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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE ARQUITETURA
PROPAR – PROGRAMA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA
CIDADE: MEMÓRIA E CONTEMPORANEIDADE
Ênfase: Porto Alegre – 1990 /2004
Marcelo Kiefer, Arq.
Dissertação apresentada ao programa de
Pós - graduação em arquitetura da
Universidade Federal do Rio Grande do
Sul para obtenção do título de Mestre.
Orientador: Prof. Dr. Arq. José Artur Frota
Porto Alegre, Outubro de 2005
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SUMÁRIO:
PREFÁCIO 03
APRESENTAÇÃO 04
INTRODUÇÃO 06
CAPÍTULO 1 14
Conceituação e relação entre termos fundamentais e
atuais sobre memória e contemporaneidade
CAPÍTULO 2 37
O modernismo e a descontinuidade histórica
CAPÍTULO 3 52
Da arquitetura Italiana do Pós-guerra e Aldo Rossi às teorias e exemplos atuais
O passado integrado à contemporaneidade
CAPÍTULO 4 75
Memória e contemporaneidade em Porto Alegre com a
Análise crítica de re-arquiteturas e suas relações no espaço urbano como partes de
um todo, a cidade
CONCLUSÃO 126
BIBLIOGRAFIA 127
LISTA DE FIGURAS 135
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PREFÁCIO
A motivação para escrever este trabalho, desenvolvendo uma pesquisa sobre
as relações entre memória e contemporaneidade, surgiu de alguns acontecimentos da
vida que muitas vezes me fizeram refletir e questionar a permanência de pessoas,
objetos e as coisas que eles representavam.
Ao mesmo tempo, com o estudo e a profissão de arquitetura, surgiram muitos
trabalhos relacionados às re-arquiteturas, de resgate e renovação de objetos
arquitetônicos. Iniciados no período da faculdade, desenvolvem-se na minha vida
profissional com bastante intensidade, como a participação de arquiteto colaborador
na reciclagem do Centro Cultural CEEE Erico Verissimo, reformas e aumentos em
algumas casas particulares, além de um recente trabalho de revitalização da Vila
Santa Tereza em Bagé, ainda não construído, com o arquiteto e irmão Flávio Kiefer.
As relações entre memória e contemporaneidade desenvolvidas nesta
dissertação, podem ser encontradas nos edifícios, na cidade, assim como em
pequenos objetos, como um armário, que para mim é um bom exemplo de
permanência. Explico, trata-se do antigo armário de remédios da minha avó. Depois
de seu falecimento, há poucos anos, o seu pequeno e muito antigo armário, já
cheirando a mofo e habitado por pequenos bichos, veio para minha casa esperando
que uma tia o levasse embora. Aquele móvel, largado em um canto da casa, me trazia
à lembrança a idéia de perda, quase que sobreposta à associação com o seu uso na
casa de minha avó. Assim, como ninguém reclamava sua propriedade, um dia resolvi
devolvê-lo ao uso, limpando-o, coloquei na sala e logo a seguir o utilizei como armário
do som, com revistas e cd’s de música. Enfim, hoje o armário conforma um pequeno
ambiente, usado todos os dias, onde ouço música e não muito raro lembro de minha
avó.
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RESUMO
O trabalho que se desenvolve a seguir procura evidenciar, no contexto atual,
algumas considerações teóricas e exemplos sobre a memória e contemporaneidade
no processo de consolidação e caracterização das cidades, aplicando esses conceitos
na analise dessas relações em Porto Alegre. O texto aborda a reconstrução da
memória (sob formas construídas) na vida contemporânea, como ligação entre os
tempos passado, presente e futuro. Expressa a permanência dos fatos urbanos a
partir de uma arquitetura e de uma visão contemporâneas que resgatam formas e
relações formais históricas para seus usos no presente, absorvendo novos
acontecimentos. São as transformações da cidade que se encontram na sobreposição
das camadas de tempo.
Através deste estudo serão respondidas as seguintes questões de pesquisa:
Como a relação entre memória e contemporaneidade, na arquitetura, se desenvolveu
até o contexto atual? Quais os conceitos e como se constrói essas teorias e exemplos
atuais sobre memória e contemporaneidade na arquitetura? Como Porto Alegre se
relaciona com esse cenário?
Para estruturar esta pesquisa e organizar os capítulos relacionados são
utilizados argumentos que se referem à história e às teorias.
Assim, o “capítulo I” realiza uma revisão bibliográfica dos referenciais teóricos a
respeito de termos relevantes como memória, patrimônio, permanência, monumento,
monumento histórico, re–arquitetura e outros. O objetivo é tecer uma rede de
conceitos e considerações atuais sobre memória e contemporaneidade, fornecendo
os subsídios para responder as questões de pesquisa. Serão citados autores da
arquitetura e de outras áreas, como da psicologia, demonstrando que esses conceitos
estão relacionados ao panorama geral das teorias contemporâneas.
O “capítulo II“ relata a passagem do Movimento Moderno e a descontinuidade
histórica dentro do desenvolvimento da cidade, representada pelo funcionalismo e
pelas doutrinas de preservação da Carta de Atenas. O capítulo seguinte, por sua vez,
faz um relato histórico da arquitetura italiana após a II Guerra Mundial, quando valores
Modernos e tradicionais do país se fundiram de forma antagônica, gerando exemplos
5
de obras arquitetônicas e bibliográficas significativas, como a “Arquitetura da Cidade”,
de Aldo Rossi, além de acontecimentos paralelos que influenciaram os rumos da
teoria e prática arquitetônica contemporâneas. No quarto e último capítulo, Porto
Alegre é analisada através de suas intervenções arquitetônicas, desde a pequena
escala até as relações do conjunto, inserida no contexto atual da relação entre
memória e contemporaneidade, exemplificando, de forma concreta e atual, as
transformações de uma cidade.
6
INTRODUÇÃO
Neste início de milênio, as capitais brasileiras encontram-se, principalmente em
seus núcleos urbanos, mais densas e consolidadas pelo crescimento das cidades nas
décadas anteriores. Essas cidades são compostas por formas edificadas e
organizadas que representam suas características construídas através do
desenvolvimento temporal, de acordo com o presente em que são analisadas. Sendo
assim, essas formas, estão repletas de importância histórica e valores sociais que
refletem os caminhos de cada cidade em seu período de formação.
Porém, a constante e obstinada procura por espaço, a necessidade de satisfazer
espacialmente as atividades contemporâneas de uma sociedade em constante
transformação ou mesmo o simples processo de degradação natural e a falta de
manutenção fazem com que muitas dessas edificações, em número crescente,
tornem-se obsoletas em relação ao uso contemporâneo e necessitem passar por um
processo de atualização. As mesmas necessidades de ocupação que, na segunda
metade do séc. XX, expandiram as cidades deixando para trás o que era “antigo”,
agora, aliadas às novas condições econômicas, espaciais e culturais, exigem a
retomada dos espaços e reconstrução das memórias a partir da recuperação da
estrutura urbana preexistente da cidade.
Apesar de o Brasil possuir muitos monumentos históricos e desde muito tempo já
considerar a conservação desses elementos, de forma a colecionar objetos que
exemplifiquem o passado, o fenômeno do crescimento populacional e urbano ocorrido
no século XX demanda, hoje, formas menos ortodoxas e mais amplas de preservação
do que aquelas que os planos diretores aplicam, ainda influenciados pela Carta de
Atenas. A preservação que tem sido realizada conduz ao isolamento das edificações
em relação ao uso contemporâneo pela sociedade, junto ao acúmulo de uma enorme
quantidade de edificações de alto custo de manutenção. Esse procedimento pode
também levar a um dilema, onde só haja espaço para o passado ou, ao revés, que se
percam muitos objetos arquitetônicos nas transformações naturais da vida na cidade.
Isolado, o monumento histórico e a memória nele representada, corre o risco, quase
7
inevitável, de não permanecerem na cidade. Assim, é importante que não só o que é
considerado o patrimônio histórico, mas tudo aquilo que represente a memória que se
quer preservar da cidade, possa se integrar às atividades e tecnologias do mundo
contemporâneo.
Ao desenvolver os conceitos e idéias que envolvem a memória e a
contemporaneidade, das permanências dos fatos urbanos que constróem e dão
caráter a uma cidade, este trabalho procura utilizar exemplos concretos, de cidades e
edificações, que aproximem a teoria da prática e ilustrem as teorias apresentadas.
Partindo do princípio que a relação entre memória e contemporaneidade, identidade e
continuidade podem estar presentes em cidades ainda não tão consolidadas, como
nas cidades italianas, no último capítulo, este texto se concentrará, como já foi citado,
na análise e crítica de Porto Alegre, que vive um período de transição nas relações de
memória e contemporaneidade, como outras capitais brasileiras.
Em outros lugares do mundo, onde a sobreposição dos períodos civilizatórios é
muito mais antiga, a história de algumas cidades se confunde com a história ocidental
e o crescimento do número de “monumentos” e “monumentos históricos”
I
arquitetônicos ocorre desde a antiguidade. Se a prática de se “colecionar patrimônio”
fosse sempre aplicada e nada de importante se perdesse, como já se pensou, haveria
uma inflação de elementos formais, representativos no mundo.
Até o Renascimento, em alguns casos, esses elementos formais atualizaram-se
aos novos usos, às novas épocas, mas isso sem uma consciência de preservação e
de reciclagem, que se iniciaria mais tarde. Essas adaptações eram feitas de uma
forma natural e prática em elementos não monumentais ou em monumentos de outras
culturas.
O monumento histórico (ver cap. 1) transformou-se ao longo do tempo e é visto
hoje não como um monumento pré-concebido, manufaturado para ser um símbolo de
algo específico representando datas ou pessoas, mas como resultado de uma história,
com valores técnicos e estéticos intrínsecos às formas. Dessa maneira, ele segue
envolvido na história da cidade, aberto a todas as transformações que ela oferece.
I
Definição de CHOAY, Fronçoise. A Alegoria do Patrimônio. São Paulo: Editora Unesp, pp.11-29, 2001.
8
Este conceito de monumento histórico é utilizado pelos princípios de preservação de
patrimônio mais contemporâneos.
A partir do Renascimento, no intuito de resgatar a cultura clássica, crescem o
interesse e a necessidade de conservação dos elementos arquitetônicos símbolos
dessa época. Assim, o objeto de conservação torna-se um monumento histórico, pois
quem o preserva mantém uma distância temporal. Os novos valores agregados, como
a estética e as técnicas, passaram a se sobrepor aos símbolos de origem do
monumento.
Outros movimentos que ocorreram no século XVIII na Europa, como o Iluminismo,
a Revolução Francesa e a Revolução Industrial, acentuaram a busca por uma relação
com o passado e criaram um sentimento de proteção às edificações antigas. No
Movimento Moderno, através da Carta de Atenas, a postura de preservação tornou-se
uma radicalização. Sua proposição afastava os patrimônios históricos de um papel
participativo na sociedade contemporânea, isolando-os e rompendo com a
continuidade entre passado e presente, existente mesmo antes do Renascimento.
Esta, no entanto, se dava de forma natural, não sistemática e descontrolada. A nova
doutrina do Moderno acabou negando alguns princípios já elaborados por Riegl em
1903 (El culto Moderno a los monumentos), que começava a entender que a memória
existia a partir de sua vivência do presente.
A partir da Segunda metade do século XX, outras formas de abordar os objetos
históricos começaram a se desenvolver. Passa-se a não isolar a história na tentativa
de se conservar valores. Consolida-se a idéia de se fazer intervenções
contemporâneas para se conservar a utilização desses objetos no cotidiano da
sociedade. A história fica presente, não se esgota presa ao próprio passado.
Secundando uma postura contemporânea de intervenção, segue o texto de Lynch:
“Toda cosa, todo hecho, toda persona es “histórica”. Intentar conservar
todo el pasado seria como negar la vida. Renunciamos a evidencias físicas
del passado por la misma razón que las olvidamos.”
II
II
LYNCH, Kevin. De qué tiempo es este lugar? Barcelona: Editorial Gustavo Gili, S.A, p. 42, 1975.
9
Continuando a história, sem interrompê-la, a cidade desenvolve e se transforma
consolidando seu caráter e identidade social.
Dentro desses princípios, é possível fazer-se muitas reflexões, principalmente
quando se relaciona essa teoria à Porto Alegre. Uma cidade que passa por um
momento importante para as re-arquiteturas, que oferece elementos para a discussão
de memória e contemporaneidade e que carece de uma concepção mais integrada
dessa revitalização urbana, principalmente em seu centro histórico que guarda
referências importantes que atravessam a fronteira da capital do Rio Grande do Sul
para o estado e para o país.
Porto Alegre, mesmo em relação a outras capitais e demais cidades brasileiras, é
muito jovem e como monumento histórico é relativamente nova. Talvez por isso,
somente há poucos anos se pense na preservação da memória com mais intensidade,
mesmo sabendo-se que fatos urbanos existem desde a fundação da cidade e a
memória já se apresente, desde então, à vida de sua população.
Relacionar preexistências com usos e intervenções contemporâneas na cidade
vem ganhando espaço mesmo quando esses objetos não apresentam memória ou
qualidade arquitetônica tão significativa, pois também possuem uma relação com a
formação do caráter da cidade.
A sobreposição das camadas de tempo torna-se importante no momento em que a
memória, existente na representação formal dos fatos urbanos, não é descartada pela
introdução de novos elementos, bem como essa forma, como simples matéria, não se
torna o único motivo da intervenção e passa a fazer parte de uma série de atividades
colocadas pela vida contemporânea.
Por outro lado, manter as formas preexistentes de maneira a preservar valores e
informações intrínsecas a elas pode tornar-se desinteressante e de pouca relevância
para a cidade quando as preexistências, devido a sua inflexibilidade, deixam de ser
compatíveis com os programas atuais a serem implantados, ao mesmo tempo em que
a relação do objeto e a história que essa forma representa já não se conectam mais
entre si e com a cidade de forma representativa. Não justifica preservar também
edifícios e espaços em que não há memória ou qualidade formal significativas ou em
que a estrutura portante está comprometida. Nesse caso, assim como em situações
10
em que se quer lembrar algo já totalmente destruído, há outras formas de reconstruir a
memória, através de novas técnicas e materiais. Então, se consideradas todas as
questões relevantes, pode-se chegar à opção, sustentada, pela preservação, ou não,
da arquitetura antiga.
Quando se realiza uma intervenção arquitetônica na cidade é inevitável confrontar-
se com algumas questões iniciais por conta das diferentes características de cada
obra. Saber diferenciar o que tem valor histórico e/ou arquitetônico e tomar as
decisões de preservar ou não, está estreitamente ligado à memória do lugar e a
influencia da identidade social de uma cidade; são decisões importantes que devem
estar bem apoiadas nos interesses da sociedade, sendo sempre necessário, a
manutenção da busca pela qualidade técnica e formal dos objetos arquitetônicos.
11
que os possíveis caminhos a serem tomados são fundamentais para que essa relação
tenha o resultado citado por ele:
“... el pasado es una posesión conocida y familiar en la que podemos sentirnos
seguros.”
“... grandes sectores de la población hayan llegado al convencimento de que la
conservación es algo bueno en sí mismo y aquellos entornos ricos en tales
rasgos son lugares más agradables para vivir. “
IV
Todas essas são questões a serem solucionadas para o resultado prático final de
renovação da cidade, ou melhor, para prosseguimento constante de renovação, até
que outra forma de sistema se estabeleça.
É importante ressaltar que o foco da pesquisa que se segue nos próximos
capítulos é a memória e a contemporaneidade, expressa em todos os elementos
formais que compõem e participam das transformações da cidade, em todas as
escalas e em todas suas relações. O texto procura evidenciar como a memória se
insere no estudo da arquitetura nos dias atuais, qual sua importância, de que maneira
ela pode ser reconstruída ou não na cidade contemporânea e a permanência de seus
valores na cidade e, por fim, como essas questões se refletem na cidade de Porto
Alegre.
Para isso, além da conceituação de termos da pesquisa histórica e estudo da
teoria, é realizada a exemplificação de intervenções de importância mundial, de
diferentes épocas e enfoques. Obras significativas da cidade de Porto Alegre também
são pesquisadas, analisadas e criticadas, assim com suas relações com a cidade e os
fatores que as determinam. As obras, além de possuírem grande representatividade
para os porto-alegrenses, são significativas na mudança do panorama urbano da
cidade e no processo de tomada de consciência em busca da revisão dos espaços e
edificações preexistentes da cidade. São também elementos de qualidade
arquitetônica.
Essa análise dos prédios é mais do que singular, está ligada às transformações da
cidade e a sua história. Uma análise mais concentrada de algumas intervenções serve
12
para demonstrar que o universo de relações de memória e contemporaneidade, com
seus processos de construção e resultados sociais ali presentes, são os mesmos da
relação maior que é a cidade, como elementos fractais. Essa idéia está presente no
texto de Ignasi de Sola-Morales (El valor del tiempo en la arquitectura, 1994, p.94) :
“Desde el Renacimiento, la arquitectura há considerado, com Leon Battista
Alberti, que una ciudad no era sino una casa grande, y que una casa no era
outra cosa sino que una pequeña ciudad. “
V
Metodologia
Este trabalho propõe-se a fazer uma pesquisa histórica e um estudo da teoria,
através de uma revisão bibliográfica, com apresentação de exemplos existentes que
ilustrem o texto para seu melhor entendimento.
A escolha para análise e crítica de intervenções realizadas em preexistências, que
resultou no conjunto de obras citado, serve como ilustração do assunto. Mesmo que
analisadas e criticadas, o texto não tem o comprometimento de dissecar nem de
responder questões sobre essas obras em particular. É mantida uma estrutura de
análise onde a realidade é observada, sem intervenção direta na mesma.
Ainda referente à análise e crítica das obras, além das informações inerentes a
todo o processo da concretização das re-arquiteturas, avalia-se também o êxito na
relação de identificação dos cidadãos com os objetos resultantes da intervenção. O
mesmo acontece nas obras e no conjunto das obras de Porto Alegre, buscando
compreender melhor o caráter formal da cidade.
Esta é uma pesquisa de caráter qualitativo/quantitativo e se realiza dentro de uma
abordagem dedutiva. O desenvolvimento das teorias e conceitos surge da abstração
dos elementos inseridos no contexto da memória e contemporaneidade e leva em
consideração diferentes períodos históricos e diversos textos sobre a preservação da
memória e o desenvolvimento da identidade cultural da sociedade. Para a
IV
LYNCH, Kevin. De qué tiempo es este lugar? Barcelona: Editorial Gustavo Gili, S.A, pp. 34-36, 1975.
13
apresentação dos exemplos de obras que têm análise e crítica mais aprofundadas são
realizadas coletas de dados junto à administração dos prédios citados, dos escritórios
de arquitetura responsáveis pelas intervenções, em jornais, revistas e artigos
publicados, assim como em entrevistas com pessoas envolvidas no trabalho
arquitetônico.
Relevância e Interesse do trabalho proposto
Esta pesquisa apresenta-se de suma importância por ser um assunto atual, de
aplicação prática, numa área que envolve identidade social e põe em evidência a
leitura urbanística e suas referências pontuais, isto é, os elementos que compõem e
representam a cidade. Além disso, sua relevância aumenta sobremaneira naquilo que
diz respeito à Porto Alegre, inserindo a cidade em uma discussão geral e
possibilitando a demonstração de suas particularidades no que se refere a problemas
e soluções. Para entendermos a cidade em que vivemos e conduzirmos com
consciência sua formação é preciso reconhecermos seus fatos vividos que fazem
permanecer a memória sem interromper o constante processo de transformação e
servem de base para a construção do futuro.
E, para quem participa diretamente dos processos de intervenção, é importante
saber sobre as experiências e teorias do mundo. Faz-se, assim, necessária a
pesquisa e o registro.
V
SOLÁ-MORALES, Ignasi de. El valor del tiempo en la arquitectura. Entrevista de Roberto Converti. ARQUIS
4. Centro de investigaciones en arquitectura/ Universidad de Palermo/ Editorial CP67. Buenos Aires, p.94,
Diciembre 1994.
1
4
CAPÍTULO 1
Conceituação e relação entre termos fundamentais e atuais sobre memória e
contemporaneidade
Este capítulo tem como objetivo esclarecer termos que serão empregados ao
longo do texto, traçando conceitos gerais que servirão de base para melhor
entendimento do conteúdo dos próximos capítulos.
Todos os termos a serem apresentados relacionam-se diretamente entre si e
auxiliam a construção do corpo teórico que trata da dinâmica e da conectividade
temporal na caracterização da cidade através da arquitetura e das questões humanas
que a constroem, com toda sua complexidade.
Conceitos como permanência, identidade, memória, patrimônio histórico, fatos
urbanos, monumentos, monumentos históricos e as re-arquiteturas, colocados e
desenvolvidos a seguir, integram a linguagem das teorias contemporâneas que
retomaram o rumo de continuidade histórica para o processo de consolidação e
individualidade das cidades a partir da segunda metade do século XX.
Permanência
O conceito de permanência está ligado diretamente com a continuidade
histórica, entre a memória e a contemporaneidade do caráter de uma cidade. A
permanência está nos valores históricos apresentados na análise morfológica do
tempo presente da cidade. Esses valores históricos vão além das formas da cidade,
mas estão nelas representados e referenciadas como memória reconstruída de seu
desenvolvimento. São valores que revelam as particularidades de uma cidade que
está sempre em formação, e, inclusive, poderão permanecer em sua forma futura.
Fatos Urbanos
O conceito de fato urbano foi elaborado por Aldo Rossi, em Arquitetura da
Cidade, para referir-se a “entornos mais limitados da cidade inteira”. Rossi considera
que, tanto no aspecto do grande artefato (a cidade), quanto no fato urbano pode-se
perceber que a arquitetura das formas presentes não representa mais do que um
15
aspecto de uma realidade mais complexa, de uma estrutura particular, mas, ao
mesmo tempo é o ponto de vista mais concreto, sendo o dado último verificado dessa
realidade, pela qual se pode fazer a análise do caráter da cidade. Esse conceito é
fundamental para a compreensão da citação de Rossi, baseado na teoria de Poéte e
na pesquisa de Lavedan sobre permanência:
“já que toda função pode ser levantada através de uma forma, a qual é a
possibilidade de existência de um fato urbano, podemos afirmar que uma
forma, um elemento urbano, sempre permite um levantamento; e se essa forma
é possível, também é possível pensar que um fato urbano determinado
permaneça com ela e que talvez, seja precisamente o que permanece num
conjunto de transformações que constitui um fato urbano por excelência.”
VI
Depreende-se dessa afirmativa que um elemento urbano permite a leitura de
uma realidade mais complexa que possa existir (questões humanas) através da forma,
o que caracteriza o fato urbano. Nesse elemento, os valores da memória podem
permanecer junto com a forma numa relação continua com a transformação desse
fato urbano e da cidade. Seria essa permanência que apresentaria o conjunto de
elementos mais característicos por sua maior presença temporal, sendo, portanto, um
fato urbano por excelência, ou seja, mais representativo dos valores que revela.
Lembrando o Pallazzo della Regione da Pádua, Rossi faz uma análise que
reforça a presença das questões humanas nos fatos urbanos e das relações de
permanência:
“Alguns valores e algumas funções originais permaneceram, outros mudaram
completamente; de alguns aspectos da forma temos uma certeza estilística,
enquanto outros sugerem contribuições remotas; todos nós pensamos nos
valores que permaneceram e devemos constatar que, embora esses valores
tenham uma conexão na matéria e seja este o único dado empírico do
problema, também nos referimos a valores espirituais. Nesse ponto,
deveríamos falar da idéia que temos desse edifício, da memória mais geral
VI
ROSSI, Aldo. A Arquitetura da Cidade. São Paulo: Editora Martins Fontes, p.45, 2001.
16
desse edifício enquanto produto da coletividade e da relação que temos com a
coletividade através dele.”
VII
A permanência representa a conexão temporal da história dos fatos urbanos e
da cidade. Paradoxalmente, ela serve como apoio para as transformações ao servir
como referência para novas possibilidades de relações em sentido contínuo à
complexidade e à consolidação de particularidades da cidade. Quanto mais se
estabelecem relações, e quanto mais essas relações se conferem dentro de uma
lógica vivenciada na própria cidade, mais singular é esta cidade.
De acordo com o que foi referido até aqui, as formas da cidade podem
representar os valores da memória que permanecem da sobreposição de
acontecimentos e épocas, ou seja, tornam-se os fatos urbanos. Pode-se concluir que
toda forma inserida na cidade é um fato urbano enquanto relaciona-se com a
sociedade contemporânea dessa cidade e, portanto, todas as formas são fatos
urbanos, mais ou menos explorados ou presentes, alguns quase nulos e
abandonados, alguns com valor histórico discutível. Apesar de algumas formas
estarem isoladas do cotidiano da cidade, elas mantêm uma relação com os indivíduos
da cidade, mesmo que somente visual, e podem ser reabsorvidas ao uso da
população, tendo sua memória reconstruída a partir das relações que não se
romperam e valores que não foram perdidos. Em conjunto, os fatos urbanos decifram
morfologicamente e revelam, de modo não linear, a história e o caráter da cidade.
Também é possível afirmar-se que se há a permanência, há também a não
permanência. Essa última, resultado da seleção humana, intencional ou não, na
construção da cidade, em que não são aproveitadas todas as memórias dos fatos
urbanos possíveis de serem reconstruídas. Essa seleção é determinante na
caracterização da cidade. Porém, há ações humanas que se tornam contraditórias ao
conduzirem a não permanência aquilo que se deseja que permaneça. Como exemplo,
podemos considerar os prédios históricos que são restaurados e não recebem um uso
de acordo com as necessidades contemporâneas da cidade, prédios que têm suas
relações restringidas com o todo (a cidade). São fatos urbanos que são “protegidos”
VII
ROSSI, Aldo. A Arquitetura da Cidade. São Paulo: Editora Martins Fontes, p.16, 2001.
17
para que sua memória não se perca, porém, contraditoriamente, essa memória tende
a deixar de existir, pois sua efetividade é exercida na sua constante reconstrução.
Esse é um esforço vão de “congelamento” da memória que só confirma seu caráter
dinâmico, como mostra Ulpiano T. Bezerra de Meneses:
“O esforço ingente com que se costumam investir grupos e sociedades, para
fixá-la e assegurar-lhe estabilidade, é por si, indício do seu caráter fluído e
mutável.”
VIII
O fato urbano quase passa a ser uma forma alheia às questões humanas, fica
sem significado, sem relações com a cidade, distante da identidade da sociedade que
vive nesse presente.
Formas que são isoladas ou perdem conexão com as transformações
contemporâneas da cidade estabelecem o corte com a permanência dos valores da
memória relacionada a ela. Esses valores permanecem nos fatos urbanos que são as
referências que sustentam a reconstrução da memória. Essa, se dá sempre a partir do
presente, das idéias, experiências e conceitos contemporâneos, como se vê na
formulação de Ulpiano T. Bezerra de Meneses:
“A elaboração da memória se dá no presente e para responder a solicitações
do presente. É do presente, sim, que a rememoração recebe incentivo, tanto
quanto as condições para se efetivar.”
IX
Apesar das transformações da cidade, de suas formas, os fatos urbanos
permanecem na caracterização da cidade e seguem sendo agentes transformadores,
causando mudanças morfológicas, dos próprios fatos urbanos e da cidade. Os valores
da memória, presentes nesses fatos, permanecem mesmo que a reconstrução da
memória não seja sempre igual e, aliás, sempre será diferente, pois o presente a partir
VIII
MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. A História, cativa da memória? Para um mapeamento da memória no
campo das ciências sociais. Resgate: Revista do Instituto de Estudos Brasileiros. São Paulo n.34, p.11, 1992.
IX
MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. Op. Cit., p.12.
18
do que ela é interpretada sempre muda, assim como o conceito de cada fato urbano
depende de quem vive este mesmo fato. Ulpiano confirma essa idéia dizendo:
“... a memória de grupos e coletividades se organiza, reorganiza, adquire
estrutura e se refaz, num processo constante, de feição adaptativa. A tradição
(memória exteriorizada como modelo) nunca se refere a nenhum corpo
19
Para a continuidade da construção do corpo teórico desta dissertação faz-se
necessária a conceituação de dois termos que surgiram no texto relacionados com a
permanência e fatos urbanos, a memória e a identidade, que por sua vez estão
intimamente relacionadas. Ambas estão envolvidas na referida “realidade mais
complexa do que a arquitetura das formas dos fatos urbanos” e envolvem as questões
humanas.
