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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS
FACULDADE DE ARTES VISUAIS
Miguel Luiz Ambrizzi
CAMINHOS CRUZADOS
ARTISTAS ENTRE VIAGENS, OLHARES E TEMPOS:
ARTE E CIÊNCIA NA EXPEDIÇÃO LANGSDORFF
-
SÉCULOS XIX E XX
Goiânia
2007
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2
MIGUEL LUIZ AMBRIZZI
CAMINHOS CRUZADOS
ARTISTAS ENTRE VIAGENS, OLHARES E TEMPOS:
ARTE E CIÊNCIA NA EXPEDIÇÃO LANGSDORFF
-
SÉCULOS XIX E XX
Dissertação apresentada à Banca Examinadora
da Faculdade de Artes Visuais da Universidade
Federal de Goiás, como exigência parcial para a
obtenção do título de Mestre em Cultura Visual.
Orientação: Profa. Dra. Rosana Horio Monteiro.
Goiânia
2007
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4
Dedicatória
À minha mãe, por todo amor. Por me ensinar a luta na
busca pelo desejo, a serenidad
e e o rigor.
AGRADECIMENTOS
A Deus. A São Francisco.
Agradeço a minha família amor incondicional : Giuliana (minha irmã) por
todo companheirismo, pelas viagens à praia, pelos telefonemas em que pude rir muito
aqui no cerrado (é brabu!); a minha avó
Elza
pelo incentivo, por tudo o que fez por mim,
pelas “bananas com aveia”, pelo melhor feijão do mundo e pelos bolinhos de chuva; ao
meu avô Silvio,
in memoriam
, saudades...; Ao Sebastião (Tião), por toda ajuda, pela
presença paterna, pelas cachaças e pelas risadas um palhaço!; aos meus padrinhos
Silvia e Niquinho, por todas viagens, pelo exemplo de vida e pela presença sempre nos
bons momentos da minha vida (não esqueça de rezar para o anjo da guarda!). A minha
prima Giovana (Vanão), também minha irmã mais nova, pelas risadas incansáveis. A
minha tia Andreya, pela boa música e por todo carinho. Aos meus avós paternos e ao
meu pai, pela ausência na vida, pela presença artística viva no meu DNA.
A Marcio Pizarro Noronha, por haver possibilitado o crescimento e o maior
conhecimento que obtive neste período, o pessoal. Pela companhia de todos os dias,
pelo estímulo e dedicação.
A minha professora e eterna amiga, Guiomar Josefina Biondo (Guiguim), por
abrir os caminhos do conhecimento e pelo amor à Arte.
A m
inha orientadora do mestrado, Rosana Horio Monteiro.
Aos colegas de turma, a Alzira por todo carinho e auxílio em momentos
importantes e aos professores do Mestrado em Cultura Visual, a Maria Elizia Borges e
especialmente Leda Guimarães.
Agradeço a Capes p
ela bolsa de pesquisa.
Ao artista José Fujocka, por haver disponibilizado as fotografias da sua obra,
sem as quais não seria possível a sua leitura nesta dissertação.
A todos os colegas e amigos que conheci em Goiânia, especialmente Luciana
Ribeiro (rainha das Caracus) e Andrea Pita, as quais pude ter o privilégio de trabalhar e
vivenciar momentos ótimos no cerrado. A Danielly Amatte, companheira no sofrimento e
nas ironias, pela ajuda com a capa da dissertação.
Aos meus amigos eternos de Bauru
Valeeeeeu
Bau
ru!: Juliano (Hi Peru!),
Karina (Escultura), Betiza (cumadi - com quem aprendi a beber cerveja), Fabiano
(cumpadi Pop), Assisinho, Luciana (Gazela), Michel. Aos amigos de Catanduva: Thales
(primo do coração), Jocelito, Giane, Marcio Costa, Tales Frei (nears!), Ana Claudia e
Fabiano (Bi). Aos cucas: Gabriel, Alba, Taty e Lorena. E a todos que esqueci, mas que
estiveram presentes, direta ou indiretamente, nas minhas viagens até aqui.
5
Paisagem / paisagens:
Sentido dos sentid
os,
Paisagens surgem de uma única paisagem.
Sonhos ecoam num só espaço;
acordam realidades: complexas, ambivalentes, ambíguas.
Realidades que desvelam não só as inúmeras faces da paisagem,
mas a busca do “olho” por um significado, por uma leitura,
por um l
ugar onde a atenção despendida traduza
ordem, sentido, valor, identidade.
Paisagens são perspectivas!
São espelhos que refletem nossos sentimentos e pensamentos
anseios e medos.
Nossa individualidade na individualidade do entorno.
Armazenadas na memória e
na alma...
antes de serem efêmeras, paisagens são duradouras...
antes de comporem apenas quadros e cartões postais,
são “substâncias” que integram e animam nossas vidas.
Luiz Otávio Cabral (2000, p. 44
-
45).
6
RESUMO
A pesquisa CAMINHOS CRUZADOS. ARTISTAS ENTRE VIAGENS,
OLHARES E TEMPOS: ARTE E CIÊNCIA NA EXPEDIÇÃO LANGSDORFF -
SÉCULOS XIX E XX é resultado do estudo de um projeto curatorial em arte
contemporânea (
O Brasil de hoje no espelho do culo XIX Artistas alemães e
brasileiros refazem a expedição Langsdorff”, 1995, Dieter Strauss e Alfons Hug).
Com base numa revisão bibliográfica centrada na história da arte, na história e na
sociologia das viagens, apresentamos nesse trabalho algumas leituras das
visualidades produzidas no século XIX por Rugendas, Adrien Taunay e rcules
Florence, e no século XX pelos brasileiros Carlos Vergara, JoFujocka, pelo
alemão Olaf Nicolai e pelo russo Anatoli Juravlev, procurando traçar as interfaces
entre arte e ciência. Rugendas, Taunay e Florence participaram da Expedição
Langsdorff que percorreu, de 1822 a 1829, o interior do Brasil. Em 1995, o grupo
de artistas contemporâneos integrou um projeto cujo objetivo era refazer o trajeto
de Langsdorff. Além de investigar as relações entre arte e ciência no século XIX
e
no século XX, a partir da análise da produção iconográfica desses artistas,
estudamos, entre outras questões, os conceitos de representação da natureza
presentes nesses dois contextos temporais distintos e o processo de construção
dos olhares - o distante e o próximo, o olhar naturalista e o olhar da paisagem.
Temos, portanto, a expedição Langsdorff em dois tempos. Em Langsdorff,
naturalista, encontramos a busca de uma unificação dos olhares que resulta na
tentativa de uma padronização da representação iconográfica, a qual deveria ser
de caráter científico documental. Já nos contemporâneos, o que vemos é uma
multiplicação dos olhares e das representações, as quais objetivam uma
problematização do mundo.
Palavras
-
chave: História da Arte, artistas
-
viaj
antes, Arte e Ciência, expedição Langsdorff
7
ABSTRACT
The research CAMINHOS CRUZADOS. ARTISTAS ENTRE VIAGENS,
OLHARES E TEMPOS: ARTE E CIÊNCIA NA EXPEDIÇÃO LANGSDORFF -
SÉCULOS XIX E XX results from the study of a curatorial project in contemporary
ar
t (“O Brasil de hoje no espelho do culo XIX Artistas alemães e brasileiros
refazem a expedição Langsdorff”, 1995, Dieter Strauss e Alfons Hug). This work,
with a bibliographical study in Art History, History and Sociology of the Travel
presents visualities readers of artworks produced by the artists of 19
th
and 20
th
centuries. The explorers / traveling artists like Rugendas, Taunay and Florence, in
a context of The Langsdorff Expedition (1822-1829), and the contemporary artists
Carlos Vergara, José Fujocka, Olaf Nicolai and Anatoli Juravlev, all they,
development the relationship between Art and Science.
The Langsdorff Expedition (1822-1829) between two ways of look, the
landscape and the naturalistic view, including the representational notion of the
Nature, produces a pattern of iconographic representation (scientific and
documental). For this study, the travelers’ story in a scientific mission (Rugendas,
Taunay, Florence) and their relationships with the historical and natural
environmental includes and meets biographical elements and iconographic
analysis
and stylistic, technical and formal analysis.
The representational and conceptual changes between 19th and 20th
centuries are the background for the analyses artists’ works. This works are
descri
bed and analyzed, in the project context, including the expedition and the
artistic trajectory and production. In our time, Brazilians (José Fujocka and Carlos
Vergara) and foreigns artists (Michael Fahres, Olaf Nicolai, Anatoli Juravlev)
restores for the present The Langsdorff Expedition with multiples points of view,
representations and languages with a intention to propose questions and problems
to our own world.
Key
-
words: Art History, travelers’ artists, Art and Science, Langsdorff Expedition.
8
LIS
TA DE FIGURAS
Fig. 01
João Maurício Rugendas,
Cachoeira de Ouro Preto,
1824 .............
Fig. 02
Theodore de Bry,
Gravura
...............................................................
Fig. 03
Jean de Léry,
Índios tupinambás
......................
...............................
Fig. 04
Theodore de Bry (séc. XVII)
-
Canibais
...........................................
Fig. 05
Albert Eckhout,
Mulher Tupi
, 1643 ..................................................
Fig. 06
Albert Eckhout,
Abacaxi, m
elancia, etc
...........................................
Fig. 07
Albert Eckhout,
Inflorescência de palmeira, pimentas, etc
..............
Fig. 08
Frans Post,
Paisagem com jibóia
.....................................................
Fig. 09
Jean
-
Baptis
te Debret, Oficial da corte
, 1822 ...................................
Fig. 10
Jean
-
Baptiste Debret,
Calçadores,
1824 .........................................
Fig. 11
Thomas Ender, Palácio do Governo em São Paulo ........................
Fig. 12
João
Maurício Rugendas, Árvore gigantesca na selva tropical
brasileira .........................................................................................
Fig. 13
Mapa dos trajetos da Expedição Langsdorff ........................................
Fig. 1
4
João Maurício
Rugendas,
Mandioca,
18
--
......................................
Fig. 15
João Maurício Rugendas,
Acampamento de índios
, 1824 .............
Fig. 16
João Maurício
Rugendas,
Baía da Guanabara,
18
--
.......................
Fig. 17
João
Maurício Rugendas,
Gambá,
1822
..........................................
Fig. 18
João Maurício Rugendas,
Caça à onça,
182
-
.................................
Fig. 19
David,
O juramento dos Horácios
, 1784 ..............................................
Fig. 20
David,
O rapto das Sabinas
, 1796
-
1799 ...............................................
Fig. 21
João Maurício Rugendas, Dança dos Puri,
1824 ............................
Fig. 22
Lorrain,
O julgamento de Paris
, 1645/1646 ........................
.................
Fig. 23
Ruisdael,
Cena de floresta
, 1660/1665 .................................................
Fig. 24
Poussin,
O funeral de Fócion,
1648 ......................................................
Fig. 25
João Maurício Rugendas,
Praia
Rodrigues próxima ao Rio de
Janeiro, 182
-
............................................................................................
Fig. 27
Nicolas Antoine Taunay,
Praia de Botafogo,
1816 ...............................
Fig. 28
Nicolas Antoine Tauna
y,
O morro de Santo Antonio no Rio de
Janeiro,
1816 ...........................................................................................
Fig. 29
Aimé Adriano Taunay,
Rio Quilombo na Chapada
(detalhe), 1827..
Fig. 30
Aimé AdrianoTaunay,
Homem e m
ulher Bororo
, 1827 ....................
24
29
30
31
33
34
34
38
40
40
41
50
54
61
62
63
63
64
65
66
67
70
70
70
71
74
74
75
77
9
Fig. 31 Aimé Adriano Taunay, Grupo de índios Bororo da aldeia de Pau
Seco, entre os rios Paraguai e Jauru, atentos ao relato de um
deles sobre a caçada da onça
, 1827 ...............................................
.
Fig. 32
Aimé Adriano Taunay,
Camaleão
, 1827 ..........................................
Fig. 33 Aimé Adriano Taunay, Igreja e mosteiro de São Bento em Santos
(detalhe), 1825 .............................................................................
.....
Fig. 34
Géricault
-
A balsa do Medusa
, 1818
-
1819 .....................................
Fig. 35
Géricault,
Estudo de um homem negro
, s/data .....................................
Fig. 36
Aimé Adriano Taunay,
Patrício José Bispo,
1827 ............
.....................
Fig. 37
Hércules Florence,
Bororo e mulher
................................................
Fig. 38
Hércules Florence
Aquarela de céu
................................................
Fig. 39
Hércules Florence,
Paisagem marinha
,
183
-
..................................
Fig. 40
Vernet,
A seaport at sunset
1749 ……………………………….….
Fig. 41
Hércules Florence,
Maloca dos Apiakás sobre o Rio Arinos
, 1828..
Fig. 42
Hércules Florence,
Índia Apiaká
......................................
................
Fig. 43
Hércules Florence,
Índio Mundukurúi,
1828 ....................................
Fig. 44
João Maurício Rugendas,
Luta de brancos contra índios
(detalhe) .....
Fig. 45
Hércules Florence,
Índios Guató
............................
...............................
Fig. 46
Aimé Adriano Taunay, Botânica ............................................................
Fig. 47
Hércules Florence, Botânica ………….……………………………...…..
Fig. 48
João Maurício Rugendas, Botânica ...................
....................................
Fig. 49
Aimé Adriano Taunay,
Cachoeira do Inferno
...................................
Fig. 50
João Maurício Rugendas,
Cachoeira em Ouro Preto
......................
Fig. 51
Vernet,
Interieur port de Marseille
c XVII ………………………..
Fig. 52
Vernet,
A seaport at sunset
1749 ……………………………….….
Fig. 53
Monet,
O Parlamento em Londres
céu tormentoso
......................
Fig. 54
Richard Long,
Land
-
art
…………………………………………………
Fig. 55
Hércu
les Florence
Fragmento de
“Zoophonia”, 1825
-
1829...........
Fig. 56
Carlos Vergara,
Aruanã
, 1995 .........................................................
Fig. 57
Carlos Vergara,
Diamantina 1
, 1995 ...............................................
Fig. 58
Carlos Vergara,
Diama
ntina 2
, 1995 ...............................................
Fig. 59
Carlos Vergara,
Ouro Preto 1,
1995 ................................................
Fig. 60
Carlos Vergara,
Ouro Preto 2
, 1995 ................................................
Fig. 6
1
Carlos Vergara com cacique Carajá, produzindo a obra
Aruanã
....
Fig. 62
Santo sudário colorido .....................................................................
Fig. 63
Santo Sudário preto e branco .............................................
.............
78
79
80
81
82
84
85
85
85
85
89
90
90
92
93
94
94
94
94
94
111
111
112
114
117
118
118
118
119
119
120
122
122
Fig. 64
Carlos Vergara, S/ Título
Série Minas, 1991 ................................
Fig. 65
Carlos Vergara,
Pirenópolis
, 1994 ...................................................
Fig. 66
Carlos Vergara,
Muro
, 1994 ....................
........................................
Fig. 67
Carlos Vergara,
Telhado
, 1995 ........................................................
Fig. 68
Olaf Nicolai,
Itamaraty
, 1995............................................................
Fig. 69
Olaf Nic
olai,
Itamaraty
(detalhe flor
-
modelo) ...................................
Fig. 70
Olaf Nicolai,
Itamaraty
(detalhe tapetes segundo desenho dos
índios Carajá) ...................................................................................
Fig. 71 Gabinete de curiosidades, anônimo - Fim do séc. XVII - óleo s/
tela, Florence, Opificio delle Pietre Dure ..........................................
Fig. 72 Bargueno écritoire noyer et incrustations - Século XVI, Aragon,
Espanha ..........................
.................................................................
Fig. 73
Olaf Nicolai,
Itamaraty
(detalhe vidros com ornamentos florais) .....
Fig. 74
Herbário ...........................................................................................
Fig. 75
Esquema floral usado nos livros de botânica ..................................
Fig. 76
Olaf Nicolai,
Bluete
Técnica mista, 2000 ......................................
Fig. 77
Olaf Nicolai, Interieur/Landschaft, Ein Kabinett
-
(1996
-
1997) .
..…..
Fig. 78
Olaf Nicolai,
Exposição
-
1997 ........................................................
Fig. 79
-
Leila Florence entrega o livro com desenhos da tribo Bororo ..........
Fig. 80
-
Olaf Nicolai,
Souvenir Heimat. Schneekugeln
………....…………....
Fig. 81
José Fujocka,
Lugar de Ilusões,
1995..............................................
Fig. 82
José Fujocka,
Desenho da instalação Lugar de Ilusões
.................
Fig. 83
José Fujocka,
Objetos localizados na segunda parede
..................
F
ig. 84
José Fujocka,
Detalhe das fotografias e objetos
.............................
Fig. 85
José Fujocka,
Detalhe parede 1
......................................................
Fig. 86
José Fujocka,
Detalhe parede 3
................................
......................
Fig. 87
Walter Carvalho,
Matadouro Público
...............................................
Fig. 88
Linchamento
fotojornalismo ..........................................................
Fig. 89
José Fujocka,
Apropriação de fot
ografia
.........................................
Fig. 90
Verso da fotografia original de linchamento dos garimpos ..............
Fig. 91
Cildo Meireles,
Instalação com 2000 ossos, 700 hóstias, 600.000
moedas e filó
1987 .............................
............................................
Fig. 92
José Fujocka,
Cidade Secreta (detalhe 1)
.......................................
Fig. 93
José Fujocka,
Cidade Secreta (detalhe 2)
.......................................
Fig. 94
José Fujocka,
Paisa
gem urbana (detalhe 1)
....................................
Fig. 95
José Fujocka,
Paisagem urbana (detalhe 2)
....................................
124
124
124
124
130
131
131
134
134
136
137
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139
140
140
141
142
145
146
147
147
147
147
149
149
149
150
154
155
156
156
156
Fig. 96
Fujocka,
Religiosa em sua casa na cidade de Poconé
...................
Fig. 97
Rugendas,
Negros e
m repouso,
1822 .............................................
Fig. 98
Rugendas,
Negros em repouso (detalhe),
1822 ..............................
Fig. 99
Anatoli Juravlev,
Serra de Hambé ao leste de Diamantina no Início
do Século XIX
, 1995 .............
............................................................
Fig. 100
Anatoli Juravlev, “
Mandioca” no início do século XIX,
1995. .........
Fig. 101
-
Anatoli Juravlev,
Serra do Hambé ao Leste de Diamantina no
início do século XIX
, 1995.
................
.................................................
Fig. 102
Anatoli Juravlev,
Rio de Janeiro (visto do Sul) no início do século
XIX
, 1995...........................................................................................
Fig. 103
Anatoli Juravle
v, Uma Floresta Virgem em Mangaratiba na
Província do Rio de Janeiro no Início do Século XIX, 1995 ...............
Fig. 104
Rugendas,
Floresta virgem na de Mangaratiba na província do
Rio de Janeiro,
182
-
.................................................
..........................
Fig. 105
George Lerinzinger,
Fotografia do séc.
XIX
..................................
Fig. 106
Marc Ferrez,
Fotografia do séc.
XIX
..............................................
Fig. 107
Kenji Ota,
S/título
...........................................................................
Fig. 108
Kenji Ota,
S/título
...........................................................................
Fig. 109
Anatoli Juravlev,
Untlited
, 1997 ……………………………………...
Fig. 110
Anatoli Juravle
v,
Berlin
, 1998 ………………………………………..
Fig. 111
Anatoli Juravlev, Untitled, 1994 ……...………………………………
Fig. 112
Anatoli Juravlev,
Impossible pictures,
1997 …………………….….
Fig. 113
-
Caravaggio,
Judite e Holoferne
, 1599 ............................................
Fig. 114
Anatoli Juravlev,
Beheaded2
1997 ………………………………..
157
159
163
163
163
163
163
163
164
166
166
167
167
168
168
172
172
172
172
LISTA DE TABELAS
T1.
Quad
ro estudos
-
composição
Ponte de cipó.
Rugendas
............................
69
SUMÁRIO
RESUMO ..........................................................................................................
ABSTRACT ...........................................
...........................................................
LISTA DE FIGURAS .........................................................................................
LISTA DE TABELAS ........................................................................
................
INTRODUÇÃO .................................................................................................
06
07
08
11
13
CAPÍTULO I ARTISTAS-VIAJANTES (XVII-
XIX) E A CONSTRUÇÃO DO
OLHAR ESTRANGEIRO SOBRE O BRASIL ....................
...............................
18
I.1. Recuperando passados: os viajantes, os artistas-
viajantes e o Brasil..........
I.2. O olhar distante e o próximo
-
A pintura de paisagem e a natureza
-
morta...
I.3. A pintura de paisagem no século XIX...............
............................................
28
36
44
CAPÍTULO II
ENTRE OLHARES
O ROMÂNTICO, O NATURALISTA ......
52
II.1. A Expedição Científica de G. I. Langsdorff ..................................................
II.2. Os artistas da Expedição
.............................................................................
II.3. A produção e os Artistas
-
Viajantes de Langsdorff ......................................
II.3.1. Rugendas..................................................................
......................................
II.3.2.
Aimé Adrien Taunay ......................................................................................
II.3.3. Hércules Florence............................................................................
.......
II.4. Após a diferença, a busca da unidade do olhar .........................................
52
56
59
59
73
83
92
CAPÍTULO III O OLHAR CONTEMPORÂNEO RE-
VISITA O BRASIL DE
LANGSDORFF ...........................................................
......................................
97
III.1.
Expedição artística do fim do século XX
– algumas considerações ..........
III.2. As mudanças na percepção/representação: a fotografia, a paisagem ............
III.3. Michael Fahres .......................
....................................................................
III.4. Carlos Vergara ...........................................................................................
III.5. Olaf Nicolai .....................................................
............................................
III.6. José Fujocka ..............................................................................................
III.7. Anatoli Juravlev ........................................................................
..................
97
106
117
118
130
145
161
CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................
175
183
INT
RODUÇÃO
RELEMBRAR VIAGENS E O INÍCIO DE UM OUTRO TRAJETO
Encontramos registros gráficos, pictóricos e literários produzidos no
Brasil desde o período colonial. Missionários de Portugal, naturalistas, cientistas e
artistas da Holanda, França, Áustria, Al
emanha, entre outras nações organizaram
-
se em expedições e vieram ao Brasil com os mais diversos motivos: desbravar
terras ainda não habitadas, explorar as riquezas naturais dos trópicos, coletar
informações sobre os habitantes, a fauna e a flora brasileira, dentre outros mais.
Estes viajantes mostraram curiosidade e espanto diante do mundo novo que
descobriram.
Através destas visualidades podemos ver o Brasil descrito de uma
forma minuciosa em diversos aspectos. Representações da natureza, dos
costumes dos seus habitantes e registros de espécimes vegetais e animais
realizados por esses artistas e cientistas fizeram chegar até nós uma
demonstração de como foi a vida brasileira desde a sua descoberta até o final do
Império.
Em 1555, estabelece-se na baía de Guanabara uma colônia francesa
chefiada por Nicolas Durand de Villegagnon, com os geógrafos André de Thevet e
Jean de ry, que produziram
a
a
período ocorre então a Missão Austríaca, da qual participaram o botânico
Carl
Friedrich Philipp von Martius e os zoólogos Johann Baptiste von Spix
2
e Johann
Natterer, acompanhados por desenhistas, entre eles Thomas Ender
3
, e
assistentes.
Em 1816, a convite da Corte portuguesa, chega ao Rio de Janeiro a
Missão Artística Francesa, chefiada por Joaquim Lebreton, e composta por um
grupo de artistas, entre os quais os pintores Jean-Baptiste Debret e Nicolas
Antoine Taunay, os escultores Auguste Marie Taunay, Marc e Zéphirin Ferrez e o
arquiteto Grandjean de Montigny
4
.
O francês Auguste de Saint-Hilaire percorreu o país no período de
1816 a 1822. Visitou as regiões de Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso, Santa
Catarina, Paraná e São Paulo. Sua última viagem foi à província do Rio Grande
do Sul, a qual se constituiu na primeira expedição botânica a esta região do país.
É dentro deste contexto que nos anos de 1822 a 1829, chefiados pelo
Barão George Heinrich von Langsdorff
5
, os artistas João Maurício Rugen
das,
Aimé Adriano Taunay e rcules Florence
6
, juntos com outros cientistas,
percorreram
as regiões de Minas Gerais, Mato Grosso, Goiás, Rio de Janeiro e São
Paulo. Seus objetivos eram desbravar as terras brasileiras, catalogar as espécies
naturais, grupos
étnicos e costumes. Esse projeto científico resultou em uma grande
quantidade de diários, coleções de objetos e espécies naturais, desenhos e
aquarelas.
2
Para maiores aprofundamentos sobre os trabalhos de Spix e Martius ver GUIMARÃES, 1994;
SPIX, J. B. von; MARTIUS, K. F. P. von, 1938. Ainda sobre a Missão Austríaca, a partir das
amostras de plantas e das impressões colhidas por Von Martius, foi elaborada a
Flora
brasiliensis
,
uma obra em 15 volumes, a qual se tornou referência sobre as plantas do Brasil e agora pode ser
consultada também pela internet, por meio da Flora
brasiliensis
on
-
line
:
http://florabrasiliensis.cria.org.br/
.
3
Os trabalhos de Thomas Ender são analisados em WAGNER, Robert (org). Thomas Ender no
Brasil (
1817
-1818): aquarelas pertencentes à Academia de Belas Artes em Viena.
Graz:
Akademische Druck
-
u, 1997.
4
Para maiores aprofundamentos sobre a Missão Artística Francesa, ver BANDEIRA, 2006 e
CAMPOFIORITO, 1983.
5
George Henrich Von Langsdorff é seu nome alemão. Depois que ele se naturalizou russo passa a
ser conhecido por Gregory Ivanovith Langsdorff. Nesse trabalho referimo-nos a ele somente como
Langsdorff.
6
Estes são os nomes abrasileirados, os quais serão apresentados nesta dissertação.
Em 1995, parte do trajeto percorrido por Langsdorff e sua equipe foi
refeito por cientistas e artistas alemães, russos e brasileiros. Esse projeto
curatorial denominado expedição de artistas, com o apoio do Instituto Goethe e
patrocínio da Siemens, teve como diretor Dieter Strauss (na época, diretor do
Instituto Goethe de São Paulo) e a participação dos artistas brasileiros José
Fujocka e Carlos Vergara, dos alemães Michael Fahres e Olaf Nicolai bem como
do russo Anatoli Juravlev. Junto com eles embarcaram jornalistas, a equipe
cinematográfica, especialistas que estudam artistas da expedição Langsdorff,
cie
ntistas, entre outros. Teve como meta seguir as trilhas de Langsdorff para
conhecer melhor o Brasil do final do século XX. Os resultados desta viagem foram
obras de arte elaboradas com técnicas e interesses variados mostrando o olhar
subjetivo de cada arti
sta.
Esta pesquisa é a continuação de uma trajetória desenvolvida durante
o curso de graduação em Educação Artística Habilitação em Artes Plásticas
FAAC / UNESP (2001
-
2004). Neste período desenvolvi uma pesquisa de iniciação
científica
7
que teve como objeto de estudo a ilustração botânica, a qual foi tratada
através de um resgate histórico nas produções desenvolvidas no Brasil de
artistas
-viajantes estrangeiros e brasileiros desde o século XVI ao século XX,
com a figura do ilustrador científico. A ilustração botânica foi abordada como um
trabalho que estabelece as relações entre arte e ciência uma produção estética
utilizada para fins científicos –
e privilegiou
-
se a discussão do seu caráter técnico,
suas transformações de estilos (romântico, naturalista e científico) e perante a
evolução tecnológica (microscopia, fotografia e computação gráfica).
Portanto, procurando entender mais o trabalho do artista-viajante, a
sua ligação com a ciência e a construção de um possível sistema específico de
represe
ntação, volto-me para o estudo das expedições científicas e detenho-me,
em particular, na Expedição Langsdorff. O motivo se deve ao fato de o trajeto
dessa expedição ter sido refeito pelo grupo de artistas nos anos 90, como
dissemos anteriormente.
7
Título:
Cr
uzando imagens: botânica pictórica e pictográfica. FAPESP, 2004, Faculdade de
Arquitetura, Artes e Comunicação, Universidade Estadual Paulista Bauru SP. Orientação da
professora Dra. Guiomar Josefina Biondo.
O objeto de estudo desta dissertação é a produção iconográfica dos
artistas que participaram da expedição Langsdorff, no culo XIX, e dos
contemporâneos
8
que integraram a expedição de 1995
9
.
Ao tomarmos as duas produções (séc. XIX e XX) surgem algumas
questões: como podemos definir a produção dos artistas-viajantes? Haveria uma
definição? Quais características o identificáveis nas obras visuais (desenhos,
pinturas, gravuras) que constituiriam o que chamamos de arte dos viajantes?
No decorrer desse trabalho percorremos a questão da representação
para verificar qual é o conceito que está presente no trabalho dos artistas-
viajantes. Há algum padrão de representação? Se sim, que padrão é esse e como
ele se define? Questões que levaram à investigação de qual foi a ori
entação
dessas representações, o que se representava e como.
