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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE ARQUITETURA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA PROPAR
PORTO ALEGRE COMO CIDADE IDEAL
PLANOS E PROJETOS URBANOS PARA PORTO ALEGRE
SILVIO BELMONTE DE ABREU FILHO
TESE DE DOUTORADO APRESENTADA COMO
REQUISITO PARCIAL PARA OBTENÇÃO DO GRAU DE
DOUTOR EM ARQUITETURA
ORIENTADOR
PROF. CLAUDIO CALOVI PEREIRA, PhD
PORTO ALEGRE, JULHO DE 2006
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A Angela, que sabe muito bem porque;
a meus pais, que me transmitiram seu
conhecimento e o amor por uma cidade que
também não era a deles; a Laura e Rafael, a quem
tento incentivar, da melhor forma que posso, para
que sigam seu caminho, nessa ou qualquer cidade.
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AGRADECIMENTOS
Quero agradecer a todos aqueles que, de uma forma ou de outra, se
interessaram por este trabalho e me forneceram elementos ou estímulo para sua
realização, já certo que cometerei injustiças e omissões.
Dois professores, Emil Bered e Luiz Frederico Mentz, transmitiram a
importância da arquitetura como disciplina e como ofício, num momento da
década de 70 em que ela estava decididamente em baixa entre nós.
Newton Obino e Carlos Eduardo Comas confiaram em um potencial, que
talvez somente os dois percebessem, e me permitiram participar com eles (e
tantos outros) da trajetória do PROPAR. Os colegas do PROPAR e do
Departamento de Arquitetura da UFRGS foram importantes, e seu concurso
fundamental para a consecução da tese; agradeço a todos na figura exemplar de
Elvan Silva, que compartilhou comigo seus escritos e opiniões sobre o Plano
Diretor de 1959-61 com a autoridade de quem iniciou sua vida profissional
projetando por ele, esteve presente na banca de qualificação do projeto de tese, e
certamente estaria na Banca se não tivesse nos deixado tão cedo.
Francisco Abreu teve colaboração inestimável com as fotos, a produção das
figuras, a editoração eletrônica e com o computador. Ricardo Lázaro da Silva
garimpou a ficha funcional de Moreira Maciel nos arquivos do Ministério da
Agricultura, e contribuiu com material documental inédito.
Fernanda Drebes auxiliou com as plantas e documentação valiosa sobre o
Edifício Esplanada; Maria Dalila Bohrer permitiu o uso de algumas imagens e
referências de sua dissertação sobre os aterros da Praia de Belas; Célia Ferraz de
Souza me franqueou sua tese sobre o Plano de Melhoramentos antes mesmo da
publicação, discutindo, esclarecendo e contribuindo decisivamente para o 1º
Capítulo; Maria Soares de Almeida fez o mesmo com sua tese sobre os
regulamentos urbanísticos, estabelecendo referencias fundamentais para o 4º e 5º
Capítulos. Anna Paula Canez roubou tempo de sua própria tese para discutir os
planos e projetos urbanos de Arnaldo Gladosch; Sergio Marques leu e comentou
uma versão preliminar das Considerações Finais; Moacyr Moojen Marques cedeu
documento inédito sobre o Plano de 1961, que mereceu figurar como Anexo,
juntamente com seus próprios comentários.
Enfim, e na ordem inversa de sua responsabilidade e contribuição, meu
reconhecimento a Cláudio Calovi Pereira, a quem conheci ainda como aluno no
PROPAR, e que soube tão bem assumir as funções e os encargos de mestre e
orientador, com rigor, disponibilidade e interesse.
RESUMO
A partir de um quadro conceitual que situa a cidade e sua arquitetura como objeto
autônomo, o trabalho enfoca Porto Alegre como cidade ideal, pelo estudo de seus planos e
projetos urbanos. Eles foram considerados como textos instauradores da Arquitetura, na categoria
dos escritos urbanísticos, reunindo características de tratado e de utopia, ao propor a aplicação de
regras, princípios e procedimentos para a construção do espaço urbano, e a reprodução de
modelos. A revisão crítica dos planos é utilizada para relacioná-los com os paradigmas e modelos
urbanísticos hegemônicos em seu tempo, com suas estratégias projetuais e normativas, e com a
estrutura do espaço real resultante, com interesse documental, metodológico, disciplinar e
operativo.
Os planos urbanos formam uma sucessão encadeada de quase cem anos, desde o Plano
Geral de Melhoramentos de 1914 até o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Ambiental -
PDDUa, em vigor desde 2000. A tese se estrutura como um conjunto articulado de seis estudos
monográficos, um para cada plano, com objetivos, método e marco teórico comuns apresentados
na Introdução, unificados no final por considerações de natureza geral, procurando contribuir para
a definição de seu estatuto na disciplina. Na exegese dos planos, tratou-se de identificar as
imagens de cidade ideal a orientar sua gestação, descrever suas premissas, os elementos de sua
estrutura, e como vão orientar as normas e procedimentos urbanísticos na busca de transformar a
cidade real, com todas as suas circunstâncias, na cidade idealizada. Assim, se procura distinguir
as características prescritivas dos planos, relacionadas à sua natureza “tratadista”, de suas
características utópicas, ligadas à geração e reprodução de modelos. Regra e modelo, estrutura e
processo, enfim, são os conceitos a orientar o estudo de Porto Alegre como cidade ideal, por seus
planos e projetos urbanos.
ABSTRACT
Considering the city and its architecture as an autonomous object, the thesis analyses the
town of Porto Alegre (Brazil) as an ideal city throughout its different urban plans and projects. The
plans are seen as foundational texts of architecture, as urban writings, merging characteristics of
treatises and utopias, while they propose rules, principles and procedures for the urban space, and
the reproduction of models. City plans are debriefed and related to contemporary and hegemonic
paradigms, urban models, norms and strategies of design and development, and then to the
resulting urban space and structure, with original documental, methodological, disciplinary and
operative contributions.
The study covers about 100 years of city planning, from the early 1914Plano Geral de
Melhoramentosto the latePlano Diretor de Desenvolvimento Urbano Ambiental PDDUa”, in
effect since 2000. The thesis structure consists of six independent chapters (as monographic
studies) covering different urban plans using similar methodology (objectives, method, discussion
and conclusion) and conceptual framework, which are presented in the Introduction and seen
together in the final chapter, where general conclusions seek the definition of its status in the field.
The plans review, as autonomous documents, tries to identify the images of the ideal city orienting
the proposal genesis and also describe its premises and the elements of its structure. Each plan
study also examines how these images guided the creation of norms and urbanistic procedures in
its application, proposing to transform the real city, with all its circumstances, in the idealized one.
Therefore, the prescriptive features in each plan are identified and distinguished from the utopic
features, related to the generation and reproduction of models. Finally, rule and model, structure
and process are the guide concepts to the study of Porto Alegre as an ideal city, through its plans
and urban projects.
ÍNDICE
INTRODUÇÃO 09
OBJETIVOS 13
MARCO TEÓRICO REFERENCIAL 14
METODOLOGIA 22
1° CAPÍTULO
MELHORAR A CIDADE, CONSERVANDO
INTRODUÇÃO 31
A CAPITAL POSITIVISTA: PORTO ALEGRE 1894/1914 33
A COMISSÃO E O PLANO DE MELHORAMENTOS 42
A IMPLANTAÇÃO DO PLANO 56
MELHORAMENTOS E EMBELEZAMENTO 66
2º CAPÍTULO
OS ANOS 30 E A CONTRIBUIÇÃO DE UBATUBA DE FARIA E EDVALDO PAIVA
INTRODUÇÃO 81
REFORMA, EXPANSÃO URBANA E OS LIMITES DO PLANO MACIEL 82
O IMPACTO DA EXPOSIÇÃO DE 1935 89
A CONTRIBUIÇÃO AO ESTUDO DA URBANIZAÇÃO DE PORTO ALEGRE 96
AGACHE, PRESTES MAIA E URBANISMO DA SFU 106
3° CAPÍTULO
UM PLANO DE URBANIZAÇÃO
INTRODUÇÃO 119
O TRIÂNGULO ESCALENO 120
UM PLANO DE URBANIZAÇÃO 129
URBANISME PARLANT: GLADOSCH NO CONSELHO DO PLANO DIRETOR 136
UMA CIDADE FEITA PARA DURAR 157
A MÃO E SUA IMPRESSÃO 172
4º CAPÍTULO
O ANTE-PROJETO DE PORTO ALEGRE DE ACORDO COM A CARTA DE ATENAS
INTRODUÇÃO 181
ANTEPROJETO DE ACORDO COM A CARTA DE ATENAS 182
UMA CARTA DE ATENAS PARA PORTO ALEGRE 190
CAVANDO A TRINCHEIRA MODERNA 199
A ESQUINA DO MODERNO 203
5° CAPÍTULO
O PLANO DIRETOR DE PORTO ALEGRE 1959/1961
INTRODUÇÃO 221
A GESTAÇÃO DO PLANO 223
O PLANO DIRETOR DE PORTO ALEGRE 1959/1961 238
A CIDADE ENFIM MODERNA 256
INDEPENDÊNCIA OU MORTE 266
6° CAPÍTULO
O 1° PLANO DIRETOR DE DESENVOLVIMENTO URBANO
INTRODUÇÃO 273
O PROCESSO DE REAVALIAÇÃO DO PLANO DIRETOR DE 1959/1961 274
O 1º PDDU 282
AS CIDADES DENTRO DA CIDADE 292
A ESTRUTURA AUSENTE 297
A IMPREVISIBILIDADE PLANEJADA 302
CONSIDERAÇÕES FINAIS 315
O PDDUa 315
CIDADE IDEAL COMO METÁFORA E CIDADE COLAGEM COMO ESTRATÉGIA 323
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 339
ÍNDICE DAS ILUSTRAÇÕES 349
ANEXOS 355
9
INTRODUÇÃO
- Entretanto, construí na minha mente um modelo de cidade do qual (posso) extrair
todas as cidades possíveis - disse Kublai. - Ele contém tudo o que vai de acordo com
as normas. Uma vez que as cidades que existem se afastam da norma em diferentes
graus, basta prever as exceções à regra e calcular as combinações mais prováveis.
- Eu também imaginei um modelo de cidade do qual extraio todas as outras -
respondeu Marco. - É uma cidade feita só de exceções, impedimentos, contradições,
incongruências, contra-sensos. Se uma cidade assim é o que há de mais improvável,
diminuindo o número de elementos anormais aumenta a probabilidade de que a
cidade realmente exista. Portanto, basta subtrair as exceções ao meu modelo e em
qualquer direção que eu vá sempre me encontrarei diante de uma cidade que, apesar
de sempre por causa das exceções, existe. Mas não posso conduzir minha operação
além de um certo limite: obteria cidades verossímeis demais para serem verdadeiras.”
Italo Calvino, As Cidades Invisíveis, p. 67.
O presente trabalho trata de organizar e apresentar base documental e um
conjunto de idéias sobre a construção da cidade e de sua estrutura, tendo por
objeto Porto Alegre como cidade ideal, através de seus planos e projetos urbanos.
Falar de uma cidade como cidade ideal significa entende-la, por um lado, como
um modelo, portanto como estrutura reprodutível, passível de servir ao mesmo
tempo como escala para medir e comparar as cidades e espaços urbanos reais, e
como molde para sua reprodução. Trata-se da cidade ideal descrita por Kublai
Kahn. Por outro lado, podemos vê-la como uma cidade ideal concreta, construída
como uma enciclopédia dos fragmentos de todas as cidades e espaços urbanos
conhecidos, a partir da qual podemos reconhecer partes (maiores ou menores), ou
mesmo a totalidade de qualquer cidade. Trata-se da cidade ideal descrita por
Marco Pólo.
Em Porto Alegre podemos ver as duas. A primeira, como uma sucessão de
modelos, de imagens completas de estruturas ideais a fornecer os parâmetros
para a transformação da cidade em cada momento. Elas estão nos sucessivos
planos e projetos urbanos, com distintos graus de precisão e detalhe. A segunda,
é uma cidade que vai sendo construída como um somatório de peças urbanas
mais ou menos completas, em estratos ou camadas, pedaços de modelos e de
outros lugares e tempos. Através dela não podemos identificar as estruturas
ideais, mas seus fragmentos. Eles também interessam.
O trabalho constitui o desdobramento intelectual de cerca de vinte anos de
investigações conduzidas ao interior da disciplina Tipologias Habitacionais e
Morfologia Urbana
1
sobre a análise tipo-morfológica, que têm utilizado Porto
Alegre como contexto privilegiado de estudo. Trata-se de uma trajetória que tem
progressivamente deslocado o interesse para questões de estrutura urbana e
processos de crescimento, nas quais os Planos e Projetos Urbanos adquirem
papel central como elementos geradores da forma, em termos operativos e
1
A disciplina foi criada por Carlos E. Comas e Silvio Abreu no início dos anos 80, e oferecida
desde 1981, inicialmente nos cursos de especialização e posteriormente no curso de Mestrado em
Arquitetura do Programa de Pesquisa e Pós-Graduação em Arquitetura (PROPAR) da UFRGS.
10
ideológicos. É precisamente a insatisfação com o discurso hegemônico sobre os
mesmos, e a conseqüente necessidade de proceder sua revisão crítica, que estão
na origem do interesse e da investigação.
Porto Alegre tem uma longa história de Planos, e é usualmente
considerada uma referência nacional em matéria de regulação do
desenvolvimento urbano. Esta história permite que se fale em uma "Cultura de
Planejamento" (curiosamente, e não por acaso, não de uma "Cultura do
Urbanismo"), aparentemente cumulativa, que ilumina as instâncias técnico-
institucionais e alimenta uma bibliografia em larga medida hagiográfica.
Podemos localizar seu início no Plano Geral dos Melhoramentos de
João Moreira Maciel, em 1914, seguido pela Contribuição ao Estudo da
Urbanização de Porto Alegre de Ubatuba de Faria e Edvaldo Paiva em 1936-1938,
e pelo Plano de Urbanização da administração Loureiro da Silva (1937-43),
representado pelos estudos e Anteprojeto do Plano Diretor de Porto Alegre de
Arnaldo Gladosch (1938-44, também conhecido como Plano Gladosch), e pelo
Expediente Urbano de Porto Alegre, coordenado por Edvaldo Paiva em 1942.
Segue-se o Ante-projeto de Planificação de Porto Alegre acordo com os
princípios preconizados pela Carta de Atenas em 1951, de Edvaldo Paiva e
Demétrio Ribeiro, e pelos sucessivos estudos da equipe liderada por Paiva, que
levam ao Anteprojeto do Plano Diretor de 1954 e finalmente ao Plano Diretor de
Porto Alegre em 1959, que foi seu primeiro plano diretor formal. O Plano Diretor foi
consolidado em 1961, modificado em 1966 e substituído, após longo processo de
reavaliação, pelo Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (1º PDDU) em
1979. Prevendo reavaliações periódicas e participação comunitária, as restrições
do 1º PDDU fazem com que seja modificado em 1987, e progressivamente
incorpore um labirinto de Resoluções e Legislação Complementar. Acaba sendo
substituído, depois de demorado processo de consultas e estudos em diversas
instâncias de participação e legitimação técnica e comunitária, pelo Plano Diretor
de Desenvolvimento Urbano Ambiental (PDDUa), no final de 1999, com vigência a
partir de março de 2000.
Trata-se de quase 100 anos, e de mais de meia dúzia de Planos. De
maneira geral, eles têm sido analisados a partir de leituras predominantemente
ideológicas, que procuram utilizar os precedentes para validar e legitimar o
sucessor, numa espécie de marcha contínua para o progresso. Mais ainda, sua
análise e interpretação têm sido contaminadas pela leitura hegemônica originada
de um personagem que esteve, direta ou indiretamente, vinculado a todos eles,
com exceção do primeiro e do último, e que foi uma figura central do debate
urbanístico em Porto Alegre de meados da década de 30 ao final da década de
70: o engenheiro e urbanista Edvaldo Pereira Paiva. Autor e personagem, suas
opiniões sobre os Planos vêm sendo adotadas e difundidas em quase todos os
textos sobre os mesmos desde então, de forma mais ou menos explícita, e em
geral acrítica.
11
O processo pode ser claramente exemplificado na visão hegemônica
sobre o Plano Geral dos Melhoramentos. O Plano Maciel, como é conhecido, “(...)
projetou vários alargamentos das ruas do centro e novas grandes avenidas, com
uma visão extraordinária dos problemas a serem resolvidos (...)
2
, tratando-se de
um plano (...) tipicamente viário, (...) de importância vital para a cidade, pois se
manteve, durante 23 anos (...) como norma orientadora dos trabalhos de reforma
urbana. Esse estudo, de grande visão para a época, tinha como mira uma reforma
completa do centro colonial (...)
3
. Ainda, “(de tão alta visão...) apesar de ser um
plano tipicamente viário e não compreender todo o espaço urbano (...) estava
calcado em princípios orientadores bem definidos e realísticos (...) se originava de
uma análise objetiva da evolução histórica da cidade (...) correspondia plenamente
aos problemas da cidade de então e procurava resolve-los dentro dos princípios
urbanísticos dominantes
4
. Tanto a interpretação quanto a terminologia foram
reproduzidas em quase todas as análises posteriores. A partir delas, o Plano
Maciel surge invariavelmente como "inspirado nos modelos do urbanismo
francês", ou como "um plano de alinhamentos viários, de inspiração
haussmaniana", mesmo quando reconhecido seu pioneirismo.
O mesmo ocorre com relação ao Plano Gladosch, e é responsável pelo
processo de desqualificação e progressivo ocultamento da obra urbanística e
arquitetônica de seu autor. Dentro dessa visão, o Plano Gladosch é "basicamente
um plano viário", "de caráter apenas morfológico", "inspirado no urbanismo
monumental do totalitarismo europeu" ou no “formalismo cenográfico do
urbanismo francês”; segue-se que o Plano Diretor de 59 é "inspirado nos
princípios da Carta de Atenas", e o 1º PDDU "inova na participação popular e no
modelo de gestão", é “baseado em um modelo espacial de descentralização da
atividade comercial e distribuição de equipamentos", e assim por diante.
Com algumas exceções, são análises baseadas principalmente em
fontes secundárias, muitas vezes reproduzindo sem citação as análises anteriores,
ou trechos delas, deslocadas de seu contexto. Entretanto, os documentos e fontes
originais estão quase todos disponíveis. Na bibliografia recente, o extenso trabalho
coordenado por Maria Cristina da Silva Leme, “Urbanismo no Brasil 1895-1965
5
,
apesar de sua estrutura confusa e revisão editorial algo descuidada, organiza uma
2
UBATUBA DE FARIA, Luiz Arthur e PAIVA, Edvaldo. Contribuição ao estudo da urbanização de
Porto Alegre. Porto Alegre, 1938 (mimeo), p. 40-41. O trecho é reproduzido no Expediente Urbano
de Porto Alegre, de 1942, p. 80: “(...) com uma visão extraordinária da amplitude dos problemas a
serem resolvidos (...)”.
3
SILVA, José Loureiro da. Um Plano de Urbanização. Porto Alegre: Livraria do Globo, 1943, p. 25.
O trecho foi presumivelmente escrito por Paiva, apresentado nos créditos como colaborador
técnico.
4
PAIVA, Edvaldo. Problemas Urbanos de Porto Alegre. Porto Alegre, 1951 (mimeo), pp. 9-10,
retomado em: PORTO ALEGRE. Plano Diretor 1954-1964. Porto Alegre: Prefeitura Municipal,
1964, p. 17: (...) aborda apenas o problema viário, porém (...) apresenta soluções de tal modo
corretas que muitas delas foram executadas posteriormente e outras se impõem ainda hoje (...)
correspondia perfeitamente às necessidades da época (...)”.
5
LEME, Maria Cristina da Silva (coord.). Urbanismo no Brasil 1895-1965. São Paulo: Studio Nobel;
FAUUSP/FUPAM, 1999.
12
inestimável compilação do assunto e de suas fontes primárias, que vem se somar
aos estudos, análises e trabalhos técnicos, acadêmicos e jornalísticos surgidos
nos últimos anos sobre o tema.
Destacamos as recentes Teses de Doutorado
6
de Nara Helena
Machado, cuidadoso estudo das transformações urbanas e arquitetônicas que
ocorreram na área central de Porto Alegre entre 1928 e 1945, relacionando-as
com as ideologias dominantes, de João Rovatti sobre a trajetória pessoal e
profissional de Edvaldo Paiva, de Célia Ferraz de Souza sobre o Plano Geral de
Melhoramentos de Porto Alegre, que passou a constituir o texto de referência
sobre o assunto, e de Maria Soares de Almeida sobre as transformações urbanas
em Porto Alegre relacionadas à legislação, juntamente com uma série de novas
Dissertações e Teses do PROPAR/UFRGS e nos cursos de História da UFRGS e
da PUCRS.
A dissertação de mestrado PROPUR de Paul Dieter Nygaard
7
sobre as
bases doutrinárias em Planos Diretores, através de um estudo dos planos
elaborados para Porto Alegre entre 1914 e 1979, guarda vários pontos de contato
com a presente investigação, no campo do objeto (os planos) e sua classificação
cronológica. Entretanto, diferencia-se claramente no enfoque e nos conceitos-
chave que se utiliza para a análise, resultando num corte epistemológico de
natureza essencialmente diversa, como veremos mais adiante.
O aumento no número e a qualidade dessas contribuições ilustram o
renovado interesse no tema, e a pertinência de sua revisão crítica. Uma prévia
análise das mesmas e da documentação disponível, permitiu antever a
possibilidade de novos desdobramentos para a investigação. Aqui, ela vai utilizar
um quadro de referência amplo, que considera os avanços recentes na análise
tipo-morfológica, incorporando-a aos enfoques de estrutura urbana e dos
processos de urbanização e crescimento urbano, ao estudo do imaginário urbano
e do discurso sobre a cidade e sua arquitetura, e sobre os Planos como
documentos autônomos e textos instauradores de utopias urbanas.
6
MACHADO, Nora Helena Naumann. Modernidade, arquitetura e urbanismo: o centro de Porto
Alegre (1928-1945). Porto Alegre: PUC-RS, 1998. Tese de Doutorado em História Instituto de
Filosofia e Ciências Humanas, PUC-RS, 1998; ROVATTI, João Farias. La modernité est ailleurs:
ordre et progrès dans l’urbanisme d’Edvaldo Pereira Paiva (1911-1981). Paris: Université de Paris
VIII, 2001. Tese de Doutorado; SOUZA, Célia Ferraz de. O Plano Geral de Melhoramentos de
Porto Alegre: da Concepção às Permanências. São Paulo: FAUUSP (Tese de Doutorado), 2004; e
ALMEIDA, Maria Soares de. Transformações Urbanas: atos, normas, decretos, leis na
administração da cidade Porto Alegre 1937-1961. São Paulo: FAUUSP (Tese de Doutorado),
2004.
7
NYGAARD, Paul Dieter. Bases Doutrinárias em Planos Diretores; um estudo dos planos
elaborados para o município de Porto Alegre 1914 a 1979. Porto Alegre: PROPUR-UFRGS,
1995. Dissertação de Mestrado em Planejamento Urbano - Programa de Pós-Graduação em
Planejamento Urbano e Regional da UFRGS, 1995; posteriormente editada, revisada e ampliada,
como NYGAARD, Paul Dieter. Planos Diretores de cidades: discutindo sua base doutrinária. Porto
Alegre: Editora da UFRGS, 2005.
13
Este quadro conceitual situa a cidade e sua arquitetura como objeto
autônomo, e permite pensar em Porto Alegre como cidade ideal, a partir do estudo
de seus Planos e Projetos Urbanos. Ao mesmo tempo, descrevendo aquilo que a
cidade um dia pretendeu ser, e cotejando com o que ela efetivamente se tornou, é
possível entender tanto a lógica de sua construção, quanto antever seus caminhos
para o futuro.
OBJETIVOS
Com base no quadro esboçado anteriormente, o trabalho tem por
objetivo principal levantar e efetuar uma revisão crítica dos Planos e Projetos
Urbanos para Porto Alegre, a partir de um enfoque original e diferenciado em
relação à visão predominante sobre o assunto, relacionando-os aos paradigmas e
modelos urbanísticos e arquitetônicos hegemônicos em cada momento, e ao
espaço real resultante de sua aplicação. Busca com isso uma contribuição inédita
na reflexão sobre os planos e projetos e seu papel na construção da cidade, que
auxilie não apenas seu entendimento e explicação como constitua um referencial
teórico-metodológico para seu desenvolvimento e operação. A partir desse eixo,
ele se desdobra em um triplo objetivo secundário:
Ao nível documental e metodológico, procura identificar, sistematizar e
analisar criticamente uma série de documentos sobre a cidade de Porto Alegre e
sua construção, alguns dos quais ainda não divulgados (ou divulgados
parcialmente) no meio acadêmico e profissional, testando sobre eles a aplicação
de instrumentos de investigação especialmente desenvolvidos para a análise
arquitetônica da forma urbana. Trata-se do estudo das relações entre as distintas
formas físicas da cidade, a consideração dos elementos urbanos como unidades
de forma dentro da estrutura (tipo de edifícios, lotes e quadras, ruas e padrões de
traçado, infra-estruturas e equipamentos, peças urbanas), e os processos de
crescimento, transformação e gestão no tempo.
Ao nível disciplinar, busca cotejar os Planos e Projetos, enquanto textos da
Arquitetura e do Urbanismo, com as variações do discurso científico. A exegese
dos planos tentará desvendar o que eles efetivamente são, tanto em suas
pretensões explícitas (ligadas à aplicação de princípios e regras para a produção
do espaço edificado) quanto em suas ideologias tácitas, assumidas ou não
(ligadas à reprodução de modelos), colocando lado a lado o que eles dizem ser, o
que efetivamente são, e de que forma interferem na construção da cidade real.
Trata-se, enfim, de definir seu estatuto dentro da disciplina da Arquitetura, em
termos claramente epistemológicos
8
.
8
Aqui utilizamos exegese no sentido corrente, de “Comentário ou dissertação para esclarecimento
ou minuciosa interpretação de um texto ou de uma palavra (...) Explicação ou interpretação de obra
literária ou artística, de um sonho, etc.” cf. BUARQUE DE HOLANDA, Aurélio. Novo Dicionário da
Língua Portuguesa (2ª edição revista e ampliada). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986, p. 740. Da
14
Ao nível operativo, ao identificar e descrever a lógica de construção dos
sucessivos estratos ou fragmentos que compõem a forma urbana da Porto Alegre
contemporânea como resultado de uma contínua acumulação coletiva no tempo,
orientada por regras e modelos distintos, o trabalho pretende ter caráter exemplar
e contribuir com uma base documental, metodológica e disciplinar para a
intervenção futura sobre a cidade, em termos de Planos e Projetos urbanos.
Nesse sentido, as investigações sobre os elementos da estrutura urbana e os
processos de crescimento parecem fundamentais para a definição de uma forma
de investigação mais nitidamente vinculada a este campo disciplinar próprio. A
revisão dos modelos, por outro lado, permitirá entender as idéias que orientam as
normas urbanísticas, e seus limites de operação sobre a forma da cidade.
MARCO TEÓRICO REFERENCIAL
Os Planos integram o conjunto de textos que, no quadro disciplinar da
Arquitetura e do Urbanismo, procuram determinar as modalidades para concepção
de edifícios, conjuntos de edifícios, espaços ou setores urbanos, ou de cidades
futuras. Françoise Choay chama de instauradores estes textos, que "têm por
objetivo explícito a constituição de um aparelho conceptual autônomo que permita
conceber e realizar espaços novos e não-aproveitados"
9
. Ela admite que o
conjunto de textos instauradores é formado pelas três categorias dos tratados de
arquitetura, das utopias e dos escritos de urbanismo. Quanto aos procedimentos
típicos de criação do espaço, o tratado consiste na aplicação dos princípios e das
regras, e a utopia consiste na reprodução de modelos. Entretanto, essas duas
organizações estruturais - a regra e o modelo - nem sempre permanecem intactas
e independentes: os escritos urbanísticos seriam a prova de que elas podem
interferir.
Assim, podemos enumerar as seguintes hipóteses:
Os Planos Urbanos podem ser considerados textos instauradores da
Arquitetura, dentro da categoria dos escritos urbanísticos. Reúnem características
de tratado e de utopia
10
, preservando ao mesmo tempo a aplicação de regras,
mesma forma, epistemologia como Estudo crítico dos princípios, hipóteses e resultados das
ciências, e que visa a determinar os fundamentos lógicos, o valor e o alcance objetivo delas”, mais
que o sentido geral de teoria da ciência, filosofia da ciência ou o estudo das teorias do
conhecimento. Idem, p. 673.
9
CHOAY, Françoise. A Regra e o Modelo. São Paulo: Perspectiva, 1985, p. 6.
10
Aqui e ao longo do trabalho, utilizaremos o conceito de utopia apresentado por Colin Rowe: “Una
concepción utópica en su forma totalmente desarrollada puede ser definida como una visión
unificada que incluye:
1. Una teoría artística cuidadosamente ponderada o actitud hacia el arte integrada con
2. Una estructura política y social íntegramente desarrollada, que concebimos como situada
en
3. Un lugar independiente de tiempo, historia o accidente.
15
princípios e procedimentos para a construção do espaço urbano, e a reprodução
de modelos. Muitas vezes o modelo - e conseqüentemente a utopia - não se
encontra completamente explicitado nos Planos, permanecendo subjacente como
uma espécie de "core" ideológico que orienta as regras. Cabe à análise desvendá-
lo, isolando-o do discurso normativo. Como Choay, em vez de nos limitarmos à
influência das utopias particulares em si, interessa-nos o impacto direto da utopia
sobre as idéias e os planos urbanísticos.
Entretanto, ao contrário de Choay, que circunscreve explicitamente seu
objetivo na estrutura do texto, não se preocupando com as relações entre os
escritos instauradores e os espaços de fato realizados sob sua égide, pretende-se
analisar os resultados reais da aplicação dos Planos, cotejando em cada momento
a estrutura do texto com a estrutura formal resultante, e as regras e modelos nele
previstos com a construção do espaço urbano e dos edifícios. Entendemos que
são possíveis três níveis relativamente independentes de leitura: a estrutura do
Plano como discurso, a estrutura do Plano enquanto conjunto de normas,
procedimentos, regras e princípios ordenadores concretos, e a estrutura urbana
que sua aplicação vai favorecer, que consiste numa mediação entre a cidade ideal
(e suas regras de consecução) e a cidade real, construção coletiva no tempo.
A utopia, o modelo ou modelos presentes nos Planos nem sempre são
visíveis. Entretanto, no caso de Porto Alegre uma característica fundamental de
sítio e estrutura permite que sua apreensão se faça às vezes de forma direta. As
áreas de aterro, que vão sendo progressivamente ganhas ao rio, apresentam-se
quase como folhas em branco, tabuleiros isotópicos onde o modelo da cidade
ideal pode ter livre desenvolvimento. Assim, ao lado de prescrições normativas, os
Planos trazem nos aterros desenhos bastante completos dos modelos, ou cidades
ideais, que seu texto contempla.
Essa hipótese foi parcialmente testada por Maria Dalila Bohrer em sua
Dissertação de Mestrado no PROPAR/UFRGS
11
, através da análise comparativa
do aterro da Praia de Belas, em Porto Alegre, com o aterro do Flamengo, no Rio
de Janeiro. Nela, são avaliadas as destinações de uso e o caráter das propostas
urbanísticas atribuídas aos mesmos, à luz dos paradigmas urbanísticos do final do
século XIX e do século XX. Apesar de apoiar a análise dos projetos em critérios de
composição urbana, localização, funcionalidade, e em critérios morfológicos, o
trabalho fixa-se mais nos aspectos visuais e de percepção do meio ambiente.
Dessa forma, deixa em aberto a possibilidade de desdobramentos para a análise,
dentro de um quadro conceitual mais amplo.
Concordamos com ele, também, que nunca ocorre uma combinação simultânea de todos estes
temas, seja em termos filosóficos ou políticos, quanto arquitetônicos e urbanísticos. Cf. ROWE,
Colin. La arquitectura de la utopía. In: Manierismo y Arquitectura Moderna y otros ensayos.
Barcelona: Gustavo Gili, 1999, p. 204.
11
BOHRER, Maria Dalila. O aterro Praia de Belas e o aterro do Flamengo. Dissertação de
Mestrado. Porto Alegre: PROPAR/UFRGS, 2001. 220 p., il.
16
Em cada Plano ou Projeto, se buscará entender a estrutura formal de
seu desenho, confrontando-a com a estrutura do discurso sobre o mesmo, e com
a estrutura urbana que resulta de sua aplicação. Aqui adotamos o conceito
descrito por Umberto Eco em A Estrutura Ausente”, a partir de Claude Lévi-
Strauss (e da noção saussuriana de ‘estrutura’):
Só é estrutura o arranjo que corresponde a duas condições: a de ser um sistema
regido por uma coesão interna: e a de que essa coesão, inacessível ao observador de
um sistema isolado, se revele no estudo das transformações, graças às quais se
encontram propriedades similares em sistemas aparentemente diferentes”.
12
Para Eco, esta afirmação comporta duas noções igualmente
importantes: a de que a estrutura é um sistema regido por uma coesão interna; e
que ela só aparece quando posta em evidência pela comparação de fenômenos
diferentes entre si e pela redução desses fenômenos ao mesmo sistema de
relações. Dessa forma, a estrutura é uma simplificação, que nasce de um ponto de
vista. Uma estrutura é um modelo construído segundo certas operações
simplificadoras que me permitem uniformar fenômenos diferentes com base num
único ponto de vista
13
. Ao entender a estrutura como produto de operações
orientadas numa determinada direção, como um modelo elaborado para poder
nomear de maneira homogênea coisas diferentes, Eco delineia a diferença entre
um estruturalismo ontológico e um estruturalismo metodológico. Trata-se de uma
oscilação sempre presente no estruturalismo, entre estrutura como realidade
ontológica e estrutura como instrumento operacional (um instrumento fabricado
para determinar, a partir de um ângulo ou ponto de vista, modos de aproximação a
alguns aspectos do objeto em estudo), destacando-se as vantagens conceituais
do segundo como método para a investigação.
O conceito define ao mesmo tempo um conjunto, as partes desse
conjunto e as relações dessas partes entre si; em uma entidade autônoma de
dependências internas”, num todo formado de elementos solidários, de tal modo
que cada um dependa dos demais, e não possa ser o que é senão em virtude da
sua relação com eles: um determinado sistema de relações orgânicas où tout se
tient. Descrevendo o modelo estrutural como procedimento operacional, ou
metodológico, Umberto Eco cita L. Hjelmslev:
Toda descrição científica pressupõe que o objeto da descrição seja concebido como
uma estrutura (e portanto analisado segundo um método estrutural que permita
reconhecer relações entre as partes que o constituem) ou como participante de uma
estrutura (e portanto, sintetizado com outros objetos com os quais entretém relações
que possibilitam estabelecer e reconhecer um objeto mais extenso, do qual aqueles
objetos, mais o objeto considerado, são partes)”.
14
12
ECO, Umberto. A Estrutura Ausente. São Paulo: Perspectiva (3ª edição), 1976, p. 32.
13
Idem, p. 36.
14
Idem, p. 285. Ele defende a utilidade operacional do conceito na investigação científica: “(...) a
operação estruturalista, o mais das vezes, ao invés de achar a estrutura, estabelece-a, inventa-a
como hipótese e modelo teórico e postula que todos os fenômenos que estuda devem
corresponder ao arranjo estrutural teorizado. As verificações virão depois (...); tal procedimento (...)
17
No trabalho, utilizamos a estrutura com este fim, enquanto instrumento
operacional (“bons artifícios metodológicos, instrumentos de trabalho”), permitindo
resolver o objeto concreto da análise como modelo. Nessa linha de raciocínio, a
estrutura urbana pode ser vista como um conjunto articulado de elementos
constituintes da forma, dispostos em estratos distintos, hierarquicamente
relacionados por escala, características de permanência e mudança, e de
operação.
De maior a menor hierarquia, adaptamos a classificação apontada por
Fernando Diez, por sua vez baseada em conceitos e estudos desenvolvidos
morfologicamente por Aldo Rossi e Carlo Aymonino nas décadas de 60 e 70,
testados matematicamente pela equipe de Leslie Martin e Lionel March no Center
for Land Use and Built Form Studies (hoje Martin Center for Architectural and
Urban Studies) da Universidade de Cambridge, e sistematizados pela equipe de
Philippe Panerai na Association de Recherche de l’Ecole d’Architecture de
Versailles (ADROS-UP3) em sua aplicação sobre diversas cidades e situações
urbanas nas décadas de 70 e 80
15
. Ela se compõe dos seguintes elementos:
1. Sítio
2. Estrutura de Elementos Primários
3. Traçado (o padrão de seqüência e distribuição das vias)
4. Parcelamento em Quadras
5. Parcelamento em lotes, ou Loteio
6. Tipologia edilícia (distribuição de edificações e espaços abertos sobre o loteio).
Quanto maior a generalidade do estrato considerado, maior seu caráter
de permanência e maior o consenso social e o custo econômico necessários para
modificá-lo. Inversamente, quanto menor a generalidade, menor sua permanência,
e maior a capacidade de mudança, ou de operação ao interior do estrato. Como
os estratos são hierarquicamente relacionados, os de menor escala recebem dos
de maior generalidade informações de natureza morfológica (posição, dimensão,
orientação e articulação), e da escala menor à maior flui informação de natureza
revela-se fecundo em muitas disciplinas e permite superar certas pesquisas empíricas que se
prolongariam ao infinito, sobrepondo-lhe hipóteses estruturais diretamente controladas nos pontos
presumivelmente mais débeis”. Idem, p. 38-39.
15
DIEZ, Fernando. Buenos Aires y algunas constantes en las transformaciones urbanas. Buenos
Aires: Editorial de Belgrano, 1996; ROSSI, Aldo. A arquitetura da cidade. (tradução Eduardo
Brandão) São Paulo: Martins Fontes, 1995 (embora ainda prefira a tradução da edição espanhola
La arquitectura de la ciudad. Barcelona: Gustavo Gili, 1976); AYMONINO, Carlo. El significado de
las ciudades. Madrid: H. Blume Ediciones, 1981; MARTÍN, Leslie, MARCH, Lionel, ECHENIQUE,
Marcial. La estructura del espacio urbano. Barcelona: Gustavo Gili, 1975; CASTEX, J., DEPAULE,
J.Ch., PANERAI, Ph. Formes urbaines: de l’îlot à la barre. Paris: Dunod, 1977; e PANERAI,
Philippe [et alli]. Eléments d’analyse urbaine. Bruxelles: Archives d’Architecture Moderne, 1980. Os
conceitos e a bibliografia da análise tipo-morfológica foram introduzidos no Brasil no início da
década de 80, através da disciplina Tipologias Habitacionais e Morfologia Urbana, já referida,
oferecida nos cursos de especialização e mestrado do PROPAR/UFRGS desde então.
18
cultural, necessária à construção dos estratos superiores (padrões tipológicos de
edificação e loteio).
Os Planos atuam sobre o conjunto da estrutura, porém com efeitos
distintos sobre cada elemento, já que cada estrato é relativamente independente,
embora subordinado hierarquicamente por escala, e contém o nível de informação
necessário para a transformação dos demais. Isso coloca o foco no conceito de
Processo como estrutura de relações entre elementos, em transformação no
tempo. Entendemos o processo de urbanização como seqüência de operações
que dizem respeito à infra-estrutura física, ao parcelamento do solo e à edificação
de tipos, conforme conceitos desenvolvidos pelo Laboratori d’Urbanisme de
Barcelona (LUB) da Escola Técnica Superior d’Arquitectura de Barcelona (ETSAB)
nas décadas de 70-80, e utilizados por Manuel de Solà-Morales i Rubió para
descrição das formas de crescimento urbano
16
. O conceito enfatiza a
transcendência progressiva das diversas formas de gestão sobre a relação
morfologia - infraestrutura e equipamento - tipologia, mas define nesse campo
preciso o nível da intervenção arquitetônica e urbanística.
A cidade é o resultado de uma construção coletiva. Assim, o tempo tem
um papel preponderante, e a construção é realizada por fragmentos. No início de
A Arquitetura da Cidade
17
, quando trata da teoria da permanência e dos
monumentos, Aldo Rossi adverte que a forma da cidade sempre é a forma de um
tempo da cidade, e que nela coexistem muitos tempos. Fernando Diez
18
acrescenta que essa convivência não se dá sem tensões e conflitos. Da mesma
forma que Rossi e Diez, entendemos a cidade do presente como o resultado de
uma acumulação ou sedimentação de sucessivos estratos e fragmentos de
diversas épocas, produzidos segundo distintos modelos de cidade, mais ou menos
visíveis, convivendo ou lutando pela hegemonia sobre a própria superfície da
cidade contemporânea. Por analogia, podemos vê-la como resultado da
superposição ou justaposição de sucessivos Planos e Projetos, gerando
fragmentos mais ou menos completos ligados a regras e modelos distintos.
Caberá à análise desvelá-los e identificá-los, trazendo à luz sua lógica de
constituição, como o encaixe das peças de um puzzle que resultará sempre
inacabado.
A construção da cidade por fragmentos, como resultado da aplicação de
normas urbanísticas, é analisada detidamente por Rogério Oliveira, que vê no
projeto a única possibilidade de assegurar a necessária colagem:
A fragmentação da cidade contemporânea ilustra a difícil convivência de paradigmas
antagônicos que competem pela supremacia normativa. As tentativas de impor, a partir
16
SOLÀ-MORALES i Rubió. Manuel de. Las formas del crecimiento urbano. Barcelona: Edicions de
la Universitat Politècnica de Catalunya - UPC, 1997.
17
ROSSI, 1995, op. cit., item 7 do Capítulo I, A teoria da permanência e os monumentos, p. 57: “A
forma da cidade é sempre a forma de um tempo da cidade, e existem muitos tempos na forma da
cidade.”
18
DIEZ, 1996, op. cit. pp. 185-188.
19
de um momento aprazado, a adoção exclusiva de uma dessas possíveis configurações
agravam drasticamente a dissociação do espaço urbano em fragmentos desconexos.
Geralmente codificados sob a forma de um ‘plano diretor’ que, uma vez em vigência,
ignora e torna sem efeito as codificações que o antecederam, os instrumentos
reguladores encapsulados na ordem do texto são incapazes de garantir a necessária
colagem, somente obtida pelo manejo direto dos instrumentos projetuais. (...) A
sucessão de planos diretores estratifica no tempo diferentes diretrizes morfológicas
que, aplicadas freqüentemente a um mesmo quarteirão, apenas justapõem
aleatoriamente objetos arquitetônicos e parcelamento urbano. A integridade figurativa
idealizada pelo Plano exigiria como ponto de partida, para sua materialização, a tabula
rasa”.
19
O argumento reforça a importância dos aterros e dos bolsões vazios ao
interior da malha como locais privilegiados de estudo da aplicação dos modelos
em estado puro, justamente por sua característica intrínseca de tabula rasa.
Dentro do mosaico da cidade contemporânea, a análise vai procurar
identificar as lógicas da superposição ou justaposição de fragmentos. O conceito
de superposição pressupõe entender e contemplar os diferentes estratos como as
seções horizontais da cidade apresentadas pelos arqueólogos. Nesse sentido,
também podemos ver Porto Alegre como a Tróia de Heinrich Schliemann
20
, estrato
arqueológico assentado entre os estratos sucessivos de seis outras cidades. Cada
estrato traz impresso em sua estrutura vestígios, como pistas dos estratos
inferiores, que podem se manifestar na estrutura das edificações, nos padrões de
loteio, na forma das quadras, no traçado, na estrutura de elementos primários ou,
em última análise, no seu sítio.
Já o conceito da justaposição lida com a idéia da Cidade-colagem,
desenvolvida por Colin Rowe como estratégia de inclusão e pluralismo ilustrado,
contraposta à desintegração da arquitetura moderna”. Por Cidade-colagem
entenda-se uma cidade amálgama, cuja presença é composta por arquiteturas e
espaços urbanos dos mais diversos tempos e lugares, e caracterizada por
procedimentos subjetivos e sintéticos. Pero, si la utopía es una idea necesaria, ni
menos ni más importante debería ser esa otra ciudad de la mente que tanto las
vedute fantastiche de Canaletto como los fondos de collage de Poussin
representan y prefiguran a la vez”. Essa linha de raciocínio leva Rowe a concluir
pela necessidade de conciliar na cidade os dois opostos: “Utopía como metáfora y
19
OLIVEIRA, Rogério. Sistemas normativos versus modelos figurativos da cidade: implicações
projetuais. ARQtexto nº 1 (1º semestre/2001), p. 31.
20
Arqueólogo alemão (1822-1890) que, na busca da cidade descrita por Homero descobriu, em
1870, em Hissarlic, Turquia, suposto sítio de Tróia, as ruínas de sete cidades superpostas e, em
uma delas, o tesouro que atribuiu a Príamo. A imagem também é utilizada por Sandra Pesavento:
Tal qual a legendária Tróia, que as escavações arqueológicas revelaram não ser uma, mas sete
cidades superpostas, nossas cidades comportam não apenas ensaios e vestígios materiais de
outras cidades projetadas, mas também os sonhos e as utopias daquilo que um dia se desejou a
cidade se tornasse”. Cf. PESAVENTO, Sandra Jatahy. Entre práticas e representações: a cidade
do possível e a cidade do desejo. In: RIBEIRO, Luiz C. de Queiroz; PECHMAN, Robert (org).
Cidade, povo e nação. Gênese do urbanismo moderno. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1996, p. 378.
20
Collage City como prescripción; estos puntos opuestos que implican las garantías
a la vez de ley y de libertad, deberían constituir seguramente la dialéctica del
futuro
21
.
A idéia de fragmento envolve o conceito de trasferibilidade de espaços e
de edifícios. Dessa forma, entendemos que os modelos ideais também podem
estar prefigurados em espaços urbanos e edifícios exemplares ou paradigmáticos,
capazes de reunir em si as características básicas de reprodutibilidade dos
mesmos, condensando-os. A análise de modelos através de peças arquitetônicas
consideradas exemplares é um procedimento utilizado por Norberg-Schultz em
sua Arquitectura Occidental”, por William Curtis em La Arquitectura Moderna
desde 1900”, por Josep Maria Montaner em Depois do Movimento Moderno”, e
passa a constituir premissa teórico-metodológica básica de Pérez Oyarzun,
Aravena Mori e Quintanilla Chala no recente “Los hechos de la arquitectura
22
.
Assim, em cada plano, procuraremos identificar espaços urbanos ou
edifícios isolados que reúnam o conjunto e a essência dos elementos presentes
nos modelos que os originaram e informaram, a exemplo da análise do Edifício
Esplanada como fragmento urbano de uma Porto Alegre ideal de final dos anos
50
23
, efetuada em monografia para o Curso de Doutoramento em Arquitetura do
PROPAR e posteriormente publicada pela Revista ARQtexto. Tais espaços
urbanos ou edifícios normalmente estão associados aos conceitos de monumento
ou elemento primário da estrutura urbana (mas não se limitam a eles), constituindo
aquilo que Rossi denomina “fatos urbanos” por excelência.
Se a cidade está constituída por partes, cada uma delas encontra-se
caracterizada, e possui sua estrutura própria de elementos primários, como
catalisadores ao redor dos quais se agregam os edifícios
24
. Entendemos que os
monumentos são os pontos fixos da dinâmica urbana, âncoras através das quais
podemos discerni-la e explicá-la. Entretanto, os elementos primários não se
limitam apenas aos monumentos, e assim como Rossi, “(...) considero o ‘plano’
21
Fig 0.1 - Cidades ideais do Renascimento. 1. Cidade ideal por Vitruvio (descrita, mas não
desenhada) - Reconstituição. 2. Filarete: Sforzinda no Tratado d’Architettura, 1457-1464. 3.
Pietro Cataneo: Architettura, 1554.
Fig 0.2 - Cidades ideais do Renascimento. 4. Daniele Barbaro: Dieci Libri dell’Architettura, de M.
Vitruvio, 1567. 5. Buonaiuto Lorini: Delle Fortificazione Libro Cinqui, 1592. 6. Vicenzo Scamozzi:
Idea dell’Architettura Universale, 1615.
Fig 0.3 - Scamozzi: Palma Nuova, 1593. Fig 0.4 - PORTO ALEGRE. Contribuição. Esquema
Teórico de Porto Alegre, 1936-38.
22
um elemento primário, tal como um templo ou uma fortaleza”. Isso vale tanto para
cidades existentes quanto para as planejadas, já que mesmo o primeiro núcleo de
cidade planejada revela-se como um elemento primário: “Quer inicie um processo
urbano, quer o caracterize, (...), a coisa não muda muito. (...); o plano é sempre
um tempo da cidade, do mesmo modo que qualquer outro elemento primário
25
.
Assim, o plano (ou mais precisamente a planta do plano) assume sua
condição de elemento originário ou componente da forma da cidade, e quando
falamos do plano falamos de arquitetura, nivelando-o com os outros elementos
constituintes da forma e tornando-o passível do mesmo tipo de análise disciplinar.
Basta pensar no Plano Cerdà para Barcelona, nos Planos de Le Corbusier para a
Ville Contemporaine e a Ville Radieuse
26
, ou no Plano Piloto de Brasília, para
entendê-los como poderosos elementos primários a orientar a forma, além de
prefigurações bastante completas dos modelos em si mesmo. Os planos também
são signos; para entender seu significado cultural a investigação acaba se
aproximando da hermenêutica
27
, e a exegese dos planos, do conjunto de regras
que permitem determinar tanto seu sentido literal quanto seu valor universal para a
disciplina e a cultura.
Enfim regra e modelo, estrutura e processo, justaposição e
sobreposição de fragmentos, são os conceitos-chave do quadro de referência
teórico assim esboçado, para o estudo de Porto Alegre como cidade ideal, através
de seus Planos e Projetos urbanos.
METODOLOGIA
Sem a pretensão de esgotar o quadro de referência para uma
metodologia de estudo da cidade, entendemos que existem dois grandes sistemas
gerais; aquele que considera a cidade como mero produto dos sistemas funcionais
que estão na gênese de sua arquitetura, e daí do espaço urbano, e aquele que a
considera como uma estrutura espacial com relativa autonomia. No primeiro, a
cidade é explicada através da análise de sistemas políticos, sociais e econômicos,
e conseqüentemente é tratada a partir do ponto de vista destas disciplinas; pela
análise marxista, o espaço físico concreto surge como espacialização, ou às vezes
mero reflexo de relações de produção. No segundo, a cidade é vista como fato
25
ROSSI, 1995, op. cit., p. 140.
26
Essa hipótese foi testada para o Ensanche de Barcelona, de Ildefonso Cerdà, e para a Ville
Contemporaine de Le Corbusier nas monografias apresentadas para o Curso de Doutoramento em
Arquitetura no PROPAR: ABREU, Silvio. Bohigas e a re-arquitetura do Plano Cerdà de Barcelona.
Quarteirões quase fechados, ruas quase corredor. Monografia apresentada para a Disciplina RE-
ARQUITETURAS (orientador José Artur D’Aló Frota). Porto Alegre: PROPAR/UFRGS, 2001, e
ABREU, Silvio. Le Corbusier e a Ville Contemporaine. Análise Tipo-Morfológica. Monografia para a
Disciplina Seminário de Teoria, História e Crítica (orientador Fernando Pérez Oyarzun). Porto
Alegre: PROPAR/UFRGS, 2001.
27
Aqui referimo-nos à hermenêutica como teoria da interpretação dos signos enquanto elementos
simbólicos representativos de uma determinada cultura.
23
concreto da cultura material, e estudada desde o ponto de vista disciplinar da
arquitetura (e também da geografia).
Mesmo reconhecendo que os condicionamentos externos e suas
implicações relacionam a chamada ciência urbana com o conjunto das ciências
humanas, Aldo Rossi reafirma que “em tal quadro creio que essa ciência tem uma
autonomia própria”, para concluir categoricamente: “Podemos estudar a cidade de
muitos pontos de vista, mas ela emerge de modo autônomo quando a
consideramos como dado último, como construção, como arquitetura”.
28
Assim, ao descrevermos a cidade de Porto Alegre e seus diversos
planos, nos ocuparemos preponderantemente de sua forma. Para Rossi, essa
forma é um dado concreto e se resume na arquitetura da cidade, entendida em
dois aspectos distintos: inicialmente, é possível abordar a cidade como uma
grande manufatura ou obra de arquitetura, de maior ou menor escala e
complexidade, transformando-se no tempo. No segundo caso podemos referir-nos
a contornos mais circunscritos e limitados da mesma cidade, a fatos urbanos
caracterizados por uma arquitetura própria e por uma forma própria. Nos dois
casos, é evidente que a arquitetura representa apenas um aspecto de uma
realidade maior e mais complexa, “(...) mas, ao mesmo tempo, sendo o dado
último verificável dessa realidade, constitui o ponto de vista mais concreto com o
qual se pode encarar o problema”.
29
Assim, a descrição da forma vai constituir o conjunto dos dados
empíricos da investigação, e pode ser aproximado a partir de métodos derivados
das ciências da observação. Essa é justamente a função dos estudos de
morfologia urbana: a descrição e análise das formas de determinados fatos ou
elementos urbanos. Os elementos e sua documentação são quase todos
conhecidos, são planos, mapas, desenhos, textos e memoriais justificativos; trata-
se apenas de observá-los atentamente e descreve-los à luz dos instrumentos de
análise escolhidos.
Entendemos que o método de observação deve utilizar aquilo que Hélio
Piñon define como “mirada intensiva
30
: a qualidade da observação vai depender
do tempo despendido, da intensidade empregada, e da capacidade de agregar
novas perguntas à mesma esfinge.
28
ROSSI, 1995, op. cit., p. 4.
29
ROSSI, 1995, op. cit., p. 13. O conceito de manufatura também nos remete à analogia da cidade
com a obra de arte, utilizada por Aldo Rossi na seção I.2 Os fatos urbanos como obra de arte: “(...)
admitimos que na natureza dos fatos urbanos há algo que os torna muito semelhantes, e não só
metaforicamente, à obra de arte; eles são uma construção na matéria e, não obstante a matéria,
de algo diferente; são condicionados mas também condicionantes. (...) Esse caráter artístico dos
fatos urbanos esta muito ligado à sua qualidade, ao seu ‘unicum’, portanto à sua análise e à sua
definição”. ROSSI, 1995, op. cit., p.18.
30
PIÑON, Hélio. Miradas Intensivas. Barcelona: Edicions UPC/ETSAB, 1999.
24
As estruturas não são coisas inertes nem objetos estáveis. Emergem de uma
relação instaurada entre o observador e o objeto: despertam em resposta a uma
pergunta preliminar, e é em função dessa pergunta feita às obras que se estabelecerá
a ordem de preferência dos seus elementos. É ao contato com a minha interrogação
que as estruturas se manifestam e se tornam sensíveis, num texto de há muito fixado
na página do livro. Os diversos tipos de leitura selecionam e extraem estruturas
‘preferenciais’. Bem depressa percebemos que uma mesma obra, conforme a pergunta
que se lhe faça, permitirá a extração de várias estruturas igualmente aceitáveis ou
ainda que esta obra se definirá como uma parte dentro de sistemas mais vastos que,
superando-a, a englobam. Aqui não cabe ao estruturalismo decidir: ao contrário, a
analise estrutural só poderá ser a conseqüência de uma decisão preliminar que fixe a
escala e o interesse da pesquisa.”
31
À observação, agregaremos o método comparativo, entendido como
comparação metódica de sucessões regulares de fatos urbanos, e o método
histórico
32
, sempre alertando que não se trata de uma pesquisa historiográfica,
mas de análise urbana e arquitetônica, na qual a história vai servir para
circunscrever temporalmente e circunstanciar o objeto de estudo, não para defini-
lo. De fato, não podemos considerar a história de uma cidade simplesmente um
estudo histórico, mas o estudo de suas permanências e rupturas, no tempo e no
espaço.
Nesse sentido, a investigação empreendida enquadra-se nos
parâmetros da “tese monográfica” conforme definida por Umberto Eco, em
contraposição à “tese panorâmica”. Mesmo alertando que “entre os dois extremos
da tese panorâmica sobre quatro décadas de literatura e da tese rigidamente
monográfica sobre variantes de um texto curto, existem muitos estados
intermediários, e que o termo “monográfico” pode ter uma acepção mais vasta,
fica claro que, para Eco, uma monografia é a abordagem de um só tema, como tal
se opondo a uma “história de”, a um manual, a uma enciclopédia.
Mas deve-se ter em conta que fazer uma tese rigorosamente monográfica não
significa perder de vista o panorama. (...) Só explicamos e entendemos um autor
quando o inserimos num panorama. Mas uma coisa é usar um panorama como pano
de fundo, e outra elaborar um quadro panorâmico. Uma coisa é pintar o retrato de um
cavalheiro sobre o fundo de um campo cortado por um regato, e outra pintar campos,
vales e regatos. Tem de mudar a técnica, tem de mudar, em termos fotográficos, o
foco”.
33
31
Jean Starobinski, citado por Humberto Eco em: ECO, 1976, op. cit., p. 282.
32
Nesse sentido, o enfoque aqui descrito se aproxima mais daquele defendido por Rossi, no qual a
história auxilia a circunscrever as forças que estão em jogo no processo de desenvolvimento
urbano: “(...) falo com particular convicção da importância do método histórico, mas também insisto
no fato de que não podemos considerar o estudo da cidade simplesmente como estudo histórico”.
Rossi recomenda atenção ao estudo das permanências, e faz uma analogia do estudo da cidade
com o da lingüística, esboçando um programa para o desenvolvimento da ciência urbana:
descrição e análise das cidades e espaços urbanos existentes, relações entre os fatores locais e a
construção dos fatos urbanos, identificação e pesquisa das forças que agem de maneira
permanente e universal em todos os fatos urbanos, e necessidade de delimitação e definição.
ROSSI, 1995, op. cit., pp. 4-5.
33
ECO, Umberto. Como se faz uma tese. São Paulo: Editora Perspectiva (2ª edição), 1985,
capítulo 2. A escolha do Tema (2.1. Tese Monográfica ou Tese Panorâmica, p. 7-11), p. 10. Nossa
25
Podemos enriquecer a analogia que Eco estabelece com a pintura
através de uma outra, com o cinema, agregando o movimento, e a transformação.
O panorama pressupõe movimentos de câmara associados como o traveling, o
plongé e o contra-plongé, sempre retornando ao quadro geral. Em nossa
investigação, tais movimentos são subsidiários, servindo apenas para
circunstanciar e localizar a ação em seu espaço; o retrato requer, no máximo, o
plano americano, e chega até o close-up. Ao invés da grande angular e da lente
50 mm, utilizaremos mais a teleobjetiva, procurando aproximar um objeto que está
longe, na paisagem, ou a macro, aumentando o que está perto, para dissecá-lo. O
fundo vai aparecer em distintas gradações de foco, conforme a lente, mas sempre
como pano de fundo para o personagem, objeto do interesse.
Do método histórico, emprestamos de Rogério Oliveira
34
a definição da
tese histórica como uma argumentação que deve convencer, através de uma
narrativa episódica e documental, quanto à pertinência do objeto de estudo, a
necessidade de sua reapreciação e a novidade documental das fontes”. Dessa
forma, a adequação do método à tese consiste num amálgama entre o ponto de
vista histórico e o crítico, através da mediação de operadores teóricos.
A investigação se fundamenta na convicção da pertinência do objeto
os Planos para Porto Alegre, e na premência de sua revisão crítica, opondo-se à
visão hegemônica sobre eles (“a opinião da maioria”). A relativamente pequena
novidade documental das fontes, no caso, será compensada com a pretendida
originalidade conceitual do olhar sobre elas (o mirar al res” dos castelhanos),
premissa inicial e compromisso teórico do trabalho.
A partir das considerações acima, a metodologia de investigação
apoiou-se em três proposições distintas e correlacionadas por Rossi:
A primeira considera a continuidade temporal do desenvolvimento
urbano, entendendo que ao longo dessa coordenada temporal estamos
analisando fenômenos estritamente comparáveis e homogêneos em sua natureza.
A segunda se refere à continuidade espacial da cidade, aceitando como
fatos de natureza homogênea todos os elementos ao interior de um território
urbanizado, sem defasagens ou rupturas espaciais entre eles.
A terceira admite que, ao interior da estrutura urbana, encontramos
alguns elementos que tem o poder de atrasar ou acelerar o processo de
tese também não é uma tese teórica, segundo Eco aquela que se propõe atacar um problema
abstrato, que pode já ter sido ou não objeto de outras reflexões”, utilizando um daqueles tipos de
abordagem a que Gramsci chamava ‘breves acenos ao universo’. Idem, p. 11.
34
OLIVEIRA, Rogério. Intervenção em banca de qualificação de tese de doutoramento em
Arquitetura no PROPAR/UFRGS, em 17/12/2002.
26
desenvolvimento urbano, e que por sua natureza mesma devem merecer atenção
especial na análise.
Tratando-se de uma investigação na qual a descrição do objeto se dá
diretamente a partir de uma perspectiva interpretativa e crítica, o trabalho será
desenvolvido utilizando-se uma mescla de procedimentos dedutivos e indutivos,
considerada adequada à investigação sistemática do campo de conhecimento
arquitetônico. Os estudos urbanísticos derivados da linha teórico-metodológica da
Evolução Urbana
35
partem de abordagens gerais dos fatores sócio-econômicos,
culturais e ambientais que condicionam o desenvolvimento urbano, para então
chegar à análise específica, num método telescópico de aproximações
sucessivas. Inversamente, a linha aqui definida parte da abordagem de um fato
urbano preciso (um plano, por exemplo) para, a partir deste, estabelecer nexos
com categorias mais genéricas de análise.
Como o tratamento do tema considerou três níveis de aproximação, o
das teorias (a), o dos planos e projetos (b) e o dos resultados construídos (c), o
trabalho concreto de investigação procurou dar conta de suas particularidades
conceituais e operativas. A partir de algumas hipóteses iniciais, foram efetuadas
revisões bibliográficas de natureza genérica (sobre teoria e história da arquitetura,
do urbanismo e da cidade, especialmente enfocadas nas teorias e modelos de
cidades ideais, e nos paradigmas arquitetônicos e urbanísticos), e de natureza
específica (sobre os planos e projetos urbanos para Porto Alegre, e sobre sua
implantação).
A revisão das teorias e modelos de cidades ideais foi em grande parte
efetuada no âmbito de monografia para o Curso de Doutoramento em Arquitetura
do PROPAR sobre cidades ideais do Renascimento
36
, ainda não editada. A
investigação dos paradigmas arquitetônicos e urbanísticos hegemônicos vem
35
No Rio Grande do Sul, esta linha predominou a partir dos trabalhos de Riopardense de Macedo
(diretamente influenciados por Edvaldo Paiva), chegando até Dóris Maria Muller e Célia Ferraz de
Souza. A persistência dessa linha comprova-se no recente Atlas ambiental de Porto Alegre,
coordenado por Rualdo Menegat, no qual o estudo da Evolução urbana: dos arraiais à metrópole
(item II.9), coordenada por Célia Ferraz de Souza, ilustra exemplarmente a aplicação dos conceitos
ao processo de desenvolvimento urbano da capital. MENEGAT, Rualdo (Coord. Geral). ATLAS
Ambiental de Porto Alegre. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Prefeitura Municipal de
Porto Alegre, Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Porto Alegre: Editora da Universidade,
1998.
36
ABREU, Silvio. Cidade Ideal e Cidade no Renascimento. Monografia para a Disciplina: Tratados
do Renascimento Italiano (orientador Cláudio Calovi Pereira, PhD). Porto Alegre:
PROPAR/UFRGS, 2000 (não ed.). A relevância do estudo das cidades ideais e utopias é
destacada por ROSSI na Introdução e na última parte de seu livro, quando trata do problema
político da cidade: “Aqui, o problema político é entendido como um problema de escolha, pela qual
a cidade se realiza através de sua própria idéia de cidade. (...) uma parte importante de nossos
estudos deveria ser dedicada à história da idéia de cidade, em outras palavras, à história das
cidades ideais e à história das utopias urbanas. (...) Há, na realidade, um contínuo processo de
influências, de intercâmbios, tal como se concretizam nas cidades, a as propostas ideais”. Cf.
ROSSI, 1995, op. cit., p.5.
27
sendo desenvolvida de forma sistemática ao interior da disciplina Tipologias
Habitacionais e Morfologia Urbana ao longo dos últimos 20 anos
37
. Da mesma
forma, a análise crítico-comparativa dos planos e projetos urbanos para Porto
Alegre, e o acompanhamento de sua implantação efetiva, com a análise de seus
efeitos sobre a forma resultante da cidade. A revisão dos três foi desenvolvida ao
longo dos cinco últimos anos, em parte na condição de Estudos Dirigidos do
mesmo curso, e serão apresentadas segundo a ordem cronológica. Foram
especificamente investigados os seguintes Planos, considerados como estruturas
teórico-conceituais e técnicas completas:
PLANO GERAL DOS MELHORAMENTOS 1914
PLANO DE URBANIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO LOUREIRO DA
SILVA 1938/1943
PLANO DIRETOR DE PORTO ALEGRE 1959/1961
1º PLANO DIRETOR DE DESENVOLVIMENTO URBANO (1º PDDU)
1979
PLANO DIRETOR DE DESENVOLVIMENTO URBANO AMBIENTAL
(PDDUa) - 1999.
Além desses, também foram considerados alguns planos e projetos que,
apesar de não apresentarem estruturas completas, reúnem interesse por visões
parciais disciplinarmente exemplares, servindo dessa forma à análise e aos
objetivos da investigação. Eles são:
CONTRIBUIÇÃO AO ESTUDO DA URBANIZAÇÃO DE PORTO
ALEGRE 1936-1938
ANTE-PROJETO DE PLANIFICAÇÃO DE PORTO ALEGRE, DE
ACORDO COM OS PRINCÍPIOS PRECONIZADOS PELA CARTA DE
ATENAS 1951.
Para a apresentação das figuras, necessariamente numerosas em um
trabalho dessa natureza, optou-se por distribui-las, de forma agrupada, em
páginas de ilustração ao longo do texto, conforme o encadeamento da
argumentação, e não necessariamente em ordem cronológica.
37
Aqui adotado de acordo com a definição de Thomas Kuhn, conforme explicitada por OLIVEIRA,
2001, op. cit., p. 32: Na definição estrita de Kuhn, paradigma é simplesmente o conjunto de
soluções exemplares compartilhadas em um dado momento pela comunidade de praticantes de
uma arte ou ciência. A ciência normal, fundada na aceitação do paradigma, corresponde aos
momentos em que tais soluções constituem um sistema estabilizado de referências práticas.
Dependendo da situação a que se aplicam, porém, poderão estar em jogo diferentes paradigmas,
correspondendo a distintas consolidações do universo normativo”.
28
Com os planos apresentados dessa forma, em ordem cronológica,
poderíamos imaginar que a tese se orienta na direção de uma ‘história’ dos planos
urbanos de Porto Alegre. Efetivamente, em algum momento do percurso ela assim
se estruturava, o que levou à sua reformulação, como um conjunto de estudos
monográficos, um para cada plano considerado. Essa deconstrução’ trouxe
modificações importantes na estrutura do texto, em busca de maior autonomia das
partes, que são unificadas na Introdução por objetivos, marco teórico referencial e
método em comum, e nas Considerações Finais, que procuram extrair desses
estudos algumas conclusões de natureza geral, reconstruindo-os ao final.
O trabalho de Nygaard sobre a base doutrinária dos Planos Diretores
suscita outro tipo de considerações. Por sua estrutura (os planos são
considerados em ordem cronológica) e objeto (os planos urbanísticos de Porto
Alegre), levanta questões sobre as possibilidades de sobreposição ou redundância
com o objeto da presente tese. Elas não existem, pois o corte epistemológico
utilizado é completamente distinto. A partir da identificação de qua0 i6 0 TD -esm65es2eto (os 23Introdupa3ir.o Tj0 -13c E1oo Tj0 -13c E1oooooD 0 (Tc 0.esc 0 23s5a1bi6nsc 0r(o,eoe1 9B06 0 TD -e4é com .607 073r32de
29
autônomos, onde a ordem cronológica serve mais para circunstanciá-los e
acumular informações na seqüência de um para outro, ilustrando distintas e
sucessivas formas de responder às mesmas questões colocadas pela história e
pelo sítio, e atender a emergência de novas. Com Porto Alegre, muitos pontos de
conexão além do dado fundacional básico de cidades ribeirinhas, surgidas e
estruturadas na e da margem do rio.
O Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Ambiental (PDDUa) apresenta
outra particularidade. Aprovado no final de 1999, com vigência a partir de março
de 2000, o PDDUa oferece pequena perspectiva histórica, alta imprevisibilidade, e
alguma dificuldade em avaliar seus efeitos sobre o espaço urbano neste curto
tempo de aplicação. Em função disso, e da falta de qualquer tipo de teste espacial
continuado de suas premissas, até o momento, o PDDUa não será objeto de um
capítulo específico da tese, como os seis outros planos, e sua análise direta
servirá apenas como referência e horizonte cronológico da análise dos demais
planos, introduzindo as Considerações Finais.
Assim, para cada um dos seis Planos considerados para Porto Alegre, a
análise procurou correlacionar as três estruturas definidas anteriormente, tratando
de distinguir as características prescritivas, relacionadas à natureza "tratadista" e
normativa do plano, de suas características utópicas, ligadas à geração e
reprodução de modelos. Isto feito, elas foram cotejadas com os modelos e
paradigmas arquitetônico-urbanísticos hegemônicos que lhes serviram de
referência, com base na revisão bibliográfica genérica, procurando discernir com a
precisão possível as idéias de cidade, a cidade ideal hegemônica em cada
momento ou, na falta de hegemonia clara, os modelos em luta ou coexistência no
território urbano e no imaginário coletivo. Ainda, o que restou delas como estrato
ou fragmento na forma urbana da Porto Alegre resultante, soma real de todas
elas.
En las raras ocasiones en que ha conseguido tomar forma la enunciación de planes
urbanos, estos resultan de gran interés porque condensan y desencadenan a partir de
un solo discurso, que está compuesto de palabras y de imágenes, ideas acerca no
sólo de lo que deseamos que sea el futuro de los desarrollos a impulsar, sino también
acerca de qué opinamos del presente y del pasado de la ciudad y de su territorio
MOLINA Y VEDIA, 1999, op.cit., p. 16.
1999, 278 p. (il). São considerados o Plan Noel de 1925, o Plan Le Corbusier (com Ferrari Hardoy
e Juan Kurchan) de 1937, o Plan Bonet para Belgrano (La Ciudad frente al Río), de 1948-49, o
Plan Bonet para San Telmo (Plan de Remodelación de la Zona Sudeste de la Capital Federal), de
1957, o Plan Regulador (Dirección del Plan Regulador. Planificación, Estrategias Políticas) de
1958, e o Plan CONADE (Conurbación de Buenos Aires), do ano 2000.
31
1º CAPÍTULO
MELHORAR A CIDADE, CONSERVANDO: O PLANO GERAL DE
MELHORAMENTOS - 1914
INTRODUÇÃO
Melhorar conservando’ tal foi o critério que adoptamos no estudo do projecto
que nos vae occupar. Não é possível pretender actualmente a abertura de
avenidas largas na parte central da cidade, como seria nosso desejo, pois isto
importaria em despesas pouco compatíveis com os recursos actuaes da
Municipalidade (...;) de modo que nos cingimos ao que era praticável,
esperando, porém, que o projecto actual possa satisfazer em muitos pontos às
necessidades crescentes do transito, à belleza e hygiene da Capital. João
Moreira Maciel, Relatório do Projecto de Melhoramentos e orçamentos, 1914, pp.
1-2.
Porto Alegre ingressou no século XX como uma capital provincial com
menos de 75.000 habitantes, que conservava muitas das características da cidade
colonial brasileira, em termos morfológicos, funcionais, figurativos e sócio-
econômicos. O centro urbano se ressentia de más condições sanitárias, viárias, de
infraestrutura e equipamento público, as ligações e acessos eram precários, o
estoque imobiliário inadequado, e o porto acanhado. Entretanto, a cidade já tinha
iniciado sua industrialização desde os anos 1890, expandia-se em direção aos
arraiais e com a formação de bairros operário-industriais a norte. Seu crescimento
entre 1900 e 1910 chegou a quase 6% ao ano (dobrando a população em 15
anos), impulsionado pela imigração, industrialização e desenvolvimento
econômico da região colonial. Era preciso adequar a cidade às novas condições
de produção e consumo da jovem República brasileira, com a transformação de
suas estruturas coloniais e a reforma de sua imagem à semelhança das capitais
modernas.
Desde o início da República, uma elite política de formação positivista,
liderada por Júlio de Castilhos, assumira o controle político do estado, implantando
um regime de cunho científico, baseado na doutrina comteana, no princípio do
continuísmo e no lema republicano de ordem e progresso”. O positivismo
castilhista, agrupado no Partido Republicano Riograndense (PRR) e voltado a um
projeto de modernização conservadora, governou o estado por mais de trinta
anos, e manteve em Porto Alegre o intendente José Montaury, sempre fiel ao
governador, ao partido e ao lema do conservar, melhorando”. Na capital, as
estratégias políticas do PRR visavam sua modernização física, através do
saneamento, equipamento e embelezamento, transformando-a na “sala de visitas
do estado. Na época, isso se traduzia num Plano de Melhoramentos.
Em 1914 o engenheiro-arquiteto João Moreira Maciel foi convocado pelo
intendente José Montaury de Aguiar Leitão para compor a recém criada
Commissão de Melhoramentos e Embellezamento da Capital”, dirigida pelo
engenheiro Jorge de Lossio, e a seguir indicado para organizar a elaboração do
32
Plano Geral de Melhoramentos para Porto Alegre. O Plano Maciel, como ficou
conhecido, foi editado pela Intendência como "RELATÓRIO do Projecto de
Melhoramentos e Orçamentos apresentados ao Intendente Municipal Dr. José
Montaury de Aguiar Leitão pelo Engenheiro - Arquiteto João Moreira Maciel da
Comissão de Melhoramento e Embelezamento da Capital” em 1914, divulgado na
Revista EGATEA da Escola de Engenharia no mesmo ano, e posteriormente
reeditado em 1927.
Invertendo habilmente o lema positivista, para privilegiar os melhoramentos,
Maciel e a Comissão elaboraram um Plano que previa a modernização da cidade,
em sua área mais ocupada à época, ao interior dos limites do Primeiro Distrito. Ela
se daria através da abertura, retificação e alargamento de vias, consolidação e
saneamento da orla, com a canalização do Riacho, pela incorporação dos
quarteirões do novo cais do porto, expandindo o centro nas direções leste e
nordeste, e com melhorias nos acessos e nas ligações perimetrais. Enfim, sanear,
transportar, equipar e embelezar, trazendo à capital os padrões de modernização
urbana da época. O Plano orientou por várias décadas a transformação física da
cidade, mudando a face do centro, legou diretrizes seguidas pelos planos que o
sucederam, e deixou traços de grande permanência.
O primeiro Capítulo da tese trata do Plano Geral dos Melhoramentos sob o
título MELHORAR A CIDADE, CONSERVANDO. Nele se analisa o contexto sócio-
econômico, cultural e urbanístico de Porto Alegre na virada do século XIX,
especialmente a influência do positivismo do PRR na administração da cidade,
com suas estratégias de controle político-social e espacial, modernização e
embelezamento da capital. O Plano é descrito e analisado a partir do próprio
Relatório do Projecto de Melhoramentos e orçamentos, de 1914, procurando isolar
no discurso os seus fundamentos, e verificar as estratégias, métodos e
instrumentos de projeto, confrontando-as com as intervenções propostas por
Maciel na Planta do Plano, único elemento gráfico disponível.
A seguir, se procura situar o Plano à luz dos paradigmas urbanos
dominantes na época. Procurando explicitamente satisfazer às necessidades
crescentes do transito, à beleza e higiene da Capital, seu nome revela a filiação à
corrente de "Reforma e Embelezamento Urbano", hegemônica na virada do
século. É crucial a influência dos trabalhos de Haussmann em Paris, entre 1853 e
1870, ao inspirar uma série de planos similares em praticamente todas as capitais
ocidentais a partir do final do século, inclusive no Rio de Janeiro de Pereira
Passos, com ênfase em saneamento, embelezamento e funcionalidade
urbanística (equipamento, infraestrutura e cirurgias viárias). Além dela, serão
consideradas as influências da cadeia disciplinar formada por Camillo Sitte -
Camille Martin - Saturnino de Brito, na adaptação das idéias de Camilo Sitte ao
urbanismo sanitarista do início do século, e verificadas as referências a outros
paradigmas urbanísticos do período.
Acompanha-se a lenta implantação do plano durante a administração José
Montaury (1897-1924), que melhorou relativamente pouco, conservando muito, e o
33
ritmo imposto pelo novo intendente, Octávio Rocha (utilizaremos a denominação
atual, como Otávio Rocha) na década de 20. Substituindo Montaury no rearranjo
político do PRR que se seguiu à Revolução de 23, Rocha passa à execução das
grandes obras viárias previstas no Plano em ritmo acelerado. Seu vice e sucessor
a partir do final da década, Alberto Bins, procura dar continuidade às obras, num
quadro inteiramente novo de recessão mundial e Revolução de 30, chegando ao
progressivo esgotamento do modelo. Enfim, como principais exemplos da imagem
de cidade ideal contida no Plano, são analisados alguns espaços urbanos de
caráter paradigmático: os quarteirões do aterro junto ao novo Cais do Porto, com
seus edifícios públicos perimetrais, e as grandes avenidas previstas na reforma do
centro, entendidas como seus signos mais visíveis de modernização.
A CAPITAL POSITIVISTA: PORTO ALEGRE 1894-1914
Desde o início da era republicana, e por quase quarenta anos, o Rio
Grande do Sul foi governado por apenas um partido, o Partido Republicano Rio-
Grandense PRR, de cunho essencialmente positivista, comandado inicialmente
por Júlio de Castilhos, autor da primeira constituição republicana, e depois por seu
sucessor, Borges de Medeiros. Júlio de Castilhos montou e estruturou o partido, o
governo e o estado republicano, moldados na doutrina positivista de Auguste
Comte, e governou de 1894 a 1898. Borges de Medeiros governou o estado de
1898 a 1928, com apenas um intervalo na administração do Dr. Carlos Barbosa,
entre 1908 e 1913, e foi sucedido por Getúlio Vargas, eleito por uma composição
de forças mais ampla, encerrando a hegemonia absoluta do PRR na política
gaúcha.
Durante esse período, a capital passava por um conjunto de
transformações que estavam relacionadas com o deslocamento do eixo
econômico do estado, da metade sul (com o complexo agro-pastoril da campanha)
para a metade norte (com a agricultura colonial da imigração), centralizado
comercial, financeira e administrativamente por Porto Alegre. A acumulação de
capitais do comércio de produtos coloniais permitiu um processo de
industrialização a partir dos anos 90, beneficiado pelo aumento do mercado
interno, a imigração e a urbanização.
A capital, que em meados dos anos 90, segundo o próprio governador
Borges de Medeiros, não passava de uma “cidade-aldeia” de 70 mil habitantes, já
vinha se transformando. A taxa geométrica anual de crescimento de Porto Alegre
sofre acentuada elevação no final do século XIX, passando de 2,5% no período
1872-1890, a 3,4% no período 1890-1900. Paul Singer
1
atribui o crescimento ao
aprofundamento da função comercial da cidade e ao início de sua industrialização.
É também um período de equipamento da cidade, já sob a inspiração republicana,
com a criação de alguns serviços, infra-estruturas e edifícios públicos, e diversas
1
SINGER, Paul. Desenvolvimento econômico e evolução urbana. São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 1977, p.180.
34
escolas superiores. Entre 1900 e 1910, Porto Alegre atinge a taxa anual de
crescimento de 5,9%, a maior de sua história até hoje, chegando então a 130.000
habitantes. Esse crescimento deve coincidir com a fase em que a indústria porto-
alegrense ganha hegemonia no estado. É nesse período que iniciam alguns
progressos na urbanização, com a criação ou ampliação de serviços municipais de
infraestrutura: municipalização e melhorias do abastecimento de água em 1904,
introdução do sistema de transporte por bondes elétricos em 1907, e início do
funcionamento de usina para iluminação elétrica pública em 1908.
A hegemonia absoluta do PRR no estado também se refletiu na capital sob
a forma de continuísmo político. Por quarenta anos, Porto Alegre teve apenas três
prefeitos, José Montaury de Aguiar Leitão (1897-1924), Otávio Rocha (1924-1928)
e Alberto Bins (1928-1937), enquanto no mesmo período São Paulo tem 15
prefeitos, Recife 18 prefeitos, Belo Horizonte 21 prefeitos e o Rio de Janeiro 27
prefeitos. A continuidade política permitiu continuidade administrativa e de gestão,
e forte identidade de propósitos e métodos a orientar a ação pública, inclusive
quanto à organização do espaço urbano.
O período foi marcado por intenso crescimento urbano, com a cidade
expandindo-se para fora do velho perímetro das defesas, mostrado na Planta de
1839, de L. P. Dias (Fig. 1.2), que ainda delimitava a área urbanizada na Planta de
Porto Alegre de 1881, de Henrique Breton (Fig. 1.3). O mapa de Porto Alegre de
1888, ao final do Império, elaborado por João Candido Jacques (Fig. 1.4), mostra
a cidade com o centro consolidado e densificado, e o surgimento dos arraiais (do
Menino Deus, de São Miguel e São Manoel, e de Navegantes) ligados ao centro
por caminhos radiais. Menos de dez anos depois, o mapa de 1896 elaborado pela
Intendência Municipal (Fig. 1.5) mostra enorme expansão por loteamentos na
zona norte da cidade, entre o centro e o arraial de Navegantes, com a formação
dos bairros industriais e operários de São João, São Geraldo e Navegantes, e
uma série de loteamentos menores entre o centro e os outros arraiais, ou ao redor
destes, seguindo as direções de crescimento das vias radiais de ligação.
A Planta de Porto Alegre desenhada por Attílio Trebbi, de 1906 (Fig. 1.6),
mostra a consolidação dos loteamentos e arruamentos entre o centro e os arraiais,
iniciando-se a formação dos bairros, centralizados por equipamentos, como os
hipódromos e velódromos, no Menino Deus, São Miguel e São Manoel, e
Navegantes. A expansão atingia locais distantes, como a Glória, Partenon e
Tristeza, e completava-se a enorme área loteada em grelha regular na zona norte.
Na planta de Porto Alegre de 1916, organizada pela municipalidade e
desenhada por Maciel (Fig. 1.7), a área arruada expande-se em leque, em várias
direções. Ao norte, no quarto distrito, mantendo a tendência já observada ao final
do século XIX com a localização industrial e operária nos bairros São João, São
Geraldo e Navegantes; a nordeste, no eixo de crescimento do bairro Moinhos de
Vento, com os novos loteamentos de média e alta renda da Bela Vista e
Auxiliadora ao longo do divisor de águas da Estrada da Pedreira (hoje Rua 24 de
Outubro); a sudeste, entre o arroio Dilúvio e a Rua Santana, e ao longo das
35
Fig 1.1 - Cartão postal com foto colorizada de Porto Alegre em 1908, vista das ilhas do Guaíba.
Fig. 1.4 - Planta de Porto Alegre com seus arraiais em
1888 (elaborada por João Candido Jacques).
Fig. 1.6 - Planta de Porto Alegre em 1906 (elaborada
por Atílio Trebbi).
Fig. 1.7 - Planta de Porto Alegre em 1916 (elaborada por
João Moreira Maciel).
Fig. 1.2 - Planta de Porto Alegre em 1839 (elaborada
por L. P. Dias).
Fig. 1.3 - Planta de Porto Alegre em 1881 (elaborada por
Henrique Breton).
Fig. 1.5 - Planta de Porto Alegre em 1896 (elaborada
pela Intendência Municipal).
36
estradas do Mato Grosso (Partenon), da Cascata (Glória) e da Cavalhada
(Teresópolis); e a sul até o Morro Santa Teresa, com ramificações até a Tristeza.
A seqüência de plantas, de dez em dez anos, mostra a expansão urbana de
Porto Alegre no seu período de maior crescimento populacional e provavelmente
econômico (em termos proporcionais). Ilustram a transformação de uma cidade
compacta, contida em seu centro, na península, nos antigos limites de suas
defesas, em uma cidade que se espalha de forma radial, através de loteamentos
dispersos ao longo de meia dúzia de antigos caminhos, agora vetores de
crescimento impulsionados pelo transporte coletivo “moderno”, pela
industrialização e pelo reforço de sua função comercial, institucional e portuária.
No período 1910-1920 a taxa de crescimento anual de 3,2% cai quase à metade
do decênio anterior, embora continue elevada. É o período em que, de acordo
com Singer, a indústria paulista começa a alcançar o mercado gaúcho, em função
da interligação ferroviária. A guerra também desorganizou a economia da capital,
em função da forte presença de capitais e empreendimento alemão.
No período, verifica-se uma mudança do perfil dos agentes imobiliários. Os
agentes tradicionais do crescimento urbano (viúvas, proprietários imobiliários e
investidores individuais, comerciantes com capital excedente), que atuavam
através de arruamentos localizados, loteamento de chácaras e construção de
vilas, avenidas e pequenos conjuntos em fita nos anos 1860 a 90, foram
substituídos por agentes capitalistas “modernos”. Ao longo dos anos 90, e
especialmente após o curto período de expansão financeira que se segue à
consolidação da República, conhecido como “Encilhamento”, surgem a
Companhia Territorial Porto Alegrense (fundada em 15/09/1892), a Companhia
Territorial Rio Grandense (06/08/1895), a Companhia Rural e Colonizadora (junho
de 1896) e a Companhia Predial e Agrícola (07/01/1897).
No final do século XIX, o mercado de terras de Porto Alegre se concentrava
nas mãos de três grandes companhias loteadoras, que delimitavam zonas
preferenciais de atuação, com a constituição de virtuais reservas de mercado: a
partir do centro da cidade na direção norte pela Territorial Porto Alegrense, para o
leste pela Territorial Rio Grandense e para o sudeste pela Cia. Predial e Agrícola.
A companhia Territorial Porto Alegrense tinha sido responsável pelo grande
loteamento, implantado em 1895 e presente na planta de 1896, nos bairros São
Geraldo e Navegantes. No início do século XX, as duas primeiras foram
incorporadas pela última, juntamente com a Cia. Rural e Colonizadora. Dessa
forma, a Cia. Predial e Agrícola praticamente monopolizou o mercado de terras da
capital e do Estado até a metade da década de 20, atuando na periferia da cidade
em arrabaldes ou bairros emergentes, na zona sul (Glória, Teresópolis, Partenon)
e na zona norte (Navegantes, São João, São Geraldo, Higienópolis e Auxiliadora),
os dois principais vetores de crescimento à época
2
. A introdução dos bondes
2
STROHAECKER, Tânia Marques. Atuação do público e do privado na estruturação do mercado
de terras de Porto Alegre (1890-1950). Scripta Nova. Revista electrónica de geografia y ciências
sociales. Barcelona: Universidad de Barcelona, 1 de agosto de 2005, vol. IX, n.194 (13), pp. 2-6.
37
elétricos a partir de 1908, a implantação de fábricas e os melhoramentos públicos
em infra-estrutura e no sistema viário nos bairros industriais de São João, São
Geraldo e Navegantes impulsionaram a atuação da companhia e valorizaram
indiretamente seu patrimônio.
A emergência do processo de crescimento urbano se traduz inicialmente
em legislação. Em 1892 o primeiro intendente republicano de Porto Alegre, Alfredo
Augusto Azevedo (12/10/1892 a 03/01/1896), organiza sua estrutura
administrativa com a criação da Secretaria da Intendência Municipal, dividida em
sete seções, entre as quais a de Engenharia, e um ano depois institui o 1º Código
de Posturas Municipais (1893). Com 42 artigos
3
, o Código ilustra a preocupação
com o ordenamento do espaço privado (a cidade contava com cerca de 6.000
prédios em 1890, de acordo com o Anuário do Estado) e das suas relações com o
espaço público, com a morfologia urbana, e com o saneamento do espaço público,
melhoria das condições de infra-estrutura, eliminação de becos e cortiços,
melhorias no tráfego, etc.
Em 1896 o vice-intendente, João Luiz de Faria Santos, tomou posse para
completar o mandato de Azevedo, após sua renúncia; em seu curto mandato
(03/01/1896 a 15/10/1896), criou a Diretoria de Obras (antiga seção de
Engenharia), subordinada ao intendente, com as tarefas de controle, projeto e
fiscalização das obras públicas, e também do espaço urbano. Souza chama a
atenção para a extensão das tarefas municipais, que incluíam estradas de ferro
municipais, contrastando com as outras capitais, onde parte delas era de
atribuição dos governos estaduais
4
. Os encargos se explicavam pela doutrina
positivista do PRR, que incluía a municipalização dos serviços urbanos como meio
de governar melhor.
O primeiro intendente eleito foi José Montaury de Aguiar Leitão
(13/12/1860-28/09/1939). Nascido em Niterói (RJ) e diplomado Engenheiro Civil
pela Escola Politécnica do Rio de Janeiro, Montaury era funcionário do Ministério
da Agricultura no Serviço de Colonização, a princípio no Espírito Santo e a seguir
no Rio Grande do Sul, como Inspetor de Terras e Colonização na Comissão de
Terras e Estabelecimento de Imigrantes (nas antigas colônias de Bento
Gonçalves, Garibaldi e Alfredo Chaves, hoje Veranópolis). Por sua fidelidade ao
positivismo e ao partido, foi convidado por Júlio de Castilhos para concorrer a
Strohaecker chama a atenção para o intrincado sistema de relações entre o setor imobiliário e os
demais setores econômicos e políticos do estado, que incluía participações de companhias
privadas nas loteadoras e a participação dos sócios (todos grandes proprietários imobiliários ou
empresários) em companhias privadas, concessionárias de serviços públicos e em cargos
públicos, permeando todos os setores da economia urbana.
3
O Código definia áreas internas obrigatórias (para aeração/ventilação), ocupação de no máximo
2/3 da área do terreno, dimensões mínimas de aberturas; altura das fachadas, não superior a 1.5
vezes a largura da rua, balanço máximo dos beirais de 1m sobre a via, balcões e sacadas com
balanço máximo de 0,5m sobre passeio, a uma altura mínima de 2,30m.
4
SOUZA, Célia Ferraz de. Trajetórias do urbanismo em Porto Alegre, 1900-1945. In: LEME, 1999,
op. cit. , pp. 88-89.
38
intendente de Porto Alegre. Foi eleito em 1896, mas só tomou posse em
15/03/1897 (nesse período, em que teve que viajar ao Rio de Janeiro, Montaury foi
substituído por Febeliano da Costa), sendo sucessivamente reeleito por 26 anos.
A cidade que Montaury encontrava para administrar ainda mantinha os
mesmos problemas sanitários e viários da cidade colonial, mas intensificados pelo
processo de industrialização e crescimento urbano dos anos 90. O quadro urbano
deficiente retratado por visitantes como Ambrose Bierce (correspondente do
Tribune de Nova York em Buenos Aires) em 1892, mantinha-se crítico no início do
século XX, conforme relatos da visita da comitiva do presidente Afonso Pena em
1906, e fartos registros da imprensa local
5
. Todos ressaltavam o estigma do
aspecto colonial” e as péssimas condições sanitárias e viárias da cidade,
especialmente quando comparadas a capitais vizinhas como Montevidéu e
Buenos Aires.
A’quelle tempo, 1898, a cidade limitava-se às ruas centraes, sem calçamento, sem
illuminação, mal servida de água e sem conforto: tudo por fazer. O seu desenvolvimento
rápido, principalmente a partir de 1900 exigiu dos cofres públicos sacrifícios inauditos mal
amparados por escassa renda: foram creados os serviços de polícia e assistência publica;
construída a Hydraulica Municipal; calçadas as ruas principaes; Usina Municipal; e,
finalmente, em 1910 foi atacado o serviço de esgottos e installações sanitárias, ao mesmo
tempo que era melhorado o serviço de transportes urbanos”.
6
A administração de Montaury foi e tem sido criticada por sua morosidade na
implantação de melhoramentos urbanos, continuamente às voltas com falta de
recursos (Fig. 1.9). As mesmas análises, entretanto, ressaltam a quantidade de
encargos da municipalidade, em contraste com outras capitais. Entendemos que
uma coisa está ligada à outra; os recursos e as energias necessárias para a
execução do conjunto dos melhoramentos eram literalmente “drenados” para os
encargos de alguns deles. As prioridades de Montaury eram o saneamento e a
higiene, em função dos preceitos da filosofia positivista. A administração era
conservadora, procurando o equilíbrio entre receitas ordinárias e despesas, e
relutava em lançar mão de operações de empréstimo, sem os quais eram quase
impossíveis os investimentos demandados pelos melhoramentos urbanos.
Dispondo de minguados recursos e avesso ás grandes operações de credito,
José Montaury não poude desenvolver muitos serviços.
7
5
Descritos em SOUZA, 2004, op. cit. , especialmente item 1.1 Porto Alegre e Seus Problemas no
Início da República.
6
ALBUM ILLUSTRADO do Partido Republicano Castilhista. Rio Grande do Sul. (Organizadores e
editores: Octacílio B. Timm e Eugenio Gonzalez). Porto Alegre: Livraria Selbach, 1934, p. XLIII.
7
Idem, ibidem. O Álbum, que ilustra a imagem do próprio PRR sobre a administração, acrescenta:
Fez administração honestíssima, sahindo do Palácio Municipal tão pobre como quando lá
ingressou. A 15 de outubro de 1924 foi substituído pelo dr. Octavio Rocha, não mais exercendo
funcção publica”. Após, foi deputado à Assembléia dos Representantes de 1925 a 1929 e
trabalhou como engenheiro de empresas privadas; morreu pobre em 1939, solteiro e sem
descendência. A probidade e a modéstia eram muito destacadas pelos positivistas (se dizia o
mesmo de Borges de Medeiros). A longa administração de Montaury foi usualmente identificada
como séria, limitada, rotineira e “de um irritante conservadorismo” (de acordo com João Neves da
39
Apesar dos melhoramentos em infra-estrutura, serviços e equipamentos
urbanos implantados no início do século, no abastecimento de água, no transporte
coletivo e no fornecimento de energia elétrica, a cidade necessitava de novos
investimentos para modernizar-se e atender as novas demandas. De acordo com
o ideário positivista e os conceitos sanitaristas hegemônicos na engenharia urbana
da época, a ênfase estava no saneamento e, logo após, nos problemas viários. O
saneamento envolvia o abastecimento de água e o sistema de esgotos, que pelas
prescrições do positivismo castilhista deveriam ser providenciados pela
municipalidade.
No primeiro capítulo de sua tese sobre o Plano de Melhoramentos, Célia
Ferraz de Souza trata das providências da administração de Montaury, dividindo-
as em quatro setores, que analisa e detalha individualmente. O primeiro era o de
infraestrutura, com destaque para o saneamento (vinculado à Diretoria de
Saneamento); o segundo era o de circulação, envolvendo viação, transporte e
pavimentação; o terceiro era o embelezamento, ligado aos parques e jardins, e o
quarto o de novos equipamentos públicos (vinculados à Diretoria de Obras). A
prioridade absoluta era o saneamento, após a compra, em 1904, de todo o
sistema da Hidráulica Guaibense, concentrando nas mãos da municipalidade o
grosso da exploração dos serviços de abastecimento de água.
Após atacar o novo sistema de abastecimento de água, inaugurando uma
nova usina de recalque na Rua Voluntários da Pátria e novos filtros e reservatórios
na Hidráulica dos Moinhos de Vento em 1907, Montaury voltou-se para os
esgotos, inclusive contrariando sua aversão pelo endividamento através de um
empréstimo em 1909 para o saneamento da cidade. A previsão era de conclusão
da rede externa em todo o Distrito em 1911. Para garantir a qualidade técnica
dos projetos e execução dos serviços, foi convidado o engenheiro Jorge de Lossio
(que já tinha avaliado os serviços de água), que depois chefiaria a Comissão de
Melhoramentos. Com pequeno atraso, em 28/09/1912 foi inaugurado o serviço em
sua primeira etapa, já com 75 km de rede externa geral, mas apenas 600
instalações domiciliares. Em 1914, a rede atingia 84 km com 4.360 prédios
ligados, chegando a 9.331 prédios e 10.654 economias atendidas em 1924
8
, ao
final da administração Montaury. A área ao interior do perímetro Ramiro Barcelos
Venâncio Aires João Alfredo encontrava-se então inteiramente coberta pela
rede, de operação municipal.
O segundo foi atacado através de pequenas melhorias localizadas, sem um
plano geral a ampará-las. Tratava-se da abertura de ruas e becos, conserto de
vias públicas, serviços de pavimentação e passeios, assentamento de cordões e
Fontoura). Outras críticas relacionavam-se ao fato de Montaury ser solteiro e manter residência no
Rio de Janeiro.
8
FRANCO, Sérgio da Costa. Porto Alegre: guia histórico. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2006,
pp 152-156 e 277-278. O primeiro grande empréstimo externo da intendência foi de 600.000 libras
com amortização em 35 anos, à Frederick J. Benson & Co de Londres, com o aval do Governador
Borges de Medeiros, designando a renda do imposto predial de Porto Alegre como garantia.
40
eliminação das calhas centrais de drenagem pluvial, ainda presentes em muitas
ruas. Limitado pelos recursos, Montaury não conseguiu substituir o antigo e
inadequado calçamento das ruas do centro por outro mais moderno, mas
desculpava-se em função dos recursos investidos nos serviços das redes de água
e esgotos. Paralelamente aos esgotos cloacais, Montaury iniciou a implantação de
uma rede separada de esgotos pluviais em substituição às calhas, que já
alcançava 30 km em 1918.
Quanto ao transporte e circulação, Montaury foi auxiliado pelo ímpeto da
implantação das novas linhas de bonde elétrico, após a assinatura do contrato
com a Companhia Força e Luz em 1906 para a instalação dos serviços de tração
elétrica nos bondes. O novo sistema de transporte era um dos serviços públicos
mais lucrativos do início do século, e atraia capitais externos. Com uma concessão
de 40 anos, a empresa obrigava-se à implantação de 10 linhas com 37 carros
9
. A
expansão das linhas na década seguinte permitiu que o sistema pulasse de cerca
de 12 milhões de passageiros em 1912 ao dobro em 1922, quando já se
encontrava plenamente consolidado, direcionando a expansão urbana e a
localização de centros de bairros, mas ainda registrando queixas dos usuários
com relação à freqüência e qualidade dos serviços.
No terceiro, a prioridade foi a urbanização e ajardinamento do Campo da
Redenção (antigo campo da Várzea), iniciados pela drenagem e terraplanagem, a
cargo de Benito Elejalde, outro engenheiro que depois iria compor a Comissão de
Melhoramentos, seguidos pela encomenda de um projeto de parque urbano a
João Moreira Maciel.
Os novos equipamentos públicos deveriam atender aos emergentes
padrões de consumo urbano e às práticas sociais associadas à “modernidade”.
Montaury referia-se em Relatórios à construção de um teatro-circo, de um
“quiosque-bar” na Praça XV, e de casas operárias. Para isso, contratou em 1910 o
engenheiro-arquiteto João Moreira Maciel, confiando-lhe os projetos. Em 1911, as
obras de reforma do Mercado Público, com o acréscimo de um pavimento, e do
quiosque-bar da Praça XV estavam adiantadas. Conforme nota Souza, Montaury
tinha consciência da importância dos melhoramentos e do embelezamento da
cidade, mas receava seus custos, evitava aumento de impostos e, no critério do
“conservar, melhorando” considerava uma irresponsabilidade fazer obras sem
dotação de recursos da receita ordinária. Para ele, eram tarefas que necessitavam
um planejamento prévio, a cargo de uma comissão de especialistas. Em 1912,
criou para isso a Comissão de Melhoramentos da cidade.
9
A nova empresa resultou da fusão das empresas Carris de Ferro Porto-Alegrense e Carris
Urbanos, que operavam os serviços de bonde a tração animal desde 1874 e 1893,
respectivamente, com um total de 16 linhas no final do século XIX. As dez linhas do contrato eram:
Menino Deus; Teresópolis; Glória; Partenon; Independência; Cristóvão Colombo; São João;
Navegantes, Demétrio Ribeiro (circular) e Duque de Caxias (circular). Em 10/03/1908, a
Companhia Força e Luz dava início ao tráfego provisório das linhas do Menino Deus, Glória,
Teresópolis e Partenon. No ano seguinte, a rede estava concluída com o tráfego da linha São
João. FRANCO, 2006, op. cit. , pp. 404-405.
41
Durante a administração Montaury foi implantada a política federal de
modernização dos portos, e o porto de Porto Alegre foi contemplado. A reforma
dos portos aconteceu nas principais cidades litorâneas nas duas primeiras
décadas do século 20, como parte da estratégia republicana de modernização da
infraestrutura de transportes e exportação do país
10
. Em cidades como o Rio de
Janeiro, Recife, Salvador Santos e Niterói, a abrangência das reformas estendeu-
se ao embelezamento e remodelação de praças e abertura de novas avenidas, e
quase todas se dão através de aterros sobre mar ou rio, como em Porto Alegre.
Maciel incorporou o porto ao Plano dos Melhoramentos e fez dele um de seus
elementos estratégicos principais, com enormes repercussões para a cidade, em
termos de modificações de sítio (nova margem, consolidada com aterros e cais),
estrutura primária (os novos edifícios públicos foram sendo implantados nas áreas
aterradas, e a cidade ganhou novas avenidas), traçado (uma nova quadrícula de
quarteirões regulares projetadas por Maciel), morfologia e imagem do centro
urbano.
A “Política de Desenvolvimento Global” do governo Borges de Medeiros via
a modernização do porto da capital como peça essencial na estratégia positivista
de reforço da centralidade de Porto Alegre sobre o estado. O primeiro projeto foi
elaborado em 1899 pela Secretaria de Negócios das Obras Públicas, na Direção
de Viação Fluvial. Após intensas discussões envolvendo alternativas de
localização, traçado e competência, o projeto de modernização e ampliação do
porto foi finalmente concluído em 1911, e lançado o Edital de Concorrência para
construção do cais. O vencedor foi o Engenheiro Rodolpho Ahrons, da firma do
mesmo nome, com previsão de conclusão em 1912. O primeiro trecho do cais foi
concluído em 1913, com 146 metros de extensão e 4 metros de calado, em frente
à Praça da Alfândega. Logo após foram concluídos os prédios da Delegacia
Fiscal, dos Correios e Telégrafos, e da Alfândega, projetos do arquiteto alemão
Theo Wiederspahn, da mesma empresa, e encomendados os primeiros seis
armazéns com o pórtico central, a ser fornecidos pela Casa Daydée, de Paris.
A dragagem do canal de acesso foi iniciada em 1914, pela Societé
Française d’Entreprises de Dragages et Travaux Publiques, mas logo interrompida
em 1916 em função da guerra. Em 1914, João Moreira Maciel já previa a
adequação da área portuária e sua integração à cidade, através do prolongamento
e alargamento de vias de acesso, e criação de novas avenidas, incorporando-a ao
Plano Geral dos Melhoramentos de Porto Alegre. As obras tiveram continuidade
em 1917 (com a Pereira & Cia, para a construção de cerca de 600 metros
contíguos ao portão central), com a conclusão do aterro entre as avenidas Sete de
Setembro e Siqueira Campos, até a Praça da Harmonia, e foi iniciada a
construção do cais da Praça da Alfândega em direção ao Mercado. A inauguração
oficial do porto foi em agosto de 1921, por Borges de Medeiros e Montaury, com
trecho de 300 metros de cais, um armazém regular e outro provisório, um edifício
10
Ver em LEME, 1999, op. cit. , p. 23.
42
administrativo e dois guindastes, junto ao portão central. Ainda estavam em
construção os armazéns do grupo central, juntamente com o pórtico.
Certamente a modernização do porto, na escala em que foi conduzida,
relacionou-se diretamente com a modernização da cidade, levando os técnicos e a
municipalidade a pensar conjuntamente o seu entorno. Por volta de 1910, os
novos espaços resultantes do aterro acrescentavam uma faixa longitudinal com
largura equivalente a dois quarteirões (cerca de 180 metros) à área central.
Discutia-se a urbanização da área, e sua ligação com os outros espaços primários
da cidade, as praças XV de Novembro, da Alfândega e da Matriz. Em 1909 os
relatórios da Secretaria de Obras Públicas já se referiam ao projeto de Attílio
Trebbi para uma avenida monumental ligando o pórtico central do novo porto ao
Palácio de Governo, na Praça da Matriz (Fig. 1.8), depois abandonado. O trecho
final, entretanto, orientou a urbanização do acesso principal ao porto, resultando
na Avenida Sepúlveda. Aqui, mais uma vez, ressentia-se a cidade da falta de um
plano geral a orientar os melhoramentos e o embelezamento. Essa era a tarefa
proposta para a nova Comissão de Melhoramentos.
A COMISSÃO E O PLANO DE MELHORAMENTOS
Desde o final do século XIX, a expressão “melhoramentos urbanos”
designava uma ação planejada como toda e qualquer intervenção em obras de
saneamento, abertura de praças, alargamento e extensão de vias
11
, precedendo
o termo urbanismo, que só seria introduzido na segunda década do século XX.
Para alguns autores, a expressão também funciona como uma metáfora,
articulando-se à criação de uma determinada imagem. No caso de Porto Alegre,
concordamos com Célia Ferraz de Souza que os dois conceitos andam juntos,
designando tanto a intervenção quanto a nova imagem que a orienta.
Em Porto Alegre, a iniciativa foi catalisada pelas obras do porto. Em função
delas, o governador solicitou ao intendente a realização de um Plano de
Melhoramentos que permitisse à cidade incorporar positivamente a área do porto,
coordenando os melhoramentos que ali seriam implantados. Com este objetivo, o
intendente Montaury criou uma Comissão de Melhoramentos e Embelezamento
em junho de 1912. A criação de comissões para tratar de problemas específicos,
não só urbanos, seguia o modelo da administração francesa, e mais diretamente
do modelo de Haussmann em Paris. No Brasil, sua origem remonta ao Rio de
Janeiro. A Comissão de Melhoramentos da Cidade do Rio de Janeiro foi criada em
1874 com a incumbência de “(...) organizar um plano geral para o alargamento e
retificação de várias ruas desta capital e para a abertura de novas praças e ruas
com o fim de melhorar suas condições higiênicas e facilitar a circulação entre seus
diversos pontos, dando ao mesmo tempo mais beleza e harmonia às suas
11
LEME, Maria Cristina da Silva. Urbanismo: a formação de um conhecimento e de uma atuação
profissional, in BRESCIANI, MS. As Palavras da Cidade. Porto Alegre: Ed. da UFRGS, 2001, op.
cit., p. 82. Ver também em LEME, 1999, op. cit., pp. ; e SOUZA, 2004, op. cit., p. 89.
43
Fig. 1.8 Avenida de ligação do Porto com a Praça da Matriz. Projeto
Attílio Trebbi, 1909.
Fig. 1.9 Crítica da imprensa a Montaury
pela morosidade nos melhoramentos.
Fig. 1.10 - Abertura da Avenida Borges de Medeiros
com Viaduto Otávio Rocha, 1932.
Fig. 1.11 - Foto aérea da Avenida e Praça Otávio Rocha,
primeira ‘percée’ do Centro. Década de 1930.
Fig. 1.15 Paris: Mapa das intervenções de Haussmann em Paris, 1853-
1868.
Fig. 1.12 - Projeto M. Maciel para
o Parque Farroupilha, 1914.
Fig. 1.13 - Projeto M. Maciel para Parque
e Avenida Marginal como ‘parkway’, 1914.
Fig. 1.14 - A grande croisée’ do
Plano: Av. Borges de Medeiros e 10
de Novembro (Salgado Filho), 1914.
Fig. 1.16 - Paris: Parc de Montsouris,
Jean Alphand.
44
construções
12
. Foi o primeiro plano de conjunto do Rio de Janeiro, e da comissão
fazia parte o engenheiro Pereira Passos, que depois foi prefeito do Rio e encetou
sua reforma urbana entre 1902 e 1906.
Em Porto Alegre caberia à Comissão a definição e execução dos
melhoramentos urbanos ligados à higiene, aos serviços públicos, à adequação
viária, aos equipamentos urbanos e ao embelezamento, contando com
profissionais especializados e atualizados com os novos padrões técnicos
necessários à modernização da cidade. A Commissão de Melhoramentos e
Embellezamento de Porto Alegre, criada sob a chefia do engenheiro Jorge de
Lossio, já responsável pela Comissão de Saneamento, foi organizada em três
setores, Cadastro, a cargo do engenheiro Benito Elejalde, Novo Abastecimento, a
cargo do engenheiro Dario Pederneiras, e Higiene, pelo médico Bernardo Velho.
Foram contratados dois profissionais como auxiliares técnicos, entre os quais o
engenheiro-arquiteto João Moreira Maciel, que passou a atuar como Secretário-
Geral da Comissão.
A abrangência, a representatividade e o respaldo técnico da comissão
podem ser comprovados por sua composição, com profissionais de ponta em suas
áreas, bem conectados com o meio técnico da engenharia e da política, e do
positivismo. Souza analisa detidamente a composição, os trabalhos e
relacionamento da comissão com as instituições da engenharia local à época,
como a Escola de Engenharia e a revista EGATEA
13
. A Comissão de
Melhoramentos dedicou-se inicialmente a três projetos correlacionados: o
levantamento topográfico da cidade (sob responsabilidade de Benito Elejalde), que
serviu para a nova Planta da Cidade publicada em 1916 por Maciel, o projeto de
um novo abastecimento (organizado por Dario Pederneiras), em articulação com o
serviço de esgotos, sob responsabilidade de Jorge de Lossio, e o novo
regulamento das construções em conjunto com a Diretoria de Obras e a de
Higiene da Intendência.
Uma das primeiras conseqüências do trabalho da Comissão foi o Ato nº 96
de 11/06/1913, instituindo o Regulamento Geral sobre Construções, com o
objetivo de corrigir distorções e suprir lacunas: a administração municipal tem o
dever de melhorar a legislação vigente para attender com maior solicitude os
superiores interesses da hygiene e saúde pública”. O Regulamento passava a
exigir prévia licença para construção, reconstrução, ampliação ou reforma, com
multas para os infratores, e fiscalização a cargo da Diretoria de Obras. Estabelecia
12
OLIVEIRA REIS, 1977, pp. 15-17, e VILLAÇA, VILLAÇA, Flávio. Uma contribuição para a história
do planejamento urbano no Brasil. In: DEAK, Csaba e SCHIFFER, Sueli Ramos (org.). O processo
de urbanização no Brasil. São Paulo: Editora da USP, 1999, pp. 169-243 (347 p.: il), p. 194.
13
O nome é um acróstico formado pelas iniciais das unidades que integravam a Escola de
Engenharia de Porto Alegre, Engenharia (a própria Escola), Gymnasial (Instituto Gymnasial Rio-
Grandense, depois Júlio de Castilhos), Astronômico (Instituto Astronômico e Meteorológico),
Técnico e Eletrotécnico (Curso Técnico e Profissional, depois Instituto Parobé), e Agronomia (da
Agronomia e Veterinária). A revista surgiu em 1914, e já em seu primeiro número publicava na
íntegra o Plano de Melhoramentos.
45
normas para construção e regulação do espaço público, definindo projeções de
beirais, balcões e sacadas, relação entre a altura das edificações e a largura das
ruas, disposições sobre pavimentação de passeios, larguras mínimas de vias,
disposições sobre esgoto sanitário e ordenamento da área central. No Centro (1º
Distrito), passava a ser proibida a construção de casas térreas, casas de madeira
e grupos de habitações nas ruas principais (avenidas ou vilas).
Quanto aos embelezamentos, a comissão foi solicitada a projetar um
parque no Campo da Redenção, que ficou a cargo de Maciel. O parque daria
destinação final a uma vasta área de várzea cerca de 60 hectares, que já vinha
merecendo trabalhos de drenagem e aterros, e estava estrategicamente situada
entre equipamentos importantes como as novas Escolas Superiores e o Colégio
Militar. O projeto de Maciel foi depois incorporado ao Plano dos Melhoramentos, e
será descrito juntamente com ele. Paralelamente, para dar início efetivo à
programação e implantação dos melhoramentos de forma global, Montaury solicita
ao chefe da comissão a realização de um Plano de Melhoramentos e
Embelezamento em 1912. Para sua elaboração, Jorge de Lossio designa o
engenheiro-arquiteto João Moreira Maciel.
Nascido em Santana do Livramento (em 16 de maio de 1877, de família de
pequena burguesia urbana), e formado pela Escola Politécnica de São Paulo
como engenheiro-geógrafo em 1895, e posteriormente como engenheiro-arquiteto
na primeira turma da mesma escola em 1899, Maciel já tinha sido contratado em
1910-11 para a organização de projetos e orçamento para a construção de um
teatro-circo, uma vila operária e um quiosque-bar para a Intendência de Porto
Alegre
14
. Ele retorna no ano seguinte para assumir a Direção de Obras da
Intendência Municipal, e passa a compor a Comissão de Melhoramentos
designada pelo prefeito José Montaury.
Ao contrário de algumas análises, que estranham a relativa obscuridade de
Maciel para a realização de tal tarefa, tratava-se de um profissional já
experimentado, que tinha viajado à Europa como prêmio por seu desempenho
acadêmico, onde entrou em contado com arquitetos destacados (entre os quais
Auguste Choisy, que lhe enviou carta elogiando seu projeto para um teatro), com
os quais depois viria a trabalhar. Sua formação de engenheiro-arquiteto na Escola
Politécnica de São Paulo e sua trajetória profissional foram descritas por Sylvia
14
Segundo PESAVENTO, Maciel já trabalhara em São Paulo e no exterior, participando, em
Montevidéu, do projeto de uma vila particular com os arquitetos franceses Giraud e Chiffaut,
autores do Petit Palais, um dos pavilhões principais da exposição internacional de Paris de 1900.
Tratava-se, portanto, de alguém educado à francesa, admirador da obra de Haussmann, e que
fora influenciado em seu trabalho pelo plano do Rio de Janeiro (...). Maciel fora inclusive elogiado
em sua atuação profissional pelo professor Auguste Choisy, da École des Ponts et Chaussées de
Paris”. Cf. PESAVENTO, Sandra. Entre práticas e representações: a cidade do possível e a cidade
do desejo. In: RIBEIRO, Luiz C. de Queiroz; PECHMAN, Robert (org). Cidade, povo e nação.
Gênese do urbanismo moderno. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1996, op. cit., p. 387.
46
Ficher e minuciosamente reconstituídas por Célia Ferraz de Souza
15
. Elas
revelam uma formação acadêmica e profissional de qualidade, vinculada às
correntes então hegemônicas no meio técnico da engenharia urbana e da
arquitetura de matriz politécnica.
Após a conclusão do Plano de Melhoramentos, a Comissão continuou
trabalhando na conclusão da nova Planta da Cidade, finalizada em 1916, já sob
coordenação de Maciel, e na continuação da planta cadastral. Dela ainda se tem
registro nos relatórios da Intendência em 1918-19, coordenada por Maciel. A
trajetória posterior de Maciel é controversa, e ainda não se conhecia a data e local
de seu falecimento. Weimer relata sua participação no júri do concurso para o
Pavilhão Brasileiro da Exposição Internacional de Filadélfia, em 1925, e a atuação
como professor no Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo de 1900 a 1935
16
. Souza
registra sua carreira no Ministério da Agricultura desde 1921, passagens
posteriores por Porto Alegre, e trabalhos de restauro no Museu Nacional em 1946,
baseada no Who is Who in Latin America da segunda metade da década de 40.
Nossa pesquisa direta nos arquivos do Ministério da Agricultura no Rio de Janeiro
e em Brasília
17
permitiu localizar a ficha funcional de Maciel e através dela
determinar sua longa carreira no Ministério (então Ministério da Agricultura,
Indústria e Comércio) desde sua nomeação como Engenheiro em 28/04/1921, até
seu falecimento em 08/12/1944, ainda no exercício do cargo como Diretor da
Divisão de Obras do Ministério. O certo é que Maciel afastou-se da Comissão de
Melhoramentos no início dos anos 20, ao assumir no Ministério.
É importante notar que paralelamente e após a conclusão do Plano (e
mesmo antes, para algumas obras), a Comissão cuidou de sua execução,
detalhada em diversos relatórios à Intendência em 1913 e 1914 onde aparecem
orçamentos e relatos de obras como o prolongamento da Rua São Rafael (com
variantes), o alargamento e prolongamento da Rua General Paranhos (Borges de
15
FICHER, Sylvia. Os Arquitetos da Poli: Ensino e Profissão em São Paulo. São Paulo: Fapesp,
Editora da USP, 2005 (400 p., il); e SOUZA, 2004, op. cit., pp.97-109. A formação e qualificações
de Maciel são reconhecidas inclusive por WEIMER, Günter. Origem e evolução das cidades rio-
grandenses. Porto Alegre: Livraria do Arquiteto, 2004, em 12. O positivismo e os planos de
saneamento, pp. 163-172.
16
Weimer baseia-se em Ricardo Severo (O Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo. São Paulo:
LAO, 1934, p. 272) e Sylvia Ficher (Ensino e Profissão. São Paulo: USP, Departamento de
História, 1989. Tese de Doutorado), e alude à aposentadoria por volta de 1934, a partir de registros
no CREA. Cf. WEIMER, 2004, op. cit., p. 165-166.
17
Devo a pesquisa à obstinação do Engenheiro Militar, Tenente-Coronel da reserva e pesquisador
Ricardo Lázaro da Silva. A ficha funcional revela que Maciel morreu solteiro no Rio de Janeiro
(SC.49968/44 e B.P. 5/45), no exercício do cargo após breve licença, e recém promovido à classe
N da carreira de Engenheiro (31/08/1943). Foi Chefe da Secção de Arquitetura e Engenharia
(1938) e Diretor da Divisão de Obras (1941 e 1942) do Ministério. Na ficha aparece designação
para vistoriar obras de Matadouros Frigoríficos em Santos e Osasco em 1928, mas não constam
trabalhos externos no Rio Grande do Sul (que poderiam ter ocorrido em suas numerosas licenças),
nem sua participação no júri do Concurso de 1925; em 1941, por designação do Presidente
Vargas, integrou a Comissão julgadora dos projetos do monumento ao cientista Euzébio de
Oliveira, sob a presidência do Ministro.
47
Medeiros) até a Praça XV, o prolongamento da Rua do Comércio e os trabalhos
no Campo da Redenção. Célia Ferraz de Souza conclui sobre a Comissão:
(...) a Comissão de Melhoramentos tinha um papel fundamental no processo de
planejamento da cidade. A ela cabia abordar e ponderar sobre todos os aspectos da
cidade. A atuação de seus componentes é ampla, mas articulada, de tal forma que se
envolvem e projetos de saneamento, de construção, elaboram códigos de obras e posturas
e até o plano geral para a cidade”.
18
Por essa razão, ela entende que o Plano Geral dos Melhoramentos deve
ser visto de forma integrada com o conjunto de atribuições e trabalhos da
Comissão de Melhoramentos e Embelezamento, e não isoladamente, como tem
sido o enfoque predominante até agora. Respaldamos integralmente esta
hipótese, que longe de diminuir o papel de Maciel, permite relaciona-lo com maior
abrangência aos demais âmbitos da engenharia sanitária e do urbanismo na
época, resgatando a integração técnico-institucional e política da Comissão.
O Plano Geral dos Melhoramentos compõe-se de Planta de Urbanismo,
Memória e Orçamentos. Para sua descrição e análise, utilizou-se o “Relatório do
Projecto de Melhoramentos e orçamentos, apresentado ao Intendente Municipal
Dr. José Montaury de Aguiar Leitão pelo engenheiro architecto João Moreira
Maciel, da Commissão de Melhoramentos e Embellezamento da Capital” em 1914,
pela reedição de 1927 das Officinas Graphicas d’A Federação
19
. As citações do
texto têm suas páginas indicadas diretamente entre parênteses ao seu final. Para
a descrição gráfica, utilizou-se a planta do Plano Geral dos Melhoramentos
20
de
1914 (Fig. 1.17).
O Plano Geral proposto procura integrar os aspectos técnicos e teórico-
metodológicos do urbanismo da época com o lema dos republicanos rio-
grandenses Conservar, melhorando”, diretamente inspirado no positivismo de
Auguste Comte. Logo de saída, Maciel inverte o lema, introduzindo seu Relatório e
nele indicando sua clara prioridade aos melhoramentos, em detrimento da
conservação: “Melhorar conservando’ tal foi o critério que adoptamos no estudo do
projecto que nos vae occupar” (p.1). Conforme notam Souza e Damasio, nessa
época, o discurso teórico elaborado tinha por base a identidade de três conceitos
relacionados entre si: urbanização (vista fundamentalmente pelo ângulo da
18
SOUZA, 2004, op. cit., pp. 95-96.
19
MACIEL, João Moreira. Projecto de Melhoramentos e Orçamentos. Relatório, Comissão de
Melhoramentos e Embellezamento da Capital, 1914. Porto Alegre: Officinas Gráficas d’A
Federação, 1927. O Plano foi publicado originalmente como: PORTO ALEGRE. Intendência
Municipal. "RELATÓRIO do Projecto de Melhoramento e Orçamentos apresentados ao Intendente
Municipal Dr. José Montaury de Aguiar Leitão pelo Engenheiro Arquiteto João Moreira Maciel da
Comissão de Melhoramento e Embelezamento da Capital”. Porto Alegre: Oficinas Graphicas d'A
Federação, 1914. No mesmo ano, foi publicado na revista EGATEA: MACIEL, João Moreira. Um
Plano Geral de Melhoramentos. Porto Alegre, Revista EGATEA, v. I, n. 1, novembro-dezembro de
1914.
20
PLANO GERAL DOS MELHORAMENTOS (Planta colorida em formato 25x35 cm). Intendência
Municipal de Porto Alegre. Comissão de Melhoramentos e Embelezamento (original no Instituto
Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul).