A Identidade e a memória resultam da interação constante entre o indivíduo e
o coletivo. Assim, faz-se necessário o estudo tanto do indivíduo quanto do coletivo
para que se possa entender melhor o que eles significam nas relações temporais e
espaciais que constroem a cidade.
Por sua vez, ao se analisar a cidade, com sua complexidade, nos referimos
diretamente às questões coletivas. Sem desconsiderar o indivíduo, é o coletivo que
fornece um denominador comum. O texto de Ulpiano reforça essa priorização, com
relação à memória, como relevante para as ciências sociais como o assunto tratado
aqui:
“Às ciências sociais interessa a memória individual somente nos quadros da
interação social: é preciso que haja ao menos duas pessoas para que a
rememoração se produza de forma socialmente apreensível. É este fenômeno
da memória condividida (“sharing memories”) que têm relevância. Aliás, a
matéria bruta da memória individual pode permanecer latente anos a fio, a
que seja despertada por um interlocutor cujo papel, então, não é meramente
passivo.”
XII
Identidade
Segundo Stuart Hall, a identidade individual tem se transformado no tempo e
ele explica essa mudança através de três concepções: Sujeito do Iluminismo; Sujeito
Sociológico e Sujeito pós- moderno:
XII
MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. A História, cativa da memória? Para um mapeamento da memória
no campo das ciências sociais. Resgate: Revista do Instituto de Estudos Brasileiros. São Paulo n.34, p.15,
1992.
20
“O sujeito do Iluminismo estava baseado numa concepção de pessoa humana
como um indivíduo totalmente centrado, unificado, dotado das capacidades de
razão, de consciência e ação, cujo centro consistia num núcleo interior, que
emergia pela primeira vez quando o sujeito nascia e com ele se desenvolvia,....
O centro essencial do eu era a identidade de uma pessoa.”
XIII
Essa era uma concepção individualista que não relacionava o homem com o
meio externo, somente a ele mesmo enquanto sujeito.
“A noção de sujeito sociológico refletia a crescente complexidade do mundo
moderno e a consciência de que este núcleo interior do sujeito não era
autônomo e auto–suficiente, mas era formado na relação com outras pessoas
importantes para ele, que mediavam para o sujeito os valores, sentidos e
símbolos. “
XIII
Essa concepção retrata a identidade como resultado da interação entre o eu e
a sociedade. O sujeito ainda possui um eu real, mas esse é formado e modificado
numa relação de troca com os demais sujeitos e identidades. O sujeito amarra-se a
uma estrutura social, coordena as questões subjetivas com a posição que ele ocupa
no mundo social e cultural construindo sua identidade e contribuindo para a formação
de uma identidade coletiva.
Já o sujeito pós-moderno, dentro da idéia de que tudo é movimento e
está em constante transformação (reflete-se diretamente na identidade social), não
possui uma identidade fixa, essencial ou permanente, como mostra Hall:
“A identidade torna-se uma celebração móvel: formada e transformada
continuamente em relação às formas pelas quais somos representados. Ou
interpelados nos sistemas culturais que nos rodeia. É definida historicamente e
não biologicamente.”
XIII
XIII
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, pp.10-13, 1999.
21
Podemos dizer que uma das formas pelas quais somos representados é a
forma concreta dos monumentos, dos fatos urbanos e das cidades. Então, as
identidades têm uma relação de interdependência com a arquitetura e com a memória,
que pode ser revelada nas formas. Por sua vez, a memória, nas suas transformações
e permanências, constrói as identidades coletiva e individual. Conclui-se então, que o
cuidado com a permanência de determinados fatos urbanos, o reforço de sua
existência, pode mudar os caminhos da formação da cidade e alterar a identidade dos
sujeitos que nela habitam. Woodward reforça a idéia dizendo:
“A representação inclui práticas de significação e sistemas simbólicos através
dos quais significados são produzidos e que nos posiciona como sujeitos. (...)
Nós podemos ir além e sugerir que esses sistemas simbólicos criam as
possibilidades do que nós somos e o que nós podemos nos tornar.
Representação, como um processo cultural, estabelece identidades individuais
e coletivas e sistemas simbólicos proporcionam respostas possíveis às
questões: quem sou eu? O que eu poderia ser? Quem eu quero ser?”
XIV
Trabalhar com a revitalização de áreas urbanas, reciclar prédios e integrá-los
como conjunto pode, se bem realizado, influenciar a qualidade de vida, o bem-estar
das pessoas dentro da cidade. Pode ainda, incluir muitas identidades marginalizadas
ou adormecidas da sociedade, mantendo-as vivas e participantes, construindo uma
cidade onde as identidades coletivas sejam claramente aceitas e tenham visibilidade.
Segundo Adélia Bezerra de Menezes
XV
, “o processo de identificação é um processo
de construção de imagem, por isso terreno propício a manipulações”.
Cada sujeito é constituído por várias identidades, formadas a partir de sua
vivência em coletividade, e, em parte, são diferentes dos outros sujeitos. Por sua vez,
a identidade coletiva é formada, em grupos, por referências comuns entre as
identidades dos sujeitos.
XIV
WOODWARD, Kathrin. Motherhood: identities, meanings and myths (trechos selecionados). In:
WOODWARD, Kathrin. Concepts of Identity and Difference. London: Sage, p.14, 1997.
XV
MENESES, Adélia Bezerra de. Memória e Ficção. Resgate: Revista de Cultura. Campinas: Área de publicação/
CMU-Unicamp, n.3, p.14, 1991.
22
As identidades coletivas podem, para não dizer que devem, estar todas
representadas, democraticamente, no contexto urbano (espaço coletivo) onde se
realizam as ligações entre essas identidades, conduzindo o desenvolvimento particular
de cada cidade com legitimidade.
Segundo Woodward, as identidades são formadas pelas diferenças e podem
gerar conflitos que, ao mesmo tempo, impossibilitam sua convivência em harmonia,
mesmo dentro do próprio sujeito. No entanto, elas podem ser integradas e seus
conflitos amenizados na equalização de importância e participação dentro da cidade.
A aceitação das diferentes identidades se dá pela convivência, pelo conhecimento do
diferente, pelas relações de dependência. Segue uma citação de Woodward, em seu
comentário sobre a guerra da Iugoslávia, que reforça a constituição da identidade na
diferença:
“Identidade é um fator relacional aqui. A identidade repousa sua existência em
algo fora dela mesma: isto é, outra identidade (Croata) que ela não é, e ambas
diferem da identidade Sérvia, mas mesmo assim dá condições para ela existir.
A identidade Sérvia é diferenciada por aquilo que ela não é. Ser um Sérvio é
“não ser um croata”. Identidade então é marcada pela diferença.”
XVI
A identidade é essencialmente constituída na memória. É através dela que os
grupos sociais tomam consciência de suas características, daquilo que os diferenciam
dos outros grupos. A identidade traduz o sentimento de pertencer a um grupo. A
reconstrução da memória propicia ao grupo o reconhecimento de sua própria
identidade, fortalecendo em todos o sentimento de permanência e continuidade.
Memória
É importante relembrar que a memória só existe a partir do presente. Conforme
Henry Rousso, “a memória, no sentido básico do termo, é a presença do passado”
XVII
,
XVI
WOODWARD, Kathrin. Motherhood: identities, meanings and myths (trechos selecionados). In:
WOODWARD, Kathrin. Concepts of Identity and Difference. London: Sage, p.9, 1997.
XVII
ROUSSO, Henry. La memóire n’est plus ce qu’elle était. In: Écrire l’histoire du temps présent. Paris: CNRS,
p.94, 1992.
23
é então sujeita às interpretações dos indivíduos nas conjunturas do momento. Ecléa
Bosi afirma:
Se a memória é, não passividade, mas forma organizadora, é importante
respeitar os caminhos que os recordadores vão abrindo na sua evocação
porque são o mapa efetivo e intelectual da sua experiência e da experiência de
seu grupo.”
XVIII
Assim, a memória reconstitui um passado interpretado, não pela reprodução
dos acontecimentos tal e qual eles aconteceramçãoeconsrt11.71 o8871 ov6.ov6.7(e)-6(s)r,-0.0431 -1.e009im.9( )]dução
2
4
Então, a memória, tanto individual como coletiva, é a reconstrução do passado
de acordo com os interesses e preocupações coletivas contemporâneas partindo de
acontecimentos inseridos em uma coletividade, não simplesmente de idéias e
sentimentos isolados. O texto de Maria Luisa Schmidt e Miguel Mahfoud resume
essas relações sociais e temporais:
“A memória é este trabalho de reconhecimento e reconstrução que atualiza os
quadros sociais nos quais as lembranças podem permanecer e, então,
articular-se entre si.”
XXI
A memória, assim, é seletiva, esconde alguns fatos e evidencia outros. Dessa
forma, quando se trabalha com intervenções nos elementos de representação dessas
memórias, altera-se essas relações e, por conseguinte, as identidades coletiva e
individual. Assim, reiteram-se possíveis as buscas de transformação e consolidação
do caráter de uma cidade em busca de uma identidade que inclua todos os sujeitos da
sociedade, bem como outras transformações que busquem a melhoria de vida. Pode-
se realizar mudanças intencionais nos valores da cidade de forma legítima, com a
permanência das particularidades do lugar, sem imposições de doutrinas e estilos de
vida (vide cap. IV). Segue uma citação de Jacques Goff, a qual não exclui que as
mudanças, a partir da permanência da memória, não são necessariamente positivas e
sim condicionadas às intenções humanas e relações da cidade:
“A memória, onde cresce a história, que por sua vez a alimenta, procura salvar
o passado para servir o presente e o futuro. Devemos trabalhar de forma a que
a memória coletiva sirva para a libertação e não para a servidão dos
homens.”
XXII
XXI
SCHMIDT, M.L.S.; MAHFOUD, M. Halbwachs: Memória Coletiva e Experiência. Psicologia USP, São Paulo,
vol. 4 n. ½, p. 289, 1993.
XXII
GOFF, Jacques Le. Memória – História. In Enciclopédia Einaudi, vol1, p.47.
25
Patrimônio Histórico, Monumento e Monumento Histórico
Conceituar patrimônio histórico, monumento e monumento histórico permite
destacar o aparecimento e o desenvolvimento da busca intencional pela reconstrução
da memória. A mudança do termo no decorrer da história elucida a transformação no
modo de se pensar sobre a importância da memória na contemporaneidade da
cidade.
A memória, como já foi afirmado, está presente na arquitetura da cidade
através das sobreposições de formas e estilos arquitetônicos que atravessam os
tempos, está nos fatos urbanos com suas questões humanas. E estão nesses
elementos urbanos a representação da memória materializada que, assim como ela,
são um produto do coletivo que permitem interpretações de acordo com determinado
presente e observador. O conjunto dos fatos urbanos que possuem valores históricos
(como beleza e referência) sedimentados pela permanência da memória são
denominados de patrimônio histórico, termo conceituado por Choay:
“A expressão designa um bem destinado ao usufruto de uma comunidade que
se ampliou a dimensões planetárias, constituído pela acumulação contínua de
uma diversidade de objetos que se congregam por seu passado comum: obras
e obras-primas das belas-artes e das artes aplicadas, trabalhos e produtos de
todos os saberes e savoir-faire dos seres humanos.”
XXIII
A importância histórica dos elementos urbanos como patrimônio da cidade ou
grau de expressão no seu caráter, pode ser maior ou menor, estar mais presente ou
menos presente. É a própria cidade, a partir da história de suas particularidades, que
determina seu patrimônio histórico e é através dele que se formam as particularidades
dessa cidade.
O patrimônio histórico, representado pelas edificações, que em outra época
poderia ser considerado sinônimo de monumentos históricos, hoje não se limita mais
aos edifícios individuais, passou a compreender os aglomerados de edificações e a
malha urbana. O patrimônio histórico engloba, além dos monumentos históricos, as
XXIII
CHOAY, Fronçoise. A Alegoria do Patrimônio. São Paulo: Editora Unesp, p.11, 2001.
26
edificações de interesse, que não têm destaque individual e sim coletivo. Elementos
que possuem valores significativos por caracterizarem, por exemplo, um bairro ou uma
vila e, portanto, fazem parte das particularidades mais marcantes de uma cidade.
Já “monumento histórico” é um conceito que tem se transformado e se
ampliado, tanto com relação ao patrimônio representado pelas edificações como no
âmbito geral. Muitos elementos têm sido considerados monumento histórico, como
especifica Choay:
“A partir da década de 1960, os monumentos históricos já não representam
senão parte de uma herança que não pára de crescer com a inclusão de novos
tipos de bens e com o alargamento do quadro cronológico e das áreas
geográficas no interior das quais esses bens se inscrevem.
XXIV
Considera-se monumento histórico as obras humanas “escolhidas” a posteriori
de sua concepção e com motivos alheios a ela, por seu valor histórico ou também pelo
seu valor artístico. Dentre esses monumentos históricos também estão alguns dos
considerados monumentos, porém, representados de forma diferente do seu conceito
original que mostra a seguir o texto de Choay:
“O sentido original do termo é do latim monumentum, que por sua vez deriva de
monere (“advertir”, ”lembrar”), aquilo que traz à lembrança alguma coisa. (...)
não se trata de apresentar, de dar uma informação neutra, mas de tocar, pela
emoção, uma memória viva. Nesse sentido primeiro, chamar-se-á monumento
tudo o que for edificado por uma comunidade de indivíduos para rememorar ou
fazer que outras gerações de pessoas rememorem acontecimentos, sacrifícios,
ritos ou crenças. “
XXV
Os monumentos são o produto de uma ação deliberada, com a intenção de
guardar para as gerações futuras acontecimentos considerados importantes em
XXIV
CHOAY, Fronçoise. A Alegoria do Patrimônio. São Paulo: Editora Unesp, p.12, 2001.
XXV
CHOAY, Fronçoise. Op. Cit., p.17.
27
determinada época e lugar ou como representação de poder. Outra citação de Choay
reforça a idéia:
“O monumento tem por finalidade fazer reviver o passado mergulhado no
tempo. O monumento histórico relaciona-se de forma diferente com a memória
viva e com a duração. Ou ele é simplesmente constituído em objeto de saber
integrado numa concepção linear de tempo – neste caso seu valor cognitivo
relega-o inexoravelmente ao passado, ou antes à história em geral, ou à
história da arte em particular - ; ou então ele pode, além disso, com a obra de
arte , dirigir-se à nossa sensibilidade artística, ao nosso desejo de arte.”
XXVI
O monumento histórico permite a leitura das memórias a serem reconstruídas
em suas formas a partir do presente e, diferente do monumento, não remete a um
símbolo e sim a um conjunto de acontecimentos que estão relacionados à história e
ao caráter da cidade. Nesta passagem do texto de Carlos Fortuna essa hipótese se
reforça, (leia-se em monumento – conceito atualizado para o autor – monumento
histórico, conceito de Choay, considerado neste texto):
“Como acontece com a memória coletiva, que reconstrói o passado a partir do
presente, a relação indeterminada dos monumentos com a história não diminui
em nada o seu dramatismo. (...) Por não existir uma relação direta entre o
significado histórico que se supõe transmitirem e aquilo que significam, os
monumentos são, como ruínas, um convite à imaginação do passado e alguns
casos, do presente. “
XXVII
O monumento histórico é uma concepção mais nova que o monumento. Este
último, desde a antiguidade, foi perdendo força como memorial e foi agregando outros
valores como: a importância histórica, as técnicas empregadas, o estilo e a estética. A
partir dessas mudanças é que o monumento sofreu algumas alterações semânticas,
ao mesmo tempo em que originou o termo monumento histórico. Parte significativa
XXVI
CHOAY, Fronçoise. A Alegoria do Patrimônio. São Paulo: Editora Unesp, p.26, 2001.
XXVII
FORTUNA, Carlos. As cidades e as identidades: narrativas, patrimônios e memórias. In Revista Brasileira de
Ciências Sociais, vol.12, nº 33, p. 135, fev. 1997.
28
dessas alterações dá-se sob influência das ações intencionais do Renascimento de
valorização e reconstrução da memória da cultura clássica pela sua “beleza”, em
grande distanciamento histórico. Choay em seu texto expõe a evolução da palavra
monumento:
“O papel do monumento, porém, em seu sentido original, foi perdendo
progressivamente sua importância nas sociedades ocidentais. (...) Em 1689,
Furetiére já parece dar ao termo um valor arqueológico, em detrimento de seu
valor memorial: (...) Alguns anos mais tarde, o Dictionnaire de l’Académie situa
de forma clara o monumento e sua função memorial no presente, mas seus
exemplos traem um deslocamento, desta vez em direção a valores estéticos e
de prestígio: (...) Essa evolução se confirma um século mais tarde, com
Quatremérede Quincy. Este observa que “aplicada às obras de arquitetura”,
essa palavra “ designa um edifício construído para eternizar a lembrança de
coisas memoráveis, ou concebido, erguido ou disposto de modo que se torne
um fator de embelezamento e de magnificência nas cidades. (...) Hoje, o
sentido de “monumento” evoluiu um pouco mais. Ao prazer suscitado pela
beleza de edifício sucedeu-se o encantamento ou espanto provocados pela
proeza técnica e por uma visão moderna do colossal ...”
XXVIII
Os monumentos atuais, que existem como função memorial na atualidade, são
os comemorativos, realizados para marcar algum evento festivo ou em memória de
alguma personalidade, mas que, de qualquer forma, já revelam a importância da
“beleza”, da “técnica” e do “colossal” em muito até suplantando seu próprio significado.
Poderão ou não adquirir “status” de um monumento histórico, caso permaneçam ou
não no presente, e assim, fazer parte ou não do patrimônio histórico.
Tanto os monumentos como o patrimônio histórico são morfologicamente
determinantes na definição do caráter que torna cada cidade diferente da outra,
apesar de muitas delas terem históricos e condições físicas muito semelhantes.
Através desse conjunto de formas é possível a leitura da história da cidade. O
patrimônio histórico de uma cidade é um conjunto de fatos urbanos, em variados
29
graus de representatividade, mais característico desse ambiente em constante
transformação.
Os monumentos, quando concebidos, são desenhados para imortalizar a
função pela qual foi realizado, o que é coerente. Porém, o que não se considera, e
nem se quer considerar ao se conceber um monumento, é que a identidade e as
funções sociais estão em constante transformação. A relação do monumento com a
cidade muda através dos tempos e, inclusive, pode perder totalmente o seu significado
original. Para que este então, seja considerado um monumento histórico e permaneça
presente no cotidiano da cidade, é preciso que tenha identidade para suportar as
mudanças, ou então se perderá no tempo, esquecido. O fato é que o monumento não
é projetado para ter flexibilidade (que não ocorre sempre) e tende a não permanecer
na sociedade, ou seja, quanto mais inflexível em busca de um registro específico que
se mantenha pelo apelo inicial menos chances desse objeto alcançar longevidade.
As reciclagens podem manter fatos urbanos de formas não tão flexíveis,
mesmo assim, quanto mais eles são inflexíveis mais transfigurados se tornam com as
transformações e menor sua permanência. Por não permitirem a absorção das novas
necessidades da cidade, esses fatos urbanos poderão ser suplantados por novos
fatos. Dentro desse princípio, segue uma passagem de W. Gropius:
“O arquiteto deve conceber edifícios não como monumentos mas como
receptáculos para o fluxo de vida aos quais devem servir, (...) sua concepção
deve ser flexível o suficiente para criar uma base que absorva o caráter
dinâmico de nossa vida moderna...
XXIX
Gropius lembra que a flexibilidade na vida moderna –e, mais ainda, na
contemporânea- adquiriu uma importância ainda maior pela dinamicidade com que se
desenvolvem os acontecimentos e a mudanças.
XXIX
OSÓRIO, Carlos Fontoura. Dissertação de Mestrado: Projetando para o futuro, o conceito de flexibilidade na
arquitetura. Porto Alegre: PROPAR, p.41, 2002.
30
É importante destacar que flexibilidade não significa deixar de resolver
questões do problema de arquitetura ou deixá-los em aberto e sim, a possibilidade de
integração, de adaptação às novas necessidades.
Re-arquiteturas
Outro termo já citado, importante para ser conceituado, é o de Re-arquiteturas.
Esse termo congrega idéias do texto até agora pesquisadas na discussão de um tema
específico, por José Artur D’Aló Frota (programa da disciplina de mesmo nome
PROPAR da UFRGS), “a intervenção arquitetônica no edifício ou lugar já edificado.” É
o mais contemporâneo incorporado neste corpo teórico e refere-se ao conjunto de
ações arquitetônicas sobre a arquitetura existente que cada vez tornam-se mais
absolutas no mundo em que muito do ambiente natural já foi modificado, organizado
pelo homem.
Re-arquitetura pode ser uma reforma, uma revitalização, uma reciclagem, uma
re-urbanização, uma restauração, algumas ou todas as “re” arquiteturas. O importante
não é “estabelecer regra, mas analisar e interpretar estratégias típicas do ofício
arquitetônico onde a recuperação histórica é parte do problema.” Isso, porque não se
trata de “congelar” uma memória resgatada a todo o custo e sim de se reconstruir a
memória que se quer na contemporaneidade levando-se em consideração as outras
equações a serem solucionadas:
“Sua abordagem
parte da óptica distinta ao argumento historicista/
conservacionista cuja tendência é tratar a questão como uma solução de
problemas técnicos, no âmbito limitado ao histórico-construtivo, considerando o
edifício como peça museológica e o processo de projeto como instrumento
limitado e condicionado a recompor determinadas características estabelecidas
pela investigação histórica.”
XXX
Como Re-arquiteturas engloba vários termos de intervenção arquitetônica é
importante, por conseguinte, entendê-los. A restauração, por exemplo, pode nos
XXX
DISCIPLINA DE MESTRADO DO PROPAR (UFRGS), ARQ. 00028, 2002, Porto Alegre. Re-arquiteturas.
Porto Alegre. 2002. 2p.
31
remeter ao conceito historicista explicitado por José Artur, pois é segundo a carta de
Atenas:
“65- Os valores arquitetônicos devem ser salvaguardados (...)
Eles fazem parte do patrimônio humano, e aqueles que os detêm ou são
encarregados de sua proteção, têm a responsabilidade e a obrigação de fazer
tudo que é lícito para transmitir intacta para os séculos futuros essa nobre
herança.”
XXXI
e a Carta de VenezaXXI
32
Movimento Moderno, através das cartas de Atenas e Veneza, e outros mais antigos,
como o de Viollet-le-duc e o de Ruskin com o conceito baseado só na conservação:
No início do século XIX, o restauro e a manutenção de prédios históricos já
possuía uma formatação avançada com status de ciência. Na França, que buscava no
resgate da arquitetura gótica um sentimento nacionalista, o restauro avançou um
estágio com Viollet-le-Duc. Suas inovações e reflexões para essa área foram
registradas em duas obras literárias suas, “Entretiens sur L’architecture” (1863-1872) e
“Dictionnaire Raisoné de L’architecture Française” em dez volumes (1854-1868) de
grande influência, como diz Beatriz Mugayar Kühl, no livro “Restauração, Eugéne
Emmanuel Viollet-Le-Duc”:
“Tiveram importância fundamental para a difusão de princípios racionais de
construção e na propagação da idéia de que o verdadeiro futuro da arquitetura
estaria em se estabelecer um sistema tão coerente, coeso e racional como
aquele da arquitetura Gótica”
XXXIV
Viollet-Le-Duc encarava os objetos arquitetônicos a partir de uma concepção
idealizada que encontraria correspondência entre forma, estrutura e função formando
um sistema “lógico”. A citação do arquiteto francês, reforça essa intenção:
“Restaurar um edifício não é mantê-lo, repará-lo ou refazê-lo, é restabelecê-lo
em um estado completo que pode não ter existido nunca em um dado
momento”
XXXV
Ao invés de tentar devolver ao prédio sua origem fiel, ele pretendia sua
evolução, não com as reflexões contemporâneas, mas através da tentativa de
reprodução da técnica e do modo de pensar da época. Defeitos de projeto poderiam,
inclusive, ser alterados. Viollet-le-Duc não considerava as modificações posteriores
referentes a outros períodos da história, buscando o purismo de época,
independentemente da relevância das contribuições.
XXXIV
VIOLLET-LE-DUC, Eugène Emmanuel. Restauração. São Paulo: Artes & Ofícios, p.17, 2000.
XXXV
VIOLLET-LE-DUC, Eugène Emmanuel. Op. Cit, p.29.
33
As posições de Viollet-le-Duc eram opostas às de John Ruskin que, na
Inglaterra, publicara “The Seven Lamps of Architecture” (1849), em que faz pesadas
críticas às restaurações tal como estavam sendo realizadas. Ruskin defendia o
absoluto respeito pela matéria original levando em consideração as transformações
através dos tempos, devendo-se tomar a atitude de simples conservação, para evitar
a degradação, ou de pura contemplação da obra, sem interferências. Nessa teoria,
perdia-se em melhorias e atualização do espaço e ganhava-se na acumulação de
informações históricas.
As posições de Ruskin e Viollet-le-Duc exerceram influência, não apenas em
seus ambientes, mas também em outros países. Porém, mesmo nos respectivos
meios seguiam-se preceitos diversos. Na França, outros autores eram menos radicais
que Viollet-le-Duc, como Lassus, que procurava respeitar a concepção original dos
objetos, ainda que considerada defeituosa, e Vitor Hugo, que era a favor de manter as
obras como chegaram aos seus dias atuais, com todas as alterações por que
passaram.
É importante salientar que nas duas teorias de preservação, tanto da
restauração de Viollet-le-Duc como a da simples conservação de Ruskin, não havia a
preocupação das obras serem atualizadas para usos contemporâneos, nem com a
utilização de técnicas e materiais modernos. Quando os monumentos históricos
sofriam a interferência para uma qualificação, transformando o espaço, caso da teoria
e prática de Viollet-le-Duc, não se admitia a maneira de pensar a partir do presente, e
sim, buscava-se a maneira de pensar de um período que não existia mais.
Mas a restauração, diferentemente das situações citadas, também participa nas
re-arquiteturas que resgatam os fatos urbanos e reconstroem a memória na vida
contemporânea. Isso pode ocorrer uma vez que ela não é a principal questão tratada,
mas que participa de um conjunto de intervenções relacionadas à continuidade do
uso, independentemente da troca ou não de atividade, como por exemplo, a
restauração das Igrejas em Ouro Preto. O que importa é trazer o espaço de volta à
vida da sociedade. O Restauro pode ainda aparecer associado com outra intervenção,
onde só são restaurados alguns elementos característicos enquanto outros elementos
3
4
são alterados ou demolidos com técnicas e materiais atualizados dentro da maneira
de pensar contemporânea.
Tanto o termo revitalização como reciclagem se inserem mais diretamente no
conceito geral de re-arquiteturas, pois buscam a melhoria dos ambientes para o uso
contemporâneo. Revitalizar e reciclar aparecem definidos em uma passagem do texto
de Odete Dourado:
“Trata-se de insuflar-lhes vida, através de um processo de revitalização que
inclui não só o aproveitamento, com modificações mais ou menos profundas de
suas estruturas, como também a reciclagem, muitas vezes, de grande número
de suas edificações. Não se pode confundir, aqui, reciclagem com a mera
reutilização funcional de edificação (...). Na verdade, trata-se de construir sobre
o já construído, aproveitando o já existente como base para uma nova
configuração tanto funcional como estética.”
XXXVI
Há, ainda, muitos outros termos dentro de re-arquiteturas que ainda podem ser
citados como renovar, refazer, reformar, remodelar, refuncionalizar, reconstituir,
reabilitar. Jorge Glusberg reforça a presença desses termos e a ligação deles com
idéia contemporânea de intervenção nas preexistências, considerada aqui como re-
arquiteturas:
“Los verbos aludidos son una veintena. Todos ellos comienzan com la
preposición ’re”, y en la mayoría de los idiomas. Es natural, porque esta
arquitectura opera sobre/ en una anterior. Pero el único sentido de tal
preposición és aqui sinónimo de la disciplina misma: “re” quere dicir “de nuevo”.
Sin duda, se trata de una aruitectura “nueva”, absolutamente nueva, realizada
dentro de una arquitectura “vieja”.”
XXXVII
XXXVI
DOURADO, Odete. Por um restauro urbano, novas edificações que restauram cidades monumentais. In
site www.geocities.com/revistaturba/turba056.htm, p.1.