Outra questão se refere ao trabalho específico do artista-viajante em
ambos contextos século XIX e o século XX, para pontuar de que forma arte e
ciência se relacionavam nas produções desses artistas e investigar como se
constroem os olhares: o distante e o próximo, o olhar naturalista (científico) e o
olhar da paisagem em ambas produções, o que permitiu encontrar como estas
revelam o olhar estrangeiro no século XIX e no século XX.
A dissertação consiste de três capítulos, além desta introdução, das
considerações finais e da bibliografia consultada. Com base numa revisão
bibliográfica, centrada na história da arte, na história e na sociologia das viagens,
discutimos no Capítulo 1 Artistas-
viaja
ntes (XVII-XIX) e a construção do olhar
estrangeiro sobre o Brasil”
o ofício do artista
-
viajante, as características técnicas
e conceituais de suas obras, traçando as interfaces entre a arte e a ciência, a
partir da análise das visualidades produzidas pelos artistas que integraram as
principais expedições científicas que percorreram o Brasil do culo XVII ao XIX.
8
O trabalho de Michael Fahres não será analisado nesta pesquisa devido ao fato de ser uma
instalação sonora a qual não tivemos acesso.
9
Outra questão que deve ser observada com relação à leitura das obras é o acesso às
reproduções das mesmas. Fica claro que ter um catálogo como referência pode comprometer a
leitura das obras. Não tivemos uma fruição e o contato direto com estas obras, o que poderia
mudar muito a relação e o diálogo pessoal com as mesmas. Em alguns casos, como na instalação
do artista José Fujocka Neto, houve necessidade de um contato direto com o artista para solicitar
outras reproduções, pois as imagens disponíveis no livro eram de baixa qualidade assim como as
informações referentes à obra.
A análise dessas visualidades nos permitiu identificar que os gêneros de pintura
natureza
-morta e paisagem tornaram-se fortemente presentes a partir da vinda
dos holandeses (Eckhout e Post) e se reconfiguraram no olhar científico proposto
por Alexander Von Humboldt, o qual orientava o sistema de representação
dominante seguido pelos artistas
-
viajantes do século XIX.
A Expedição Langsdorff do séc
ulo XIX é o objeto do segundo capítulo
“Entre olhares o romântico, o naturalista”. Nesse capítulo, apresentamos
detalhadamente os artistas-viajantes que trabalharam junto a esta missão
científica (Rugendas, Taunay e Florence), relacionando elementos bi
ográficos,
acontecimentos históricos e alguns elementos da abordagem formal da produção
destes artistas. Para melhor compreender as obras desses artistas, localizamos
essa produção no contexto da História da Arte, procurando identificar suas
heranças em termos de estilos, bem como as características específicas de cada
artista, pontuando as diferenças e semelhanças entre as obras.
O terceiro e último capítulo “O olhar contemporâneo re-visita o Brasil
de Langsdorff” apresenta a expedição artística realizada em 1995, localizando-
a, inicialmente, no contexto de outras propostas curatoriais semelhantes. Em
seguida, discorremos sobre as mudanças com relação aos sistemas de
representação e aos conceitos artísticos que marcam a transição entre o século
XIX e o século XX, sobretudo a partir da invenção da fotografia. Finalizando o
capítulo nos detemos nos trabalhos dos quatro artistas que integraram a
expedição do século XX: os brasileiros José Fujocka e Carlos Vergara, o alemão
Olaf Nicolai e o russo Anatoli Jur
avlev.
As obras produzidas por esses artistas são descritas e analisadas, no
contexto da própria expedição e da produção artística de cada um deles,
observando
-se, sobretudo, as questões propostas por esse trabalho e pontuadas
anteriormente, ou seja, de que forma arte e ciência se relacionam nas produções
desses artistas.
Ao final apresento novas aberturas que esta pesquisa desperta em
mim, criando a expectativa por outras viagens.
CAPÍTULO I
ARTISTAS
-
VIAJANTES (XVII
-
XIX) E A CONSTRUÇÃO DO OLHAR
ESTRAN
GEIRO SOBRE O BRASIL
Como vimos na introdução deste trabalho, com a abertura dos portos
no início do século XIX, várias expedições científicas começaram a vir ao Brasil
como a Missão Austríaca e a Missão Artística Francesa, entre outras expedições
e vi
ajantes.
A que vieram esses artistas viajantes e naturalistas estrangeiros ao
Brasil? O que viram? O que sentiram? O que ficou registrado através de sua arte?
Como desvendar o olhar dos artistas estrangeiros dirigidos para a
Terra Brasilis
?
Que tipo de representação estava presente no trabalho desses artistas
viajantes: havia algum padrão de representação? Se sim, que padrão era esse? O
que orientava essas representações? O que era representado e como?
Essas são algumas questões que guiam este capítulo que pretende
apresentar, de uma forma sintética, a produção de alguns artistas e cientistas
viajantes estrangeiros que vieram ao Brasil do século XVII ao XIX.
Se nos debruçarmos sobre os acervos de grandes colecionadores e de
museus brasileiros e do mundo para identificarmos os registros visuais que foram
produzidos por artistas e cientistas viajantes nos depararíamos com uma
impressionante quantidade de obras que nos trazem informações e testemunhos
de épocas, com a produção de imaginários multifacetados na ordenação de uma
certa identidade do Brasil.
Centenas de viajantes que passaram pelas entranhas das terras
brasileiras, que percorreram enormes distâncias procurando descobrir o novo, as
novas espécies, novas topografias, exploraram e vivenciaram grandes
experiências com o intuito de desenvolver o conhecimento científico a respeito
destas terras. Os resultados destas viagens - visões do Novo Mundo - foram
materializados em crônicas, diários de viagens, pinturas, gravuras, desenhos,
mapas, dentre outros recu
rsos.
Com a reprodução da natureza, dos costumes dos seus habitantes e o
registro de espécimes vegetais e animais, esses artistas e cientistas fizeram
chegar até nós uma demonstração de como foi a vida brasileira desde a sua
descoberta até o final do Impér
io.
No entanto, Belluzzo observa que
esse legado iconográfico, assim como a literatura de viagem dos
cronistas europeus, pode dar a ver um país configurado por
intenções alheias. Não basta reconhecer que eles escreveram
páginas fundamentais de uma história que nos diz respeito. O
olhar dos viajantes espelha ademais as condições de nos vermos
pelos olhos deles (BELLUZZO, 1994, p. 8).
Desta forma, temos a difícil questão muito debatida pela História, na
qual se discute a forma como a História do Brasil foi contada e escrita, pois
durante muito tempo a nossa história foi comandada pelos colonizadores que aqui
chegaram e, junto com eles, as obras configuradas pelos viajantes engendram
uma história de pontos de vista, de distâncias entre modos de observação, de
triangulações do olhar” (BELLUZZO, 1994, p. 8).
Mario Carelli, no seu texto Os pintores viajantes transmissores de
diferenças
nos diz que as imagens produzidas pelos viajantes, “em sua dimensão
iconográfica, dizem muito ao mesmo tempo sobre o Brasil e sobre o olhar
europeu. Elas nos permitem completar o estudo da confrontação de olhares’”
(CARELLI. 1994, p. 71).
Assim como este autor, Belluzzo também ressalta este mesmo aspecto
da produção ao nos dizer que “mais do que entrever o Brasil deixam ver o
europeu. Mais do que enxergar a vida e a paisagem americana, levam a focalizar
a espessa camada da representação. Evidenciam mais versões do que fatos”
(BELLUZZO, 1994, p. 8).
Mas, afinal, como podemos definir a produção dos artistas-
viajantes?
Haveria uma definição? Quais características são identificáveis nas obras, aqui
especificamente, visuais (desenhos, pinturas, gravuras) que constituiriam no que
chamamos de arte dos viajantes? De uma coisa sabemos, essa atração pelos
trópicos não interessou somente aos naturalistas (para aprimorarem seus
trabalhos científicos), mas também aos “artistas, em busca do exotismo e do
insólito” (CARELLI, 1994, p. 72).
Como afirma Pinheiro (2000), em seus “diálogos interconexos”, as
contaminações do campo científico pelo artístico, e vice-versa, não são apenas
características das produções recentes em arte e ciência. Elas estão
explicitadas nas estratégias de produção das imagens desde o período das
Grandes Navegações do século XVI ao XIX, com a exploração das fronteir
as
planetárias. O artista, contratado para trabalhar nas expedições científicas, podia
usar a observação científica como
leitmotiv
para a exploração formal bem como a
ciência se fez valer da arte para a obtenção de diferentes meios de registro da
realidade
.
De acordo com Pinheiro,
voltando os olhos para o passado, vejo que essa aproximação
não é tão nova assim, nem de uma parte, nem de outra. O que
seriam os antigos registros pictóricos dos viajantes europeus nas
terras distantes: Pintura? Etnografia? Ciências Naturais? A arte
usava como motivo a observação científica, e a ciência usava a
arte como registro, como instrumento. Temos, portanto, a arte
falando de antropologia, a antropologia usando a arte como
instrumento, e ainda a antropologia falando de arte enquanto
objeto de estudo (2000, p. 129).
A arte produzida por estes artistas tinha como matéria a exploração do
material etnográfico e, portanto, acabava falando de uma “certa antropologia” a
partir de suas investigações formais. Por sua vez, as expedições científicas
faziam dos artistas e de suas técnicas de registro da realidade um instrumento
técnico para o desenvolvimento das pesquisas. E, posteriormente, as próprias
reflexões do campo teórico irão tomar estas obras como documentos do passado,
falan
do de arte do ponto de vista das relações culturais.
10
Esta questão levantada por Pinheiro encontra-se apontada no estudo
monográfico de Oliveira e Conduru (2004). Para estes autores, que estudaram
uma série de pranchas com representações coloridas de barbeiros, estamos
diante de um problema nos relacionamentos entre arte e ciência. Se, na
atualidade, como aponta Pinheiro (2000), estas interconexões parecem resultar
em produtos artísticos reconhecidos, no passado, o julgamento por parte da
ciência poderia de
stinar ao limbo as obras com excessivo caráter artístico e pouco
caráter científico. Se hoje temos uma interconexão, no século XIX havia mais uma
10
Ver nas referências bibliográficas: OLIVEIRA E CONDURU, 2004.
negociação mediada por categorias científicas. Se hoje o artista se apropria da
ciência para o estético, no passado a ciência fazia o uso técnico do saber
artístico. Como apontamos no decorrer deste capítulo, estas atitudes apropriativas
do artista, e mais liberadas em relação aos moldes científicos para a produção
das imagens, podem resultar na exclusão das imagens, no seu ocultamento tanto
para a ciência quanto para a arte (OLIVEIRA e CONDURU, 2004), bem como na
separação entre artista e naturalista, aos moldes das relações tensas encontradas
na expedição Langsdorff.
Nestes termos, o comentário de Belluzzo aponta um dos caminhos
para estas questões:
As imagens elaboradas pelos viajantes participam da construção
da
identidade
européia. Apontam os modos como as culturas se
olham e olham as outras, como imaginam semelhanças e
diferenças, como conformam o
mesmo
e o
outro
. Diferentes e
irredutíveis pontos de vista criam uma alucinante memória de
muitos brasis. O imaginário derivado da relação colonial européia
é introjetado como imagem do Brasil, contribuindo para formar
nossa dimensão inconsciente. A questão dos diferentes pontos de
vista permanece atual, na medida em que persiste o discurso
sobre o aqui e o lá, revestido do debate entre o centro e as
margens, e na medida em que se atualiza em abordagens
contemporâneas que reafirmam a condição intercultural, inerente
ao material estudado (BELLUZZO, 1994, p. 8).
No decorrer dos séculos, os inúmeros viajantes que percorreram o
Brasil registrando o que viam produziram uma grande quantidade de documentos
escritos e visuais que carregam uma variedade de imaginários, de olhares e de
relações que se estabeleceram no período de suas permanências nestas terras.
Porém, Belluzzo ressalta que
embora as representações estudadas sejam constituídas de modo
tão diversificado, assemelham-se na medida em que revelam
aspectos de um país de cultura dependente, sob a forma de
fragmentos, que, por sua vez, compõem outras histórias. Não
somos os autores e nem sempre os protagonistas. Fomos vistos,
não nos fizemos visíveis. Não nos pensamos, mas fomos
pensados. Ainda assim, a contribuição dos viajantes forja uma
possível memória de passado e povoa nosso inconsciente (1994,
p. 9).
Uma outra autora que contribui para nossa reflexão acerca das viagens
e dos relatos dos viajantes é Flora Süssekind. Esta afirma que a viagem “é
ocasião para o apre
ndizado” que se dá através da experiência e do “contato direto
com as coisas do mundo” (1990, p. 110). Em O Brasil não é longe daqui o
narrador, a viagem a autora acrescenta que nestes relatos pertencentes às
expedições científicas “o narrador parece iniciar o trajeto formado, com sólidos
conhecimentos de ciências naturais que apenas testa e amplia diante de novos
espécimes e terras desconhecidas” (idem). Portanto, aqui o aprendizado não é de
si mesmo, “mas da própria capacidade de resistência e trabalho mesmo em
condições por vezes bastante adversas” (idem). A viagem possibilita o
conhecimento do novo, de outras culturas, de outros locais, de novas relações
11
.
Sobre a questão da viagem e das obras dos viajantes Belluzzo
acrescenta que:
Pode
-se afirmar a existência de uma estética condizente com
pontos de vista de viajantes. A viagem sempre foi um meio
eficiente, melhor dizendo, um método pelo qual o sujeito deixa o
âmbito cotidiano e a esfera do
mesmo
para experimentar o
outro.08406 0 0 -Tm(a)Tj6 7853 6634 Tm(e)Tj0.08406 .08406 8472
atento da realidade, exercitando diante dela a arte de pensar, desprendendo-
se
de seu mundo imaginário, para dirigir a atenção ao verdadeiramente útil”
(MOREIRA LEITE, 1984, p. 25)
12
.
Os resultados dessas viagens, as obras e relatos dos atentos viajantes
contribuíram para a história cultural, para as artes e para as ciências. Durante as
viagens temos “roteiro imperioso, paisagem útil, classificações, notas, desenhos
feitos de imediato. Nada apenas de passar pelos lugares”. Para estes viajantes
“era preciso aumentar sempre as coleções, tentar instruir eventuais colaboradores
na preparação de vegetais e animais para os
futuros estudos da História Natural”.
E, além disso, também “apresentar sugestões para o país desde agrícolas a
educativas ou literárias –, defender os povos naturais” (SÜSSEKIND, 1990, p.
116).
Os artistas-viajantes não produziam somente desenhos, pinturas e
esboços. Várias pranchas produzidas por eles são acompanhadas de anotações
que, por vezes, de tão minuciosas, transformaram-se em verdadeiras anotações
de diário, um registro escrito do que o artista acabara de pintar. Estes escritos
são, em sua maioria, técnicos, classificatórios, são informações científicas que
pretendem ressaltar os interesses de tal registro. Porém, em algumas poucas
aquarelas e desenhos destes pintores podemos encontrar um “outro olhar que
não o do naturalista funcionando como ponto de mira para as paisagens”
(SÜSSEKIND, 1990, p. 116). Observemos a anotação de Rugendas durante a
execução de um trabalho (fig. 01) em sua visita à cachoeira de Ouro Preto:
Azul
-escuro e muito transparente, nas nuvens [...] tonalidade
vermelho
-
cinza
do poente. Montanhas no plano posterior-
ultramarino, pico montanhoso alongado amarelo [...] rochas de
montanha alta [...]
(apud SÜSSEKIND, 1990, p. 120).
12
Apud
Süssekind (1996, p. 116).
Fig. 01
-
J. M. Rugendas,
Cachoeira de Ouro Preto,
aquarela, 1824
13
Não encontramos anotações geológicas ou botânicas, classificações
de espécies, mas sim informações ligadas “à cor e à luz ou do momento exato em
que a desenhava ou a serem utilizadas caso viesse a pintá-la” (SÜSSEKIND,
1990, p. 120). Süssekind explica que seria como que o artista “por um momento,
desarmado o olhar, tivesse de fato visto a paisagem”. Ela afirma ainda que seria
como se ele a percebesse
não atemporalizada, como se nas generalizações e sistemas de
classificação, mas presente, perceptível com aquela luz e aquelas
cores exatas apenas naquele instante preciso. Daí, de um lado, o
registro rápido a lápis, sem cor, sem muitas sombras, e de outro, a
anotação cheia de reticências, do que de fato parece impressioná
-
lo. Aquela paisagem corriqueira, sem nada de especial a destacar,
ma
s que, sob determinada luminosidade do poente, detém seu
olhar e o obriga a registrá-la, assim mesmo, por escrito, como
rápida epifania em meio ao cotidiano do viajante (SÜSSEKIND,
1990, p. 120).
E, em algumas situações, as poucas informações escritas q
ue
acompanham as imagens as legitimam, como podemos observar em Hércules
Florence, artista da Expedição Langsdorff:
Depois de expor em detalhes uma paisagem, Florence acrescenta
a seguinte notação ao seu diário: “O senhor Taunay desenhou
esta bela paisagem e voltamos à chapada”. Como quem diz: se a
13
Costa (1995, p. 65).
descrição parecer insuficiente, recorra ao desenho; ou, se quiser
certificar
-se da fidelidade da descrição por escrito, compare-a à
sua “duplicata” plástica. De que se encarregava muitas vezes o
próprio relator
da viagem (SÜSSEKIND, 1990, p. 147)
14
.
Segundo CARELLI (1994, p. 73), a maior parte dos artistas-
viajantes
prefere as anotações das “singularidades brasileiras ao subjetivismo inflamado”.
Para ele, “praticando a arte da viagem sentimental, eles propõem pin
turas
agradáveis de hábitos estrangeiros e de costumes desconhecidos”. Para este
autor, a arte dos viajantes teria como regra geral, na sua “abordagem
documentária”, o “realismo” como prioridade. Encontramos em seu ofício um
estudo interdisciplinar, pois o “pintor viajante é freqüentemente geógrafo,
naturalista e mesmo historiador”.
Tal como nos diz Flora Süssekind,
lições de botânica, inventários de costumes (cavalhadas,
batuques, queimadas de Judas, festas do Divino), lugares
(vendas, fazendas, vilas, quilombos, igrejas, minas, aldeias), tipos
(o tropeiro, o escravo rural e o urbano, o moleque, a mulher
guardada a sete chaves, o fazendeiro, o gaúcho, o padre, o
vendeiro, o índio), vistas (cachoeiras, matas cerradas, grutas,
sertão, litoral): é esse “viajante previdente” que a ver e treina o
modo de ver a paisagem brasileira de seus aprendizes locais.
Marcando
-se, nos relatos desses viajantes ilustrados,
simultaneamente um ponto de mira, um traçado de mapa e uma
paisagem natural a ser atemporalizada e e
tiquetada “Brasil” (1990,
p. 149
-
150).
Assim, as tensões e negociações permanentes entre artistas e
cientistas desdobram-se, no artista, nas relações que duplicam a condição do
olhar e o entremeio entre o olhar naturalista esperado pelos cientistas e
o
olhar da paisagem encontrado pelos artistas. A paisagem era também o ponto
de encontro entre as descrições textuais, tanto do tipo naturalísticas (científicas)
quanto do tipo artísticas. Assim, vimos enunciar
-
se um problema de contemplação
em meio ao universo da observação, numa oscilação permanente entre o desejo
documentário (descrever, contextualizar) e o desejo de atemporalidade (a imagem
contemplativa da paisagem “brasileira”).
Sobre a questão da paisagem Burke diz que
14
Süssekind refere
-
se a um comentário de Florence contido em Florence (1977, p. 173).
se a paisagem física é uma imagem que pode ser lida, então a
paisagem reproduzida numa pintura é a imagem de uma imagem.
[...] No caso da paisagem, árvores e campos, rochas e rios, todos
esses elementos comportam associações conscientes ou
inconscientes para os espectadores. Devemos enfatizar que nos
referimos a observadores de determinados lugares e períodos da
história. Em algumas culturas a natureza selvagem é detestada e
até temida, enquanto em outras ela é um objeto de veneração.
Pinturas revelam que uma variedade de valores, inc
luindo
inocência, liberdade e o transcendental, foi toda projetada na terra
(BURKE, 2004, p. 53
-
54).
Esta atemporalidade procurada e identificada ao exercício de uma
estética do sublime kantiano deve ser, num estudo historiográfico e de revisão de
fontes,
remetida à sua recontextualização.
Assim, na produção de imagens e textos acerca da paisagem brasileira
estarão sendo referidos não somente formas adotadas nos desenhos, esboços,
pinturas e notas feitas em diários. Elas remetem a uma experiência do artista em
solo brasileiro e a uma conceituação negociada com categorias européias de
apreensão da realidade na qual a própria terra deve ser pensada como objeto de
valoração.
Burke nos oferece o exemplo da paisagem pastoral:
Por exemplo, o termo ‘paisagem pastoral’ foi criado para
descrever pinturas feitas por Giorgione (c. 1478 1510), Claude
Lorrain (1600 1682) e outros, porque elas expressam uma visão
idealizada da vida rural, especialmente a vida de pastores e
pastoras, da mesma forma que a tradição ocidental da poesia
pastoral a partir de Teócrito e Virgílio. Parece que essas
paisagens pintadas acabaram influenciando a forma de percepção
das paisagens reais. Na Inglaterra do final do século 18, turistas’
com o poeta Wordsworth foi um dos primeiros a chamá-
los
com guias de viagem na mão, viam a região do Lake District, por
exemplo, como se estivessem tratando de uma série de pinturas
realizadas por Claude Lorrain, descrevendo-a como ‘pitoresca’. A
idéia de pitoresco ilustra um aspecto geral sobre a influência das
imagens na nossa percepção do mundo. Desde 1900, turistas em
Provence têm vindo para observar a paisagem local como se
fosse feita por Cézanne (BURKE, 2004, p. 54).
Para os artistas que viajavam pelo Brasil, o nascimento de uma
paisagem, como diz ssekind (1990), resulta de um jogo entre um olhar
previdente e um olhar flutuante, da observação / descrição / documentação e da
experiência luminosa e colorida / sensações visuais / atemporalizante. Nas
paisagens nascentes, uma certa tipicidade ou simbolismo dos trópicos passa a
integrar
-
se a uma representação do cenário brasileiro.
Nesta representação do “trópico”, como afirmamos acima,
encontram
-se amalgamados o interesse geográfico e a representação técnica por
meio da arte, mas ainda podemo
s incluir aqui um senso político da representação
simbólica. Assim, as paisagens ou elementos dela podem se tornar meios
estáveis de amostragem e de identificação de si e do outro. As diferentes
vegetações e populações e as formas pelas quais aparecem organizadas na
superfície de representação (papel, tela, madeira) tornaram
-
se, no caso brasileiro,
em símbolos de uma Nação, para si (nacionalismo do romantismo) e para os
outros (exotismo dos trópicos para ser reconhecido em diferentes partes do
mundo).
I.1
. Recuperando passados: Os viajantes, os artistas
-
viajantes e o Brasil.
Desde fins do séc. XV e por todo o séc. XVI predominou na Europa em
relação ao Novo Mundo certa visão fantasiosa que se nutria de narrativas
extravagantes de viagens imaginárias ou sobrenaturais. Eram ora regiões
maravilhosas, onde se situaria o próprio Paraíso Terrestre, ora terras inóspitas
despovoadas ou, pior ainda, habitadas por seres monstruosos. Colombo, em carta
na qual dava contas do que pudera presenciar em sua viagem de 1492
, observava
com alívio o ter se deparado com os monstros humanos que muitas pessoas
esperavam que encontrasse, mas ao contrário, com uma população "muito bem
feita de corpo".
15
Segundo Burke,
raças monstruosas podem ter sido inventadas para ilustrar teorias
sobre a influência do clima, revelando a pressuposto de que
pessoas que habitam lugares extremamente frios ou quentes não
podem ser totalmente humanas. Contudo, pode ser esclarecedor
tratar essas imagens não como simples invenções, mas como
exemplos
de percepção distorcida e estereotipada de sociedades
remotas. [...] Na medida em que a Índia e a Etiópia se tornaram
mais familiares aos europeus nos séculos 15 e 16 nem Blemmiae,
Amazonas ou Sciopods puderam ser encontrados, os estereótipos
forma realoca
dos no Novo Mundo. (2004, p. 157
-
158).
É com a memória de Hans Staden que temos os primeiros relatos
sobre o Brasil. Segundo Belluzo (1994, p. 12), o texto ilustrado de Staden “funda a
memória
do Brasil e marca o imaginário que se desenvolve através dos
viajantes
dos séculos XVI e XVII e por meio de publicações ilustradas”, com trabalhos de
Leo Theodorum de Bry (fig. 02).
15
Para mais informações ver Burke (2004, p. 157
-
158).
Fig. 02
-
Gravura de Leo Teodore de Bry, reproduzida da edição original de 1557 em Marburgo,
Alemanha, do livro de Hans Staden “Dua
s Viagens ao Brasil”
16
.
Mas se verificarmos historicamente, teríamos como um primeiro
imaginário dos viajantes, nos primórdios do século XVI, aquele fruto das relações
travadas com os índios, constituindo a figura do bom selvagem
17
, para a qual a
França contribuiu muito na construção de um mito (BELLUZZO, 1994). Podemos
ver nas obras desta época, como as de Jean de Léry (1555) (fig. 03) e de André
Thevet (1557), o índio nu, atlético, com um referencial das relações proporcionais
da Antigüidade, semelhantes à
s figuras das estátuas gregas.
16
Imagem disponível na Coleção
Imagens Históricas do Brasil
, Edito
ra Abril, sem data.
17
O termo será alvo da apropriação por parte da filosofia francesa do romantismo do século XVIII-
XIX, tendo como principal expoente a figura de Jean
-
Jacques Rousseau.
Fig. 03
Índios tupinambás
Jean de Léry (s/ data)
18
Dessa visão nostálgica e irreal dos nossos ameríndios travestidos em
heróis da Antiguidade Clássica derivam certas representações, nas quais
assumem aparência ou postura hercúlea ou apolínea. Corpos bem
proporcionados como estátuas gregas, algumas devidas a grandes artistas como
Albrecht Dürer e Hans Burgkmair, os quais, logicamente, nunca chegaram a ver
um ameríndio de perto. Embora desde os primeiríssimos anos do c. XVI
começassem a chegar a Portugal e a outros países da Europa, trazidos como
bichinhos amestrados pelos colonizadores
19
.
Os índios foram apresentados como exemplo do homem universal, o
que caracterizaria a visão do bom selvagem, visão de uma terra (do Brasil)
associada ao Éden (paraíso). Porém, vemos também nas obras desta época
algumas representações que se contrapõem a essa idéia de Éden. Ao entrarem
em contato com os índios canibais os viajantes estrangeiros puderam conhecer
as nações mais selvagens
, ocasionando um forte impacto.
18
Imagem disponível no CDROM “Artistas
-
viajantes”
do Itaú Cultura
l.
19
Ver CDROM “500 Anos de Pintura Brasileira”.
Assim, de todos os costumes dos naturais do Brasil, o que mais chocou
e ao mesmo tempo fascinou os europeus, foi a antropofagia (fig. 04). Por isso, a
mais remota representação de indígenas brasileiros é uma xilogravura anôn
ima
ilustrativa do
Novus Mundus de Vespúcio (c. 1505). Mostra um grupo de canibais,
entre eles mulheres e crianças, devorando à beira
-
mar o corpo de um inimigo que
acabaram de assar numa fogueira. A beleza física dos antropófagos, sua
longevidade, o fato de andarem despidos, o possuírem propriedade privada ou
forma de governo, foram noções todas elas equivocadas ou imprecisas, que
muito mais tarde seriam reformuladas
20
.
Fig. 04
Canibais
Theodore de Bry (séc. XVII)
21
Esse contato com as tribos canibais deixou uma forte marca nestes
viajantes, pois, realmente, esta prática provoca um grande choque com o outro, o
estranho
22
. Estes índios, durante muitos anos, causaram medo aos colonizadores
que, para desbravarem estas terras, tiveram que lutar e, aos poucos, exterminar
estas nações mais selvagens.
20
Mais informações, ver CDROM “500 Anos de Pintura Brasileira”.
21
RAMINELLI, 2005, p. 26.
22
Para uma análise mais detalhada desta questão, ver Burke (2004, p. 159).
Porém, com a Missão Holandesa
23
que veio em 1630 temos uma
outra relação com o mundo natural brasileiro por parte dos seus participantes,
impondo
-se uma forma descritiva da realidade
24
, dando fundamentos a u
ma
abordagem visual de caráter científico, destacando-se os trabalhos do alemão
George Markgraff (astrônomo, cientista e autor de ilustrações cartográficas)
,
Frans Post (paisagista), Albert Eckhout (pintor de naturezas-mortas e tipos
etnográficos
fig. 05)
25
e alguns outros pintores que não tiveram tanto destaque,
como Zacharias Waneger,
Caspar Schmalkalden e Johan Nieuhof
26
.
23
A vinda dos holandeses para a Capitania de Pernambuco foi de grande importância para o
Brasil. O Conde Johan Maurits van Nassau-Siegen (conhecido nos textos brasileiros como João
Maurício de Nassau) trouxe consigo uma série de profissionais como geógrafos, médicos,
engenheiros, geômetras e
botânicos. E, até o século XIX, praticamente estes viajantes holandeses
conseguiram executar um trabalho deste gênero em nossas terras devido ao fato dos portugueses
impedirem a entrada de qualquer estrangeiro, provavelmente por razões estratégicas, no sen
tido
de esconder das outras nações as riquezas naturais de nosso país. Ver CDROM “500 Anos de
Pintura Brasileira”.
