinha assim mas, não é algo que eu me
lembre sempre. É raro eu me lembrar. Mas é...eu modero daí, acho que acaba me
segurando.
S: O que vc acha destas propagandas da TV contra o consumo de álcool. Tipo
BEBA COM MODERAÇAO?
G: Olha, primeiro: a propaganda da cerveja definitivamente não atinge nada. Por vai
lá mostra mulheres bonitas por mais....por ex. eu não vou beber porque Ah! tem
mulher bonita! Ou porque tem um sirizinho correndo, por que eu acho engraçado.
Então, mas ali esta fazendo mkt da marca, vc conhece ela, vc vai comprar ela para
ver como é que é mas, vc não...aquele BEBA COM MODERAÇAO não vai
influenciar em nada. Não funciona nada, não leva em conta. Agora estas
propagandas do governo eu acho que 90% são fracas. Tipo assim, vc olha lá
falando Não dirija alcoolizado. Sabe, pelo menos em mim não tem aquele impacto
psicológico assim...acho que propagandas mais agressivas assim, poderiam dar
uma...pelo menos uma assustada. Mas não é este susto que vai fazer vc moderar,
até uma conscientização também.
S: Mais agressiva do que morrer?
G: Não, mas porque eles não mostram o cara morto, se mostrassem seria mais
agressivo. Eu lembro que tinha uma propaganda foi veiculada nos EEUU, me
mandaram por e-mail... estava um motorista bêbado dirigindo e bateu no carro de
uma garota sóbria, ela nunca bebia. Ela ficou tipo...o motorista acho que morreu e
ela ficou tipo, totalmente deformada vários problemas. Acho que isto tem um peso
maior. Aparecia ela toda machucada....Pelo menos quando a dirigir embriagado
assim. Vc pensa: “Pó, isto pode acontecer”. Mas é porque eu também já vi...pelo
menos tinha sempre no meu colégio algum cara que ia lá dar uma noticia que tinha
morrido alguém...estava dirigindo embriagado, bateu e morreu. Pô, daí um cara
embriagado bate no carro da galera que esta todo mundo sóbrio e morreram!Isto dá
mais impacto, por que é uma questão que vc esta fazendo mal ao outro, entende.
Não sei é uma questão diferente. Por que vc pensa: “Pó estraguei a vida de
alguém”. Estragar a própria vida tem problema também. Mas é o seguinte, vc esta
bebendo e vc não esta vendo automaticamente tipo : “Eu estou estragando minha
vida”, a não ser a hora que vc sai bêbado dirigindo e bate...ai vc cai na real e nunca
mais bebe e dirigi.Mas, vc vendo assim, vc tem um medo maior de fazer mal. Apesar
que isto nunca aconteceu comigo assim mas, eu tenho mais medo de estragar a
vida de alguém lá do que a minha. Esta coisa até que os pais falam: “Ah! não pensa
que nunca vai acontecer com vc”. Parte disso é verdade. Vc pensa “Ah! nunca vou
bater” mas por ex. eu nem sei dirigir ainda mas, eu acho que nunca iria dirigir
alterado. Até por que quando eu chego num estágio mais...que estou com mais
álcool no corpo ali, já estou meio bêbado...até para se concentrar nas coisas já é
mais difícil, imagina para dirigir. Eu já tentei dirigir são assim e foi totalmente sem
coordenação. Então, eu tenho este medo assim...a questão da política assim de
fazer as propaganda e os pais falarem acho que pode ajudar. Mas vc tem um medo
de estragar mais o outro do que vc mesmo. Porque é mais visível...vc vê uma
situação imediata que nem um acidente de carro, do que vc bebendo ficar com uma
cirrose que é daqui a 40 anos. Apesar que apesar como falei do meu amigo já com
18 anos já ficou...
S: Como então vc avalia este comportamento de beber assim...
G: Acho que é natural do ser humano, porque vc vê que em várias culturas todo
mundo bebe assim. A questão é de não exagerar, porque tem até aquela frase
ENTRE O REMÉDIO E A DROGA FREQUENCIA DO USO É A DOSE. Porque acho
que moderadamente vc toma ali, óbvio que vai ter um caso ou outro na exceção,
que vai gerar um alcoolismo, mas ai vai da própria pessoa perceber dos que estão
em volta. Mas, eu acho que não é ruim nem bom, acho natural. Óbvio que pode
trazer coisas ruins com certeza mas, também pode trazer coisas boas...o prazer de
vc esta lá com o pessoal, conversando...porque vc vê que as vezes é diferente de vc
estar ali sem beber e bebendo, é visível, vc acaba se relacionando melhor assim, dá
a impressão uma percepção melhor do outro assim, vc percebe melhor. Vc fica mais
espontâneo também. Mais verdadeiro. Claro que tem gente que extrapola, tudo que
não podia falar da vida dela depois se ferra causa isto. Mas ai é quando passa do
uso moderado assim...acho que moderando é bom, sim. Deve ser característica
cultural mesmo. Mas, não é só da idade assim, óbvio que eu também acho...que
nem, acho que é ruim bebida quando vc é pequeno, novo...o ideal é quando vc já
tem uma certa formação pessoal, própria mesmo. Mas sem exagerar....
S: Vc acha que beber pode levar a consumir outras coisas?