XXXVII
GLUSBERG, Jorge. Anotaciones sobre la revitalización de edificios. ARQUIS 4, Centro de Investigaciones
en arquitetura/ Universidad de Palermo/ Editorial CP67. Buenos Aires, p. 66, diciembre, 1994.
35
Com a definição dos termos conceituados e baseando-se nos argumentos
apresentados, é possível se fazer um resumo da linha de pensamento traçada neste
capítulo. Dessa maneira, o texto sugere que a cidade pode ser analisada como um
grande artefato, composta por fatos urbanos que, por sua vez, podem ser
representados monumentos e/ou monumentos históricos bem como outro “entorno
mais limitado” qualquer da cidade. Essas formas permitem a leitura das questões
humanas ligadas a quem as transforma cotidianamente, direta ou indiretamente,
intencionalmente ou não. E são nesses fatos urbanos que se revelam as
características particulares de cada cidade, construção das escolhas individuais e
coletivas de quem vive e se relaciona com a cidade. Dessa maneira, representando o
caráter da cidade e sua história, os fatos urbanos permitem a reconstrução da
memória da sua trajetória temporal. Memórias que são ou não permanentes pela
seleção relativa às transformações da cidade, seus interesses e necessidades. É na
constante verificação de suas próprias necessidades que uma cidade pode decidir
qual o melhor caminho a seguir para se consolidar. E quanto mais rico for esse
passado e mais fartas forem as possibilidades de serem reconstruídas as memórias
desse passado mais instrumentos tem essa cidade para satisfazer suas
necessidades, tornar-se cada vez mais única e identificada com seus próprios valores.
Aí podem estar também bons elementos para a construção de uma cidade rica em
oportunidades e qualidade de vida.
36
empíricos preciosos para o conhecimento de fenômenos relevantes e
merecedores de análise e apreensão histórica.”
XXXVIII
“A memória é filha do presente. Mas, como seu objeto é a mudança, se lhe
faltar o referencial do passado, o presente permanece incompreensível e o
futuro escapa a qualquer projeto.
XXXIX
XXXVIII
MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. A História, cativa da memória? Para um mapeamento da
memória no campo das ciências sociais. Resgate: Revista do Instituto de Estudos Brasileiros. São Paulo
n.34, p.10, 1992.
XXXIX
MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. Op. Cit. p.15.
37
CAPÍTULO 2
O Modernismo e a descontinuidade histórica
Em contraponto com o conceito contemporâneo de permanência dos fatos
urbanos, na relação memória e contemporaneidade, está a descontinuidade histórica
do Movimento Moderno, assunto introduzido pelo capítulo que se segue. O critério de
definição para o modernismo referido aqui compreende a arquitetura do período em
torno da I Guerra Mundial até a segunda metade da década de 1960, mas concentra-
se principalmente na ortodoxia doutrinária dos primeiros CIAM
XL
(Congresso
Internacional da Arquitetura Moderna), quanto às teorias de preservação e a ação
progressista do movimento, a posição “teleológica” do modernismo segundo Carlos
Martí Arís:
“La posición teleológica contempla la historia como un flujo diacrônico orientado
hacia um destino predecible, siendo el artista moderno el encargado de
propiciar su cumplimiento. Podría usarse, para describir esta concepción de la
historia, la metáfora de la corriente de um río que va surcando y dejando atrás
diversos territorios (los períodos históricos); um río que va sempre creciendo y
avanzando según uma inevitable senda marcada por la pendiente orográfica (la
línea evolutiva del progreso).”
XLI
Isso não significa que o modernismo não tenha sido receptivo aos grandes
exemplos do passado e não tenha buscado preservá-los. O movimento, no entanto,
como toda a corrente ideológica que segue à outra, sustentou críticas radicais ao
período anterior, o Ecletismo e sua passividade oitocentista, que revertia “La historia
de la arquitectura en un gran depósito de materiales, perfectamente ordenados y
catalogados que pueden usarse con la discreción siempre que se respeten ciertas
XL
CIAM I, 1928, Suíça (fundação do CIAM); CIAM II, 1929. Alemanha; CIAM III, 1930, Bélgica; CIAM
IV, 1933, Grécia; CIAM V, 1937, França; CIAM VI, 1947, Inglaterra (reafirmação das intenções do CIAM);
CIAM VII, 1949, Itália; CIAM VIII, 1951, Inglaterra; CIAM IX, 1953, França; CIAM X, 1956, Iuguslávia.
XLI
MARTÍ ARÍS, Carlos. El Movimiento Moderno y la Interpretación de la historia. Revista Arquitectura/COAM,
n. ?. Madrid, p. 31, 199?.
38
reglas de montaje”, como diz Arís
2
. Postura que Riegl, no início do século XX também
rebatia, mas de forma diferente da concepção modernista, como podemos verificar no
texto de José Artur D’Aló Frota:
“Em o culto moderno aos monumentos o compromisso de Riegl com o
presente é explícito. Alertando para os perigos do culto acrítico ao passado,
afirmava que “renegar o novo por ser novo equivale a sacralizar o passado e
negar à contemporaneidade seu próprio direito à história.”
XLII
Além disso, o modernismo como um todo, rechaçava os valores sociais dessa
época e suas conseqüências bélicas no início do século XX.
O modernismo, em oposição a esse retrospecto, buscou soluções para os
problemas da cidade, utilizando-se do processo industrial na arquitetura para a
melhoria da qualidade de vida, desde a escala da moradia. Apoiado em princípios
socialistas, de que a tecnologia deveria ser utilizada e desenvolvida para o bem-estar
do homem e não para sua destruição, o movimento expressava o desejo de mudar
padrões estabelecidos pela lógica do século XIX através de suas novas diretrizes, de
forma a tornar as relações humanas e suas ações mais próximas daquilo que se
racionalizara. A Carta de Atenas mostra esse discurso contra o mau uso da tecnologia
e as críticas às heranças sociais:
“O emprego da máquina subverteu condições de trabalho. Rompeu um
equilíbrio milenar, aplicando um golpe fatal no artesanato, esvaziando o campo,
entupindo as cidades e, ao desprezar harmonias seculares, perturbando as
relações naturais que existiam entre a casa e o local de trabalho. (...) As
moradias abrigam mal as famílias, corrompem sua vida íntima, e o
desconhecimento das necessidades vitais, tanto físicas quanto morais, traz
seus frutos envenenados: doença, decadência, revolta.”
XLIII
XLII
FROTA, José Artur D’Aló. Re- arquiteturas, o passado no presente: um caminho para a preservação e
contemporaneidade. Porto Alegre: UFRGS, p.2, 2002.
XLIII
CIAM (Congresso Internacional de Arquitetura Moderna), IV, 1933, Atenas. Carta de Atenas. in site
www.albatrozpr.com.br
, p.3.
39
Esse rompimento com valores sociais e com o modo específico de entender a
história que caracterizava o Ecletismo, do uso repetitivo e estanque de elementos do
passado, levou o modernismo à busca do novo, por novas formas que atendessem à
modernidade. Isso se manteria de forma progressiva em função do planejamento,
uma evolução constante sempre renovada por esse espírito moderno, como mostra
Arís:
“En el pensamiento moderno confluyen,..., la idea del progreso continuo e
ilimitado en el campo del arte con la idea de que expresar, a través de la obra ,
el espíritu de la época es lo que garantiza la consecusión de ese progreso.
Esta confluência propicia un culto a la novedad como valor en si mismo e
introduce una separación ontológica entre la actualidad y la experiência
precedente.”
XLIV
Essa evolução constante pretendida pelo modernismo parte de uma concepção
de que existe uma situação ideal (o próprio espírito moderno), direção para qual a
cidade deve se desenvolver. É um caminho com ponto de chegada, mesmo que esse
ponto não seja tangível, que sua busca seja interminável, ou que ele seja o próprio
caminho. O texto de Arís reforça essa colocação:
“... el punto de vista de la modernidad con respecto a la historia, lejos de ser
desdeñoso e ignorante es más bien atento y conecedor. (...) Sólo que se trata
de um punto de vista finalista que, al concebir el proceso histórico como uma
progresión continua hacia um objetivo, tiende a acentuar la condición de
compartimentos estancos que se atribuye a los diferentes períodos históricos.”
XLV
XLIV
MARTÍ ARÍS, Carlos. El Movimiento Moderno y la Interpretación de la historia. Revista Arquitectura/
COAM, n. ?. Madrid, p. 32, 199?.
XLV
MARTÍ ARÍS, Carlos. Op. Cit., p. 31.
40
O modernismo, assim, é uma descontinuidade histórica, pois se apresenta
como uma solução, como uma verdade que inibe a dinâmica das transformações de
verdades e necessidades da cidade.
No moderno, esse ideal é técnico, racional, assim como é racionalizada a
organização planejada para o desenvolvimento da cidade, o que se traduz numa
imposição de valores. Exemplos disso são a segmentação e as mudanças nas
relações de habitar, trabalhar, circular e no lazer das pessoas, dentro de uma lógica
determinada que não considerava os aspectos humanos de forma dinâmica e
arbitrária, nem suas identidades e tradições. Talvez isso decorra da influência do
organicismo e do funcionalismo, correntes iniciadas antes do moderno que ressaltam
uma diretriz, “a forma segue a função”, definidas a seguir por Aldo Rossi:
“Tal conceito de função, tomado de empréstimo da fisiologia, assimila a forma
de um órgão cujas funções são as que justificam a sua formação e seu
desenvolvimento, implicando as alterações da função em uma alteração da
forma.”
XLVI
Segundo Rossi, esse conceito em que a função resume a forma, é assumido,
depois, por todo o pensamento arquitetônico e urbanístico, até caracterizar, através do
organicismo e do funcionalismo grande parte da arquitetura moderna. Para Rossi, é
inconcebível reduzir a estrutura dos fatos urbanos a um problema de organização de
alguma função:
“... se os fatos urbanos pudessem continuamente fundar-se e renovar-se
através do simples estabelecimento de novas funções, os próprios valores da
estrutura urbana, realçados pela sua arquitetura, seriam contínuos e facilmente
disponíveis; a própria permanência dos edifícios e das formas não teria
nenhum significado, e o próprio valor de transmissão de uma determinada
cultura, de que a cidade é um elemento, seria aposto em crise.”
XLVII
XLVI
ROSSI, Aldo. A Arquitetura da Cidade. São Paulo: Editora Martins Fontes, p.30, 2001.
XLVII
ROSSI, Aldo. Op. Cit., p.31.
41
Outra influência dessa racionalização do modernismo pode estar na crença de
que os problemas sociais poderiam ser resolvidos pela arquitetura; novas técnicas e
novos conceitos estéticos comportariam uma organização determinada para o novo
tempo, ou seja, através de algumas regras, aplicadas às formas da cidade, haveria
uma grande revolução na vida da sociedade.
Ao interferir nos hábitos sociais daquela época, o modernismo afetou a questão
da identidade. Com um modelo que se encerrava em si, propondo solucionar todos os
problemas existentes com seus conceitos, ele provocou um choque cultural,
principalmente num primeiro momento. A vida social foi entendida como um ato
mecânico, não como se os seres fossem robôs, mas como se fosse possível prever
onde, quando e como cada necessidade humana pudesse ser atendida. Esse
pensamento, quando aplicado, entrou em conflito com a identidade individual e
coletiva, pois desconsiderou a velocidade natural de transformação dos valores e
identidades culturais.
A descontinuidade moderna, que envolve a identidade e, enfim, todas as
questões humanas, está bem clara na forma de preservação do patrimônio histórico.
Por mais que haja valorização do passado ele é considerado superado, já serviu ou
não como referência na concepção de espírito do movimento e, a partir daí, passa a
ser um marco da história, representado e cultuado por monumentos históricos
isolados da contemporaneidade.
No Movimento Moderno houve a preocupação em se preservar as obras de
interesse histórico que tivessem representatividade temporal, sentimental e estética. O
valor atribuído aos objetos arquitetônicos como testemunho desses valores e não
como participantes de uma continuidade da construção nos novos valores, fez com
que ganhassem “status” de monumento. Quanto mais intocados nas suas formas,
melhor funcionariam como paradigmas de uma época, fato ou estilo.
Essa postura do movimento, em relação às regras de preservação dos
monumentos, está expressa na Carta de Atenas (CIAM IV, 1933) e faz parte de uma
doutrina que, de fato, colocava a história pregressa ao movimento apenas como
símbolo em objetos pontuais restaurados pelas cidades. Essa maneira de pensar
vinha de encontro a constante evolução da idéia de reconstrução da memória desde o
42
Renascimento que, no início do século XX, já apresentava, com Riegl, argumentos em
defesa da permanência dos fatos urbanos, propondo o uso do patrimônio histórico, no
contemporâneo.
O artigo 66 da Carta de Atenas traz considerações que exemplificam como e o
que preservar:
“66- Serão salvaguardados se constituem a expressão de uma cultura anterior
e se correspondem a um interesse geral.
Nem tudo que é passado tem, por definição, direito à perenidade; convém
escolher com sabedoria o que deve ser respeitado. Se os interesses da cidade
são lesados pela persistência de determinadas presenças insignes,
majestosas, de uma era já encerrada, será procurada a solução capaz de
conciliar dois pontos de vistas opostos: nos casos que se esteja diante de
construções repetidas em numerosos exemplares, algumas serão conservadas
a título de documentário, as outras demolidas; em outros casos poderá ser
isolada a única parte que constitua uma lembrança ou um valor real.”
XLVIII
Esse conceito de preservação do patrimônio histórico, portanto, também vai de
encontro aos conceitos de permanência revisados no capítulo um que sugere que os
fatos urbanos permanecem através da constante relação com o uso e as
transformações contemporâneas, e que a memória é a reconstrução do passado a
partir da visão do presente. A própria Carta de Atenas chega a admitir a dinamicidade
da história e as influências dos tempos passados no presente, mas logo suas idéias
mostram a busca pelo “congelamento” dos valores representados pelas formas, como
se fosse possível afastá-los da ação do tempo:
“(...) tudo é movimento. À medida que o tempo passa, os valores
indubitavelmente se inscrevem no patrimônio de um grupo, seja ele cidade,
país ou humanidade; a vetustez, não obstante, atinge um dia o conjunto de
construções ou de caminhos. (...) Quem fará a discriminação daquilo que deve
XLVIII
CIAM (Congresso Internacional de Arquitetura Moderna), IV, 1933, Atenas. Carta de Atenas. in site
www.albatrozpr.com.br, p.15.
43
subsistir e aquilo que deve desaparecer? (..) simples construções adquiriram
um valor eterno na medida que simbolizam a alma coletiva.”
XLIX
Os objetos com tais valores a serem preservados devem continuar em uso,
permanecendo importantes na identidade social. É claro e inevitável que “tudo é
movimento” e essa presença tende a modificar-se com o passar do tempo,
acompanhando as transformações. Assim, o patrimônio histórico arquitetônico não
podendo manter-se rígido perante o tempo, deve sofrer adaptações de acordo com as
necessidades. Isso aparece na Carta de Veneza que, revisada em relação à Carta de
Atenas, mas ainda muito restritiva, propõe uma concepção mais contemporânea para
permanência dos fatos urbanos:
Art
o
5 – A conservação dos monumentos é sempre favorecida pela sua
4
4
O discurso do modernista Lúcio Costa, retirado do texto de Carlos Eduardo
Dias Comas, na contramão do seu próprio movimento, também cita a argumentação
de Riegl como importante na questão da dinâmica temporal:
“... o historiador austríaco definira, no começo do século, como o valor-idade
dos artefatos humanos, independente de sua utilidade ou beleza, o seu poder
de tornar palpável a passagem do tempo. (...)
Para Riegl, os traços de restauração conspícua em artefatos antigos
resultavam tão abomináveis quanto o envelhecimento prematuro dos artefatos
novos. ”
LII
Riegl considerava importante a participação dos artefatos humanos na
continuidade histórica, pois a tornam evidente. Porém, esses artefatos não devem
esconder seu próprio tempo.
Um outro aspecto que pode enfraquecer a base teórica sobre a preservação na
doutrina moderna, é a questão do desenvolvimento das memórias artificiais, como a
invenção da imprensa e outras técnicas. O “status” de monumento conferido aos
objetos (de acordo com a definição de Choay) como registro histórico de estilo, época
ou evento, tende a resgatar um valor de memorial já superado, mesmo agregando
questões como a beleza. A função memorial começou a se extinguir com o
desenvolvimento dessas memórias artificiais que podem exercer tal função com mais
propriedade, como mostra:
“A hegemonia memorial do monumento não foi, porém, ameaçada antes da
imprensa ter trazido à escrita uma força sem precedentes no que diz respeito à
memória. (...) criação e aperfeiçoamento de novas formas de conservação do
passado: memória das técnicas de gravação da imagem e do som, que
aprisionam e restituem o passado sob uma forma mais concreta, porque se
dirigem diretamente aos sentidos e à sensibilidade, “memórias dos sistemas
eletrônicos mais abstratos e incorpóreos.”
LIII
LII
COMAS, Carlos Eduardo Dias. O Passado Mora ao Lado: Lúcio Costa e o Projeto do Grande Hotel de Ouro
Preto, 1938/40. Revista Arqtexto Porto Alegre: Departamento de Arquitetura, PROPAR, n
o
. 2 Ponte Rio – São
Paulo, p.22, 1
o
semestre, 2002.
45
É importante deixar claro que esse texto não se propõe a criticar o modernismo
negando toda sua contribuição para a arquitetura. O movimento mudou a maneira de
se fazer projeto, deixando as cópias formais executadas nos períodos anteriores para
dar caráter de linguagem aos edifícios por suas diferentes funções; passou a
considerar mais o usuário e suas ações como base para organização do projeto assim
como apresentou novas técnicas construtivas e se moldou às necessidades pós-
guerra, com bons recursos. Nesse período, foram realizadas obras arquitetônicas de
grande expressão e qualidade que, em contradição com sua postura inicial sobre o
passado, são edifícios que permanecem atuais na sociedade pela flexibilidade de
seus espaços e pela austeridade de suas formas.
A critica que se faz aqui é relativa ao funcionalismo mecânico que entra em
conflito com questões sociais não exatas, não catalogáveis, que interferiram na
permanência dos fatos urbanos em muitas cidades, dificultando a aceitação popular
ao movimento. Trata-se não da falta de diálogo do construído novo com o antigo, mas
das teorias e de alguns modelos que isolavam o passado, mesmo na intenção de
conservá-lo e dos reflexos que essa postura traz aos tempos atuais.
LIV
O diálogo entre o contemporâneo e o histórico
não requer o mimetismo ou a anulação da nova
edificação em relação à preexistente. O contraste de
formas pode ser um recurso que pode cooperar para
que a relação entre os dois objetos não seja conflitante.
Cada caso tem suas características e minúcias,
possibilitando várias soluções de projeto para a
construção de ambientes que conectem os períodos
históricos pelos quais passam as cidades. Sendo
assim, um prédio de características modernas também
pode estar bem contextualizado, até por contraponto
ao preexistente.
LIII
CHOAY, Fronçoise. A Alegoria do Patrimônio. São Paulo: Editora Unesp, p.20, 2001.
LIV
Figura 1: Vista aberta da inserção do Grande Hotel Ouro Preto no sítio histórico da cidade de Ouro Preto.
Figura 1
LIV
46
Muitos edifícios modernos se integraram com
sítios históricos, como foi o caso de uma das primeiras
obras com esse argumento, o Grande Hotel Ouro
Preto, de Niemeyer (de 1939), na cidade de Ouro
Preto, Minas Gerais, Brasil. O Texto de Carlos Eduardo
Dias Comas relata os acontecimentos que precederam
à construção do hotel:
LVLVILVII
“A construção dum hotel em Ouro Preto é
iniciativa do prefeito Washington Dias em
1938, com o apoio de Rodrigo Mello
Franco, diretor do SPHAN recém criado.
Rodrigo confia o projeto a Carlos Leão,
assessor técnico do órgão e membro da
equipe de arquitetos do Ministério da
Educação. O Estado cede terreno na Rua
das Flores, ladeira ligando a Casa dos
Contos ao antigo Palácio do Governador.
(...)
Leão regulariza a topografia complicada
com aterros e muros de arrimo. Propõe
um edifício neocolonial de alvenaria de
tijolos (...)
Mas em 12 de janeiro de 1939, Dias
acusa o recebimento de carta de
apresentação de Oscar Niemeyer firmada
por Rodrigo. Em telegrama e carta de 23
de março para Rodrigo, Dias registra a
aprovação unânime de todos que viram a
maquete de projeto elaborada por Oscar:
(...)
LV
Figura 2: O sítio histórico de Ouro Preto.
LVI
Figura 3: Vista a partir do acesso de carga do hotel.
LVII
Figura 4: Vista da empena lateral.
Figura 2
LV
Figura 3
LV
I
Figura 4
LVII
47
A réplica Moderna de Oscar é uma barra
de estrutura independente de concreto
...”
LVIII
A opção pelo projeto de Oscar Niemeyer pode-
se creditar a Lúcio Costa, arquiteto promotor do
Moderno mas também consultor do SPHAN e amigo
de Rodrigo Mello, que escreveu uma carta, em março
de 1939, contra um possível pastiche na reprodução
da arquitetura colonial. Trecho da carta de Lúcio Costa
retirado do texto de Carlos Eduardo Comas:
LIX
“A reprodução do estilo das casas de Ouro Preto só é possível, hoje em dia, a
custa de muito artifício. Teríamos ou uma imitação perfeita e o turista
desprevenido correria o risco de (...) tomar por um dos principais movimentos
da cidade uma contrafação, ou (...) um arremedo “neocolonial sem nada de
comum com o verdadeiro espírito das velhas construções. (...)
Da mesma forma que o automóvel último modelo trafega pelas ladeiras da
cidade monumento sem causar dano visual nenhum a ninguém, concorrendo
mesmo para (...) tornar a sensação de “passado” ainda mais viva, assim
também a construção de um hotel moderno, de boa arquitetura, em nada
prejudicará Ouro Preto, nem mesmo sobre o aspecto turístico sentimental,
porque ao lado de uma estrutura como essa tão leve e nítida, tão moça, se é
que posso dizer assim, os telhados velhos despencando um sobre o outro, os
rendilhados belíssimos das portadas de S. Francisco e do Carmo, (...)tudo isso
que faz parte desse pequeno passado para nós tão espesso (...) parece
muito mais distante, ganhará mais um século, pelo menos, em vetustez.”
LX
LVIII
COMAS, Carlos Eduardo Dias. O Passado Mora ao Lado: Lúcio Costa e o Projeto do Grande Hotel de
Ouro Preto, 1938/40. Revista Arqtexto Porto Alegre: Departamento de Arquitetura, PROPAR, n
o
. 2 Ponte
Rio – São Paulo, pp. 18-19, 1
o
semestre, 2002.
LIX
Figura 5: Recepção do hotel
LX
COMAS, Carlos Eduardo Dias.Op. Cit., p. 21.
Figura 5
LVIII
48
Por outro lado, induzido pela não apreciação de todos a sua postura e
procurando conciliar CIAM e SPHAN, Lúcio Costa faz especulações sobre a
amenização do contraste, como mostra a citação retirada do texto de Comas:
“me pergunto se, em casos assim tão especiais, e dadas as semelhanças
tantas vezes observadas entre e técnica moderna- metálica ou de concreto
armado – e a tradicional do “pau-a-pique”, não seria possível de se encontrar
uma solução que, conservando integralmente o partido adotado e respeitando a
verdade construtiva atual e os princípios da boa arquitetura, se ajustasse
melhor ao quadro e, sem pretender de forma nenhuma a reproduzir as velhas
construções nem se confundir com elas, acentuasse menos ao vivo o contraste
entre passado e presente (...)”
LXI
Lúcio Costa interferiu no resultado desse projeto de forma a contextualizá-lo na
cidade sem retirar a autenticidade do prédio. Ele considerou que a nova arquitetura
poderia relacionar-se com o passado local sem falsificações e sem alterar o existente
de forma agressiva. Induziu o desenvolvimento do projeto à utilização de materiais e
técnicas locais de forma contemporânea, diferentemente de outros modernistas, mas
que encontrava amparo na própria obra de Le Corbusier que já referendava outras
soluções, como mostra a análise de Comas:
“uma parede divisória de pedra ancora painéis metálicos pré-fabricados nas
casas Laucher, a fonte explícita do Monlevade de Lúcio. (...) Em 1935, a casa
de La Celle-Saint Cloud tem abóbada catalã, paredes portantes de alvenaria,
forro de compensado curvo e painéis de tijolos de vidro. (...) O recado é claro. A
condição moderna implica coexistência de materiais, técnicas e componentes
tradicionais e modernos. A arquitetura Moderna não se reduz a novos
materiais, novas técnicas ou novos elementos”
LXII
LXI
COMAS, Carlos Eduardo Dias. O Passado Mora ao Lado: Lúcio Costa e o Projeto do Grande Hotel de
Ouro Preto, 1938/40. Revista Arqtexto Porto Alegre: Departamento de Arquitetura, PROPAR, n
o
. 2 Ponte
Rio – São Paulo, p. 23, 1
o
semestre, 2002.
LXII
COMAS, Carlos Eduardo Dias. Op. Cit., p.24.
49
O arquiteto Lúcio Costa, durante sua vida profissional, preocupou-se em
expressar uma nova modernidade calcada nas tradições brasileiras e afirmar a
identidade de país no cenário mundial. Estudou a arquitetura colonial brasileira, que
ele dizia ser forte e robusta, de linhas calmas e tranqüilas. Procurou na arquitetura do
passado a memória para consolidar o Modernismo brasileiro, utilizando elementos
dessa arquitetura para propor novas formas e desenvolver os novos conceitos do
Movimento. Montaner aponta para essas características de Lúcio Costa:
“Según Lúcio Costa, de la arquitectura colonial no se deben copiar sus formas
sino “aprender las buenas lecciones que nos da su simplicidad perfecta,
adaptación al medio y al función, y consecuente belleza.”
LXIII
Lúcio Costa critica as perdas existentes na transição entre os períodos
históricos, em que o encontro de idéias antagônicas busca a anulação, não a soma.
Idéias contraditórias a alguns princípios Modernos que buscavam justamente o
rompimento com o passado. Dessa forma, na questão da preservação da arquitetura,
não se faz necessário o isolamento de edificações históricas como marcos de
transformação estáticos, pois o diálogo entre as formas estará constituído e a
integração ao uso funcional contínuo de todos os ambientes estará mais propícia.
Lúcio Costa busca, dentro do Movimento Moderno, a ligação permanente dos
períodos, importante para a consolidação das cidades o que também ajuda na
legitimação do Movimento nos diferentes locais e culturas do mundo, como a
brasileira. Lúcio Costa comenta, em seu texto, essas fases de transição dos períodos
históricos e seus conflitos:
“Na evolução da arquitetura, ou seja, nas transformações sucessivas por que
tem passado a sociedade, os períodos de transição se têm feito notar pela
incapacidade dos contemporâneos no julgar do vulto e alcance da nova
realidade, cuja marcha pretendem, sistematicamente deter. A cena é, então
invariavelmente, a mesma: gastas as energias que mantinham o equilíbrio
LXIII
MONTANER, Josep Maria. La Modernidad Superada, Arquitetura, arte y pensamiento del siglo XX.
Barcelona: Editorial Gustavo Gili, p.100, 1999.
50
anterior, rompida a unidade, uma fase imprecisa e mais ou menos longa
sucede, até que, sob a atuação de forças convergentes, a perdida coesão se
restitui e novo equilíbrio se estabelece. Nessa fase de adaptação a luz tonteia
e cega os contemporâneos – há tumulto, incompreensão: demolição
sumária de tudo que precedeu; negação intransigente do pouco que vai
surgindo (...) Estamos vivendo, precisamente, um desses períodos de
transição, (...) as transformações se processam tão profundas e radicais que a
própria aventura humanística do Renascimento (...) talvez venha a parecer à
posteridade, diante delas, um simples jogo pueril de intelectuais
requintados.”
LXIV
Em Montaner confirma-se a importância desses princípios de Lúcio Costa:
“Para Lúcio Costa, la arquitectura debe seguir el espíritu inexorable de la época
de la máquina, pero sin olvidar aquello que la caracteriza: su potencial al lugar y
su relación com la natureleza.”
LXV
Permitindo-se a continuidade do lugar preexistente através do novo, nenhum
edifício ou sítio urbano tende a ser isolado pela obsolescência, pois seguirão sendo o
próprio lugar.
A arquitetura de Lúcio Costa, no entanto, não evitou a descontinuidade
determinada pela imposição de valores técnicos e formais e pela desconsideração de
questões sociais no projeto de Brasília, realizado por ele juntamente com o arquiteto
Oscar Niemeyer.