24
Alpers (1999).
25
Elly de Vries toma como base o enfoque tradicional de análise de Eckhout e ressalta o caráter
documental desta produção artística. “[...] a tarefa do artista de documentar o Novo Mundo e a
forma com que suas obras foram utilizadas como fonte científica sobre as plantas, os animais e os
povos do Brasil. Elly de Vries estava entre os primeiros a chamar a atenção para as impor
tantes
relações entre as pinturas de Eckhout e os cerca de 400 estudos, os Theatri Rerum Naturalium
Brasiliae
, que Nassau e os artistas levaram do Brasil quando voltaram a seu país”
(BERLOWICZ,
DUE, WAAEHLE, 2003, p. 25).
26
Para Aguillar (2000), a estada de Post, entre outros artistas e cientistas (os holandeses) que
acompanharam o conde Maurício de Nassau, foi a inauguração da grande arte ocidental leiga no
Novo Mundo.
Fig. 05
Mulher Tupi
, 274 x 163 cm, óleo sobre tela, 1643
Museu Nacional da Dinamarca
27
Com a pintura holandesa no Brasil, os artistas que acompanharam o
Conde de Nassau introduzem uma “nova concepção de
imagem
(BELLUZZO,
1994). A autora (1994, p. 19) nos diz que “a nova noção de imagem diz respeito
aos simulacros visíveis dos corpos, às emanações das coisas no espaço, ao
vazio
que torna possível a visão dos corpos”. Portanto, o artista Albert Eckhout,
principalmente, com sua pintura, “realiza à luz do dia a descoberta do fenômeno
da vista. Pode-se dizer que assinala outro renascimento: o renascimento dos
sentidos”. (BELLUZZO, 19
94, p. 19).
Ao vermos as composições de Eckhout, sentimo-nos induzidos não
somente à visão, mas a outros sentidos como o tato, o paladar e o olfato. Essas
naturezas
-
mortas são
feitas pelo prazer dos sentidos e exibem a habilidade artística e o
virtuosismo
, herdados pelo Renascimento da experiência da
Antiguidade clássica. Filiam-se às pinturas que desenvolvem
artifícios para enganar os sentidos, como os artistas italianos do
27
Imagem disponível no catálogo
Albert Eckhout volta ao Brasil 1644
-
2002
, 2002.
século XV verificam nos modelos antigos. As coisas da natureza
estimulam assim prazeres ilusórios, não verdadeiros, dando lugar
a um jogo entre a aparência e a verdade (BELLUZZO, 1994, p.
24)
28
.
Para Belluzzo, estes vegetais (fig. 06 e 07) nos convidam ao prazer de
degustá
-
los. Algumas frutas aparecem cortadas ao meio, enfatizando este
prazer
ao espectador; mostram estas testemunhas da fecundidade das terras do Novo
Mundo. “A contemplação da natureza brasileira promove a visão e o tato, provoca
a sensação do gosto e do cheiro”, afirma a autora (1994, p. 114
-
118).
Fig 06
- A
bacaxi, melancia, ect
Fig 07
-
Inflorescência de palmeira, pimentas, ect
.
29
Galard (2000) ressalta ainda que essa aproximação dos objetos,
aparentando estar quase vivos sobre a tela, sobre fundo de céu, transmite a
impressão de que Eckhout quis nos convidar a uma exaltação dos sentidos, ou
talvez mesmo a celebrar uma espécie de abolição da distância, reafirmando tal
pensamento.
28
Vale
ressaltar que nesse momento a Europa tem a arte de Caravaggio que, com seu
naturalismo, revoluciona a arte européia, submetendo todos os eventos e temas a uma mesma
hierarquia. Quebra com as leis e normas da perspectiva renascentista e quer a veracidade a todo
custo e, como ressalta Nelson Aguilar, “o Barroco rompe essa subserviência em busca de uma
linguagem mais direta, a bíblia em imagens do cristianismo militante ou a natureza tal e qual
restituída por Vermeer ou Rembrandt (AGUILLAR, 2000, p. 33).
29
Ambas são óleo sobre tela, sem assinatura e pertencentes à Coleção Etnográfica do Museu
Nacional da Dinamarca, Copenhagen. Imagens disponíveis no catálogo Albert Eckhout volta ao
Brasil 1644-
2002
, 2002. Encontram-se disponíveis em: BERLOWICZ, B.; DUE, B.; WAEHLE, E.,
2002. p. 48 e 57.
A permanência dos artistas de Nassau no Nordeste representa um
episódio isolado e dos mais interessantes da história da pintura brasileira, pois
não deixaram discípulos ou pintores que continuassem os trabalhos. O fato se
reveste de importância também para a história da arte ocidental, pois corresponde
cronologicamente à primeira investida da arte holandesa fora do conti
nente
europeu. Além disso, pelo fato de não serem católicos, esses pintores puderam
entregar
-se livremente a gêneros pictóricos até então jamais praticados no Brasil,
sendo os primeiros a fixarem profissionalmente a paisagem, os habitantes, a
fauna e a flora brasileiros. As pinturas e desenhos de Post, Eckhout e
provavelmente outros artistas de Nassau, foram aproveitadas como cartões de
tapeçarias pela Manufatura dos Gobelins e divulgadas em sucessivas tiragens até
vésperas da II Guerra Mundial
30
.
A produção artística de Post e Eckhout contribuiu para a autonomia da
pintura de paisagem e natureza-morta tal como podemos verificar no texto de
Belluzzo:
A confiança na experiência estética marca uma nova etapa na
história da arte e é devida à contribuição de artistas flamengos e
holandeses, que tiram proveito da observação naturalista, cuja
plástica é elaborada a partir da luminosidade da cor. No século
XVII, os holandeses, herdeiros das tradições flamengas, afirmam
a autonomia da pintura de paisagem e a natureza-morta (1994, p.
19).
Estes serão gêneros privilegiados, que permanecerão em várias outras
expedições estrangeiras que virão a partir do início do século XIX.
30
Mais informações, ver CDROM “500 Anos de Pintura Brasileira”.
1.2. O olhar distante e o próximo - A Pintura de Paisagem e a Natureza-
Morta.
Como vimos, temos dois gêneros da pintura que guiarão as futuras
produções dos artistas-viajantes. Ambos gêneros nos permitem refletir sobre qual
seria a distância que devemos nos colocar para obtermos uma melhor visão sobre
o Brasil, isso independente de origem ou nacionalidade, que temos uma visão
mais aproximada (a natureza
-
morta) e uma mais distanciada (a paisagem).
Essa reflexão foi feita por Jean Galard, para quem numa distância
longe demais temos uma realidade que se embaralha e “não se vislumbra senão
aquil
o que se deseja crer”. Porém, perto demais perdemos a importância do
conjunto, pois, ao observarmos elementos particularmente, eles adquirem uma
importância desmedida, perdendo assim o conjunto. E é que entra o cerne da
questão: “entre o olhar muito afastado, que se engana, e o olhar muito próximo,
que se acostuma até nada mais enxergar, qual a distância certa?” (GALARD,
2000, p. 36). O autor ainda ressalta que a “distância aqui considerada é mental e
psicológica” e questiona:
que recuo intelectual e afetivo se deve tomar para que um país,
em seu conjunto e em sua originalidade, nos apareça? Teriam
mesmo os “viajantes” de antigamente boas chances de manter,
com relação ao Brasil, este recuo na medida certa? O que vem a
ser hoje um “viajante”? E um estran
geiro? (GALARD, 2000, p.36).
Galard ainda nos mostra que também podemos considerar a distância
de um modo físico e literal, que poderá contribuir para essa reflexão. Ou até
mesmo essencial, pois se estamos trabalhando com imagens, com obras visuais,
elas
implicam necessariamente um ponto de vista mais ou menos distante para
com o que representam.
Observemos o que diz a respeito o artista Rugendas quando trata das
florestas brasileiras:
As florestas nativas constituem a parte mais interessante das
paisagen
s do Brasil; mas também a menos suscetível de
descrição. Em vão procuraria o artista um posto de observação
nessas florestas em que o olhar não penetra além de poucos
passos; as leis de sua arte não lhe permitem exprimir com inteira
fidelidade as variedades inumeráveis das formas e das cores da
vegetação que ele se vê envolvido. É igualmente impossível suprir
a essa falha por meio de uma descrição e muito erraria quem
imaginasse consegui-lo através de uma nomenclatura completa
ou de uma repetição freqüente de epítetos ininteligíveis ou
demasiado vagos. O escritor vê-se manietado pelas regras da
razão, e pela teoria do belo, dentro de limites tão estreitos quanto
os do próprio pintor e a que é dado somente ao naturalista
transpor (RUGENDAS, 1976, apud SÜSSEKIND, 1990, p. 117-
118).
Este comentário, tal como analisa Süssekind, parece entregar à razão
do naturalista a ordenação possível da paisagem”, ressaltando a duplicidade
desta relação entre documentação e flutuação do olhar, entre descrição e
paisagem,
como já vimos em tópico anterior deste capítulo.
O artista nos chama atenção para um olhar que toma como modelo o
do naturalista. Süssekind ressalta que o artista não “sugere em momento algum a
possibilidade de não representar ‘tudo’” e explica que de uma
forma enciclopédica
suas “pranchas deveriam abranger espécies, famílias, gêneros, variações
cromáticas e de tamanho, múltiplas configurações de tipos e lugares idênticos,
sempre procurando dar conta de um detalhe a mais”, o q
Fig. 08
-
Paisagem com jibóia
, óleo s/ tela, Frans Post
31
Para Galard, a pintura de paisagem holandesa de Frans Post
em meio às vastidões brasileiras, consegue “recortar” sua
paisagem. Ao vivo, a cena tem uma amplidão tal que não se pode
abarcá
-la senão virando a cabeça. O pintor condensa essa vista,
comprime
-a, enfatiza o primeiro plano, aproxima o longínquo,
amplia os objetos localizados à meia distância, eleva à altura do
céu, areja o conjunto, “como se” a vista resultasse de uma luneta
invertida. Isso se comprova, não por documentos de arquivos, isto
é, por informações extrínsecas, mas pela própria evidência interna
dos quadros. (GALARD, 2000, p. 38).
Jean Galard nos diz que Eric Larsen, em seu livro sobre Frans Post,
supõe que no início do século XVII, no meio intelectual holandês que estava no
Brasil, a invenção do telescópio poderia ter influenciado a concepção de
paisagem. Larsen trabalha com a hipótese de que, num dia qualquer, alguém
poderia ter observado pelo lado maior da luneta e visto o efeito produzido. Se
observarmos pelo lado invertido do telescópio, vemos uma paisagem condensada
e embaralhada, ao invés de amplos detalhes. Essa vista amontoada é também
reduzida de forma proporcional, “ao passo que, a olho nu, a extensão assim
31
Imagem disponível no CDROM “500 anos de Pintura Brasileira
Uma Enciclopédia Interativa”.
circunscrita não poderia ser abarcada por um único olhar” (LARSEN, 1962, apud
GALARD, 2000, p.38). Sendo assim, esse uso imprevisto da luneta galileana
poderia ter originado a concepção de paisagem da época. Porém, para Galard
iss
o não é de grande importância.
Com esse exemplo de leitura da obra de Post podemos identificar um
tipo/estilo de composição submetido a uma certa distância que pode ser definida
pelo olhar distante (de paisagem) e pelo olhar aproximado (natureza
-
morta).
O
olhar aproximado pressupõe que a composição possua um primeiro
plano ocupado por uma vegetação, um animal, ou um grupo de personagens,
tudo minuciosamente reproduzido (fig. 05, 06 e 07). Utilizado para o estudo
individual da espécie, nos aponta Süssekind (1990, p. 112), “é como se o olhar
desse viajante naturalista de algum modo tentasse escapar às grandes extensões
e, mesmo imerso nelas, visse apenas o miúdo, as espécies vegetais, pássaros e
insetos”.
Um bom exemplo (e vale a pena retomarmos) deste olhar s
ão as obras
de Eckhout, tanto nas suas composições com vegetais (fig. 06 e 07) como das
representações dos índios (fig. 05). Segundo Galard, “os legumes e as frutas que
nos oferece aos olhos, ou antes coloca sob o nosso nariz, nos tapam a vista”
(2000, p.38). Nas suas obras, esses elementos aparecem sob um fundo
paisagístico, ou um céu anuviado. Suas representações de proximidade
permitem
-nos uma precisa identificação do objeto pintado, seja ele um vegetal,
um animal ou um ser humano. Essas composições estão diretamente ligadas ao
gênero da “natureza
-
morta”, evocando os sentidos, algo comum na Holanda desta
época e, muitas vezes, em suas obras. Como diz Belluzzo,
Eckhout simula janelas que dão vista para o céu ao longe, e
dispõe as espécies botânicas próximas ao espectador sobre a
superfície do parapeito. Apesar disso, a luminosidade do céu
chega, muitas vezes, primeiro ao olho. O jogo de trompe l´oeil é
também resultante da coincidência entre a linha de terra e a linha
do horizonte, pela qual o artista produz o encontro da natureza-
morta com a paisagem (1994, p. 24).
Um outro artista que também adotou a posição aproximada para
descrever sua visão da geografia, das cenas locais cotidianas e históricas foi
Jean
-Baptiste Debret (fig. 09 e 10), que permaneceu no país durante os anos de
1816 a 1831. Sobre este artista, Pedro Corrêa do Lago (2000), em “O olhar
distante: A Paisagem Brasileira vista pelos Grandes Artistas Estrangeiros 1637-
1998”, observa que sua observação era minuciosa, que o artista se preocupava
com detalhes ínfimos, como detalhes de roupas, chapéus e topografia.
Fig. 09
-
Oficial da corte
, aquarela, Debret, 1822
32
Fig. 10
Calçadores,
aquarela, Debret,
1824
33
Por um outro lado, a grandiosidade da natureza brasileira não permite
qu
e possamos vê-la por inteiro. A foz do rio Amazonas, por exemplo, o pode
ser percebida. Para que possamos ver a floresta brasileira é preciso dividi-la em
pequenos quadros, para assim mostrarmos sua monumentalidade grandiosa
(BELLUZZO, 1994).
Para que se realize um bom trabalho de registro, de classificação da
natureza e de suas espécies é necessário que se utilize ambos olhares, de ambas
técnicas que se complementam, possibilitando assim um estudo mais elaborado e
fiel. Pode não satisfazer cientificamente as informações visuais contidas somente
em uma prancha, pois o maior número de informações possível valoriza o
trabalho. É como se não bastasse o simples registro de uma vista e fosse
necessário delinear com nitidez ainda alguma árvore, espécie vegetal d
e pequeno
porte, algum homem em atividade característica ou apenas passando. Seria como
se uma prancha única devesse dar conta de uma multiplicidade de espécies
existentes ou atividades possíveis naquele exato local.
32
Imagem disponível no CDROM “500 Anos de Pintura Brasileira
Uma
Enciclopédia Interativa”
.
33
Imagem disponível no CDROM Artistas
-
viajantes
Itaú Cultural.
Segundo Galard (2000), os artistas podem escolher dois tipos de
apresentação da sua obra. Independentemente de a topografia permitir ao
observador uma vista aproximada ou afastada, os artistas demonstram atitudes
diferentes quanto à configuração dos lugares. Alguns artistas, como Thomas
Ender,
preferem manter-se a uma certa distância do que eles descobrem. Para o
autor,
a técnica utilizada lápis e aquarela - , a extrema delicadeza do
traço e da cor desempenham, sem dúvida, um papel
preponderante no aspecto fantasmagórico de certas obras... al
ém
do mais, Ender, membro
adiante), intitulada Morro de Santo Antônio em 1816. Portanto, em certas obras o
espectador é mantido à distância, em outras é convidado a entrar, penetrar para
vivenciar de forma imaginária a situação em que este artista esteve.
Em suma, em meio a representações de naturezas-mortas e
paisagens, de relatos de viagens, temos que a partir do século XVII, uma pintura
de observação e a prática da coleção de objetos
35
(taxonomia, classificações)
passam a fixar certos modos de representação visual da natureza. Nestas
representações, temos dados etnográficos, botânicos e geográficos, dados esses
que caracterizam uma interdisciplinaridade na iconografia.
É durante esse período que o olho tem uma função prioritária para a
observação e descrição visual das espécies da natureza para fins de
classificação, uma taxonomia das espécies individualmente como no seu
conjunto. Portanto, “o olho assume uma função ativa, colaborando na tarefa de
configurar e identificar o mundo através da construção da forma dos seres da
natureza” (BELLUZZO, 1994, p. 28).
Neste sentido,
para que se possa observar os seres, as suas qualidades deverão
ser transformadas em quantidades: a “figura” formada pela planta
deve ser percebida com relação à quantidade de componentes e
como grandeza, descrita em cada um de seus elementos e na
disposição entre eles. Além da análise comparativa das
proporções, outro parâmetro é dado pelas figuras regulares da
geometria platônica. O círculo, o hexágono, o triângulo precedem
o olhar que busca apreender como a forma das plantas afeta a
figura geométrica (BELLUZZO, 1994, p. 28).
Desta forma, o que podemos verificar aqui é que, neste modelo de
conhecimento adotado pela ciência clássica, o sentido da visão é que define o
modelo de conhecimento. Portanto, a “visão” sempre está associada aos critérios
e modos operativos de que o homem dispõe e o que a autora nos afirma é que o
desenho torna-se, de acordo com o pensamento clássico, um “modo de
experimentar a verdade
exterior
pelos sentidos; ajusta-a por meio do raciocínio e
35
Desde os séculos XV e XVI já havia um desejo de se construir um grande inventário da naturez
a
numa espécie de enciclopédia. Essas coleções (gabinetes científicos) levadas à Europa formaram
os Museus de História Natural no final do século XVIII e início do século XIX, período em que foi
intensa a produção científica de classificações (CDROM “500 a
nos de Pintura Brasileira”).
é capaz de definir o visto por meio de regras constantes e lógicas” (BELLUZZO,
1994, p. 30).
Através da observação e da descrição destes artistas e cientistas-
viajantes, seus trabalhos demonstram que
a imagem que podia ser obtida por procedimentos aproximativos
cedia à representação visual dos seres da natureza por meio da
forma
, instância capaz de permitir a análise e o discernimento
desses entes naturais. Para defini-los seria necessário situá-
los
em um determinado lugar, encontrar a posição ocupada por cada
um deles com respeito aos outros seres do universo, concebido,
assim, como um cosmos ordenado e contínuo (BELLUZZO, 1994,
p. 30).
E é a partir dos fins do século XVIII e início do século XIX que essa
representação do visível vai se modificando junto com a percepção da natureza,
que não mais se preocupa com a superfície de um ser, mas agora com a
profundidade, com o lado
oculto
. É neste período que a ordem visível e a
ordem
oculta
apresentam relações, surgindo assim a noção de organismo. Aqui
encontramos a transição de um olhar voltado para a
forma
(exterior) para o seu
interior
36
.
36
Essas questões estão somente apresentadas, mas não serão detalhadas neste trabalho.
1.3. A pintura de paisagem no século XIX.
Dentro do desenvolvimento representacional pictórico a pintura
paisagística acaba por afirmar-se com especial ênfase entre os artistas não-
católicos. No Brasil, país de formação portuguesa, católica, a ênfase se deu na
pintura de caráter religioso e as imagens da paisagem adquirem uma cor local
300 anos após o “descobrimento”. A contribuição partiu justamente da Missão
Holandesa e de artistas como Post e Eckhout. Quando a natureza brasileira era
representada, um filtro europeu era diretamente aplicado a esta realidade. Co
m
os pintores flamengos, esta realidade é modificada, em função do profundo
conhecimento pictórico, do interesse na aplicação das técnicas e do
desenvolvimento de métodos de observação extremamente valorizados por parte
dos artistas e seus correligionários
.
A presença da Corte no Brasil início a um processo acelerado de
transformação social, cultural e artística. A abertura dos portos e a grande
circulação de estrangeiros no país fazem aparecer novas imagens.
Assim como afirma Moreira Leite,
a mudança da corte portuguesa para o Brasil, em 1808, e a
abertura dos portos brasileiros alteraram sensivelmente a
receptividade oficial a naturalistas estrangeiros, mesmo quando
representavam ostensivamente o pólo científico dos tentáculos
imperialistas das nações européias. A partir da segunda metade
do século XVIII, a História Natural fora incluída nos programas de
viagens, científicas ou não, e uma epidemia de colecionismo
alastrou
-se pelas populações européias americanas. A
observação e a catalogação, reduzindo
a distância entre as coisas
e a linguagem, ‘aproximou a linguagem do olhar observador e as
coisas observadas das palavras’ (Foucault, 1966: 144) e se
constituíram em tarefas incorporadas antes pela nobreza, mas aos
poucos pelas demais camadas sociais” (MOREIRA LEITE, 1996:
34).
37
Mas não somente com a vinda de explorações científicas i se
desenvolver esta relação entre arte, ciência e natureza no Brasil. As explorações
político
-científicas e os naturalistas viajantes estarão acompanhados por artistas
37
A autora faz referência à obra FOUCAULT, M. Lês Mots er lês Choses (Une Archeologie des
Sciences Humanies)
Paris: Gallimard, 1966.
que
, apresentando-se às costas brasileiras, realizarão, através do desenho e da
pintura, registros feitos por um olhar diletante ou turístico.
Como aponta Belluzzo,
com a vinda da corte portuguesa para o Brasil, notadamente após
a independência do país, acorrem ao Rio de Janeiro estrangeiros
dedicados às atividades diplomáticas, outros tantos relacionados à
Marinha inglesa que, na qualidade de artistas diletantes,
apresentam domínio do desenho. Ancoram também na costa
brasileira passageiros das viagens turísticas pelo mundo.
Possuem uma visão educada na estética do pitoresco e buscam
desfrutar o espetáculo da paisagem (1994, p. 34).
Mesmo assim, a natureza era, ainda no século XVIII, buscada com fins
alegóricos, seguindo os modelos da Missão Francesa, bem representada na
Academia de Belas-Artes e na chamada Escola Fluminense. Em 1816, chega ao
Brasil a Missão Artística Francesa, um grupo de artistas e artífices franceses de
formação neoclássica que iria exercer uma profunda influência na pintura
brasileira da metade do século XIX, até praticamente a Semana da Arte Moderna
de 1922. Os artistas da Missão Artística Francesa pintavam, desenhavam,
esculpiam e construíam à moda européia. Obedeciam ao estilo neoclássico (novo
clássico), ou seja, um estilo artístico que propunha a volta aos padrões da arte
clássica (greco-romana) da Antigüidade. Os pintores deveriam seguir algumas
regras na pintura, tais como a inspiração nas esculturas clássicas gregas e na
pintura renascentista italiana, sobretudo em Rafael, mestre inegável do equilíbrio
da composição e da harmonia do colorido. Como líder do grupo, assumiu as
negociações Joachim Lebreton (1760-1819), secretário recém-destituído do
Institut de France, responsável pela organização do projeto. A partir das
informações de Humboldt, que visitara a região amazônica em 1810, Lebreton
planejou criar uma escola de formação de artistas no continente sul
-
americano.
38
Entre os franceses, acadêmicos, Nicolas-AntoineTaunay e,
posteriormente, seu filho, Félix-Emile, podem ter sido os representantes de uma
transformação desta abordagem alegórica, trazendo elementos de composição
romântica, onde prevalecem as vistas do Rio de Janeiro.
38
Para m
ais informações ver
Bandeira (2006) e Oliveira e Conduru (2004).
É desta época também a obra de Manuel Araújo de Porto Alegre,
exigente mestre e diretor da Academia, que já proclamava que o estudo da
paisagem é coetâneo aos estudos de botânica, geologia e meteorologia. O
método paisagístico desenvolver-
se
na forma da saída do estúdio e na busca
dos ambientes e da iluminação fornecida pela própria natureza
39
.
Assim, assistimos a uma paisagem que resulta da combinação dos
estudos da pintura topográfica e de uma definição no interior do gênero
denominado de pitoresco.
O
pitoresco natural surge inicialmente na Inglaterra a
partir do jardim inglês. Foi um artifício com o qual
se pretendeu dar à realidade do
jardim uma aparência estética, ou seja, com o qual se procurou arranjar a
natureza por imitação à arte. O pitoresco natural, conhecido como
romanesco,
deu lugar ao termo
romântico
. A pintura era tida como mestra por excelência, em
se tratando de evidenciar o modo irregular e assimétrico de distribuição da
natureza, os efeitos variados assumidos pela vegetação, pelas superfícies
rugosas, sobre as quais se imprimem ocorrências luminosas (BELLUZZO, 1994,
p. 36).
Com relação às v
iagens pitorescas, Belluzo afirma que elas
estão de acordo com preceitos morais de um certo ideal de
contenção, combinados com o modo de apreciação estética da
paisagem. Artistas profissionais e amadores, vindos da Inglaterra
ao Brasil, desde a segunda década do século XIX, eram dotados
da visão desinteressada, que os deixava apreender a natureza a
partir de características emprestadas da arte (1994, p. 36).
Ainda, segundo a autora,
a visão do pitoresco significa um modo de ver marcado pelo
primado dos valores pictóricos sobre a paisagem observada. De
acordo com o critério do gosto pelo pitoresco, só algumas notáveis
combinações da natureza se oferecem ao artista como dignas da
arte. Ao lado do cume pitoresco, é o recôndito do jardim que
ocupa papel centr
al nessa poética, um dos temas mais explorados
pelos diletantes artistas ingleses (Ibid).
E Belluzzo completa, dizendo que:
o artista-viajante que se alia à estética do pitoresco não é um
construtor da pintura de paisagem e sim um fruidor do espetáculo
39
Mais informações em CDROM “500 anos de Pintura Brasileira”.
da natureza. O que agrada na natureza ele reconhece pela cultura
artística. Trata-se de um método psicológico e não dogmático de
análise da impressão estética, o artista não parte da beleza, mas
da faculdade subjetiva que o faz sentir e gozar o mundo (Ibi
d).
Nestes termos, uma possível passagem entre pitoresco e
romantismo aos moldes ingleses, tal como nos acorre a esta tradição de pintura
de paisagem. O que se destaca nesta combinação é a valorização do
detalhamento, do pormenor, no interior de uma vista panorâmica, ou seja, a
fruição detalhada de uma realidade, apreendida como a metáfora do jardim inglês,
uma ordem natural encontrada numa aparente desordem estética racional. Não é
de uma beleza geométrica que se fala, mas de um sentido de fruição pelo valor
do próprio mundo natural.
40
Em consonância com este sentimento, Belluzzo (1994) afirma que a
costa brasileira proporciona um maior estímulo ao sentimento do pitoresco aos
artistas
-
viajantes, pois possui terrenos acidentados e uma variedade de pontos
de
vista que são capazes de revelar sucessivas surpresas ao observador. É da
surpresa que se faz a matéria desta apreensão da beleza do mundo natural. O
que também estimula este sentimento são as casas que se encontram isoladas
junto com a vegetação, cuja mescla da natureza com a arquitetura configuram
uma espécie de ambiência ideal.
O pitoresco e o romântico deverão conviver no século XIX com uma
concepção de vista panorâmica. Essa técnica / modelo paisagístico possui uma
afinidade com a visão do todo e com o mais amplo alcance do campo perceptivo.
A partir de um ponto de vista central o artista retrata a sua visão do todo da
paisagem, circundando 360º e ela é apresentada no interior de uma rotunda,
possibilitando ao espectador um artifício paisagístico capaz de fazer com que a
fruição seja uma espécie de espetáculo.
Como afirma Belluzzo, o Rio de Janeiro e sua topografia foram o alvo
imediato das panorâmicas:
40
Para o estudo das relações entre homem e natureza na cultura inglesa recomenda-se a obra de
Keith Thomas (1988). Nesta história, o autor demonstra como os ingleses eram conhecedores de
História Natural e tinham interesse em toda forma de cultivo da relação homem-natureza, indo
desde o estudo científico às coleções de animais empalhados e
a Baía de Guanabara prestou-se especialmente à concepção do
panorama circular. Os panoramas tomados a partir de barcos
ancorados na barra demarcam a linha entre o mar e a terra e os
perfis montanhosos que se situam no encontro da terra com o
céu. Outra solução motivada pela topografia do Rio de Janeiro
levava o artista a atingir o ponto mais alto, para lançar o olhar de
um golpe e divisar a diversidade da paisagem da cidade
litorânea ao longe. O paisagista é também um observador a
distância que, em nome de ver tudo, se separa e abstrai o mundo
(BELLUZZO, 1994, p. 35).
Tudo isto nos fazia conceber uma relação explícita entre a arte e a
ciência, preconizando os elementos que iriam dar as necessárias condições ao
desenvolvimento das tarefas dos artistas dentro das expedições científicas.
De acordo com Belluzo,
o crivo científico marca profundamente a relação dos artistas-
viajantes com a paisagem brasileira, a considerar, por exemplo, o
fato de notórios artistas estarem a serviço de expedições
científicas. É o caso de homens com uma formação completa,
como Rugendas [...] entre outros, cujo interesse panorâmico se
manifesta na busca de uma visão de conjunto, vindo ainda
sintetizado em diversas esferas da vida às quais dedicam atenção
(Ibid).