48
circulação), higienização e embelezamento. Na concepção teórica de um plano
geral, o entrosamento desses três conceitos, formava um todo indissociável.
21
Assim, apesar de ênfase nas obras viárias, revelada nas palavras de ordem
adotadas por Maciel “prolongar, alargar e abrir avenidas”, o Plano considera
conjuntamente os três conceitos, a partir de sua apresentação: “(...) de modo
que nos cingimos ao que era praticável, esperando, porém, que o projecto actual
possa satisfazer em muitos pontos às necessidades crescentes do transito, à
belleza e hygiene da Capital” (p.2).
O Plano Geral dos Melhoramentos apresenta uma proposta de Estrutura
Urbana para a parte da cidade mais ocupada à época, baseada na abertura ou
alargamento de vias, na consolidação urbana do aterro em execução para a
construção do Cais do Porto, no saneamento e abertura do centro histórico e das
margens do Guaíba e do Riacho, e na implantação de parques, jardins e novos
equipamentos. Sua concepção partia de uma acurada análise da evolução
histórica da cidade (que aparece na publicação da revista EGATEA), considerando
planos parciais e projetos anteriores, e estabelecendo algumas premissas
estratégicas. A sua apresentação não se dará na ordem em que aparecem
descritas e justificadas no Relatório, mas em função de uma avaliação que
envolve sua hierarquia conceitual no conjunto do Plano.
A primeira delas era a necessidade de criação de vias de acesso amplas
para desafogar o tráfego no centro da cidade e entre o centro e os bairros, já
considerando as obras em andamento de modernização do porto de Porto Alegre.
Neste sentido, utilizando a ampla área de aterro para os cais da face Norte, define
a Avenida Júlio de Castilhos e o traçado da Avenida do Porto, atual Avenida
Mauá.
Traçamos entre a rua Ramiro Barcellos e a Intendência uma avenida de 30 metros de
largura, sendo recta desde aquella rua até a Vigário José Ignácio, sofrendo um desvio a
partir desta até a Intendencia numa extensão total de mais de 1.400 metros. A esta demos a
denominação de Avenida Julio de Castilhos. Esta é parallela ao cáes, e entre ella e o cáes
traçamos outra avenida separando os armazéns da Alfândega da linha de construcções das
novas quadras. Esta avenida a que demos a denominação de Avenida do Porto, tem a
largura de 20 metros, entre a linha de novas construções e o gradil que circunda os
armazéns da Alfândega. Os armazéns com uma largura de 20 metros, acham-se a distancia
de 20 metros tanto do cáes como do gradil que os circunda”. (p.3)
Essencial para a estrutura viária do Plano, Maciel propõe a abertura da
Avenida Borges de Medeiros, alargando em toda a sua extensão a Rua General
Paranhos e prolongando-a, ao norte, da Rua Andrade Neves até a Praça XV, e ao
sul,
49
Fig. 1.17 - Plano Geral dos Melhoramentos, João Moreira Maciel, 1914. Original Planta impressa colorida formato 25 x 35 cm.
50
cidade com o centro histórico, tendo como ponto de valorização focal o largo do
Mercado Público e sua ligação com o Porto, e mais além com o Guaíba.
De forma vinculada, propõe o alargamento da Rua 2 de Fevereiro (atual
Salgado Filho) entre a Praça do Portão e a projetada Borges de Medeiros,
prolongando-a através do alargamento da Rua Andrade Neves
22
até a Rua
General Câmara (Ladeira) e o coração do Centro. A nova avenida, de orientação
leste-oeste, cruza a 90° o novo eixo norte-sul da Avenida Borges, estabelecendo
uma figura clássica do urbanismo francês, a grande croisée tão cara a Eugène
Hénard (Fig. 1.14), incluída em sua proposta para a remodelação de Paris no
início do século XX. A avenida somente foi implantada na década de 40, por
Loureiro da Silva, mas sem o prolongamento pela Andrade Neves, reduzindo a
croisée a um T, ainda assim fundamental para a estrutura e a imagem
metropolitana do Centro de Porto Alegre até hoje.
Além disso, em termos de complementação do sistema viário central, projeta
uma avenida entre a Praça XV e a Rua São Rafael, ligando-as na altura da Rua
Senhor dos Passos (hoje Avenida Otávio Rocha), e estende a São Rafael até a
Cristóvão Colombo, transformando-a em importante via radial de acesso ao centro
(atual Avenida Alberto Bins). Propõe outro cruzamento importante com o
alargamento da Rua Vigário José Inácio, cruzando a nova avenida e prolongando-
se até o Porto. Entre a Borges e General Câmara, propõe o prolongamento da
Rua do Commercio (Uruguai) até a Rua Duque de Caxias (que nunca chegou a
ser realizado).
Com essas operações, Maciel “abre” o centro da cidade, na zona densa e
intrincada entre o Mercado Público e a Santa Casa, num arco formado pelas ruas
Senhor dos Passos e Duque de Caxias, entre o Porto e a Praça da Matriz, ligadas
através do alargamento da Rua da Misericórdia, em frente à Santa Casa.
A segunda estratégia consiste na consolidação do sistema radial polarizado
pelo centro histórico, ligando-o aos antigos arraiais e aos novos bairros através da
implantação de novas avenidas radiais e de obras de reforço das radiais
existentes, antigas estradas de acesso à cidade, e no início de sua transformação
num sistema rádio-concêntrico, objetivo que vai ser perseguido pelos cinqüenta
anos seguintes.
No primeiro caso, Maciel intuiu a necessidade de melhores acessos ao
centro, maior permeabilidade da malha viária e melhoria de ligações
22
No Relatório, Maciel troca a Rua Andrade Neves pela Rua General Vitorino, e inclui no parágrafo
o alargamento da Rua 24 de Maio, resultando numa descrição incompreensível: “Alargamos a rua
24 de Maio e mais a rua 2 de Fevereiro e General Vitorino, fazendo as ultimas communicar, e
tornando assim a terceira o prolongamento da segunda” (p. 5). A Rua General Vitorino não consta
alargada no mapa. Quanto à Rua 24 de Maio (antigo Beco do Rosário), através de seu
alargamento entre a Praça XV e a Rua Senhor dos Passos, Maciel estabelece uma duplicação da
Avenida Otávio Rocha.
51
intermediárias entre as antigas radiais nos bairros Floresta, Independência, Bom
Fim e Cidade Baixa. A Avenida Cristóvão Colombo já tinha sido ligada à São
Rafael e à nova Avenida Otávio Rocha, transformando-se em radial completa até
a Praça XV, como vimos na primeira estratégia. Assim, no setor nordeste previu
uma nova avenida entre as avenidas Cristóvão Colombo e Voluntários da Pátria,
antecipando a futura Avenida Farrapos: “(...) uma avenida projectada que corta as
ruas Ernesto Alves, (Comendador) Coruja, Pelotas, Ramiro Barcellos, Gaspar
Martins, Commendador Azevedo, Hoffmann, e que no extremo oposto entronca
com o prolongamento da Pontas de Paris. A esta nova avenida demos a
denominação de Avenida dos Farrapos” (p. 6). Quando finalmente implantada por
Loureiro da Silva no final dos anos 30, seu traçado foi modificado, ligando-se à
Voluntários da Pátria na altura da Rua Conceição, mas mantendo sua posição
geral na estrutura proposta.
No setor leste, previu uma avenida entre a Independência e o Caminho do
Meio (Osvaldo Aranha), prolongando a Rua 12 de Outubro até a Rua Vasco da
Gama a leste (alargando esta entre a Rua Ramiro Barcelos e Rua Esperança,
atual Miguel Tostes), e alargando-a a oeste no trecho final, cruzando a Rua
Conceição e ligando-se no quarteirão da Santa Casa com uma futura Avenida
Perimetral, prenunciando as avenidas Vasco da Gama e Irmão José Otão. No
sudeste, uma avenida entre a Rua José do Patrocínio e a margem antiga do
Riacho, ligando-se à Avenida Borges de Medeiros junto à Rua Coronel Genuíno,
prenunciando a futura Avenida Cascatinha (chamada por ele Avenida Piratiny).
No segundo caso, Maciel propõe o traçado de uma avenida de ligação
perimetral, embrião da primeira Avenida Perimetral. Concebida como uma avenida
de contorno do Centro, de rio a rio, seu traçado utilizava partes de ruas existentes
(como a Coronel Vicente na face norte e a Coronel Genuíno na face sul), abrindo
ou alargando outros trechos (como a Avenida 3 de Novembro, futura André da
Rocha). A avenida cruzava o espigão divisor de águas da Avenida Independência
na altura do quarteirão da Santa Casa, com a previsão de uma rótula no
entroncamento com a radial projetada Vasco da Gama.
Alguns autores entendem que, no seu traçado, Moreira Maciel previu o Túnel
da Conceição, quando se refere ao estudo de vias subterrâneas que poriam em
comunicação as faces da colina sobre que assenta a parte mais importante da
Capital”
23
. Não parece ser o caso. No traçado de sua perimetral, Maciel utilizou o
traçado de uma via entre a Rua 3 de Novembro (André da Rocha) e a Coronel
Genuíno, já proposta em 1858 pelo engenheiro Frederico Heydtman como anel
viário de contorno da península, e preferiu seguir o percurso de menor dificuldade
pelos quarteirões atrás da Santa Casa, ligando-a à Rua Coronel Vicente.
23
OLIVEIRA, Clóvis Silveira de. PORTO ALEGRE. A Cidade e sua formação. Porto Alegre: Gráfica
e Editora Norma, 1985, p. 145. Podemos também interpretar a citação como uma alusão a túneis
ou passagens subterrâneas no Centro, sob o divisor de águas da Rua Duque de Caxias,
prenunciando neste caso o Viaduto Otávio Rocha e o túnel da Rua João Manoel, previsto no Plano
Diretor de 1959-61 e nunca executado.
52
Além disso, previu a abertura ou o alargamento de uma série de ruas nesses
bairros mais consolidados à época, aumentando sua permeabilidade e
acessibilidade, e dividindo quarteirões excessivamente longos. Nos bairros
Independência e Floresta, a continuação da Rua João Telles até a Cristóvão
Colombo, ligando-a à Voluntários da Pátria através da Rua Comendador Coruja; a
partir dela, a abertura de ligações entre as ruas Ramiro Barcelos e Santo Antônio
(continuação das ruas Coronel Carvalho, hoje André Puente, e Gonçalo de
Carvalho), e a continuação desta e da Garibaldi até a futura Avenida Farrapos, a
segunda ligando-se com a Avenida Pontas de Paris, também alargada.
No Bom Fim, Maciel prevê a abertura de uma nova via entre a Rua Henrique
Dias e o Caminho do Meio, ligando-se à Rua Francisco Lombroso (por sua vez
prolongada a leste além da Rua Mariante), que denominou Avenida Ipiranga
(nunca realizada). Na Cidade Baixa, a abertura de uma rua entre a Avenida João
Pessoa e a Lima e Silva, alargando a Rua Bento Gonçalves até a Rua Avaí e
prolongando-a até a República, e prolongando e retificando uma série de ruas
entre a Rua João Alfredo (Rua da Margem) e o rio. Todas essas operações são
justificadas por Maciel pela necessidade de “(...) cortar grandes quadras
existentes, encurtar as distâncias a transpor, e facilitar portanto ou tornar mais
rápido o transito, além de desafogar outras artérias existentes” (p. 13).
A terceira estratégia consistia no saneamento e adaptação do antigo centro
colonial, entre o Mercado e a ponta da península, às novas condições urbanas, de
higiene, circulação e incremento comercial. Isso se faria utilizando os novos
quarteirões ganhos com o aterro do cais do porto, e através da proposição do
alargamento de diversas ruas centrais, entre as quais as ruas Paysandú (Caldas
Junior), General João Manoel, Travessa Araújo e General Vasco Alves, nunca
executados em função dos custos, e seu prolongamento até a nova Avenida do
Porto.
Curiosamente, a essas propostas Maciel dedicou considerável espaço no
Relatório, considerando com minúcias (e orçamentos detalhados) as melhores
alternativas para estas ruas: pondera sobre as vantagens do alargamento em um
alinhamento, no outro, ou nos dois, o prolongamento por quarteirões ocupados, a
diminuição de rampas, etc. A discussão da alternativa entre o alargamento das
ruas João Manoel e Paysandú (as duas para 18 metros, já autorizadas pelo
Conselho conforme informa Maciel), e o prolongamento da Travessa Araújo até a
Rua Duque de Caxias ocupa um grande parágrafo na parte inicial
24
e quase duas
24
“(...) depois de prompto o projecto, julgamos mais conveniente, em vez de alargar as ruas
Paysandú e General João Manoel de 18 metros cada uma entre a rua 7 de Setembro e Riachuelo
a primeira, e 7 de Setembro e Duque de Caxias a segunda, reduzir o alargamento da rua
Paysandú a 14 metros em toda a sua extensão, deixando de alargar a rua General João Manoel
(...); e prolongamos a Travessa Araújo entre estas duas ultimas com a largura de 18 metros, e isto
devido à grande economia que se faz, além de outras razões que exporemos” (p. 5). A Travessa
Araújo nunca foi alargada ou prolongada, permanecendo como Travessa Araújo Ribeiro até hoje,
53
páginas nas justificativas, com cálculos minuciosos. A atenção despendida por
Maciel ilustra a importância que aquela área da península, de ocupação antiga e
com sérios problemas de circulação (pelas pendentes) e saneamento, tinha na
cidade à época. A não execução dos melhoramentos previstos, por outro lado,
manteve-a a margem do crescimento urbano verificado no outro extremo do centro
nas décadas seguintes, condenando-a a uma estagnação na qual permanece até
hoje.
Nos terrenos conquistados ao Guaíba, Maciel procurou dispor os novos
quarteirões com o objetivo de permitir, da melhor forma, a continuidade das ruas
existentes até a Avenida do Porto. Para isso, no trecho entre a Praça da Harmonia
e o Mercado Público, projetou uma grelha tão regular quanto foi possível,
orientada pelo traçado da Rua Sete de Setembro, com o prolongamento de todas
as ruas transversais
25
, corrigindo seu traçado para encaixá-las em ângulo reto.
Criou uma nova avenida, paralela à Rua Sete de Setembro, entre esta e a Avenida
do Porto, prolongando a Rua das Flores entre os edifícios dos Correios, Delegacia
Fiscal, Alfândega e Mesa de Rendas, e levando-a até a Avenida Marginal a oeste.
Trata-se da atual Rua Siqueira Campos. Criou pequenas ruas e jardins frontais
entre estes edifícios e o tecido, destacando-os como monumentos. No encontro
dos quarteirões regulares com o traçado da Avenida do Porto, surgem quarteirões
trapezoidais, triangulares e jardins triangulares de acomodação.
A mesma estratégia, de valorizar espaços ou monumentos estabelecendo
ligação visual entre pontos focais, é utilizada na Avenida Sepúlveda, eixo de
ligação entre a Praça da Alfândega e a Avenida do Porto, com foco no Pórtico
Central do novo Cais (Fig. 1.18). Seu traçado mantém parte do projeto da avenida
monumental ligando a Praça da Matriz e o Porto, de Attílio Trebbi, referida
anteriormente, e incorpora sensivelmente os novos edifícios públicos projetados
por Theo Wiederspahn, num jogo de simetria e assimetria que confirma e reforça
seu papel como portal urbano monumental.
No trecho entre o Mercado e o final do cais, a leste, a estratégia de
prolongamento das transversais é similar, exceto no trecho inicial da Júlio de
Castilhos, cujo traçado apresenta pequena deflexão, e no encontro com o traçado
em curva da Rua Voluntários da Pátria, no extremo leste, onde surgem quarteirões
de acomodação. Entretanto, os quarteirões são maiores e a diretriz geométrica é a
nova Avenida Julio de Castilhos. Da mesma forma que no outro trecho, Maciel
prevê parques ajardinados, atrás do Mercado e no prolongamento das ruas Pinto
Bandeira e Senhor dos Passos. Entre o Mercado e a Marechal Floriano, deixa um
quarteirão para localização do futuro Teatro Municipal, também projetado por ele.
entre o porto e a Sete de Setembro, em frente ao Hotel Majestic (hoje Casa de Cultura Mário
Quintana).
25
Foram prolongadas no projeto as ruas Gen. Vasco Alves, Gen. Portinho, Gen. Bento Martins,
Travessa Araújo, General João Manoel, Paysandú (Caldas Junior), General Câmara, Rua do
Commercio (Uruguai). Curiosamente, não previu a avenida frontal à escadaria da Igreja das Dores.
54
Maciel previa que as avenidas do Porto e Júlio de Castilhos passariam a
concentrar quase todo o movimento comercial da cidade, deslocando a polaridade
para nordeste, em direção às áreas industriais e de comércio atacadista. O novo
trecho a oeste já estaria comprometido por instalações administrativas e militares,
e por grandes equipamentos, entre os armazéns do porto e a Sete de Setembro,
com ocupação apenas no lado sul à época. Isso nunca ocorreu, instalando-se na
nova Avenida Júlio de Castilhos comércio basicamente atacadista.
Ao invés disso, a primeira estratégia, com a “abertura” de um vasto trecho
da área central, permitiu deslocar o centro de gravidade comercial em direção ao
leste, com a oferta de novas localizações tanto para o comércio de prestígio
quanto para os novos ramos de comércio e serviços que surgiam na esteira dos
novos padrões de consumo urbano. Isso permitiu à cidade superar as barreiras
naturais e funcionais de crescimento em direção ao oeste, já que nesta direção se
encontrava prensada entre o rio, o espigão e as extensas instalações militares da
ponta da península.
A quarta estratégia (que foi apresentada em primeiro no Relatório) envolvia o
saneamento e equipamento da orla, desde o final do porto até a zona sul. Em
função das péssimas condições sanitárias da enseada da Praia de Belas,
especialmente na foz do Riacho, e da Ponta da Cadeia, propõe, neste local, um
cais de saneamento e, na enseada de sul a oeste, uma avenida marginal de
contorno, que chamou Avenida Marginal (Fig. 1.13). Ela daria continuidade à
Avenida do Porto, desde o ponto final da Rua Bento Martins até a Tristeza: “para
desta fórma contornar a cidade, praticando uma larga e nova avenida entre a parte
limítrophe actual e o rio, o que representa facilidade para o transito, belleza para a
cidade, hygienizando ao mesmo tempo as margens actuaes do Guahyba” (p. 8). O
cais de saneamento cria um espaço público monumental com caráter de porta da
cidade, relacionando simbolicamente a ponta do centro histórico com a paisagem
do Guaíba e o poente.
A proposta de uma avenida parque (parkway), para saneamento e
modelagem da ponta da península e de sua margem sul introduz no modelo
espacial de influência francesa um elemento morfológico de caráter pitoresco. O
traçado sinuoso, acompanhando o desenho original da margem através de uma
ampla avenida de contorno com largura mínima de 60 metros, em duas vias
separadas por uma larga faixa verde formando um canteiro central ajardinado de
20 metros, agrega à função de saneamento aquelas de equipamento e
embelezamento. A Avenida Marginal tem também o objetivo de permitir um
percurso contemplativo e de desfrute visual do Guaíba: O ajardinamento da
Avenida Marginal tem como unico fim a belleza e a hygiene da cidade, e institue
por esta fórma um agradavel passeio” (p. 9).
A permeabilidade entre a cidade existente e a nova margem é assegurada
pelo prolongamento do traçado de quase todas as ruas transversais até a Avenida
Marginal, e pela criação de um parque urbano junto à antiga foz do Riacho, nas
imediações da antiga Rua Major Pantaleão Telles, incorporando antigas
55
edificações como a Estação do Riacho e a Ponte de Pedra
26
. Da mesma forma, a
sugestão de canalizar em linha reta o leito do Riacho, desembocando no Guaíba
em local ajardinado, integra-se ao objetivo de melhorar as condições das áreas
adjacentes, incorporando-as ao novo parcelamento proposto para a área da Praia
de Belas.
Para melhorar o estado hygienico das adjacências do actual leito do Riacho, julgamos
conveniente canalisal-o em linha recta, seguindo o alinhamento actual do mesmo leito logo
ao sahir da ponte que se acha na rua 13 de Maio, em frente à Praça Garibaldi. O leito actual
abandonado pela nova canalisação será aterrado e incorporado às novas quadras figuradas
no projecto; parte da sua embocadura no Guahyba será aproveitada para ajardinamento” (p.
3).
João Moreira Maciel incluiu no Plano o Campo da Redenção, objeto de
estudo seu no ano anterior. Ele aparece como um parque urbano cujo desenho
contrapunha uma estrutura viária monumental “à francesa”, com prolongamento
de ruas existentes, um rond point” centralizando a composição, e jardins
intersticiais de caráter pitoresco (Fig. 1.12). Maciel prolongava as ruas Luiz
Affonso e da República, numa direção, e a Rua de Sant’ Ana (Santana) no outro, e
lançava uma rua em diagonal a partir da esquina da Escola de Medicina. Maciel o
considerava como um anteprojeto, procurando apenas estabelecer o
estrictamente indispensável para modificar o actual Campo da Redempção,
tornando-o um passeio aprazível no centro da cidade, sem cogitar de grandes
obras de arte que iram encarecer o orçamento, difficultando assim qualquer
empreendimento nesse sentido” (p. 8). O “retalhamento” do parque urbano em
quarteirões pelo prolongamento de vias de circulação encontra precedente no
Central Park de Nova York, porém numa escala totalmente diversa, e matizada
pela separação de níveis. Da forma proposta por Maciel, resultaria numa
fragmentação do parque, transformado num conjunto de oito praças de distintos
tamanhos e configurações, cada qual com seu desenho interno.
A estratégia de Maciel no desenho do parque é similar àquela de Alphand
em algumas praças e squares parisienses 50 anos antes, mas não nos parques
principais, onde tanto a estrutura quanto o desenho eram sempre mais
românticos, como “jardim à inglesa”. Entretanto, as áreas intersticiais do projeto de
Maciel são notavelmente similares aos elementos paisagísticos do repertório de
Alphand, sobretudo em parques urbanos como Buttes-Chaumont e Montsouris
(Fig. 1.16). Ferraz de Souza também compara o desenho de Maciel para o parque
ao desenho de Joseph Antoine Bouvard para o vale do Anhangabaú (Fig. 1.20),
praticamente da mesma época, notando grande similaridade. Não por acaso,
Bouvard era discípulo de Alphand, e assina seu Relatório de 1911 à
municipalidade de São Paulo como director honorário dos serviços de
architectura e dos passeios, da viação e plano de Pariz
27
. Maciel, por sua vez,
26
Entre a avenida em questão e a cidade actual estabelecemos jardins e parques ajardinados,
sem impedir o prolongamento de todas as ruas actuaes que communicarão com a avenida;” (p. 2).
27
TOLEDO, Benedito Lima de. São Paulo: três cidades em um século. São Paulo: Livraria Duas
Cidades, 1983, pp. 99-100. O Relatório de Bouvard está apresentado na íntegra nas pp. 102-103.
56
esteve em Buenos Aires (1907-09), onde Bouvard tinha atuado no desenho de
avenidas e parques, e em São Paulo em 1911; certamente conhecia o professor
Victor da Silva Freire, da Escola Politécnica de São Paulo, Secretário de Obras do
Município e principal avalista da vinda de Bouvard na administração do Barão de
Duprat (1911-1914). As mesmas referências podem ser observadas no melhor
projeto de Bouvard em São Paulo, o Parque da Várzea do Carmo, hoje Parque
Dom Pedro II, na várzea do rio Tamanduateí, executado parcialmente até 1925.
A IMPLANTAÇÃO DO PLANO
Na Parte 2 - As Permanências
28
de sua tese sobre o Plano Geral de
Melhoramentos, Ferraz de Souza descreve como se deu a implantação do Plano,
dividindo-a em três fases. A primeira fase iniciaria em 1914 com a concepção do
Plano de Melhoramentos, durante a administração do intendente José Montaury,
estendendo-se até 1937, com o golpe do Estado Novo e a conclusão de uma
etapa política marcada pelo continuísmo das administrações do PRR. Mesmo
identificado como uma fase, entendemos que o período comportou distinções
importantes nas administrações, primeiro ao interior do próprio PRR
(principalmente entre os períodos Montaury e Otávio Rocha, clivados pela
Revolução de 23), e depois entre o PRR e seu sucessor na política gaúcha, o
Partido Republicano Liberal (PRL) de Flores da Cunha a partir dos anos 30.
Após a divulgação do Plano, José Montaury esteve à testa da Intendência
até 15/10/1924, Otávio Rocha de 15/10/1924 a 27/02/1928, e Alberto Bins de
27/02/1928 a 22/10/1937. Otávio Rocha e Alberto Bins foram responsáveis pelas
primeiras implantações das proposições de Maciel. Durante o período, foram
abertas as primeiras avenidas de acordo com as diretrizes do plano, todas no
centro: as novas avenidas Júlio de Castilhos e do Porto (hoje Mauá, as duas sobre
o aterro do novo cais do porto), a Avenida Otávio Rocha, primeira percée”, ou
cirurgia urbana de corte haussmaniano da cidade (Fig. 1.11), foram iniciadas as
obras da Avenida Borges de Medeiros e do Viaduto Otávio Rocha (Fig. 1.10), e
concluiu-se a urbanização da área portuária central
29
.
Com relação à implantação do Plano, entretanto, a primeira administração
envolveu-se na preparação de uma base de infraestrutura para a cidade, e os
melhoramentos, como o próprio Montaury lamentava, tiveram que ficar para mais
tarde. A falta crônica de recursos e o apego à filosofia positivista do conservar
melhorando”, que prevaleceu sobre o melhorar conservando” de Maciel,
atrasaram o início da implantação das primeiras obras. Ainda assim, a persistência
na estratégia, igualmente positivista, de progressiva municipalização dos serviços
públicos, sem dispor dos capitais necessários, e o atendimento às suas demandas
constantes de operação e expansão (inclusive em termos de pessoal), sem receita
28
SOUZA, Célia Ferraz de. O Plano Geral de Melhoramentos de Porto Alegre: da Concepção às
Permanências. Tese (Doutorado) FAUUSP. São Paulo: FAUUSP, 2004, pp. 172-181.
29
SOUZA, 2004, op. cit., p. 172 e seguintes.
57
Fig. 1.18 Avenida Sepúlveda,
ligando a Praça da Alfândega ao
Pórtico Central do Cais do Porto, com
os edifícios da Delegacia Fiscal e
Correios e Telégrafos (hoje MARGS e
Memorial do RS), Teodor
Wiederspahn.
Fig. 1.19 Montevidéo. Concurso de las Avenidas de 1911, 1º
Prêmio, Arq. Augusto Guidini.
Fig. 1.22 Rio de Janeiro. Abertura da Avenida Central, 1906.
Fig. 1.20 São Paulo. Boulevard e Parque do Anhangabaú, Joseph
Bouvard, 1911.
Fig. 2.21 Manhattan, 1916 Zoning
Resolution: Alturas, referidas à
largura das vias.
58
correspondente, acabaram levando Montaury a buscar novos recursos externos.
Inviabilizado na Europa em função da guerra, o segundo empréstimo externo, no
valor de 3 milhões e 500 mil dólares e amortização em 40 anos, foi feito com o
banco norte-americano Lodenburg, Tholmann & Co em 1922
30
, com novo aval do
governo do Estado e garantia da receita de arrecadação dos serviços municipais,
os mesmos que se procurava melhorar.
Montaury, calçou grande área de ruas com pedra-irregular, aperfeiçoou o sistema de
esgoto, reconstruiu as pontes da Azenha e Santana, que tinham sido arrastadas pela
grande enchente de 1897; criou a seção de fiscalização dos gêneros alimentícios,
estabeleceu exatamente os limites do município, regulamentou as construções e reformou
diversas praças. Durante a sua administração o governo do estado construiu o cais de
docas que veio dar um impulso formidável à cidade
31
.
As obras do porto, embora de responsabilidade do Governo do Estado,
foram significativas e representaram os primeiros passos da modernização de
Porto Alegre. Forneceram grande superfície de terrenos, ganhos ao rio por aterro,
para as primeiras realizações do Plano, as novas avenidas e a malha quase
regular de quarteirões para abrigar a expansão do comércio e serviços e os
equipamentos públicos que a cidade necessitava.
O engenheiro Otávio Rocha (23/09/1877-27/02/1928), sucessor de
Montaury, permaneceu apenas quatro anos no poder, falecendo no final de seu
mandato. Em comparação com os quase trinta anos da administração Montaury,
sua gestão de quatro anos foi marcada por grandes intervenções urbanas, que
dariam início a mudanças efetivas na estrutura e na morfologia da cidade. Nascido
em Pelotas, Otávio Rocha era Bacharel em matemática e ciências físicas,
diplomou-se engenheiro militar em 1902, e foi um dos principais quadros políticos
e técnicos do PRR nas primeiras décadas do século XX. Foi redator do jornal do
partido A Federação” de 1904 a 1911 e seu diretor em 1911-12, Deputado
Estadual de 1908 a 1912, Deputado Federal de 1912 a 1913 e de 1918 a 1924
32
,
Secretário da Fazenda do Estado em 1913-14, líder da bancada republicana rio-
grandense e da Reacção Republicana, e finalmente Intendente de Porto Alegre no
quatriênio 1924-1928, em substituição a José Montaury.
30
BAKOS, Margaret Marchiori. Municipalização e Endividamento. Características da Administração
Pública Municipal de Porto Alegre, de 1897 a 1937. In: WEIMER, Günter (org.), Urbanismo no Rio
Grande do Sul. Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS, Prefeitura Municipal de Porto
Alegre, 1992, pp. 75-91. Ela alerta, apoiando-se em W. Fritsch, que dessa forma a intendência
ingressa num “círculo vicioso” de tentar corrigir o desequilíbrio orçamentário e cambial através de
novos empréstimos, sem incremento correspondente de arrecadação. Entretanto, isso permitiu à
cidade, ao final da administração Montaury, contar com cerca de 100 km de rede de abastecimento
de água tratada e de esgotos cloacais, credenciando-se como a capital melhor servida do país.
31
UBATUBA DE FARIA e PAIVA, 1938, op. cit., p. 16.
32
Na Câmara Federal, Rocha foi membro das comissões de Marinha e Guerra, Finanças e Tarifas,
relator dos orçamentos da Guerra e Viação, e presidente da Comissão de Tarifas, especializando-
se em questões financeiras, orçamentárias e tarifárias da administração pública. Quando assumiu
a intendência era Diretor da Viação Férrea do Rio Grande do Sul e membro da Comissão
Executiva do PRR, tornando-se seu presidente a partir de 1924. Morreu em 27/02/1928, com 51
anos, de complicações gástricas.
59
Engenheiro e político experiente, com profundo conhecimento de
administração e finanças públicas, dispondo de forte respaldo na máquina
positivista e ousadia para inovar nos métodos e nos objetivos, Rocha era peça
fundamental na estratégia do PRR para recompor sua base de apoio na capital,
com vistas à manutenção do poder no Estado. O novo intendente entendia a
importância dos melhoramentos urbanos como plataforma política, e tratou de
diferenciar-se da imagem de prudência conservadora associada à administração
Montaury. Para Rocha, a chave para tal estava no Plano Maciel, que não por
acaso invertia o tradicional lema positivista, propondo-se como objetivo “melhorar,
conservando”, e decidiu lançar-se aos melhoramentos para remodelar a cidade.
Para iniciar a implantação das obras previstas no Plano, entretanto, Rocha
necessitava atender a algumas pré-condições. Montaury sempre esteve premido
por limitações orçamentárias, incapacitando-o de cobrir as despesas de
infraestrutura e equipamento urbano, que vinham sendo crescentemente
assumidas pela prefeitura, dentro dos princípios positivistas. As novas diretrizes
previam ampliação dos serviços públicos, com os custos correspondentes. Em
função disso, Rocha centrou o início de sua administração nas reformas
administrativa e tributária, para facilitar a arrecadação dos impostos, incrementar o
orçamento público, modernizar e qualificar o corpo técnico da Intendência para as
novas tarefas.
Em 1925 foram criados novos impostos e taxas (como o imposto adicional
fixo de 20% sobre todos os impostos e taxas da receita ordinária), e feita a
remodelação dos serviços públicos e da administração conforme novo
organograma, fixando as secretarias do Aparelho Administrativo e do Aparelho
Industrial, racionalizando suas Diretorias (especialmente as dos serviços
industriais), e criando a Diretoria Comercial dos Serviços Industriais para reforçar
a arrecadação. Segundo Bakos, tais iniciativas, visando permitir o início da
reforma urbana, colocam-se como essenciais na estratégia de reforço ao poder
republicano na capital, seriamente abalado no início dos anos 20
33
.
A Revolução de 1923-24 teve o objetivo de tirar o PRR do poder,
especialmente o governador e presidente do partido Borges de Medeiros, mas
também o “eterno intendente” da capital José Montaury. O governo era criticado e
sistematicamente acusado de fraudes nas sucessivas eleições desde o início da
República, com o controle do Estado pela máquina política castilhista, cuja
constituição virtualmente garantia o continuísmo político. A crise explodiu nas
eleições de 1923, levando ao levante dos federalistas contra o governo. A paz de
Pedras Altas, que pôs fim à Revolução, proibiu as reeleições através da Carta de
24, numa vitória da oposição. Em Porto Alegre, Montaury foi forçado a deixar a
33
BAKOS, 1992, op. cit., pp. 83-84, e BAKOS, 1996, op. cit., p. 101. O novo organograma está
apresentado no quadro “Organização da Administração Pública Municipal de Porto Alegre em
1925”, à p. 83 do primeiro.
60
intendência, e o PRR precisava renovar suas idéias, propostas e ações para
angariar a simpatia da população.
A estratégia do PRR na capital se apoiava em três pontos básicos para
garantir seus objetivos: a renovação acelerada da estrutura urbana para adaptá-la
às novas demandas de uma cidade que crescia e se modernizava, a produção de
uma paisagem urbana esteticamente compatível com esta modernidade,
especialmente no centro, e a manutenção da ordem urbana através de um
rigoroso controle social
34
. O primeiro ponto requeria ações em saneamento,
equipamento e circulação; o segundo ações de embelezamento e incentivo a
novos tipos de edificação, e o terceiro o reforço à aliança entre o PRR e a
burguesia comercial e industrial, com a escolha de Alberto Bins para vice de
Rocha. Os dois primeiros tinham suas diretrizes no Plano Geral de
Melhoramentos, fortalecido por Rocha em seu plano de obras ao escolher para
início da reforma urbana a construção de três avenidas principais.
A questão da circulação era crucial para a adequação do sistema viário do
centro às novas exigências de acessibilidade, mobilidade, conforto e acomodação
das novas atividades e práticas urbanas, e envolvia a abertura de avenidas,
desobstrução de becos, e a eliminação de obstáculos à livre circulação. O
embelezamento envolvia a previsão de áreas verdes, arborização urbana e
jardins, mas também a introdução de novos tipos de edifícios e o incentivo a uma
nova imagem urbana, ancorada na morfologia das novas avenidas. A questão
estética tinha importância porque trabalhava com elementos que remetiam
diretamente às imagens das capitais de reconhecida modernidade urbana”, e a
“sala de visitas” do estado deveria ser bela, além de própria.
Com relação ao controle social para manutenção da ordem, concordamos
com Souza e Bakos quando vem embutido nesse ponto o compromisso inicial
entre o PRR e a burguesia comercial e industrial, que visava o desenvolvimento
econômico de Porto Alegre, e necessitava da manutenção da ordem e da
estrutura social para garantir seu crescimento e a continuidade da acumulação de
capital. “Sob este enfoque, torna-se fácil entender o papel de Alberto Bins, vice de
Otávio Rocha e seu sucessor, neste cenário
35
. Souza nota que se a escolha de
Montaury e Rocha para intendentes se justificava por sua formação (os dois eram
engenheiros), apoiada nas idéias sansimonianas de atribuir o poder espiritual
(político-ideológico) aos detentores do saber técnico, a escolha do empresário e
industrial Alberto Bins para vice se justificava porque o industrial era visto por
Saint-Simon como detentor do poder temporal.
O prefeito criou uma Comissão Especial de Obras Novas, formada pelos
engenheiros Adolpho Stern, Duílio Bernardi, e Acelyno de Carvalho, para
acompanhar a implantação de seu programa de obras. A nova Comissão ainda
34
SOUZA, 2005, op. cit., especialmente a PARTE 2 As Permanências, em seu item 1.1 AS
FASES DE IMPLANTAÇÃO E AS OBRAS, pp. 172-177.
35
DAMÁSIO, 1996, op. cit., p. 90; e SOUZA, 2004, op. cit., p. 174.
61
enfrentava os mesmos problemas que a antiga Commissão formada por Montaury
à época da elaboração do Plano de Melhoramentos. Por experiência e formação,
Rocha valorizava a atuação do engenheiro administrador e a necessidade de
pautar-se por planos: Perfeitamente orientado sobre assuntos de urbanismo, o
meu ilustre antecessor fez organizar em 1914, por uma Comissão de
Melhoramentos e Embelezamento, um plano geral (...) Do referido plano
escolhemos para início a construção das três artérias principais, Júlio de
Castilhos, São Rafael e Borges de Medeiros
36
. Aqui Souza reforça sua (e
também nossa) hipótese de que o Plano era produto do trabalho integrado de uma
comissão de especialistas, embora de responsabilidade técnica do engenheiro-
arquiteto Moreira Maciel.
A legislação urbanística precisava acompanhar e adaptar-se às novas
diretrizes de modernização, e Rocha determinou que as construções do centro
obedecessem às orientações do Plano de Melhoramentos: o Decreto nº 53, de
10/05/1926, altera através de sete artigos o antigo Regulamento Geral sobre
Construções, e estabelece ordenamentos gerais para edificações e espaços
públicos nas novas vias abertas no centro da cidade. Além de dispositivos
mínimos para aeração dos compartimentos, define a altura das construções em
relação à largura das ruas: seu Art. 3º estabelecia que “nos edifícios com fachadas
no alinhamento da rua, a altura entre o plano do passeio e o teto do último
pavimento não poderá ser superior a duas vezes a largura da rua”, para toda a
área central. Para os edifícios construídos “à avenida do Porto, rua dos Andradas
e naquelas que forem alargadas ou abertas no centro da cidade”, obriga o mínimo
de três pavimentos na área central (Art. 4º).
Com o Decreto, Porto Alegre passa a dispor em 1926 da mesma legislação
urbanística para regular a altura das construções que Manhattan, com a New York
Zoning Ordinance de 1916 (Fig. 1.21). A diferença estava apenas na largura das
ruas e avenidas, bem superior em Nova York aos gabaritos porto-alegrenses, com
exceção das novas avenidas abertas a partir do Plano, como a Júlio de Castilhos
e Borges de Medeiros (30 metros), e Otávio Rocha e Avenida do Porto (20
metros).
É evidente a preocupação com a morfologia urbana das novas avenidas,
incentivando seu ordenamento e verticalização, e com a estética urbana, que
também aparece ligada à idéia de embelezamento, através da criação de um
prêmio anual de dez mil contos para a melhor fachada (Art. 6º). Otávio Rocha dizia
no seu primeiro Relatório Municipal, de 1925, que era preciso modificar o código
de construções para evitar as edificações em desacordo com o progredir da
cidade”. Preocupado com a estética e o embelezamento da cidade, o intendente
queria evitar a construção de “monstruosidades arquitetônicas.
No mesmo Relatório, Rocha preocupava-se com os problemas de tráfego, e
via o congestionamento como decorrência natural do crescimento da população e
36
Relatório Municipal, 1925.
62
dos novos meios de circulação, que acompanhavam o “progresso” das cidades
como regra geral. Para resolvê-los, lançou-se às obras viárias previstas no Plano
de Melhoramentos, mas também procurou aperfeiçoar a legislação urbanística
sobre arruamentos. O Decreto nº 108, de 1927, regulamenta a abertura de novas
vias, com dimensões e especificações mínimas para os novos arruamentos, que
proliferavam na década de 20. Os objetivos eram atender princípios do urbanismo,
como comodidade do tráfego e salubridade, e o Plano de Melhoramentos era o
referencial. Seu Art. 1º definia: Só será permitida a abertura de vias de
communicação com prévia licença da Intendência e quando o respectivo traçado
não contrariar o plano de melhoramentos e de expansão da cidade, a ser
estabelecido opportunamente, e na falta deste, desde que offereça os requisitos
exigidos, quer pelos princípios da esthética urbana, quer pelas necessidades de
comodidade do tráfego, quer pelas condições de salubridade”.
Como unicamente a política fiscal não seria capaz de dar sustentação ao
seu programa de obras, na abrangência e prazos requeridos, Rocha buscou a
contratação de empréstimos externos, com o “suporte moral” do governador
Borges de Medeiros, entusiasta do plano de reforma urbana. O novo empréstimo
externo de 1926, no valor de quatro milhões de dólares, realizou-se entre a
intendência municipal e o mesmo banco americano Lodenburg, Tholmann & Co.,
com intermediação do Banco Pelotense e garantia de todas as rendas do
município
37
. O empréstimo foi defendido por Otávio Rocha e pelo jornal do PRR A
Federação, mas as condições do empréstimo foram classificadas como
“vergonhosas” pelo Diário de Notícias.
Conforme observam Bakos e Ferraz de Souza, a modernização acelerada
da cidade demandava muitos recursos, e ainda iria demandar mais, mas havia
certo consenso na sociedade quanto a isso. Os recursos para investimento
deveriam ser buscados pelo prefeito, que por sua vez declarava não recear o
aumento da dívida, pelo mérito da obra de reforma da cidade, cuja continuidade
justificava inclusive o prolongamento do endividamento para além de sua gestão,
pois projeto de tal porte não deveria ser compromisso de um só administrador,
mas de quem estivesse representando o partido e seus interesses no Poder
Público”. O argumento era aceito por boa parte da opinião pública. O jornal A
Noite, de 27 de março de 1926, mostrava o interesse da população na
transformação da cidade, que ainda apresentava um “feio” aspecto colonial, e
justificava os empréstimos, dizendo que a receita ordinária jamais cobriria tais
gastos e que as obras não deveriam ser pagas por uma só geração, mas por
várias, que desfrutariam de seus benefícios
38
.
Durante a gestão de Otávio Rocha, foi concluída a parte central do novo
Cais do Porto. Em 1925 o cais de 6 metros de calado entre as praças da
Alfândega e Harmonia foi finalmente concluído, com o aterro da Doca do Mercado
(das Frutas) para implantação da Praça Parobé, e se inicia a construção, também
37
BAKOS, 1992, op. cit., p. 84.
38
Ver BAKOS, idem ibidem, e A Noite de 27/03/1926, citada por SOUZA, 2004, op. cit., p. 175.
63
sobre aterro, da Avenida Júlio de Castilhos. Nos anos 30, já com Alberto Bins, foi
completado o cais até o Largo da Conceição, e em 1940, com Loureiro da Silva,
foi dado início ao restante do cais, do largo até a Avenida Sertório, numa extensão
de 2600 metros. Incompreensivelmente, os aterros e os cais foram executados
fora da cota de segurança das enchentes periódicas do Guaíba. Em função disso,
a grande enchente de 1941 causou 70.000 flagelados em 272.000 habitantes
(25% da população da cidade à época).
Sobre a área de aterro resultante do porto, foram implantadas as duas
primeiras avenidas do Plano: a Júlio de Castilhos e a Avenida do Porto. A Avenida
Júlio de Castilhos foi implantada e inaugurada por Rocha, como uma avenida de
30 metros com canteiro central e passeios generosos, que Maciel imaginava
tornar o ponto chique da cidade.
As duas avenidas em questão, além de constituírem o centro commercial do futuro, seriam
o ponto chic do smartismo porto-alegrense, e portanto necessário se faz que a Intendência
formule lei especial para só permitir que se levantem edifícios de certa natureza, certa
altura, obedecendo a certas linhas architectonicas, para dessa forma constituírem desde
logo uma norma para que outros edifícios congêneres modificassem a atual construção da
capital, que muito deixa a desejar, sobre todo pelo lado esthetico”. (p.12)
O processo de concentração e qualificação comercial não ocorreu como
Maciel imaginava, nem onde ele imaginava. Os novos ramos de comércio e
serviços de maior hierarquia e modernidade foram se instalar nas outras avenidas
abertas, Otávio Rocha e depois Borges de Medeiros, e naquele trecho do centro
“aberto” por essas avenidas e outras intervenções oriundas do Plano. Entretanto,
a preocupação de Maciel com os padrões arquitetônicos dos novos edifícios foi
seguida por Otávio Rocha, através de legislação. A preocupação com o lado
estético das novas avenidas ilustra um dos fundamentos dos planos de
melhoramentos, o embelezamento urbano, representado por elas enquanto
componentes morfológicos e figurativos de uma nova paisagem urbana.
Foi iniciada a abertura da Avenida Borges de Medeiros, envolvendo
importantes escavações e desapropriações para permitir a passagem do espigão
central e ligar o centro à zona sul. O projeto do engenheiro Manoel Itaquy alterou a
diretriz inicial do Plano. Além do previsto alargamento da Rua General Paranhos,
foi feito profundo corte em um lado do terreno, seguindo uma opção dada por
Maciel nas observações finais de seu relatório
39
, com a construção de um viaduto
na Rua Duque de Caxias, igualmente projetado por Itaquy. A abertura da Avenida
Borges de Medeiros foi a obra de maior porte da gestão Otávio Rocha, embora o
39
Não nos escapou o estudo de vias subterrâneas que poriam em communicação as faces da
collina sobre que assenta a parte mais importante da capital mas, como se trata de vias
extraordinarias de communicação, que só serviriam no caso de um transito intensíssimo, e cuja
execução poderá ser feita em qualquer tempo, sem prejuizo para os traçados de que já nos
occupamos, resolvemos abandonar esse estudo que poderá ser feito em tempo opportuno, quando
o grande transito se manifestar;” RELATÓRIO do Projecto de Melhoramentos e orçamentos, 1914,
op. cit., p. 15. A solução e o projeto do viaduto foram elogiados por Agache em sua visita a Porto
Alegre no final dos anos 20, já na administração Alberto Bins.
64
viaduto somente tenha sido inaugurado na administração Alberto Bins (em 1932) e
a avenida só tenha sido completada na administração de Loureiro da Silva (1943).
Ubatuba de Faria e Edvaldo Paiva registraram na Contribuição ao Estudo
da Urbanização de Porto Alegre sua admiração pela administração do engenheiro
Otávio Rocha. Ubatuba tinha trabalhado com ele ao ingressar na Prefeitura:
Esse engenheiro, com justiça chamado o Pereira Passos de Porto Alegre, iniciou grandes
trabalhos de remodelação da cidade. Sua gestão coincidiu com uma boa conjuntura
econômica brasileira e mundial que veio facilitar-lhe muitíssimo o trabalho. O aspecto
colonial da cidade foi, aos poucos, desaparecendo, com a derrubada de quarteirões,
necessária à abertura de grandes avenidas. Em sua administração rasgou-se a avenida
Júlio de Castilhos, iniciou-se a abertura da avenida Borges de Medeiros, iniciou-se o
prolongamento da avenida João Pessoa até a estrada do Mato Grosso, alargou-se a rua
24 de maio, criando a avenida de ligação entre a praça 15 de Novembro e a São Rafael,
construiu-se a estação Ildefonso Pinto; iniciou-se o ajardinamento do parque da Redenção,
remodelaram-se os serviços de iluminação e abastecimento de água, com novo sistema de
filtragem e nova extensão da rede”.
40
Destacam que todas as obras viárias citadas tiveram suas diretrizes no
Plano de Melhoramentos de Maciel, com exceção do prolongamento da estrada
do Mato Grosso. A referência ao parque em ajardinamento corresponde ao início
da implantação do Parque da Várzea acordo com o projeto de Maciel, antes do
projeto de Alfred Agache, convidado posteriormente por Alberto Bins. A
importância da obra de Otávio Rocha na prefeitura, na ótica do PRR, pode ser
dimensionada pela sua posição entre os líderes do partido no Álbum Illustrado do
Partido Republicano Castilhista, de 1934 (apenas abaixo dos líderes maiores,
como Júlio de Castilhos e o Senador Pinheiro Machado), e pelo texto que o
acompanha.
Eleito em 1924, (...) Octavio Rocha ingressou no Palácio da Praça Montevidéo com um
programma de administração que provocou sorriso de incredulidade nos velhos
funcionários, tal o vulto das realizações em projecto. A população, por sua vez, recebeu-o
com desconfiança. (...) de logo foi buscar a collaboração de auxiliares competentes,
organizando novas secções, modernisando estas, desenvolvendo aquellas, procurando ver
e sentir a necessidade publica, pessoalmente. Senhor da situação, das possibilidades e,
mais que tudo, da imprescindível urgencia de collocar Porto Alegre no lugar merecido,
atacou a sua remodelação pelos quatro cantos da cidade, febrilmente, após os necessários
estudos e planos de engenharia dentro dos princípios de esthetica e de hygiene. A
picarteta cahiu em cheio no que era condemnado e condemnavel: avenidas artisticas
substituiram vielas inhabitaveis; ruas amplas facilitaram o escoamento da viação urbana;
jardins e logradouros públicos foram modernisados; a grande Várzea “pulmão da cidade”,
na expressão do urbanista Agache deixou de ser o esconderijo de vagabundos e campo
de rodeios para se transformar em refugio e deleite da população honesta e trabalhadora;
a nova illuminação publica veio substituir a pisca-pisca de antanho; a hydraulica foi
saneada... E ahi estão testemunhos esmagadores a bellissima Avenida Borges de
Medeiros, a Avenida Julio de Castilhos, a Octavio Rocha, a imponente João Pessoa, a
Bom-Fim; as praças de desportos e tanta coisa nova e bonita que Porto Alegre merecia e
necessitava.
41
40
UBATUBA DE FARIA e PAIVA, 1938, op. cit., p.17.
41
ALBUM ILLUSTRADO, 1934, op. cit., p. XIX.
65
O vice, Major Alberto Bins, assumiu com a morte do prefeito em
27/02/1928, concorreu e foi reeleito no mesmo ano, permanecendo como
nomeado depois de 1930. Bins era industrialista, político e administrador, bem
relacionado nos meios empresariais, foi presidente da Associação Comercial de
Porto Alegre e fundador do Centro de Indústria Fabril do Rio Grande do Sul. Foi
dono da Metalúrgica Becker e sucessor de E. Berta & Cia. (estabelecimento
fundado em 1873) na FABRICA BERTA
42
, maior metalúrgica do estado, fabricante
de cofres, fogões e artefatos metálicos, que transformou em maior fabricante de
artefatos de ferro e aço do país na década de 30.
Alberto Bins administrou a cidade por nove anos, de 1928 a 1937,
passando pela Revolução de 30, pela Revolta Constitucionalista de 1932, pela
nova Constituição de 1934 (que mudou a denominação de seu cargo, de
intendente para prefeito), saindo da prefeitura no golpe do Estado Novo, em
solidariedade ao governador Flores da Cunha, que tinha abandonado o cargo e se
exilado no Uruguai. Enfrentou uma conjuntura desfavorável, com recessão
mundial, quebra de bancos estaduais, moratória interna e externa, inadimplência
de impostos, transformações institucionais e sócio-econômicas, deixando a
prefeitura em situação financeira delicada, agravada pelos novos empréstimos
externos considerados necessários para levar adiante o projeto remodelador de
Rocha.
Em sua gestão se completaram e foram inauguradas algumas obras
importantes do Plano, como a Avenida São Rafael, ligando a nova Avenida Otávio
Rocha à Cristóvão Colombo (que hoje leva seu nome), o Viaduto Otávio Rocha, e
muitas fora dela, como a Avenida João Pessoa. Continuou a abertura da Borges
de Medeiros, faltando apenas o trecho final, e proporcionou a vinda do urbanista
francês Alfred Agache, que elaborou em 1930 um novo projeto para o parque da
Várzea, e sobre ele coordenou como Comissário Geral a realização da Exposição
do Centenário da Revolução Farroupilha, em 1935.
Bins é sempre visto como o continuador da obra de Otávio Rocha, não
construindo uma marca própria para sua gestão. Não é por acaso que seu nome
42
O Álbum Illustrado destaca sua atividade empresarial: Como successor de E. Berta & Cia.,
Alberto Bins empenhou-se desde logo a ampliar a produção dessa já acreditada fabrica, creando
novas secções e principalmente procurando tornar conhecidos os productos da fabrica nos
mais importantes mercados do Brasil e mesmo de fora do nosso paiz. Essa iniciativa teve
immediata e cabal recompensa. Na Exposição Nacional de 1908 e na Exposição do Centenário
1822-1922, conquistou o GRANDE PREMIO, justa consagração ao esforço brasileiro. Hoje Alberto
Bins é o maior fabricante de artefactos de ferro e aço no Brasil e são especialidades da fabrica:
Os afamados productos da marca BERTA: Cofres de aço á prova de fogo e contra os
arrombamentos; Fogões econômicos de todos os tamanhos; Camas metálicas desde as mais
simples até a mais luxuosa; Prensas, para copiar e caixetas de aço; Moveis de ferro; Fechaduras e
Ferragens de todas as qualidades; Baldes galvanisados marca PHENIX; Fundição; Panellas e
mais artigos deste genero, da marca Phenix” (Álbum Illustrado, 1934 op. cit., p. LX). A fábrica era
na rua Voluntários da Pátria, e mantinha depósitos permanentes em Porto Alegre, Rio de Janeiro e
São Paulo.
66
batiza a avenida que nasce onde termina a Avenida Otávio Rocha. No próprio
Álbum Illustrado Bins aparece dessa forma: “Como Prefeito da Capital do Estado,
vem sendo o continuador da obra de Octavio Rocha, na remodelação da cidade,
modernisando-a
43
. Seu período será analisado mais detidamente no próximo
capítulo, juntamente com a Contribuição ao estudo da urbanização de Porto
Alegre, de Ubatuba de Faria e Edvaldo Paiva, ambos seus engenheiros
municipais, que dele escreveram:
(...) continuou a abertura da avenida Borges de Medeiros, já quase concluída; construiu
grandes faixas de concreto para as ligações do centro com os arraiais, pavimentou várias
estradas com macadame asfáltico, ampliou e melhorou as redes de água e esgoto,
remodelou o serviço de tratamento do lixo, criando as fossas tipo Beccari; construiu a
monumental ponte da Azenha e o viaduto sobre a avenida Borges; iniciou o saneamento
dos bairros São João e Navegantes com a construção de cais de drenagem, concluiu a
avenida São Rafael, prosseguiu a abertura da avenida João Pessoa; remodelou várias
praças, construiu a garagem municipal; organizou a grande Exposição farroupilha, de
caráter internacional, em comemoração ao centenário da Revolução Farroupilha,
esplêndida mostra do extraordinário desenvolvimento da cidade e do estado.
44
A segunda fase, conforme definida por Ferraz de Souza, corresponde ao
período de 1937-43, na administração Loureiro da Silva, quando foram realizados
estudos para um plano de conjunto para a cidade, já sob a denominação de Plano
Diretor. Apesar de desenvolvidos a partir de novos conceitos, terminologia e
métodos, correspondendo à evolução da disciplina urbanística no período, ainda
tiveram no Plano de Melhoramentos de Maciel uma referência importante para
suas propostas, ilustrando a permanência do Plano e de suas diretrizes.
MELHORAMENTOS E EMBELEZAMENTO
O Plano Maciel é um típico plano de melhoramentos e embelezamento
urbano do início do século. A expressão embelezamento urbano” sintetizou, no
Brasil, o urbanismo de origem acadêmica que aqui chega principalmente através
da influência francesa, enfatizando a busca da beleza urbana através do
tratamento do espaço público numa escala seguidamente monumental. Mas ele
não é só isso, e como vimos incorpora também os “melhoramentos”, enfatizando
outras preocupações, vinculadas à modernização da cidade não só em termos
morfológicos e figurativos, mas de sua estrutura e equipamento.
Para Maria Cristina da Silva Leme, tais planos foram característicos de uma
primeira fase do urbanismo no país, entre 1895 e os anos 20. As referências eram
as grandes reformas das cidades européias no século 19, como Paris e Viena,
(incorporando posteriormente algumas contribuições do movimento City Beautiful
americano), com ênfase na técnica e na estética, presente especialmente nos
projetos para as áreas centrais das cidades. Assim, utiliza-se o termo
43
Idem, p. LXII.
44
UBATUBA de FARIA e PAIVA, 1938, op. cit., pp. 17-20.
67
melhoramentos genericamente, para designar questões tão diversas quanto o
projeto e a construção de obras de infra-estrutura urbana e equipamentos públicos
(como portos, por exemplo), projetos de paisagismo e ajardinamento de parques e
praças, abertura de avenidas e mesmo a elaboração de legislação urbanística.
No primeiro período foram propostos e realizados melhoramentos localizados em partes
das cidades. Projetando sobre a cidade existente, tratava-se ainda de melhorá-la. (...)
Pressionados pelas epidemias que estavam assolando as cidades, a questão do
saneamento era central e os engenheiros eram chamados para elaborar o projeto e chefiar
comissões para a implantação das redes de água e de esgotos. (...) A circulação era outra
questão extremamente importante, mobilizando todas as cidades; tratava-se de
transformar as estruturas urbanas herdadas de uma economia colonial em que a
circulação se fazia mais como passagem entre as cidades e os centros produtores.
Alargavam-se as ruas adequando-as aos novos meios de transporte, principalmente o
bonde”.
45
Se externamente o modelo para os planos, e para a idéia de cidade que
perseguiam, era a Paris de Haussmann, no Brasil seu paradigma no início do
século era a reforma do Rio de Janeiro de Pereira Passos. Essa transferência de
modelos também se faz com as ideologias incorporadas, que aqui vão atender
outras demandas. Referindo-se às obras de remodelação do Rio de Janeiro, a
análise fortemente ideológica de Benchimol valoriza este aspecto:
O termo ‘embelezar’ tem enorme ressonância no discurso propagandístico da época.
Designa, mais do que a imposição de novos valores estéticos, a criação de uma fisionomia
arquitetônica para a cidade. Encobre, por assim dizer, múltiplas ‘estratégias’. A erradicação
da população trabalhadora que residia na área central, (...) a mudança de função do
centro, atendendo num plano mais imediato aos interesses especulativos que
cobiçavam essa área altamente valorizada e num panorama geral às exigências de
acumulação e circulação do capital comercial e financeiro; razões ideológicas ligadas ao
‘desfrute’ das camadas privilegiadas; razões políticas decorrentes das exigências
específicas do Estado republicano em relação àquela cidade que era a sede do poder
político nacional .
46
O Plano Geral dos Melhoramentos de Maciel se encaixa nesse modelo, em
inúmeros pontos. Entretanto, se a análise que salienta seus pontos em comum
com outras manifestações das idéias hegemônicas em sua época, sobre a cidade
e sua organização, merece ser aprofundada (e a retomaremos após), o Plano
Maciel também deve ser visto naquilo que tem de particular, e nas suas relações
com as idéias urbanísticas tais como aparecem transferidas para Porto Alegre.
Antes de ser visto como exemplar, queremos suas características de objeto único,
produzido para um determinado tempo e lugar.
45
LEME, Maria Cristina da Silva. A formação do pensamento urbanístico no Brasil, 1895-1965. In:
LEME (coord.). Urbanismo no Brasil 1895-1965. São Paulo: Studio Nobel/FAUUSP/FUPAM, 1999.
pp. 22-23.
46
BENCHIMOL, Jaime. Pereira Passos: um Haussmann Tropical. Rio de Janeiro: Secretaria
Municipal de Cultura, Turismo e Esportes, 1992, p.128. Para um enfoque que privilegia o
ideológico, ver também VILLAÇA, 1999, op. cit.
68
As análises do Plano Maciel têm destacado sua visão, o caráter prático de
suas propostas, a influência marcante no desenvolvimento da cidade nas
primeiras décadas do século, orientando obras viárias e de saneamento, e a
filiação ao modelo da Paris de Haussmann. Boa parte delas é pautada pelas
sucessivas interpretações de Edvaldo Paiva, conforme introduzido anteriormente.
De acordo com as mesmas, o Plano Maciel “(...) projetou vários alargamentos das
ruas do centro e novas grandes avenidas, com uma visão extraordinária dos
problemas a serem resolvidos (...)”
47
, tratando-se de um plano (...) tipicamente
viário, (...) de importância vital para a cidade, pois se manteve, durante 23 anos
(...) como norma orientadora dos trabalhos de reforma urbana. Esse estudo, de
grande visão para a época, tinha como mira uma reforma completa do centro
colonial (...)
48
, e “(de tão alta visão...), apesar de ser um plano tipicamente viário
e não compreender todo o espaço urbano (...) estava calcado em princípios
orientadores bem definidos e realísticos (...) se originava de uma análise objetiva
da evolução histórica da cidade (...) correspondia plenamente aos problemas da
cidade de então e procurava resolve-los dentro dos princípios urbanísticos
dominantes
49
.
Tanto a interpretação quanto a terminologia são reproduzidas em quase
todas as análises posteriores, desde Riopardense de Macedo a trabalhos mais
recentes, onde o Plano Maciel “(...) foi um marco na história da urbanização da
cidade. Analisando a posição desse profissional frente à realidade de sua época,
concluiremos que ele foi um pioneiro no tratamento, reforma e ampliação da rede
urbana. O seu grande mérito foi a tentativa primeira de uma visão global dos
problemas da Cidade
50
. O aspecto usualmente mais enfatizado nas análises é
seu caráter de plano viário:
As primeiras intervenções de vulto no tecido urbano originaram-se do chamado Plano
Maciel de 1914, que consistiu num conjunto de propostas de caráter viário para a área
central da cidade. Documento de grande visão do setor, à época, preconizou várias obras de
repercussão futura (...) que, posteriormente executadas, permitiram a expansão do centro
47
UBATUBA de FARIA, Luiz Arthur e PAIVA, Edvaldo. Contribuição ao estudo da urbanização de
Porto Alegre. Porto Alegre, 1938 (mimeo), pp. 40-41. O trecho é reproduzido no Expediente
Urbano de Porto Alegre, de 1942, p. 80: “(...) com uma visão extraordinária da amplitude dos
problemas a serem resolvidos”.
48
SILVA, Loureiro da. Um Plano de Urbanização. Porto Alegre, Livraria do Globo, p. 25. Trecho
presumivelmente escrito por Paiva, apresentado nos créditos como colaborador técnico.
49
PAIVA, Edvaldo. Problemas Urbanos de Porto Alegre. Porto Alegre, 1951 (mimeo), pp. 9-10,
retomado em Porto Alegre. Plano Diretor 1954-1964, p. 17: A primeira tentativa de planificação
deve-se à administração do Dr. José Montaury. O ‘Plano Geral de Melhoramentos’ (...) aborda
apenas o problema viário, porém ele apresenta soluções de tal modo corretas que muitas delas
foram executadas posteriormente e outras se impõem ainda hoje (...) O projeto correspondia
perfeitamente às necessidades da época em que o centro urbano se adensava sem que existissem
ligações francas entre ele e os bairros em desenvolvimento”.
50
OLIVEIRA, Clóvis Silveira de. PORTO ALEGRE A Cidade e sua Formação. Porto Alegre: Gráfica
e Editora Norma, 1985, p. 145.
69
para além dos limites históricos das muralhas de defesa, abrindo-o nas direções norte, leste
e sul.
51
Riopardense de Macedo confessa que todas as análises do Plano Maciel
até a década de 70 (incluindo nelas as de Edvaldo Paiva e as suas), partiram
apenas da planta colorida então disponível, desconhecendo a Memória
Justificativa, circunscrevendo objetivamente os limites teórico-metodológicos e
documentais das mesmas
52
. Esse discurso coeso a respeito das características e
influências do Plano é mantido no verbete correspondente da principal compilação
sobre o urbanismo no Brasil na primeira metade do século XX, “URBANISMO NO
BRASIL 1895-1965”, organizada por Maria Cristina da Silva Leme:
Embora enfatize o sistema viário, não deixa de propor parques e jardins e alguns novos
equipamentos, adequando-se perfeitamente ao modelo do urbanismo francês. Este plano
serviu de base para diversas propostas posteriores. Foi um plano que envolveu a cidade
como um todo, onde Maciel propõe, a partir da área de aterro onde foi instalado o novo
porto, um esquema estruturador de espaços abertos com a inserção de importantes
avenidas”.
53
Na análise das influências recebidas pelo Plano, além das referências óbvias
a Haussmann, surgem vinculações com Camillo Sitte e com o engenheiro-
urbanista síntese da cena brasileira das primeiras décadas do século XX,
Saturnino de Brito.
Ficam claras então as influências recebidas pelo Plano Maciel. Foi um plano geral para a
cidade, seguiu as escolas de Haussmann nas avenidas e de Sitte nos princípios estéticos,
tudo isso sintetizado por Saturnino, o grande urbanista. Ele se inseriu perfeitamente no
discurso de sua época apresentando a questão urbanização como sinônimo de higienização
e embelezamento. (...) Podemos perceber claramente (...) o trinômio básico que guiou
aquele trabalho: trânsito, beleza e higiene. As soluções adotadas seguiram o chamado
“modelo haussmaniano”, sempre tendo presente a questão estética.
54
51
SALENGE, Laís; MARQUES, Moacir Moojen. Reavaliação de planos diretores: o caso de Porto
Alegre. In: PANIZZI e ROVATTI, op. cit., p. 156.
52
Mas todos, sem exceção, inclusive o urbanista Paiva partiram, sempre de uma planta colorida,
impressa, de formato 35x25, onde estão sintetizadas as idéias de Moreira Maciel, sobre os
melhoramentos que Porto Alegre necessitava. Documento importante, sem dúvida, mas
insuficiente para perceber tudo. Era o que tinham e o usaram bem. Chegou às nossas mãos uma
publicação raríssima, trazida pela arquiteta Lígia Maria Bergamaschi, de propriedade do senhor
Pedro Brugg. É evidente que esta publicação traz mais luzes sobre o assunto. Uma memória
justificativa completa a concepção gráfica, dá-lhe o sentido, explica a ideação”. Cf. MACEDO,
Riopardense de. Porto Alegre: história e vida da cidade. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 1973, p.
82. Riopardense de Macedo refere-se à edição de 1914 do Relatório.
53
LEME, 1999, op. cit, pp. 378-379. A obra trata do Plano de Melhoramentos também em artigo de
SOUZA, Célia F. de. Trajetórias do Urbanismo em Porto Alegre, 1900-1945 (pp. 83-101), e traz
pequena biografia de João Moreira Maciel (pp. 458-459).
54
SOUZA e DAMASIO, op. cit., p. 140. A importância da influência de Haussmann na proposição
de novas avenidas, de embelezamento e de articulação ou “aproximação” das diferentes partes da
cidade e dos novos equipamentos é igualmente destacada em SOUZA, Célia F. de. Entre a cidade
do desejo e a cidade do possível. Um Plano de Melhoramentos para Porto Alegre em 1914. In:
MACHADO, Denise e VASCONCELOS, Eduardo Mendes de (org.). Cidade e Imaginação. Rio de
Janeiro: PROURB, FAU-UFRJ, 1996.
70
Alguns estudos mais recentes têm introduzido alguma sutileza nessa
construção aparentemente monolítica, permitindo situar o Plano à luz de um
quadro mais abrangente dos paradigmas arquitetônicos e urbanísticos
hegemônicos na virada do século XIX. Eles reúnem a contribuição, por um lado,
da análise morfológica dos modelos urbanos, e por outro, das teorias do
imaginário urbano.
A análise morfológica de Bohrer identifica no Plano algumas características
urbanísticas importadas do modelo da Paris de Haussmann, como a necessidade
de abertura de novas ligações do centro com as periferias, a melhoria das
condições de circulação da área central, e o discurso higienista de saneamento,
embelezamento e equipamento, através da criação de áreas verdes públicas,
parques e praças. Entretanto, associa a estas a influência de dois outros
paradigmas urbanísticos do final do século XIX, o movimento das Cidades-Jardim
inglesas a partir do modelo idealizado por Ebenezer Howard e definido
espacialmente por Raymond Unwin, e o Park System americano elaborado por
Frederick Law Olmsted, especialmente no conceito de parkway
55
.
Já a análise do imaginário tem destacado a busca da imagem ideal de
cidade, representada pela Paris de Haussmann e, mais próximo, pelo Rio de
Janeiro de Pereira Passos. Podemos citar como exemplo dessa linha os estudos
de Sandra Jatahy Pesavento e Célia Ferraz de Souza
56
. Partindo dessa
concepção, vão pensar a Porto Alegre do início do século XX, quando se insinua a
formulação de um projeto urbanístico calcado nas idéias francesas, “entre o sonho
e a utopia de redesenhar uma Paris no Sul (!)”. Sandra Pesavento nota que o
afrancesamento cultural da elite tinha sua contrapartida político-administrativa no
ideário positivista dos republicanos rio-grandenses, que chegavam ao poder no
final do século XIX, inaugurando em 1895 a chamada pax positivista, hegemônica
até meados da década de 30.
Os produtores do espaço (engenheiros, arquitetos, médicos sanitaristas), integrantes do
grupo dirigente republicano, tinham uma proposta modernizante, racionalizadora e
ambiciosa, que passava também pelos caminhos da transformação urbana. A França era a
grande inspiração, a matriz do conhecimento científico, o exemplo da renovação urbanística,
o modelo a ser seguido. (...) a elite ilustrada pensava a transformação de Porto Alegre em
55
BOHRER, op. cit., pp. 71-73. O Park System foi elaborado por Olmstead a partir dos jardins
ingleses e dos sistemas haussmanianos, ligando conjuntos de parques e jardins públicos através
de avenidas-parque (parkways), como em Boston e Chicago, e certamente era conhecido por
Maciel, formado numa politécnica que tinha como modelo os Grant Colleges americanos. Já a
Cidade-jardim é pouco provável, especialmente o desenvolvimento do modelo por Unwin,
divulgado apenas em 1909. No geral, entretanto, Bohrer retoma a ênfase no viário: “O Plano Geral
de Melhoramentos foi um plano essencialmente viário que procurou englobar a cidade como um
todo e mesmo coadunado com os princípios europeus, se moldou à realidade local” (ibidem, p. 69).
56
Sobretudo SOUZA, Célia Ferraz de; PESAVENTO, Sandra Jatahy (org). IMAGENS URBANAS.
Os diversos olhares na formação do imaginário urbano. Porto Alegre: Editora da
Universidade/UFRGS, 1997, resultado do Encontro sobre imagens da cidade, promovido na
Faculdade de Arquitetura da UFRGS em 1994, mas também outros trabalhos de PESAVENTO,
SOUZA, DAMASIO, etc.
71
torno de três eixos principais: a dinamização dos serviços urbanos, a remodelação do
espaço, construindo um projeto urbanístico, e a renovação arquitetônica. (...) Ora, o
urbanismo faz aparecer no espaço, enquanto projeto, o desejo da reordenação ideal.
Racionalidade e sonho, disciplinamento e estética conjugam-se na projeção de uma e outra
cidade”.
57
A partir de uma abordagem inicialmente vinculada à escola da “Evolução
Urbana”, introduzida no estado a partir de Paiva e Riopardense de Macedo, e de
estudos mais recentes na linha do imaginário urbano, Célia Ferraz de Souza
disseca o Plano em sua tese O Plano Geral de Melhoramentos de Porto Alegre:
da Concepção às Permanências”, defendida na FAU-USP em 2004. Sua
minuciosa, documentada e abrangente análise constitui-se sem dúvida, desde
então, no texto de referência sobre o assunto Com o objetivo de mostrar como o
Plano serviu de orientação à modernização da cidade por quase um século,
enquanto instrumento político do PRR e instrumento técnico elaborado por
especialistas em contato com o “estado da arte” urbana da época, e nele
claramente inserido, Célia divide seu estudo em duas partes.
Na primeira, ela analisa a concepção do Plano, através de sua exegese e
dos documentos correlatos, enfocando o contexto urbano, o autor, o meio técnico
da engenharia e as principais referências teórico-metodológicas e ideológicas de
sua elaboração. Na segunda, dedica-se ao longo processo de implantação e a
identificar as permanências de suas diretrizes nos sucessivos planos urbanos de
Porto Alegre. Ao situar o Plano no meio da engenharia local, fundamenta uma de
suas hipóteses: o plano não seria um trabalho isolado, mas fazia parte de um
conjunto de estudos e projetos de maior abrangência, envolvendo diversos
aspectos vinculados ao saneamento e higiene pública, infraestrutura urbana, ao
equipamento da cidade e à legislação urbanística, além dos usualmente
considerados, viários e de embelezamento. Ao fundamentá-la, resgata a real
dimensão do plano, e suas vinculações com as teorias urbanísticas e as idéias de
cidade hegemônicas à sua época.
São verificadas as referências às teorias positivista e sansimonista, ao
modelo de intervenção sobre a cidade desenvolvido por Haussmann e aplicado
exemplarmente sobre Paris, e à trama de influências presentes no meio da
engenharia e do urbanismo locais nas primeiras décadas do século XX. Elas são
identificadas e confrontadas com a base real fornecida pelos documentos e pelas
permanências do Plano. Souza conclui que, a partir dos princípios fundadores
explicitados pelo autor, calcando o plano em circulação, higiene e embelezamento,
ele vincula-se, ao menos em parte, ao modelo haussmaniano e às realizações
nele inspiradas, como o plano de Pereira Passos no Rio de Janeiro, e Joseph
Bouvard em São Paulo. Ao mesmo tempo, vincula-se à referência nacional
constituída pelo engenheiro Saturnino de Brito, e por intermédio dele diretamente
às teorias urbanísticas de Camillo Sitte, por um lado, e ao modelo francês, por
outro, formando o que ela denomina um “sincretismo urbanístico”.
57
PESAVENTO, Sandra Jatahy. Entre práticas e representações: a cidade do possível e a cidade
do desejo. In: RIBEIRO; PECHMAN, 1996, op. cit. , p. 382.
72
Ao investigar as ligações do Plano, de seu autor, da Comissão, e também de
sua implantação, com o meio da engenharia local, ilustrado na revista EGATEA,
ela vai trazer outras referências, igualmente presentes nesse “sincretismo”: refere-
se, de um lado, à presença de uma incessante busca do progresso e da
modernização, e de outro, a presença das teorias e práticas do urbanismo
moderno, no caso ainda predominantemente haussmaniano e pós-haussmaniano.
A partir delas, ancora solidamente o Plano Maciel nessa corrente de idéias que vai
da cidade européia modernizada (saneada, equipada e embelezada) da segunda
metade do século XIX até o urbanismo moderno dos anos 20 e 30.
Essa abordagem é corroborada por historiadores como Jean-Louis Cohen,
para quem os novos discursos sobre a cidade, que acompanham os planos no
início do século XX, são fundamentados sobre um conjunto limitado de modelos,
frequentemente combinados entre si
58
. Ele destaca a Paris de Haussmann, o
Plano de Ildefonso Cerdà para a expansão e Ensanche” de Barcelona (1859), a
reorganização interna de Viena através da ocupação da área do Ring por espaços
e grandes edifícios públicos articulados, e o Park System americano elaborado por
Frederick Law Olmstead. Destes, apenas o Plano Cerdà parece estranho ao
nosso Plano de Melhoramentos.
A primeira e mais direta referência presente no Plano é do urbanismo
francês, através do exemplo dos trabalhos de Haussmann em Paris, e de suas
influências no Brasil e na América do Sul, como o Plano de Belo Horizonte, de
Aarão Reis, em 1895, Pereira Passos no Rio de Janeiro entre 1902 e 1906, o
Plano Bouvard para o Anhangabaú em São Paulo em 1911, o Plano de Avenidas
de Montevidéu, e as intervenções urbanísticas de Buenos Aires na virada do
século. A influência de Haussmann encontra-se exaustivamente comentada por
Souza, a partir das contribuições de autores como Des Cars e Pinon, Belloste,
Masson, Lortie e Lepetit, mas principalmente Picon, sobre os trabalhos dos
engenheiros no século XIX e as origens técnicas do plano de Haussmann.
As transformações operadas por Haussmann em Paris, na escala e na
abrangência que ocorreram, a entronizaram como “a capital do século XIX” por
excelência, e conseqüentemente como modelo urbanístico, ou seja, como objeto a
ser reproduzido. Entretanto, trata-se de um modelo abrangente, que envolve
técnica (circulação, traçado de avenidas, redes de super e infraestrutura, parques
e jardins, equipamentos), processo de operação (métodos de administração
pública e financiamento, organização de serviços técnicos e do corpo de
engenheiros municipais, criação de elementos de apoio como hortos, fabricas de
pré-moldados, divulgação), e ideologia.
58
COHEN, Jean-Louis. A emergência do urbanismo: uma questão transatlântica. In: PINHEIRO
MACHADO, Denise; PEREIRA, Margareth da Silva; MARQUES DA SILVA, Rachel Coutinho
(orgs.). Urbanismo em questão. São Paulo: Editora PROURB/UFRJ, 2003, pp. 17-19.
73
A análise quase sempre se concentrou nos aspectos técnicos afinal,
sanear, transportar e equipar eram os lemas de Haussmann, e ideológicos, mais
voltados ao conteúdo anti-revolucionário, de reforma e controle da cidade para
atender a burguesia e as novas condições de acumulação e consumo do
capitalismo do século XIX. Entretanto, a estética era igualmente importante. “L’art
c’est le beau réalisé par l’utile”, dizia Haussmann em suas memórias,
acrescentando em um relatório ao Conselho Municipal de Paris:
Le plan actuel (de Paris), fort différent des anciens projets, est inspiré non seulement par
une étude attentive des agitations factieuses de Paris et par une parfaite connaissance du
mouvement quotidien de la population et des rapports des quartiers entre eux, mais encore
par un vif sentiment de l’art.
59
Em função disso, os trabalhos de Haussmann, usualmente considerados sob
seus aspectos viários e militares, podem ser abordados também como um
sistema do belo público”, por Antoine Grumbach, (e também por autores como
Jacques Lucan e Philippe Panerai). O sistema se manifesta no desenho dos
passeios públicos, das praças, parques e jardins, no equipamento e mobiliário
urbano, nas operações de “colagem” com os traços históricos e o tecido
preexistente, e na celebração da natureza na cidade. Manifesta-se igualmente na
paisagem urbana resultante, em termos morfológicos e figurativos, como bem
destaca Ferraz de Souza:
Na maior parte das cidades onde foi aplicado, o modelo haussmanniano se materializou em
obras como as avenidas largas, tipo bulevares, arborização e construções neoclássicas ou
ecléticas, em torno de cinco andares, com prédios destacados nas esquinas, marcados por
uma uniformidade tipológica. O espaço concebido é percebido através da imagem de Paris.
Exemplos como os de Buenos Aires ou Rio de Janeiro mostram a concepção de seus
espaços dentro desse cânone, que seria associado à imagem da cidade-luz”.
60
Certamente encontramos um pouco de tudo isso no Plano Maciel, que, como
o nome diz, envolvia embelezamento, tanto quanto as notórias características
técnicas de ênfase na circulação, no saneamento e equipamento. Em termos
morfológicos, entretanto, ao contrário das cidades citadas, o Plano Maciel não
trazia definições tipo-morfológicas, ao menos na documentação hoje disponível.
Baseada em Picon, Souza levanta um aspecto que permite entender a
transferência do modelo a Porto Alegre
61
, sem a forma correspondente: os
fundamentos técnicos do modelo podem ser dissociados de sua forma visível (a
tipo-morfologia), e transpostos para situações distintas. A partir dessa dissociação
entre arquitetura e técnica, é possível explicar a extraordinária difusão da Paris de
Haussmann e de sua “engenharia” urbana.
59
Citado em GRUMBACH, Antoine. Les Promenades de Paris. L’Architecture d’Aujourd’Hui nº 185,
mai/juin 1976, p. 97. Ver também CASTEX, J. DEPAULE, J.Ch. PANERAI, Ph. Formes urbaines:
de l’ilôt à la barre. Paris: Dunod, 1977, especialmente Chapitre 1 Le Paris Haussmannien, 1853-
1882, pp. 13-44, e PICON, Antoine. Racionalização Técnica e utopia: a gênese da
haussmanização, in SALGUEIRO, Heliana. Cidades Capitais do século XIX. São Paulo: EDUSP,
2001.
60
SOUZA, 2004, op. cit., p. 18.
61
SOUZA, 2004, op. cit., pp. 18-19.
74
A difusão também se deu por mímesis. O livro editado por Alphand Les
Promenades de Paris
62
constitui o mais completo tratado de “arte urbana” do
século XIX, e foi distribuído internacionalmente, inclusive para a Biblioteca
Nacional do Rio de Janeiro, divulgando o desenho, os métodos e as técnicas
aplicadas por Alphand nos passeios públicos de Paris. Podemos ver o desenho do
Parc de Montsouris tanto no Anhangabaú de Bouvard quanto nos espaços
instersticiais do Parque da Redempção de Maciel, ou nos parques de Buenos
Aires desenhados por Bouvard e depois por Forestier.
Se o modelo de Paris com os boulevares de Haussmann, concebidos como
peças urbanas completas, tinha sido a imagem ideal da nova cidade, em Porto
Alegre ela não se traduziria com a definição morfológica imaginada. Primeiro
porque, apesar da preocupação com a estética das novas avenidas, Maciel não
incluiu definições morfológicas em seu Plano. A legislação de Otávio Rocha
incentivava a construção de edifícios de maior altura nas novas avenidas, e proibia
os menores, mas é evidente que o nível de controle do desenho das edificações
não correspondeu ao grau de precisão com que Haussmann impõe a Paris o
immeuble de rapport” como nova tipologia da edificação. Maria Almeida nota que
o ritmo dos investimentos privados sobre os lotes foi determinando um sucessivo
processo de substituição das antigas edificações por novas estruturas, segundo
diferentes ritmos, tanto espacial quanto temporalmente, e as avenidas
permaneceram incompletas, com a convivência de distintos tipos de edificação
63
.
Outra influência apontada em todas as análises é a do positivismo. Na sua
análise do Plano Maciel em BASES DOUTRINÁRIAS EM PLANOS DIRETORES.
Um estudo dos planos elaborados para o município de Porto Alegre 1914 a
1979, Paul Nygaard insiste na filiação direta à doutrina positivista, identificando os
fundamentos do Plano em cinco das nove teses doutrinárias ou assertivas
positivistas classificadas por ele. Conclui que “pelas análises feitas, pode-se dizer
que, mesmo que o Projecto de Maciel não expresse clara e amplamente a
doutrina positivista, as suas proposições e justificativas contém evidências
importantes que mostram grande convergência com várias destas teses
doutrinárias”.
64
62
Les Promenades de Paris” foi elaborado por Jean Alphand (responsável pelo Service des
Promenades de la Ville de Paris, criado por Haussmann em 1854), entre 1868 e 1873, e logo
distribuído a todas as capitais e governantes importantes do mundo. Alphand era engenheiro e
peça chave da equipe de Haussmann (que dizia Je le charge d’embellir ce que j’ai assaini”),
juntamente com Belgrand, encarregado dos esgotos e obras de infraestrutura (que por sua vez era
arquiteto). Em algumas análises, esta paradoxal distribuição de encargos, entregando os passeios
(o belo) ao engenheiro, e os esgotos (o útil) ao arquiteto, explica boa parte do sucesso do modelo
de Haussmann. O belo é furiosamente quantificado e classificado (Grumbach fala de uma
“aritmética do belo”), o útil considera princípios de estética pública, e tudo funciona bem em
conjunto. Ver GRUMBACH, 1976, op. cit.
63
ALMEIDA, 1999, op. cit., p. 112.
64
NYGAARD, 1995, op. cit., p. 75. Nas conclusões da dissertação, Nygaard acrescenta: A
presença exclusiva (...) de teses positivistas na proposta do arquiteto Maciel (1914), remete à
mesma apenas as características de despolitizado, por manter uma postura tecnocrática e
75
A religião demonstrável ou positivista (também chamada Religião da
Humanidade) de Auguste Comte tinha no Rio Grande do Sul da república velha
um dos seus centros mais fortes de penetração, influenciando a política, através
da constituição castilhista, a administração, a filosofia e certamente a organização
do espaço urbano através de ideologia e técnica. O universo do positivismo se
compunha de três aspectos fundamentais: o científico, vinculado aos intelectuais,
o político, que se ateria ao sentido partidário e administrativo, e o religioso, para
aqueles que aceitassem a totalidade da doutrina
65
. Os engenheiros poderiam,
através da religião, modificar o comportamento da população e cumprir sua função
social, e através do serviço público, com a contribuição da ciência, efetuar as
mudanças na direção do progresso. A modernização da cidade, pela organização
e reforma do espaço urbano, era uma dessas mudanças. A Comissão de
Melhoramentos e Embelezamento era a forma de atingi-la, e o Plano dos
Melhoramentos o seu instrumento técnico e urbanístico. Não deveria ser o único.
Apesar do positivismo não possuir definições ou enunciados físico-espaciais,
estava profundamente enraizado na corporação dos engenheiros, que tiveram
papel destacado em sua introdução e difusão no estado. Pela hipótese de Souza,
o Plano de Melhoramentos está fortemente inserido em um trabalho conjunto da
Comissão de Melhoramentos e Embelezamento, formada por engenheiros
positivistas e que atuavam em todas as frentes do projeto de modernização da
cidade: infraestrutura, saneamento, equipamento, melhoramentos na estrutura e
nos sistemas urbanos, e embelezamento.
Nesse meio, a influência de Saturnino de Brito (1864-1929) é inquestionável,
e se estende por todo o estamento técnico brasileiro nas três primeiras décadas
do século XX. Autor de obras redigidas e publicadas em francês, como Tracé
Sanitaire des Villes
66
, constituiu referência nacional pelo seu trabalho no
saneamento e remodelação do porto de Santos e por dezenas de planos de
saneamento, melhoramentos e expansão das principais capitais e cidades
brasileiras; conforme a revista EGATEA, tinha seu talento comparado ao de
científica à margem dos valores sociais locais, e autoritário, tentando impôs idéias e concepções
sem referências na comunidade local”. Idem, p.120.
65
SOUZA, 2004, op. cit., p.19. São ressaltadas as origens do positivismo no sansimonismo,
doutrina criada pelo engenheiro e Conde de Saint-Simon na primeira metade do século XIX, que
valorizava a ciência, a indústria e o papel dos engenheiros e industriels na construção do
progresso da sociedade, de fortes ligações com os engenheiros franceses e com os trabalhos de
Haussmann e sua equipe.
66
Escrito em 1915/16 para a Exposição da Cidade Reconstituída, realizada em Paris no mesmo
ano pela Association Générale des Hygienistes et Techniciens Municipaux, da qual Brito era um
membre d’honneur”, cf. ANDRADE. Carlos Roberto Monteiro de. Camillo Sitte, Camille Martin e
Saturnino de Brito: traduções e transferências de idéias urbanísticas. In: RIBEIRO; PECHMAN,
1996, op. cit., p. 287-310. O artigo permite entender como um discurso teórico de cunho romântico,
em defesa da cidade como obra de arte e valorizando o pitoresco na paisagem urbana adequou-se
a situações históricas e contextos diversos, subsidiando tanto um engenheiro sanitarista em
projetos de reforma e melhoramentos, quanto os urbanistas da SFU no desenho de cidades
coloniais no norte da África ou paisagistas americanos no desenho dos subúrbios do New Deal.
76
Camilo Sitte, Hénard e Stübben. Através dele se deu a divulgação da obra de
Camillo Sitte no Brasil, mas através da controversa tradução francesa do arquiteto
suíço Camille Martin “L’Art de Bâtir les Villes Notes et réflexions d’um architecte
(publicada em 1902), lida por Brito em 1905. Assim, Maciel chega a Sitte
provavelmente através de Saturnino de Brito.
A tradução de Martin é fundamental para entender a forma como as idéias de
Sitte foram divulgadas e apropriadas, tanto por Saturnino de Brito quanto pelo
meio técnica da engenharia e do urbanismo. Na tradução mais recente ao
português, diretamente da quarta edição alemã de 1909, seu organizador Carlos
Roberto Monteiro de Andrade alerta na Apresentação que a tradução de Martin
nem sempre é fiel ao original. Ela promove um verdadeiro expurgo dos exemplos
do Barroco, (em grande parte de cidades alemãs), valorizando as praças e ruas da
Idade Média (o que contribuiu para muitas leituras de Sitte como neomedievalista)
e do Renascimento, e incluiu um capítulo inteiro escrito por ele, sobre o traçado de
ruas e avenidas, ilustrado com os belos desenhos de Hans Bernoulli.
As modificações da tradução de Martin, que configuram uma verdadeira e
fecunda traição aos propósitos de Sitte” no entender de Jean-Louis Cohen
67
, vão
aproximar o tratado dos problemas cotidianos das cidades, e das demandas
concretas dos arquitetos para lidar com o projeto da expansão urbana. Com efeito,
muito da influência do tratado sobre os traçados de expansão urbana do início do
século XX deve-se a Martin, e a incorporação das idéias de Sitte pelos urbanistas
franceses da Société Française des Urbanistes (SFU) a partir dos anos 10
também. É ainda esta a edição que vai balizar as reflexões de Raymond Unwin,
na transposição do modelo abstrato de cidade-jardim de Howard para as múltiplas
aplicações ilustradas em Town Planning in Practice, de 1909.
As idéias de Saturnino de Brito a respeito dos traçados urbanos mais
adequados à topografia do sítio e às exigências da drenagem referem-se
seguidamente ao capítulo, que na realidade retoma uma antiga questão de
desenho urbano, aquela da oposição entre ruas retas e curvas, ou, em outros
termos, a questão acerca de como incorporar, ou não, o acidental nos traçados
urbanos
68
. A conhecida polêmica de Le Corbusier em Urbanisme, entre o
caminho dos asnos (a irregularidade, ou a curva) e o caminho dos homens (a linha
reta, a direção de quem sabe aonde quer chegar e não se deixa levar pelo acaso),
refere-se a este capítulo, e dessa forma o objeto da crítica era mais Martin que o
próprio Sitte.
Uma das poucas referências teóricas de Maciel em seu Relatório indica clara
filiação às idéias de Saturnino de Brito e da cadeia Sitte-Martin, ao defender
67
COHEN, 2003, op. cit., pp. 21-22.
68
ANDRADE, Carlos R.M.de (org.). Apresentação. CAMILLO SITTE. A construção das cidades
segundo seus princípios artísticos. São Paulo: Editora Ática, 1992, p. 5. Monteiro de Andrade inclui
a tradução do capítulo escrito por Martin, e um interessante artigo sobre a influência de Sitte nas
idéias e projetos de Saturnino de Brito, que conciliou na engenharia sanitária brasileira das
primeiras décadas do século XX uma visão pitoresca da cidade com exigências utilitárias.
77
traçados pitorescos (curvos ou poligonais), reservando a reta para o traçado das
avenidas principais, ou quando não houvesse outro jeito.
Somos partidários das avenidas com o mínimo de 22 metros de largura, arborisadas
lateralmente; ou quando de mais largura arborisadas ao centro e aos lados ou
alternadamente ao centro ou quasi ao centro e a um dos lados, estabelecendo-se de quando
em quando rond-points, e procurando destas e doutras fórmas o pittoresco, accentuando-o
pelos alinhamentos curvos ou polygonaes, e só deixando a linha recta para certos casos
quando tal seja permittido sem inconvenientes, e sobretudo para as grandes artérias de
transito” (p. 1).
Entretanto, a influência francesa encontra-se também presente, nos rond
points, nas linhas de arborização urbana, e no próprio plano, onde a linha reta
predomina, e o pitoresco só é utilizado no traçado da Avenida Marginal.
Curiosamente, onde Maciel poderia utilizar o rond point, no entroncamento da
Vasco da Gama com a avenida perimetral, ou desta com a Rua Coronel Genuíno,
lança mão de pracinhas triangulares. A própria influência de Sitte na engenharia
local, de forte presença alemã, é matizada pelas influências dos outros tratadistas
alemães do Städtebau, como Stübben, Eberhardt e Werner Hegemann, do street
planning (os traçados dos planos de expansão) do urbanismo alemão do início do
século, e posteriormente da própria Cidade-Jardim que incorpora, através de
Raymond Unwin (em Town Planning in Practice), as idéias de Sitte. Dessa forma,
podemos efetivamente falar em um “sincretismo urbanístico” no período,
incorporando essa trama complexa de referências e influências.
O Plano de Melhoramentos foi feito menos de dez anos depois da reforma
do Rio de Janeiro empreendida por Pereira Passos, que é indubitavelmente seu
paradigma nacional. No início de janeiro de 1903, nomeado por Rodrigues Alves,
assume como prefeito da capital federal Francisco Pereira Passos, engenheiro,
testemunha da reforma de Paris e profundamente familiarizado com a
administração municipal da cidade (em 1874, tinha sido promovido a engenheiro
do Ministério do Império, solicitando-lhe que esboçasse um anteprojeto e formasse
uma equipe de colaboradores que comporiam uma comissão encarregada de
traçar o primeiro plano abrangente para a reforma do Rio”).
Pereira Passos aproveitou o próprio conhecimento do local, da reforma
empreendida por Haussmann em Paris, e dos planos que vinham sendo
desenvolvidos na prefeitura do Rio de Janeiro para a preparação de seu plano. Na
sua primeira mensagem dirigida à Intendência Municipal, justifica: “Apenas encetei
a gestão dos negócios municipais, tratei de organizar um plano de melhoramentos
de viação urbana, completo bastante para melhorar realmente a nossa cidade, e
modesto o quanto necessário para ser levado a efeito (...)”. O plano foi elaborado
junto com a cúpula da administração municipal, e integralmente aceito pelo
Prefeito, que o encampou e transcreveu em sua mensagem de 1º de setembro de
1903 sob o título ‘Embelezamento e Saneamento da Cidade’. Oliveira Reis chama
78
a atenção para a impressionante coincidência entre a obra efetivamente
executada e o plano elaborado
69
.
Para Villaça, o período 1875-1930 representou a época na qual a classe
dominante brasileira tinha uma proposta urbana, que era apresentada com
antecedência e debatida abertamente, com grandes condições de hegemonia
70
.
Ele considera manifestações dessa hegemonia, por exemplo, o slogan O Rio
civiliza-se”, referindo-se às reformas de Passos, cunhado e difundido na época. O
plano de Pereira Passos representaria o ápice desse período; o ano de 1906 (ano
de inauguração da Avenida Central e do fim da gestão de Pereira Passos à frente
da prefeitura do Rio de Janeiro), entretanto, marca para ele o início do declínio dos
planos de melhoramentos e embelezamentos, por vários motivos. Não
concordamos com Villaça nessa hipótese; com efeito, entendemos que tais planos
seguiram hegemônicos até o final da década de 20, quando passam a ser
substituídos por outro tipo de plano, de cunho mais abrangente e científico, já
vinculado ao urbanismo moderno.
Mesmo nestes, entretanto, a terminologia resiste: o próprio plano de
Agache para o Rio de Janeiro, o primeiro dos novos planos, chamava-se ainda,
apesar de ser concluído em 1930, Cidade do Rio de Janeiro: Remodelação,
Extensão e Embelezamento. Aos poucos, entretanto, nessas primeiras décadas
do século XX, vemos que a ênfase dos planos urbanos se desloca
progressivamente do embelezamento para os melhoramentos e, dentre estes,
para o funcionamento da cidade. Ao final do processo, a cidade eficiente terá
substituído a cidade bela, City Scientific no lugar de City Beautiful
71
.
Assim, o Plano de Melhoramentos insere-se num conjunto de planos das
primeiras décadas para quase todas as capitais e cidades mais importantes
(portuárias, institucionais, etc.) do país. Em São Paulo, é contemporâneo dos
sucessivos projetos para o Anhangabaú, de Silva Telles em 1907, de Victor da
Silva Freire em 1911 (com Eugênio Guilhem), da Prefeitura Municipal, e de
Samuel das Neves em 1911, do Governo Estadual, e do já citado Plano de Joseph
Antoine Bouvard, de 1911. Em Salvador, dos Projectos de Melhoramentos em
Parte da cidade de Salvador” de 1910, de Jerônymo Teixeira de Alencar Lima
72
.
Em Recife, da Remodelação completa do bairro portuário (o bairro do Recife),
entre 1909 e 1914, com o Novo Projeto de Melhoramento do porto do Recife, o
69
REIS, José de Oliveira. O Rio de Janeiro e seus Prefeitos. Rio de Janeiro: Prefeitura da Cidade
do Rio de Janeiro, 1977, pp. 17-18.
70
VILLAÇA, 1999, op. cit., p. 197.
71
A oposição foi criada por Jean-Louis Cohen, que detalha: Aos slogans da City Beautiful,
progressivamente contaminados pela introdução das técnicas do zoneamento funcional, se opõem
aqueles da City Scientific, isto é, de um urbanismo vinculado ao domínio das relações entre a
economia urbana, o desenvolvimento e o desenho da cidade e, sobretudo, ao desenvolvimento
dos transportes mecanizados”, in COHEN, 2003, op. cit., p. 23.
72
Abertura, alargamento e retificação de diversas ruas da Cidade Alta de Salvador, como a Av. 2
de Julho, para desafogar o bairro da Sé. O projeto fornece as bases para as intervenções do
governador J. J. Seabra, entre 1912 e 1916. Todas essas manifestações estão descritas ao longo
de LEME, 1999, op. cit.
79
Plano de Saneamento do Recife, do Engenheiro Saturnino de Brito (1909-1915,
envolvendo sistemas de esgotamento sanitário e abastecimento de água), e os
Plano Geral de Arruamentos e Projecto de Melhoramentos (1917). Em Niterói, que
reassume como capital do estado do Rio de Janeiro em 1903, corresponde às
Reformas e Melhoramentos em 1913, com o arquiteto francês Emile Tessain e o
arquiteto italiano Pedro Campofiorito como auxiliar.
Na América do Sul, o Plano Maciel é contemporâneo e bebe da mesma
fonte dos projetos para o Concurso de Avenidas de Montevidéu em 1911 (Fig.
1.19), e pouco posterior às primeiras grandes cirurgias urbanas de Buenos Aires,
com a implantação das Diagonais. O Concurso de Avenidas tem abrangência
maior que o Plano dos Melhoramentos, atingindo toda a cidade de Montevidéu, à
época mais importante e populosa que Porto Alegre.
Las propuestas materializadas a través del Concurso de las Avenidas de 1911, proponían
el modelo del urbanismo monumental de principio de siglo para la resolución del espacio y
los edificios públicos y el de la ciudad jardín como alternativa para ciertas formas
residenciales. Las intenciones de dotar de un ordenamiento superior a la ciudad
espontáneamente desarrollada se resolvían todavía dentro de las morfologías básicas de
la ciudad antigua: la calle y la manzana”.
73
Finalmente, em termos internacionais o Plano dos Melhoramentos é
contemporâneo de planos e momentos fundamentais para o urbanismo do século
XX, mas deles não se beneficia. Não há evidencias de que Maciel conhecesse o
Plano de Chicago de 1909, de Daniel Burnham e Edward Bennett, as realizações
do movimento das Cidades-Jardim na Inglaterra (a primeira cidade-jardim,
Letchworth, é de 1903) ou o tratado de Raymond Unwin Town Planning in
Practice, publicado em 1909, no mesmo ano da primeira lei sobre o planejamento
urbano no Parlamento inglês. O Plano é publicado poucos anos depois da Town
Planning Conference de Londres, de outubro de 1910, onde se confrontam o
urbanismo francês de Hénard (que ali apresenta seu trabalho sobre “as cidades do
futuro”), Hébrard e Jaussely, o urbanismo alemão, o Plano de Chicago de
Burnham e as primeiras realizações de Unwin; das Exposições de Urbanismo
organizadas por Werner Hegemann em Berlim (1910) e Düsseldorf (1911), e dos
concursos para a Grande Berlim (1910) e para a nova capital da Austrália,
Canberra (1911).
Se comparado a qualquer dos planos brasileiros contemporâneos,
entretanto, o Plano dos Melhoramentos de Moreira Maciel se destaca como o de
maior abrangência, trazendo propostas articuladas de transformação da cidade
73
Concurso Internacional de Proyectos para el trazado general de avenidas en la ciudad de
Montevideo”, Revista Arquitectura, Montevideo, 1920, in: BENECH, Enrique; SPRECHMANN,
Thomas; VILLAMIL, Arturo, BASTARRICA, Juan. MONTEVIDEO Aspectos Morfológicos y
Tipológicos de sus Estructuras Residenciales 1945-1983. Montevideo: (s/ed.) II Congreso Nacional
de Arquitectos-Sociedad de Arquitectos del Uruguay, octubre 1983, pp 23-24.
80
“colonial” e provinciana do início do século XX em uma cidade modernizada,
saneada e embelezada. Suas propostas orientaram diretamente a modernização
da cidade nos vinte anos seguintes, e indiretamente até hoje, pela permanência de
suas diretrizes nos sucessivos planos que se seguiram. Baseado nos princípios de
circulação, saneamento e embelezamento, o Plano insere-se na corrente
hegemônica dos planos de melhoramento e embelezamento do início do século.
Apesar de não conter diretrizes morfológicas, orientou a modernização da
morfologia e da imagem da cidade, na busca dos paradigmas urbanos
simbolizados na Paris de Haussmann e, mais perto, no Rio de Janeiro de Pereira
Passos. Finalmente, representou um poderoso instrumento político para o PRR,
na sua estratégia de controle político, através do controle do espaço urbano da
capital, e de sua transformação no sentido da ordem, mas principalmente do
progresso.
81
2º CAPÍTULO
OS ANOS 30 E A CONTRIBUIÇÃO DE UBATUBA DE FARIA E EDVALDO
PAIVA
INTRODUÇÃO
Propúnhamos a ampliação do Centro pela criação do ‘Perímetro de Irradiação’,
anel de ruas contínuas, colocado a uma determinada distância desse Centro,
ligando entre si vários pontos a serem localizados na periferia. (...) Nesse
‘perímetro’ desembocariam todas as avenidas radiais, novas e projetadas. (...)
Com a solução do ‘Perímetro’, extraída da obra de F. Prestes Maia, dilatávamos
o centro atual, desviávamos o tráfego de passagem por ele, distribuíamos
melhor o tráfego e criávamos novas condições para certos sectores
abandonados da cidade baixa”. Edvaldo PAIVA. Problemas Urbanos de Porto
Alegre, 1951, p. 12.
Vinte anos depois de sua elaboração, a implantação do Plano de
Melhoramentos se dava de forma progressiva, ainda que parcial. As obras de
reforma do centro previstas no Plano foram executadas a partir da gestão de
Otávio Rocha (1924-28), que iniciou a abertura da Avenida Borges de Medeiros, e
tiveram continuidade nas gestões de Alberto Bins (1928-37), em meio a grande
expansão urbana. Durante o período, afirma-se nos setores técnicos municipais a
necessidade de um plano mais abrangente para a cidade, complementando e
atualizando o Plano de Melhoramentos para a área central e indicando diretrizes
de ocupação e de extensão mais adequadas ao grau de complexidade adquirido
por seus problemas urbanos. A idéia de um plano de conjunto mirava-se nos
exemplos do Plano Agache para o Rio de Janeiro e do Plano de Avenidas de
Prestes Maia para São Paulo, que tinham sido apresentados quase
simultaneamente alguns anos antes, e vinha sendo seguida em outras capitais e
grandes cidades brasileiras.
Em 1935, por iniciativa própria, os engenheiros municipais Ubatuba de
Faria e Edvaldo Paiva desenvolveram um Plano de Avenidas e uma série de
estudos e projetos correlacionados para a cidade. Com ampla divulgação pelo
pioneirismo e abrangência, os trabalhos foram publicados separadamente no
Boletim da Sociedade de Engenharia do Rio Grande de Sul (SERGS),
apresentados numa Exposição de Urbanismo em 1936 e posteriormente editados
conjuntamente como Contribuição ao Estudo da Urbanização de Porto Alegre em
1938, já na administração Loureiro da Silva.
A Contribuição ao Estudo da Urbanização de Porto Alegre é o objeto do 2º
Capítulo da Tese, que inicia pela descrição do contexto sócio-econômico e urbano
de Porto Alegre nos anos 30: reforma do centro, aceleração do processo de
crescimento urbano e expansão por loteamentos, e progressivo esgotamento do
modelo político-ideológico e administrativo do PRR face às mudanças que se
seguem à Revolução de 1930. É analisado o impacto da Exposição Comemorativa
do Centenário da Revolução Farroupilha sobre a cidade, balizando sua nova
82
imagem urbanística e arquitetônica, e constituindo, em si mesma, um modelo
reduzido de cidade ideal.
A Contribuição é examinada detidamente como documento, em sua
estrutura e discurso, e enquanto Plano Urbano, com seus correspondentes
projetos urbanísticos e arquitetônicos. As referências de Agache e Prestes Maia,
reconhecidas explicitamente pelos autores, e do urbanismo da Société Française
des Urbanistes (SFU), mesmo que por vias indiretas, são evidentes no desenho e
no discurso da Contribuição. Elas são examinadas e confrontadas com outros
paradigmas arquitetônicos e urbanísticos das décadas de 20 e 30: o movimento
da Cidade-Jardim, os remanescentes do movimento City Beautiful, o urbanismo
alemão, o Art Déco e o que Kenneth Frampton e William Curtis denominaram
Nova Tradição”, a arquitetura monumental racionalizada e de influência
acadêmica dos regimes autoritários da década de 30, presente em praticamente
todos os países ao longo da década, inclusive no Brasil de Vargas.
REFORMA, EXPANSÃO URBANA E OS LIMITES DO PLANO MACIEL: PORTO
ALEGRE NA DÉCADA DE 30
Em Porto Alegre, os 20 anos que se seguiram ao Plano Geral de
Melhoramentos foram marcados pela reforma urbana do centro e pela forte
expansão urbana e suburbana. Os dois processos vão ocorrer simultânea e
correlativamente, mas não numa relação direta de causa e efeito, como alguns
autores enfatizam. Com efeito, a expansão não tem seu ritmo ditado apenas pela
acomodação dos moradores expulsos do centro pela reforma, mas corresponde
às novas condições do desenvolvimento sócio-econômico e urbano da cidade. O
quadro está vinculado ao período de continuidade administrativa dos governos do
PRR e seu sucessor PRL, que na capital sobrevive a uma Guerra Mundial, às
Revoluções de 1923 e 1930, à grande crise de 1929, à Revolta Constitucionalista
de 1932, à Constituinte de 34, aos levantes comunista e integralista, chegando até
o Estado Novo, em 1937, com apenas três Intendentes/Prefeitos: José Montaury,
Otávio Rocha e Alberto Bins.
Essa continuidade administrativa, se por um lado consagra as práticas
políticas e administrativas e a ideologia do positivismo castilhista, não se
apresenta de forma monolítica no período, revelando tempos fortes e fracos,
diferenças de ritmo, ênfases e estratégias.
Como vimos no 1º Capítulo, a longa administração de José Montaury
(quase 30 anos, de 1897 a 1924) legou à cidade o Plano Geral de Melhoramentos,
com seu conjunto de diretrizes, e implantou uma base de infra-estrutura para o
desenvolvimento urbano, especialmente no Centro e limites do Primeiro Distrito.
Assumindo, coerentemente com os princípios positivistas, obras que em outras
capitais estavam afetas aos governos estaduais, esgotou os recursos que
poderiam ser utilizados para a reforma urbana. Dentro da filosofia do “conservar,
melhorando”, podemos dizer que predominou a conservação, e os melhoramentos
83
previstos pelo Plano ficaram para depois. Entretanto, as obras do porto,
desenvolvidas durante a segunda década do século XX sob responsabilidade do
Estado e parcialmente inauguradas na gestão Montaury, foram de enorme
significado para a modernização e equipamento do centro comercial, e forneceram
o espaço, ganho ao rio por aterro, para as primeiras obras previstas no Plano.
Contrastando com o ritmo lento e conservador da administração Montaury,
o engenheiro Otávio Rocha governou por apenas quatro anos (1924-1928),
falecendo ao final de seu mandato, mas teve sua curta gestão marcada por
grandes e visíveis intervenções viárias, que deram início efetivo à reforma urbana
e modificaram decisivamente a estrutura e a imagem do centro da cidade. Rocha
era um dos melhores quadros políticos e técnicos do PRR, e assumiu com a
missão de recompor os apoios ao partido, seriamente abalados no decorrer da
Revolução de 23, e preparar sua renovação na “sala de visitas” do estado.
Como vimos no capítulo anterior, a estratégia de Rocha se apoiava em três
pontos básicos para garantir seus objetivos: a renovação acelerada da estrutura
urbana para adaptá-la às novas demandas de uma cidade que crescia e se
modernizava, a produção de uma paisagem urbana esteticamente compatível com
esta modernidade, especialmente no centro, e a manutenção da ordem urbana
através de um rigoroso controle social
1
. O primeiro ponto requeria ações em
saneamento, equipamento e circulação; o segundo ações de embelezamento e
incentivo a novos tipos de edificação, e o terceiro o reforço à aliança entre o PRR
e a burguesia comercial e industrial, com a escolha de Alberto Bins para vice de
Rocha. Nos dos dois primeiros, as ações tinham suas diretrizes no Plano Geral de
Melhoramentos, fortalecido por Rocha ao escolher para início da reforma urbana a
construção de três artérias principais, as avenidas Júlio de Castilhos, São Rafael
(atual Otávio Rocha) e Borges de Medeiros.
Como pressupostos para a reforma urbana, Rocha executou reformas
administrativas para facilitar a arrecadação de impostos, aumentar o orçamento
público e a qualificação do corpo técnico da Intendência. Além de uma nova
política fiscal, o prefeito reabriu a contratação de empréstimos externos para
custear as obras, beneficiado por uma conjuntura externa favorável, determinou
que as construções do centro obedecessem às orientações do Plano de
Melhoramentos, propondo alterações no código de construções, e criou uma
Comissão Especial de Obras Novas para coordenar a reforma urbana que
iniciava.
Na sua gestão foi concluída a parte central da área portuária e executada a
abertura da Avenida Júlio de Castilhos, paralela ao cais, alargada a Rua 24 de
Maio, criando avenida de ligação entre a Praça XV e a São Rafael (atual Otávio
Rocha), primeira percée do centro, e iniciou-se a grande obra de travessia do
espigão divisor de águas com a abertura da Avenida Borges de Medeiros. Além
1
SOUZA, 2005, op. cit., especialmente item 1.1 AS FASES DE IMPLANTAÇÃO E AS OBRAS,
pp. 172-177.
84
das obras referentes à reforma urbana do centro, todas previstas no Plano de
Melhoramentos, Rocha iniciou o prolongamento da Avenida João Pessoa até a
estrada do Mato Grosso (Avenida Bento Gonçalves) e o ajardinamento do Parque
da Redenção segundo o projeto de Maciel. Foi construída a estação férrea
Ildefonso Pinto, e remodelaram-se os serviços de iluminação pública e
abastecimento de água.
Com a morte de Otávio Rocha, pouco antes de terminar o mandato,
assumiu seu vice, o industrial Alberto Bins, no mesmo ano eleito como Intendente.
Mantido por Flores da Cunha em 1930, confirmado por este em 1932 e
governando até o Estado Novo, em 1937, Alberto Bins deu continuidade às obras
iniciadas por Rocha na reforma urbana do centro, e empreendeu algumas novas,
a maior parte fora dos limites do Plano. No centro, Bins prosseguiu com a abertura
da Avenida Borges de Medeiros, complementando a travessia do espigão da Rua
Duque de Caxias com a obra do Viaduto Otávio Rocha, e concluiu o alargamento
da Avenida São Rafael da Praça Otávio Rocha até a Rua Cristóvão Colombo (hoje
Avenida Alberto Bins), proporcionando uma nova ligação com a Floresta e os
bairros operário-industriais a norte.
Fora do centro, Alberto Bins incentivou fortemente a expansão urbana com
o lançamento de um ambicioso Plano de Pavimentação, com a implantação de
faixas de concreto e melhorias de pavimentação nas principais avenidas radiais,
que ligavam o centro aos bairros, em algumas ligações perimetrais entre bairros,
iniciando o esboço de um sistema rádio-concêntrico, e de estradas municipais,
especialmente em direção à zona sul. Iniciou o saneamento dos bairros São João
e Navegantes, remodelou praças, melhorou o tratamento de água, expandiu as
redes de água e esgotos, e reorganizou o tratamento de lixo. Trouxe o urbanista
Alfred Agache para uma proposta de Plano de Conjunto, que não vingou, e para
um novo projeto para o parque da Várzea, que foi realizado, e sobre ele organizou
como Comissário Geral a grande Exposição Farroupilha de 1935, de enorme
impacto para a cidade.
Alberto Bins é geralmente visto como um continuador da obra de Rocha, e
sua gestão como uma fase de consolidação da reforma urbana seguindo as
diretrizes do Plano de Melhoramentos, com a conclusão de grande parte das
obras de saneamento, melhoramento e embelezamento do centro, e início de
outras, previstas ou não no Plano. Uma análise mais acurada, entretanto, revela
grandes diferenças de ritmo, métodos e estratégia entre as duas gestões, uma
ênfase maior de Bins no privilégio da expansão urbana em detrimento das
custosas obras de reforma do centro, dificuldades financeiras e de arrecadação, e
um certo esgotamento dos limites do Plano de Melhoramentos como orientador do
desenvolvimento urbano da cidade.
O melhor exemplo é dado pela atribulada implantação da maior obra
prevista no Plano, a Avenida Borges de Medeiros, com suas sucessivas
paralisações, mudanças de traçado e alinhamento, e discussões públicas sobre as
prioridades e custos de sua complementação, só efetivada na administração
85
Loureiro da Silva, em 1943, em circunstâncias inteiramente novas. As dificuldades
financeiras, agravadas com a crise de 1929 e a impossibilidade de novos
empréstimos externos, e as novas condições políticas geradas pela Revolução de
30, tornavam praticamente impossível a manutenção do ritmo de desapropriações
e contratações necessárias à implantação de uma remodelação viária mais
extensa na área densamente ocupada do centro urbano, mesmo para sua obra
mais visível e emblemática. Em função disso, a nova imagem de Porto Alegre,
melhorada e embelezada pelo Plano Maciel, que já estava presente nas novas
avenidas do centro, como a Julio de Castilhos e a atual Otávio Rocha, e no próprio
Viaduto Otávio Rocha, ainda restava incompleta naquela que seria seu paradigma
de modernidade, a Avenida Borges de Medeiros.
A década de 20 é uma época de intenso crescimento urbano de Porto
Alegre, mesmo que o crescimento demográfico tenha arrefecido em relação às
décadas precedentes. Se compararmos as plantas de Porto Alegre de 1916
2
,
organizada pela Intendência Municipal sob a coordenação de Moreira Maciel, e de
1937, da Diretoria de Cadastro e Patrimônio, com participação dos engenheiros
Ubatuba de Faria e Edvaldo Paiva, é possível identificar as direções preferenciais
dessa expansão. Mesmo que nas duas plantas as áreas efetivamente ocupadas e
urbanizadas se revelem muito inferiores às áreas arruadas ou loteadas, o
crescimento observado é impressionante.
Na planta de 1916, a área arruada expande-se a norte, no Quarto Distrito,
mantendo a tendência já observada ao final do século XIX com a localização
industrial e operária nos bairros São João e Navegantes; ao nordeste, na
seqüência do bairro Moinhos de Vento, através dos novos loteamentos de média e
alta renda de Bela Vista e Auxiliadora ao longo do divisor de águas da Estrada da
Pedreira (hoje Rua 24 de Outubro); a sudeste, entre o arroio Dilúvio e a Rua
Santana, e ao longo das estradas do Mato Grosso (Partenon), da Cascata (Glória)
e da Cavalhada (Teresópolis); e a sul até o Morro Santa Teresa.
Na planta de 1937, além do progressivo preenchimento dos vazios
intersticiais entre as áreas ocupadas na planta anterior, em todos os quadrantes,
até o limite da atual Terceira Perimetral, nota-se um crescimento através da
ocupação de grandes glebas, principalmente a nordeste e leste, e a sul. A
nordeste, ao redor da estrada para Gravataí (atual Avenida Assis Brasil), estavam
loteadas as glebas de Vila Floresta (à esquerda), em um padrão singelo de
cidade-jardim, Passo da Areia e Vila Progresso (à direita), todas destinadas à
classe operária, e parte da Boa Vista e Higienópolis, destinadas à classe média,
principalmente de origem alemã. Além da atual Avenida Carlos Gomes, surgia um
pequeno enclave burguês ao redor da Praça Japão, hoje parte do bairro Boa
Vista.
2
Planta da Cidade de PORTO ALEGRE, Capital do Estado do Rio Grande do Sul. Organizada pela
Intendência Municipal. 1916.
86
Ao sul do Morro Santa Teresa, a expansão seguiu o eixo da costa e a
implantação da nova avenida de acesso, com o loteamento dos bairros Cristal,
Tristeza, Vilas Assunção e Conceição, e Ipanema, chegando até o Espírito Santo
e Guarujá. Uma outra diretriz iniciava a ligação da zona sul, na Tristeza, com os
novos bairros a sudeste (Glória e Teresópolis), através de loteamentos de
chácaras rurais em Camaquã e Cavalhada. A Avenida Coronel Marcos constituía
o divisor de renda: entre ela e a margem, Vila Assunção, Vila Conceição e
Ipanema se caracterizam como loteamentos tipo cidade-jardim, destinados à
moradia e veraneio das classes média e alta: do outro lado, predominava um
padrão de arruamento ortogonal, destinando-se a famílias de menor renda.
Entretanto, é na direção leste que a expansão revelava-se mais intensa,
acrescentando uma enorme área loteada à malha original. O vetor de crescimento
era a estrada do Caminho do Meio (Av. Protásio Alves), acesso a uma série de
loteios de chácaras em seus dois lados, até os limites da Estrada do Forte. Trata-
se de um conjunto de loteamentos desarticulados entre si, numa justaposição de
grelhas mais ou menos ortogonais, traçados vagamente “paisagísticos e traçados
claramente inspirados na cidade-jardim, onde hoje estão os bairros Petrópolis,
Bela Vista, Chácara das Pedras, e Três Figueiras, Vila Bom Jesus e Vila Jardim.
Os primeiros visavam a classe média, os dois últimos a classe operária. Do outro
lado do Morro Santana, a Estrada do Mato Grosso (Av. Bento Gonçalves) dava
acesso a loteamentos em seus dois lados, o maior deles subindo o morro São
José em grelha ortogonal (bairro São José), flanqueado por pequena trama em
padrão cidade-jardim (Vila João Pessoa), destinados à classe operária. O Beco do
Salso assegurava precariamente a ligação dos dois eixos centrais, e a Estrada do
Forte ligava a Vila Jardim ao Passo da Areia, a norte. Tratava-se, à época, de
loteamentos ainda não urbanizados e ocupados, mas em seu conjunto
praticamente dobravam a área urbana da capital.
O crescimento se dava basicamente através de três processos:
Densificação da área ocupada por substituição tipológica, para atualização
de um acervo imobiliário vetusto, especialmente no centro e bairros
pericentrais do primeiro, segundo e terceiro distritos;
Preenchimento de vazios existentes entre as áreas ocupadas, por
pequenas ou médias operações deinfill: pequenos arruamentos ou
conjuntos de casas de renda por agentes privados;
Expansão por loteamentos, geralmente estruturados ao longo de antigas
estradas de acesso, radiais convertidas em eixos de desenvolvimento a
partir da implantação das linhas de bonde elétrico na primeira década do
século XX, e sua expansão nas décadas seguintes.
Nos três casos, o crescimento se dá com a incorporação de novas
tipologias arquitetônicas, que vão se somar a um repertório tipológico
praticamente estagnado desde o último quartel do século XIX. No primeiro caso,
adotam-se novos tipos de edifícios comerciais, mistos e residenciais de maior
intensidade de ocupação, em dois ou mais pisos, incentivados pela legislação; os
87
primeiros edifícios em altura fazem sua aparição no início dos anos 30. No
segundo caso, são introduzidas tipologias residenciais racionalizadas, casas e
sobrados isolados, geminados ou em fita, casas de altos e baixos, geminadas ou
em fita, com forte
88
loteamentos, sendo os lotes taxados a partir de sua comercialização, incidindo
assim a tributação sobre os novos proprietários
5
. As constantes reclamações dos
proprietários de imóveis pela precariedade dos serviços públicos nas novas áreas
levaram o Prefeito Alberto Bins a retificar os limites da zona urbana, através do
Decreto nº 220/1931, reduzindo-os em relação aos extrapolados no Decreto de
1927.
Ao longo do período, verifica-se nova mudança do perfil dos agentes
imobiliários. A ubíqua Cia. Predial e Agrícola praticamente monopolizou o mercado
de terras da capital e do Estado até a metade da década de 20, com áreas na
periferia da cidade em arrabaldes ou bairros emergentes, tanto na zona sul
(Glória, Teresópolis, Partenon) quanto na zona norte (Navegantes, São João,
Higienópolis e Auxiliadora), então os dois principais vetores de crescimento. A
introdução dos bondes elétricos a partir de 1908, a implantação de fábricas e os
melhoramentos públicos em infra-estrutura e no sistema viário nos bairros
industriais da zona norte impulsionaram a atuação da companhia e valorizaram
indiretamente seu patrimônio.
A partir de 1925, com a reforma da área central e a expansão urbana, o
setor imobiliário passou por um crescimento notável, com a incorporação de novas
empresas, principalmente do capital comercial e industrial de origem alemã. A
principal delas foi a Schilling Kuss & Cia. Ltda., empresa criada em 1926 com
recursos do setor comercial, que passou a liderar o mercado de terras a partir da
década de 30 até os anos 50, concentrando seus investimentos nas áreas de
expansão a leste, novo vetor prioritário de crescimento da cidade no período.
A atuação da companhia ilustra exemplarmente os processos de expansão
urbana da década de 30. O patrimônio imobiliário foi constituído antes da
empresa, no início dos anos 20, pela aquisição de uma série de chácaras
contíguas em zona suburbana de Porto Alegre, com boa condição física,
aprazibilidade e acessibilidade, onde hoje se encontram os bairros Petrópolis, Bela
Vista, Chácara das Pedras e Três Figueiras, todos oriundos de loteamentos seus.