Apesar de Brasília manter traços da arquitetura Moderna de características
brasileiras (identidade - mais em suas formas sinuosas), e hoje já estar de certa forma
legitimada, a sua população residente teve dificuldades de se adaptar às regras da
nova capital do Brasil. Além disso, fora do plano diretor que se mantém relativamente
LXIV
COSTA, Lúcio. Sobre arquitetura. Porto Alegre: Centro dos Estudantes Universitários de Arquitetura, p.7,
1962.
LXV
MONTANER, Josep Maria. La Modernidad Superada, Arquitetura, arte y pensamiento del siglo XX.
Barcelona: Editorial Gustavo Gili, p.100, 1999.
51
como o planejado até hoje, no seu entorno cresce uma conurbação de cidades
satélites de forma totalmente desordenada e favelizada.
Brasília, apesar de não ser uma obra do início do movimento moderno, e sim,
da década de 1960, também serve como um exemplo em que os arquitetos não
consideraram a lógica humana, nem que a consolidação da cidade deve se dar pela
sua própria história.
A cidade, realizada longe da concentração populacional do país e totalmente
planejada, demonstra a intenção clara do então presidente da república Juscelino
Kubitschek, idealizador do projeto, de rompimento com os valores da memória do
poder brasileiro de até então, poder esse sediado na antiga capital Rio de Janeiro.
Brasília pode ser considerada um monumento, pois serviu como metáfora
política para um “nova era”, ao mesmo tempo, que afastava o poder central das
pressões populares. Kenneth Frampton apresenta a sua visão sobre a cidade de
Brasília:
“Brasília, planejada por Costa em meados de 1950, levou o desenvolvimento
progressivo da arquitetura brasileira a um ponto crítico. Essa crise que
terminara por provocar uma reação mundial contra os preceitos do Movimento
Moderno, impregnou todo o projeto, não apenas no nível da construção
individual, como também na escala do plano em si. O cisma conceitual que já
havia ocorrido em Chandigarh, em 1951, entre a monumentalidade isolada do
centro governamental, como o projetado por Le Corbusier, e o resto da cidade,
viria repetir-se em Brasília, onde o plano geral era um pouco mais sistemático
em sua concepção básica”.
LXVI
LXVI
FRAMPTON, Kenneth. História Crítica da Arquitetura Moderna. São Paulo: Martins Fontes, p.312, 2000.
52
CAPÍTULO 3
Da arquitetura Italiana do Pós-guerra e Aldo Rossi às teorias e exemplos atuais
O passado integrado à contemporaneidade
Este capítulo expõe teorias que surgiram em contraponto aos princípios
modernos anal7(x)1a ao-8.40 exe0.3t9siTJ7.745.25I1d
53
uma tradição de grande peso e a cidades históricas consolidadas. Nesse contexto, a
Itália passa a ser um exemplo de arquitetura Moderna mundial e prepara o campo de
reflexão dos teóricos da Segunda metade do século XX.
Edifícios comerciais, conjuntos de casas, edifícios públicos de arquitetos como
Ernesto Nathan Rogers e o grupo BBPR, Gardella, Moretti, Ridolfi, Quaroni, Albini,
Figini e Pollini e Michelucci, uma reconhecida produção de design e uma imprensa
especializada, como a revista “Casabella-continuità”, meio de reflexão internacional,
formam esse conjunto produtivo que é influente na visão contemporânea de
preservação e cidade.
Para se compreender as diferentes experiências que se afirmam na Itália nos
anos cinqüenta, é importante referir-se a determinadas circunstâncias históricas. A
arquitetura desse período não partia da estaca zero, era sim, uma continuidade de
personagens, temas e modelos anteriores que seriam progressivamente
reelaborados, assimilados e transformados pelo impulso radical de uma nova fase
política, econômica e cultural. Em trabalho apresentado na revista 2G, Luca Molinari
identifica o marco inicial dessa mudança :
“La exposición realizada por Mário Pagano* sobre vivienda rural y los estudios
expuestos sobre la residencia racional en la VI Triennale de 1936,
representaron un momento de cambio fundamental para una parte de la cultura
arquitectónica italiana, pues, por un lado, intentaban desmarcarse de una
provinciana absorción de las vanguardias modernas europeas y, por outro,
instaurar una práctica basada en una relación distinta con el contexto y las
tradiciones locales. El año de 1936 abre una nueva fase que dará lugar, incluso
en plena guerra, a un momento fundamental de investigaciones y reflexiones
individuales. Algunos proyectos para barrios rurales y urbanos elaborados entre
1936 y 1943 (...) evidencian dos fenómenos paralelos en los ámbitos político y
cultural, pero capaces de generar experiencias significativas y com distintas
evoluciones después de la guerra.”
Por una parte, la apertura definitiva al tema racionalista de la vivienda mínima
respecto al proyecto urbano y, por otra , el estudio de la arquitectura tradicional
5
4
como referencia cultural y técnica esencial para la proyectación moderna, y en
total antítesis com la retórica monumental del régimen vigente. “
LXVIII
As obras listadas a seguir, realizadas entre 1936
e 1943, são registros dessa fase de investigação entre
experiências da Arquitetura Moderna e da cultura local:
Ente Nazionale Risi, 1937. por Grupo BBPR; Bairros
semirurais, 1938, por Bottoni y Pucci; Valera Fratta,
1943, por Bottoni y Pucci; Torrevecchia Pia, 1937, por
Asnago y Vender; Cidade Horizontal, 1939, por
Pagano, Diotallevi y Marescotti; e Portoscudo, 1940,
por Pagano.
A relação entre projeto Moderno e história
segue, nos anos trinta, com aspectos ambíguos e
complexos sobre os quais a arquitetura italiana vai se
desenvolver nos anos cinqüenta, conforme afirma
Molinari:
LXIX
“Dividido inicialmente entre referencia a la mediterraneidad y tabula rasa
futurista, y fortemente condicionado por la situación política, el racionalismo
italiano ve en la relación con la historia una de las condiciones propias de la
definición de un estilo nacional. La intensa y contradictoria relación entre el
régimen político y la arquitectura moderna conduce, así, a dos resultados
paradójicamente opuestos: el clasicismo autoritário de E42 y las
investigaciones sobre la casa rural tradicional. Un marco contradictorio que
parece reproducir algunos de los elementos del debate en la cultura
arquitectónica moderna en los primeros años cuarenta: la relación entre
monumentalismo y arquitectura moderna y la revalorización de la dimensión
regional y tradicional.”
LXX
LXVIII
2G Revista Internacional de Arquitetura. Arquitectura Italiana de la Posguerra, 1944-1960. Barcelona:
Editorial Gustavo Gili. S.A., n. 15, p.5, 2000, 144 p.
LXIX
Figura 6: Casas Tradicionais, Mário Pagano.
LXX241 T”0n3( )40.2245 Tw[40 97 Br1(G1 120)-0Tw[ XX
55
A II guerra aumenta o isolamento dos protagonistas dessa cena italiana e
acelera o desenvolvimento de temas como a casa para todos, a atividade construtiva
e a reconstrução de centros históricos, trabalhados no final dos anos trinta. Essas
eram necessidades das cidades, naquele momento, ligadas a soluções de logística,
velocidade e praticidade, que foram agravadas pelo conflito. Molinari cita esses
personagens e suas atividades, que reforçam valores Modernos de padronização e
simplificação:
“Ridolfi, Libera y el tándem Diotallevi-Marescotti trabajan, independientemente,
en manuales de proyectación que faciliten la unificación de los elementos
arquitectónicos y una racionalización de los elementos constructivos. Pagano y
Rogers, intervienen con textos dedicados a la reconstrucción, a los sistemas
constructivos y la prefabricación, indicando com claridad las premisas teóricas
que, en parte, marcarán el debate en la inmediata posguerra.”
LXXI
Aparentemente, a relação com a tradição e a história fica em segundo plano
devido à gravidade dos acontecimentos. Mas o próprio Guiseppe Pagano, em 1943,
falando da futura arquitetura para a nova Itália, apela para o respeito às características
e recursos regionais, às condições ambientais, às necessidades psicológicas e às
justificadas tradições técnicas.
Os anos de Guerra e a primeira fase de reconstrução estão envoltos por um
sentimento contraditório: por um lado, o momento de implantar-se um programa de
reconstrução massiva das cidades em virtude do conflito mundial e os bombardeios; e,
por outro, a progressiva tomada de consciência da necessidade de uma nova relação
entre cultura Moderna e tradição local, como elemento de reaproximação do gosto
comum. Esses dois elementos aparecem em seguida, no pós-guerra, no debate sobre
a reconstrução de alguns centros históricos italianos, como o caso de Florença, em
uma acirrada discussão entre o grupo de arquitetos racionalistas dirigido por
Michelucci e os partidários da restauração integral do existente.
LXXI
2G Revista Internacional de Arquitetura. Arquitectura Italiana de la Posguerra, 1944-1960. Barcelona:
Editorial Gustavo Gili. S.A., n. 15, p.7, 2000, 144 p.
56
A Itália, com o final do Fascismo e a
necessidade de reconstrução, vivia um momento de
ilusão de uma profunda mudança, apoiando a
modernização e a renovação do país. Em Milão,
castigada pelos bombardeios, é desenvolvido o Plano
AR, iniciativa pública de um novo plano regulador pelo
grupo CIAM milanês, que vê, na cidade destruída, a
possibilidade para a modificação radical de sua
estrutura.
LXXIILXXIIILXXIV
Mas a cultura italiana de dar continuidade a
seus valores e a consolidação de realidades produtivas
e sociais tradicionais reforça o cenário de dualismo.
Também em Milão, alguns projetos pontuais, no centro
histórico evidenciam respostas distintas à relação entre
projeto Moderno e conformação urbana preexistente.
São exemplos que representam:
A continuidade problemática com o existente:
Grupo BBPR na Via Borgonuovo (1947); Luigi Caccia
Dominioni na Piazza Sant´ Ambrogio (1947).
A progressiva abstração e contraposição: Figini
e Pollini na Via Borgonuovo (1947); Asnago e Vender
na Via Lanzone (1950); Luigi Moretti em Corso Itália
(1951).
A preservação da cultura italiana na arquitetura
espalhou-se no país, com o programa INA-Casa
(iniciado em 1949), que era um instrumento legislativo
concebido para fazer frente ao problema de
LXXII
Figura 7: Torre Velasca, obra polêmica e emblemática, centro de Milão. Criticada por todas as posturas.
LXXIII
Figura 8: Torre Velasca, planta baixa da transição dos volumes (grupo BBPR).
LXXIV
Figura 9: Sede da INA-Casa.
Figura 7
XXII
Figura 8
XXIII
Figura 9
XXIV
57
desemprego e falta de moradias, utilizando mão-de-
obra, materiais e tecnologia local, em desacordo com
qualquer hipótese de planificação geral e
58
contacto entre modernidad y contexto.”
LXXVIII
As experiências que procuravam um grau de
ligação mais intenso com a modernidade européia e
com as experiências contemporâneas do neo
empiricism escandinavo e inglês são minoria. Nesse
grupo situam-se projetos como: La Falchera, Turín
(1950), pelo grupo Astengo; Unidade de morada
horizontal no bairro Tuscolano em Roma (1950), por
Libera; Bairro Forte de Guezzi en Génova (1956); pelo
grupo Daneri.
LXXIXLXXXLXXXI
Uma outra experiência, que para muitos
arquitetos é paralela aos estudos para INA-Casa,
consiste em projetar e restaurar edifícios históricos
para sua reciclagem em Museus, tema que a partir dos
anos quarenta até os anos sessenta, se converte em
uma interessante confrontação entre arquitetura
Moderna e preexistências histórico-ambientais. A
relação entre obra de arte e linguagem
contemporânea, a psicologia do visitante e sua livre
circulação, as delicadas relações com o edifício
existente, a recuperação de técnicas construtivas
tradicionais e a incorporação de materiais modernos
são alguns dos temas principais encontrados em
exemplos como os edifícios: Palazzo Bianco (1950,
LXXVIII
2G Revista Internacional de Arquitetura. Arquitectura Italiana de la Posguerra, 1944-1960.
Barcelona: Editorial Gustavo Gili. S.A., n. 15, p.8, 2000, 144 p.
LXXIX
Figura 13: INA-Casa Cesate, vista das edificações.
LXXX
Figura 14: Vista aérea do povoado de Martella, Matera.
LXXXI
Figura 15: Povoado de Martella, Matera, vista das edificações.
Figura 13
XXIX
Figura 14
XXX
Figura 15
XXX
I
59
Gênova), por Franco Albini; Palazzo Rosso (1952,
Gênova), por Franco Albini; Tesoro de San Lorenzo
(1952, Gênova), por Franco Albini; Pavilhão de Arte
Contemporânea (1949, Milão), por Ignazio Gardella;
Sala dos Primitivos na Galleria degli Uffizi (1954,
Florença); por Ignazio Gardella, Giovanni Michelucci e
Carlo Scarpa; Accademia (1954- 1960, Veneza), por
Carlo Scarpa; Museu Correr (1953, Veneza), por Carlo
Scarpa, Gipsoteca Canoviana (1956, Possagno), por
Carlo Scarpa; Museu de Castelvecchio (1957, Verona),
por Carlo Scarpa; e Castello Sforzesco (1948, Milão),
pelo grupo BBPR.
LXXXIILXXXIIILXXXIV
Partindo da historiografia oficial do moderno,
representada na Itália, sobretudo, pela obra “Espacio,
Tiempo e Arquitectura”, de Siegfried Giedion, se
percebe dois tipos de reação teórica ante a reflexão
sobre a história do Movimento Moderno na direção por
uma tradição própria: por um lado, uma vontade de
aprofundar o estudo de uma linha historiográfica já
traçada, que entende o Movimento Moderno como
continuidade de uma série de experiências que vão
desde o Renascimento até o século XX, representada
na coleção sobre arquitetos do Movimento Moderno (a
partir de 1948), dirigida por Belgiojoso, Peresutti e
Ernesto Nathan Rogers, e pela série de números
monográficos de “Casabella-Continuità” (segunda
metade da década de 50), sob a direção de Rogers;
LXXXII
Figura 16: Vista interna do Palazzo Rosso.
LXXXIII
Figura 17: Sala dos primitivos na Galleria degli Uffizi .
LXXXIV
Figura 18: Vista interna da Gipsoteca Canoviana.
Figura 16
XXXI
I
Figura 17
XXXIII
Figura 18
XXXIV
60
por outro, a releitura historiográfica oposta a Giedion e
impulsionada por Bruno Zevi, em “Historia de la
Arquitectura Moderna” (1950), que supõe uma atenta
análise da heterogeneidade das experiências do
Moderno no intuito de romper com sua leitura
evolucionista, já iniciada em “Hacia uma Arquitectura
Orgánica” (1945).
LXXXVLXXXVI
Ambas as leituras implicam a consolidação de
um enfoque ideológico que reconhece a necessidade
de uma tradição própria de Movimento Moderno e uma
relação distinta com a história, em oposição ao
princípio de tabula rasa expresso por Walter Gropius
no programa da Bauhaus, escola cuja postura Molinari
diz ser mais preocupada com o objeto projetual isolado
do que com sua relação histórica:
“La consecuencia práctica de esta
tendencia es la progressiva desaparición
de cualquer vínculo ideológico en la
relación con la historia e las tradiciones, y
la consolidación de una relación individual
con el proyecto.”
LXXXVII
A partir desse cenário italiano, que influenciou a arquitetura de forma
internacional e pela incompatibilidade com a retomada de valores que
reaproximassem a população e a cidade, o funcionalismo Moderno dos anos 30 foi
posto em crise. Montaner apresenta um dos discursos que reforçam essas
LXXXV
Figura 19: Vista interna do Castello Sforzesco.
LXXXVI
Figura 20: Capa da revista “Casabella-Continuità”.
LXXXVII
2G Revista Internacional de Arquitetura. Arquitectura Italiana de la Posguerra, 1944-1960.
Barcelona: Editorial Gustavo Gili. S.A., n. 15, p.9, 2000, 144 p.
Figura 19
XXX
V
Figura 20
XXXV
I
61
afirmações: “Racionalismo y funcionalismo fueron interpretados por Theodor W.
Adorno como mecanismos empobrecedores de las complejidades y cualidades de la
realidad.”
LXXXVIII
O racionalismo atuou com simplismo nos problemas da cidade, com
respostas que não contemplavam sua complexidade, que não levavam em
consideração algumas questões humanas e sociais, como a identidade.
O Funcionalismo, que se traduzia, em relação à preservação, no isolamento
das formas arquitetônicas como registros de épocas e estilos determinados, tornou-se
ultrapassado. As especulações imobiliárias do pós-guerra pressionavam cada vez
mais a renovação das cidades, que cresciam com a explosão demográfica e
econômica ao mesmo tempo em que se buscava a reafirmação de uma identidade
local. Havia a necessidade de uma reconstrução prática e veloz, mas com aceitação,
mesmo, e principalmente, em cidades arrasadas, o que não admitia a conservação de
monumentos históricos que não fizessem parte dos novos usos e que não
reconstruíssem a memória de valores locais para as novas perspectivas.
Pelas doutrinas da Carta de Atenas, as edificações deveriam ser protegidas,
conservadas sem intervenção contemporânea, como um objeto símbolo. Quando não
se encaixavam nos planos da cidade Moderna ou não eram consideradas de muito
valor, cediam lugar à nova arquitetura, independentemente de suas relações com a
memória do lugar e com o reaproveitamento de espaços já consolidados.
Mas nos centros urbanos europeus, destacando-se as cidades italianas, onde a
tradição local se impôs com mais fôlego, havia muitos monumentos históricos a se
preservar e as cidades tinham uma consolidação de caráter muito antiga, eram o
próprio monumento histórico. Mesmo nas cidades arrasadas pelos bombardeios, não
se fez aplicável a doutrina Moderna da forma funcionalista.
Na Itália, as influências modernas, cujo êxito inicial parecia estar condicionado
pela escassez dos recursos, aos poucos foram cedendo espaço a investigações mais
eruditas, sobretudo da escola de Milão, até transformarem-se na produção de uma
arquitetura de menor escala e importância, esparramada por todo o território. Eram
LXXXVIII
MONTANER, Josep Maria. La Modernidad Superada, Arquitetura, arte y pensamiento del siglo XX.
Barcelona: Editorial Gustavo Gili, p.74, 1999.
62
intervenções mais pontuais, mas que se associavam a uma área urbana consolidada
e que respeitavam uma tendência de renovação em todo país e, fora as adaptações
de contribuições do Moderno, não só resgatavam valores de cada uma de suas
partes, mas também mantinham suas relações e a cidade como uma unidade.
Essa forte identificação da população com as tradições locais, levou arquitetos
e intelectuais a adaptarem os prédios e espaços seculares à vida contemporânea
(sentido de permanência) para que as cidades não morressem. Era preciso fortalecer
a ligação entre a cidade e o humano, do que existia antes da guerra, de valores
estimáveis que tivessem força para recomeçar a vida normal. Essa postura trouxe o
Movimento Moderno para as cidades de forma a transformá-lo, prolongando a
existência e as influências tradicionais para outros tempos.
Essas novas tendências da arquitetura no pós-guerra são sintetizadas na
importante obra literária “A arquitetura da cidade”, 1966, de Aldo Rossi que se
transformou em uma das principais referências internacionais desse período e tem
papel fundamental na atual visão sobre preservação e cidade. Aldo Rossi, já quando
estudante, trabalhou na revista de arquitetura “Casabella-continuità“, dirigida por
Rogers, no período em que ela representava um papel determinante na cultura
italiana, primeiro como colaborador, depois como membro de centro de estudos e por
fim como redator, pouco antes de Rogers sair da direção da revista. É relevante saber-
se que os escritos de Rossi estão ligados à sua obra no campo de projeto. Ele
também desenvolveu atividades de ensino, conferências e exposições.
Em seu livro “A Arquitetura da Cidade”, Rossi apresenta a tese segundo a qual
a permanência dos fatos urbanos está na atualização e adaptação desses fatos às
novas necessidades da cidade; e, que as formas representam memória enquanto
participam das transformações da cidade e nela podem ser levantadas, ao mesmo
tempo, que as transformações se dão através de valores que permanecem. Segundo
o autor, não seria necessária nenhuma espécie de preservação de patrimônio
histórico se a renovação dos valores e referências sociais dependesse da simples
organização funcional dos fatos urbanos na cidade, como doutrinava o movimento
moderno (cap. II):
63
Se os fatos urbanos são um mero problema de organização, eles não podem
apresentar nem continuidade, nem individualidade; os monumentos e a
arquitetura não tem razão de ser, “não nos dizem nada”. Posições desse tipo
adquirem um caráter claramente ideológico quando pretendem objetivar e
quantificar os fatos urbanos; estes, vistos de maneira utilitarista, são encarados
como produtos de consumo.”
LXXXIX
A classificação Moderna da cidade por funções, como estrutura fundamental,
sem considerar os fatos sociais e toda a complexidade que caracteriza esses lugares,
inverte o sentido de permanência pelo qual são conectadas as questões culturais, a
memória e por fim a identidade (ligação afetiva da sociedade com o seu espaço de
vivência). A função assume a importância do social, como papel determinante, não
serve à população e sim impõe suas condições ao modo de vida da cidade
descaracterizando-a e impossibilitando suas transformações de forma natural.
Venturi também discute essa questão em que o racionalismo e funcionalismo
modernos, em busca da simplificação, deixam de considerar aspectos mais
complexos e relevantes para a arquitetura da cidade. Não que essa complexidade
elimine a busca pela simplicidade:
“O racionalismo nasce em meio à simplicidade e à ordem, mas o racionalismo
prova ser inadequado em qualquer período de convulsão. O equilíbrio deve ser
criado a partir de opostos. Aquela paz interior que os homens adquirem deve
representar uma tensão entre contradições e incertezas. ... Uma sensibilidade
especial para o paradoxo permite que coisas aparentemente dessemelhantes
existam lado a lado, sua própria incongruência sugerindo uma espécie de
verdade.”
XC
As contradições estão presentes de forma equilibrada e construtiva no
momento em que não há somente uma corrente de pensamento determinante e que
não se ignore as diferentes memórias e identidades que caracterizam cada cidade e a
LXXXIX
ROSSI, Aldo. A Arquitetura da Cidade. São Paulo: Editora Martins Fontes, p.31, 2001.
XC
VENTURI, Robert. Complexidade e Contradição em Arquitetura. São Paulo: Editora Martins Fontes, p.4, 1995.
6
4
constrói no decorrer da história. O passado o futuro se conectam através da memória,
que permanece pela sua presença nas transformações da cidade.
Ainda sobre o funcionalismo ingênuo, Aldo Rossi:
“Do aspecto negativo das classificações do funcionalismo ingênuo já tratei;
portanto, posso repetir que eles são aceitáveis em alguns casos, contanto que
não vão além do limite didático que a aceitamos. Classificações desse tipo
pressupõem que todos os fatos urbanos constituem-se, para uma certa função
que desempenham num determinado momento.
Sustentamos, ao contrário, que a cidade é uma coisa que permanece através
de suas transformações e que as funções, simples ou múltiplas, que ela
desempenha progressivamente, são momentos na realidade de sua
estrutura.”
XCI
Para Rossi, e aí entra fundamentalmente a maneira de preservação dos
monumentos históricos, a cidade não é estática, ela não se constrói em um dado
momento e sim nas suas transformações:
“a hipótese da cidade como artefato, como obra de
arquitetura ou de engenharia que cresce no tempo
. É umas das hipóteses mais seguras a partir da qual
podemos trabalhar.
XCII
A partir disso, pode-se entender melhor a rejeição popular ao
Moderno, a sua primeira fase de implantação, que não propôs uma construção em
cima das referências, da memória e da identidade existentes, impondo uma nova
realidade não consolidada pela construção da sociedade. Esse fator também contribui,
aliado ao racionalismo funcional, para a desumanização da arquitetura Moderna.
Na concepção Moderna de preservação do patrimônio histórico, os elementos
a serem escolhidos não participavam do funcionamento cotidiano do conjunto da
cidade. Destacavam-se como corpos estranhos às preexistências. No entanto, como
foi afirmado antes nesse texto, a cidade se constrói como unidade, por elementos
fractais, onde todas as questões do novo e do antigo, da memória das relações
formais se apresentam desde a pequena até a macro escala. Essa idéia encontra
sustentação quando Rossi afirma que a cidade é uma unidade, uma grande
XCI
ROSSI, Aldo. A Arquitetura da Cidade. São Paulo: Editora Martins Fontes, p.46, 2001.
XCII
ROSSI, Aldo. Op. Cit., p.23.
65
arquitetura, e porque não um grande monumento histórico: “A cidade se apresenta ainda
como um grande artefato arquitetônico”.
XCIII
A partir desses contrapontos à concepção Moderna, estabeleceu-se um debate
na década de 70 que discutiu as transformações e o papel da memória e da
preservação que embasaram as posições críticas de hoje. O texto de Carlos Marti Arís
refere-se à consolidação das discussões sobre a cidade como resultado de sua
história:
“En cualquier caso, es indudable que el debate de los años 70 propició una
actitud más respetuosa hacia la herancia del pasado de la arquitectura y una
mayor comprensión de la idea de ciudad como sedimento histórico y como obra
colectiva producto de la superposición dialéctica de aportaciones diversas.
XCIV
Outros teóricos também apresentaram seu posicionamento quanto à maneira
de se relacionar a memória com a contemporaneidade, buscando a qualidade
estética, funcional e, enfim, a qualidade de vida na formação e transformação da
cidade de acordo com seus fatos urbanos e suas identidades e, ao mesmo tempo,
com a forma de pensar do presente.
Glusberg discorre sobre a seqüência histórica nas intervenções arquitetônicas,
realizadas a partir do seu tempo, que reabilitam lugares da cidade:
“Pero la rehabilitación permite a la arquitectura saldar, de algún modo, el tema
del tiempo como história, como devenir.
El proyecto origina secuencias cronológicas en varios niveles: experiencias
pasadas, citas, remisiones, tiempo que demanda la circulación por los juegos
internos, perdurabilidad en la edificación – que obedece a reglas instituidas por
el usuario y a las normas politicas y sociales-.”
XCV
XCIII
ROSSI, Aldo. A Arquitetura da Cidade. São Paulo: Editora Martins Fontes, p.189, 2001.
XCIV
MARTÍ ARÍS, Carlos. El Movimiento Moderno y la Interpretación de la historia. Revista Arquitectura/
COAM, n. ?. Madrid, p. 30, 199?.
XCV
GLUSBERG, Jorge. Anotaciones sobre la revitalización de edificios. ARQUIS 4, Centro de Investigaciones en
arquitetura/ Universidad de Palermo/ Editorial CP67. Buenos Aires, p. 69, diciembre, 1994.
66
José Artur fala da importância de se projetar com a consciência de que a
recuperação de objetos concebidos no passado parte do próprio presente. Não se
pode pensar sem estar influenciado pelos valores de sua época. Por sua vez, o projeto
também serve ao contemporâneo:
“O fazer arquitetura exige a reflexão arquitetônica, independente do tipo de
intervenção. E a reflexão se faz no presente, independente se o objeto provém
do passado. Isto, que parece bastante óbvio, nem sempre se traduz em ação
reflexiva. Assim, a idéia de permanência muitas vezes se institui como alusão a
uma condição ideal, congelando fragmentos de um passado que não mais
existe – e talvez até, nunca tenha existido.”
XCVI
Carlos Nelson fala sobre as cidades onde não há a relação entre a memória e a
contemporaneidade. Lugares onde se tenta preservar os fatos urbanos como objetos
estáticos no tempo, como se a forma arquitetônica, por si só, tivesse a propriedade de
manter permanente a memória intrínseca a ela. Isso não ocorre, pois a memória não é
a forma, mas sim, a forma é que evidencia a história, desde que seja lida no presente.
O aprisionamento temporal das formas empobrece o presente e o futuro dessas
cidades:
“Há cidades que param. Deixam de se transformar através dos diálogos, nem
sempre mansos, entre espaço e tempo. A rigor, não deveriam mais ser
chamadas de cidades. (...) viram museus, cemitérios, cenários e turismo, o que
se quiser...
XCVII
É importante destacar que o próprio Movimento Moderno, desde a década de
1950 também realizou revisões de seus valores centrais em busca de adaptações às
particularidades dos contextos das cidades e culturas, como já aparecia nas intenções
XCVI
FROTA, José Artur D’Aló. A Permanência do Transitório. Revista Arqtexto. Porto Alegre: Departamento de
Arquitetura, PROPAR, v. 0 (POA-RS), p.13, 1o semestre, 2000.