Nesta mesma perspectiva, o que estamos marcando é a presença de
um duplo entendimento. O primeiro, da tradição pitoresca, e, o segundo, de uma
tradição científica, vinda das expedições, dos métodos da geografia física, que
aderem a uma visão de conjunto de um ambiente a ser registrado pelo artista.
Outro foco que ainda se apresenta ao artista é o vedutista. Nele,
p
rivilegia
-se o efeito de ilusão do quadro e uma relação com princípios
arquitetônicos no formato da composição formal de uma paisagem. Como diz
Belluzzo, em outro momento:
um outro modelo de visão paisagística, que também surge no fim
do século XVIII, baixo a designação da vista panorâmica, provém
da tradição italiana
vedutista
e não rompe com o conceito do
quadro, nem subordina o visto ao espetáculo de efeito ilusionista
que tem lugar em rotundas européias. Nas vistas urbanas
panorâmicas, a palavra
vista
aparece impropriamente aplicada a
essa concepção de desenho de paisagem, pois tem o
inconveniente de evocar uma atitude passiva, não condizente com
o teor construtivo dos desenhos e com a clara intervenção na
paisagem observada. As aquarelas de Ender, os desenhos de
Burchell são momentos de construção do espaço da paisagem
que nascem da implantação do desenho em uma certa zona do
papel e tendem a colocar um foco sobre o motivo arquitetônico
(BELLUZZO, 1994, p. 35).
Dentro deste cenário político e cultural, as inquietações artísticas irão
se realizar em torno das pressões de um romantismo na estética do terrível
(escravismo) e do sublime (natural) e das transformações do pensamento
científico, sob a influência do naturalista e explorador prussiano Alexander von
Humboldt.
Moreira Leite (1996) comenta que Humboldt era um cientista e
mecenas, investindo sua fortuna particular nas expedições e no planejamento e
organizações das ciências físicas e naturais e no estudo da distribuição
geográfica. Humboldt impulsionou a ciência do século XIX, fazendo dela um
modelo também para as formas do pensamento artístico. Artistas como Goethe,
reconheciam nele a erudição, o conhecimento sistemático das ciências e uma
incrível imaginação.
Aqui também irá se firmando um sentido determinado do termo
Natureza e das formas adequadas a sua observação, traçando uma relação direta
entre esta e o papel do naturalista, como aquele que vive imerso no ambiente que
estuda.
É desta definição da História Natural que será retirada a exata
d
eterminação do modo de observação e, portanto, do modo de registro, envolvido
num procedimento de imersão. Esta, por sua vez, resultará na apreensão do todo
e numa nova maneira de contemplação, como nos mostra Belluzzo:
A visão de conjunto e de interação
das paisagens de Humboldt faz
jus às exigências do homem total da época iluminista, assim como
ao artista-cientista, que sabe colocar a sensibilidade em
colaboração com a razão. A abordagem paisagística da natureza,
formulada nos termos de uma “geografia das plantas”,
preferência à impressão geral causada pelas massas de vegetais
e supera o exame dos vegetais isolados. Estimula a procura da
vida espalhada pela atmosfera, desperta e promove a observação
do
todo
e favorece a atitude de contemplação da natureza (1994,
p. 31).
Aqui, o detalhe do pitoresco transita para uma compreensão mais
abrangente das massas de vegetais (fig. 12), valorizando o conjunto ao invés de
apenas a realização de pranchas com formas isoladas. Flores, frutos e outros
elementos
deverão ser observados no seu habitat.
Fig. 12
-
Arvore gigantesca na selva tropical brasileira
1830
Rugendas
41
Portanto, os modelos que seriam utilizados entre os artistas do culo
XIX marcavam a presença de tradições da pintura flamenga (da natur
eza
-
morta e
das paisagens), dos elementos da Missão Francesa e da influência de Humboldt
42
(pensamento científico).
Foi justamente esta visão que fez com que outros cientistas e
naturalistas se interessassem mais a estudar a vida natural nos trópicos,
41
Diener (2002, p. 58).
42
Para mais informações, ver Pratt (1991).
5
1
aumen
tando assim a quantidade de viagens vindas da Europa, como a viagem do
príncipe Maximilian von Wied-Neuwied (1815-1817), a Missão Austríaca (1817-
1820), e a de Langsdorff, estudada mais profundamente no próximo capítulo.
Ao final, podemos apenas ressaltar que dentre as cnicas eleitas, a
pintura acaba por se sobressair em relação ao desenho. Nos termos de Belluzzo
(1994, p. 36), “a pintura, mais do que o desenho, realiza o impulso romântico da
imagem paisagística, que proporciona o encontro entre a imaginação e a
realidade”. E que “conta com suas próprias tradições, mas também se beneficia
da experiência acumulada pelos desenhistas da primeira metade do século
(idem).
A autora ainda afirma sobre o sentimento de imersão representado na
pintura dos artistas
viajantes do século XIX, pintura essa que
é capaz de expressar com vantagem não os recortes
pitorescos da paisagem como também o sentimento da
imensidão. Tra
CAPÍTULO II
ENTRE OLHARES
O ROMÂNTICO, O NATURALISTA
II.1. A EXPEDIÇÃO CIENTÍFICA DE G. I. LANGSDORFF
Todo homem que aspire a conhecer as emoções líricas deve
dirigir
-
se ao Brasil, onde a natureza poética corresponderá às suas
inclinações. Mesmo a pessoa menos sentimental torna
-
se poeta para
descrever as coisas como elas são
44
.
Como vimos ao presente momento, desde os primeiros tempos da
descoberta do Brasil, do raiar do ano de 1500 aos nossos dias, as riquezas naturais
de nosso país atrram tanto a admiração quanto a coba de muitos que nos
visitaram. A transição dos séculos XV para o XVI traz consigo uma explosão no
conhecimento do mundo. É, a partir deste momento, que se realizam grandes
viagens de descobertas.
Neste período, vários conquistadores trouxeram em suas expedições
naturalistas, biólogos, astrônomos, geógrafos, botânicos, zoólogos, médicos, artistas,
dentre outros. Os artistas tinham o ofício de documentar a exuberante fauna, flora,
etnias e variedades dos costumes dos povos dos trópicos que tanto os atraíam. A
diversidade de espécies e uma diferença de quantidade no número de indivíduos em
contraposição às regiões temperadas eram grandes. Muitos foram os artistas e
cientistas que, levados pelo ardor científico e pelo talento, registraram em pranchas,
telas, aquarelas, depois em fotografias e filmes, a beleza e perfeição do que viam.
No catulo anterior, vimos que o grupo dos holandeses que se instalou
na Capitania de Pernambuco, no culo XVII, chefiado pelo Conde Maurício de
Nassau, que teve consigo a companhia do cientista e artista George Markgraf e dos
pintores Albert Eckhout e Frans Post, pode ser considerado pioneiro nesse registro.
44
Trecho extraído do texto de Langsdorff nos últimos momentos de sua vi
da publicado com o título
de
Mémoire sur lê Brésil pour tous ceux qui désirent s´y établir. (apud CARELLI, 1994, p. 102).
Nes
se capítulo, concentraremos nossas atenções na expedão comandada pelo
barão Gregory Ivanovitch Langsdorff, daqui em diante expedão Langsdorff, e
veremos como que, herdeiros dos conceitos de paisagem e natureza-
morta
olhar
distanciado e olhar aproxima
do
- , os artistas desta expedição trabalharam, porém,
com outras orientões, como a de Alexander von Humboldt e o seu conceito de
paisagem.
Assim como ocorreu com outras expedões científicas, a de Langsdorff
também chegou ao Brasil no culo XIX em decorrência da política de abertura
dos portos, implantada com a chegada da corte portuguesa ao Brasil. O
utras
expedições tiveram grande importância e contribuíram para os registros e estudos
do mundo natural brasileiro, com destaque para a Viagem Filosófica ao
Amazonas (1783-1792), comandada pelo naturalista brasileiro Alexandre
Rodrigues Ferreira, cujos artistas foram Joaquim José Codina e José Joaquim
Freire, além do grande trabalho do botânico Von Martius que percorreu trechos do
Brasil entre 1817 e 1820; e o trabalho de Auguste de Saint-Hilaire que durante o
período de 1816 a 1822 fez registros da flora brasileira de uma forma descritiva e
elucidativa (ARAUJO 2004).
A expedição comandada por Langsdorff percorreu durante os anos 1822
a 1829 o interior do Brasil, passando pelas regiões de Minas Gerais, Mato Grosso,
Gos, Rio de Janeiro e São Paulo (ver mapa da expedão fig. 13). Langsdorff,
alemão, naturalizado russo, natural de Wöllstein no Hesse Renano, médico formado
em Göttingen, foi enviado ao Br
asil em 1813 como Cônsul
-
Geral da Rússia.
Fig. 13
Mapa dos trajetos da Expedição Langsdorff
45
Acompanhando Langsdorff estavam Ludwig Riedel (bonico), Nestor
Rubtsov (astrônomo), o médico e zoólogo Cristian Hasse, além de escravos, guias e
remadores
, somando 39 pessoas na expedição. Juntamente com os cientistas,
fizeram parte da expedição o artista alemão Johan Mauritz Rugendas (João Mauricio
Rugendas) e os franceses Ai-Adrien Taunay (AiAdriano Taunay) e Hercule
Florence (Hércules Florence)
46
.
45
BRAGA, 1988.
46
Neste trabalho utilizaremos os nomes abrasileirados dos artistas, conforme indicação nos
parênteses.
A
empreitada teve por objetivos mapear e registrar os rios, minerais, a
fauna, a flora, as etnias etc. de reges que ainda não eram conhecidas. Langsdorff
teve um grande interesse em coletar o máximo de informações. Segundo Carelli, o
projeto do barão “é decididamente enciclopédico, não havendo nenhum terreno da
ciência que fosse estrangeiro à academia ambulante sobre dois pés” (1994, p. 94).
II.2. OS ARTISTAS DA EXPEDIÇÃO
De fevereiro de 1822 a novembro de 1824, Langsdorff teve a seu servo
o pintor natural de Augsburgo, Rugendas (1802-1858). Devido aos constantes
adiamentos que por mais de dois anos retardaram o início das viagens, a maior parte
do trabalho do artista alemão foi desenvolvida na Fazenda Mandioca, propriedade de
Langsdorff no Rio de Janeiro e arredores. Somente de maio a novembro de 1824
que ele participou da primeira parte da expedão, percorrendo a região de Minas
Gerais. Depois de romper com Langsdorff
47
, Rugendas retornou à Europa no início
de 1825 levando consigo a maior parte dos d
esenhos feitos no Brasil.
P
ara a viagem a Mato Grosso, Langsdorff contratou Aimé
-
Adriano Taunay
(1803
-
1828), um jovem francês residente no Brasil
filho de Nicolás Antoine Taunay,
um dos integrantes da Miso Artística Francesa, que tinha experncia c
omo
ilustrador de expedições científicas.
Para evitar o risco de ficar novamente sem desenhista para a sua
expedição, Langsdorff contrata, junto com Taunay (primeiro desenhista), rcules
Florence (1804-1879) para compor sua equipe, um jovem natural de Nice (Fraa),
amante das artes e das ciências, recém
-
chegado ao Rio de Janeiro.
Em Carelli vemos que Florence leu um anúncio de emprego e sentiu
que poderia realizar seu sonho que possuía desde adolescente. O anúncio dizia:
“Naturalista russo aprontando-se para fazer uma viagem através do Brasil busca
um pintor. As pessoas preenchendo condições necessárias o convidadas a se
dirigir ao Vice-Consulado da Rússia” (1994, p. 92-93). Este mesmo autor afirma
que, “chocado pela exatidão da observação e a segurança do traço de Hércules,
Langsdorff o recruta no mesmo instante. Como o francês tem noções de
cartografia, será o pintor topógrafo dessas terras inexploradas” (idem). Florence
permanece com Langsdorff até o fim da expedição e é quem publica o primeiro diário
de viagem da expedição ilustrado com seus próprios desenhos
48
.
Segundo Carelli (1994), Langsdorff tinha uma personalidade muito
forte, era rigoroso com o serviço de seus companheiros de expedição, mas sabia
47
Para mais in
formações sobre esta questão ver COSTA, 1995.
48
Ver FLORENCE (1977).
reconhecer a qualidade dos trabalhos e a importância dos membros que com ele
trabalhavam.
Segundo Saint-Hilaire, com quem Langsdorff fez uma viagem pela
província de Minas Gerais:
Na companhia de Langsdorff, o homem mais ativo e mais
infatigável que jamais conheci em minha vida, aprendi a viajar
sem perd
er um só instante, a me condenar a todas as privações, e
a sofrer alegremente todos os gêneros de incômodos. [...] Meu
companheiro de viagem ia, vinha, agitava-se, chamava este,
reprimia aquele, comia, escrevia seu diário, arrumava suas
borboletas e corria aqui e ali, tudo de uma só vez. Todo seu corpo
estava em movimento; sua cabeça e seus braços, que se
lançavam à frente, pareciam acusar a lentidão do resto de seus
membros; suas palavras precipitavam-se; sua respiração era
entrecortada; ele resfolegava, como após uma longa corrida
(apud. CARELLI, 1994, p. 94).
Podemos verificar, através de um trecho de uma carta enviada ao
Ministério dos Negócios Estrangeiros da Rússia, que Langsdorff dá-se por
satisfeito com os trabalhos produzidos durante a viagem:
Os
jovens artistas Taunay e Florence desenharam belas
paisagens, cataratas e diferentes espécies de objetos de ciência
natural. Durante a viagem, dediquei uma atenção especial à
história natural cotidiana do homem. Para permitir aos sábios
europeus comparar com maior precisão as raças sul-
americanas
entre si, exigi dos artistas, com insistência, que fizessem com
precisão os retratos das tribos Caiapó, Guana, Guato, Bororo,
Chamacoco e Chiquito e espero, neste ponto, ter feito mais que
qualquer outro viajante e
uropeu (apud CARELLI, 1994, p. 95).
O entusiasmo e a satisfação do barão com a qualidade dos trabalhos
produzidos durante a viagem foram interrompidos por grandes imprevistos que
ocorreram no trajeto da expedição. Atacados por mosquitos, muitos participan
tes,
inclusive o barão, adoeceram com febres que provocaram delírios e perdas das
capacidades mentais.
Rugendas, Taunay e Florence, apesar de terem o mesmo ofício o de
registrar fielmente as observações feitas durante das viagens possuem uma
maneira distinta de realizar seus trabalhos. Cada um construiu a sua história
dentro desta expedição, com sua linguagem (embora encontremos grandes
semelhanças, como veremos adiante), mostrando conceitos e visões de mundo
próprias a cada artista, incluindo a reflexão acerca do trabalho do próprio artista-
viajante, que procuramos apontar a seguir.
Contudo, cabe ressaltar que as observações feitas nessa expedição
as ricas coleções de plantas e animais, além do valioso material iconográfico
resultante
constituem um acervo único que, embora parcialmente esquecido e
pouco trabalhado durante mais de um século, figuram hoje como fontes de
conhecimento, compondo rico repertório de dados referentes à memória nacional.
II.3. A PRODUÇÃO E OS ARTISTAS
-
VIAJANTES DE LANGSDOR
FF
II.3.1. Rugendas.
Rugendas (1802-1858), natural de Augusburgo, na Alemanha, além de
fazer parte de uma família com tradão artística, entrou em contato com Albrecht
Adam, pintor oficial da corte milanesa e amigo de seu pai, aos onze anos de idade.
Ad
am leva Rugendas para trabalhar com ele em seu ateliê em Munique e, em 1817,
o introduz na Academia de Belas Artes. (CARNEIRO, 1979).
No dia de 18 de setembro de 1821, com apenas 19 anos, assina o
contrato com Langsdorff, tendo a fuão de registrar os caminhos da expedão,
entregar todos os seus trabalhos para o chefe, não podendo expor ou divul-
los.
Rugendas deveria exercer o ofício
serviçal de sua arte em todas as circunsncias que lhe aparecer e
sobretudo para ilustrar aqueles objetos que o chefe
da Expedição lhe
indicar como importantes e entregar todos os esbos, desenhos e
pinturas que realizar durante a viagem, tendo Rugendas, “o direito
de efetuar cópia das obras sobreditas em suas horas livres e guarda
-
las como propriedade sua, observando a expressa condição de que,
sem o chefe saber e sem a sua permissão, nenhum desenho e
nenhuma outra obra de sua arte poderá ser dada a conhecer antes
da publicão oficial da descrição da viagem. Assim seus lápis e
pinis deveriam transformar-se no veículo documentador que
levaria à Europa, através dos resultados da expedição russa,
imagens reveladoras de recônditos deste espaço tropical, então bem
pouco conhecido pela ciência ilustrada. (DIENER, 1999, p. 83).
As relões entre Langsdorff e Rugendas não foram boas, o que
ocasionou sua saída da expedição. O artista o teria entregado muitos de seus
desenhos a Langsdorff, descumprindo assim as ordens do contrato
49
, o qual,
assinado por Rugendas, dizia que o artista se comprometia a acompanhar a viagem
cientí
fica ao interior do continente americano durante todo o tempo em que ela
durasse.
49
Questão já discutida no início deste capítulo.
Diener
50
nos aponta que antes da vinda de Rugendas para o Brasil uma
ansiedade e uma avidez o acompanhavam. Segundo o autor, Rugendas estava
“possuído da emoção que o romantismo alemão define como
Fernweh,
isto é,
nostalgia pelo distante” (DIENER, 1999, p. 31). Os europeus já tinham conhecimento
das ilustrões feitas por Alexander von Humboldt em suas expedões pela
América, o que causou uma grande curiosidade pelo desconhecido, pelo distante,
fazendo com que buscassem alargar o seu conhecimento científico (geográfico,
biológico etc.) do mundo.
Antes de Rugendas embarcar na expedição Langsdorff ele sabia qual
seria a sua função, segundo seus escritos: “os insetos e as plantas serão
desenhados pelo próprio Senhor Conselheiro do Estado, os pássaros por Ménétriès,
para mim ficao apenas os objetos maiores(fig. 14) (RUGENDAS apud DIENER,
1999, p. 31), que seriam as paisagens e os habitantes e seus costumes (fig. 15)
(CARNEIR
O, 1979, p. 8).
50
Pablo Diener e Maria de Fátima Costa são grandes pesquisadores da Expedição Langsdorff ao
Brasil. No livro A América de Rugendas eles nos mostram os resultados de seus estudos sobre
manuscritos de Rugendas e de seu pai. Esses documentos estavam na Alemanha e eram datados
entre 1821 e 1825. Ambos autores contaram com a ajuda de Werener Steinbeiss, amigo residente
em Munique.
Fig. 14
-
Mandioca
, litogravura
-
Rugendas 182
-
51
Para Carneiro (1979), Langsdorff era um hábil desenhista e os poucos
desenhos de Bonica feitos por Rugendas teriam seguido orientões do chefe da
expedição. Como fora dado a Rugendas o ofício de registrar os “objetos maiores”,
seu grande interesse não estava nas pequenas partes da natureza (um registro de
apenas um espécime da flora, por exemplo), mas no “conjunto, na misteriosa floresta
tropical, com sua variedade e seu exotismo. Os desenhos de conjuntos florísticos
o freentes, sobretudo ângulos e cenas de mata com índios e animais”
(CARNEIRO, 1979, p. 15).
O que é mais marcante no trabalho de Rugendas é a técnica do desenho
(fig. 15). O artista, como constatamos, vem de uma formão acadêmica, porém a
sua obra foge muitas vezes da arte clássica e o modelo predominante de construção
artificial da paisagem com base em uma observão, visando realçar a disposição
51
DIENER, 20
02, p. 206.
dos elementos numa composão, aos moldes de Poussin e, posteriormente, de
David
52
.
Fig. 15
-
Acampamento de índios
Lápis e nanquim: 11,5 x 17 cm
Coleção Érico Stickel (SP), 1824
53
Diener, ao analisar os trabalhos de Rugendas no Brasil, verifica
a predomincia do desenho à lápis, uma técnica que domina, ao
contrário do uso da cor, que aplica com cautela, aquarelando o
desenho já acabado, geralmente como testes e ajudas mnemônicas.
Um dos exemplos mais belos deste procedimento é a vista da Baía
da Guanabara com o Pão de Açúcar ao centro: sobre um cuidadoso
desenho de tr
aço muito delicado, Rugendas pinta o motivo central da
paisagem e reproduz, com surpreendente acerto, a policromia
resultante do jogo de luz e sombra sobre a superfície do maciço
central
(fig. 16)
.
Especialmente nos trabalhos mais pessoais,
Rugendas expres
sa
sua capacidade de observação, fato que lhe
permite fugir dos modelos classicistas
(DIENER, 1995, p. 19)
54
.
52
Dentro da arte clássica, David está inserido no estilo neoclassicismo, o qual tem como valores a
ordem e a solenidade, prevalece o tom racional e tem como técnica o desenho com linhas e a
ausência de cores em grande parte das suas produções (STRICKLAND, 1999). Quando nos
referimos às oscilações entre o clássico e o romântico nas produções de Rugendas estamos
apontando as distinções entre razão / rigor na composição (classicismo) e emoção /
espontaneidade / pinceladas rápidas (romantismo).
53
C
OSTA, 1995.
54
Grifos nossos.
Fig. 16
Baía da Guanabara
aquarela, Rugendas, s/ data
55
De certa forma, o artista ora se aproxima dos modelos classicistas de
representação
e ora não. trabalhos seus que não foram submetidos a um
esquema rigoroso de composão, mas sim, feitos com fidelidade ao modelo
representado como podemos ver na figura 17. Nessa aquarela tem-se a
representão de um gambá numa vio aproximada, o qual se encontra em seu
habitat, possivelmente à beira de um lago, pois encontramos dois peixes mortos no
chão, o que pode indicar que este animal os estivesse comendo. Apesar de haver
algumas espécies vegetais à sua volta, não se trata de uma composão rigorosa e
complexa, porém a cor limita
-
se ao seu contorno no tracejamento que a linha define.
Fig. 17
Gambá
, família dos
Chironectes minimus.
Aquarela, 25,2 x 30,8 cm. Rugendas, abril de 1822
56
55
COSTA, 1995, p. 64.
56
Imagem disponível no catálogo Langsdorff de Volta, 1988, p. 5.
Pom, outros de seus estudos o realizados com acabament
o
primoroso e rico em detalhes com rigor academicista, dentro dos princípios clássicos.
Tal como na figura 18, em que encontramos elementos como a disncia entre o
índio e a onça (estão muito próximos e, talvez, não seja esta a exata disncia na
realidad
e, no entanto, não podemos afirmar), bem como os corpos dos índios ainda
parecem obedecer aos ideais gregos e apolíneos, nos levando a crer que se trate de
uma cena idealizada e reduzida ao papel, condensando as propoões e
distanciamentos, com poucos ele
mentos de cena, caracterizando esse estudo como
mais próximo ao classicismo.
Fig. 18
-
Caça à onça
Viagem Pitoresca ao Brasil (182
-)
57
As oscilões entre um idealismo e um naturalismo, um modelo
compositivo e uma obra resultante de observação m rzes e significações
complexas e revelam a importância da formão acamica e dos embates que
ocorriam neste âmbito, desde o século XVIII, na Europa.
Assim, o eram apenas as soluções formais dos gregos e mais
especialmente da arte romana que se procurava emular; o
57
RUGENDAS, 1976.
importante era o valor ético que se poderia extrair da arte da
Antiguidade. O heróico, agora, associava-se ao virtuoso. O Herói
de preferência vestido em trajes antigos o era apenas algm
que realizava grandes feitos ou proezas físicas
e cuja força muscular
e beleza física causavam admiração. Ele era, antes de mais nada,
alguém
e essa era uma concepção edificante de rcules cujo
nobre corpo revestia uma alma resplandecente de virtude e cujas
realizações podiam servir de exemplo como um ideal a ser atingido
(FRIEDLAENDER, 2001, p. 19).
O que o texto demonstra é que os rigores compositivos diziam respeito
também a uma formulação de caráter simbólico, designando o lugar da figura heróica
na pintura. As teses de Winckelmann e as doutri
nas de Rousseau acompanham este
sentido imatico, estimulando uma volta à natureza e as associões entre
natureza, beleza e virtude. Este classicismo serepresentado pela pintura e a
escola de David. A composão de David retomava os prinpios e fórmulas de
Poussin da maturidade, onde a regra central era o menor número de figuras possível
numa cena. Com isto, valoriza-se a composição e as figuras isoladas numa ação
individual (fig. 19).
Fig. 19
O juramento dos Horácios
, óleo sobre tela
David, 1
784
58
Esta pintura designa, ao mesmo tempo, que um “sentimento sublime
e patriótico alcaara uma concentração formal que satisfazia às
exincias da teoria do classicismo. Ninguém mais ousaria trar os
eixos de forma o vigorosa e o simples, colocar os punhos das
espadas de forma tão espetacular na intersão dos eixos, fazendo
deles o centro da ateão, representar a ação de forma tão clara,
58
FRIEDLAENDER, 2001, p. 20.
valendo
-
se de meios artísticos e formais. As cores austeras e sóbrias
devem ser entendidas como espartanas e viris. Tudo é preciso e
bem definido; unidade de lugar, unidade de tempo, unidade de
tratamento
tudo foi observado (FRIEDLAENDER, 2001, p.34).
Mesmo aqui, os modelos acabam por trair-se, em função das trajetórias
dos artistas. Desde Poussin até David, ass
istimos a uma transformação entre estilos
compositivos com figuras isoladas num cenário restrito e figuras dinâmicas em
espaços abertos (fig. 20).
Fig. 20
O rapto das Sabinas
David, 1796
-
1799
59
Apenas para exemplificar, podemos mostrar como o
Juram
ento dos
Horácios
de David, obra de culminância da fase inicial, estabelece um maior diálogo
com os trabalhos da obra desenvolvida e tardia de Poussin. Por outro lado, O rapto
das Sabinas de Poussin
(da fase inicial) influenciou a fase final da trajetória
de David.
Esta problemática e este modelo acabaram por generalizarem-se através da
Academie de France em Roma, com o germano-romano Anton Raphael Mengs
(1728
-1779) e a sua expressão eclética. Estas formas receberam a divulgação na
pintura histórica de estilo pseudocssico e foram popularizadas nas gravuras do
século XVIII.
Por outro lado, ressurge neste contexto, uma estética com presença dos
fulgores da ordem barroca, exigindo o efeito pitoresco e o excesso de figuras na
59
FRIEDLAENDER, 2001, p. 47.
construção da cena, tratando de dar as características de uma estética romântica
para o final do século XVIII e para o XIX.
Desse modo, podemos nos amparar num quadro que demonstra as
oscilações dos pintores da época no que tange a sua formação e à eleição dos
estilos e das escolas, entre
um academicismo e um busca de uma arte expressiva e
sentimental. Assim, as Academias formavam artistas, estilos e escolas, mas estes
o se limitavam a suas tipologias e respondiam a uma dinâmica da prodão das
imagens e dos debates constantes entre os m
odelos formulados.
Nestes termos, Rugendas nos aparece como sendo um caso exemplar
desta situação, apresentando em sua produção os mesmos confrontos e paradoxos
trazidos do contexto europeu.
Como um bom exemplo, temos as leituras de Diener
(1995) e de Belluzzo (1994); o primeiro afirmando a força do modelo e da
composição e a segunda traçando as relações entre a produção de Rugendas e o
romantismo.
Pablo Diener analisa uma composição para a Dança dos Puri (fig. 21)
(Viagem Pitoresca,
litografia 3/6). O aut
or diz que
apesar de não ter sido conservado nenhum desenho preparatório
da composição total desta litografia, existe um desenho em
detalhe de uma das figuras recostadas em primeiro plano. Esta
figura encontra-se em um esboço provavelmente feito ao natura
l,
no qual Rugendas representa um grupo de índios Botocudos
(DIENER, 1995, p. 19).
Fig. 21
Dança dos Puri
litogravura
1824
60
60
RUGENDAS, 1976.
Com isso, Diener chama a atenção para a obra de Rugendas que no
seu processo de reelaboração dedica-se mais aos aspectos compositivos, não se
preocupando com critérios científicos, “utilizando os seus próprios desenhos de
forma bastante indiscriminada” (COSTA, 1995, p. 19). Um bom exemplo são os
seus estudos das posições observadas nos índios que são utilizados para comporem
a prancha intitulada Ponte de ci, encontrada em seu livro Viagem Pitoresca (ver
quadro esquemático T1).
Segundo Belluzzo (1997, p. 76), podemos encontrar nos álbuns de
Rugendas um espetáculo natural vivido pelo viajante que retratou a vida humana em
soc
iedade sob um olhar objetivo, não restando vidas de que utiliza a “prática
científica para a configuração de cenas da vida humana na floresta, da sociabilidade
urbana, das atividades rurais”. Para ela, a paisagem natural é a própria instância
particulari
zadora que define o homem local na conceão do artista, cujo foco é a
natureza da sociedade, que se mostra nas suas diversas práticas.