A empresa procurava facilitar o acesso aos novos loteamentos através de
contratos com empresas de transportes para estabelecimento de linhas de ônibus
com trajetos através de suas vias internas, e valorizava-os através da edificação
de algumas moradias exemplares, de boa qualidade arquitetônica, sinalizando o
5
STROHAECKER (2005) analisa o mercado de terras e a incidência da legislação como
instrumento político de viabilização da expansão urbana e da segregação sócio-espacial no
período. Seu Quadro nº3 ilustra a incidência do imposto sobre terrenos não edificados em Porto
Alegre em 1927, que variava de 100 mil réis por metro de frente no núcleo central (Andradas/São
Rafael/Júlio de Castilhos), a metade disso do núcleo central até a Rua Ramiro Barcelos, baixando
progressivamente nos bairros pericentrais até um mil réis por metro entre a Protásio Alves e a
Bento Gonçalves. A taxação era maior na principal rua de comércio e nas novas avenidas abertas
por Otávio Rocha, incentivando sua ocupação compulsória. STROHAECKER, Tânia Marques.
Atuação do público e do privado na estruturação do mercado de terras de Porto Alegre (1890-
1950). Scripta Nova. Revista electrónica de geografía y ciencias sociales. Barcelona: Universidad
de Barcelona, 1 de agosto de 2005, vol. IX, n.194 (13), pp. 10-11.
89
padrão do empreendimento e balizando o mercado para as vendas. Trata-se de
procedimentos pioneiros, ilustrando a modernidade dos métodos utilizados pela
empresa, que posteriormente se incorporaram ao mercado imobiliário; a
construção de moradias exemplares é até hoje utilizada como parte do marketing
imobiliário nos apartamentos decorados ou nas casas-testemunho em
condomínios fechados.
Como conseqüência desse processo de expansão urbana, Porto Alegre
chegou aos anos 30 com o dobro da área ocupada à época do Plano de
Melhoramentos. A expansão se deu seguindo a diretriz das radiais e da
implantação das linhas de bonde elétrico, deixando muitos espaços vazios entre
elas e entre loteamentos ao longo delas. Alguns loteamentos estavam sendo
ocupados com infra-estrutura precária ou inexistente, em distâncias de 6 a 7 km
do centro da cidade. Em função disso, todos os diagnósticos da época apontavam
a necessidade e a urgência de um plano de conjunto para a cidade, capaz de lidar
com a nova escala de seus problemas urbanos. Segundo Edvaldo Paiva, o
processo de crescimento urbano não controlado e a intensa especulação
imobiliária dos anos 1926/29, produziram um amálgama de loteamentos
desconexos, estendendo-se a grandes distâncias”, causando uma completa
desorganização da vida da cidade
6
, conflitos entre o sistema viário existente e o
crescente tráfego motorizado, congestionamento do centro, distâncias crescentes
entre este e os bairros, e entre locais de moradia e de trabalho.
A cidade existente da década de 30 transbordava de muito os limites do
Plano Maciel, passando a fazer jus às recorrentes metáforas biológicas do “polvo”,
com a expansão radial assemelhando-se a tentáculos estendidos sobre o
território, ou do “tumor”, proliferando sobre o tecido através das metástases
representadas pelos loteamentos. A doença estava sendo diagnosticada. Não
tardariam as primeiras prescrições de cura.
O IMPACTO DA EXPOSIÇÃO DE 1935
Em 20 de setembro de 1935, o Governo do Estado do Rio Grande do Sul
inaugurava uma grande exposição em comemoração ao Centenário da Revolução
Farroupilha. A exposição foi montada sobre a área daVárzea” ou Campo da
Redenção, destinada a parque municipal com projeto de Alfred Agache, que
passou desde então a chamar-se Parque Farroupilha. A exposição foi encerrada
em 15 de janeiro de 1936, e os pavilhões, em madeira e estuque, foram
desmontados até 1939. Restaram poucas evidências da importância do evento
para a cidade: o lago, seu belvedere e embarcadouro, o eixo principal e a fonte
luminosa, o Instituto de Educação, pavilhão cultural da exposição, o pavilhão do
Pará (conhecido como “pavilhão marajoara”) e alguns monumentos. Entretanto, o
impacto da exposição para a construção da imagem urbana da cidade moderna
6
PAIVA, Edvaldo. Problemas urbanos de Pôrto Alegre. Porto Alegre, junho de 1951, p.10.
90
transcende esse legado físico, através de uma instigante relação entre o
permanente e o transitório, exemplarmente sintetizada na simbiose entre o
desenho do parque e o da exposição.
“O resultado desta síntese, produzindo um plano preciso e coerente em si mesmo, atesta
o grau de identidade recíproca entre o projeto do parque e o da exposição; estes dois
fatos, distintos na medida em que um se pretendia permanente e o outro transitório, estão
associados, porém, pela vontade comum de se constituírem em fato urbanístico sobre a
mesma área da cidade, a ‘Várzea da Redenção’. O parque foi, pois, incorporado à cidade,
através desta bem sucedida fusão”.
7
Em 1928, a Prefeitura convidou o arquiteto e urbanista francês Alfred H.
Donat Agache para colaborar na elaboração de um novo plano de melhoramentos
para a cidade. A decisão resultou de uma visita ao Rio de Janeiro do então diretor
da Comissão de Obras Novas, Fernando Martins, para tomar contato com as
obras de remodelação da Capital Federal, conhecendo na ocasião o trabalho de
Agache. Apresentado às propostas do Plano Maciel em Porto Alegre, Agache
endossou a abertura das avenidas Farrapos e Borges de Medeiros, elogiando o
projeto do Viaduto Otávio Rocha do engenheiro Manoel Itaquy, e a criação de uma
Avenida Beira-Rio nos moldes de avenida-parque (parkway)
8
. Em 1929, a pedido
da Prefeitura, elabora um projeto para o Parque Farroupilha, e apresenta proposta
para execução de um Plano de conjunto para a cidade, no valor de 600 contos de
réis. O valor foi considerado exorbitante pelo Prefeito Alberto Bins, e a simples
possibilidade de sua contratação gerou reação entre os técnicos da Prefeitura,
engenheiros locais e parte da imprensa, contrários à importação de um
estrangeiro para resolver os problemas locais.
O projeto de Agache para o parque, entretanto, definiu uma estrutura formal
a partir da qual derivaram todos os traçados e modificações posteriores, até o
atual. Apresentado como Ante Projecto de Ajardinamento do Campo da
Redempção em 1930 (Fig. 2.1), dispunha uma estrutura primária de eixos,
geométrica e formalizada, à qual se contrapunham um lago e jardins com formas
sinuosas periféricas. Agache desconsiderou o retalhamento da área do parque em
nove quarteirões proposto por Maciel, mas reteve seu principal eixo, paralelo à
Avenida João Pessoa, com continuidade na Rua Santana, como diretriz para a
estrutura monumental do projeto.
Em 1935, o anteprojeto de Agache foi utilizado pelo arquiteto municipal
Christiano de La Paix Gelbert como referência básica na definição do plano diretor
da Exposição do Centenário Farroupilha
9
. Seu Plano de Ocupação (Fig. 2.2) da
7
ARQUITETURA COMEMORATIVA Exposição do Centenário Farroupilha 1935. Catálogo da
mostra. Porto Alegre: Assembléia Legislativa do Estado do RGS Projeto UNIARQ/Programa
UNICULTURA da Pró-Reitoria de Extensão da UFRGS, 1999, s/p.
8
BOHRER, op. cit., p. 73-74, e MACHADO, 1998, op. cit., p. 75-80.
9
A exposição de 35 foi implantada, de acordo com o “Relatório do Comissário Geral” publicado em
fevereiro de 1936, após o seu encerramento, como “obedecendo tudo, na medida do possível, o
plano de embelezamento da ‘Várzea’ elaborado pelo urbanista Agache”. RELATÓRIO da
Exposição do Centenário Farroupilha. Porto Alegre: Livraria do Globo, 1936. 38 p. il. Relatório
91
área conservou os principais elementos compositivos da estrutura formal de
Agache, implantando parcialmente seu desenho para receber os pavilhões,
equipamentos e espaços públicos necessários à realização do evento. Os
pavilhões foram organizados ao redor do grande eixo, denominado “Avenida das
Nações”, que iniciava na praça com o Pórtico Monumental e a estátua eqüestre de
Bento Gonçalves (hoje na Praça Piratini), e finalizava no foco do principal deles, o
Pavilhão das Indústrias Riograndenses, que dominava por sua escala e
implantação o conjunto da Exposição (Fig. 2.3).
Arquitetonicamente, o conjunto de pavilhões da Exposição de 35 tem
filiação a estéticas denominadas genericamente Art Déco
10
. Conforme nota D’Aló
Frota, a exposição revela a busca de uma transição sem rupturas entre tradição e
vanguarda, aplicada sobre o âmbito transitório dos pavilhões, que funcionam como
sistemas estéticos exploratórios. É uma fórmula já testada na Exposition
Internationale des Arts Décoratifs Modernes de 1925 em Paris, com a introdução
de uma modernidade conciliadora, light
11
. Os edifícios da Exposição não
buscavam unidade formal absoluta, mas diversidade controlada, utilizando
diferentes modelos de transição à modernidade, com referências futuristas,
racionalistas, cubistas, expressionistas ou suprematistas, coexistindo sem
hegemonia expressiva entre 1920 e 1940. Por outro lado, o aparente ecletismo
também era relativo, já que quase todos procuravam demonstrar afinidade formal
e caráter moderno”, independentemente das qualidades intrínsecas de cada um.
É verdade que parte desse referencial tipológico e figurativo se deve ao
consenso entre os diversos agentes da exposição, públicos e privados, em torno
de algumas idéias de modernidade formal. Entretanto, devemos procurar outros
motivos para isso em duas circunstâncias definidoras: a maior parte dos pavilhões
e equipamentos foi projetada pelo arquiteto municipal Christiano de La Paix
Gelbert, em curto período de tempo, e o sistema construtivo utilizado em quase
todos, com estrutura de madeira e revestimento em estuque, favoreciam certa
homogeneidade de motivos decorativos de superfícies e tratamentos, e mesmo de
volumetrias nos edifícios.
Mesmo em tempos relativamente turbulentos, sete estados (Santa Catarina,
Paraná, São Paulo, Distrito Federal, Minas Gerais
92
e alguns pavilhões dos estados. O Pórtico (Fig. 2.4) em linguagem entre o
Streamline” americano e o expressionismo alemão, é atribuído a Franz Filsinger,
que assina a perspectiva. O pavilhão de Pernambuco, dotado de um pórtico
racionalista, foi projetado por Luís Nunes, pioneiro arquiteto moderno formado pela
ENBA; o pavilhão do Distrito Federal, lembrando o futurismo italiano e o
expressionismo alemão, teve projeto pelo Departamento de Turismo; os pavilhões
de São Paulo e Minas Gerais foram projetados em seus estados, como alegorias
claramente Art Déco. O Cassino de Christiano de La Paix Gelbert era um pavilhão
especial, representando não só um estilo arquitetônico como um estilo de vida,
cosmopolita e moderno. Com referências navais explícitas, especialmente à noite,
constituía-se no mais acabado exemplo do estilo da Exposição, comparado a
um festivo barco navegando no ambiente de fantasia criado para a
comemoração”.
Podemos dizer que a Exposição de 1935 foi um evento comemorativo de
dupla leitura. Por um lado, homenageia os valores ideológicos e simbólicos
associados aos 100 anos do levante armado dos “farrapos contra o poder central,
com todas suas conotações em um momento delicado das relações entre o
Estado e o Governo Federal; por outro, sinaliza o esforço da sociedade agrícola e
industrial gaúcha na busca um modelo de modernização que atuasse como
impulsor do desenvolvimento regional
12
, fora do complexo pecuário da metade sul.
A escala e localização do Pavilhão das Indústrias Riograndenses na Exposição
ilustra a importância conferida aos segmentos econômicos “modernos” no modelo
de desenvolvimento (Fig. 2.5).
No contexto regional, a Exposição revela-se como a primeira tentativa de
produzir um conjunto de edificações baseado em vocabulário arquitetônico de
estética nitidamente modernizante”. Os pavilhões atuavam como veículos de
comunicação condensada da imagem modernizadora. Fornecem os instrumentos
figurativos que servem de referência, dispondo e coordenando os mais variados
elementos associados à idéia de modernidade, com inspiração nas Grandes
12
Segundo PESAVENTO, o Rio Grande do Sul, no decorrer da República Nova, ocupava a
posição periférico-dependente mais importante do país”, pelo seu papel na aliança vitoriosa da
Revolução de 30. As expectativas e esforços de parcelas importantes da sociedade gaúcha em
busca de uma afirmação nacional, através da aceleração do desenvolvimento regional ao longo da
primeira metade da década culminaram, em 1935, na comemoração do Centenário Farroupilha. A
revolta dos Farrapos, símbolo maior da afirmação e autonomia regional perante o país, foi
comemorada de maneira espetacular na exposição promovida pelo General Flores da Cunha
(interventor nomeado por Vargas em 1930, Governador em 1934), num momento em que este
apresentava ao Presidente da República um relatório com o balanço dos cinco anos de sua
administração, e seu Partido Republicano Liberal (PRL, representando a ala que apoiara Vargas
durante a Revolução Constitucionalista de 32) realizava um esforço de recomposição da coalizão
no poder, então abalada por conflitos entre os interesses regionais de autonomia e o projeto
nacional de Vargas. A proposta política do Governo estadual de 35, com seu programa de
desenvolvimento econômico e incentivo à industrialização como forma de integração regional e
participação soberana no cenário nacional, viu-se sem condições de sobrevivência no processo de
modernização conservadora e centralizadora que culmina na instauração do Estado Novo em
1937. PESAVENTO, Sandra Jatahy. História do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Editora Mercado
Aberto, 1980. 94 p.
93
Fig. 2.4 - Exposição do Centenário Farroupilha. Pórtico de
Entrada com estátua eqüestre de Bento Gonçalves, 1935.
Fig. 2.2 - Exposição do Centenário Farroupilha. Implantação,
Christiano de la Paix Gelbert sobre projeto de Agache, 1935.
Fig. 2.5 - Exposição do Centenário Farroupilha. Av. dos
Estados com Pavilhão das Indústrias do RGS, 1935.
Fig. 2.3 - Exposição do Centenário Farroupilha. Vista Aérea, 1935.
Fig. 2.1 - Alfred Agache. Projeto para o Campo da
Redenção, 1930.
94
Exposições Internacionais realizadas nos anos 20 e 30 na Europa e nos Estados
Unidos. A função arquitetônica das feiras se amplia, e os pavilhões adquirem
dupla função: expor, atuando como uma estrutura de suporte à exposição de
produtos, e expor-se, através de sua forma, como um novo meio de comunicação.
Dessa forma, o “estilo EXPO”, baseado exclusivamente no efêmero, passa a
incorporar valores de representação permanente
13
. No contexto nacional, a
Exposição de 35 superou a Feira Internacional de Amostras, realizada no Rio de
Janeiro em 1934, tanto em escala e repercussão, quanto na associação às idéias
de modernidade
14
através do conjunto urbanístico e arquitetônico.
Com a desmontagem da exposição, completada em 1939, o Parque já
estava praticamente implantado em sua estrutura primária, faltando completar o
desenho original de Agache para os espaços subsidiários. Em 1940, ao detalhar o
projeto no âmbito do Plano de Urbanização de Loureiro da Silva, o arquiteto
Arnaldo Gladosch acrescentou alguns recantos e jardins, concebidos como “folies
românticas ou pitorescas, alterando o desenho original, mas não sua essência.
Isso foi possível em função das qualidades intrínsecas do projeto de Agache,
concebido em dois níveis de organização: uma estrutura primária monumental, de
caráter global e permanente, e espaços subordinados, secundários e de caráter
circunstancial ou particular.
Em sua análise do parque, Luz e Oliveira destacam esse aspecto
15
, e
concluem que os dois níveis de organização da área possibilitaram que o parque
fosse transformado pontualmente ao longo dos anos, sem, no entanto, alterá-lo
como um todo. Para eles, essa dupla entrada também possibilitou o convívio de
dois estilos paisagísticos no parque; o do jardim francês e o paisagismo inglês,
preocupados respectivamente em definir um cenário à imagem e semelhança da
razão humana e da natureza idealizada, aqui atuando complementarmente.
13
As considerações contidas no Relato apresentado após o encerramento, demonstram a
importância dada à utilização da luz elétrica nos recintos da Exposição. A iluminação empregada,
que introduzia uma atmosfera noturna fantástica ao conjunto, constitui atração especial e motivou o
comparecimento público. A sofisticação utilizada no seu emprego reforçava a imagem tecnológica
e o conteúdo ideológico da comemoração, enfatizando as idéias de desenvolvimento e
modernidade. Um dado que permite avaliar a importância deste aspecto foi a potência instalada:
quatro vezes superior ao total da iluminação pública de Porto Alegre em 1935, segundo dado de “A
Exposição do Centenário Farroupilha” Relato apresentado pelo Comissário geral, Major Alberto
Bins, ao Exmo.sr. Governador do Estado Gal. J.ª Flores da Cunha. Porto Alegre: Livraria do Globo,
1936, apud FROTA, 2000, op. cit., p. 16..
14
Para exemplificar a identificação com a modernidade, FROTA nota que na Exposição de
Barcelona de 1929, o mais expressivo edifício associado às idéias modernas, o Pavilhão da
Alemanha de Mies van der Rohe, ocupava uma posição nitidamente marginal. Na Exposição de
Porto Alegre, o Pavilhão Cultural, obra de Fernando Corona originalmente construída para abrigar
a Escola Normal, era a única construção com marcado cunho clássico e se posicionava fora do
recinto da mostra. Cf. FROTA, 2000, op. cit., p. 21.
15
LUZ, Luiz Fernando da; OLIVEIRA, Ana Rosa de. Espaços de lazer e cidadania: o Parque
Farroupilha, Porto Alegre. In: Revista AU Arquitetura e Urbanismo, n.92, out/nov. 2000, p. 69-72,
p. 71.
95
O projeto de Agache é exemplar do método da SFU para o tratamento de
parques e jardins, mesmo quando comparado a outras realizações similares dos
anos 20 e 30. Os desenhos de J.C.N. Forestier para os parques de Buenos Aires
no Plan Noel de 1925 são ilustrativos. Se os projetos para as praças, boulevards e
avenidas
16
são comparáveis aos de Agache para o Rio de Janeiro, formando um
sistema monumental integrado de espaços públicos na escala de uma grande
capital, seus projetos para os Parques Centenário e Saavedra, similares em
escala e estrutura à Várzea, são claramente inferiores em composição e
elementos paisagísticos. Entretanto, no seu projeto para a Avenida da Liberdade e
extensão norte de Lisboa (1925), são espantosas as similaridades da estrutura
monumental com a estrutura proposta por Agache para o parque (Fig. 2.23),
reforçando o caráter deste como um modelo urbano reduzido do método da SFU.
As mensagens associadas à arquitetura da Exposição Farroupilha de 1935
cumpriram seu papel, difundindo um elenco de imagens modernizadoras que
receberam da sociedade e dos agentes imobiliários locais uma calorosa acolhida.
Elas foram impulsionadas pelas obras da administração Loureiro da Silva, a partir
de 1937, com intervenções urbanas e de equipamentos públicos cujo desenho
sinaliza uma dimensão estética uniforme e hegemônica. As fórmulas compositivas
e figurativas colocadas à disposição da sociedade durante a Exposição de 35
foram sendo revistas para se adequarem a programas mais utilitários e usuais. Na
década de 40, a habitação coletiva e o prédio público serão os principais veículos
do novo estilo, cujo compromisso com a modernidade é evidente
17
. Estavam
lançadas as bases para uma verdadeira Porto Alegre de mica”, que a partir da
abertura das novas avenidas do Plano de Urbanização de Loureiro da Silva vai ser
a imagem hegemônica da cidade, até meados dos anos 50.
Quanto a Agache, privado da oportunidade de exercer sua expertise em um
Plano Diretor para o conjunto da cidade, pelo preço, por ser estrangeiro (pior,
francês), ou pelas duas coisas, deixou-nos um legado que não pode ser
negligenciado. Seu Ante projecto” forneceu as bases para a Exposição do
Centenário Farroupilha e para a estrutura do futuro Parque, e ilustra não só o
“estado da arte” do urbanismo francês para o desenho de parques e jardins
urbanos, como constitui em si mesmo um exemplo acabado do método
desenvolvido pelo autor e pela SFU para o desenho da nova cidade.
16
O arquiteto e urbanista francês J.C.N. Forestier participou com o “Informe Forestier” e com uma
série de projetos de praças (Plazas Once de Septiembre, del Congreso, Constitución,
Independencia, Itália, del Retiro e Plaza de Mayo), avenidas e parques (além dos mencionados, o
mais bem sucedido foi o parque linear ao longo da nova Avenida Costanera), todos de 1924, no
chamado Plan Noel para Buenos Aires de 1925. O plano e a contribuição de Forestier, colega de
Agache na SFU, são analisados em detalhe no Capítulo 4 do livro MOLINA Y VEDIA, Juan. Mi
Buenos Aires herido. Planes de desarrollo territorial y urbano (1535-2000). Buenos Aires: Ediciones
Colihue, 1999, 278 p. (il), p. 103-126.
17
FROTA destaca as novas avenidas Farrapos e Borges de Medeiros, implantadas no início da
década de 40 como vias urbanas monumentalizadas, grandes portais modernos de acesso à
cidade, pelo norte e pelo sul, que representam de forma clara as expectativas estéticas de
modernização urbana adotadas em Porto Alegre. FROTA, 2000, op. cit., p. 20.
96
A magistral contraposição de uma estrutura monumental e geometrizada de
jardim à francesa, que fornece o esqueleto básico, com áreas subsidiárias tratadas
de forma mais “orgânica” ou romântica, como nos jardins ingleses, remete como
metáfora à estrutura dos projetos urbanos da SFU dos anos 20 e 30. Dessa forma,
a estrutura primária clara, com eixos, rotatórias, boulevards e outras figuras
urbanísticas do grande desenho “Beaux Arts”, definindo áreas intersticiais tratadas
individualmente como bairros residenciais no sistema cidade jardim, permitem
pensar o parque de Agache como um modelo reduzido de cidade ideal do
urbanismo francês e, por extensão, como modelo para uma Porto Alegre
analógica dos anos 30 e 40.
A CONTRIBUIÇÃO AO ESTUDO DA URBANIZAÇÃO DE PORTO ALEGRE
Desde o final dos anos 20, tornavam-se evidentes nos meios municipais as
limitações do Plano de Melhoramentos como instrumento urbanístico apto a lidar
com as novas condições geradas pelo crescimento urbano. Os limites eram de
natureza física, já que o Plano abrangia apenas o Primeiro Distrito, mas também
operativa e conceitual. Isso levou ao progressivo consenso da necessidade de um
plano de conjunto para a cidade, nos moldes do que estava sendo proposto na
Capital Federal e em São Paulo. O convite a Agache, então envolvido com o
Plano do Rio de Janeiro, para visitar Porto Alegre no início da gestão Alberto Bins
e apresentar proposta de elaboração de um Plano de conjunto, insere-se neste
ambiente. O reforço à qualificação técnica e às atribuições da Diretoria Geral de
Obras e Viação e sua Divisão de Patrimônio e Cadastro, responsável pelo
levantamento topográfico, cadastro imobiliário e atividades de urbanismo em geral,
também.
Em 1935 a Divisão, que finalizava o levantamento topográfico e cadastral
completo da península, passou a Diretoria de Cadastro, sendo nela lotados os
engenheiros Ubatuba de Faria e Edvaldo Pereira Paiva. Em 1936, os dois
apresentam um extenso estudo de urbanização para Porto Alegre, influenciado
pelas idéias de Agache no Plano do Rio de Janeiro, e de Prestes Maia no Plano
de Avenidas para São Paulo, depois publicado como Contribuição ao Estudo da
Urbanização de Porto Alegre.
Tratava-se do produto de cerca de um ano de estudos e projetos para a
cidade, por dois engenheiros municipais que formavam uma dupla heterogênea,
em termos de trajetória, temperamento e bagagem técnico-ideológica. Ubatuba de
Faria era positivista, em função disso bem conectado com os meios técnico-
profissionais e políticos da engenharia local, de forte hegemonia positivista, e
adquiriu sólida bagagem em seu curso, nas áreas de topografia, saneamento e
traçado urbano. Edvaldo Paiva era recém-chegado do interior e desde cedo
envolvido com os movimentos estudantis de esquerda, que o levaram ao
marxismo e ao Partido Comunista. Seguia o curso de Engenharia com certo
desinteresse, aproximando-se da topografia por influência do mestre Lélis
Espartel, e depois do urbanismo através dos trabalhos com Ubatuba de Faria.
97
Ubatuba de Faria ingressou na Escola de Engenharia em 1926, assumindo
no mesmo ano como assistente no serviço de cadastro da Prefeitura. Em 1928,
passou ao posto de topógrafo assistente, e acompanhou a execução dos
principais projetos propostos pela “Comissão Especial de Obras Novas” criada por
Otávio Rocha. Ao formar-se em 1932, dominava os arquivos e cadastros
municipais, o traçado e a topografia da cidade
18
. Com essas credenciais, fez em
1933 sua primeira conferência sobre urbanismo na Sociedade de Engenharia,
intitulada “Cadastro e urbanismo para Porto Alegre”, logo publicada no Boletim da
Sociedade
19
. O levantamento cadastral e topográfico completo da península foi
empreendido sob sua iniciativa, obrigando a reorganização dos serviços técnicos
municipais e a contratação de novos profissionais (entre os quais o então
estudante Paiva). Ubatuba começou e fez a maior parte de seus estudos em uma
escola de grande prestígio profissional e social e estabilidade institucional.
A Escola cresceu até o final dos anos 20, criando novos cursos e
participando ativamente dos debates técnicos e políticos, amparada no prestígio
profissional e na filiação positivista de seus fundadores e da maioria de seus
professores. Com a revolução de 1930, a Escola perdeu prestígio por oposição a
Vargas e ao novo regime, passando por dificuldades financeiras
20
. A Reforma do
Ensino decretada por Vargas em 1931, previa a criação de um sistema
universitário federal e a regulamentação nacional das profissões. O decreto nº
23.569 de dezembro de 1933 estabeleceu a regulamentação federal unificada
para o exercício das profissões de engenheiro, arquiteto e geógrafo, até então
reguladas individualmente por cada Estado. No Rio Grande do Sul de doutrina
positivista, não era exigido nenhum diploma para o exercício de qualquer
profissão. Em 1934, as Escolas isoladas foram agrupadas na Universidade de
Porto Alegre, e em 1935 numa efêmera Universidade Técnica.
Edvaldo Paiva ingressou na Escola em 1930, e freqüentou o curso nesse
período confuso e turbulento, recebendo seu diploma de engenheiro pela
Universidade Técnica em 1935. Ainda como estudante, torna-se topógrafo
assistente do Serviço de Cadastro (1/10/1933), sendo nomeado engenheiro-
adjunto do mesmo serviço ao concluir o curso em dezembro de 1934. Sob as
ordens do já engenheiro Luiz Arthur Ubatuba de Faria, participa do levantamento
cadastral e topográfico completo da península
21
.
18
ROVATTI, 2001, op. cit., p. 51.
19
A conferência foi em 30 de agosto de 1933, e a publicação em janeiro de 1934. UBATUBA DE
FARIA, Luiz Arthur. “Cadastro e urbanismo em Porto Alegre”, in Boletim da SERGS (6), janeiro
1934, pp. 32-41.
20
A decisão de aprovar os estudantes de ofício em 1930, sem exames, contribui para o embaraço,
culminando com o desaparecimento da revista EGATEA em 1931. Os debates migram para a
recém-criada Sociedade de Engenharia (fundada em 10 de julho de 1930), representante
profissional da corporação, que com seu Boletim criado em 1932 retoma o papel anteriormente
exercido pela revista.
21
ROVATTI, 2001, op. cit., p. 44. Em sua tese, Rovatti acompanha detalhadamente a trajetória de
Paiva nos anos 30 no Capítulo I, itens 3 a 5 (p. 44 a 58), e a evolução de suas idéias e referências
no período no Capítulo II, itens 2 e 3 (p. 102 a 116). Aqui seguimos sua cronologia e periodização.
98
Como colegas na Divisão de Cadastro, em 1934 Ubatuba de Faria convida
Paiva para trabalharem na concepção de um “Plano de Conjunto” para Porto
Alegre. Com este objetivo, estudam urbanismo a partir de uma leitura sistemática
da bibliografia disponível na Prefeitura: a tradução francesa de Camillo Sitte, e
dois livros seminais, publicados para apresentar projetos urbanísticos e seus
fundamentos, o Estudo de um Plano de Avenidas para a cidade de São Paulo, de
Prestes Maia
22
, e Cidade do Rio de Janeiro, Extensão, Remodelação,
Embellezamento, de Alfred Agache
23
. Com influência explícita de Prestes Maia e
Agache, os dois desenvolvem durante o ano de 1935 uma série de estudos e
projetos urbanos, no contexto de um Plano de Avenidas para a cidade.
A base cartográfica utilizada foi o Mapa de Porto Alegre recém concluído
pela seção de Topografia da Diretoria de Cadastro. A proposta partia da conclusão
de que “(...) o Plano Maciel já estava superado, pois correspondia a uma pequena
parte da cidade e suas teorias tinham sido ultrapassadas. Os problemas (...)
tinham se agudizado e novos problemas entravam em cena, exigindo soluções
imediatas
24
. Segundo o diagnóstico dos autores, o processo de crescimento
urbano não controlado e a intensa especulação imobiliária dos anos 1926/29,
tinham produzidoum amálgama de loteamentos desconexos, estendendo-se a
grandes distâncias”, causando “uma completa desorganização da vida da cidade.
Esta se manifestava por conflitos entre o sistema viário existente e o crescente
tráfego motorizado, congestionamento do centro, distâncias crescentes entre este
e os bairros, e entre locais de moradia e de trabalho.
O Plano de Avenidas utiliza a mesma estrutura viária fornecida pelas
avenidas radiais e ligações perimetrais já escolhidas por Alberto Bins para seu
Plano de Pavimentação. Para o centro ampliado (área do 1º Distrito), foram
retomadas as propostas de Moreira Maciel, adaptadas às novas condições. Do
Plano de Avenidas para São Paulo” de Prestes Maia, foi utilizada a teoria do
Perímetro de Irradiação, adaptada por ele a partir das teorias de Eugène Hénard.
Quando aplicada a Porto Alegre, a teoria previa que nem todas as radiais
deveriam chegar à Praça XV, à época centro do tráfego urbano, principalmente
transporte coletivo, sendo absorvidas por um Perímetro de Irradiação, anel viário
contínuo a determinada distância ao redor do Centro. Além disso, previa-se a
criação de novas radiais, alguns alargamentos viários, principalmente nas antigas
radiais e no centro, e a criação de novos centros secundários com vida própria. O
resultado seria uma estrutura urbana multipolarizada, com um bairro operário-
industrial na zona norte, e um novo bairro residencial na zona sul, urbanizando
22
PRESTES MAIA, Francisco. Estudo de um Plano de Avenidas para a cidade de São Paulo, São
Paulo, Companhia Melhoramentos, 1930.
23
Tratava-se da edição em português (AGACHE, Alfred Donat. Cidade do Rio de Janeiro,
Extensão, Remodelação, Embellezamento, Paris: Foyer Brésilien, 1930) e não da versão francesa,
posterior (AGACHE, Alfred Donat. La rémodelation d’une capitale, Aménagement, Extension,
Embellissement. Paris: Société Cooperative d’Architectes, 1932).
24
PAIVA, Edvaldo. Problemas urbanos de Pôrto Alegre. Porto Alegre, junho de 1951, p.10.
99
extensa área de aterro com cerca de 200 hectares ao longo da enseada da Praia
de Belas.
Procurando corrigir a “excessiva centralização” causada pelo padrão radial
de evolução urbana da cidade, foram propostas novas ligações perimetrais, com a
criação de outros dois perímetros de irradiação. Através de grandes anéis
concêntricos de ruas a respectivamente 4 e 8 km do centro, uma rede viária
hierarquizada permitiria a ligação das zonas industriais concentradas a norte com
as novas zonas residenciais no vale sul, beneficiadas pelo saneamento e
canalização do Riacho. Foi previsto um sistema de verdes públicos, cujo elemento
principal era uma grande cunha de parques ao redor do arroio Dilúvio, desde suas
cabeceiras até próximo ao Parque Farroupilha.
O conjunto de estudos e projetos foi exposto publicamente em um armazém
desocupado da Rua da Praia em 1936, numa “Exposição de Urbanismo”, a
primeira do gênero em Porto Alegre, com surpreendente repercussão. As
propostas suscitaram debates, conferências e artigos na imprensa, e foram
posteriormente publicadas pela Prefeitura em 1938, já na administração Loureiro
da Silva, sob o nome de “Contribuição ao estudo da urbanização de Porto Alegre
25
. A estrutura do documento é a seguinte:
1. Evolução da cidade de Porto Alegre
2. As linhas gerais do Plano Diretor
3. O Plano de Avenidas, desenvolvido em 5 capítulos, nos quais são expostas
as idéias do perímetro de irradiação, da estrutura viária com as avenidas
radiais e perimetrais, e definidos os melhoramentos do centro.
4. Os Planos de Expansão, com os projetos do novo bairro residencial da
Praia de Belas e o detalhamento da “Entrada da Cidade”, e de urbanização
da várzea do rio Gravataí, com um bairro industrial/operário.
5. Espaços Livres
6. Parque Náutico
7. Problema das Enchentes
8. Canalização do Riacho, com análise dos sucessivos projetos para o
saneamento da área, de Moreira Maciel, Schneider, Carlos Medaglia e de
Ary de Abreu Lima.
9. O Problema do Tráfego
26
25
UBATUBA DE FARIA, Luiz Arthur; PAIVA, Edvaldo Pereira. Contribuição ao estudo da
urbanização de Porto Alegre. Porto Alegre: Prefeitura Municipal, (mimeo), 1938. Trata-se de um
volume de tipo brochura com 218 páginas mimeografadas de formato 21x29 cm, com janelas para
a inclusão de mapas, projetos, fotos e gráficos colados. Rovatti informa que boa parte das fotos
são de autoria de Ubatuba de Faria, e foram editados somente cerca de vinte exemplares,
distribuídos em órgãos municipais e nas bibliotecas da Escola de Engenharia e da Sociedade de
Engenharia.
26
A Contribuição também é analisada em LEME, 1999, op. cit. p. 379-380, e em ROVATTI, 2001,
op. cit., p. 50-58 e 96-116.
100
Embora Ubatuba de Faria e Paiva tenham reconhecido a autoria conjunta
de todos os estudos e projetos, é evidente que alguns textos foram redigidos por
Faria e outros por Paiva, cujos estilos podem ser identificados. Paiva escreve de
forma mais enfática (que Rovatti define como “un tant soit peu grandiloquent et qui
évoque une enthousiaste convocation au travail”), e sua exposição das idéias é
seguidamente circular, enquanto Faria é mais objetivo e sintético. Baseado nessas
e em outras evidências, o minucioso estudo de Rovatti aponta que, entre os
estudos e planos apresentados na Exposição de Urbanismo e publicados em
1938, Paiva é certamente o autor dos seguintes: a análise urbana da evolução de
Porto Alegre através de seus componentes antropo-geográficos, inspirada na
metodologia de Agache para o Rio de Janeiro; o estudo dos problemas viários de
Porto Alegre, com a proposição de um Plano de Avenidas, inspirado no trabalho
de Prestes Maia e, através dele, em Eugène Hénard; o estudo de um plano de
extensão para o bairro Praia de Belas, e o projeto de uma Entrada da Cidade
(acesso aéreo e fluvial) na Ponta da Cadeia, os dois apresentados como partes
integrantes de um plano de conjunto, inspirados no projeto para o bairro Leblon e
na Porta do Brasil de Agache; e o estudo de tratamento dos “espaços livres”,
inspirado nos princípios de distribuição de parques em cunha propostos por Bruno
Moring e Richard Petersen no Concurso de Gross Berlin em 1910, logo depois
adotados por Prestes Maia
27
.
Por sua vez, Ubatuba de Faria foi o autor de um plano de extensão através
da criação de um bairro industrial-operário na área da Várzea do rio Gravataí,
apoiado num novo centro rodo-ferroviário, aéreo e portuário; do projeto de um
Parque Náutico; de um texto sobre o problema das enchentes, que servia de
justificativa para o projeto de urbanização e canalização do Riacho; e de texto
sobre os problemas de circulação, servindo para apresentar e justificar uma
proposta de urbanização da Praça XV, considerada à época o ponto mais
congestionado da cidade e seu centro do ponto de vista do transporte coletivo
28
.
Dessa forma, cada um colaborou com cerca de cem páginas para a
publicação, e mesmo assinando conjuntamente, trataram de apresentar
individualmente seus trabalhos ao público. Ainda em setembro de 1935, Ubatuba
de Faria apresentou à Sociedade de Engenharia seu plano de expansão para a
Várzea do Gravataí, e logo a seguir publicou-o no Boletim da mesma
29
. Em
dezembro de 1936, era a vez de Paiva apresentar à Sociedade de Engenharia seu
27
Respectivamente “A evolução da cidade de Porto Alegre”, in FARIA e PAIVA, op. cit., pp. 6-21;
“O plano de avenidas”, in FARIA e PAIVA, ibid., pp. 22-86; “Novo bairro residencial e Entrada da
Cidade”, in FARIA e PAIVA, ibid., pp. 91-112, e “Espaços livres”, in FARIA e PAIVA, ibid., pp. 91-
112.
28
Respectivamente “Novo bairro industrial e operário”, in FARIA e PAIVA, ibid, pp. 113-122;
“Parque náutico”, in FARIA e PAIVA, ibid., pp. 134-142; “O problema das enchentes”, in FARIA e
PAIVA, ibid., pp. 143-182; e “O problema do tráfego”, in FARIA e PAIVA, ibid., pp. 183-204.
29
FARIA, Luiz Arthur Ubatuba de, “Urbanização da Várzea do Gravataí”, Boletim da SERGS (11),
janeiro 1936, pp. 51-95, trabalho exposto na Sociedade de Engenharia em 19 de setembro de
1935.
101
Fig. 2.8 - Contribuição. Urbanização da Ponta da Cadeia
e Praia de Belas, Edvaldo Paiva (1936-1938).
Fig. 2.9 - Contribuição. Projeto de um Bairro Industrial
na várzea do Gravataí, Ubatuba de Faria (1936-1938).
Fig. 2.7 - Contribuição ao Estudo de Urbanização de Porto Alegre. Novos bairros, Ubatuba de Faria e Edvaldo Paiva
(1936-1938).
Fig. 2.6 - Contribuição ao Estudo da Urbanização de Porto Alegre. Plano de Avenidas, Ubatuba de Faria e Edvaldo Paiva
(1936-1938).
103
interseção das continuações das ruas Vasco da Gama e Coronel Vicente, e
propõem um túnel sob a Avenida Independência, no trajeto das ruas Conceição e
Sarmento Leite. Ao norte, uma rótula no cruzamento com a Avenida Alberto Bins
permitiria organizar a ligação com a Rua Voluntários da Pátria, com a projetada
Avenida Farrapos (ligação com os bairros industriais da zona norte e com o novo
Bairro operário-industrial proposto), e com um largo junto ao porto e à estação
ferroviária. Ao sul, seguiria pela Rua Sarmento Leite, alargada e ampliada, até a
confluência da Rua da Margem (atual João Alfredo) com a Rua da República, e
pela extensão dessa até o novo Parque da Confluência, no aterro da Praia de
Belas. As conexões a norte estão confusas, e a geometria do traçado a sul
apresenta uma inflexão forçada na Rua da República. O acesso ao semicírculo do
Parque apresenta-se com caráter secundário entre as avenidas Borges de
Medeiros e do Riacho.
As plantas foram republicadas posteriormente por Paiva em Problemas
Urbanos de Pôrto Alegre”, acompanhadas de uma análise retrospectiva. O
Perímetro seria a resposta para superar a excessiva centralização da cidade em
um ponto que não é o centro geométrico da cidade, e as difíceis ligações
perimetrais.
A única solução (...) seria a paulatina ampliação do velho Centro colonial, na direção das
vias radiais, e a criação de novos Centros secundários com vida própria. (...) Além desses
novos centros de interesse, procuramos caracterizar alguns bairros, de maneira a
desafogar o tráfego convergente ao atual Centro. Nesse ‘perímetro’ (que ligaria o futuro
centro ferroviário, num dos vales, ao futuro centro residencial, na Praia de Belas, e que
seria composto de um sistema de ruas contínuas: Conceição, Sarmento Leite e República
prolongada, atravessando o espigão por um túnel sob a avenida Independência)
desembocariam todas as avenidas radiais, novas e projetadas”.
33
As exceções seriam as avenidas Borges de Medeiros, 10 de Novembro
(projetada), e uma via expressa elevada ligando a Avenida Farrapos e a Praça XV.
O projeto apresenta o detalhamento do Perímetro de Irradiação, com plantas,
corte esquemático e perspectiva do túnel previsto sob a Avenida Independência (a
Planta e um Corte são reapresentados na Fig. Nº 18 de Problemas Urbanos).
O Anteprojeto de Urbanização da Ponta da Cadeia e Praia de Belas (Fig.
2.8), creditado a Paiva, revela influência direta da Porta do Brasil no Rio de
Janeiro, de Agache, e assemelha-se à proposta de Attílio Corrêa Lima para o novo
centro urbano de Niterói, apresentado em seu Avant-projet d’Aménagement et
d’Extension de la Ville de Niterói
34
, tese de doutoramento (1930) no Institut
d’Urbanisme de Paris, orientado por Henri Prost, editado em 1932.
Entretanto, a articulação com o restante da estrutura urbana é
completamente distinta do projeto de Agache, cuja Porta da Cidade centraliza as
intervenções monumentais sobre o centro do Rio e se relaciona diretamente com
33
PAIVA, 1951, op. cit., p. 11-12.
34
Descrito e ilustrado em LEME, 1999, op. cit., p. 384-85.
104
os grandes centros de negócios da Esplanada do Castelo e de Santo Antônio
(Figs. 2.18 e 2.19). A escala dos edifícios também é completamente distinta, tanto
de Agache quanto de Corrêa Lima, cujos edifícios eram previstos com 100 metros
de altura. Já a perspectiva com Detalhe do Centro Comercial do Novo Bairro Praia
de Belas mostra edifícios de três a seis pisos, predominantemente, ao redor de
uma praça semicircular junto à saída do Riacho canalizado (Fig. 2.17). A Entrada
da Cidade na ponta da Cadeia apresenta dois edifícios em cantoneira, dispostos
simetricamente em relação ao prolongamento do eixo da Rua Riachuelo,
flanqueando uma praça igualmente semicircular com anfiteatro voltado para o
Guaíba (Fig. 2.20). Ambos possuem uma escala bem mais modesta, e revelam-se
bastante ingênuos em termos formais.
Em uma detalhada análise morfológica do aterro, Bohrer identifica uma
série de qualidades no traçado e em sua relação com a forma urbana, destacando
seu caráter cenográfico:
O novo bairro Praia de Belas foi projetado através de um sistema de vias radiais e
perimetrais adequadamente articulado ao tecido urbano existente, observando a
continuidade de todas as vias marginais existentes. Na confluência das avenidas radiais
insere-se um parque e um centro de negócios, cuja composição formal dispõe-se em
similitude à composição da praça cívica, na ponta da península. Dentro da mesma
semântica, o sistema radial tinha como ponto focal o grande parque de confluência situado
ás margens do lago Guaíba (...). Convergem para este espaço o prolongamento das
grandes avenidas da cidade tais como a Av. Borges de Medeiros e a Rua da República,
assim como a Av. do Canal (...)”.
35
Analisando mais detidamente o traçado, entretanto, vemos que a
articulação é bastante grosseira no trecho entre a Entrada da Cidade e a Av. do
Canal, num sistema paralelo à enseada que se transforma em rádio-concêntrico, e
depois passa a uma grelha adaptada com quarteirões celulares até a ponta sul. É
esboçado um sistema de praças internas de quarteirão, que aparece sem ritmo ou
critério claro ao longo de todo o novo bairro. A articulação da Av. Borges de
Medeiros com a Av. Praia de Belas, contorno interno do novo bairro, é
geometricamente forçada, e o sistema rádio-concêntrico do Centro de Negócios
pende fortemente para o quadrante nordeste. Considerando a avenida ao longo do
Riacho canalizado como acesso central, o quadrante nordeste recebe duas
avenidas importantes, a continuação da Avenida Borges de Medeiros (que chega
à praça central do sistema), e a avenida de ligação ao Perímetro de Irradiação,
prolongamento da Rua da República (que, curiosamente, chega apenas a um
semicírculo interno), contra apenas uma no quadrante sudeste, prolongamento da
Rua Botafogo.
O Projeto de um Bairro Industrial na Várzea do Gravataí (Fig. 2.9),
creditado a Ubatuba de Faria, apresenta um núcleo com traçado rádio-concêntrico
tipo spider web, que se articula a dois trechos de traçado em malha, um junto às
novas docas do rio Gravataí, e outro na transição com a quadrícula do antigo
35
BOHRER, 2001, op. cit., p. 79-80.
105
loteamento industrial de São João/Navegantes. O centro do núcleo é ocupado por
uma rótula monumental, de formato elíptico, que recebe oito avenidas radiais
principais, entre elas a continuação da Avenida Farrapos projetada (que
estabelece a conexão com o Perímetro de Irradiação), a 2ª e 3ª avenidas
perimetrais, a ligação com a estrada para Canoas, uma avenida de acesso às
novas docas do rio Gravataí, e uma avenida de acesso às novas docas em
continuidade do Cais Navegantes, no Saco do Cabral.
A Ilha do Gavião é incorporada ao projeto com a eliminação do canal entre
o rio Gravataí e o Saco do Cabral, substituído por um trevo ferroviário, permitindo
a implantação de um parcelamento em superquadras industriais com duas docas
principais de orientação oeste, e respectivos armazéns. A península sul da Ilha do
Gavião, entre o Saco do Cabral e o Furado Humaitá, é tratada como parque
urbano de caráter pitoresco, centralizado por um edifício monumental. Todas as
docas são servidas por ramais ferroviários, formando um sistema alveolar
autônomo. Um sistema de praças é distribuído pela teia, entre as avenidas radiais,
mas não apresenta critério claro de localização, escala, ritmo ou hierarquia.
A articulação do novo bairro aos loteamentos industriais existentes ao sul
foi feita através de operações de “costura”, procurando conectar dois sistemas
geometricamente díspares, com a utilização de praças e quarteirões de transição
na técnica do pochée”. Já a articulação com as áreas de expansão industrial a
leste não existe, e o traçado extingue-se abruptamente. O conjunto é claramente
tributário tanto das idéias quanto das técnicas de desenho urbano do movimento
Cidade-Jardim, no caso certamente através de Saturnino de Brito e seus
seguidores na Escola de Engenharia, referências básicas de Ubatuba de Faria.
Os dois projetos procuram definir duas novas centralidades, cada qual com
sistema rádio-concêntrico de polarização própria, que são ligadas através do
Perímetro de Irradiação (Fig. 2.7). Entretanto, os dois centros apresentam-se
desbalanceados: o novo bairro residencial da Praia de Belas e sua Entrada da
Cidade estão localizados muito próximos ao centro antigo, e o novo bairro
industrial muito distante.
Nota-se igualmente certa ambigüidade nas análises gerais da Contribuição,
que reconhecem ao mesmo tempo as virtudes e as limitações do estudo, mas as
identificam nos mesmos elementos, a exemplo de Laís Salenge e Moojen
Marques:
No ano de 1935, Ubatuba de Farias (sic) e Edvaldo Pereira Paiva (...) formulam
um conjunto de diretrizes urbanísticas, ainda de cunho predominantemente viário, com
base em conceitos oriundos dos Planos Agache e Preste Maia para Rio de Janeiro e São
Paulo. (...) Estas diretrizes tiveram grande influência nos futuros planos e no próprio
desenvolvimento da cidade. (...) surge naquele momento, o conceito de ‘perímetro de
irradiação’, que se materializa, mais tarde, na primeira perimetral e inspira a criação das
demais perimetrais de ligação interbairros. Com a proposta de implantação de centros
secundários nos bairros, afirma-se o princípio da estrutura urbana multipolarizada e de
descentralização urbana. São, também, recomendações importantes, a ampliação da área
106
central, mediante aterro do rio Guaíba (Praia de Belas), a implantação de vias específicas
para transporte coletivo e terminais viários. (...) o trabalho representou o esforço isolado de
alguns técnicos do município, sem apoio oficial, infraestrutura administrativa ou pesquisa
urbana que fundamentasse cientificamente as proposições” .
36
Essa ambigüidade era alimentada pelo próprio Paiva
37
, que repetidas vezes
alertou para a limitação e unilateralidade do estudo, a seu ver restrito ao caráter
viário, e para sua falta de base documental e científica.
AGACHE, PRESTES MAIA E O URBANISMO DA SFU
Os únicos autores citados na Contribuição são os brasileiros João
Moreira Maciel e Francisco Prestes Maia, e os franceses Arsène Isabelle e
Auguste de Saint-Hilaire (na evolução urbana de Porto Alegre), Alfred Agache e
Eugène Hénard
38
. Na definição do Perímetro de Irradiação, o texto faz referência
explícita a Hénard, na página 45, mas transcreve quase literalmente a tradução de
Prestes Maia
39
. Na definição de Plano Diretor, transcreve literalmente trechos
inteiros de Agache
40
, sem identificação. Nas definições de zoneamento, são
transcritos trechos dos dois. Rovatti apresenta interessantes quadros
comparativos dos textos de Paiva
41
(no caso, em Contribuição) cotejados com
textos de Hénard, Agache e Prestes Maia, ilustrando e demonstrando o costume
de Paiva de compilar textos de outros autores sem citação, algumas vezes através
de transcrições literais.
A Contribuição não esconde sua dívida e filiação a Prestes Maia e Agache,
e em todas as análises posteriores, especialmente de Paiva, esta dupla matriz é
sempre enfatizada. Ela é óbvia e explícita, e nisso Porto Alegre não estava só. Em
1930 foram divulgados os planos para as duas maiores cidades do país, São
Paulo e Rio de Janeiro, por Prestes Maia e Alfred Agache. Por seu porte,
abrangência, pioneirismo, e pela importância adquirida por suas divulgações
(ambos são publicados em alentados e vistosos volumes, com plantas, gráficos,
36
SALENGE, Laís; MARQUES, Moacyr Moojen. Reavaliação de planos diretores: o caso de Porto
Alegre. In: PANIZZI e ROVATTI (org), op. cit., p. 156.
37
Paiva elabora uma autocrítica severa na apresentação que faz da Contribuição em PROBLEMAS
URBANOS DE PORTO ALEGRE, repetida em todas suas análises posteriores, até a última. Cf.
PAIVA, 1951, op. cit., p. 11. Descontada a leitura reducionista da contribuição de Agache, limitada
por Paiva ao tratamento monumental, a autocrítica recoloca o Estudo nas suas devidas
proporções.
38
Em artigo posterior, Paiva lembra que o primeiro contato com um livro de urbanismo na
Prefeitura foi a edição francesa de Camillo Sitte, identificado por ele como um dos mestres do
urbanismo mundial, da escola romântica”, seguido pelos livros de Agache e Prestes Maia; na
Contribuição, entretanto, Sitte não é citado. PAIVA, Edvaldo P. Memórias de um homem comum,
Montevidéu, 1981 (mimeo), p.32.
39
PRESTES MAIA, Francisco. Estudo de um Plano de Avenidas para a Cidade de São Paulo. São
Paulo: Melhoramentos, 1930, p.35.
40
AGACHE, Alfred. Cidade do Rio de Janeiro. Extensão, Remodelação, Embelezamento. Paris,
Foyer Brésilien, 1930, p.11, 17, 120.
41
ROVATTI, 2001, op. cit., pp.143-146 (TABLEAU COMPARATIF Nº 6, 7 e 8).
107
perspectivas e aquarelas), esses planos marcarão uma nova etapa na história do
urbanismo no Brasil, e gerarão uma série de estudos e planos tributários em
outras capitais do país.
Prestes Maia e Agache trabalharam quase simultaneamente, no final da
década de 20. Não há dúvidas de que Prestes Maia sabia que Agache estava
elaborando um plano para o Rio, por solicitação do prefeito, o paulista Antônio
Prado Jr., mas não se sabe se Agache conhecia o trabalho de Prestes Maia. Os
planos são contemporâneos, sua ambição é equivalente, tratam das duas maiores
cidades do país, mas há diferenças consideráveis entre eles. O plano de Agache
representa o “estado da arte” dos métodos e fundamentos técnicos e ideológicos
do urbanismo francês da SFU, aplicado com a expertise de um de seus principais
representantes sobre a Capital Federal. O plano de Prestes Maia é considerado a
síntese do que se poderia chamar “pensamento urbanístico paulista” naquela
década
42
, em gestação na Escola Politécnica desde o final do século XIX com
influência de Camillo Sitte e da Cidade-Jardim através de Saturnino de Brito, do
urbanismo francês através principalmente de Eugène Hénard, e do urbanismo
alemão.
Na Introdução do Estudo para um Plano de Avenidas para a Cidade de São
Paulo, Prestes Maia alerta o leitor para não procurar em suas páginas “um desses
‘planos de conjuncto’ ao sabor da época que alguns jornaes anunciaram” e insiste
em chamar seu plano de “estudo”. Na verdade, o volume de quase 400 páginas do
plano é bem mais que isso: é um misto de plano de conjunto (mesmo negado por
Prestes Maia), plano de avenidas, coleção de projetos urbanos, tratado de
urbanismo, e obra de divulgação da administração do prefeito J. Pires do Rio, em
cuja gestão foi publicado
43
.
Prestes Maia discorre longamente sobre o sistema de circulação e
transportes, propondo a aplicação do conceito de Perímetro de Irradiação
desenvolvido por Hénard, faz considerações sobre as estradas de ferro e o metrô,
sobre a legislação urbanística, embelezamento urbano, retificação do rio Tietê e
urbanização de suas margens, habitação popular, refere-se ao zoning (vendo suas
origens no urbanismo alemão, especificamente em Baumeister), e finaliza num
apêndice dedicado aos parques. De acordo com Villaça, apesar da modéstia do
título, poderia ser considerado um comprehensive plan
44
. Morfologicamente, filia-
42
Cf LEME, 1990, op. cit., e VILLAÇA, Flávio. 1999. “Uma contribuição para a história do
planejamento urbano no Brasil”. In: DEÁK, Csaba e SCHIFFER, Sueli Ramos (org.). O processo de
urbanização no Brasil. São Paulo: Editora da USP/Fupam, 1999, pp. 207-208.
43
Nesse sentido, o Estudo guarda semelhanças de objetivos com a edição do Plano de
Urbanização da administração Loureiro da Silva, objeto do próximo capítulo. Além de “estudo”,
Prestes Maia refere-se ao plano em outros pontos como “livrinho” e “folheto”.
44
Prestes Maia faz questão de mostrar erudição urbanística, exibindo conhecimento do “estado da
arte” (há dezenas de citações em inglês, francês, alemão e espanhol), mas alega não pretender
um plano abrangente, e alfineta os teóricos, quando afirma que (...) este folheto não contém
bibliografia, que se pode encontrar em qualquer compêndio ou mesmo em volumes especiaes
como os de Hublard e McNamara”. PRESTES MAIA, apud VILLAÇA, 1999, op. cit., p. 208.
108
se ao urbanismo francês com um desenho urbano monumental em composições
de origem Beaux-Arts, embora com uma arquitetura de filiação art déco e
vagamente futurista, reveladas em inúmeras aquarelas.
O destaque fica com o Plano de Avenidas (Fig. 2.14), e com o esquema de
estrutura viária proposto para São Paulo (Fig. 2.13), seguindo o exemplo de
modelos similares elaborados por Hénard para as cidades de Moscou, Berlim e
Paris (Figs. 2.10 a 2.12). É justamente esta a principal influência de Prestes Maia
na Contribuição, sendo ressaltada tanto pelos autores, na época de sua
divulgação, como posteriormente por Edvaldo Paiva, em análises que iniciam
criticando-a
45
, vão progressivamente elidindo-a até apagá-la completamente. O
Esquema Teórico de Porto Alegre apresentado na Contribuição, e geralmente
atribuído a Paiva, explicita essa dívida: o esquema reproduz os modelos de
Hénard e Prestes Maia, com uma estrutura radial-perimetral composta do Primeiro
Perímetro de Irradiação, contornando o centro, mais três perímetros periféricos, e
uma série de radiais (Fig. 2.15).
Entretanto, o esquema revela-se desbalanceado, procurando forçar um
modelo idealizado para cidades de crescimento rádio-concêntrico completo a partir
de um ponto geométrica e geograficamente central, para as condições desiguais e
fragmentadas de Porto Alegre na época. Os três perímetros periféricos
tangenciam-se num único ponto, a norte do eixo norte-sul onde estão localizados
seus centros, provável nó de estrangulamento de todo o sistema, e as avenidas
radiais se apresentam de forma confusa, quase labiríntica, perdendo-se a clareza
diagramática proporcionada por um modelo teórico, sem chegar à precisão
projetual de um plano viário efetivo.
A influência de Agache é mais visível nos projetos para o novo Bairro
Residencial e para a Entrada da Cidade, os dois atribuídos a Paiva, mas na
realidade perpassa toda a Contribuição, desde sua apresentação, em seus textos
justificativos, que muitas vezes reproduzem trechos inteiros de Cidade do Rio de
Janeiro, na morfologia urbana proposta ou entrevista nos desenhos, nos traçados
viários, e na emulação geral que provê, ao se colocar claramente como modelo de
plano a ser seguido.
45
Com a solução do ‘Perímetro’, extraída da obra de F. Prestes Maia, dilatávamos o centro atual,
desviávamos o tráfego de passagem por ele, distribuíamos melhor o tráfego e criávamos novas
condições para certos sectores abandonados da cidade baixa. Devo ressaltar, na solução
preconizada, um aspecto negativo, que era a sua limitação. Nós só víamos, então, o aspecto
viário, não captando o valor funcional desse perímetro de modo completo. Não compreendíamos,
então, que, em primeiro lugar, era necessário dar função orgânica à nova via, não só em relação
ao esquema viário como, também, em relação à zonificação de atividades. Era contraditório
propormos sua implantação e, ao mesmo tempo, mantermos no interior do centro colonial tôdas as
atividades existentes, cujo desenvolvimento estava provocando o congestionamento dêsse centro.
Esse aspecto negativo era um resultado da maneira unilateral com que enfocávamos o problema
em seu conjunto”. PAIVA, 1951, op. cit. p. 12.
109
Fig. 2.15 - Contribuição. Esquema Teórico de Porto Alegre,
Ubatuba de Faria e Edvaldo Paiva, 1936-38.
Fig. 2.14 - Plano das Avenidas de São Paulo. Prestes Maia,
1930.
Fig. 2.12 - Modelo de Eugène Hénard para
Moscou.
Fig. 2.10 - Modelo de Eugène Hénard para
Paris.
Fig. 2.11 - Modelo de Eugène Hénard para
Berlim.
Fig. 2.13 - Modelo de Prestes Maia para São
Paulo.
Fig. 2.16 Alfred Agache. Plano de Avenidas do Rio de
Janeiro: “Os Cinco Dedos”, 1930.
110
Fernando Diniz Moreira, em seu artigo The French Tradition in Brazilian
Urbanism
46
, situa a Contribuição na perspectiva dos planos efetuados no Brasil
na década de 30, tributários da tradição do urbanismo francês da SFU e
especificamente do Plano Agache para o Rio de Janeiro, juntamente com o Plano
para Recife de Nestor de Figueiredo e o Plano de Urbanização de Arnaldo
Gladosch para Porto Alegre. Através da análise dos planos, e de sua
implementação durante o Estado Novo, procura demarcar a transferência das
idéias e dos métodos do urbanismo francês para o Brasil, sua relação com a forma
da cidade moderna brasileira e com a própria difusão do urbanismo moderno no
país.
Embora o processo seja muito mais tangível no caso de Gladosch, que
colaborou com Agache no Rio de Janeiro, e foi contratado por Loureiro da Silva
justamente por esta credencial, a influência é óbvia e explícita na Contribuição, e
reconhecida pelos autores. Ao contrário do que ocorre com Gladosch, que
absorve o método diretamente de Agache, filtrado através de seu próprio
background acadêmico no urbanismo alemão, na Contribuição sua influência é
circunscrita a uma leitura da edição em português do livro de Agache. Mesmo que
a leitura tenha sido atenta e sistemática, a influência se dá muito mais na
superfície do Plano de Agache para o Rio no tratamento dos espaços
monumentais e na linguagem formal empregada do que na transferência do
método e dos conceitos e ideologias que o embasavam.
Paiva, em sua crítica posterior à Contribuição, atribuía a autoproclamada
“unilateralidade” do trabalho, em parte à precariedade do seu referencial teórico, e
em parte às referências diretas de Agache e Prestes Maia.
Em face dessa situação, dedicamos nossos esforços, quase que exclusivamente, ao
problema viário. Essa visão unilateral do problema era resultado, em parte, do grau de
nosso desenvolvimento teórico e, em parte, das tendências urbanísticas então dominantes.
Recebemos a influência dos métodos e das soluções preconizadas em dois grandes
trabalhos o ‘Plano do Rio de Janeiro’, de autoria do arq. A. Agache e o ‘Plano de
Avenidas de São Paulo’, do urbanista patrício F. Prestes Maia. Do trabalho do primeiro
aprendemos, tão somente, a técnica de tratamento urbano de caráter monumental, típico
da urbanística clássica e, do segundo, os métodos de análise e solução dos problemas
viários de uma cidade contemporânea”.
47
Ao reconhecer que do exemplar trabalho de Agache para o Rio de Janeiro,
considerado o mais acabado exemplo da aplicação do método e das idéias do
urbanismo da SFU, tinha retido apenas a técnica do tratamento urbano de caráter
monumental, Paiva cândida e involuntariamente confessa a superficialidade da
leitura, ou tenta desqualificar seu real entendimento.
46
MOREIRA, Fernando Diniz. “The French Tradition in Brazilian Urbanism: The Urban Remodeling
of Rio de Janeiro, Recife and Porto Alegre during the Estado Novo (1937-1945)”, University of
Pennsylvania.
47
PAIVA, 1951, op. cit., p.11.
111
Fig. 2.17 - Contribuição ao Estudo da Urbanização de Porto Alegre. Ubatuba de Faria e Edvaldo Paiva (1936-
1938). Perspectiva do Parque de Confluência.
Fig. 2.18 Alfred Agache. Plano para o Rio de
Janeiro. Plano Esquemático, 1930.
Fig. 2.19 Alfred Agache. Plano para o Rio de Janeiro.
Perspectiva, 1930.
Fig. 2.20 Contribuição ao Estudo da Urbanização de Porto Alegre. Ubatuba de
Faria e Edvaldo Paiva (1936-1938). Perspectiva da Entrada da Cidade.
112
O plano de Agache é composto de três partes. A primeira parte é um
extenso estudo da cidade, em todos seus aspectos, realizado nos moldes das
urban surveys, que mais tarde serão reconhecidas por Paiva como pré-requisitos
essenciais para um plano urbano, e rebatizadas pela expressão de origem
uruguaia “Expediente Urbano”. A segunda parte, “Rio de Janeiro Maior”, é o plano
urbano propriamente dito, que considera as funções do Rio como cidade-capital e
grande metrópole americana de importância portuária, produtiva, político-
institucional e cultural, enfatizando a circulação e o zoneamento. A terceira parte
trata da infra-estrutura e equipamento, principalmente saneamento, esgotos e
abastecimento de água.
Numa metáfora biológica com o organismo vivo, recorrente nos discursos
justificativos dos métodos e planos da SFU, o sistema viário constituía o esqueleto
do plano, e o zoneamento sua distribuição interna, o que Paiva aparentemente
não entendeu à época, ou preferiu não reconhecer
48
. É uma pena, pois o “modelo”
desenvolvido por Agache para o Rio (Os Cinco Dedos”, Fig. 2.16), uma cidade
cujo centro que não é o centro geográfico, e com desenvolvimento fragmentado ao
longo dos vales e praias, tem mais pontos em comum com Porto Alegre do que os
“modelos” desenvolvidos por Hénard para as cidades européias, que serviram de
referência para Prestes Maia em São Paulo e daí para Ubatuba de Faria e Paiva
em seu “esquema teórico” para Porto Alegre na Contribuição.
É procurando representar no plano os valores simbólicos e o caráter da
cidade e de suas instituições, de acordo com os princípios do “urbanisme parlant
da SFU, que Agache desenvolve suas intervenções formais na Porta do Brasil,
Jardins do Calabouço, Esplanada e Praça do Castelo. Para a SFU e Agache,
urbanismo é também uma arte de composição, e a forma adequada da cidade
depende de conjuntos arquitetônicos e espaços urbanos de caráter apropriado,
utilizando a técnica Beaux-Arts de composição e o vocabulário da cidade figurativa
do século XIX modernizado por Haussmann em Paris (quarteirões, boulevards,
ruas e praças configuradas, perspectivas, sistemas em estrela)
49
. Quando Paiva
se refere à influência limitada tão somente a técnica de tratamento urbano de
caráter monumental”, revela um entendimento superficial da dimensão morfológica
do urbanismo de Agache, retendo apenas parte de seu verniz formal, de uma
maneira ingênua, e esvaziada de seus conteúdos.
48
Concluindo, desejo frisar, mais uma vez, o caráter dêste trabalho, sua unilateralidade. Foi um
esfôrço urbanístico sem a suficiente base real o estudo e a planificação do corpo urbano através
de um Zoneamento, o único ponto de partida científico para a obtenção de um plano viário
adequado”. PAIVA, 1951, op. cit., p. 13. Posteriormente, entretanto, Paiva utilizaria literalmente
tanto o conceito quanto a terminologia de Agache, ao referir-se ao sistema viário como esqueleto
da cidade e ao zoneamento como espinha dorsal do urbanismo.
49
Conforme nota Diniz Moreira, “(…) Agache mastered classical composition in order to define
urban spaces, using the haussmanian-baroque vocabulary (…), and to confer monumentality and
majesty to the buildings. Urban design and architecture were unified in a stable and coherent image
of city free of contradiction and disorder”. Cf. MOREIRA, op. cit., p. 5.
113
As demais referências morfológicas da Contribuição são variadas.
Paiva não se ocupava normalmente da definição arquitetônica de seus trabalhos,
que ele seguidamente se referia como plástica e atribuía ao campo da
arquitetura e não da “urbanística”. Ubatuba de Faria também carecia de definições
morfológicas. Dessa forma, devemos atribuir ao arquiteto Christiano de La Paix
Gelbert e aos desenhistas Álvaro Gonzaga e Francisco Pellanca a imagem formal
dos espaços urbanos projetados. As referências óbvias estavam nas imagens e
desenhos dos livros de Prestes Maia e Agache, e na linguagem dos edifícios da
Exposição Farroupilha de 1935 (muitos dos quais projetados por de La Paix
Gelbert).
Conforme nota Rovatti, o resultado plástico exprime uma mélange” de
referências formais que no geral resulta estranho e surpreendente
50
. Essa mistura
revela-se ingênua, como no caso do bairro residencial da Praia de Belas e da
Entrada da Cidade, especialmente se comparada às referências de Agache e
Prestes Maia, ou francamente tosca, como no desenho de Álvaro Gonzaga para o
túnel da Conceição (Fig. Nº35 de Contribuição). As plantas dos projetos de
urbanização apresentam maior qualidade, possivelmente produto da experiência
dos desenhistas na execução do Cadastro e Planta Topográfica de Porto Alegre,
desenvolvidos na primeira metade da década de 30.
Em sua análise morfológica do aterro, Bohrer chama a atenção para o
caráter cenográfico das propostas, creditado à influência de Agache e do
movimento City Beautiful.
É um modelo em que a arquitetura nasce junto com o projeto urbanístico. Os quarteirões
fronteiros ao grande parque (...) eram volumetricamente definidos em linguagem Art-Déco
(...). Nos dois espaços (...) identifica-se os fortes valores de representação e de valorização
visual do espaço público. A ordenação formal dos conjuntos, inspirada no paradigma City
Beautiful, demonstra a intenção plástica de marcar uma nova relação da cidade com o
Lago Guaíba”.
51
A vinculação do estudo ao Movimento City Beautiful certamente pode ser
investigada; entretanto, é a persistente influência da metodologia da SFU, através
de Agache, mas também de Prestes Maia, e do urbanismo alemão, divulgado
através dos tratadistas do final do século XIX e início do XX nos meios técnicos
locais, que merece maior aprofundamento. A ligação de Paiva com o City Beautiful
está associada ao fato de utilizar-se na divulgação de seu trabalho da famosa
frase de Daniel Burnham, autor com Edward Bennett do Plano de Chicago (1909)
e um dos promotores do movimento: “make no little plans
52
. No caso, entretanto,
50
ROVATTI, 2001, op. cit., p.106.
51
BOHRER, 2001, op. cit., p. 79-80.
52
Paiva utilizou-a em palestra na Sociedade de Engenharia em 1936, e na apresentação de “Novo
Bairro...”, op. cit., p. 138. A citação completa de Burnham é Make no little plans; they have no
magic to stir men’s blood and probably themselves will not be realized. Make big plans; aim high in
hope and work, remembering that a noble, logical diagram once recorded will never die, but long
after we are gone will be a living thing, asserting itself with ever-growing insistency.” Ela aparece
114
Paiva retirou-a diretamente da tradução para o português da frase empregada por
Agache em sua obra, emulando a convocação entusiasmada pelos planos
urbanos de maior ambição e abrangência. É improvável que a equipe local não
conhecesse o projeto de Burnham e Bennett para Chicago, pelo menos a planta
geral, um dos desenhos mais divulgados dos primeiros 30 anos do século XX (Fig.
2.21), e as largamente difundidas aquarelas de Jules Guérin. Seu emprego,
entretanto, parece resultar mais da influência da leitura de Agache e Prestes Maia
que do estudo ou adesão à obra de Burnham e ao movimento.
O urbanismo alemão é uma referência obrigatória nos meios técnicos locais
nas primeiras décadas do século XX, e certamente na Contribuição. Como vimos
no capítulo anterior, sua chegada ao Brasil (e a Porto Alegre) se dá através de
Saturnino de Brito, que introduz especialmente Camilo Sitte, com forte penetração
na Escola de Engenharia, nas disciplinas de engenharia sanitária. A seguir, sua
divulgação beneficia-se dos arquitetos alemães que vão dominar o panorama local
nos anos 10 a 30, trazendo para os meios técnicos e acadêmicos tratadistas como
Joseph Stübben
53
, com sua “enciclopédia” Der Stadtebau, e Rud Eberstadt.
Stübben e Eberstadt participaram com destaque da Town Planning
Conference do RIBA, em Londres (1910), onde se confrontaram as experiências
inglesas (com Howard, Geddes, Unwin e a Cidade-jardim), americanas (Burnham
e Bennett com seu Plano de Chicago), alemãs e francesas. Stübben define o
urbanismo alemão a partir de sua evolução; dominado pela influencia francesa até
1880 (simetrias, avenidas retas, radiais), passa com Sitte a dominar as formas
sinuosas e naturalistas e o caráter medieval do ambiente urbano, chegado a uma
concepção mista capaz de combinar os dois métodos (Fig. 2.24). Ela concilia o
street planning (traçado urbano) com o town planning (plano urbano, de conjunto
ou de extensão), apoiado no zoning (zoneamento) e na legislação, não mais
apenas “restritiva, mas de forma progressivamente vinculante.
Eberstadt pronuncia-se contra os esquemas concêntricos nucleares de
Howard e a favor de uma ordenação radial, com eixos de desenvolvimento urbano
a partir do centro, como sistemas lineares autônomos, reclamando a vanguarda
para os alemães: “Refiriéndome específicamente a los temas de esta conferencia,
debería decir que Alemania es el único país donde puede estudiarse directamente
traduzida ao português por Agache (AGACHE, 1930, op. cit., p. 18), de onde foi apropriada por
Paiva, e em inglês por Prestes Maia (PRESTES MAIA, 1930, op. cit., p. IX).
53
Joseph Stübben (1845-1936) foi o mais prestigiado urbanista alemão entre 1880 e a Primeira
Guerra, e seu Der Stadtebau Handbuch der Architektur teve enorme sucesso e divulgação. A
partir de uma seleção de exemplos urbanos, procura estabelecer modelos espaciais aplicáveis na
solução dos problemas de expansão e reforma urbana. Suas propostas urbanas combinavam
traçados paisagísticos ou “artísticos” à la Sitte com elementos da tradição haussmaniana. Alguns
de seus Planos de Expansão (Colônia, de 1891, o mais conhecido, Konigsberg e Brünn) foram
apresentados em congressos e publicados por Unwin em Town Planning in Practice.
115
la inseparable conexión entre el town planning, el street planning y la base de la
vida social: el housing
54
.
Um dos maiores divulgadores do urbanismo alemão em Porto Alegre na
década de 20 foi o engenheiro Benno Hofmann. Em 1925 publicou um artigo em
duas partes na revista EGATEA da Escola de Engenharia, denominado Notas
sobre o arruamento das cidades
55
, no qual defende o urbanismo e pela primeira
vez entre nós sua institucionalização como disciplina, declarando-se discípulo dos
engenheiros alemães Brix e Genzmer, com os quais teria estudado na Technische
Hochshcule (Escola Técnica Superior) de Berlim o urbanismo, ouvindo de suas
boccas a sciencia apregoada por Sitte, Hénard, Stübben, Brown, Saturnino de
Brito e muitos outros mestres de renome universal”. Numa linha próxima à de
Saturnino de Brito a partir de Camillo Sitte, Hofmann critica o traçado dos bairros
industriais da zona norte de Porto Alegre (como Navegantes), implantados na
virada do século com padrão em grelha (“oferece o aspecto de um tabuleiro de
xadrez de uma uniformidade monótona e insípida”), observando que eles
deveriam obedecer a um plano geral, traçado conforme as exigências modernas
da ciência ou arte de construção das cidades (Urbanisme, Town Planning)
56
.
Hofmann mostrava-se atualizado com a terminologia técnica da época,
discorrendo com desenvoltura sobre os tipos básicos de traçado, sobre a
necessidade de classificação de ruas e a concepção de praças, agregando
recomendações técnicas (geralmente derivadas das exigências sanitárias e
topográficas) e estéticas (variedade, critérios pitorescos e paisagísticos para o
traçado, curvas). É certo que tanto as preocupações urbanísticas, quanto os textos
básicos que as embasavam (os tratadistas alemães), tivessem ampla divulgação e
aceitação nos meios técnicos da engenharia local, servindo de referência para a
formação de Ubatuba de Faria e Paiva na Escola de Engenharia. O traçado de
Ubatuba de Faria para o Bairro Operário-industrial na zona norte é uma evidência
disso, mostrando referências a Saturnino de Brito e ao urbanismo alemão,
especialmente aos traçados das cidades operárias alemãs do final do século XIX e
aos planos de expansão do início do século XX, ponto de convergência entre a
doutrina de Camillo Sitte e a cidade-jardim inglesa. Na verdade, trata-se de uma
cidade-jardim com sotaque alemão.
Apesar de desqualificada por um dos autores como plano de abrangência
reduzida, e limitado às questões viárias, a Contribuição, justamente por esses
motivos, é mais do que isso. Modela um esquema teórico para Porto Alegre
54
CIUCCI, Giorgio et alii. La Ciudad Americana, 1975, op. cit., p. 122 e 229-30. Para o urbanismo
alemão ver também GARCIA LAMAS, 2000, op. cit., pp. 248-257.
55
HOFMAN, Benno. Notas sobre o arruamento das cidades. In: EGATEA, Escola de Engenharia,
Porto Alegre, 1 (10):1/7, jan/mar 1925 e 2(10):80/3, abr/jun 1925. O papel de Hofmann é destacado
por Weimer (WEIMER, 2004, op. cit., especialmente em Os prenúncios da modernidade, p. 173-
181), Souza (SOUZA, 2004, op.cit., especialmente 1.3 O meio da Engenharia em Porto Alegre,
pp. 55-63), e mereceu um verbete como um dos pioneiros da primeira geração de urbanistas em
Urbanismo no Brasil 1895-1965 (LEME, 1999, op. cit., p. 482).
56
HOFMANN, 1925, op. cit., p. 80.
116
baseado nos esquemas de Hénard apresentados por Prestes Maia (e
complementados por ele com o esquema para São Paulo), que consagra a cidade
rádio-concêntrica em substituição ao padrão radial até então predominante, com
persistente influência em todos os planos futuros. Aplica o modelo sobre a cidade
de crescimento fragmentado dos anos 30, definindo uma rede viária de radiais e
perimetrais que igualmente vão persistir nos traçados dos planos que se seguirão,
já a partir do primeiro, o Anteprojeto de Gladosch, que vai utilizá-la como base
para sua estrutura.
Espelhados em Agache e em suas peças urbanas para o Rio de Janeiro,
são propostas duas novas centralidades através de um bairro residencial na Praia
de Belas, e um bairro industrial-operário na zona norte. O primeiro bebe direta e
despudoradamente em Agache, no Centro de Negócios da Praça do Castelo a na
Porta do Brasil. Talvez por isso tenha sido tão violentamente renegado depois por
seu autor. O segundo revela referências cruzadas, agregando Camillo Sitte e o
urbanismo alemão, a cidade-jardim, Hénard no desenho da rótula e Agache no
desenho portuário e industrial.
Quanto à SFU, parece claro que sua influência não se manifesta
diretamente, mas através de Agache e, em menor medida, Prestes Maia. O
método da SFU, aplicado exemplarmente por Agache no Rio de Janeiro, foi
assimilado através do princípio da imitação
57
ilustrando as formas por vezes
sinuosas ou transversas que assume a transferência de idéias urbanísticas entre
nós. Ao mirar no Rio de Janeiro transformado e reformado por Agache como
modelo de cidade a atingir, Paiva e Ubatuba de Faria buscavam no mais acabado
exemplo, e sem o saber, a cidade ideal da SFU, certamente um dos mais
recorrentes e bem sucedidos modelos urbanísticos do entre guerras.
Pela relativa singeleza das leituras, os resultados são em geral modestos,
mas serviram para produzir e divulgar (através da Exposição de Urbanismo e da
edição do trabalho) novas referências urbanísticas, ilustrando como ocorriam os
processos de transferência de idéias no período. Ao mesmo tempo, integram a
corrente de outras experiências similares no Brasil da década de 30, como Nestor
de Figueiredo em Recife, Attílio Correia Lima em Niterói e em Goiânia, e Gladosch
em Porto Alegre, além de Prestes Maia em São Paulo e Agache no Rio de Janeiro
(e depois Curitiba). Enfim, a Contribuição é, também, o que descreve Paiva (um
plano viário espelhado nos dois exemplos mais acabados da década), mas vai um
pouco além, ao fornecer um elenco de imagens e soluções que, mesmo ingênuas,
serviram de plataforma para as novas propostas dos anos 40 e 50.
57
As teorias difusionistas da imitação e da inovação eram partes essenciais da filosofia social de
Gabriel Tarde, apresentadas em Les lois de l’imitation”, de 1890, citado por Agache. Elas
constituíram uma das bases conceituais das idéias de Agache e da SFU sobre a teoria do talento e
a difusão de modelos a partir do centro para a periferia; os desenhos concêntricos as
representavam exemplarmente, dentro dos princípios do “urbanisme parlant”. Ver UNDERWOOD,
1991, op. cit., pp. 133-140.
117
2.24 Joseph Stübben. Projeto para Brünn
(Publicado por Unwin in Town Planning in
Practice
)
.
Fig. 2.23 J.C. Forestier (SFU). Avenida da
Liberdade e extensão norte de Lisboa, 1925.
Fig. 2.26 Centro de Porto Alegre e porto na década de 30.
Fig. 2.25 Porto Alegre na década de 30. Cruzamento
da Borges de Medeiros e Rua da Pra
ia.
Fig. 2.22 Leon Jaussely (SFU). Plano para
Paris (1º Prêmio Concurso), 1919.
Fig. 2.21 - Daniel Burnham e Edward Bennett. Plano
para Chicago, 1909.
119
3º CAPÍTULO
UM PLANO DE URBANIZAÇÃO
INTRODUÇÃO
Sinto-me feliz (...) em poder dar forma ao sonho de todos os técnicos desta
capital: organizar um plano diretor para a cidade, justamente no momento em
que atinge o ponto próprio à sua efetivação. Pôrto Alegre sai, agora, do seu
caminho colonial, da sua fase primitiva de formação. E, como organismo que
vive e se desenvolve, o melhor ponto para encaminhar essa formação é a
adolescência, motivo por que espero torná-la uma das mais belas cidades do
Brasil e da América do Sul” (Loureiro da Silva, Um Plano de Urbanização, p.
126).
Para o prefeito Alberto Bins, Comissário Geral da Exposição de 35, ainda
fresca na memória coletiva, e homem de confiança do Governador Flores da
Cunha, Porto Alegre já tinha implantado o essencial das obras do Plano de
Melhoramentos, e dispunha de uma base sólida para o seu planejamento urbano
futuro com os estudos da Contribuição, apresentados com grande repercussão
técnica e de público na Exposição de Urbanismo de 1936. Durante o ano de 37,
entretanto, acirrou-se a disputa que opunha as pretensões de hegemonia e
autonomia regional do governador e o projeto político centralizador e autoritário de
Vargas, que resultou no golpe do Estado Novo. Pressentindo o desenlace e com
sua base de apoio cindida, Flores da Cunha renunciou e refugiou-se no Uruguai;
Alberto Bins exonerou-se em solidariedade a Flores, assumindo como prefeito
Loureiro da Silva, advogado e político do PRL, indicado diretamente por Vargas.
Loureiro da Silva administrou Porto Alegre de 1937 a 1943, e não via as
coisas como Bins. Decidido a renovar a cidade e marcar época em um projeto
com pretensões políticas mais ambiciosas, Loureiro assentou sua estratégia sobre
a modernização física acelerada da capital, na qual nem os estudos da
Contribuição (modestos e relativamente provincianos) nem os métodos da
administração anterior tinham lugar. Nesse projeto, o Plano Diretor assumia um
papel central, e vai buscar no Rio de Janeiro em 1938 o engenheiro-arquiteto
Arnaldo Gladosch para elaborá-lo. Paralelamente, contratou um censo imobiliário,
a reorganização administrativa, um cadastro por levantamento aerofotogramétrico,
e criou o Conselho do Plano Diretor, para acompanhar e discutir os problemas da
cidade e legitimar as propostas do plano. Assim guarnecido, lançou-se às obras
da reforma e reestruturação urbana, e em seus seis anos de mandato mudou a
face de Porto Alegre. Ao final de governo, mandou elaborar e publicar o volume
Um Plano de Urbanização, como relatório das realizações da administração e
testemunho do seu legado para o planejamento da cidade.
O 3º Capítulo da Tese trata de UM PLANO DE URBANIZAÇÃO, a partir de
uma análise inicial que procura situar seu contexto e dois personagens principais
do triângulo em que ele se assenta: o prefeito Loureiro da Silva e o urbanista
Arnaldo Gladosch. A seguir, é feita uma análise crítico-comparativa dos
120
sucessivos Estudos, Anteprojetos e Planos de Gladosch para Porto Alegre entre
1938 e 1943, detendo-se no documento principal, objeto de minuciosa descrição e
análise de sua estrutura e de suas partes, com a introdução do terceiro vértice do
triângulo: o engenheiro e urbanista Edvaldo Pereira Paiva. Paiva organizou o
Expediente Urbano, e aparece como protagonista a partir da “colaboração técnica”
na redação e estrutura de Um Plano de Urbanização, onde inicia um trabalho de
desqualificação e ocultamento da contribuição técnica e teórico-metodológica de
Gladosch. Em Urbanisme Parlant em Porto Alegre, serão analisadas as palestras
de Gladosch frente ao Conselho do Plano Diretor, exercendo uma característica
básica do método da Societé Française des Urbanistes (SFU), a busca constante
do convencimento através do discurso expositivo.
Uma cidade feita para durar detém-se nos projetos arquitetônicos,
urbanísticos e paisagísticos apresentados no Plano, ilustrando objetivos de
coerência, economia e permanência das obras urbanas, permitindo que se fale em
um Sistema do Belo Público” em analogia àquele montado por Haussmann,
Alphand e Belgrand em Paris. Procura-se sintetizar a notável contribuição
arquitetônica de Gladosch em Porto Alegre, tangencial ao foco principal da Tese, e
objeto de outra Tese de Doutoramento em Arquitetura em desenvolvimento no
PROPAR/UFRGS, a cargo de Anna Paula Canez. Finalmente, em A mão e sua
impressão são analisados e comparados dois projetos apresentados quase
simultaneamente para o Centro Cívico na Praça da Matriz, notavelmente
exemplares de dois paradigmas urbanos em confronto na década de 40: os
projetos de Arnaldo Gladosch e de Jorge Moreira.
O TRIÂNGULO ESCALENO
José Loureiro da Silva assumiu a prefeitura em 21 de outubro de 1937, um
dia depois da decretação do Estado Novo, nomeado pelo interventor federal no
estado general Manoel de Cerqueira Daltro Filho. Loureiro era advogado e
deputado estadual pelo Partido Republicano Liberal (PRL), destacando-se como
um dos líderes de sua ala dissidente, que permaneceu fiel a Vargas, fustigando
Flores da Cunha na Assembléia a partir de 1936
1
. Tratava-se de um dos melhores
quadros políticos e executivos dos republicanos no estado, que vinha preparando-
se para assumir encargos de maior responsabilidade por mais de uma década, e
1
José Loureiro da Silva (19/03/1902-03/06/1964) formou-se pela Faculdade Livre de Direito do Rio
Grande do Sul em 1923, já vinculado ao PRR, iniciando uma carreira pública antes mesmo de
formado. Após vários cargos como promotor público e Subchefe de Polícia no interior, foi delegado
de Polícia em Porto Alegre (1925), intendente em Taquara (1930) e Gravataí (1931), destacando-
se como administrador público ousado, e posteriormente como político, elegendo-se deputado
estadual pelo PRL na constituinte estadual de 1934. Para acompanhar a trajetória de Loureiro, ver:
DE GRANDI, Celito. Loureiro da Silva: o charrua. Porto Alegre: Literalis, 2002. Para uma minuciosa
análise do período, com ênfase nas relações entre as transformações urbanas e a legislação, ver o
Capítulo 1 (A cidade autoritária: 1937-1943) da tese de ALMEIDA, Maria Soares de.
Transformações Urbanas: atos, normas, decretos, leis na administração da cidade Porto Alegre
1937-1961. São Paulo (Tese de Doutorado FAUUSP): FAUUSP, 2004.
121
foi indicado diretamente pelo presidente como peça fundamental na recomposição
de seus apoios na cidade, e para continuidade de seu projeto político nacional no
Rio Grande.
O novo prefeito assumiu com forte suporte político e popular, encerrando
um ciclo de quarenta anos de predomínio dos positivistas do PRR no governo
local, mas dentro do que se convencionou chamar Estado Novo, regime autoritário
de inspiração corporativa com um projeto de modernização conservadora do país.
Administrava por decretos, sem Câmara Municipal, prestando contas apenas ao
governador. O prefeito centrou seu discurso e sua prática na modernização da
cidade, e procurou legitimidade e apoio para tanto na discussão e divulgação
pública das ações, na colaboração de especialistas e na criação de Conselhos.
Através do Conselho Técnico da Administração, criado logo em 13 de novembro
de 1937, procurava cercar-se do primeiro escalão de governo para auxiliá-lo na
rotina administrativa. O Conselho do Plano Diretor, criado um ano depois, seria o
fórum das discussões dos planos, projetos e obras públicas elaborados pela
prefeitura.
O Conselho do Plano Diretor era um órgão consultivo diretamente ligado ao
prefeito, reunindo representantes dos diversos setores envolvidos na produção da
cidade, com as seguintes atribuições: “(a) examinar, propor alterações e votar os
projetos de reforma urbana; (b) retocar ou ampliar os projetos do Plano Diretor, e
(c) fiscalizar a execução dos projetos aprovados do Plano Diretor”. O Conselho
deveria acompanhar e discutir os problemas da cidade e as propostas do plano,
junto com os órgãos técnicos da Prefeitura e o urbanista contratado, legitimando-
as dentro de uma política de “urbanismo de portas abertas” inaugurada por
Loureiro
2
. Veremos que na realidade o Conselho acabou transformado em um
veículo para o prefeito e seu urbanista exporem e justificarem suas idéias e
realizações.
Até então a cidade já havia empreendido grande parte da obra de abertura
da Avenida Borges de Medeiros, tendo iniciado outras previstas pelo Plano Maciel
2
SILVA, 1943, op. cit., p. 28. O Conselho era uma comissão consultiva de 16 membros,
resolvendo por maioria de votos, nomeada pelo Prefeito, com representantes da sociedade civil, de
organizações públicas e particulares, e dos chamados amigos da cidade”: Associação dos
Proprietários de Imóveis, Centro de Indústria Fabril, Associação Comercial dos Varejistas,
Associação Comercial de Porto Alegre, Rotary Club, Associação Riograndense de Imprensa,
DAER, Secretaria de Obras Públicas, Escola de Engenharia, Sociedade de Engenharia, Faculdade
de Medicina, Sociedade de Medicina, Viação Férrea do Rio Grande do Sul, Inspetoria Federal de
Estradas e 3ª Região Militar. Essa política era defendida por Loureiro ao justificar a formação do
Conselho: Ao empreendermos a remodelação da cidade através de uma planificação total que
viria a afetar profundamente todos os ramos da vida urbana, lançando bases racionais para sua
transformação numa grande metrópole, (...) pareceu-nos medida de prudência administrativa
realizar uma política de urbanismo de portas abertas, (...) partindo do exame de números e cifras,
consultando a opinião pública, facilitando a crítica, e, através desta, proporcionando à
Administração uma média de opiniões autorizadas, que permitisse alijar interesses de grupos e
fazer, no processo, obra impessoal de conjunto, orientada apenas no interesse da população”.
SILVA, 1943, op. cit., p. 18.
122
para a reforma do Centro, mas ainda não contava com um plano diretor. Machado
destaca: (...) a importância que as gestões de Otávio Rocha e Alberto Bins
conferiram à concretização de um Plano Diretor para Porto Alegre, sem
conseguirem, entretanto ultimá-lo. Reivindicação antiga, ao longo dos anos 30 sua
necessidade é lembrada de maneira mais ou menos incisiva, seja por técnicos,
seja pela imprensa ou comentaristas locais
3
. O prefeito Loureiro da Silva
pressentia essa demanda, e tinha interesse pessoal pelas questões técnicas da
cidade e do urbanismo. Desde o início do mandato, defendia a idéia da cidade
como patrimônio público”, comum a toda a população, e a necessidade de um
plano diretor de conjunto, que fixasse diretrizes de longo prazo para a cidade,
direcionando seu desenvolvimento e enquadrando o plano de obras que pretendia
iniciar.
Entretanto, o prefeito não se contentava com uma solução “interna” para o
plano, a cargo dos técnicos municipais, preferindo uma solução de maior impacto,
visibilidade e credibilidade pública. O exemplo era Agache no Rio de Janeiro, onde
apesar do malogro inicial suas propostas começavam a ser implementadas pelos
planos do prefeito nomeado Henrique Dodsworth
4
. Mirando em Agache, a escolha
de Loureiro acabou fixando-se em Arnaldo Gladosch, que tinha sido seu
colaborador e apesar do nome era brasileiro, evitando problemas com a nova
legislação profissional.
Nascido em São Paulo, Arnaldo Gladosch (1903-1954) estudou na
Alemanha, na Escola Superior Técnica da Saxônia em Dresden, onde se diplomou
como engenheiro-arquiteto em 1926 e depois se especializou em urbanismo. Em
1927, recém formado e de volta ao Brasil, escreve para O Jornal, do Rio de
Janeiro, uma série de cinco artigos sobre questões urbanísticas da cidade, a
necessidade de um Plano Diretor, e sobre a contratação de Agache. Dessa forma,
credencia-se para trabalhar como colaborador na equipe que Agache monta no
Rio de Janeiro, encarregando-se das áreas industriais. Na década de 30,
encontra-se estabelecido com o Escritório Técnico Arnaldo Gladosch no Rio de
Janeiro, na Av. Rio Branco, de onde vai desenvolver os Planos para Porto Alegre.
Enquanto trabalhava nestes, contratou uma série significativa de projetos
arquitetônicos em Porto Alegre, como os Edifícios SULACAP (1938-49), SUL
3
MACHADO, Nara Naumann. Modernidade, arquitetura e urbanismo: o centro de Porto Alegre
(1928-1945). Porto Alegre: PUCRS, 1998. Tese de Doutorado em História do Brasil Instituto de
Filosofia e Ciências Humanas, PUC-RS, 1998, p. 128.
4
Agache concluiu seu plano em 1930, e entregou-o na véspera da Revolução de 30. A Revolução
substituiu o prefeito Antonio Prado por Pedro Bergamini, que convocou uma Comissão do Plano da
Cidade para avaliar as propostas de Agache. A Comissão foi dissolvida pelo novo prefeito, Pedro
Ernesto, o Plano foi associado à antiga ordem e abandonado. Dodsworth foi nomeado pelo Estado
Novo, como Loureiro, e restabeleceu a comissão como Serviço Técnico da Comissão do Plano da
Cidade, com a missão de avaliar o Plano Agache e adapta-lo às novas condições. Dodsworth
(1937-1945) seguiu as diretrizes básicas de Agache, implantando o plano viário e obras de infra-
estrutura, das quais a mais importante foi a abertura da monumental Avenida Presidente Vargas
(boulevard de 80 metros de largura e 4 km de extensão, ligando o centro à zona norte e um dos
lados do triângulo de vias principais do plano de Agache). Ver UNDERWOOD, 1991, op. cit.,
ABREU, Maurício, 1987, op. cit., e REZENDE, 1982 e 1999, op. cit.
123
AMÉRICA (1938-40), UNIÃO (1943), Brasiliano de Moraes - Sede do IAPI (1943),
MESBLA (1944-50), MESBLA VEÍCULOS e Edifício CHAVES, exercitando uma
prática arquitetônica original e de forte identidade, que vai marcar de forma
definitiva a imagem do centro de Porto Alegre.
Conforme Machado, assim como ocorrera com Agache no Rio de Janeiro e
em Porto Alegre, teriam existido objeções à contratação de Gladosch na
suposição de ser um estrangeiro, já que sua principal credencial era ter trabalhado
com Agache no Plano do Rio. Paralelamente aos contatos com Gladosch, o
prefeito encaminha com a empresa Serviços Hollerith SA” a contratação de um
Censo Imobiliário com objetivo de racionalizar e modernizar a taxação municipal.
O contrato foi assinado em 20/12/1938, na véspera do de Gladosch.
Gladosch foi contratado “para a organização do Plano Diretor do Município
de Porto Alegre, relativo a saneamento e expansão da cidade, orientação e
regularização do traçado das suas vias de comunicação, distribuição dos espaços
livres, ampliação do seu porto”. O seu contrato, no valor total de 450 contos de
réis (450:000$000) divididos em dez parcelas ao longo de 38 meses, especificava
a apresentação de estudos preliminares para o Plano Diretor (na escala 1:25.000),
para a reformulação do centro da cidade (Planta do Centro em escala 1:5.000), e
para o saneamento e a urbanização da Praia de Belas e do vale do Riacho até a
ponte da Azenha (na escala 1:5.000)
5
. Considerando que Agache solicitara ao
prefeito Alberto Bins o valor de 600 contos pelo Plano Diretor quase dez anos
antes, o custo não era excessivo, apesar de Rovatti informar que o salário anual
de Paiva era de 18 contos de réis na época, num evidente argumento a favor da
solução local.
No relatório preliminar de análise da situação de Porto Alegre (chamado
Memória”), apresentado por ele na íntegra na primeira reunião do Conselho do
Plano Diretor, em 3/3/1939, Gladosch indica como indispensáveis para a
elaboração do Plano Diretor a contratação de um levantamento cadastral e de um
levantamento aerofotogramétrico de toda a cidade, além de dados estatísticos de
toda ordem, a maioria inexistentes. O prefeito, impaciente com a morosidade do
levantamento planialtimétrico quadra a quadra, em elaboração pelos técnicos
municipais desde 1936, atendeu às sugestões de seu urbanista, contratando no
mesmo ano a empresa de origem alemã Sindicato Condor Ltda.
6
(com a Guerra
5
Aprovados os estudos preliminares, Gladosch deveria submeter plantas definitivas do Projeto de
Saneamento e Urbanização da Praia de Belas e Vale do Riacho (nas escalas de 1:1.000 até 1:100,
a juízo da Prefeitura), Planta Geral do Município (na escala 1:10.000), e o Plano Diretor da Cidade
(em escala 1:2.000 e 1:1.000), com plantas gerais de Zoneamento, Traçado das redes e
Distribuição de Espaços Livres Públicos em escala 1:10.000, e seções detalhadas das principais
vias, praças e estudo de sua arborização e gabarito de edificações. Além disso, comprometia-se
com Projetos de Urbanização (em escala 1:2.000) para diversos equipamentos (Jardim Botânico,
Horto Florestal e Cidade Universitária), com a elaboração de projetos arquitetônicos típicos para
Escola Pública de 250 alunos e Mercado Local, a organização de uma extensa coleção de
estatísticas, e ainda o anteprojeto da legislação do Plano.
6
A empresa foi contratada em 05/07/1939, seis meses depois da sugestão de Gladosch, devendo
fornecer restituição dos vôos com pranchas em escala 1:2.000, e planta geral do município em
124
transformada em Serviços Aéreos Cruzeiro do Sul Ltda.), para a execução do
Levantamento Aerofotogramétrico e cadastro técnico municipal.
O chamado "Plano Gladosch" consiste na realidade em quatro estudos
sucessivos para a cidade, denominados alternativamente Planos, Anteprojetos (ou
Ante-projetos) ou os dois, apresentados diretamente ao Conselho do Plano entre
1939 e 1943 por Arnaldo Gladosch, em diferentes graus de abrangência e
detalhamento. O mais conhecido é o denominado 3º Estudo, mas o “definitivo” é o
4º, cuja Planta de Urbanismo, identificada como "Plano Director da Cidade de
Porto Alegre - Anteprojecto", foi posteriormente publicada, acompanhada de
outros estudos e projetos, de uma exposição de obras realizadas, proposta de
nova legislação e atas do Conselho do Plano Diretor, como uma “Prestação de
Contas” da administração no final da gestão Loureiro da Silva.
A análise dos planos deverá ser efetuada com base nos documentos
reproduzidos de forma desordenada em “Um Plano de Urbanização”, e em outras
fontes secundárias, já que os desenhos originais produzidos por Gladosch em seu
escritório no Rio de Janeiro não foram ali localizados, nem nos arquivos
municipais. As plantas e desenhos sempre acompanharam as exposições de
Gladosch no Conselho, conforme atestam as transcrições das atas e diversas
fotos. Sua inexplicável desaparição dificulta a comprovação de uma série de
elementos consensualmente aceitos nas sucessivas análises do plano, desde sua
apresentação. As citações extraídas de “Um Plano de Urbanização”, forçosamente
numerosas, têm as respectivas páginas indicadas diretamente entre parêntesis ao
final das mesmas.
O Plano sistematiza estudos parciais desenvolvidos pela administração
municipal em quase duas décadas, dá continuidade às principais propostas do
Plano Maciel para a área central, e consolida a visão rádio-concêntrica da
estrutura urbana de Porto Alegre. Esta é reforçada pelo projeto das perimetrais
(aproveitadas das propostas da Contribuição), pela ênfase morfológica nas radiais
e pela proposta de uma travessia a seco do Guaíba pela ponta da península. A
contribuição da Exposição de 1935 e do projeto de Agache para o Parque
Farroupilha são incorporadas ao plano, e são previstos alguns projetos específicos
de setores e equipamentos urbanos, desenvolvidos separadamente de acordo
com o contrato. Planos e projetos seguem uma abordagem que incorpora a linha
metodológica da SFU (tendo o Plano Agache para o Rio como precedente básico),
à do “urbanismo alemão” (especialmente no zoning e na insistência nos processos
de loteio urbano) e uma linha morfológica tributária tanto do urbanismo francês
(também chamado “urbanismo formal”) quanto do movimento Cidades-Jardim”,
especialmente do projeto de H. P. Berlage para a Extensão Sul de Amsterdam,
escala 1:10.000, no valor de 1.300 contos de réis e prazo máximo de execução até 31/12/1941. O
contrato não foi cumprido integralmente por dificuldades com o fornecimento de materiais em
função da guerra, limitando-se às fotos da área mais central da cidade, que ainda assim foram
utilizadas por Gladosch em seus estudos e projetos.
125
ponto de convergência das duas escolas e referência explícita para o projeto da
face sul da península no aterro da Praia de Belas.
O primeiro Estudo foi conhecido logo após o contrato, e apresentado ao
Conselho na sua primeira reunião juntamente com a “Memória”. Trata-se da
Planta demonstrativa de normas ideaes e bases geraes para a organisação de
um PLANO DIRECTOR E DE EXPANSÂO URBANA PARA A CIDADE DE
PORTO ALEGRE
7
, com um plano de conjunto para toda a área urbanizada à
época (Fig. 3.1). Considerado por Edvaldo Paiva como o mais completo dos
quatro estudos, o Plano traça uma rede viária principal composta de radiais e
perimetrais, inspirada na teoria dos “Perímetros de Irradiação” de E. Hénard, cuja
aplicação já tinha sido esboçada por Paiva e Ubatuba de Faria na “Contribuição ao
Estudo da Urbanização de Porto Alegre” de 1936-38. É o único Estudo em que
aparece bem definida a 3ª Perimetral (ou 3º Perímetro), e à rede viária é
sobreposto um esquema de zoneamento básico de usos, identificado por cores.
O segundo Estudo conhecido concentra-se na área ao interior da 1ª
Perimetral, com propostas para o Centro da cidade, e no saneamento e
urbanização do bairro Praia de Belas (Fig. 3.2). É denominado “Plano Director da
Cidade de Porto Alegre. Estudo para a parte central da cidade, inclusive
saneamento e urbanização da Praia de Belas
8
. Na planta disponível, encontra-se
a referência: PLANO GLADOSCH 1939-1940, mas tudo indica tratar-se do estudo
de uma alternativa, posteriormente abandonada. O projeto perde muito em relação
ao primeiro, especialmente no traçado do aterro da vertente sul da península, um
“X”, interceptado ao centro por eixo derivado de um túnel em continuação da Rua
João Manoel; uma das pernas articula-se à 1ª Perimetral numa rótula na Avenida
Osvaldo Aranha, a outra liga a Ponta da Cadeia à Praia de Belas. A proposta não
teve seguimento nos outros estudos, substituída por articulações triangulares.
O terceiro Estudo é usualmente reconhecido como o “Plano Gladosch”. O
Plano Director da Cidade de Porto Alegre. ANTEPROJECTO” (Escala 1: 5.000)
incide sobre a área ao interior da 2ª Perimetral e parte da zona norte da cidade
(Fig. 3.3). Curiosamente, é a planta mais conhecida, constando inclusive nas
sucessivas publicações da Prefeitura Municipal como o Plano Diretor da
Administração Loureiro da Silva
9
, mas não é reconhecida como tal no Plano de
Urbanização. Ele apresenta semelhanças com o quarto Estudo, no traçado viário,
no projeto para a Praia de Belas e intervenções no centro, mas também algumas
diferenças marcantes nos projetos urbanos, que serão analisadas mais adiante.
7
PAIVA, 1951, op. cit., p. 13 e Fig. n. 21, e PORTO ALEGRE. Pôrto Alegre: Plano Diretor 1954-
1964. Porto Alegre: Prefeitura Municipal, 1964, p.20.
8
PAIVA, 1951, op. cit., p. 14 e Fig. n. 22; e PORTO ALEGRE, 1959, op. cit., p. 21.
9
PORTO ALEGRE. Planejar para viver melhor (Folheto/brochura de Divulgação do 1º PDDU,
publicado como Prestação de Contas da administração Guilherme Villela). Porto Alegre: PMPA,
1983. Curiosamente, em “Um Plano de Urbanização”, é apresentado como o “primeiro esboço do
Préplano” (SILVA, 1943, op. cit., Fig. n. 24), provavelmente por confusão de Paiva, já que em
Problemas Urbanos de Porto Alegre” o mesmo Paiva apresenta-o como terceiro estudo, procedido
corretamente pelos anteriores (PAIVA, 1951, op. cit., p.15 e Fig. n. 23).
126
O quarto Estudo aparece na planta Plano Director da Cidade de Porto
Alegre Escala 1:4.000”, (Fig. 3.5), precedendo a Parte III do documento, que
trata do Anteprojeto. Está identificado na legenda como O atual Preplano,
detalhando a reforma viária nas zonas mais próximas do centro”, e apresenta a
área ao interior da 2ª Perimetral e adjacências. Em algumas plantas, aparece
referenciado ao conjunto da cidade, localizando propostas fora da área de
abrangência inicial, como o Campus Universitário. O estudo é acompanhado
posteriormente pelo detalhamento do Projeto de Reloteamento para a Praia de
Belas e os bairros Menino Deus e Azenha (Fig. 3.6), com indicação de
equipamentos públicos, espaços abertos e morfologia construída nas quadras.
Aparecem bem caracterizadas as implantações da Feira de Amostras na Azenha,
do parque no antigo Prado Moinhos de Vento, da nova Estação Ferroviária, do
Centro Cívico, e diversas intervenções da rede viária principal, ausentes no
Estudo anterior. A expansão do porto a sudoeste é abandonada. É a planta que
aparece ao fundo de Loureiro da Silva, na foto em que o prefeito apresentava o
plano à imprensa no Salão Nobre da Prefeitura (Fig. 3.8).
Os projetos vão sendo apresentados sucessivamente em conferências de
Gladosch frente ao Conselho do Plano Diretor, com mapas e estudos
arquitetônicos, compostos por perspectivas, maquetes, fotos de maquetes, dentro
da metodologia e dos conceitos de Urbanisme Parlant defendidos pela SFU. A
partir de seus estudos, Gladosch solicita à Prefeitura outros dados necessários
sobretudo aqueles relacionados à pesquisa urbana e aos levantamentos
planialtimétrico e cadastral, já que em função da Guerra na Europa os materiais
necessários à reconstituição do aerofotogramétrico contratado impediam sua
finalização e entrega.
O detalhamento dos estudos deveria conduzir ao Plano Diretor. Algumas
obras definidas nos estudos vão sendo detalhadas pelos órgãos técnicos da
Prefeitura e implementadas diretamente pelo prefeito, que delas presta contas ao
Conselho. É o caso da implantação de novas radiais, como a Avenida Farrapos
(dando continuidade, com modificações importantes, a projetos das
administrações anteriores a partir do Plano Maciel), da “grande croisée de Maciel,
com a finalização da Avenida Borges de Medeiros e abertura da 15 de Novembro,
atual Salgado Filho, e da canalização do Riacho, com saneamento e reloteamento
das áreas afetadas.
Os dados solicitados foram posteriormente levantados e compilados no
chamado Expediente Urbano”, criado por decreto em 1942 e concluído em
novembro do mesmo ano. O Expediente foi coordenado por Edvaldo Paiva, recém
retornado de seu Curso de Especialização em Urbanismo na Facultad de
Arquitectura de Montevidéu, de onde trouxe a metodologia de levantamento e
organização da pesquisa urbana. Com o Cadastro e o Expediente concluídos, se
passaria enfim ao Plano Diretor definitivo, através do ajuste e detalhamento do
Anteprojeto de Gladosch.
127
Fig. 3.2 Plano Gladosch (II): Plano Diretor da cidade de
Porto Alegre. Estudo para a parte central da cidade. Arnaldo
Gladosch (1939).
Fig. 3.1 Plano Gladosch (I): Planta demonstrativa de
normas ideais e bases gerais para a organização do “Plano
Diretor e de Expansão para a cidade de Porto Alegre”.
Arnaldo Gladosch (1938-39).
Fig. 3.3 Plano Gladosch (III): Plano Director da Cidade de Porto Alegre
Anteprojecto, Arnaldo Gladosch (1939-40).
Fig. 3.6 Plano Gladosch (IV): “Projeto de reloteamento total
da região compreendida no polígono: sopé do espigão
central av. João Pessoa rua da Azenha rua José de
Alencar futura Praia de Belas, o qual seria executado em
três etapas”. Arnaldo Gladosch (1941-42).
Fig. 3.5 Plano Gladosch (IV): Plano Director da Cidade
de Porto Alegre. Preplano, detalhando a reforma viária nas
zonas mais próximas do centro. Arnaldo Gladosch (1940-
41).
Fig. 3.4 Um Plano de Urbanização.
Esquema de um Plano Diretor.
128
Não houve tempo nem condições para tanto. Por um lado, houve um
progressivo esvaziamento da ambição de abrangência geral do Plano em favor da
definição e execução de obras de maior urgência ou prioridade para a
administração. As obras de recuperação da cidade depois da grande enchente de
1941, e para sua proteção contra futuras repetições da tragédia, reclamavam
atenção e drenavam as energias antes concentradas no Plano. O próprio Arnaldo
Gladosch parece ter desviado seu foco do Plano geral para os sucessivos projetos
correlatos (inclusive os importantes projetos particulares que angariou em sua
trajetória porto-alegrense), e para os complicados, desgastantes e custosos
estudos de reloteamento da Praia de Belas e saneamento do vale do Riacho,
onde literalmente “patinou em terreno pantanoso” nos anos 42 e 43.
Por outro lado, a saída do Prefeito
10
, grande locomotiva da implantação do
Plano, aceleraria sua passagem para um nível secundário de importância na nova
agenda municipal, apesar dos discursos prometendo continuidade. No final da
gestão Loureiro da Silva (1942-43), todos os planos e realizações foram
compilados e organizados como um Relatório da Administração em forma de livro,
com colaboração técnica do já então “urbanista” Paiva, e o trabalho publicado
após a saída do prefeito no volume chamado “Um Plano de Urbanização”.
Durante todo o período da administração Loureiro, observa-se o
desenvolvimento de uma relação de forças entre três personagens, que podemos
associar à figura de um triângulo. Dois desses personagens são o próprio prefeito
Loureiro da Silva e seu urbanista contratado, Arnaldo Gladosch, já introduzidos. O
terceiro personagem estava no cenário desde meados da década de 30, e apesar
de ter apresentado suas fichas para o prefeito anterior, Alberto Bins (com a
Contribuição, em 1936-37), com elas julgava ter reunido cacife suficiente junto ao
novo prefeito para ocupar-se do Plano Diretor: trata-se do engenheiro Edvaldo
Pereira Paiva.
A figura formada não era estática, variando a posição dos vértices e o
tamanho dos lados ao longo do período. Nunca foi um triângulo eqüilátero, pois as
relações entre os elementos nunca foram equivalentes; assemelhava-se mais a
um triângulo escaleno, com o lado maior sendo disputado e atraído pelos dois
menores. O lado maior sem dúvida era Loureiro, considerado por muitos o melhor
prefeito de Porto Alegre, catalisador e força propulsora dos planos e das reformas
empreendidas, em termos físico-espaciais, institucionais e sócio-econômicos. Os
lados menores variavam, num balanço instável entre a força relativa dos outros
dois personagens em cada momento.
10
Loureiro da Silva deixou o cargo em 15 de setembro de 1943, quatro dias depois da nomeação
de Ernesto Dornelles para o governo do Estado, alegando motivos pessoais, como a saúde
abalada e prejuízos materiais. Estava desencantado com os limites de seu projeto político (e com
os limites de intervenção de seu Plano de Urbanização), e desgastado com os governos estadual e
federal. Loureiro ambicionava o governo do estado, tendo sido preterido por Vargas na indicação
do interventor Cordeiro de Faria, e novamente por Dornelles. Além disso, havia necessidade de
recomposição dos apoios ao regime com o ingresso do Brasil na guerra.
129
Assim, quando Loureiro preferiu uma solução “externa” para o Plano, por
razões ligadas à sua estratégia de legitimação política e técnica, e para marcar
posição de mudança radical em relação à situação anterior, Paiva assumiu o lado
menor. Inicialmente numa posição subsidiária na equipe local de apoio a
Gladosch, mas vendo algumas idéias da Contribuição incorporadas ao Plano
(como a rede viária, por exemplo), sem o crédito que julgava merecedor. Depois,
por sugestão do próprio Gladosch, é enviado pela Prefeitura para especializar-se
em urbanismo em Montevidéu por um ano, numa virtual submersão como lado
quase oculto da figura. Na sua volta, é encarregado da organização da pesquisa
urbana, solicitada por Gladosch como pré-requisito para o Plano definitivo, e vai
utilizar a metodologia aprendida com Maurício Cravotto em Montevidéu.
Já como “urbanista”, Edvaldo Paiva reforça sua posição com a elaboração e
conclusão do Expediente Urbano em 1942, e vê-se alçado à condição de
protagonista com o convite de Loureiro para coordenar a elaboração de um “livro”
com a divulgação do Plano e das realizações de sua administração. Com o papel
de coordenador técnico, Paiva vai ter oportunidade de dar o troco, e o faz pela
forma como apresenta a contribuição de Gladosch e prepara o campo para sua
própria posição. Os planos e projetos de Gladosch encontram-se diluídos na
estrutura do documento; com o Expediente Urbano e a metodologia proposta para
o Plano Diretor definitivo, ilustrada por um diagrama logo nas primeiras páginas
(Fig. 3.4), Paiva busca o controle técnico do processo, credenciando-se como
único especialista dos quadros da Prefeitura em condições de assumi-lo.
Com Um Plano de Urbanização”, Paiva imaginava ter consolidado uma
condição privilegiada no triângulo, mas quando o livro foi publicado o triângulo já
estava desfeito, com a saída de Loureiro da Prefeitura em setembro de 1943. A
nova figura a substituí-lo ainda não tinha contornos definidos, e talvez nunca
viesse a ter.
UM PLANO DE URBANIZAÇÃO
Um Plano de Urbanização” é um documento impressionante como legado
de uma administração de apenas seis anos. Entretanto, sua estrutura e redação
são confusas, dificultando o entendimento da contribuição de Gladosch,
praticamente excluído por Paiva (colaborador técnico citado na capa, e a quem é
atribuída a redação geral das partes I a V do documento) da apresentação e
descrição do Plano, especialmente da Parte III, que trata do chamado Anteprojeto.
Não fosse pela menção do prefeito no Prefácio e na Introdução, e pela transcrição
das atas das reuniões do Conselho do Plano, onde Gladosch apresenta seus
planos e projetos em sucessivas conferências, sua responsabilidade estaria
obscurecida ou diluída em uma verdadeira cortina de desinformação. A
denominação errática contribui para isso: os estudos preliminares ou anteprojetos
são chamados Pré-Plano, algumas plantas são denominados como Anteprojeto de
Plano Diretor da Cidade, o detalhamento dos projetos é apresentado às vezes
130
sem referência ou filiação às propostas do Plano, algumas obras são descritas da
mesma forma.
O Prefácio do Prefeito inicia por uma citação de Que es el Urbanismo?”,
dos arquitetos Bereterbide e Vautier
11
, referência certamente inserida por Paiva,
sobre o Plan Regulador. Segue-se uma declaração de princípios, onde o Prefeito
define seu papel como o de orientar e dar unidade aos trabalhos da equipe de
técnicos que nele colaborou:
Esta obra tem o sentido de um relatório de cinco anos de experimentação urbanística e de
esfôrço para o desbravamento de um terreno pouco conhecido entre nós (...). Ela sintetiza
e explica o Plano Diretor de Porto Alegre, não apenas em seus aspectos técnicos como,
principalmente, na sua teoria, nos seus princípios básicos de caráter doutrinário. É um
balanço de toda a nossa atividade no sentido de dotar a capital sul-rio-grandense de um
plano harmônico que a enquadre dentro das concepções científicas da Urbanística
moderna
12
(p.15).
Na Introdução, o Prefeito diz ter encontrado a cidade sem orientações de
caráter geral, que respondessem às contradições provocadas pela forma de
crescimento urbano, erros acumulados e reações do meio físico, em um estágio
de seu desenvolvimento “(...) no qual se tornava imprescindível o estabelecimento
de uma orientação, de uma planificação do seu crescimento, que o enquadrasse
dentro de normas racionais. Em tais condições foi que ideamos a organização do
Plano Diretor da cidade, o qual surgiu, pois, como um imperativo do momento” (p.
17). O momento exigia pressa, e Loureiro, homem prático, alinha as providências
tomadas: a contratação de um perito em urbanismo (Arnaldo Gladosch), a
contratação de uma planta cadastral através de levantamento aerofotogramétrico,
o meio mais rápido e “moderno”, e de um Censo Imobiliário.
Como a cidade não podia esperar, a Administração atacava diretamente os
projetos e as obras mais necessárias, e pressionava o Governo Federal por uma
nova Lei de Desapropriações para concretizá-las. Para discutir e legitimar o
processo, cria o Conselho do Plano, frente ao qual Gladosch vai justificar seu
Anteprojeto. Necessitando a elaboração da pesquisa urbana (a cargo da Prefeitura
pelo contrato), e sem apoio técnico suficiente, envia em 1941, por sugestão de
Gladosch, o Engenheiro Edvaldo Paiva para especializar-se em urbanismo em
Montevidéu. Na volta de Paiva, incumbe-o de organizar o Expediente Urbano,
11
BERETERBIDE, Fermín e VAUTIER, Ernesto. Que es el Urbanismo? Buenos Aires: Honorable
Consejo Deliberante, Circa 1935. Fermín Bereterbide foi autor do Plan Regulador de Mendoza
(publicado em 1942, em equipe com os uruguaios Scasso e Cravotto, e Belgrano Blanco), de
Tucumán e Rosario (os dois com Ángel Guido). Como pioneiro do urbanismo “moderno” na
Argentina e Uruguai, e parceiro de Mauricio Cravotto, foi estudado por Paiva no seu curso em
Montevidéu, e passou a uma de suas referências prediletas.
12
O Prefeito agradece aos colaboradores diretos na feitura da obra (onde deve estar incluído
Paiva), citando em especial o urbanista brasileiro Eng. Arnaldo Gladosch”, e os Engenheiros
Paulo de Aragão Bozano e Antônio Klinger Filho, diretores gerais dos serviços de engenharia
municipal, e aos Engenheiros Marcio Cúrio Duarte e Amadeu da Rocha Freitas, diretores dos
serviços de esgotos e água.
131
também publicado no documento. Cadastro e Expediente, quando concluídos,
permitiriam passar enfim ao Plano Diretor definitivo.
O documento se estrutura em nove Partes mais Anexos.
Na PARTE I O MEIO E O HOMEM, é apresentado um estudo da origem e
evolução da cidade e de suas características gerais, sintetizando dados do
Expediente Urbano, na época da publicação recém concluído por Paiva. Pela
primeira vez em Porto Alegre, aparece explicitamente o enfoque da Evolução
Urbana, desenvolvido por Maurício Cravotto em Montevidéu a partir dos estudos
de Marcel Poëte e Patrick Geddes. A Evolução Urbana tornou-se uma verdadeira
escola em Porto Alegre a partir dos anos 40, com suporte acadêmico e
profissional, e posteriormente foi adotada como metodologia básica de diagnóstico
de Plano Diretor por Edvaldo Paiva e equipe em todos os planos subseqüentes.
Na PARTE II INÍCIO DA REFORMA URBANA são descritos os
antecedentes da Administração José Montaury, o Plano Maciel e as obras de
reforma urbana dele decorrentes nas administrações Otávio Rocha e Alberto Bins.
Segue-se a apresentação das primeiras providências da administração Loureiro
da Silva para a consecução do Plano Diretor, sua definição e elementos: descrição
das condições urbanas em 1937, início do chamado Pré-Plano, do censo
imobiliário e levantamento aerofotogramétrico, instalação do Conselho do Plano, e
início das obras.
Na PARTE III O ANTE-PROJETO, em 22 páginas mais figuras, é que vai
ser descrito o Anteprojeto de Gladosch, sem referências precisas aos seus
sucessivos estudos, e incluindo alguns projetos arquitetônicos e urbanísticos dos
serviços municipais sem relação direta com os mesmos. A base para a descrição
é o plano do quarto Estudo (Fig. 3.7), identificado em planta como Plano Director
da Cidade de Porto Alegre, na legenda como Préplano (sic), e no texto como Ante-
projeto (sic). O ANTE-PROJETO apresenta o Plano Viário, que é descrito mais
extensamente, o Centro Urbano, o Saneamento dos Vales, mais especificamente
do vale do Riacho, os Espaços Verdes, a Extensão do Porto e os Detalhes.
Os detalhes, curiosamente, compreendem tanto a Feira de Amostras, a
Cidade Universitária e o Hipódromo do Cristal, projetos desenvolvidos por
Gladosch ou sob sua coordenação, quanto equipamentos públicos projetados pela
equipe técnica municipal, como o Hospital de Pronto Socorro, o Centro de Saúde
Modelo, a Estação Rodoviária e a futura Prefeitura, e mesmo empreendimentos
privados como o novo Bairro de Petrópolis. O texto utiliza, em grande parte, as
descrições e justificativas apresentadas pelo próprio Gladosch para os projetos em
suas conferências perante o Conselho do Plano Diretor, novamente sem crédito.
A PARTE IV O EXPEDIENTE URBANO define o alcance, função e
métodos de trabalho do Expediente Urbano de Porto Alegre, de acordo com
metodologia proposta pelo arquiteto urbanista Maurício Cravotto para a
organização do Expediente de Montevidéu, trazida por Paiva de sua recém
132
terminada especialização no Uruguai. Cita ainda nas origens do trabalho a
“escola” de Leon Jaussely na França (na realidade a SFU) e de Patrick Geddes na
Inglaterra, a “Survey” de Nova York organizada pela Russell Sage Foundation com
a participação de Thomas Adams a partir de 1929, e os Expedientes de Santiago
do Chile e Bogotá, dirigidos pelo urbanista austríaco Karl Brunner. O documento
reúne cerca de cem plantas e gráficos, expostos na 1ª Exposição Estatística do
Rio Grande do Sul e posteriormente condensados num Relatório, que foi editado
pela Prefeitura Municipal em 1942
13
como Expediente Urbano de Porto Alegre.