XCVII
SANTOS, Carlos Nelson Ferreira dos. Preservar é não tombar, renovar não é por tudo abaixo. Revista
Projeto 86. Ensaio e Pesquisa. São Paulo, p.59, abril, 1986.
67
de Lúcio costa, citado no capítulo anterior. O texto de Sergio Moacir Marques, na
revista uruguaia ELARQA discorre sobre esta questão:
“... nos debates travados dentro dos próprios CIAM – como no de 1953 em Aix-
en- Provence e 1956 em Dubrovnick- a partir de idéias normalmente atribuídas
ao Smithsons, Aldo Van Eyck, Georges Candilis e outros do Team X, o
Movimento Moderno avançou de suas próprias revisões internas, realizadas
continuadamente pelos arquitetos da chamada Segunda e terceira geração,
como Eero Saarinen, John Utzon, Oscar Niemeyer, Lúcio Costa, Louis I. Khan,
Alvar Aalto, Luíz Barragán, Julio Vilamajó, Maurício Cravotto, e mesmo o último
Le Corbusier, para uma crítica e um questionamento de seus valores centrais.”
XCVIII
A partir dos teóricos da segunda metade do
século XX, alguns conceitos de preservação, que
evoluiam na direção da integração entre memória e
contemporaneidade já antes da Carta de Atenas, se
desenvolveram, compatibilizando cada vez mais
referências históricas (de importância já discutidas
aqui) e a vida contemporânea, suas necessidades e
constantes transformações.
XCIXC
Essas teorias, que ultrapassam o âmbito da
arquitetura, buscam o entendimento da melhor maneira
de reconstruir a memória e permitir que a cidade
continue em sua formação, mesmo vislumbrando
novas realidades e transformações, para a melhoria da
qualidade de vida de seus habitantes, sintonizada com
o mundo contemporâneo. Em qualquer escala, desde
XCVIII
MARQUES, Sérgio Moacir. A Porto Alegre Recente. Revista Elarqa. Montevideo: Dos Puntos SRL, n. 33
Porto Alegre, p.32, fevereiro, 2000.
XCIX
Figura 21: Museu do Louvre, França. Contraste entre a pirâmide de vidro e o palácio.
C
Figura 22: Vista do Galpão 5 do Porto Madero, Buenos Aires.
Figura 21
XCIX
Figura 22
C
68
pequenas reformas até grandes intervenções urbanas,
podem estar presentes esses conceitos que mantêm a
sociedade ligada aos seus próprios acontecimentos
(fatos urbanos) em todos os períodos, passado,
presente e futuro.
CI
CII
No Brasil a revisão do Moderno chegou mais
para o fim da década de setenta, como mostra
novamente o texto de Sérgio Marques:
“No Brasil, onde de fato já havia uma
“arquitetura Moderna brasileira distinta
de uma arquitetura Moderna no Brasil,
caracterizada fundamentalmente pelas
obras de Oscar Niemeyer, Lúcio Costa,
Afonso Eduardo Reidy, irmãos Roberto e
outros da “Escola Carioca”, o debate
crítico ao Movimento Moderno e as novas
aportações trazidas pelo ”pós-
modernismo* começaram a ocorrer
somente no final da década de 70”
CIII
Mesmo este texto não se caracterizando como
parte de um Movimento “*Pós-Moderno”, (*definição
que se pode discutir em outra oportunidade), nem
pertencente ao período revisionista que já faz parte da
história, cabe citar uma passagem, relativa ao
apresentado até aqui, do Livro “Condição Pós-
CI
Figura 23: Plaza dels Països Catalans, Estação de Sants, Barcelona.
CII
Figura 24: Pinacoteca, São Paulo.
CIII
MARQUES, Sérgio Moacir. A Porto Alegre Recente. Revista Elarqa. Montevideo: Dos Puntos SRL, n. 33
Porto Alegre, p.33, fevereiro, 2000.
Figura 23
CI
Figura 24
CII
69
Moderna”, de David Harvey, e apontar nela alguns
pontos de possível discordância:
CIVCV
“... considero o pós-modernismo no
sentido amplo como uma ruptura com a
idéia modernista de que o planejamento e
o desenvolvimento devem concentrar-se
em planos urbanos de larga escala,...,
tecnologicamente racionais e eficientes,
sustentadas por uma arquitetura
absolutamente despojada (as superfícies
“funcionalistas” austeras do modernismo
de “estilo internacional”). O pós-
modernismo cultiva, em vez disso, um
conceito de tecido urbano com algo
necessariamente fragmentado, um
“palimpsesto”
CVI
de formas passadas
superpostas umas às outras e uma
“colagem” de usos correntes,...
CVII
Essa “colagem” não significa que a cidade não
deva ser pensada como um todo pertencente a uma
mesma unidade rica e caracterizada por suas partes
em constante transformação. Segue:
“Enquanto os modernistas vêem o espaço como algo a ser moldado para
propósitos sociais e, portanto sempre subserviente à construção de um projeto
CIV
Figura 25: Complexo Cultural Júlio prestes, estação Júlio Prestes, São Paulo.
CV
Figura 26: Sala São Paulo, Complexo Cultural Júlio Prestes.
CVI
Palimpsesto: Do Grego Palímpsesto, raspado novamente. 1-Antigo material de escrita, principalmente o
pergaminho, usado, em razão da escassez ou alto preço, duas ou três vezes mediante raspagem do texto
anterior. 2-Manuscrito sob cujo texto de descobre a escrita ou escritas anteriores.
CVII
HARVEY, David. Condição pós-moderna. São Paulo: Edições Loyola, p.68, 2004.
Figura 25
CIV
Figura 26
CV
70
social, os pós-modernistas o vêem como uma coisa independente e autônoma
a ser moldada segundo objetivos e princípios estéticos que não têm
necessariamente nenhuma relação com algum objetivo social abrangente,
salvo, talvez, a consecução da intemporalidade e da beleza “desinteressada”
como fins em si mesmas.
CVIII
Talvez essa afirmação de que um movimento pós-moderno é desinteressado
por questões sociais, mas não por motivos estéticos, seja verdadeira em alguns
exemplares de gosto duvidoso espalhados pelo mundo - não só nesses, é claro.
Segue uma citação do texto de Molinari, da revista 2G, sobre as duas tendências
teóricas italianas do pós-guerra, citadas anteriormente:
“... ambas tendencias teóricas, la de Rogers a través de las páginas de
“Casabella-Continuità desde 1953 hasta 1964, y la de Zevi primero com
“Metron” y después com “Architettura, Cronaca e Storia” aunque ponen de
manifesto una distancia ideológica importante, en realidad insisten en la
práctica proyectual como aproximación metodológica más que estilística,
interpretando plenamente la transformación en curso que estaba
requebrajando, poco a poco, el presunto carácter unitario del movimento
moderno, todavia representado por los CIAM
CIX
O que parece mais importante é que muitos, dos diversos caminhos seguidos
pela arquitetura depois da crise Moderna (não descartando a existência
contemporânea de uma linha Modernista), têm, ou podem vir a ter, razões sólidas das
mais diversas, inclusive sociais. Essas motivações, no entanto, não precisam ter a
pretensão de mudar o mundo com doutrinas impostas por um dos segmentos da
sociedade, pois não preservam autenticidade nas mudanças da cidade.
A questão principal do pós-modernismo para esse texto e para o
desenvolvimento das teorias contemporâneas sobre memória e contemporaneidade, é
justamente a condição de desgaste das culturas hegemônicas.
CVIII
HARVEY, David. Condição pós-moderna. São Paulo: Edições Loyola, p.68, 2004.
CIX
2G Revista Internacional de Arquitetura. Arquitectura Italiana de la Posguerra, 1944-1960. Barcelona:
Editorial Gustavo Gili. S.A., n. 15, p.9, 2000, 144 p.
71
O Movimento Moderno não é antagônico aos conceitos aqui defendidos
quando busca novas idéias, novas alternativas tecnológicas para qualificação do fazer
(comparação com a máquina) e quando busca a força e o entendimento das formas
puras e da simplicidade. Mas, torna-se limitado e fechado quando interrompe a
participação ativa da memória na cidade contemporânea, tentando, quando relevante,
tornar seus valores estáticos em relação ao tempo e em sua forma original, e quando
desconsidera as complexidades que caracterizam e dão identidade a uma cidade
(questões sociais - o sentir).
Plano como o Voisin, de le Corbusier, para a
cidade de Paris, caso fosse realizado, descaracterizaria
a capital francesa, que talvez deixasse de ser
reconhecida pelos próprios parisienses. Não que a
proposta não apresentasse benefícios ou que não
estivesse carregada de boas intenções e argumentos
como procura evidenciar Le Corbusier em seu
discurso:
CXCXI
“... ao erguer arranha-céus de planta
cruciforme no centro dos vastos
quarteirões assim criados, cria uma
cidade vertical, uma cidade que recolheu
suas células esmagadas no solo e as
dispôs longe do solo, no ar e na luz.”
“... parques ao lado dos arranha-céus
fazem, na realidade, do solo dessa cidade
um imenso jardim. “
CXII
CX
Figura 27: Plano Voisin, perspectiva aérea.
CXI
Figura 28: Plano Voisin, implantação
CXII
CORBUSIER, Le . Urbanismo. São Paulo: Editora Martins Fontes, p.264, 2000.
Figura 27
CX
Figura 28
CXI
72
Nem tampouco pelo que esse projeto propunha
em destruição de edificações: centenas de construções
históricas que, se fosse só pela forma ou pela
quantidade, não precisariam mesmo tornar-se
intocáveis pelo resto da eternidade. E Le Corbusier
pretendia preservar o que fosse de “valor”:
CXIII
“Os bairros do ‘Marais’, dos ‘Archives’, do
‘Temple’, etc. seriam destruídos. Mas as
Igrejas antigas são salvaguardadas. Elas
se apresentariam no meio verde; nada
mais sedutor! Mas é preciso convir que
assim seu contexto original se encontraria
transformado, é preciso admitir também
que seu contexto atual é falso além do
mais triste e feio. ”
CXIV
Mas a questão mais decisiva para uma possível ruptura dos laços sentimentais
entre os moradores e a cidade seria o impacto da transição entre as realidades, ditado
por um único indivíduo ou uma pequena equipe, buscando organizar as funções e
ações de forma precisa, sem o aval da participação direta ou indireta da população,
desrespeitando suas referências subjetivas e coletivas impressas nas relações formais
existentes. A proposta de Le Corbusier define essa lógica que divide os locais e as
funções:
“A hora do trabalho exige locais que sejam instrumentos de trabalho. A cidade
de negócios do ‘Plano Voisin’ constitui uma proposta formal conforme, exata e
realizável, oferecendo ao país uma sede de comando.”
CXV
CXIII
Figura 29: Plano Voisin, maquete.
CXIV
CORBUSIER, Le. Urbanismo. São Paulo: Editora Martins Fontes, p.270, 2000.
CXV
CORBUSIER, Le. Ob. Cit. p. 265, 2000.
Figura 29
CXIII
73
A falta de legitimidade do plano apresentada no discurso de Le Corbusier é
contradita por ele mesmo no momento em que escolhe manter o centro de Paris no
mesmo lugar, evidenciando a importância das referências, da identidade:
“O ‘Plano Voisin de Paris’ retoma posse do eterno centro da cidade. Mostrei no
capítulo anterior que na realidade é impossível deslocar o centro condicionado
das grandes cidades e criar, do nada, cidades novas ao lado das antigas”
CXVI
No momento em que Le Corbusier se aproxima mais em considerar as
questões humanas, de preservação da memória, tratando-as como objetos isolados e
eleitos (símbolos de épocas), faz da preservação mais uma atividade. Mesmo que
tenha escolhido objetos que poderiam manter-se em funcionamento (a mesma função
é claro) na nova realidade, evitando torná-los peças intocáveis, ele desassocia essas
edificações de seus contextos e, por sua vez, dos fatos urbanos que os inseriam na
cidade, (permanências). Assim, são afastados, em qualquer forma, da vida
contemporânea.
Le Corbusier não admite, em seu projeto, as adaptações de edificações
antigas para novas atividades, separando com limites (que também são culturais e
devem ser observados) muito rígidos, as linguagens das atividades. Mesmo que
muitas das intervenções não fossem qualificadas às atividades do entorno e não
competentes em fazer a transição entre os tempos, esse processo de transformação,
em Paris, era gradual e na escala urbana não desfigurava a cidade de uma só vez.
Le Corbusier expressa seu pensamento oposto à convivência do passado na
vida moderna:
“Primeira distinção, de ordem sentimental, muito grave, hoje, esse passado é
deflorado em nosso espírito; pois a participação na vida moderna que lhe é
imposta mergulha-o num meio falso. “
CXVII
CXVI
CORBUSIER, Le. Urbanismo. São Paulo: Editora Martins Fontes, p.264, 2000.
CXVII
CORBUSIER, Le. Op. Cit., p.270.
7
4
Essa consideração aponta para o caminho ao que foram levados os
monumentos históricos: para o isolamento ou para a destruição.
Apesar de o plano Voisin não ter sido executado, é um claro paradigma
moderno sobre descontinuidade entre os períodos que compõem a história de uma
cidade. Seus possíveis resultados defendidos aqui se apóiam em outros exemplos do
Movimento, como o projeto do próprio Le Corbusier para Chandigarh, na Índia.
Como o próximo capítulo trata da memória e contemporaneidade na cidade de
Porto Alegre é importante destacar que seu plano diretor atual, pddua, apesar de
menos drástico que o Voisin, tem permitido, em alguns bairros, grandes
transformações que apontam para a descaracterização da cidade. Bairros residenciais
predominantemente horizontais, constituídos em sua maioria por casas, têm se
transformado em zonas verticais, com configurações totalmente estranhas à
população. O plano de Porto Alegre, ao contrário do Voisin, de Paris, não traz
benefícios nem em termos funcionais, somente possíveis retornos econômicos para a
cidade. É também um exemplo de descontinuidade que afasta os moradores de suas
identidades com as formas do lugar onde vive.
75
CAPÍTULO 4
Memória e contemporaneidade em Porto Alegre com a análise crítica de re-
arquiteturas e suas relações no espaço urbano como partes de um todo, a cidade.
Os conceitos revisados no capítulo um e as teorias contemporâneas sobre a
memória na vida contemporânea da cidade, apresentadas e discutidas no segundo e
terceiro capítulos, serão usados como referenciais para fundamentar a análise de um
exemplo atual e concreto de re-arquitetura, que é Porto Alegre. Relativamente jovem,
a capital do Rio Grande do Sul, Brasil, passa por um momento de transformação na
maneira de lidar com suas preexistências, seu patrimônio histórico, refletindo
tendências nacionais e internacionais que interferem na relação entre memória e
contemporaneidade.
Histórico da arquitetura de Porto Alegre
CXVIII
Porto Alegre, fundada em 26 de março de 1772
com o nome de “Freguesia da Nossa Senhora da
Madre Deus”, desenvolveu até meados do século XIX
uma arquitetura de linguagem formal portuguesa,
adaptadas em razão das novas funções e do clima.
Dentre essas construções, das quais as mais
importantes são da primeira metade do século XIX, que
ainda perduram no centro da cidade, estão a sede da
Casa da Real Fazenda, o último quartel do séc. XVIII,
já bastante alterado, o Solar dos Câmara, cuja fachada
recebeu roupagem neoclássica na segunda metade do
séc. XIX, e as construções semirurais conhecidas
como o Solar Lopo Gonçalves, hoje Museu, e a
Chácara do Cristal, hoje no Bairro Menino Deus. Duas
Igrejas também foram iniciadas nesse período e ainda
estão presentes na cidade, a Igreja Nossa Senhora das
CXVIII
Figura 30: Teatro São Pedro.
Figura 30
CXVIII
76
Dores (1807-1904), cuja fachada atual eclética é do
início do século XX, obra do alemão Júlio Weise, e a
Igreja Nossa Senhora da Conceição (1951/58).
CXIX
Com a chegada de imigrantes europeus, em
meados do séc. XIX, as inovações formais historicistas
começaram a aparecer na arquitetura da cidade de
forma hegemônica até o período da II Guerra Mundial.
Das obras mais significativas da “arquitetura
neoclássica”, realizadas nesse período, restaram: o
Theatro São Pedro (1850-58), de projeto atribuído ao
alemão Georg Karl Phillip Theodor Van Normann, e o
Mercado Público (1861-69), de Friedrich Heydtmann,
alterado posteriormente, como se vê a seguir neste
capítulo. Destacam-se ainda, dentre as obras projeta-
das e construídas no período imperial (1822-1889),
com nítida feição neoclássica: o então Seminário
Episcopal (1865-88), atual cúria metropolitana,
projetada inicialmente por Jules Villain e concluída por
Johann Grünewald, e o Hospital Beneficência
Portuguesa (1867-69), de Friedrich Heydtmann. Ainda
na segunda metade do séc. XIX, pode-se salientar os
sobrados de três a quatro pavimentos, encontrados no
centro da cidade, com destaque para o conjunto de três
prédios situados na Rua José Montaury, 155/159 e
167, e para as edificações similares, porém revestidas
com azulejos, situadas na Rua Sete de Setembro, 708,
e na Ruas dos Andradas, 1527.
Com a mudança do regime político brasileiro de
império para República, em 1889, consolida-se no
CXIX
Figura 31: Cúria Metropolitana.
Figura 31
CXIX
77
poder político do estado do Rio Grande do Sul, o
partido Republicano Rio-grandense, liderado,
inicialmente, por Júlio de Castilhos e, posteriormente,
por Augusto Borges de Medeiros, que governaram o
estado, sob um projeto positivista e de forma ditatorial,
por um longo período. A necessidade da reconstrução
administrativa provocada pelo golpe, a luta pelo poder
entre as facções republicanas e a guerra civil de 1883,
provocaram um período de estagnação, impossibi-
litando o início imediato de novas obras. Além disso,
havia algumas obras iniciadas no Império que não
tinham sido concluídas, como o Hospício São Pedro.
Nesse período de transição, Afonso Herbert assumiu a
repartição de obras e, segundo a tradição do cargo e o
autoritarismo centralista do governo, passou a assinar
todos os projetos realizados pelo governo, o que não
significava sua real autoria dos projetos, tendo em vista
o grande número de projetos executados no mesmo
período. Uma de suas primeiras obras foi o palácio do
governo, o Piratini, com um projeto que misturava a
casa do governador com as funções do poder,
bastante representativo da realidade da época. Ele
também foi responsável pela realização da Biblioteca
Pública (1911-12), edificação neo-renascentista.
CXXCXXI
Enquanto isso, continuavam a chegar imigrantes que vinham para atuar no
ramo da construção e contribuíram ativamente para a arquitetura local. Destacaram-se
figuras como Hermann Otto Menchen, que atuou até 1908 na construtora de Rodolpho
Ahrons, dirigindo o Departamento de Arquitetura e, principalmente, o alemão que o
CXX
Figura 32: Palácio Piratini.
CXXI
Figura 33: Biblioteca Pública.
Figura 32
CXX
Figura 33
CXXI
78
sucedeu na empresa, Theodor “Theo” Alexander Josef Wiedersphan, um dos
expoentes da arquitetura da cidade na primeira metade do século XX.
A hegemonia dos imigrantes alemães na arquitetura da cidade, nessa época
que se estende desde a virada do século XIX até o final dos anos trinta, é
representada em diversificados estilos arquitetônicos de cunho historicista. Outras
etnias também contribuíram com este cenário, espanhóis e italianos tiveram uma
atuação destacada.
CXXII
É no centro da cidade onde se encontra a maioria das obras realizadas pelos
imigrantes. Dentre elas, o prédio da antiga Delegacia Fiscal do Tesouro Nacional
(1913-15), hoje MARGS; o antigo prédio dos Correios e Telégrafos (1910-14), atual
Memorial do RS; o antigo hotel Majestic (1914-27), hoje Casa de Cultura Mário
Quintana; e o Edifício Nicolau Ely (1922), atual loja Tumelero, todos de Theo
Wiedersphan. Além do primeiro projeto do Paço Municipal (1898-1901), à Praça
Montevidéu, do italiano Giovanni Antonio Luigi Carrara Colfosco; e de exemplares Art
Nouveau, como a farmácia Carvalho (1907), à Praça Senador Florêncio, 310, de
Francesco Tomatis. É importante citar também a Cervejaria Bopp Irmãos, hoje,
Shopping Total, também projeto de Theo Wiedersphan, situado no Bairro Floresta.
Da mesma época, cabe destacar Manoel Itaqui,
oriundo das primeiras turmas formadas pela Escola de
Engenharia local, fundada em 1896. Manoel Itaqui é
autor do projeto do Observatório Astronômico (1906-
08), em linguagem Art-Nouveau, um dos mais
significativos dentre os diversos equipamentos
oferecidos pela Escola, enquanto edifícios
característicos da arquitetura eclética, no atual campus
central da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS). No campus da Agronomia, o destaque é
para a Escola de Agronomia (1911-14), do mesmo
autor. No campus central, pode-se encontrar, além do
CXXII
Figura 34: Observatório Astronômico, campus da UFRGS.
Figura 34
CXXII
79
conjunto de prédios ligados à engenharia, os prédios
da Faculdade de Direito (1908-10), de Hermann Otto
Menchen; e da Faculdade de Medicina (1913-23), de
Theodor Wiedersphan, posteriormente modificado pelo
italiano Frederico Pellarin, ambos na construtora de
Rodolpho Ahrons.
Após a I Guerra Mundial, a cidade verticaliza-se
progressivamente em nomh3n72 Tw[omn
80
grande porte restou, o Instituto de Educação General Flores da Cunha (1935), do
espanhol Fernando Corona.
Dentro do contexto regional, a exposição revela-se como a primeira tentativa de
produzir-se um conjunto de edificações baseado em vocabulário arquitetônico de
estética nitidamente modernizante, com inspirações nas grandes exposições
internacionais realizadas entre meados da década de 20 e 30, tanto na Europa quanto
nos Estados Unidos. José Artur comenta em seu texto, na revista Arqtexto o
significado dessa exposição:
“O que se busca no conjunto de seus edifícios é uma transição mais suave
entre vanguarda e tradição. O que se quer, é um processo seguro, sem
rupturas bruscas, aplicando metaforicamente o transitório, representado então
pelos pavilhões, enquanto “sistemas estéticos exploratórios. Uma fórmula
inaugurada dez anos antes pela “Exposition Internationale des Aarts Décoratifs
Modernes” de 1925 em Paris, através da introdução de uma modernidade
conciliadora, light.”
CXXIV
José Artur, referindo-se a uma recente amostra de fotos da exposição e aos
elementos que formaram a reformulação da várzea em Parque, também comenta que,
apesar do pouco tempo da exposição, seus significados tanto ideológicos quanto
formais permanecem nas transformações da cidade:
“A própria importância urbana do Parque Farroupilha para a cidade- uma das
principais área verdes que teve sua efetiva implantação a partir da exposição
de 35- potencializa esse discurso interativo. O parque se modifica, se
transforma e se incorpora na cidade, assim como as imagens modernizantes
de seus pavilhões irão participar, como fragmentos, das transformações de
partes dessa mesma cidade.”
CXXV
CXXIV
FROTA, José Artur D’Aló. A Permanência do Transitório. Revista Arqtexto. Porto Alegre:
Departamento de Arquitetura, PROPAR, v. 0 (POA-RS), p.18, 1o semestre, 2000.
CXXV
FROTA, José Artur D’Aló. Op. Cit., p.19.
81
No aspecto urbanístico, desde 1914 a cidade aspirava à implantação do Plano
Geral de Melhoramentos, do Engenheiro Arquiteto João Moreira Maciel. Era
basicamente um plano viário e de saneamento. Dele surgiram as diretrizes que
levaram ao alargamento e à abertura de vias no centro da cidade. Na passagem da
década de 1920 para 1930, ocorreu a obra mais importante, a abertura da Av. Borges
de Medeiros. Nessa direção da modernização, foi posteriormente aberta a Av.
Farrapos, principal via de acesso rodoviário à cidade da época. Nessa avenida
encontramos alguns conjuntos caracterizados como Art Decó, com uma mescla de
soluções racionalistas e expressionistas.
No início dos anos 40, diversos projetos de equipamentos públicos foram
desenvolvidos para Porto Alegre por arquitetos cariocas, especialmente de
profissionais que estiveram vinculados ao projeto do Ministério da Educação e Saúde,
que participaram da denominada “Escola Carioca”. Por diversos motivos essas obras
não foram construídas. Nessa década também se estreitaram relações entre
arquitetos porto-alegrenses e uruguaios.
No fim do estado novo, com o surgimento do curso de arquitetura na Escola de
Belas Artes, finalmente começa a consolidar-se a arquitetura Moderna na cidade. Dos
anos 50, destacam-se as Tribunas do Jockey Clube do Rio Grande do Sul (1951-52),
no Bairro Cristal, fruto do concurso vencido pela empresa Azevedo Moura e Gertum,
com projeto do arquiteto uruguaio Román Fresnedo Siri. Outros dois concursos
ofereceram obras de semelhante importância para a cidade, trata-se, do Palácio da
Justiça (1953), situado na Praça Marechal Deodoro, de Luiz Fernando Corona e
Carlos Maximiliano Fayet; e do Palácio Farroupilha, sede da Assembléia Legislativa do
Estado do RS (1958), situado na mesma praça, projeto do escritório paulista de
Gregório Zolko e Wolfgang Schoedon.
Os anos 70 trouxeram uma nova aproximação dos profissionais porto-
alegrenses com os arquitetos uruguaios. A obra mais significativa desse período foi a
Central de Abastecimento de Porto Alegre (1970), cuja obra mais destacada é o
Pavilhão do Produtores, dos arquitetos Carlos Maximiliano Fayet, Cláudio Luiz Araújo
e Carlos Eduardo Comas. Nele foram adotadas para a cobertura abóbadas de tijolo
armado de dupla curvatura, desenvolvidas pelos engenheiros uruguaios Eládio Dieste
82
e Eugenio Montañez, representados em Porto Alegre pelo também uruguaio arquiteto
Alfredo Álvarez Lay. A tecnologia da cerâmica armada do escritório uruguaio também
foi utilizada em outras construções, das quais se sobressai a das indústrias Menphis
(1976), de Cláudio Araújo e Cláudia Obino Frota, na zona norte da cidade.
No âmbito urbano, a década de 70 deixou para a cidade, fruto dos aterros
empreendidos ao longo dos anos 60, na Praia de Belas, junto ao Guaíba, o Parque
Marinha do Brasil (1977), atual Maurício Sirotsky Sobrinho, de Ivan Mizoguchi e
Rogério Malinsky, com a nítida influência do Brutalismo paulista em seus
equipamentos. Houve também a implantação de um túnel e diversos viadutos
contornando o centro histórico. Apesar da qualidade de algumas obras, o saldo foi a
destruição de grandes porções da estrutura tradicional, criando “feridas” até hoje ainda
não cicatrizadas.
Em Porto Alegre, a revisão da arquitetura moderna, num primeiro momento,
deu-se no meio acadêmico, depois, na década de 1980, os temas da cidade
predominaram nas discussões de arquitetura. As ações de projeto concentraram-se
nos problemas de relação com o contexto físico e cultural do lugar, resultando,
posteriormente, em alguns projetos que serão analisados mais adiante neste capítulo.
Ao mesmo tempo e paradoxalmente, a liberação para as ações de projeto de uma
doutrina específica, como a Moderna, causou certo descontrole na qualidade da
maioria das propostas de edifícios na cidade, que se prenderam em um padrão de
mediocridade. As obras não mostraram soluções ricas e heterogêneas, que se vê em
outras partes do mundo, e sua herança hoje são os prédios “neoclássicos” da
arquitetura comercial.
A arquitetura imobiliária comercial, nas últimas décadas, acompanhou o
movimento de descentralização da cidade, buscando outros pólos de desenvolvimento
como o shopping Iguatemi, que concentrou muitos prédios em uma zona antes
descampada. Zonas comerciais de bairro ganharam nova dimensão, como no Bairro
Moinhos de Vento, na Av. Carlos Gomes, na Av. Assis Brasil, com o Shopping
Lindóia; e o Menino Deus, com o Shopping Praia de Belas, expandindo-se na direção
dos espaços ainda não construídos. Em sentido inverso, o centro histórico sofreu
processo de estagnação e deterioração, junto com outras partes da cidade repletas de
83
prédios obsoletos e sem uso, apenas recentemente revertido com os interesses, já
citados, pela memória e cultura local e pelo aproveitamento da arquitetura existente.