Analisando os álbuns pitorescos de Rugendas e Debret
61
, Belluzzo
conclui que ambos revelam um dos resultantes característicos da visão de mundo
romântica e que
muitos deles se filiam aos prositos de particularização hisrica,
em oposição à concepção universalista do pensamento clássico,
como podemos concluir da intenção dos conjuntos de desenhos que
formam o Voyage Pitt
oresque
de Rugendas quanto o de Debret.
Apesar dessa tendência geral, o leitor pode encontrar nesses artistas
um vocaburio figurativo embebido de tradições clássicas. Esses
dois modelos privilegiados de viagem ao Brasil não prescindem dos
critérios da cncia taxonômica, que aplicam à classificação de
grupos humanos, que tipificam nas pranchas fisionômicas das tribos
indígenas. [...] predominam as figuras humanas ambientadas em seu
próprio habitat ou articuladas pela ão que narra algum costume.
(BELLUZZ
O, 1994, p. 76).
Nesse sentido, encontramos diferenças entre os trabalhos de Rugendas e
Florence, por exemplo, o qual faz uma escie de classificação das raças dos
habitantes das terras cariocas, conforme veremos adiante.
61
Não entraremos aqui em detalhes sobre a produção de Debret, pois o foco de nossa atenção é a
produção dos artistas de Langsdorff.
Quadro rugendas
A leitura da produção de Rugendas durante a expedição Langsdorff
revela a presença das tensões entre o classicismo (privilégio do desenho e dos
modelos compositivos) e o romantismo (ascensão da cor e valorização de uma cena,
com uma ação dramática e exaltação da nature
za) assemelhando
-
se aos problemas
da pintura francesa (Géricault e Delacroix) e as tensões entre ambas as acepções no
século XIX europeu.
Como aponta Esteva-Grillet, ao analisar as idéias de Humboldt,
reconhecer
-
se
uma continuidade no tratamento da paisagem do culo XVII ao
XIX, ressaltando as influências originais advindas do arcadismo do culo XVII
(Lorrain, Ruisdael e Poussin
fig. 22, 23 e 24)
62
.
Fig. 22
O julgamento de Paris
, Lorrain, 1645/1646 Fig. 23
Cena de floresta
, Ruisda
el, 1660/1665
Fig. 24
O funeral de Fócion,
Poussin
1648
62
As figuras 22, 23 e 24 encontram
-
se disponíveis em BECKETT, 1997.
Desse modo, não é de surpreender a cadeia pictórica Poussin-
David
posteriormente associada a Rugendas. Como nos mostra Humboldt, a novidade de
Rugendas o se encontra no estilo, mas na ampliação dos conteúdos promovidos
por sua produção artística, saindo do contexto da paisagem européia para o contexto
da paisagem do Novo Mundo. Segundo Esteva
-
Grillet, Humboldt
reconhece somente no século XVII um interesse autêntico na
paisagem com Claude Lorrain (1600-1682), Jacob van Ruysdael
(1628
-1682), Nicolas Poussin (1594-1665) e outros poucos. Mas
encontramos neles uma limitação: tinham se ocupado em somente
representar zonas do velho continente: Norte da Europa, Ilia
meridional e Península Ibérica. Resgata, pois, a dos paisagistas
holandeses esquecidos que estiveram no Brasil, Frans Post (1612-
1680) e Albert Eckhout (act. 1635-1664). Agora os novos modelos
seriam Rugendas, Bellermann, Edward Hildebrand (1818
-
1869), Carl
Nebel (1800-1865) e Albert Berg (1825-1884), “pintores do trópico a
serviço de uma idéia fisionômica-geogfica” (ESTEVA-
GRILLET,
2000, p. 210).
Nestes termos, Rugendas acabaria por se apresentar como um modelo
exemplar de artista para as expedições científicas, tal como pensa Humbold
t (fig. 25).
Sua ampla capacidade técnica, o domínio e o tráfego entre as diferentes prodões
estilísticas acabam por culminar com as exigências feitas pelos moldes da figura do
artista
-viajante que deve trabalhar in loco, possuído de emoção sobre os mes
mos
lugares” (ESTEVA
-
GRILLET, 2000, p. 211).
Fig. 25.
Praia Rodrigues próxima ao Rio de Janeiro
Rugendas
182
-
63
63
DIENER, 202, p. 198.
Ao fim, permanece a dicotomia entre o modelo de artista e os efetivos
conflitos entre Rugendas e Langsdorff. Se, por um lado, Rugendas é a evolução da
tradição da pintura da paisagem reconhecida por Humboldt, por outro, seu embate
com Langsdorff e a problemática na qual o artista “necessariamente renegaria o
parágrafo de seu contrato que o obrigava a uma prática serviçal de sua arte em
qua
lquer circunstância e sobretudo para ilustrar aqueles objetos que o chefe da
expedição indicasse como importantes (DIENER, 1995, p. 17), revela a teno
existente entre as formas do saber e das práticas artísticas e científicas no século
XIX, rememorando
as críticas de Schiller a Humboldt
64
.
64
Ver desdobramentos dessas críticas de Schiller a Humboldt em DIENER, 1995
, p. 16 e 17.
II.3.2. Aimé Adrien Taunay
Taunay, francês nascido em 1803, é filho de Nicolas-Antoine Taunay,
artista da Missão Artística Francesa de 1816
65
.
Foi o segundo artista contratado por
Langsdorff. Assim como Rugendas,
vi
nha de uma família com tradição artística,
vinculando
-se diretamente a uma herança e poderio em torno da pintura de
paisagem no Rio de Janeiro, pois seu pai e irmão (Félix-Émile Taunay) foram
professores desta cátedra na Academia e Escola Real de Belas
-
Art
es.
Em relação a esta tradição profissional familiar, podemos afirmar que o
trabalho de Nicolas apresenta peculiaridades que o aproximam das formas
assumidas pelo romantismo e o tratamento particular dado à natureza por este
movimento artístico (fig. 27).
De acordo com Santana (2000, p. 69),
Os cânones do neoclassicismo trazidos pela Missão Francesa se
defrontam com uma “outrarealidade onde a riqueza do cenário
natural e a ampla escala da paisagem não se submetem aos
rígidos esquemas europeus. O grandioso perfil do Pão de Açúcar,
com a suavidade de suas curvas, torna-se o fundo ideal de
numerosas pinturas e estas favorecem sua primeira relação com a
cidade, retratada em primeiro plano, como nas vistas do morro de
Santo Antônio de Nicolas Antoine Taunay (fig. 28) e a de Thomas
Ender. A idealizada harmonia entre o contexto urbano e a
natureza se nas pinturas de ateliê, quando a composição
formal se aproxima das imagens desejadas, conseguindo, dessa
forma, conter a natureza que se impõe com a majestade de seus
monumentos sobre as modestas arquiteturas e a pequena
dimensão da cidade colonial.
Na interpretação comumente dada às cenas produzidas pelo artista
afirma
-se o senso de um romantismo pictórico e uma imponência da natureza e
de seus elementos que recebem tratamento monumental em face de uma
65
Parisiense, Nicolas dedicou-se inicialmente à paisagem, sendo um dos artistas prediletos de
Napoleão, para quem pintou várias cenas de batalha, e da Imperatriz Josefina. A queda do
Império obrigou-o a embarcar aos 61 anos para o longínquo Brasil, onde, por cinco anos,
continuou pintando quadros de temática bíblica, mitológica ou histórica, cenas de gênero e
retratos infantis, além de paisagens da Floresta da Tijuca e vistas do Rio de Janeiro. Este artista,
cujo prestígio tem aumentado em anos recentes, é sob muitos aspectos o herdeiro e continuador
dos paisagistas holandeses do Séc. XVII, porém tocado pela visão renovadora de Joseph Vernet e
pelas invenções pré-românticas de Francesco Casanova. Angela Ancora da Luz, em seu livro
Uma breve história dos salões de arte da Europa ao Brasil, afirma que Nicolas Antoine Taunay
“foi agregado da Academia Francesa, apesar de não ter sido membro pleno, tendo obtido uma
pensão para a Academia de Roma, onde passou três anos” (LUZ, 2005, p. 52).
sociedade e um universo urbano ainda tímido, num senso que aproxima estas
pinturas da estética do sublime (SANTANA, 2000).
Fig.27
Praia de Botafogo
66
Fig.28
-
O Morro de Santo Antonio no Rio de Janei
ro,
1816
67
O jovem Aimé, formado neste contexto, possuía experiência e
familiaridade com a arte paisagística. havia participado como desenhista em
outra expedição chefiada pelo barão Louis Claude de Saulces de Freycinet ao
Oceano Pacífico
68
, onde iniciou
sua experiência de observação científica.
Diener (1995) ressalta que Taunay representa o espírito poético neste
empreendimento de mera ilustrão positivista, que na sua pintura e nos seus
escritos encontramos o gosto pelos jogos de evocão e pelas metáforas, que
revelam a efervescência criativa de sua personalidade e o gosto pelo jogo intelectual.
Sua concepção do trabalho permite uma combinação entre os
elementos descritivos e evocativos, inter-relações entre a paisagem e a pintura
histórica (fig. 29) e a produção de textos que acompanham seus registros, quase
sempre sob o formato de esboços.
66
Obras
de Nicolas Antoine Taunay. Imagem disponível em SANTANA, 2000, p. 72.
67
CAMPOFIORITO, 1983, p. 22.
68
Ver Diener (1995).
Fig. 29
Rio Quilombo na Chapada
(detalhe), aquarela
Taunay, 1827
69
Nos relatos de Florence encontramos informações que contextualizam
esta imagem historicame
nte. Este artista escreve:
Passamos pelas margens do Quilombo para ir ver a mina de
diamantes: foi neste lugar que se encontrou o primeiro diamante
que fez com que a mina fosse descoberta, não faz mais que dois
anos. Uma negra o encontrou quando lavava roupa; o seu valor
era 6000 francos[;] aqui mesmo onde não se encontrou mais nada
valioso (apud. DIENER, 1995, p. 14).
Taunay, autor desta ilustração (fig. 29), ainda escreve no verso da
obra: “Vista do rio Quilombo. Neste rio que tem ouro e diamantes, os mananciais
estão na parte mais elevada da Chapada. [...]”. Segundo DIENER (1995, p. 14),
esta
referência escrita pelo próprio pintor completa-se com as
personagens da aquarela, como uma alusão ao fato real da
descoberta do diamante, que certamente nesta época foi um
acontecimento de conhecimento blico sobre as voltas da
Fortuna (ibid.).
Aqui, portanto, identificamos uma certa retomada do gênero de pintura
histórica herdado de seu pai.
69
COSTA, 1995, p. 72.
Consciente de uma posição artística e de sua particularidade fr
ente aos
projetos da expedição científica, seus auto-retratos, ao apresentarem a si mesmo
como figura romântica e com ar juvenil, ressaltam aos olhos e interpretação dos
comentaristas este caráter empreendedor e que busca a autonomia da arte em
face das re
gras e princípios da ilustração (DIENER, 1995).
Taunay inicia na expedição em 1825, mas, assim como ocorrera com
Rugendas, também se desentende com Langsdorff, que, no entanto, permite
que ele siga viagem desenvolvendo trabalho junto com o bonico Ludwig
Riedel. Junto com Riedel, Taunay segue para Villa Bella de Mato Grosso, onde
encontram uma aldeia de índios Bororo, chegando até a divisa com a Bolívia em
Casalvasco. Taunay, no entanto, morre prematuramente, aos 25 anos, ao
atravessar a nado as corredeira
s do rio Guaporé.
Contudo, nesse pouco tempo que permaneceu junto a Riedel, grandes
trabalhos foram feitos sobre os índios Bororo (fig. 30). Segundo Pedro Corrêa do
Lago (2000),
poucos artistas tiveram sua reputação entre nós tão ampliada
pelas descobertas dos últimos 50 anos como Aimé Adrien, hoje
reconhecido como autor das melhores observações imediatas
sobre os índios brasileiros no começo do século XIX. Não são
muitas suas aquarelas dos índios Bororo, (apenas seis se
conside
Fig. 30
-
Homem e mulher Bororo
Aquarela: 28,4 x 21,8 cm, 1827
AACSP
70
Para Belluzzo (1994, p. 127), Taunay tinha como características ser
“mais sensível e afetivamente envolvido com o objeto de sua atenção”; ele “se
entretém com a luminosidade da cor”. O uso da cor relaciona-se ao meio técnico
propriamente explorado por Aimé, a aquarela. Como técnica, o colorismo,
tradicionalmente usado para a pintura de paisagem, privilegiadamente na
produção de esboços, irá ganhar autonomia artística na segunda metade do
século XIX.
A fluidez do material e sua transparência permitem produzir imagens
onde as cores constituem zonas próprias e substituem o desenho, sem chegar a
formar massas como as promovidas pela pintura. Nas imagens de Taunay este
colorismo luminoso e transparente apenas evoca a presença de tênues linhas,
sem deixar de ser um conjunto resultante de um princípio de obra de observação.
Analisando as observações do artista sobre dois grupos de índios (os
da Chapada dos Guimarães, que eram educados pelas missões jesuítas, e os
70
AACSP Arquivo da Academia de Ciências de São Petesburgo. Imagem disponível em
COSTA, 1995, p. 50.
Bororo, que mantinham tradições tribais), Belluzzo percebe que Taunay busca
retratar as transformações sofridas pela mestiçagem. E
m vários registros, o artista
anota os detalhes da descendência desses índios, discriminando as diferentes
mestiçagens de branco com índio, de mestiço com índio, de dois mestiços, entre
outros
71
(BELLUZZO, 1994). A autora ainda afirma que o artista é dotado de
sensibilidade lírica, tem confiança na pincelada ao captar cenas de costumes e
momentos cotidianos tanto da caça quanto de rituais ou intimistas. Trabalhando
com a cor e a luz nas representações, Taunay mostra
a unidade da comunidade indígena e de sua configuração em
grupo, conduzindo a atenção além da vida material e
transportando
-a para fenômenos da vida espiritual e cultural da
tribo. Taunay estabelece certa intimidade com as situações que
apresenta, expressa tanto pelo gosto do artista quanto pela
postura corporal dos índios. O artista flagra as figuras no
Interior
de uma cabana de índios Bororo, fixa um momento da Visita de
alguns Bororos
72
à casa que ocupou com Riedel, perto da aldeia
de Pau Seco. As cenas indicam que se trava uma nova relação
ent
re índios e viajantes (BELLUZZO, 1994, p. 131).
Fig. 31
Grupo de índios Bororo da aldeia de Pau Seco, entre os rios Paraguai e Jauru, atentos
ao relato de um deles sobre a caçada da onça
aquarela, Taunay, 1827
73
71
Vários
trabalhos de Taunay que retratam os índios Bororo se encontram disponíveis em Komissarov,
1988, vol. 2.
72
Ver fig. 31.
73
Imagem disponível no catálogo Langsdorff de volta, p. 10.
A vertente colorística representa uma busca ou um desejo de realismo
na pintura européia que ascende lado a lado dos princípios românticos. O uso da
cor pode ser entendido como um modo de interpretação de uma realidade
dinâmica e vivida num sentido mais direto, sem alusões a modelos idealizad
os
(princípios clássicos). Nestes termos, as interpretações da obra de Taunay fazem
referência direta a este sentido dado pela cor, não como uma forma do realismo,
mas como meio de tradução de uma realidade que pudesse ser registrada sem
uma pretensão comp
ositiva
como vimos, predominante em diversos momentos
na obra de Rugendas.
O traço seco e rigoroso de Florence, que será apresentado logo em
seguida, faz contraponto ao companheiro de viagem, Taunay, que privilegia o uso
da cor na definição das formas e dos espaços, como quando mostra figuras
humanas, objetos, animais (fig. 32) e vegetação, ou, quando, delimita terrenos
através de diferentes manchas coloridas (fig. 33).
Fig. 32
Camaleão
, aquarela
Taunay, 1827
74
74
COSTA, 1995, p. 43.
Fig. 33
Igreja e mosteiro de São B
ento em Santos
(detalhe)
aquarela, Taunay, 1825
75
Neste sentido, os comentários de Diener sobre a prancha
Cachoeira do
Inferno
(fig. 49) vêm reafirmar tal questão:
Nesta folha fica claro também que é capaz de fazer um esboço
em aquarela quase sem recorrer ao lápis e que utiliza a cor com
familiaridade e, evidentemente, com maior desenvoltura do que na
obra brasileira de Rugendas (DIENER, 1995, p. 20).
O trabalho de Taunay pode ser visto como um modo de realização de
uma obra em movimento, numa atmosfera de inacabamento, semelhante apenas
aos desenvolvimentos do alto romantismo europeu, que valoriza o movimento na
constituição das cenas. Retomando o modo como o artista faz uso de histórias de
sabor (ou saber) local, como no caso do registro das mulheres negras lavando
roupa (num local onde um diamante fora encontrado, iniciando-se um ciclo
minerador, ver fig. 29), também esse elemento assemelha-se em muito à forte
presença dos elementos históricos na construção das obras românticas.
Lembrando os estudos de Géricault para a realização de A balsa do
Medusa
(fig. 34), também o pintor tomou como motivo-tema da pintura um
acidente noticiado e transformado em livro e desenvolveu um estudo científico do
material bibliográfico.
75
COSTA, 1995, p. 66.
Fig. 34
A balsa do Medusa
Gér
icault, 1818
-
1819
76
Como afirma Esteva
-
Grillet (2000, p. 150),
Os elementos básicos tinham de ser historicamente exatos. As
duas testemunhas oculares – autores do panfleto de denúncia
(para o qual Géricault faria mais tarde cinco litografias) foram
inte
rrogadas sobre todos os pormenores, e seus retratos pintados,
para inserção em posições importantes na pintura. Géricault fez o
estudo de cada figura individual e minuciosamente, usando seus
amigos
entre eles o jovem Delacroix como modelos. Visto que
u
m negro desempenhou um papel importante no acontecimento (à
época já se discutia a libertação dos escravos), ele se pôs a
desenhar e pintar negros
77
. Alguns desses estudos tinham uma
grandiosa modelação plástica de peças de bronze. Seu gosto pela
anatomia e pelo estudo de cadáveres intensificou-se: ele
examinava as cabeças e os braços e pernas contorcidas de
pessoas executadas, em todas as posições e em todos os
ângulos de iluminação possíveis.
76
STRICKLAND, 1999, p. 76.
77
Ver fig.35 e 36.
Fig. 35
Estudo de um homem negro
Gér
icault, s/data
78
Fig. 36
Patrício José Bispo
Taunay, 1827
79
Desse modo, podemos compreender as afirmações de Lago e de
Belluzzo quando ressaltam a combinação entre lirismo e rigor na produção de
Taunay. Suas notas e questionamentos constantes pressupunham a presença de
um modelo interpretativo da realidade, singularmente distinta do modelo de
registro de observação procurado por Langsdorff e sintetizado nos trabalhos de
Florence, como veremos a seguir.
78
FRIEDLAENDER, 2001, p. 150.
79
BELLUZZO, 1994, p. 131.
II.3.3. Hércules Florence.
Em
fevereiro de 1824, aos 20 anos, Florence desembarca no Rio de
Janeiro
80
. Desde os 16 anos dedicou-se ao estudo do desenho, da matemática e
da física, pois queria ser marinheiro
81
(MONTEIRO, 2001).
Entre todos, Florence é o que, com maior rigor científico, r
epresentou
as plantas, paisagens, fauna e etnias com maior fidelidade (BELLUZZO, 1994).
Para a autora (1994, p. 131), Florence foi o artista que, buscando a “objetividade
do registro por todos os meios”, foi um explorador de técnicas de representação e
rep
rodução da natureza.
Como vimos anteriormente, Belluzzo, ao comparar as obras de Taunay
e de Florence, define o primeiro como o “mais sensível e afetivamente envolvido
com o objeto de sua atenção” e Florence seria o mais objetivo, definindo o artista
como
“extremamente minucioso no estabelecimento das condições para a
observação da natureza”(1994, p. 131).
Ao desenvolver seus trabalhos enquanto artista-viajante do século XIX,
Florence “vai se comportar como um analista meticuloso, um observador de
particula
ridades do mundo, assumindo o perfil de um artista documentador, que
elabora cena a cena” (MONTEIRO, 2001, p. 61).
A formação e o mundo artístico de Florence foram o da escola
acadêmica. Isso pode ser revelado, em geral, no seu afã pela ilustração de traço
nítido, na predominância da linha sobre a cor na maioria dos estudos realizados
durante a expedição. O seu academicismo seria evidente da sua forma de
apreender “a figura humana (fig. 37) onde ele, com pouca sorte, costuma recorrer
a arquétipos clássicos” (DIENER, 1995). Nas suas pinturas de paisagens, essas
obras sugerem uma interpretação a partir da composição, mais do que uma
80
Segundo MONTEIRO (2001), não se sabe ao certo qual teria sido o motivo pelo qual Florence
resolveu vir para o Brasil, deixando a França. A autora conclui que a sua vinda ao Brasil poderia
estar associada “a um provável descontentamento com a situação política na França, resultado da
Santa Aliança, organização política internacional criada em 1815 com o objetivo de conter a
difusão da Revolução Liberal, semeada por Napoleão na Europa” (MONTEIRO, 2001, p. 78).
BELLUZZO (1994) afirma que Hércules Florence aporta no Rio de Janeiro como oficial da Marinha
Real da França.
81
Mário Carelli nos diz que para Florence a referência paradigmática, o modelo, o arquétipo é
evidentemente Robinson Crusoé. O autor cita trechos da autobiografia do artista que confirmam
esta influência no seu imaginário: “Li Robinson e to
o
b
aproximação naturalista de pintura plein air (COSTA, 1995). Neste sentido, são
conclusivos seus estudos sobre céus e nuvens pintados entre 1830 e 1835 (fig.
38) e os comentários acerca destes.
Fig. 37
Bororo e mulher
182
-
82
Sem querer estender muito sobre os estudos dos céus deste artista,
esse exemplo é importante para entendermos suas relações com obras de outros
pintores
de paisagens. Por exemplo, em um estudo de nuvens feito em São
Carlos
83
no dia de 16 de dezembro de 1832 (produzido posteriormente à
expedição Langsdorff) o próprio artista descreve o seu trabalho como um estudo
para uma paisagem cujo horizonte é limitado;
apropriado para uma cachoeira que
seria o objeto principal da paisagem; a brancura das águas que caem seria
realçada por um céu nublado [...]” (apud DIENER, 1995).
82
FLORENCE, 1977.
83
São Carlos, antigo nome da cidade de Campinas-SP, onde Florence passa a viver quando
regressa da expedição Langsdorff (MONTEIRO, 2001).
Neste e em outros estudos do tipo, Florence formula instruções para a
composição da paisagem (fig. 39) em termos similares aos que podem ser
encontrados nos pintores acadêmicos do século XVIII, tais como Joshua
Reynolds e Claude Joseph Vernet (fig. 40).
Fig. 38
Céu
-
Aquarela, 183
-
84
Fig. 39
Paisagem marinha
Florence
183
-
85
Fig. 40
-
A seaport at sunset
-
1749
-
Vernet
86
Observando seus trabalhos (fig. 38 e 39), podemos identificar questões
de anotação que mostram claramente sua minuciosidade quanto às condições de
observação. Florence, ao elaborar suas pranchas,
84
Imagem reproduzida e publicada com créditos incompletos, sem título e data. Disponível em
VILLELA, 2002.
85
Não há referências de título desta prancha. Imagem disponível em VILLELA, 2002, p. 60
-
61.
86
Imagem de Vernet disponível em: www.olga´sgallery.com
acesso em 12/06/2005.
ass
inala em seus desenhos tanto o nome, o local e a data da
coleta como critérios que presidem a representação,
correspondências entre tamanho do referente e da referência,
entre a cor na natureza e a cor resultante, indicando a tomada do
objeto em grandeza natural ou em escala porcentualmente
reduzida, anotando a incidência de desenhos elaborados a partir
de plantas secas ou de animais empalhados. (BELLUZZO, 1994,
p. 131).
Nestes termos, o trabalho deste artista e ilustrador caracteriza os
primórdios da ilustração científica no Brasil, um tipo de representação figurativa
que se combina e se adéqua ao uso de textos.
De acordo com
Oliveira e Conduru (2004, p. 336),
a ilustração científica é um tipo de representação figurativa cujas
finalidades são registrar, traduzir e complementar, por meio da
imagem, observações e experimentos científicos que vão desde a
descrição de espécies microscópicas de animais e vegetais até a
anatomia humana, passando pela arqueologia, paleontologia,
mineralogia, geologia, cartografia, astronomia, arquitetura, física,
engenharia e história natural de uma infinidade de seres vivos e
sua relação com a paisagem ou nichos onde vivem.
A ilustração é, em sentido geral, uma imagem que está
usualmente acompanhada de texto, fazendo parte, assim, do que
se denomina iconografia, ou “documento visual que constitui ou
completa determinado texto” (Araújo, 1986, p. 477). Incluem-
se
nos conceitos de iconografia ou ilustração as imagens obtidas
tanto através de métodos manuais de representação como
des
enho, pintura e gravura, quanto de reprodução técnica, como a
fotografia.
Nestes termos, dentre os artistas da expedição, Florence atende mais
claramente aos princípios da produção de uma iconografia ou de um “pensamento
de ilustração”, no qual imagem e texto encontram-se associadas, mas não
subordinadas, como apontam Oliveira e Conduru (2004). Na ilustração, um
pensamento comunicacional precede ao senso artístico. Nesta forma de
comunicação visual ou design, os recursos técnicos da arte são utilizados com a
finalidade de atingir significados formais estáveis, tornando uma informação do
tipo abstrato ou uma descrição em imagem (ibid.).
Vimos que, segundo esses autores, a ilustração, portanto, corresponde
aos princípios da comunicação visual e gráfica. A im
agem designa uma dimensão
de conteúdo (semântica) na qual o espectador é um leitor de informações e de
determinados significados socialmente reconhecidos e culturalmente estáveis.
Neste jogo entre a imagem comunicativa e a imagem artística, os meios técnic
os,
o reconhecimento dos modelos de composição e de descrição visual e os
elementos que produzem o efeito de verossimilhança o de grande importância.
No verossímil, a imagem deve ser capaz de remeter diretamente ao objeto
observado e tomado sob a forma da representação. Em alguns casos, o
verossímil é um efeito retórico quando reconhecemos por conta de um padrão
ou modelo de produção imagética
e em outros é uma instância que se aproxima
da noção de mimese enquanto cópia do real
o efeito de real na f
igura.
Tais imagens, em geral,
trazem os elementos essenciais que esse tipo de representação
exige: verossimilhança e atenção aos detalhes, que permitem, por
exemplo, a identificação dos seres representados ou a melhor
compreensão de fenômenos naturais descritos, ou seja, sua
qualidade didática (Ford, op. cit.). Por estas características são
denominadas ilustrações científicas (OLIVEIRA E CONDURU,
2004, p. 337).
O que importa, em suma, é que o espectador-leitor seja capaz de
identificar na representação um objeto qualquer existente no plano da realidade
observada, e possa, portanto, por definição, comparar a representação com a
observação. O desenho e a pintura de caráter científico eram os meios para a
produção desse tipo de testemunho visual e para o estudo sistemático dos
elementos advindos do mundo natural.
Desse modo, entende-se as suas presenças constante nas expedições
científicas e a procura por um tipo determinado de artista
e ilustrador
por parte
dos naturalistas que dirigiam as expedições. Talvez seja este o motivo dos
constantes embates entre artistas e Langsdorff, que encontrou em Florence o
parceiro de trabalho ideal.
Monteiro (2001, p. 59), ao estudar a vida e a obra de Florence, focando
a descoberta da fotografia no contexto brasileiro, afirma que a relação de
Langsdorff com os desenhistas teve aparentemente uma “forte influência na
definição das formas de representação adotadas por eles”. Isso teria levado
Florence a se preocupar com o desenvolvimento de novas técnicas de fixação da
image
m, tanto por sua necessidade de fixar fielmente o real, para poder
comunicá
-lo, facilitando o trabalho de artistas-viajantes como ele próprio, como
pelo desejo de divulgar sua própria produção (2001, p. 61).
É importante destacarmos que Langsdorff “indicava o tema e os
detalhes que deveriam, impreterivelmente, ser realçados nos desenhos. Neste
sentido, sua importância sobre o trabalho dos desenhistas é indiscutível”, como
aponta Komissarov (1988, p. 20).
Segundo Diener (1995, p. 17), Florence “não duvida de
que sua função
é a de um ilustrador a serviço das ciências”. A situação do desenhista não seria
de uma “submissão servil”, mas sim de “subordinação, comparada à dos
cientistas e, como segundo desenhista, à de Taunay”. Florence tinha plena
consciência de seu ofício, portanto, para o artista não houve conflito algum entre
ele e o chefe da expedição. Diener ressalta que houve também, através de
escritos de Taunay a Langsdorff, algumas demonstrações de insatisfação com
atitudes do chefe como atribuir a Florence a tarefa de pintar a paisagem da
Chapada dos Guimarães (MT), decisão que irritou Taunay, pois “era ele o
primeiro pintor da expedição, dando a entender que temas de maior relevância
como a Chapada deveriam ser de sua competência”.