Na PARTE V O PLANO DEFINITIVO é finalmente apresentado o Plano
Diretor propriamente dito, com seus Antecedentes, Programa de Trabalho, a
definição do Órgão de gerenciamento a ser criado e suas atribuições, e definidos
os Trabalhos Finais necessários: Legislação, Zoneamento, Reloteamento, e
Desenvolvimento do Plano no futuro. O Zoneamento compreenderia três planos
gerais de zoneamento, de acordo com as exposições de Gladosch no Conselho
do Plano: pela utilização dos imóveis (zoneamento de usos), pela altura dos
imóveis (zoneamento de gabaritos, ou regime de alturas dos imóveis) e pelas
superfícies dos pátios, e a criação de uma Lei de Zoneamento, constando
novamente de três partes relacionadas aos mesmos três planos: qualidade de
ocupação, alturas dos edifícios e superfície dos pátios.
No Reloteamento, são adiantados alguns estudos já em andamento de
detalhamento do Plano, para a área do Menino Deus a ser saneada com a
canalização e retificação do Riacho, e para os quarteirões remanescentes da
abertura da Avenida Borges de Medeiros. No primeiro caso, é apresentada uma
planta de detalhamento do Plano Gladosch, sobreposta à reconstituição do
aerofotogramétrico da área, sem crédito, e estudos do próprio punho de Gladosch
prevendo sua execução por etapas, igualmente sem crédito, mas facilmente
verificáveis pela assinatura nas plantas (Fig. 3.11). No segundo, são apresentados
os estudos para o Quarteirão Masson (entre as ruas da Praia e Marechal Floriano,
e as novas avenidas Borges de Medeiros e 10 de Novembro, atual Salgado Filho),
com a previsão de galerias cobertas junto à Avenida Borges, áreas coletivas
internas ao quarteirão e rua interna, nos mesmos moldes da proposta de Agache
para os quarteirões do Castelo, no Rio de Janeiro.
Os estudos são denominados alternativamente como Quadra 1, denotando
sua intenção de exemplaridade no tratamento de áreas similares no Centro. Junto
com os estudos, é apresentada uma perspectiva do projeto para o Edifício
Sulacap, em execução à época na cabeça do quarteirão em questão (Fig. nº 92 do
documento), sem crédito ao autor, no caso o mesmo Arnaldo Gladosch. O edifico
já seguia parcialmente as diretrizes da Quadra 1 (galerias, área interna, mas sem
rua interna, que dependeria de negociações com os outros proprietários da
quadra), e rompia o gabarito previsto pela legislação para a Borges de Medeiros.
13
PAIVA, Edvaldo Pereira. Expediente Urbano de Porto Alegre. Porto Alegre: Prefeitura Municipal,
1942. O esquema de diagnóstico proposto por Cravotto previa a coleta, sistematização e
interpretação de dados referentes a 25 aspectos da vida urbana, reduzidos por Paiva à metade.
133
Na PARTE VI AS DESAPROPRIAÇÕES são analisadas as antigas e
atuais Leis de Desapropriações, com suas limitações e vantagens, bem como a
proposta de uma Nova Legislação na prática, e apresentado um Método de
Avaliação de propriedades imobiliárias. Ao final, uma Planilha informa todos os
imóveis adquiridos pela Prefeitura entre outubro de 1937 e agosto de 1943, para a
implantação dos projetos viários e de saneamento do Plano, num total de 907
imóveis no valor de quase 19 milhões de cruzeiros. A maior parte dos imóveis e
valores corresponde à abertura das avenidas Farrapos e 10 de Novembro (que
respondem por cerca de 50% do valor total), conclusão da Avenida Borges de
Medeiros, e para a retificação do Riacho.
As PARTES VII e VIII tratam respectivamente do Financiamento do Plano e
da Reforma Tributária. Na primeira, é analisado o estado das rendas municipais
em 1937, na posse de Loureiro, detalhes dos empréstimos tomados pela
Municipalidade e de seu emprego, e do financiamento futuro do Plano. Na
segunda, discute-se o papel dos impostos municipais (predial e territorial) no
financiamento do plano, detalhando-se a nova sistemática para o Imposto Predial,
as Tarifas do Serviço de água e esgoto cloacal, a reforma do Imposto Territorial, e
o Imposto de licença para circulação. Conclui-se com considerações sobre a
função social da tributação na época.
A PARTE IX OBRAS EXECUTADAS, mostra a execução do Plano Viário
(através de 17 itens), do Saneamento (Bacia São João/Navegantes, Retificação
do Riacho, Rede de Abastecimento d’água, e Rede de Esgoto Cloacal), do
sistema de Verdes Coletivos, e de Equipamentos e serviços diversos. No último
item, estão apresentados de forma detalhada tanto equipamentos, como o
Hospital de Pronto Socorro, o Centro de Saúde Modelo, o Embarcadouro na Vila
Assunção (ligação hidroviária com a zona sul do estado), o Mercado Livre e o
Estádio Municipal, Escadarias, Estátuas, e Cemitérios, quanto as obras de
Pavimentação, Drenagem, e Arborização pública.
Num total de 118 páginas mais Figuras, trata-se de um relato
impressionante pela quantidade e escala das intervenções, por sua abrangência
para o desenvolvimento urbano da cidade, e por seu padrão homogêneo de
qualidade e imagem, enquanto obras públicas feitas para durar. Estarão descritas
em maior detalhe e analisadas em Uma Cidade feita para durar, juntamente com
outros planos e projetos não executados de Arnaldo Gladosch.
Nos ANEXOS, estão apresentadas as Transcrições das Reuniões do
Conselho do Plano Diretor, desde a primeira, em 3 de março de 1939, à última
com a participação de Loureiro como prefeito, a 21 de outubro de 1942 (10ª
Reunião), e os contratos relacionados à execução do Plano - com o Urbanista
Arnaldo Gladosch, com data de 21/12/1938, com o Sindicato Condor Ltda. (depois
Serviços Aéreos Cruzeiro do Sul), para levantamento aerofotogramétrico do
município, com data de 05/07/1939, e com os Serviços Hollerith SA, para
execução do censo imobiliário, de estabelecimentos e profissionais, e para
134
racionalização de impostos e compilação de elementos estatísticos, com data de
20/12/1938, e prazo para a conclusão dos serviços de 90 dias úteis.
É apresentada igualmente a Legislação relativa à Reforma Tributária,
através do Decreto-lei n° 6 de 10/07/39, o Decreto N° 279, com Normas Para
Execução do Expediente Urbano, e o texto O que é um Expediente Urbano”,
trabalho apresentado por Paiva e datado de janeiro de 1942. Exemplificando o
caráter heterogêneo do documento, aparecem também as transcrições de três
conferências sobre saneamento e proteção contra inundações, uma sobre o
Hospital de Pronto Socorro, um discurso do prefeito
14
e o Anteprojeto da Lei de
Urbanismo, por Francisco Brochado da Rocha, Procurador-Geral do Município,
como colaboração da Prefeitura à legislação federal sobre o assunto, à época em
discussão. As primeiras ilustram a importância dos temas correlatos do
saneamento da área do Riacho e da proteção de Porto Alegre contra as cheias,
pouco após o trauma da grande enchente de 1941.
Não existe uma imagem unitária de cidade ideal nos planos de Gladosch,
ou ao longo de Um Plano de Urbanização. Analisando o material produzido por ele
entre 1939 e 1943, encontramos diversos fragmentos de cidades ideais, seja nos
sucessivos projetos para os aterros da vertente sul da península e para a enseada
da Praia de Belas, seja nos desenhos, perspectivas e maquetes dos projetos para
peças urbanas como a Feira Permanente de Amostras na Azenha e o Centro
Cívico na Praça da Matriz.
O Anteprojeto definitivo (ou “atual Préplano” como é apresentado na Figura
nº 25 de Um Plano de Urbanização), denominado Plano Director da Cidade de
Porto Alegre, consolida o traçado proposto por Gladosch a partir dos estudos e
anteprojetos anteriores, localiza seus projetos para peças urbanas específicas e
serve de referência para o detalhamento posterior (Fig. 3.7). É o mesmo mapa
gigante que aparece sendo apresentado por Loureiro da Silva no Salão Nobre da
Prefeitura em foto do início da década, ilustrando tanto seu compromisso e
familiaridade com o Plano, como a utilização do mesmo como instrumento efetivo
de divulgação e propaganda (Fig. 3.8). Servirá para balizar a análise dos planos e
projetos urbanos de Gladosch em Uma Cidade feita para durar.
14
Trata-se das Conferências “A construção da ponte de concreto armado à avenida Getúlio Vargas
sobre o Riacho retificado”, trabalho lido na Sociedade de Engenharia pelo Engenheiro Paulo de
Aragão Bozano, da Diretoria Geral de Obras e Viação, A Defesa de Porto Alegre Contra as
Cheias” e Adaptação do cais de Porto Alegre ao Plano Geral de defesa da cidade contra as
enchentes do Guaíba” realizadas respectivamente em 10/05/1943 e 12/05/1943 na Sociedade de
Engenharia pelo Engenheiro Hildebrando de Góis, Diretor do DNOS. Ao final, é transcrita a
Conferência “O Futuro Hospital de Assistência Pública de Porto Alegre”, sobre o Hospital de Pronto
Socorro em final de construção, pelo Dr. Bruno Marsiaj, ex-diretor de Assistência Pública de Porto
Alegre e idealizador da implantação do equipamento, e “A questão com a Cia. Brasileira de Força
Elétrica”, discurso do Prefeito Loureiro da Silva em 26/08/1939, onde são relatados os problemas e
o longo contencioso da Municipalidade com a Companhia concessionária de Energia Elétrica,
vencida pela Prefeitura naquele ano com a revisão das cláusulas do contrato leonino de
concessão.
135
Fig. 3.7 Plano Gladosch (IV): Plano Director da Cidade de Porto Alegre. Preplano, detalhando a reforma viária
nas zonas mais próximas do centro. Arnaldo Gladosch (1940-41).
Fig. 3.8 Loureiro da Silva no Salão Nobre da PMPA apresentando
o Plano Gladosch à imprensa (c. 1940).
136
Entretanto, somente a reprodução das peças gráficas disponíveis, e sua
descrição e justificativa no texto do documento não são suficientes para
fundamentar a análise. Do ponto de vista da investigação científica, apresentam
fragilidades documentais significativas: trata-se de fontes secundárias, dispersas,
com muitos documentos sem data, identificação, escala ou abrangência espacial
definidas, compondo um painel incompleto, fragmentado e, possivelmente
distorcido do objeto de estudo. Antes, será necessário recorrer às exposições
diretas de Gladosch, transcritas nas atas das reuniões do Conselho do Plano
Diretor, (apresentadas em anexo nas páginas 125 a 214 do documento). Através
delas, felizmente, é possível recuperar parte do seu legado, entender seus
fundamentos teórico-metodológicos, e como eles se inserem na tradição
disciplinar do urbanismo da época. Não o urbanismo moderno, mas certamente
um urbanismo moderno.
URBANISME PARLANT: GLADOSCH NO CONSELHO DO PLANO DIRETOR
Como ao longo do documento de apresentação do Plano de Urbanização a
contribuição de Gladosch encontra-se diluída e fragmentada, por obra de Paiva,
coordenador técnico, é nas transcrições das atas das dez reuniões que o
Conselho do Plano Diretor realizou entre março de 1938 e outubro de 1942 que
podemos recuperar sua verdadeira dimensão. Nestas reuniões, realizadas durante
o período em que trabalhava nos estudos e projetos contratados pela Prefeitura,
Gladosch teve a oportunidade de externar suas idéias, os pressupostos do seu
trabalho, as suas posições e os seus conceitos que orientaram a elaboração do
Anteprojeto do Plano Diretor
15
, conforme reconhece inclusive Nygaard, que não
esconde sua posição crítica com respeito a ele. Assim, a análise da contribuição
de Gladosch vai ser buscada diretamente das transcrições, em ordem cronológica,
indicando-se entre parênteses as páginas de Um Plano de Urbanização da qual
foram transcritas.
A 1ª REUNIÃO foi realizada em 3 de março de 1939. Instalando a sessão
inaugural dos estudos do Plano Diretor da cidade, o Prefeito Loureiro da Silva
apresentou oficialmente ao Conselho o engenheiro Gladosch, e justificou sua
contratação ao final de 1938, como encarregado do plano de urbanização de Porto
Alegre por suas credenciais profissionais:
O dr. Arnaldo Gladosch foi companheiro assistente do professor Agache, nome
vastamente conhecido em todo o país, principalmente pelas obras de remodelação que
planejou no Rio de Janeiro. E, em concurso realizado na Espanha, o seu projeto para a
construção do pôrto de Barcelona obteve o terceiro lugar” (p. 125).
Gladosch iniciou sua exposição do anteprojeto do Plano agradecendo a
honrosa incumbência” de estudar e projetar o Plano Diretor de Porto Alegre, e
destacando a colaboração dos Diretores Gerais de Obras e Viação, de
15
NYGAARD, 1995, op. cit., p. 77.
137
Saneamento, e de seus auxiliares; para ele os estudos constituem, ao invés de um
trabalho individual, uma produção conjunta, da qual ele seria apenas o
engenheiro coordenador”.
A seguir, faz uma breve análise da evolução da cidade, utilizando uma
visão estrutural do traçado como matriz do desenvolvimento urbano. A partir de
um primeiro estado “orgânico”, ajustado à conformação topográfica e às ligações
com o seu hinterland”, que iria até o final do século XIX, sucederia a época de
predomínio das iniciativas parciais”, com a expansão de arraiais esparsos, sem
nenhuma ligação entre si”, ao longo dos antigos caminhos. Logo surge a metáfora
biológica, recorrente no urbanismo da época:
Estes antigos caminhos dos tropeiros se transformaram em ruas, artérias de hoje
comandam a disposição embaraçada dos arruamentos ‘extra muros’ da cidade. Os
arraiais, crescendo como tumores, tanto na direção do interior como também em direção à
cidade, - conforme registram as plantas de 1896 e 1906 encurralaram-na, por fim,
estrangulando-a” (p. 127).
Prosseguindo, lamenta a falta de uma direção única naquele período crítico
de formação da cidade “(...) cuja presença e domínio teria pôsto um freio à
dilatação malsã, obrigando-a a continuar o seu desenvolvimento em acôrdo com
um programa, que visasse, em primeiro lugar, as necessidades e os interesses da
coletividade, relegando para um lugar secundário os desejos individuais
descontrolados” (p. 127). A direção única, evidentemente, seria o planejamento do
desenvolvimento urbano através de um plano de conjunto.
O diagnóstico segue apontando a solução de continuidade em muitos
lugares, a expansão do bloco central, a dilatação salteada, deixando atrás de si
tantos (...) vazios de permeio”, resultando numa cidade com cerca de 350.000
habitantes em 8.000 hectares de superfície, em arruamentos existentes ou
projetados, com a baixa densidade de 44 habitantes/hectare, tornando
impraticável a execução e o custeio, na maior parte de Pôrto Alegre, dos principais
serviços municipais
16
. Como conseqüência, fica prejudicada a ligação racional
com o núcleo originário, a ‘City’ de Porto Alegre”, tornada labiríntica, e a proporção
de áreas verdes, reduzida a míseros 1,2% da superfície total.
Ressalvando que Porto Alegre não é um caso isolado (o mesmo ocorreria
em maior escala em São Paulo e no Rio de Janeiro), Gladosch estima que não é
tarde demais corrigir a situação, embora “quanto mais se protelar, mais difícil será
a correção e relativamente maior a despesa. Enfim, caberia ao Plano Diretor
definir a correção e a cura, com um escopo que compreende “esboçar e delinear
uma planta para regularizar a parte central, sanear os arrabaldes e
16
Gladosch considera como o normal densidades de 100 a 150 hab/ha, coerentes com a Cidade-
jardim. O exagêro da expansão torna-se ainda mais evidente se considerarmos que, segundo a
planta de 1937, existem aproximadamente 800.000 metros lineares de ruas, entre abertas e
projetadas, ao passo que a cidade só dipõe, porém, de cêrca de 133.000 metros lineares de
esgotos e 300.000 metros lineares de canalização de água potável” (SILVA, 1943, op. cit., p. 128).
138
determinar a expansão da cidade (...) preestabelecendo a extensão da
capital, em bases racionais, sob uma orientação única, a bem dos seus
habitantes(pp. 128-129). Aí estão preliminarmente, em resumo e de forma bem
clara, os objetivos do Plano para Gladosch.
A insistência na racionalidade e na busca do bem comum ilustra uma
filiação metodológica e ideológica ao sistema da SFU. Da mesma forma, na
ênfase à necessidade de investigações, exames minuciosos e outros estudos de
conhecimento e descrição da situação existente (notadamente estatísticos),
preliminares aos trabalhos definitivos do Plano Diretor, Gladosch presta tributo
tanto ao método de Agache no Rio de Janeiro quanto à urban survey.
Deve-se estudar bem a situação em todos os seus detalhes, organizar estatísticas,
sindicar onde estão os defeitos, procurar as suas origens e determinar as soluções, antes
de agir, porque uma intervenção urbanística em uma cidade como Pôrto Alegre, encerra
grandes responsabilidades” (p. 129).
Após a análise da evolução urbana e o diagnóstico dos males atuais,
Gladosch passa a apresentar seu estudo, sempre referido como anteprojeto. A
espinha dorsal é fornecida pela rede viária, nos moldes de um Plano de Avenidas,
assegurando a estrutura do zoneamento urbano e a ligação entre as diversas
zonas: O estabelecimento da rêde principal de vias de comunicação é um dos
trabalhos mais delicados do Plano Diretor de uma cidade já formada”. A função da
rede viária é fornecer suporte e interligação para o Zoneamento de usos.
Gladosch procurou lançar sua rede primária sobre a estrutura real da
cidade, “(...) utilizando, por motivos econômicos, sempre que possível, os traçados
de ruas existentes, alargando-as”. Assim procedendo, reforçava o sistema de
radiais que ligavam o centro aos bairros, complementando-o com vias circulares
que asseguravam a ligação entre os diversos bairros, aproximando-se ao máximo
do modelo ideal de cidade rádio-concêntrica
17
. Procurou evitar o ingresso de todas
as radiais no centro da cidade, com a diminuição seu número, unificando-as e
simplificando seu traçado nas vizinhanças do centro. Apenas as avenidas
Farrapos e Borges de Medeiros chegariam até a Praça XV de Novembro,
considerada o coração da cidade. Curiosamente, a longa exposição não se referia
às avenidas perimetrais (usando a expressão vias circulares), e elidia a proposta
dos perímetros de irradiação, muito clara na planta conhecida do primeiro
anteprojeto. Todas as demais radiais seriam canalizadas para duas delas, e não
através de um primeiro perímetro de irradiação, como na Contribuição.
Após a rede viária, Gladosch passa às áreas verdes (referidas como
superfícies verdes”), e lamenta que a cidade até agora não tenha tirado vantagem
alguma de sua situação privilegiada à margem do Guaíba “por falta absoluta de
17
(...) esta rede, além de estabelecer uma comunicação lógica entre o centro urbano e as Zonas
de Habitação, se aproxima ao máximo do esquema ideal das radiais com as vias circulares, que
por sua vez estabelecem uma ligação fácil dos diversos centros de moradia entre si” (p. 130).
139
avenidas marginais arborizadas ou jardins públicos atraentes para passeios e
convidativos ao repouso”. A simples reserva compulsória de 10% da superfície
urbana para áreas verdes é considerada uma medida boa, mas não suficiente,
produzindo dispersão “sem repercussão prática no conjunto”. A solução proposta
é a criação de um sistema de áreas verdes reunindo e ligando estas áreas
isoladas, fazendo-as entrar num agrupamento de faixas de jardins ou parques”
distribuídas no território da cidade de forma semelhante “ao sistema circulatório de
um corpo, findando as ramificações extremas numa cintura de florestas
envolvendo a cidade” (p. 130-131). Mais uma vez Gladosch recorre à metáfora
biológica para a qualificação e exemplificação dos sistemas urbanos de seu plano,
e se aproxima notavelmente das justificativas de J.C.N. Forestier para a proposta
do sistema de parques e áreas verdes ao longo da margem do Rio da Prata e do
estuário do Tigre
18
, em seu Informe no Plan Noel de Buenos Aires de 1925.
A base para este sistema seria fornecida por duas operações de
urbanização interligadas, propostas no Plano: o saneamento da Praia de Belas e a
regularização do Riacho. A primeira permitiria uma faixa de parque contínua ao
longo do rio, acessível ao público; a segunda permitiria uma segunda faixa verde,
perpendicular à primeira, a partir da Praia de Belas até o fundo da área rural, ao
longo de um vasto território até então alagadiço e insalubre. Complementando o
sistema, seriam previstos espaços para equipamentos públicos, como campos de
esportes, jardins da infância, escolas e hospitais.
Gladosch considerava que a canalização do Riacho e do rio Cascata
ofereceria uma área estratégica para urbanização, então pouco aproveitada ou
vazia, constituindo a expansão lógica de um trecho da cidade já beneficiado com
infra-estrutura. Analisa as duas possibilidades técnicas de canalização,
conservando o traçado e as ocupações existentes e encaminhando o canal como
possível, através de alargamentos, ou pela desapropriação prévia de toda a zona
atingida, com o traçado do canal de acordo com a melhor técnica. Conclui pelos
benefícios da segunda opção, apesar do maior custo inicial, considerando-o
passível de recuperação através de reloteamento. Esta foi a solução técnica
adotada posteriormente.
Finalizando sua exposição, Gladosch faz algumas considerações sobre as
relações do zoneamento industrial com as zonas portuárias, para localização e
extensão do porto “marítimo” na direção norte
19
, e sobre a localização de
18
J.C.N. Forestier era um dos urbanistas da SFU, colega de Agache, e foi o introdutor e principal
divulgador do Park System americano na França. Seus projetos para Buenos Aires foram
elaborados em Paris, em 1924, e integraram o Plan Noel (“Proyecto Orgánico para la Urbanización
del Municipio. El Plan Regulador y de Reforma de la Capital Federal”, elaborado pela Comisión de
Estética Edilicia da Intendencia Municipal; que ficou conhecido pelo nome do Intendente Carlos
Noel), publicado em 1925. Ver em MOLINA Y VEDIA, 1999, op. cit., especialmente capítulo 4
(PLAN NOEL, 1925), pp. 103-126.
19
Esta era então uma polêmica entre os engenheiros locais, com partidários da extensão em
direção sul, na enseada da Praia de Belas, como o engenheiro Ary de Abreu Lima. É evidente que
a expansão do porto sobre a enseada exclui o projeto do novo bairro residencial no aterro, um dos
140
equipamentos, como a Estação da Viação Férrea, junto ao primeiro perímetro de
irradiação e frente ao projetado Túnel da Rua Conceição, com grande
acessibilidade a todas as zonas da cidade. Neste assunto, joga toda sua
experiência e autoridade como responsável pelas áreas industriais e portuárias do
Plano Agache para o Rio de Janeiro, e certamente contribuiu decisivamente para
a decisão final em favor da extensão norte do porto, pelo cais Navegantes.
Na 2ª REUNIÃO (em 19 de maio de 1939), Gladosch volta ao tema do
saneamento e urbanização do vale do Riacho e da Praia de Belas, considerando-o
seu projeto prioritário após a definição das linhas gerais do anteprojeto do Plano
Diretor, apresentado e detalhado na reunião anterior.
“O grande problema, diremos o nº 1 de Porto Alegre, é o aproveitamento, para
urbanização, das grandes áreas marginais do Riacho. Áreas estas atualmente insalubres,
sujeitas às inundações pelas enchentes do rio e que, portanto, representam um sério
entrave à desejável continuidade do desenvolvimento da zona urbana da cidade. (...) Foi
por êste motivo que, uma vez assentado o anteprojeto do Plano Diretor em suas linhas
gerais, iniciamos os estudos mais detalhados dêste plano pelo projeto de saneamento e
urbanização da Praia de Belas e canalização do Riacho, da Ponte da Azenha ao Guaíba”
(p. 137).
A área a ser beneficiada, localizada a apenas 2 km do centro da cidade,
poderia abrigar 42.000 pessoas depois de saneada, e permitiria a construção da
Avenida Beira-Rio, com sua faixa de jardins margeando o Guaíba e assegurando
acesso direto à zona sul da cidade. Para viabilizar sua execução, entretanto, é
preciso que se conquiste ao rio Guaíba uma superfície de terreno destinada
futuramente a construções, cujo valor compense as despesas para a realização
das necessárias obras de saneamento
20
(p. 138). Os terrenos conquistados ao
rio serviriam como permuta para a gradativa desocupação das áreas afetadas pela
canalização do Riacho. No conjunto, era prevista a criação de um novo bairro
residencial moderno através do reloteamento, dos dois parques propostos (na
entrada da Avenida Borges de Medeiros e na Ilhota, junto à Praça Garibaldi) e da
faixa de jardins entre eles, dando início efetivo ao estabelecimento da rede de
espaços verdes prevista no anteprojeto do Plano.
Em complementação à exposição, Gladosch apresentou suas plantas no
salão nobre da Prefeitura, detalhando os projetos da Avenida Beira-Rio,
saneamento da Ilhota e conclusão da Avenida Borges de Medeiros. Sem outras
referências na ata da Reunião, agregou ainda o estudo para construção de um
novo Hipódromo no Cristal, em substituição ao existente no bairro Moinhos de
Vento (cuja área era destinada a parque urbano no Plano), com a abertura das
respectivas vias de comunicação ligando-o ao centro da cidade.
elementos principais do plano, e chave da viabilização técnico-econômica do saneamento da vale
do Riacho.
20
Gladosch considerava uma área de 140 hectares e densidade de 50 hab/ha, podendo quando
saneada abrigar 300 hab/ha, ou 42.000 pessoas. SILVA, 1943, op. cit., p. 138.
141
Na 4ª REUNIÃO
21
, em 23 de agosto de 1939, Gladosch dedicou-se à
exposição de conceitos sobre o urbanismo e a seus fundamentos básicos como
ciência de construir cidades”.
“Considero estas minhas exposições (...) não só uma prestação de contas quanto ao
andamento e à forma de como estão sendo feitos os estudos e trabalhos a mim confiados,
mas, também, uma oportunidade para propagar as idéias básicas do urbanismo cujas
finalidades consistem não só num embelezamento em si da cidade, mas, também, num
saneamento geral, tanto do ponto de vista higiênico e técnico, como também social-
econômico” (p. 148).
Para Gladosch, o “urbanismo” designa a ciência que se ocupa com a
conformação do espaço e com a economia dos núcleos de acumulação de
habitações humanas” (p. 148), mas não prescinde da arte, pois “exatamente como
em arquitetura, também na ciência de construir cidades existe (...) a exigência
daquilo que, na falta de outra expressão, chamamos de competência artística,
para determinar o valor das proporções e a relatividade das diversas partes entre
si” (p. 149). A analogia entre o urbanismo e a arquitetura remete a Sitte, mas
também ao urbanismo francês e diretamente a Agache, que sempre considerou
urbanismo e arquitetura indissociáveis, num movimento pendular entre a metáfora
biológica (a cidade como organismo e o urbanismo como a ciência que o estuda e
trata) e a metáfora artística (a cidade como arquitetura e obra de arte, e o
urbanismo como o conjunto de princípios e procedimentos que permite modela-la).
A seguir, ocupa-se do zoneamento. Considera que o território da cidade é
composto de duas classes de superfícies, os logradouros públicos e as
propriedades imobiliárias (públicas ou privadas), e que o Plano deve estabelecer
preliminarmente sua sistematização através de uma política de aproveitamento e
uso. Como a interdependência, que existe entre estas duas classes de
superfícies e o número dos respectivos habitantes, é de importância decisiva para
a vida de uma cidade”, e ela varia por zonas, esta diversidade de exigências “é um
dos motivos por que precisamos dividir a cidade em zonas”.
A ‘ciência de construir cidades’ (...) nos ensina como determinar a melhor proporção entre
as duas classes de superfícies citadas e também como estabelecer a mais conveniente
extensão de cada uma, em relação ao número de habitantes, fixando, para êste fim, não
só o modo, como também o grau de utilização das propriedades imobiliárias” (p. 150).
Caberia ao Plano Diretor a divisão da cidade em zonas, definindo para cada
uma as áreas destinadas às classes de superfícies e os seus usos. Ele seria
complementado pelo Regulamento de Construções, elaborado de acordo com o
Plano, determinando a maneira e o grau de utilização das propriedades
21
A 3ª REUNIÃO (em 6 de junho de 1939) foi inteiramente dedicada à apresentação da nova
matriz de tributação imobiliária e de taxas de água e esgoto, pelo Prefeito e pelo técnico da
empresa Hollerith, Dr. Almeida Gomes. O projeto reduzia as alíquotas e aumentava a base para
tributação em Porto Alegre, racionalizando e disciplinando sua aplicação, tendo sido discutido com
os representantes dos proprietários de imóveis, defendido consistentemente pelo Prefeito e
aprovado ao final da seção.
142
imobiliárias. Trata-se da distinção clássica entre os regulamentos urbanísticos e
das edificações, a seguir institucionalizada em dois instrumentos distintos, o Plano
Diretor e o Código de Edificações.
Considerando que o sucesso de um Plano depende de economia e
racionalidade no aproveitamento das propriedades imobiliárias, defende sua
execução por etapas, como “uma transformação gradual da situação presente, ao
estado almejado para o futuro“. Na descrição do processo de crescimento e
transformação das cidades, volta à metáfora biológica, comparando as edificações
às células de um organismo em evolução, que num ritmo contínuo, definham
quando já não mais podem satisfazer às necessidades sempre crescentes dos
órgãos”, sendo substituídas por outras, melhor aparelhadas “para lhes suceder no
ciclo constante da renovação e ajustamento às exigências cada vez mais
diferentes e maiores do corpo em crescimento” (p. 150).
Para Gladosch, como no ciclo da vida, na cidade as células velhas as
casas antigas são demolidas dando lugar a novos edifícios, e a maneira mais
lógica para executar um Plano Diretor consiste em tirar o melhor partido possível
desta transformação espontânea. Ataca as inadequações e deficiências dos
padrões de loteio da cidade tradicional, de desenvolvimento espontâneo, e
defende a intervenção por desapropriação ou permuta
22
, com posterior
reloteamento de acordo com padrões adequados.
A seguir reapresenta sua proposta de localização da Estação da Viação
Férrea do Rio Grande do Sul junto ao primeiro perímetro, e detalha os projetos
para o Centro Urbano. A proposta de Gladosch para o Centro Urbano compreende
tanto a reforma da área do centro comercial da cidade, quanto um projeto para o
Centro Cívico. Com relação ao centro comercial, explica que sua proposta
orientou-se por duas premissas, a transformação do centro comercial, da praça
15 de Novembro e sistematização e simplificação de suas vias de acesso”, e a
integração, no centro comercial, da faixa compreendida entre a praça Senador
Florêncio (Alfândega) e a ponta da Casa de Correção, proporcionando a expansão
da zona comercial para aquele lado” (153).
Gladosch pondera que, como a zona comercial de Porto Alegre, com centro
na Praça 15 de Novembro, é limitada ao norte pelo divisor de águas e ao sul pelo
Guaíba, sua expansão só poderia ocorrer para leste, em direção aos bairros
industriais, ou para oeste, em direção à ponta da península. O normal seria uma
expansão nos dois sentidos, mas o desenvolvimento urbano reforçava uma
polaridade leste, impulsionada por obras públicas como a abertura da Avenida
Otávio Rocha. Considerando que a expansão comercial para oeste encontra
22
A ‘Lei de Reloteamento de Quadras e Permutas de Terrenos’ e seu regulamento são
complementos indispensáveis do ‘Plano Diretor da Cidade’ e seu regulamento, para darem às
autoridades municipais os poderes legais necessários para intervir nas propriedades imobiliárias
(...)” (p. 152). Em reforço à sua argumentação, Gladosch historia as leis de reloteamento e
permutas, a partir do pioneirismo de Adickes em Franckfurt, citando como exemplo negativo a
abertura da Avenida Central (Rio Branco) no Rio de Janeiro, onde isto não ocorrera.
143
obstáculos, na área entre a Praça Senador Florêncio (Praça da Alfândega), o
Porto e a ponta da península, em diversos edifícios públicos e instalações
militares, Gladosch propõe o congelamento desses usos e a localização de um
novo “Centro Cívico” na Praça da Matriz
23
.
A proposição de “Centros Cívicos” responde à necessidade de
representação das funções públicas, administrativas e de comando da cidade-
capital em um espaço unificado, central e hierárquico, ilustrado simbolicamente no
plano de acordo com os princípios do urbanisme parlant” da SFU. A “Porta do
Brasil” de Agache no Rio de Janeiro é paradigmática; o seu mais modesto “Centro
Cívico” de Curitiba dos anos 40 e o “Centro Cívico” de Gladosch na Praça da
Matriz são boas transcrições dessa tendência, na escala de capitais regionais.
A seguir volta ao assunto da canalização do Riacho e saneamento das
áreas vizinhas, abordando seus aspectos econômicos e insistindo que a fórmula
para solução do problema estará no equilíbrio entre o dispêndio público (nas obras
de canalização e saneamento) e os benefícios privados (pela valorização dos
terrenos), compensando-se aquele com parte deste e de maneira que aos
proveitos resultantes correspondam despesas que lhes sejam proporcionais” (p.
154). Em função de discussões sobre o ajardinamento do Parque Farroupilha
(envolvendo a transferência do estádio Ramiro Souto, utilizado pelo Colégio Militar
como campo de esportes), e a construção de um Estádio Municipal, Gladosch
afirma-se incumbido do estudo do problema, juntamente com a Feira Permanente
de Amostras, devendo apresentar solução ao Conselho. Rejeitando a utilização
dos terrenos do prado dos Moinhos de Vento, liberados com a transferência do
Hipódromo para o Cristal, em função de sua localização e acessibilidade,
Gladosch propõe associar o programa de um núcleo de construções públicas,
entre as quais figuraria o estádio”, ao seu projeto de urbanização do Riacho.
Na 5ª REUNIÃO (5 de dezembro de 1939), Gladosch dedica sua exposição
à defesa do zoneamento, alertando dos problemas causados pela falta de uma
orientação consciente na distribuição e extensão das superfícies destinadas às
construções, em relação àquelas que denominamos logradouros públicos ou
superfícies livres” (p. 158). Como a cidade não é estática, não basta definir suas
funções no conjunto, as conexões e afinidades entre elas, e fixá-las em proporção
adequada no Plano: Uma cidade (...) é um organismo vivo e as suas
manifestações de vitalidade, (...) têm as suas raízes nas propriedades imobiliárias
e os seus efeitos repercutem com maior fôrça na vizinhança imediata de cada
imóvel, como também se podem sentir em tôda a cidade” (p. 158).
Dessa forma, (...) para um saneamento real e completo de uma cidade,
não basta que se estabeleça somente um Plano Diretor, no qual se encontram
23
Para a localização dos edifícios destinados à administração estadual, cuja construção, com o
tempo, se tornará necessária, escolhemos a praça Mal. Deodoro (Matriz), onde já se acham
situados o Palácio do Govêrno, Catedral Metropolitana, o Fórum, etc. e que passará a constituir,
então, o que poderemos denominar um ‘Centro Cívico” (p. 154).
144
traçadas e delimitadas as superfícies destinadas às construções”; é preciso que se
considere igualmente “(...) a conformação destas superfícies, ao modo de seu
emprêgo e ao grau de sua utilização” (p. 159). O primeiro passo seria a divisão
sistemática das superfícies segundo sua utilização. A classificação das atividades
desenvolvidas nas propriedades imobiliárias e sua distribuição coordenada no
território constituem o “zoneamento”. Como as cidades representam
aglomerações de funções de atividades humanas genericamente diversas, sendo
que cada uma delas necessita para o seu exercício de condições primárias
específicas”, e a função de uma atividade “(...) é caracterizada, em primeiro lugar,
por estas condições primárias, e, em segundo, pela forma de como se manifestam
os efeitos de seu exercício sôbre a sua vizinhança imediata” (p. 159), sua
distribuição nas cidades deve ser necessariamente regrada por um zoneamento.
“Para que as diferentes atividades se possam manter e desenvolver
desembaraçadamente, impõe-se a condição geral, social e economicamente justificada, de
que as propriedades imobiliárias que abrigam estas atividades no território da cidade sejam
distribuídas de tal modo e maneira, que: primeiro, cada grupo de atividades de caráter
idêntico represente, em si, um todo indiviso; segundo, que os grupos de atividades que se
acordam e completam entre si ou dependam uns dos outros não venham a perder o
contato imediato necessário; e, terceiro, que seja evitada a vizinhança de atividades
diferentes, cujos efeitos venham manifestar-se prejudicialmente ao exercício, uma da
outra” (p. 159).
Para Gladosch, as cidades desenvolvem um “zoneamento natural”, através
do(...) grupamento local de atividades similares, que teve lugar devido à força de
atração que umas exerciam sobre as outras, como conseqüência lógica das
circunstâncias e por motivos de ordem prática”, que não forma centros claramente
definidos, mas regiões com predomínio de determinadas atividades
24
. Se este
zoneamento por predomínio ou afinidade de atividades funciona para as zonas de
trabalho e produção, as casas de moradia estão espalhadas por toda a cidade,
isoladamente ou formando pequenas ilhas no meio de outras zonas, comerciais ou
industriais. Somente bastante afastados do centro da cidade é que se formaram
núcleos privilegiados, que podemos classificar como sendo puramente
residenciais. Estes núcleos são geralmente constituídos de residências
particulares das classes mais abastadas” (p. 160).
Por outro lado, se os estudos para o estabelecimento do zoneamento
iniciam pela determinação e localização dos diversos grupamentos de atividades
similares (aquelas que necessitam de idênticas condições e facilidades), somente
isso não é suficiente, pois o zoneamento natural pode apresentar inadequações, e
compete ao zoneamento do plano corrigi-las
25
.
24
Ele ilustra que nas cidades maiores, encontramos um centro bancário; gravitando ao seu redor
escritórios comerciais; nas ruas centrais de maior movimento ou ao longo dos acessos principais
ao centro comercial, agrupa-se o comércio varejista; o grande comércio atacadista procura a
vizinhança do porto ou dos terminais de estradas de ferro; e as indústrias ao longo dos acessos
ferroviários ou rodoviários, geralmente em periferia.
25
Estas diversas aglomerações que se formam espontaneamente, contempladas isoladamente
podem ser boas e ter uma justificação, mas pode também lhes faltar ligações dentro do conjunto
145
Gladosch considera que novos empreendimentos urbanísticos podem
induzir a ampliação de uma zona em determinada direção, ou gera-las em novas
localizações, já que a criação de condições e incentivos econômicos para as
atividades produtivas é o melhor meio de atrai-las para determinado lugar. “Desta
forma poderemos atenuar os inevitáveis rigores de uma legislação coercitiva que
terá de acompanhar a determinação do zoneamento” (p. 161). Cita o exemplo de
Porto Alegre, onde o traçado da Avenida Farrapos e a construção da estação de
carga em Gravataí evitarão o desenvolvimento da indústria para Sul e Leste, em
direção ao centro, e desviarão a evolução para o Norte, como julgado mais
acertado.
Ele reconhece a existência de zonas onde não há o predomínio de uma
determinada atividade, ou cujo caráter não é possível identificar (denominadas
mistas”), que devem ser consideradas como uma espécie de zona de transição
entre uma atividade e outra. Observa a impossibilidade de estabelecer um
zoneamento absoluto, não só entre as zonas residenciais e as de trabalho, como
entre as diversas classes de trabalho, gerando requisitos próprios e condições de
convivência entre as atividades, que devem ser reconhecidas no Plano. Para que
as atividades se localizem espontaneamente nos lugares desejados, o Plano
deverá prever condições adequadas e facilidades, com uma legislação indutiva. A
seguir, define um programa básico de trabalho para o zoneamento, que consagra
o zoneamento natural” e a adoção de zonas de uso misto como buffers” entre
zonas com distintas predominâncias de uso.
Gladosch defende que não se imponha uma legislação rígida, com zonas
puras de uso, já que o zoneamento não consiste na classificação absoluta e
concreta das atividades exercidas pela população de uma cidade e na delimitação
rígida de zonas para cada uma delas”, mas em medidas que determinem apenas
o critério orientador, positivo ou negativo. Ao renegar a separação de usos por
funções urbanas da Carta de Atenas, finaliza com uma verdadeira profissão de fé
nas virtudes de um zoneamento ao mesmo tempo criterioso, indutivo e flexível:
O poder público (deve) estabelecer dispositivos que, aplicados criteriosamente a cada
caso corrente, propiciem a localização das atividades humanas nas zonas que lhe são
adequadas, vedando, por outro lado, que elas se localizem nas que não lhe são
favoráveis e orientando, ao mesmo tempo, a expansão de cada zona no sentido oposto
às outras, a-fim-de que, entre uma e outra, se estabeleça uma transição suave e
conveniente, sem mutações bruscas e sem que, na sua ligação, a diversidade flagrante
delas faça sentir onde uma termina e onde a outra começa” (p. 162).
Na 6ª REUNIÃO (em 15 de março de 1940) Gladosch inicia sua exposição
lembrando que nas reuniões anteriores expôs idéias gerais sobre a urbanização
como ciência de construir cidades, sobre o reloteamento e sobre o zoneamento.
Agora, passará às ”(...) considerações gerais sobre elementos básicos
orgânico da cidade ou denotar disposições para um desenvolvimento prejudicial ao crescimento da
zona vizinha ou, mesmo, embaraçar o progresso da cidade” (p. 161).
146
indispensáveis à solução dos problemas de ordem urbanística, financeira e
administrativa de uma comuna” (p. 168).
Descrevendo com desenvoltura o processo de urbanização com dados de
diversos países, Gladosch defende a necessidade de uniformidade administrativa
das municipalidades, estabelecendo-se regras e normas gerais que lhes sirvam de
diretrizes. Destaca a necessidade de trabalhos preliminares e de material
informativo sobre o município, indispensáveis para que se possa determinar, de
um modo positivo, as necessidades dos diversos serviços públicos, dirigir e
desenvolve-los de uma forma racional” (p. 169). Enumera, sucessivamente, o
número de habitantes, a composição numérica das suas classes sociais, (...) a
distribuição das suas moradias e centros de trabalho no (...) território”, e a
existência de uma planta cadastral mantida atualizada, permitindo a organização
de um programa físico-financeiro de investimentos e orçamentos anuais unificados
de receita e despesa da municipalidade.
A seguir destaca a visão do Prefeito, que além de dedicar-se à execução
das obras de melhoramentos mais urgentes, não hesitou em consagrar uma
grande parte da sua atividade à ingrata tarefa de organização de tôda uma série
de trabalhos preparatórios e preliminares, que são as bases indispensáveis de
uma direção consciente e construtiva dos múltiplos serviços urbanos” (p. 170). O
método da SFU assentava-se sobre duas bases documentais, a pesquisa urbana
e a base cartográfica, preferencialmente através de aerofotogrametria. Gladosch
seguiu-o, e orientou o prefeito nesse sentido: informa a execução do levantamento
para a planta cadastral de todo o município, pelo sistema aerofotogramétrico (“As
fotografias foram tiradas, e concluídos os respectivos mosaicos, que já estão
servindo de base para os estudos detalhados do Plano Diretor da Cidade”), e do
levantamento para o censo imobiliário e comercial da cidade, com o arrolamento
simultâneo de todos os elementos necessários para a organização de estatísticas
especializadas.
Reconhecendo o esforço despendido pela equipe da prefeitura, Gladosch
ressalva que, especialmente no que se refere à população e às relações entre
esta e o espaço (“entre Homem e Espaço”), o trabalho não estava completo, e
ainda não se dispunha de informações seguras. Cita a necessidade de
participação ativa da população, motivada pelo esclarecimento, os critérios e
métodos de coleta de dados, e a credibilidade social da investigação. Como a
pesquisa urbana estava a cargo da Prefeitura, e só seria completada com o
Expediente Urbano, um ano depois, a lacuna foi usada como argumento
recorrente por Gladosch para a não finalização do Zoneamento urbano
26
, um dos
26
Os dados e elementos obtidos por este levantamento imobiliário e recenseamento, estão sendo
revistos, estudados e ampliados pela nova secção que foi criada recentemente (...) estão servindo,
agora, para orientar diversos estudos ligados ao estabelecimento do Plano Diretor, como, por
exemplo, o zoneamento. (...) Esta secção tem o encargo não só de manter em dia aqueles
trabalhos, (...) como também o de proceder, com intervalos razoáveis, à sua revisão e ampliação, e
o de organizar periodicamente as estatísticas correspondentes” (p. 172).
147
elementos básicos do Plano Diretor definitivo. Com esses dois pilares, a Prefeitura
assentaria seu planejamento sobre bases científicas, “modernas” e racionais.
“Assim a administração estará habilitada a estudar a situação verdadeira das
manifestações de vida no organismo da cidade e preparar o caminho, não só para novos
empreendimentos municipais, reformas e alterações urbanísticas, de acôrdo com as
necessidades reais, como também orientar as suas finanças com dados concretos, enfim, -
organizar um programa administrativo racional e de valor positivo para o progresso da
cidade. A Prefeitura de Pôrto Alegre caminha hoje na vanguarda de uma nova orientação
administrativa, abandonando o antigo sistema experimental e empírico, e adotando, em
seus serviços, métodos calcados em base científica e racional” (p. 172).
A seguir, apresentou o projeto para a exposição do bicentenário de
fundação da cidade, cujos critérios de localização já tinham sido explicitados em
outra reunião. Gladosch implantou a Feira no entroncamento do Segundo
Perímetro projetado (hoje 2ª Perimetral, no trecho Av. Princesa Isabel) com uma
avenida de acesso, prolongamento da “Avenida dos Estados” do Parque
Farroupilha, remanescente do eixo monumental da Exposição de 35 e resultado
do alargamento da Rua Santana. A ata informa que o projeto foi discutido e
aprovado pelo plenário, e a sessão prolongou-se por mais algum tempo para
apreciação de projetos parciais e detalhes do futuro Plano Diretor, não nomeados.
O projeto será descrito e analisado posteriormente, junto com os demais projetos
arquitetônicos e urbanísticos do Plano, em Uma Cidade feita para durar.
A 7ª REUNIÃO (2 de julho de 1940) foi iniciada pelo Prefeito, para
prestação de contas da situação financeira do município e andamento dos
principais serviços e obras executados ou em execução
27
. Loureiro destacou que
o assunto principal da reunião seria a questão do saneamento da Praia de Belas,
retificação do Riacho e implantação da Avenida Beira-Rio. Referiu-se ainda, após
a exposição de Gladosch, à questão de localização da estação da Viação Férrea,
e à ligação por barca de Porto Alegre com a zona Sul do Estado
28
.
Gladosch não inicia com o projeto anunciado pelo Prefeito, mas com a
explicitação de seus motivos: Até hoje o principal objetivo visado nas minhas
exposições (...) foi sempre o de focalizar a importância do valor político-social
dêstes serviços e, pela segurança das minhas explicações, fortalecer a fé nos
27
O Prefeito informou a participação de Porto Alegre em congresso técnico no Rio de Janeiro em
maio de 40, representada pelo subprefeito Gilberto Ferreira de Morais, apresentando tese baseada
nos trabalhos do Plano Diretor (orientada na parte urbanística por Gladosch), que teria sido
destacada e mandada imprimir pelo presidente do congresso para distribuição aos municípios. Não
obtivemos confirmação documental do fato.
28
Ressalvando que o ideal seria uma ponte com 700 metros entre a ponta da Cadeia e a Ilha da
Pintada, conforme proposta no Plano de Gladosch, informou entendimentos com o Departamento
Autônomo de Estradas de Rodagem DAER para a aquisição de barca para serviço rápido entre a
Vila Assunção, em Porto Alegre, e o centro de Guaíba. A ligação hidroviária foi tratada sob o título
“9. Ligação com o Sul do Estado”, e o terminal hidroviário da Vila Assunção aparece como “Projeto
de um Embarcadouro para a travessia Porto Alegre - Guaíba” (Figura 3.42), através de uma
perspectiva isométrica assinada por Christiano de La Paix Gelbert, com data de 18/09/40. SILVA,
1943, op. cit, p. 54 e Fig. nº 70, p. s/nº.
148
nossos empreendimentos” (p. 177). Desculpa-se de que suas exposições tenham
tomado uma feição um tanto doutrinária”, sem que ele tivesse intenção de
aparecer frente ao Conselho ou à cidade como um “mentor”. Procura associar-se
ao Conselho (“Sou de opinião que um resultado positivo dos nossos
empreendimentos só pode ser obtido como produto da conjugação dos nossos
mútuos esforços e da íntima colaboração entre nós todos”), ao Prefeito (“Estas
minhas exposições são apenas uma tradução e confirmação da comunhão de
vistas que existe em nossa orientação, que não é outra senão aquela que
devemos ao exmo. Sr. Prefeito, Dr. Loureiro da Silva”), e ao Urbanismo (“A ciência
de construir cidades, tendo como escopo estabelecer uma unidade econômica,
social e cultural elevada”) (p. 177-178).
Utiliza a história do urbanismo
29
para ilustrar a importância de ancorar os
planos na vontade do povo”, identificada com uma verdadeira política social e
nos direitos da coletividade” para, por fim, associar-se ao Estado Novo, cuja “
mentalidade (...) criou (...) as preliminares e as bases propícias que permitem aos
problemas social-econômicos passarem para a primeira linha”, para serem
estudados e resolvidos cientificamente” possibilitando pela primeira vez, entre
nós, a compreensão exata do sentido e dos fins do urbanismo e o seu grande
alcance quando empregado judiciosamente” (p. 179). Na sutil urdidura de seu
discurso, vemos Gladosch associar seu Plano Diretor, encadeada e
sucessivamente, à vontade coletiva, aos seus patrocinadores, dos quais o maior é
o Prefeito, à ciência do urbanismo, e em última análise ao novo modelo de estado
autoritário, centralizador e condutor da modernização conservadora no país (e em
boa parte do mundo à época).
Paradoxalmente, ao final desse discurso de divulgação e legitimação, típico
do urbanismo da SFU, Gladosch desqualifica o trabalho de Agache no Rio de
Janeiro, de onde tirou suas principais credenciais como urbanista encarregado do
Plano Diretor de Porto Alegre. Considerando que o grande público somente tinha
contato com o urbanismo através de obras de caráter suntuário, de projetos
majestosos de embelezamento, sem nenhum cunho de utilidade ou necessidade
pública”, cujos projetos necessitavam do sigilo para que sua realização não
ficasse comprometida logo no início pelos inevitáveis ataques da imprensa livre
(p. 178), Gladosch critica o Plano de Remodelação da cidade do Rio de Janeiro,
que teria sido delineado a portas fechadas, e somente a poucos privilegiados foi
permitido tomar conhecimento do que estava sendo projetado”.
Para ele, o maior problema a ser resolvido é a miséria das habitações
dentro e fora das cidades”, e a missão mais nobre do urbanismo moderno, “libertar
a população humana desta miséria, torna-la novamente sã, capaz e disposta para
29
Ao defender um urbanismo que “se identifica e se preocupa com o bem-estar público” (p. 178),
cita Hopfner em “História do Urbanismo” (sobre a diferença do urbanismo na Grécia e em Roma),
para justificar e ilustrar o conceito de expressão da vontade coletiva”, tão caro a Agache e aos
urbanistas da SFU. O conceito tem origem na filosofia moral de Emile Durkheim, baseada na
subordinação do indivíduo à “conscience collectif. Ver UNDERWOOD, 1991, op. cit., pp. 133-140.
149
o trabalho”. Dessa forma, defendendo que “devemos trabalhar, em primeiro plano,
para a gente pobre”, Gladosch introduz e circunstancia o projeto do traçado
definitivo do Plano Diretor da Cidade, relativo à zona da Praia de Belas, Menino
Deus e Azenha, que apresentava então ao Conselho. Para ele, trata-se de uma
parte da cidade com todas as características de uma zona residencial, próxima ao
centro (constituindo sua extensão lógica), conformada por uma planície, ainda não
ocupada em função de problemas de saneamento e inundações, e somente
passível de aproveitamento através de empreendimentos públicos. Assim, o
ponto de partida, (...) a base para a elaboração do (...) trabalho, não podia ser
outra senão a canalização do Riacho e o saneamento da Praia de Belas”.
A 8ª REUNIÃO (em 22 de novembro de 1940) comemorava o Bicentenário
de Colonização da cidade, que Loureiro fez definir como a data da outorga da
sesmaria original a Jerônimo de Ornellas, seu antepassado
30
. Tratou basicamente
da necessidade de uma legislação sobre o reloteamento e desapropriações, a ser
solicitada pelo Conselho ao Governo Federal
31
, com a apresentação de
considerações e sugestões formuladas por Gladosch em extensa palestra (p 185-
193). Gladosch defende a intervenção do poder público na propriedade imobiliária
através do reloteamento, entendido como “desapropriação latente” (que implicaria
uma transição beneficiadora e (...) a melhoria da situação material da propriedade
que é atingida pela medida”), contrapondo-a à desapropriação efetiva”,
considerada absoluta e inflexível, já que importa na perda definitiva da
propriedade” (p. 191). Na realidade, credencia seu próprio trabalho para Porto
Alegre, progressivamente concentrado no saneamento e alternativas de
reloteamento da área do Riacho, e utiliza-o como aplicação exemplar dos
benefícios do estatuto proposto.
A transcrição da reunião permite também entender a abrangência e o
alcance do Plano, em áreas ainda não enfocadas pela análise, como a localização
de equipamentos públicos. O Secretário de Educação Coelho de Souza relata ao
Conselho o plano de edificações da Secretaria, envolvendo a área urbana e rural,
e informa a Prefeitura doou os terrenos, de acordo com o Plano urbano, cobrindo
algumas despesas de construção, e mandou fazer, pelo eminente urbanista
Gladosch, o projeto do edifício que está aqui nesta sala e cuja construção vai além
de 300 contos
32
. Ou seja, o Plano previa um zoneamento de equipamentos
30
A sesmaria de campo de Jerônimo de Ornellas Menezes e Vasconcelos, outorgada em 5 de
novembro de 1740, estendia-se do Morro de Santana até o Porto de Viamão. Ao forçar esta data
contra outras aceitas anteriormente (fundação do núcleo, chegada dos casais açorianos, elevação
do povoado à categoria de vila), o prefeito procurava vincular-se por laços de sangue à própria
origem da cidade, misturando-se a ela.
31
O Governo Federal, através do Ministério dos Negócios da Justiça e do Interior, estava
submetendo aos governos estaduais, municipais e entidades, para sugestões, um projeto de
Decreto-lei sobre desapropriações por interesse público.
32
Coelho de Souza informa que o plano urbano distribuiu dois prédios para esta Capital,
localizados de preferência em zonas proletárias. O primeiro já foi inaugurado e se destina ao
Grupo Escolar 1º de Maio, em Navegantes. O segundo (...) se destina ao Grupo Escolar Inácio
Montanha, no (...) Partenon (...). O plano rural incluiu um edifício (...) destinado ao Grupo Escolar
Carlos Barbosa, na rua Dona Teodora” (p. 184).
150
públicos, e Gladosch se beneficiava de sua condição de urbanista do Plano para a
captação dos respectivos projetos arquitetônicos.
O Prefeito inicia a 9ª REUNIÃO (17 de abril de 1941) com nova prestação
de contas das condições financeiras da Prefeitura e um retrospecto das obras de
sua administração até então. Modesto, define-se como um coordenador de planos:
A obra que se realiza (...) no município de Porto Alegre não é minha, com idéias
minhas. Sou apenas um coordenador dos planos que me são sugeridos” (p. 198).
A seguir, Gladosch apresenta o anteprojeto para a localização da Cidade
Universitária de Porto Alegre, em conjunto com um Jardim Botânico, um Horto
Florestal e um Bosque Municipal, na forma de uma reserva florestal do Município.
O projeto foi definido como o resultado de diversos estudos que realizei em
colaboração com o dr. Ari de Abreu Lima, reitor da Universidade de Pôrto Alegre,
com o dr. Paulo de Aragão Bozano, diretor geral da Diretoria Geral de Obras e
Viação, e com os demais engenheiros da Prefeitura” (p. 199). Ressalvando que
não procurava intervir na alçada das autoridades federais e estaduais, justifica a
localização na periferia da cidade pela falta de áreas disponíveis na zona urbana,
possibilidade de criação de um lago como bacia de compensação, e pela
proximidade da Escola de Agronomia e de áreas de potencial ecológico.
A escolha recaiu sobre uma área vazia nos limites do vale do Riacho, entre
a Avenida Bento Gonçalves e o prolongamento do Caminho do Meio (Av. Protásio
Alves), com a locação da barragem para formação do lago junto ao Beco do Salso
(atual Av. Antonio de Carvalho). A zona da Cidade Universitária foi incluída nas
diretrizes do Plano, com previsão de 500 hectares para o conjunto: Horto Florestal
com 46 hectares, parcialmente estadual, na faixa da Avenida Bento Gonçalves
junto à Escola de Agronomia; núcleo universitário com suas edificações
educacionais e grupos de moradias para professores e estudantes, num plateau à
meia-encosta; Jardim Botânico com 24 hectares num vale protegido próximo à
entrada
33
; e represa permitindo a canalização total do Riacho a partir da barragem,
com cerca de 7 km de extensão até o Guaíba.
A seguir o Prefeito, citando Anhaia Melo, “que demonstra que as questões
de urbanismo devem ter a mais larga divulgação”, defende a publicidade das
reuniões do Conselho como forma de estabelecer a discussão pública, uma
corrente psicológica entre o governo do Município e os habitantes”, concluindo:
Não é possível fazer urbanização em ambiente fechado. Essa é a boa técnica urbanística.
Sem opinião pública não se pode fazer urbanismo, já que se estabelece um retraimento
normal do capital e dos interesses particulares” (p. 201).
33
Gladosch utiliza como parâmetro de área o Jardim Botânico do Rio de Janeiro, o qual não é
grande demais”. A reserva de área natural e de áreas a serem reflorestadas junto ao conjunto
também permitiria a formação de um ambiente de preservação e lazer próximo à cidade, como a
Floresta da Tijuca, no Rio de Janeiro. A represa previa a formação de um lago de 76 hectares no
nível normal (90 ha na cota de cheia), com capacidade de retenção de 2.500 milhões de m³.
151
Fig. 3.10 - Plano Gladosch. Quarteirão Masson (Quadra 1) e Edifício
Sulacap. Perspectiva, Arnaldo Gladosch (1938).
Fig. 3.11 - Plano Gladosch (IV): Projeto de Reloteamento total da região compreendida no polígono: sopé do espigão
central Av. João Pessoa Rua da Azenha Rua José de Alencar futura Praia de Belas. Detalhamento das três
etapas de implantação. Arnaldo Gladosch (1942).
Fig. 3.9 - Urbanista Arnaldo Gladosch
apresentando ao Conselho do Plano
Diretor suas propostas, 1940.
152
Entretanto, o tratamento que o Prefeito dá à localização da Feira
Permanente de Amostras ilustra o tipo de conflito entre as diretrizes gerais do
Plano de Gladosch (no caso bem mais que diretrizes gerais, já que foi executado
um anteprojeto, inclusive com maquete) e as contingências e conveniências de
governo. Mesmo com a Feira Permanente constando explicitamente do Plano na
continuação da Rua Santana, o Prefeito anuncia um acordo com o governo do
Estado para a implantação imediata de uma feira, bem mais modesta, em área
entre as avenidas Getúlio Vargas e outra projetada (futura Avenida Cascatinha,
depois Érico Veríssimo), onde foi efetivamente implantado o Parque de
Exposições.
A seguir foi apresentado o estudo para o reloteamento da quadra entre a
Borges de Medeiros, 10 de Novembro (Salgado Filho), Rua dos Andradas e
Marechal Floriano, entendido como aplicação exemplar de um procedimento a ser
utilizado em outros quarteirões da área central. O estudo aproveita a oportunidade
da edificação de grande bloco para a Sul América Capitalização (Edifício Sulacap,
com projeto de Arnaldo Gladosch, 1938) para propor uma nova morfologia de
quarteirão, com arcadas periféricas incorporadas, impossíveis no parcelamento
existente, e espaços abertos internos às quadras, claramente inspirada no projeto
de Agache para a área da Esplanada do Castelo, no Rio de Janeiro.
Na Parte V O Plano Definitivo (dentro do item Reloteamento), o estudo é
apresentado juntamente com outros projetos de reloteamento referentes à
abertura da Avenida Farrapos, à urbanização da Azenha-Menino Deus-Praia de
Belas, e a outros quarteirões do centro, como o mais importante e detalhado, ali
informado como em plena execução: o chamado “quarteirão Masson”
34
. O projeto
de reloteamento é apresentado na Fig. Nº 91, objeto do Decreto nº 294, e uma
perspectiva do Edifício Sulacap na Fig. Nº 92 do documento, como Fachada da
construção do lote com face para a av. Borges (Edifício Sulacap)”, sem informação
da autoria de Arnaldo Gladosch ou data do projeto (Fig. 3.10).
A 10ª REUNIÃO ocorreu apenas em 21 de outubro de 1942, quase um ano
e meio após a anterior. Foi uma sessão solene do Conselho do Plano, em
homenagem ao quinto aniversário do governo Loureiro da Silva. Neste intervalo, o
plano de obras foi implantado a ritmo acelerado, e a cidade sofreu o trauma da
grande enchente de 1941, desorganizando sua vida cotidiana e produtiva,
desabrigando 25% da população, e colocando o tema da proteção contra as
cheias como prioridade máxima da Prefeitura e do Plano.
34
SILVA, 1943, op. cit., pp. 65-67 e Figuras 91 e 92. Em outros locais, é referido como “Quarteirão
nº 1”, ilustrando sua exemplaridade como protótipo de uma morfologia de quarteirão a ser aplicada
normativamente. No centro, os outros reloteamentos previstos eram nos quarteirões entre a
General Câmara, 7 de Setembro, Uruguai e Siqueira Campos, e entre a Uruguai, Dr. José
Montaury, Borges de Medeiros e praça Montevidéu (o quarteirão “União”, em alusão ao Edifício
União, também projeto de Gladosch). Nestes, o reloteamento foi feito, mas as arcadas não foram
aplicadas, à exceção do trecho correspondente ao City Hotel no quarteirão “União”. Em
compensação, surgiram em outros locais do centro, sempre em negociação dos órgãos técnicos da
Prefeitura com os proprietários, até sua institucionalização no Plano Diretor de 1959.
153
O prefeito foi saudado pelo Eng. Ivo Wolff, em nome da Sociedade de
Engenharia, pelos operários da Prefeitura, por Antonio Brochado da Rocha em
nome do funcionalismo municipal, e pelo Eng. Clóvis Pestana, representante do
Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (DAER) no Conselho, que
efetuou um relato das obras empreendidas pelo Prefeito em seu governo de cinco
anos, destacando o papel fundamental do plano de conjunto e da colaboração de
Gladosch
35
. Finaliza, em nome da Comissão do Plano Diretor de Porto Alegre,
informando que esta resolvia denominar o Plano Diretor de Porto Alegre como
Plano Loureiro da Silva.
Após, Loureiro relembrou as realizações de sua gestão, num clima de
prestação final de contas: Precisamente há cinco anos, nesta data, ainda em
meio à convulsão política que agitou o Estado, obrigado pela força dos
acontecimentos, vinculava o meu destino ao da cidade, assumindo-lhe o governo
e as responsabilidades de um cargo que eu estava longe de pretender” (p. 210).
Loureiro certamente pretendia o cargo, e já há algum tempo quando o assumiu,
mas segue elogiando a visão penetrante de Otávio Rocha e os primeiros passos
no sentido de recuperação das finanças municipais, através das reformas
tributária e administrativa, e da recuperação da capacidade de investimento, pré-
requisitos para as obras e realizações necessárias. “Limpo assim o terreno (...) foi
então possível traçar as diretrizes de um Plano Diretor de desenvolvimento da
cidade, onde os projetos não constituíssem apenas matéria de expediente e de
simples desenho, mas tivessem um senso objetivo, com firmes possibilidades de
concretização” (p. 211).
Pela primeira vez se fala em um Plano Diretor de desenvolvimento da
cidade, envolvendo planejamento estratégico, a cargo do governo, e o plano
físico-territorial, a cargo de especialistas: “Não mais competia ao Prefeito elaborar
planos parciais e desarticulados, fora da técnica e da consulta sistemática aos
entendidos. Sua missão destinava-se à supervisão administrativa, estabelecendo
uma continuidade que se fixasse como um sistema impessoal” (p. 211). Nessa
divisão de competências, justifica-se ”a escolha de um urbanista consagrado e a
criação de um Conselho de Plano Diretor, com assistência de técnicos” (p. 212).
Com a direção segura do Prefeito, avalista da continuidade, e contando com a
colaboração dos especialistas, estaria assegurada a abrangência do Plano:
35
Para orientar a confecção do anteprojeto dêsse plano, com a colaboração eficientíssima dos
técnicos municipais encontrou a Prefeitura de Pôrto Alegre em Arnaldo Gladosch o profissional
com o tirocínio indispensável ao perfeito desempenho de tão árdua missão. Concluídos os estudos
principais relativos a êsse anteprojeto, inicia agora a Prefeitura a coleta sistemática de dados com
os quais irá, lenta, mas firmemente, se preparando para a organização do plano definitivo” (p. 209).
Clóvis Pestana se refere ao Expediente Urbano, em finalização na Diretoria de Cadastro por
Edvaldo Paiva, recém retornado de seu curso de especialização em Urbanismo no Uruguai, e
equipe. Na mesma Reunião, o Conselho sugeriu e foi aprovada a criação de um prêmio,
denominado Prefeito Loureiro da Silva, a ser conferido trienalmente pela construção de “bairro, ou
bairros residenciais, tipo ‘vila-jardim’, com todos os requisitos urbanísticos, de acordo com projeto
aprovado na Prefeitura”, outorgando ainda a seu detentor o título de Benemérito da Cidade.
154
“Espaços viários; traçado das grandes radiais e perimetrais; espaços verdes; vias-férreas,
portos, sistemas de transportes; zoneamentos, loteamentos e reloteamentos de bairros;
saneamento nos seus múltiplos aspectos; parte educacional e desportiva, artes, enfim,
tudo o que integra o conglomerado social, teria a sua regulamentação” (p. 212).
Assim, cada coisa em seu lugar, e todas elas contempladas no Plano.
Mesmo ressaltando ter-se fixado apenas as grandes linhas mestras do
155
Fig. 3.17 Alfred Agache. Plano do Rio de Janeiro:
Zoning (Zoneamento de Usos/Atividades), 1930.
Fig. 3.12 SFU/Henri Prost. Plano de Fez, Marrocos, 1914-16.
Fig. 3.13 SFU/Leon Jaussely. Plano de
Ankara, Turquia, 1925.
Fig. 3.14 SFU/Henri Prost. Plano de Rabat,
Marrocos, 1914-26.
Fig. 3.18 Alfred Agache. Plano Diretor de Curitiba: Plano de
Avenidas - Esquema teórico, 1943.
Fig. 3.16 Alfred Agache. Plano do Rio de Janeiro:
Espaços Livres e Reservas Arborizadas, 1930.
Fig. 3.15 H. P. Berlage. Plano de Expansão de Haia, 1908.
156
ou esquema para Porto Alegre, nos moldes dos usualmente elaborados no
urbanismo da SFU. O segundo é a questão da pesquisa urbana, um dos pilares do
método da SFU e ausente do Anteprojeto de Gladosch, por estar a cargo da
Prefeitura. O terceiro, vinculado ao segundo, é a ausência do outro pilar do
método SFU, o zoneamento, apesar de ter sido reiteradamente tratado em termos
conceituais por Gladosch nas exposições.
A questão do modelo intriga, pois em nenhum momento está referido nas
exposições, e fazia parte do método desde Hénard, com justificativa na famosa
citação de Burnham sobre os planos. A explicação mais convincente é de que não
tenha sido elaborado, em função do peso do urbanismo alemão na formação de
Gladosch, sobrepondo-se no caso inclusive ao de Agache, principal credencial da
contratação, que tinha elaborado um para o Rio de Janeiro (“Os Cinco Dedos”) e
na mesma época apresenta um esquema para Curitiba
36
, no qual estão
sintetizadas de forma notável suas propostas para a estrutura urbana e viária do
Plano Diretor (Fig. 3.18). O urbanismo alemão se opunha explicitamente aos
esquemas rádio-concêntricos de crescimento urbano, que eram geralmente
associados aos modelos teóricos
37
. Preferia concentrar seu foco nos traçados, na
proposta de peças urbanas precisas, e no zoneamento. Exatamente como
Gladosch em Porto Alegre (exceto pelo zoneamento, como veremos adiante).
A pesquisa urbana é outra indagação pertinente quando revisamos as
exposições de Gladosch. O método da SFU tinha a pesquisa urbana como uma
das bases necessárias para o Plano. Gladosch se refere seguidas vezes a ela,
enfatizando sua importância, recomenda à Prefeitura empenho na sua execução,
e acaba justificando por sua ausência a falta de finalização do zoneamento (e
conseqüentemente a não finalização do Plano). A explicação para isso também
está nas distinções entre o urbanismo alemão e a SFU, na conceituação da
pesquisa urbana, e nas suas conseqüências sobre o zoneamento.
A pesquisa urbana da SFU, ilustrada exemplarmente por Agache no Rio de
Janeiro, fundamenta-se na montagem de um amplo painel dos aspectos antropo-
geográficos, voltado para a classificação e distribuição dos grupos humanos e
suas atividades pela cidade, com a identificação de âmbitos sócio-econômicos,
culturais, e espaciais. Tinha também um caráter intuitivo, de conhecimento da
realidade pela experiência”, e lançava mão da história, da geografia e da
36
O trabalho de Agache, como consultor da firma Coimbra Bueno no Plano Diretor de Curitiba,
está descrito por Bráulio Carollo em Alfred Agache em Curitiba e sua visão de Urbanismo” (ver
CAROLLO, 2002, op. cit.). O esquema, apresentado num surpreendente diagrama colorido em
forma de caracol, é ao mesmo tempo sintético e evocativo, e orientou o planejamento de Curitiba
até os anos 60.
37
Na Town Planning Conference de 1910, RIBA, Londres, Eberstadt se pronuncia contra os
esquemas concêntricos nucleares tipo Howard, e a favor de uma ordenação radial, na qual os
braços de desenvolvimento se afastam do centro, como sistemas lineares autônomos. Ainda
afirma: Refiriéndome específicamente a los temas de esta conferencia, debería decir que
Alemania es el único país donde puede estudiarse directamente la inseparable conexión entre el
town planning, el street planning y la base de la vida social: el housing”. CIUCCI, 1975, op. cit., La
Ciudad Americana, p 230.
157
antropologia, permitindo a emergência de um zoneamento inicial baseado na
observação e em dados secundários. A pesquisa urbana do urbanismo alemão
era mais pragmática, e voltada diretamente para o zoning: envolvia, como
descreve Gladosch, a definição precisa das superfícies e dos usos nas
propriedades imobiliárias, em termos qualitativos e quantitativos, formando uma
espécie de carta funcional. Não era possível sem minuciosa pesquisa de campo, e
o apoio de um cadastro. Sem ela, não era possível o zoneamento.
Acreditamos que Gladosch tenha lançado um zoneamento inicial, baseado
em dados disponíveis e na experiência, que subsidiou seus estudos iniciais. A
observação atenta das reproduções das plantas indica a presença de um
zoneamento por cores ou tons, tanto no primeiro estudo quanto no Anteprojeto de
1940. Uma foto de Arnaldo Gladosch apresentando propostas ao Conselho do
Plano em 1940
38
, mostra claramente um zoneamento sobre planta da área mais
central (Fig. 3.9). Quanto à pesquisa urbana, entretanto, ele não foi além,
preferindo sugerir ao Prefeito o treinamento de um técnico no Uruguai para
complementá-la, permitindo assim a finalização do zoneamento e do Plano. A
indicação é sugestiva, em função da linha seguida por Maurício Cravotto na
Faculdade de Arquitetura de Montevidéu, identificada com a urban survey de
Geddes, a evolução urbana de Poëte e o urbanismo alemão.
Os três aspectos chamam a atenção para a trama de referências presentes
em Arnaldo Gladosch, muito longe do maniqueísmo de algumas análises, que
ressaltam apenas a filiação à “urbanística formal” de linha francesa. Ilustram
também os complexos processos de transferência de idéias urbanísticas ao longo
dos anos 30 e 40, e a convivência de paradigmas acadêmicos, da cidade
tradicional racionalizada e modernizada, da Cidade-jardim e do urbanismo
moderno.
UMA CIDADE FEITA PARA DURAR
O conjunto de planos, anteprojetos, projetos urbanos e projetos
arquitetônicos elaborados por Gladosch para Porto Alegre encontra-se disperso ao
longo de Um Plano de Urbanização, junto a projetos dos órgãos técnicos
municipais e de outros arquitetos, projetos de infra-estrutura, e a obras de infra-
estrutura, urbanização e arquitetura. Muitos estão apresentados na Parte III (O
Anteprojeto), precedidos pelo Plano Diretor, ou Préplano.
O Plano Viário está no capítulo II, e é um elemento essencial na estrutura
conceitual do Plano Diretor de Gladosch. No primeiro estudo ele aparece de uma
forma mais diagramática, nos moldes de um Plano de Avenidas, de clara extração
rádio-concêntrica. No 3º Estudo, a representação do traçado se sobrepõe ao
diagrama, dificultando a percepção do conjunto. Do 3º Estudo para o Plano
38
A foto está na Figura 18 da tese de Maria Soares de Almeida, e foi reproduzida na Figura 3.9,
apesar de sua baixa resolução, pela relevância documental. Ver em ALMEIDA, 2004, op. cit., p. 78.
158
Director, o plano ganha definição e detalhamento, agrega os equipamentos e
peças urbanas desenhadas por Gladosch, mas perde em síntese e clareza. Está
diluído em meio a uma trama compacta formada pelo traçado viário e
parcelamento em quarteirões, na qual o olhar vê-se atraído para as partes, em
detrimento da estrutura. Nesse sentido, a falta do esquema teórico, notada
anteriormente, cobra seu preço.
O Plano Viário é apresentado no documento com justificativas retiradas
diretamente das exposições de Gladosch no Conselho do Plano, e procura
transformar o sistema radial existente num sistema rádio-concêntrico (ou radial-
perimetral), o mais próximo possível dos modelos ilustrados por Hénard e
utilizados pelos urbanistas da SFU na maioria de seus planos:
“(...) criar um sistema, o mais perfeito possível, de radiais, projetando novas vias e
melhorando as existentes; criar um sistema de perimetrais em boas condições técnicas, as
quais estabeleçam uma ligação perfeita entre os diferentes bairros. Transformaremos,
assim, o sistema radial da cidade em um sistema radioconcêntrico. Para isso criamos
novas radiais indispensáveis ao tráfego presente e, principalmente, futuro, aproveitando os
vales para implantação de artérias rápidas (Farrapos, canal do Riacho, avenida no
talvegue do arroio Cascata, avenida do Cristal, avenida Beira-Rio); melhoramos as radiais
existentes retificando seus alinhamentos e projetando maiores larguras a serem obtidas
através de recuos progressivos; projetamos a duplicação paralela de algumas radiais
(avenida Vasco da Gama), e, finalmente, aproveitamos as gargantas para a implantação
das ligações perimetrais necessárias” (p. 40).
No seu Plano de Avenidas, Gladosch projeta nove avenidas radiais, em
grande parte adaptadas do Plano de Pavimentação de Alberto Bins e das
propostas de Ubatuba de Faria e Edvaldo Paiva na Contribuição. São elas:
1. O Caminho Novo (Voluntários da Pátria) alargado, como principal ligação
com as zonas do Porto Fluvial e Industrial a norte.
2. Avenida Farrapos, já em execução à época conforme projeto do DNER,
ligando a Estrada de Canoas ao centro da cidade, através da Zona
Industrial dos bairros São João e Navegantes.
3. Radial formada pelas ruas Benjamin Constant, Cristóvão Colombo e Alberto
Bins, com alargamentos e retificações progressivas, desenvolvendo-se no
sopé e na meia-encosta noroeste do divisor principal de águas.
4. Radial formada pela Estrada dos Moinhos de Vento (24 de Outubro e Plínio
Brasil Milano) e Avenida Independência, com alargamentos e retificações
progressivas, seguindo sobre o divisor principal de águas.
5. Radial formada pelo Caminho do Meio (Avenida Protásio Alves) e Avenida
Osvaldo Aranha, com alargamentos e retificações progressivas, ao sopé e
na encosta sudeste do divisor de águas.
6. Radial sobre os diques de canalização do Riacho, a “radial do talvegue”.
7. Estrada do Mato Grosso, ao sopé e na encosta norte dos morros do
Partenon, ligada à Avenida João Pessoa e através desta ao Centro.
8. Considerando que a grande extensão da zona servida por esta última
sugere o traçado de uma nova radial para coletar o tráfego proveniente da
159
Avenida Teresópolis e bairros adjacentes, aliviando a Rua da Azenha e
Avenida João Pessoa, Gladosch propõe uma avenida sobre o leito
canalizado do rio Cascata (ou arroio Cascatinha), do encontro da Avenida
Teresópolis com a Azenha até a Ilhota, e daí através do interior de
quarteirões da Cidade Baixa (entre as ruas José do Patrocínio e João
Alfredo) até o prolongamento da Avenida Borges de Medeiros.
9. Avenida Beira-Rio projetada, recebendo o tráfego da Zona Sul da cidade e
permitindo acesso aos jardins propostos à beira do Guaíba
39
.
Como vimos anteriormente, em suas exposições ao Conselho Gladosch
pouco se refere à questão das avenidas perimetrais, elidindo a proposta dos
perímetros de irradiação, muito clara na planta conhecida do primeiro anteprojeto.
Todas as demais radiais seriam canalizadas para duas delas, e não através de um
primeiro perímetro de irradiação, como na Contribuição. Só encontramos
referências no Plano Viário, que descreve o primeiro perímetro (inclusive com
proposta do túnel da Conceição) e o segundo, ligando equipamentos como Feira
de Amostras e o Estádio Municipal a entroncamentos importantes e ao Campo
para Desfiles (hoje Parque Moinhos de Vento), parte dele como parkway.
O próprio traçado das perimetrais perde em clareza e funcionalidade. A
primeira apresenta duplicidade de traçado no aterro da vertente sul da península,
e conexões complicadas em alguns pontos, como no nó junto à Avenida Borges
de Medeiros. A segunda apresenta descontinuidades e mudanças bruscas de
direção em alguns pontos, que correspondem geralmente às conexões,
sacrificando a continuidade e fluidez ao desenho das partes (peças urbanas) e
suas articulações. A terceira não aparece no Plano Director. Mais uma vez, a
coesão da estrutura cede ao equilíbrio das partes.
O Centro Urbano (capítulo III) reúne os projetos para os centros cívicos na
Praça da Matriz (Centro Administrativo Estadual) e na Praça 15 (Municipal), e para
o Centro Ferroviário, todos de Gladosch. Apenas o primeiro apresenta definições
morfológicas.
Em 1943, o Plano Gladosch previu a modernização e a monumentalização
dos dois centros cívicos existentes: o municipal (localizado entre as ruas Marechal
Floriano Peixoto, José Montaury, Uruguai e Mauá) e o estadual, na Praça da
Matriz. Os croquis de Gladosch demonstram a intenção de estabelecer certa
continuidade estilística e morfológica entre os Palácios da Praça da Matriz e o
tecido circundante. A reordenação do conjunto através de praças, eixos e
39
Das nove grandes radiais da rede primária, somente duas delas (as avenidas Farrapos e Borges
de Medeiros), chegariam até a Praça 15 de Novembro, considerada o coração da cidade. A
Avenida do Caminho Novo (1) e as ruas Cristóvão Colombo/Alberto Bins (3) seriam ligadas à Av.
Farrapos. O projetado prolongamento da Rua 2 de Fevereiro (atual Salgado Filho) permitiria
encaminhar o tráfego das avenidas Independência (4) e João Pessoa (7) até a Borges de
Medeiros, que também receberia, pelo sul, o prolongamento projetado da Avenida Teresópolis (8)
e a projetada Avenida Beira-Rio (9).
160
simetrias parciais, e a substituição dos antigos edifícios por prédios racionalistas
referencia-se aos projetos urbanos de Piacentini, e envolvia massivas demolições.
O projeto não foi realizado, e deverá ser analisado comparativamente ao
projeto igualmente não realizado de Jorge Moreira para o mesmo local,
apresentado no mesmo ano. Em A mão e sua impressão são confrontados dois
paradigmas arquitetônicos e urbanísticos distintos, que fornecem duas imagens de
cidade ideal, igualmente opostas.
O Saneamento dos Vales (capítulo IV) apresenta o projeto de Gladosch
para o saneamento e reloteamento do vale do Riacho e Praia de Belas, inclusive
com o projeto de um bairro residencial modelo no aterro da Praia de Belas, já
produto do detalhamento da implantação do Anteprojeto. Junto aparecem projetos
técnicos de defesa contra as inundações do DNOS, projetos de diversas pontes e
da canalização do Riacho, com traçado e perfis da Avenida do Canal projetada
(hoje Avenida Ipiranga).
O projeto propõe a retificação “radical” do percurso entre a ponte da Azenha
e o Guaíba, por motivos técnicos e econômicos: redução do percurso de cerca de
2900 metros para um trajeto de 1300 metros, percorrendo principalmente terrenos
baldios, facilitando o reloteio e o novo traçado das áreas atingidas. Em lugar do
aterro generalizado das áreas atingidas, abaixo das cotas máximas do rio e,
portanto, inundáveis, decide pelo aterro das faixas das margens, tanto do Guaíba
quanto do canal do Riacho, formando um sistema de diques contínuos contra
inundações, ocupados por avenidas.
A estrutura viária principal seguia as diretrizes do anteprojeto do Plano: o
seu arcabouço é formado, de um lado, pelas duas radiais beira-rio e a via radial
que liga Glória ao Centro urbano, e do outro lado, pela circular representada pala
avenida Venâncio Aires prolongada até a Ponta da Cadeia. O traçado geral
procura, sempre que possível, a divisão em quarteirões regulares de 60 a 70
metros por 200 a 250 metros, adequados a lotes de 12x30 a 35 metros,
dimensões adequadas à sua boa e racional utilização para construções (...) e
regular aproveitamento de uma propriedade imobiliária” (p. 180), incentivando a
densificação da zona num “máximo suportável”.
Como compensação para uma população que não poderá contar com o
conforto de jardins próprios”, propõe um sistema de espaços verdes constituídos
de jardins públicos e avenidas-parque entremeando as zonas residências e
ligando-as aos grandes espaços verdes da cidade, o Parque Farroupilha e os
jardins projetados ao longo da Avenida Beira-Rio. O projeto não é identificado,
mas pela descrição e data deve tratar-se da planta apresentada na Fig. 3.6
como “Projeto de reloteamento total da região compreendida no polígono: sopé do
161
espigão central av. João Pessoa rua da Azenha rua José de Alencar futura
Praia de Belas, o qual será executado em três etapas
40
.
O projeto dos aterros nos fornece a visão mais completa de cidade ideal do
plano (Fig. 3.19). A análise morfológica de Bohrer sobre os aterros da enseada
Praia de Belas considera que, desde o primeiro projeto, “(...) o elemento
morfológico mais expressivo da proposta global é o sistema contínuo de parques,
jardins e avenidas que se articulam a partir da parkway proposta no
prolongamento da Av. Borges de Medeiros”, identificando a matriz do modelo
espacial no âmbito das avenidas-parque americanas, corredores verdes
interligados percorrendo grandes extensões da cidade.
“Geometricamente eram eixos tratados como amplas avenidas Borges de Medeiros, Av.
do Canal, Av. Beira-Rio e Radial da Cascata, entre outras vinculadas, em determinados
pontos, por espaços articuladores. Estas dilatações do espaço público no cruzamento de
eixos viários foram tratadas como parques, caso do parque no final da Av. Borges de
Medeiros. (...) Neste local, através do uso da retórica clássica do tridente, traça dois eixos
diagonais, um no sentido do bairro Menino Deus e outro em direção ao Guaíba”.
41
O centro do tridente é a continuação da Borges de Medeiros, retilínea e
transformada em parkway no trecho da Praia de Belas. Igualmente neste ponto
cruza um eixo perpendicular à Av. Borges de Medeiros (na continuação da Av.
Cascatinha), que se prolonga até as imediações da Ponta da Cadeia. O traçado
viário define dois triângulos retângulos, articulados por um cateto, na continuação
da Borges (um no aterro da vertente sul, com a hipotenusa formada pela Beira-
Rio, e outro em direção à Ilhota, com a hipotenusa formada por um corredor verde
sobre o braço do Riacho), formando assim um losango.
Bohrer identifica, especificamente no desenho do nó do tridente e no tipo de
traçado e parcelamento da área triangular de aterro, junto à antiga Rua Pantaleão
Telles, uma clara influência do Plano de Berlage para a extensão sul de
Amsterdam (Fig. 3.20). Ela é muito evidente. Assim como no Plano de Berlage,
verifica-se na área de aterro de conformação triangular a associação de um
modelo morfológico de escala monumental com o modelo pitoresco das cidades-
jardim. O primeiro é expresso nos eixos viários principais, através do tratamento
das esquinas e conexões, estruturando formalmente a área aterrada. O segundo
aparece na divisão interna dos quarteirões e no tratamento paisagístico das ruas
locais. A análise do detalhamento posterior permite evidenciar ainda mais as
referências, incluindo o padrão tipo-morfológico proposto, com a implantação de
blocos perimetrais e blocos isolados, que resultariam, considerando as alturas
usuais, numa imagem urbana muito similar (Figuras 3.21 e 3.22).
40
Ele reaparece na Fig. nº 43, mas vinculado ao conjunto da cidade como Projeto geral de
saneamento do vale do Riacho (em execução) e praia de Belas”, relacionando-o com outros
equipamentos projetados, como a Cidade Universitária e Feira de Amostras; volta depois nas
figuras nº 88, 89 e 90, nas quais são detalhadas as três etapas de implantação do reloteamento,
em croquis do próprio punho de Gladosch (Fig. 3.11), sem crédito no documento.
41
BOHER, 2001, op. cit., p. 85.
162
O aterro, ao contrário da proposta de Ubatuba de Faria e Paiva, é muito
racional: maior junto à área central, nas imediações da antiga Rua Pantaleão
Telles, onde assume a configuração triangular, e menor junto ao prolongamento
da Avenida Borges de Medeiros, onde aparece como uma estreita faixa de jardins
paralela à Avenida Praia de Belas. Gladosch percebeu que um afastamento muito
grande da Avenida Praia de Belas criaria futuros problemas para o escoamento
pluvial; por outro lado, parecia muito mais sensato ocupar os grandes vazios
urbanos existentes no Menino Deus, com melhor acessibilidade a partir do
saneamento e retificação do riacho, do que executar um aterro desnecessário.
A mesma forma triangular do aterro que induziu Gladosch a adotar um
traçado viário similar ao utilizado por Berlage no plano da Extensão Sul de
Amsterdam, resultou em quadras triangulares próximas à ponta da cadeia
42
. Na
confluência da Avenida Beira-Rio com a Rua Pantaleão Telles foi traçado um rond
point, com o caráter de ponto focal, próximo à margem do lago, articulado a outro
próximo à margem norte, nas imediações da Praça da Harmonia, ambos fazendo
parte do traçado de um primeiro perímetro.
Na margem da enseada Praia de Belas, a Avenida Borges de Medeiros
transforma-se na Avenida Beira-Rio como ampla parkway que inicia logo após o
rond point na ponta da cadeia desenvolvendo-se até o entroncamento com a Rua
José de Alencar, com a previsão de sua ampliação futura até o bairro Espírito
Santo. Esta avenida, continuamente acompanhada por um parque linear,
transformaria o litoral da Praia de Belas numa praia de banhos urbanizada à
maneira das avenidas Costaneras de Buenos Aires e Montevidéu.
Sobressai na proposta urbanística o traçado retilíneo da via de contorno,
gesto forte de Arquitetura e racionalidade contraposto à curva original da enseada,
mas ao mesmo tempo enquadrando inteligentemente a paisagem dos morros da
zona sul como foco da avenida. Trata-se de um traçado de caráter geográfico, na
escala da paisagem, e um dos grandes acertos do Plano. Ele foi mantido
posteriormente no traçado retilíneo do prolongamento da Avenida Borges de
Medeiros, que teve início de execução na segunda administração Loureiro da
Silva, já nos anos 60.
Diferentemente, Bohrer entende que o elemento mais marcante do novo
traçado é a criação do eixo diagonal, no sentido sudoeste. Este eixo recoloca,
embora timidamente e deslocada para a enseada, a Porta da Cidade de Paiva na
Contribuição, calcada na Porta do Brasil de Agache no Rio. A margem não parece
suscitar em Gladosch as aspirações simbólicas de monumentalidade presentes na
proposta anterior. Ele guardou-as para a terra firme, através da proposição de
algumas peças urbanísticas articuladas ao traçado primário. A análise comparativa
dos dois projetos permite verificar a convivência de paradigmas urbanísticos pré-
modernos (o urbanismo alemão, o urbanismo francês da SFU, os modelos
42
BOHRER, 2001, op. cit., p. 87.
163
Fig. 3.19 Plano Gladosch (IV): Plano Director da Cidade de Porto Alegre. Saneamento da Praia de Belas e Bairro
Residencial Modelo.
Fig. 3.20 H.P. Berlage. Extensão Sul de Amsterdam,
1914.
CASTEX, 1977, op. cit., p. 97 (Fig.25b).
Fig. 3.21 Amsterdam. Foto da Extensão Sul nos anos 30.
Fig. 3.22 Plano Gladosch (IV): Saneamento da Praia de Belas e Bairro Residencial Modelo. Detalhe mostrando
tipologias habitacionais e morfologia urbana.
164
derivados da Cidade Jardim e ainda os ecos do movimento City Beautiful) e
modernos nas décadas de 30 e 40, tendo Porto Alegre como laboratório.
Os Espaços Verdes (capítulo IV) detalha a estratégia de concepção do
sistema de espaços verdes do plano de Gladosch. A estratégia consistia na
criação de um sistema orgânico de praças e parques, formando um conjunto
homogêneo de modo a atender eqüitativamente as áreas de moradia, vinculado
por parkways e faixas verdes, e na criação de reservas de bosques periféricos
públicos, ligados às áreas urbanas através de faixas de vegetação com
penetração em cunha. Trata-se de ecos do park system e do esquema de Bruno
Mörig e Richard Petersen para o concurso da Gross Berlin (1910), já utilizado por
Prestes Maia, e inicialmente aplicado sobre Porto Alegre na Contribuição. A
estratégia se materializava no projeto pela criação de grandes núcleos de verde
(faixas ao longo do Riacho e da Praia de Belas, parque nas proximidades da
Ponte de Pedra e no hipódromo dos Moinhos de Vento, grandes praças na área
central
43
), conectados por avenidas-parque ou faixas de vegetação.
A Extensão do Porto (capítulo V) discute estratégias para a expansão do
porto, concluindo pela direção norte (cais Navegantes). Curiosamente, Inclui as
perspectivas de dois projetos urbanos vinculados ao Plano, para a Praça Piratini e
para a entrada da cidade, na Avenida Farrapos, recém aberta por Loureiro, com
uma rótula monumental onde se previa a estátua do “Bombeador” (hoje Laçador,
Fig. 3.40). Os desenhos de Bellanca e a identificação da Diretoria de Obras
indicam autoria de Christiano de La Paix Gelbert, atendendo ao plano de massas
de Gladosch, notavelmente similar a algumas estratégias (e respectivas
perspectivas) de marcação de nós de Berlage para a Extensão Sul de Amsterdam.
Em Detalhes (capítulo VII), são apresentados a Feira Permanente de
Amostras, a Cidade Universitária e o Hipódromo do Cristal, projetos de Gladosch,
misturados a projetos definidos por ele no Plano, mas não de sua autoria, e a
projetos de edifícios e equipamentos públicos, da Diretoria de Obras, todos de
Christiano de La Paix Gelbert, seu único arquiteto na época.
A Feira Permanente de Amostras foi localizada por Gladosch entre o
Riacho canalizado e o Segundo Perímetro, com acesso monumental pela Rua
Santana alargada, e dois acessos diagonais, por uma das pernas do tridente da
Praça Piratini, e por uma avenida projetada ligando à área do Hospital de Clínicas
(no entroncamento das avenidas Protásio Alves e Venâncio Aires, e Rua Ramiro
Barcelos, onde se implantou o Pronto Socorro Municipal). Ela era um elemento
estratégico do projeto de saneamento do vale do Riacho, e Gladosch procurou
43
A execução da estratégia previa ainda o ajardinamento do parque na Várzea, à época com 50
hectares, complementando o projeto de Agache com recantos pitorescos, e a urbanização ou
reforma de grande número de praças de bairro. Através dela, Gladosch calculava proporcionar um
incremento de 400% nas áreas verdes, elevando o total para cerca de 80 ha. As praças
construídas ou reformadas estão na Parte IX, Obras executadas (p.50).
165
Fig. 3.23 Plano Gladosch: Feira
Permanente de Amostras. Maquete
geral. Arnaldo Gladosch (1942).
Fig. 3.24 Plano Gladosch. Feira Permanente de Amostras. Maquete do
conjunto. Arnaldo Gladosch (1942).
Fig. 3.25 Albert Speer e Adolf Hitler.
Projeto Grande Berlin, 1937-40.
Fig. 3.28 Plano Gladosch. Centro Cívico
Estadual na Praça da Matriz. Perspectiva,
Arnaldo Gladosch (1943).
Fig. 3.27 M. Piacentini e equipe.
Reitoria Universidade de Roma, 1935.
Fig. 3.29 M. Piacentini e V. Mopurgo.
Praça Reitoria da Univ. do Brasil, 1935-
38.
Fig. 3.26 Palais de Chaillot. J. Carlu,
L. Boileau e L. Azema. Exposição
Internacional de Paris 1937 (Plano
Geral Jacques Gréber).
166
vincula-la aos dois nós diagonais, e frontalmente ao Parque Farroupilha (Fig.
3.23)
44
. Isso foi feito transformando a Rua Santana em avenida-parque, na
continuidade do eixo monumental do Parque, traçado por Agache, procurando
não só destacar convenientemente a Exposição, como também aumentar a
importância da Avenida dos Estados’, que iria, sem isso, prolongar-se numa rua
comum, sem um acabamento condigno”.
Dividiu o conjunto em duas partes, uma com os pavilhões de caráter
provisório (erigidos para servirem durante a realização de exposições especiais),
ao longo da avenida de acesso, e outra reunindo ao redor de uma praça as
edificações definitivas, que depois constituiriam a Feira Permanente. Em função
da escala e de implicações urbanísticas, Gladosch previa sua execução por
etapas, iniciando pela construção de dois edifícios definitivos ladeando a entrada
da Exposição, e localizando-se os pavilhões provisórios ao redor da praça central
(Fig. 3.24). Mais tarde, de acordo com as possibilidades, seriam construídos
progressivamente os edifícios definitivos, até completar-se o conjunto urbanístico.
O Plano de Urbanização traz a implantação da Feira na planta do PLANO
DIRECTOR, com o traçado viário e distribuição das massas edificadas, e duas
fotos de uma maquete, uma com perspectiva desde o Parque Farroupilha e outra
da praça central. Com base nesses parcos elementos, muitas análises
ressaltaram seu caráter monumental e autoritário, vinculando-o à arquitetura do
totalitarismo europeu, especialmente ao projeto de Albert Speer e Adolf Hitler para
o eixo monumental da Grande Berlim (1937-40, Fig. 3.25), normalmente ilustrado
por fotos de uma maquete de enquadramento similar.
Se verificarmos com algum cuidado, veremos que apenas o enquadramento
da foto, a composição processional, e a finalização do eixo em um edifício dotado
de cúpula são relatados. A escala das edificações e espaços abertos é
completamente distinta, seu caráter e linguagem também. A linguagem se vincula
de forma direta aos conjuntos urbanos da arquitetura racionalista italiana dos anos
30, e ao chamado Stile Littorio de M. Piacentini
45
, mas principalmente às grandes
composições e projetos urbanos dos arquitetos da SFU, exemplarmente ilustrados
pelas marcas de seu apogeu e canto de cisne a Exposição Internacional de
Paris de 1937 (que teve o urbanista da SFU Jacques Gréber como arquiteto-
chefe), e especialmente o conjunto do Palais de Chaillot (1937, Fig. 3.26), de J.
44
Em virtude do valor representativo que terá para a cidade esta exposição e futura ‘Feira
Permanente de Amostras’, procurei liga-la à mais linda obra paisagista que possue a cidade, ao
‘Parque Farroupilha’. Pela transformação da atual rua Santana em uma larga avenida-parque,
teremos o prolongamento natural da “Avenida dos Estados”, que constitue o eixo mestre do
‘Parque Farroupilha”, até a entrada principal da Exposição” (p. 172-173).
45
O Stile Littorio aparece nos projetos para a Universidade de Roma, sob direção de Piacentini,
liderança do grupo de arquitetos italianos do Raggruppamento Architetti Moderni Italiani. Os
projetos da Reitoria da Universidade de Roma (1935, Fig. 3.27), de M. Piacentini e equipe, a Praça
da Reitoria da Universidade do Brasil (1935-38, Fig. 3.29) de M. Piacentini e V. Morpurgo, e a
reurbanização da área do Mausoléu de Augusto em Roma (1937), de V. Ballio e V. Morpurgo são
ilustrativos do estilo, que foi hegemônico na Itália fascista dos anos 30. Ver em CURTIS, 1986, op.
cit., pp. 211-222; e em FRAMPTON, 1981, op. cit., pp.212-225.
167
Carlu, L. Boileau e L. Azéma, foco arquitetônico e principal edifício do conjunto
urbanístico da Exposição.
Conforme descrito por Underwood, o Palais de Chaillot não só focalizava e
simbolizava o espírito da Exposição em termos arquitetônicos. O estilo clássico
monumental, abstrato e ritmado dos porticados, a construção em concreto
reforçado revestida em pedra, o layout formal com os terraços, escadarias,
plataformas e arrimos, no eixo da Torre Eiffel, e principalmente seu desenho em
duas asas independentes com um grande espaço vazio no centro, tudo isso fala
nos mesmos moldes do urbanisme parlant de Agache
46
. As duas asas ligadas e
unificadas pela esplanada monumental representam um volume sociológico,
ilustrando, de acordo com a filosofia social que estava nas bases da SFU, o triunfo
do público submetido à conscience collectif”. Não por acaso o Palácio eclipsou
tanto o pavilhão nazista (de Speer) quanto o soviético (de Iofan), que o
flanqueavam, num triunfo cultural e político do gênio francês. Curiosamente, a
França do Front Populaire, comprovando a dissociação entre o estilo o
totalitarismo.
Nessa linha de argumentação, podemos dizer que a Feira Permanente de
Amostras de Gladosch constituiu a transcrição, em termos simbólicos e
programáticos, dos princípios espaciais e filosóficos do urbanisme parlant” de
Agache e da SFU, exemplarmente demonstrados no Palais de Chaillot, para novo
contexto em termos de cultura e lugar, e sem dúvida também “fala do caráter que
previa para suas instituições e equipamentos coletivos.
Na Parte IX está apresentado o impressionante elenco de Obras
Executadas, localizadas previamente em um mapa geral (Fig. 3.30). O capítulo I
trata apenas da implantação do Plano Viário, com as novas avenidas executadas,
alargamentos, extensões e obras de pavimentação, com a descrição das obras,
seus orçamentos, perfis transversais e muitas fotos. As principais são a abertura
das avenidas Farrapos, 10 de Novembro (Salgado Filho, Fig. 3.35), 3 de
Novembro (André da Rocha) e Jerônimo de Ornelas, a conclusão do trecho final
da Av. Borges de Medeiros (entre a Rua da Praia e o Mercado, concluindo a obra
iniciada por Otávio Rocha em 1927), e a implantação do tridente de Gladosch na
Azenha (avenidas João Pessoa e Azenha, a primeira alargada desde a Venâncio
Aires e estendida a partir da Praça Piratini, Fig. 3.33). Entretanto, se as obras de
exceção naturalmente sobressaem, impressiona também a extensão, abrangência
46
A Exposition Internationale des Arts et des Techniques dans la Vie Moderne de 1937 tinha por
tema a as relações entre arte e técnica na vida moderna, e um de seus focos era a arquitetura e o
urbanismo (inclusive como produto cultural de exportação francês), exemplarmente demonstrados
no Palais de Chaillot. Of all the fine arts, architecture was perhaps best equipped to deal with this
theme because it could clarify the ambiguity of the alliance by giving impressive and permanent
visual expression to it. It could ‘make concrete’ and monumental the relationship between form and
technique; and in so doing, it could demonstrate, as Agache had done in Rio, the sociophilosophical
basis of the alliance between modern art and science”. UNDERWOOD, 1991, op. cit., p. 164.
168
e homogeneidade do conjunto
47
, ilustrando princípios de disciplina, coerência e
economia no trato das obras viárias.
O capítulo II trata do Saneamento, apresentando com farta documentação
de mapas, gráficos e fotos o conjunto de obras de saneamento dos bairros São
João e Navegantes, retificação do Riacho, abastecimento de água (com obras de
ampliação e reforço das redes, novo reservatório, estações e nova usina de
recalque, tratamento, e mudança do ponto de captação), esgoto cloacal (145 km
em 1942, atendendo então 1/7 da área urbana, e concentrada ao interior da atual
2ª perimetral), rede pluvial (que passa de 125 km em 1937 a cerca de 230 km em
1942) e drenagem urbana. A nova Usina de Recalque está na Figura 3.41.
O capítulo III trata do Verde Coletivo, mostrando as praças implantadas,
urbanizadas ou reformadas, e a arborização urbana. A implantação da estratégia
do Plano levou a área verde de 21 hectares em 1927 a 81 hectares em 1941.
Gladosch complementou o paisagismo e ajardinamento Parque Farroupilha,
através da implantação de uma série de recantos temáticos (jardim japonês,
jardim europeu e jardim alpino), pérgolas, tratamento das margens do lago,
biblioteca infantil e translado do chafariz de ferro da Praça Parobé. Tanto estes
como as diversas praças distribuídas pela cidade
48
apresentam notável coerência
figurativa no mobiliário e equipamento urbano, no desenho e no paisagismo.
O capítulo IV, sob o título Diversos, trata da pavimentação, com mapas
discriminando a utilização de concreto (Farrapos, João Pessoa e André da Rocha)
e asfalto, paralelepípedos e pedra irregular, estabelecendo uma hierarquia que
pode ser percebida ainda hoje, e de um conjunto de equipamentos público, alguns
definidos por Gladosch, mas não de sua autoria. Ali estão o Hospital de Pronto
Socorro (Fig. 3.39), o Embarcadouro da Vila Assunção (Fig. 3.42), o Mercado
Livre (Fig. 3.38), um Estádio Municipal (Fig. 3.33), uma nova Estação Rodoviária
(Fig. 3.41), o Centro de Saúde Modelo doado ao governo estadual e diversos
47
Abertura ou alargamento de pequenos trechos aumentando a permeabilidade e acessibilidade
geral (como a Rua Cel. Carvalho, hoje André Puente, a General Neto/Marquês do Pombal, e trecho
final da Rua Barros Cassal), pavimentação de vias ou trechos estratégicos para o sistema de
movimentos (como a Avenida Cascata, hoje Oscar Pereira, da Azenha até o principal cemitério da
cidade, ou de todo o percurso da Avenida Protásio Alves até a Salvador França, essencial para o
acesso ao novo bairro de Petrópolis, e aos novos bairros loteados além), pavimentações e
repavimentações generalizadas pela malha, e uma série de pequenas obras de acabamento ou
transposição de nível, como as escadarias e belvederes.
48
Além do Parque, são apresentadas as novas praças Maurício Cardoso (Moinhos de Vento), Guia
Lopes (Teresópolis), Antônio João (Menino Deus), Daltro Filho (Centro), Assis Brasil (interior do
Porto) e Piratini (Azenha), a remodelação das praças Garibaldi, Otávio Rocha e Argentina, e obras
de equipamento e melhorias em diversas outras. Quanto à arborização, o mapa não registra a
implantação de linhas de palmeiras da Califórnia nas avenidas principais, que diversos autores
creditavam a Loureiro. Sabe-se que elas foram introduzidas no Centro, na Avenida Sepúlveda, no
final dos anos 20, e provavelmente foram retomadas após 1942, conforme registros fotográficos
que mostram avenidas como a João Pessoa e Oswaldo Aranha, no início dos anos 40, sem elas.
Credite-se a Loureiro a introdução da arborização com tipuanas tipas e jacarandás (já utilizadas na
Argentina e em São Paulo), cinamomos (no bairro Petrópolis), ligustres e pernas-de-moça.
169
Fig. 3.30 - Obras Executadas pela Administração Loureiro da Silva, 1937-1943.
Fig. 3.33 Projeto de um Estádio Municipal na Avenida
Carlos Barbosa.
Fig. 3.35 Abertura da Avenida 10 de Novembro
(Salgado Filho), 1940.
Fig. 3.32 A. Gladosch. Projeto para Cidade
Universitária.
Fig. 3.31 Projeto para a “Praça Piratiny”, com o
translado da estátua eqüestre de Bento Gonçalves.
Fig. 3.34 Porto Alegre ao final dos anos 40.
Doca com Palácio do Comércio, Mercado Livre e
Prefeitura.
Fig. 3.36 Foto do Riacho antes da Retificação e
Saneamento (c.1940).
170
outros
49
. Os projetos são da Seção de Arquitetura da Divisão de Obras, assinados
por Christiano de La Paix Gelbert, que exercita sua prática num estilo pendular
entre o déco, o expressionismo e o racionalismo estrutural, testado nos pavilhões
da Exposição de 35 e aplicado a um grande número de edifícios nos anos 30 e 40.
Vistos em seu conjunto, todos estes elementos, planos e projetos urbanos,
projetos arquitetônicos, paisagísticos, projetos e obras de infra-estrutura,
equipamento e mobiliário urbano, representam um quadro extenso, articulado,
coerente e notavelmente homogêneo, em termos de fundamentos teórico-
metodológicos, estratégia de implantação, qualidade material e construtiva, e
imagem. A presença de bancos, floreiras, pérgolas, muros, escadas, chafarizes e
peças decorativas padronizadas, utilizando extensivamente pré-moldados de
cimento, numa linguagem predominantemente art-déco, fornecem ao espaço
público uma imagem unificada de forte identidade, que caracteriza o período.
Ilustram também a consolidação de um determinado saber técnico, enraizado nos
órgãos técnicos municipais, e profundamente ancorado numa tradição disciplinar
de arquitetura pública desenvolvida e codificada desde Haussmann. Com efeito, o
sistema de obras públicas, montado por Loureiro e sua equipe em Porto Alegre
entre 1937 e 1943, remete-se diretamente a seu paradigma, o sistema concebido
e estruturado pelo Barão Haussmann em Paris entre 1853 e 1869, com o auxílio
de Jean Alphand (para os passeios públicos) e Belgrand (para a infra-estrutura).
Conforme Grumbach, estamos frente a um verdadeiro sistema do belo
público
50
, baseado na fabricação deliberada da beleza urbana (ou seja, com
método), numa aritmética rigorosa dessa beleza (ou seja, sua quantificação e
custos), na celebração do sentimento de natureza através de sua recriação no
urbano, e na valorização do âmbito público, através do prazer coletivo pela fruição
da cidade. Para Haussmann, “a arte é o belo realizado pelo útil” (“l’art c’est le beau
réalisé par l’utile”), encarregando Alphand de fazê-lo. O belo público é
discriminado, descrito, medido, contabilizado e codificado em livro, Les
Promenades de Paris”, editado em 1868 por Alphand como verdadeiro tratado de
arte urbana do século XIX.
Arnaldo Gladosch e o arquiteto municipal Christiano de La Paix Gelbert
estão distantes de Alphand e Belgrand (aliás, quem seria um ou outro?), Loureiro
e Vargas não são Haussmann e Napoleão III. O sistema colocado em execução
por eles, entretanto, evidencia claramente sua estirpe, reproduzindo na escala de
uma capital de província a mesma devoção à arte urbana pública, codificada e
apresentada com método em Um Plano de Urbanização”, e posta a serviço de
uma cidade que deve ser feita para durar.
49
Como o Estádio do Parque Farroupilha (Ramiro Souto), um Campo de Pólo, a Escadaria e
Belvedere do Morro Ricaldone (Fig. 3.37), o monumento a Bento Gonçalves (Fig. 3.31), obras de
proteção e embelezamento das praias do Guaíba e até os Cemitérios Municipais.
50
GRUMBACH, Antoine. Les Promenades de Paris. L’Architecture d’Aujourd’hui, n.185, mai/juin
1976, pp. 97-106.
171
Fig. 3.37 Escadaria e Belvedere no Morro Ricaldone
(Marquês do Herval/Santo Inácio a Marquês do Pombal).
Fig. 3.39 Hospital de Pronto Socorro Municipal. Christiano
de la Paix Gelbert.
Fig. 3.41 Estudo para Estação Rodoviária no local do
Mercado Livre. Christiano de la Paix Gelbert.
Fig. 3.43 - Usina de Recalque da Hidráulica Municipal na
Rua Voluntários da Pátria (esquina Rua Câncio Gomes).
Fig. 3.38 Mercado Livre. Christiano de la Paix
Gelbert.
Fig. 3.42 Projeto de um Embarcadouro na Vila
Assunção para a travessia Porto Alegre-Guaíba.
Fig. 3.44 Plano Diretor da Cidade de Porto Alegre.
Estudo para o Hipódromo do Cristal e loteamentos.
Fig. 3.40 Projeto para Entrada da Cidade pela Avenida
Farrapos, com monumento ao “Bombeador”.
172
A MÃO E SUA IMPRESSÃO
No final dos anos 20, confrontavam-se no Rio de Janeiro duas visões para
o urbanismo e para a cidade, que ilustram as relações entre dois paradigmas
modernos que coexistiam à época. O Plano de Agache (1928-1930) e os
desenhos de Le Corbusier com sua proposta para o Rio de Janeiro de 1929 não
são apenas “projetos” distintos, mas estratégias e procedimentos frente à cidade e
à natureza que evidenciam divergências estruturais fundamentais. Nos anos 40,
um engenheiro-arquiteto que trabalhou com Agache no Plano do Rio e um
arquiteto que trabalhou com Le Corbusier na equipe do MES vão igualmente
confrontar-se em Porto Alegre em propostas para o Centro Cívico na Praça da
Matriz. Os projetos de Arnaldo Gladosch para o Centro Administrativo do Estado
(1943-44) e de Jorge Moreira para o Centro Cívico (1943), ambos na Praça da
Matriz, revelam as mesmas divergências.
Elas não se prendem apenas à usual dicotomia entre um Agache
“acadêmico” ou “conservador” e um Le Corbusier “moderno” e “inovador”. Yannis
Tsiomis nota similaridades perturbadoras quanto à leitura da topografia do Rio e
às metáforas antropomórficas, mas as conclusões que cada um tirou dessa leitura
são opostas.
Em Agache, comparou-se plasticamente o mapa da cidade do Rio de
Janeiro à impressão, deixada na terra macia, de uma mão cujos cinco dedos
estariam afastados”. Esta metáfora vai orientar Agache na elaboração de seu
esquema teórico para o Rio, chamado “Os Cinco Dedos”. Para Le Corbusier “as
ruas da cidade avançam em direção ao interior, nos estuários de terra plena, entre
as montanhas caindo dos altos platôs; os altos platôs seriam como o dorso de
uma mão afundando-se bem aberta, à beira-mar. As montanhas que descem são
os dedos da mão; elas tocam o mar. Entre os dedos das montanhas há os
estuários de terra, e a cidade está dentro”.
Utilizando-se da mesma metáfora da mão aberta, as diferenças estão
evidentes na transcrição plástica, que se remetem à leitura dos dois planos. Um é
o exato oposto do outro, molde e moldado, a mão e sua impressão. Tsiomis
descreve essa relação como uma quase homotetia, na qual a Agache o que
importa e desafia é a cidade existente, que deve ser remodelada, e a Le Corbusier
é a natureza, sobre a qual dispor a mega-estrutura de seu viaduto.
Para Agache, a cidade a cavidade é o mais importante na metáfora. Para Le
Corbusier, é a montanha aquilo que se destaca que conduz o olhar. Esta constatação
tem uma conseqüência suplementar: as restrições da topografia e a força plástica da
paisagem estabelecem uma similaridade de pura forma entre o sistema de transporte
proposto por Agache e a forma do viaduto corbusiano. Assim, a cavidade de um toma a
forma do construído do outro, e tal ‘semelhança’, que é uma quase homotetia, parece
lógica se observarmos a paisagem”.
51
51
TSIOMIS, 1998, op. cit., p. 17.
173
As diferenças e as semelhanças não param aí, mas para os objetivos de
nossa análise fiquemos com essa virtual inversão, que vai além dos diagramas de
fundo e figura ao incorporar o espaço tridimensional. Colin Rowe vai estabelecer
uma analogia similar em Collage City ao comparar o projeto de Le Corbusier para
a reconstrução de Saint-Dié com o tecido urbano de Parma, e a implantação da
Unité de Marselha ao Palazzo dei Uffizzi em Florença, inversões igualmente
elucidativas e perturbadoras
52
.
Gladosch apresentou ao Conselho do Plano sua proposta para o Centro
Urbano de Porto Alegre, compreendendo tanto a área do centro comercial quanto
um Centro Cívico na Praça da Matriz, na 4ª Reunião, em agosto de 1939. O
projeto, entretanto, só foi detalhado em 1943, conforme as datas dos desenhos
publicados em Um Plano de Urbanização
53
. Levando em conta a tendência
histórica de formação de um centro cívico na Praça da Matriz, Gladosch propõe no
local o Centro Administrativo Estadual, com todas as secretarias de Estado, a
Assembléia e outros órgãos administrativos e institucionais. Ao projetá-lo,
procurou resolver dois problemas; o primeiro de natureza compositiva e
distributiva (“a relação definida entre suas massas componentes”), e o segundo de
natureza locacional e conectiva, (“o problema de sua acessibilidade e, também, a
sua conexão com outros órgãos de comando“).
O primeiro problema ela procura resolver através do arrasamento da área
entre as ruas Duque de Caxias e Riachuelo, a criação de patamares e rampas
para vencer as diferenças de nível entre as duas, e o rebaixamento do trecho da
Rua Duque fronteiro ao Palácio e Catedral, deixando-os em um patamar mais
elevado que a rua. Sobre esse sítio modificado, são implantados quatro grupos de
edifícios públicos, de seis ou mais pisos: um perpendicular ao Palácio Piratini,
tendo como centro a futura Assembléia, e três paralelos ao conjunto Palácio-
catedral, implantados na atual praça ao longo da Rua Jerônimo Coelho
prolongada (Fig. 3.28). O declive na direção norte seria resolvido nos patamares
entre os blocos, e com escadaria e arcadas junto à Riachuelo, permitindo que o
largo frente ao Palácio-catedral permaneça plano.
A composição atendia requisitos visuais, procurando valorizar o conjunto
monumental, mas às custas da eliminação do Theatro São Pedro e Fórum:
Atualmente o Palácio do Governo e a igreja estão mal localizados, exatamente no
alinhamento de uma via pública e não são visíveis de pontos de observação favoráveis,
pois à sua frente existe uma praça totalmente arborizada, com declive bastante
pronunciado, e a catedral, além disso, está sendo levantada em uma esquina, ao lado de
um beco. Os outros edifícios, Teatro e Fórum, não são construções que mereçam
52
ROWE, Colin; KOETTER, Fred. Ciudad Collage. Barcelona: Gustavo Gili, 1981, especialmente
“La crisis del objeto: dificultades de textura”, pp.54-86.
53
SILVA, 1943, op. cit., Figuras 28 a 33 (entre as páginas 42 e 43). A proposta é descrita na Parte
III: O Anteprojeto, item 4. Os centros cívicos, pp. 42 a 44. Os seis desenhos estão identificados
como Escritório Técnico Arnaldo Gladosch Rio de Janeiro 1943, e assinados.
174
perpetuação, não correspondendo o primeiro deles ao estádio atual da cidade. Porisso
somente o palácio e a catedral são mantidos no estudo em questão” (p. 43).
A busca de melhores visuais para a catedral também levou à proposta de
uma praça lateral, permitindo que as duas massas arquitetônicas mais
importantes e equilibradas ficarão acessíveis ao observador sem os entraves
atuais, pois a forma plástica da atual praça arborizada será modificada a fundo” (p.
43). O problema dos acessos, à parte a Rua Duque de Caxias, envolvia a
remodelação das ruas General Câmara (da Ladeira) e Riachuelo, procurando
resolver os desníveis e rampas excessivas, inclusive através de elevadores
públicos
54
, e também envolvia arrasamentos massivos. Gladosch propõe o
rebaixamento da Ladeira e da Riachuelo, até conseguir rampas adequadas para
pedestres (5,5% a 6%, contra mais de 18% verificado no trecho da Ladeira),
mesmo que ao custo da demolição do quarteirão da Biblioteca Pública, e o
reloteamemento da área atingida pelo centro cívico, cobrindo os custos pela
revenda dos imóveis assim valorizados.
O outro acesso se daria através de um pórtico monumental no
entroncamento da Borges com Jerônimo Coelho, no eixo-perspectivo da futura
Assembléia, um grande edifício cujo acesso principal porticado, intercalado entre
as outras duas partes da fachada simétrica, enquadraria o final da perspectiva
desde a entrada (Fig. 3.51). Gladosch amplia o sítio na direção oeste, criando uma
barra orientada pela Riachuelo, e dois prédios contextualistas, barras torcidas
conformando esquinas nos dois lados da Rua Duque de Caxias, configurando o
acesso esquerdo do Palácio e vinculando-se à Assembléia, e leste, para dar mais
espaço aos prédios das Secretarias e perspectiva ao acesso pela Jerônimo
Coelho.
O projeto de Gladosch para a Praça da Matriz é longamente analisado por
Andréa Machado
55
em sua dissertação de Mestrado em Arquitetura no PROPAR,
e em artigo posterior, versando ambos sobre as transformações urbanas do
espaço urbano da Praça, e por Renato Fiore, em artigo na revista ARQtexto e em
54
A direção de acesso mais racional é a da rua Gal. Câmara, porém esta rua tem um declive de
mais de 18%, o que a torna impraticável. Para sanar este inconveniente, projetamos rebaixar seu
nível até ser conseguida uma rampa de 5,5% a 6%. Para isso, rebaixamos também a rua
Riachuelo, que atualmente tem um aclive forte desde a av. Borges de Medeiros até a Biblioteca
Pública e um declive fortíssimo até a rua Paissandu (Caldas Junior). Para isso, será necessária a
demolição de três faces do quarteirão da Biblioteca Pública (pois a face fronteira à rua Gal.
Andrade Neves também desaparecerá com o prolongamento da av. 10 de Novembro até a Praça
Senador Florêncio) e o reloteamento da zona atingida pelo centro cívico. O acesso na direção da
rua Gal. Câmara será facilitado pela construção de elevadores que transportarão os pedestres
desde a rua Riachuelo até a praça de honra, fronteira ao Palácio” (p.43).
55
SOLER MACHADO, Andréa. A Praça da Matriz. ARQTexto, v.1, n.Zero (1º Semestre 2000), p.
44-56; SOLER MACHADO, Andréa. Dois palácios e uma praça: a inserção do Palácio da Justiça e
do Palácio Farroupilha na Praça da Matriz em Porto Alegre. Porto Alegre: PROPAR-UFRGS, 1996
(dissertação de mestrado); e FIORE, Renato Holmer. “O espaço da Praça da Matriz com a
inserção do Palácio Piratini”. ARQtexto, nº 5, 2004, pp. 98-109.
.
175
sua Tese de Doutorado. Soler Machado destaca as estratégias compositivas de
Gladosch, procurando valorizar e enquadrar os monumentos existentes (o Palácio
e catedral em construção) ou propostos (a Assembléia) através da criação de
espaços públicos articulados, eixos visuais e simetrias, embora nem sempre
perceptíveis. A análise de Fiore centra-se nas estratégias projetuais de Gladosch
com relação à remodelação do espaço público, procurando resolver dualidades
simbólicas e perceptivas do lugar. Ele o faz dando novo formato e subdividindo a
praça, e eliminando todos os outros edifícios além do palácio e da catedral, pois
estariam criando um senso de centralidade que competia com o do palácio,
impedindo que este dominasse completamente o espaço urbano, mesmo que a
praça fosse alargada para oeste.
Gladosch, assim, tentou melhorar o senso de monumentalidade do centro cívico livrando-
se dos complicados problemas representados pelos diferentes tipos de dualidades
existentes no lugar (a praça que é ao mesmo tempo o lugar do palácio e da igreja; a
dualidade dos eixos), arranjando praças diferentes para o palácio e a catedral e
acentuando o domínio de cada um destes edifícios em suas respectivas praças”.
56
Fiore reconhece que, apesar do interesse compositivo, e de ser capaz de
conferir ao lugar um decidido caráter monumental que lhe falta, a proposta de
Gladosch teria destruído a maior parte do caráter histórico do lugar, tão
significativo para a identidade local”. Estabelece uma analogia entre a estratégia
utilizada no desenho das praças e o espaço urbano do Renascimento, vendo
precedentes para a situação assimétrica em L com a catedral em um canto,
concluindo que a escolha de Gladosch de tipos de espaços públicos para o
palácio e a igreja demonstra (...) um entendimento da história do campo
disciplinar, que é em si mesmo uma fonte fundamental de significado em
arquitetura
57
.