Na década de 1990, apresentou-se uma espécie de crítica do revisionismo pós-
moderno, com a retomada de alguns valores das vanguardas modernas, de ética e
estética, apropriados às circunstâncias contextuais.
Memória e Contemporaneidade em Porto Alegre
Porto Alegre, através desses processos de revisão e contextualização, começa
a afastar-se do modelo de preservação próximo aos valores da Carta de Atenas e
seus resquícios, impressos nos planos da cidade, para buscar novas alternativas que
representem uma transformação legítima da cidade, com origem em seus próprios
fatos urbanos. Esse processo ainda é fragmentado, característico dos períodos de
transição e está em defasagem, em termos de formação, com o trabalho realizado em
outras cidades de semelhantes características de idade, localização e colonização.
Montevidéu, por exemplo, cidade capital do
Uruguai e vizinha a Porto Alegre, apresenta uma
característica de formação urbana mais íntima na
relação entre a memória e a contemporaneidade.
Encontra-se na revista Projeto, o texto de Juan Manuel
Bastarrica, que reforça essa afirmação:
CXXVI
“É inegável o papel que a modernidade
arquitetônica européia (...) desempenhou
no desenvolvimento da arquitetura
contemporânea da América Latina. O
Uruguai – sobretudo Montevidéu – não é
uma exceção. Assumindo o risco de certa
subjetividade, se poderia dizer que o
processo arquitetônico e urbanístico
uruguaio tem sido, desde sua origem, a
CXXVI
Figura 36: Praça 1º de maio, Montevidéu.
Figura 36
CXXV
I
8
4
reinterpretação de produtos externos,
com o elemento local desempenhando
papéis diferentes na etapa de seleção.
(...)
No Uruguai (...) o caráter local vai além
das escolas ou tendências permanentes.
Trata-se, nos melhores casos (...), da
acumulação de diversas camadas
aluviais que cada geração foi
processando.”
CXXVII
CXXVIIICXXIX
Pelotas, cidade do interior do estado do Rio
Grande do Sul, fisicamente situada entre Montevidéu e
Porto Alegre, também tem uma história de urbanização
diferente de Porto Alegre. O centro histórico do século
XIX, com traçado reticular e que compõe grande parte
do espaço físico que a cidade ocupa até hoje,
permanece de forma estruturada. Os planos diretores
de 1968 e 1981, baseados na cidade-jardim e na carta
de Atenas, já ensaiados nos novos loteamentos das
áreas de expansão, trazem a sobreposição, de certa
forma bastante integrada, de edifícios modernos no
centro, apesar de que nas áreas adjacentes ao miolo,
mesmo sem alterações no traçado existente, a tipologia
edilícia moderna tenha sido potencializada. Pelotas tem
uma estrutura urbana essencialmente consolidada,
pois após sua época áurea a cidade manteve-se sem
um crescimento físico como o de Porto Alegre.
CXXVII
BASTARRICA, Juan Manuel. A tradição do novo nas arquiteturas de Montevidéu e as mudanças ocorridas
ao longo da década de 90. Revista Projeto Design . São Paulo: Arco Editora Ltda, n. 215, p. 38, dezembro, 1997.
CXXVIII
Figura37: Praça 1º de maio, Montevidéu.
CXXIX
Figura 38: Mapa central da cidade de Pelotas.
Figura 37
CXXVIII
Figura 38
CXXIX
85
Em Porto alegre ainda há, proporcionalmente ao
seu tamanho e história, poucas intervenções que
devolvem partes degradadas da cidade ao uso
cotidiano da população ou que façam mantém o que
está em uso de forma a valorizar sua memória, assim
como é recente a formação da consciência de se
construir no construído, tendo em vista a preservação
de valores e fatos urbanos. A maioria das obras que
foram realizadas a partir da década de 1980, como não
poderia deixar de ser, localiza-se no centro histórico da
cidade, local mais antigo e consolidado, que carrega
em suas formas a memória desde o início da história
da cidade. A população, mesmo a que reside distante
do centro -onde estão obras que representam e
caracterizam mais a cidade- identifica-se com o
conteúdo arquitetônico nele presente.
CXXX
O Centro histórico de Porto Alegre é definido no PDDUA como: “Área de
urbanização mais antiga do território do município, com limites entre o lago Guaíba e o
contorno da I Perimetral”.
CXXXI
As poucas intervenções realizadas, por sua vez, são pontuais e não fazem as
conexões com as outras partes da cidade. Obras como a Casa de Cultura Mário
Quintana, Mercado Público, MARGS, Santander Cultural, Memorial do Rio Grande do
Sul e Centro Cultural CEEE Erico Verissimo, que trouxeram muitos benefícios para a
cidade, reconstroem o edifício e sua memória, importantes para a cidade, mas como
elementos isolados. Não há a requalificação do espaço urbano de forma integrada.
CXXX
Figura 39: Fotografia do centro de Pelotas.
CXXXI
PDDUA, Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Ambiental. Lei Complementar 434/99. Porto Alegre:
Prefeitura Municipal de Porto Alegre, Secretaria do Planejamento Municipal, p.36, 1999.
Figura 39
CXXX
86
O Santander Cultural, de Roberto Loeb,
localizado na Praça da Alfândega, é um centro de
exposições resultante de uma reciclagem no antigo
Banco Nacional do Comércio, de Fernando Corona e
Stephan Sobczak. O prédio, com influências do
neoclássico francês e do ecletismo, mistura elementos
contemporâneos -como no átrio superior em piso de
vidro estrutural- e técnicas de restauração, destacando
os espaços de riqueza material e espacial existentes.
No subsolo, onde funcionavam dois cofres-fortes, foi
criado um espaço de alimentação e lazer, sendo um
cinema (cofre maior), um café-bar (cofre menor), um
restaurante para 90 pessoas, biblioteca e museu de
numismática. O térreo e a galeria abrigam as
exposições, livraria e loja. Nos primeiros pavimentos,
circundando o novo átrio, fica a sede do Banco
Santander.
CXXXIICXXXIII
O Memorial do Rio Grande do Sul ocupa,
desde meados de 2000, o antigo prédio dos Correios e
Telégrafos de Porto Alegre, também situado na Praça
da Alfândega. A intervenção foi realizada pelos
arquitetos Ceres Storchi e Nico Rocha. O prédio dos
Correios, tido como o primeiro da cidade em concreto
armado, foi construído entre 1911 e 1913, a partir do
projeto de Theo Wiedersphan. Novos elementos, a
remoção de construções que desfiguravam o prédio e
a recuperação das partes existentes compõem a busca
CXXXII
Figura 40: Átrio do Santander Cultural.
CXXXIII
Figura 41: Foto externa do Santander Cultural.
Figura 40
CXXXII
Figura 41
CXXXIII
87
dos arquitetos em favor do uso público e
contemporâneo do prédio, como diz o Arquiteto Rocha:
“Ao mesmo tempo, procuramos adaptar a
construção aos novos usos, facilitando a
fruição do público com uma proposta
arquitetônica da qual a população possa
se apropriar e em que consiga se
reconhecer.”
CXXXIV
CXXXVCXXXVI
O Museu de Arte do Rio Grande do Sul Ado
Malagoli (MARGS), situado ao lado dos Correios e
também projetado por Theo Wiedersphan, foi
construído em 1913 para abrigar a Delegacia Fiscal.
Apesar de o decreto de transferência do MARGS datar
de 1974, a ocupação definitiva realizou-se somente em
1978. Entre final de 1996 e início de 1998, o prédio
sofreu uma intervenção, através do governo do estado,
que combinou funcionalidade com a preservação das
características históricas da construção já deteriorada,
adaptando o local aos padrões internacionais de
museologia. Formalmente, poucos elementos
contemporâneos, como o terraço, foram introduzidos
nessa manutenção do espaço como museu.
As intervenções Casa de Cultura Mário
Quintana, Mercado Público e Centro Cultural CEEE
Erico Verissimo serão analisadas com mais atenção a
CXXXIV
Autor desconhecido. Edifício dos Correios transforma-se para abrigara memória gaúcha. Revista
Projeto Design. São Paulo: Arco Editora Ltda, n. 256, p. 59, junho, 2001.
CXXXV
Figura 42: Vista aérea do Memorial do Rio Grande do Sul.
CXXXVI
Figura 43: Vista do MARGS a partir da Praça da Alfândega.
Figura 42
CXXXV
Figura 43
CXXXV
I
88
seguir, apresentando as relações entre memória e
contemporaneidade existentes na escala do objeto,
que mantêm, em outras proporções, a estrutura da
cidade.
Outras re-arquiteturas como a recuperação do Largo
Glênio Peres, a restauração do chalé da Praça XV e
a revitalização da Usina do Gasômetro compõem,
com as obras citadas e as intervenções que já estão
em andamento, como o Multipalco do Theatro São
Pedro, do Arquiteto Dalton Bernardes, Marco Peres e
Júlio Collares, as transformações mais recentes do
centro, que procuram resgatar elementos do passado e
reconstruir a memória de Porto Alegre.
CXXXVIICXXXVIIICXXXIX
Essas Intervenções, localizadas no centro
histórico, mesmo pensadas individualmente configuram
um conjunto por proximidade, além de pertencerem a
uma zona de confluência de tráfego da cidade e serem
muito representativas historicamente. Isso não impede,
evidentemente, que os objetos e espaços possam cair
no ostracismo, mas contribui, principalmente com a
crescente multiplicação das intervenções, para que
permaneçam presentes no contexto da cidade.
Por outro lado, obras externas ao centro estão
mais isoladas pelos “vazios” urbanos de zonas
degradadas, terrenos desocupados e estruturas
urbanas descaracterizadas. É o caso do Shopping DC
CXXXVII
Figura 44: Implantação do DC Navegantes.
CXXXVIII
Figura 45: Galpão do DC Navegantes.
CXXXIX
Figura 46: Fachadas do DC Navegantes.
Figura 44
CXXXVII
Figura 45
CXXXVIII
Figura 46
CXXXIX
89
Navegantes, obra que abrange um grupo de edifícios
conectados entre si com um espaço aberto tratado. Os
edifícios guardam valores para a preservação,
principalmente pelo conjunto, onde elementos de outra
época convivem com um uso contemporâneo, porém,
entre o DC e o centro há uma interrupção na parte
ativa da cidade por prédios sem uso e em mau estado
de conservação. Há uma subutilização do potencial do
Shopping pelo seu afastamento da vida cotidiana dos
possíveis usuários.
CXLCXLICXLII
A transformação em distrito comercial, Shopping
DC Navegantes, do antigo complexo fabril de indústria
têxtil A. J. Renner, construído na década de quarenta
no bairro Navegantes, desenvolveu-se em três etapas
a partir de 1994. O projeto, desenvolvido pela iniciativa
privada, tem como autores Adriana Hofmeister, Rosane
Bauer e João Carlos Gaiger Ferreira. A obra preserva
referenciais já consolidados, agrega valores à
arquitetura existente, combate a deseconomia -
representada pela prática de demolições antigas- e
90
Centro histórico, sendo considerado como sua zona de
expansão. O projeto do Centro é contextualizado com
o bairro que se caracteriza por lotes compridos e de
testadas pequenas com construções do tipo porta-e-
janela, como mostra o texto da revista Projeto:
CXLIII
“A concepção adotada estabelece um
franco diálogo com a rua e o bairro,
através de um open mall que dá certa
continuidade ao tecido urbano, preserva
sua escala típica e reinterpreta as casas
operárias do tipo porta-e-janela. (...) O
centro comercial é organizado
basicamente em pequenas lojas que se
abrem diretamente para a rua interna...
Hoje essas lojas são ocupadas
predominantemente por bares,
restaurantes, livrarias e as salas de
cinema.”
CXLIV
Nos bairros, de forma mais isolada ou mesmo próximos ao centro, outras
intervenções que ainda estão sendo realizadas e começam a reutilizar espaços da
cidade. Assim como algumas obras do centro, nem sempre com grande força
conceitual, elas devolvem o uso a prédios e espaços relevantes para a cidade, como o
novo Shopping Total, de Analino Zorzi -a antiga cervejaria Brahma e inicialmente
cervejaria Bopp, no bairro Floresta, prédio de Theo Wiedersphan.
Em Porto alegre, esses e outros lugares de interesse de preservação ainda não
são relacionados de forma unitária, considerando-se como arquitetura desde os
CXLIII
Figura 50: Centro Comercial Nova Olaria, foto noturna da rua interna.
CXLIV
Autor desconhecido. Reciclagem de antigos galpões em bairro tradicional propicia funções diversifi-
cadas no miolo da quadra. Revista Projeto Design
. São Paulo: Arco Editora Ltda, n.210, p.50, julho, 1997.
Figura 50
CXLIII
91
detalhes da construção até a cidade como um todo. Falta um programa, plano ou
movimento que faça a reintegração do patrimônio histórico a outros espaços não tão
representativos em um grande objeto arquitetônico que possa seguir em
transformação baseada em história e projetada pelas necessidades do tempo
presente e futuro. As intervenções, por enquanto, ocorrem de maneira fragmentada
na cidade, ou pela necessidade de uso dos espaços existentes, ou pela tendência
internacional discutida nos meios acadêmicos, ou pela necessidade da sociedade
porto-alegrense de procurar sua história e suas raízes. A partir daí, é que talvez se
construa um cenário mais sólido de relação entre memória e contemporaneidade na
caracterização da cidade.
Até 1999, a cidade teve dois planos diretores que influenciaram diretamente
nas suas características físicas e de postura comportamental humana. Considera-se
como primeiro plano diretor o de 1959, feito a partir de planos existentes (Gladosch e
Comissão Revisora) e o segundo, chamado de 1
o
pdddu, de 1979. Os planos
aproximavam seus princípios aos da Carta de Atenas, tratavam o patrimônio histórico
como símbolos estáticos, de representação visual, e determinavam que parte da
paisagem urbana devesse ser protegida dos novos fatos urbanos. Artigos do plano
diretor de Porto Alegre:
“Art.75 - Áreas de preservação cultural e de proteção da paisagem urbana são
aquelas que contêm bens ou valores sócio-culturais dignos de serem
preservados para a proteção da paisagem urbana.
Art. 76 - Áreas de preservação cultural e de proteção da paisagem urbana
serão instituídas com vistas à elaboração e execução de planos e programas
destinados a:
I - promover a cultura, através da promoção, preservação, restauração,
recuperação e valorização do patrimônio ambiental urbano e de seus valores
culturais intrínsecos.
II - compatibilizar seu regime com o das áreas vizinhas
Art. 77 - Ficam estabelecidas as áreas de preservação cultural e de proteção
da paisagem urbana que, com esta denominação, já estejam identificadas nas
plantas do primeiro plano diretor de desenvolvimento urbano.
92
Art. 78 – A modificação não autorizada, a destruição, a desfiguração ou o
desvirtuamento de sua feição original, no todo ou em parte, das áreas de
interesse ambiental, sujeitam o infrator às seguintes penalidades: (...).“
CXLV
O novo plano diretor de Porto Alegre, o PDDUA, LC 434/1999, apesar de
apresentar uma evolução na forma de se pensar a preservação de patrimônio histórico
em relação aos planos que o precederam, não propõe um planejamento para a cidade
como um todo. A marcação que visa à preservação de algumas zonas de interesse
cultural, com regimes urbanísticos específicos, apresenta-se contraditória na liberdade
dada ao mercado para construção de prédios de grandes alturas em bairros
residenciais, maior que nos planos anteriores. A especulação imobiliária, como já foi
citado no capítulo 3, transforma e descaracteriza a cidade de tal forma que objetos
arquitetônicos de valor individual ou de conjunto, que caracterizam parte da cidade e
relacionam-se com ela, são pulverizados. Isso acontece porque há uma definição,
uma lista de objetos e zonas a serem preservados, um pouco mais abrangente é
verdade, em vez de uma relação de permanência entre as partes e o todo.
PDDUA:
CXLVI
“Art.14 – Integra o patrimônio cultural,
para efeitos desta lei, o conjunto de bens
imóveis de valor significativo – edificações
isoladas ou não – ambiências, parques
urbanos e naturais, praças, sítios e
paisagens, assim como manifestações
culturais – tradições, práticas e
referências, denominados de bens
intangíveis -, que conferem identidade a
esses espaços.
CXLV
1
o
PDDU, Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano. Lei Complementar n. 43, de 21 de julho
de 1979. Porto Alegre: Prefeitura Municipal de Porto Alegre, Secretaria do Planejamento
Municipal, p.32, 1979.
CXLVI
93
Parágrafo único. As edificações que integram o patrimônio cultural são
identificadas como tombadas e inventariadas de estruturação ou de
compatibilização, nos termos de lei específica, observando que:
I – de estruturação é aquela que por seus valores atribui identidade ao
espaço, constituindo elemento significativo na estruturação da paisagem onde
se localiza;
II – de compatibilização é aquela que expressa relação significativa
com a de estruturação e seu entorno, cuja volumetria e outros elementos de
composição requerem tratamento especial.
CXLVII
Mesmo não prevendo o tombamento de todas as preexistências de interesse, o
que tornaria o trabalho das intervenções mais restritivo, e abrindo a possibilidade de
preservação para outros elementos e conjuntos referenciais que não pertencem às
zonas de interesse, o plano não oferece a conexão entre esses objetos na grande
relação que é a cidade, mas que é admitida em pequena escala. Na prática, mesmo
os pequenos universos de caracterização dos bairros da cidade, antes de serem
relacionados, desaparecem entre a nova paisagem vertical dos prédios-espigão. O
tabuleiro existente, sobre o qual as novas ações do presente deveriam se inserir torna-
se um campo pouco fértil para uma arquitetura de qualidade e identificada com a
sociedade contemporânea. A união das zonas e objetos de interesse poderia estar no
reforço das relações do existente, espaços abertos, conexões viárias, eventos, em
novos projetos que preencham os “vazios urbanos” e num crescimento mais gradual
da cidade.
O plano diretor expressa a defesa de um ponto importante, mesmo em
condições fragmentadas, na valorização das relações arquitetônicas que estruturam o
caráter de partes da cidade, citadas no parágrafo anterior. São a “alma” dessas partes
da cidade, mas não traduzem individualmente um grande fato urbano ou uma
qualidade arquitetônica exemplar, são formas e espaços que traduzem a forma de
vida, relações de pequenos fatos urbanos ocorridos até o presente.
CXLVII
PDDUA, Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Ambiental. Lei Complementar 434/99. Porto
Alegre: Prefeitura Municipal de Porto Alegre, Secretaria do Planejamento Municipal, p.20, 1999.
9
4
O PDDUA também exibe o termo intangível”, o que o aproxima ainda dos
conceitos mais antigos que afastam das transformações os considerados patrimônios
mais relevantes, como se, de forma legítima e visando guardar valores importantes,
esses objetos não pudessem sofrer alterações que os conservassem participantes na
estrutura viva da cidade. Por outro lado, o plano afasta-se da cartilha funcional do
Modernismo no não zoneamento das atividades na cidade.
A responsabilidade de não tratar a cidade como uma arquitetura única não
cabe aos arquitetos, engenheiros ou aos idealizadores das obras pontuais que
contribuíram e contribuem para que o processo de renovação da cidade seja pensado
com interesse e qualidade e que, mesmo de forma independente, procuram relacionar
essas obras com a cidade. Há mecanismos legais e a própria concepção de
preservação geral da população que estabelecem essa realidade. A força de
valorização do meio urbano com legitimidade é de todo o conjunto social, técnicos,
entidades, cidadãos e governo, através de conscientização, posturas e leis que regem
a cidade.
Apesar de muitas vezes o processo de mudança ser lento, por morosidade ou
descaso, não se faz necessária a imposição de doutrinas e padrões fechados (vide
experiências do Modernismo através das cartas), pois interferem diretamente na
identidade coletiva. As transformações necessitam de balisamentos técnicos e de uma
ordem geral para o plano, mas também de um espaço para as soluções individuais
das partes, (diversas soluções, uma intervenção para cada caso) assim como admitir
a ampla influência da população, em geral legitimando os rumos das transformações
físicas da cidade.
Em Porto Alegre, atualmente, a participação da população tem se dado através
de programas como o orçamento participativo, em plenárias, quando os cidadãos
podem decidir pela preservação e a transformação de determinados pontos da cidade,
aplicando o orçamento nesses fins. Esse processo importante de participação e
conscientização da existência de uma memória da cidade já se desenvolve desde o
seu grande crescimento no meio do século XX. No livro de Ana Meira pode-se
entender melhor esse processo de participação da população:
95
“Na década de 1960, consolidou-se um “campo do patrimônio”, formado por
intelectuais que se manifestavam através da imprensa. Nas décadas seguintes,
essas manifestações se diversificaram. A partir de 1989, ampliou-se a
participação na gestão urbana.
Foram implantados ou ampliados espaços de participação para proposição e
fiscalização das políticas de governo que buscaram combinar a democracia
representativa com a democracia participativa – uma esfera pública não estatal.
O ponto de partida foi a organização civil existente, na época, em associações
de bairros, (...) e outras, ou seja, o capital social historicamente construído na
cidade.
Esse processo permitiu o afloramento de um situação inédita: começaram a
surgir demandas sobre a preservação dos patrimônios culturais da cidade em
fóruns como o Orçamento Participativo, congressos da cidade, conferências
municipais e outros. Fez emergir a preocupação com os bens culturais não
consagrados – importantes enquanto referências locais para a população,
complementando aqueles consagrados como patrimônio pelo poder
público.”
CXLVIII
Talvez, mais importante do que a escolha pela população, de objetos a serem
preservados, é o afloramento das relações de memória e contemporaneidade que
surgem das discussões populares, que podem sustentar uma consolidação da cidade
legítima à população, desde que o plano diretor e as ações visem à integração, o que
parece um processo natural.
Porto Alegre tem muitos mecanismos implantados pelo poder público em
benefício da preservação, avançando na questão da importante valorização da
memória na vida das cidades, mas essas preservações ainda não são diretamente
relacionadas a usos e atividades importantes para o cotidiano da população, não
mantendo nelas as relações de memória existentes entre esses objetos com a vida
contemporânea.
Se a memória existe a partir da contemporaneidade (é reconstruída a partir do
presente), a preservação que se aplica no objeto em Porto Alegre (singular), para que
CXLVIII
MEIRA, Ana Lúcia. O Passado no Futuro da Cidade, políticas públicas e participação popular na
preservação do patrimônio cultural de Porto Alegre. Porto Alegre: UFRGS Editora, p.9, 2004.
96
reconstrua as memórias e dê um caráter particular para a cidade (isso influenciará a
identidade e a qualidade de vida da população), necessita de uma relação direta de
uso pela população, assim como é preciso que se eleve esses princípios para a
escala da cidade, para a unificação do grande objeto e seus valores, considerando
todas as relações complexas que nela se desenvolvem.
O exemplo em Porto Alegre, analisado com mais profundidade a seguir, é a
reciclagem do antigo prédio do Força e Luz, que traz algumas características de
preservação da memória em relação à vida contemporânea discutidas no texto. O
prédio que abriga hoje o Centro Cultural CEEE Erico Verissimo é, porém, como os
outros trabalhos de preservação na cidade, um gesto pontual que partiu de iniciativas
isoladas frente a uma realidade que apresenta condições e necessidades para que o
trabalho de renovação e consolidação da cidade se desenvolvam com integridade.
Porto Alegre, através de suas formas arquitetônicas, tem muitos fatos urbanos
para permanecer na vida contemporânea, pois aproximam, por identificação, a
população e a cidade. Isso ocorre não somente no centro histórico, mais consolidado
e não tão antigo, mas em toda a extensão da cidade, como, por exemplo, nos bairros
que se desenvolveram a partir de arraiais e estâncias de veraneio.
A identidade e a memória também podem estar presentes nas formas de
objetos considerados sem tanto valor arquitetônico ou que não são tão antigos e
consolidados, é apenas a fase inicial desse processo da caracterização do lugar. São
como elementos fractais que guardam os mesmos princípios do todo e participam
como constituinte da unidade, que é a cidade, onde suas bordas não estabelecem
tantas conexões como as partes que estão no meio da massa. Assim, é possível
considerar não desprezíveis as relações de preservação e identidade nas cidades
mais novas ou não tão importantes historicamente para a humanidade, pois elas
poderão aportar contribuições relacionadas ao caráter dessas localidades e às
pessoas que com ela se relacionam.
A necessidade por sua vez faz-se evidente no esgotamento de áreas limpas,
nas zonas centrais, para as novas construções e pela representatividade de muitas
edificações que precisam de manutenção.
97
A análise histórica do Força e Luz, com suas respectivas alterações, demonstra
a riqueza de fatos urbanos incorporados em suas formas, em sua presença. Fatos que
98
Os primeiros proprietários eram Luís Alves de Castro e José Carvalho,
como consta nos livros de imposto predial existentes no Arquivo Municipal.
Entretanto, de acordo com depoimentos de pessoas que viveram nessa época,
havia um só dono, Luís Carvalho. Coincidentemente, Luís era o primeiro nome de
Luís Alves de Castro; e Carvalho, o último de José Carvalho. Dessa forma, pode-
se concluir que José Carvalho e Luís Alves de Castro nunca existiram, foi a
maneira que uma pessoa encontrou para não ter seu nome relacionado à
atividade de jogos e prostituição.
Em 1928, a empresa Força e Luz Porto-Alegrense, junto com as demais
companhias existentes no Rio Grande do Sul a Fiat Lux e a Usina Municipal foram
encampadas pela CEERG (Companhia Energia Eléctrica Rio-grandense) ligada à
Companhia Brasileira de Força Eléctrica e subsidiária da empresa norte-
americana American e Foreign Power Co. (AMFORP), do mesmo grupo da Eletric
Bond and Share Co. A CEERG assinara um contrato de concessão com a
Prefeitura de Porto Alegre para a exploração da produção e distribuição de
energia elétrica, alugando, em maio do mesmo ano, o prédio então denominado
de Força e Luz.
A empresa passou a ocupar o prédio em 1929, depois da remodelagem
interna do prédio, instalando ali uma loja que servia como verdadeira vitrine da
empresa, exibindo artigos elétricos que representavam então o que havia de mais
novo no setor. A inauguração foi uma celebração à qual compareceram
autoridades e a elite porto-alegrense. A loja era motivo de deslumbramento em
uma cidade ainda pequena e provinciana, pois tinha quatro pavimentos, em uma
época de estabelecimentos pequenos. No piso da entrada, estava o lema da
empresa: “servímol-o com prazer”, que era, aliás, uma constante nos anúncios.
Uma reportagem da época, da revista Brasilectric descreveu o momento:
“Constitue importante accrescimo para o activo centro commercial de Porto
Alegre e para a série sempre crescente de esplendidas lojas de artigos de
eletricidade das nossas companhias associadas, a loja da Companhia
energia Electrica Riograndense, inaugurada no dia 30 de abril, na prospera
capital do Rio Grande do Sul.
99
O magnífico predio construido para o
cassino de Porto Alegre, foi
remodelado e adaptado para os
escritórios e loja da companhia, sendo
elle agora conhecido em todo o Rio
Grande do Sul como Edifício Força e
Luz. (...) As atrações principais da loja
de Porto Alegre no dia de sua
inauguração foram: um modelo de
cosinha electrica, onde foram feitos
”waffles” em aparelhos electricos e
servidos aos convidados (...)”
CXLIX
CLCLI
Não há registro de data da transferência de
propriedade, mas o prédio Força e Luz teve como
segundo proprietário o Joquey Club do Rio Grande
do Sul, apesar de estar sempre envolvido
funcionalmente com o setor elétro-energético, desde
1929 .
Em 1943, foi criada a Comissão Estadual de
Energia Elétrica, subordinada à Secretaria de Obras
Públicas, que encampou os serviços e bens
pertencentes à CEERG. Em 1963, a Comissão
Estadual de Energia Elétrica passou a ser uma
empresa de capital misto, denominando-se
Companhia Estadual de Energia Elétrica,
conservando a sigla CEEE.
CXLIX
Autor desconhecido. A nova loja de Porto Alegre prova a veracidade da divisa “servimol-o com
prazer”. In Revista Brasilectric, vol. 1/ n
o
5, 25/05/1929.
CL
Figura 52: Loja do Força e Luz.
CLI
Figura 53: Vitrine do Força e Luz.