Como já foi pontuado,
Langsdorff influenciara o trabalho dos artistas da
expedição com sua forte personalidade, sempre deixando claro como ele queria
que seus desenhistas registrassem o que observavam, exigindo a reprodução
com precisão. A atitude de Langsdorff leva Komissarov (1988, p. 20) a concluir
que “as artes estavam mais distantes da natureza de Langsdorff, razão pela qual
fora sempre mais difícil de lidar com os artistas da expedição, constantemente
sob domínio das emoções”, o que aponta para uma distinção clara entre arte e
ciência, ou seja, entre uma suposta visão racional do mundo e outra centrada na
emoção. Langsdorff, sendo um homem das ciências, “sentia-se próximo de
pessoas com inclinações semelhantes, como, por exemplo, Riedel; ou com
pessoas acostumadas com a d
isciplina, como o oficial da marinha russa Rubstov”
(ibid.). De certa forma podemos ver isso claramente quando observamos as suas
relações com Rugendas e Taunay.
Para Komissarov (1988), “Florence era mais próximo de Langsdorff,
talvez pelo fato de ele ser não um artista, mas também um cientista, como
mais tarde ficou demonstrado”.
87
O chefe da expedição tinha uma forte admiração
pelo trabalho de Florence, que além de exercer o seu trabalho de desenhista,
preocupava
-se com os trajetos e destinos da expedição, resolvendo questões
práticas das viagens. Durante o período muito crítico da expedição, em que
grande parte dos integrantes estava adoentada, inclusive o próprio Langsdorff,
este, impossibilitado de escrever, “faz uma alusão ao diário de Florence,
mani
festando sua intenção de enviá-lo à Rússia junto com seus próprios textos”
(Apud DIENER, 1994, p. 18).
Assim, a produção de Florence corresponde mais adequadamente ao
ideal da representação científica que caracteriza a ilustração científica, pois
pode va
riar muito em termos de composição: encontra-
se em uma
gradação que vai desde o linear, esquemático, diagramático até
trabalhos de contornos e traçados bem-definidos, preenchidos
com tinta, coloridos e de elevada complexidade plástica (fig. 41).
O importante é lembrar que o tipo de imagem que chamamos de
ilustração científica deve ser útil à caracterização de um objeto,
sem teoricamente conter ambigüidade ou outra característica que
resulte em uma interpretação, por parte do leitor, diferente
daquela que o cientista deseja transmitir (OLIVEIRA E
CONDURU, 2004, 337).
Fig. 41
Maloca dos Apiakás sobre o Rio Arinos, 1828
88
87
Sobre as investigações científica
s desenvolvidas por Florence, ver Monteiro (2001).
88
Imagem disponível no CDROM Artistas
-
viajantes
Itaú Cultural.
Florence segue as normas estabelecidas neste tipo de trabalho visual.
Em suas obras podemos enxergar a síntese entre a “verdade científica e a
sensibilidade artística”. Em seus trabalhos vemos que
seu pensamento analítico
fragmenta
os corpos dos animais, para
evidenciar
89
detalhes das cabeças e patas de aves ou
características das inflorescências dos vegetais... os desenhos
etnográficos traduzem o rigor da observação das figuras vistas de
frente e de perfil
90
, de maneira a individualizar fisionomias e
afirmar a diversidade étnica, em vez de faze-las tender a
padronizações tipificantes (BELLUZZO, 1994, p. 131).
Fig 42
Índia Apiaká,
aq
uarela e nanquim
Fig. 43
Índio Mundukurúi
91
Para Monteiro (2001, p. 70), Florence parecia “ter atendido mais
prontamente às exigências de Langsdorff do ponto de vista da representação,
incorporando uma nova concepção científica da paisagem, cunhada p
or
Alexander von Humboldt”. Essa concepção de Humboldt guiava grande parte da
produção dos viajantes do século XIX. Sobre essa concepção,
Humboldt defende uma visão totalizante e interativa das
paisagens, segundo a qual o produto do trabalho dos artistas-
viajantes se revela, de uma certa forma, comprometido com os
modelos naturalistas que tendem a uma abordagem
pretensamente
despojada de pressupostos artísticos e supõem
uma
observação direta das verdades do mundo, conforme
89
Grifos nossos.
90
Ver fig. 42 e 43.
91
Ambas em aquarela e nanquim, 1828
-
AACSP. Imagens disponíveis em COSTA, 1995, p. 49.
entendem ser a descrição da natureza feita pelo cientista. O
artista
-viajante teria então a capacidade de colocar a sensibilidade
em colaboração com a razão (BELLUZZO, 1994, apud
MONTEIRO, 2001, p. 61, grifos nossos).
E por mais que o trabalho de Florence seja de uma qualidade científica
primorosa, este artista admira também o espetáculo que a paisagem brasileira
apresenta. Se observarmos os seus escritos que descrevem o impacto da visão
das cachoeiras, vemos também que este impacto pode ser capaz de desarmar-
lhe a “observação, de propiciar alguns dos melhores registros de paisagem de
excursão”. É o que Flora Süssekind (1990) identifica nas palavras do artista que
se encontram nos seus esboços de viagem sobre as aquarelas
Cachoeira de São
João da Barra
e do
Salto Augusto
,
de abril e maio d
e 1828
92
:
Não podemos de uma praia batida pela tempestade admirar o
embate dos vagalhões e o esforço do furacão sem recear pela
vida dos infelizes que estejam sofrendo estes furores. O temporal
desfeito faz-nos tremer pela sorte das plantações e das pobres
choupanas do agricultor: um terremoto aterra, aniquila o homem.
A vista, porém, de um grande rio que cai em catadupa não traz
nenhuma destas impressões. Fica-se preso de admiração,
dominado pelo tumulto, pelo estrondo e a agitação; os abismos se
abrem a cada instante, mas não nos inspiram medo nem horror
(FLORENCE apud SÜSSEKIND, 1990, p. 121).
Encontramos aqui uma mistura de espanto e horror, uma espécie de
sentimento sublime em relação ao espetáculo natural, paisagem para ser vista e
não colecionada, na qual as descrições tanto visual quanto escrita parecem não
dar conta de comunicar este sentimento, esta visão.
92
Imagens aqui não disponíveis devido ao fato da impossibilidade de acesso e reprodução das
mesmas.
II. 4. APÓS A DIFERENÇA, A BUSCA DA UNIDADE DO OLHAR.
Como vimos no decorrer deste capítulo, os três artistas que
participaram da expedição científica Langsdorff registraram as viagens nas terras
brasileiras. Ao analisarmos estas produções imagéticas, encontramos pontos de
contato e de continuidade, diferenças e descontinuidades entre estilos, traços e
pinceladas.
Neste capítulo foram ressaltadas e privilegiadas as diferenças entre os
artistas participantes da expedição, entre as quais o uso do traço nos trabalhos de
Rugendas e Florence, demarcando concepções diversas do desenho. O desenho
aquarelado, de traço “mais sujo e solto” de Rugendas o qual possui
a
predominância do desenho à lápis e a o utilização da cor contrasta com a
rigidez e a limpeza do tro fino e nítido de Florence (fig. 45), que aparenta usar o
bico de pena com nanquim, tornando o desenho mais descritivo e naturalista,
não
sendo apresentado como se fossem “impreses tal como observamos em
Rugendas (fig. 44).
Fig. 44
Luta de brancos contra índios
(detalhe)
lápis e nanquim
-
Rugendas
93
93
COSTA, 1995, p. 47.
Fig. 45
Índios Guató
lápis, nanquim e aquarela
Florence
94
.
Por outro lado, o projeto da expedição acaba por reunificar estas
diferenças sob o crivo do olhar atento de Langsdorff e de suas exigências e
padrões mentalmente estabelecidos e procurados no trabalho do artista-
viajante.
Os trabalhos dos três artistas se fazem semelhantes, proporcionando ao leitor
uma unificação do olhar e da representação. Ao verificarmos as ilustrações abaixo
(fig. 46, 47 e 48), podemos compreender melhor esta questão sobre um “certo
padrãode representação exigido por Langsdorff e guiado pelas concepções da
paisagem de von Humboldt (fig. 49 e 50). Nestes exemplos visuais de
representações de espécies vegetais verificamos na linguagem visual da
técnica (aquarela), dos textos informativos e classificatórios e do isolamento e
ênfase em detalhes da
planta
um tratamento uniforme e científico, revelando o
que é e como deve ser o trabalho do artista
-
viajante.
94
COSTA, 1995, p. 54.
Fig. 46
Taunay, 1825
Fig. 47
Florence, 1827
Fig. 48
Rugendas, 1824
95
Em outros momentos, ao nos depararmos com pranchas que
rep
resentam paisagens (fig. 49 e 50), ainda temos dificuldades em distinguir a
autoria das mesmas. Novamente elaboradas na mesma técnica (aquarela), essas
imagens apresentam um tratamento semelhante na configuração das cores e da
luz. Vejamos aqui dois exemplos de representações de cachoeiras –
encontradas
em cidades distintas
que ilustram tal questão:
Fig. 49
Cachoeira do Inferno,
1827
Taunay
Fig. 50
Cachoeira de Ouro Preto
, 1824
Rugendas
96
95
Figuras 46 e 47 disponíveis em COSTA, 1995; Figura 48 disponível em KOMISSAROV, 1988.
O que buscamos mostrar com esses exemplos é justamente essa
configuração que pretende caracterizar a produção dos artistas-viajantes do
século XIX, aqui especificamente os pertencentes à expedição Langsdorff.
Para todos esses artistas e cientistas, envolvidos nessa expedição, os
trabalhos tratam de “de
screver, classificar e fazer chegar a São Petesburgo tantas
amostras quanto possível da flora e da fauna prolíficas do Brasil”, afirma Carelli
(1994, p. 94)
97
.
Rugendas, Taunay e Florence, com a contribuição da orientação por
parte dos cientistas e naturali
stas que, exigindo que o registro do objeto de estudo
(seja ele uma tribo, uma espécie da fauna ou da flora) fosse feito com
fidedignidade, representaram o mundo natural que um dia foi mais exuberante. Os
artistas, no entanto, trataram suas temáticas com força e poesia, com rigidez e
liberdade, com admiração e espanto. Comunicaram ao espectador um prazer
estético aliado a uma orientação histórica e científica.
Durante anos esses olhares estrangeiros permaneceram em acervos
de museus e, nos fins do século XX, um grande número de estudiosos,
historiadores, artistas, entre outros profissionais e instituições, foram
impulsionados por uma necessidade de resgatar esses registros que fazem parte
do patrimônio histórico, artístico e cultural do nosso país. Através d
e exposições e
de projetos institucionais (museus, curadorias) o conhecimento dessas obras se
deu não somente pela re-apresentação das mesmas, mas pela sua atualização,
relacionando
-as com o presente mediante projetos de re-visitas a estes caminhos
trilhad
os por cientistas e artistas
-
viajantes.
Conforme veremos no próximo capítulo, uma expedição de artistas
realizada no ano de 1995, com direção de Dieter Strauss e a participação dos
artistas brasileiros Carlos Vergara e José Fujocka, o russo Anatoli Juravlev e os
alemães Olaf Nicolai e Michael Fahres, teve como objetivo compreender melhor o
96
As figuras 49 e 50 encontram
-s
e em COSTA, 1995.
97
O autor ainda nos diz que “este cuidado taxionômico estende-se aos acidentes geográficos, às
observações climatológicas, assim como aos índios, às suas línguas, aos seus usos e costumes”.
Para ele, é “graças aos cadernos de Hercule Florence, no qual o legível e o ilegível se completam,
que podemos acompanhar seus passos e seguir esta viagem de iniciação à pesquisa da memória
de um mundo atualmente em vias de desaparecimento. Com efeito, depois de Langsdorff, a
maioria das tribos descrit
as foram dizimadas e as paisagens, parcialmente devastadas” (CARELLI,
1994, p. 94).
Brasil nos fins do século XX percorrendo as trilhas de Langsdorff. Essa produção
apresenta um olhar contemporâneo do brasileiro e do estrangeiro sobre as terras
brasileir
as e levanta questões sobre outros olhares que refletem, discutem e
dialogam com a paisagem, cujo conceito é aqui resignificado. À unificação do
olhar pretendida no século XIX sobrepõe-se agora uma leitura crítica e
abrangente do século XX, as determinações de crivo científico de uma época
serão substituídas por múltiplos olhares demarcados por relações históricas,
culturais, políticas e de novas concepções do saber científico. Afinal, em 1995,
não é mais o artista-viajante que percorre as trilhas de Langsdorff, mas sim um
artista contemporâneo em viagem.
-
CAPÍTULO III
-
O OLHAR CONTEMPORÂNEO RE
-
VISITA O BRASIL DE LANGSDORFF
Esse capítulo trata de uma análise / leitura da expedição de artistas
ocorrida no ano de 1995 e da sua produção. Primeiramente será feita a
contextualização histórica desta expedição, levando em conta os projetos realizados
a posteriori da redescoberta das obras dos artistas-viajantes da expedão
Langsdorff. Tamm semostrado que esses projetos de
re
-considerações / re-
visitas
a fatos e lugares históricos estão presentes na arte contemporânea brasileira,
produzidos com participações de artistas brasileiros e estrangeiros. Em seguida
realizaremos uma leitura de momentos específicos dessa expedição contemporânea,
a partir dos escr
itos do diretor Dieter Strauss.
Antes de nos aprofundarmos nas leituras individuais de cada obra
produzida por estes artistas, rapidamente será pontuada a mudança de percepção
do mundo, ocorrida posteriormente à expedição de Langsdorff, onde a fotografia é
vista como um dos meios pelos quais foi dada esta nova posição dos observadores
frente à paisagem, transformada a partir da Revolão Industrial. Nesta
contextualização pretendemos ainda apontar, de uma forma simplificada, a transição
de um conceito de paisagem ligado ao mundo natural para um outro fortemente
ligado às cidades em desenvolvimento, e que Brissac Peixoto (1996) apresenta
como as paisagens contemporâneas.
III.1.
EXPEDIÇÃO ARTÍSTICA DO FIM DO SÉCULO XX ALGUMAS
CONSIDERAÇÕES
Durante cerca de 100 anos foi considerada perdida a produção da
Expedição Langsdorff enviada à Rússia (por volta de 1830). Somente em 1930,
no Museu Botânico da Academia de Ciências da Rússia, em Leningrado, é que
foram encontrados os trabalhos dos artistas-viajantes (as pranchas de aquarelas
e desenhos), os quais apresentavam ótimo estado de conservação. A partir daí
várias pesquisas se iniciaram e o acervo foi recuperado e estruturado,
possibilitando assim estudos mais detalhados que geraram publicações do
material ico
nográfico produzido durante a expedição e análises da mesma.
Em 1977, o MASP (Museu de Arte de São Paulo) organizou uma
exposição dedicada a Hércules Florence em parceria com a Secretaria de Cultura
do Estado na comemoração dos 150 anos da expedição.
Dez anos depois iniciou-se um projeto de recuperação deste material
através de uma delegação brasileira coordenada pelo embaixador Wladimir
Murtinho que foi a Moscou e Leningrado, estabelecendo uma parceria com o
Ministério das Relações Exteriores da então URSS, a Academia de Ciências e o
Arquivo da Academia de Ciências da URSS. Tal delegação objetivou conhecer a
totalidade do acervo e trazer ao conhecimento do público brasileiro. Através
destas relações constituiu-se a exposição itinerante “Langsdorff de Volta”, a qual
percorreu as cidades de Brasília, Cuiabá, São Paulo, Rio de Janeiro e Belém,
cujas produções dos artistas-viajantes foram expostas pela primeira vez fora da
ex
-União Soviética. Esta exposição gerou uma série de encontros em diversas
instituições acadêmicas e científicas, pois, junto com as obras, os pesquisadores
Vladimir Reznikov, do Instituto da América Latina da Academia de Ciências da
URSS, e Boris Komissarov, da Universidade Estatal de Leningrado,
permaneceram no Brasil entre 12 de julho e 30 de outubro de 1988. Esses
pesquisadores, junto com as instituições procuraram dar consistência a esse
projeto através de estudos e análises científicas sobre o acervo Langsdorff
(BRAGA, 1988).
Posteriormente a este contexto de recuperação do projeto de Lan
gsdorff
que entre abril e junho de 1995, e com direção de Dieter Strauss (na época, diretor
do Instituto Goethe de São Paulo), u
ma expedição artística reuniu artistas brasileiros,
russos e alemães, com apoio do Instituto Goethe e patrocínio da Siemens, com o
objetivo de revisitar o mundo de Langsdorff.
A expedição artística foi iniciada no dia 02 de abril de 1995. Partiu de
São Paulo com os artistas brasileiros Carlos Vergara e José Fujocka, os artistas
alemães Olaf Nicolai e Michael Fahres, e Anatoli Juravlev, artista russo. Além dos
artistas, participaram dois jornalistas, uma equipe cinematográfica, Pablo Diener
(pesquisador, especialista em Rugendas), Maria de Fátima G. Costa
(pesquisadora de Langsdorff), o biólogo Jader Marinho-Filho, Leila Florence
Mo
raes (bisneta de Hércules Florence) e os organizadores do Instituto Goethe.
Os artistas participantes da expedição produziram obras de arte que
foram expostas junto com a produção dos artistas-viajantes que participaram da
expedição Langsdorff no século XIX. Esse material foi documentado no livro
O
Brasil de Hoje no Espelho do Século XIX: Artistas Brasileiros e Alemães Refazem a
Expedição Langsdorff
, título homônimo da exposição que passou pelo Museu de Arte
de São Paulo (MASP), pela Galeria Athos Bulo, em Brasília, e pela Casa França-
Brasil, no Rio de Janeiro, além de ter sido mostrada em Berlim e São Petesburgo
(1996).
O percurso da expedição artística foi o seguinte: São Paulo, São João del
Rei, Mariana, Ouro Preto, Diamantina em Minas Gerais, Brasília (DF), Pirenópolis,
Gos Velho e Aruanã no Estado de Goiás, onde pararam para dois dias de viagem
de barco, continuando por terra por Barra do Garça, Cuiabá, Chapada dos
Guimarães, Poconé e Pantanal, todos em Mato Grosso, e, finalmente, o retorno a
São Pau
lo.
Esse projeto de resgate/re-visita ao passado feito por artistas não é o
primeiro realizado aqui no Brasil. No ano de 1987 um grupo de 11 jovens artistas
contemporâneos brasileiros, argentinos e paraguaios foi convidado a fazer uma
leitura das Missões Jesuíticas do Rio Grande do Sul. Intitulado “A visão do
artista”, esse projeto foi concebido como contribuição do grupo Iochpe ao
programa “Missões 300 Anos”, do Ministério da Cultura, SPHAN e Governo do
Estado do Rio Grande do Sul. Parece-nos que esse projeto abriu uma série de
outros com objetivo similar, como foi a expedição artística de 1995 nas trilhas de
Langsdorff, estudada nesse trabalho.
Segundo Frederico Morais, curador do projeto das Missões, “um dos
objetivos desta exposição era arrancar o artista do isolamento do seu ateliê e
colocá
-lo diante do nosso passado cultural, convocando-o a encarar a História
como tema de reflexão estética” (MORAIS, 1987, p. 7). O que se pretendeu com
esse projeto era não apresentar uma exposição documental, mas sim um
a
proposta de recriação artística através da
visão
das Missões Jesuíticas pelo
artista. Procurou-se defender a posição de que não são somente os sociólogos,
historiadores, cientistas e políticos que possuem a tarefa de pensar o país, mas
100
também o artista com a sua capacidade e imaginação criadora, o qual pode
contribuir para uma maior consciência da nação.
Durante os dias de visita em São Miguel, os artistas conheceram os
prédios históricos e religiosos, filmes, vídeos, documentação iconográfica e
dialogara
m com arqueólogos e restauradores. Posteriormente, no prazo de um
mês, os artistas produziram suas obras que “juntas, não oferecem uma visão
harmoniosa, coerente ou didática das Missões”. Neste projeto, a função dos
artistas era “trabalhar a contradição, o conflito, o paradoxo, o território ambíguo
das emoções e dos sentimentos”. O curador reconhece que nenhum dos artistas
“abdicou de sua linguagem característica, de sua marca pessoal, tampouco abriu
mão da subjetividade” e que suas obras mostram como eles se envolveram e
foram estimulados intelectual e emocionalmente com tal proposta. Para ele, o que
encontramos primeiramente nos trabalhos produzidos “é uma presença
forte
,
arrebatadora mesmo, uma sensação de que alguma coisa de extraordinário
ocorreu em São
Miguel”. Ressalta que “está impresso nas obras a certeza de que
as ruínas são parte de um cenário mais amplo, que envolve conflitos e interesses
de ordem política, econômica, religiosa e estética” (MORAIS, 1987, p. 7).
Assim como o projeto coordenado por Dieter Strauss (1995), esta
exposição não contou somente com as obras produzidas pelos artistas
contemporâneos. Materiais de caráter documental, como imagens missioneiras,
pedra lavrada empregada na construção da Igreja de São Miguel, fragmentos de
cerâmic
a guarani, mapas, fotos e textos também foram expostos bem como as
anotações e croquis realizados pelos artistas e filmagens realizadas durante a
estadia na cidade, proporcionando ao leitor/visitante/espectador o conhecimento
das motivações dos artistas, espelhando passado e presente, e relacionando
forma e conteúdo.
Posteriormente a este projeto de re
-
visita a Langsdorff,
em 2004, também
a convite de Alfons Hug, uma equipe integrada por alemães, austríacos e
brasileiros refez o roteiro empreendido pelo pintor Thomas Ender no século XIX.
Este trabalho intitulado A expedição brasileira de Thomas Ender reconsiderada
–, resultado do projeto realizado com a parceria da Fundação Bienal de São
Paulo e a Academia de Belas Artes de Viena, foi comandado pelo artist
a
americano Mark Dion e pelo professor Robert Wagner da Academia de Belas
Artes de Viena. Durante o desenvolvimento do projeto, cada participante
101
reproduziu o papel de cartógrafos etnógrafos, entre outros que
acompanharam
Ender no século XIX.
A expedição austríaca, da qual Thomas Ender fez parte, visitou áreas
no Rio de Janeiro, São Paulo e em Minas Gerais. O grupo comandado por Dion e
Wagner retornou aos locais no Rio de Janeiro e em São Paulo, onde o pintor
produziu seus desenhos e aquarelas. Dentre os participantes e suas funções
temos: Mark Dion que desempenhou o papel de primeiro naturalista, Robert
Wagner, de guia, Bartolomeo Gelpi, de etnólogo e pintor paisagista, Walmor
Corrêa, de botânico, e os estudantes da academia de Belas Artes de Viena Franz
Ch
ristoph Amann e Karin Felbermayr, como segundo naturalista e embaixatriz,
respectivamente, Christian Mayer, como cronista, e Georg Paul Tiller, cartógrafo.
O trabalho foi apresentado por Mark Dion durante a 26ª Bienal de Artes
de São Paulo - “Território Li
vre”
- nos meses de setembro a dezembro de 2004 e
também exposto na Academia de Belas Artes de Viena no período de 21 de
Janeiro a 20 de março de 2005 junto com uma mostra das aquarelas brasileiras
feitas por Thomas Ender.
O que vemos é que Alfons Hug, também curador e coordenador do
projeto de 1995 referente à expedição Langsdorff, uma possível continuidade a
esses projetos de re-visitas ao passado. Este curador parece acreditar nesta
proposta artística que revela, através do olhar subjetivo de cada artista, uma nova
visão sobre tais fatos e acontecimentos históricos.
Na expedição de artistas em 1995, Dieter Strauss é quem “faz o papel”
de Langsdorff. Nos seus diários de viagem ele descreveu grande parte dos
momentos importantes da empreitada
98
, registrando momentos de reuniões de
todos os participantes, dos artistas e da equipe do Instituto Goethe:
nas primeiras discussões fica claro que os artistas são
individualistas que julgam fazer parte de sua missão inventar
conflitos e que ‘o pessoal do Goethe’ está aí para desfazê-
los. Por
isso que a comunicação entre as duas esferas não é sempre das
mais fáceis (STRAUSS, 1995, p. 96).
De uma certa forma, também podemos identificar semelhaas
interessantes entre as duas expedões (1995 e Langsdorff XIX). Na mais recente,
através da leitura de trechos do diário de Strauss, vemos que este teve alguns
98
A
lgumas destas informações foram publicadas em COSTA, 1995.
102
desentendimentos com alguns posicionamentos do artista Olaf Nicolai sobre a
viagem:
Olaf Nicolai não pode estar completamente sério ao dizer que
aprendeu mais sobre o Brasil nos livros do que com nossa
expedição [...] Evidente que a visão de Olaf é limitada, mas ele
tem plena ciência disso. Está tão ciente que quis transformar essa
“visão limitada” em “programa” e torná-la visível e clara através de
sua obra artíst
ica. (STRAUSS, 1995, p. 97).
Poderíamos também, de uma certa maneira, associar esses
desentendimentos com os que Langsdorff e Rugendas
99
tiveram durante a
expedição do século XIX. Isso pode ser uma semelhança desprezível, talvez
irrelevante, mas que atrai nossa atenção e curiosidade, por mais simples que
possa parecer.
Com base nos escritos de Dieter Strauss, diretor desta expedição,
percebemos que este, no decorrer da viagem, relembrou, reviu e refletiu sobre
algumas questões tanto atuais quanto da época de Langsdorff. Questões essas
sobre a visão dos viajantes e alguns desencontros de relatos e obras do século
XIX (como as obras delatam falsas afirmações dos artistas como a ida a algumas
regiões e países que eram terras inimigas habitadas por índios
100
).
Não
apresentaremos aqui todas as observações do diretor, mas somente aquelas que
nos pareceu mais interessantes, para, também, não nos estendermos demasiado.
Strauss, ao olhar para algumas obras e textos de Rugendas, levanta
uma questão que parece denunciar algumas fantasias da época. O autor nos diz
que Rugendas “implantou a araucária brasileira no Chile e ao sul do rio Bio-
Bio”.
Porém, ressalta que naquela época “a região era terra indígena e, portanto, terra
inimiga. Impenetrável! Mas Rugendas sempre afirmou ter adentrado aquela
região”. Além disso, o que contribuiu também para tal questionamento foi que a
araucária chilena é diferente da brasileira, o que, portanto, o desmascara (ibid
.
).
Para Strauss, a experiência da viagem, a experiência
in loco
“é sem
pre
enriquecedora, mesmo porque a História é sempre escrita a partir de uma
perspectiva determinada”. A posição de Strauss vai ao encontro da afirmação do
99
Estas questões já foram apontadas no capítulo II.
100
Para esclarecimento dessas questões, ver o artigo de Valéria Piccoli – Plágio, cópia ou
empréstimo?
na Revista Nossa História. Ver referências bibliográficas.
103
historiador da cidade de Diamantina (MG), Eraldo Nascimento de Jesus, de que a
“História deveria ser novamente escrita a partir dos olhos dos ‘vencidos’, dos
‘perdedores’ ”(ibid
.
).
Outra questão levantada por Strauss: “Viam os participantes da
expedição do século XIX realmente o Brasil apenas com olhos colonizadores?
Estavam todos realmente atrás do paraíso romântico?” (ibid.). São questões que
ele não responde, mas deixa em aberto.
A perspectiva que Strauss, enquanto diretor da expedão, é a de
identificar alguns contrastes entre o Brasil e a Alemanha / Europa: “Quero descrever
sobretudo aquilo que me chama a atenção, aquilo que se destaca perante minha
perspectiva de estrangeiro” (ibid.). Ele diz imaginar que, com isso, tornam viveis
alguns aspectos que ficaram tão banais para os brasileiros que aqui vivem e que são
leitores que o os ‘vêem’ mais. E que voltam a se tornar visíveis dentro da
perspectiva da contraposição Brasil
-
Alemanha. (ibid.).
Outras queses observadas durante sua viagem pelo Brasil foram sobre
as semelhanças entre a entrada de Brasília e as moradias pré-fabricadas na
Alemanha Ocidental que existem na cidade de Halle-Neustadt. Outras semelhaas
foram encontradas entre as favelas das cidades-satélites de Brasília e as pequenas
colônias de casinhas
-
jardim da periferia de algumas cidades alemãs.
Suas impressões e vivências referentes a
o meio natural brasileiro também
são descritas. São relatos do autor:
A natureza nos seduz incansavelmente, o somente por sua
beleza, mas tamm porque ela nos é estranha e, portanto,
novidade. O “pau de novato”, que conhecemos durante nossa
travessia da floresta de galerias do rio Araguaia, abriga por exemplo
uma espécie de formiga que ataca imediatamente qualquer
desprevenido que se aproxima da árvore. Esquecemos no entanto
rapidamente as picadas ao presenciarmos simultaneamente o sol
poente e a lua nascendo a bordo do nosso “Tathi I”.Uma verdadeira
encenação dos Céus, e em dois atos! (ibid.).
Podemos perceber, com isso, que descoberta, espanto e encanto
caminham juntos nesta experiência.
Um outro lugar que os participantes visitaram foi a mina de ouro que
entre Mariana (MG) e Ouro Preto (MG). A entrada “custa cerca de R$15,00 por
pessoa e faz pensar que embaixo ainda deve ter muito ouro!”, afirma Strauss.