G: Olha, não sempre mas, com certeza pode levar. Assim, por ex., como naquele
caso a galera esta bebendo e Ah! vamos fumar assim...tanto para aparecer para os
outros como para outros motivos tipo querer experimenta algo, sabe? A bebida pode
favorecer, não sempre mas, pode. Mas, em todos os casos assim. Eu já várias
pessoas tipo, ali começa beber, daí fuma um cigarro, aí... a maioria das pessoas
experimentam maconha e param assim, pelo menos que eu conheço. Mas já
conhecia até viciado assim, tanto pelo meu colégio de Maringá que levava a gente
em lares de viciados, como também gente no meu meio assim. Já sai com gente
que já tem um vicio até em outras drogas assim. Acho que pode levar sim, com
certeza. Foi depois da bebida...apesar de que eu pessoalmente tenho duvida se foi a
bebida que levou a isto ou começaram antes da bebida. Porque com 12,13 anos vc
não tem contato com traficante é muito difícil. Mas, eu já vi gente que não bebe,
nunca foi de beber e fuma maconha. Mas, também tem esta visão de moderar
também, que nano tem interesse de ir para outras drogas é só maconha. Mas acho
que é variada de pessoa para pessoa mas, acho que com certeza se a pessoa não
tiver uma boa formação ela com este uso do álcool ela vai acabar levando a outras
drogas. Ela não vai saber se controlar, a moderar. Uma boa parte... Eu já tive
oportunidade de experimentar. Cigarro eu nunca pus na boca....já experimentei
canabis mas foi por conhecimento assim, sabe? Mas, não foi ...foi depois de ter
bebido mas, não foi por causa da bebida assim de querer algo mais forte ou
diferente, sabe? Eu quis fazer uma experiência....mas já tive oportunidade de
experimentar cocaína, crak...não de amigo meu mas, vc esta em algum ligar e
alguém te oferecer assim...mas, eu não tenho o mínimo interesse assim, pelo menos
é questão de ver também assim, os efeitos que provocam...eu não tenho interesse
nem nos efeitos que ela provoca nem nos danos, por que vc vê assim que é
altamente viciante. Eu converso com gente que é ex viciado mas....
S: É mais viciante que o álcool?
G: Ai eu não sei....porque o álcool é liberado. Se vc quiser vc vai lá na padaria ali do
lado e compra uma cerveja, o acesso é bem mais fácil. Ai eu não sei quanto ao grau
de...de...quão viciante ela é mas, eu não tenho interesse algum, sabe? Eu até
amigos, é um ou outro assim não é nem que andam comigo, eu conheço assim me
dou bem, que fazem uso da canabis mas, eles também ano têm interesse de usar
mais nada. Já vi gente que tinha interesse e usou mas, é ...quando o cara não tem
interesse ele geralmente não vai usar porque tem gente que usa mais como...mais
ou menos como o álcool, não tão recreativo....tem uns que usam para relaxar, ou por
problemas estas coisas todas. Eu já tive várias oportunidades de maconha,
cogumelo, LSD, crak também uma vez já me chamaram mas, eu nunca. Eu evito até
se tem algum ambiente que tem estas drogas pesadas que eu sei eu nem me enfio,
porque sempre vai ter num show ou alguma coisa assim vai ter um ou outro cara
mas, tem lugares que são festas que são propriamente para aquilo. E pelo menos
evito estes lugares...cocaína, crak, estas coisas pesadas eu saio de perto. Até
porque as pessoas que usam vc vê uma certa agressividade algumas delas. Ai vem
aquela coisa në? Vc não sabe se ela esta sendo ela mesma, e ela é mesmo
agressiva ou se a droga causa isto. Mas...eu não gosto. Até gente que exagera com
canabis assim eu já evito sair, saio meio de perto assim.
S: O colégio que vc freqüentou até a oitava série faz um trabalho muito, e este hoje
que vc estuda?
G: Olha, quanto ao Fundamental eu não sei porque não estudei lá mas, eu acho que
no primeiro, segundo, terceiro...eu no acho que ele faz um trabalho pedagógico
assim. Porque acho que eles são muito preocupados somente com o vestibular, a
universidade é segundo plano assim. Eles só querem que vc passe no vestibular e
acabam esquecendo esta formação pessoal. É um colégio que eu entrei lá e...vi só
estudo...não tem nada. Óbvio que as vezes tem um trabalho comunitário como teve
no primeiro, no segundo ano e para quem quisesse continuar no terceiro também
daria. Que era envolvido com aquelas gincanas e tal. Eu acho isto bom. Mas acho
que deveria ter mais projetos. Não sei se porque eu sou acostumado no outro
colégio, que sempre tinha várias coisas durante todos os anos. E também tinha o
pessoal do ensino religioso q7ue tentava organizar encontros nos finais de
semanas....visitas a asilos, lares de drogados...sempre tinha. E até fora disto... o
próprio colégio levava para as salas, para quem não participava destes encontros,
fazia umas visitas obrigatórias durante as aulas. Por ex. fomos jogar bola lá com o
pessoal lá do lar de drogados. Então tinha toda aquela conversa, uma interação. Eu
acho que isto faz muito bem para formação como pessoa. Até para vc conhecer e
saber evitar por ex. vícios estas coisas...assim como vc vê....vc muda sua opinião.
Eu lembro que tinha uma opinião que iria ver uns caras acabados, um bando de cara
que iria querer passar a gente para trás e vi que eram pessoas normais...tem muita
gente que acha que as pessoas só porque são viciados o cara não merece respeito
nem nada. E o colégio não tem esta parte assim. No máximo eles falam alguma
coisa ou outra mas, não tem uma boa formação. Não é programado assim...
S: Mais alguma coisa que vc gostaria de falar.....
G: Não acho que sei lá, acho que falei tudo.....
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