Acreditamos que tanto as estratégias quanto o desenho do Centro remetem
à formação de Gladosch no urbanismo alemão (com a perene influência dos
estudos urbanos de Camillo Sitte das praças européias), e à morfologia das
composições urbanas da SFU, mais que à sombra da arquitetura monumental do
totalitarismo europeu, usualmente identificada na maior parte das análises.
Jorge Moreira apresentou seu projeto para o Centro Cívico de Porto Alegre
na Praça da Matriz em 1943, provavelmente por iniciativa própria, na época em
que estava envolvido com o projeto para o Hospital de Clínicas da Universidade
(1942). É possível que tenha contado com a colaboração de Affonso Eduardo
Reidy, pouco depois seu parceiro no projeto vencedor do concurso para a sede da
VFRGS (1944) em Porto Alegre. A proposta de Jorge Moreira desdobra-se em
dois estudos, que estão apresentados em apenas quatro figuras no livro
organizado por Jorge Czajkowski, sem diferenciação de data (mesmo no texto),
fazendo com que não saibamos qual alternativa considerar. Assim, consideremos
as duas.
56
FIORE, 2004, op. cit., p 105.
57
Idem, p. 108.
176
O estudo que aparece nas figuras 3.46 e 3.48, ao lado do cadastro da área
(Fig. 3.45), corresponde aproximadamente à área utilizada por Gladosch, com o
acréscimo dos dois quarteirões entre a Praça da Matriz e a Avenida Borges de
Medeiros (utilizados apenas parcialmente por aquele). A estratégia de Moreira é
decididamente corbusiana. Cria uma superquadra central, com o arrasamento das
preexistências (Teatro, Fórum, Biblioteca e Arquivo Público, a praça e quarteirões
inteiros do tecido), a regularização das bordas, e sua definição por quatro vias de
circulação de hierarquia primária. Elas eram: a Rua Duque de Caxias a sul,
mantida em seu traçado; a Avenida Borges de Medeiros a leste; a continuação
proposta da Rua General Auto (sobre os terrenos do Solar dos Câmara, Auditório
Araújo Viana e Arquivo Público), com passagem em desnível sob a Duque
ligando-se à Rua Caldas Júnior; e a Rua Riachuelo a norte, retificada no trecho
entre a Borges e a Caldas Júnior.
O projeto, típico do urbanismo racionalista, cria um espaço simbólico no centro de Porto
Alegre aglutinando funções públicas no vazio deixado com o arrasamento de várias
quadras. A reestruturação da área central da cidade seria radical, promovendo a ruptura do
tecido urbano constituído ao longo de séculos tanto com a demolição dos monumentos e
demais edificações e espaços históricos, quanto com a oposição entre o conjunto
projetado e a configuração do entorno”.
58
A operação isola a superquadra do tecido circundante, literalmente
constituindo-a em ilha
59
, resolve as circulações independentemente do contexto,
através de sua separação, inclusive em níveis, definindo um âmbito inteiramente
novo para o projeto. Entretanto, o contexto providenciava uma circunstância que
atuava contra a abstração da proposta: a superquadra era em forte pendente.
Moreira tenta resolver o problema através de rampas, pela disposição dos
edifícios, e pelo recurso do desnivelamento das bordas leste e oeste, através das
passagens de nível.
Na estratégia de implantação, lança um bloco longitudinal baixo a norte,
orientado pelo novo alinhamento da Riachuelo, parcialmente em forma de “rédent
(ou ‘S’ alongado), com volumes diferenciados de auditórios; pátios e pilotis
permitem acomodar a pendente e fornecem permeabilidade pública no sentido
norte-sul. Lança o outro prédio, destinado à Assembléia, paralelo à Rua Duque de
Caxias, com empena contra a Borges, mas na área do quarteirão arrasado entre
58
CZAJKOWSKI, Jorge (org.). Jorge Machado Moreira. Rio de Janeiro: Prefeitura Municipal do Rio
de Janeiro, Centro de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro, 1999 (187 p.: 252 il.), p. 106.
59
A analogia com a “ilha” também é utilizada por Czajkowski em sua descrição do projeto:Em
substituição à rua-corredor, à praça-salão e ao quarteirão fechado, o novo espaço se constituiria
como área indivisa, com jardins, limitada por autopistas e ocupada por edifícios isolados, tratados
como barras horizontais ou verticais, configurando uma ‘ilha”. Idem, ibidem. Luccas também
considera os estudos “inspirados claramente nas propostas corbusianas de arrasamento do tecido
urbano. A destruição de dois ou três quarteirões consolidados no centro da cidade demonstrava o
teor utópico daqueles estudos, que propunham complexos horizontais, barras verticais e trechos
em redants (sic) sobre um segmento de parque”, cf. LUCCAS, 2004, op. cit., p. 114..
177
Fig. 3.45 Jorge Moreira, Centro
Cívico de Porto Alegre, 1943. Planta
cadastral.
Fig. 3.46 Jorge Moreira, Centro
Cívico de Porto Alegre, 1943. Plano
de conjunto.
Fig. 3.47 Jorge Moreira, Centro
Cívico de Porto Alegre, 1943. Planta
do conjunto (estudo alternativo).
Fig. 3.48 Jorge Moreira, Centro
Cívico de Porto Alegre, 1943.
Perspectiva do conjunto.
Fig. 3.49 Plano Gladosch. Centro Cívico Estadual na Praça da Matriz.
Vista do Palácio do Governo, Arnaldo Gladosch (1943).
Fig. 3.50 Plano Gladosch: Centro Cívico
Estadual na Praça da Matriz. Implantação, A.
Gladosch (1943).
Fig. 3.51 Plano Gladosch: Centro Cívico
Estadual na Praça da Matriz. Vista da
Assembléia. A Gladosch (1943).
Fig. 3.52 Plano Gladosch: Centro Cívico Estadual na Praça da
Matriz. Vista do Palácio e igreja, eixo da Rua Duque de Caxias,
Arnaldo Gladosch (1943).
178
as duas e as ruas Espírito Santo e Jerônimo Coelho (Fig. 3.48). As diferenças de
nível eram absorvidas por pátios semi-enterrados, pilotis e passagem coberta
porticada entre os dois prédios. Com esta implantação dos blocos, Moreira cria
uma praça cívica em rampa, centralizada pelo Palácio Piratini, resolvendo a
dualidade simbólica com a catedral a que se refere Fiore.
Os acessos urbanos se dão pelas ruas Duque de Caxias e Riachuelo,
tangenciando os edifícios, e a partir da Riachuelo frontalmente, pela
permeabilidade dos pilotis na barra alongada. A Rua Jerônimo Coelho desaparece
como via, mas organiza uma linha de acesso público entre os dois prédios, frontal
à passarela e passando sob a mesma. Os edifícios estão soltos no podium
inclinado, guardando relações geométricas, volumétricas e topológicas entre si, e
com apenas uma borda do entorno, a norte. O volume da barra alta da Assembléia
estabelece uma relação de tensão com o Palácio, demonstrada na perspectiva,
virtualmente eclipsando a catedral.
Ao contrário de Gladosch, que utilizava seus blocos para dividir e conformar
o espaço público, configurando praças e definindo eixos visuais, numa escala e
imagem relatadas a um entorno que se supunha igualmente configurado, Moreira
cria um âmbito inteiramente novo, associado a símbolos “modernos e totalmente
abstraído do contexto, não fosse pela referência ao Palácio a orientar o espaço
aberto
60
. Mesmo assim, o espaço não é polarizado. A borda norte dos dois
projetos é a mesma, mas a leste Moreira incorpora à sua superquadra os
quarteirões até a Borges, definindo literalmente seu novo âmbito urbano entre
vias de circulação e não ruas. Gladosch mantém os topos dos dois quarteirões,
como transição entre seu projeto e o corredor metropolitano da Borges, cria uma
nova rua local, paralela a esta, e a partir dela organiza o eixo de acesso da
Jerônimo Coelho, entre os blocos das Secretarias. A praça é centralizada
exclusivamente pelo palácio, a catedral merecendo outra, lateral e de hierarquia
inferior.
O outro estudo de Moreira estende o âmbito de intervenção até a Rua da
Praia e Praça da Alfândega (Fig. 3.47). Neste sentido, retoma em outros termos o
projeto de Attilio Trebbi
61
de avenida de ligação monumental entre as duas praças,
mas sem a avenida, através de um espaço público fluido, em rampa, que passa
sob pilotis. O prédio longitudinal desce para o patamar inferior, junto à Rua
Andrade Neves, com uma ponta chegando até a Rua da Praia. Um bloco em L,
orientado pela Rua da Praia e Borges, ocupa o antigo quarteirão entre a Andrade
Neves, Borges e Rua da Praia. A barra alta passa à orientação norte-sul, e monta
perpendicularmente sobre a base em rédent similar ao bloco longitudinal
60
Czajkowski nota quealém do confronto, também existiria diálogo entre a trama moderna e a
antiga na relação dos novos edifícios com o contexto urbano devido à preservação de alguns eixos
espaços-visuais e à utilização do Palácio de Governo como foco da composição”. CZAJKOWSKI,
1999, op. cit., p. 106.
61
O projeto de avenida, ligando a Praça da Matriz ao porto, e de remodelação da praça, por Attílio
Trebbi, é do início do século XX e encontra-se documentado em SOUZA, 2004, op. cit., pp. 77-88;
e FIORE, 2004, op. cit., pp. 104-105.
179
anterior, com os auditórios e pequenos pátios. Uma série de quatro barras de
média altura, com a mesma orientação, ocupa o trecho entre a praça, Borges,
Jerônimo Coelho e Riachuelo. Do outro lado da praça, outro bloco alto, de
conformação retangular 3:1, assenta-se sobre outra base com auditórios, de
costas para a via de contorno oeste. A proposta se radicaliza, a superquadra
passa a cobrir toda a área entre a Rua Duque de Caxias e a Rua da Praia,
Avenida Borges e General Auto (prolongada), mas seus fundamentos, elementos
e estratégias espaciais são as mesmas.
O projeto de Moreira remete diretamente aos projetos para a Universidade
do Brasil, de Le Corbusier (1936), mas principalmente ao da equipe de Lucio
Costa (1937), da qual fazia parte. Presta tributo a Le Corbusier em sua Ville
Radieuse dos anos 30 (Fig. 4.12) e especialmente ao Ilot Insalubre6” (de
1936, Fig. 4.11), prenunciando o projeto de Reidy para a Esplanada de Santo
Antonio, no Rio de Janeiro (1949). As estratégias são notavelmente similares às
que o mesmo Le Corbusier (com Ferrari Hardoy e Kurchan) utiliza para os Centros
Cívicos de Buenos Aires, em seu Plano Diretor de 1937, somente publicado ao
final dos anos 40, e depois para o centro de Saint-Dié (1946).
O projeto de Gladosch remete às mesmas referências presentes na Feira
Permanente de Amostras, neste caso especialmente ao Stile Littorio de Piacentini,
e ao projeto de M. Piacentini e V. Morpurgo para a Praça da Reitoria da
Universidade do Brasil (1935-38, Fig. 3.29)
62
. Vemos que o confronto que já se
estabelecia entre os dois paradigmas, nos projetos para a Cidade Universitária da
Universidade do Brasil, se transfere a Porto Alegre, tendo o Centro Cívico como
arena.
Os desenhos são igualmente ilustrativos de como se explicitavam os
paradigmas. Gladosch utiliza-se da implantação quase como um mapa fundo-
figura do espaço público e privado, com reminiscências de Nolli (Fig. 3.50), no
qual os quarteirões privados são entendidos como blocos idealmente
homogêneos, e passa diretamente às perspectivas cônicas, ilustrando seus eixos
e as visuais principais (quase uma maquete eletrônica que move o espectador
pelo projeto). Os desenhos a lápis e carvão remetem-se diretamente às
apresentações dos projetos urbanos de tradição Beaux-Arts (e daí ao City
62
Luccas enfatiza essa aproximação: “Os desenhos a lápis de Gladosch representando o “Novo
Centro Administrativo Estadual” proposto, demonstram uma evidente aproximação da arquitetura e
urbanismo praticado por Piacentini, quando perseguia uma imagem representativa para o coração
cívico da cidade. O que inclui desde a técnica de expressão gráfica utilizada, cujos desenhos com
grafite são muito semelhantes ao de Vittorio Mopurgo (sic) para o projeto da Universidade do Brasil
desenvolvido pela dupla italiana; até a configuração dos edifícios propostos, aplicando tipologias
racionalizadas de edifícios-quarteirões periféricos com seqüências sistemáticas de pátios interiores
quadrados, auxiliados por edifícios lineares; tudo organizado de maneira a produzir perspectivas
excessivamente formais dos espaços públicos e valorizar os prédios monumentais enquadrados
cenograficamente. Além da retórica volumétrica, os croquis esboçavam tratamentos compositivos
de fachadas semelhantes ao classicismo monumental depurado dos italianos, através da utilização
de pórticos colossais verticalizados e da perfuração metódica e insistente das aberturas”. LUCCAS,
2004, op. cit., pp. 105-106.
180
Beautiful de Burnham em Chicago, a Berlage em Amsterdam e aos projetos
urbanos da SFU), mas também às reconstituições de Camillo Sitte e depois
Raymond Unwin em Town Planning in Practice, novamente ilustrando sua
complexa trama de referências (Figs. 3.49, 3.51 e 3.52).
Os desenhos de Moreira utilizam-se do Plan Masse” corbusiano, com
aplicação de sombra fornecendo a ilusão de volume, e da perspectiva
axonométrica de conjunto. Os dois parecem ver o projeto do céu, o primeiro numa
visão quase telescópica, de foto de satélite, e a perspectiva como foto aérea, “vol
d’oiseau”. Ao contrário de Gladosch, que procura em seus desenhos capturar o
observador e orientar sua visão em função de objetivos e estratégias
compositivas, Moreira vê seu projeto efetivamente como uma ilha moderna
pousada em meio à cidade tradicional.
As propostas de Gladosch e Moreira para o Centro Cívico da Praça da
Matriz não chegam a exibir a homotetia quase absoluta que Tsiomis vê na relação
entre Agache e Le Corbusier não chegam a representar literalmente a analogia
da mão e sua impressão. Mas chegam perto, ilustrando os dois paradigmas
urbanísticos em convivência (forçada, entendemos) na década de 40, ambos
comprometidos com o moderno, embora de formas distintas. O arrasamento do
contexto é similar em escala, mas distinto em natureza, maior e com mais ênfase
na constituição de um novo âmbito urbano em Moreira. O fragmento de cidade
ideal de Moreira utiliza o lugar, esvaziado, para constituir-se em monumento de
uma nova cidade, aberta e fluida. O de Gladosch busca estabelecer um espaço de
convivência entre as novas formas e as antigas, somando-as para alcançar um
novo âmbito urbano, com transição de escala, configuração e linguagem
arquitetônica. Moreira não admite essa transição.
Apesar das diferenças, vemos hoje na Praça da Matriz a possibilidade real
de convivência dos dois paradigmas. A torre da Assembléia Legislativa está
orientada como o bloco do estudo ampliado de Moreira, mas deslocado para a
quadra fronteira ao Palácio, estabelecendo com este uma tensão que potencializa
o efeito buscado no estudo. A base procura resolver o desnível entre a Rua Duque
e a praça, reconfigurando um de seus lados. O Theatro São Pedro permanece,
restaurado, num contraponto inferior ao Palácio. O Fórum foi substituído pelo
Tribunal de Justiça, numa posição similar à última das quatro barras paralelas do
estudo de Moreira. Entretanto, o contexto urbano permaneceu similar ao previsto
por Gladosch, embora com mais altura; os quarteirões ocupados perifericamente
estabelecem uma moldura relativamente neutra para a praça e os edifícios
públicos destacados. Dessa forma novo e velho se relacionam, e se fornecem
referências mútuas, fazendo com que tanto os novos prédios “modernos”, como a
Assembléia e o Tribunal de Justiça, quanto os acadêmicos, como o Palácio, o
Teatro e a Catedral, se revigorem desta oposição entre tecido e monumento,
numa relação cheia de tensão e significado.
181
4º CAPÍTULO
O ANTE-PROJETO DE PORTO ALEGRE DE ACORDO COM A CARTA DE
ATENAS 1951
INTRODUÇÃO
«A rua-corredor com duas calçadas, sufocada entre altas casas, deve
desaparecer. As cidades têm o direito de ser outra coisa que não palácios em
corredores. O urbanismo reclama uniformidade do detalhe e movimento no
conjunto. Aí está o bastante para que nos execrem como o anticristo». Le
Corbusier, Urbanismo, p. 68-69.
Quando Loureiro da Silva deixou a Prefeitura de Porto Alegre em 1943,
imaginava ter legado com seu Plano de Urbanização todas as bases necessárias
e suficientes para a conclusão de um Plano Diretor: o Ante-Projeto, ou pré-plano,
resultado dos estudos de Arnaldo Gladosch, um Levantamento Aerofotogramétrico
em fase final de reconstituição, um Expediente Urbano institucionalizado, com a
pesquisa necessária à finalização do Zoneamento e do próprio Plano, e uma
reforma tributária e administrativa capaz de dar suporte institucional à
continuidade das atividades de planejamento urbano. De quebra, uma série de
projetos urbanos em andamento ou conclusão, permitindo a manutenção do
intenso ritmo de realizações de sua gestão.
Entretanto, ao final dos anos 40, a cidade ainda não contava com o Plano
Diretor, e a administração do desenvolvimento urbano se dava a partir da
aplicação de dispositivos largamente casuísticos, adaptados das diretrizes legadas
por Gladosch em seus projetos e estudos, a maior parte ainda não
institucionalizada, ou produto de legislação anterior. Essa situação tinha origem na
falta de continuidade administrativa na Prefeitura, produto de uma fase de
transição político-ideológica e institucional, e da ausência de consenso sobre um
projeto hegemônico para a cidade, como o que parecia haver no início da década.
A indefinição era ainda mais grave em função do forte ritmo de densificação e
verticalização das áreas mais centrais da cidade, e de um processo de expansão
metropolitana em pleno desenvolvimento.
Enquanto no centro do país o movimento moderno praticamente se
institucionalizava como arquitetura oficial, e as diretrizes dos Congressos
Internacionais de Arquitetura Moderna (CIAM) sobre o edifício e a cidade eram
apropriadas pelo establishment” profissional e acadêmico, em Porto Alegre o
processo era ainda muito incipiente. É nessa espécie de “vácuo” ideológico que
Edvaldo Paiva convoca em 1950 o arquiteto Demétrio Ribeiro para a elaboração
de um “Ante-projeto de planificação de Porto Alegre de acordo com os princípios
preconizados pela Carta de Atenas”. O anteprojeto, composto de quatro pranchas
desenhadas por Ribeiro, acompanhadas de texto justificativo de Paiva, foi
concluído em fevereiro de 1951, apresentado em conferência no Instituto de Belas
Artes em abril do mesmo ano, e logo a seguir publicado.
182
O anteprojeto é absolutamente literal: as quatro pranchas apresentam
quatro plantas temáticas, cada uma enfocando uma das quatro funções urbanas
definidas na Carta de Atenas: habitar, trabalhar, circular e cultivar o corpo e o
espírito. Em termos conceituais e programáticos, entretanto, elas retomam as
propostas da Contribuição de Paiva e Ubatuba de Faria nos anos 30, e do Plano
de Urbanização da administração Loureiro da Silva. A principal diferença está
justamente na forma de apresentação, com a adoção das plantas temáticas por
função.
O 4º Capítulo da Tese situa o Plano Paiva-Demétrio Ribeiro no contexto de
metropolização e verticalização da cidade no início dos anos 50, onde coexistem
sem hegemonia dois paradigmas, através da convivência de edifícios e espaços
urbanos modernos (embora restritos) com a cidade figurativa tradicional. Nesse
sentido, o Ante-projeto” representa uma ofensiva para entronizar como
hegemônico o paradigma da cidade moderna tributária do urbanismo dos CIAM
(embora longe de sua vertente corbusiana mais conhecida), rompendo o equilíbrio
instável daquela convivência.
Inicialmente, o Ante-projeto” vai ser descrito e analisado, através da
exegese do documento original. Uma Carta de Atenas para Porto Alegre busca
estabelecer as reais vinculações do Ante-projeto com a Carta de Atenas e com a
doutrina do Movimento Moderno a partir dos CIAM, especialmente de Le
Corbusier, confrontando-o com os precedentes e com o “estado da arte” do
urbanismo nos anos 40 para 50. Cavando a trincheira moderna tenta desvendar
os aparelhos técnico-institucionais e ideológicos que vão sendo montados para
legitimação e difusão do novo paradigma.
A Esquina do Moderno enfoca o outro lado, aquele da cidade real que se
construía com edifícios modernos em implantações tradicionais, por empresas
construtoras e incorporadoras “modernas”, de significativa atuação na construção
da cidade na década de 50, e por seus arquitetos, como Carlos Alberto de
Holanda Mendonça, Román Fresnedo Siri e outros. O Edifício Esplanada (Román
Fresnedo Siri, 1952) é analisado como fragmento urbano exemplar da cidade ideal
dos anos 50, na qual a cuidadosa inserção de edifícios de arquitetura moderna no
tecido urbano da cidade figurativa tradicional cria uma relação de enorme
potencialidade, plena de tensão e criatividade, que atinge seu apogeu no final da
década, sendo a seguir descartada pela promulgação do Plano Diretor de 1959.
ANTEPROJETO DE ACORDO COM A CARTA DE ATENAS
O Anteprojeto para Porto Alegre foi elaborado no início dos anos 50 por
Edvaldo Paiva e Demétrio Ribeiro, apresentado em palestra realizada por Paiva
no Auditório “Tasso Corrêa” do Instituto de Belas Artes, no dia 18 de abril de 1951,
originalmente editado no Boletim do DPM (datado de março-abril do mesmo ano)
e posteriormente publicado no mesmo ano emProblemas Urbanos de Porto
183
Alegre
1
, trazendo em anexo ao texto, ou “Em apenso”, como escreveu Paiva, os
seguintes elementos:
1. Ante-projeto de planificação de P. Alegre, de acordo com os princípios
preconizados pela Carta de Atenas”. Trabalho feito com a colaboração do
Arq. Demétrio Ribeiro.
2. Carta de Atenas, dos C.I.A.M.
3. Carta aberta
4. Manifesto do I.A.B.
5. Relatório da Comissão Revisora (trechos)
A Carta de Atenas referida no documento é a tradução da Town Planning
Chart”, de José Lluis Sert, do inglês, e não da versão francesa atribuída a Le
Corbusier, como se poderia pensar. Os três últimos itens referem-se à polêmica
pública que opôs Paiva e o Prefeito Ildo Meneghetti (e seus assessores
engenheiros) sobre o Plano Diretor, em função de divergências quando da
instalação de Comissão Revisora do Plano Diretor, que se acirraram durante o
Congresso de Arquitetos de 1948. A questão foi longamente abordada por Rovatti
em sua tese sobre Paiva
2
. A descrição e análise utilizarão o texto de Problemas
Urbanos de Porto Alegre; as citações do texto original do Ante-projeto tem as
páginas indicadas entre parêntesis.
O documento inicia com 19 páginas transcrevendo na íntegra a palestra
proferida por Edvaldo Paiva no auditório do Instituto de Belas Artes em 18 de abril
de 1951. Um Preâmbulo pessoal justifica o tema Problemas urbanos de Porto
Alegre por sua oportunidade e atualidade, e pela ligação com sua própria
experiência pessoal e profissional de 15 anos dedicada à análise dos problemas
de P. Alegre e à procura de suas soluções científicas”. A seguir, é apresentado um
articulado diagnóstico sobre a evolução urbana de Porto Alegre e seus planos,
dividido em quatro partes: História da cidade, A cidade atual e seus problemas,
Tentativas de planificação urbana, e Sugestões para planificação de P. Alegre.
Parte do texto é aproveitada de trabalhos anteriores, como a “Contribuição
ao estudo da urbanização de Porto Alegre”, elaborado conjuntamente com
Ubatuba de Faria (1936-38), Um Plano de Urbanização”, de Loureiro da Silva,
com colaboração técnica de Paiva (1943), e o Expediente Urbano de Porto
Alegre”, organizado pelo próprio Paiva e publicado pela Prefeitura em 1942. Em A
1
PAIVA, Edvaldo P. “Anteprojeto de planificação de Porto Alegre” in Boletim do DPM (33-34),
março-abril 1951, pp. 27-31; e Edvaldo Pereira Paiva (col. Arq. Demétrio Ribeiro), “Ante-projeto de
planificação de P. Alegre, de acordo com os princípios preconizados pela Carta de Atenas”, in
PAIVA, Edvaldo P. PROBLEMAS URBANOS DE PÔRTO ALEGRE. Palestra realizada pelo Prof.
Urbanista Edvaldo Pereira Paiva, no Auditório “Tasso Corrêa” do Instituto de Belas Artes, no dia 18
de abril de 1951. Porto Alegre: S/Ed. (MIMEO), junho de 1951, pp. 20-29.
2
ROVATTI, 2000, op. cit., especialmente no CHAPITRE I, 8. De l’ostracisme à l’auto-critique
(1944-1954), p. 60-75; aparece também, embora tangencialmente ao assunto do texto, em
ALMEIDA, Maria Soares de, 2004, op. cit., Capítulo II A Cidade Democrática: 1945-1961, pp.
117-137.
184
cidade atual e seus problemas, Paiva utiliza explicitamente a estrutura de texto e
as figuras elaboradas para o Expediente Urbano de Porto Alegre” para discorrer
sobre a geografia urbana, população e moradia, usos do solo, sistema viário
(referido como “Comunicações”), transportes, áreas verdes e equipamentos,
embora ele não utilize o termo, de origem francesa, e sim verde coletivo e
esportes.
Em Tentativas de planificação urbana, Paiva retoma de textos anteriores
uma breve história do planejamento urbano da cidade, enaltecendo o Plano Maciel
e tecendo uma avaliação crítica ambígua, mas na essência desfavorável ao Plano
Gladosch. As sugestões apresentadas defendem sua própria metodologia de
Plano Diretor (já apresentada em Um Plano de Urbanização”, e basicamente
derivada da metodologia de Cravotto), baseada na pesquisa urbana e no
zoneamento, e seus projetos anteriores para Porto Alegre.
O Anteprojeto de planificação de Porto Alegre”, a partir da página 20,
retoma sinteticamente o diagnóstico em Princípios Gerais, e analisa a função
regional de Porto Alegre em A região e a cidade. Finalmente, em As quatro
funções estão apresentadas suas propostas para a cidade, dispostas em mapas
temáticos conforme as quatro funções definidas pela Carta de Atenas Habitar,
Trabalhar, Circular e Cultivar o corpo e o espírito.
O estudo é definido como de caráter esquemático, tendo como objetivo “(...)
apresentar um método de aplicação prática dos princípios da urbanística, visando
obter o máximo possível dentro das condições atuais de Porto Alegre” (p. 20).
Assim, trata-se de uma aplicação prática, sobre uma cidade concreta (Porto
Alegre), de conceitos urbanísticos gerais, enfocando os aspectos qualitativos dos
problemas urbanos na falta alegada de elementos quantitativos exatos.
Colocando-se numa perspectiva de continuidade histórica com os planos
anteriores, inclusive com sua própria experiência, Paiva pretende explicitamente,
entretanto, elevá-los a um nível superior
3
, tendo como premissa básica
organizar a cidade. Para tanto, propõe diferenciar as funções e as densidades,
através da zonificação (sic) das atividades urbanas, áreas e volumes construídos,
especialização funcional das circulações, descentralização urbana através da
ampliação do centro e reforço às áreas residenciais, e direcionar a expansão
urbana para as áreas mais favoráveis.
Com relação à região, defende a análise integrada do papel regional de
Porto Alegre, definindo o escopo mínimo do Plano regional: zonificação das
grandes funções regionais (indústria, agricultura e habitação), planificação do
sistema de movimentos (água, ar, rodovias e ferrovias), e regularização do regime
hídrico, importante na situação de Porto Alegre, especialmente a apenas dez anos
3
Com êsse trabalho tentaremos continuar historicamente a sequência de estudos de planificação
da cidade e, para isso, nele incluiremos todos os aspectos positivos dos anteriores trabalhos (dos
arq. Maciel e Gladosch, e nossa própria experiência), procurando eleva-los, entretanto, a um nível
superior” (p. 20).
185
da grande enchente de 1941. As funções são referidas curiosamente como os três
estabelecimentos numa citação equivocada da terminologia corbusiana da época,
e o sistema de movimentos como as quatro vias, em outra citação corbusiana (les
quatres routes). Desculpa-se que a amplitude de tal estudo ultrapasse as
possibilidades do trabalho, obrigando à definição ad hoc de algumas premissas,
como a manutenção do ritmo de crescimento populacional e aumento das
atividades econômicas, especialmente portuárias, considerando possível ligação
direta ao mar, muito discutida na década de 40, com os conseqüentes reflexos
sobre a cidade.
Na introdução às quatro funções, Paiva explica o modelo adotado para a
apresentação do trabalho. Em nosso anteprojeto esquemático usaremos um
sistema de apresentação diferente do usual e seguido em trabalhos congêneres.
Fizemo-lo por nos parecer que, dessa maneira, torna-se mais nítido e
compreensível a noção do entrelaçamento das funções urbanas e da necessidade
de estudá-las em íntima relação. Em quatro lâminas apresentamos quatro
aspectos do Zoneamento proposto, caracterizando, em casa uma, a atividade
principal” (p. 22). Paradoxalmente, a separação temática por função é justificada
pela necessidade de entendê-las conjuntamente, em íntima relação.
O modelo espacial com o zoneamento das funções está apresentado
literalmente nos quatro mapas temáticos, identificados como Plano Diretor de
Porto Alegre, com autoria de Edvaldo P. Paiva, urbanista, e Demetrio Ribeiro,
arquiteto. A base cartográfica de todos é a mesma, adotando a orientação Leste-
Oeste com a península para baixo, apresentando os limites urbanos e o sistema
viário principal com a identificação dos principais acessos à cidade.
A função “Habitar” está distribuída em cinco tipos de zonas, classificadas de
ZR1 a ZR5, definidas a partir da trama do sistema viário principal (Fig. 4.1). Por
sua delimitação física (módulos espaciais definidos externamente pelo sistema
viário principal de perimetrais, radiais e outras vias de hierarquia urbana) e pela
escala urbana, as zonas correspondem ao conceito de unidades de habitação
4
,
inspiradas no modelo da neighborhood unit” da cidade-jardim americana,
desenvolvida por Clarence Perry e ilustrada exemplarmente no sistema Radburn,
de Stein e Wright (Figs 4.8 e 4.9). Coerentemente, as zonas são menores mais
próximas ao centro, onde a densidade é maior, aumentando de superfície em
direção à periferia, com o objetivo de manter certo equilíbrio em termos de
população.
A função Trabalhar” na realidade consagra vocações existentes no
zoneamento espontâneo da indústria e do comércio, ao propor a definição de
zonas industriais e comerciais em áreas que já concentravam, à época, a maioria
dos estabelecimentos industriais e comerciais da cidade, como, por exemplo, a
4
Em sua tradução da Carta, Paiva utiliza a tradução de “neighborhood unit” como bairro-unidade,
adotada na tradução anterior ao português por Clóvis Pestana, e sublinha o texto, indicando a
relevância que atribuía ao conceito no conjunto da doutrina.
186
zona industrial a Norte e Nordeste (Fig. 4.3). O zoneamento do comércio é feito de
acordo com uma classificação tipológica, definindo Áreas comerciais maioristas
(comércio atacadista), Áreas comerciais minoristas” (comércio varejista), Áreas
comerciais do Centro” (referido na terminologia americana, em inglês, como
Central Business District), e Áreas comerciais do 1º Perímetro”, correspondentes
às novas áreas comerciais previstas ao longo da Primeira Perimetral, buscando
descentralizar a atividade comercial e expandir o Centro. Paralelamente, são
indicadas as Zonas residenciais onde o comércio será localizado em determinadas
ruas (denominadas C1, circunscritas às Áreas ZR1 e ZR2), ou seja, formando
corredores lineares de comércio e serviços, e Zonas Residenciais onde o
comércio será localizado em determinados pontos (denominadas C2, circunscritas
às Áreas ZR3 e ZR4), ou seja, formando pólos de comércio e serviços.
Os corredores e pólos são propostos justamente ao longo de avenidas que
já concentravam linearmente o comércio nos bairros, como as avenidas Osvaldo
Aranha e Protásio Alves, João Pessoa, Azenha, Farrapos ou Benjamin Constant, e
em nucleações pontuais em cruzamentos importantes ou centros de comércio de
bairro, já consolidados ou em formação. O conceito será incorporado aos planos
posteriores, e institucionalizado (inclusive na terminologia) no 1º PDDU de 1979.
Além disso, o Zoneamento define os locais para localização de Centros Cívicos,
concentrando funções de comando e administração pública (denominados A) ao
longo e nas bordas do Primeiro Perímetro, ou seja, distribuídos na periferia
imediata do centro.
A função Circular” se baseia na criação de um sistema rádio-concêntrico,
em substituição ao sistema radial, com diferenciação das vias de tráfego, e no
conceito do Perímetro de Irradiação”, retomando o esquema teórico concebido
juntamente com Ubatuba de Faria nos anos 30, a partir das idéias de Hénard
aplicadas por Prestes Maia (Fig. 4.2). O modelo define o Perímetro de Irradiação
(referido na função Trabalhar como 1º Perímetro), as avenidas rápidas, as
avenidas perimetrais e radiais, e as parkways (a Av. do Canal, ao longo do
Riacho, a futura Av. Nilo Peçanha, a Av. Beira-Rio e uma nova avenida no bairro
Cristal). São indicados os cruzamentos com previsão de tratamento especial, os
trechos viários a serem abertos, e os principais equipamentos de transporte
coletivo (estações ferroviária e rodoviária, estação de triagem e Aeroporto). O
esquema rádio-concêntrico é modelado a partir de um sistema de vias radiais, do
tipo avenidas-rápidas (Farrapos, João Pessoa, nova avenida no vale do arroio
Cascata, e continuação da Av. Borges de Medeiros), da retificação, alargamento
ou ampliação de radiais existentes, e da abertura algumas radiais novas (a
Avenida Vasco da Gama, por exemplo), e de um sistema de vias perimetrais,
composto de cinco perímetros sucessivos.
O 1º Perímetro é descrito como uma via envolvente do centro antigo, na
qual desembocarão a maioria das radiais, que terá gabaritos funcionais variados e
características cívico-comerciais, “(...) ligando os dois vales e cruzando o espigão
principal por um túnel ou viaduto sob a av. Independência” (p. 25). Ao longo dele,
são indicadas áreas para edifícios públicos ou destinados a funções especiais,
187
Fig. 4.4 -Ante-projeto” Paiva e Demétrio Ribeiro. As Quatro
Funções: Cultivar o Corpo e o Espírito.
Fig. 4.2 -Ante-projeto” Edvaldo Paiva e Demétrio Ribeiro. As
Quatro Funções: Circular.
Fig. 4.3 -Ante-projeto” Paiva e Demétrio Ribeiro. As Quatro Funções:
Trabalhar.
Fig. 4.5 - Carta de Atenas: Capa da edição
original francesa (1941).
Le Corbusier
Fig. 4.7 - Chandigarh. Projeto Adolf Mayer,
1948-49.
Fig. 4.6 - Chandigarh. Projeto Le Corbusier,
1950-51.
Fig. 4.1 -Ante-projeto” Edvaldo Paiva e Demétrio Ribeiro. As
Quatro Funções: Habitar.
188
aproveitando vazios urbanos ou áreas julgadas ociosas à época (áreas
ferroviárias, da Santa Casa e da Universidade, e áreas de aterro).
O 2º Perímetro aproveita vias existentes, como a Rua Ramiro Barcelos e a
Av. Venâncio Aires, com um trecho projetado entre esta e a continuação da Av.
Borges de Medeiros. O 3º Perímetro corresponde aproximadamente ao traçado da
atual Segunda Perimetral, com grande maioria de trechos a serem abertos. O 4º
Perímetro corresponde aproximadamente ao traçado da atual Terceira Perimetral,
e o 5º confunde-se com os limites municipais a Leste e Nordeste. São retomadas
ou recicladas as propostas viárias dos planos anteriores, mas a definição de
traçado convive com descontinuidades e escolhas aleatórias, inexplicáveis
principalmente em se tratando de áreas praticamente virgens à época, entre o 3º e
o 4º perímetro (hoje Segunda e Terceira Perimetrais), e mesmo além deste, na
vasta área de expansão urbana até os limites municipais com Viamão e Gravataí.
A função Lazer, ou “Cultivar o corpo e o espírito” apresenta um Sistema de
áreas verdes, retomando algumas propostas dos planos anteriores, como a
penetração em cunha de espaços verdes, já esboçada na Contribuição, e define a
localização de equipamentos culturais e de lazer (Fig. 4.4). Para Paiva, os órgãos
fundamentais são os de ensino, que devem orientar o zoneamento a partir do
conceito de Unidades de Vizinhança
5
. A planta indica “Áreas residenciais a serem
servidas por escolas de 1º e 2º grau, campos de jogo e campos de esportes” (R),
Região onde devem ser localizadas a Cidade Universitária e o Estádio Municipal
(1), ao longo do parque do Riacho, retomando a proposta da Cidade Universitária
de Gladosch e suas próprias propostas dos anos 30 e 40, Região onde devem
ser localizados o Zoológico e o Jardim Botânico” (2), Região onde devem ser
localizados o Teatro Municipal, o Museu e a Biblioteca Pública” (3), junto ao 1º
Perímetro, Região onde deve ser localizada a Estação Rodoviária” (4), idem, e
Região onde deve ser localizado o Centro Náutico” (5), na continuação do cais
Navegantes.
A planta indica as áreas verdes existentes e as projetadas, algumas com
localização mais definida, outras como manchas verdes, e inova ao considerar o
“verde vinculado”, conceito que incorpora ao sistema de espaços verdes algumas
áreas de uso semi-público, ou mesmo particular, como os cemitérios e clubes. O
conceito tinha sido introduzido inicialmente por Arnaldo Gladosch em uma de suas
apresentações ao Conselho do Plano, e foi retomado por Paiva sem o devido
crédito, configurando uma tendência a partir do Anteprojeto do Plano Diretor de
1954, com institucionalização no Plano Diretor de 1959.
5
Deve ser estabelecida uma íntima ligação entre esses órgãos e as várias áreas nitidamente
residenciais. Assim, cada área definida com essa função deve receber, em seu ponto mais
adequado, uma escola de 1º grau, a qual é adstrito um campo de jogos infantis. Servindo a grupos
dessas áreas específicas, devem ser previstos ginásios, tendo adstritos campos de esportes (..).
Todas essas escolas devem ser colocadas em um marco de verde, longe das vias principais de
trânsito e de qualquer foco de ruído” (p. 26). O conceito de “Neighbourhood Unit” de Clarence
Perry se baseava nos raios de influência das escolas primárias e secundárias, respectivamente de
1/2 milha (800 metros) e uma milha (1600 metros).
189
As áreas verdes principais da proposta são compostas por um perímetro
indefinido de “bosques” aproveitando principalmente áreas de morros; um sistema
de parques e praças onde existirem áreas livres disponíveis”, como o parque
urbano no antigo Prado do Moinhos de Vento, já proposto por Gladosch; um
grande parque urbano linear ao longo do vale do Riacho, desde as cabeceiras
junto ao Zoológico e Jardim Botânico, até próximo ao Parque Farroupilha
(chegando até os terrenos hoje ocupados pelo Campus Médico da UFRGS,
proposta já apresentada na Contribuição), e o tratamento paisagístico da orla do
Guaíba, da ponta da península até a zona sul.
Ligando esses elementos, é proposto um sistema de avenidas plantadas e
parkways”, inclusive ao longo da Av. Beira-Rio, à maneira do Park System
americano de Olmstead. O Zoneamento retoma a idéia de um lago nas nascentes
do arroio Dilúvio, na confluência do parque linear urbano com as zonas de
bosques a leste, idéia apresentada e desenvolvida por Gladosch em sua proposta
para a Cidade Universitária no Anteprojeto de Plano Diretor dos anos 40.
O trabalho é concluído com um capítulo sobre Legislação e execução, no
qual Paiva, após sustentar que seu trabalho contém as bases de um Plano Diretor
para Porto Alegre, define as medidas de ordem técnica, legal e administrativa
necessárias à sua implementação:
a. Recomenda a organização e manutenção de um serviço técnico
permanente, dotado de autonomia e capaz de fornecer orientação ao
poder público em questões de urbanismo, definindo suas atribuições;
b. Define como elementos reguláveis pela Lei de Zoneamento o uso dos
terrenos, com atividades permitidas em cada zona, a percentagem de
área a ser ocupada em cada terreno e a altura das construções, com
vistas ao controle da densidade populacional e do caráter das mesmas;
c. Trata da realização de determinadas obras requeridas pelo Plano, como
a abertura de novas vias, de formas de lidar com a desapropriação ou
compra de áreas atingidas, e da necessidade de operações
permanentes de aquisição de terrenos, urbanização e construção, e
reloteamentos.
Com isso, Paiva tenta cobrir aspectos até então negligenciados nos planos
anteriores, relacionados tanto à operação e execução, quanto à sua
institucionalização. E conclui:
Com o decorrer do tempo, a cidade evoluirá, não de modo anárquico e portanto
prejudicial aos interesses de seus habitantes, mas, sim, planificadamente, assumindo, de
maneira progressiva, a feição de uma capital moderna e bem organizada. Dentro dessas
normas simples, práticas e perfeitamente exeqüíveis, estará consubstanciada a realização
do Plano de Urbanismo sob seu tríplice aspecto técnico, legal e administrativo” (p. 29).
190
UMA CARTA DE ATENAS PARA PORTO ALEGRE
O Ante-projeto é usualmente considerado nas sucessivas análises como
um marco na introdução do urbanismo moderno defendido pelos CIAM na cidade,
e muitas vezes confundido com a arquitetura brasileira moderna da linha “carioca”,
ou com o urbanismo moderno de vertente corbusiana, também associado a
Brasília. A introdução e divulgação do movimento moderno em Porto Alegre são
associadas à chegada de arquitetos formados pela ENBA do Rio de Janeiro
6
, à
influência dos arquitetos uruguaios modernos e à divulgação de projetos
modernos dos arquitetos do centro do país (alguns deles feitos para Porto Alegre,
como o Centro Cívico de Jorge Moreira e os projetos para a sede da VFRGS e
IPE, de meados da década de 40).
Entretanto, o estabelecimento de arquitetos da ENBA na cidade só se dá ao
final da década, com Edgar Graeff e Carlos Alberto de Holanda Mendonça. A
influência dos uruguaios, como Gómez Gavazzo, se dá através de Paiva, desde
sua volta em 1942, mas diretamente só se manifesta ao também ao final da
década, nos Cursos de Arquitetura e depois de Urbanismo do Instituto de Belas
Artes. Dessa forma, o Ante-projeto, divulgado em 1951, é muito importante nesse
processo (embora não determinante, especialmente porque não mostrava
definições morfológicas). Almeida é um dos autores que considera o Ante-projeto
ilustrativo da penetração dos princípios do Movimento Moderno nos meios
técnicos porto-alegrenses:
Em quatro pranchas os autores propunham a organização da cidade em quatro zonas
segundo os princípios da Carta de Atenas. Observando o zoneamento preexistente da
cidade eram estabelecidas quatro zonas, denominadas trabalhar, habitar, circular e
cultivar o corpo e o espírito. Os princípios do Movimento Moderno tinham penetrado nos
meios técnicos locais, especialmente difundidos através da academia, predominando tanto
no ensino do projeto arquitetônico como no ensino do urbanismo”.
7
Na análise que faz do Plano Diretor de 1959 em sua tese sobre a
arquitetura moderna em Porto Alegre, Luccas identifica a origem do Plano no
anteprojeto de Paiva e Demétrio Ribeiro “sob a inspiração da Carta de Atenas”, e
retoma as críticas de Reyner Banham à pretensão de “aplicabilidade universal” da
Carta, com zoneamentos funcionais rígidos, separação de funções e privilégio da
6
Para um dos envolvidos no Ante-projeto, Demétrio Ribeiro, essas idéias chegavam a Porto
Alegre através de duas correntes. Uma difundida através dos mestres uruguaios, que vinham,
desde o início dos anos quarenta divulgando os princípios do Movimento Moderno nos debates
técnicos locais o nome do professor Gomes Gavazzo destacava-se nesse sentido, sendo o
precursor das idéias de Le Corbusier nos meios acadêmicos uruguaios, e a segunda chegando a
Porto Alegre através dos contatos dos arquitetos locais com as capitais centrais do país, como Rio
de Janeiro e São Paulo. O arquiteto Edgar Graeff (...), formado no Rio de Janeiro, tinha estado em
contato com a equipe de Oscar Niemeyer e Lucio Costa, trazendo aos meios locais o debate sobre
a arquitetura moderna produzida no centro do país, tornando-se seu principal divulgador”.
Depoimento a ALMEIDA, 2005, op. cit., p. 165.
7
ALMEIDA, 2005, op. cit., pp. 161-167, “O MOVIMENTO MODERNO”.
191
Fig. 4.10 Edvaldo Paiva e alunos. Perspectiva centro do bairro
industrial São João e Navegantes, 1948-50.
Fig. 4.8 - RADBURN, 1929. Plano geral mostrando
Unidades de Vizinhança com raios de influência das
escolas Primária (1/2 milha) e Secundária (1 milha),
Clarence Stein.
Fig. 4.9 - Unidade de Vizinhança. Modelo
esquemático segundo Clarence Perry, Regional
Survey of New York and Its Environs, 1929.
Fig. 4.12 - Le Corbusier. “Ville Radieuse”, 1930-33.
Planta geral com faixas morfológicas e de uso.
Fig. 4.11 - Le Corbusier. Projeto para o “Ilot Insalubre nº 6”,
Paris, 1936.
192
tipologia de blocos verticais. Associa igualmente a “Carta de Atenas” e seu Ante-
projeto tributário para Porto Alegre à vertente corbusiana:
Segundo a mesma apresentação do documento, a proposta local obedecia às quatro
funções urbanas corbusianas: ‘habitar, trabalhar, cultivar o corpo e o espírito e circular’.
Diferenciava a cidade através de um zoneamento, no qual as áreas residenciais eram
divididas em unidades de habitação. A operação efetuada partia do modelo da Carta como
esquema abstrato modelo permeado pela utopia social do solo liberado e o transpunha
para a realidade contingente: um território fragmentado pelo padrão miúdo do
parcelamento do solo, muito distinto da situação tabula rasa idealizada”.
8
Ele conclui que essa transposição do esquema abstrato às contingências
da cidade real resultaria na caricatura do modelo de cidade perseguida. Na
verdade a observação é exagerada para o Ante-projeto, que não tem nenhum
comprometimento morfológico, e se aplica mais ao Plano de 59. Como este
trabalho é considerado o ponto de partida para o Anteprojeto do Plano Diretor
organizado por Edvaldo Paiva em 1954, confundindo-se inclusive com ele, que por
sua vez resultou no Plano Diretor de 1959, as análises críticas freqüentemente se
superpõem, homogeneizando-os.
Assim, a primeira tarefa da análise consiste em esclarecer a qual versão da
Carta de Atenas nos referimos aqui, e de que forma ela participa efetivamente do
Ante-projeto, além da evidente inspiração na apresentação dos mapas temáticos
por função.
De acordo com Rovatti
9
, a utilização que Paiva faz da Carta de Atenas é um
caso emblemático de seu costume de compilar textos de outros autores nos
próprios trabalhos. Paiva reproduz como anexo em seu trabalho o que ele
denomina Carta de Planificação Urbana, aprovada pelo Congresso Internacional
de Arquitetura Moderna de 1933”, trocando termos, sublinhando frases, incluindo
alguns trechos e suprimindo integralmente o item 7, Buildings and districts of
historical interest, referente à preservação do patrimônio histórico. O item foi
omitido na versão geral da Carta por “ser aplicável apenas a certas cidades”, mas
aparece na tradução de Sert, com a explicação no último parágrafo de que o texto
tinha sido introduzido pelos delegados italianos, que já lidavam mais
freqüentemente com a questão do patrimônio. O item também aparece na versão
francesa de Le Corbusier, como Patrimoine historique des villes”, reunindo os
itens 65 a 70.
A versão da Carta que ele reproduz em Problemas Urbanos de Porto Alegre
tinha sido apresentada originalmente em setembro de 1945 no Boletim Municipal
10
, como tradução da Town-Planning Chart publicada por José Lluis Sert em 1942,
8
LUCCAS, 2005, op. cit., p. 209.
9
ROVATTI, 2001, op. cit., especialmente “Paiva, le compilateur”, pp. 111-116.
10
“Carta de Planejamento Urbano, aprovada pelo Congresso Internacional de Arquitetura
Moderna”, Boletim Municipal (21), julho-setembro 1945, pp. 187-194; tradução de Clóvis Pestana
da Town-Planning Chart”, in SERT, José Luis. Can our Cities Survive? Cambridge: Harvard
University Press, 1942, pp. 246-249. A versão francesa foi publicada em 1941, pelo grupo francês
193
de autoria do engenheiro Clovis Pestana, à época prefeito municipal de Porto
Alegre. Chama a atenção que a primeira publicação das resoluções do IVº CIAM
em Porto Alegre tenha sido iniciativa de um engenheiro e político conservador,
sem nenhuma ligação com o movimento moderno ou a arquitetura moderna, e que
tinha tomado contato com ela em seu estágio como bolsista nos Estados Unidos.
A Carta foi novamente publicada na cidade em 1948, sob o título Atenas
1933/1948 Porto Alegre
11
, na revista Espaço, ilustrada com preciosos
desenhos de Luiz Fernando Corona.
Paiva retoma a tradução de Clovis Pestana, modificando alguns termos ou
frases e acrescentando outros, mas mantendo quase todos seus (muitos) erros e
equívocos. Rovatti apresenta um interessante quadro comparativo do texto original
em inglês de Sert, da tradução de Pestana e da tradução publicada por Paiva,
ilustrando alguns equívocos quase folclóricos turvando a compreensão da Carta
em Porto Alegre, mantidos por Paiva
12
. A menção à Carta reaparece em Porto
Alegre num relatório do Instituto de Arquitetos do Brasil sobre os trabalhos da
Comissão de Revisão do Plano Diretor, publicado em 1949 na Revista de
Engenharia, recomendando a criação de uma Comissão de Elaboração do Plano,
encarregada de um novo estudo de planejamento com base nos princípios
enunciados pela Carta de Atenas.
Foi aproveitando a recomendação do Instituto (que por sua vez ratificava
uma recomendação do Congresso de Arquitetos de 1948), e num timing perfeito,
que Paiva convoca em 1950 o arquiteto Demétrio Ribeiro para a elaboração de um
explícito Ante-projeto de planificação de Porto Alegre, de acordo com os
princípios preconizados pela Carta de Atenas”.
Já vimos que o Ante-projeto é absolutamente literal: as quatro pranchas
apresentam quatro plantas temáticas, cada uma enfocando uma das quatro
funções urbanas da Carta de Atenas: habitar, trabalhar, circular e cultivar o corpo
dos CIAM, com prefácio de Jean Giraudoux, mas é atribuída a Le Corbusier: LE GROUPE CIAM-
FRANCE. LA CHARTE D’ATHÈNES. Urbanisme des CIAM (avec un discours liminaire de Jean
Giraudoux). Paris: Plon, 1941. A Carta foi republicada depois por Le Corbusier, juntamente com
Entretien avec les étudiants d’Architecture”, em: LE CORBUSIER. La Charte d’Athènes (texte
integral). Paris: Les Editions de Minuit, 1957.
11
Atenas 1933/1948 Porto Alegre. Porto Alegre: Espaço arquitetura, urbanismo e arte, ano 1,
nº2, novembro de 1948, s/p.
12
Os exemplos mais grosseiros dessa corrente de equívocos são a expressão nursery school
(creche em inglês), traduzido por Pestana como “escola de enfermeiras”, mantido no texto de
Paiva, e a expressão new street system, traduzida por Pestana como “novo sistema vital” em lugar
de “viário”, erro mantido por Paiva. Da mesma forma, Pestana suprime o termo playground (talvez
por não encontrar tradução adequada em português), seguido por Paiva, e substitui percurso por
recurso, tornando uma frase incompreensível; Paiva por sua vez o substitui pelo termo importado
do espanhol entremesclamento, modificando totalmente o sentido original da frase de Sert. Os
mesmos erros se perpetuam na quarta versão da Carta, republicada pelo engenheiro Antonio de
Siqueira em 1959 como Carta de Planejamento Urbano, aprovada pelo Congresso Internacional
de Arquitetura Moderna”, em SIQUEIRA, Antonio de. Engenharia Sanitária. Porto Alegre: Livraria
do Globo, 1959, pp. 219-227. Os quadros comparativos dos textos, parágrafo por parágrafo,
aparecem em ROVATTI, op. cit., pp. 147-162.
194
e o espírito. Em termos conceituais e programáticos, elas retomam as propostas
dos anos 30 de Paiva e Ubatuba de Faria, e do Plano de Urbanização da
administração Loureiro da Silva, apresentando-as em nova embalagem,
“moderna”, com a adoção das plantas temáticas por função. O próprio Demétrio
Ribeiro, em depoimentos posteriores, procura relativizar o embasamento
conceitual “moderno” do Ante-projeto e sua filiação direta à Carta de Atenas
13
.
O Ante-projeto é exatamente o que o nome diz, um anteprojeto urbano. A
Carta de Atenas comparece apenas na forma de apresentação, desagregada
pelas quatro funções. O anteprojeto apresenta uma rede viária radial-perimetral,
largamente baseada nas contribuições anteriores e no traçado existente, que
define um sistema de zoneamento baseado no zoneamento natural e nas
propostas de localização de atividades dos planos anteriores. O zoneamento
residencial utiliza o conceito da unidade de vizinhança, na realidade a influência
mais forte e evidente no Ante-projeto.
Dessa forma, os quatro mapas poderiam ser reduzidos a dois - uma planta
da estrutura viária, ou rede viária, base para o sistema de fluxos, e uma planta de
zoneamento, com a distribuição das atividades urbanas -, ou mesmo a um - uma
planta geral do modelo espacial, reunindo estrutura urbana e os sistemas de
fluxos e de atividades -, à maneira do Greater London Plan, de Abercrombie, da
década de 40, que prevaleceu posteriormente no Plano Diretor de 1959.
O Plan Bonet para Buenos Aires de 1948-49
14
, também conhecido como
La Ciudad frente al Río (Fig. 4.13), utiliza a mesma desagregação na
apresentação por mapas temáticos. A EXPOSICION DE LA SOLUCION
ADOPTADA SEGUN LAS CUATRO FUNCIONES Programa para cada una
apresenta plantas com programa e distribuição das funções de Vivienda”,
Comercio”, Circulación” e Cultura del Cuerpo y del Espíritu (Fig. 4.14).
Entretanto, o conceito e os conteúdos são inteiramente distintos.
13
Por um curtíssimo período colaborei com Paiva na elaboração, no início dos anos cinqüenta, de
um esquema de plano físico de desenvolvimento de Porto Alegre. Esse estudo foi então publicado,
e foi a base do esquema estrutural do primeiro Plano Diretor da cidade. A estrutura espacial era
simples, e baseava-se na idéia, então em voga, das unidades vicinais. Uma rede de vias principais
definia em suas malhas as dimensões das unidades. As unidades, dotadas dos equipamentos
sociais locais, possibilitariam uma escala de vida menos desproporcionada do que a da cidade
grande. No caso de Porto Alegre, a rede era rádio-concêntrica, ou seja, em teia de aranha.” In:
Edvaldo Pereira Paiva um urbanista. Porto Alegre: UFRGS-IAB/RS, novembro de 1985, pp. 23-24.
14
O Plan Bonet foi um estudo para um bairro modelo de 50.000 habitantes no Baixo Belgrano,
elaborado em 1948-49 por uma equipe sob direção de Jorge Ferrari Hardoy, liderada por Antonio
Bonet, contando ainda com Jorge Vivanco, Miguel Roca, Juan Kurchan, Clorindo Testa e o italiano
Ernesto Rogers. O plano só foi publicado na Revista de Arquitectura de la SCA, Nº 369, Año
XXXVIII, 1/2/1953. Ferrari Hardoy e Kurchan tinham trabalhado no atelier de Le Corbusier nos
anos 30, e com ele tinham elaborado o Plan Director para Buenos Aires, recém publicado à época
em La Arquitectura de Hoy, ano 1, V.4, abril 1947. Ver MOLINA Y VEDIA, 1999, op. cit., pp. 165-
202.
195
A Habitação prevê superquadras com manzanas verticales ou
196
apelo à Carta do CIAM para legitimar a idéia de que os planos de urbanismo
deveriam ser obra de especialistas.
16
A utilização que Paiva faz no texto de inserções da terminologia criada por
Le Corbusier também confunde, parecendo reforçar a vinculação do Ante-projeto à
vertente corbusiana. Não é o que se observa no texto, ou nos planos. A referência
às “quatro vias”, remete a “Sur les quatres routes
17
, de 1941, mas a classificação
de vias utilizadas no Ante-projeto não guarda rigorosamente nenhuma relação
com aquela desenvolvida por Le Corbusier. O mesmo se dá com a referência aos
“estabelecimentos humanos”, que remete aLes Trois Etablissements Humains
18
de 1945, mas não encontramos nenhuma correspondência ou relação com as
definições de Le Corbusier para os três tipos de assentamentos de seus estudos
de planejamento territorial dos anos 40.
Quanto ao urbanismo, a rede viária proposta no Ante-projeto é
fundamentalmente distinta da grelha territorial com o Capitolio como “cabeça” de
um axis mundi, proposta por Le Corbusier no plano de Chandigarh (Fig. 4.6), do
mesmo ano, ou das grelhas derivadas do modelo Ville Radieuse (Fig. 4.12) dos
projetos para La Rochelle-Pallice (1945), Saint-Dié (1946) e Bogotá (1950)
19
. Na
realidade, assemelha-se mais à rede distorcida proposta originalmente por Albert
Mayer para Chandigarh em 1949 (Fig. 4.7), e modificada radicalmente por Le
Corbusier. Baseado no conceito da neighborhood unit de Clarence Stein, que foi
consultor de Mayer no projeto, utilizando alguns elementos pitorescos
relacionados a Sitte e ao movimento cidade jardim, e com separação de fluxos
pedestres/veículos conforme o chamado Radburn Layout, o plano de Mayer filia-
se à mesma corrente do Ante-projeto. Ambos muito distantes de Le Corbusier.
No início dos anos 50, Le Corbusier encontrava-se envolvido com o Plano
urbanístico de Chandigarh (capital do Punjab, na Índia) e com os projetos
arquitetônicos do Capitolio. Ao mesmo tempo, acompanhava a finalização de sua
primeira Unité d’Habitation a grandeur conforme efetivamente construída, em
16
ROVATTI, 2001, op. cit., p. 223.
17
LE CORBUSIER (com outros). Sur les Quatres Routes. Paris, s/ed,, 1941. O esquema foi depois
ampliado para sete vias. “La règle des 7 V” foi estabelecida em 1948 sob demanda da UNESCO,
constituindo um sistema arterial e respiratório, hierarquizado funcional e espacialmente, de “V.1
route nationale ou de province, traversant le pays ou les continents» a «V.7 voie alimentant tout
au long de la zone verte où sont les écoles et les parcs”. A V.8 veio depois, especializada como
ciclovia. Uma aplicação total da regra das 7 V. foi feita em Chandigarh, em construção a partir de
1951. Ver CHOAY, 1965, pp. 238-239.
18
LE CORBUSIER. Les Trois Etablissements Humains. Paris: Denoël, 1945; depois republicado
como L’urbanisme des trois établissements humains”. Paris: Ed. du Minuit, 1959. Os três
assentamentos humanos tipificados por Le Corbusier fazem parte dos estudos desenvolvidos com
a ASCORAL na década de 40. O modelo territorial previa uma rede de cidades comerciais de
padrão rádio-concêntrico (1), distribuídas em padrão similar ao proposto por W. Christhaller,
conectadas por cidades lineares industriais (2), com áreas intersticiais ocupados por fazendas-
modelo (“ferme radiante”) organizadas em cooperativas (3).
19
Para uma resenha detalhada do urbanismo de Le Corbusier, ver RAEBURN, Michael; Wilson,
Victoria (Ed.). Le Corbusier Architect Of The Century (Catalogue Of The Exhibition). London: Arts
Council of Great Britain, 1987, especialmente o capítulo 4 (BENTON, Tim. Urbanism, pp.200-237).
197
Fig. 4.13 Plan Bonet para Buenos Aires, 1948-49 (“La Ciudad frente al Río”). Implantação geral.
Fig. 4.14 Plan Bonet 1948-49. Exposição da solução adotada segundo as quatro funções urbanísticas: Habitação,
Comércio, Circulação e Cultura do Corpo e do Espírito.
198
Marselha, projetada em 1945 e somente inaugurada em 1952. Seu interesse
voltava-se para as relações entre a “cabeça” e o “corpo” da cidade, presentes na
concepção de Chandigarh, e uma constante em suas propostas urbanas desde a
Ville Radieuse dos anos 30, e para os estudos de seu sistema universal de
medidas à escala humana, o Modulor. É na apresentação do Modulor que Le
Corbusier vai retomar e desenvolver sua conhecida citação sobre o urbanismo de
1925 L’urbanisme reclame de l’uniformité dans le détail et du mouvement dans
l’ensemble
20
, com o objetivo de reforçar a função de seu sistema modular na
“organização molecular da coisa construída”, harmônica e estratificada na escala
do detalhe, como um “tecido interno” denso, deixando ao grande ritmo
estabelecido pelos edifícios (as Unités) dissociados das vias de circulação a
variedade do conjunto urbano: uniformidade no detalhe, tumulto no conjunto.
Edvaldo Paiva, durante os anos 50, acreditava que uma rede de vias
públicas e de parques formava o esqueleto da cidade moderna, e o zoneamento a
“espinha dorsal” do urbanismo (não da cidade), criticando os planos urbanísticos
que queriam tudo prever e detalhar. Para ele, o Plano Diretor deveria ser uma
base estruturante, deixando aos particulares a maior liberdade para tratar suas
propriedades, mas no quadro de normas rígidas, enunciadas numa lei detalhada
relativa ao urbanismo e ao zoneamento. Em suma, uniformidade no conjunto,
tumulto no detalhe, ou exatamente o oposto do aforismo corbusiano.
Ideologicamente, a contradição se explica. Na realidade, trata-se de uma
dicotomia entre a análise crítica para o “público interno” do partido, e a
apropriação e o uso do objeto mesmo da crítica para legitimar sua posição frente
ao “público externo”, de cujo apoio necessitava em sua luta pela hegemonia no
campo da urbanística local. O “público externo” era a comunidade acadêmica,
profissional e da burocracia municipal, ante o qual procurava afirmar-se como o
único capaz de realizar um Plano Diretor para Porto Alegre de acordo com as
diretrizes modernas, e dessa forma, trazer para seu lado o grupo dos arquitetos
modernos, a caminho de tornar-se hegemônico no estado, a exemplo do que já
ocorrera no centro do país.
20
LE CORBUSIER. Urbanisme. Paris: Crès, 1925, p. 68. No Modulor, Le Corbusier acrescenta :
Non seulement le grand rythme des bâtiments pourrait faire étinceler dans le ciel de Manhattan, sa
‘passion de glace’, mais la texture des locaux, des baies éclairantes, des murs pleins, des brises-
soleil, ainsi que le flût des colonnes d’acier et de béton partout apparaissent Telles les chevilles du
chamois portant sveltement um corps plein la texture de l’immense ensemble pourrait être ‘une’ et
génératrice d’unité: tumulte de l’ensamble (le grand rythme des bâtiments), mais uniformité,
unité dans le détail. Ce ne sont pas seulement ‘des formes assemblées sur la lumière’, mais un
tissu interne, ferme comme la pulpe d’un bon fruit, gérant toutes coses selon la loi harmonique: une
stratification. [...] Tout ceci manifestant l’aspiration à une organization moléculaire de la chose bâtie,
sur mesure harmonique à échelle de l’homme”. LE CORBUSIER. Le Modulor essai sur une
mesure harmonique à l’échelle humaine applicable universellement à l’architecture et à la
mécanique. Boulogne-sur-Seine: Editions de l’Architecture d’Aujourd’hui, 1950 [reed. Paris :
Denoël/Gonthier, 1977, p. 164].
199
CAVANDO A TRINCHEIRA MODERNA
O período que se seguiu ao afastamento de Loureiro da Silva da prefeitura,
em 15 de setembro de 1943, foi marcado por instabilidade administrativa e
política, e por curtas gestões de sucessivos prefeitos nomeados pelo Governo do
Estado. Se entre 1898 e 1943 a cidade teve apenas quatro prefeitos, José
Montaury (1898-1924), Otávio Rocha (1924-1928), Alberto Bins (1928-1937) e
Loureiro da Silva (1937-1943), nos cinco anos seguintes se sucederiam Antonio
Brochado da Rocha (novembro de 1943 a maio de 1945), Clóvis Pestana (maio a
novembro de 1945), Ivo Wolf (novembro de 1945 a fevereiro de 1946), Egídio
Costa (fevereiro a novembro de 1946), Conrado Riegel Ferrari (novembro de 1946
a março de 1947) e Gabriel Pedro Moacyr (março de 1947 a julho de 1948). Esta
instabilidade somente se conclui com a nomeação do engenheiro Ildo Meneghetti
pelo governador eleito Walter Jobim, em 1948, e sua posterior eleição como
prefeito em 1951, cargo que vai ocupar até 1954
21
.
Ao final da gestão Loureiro da Silva, Paiva era seu técnico de confiança,
após retornar da especialização em Urbanismo no Uruguai, desenvolver o
Expediente Urbano conforme a metodologia de Maurício Cravotto, e participar
ativamente da redação e publicação de Um Plano de Urbanização, prestação de
contas e obra-testamento do prefeito. Ao assumir a prefeitura, Brochado da Rocha
afasta Paiva dos postos executivos em função de sua militância comunista, e
nomeia assessores técnicos e colaboradores antagônicos às suas posições
ideológicas e urbanísticas. Liderado por Fernando Mendes Ribeiro e formado
basicamente por engenheiros, esse grupo exercerá o controle sobre as questões
urbanísticas na cidade até meados da década de 50, mantendo Paiva à distância,
mesmo quando este volta a exercer postos de chefia, com Clóvis Pestana e
posteriormente com Ivo Wolf
22
.
Na segunda metade da década de 40, acirra-se o debate sobre a
arquitetura moderna em Porto Alegre, e inicia-se a luta por sua institucionalização
acadêmica e profissional no estado. Ambos esbarravam na hegemonia exercida
pelos engenheiros em todas as questões referentes à arquitetura e à cidade desde
o final do século XIX, amparados na Escola de Engenharia, na Sociedade de
21
O período é descrito e analisado em detalhe por ROVATTI, 2001, op. cit., especialmente no
capítulo 8. De l’ostracisme à l’autocritique (1944
200
Engenharia, em suas publicações e no absoluto predomínio de seus membros na
ocupação de todos os espaços profissionais e sociais, públicos e privados.
A idéia da criação de um curso de arquitetura no estado, lançada pelo
diretor do Instituto de Belas Artes Tasso Corrêa em 1944, insere-se nesse debate,
num momento especialmente crítico. Justamente quando a chamada arquitetura
moderna brasileira tornava-se hegemônica nacionalmente, e amplamente
reconhecida internacionalmente, encontrava forte resistência em Porto Alegre,
sobretudo na corporação dos engenheiros, gerando sentimentos de atraso e
marginalização por uma parte do meio cultural e artístico local. A polêmica que se
segue ao concurso para a sede da VFRGS, vencido por Affonso Eduardo Reidy e
Jorge Moreira em 1944, e anulado sem explicações convincentes em função de
pressões de interesses locais
23
, ilustra e circunscreve as dificuldades de
implantação da arquitetura moderna brasileira em Porto Alegre.
A proposta do curso é formalmente submetida às autoridades da educação
nacional em setembro de 1944, com a ajuda do irmão de Tasso, Ernani Dias
Corrêa, arquiteto diplomado no Rio de Janeiro, que vai em seguida se encarregar
da elaboração do regimento e contatar os profissionais para o corpo docente: além
dele próprio, os arquitetos Werner Hugo Grundig, José Lutzemberger, Max
Waldemar Lubke e Danilo Smith, e os engenheiros Edvaldo Pereira Paiva
(também urbanista), Luiz Arthur Ubatuba de Faria (idem) e Fernando de Azevedo
Moura (sócio e diretor de uma das maiores construtoras do estado à época, a
Azevedo Moura Gertum).
A ação gerou uma reação contrária imediata, de igual intensidade, por parte
da corporação dos engenheiros, que
201
Ainda em 1947, o curso de arquitetura do Instituto passou a oferecer uma
formação especializada em urbanismo com duração de dois anos, destinada a
arquitetos e engenheiros diplomados. Organizado por Paiva, com a ajuda de
Demétrio Ribeiro, Ubatuba de Faria e convidados externos, o primeiro curso teve
apenas cinco inscritos, dos quais quatro passaram os exames prévios de
sociologia e história da arte e seguiram o programa, com três diplomados em
1949
24
. É a partir da posição nos cursos de Arquitetura e de especialização em
Urbanismo que Paiva vai iniciar a formação de quadros técnicos e discípulos para
suas equipes a partir do início da década de 50, em trabalhos profissionais de
elaboração de Planos Diretores, e depois para os órgãos técnicos da Prefeitura.
Nessas equipes passa a contar, além do velho colega Ubatuba de Faria, com
Demétrio Ribeiro e Edgar Graeff, colaboradores e colegas de militância no partido,
e os novos formados Francisco Riopardense de Macedo, Nely Martins, Roberto
Veronese, Carlos M. Fayet, Enilda Ribeiro e Nelson Souza, entre outros.
A disputa com a corporação dos engenheiros recebeu reforço em março de
1948, com a criação temporã da seção do Rio Grande do Sul do Instituto de
Arquitetos do Brasil (IAB), fundado no Rio de Janeiro 27 anos antes. Em função
disso, da recente criação dos cursos de arquitetura, e da necessidade de
divulgação da arquitetura moderna no estado, Porto Alegre acolhe em novembro
de 1948 o IIº Congresso Brasileiro de Arquitetos. Seus objetivos são assim
descritos por Rovatti:
La tenue de ce congrès l’année où les revues d’architecture étrangères (L’Architecture
d’Aujourd’hui, Architectural Forum et Progressive Architecture) publiaient pour la première
fois des números spéciaux consacrés au Brésil a marqué le rapprochement des architectes
de la région du mouvement moderne brésilien, c’est-à-dire le resserrement des liens entre
les professionnels de Porto Alegre et des architectes de Rio de Janeiro et São Paulo, qui
jouissaient déjà d’un grand prestige et dont les realisations étaient associées au
mouvement de rénovation architecturale que certains se plaignaient justement de ne pas
encore voir à l’oeuvre a Porto Alegre”.
25
A demonstração do atraso de Porto Alegre com relação à arquitetura
moderna brasileira foi dada pela exposição paralela ao congresso, realizada no
auditório do jornal Correio do Povo, com diversos projetos modernos para Porto
Alegre, todos de arquitetos de fora do estado, e todos não realizados. Nesta virtual
reedição de um improvável Salon des réfusés” da arquitetura moderna em Porto
Alegre, na década em que ela se institucionalizava no país, estava o projeto de
Jorge Moreira para o Hospital das Clínicas da Universidade (1942), projeto de
Oscar Niemeyer para o Edifício-sede do IPE (1943), o já citado projeto de Affonso
24
A disciplina de arquitetura paisagista foi ministrada por Maurício Cravotto, mestre de Paiva em
Montevidéu, a quem foi prestada homenagem pública durante sua estadia em Porto Alegre. Os
formados foram Francisco Riopardense de Macedo, Nely Peixoto e Oscar Correa, paraninfados por
Oscar Niemeyer. Os três primeiros urbanistas diplomados acabaram participando sob a direção de
Paiva e Faria dos trabalhos do Pré-Plano Diretor de Rio Grande, apresentado com significativa
repercussão. Ainda assim, o interesse pelo curso se revelou exíguo, e a seguinte turma de
urbanistas só concluiria o curso em 1955.
25
ROVATTI, 2001, op. cit., p. 71.
202
E. Reidy e Jorge Moreira vencedor do concurso para a Direção da VFRGS (1944),
e dos irmãos Roberto para o sanatório do Instituto de Previdência do Estado. Os
dois últimos foram os únicos projetos de arquitetura moderna no Rio Grande do
Sul a serem publicados na imprensa estrangeira da época
26
.
Durante o congresso, se aprofundam as divergências de Paiva com o
prefeito e sua equipe: uma das resoluções do congresso, aprovada por
unanimidade, foi uma carta aberta ao prefeito com sugestões para a elaboração
de um Plano Diretor para a cidade, logo tornada pública. A carta criticava a
condução do assunto pela municipalidade na Comissão Revisora, por não se
apoiar em “um estudo científico da planificação urbana”, nem contar com técnicos
especializados, urbanistas, arquitetos e engenheiros. O prefeito considerou a carta
ofensiva e equivocada, e atribuiu-a à influência de Paiva, acusando-o de fornecer
informações errôneas” aos demais membros da comissão
27
e ao congresso. No
mesmo dia, Paiva responde em carta ao Diretor do Instituto, Tasso Corrêa, na
qual defende suas posições, reafirma as críticas aos trabalhos da Comissão
Revisora e informa sua exoneração da mesma
28
. As divergências com o Prefeito e
Comissão, agravadas e agora públicas, o tornaram persona non grata na
municipalidade pelos próximos anos.
Entretanto, nas recomendações finais do II Congresso Brasileiro de
Arquitetos - em seus anais conforme citado em artigo do Instituto de Arquitetos do
Brasil, em 1948, salientava-se à Prefeitura Municipal de Porto Alegre a
necessidade de nomeação de uma comissão de especialistas para desenvolver
um novo estudo de planificação à base dos princípios contidos na Carta de
Atenas
29
. Atribuída à persistência de Edvaldo Pereira Paiva, a recomendação era
uma inequívoca vitória em sua luta para trazer para seu lado os arquitetos
modernos. Agora com a chancela da recomendação do Congresso de Arquitetos
(e por conseqüência dos arquitetos modernos do país), Paiva vai procurar se
credenciar como o único especialista em condições de cumpri-la.
26
“Bâtiment d’Administration. Direction des Chemins de fer de Rio Grande do Sul”, par Affonso
Eduardo Reidy, L’Architecture d’Aujourd’hui (13-14), septembre 1947, pp. 78-79; “Sanatorium à
Porto Alegre, Rio Grande do Sul”, par Marcelo, Milton et Maurício Roberto, L’Architecture
d’Aujourd’hui (42-43), août 1952, pp. 96-97.
27
A carta está em “Comissão de técnicos para elaborar o plano diretor de Porto Alegre”, Correio do
Povo, 2/12/1948, p. 16; a resposta do prefeito está em “O plano diretor da cidade e o 2º Congresso
Brasileiro de Arquitetos”, Correio do Povo, 5/12/1948, p. 28.
28
A carta está publicada no apenso 3. CARTA ABERTA, sob o título “O 2º Congresso de
Arquitetos e o Plano Diretor da cidade”, em Problemas Urbanos de Porto Alegre, 1951, s/p, e foi
publicada no Correio do Povo de 6 de dezembro de 1948. Paiva participava da Comissão Revisora
como representante do Instituto de Belas Artes, e não como engenheiro municipal, e foi substituído
como representante do Instituto na Comissão por seu colega Ubatuba de Faria, assinando-se ao
final Edvaldo Paiva, Engº civil e urbanista. Ex-representante do Instituto de Belas Artes junto à
‘Comissão Revisora do Plano Diretor”’.
29
Ribeiro, Demétrio et alii (Instituto de Arquitetos do Brasil, Departamento do Rio Grande do Sul).
1949, op. cit., p. 63.
203
Dessa forma, Paiva reúne a partir do início dos anos 50 suporte ideológico,
acadêmico, técnico e profissional. Dentro da concepção marxista, passa a contar
com os aparelhos ideológicos de que necessitava para buscar a hegemonia nos
meios locais, e finalmente impor suas idéias sobre a cidade e o planejamento. O
suporte ideológico vem do partido, através de suas publicações e da persistente
influência nos meios intelectuais e culturais
30
. O suporte acadêmico vem dos
cursos de Arquitetura e Urbanismo, que vão também fornecer um suprimento
constante de novos profissionais formados por ele e alinhados com suas idéias. O
suporte técnico e profissional vem dos novos arquitetos “modernos” e do órgão
que vai congregá-los, o IAB, e para isso o Ante-projeto com sua vinculação à
Carta de Atenas teve papel fundamental.
Faltava-lhe o suporte econômico, através dos agentes do mercado
imobiliário, e das instâncias político-institucionais. Dos primeiros, não vai
conseguir mais que desconfiança, ou franca hostilidade, por motivos evidentes.
Quanto às outras, vai ter que aguardar as mudanças na correlação de forças na
capital, no decorrer do processo de redemocratização do país. A espera,
entretanto, não seria muito longa.
A ESQUINA DO MODERNO
Nos oito anos que se seguiram ao término da gestão Loureiro da Silva,
nove prefeitos nomeados estiveram à frente do executivo da capital, até a eleição
direta do engenheiro Ildo Meneghetti, do Partido Social Democrático PSD, em
1951, governando até 1954. Durante todo o período, o foco da discussão
urbanística deslocou-se do Conselho do Plano Diretor para a Comissão Revisora
do Plano Diretor. A Comissão foi nomeada pelo prefeito com a função de avaliar e
formular parecer sobre o Plano Diretor da administração Loureiro da Silva (na
realidade o Anteprojeto de Arnaldo Gladosch), à época ainda a principal diretriz de
tomada de decisão sobre o desenvolvimento urbano e a ocupação do solo,
complementando a dispersa legislação remanescente. Tratava-se de diretrizes
sem respaldo legal, já que o Plano nunca chegou a ser institucionalizado no
período, que continuaram a ser aplicadas com base em procedimentos
consensuais e negociação direta entre os agentes envolvidos.
Loureiro da Silva foi sucedido pelo advogado Antônio Brochado da Rocha,
filho do intendente Otávio Rocha (e procurador geral do município sob Loureiro),
nomeado pelo interventor do Estado Ernesto Dornelles. Brochado da Rocha
30
Após um breve período de legalidade, o Partido Comunista Brasileiro foi novamente interditado
em 1947, e a partir do final dos anos 40 passa a uma “clandestinidade tolerada”. Em 1951, o PCB
passou a editar a revista cultural “Horizontes”, com seu comitê editorial formado por intelectuais
comunistas de destaque como Carlos Scliar, Vasco Prado, Ciro Martins e Demétrio Ribeiro. Até
desaparecer em 1954, a revista iria abrigar uma série de artigos de Paiva sobre a “ciência
urbanística” (inclusive uma autocrítica), e uma polêmica sobre arquitetura moderna brasileira da
chamada “escola carioca” que opôs Edgar Graeff, na defesa da obra de Lucio Costa e Niemeyer, e
Demétrio Ribeiro contra, fundamentado no “realismo socialista”.
204
presidiu a 11ª sessão do Conselho do Plano Diretor, em dezembro de 1943, com a
presença dos urbanistas Gladosch, Paiva e Ubatuba de Faria e os engenheiros
Paulo Aragão Bolzano, Clóvis Pestana e Rodolfo Ahrons”, na qual foi apontada a
necessidade de imediata conclusão do plano. A indefinição estaria “causando mal
aos negócios, já que impedia a construção, esperando-se pelas definições que
estão por vir”. Foram destacadas a morosidade da finalização do levantamento
cadastral e a questão dos recuos obrigatórios impostos sem base legal. O prefeito
enfatizou a importância do Conselho, e assegurou a continuidade dos trabalhos de
elaboração do Plano, prevendo sua conclusão até o final de 1944. Para isso,
instituiu o Departamento Municipal de Urbanismo (Decreto nº 310 de 31/12/1943),
substituindo a seção de Expediente Urbano e ampliando suas funções como
primeiro órgão criado especificamente para a elaboração do Plano Diretor,
vinculado diretamente ao gabinete do prefeito.
Brochado da Rocha prestigiou para sua equipe outros engenheiros dos
quadros municipais, afastando Paiva por motivações políticas e estratégicas. O
engenheiro Fernando Mendes Ribeiro assumiu diversos postos do primeiro
escalão da Prefeitura, inclusive assessor-engenheiro do Prefeito e posteriormente
representante na Comissão Revisora do Plano Diretor. Alcindo Guanabara Porto
Alegre foi responsável pela Primeira Seção da Diretoria de Obras e Viação, e pela
aplicação do Plano Diretor na área central da cidade a partir das diretrizes do pré-
plano de Arnaldo Gladosch.
O Decreto nº 313/44 tratou de regulamentar os recuos para implantação do
sistema viário principal do Plano Gladosch, e estabelecia “o recuo das construções
em algumas ruas da capital, considerando a conveniência da realização
progressiva dessas obras, e ainda, considerando a necessidade de fixação prévia
do conjunto do plano a executar, para que se possa estabelecer a harmonia entre
a ação pública e a individual”. Por seu artigo terceiro, as áreas resultantes do
recuo progressivo ficavam sob a propriedade particular até sua desapropriação
pelo poder público
31
. A expansão urbana passou a obedecer a essa regra, que foi
incorporada às sucessivas leis aprovadas a seguir, sendo depois consolidada no
Plano Diretor de 1959. A sua aplicação continuada permitiu a implantação
progressiva do sistema de vias radiais e perimetrais, ao longo de quase meio
século (na realidade, até os dias de hoje), com custos relativamente menores.
31
Com três artigos e uma relação anexa, onde eram citadas 48 vias do sistema viário principal, o
decreto previa a extensão a ser alargada, o recuo progressivo e a largura futura, que variava de 25
a 30 metros. ALMEIDA, 2005, p. 123. É a essa Lei que Paiva se refere como estando extraviada
na Carta Aberta publicada em PROBLEMAS URBANOS DE PORTO ALEGRE: “(...) Chamado a
opinar pelos meus dignos companheiros de Comissão, visto ser o único urbanista presente,
apenas indaguei dos representantes da Prefeitura (...) se existia um plano de Zoneamento da
cidade, para ser estudado em princípio. Foram obtidas as seguintes informações: a) não haver
Plano de Zoneamento; b) não haver Lei de Zoneamento e Urbanismo, apenas existir a Lei de
recuos de alinhamentos, sob o nº 313; c) que a planta correspondente a essa lei de recuos achava-
se extraviada”. PAIVA, 1951, op. cit., s/p.
205
Em 14/05/1945 assumiu como Prefeito o engenheiro Clóvis Pestana, antigo
colaborador de Loureiro da Silva e divulgador das idéias norte-americanas sobre
urbanismo e planejamento. Conforme vimos, foi o responsável pela primeira
tradução local da Carta de Atenas, a partir da Town Planning Chart de J.L. Sert, e
pela introdução dos volumes completos do Regional Plan of New York and its
Environs, referência fundamental no planejamento urbano de Porto Alegre nos
anos 50, especialmente para a definição dos dispositivos morfológicos do Plano
Diretor de 1959. Exonerou-se do cargo em solidariedade a Getúlio Vargas quando
de sua destituição em 6/11/1945.
No longo processo de restauração do regime democrático, após o fim do
Estado Novo, a cidade ainda teve seis prefeitos nomeados antes das eleições
diretas para o cargo em 1951. Sucedendo a Pestana, assumiu por alguns meses o
engenheiro Ivo Wolf (06/11/1945 a 21/02/1946), que promoveu uma reforma
administrativa criando a Subdiretoria Geral de Urbanismo, encarregada de
estudos e trabalhos referentes ao Plano Diretor, atualização da Planta Cadastral,
opinar sobre assuntos referentes ao Plano Diretor, estudar e elaborar projetos de
Lei e regulamentos necessários
32
. Almeida destaca que a Subdiretoria
institucionalizava o espaço para a revisão e detalhamento do Plano Diretor e para
as funções de planejamento, enfatizando a distinção entre as funções de rotina
(no acompanhamento do crescimento urbano e aprovação de projetos), e as
funções de previsão e elaboração de planos de longo prazo. Pela primeira vez
emprega-se o termo planejamento” para designar as funções específicas de
previsão e proposição de planos, consolidando-as como parte integrante da ação
governamental no município. Trata-se de outro passo fundamental para a geração
dos Planos Diretores de 1959 e 1979.
A seguir assumiram a Prefeitura os funcionários municipais Egídio Soares
da Costa (21/02/1946 a 19/11/1946) e Conrado Riegel Ferrari (19/11/1946 a
27/03/1947), sucessivamente nomeados pelo interventor Federal no estado, Cilon
Fernandes da Rosa. Egídio Costa tinha sido subprefeito, e já em seu discurso de
posse manifestava interesse em tratar da remodelação urbanística da cidade:
“Não me afastarei das normas traçadas pelo Plano Diretor, cuja conclusão esperamos ver
dentro em breve, estando para tal fim a Diretoria Geral de Obras e Viação procedendo aos
últimos estudos e coligindo os últimos dados com toda a urgência aos estudos para a
execução do Plano Diretor na parte referente à Praia de Belas e à reurbanização do
Menino Deus
33
.
32
O Decreto-Lei nº 283, de 26 de dezembro de 1945, criava a Subdiretoria Geral de Urbanismo,
composta das diretorias de Cadastro, Arquitetura, Planejamento e Expediente e Propaganda,
subordinada à Diretoria Geral de Obras e Viação. Extingue-se o Departamento Municipal de
Urbanismo, absorvido pela Subdiretoria, distinguindo-se na estrutura administrativa as funções de
levantamento da ocupação do solo e expansão urbana (seção de cadastro), da fiscalização e
aprovação de projetos e vistorias das construções (seção de arquitetura) e a elaboração de planos
e projetos (seção de planejamento). ALMEIDA, 2005, op. cit. p. 124 e 125.
33
Boletim Municipal, 1946, vol. 8, p. 150. Arquivo Histórico de Porto Alegre Moysés Velhinho, apud
ALMEIDA, 2005, p. 125.
206
Em 19 de janeiro de 1947 realizaram-se finalmente eleições diretas para
governador, para deputado estadual e senador, e foi eleito governador do estado
Walter Jobim, do PSD. Jobim nomeou para prefeito de Porto Alegre o engenheiro
Gabriel Pedro Moacyr, ligado ao setor da construção e incorporação imobiliária.
No discurso de posse (em 27/03/1947), o prefeito se referia às providencias em
relação ao Plano Diretor, que devem merecer os mais entusiásticos aplausos.
Não se concebe atualmente uma administração de qualquer cidade sem que haja
sido estabelecido um Plano Diretor a fim de que os problemas de urbanização
possam ser resolvidos
34
.
O novo prefeito passava a atuar num cenário partilhado com novos
protagonistas políticos. Com a Constituição Federal de 1946, foi realizada eleição
direta para o legislativo municipal, e a nova Câmara de Vereadores foi instalada
em 4 de dezembro de 1947. Já em sua quarta sessão, realizada em 11 de
dezembro de 1947, registrava pedido de informações sobre o Plano Diretor,
considerando que de longa data vem causando grandes embaraços a
proprietários de imóveis em várias e extensas zonas da cidade que não podem
nem construir nem vender”. Logo após, um grupo de vereadores propôs a criação
de uma Comissão de Planejamento Urbano para confeccionar um novo Plano
Diretor dentro do prazo de seis meses a contar da data desta lei (Art.1º) (...)
composta de técnicos especializados em urbanismo (Art.2º)
35
.
Almeida nota que os sucessivos prefeitos, ao assumirem em seus discursos
de posse a importância do Plano Diretor, reconheciam a repercussão das idéias
urbanísticas fora dos meios técnicos, incorporando-as como meta de governo, e a
relevância de sua continuidade e ampliação. Entretanto, tratava-se
fundamentalmente de discursos, e a atividade administrativa restringia-se a
alterações de organograma e atribuições. Ainda eram os planos da administração
Loureiro da Silva que orientavam os estudos, e procedia-se ao seu detalhamento
estendendo-se as diretrizes para a ocupação dos bairros Praia de Belas e Menino
Deus, duas áreas afetadas pelas obras de saneamento do vale dos arroios Dilúvio
e Cascatinha, desenvolvidas desde os anos 40.
Os estudos e a imposição de diretrizes de organização do espaço urbano,
especialmente em relação ao sistema viário, aos recuos obrigatórios e à reserva
de áreas para a implantação dos equipamentos previstos, se faziam sem nova
legislação correspondente. Concordamos com a tese de Almeida, que a imposição
das regras emanava da força política do prefeito e de sua equipe técnica, prática
34
Boletim Municipal, 1947, vol. 1, p. 91, apud ALMEIDA, 2005, p. 126.
35
Anais da Câmara Municipal de Vereadores, 29 de janeiro de 1948, p. 712, apud ALMEIDA,
2005, op. cit., pp. 126-127. Almeida informa que a Comissão não foi adiante, mas nos anos
seguintes registram-se manifestações da oposição sobre as medidas do executivo para a
implantação dos planos e projetos do período anterior, discordância de metas e métodos adotados,
e debates com novos agentes sobre interesses privados ou de grupos contrariados. As Atas da
Câmara de Vereadores constituem a nova fonte para avaliação dos conflitos urbanos no período,
substituindo as atas do Conselho do Plano Diretor.
207
inaugurada na administração José Loureiro da Silva, e que dependia
fundamentalmente de sua legitimidade. Com os sucessivos prefeitos nomeados,
alguns sem nenhuma representatividade política, são evidentes os limites dessa
prática, e as reações que passa a suscitar.
Os recuos progressivos impostos quando da fixação dos alinhamentos para
as novas construções obedeciam as diretrizes traçadas para a implantação do
sistema viário principal e foram, sucessivamente, sendo implantados. Eles
permitiram a gradual ampliação das vias radiais e perimetrais previstas por
Gladosch no Plano de Urbanização, e a introdução de alguns dispositivos
morfológicos sugeridos por ele, como as arcadas (chamadas galerias”) em
algumas avenidas e ruas do centro, o pilotis alto ou colunata de dupla altura nos
térreos dos edifícios nas avenidas principais, e os recuos de jardim de 4 metros
aplicados genericamente em quase toda a área urbana. Trata-se de dispositivos
correntes nos planos e projetos dos urbanistas da SFU no mundo inteiro
36
. Os
primeiros foram largamente utilizados por Agache no Rio de Janeiro e em Curitiba,
e pelos arquitetos brasileiros nas propostas dos anos 30, 40 e início dos 50, para
208
empresas passam a construir introduzindo e divulgando tecnologias de ponta nas
áreas de estruturas, instalações, materiais e revestimentos, atentas aos novos
padrões de consumo urbano, inclusive em termos de imagem. Para isso, contaram
com o concurso de arquitetos de prática igualmente “moderna”, profissionais
inicialmente formados pela ENBA ou estrangeiros, depois recém egressos dos
cursos de Arquitetura locais.
Nos bairros residenciais a expansão se dá com tipologias de baixa ou média
altura e densidade, unifamiliares (casas e sobrados individuais ou geminados, de
tendência racionalista, californiana ou francamente “moderna”) ou coletivas
(pequenos edifícios sem elevador, racionalistas “de mica” ou, mais raramente, de
linguagem mais nitidamente moderna). Nas áreas de maior valorização ela ocorre
fundamentalmente através da inserção de edifícios modernos no espaço urbano
da cidade tradicional.
Se nós endossamos a hipótese inicial de que as imagens de cidade ideal,
geralmente contidas nos planos, também podem estar sintetizadas em
determinados espaços urbanos ou edifícios, capazes de reunir qualidades e
atributos que os credenciem como fragmentos ideais autônomos mais ou menos
completos, o processo pode ser descrito e iluminado pela análise de um edifício
sob todos os aspectos, exemplar: o Edifício Esplanada.
Ao mesmo tempo marco de referência, nó e limite, de acordo com a
classificação de Kevin Lynch, o Esplanada é certamente um dos edifícios de Porto
Alegre que mais se enquadra naquela condição que Aldo Rossi define como “fato
urbano”
37
por excelência. Assim, a análise do Edifício Esplanada vai procurar
aquilo que ele tem de especial e único enquanto fato arquitetônico de qualidade,
mas principalmente utilizá-lo enquanto edifício exemplar de um determinado tipo
de arquitetura urbana, paradigmático de certa forma de construção da cidade,
hegemônica em Porto Alegre durante os anos 50, e descartada bruscamente a
partir do Plano Diretor de 1959.
38
Empreendimento imobiliário de maior porte em Porto Alegre à época, com
cerca de 20 mil m² de área edificada e 126 apartamentos originais, o edifício
Esplanada compreende quatro blocos, construídos por etapas ao longo de quase
dez anos. Dotado de subsolo, térreo com mezanino (nos blocos A e B), 15
andares de apartamentos e pavimento de cobertura, foi até a construção do
Edifício Santa Cruz em 1955, o prédio mais alto da cidade. Ocupa uma cabeça de
quarteirão com cerca de 1.800 m² e três frentes, para a Avenida Independência e
209
as ruas Ramiro Barcelos e André Puente, face à Praça Júlio de Castilhos, entrada
e um dos pontos mais valorizados do bairro Moinhos de Vento (Fig. 4.17).
O empreendimento é também exemplarmente ilustrativo das novas
condições de produção do setor imobiliário em Porto Alegre na década de 50. A
realização foi da Sociedade Imobiliária Iochpe Ltda., com administração e
construção da Azevedo Moura & Gertum, então em seu apogeu e uma das
maiores construtoras do estado desde a década de 30. O projeto original,
protocolado na Prefeitura em 1952, é do arquiteto uruguaio Román Fresnedo Siri,
que chegou a Porto Alegre em 1951, contratado pela Azevedo Moura para
participar de concurso fechado de anteprojeto das novas instalações do Jockey
Clube no Cristal, vencido por eles. Arquiteto experiente, autor de importantes
projetos no Uruguai, como a Faculdade de Arquitetura (1938, com Mario
Muccinelli), onde foi também professor, Fresnedo Siri deve sua escolha
principalmente aos projetos para as tribunas do Hipódromo de Maroñas,
Montevidéu, executadas após a vitória em concursos de 1938, 41 e 45, e cujas
obras dirigiu de 1938 a 1945. Apesar do porte e importância do Edifício
Esplanada, o projeto da nova sede do Jockey Club (1951) no bairro Cristal é, sem
dúvida, sua obra mais corajosa do período.
39
É curioso que os dois projetos do uruguaio Fresnedo Siri em Porto Alegre
sejam usualmente considerados entre os melhores exemplos de arquitetura
moderna brasileira na cidade. O aparente paradoxo pode ser explicado pela
origem e influências da arquitetura moderna no Uruguai, produzida por
profissionais graduados numa escola antiga e consolidada, com forte tradição
acadêmica: trata-se de uma arquitetura obediente ao normativo, cujo elevado
“nível médio”
40
pode ser creditado a esta base acadêmica, e a uma prática
comedida que não se expôs a muitos riscos.
Os exemplos mais significativos da arquitetura moderna uruguaia foram
construídos justamente nos anos cinqüenta, período conhecido por eles como la
década de oro”. Nela nota-se intensa e freqüente influência da arquitetura
moderna brasileira, seguidamente denunciada por críticos locais, e também de
diversas arquiteturas modernas, como a do chamado Grup R catalão,
especialmente Antonio Bonet, espanhol migrado para Argentina que atuou em
planos urbanos para Buenos Aires e em projetos próximos à praia de Punta del
Este, e do próprio “Estilo Internacional” de Mies van der Rohe e Skidmore, Owins
39
Ela é particularmente notável pelo arrojo da estrutura, com apoios centrais e grandes balanço
sobre as tribunas em vigas protendidas no sistema Freyssinet, ancoradas ao solo por tirantes (ver
XAVIER e MIZOGUCHI, 1987, op. cit., p. 86, e p. 93 para o edifício Esplanada). Apesar das
deficiências de manutenção e de mudanças posteriores que desfiguram partes do projeto original,
não cabem dúvidas quanto à qualidade excepcional da obra Hipódromo do Cristal, que constitui
um marco arquitetônico de classe internacional. Pode-se argumentar que o Hipódromo do Cristal é
o ponto alto da carreira de Fresnedo, sua obra mais significativa” (cf. COMAS e CANEZ, 2001, op.
cit., p. 403).
40
O termo utilizado por Thomas Sprechmann, que qualifica precisamente a arquitetura local, em
Guias ELARQA de Arquitetura, tomo 2, p. 8. Ver também LUCCAS, 2000, op. cit., p. 49.
210
& Merril. No primeiro caso, ocorre uma influencia nitidamente corbusiana, filtrada
pela experiência moderna brasileira, especialmente da chamada escola carioca.
41
A maneira como o empreendimento é apresentado pela incorporadora
ilustra seu prestígio e explica parte do caráter paradigmático que adquire desde
seu lançamento.
42
O anúncio divulgado lista as vantagens do edifício, muitas delas
inéditas na cidade em termos de conforto e tecnologia para edifícios de
apartamentos, como gerador, equipamentos condominiais, dois banheiros
independentes, calefação em todas as peças, isolamento acústico, e novos
materiais e acabamentos.
O Edifício Esplanada foi projetado como uma composição arquitetônica
unitária, e desdobrado em quatro blocos para efeito de vendas e execução, em
função das enormes dimensões da obra, inéditas para prédios residenciais
daquele padrão à época. Os anúncios publicitários veiculados na imprensa e a
perspectiva a carvão de próprio punho de Fresnedo Siri comprovam a busca
dessa imagem unitária, à maneira de um “Superbloco” ou uma “Unité (Fig. 5.18).
Os blocos foram denominados respectivamente A, B, C e D, recebendo números e
endereços distintos. A implantação iniciou em 1952 pelos blocos A e B,
respectivamente na esquina das ruas André Puente e Ramiro Barcelos e no
primeiro trecho desta última, concluídos em final de 1956. Os blocos C e D, na
Ramiro Barcelos e Independência, só foram concluídos no início dos anos 60.
O projeto apresenta confortáveis apartamentos “à francesa”, utilizando as
três frentes do terreno, para as quais se voltam as dependências principais dos
apartamentos, dormitórios e salas, todas dotadas de varandas, e o pátio de
iluminação no interior do quarteirão para dependências de serviço, circulações,
salas íntimas e eventualmente dormitórios secundários. Os sanitários são
normalmente internalizados, ventilados por poços dois a dois. Cada bloco conta
com dois apartamentos por pavimento tipo, servidos por núcleo de circulações
com escada e dois elevadores. A distribuição “à francesa” permite a separação
das circulações social e de serviço (e conseqüentemente dos acessos aos
apartamentos), cada qual com seu saguão, sendo o último conjugado com escada
e dutos de instalações (Fig. 4.16).
41
La herencia corbusieriana asumida a través de la experiencia brasileña- se manifiesta
claramente en los criterios éticos y estéticos que determinan la resolución del programa, que apela
a la claridad funcional y al rigor de la forma” (Guías ELARQA de Arquitectura, tomo 5, p. 6). O tema
é discutido também por LUCCAS, 2000, op. cit., especialmente p. 50.
42
A Sociedade Imobiliária Iochpe Ltda., contribuindo para o progresso e embelezamento de Porto
Alegre, tem a satisfação de brindar aos porto-alegrenses sua imponente realização: o Edifício
Esplanada, um conjunto arquitetônico composto de 4 blocos independentes, localizado no
aristocrático bairro dos MOINHOS DE VENTO, perto dos melhores educandários femininos e
masculinos, clubes, hospitais e sociedades recreativas, frente à Praça Julio de Castilhos, na
confluência da rua Ramiro Barcelos com a Avenida Independência e rua André Puente
(SPALDING (ed), 1953, s/numeração).
211
Figs. 4.19, 4.20, 4.21, 4.22 - Vistas Edifício Esplanada, 2002.
Fig. 4.16 - Esplanada, 1952.
PB Tipo.
Fig. 4.15 - Esplanada, 1952.
PB Térreo.
Fig. 4.17 - Edifício Esplanada. Planta Cadastral de Porto Alegre, 1956.
Fig. 4.18 - Edifício Esplanada.
212
O prédio tem o corpo principal revestido em pastilhas creme, e as grelhas
de fachada e os pilares da arcada e da cobertura em pastilhas vitrificadas verde
esmeralda. Os interiores dos balcões recebem reboco e pintura na cor das
pastilhas do corpo. Dessa forma, a enorme massa edificada apresenta notável
coerência e economia de meios no tratamento, extraindo dessa um resultado
formal ao mesmo tempo sintético e dramático, pleno de contraste, profundidade,
luz e sombra.
O tratamento da cobertura e dos volumes superiores é um dos pontos altos
da composição, remetendo a alguns dos melhores precedentes da arquitetura
moderna. Os quatro volumes superiores, de forma amebóide, são na realidade
máscaras de alvenaria construídas ao redor de espaços regulares destinados a
casas de máquinas de elevadores, aos reservatórios superiores e respectivos
acessos. As coberturas abrigam apartamentos especiais, apartamentos de
zelador, equipamentos condominiais, salões de festas e terraços frontais
periféricos com vista espetacular para toda a cidade e arredores, protegidos por
pergolado e marquise externa em todo o contorno. A marquise, sustentada
externamente por colunas de 20 cm de diâmetro em pastilha verde com o mesmo
espaçamento a eixo da grelha de fachada e da arcada do térreo, unifica o
pavimento de cobertura ao longo de todo o perímetro, vinculando-se ao corpo do
prédio nas esquinas.
Pequenas diferenças de dimensionamento dos elementos da grelha criam
um ritmo e uma modulação de fachada de grande complexidade, cuja
dramaticidade é reforçada pelas pequenas diferenças de plano de fachada entre
elementos verticais e horizontais, e pela profundidade dos alvéolos. Conforme a
incidência do sol, ou o ponto de vista do observador, predominam as linhas
verticais ou horizontais, a grelha como um todo, ou a superfície de fachada
43
.
Dessa forma, o Esplanada funciona como um edifício-relógio, ilustrando
literalmente em sua fachada, pela incidência do sol, a passagem do tempo.
No Térreo (Fig. 4.15), a arcada também tem função de absorver a diferença
de nível ao longo dos alinhamentos, que é de cerca de três metros, a partir do
ponto mais alto do passeio na esquina da Avenida Independência com a Rua
Ramiro Barcelos
44
. A arcada é na realidade uma falsa arcada, comportando-se
como uma colunata. Os pilares das duas esquinas respondem respectivamente
aos seus alinhamentos, formando uma intrigante cantoneira côncava à maneira de
43
Análises destacam a utilização das varandas, pelo ritmo que determinam (“recurso que impõe
um forte ritmo à edificação”, em XAVIER e MIZOGUCHI, 1987, op. cit., p.93), e pela porosidade
que conferem ao volume (“as duas grandes grelhas dos balcões que compõe as fachadas,
fornecem uma porosidade ao volume que ameniza suas dimensões avantajadas” , em LUCCAS,
2002, op. cit., p.68).
44
Dessa forma, a arcada varia de uma altura mínima de 3,50 m na esquina principal à máxima de
6,50 m junto à divisa lateral da rua André Puente, permitindo a constituição de mezanino para as
lojas dos Blocos B e A, ampliado neste como pavimento especial com dois apartamentos de 1
dormitório (sendo um de frente e outro de fundos), central telefônica e guarda-malas.
213
algumas soluções de canto da arquitetura renascentista, mais especialmente de
Bramante.
O dimensionamento generoso dos pilares, corretamente proporcionados em
relação ao porte do edifício e à altura da base, e revestidos da mesma pastilha
vitrificada verde esmeralda das grelhas, é comprometido por uma timidez
incompreensível na profundidade da arcada/colunata, que poderia ser facilmente
duplicada ou triplicada em detrimento da profundidade das lojas, sem problemas
maiores para as mesmas. Os acessos aos saguões estão inteligentemente
recuados através de uma inflexão de 75° (ou 15° horários), que cria recessos mais
generosos e permite vislumbrar as vantagens que um dimensionamento
apropriado da arcada traria ao edifício e ao sítio. Como o edifício obedece ao
recuo de jardim, a face da arcada está recuada 4 metros em relação aos
alinhamentos do terreno, espaço que se soma ao passeio com um mínimo de dois
metros, formando junto à Rua Ramiro Barcelos uma autêntica esplanada,
inteiramente pavimentada com ladrilhos hidráulicos vermelhos, como um tapete
estendido sobre o espaço público.
Analisado em sua tipologia de planta, o conjunto é composto por dois
edifícios de esquina, respectivamente as da Rua Ramiro Barcelos com a Avenida
Independência e com a Rua André Puente, e por dois edifícios de meio de quadra,
blocos em fita simples com dupla orientação justapostos quase simetricamente ao
longo da Ramiro Barcelos (Fig. 4.16). Entretanto, suas junções são imperceptíveis,
sendo reveladas apenas pelas juntas de dilatação, fazendo predominar o caráter
unificador da grelha e da arcada, e levando o conjunto a ser efetivamente
percebido como um grande edifício.
Morfologicamente, ele assume a configuração tanto de grande barra
espessa (Fig. 4.18), com a empena principal (frente para a Avenida
Independência) trabalhada à maneira da empena sul da “Unité” de Marselha, visto
frontalmente da Rua 24 de Outubro (Figs. 4.19 e 4.20), quanto de gigantesca
“cabeça de quarteirão”, quando visto da Avenida Independência ou da Rua
Mostardeiro, enfatizando o caráter da esquina em detrimento da linearidade da
barra (Fig. 4.21). Em qualquer dos casos, chama a atenção sua escala, e a
enorme qualidade arquitetônica e urbana. Ela está ancorada na proporção,
dimensionamento e composição de seus elementos (arcada, grelhas, empenas,
acabamento superior), na escolha dos materiais, e na força da implantação, que
literalmente “preenche” o sítio e o redefine enquanto lugar e fragmento qualificado
de uma cidade analógica.
Aldo Rossi defende que um “fato urbano” adquire características de
monumento tanto por seus valores em si (por sua função, arquitetura e
simbolismo), quanto por seus valores de posição (enquanto localização, hierarquia
e articulação com a estrutura primária da cidade e com os outros fatos urbanos). O
Edifício Esplanada enquadra-se nas duas categorias.
214
A planta cadastral de 1956 mostra os dois primeiros blocos do edifício já
implantados, e o entorno ao redor da Praça Julio de Castilhos em forte processo
de densificação e verticalização por substituição tipológica. Notamos a presença
do Edifício América, vizinho ao terreno na Avenida Independência, e mais abaixo
do Monarca na esquina com a Rua Pinheiro Machado. No sentido oeste, a
seqüência eclética de edifícios no trecho inicial da Rua 24 de Outubro
(Embaixador na esquina em frente da Ramiro Barcelos, e logo após os edifícios
Batoví, Cerro Formoso e Plaza, este na esquina com a Vila Jardim Cristófel)
prolonga-se na próxima quadra pelo Edifício Querência. No lado oposto da Rua 24
de Outubro, o Edifício Moinhos de Vento na esquina em face da Praça Julio de
Castilhos, seguido pelo Santo Ignácio e após pelo Oyapoque-Chuy, com fundos
para a Rua Mostardeiro. Na Avenida Independência, no lado oposto, e em sua
continuação pela Rua Mostardeiro, ainda predominavam os palacetes.
Como as linhas de bonde da Avenida Independência seguiam pela Rua
Mostardeiro em direção aos bairros Moinhos de Vento, Bela Vista, Mont’Serrat,
Auxiliadora e bairros da zona norte, chegando à Rua 24 de Outubro através da
Florêncio Ygartua, o trecho inicial da 24 entre a Praça Júlio e a Florêncio Ygartua
tinha apenas tráfego de pedestres, automóveis e alguns poucos ônibus,
acentuando seu caráter exclusivo e burguês. O Edifício Esplanada, quando
completado em seus quatro blocos no início da década de 60, passava a ser o
ponto focal e terminação desse trajeto em direção ao centro, marcado seu efetivo
início com a Avenida Independência e suas palmeiras da Califórnia.
Para quem ia ao centro de bonde, pela Rua Mostardeiro, o Edifício
Esplanada constituía a monumental cantoneira demarcando o configurado espaço
urbano da praça, encerrando o Moinhos de Vento e prenunciando o trecho final do
trajeto pela Avenida Independência até o Centro da cidade. Para quem vinha do
centro em direção aos bairros da zona norte, em qualquer transporte, o foco
seguia pela linha de palmeiras em direção ao Edifício Armênia (1955, por Ari
Mazzini Canarin, concluído em final da década, juntamente com os dois últimos
blocos do próprio Edifício Esplanada), que funcionava como alça de mira da
Avenida Independência. O perfil proeminente do Esplanada, à esquerda, com sua
colunata e grelha verde esmeralda, constituía o portal arquitetônico para um novo
âmbito urbano, mais moderno e sofisticado, do bairro Moinhos de Vento
representado e resumido ao redor de sua praça.
O Edifício Esplanada é também emblemático de uma época em que as
imagens de progresso e modernidade para Porto Alegre estavam associadas aos
edifícios altos, entre o final dos anos 30 e o início dos 60.
Os edifícios altos começaram a ser construídos na cidade a partir do final
dos anos 30. Chamados “arranha-céus” mesmo com menos de dez andares, eram
admirados como exemplos e indicadores do “progresso” da cidade, e assim
divulgados com orgulho algo ingênuo. No fim dos anos 20, o Conselho Municipal
tinha aprovado a Lei n° 180, de 14/12/1927, concedendo vantagens fiscais à
construção de prédios de mais de seis andares, incentivando na prática a
215
verticalização. O debate que precedeu sua aprovação na imprensa local
45
,
entretanto, mostra que os edifícios altos ainda não reuniam consenso.
Após a aprovação da lei, no início dos anos 30 a paisagem urbana
começou a se modificar, com a construção dos primeiros edifícios acima de dez
andares, como o Cine Teatro Imperial (1929) na Praça da Alfândega e o Novo
Hotel Jung (1929-32) na Praça XV de Novembro, ambos no centro. Ao longo dos
anos 20 e 30, as cidades européias como Paris e Viena perdem terreno para as
cidades norte-americanas como paradigmas urbanos e imagem do progresso a
imitar para os engenheiros locais, e os arranha-céus de Nova York e Chicago
passam a ser objetos de culto.
O processo pode ser exemplificado pelo engenheiro e empresário Fernando
de Azevedo Moura, um dos sócios da Construtora Azevedo, Moura & Gertum, que
após estadia nos Estados Unidos no início dos anos 30, apresenta conferência
sobre a arquitetura norte-americana na Sociedade de Engenharia
46
, provocando
enorme interesse na cidade. As recorrentes ilustrações de edifícios (alguns dos
quais só poderiam ser vistos como “altos” com muita boa vontade) em publicações
relativas à evolução da cidade sugerem claramente que o advento do arranha-céu
representava o progresso. O próprio Edvaldo Paiva, depois ferrenho adversário
dos mesmos, incluiu uma no seu Expediente Urbano de Porto Alegre. Entretanto,
é a partir da década de 50 que Porto Alegre, assim como outras capitais
brasileiras, vai conhecer um verdadeiro boom imobiliário.
Ao longo dos anos 50, multiplicam-se os anúncios imobiliários louvando os
arranha-céus da cidade, e no decorrer dessa década veremos se desenrolar entre
as empresas de construção locais uma competição virtual pela autoria do mais
alto edifício da cidade. Nessa época serão construídos, entre outros, os edifícios
Presidente Antônio Carlos (16 andares), Esplanada (18 andares), Presidente
Getúlio Vargas (21 andares) e Formac (26 andares), à exceção do Esplanada
todos no centro. No álbum comemorativo da administração do prefeito Ildo
Meneghetti (engenheiro, ele próprio loteador e representante do setor imobiliário, e
grande incentivador da construção em altura), publicado em 1954
47
, vemos
45
O jornal Diário de Notícias, adversário da lei, vale-se da opinião de Alfred Agache, referido como
urbanista mundialmente conhecido”, condenando a construção de arranha-céus em cidades com
vastas superfícies desocupadas, por seus efeitos nefastos sobre a saúde e por constituírem uma
agressão ao bom gosto (Diário de Notícias, 7/12/1927, p. 1). Ao final da década de 30, Arnaldo
Gladosch vai expressar esta mesma opinião frente ao Conselho do Plano Diretor, obviamente
antes de captar e projetar alguns dos mais altos edifícios da cidade na próxima década.
46
A conferência foi em 10/05/1933, e o trabalho publicado como “Notas sobre a arquitetura norte-
americana contemporânea” no Boletim da SERGS (4), junho/1933, pp. 197-207 (apud ROVATTI,
2001, op. cit., p. 310-12). Um álbum comemorativo do aniversário da cidade, datado de 1940
(FRANCO, 1940) mostra fotografias de edifícios com uma dezena de andares que são
apresentados como exemplos de “arranha-céus modernos” de Porto Alegre.
47
Numa delas, a fotografia de um “imponente arranha-céu, o mais alto da cidade” (com 13 andares)
contrasta com a do imóvel de três andares que ocupava anteriormente o local. Numa outra
ilustração, duas fotografias, uma datando do início do século e a outra recente, mostram o perfil de
Porto Alegre enfatizando, da mesma forma, os arranha-céus como expressão do progresso da
216
diversas ilustrações que apresentam o “arranha-céu” como a melhor expressão do
progresso da cidade.
Em sua análise da arquitetura moderna em Porto Alegre, Luccas argumenta
que a verticalização da cidade tem início nos anos 30, com a construção de
sucessivos prédios altos
48
. Eles ainda apresentavam uma concepção
marcadamente tradicional, desde seu modo de implantação e relacionamento com
o tecido urbano, à sua forma externa com elementos figurativos, composição de
fachada com predomínio de cheios sobre aberturas, molduras e revestimentos
com materiais que reforçavam seu caráter tradicional. Ao final da década começa
uma tendência de fachadas mais despojadas, com volumes puros definidos
geometricamente, e uso de formas semicirculares nas esquinas e balcões, como o
antigo prédio das Lojas Renner e o Bicca de Medeiros (1937, ambos de Egon
Weindörfer), o edifício Santa Rosa (1938, de Fernando Corona), o edifício
Jaguarão, e logo após os primeiros edifícios de Arnaldo Gladosch na cidade
(SULACAP, Sul América, União e Mesbla).
Ao final da década de quarenta, algumas obras já prenunciavam a
tendência corbusiana dos anos cinqüenta. Referimo-nos especialmente aos
arquitetos pioneiros Carlos Alberto de Holanda Mendonça (1920-1956), alagoano
formado na ENBA do Rio de Janeiro e radicado em Porto Alegre por volta de
1947, e Edgar Graeff, gaúcho formado na ENBA na mesma época, cujas primeiras
obras mostram claramente a influência da escola carioca.
A pesquisa no protocolo da Secretaria de Obras indica uma progressão
contínua no ingresso de projetos de arquitetura moderna a partir de 1950 até o
final da década, permitindo caracterizá-la por empreendimentos de grandes
proporções e qualidade, como os edifícios Jaguaribe (1951, de Fernando e Luís
Fernando Corona), Santa Tecla (de Edgar Guimarães do Valle), Paglioli (1951,
dos irmãos Irace), Esplanada (1952, Fresnedo Siri), e o Edifício Santa Cruz (1955,
de Carlos Alberto de Holanda Mendonça e Jayme Luna dos Santos), até hoje o
mais alto da cidade com 36 andares. Os edifícios residenciais são acompanhados
por prédios comerciais, equipamentos como os hospitais Fêmina (1955, Irineu
Breitman) e das Clínicas (Jorge Moreira, 1942, modificado em 1958), prédios
públicos como o Tribunal de Justiça (1º Prêmio Concurso, 1953, Luiz Fernando
Corona e Carlos M. Fayet), Tribunal de Constas do Estado (1º Prêmio Concurso,
1956, Jayme Lompa), e o Palácio Farroupilha (Assembléia Legislativa, 1º Prêmio
Concurso, 1958, Gregório Zolko e Wolfgang Schoedon)
49
.
cidade no caso os edifícios representativos da década de 40, Palácio do Comércio, SULACAP,
União, Piratini e a nova Prefeitura (Cf. SPALDING (ed), 1953, página sem numeração).
48
Como os edifícios Frederico Mentz (Hotel Jung) e Imperial, ambos do início da década e de
autoria de Agnello Nilo de Lucca; o Palácio do Comércio (1937), de Josef Lutzemberguer; o
Sulacap (1938) de Arnaldo Gladosch; o edifício Vera Cruz (1938) de João Monteiro Netto, entre
outros. LUCCAS, 2000, op. cit., p. 25.
49
O processo é descrito por LUCCAS, 2000, op. cit., p. 27; ROVATTI, 2001, op. cit.; e ALMEIDA,
2005, op. cit. Entre os prédios comerciais, além do Edifício Santa Cruz destacam-se os edifícios
Comendador Azevedo (1951, Guido Trein e Fernando de Azevedo Moura), Formac e Consórcio
217
Dessa forma, podemos dizer que o Edifício Esplanada ilustra
exemplarmente uma tendência dominante de verticalização da cidade ao longo de
toda a década de 50. Ela manifesta-se inicialmente no Centro ainda na década
anterior, e estende-se posteriormente pelas principais radiais, como as avenidas
Independência, João Pessoa, Osvaldo Aranha, Cristóvão Colombo e Farrapos, e
trechos de perimetrais como a Avenida Venâncio Aires e as ruas André da Rocha
e Ramiro Barcelos. Coerente com o modelo de implantação tradicional, os
terrenos de esquina vão ser privilegiados nos empreendimentos, aproveitando a
vantagem de maior perímetro de frente para orientação das peças principais.
O processo é exemplar na Avenida Independência, a radial de maior
prestígio por levar aos bairros de alta renda. As esquinas das ruas Coronel
Vicente, Conceição, Barros Cassal, Garibaldi, Santo Antônio, Pinheiro Machado e
Ramiro Barcelos, vão sendo progressivamente ocupadas por edifícios altos, ao
redor de 12 pavimentos, culminando com aquele de maior porte e
representatividade, justamente o Edifício Esplanada, que tem seu bloco D
concluído ao final da década. Dessa forma, podemos dizer que a Avenida
Independência representou no período uma espécie de Strada Nuova porto-
alegrense, na qual tipologia e morfologia aparecem quase indissociáveis: a nova
imagem da avenida se dava concomitantemente à sua conformação através da
introdução de um novo tipo de edifício. Em Gênova, o palazzo, aqui o prédio
residencial “moderno implantado segundo regras tradicionais.
Ao estabelecer uma tipologia da rua comercial, Cláudia Cabral faz sua
aproximação justamente através desses edifícios, (...) que recordam o
nascimento de uma Porto Alegre metropolitana que surge a partir de renovações
urbanas importantes, como a abertura das avenidas Borges de Medeiros e
Salgado Filho e que constituem um tipo característico do início do processo de
verticalização do centro da cidade até a chegada dos planos diretores
50
. Como
elementos constituintes de uma cidade figurativa (baseada na rua de fachada
contínua ou rua corredor, e no quarteirão de edificação periférica), esses edifícios
tenderiam a adotar uma volumetria previamente definida pelos próprios
alinhamentos urbanos. Recuos e poços de iluminação e ventilação, elementos
exteriores de circulação e as necessárias inflexões e adaptações, são sempre
remetidos aos fundos do terreno, mantendo uma fachada regular com relação ao
alinhamento.
O Edifício Esplanada ocupava uma testada de quarteirão, e assumia uma
implantação com forma de “C”. Nas esquinas, as implantações tendiam ao “L”. Em
terrenos de meio de quadra, os partidos podiam assumir configurações em “I”, “T”,
“H”, combinações destas, ou disposições longitudinais em “pente” nos terrenos
(1952 e 1956 respectivamente, Carlos Alberto de Holanda Mendonça), Tanhauser (1953, Emil
Bered), Sulbanco (1954, Guido Trein), Annes Dias (1955, Armando d’Ans), e Marques do Herval
218
mais profundos. As regras do jogo, entretanto, com a obediência ao gabarito e ao
alinhamento (ou ao recuo de jardim), tendiam a mascarar e homogeneizar essa
variação tipológica numa fachada de quarteirão idealmente unificada.
É claro que o ritmo desigual de substituição tipológica, e sua inviabilidade
em alguns terrenos, impunham a presença de empenas cegas e lados de pátios
de iluminação (neste caso revelando as “entranhas” do quarteirão), por períodos
mais ou menos longos, ou permanentemente. Tais implantações, sem restrições
quanto ao dimensionamento e desempenho dos pátios de iluminação e ventilação
(além daquelas estipuladas pelo Código Civil), podiam acarretar situações
intoleráveis de habitabilidade, com evidentes prejuízos na salubridade, conforto e
privacidade. O debate sobre a “verticalização e densificação excessivas”,
intensificado a partir de meados da década de 50, vai utilizar-se extensivamente
desses argumentos.
Esta tipologia fortemente pressionada pelo alinhamento urbano, onde o
volume edificado é diretamente dependente da forma do lote, é chamada por
Aymonino “tipologia distorcida”, uma tipologia “que não é o resultado da aplicação
de regras distributivas e compositivas derivadas de uma resposta funcional ao
programa de necessidades, mas sim resultado a posteriori do aproveitamento
máximo da edificabilidade de uma dada parcela de solo
51
. Cabral aponta como
exemplos característicos dessa tipologia os edifícios Annes Dias e Esplanada, que
combinam ao térreo comercial, respectivamente, escritórios e apartamentos: “no
Esplanada, a área de iluminação e ventilação é concentrada no interior do lote,
sendo as diferenças de ângulos entre as ruas que conformam o quarteirão
absorvidas por inflexões em planta e pelas sacadas. Híbridas, exploram
consistentemente o tema do vocabulário moderno suportado por uma planimetria
tradicional
52
.