104
Pom, o encontraram belezas naturais neste lugar, mas também o seu lado
negativo e des
umano:
Os inválidos da mineração, em grande parte doentes de silicose,
recebem apenas R$ 140,00 por mês. Como é que uma pessoa
atingida de silicose pode comprar remédios com isso? nem a
santa protetora dos mineiros, Santa Bárbara, pode ajudar, mesmo
qu
e ela seja presenteada com um sem-número de batons que lhe
são devotamente colocados aos pés. (
ibid.,
p. 101)
Aqui Strauss apresenta seu espanto e uma espécie de indignação sobre
aquilo que viu. Com um ar até sarcástico e irônico, ele e em questão qual seria a
solução para tal situação dos trabalhadores. Podemos verificar também que ele faz
uma crítica aos empreendedores do lugar que pagam muito mal e até ironiza a
esperança na fé.
Portanto, ao observarmos a trajetória das duas versões da Expedição
Langs
dorff podemos identificar na do século XIX um primeiro espelhamento que
seria o do artista-viajante que se no Brasil, cujo imaginário dos viajantes desta
época sobre o país seria o de ser um lugar para se fazer um espelho da Europa, que
identificamos du
rante o processo de colonização.
Contudo, nesta expedição artística dirigida por Dieter Strauss em 1995,
temos trilhas recuperadas destes viajantes, um referencial de trajetória. Essa
“nova expedição” refaz o caminho e propõe expor, lado a lado, o presente e o
passado. Esta imagem do presente, se assim podemos dizer, é ativa em relação
à imagem do passado. Sendo assim, teríamos, portanto, uma arqueologia das
imagens. Visitar o Brasil de hoje seguindo uma trilha imaginária uma topografia,
um mapa construídos pelo passado, possibilitando-nos, aqui, uma leitura de um
segundo espelhamento.
Sobre as prodões da expedição de 1995 temos trabalhos arsticos
desenvolvidos com várias técnicas e linguagens contemporâneas. O que
pretendemos com esta leitura/compreensão das obras é identificar como esses
artistas buscam elementos do passado para pensarem queses do presente, o que
encontramos de resqcios/ecos dos artistas-viajantes do culo XIX nestas obras
produzidas por artistas em viagem, estabelecendo assim possíveis relações
técnicas/visuais/conceituais entre os dois tipos de produção. Procuraremos identificar
se e qual(is) é(o) - uma relação entre arte e ciência nestas obras
105
contemporâneas. As leituras das obras contemporâneas serão feitas de iníc
io
separadamente, procurando também relacio-las entre si, encontrando
semelhanças e diferenças entre os olhares e inserindo-as no contexto de produção
de cada artista.
106
III. 2. AS MUDANÇAS NA PERCEPÇÃO/REPRESENTAÇÃO: A FOTOGRAFIA, A
PAISAGEM
Como foi dito no primeiro capítulo, os artistas-viajantes de Langsdorff
orientaram os seus trabalhos a partir de referenciais de representação rigidamente
definidos, sobretudo por Humboldt. Na passagem do culo XIX para o XX houve
mudaas no que diz respeito ao olhar, à percepção, às relações do homem com o
mundo natural, materializadas através das representações arsticas, que cabe aqui
apontar mesmo que rapidamente.
A expedição Langsdorff ocorreu durante os anos 1822 a 1829.
Posteriormente a este peodo inicia
ram
-se novas pesquisas no campo de
reprodução técnica da imagem. Como apontamos no segundo capítulo, rcules
Florence foi quem, no Brasil, fez as primeiras tentativas de fixar a imagem através da
luz solar, desenvolvendo um processo fotográfico original e
m 1833. E é justamente a
fotografia que merece ser destacada aqui como delimitador de uma mudança no que
chamamos de percepção/conhecimento do mundo.
Kossoy (2001), em Fotografia e Hisria, afirma que a invenção da
fotografia, inserida nas mudanças gerad
a pela Revolução Industrial que viriam influir
nos rumos da hisria moderna, “teria papel fundamental enquanto possibilidade
inovadora de informação e conhecimento”. A fotografia seria um “instrumento de
apoio à pesquisa nos diferentes campos da ciência e também como forma de
expressão artística” (KOSSOY, 2001, p. 25).
O trabalho do artista-viajante parece ter culminado na figura do etnógrafo
que trabalha hoje com a fotografia, um artefato que seduzia por vários aspectos.
Podemos dizer que a busca pela representação fiel da realidade necessidade
científica
- tão presente no trabalho dos artistas-viajantes atuou com um dos fatores
no processo de construção do processo fotográfico que permite mais velocidade no
que diz respeito à representação e, posteriormente, ao seu desenvolvimento, à
reprodução das imagens.
Sobre a origem da fotografia, Fabris (1998) aponta algumas questões
em torno da relação científica e artística levantadas por Francesca Alinovi que diz
que o nascimento da fotografia
107
baseia
-se num equívoco estranho que tem a ver com a sua dupla
natureza de arte mecânica: o de ser um instrumento preciso e
infalível como uma ciência e, ao mesmo tempo, inexato e falso
como a arte. A fotografia, em outras palavras, encarna a forma
híbrida de uma ‘arte exata’ e, ao mesmo tempo, de uma ‘ciência
artística’, o que não tem equivalentes na história do pensamento
ocidental (ALINOVI, 1981 apud FABRIS, 1998, p. 173).
Kossoy ainda escreve que a “expressão cultural dos povos exteriorizada
através de seus costumes,
habitação, monumentos, mitos e religiões, fatos sociais e
poticos passou a ser gradativamente documentada pela câmera” (KOSSOY, 2001,
p. 26). Para este autor, “o mundo tornou-se de certa forma ‘familiar’ após o advento
da fotografia; o homem passou a ter um conhecimento mais preciso e amplo de
outras realidades que lhe eram, até aquele momento, transmitidas unicamente pela
tradição escrita, verbal e pictórica” (Idem, p. 26).
Kossoy afirma que,
com a descoberta da fotografia e, mais tarde, com o
desenvol
vimento da indústria gráfica, que possibilitou a multiplicação
da imagem fotográfica em quantidades cada vez maiores através da
via impressa, iniciou-se um novo processo de conhecimento do
mundo, porém de um mundo em detalhe, posto que fragmentário em
term
os visuais e, portanto, contextuais. Era o início de um novo
todo de aprendizado do real, em função da acessibilidade do
homem dos diferentes estratos sociais à informão visual dos
bitos e fatos dos povos distantes. Microaspectos do mundo
passaram a ser cada vez mais conhecidos através de sua
representação. O mundo, a partir da alvorada do século XX, se viu,
aos poucos, substituído por sua imagem fotográfica. O mundo
tornou
-
se, assim,
portátil e ilustrado
(KOSSOY, 2001, p. 26
-
27).
No que se refere à arte, a fotografia causou algumas
108
pintores assustados: “Odiamos tudo o que tem a ver com a fotografia” (apud
STRICKLAND, 1999, p. 95).
Entretanto, outros artistas viam a fotografia como acessório
auxiliar, como
é o caso de Delacroix que a utilizava como meio de registro de poses difíceis de
manter. Este artista disse: “Deixem que um homem de nio use o daguerreótipo
como deve ser usado e ele vai se alçar a uma altura que nós desconhecemos”.
Ainda
Ingres, rival de Delacroix, não considerava a fotografia como arte, porém a
utilizava como registro para estudos de retratos, admirando “a exatidão que eu
gostaria de alcançar” (apud STRICKLAND, 1999, p. 95).
rios artistas descobriram a vantagem de se trabalhar com a fotografia
para pintar retratos e cenas de pose que antes duraram horas e dias intermináveis,
utilizando somente a presença do modelo para retoques finais. Conforme aponta
Strickland,
Bierstadt considerava as fotografias modelos úteis para as suas
paisagens panorâmicas. Courbet e Manet tamm as usavam. Os
instantâneos de ão congelada de Degas o ajudavam a imaginar
poses incomuns e composições diferentes (ibid.).
Kossoy vem reafirmar tal pensamento ao nos dizer que
a descoberta da fotografia propiciaria, de outra parte, a inusitada
possibilidade de autoconhecimento e recordação, de criação artística
(e portanto, de ampliações de horizontes da arte), de documentação
e denúncia graças à sua natureza testemunhal (melhor dizendo, sua
condição
técnica de registro preciso do aparente e das aparências)
(KOSSOY, 2001, p. 27).
E foi justamente o que aconteceu. Gradativamente os artistas foram
tomando consciência e refletindo sobre a sua produção artística, pois, ao verem a
permanência da fotografia e a posão dos fotógrafos em defenderem que seus
trabalhos não eram somente uma cnica para retratos e que não serviam somente
como estudos para a pintura, faziam novas experimentações técnicas e arsticas
que possibilitaram novas imagens. No decorrer
de sua evolução técnica e conceitual,
a fotografia se autonomizou, incorporando o estatuto de arte, tal como encontramos
na contemporaneidade.
O que nos interessa, ao pontuar este momento histórico, é a questão da
mudança da percepção propiciada pela foto
grafia. Ao nos concentrarmos na História
109
da Arte, vemos os movimentos/estilos artísticos decorrentes da Revolução Industrial,
revelando novos olhares sobre o mundo, não somente representando-o ou
idealizando
-o, mas buscando melhor conhecer os lugares, as relações, refletindo,
discutindo, denunciando e criticando questões sociais, políticas, humanas e
artísticas, tal como vemos na contemporaneidade.
Essas mudanças na percepção que ocorreram nas primeiras décadas do
culo XIX o resultar na configuração de um novo observador e as suas relações
com as novas paisagens, como nos aponta Monteiro (2001) ao comentar Crary
(1995)
101
:
Todos esses fenômenos, os novos modos de circulão,
comunicação, produção, consumo e racionalização que passam a
dominar a Europa Ocidental, o desempenhar um papel crucial na
criação de um novo modo de ver o mundo, que se incorpora nas
práticas científicas e culturais nas primeiras décadas do século XIX.
Neste período, ocorre o que Crary (1995) chama de processo de
reestruturação da visão, com a formação de um novo tipo de
observador
-consumidor, radicalmente diferente daquele dominante
nos séculos XVII e XVIII (MONTEIRO, 2001, p. 37).
A autora ainda destaca que o “observador do século XIX é um observador
ambulante, produzido pela convergência de novas tecnologias, de novos espaços
urbanos e de novas funções econômicas e simbólicas” (ibid.) e que a partir deste
peodo este observador “vê-se diante de um processo de modernizão, sendo
foado a se transformar para se ajustar a uma constelação de novos fenômenos,
novas forças e novas instituições” (ibid).
Neste sentido, Crary aponta que no século XIX
o observador deve cada vez mais exercer suas aptidões dentro de
uma paisagem urbana que se torna estranha a ele, adaptando-
se
aos deslocamentos perceptivos e temporais introduzidos pela
estrada de ferro, pela telegrafia, pela produção industrial e pelas
informações tipogficas e visuais (CRARY, 1995, p. 11 apud
MONTEIRO, 2001, p. 38).
Com o ápice do desenvolvimento industrial ocorrido na segunda
metade do século XIX, sobretudo na França, Alemanha e Inglaterra, exigiu-
se
101
Este autor trata das questões de mudanças da percepção a partir do século XIX, questões as
quais são somente pontuadas, pois o interesse deste trabalho não está na reflexão da percepção,
mas nos momentos de mudanças das representações da paisagem.
110
muita mão-
de
-obra que não existia nas cidades. Com o desenvolvimento do
carvão e da eletricidade, as pessoas migraram do campo para as cidades para
trabalhar e, desta forma, com as condições precárias, surgiram as favelas e
cortiços. Isso fez com que muitos artistas saíssem das cidades e se refugiassem
na paisagem (nos campos), como os impressionistas que se propuseram a
realizar a pintura em
plein
-
air
(ARGAN, 1992).
Foram
criados os distritos industriais e, com isso, acabaram as favelas,
construíram centros habitacionais na periferia da cidade, deixando-a limpa e
agradável, nesta época (
Belle Époque
), surgindo assim o mercado de arte e o
impressionismo.
São as reformas da capital do século XIX, Paris. A cidade pass
a
o
r 31j0 49187 0 0 -0.09187 2488 3780 Tm(u)Tj0 49187 0 0 -0.09187 6633 4105 Tm(m)Tj(2)Tj0 49187 0 0 -0.09187 4767 4104 Tm(a)Tj0 49187 0 0 -0.09187 4767 4104 Tm(a)Tj0 49187 0 0 -0.09187 2068 3780 Tm(o Tm0 49187 0 0 -0.09187 3797 4105 Tm(c0Tj0 49187 0 0 -0.09187 3044 4105 Tm(e)170 49187 0 0 -0.09187 3149 4105 Tm(s)Tj0 49187 0 0 -0.09187 3149 4105 Tm(s)Tj0 49187 0 0 -0.09187 3295 4105 Tm(a)Tj( )7m0 49187 0 0 -0.09187 3769 3455 Tm(d5Tj0 49187 0 0 -0.09187 3629 4429 Tm(o)Tj( )540 49187 0 0 -0 3629 4429 Tm(o)Tj( 9Tj0 49187 0 0 -0.09187 4273 4429 Tm(o0170 49187 0 0 -0.09187 4857 4429 Tm(d12j0 49187 0 0 -0.09187 3044 4105 Tm(e)T70 49187 0 0 -0.09187 4767 4104 Tm(.09j0 49187 0 0 -0.09187 4561 3780 Tm(n3Tj0 49187 0 0 -0.09187 4414 3780 Tm(i)3m0 49187 0z0 -0.09187 4441 4429 Tm(m)3j0 49187 0 0 -0.09187 4598 4429 Tm(a63m0 49187 0 0 -0.09187 2331 2482 Tm(473j0 49187 0 0 -0.09187 4254 1509 Tm(ã)Tj0 49187 0 0 -0.09187 3295 4105 Tm(a)Tj(50080 49187 0 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0 0 -0.09187 3865 2157 Tm(m)Tj/F0 20480265)Tj87 0 0 -0.09187 7925 3780 Tm(-)Tj/F0 2048)Tj5)Tj87 0 0 -0.09187 5490 4105 Tm(818j5)Tj87 0 0 -0.09187 8196 4429 Tm(e)Tj( )Tj5)Tj87 0 0 -0.09187 4561 3780 Tm(p)T65)Tj87 0 0 -0.09187 7170 3455 Tm(a)Tf5)Tj87 0 0 -0.09187 8372 3455 Tm(s)Tj5
87705
111
composição e com regras convencionais no uso da perspectiva. A obra a que
Lévi
-Strauss se refere não se encontra num museu de arte, mas num Museu da
Marinha. Ela é um exemplo de obras que não são incluídas na História da Arte
são retratos da cultura, retratos de uma realidade, de como a natureza se
organizava. Lévi-Strauss questiona porque essa não é uma arte maior. Ele a
obra como cenas mais reais das que o cercam. Para ele há um caráter simbólico,
pois temos uma pista visual do que foi o século XVIII e as relações do homem
com o mar, “essa colonização que não destruiu completamente, mas determinou
as relações naturais da geologia, geografia e vegetação, restabelece uma
realidade especial, um mundo de sonho onde ainda podemos encontrar r
efúgio”
(LEVI
-
STRAUSS apud PACE, 1992, p 80
-
81).
Fig. 51
Interieur port de Marseille
séc XVII
Fig. 52
-
A seaport at sunset
-
1749
-
Vernet
103
O século XVIII e os princípios do século XIX foram períodos de reflexão
do paradigma científico sobre as relações de equilíbrio do homem com o mundo
natural; havia uma relação de respeito. Pode-se observar, claramente, nas
pinturas desse período (Poussin, Vernet) o equilíbrio entre o humano e o natural.
O que temos nas pinturas do impressionismo (fig. 53) é uma pintura
sem os vários planos que haviam na paisagem, para ele, os artistas desse
período e as suas obras mostram claramente a redução desses planos, da
perspectiva encontrada no meio, a redução da paisagem.
103
Imagens de Vernet disponíveis em: www.olga´sgalley.com
ac
esso em 12/06/2005.
112
Fig. 53
O Parlamento de Londres
céu tormentoso
, Monet, séc. XIX
104
Assim como as obras dos artistas do romantismo e classicismo
mostram o interesse dos homens pela paisagem magnífica, nobre e grandiosa,
com grandes montanhas e árvores centenárias, ao contrário destes, estão as
obras dos impressionistas do século XIX, que se contentam com uma simples
paisagem com campos, algumas cabanas e até umas poucas árvores
insignificantes. Para Levi-Strauss, até o século XVIII havia uma mediação entre
natureza e cultura e, a partir de meados do séc. XIX, com a Revolução Industrial,
o homem foi prejudicado. Para ele, a partir do Impressionismo, o mundo ficou
esteticamente mais pobre se compararmos com os séculos anteriores, uma
perspectiva decadente, diz que os artistas desse período viam o fim
da
natureza e que hoje temos uma satisfação com prazeres mais simples.
Os impressionistas representavam sensações visuais sobre imediatas
através da cor e da luz, pois a cor muda constantemente de acordo com os
efeitos da luz, do reflexo ou do clima sobre a superfície do objeto. Seu objetivo
principal era apresentar uma impressão” ou as percepções sensoriais iniciais
registradas por um artista num breve vislumbre. Esses artistas estavam
interessados na superfície tanto do objeto representado quanto da próp
ria
plasticidade da obra.
Sobre o impressionismo afirma Strickland:
104
Imagem disponível no CDROM Enciclopédia Multimídia da Arte Universal
Alfabetum Edições
Multimídia / CARAS.
113
O novo trabalho não tinha conteúdo narrativo discernível. Não
refazia a história, mas em vez disso retratava uma fatia da vida
contemporânea ou uma fotografia instantânea da natureza. E
como parecia descuidada a versão impressionista da natureza!
Tinha
-se como parâmetro que as paisagens deviam ser
artificialmente arrumadas à la Claude (Monet), com montes e
lagos harmoniosamente equilibrados. A composição para os
impressionistas, parecia não existir, tão carregado ficava um lado
da tela, com figuras cortadas pela moldura do quadro.”
(STRICKLAND, 1999).
O Impressionismo teria voltado às paisagens e à pintura em campo
devido à Revolução Industrial e à situação degradante que ficou a cidade, t
endo
interesse e necessidade pelo contato com a natureza ou seria somente pelo fato
do interesse, especificamente técnico, em capturar as influências da luz solar
(natural) sobre a paisagem para fazerem os seus trabalhos? Seria uma
determinação sociológica ou seria um imperativo técnico no desenvolvimento da
arte e de sua história? É certo que muitas das obras desse movimento
trabalharam com a natureza e a paisagem como tema, mas qual teria sido
realmente o interesse por tal?
105
Posteriormente, no culo XX, a paisagem, fonte de inspiração
tradicional dos artistas, passou a ser tratada de uma forma muito peculiar após a
turbulência social e cultural a partir dos anos 60 nos Estados Unidos. Nessa
época de conquistas espaciais, guerras e revoltas, houve um momento de
desencanto no qual os artistas fugiam da guerra, fugiam de si mesmos e
novamente se refugiavam na paisagem, constituindo um novo modo de
relacionamento com o mundo natural. Na
Land
-
art
ou
Earth
-
art,
ao invés de
representarem a paisagem, estes artistas resolveram introduzir-se nela: desertos,
campos, rios, lagos e em muitos outros lugares que o eram habitados, de difícil
acesso. A paisagem não passa mais a ser captada e representada, nem é vista
105
Para Lévi-Strauss o papel histórico dos impressionistas foi ensinar os europeus a
“satisfazerem
-se com a pequena mudança de uma natureza que desapareceu para sempre”. As
paisagens suburbanas e “simples” dos impressionistas duraram até pouco depois do início do
século XX. Segundo o autor, do ponto de vista das relações entre natureza e cultura, quando
refere
-se ao Cubismo (o qual teve a sua produção artística muito voltada para a representação de
pessoas, de retratos), afirma que curva-se diante do gênio Picasso, que “a sua obra é vasta e
desigual, mas identifica o modo como os cubistas ignoraram a natureza pois, ao reconhecerem
que estavam cercados pela cultura, tentaram encontrar beleza em artefatos humanos.
114
como um manancial de forças e instintos passível de expressão plástica, a
natureza agora é o
locus
mesmo onde a arte finca raízes. Isto acabou por implicar
na construção de novas formas de representação e de divulgação deste
relacionamento, com o uso da fotografia documental (FREIRE, 2004).
A diferença entre essas intervenções na paisagem e a pintura é o fato
que as aproxima. Se o motor que opunha os
objetos
à pintura era, inicialmente, o
objeto tirado da paisagem, expropriado de seu contexto, agora a paisagem que é
descontextualizada, modificada e transform
ada em arte.
Neste caso a obra não será exposta num espaço consagrado às artes:
ela é o espaço; transforma o espaço. Ela é transitória, descartável: a folhagem vai
crescer, o lixeiro vai recolher, o vento vai apagar (CALAZANS, 2005).
Tomando como referênci
a a obra de Richard Long (fig. 54), percebe
-
se
que ele estabelece uma relação com a natureza muito profunda, realiza suas
obras diretamente com a natureza. Ele tem como objeto de meditação o ambiente
natural, trabalha com a paisagem fora da tela, do quadro, interfere na própria
paisagem com a caminhada deixando os seus rastros.
Trata
-se de um artista-viajante contemporâneo, o qual, algumas vezes,
caminha e marca seu trajeto no mapa e, outras vezes, depois de atravessar a
paisagem em diferentes horas do dia e da noite, deixa suas marcas com pedras,
madeira, algas marinhas, galhos de árvores e arbustos. Suas intervenções (fig.
54) são simples e repetitivas: círculos compactos ou concêntricos, retângulos,
linhas e espirais. Isso, diz ele, é como "colocar o mundo em ordem" (apud
OLIVEIRA, 2005).
Fig. 54
Land
-
art,
Richard Long
106
106
Richard
Long
instalação na Índia. Esta imagem encontra-se disponível em:
http://cti.itc.virginia.edu/~arch200/Images/LandResource/10.htm
-
Acesso dia 12/09/2006.
115
Portanto, identificamos nas produções artísticas do Impressionismo e
nas vanguardas presentes no modernismo o deslocamento das relações da
cidade e suas margens (trechos entre a cidade e o campo) para ter seus
interesses mais afins objeto cultural, decorrentes das ações humanas.
No contexto do século XX, com as situações decorrentes da Segunda
Guerra Mundial e a crise social que foi anunciada, os artistas e a arte se afastam
novamente
da cidade à procura de grandes espaços abertos e naturais, não
apenas como cenário para a realização de obras e tampouco como objetos de
observação/representação, mas ainda como um entorno aberto e as marcas da
passagem do humano, que resultam na própria o
bra.
Se, de um lado, a
Land
-
art
nos afasta do cenário contemporâneo das
cidades, previsto nos registros impressionistas (encontrados nas obras de Monet
e Pissarro), a
Land
-
art
busca o extremo ao se refugiar em grandes espaços
abertos, espaços restritos e r
esiduais do impressionismo e do modernismo.
Neste sentido, a cidade é um objeto e um problema. Este embate
ganha uma nova configuração na qual a cidade passa a ser o centro, cenário e
objeto da preocupação do artista. Assim, podemos entender a afirmação de
Peixoto que diz que “as cidades são as paisagens contemporâneas”. Nas cidades
temos um “horizonte saturado de inscrições, depósito em que se acumulam
vestígios arqueológicos, antigos monumentos, traços de memória e o imaginário
criado pela arte contemporânea”. Para este autor, “esse cruzamento entre
diferentes espaços e tempos, entre diversos suporte e tipos de imagem, é que
constitui a paisagem das cidades” (PEIXOTO, 1996, p. 10).
O olhar hoje é um embate com uma superfície que não se deixa
perpassar. Cidades sem janelas, um horizonte cada vez mais
espesso e concreto. Superfície que enruga, fende, descasca.
Sobreposição de inúmeras camadas de material, acúmulo de
coisas que se recusam a partir. Tudo é textura: o
skyline
confunde
-se com a calçada; olhar para cima equivale a voltar-
se
para o chão. A paisagem é um muro. (ibid).
Nestas relações vemos a imersão do artista na cidade. Imersão esta
dada por duas direções, a da intervenção ecos das questões propostas do
116
instalacionismo, vertentes do minimalismo e da
land
-
art
e a da memória, das
ruínas
na qual temos um objeto residual, nas quais encontramos uma herança
dos
ismos
dos séculos XIX e XX somada às novas formas do fazer artístico dos
anos 60 e 70.
Decorrente destas e de outras formas e relões com a paisagem,
veremos que as obras dos artistas da expedição de 1995 não estão mais
diretamente ligadas ao trabalho naturalista, de representação fidedigna do mundo
natural, obedecendo padrões e referência ditados pela ciência. Tampouco veremos
nestas obras
representações das grandes metrópoles, ruas e centros urbanos.
Estas obras mostram novos modos de representação (diferentes dos
presentes no início do séc. XIX), novas cnicas e conceitos como a fotografia, o
objeto, a instalação, que são utilizados para materializarem o olhar de tais artistas
sobre um determinado lugar/objeto. Aqui, veremos que estes artistas, de uma certa
forma, dialogam com a ciência, mas não estão a serviço dela. As obras falam de uma
forma poética de questões antropológicas, sociais
, políticas e científicas, porém, com
sua própria linguagem e subjetividade própria de seus autores. Os artistas desta
expedição o autônomos, têm liberdade para expressarem a sua individualidade, o
seu posicionamento perante tais situações vividas durante as viagens. Conforme
veremos, cada artista trabalha com técnicas distintas, revelando assim a busca de
novas formas de produção para concretização de seus olhares.
117
III.3. Michael Fahres
Michael Fahres (alemão), embora tenha participado da expedição de
1995, não será estudado neste trabalho uma vez que sua obra é uma instalação
sonora/musical, a qual não tivemos acesso. Mas somente para apresentá-lo, em
sua obra Greem Room ele trabalha sobre os registros de “Zoophonia” de
Florence
107
(fig. 55).
Fig 5
5
Florence
Fragmento de “Zoophonia”, entre 1825 e 1829
108
.
Fahres, também músico, registrou o canto dos pássaros com
processos contemporâneos de gravação, contrastando vozes de animais reais
com sons sintéticos, jogando também com elementos da natureza
e artificialidade
concretizando em uma instalação sonora, uma “paisagem sonora” do Brasil.
Sobre a obra de Fahres, Hug considera que
o som gerado por computador corresponde à flor artificial. O
objeto recriado não vive de sua áurea emprestada. Pelo contrá
rio,
desenvolve sua própria estética, seu próprio sistema de
referências.
(HUG, 1995 apud COSTA, 1995, p. 113).
De uma certa forma a produção desse artista discute também natureza
e artificialidade, bem como veremos adiante em Olaf Nicolai.
107
T
rata
-
se do estudo de Hércules Florence sobre os cantos dos pássaros, o qual foi registrado
em partituras. Para mais informações ver: MONTEIRO, 2001 e VIELLIARD, J.
A Zoofonia de
Hercule Florence.
Cuiabá: Editora Universitária UFMT, 1993.
108
COSTA, 1995, p.
116.
118
III.4. Carlos
Vergara
Carlos Vergara realiza suas obras em uma aldeia dos índios Carajá
109
e nas cidades de Diamantina e Ouro Preto. Suas obras foram intituladas de
Aruanã (
fig 56)
, Diamantina 1 e 2
(Fig. 57 e 58)
, Ouro Preto 1 e 2
(Fig. 59 e 60)
.
Fig 56
Carlos Ve
rgara,
Aruanã
, 1995
110
.
Fig. 57
Diamantina 1, 1995
Fig. 58
Diamantina 2, 1995
111
109
Sobre a pintura corporal desta nação indígena temos o texto de André Amaral de Toral
Pintura corporal Karajá contemporânea (VIDAL, 1992). Este autor afirma que a “nação Karajá é
formada por três grupos indígenas: os Karajá propriamente ditos, os Javaé e Karajá do Norte, os
antigos Xambioá. Vivem al longo do rio Araguaia e Javaés, nos estados de Goiás, Mato Grosso e
Pará” (1992, p. 191).
110
Pigmentos sobre lona crua; 2,17 x 1,85 m
imagem disponível em COSTA, 1995. p. 135.
119
Fig. 59
Ouro Preto 1,
1995
Fig. 60
Ouro Preto 2
, 1995
112
A técnica de impressão (monotipia / macrotipia
113
) usada por Vergara é
a seguinte: primeiro coloca-se a tela sobre o chão, são tomadas as medidas, e o
lugar demarcado é limpo. Depois que o chão é preparado para a impressão, um
contorno largo é polvilhado com pigmento de cor ocre. Na superfície interior são
dispostas folhas de palmeira da mesma forma que o fazem os índios para
construírem suas barracas de folhas de palmeira.
A seguir, sobre as folhas é polvilhado pigmento cor-
de
-ferrugem. Após
esta etapa passa-se material colante na tela, a qual é colocada sobre as folhas e
é pressionada pelo artista com as os sobre essas folhas e sobre o contorno.
Finalmente o resultado é re-trabalhado no
ateliê
. Neste sentido, o procedimento
de Vergara se assemelha ao dos artistas-viajantes que muitas vezes concluíam
seus trabalhos quando voltavam para os seus
ateliês
n
os acampamentos.