Figura 52
C
L
Figura 53
CLI
100
A partir de 14 de Agosto de 1967, o prédio Força e Luz passa a pertencer a
CEEE, seu terceiro proprietário. No local, funcionou parte da gerência Técnica de
Porto Alegre e, desde 1988, o Museu da Eletricidade do Rio Grande do Sul
(MERGS).
Em 31 de maio 1994, o edifício foi tombado com o parecer favorável do
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado (IPHAE). Em 1996, porém,
em função do mau funcionamento das instalações hidráulicas e elétricas, a
gerência optou por deixar o local e, em maio de 1998, o MERGS também teve que
abandoná-lo.
A CEEE, preocupada em recuperar o seu imóvel de grande valor histórico,
depois de alguns anos desativado, juntamente com a ALEV (Acervo Literário Erico
Verissimo), contratou, em janeiro de 2001, o escritório de arquitetura Kiefer
Arquitetos, representado pelo arquiteto Flávio Kiefer e seus colaboradores Carmen
Nunes, Leonardo Hortêncio e Marcelo Kiefer, para realizar um projeto que
mostrasse a viabilidade e potencialidade do Edifício Força e Luz.
A iniciativa de reciclagem da antiga sede em Centro Cultural, que abriga o
acervo literário de Erico Verissimo, assim como de outros escritores gaúchos, e o
MERGS, reforça a idéia de corredor cultural da Rua dos Andradas e revitaliza um
símbolo histórico tombado. As obras começaram em meados de 2002 e
terminaram no final daquele ano. A inauguração oficial foi realizada no dia 17 de
dezembro, data de aniversário do escritor gaúcho Erico Verissimo.
O Força e Luz antes do Centro Cultural
Formalmente, o prédio Força e Luz apresenta algumas características
tipológicas confusas que parecem inicialmente gratuitas. A função, casa de jogos
e prostituição, para a qual o prédio foi construído, pode ser uma explicação
plausível para a existência de inúmeros salões de pé-direito muito alto, a maioria
nos fundos do edifício e com acessos não condizentes com sua importância.
Entretanto, a sucessão de desníveis no interior do edifício, que complica a
circulação interna e a clareza de leitura arquitetônica, demonstrando certo
empirismo, não é compatível com o trabalho do engenheiro Adolf Stern.
101
Não existem mais registros de desenhos ou
microfilmes das plantas originais do prédio, porém
declarações de pessoas que viveram na época
asseguram que todo o prédio foi construído de uma
só vez. A escritura do terreno mostra uma forma em
“L”, associada ao desnível entre a Rua dos
Andradas e a Rua Andrade Neves com a existência
de rocha no aclive, o que talvez possa explicar
algumas das soluções adotadas.
CLIICLIII
As contínuas reformas e adaptações
realizadas durante toda a história do prédio,
acabaram prejudicando a qualidade da arquitetura
do interior e a já complicada leitura da planta. O
valor arquitetônico do prédio manteve-se então na
fachada Eclética, rica em ornamentos compostos
harmonicamente entre si; na loja do térreo, com sua
rica espacialidade e detalhes significativos; no vitral
desse mesmo andar; no Salão Nobre do segundo
pavimento; e no revestimento em madeira de uma
das salas de fachada no quinto pavimento. No
edifício como um todo, a desconectividade e o
desnivelamento entre os espaços, assim como a
falta de infra-estrutura moderna tornaram o edifício
de difícil aproveitamento
.
A iluminação natural do prédio se dava pela
fachada principal, já cercada e sombreada por
grandes arranha-céus, pelas poucas janelas laterais,
CLII
Figura 54: Foto interna do Força e Luz.
CLIII
Figura 55: Desenho da fachada do Força e Luz.
Figura 54
CLII
Figura 55
CLIII
102
na fachada posterior, aberturas sem qualquer senso
estético, somente funcionais, e ainda por dois poços
de iluminação e ventilação, característicos da zona
central. Poços que estavam sendo ocupados com
elementos que serviam de obstáculo para uma boa
entrada da luz. Um bom exemplo é o vitral que, ao
invés de servir luz ao ambiente térreo e valorizar sua
riqueza espacial, estava coberto por uma estrutura
metálica e telhas de fibrocimento. Outros elementos
como a passarela do 3º pavimento também são
bastante relevantes.
A iluminação artificial, tendo em vista o já
precário desempenho da iluminação natural,
precisaria compensar a falta de luz. Porém, essa
iluminação não valorizava os espaços e elementos
arquitetônicos do prédio, nem poderia servir para
novas atividades como as de um Centro Cultural,
onde a teatralidade dos contrastes é importante
como linguagem e qualidade de ambiente.
CLIVCLVCLVI
O Centro Cultural CEEE Erico Verissimo
O projeto do Centro Cultural CEEE Erico
Verissimo se propôs a criar uma edificação
integrada, ao contrário do que se apresentava no
local depois de inúmeras reformas. Para isso, os
poços de luz foram trazidos para dentro da
edificação, criando uma centralidade que se torna a
CLIV
Figura 56: Vista do Mezanino do Térreo do Força e Luz.
CLV
Figura 57: Foto da Rua dos Andradas.
CLVI
Figura 58: Foto do poço de luz do prédio Força e Luz antes da reciclagem.
Figura 56
CLIV
Figura 57
CLV
Figura 58
CLVI
103
10
4
estrutura que os sustentava permaneceu para
identificá-los, assim como serviu de base para o
novo guarda-corpo e para o encaixe da tubulação de
ar pressurizado. As janelas e portas históricas
puderam permanecer nesse local desde que
lacradas, vedadas e pintadas com tinta ignífuga,
somente as portas em frente ao vazio dos antigos
elevadores puderam continuar funcionando. Dentro
da lei de incêndio, precisou-se criar, ainda, uma
escada externa ao prédio, que se acopla à fachada
de trás.
CLXICLXII
No térreo estão a recepção e informações, um
espaço institucional da CEEE e uma loja – livraria
onde serão vendidas as coleções dos autores que o
Centro Cultural abrigará e as edições de lançamento
que venha a promover. O mezanino frontal é
ocupado por um café e, certamente, será um local
de convergência dos usuários do prédio. Uma
estrutura de piso de madeira, não original,
complementar a esse mezanino e de pouca
qualidade arquitetônica, foi retirada e, no mesmo
lugar, colocado o novo piso de vidro que permite
melhor iluminação, visualização do espaço e marca
com mais
clareza a intervenção. No mezanino dos
fundos, mais reservado, está a sala de exposições,
tanto para eventos vinculados à literatura quanto aos
que promoverão os quadrinhos e desenhos de
CLXI
Figura 63: Centro Cultural CEEE Erico Verissimo. Poço do elevador em construção.
CLXII
Figura 64: Centro Cultural CEEE Erico Verissimo. Poço do elevador pronto.
Figura 63
CLXI
Figura 64
CLXII
10
5
humor, tão expressivos no Rio Grande do Sul e tão
carentes de divulgação.
No segundo pavimento, está o salão nobre ou
Sala Noé de Melo Freitas, local ideal para
entrevistas coletivas de escritores, lançamento de
livros e reuniões especiais e cerimônias da própria
CEEE ou de entidades ligadas à cultura, e o museu
interativo da eletricidade, que apresenta
experimentos práticos que demonstram como
funcionam a geração e distribuição de energia
elétrica e seus princípios básicos.
CLXIIICLXIV
O terceiro pavimento abriga o Memorial Erico
Verissimo que apresenta preciosidades de seu
acervo e receberá grupos para debates sobre
literatura. As demais áreas servem para uso técnico,
apoio do cineteatro e sanitários públicos.
O quarto pavimento é ocupado pelo cineteatro
Barbosa Lessa, sanitários, bilheteria e um espaço
para atividades múltiplas: o Retrato.
Os andares superiores, que se situam acima
do fechamento translúcido do vazio interno do
edifício, são mais reservados. O quinto e sexto
pavimentos são dedicados a atividades
administrativas, de pesquisa, de ensino e técnicas
de manutenção do acervo literário.
No sexto pavimento, encontra-se a biblioteca que, ao contrário das outras
salas, apresenta originalmente laje embaixo das telhas onde foram colocadas
zenitais de luz difusa.
106
Na cobertura, estão presentes a nova casa de máquinas, os ventiladores de
pressurização da escada, os reservatórios de consumo e incêndio, e os
condensadores do ar-condicionado que garantem a climatização total do edifício.
Para constituir uma intervenção de qualidade, foram analisados os
elementos com certo valor arquitetônico e que definiam a identidade do prédio. Foi
respeitada a história da edificação, ao mesmo tempo em que ela foi preparada
para estar de acordo com a nova utilização designada. Buscou-se uma boa
107
térmico, beneficiados, é claro, pela inércia térmica proporcionada pelas paredes
espessas preexistentes.
O Centro Cultural CEEE Erico Verissimo, dentro de sua área de intervenção,
demonstra a integração da memória com a contemporaneidade, que pode estar em
toda a cidade, sem que se espere a degradação dos lugares para que se busque sua
recuperação.
O Plano Diretor de Porto Alegre, PDDUA, com cinco anos de vigência, mesmo
sem reflexos tão profundos na cidade, senão a verticalização pelos prédios
residenciais, poderá, no futuro, ajudar a cidade a ter outras características na direção
da maior integração entre patrimônio e vida cotidiana. Ele expressa a idéia de
sistematização dos trabalhos pontuais de intervenção e de uma regionalização,
marcando zonas de interesse cultural. Mas, como foi citado no início deste capítulo,
fica aberto o caminho para, além de muitos resultados práticos, tratar-se a cidade
como unidade, interligando física e subjetivamente as edificações, os ambientes
abertos e também o patrimônio não físico, que o ajuda a permanecer: atividades
culturais contínuas, eventuais e sazonais.
A feira do livro de Porto Alegre, que acontece anualmente na Praça da
Alfândega, lugar central aos prédios citados e cercado de outros locais de interesse de
preservação, funciona independentemente dos eventos que ocorrem na cidade, não
se estabelece nenhuma relação de atividade (nem com os prédios que fazem face à
Praça). Talvez, seja a Bienal do Mercosul o evento que chegue mais perto de uma
possível integração. Porém, essa atividade ainda é muito nova e seu intervalo de
ocorrência é muito dilatado. A Bienal utiliza-se dos prédios e áreas urbanas,
estabelecendo um circuito cultural, animando e integrando parte da cidade.
O Plano Diretor e outras iniciativas integradoras legais e legitimadas pelo apoio
democrático da população, podem potencializar as intervenções existentes e
possibilitar que toda a cidade se transforme de forma integrada, permitindo a
permanência de fatos urbanos considerados importantes (que a caracterizam em todo
seu período de desenvolvimento) e agregando novos fatos urbanos, de forma a dar
continuidade histórica.
108
Faz parte do processo de agregação que pode trazer mais qualidade às
intervenções: a compatibilização entre leis, não só do município, mas com as outras
esferas de governo, que facilitem as propostas as aprovações de projeto e a
construção; a agilização do processo de proteção de valores urbanos, não para o
aprisionamento dos objetos, mas para resguardar relações de memória importantes
para a cidade; a valorização dos profissionais, técnicos da área, pela sociedade; e
tudo que busque fazer correspondência entre as partes da cidade e que torne
evidente um sentido de unidade.
As análises seguintes, do Mercado Público e da Casa de Cultura Mário
Quintana, que também são intervenções isoladas, mas que têm grande interferência
na história e no presente de Porto Alegre, apresentam questões externas a elas.
Essas questões, boas ou ruins, evitáveis ou não, que influenciaram as intervenções de
forma positiva ou negativa, somadas às intenções dos profissionais que as
conduziram, demonstram o processo de intervenções que devolveram à cidade
edificações que se mantêm fazendo parte do contemporâneo.
A comparação entre as duas obras também procura comprovar que as
variantes tornam cada caso de re-arquitetura específico em suas soluções e que todos
os artifícios empregados são válidos, se coerentes com todo o processo.
Essa análise engloba não só a intervenção em si, mas tudo o que a envolve
antes, durante e depois, pois a qualidade do trabalho deve ser relativa ao produto
apresentado à sociedade, tanto na ordem funcional e estética como na
contextualização e identidade local.
Considera-se aqui: ordem funcional um termo abrangente relacionado aos fatos
práticos, como custo de obra e manutenção, topologia (relação espacial entre
elementos arquitetônicos), programa, fluxograma, materiais,...; ordem estética, como a
relação de proporções e contribuição subjetiva visual e/ou de sensação espacial,... ;
contextualização, como a harmonia da obra com o tecido urbano imediato, relações
estéticas em escala maior (formação de um cenário intencional e de qualidade); e,
finalmente, identidade local, como a aproximação da obra com seus usuários,
potencializando seu uso, justificando-o e fortalecendo a cultura e o orgulho do povo
que o mantém.
109
Essas obras apresentam, claramente, além das distinções, vários pontos em
comum, pois fazem parte de um mesmo gênero arquitetônico de re-arquitetura.
Mercado Público e Casa de Cultura Mário Quintana
Históricos
A Casa de Cultura Mário Quintana
Em 1913, o empresário Horácio de Carvalho deu início ao processo de
aprovação de um Hotel na Prefeitura de Porto Alegre e logo contratou a firma do
engenheiro Rudolf Ahrons, ficando o projeto a cargo de Theodor Wiederspahn.
Primeiro grande edifício de Porto Alegre em que se utilizou concreto armado, o Hotel
Majestic foi criado para ocupar os dois lados da Travessa Araújo Ribeiro. Para
interligá-los foram construídas passarelas, consideradas de grande ousadia na época.
Em 1916, iniciaram-se as obras, sendo que a primeira parte do edifício, a menor, ficou
pronta em 1918. Ao finalizar a obra, em 1933, o Majestic possuía sete pavimentos na
ala leste e cinco na parte oeste.
CLXV
Os anos trinta e quarenta foram os de maior
sucesso para o hotel que hospedou políticos e artistas.
Nos anos cinqüenta e sessenta, iniciou-se o processo
de desgaste e a nova administração deixou de
selecionar hóspedes.
O período denominado de "desenvolvimentista"
não foi bom para o Majestic, que, vítima da
desfiguração que atingiu o centro da maioria das
cidades, também sofreu a concorrência de hotéis mais
modernos. Além disso, a localização, antes
privilegiada, agora era problemática. As elites
retiraram-se do Centro, que se tornou local de serviços
diurnos. Solteiros, viúvos, boêmios passaram a viver
como hóspedes do hotel, entre eles o ilustre poeta
CLXV
Figura 67: O Hotel Majestic antes da reciclagem.
Figura 67
CLXV
110
Mário Quintana, que ali se hospedou de 1968 a 1980.
Por fim, o edifício foi posto à venda na década de
setenta, mas os interessados logo desistiram frente às
condições precárias do prédio.
No final dos anos setenta, foi aberta uma
discussão sobre patrimônio cultural da cidade. Uma
das conseqüências foi o levantamento dos prédios
antigos a fim de resgatar e preservar sua arquitetura. A
humanização da área central da cidade também foi
discutida e vários prédios foram tombados, incluindo o
prédio do Hotel Majestic.
CLXVICLXVII
Em 1980, o prédio foi adquirido pelo Banrisul para que o governo do Estado
pudesse utilizá-lo em 1982. No ano seguinte, foi iniciada sua transformação em Casa
de Cultura Mário Quintana, em homenagem ao poeta Mário Quintana, passando a
fazer parte da Secretaria de Cultura do Estado.
A obra de reciclagem, entre elaboração do projeto e construção, desenvolveu-
se de 1987 a 1990 e teve a autoria dos arquitetos Flávio Kiefer e Joel Gorski. Em 25
de setembro de 1990, a Casa foi aberta ao público.
O Mercado Público
O primeiro Mercado Público de Porto Alegre foi
construído em 1842. O prédio ficava localizado na
Praça Paraíso (hoje Praça XV de Novembro) e
funcionou de 1844 a 1870.
As primeiras referências para a construção do
novo mercado datam de 1857. O terreno escolhido foi
uma área conquistada do Guaíba. O aterro, de 1852,
serviu para a abertura da Rua Nova (hoje Sete de
CLXVI
Figura 68: A Casa de Cultura Mário Quintana logo após sua inauguração.
CLXVII
Figura 69: O Mercado Público na década de 1880.
Figura 68
CLXVI
Figura 69
CLXVII
111
Setembro) e instalação da atual Praça Parobé. Em
1860, foram realizados estudos e orçamentos para o
novo prédio, sendo que no ano seguinte, uma
comissão de vereadores aprovou o projeto do
engenheiro Frederico Heydtmann. A inauguração do
Mercado Público ocorreu em 3 de outubro de 1869.
O prédio foi ocupado pelo comércio, hotéis e
estabelecimentos de prestação de serviços. Uma praça
arborizada, que deveria ficar no pátio central, acabou
cedendo espaço para as atividades comerciais e, em
1886, ali foram edificados 4 chalés de madeira.
Entre 1910 e 1914, foi construído o segundo
pavimento, destinado a escritórios, mas, em 1912, um
incêndio destruiu os chalés do pátio central exigindo
novas edificações. A enchente de 1941 também afetou
o prédio.
CLXVIIICLXIXCLXX
Em 1979, foi aprovada a lei que tombou o
Mercado como Patrimônio Histórico e Cultural do
Município de Porto Alegre. Em 1991, foi iniciada a obra
de reciclagem do prédio, conduzida pelo Arquiteto
Teófilo Meditsch. O trabalho estendeu-se até março de
1997. O Mercado ganhou uma cobertura metálica no
pátio central, sistema de gás centralizado, elevadores e
escadas rolantes.
Hoje, o Mercado Público, situado no Largo
Glênio Peres, abriga 106 lojas que oferecem
especiarias e produtos típicos da terra gaúcha,
CLXVIII
Figura 70: O Mercado Público em 1920.
CLXIX
Figura 71: O Mercado Público em 1991, sem a cobertura metálica única.
CLXX
Figura 72: Vista da ocupação interna do Mercado Público em 1972.
Figura 70
CLXVIII
Figura 71
CLXIX
Figura 72
CLXX
112
restaurantes, lanchonetes e sorveterias complementam
a oferta de bens e serviços.
Das intervenções
Apesar de as duas obras, o Mercado Público e a
Casa de Cultura Mário Quintana, estarem dentro do
mesmo conceito de intervenção – reciclagem – e
abrangerem um único edifício preexistente isolado,
uma diferença fundamental pode ser destacada: a
manutenção da função no Mercado Público. O antigo
Hotel Majestic passou a abrigar atividades culturais;
enquanto o Mercado manteve sempre a função
comercial e de serviços.
CLXXI
Em nenhuma dessas obras a re-arquitetura do objeto representa apenas uma
restauração formal com técnicas tradicionais, onde todos os elementos arquitetônicos
originais tenham sido restaurados ou reproduzidos, mas, se é cabível dizer, o Mercado
teve seu uso restaurado, pois as transformações do ambiente requalificaram o
aproveitamento do lugar.
Considera-se o Mercado como obra de reciclagem, pois apresenta espaços
novos, além de elementos e materiais contemporâneos, como a cobertura, que mudou
o conceito do pátio interno, e a reinterpretação de ambientes mantidos com mesma
função. A intervenção atualizou o espaço físico e tornou-o em condições para a
manutenção de uma função sempre de fundamental relevância para as atividades
contemporâneas da cidade. A reiteração do uso fez com que as relações de
identidade, já existentes com a forma do edifício e sua história, fossem reforçadas, e
as necessidades da população, por seus serviços, fossem melhor atendidas.
Pela natureza da atividade e pelo funcionamento ininterrupto do prédio, mesmo
antes da intervenção que sofreu, o Mercado Público mantinha uma ligação de
pertencimento e identidade com a população de Porto Alegre bem mais estreita do
CLXXI
Figura 73: Vista da nova cobertura do Mercado Público a partir de 1997.
Figura 73
CLXXI
113
que o hotel Majestic, antes de tornar-se Casa de Cultura. Ao mesmo tempo, essa
condição, que poderia garantir uma permanência de valores, facilitando o sucesso na
intervenção no Mercado, dentro do processo de consolidação entre objeto e memória,
estabelecia com mais rigor a responsabilidade para que essa relação não se perdesse
nas alterações de projeto.
No prédio do Hotel Majestic, as ligações de identidade estavam mais distantes
do que no Mercado, mas também eram de grande importância para a cidade,
suficientes para motivar sua reciclagem, reconstruindo a memória no presente.
Historicamente, o prédio tinha importância como hotel da cidade, pelo seu arquiteto
Theodor Wiedersphan e pelo seu ex-morador Mário Quintana e esteticamente, por
sua beleza formal, por sua rua central e as passarelas. Essas relações, afastadas do
cotidiano da população antes da intervenção, tinham tornado-se praticamente só
visuais, e próximas àquelas pessoas que transitavam pelo seu entorno, apreciando o
edifício já muito degradado. Coube à reciclagem o papel de anexar essas ligações ao
programa destinado (Casa de Cultura) e evidenciá-las para a sociedade. Essa
intervenção traz benefícios à vida contemporânea da cidade e é viável por sua nova
atividade, por seu bom estado estrutural, pelos valores contidos no objeto e por suas
relações com o centro histórico e com Porto Alegre, fazendo a ponte entre passado
presente e futuro, nas suas transformações.
É importante salientar que a escolha do programa cultural para a reciclagem do
Hotel Majestic, no centro da capital, além de ter uma relação com antigos moradores,
artistas que nele se hospedavam na época áurea e, principalmente, com o poeta
Mário Quintana, traz à grande parte da população a oportunidade de um contato mais
direto com as artes até então restritas a alguns grupos sociais.
Dos Resultados
Através da análise dos resultados reais alcançados para a sociedade pela
intervenção realizada na Casa de Cultura pode-se confirmar alguns aspectos da
reconstrução de memória e do uso contemporâneo do objeto arquitetônico, referidos
nos parágrafos anteriores. No Mercado, isso também é válido e deve contribuir, em
ambos ao casos, para a análise geral do sucesso da obra. Dentro disso, pode-se
11
4
analisar também a participação e a efetividade dos arquitetos e todas as
condicionantes de projeto que influenciaram o resultado final.
Para se chegar a pontos relevantes na análise geral, serão utilizadas
observações em parte fomentadas pelos comentários dos próprios arquitetos das
obras, e pelo auxílio da pesquisa “Perfil dos freqüentadores e não freqüentadores do
Mercado Público”.
Antes, no entanto, cabe ressaltar que ambas as obras, mesmo sendo
intervenções pontuais, têm um reflexo muito grande, para além do entorno imediato. O
tamanho dessa interferência está intimamente ligado aos resultados pós-obra e às
manutenções subseqüentes para melhor aproveitamento desse resultado.
A localização do Mercado Público junto a muitos pontos de terminais de ônibus
de linha, da capital e intermunicipais, favorece naturalmente sua função comercial. O
material de consumo e os preços oferecidos pelos comerciantes, apesar desses
fatores não estarem relacionados às decisões do arquiteto, também garantem, de
certa forma, seu bom funcionamento.
A cobertura instalada sobre todo o pátio central, independentemente de outras
questões discutidas mais adiante, beneficia o movimento e a estada dos usuários, pois
faz melhor adaptação climática do que a antiga cobertura, permitindo, inclusive, o
melhor funcionamento em dias de chuva. A permanente ventilação lateral e proteção
contra a entrada de calor e luz em excesso mantêm um clima agradável dentro do
ambiente central sem o uso de controle artificial do clima, o que significa menor custo
na manutenção do edifício.
Um local mais agradável e protegido, de melhor higiene e infra-estrutura trouxe
de volta ao mercado um público que estava distanciado, apesar as restrições que se
mantém como a escassez de vagas de estacionamento para veículos. Essa
dificuldade faz com que muitos usuários utilizem os centros de bairros, o que, por
outro lado, melhora as condições de tráfego no Centro.
A manutenção e desobstrução da circulação principal, em dois eixos do prédio,
objetiva demais a passagem pelas lojas, o que comercialmente pode ser ruim, ao
contrário da circulação periférica interna. No entanto, essa forma de cruz faz com que
os pedestres atalhem por dentro do prédio e se tornem possíveis consumidores e
11
5
ajudam a manter o fluxo constante no edifício e a sua influência sobre a vida e os
acontecimentos da cidade.
Não há, em pesquisa oficial realizada após o término da obra de reciclagem,
um valor numérico que confirme o aumento ou não da quantidade de usuários, mas
há outros números que indicam a sensação e o comportamento do público que vai ao
Mercado, em relação a várias características comentadas no desenvolvimento desse
trabalho, isto é, as principais mudanças, e que montam um cenário mais favorável do
que o anterior. São eles:
1.
Público em geral – freqüência no M.P. %
Antes e após a restauração 71,00
Após a restauração 7,67
Não freqüenta 21,33
Total 100,00
2.
Público em geral – porque não freqüentam o M.P. %
A localização 6,33
Falta de segurança em torno do M.P. 4,34
Falta de estacionamento 2,67
Falta de tempo 1,67
O entrevistado não faz compras 1,33
Os produtos não agradam 1,00
O aspecto do M.P. não agrada 1,00
Localização e falta de estacionamento 1,00
Freqüenta supermercados na região onde mora 0,33
Não conhece o M.P. 0,33
Após a restauração perdeu a sua característica 0,33
Aspecto do M.P não agrada e falta de estacionamento 0,33
Total 21,33
116
3.
Público em geral- porque freqüentam o M.P. depois da rest. %
Ficou mais limpo e organizado 2,00
Não residia em POA antes da restauração 1,67
Achava sujo, mal cheiroso e não Seguro 1,00
Pela necessidade de compra que surgiu 0,67
Passou a ser caminho do entrevistado 0,67
Devido a indicação de amigos 0,67
Tem mais estabelecimentos 0,33
Não opinou 0,67
Total 7,67
Público Geral – 300 entrevistados
4.
Empregados do M.P. – preferência por antes ou depois da rest. %
Antes
O movimento do M.P era melhor 23,68
Tinha mais movimento, mais “povão” 5,26
Preço dos produtos era mais baixo, por isso havia mais público 5,26
Diminuiu o movimento devido à segurança 2,63
As pessoas humildes se sentiam mais a vontade 2,63
O público diminuiu devido à falta de estacionamento 2,63
As bancas eram maiores, por isso havia mais público 2,63
Financeiramente antes era melhor 2,63
Devido a demora da restauração o movimento caiu 2,63
Subtotal 50,00
Depois
Ficou mais higiênico 34,21
Tem mais espaço para o público 7,89
Melhorou a iluminação nas bancas 2,63
Pela restauração em geral 2,63
Ficou mais seguro 2,63
Subtotal 50,00
Total
100,00
Empregados: 38 entrevistados
117
5.
Permissionários – preferência por antes ou depois da rest. %
Antes
O movimento do M.P. era melhor 15,79
As bancas que atraíam clientes foram retiradas 2,63
As bancas eram maiores, por isso havia mais público 2,63
Devido a troca de lugar das bancas diminuiu o movimento 2,63
Subtotal 23,68
Depois
Ficou mais higiênico 31,58
Tem mais espaço para o público 10,52
Não informou 7,89
Pela restauração em geral 5,26
Ficou mais seguro 5,26
A restauração era necessária 5,26
Os terminais de transporte favorecem as vendas 2,63
Limpeza e Segurança 2,63
Está melhor organizado 2,63
Agora tem mais freguesia 2,63
Subtotal 76,32
Total
100,00
Permissionários:38 entrevistados
A Casa de Cultura é localizada na área central e não está próxima a terminais
de transporte público, é mais resguardada em relação às áreas mais movimentadas,
no entanto, está amarrada a elas por um importante eixo de ligação do centro histórico
que é a Rua dos Andradas.
A Travessa Araújo Ribeiro, no momento em que surge para quem passa pela
Andradas ou pela 7 de Setembro, ruas de acesso, convida para um passeio através
118
do Mercado, que tem uma atividade de vendas de produtos considerados de
necessidade diária. De qualquer forma, ambas as atividades são contemporâneas e
de fundamental relevância.
Mesmo sem dados concretos de pesquisa oficial sobre movimento de pessoas
na Casa de Cultura, é possível fazer algumas análises de fácil percepção a todos que
puderam freqüentar o local depois da intervenção. A mais óbvia é a existência de
movimento mínimo constante de usuários e a revitalização do local com a ocorrência
de inúmeras atividades de teatro, exposições, cinema e performances. O que, junto
com a preservação da parte física, confirmam um resultado positivo na intervenção
como reconstrução da memória no presente da cidade. Essas afirmações encontram
respaldo no texto do Arquiteto Hugo Segawa:
“Nada como uma boa acolhida por parte do público para comprovar o sucesso
de uma obra. Isso vale para livros, músicas, peças teatrais ou cinematográficas;
no caso se aplica também à receptividade que mereceu um dos mais recentes
espaços gaúchos que dão abrigo a essas manifestações culturais e a várias
outras: a Casa de Cultura Mário Quintana.”