O Edifício Esplanada é paradigmático dessa situação, tornada hegemônica
em Porto Alegre (como de resto em outras capitais brasileiras) ao longo da década
de 50: a inserção de edifícios modernos na cidade tradicional. Dela, o melhor
exemplo segue sendo a construção do edifício da Associação Brasileira de
Imprensa (ABI) com o seminal projeto dos irmãos Roberto no tecido da Esplanada
do Castelo, previsto por Agache com quarteirões fechados e ruas corredor, pátios
internos, alinhamento e gabarito. Não se trata da inserção do monumento, prédio
temático isolado, como o Ministério da Educação e Saúde na mesma Esplanada;
trata-se antes do prédio normal, respeitando as leis de constituição do tecido da
cidade figurativa tradicional, com a implantação seguindo o alinhamento e
respeitando a lógica de maximização de frentes de fachada.
51
AYMONINO, 1984, op. cit., p. 76.
52
Ela nota que outro traço característico deste tipo de edifício é o tratamento diferenciado do
coroamento de fachada na altura dos últimos pisos: recuados com relação ao corpo, como nos
edifícios Annes Dias e Presidente Antônio Carlos (1952, Edgar Graeff); incluindo marquises
recortadas por pergolados, como nos edifícios Paglioli (1957, Remo e Miguel Irace), Armênia
(1955, Ari Canarim) e Esplanada (cf. CABRAL, 2000, op. cit., p. 32-33).
219
O acerto das soluções compositivas empregadas por Fresnedo Siri no
Edifício Esplanada demonstra as imensas possibilidades expressivas e urbanas
subjacentes a uma arquitetura resolutamente moderna comprometida com as
regras da cidade figurativa. De suas grelhas de fachada, podemos dizer, assim
como Calovi Pereira analisando a arquitetura dos irmãos Roberto no Rio de
Janeiro, quase à mesma época, que a conjugação destes níveis simultâneos de
manipulação compositiva confere potência ao tema do dinamismo de fachada.
Entretanto, este se dá nos limites de uma moldura regular, dentro da qual ocorre o
jogo. Estes limites geométricos garantem a leitura do edifício como arquitetura
componente do tecido da cidade”.
53
O Edifício Esplanada é usualmente associado, em termos de precedente, à
Unidade de Habitação de Marselha de Le Corbusier (que é iniciada em 1947,
exposta no Brasil na Bienal de 1952, e somente finalizada em 1954), pelo porte,
imagem de gigantesca barra, grelha de fachada e pilares colossais. Entretanto, o
tratamento homogêneo das superfícies, a urbanidade do edifício e suas múltiplas
leituras pouco têm do brutalismo corbusiano, aproximando-se mais de alguns
edifícios exemplares da moderna arquitetura brasileira dos anos 30 a 50.
A estratégia urbana modernista que vê a cidade como coleção de objetos
discretos “funcionalmente” dispostos, isolados e autônomos em relação à história,
cultura e lugar, dificilmente admite tal complexidade e urbanidade. Entretanto, se
ainda consideramos possível uma modernidade que interage em diálogo com a
tradição e as regras de convivência da cidade figurativa tradicional, edifícios
urbanos como o Esplanada tornam-se importantes, exemplares. Neles
descobrimos condensada a amplitude de significados decorrente do equilíbrio
tenso e produtivo entre o passado, convenção materializada pela história, e sua
revisão crítica através de uma arquitetura contemporânea que incorpora caráter,
técnica, programa e lugar com inventividade e vigor.
53
CALOVI PEREIRA, 1992, op. cit., p. 10.
221
CAPÍTULO 5º
O PLANO DIRETOR DE PORTO ALEGRE - 1959/1961
INTRODUÇÃO
O Plano procura organizar as áreas residenciais em unidades de habitação,
limitadas pelas vias de tráfego geral, no interior das quais se possibilitará o
sossego e tranqüilidade indispensáveis, além de dotá-las pelo menos de uma
unidade escolar, áreas adequadas à recreação infantil e áreas verdes de uso
público. Na junção de diversas unidades prevê-se a construção de mercados
para abastecimento”. PORTO ALEGRE, Plano Diretor 1954-64, p. 41.
No início da década de 50, Porto Alegre continuava sem contar com um
Plano Diretor formal e institucionalizado. Tanto a gestão quanto o planejamento do
desenvolvimento urbano da cidade ainda se faziam pela legislação urbanística
anterior, dispersa e não consolidada, e por alguns dispositivos morfológicos
legados pelos estudos de Arnaldo Gladosch, com aplicação negociada
diretamente entre as instâncias institucionais e os agentes do setor imobiliário. Os
limites de tal prática eram evidentes desde então, e o contexto da década só
serviu para enfatizá-los.
A redemocratização da segunda metade da década de 40 só se completou
na capital com a eleição direta do primeiro prefeito, o engenheiro Ildo Meneghetti,
do Partido Social Democrático (PSD), em 1951. A década de 50 foi a de maior
crescimento demográfico de Porto Alegre desde os anos 1900-1910, uma média
de quase 5% ao ano, passando de cerca de 395.000 habitantes em 1950 a
635.000 em 1960. Esse crescimento ocorreu em meio a um intenso processo de
metropolização, com loteamentos e formação de núcleos operário-industriais entre
Porto Alegre e São Leopoldo. Apesar da base econômica do estado vir em crise
desde os anos 30, o intenso processo de industrialização por substituição de
exportações reforçou a posição comercial e portuária da cidade, gerando capitais
que sustentaram um vigoroso boom imobiliário. Foi também a década em que
mais se construiu em Porto Alegre.
As circunstâncias pressionavam pela organização do crescimento urbano, e
algumas pré-condições estavam dadas: anteprojetos de Gladosch e de Edvaldo
Paiva-Demétrio Ribeiro, base administrativa e institucional, e pressões de toda
ordem pela elaboração de um Pano Diretor. Pressão da Câmara de Vereadores
pela consolidação da legislação urbana, da nova corporação dos arquitetos,
(organizados em seu Instituto, e respaldados por formação acadêmica finalmente
unificada pela fusão dos dois cursos de Arquitetura em 1952), e pressão da
opinião pública sob o impacto dos primeiros efeitos visíveis do crescimento
urbano. Debatia-se a verticalização e adensamento do centro, num quadro de
superexploração da terra urbana sem limites normativos, o congestionamento
viário, a expansão da periferia e da urbanização marginal, através das primeiras
“vilas de malocas”.
222
O Plano Diretor foi elaborado a partir de 1954, por uma pequena equipe
coordenada pelo engenheiro e urbanista Edvaldo Pereira Paiva, e pode ser
considerado o resultado do esforço intelectual iniciado vinte anos antes, mantendo
com coerência as mesmas idéias básicas sobre a cidade, os princípios
urbanísticos e a concepção do plano e do planejamento. Ele foi aprovado
preliminarmente como Lei nº 2.046 em 1959, e posteriormente reapresentado de
forma consolidada e aprovado como Lei nº 2.330 em 1961, já contemplando sua
primeira Extensão. O documento que conhecemos hoje como Plano Diretor de
Porto Alegre é a edição justificada e comentada da Lei nº 2.330, lançada pelo
prefeito nomeado Célio Marques Fernandes em 1964, como PORTO ALEGRE.
Plano Diretor 1954-1964”.
Metodologicamente, a pesquisa urbana que informa o Plano filia-se às
Urban Surveys” das décadas de 30 e 40, que tinham sido incorporadas ao
Expediente Urbano” por Paiva em 1942. Ideologicamente, o Plano é parcialmente
tributário da cidade moderna pregada pelos CIAM e consolidada na Carta de
Atenas: zoneamento rigoroso das funções urbanas, morfologia baseada no edifício
isolado, controle da ocupação e do aproveitamento dos lotes, visão funcionalista e
sistêmica. Incorpora contribuições da Cidade-Jardim, especialmente na idéia de
Unidade de Vizinhança, da legislação urbanística norte-americana, especialmente
do Plano para Nova York, e dos planos anteriores, com o reforço da estrutura
rádio-concêntrica através da definição morfológica de corredores com ocupação,
aproveitamento, uso e altura incentivados nas radiais principais. A apresentação
cronológica e algumas linhas de investigação (entre as quais a conexão com Nova
York) devem muito à tese de Maria Soares de Almeida “Transformações Urbanas”,
que desde sua apresentação em 2004 passou a constituir texto de referência
sobre urbanismo e legislação urbana em Porto Alegre nas décadas de 40 a 60.
O Plano Diretor de 1959/1961 é tratado no 5º Capítulo da Tese, a partir da
análise de seu contexto de gestação nos anos 50, já introduzido no Capítulo
anterior, agora desenvolvido em A Gestação do Plano. São consideradas suas
justificativas ideológicas e técnicas como reação aos interesses do mercado
imobiliário, apontado como responsável pela expansão territorial desordenada,
densificação e verticalização “excessiva” da cidade na década de 50, inaugurando
uma cisão que perdura até hoje. O Plano Diretor é descrito e analisado
criticamente, em sua estrutura e suas partes, enquanto documento autônomo,
destacando o modelo de cidade analítica adotado, seus instrumentos de controle
urbanístico, e seus projetos urbanos exemplares.
Considera-se a vertigem das alturas, embutida no Plano, que entende o
edifício alto como elemento nefasto e introdutor de rupturas no espaço urbano,
(pré) conceito igualmente persistente na relação tumultuada e hostil das instâncias
técnico-institucionais com o mercado desde então. Em A cidade enfim moderna
são avaliados os efeitos da aplicação do Plano sobre a paisagem urbana de Porto
Alegre a partir do início dos anos 60, e especialmente o impacto sobre uma forma
de construir a cidade, hegemônica na década de 50, descartada bruscamente por
ele. Em Independência ou Morte, exemplifica-se essa ruptura pela análise da
223
avenida que mais representou e incorporou a imagem do modelo anterior, a
Avenida Independência.
A GESTAÇÃO DO PLANO
Nos oito anos após o término da gestão de Loureiro da Silva, nove prefeitos
nomeados se sucederam até a eleição direta de Ildo Meneghetti, do PSD, em
1951. Engenheiro civil, empresário do setor imobiliário e industrialista, Ildo
Meneghetti tinha sido vereador na primeira legislatura após a redemocratização,
instalada em 1947; destacou-se na defesa do executivo em seus planos e projetos
urbanos, e foi nomeado prefeito pelo governador Walter Jobim em 15 de julho de
1948. Saiu em 1º de fevereiro de 1951 para concorrer a prefeito na primeira
eleição direta, elegeu-se e assumiu em 1º de janeiro de 1952. Como prefeito
nomeado, instituiu a Comissão Revisora do Plano Diretor
1
, com a atribuição de
avaliar e formular parecer sobre o Plano Diretor elaborado por Arnaldo Gladosch
na administração Loureiro da Silva, até então a diretriz principal a orientar as
decisões de planejamento urbano.
Acompanhamos no capítulo anterior as desavenças de Paiva com o prefeito
Meneghetti e sua equipe, em torno dos trabalhos da Comissão Revisora, e a crise
durante o Congresso de Arquitetos de 1948, que acabaram tornando-o persona
non grata na administração municipal. A Comissão reuniu-se durante seis meses,
e apresentou suas conclusões num Relatório que abordava o sistema viário,
localização de equipamentos urbanos, projetos especiais, densidades e alturas
previstas. As conclusões criticam a inexistência de um zoneamento, de pesquisa
urbana consistente e organizada, a desorganização do transporte coletivo, do
sistema viário e de áreas verdes, e as restrições impostas às propriedades
privadas, especialmente a reserva de áreas para implantação de equipamentos, e
a vedação à construção em locais e vias destinadas à ampliação ou implantação
de sistema viário, sem previsão de indenizações ou desapropriação.
A revisão não foi completada, sob o argumento de que “a inexistência de
um estudo de zoneamento indispensável à boa e definitiva apreciação dos planos
em apreço e demais fatores apontados privam a Comissão de apresentar um
trabalho completo de revisão”. A Comissão concluía recomendando a
necessidade de se organizar um Plano Diretor atualizado tendo por base um
estudo dos fatos sociais que só podem ser vistos através de uma estatística bem
organizada. Este trabalho requer tempo, grupos técnicos atualizados, local e
1
A Comissão foi instituída pela Lei nº 83, de 26/07/1948, com o objetivo de “examinar detidamente
os projetos de urbanização elaborados pelo engenheiro Arnaldo Gladosch e pela Prefeitura”, e era
composta por representantes da Sociedade de Medicina, da Ordem dos Advogados do Brasil, do
Instituto de Belas Artes, da Sociedade de Engenharia, da Associação Rio-Grandense de Imprensa,
e representantes da própria Prefeitura. O engenheiro Fernando Mendes Ribeiro, principal
assessor do prefeito, representava a municipalidade.
224
material adequados. E, sobretudo, autonomia de organização interna e de
pesquisa a fim de se chegar a conclusões científicas e verdadeiras
2
.
As conclusões da Comissão reforçaram a posição de Paiva, que vinha se
batendo pelo zoneamento como instrumento de planejamento desde os anos 30,
com Ubatuba de Faria (a quem se deve provavelmente a inclusão do tema no
relatório). Paiva organizara o único intento de pesquisa urbana consistente em
Porto Alegre, através do Expediente Urbano em 1942, e chamara a atenção para
sua necessidade de forma continuada nos anos anteriores, em debates no
Congresso de Arquitetos de 1948, no ensino de urbanismo e logo após na sua
publicação Problemas Urbanos de Porto Alegre
3
, de 1951.
Meneghetti deixou a prefeitura logo após para concorrer na primeira eleição
direta para prefeito da capital em mais de 20 anos
4
. Em seu último relatório à
Câmara, retoma alguns temas da Comissão e apresenta um diagnóstico dos
problemas gerados pelo crescimento urbano recente da cidade. O processo de
crescimento se dava através de parcelamentos sem controle do poder público, em
glebas cada vez mais afastadas e sem infra-estrutura, gerando a expansão
desordenada da periferia e deixando vazios urbanos intersticiais à espera de
valorização. Note-se que o prefeito era, também, importante loteador. Tratou
também de um tema emergente, e correlato: o crescimento das chamadas “vilas
de malocas”; numa abordagem inaugural do problema, avaliava seu total em
pouco mais de 4.000 habitações distribuídas em 32 núcleos, em 1949.
Sua segunda administração, agora como prefeito eleito, durou pouco mais
de dois anos e meio, deixando a prefeitura em julho de 1954 para concorrer ao
governo do estado. Tratou de implantar algumas das recomendações da
Comissão, através de dispositivos urbanísticos específicos para enfrentar os
problemas gerados pela densificação do centro e pela expansão periférica por
loteamentos, que ainda obedeciam ao Decreto nº 108/1927 do prefeito Otávio
Rocha. Ampliou as redes de infra-estrutura com a implantação de três novas
hidráulicas, através de empréstimo com o IAPI, e aprovou a Lei nº 986 (22 de
dezembro de 1952), regulando a altura das construções.
A Lei foi fundamental nos debates que se seguiram sobre a verticalização
da cidade, que conduziram ao Plano Diretor de 1959. Em apenas doze artigos, ela
2
Correio do Povo, 6/5/1950, pp. 9-11. Um dos primeiros atos da administração do prefeito Ildo
Meneghetti foi o reexame das normas que orientaram o Plano Diretor da cidade por considerá-las
prejudiciais ao desenvolvimento urbano da cidade”.Também em Meneghetti, Ildo. Relatório 1949,
VOL.I. Porto Alegre: Livraria do Globo, 1950 (apresentado à Câmara de Vereadores).
3
PAIVA, 1951, op. cit. Todo o período está retratado em ALMEIDA, 2004, op. cit., no Capítulo II
A Cidade Democrática, pp. 115-186; e ainda em ROVATTI, 2001, op. cit., pp. 66-76.
4
Foi nomeado prefeito o médico Eliseu Paglioli, professor da Faculdade de Medicina da URGS e
futuro reitor (1º de fevereiro a 19 de novembro de 1951), que se exonerou deixando extenso
relatório denunciando as péssimas condições sanitárias da cidade e a falta de meios para resolvê-
las. Assumiu o presidente da Câmara, José Antonio Aranha, que transmitiu o cargo ao prefeito
eleito em 1º de janeiro de 1952. Meneghetti elegeu-se pela coligação conservadora PSD, PL e
UDN, com cerca de 42 mil votos, mil a mais que seu oponente, Leonel Brizola, do PTB.
225
mantinha o critério de definição da altura dos prédios pela largura das vias. Ele
vinha sendo utilizado desde o primeiro Código de Posturas, de 1893, do
intendente Alfredo Azevedo, e seguiu sendo mantido pelos sucessivos prefeitos
com pequenas alterações, sempre no sentido de incentivar a verticalização de
alguns pontos da cidade, especialmente o Centro e as novas avenidas propostas
no Plano Geral dos Melhoramentos de Moreira Maciel. As mesmas disposições
tinham sido reeditadas por Loureiro da Silva no início dos anos 40
5
.
A Lei nº 986 ampliava a aplicação do critério de uma vez e meia a largura
da rua para toda a cidade, e permitia duas vezes para a área central, mas com
uma inovação no Art. 2º: na zona central da cidade a altura dos edifícios no
alinhamento não será superior a duas vezes a largura da rua; a partir desta altura,
os prédios poderão elevar-se obedecendo um recuo na proporção de quatro na
vertical para um (4/1) sobre a horizontal”. O parágrafo 3º do mesmo artigo
especificava que Na rua dos Andradas é permitida a altura de 30 metros e nas
avenidas Salgado Filho e Borges de Medeiros, a altura de 70 metros para os
edifícios construídos no alinhamento”. A partir do dispositivo de escalonamento, foi
possível aprovar edifícios, na prática, sem limite de altura.
O princípio dos recuos sucessivos proporcionais à largura da rua, por
escalonamento (método americano) ou linha inclinada pelo ângulo de obstrução
(método francês, depois adotado em Londres, Buenos Aires e outras capitais), já
vinha sendo aplicado desde a segunda metade do século XIX na Europa, e foi
introduzido nos regulamentos de Nova York em 1916. O princípio americano foi
adaptado a Porto Alegre, mas prevendo apenas o escalonamento frontal,
mantendo-se a construção nas divisas. Dessa forma, foram construídos na década
de 50 os mais altos edifícios de Porto Alegre, inclusive aquele que é o mais alto
até hoje, Edifício Santa Cruz, aprovado preliminarmente em 1956, com 32
pavimentos entre a Rua dos Andradas e a Sete de Setembro.
Escalonado a partir dos 30 metros de altura (na Rua dos Andradas) e de
duas vezes a largura da rua (na Sete de Setembro), com áreas de iluminação
laterais mínimas conforme o Código Civil (1,5m de afastamento das divisas) e o
Código de Edificações (um metro para poços de ventilação de sanitários), o
Edifício Santa Cruz foi um dos exemplos levantados pelos urbanistas para
justificar a modificação desses parâmetros no Plano Diretor de 1959. A Lei ainda
5
O Art. 3º (item 8) definia “A altura da fachada sobre a rua não poderá ser superior a uma vez e
meia a largura da mesma rua”. O critério foi mantido no Regulamento Geral de Construções do
intendente José Montaury (Ato nº 96 de 11/07/1913), no Parágrafo 26: “Nos edifícios com fachada
sobre uma rua, a altura, acima do plano do passeio, do teto da habitação não poderá ser superior a
vez e meia a largura da rua, e nos edifícios construídos na intersecção de duas ruas tal altura será
inferior, quer a vez e meia a largura da rua mais larga, quer a três vezes a largura da rua mais
estreita”; e continuou assim no Decreto nº 53 (10/05/1926) do intendente Otávio Rocha, que
alterava o Regulamento através do Art. 3º: nos edifícios com fachada no alinhamento da rua, a
altura entre o plano do passeio e o teto do último pavimento não poderá ser superior a duas vezes
a altura da rua”, excluindo aqueles construídos na nova Avenida do Porto, Rua dos Andradas e nas
avenidas alargadas ou abertas no centro da cidade, que não teriam menos que três pavimentos.
226
estabelecia alturas mínimas para edifícios construídos no alinhamento em
algumas ruas e avenidas (dois pavimentos nas avenidas radiais João Pessoa,
Osvaldo Aranha, Alberto Bins, Getúlio Vargas e Independência: três pavimentos
para as avenidas Mauá, Julio de Castilhos, Otávio Rocha e trecho inicial da Rua
dos Andradas, até João Manoel).
Logo a seguir, a Lei nº 1167 (04/12/1953) limitava a altura dos prédios a
três pavimentos a partir da zona pericentral que atingia a atual Segunda Perimetral
(excetuando trechos de radiais, com alturas maiores permitidas até os limites da
atual Terceira Perimetral), formando uma reserva de mercado para pequenos
edifícios residenciais sem elevador (obrigatório para quatro ou mais pavimentos),
destinados a atender uma demanda carente de pequena burguesia nos bairros.
Finalmente, em 1954, a Câmara de Vereadores revisou o antigo Decreto nº 108
para abertura de vias, instituindo uma Lei de Loteamentos (Lei nº 1233, de 1º de
janeiro de 1954). O arruamento” era substituído pelo loteamento” como método
de parcelamento do solo urbano, instituindo-se a “licença prévia”, procedimentos
de aprovação com várias etapas, termo de compromisso do loteador, caução de
10%, e atualização de multas, procurando controlar o processo de expansão.
Esse conjunto de leis complementava os dispositivos informais de aplicação
das diretrizes oriundas dos estudos e projetos urbanísticos da década de 40, que
seguiam sendo negociados entre a prefeitura e os agentes imobiliários. A prática
de impor determinadas diretrizes na concessão de alinhamentos, aprovação de
projetos e reserva de áreas, exercida desde os anos 40, vinha recebendo críticas,
por proprietários de imóveis e investidores, pela insegurança que gerava, e por
parte da opinião pública, agora com ressonância na Câmara Municipal. A
verticalização e densificação, chanceladas (e incentivadas) pela legislação,
também suscitavam críticas e debates, na imprensa e nos meios acadêmicos e
profissionais, clamando por uma nova regulamentação urbanística.
Além da legislação, Meneghetti deixou contratada ao sair a abertura da
Avenida Beira-Rio, continuação da Avenida Borges de Medeiros prevista no
Anteprojeto de Gladosch, e mantida nos sucessivos estudos da municipalidade.
Surpreendente para um político conservador, incorporou o grupo americano
Electric Bond and Share, concessionário das linhas de bondes e alvo de críticas
históricas, à empresa pública municipal Companhia Carris Porto-Alegrense,
melhorando o transporte coletivo pelo aumento no número de linhas e qualidade
dos serviços. Deixou a prefeitura em meio a um verdadeiro boom imobiliário,
traduzido em mais de 4.000 novos prédios por ano
6
.
6
Os relatórios anuais enviados à Câmara indicam 4.144 novos prédios licenciados em 1952 e
4.055 em 1953, contra 471 por ano em 1944. Mesmo que a maioria ainda seja constituída de
prédios em madeira, 56% do total em 1952, o relatório registrava a incorporação de 70 novos
prédios com elevadores por ano, elevando o número total de edifícios desse tipo a 181 em 1953. A
imensa maioria ainda se localizava no Centro, e no início de algumas radiais mais importantes,
como as avenidas Independência, João Pessoa, Osvaldo Aranha, Cristóvão Colombo e Farrapos.
227
Meneghetti foi eleito governador do Rio Grande do Sul em 1954, pela
mesma coligação conservadora que o elegera prefeito de Porto Alegre. Após sua
saída, assumiram sucessivamente o presidente da Câmara, Lindolfo Boehl, e o
vice Manoel Osório da Rosa
7
, que deram continuidade à rotina administrativa, até
a posse do vice-prefeito eleito com Meneghetti, Manoel Sarmanho Vargas. Manoel
Vargas era do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), filho do presidente Getúlio
Vargas (que recém cometera suicídio, em agosto de 54) e afinado com a
administração federal. Implantou uma reforma administrativa inspirada na
modernização do serviço público, empreendida por Vargas nos moldes das teorias
americanas de administração e gestão públicas, com orientação do Institute of
Inter-America Affairs.
A reforma reorganizou a estrutura administrativa da prefeitura, com a
criação da Divisão de Urbanismo no Departamento de Obras, e a
institucionalização do Conselho do Plano Diretor
8
. A Divisão de Urbanismo
mantinha as atribuições da antiga Subdiretoria Geral de Urbanismo, e era dividida
em três seções: Planejamento Urbanístico, Cadastro, Estudos Financeiros e
Pesquisa. Ao Conselho cabia promover os estudos necessários ao Plano Diretor
ou a ele complementares, tomando-se por base, no que respeita ao traçado e
zoneamento urbanos, as disposições legais e projetos já existentes”, aprová-los e
encaminhar projetos de lei ao executivo. Como nota Almeida, na prática o
Conselho tornava-se o órgão de planejamento municipal, com a Divisão de
Urbanismo funcionando como seu órgão executivo. O cargo chave do
planejamento era a diretoria da Divisão de Urbanismo, que acumulava a
Secretaria Executiva do Conselho. Para este cargo, Manoel Vargas chamou
Edvaldo Paiva.
Depois de mais de dez anos preparando-se para assumir o planejamento
urbano de Porto Alegre, e a elaboração de seu Plano Diretor, incluindo períodos
de ostracismo e quase-exílio, finalmente Paiva vai poder realizar seus objetivos.
Alçado ao comando do planejamento urbano municipal em função de identidade
com a nova composição de forças no poder, e prestigiado na liderança dos meios
urbanísticos, vai buscar seus colaboradores nos recém egressos dos cursos de
Arquitetura e de especialização em Urbanismo do Instituto de Belas Artes, onde
7
Durante a gestão de Osório da Rosa, foram editadas novas leis estendendo a aplicação do recuo
progressivo a outras vias do Centro, da Cidade Baixa e trechos da futura Terceira Perimetral (Lei
nº 778, de 02/10/1954) e regulando a altura das edificações em alguns locais especiais (Lei nº
1371 de 30/12/1954). A Praça da Matriz passava a ter a altura regulada em todo seu entorno em
40 metros, em função de critérios estéticos na constituição da paisagem urbana do centro cívico e
simbólico da cidade.
8
A Lei nº 1413 (11/06/1955) transformou as antigas Diretorias em cinco Departamentos
(Administração, Fazenda, Obras, Água e Esgotos, e Assistência e Instrução), criou o Conselho do
Plano Diretor e determinou sua constituição de onze membros com maioria de funcionários
municipais, com a Secretaria Executiva destinada ao dirigente da Divisão de Urbanismo. Em
dezembro de 1955, nova lei transformou as Diretorias em Secretarias municipais (Lei nº 1516, de
02/12/1955), mantendo as atribuições e divisões internas, estrutura que permaneceu até 1975,
quando as atribuições da Divisão de Urbanismo passaram à nova Secretaria do Planejamento
Municipal.
228
respondia pelas disciplinas de planejamento urbano, e nos quadros da nova
Faculdade de Arquitetura da URGS, recém criada, onde foi mantido como
professor. Para Almeida, foram fatos fundamentais para o início de uma nova fase:
A reforma administrativa implementada em 1955 criou as bases necessárias à
estruturação do planejamento da capital. A partir desse momento e pelos anos seguintes
essa estrutura permaneceu sustentando todas as ações de planejamento da cidade. A
predominância das decisões técnicas sobre as políticas resultou na elaboração de novas
leis baseadas nos estudos urbanísticos, de onde emergiu, pela primeira vez, novo
instrumental condutor do desenvolvimento da cidade (...)”.
9
Com a reorganização da Divisão de Urbanismo da Prefeitura na reforma de
Manoel Vargas, eram enfim institucionalizados os trabalhos do novo Plano Diretor.
A equipe era coordenada por Paiva, e contava com os então recém-formados
arquitetos Carlos Maximiliano Fayet e Roberto Félix Veronese. durante o ano
de 1954, a pequena equipe vinha trabalhando sucessivas propostas baseadas nas
pesquisas do Expediente Urbano, organizado pelo próprio Paiva e publicado em
1942, e em estudos anteriores, principalmente no Anteprojeto de Planificação
Urbana de Porto Alegre, de acordo com os princípios preconizados pela Carta de
Atenas, de Edvaldo Paiva e Demétrio Ribeiro, apresentado em 1951 (Figs. 5.3 e
5.4). Um primeiro Anteprojeto do Plano Diretor foi definido ainda em 1954,
consolidando as propostas da equipe (Fig. 5.1).
Na administração de Leonel Brizola (1955-59)
10
, foi finalmente completado
o Levantamento Aerofotogramétrico iniciado por Loureiro da Silva, com a
respectiva restituição cadastral (1956), e designada a Secção de Pesquisas na
Divisão de Urbanismo da Secretaria de Obras para o desenvolvimento do Plano
Diretor. A posição de Paiva foi reforçada na nova gestão, eleita com base na
coalizão progressista liderada pelo PTB. O Conselho do Plano Diretor, reinstituído
com o objetivo de orientar a elaboração do plano, e discutir as propostas
elaboradas pela equipe técnica da Divisão de Urbanismo, passará a se reunir
semanalmente a partir de setembro de 1955.
As atas das primeiras reuniões (segundo vários registros datilografadas
pessoalmente por Paiva) revelam que ele vai utilizá-las para traçar um quadro da
situação encontrada na Divisão de Urbanismo, e apresentar ao Conselho as
proposições que vinha defendendo por quase duas décadas a respeito do
planejamento de Porto Alegre e seu urbanismo. Com o apoio de Riopardense de
9
ALMEIDA, 2004, op. cit., pp. 153-154.
10
É interessante notar que ao longo do período democrático, que vai da queda de Vargas até o
golpe de 64, o Rio Grande do Sul teve alternância partidária no governo do Estado entre os dois
partidos legados por Vargas, o PSD e o PTB. Ao governo de Walter Jobim (PSD, 1947-1951),
seguiram-se os de Ernesto Dornelles (PTB, 1951-1955), Ildo Meneghetti (PSD, 1955-1959), Leonel
Brizola (PTB, 1959-1963) e novamente Ildo Meneghetti (PSD, 1963-1964). Após o golpe,
Meneghetti foi confirmado no governo, permanecendo até 1967. Na Prefeitura de Porto Alegre,
ocorria o mesmo, com mandatos invertidos, sempre opondo a Prefeitura ao Governo do Estado. A
Prefeitura funcionava como trampolim para o governo do Estado, mas não garantia o sucessor (ver
PESAVENTO, 1994, op. cit., p. 129).
229
Fig. 5.1 - Anteprojeto do Plano Diretor de Porto
Alegre (1954). Edvaldo Paiva e equipe.
Fig. 5.3 - Anteprojeto do Plano Diretor. Edvaldo Paiva e equipe. Estudo de Unidade de Vizinhança para o aterro
da Praia de Belas: Sistema Teórico apresentado por Paiva em 1951.
Fig. 5.2 - Walter Gropius (Diagramas CIAM 1930); Le
Corbusier (Evolução do tecido, 1925).
Fig. 5.4 - Anteprojeto do Plano Diretor de Porto Alegre (1954). Edvaldo Paiva e equipe. Proposta para o aterro
da Praia de Belas e urbanização do Morro Santa Teresa.
230
Macedo e de Carlos Maximiliano Fayet, Paiva vai propor ao Conselho que os
debates sigam uma pauta definida, envolvendo uma seqüência de exposições
sobre o planejamento de conjunto da cidade e o Plano Diretor, seus fundamentos,
métodos e elementos componentes. A proposta foi contestada por alguns
conselheiros, através de sugestões divergentes de agenda e funcionamento (na 2ª
reunião, em 22/09/1955), obrigando-o a apresentar uma moção na 3ª reunião
(29/09/1955), na qual enfatizava a discussão do plano diretor como tarefa
fundamental” do Conselho.
Finalmente definida uma agenda mínima para as reuniões, em 27 de
outubro de 1955 Paiva trata da “Evolução urbana de Porto Alegre”; nas sucessivas
reuniões entre 1º de dezembro de 1955 e 12 de janeiro de 1956, é feita uma
extensa análise dos planos anteriores, na reunião de 9 de fevereiro o tema foi “Os
Estudos da Comissão de Revisão”, na de 23 de fevereiro o “Zoneamento urbano”,
tema fundamental para Paiva, e entre 1º de março e 19 de maio de 1956 foi
apresentada e discutida A Primeira Perimetral, com seus projetos
correlacionados
11
. De acordo com as idéias de Paiva, o zoneamento passa a ser
sinônimo do Plano (a “espinha dorsal do urbanismo”), a rede viária seu esqueleto,
e eram propostos novos instrumentos de controle da altura das edificações, não
mais baseados nos antigos critérios de largura das vias.
Durante as reuniões, Paiva vai opor-se sistematicamente a uma boa parte
dos conselheiros, sobretudo aqueles ligados ao mercado imobiliário e ao setor da
construção, liderados pelo engenheiro Mário Maestri. A discussão centrava-se na
questão das alturas. Os conselheiros questionam insistentemente os critérios e as
normas propostas para a limitação da altura dos edifícios, não aceitando qualquer
redução nos padrões de ocupação então vigentes e praticados pelo mercado, que
eram considerados excessivos por Paiva e equipe. Paralelamente às discussões,
o Conselho do Plano Diretor passa a analisar e aprovar caso a caso os projetos da
Divisão de Urbanismo. Da mesma forma, são emitidos expedientes prévios,
antecedendo de fato a lei, e condicionando o processo de aprovação das novas
construções aos dispositivos do futuro Plano Diretor, especialmente em seu plano
viário.
A cidade estava em meio a um notável boom imobiliário. Dados de 1957
indicam o licenciamento de prédios envolvendo uma área construída total de cerca
de 700.000 m² (apenas para construções em alvenaria). Este é um volume que só
vai ser igualado novamente na década de 90, com licenciamento anual ao redor
de 750.000 m². O crescimento é destacado pela imprensa e em publicações:
Uma verdadeira febre de construções se apossou de Porto Alegre nos últimos anos. (...)
Essa fase começou de 1950 aos dias atuais, num crescendo impressionante até atingir dez
prédios diários. (...) Em 1957 a Diretoria de Edificações do Município aprovou projetos para
1.668 prédios de alvenaria e 1.832 de madeira abrangendo uma área de 700.000 m² e
11
ROVATTI, 2000, op. cit., p. 315.
231
82.000 m² respectivamente. (...) Em números relativos, Porto Alegre supera São Paulo a
cidade que não pode parar no índice de construções.
12
Leonel Brizola se afastou da prefeitura em dezembro de 1958 para
concorrer ao governo do estado e foi substituído pelo vice-prefeito Sucupira Viana.
Em seu primeiro relatório, o novo prefeitotraduzia as inquietações do corpo
técnico, que via na crescente densificação do centro urbano uma diminuição da
qualidade ambiental do espaço urbano”. Parecia imprescindível conter tal
processo através da instituição do Plano Diretor, e com urgência, pois para a
equipe de urbanistas a situação se deteriorava incontrolavelmente. No relatório, a
inquietação cedia lugar ao alarme:
O simples exame dos dados apresentados pela Secretaria Municipal de Obras e Viação,
todos muito expressivos, dá idéia da expansão da cidade, cujo perímetro urbano se dilata
rapidamente, ao mesmo tempo em que o volume de concreto armado dos edifícios
conquista o espaço aéreo. Aí está a imagem da capital que assume aspecto de grande
metrópole com seus majestosos blocos arquitetônicos, obra do braço e da inteligência do
porto-alegrense. Fitando essa silhueta portentosa e admirável sobressalta-nos, todavia ao
mesmo tempo, a preocupação de que seus ocupantes poderão ser vítimas da própria obra
que estão criando. A parte conhecida como o centro da cidade oferece esse tenebroso
aspecto, pois existem perigos latentes ameaçando a salubridade e restringindo o conforto
redução do espaço das moradias, ausência de ventilação e insolação.
13
O corpo técnico, liderado por Paiva, preparava o caminho para a discussão
do novo plano na Câmara. Para conter a crescente verticalização da cidade,
especialmente no centro, procurava definir novos instrumentos de controle da
intensidade de ocupação do solo, inspirados em precedentes modernos, mais
ligados aos estudos de Gropius e Hilberseimer que ao sempre citado Le Corbusier
(Fig. 2), e na legislação americana. Na argumentação, eram referidas as relações
entre a densidade de ocupação e as redes de infra-estrutura, os equipamentos e
os serviços públicos, enfatizando seu desequilíbrio. Aqui, também, o relatório
adota um tom quase apocalíptico:
Nem os serviços públicos mais essenciais, como água e esgotos, estão na proporção e
em condições de poderem suportar as exigências oriundas do funcionamento dessas
construções excessivamente adensadas. Não há verdes públicos capazes de
contrabalançar os efeitos desses maciços residenciais, da mesma forma que as vias de
circulação não correspondem às necessidades derivadas. A saúde pública está ameaçada,
as conseqüências desastrosas sobrevirão inexoravelmente, exigindo maiores sacrifícios
materiais do poder público e material humano da própria coletividade.
14
Parece claro hoje que os diagnósticos da equipe técnica confundiam
adensamento construtivo com adensamento populacional. A verticalização e
densificação construtiva do Centro, predominantemente comercial à época (com
12
CARNEIRO, 1958, op. cit., pp.12-16.
13
Viana, Tristão Sucupira, Relatório apresentado à Câmara Municipal de Vereadores referente ao
exercício de 1958, (Documento datilografado), Porto Alegre, 15 de março de 1958, s/p. citado em
ALMEIDA, 2005, op. cit., p. 171.
14
Viana, 1959, op. cit., s/p. Para descrição completa e análise do processo, ver ALMEIDA, 2004,
op. cit., p. 172.
232
exceção das ruas da vertente sul, das ruas Duque de Caxias e Riachuelo, da Rua
da Praia no trecho até a Praça da Alfândega, áreas residenciais antigas, de alguns
prédios das novas avenidas abertas na década de 40, e de edifícios residenciais
isolados), são associadas à densificação habitacional. O argumento não leva em
conta o tamanho e o padrão de ocupação das unidades, e aparece nitidamente na
exposição que Carlos Fayet vai fazer na Câmara dos Vereadores, em
esclarecimento do projeto apresentado. Explicando a função do novo dispositivo, o
índice de aproveitamento, no controle da ocupação do solo e das densidades,
Fayet exemplifica sua aplicação para coibir situações geradas pelo o padrão
vigente no centro, onde eram comuns aproveitamentos superiores a vinte vezes a
área do terreno:
(...) cada metro de terreno é construído vinte vezes. Mil metros de terreno são ocupados
por vinte mil metros quadrados de construção. E vinte mil metros quadrados de construção
correspondem a duzentos apartamentos em média. E duzentos apartamentos comportam
mil pessoas aproximadamente. E, continuando assim, teremos uma população de dez mil
pessoas por hectare.
15
Ao final dos anos 50, nem Copacabana, no Rio de Janeiro, chegava a essa
densidade média. O Edifício Esplanada, em situação similar à descrita,
comportava 126 apartamentos, e era o maior empreendimento imobiliário
residencial de toda a década. Muitos dos novos apartamentos destinavam-se à
classe média e à burguesia, com áreas entre 100 e 200 m² por família, ou mesmo
mais. As regulamentações urbanísticas baseadas no controle da densidade
refletem uma aceitação implícita de que altas densidades resultam em
superlotação, ou equivalem à deterioração da qualidade de vida urbana.
Entretanto, como Jane Jacobs já alertava eloquentemente em 1961, uma coisa
não tem necessariamente a ver com a outra:
“Uma das razões pelas quais baixas densidades urbanas são bem-vistas, embora
desmentida pelos fatos, e por que altas densidades urbanas são malvistas, igualmente
desmentida, é que sempre se confundem altas densidades habitacionais com superlotação
de moradias. Altas densidades habitacionais significam grande quantidade de moradias
por acre. Superlotação significa muitas pessoas numa moradia em relação ao número de
cômodos que ela possui. (...) Isso não tem relação alguma com o número de moradias na
área, assim como as altas densidades não têm de fato relação alguma com
superlotação.
16
Ela aponta a necessidade de concentração como uma das condições para
o florescimento da diversidade urbana, e credita a confusão entre altas
densidades e superlotação (overcrowding), que tanto interfere no entendimento
do papel das densidades na vida das cidades, a um equívoco herdado do
urbanismo da Cidade-Jardim. Em Porto Alegre, a confusão decorre das mesmas
15
Anais da Câmara Municipal de Vereadores, vol. V, junho de 1959, pp. 18-28, descritos em
ALMEIDA, 2004, op. cit., p. 176.
16
JACOBS, Jane. The death and life of great american cities. New York: Random House, 1961, p.
205. A citação vem da tradução para o português: Morte e vida de grandes cidades. São Paulo:
Martins Fontes, 2000, pp. 226-227.
233
fontes: os argumentos contra as altas densidades nos anos 50 baseiam-se nas
premissas da cidade-jardim inglesa e da unidade de vizinhança americana. Tanto
no famoso panfleto Nada se ganha com superlotação” (“Nothing gained by
overcrowding”) de Sir Raymond Unwin e nas análises de Lewis Mumford e
Catherine Bauer, quanto nos padrões propostos por Clarence Perry e depois
desenvolvidos por Clarence Stein e Henry Wright nos anos 30, culminando com o
projeto de Radburn, são defendidas densidades urbanas sempre inferiores a 250
ou 200 habitantes por hectare. Trata-se, na realidade, de densidades adequadas à
vida suburbana. São todas elas, referências persistentes para Edvaldo Paiva.
Em meados de 1959, enquanto o projeto do Plano Diretor entrava em
tramitação final de aprovação na Câmara dos Vereadores, Paiva tinha sido
convidado por Brizola, eleito governador, para constituir seu Gabinete de
Planejamento (GAPLAN). Quando a Câmara convoca a equipe técnica em julho
de 1959 para expor em plenário o conteúdo do plano e esclarecer seus
dispositivos, é Fayet quem substituía Paiva. Sua exposição é elucidativa das
premissas que orientaram o Plano, e de seu encadeamento teórico-metodológico.
Encontram-se nos Anais da Câmara, e são comentados extensivamente por Maria
Almeida em sua tese.
Fayet inicia pelo zoneamento de usos (“a distinção de suas diversas
funções”), passa ao zoneamento de aproveitamento do solo (“no sentido do
controle das densidades e do controle da área coberta das construções”), e às
alturas (“que não poderiam causar problemas à vizinhança”). Alertava para a ainda
reduzida área de abrangência do plano, mas a urgência de sua aplicação (“A
cidade não pode esperar. Por isso, queremos com esta parte do plano atender à
área mais urbanizada”), e enunciava o conceito de unidades de vizinhança como
princípio fundador do modelo espacial. Defende o zoneamento baseado no
conhecimento prévio da cidade e seu zoneamento natural”, e demora-se na
questão das alturas, efetivamente o foco das preocupações.
Procurando acalmar os agentes do setor imobiliário e da construção civil,
que ingressavam em massa com novos projetos para garantir os benefícios da
situação vigente, ao julgar-se ameaçados pelos dispositivos da nova lei (vista
como ameaça aos seus interesses e cerceadora do aproveitamento dos terrenos),
Fayet procura dissociar o controle das densidades da questão de altura. Como o
índice de aproveitamento era um dispositivo novo, ainda não inteiramente
entendido pelos empresários, seu receio se limitava à questão das perdas de
construtibilidade por redução de altura. Fayet insistia que o novo dispositivo
permitiria o controle da densidade, sem limitar a altura dos prédios:
Se alguém quiser construir cem andares, poderá fazê-lo, bastando ter terreno para isso.
(...) As alturas permitidas no centro e nas diversas zonas da cidade continuarão,
praticamente, sendo as mesmas de hoje. (...) A altura máxima no alinhamento continua
sendo de onze metros Se houver área compatível de terreno, se poderá construir trinta
metros de altura ou mais, mas dever-se-á observar recuos proporcionais a essa altura”.
17
17
Idem, ibidem.
234
Fayet foi respaldado por Paiva, verdadeiro mentor do plano, como
expositor convidado pela Câmara em 31 de julho do mesmo ano. Numa longa
palestra ilustrada com diapositivos, na qual inicia com a evolução urbana da
cidade, passa por sua trajetória profissional, descreve os princípios fundadores da
urbanística moderna e do plano, a divisão da cidade em células (as unidades de
habitação, ou vizinhança) e o zoneamento, Paiva retoma o tema do controle dos
usos e das densidades, utilizando dispositivos de aproveitamento e altura
combinados com recuos. Ele praticamente repete o argumento de Fayet: Não
haverá mais teto a não ser o determinado pela extensão do recuo. Poder-se-á
tomar um quarteirão inteiro e construir um edifício alto, desde que não prejudique
os existentes ao redor. Esse é o espírito da lei”.
18
O prefeito em exercício também procura ressaltar a “neutralidade técnica”
do plano, evitando a ideologização da disputa na Câmara. Legitimando o trabalho
dos técnicos da Divisão de Urbanismo, ao concluir os projetos de lei do Código de
Obras e do novo Plano Diretor e levá-los à apreciação da Câmara, o relatório
refere-se ao seu caráter eminentemente técnico”; com relação ao Conselho do
Plano Diretor, elogia sua abnegação, destacando que(...) em ambos os casos
houve a colaboração de técnicos representando órgãos de classe e repartições
públicas os quais durante dois anos contínuos compareceram assiduamente às
reuniões do Conselho do Plano Diretor”.
Finalmente, o Plano Diretor foi aprovado através da Lei 2.046/59, de
30/12/1959, já com um novo prefeito eleito, Loureiro da Silva, a ser empossado
em 1º de janeiro. Como o assunto era novo e polêmico, e considerado pelos
Vereadores como de caráter técnico, estes alegaram não ter condições de avaliar
adequadamente o conteúdo “científico” do plano. Assim, decidiram aprová-lo na
íntegra, sem emendas, com o compromisso do executivo de reapresentá-lo um
ano depois, permitindo as emendas que se tornassem necessárias em função dos
ajustes demandados pela prática. O Plano passou então a ser implementado, com
sua aplicação pelos técnicos municipais na condição de aprovado preliminarmente
in totum pela Câmara e em primeira instância pelo Conselho do Plano Diretor.
Durante o período imediatamente posterior à aprovação do Plano, a equipe
técnica da Divisão de Urbanismo continuou dedicada ao exame e aperfeiçoamento
dos seus dispositivos, sob o comando do arquiteto Rodolpho Matte. Em meados
de 1961 o Plano Diretor volta à Câmara de Vereadores, encaminhado pelo prefeito
Loureiro da Silva. O novo projeto de lei, já aprovado no âmbito do Conselho do
Plano Diretor, detalhava a Lei nº 2046, com a introdução de novos dispositivos.
Em dezembro de 1961, a Comissão Consultiva de Obras Públicas da Câmara de
18
Idem, p. 273. A confirmação de que a disputa se dava na questão das alturas é ilustrada pela
exposição do arquiteto Rodolpho Matte sobre o plano viário e o traçado da nova Avenida
Perimetral, pouco antes no mesmo mês de julho. Com o mesmo tipo de interlocutores, a reunião foi
tranqüila, encerrando-se em clima de cordialidade com empresários, vereadores e proprietários de
imóveis, todos se declarando satisfeitos com os esclarecimentos e o projeto.
235
Vereadores, então coordenada pelo vereador Germano Petersen Filho,
apresentou ao plenário seu parecer sobre o projeto.
O detalhado parecer da CCOP discorria sobre todas as matérias propostas
no projeto, descrevendo e justificando as alterações sugeridas para cada artigo.
As modificações introduzidas não eram poucas, e compreendiam as
especificações do zoneamento, as disposições mínimas para ocupação dos lotes
e o seu aproveitamento, e o detalhamento dos dispositivos de limitação de altura.
Recomendando sua aprovação, o relator justificava o acerto das modificações
introduzidas pelo Conselho do Plano Diretor “(...) cujas conclusões e estudos
merecem sejam mantidos na íntegra em suas disposições renovadoras, para
evitar que qualquer alteração possa de leve ferir os objetivos do conjunto.
19
Após vários pronunciamentos e discussões, as alterações propostas foram
postas em votação e aprovadas por unanimidade. A nova lei foi sancionada pelo
prefeito Loureiro da Silva, sob o título de Lei Complementar nº 2.330, de 29 de
dezembro de 1961. O Plano de 1959, que abrangia a área da cidade até a
Avenida Carlos Gomes, poderia ser estendido mediante decretos, que já
começam em 1961 com a Extensão A. Entre 1961 e 1969 as Extensões B, C e D
também são contempladas por decretos, e o Plano passa somente então a incidir
sobre uma área mais aproximada ao total da área urbanizada da cidade na época.
Para a execução do conjunto de obras previstas no Plano, foi aprovada
pouco antes a Lei n° 2.321, de 21/12/1961, que criava o FUNDO ESPECIAL
PARA EXECUÇÃO DO PLANO DIRETOR, instituindo a Taxa de Urbanização e
destinando-a juntamente com o Imposto de Transmissão de Propriedade
Imobiliária para composição do mesmo (Lei nº 83, de 11 de dezembro de 1961).
Os recursos do Fundo eram geridos pela Secretaria de Obras e Viação e com eles
o prefeito procurava dar andamento às obras de implantação do novo bairro Praia
de Belas e à extensão da Avenida Borges de Medeiros na direção ao sul. Ainda
assim, o prefeito considerava os recursos insuficientes para implantar todas as
obras previstas, e pressionava o governo federal e instituições bancárias para
complementá-los.
Segundo Almeida, “(...) os primeiros tempos de aplicação da lei foram
promissores, na opinião de alguns membros do legislativo municipal. Havia sido
superada a etapa de seu amadurecimento, e a opinião pública tinha recebido
satisfatoriamente a sua implantação
20
. Essa relativa tranqüilidade se devia, em
grande parte, a um notório arrefecimento da atividade imobiliária no início da
década de 60. Algumas opiniões de empresários do setor inclusive ligavam o
arrefecimento à diminuição de aproveitamento dos terrenos determinada pelo
novo Plano, desde 1959. No documento que apresentava e justificava os novos
dispositivos, enviado à Câmara junto com o projeto de Lei, o Secretário Walter
19
Parecer nº 163-61 da CCOP. Anais da Câmara Municipal de Vereadores, vol X, dezembro de
1961, p.224-233.
20
ALMEIDA, 2004, op. cit., p. 181.
236
Haetinger, discorria sobre essa questão, negando qualquer relação entre os dois
fatos. O texto, datado de outubro de 1961 e assinado por Haetinger, busca os
fundamentos do Plano em vários precedentes modernos, mas enfatiza
especialmente a relação com o então recente Plano de Nova York, o Rezoning
New York, publicado em 1959.
O documento de exposição de motivos, de publicação inédita e muito útil
para entender essa tão surpreendente quanto persistente influência, foi cedido ao
autor pelo arquiteto Moacyr Moojen Marques, para contribuir na divulgação
científica de um texto pouco conhecido”, e encontra-se transcrito como Anexo ao
texto da tese. Na correspondência que acompanha a cópia do texto
mimeografado, Moojen Marques acrescentou as seguintes considerações sobre
os objetivos do documento:
“1 - Preocupação de contornar a reação contra a nova legislação produzida pelo ramo
imobiliário da construção civil, devido à existência, pela primeira vez, dos índices de
aproveitamento. No caso, com valores variáveis de 12 a 3. O argumento principal seria a
paralisação da atividade e o conseqüente desemprego (...).
2 Ênfase na necessidade da existência de planos diretores para orientar o
desenvolvimento da cidade, visto que, à época esta atividade não era aceita na sua
plenitude. Cita exemplos.
3 Afirmação ideológica modernista assumida através da defesa dos princípios da Carta
de Atenas com os textos dos autores que foram citados.”
21
A redação do texto era inicialmente atribuída a Edvaldo Paiva. Seu estilo,
entretanto, não é o de Paiva, fora da Prefeitura à época e atuando como assessor
do Governador Leonel Brizola desde sua posse em 1959. Em função disso, o
próprio Moojen Marques manifesta dúvidas quanto à autoria do texto, se de
autoria do Prof. Paiva assumido pelo Dr. Haetinger ou de autoria do próprio Dr.
Haetinger. Consultei o Fayet que também tem a mesma dúvida. (...) Acho pois
prudente manter a autoria do Dr. Haetinger
22
. Haetinger teve marcante atuação
durante o processo de revisão da Lei 2046/59, e Carlos Fayet à época era o Chefe
da Seção de Planejamento da Divisão de Urbanismo da Secretaria de Obras e
Viação e Representante do Prefeito no Conselho do Plano Diretor, o que confere
autoridade à dúvida. Considerando o argumento, o estilo do texto e as referências
nele encontradas
23
, entendemos que o texto seja presumivelmente de autoria de
Haetinger, parcialmente baseado em Paiva, com colaboração de assessores.
Ele reforça os argumentos levantados por Almeida na análise da conexão
Porto Alegre - Nova York, em termos de legislação urbana. Em 1959, a City
21
Moacyr Moojen Marques, em correspondência ao autor, sem data, com referência
P5\hd\MooMAA\MooMAA-Equipe\Moacyr\Para Silvio.doc.
22
Moacyr Moojen Marques, em correspondência manuscrita ao autor, datada de 14/12/2005.
23
Além do Plano de Nova York e da Carta de Atenas, o texto cita especificamente Lewis Mumford
em “Cultura das Cidades” (sic), Walter Gropius em seu discurso ao receber o título de “Doctor of
Human Letters” na Universidade de Columbia, e o jurista Hely Lopes Meirelles, então a maior
autoridade em direito urbano e legislação urbanística do país, configurando uma mescla bastante
eclética de referências.
237
Planning Commission da cidade de Nova York publicava o Rezoning New York
City, um guia para moradores e usuários da cidade com as metas e conceitos do
zoneamento adotado, com o objetivo de divulgação. O texto definia os objetivos do
zoneamento: zoning is for people”. O documento trazia uma série de croquis,
gráficos, tabelas e mapas esclarecendo os dispositivos do zoneamento adotado.
Especificava-se desde as densidades por zona de uso residencial, comercial ou
industrial até as formas de ocupação dos lotes.
O zoneamento incentivava o maior afastamento entre construções,
liberando maior altura para menor ocupação. Segundo testemunho de diversos
membros da equipe de planejamento municipal, os urbanistas locais tiveram
acesso a esse documento no detalhamento do Plano de 1959. Seus princípios
serviram de referência aos conceitos e dispositivos urbanísticos de Porto Alegre, e
foram incorporados à legislação na forma da Lei nº 2.330
24
. Inspirada nos
esquemas volumétricos que ilustravam o Rezoning, a Lei nº 2.330 passou a
explicitar e ilustrar seus dispositivos de controle com o auxílio de croquis e
diagramas. Podemos verificar sua recorrência especialmente nas dezenas de
esquemas gráficos (perspectivas cavaleiras, na maior parte) que acompanhavam
o Zoneamento de Alturas da Lei (artigos 59 a 74).
Utilizaram-se os princípios, mas não as alturas permitidas para os edifícios.
Os arranha-céus escalonados do Rezoning foram substituídos pelos pequenos
prismas do Plano Diretor de Porto Alegre. Entretanto, a referência à legislação
americana serviu certamente para legitimar, ao menos por um período inicial, os
dispositivos do plano aos olhos do setor privado.
Em 1964, ao completar dez anos do início da elaboração do Plano Diretor,
a Prefeitura fez editar um volume contendo o conjunto de leis, seus instrumentos e
dispositivos. Constavam do volume, além da íntegra da Lei nº 2.330, uma série de
leis complementares e o Decreto nº 2.872, que acrescia os limites da área descrita
no artigo 20 da Lei nº 2.330, estabelecendo o que se convencionou denominar
Extensão A do Plano Diretor”. Durante a década de 1960, novas áreas foram
sendo incorporadas ao plano, sempre definidas como Extensões do Plano Diretor,
à medida que avançavam os estudos em direção à periferia urbana. A Extensão A
abrangia a área entre a Terceira Perimetral (avenidas Carlos Gomes e Dom Pedro
II) a oeste, a Avenida Assis Brasil a norte, Rua Anita Garibaldi e sua continuação a
sul, e a Estrada do Forte, a leste. Incorporava ao plano uma parte dos bairros de
São João, Higienópolis e Boa Vista, o Conjunto do IAPI, e o bairro Passo da Areia.
O Plano foi publicado de forma consolidada como Porto Alegre Plano Diretor
1954-1964”, já na administração do prefeito nomeado pelo regime militar, Célio
Marques Fernandes, em agosto de 1964.
24
Felt, James et alii, City Planning Commission. Rezoning New York City. A Guide to the Proposed
Comprehensive Amendment of Zoning Resolution of City of New York. Nova York: City Planning
Commission, December 1959. Ver também em ALMEIDA, 2004, op. cit., p. 184.
238
Essa sucessão de leis e documentos gerou sobreposição de datas, e certa
confusão quanto ao Plano Diretor. A Lei 2.046 institui o Plano Diretor em 1959,
mas foi emendada e detalhada pela Lei 2.330 em 1961, que novamente o institui,
com alterações. Dessa forma, podemos falar de fato em um Plano Diretor de
1959-61. Entretanto, o documento consolidado só foi publicado em 1964 e
introduz novas datas (como Plano Diretor 1954-1964”), sem nenhuma relação
com a legislação ou mesmo a formalização do Plano. Se o ano de 1954
assinalaria o início do Anteprojeto, o de 1964 é apenas a data de publicação do
volume. Efetivamente, quase todos os documentos gráficos do Anteprojeto
aparecem datados de 1954, mas a criação da Divisão de Urbanismo é de 1955, e
a nomeação de Paiva como seu diretor também. Enfim, para a designação do
Plano, preferimos manter a referência de Plano Diretor de Porto Alegre 1959-61,
adotando o marco legal.
O PLANO DIRETOR DE PORTO ALEGRE 1959-1961
A descrição e análise do Plano Diretor serão realizadas a partir do
documento consolidado, editado em 1964 como Porto Alegre Plano Diretor
1954-1964
25
. Ele complementa técnica e conceitualmente a Lei Nº 2.046/59, e
apresenta uma estrutura de caráter mais discursivo, que inclui memória
justificativa e um formato que o aproxima de um “livro”. A analogia do Plano como
um livro era recorrente em Paiva, e provavelmente tem sua origem na força das
suas primeiras referências urbanísticas, dois Planos igualmente apresentados
como livros: O Plano de Agache para o Rio de Janeiro e o Plano de Prestes Maia
para São Paulo. As citações retiradas diretamente do documento têm as
respectivas páginas indicadas entre parêntesis ao seu final.
Integram o documento da Lei do Plano Diretor de 1961 os seguintes
elementos: Evolução urbana de Porto Alegre, Pesquisa Urbana, Planificação com
zoneamento natural, detalhamento do plano e projetos específicos dedicados à
Primeira Perimetral, Novo Projeto Praia de Belas e Reloteamento da área da
Ilhota, a Lei do Plano Diretor e Leis Complementares, com plantas analíticas,
gráficos, fotos de maquetes, legislação urbanística e uma série de
regulamentações complementares específicas.
O Documento é aberto com fotos exaltando o caráter metropolitano da
cidade, e por um breve Prefácio do prefeito Célio Marques Fernandes, seguido de
uma Introdução pelo arquiteto Alceu de Lima Dutra, titular da SMOV. Já na
introdução, fica clara a filiação do Plano: A primeira metade do nosso século é
pontilhada de promoções oficiais no sentido de planificar a vida urbana. Mas foi só
em 1954, que essa planificação adotou princípios realmente técnicos, lastreados
em conhecimento objetivo da sociedade metropolitana” (p.11).
25
PÔRTO ALEGRE (CIDADE). Plano Diretor de Porto Alegre 1954-1964. Porto Alegre: Prefeitura
Municipal, 1964.
239
Segue-se um Esboço histórico da evolução de Porto Alegre e das
tentativas de sua Planificação”, resumo da evolução urbana da cidade,
presumivelmente escrito por Edvaldo Paiva, ou preparado a partir de seus textos
em documentos anteriores. A análise das tentativas de sua planificação” que o
acompanha novamente desqualifica os projetos de Gladosch, voltando a defender
o Plano Maciel e seus próprios estudos das décadas de 30, 40 e 50. A seguir o
Plano estrutura-se em quatro partes: Pesquisa Urbana, Planificação, incluindo os
Detalhes do Plano, a Lei do Plano Diretor (Lei nº 2.330/61) e as Leis
Complementares.
A primeira Parte trata da PESQUISA URBANA. A partir do Expediente
Urbano e de uma série de pesquisas da Divisão de Urbanismo (a partir de 1961
abrigadas na Seção de Estudos Econômicos e Pesquisas), foi elaborado um
mapeamento da distribuição das atividades humanas”, ou carta funcional, nome
algo pomposo para um zoneamento funcional básico, muito esquemático. O
esquema proposto é apresentado em uma Carta Funcional e Zoneamento Natural
em escala 1: 5.000, que constituiria “o retrato atual de Porto Alegre”. O retrato era
restrito, pois a Carta Funcional nunca chegou a cobrir toda a área urbana, e foi
detalhada apenas para a zona mais central.
A segunda Parte trata da PLANIFICAÇÃO urbana. O planejamento
considera uma cidade de 650.000 habitantes, mas tendo como horizonte uma
metrópole com um milhão de habitantes em 1970 (Porto Alegre chegou a 1970
com cerca de 885.000 habitantes). A PLANIFICAÇÃO compreende um conjunto
de legislação urbanística e complementar, com as Leis nº 2046 e 2047 (Código de
Obras), a primeira depois substituída pela Lei nº 2330 (29/12/1961), o Código de
Loteamentos (em elaboração), o Plano Urbanístico, o Zoneamento, o Esquema
Viário seus aspectos atuais e soluções propostas, os Espaços Verdes, e a
PLANTA GERAL DE ZONEAMENTO, em escala 1: 20.000. Esta representa o
modelo espacial do plano, ou a “planta do plano”, dispondo num mesmo mapa um
mosaico complexo com o esquema viário principal, a distribuição do zoneamento
de usos, e os principais projetos urbanos.
A seguir, como uma subdivisão da Parte 2 (item 2.1), são apresentados os
DETALHES DO PLANO, reunindo uma série de projetos especiais, para a ILHOTA
(RELOTEAMENTO DA ILHOTA), para a 1ª PERIMETRAL (A AVENIDA
PERIMETRAL), para a PRAIA DE BELAS, e um novo projeto para esta.
O projeto para a ILHOTA (RELOTEAMENTO DA ILHOTA) apresenta o
Plano de Reurbanização da Ilhota, envolvendo a construção de uma nova radial, a
Avenida Cascatinha (prevista desde a Contribuição, dos anos 30), o reloteamento
de toda a área remanescente da antiga Ilhota e a previsão de implantação de uma
série de equipamentos públicos, entre os quais Escola e Mercado Regional na
Praça Garibaldi. A Ilhota era uma área com ocupação irregular de caráter popular
entre a Praça Garibaldi e o bairro Menino Deus, contida por um antigo meandro do
vale do Riacho, drenado quando da canalização e abertura da Avenida Ipiranga
nos anos 40. Já tinha sido objeto de estudos de reloteamento e traçado urbano, de
240
natureza bem mais formal, no âmbito do Plano Gladosch, mas continuava como
um bolsão insalubre e irregular ao final dos anos 50.
O novo projeto prevê um traçado urbano bastante frouxo, parcialmente
voltado a operações de “colagem” com os tecidos urbanos consolidados dos
bairros adjacentes (Menino Deus a oeste, Cidade Baixa a norte e leste), e à
organização de duas novas Unidades de Vizinhança, cortadas pela nova avenida,
ao redor de praças nas áreas desocupadas junto à Avenida Ipiranga a sul. A
confusão de traçado e parcelamento, a ausência de um projeto morfológico e a
indefinição de um programa de usos claro para as áreas certamente contribuíram
para o relativo fracasso do projeto. Mesmo com a implantação da nova Avenida
Cascatinha (hoje Erico Veríssimo) através do Projeto Renascença, um projeto
CURA típico dos anos 70, e de equipamentos importantes, mas dissociados entre
si, como o Centro Municipal de Cultura (Edgar do Valle, 1976) nos anos 70 e o
Ginásio Tesourinha nos 80, as operações de “colagem” não se efetivaram
26
, e as
novas quadras nunca chegaram a se constituir enquanto vizinhanças.
A PERIMETRAL apresenta em detalhe o projeto para a nova Avenida
Perimetral. A 1ª Perimetral é apresentada com seu traçado sobreposto a uma foto
aérea da área central, por ela contornada (Fig. 5.5), juntamente com uma série de
detalhes de partes do projeto. A avenida foi dividida em três trechos, denominados
A, B e C, e são apresentadas plantas de traçado e reloteamento de cada trecho
em escala aproximada 1: 4.000 (Figs. 5.8 a 5.10). A planta do trecho B aproxima-
se muito a uma operação de percée” urbana de natureza haussmaniana,
rasgando o tecido urbano da Cidade Baixa, parcialmente em diagonal,
parcialmente alargando a Rua Avaí, com demolições massivas nas duas pontas,
junto ao Campus Central da UFRGS, e na rótula dupla junto ao entroncamento
com a Avenida Borges de Medeiros e a nova Avenida Cascatinha.
Uma perspectiva geral do trecho B mostra a monumental rótula dupla no
entroncamento com as duas avenidas, ilustrando a localização do futuro Teatro
Municipal, e a configuração da avenida nos moldes de um grande Boulevard, com
edifícios laminares de meio de quadra e torres de base quadrada nas esquinas,
com cerca de 20 pavimentos e arcadas nos térreos (Fig. 5.12). A imagem denota
um caráter de exaltação metropolitana, pela escala, pela coordenação tipo-
morfológica, e pelo contexto. Entretanto, trata-se de uma peça urbana híbrida:
uma grande avenida moderna, mas longe de uma via de circulação autônoma de
acordo com o urbanismo moderno de linha CIAM. Em função disso, a avaliação do
impacto dessa imagem não é consensual.
26
Os projetos CURA (Comunidades Urbanas de Recuperação Acelerada, do BNH) previam a
recuperação de área urbanas degradadas, através da implantação de obras de infraestrutura viária
e de drenagem urbana. Nos anos 90, um projeto de urbanização e regularização de favelas do
Departamento Municipal de Habitação (DEMHAB) em alguns quarteirões entre as avenidas Erico
Veríssimo e Getúlio Vargas, concebido como um enclave urbano (em termos morfológicos,
funcionais e sociais), acabou agravando a “erosão” da área, consolidando-a como justaposição de
fragmentos urbanos díspares e incompletos.
241
Fig. 5.12 - Avenida Perimetral. Perspectiva com vista aérea do trecho B, com rótula dupla, Obelisco e Teatro Municipal.
Fig. 5.8 - Avenida Perimetral. Trecho A.
Fig. 5.9 - Avenida Perimetral. Trecho B.
Fig. 5.10 - Avenida Perimetral. Trecho C.
Fig. 5.7- Avenida Perimetral, Trecho C. Perspectiva da
entrada do túnel da Conceição.
Fig. 5.6 - Avenida Perimetral, Trecho B. Perspectiva
com o Convento do Carmo.
Fig. 5.5 - Traçado da Primeira Perimetral sobre foto
aérea.
Fig. 5.11 - Avenida Perimetral. Elevadas da Conceição.
Foto da inauguração.
242
Para Weimer, por exemplo, a maior ingenuidade deste plano diretor era a
pretensão de querer conciliar os boulevares parisienses com a legislação urbana
de Nova Iorque
27
, criticando o intento e os resultados.
Uma perspectiva urbana, tomada da esquina da Perimetral com a Rua Lima
e Silva, mostra as galerias cobertas, a escala da avenida e o Convento do Carmo
como exemplo de manutenção de elementos tradicionais pré-existentes (Fig. 5.6,
assinada por Carlos Fayet, datada 1956). Uma perspectiva da entrada sul do
Túnel na Praça Dom Sebastião, com a igreja N.S. da Conceição ao alto e ao
fundo, ilustra as tipologias residenciais de mais baixa altura (térreo mais quatro
pavimentos-tipo) das ruas Conceição e Sarmento Leite, com colunatas nos térreos
(Fig. 5.7). O texto apresenta: O Novo Centro Comercial, Centro Administrativo
Estadual, O Paço Municipal, Teatro Municipal e Terminais rodo-ferroviários,
retomando as localizações de equipamentos públicos ao longo do 1º Perímetro
propostas por Paiva e Demétrio Ribeiro no Ante-projeto de Planificação de Porto
Alegre, de acordo com os princípios preconizados pela Carta de Atenas de 1951.
A urbanização da PRAIA DE BELAS traça um histórico das propostas para
a orla da enseada desde 1894 (não identificada), nomeando o Plano Maciel, que
“previa a construção de um cais de saneamento e pequena faixa de aterro
destinada a jardins, e os projetos Paiva-Ubatuba de Faria e Gladosch,
desqualificando os dois últimos indistintamente
28
. Após, introduz o Projeto Paiva
de 1951, que “tratou a área como um bairro residencial autônomo, organizado em
unidades vicinais e com um sistema de verdes bem estruturado” (p. 63-64), e o
Projeto de Paiva e Carlos M. Fayet de 1953. Este último utiliza os 300 hectares de
aterro para uso residencial com densidade de 400 hab/ha
29
, resultando em um
bairro modelo para 120.000 habitantes, com comércio, serviços e equipamentos.
O elemento mais interessante é sem dúvida a foto da maquete do segundo
projeto, geralmente atribuído a Fayet, imagem de grande impacto pela exaltação
de modernidade (Fig. 5.16). Ela revela um fragmento de cidade ideal moderna,
27
Ele acrescenta que se propunha “(...) o alargamento de numerosas ruas no centro histórico da
cidade, através do recuo das construções ou da implantação de galerias que permitiam a
construção a partir da testada do lote, desde que fosse respeitado um recuo no piso térreo. Em
continuidade ao plano Gladosch, foram re-elaboradas algumas proposições de avenidas
perimetrais e radiais. Uma primeira perimetral era concebida como um grande boulevard, numa
versão afrancesada do Passeio Público de Lisboa (...)”. WEIMER, 2004, op. cit., p. 201. Quanto à
questão da convivência de influências nas definições morfológicas do Plano, ver também
MARQUES, Moacyr Moojen. Porto Alegre seus projetos e outras considerações. In: ELARQA,
Dos Puntos, Montevideo (33):24.
28
Estes projetos contudo ressentiam-se de um caráter individual, moderno que se procura
imprimir a projetos desta natureza, resultando, ora em um estudo que empresta excessiva
monumentalidade ao traçado sem dar atenção ao zoneamento, ora em um simples projeto de
prolongamento do traçado urbano” (p. 63). O texto não esclarece a qual projeto se refere em cada
caso, confundindo-os deliberadamente.
29
Do total da área abrangida pelo projeto, somente um terço era dedicado aos lotes vendáveis,
(ainda assim proporcionando 1.870 lotes), sendo justificado com a possibilidade de fornecer ao
Município recursos para execução de outras obras urbanas previstas no Plano Diretor” (p. 64).
243
Fig. 5.14 - Plano Diretor de Porto Alegre (1959/61). Novo Projeto Praia de Belas com Parque
substituindo Bairro Residencial Modelo
.
Fig. 5.15 - Plano Diretor de Porto Alegre
1959/61. Maquete do Projeto Praia de Belas,
1957, vista para o Norte
.
Fig. 5.16 - Plano Diretor de Porto Alegre
1959/61. Maquete do Projeto Praia de Belas,
1957, vista geral para o Sul
.
Fig. 5.13 - Plano Diretor de Porto Alegre (1959/1961). Planta do Projeto Praia de Belas.
244
composta de superquadras entre a continuação da Avenida Borges de Medeiros, a
Primeira Perimetral e a futura Avenida Beira-Rio (avenida-dique de proteção junto
à orla, da Ponta da Cadeia à Ponta do Dionísio), com prédios laminares junto às
bordas e prédios mais baixos internamente, e um Centro Administrativo na
“esquina” do conjunto, introduzindo um forte componente diagonal na composição,
ressaltado na análise gráfica de Bohrer (Fig. 5.13) e perceptível nas fotos da
maquete (Fig. 5.15). A Avenida Ipiranga corta transversalmente o novo bairro, e
organiza equipamentos na foz e borda do rio.
Entretanto, a Planta Baixa correspondente, em escala 1: 7.600, revela-se
um pouco decepcionante, em função de algumas hesitações e irresoluções no
traçado adotado, preservando as unidades de vizinhança com loops que conferem
um caráter algo labiríntico ao conjunto, aparentemente proposital (Fig. 5.17).
Apesar das evidentes distinções em termos de escala, implantação e linguagem, o
traçado interno das superquadras guarda reminiscências do primeiro projeto de
Paiva para a área, na Contribuição, mostrando a persistência dos modelos
derivados da Unidade de Vizinhança em suas propostas urbanas.
Em PRAIA DE BELAS NOVO PROJETO é apresentado o novo projeto para
o aterro (na realidade um Estudo bastante preliminar, com Planta em escala 1:
6.500), quase inteiramente dedicado a um conjunto anódino de parques urbanos
de orla (Fig. 5.14). Paradoxalmente, o novo projeto se segue imediatamente ao
projeto anterior, cuja justificativa para o seu maciço aproveitamento era justamente
a possibilidade de fornecer ao Município recursos para execução de outras obras
urbanas previstas no Plano Diretor. Com o novo projeto, a Prefeitura renunciava a
qualquer retorno futuro do investimento pelo uso residencial, sob o argumento de
que a recente criação do Fundo Especial para a Execução do Plano Diretor
tornava desnecessária a busca de recursos naquela obra, e o DNOS pontificava-
se a assumir o aterro faltante, sem ônus para a Prefeitura.
O novo projeto inaugura uma vocação: a destinação compulsória da quase
totalidade das áreas aterradas para parques urbanos, abandonando-se as
recorrentes propostas que envolviam sua utilização para a implantação de um
bairro residencial modelo, presentes em todos os planos urbanos desde a
Contribuição. A nova cidade ideal, assim, prescinde do autofinanciamento, e é
cada vez mais dependente de recursos e decisões de instâncias superiores,
tornando-se virtualmente refém do planejamento centralizado, estadual e
principalmente federal. Como a modificação ocorre entre a Lei de 1959 (que
mantinha o bairro como um de seus projetos especiais) e a edição do Plano
Diretor em 1964, alguns fragmentos do bairro residencial chegaram a ser
implantados, e hoje permanecem como testemunho da possibilidade de outros
usos, para as áreas ganhas ao rio, além de espaços verdes e equipamentos. Se
analisarmos com detalhe a planta do projeto, identificamos esses fragmentos nas
quadras entre as avenidas Praia de Belas, Beira Rio, Ipiranga e C, em meio a
prédios institucionais e do Poder Judiciário. Alguns prédios laminares ao longo da
Avenida Borges também foram implantados, e no lugar do Hospital Geral previsto
hoje se encontra o Shopping Praia de Belas.
245
Fig. 5.17 - Plano Diretor de Porto Alegre 1959/1961. Planta do Projeto Praia de Belas. Os fragmentos remanescentes estão nas quadras 158 a 161, entre as avenidas Praia
de Belas, Borges, Ipiranga e C, e nas quadras a leste, entre as avenidas Borges , Beira Rio, Ipiranga e C. Visto em planta, o projeto releva a força organizativa da diagonal
do Centro Administrativo, muito evidente na maquete, em favor da serialidade e repetição das superquadras residenciais. O loteio interno das quadras é tradicional, e
não como proposto na Carta de Atenas e no urbanismo corbusiano, e implantado nas superquadras de Brasília na mesma época. A importância das escolas primárias
revela a filiação do projeto aos conceitos de Unidade de Vizinhança
, embora a implantação espelhada comprometa os raios de influência previstos por Clarence Perry.
246
A terceira parte apresenta a LEI DO PLANO DIRETOR (Lei n° 2.330/61),
dividida em Disposições Preliminares (I), Desapropriações (II, com 1 artigo),
Reloteamento (III), Garagens (IV) e Zoneamento (IV). O Zoneamento constitui o
core do Plano, e por sua vez divide-se em ZONEAMENTO DE USOS,
ZONEAMENTO DE ÍNDICES DE APROVEITAMENTO, ZONEAMENTO DE
PERCENTAGENS DE OCUPAÇÃO, e ZONEAMENTO DE ALTURAS.
Pelo ZONEAMENTO DE USOS (Fig. 5.18), a área urbana de aplicação do plano,
definida previamente no artigo 20,é dividida em zonas cujas características
comportem atividades básicas que definam a predominância de um sobre os
outros dos seguintes usos fundamentais: Comercial, residencial e industrial
(p.74). São definidas cinco Zonas Comerciais (ZC 1 a 5); quatro Zonas
Residenciais (ZR 1 a 4); e três Zonas Industriais (ZI 1 a 3), e listados os usos
permitidos e as exceções para cada uma delas, em quatro páginas (p. 75-78).
As principais modificações introduzidas com relação ao Plano de 1959
referiam-se ao detalhamento do zoneamento de usos, caracterizando-se cada
zona através dos usos permitidos, minuciosamente listados na lei. As áreas
comerciais definiam o centro urbano, com expansão na direção norte, onde
predominava o comércio atacadista, transportadores e indústrias. As áreas
industriais, acompanhando a vocação produtiva do eixo norte (em direção a
Canoas e eixo preferencial da expansão metropolitana), eram propostas ao longo
das avenidas Farrapos e Voluntários da Pátria, entre as instalações portuárias e
industriais da margem do rio e a Avenida Benjamim Constant. Todos os demais
bairros eram definidos como zonas residenciais.
No ZONEAMENTO DE INDICES DE APROVEITAMENTO (Fig. 5.19), a
aplicação do novo instrumento o índice de aproveitamento era agora
detalhada, de forma associada ao zoneamento de usos. A cidade é dividida em 12
zonas (Z0 a Z12), “onde as relações entre a área máxima total de construção e a
área do respectivo terreno são determinadas pelos seguintes índices máximos de
aproveitamento” (Art. 44, p. 79), com a previsão de índices de aproveitamento que
variam de 12 a 3. O dispositivo utilizava, além da limitação da área construída
sobre cada terreno, o incentivo aos usos predominantes, que recebiam índices
maiores.
Os índices variavam de doze vezes a área do terreno para a zona Z1,
correspondente ao centro urbano, até três vezes para os bairros mais afastados.
Estes índices eram considerados ainda muito altos pela equipe da Prefeitura
30
.
Como na lei anterior, outros dois instrumentos somavam-se para definir a
volumetria construtiva de cada terreno: a taxa de ocupação e a fixação das alturas
máximas para as construções no alinhamento por zona.
30
Ver ALMEIDA, 2004, op. cit., p. 183.
247
Fig. 5.20 - Plano Diretor de 1959. Planta Geral com Zoneamento, Sistema Viário e Projetos Especiais (a
Planta do Plano”).
Fig. 5.18 - Plano Diretor de 1959-61. Zoneamento de
Uso.
Fig. 5.19 - Plano Diretor de 1959-61. Índices de
Aproveitamento.
Fig. 5.22 - Plano Diretor de 1959-61. Taxas de
Ocupação.
Fig. 5.21 - Plano Diretor de 1959-61. Alturas.
248
O estabelecimento de índices máximos de construção restringe
quantitativamente o aproveitamento dos terrenos, operando uma redução da
ordem de 50% no centro e nas avenidas principais, onde se verificavam índices da
ordem de 20 ou até mais durante a década de 50. Nos bairros residenciais a
redução em termos nominais é similar, mas a redução real é bem menor, pois o
aproveitamento na prática era limitado aos padrões das tipologias mais correntes,
de casas e sobrados, ou pequenos edifícios sem elevador.
O ZONEAMENTO DE PERCENTAGENS DE OCUPAÇÃO (Fig. 5.22) divide
a cidade “em zonas onde são fixadas as percentagens máximas de ocupação dos
lotes, ou seja a relação entre a máxima projeção horizontal de área coberta
construída e a área total do terreno” (Art. 50, p. 80), com a previsão de apenas 3
percentagens, 66,6% (2/3), 75% e 100%. Para as taxas de ocupação eram
mantidas as mesmas regras anteriores, e são definidos alguns critérios tipológicos
para isenções e situações especiais, como pavimentos térreos de uso não
residencial e subsolos de terrenos em declive, por exemplo.
O ZONEAMENTO DE ALTURAS (Fig. 5.21) é o mais extenso e detalhado,
com 15 artigos (Art. 59 a 74, pp. 81 a 96), onde se previa várias possibilidades de
volumetrias, considerando a variação da largura das ruas, recuos laterais e
frontais, relação com construções vizinhas, posição do lote no quarteirão e o
incentivo ao uso do térreo em pilotis. Prevê para o Centro alturas variando de 30 a
60 metros, de acordo com a largura da via (mantendo e organizando o padrão
vigente), com previsão de escalonamento atendendo ao ângulo de obstrução no
alinhamento oposto. Para os bairros centrais, e ao longo das principais radiais e
perimetrais (Z4), prevê um regime com altura de uma vez a largura da via (H= 1xL)
até o máximo de 30 metros, com recuo a partir do 3° pavimento, introduzindo a
tipologia de base e torre. A redução de altura é importante, na medida em que a
legislação em vigor na década de 50 previa alturas proporcionais a duas vezes a
largura das vias no Centro e avenidas principais, e maiores com escalonamento.
Para os bairros residenciais (Z5), prevê regime com altura até 11,00m nas
divisas e no recuo de jardim/alinhamento, estabelecendo para alturas superiores
recuo proporcional de frente, laterais e de fundos de 1/3 da altura. Inaugura a
prática depois cristalizada da bonificação para o pavimento em Pilotis, que passa
a não contar na altura se sua ocupação é inferior a 50% da projeção em planta do
pavimento-tipo
31
.
31
O Zoneamento de Alturas do Plano mantém e disciplina o padrão tipo-morfológico vigente no
Centro da cidade durante a década de 50, com edificação nas divisas laterais e alinhamento até
uma determinada altura (relacionada com a largura do logradouro), e escalonamento acima desta.
Entretanto, nas radiais principais, apesar de manter um padrão morfológico de corredores de
altura, índice e ocupação superiores ao interior dos bairros, introduz um novo padrão com a
indução tipológica do edifício composto de base extensa e torre. Dessa forma, penaliza as
avenidas que vinham sendo construídas com edifícios altos no alinhamento e divisas ao longo da
década de 50, virtualmente congelando-as em função dos recuos previstos para as torres. É o
caso das avenidas Independência, Osvaldo Aranha, Cristóvão Colombo, e João Pessoa, entre
outras.
249
Fig. 5.23 Tipologias Plano Diretor 1959/61. Ao centro o modelo volumétrico básico previsto no Plano. Ao redor,
uma série de exemplos da aplicação das regras volumétricas previstas no zoneamento de alturas.
250
Ilustrando como a disputa estava centrada na questão das alturas, o Plano
vai procurar contemplar, metódica e obsessivamente, todas as situações de
implantação de edificações possíveis no tecido urbano. Situações de geometria,
topografia e vizinhança, do lote e de seu contexto imediato, estão ali
representadas, com a indicação de soluções específicas de altura, utilizando
diagramas volumétricos, fórmulas e padrões associativos e morfológicos (Fig.
5.23). Trata-se, enfim, de prever no corpo da lei todas as alternativas possíveis de
edificação urbana, numa pretensão de validade universal tão megalomaníaca
quanto derrisória, face às infinitas combinações possíveis de elementos da
estrutura e morfologia urbanas verificadas na cidade real.
Os RECUOS PARA AJARDINAMENTO, em seis artigos (Art. 75 a 80, pp.
96-98), consolidam e mantêm em toda a zona de abrangência do plano os recuos
frontais de 4 metros, que já vinham sendo aplicados desde a década de 40 por
sugestão de Arnaldo Gladosch, prevendo a criação de corredores verdes para o
embelezamento da cidade. Mesmo sem legislação específica que determinasse
sua adoção, a diretriz foi sendo implantada através do estabelecimento e
concessão de alinhamentos, e na medida da aprovação dos projetos. Na época
da aprovação do Plano, os recuos já caracterizavam a paisagem dos bairros
residenciais da cidade, e agora eram formalmente incorporados como dispositivo
de controle das edificações na nova legislação.
O Plano excluía sua aplicação sobre todo o perímetro central e as vias
radiais principais, e definia isenções para uma série de logradouros, e para
situações de esquina ou topografia específicas. Os logradouros isentos do recuo
estavam apresentados em uma planta anexa, indicando isenções por lado impar
ou par, ou para os dois lados, em função de inviabilidade física ou critérios de
proteção da paisagem urbana ou do patrimônio histórico.
RECUO DE FUNDOS (Art. 81 e 82, pp. 98-100) define os padrões para os
recuos mínimos de fundos, estipulados em 1/10 da profundidade do lote. A Lei traz
ainda Disposições Gerais, Dimensões Mínimas dos Lotes de Terreno (Art. 89), e o
Número de Construções no Mesmo Lote (Art. 90-91). O Art. 89 consagra os
300,00 m² como área mínima de lote, com testada mínima de 10,00m, dimensões
que passaram a pautar especialmente a expansão urbana através de loteamentos;
os últimos repetem a mesma exigência de frente mínima de 10,00m e área mínima
de 300m² para cada unidade.
A quarta parte do Plano traz uma série de LEIS COMPLEMENTARES. A
Lei N° 1.966, de 14/07/1959, estabelece o Zoneamento do novo Bairro Praia de
Belas, definindo regimes de Usos, Alturas, Ocupação, localização de edifícios
públicos, garagens, jardins e divisas. A Lei N° 2.434, de 25/10/1962, define o
regime especial para a área do CENTRO ADMINISTRATIVO DO ESTADO. A Lei
n° 2.321, de 21/12/1961, cria o FUNDO ESPECIAL PARA EXECUÇÃO DO
PLANO DIRETOR, instituindo a Taxa de Urbanização e destinando-a juntamente
com o Imposto de Transmissão de Propriedade Imobiliária para composição do
Fundo. A Lei N° 2.614, de 26/11/1963, estabelece condições especiais para a
251
construção de edifícios de estacionamentos em algumas zonas, instituindo
bonificação no índice de aproveitamento e na taxa de ocupação. A Lei Nº 2.706 de
03/07/1964 dispõe sobre a construção de Conjuntos Residenciais, e o Decreto Nº
2.872 de 27/08/1964 aumenta a área de abrangência do Plano criando sua
“Extensão A”.
A Lei nº 2.330 altera a Lei nº 2.046 de 30 de dezembro de 1959 e dá nova
redação a diversos dispositivos da mesma. O Plano Diretor definido por ela possui
uma planta-síntese, com o modelo espacial em escala 1: 20.000, onde constam o
Sistema Viário Principal (vias existentes, vias a alargar e vias projetadas), o
Sistema Viário Secundário (na realidade o conjunto do traçado), o Esquema de
Verdes (com o verde público e o conceito do verde vinculado), e o Zoneamento de
Usos, definido por cores (Fig. 5.20). Esse modelo incide apenas sobre parte da
área urbana ou de expansão urbana da época, basicamente limitada às zonas
mais ocupadas ao interior da Terceira Perimetral
32
. Em função disso, já vem
acompanhada de uma primeira extensão, ainda em 1964, incluindo a zona
Norte/Nordeste de Porto Alegre, entre a Rua Anita Garibaldi (e sua futura
continuação) e a Avenida Assis Brasil.
Trata-se de um modelo espacial em duas dimensões apenas. O Plano
também institui os dispositivos de controle das edificações, constituídos pelo
desdobramento do Zoneamento de Usos em zoneamentos de índices de
aproveitamento, ocupação dos terrenos e alturas. Cada um deles encontra-se
representado em uma planta específica, com a sua distribuição espacial,
configurando um modelo analítico. Dessa forma, uma idéia completa do modelo
espacial com definições morfológicas só poderá ser atingida pela sobreposição
dos três mapas.
A imagem de cidade que resulta é a de um modelo de desenvolvimento
rádio-concêntrico, com aproveitamentos, densidades e alturas decrescentes do
centro para a periferia. Depois do centro, as maiores densidades e alturas estão
na coroa de bairros pericentrais e nas avenidas principais, especialmente as
radiais, mantendo coerência com o modelo rádio-concêntrico. A maior ocupação,
distintamente, passa do centro para os bairros de ocupação industrial da zona
norte, atendendo naturalmente as pressões desses usos por tipologias com
projeções mais extensivas (pavilhões e depósitos, por exemplo).
Para Nygaard, as soluções propostas pelo Plano Diretor decorrem
diretamente das idéias associadas à importância do zoneamento de usos, do
esquema viário como esqueleto estruturador, e dos espaços verdes como valor
universal
33
. Coerente com a pregação de Paiva, o zoneamento de usos, ou a
32
O Art. 20 define a área de aplicação do Plano, “limitada pelo litoral do rio Guaíba, Av. Sertório,
Rua Pereira Franco e seu prolongamento, Rua Dom Pedro II, Av. Carlos Gomes e seu
prolongamento, Rua Salvador França, Av. Aparício Borges, Av. Teresópolis, Avenida projetada ao
longo do Riacho Passo Fundo, Av. projetada ao longo do Riacho da Cavalhada, Av. Icaraí até o
litoral, junto ao novo Hipódromo” (p. 74).
33
NYGAARD, 1995, op. cit., p. 101.
252
organização da cidade em zonas residenciais, comerciais e industriais”, é
considerada a base do planejamento urbano, já que disciplina o uso do solo,
definindo (...) usos compatíveis com o caráter da zona (...) limita a densidade de
população (...), limita a percentagem de ocupação do solo pelas edificações (...),
limita a altura das edificações das diferentes zonas e dos principais logradouros da
cidade. Através dele, o Plano incentiva ou proíbe a localização de atividades, a
densificação e a expansão urbana. O zoneamento, por sua vez, é delimitado e
organizado espacialmente pela estrutura viária, cuja solução no Plano é orientada
pelo velho princípio do estabelecimento de um sistema de vias radiais e
perimetrais” que, juntamente com as vias secundárias, vai estruturar “as extensas
áreas urbanas em núcleos residenciais, comerciais e industriais
34
, numa aparente
tautologia.
O Zoneamento de Usos consagra o zoneamento natural, agregando alguns
critérios de porte e condições ambientais. O modelo urbanístico para o Centro
mantém o regime de alturas por gabaritos, pela largura das vias, e alguns
dispositivos morfológicos já utilizados na aprovação dos projetos, notadamente as
galerias cobertas propostas por Gladosch, que são institucionalizadas para
algumas vias centrais e para o trecho B da Avenida Perimetral. O Plano
institucionaliza o recuo para jardim de 4 metros para quase toda a área urbana, de
mesma origem, e apresenta indução tipológica para o prédio sobre pilotis (pela
bonificação do pavimento assim conformado na definição da altura), recuado em
todas as suas faces, para os bairros residenciais.
Analisada com atenção, a Planta Geral do Plano (Fig. 5.24) revela uma
notável coincidência do Sistema Viário Principal com as propostas de sistema
radial-perimetral desenvolvidas desde a década de 30, primeiro por Ubatuba e
Paiva, depois por Gladosch, e finalmente por Paiva e Demétrio Ribeiro. Os
projetos especiais estão no aterro, como na Contribuição e em Gladosch, e na
várzea do Riacho (agora Ilhota), como nos sucessivos planos de Gladosch, e o
zoneamento de usos segue as zonas de uso previstas no Anteprojeto de 1951.
A parte referente à Pesquisa Urbana enfatiza a importância dos dados
estatísticos e da pesquisa sistemática sobre o funcionamento e estrutura sócio-
econômica da cidade para os planos, destacando o Expediente Urbano elaborado
por Paiva em 1942 e lamentando a descontinuidade de sua atualização.
Entretanto, a falta de atualização dos dados desde 42, que seria um obstáculo
conceitual e metodológico relevante para a elaboração do Plano, não impediram
sua realização em 1959 como já não haviam impedido a realização do Anteprojeto
em 1951, com Demétrio Ribeiro, e depois em 1954, com Fayet e equipe.
34
PORTO ALEGRE, 1964, op. cit., p. 45. O Plano diagnostica que a estrutura viária existente
resultava em uma expansão “como uma mancha de óleo”, estendida “mais ao sabor das condições
físicas e econômicas que geram o processo natural de expansão, do que sob a orientação de um
planejamento geral pré-estabelecido”, mas reforçava o sistema radial, apenas ligando-o através do
sistema das 3 perimetrais, já proposto Ubatuba de Faria e Paiva em 1936.
253
Fig. 5.24 - Plano Diretor de 1959. Planta Geral com Zoneamento, Sistema Viário Principal, Áreas Verdes e Projetos Especiais (a “Planta do Plano”).
254
Candidamente, Paiva aceita sua substituição pela experiência e pela
competência da equipe técnica
35
, destacando a importância da intuição. Nessas
questões, Nygaard aponta o inter-relacionamento de três posições já assumidas
por Paiva desde a década de 40: a) a aceitação de que o futuro está assentado na
casualidade histórica do passado, processo lógico e dedutível; b) a convicção de
que a experiência e o conhecimento do urbanista permitem compreender e
interpretar corretamente os problemas urbanos daí decorrentes, e c) a crença nas
teses do urbanismo modernista de que é possível redirecionar cientificamente o
processo de expansão urbana.
Para algumas questões, trata-se de um Plano “conservador”, procurando
regulamentar e organizar situações existentes ou tendências de crescimento
urbano, como distribuição espontânea de usos, características do sistema viário,
importância das radiais, e institucionalização de dispositivos morfológicos já
praticados desde a década de 40. Para outras, propõe rupturas importantes, que
só vão ser inteiramente percebidas mais tarde, com a aplicação efetiva. Podemos
apontar como exemplos a redução significativa no aproveitamento construtivo dos
terrenos, a indução tipológica nas avenidas radiais e nos bairros residenciais, e
uma visão anti-industrial que estabelecia limites rígidos para as atividades
produtivas na cidade
36
, contribuindo ativamente para a sua “desindustrialização”.
Esse conservadorismo, sempre denominado “realismo” por Paiva, está
presente igualmente nos debates com o Conselho do Plano Diretor ao longo dos
anos 50, e no próprio Plano. Ele é notado inclusive por autores que não podem ser
acusado de prevenção contra Paiva, como Rovatti, quando diz que o Plano
exprimia as idéias que este vinha defendendo por mais de vinte anos, e utiliza
como testemunho os cinco esquemas que acompanham o zoneamento:
L’un porte sur les rues où l’on pourrait construire jusqu’à l’alignement. Il s’agit justement
de toutes les rues situées dans le centre élargi et, pour celles se trouvant hors de ce
centre, des plus anciennes de la ville. Un deuxième schéma porte sur l’hauteur des
35
O documento credita à falta de apoio em dados estatísticos as “visões isoladas e individuais do
problema” e as soluções vulneráveis, que se arrastaram na sucessão de discussões inócuas
apresentadas pelos ‘traçados’ anteriores, mas valida a qualidade técnica do Plano de 59 (mesmo
sem contar com tal apoio) com base no colegiado de especialistas e técnicos, principalmente
arquitetos e urbanistas, que participaram de sua elaboração. Ver também em NYGAARD, 1995,
op. cit., p. 103.
36
Esse aspecto do zoneamento é destacado por Weimer, embora de forma um pouco tortuosa,
denominando-o zoneamento mestiço: A Carta de Atenas dizia que cada zona deveria ser pura,
isto é, se destinar a um só tipo de uso. Obviamente, aplicar uma utopia destas em cima de uma
cidade existente era inviável, em razão do que se teve de optar por uso múltiplo, mas seriamente
restritivos especialmente na discriminação da implantação das fábricas que, não podendo se
expandir numa fase de franco desenvolvimento industrial, foram forçadas a fechar suas portas e se
reassentar noutras áreas, preferencialmente em municípios periféricos, onde estariam a salvo dos
desmandos do plano e em prejuízo do operariado que se viu na contingência de aumentar em
muito suas despesas com transporte ou em se mudar para junto das fábricas, o que significou um
desordenado crescimento das cidades satélite e uma diminuição de impostos por parte da
municipalidade da capital. E não foram estes os únicos transtornos promovidos por este
zoneamento mestiço”. WEIMER, op. cit., p. 202.
255
constructions; il établit dans quelle partie de la ville peuvent étre érigés les bâtiments les
plus hauts en l’occurrence au centre-ville, dans certains quartiers proches ou situés le
long des voies de circulation les plus importantes, c’est-à-dire là où avaient déjà été
construits les édifices les plus hauts. Le schéma consacré aux coefficients d’occupation au
sol, pour des raisons évidentes, coïncide pratiquement avec ce dernier. Quant au schéma
sur le zonage des activités, il se rapproche beaucoup du précédent et, comme on l’a vu, il
reprend le zonage spontané de la ville. Le schéma relatif aux régles d’emprise établit que là
où la ville présentait déjà une forte densité de constructions le centre, les quartiers de São
Geraldo e Navegantes- devaient être autorisées les emprises les plus élevées, telles
qu’elles étaient définies dans le schéma, à l’image de ce qu’elles étaient dans les zones
commerciales et industrielles”.
37
A redução de construtibilidade dos terrenos urbanos só seria percebida em
toda sua extensão pelos agentes do mercado imobiliário na primeira metade da
década de 60, ainda assim mascarada por uma persistente crise do setor,
causada pela inflação, falta de financiamento e paralisação de empreendimentos.
O Plano também inova procurando lidar com as novas modalidades de
expansão urbana da década de 60, como o crescimento por conjuntos
habitacionais. A Lei N° 2.706, incorpora dispositivos sobre os Conjuntos
Residenciais, adaptando a legislação urbanística e os instrumentos de controle
das edificações aos novos padrões morfológicos e tipológicos estimulados pelo
recém criado Banco Nacional da Habitação BNH. Estabelece a possibilidade de
implantação por etapas, e relaciona o número de pavimentos com a ocupação e o
aproveitamento, adaptando os diagramas elaborados por Walter Gropius trinta
anos antes para ilustrar as vantagens ambientais da implantação de barras
paralelas de mesma altura, espaçamento e orientação (ver Fig. 5.2).
Não contentes com a significativa redução na capacidade construtiva dos
terrenos, decretada pela Lei Nº 2.330, os técnicos municipais vão propor uma
nova redução alguns anos depois. A LEI Nº 3.004, de 21/12/1966, reduz de
aproximadamente 1/3 os índices de aproveitamento, iniciando uma tendência que
prosseguiria na década seguinte, acompanhada por reduções drásticas de alturas.
É evidente que tamanha redução na capacidade construtiva dos terrenos, e nas
alturas permitidas para as edificações, sempre negadas pelos urbanistas
municipais em suas exposições ao Conselho e ao público no final dos anos 50 e
início dos 60, vai consolidar uma cisão entre as instâncias técnico-institucionais e
o setor imobiliário. Já presente ao longo dos anos 50 nos embates com Paiva, a
cisão vai aprofundar-se ao longo dos anos 60, estendendo-se aos círculos
acadêmicos e de representação profissional, opondo-os quase monoliticamente ao
que se convencionou chamar “o mercado”.
Da mesma forma, procurando estender a abrangência do Plano às áreas já
ocupadas ou de expansão urbana fora dos limites originais de 1964, são editadas
sucessivamente as extensões B, C e D. A EXTENSÃO B foi editada em 1967,
incluindo o bairro industrial de Navegantes. A EXTENSÃO C, em 1972, incluindo o
restante da zona Nordeste, entre a Avenida Assis Brasil e a várzea do rio
37
ROVATTI, 2000, op. cit. p.333-34
256
Gravataí, então consolidada como nova área de localização industrial. Finalmente,
em 1975, a EXTENSÃO D estenderia a incidência do Plano ao conjunto da área
urbana então ocupada da cidade.
A CIDADE ENFIM MODERNA
Nas sucessivas análises, o Plano Diretor de 1959-61 vem sendo
usualmente identificado com as teses do urbanismo moderno, tais como definidas
nos CIAM e codificadas na Carta de Atenas. A vinculação com Paiva, e as
referências ao Ante-projeto de planificação de Porto Alegre de acordo com os
princípios preconizados na Carta de Atenas, de 1951, como base para o
Anteprojeto do Plano, reforçam essas relações. Entretanto, assim como vimos que
o Ante-projeto de Paiva e Demétrio Ribeiro revelava uma mescla de referências
bem mais impura (do ponto de vista das teses do urbanismo moderno), o Plano
Diretor de 1959-61 também esconde em sua aparente homogeneidade e coesão
uma trama complexa de influências.
O urbanismo dos CIAM certamente é uma delas. Ele se manifesta na
insistência no zoneamento das funções urbanas, na indução ao edifício como
prisma isolado sobre pilotis como tipo predominante (pelo menos nos bairros), e
na adoção da unidade de vizinhança como princípio fundador do modelo espacial
do plano, enquanto célula para a nova cidade. As referências ao conceito de
unidade de vizinhança como base para a distribuição e zoneamento das
atividades residenciais no espaço urbano já foram tratadas no capítulo anterior. No
Plano Diretor de 1959-61, sua importância é evidente:
O Plano procura organizar as áreas residenciais em unidades de habitação, limitadas
pelas vias de tráfego geral, no interior das quais se possibilitará o sossego e tranqüilidade
indispensáveis, além de dotá-las pelo menos de uma unidade escolar, áreas adequadas à
recreação infantil e áreas verdes de uso público. Na junção de diversas unidades prevê-se
a construção de mercados para abastecimento”. (p. 41)
Outros autores apontam a filiação do Plano à corrente de planejamento
científico, baseado na pesquisa urbana, na “neutralidade técnica” das soluções
propostas pela doutrina, e na crença no poder quase mágico do Plano como
solução para os problemas da cidade contemporânea. O Plano de 1959-61
efetivamente partilha dessa crença. Mesmo o reduzido conhecimento formal da
realidade local poderia ser superado através da força e da validade das teses do
urbanismo modernista, e os problemas apontados precisam ser superados
cientificamente”, através de um Plano Diretor que adote princípios realmente
técnicos”, tornando possível “disciplinar o crescimento, zonear as funções urbanas
e, em etapa posterior, controlar a migração do homem do campo” (p. 11)
38
.
38
É interessante pensar como um Plano Diretor urbano poderia, mesmo numa etapa posterior,
controlar a migração do homem do campo”, que não seja da zona rural de Porto Alegre para sua
zona urbana.
257
Com a aprovação do Plano Diretor, ficariam instituídas “novas normas que
favorecem o desenvolvimento racional da vida urbana”, e sua aplicação se
constituirá em valiosa experiência para os técnicos projetistas”, permitindo levar
adiante “a grande tarefa da planificação da cidade em benefício da coletividade e
para o progresso de Porto Alegre” (p. 12). Com base nessa visão do Plano como
panacéia científica para os males da cidade, Nygaard identifica sua filiação às
teses positivistas e do urbanismo moderno, anotando ainda uma discutível
conexão às teses lebretianas
39
que, se existente (e não há nenhuma evidência
disso no Plano ou nos documentos correlatos), é certamente involuntária.
Investigações mais recentes têm ressaltado a influência de outro
paradigma, até os anos 90 insuspeito: a legislação urbana americana,
especialmente o Plano de Nova York. Paradoxalmente, ele surge para orientar os
trabalhos de elaboração do Plano em relação a como lidar com a verticalização e
o adensamento considerados excessivos do centro urbano (Fig. 5.26). A
legislação anterior ao Plano promovia a verticalização, associada então ao
progresso, através do incentivo à construção em altura e da vedação à construção
de edificações baixas na área central da cidade.
Vimos que o processo tinha atingido seu clímax com a Lei nº 986, de 1952,
que definia alturas máximas relacionadas às larguras das vias, mas permitia,
através de recuos sucessivos, que esses limites fossem ultrapassados. A Lei se
baseava numa interpretação dos dispositivos de escalonamento de alturas
vigentes na legislação de Nova York. Com base nela, foi possível durante a
década de 50 a construção dos edifícios mais altos de Porto Alegre até hoje. Essa
cidade crescentemente verticalizada, mas entre divisas, provocou entre os
técnicos da Prefeitura, liderados por Paiva, o que chamamos de vertigem das
alturas, uma reação contra o que era tido como excesso de densificação”,
levando-os a buscar novos dispositivos capazes de controlar e reverter a
tendência. Curiosamente, foram encontrá-los na mesma legislação que tinha
inspirado a Lei anterior.
Ao longo de todo o período de elaboração de um novo Plano Diretor, a partir de 1954, as
discussões realizadas no âmbito do Conselho revelavam ser essa uma das questões que
suscitaram os debates mais veementes entre a equipe técnica e os representantes dos
investidores imobiliários, que viam na limitação de altura das construções um entrave
significativo aos seus negócios. O encaminhamento dessa questão pela equipe técnica
fez-se através da adoção de um novo instrumental de definição da altura das construções
inspirado no urbanismo americano, mais especificamente no já citado Regional Survey of
New York and its Environs”.
40
Dessa forma, a imagem de Nova York, onde os arranha-céus apareciam
com seus volumes definidos com recuos progressivos em todas as faces,
contrastava com a situação de Porto Alegre, onde os edifícios, cada vez mais altos
(mas ainda muito menores que aqueles), deixavam aparentes suas empenas
39
NYGAARD, 1995, op. cit., p. 101.
40
ALMEIDA, 2004, op. cit., p. 170.
258
cegas e áreas de iluminação. Como as regras vigentes não previam recuos
laterais, eles somente eram utilizados para providenciar áreas mínimas de
iluminação e ventilação dos compartimentos
41
. Isso permite a Almeida concluir:
Nova York inspirou os arquitetos e urbanistas a buscar nos dispositivos do Regional Plan
Association, elaborado pela Russell Sage Foundation entre 1927 e 1931, os instrumentos
que possibilitaram a construção dessa imagem. Disponível na biblioteca da Divisão de
Urbanismo, os oito volumes do plano serviram, assim, de base para a elaboração dos
novos instrumentos, agora não mais baseados no critério da largura da rua, como até
então, mas sim na dimensão dos terrenos. Os índices de aproveitamento e as taxas de
ocupação referidos às dimensões dos lotes iriam definir a altura das construções.
42
Se o Regional Plan inspirou a definição dos instrumentos de controle
urbanístico durante a elaboração do Plano Diretor de 1959, o detalhamento entre
1959 e 1961 utilizou-se de referência mais atualizada, o Rezoning New York City,
publicado pela City Commission de Nova York em 1959, ou seja, concomitante à
aprovação do Plano (Fig. 5.27). Assim, as referências da legislação americana se
incorporaram ao planejamento urbano de Porto Alegre, num instigante
“sincretismo” urbanístico com as referências do urbanismo “modernista” da Carta
de Atenas, das unidades de vizinhança (e daí à fonte comum da Cidade-jardim), e
às referências já presentes no meio local, identificadas nos estudos e planos
anteriores de Edvaldo Paiva (a Contribuição e o Ante-projeto, mas também o
Expediente Urbano de 1942) e de Arnaldo Gladosch.
Em artigo elaborado com experiência de quem iniciou sua prática
profissional regida pelo Plano, e a perspectiva histórica proporcionada por quatro
décadas de distanciamento, Elvan Silva procura uma apreciação de seus
componentes ao mesmo tempo racionalizadores e utópicos”, através do exame
de alguns efeitos morfogênicos
43
dos dispositivos de controle urbanístico
instituídos pelo Plano Diretor de 1959-61.
O Plano exerceu uma influência visível na configuração da morfologia e
paisagem urbanas, na medida em que seus dispositivos de controle se aplicavam
de forma incisiva sobre os elementos geométricos das edificações altura, recuos
e afastamentos estabelecendo limites volumétricos para as construções e
suscitando a criação de blocos prismáticos, implantados nos centros dos lotes, e
41
Elas se faziam dimensionadas pelo Código Civil, em termos de relações de vizinhança
(afastamento mínimo de 1,5m das divisas para aberturas), e pelo artigo 8º da Lei nº 986: “Art. 8º -
A superfície das áreas, por cujo intermédio se fizer o arejamento e insolação de qualquer
pavimento dos edifícios, não será inferior a 3n+3, sendo n o número de pavimentos; nos edifícios
destinados à habitação múltipla ou coletiva serão permitidos poços de ventilação para banheiros e
WC com áreas mínimas de um (1) metro quadrado” (Lei nº 986, de 22 de dezembro de 1952).
Dessa forma foi possível a construção do prédio mais alto da cidade, o Edifício Santa Cruz, com 32
pavimentos e recuos laterais de divisas em apenas um metro.
42
Fayet, Carlos M. Depoimento oral. Porto Alegre, outubro de 2003, citado em ALMEIDA, 2005,
op. cit., p. 171, e Moojen Marques, Moacyr. Depoimento oral. Porto Alegre, novembro de 2005.
43
SILVA, Elvan. “Novas e velhas espacialidades: legislação e forma urbana em Porto Alegre”. In:
Topos Revista de Arquitetura e Urbanismo, Belo Horizonte, v.1 n.3, p. 11-15, jul/dez. 2004.
Morfogênico, no caso, significa aquilo que gera a forma ou condiciona sua geração.
259
Fig. 5.25 - Processo de substituição tipológica no Bairro Mont’ Serrat. Mapas fundo-figura sobre cadastros de 1956 e
1986.
Fig. 5.26 - Plano Diretor 1959/61. Foto aérea do centro no início dos anos 60, apresentada na Introdução do
Plano Diretor de Porto Alegre (edição 1964), ilustrando a “excessiva densificação”.
Fig. 5.27 - New York. Esquemas
ilustrativos da aplicação da New York
City Zoning Resolution de 1961. James
Felt e New York City Planning
Commission.
Fig. 5.28 - Lever House, 1951. Skidmore,
Owings & Merrill (com Gordon Bunschaft).
Park Avenue, New York.
260
geralmente sobre pavimentos térreos em pilotis. Para ele, trata-se de um esforço
no sentido de instaurar uma nova espacialidade, entendida como algo mais que a
mera condição daquilo que é espacial
44
.
Para ele, é impossível não perceber a influência das doutrinas modernistas
ortodoxas na formulação do Plano, principalmente dos cinco pontos da
arquitetura moderna”, de Le Corbusier, e os preceitos da Carta de Atenas, pois “ao
mesmo tempo em que definia as características da cidade moderna ideal, a
doutrina da arquitetura de vanguarda também prescrevia as características da
arquitetura que deveria recheá-la”. Como a edificação ideal, na configuração
implícita das normas do Plano, é o paralelepípedo implantado no centro do
terreno, afastado das divisas do lote, sendo possível circular ao seu redor, Elvan
Silva identifica este paradigma com a Unité d’Habitation de Marselha, emblemática
da doutrina corbusiana, apontando a materialização do conceito, na sua acepção
mais perfeita, nas superquadras de Brasília:
“(...) onde os paralelepípedos, implantados segundo critérios de ortogonalidade,
materializam alguns preceitos de um código da urbanização modernista, em conformidade
com a argumentação enunciada na Carta de Atenas. A superquadra de Brasília refuta a
espacialidade tradicional e materializa o conceito modernista de ‘unidade de vizinhança’,
nos termos descritos por Walter Gropius.
45
Nessa linha de argumentação o Plano, atendendo ao escopo da Carta de
Atenas, é geralmente associado à melhoria das condições ambientais da cidade,
favorecendo sua qualidade de vida. Tal qualidade estaria assentada em dois
aspectos. O primeiro é a habitabilidade: os edifícios isolados proporcionariam
melhores condições de insolação e ventilação que a cidade tradicional, com seu
“compacto agrupamento de edifícios implantados lado-a-lado, paredes divisórias
encostadas umas nas outras, ocupando quase totalmente a superfície do lote e
gerando ‘poços’ de iluminação e ventilação escuros e úmidos, portanto
insalubres”. O segundo é a forma urbana resultante, que Elvan Silva denomina
“visualidade”: o edifício em forma de paralelepípedo, implantado no centro do lote,
ofereceria exteriormente “uma imagem mais ‘limpa’ e uma capacidade de
percepção estética mais rica e variada”, e do interior para o exterior, pode-se
visualizar espaços e objetos mais aprazíveis que a opressiva imagem de uma
parede cega a menos de dois metros da janela”.
44
O vocábulo espacialidade deve ser aqui entendido como um “sistema de atributos morfológicos
dos objetos arquitetônicos, bem como as relações entre os próprios objetos considerados, e
daqueles atributos entre si, vistos como propósitos programáticos”. SILVA, 2004, op. cit., p. 12.
45
Idem, pp. 12-13. Para Gropius, “somente vivendo em uma unidade de vizinhança bem integrada
pode o cidadão de nossos dias experimentar e aprender o procedimento democrático de dar e
receber. As unidades de vizinhança sadias constituem por conseguinte os canteiros naturais para
obter melhores relações humanas e níveis de vida mais elevados. Ajudam a desenvolver um
sentido de lealdade para com a comunidade, que encontra expressão na ação concertada para o
progresso social e cívico” (GROPIUS, Walter. The New Architecture and the Bauhaus. London:
Faber and Faber, 1955, p. 152).
261
Ele conclui pelas vantagens da morfogênese implícita na doutrina
modernista da arquitetura, presente nos dispositivos do Plano, em relação à
urbanização tradicional, ilustradas nos atributos das superquadras de Brasília, em
aspectos de habitabilidade fisiológica e psicológica. Mesmo ressalvando as
distorções posteriores, com modificações que já descaracterizaram aqueles
objetivos e seus resultados”, e a preocupação com a maior rentabilidade dos
investimentos imobiliários, que se refletiria na perda de alguns atributos mais
visíveis, o balanço do Plano Diretor revelar-se-ia amplamente favorável.
“A paisagem urbana de Porto Alegre, durante três décadas, clarificou positivamente os
preceitos do Plano Diretor de 1959. Mesmo que muitos edifícios daquela morfologia
tenham sido cosmeticamente tratados para exibir algum ‘estilo’, sua integridade
programática e seu conceito de funcionalidade não foram afetados. Como fragmentos de
uma desintegrada concepção de superquadra, lembravam e ainda lembram os prismas
platônicos preconizados pela doutrina modernista. Assim, é lícito afirmar que aquela
‘imposição’ da doutrina modernista, de cima para baixo como ocorreu com o Plano
Diretor de 1959, em Porto Alegre -, foi uma atitude legítima e louvável, tomada por
profissionais com firmes convicções, e que, felizmente, viam no exercício profissional não
apenas a oportunidade, mas principalmente o dever de contribuir para melhorar o mundo
visível. Naturalmente, pode ter havido falhas de avaliação, em termos de pormenores; mas
o conceito geral estava certo”.
46
Essa mesma linha de argumentação é retomada por Luís Henrique Luccas
em sua tese sobre a arquitetura moderna em Porto Alegre. No seu capítulo 4, o
Plano Diretor de 1959 é enfocado sob dois ângulos distintos, o das idéias e o dos
resultados: como produto de uma época, “concepção normativa cuja intenção era
organizar a produção de uma cidade moderna através de seus edifícios, usos
funcionais e redesenhos viários”, e do ponto de vista de seus efeitos sobre a
configuração da cidade
47
. No primeiro caso, Luccas identifica a origem do Plano
no anteprojeto de Paiva e Demétrio Ribeiro “sob a inspiração da Carta de Atenas”,
associando-a à vertente corbusiana: Contagiado pelo conceito de cidade na
natureza de Le Corbusier, o Plano definitivo apresentou uma preocupação com a
proporção dos espaços verdes em Porto Alegre”.
Entretanto, dos três exemplos apresentados, dois não parecem pertencer a
esta vertente: a Ilhota apresenta “um desenho urbano que conjugava arruamentos
e lotes convencionais à previsão de edifícios públicos modernos, implantados
sobre áreas verdes”; e a Primeira Perimetral, considerada ‘a obra de maior
destaque prevista no Plano Diretor’, previa a adoção das tradicionais galerias
cobertas (de Agache, da SFU e de Gladosch) no trecho entre as avenidas Borges
de Medeiros e João Pessoa. É apenas na urbanização da Praia de Belas que vai
identificar um projeto inspirado em Le Corbusier, um esquema tabula-rasa (sic)
46
SILVA, 2004, op. cit., pp. 14-15. Nessa avaliação moral do Plano (e do urbanismo moderno), ele
aproxima-se da argumentação de KOPP, Anatole. Quando o moderno não era um estilo e sim uma
causa. São Paulo: Nobel-Edusp, 1990.
47
LUCCAS, Luís Henrique Haas. Arquitetura Moderna em Porto Alegre sob o mito do “gênio
artístico nacional”. Porto Alegre: PROPAR/UFRGS, 2004 (Tese de Doutorado em Arquitetura), pp.
207-209.
262
dispondo ‘torreões brancos’ sobre o parque”, reconhecendo a filiação no gesto
geográfico do aterro: “A natureza era moldada pela vontade humana, recompondo
as margens do Guaíba a partir da ponta do Gasômetro em linhas retas, como
parte de uma cartesiana orientada no sentido norte-sul.
48
No segundo caso, destaca o esforço desmesurado do Plano para
estabelecer um denominador comum entre os edifícios do tecido moderno
idealizado através de um regime de alturas e afastamentos periféricos”,
reconhecendo a dificuldade de impor o modelo “Carta de Atenas” a uma cidade
real com infinita diversidade de padrões de loteio e traçado, e de vocações
funcionais e morfológicas. As tentativas de tornar mais flexível a aplicação do
regime, permitindo maiores alturas com maiores afastamentos, resultaram em
agravamento da situação, eliminando-se a continuidade das edificações na
configuração das ruas, aumentando a variedade de alturas e acentuando a
fragmentação do conjunto urbano.
O ‘envelope’ destinado a ser ocupado pelo projeto resultava bastante justo, dificultando
ainda mais a obtenção de formas com a autonomia e a racionalidade cartesiana desejada:
as pressões dos afastamentos imprimiam freqüentemente as formas oblíquas das divisas
nos volumes atingidos.
49
Apesar disso, Luccas identifica alguns edifícios que logram transmitir de
forma exemplar e com qualidade arquitetônica as transformações ocorridas sobre
o programa da habitação coletiva no período, utilizando a normativa com
inteligência, citando os edifícios Faial (1962) e Christoffel (1962), ambos de Emil
Bered
50
. Podemos acrescentar mais alguns exemplares, como os edifícios Floragê
(1963, David Libeskind), Presidente (1970, Newton Obino, Cláudio Araújo e Carlos
Eduardo Comas), Palácio Versailles (1970, David Bondar e Arnaldo Knijnik), uma
pequena série de edifícios de extração miesiana de Edgar do Valle, e uns poucos
mais. Entretanto, entendemos que eles representam as exceções, não a regra.
Se pensarmos na qualidade da arquitetura “média” como padrão de
avaliação da produção arquitetônica de um determinado lugar e período, o
panorama revela-se desanimador para a média da produção realizada sob a
normativa do Plano Diretor. Evidente que a responsabilidade não é unicamente do
Plano. Devemos buscar suas causas também na progressiva ‘fadiga’ da
arquitetura brasileira em suas vertentes mais vigorosas (as chamadas escolas
modernista “carioca” e “paulista”), no decorrer dos anos 60 e 70, e nas
peculiaridades da situação gaúcha.
48
LUCCAS, 2005, op. cit. (O OUTRO FATOR DE CAMBIO: O PLANO DIRETOR DE PORTO
ALEGRE, p. 207 a 211), p. 209 e figuras 13, 14 e 15.
49
Idem, p. 211.
50
Os dois demonstram “de forma coetânea e em padrão semelhante, a abordagem do autor em
duas situações distintas: o primeiro exemplo profundamente comprometido como solução inserida
em um tecido urbano tradicional, com a presença de uma galeria de circulação de pedestres
atrelada à sua base; e o segundo esboçando de modo pioneiro uma solução de edifício isento das
divisas, a partir da nova legislação do Plano Diretor vigente desde 1959”. Idem, p. 221.
263
Do primeiro caso, se ocupam diversos estudos, mas o tema apenas
tangencia nosso objeto. O segundo é descrito por Luccas na sua tese, em UM
LUGAR AO SUL
51
, destacando características de liderança e da constituição do
grupo hegemônico, e crise disciplinar. Acrescentaríamos as transformações na
formação acadêmica e profissional (agravada com a crise dos expurgos da
segunda metade da década de 60 na Universidade), e outras circunstâncias da
própria condição sulina, como marginalidade frente aos centros hegemônicos,
características da formação do mercado imobiliário e do setor da construção, e
crise do modelo sócio-econômico gaúcho. Mesmo considerando as circunstâncias
de história e contexto, entretanto, entendemos que os dispositivos do Plano foram
fundamentais para essa baixa qualidade “média”.
A aplicação dos dispositivos de controle previstos no Plano estabelece um
envelope edificado para os terrenos, e a correlação entre eles faz com que este
envelope seja justo. A maior parte da produção residencial, lutando contra este
envelope justo do regime urbanístico, com poucas referências formais, e
enfrentando os terrenos restritos do parcelamento existente nos bairros
residenciais (a maior parte entre 9 e 15 metros de testada, com profundidade 3:1
ou mais profundos), resultou numa coleção anódina e recorrente de pequenos
prismas retangulares, afastados uns dos outros cerca de seis metros, com
pequenas variações no recuo frontal, no volume e na altura (Fig. 5.25).
O envelope justo resultante da aplicação dos instrumentos de controle
urbanístico é justamente um dos problemas práticos mais destacados por
arquitetos e usuários que tiveram a oportunidade de lidar com o Plano na vida
profissional. O próprio Elvan Silva, antes de evoluir para uma posição de endosso
ao modelo do Plano, chamava a atenção para o caráter impositivo da legislação
urbanística, em termos tipológicos e morfológicos, para o equívoco de encará-la
como missão contra a “especulação mobiliária”, e para a aplicação literal de
preceitos de uma doutrina que pressupunha determinadas circunstâncias a um
contexto inadequado
52
.
O processo de geração da forma arquitetônica não ocorre num plano de
inteira liberdade, mas imantado e limitado por pressões de diversas naturezas. Ao
lado da economia, a legislação urbanística constitui a mais efetiva dessas formas
51
A experiência periférica ocorrida em Porto Alegre não contaria com a presença de líderes
aglutinadores, como Vilanova Artigas, muito menos com homens do porte de Lúcio Costa, capazes
de iluminar o caminho. Ao contrário, se Graeff e Demétrio exerceram uma certa liderança entre os
jovens arquitetos locais naqueles anos iniciais, essa liderança funcionou mais como uma contra-
marcha à desmedida liberdade formal dominante; o que resultava da aproximação de ambos à
doutrina do realismo socialista, que compartilhavam de modo diferenciado: Graeff acentuando a
busca de uma coerência formal; e Demétrio de coerência ética. (...) A arquitetura local também não
pode contar com a acumulação de um conhecimento sedimentado, atingido através da disciplina
acadêmica, como ocorreu com a experiência moderna uruguaia: se havia na produção local um
comedimento semelhante àquela, faltava-lhe o mesmo ‘estofo’ projetual e qualidade construtiva.”
Cf. LUCCAS, 2004, op. cit., p. 298.
52
SILVA, Elvan. Porto Alegre: considerações sobre a produção da paisagem urbana. PANIZZI e
ROVATTI (org), 1993, op. cit., p. 211-219.
264
de pressão, pela observância compulsória a normas e dispositivos de enorme
influência na configuração da paisagem urbana. Como os dispositivos não são
neutros, e por trás de sua elaboração sempre existe uma determinada concepção
da arquitetura, da cidade e da paisagem urbana, podemos falar de um imaginário
normativo, que reflete a concepção hegemônica entre os responsáveis pelo
controle da produção da cidade. Silva observa que o arquiteto, ao projetar com um
olho na criação e outro nos dispositivos legais, nunca é o único autor de sua
proposta, sujeitando-se a alternativas indesejáveis ao projeto, mas compulsórias.
No caso do Plano Diretor de 59, parece claro que a concepção hegemônica
considerava nocivo o aumento de altura das edificações, e vários dispositivos
limitavam este crescimento. A exigência do afastamento proporcional é o mais
efetivo. A altura dos edifícios, dentro de um teto genericamente baixo, era
estabelecida pelo confronto entre os afastamentos e o número de pavimentos que
viabilizasse economicamente o empreendimento, compatibilizando o custo do
terreno com o custo unitário do imóvel. Os dispositivos determinantes da forma
arquitetônica principalmente os afastamentos em todas as faces proporcionais à
altura levavam fatalmente ao prisma, em forma de paralelepípedo e
perpendicular à rua, já que os limites na taxa de ocupação e no índice de
aproveitamento dificilmente eram atingidos. Restava ao projetista preencher, com
a edificação, todo o prisma virtual decorrente da aplicação dos afastamentos
proporcionais.
O controle no índice de aproveitamento também tinha influência na geração
da forma, e participava da formação do imaginário normativo. Como as áreas
abertas de uso comum no pavimento térreo não eram computadas no índice de
aproveitamento e no cálculo da altura das edificações, o Plano induzia fortemente
a utilização do pavimento em pilotis. A intenção do imaginário normativo era
induzir a socialização através da forma arquitetônica, incrementando a qualidade
de vida, pois em tese a área bonificada seria utilizada para lazer, recreação e
convívio. A distância entre as intenções e os resultados efetivos da aplicação
desses dispositivos é visível: o rigor do clima, as demandas de uma cultura urbana
com outras formas de recreação, e a pressão por segurança, privacidade e
estacionamentos acabaram por comprometer irremediavelmente o ideal de
socialização ao nível do solo.
O imaginário normativo do plano tinha em mente a aplicação sobre a cidade
real de uma série de preceitos ideais da “Carta de Atenas”, como “(...) que se
proíba o alinhamento das habitações ao longo das vias de comunicação”, e que
sejam “(...) implantadas a grande distancia umas da outras, deixem solo livre a
favor de amplas superfícies verdes, ambos provenientes da versão de Le
Corbusier. Entretanto, é evidente que a doutrina está sendo aplicada a um
contexto inadequado, já que sempre pressupunha uma cidade de solo livre e
indiviso, com a extinção ou severa limitação à propriedade privada do solo urbano.
A contradição que se estabelece entre as regras e a fragmentada propriedade do
solo, as condições peculiares de traçado e parcelamento, o peso do patrimônio
existente, e os interesses imobiliários, choca-se com o imaginário normativo,
265
friccionando a relação entre o controle do Plano e os agentes privados da
produção da cidade.
O Plano de 1959 tinha o propósito, em princípio saudável, de ordenar e
direcionar positivamente o crescimento da cidade. Para isso, o imaginário
normativo julgava necessário submeter ao controle do Plano tanto o processo
geral de desenvolvimento urbano, quanto os processos localizados e
generalizados de expansão e substituição tipológica, impedindo que fossem
ditados pela “especulação imobiliária”. A expressão envolvia um equívoco de
base, e aplicava-
266
imaginário normativo próprio, e ainda mais, preservar esta concepção e seus
padrões correspondentes contra as ações da própria sociedade.
INDEPENDENCIA OU MORTE
Como vimos no capítulo anterior, a Avenida Independência vinha se
constituindo, durante a década de 50, numa espécie de Strada Nuova” porto-
alegrense, ilustrando a introdução e progressiva hegemonia de um tipo de edifício,
associado à normativa do gabarito e do alinhamento. Isso ocorreu porque a
avenida era a principal ligação entre o centro e os bairros de maior renda, ao
longo do divisor principal que iniciava na ponta da Rua Duque de Caxias, e à
época chegava até a Praça Japão e além, com terrenos de dimensões adequadas
em função da ocupação anterior por casarões, mansões e palacetes, permitindo
sua entronização como vitrine privilegiada do novo tipo. Durante a década, quase
todas as suas esquinas tinham sido edificadas com edifícios residenciais altos, ao
redor de 12 pisos, com térreos comerciais em colunatas de dupla altura,
obedecendo ao recuo de 4 metros (Fig. 5.29).
Em função dessa vitalidade, e das características de seu parcelamento nos
terrenos remanescentes (quase todos em meio de quadra), o impacto da nova
normativa estabelecida pelo Plano Diretor vai ser especialmente intenso,
introduzindo rupturas violentas na morfologia e na paisagem urbana da avenida (e
do bairro Independência, estruturado por ela). Pior, a manutenção dessas
características normativas nos planos posteriores (1º PDDU e depois o PDDUa),
virtualmente condenou-a à incompletude e à estagnação decorrente. O processo é
reconhecido inclusive por Weimer
55
, que o descreve com argumentação circular,
quase tautológica, mas chegando às mesmas conclusões.
O zoneamento de usos do Plano previa, a partir da Rua Conceição até a
Praça Julio de Castilhos, zona residencial tipo ZR3, permitindo usos diversificados,
aproveitamento 10 (área construída de dez vezes a área do terreno) e taxa de
ocupação 2/3. O zoneamento de alturas, Z4, determinava o máximo de 60 metros,
ou cerca de vinte pavimentos. Embora o índice reduzisse à metade o
55
Enquanto os velhos sobradões das ruas senhoriais de outrora, que abrigavam não mais de uma
dezena de pessoas, iam sendo colocados abaixo e substituídos por arranha-céus de duas dezenas
de andares, o equivalente a qualquer coisa semelhante a uma centena de apartamento ou meio
milhar de habitantes, as ruas se tornavam disformes devido aos alargamentos parciais que não
podiam ser implantados em sua plenitude porque nem todos os prédios haviam sido demolidos, a
municipalidade não podia alargar os trechos recuados porque, para as devidas desapropriações,
não tinha numerário e este tinha de ser investido na substituição das velhas redes públicas que
ainda estavam em plenas condições de uso, por outras que pudessem atender à nova demanda
desmesuradamente maior, com o duplo desgaste da perda das velhas e a onerosidade das novas”.
WEIMER, op. cit., pp. 204-205. Ele conclui acertadamente que “O resultado lógico deste estado de
coisas foi a paralisação da substituição dos imóveis antigos por novos. Com isto foi se criando uma
situação híbrida na qual a cidade antiga se manteve parcialmente concorrendo e atrapalhando a
constituição da nova que ficou condenada nunca ser completada.
267
Fig. 5.29 Foto aérea da Avenida Independência, entre Praça Dom Sebastião (com Túnel da Conceição, à esquerda) e Praça Julio de Castilhos (com Edifício Esplanada e Vila
Rica, à direita).
Fig. 5.30 Avenida Independência: Edifício Britânia (nº 190) com
empenas e áreas de iluminação na divisa, junto ao Túnel da Conceição.
Fig. 5.31 Praça Júlio de Castilhos:
Edifício Vila Rica (nº 1275), torre
residencial sobre base comercial do
Fig. 5.32 Praça Júlio de Castilhos, com prédios
construídos em época anterior à legislação urbanística. A
não exigência de afastamentos entre edifícios conduzia à
implantação de verdadeiras muralhas de concreto”. Legenda
da foto no Álbum de Divulgação do 1º PDDU ilustra
persistência do preconceito estético contra um dos espaços
melhor configurados da cidade.
268
aproveitamento real praticado na década anterior, os instrumentos em si permitiam
manter sua ocupação por edifícios altos nos padrões que vinham predominando,
reduzindo-se as áreas dos pavimentos. Entretanto, a normativa, quando detalhada
da Lei nº 2046/59 para a Lei nº 2330/61, escondia uma verdadeira armadilha para
a avenida (como para as outras avenidas radiais principais), com a introdução de
uma nova regra: a partir de 10 metros de altura (ou três pavimentos), os prédios
deveriam manter afastamentos laterais e de fundos de 1/5 da altura (não inferior a
três metros), e para alturas maiores um recuo de frente também equivalente, sem
prejuízo do recuo de jardim, mantido como recuo viário.
Com esse dispositivo, introduzia-se a partir da década de 60 uma nova
tipologia a torre recuada sobre base extensiva de um a três pavimentos nas
divisas e no alinhamento, tendo como provável referência a Lever House em Nova
York (SOM, com Gordon Bunschaft, 1951) e precedentes nacionais paulistas.
Aqui, pelas circunstâncias de sua aplicação, ficou conhecida como amastaba”.
As condições de parcelamento e as dimensões dos terrenos disponíveis na
avenida não permitiram mais do que alguns exemplares do novo tipo: os edifícios
com base comercial e torres residenciais entre o Colégio Rosário e a Rua Barros
Cassal (Fig. 5.33), o edifício Esplanada Independência (com doze pavimentos e
base comercial, entre as ruas Barros Cassal e Garibaldi), e o Edifício Vila Rica
(Fig. 5.31) na esquina com a Rua Ramiro Barcelos, em diagonal com o Edifício
Esplanada, ícone do tipo anterior. A confrontação dos dois edifícios,
empreendimentos de escala e clientela similares, permitiria comparar as
características dos dois modelos. Entretanto, o Edifício Esplanada é exemplar de
tipologia e forma de construir a cidade, praticadas extensivamente nas avenidas
principais ao longo da segunda metade da década de 40 e toda a década de 50,
enquanto o edifício fronteiro constitui praticamente uma exceção dentro de outras,
e assim a análise crítico-comparativa fica prejudicada ou comprometida.
Nos demais lotes da avenida, a maior parte de pequenas dimensões, era
possível a apenas a construção de pequenos edifícios comerciais de até três
pavimentos, nas divisas, ou a absurda “mastaba” baixa de quatro a seis
pavimentos com recuo a partir do segundo ou terceiro (Fig. 5.34). Com corpo
estreito, às vezes apenas três a quatro metros, sobre base de altura praticamente
equivalente, configuravam uma aberração tipológica, ilustrando uma enorme
defasagem entre o contexto normativo e seu contexto de aplicabilidade.
Imaginando o edifício Lever House como paradigma, acabaram favorecendo
aqueles, e por sua inviabilidade e malogro, a paralisação do processo de
substituição tipológica na avenida, com a cristalização de uma paisagem urbana
fragmentada, incompleta e ambientalmente deteriorada.
A fragmentação era reforçada pela permanência de pequenos trechos
contínuos de velhos casarões no antigo alinhamento, de alguns palacetes e
mansões com seus jardins frontais e laterais, e pequenos prédios anônimos de
diversas épocas, formando um perfil descontínuo e “denteado”, tanto em termos
planimétricos quanto de volume (Figs. 5.35 a 5.38). O processo é analisado por
269
Maria Almeida, que nota a ausência na norma de dispositivos aptos a lidar com
essas preexistências, que de fato constituem um dado de contexto essencial.
A sucessão de tipologias ao longo do tempo foi criando uma paisagem fragmentada
acentuada pela permanência em alguns trechos dos antigos sobrados e palacetes. As leis
editadas na década de 50 não previam a sua preservação. Pelo contrário, ao
estabelecerem dispositivos obrigatórios para o alargamento da avenida, indicavam a
intenção de ver desaparecer as antigas estruturas edilícias, privilegiando-se a ampliação
das dimensões da via para adequá-la às exigências dos novos tempos.
56
No final da década de 60, o prefeito Célio Marques Fernandes reformou a
avenida, asfaltando-a, eliminando o canteiro central com suas palmeiras da
Califórnia (apenas umas poucas remanesceram, junto à Praça Júlio de Castilhos),
e retirando os trilhos e os bondes elétricos. A qualidade ambiental e funcional caiu
mais um pouco. Mais recentemente, a adoção de mão única no sentido centro-
bairro, com introdução de corredor de transporte coletivo no contra fluxo, decretou
o golpe de misericórdia na velha avenida, condenando-a a deterioração. O
processo de decadência, de resto, seguiu o exemplo das outras radiais
importantes, seccionadas e engessadas com corredores de transporte coletivo de
baixíssima qualidade ambiental, estabelecendo rupturas espaciais e funcionais
importantes na vocação comercial de antigos centros de bairro.
Nas outras áreas habitacionais consolidadas da cidade, incidia o
zoneamento de alturas ZR5. Nelas, a normativa determinava os afastamentos
laterais e de fundos desde o nível do solo ao teto do último pavimento. O
afastamento de frente se somava ao recuo para jardim de quatro metros. Os
bairros tradicionais, como Petrópolis, Menino Deus e os bairros de classe média e
alta da direção norte e nordeste (Moinhos de Vento, Auxiliadora, Mont’Serrat,
Higienópolis) foram sendo ocupados com este padrão tipológico, formado por
pequenas edificações isoladas nos lotes, com afastamentos proporcionais à altura.
Como o padrão de parcelamento predominante nesses bairros era de lotes
cuja testada variava entre 10 e 15 metros, os dispositivos de altura, combinados
com o aproveitamento e ocupação, definiam pequenos envelopes prismáticos com
frentes ao redor de 6 a 7 metros, afastados entre si na mesma proporção. Os
terrenos maiores permitiam maiores alturas, com maiores afastamentos, mas não
eram muitos, e eram disputados por construtores e incorporadores. Os lotes
antigos, inferiores a dez metros de testada, não permitiam aproveitamento para a
habitação coletiva, impedindo sua substituição tipológica. Bairros inteiros, alguns
com patrimônio imobiliário vetusto ou inadequado, foram impedidos de renovar
seu estoque, por incompatibilidade entre os padrões de viabilidade imobiliária
vigentes e os permitidos pelo Plano.
56
ALMEIDA, 2004, op. cit., p. 242. Em REVERTENDO TENDÊNCIAS A CIDADE PÓS-1959,
Maria Almeida analisa o processo de reversão da tendência de verticalização da cidade,
estabelecido pelo Plano de 59/61, ilustrando-o com exemplos do Centro e da própria Avenida
Independência, alguns destes comuns aos aqui utilizados.
270
A aplicação dos dispositivos de controle, associados aos onipresentes
“recuos para jardim”, imprimiu uma verdadeira “marca” na paisagem urbana:
prismas soltos nos terrenos, sobre pilotis, com forte presença dos jardins frontais,
a descontinuidade dos alinhamentos, a ruptura da continuidade da rua, em termos
visuais e morfológicos, e uma indefinição perceptiva e conceitual na continuidade
e limites da separação entre os âmbitos público e privado. Os padrões foram
ajustados em 1966, com redução de aproveitamento na ordem de 1/3, e de
alturas, e os prismas, que já eram pequenos, reduziram de tamanho. Ao final da
década de 60, os efeitos da aplicação das normativas do Plano Diretor estavam
visíveis por toda a cidade, com a contenção do processo de verticalização no
centro e nas avenidas, e a expansão do novo padrão tipológico pelos bairros.
Nessa expansão, o edifício isolado passou a constituir a tipologia
dominante, reforçado e consagrado pelas legislações que se seguiram. As
“Extensões do Plano” foram ampliando a abrangência da normativa às novas
áreas, mantendo os padrões espaciais e funcionais de zoneamento da ZR5, e
apenas variando ao incorporar áreas industriais ou comerciais consolidadas.
Finalmente, o 1º PDDU de 1979 consagrou estes mesmos dispositivos, reduzindo
o aproveitamento e a altura, ou seja, “encolhendo” ainda mais os prismas
resultantes. Mesmo reformado em 1987, o padrão básico foi mantido até o final do
século XX. Dessa forma, concordamos com Almeida, que por quarenta anos os
bairros residenciais da cidade foram construídos com essa imagem e padrão tipo-
morfológico, e as zonas de expansão a incorporaram e difundiram.
A partir de 60 a cidade cresceu sob a orientação de modelos tipológicos onde predominou
a inserção isolada do edifício no lote. Esse modelo provocou o desaparecimento das
empenas cegas como queriam os urbanistas modernos da década de 1950. Determinou
também a descontinuidade dos alinhamentos e incentivou a presença dos pilotis nos
pavimentos térreos. Abriram-se espaços intermediários entre a linha de separação do
espaço público e privado, com a presença dos jardins frontais que os recuos obrigatórios
determinaram. Esse modelo predominante para todas as zonas contidas entre a primeira e
terceira perimetral, zonas Z4 e Z5 do zoneamento de alturas, como determinava a Lei nº
2.046 acabou por revelar uma outra paisagem distinta daquela primeira imagem da cidade
verticalizada da área central”.
57
Maria Almeida conclui identificando uma correlação positiva entre o modelo
tipológico preconizado pelos dispositivos urbanísticos e as tipologias edilícias
surgidas no cenário da cidade a partir deles. Vemos com alguma cautela essa
questão. O principal objetivo da normativa era impedir a verticalização e a
densificação “excessivas” da cidade, ilustradas dramaticamente nas empenas
cegas tão criticadas, ou na exposição das “entranhas” dos edifícios através de
exíguas áreas de iluminação laterais (Fig. 5.30). O objetivo era conceitual,
vinculado à difusão de novos padrões de habitabilidade e conforto, defendidos
pelo movimento moderno, através de novo modelo espacial e padrão tipo-
morfológico, mas também ideológico, e certamente envolvia um persistente
preconceito estético.
57
ALMEIDA, 2004, op. cit., pp. 255-256.
271
Fig. 5.33 - Av. Independência. Edifício
com base e torre de grande porte (modelo
Fig. 5.34 - Av. Independência. Edifício
com base e mini
-
torre em lote estreito.
Fig. 5.35 - Av. Independência nº 532.
Edifício D. Florentina, torr
e sobre pilotis,
Fig. 5.36 - Av. Independência. Vista da
avenida na esquina com Rua Santo
Fig. 5.37 - Av. Independência, esquina
com Rua Santo Antonio. Empena cega do
Edifício José Pilla (nº 720).
Fig. 5.38 - Av. Independência, esquina
com Rua Garibaldi. Empena cega
eternizada pela vizinhança de
272
Ao condenar as empenas cegas (resultado de um padrão tipo-morfológico
derivado da normativa anterior, baseada no gabarito e no alinhamento),
condenavam igualmente o padrão tipo-morfológico e o modelo de cidade a ele
associado. Ora, as empenas cegas eram um dado do jogo nesse padrão, em
função do ritmo desigual e inconstante de substituição tipológica, mas como um
estado transitório. Ao completar-se o modelo, elas tenderiam a desaparecer. A
exigüidade dos pátios e áreas de iluminação e ventilação era conseqüência de
legislação complementar inadequada ou ausente (seu dimensionamento se fazia
ainda pelo Código Civil). Poderia ser resolvida, ou ao menos muito melhorada,
através de legislação específica, estabelecendo padrões mais adequados de
dimensionamento e configuração. Diversas cidades mantêm normativas baseadas
nesse padrão, com bons resultados em termos de habitabilidade, funcionalidade e
paisagem urbana.
Podemos questionar sua extensão ao conjunto da cidade de Porto Alegre,
em condições de contexto, topografia, traçado, parcelamento e convivência com
outros padrões de consolidação e constituição do tecido. Se feito, deveria contar
com regras de vizinhança assegurando sua convivência, com os direitos assim
preservados. Entretanto, para o Centro e as avenidas principais (e mesmo trechos
de bairros pericentrais), era certamente o procedimento mais adequado, e sua
manutenção e aperfeiçoamento pareceria a melhor estratégia. A qualidade
ambiental de alguns espaços urbanos produzidos e configurados sob estas regras
ao longo dos anos 40 a 60, exemplificada com consistência no entorno da Praça
Júlio de Castilhos, ilustra claramente tal potencial. A utilização do mesmo espaço
como exemplo negativo no Álbum de divulgação do 1º PDDU, em 1983 (Fig. 5.32),
revela quão entranhada se encontrava, entre os urbanistas municipais, a rejeição
a essa forma de construir a cidade.
Ao romper com o modelo anterior, propondo sua substituição por um novo,
fundamentado em dispositivos que não só impediam sua continuidade como
instauravam uma espacialidade inteiramente nova, o Plano Diretor acaba, na
prática, condenando a cidade a conviver com aquilo que queria eliminar. As
empenas cegas e as áreas laterais de iluminação, impedidas de serem
completadas, e assim adequadamente absorvidas na continuidade construída do
quarteirão, foram condenadas a permanecer na paisagem urbana como fantasmas
do modelo anterior a assombrar uma cidade moderna que igualmente não iria se
completar.
Vetando a continuidade do processo de consolidação do tecido pelas regras
anteriores, impuseram a perenidade de sua visão incompleta, agora como dado
permanente da paisagem do Centro e das radiais principais. Ao lançar sua
cruzada contra as empenas cegas o Plano não acabou com elas, como queria; ao
contrário, entronizou-as.
273
6º CAPÍTULO
O 1º PLANO DIRETOR DE DESENVOLVIMENTO URBANO (1º PDDU) - 1979
INTRODUÇÃO
“O módulo adotado deriva do conceito de que a cidade deveria estar
espacialmente distribuída de acordo com as atividades desenvolvidas pelos seus
habitantes, criando-se áreas especializadas segundo as predominâncias de uso
do solo, tais como: residencial, comercial e de serviços, industrial, áreas de lazer
e cultura e áreas de circulação. (...) A imagem urbanística que se faz de uma
unidade deste tipo configura uma pequena cidade, auto-suficiente nas suas
funções diárias, na qual seus habitantes, mediante deslocamentos a pé, têm
solucionado com tranqüilidade e economia suas necessidades básicas”. PORTO
ALEGRE, 1º PDDU, 1980, p. 15.
Em 1975, a Lei do Plano Diretor se aplicava sobre uma superfície muito
maior que a de 1959, com as mesmas regras. Entre 1960 e 1970, a cidade teve
expansão demográfica de quase 40%, passando de 635.000 habitantes a cerca de
885.000, e sua Região Metropolitana consolidou-se como grande eixo de
desenvolvimento urbano e industrial do estado, na direção norte; a leste,
agregaram-se novas áreas residenciais populares e industriais, em Alvorada,
Cachoeirinha e Gravataí. Em função da nova realidade urbana e metropolitana, e
da crescente complexidade de suas demandas, os urbanistas da Prefeitura
decidem pela reavaliação do Plano. O processo de reavaliação logo é
transformado na elaboração de um novo plano diretor, denominado Plano
Diretor de Desenvolvimento Urbano” (doravante 1º PDDU) para diferenciá-lo do
anterior. O 1º PDDU foi enfim promulgado em 1979, exatos 20 anos após aquele.
Uma geração antes, um pequeno, articulado e coeso grupo de arquitetos e
urbanistas, sob a liderança inconteste de Edvaldo Paiva, pode desenvolver a partir
de um anteprojeto urbanístico longamente maturado uma “lei de zoneamento e de
urbanismo”, a seguir institucionalizada como “Plano Diretor”. Diferentemente, a
elaboração do novo plano contou com a participação de mais de uma centena de
especialistas das mais diversas áreas, em análises e diagnósticos sistêmicos: aos
tradicionais arquitetos e urbanistas, se agregam grupos setoriais compostos por
sociólogos, economistas, geógrafos, juristas, demógrafos, agrônomos e médicos.
Os estudos preparatórios encomendados pela Prefeitura totalizaram mais de dez
volumes. Entretanto, o exaustivo levantamento e diagnóstico de todos os
componentes do sistema urbano pouco se refletem nos resultados práticos: uma
análise atenta mostra que as proposições do novo plano constituem em boa parte
a “atualização” das idéias de Edvaldo Paiva para o Plano Diretor de 1959-61, por
sua vez atualizações das idéias do mesmo Paiva desde 1936.
O 1º PDDU é contemplado com o 6º Capítulo, que procura entender o
processo pelo qual o Plano passa a se substituir inteiramente ao Projeto, e a
prefiguração da cidade ocorre em apenas duas dimensões, enquanto planta de
zoneamento. É acompanhado e analisado o extenso processo de reavaliação do
Plano ao longo da década de 70, durante o qual a influência direta de Paiva passa
274
a ser progressivamente substituída pela de seus seguidores, embora
compartilhada com outras fontes de legitimação, especialmente burocrático-
institucionais e acadêmicas. O Plano em si é descrito e analisado em sua estrutura
teórico-metodológica, modelo espacial e instrumentos de controle urbanístico,
destacando-se a discussão dos conceitos-chave de Sistema e de Processo,
operadores privilegiados do novo modelo.
O modelo de cidade sintética, adotado pelo 1º PDDU em oposição ao
modelo analítico anterior, é analisado juntamente com um dos conceitos espaciais
fundamentais do novo Plano: o conceito de Unidade Territorial de Planejamento
(UTP), baseado na idéia de Cidades dentro da Cidade, por sua vez filiada aos
ideais da Cidade-Jardim e da Unidade de Vizinhança, presentes nos planos
anteriores e nas propostas de Paiva desde a Contribuição. A Estrutura Ausente
trata do abandono do conceito de estrutura no modelo espacial do plano, em favor
de um sistema celular policêntrico, ainda longe de consolidação como paradigma.
Este, quando aparece, tem conformação híbrida: o processo de construção do
novo bairro residencial junto ao Shopping Center Iguatemi, em A Imprevisibilidade
Planejada, ilustra os limites e as contradições do modelo, servindo de pano de
fundo para a análise de seu processo de diluição e desmoronamento ao longo dos
anos 80 e 90, enredado num verdadeiro labirinto de legislação casuística e
aleatória, até não se poder mais divisar nenhum resquício de sua estrutura.
O PROCESSO DE REAVALIAÇÃO DO PLANO DIRETOR DE 1959/61
O 1º PDDU é o produto de uma extensa revisão do Plano anterior, realizada
através do Programa Especial de Reavaliação do Plano Diretor PROPLAN. O
programa foi desenvolvido pela equipe técnica da Secretaria do Planejamento
Municipal (doravante SPM) com apoio da Fundação Metropolitana de
Planejamento do Estado do Rio Grande do Sul (METROPLAN), do Departamento
de Urbanismo e do PROPUR/UFRGS, durante a Administração Guilherme Socias
Villela, entre 1977 e 1979. O processo de reavaliação como um todo teve início
em meados da década, e levou quase cinco anos.
Em 1975, quando a quarta extensão do Plano Diretor pelo Decreto 5162
finalmente estendia sua abrangência ao conjunto do território municipal, aplicando
dispositivos de controle urbanístico definidos mais de quinze anos antes, estava
claro para os técnicos do planejamento municipal que a revisão do antigo plano
tornara-se tanto imprescindível como inadiável. Mesmo reconhecendo a relativa
dinâmica de atualização permitida pela estrutura institucional do Plano Diretor,
responsável pelas sucessivas extensões desde 1961, considerava-se “o perigo da
constante reavaliação da parte, sem nunca atingir o todo”, e o acúmulo de
instrumentação jurídica, vasta e dispersa, decorrente da Lei nº 2.330 e traduzida
em Decretos, Resoluções e Pareceres do CMPD”, comportando contradições ou
275
inconsistências técnicas e jurídicas e originando, por seu volume, grandes
dificuldades nas consultas e aplicações
1
.
Além da consolidação da legislação, era necessário incorporar a ela uma
série de estudos elaborados ou em elaboração pela SPM. Eles envolviam desde a
definição das áreas de preservação do ambiente natural, o Plano básico para as
Ilhas do Delta do Jacuí, o zoneamento de uso do solo para a área continental e a
identificação das Áreas de Interesse Paisagístico para efeito de limitação da altura
das edificações, até a regulamentação do uso do pavimento térreo em prédios da
Área Central. O plano também deveria considerar o impacto dos recentes planos
metropolitanos de transporte de massa, por ônibus e trem, e dos crescentes
investimentos federais. Assim, a exposição de motivos do 1º PDDU conclui:
“Essas constatações estão a indicar que o atual Plano Diretor, embora venha atingindo
suas finalidades, após quase duas décadas, tem seus conteúdos afetados pela força da
natural evolução das técnicas e dos recursos do planejamento urbano e pelo impacto de
variáveis econômicas e sociais, a influírem decisivamente no crescimento e
desenvolvimento da cidade e da região. Cabe, pois, reavaliar de modo completo o Plano
da Cidade, tendo como objetivo maior uma lei única, coerente em seus dispositivos e
atualizada em seus conceitos, capaz de proporcionar melhor qualidade de vida e bem-
estar à população”.
2
Em sua dissertação sobre as bases doutrinárias em planos diretores,
Nygaard
3
aponta uma série de fatores relevantes para a reavaliação do plano:
integração com as propostas metropolitanas de ocupação do espaço e
implantação de sistemas de transporte de massa (em 1973 tinha sido concluído o
Plano de Desenvolvimento da Região Metropolitana de Porto Alegre PLAMET);
incorporação de novos temas emergentes, como vazios urbanos, ecologia/meio
ambiente e participação comunitária; críticas às inconsistências do plano antigo
nas relações entre as regras de estruturação do espaço e as densidades
demográficas, os equipamentos comunitários e as infra-estruturas urbanas;
consideração do impacto das variáveis sociais e econômicas sobre o
desenvolvimento da cidade, e a possibilidade de utilização dos novos meios
eletrônicos para o controle e acompanhamento das transformações da estrutura
urbana e de seus elementos. Nygaard deixa de lado um fator decisivo, a
adequação do planejamento de Porto Alegre, e conseqüentemente de seu maior
instrumento, o Plano Diretor, às novas diretrizes do governo federal para a política
1
PORTO ALEGRE. 1º Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Porto Alegre 1º PDDU
(Memorial justificativo e Lei Complementar nº43, de 21/07/1979). Porto Alegre: PMPA/SPM, 1980,
p. 14.
2
Idem, ibidem.
3
NYGAARD, Paul Dieter. BASES DOUTRINÁRIAS EM PLANOS DIRETORES; um estudo dos
planos elaborados para o município de Porto Alegre 1914 a 1979. Porto Alegre:
PROPUR/UFRGS, 1995, 134 p. Dissertação (Mestrado em Planejamento Urbano e Regional)
Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional PROPUR, UFRGS, 1995,
especialmente nas páginas 105-106. O trabalho, revisado e ampliado, foi publicado posteriormente
como NYGAARD, Paul Dieter. Planos Diretores de cidades: discutindo sua base doutrinária. Porto
Alegre: Editora da UFRGS, 2005.
276
de desenvolvimento urbano, através do Serviço Federal de Habitação e
Urbanismo - SERFHAU e do Banco Nacional de Habitação - BNH.
O SERFHAU foi criado nos primeiros meses do regime militar pela mesma
lei que criou o BNH (Lei nº 4380 de 21/08/64), com atribuições ligadas à política
habitacional e urbana, e o papel de atuar no planejamento urbano fornecendo
diretrizes e prestando assessoria aos municípios em seus planos. Foi definida
uma política nacional de planejamento urbano, e os planos passam a seguir a
metodologia estabelecida pelo Serviço, de forma compulsória, condicionando
inclusive os financiamentos e investimentos federais nos municípios. O modelo
influiu na terminologia técnica, consagrando a expressão planejamento local
integrado
4
para designar o escopo do antigo plano diretor.
À definição política, seguiram-se os meios: o Programa de Planos de
Desenvolvimento Local Integrado foi instituído em dezembro de 1966, e o fundo
para seu financiamento em janeiro de 1967, qualificando o SERFHAU para
promover a elaboração dos primeiros planos dentro do novo modelo. O órgão foi
extinto em 1974, mas as suas atribuições passaram ao BNH. Em 1976 a
Prefeitura de Porto Alegre submeteu ao BNH um programa para reavaliação do
Plano Diretor de 1959. Para ter acesso aos recursos da linha especial de créditos
FIPLAN - Fundo de Financiamento de Planos de Desenvolvimento Local Integrado
- foi preciso adequar o programa às normas do Banco, ainda moldadas nas idéias
e procedimentos do recém extinto SERFHAU.
O planejamento local integrado se vinculava à corrente do planejamento
racional ou compreensivo, que pressupõe o conhecimento completo do objeto de
estudo através de diagnósticos setoriais, e sua execução a partir do conceito
estratégico de condução integrada do desenvolvimento econômico e social da
cidade e sua região. Baseava-se na integração, tanto do ponto de vista
interdisciplinar quanto espacial, no planejamento como processo contínuo, e na
visão sistêmica.
“Definido por suas propriedades ou características, o planejamento urbano seria um
processo contínuo do qual o plano diretor constituiria um momento; o processo seria uma
atividade multidisciplinar e envolveria uma pesquisa prévia o diagnóstico técnico que
revelaria e fundamentaria os ‘problemas urbanos’ e seus desdobramentos futuros, cujas
soluções seriam objeto de proposições que integram os aspectos econômicos, físicos,
4
O período de hegemonia do modelo SERFHAU/BNH e do planejamento local integrado é
analisado por VILLAÇA, que localiza sua origem na década anterior e seu auge nos “superplanos
dos anos 70: “A partir da década de 1950, desenvolve-se no Brasil um discurso que passa a pregar
a necessidade de integração entre os vários objetivos (e ações para atingi-los) dos planos urbanos.
Esse discurso passa a centrar-se (mas não necessariamente a se restringir) na figura do plano
diretor e a receber, na década de 60, o nome de planejamento urbano (ou local) integrado
(VILLAÇA, Flávio. Uma contribuição para a história do planejamento no Brasil. DEÁK, Csaba e
SCHIFFER, Sueli Ramos. O processo de urbanização no Brasil. São Paulo: Editora da USP, 1999,
p. 177).
277
sociais e políticos das cidades e cuja execução tocaria a um órgão central coordenador e
acompanhador da sua execução e contínuas revisões”.
5
Segundo essa concepção do planejamento, a cidade é um fenômeno de
natureza essencialmente sócio-econômica, que transcende sua dimensão
espacial, entendida como mero reflexo de relações de produção. A visão estrutural
e morfológica é substituída pela dos sistemas funcionais, e o processo de
desenvolvimento e gestão se substitui ao de crescimento e urbanização, numa
reação ao suposto determinismo físico dos planos urbanísticos da fase anterior, do
período 1930-1965. Trata-se de uma reação fundamentalmente ideológica. Dentro
dessa concepção, a metodologia do SERFHAU privilegiava um enfoque técnico-
científico dos planos, baseado na realização de extensos diagnósticos setoriais
dos aspectos econômicos, sociais, físicos e institucionais, depois compatibilizados
num diagnóstico global, e na implantação de um processo permanente de
planejamento. A interdisciplinaridade do corpo técnico era um pressuposto, para
que com isso, fosse alcançada uma visão mais completa da cidade”. Entretanto,
parece evidente que os conceitos de visão completa, que pretendia ser obtido, e
de conjunto de visões setoriais, que normalmente se obtinha, eram entendidos
então como equivalentes
6
.
A metodologia escolhida para o programa considerou um período de 14
meses, e envolveu “a avaliação setorializada (sic) do Plano vigente comparado à
evolução da cidade no período de sua existência, na busca de um diagnóstico
global”. Os 12 setores ou áreas de especialização consideradas relevantes foram:
Diretrizes Metropolitanas e Locais; Infra-Estrutura Urbana; Economia e Função da
Cidade; Sociologia; Geografia e Evolução Urbana; Ambiente Natural e Biofísico;
Lazer, Cultura e Paisagem Urbana; Circulação Urbana; Estrutura Urbana e Uso do
Solo; Habitação; Legislação Urbana, e Sistematização de Dados e do
Planejamento. O processo era fechado e essencialmente técnico. Mesmo que o
programa destaque o desenvolvimento de “um intenso trabalho de comunicação
com um apreciável número de entidades privadas e comunitárias”, ele se revelava
bastante acanhado, limitando-se apenas a contatá-las “(...) através de
correspondência que expunha os objetivos do programa em desenvolvimento e
solicitava, por outra parte, a valiosa colaboração das mesmas, através de
sugestões ou outro tipo de participação
7
.
5
VILLAÇA, 1999, op. cit., pp. 187-188.
6
MARQUES, 1986, op. cit., p.17, e NYGAARD, 1995, op. cit., p. 108. Para Demétrio Ribeiro, a
doutrina oficial do SERFHAU “(...) consistia na pretensão de planejar conjuntamente quatro
processos de desenvolvimento: o espacial, o econômico, o social e o institucional. Do ponto de
vista do planejamento urbano propriamente dito uma primeira conseqüência era a diluição da
problemática urbana num estudo que abrangia o município como um todo, e em certos casos toda
uma microrregião”. RIBEIRO, Demétrio. O Planejamento Urbano no Rio Grande do Sul, in:
WEIMER (org), 1992, op. cit., pp. 140-141.
7
PORTO ALEGRE, 1980, op. cit., p. 14. Os debates posteriores foram acompanhados, em
distintos momentos, por entidades como o Instituto de Arquitetos do Brasil IAB/RS, Ordem dos
Advogados do Brasil OAB/RS, e Federação das Associações de Bairro FRACAB.
278
A elaboração do plano foi acompanhada por uma Comissão Permanente da
Câmara dos Vereadores. Os trabalhos foram concluídos em meados de 1978,
submetidos ao Conselho do Plano Diretor, e o projeto foi encaminhado à Câmara
Municipal para aprovação, que ocorreu após oito meses de debates, com mais de
200 emendas. Finalmente, em julho de 1979, foi instituído o 1º Plano Diretor de
Desenvolvimento Urbano de Porto Alegre, através da Lei Complementar 43/79.
Pela Exposição de Motivos do Plano, caberia à administração municipal a
criação de ambiente favorável ao progresso das sociedades e à elevação do
homem”, no pressuposto de que sempre existe “a possibilidade de ação positiva
para a maior aproximação dos ideais de desenvolvimento da cidade, em harmonia
com seus habitantes
8
. A idéia de que a “cidade” e “seus habitantes” podem ter
ideais de desenvolvimento próprios, independentes, que devem ser
compatibilizados entre si pelo plano, alça-o a uma esfera quase demiúrgica de
harmonização dos ideais da cidade e de seus cidadãos, como um superplano. Na
mesma Exposição de Motivos se comenta que o plano urbano é o melhor
instrumento de ação para solucionar os problemas e alcançar o progresso da
cidade, e que com ele
“(...) se procura (...) a identificação do maior número (de) problemas (da cidade) e a
determinação de suas causas, buscando sempre as soluções que tenham a maior
aproximação possível com o que ardentemente se deseja para a elevação do homem
urbano (buscando) uma lei única coerente em seus dispositivos e atualizada em seus
conceitos, capaz de proporcionar melhor qualidade de vida e bem-estar à população”.
9
Nessa “reificação” do papel do plano, Nygaard vê o entrelaçamento de
teses de diversas doutrinas: teses positivistas, teses do urbanismo moderno e
mesmo teses lebretianas. Se parece claro que o processo de elaboração do plano
recolhe a influência de diversas doutrinas sem que se configure uma hegemônica,
não encontramos em sua base teórica nenhuma evidência da presença das
doutrinas do Padre Lebret e da SAGMACS
10
. O próprio gerente do programa de
elaboração do 1º PDDU, em depoimento sobre as influências presentes no
8
PORTO ALEGRE, 1980, op. cit., p.13. Tal autonomia entre cidade e cidadãos suscita a Nygaard
perguntas do tipo: será que existem ideais para uma cidade não decorrentes dos ideais de sua
população? De que natureza seriam estes ideais? Quem os estabeleceria e como? Cf. NYGAARD,
1995, op. cit, p. 106.
9
PORTO ALEGRE, 1980, op. cit., pp. 13-14.
10
A SAGMACS Sociedade para Análise Gráfica e Mecanográfica Aplicadas aos Complexos
Sociais era um escritório técnico fundado pelo padre dominicano francês Joseph Lebret para por
em prática os princípios e os métodos de seu Movimento Economia e Humanismo. Chegou ao
Brasil em 1947, para um curso na Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo, passando a
prestar serviços de consultoria e influenciar na formação de toda uma geração de profissionais
paulistas. Em 1957 dirigiu a Pesquisa da Estrutura Urbana da Aglomeração Paulistana para o
prefeito Toledo Pizza, uma das maiores pesquisas urbanas realizadas no país; repetiu-a no final
dos anos 50 em Belo Horizonte, e após no Rio de Janeiro, sobre favelas. Exerceu grande
influência em São Paulo, em Minas e no Nordeste nos anos 50 a 70, mas teve repercussão
relativamente marginal no Rio Grande do Sul. A SAGMACS é tratada por VILLAÇA, 1999, op. cit.,
pp. 218-219, e em LEME, 1999, op. cit., 1.10 O MOVIMENTO ECONOMIA E HUMANISMO: UM
MÉTODO E UMA FORMAÇÃO, pp. 429-440.
279
mesmo, ressalvou que embora a doutrina do Padre Lebret fosse reconhecida (“e
apreciada por seu lado humanista”), sua contribuição é imprecisa, na medida em
que o plano sofreu influências de uma mescla difusa de aportes teóricos e
metodológicos, trazidos pelos diferentes setores e pelas diferentes disciplinas que
participaram de seu longo processo de elaboração
11
.
Se existe alguma hegemonia, ela deve ser creditada ao modelo SERFHAU.
O conceito-chave de integração está claramente presente nos objetivos e nos
procedimentos, e encontra-se explicitamente manifesto na Exposição de Motivos
do 1º PDDU, que “(...) não deve ser apenas um projeto urbanístico, mas (...)
proposta de cidade onde os aspectos básicos determinantes da vida urbana
estejam integrados”. Isto seria alcançado através da análise e síntese
interdisciplinar, e pela integração de conhecimentos especializados, permitindo
“(...) a difícil mas necessária integração dos conhecimentos setoriais e das
proposições das áreas especializadas orientará as diretrizes (...), compatibilizadas
entre si, propiciando dessa forma ações mais concretas e seguras porque
integradas
12
. Se aprofundamos a análise do processo de elaboração do plano,
entretanto, vemos que a integração parece limitar-se mais ao discurso que aos
resultados efetivos. Para Ribeiro, isso era comum nos diagnósticos dos planos
integrados, pois a impossibilidade de deduzir o novo diretamente do conhecido
confirmava-se no caráter frequentemente óbvio e genérico
13
das propostas
setoriais.
A forma como foi feita a compatibilização das propostas no plano evidencia
o predomínio da perspectiva físico-territorial sobre qualquer outra. Em depoimento
a Nygaard, o gerente do programa informou que, para assegurar que o conjunto
dos relatórios e propostas setoriais resultasse num produto concreto, foi confiada
a uma pequena equipe de arquitetos municipais a elaboração, com base em
conhecimentos empíricos próprios (“porque algumas coisas eram óbvias”), de uma
proposta física da cidade, um pré-plano urbanístico dos bons tempos”, que foi
denominada modelo primário. As contribuições de cada setor eram apresentadas
e incorporadas ao modelo primário, mas apesar do grande número e diversidade
dos trabalhos apresentados, não houve análise da coerência entre as propostas
setoriais, fora do campo físico-territorial. A seguir, o trabalho se orientou no
sentido da elaboração do Plano propriamente dito, cujo produto final sintetiza as
diretrizes estabelecidas, materializadas no modelo espacial e na legislação
14
.
Outra característica do modelo SERFHAU era a idéia de planejamento como
processo permanente. Ela está presente no plano desde sua gestação, e se
materializa na criação de um Sistema Municipal de Planejamento como núcleo
“duro” de elaboração e gestão. Entretanto, ao justificar a necessidade de um
11
Depoimento de Moacyr Moojen Marques, em NYGAARD, 1995, op. cit., pp. 107 a 109.
12
PORTO ALEGRE, 1980, op. cit., p. 13.
13
RIBEIRO, Demétrio. “O Planejamento Urbano no Rio Grande do Sul”, in WEIMER, 1992, op. cit.,
p. 141. Para ele, em função dessa “inautenticidade” a metodologia SERFHAU representou um
recuo com relação aos planos diretores convencionais do período anterior.
14
PORTO ALEGRE, 1980, op. cit., p. 15, e NYGAARD, 1995, op. cit., p. 109.
280
sistema permanente de planejamento, para fazer
281
qualidade urbanística” de cada setor. O processo se fundamentava na montagem
de um sistema de atualização permanente de informações por setor, vinculado a
uma central de dados capaz de detectar instantaneamente quaisquer
modificações ou alterações de estado, permitindo as correções.
Esse processo permanente de informações e planejamento permitiria
vincular, praticamente on line”, cidade e órgão técnico. Dessa forma “(...) o
sistema implantado propiciará, a qualquer momento, indicação de prioridades para
a ação administrativa. Qualquer programa de governo poderá ser imediatamente
fundamentado mediante a seleção por computador, dos setores urbanos mais
carentes
19
. A qualidade urbanística” decorreria diretamente do ajuste dessa
contabilidade espacial, operado de forma eletrônica e objetiva em cada setor
urbano, referenciado a padrões urbanísticos definidos tecnicamente e aplicáveis a
qualquer parcela do espaço urbano, independente de circunstâncias ambientais,
funcionais e sócio-econômicas. Neutralidade normativa e isonomia espacial.
O próprio gerente do PROPLAN, em ensaio posterior sobre os planos
diretores de Porto Alegre, destaca as principais características do 1º PDDU,
corroborando as linhas gerais dessa análise:
“(a) A natureza interdisciplinar e multissetorial do plano. (b) O caráter permanente conferido
à atividade de planejamento e a sua organização sob a forma de sistema. (c) A base
jurídico-instrumental consolidada num único texto legal, coerente nos seus dispositivos e
compatibilizado nos seus conceitos. (d) A criação de mecanismos de consulta e
participação da comunidade no processo de planejamento. (e) O modelo urbanístico
contextualizado no município e na região e conformado fisicamente por critérios de
densidade populacional, zoneamento de uso do solo, multipolarização de serviços e
equipamentos, funcionalidade e hierarquização de vias
20
.
Ao final, vemos que esse conjunto de idéias e concepções foi incorporado
às propostas do 1º PDDU. Muitas das propostas apresentadas em 1959 e 1961
são retomadas de forma bem mais detalhada, embora o detalhamento se dê muito
mais em termos das regras e dispositivos que em termos de estrutura e
configuração espacial. O novo plano busca um tratamento mais científico e neutro
para as normas, mas com a pretensão de inseri-las em uma perspectiva social
mais ampla, pela definição de relações entre a população e os equipamentos
urbanos. Como as relações são numéricas, o novo contexto normativo e as
propostas decorrentes mantêm um caráter essencialmente tecnocrático. Sua
legitimação é buscada na neutralidade dos padrões, resultantes da quantificação
de fatos urbanos precisos, apurados de forma objetiva, e hierarquizados
funcionalmente. A pretendida neutralidade, entretanto, se esboroa rapidamente
quando verificamos a permanência de alguns pressupostos ideológicos evidentes,
na questão das densidades e das alturas, por exemplo, a orientar e contaminar os
padrões utilizados no 1º PDDU.
19
Idem ibidem, p. 68.
20
SALENGE, Laís e MARQUES, Moacyr Moojen. Reavaliação de planos diretores: o caso de Porto
Alegre. In: PANIZZI, Wrana e ROVATTI, João (orgs), 1993, op. cit., pp. 160-161.
282
O 1º PDDU
Aprovado como Lei Complementar 43/79, o 1º PDDU estabelece o Sistema
Municipal de Planejamento e Coordenação do Desenvolvimento Urbano
(SMPCDU), centrado na Secretaria do Planejamento Municipal, enfatizando o
processo de gestão e os mecanismos de consulta e participação da comunidade
em detrimento da explicitação da estrutura morfológica e espacial. Divide a cidade
em Unidades Territoriais de Planejamento, com regime urbanístico próprio,
estabelece uma hierarquia de polarização comercial com base em pólos e
corredores de comércio e serviços, e define um Sistema Viário básico, amorfo e
muito desarticulado.
Apesar das sucessivas análises que insistem em vinculá-lo às mesmas
imagens da cidade moderna conforme definida na Carta de Atenas, essa
vinculação é muito mais ideológica que físico-espacial. Da cidade moderna o 1º
PDDU incorpora metodologicamente o conceito de Unidade de Vizinhança como
Unidade Territorial de Planejamento, e induz tipológica e morfologicamente um
modelo matizado de cidade-jardim de média altura e baixa densidade. Entretanto,
substitui-se a abordagem analítica do plano anterior (com seus mapas temáticos
de zoneamento de usos, alturas, ocupação e aproveitamento), vinculada a uma
imagem física da cidade estruturada formalmente a partir de seu centro através
das radiais e perimetrais, por uma abordagem sintética, com todos os
instrumentos de controle urbanístico incidindo independentemente sobre cada
UTP. Em função dela, a imagem física resultante é fragmentada, frouxa, ou
simplesmente ignorada, predominando um mosaico homogêneo, contínuo e
indiferenciado.
Uma das explicações para isso é que o 1º PDDU, assim como o Plano
Diretor anterior, tem sua origem numa regulamentação urbanística, e não num
projeto estratégico, ou imagem de cidade. A incorporação de novos termos e
conceitos, se por um lado responde à natural evolução da disciplina do
planejamento urbano no período, e às novas “modas” acadêmicas, recoloca sob
outra forma os temas recorrentes dos planos prévios.
A descrição e exegese do plano utilizarão como documento a edição de
1980; as páginas indicadas entre parênteses sempre se referem a ela. A
documentação é complementada com o álbum de apresentação e divulgação
editado ao final da administração Villela. A análise crítica lançará mão,
extensivamente, das conclusões do relatório final do Convênio UFRGS/PMPA
21
,
21
CONVÊNIO UFRGS/PMPA. Estudos para reformulação do 1º Plano Diretor de Desenvolvimento
Urbano de Porto Alegre (GT 3.4/Dispositivos de Controle das Edificações). Porto Alegre:
PROPAR/UFRGS, 1996. O documento foi posteriormente publicado como ABREU FILHO, Silvio
Belmonte de (e outros). Estudo para Reformulação do 1º Plano Diretor de Desenvolvimento
Urbano de Porto Alegre: Dispositivos de Controle das Edificações. Relatório Final do Convênio
UFRGS/PMPA. Porto Alegre: PROPAR/UFRGS, 1996, 80 p. + anexos e mapas.
283
até a data a mais fundamentada e abrangente avaliação dos conceitos, normas e
instrumentos de controle urbanístico do 1º PDDU, e de suas conseqüências sobre
o processo de construção da cidade nos anos 80 e 90.
A EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS que introduz o plano ocupa sete páginas (p.
13 a 19), e inicia com considerações de ordem conceitual, sobre as causas dos
problemas urbanos e os princípios fundadores do tipo de planejamento adotado.
Como princípios fundadores são apontados a integração de conhecimentos, o
caráter interdisciplinar da abordagem e a criação de um processo permanente de
planejamento, com uma estrutura institucional e administrativa específica, todos
identificados com o modelo SERFHAU predominante no país desde o início do
governo militar. A seguir, apresenta um breve histórico do PLANO DIRETOR
VIGENTE (pp. 13-14), identificando sua origem e procurando esclarecer as razões
que levaram à sua substituição. O processo de elaboração do 1º PDDU é descrito
nas páginas 14 e 15, detalhando a metodologia seguida pelo PROPLAN e as
áreas de especialização dos diversos diagnósticos setoriais definidos por ela.
A seguir são introduzidos os dois principais operadores teóricos do novo
plano: a proposta de um SISTEMA PERMANENTE DE PLANEJAMENTO (p. 15),
e o conceito da matriz celular constitutiva do modelo espacial, a partir do módulo
básico de divisão territorial. A institucionalização de um sistema permanente de
planejamento municipal pressupõe a montagem de uma infra-estrutura
organizacional que requer, basicamente, um corpo técnico interdisciplinar (a), uma
central de informações com dados da vida urbana, atualizados permanentemente,
284
A DISTRIBUIÇÂO DA POPULAÇÂO (p. 16) se refere à distribuição das
densidades no espaço urbano e regional, e à definição de Área Urbana,
caracterizada como de Ocupação Intensiva (dentro do perímetro urbanizável) e
Extensiva (fora daquele, mas não classificadas como de uso Rural), com
predominância do ambiente natural. Definidos os limites da área urbanizável, o
plano prevê, com base num cálculo da população viável em densidades médias
recomendadas”, que a cidade comportará uma população de aproximadamente
2.400.000 habitantes, tornando desnecessário o crescimento em superfície para
abrigar o crescimento populacional. Com isso, o Plano virtualmente “congela” a
expansão urbana em favor de uma política de ocupação dos vazios e de
adensamento dos espaços rarefeitos no interior das áreas preconizadas para a
urbanização”, com justificativas ambientais e econômicas.
O principal instrumento de controle urbanístico do plano, o índice
construtivo, é apresentado em INDICES DE APROVEITAMENTO (pp. 16-17).
Introduzidos pelo Plano Diretor de 1959, os índices traduzem a capacidade
construtiva dos terrenos e, dessa forma, controlam indiretamente a distribuição da
população no espaço urbano. Considerando que os atuais índices não foram
eficazmente relacionados com a população por eles admitida”, procurou-se o
estabelecimento de um vínculo direto entre os índices e as densidades de
população desejadas para as unidades residenciais”. Essa vinculação foi feita,
algo ingenuamente, através da limitação do número de dormitórios dos prédios de
habitação coletiva possibilitados pelos índices, para cada UTR.
No aproveitamento, a inovação do 1º PDDU se dá pela criação da
RESERVA DE ÍNDICES (p. 17). A reserva é formada pelo estoque de índices de
aproveitamento oriundos de equipamentos e áreas de uso coletivo, considerados
no cômputo das densidades e índices gerais das respectivas UTRs, e passíveis de
utilização em acréscimo aos índices normais nas unidades de origem, através de
negociação com a Prefeitura, por permuta ou venda a outro proprietário.
As AREAS NÃO COMPUTÁVEIS NOS ÍNDICES (p. 17), que já eram
previstas embrionariamente no Plano Diretor de 59, como instrumento de indução
tipológica para áreas sob pilotis ou nos terraços de cobertura, são generalizadas
no 1º PDDU. Elas vão consagrar isenções para certas partes da edificação
anteriormente computadas nos índices de aproveitamento, como circulações e
dependências de uso comum, áreas de apoio condominial e equipamentos,
sacadas e terraços das unidades autônomas, áreas destinadas à guarda de
veículos, e áreas de recreação em qualquer pavimento. Na realidade, as
bonificações foram adotadas como medida compensatória da perda de área
construída potencial operada pelo plano, através do rebaixamento generalizado e
massivo dos índices de aproveitamento.
O plano diretor anterior não incluía a Lei de Loteamentos e a referente aos
conjuntos residenciais, que constituíam documentos à parte. No 1º PDDU, as
disposições referentes ao PARCELAMENTO DO SOLO são integradas como um
285
capítulo da Lei do Plano Diretor, buscando compatibilizá-lo com o conjunto de leis
urbanísticas, e estendendo os dispositivos de controle às áreas de expansão
urbana.
Para finalizar, a Exposição de Motivos enfoca cinco temas que passavam a
constituir os novos eixos conceituais do planejamento nos anos 70. O primeiro é o
Meio Ambiente (p. 18), apenas latente no plano anterior, que é incorporado em
termos conceituais e institucionais ao 1º PDDU sob a forma de um plano de
preservação ambiental e paisagístico que “pretende assegurar extensas áreas não
urbanizadas para lazer e convivência com a natureza, salvaguardar as margens
do rio Guaíba e manter, mesmo nas áreas urbanizadas, as principais
características da paisagem do sítio original de implantação da cidade”. Além do
zoneamento, isso se faria utilizando-se os dispositivos de controle, especialmente
aqueles referentes às alturas e aos volumes das edificações.
O segundo é o Lazer e a Cultura (p. 18), que comparece tanto em termos
de preservação da paisagem urbana em espaços ou edificações de significado
para a história da cidade, quanto no conceito e dimensionamento das redes de
equipamentos de ensino e recreação. Estão expressos na lei sob a forma de
diretrizes, e através de um modelo espacial de distribuição de equipamentos.
O terceiro refere-se à Circulação Urbana (p. 18), em termos de diretrizes
inscritas na lei e no modelo espacial, e como subsídios para a definição da
estrutura de polarização da cidade. Para tal, foram avaliados e “compatibilizados”
os projetos existentes para o setor, no plano local e esferas externas, como o
Plano Metropolitano de Transporte (PLAMET/PA) e os projetos decorrentes,
TRANSCOL e TRENSURB/PA. Por compatibilização entenda-se sua incorporação
ao Plano. Entretanto, apesar da preocupação integradora, os projetos de
transporte e circulação urbana seguiram sendo concebidos e implantados
setorialmente, a partir de estratégias dos órgãos federais, e impostos compulsória
e discricionariamente sobre a cidade, a exemplo do próprio TRENSURB e dos
corredores exclusivos de transporte coletivo nas principais avenidas radiais.
O quarto trata da Economia Urbana (pp. 18-19), considerando a evolução
da cidade e de seus aspectos econômicos para definir com muita nitidez a
vocação de Porto Alegre”. Apesar de considerações sobre a evasão de indústrias,
em função de aspectos locacionais, ambientais, imobiliários e institucionais, e da
elaboração de uma classificação industrial, indicando o tipo de empresas mais
adequadas ao Município”, destinando-se a elas áreas específicas no zoneamento
do plano, predomina uma convicção pós-industrial. Ela está focada nas funções
terciárias
22
, e as atividades produtivas são limitadas a setores e escalas de
produção extremamente restritas, condicionando o desenvolvimento econômico.
22
Verifica-se um considerável acréscimo na importância econômica das atividades terciárias, o
que leva à convicção de que o Município é, essencialmente, um pólo de prestação de serviços
(PORTO ALEGRE, 1980, op. cit., p. 19). Entretanto, a atividade terciária é vista de forma
conservadora, não se colocando, em nenhum momento, a importância do “terciário superior”, ou
286
Finalmente, o quinto tema é a Participação da Comunidade (p. 19), um
ícone poderoso do Plano, que explicitamente procura estruturar-se como um
modelo participativo de Planejamento”. Entretanto, esse modelo apresenta-se de
forma ainda muito vaga, e baseado nas Associações de Moradores, que
representarão a população de cada Unidade ou conjunto de unidades, obedecidos
requisitos básicos para reconhecimento por parte do município
23
. Como as
associações não representam comunidades com identidade espacial (bairros),
cultural ou de interesses, e são criadas arbitrariamente a partir de uma divisão
territorial abstrata, sua eficácia resta a comprovar.
A Exposição de Motivos conclui com uma apologia do plano como UMA
NOVA CONCEPÇÃO DE MUNICÍPIO (p. 19), pois ele “assenta-se sobre a busca
da melhoria da qualidade de vida dos habitantes da Capital”, e tem como base
principal uma melhor distribuição da população na área urbana, através de uma
política racional de uso do solo e dos equipamentos, ajustada, a cada passo, de
acordo com a evolução da cidade”. Descontada a redundância entre assentar-se e
ter como base, o plano coloca sua raison d’être” na correta distribuição da
população através do modelo espacial celular e do zoneamento de usos, e no
sistema permanente de planejamento, considerados capazes de assegurar a
melhoria da qualidade de vida.
A LEI COMPLEMENTAR Nº 43/79 “Dispõe sobre o desenvolvimento urbano
no Município de Porto Alegre, institui o Primeiro Plano Diretor de Desenvolvimento
Urbano e dá outras providencias”. A Lei é organizada em III Partes e 18 anexos,
mas sua estrutura revela certo desequilíbrio entre as partes, que é reforçado pelo
excesso de elementos e conceitos a definir no corpo da lei.
A I PARTE trata do desenvolvimento urbano, iniciando com seus objetivos
gerais e a definição dos instrumentos básicos do planejamento no TÍTULO I, e
passa ao Sistema Municipal de Planejamento e Coordenação do Desenvolvimento
Urbano no TÍTULO II, com dois capítulos. O primeiro institui o Sistema, com seus
objetivos e estruturação, e define as Unidades Territoriais de Planejamento (UTPs,
os módulos territoriais) e as Unidades Territoriais Seccionais (UTSIs, ou o
resultado da agregação dos módulos territoriais ou UTPs). O segundo detalha a
organização do Sistema, designa o seu órgão central (a SPM), seu órgão de
integração (o Conselho Municipal do Plano Diretor - CMPDDU), e suas respectivas
estruturas de funcionamento. O TÍTULO III trata da participação da comunidade no
“terciário de decisão”, conceitos já bastante difundidos à época no país pela CNPU e originários do
aménagement” francês.
23
As Associações atuariam no encaminhamento de sugestões e de posicionamentos (sic) em
relação às matérias que interessam ao desenvolvimento, preferencialmente das áreas que
287
Fig. 6.3 - 1º PDDU - Estrutura de Polarização: Hierarquia e
distribuição dos pólos de comércio e serviços.
Fig. 6.2 - 1º PDDU Lei 43/79 - Modelo Espacial Proposto
(à direita) e Divisão Territorial.
Fig. 6.4 - 1º PDDU Rede Viária Principal
(existente e proposta); Níveis 1 e 2.
Fig. 6.1 - 1º PDDU Planta Geral de Zoneamento.
288
processo de planejamento, especialmente da constituição e funções das
Associações de Moradores das UTPs, principais veículos dessa participação, e o
TÍTULO IV da vigência e mecanismos de reavaliação/revisão previstos do Plano.
A II PARTE institui o PDDU e enumera seus 18 anexos no TÍTULO I, e
delimita as Áreas Municipais no TÍTULO II: define Zona Urbana e Zona Rural,
dividindo a primeira em Áreas de Ocupação Intensiva (AUOI) e Extensiva (AUOE);
e as Áreas Funcionais, classificadas em Áreas de Interesse Público, Áreas de
Interesse Urbanístico e Áreas de Interesse Ambiental, dividida por sua vez em
Áreas de Preservação Permanente e Áreas de Interesse Paisagístico e Cultural.
O TÍTULO III finalmente vai apresentar o Regime Urbanístico, em capítulos
dedicados sucessivamente às disposições gerais (I), ao uso e ocupação do solo
(II), ao parcelamento do solo (III), aos padrões urbanísticos (IV), à paisagem
urbana (V) e ao detalhamento do regime urbanístico das áreas especiais das Ilhas
do Delta do Jacuí (VI), da Praia de Belas (VII) e do Centro (VIII). O Capítulo II
reúne o grosso do Regime Urbanístico, definindo o zoneamento de usos nas áreas
urbana e rural e os Pólos e Corredores de Comércio e Serviços, os dispositivos de
controle das edificações e o instrumento da reserva de índice construtivo.
A SEÇÃO IV define os dispositivos de controle das edificações: o ÍNDICE
DE APROVEITAMENTO, coeficiente construtivo relacionado à área dos terrenos,
com suas áreas computáveis e não computáveis; a TAXA DE OCUPAÇÃO, que
define as projeções máximas das edificações sobre o solo; o regime de ALTURA
para o dimensionamento volumétrico das edificações, e os RECUOS PARA
AJARDINAMENTO. Todos são originários do plano anterior, mantendo-se
inclusive o mesmo esquema ilustrativo dos dispositivos de controle (Fig. 6.7), e
agregando agora maior detalhamento e especificação. O Parcelamento do Solo
diferencia e qualifica as distintas formas de parcelamento do solo urbano -
Loteamento, Remembramento e Reloteamento, Desmembramento, Condomínio
por Unidades Autônomas, e o Parcelamento simultâneo com Edificação.
O TÍTULO IV trata dos equipamentos e serviços de interesse municipal. O
conceito de equipamento, ausente no Plano Diretor de 59, é aqui introduzido na
legislação do plano, ainda que de forma confusa: confunde-se equipamento com
serviço, e ambos com rede. Curiosamente, o TRAÇADO aparece como primeiro
equipamento, mesmo tratado como “representação espacial da estrutura urbana”.
Não se explica como uma representação espacial da estrutura (que define a
ordem e a disposição das partes no todo) pode ser equiparada aos equipamentos,
por definição elementos pontuais, fixos, mesmo quando agrupados em redes.
O capítulo II define o Regime aplicável aos equipamentos urbanos,
classificados como de Administração e de Serviço Público (Segurança Pública,
infra-estrutura urbana, cemitérios e equipamentos administrativos de uso comum e
uso especial), Equipamentos Comunitários e de Serviços ao público (de lazer e
cultura, de saúde pública e ambiental, de abastecimento da população, e
depósitos e postos de revenda de GLP), e Equipamentos de Circulação Urbana e
289
Fig. 6.7 - 1º PDDU Esquema ilustrativo dos dispositivos de controle das
edificações.
Fig. 6.5 - 1º PDDU - Tipologia PDDU e morfologia de
quarteirão para bairros tradicionais.
Fig. 6.6 - 1º PDDU - Tipologia PDDU e morfologia
para as avenidas.
Fig. 6.8 - 1º PDDU Tipologia PDDU e morfologia de
quarteirão para parcelamento tradicional (lotes
10x30m).
Fig. 6.9 - 1º PDDU. Tipologia PDDU e morfologia de
quarteirão para conjuntos habitacionais.
290
Rede Viária e Guarda e Abastecimento de Veículos. Esta última é uma agregação
especialmente incongruente, onde estão classificados, lado a lado, elementos tão
díspares como o Sistema Viário Básico do Município, os postos de abastecimento
de veículos, e as garagens. Mais uma vez, aparece a confusão recorrente entre
sistema e rede, e a diluição da Rede Viária na Subseção I da Seção IV do
Capítulo II do TITULO III da PARTE II da Lei ilustra de forma cabal o descaso com
que ela é tratada no modelo teórico do 1º PDDU.
A III PARTE reúne as disposições finais e transitórias e trata basicamente
dos processos administrativos de aprovação e licenciamento das construções, e
de modificações de projetos. Os ANEXOS ocupam mais da metade do corpo da
Lei. O Anexo 1 apresenta o modelo espacial do Plano com a divisão territorial e o
zoneamento de uso do solo, em um único mapa sintético (Fig. 6.1). O Anexo 2
retoma e atualiza o mapa dos logradouros com isenção para recuo de
ajardinamento, existente desde a década de 40 quando os recuos de jardim foram
propostos por Gladosch e passaram a ser exigidos na aprovação dos projetos. Os
Anexos 3 a 6 detalham o modelo para áreas especiais da cidade
24
.
O Anexo 7 dedica-se a uma extensiva classificação das atividades, em usos
(residencial, comércio, serviços, industrial e atividades especiais, mais uma
classificação das formas de parcelamento do solo, e das áreas funcionais), tipos,
grupos e subgrupos, em uma listagem de mais de duas centenas de itens, e ao
Grupamento das atividades por UTPs, numeradas de 01 a 99 (Grupamento
especial). A classificação torna-se particularmente obsessiva e minuciosa nas
atividades terciárias, transformando o Anexo num surpreendente e paradoxal
catálogo de tipos, setores, grupos e subgrupos de atividades, lembrando a
classificação dos animais do imperador chinês de Jorge Luis Borges. Os serviços
(3) são desagregados em 12 tipos, que são por sua vez divididos em 59 grupos,
divididos novamente em 88 subgrupos
25
, num total de quase 160 unidades.
O Anexo 8 apresenta os índices de aproveitamento, por código, regime
(residencial, comercial e serviços, industrial), localização e densidades. São 22
códigos para os índices “puros” (numerados de 01 a 43) e 26 códigos para os
“índices cumulativos”, para construções não-mistas e construções de uso misto.
Os índices residenciais puros variam de um mínimo de 0,3 a um máximo de 2,7
(com um valor mediano de 1,0), enquanto os comerciais são mais baixos, entre
0,5 e 1,5, com a maior parte entre 0,5 e 0,6. Os índices cumulativos permitem
maior aproveitamento, para construções não mistas, ou maior ainda para as
24
O Anexo 3 detalha o modelo espacial da Área Central, e inclui as diretrizes para localização de
garagens. O Anexo 4 apresenta o zoneamento e regime urbanístico para a área do Delta do Jacuí,
e o Anexo 5 detalha especificamente o Núcleo Autônomo da Ilha da Pintada. O Anexo 6 é
dedicado às áreas funcionais da Área Central (AFs 01 a 29), que são detalhadas em extensas 14
páginas, e ao Núcleo Autônomo de Belém Novo.
25
Entre eles o proverbial Serviços profissionais vinculados à habitação com no máximo 2
profissionais: profissional liberal técnico e universitário, profissional autônomo”, que condenava à
mudança escritórios que tivessem relativo sucesso, necessitando ampliação no número de
profissionais, e na prática incentivava a fraude.
291
construções mistas, que podem chegar a 3,5 e alcançam valores médios de 2,5.
Os índices industriais, compreensivelmente, são em geral mais baixos que os de
comércio e serviços, chegando no máximo a igualá-los em algumas UTMs e UTIs.
O Anexo 9 apresenta as taxas de ocupação, com bem menor diversidade
(12 códigos), atingindo valores entre 50% e 66% na maior parte da cidade, com
picos inferiores de 1/5 (20%) ou mesmo 10% em zonas extensivas, e picos
superiores de 75% e até 90% em alguns casos especiais. O Anexo 10 apresenta a
altura das edificações, com 24 códigos estipulando desde alturas definidas
mediante estudo do Sistema de Planejamento, até um máximo de 15 pavimentos,
em UTRs, UTMs e Pólos de Comércio e Serviços mais centrais. Os códigos mais
comuns são 03 e 05. Em ambos, a altura máxima nas divisas e alinhamento (ou
nos recuos de ajardinamento) é de dois pavimentos; a partir daí os afastamentos
são progressivos, em todas as faces, maiores no caso do código 03 e menores no
código 05
26
, o mais recorrente nas UTPs da Área Urbana de Ocupação Intensiva.
O código 07, válido em bairros centrais, UTMs e em pólos e corredores de
comércio e serviços das principais radiais, permite quatro pavimentos nas divisas
e alinhamento ou recuo de ajardinamento (com recuos de 3 metros para cinco
pavimentos, e incremento de meio metro por pavimento adicional), até o máximo
de oito pavimentos. O código 09 prevê um regime de alturas vinculado à largura
do logradouro. Trata-se da manutenção, surpreendente no 1º PDDU, de um
regime de gabaritos, em áreas ao longo da 1ª Perimetral, ratificando prescrição do
plano anterior, mas com um rebaixamento de 20 para o máximo de 10
pavimentos, e no Centro, onde chega a 15 pavimentos e constitui a altura máxima
prevista pelo plano para Porto Alegre. A morfologia resultante da aplicação dos
dispositivos sobre distintas áreas da cidade está ilustrada nas Figuras 6.5 a 6.9.
O Anexo 11 apresenta os padrões de recuos para ajardinamento, variando
dos 4 metros propostos por Gladosch na década de 40, que passam a ser os mais
comuns, a 6 metros em áreas residenciais puras e 12 metros nas unidades
industriais e nas estradas da zona rural. A introdução dos recuos de 6 metros
induz descontinuidades desnecessárias nas áreas residenciais em processo de
consolidação com os recuos anteriores, como os bairros Três Figueiras e Chácara
das Pedras, e foram posteriormente eliminados. O Anexo 12 apresenta os padrões
para parcelamento do solo, com planilhas distintas para loteamentos,
desmembramentos e condomínios por unidades autônomas (os chamados
“Condomínios Horizontais”). Os equipamentos estão contemplados nos Anexos 13
a 16, e no Anexo 18, e a Circulação Urbana e Rede Viária no Anexo 17, com
Planilha de Classificação das vias em 11 tipos (RV-I a RV-III), seus respectivos
padrões e características, e planilha com os perfis transversais das vias, que
26
No código 03 chegam a 9 metros para três pavimentos, 12 metros para 4 e 5 pavimentos, com
incremento de 3 metros por pavimento adicional, até um máximo que varia por UTP. No código 05,
são de 3 metros para três pavimentos, 4 metros para 4 e 5 pavimentos, e incremento de um metro
por pavimento adicional até um máximo que igualmente varia por UTP, mas atinge até 8
pavimentos, que passa a constituir a altura máxima para os edifícios nos bairros residenciais.
292
variam de 12 metros para as vias de acesso domiciliar (9) a 32 metros nas vias
perimetrais e radiais mais importantes (1). Os perfis são bastante esquemáticos,
sem detalhamento das faixas de passeio ou qualificação das faixas de rolamento.
Visto em conjunto, o 1º PDDU é um texto legal heterogêneo, com excesso
de elementos e conceitos, muito detalhado em alguns e vago em outros. Tentando
tudo prever e regular, deixa de apresentar a imagem da cidade a perseguir; todo o
esforço regulatório acaba um fim em si, e resulta, ao final, apenas exasperante.
AS CIDADES DENTRO DA CIDADE
Pelo Artigo 7º da Lei Complementar 43/79, a lógica e eficácia do plano se
fundamentam em dois objetivos: “I a continuidade do processo de planejamento
e coordenação das atividades governamentais; II a descentralização dos
equipamentos urbanos e das atividades industriais, e de serviços em geral”. O
princípio da descentralização, sem qualquer definição conceitual suplementar, é o
único a ser constituído como razão fundante da organização espacial proposta
para a cidade no corpo da lei. Ele se assenta em dois pressupostos: a crença em
uma policentralidade homogênea superposta à heterogeneidade do tecido
edificado existente, associada à noção temporal de gestão contínua do
desenvolvimento, sugerindo a idéia de continuidade espacial como modelo
distributivo de “equipamentos”, “atividades” e “serviços”. Trata-se, portanto, de
uma continuidade concebida fundamentalmente como processo, ou relações entre
categorias descritivas de natureza funcional, e não como estrutura, ou relações
entre formas físicas assumidas pela configuração do espaço urbano.
A abstração e funcionalidade associadas às idéias de processo refletem-se
na definição das unidades territoriais de planejamento, que constituem, para efeito
da espacialização do Plano, a menor subdivisão territorial da cidade. Mesmo com
limites estabelecidos através de elementos da estrutura urbana (as vias do
sistema viário básico), sua finalidade dissocia-se dessa base material. Pelo Artigo
9º do 1º PDDU, as UTPs delimitam uma parcela cuja função é servir como base
de informação estatística” e qualificar um determinado espaço urbano” quanto a
população, predominância de usos, equipamentos urbanos e relacionamento com
o meio ambiente, um elenco parcial de atributos parte quantitativos (estatísticos) e
parte qualitativos.
Curiosamente, junto com as UTPs é mantida a divisão da cidade em
bairros, com seus limites e denominações decorrentes de lei”; entretanto, seus
limites não coincidem com os das unidades e restam inoperantes no texto legal,
ilustrando uma ambigüidade entre os princípios ordenadores da cidade planejada
e a distribuição espacial da cidade real. A mesma ambigüidade se manifesta na
manutenção do quarteirão como subunidade definidora da delimitação das UTPs
(Artigo 9º, § 2º), enquanto os dispositivos de controle urbanístico se aplicam
genericamente ao lote, ignorando a integridade do quarteirão, ou mesmo às áreas
periféricas das UTPs, faixa protetora com profundidade uniforme de sessenta
293
metros, diferenciada ao interior das mesmas, sem considerar as dimensões e
configurações reais do parcelamento verificado na cidade.
A definição dos objetivos, dos limites e dimensionamento das UTPs se dá
em função da capacidade máxima de população, que é determinada pelas
densidades consideradas compatíveis com os equipamentos urbanos. Isso
pressupõe um programa mínimo de necessidades a atender internamente, e o
contorno das unidades pelas vias do sistema viário principal, reduzindo os
deslocamentos da população na busca de abastecimento e serviços. A imagem
urbanística que se faz de uma unidade deste tipo configura uma pequena cidade,
auto-suficiente nas suas funções diárias, na qual seus habitantes, mediante
deslocamentos a pé, têm solucionado com tranqüilidade e economia suas
necessidades básicas” (p. 15).
Essa descrição idílica das unidades corresponde exatamente a uma nova
versão das “unidades de habitação” propostas por Paiva na década de 50, por sua
vez inspiradas nas “unidades de vizinhança” da cidade-jardim americana
ilustradas exemplarmente no sistema Radburn, uma de suas referências
urbanísticas mais recorrentes. Inclusive as densidades previstas para as unidades
seguem os padrões da cidade-jardim, adequados para áreas suburbanas e muito
inferiores aos verificados nos bairros mais centrais à época. A definição das
unidades é acompanhada de detalhados modelos de distribuição de
Equipamentos de lazer de uso permanente (áreas verdes, praças e parques) e de
Estabelecimentos de ensino formal (Escolas de 1º e 2º grau), com a previsão de
reservas para implantação futura. O PDDU previu-as, adequadamente
distribuídas na cidade, de acordo com as densidades demográficas futuras
27
.
Em sua tese sobre Paiva, Rovatti percebe essa relação de continuidade
com o Plano de 1959-61, nos critérios de zoneamento de usos, aproveitamento
dos terrenos, limites de altura e outros dispositivos urbanísticos, destacando que
as novidades se limitam à introdução do conceito de equipamento e, através dele,
das “zonas funcionais”
28
.
A partir do conceito fundador de que “a cidade deveria estar espacialmente
distribuída de acordo com as atividades desenvolvidas pelos seus habitantes”, os
módulos espaciais foram criados como áreas especializadas segundo as
predominâncias de uso do solo, tais como: residencial, comercial e de serviços,
industrial, áreas de lazer e cultura e áreas de circulação” (p.15). Como a definição
é essencialmente funcional, os módulos constituíram as Unidades Territoriais
Residenciais, de Comércio e Serviços, Mistas e Industriais. Trata-se, entretanto,
de um zoneamento fundamentalmente “conservador”, que segue o zoneamento
27
PORTO ALEGRE, 1983, op. cit., p. 13. Os dois modelos estão nas páginas 13 e 15. Eles não
contemplam, curiosamente, as creches e centros comunitários, que constituíam as nucleações
primárias no dimensionamento teórico da “neighborhood unit” de Clarence Perry, com seu raio de
atendimento de ¼ de milha.
28
ROVATTI, 1995, op. cit., p. 340.
294
natural e a distribuição espontânea dos usos na cidade, “segundo as tendências
de uso e ocupação do solo, cuja determinação obedece as vocações naturais de
cada setor, e considerando-se as atividades já implantadas, as potencialidades
para novas implantações e as características do sítio natural
29
.
Quando ratifica espacialmente a ocorrência histórica de um determinado
uso, e assegura a esse uso uma futura permanência na Unidade, o 1º PDDU
aceita implicitamente a existência de padrões distributivos atuando no espaço
urbano, de forma análoga às leis naturais, que tenderiam a uma inércia locacional.
Esta postura “inercial” com relação aos usos é notada tanto por Nygaard quanto
por Rovatti, e foi uma das razões para a ausência de qualquer análise de
adequação e conveniência da localização espacial de usos e atividades, tendo em
vista as demandas urbanas em seu conjunto (ou seja, numa visão estratégica dos
usos ao interior do modelo espacial). A lacuna metodológica certamente contribuiu
para a consolidação de injustiças e conflitos potenciais no espaço urbano, e para a
formação de novos.
Como base da organização espacial da “cidade planejada”, o 1º PDDU
adota o que poderíamos chamar “dispersão de territórios homogeneamente
distribuídos”. O plano foi concebido como um modelo espacial celular, composto
de inúmeros sub-modelos menores, as unidades territoriais. As unidades (UTPs)
foram agregadas funcionalmente em Unidades Territoriais Seccionais (UTS), que
incluem equipamentos e serviços, como pólos e corredores comerciais, cujos raios
de atendimento extrapolam o limite de vizinhança da unidade.
295
decorre como efeito secundário
31
, ajuda a explicar o deslocamento do sistema
viário da cidade para um plano subsidiário na matriz espacial do 1º PDDU.
Ao mosaico morfologicamente homogêneo e indiferenciado das UTPs, se
justapõem alguns elementos pontuais ou lineares, introduzindo irregularidades e
descontinuidades no padrão genérico proposto. Os Pólos e Corredores de
Comércio e Serviços caracterizam-se por uma especialização funcional (Art. 100),
e pela função de aproximação (Art. 101) às populações locais, com objetivo de
descentalização urbana, redução de deslocamentos e alívio da Área Central.
Os Pólos apresentam autonomia do regime urbanístico em relação às UTPs
vizinhas, e ausência de correlação entre seu presumível “raio de influência” e o
sistema de agregação das unidades em UTSs. Assim, o modelo conceitual
aproxima-se vagamente da idéia de uma cidade composta de bairros, com os
Pólos cumprindo o papel de “centros de bairro”, com sua localização definida pela
concentração de usos e por características morfológicas presentes no espaço
urbano real, embora o texto legal nada indique a esse respeito. Ao contrário, o
diagnóstico setorial levou à definição de um modelo de polarização comercial com
visível excesso de pólos (Fig. 6.3), muito além da capacidade de oferta e demanda
comercial dos bairros, e de seus padrões históricos de distribuição espacial.
Nos Corredores verifica-se uma adaptação funcional de segmentos das vias
periféricas às UTPs, mantendo subordinação ao mosaico distributivo genérico.
Como cada Corredor adota a densidade da UTP à qual está integrado, e a
densidade comanda os parâmetros urbanísticos do Plano, resulta que tanto o
regime urbanístico quanto a configuração de cada segmento do corredor varia
conforme os regimes urbanísticos das respectivas UTPs. Assim, o conceito de
Corredor “descola-se” da configuração da via que lhe serve de suporte, admitindo
descontinuidades tanto longitudinais quanto transversais. Descarta-se a priori a
idéia da integridade linear de configuração que a própria metáfora arquitetônica do
nome poderia sugerir, e mais uma vez se confirma o papel secundário atribuído
pelo Plano à continuidade construída do sistema viário na malha urbana.
Descritos os princípios ordenadores do 1º PDDU, cabe examinar seus
limites de aplicabilidade, e as exceções que escapam ao seu controle direto e
imediato. As situações excepcionais incidem sobre a distribuição territorial das
Unidades de Planejamento, sob a forma das chamadas Áreas Funcionais; sobre a
funcionalidade dos dispositivos de controle das edificações, através de parágrafos
e incisos esparsos que modificam o texto principal dos respectivos artigos; e sobre
a possibilidade de realização de projetos especiais, examinados caso a caso pelo
Sistema de Planejamento conforme artigo específico (Artigo 84).
31
A aplicação completa dos modelos se dá na escala regional ou nacional; considerando um
espaço sem nenhuma característica distintiva, com custos de transporte uniformes, com produtores
e consumidores distribuídos por igual e com a liberdade de mover-se livremente, a teoria prevê o
surgimento de uma hierarquia regular de lugares centrais de distribuição.
296
No primeiro caso, a própria definição do objeto (Área Funcional) delimita os
critérios gerais de excepcionalidade, pelo Artigo 37 (I características de
localização, situação, condição topográfica, proteção à saúde pública e ao
patrimônio ambiental, nos seus aspectos ecológicos, paisagísticos e culturais; II
equipamentos urbanos, programas e projetos governamentais implantados em sua
área). Dentro do mosaico relativamente indiferenciado do modelo espacial, as
Áreas Funcionais são unidades especiais, diferenciadas das UTPs vizinhas, e
dessa forma escapam ao controle normativo do plano.
O segundo caso define um elenco de possibilidades específicas de projeto,
em relação à localização e situação dos terrenos e sua condição topográfica, à
preservação de patrimônio arquitetônico e ambiental, à incidência de
equipamentos urbanos (Art. 159 IV), e ao uso de bonificações legais como
utilização da reserva de índice construtivo (Art. 159 III) e solicitação de aumento
de altura (Art. 159 VII).
Nos dois casos, elas constituem tentativas de antecipação, dentro da
própria norma, de seus efeitos mais evidentes sobre a cidade. Trata-se de um
exercício de wishful thinking” virtuoso, na busca de previsão e controle de todas
as possibilidades espaciais de construção da forma urbana, mesmo aquelas
intrinsecamen
297
cidade planejada e a cidade existente, com a emergência de um progressivo
antagonismo entre o contexto normativo e o contexto de aplicabilidade
32
do Plano.
Esse antagonismo e a natural reação a ele, e a dificuldade congênita da norma (e
de seu modelo espacial) em lidar com as tendências emergentes do crescimento
urbano da cidade, são algumas das razões que pautaram o movimento pela
revisão do plano. As reações iniciaram quase imediatamente após a promulgação
do Plano, e a revisão foi concluída em 1987, mas não inteiramente resolvida em
função da ausência de um modelo espacial definido e coerente a pautá-la.
A ESTRUTURA AUSENTE
Se no Plano Diretor de 1959/61 o modelo de cidade ideal aparecia inteiro
na superposição dos mapas de altura, aproveitamento e ocupação, e depois era
explicitado morfologicamente nos projetos especiais da Praia de Belas e
Perimetral, no 1º PDDU o modelo não aparece, nem no corpo do plano, nem em
seus anexos. O Anexo nº 1, apresentado no Art. 28 da lei como Modelo
espacial/divisão territorial e uso do solo” (Fig. 6.1), é na realidade uma planta de
zoneamento dispondo um grande mosaico de UTPs, UTSIs, pólos e corredores.
Poderíamos imaginar o mapa com o zoneamento do PDDU (o “mapa do
plano”) como um enorme painel impressionista, composto de centenas de
pinceladas (as UTPs) cujo conjunto (o modelo espacial) só adquire sentido quando
visto de longe. Não é o que ocorre. O plano, quando visto a distância, revela
apenas a planta de Porto Alegre. O Centro urbano mostra maior densidade de
informação, e a partir dele é esboçada uma estrutura débil e incompleta, que
corresponde a segmentos de um sistema rádio-concêntrico truncado, com alguns
pontos fortes (os pólos) distribuídos de forma aparentemente aleatória, envolta em
um mosaico praticamente indiferenciado de unidades amarelas residenciais.
Se repetirmos a metáfora em termos digitais, a planta sendo vista como um
imenso painel de imagem digitalizada, composta por uma infinidade de pequenos
quadros (pixels), o resultado vai ser o mesmo. O modelo segue oculto, ausente,
ou imperceptível. A estrutura espacial não é, em nenhum momento, revelada.
É preciso recorrer ao documento posterior de divulgação do 1º PDDU
33
para encontrar algo que se assemelhe a um modelo. Trata-se da figura com o
título LEI 43/79 Modelo espacial proposto (Fig. 6.2), que apresenta um diagrama
com a síntese do zoneamento de uso do solo proposto no Plano, acompanhado
de um mapa com a divisão territorial do município em zonas urbanas de ocupação
intensiva e extensiva e zona rural. O “modelo espacial” apresenta a área
residencial em amarelo, a área de “trabalho - indústria, comércio, serviço” em
marrom ao norte da Avenida Assis Brasil e os principais pólos comerciais em
vermelho, com diâmetro proporcional à sua hierarquia. O Centro evidentemente é
32
CONVÊNIO UFRGS/PMPA, op. cit., p. 15.
33
PORTO ALEGRE, Planejar para viver melhor, 1983, op. cit., p. 10.
298
o pólo maior, seguido por dois pólos secundários, denominados “Pólo Assis Brasil”
e “Pólo Azenha”, e um pólo terciário, denominado “Pólo Baltazar O. Garcia”, quase
na divisa com o município de Alvorada.
A rede viária principal só comparece no modelo com as avenidas Protásio
Alves, Assis Brasil/Baltazar de Oliveira Garcia, e Farrapos/Avenida dos Estados, e
com setas indicando os principais acessos da cidade. É muito claro que não se
trata de um “Modelo Espacial”, mas de um zoneamento primário derivado da
distribuição do zoneamento natural, ao qual se sobrepõe um modelo de
polarização comercial, igualmente primário. A estrutura urbana, como conjunto de
partes espacialmente articulado, está novamente ausente.
Com efeito, mesmo que na apresentação do Plano, assinada pelo Prefeito,
se afirme o objetivo de redimensionar a estrutura urbana”, repensando a
utilização do espaço urbano”, uma das principais inconsistências do 1º PDDU é
sua visão limitada e incompleta do papel da estrutura urbana. Ela é entendida
como simples resultado da superposição de diferentes sistemas urbanos: Sistema
Viário Principal, Sistema de Corredores e Pólos de Comércio e Serviços, Sistema
de Divisão Territorial, Sistema de distribuição de equipamentos públicos, etc. A
articulação entre eles não é explícita, e a própria concepção de estrutura urbana
(ou, em menor hierarquia, de estrutura viária) como suporte físico para o
desenvolvimento e para a espacialização dos sistemas não é, em nenhum
momento, explicitada
34
.
A única referência à estrutura aparece quase ao final do texto, no Art. 262,
pelo qual “o traçado do Primeiro Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano é a
representação espacial da estrutura urbana (...) no que concerne à localização
do sistema viário, dos equipamentos urbanos existentes ou projetados e das
Áreas Funcionais”. Ao identificar equivocadamente o traçado como representação
espacial da estrutura urbana, ignora que o traçado é, efetivamente, um dos
elementos que a compõe e define, numa hierarquia que inicia no sítio, passa pelos
grandes fatos urbanos primários e chega até o parcelamento em quadras e lotes,
e ao padrão de distribuição de edificações e espaços abertos sobre ele.
O traçado, por sua vez, define o Sistema Viário Básico (Fig. 6.4),
constituído pelo conjunto de vias principais, distribuidoras e locais”, em sua
localização, distribuição e hierarquia, com os seguintes objetivos (Artigo 329):
evitar o tráfego de passagem ou travessia nas UTPs” e estabelecer fluxos de
tráfego, de modo que a circulação urbana se processe na ordem hierárquica
crescente ou decrescente das vias, conforme classificação dada pelo artigo 328”.
Pelo primeiro objetivo, as UTPs conectam-se por sua permeabilidade
periférica, e não pela participação em um sistema viário estruturador, já que se
34
CONVENIO UFRGS/PMPA, op. cit., p. 19. A presente análise foi parcialmente desenvolvida
como parte das atividades do Convênio, e está apresentada em Natureza e espacialização dos
elementos, pp. 06-23.
299
Fig. 6.13 - Milton Keynes. Perspectiva Aérea.
Fig. 6.10 Ville-Nouvelle (cidade nova)
de Mélun-Senart, 1973. Implantação.
Fig. 6.11 - PORTO ALEGRE. Zona Nordeste c.1986 (Av. Baltazar de
Oliveira Garcia e Conjunto Rubem Berta).
Fig. 6.14 - PORTO ALEGRE. Conjuntos Habitacionais
na Avenida Protásio Alves (SESC).
Fig. 6.15 - PORTO ALEGRE. Conjunto Habitacional Rubem Berta.
Fig. 6.16 - PORTO ALEGRE. Conjunto Habitacional na zona leste.
Fig. 6.12 - Milton Keynes. Zoneamento.
300
procura explicitamente evitar sua travessia. O sistema viário resulta numa
continuidade de percursos anelares delimitadores das UTPs, ao contrário da
cidade real, na qual a rua é um elemento de composição urbana preciso,
caracterizado pela linearidade e continuidade visual de planos construídos que
pertencem tanto ao canal de movimento quanto aos quarteirões adjacentes. Trata-
se evidentemente de um elemento conector, e não periférico. O segundo objetivo
introduz o conceito, fundamental, de hieraquização do sistema viário, mas a
classificação das vias é tradicional e recorrente (principais, distribuidoras e locais),
e as definições imprecisas e vagas.
As vias principais têm por função delimitar as áreas de atividades”,
delimitar as Unidades Territoriais de Planejamento” e permitir a circulação com
origem e destino às zonas da cidade”, reafirmando o caráter delimitador do
sistema viário principal no Plano, em detrimento de seu papel estruturador. A
função de conexão se refere à circulação de “origem e destino” a entes abstratos e
desmaterializados, as zonas da cidade”, que não estão definidas ou mesmo
citadas em nenhuma outra parte do Plano. Como não se referem às UTPs ou à
sua agregação em Unidades Territoriais Seccionais, nem aos bairros da cidade
real, as vias principais tem origem e destino em elementos que não encontram
correspondência quer na cidade planejada, quer na cidade existente, e sequer
existem na virtualidade do texto legal
35
.
Às vias distribuidoras cabe delimitar as UTPs” e distribuir os fluxos com
destino a uma destas Unidades”, repetindo literalmente ou com pequena diferença
de escala as funções das vias principais; as vias locais são internas às Unidades
Territoriais, com função de orientar a circulação dos fluxos em seu interior” e
permitir o acesso a pontos internos específicos”, caracterizando um sistema viário
inteiramente vinculado à idéia de “unidade de vizinhança”, dificilmente aplicável
sem enormes custos à realidade urbana de Porto Alegre.
A idéia de cidade rádio-concêntrica permeia toda a concepção do Sistema
Viário principal do 1º PDDU, a partir da própria terminologia utilizada (radiais e
perimetrais), agora matizada pela justaposição de trechos em malha descontínua
e não hierarquizada. Este modelo espacial tem sua origem no padrão de
desenvolvimento urbano de Porto Alegre ao longo de 150 anos, reforçado por
características topográficas, funcionais e econômicas, e tem sido determinante na
orientação do planejamento urbano e viário da cidade desde seu primeiro plano.
Com base em estudos das décadas de 30, 40 e 50, o Plano Diretor
institucionalizado pela Lei 233/61 procurou organizar o sistema rádio-concêntrico
através do reforço das principais radiais, em termos funcionais e morfológicos, e
do lançamento de um sistema de três Perimetrais. A estrutura viária contida nas
propostas passou a ser implementada nas décadas de 60 e 70, ainda que de
forma incompleta. Na passagem para o 1º PDDU, tornaram-se evidentes suas
limitações em função do desenvolvimento urbano da cidade, do aumento
35
CONVÊNIO UFRGS/PMPA, op. cit., p. 12.
301
populacional e no número de veículos, e do impacto dos grandes projetos federais
implantados ou em implantação no período. Lígia Botta já tinha notado que a
proposta viária do 1º PDDU evolui para um sistema que incorpora o conceito de
malha. São previstas ligações mais freqüentes, radiais ou perimetrais, associadas
a um sistema de usos e atividades que inclui uma trama ampliada de Corredores e
Pólos de Comércio e Serviços. Entretanto, tal sistema não chega a se completar,
pois “(...) as ligações preconizadas na nova estrutura viária sob forma de malha,
raro honrosas exceções, não foram executadas. Como as perimetrais não tem
continuidade, continua vigendo o esquema radial
36
.
A análise da Rede Viária Principal do 1º PDDU torna evidente a ausência
de hierarquia, as descontinuidades de traçado, tanto de vias existentes quanto de
projetadas, descontinuidades de gabarito de vias importantes, e as inconsistências
no projeto, dimensionamento e conectividade do sistema viário principal. Em
alguns locais a intenção parece ser a de um traçado projetado caprichosamente,
descontínuo e truncado, agravado pelo caráter rodoviarista” de boa parte das
avenidas e interseções projetadas. Abstraída a convergência para a península do
Centro, o modelo parece inspirado vagamente no sistema viário de Milton
Keynes
37
(Fig. 6.12), uma das grandes referências urbanísticas da década de 70.
A transformação de uma trama radial numa trama em malha é comum nas
cidades de desenvolvimento rádio-concêntrico, na medida em que nos afastamos
do centro para a periferia. Em Porto Alegre, essa malha é predominantemente
direcional, com hierarquia principal no sentido Oeste-Leste, em função do peso
histórico e da continuidade de algumas radiais importantes. Mesmo com a
implantação das perimetrais, a malha Norte-Sul apresenta-se incompleta,
descontínua, e não fornece suporte adequado para eixos de atividades ou fluxos
significativos de transporte coletivo ou individual nos deslocamentos entre bairros.
Destaque-se que estes deslocamentos são progressivamente mais significativos
em função do desenvolvimento de novos pólos de centralidade, previstos no
próprio modelo espacial do Plano.
É evidente que a estrutura radial-concêntrica está superada pelo
crescimento da cidade, desde os anos 60, e apresenta dificuldades em incorporar
o conceito de policentralidade, tão caro ao 1º PDDU. Já a estrutura centrípeta,
induzida pelo modelo de divisão espacial do plano, permite acomodar diversos
centros de hierarquia menor, que se convertem em satélites de um centro maior (o
Centro da cidade), em distintos graus de hierarquia. Entretanto, trata-se de uma
estrutura muito rígida, impondo uma rede de traçados combinados que rodeiam os
centros, e não passam por eles. Conforme os estudos de Colin Buchanan, este
tipo de estrutura revela falta de flexibilidade na rede de transporte, e suas
36
BOTTA, Lígia B. Circulação e transporte em Porto Alegre: uma contribuição para o debate. Porto
Alegre: Prefeitura Municipal, Secretaria do Planejamento Municipal, Supervisão do
Desenvolvimento Urbano, 1994, p. 07.
37
Milton Keynes New Town teve plano estratégico por Llewelyn Davies, Weeks, Forestier Walker
e Bor (1972), desenvolvido pelo Milton Keynes Team, como uma trama isotópica e “neutra” sobre a
qual se dispõe um zoneamento homogêneo (Fig. 6.13).
302
possibilidades de mudança são muito limitadas; os subsistemas urbanos são
essencialmente estáticos e o crescimento urbano, quando completados os centros
existentes, só poderá ocorrer por duplicação do sistema
38
.
O 1º PDDU carece de uma concepção estrutural, baseada na importância
estratégica do traçado como elemento gerador da forma urbana e indutor do
desenvolvimento, através da definição de uma matriz geométrica de ocupação do
território. O sistema viário não comporta níveis sucessivos de hierarquia,
apresentando-se de forma incompleta e truncada, e não se demonstra claramente
sua compatibilidade com os demais sistemas urbanos. Enfim, nada parece
justificar, no modelo adotado, o abandono do sistema viário existente como
elemento estruturador primário da cidade, ou a sua substituição por uma malha
irregular de percursos anelares em torno das novas unidades territoriais.
A IMPREVISIBILIDADE PLANEJADA
Durante o processo de elaboração do Plano, a participação da sociedade
civil, em suas diversas formas de organização e associação, restringiu-se a
responder às eventuais solicitações de contribuições e sugestões feitas pela
equipe técnica, e acompanhar a tramitação na Câmara. Apesar do caráter
multissetorial dos diagnósticos, o 1º PDDU foi um trabalho interno, realizado
principalmente pelos técnicos da Prefeitura Municipal e de alguns organismos
ligados ao planejamento urbano, como o PROPUR/UFRGS e a METROPLAN.
A conclusão do Plano, na virada da década de 70, coincide com ocaso do
regime militar implantado em 1964, e parece claro que os quinze anos de
comando autoritário e tecnocrático marcaram sua concepção e elaboração. Não
podemos esquecer que eles correspondem ao terço final de quase quarenta e
cinco anos de condicionamento doutrinário contínuo. Conjugados na norma, seus
impactos sobre a produção do espaço urbano acabaram por fornecer motivos
suficientes para que a sociedade reclamasse a sua revisão
39
. Onde não há
consenso é na avaliação, tanto dos motivos, quanto dos efeitos, dessa revisão.
Nessa discordância, persiste um parti pris ideológico.
Em seu ensaio sobre a “fertilidade” da terra urbana em Porto Alegre, João
Rovatti nota que entre os anos de 1893 e 1987 a prefeitura estabeleceu por
legislação e operou pelo menos oito “níveis” de fertilidade
40
. Se entre 1893 e 1959
38
BUCHANAN, Colin y Asociados, Estudio de Hampshire Sur, in: LEWIS, David. La ciudad:
problemas de diseño y estructura. Barcelona: Gustavo Gili, 1973, pp. 18-34.
39
NYGAARD, 1995, op. cit., p. 114, e ROVATTI, 1990, pp. 16-33.
40
ROVATTI, João. A “fertilidade” da terra em Porto Alegre. In: PANIZZI, Wrana e ROVATTI, João,
1983, op. cit., pp. 221-239.
303
vigoraram níveis crescentes (entre 1952 e 1959, em algumas partes da cidade,
era possível a construção em qualquer altura, sem limitação de índice construtivo),
a partir de do Plano Diretor de 1959 vigoraram níveis decrescentes, chegando ao
nível mais baixo com o 1º PDDU, em 1979. O violento e generalizado
rebaixamento dos índices de aproveitamento e de regimes de altura das
edificações operado pelo 1º PDDU deprimiu a fertilidade aos níveis verificados nas
primeiras décadas do século XX, quando as construções mal alcançavam quatro
pavimentos. A tendência foi revertida com as modificações introduzidas no Plano
em 1987, repondo a fertilidade a níveis próximos dos verificados na década de 70
(entre 1966 e 1979), ainda assim abaixo dos níveis de 1928 e 1959 (mais ou
menos equivalentes) e cerca de 1/3 dos praticados em 1952!
Verificando esse processo, cabe indagar como foi possível tal nível de
interferência sobre a produção do espaço urbano, de forma tão “descolada” da
dinâmica da sociedade, operada e mantida com tal grau de autonomia por um
grupo reduzido de técnicos, com legitimidade limitada e apoio restrito a alguns
setores sociais, tecnocráticos e acadêmicos. Parece claro que isso só foi possível
ao interior do regime autoritário instaurado em 64, que utilizou o planejamento
urbano como parte de sua estratégia de controle centralizado da sociedade e do
território. O descolamento, centrado nas idéias de globalidade, de sofisticação
técnica e de interdisciplinaridade do planejamento, atingiu seu apogeu com os
chamados “superplanos” da década de 70, que de acordo com Villaça se
caracterizam por uma progressiva autonomia relativa
41
. Dessa forma, descolando-
se da realidade e adquirindo autonomia em relação às demandas sociais e
espaciais, o plano vira pura ideologia. No capítulo A idéia do Plano Diretor
enquanto ideologia” de seu ensaio, Villaça conclui que é ilusório imaginar que
algum plano das últimas décadas tenha efetivamente implantado as “concepções
de cidade”, “pressupostos urbanísticos”, “estratégias” ou “políticas públicas”
presentes em seu discurso.
“Esvaziado de seu conteúdo e reduzido a discurso, alteram-se os conceitos de ‘plano’ e de
‘planejamento’. O planejamento urbano no Brasil passa a ser identificado com a atividade
intelectual de elaborar planos. Uma atividade fechada dentro de si própria, desvinculada
das políticas públicas e da ação concreta do Estado, mesmo que eventualmente procure
justificá-las”
42
.
capacidade construtiva em função das distintas zonas da cidade, a amostra ilustra uma situação
que, em princípio, mostra-se válida para o conjunto do espaço urbano da cidade.
41
VILLAÇA, 1999, op. cit., p. 213. Ela se manifesta por três características: (a) distanciamento
crescente entre os planos e suas possibilidades efetivas de implementação, por falta de recursos e
por seu “descolamento” da base política e operacional; (b) conflito intrínseco com a burocracia
pública crescentemente ampliada e especializada; quanto mais abrangentes ficavam os planos,
menores as chances de permitir a “integração e coordenação” da enorme quantidade de órgãos
públicos envolvidos; (c) alienação dos planos com respeito à “execução”, não mais limitada ao
município, como nos planos urbanísticos anteriores, mas a um conjunto de instâncias cada vez
mais complexas e abrangentes, a lidar com diretrizes e recomendações sobre todos os aspectos
da cidade e da região. O diagnóstico de Villaça é similar ao de Demétrio Ribeiro em O
Planejamento dito integrado da época da Ditadura”, de RIBEIRO, 1992, op. cit., pp. 140-142.
42
VILLAÇA, 1999, op. cit., p. 222.
304
O Plano Diretor de 1959 foi elaborado por uma pequena equipe, num
processo fechado, mas durante um período de regime democrático no qual esteve
exposto ao debate de interesses por mais de cinco anos. O 1º PDDU foi elaborado
por uma equipe um pouco maior, multidisciplinar, mas apesar do discurso
participativo ocorreu durante um período de regime autoritário, não se expondo
abertamente à controvérsia pública com os agentes e interesses da sociedade,
além daqueles poucos especificamente convidados para tal. É significativo que as
mesmas análises críticas que utilizavam este argumento para relativizar o impacto
do Plano de Urbanização de Loureiro da Silva e das obras dele decorrentes,
deixam de fazê-lo em relação ao 1º PDDU. Entretanto, o autoritarismo do regime
militar de 64 e o do Estado Novo de Vargas não são tão sensivelmente distintos.
Outro aspecto diz respeito às condições de produção do setor imobiliário. A
década de 70 marcou o auge da atuação do BNH, e o crescimento urbano se dava
predominantemente por conjuntos habitacionais financiados por ele. Nesse tipo de
empreendimento repetitivo, os níveis de aproveitamento são definidos em função
da tipologia, e não o contrário, e o Plano os favorecia (Figs. 6.11 e 6.14 a 6.16). A
substituição tipológica ao interior do tecido se dava mais para a classe média e
alta, com financiamentos de longo prazo, que permitiam absorver e diluir os novos
níveis de custo da terra, pressionados pelas restrições do plano. Nos dois casos,
serviu para reduzir a pressão dos agentes sobre o Plano, em seu início.
É evidente que, com a redemocratização e eleição direta do primeiro
prefeito após o golpe de 64 (Alceu Collares, do PDT de Brizola, foi eleito em
novembro de 1985 e governou de 01/01/1986 a 01/01/1989), o plano teria que se
abrir ao debate público. O processo de debate e reavaliação do 1º PDDU foi
iniciado através de manifestações ainda antes de sua institucionalização em 1979,
e culminou, em 1987, com a aprovação de sua alteração pela Câmara de
Vereadores através da Lei Complementar 158/87 da administração Alceu Collares.
Ela altera a LC 43/79, especialmente nos instrumentos de controle urbanístico,
aumentando os índices construtivos, as bonificações às áreas não computáveis ou
isentas do mesmo, as alturas máximas, e enquadrando outras regulamentações
mais restritivas da lei.
Foi um processo extremamente polêmico e traumático, no qual o Plano
esteve no centro de um feroz jogo de interesses, que envolveu praticamente toda
a sociedade organizada da capital. O debate opôs, de um lado, os defensores da
integridade do plano, e de outro uma composição relativamente heterogênea de
forças a reclamar sua revisão, de forma mais ou menos radical. O cabo-de-guerra
pelo plano dessa vez contou com a Câmara de Vereadores como protagonista
efetivo, servindo de caixa de ressonância e fórum de debates para as opiniões da
sociedade. O apoio ao plano era liderado por remanescentes da equipe técnica
original, e reunia os seguidores da ortodoxia do urbanismo “moderno” e do
planejamento urbano (abrigados na academia e nas instituições públicas), setores
vinculados à ecologia e à preservação do patrimônio, e movimentos sociais
diversos.
305
A crítica ao plano dividia-se em dois campos: o mais claro era constituído
pelos interesses do mercado imobiliário e do setor da construção, centralizado no
Sindicato da Indústria da Construção Civil - SINDUSCON, com apoio de
proprietários de imóveis e loteadores, e de alguns setores profissionais (como os
escritórios de arquitetura). Para esse campo, a questão centrava-se no
aproveitamento dos terrenos e na altura das edificações, e agregava críticas a
procedimentos técnico-administrativos vinculados à aprovação de projetos,
genericamente identificados com a “burocracia da prefeitura”. O outro campo
questionava o plano a partir de seu modelo espacial, seus pressupostos
doutrinários e seus instrumentos urbanísticos, e a partir de seu determinismo;
estava abrigado na academia, em instituições profissionais e em novos
movimentos culturais e sociais.
No debate, a academia cindiu-se, e instituições profissionais antes
unânimes na defesa do plano, também. A partir dos anos 80, a hegemonia quase
absoluta da corrente urbanística liderada por Paiva passa a ser contestada, e o
apoio que detinha nos meios profissionais e acadêmicos deixa de ser monolítico.
As primeiras fissuras surgem na universidade, com a criação do PROPAR
(Programa de Pesquisa e Pós Graduação em Arquitetura da UFRGS) em 1980. O
novo curso passa a dividir com PROPUR a formação e orientação acadêmica na
Arquitetura, com uma postura crítica em relação ao modelo de cidade e de
planejamento urbano até então hegemônico, trazendo ao debate local as
contribuições de Colin Rowe, Robert Venturi, Aldo Rossi e Carlo Aymonino, e da
análise tipo-morfológica
43
. O processo alastrou-se para o ensino de graduação, a
partir de nova linha disciplinar no Departamento de Arquitetura e da adesão de
parte significativa dos estudantes, com o endosso de uma série de eventos
acadêmicos e culturais, logo chegando a outras faculdades e aos meios
intelectuais e profissionais locais.
O IAB, antes uma das bases de legitimação do Plano Diretor, também se
divide, especialmente na gestão Rômulo Krafta (1986-87), passando a questioná-
lo em fundamentos importantes, e à condução do próprio processo de revisão.
Para o Sindicato de Arquitetos, a critica era à falta de participação comunitária e
ausência de mecanismos para lidar com os assentamentos espontâneos e o
crescimento da periferia (embora condene o aumento no potencial construtivo dos
terrenos). O próprio SINDUSCON trouxe à cidade o arquiteto Joaquim Guedes,
identificado com a vanguarda paulista, que emprestou sua autoridade profissional
43
Os seminários, disciplinas e eventos do PROPAR, com destaque para os Encontros sobre
Ensino de Projeto Arquitetônico da FAUFRGS, foram fundamentais nessa revisão. Através da
disciplina Tipologias Habitacionais e Morfologia Urbana, montada por Carlos E. Comas e Silvio
Abreu, foram introduzidos localmente alguns desses textos, e especialmente a tipo-morfologia; as
reflexões de Carlos E. Comas sobre os conjuntos habitacionais BNH e sobre as relações entre a
cidade figurativa tradicional e a cidade funcional moderna destacam a afirmação da autonomia
disciplinar e a valorização de contexto, precedentes e memória. Os debates e contribuições do
período estão documentados em MARQUES, Sergio. A revisão do movimento moderno?
Arquitetura no Rio Grande do Sul dos anos 80. Porto Alegre: Editora Ritter dos Reis, 2002.
306
e intelectual na defesa de edifícios altos e maiores densidades urbanas, através
de contribuição escrita, defendida em palestras e entrevistas a jornais.
A primeira questão que se colocava para os interesses do mercado
imobiliário era a brutal redução que o plano operou no aproveitamento construtivo
da terra urbana, pelo rebaixamento generalizado de índices de aproveitamento e
alturas em relação ao Plano anterior. Ela se baseava numa interpretação
ideológica do processo de crescimento urbano da década de 50, que já tinha
balizado a redução inicial operada pelo próprio Plano Diretor de 1959-61,
incrementada em 1967. O próprio diagnóstico do 1º PDDU indicava:
Dos levantamentos procedidos durante a fase de estudos, ficou bastante evidente que
uma parcela da cidade já havia atingido, e mesmo ultrapassado de muito, os parâmetros
desejáveis de densificação populacional, com todos os prejuízos daí decorrentes para o
atendimento eficaz da população residente, em termos de equipamentos urbanos, cuja
implantação se tornava economicamente inviável”.
44
Foi com base nessa constatação, sem nenhum respaldo técnico efetivo,
que se procedeu a revisão radical dos índices de aproveitamento no sentido de
seu rebaixamento generalizado, de forma a impossibilitar a ocorrência de
fenômenos da espécie”. Entretanto, como o aprendiz de feiticeiro assustado com a
emergência de forças tão insuspeitas quanto incontroláveis, os autores do Plano
vão lançar mão de um artifício, estabelecendo pequenas compensações:
“(...) como medida compensatória da perda de área construível (sic) e para manter viável
economicamente o processo de ocupação do solo, sem agravar a densidade populacional
desejada, foram estudadas formas alternativas de restituição de áreas em itens não
conflitantes com o problema da utilização direta por pessoas. Assim, o Plano Diretor de
Desenvolvimento Urbano, a partir de sua vigência, consagra isenções para certas partes
das edificações que, anteriormente, eram computadas nos índices de aproveitamento”.
(PORTO ALEGRE, 1980, op. cit., p. 17)
O sistema de controle de densidade imaginado no Plano, através do
número de dormitórios, revelou-se inexeqüível e foi em seguida abandonado,
307
Fig. 6.18 - Bairro Moinhos de Vento (c. 2005). Tecido composto por substituições tipológicas
segundo distintas normas: anteriores e posteriores ao PD 59-61, e pelo 1º PDDU, em lotes de
dimensões generosas.
Fig. 6.17 - Bairro Santa Cecília (c.2006). Tecido composto por substituição tipológica com
predominância das normas do 1º PDDU, em parcelamento com lotes tradicionais.
Fig. 6.19 - Foto aérea da área central em 1983. Em primeiro plano, Av. Mauá e Porto. Ao fundo,
aterros com o Parque Marinha do Brasil e avenidas Beira Rio e Edvaldo Paiva (em implantação),
Centro Administrativo do Estado (ao centro) e futuro Parque Maurício Sirotsky Sobrinho.
308
Plano. Ela obrigou a uma reciclagem do setor, voltando-o à incorporação
imobiliária pela modalidade de “preço de custo”, ou autofinanciamento
impulsionado pelo curto “boom” do Plano Cruzado a partir de 1986, no governo
José Sarney. Ora, essa modalidade dependia fortemente do aproveitamento
individual dos terrenos para viabilizar-se, levando naturalmente ao acirramento de
pressões por mudanças nos restritivos instrumentos de controle do 1º PDDU.
Como vimos anteriormente, as alterações na LC 43/79 se dão nos
instrumentos de controle urbanístico, para enquadrar e amenizar a aplicação de
suas regulamentações mais restritivas, e buscam consolidar uma série de
“resoluções normativas” que vinham sendo editadas desde o início de aplicação
do 1º PDDU na tentativa de contemplar situações não previstas no texto da lei.
Como resultado, se flexibiliza a aplicação do Plano, mas aumenta enormemente
sua imprevisibilidade morfológica com uma política de resoluções "caso a caso", a
critério do Sistema de Planejamento.
A incidência combinada dos dispositivos de controle e situações especiais
sobre os bairros de parcelamento tradicional induzia tipologias de pouca eficiência
(Fig. 6.17), e inibia a substituição tipológica em muitos deles. Em áreas de
parcelamento mais generoso, como Moinhos de Vento (Fig. 6.18), Bela Vista e
parte de Petrópolis, a morfologia resultante se aproxima mais do modelo espacial
originalmente previsto, à custa de uma acelerada substituição tipológica. A disputa
pelos terrenos disponíveis nas melhores localizações chegou ao paroxismo de
substituir casas com 15 anos ou menos (na vertente sul da Bela Vista). No Centro,
estava claro que o processo de “verticalização” tinha sido controlado (Fig. 6.19), à
custa de sua virtual estagnação.
O aumento da altura deu-se através de um artifício, institucionalizando
procedimentos que já vinham sendo pleiteados através dos projetos pelo Art. 84.
Como o plano estabelecia alturas máximas de pavimentos muito superiores às
praticadas (3,5 m para pavimentos tipo e 6,0 m para térreo), os gabaritos
resultantes permitiam o embutimento” de, em média, mais dois pavimentos
normais nos edifícios. Como o térreo sob pilotis e o pavimento de cobertura
(quando utilizado dentro de determinados parâmetros) eram bonificados, resultava
um incremento de quatro pavimentos (os dois embutidos”, mais o térreo e a
cobertura). A LC 158/87 simplesmente incorporou estes pavimentos ao regime de
alturas das UTPs.
As críticas reclamavam de duplicação de altura, um exagero como
generalização, já que a duplicação só ocorria em zonas de altura máxima entre 2
e 4 pavimentos. Para os oito pavimentos vigentes como teto na maior parte dos
bairros residenciais consolidados, representou um incremento de 50% (que, de
resto, já vinha sendo concedido em situações especiais mediante Estudo de
Viabilidade). Reproduzindo trecho do Diário do Sul, Rovatti argumenta que, a partir
de 1987, por exemplo, as empreiteiras tem agora permissão para duplicar os
prédios a serem erguidos em setores de bairros (...). As mudanças estimularam
também a quadruplicação de edifícios comerciais em zonas residenciais da capital
309
(...), num processo apontado como salutar pelos construtores, mas condenado
com veemência pelo Sindicato dos Arquitetos/RS
45
. O próprio Rovatti, entretanto,
em gráfico que acompanha o mesmo artigo sobre a “fertilidade” da terra urbana
em Porto Alegre, comprova que o aumento operado com a LC 158/87 foi
relativamente pequeno, levando os níveis do 1º PDDU, a partir de 1979 similares
aos praticados no início do século XX, a níveis próximos dos verificados em 1966
(LC 3.004/66), mas ainda assim inferiores aos níveis verificados em 1928.
Essa linha é retomada por autores como Weimer, que vêem no Plano o
atendimento às exigências do mercado imobiliário. A análise peca por não atentar
para as diferenças entre a LC 43/79, que não atendia ao mercado, pelo contrário
reduzindo generalizadamente o aproveitamento dos terrenos, e a LC 158/87, que
procurava amenizar seus efeitos mais visíveis, através de procedimentos e
dispositivos que se assemelhavam mais a engenhosos artifícios que a legislação
urbanística.
“(...) percebe-se que, por trás de uma retórica ‘revolucionária’ e ‘inovadora’, se partia
exatamente dos mesmos princípios, com a mudança de alguns termos como zoneamento
por setorização, mas conservando a essência dos procedimentos com base no
zoneamento de usos e da conservação da teoria da ‘pureza’ dos números, todavia, com
um aumento sistemático dos índices numéricos o que não trouxe qualquer efeito sobre o
centro histórico, no qual estava se iniciando o processo de decadência devido à
superdensificação, mas que acabou por levar este problema para áreas ainda não
afetadas por ele, para gáudio dos empreendimentos imobiliários”.
46
Outra crítica freqüente foi ao autoritarismo e ao determinismo espacial e
funcional do plano. Nygaard vê o 1º PDDU como o produto final de um progressivo
processo de articulação e condicionamento doutrinário, e em função das teses que
apresenta o considera determinístico (ao engendrar promessas para melhorar a
qualidade de vida via reordenação do espaço físico), autoritário, (ao pretender
impor à sociedade determina concepções, especialmente em relação ao espaço
físico), pretensioso, (ao se propor a resolução de um conjunto de problemas cada
vez mais amplo e diversificado, relativos a diferentes disciplinas), tecnocrático (ao
manter uma postura técnico-científica auto-suficiente, colocando os planos à parte
do processo político e da sociedade), e finalmente ineficaz, ao não dar conta dos
novos problemas suscitados pelo crescimento da cidade, como a marginalidade e
as periferias urbanas
47
. Rovatti, citando o Jornal do Instituto dos Arquitetos do
Brasil-IAB/RS, mostra que o IAB endossava esta crítica:
Por ocasião das frustradas discussões do Plano Diretor, o IAB se bateu explicitamente
(para) propor que o Plano Diretor da cidade minimizasse o seu caráter determinista (de
45
ROVATTI, 1990, op. cit., p. 114.
46
WEIMER, 2004, op. cit., p. 210.
47
NYGAARD, 1995, op. cit., pp. 119-120. Ele utiliza o termo despolitizado em lugar de
tecnocrático. Como última das críticas restritas, acusa o plano de ter apresentado propostas
desligadas da realidade (segundo ele ainda a requerer estudos complementares, relacionando
suas propostas com o que foi efetivamente realizado durante a sua vigência).
310
tudo saber e tudo definir a priori para todos) e autoritário, e se tornasse mais flexível e
aberto à participação profissional”.
48
Entretanto, a LC 158/87 não extinguiu o recurso às Resoluções
Interpretativas do Conselho. Ao contrário, acabou potencializando-as na medida
em que amplia as brechas e as dubiedades dos instrumentos usuais. Assim, às
mudanças nos dispositivos de controle vão somar-se progressivamente um
número considerável de novas Resoluções Interpretativas, desdobrando ainda
mais as “situações especiais”. Fruto do distanciamento original da cidade
planejada em relação à cidade existente, a ambigüidade da norma associa-se a
uma multiplicidade dispersa de instrumentos de controle, que dificultam sua
compreensão e sua aplicação. Conforme nota o diagnóstico do PROPAR,
instaura-se no 1º PDDU um progressivo antagonismo entre o contexto normativo e
o contexto de aplicabilidade
49
, e com o passar do tempo esse antagonismo só
tendeu a aumentar.
O processo pode ser exemplarmente ilustrado através de um exame do que
ocorreu na área do Shopping Center Iguatemi no período de aplicação do Plano. A
área encontrava-se praticamente desocupada até o início dos anos 80. A Avenida
Nilo Peçanha, eixo de acesso e estruturação da zona era prevista como avenida
projetada desde a década de 30, como radial intermediária entre as velhas radiais
Protásio Alves e Assis Brasil, e aparece dessa forma no plano de avenidas da
Contribuição de Ubatuba de Faria e Paiva e no primeiro estudo de Arnaldo
Gladosch. Na planta da cidade de 1936, ela aparece tangenciando, a norte, o
conjunto de loteamentos da empresa Schilling Kuss ao redor da Avenida Protásio
Alves, entre esta e o loteamento popular da Vila Jardim a leste.
Os loteamentos foram implantados e ocupados a partir dos anos 40, com o
bairro de Petrópolis, mas no início dos anos 50 a área ainda encontrava-se
desocupada. A Avenida Nilo Peçanha foi prevista como parkway a partir da
Terceira Perimetral no Ante-projeto de planificação de Porto Alegre de Paiva e
Demétrio Ribeiro, entre zonas residenciais puras (tipo Z3 e Z4). O Plano Diretor de
59 não incluía a área além da Terceira Perimetral, e o trecho entre a Avenida
Protásio Alves e esta não recebia tratamento especial em termos de usos,
ocupação, índice de aproveitamento ou altura, diferentemente das radiais de uso
comercial, como a própria Protásio Alves.