CLXXII
A grande presença de público pode surpreender quando se pensa na natureza
das atividades e na falta de estacionamento, mas é explicável por outro lado, quando
se vê a beleza formal do prédio e da rua que separa o projeto em duas alas. Além, é
claro, dos preços acessíveis de cinema, teatro e das exposições e apresentações
gratuitas.
A reciclagem do prédio trouxe também muitos atrativos estéticos e funcionais,
como a composição harmônica dos “plugs” volumétricos, a cor escolhida para pintura
externa, a espacialidade dos ambientes e a maior permeabilidade física e visual na
exploração e na apropriação do prédio por parte de todos os visitantes. Isso fica
evidente na escolha do lugar para o café com vista para o Guaíba e a ocupação dos
terrraços, além, é claro, da remodelagem dos espaços internos. O tratamento das
CLXXII
SEGAWA, Hugo. Um Sucesso de Bilheteria. Revista Projeto. São Paulo: Projeto, publicação de projetos
editores associados, n. 144, p. 69, agosto, 1991.
119
formas e localização programática, trabalho dos arquitetos e equipes técnicas
alavancam a visitação, qualificando as atividades.
O que prejudicou a utilização da Casa em toda a sua potencialidade, em alguns
períodos, além da falta de investimento de alguns governos na manutenção e
promoção de eventos, foi a diminuição do espaço físico, com a utilização crescente de
atividades burocráticas em ambientes destinados à cultura.
As duas obras de intervenção cumpriram com muitos méritos a tarefa de
retornar para a sociedade o investimento realizado, pois reforçaram positivamente a
representatividade dos prédios como referência gaúcha e nacional e potencializaram
seu uso em benefício da sociedade.
Das decisões arquitetônicas e questões subjetivas.
Mercado Público
A Intervenção realizada na década de 90 no
Mercado Público de Porto Alegre se fazia necessária
pelas condições insalubres que se apresentavam. A
manutenção do funcionamento das atividades estava
em “cheque” pela deterioração física, e a obra trouxe
nova vida ao local. A reorganização das bancas e a
reforma dos ambientes e estruturas higienizou e exibiu
com mais vigor o interior do edifício, reforçando suas
circulações.
CLXXIII
O principal elemento novo do Mercado, a
cobertura metálica, ficou apoiado em um número
excessivo de pilares, superdimensionando a estrutura e
“poluindo visualmente” o espaço interno. Fato
reconhecido pelo arquiteto que contrapõe com o
argumento de que os pilares também têm o papel de
suportar a tração para evitar o arrancamento da
CLXXIII
Figura 74: Condições precárias do interior do Mercado Público, 1989.
Figura 74
CLXXIII
120
cobertura por sobpressão. A cobertura semitranslúcida
e ventilada faz o controle competente do clima sem o
uso de máquinas. Além disso, protege os usuários em
diferentes momentos do tempo, permitindo a
visualização integral do pátio interno, antes
interrompida pela antiga cobertura que cobria as
circulações axiais no nível térreo, como mostra o texto
de Raquel Rodrigues Lima:
CLXXIVCLXXV
“A estrutura metálica suporta a cobertura
de telhas de alumínio com isolamento de
poliuretano expandido e os brises
projetados conforme a orientação solar, a
fim de proporcionar o conforto térmico
sem o uso de climatização
mecânica.”
CLXXVI
A crítica, realizada por algumas pessoas, de que
o Mercado Público teria virado um shopping por se
fechar para a cidade e parecer muito asséptico e
pomposo não parece proceder. A relação interior e
exterior ficou mais clara e convidativa pela organização
e limpeza, melhorando as visuais dos eixos de
circulação e da rua. Os materiais utilizados sugerem
higiene e simplicidade, nada de pedras polidas, caras e
variadas ou iluminação em neon, e sim a tradição do
basalto. Talvez o que tenha aproximado os dois tipos
CLXXIV
Figura 75: Altos do Mercado Público em 1984, em péssimo estado de conservação.
CLXXV
Figura 76: Corredor Central, a partir dos altos do Mercado Público, 1997.
CLXXVI
LIMA, Raquel Rodrigues. Mercado Público, memória y recuperación. Revista Elarqa. Montevideo: Dos
Puntos SRL, n. 33 Porto Alegre, p.67, fevereiro, 2000.
Figura 75
CLXXIV
Figura 76
CLXXV
121
de “condomínios” comerciais seja a padronização das
bancas, apresentadas com iluminação reforçada,
exibindo com destaque os produtos oferecidos. Não há
referências para se comentar o possível aumento de
preço dos produtos do mercado em relação aos
demais estabelecimentos da cidade, mas a
apresentação mais caprichada remete o consumidor, à
idéia de que isso tem um custo e está embutido no
valor das mercadorias.
CLXXVIICLXXVIII
Acima das bancas do pátio interno do Mercado,
em cada quadrante, o espaço ficou subutilizado,
sugerindo que a obra ainda ganhará novos elementos
de ocupação que farão uso de um dos mais belos
ângulos de visão de todo o prédio. Atualmente esses
ambientes funcionam como grandes mirantes e são
utilizados com mesas de bar, ocupados em dias de
muito movimento, e feiras, como as de gibis.
Uma provável queda de movimento logo após a
inauguração, se comparado aos anos anteriores, deve-
se à demora de todo o processo de intervenção.
Em síntese, a obra de reciclagem do Mercado foi competente, porém, tímida.
Cumpriu o seu papel de qualificação do edifício sem grandes formalismos ou
intervenções que trouxessem muito impacto. Aliás, sua grande contribuição foi
devolver à cidade um de seus maiores símbolos com todo o potencial. A obra seguiu
um rumo mais realista e prudente, se concentrou em utilizar bem os recursos
financeiros escassos, em lidar com as condições de trabalho difíceis, pois o mercado
nunca parou de funcionar, em cumprir as inúmeras restrições impostas pelos códigos
da prefeitura e pelo patrimônio histórico, além de não quebrar uma imagem muito
CLXXVII
Figura 77: As novas bancas do Mercado Público, 1997.
CLXXVIII
Figura 78: Dia da reinauguração do Mercado Público, 1997.
Figura 77
CLXXVII
Figura 78
CLXXVIII
122
identificada e tradicional como a do Mercado Público para um povo conservador como
o gaúcho. O texto de Raquel completa esse panorama:
“Se, por um lado o histórico ponto de encontro e vivências da cidade retomou
suas condições dignas, por outro, os novos elementos, como a cobertura e a
escada rolante, registram a contemporaneidade do edifício.”
CLXXIX
Casa de Cultura Mário Quintana
Beneficiada pela preexistência e seus recursos
arquitetônicos, a reciclagem da Casa de Cultura Mário
Quintana parece ter conseguido mais liberdade para se
desenvolver. A troca de uso permitiu alterações internas
com mais dinamicidade e os grandes pés-diretos foram
bem utilizados na criação de ambientes expressivos
arquitetonicamente. A exploração de visuais internas
marca a grande divisão de conceito espacial com o
antigo Hotel Majestic e suas compartimentações
relativas aos quartos de hóspedes.
CLXXXCLXXXI
Os elementos preservados e restaurados
encontram-se em harmonia com os materiais e formas
contemporâneas. Externamente, a cor escolhida e o
volume em metal e vidro da Galeria Branca destacam o
prédio e confirmam a presença da acumulação de
projetos sobrepostos de dois tempos diferentes, porém,
bem integrados.
CLXXIX
LIMA, Raquel Rodrigues. Mercado Público, memória y recuperación. Revista Elarqa. Montevideo: Dos
Puntos SRL, n. 33 Porto Alegre, p.67, fevereiro, 2000.
CLXXX
Figura 79: Hall do térreo, CCMQ.
CLXXXI
Figura 80: Mezanino do térreo, CCMQ.
Figura 79
CLXXX
Figura 80
CLXXXI
123
Funcionalmente, alguns setores foram
subdimensionados ou não corresponderam às
exigências da ocupação posterior à intervenção. Explica-
se tais fatos pela não previsão em programa da
demanda futura, das mudanças de uso após a
reciclagem e às impossibilidades técnicas. Esta última
está retratada no Teatro Bruno Kiefer, onde o apoio ao
palco nas laterais poderia ser maior, porém, a largura em
qualquer local dos dois blocos não oferece toda a área
necessária.
CLXXXIICLXXXIIICLXXXIV
Deve-se destacar que em blocos estreitos e
cheios de compartimentos são acomodados cinemas,
teatros, salas de apresentação e ensaio e galerias para
exposições que, além de dimensões mínimas, não
compatíveis com a preexistência, exigem uma infra-
estrutura de aparelhagem bastante complexa. Essa
tarefa foi realizada com habilidade, quem acessa a
travessa Araújo Ribeiro não imagina a quantidade de
ambientes voltados para a Cultura, dentro da Casa.
A inegável beleza cênica, auxiliada pela bela
obra de Theodor Wiedersphan e a liberdade para
organizar e planejar os ambientes confere à Casa de
Cultura Mário Quintana o status de símbolo Cultural e
ponto turístico de Porto Alegre, referência a todos que
passam pela capital do Rio Grande do sul.
Outra obra que, na verdade, é ainda um programa em fase de implantação em
Porto Alegre, é o “Monumenta”. Esse programa, da esfera do poder executivo
CLXXXII
Figura 81: Terraço Sapato Florido, CCMQ.
CLXXXIII
Figura 82: Galeria Branca, CCMQ.
CLXXXIV
Figura 83: Teatro Bruno Kiefer, CCMQ.
Figura 81
CLXXXII
Figura 82
CLXXXIII
Figura 83
CLXXXIV
12
4
nacional, tem como objetivos destinar recursos às prefeituras do país para a
reciclagem de alguns sítios históricos urbanos deteriorados que foram elencados.
Antes de receber os recursos, o município elabora os projetos e desenvolve os
estudos de viabilidade econômica, financeira e sócio-ambiental da área escolhida. São
envolvidas instituições federais, estaduais e municipais e segmentos da comunidade.
O Monumenta propõe, segundo seus prospectos, a preservação de áreas
prioritárias do patrimônio histórico e artístico urbano do país, incluindo espaços
públicos e edificações, de forma a garantir sua conservação e a intensificação de seu
uso pela população. O programa também engloba atividades culturais, segurança,
limpeza pública e melhoria do tráfego e das condições de acessibilidade. Entidades
privadas e particulares proprietárias de imóveis, que estejam dentro da zona de
intervenção do programa, também podem conseguir financiamentos para recuperar
suas edificações: fachadas, consolidação da estrutura e reformas interiores para
melhoria de instalações hidráulicas, sanitárias, elétricas, de insolação e ventilação.
Em Porto Alegre, a área de intervenção compreende um trecho do centro
histórico, em obras de meados do século XIX e início do século XX, mudanças no
Porto, na Praça da Alfândega e prédios vizinhos, integrando prédios como o Solar dos
Câmara, o Prédio dos Correios e Telégrafos, o Pórtico Central do Porto e os armazéns
laterais. Esse projeto vem ao encontro das zonas de interesse cultural no plano diretor,
PDDUA, e materializa uma intenção expressa em lei que procura tratar as
intervenções de forma não tão isolada, considerando-se nele vários fatores
relacionados ao sucesso da intervenção, apesar de que ainda apresenta-se como um
fragmento da cidade. Uma intenção importante, citada nas especificidades do
programa, é o princípio de sustentabilidade, ou seja, o prédio recuperado deve ter um
uso que dê retorno financeiro e permita sua conservação ao longo do tempo. Isso,
associado às intervenções contemporâneas de adaptação dos espaços, à flexibilidade
para transformações e a conexão com toda a cidade, pode fazer com que a relação
entre memória e contemporaneidade se mantenha e se consolide.
Dentro do universo de intervenções mais abrangentes que buscam a
valorização do centro também está o projeto, de obra ainda não iniciada, vencedor do
concurso Porto dos Casais (1996), promovido pelo estado do Rio Grande do Sul em
12
5
parceria com o Instituto dos Arquitetos do Brasil /RS e que visa à revitalização do porto
e a integração da cidade com a lagoa do Guaíba. O projeto, de Alberto Adomilli,
apresenta um plano diretor urbanístico do Cais do Mauá e o anteprojeto do pórtico de
acesso e dos armazéns “A” e “B”.
CLXXXV
Projetos pontuais como o Porto dos Casais, sobrepõem-se como iniciativas em
pontos repetidos da cidade, porém, somados às intervenções pontuais e uma
evolução na legislação, criam uma atmosfera de conscientização dos aspectos
relevantes entre a memória contemporaneidade em Porto Alegre, assim como uma
expectativa de ambiente fértil para a realização de novas intervenções integradas que
valorizem a cidade e consolidem sua caracterização e suas transformações.
CLXXXV
Figura 84: Implantação do projeto Porto dos Casais.
Figura 84
CLXXXV
126
CONCLUSÃO
A presença da memória na contemporaneidade tem uma importância que vai
além da escolha pela preservação de um belo edifício. Ela tem um papel fundamental
no processo de consolidação das cidades, as grandes moradas, envolvendo valores
sociais, que não são exatos ou cartesianos, e fazendo com que a população aproprie-
se dos seus espaços físicos, de fazer e estar, de maneira singular e característica.
Os valores da memória, que na cidade é representada pelos fatos urbanos, é a
referência para as ações do presente, que por sua vez, quando se torna passado, vira
base para o futuro.
Por outro lado, a lógica do universo é baseada na constante transformação,
nada é igual em dois instantes diferentes. A cada momento passado os seres e
objetos passam por experiências que os tornam diferentes.
Ora, então como é possível preservar-se o passado para tê-lo como
referência? Talvez aí esteja a grande questão-chave desenvolvida por este trabalho. O
passado não pode ser reproduzido, pois ele já foi transformado. Só é possível vê-lo
com os olhos e reflexões do presente, por mais que se tente reproduzir de maneira fiel
os elementos, a atmosfera de tempos anteriores.
Sendo assim, não se guarda o passado, e isso não é necessário, ele existe, e
só existe, quando reconstruído no presente, e dessa maneira pode permanecer nas
transformações da cidade. Na arquitetura, isso se traduz em construir sobre o tabuleiro
de preexistências, são sobreposições, que de forma contemporânea procuram um
diálogo de integração entre os tempos.
O passado se resgata para a reconstrução da memória no presente, de
maneira que os acontecimentos históricos sejam experiências que sirvam de base
para novas vivências, que construam identidades e a certeza de que se está
participando das transformações da cidade, ou seja, da própria vida.
127
BIBLIOGRAFIA
1
o
PDDU, Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano. Lei Complementar n. 43,
de 21 de julho de 1979. Porto Alegre: Prefeitura Municipal de Porto Alegre,
Secretaria do Planejamento Municipal. 1979, 175 p.
2G Revista Internacional de Arquitetura. Arquitectura Italiana de la Posguerra,
1944-1960. Barcelona: Editorial Gustavo Gili. S.A., n. 15, 2000, 144 p.
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13
5
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Figura 1: Vista aberta da inserção do Grande Hotel Ouro Preto no sítio
histórico da cidade de Ouro Preto, p.46. Sem autor. Fonte: http://www.hotelouropreto.
com.br/home.htm.
Figura 2 Figura 2: O sítio histórico de Ouro Preto, p.46. Sem autor. Fonte: http://
www.hotelouropreto.com.br/home.htm.
Figura 3 – Vista a partir do acesso de carga do hotel, p.46. Sem autor. Fonte: IPHAN
Figura 4 – Vista da empena lateral, p.46. Sem Autor. Fonte: IPHAN
Figura 5 – Recepção do hotel, p.47. Sem autor. Fonte: http://www.Hotelouropreto.
com.br/home.htm.
Figura 6 – Casas Tradicionais, Mário Pagano, p.54. Sem autor. Fonte: Revista 2G,
n.15, 2000, p.5.
Figura 7 – Torre Velasca, p.56. Sem autor. Fonte: Revista 2G, n.15, 2000, p.72.
Figura 8 – Torre Velasca, planta baixa da transição dos volumes, p.56. Fonte: Revista
2G, n.15, 2000, p.72.
Figura 9 – Figura 9: Sede da INA-Casa, p.56. Sem autor. Fonte: Revista 2G, n.15,
2000, p.8.
Figura 10 INA-Casa Tiburtino, implantação, p.57. Fonte: Revista 2G, n.15, 2000,
p.28.
Figura 11 – INA-Casa Tiburtino, vista das edificações, p.57. Foto: Francesco Jodice.
Fonte: Revista 2G, n.15, 2000, p.29.
Figura 12 – INA-Casa Cesate, implantação, p.57. Fonte: Revista 2G, n.15, 2000, p.50.
Figura 13 INA-Casa Cesate, vista das edificações, p.58. Foto: Francesco
Jodice. Fonte: Revista 2G, n.15, 2000, p.51.
Figura 14 – Vista aérea do povoado de Martella, Matera, p.58. Sem autor. Fonte:
Revista 2G, n.15, 2000, p.36.
Figura 15 – Povoado de Martella, Matera, vista das edificações, p.58. Foto: Francesco
Jodice. Fonte: Revista 2G, n.15, 2000, p.39.
Figura 16 – Vista interna do Palazzo Rosso, p.59. Sem autor. Fonte: Revista 2G,
n.15, 2000, p.10.
Figura 17 – Sala dos primitivos na Galleria degli Uffizi, p.59. Sem autor. Fonte: Revista
2G, n.15, 2000, p.10.
Figura 18 – Vista interna da Gipsoteca Canoviana, p.59. Sem autor. Fonte: Revista
2G, n.15, 2000, p.10.
Figura 19 Vista interna do Castello Sforzesco, p.60. Sem autor. Fonte: Revista
2G, n.15, 2000, p.10.
Figura 20 – Capa da revista “Casabella-Continuità”, p.60. Fonte: Revista 2G, n.15,
2000, p.11.
Figura 21 – Museu do Louvre, França. Contraste entre a pirâmide de vidro e o palácio,
p.67. Sem autor. Fonte: GRACIA, Francisco de. Construir en lo construido. La
arquitectura como modificación. Madrid: Nerea, 1992, p.79.
Figura 22 – Vista do Galpão 5 do Porto Madero, Buenos Aires, p.67. Sem autor.
Fonte: Revista AU, n. 54, jun/jul de 1994, p.89.
Figura 23 – Plaza dels Països Catalans, Estação de Sants, Barcelona, p.68.
136
Figura 24 – Pinacoteca, São Paulo, p.68. Foto: Nelson Kon. Fonte: Revista Projeto
Design, n.220, maio de 1998, p.50.
Figura 25 – Complexo Cultural Júlio prestes, estação Júlio Prestes, São Paulo, p.69.
Fonte: Revista AU, n.86, out/nov de 1999, p.78.
Figura 26 – Sala São Paulo, Complexo Cultural Júlio Prestes, p.69. Foto: André
Caperutto. Fonte: Revista AU, n.86, out/nov de 1999, p.80.
Figura 27 – Plano Voisin, perspectiva aérea, p.71. Autor: Le Corbusier. Fonte:
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Figura 28 – Plano Voisin, implantação, p.71. Autor: Le Corbusier. Fonte: http://eras.
free.fr/html/archi/voisin.html.
Figura 29 – Plano Voisin, maquete, p.72. Autor: Le Corbusier. Fonte: http:// eras. free.
fr /html /archi /voisin.html
Figura 30 – Teatro São Pedro, p.75. Foto: Guilherme Verle. Fonte: Revista Elarqa n.
33, fevereiro de 2000, p.40.
Figura 31 – Cúria Metropolitana, p.76. Foto: Guilherme Verle. Fonte: Revista Elarqa n.
33, fevereiro de 2000, p.42.
Figura 32 – Palácio Piratini, p.77. Sem autor.
Figura 33 – Biblioteca Pública, p.77. Foto: Guilherme Verle. Fonte: Revista Elarqa n.
33, fevereiro de 2000, p.43.
Figura 34 – Observatório Astronômico, campus central da UFRGS, p.78. Foto:
Guilherme Verle. Fonte: Revista Elarqa n. 33, fevereiro de 2000, p.44.
Figura 35 – Edifício Sulacap, p.79. Foto: Guilherme Verle. Fonte: Revista Elarqa n. 33,
fevereiro de 2000, p.46.
Figura 36 – Praça 1º de Maio, Montevidéu, p.83. Foto: Juan Angel Urruzola. Fonte:
Revista Projeto Design, n.215, dezembro de 1997, p. 48.
Figura 37 – Praça 1º de Maio, Montevidéu, p.84. Foto: Juan Angel Urruzola. Fonte:
Revista Projeto Design, n.215, dezembro de 1997, p. 48.
Figura 38 – Mapa central da cidade de Pelotas, p.84. Fonte: www.vitruvius.com.br/
arquitextos/ arq000/ bases/ texto146.asp.
Figura 39 – Fotografia do centro de Pelotas, p.85. Sem autor. Fonte: http:// www.
vitruvius.com.br/arquitextos/arq000/ bases/texto146.asp.
Figura 40 – Átrio do Santander Cultural, p.86. Foto: Ary Diesendruck. Fonte: Revista
Finestra, n. 27, out/dez de 2001, p.76.
Figura 41 – Foto externa do Santander Cultural, p.86. Foto: Sofia Mattos. Fonte
Revista AU, n. 98, out/nov de 2001, p.51.
Figura 42 – Vista aérea do Memorial do Rio Grande do Sul, p.87. Sem autor. Fonte:
Revista Projeto Design, n. 256, junho de 2001, p. 55.
Figura 43 – Vista do MARGS a partir da Praça da Alfândega, p.87. Sem autor. Fonte:
http://nutep.adm.ufrgs.br/fotospoa/fotospoa.htm.
Figura 44 – Implantação do DC Navegantes, p.88. Desenho: equipe Adriana
Hofmeister, Rosane Bauer e João Carlos Ferreira. Fonte: Revista Projeto Design, n.
213, outubro de 1997, p. 87.
Figura 45 – Galpão do DC Navegantes, p.88. Foto: equipe Adriana Hofmeister,
Rosane Bauer e João Carlos Ferreira. Fonte: Revista Projeto Design, n. 213, outubro
de 1997, p.87.
137
Figura 46 – Fachadas do DC Navegantes, p.88. Desenho: equipe Adriana Hofmeister,
Rosane Bauer e João Carlos Ferreira. Fonte: Revista Projeto Design, n. 213, outubro
de 1997, pp. 86-87.
Figura 47 – Centro Comercial Nova Olaria, Axonométrica da Situação, p.89. Desenho:
Moojen e Marques Arquitetos Associados. Fonte: Revista Projeto Design, n. 210, julho
de 1997, p. 53.
Figura 48 – Centro Comercial Nova Olaria, Implantação, p.89. Desenho: Moojen e
Marques Arquitetos Associados. Fonte: Revista Projeto Design, n. 210, julho de 1997,
p. 55.
Figura 49 – Centro Comercial Nova Olaria, fachada interna, p.89. Desenho: Moojen e
Marques Arquitetos Associados. Fonte: Revista Projeto Design, n. 210, julho de 1997,
p. 54.
Figura 50 – Centro Comercial Nova Olaria, foto noturna da rua interna, p.90. Foto:
Sérgio M. Marques. Fonte: Revista Projeto Design, n. 210, julho de 1997, p. 53.
Figura 51 – PDDUA, zonas de interesse e centro histórico, p.92. Fonte: PDDUA de
Porto Alegre, 1999, p. 22.
Figura 52 – Loja do Força e Luz, p.99. Foto: Azevedo Dutra. Fonte: CEEE.
Figura 53 – Vitrine do Força e Luz, p.99. Foto: Azevedo Dutra. Fonte: CEEE.
Figura 54 – Foto interna do Força e Luz, p.101. Foto: Azevedo Dutra. Fonte: CEEE.
Figura 55 – Desenho da fachada do Força e Luz, p.101. Fonte: Kiefer Arquitetos.
Figura 56 Vista do Mezanino do Térreo do Força e Luz, p.102. Foto: Azevedo
Dutra Fonte: CEEE.
Figura 57 – Foto da Rua dos Andradas, p.102. Autor e Fonte: Kiefer Arquitetos.
Figura 58 – Foto do poço de luz do prédio Força e Luz antes da reciclagem, p.102.
Autor e Fonte: Kiefer Arquitetos.
Figura 59 – Corte-esquema de fluxo do Força e Luz antes da reciclagem, p.103.
Desenho: Flávio Kiefer. Fonte: Kiefer Arquitetos.
Figura 60 Corte-esquema de fluxo do Centro Cultural CEEE Erico Veríssimo,
p.103. Desenho: Flávio Kiefer. Fonte: Kiefer Arquitetos.
Figura 61 – Planta-esquema de fluxo do Força e Luz antes da reciclagem, p.103.
Desenho: Flávio Kiefer. Fonte: Kiefer Arquitetos.
Figura 62 – Planta-esquema de fluxo do Centro Cultural CEEE Erico Veríssimo,
p.103. Desenho: Flávio Kiefer. Fonte: Kiefer Arquitetos.
Figura 63 – Centro Cultural CEEE Erico Veríssimo, poço do elevador em construção,
p.104. Autor: Beto Negrão. Fonte: Kiefer Arquitetos.
Figura 64 – Centro Cultural CEEE Erico Veríssimo, poço do elevador pronto, p.104.
Autor: Beto Negrão. Fonte: Kiefer Arquitetos.
Figura 65 – Foto da construção do CCCEEV, p.105. Autor e Fonte: Kiefer Arquitetos.
Figura 66 – Foto do 3º pav. do CCCEEV, p.105. Autor: Beto Negrão. Fonte: Kiefer
Arquitetos.
Figura 67 – O Hotel Majestic antes da reciclagem, p. 109. Foto: Flávio Kiefer. Fonte:
Kiefer Arquitetos.
Figura 68 – A Casa de Cultura Mário Quintana logo após sua inauguração, p.110.
Foto: Flávio Kiefer. Fonte: Kiefer Arquitetos.
Figura 69 – O Mercado Público na década de 1880, p.110. Reprodução: GIPMPA,
Eduardo Aigner. Fonte: Museu Joaquim José Felizardo.
138
Figura 70 – O Mercado Público em 1920, p.111. Sem autor. Fonte: SMIC.
Figura 71 – O Mercado Público em 1991, sem a cobertura metálica única, p.111. Sem
autor. Fonte: GIPMPA.
Figura 72 – Vista da ocupação interna do Mercado Público em 1972, p.111. Sem
autor.
Figura 73 – Vista da nova cobertura do Mercado público a partir de 1997, p.112. Foto:
Otacílio Freitas Dias. Fonte: GIPMPA.
Figura 74 – Condições precárias do interior do Mercado Público, 1989, p.119. Sem
autor. Fonte: SMIC.
Figura 75 – Altos do Mercado Público em 1984, em péssimo estado de conservação,
p.120. Foto: Valdir Friolin. Fonte: Zero Hora.
Figura 76 – Corredor central, a partir dos altos do Mercado Público, 1997, p.120. Sem
autor. Fonte: GIPMPA.
Figura 77 – As novas bancas do Mercado Público, 1997, p.121. Sem autor.
Figura 78 – Dia da reinauguração do Mercado Público, 1997, p.121. Foto: Otacílio
Freitas Dias. Fonte: GIPMPA.
Figura 79 – Hall do térreo, CCMQ, p.122. Foto: Flávio Kiefer. Fonte: Kiefer Arquitetos.
Figura 80 – Mezanino do térreo, CCMQ, p.122. Foto: Flávio Kiefer. Fonte: Kiefer
Arquitetos.
Figura 81 – Terraço Sapato Florido, CCMQ, p.123. Foto: Flávio Kiefer. Fonte: Kiefer
Arquitetos.
Figura 82 – Galeria Branca, CCMQ, p.123. Foto: Flávio Kiefer. Fonte: Kiefer
Arquitetos.
Figura 83 – Teatro Bruno Kiefer, CCMQ, p.123. Foto: Flávio Kiefer. Fonte: Kiefer
Arquitetos.
Figura 84 – Implantação do projeto Porto dos Casais, p.125. Desenho: equipe Alberto
Adomilli. Fonte: Revista Elarqa n. 33, fevereiro de 2000, p.35.
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