A área entre a Avenida Carlos Gomes e o limite leste do município só foi
incluída no Plano na Extensão D em 1975, através do Decreto 5.162/75. Durante a
década de 60, a região recebeu grandes Colégios (como o Anchieta e o
Farroupilha), relativamente isolados em meio a áreas vazias e loteamentos não
ocupados ou em início de ocupação. Eles se somaram ao Country Clube,
reforçando a vocação da área ao longo da avenida para grandes equipamentos
educacionais e de lazer. Iniciava-se a ocupação dos loteamentos de média e alta
48
ROVATTI, 1990, op. cit., p. 32.
49
CONVENIO UFRGS/PMPA, 1996, op. cit., p. 15.
311
renda, Três Figueiras e Chácara das Pedras, num padrão de residências
unifamiliares isoladas. Quando da implantação do Anchieta, transferido do Centro
no início da década de 60, a Avenida Nilo Peçanha só chegava até o portão do
Colégio. Toda a área a leste estava cercada, até o Country Clube, cujo acesso se
dava pela face norte.
Finalmente, o 1º PDDU não prevê a avenida como Corredor de Comércio e
Serviços, e sim como uma das vias anelares de contorno das UTPs, sem regime
especial em termos de instrumentos de controle. As áreas residenciais ao redor
receberam estatuto de áreas residenciais puras, com os mais baixos índices (IR 1
e ICS 0,5), e altura limitada. O modelo espacial, em sua estratégia de polarização
comercial, previa um Pólo de 2º nível na Avenida Assis Brasil, na confluência com
a Avenida do Forte, que atenderia toda a zona (ilustrando a polarização por setas
no modelo). As fotos aéreas anteriores a 1980 mostram um descampado bucólico
no local do Shopping, ocupado por tambos de leite, próximo às extremidades do
loteamento residencial Chácara das Pedras, na confluência da Rua João Wallig
com a Avenida Nilo Peçanha, à época uma trilha de chão batido (Fig. 6.20).
No início dos anos 80, baseado em extensa pesquisa de localização e
mercado (uma das primeiras do gênero no país), que concluía ser aquele o ponto
de maior acessibilidade equipotencial das áreas urbana e de expansão urbana da
capital, estrategicamente situado sobre a diretriz preferencial de crescimento e
localização das classes de média e alta renda, foi implantado no local o Shopping
Center Iguatemi. Estudo de Viabilidade e projeto foram aprovados pela Prefeitura,
com base nas situações especiais previstas no Art. 84 (Fig. 6.24). O Shopping
Center Iguatemi Porto Alegre foi inaugurado em abril de 1983, num terreno de
quase 10 hectares (96.300 m²) a 6 km do centro da cidade. O Shopping contava
então com 52.000 m² de área construída e 29.000 m² de área bruta locável, com
duas mil vagas de estacionamento, constituindo-se instantaneamente no segundo
pólo comercial da cidade em hierarquia (Fig. 6.21). Em 1993 o Iguatemi ganhou 60
novas lojas e quatro cinemas, e um ano depois aumentou sua praça de
alimentação. Em 1997, uma ala anexa ao Iguatemi acrescentou 75 novas lojas,
uma nova praça de alimentação, cinco salas de cinema e um prédio-garagem. A
partir de então, o Iguatemi passou a ser considerado o maior centro de compras
do sul do país, e o líder em rentabilidade por metro quadrado na região sul
50
.
50
A ampliação deixou o Shopping com 107.300 m² de área construída, 36.854 m² de área bruta
locável em 340 lojas, e 3.015 vagas de estacionamento. O Iguatemi registra uma circulação média
diária de 50.000 pessoas (1.500.000 por mês, num fluxo de 500.000 veículos/mês), gerando um
fluxo médio anual de 18 milhões de visitantes, cerca de 12 vezes a população da cidade, e levando
a um faturamento de R$540 milhões anuais. Os empreendedores são Iguatemi Empresa de
Shopping Centers S/A (a maior empresa do segmento na América Latina, controlada pelo Grupo
La Fonte, de Carlos Jereissati e família), ANCAR S/A, MAIOJAMA Ltda. (Grupo RBS) e LRR
Participações Ltda.
312
A concentração, diversidade comercial, e o enorme potencial de polarização
do Shopping, imediatamente depois de aberto, virtualmente implodiram o modelo
de polarização do 1º PDDU, e com ele o próprio modelo espacial do plano, a
pouco mais de três anos de sua instituição. Durante os anos 80, o Iguatemi
funcionou ao mesmo tempo como uma espécie de âncora urbana em meio a uma
área de expansão desagregada e fragmentária, e como um catalisador no
incremento da ocupação e na atração de novos usos para a área. Todo o
acelerado processo de indução ao desenvolvimento e constituição de um novo
âmbito urbano, entretanto, se dava com atritos consideráveis entre a vitalidade da
cidade real e a rigidez normativa. O 1º PDDU simplesmente não previa tais usos,
na distribuição requerida nem na intensidade correspondente. O próprio papel da
avenida como canal de movimento, mas também de localização de atividades
urbanas de alta hierarquia, atraídas pela polarização do Shopping, não era
contemplado na norma.
A LC 158/87 procurou resolver o conflito, coerentemente com os padrões
de encaminhamento que seguiu para a resolução dos outros antagonismos entre o
contexto normativo e o contexto de aplicabilidade da norma: por artifícios.
Recortou a UTR fronteira ao Shopping (lado oposto da Avenida Nilo Peçanha) por
um traçado caprichoso, dividindo-a em duas; com isso, multiplicou as áreas
periféricas das UTRs, onde se permitia mais altura (Código 05 com máximo de 4
pavimentos, contra máximo de dois pavimentos no interior das unidades), e uso
para habitação coletiva, levando-as ao interior do bairro.
Com esse artifício, mais o enquadramento dos projetos nos benefícios do
Art.84 (por área, ou por testada de quarteirão), foi possível construir
empreendimentos de habitação coletiva de até 12 pavimentos (Térreo, 10 tipos e
cobertura, Fig. 6.22) na Avenida Nilo Peçanha e na nova periferia, penetrando o
bairro ao longo da atual Avenida General Barreto Viana. O processo foi facilitado
pela existência de apenas um grande proprietário imobiliário de toda a área, a
Condor (sucessora da Schilling Küss), que aceitava parcerias através de permuta
por área construída. Os empreendimentos já se encaixavam no novo perfil de
condomínios fechados com equipamentos coletivos, em duas ou mais torres, com
tipologia em forma de “H” e quatro apartamentos por pavimento. No interior das
UTRs, o incremento de demanda resultou na proliferação de condomínios
residenciais horizontais, equiparados à residência individual em termos de regime,
multiplicando o aproveitamento dos terrenos. A convivência entre dois tipos tão
díspares, torres de 12 pisos e casas de dois pisos separados apenas por
passagens de pedestres, ali se dá de forma direta, sem nenhum tipo de mediação
ou transição morfológica.
Quanto ao comércio, permaneceu restrito ao índice anterior; conjugado à
crescente demanda por espaços comerciais ao longo da avenida, acabou levando
a uma morfologia de strip comercial de lojas baixas, que remetem ao modelo de
decorated shed” descrito por Robert Venturi e Scott Brown. A área toda passou a
ser conhecida como bairro Iguatemi, transformando-o no primeiro bairro “temático”
de Porto Alegre, mescla provinciana de Las Vegas com Miami, na qual a praia é
313
Fig. 6.21 - Área do Shopping Iguatemi em 1990.
Fig. 6.20 - Área do Shopping Iguatemi (Nilo Peçanha x
João Wallig) antes da construção. 1980.
Fig. 6.23 - Área do Shopping Iguatemi em 1998 (vista
reversa).
Fig. 6.22 - Área do Shopping Iguatemi por volta de
1994.
Fig. 6.24 - Cadastro da área do Shopping
Iguatemi em 1986.
Fig. 6.25 - Foto Aérea da área do Shopping
Iguatemi por volta de 2005.
314
o Shopping (Fig. 6.23). A ocupação da área por torres de habitação coletiva
chegou a um quase paroxismo em meados dos anos 90, com sucessivos
lançamentos da empresa Encol ocupando praticamente todos os terrenos
urbanizados possíveis de implantação vertical, até a quebra da empresa, deixando
um setor de bairro fantasma com edifícios inacabados e estruturas, em lenta
complementação desde então.
As sucessivas ampliações do Shopping Center Iguatemi, a implantação do
Shopping Bourbon Country no terreno fronteiro, a norte, e de uma série de locais
comerciais de prestígio ao longo da Avenida Nilo Peçanha, contribuíram para
reforçar a vocação da área (Fig. 6.25). A implantação da Terceira Perimetral e o
novo regime urbanístico proposto pelo PDDUa a partir do início dos anos 2000,
por sua vez, consolidam institucionalmente a polarização e a centralidade da zona,
embora mantendo sua indefinição morfológica e estrutural. O modelo espacial do
PDDUa propõe seu mais importante Corredor de Centralidade justamente ali,
entre a Avenida Nilo Peçanha e a Rua Anita Garibaldi, com incremento de altura e
aproveitamento, e a possibilidade de aporte de solo criado em níveis elevados.
Com isso, resolve finalmente a questão do comércio, homogeneizando os índices
independentemente dos usos.
A implantação da primeira torre de escritórios, em frente ao Shopping,
numa escala sem precedentes em relação aos gabaritos praticados no entorno,
representa uma ruptura visível, em termos de uso, tipo e escala, com o modelo do
1º PDDU, mas é a conseqüência natural do processo desencadeado apesar dele,
inicialmente, e com sua ajuda, após 1987. O lançamento do novo Bairro Jardim
Europa, empreendimento habitacional com previsão total de cerca de 8 mil
apartamentos ao redor de um grande parque urbano, igualmente sinaliza os novos
padrões para empreendimentos habitacionais, em termos de escala, modelagem e
definição do produto, e consolida a vocação da área para abriga-los.
Na realidade, podemos dizer que o Bairro Iguatemi acabou se tornando a
cidade ideal implícita no modelo do 1º PDDU. A fragmentação, a imprevisibilidade
morfológica, o crescimento por peças inteiras e o predomínio da imagem ilustram
os novos padrões de produção e consumo do espaço no novo século. Nesse novo
tipo de cidade, a ausência de qualquer estrutura de articulação entre as peças
urbana além do canal de movimento dilui a urbanidade, isola-a em
compartimentos, evapora a rua de toda animação. Ao contrário de uma cidade
analógica, a nova cidade ideal se assemelha a uma construção digital, regrada por
impulsos binários.
315
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Revisados os últimos seis planos para Porto Alegre, cobrindo um período
de três gerações entre o primeiro - o Plano Maciel de 1914 - e o 1º PDDU de
1979-1987, resta-nos indagar sobre o atual, o Plano Diretor de Desenvolvimento
Urbano Ambiental (PDDUa), em vigor desde início do século XXI. Na Introdução, a
ausência de sua análise detalhada, como capítulo da tese, foi justificada em
função da pequena perspectiva histórica que oferece, e da dificuldade em avaliar
seus efeitos sobre o espaço urbano neste curto período de aplicação. A ausência
de distanciamento histórico, e a falta de qualquer tipo de teste espacial consistente
e continuado de suas premissas, até o momento, fazem do PDDUa apenas
referência e horizonte cronológico da análise dos demais planos.
Entretanto, se é prematuro avaliar o conjunto de seus efeitos (embora
alguns já se mostrem evidentes), isso constitui apenas uma parte do que foi
desenvolvido para os outros planos. O mesmo não se pode dizer de seus
conceitos e das idéias que orientaram sua elaboração. Com efeito, parece-nos
difícil concluir sem empreender uma análise, ainda que sucinta, do Plano Diretor
em vigor e das idéias de cidade ideal por trás de suas prescrições, como forma de
circunstanciar e balizar nossas considerações finais.
O PLANO DIRETOR DE DESENVOLVIMENTO URBANO AMBIENTAL PDDUa
O 1º PDDU tinha sido revisado em 1987, em um processo tão traumático
quanto casuístico, mantendo escassa coesão interna e compatibilidade em seus
dispositivos, e agravando um progressivo distanciamento entre o contexto
normativo e seu contexto de aplicabilidade. A nova administração do Partido dos
Trabalhadores (PT), a partir do início dos anos 90, colocou a alteração do Sistema
de Planejamento e do Plano Diretor, no centro de seu projeto estratégico de
gestão dos conflitos urbanos. O Projeto Porto Alegre Mais Cidade Constituinte
foi iniciado em 1993, procurando enfocar o debate sobre o futuro da cidade e de
seu planejamento na emergência de temas como o aprofundamento da
participação popular, a inclusão sócio-econômica, a sustentabilidade sócio-
ambiental (pelos princípios da Agenda 21 das Nações Unidas), e a articulação
entre o setor público e privado.
Em dezembro de 1993, o I Congresso da Cidade definiu uma série de
diretrizes, que foram agrupadas em nove metas
1
. Várias delas implicavam
modificações de conceitos e procedimentos do Plano, adequando-o aos novos
1
Cidade com gestão democrática; Cidade descentralizada; Cidade que combate as desigualdades
e a exclusão social; Cidade que promove as qualidades de vida e do ambiente; Cidade
culturalmente rica e diversificada; Cidade atrativa e competitiva; Cidade que articula a parceria
entre o público e o privado; Cidade com estratégia para se financiar, e Cidade articulada à Região
Metropolitana.
316
temas. Em 1995 estabeleceu-se uma sistemática de revisão, com a constituição
de quatro grupos temáticos de trabalho: Planos Regionais, Gestão e Sistema de
Planejamento, Estrutura Urbana e Subsídios para a Política Habitacional. Em
dezembro de 1995, o resultado dos trabalhos foi discutido no II Congresso da
Cidade. O Congresso acabou definindo os conceitos para o novo plano, que foram
compatibilizados entre si e detalhados durante o ano de 1996 numa proposta de
projeto estratégico, a seguir discutida em diversos foros, transformada em Projeto
de Lei e encaminhada em 1997 à Câmara de Vereadores. Após quase dois anos
de discussões e emendas, nas quais se estabeleceu uma aliança tácita com
setores da construção civil e do mercado imobiliário, o projeto foi aprovado no final
de 1999, como Lei Complementar nº 434/99
2
, instituindo o novo Plano Diretor,
com vigência a partir de março de 2000.
O Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Ambiental PDDUa introduz
uma série de modificações estruturais importantes, com relação ao Modelo
Espacial, à divisão territorial, aos instrumentos de controle urbanístico e aos
instrumentos de gestão. Adota o modelo de cidade policentrica, com uma estrutura
viária em malha, rompendo com a persistente herança rádio-concêntrica ainda
subjacente no Plano anterior. Seus efeitos ainda estão por serem testados,
através de simulações, e da avaliação das primeiras realizações feitas sob sua
normativa. Ambos são dificultados pelo grau de imprevisibilidade conferido pela
oferta aleatória de solo criado, e pela possibilidade de projetos pontuais e/ou
especiais em praticamente toda a cidade.
Podemos dizer que o PDDUa tenta operar uma mudança de paradigma,
abandonando o modelo de cidade moderna perseguido nos dois planos anteriores
em favor de um modelo híbrido, ainda não totalmente explícito ou homogêneo.
Esta indefinição reflete, por um lado, a ausência de paradigma hegemônico em
arquitetura no final do século XX, com a coesão interna e a identidade externa do
anterior. Por outro lado, evidencia a disputa entre correntes e grupos
ideologicamente distintos durante o seu longo período de elaboração, consultas e
aprovação, para os quais concorrem consultorias externas da UFRGS (PROPAR,
PROPUR e Departamento de Urbanismo), Fundación CEPA
3
da Argentina,
representantes de entidades, comunidades e setores, equipes técnicas de
diferentes órgãos da Prefeitura Municipal e Câmara de Vereadores.
A equipe do PROPAR/UFRGS, a partir de uma crítica consistente e
articulada do 1º PDDU, delineou um modelo de cidade compacta, com estrutura
baseada no conceito de malha direcional, que comportava diversos padrões de
2
PORTO ALEGRE. Prefeitura Municipal, Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Ambiental de
Porto Alegre - 2º PDDUa. (Lei Complementar nº 434/99) Porto Alegre: PMPA, 1999.
3
A Fundación CEPA (Centro de Estudios y Proyectación del Ambiente) foi criada em 1974 em La
Plata, Argentina, por Rubén Pesci, que a preside desde então. A CEPA é a sede da FLACAM
(Facultad Latino Americana de Ciencias Ambientales, dirigida por Pesci, que também dirige a
cátedra UNESCO/FLACAM para o Desenvolvimento Sustentável e é consultor do Programa MaB
da UNESCO), imbricando-se com ela na defesa da “sustentabilidade” urbana através de um
processo projetual ambiental (a “projetação ambiental”).
317
ocupação e uso, julgados capaz de acolher a complexidade morfológica e
funcional da cidade contemporânea
4
. Relações morfológicas de vizinhança
asseguravam o respeito às formas consolidadas, e os sistemas de fluxos e
atividades encontravam alternativas de desenvolvimento e localização ao interior
de uma malha relativamente homogênea e neutra, apta a fornecer suporte para a
emergência e consolidação de novas polaridades urbanas.
Por decisão da SPM, entretanto, o arquiteto argentino Rubén Pesci e a
Fundación CEPA acabaram encarregados, a partir de 1995, da orientação
conceitual e coordenação metodológica do processo de elaboração do plano. O
modelo veio junto: Pesci e a Fundación resumem seus objetivos na busca de uma
vaga “cidade da urbanidade”, baseada em alguns conceitos-chave:
as interfaces e a cidade como sistema de interfaces
os espaços abertos e sua contraposição com os espaços fechados
os processos produtivos urbanos
a descentralização e a multifocalidade como matrizes da nova organização
a participação social, com identificação dos atores sociais protagonistas
os fluxos como essência do funcionamento urbano.
A multifocalidade “(...) consiste en auspiciar las proto-centralidades de
actividades y espacios que se encuentran en todo barrio, en toda periferia,
haciendo de ellas focos de decisión y concentración de actividades
5
, constituindo-
se num princípio projetual em si positivo, ao provocar descentralização e
desconcentração. A multifocalidade é entendida como “principio proyectual para la
macro-estructuración de la gran ciudad contemporánea (multicultural y con alta
alocación espacial de sus culturas); as interfaces, por sua vez, permitem (…) la
captación de su fenomenología más profunda: sus diferencias, sus contrastes, sus
conflictos y choques, y cómo lograr el orden complejo (la concertación) que
organice o oriente su inevitable heteronomía
6
.
Para o modelo espacial, Pesci privilegiou fortemente os critérios de
descentralização e desconcentração, integrando as centralidades pontuais ou
4
CONVÊNIO UFRGS/PMPA. Estudos para reformulação do 1º Plano Diretor de Desenvolvimento
Urbano de Porto Alegre (GT 3.4/Dispositivos de Controle das Edificações). Porto Alegre:
PROPAR/UFRGS, 1996. O documento foi posteriormente publicado como ABREU FILHO, Silvio
Belmonte de (e outros). Estudo para Reformulação do 1º Plano Diretor de Desenvolvimento
Urbano de Porto Alegre: Dispositivos de Controle das Edificações. Relatório Final do Convênio
UFRGS/PMPA. Porto Alegre: PROPAR/UFRGS, 1996, 80 p. + anexos e mapas.
5
PESCI, Rubén. La Ciudad de la Urbanidad. Buenos Aires: Kliczkowski Publisher, ASPPAN,
CP67, 1999, p. 44. Trata-se de descentralizar neles sistemas institucionais públicos
(subprefeituras, postos de atendimento de serviços públicos, universidades) ou privados, e também
de promover as atividades produtivas de pequenas e médias empresas, limpas, compatíveis com a
vida urbana, desconcentrando-as nos novos focos. Apresentaria assim vantagens relativas de
diminuição de viagens e deslocamentos, com a conseqüente economia de tempo e energia,
poupança de gastos em infraestruturas e sistemas de interconexão viários, e minimização dos
impactos sociais e econômicos associados à centralização.
6
Idem, p. 64.
318
segmentadas do 1º PDDU em grandes centralidades lineares. Elas são
aplicadas através de três grandes corredores urbanos, no lugar de pólos ou
corredores de centralidade isolados (como no 1º PDDU), ou mesmo articulados
em uma rede, como na proposta do PROPAR (e nos casos dos planos para a
AMBA e do Nordelta, realizados com a participação de Pesci e da CEPA). Utiliza
os corredores urbanos oeste-leste de maior hierarquia no modelo de malha
direcional do PROPAR, e mesmo as justificativas para sua escolha (reconhecem o
estiramento” da cidade para o leste, eixo preferencial para o crescimento urbano
em direção às zonas conurbadas contíguas da região metropolitana, proporcionam
suporte para grandes eixos de infraestrutura viária e de transporte, e oferecem
altas oportunidades para novas centralidades urbanas). Denominando-os
corredores de centralidade
7
, transforma-os na base do seu modelo espacial.
No Documento do Plano
8
prevalece um modelo territorial híbrido para o
conjunto da área municipal (dentro do conceito de que tudo é cidade). Reconhece
na área mais densa e consolidada uma cidade radioconcêntrica (sic) que
deverá ser organizada e conservada”, e uma cidade xadrez, em processo de
consolidação a partir do 1º PDDU”, que absorve as tensões do crescimento nas
direções leste e nordeste; duas grandes zonas ainda pouco caracterizadas, a
norte (área industrial e de grandes equipamentos metropolitanos) e a sul (território
entre rural e urbano, com potencial de cidade jardim linear), e áreas de transição
ou interfaces particularmente delicadas, que devem ser custodiadas e
recuperadas”. Tudo seria costurado pelos Corredores de Centralidade”,
estruturando a cidade da periferia e relacionando-se com a área metropolitana
adjacente(p. 5-6).
O modelo utiliza parte da terminologia cunhada pelo PROPAR, fora de seu
contexto de aplicabilidade, misturada a termos e conceitos da CEPA, num enorme
liquidificador conceitual, em busca de uma espécie de sincretismo urbanístico
fundamentado no reconhecimento da diversidade, da miscigenação, e da
necessidade de incorporá-las e integrá-las ao plano.
7
Se pretende romper así la unipolaridad de la ciudad actual, con sus hiperconcentraciones e
hipercongestiones, para ofrecer en cambio ocasiones continuas de centralidad longitudinal, con
acceso transversal (a escala casi peatonal), de los habitantes de casi todos los barrios de la ciudad
y el suburbio conurbado”. Idem, p. 46. Os três corredores de centralidade propostos são, do norte
ao sul, o eixo Assis Brasil-Baltazar, o eixo entre Anita Garibaldi e Nilo Peçanha (com continuidade
a leste até a divisa com Alvorada e Viamão), e o eixo entre Ipiranga e Bento Gonçalves, até a
divisa com Viamão. É evidente que o mais importante no modelo é o do meio.
8
Foi considerada para análise a edição consolidada do PDDUa com Justificativa e Mapas. PORTO
ALEGRE. Prefeitura Municipal, Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Ambiental de Porto
Alegre - 2º PDDUa. (Lei Complementar nº 434/99) Porto Alegre: PMPA/SPM, 2000 (edição
consolidada com Justificativa e Mapas). As citações retiradas do documento terão a página
indicada entre parêntesis ao seu final.
319
Fig. 7.1 - PDDUa: Estratégia de
Mobilidade Urbana.
Fig. 7.4 - PORTO ALEGRE. PDDUa: Corredor de Urbanização Vista
aérea ao longo da Avenida Nilo Peçanha (2006).
Fig. 7.2 - PDDUa: Estratégia de
Mobilidade Urbana, Modelo
Proposto.
Fig. 7.3 - PDDUa: Macrozonas com
Bairros.
Fig. 7.5 - PORTO ALEGRE. Terceira Perimetral, Foto aérea
(2006).
320
Com base num discurso que aponta para a mudança do conceito de
planejamento, de normativo baseado essencialmente em normas para a
atividade privada para estratégico, “no qual o poder público fortalece seu papel
de agente articulador e propositivo, dando ênfase à atuação integrada dos
diversos atores da construção da cidade” (p. 4), são instituídas sete estratégias
interligadas e complementares: de Estruturação Urbana, de Mobilidade Urbana, de
Uso do Solo Privado, de Qualificação Ambiental, de Promoção Econômica, de
Produção da Cidade e do Sistema de Planejamento. As três primeiras dizem
respeito a estratégias físicas, as demais basicamente a estratégias de gestão,
ilustrando o progressivo deslocamento de enfoque do Plano, da estrutura para os
processos.
As estratégias físicas, entretanto, são bastante frágeis, e nenhuma delas
chega a definir um Modelo Espacial de natureza estrutural. Tanto a Estratégia de
Estruturação Urbana quanto o Modelo Espacial são representados em mapas
confusos, com excesso de elementos, revelando pouco da estrutura conceitual do
plano. Ela aparece mais clara na Estratégia de Mobilidade Urbana (Fig. 7.1), na
qual uma “representação esquemática do Modelo Proposto (Fig. 7.2) nos remete
aos “modelos teóricos” de estrutura urbana de Hénard e da SFU, e às idéias
sintéticas de cidade dos “grandes planos” de Burnham. O Modelo, entretanto,
encontra escassa correspondência com o Modelo de Zoneamento (Fig. 7.3), que
se baseia nos “Corredores de Centralidade”, lineares e direcionais, e não na
estrutura de grelha bidirecional que sugere a estratégia e o diagrama de
mobilidade.
As limitações do principal “Corredor” do modelo, ao longo da Avenida Nilo
Peçanha (Fig. 7.4) já foram analisadas no capítulo anterior. A Terceira Perimetral,
maior investimento urbano da cidade nos últimos vinte anos, e que parece assumir
um papel predominante na sua estrutura, confirmado pelo enorme impacto de seu
traçado nas fotos aéreas recentes (Fig. 7.5), aparece diluída na Estratégia de
Mobilidade e no modelo proposto (onde a atenção é deslocada para o leste), e
limita-se a um papel de fronteira entre “macrozonas” no Modelo de Zoneamento.
Com efeito, para Pesci e equipe, as estratégias principais são a de
produção da cidade e o sistema participativo de planejamento e gestão. Elas se
fundamentam na idéia de plano-processo (contra a visão do “planejamento
fechado” clássico) e num modelo de atuação por “projetos concertados”
9
,
operações integradas de projeto, multisetoriais e interdisciplinares, através das
quais a administração municipal é chamada a assumir um papel efetivo de
promoção do desenvolvimento e de inversões na cidade.
9
Así se elaboró un conjunto de operaciones prioritarias concertadas, que promueven todo tipo de
actuaciones de escala intermedia, con criterio de proyectos ejecutivos, de alta integración
multisectorial e interdisciplinaria, y que ofrecen oportunidades de inversión como de satisfacción de
las principales actividades sociales, y que entre sí, reestructuran los factores principales del
desarrollo urbano”. PESCI, 1999, op. cit., p. 134.
321
A idéia de “produção concertada” acaba assumindo o papel hegemônico na
sustentabilidade da cidade, do modelo de desenvolvimento urbano, e de todos os
outros princípios do Plano, sobrepondo-se aos demais, mesmo tratando-se de um
princípio rigorosamente experimental, como reconhecido pelo próprio coordenador
técnico.
La producción concertada es también el principio más experimental de todos los
anteriormente expuestos, por las décadas de falta de práctica en la misma, y el aumento
de complejidad y escala de los sistemas urbanos ambientales. Pero no habrá
sustentabilidad para ninguno de los principios anteriores, ni urbanidad posible, si la misma
producción no le logra concertando los intereses de la mayor cantidad posible de sectores
sociales y económicos
10
.
Assim, o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Ambiental PDDUa é
constituído pelas sete Estratégias e pelo seu Modelo Espacial, que compõem a
primeira parte, e pelo detalhamento de duas Estratégias: o Sistema de
Planejamento, com sua estrutura, seus componentes e instrumentos (que compõe
a segunda parte) e o Plano Regulador, com as regras e normas de ocupação do
solo urbano (que compõe a terceira parte). O Plano Regulador foi detalhado com
base na estrutura discursiva do 1º PDDU, que é “enxugada” em seus elementos e
incorpora a nova terminologia e alguns novos conceitos a ela vinculados.
Os instrumentos de controle urbanístico são os mesmos do Plano Diretor de
1959, mantidos no 1º PDDU e atualizados no PDDUa, ainda dentro do conceito de
indução ao edifício isolado com afastamentos proporcionais à altura. A distinção
entre “base” e “corpo” do prédio (e “superestrutura”), retirada das propostas do
PROPAR, incorpora um conceito que remete à divisão vertical clássica das
edificações. Aqui, entretanto, o “corpo” é sempre uma torre ou uma barra/prisma.
Aproveitamentos e ocupações foram levemente aumentados; os primeiros sob o
argumento da incorporação de áreas antes bonificadas
11
, e as segundas
procurando acomodar as pressões por estacionamentos na “base” dos prédios. As
alturas tiveram aumento significativo em algumas zonas, e passavam a ser
reguladas por um regime de gabaritos (“volumetria”), e não mais por pavimentos.
Apesar dos aumentos nominais não serem tão altos, a possibilidade de
aporte de solo criado em praticamente toda a cidade tornou-os, na prática,
incrementais: em algumas áreas com incentivo ao aporte de índices, como nos
“Corredores de Centralidade” e nas zonas mais visadas pelo mercado imobiliário,
o resultado pode significar alturas e aproveitamentos até duas vezes maiores que
os do 1º PDDU, rompendo abruptamente o perfil de alguns bairros tradicionais.
Pior, este rompimento aparece aleatoriamente, quase como “edifícios-testemunho”
dispersos em meio a um tecido consolidado em padrões muito mais baixos, ao
10
Idem, ibidem.
11
Algumas foram posteriormente mantidas, como as sacadas até determinada profundidade, agora
passíveis de fechamento, e assim incorporadas de fato às áreas sociais das unidades. As áreas
computáveis no índice viraram “áreas adensáveis”, as demais “não adensáveis” e limitadas a 50%
das primeiras, e os estacionamentos incentivados como “isentos”, praticamente sem limite.
322
sabor dos poucos terrenos disponíveis capazes de acomodá-los. Como o
incremento não corresponde a um projeto estratégico claro, a nova paisagem não
chega a ser entendida, e sua aparente falta de lógica espacial apenas evidencia a
lógica subjacente do mercado imobiliário buscando a rentabilidade máxima nas
melhores localizações, sem nenhuma idéia ou estratégia estrutural de maior
hierarquia a guiá-la ou orientá-la. A iminente revisão do plano ameaça deixá-la
dessa forma, como “testemunhos” de idéias fora do lugar.
É inegável que o novo regime urbanístico favorece os padrões de
modelagem imobiliária hegemônicos na virada do século. A facilidade de aporte de
índices e os novos gabaritos atendem ao modelo de empreendimento em uma,
duas ou mais torres, concentrando investimentos e canteiros para a criação de
ambientes cuidadosamente “controlados”, em ilhas progressivamente autônomas
dentro da cidade. Esta parece ser a estratégia espacial mais efetiva do plano.
As demais estratégias, do ponto de vista legal, permanecem restritas ao
discurso, ou remetidas à regulamentação ou detalhamento posterior, que ainda
não foi feito.
Todos os princípios e objetivos explícitos de natureza espacial do plano se
submetem ao primado do processo de participação e gestão. Os princípios
enunciados são dez: o reconhecimento da diversidade; a busca da
descentralização de atividades através da policentralidade; a miscigenação como
reconhecimento da dinâmica urbana; a valorização da identidade cultural e
natural; a integração metropolitana a leste e norte; a qualificação da capacidade
operacional, da segurança e das repercussões ambientais do trânsito (sic); a
simplificação dos dispositivos de controle da edificação; a qualificação ambiental,
considerando o conjunto ambiente natural e ambiente construído; a promoção
econômica através da integração com um Plano de Desenvolvimento Econômico
(nunca explicitado), e a introdução da política habitacional incorporando o
instrumento do Solo Criado. Todos são subsidiários ao onipresente Sistema, pois
o Plano Diretor é apenas um instrumento de desenvolvimento urbano elemento
referencial para a produção e a discussão da cidade, mas que somente se
consolida a partir de sua articulação com os instrumentos do Sistema de
Planejamento” (p.6).
Nesta visão peculiar do planejamento, que não é simplesmente urbano,
mas fortemente adjetivado (participativo, democrático, popular, e até integrado,
como nos planos desenvolvimentistas da década de 70), o Sistema de
Planejamento não só define a estrutura gerencial das atividades de
planejamento,” como em termos de reorientação do planejamento urbano, como
instrumento de democratização da cidade,” constitui o principal suporte, a
organização e a dinâmica que a administração municipal necessita para atingir o
completo aproveitamento dos recursos disponíveis e potenciais, associando suas
ações aos interesses da população” (p.6).
323
Como um sistema que define a prosaica estrutura e atribuições das
atividades corriqueiras de planejamento seria capaz de permitir (quase assegurar)
o completo aproveitamento dos recursos não só disponíveis como potenciais da
cidade? É simples: através da “incorporação da visão do planejamento como ação
política, configurada através dos instrumentos técnicos pertinentes, (que) implica
em comprometimento na sustentação do processo de forma cada vez mais
ampliada e incisiva” (p.6). Como isto seria feito? Através do Conselho Municipal de
Desenvolvimento Urbano CMDU, Deus ex machina” do Sistema, articulado às
Regiões de Planejamento e ao Orçamento Participativo, discutindo os Planos de
Ação Regional. Com isso, se cria uma relação direta do planejamento com as
ações na cidade, conferem ao processo de planejar um novo caráter,
profundamente enraizado na realidade urbana, social e política”, que garantiria
sua referência contínua na complexa dinâmica da cidade, protegendo-o do risco
do descomprometimento” (p.6). Trata-se de um processo de planejamento com
seguro de garantia para o sucesso, cuja apólice é a completa imersão nos
movimentos sociais através da regionalização e da horizontalização da
participação popular no Conselho. Os termos e negritos são do Plano.
A nova conceituação do Conselho dentro do papel propositivo, provocador e receptor de
discussões e demandas, coloca para o mesmo uma dinâmica globalizante, que deverá
enfocar todas as questões abrangentes de cunho urbanístico. Seu papel é estratégico
no avanço da concepção de processo, mais do que de plano, como linha orientadora
para a ação do planejamento” (p.6).
A partir desta revisão sumária do PDDUa, procura-se
324
O Plano Geral dos Melhoramentos de João Moreira Maciel foi um intento
pioneiro para transformação da acanhada cidade “colonial do início do século XX
numa cidade moderna, saneada, equipada e embelezada. Maciel mirava no Rio
de Janeiro de Pereira Passos, referência urbana obrigatória no Brasil da época, e
mais além, na Paris transformada por Haussmann em cidade-capital
paradigmática do final do XIX.
As propostas do Plano assentavam-se nos três princípios explicitados por
Maciel no Relatório: circulação, higiene e embelezamento, filiando-o assim de
forma direta aos princípios da reforma urbana de Haussmann; mas guardavam
influências cruzadas que permitem falar em um “sincretismo urbanístico que junta
àquela referência hegemônica as idéias de Camillo Sitte, de Eugène Hénard, do
Park Movement americano, e de Saturnino de Brito, centro inconteste das
correntes dominantes da engenharia sanitária e urbana brasileira do início do
século. Concordamos com Célia F. de Souza
12
, de que o Plano não era uma peça
isolada de um técnico municipal, por mais clarividente que fosse, mas estava
inserido em um planejamento conjunto a cargo da Comissão de Melhoramentos e
Embelezamento da capital (da qual Maciel era o secretário), envolvendo de forma
integrada aspectos de saneamento, equipamento público, modernização urbana,
circulação viária e legislação urbanística. As pesquisas sobre o Plano e seu autor
permitiram também levantar material documental inédito sobre a carreira de Maciel
no Ministério da Agricultura, e através dele estabelecer a data de sua morte.
Maciel inclui no Plano o projeto do parque da Várzea, a canalização e
saneamento do Riacho, a consolidação da orla com uma avenida-parque, e a
urbanização da área de aterro no novo porto. Propõe a abertura de novas
avenidas, alargamento e prolongamento de vias existentes, aumento da
permeabilidade central pelo fracionamento de quarteirões, reforço às radiais para
facilitar o acesso ao centro, e lançamento de ligações perimetrais. Desloca a
polaridade comercial na direção leste, com percées a partir da Praça XV de
Novembro, e retoma a grande croisée de Hénard na Borges de Medeiros e
Salgado Filho. Criticado por tratar apenas do Centro (na verdade a área do
primeiro distrito) e de limitar-se a um plano viário, o Plano Maciel é inegavelmente
mais que isso, e pode ser considerado o plano urbano de maior abrangência no
Brasil dos anos 10. Mesmo que infelizmente o Plano não traga definições
morfológicas ou justificativas conceituais mais explícitas, podemos identificá-las no
padrão regular dos novos quarteirões do porto, no traçado das percées, no
desenho dos parques, e na busca prematura do modelo rádio-concêntrico.
Entendemos que o Plano Maciel não era um “plano positivista”, mas um
Plano do e para o positivismo castilhista, produto de um meio com forte
hegemonia da doutrina, e atendendo a seus interesses como peça fundamental na
12
SOUZA, 2004, op. cit., p. 240. Célia Ferraz de Souza destaca a presença e o trabalho dos
engenheiros Jorge de Lossio, Benito Elejalde e Dario Pederneiras na Comissão, e a influência da
Escola de Engenharia e de sua revista EGATEA no ambiente local.
325
estratégia de legitimação e controle político. Maciel habilmente inverteu a máxima
do “conservar, melhorando”, ilustrando seu compromisso com a modernização. As
propostas do Plano foram implantadas a partir dos anos 20, e legaram diretrizes
de notável permanência para a cidade, que foram incorporadas por seus
sucessivos planos urbanos.
A Contribuição para o estudo da urbanização de Porto Alegre foi o resultado
de um esforço isolado de dois engenheiros, com base num ‘background’ teórico e
disciplinar reduzido, e no estudo das poucas referências urbanísticas disponíveis
localmente. Parece claro que as imagens de cidade ideal apresentadas na
Contribuição vieram diretamente de dois livros, Cidade do Rio de Janeiro, de
Alfred Agache, e o Plano de Avenidas de São Paulo, de Prestes Maia. Através
deles, recebem a influência indireta do urbanismo da SFU, no primeiro caso, e de
Eugène Hénard no segundo, absorvidas com alguma ingenuidade.
Apesar de desqualificada por um dos autores, Edvaldo Paiva, como um
plano de abrangência reduzida e limitada às questões viárias, a Contribuição,
justamente por esses motivos, é mais do que isso. Modela um esquema teórico
para Porto Alegre baseado nos esquemas de Hénard apresentados por Prestes
Maia, que consagra a cidade rádio-concêntrica em substituição ao padrão radial
até então predominante, com persistente influência em todos os planos futuros.
Aplica o modelo sobre a cidade de crescimento fragmentado dos anos 30,
definindo uma rede viária de radiais e perimetrais que igualmente vão persistir nos
traçados dos planos que se seguirão, já a partir do primeiro, o Anteprojeto de
Arnaldo Gladosch, que vai utilizá-la como base para sua estrutura.
Espelhados em Agache e em suas peças urbanas para o Rio de Janeiro,
são propostas duas novas centralidades através de um bairro residencial na Praia
de Belas, e um bairro industrial-operário na zona norte. O primeiro bebe direta e
despudoradamente em Agache, no Centro de Negócios da Praça do Castelo a na
Porta do Brasil. O segundo revela referências cruzadas, agregando Camillo Sitte e
o urbanismo alemão, a cidade jardim, Hénard (na rótula) e Agache no desenho
portuário e industrial.
Pela relativa singeleza das leituras, os resultados são em geral modestos,
mas serviram para produzir e divulgar novas referências urbanísticas, ilustrando
os processos de transferência de idéias urbanísticas no período. Ao mesmo
tempo, integram a corrente de outras experiências similares no Brasil da década
de 30, como Nestor de Figueiredo em Recife, Attílio Correia Lima em Niterói e
depois em Goiânia, e Gladosch em Porto Alegre, além dos próprios exemplos,
Prestes Maia em São Paulo e Agache no Rio de Janeiro (e depois Curitiba).
Enfim, a Contribuição é, também, o que descreve Paiva (um plano viário
espelhado nos dois exemplos mais acabados da década), mas vai um pouco além
desse âmbito, ao fornecer um elenco de imagens e soluções que, mesmo
ingênuas, serviram de base para as novas experiências dos anos 40 e 50.
326
Não podemos falar em um Plano Gladosch, mas em pelo menos quatro
estudos que resultaram em um Anteprojeto (também chamado Pré-plano) e uma
série de projetos urbanos correlacionados, que compuseram o Plano de
Urbanização do Prefeito Loureiro da Silva. Procurou-se resgatar a real dimensão
da contribuição de Gladosch, prejudicada pela desaparição de seus originais e
reiteradamente desqualificada ou ocultada entre nós. As idéias de Gladosch e as
justificativas das suas propostas foram buscadas em suas exposições no
Conselho do Plano Diretor (único registro disponível além de fragmentos dos
planos), num procedimento usual de Agache e da SFU, a procura da adesão pelo
convencimento, exercendo plenamente o Urbanisme Parlant” em Porto Alegre.
Com base nelas, foi possível identificar com segurança o efetivo Anteprojeto do
Plano (o 4º Estudo, ou Pré-Plano), numa contribuição documental significativa.
Lança-se luz sobre o papel de Paiva, como organizador e redator do
documento, na manipulação do esquema metodológico proposto para o Plano
Diretor, ao reforçar a etapa de Pesquisa Urbana (valorizando seu Expediente
Urbano e desqualificando o Anteprojeto como Pré-plano), e diluir, fragmentar e
ocultar a natureza e extensão do trabalho de Gladosch. Dessa forma montou-se
uma correia de transmissão intelectual que inicia no próprio Plano de Urbanização,
e que guarda alguma relação com a tática política de “apagamento” sistemático de
registros dos desafetos, inimigos políticos ou fatos, em fotos e documentos, com
vistas a eliminá-los da memória coletiva.
Os planos e projetos de Gladosch são vistos como produto híbrido de sua
formação no urbanismo alemão, que o aproxima da cidade-jardim, e do trabalho
junto a Agache no Plano do Rio de Janeiro, onde recolhe o registro de seu
método, e com ele toda a tradição do urbanismo da SFU. O sincretismo dessas
três fontes apresenta-se claramente em seu projeto para o aterro da Praia de
Belas e sul da península, num traçado que se filia diretamente ao de Berlage para
a extensão sul de Amsterdam, não por acaso o melhor exemplo da convergência
das três.
O projeto de reloteamento do vale do Riacho drenou suas energias, e a
captação de novos projetos acabou desviando o foco das estratégias gerais, e do
acabamento da estrutura do plano, nunca concluído. Entretanto, ainda assim
Gladosch nos deixou diversos fragmentos de cidade ideal em projetos urbanos
para a Feira de Amostras, Cidade Universitária, Centro Administrativo Estadual na
Praça da Matriz, e peças arquitetônicas de grande interesse. Na comparação dos
Centros Cívicos de Gladosch e de Jorge Moreira para a Praça da Matriz,
descreve-se o contraste entre as estratégias de projeto do urbanismo moderno,
ilustrando a convivência, no período, de dois paradigmas urbanísticos sem
hegemonia, ambos proclamados “urbanismo moderno” por seus autores. Muito
cedo, somente um deles poderia reclamar-se efetivamente moderno; o outro ficará
relegado ao ostracismo como “urbanismo formal”, permanecendo em uma espécie
de limbo (onde repousam as idéias arquitetônicas e urbanísticas quando fora do
lugar, ou do tempo, ou dos dois) até ser resgatado pelas correntes historicistas e
morfológicas das décadas de 70 e 80.
327
Resgata-se a influência de Agache nas propostas de Gladosch para uma
série de elementos morfológicos do repertório da SFU, transformados em
dispositivos urbanísticos e aplicados na cidade, como o recuo de jardim de 4
metros, as galerias cobertas no centro e na Perimetral, o semipilotis ou colunata
de dupla altura nas avenidas radiais, e tantos outros fragmentos de uma cidade
analógica, espalhados pelo centro e pelos bairros consolidados nas décadas de
40 e 50. Enfim, resgata-se também a importância do Prefeito Loureiro da Silva
como protagonista principal desse case urbanístico representado pelo Plano de
Urbanização, operado num jogo intrincado de relações que procuramos ilustrar na
figura do triângulo escaleno (com Gladosch e Paiva constituindo os outros dois
pólos, ou lados).
O Ante-projeto de planificação de Porto Alegre, de acordo com os
princípios preconizados pela Carta de Atenas” representou um esforço de Edvaldo
Paiva para associar-se ao moderno, em vias de entronização como hegemônico
no sul, com vistas a qualificar-se como o único em condições de assumir a
elaboração de um Plano Diretor de acordo com aqueles princípios.
Apesar da denominação, o anteprojeto retém da Carta de Atenas apenas as
quatro funções urbanas, utilizadas como símbolos modernos no modo de
apresentação do Anteprojeto, desagregado nos quatro mapas temáticos por
função. Dessa forma, mesmo que sua apresentação acabe filiando o plano à
corrente do urbanismo moderno dos CIAM (em entronização como hegemônico à
época), em termos de imagens devemos buscar suas fontes diretas na
Contribuição, nos planos de Arnaldo Gladosch (apesar de repetidamente
desqualificados), na metodologia de plano trazida por Paiva de Montevidéu, e
indiretamente nas referências dessas próprias fontes.
O Ante-projeto de Paiva e Demétrio Ribeiro é de outra extração moderna, a
da cidade jardim e seu desenvolvimento americano, a unidade de vizinhança e o
sistema Radburn; dos princípios do zoneamento urbano (juntando o zoning
alemão do início do século ao zoning americano, mais pragmático); da urban
survey de Patrick Geddes e Marcel Poëte, filtrada pela metodologia de Cravottto
em Montevidéu; e da organização da cidade rádio-concêntrica através do sistema
radial-perimetral, que remonta a Hénard. Apesar do empréstimo de terminologia e
de algumas justificativas, certamente tem quase nada a ver com o urbanismo
moderno de Le Corbusier, com o qual tem sido seguidamente identificado.
O Plano Diretor de 1959-61 foi o ponto final de um esforço teórico e
profissional de uma equipe sempre liderada por Paiva, durante quase 30 anos,
mantendo coerência e notável coesão interna. Entretanto, na contramão da
maioria das análises, não encontramos no Plano Diretor as influências diretas e
hegemônicas do urbanismo moderno da Carta de Atenas, dos CIAM e, em
algumas delas, de Le Corbusier. Elas sempre aparecem matizadas com outras
referências persistentes dos trabalhos anteriores de Paiva, como o modelo rádio-
concêntrico de rede viária (e de estrutura urbana), o modelo de divisão territorial e
328
urbana baseado no conceito de unidades de vizinhança, e um insuspeito respaldo
no planning americano, através daRegional Survey of New York and its
Environs”, e posteriormente do “Rezoning New York”, conexão já trazida à luz por
Maria Almeida em sua recente tese sobre as Transformações Urbanas.
Apenas o projeto para a Praia de Belas revela nítida filiação ao urbanismo
moderno, não tanto à vertente corbusiana, à época às voltas com outras
premissas, mas aos esquemas de Walter Gropius e Hilberseimer, e ainda à
unidade de vizinhança. Essa imagem não é acompanhada nos outros projetos
urbanos, que apresentam referências mais tradicionais. O projeto de
reurbanização da Ilhota e o traçado da Perimetral, especialmente em seu trecho B,
mostram definições tipo-morfológicas de outra natureza, buscando a imagem
metropolitana através de um grande boulevard, com edifícios altos dotados de
galerias, e peças urbanas precisas, como a rótula dupla com equipamentos
públicos, marcações urbanas, e a manutenção de preexistências.
O caráter moderno é dado principalmente na definição dos instrumentos de
controle urbanístico presentes no Plano, que vão induzir tipologicamente o edifício
prismático sobre pilotis, recuado nas quatro faces, para a maioria dos bairros
residenciais. Entretanto, não se trata da cidade de solo livre com torres ou barras
dispostas sobre o parque, dissociadas das vias de circulação, mas de uma cidade
jardim de baixa altura e baixa densidade, na qual estes prismas restringem-se a
quatro ou seis pisos. Esse conflito entre as prescrições da norma urbanística (e a
imagem buscada) e a cidade real com suas circunstâncias de sítio, traçado,
parcelamento e distribuição de edificações e espaços abertos, está na raiz da
ruptura do tecido operada pelo Plano. Ao descartar bruscamente as formas com
as quais a cidade vinha sendo construída e configurada em favor da indução
privilegiada de um tipo, na busca de uma nova espacialidade que não pode ser
encontrada na cidade real, o Plano sepulta prematuramente um determinado tipo
de cidade, que atingia seu apogeu justamente nessa época.
Quanto ao 1º PDDU, inicialmente buscamos suas referências no plano
anterior, como resultado de um longo trajeto doutrinário em Porto Alegre, embora
ressalvando as muitas distinções. A primeira é o abandono do modelo de cidade
analítica, cuja forma resultava da superposição de visões espaciais, por uma
matriz sintética, disposta sobre um modelo de divisão territorial idealmente neutro.
Tal neutralidade transforma-se em indefinição estrutural e morfológica, e a cidade
vai perdendo sua forma, afogada na imprevisibilidade generalizada do modelo.
Uma rede de pólos e corredores de comércio e serviços deveria imantá-lo, mas
seu excesso, aleatoriedade, e a dissociação de suas normativas com relação à
continuidade morfológica das vias acabam por comprometer sua efetividade na
construção de qualquer forma urbana compreensível.
O modelo esconde-se na neutralidade do puzzle, frouxo na ausência de
qualquer definição de natureza estrutural. A cidade ideal é a soma de um
continuum de pequenas “cidades dentro da cidade”, sem nenhuma prefiguração
geral. Nesse sentido, dizemos que a estrutura está ausente. Procurou-se ilustrar
329
esse processo de progressiva diluição da estrutura, de imprevisibilidade
morfológica, e de incompatibilidade entre um modelo de polarização comercial e a
vitalidade da distribuição de atividades e fluxos da cidade real, através da área do
Shopping Iguatemi, que acabou convertida, malgré soi-même, em imagem mais
consistente da cidade ideal proposta no plano. Uma cidade fragmentada,
descontínua, desestruturada, composta de peças estanques, progressivamente
auto-suficientes, com forte indução tipológica, que de modo geral corresponde às
novas condições de produção e consumo do espaço urbano no final do século XX.
Essa contradição entre o modelo de cidade ideal, previsto nos planos, e as
circunstâncias da cidade real, presentes em seu sítio, estrutura primária, traçado,
parcelamento e estado de constituição tecido, vai tentar ser resolvida no PDDUa,
a partir do novo século, com a incorporação de novas premissas. Como vimos não
o foi, nem na proporção nem no prazo imaginado, e apenas cinco anos depois já
se discute as formas de sua substituição, numa discussão emocionada e frágil
pela ausência de paradigmas hegemônicos em condições de pautá-la.
Uma característica comum a todos os planos é que a cidade ideal é sempre
menor que a cidade real, parecendo que seus idealizadores preferem concentrar
sua imagem nas áreas mais dominadas e conhecidas, elidindo as margens
imprecisas, as periferias amorfas e os pontos obscuros da malha urbanizada.
O Plano Maciel trata da área central e pericentral imediata, quando a cidade
já chegava aos bairros industriais de São João e Navegantes, a norte, e à Azenha
e Menino Deus a sul, com vetor de crescimento chegando até a Tristeza. A
Contribuição amplia o âmbito territorial aos limites municipais a leste e norte, mas
concentra sua atenção nas novas centralidades, num eixo sul-norte que vai da
Praia de Belas até a várzea do Gravataí. O Plano Gladosch, apesar do chamado
1º Estudo prever o traçado da Terceira Perimetral, concentra seu foco ao interior
da Segunda, quando a cidade se expandia a leste com o novo bairro residencial
de Petrópolis, chegando até a Vila Jardim, e a nordeste com a implantação da
nova Vila do IAPI e da Avenida Assis Brasil.
O Plano Diretor de 1959, apesar do discurso de articulação metropolitana,
incidia apenas sobre a área ao interior da Terceira Perimetral, logo obrigando à
definição de sucessivas Extensões, sempre a reboque do processo de
crescimento urbano, até sua substituição no final da década de 70, ainda defasado
da cidade real. O PDDU de 1979 zoneia toda a área urbana e de expansão
urbana, mas seu Sistema Viário Principal incide frouxamente sobre a área
prioritária de expansão a Leste, e o Zoneamento não dá conta da expansão de
áreas de urbanização marginal ao redor de toda a cidade, especialmente nos
morros apontados como áreas de preservação ambiental. O Modelo de
Polarização Comercial, tão longamente acalentado, prevendo centros comerciais
secundários, pólos e corredores de comércio e serviços minuciosamente
delimitados, se vê superado logo em 1982 pela implantação do Shopping Center
Iguatemi em local não previsto; sua nova centralidade faz imediatamente implodir
o modelo, e com ele todo o modelo espacial do Plano.
330
O PDDUa, finalmente, sob o argumento de que tudo é cidade”, passa a
incidir sobre todo o território do município. Entretanto, seu modelo espacial,
fundamentado na idéia dos Corredores de Centralidade, vê seu principal corredor
(entre a Avenida Nilo Peçanha e a Rua Anita Garibaldi) virtualmente inviabilizado
como tal, e a grelha vagamente bidirecional da “Cidade Xadrez” (vasta zona de
expansão urbana prioritária a leste da Terceira Perimetral) com seu macro-traçado
bloqueado e a seguir abandonado em suas imprescindíveis continuidades, por
questões menores relacionadas ao micro-traçado e reações de vizinhança. Na
realidade, a cidade ideal do PDDUa não tem mais forma a prefigurar e orientar sua
operação. Assim sendo, pela definição de Colin Rowe, não existe mais cidade
ideal, a forma substituída pela gestão, e a estrutura pelo processo.
Ao final, pretendemos ter demonstrado como cada Plano fundamenta-se e
se articula com os paradigmas hegemônicos de seu tempo, e de que forma seus
instrumentos normativos procuram dar conta disso incidindo sobre a construção
da cidade real; em que espaços urbanos ou edifícios tal incidência pode ser mais
bem verificada e assim analisada em toda sua extensão, e como se relacionam
com as demais partes da cidade, tributárias de outros modelos e Planos. Ainda, o
que tal investigação e suas conclusões podem oferecer de original para o
entendimento e operação da cidade, em seu crescimento futuro. Porto Alegre
como cidade ideal é uma (ou a mescla de mais de uma) em cada Plano, mas a
cidade real é a soma de todas e de cada uma delas, ou de seus respectivos
fragmentos, justapostos ou sobrepostos no tecido e na estrutura urbana. Uma foto
aérea (Fig. 7.6) permite a visualização direta dessa lógica de construção.
Se considerarmos a cidade em termos de justaposição de planos e projetos
urbanos, podemos dizer que o Plano Maciel predomina em partes da estrutura da
área central, especialmente nas áreas aterradas da sua vertente norte, entre a
Rua da Praia e o porto; o Plano Gladosch nas áreas de periferia imediata do
centro, em bairros tradicionais ao interior da Segunda Perimetral consolidados
morfologicamente entre os anos 40 e 60; o Plano Diretor de 1959 define
fortemente a edificação ao longo das intervenções viárias da Primeira Perimetral,
nas radiais mais antigas, nos bairros entre a 2ª e a 3ª Perimetral, e em alguns
conjuntos habitacionais periféricos; e o 1º PDDU é hegemônico nas áreas além da
Terceira Perimetral, e por substituição tipológica nos bairros de ocupação mais
recente entre a Segunda e a Terceira Perimetral.
A distribuição corresponde ao diagrama de uma estrutura em leque, com
evolução cronológica do centro para a periferia, como ocorre nos modelos de
crescimento urbano rádio-concêntrico. Entretanto, o crescimento real não obedece
inteiramente ao padrão, ocorrendo processos de acavalamento, by passes”,
substituições tipológicas individuais ou por fragmentos inteiros, e mudanças na
escala de intervenção, fazendo com que a identificação da cidade ideal
hegemônica em cada setor, ou mesmo em cada fragmento, não seja tão simples e
direta.
331
Fig. 7.6 Foto Aérea da Área Central de Porto Alegre, com perfil original da península em amarelo. Fragmento central da Cidade-Colagem: é possível distinguir o
núcleo histórico na península, os quarteirões do aterro do Cais do Porto e a “grande croisée” incompleta, com o T das avenidas Borges de Medeiros e Salgado
Filho, marcas mais visíveis do Plano Maciel, os bairros pericentrais mais consolidados (Independência, Bom Fim, Cidade Baixa) do desenvolvimento radial, o
Parque Farroupilha com a estrutura legada por Agache, a erosão urbana ao longo das intervenções da Primeira Perimetral e os novos quarteirões dos aterros a sul,
justapostos ou superpostos ao sítio e aos traços fundacionais, incorporando-os e modificando-os para criar um novo sítio, humano e construído. As projeções das
sucessivas cidades ideais amalgamadas e impressas na cidade real, Porto Alegre como artefato urbano concreto e único.
332
Assim, será necessário, por um lado, isolar os setores ou fragmentos onde
tal identificação possa ser feita com maior clareza, onde o desenho da cidade
ideal possa ser percebido em sua integridade. Tais setores tanto podem ser partes
da cidade real (como em fragmentos completos construídos entre 1940 e 1960 em
bairros tradicionais, ou ao longo das diversas intervenções viárias do período para
o Plano Gladosch, por exemplo), quanto partes de projetos ou planos, a exemplo
dos aterros, de antigas áreas vazias, ou em intervenções urbanísticas específicas.
Os planos que analisamos neste trabalho, apesar de fundamentalmente
distintos, apresentam muitos pontos comuns. Mesmo divergindo nos conceitos,
nas idéias de cidade e nas estratégias projetuais e mormativas que propõem, o
fazem sempre voltando a alguns temas permanentes, recorrentes, marcados pelo
peso do sítio, por uma estrutura primária que vai se somando no tempo (e
recolhendo contribuições de cada um), por características de estrutura viária,
traçado e parcelamento, enfim, por geografia e história comuns.
Todos eles trazem propostas para o Centro da cidade, para a relação com
a margem do rio, dado fundamental e geográfico, para a distribuição da
população, das atividades e dos fluxos urbanos por um território único, para as
interfaces com a natureza, para as questões mais diretas de traçado viário,
parcelamento, distribuição de edifícios e espaços abertos, e para a algumas peças
urbanas. Afinal, o sítio ainda é fundamentalmente o mesmo, mesmo transformado
nos sucessivos planos por aterros, drenagem de várzeas, canalização e
retificação de riachos e arroios, corte de morros, até constituir um novo sítio,
artifício humano, mas ainda reconhecível. O rio é fundamentalmente o mesmo,
apesar da qualidade cambiante de sua água, e de ter sua margem transformada e
redesenhada tantas vezes, e protegida com muros e diques. O Centro está
fundamentalmente no mesmo lugar, não no centro do território e sim na península,
apesar de ampliado com aterros a norte primeiro, depois a sul, rasgado no divisor
de águas, densificado e verticalizado (excessivamente, segundo alguns), e
finalmente dilapidado por uma deterioração assustadora nos últimos vinte anos.
A estrutura primária ainda guarda os traços fundacionais, os resquícios de
seu padrão radial, depois rádio-concêntrico, depois em malha (a leste) ou linear (a
sul). Dentro dela, o traçado foi sendo definido por sucessivas colagens de peças,
assim como o parcelamento e o padrão de edificação, num processo de
crescimento que ocorre aos saltos (por acréscimos), ou contínua e
permanentemente (por substituição tipológica). As respostas diferenciadas às
mesmas perguntas colocadas pelo conjunto de elementos da estrutura urbana, ao
longo da trajetória dos planos, permitem imaginar algumas pautas para a previsão
e operação futuras da cidade. Inspirado por Italo Calvino
13
, as Considerações
13
Em 1984 a Universidade de Harvard solicitou ao escritor Italo Calvino que elaborasse uma série
de palestras a respeito das perspectivas da literatura. Ao todo seriam seis palestras que Calvino,
ao falecer em 1985, deixou cinco prontas. Elas foram editadas como CALVINO, Italo. Seis
propostas para o novo milênio: lições americanas. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. É
evidente que a inspiração refere-se apenas ao compromisso de propor, e ao número de propostas,
sem nenhuma pretensão, sequer remota, de equiparar-se à estatura intelectual de Calvino.
333
Finais incluem o esboço de seis propostas para a cidade desse milênio, num
percurso circular, já que esse era um de nossos objetivos explícitos ao iniciar.
A primeira delas se refere ao Centro. O recente e avassalador processo de
decadência e deterioração urbana do centro da cidade reclama uma estratégia
decidida e urgente de requalificação. Apesar da emergência de outras
centralidades que o ameaçam, o Centro ainda guarda algumas características de
polarização, hierarquia e inércia patrimonial, produtiva e cultural, passíveis de
induzir uma retomada de seu papel como coração da cidade”, com enorme
atraso. O Plano de Melhoramentos ocupou o aterro do novo porto para quarteirões
com novos equipamentos que qualificaram as atividades centrais, e deslocou seu
centro de gravidade na direção leste com as primeiras percées” urbanas, das
quais as mais significativas formaram a grande croisée da Borges de Medeiros
com Salgado Filho. Essa condição foi perseguida com tenacidade até a década de
40, e completada morfologicamente na década de 50. A recuperação do Centro
deve começar por sua re-instituição, e a retomada de seu papel na estrutura
primária e viária da cidade.
O consenso sobre a necessidade de recuperação do Centro, a urgência de
iniciá-la, e algumas da pautas a utilizar para isso, é visível nos meios técnico-
institucionais, na imprensa e na opinião pública. Em abril de 2006, o jornal Zero
Hora apresentou uma série de seis reportagens sobre o Centro de Porto Alegre,
para investigar as chances de recuperação da mais importante e tradicional zona
urbana gaúcha
14
. Da primeira, que enfocava o declínio pela perda de moradores,
empregos e serviços, à última, que afirma ser possível reanima-lo e aponta
estratégias para promover a transformação, tanto o diagnóstico quanto as sete
propostas de reação coincidem em muitos pontos com o que vem sendo discutido
desde os anos 90, quando os sinais da decadência tornaram-se evidentes.
As estratégias para o Centro envolvem ações combinadas sobre o espaço
e as atividades
15
: mobilização pública, segurança, conforto, acessibilidade
(combinada com a oferta de muitos estacionamentos), reforço à função residencial
(inclusive com reciclagem de prédios), atração de negócios e geração de
empregos qualificados, e o lançamento de novas pautas para a área do porto,
para a ponta da península, para a “erosão” urbana ao redor da Primeira
Perimetral, e para o waterfront, inclusive através de alguns novos edifícios que
redefinam seu perfil.
14
Sob o título “A encruzilhada do Centro”, as reportagens foram publicadas sucessivamente entre
os dias 9 e 14 de abril, como “Um vazio no coração da Capital” (Zero Hora, 09/04/2006, pp. 39-42),
A política da tolerância” (Zero Hora, 10/04/2006, pp. 22-23), “Desvio para o passado” (Zero Hora,
11/04/2006, pp. 32-33), A cidade pisa no Guaíba” (Zero Hora, 12/04/2006, pp. 46-47), “O senhor
das alturas” (Zero Hora, 13/04/2006, pp. 60-61) e a final “É hora de agir” (Zero Hora, 14/04/2006,
pp. 32-33).
15
A maioria delas já intuídas nos anos 40-50 com as discussões sobre o “coração da cidade” e a
nova monumentalidade”, enunciadas com precisão por Jane Jacobs quase cinqüenta anos atrás,
e aplicadas por diversas cidades a partir dos anos 80 (como o Rio de Janeiro, por exemplo), na
busca de recuperação de suas áreas centrais.
334
A segunda delas é a relação com o rio e sua margem. Os sucessivos
planos lidaram com ela com aterros, com a proposta de bairros residenciais
modelo a sul, e depois com sistemas de proteção, sempre protegendo a cidade do
rio. Invertendo a pauta, está na hora de proteger o rio da cidade, e com isso
permitir sua reintegração. Pensa-se numa estratégia que envolva toda a orla, da
Ponte (ou além) até as praias e pontas da zona sul, que envolve saneamento
(ainda, 90 anos depois do Plano Maciel), uma nova condição viária e paisagística,
com a eliminação do elenco de barreiras que se interpõem entre a cidade e o rio
16
,
e novas atividades ao longo dela. Com a conclusão de sua sede, a Fundação
Iberê Camargo pode atuar como poderoso catalisador num ponto intermediário
entre o Centro e a zona sul, vinculado a uma série de novas atividades na área do
Estaleiro Só e do Hipódromo do Cristal.
A terceira envolve a estrutura viária. Ela já foi radial e rádio-concêntrica, e
hoje o PDDUa define um modelo que mistura as condições anteriores a um
padrão em malha não configurada a leste, um padrão de transição entre esta e os
morros, e um padrão linear a sul. O modelo teórico, desaparecido por 60 anos,
volta a ser utilizado para ilustrá-la de forma diagramática, embora incompleta. Ele
deve incorporar e detalhar o conceito de cidade em malha direcional proposto pela
equipe do PROPAR nas conclusões de sua consultoria para a elaboração do
PDDUa, e persegui-lo resolutamente na enorme área de expansão urbana a leste,
um território considerável onde se encontram as melhores oportunidades de
densificação e expansão urbana, permitindo dobrar a cidade a partir do eixo da
Terceira Perimetral
17
, de fato a primeira avenida norte-sul do novo esquema.
A quarta, complementar, refere-se aos canais de movimento. As velhas
avenidas radiais foram inicialmente reforçadas, depois complementadas com
perimetrais, depois sucessivamente “atropeladas” por legislação urbanística
inadequada, operações viárias e de desenho desastradas, separadas por
corredores exclusivos de transporte e finalmente deterioradas em sua função de
corredores urbanos multifuncionais e centros de bairros. É preciso voltar a elas,
através de legislação especial, indutiva de novas atividades e novas edificações,
completando-as enquanto canais essenciais de urbanidade. A legislação
urbanística deve levar em conta aquilo que Fernando Diez chama estado de
consolidação do tecido
18
de suas bordas, e direciona-lo claramente através de
operações de complementação, colagem e revitalização, inclusive com a
16
Aqui não se trata apenas de eliminar o “muro da Mauá”, dependente apenas de governante ou
entidade com a ousadia e respaldo para assinar, responsabilizando-se: trata-se de lidar com os
diques e com as infra-estruturas, como o trem. A proposta da Linha 2 do Trensurb (metrô), da
forma como vem sendo proposta, pode permitir parte da resolução do problema, eliminando-se o
trecho da Linha 1 entre a Estação Farrapos e o Mercado.
17
Nesse sentido, é essencial a requalificação da Terceira Perimetral, transformando-a
efetivamente em avenida urbana, com alterações profundas de funcionalidade, desenho urbano,
conexões, permeabilidade, etc., nos moldes do que foi proposto pela equipe do PROPAR no
Convênio UFRGS/PMPA para a elaboração do PDDUa.
18
DIEZ, 1997, op. cit., especialmente Capítulo 3 La generación del espacio urbano, pp. 85-130.
335
apropriação criativa de suas rupturas. A Avenida Independência, tão exemplar do
processo de deterioração, deve ser a primeira candidata.
A área central e pericentral da cidade é rádio-concêntrica, e a visão dos
planos perseguiu-a com a proposta de avenidas perimetrais. Elas foram iniciadas,
mas nunca foram completadas: a Primeira Perimetral é interrompida no Campus
Central da UFRGS, e a Segunda na passagem do Parque Moinhos de Vento para
a zona norte; o Plano Maciel e a Contribuição propunham outra ligação perimetral,
através da Ramiro Barcelos e Venâncio Aires. As ligações perimetrais devem ser
completadas, com exceção da Primeira (que define o contorno do centro), como
avenidas norte-sul do novo esquema, em operações que podem constituir-se em
preciosas oportunidades para um processo mais global de recuperação urbana da
área pericentral.
A Primeira Perimetral pode finalmente realizar a visão do boulevard
metropolitano prevista por Paiva e equipe no Plano Diretor de 59, numa parceria
óbvia com a UFRGS
19
, que passará de entrave à solução. A Rua Ramiro Barcelos
é uma ligação norte-sul evidente, com continuidade e posição estratégica, mas
necessita solução para a passagem do espigão que pode ser resolvida com
qualidade urbana e custo compatível. A continuidade da Segunda Perimetral pode
proporcionar a oportunidade para a recuperação urbana do Quarto Distrito, já
buscada com propostas de Tecnópolis”, projeto CURA e projetos dispersos
20
,
mas nunca efetivada. A Terceira e a Quarta Perimetrais devem ser vista em
conjunto com a proposta de estrutura viária.
A quinta proposta refere-se ao norte. A zona norte da cidade foi sua
primeira área industrial, recebeu propostas de Ubatuba de Faria nos anos 30 e
manteve sua condição produtiva no Plano Diretor de 59. A partir dele, entretanto,
uma persistente visão anti-industrial acabou por mantê-la em relativa estagnação
desde os anos 70, substituída por alternativas mais atraentes de localização
industrial (como os Distritos Industriais da Região Metropolitana) e atacadista
(como o Porto Seco e outros centros de distribuição logística). O PDDUa prevê um
Corredor de Desenvolvimento, mas não as condições para sua efetiva realização.
O PIEC
21
é um projeto estratégico nesse sentido, mas lida apenas com a
recuperação residencial e viária.
19
Uma longa série de trabalhos acadêmicos das disciplinas de projeto da Faculdade de Arquitetura
da UFRGS fornece um repertório de soluções possíveis, que deverão ser verificadas e
complementadas.
20
Alguns lamentavelmente desperdiçando oportunidade ambiental, como a Vila dos Papeleiros
entre Voluntário da Pátria e Castelo Branco. Os ateliês de projeto do PROPAR apresentaram
proposta instigante para a mesma zona, coordenada por Philippe Panerai.
21
O Projeto CURA (Comunidades Urbanas de Recuperação Acelerada) foi implantado na década
de 70, e envolveu principalmente a implantação de infra-estruturas viárias. O PIEC (“Projeto
Integrado da Entrada da Cidade”) está atualmente em implantação, com reurbanização de vilas à
margem da auto-estrada, a continuação da Avenida Voluntários da Pátria, a construção do Viaduto
Leonel Brizola e o alargamento da Rua Dona Teodora como ligação da Terceira Perimetral à BR
290.
336
Entendemos possível atualizar e incorporar o conceito de nova centralidade
baseada no uso operário, industrial e portuário de Ubatuba de Faria na
Contribuição. A zona norte tem potencial para constituir um campo privilegiado de
crescimento urbano para as próximas décadas, através de operações que
conjuguem a antiga vocação produtiva e portuária (com atividades de nova
tecnologia) às novas oportunidades de localização residencial e de equipamentos
urbanos (públicos, mas principalmente privados), em escala e abrangência
metropolitanas, associadas a uma decidida estratégia de “polderização” de toda a
área da várzea do Rio Gravataí.
A sexta proposta volta-se para as áreas residenciais. Os antigos arraiais
formaram bairros com centro e identidade próprios, reforçados pelo padrão de
transporte, definindo por muito tempo a imagem da cidade como conjunto de
pequenas cidades. Quando o conceito foi institucionalizado no PDDU, o módulo
territorial dissociou-se do ambiental e cultural, diluindo a identidade dos bairros. A
recuperação da identidade passa pelo reconhecimento dos bairros como âmbito
territorial de planejamento. A partir daí, serão possíveis ações de reforço e
revitalização, em paralelo com o que está sendo proposto para as avenidas
radiais, que constituíam seu eixo de polarização e abrigavam geralmente seus
centros. A legislação deve evitar as soluções genéricas, submetendo o regime
urbanístico e os instrumentos de controle ao estado de constituição e
consolidação do tecido, e aos padrões tipo-morfológicos, funcionais e ambientais
predominantes em cada zona.
Com relação às periferias, ao contrário, trata-se de incorporá-las como
áreas habitacionais populares, urbanizadas e providas com acessibilidade,
centralidade, equipamentos e serviços urbanos. Neste caso, com algumas
exceções, é preciso constituir um novo âmbito urbano, a partir de poucos traços,
relações e elementos. Como seu déficit é de urbanização, a recuperação reclama
um decidido “urbanisme du pavê et de l’égout (um urbanismo do calçamento e do
esgoto), como Oriol Bohigas defendia para Barcelona 30 anos atrás, definindo o
primeiro estrato de uma matriz espacial de suporte à urbanidade; sobre ela, a
implantação de âncoras urbanas, projetos integrados capazes de estruturar e
catalisar novos usos, iniciando a qualificação das áreas ao seu redor.
A implantação de grandes infra-estruturas urbanas, de drenagem,
saneamento, viárias ou de transporte, normalmente privilegiadas pelos órgãos de
fomento e financiamento, pode fornecer as diretrizes territoriais primárias capazes
de “amarrar” as demais estratégias espaciais, num contexto amorfo e difuso,
servindo como instrumento para dar início e viabilidade ao processo
22
. Muitas
vezes concebidas limitadamente como projetos setoriais, e agora recuperadas
para o território da arquitetura no bojo de operações integradas (ou “concertadas”,
na linguagem do PDDUa), elas parecem ser as únicas em condições de lidar com
22
A exemplo de projetos recentes do grupo UNA arquitetos para São Paulo, nos quais a água é
utilizada criativamente para estruturar a reurbanização de áreas numa escala metropolitana.
337
a escala desmesurada, a falta de referências e as enormes premências das
periferias da nova metrópole contemporânea.
Por outro lado, é preciso considerar uma Porto Alegre analógica, cidade
ideal impura feita de várias cidades ou pedaços de cidade, projetos e planos,
como a Veneza analógica de Canaletto com a visão fantástica do Gran Canal à
altura do Rialto equipado com uma série de edifícios paladianos, como se o pintor
reproduzisse um ambiente urbano real, compondo uma paisagem ao mesmo
tempo chocante e familiar
23
, conforme descrita com fascínio por Aldo Rossi, como
exemplo de sua ciudad análoga, e por Colin Rowe como demonstração exemplar
de sua Collage City. Ou como a cidade ideal do Marco Pólo de Italo Calvino (a
mesma e única Veneza), soma e denominador comum de todas as cidades
descritas por ele ao Grande Kahn
24
.
Finalmente, a releitura da cidade contemporânea como patchwork permite
avançar no esboço de algumas estratégias de projeto e operação para Porto
Alegre no início do novo século: estratégias de justaposição e sobreposição, de
colagem de fragmentos, e de desvendamento de estratos, procurando reforçar a
autonomia interna e a complementação de cada fragmento, subordinadas a uma
estratégia unificadora geral capaz de assegurar a coerência, legibilidade e
funcionalidade do todo, e a necessária colagem das partes. Trata-se de um
retorno à estrutura, legitimado pelo alto grau de autonomia das partes, e pelo
desenho de uma matriz espacial e conceitual capaz de dar suporte aos distintos
sistemas e processos em desenvolvimento na cidade: Cidade ideal como
metáfora e cidade colagem como estratégia”.
Porto Alegre não tem como Barcelona com seu Plano Cerdà, uma imagem
de cidade ideal hegemônica a perseguir e completar ainda hoje. Tem, entretanto,
várias delas justapostas ou sobrepostas, algumas escondidas nas dobras de sua
estrutura, cada qual merecendo resgate e complementação para que o conjunto
adquira finalmente sentido, e a Porto Alegre resultante possa ser entendida como
uma cidade real ideal, pluralista e inclusiva, maior que a soma de suas partes.
23
ROSSI, op. cit., p. 45, e ROWE & KOETTER, op. cit., pp. 174-175. Os edifícios incluem o projeto
(não edificado) para a ponte do Rialto, o Palazzo dei Camerlenghi é substituído pela Basílica de
Vicenza, o Fondaco dei Tedeschi pelo Palazzo Chiericati, e uma reminiscência da Casa Civena
aparece ao fundo.
24
CALVINO, Italo. As cidades invisíveis. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
339
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349
ÍNDICE DAS ILUSTRAÇÕES
INTRODUÇÃO
0.1 - GARCIA LAMAS, José M. Ressano. Morfologia Urbana e Desenho da Cidade. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbekian Fundação para a Ciência e a Tecnologia, 2000, p. 169.
0.2 - GARCIA LAMAS, 2000, op. cit., p. 169
0.3 - GARCIA LAMAS, 2000, op. cit., p. 169.
0.4 - UBATUBA DE FARIA, Luiz Arthur e PAIVA, Edvaldo Pereira. Contribuição ao Estudo da
Urbanização de Porto Alegre. Porto Alegre: mimeografado (s/Ed.), 1938, p. 46, Fig. 13.
CAPÍTULO
1.1 - Arquivo ZH
1.2 - SILVA, José Loureiro da. Um Plano de Urbanização. Porto Alegre: Ed. Globo, 1943, Fig.
2.
1.3 - SOUZA, Célia Ferraz de. O Plano Geral de Melhoramentos de Porto Alegre: da
Concepção às Permanências. São Paulo: FAU-USP, Tese de Doutorado, 2004, p. 168.
1.4 - SILVA, 1943, op. cit., Fig. nº 3.
1.5 - Digitalização de diapositivo do Mapa original (Documento original no Arquivo Histórico).
1.6 - OLIVEIRA, Clóvis Silveira de. PORTO ALEGRE. A Cidade e sua Formação. Porto Alegre:
Gráfica e Editora Norma, 1985, p. 139.
1.7 - FRANCO, Sérgio da Costa. Porto Alegre: guia histórico. Porto Alegre: Editora da UFRGS,
2006, pp. 8-9.
1.8 - SOUZA, 2004, op. cit., p. 79 (Fig. 54).
1.9 - SOUZA, 2004, op. cit., p. 48 (Fig. 31).
1.10 - PORTO ALEGRE. Planejar para viver melhor (Álbum de Divulgação do 1º PDDU,
editado como Prestação de Contas da administração Guilherme Villela). Porto Alegre:
PMPA, 1983, p. 5.
1.11 - SILVA, 1943, op. cit., Fig. nº 26.
1.12 - PORTO ALEGRE, 1983, op. cit., p. 4.
1.13 - PORTO ALEGRE, 1983, op. cit., p. 4.
1.14 - PORTO ALEGRE, 1983, op. cit., p. 4.
1.15 - GARCIA LAMAS, José M. Ressano. Morfologia Urbana e Desenho da Cidade. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbekian Fundação para a Ciência e a Tecnologia, 2000, p. 213.
1.16 - GRUMBACH, Antoine. “Les Promenades de Paris”. L’Architelm8.L3t Tc 0.1088 2 TD 0.0496 Tc 0 Tw (1.1) Tj13.92 0 TD -0.0845 Tc (3(, ) Tj5.76 0 TD -0.1234 Tc 0.6622 Tc 0 Tw (. )a250 TD -0.08:0Tw (Dr5fades de v2 -48: ) Tj4drau2rsD63.2/32 34 Tc 0 6 0 TuvE8528 6T8VTw 4Tw (1.1) Tj13.92(PM1b0937.53.3no. ) Tj8 6u8) Tj50.16 0 TD 0.0034 Tc 0 Tw (-) Tj3.36 0 TD -0.1234 Tc (9.)2Tc 0.1088 2 GARCIA LA5 69T1-0.08mD 0.003lmu0.1234 Tc6s23128 14 .1183 T5UdaTc (9.)2Tc 0.1088 2 GA3128 14 .w (450 TD 0 )2Tc Lo
350
2.3 - ARQUITETURA COMEMORATIVA, 1999, op. cit., p. 01.
2.4 - ARQUITETURA COMEMORATIVA, 1999, op. cit., capa.
2.5 - ARQUITETURA COMEMORATIVA, 1999, op. cit., p. 16.
2.6 - PAIVA, Edvaldo P. PROBLEMAS URBANOS DE PORTO ALEGRE. (Palestra realizada
pelo Prof. Urbanista Edvaldo Pereira Paiva, no Auditório “Tasso Corrêa” do Instituto de
Belas Artes, no dia 18 de Abril de 1951). Porto Alegre: (mimeo), junho de 1951, p. s/nº
Fig. nº 15.
2.7 - PAIVA, 1951, op. cit., Fig.nº 16.
2.8 - PAIVA, 1951, op. cit., Fig.nº 19.
2.9 - PAIVA, 1951, op. cit., Fig.nº 20.
2.10 - TOLEDO, Benedito Lima de. Prestes Maia e as Origens do Urbanismo Moderno em São
Paulo. São Paulo: Empresa das Artes/ABCP, 1996, p. 253.
2.11 - TOLEDO, 1996, op. cit., p. 253.
2.12 - TOLEDO, 1996, op. cit., p. 253.
2.13 - TOLEDO, 1996, op. cit., p. 253.
2.14 - CAROLLO, Bráulio. Alfred Agache em Curitiba e sua visão de Urbanismo. Curitiba/Porto
Alegre: PROPAR/UFRGS Convênio PROPAR/PUCPR, 2002. Dissertação de Mestrado
em Arquitetura, p. 125.
2.15 - UBATUBA DE FARIA, Luiz Arthur e PAIVA, Edvaldo Pereira. Contribuição ao Estudo da
Urbanização de Porto Alegre. Porto Alegre: mimeografado (s/Ed.), 1938, p. 46, Fig. 13.
2.16 - UNDERWOOD, David. Alfred Agache, French Sociology, and Modern Urbanism in
France and Brazil. Journal of the Society of Architectural Historians JSAH, v. 50, JUNE
1991, pp. 130-166, p. 144.
2.17 - BOHRER, Maria Dalila. O aterro Praia de Belas e o aterro do Flamengo. Porto Alegre:
PROPAR/UFRGS, Dissertação de Mestrado em Arquitetura, 2001, p. 77.
2.18 - TSIOMIS, Yannis (Editor). Le Corbusier Rio de Janeiro: 1929, 1936. Paris; Centro de
Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro: Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro,
1998, p. 95.
2.19 - TSIOMIS, 1998, op. cit., p. 103.
2.20 - BOHRER, 2001, op. cit., p. 79.
2.21 - CIUCCI Giorgio; DAL CO, Francesco; MANIERI-ELIA, Mario; TAFURI, Manfredo. La
Ciudad Americana. De la Guerra Civil al New Deal. Barcelona: Gustavo Gili, 1975, p.
109.
2.22 - GARCIA LAMAS, José M. Ressano. Morfologia Urbana e Desenho da Cidade. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbekian Fundação para a Ciência e a Tecnologia, 2000, p. 263.
2.23 - GARCIA LAMAS, 2000, op. cit., p. 282.
2.24 - GARCIA LAMAS, 2000, op. cit., p. 248.
2.25 - PORTO ALEGRE, Planejar para viver melhor (Álbum de Divulgação do 1º PDDU,
editado como Prestação de Contas da administração Guilherme Villela). Porto Alegre:
PMPA, 1983, p. 5.
2.26 - PORTO ALEGRE, 1983, op. cit., p. 6.
CAPÍTULO
3.1 - PAIVA, Edvaldo P. PROBLEMAS URBANOS DE PORTO ALEGRE. (Palestra realizada
pelo Prof. Urbanista Edvaldo Pereira Paiva, no Auditório “Tasso Corrêa” do Instituto de
Belas Artes, no dia 18 de Abril de 1951). Porto Alegre: s/ed. (mimeo), junho de 1951, p.
s/nº Fig. nº 21.
3.2 - PAIVA, 1951, op. cit., p. s/nº Fig. nº 22.
3.3 - PORTO ALEGRE. Planejar para viver melhor (Álbum de Divulgação do 1º PDDU, editado
como Prestação de Contas da administração Guilherme Villela). Porto Alegre: PMPA,
1983, p. 04.
3.4 - SILVA, José Loureiro da. Um Plano de Urbanização. Porto Alegre: Ed. Globo, 1943, p. 10.
3.5 - SILVA, 1943, op. cit., p. s/nº Fig. nº 25.
3.6 - SILVA, 1943, op. cit., p. s/nº Fig. nº 87.
351
3.7 - SILVA, 1943, op. cit., p. s/nº Fig. nº 25.
3.8 - DE GRANDI, Celito. Loureiro da Silva: o charrua. Porto Alegre: Literalis, 2002, p. 85.
3.9 - ALMEIDA, Transformações Urbanas. Atos, Normas, Decretos, Leis na Administração da
Cidade; Porto Alegre 1937/1961. São Paulo: USP, 2004 (Tese de Doutoramento,
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo), p. 78 (Figura 18).
3.10 - SILVA, 1943, op. cit., p. s/nº Fig. nº 92.
3.11 - SILVA, 1943, op. cit., p. s/nº Figs. nº 88, 89 e 90.
3.12 - GARCIA LAMAS, José M. Ressano. Morfologia Urbana e Desenho da Cidade. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbekian Fundação para a Ciência e a Tecnologia, 2000, p. 262.
3.13 - GARCIA LAMAS, 2000, op. cit., p. 258.
3.14 - GARCIA LAMAS, 2000, op. cit., p. 261.
3.15 - GARCIA LAMAS, 2000, op. cit., p. 233.
3.16 - TSIOMIS, Yannis (Editor). Le Corbusier Rio de Janeiro: 1929, 1936. Paris; Centro de
Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro: Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro,
1998, p. 100.
3.17 - TSIOMIS, 1998, op. cit., p. 100.
3.18 - CAROLLO, Bráulio. Alfred Agache em Curitiba e sua visão de Urbanismo. Curitiba/Porto
Alegre: PROPAR/UFRGS - PUCPR, 2002 (Dissertação de Mestrado em Arquitetura
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Convênio PROPAR/PUCPR), p. 130.
3.19 - SILVA, 1943, op. cit., p. s/nº Fig. nº 44.
3.20 - CASTEX J., DEPAULE, J.Ch., PANERAI, Ph. Formes Urbaines: de l’îlot à la barre. Paris:
Dunod, 1977, p. 97 (Fig. 25b).
3.21 - CURTIS, William J.R. La Arquitectura Moderna desde 1900. Madrid: Herman Blume,
1986, p. 162 (Fig. 12.4).
3.22 - SILVA, 1943, op. cit., p. s/nº Fig. nº 44.
3.23 - SILVA, 1943, op. cit., p. s/nº Fig. nº 63.
3.24 - SILVA, 1943, op. cit., p. s/nº Fig. nº 64.
3.25 - CURTIS, 1986, op. cit., p. 214.
3.26 - Foto Silvio Abreu, 1998.
3.27 - CURTIS, 1986, op. cit., p. 218.
3.28 - SILVA, 1943, op. cit., p. s/nº Fig. nº 29.
3.29 - LUCCAS, Luís Henrique Haas. Arquitetura Moderna em Porto Alegre sob o mito do
“gênio artístico nacional”. Porto Alegre: PROPAR/UFRGS, 2004 (Tese de Doutorado em
Arquitetura), p. 107.
3.30 - SILVA, 1943, op. cit., p s/nº Fig. nº 95.
3.31 - SILVA, 1943, op. cit., p s/nº Fig. nº 58.
3.32 - SILVA, 1943, op. cit., p s/nº Fig. nº 65.
3.33 - SILVA, 1943, op. cit., p s/nº Fig. nº 73.
3.34 - Cartão Postal, foto s/data. Arquivo pessoal.
3.35 - SILVA, 1943, op. cit., p. s/nº Fig. nº 37.
3.36 - DE GRANDI, 2002, op. cit., p. s/nº (167).
3.37 - SILVA, 1943, op. cit., p. s/nº Fig. nº 194.
3.38 - SILVA, 1943, op. cit., p. s/nº Fig. nº 72.
3.39 - SEGAWA, Hugo. Arquiteturas no Brasil 1900-1990. São Paulo: Editora da Universidade
de São Paulo, 1999, p. 70.
3.40 - SILVA, 1943, op. cit., p. s/nº Fig. nº 59.
3.41 - SILVA, 1943, op. cit., p. s/nº Fig. nº 82.
3.42 - SILVA, 1943, op. cit., p. s/nº Fig. nº 70.
3.43 - SILVA, 1943, op. cit., p. s/nº Fig. nº 81.
3.44 - SILVA, 1943, op. cit., p. s/nº Fig. nº 67.
3.45 - CZAJKOWSKI, Jorge (org.). Jorge Machado Moreira. Rio de Janeiro: Prefeitura
Municipal do Rio de Janeiro, Centro de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro, 1999,
p. 107.
352
3.46 - CZAJKOWSKI, 1999, op. cit., p. 107.
3.47 - CZAJKOWSKI, 1999, op. cit., p. 107.
4.48 - CZAJKOWSKI, 1999, op. cit., p. 107.
3.49 - SILVA, 1943, op. cit., p. s/nº Fig. nº 30.
3.50 - SILVA, 1943, op. cit., p. s/nº Fig. nº 28.
3.51 - SILVA, 1943, op. cit., p. s/nº Fig. nº 32.
3.52 - SILVA, 1943, op. cit., p. s/nº Fig. nº 31.
CAPÍTULO
4.1 - PAIVA, Edvaldo P. PROBLEMAS URBANOS DE PORTO ALEGRE. (Palestra realizada
pelo Prof. Urbanista Edvaldo Pereira Paiva, no Auditório “Tasso Corrêa” do Instituto de
Belas Artes, no dia 18 de Abril de 1951). Porto Alegre: s/ed. (mimeo), junho de 1951, p.
s/nº.
4.2 - PAIVA, 1951, op. cit., p. s/nº.
4.3 - PAIVA, 1951, op. cit., p. s/nº.
4.4 - PAIVA, 1951, op. cit., p. s/nº.
4.5 - LE GROUPE CIAM FRANCE. LA CHARTE D’ATÈNES. Urbanisme des CIAM (avec un
discours liminaire de Jean Giraudoux). Paris : Plon, 1941, Capa.
4.6 - AU, n.14, 1987, p. 68.
4.7 - RAEBURN, Michael; WILSON, Victoria (Ed.). Le Corbusier Architect of the Century
(Catalogue of the Exhibition). London: Arts Council of Great Britain, 1987, p. 287.
4.8 - CIUCCI, Giorgio; DAL CO, Francesco; MANIERI-ELIA, Mario; TAFURI, Manfredo. La
Ciudad Americana. De la Guerra Civil al New Deal. Barcelona: Gustavo Gili, 1975, p.
273.
4.9 - GARCIA LAMAS, José M. Ressano. Morfologia Urbana e Desenho da Cidade. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbekian Fundação para a Ciência e a Tecnologia, 2000, p. 319.
4.10 - PAIVA, 1951, op. cit., p s/nº (fig. 29).
4.11 - RAEBURN e WILSON (Ed), 1987, op. cit., p. 205.
4.12 - RAEBURN e WILSON (Ed), 1987, op. cit., p. 214.
4.13 - MOLINA Y VEDIA, Juan. mi Buenos Aires herido. Planes de desarrollo territorial y
urbano (1535-2000). Buenos Aires: Ediciones Colihue (colección del Arco Iris Ensayos
de Historia Urbana), 1999, op. cit., p. 177.
4.14 - MOLINA Y VEDIA, 1999, op. cit., pp. 178, 179 e 180.
4.15 - ABREU FILHO, Silvio Belmonte de. A esquina do moderno. ARQtexto n.5, 2004, p. 87.
4.16 - ABREU FILHO, 2004, op. cit., p. 87.
4.17 - PMPA, Cadastro 1986.
4.18 - XAVIER, Alberto e MIZOGUCHI, Ivan. Arquitetura Moderna em Porto Alegre. São Paulo:
Pini (co-edição FAUFRGS/Pini), 1987, p. 93.
4.19 - Arquivo pessoal Silvio Abreu.
4.20 - Arquivo pessoal Silvio Abreu.
4.21 - Arquivo pessoal Silvio Abreu.
4.22 - Arquivo pessoal Silvio Abreu.
CAPÍTULO
5.1 - PORTO ALEGRE. Plano Diretor 1954 - 1964. Porto Alegre: Prefeitura Municipal, 1964, p.
27.
5.2 - GARCIA LAMAS, José M. Ressano. Morfologia Urbana e Desenho da Cidade. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbekian Fundação para a Ciência e a Tecnologia, 2000, p. 341.
5.3 PAIVA, Edvaldo P. “Urbanização da Praia de Belas”. Boletim do DPM (37-42), julho-
dezembro 1951, p. 13 (Fig. nº 9).
5.4 - BOHRER, Maria Dalila. O aterro Praia de Belas e o aterro do Flamengo. Porto Alegre:
PROPAR/UFRGS, Dissertação de Mestrado em Arquitetura, 2001, p. 94.
353
5.5 - PORTO ALEGRE, 1964, op. cit., p. s/nº.
5.6 - PORTO ALEGRE, 1964, op. cit., p s/nº.
5.7 - PORTO ALEGRE, 1964, op. cit., p. s/nº.
5.8 - PORTO ALEGRE, 1964, op. cit., p. s/nº.
5.9 - PORTO ALEGRE, 1964, op. cit., p. s/nº.
5.10 - PORTO ALEGRE, 1964, op. cit., p s/nº.
5.11 - RIZZO, Mylene. Ivo Rizzo: 50 anos construindo história. Porto Alegre: Ivo Rizzo, 2002, p.
94.
5.12 - PORTO ALEGRE, 1964, op. cit., p. s/nº.
5.13 - BOHRER, 2001, op. cit., p. 100.
5.14 - BOHRER, 2001, op. cit., p. 102.
5.15 - XAVIER , Alberto e MIZOGUCHI, Ivan. Arquitetura Moderna em Porto Alegre. São Paulo:
Pini (co-edição FAUFRGS/Pini), 1987, p. 30.
5.16 - PORTO ALEGRE, 1964, op. cit., p. s/nº (62).
5.17 - PORTO ALEGRE, 1983, op. cit., p. 07.
5.18 - PORTO ALEGRE, 1964, op. cit., p. s/nº.
5.19 - PORTO ALEGRE, 1964, op. cit., p. s/nº.
5.20 - PORTO ALEGRE. Planejar para viver melhor (Álbum de Divulgação do 1º PDDU,
editado como Prestação de Contas da administração Guilherme Villela). Porto Alegre:
PMPA, 1983, p. 07.
5.21 - PORTO ALEGRE, 1964, op. cit., p. s/nº.
5.22 - PORTO ALEGRE, 1964, op. cit., p. s/nº.
5.23 - Colagem do autor a partir de figuras de PORTO ALEGRE, 1964, op. cit., pp. div.
5.24 - PORTO ALEGRE. Planejar para viver melhor (Álbum de Divulgação do 1º PDDU,
editado como Prestação de Contas da administração Guilherme Villela). Porto Alegre:
PMPA, 1983, p. 07.
5.25 - Acervo disciplina Tipologias Habitacionais e Morfologia Urbana, PROPAR/UFRGS.
5.26 - PORTO ALEGRE, 1964, op. cit., p. s/nº (3).
5.27 - GARVIN, Alexander. The American city: what works, what doesn’t. New York: McGraw-
Hill, 1995, p. 355.
5.28 - CURTIS, William J.R. La Arquitectura Moderna desde 1900. Madrid: Herman Blume,
1986, p. 267.
5.29 - Foto Aérea, Google Earth, 2006.
5.30 - Foto Francisco Abreu, 2006.
5.31 - Foto Francisco Abreu, 2006.
5.32 - PORTO ALEGRE, 1983, op. cit., p. 9.
5.33 - Foto Francisco Abreu, 2006.
5.34 - Foto Francisco Abreu, 2006.
5.35 - Foto Francisco Abreu, 2006.
5.36 - Foto Francisco Abreu, 2006.
5.37 - Foto Francisco Abreu, 2006.
5.38 - Foto Francisco Abreu, 2006.
CAPÍTULO
6.1 - PORTO ALEGRE. 1º Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Porto Alegre
(Memorial justificativo e LC 43/1979). Porto Alegre: PMPA, 1980, prancha anexa.
6.2 - PORTO ALEGRE. Planejar para viver melhor (Álbum de Divulgação do 1º PDDU, editado
como Prestação de Contas da administração Guilherme Villela). Porto Alegre: PMPA,
1983, p.10.
6.3 - PORTO ALEGRE, 1983, op. cit., p.16.
354
6.4 - PORTO ALEGRE, 1983, op. cit., p.11.
6.5 - Acervo disciplina Tipologias Habitacionais e Morfologia Urbana. PROPAR/UFRGS.
6.6 - Acervo disciplina Tipologias Habitacionais e Morfologia Urbana. PROPAR/UFRGS.
6.7 - PORTO ALEGRE, 1983, op. cit., p. 20.
6.8 - Acervo disciplina Tipologias Habitacionais e Morfologia Urbana. PROPAR/UFRGS.
6.9 - Acervo disciplina Tipologias Habitacionais e Morfologia Urbana. PROPAR/UFRGS.
6.10 - GARCIA LAMAS, José M. Ressano. Morfologia Urbana e Desenho da Cidade. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbekian Fundação para a Ciência e a Tecnologia 2000, p. 380.
6.11 - Acervo disciplina Tipologias Habitacionais e Morfologia Urbana. PROPAR/UFRGS.
6.12 - BENEVOLO, Leonardo. La Proyectación de la Ciudad Moderna. Barcelona: Gustavo Gili,
1978, p. 275.
6.13 - BENEVOLO, Leonardo. História da Cidade. São Paulo: Perspectiva, 1983, p. 690.
6.14 - PORTO ALEGRE, 1983, op. cit., p. 21.
6.15 - PORTO ALEGRE, 1983, op. cit., p. 21.
6.16 - PORTO ALEGRE, 1983, op. cit., p. 21.
6.17 - Arquivo ZH.
6.18 - RIZZO, Mylene. Ivo Rizzo: 50 anos construindo história. Porto Alegre: Ivo Rizzo, 2002, p.
77.
6.19 - PORTO ALEGRE, 1983, op. cit., p. 6.
6.20 - Foto Arquivo pessoal Silvio Abreu.
6.21 - Revista Veja, 20/05/1998, p. 64.
6.22 - Arquivo ZH.
6.23 - Revista Veja, 20/05/1998, p. 64.
6.24 - Aerofotogramétrico PMPA, 1986.
6.25 - Foto Aérea, Google Earth, c. 2005.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
7.1 - PORTO ALEGRE, Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Ambiental PDDUa (Lei
Complementar nº 434/99). Porto Alegre: PMPA/SPM, 2000, p. 15.
7.2 - PORTO ALEGRE, PDDUa 2000, op. cit. , p. 18.
7.3 - PORTO ALEGRE, PDDUa 2000, op. cit. , p. 35.
7.4 - Arquivo ZH.
7.5 - Foto Aérea, Google Earth, c. 2006.
7.6 Zero Hora, 24/03/2006, Almanaque Gaúcho, Túnel do Tempo.
355
ANEXO
356
ANEXO
PLANO DIRETOR DE PORTO ALEGRE
Revisão e complementação da lei 2046/59
PMPA 1961
PREFEITURA MUNICIPAL DE PORTO ALEGRE
ADMINISTRAÇÃO JOSÉ LOUREIRO DA SILVA
JUSTIFICATIVA E APRESENTAÇÃO DOS PROJETOS DE LEI ESTUDADOS E
APROVADOS PELO CONSELHO DO PLANO DIRETOR E PELA COMISSÃO
CONSULTIVA DO CÓDIGO DE OBRAS, DANDO NOVA REDAÇÃO ÀS LEIS DO
PLANO DIRETOR E CÓDIGO DE OBRAS, INSTITUÍDAS EM 30 DE DEZEMBRO
DE 1959.
OUTUBRO 1961
CÃMARA DE VEREADORES DE PORTO ALEGRE
LEGISLATURA DE 1961
PRESIDENTE ALPHEU M. R. BARCELLOS
1º VICE PRESIDENTE MARINO R. SANTOS
2º VICE PRESIDENTE LAURO P. RODRIGUES
1º SECRETÁRIO JOSÉ ALOISIO Fº
2º SECRETÁRIO ANTONIO GIUDICE
VEREADORES ÁBIO HERVÉ
AFONSO J. R. RIBEIRO
ALBERTO ANDRÉ
ALBERTO SCHOROETER
CÉLIO M. FERNANDES
GERALDO M. STÉDILE
GERMANO PETERSEN Fº
JOÃO L. MARQUES
JOSÉ C. MESQUITA
JOSÉ S. SANSEVERINO
LARRY P. FARIA
LEÒNIDAS XAUSA
MANOEL O. ROSA
MILTON KRAUSE
OCTÁVIO B. GERMANO
SAY R. MARQUES
SUPLENTES QUE EXER
CITARAM O MANDATO JAIRO FERNANDES CRUZ
LUIZ HASSIB MALUF
MILTON POZOLO DE OLIVEIRA
357
CONSELHO DO PLANO DIRETOR
PRESIDENTE:
Engº Walter Haetinger Secretário Municipal de Obras e Viação
SECRETÁRIO EXECUTIVO:
Arqº Rodolpho Siegfried Matte Diretor da Divisão de Urbanismo
REPRESENTANTES DO SENHOR PREFEITO:
Arqº Carlos M. Fayet Chefe da Secção de Planejamento da D. U.
Engº Edolo Piatelli Assessor Engenheiro do Gabinete do Prefeito
Bel. Nilo M. Ruschel Assessor Jurídico do Gabinete do Prefeito
REPRESENTANTES DO MUNICÍPIO:
Bel. Manoel Braga Gastal Secretário Municipal da Fazenda
Engº Eduardo M. Gonçalves Netto Secretário de Águas e Saneamento
Bel. Luiz Melo Guimarães Diretor da Consultoria Jurídica
REPRESENTANTES DE ÓRGÃOS ESTADUAIS:
Arqº Manoel J. C. Meira Secretaria Estado dos Negócios da Saúde
Arqº Aldrovando R. Guerra Departamento Estadual de Estatística
REPRESENTANTES DE ENTIDADES DE CLASSE:
Engº Agrº Ernesto F. Xavier Sociedade de Agronomia do R.G.S.
Engº Werner Schütt Sociedade de Engenharia do R.G.S.
Arqº Demétrio Ribeiro Instituto de Arqºs. do Brasil Depº R.G.S.
COLABORADOR:
Arqº Moacyr Moojen Marques Secção de Planejamento D. Urbanismo
COMISSÃO CONSULTIVA DO CÓDIGO DE OBRAS
PRESIDENTE:
Engº Felício Lemieszek Diretor da Divisão de Edificações
SECRETÁRIO EXECUTIVO:
Arqº Fábio da Rosa S. Ribeiro Chefe da 1ª Secção de Edificações
Arqº Alceu de Lima Dutra Assistente Técnico da S.M.O.V.
REPRESENTANTE DE ÓRGÃO ESTADUAL:
Arqº Ricardo Gomes Perrone Secretaria Estado d/Negócios d/Saúde
358
JUSTIFICATIVA E APRESENTAÇÃO
PÔRTO ALEGRE, com uma população de mais de meio milhão de
habitantes, fundada em 5 de novembro de 1740 por Jerônimo de Ornelas
Menezes e Vasconcelos, recebia em 1742, os primeiros 60 casais de açorianos
que foram os seus primeiros povoadores. Situada as margens do estuário do
Guaíba, foi primeiramente pôrto de Viamão, antiga capital do Estado; porém, logo
sobrepujou o burgo a que servia, em importância política e econômica, e, em
1773, já era a sede da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul.
É hoje o centro de intensa vida comercial e industrial, cérebro e coração da
atividade política, cultural e artística riograndense
1
. (1)
Um índice significativo é o seu pôrto fluvial, o 4º em importância econômica
do País. Seu território, pelas condições topográficas, de solo, de desenvolvimento
dos transportes e outras, ficou subdividido expontâneamente em regiões onde
predomina o uso agrícola, industrial, comercial e residencial.
Fundada no vértice de uma península de topografia acidentada e que
avança sôbre o rio e lhe proporciona perfil característico, Pôrto Alegre cresce com
a ânsia de uma metrópole adolescente e, por isso mesmo, deve ser obediente a
um planejamento urbanístico mais rigoroso que a preserve, no futuro, do
agravamento dos problemas que hoje já começa a experimentar.
A rigor, a maior preocupação dos administradores da comuna, no passado,
foi com o problema viário, saneamento, abastecimento d’água e de outros serviços
públicos. Vários trabalhos de significação, foram realizados sob o ponto de vista
urbanístico, visando, em especial, a questão viária, saneamento e dos verdes
públicos. Ocorre, porém, que já datam de mais de 20 anos a realização de
trabalhos que denotam previsão admirável, como a abertura das avenidas 3 de
Novembro, Borges de Medeiros, Senador Salgado Fº, Farrapos, e mais
recentemente, as obras de pavimentação da Praia de Belas, Cascata e o
1
Pôrto Alegre já possui 2 Universidades, 6 institutos de pesquiza científica, 17 casas de ensino
superior, 38 bilbiotecas com um montante de 224.000 volumes, 49 associações artísticas, literárias
e científicas, 55 cinemas e teatros, 15 emissoras de rádio, 6 jornais diários, 1 televisão, 14 editoras,
73 livrarias, 119 associações desportivas, 27 associações de caridade, 32 asilos e recolhimentos,
38 mutuários de beneficiência, 58 hospitais e entidades para-hospitalares, 66 emprezas de
hospedagem, 96 emprezas de transporte rodoviário, 4055 estabelecimentos de prestação de
serviços públicos, 1655 estabelecimentos industriais e 6500 estabelecimentos comerciais de varejo
e atacado.
359
alargamento da Assis Brasil. Naquela época é que foi igualmente ajardinada a
grande área verde que é hoje o Parque Farroupilha
2
. (1)
Mas com o crescimento da cidade, de quando tinha 272.232 habitantes em
1940, para a população atual acrescida de mais 394.173 habitantes, bem se pode
avaliar a multiplicação dos problemas daí decorrentes, que veio demonstrar a
evidente necessidade de consolidar os estudos e projetos já existentes, reunindo
os trabalhos em um planejamento global que atendesse as quatro funções chaves
do urbanismo: habitar, trabalhar, recrear, circular.
Havia a necessidade de dispôr de novas reservas para verdes públicos,
pois a cidade de hoje só conta com 0,8% de áreas destinadas a praças, do total
urbanizado; de previsão e reserva de novas áreas para colégios e para mercados
públicos; de previsão de áreas para realização de novas obras especiais de
interêsse viário: rótulas, túneis, viadutos, etc.; de previsão de abertura ou
alargamento de vias públicas destinadas ao desafôgo do tráfego cada vêz mais
intenso, face ao crescimento de 13.620 veículos automotores em 1950, para
29.521 de passageiros e 4.662 de carga em 1960, sem falar na densidade do
transporte coletivo que transporta, por ano, 195 milhões de passageiros; e, o que
é muito importante, da fixação de um zoneamento de uso e da densidade
populacional, estabelecendo limites de aproveitamento para os lotes, nas diversas
zonas e para os diversos usos.
Surgiram dessa necessidade, as chamadas Leis do Plano Diretor e do
Código de Obras, que, estudadas pelos técnicos da Municipalidade de Pôrto
Alegre, foram submetidas ao prévio exame e debate do Conselho do Plano Diretor
da Cidade, antes do encaminhamento à Egrégia Câmara de Vereadores onde,
após minuciosos estudos, foi o assunto aprovado de forma absolutamente
favorável.
Foi assim que, em 30 de dezembro de 1959 foram assinadas as Leis do
Plano Diretor e do Código de Obras, de Pôrto Alegre, decretadas pela Colenda
Câmara de Vereadores e sancionadas pelo Prefeito e seus Secretários.
A primeira tomou o número 2046 e entrou em vigor na data de sua
publicação, ou seja, no dia 29 de janeiro de 1960, - abrangendo apenas parte do
território do Município.
A segunda tomou o número 2047 e entrou em vigôr 60 dias após a data de
sua publicação, ou seja, no dia 6 de abril de 1960, - vigorando para tôdas as
construções no território do Município.
Complementarmente esta novel legislação foram baixados pelo Senhor
Prefeito os seguintes Decretos:
- 1947, de 5/2/60, estabelecendo normas para a aplicação do Plano
Diretor;
- 1966, de 19/3/60, complementando o anterior;
- 1990, de 20/4/60, regulando a questão dos processos de construção
incompletos à data da Lei do Plano Diretor;
- 2110, de 17/10/60, caracterizando o que deve ser considerado casa
popular; e,
2
O trabalho mais completo que conhecemos sôbre “Um Plano de Urbanização” para Pôrto Alegre,
data de 1943 e é de autoria do Dr. José Loureiro da Silva.
360
- 2155, de 7/12/60, fixando critérios para as revalidações de processos de
construção, cujo início de obra está condicionado a retomada do imóvel,
por via judicial.
Passou-se então para a fase de implantação dêstes novos dispositivos
legais, sob certos aspectos, com conceituação completamente diversa daquela até
então adotada.
No tocante a questão das edificações a densidade populacional dos
quarteirões era limitada apenas pela taxa de ocupação; alturas máximas em
relação a via pública; e os afastamentos mínimos de 1,50 m. previstos no Código
Civil, para as divisas de fundos e laterais, quando dotadas de aberturas. Nêste
particular a nova legislação evoluiu bastante, fazendo-nos aproximar dos
princípios que já há anos se adotam em outros países e em algumas cidades do
Brasil, segundo os quaes, as edificações ficam condicionadas a um zoneamento
de uso; do contrôle da densidade populacional; de taxa de ocupação; e, de
alturas.
Era evidente e ninguém tinha ilusões a respeito de que, os novos diplomas
legais, devendo ser aplicados a uma cidade existente e com 650.000 habitantes,
encontrariam aspectos de difícil implantação, tendo em vista a realidade existente.
Foi então tomada a iniciativa de convocar o Conselho do Plano Diretor, que
tem na Presidência de Honra o Senhor Prefeito Dr. José Loureiro da Silva, para a
apreciação e o debate dos aspectos novos que a legislação recém implantada,
fosse sucitando. Independente dos problemas relacionados com as limitações
impostas às edificações impunha-se o reexame de uma série de questões ligadas
as reservas de áreas para escolas, mercados, verdes públicos, obras viária, etc.,
que, tendo sido previstas e estudadas sôbre plantas cadastrais de 1940 e 1957,
precisavam ser corrigidas devido as novas construções executadas até a data de
vigência da nova lei. Nêsse sentido o Conselho do Plano Diretor, com apoio nas
disposições do Artº 57 da Lei 2046/59, já reexaminou até a presente data, mais de
60 casos de alteração de traçado, desde que passou a funcionar, semanalmente,
a partir de 20 de abril de 1960.
Também as questões relativas ao Código de Obras mereceram exame de
uma plêiade de profissionais que constituíram a Comissão Consultiva do Código
de Obras.
Aos técnicos das entidades de classe, com representação nêstes órgãos
colegiados e, aos técnicos do município, devemos o trabalho de revisão que até o
momento foi executado com referência ao Plano Diretor e Código de Obras. Não
fôra a dedicação, o espírito público e o entusiasmo de quem serve as boas causas
e não contaríamos com a excelência do trabalho que hoje podemos oferecer.
Mas, muito importante, importantíssimo mesmo, foi a posição da Colenda
Câmara de Vereadores com relação a nova legislação. Ela decidiu não aceitar
qualquer proposta de alteração das Leis, sem antes testa-las convenientemente.
E, foi mais além, confiou ao Executivo o direito de pôr em prática tôdas aquelas
alterações que se fizessem necessárias à remoção das arestas, dêsde que,
estudadas e aprovadas pela maioria absoluta dos membros que compõem o
Conselho do Plano Diretor.
361
Extraordinàriamente sábia foi essa decisão, pois muitas dificuldades ficaram
afastadas com êste critério. Os Projetos-de-Leis que temos a honra de apresentar
são uma revisão onde se incluem todos os estudos até agora submetidos à
consideração do Conselho do Plano Diretor e que já estão em pratica, face a êste
acôrdo entre cavalheiros que Legislativo e Executivo realizaram em memorável
reunião nos primeiros dias do mês de julho de 1960, na sala da Presidência da
Câmara de Vereadores de Pôrto Alegre, com os Senhores Líderes de Partido e o
Secretário Municipal de Obras e Viação.
- No momento em que as Leis do Plano Diretor e Código de Obras são
refundidas e devem merecer novo beneplácito do Legislativo, parece-
nos oportuno tecer algumas considerações.
A êstes diplomas legais se atribue uma eventual crise na construção civil,
tendo em vista as limitações que um e outro estabeleceram. Os que atribuem a
crise ao Plano Diretor e Código de Obras, reconhecem que as leis são bôas e
benéficas à cidade, - mas que reduziram o lucro que advinha do terreno, quando
se tratam de empreendimentos imobiliários.
De início procuramos acompanhar estatísticamente a receptividade dêstes
novos diplomas legais. A não ser nêste exercício, quando de fato, houve
decréscimo apenas nas construções de edifícios de uso coletivo, nada mais nos
indica um retraimento da construção civil diverso daquêle que já se vinha
observando e sem maiores reflexos.
Evidentemente que, enquanto não ficarem definitivamente consagrados os
princípios do atual Plano Diretor, como já agora o são em outros Países e Estados
do Brasil, haverá sempre um compasso de espera.
Na realidade o Plano Diretor não elevou o custo da construção, e sim
condicionou a níveis razoáveis o valor dos terrenos, nas diversas zonas da cidade.
É.n3 Tw ( )97ile
362
- A solicitação, nêste exercício, da redução de área à construir de
inúmeros edifícios com projetos aprovados pela legislação anterior;
- A oferta pela imprensa, ainda nêstes últimos dias, de venda de terrenos
com projetos de construção aprovados pela legislação anterior;
- A paralização de inúmeros edifícios; e,
- A continuação do rítmo de construções para moradia própria, o que
evidencia que os empreendimentos imobiliários com fins lucrativos, é
que estão em retraimento.
Diríamos que se a época da implantação das novas leis tivesse coincidido
com os períodos florescentes da construção civil, no após guerra, - não teríamos
maiores reflexos a registrar e Pôrto Alegre já estaria a caminho de um novo
padrão urbanístico.
Em contraposição se, de um lado certos incorporadores imobiliários
poderiam reclamar contra a redução de determinados aproveitamentos antes
permitidos, - de outro lado, os proprietários que já estão instalados, que já
possuem suas residências ou escritórios, aplaudem as novas disposições, porque
elas lhes asseguram condições de confôrto e salubridade que a legislação anterior
não proporcionava. Outro tanto se pode dizer dos que vão adquirir imóveis. Eles
363
- Sôbre o Plano Diretor de Tapejára diz o seu Prefeito: “É muito natural que
tôdas as vêzes que a administração pública inicie uma obra de importância, como
o caso presente, surjam os mais variados comentários e as mais contraditórias
opiniões. Tenho tido oportunidade de ouvir dizer que o “Prefeito bem poderia
relaxar a execução do Plano Diretor”. Óra, se o Prefeito pudesse assumir tal
responsabilidade, não haveria razões para um levantamento técnico feito por
engenheiros urbanistas especializados no assunto. Poderia ser então
simplesmente um plano do Prefeito. Mas se a moderna engenharia colocou ao
nosso alcance o concurso indispensável da planificação urbanística, como norma
e diretriz técnica para o desenvolvimento da cidade, é lógico que doravante tudo
que se fizer em tal sentido deverá obedecer ao determinado por um Plano Diretor.
Cumpre esclarecer, ademais, que o nosso Plano Diretor foi transformado em Lei
pela unanimidade de votos da nossa Câmara de Vereadores. Logo, a
obrigatoriedade de sua execução é imposta pela Lei. E ao Poder Executivo cabe
ùnicamente dar cumprimento a Lei. E a Lei manda que tôdas as obras a serem
realizadas na cidade obedeçam rigorosamente ao previsto no Plano Diretor”.
- Quanto a New York, em dezembro de 1960 foi ratificado pela Junta
Governativa da Cidade, o moderno e completo rezoneamento, que agora
substituirá a muitas vezes emendada e retocada Lei Pioneira, datada de 1916.
É um editorial do “New York Times” quem diz: “O Plano parte do princípio
de que três são os contrôles fundamentais de zoneamento que podem conduzir a
um desenvolvimento dentro de padrões aceitáveis. Êstes contrôles dizem respeito
ao uso, ao porte e densidade populacional e ao estacionamento.
Os preceitos de uso deverão garantir a correta localização das diversas
atividades e os tipos de habitação. A regulamentação do porte e densidade de
população resguardará contra o superpovoamento, contra a aglomeração
exagerada dos prédios e evitará o bloqueio do ar e da luz.
Os controles de estacionamento partem da noção de que os automóveis
vieram para ficar, e que espaço adequado lhes deverá ser reservado.
Com a aplicação da nova Lei espera-se conseguir ampliar os espaços livres
e reduzir a concentração nas zonas residenciais, encorajar a melhoria dos projetos
arquitetônicos, que permitirão abundante arejamento e iluminação, bem como
economia na construção.
Será outrossim encorajada a reserva de espaços internos para
estacionamentos de autos, bem como para carga e descarga de caminhões fóra
das ruas.
O instrumento óra aprovado planeja a cidade de maneira a limitar a
população final máxima em 12.273.000 habitantes e tendo em vista a estimativa
de que 8.340.000 pessoas aqui residirão por volta de 1975. Se fosse obedecido o
antigo zoneamento, as construções seriam liberadas até atingirem a capacidade
total de abrigar 55.645.000 pessoas.
O novo Plano Diretor, que se viu sob o fôgo cerrado do comércio imobiliário
e de outros grupos, é considerado como sendo uma realização individual de
James Felt, presidente da Comissão de Planejamento, que por êle moveu uma
luta sem tréguas durante êstes dois anos que transcorreram dêsde o lançamento
da primeira semente de um novo Plano.
364
A propalada oposição ao Rezoneamento, por parte de alguns dos Membos
da Junta Governativa, deixou de manifestar-se ontem, ao ser feita a votação
nominal.
“Poucos atos desta Junta houve que contivessem a importância do voto que
hoje emitimos” disse o prefeito Wagner. “Não é sem razão que me sinto
profundamente orgulhoso do papel que tenho a oportunidade de representar na
promulgação desta legislação memorável, que deverá refletir no bem-estar não só
da atual geração como também no das que estão por vir. Meu voto é Sim, em
consideração a todos os cidadãos de Nova York, que desejam seja esta a cidade
melhor possível para se viver”.
Passos serão tomados sob a nova legislação no sentido de serem
gradualmente alijados da cidade de New York, alguns dos mais condenáveis dos
assim chamados usos não-conformes, tais como carvoeiras, “demolidoras” de
automóveis, depósitos de ferro velho e cartazes de anúncios.
Os exemplos citados, por si só justificam a defesa que desejávamos fazer
da necessidade das cidades se desenvolverem sob um planejamento urbanístico
adequado. Para reforçar êste ponto de vista poderíamos citar inúmeros casos
como os de Tóquio, Cairo, e na Itália onde já me 1957, existiam 316 comunas com
planos urbanísticos elaborados de acôrdo com a lei geral, de 1942.
Vamos porém reforçar ainda mais êstes pontos de vista, citando trabalhos
das mais diversas origens sôbre a evolução das cidades e que encerram, todos,
uma mesma aspiração: viver melhor.
- Começamos pela “Carta de Atenas” que é um documento originário da 4ª
reunião do “Congrés International d’Architecture Moderne”, realizado na capital da
Grécia em 1933. Os congressos Internacionais foram fundados em 1928 em La
Sarra, Suíça e agrupam vinte e um países, numa reunião entusiástica e laboriosa.
Extraímos dêsse trabalho alguns tópicos que nos parecem oportunos
anexar ao presente. Iniciamos pela descrição do homem individualmente e em
sociedade. Nesta Carta é um primor de precisão e de conceitos o que cada frase
encerra ao examinar as questões do indivíduo, do meio econômico, da habitação,
etc...
- A seguir anexamos pequenos, mas oportunos e brilhantes comentários de
Lewis Mumford, escritor de renome internacional e cuja obra a “Cultura das
Cidades” é realmente um inesgotável repositório de ensinamentos com relação a
evolução das cidades.
- Juntamos após, trechos do discurso que o Arqº Walter Gropius pronunciou
quando recebeu o título de “Doctor of Human Letters” da Universidade de
Colúmbia. Nascido em 1883, de origem alemã, trabalhou também na Inglaterra e
depois nos Estados Unidos. São preciosos os seus conceitos e merecem ser
meditados quando se tem a responsabilidade de decidir sôbre o planejamento de
uma cidade.
- E, para finalizar fizemos transcrever as definições brilhantes que o Dr.
Hely Lopes Meirelles, Juiz de Direito em São Paulo e Professor da Faculdade de
Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo é capaz de dar.
365
- Os conceitos externados nos quatro trabalhos cujos trechos juntamos ao
presente, podem ser lidos em seqüência natural. São de países e de autores
diferentes, mas tôdos êles têm um conteúdo em comum: a pregação de uma
necessidade de melhor organizar as cidades, nas quais, como diz Hely Lopes
Meirelles:
O urbanismo de hoje, como expressão do desejo coletivo na
organização dos espaços habitáveis, atua em todos os sentidos e em
todos os ambientes...
Mas como o egoísmo é da natureza humana, necessário se torna que
um poder superior aos indivíduos - o Poder Público intervenha
imparcialmente na repartição dos encargos...
Eis aí o fundamento e a razão de ser das limitações de ordem
urbanísticas, que se estendem A TODOS E A TUDO QUE POSSA
PROPORCIONAR O MAIOR BEM PARA O MAIOR NÚMERO.
Esta é a nossa contributa é a n10 Tw (sa conttej. a conttejri113 P5O4R8 Tc -0.127 Tw ( ) Tj0 -13.68 TD 0n 22t0r3o 9(sa conttej. a conttejri113 P5O4RtOfua-dA encarga cot co63,L2.24 0 3-13.63ve10.0928 Tc 0 Tw (·) Tj5.28 0 TD /r2E6 hsnas3013.63vr c9Er23017ossoA TODO) TjT* -A encarga cot co63,L2.24 0 3-1r.6pN32Lhsnas3013.63vdiR 7j0 9 -0.03055l04 -14.16m TDuEsta sEcont017tej. a 3A enD -0 Tejo1 -0 Tejo1 -, qu.pEr-.ieWa1rlWt.0928 Tc 02jini267) Tj5.28 0 TD /F2 11.68 Tf0 Tc 0.1 0 O.
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