Desta forma, o artista fixa testemunhos de épocas há muito revolutas,
de destruição/devastação do mundo natural e assegura as marcas do
genius
loci
de espécies naturais que aqui sempre existiram desde a descoberta das
111
Fig. 57 –
Diamantina
1
, pigmentos sobre lona crua, 2,17 x 1,85m, 1995. Fig. 58
Diamantina 2
.
pigmentos sobre lona crua, 1,85 x 4,21m. Imagens disponíveis em COSTA, 1995.
112
Fig 59 Ouro Preto 1, pigmentos sobre lona crua, 1,40 x 2,0m. Fig. 60 Ouro Preto 2, 1,45 x
2,21m. I
magens disponíveis em COSTA, 1995.
113
Esse termo foi usado por Alfons Hug no seu texto que encontra-se no livro da exposição
analisado (COSTA, 1995), devido ao grande tamanho de suas obras que se inserem na categoria
da técnica da monotipia, apesar da mudança de suportes e materiais. A monotipia é um processo
artístico a meio caminho entre a gravura e a pintura e participando da natureza de ambas.
Consiste em pintar a óleo ou por outro qualquer meio sobre uma superfície lisa, geralmente uma
placa de vidro.
Colocando
-se uma folha de papel sobre a pintura assim produzida, e calcando-
a
úmida ainda contra a matriz, obter-
se
-á uma única imagem, invertida, na folha (daí o nome
monotipia). Inúmeros pintores brasileiros utilizaram com felicidade a monotipia, entre e
les
Portinari, Graciano e, posteriormente, Vergara com suas inovações.
120
terras brasileira
s
a no cerrado da região central, um biótipo que não sofreu
alterações durante milhões de anos, que mostra uma enorme variedade de
espécies e que hoje está ameaçado por danos irreparáveis, em decorrência, de
um certo modo, do avanço da agricultura extensiva. Trabalhando com restos de
terra originalmente brasileira, suas obras revelam, como num sítio arqueológico,
as feridas e os encantos da terra; ele escreve com impressões digitais
gigantescas um diário de
land
-
art.
Como afirma Hug,
Vergara se sente como que convocado pela cartografia e espalha
suas telas como gigantescos atlantes sobre os quais o vento e as
intempéries inscreveram suas inamovíveis marcas. Vergara
procura resguardar este estado puro/intocado, mesmo que seja
apenas para a duração de uma e
xposição
(HUG, 1995 apud
COSTA, 1995, p. 111).
Poderíamos definir, com isso, a possível identificação de Vergara como
sendo o geógrafo da exposição. Ao registrar camadas sobre camadas de
pigmentos e formas, Vergara registra um saber e um ofício pertencentes a uma
cultura, que no caso é a indígena (fig. 61). As tramas, o trançar dessas fibras e
folhas, que produzem as moradias, são artefatos culturais indígenas e estão
intimamente ligados à vida cotidiana dos povos ou indivíduos, bem como das
populações rur
ais no interior do Brasil.
Fig. 61
Carlos Vergara com o cacique Carajá, produzindo a obra
Aruanã
114
114
COSTA, 1995.
121
O artista utiliza esses saberes como fonte para suas obras. É na
experiência com o fazer do índio que a obra acontece. Diferentemente dos
artistas
-viajantes que se distanciavam do objeto de estudo a ser retratado,
representado, Vergara interage, se relaciona, dialoga e, através dessa
experiência com o outro, registra um ofício que atualmente se perde no tempo.
Hoje, talvez, poucos índios no Brasil ainda vivam em moradias tradicionais, como
viviam seus ancestrais. Em algumas tribos, palhas, fibras e troncos foram
substituídos por tijolo, cimento e telha
115
.
Então, podemos ver nas tramas e na organização desses materiais
naturais um ofício de um grupo étnico e um pouco de sua cultura. Essa obra de
Vergara, junto com os registros dos artistas-viajantes, especialmente Taunay e
Florence, são exemplos de obras que carregam a memória desses povos.
Podemos verificar que em Vergara há, também, uma semelhança
quanto aos materiais. Os índios sempre utilizaram os pigmentos extraídos da
natureza para a pintura corporal e para a pintura nas cerâmicas, assim como faz o
artista.
Em “Paisagens Urbanas” (vídeo dirigido por Nelson Brissac Peixoto,
com coordenação geral de Jurandir Muller que acompanha o seu livro
PEIXOTO, 1996) temos um documentário sobre as diversas formas de
percepção da cidade e de sua arte. Através do olhar de pintores, escultores,
fotógrafos e arquitetos são percorridos temas como a visão, a luz, os
movimentos e a construção dos lugares. Vergara participa do vídeo revelando o
seu entendimento sobre a paisagem através da sua poética e como se relaciona
com ela.
Sobre seu ofício o artista nos diz:
Eu não sou um pintor de paisagens que vou com um cavalete
para um lugar [...] mas aqui se inverteu a situação no sentido de
que eu peguei, ao invés de eu levar a tinta para o ateliê, eu peguei
as telas e a resina e vim para o lugar onde a tinta está. E essa
tinta é uma tinta leve, super moída
né, e ela vai depositando sobre
tudo, sobre a paisagem toda que, em redor, sobre as pessoas. E é
115
Temos um conhecimento geral, através da mídia televisiva e impressa, sobre a situação
presente dos índios brasileiros. Não se pretende verificar aqui questões estatísticas atuais para
co0.21 Tz(tudo, sobre a pais925(a)Tj0.07671 0 0 -0.076771Tm(s)Tj( )Tj0.07671 0 0 -0.07672-0.07671 8408 11558 Tm(s)Tj( )Tj0.n1Tm(s)Tj( )Tj0.07671 0 0 -0.076)Tj13 s
122
essa coisa que eu vou capturando, quer dizer, é uma forma de
fazer um sudário da paisagem. Esse pigmento aqui, o que me
encanta nele, além do caráter da cor que ele tem, que é uma
coisa maravilhosa, uma cor da gente né, ele tem uma história
carregada. Então, pra mim, é uma coisa interessante de vir aqui e
capturar essa paisagem, essa coisa que está dispersa, depositada
em cada frincha.
116
Ao afirmar que seu desejo é fazer um sudário da paisagem, o artista
chama a nossa atenção diretamente para o Santo Sudário de Cristo, dentro da
história e do cristianismo. Se verificarmos nas imagens abaixo (fig. 62 e 63),
veremos que o trabalho de Vergara se assemelha visualmente a elas, tanto na
sua parte estética quanto no seu processo e técnica.
Fig. 62
Santo sudário colorido
117
Fig. 63
Santo Sudário
118
Tanto na obra de Vergara quanto no véu do Santo Sudário do túmulo
de cristo, bem como o feito por Verônica no caminho da crucificação, temos o
116
Os trechos citados são transcrições feitas por mim, a partir do depoimento do artista no vídeo
de Nelson Brissac Peixoto.
117
Imagem disponível no livro "Santo sudário", de Julio Marvisom Preney. Editora Mercuryo, 1998.
Trata
-
se de uma moderna imagem em cores, do dorso de Cristo.
118
Imagem disponíve
l em:
http://www.cancaonova.com/portal/canais/eventos/novoeventos/fotos/
sudario1.jpg
-
acesso em 10/09/2006.
123
mesmo princípio de impressão. Neste último a impressão do corpo/face de Cristo
é feita pelo suor e pelo sangue no tecido pigmentos do próprio corpo. em
Vergara, o pigmento é outro, pigmento da terra, da própria natureza que é
impressa. Em ambos, temos uma semelhança também neste sentido, em cada
situação, o pigmento vem da própria superfície de impressão o sangue e os
pigmentos naturais
o corpo e as ruas, paredes.
As afirmações de Vergara neste vídeo contribuem muito para a
discussão sobre seu trabalho na expedição artística de 1995, pois o artista utiliza
a mesma técnica, mantendo-se coerente com a sua poética e temática. Para o
artista, as cores dos pigmentos, os chãos e objetos de um lugar possuem um
grande significado, como podemos ver na su
a fala:
Esse pigmento aqui, o que me encanta nele, além do caráter da
cor que ele tem, que é uma coisa maravilhosa, uma cor da gente
né, ele tem uma história carregada. Então, pra mim, é uma coisa
interessante de vir aqui e capturar essa paisagem, essa coisa que
está dispersa, depositada em cada frincha. No chão, nas pegadas,
nos pequenos vestígios, nessa coisa que é distraída e, ao mesmo
tempo, está carregada de sentido mesmo, do peão que vive em
cima... assim, um pequeno... “assim caminha a humanidade”,
uma
história através destes vestígios. [...] Este pigmento é o mesmo
pigmento utilizado nas cavernas, nas grutas daqui, quer dizer,
esse óxido de ferro e manganês aqui foi usado a 12 mil anos
pelos primitivos aqui para deixarem suas marcas nas paredes né.
Uma espécie de “eu estive aqui, eu passei por esta etapa do
universo”. Isso é uma coisa que me encanta e me carrega. Depois
a gente o mesmo pigmento que foi utilizado pelo mestre Ataíde
para pintar os Aleijadinhos, para pintar as igrejas daqui do barroc
o
mineiro [...] Essa cor incita cada história, pra mim, eu tento passar
isso
119
.
Vergara possui um outro conceito pessoal sobre a paisagem. O seu
interesse não está na pintura tradicional da paisagem, com rigorosas
composições que representam mimeticamente
o mundo natural. Como ele próprio
afirma:
Não me interessa pintar uma paisagem, representar uma
paisagem, representar um forno, mas capturar aqui, esse lugar,
119
Trecho do vídeo de Nelson Brissac Peixoto transcrito por mim. Vergara está relatando seu
processo de execução de algumas obras feitas numa antiga fábrica de pigmentos em Minas
Gerais. A paisagem de que fala é um galpão de madeira que possui fornos de tijolos e o chão
colorido pelo óxido de ferro.
124
onde uma transformação química, física do amarelo virar
vermelho. Onde a ação do fogo sabe, onde isso aqui, esse
amarelo... a ação do tempo que destroça o ferro e faz o óxido,
oxidou... e aqui se precipita nestes fornos, se apressa o amarelo e
o vermelho. Com esse amarelo e esse vermelho aqui é que se
produz o xadrez que é a pintura, a tinta mais barata que existe
no Brasil. Onde são pintados quase todos os pisos do interior, as
paredes, misturados com cal. Essa é uma cor que está espalhada
pelo Brasil inteiro, de norte a sul, então tem uma carga, assim,
que, pra mim, é poética
120
.
As obras elaboradas durante a expedição de 1995 fazem parte do
estilo produzido pelo artista desde os anos 80, quando ele passou a trabalhar com
pigmentos naturais e minérios (encontrados em na fábrica de pigmentos para tinta
-
MG) como base para diversos suportes de gr
andes dimensões (fig. 64 e 65).
Fig. 64
S/ Título
Série Minas
Vergara, 1991
Fig. 65
Pirenópolis
Vergara, 1994
121
Fig. 66
Muro
Vergara, 1994
Fig. 67
Telhado
Vergara, 1995
120
Idem 117.
121
Figuras 64 a 67 encontram
-
se disponíveis no site do artista: www.cvergara.com.br
-
ac
esso em
22/09/2006.
125
Vemos nessas obras a presença dos mesmos materiais, cores e
técnicas utilizadas por ele no projeto da expedição Langsdorff. Ao verificarmos os
títulos das obras vemos que o artista viaja para diversos lugares e faz suas
impressões de diversos espaços e pontos de vista. Algumas obras são
impressões feitas no chão, outras em muros, outras no telhado partes de uma
paisagem.
Voltando às obras de Vergara produzidas na região de Ouro Preto e
Diamantina durante a expedição, surgem algumas questões sobre estas cidades.
Passamos a querer saber sobre algo des
ses lugares, algo que teria interessado
e que interessa na sua produção atual ao artista e fez com que ele produzisse
sobre e a partir deste lugar. Sendo cidades históricas que possuem um grande
marco sobre o ciclo do ouro e dos minérios, temos também em Ouro Preto um
grande referencial religioso, uma variedade de edifícios barrocos que marca a
presença da Igreja nas terras brasileiras desde os primórdios da colonização.
Sendo assim, essas ladeiras registradas/impressas pelo artista nas
obras
Ouro Preto 1 e 2 e Diamantina 1 e 2 carregam uma carga de memória
grandiosa. As pegadas marcadas que se foram, gotas de velas que os fiéis
carregaram durante as procissões e festejos religiosos, caminhadas de fé,
histórias de pessoas, cenas presenciadas. Chão feito de pedras que carregam
uma memória geológica e antiga, testemunho (o chão) de um lugar religioso, de
um espaço terreno e espiritual, de construções materiais e espirituais.
Nessas relações entre o terreno e o espiritual temos também a
figuração e a abstração. Talvez as obras de Vergara produzidas nesta expedição
sejam as únicas que remetem a uma certa abstração. Porém, encontramos
figuras
cruzes que ora o um “x” (ver fig. 57, 58, 59 e 60) as quais podemos
associar com as demarcações feitas no chão - o “x” no mapa que revela o lugar
do tesouro que há nestas cidades e que havia em maior quantidade no passado.
Assim como veremos nas obras de Anatoli Juravlev, Vergara não está
interessado nas grandes quantidades de cores cinza e suas variações tonais
encon
tradas nas grandes cidades. Não vai atrás dos asfaltos das ruas, das
avenidas com marcas de carros, de buracos, de concreto. Vergara não se
interessa mais por uma natureza urbana encontrada na sua produção dos anos
60 e 70
mas vai atrás de uma abstraçã
o em grandes dimensões.
126
Vergara ainda nos diz, no vídeo de Nelson Brissac, sobre o seu
interesse nas cores dos pigmentos naturais:
tem um excesso, um excesso brasileiro de cor que é uma coisa
maravilhosa. Tem um momento especial onde a quantidade é uma
espécie de qualidade. É uma categoria nova! Muito amarelo é
melhor que pouco amarelo. Quer dizer, muito mais luz! Isso é o
que me interessa.
Nesse sentido, o artista parece estar interessado nas cores naturais
encontradas em cidades mineiras e em fábricas e indústrias de minérios, para
registrar em suas obras um testemunho dessa época vivida por ele. Registrando
esses lugares visitados, através desses pigmentos, o artista se embrenhou nos
interiores das regiões brasileiras (MG) em busca de identificar o país através da
cor. A “cor do Brasil”, em sua opinião, num jogo de contaminação entre a
identidade pessoal e uma suposta identidade cultural brasileira.
Podemos dizer que, ao elaborar essas obras através da técnica de
monotipias, o artista vive uma espécie de experiência, de aventura, pois não se
sabe como saia impressão. Segundo Paulo Sérgio Duarte, “a generosidade de
sua escala nos gratifica, o campo visual é literalmente tomado pela sua amplitude
e somos envolvidos e transportados para o local”, e, ainda, “como se o artista
pudesse nos levar para o momento da conclusão do trabalho” (DUARTE, 2006).
Como verificamos, Vergara poderia estar ligado aos geógrafos que
acompanhavam as expedições do culo XIX, fazendo uma certa analogia. Num
âmbito geral, a sua produção é resultado de “uma pesquisa que percorre a ampla
geografia de diversas regiões brasileiras onde convivem marcas culturais de
paredes e chão de cidades históricas, com as marcas da natureza, como os
rastros de jacarés do Pantanal” (DUARTE, 2006
).
A exposição individual do artista, em 2003, nos chama muito a atenção
devido ao seu título - "Carlos Vergara Viajante", que estamos investigando
produções contemporâneas que se espelham em obras dos artistas-viajantes do
século XIX.
Para Duarte, o tí
tulo desta exposição quis simbolizar a sua trajetória, os
seus 40 anos de carreira e também se refere aos trabalhos em campo que o
artista gosta de fazer, ao ar livre, buscando pigmentos locais. Sobre as produções
desta época Paulo Sérgio Duarte afirmou:
127
Plenas na pura visibilidade, satisfeitas na generosidade da esca
vss
128
Ao analisarmos o processo e a produção de Vergara, podemos dizer
que ele é o artista que viaja, o único artista-viajante desta expedição que elabora
a sua obra no exato momento de vivência/experiência com a paisagem, a qual é
tratada com outras concepções. Tal como nos diz Peixoto, “Carlos Vergara o é
um naturalista, alguém que levaria seu cavalete para cima de uma colina, que
trabalharia observando a paisagem. Ao contrário, ele traz a paisagem para dentro
do atelier” (1996, p. 249).
Aqui
as questões trabalhadas pelos artistas-viajantes sobre as
distâncias exatas para representação da paisagem (vistas, panorâmicas, olhar
aproximado e distanciado) são resolvidas por uma outra ordem. Peixoto aponta
algumas destas questões:
Não se trata, propriamente, de vistas. Todo o problema da pintura
atual de paisagens está colocado aqui: a perda da medida, a
necessária distância entre o observador e o seu objeto, que
articula o panorama. Afastar-se demais ou aproximar-se em
excesso implicaria em perder a paisagem. Vergara resgata a
paisagem, que parecia estar desaparecendo do horizonte da
pintura, mas na tensão extrema entre objeto e a tela. Não há mais,
praticamente, nenhuma distância. Quase desaparece também a
diferença entre o gesto do pintor e o pigmento, tomado em seu
estado bruto. A pintura retoma seu referencial no mundo e, ao
mesmo tempo, a paisagem se desenha pelo recorte do olhar
pictórico (1996, p. 249).
Vergara nos coloca diante do véu da paisagem, que é o u do limite
da representação
pitoresca
limite da figuração. A ultrapassagem dele é a
proposição pela via da própria linguagem pictórica
pintura que pinta a pintura e
não um retrato do mundo, a paisagem. A pintura, assim como o artista, interage
com o mundo. A tela é exposta ao mundo e ao se colar a ele a tela se integra à
paisagem configurando um mundo pintura.
Ao elaborar suas obras Vergara trata a paisagem mineira com um outro
olhar, que surge
pela cor – a primeira pintura brasileira. Uma reconstituição da
paisagem brasileira – por extensão de uma história da pintura
brasileira
se delineia aqui. A cor, o pigmento, opera como uma
âncora na história. O lento processo de amulatamento do barroco
europeu. Sem a carga dramática que envolve a paisagem alemã.
É mais prosaica, remete ao chão, ao cotidiano. Uma relação
129
emotiva com o passado, vontade que ele ocupe um lugar
(PEIXOTO, 1996, p. 252).
Os viajantes tinham um problema do olhar, que resulta num estado
óptico. El
130
III.5. Olaf Nicolai
Para este projeto o artista elaborou uma obra a qual nomeou de
Itamarati
(fig. 68). Trata-se de um objeto em forma de mala/estante elaborada
com madeira, revestida na parte superior de um tecido vermelho. Temos duas
partes, a superior, a qual é aberta a vista frontal e a superior (somente o fundo e
as laterais são fe
itas de madeira) e a parte inferior onde temos quatro gavetas. No
interior dessas gavetas encontram-se quatro modelos de tapetes (com dois
motivos de desenhos e duas variantes de cores aplicadas em cada um) feitos de
de tecelagem, com tamanhos de 52,5 x 32,5 cm. Na parte superior oito
placas de vidro lapidado com ornamentos florais, com medidas de 67 x 62 x 42
cm (altura, largura, fundo) divididas em dois grupos de quatro. Entre essas placas
temos uma flor feita de madeira e materiais sintéticos com 43 cm de altura e 20
cm de diâmetro.
Fig 68
Itamaraty
, 1995.
Ao observarmos essa obra é possível aproximar Olaf Nicolai mais com
a botânica e a etnologia, pois nesta mala de objetos encontramos plantas
herbarizadas e eternizadas dentro de placas de vidro (fig. 73); uma flor artificial
(fig. 69) que é fruto da imaginação do artista (trabalhando aqui conceitos de
131
artificialidade e de natureza) e tapetes estampados com motivos geométricos
feitos por crianças da tribo dos índios Cara(Rio Negro, Araguaia), aplicados
originalmente em objetos utilitários. Os modelos foram encontrados em livros da
FUNAI, voltados para os programas de Educação Indígena. Estes, foram re-
trabalhados em computador (criando quatro variantes) e confeccionados com
processos artific
iais/industriais de confecção/impressão, sofrendo um processo de
manufaturação (a Companhia alemã SCHONHERR
Chemnitz) (fig. 70).
Fig. 69
Itamaraty
(detalhe flor
-
modelo)
Fig. 70
Itamaraty
(detalhe tapetes segundo desenho
dos índios Carajá)
124
124
Figura 69 e 70 disponíveis em COSTA, 1995.
132
Segundo a descrição da obra, o nome Itamaraty é revelador de uma
inter
-relação entre os domínios da viagem do ponto de vista do artista e do
ponto de vista do modo como as relações internacionais entre diferentes países
são estabelecidas na atualidade e da coleção o Palácio é sede de uma
coleção de obras de arte (paredes de rmore de Athos Bulcão, obras de Frans
Post, Debret e Rugendas, dentre outros). Nestes termos, vemos como o nome
revela, em grande parte, o destino político e de fruição de toda viagem, tornando-
se, ele próprio, uma “mala” que contém as obras dos artistas-viajantes do
passado.
Inclui
-se aqui também uma possível reflexão em torno do palácio
enquanto objeto, descrito como sendo uma construção que exibe um jardim
projetado por Roberto Burle Marx, com um espelho d’água e ilhas de plantas
tropicais, conjunto exótico destinado à taxonomia e às relações econômicas,
assemelhando
-
se a um palácio de cristal.
A paisagem de Burle Marx apresenta-se ao espectador como sendo
resultante da estética modernista brasileira, um misto de racionalismo com
valorização da flora nativa (brasileira). O artista alemão, amplamente interessado
na vegetação, observa com impacto as formas da natureza no Brasil.
Strauss faz o seguinte comentário sobre a reação de Nicolai diante da
natureza em Diamantina: “As bizarras formações rochosas ao redor de
Diamantina fazem Olaf entender a diferença entre
natureza
e
selvagem:
a nossa
natureza é muito mais ordenada!”. Strauss, neste momento, constata qu
e
“finalmente o sentido da Expedição de Artistas 1995 parece ficar
claro”(STRAUSS, 1995, p
.
98)
.
As impressões da natureza em Brasília já são de outra ordem:
para Olaf, o lago artificial em frente ao Itamarati corporifica a
‘natureza em um chafariz’. A natureza domada, na verdade é
disso que se trata, diz Olaf com ironia. (
ibid.,
p. 98)
Parece
-nos que foi neste momento, durante sua visita a Brasília, que
definitivamente, o artista inicia o processo de construção de sua obra.
Frans Eckhart, num texto crític
nc
rct
133
O impenetrável e o ameaçador estabelecem pouco a pouco seus
contornos nessas terras tão longínquas. Simultaneamente, as
coisas são absorvidas, terminadas, tornadas manuseáveis e
preparadas. As plantas adquirem um valor próprio no folheto do
herbário. O animal empalhado está enrijecido em seu pulo. A
tatuagem do selvagem e as armas vão parar nas malas da
expedição. Os objetos encalhados não representam mais cacos
de uma sala vazia, mas foram mais do que respondidos nos
depósitos e nas técnicas de algum museu. Exemplos cuja morte
mumificada serviu à vida nas metrópoles, e não à vida no país de
origem. Neste sentido serviram ao bem comum e viraram modelo
s
de tapetes e de design para a decoração de interiores naquelas
metrópoles...
(ECKHART, 1995, apud COSTA, 1995, p. 133).
Estas questões nos encaminham para uma discussão de museus de
História Natural
125
, os quais representam a transformação da dimensão do
selvagem / exótico e da alteridade radical que se transforma em diferença, no
jogo entre natureza (culturalizada) e a cultura. Eckart (1995) ainda afirma:
A distância histórica para as primeiras expedições científicas é
intransponível. Os invólucros e malas retornam após peculiares
modificações a quartos anteriormente esvaziados e originam vida.
Incorporam modelos e exemplos. E os livros didáticos colecionam
desenhos de culturas desaparecidas. As gerações futuras farão
seus desenhos baseando-se neles. Os modelos artificiais como
o objeto criado por este artista dos organismos podem ser
descobertos caso sejam procurados ou criados. A capital Brasília
é um mundo concebido de cabo a rabo. Os templos das seitas, as
esferas de comando nacionais, a arte e a natureza têm seu lugar
no museu vivo, a cidade (
apud COSTA, 1995, p. 133)
.
Em
Itamaraty,
o artista projeta seu olhar sobre o ato de colecionar
lembranças. Ou seja, o artista estrangeiro parece “repetir” novamente essa prática
dos viajantes europeus do século XIX, mas que aqui adquire um certo caráter
irônico. Esse desejo de guardar/conservar alguns objetos pertencentes às regiões
visitadas existe desde os séculos XVII. Segundo Belluzzo (1999), os europeus
criaram o gabinete de curiosidades, um tipo de coleção, um gabinete de arte (fig.
71 e 72) ou de maravilhas: “naquela época das grandes viagens às terras
distantes, reis, sábios e amadores passam a colecionar objetos estranhos, cujo
interesse é dado pelo caráter inusual das peças” (BELLUZZO, 1999, p. 24).
125
Sobre museus e as ciências naturais no Brasil, ver: LOPES, 1997.
134
Fig. 71
-
Gabinete de curiosidades, anônimo
-
Fim do séc. XVII
-
óleo s/ tela,
Florence, Opificio delle Pietre Dure
126
Fig.
72
Bargueno écritoire noyer et incrustations
Século XVI, Aragon, Espanha
127
Segundo Belluzzo,
essas coleções heterogêneas reuniam tanto aspectos
desprendidos da natureza quanto artefatos históricos e
antigüidades. Plumária de pássaros americanos, cabeças de
animais, minerais, plantas exóticas eram dispostos lado a lado,
junto a indumentárias indígenas, armas, medalhas, insígnias e
instrumentos de guerra, e estatuetas artísticas. A coleção dos
curiosos
formava um cosmos em miniatura (BELLUZZO, 1999, p.
24).
126
Imagem disponível no site: http://thedesignspace.net/art/gallery/main.php?g2_itemId=1109 -
acesso em 12
/09/2006.
127
O Barqueno é conhecido como o gabinete espanhol. Imagem disponível no site:
http://www.meublepeint.com/bargueno.htm
-
acesso em 12/09/2006
135
A autora ainda nos diz que
muitos destes gabinetes, tão diferentes entre si, nascidos como
coleções domésticas e extensões de bibliotecas, destinavam aos
estudos de espécimes e de objetos excepcionais, que eram
mostrados a um pequeno círculo de curiosos (1999, p. 26).
O que vemos, portanto, é a referência clara deste artista ao passado, à
esta atividade dos viajantes. Nesta mala-objeto o artista coloca uma flor exótica
(e, no caso, irreal, criada por ele) e tecidos estampados com motivos feitos pelas
crianças indígenas. Esses desenhos pertencentes à cultura dos índios Carajá são
utilizados nas artes aplicadas (jarros, cestas), em instrumentos de caça, bem
como na sua própria pele dos índios
128
. Ressalta-se aqui a confluência entre as
artes aplicadas nas culturas indígenas
seus padrões gráficos e usos em objetos
cotidianos
– e a transferência feita por Nicolai para um objeto manufaturado
(design) de nossa própria cultural industrializ
ada.
Nicolai também nos lembra que a natureza possui sua própria
expressividade e que é algo mais do que mero ambiente passivo. Poderíamos
dizer que este artista estaria junto a uma nova geração de artistas que se deixam
inspirar mais pelos diagramas biológicos do que pelas galerias de arte (HUG,
1995).
Toda obra possibilita uma variedade de leituras.
Nicolai possui um herbário construído por ele mesmo onde trabalha há
anos. No Brasil ele pôde acrescentar à sua coleção algumas espécies novas e até
então desconhecidas por ele (HUG, 1995).
Essa mala produzida por Nicolai contém plantas herbarizadas e
eternizadas dentro do vidro (fig. 73). Essas imagens florais foram feitas com base
num herbário construído durante esta expedição, além de terem sido utilizados
os
desenhos feitos pelos artistas-viajantes de Langsdorff (COSTA, 1995). Ao inserir
esses ornamentos em placas de vidro, a obra nos permite relacioná-los às
128
A pintura corporal é a própria vestimenta do índio, sendo assim, ao aplicar esses motivos em
tecidos,
a obra também se referiria às vestimentas atuais utilizadas por eles? Os índios de hoje
não estariam mais “nus”?
136
lâminas com fatias milimétricas de pedaços de órgãos de plantas que são
observados no microscópio,
ou seja, uma visão científica
129
.
Fig. 73
Itamaraty (detalhe vidros com ornamentos florais)
130
Esse processo e desenhos feitos por Nicolai se assemelham o princípio
técnico e conceitual de um herbário (fig. 74), o qual trata de
uma coleção de plantas prensadas e secas, dispostas segundo
determinada ordem e disponíveis para referência ou estudo.
Um herbário pode conter algumas centenas de exemplares
colhidos num determinado local, ou, geralmente, ser composto de
milhões de exemplares, acumulados ao longo de muitos anos e
que documentam a flora de um ou mais continentes.
O objetivo geral da gestão de um herbário é a colheita e
conservação de exemplares de plantas com as respectivas
etiquetas. Destas etiquetas fazem parte elementos referentes ao
local e data da colheita, nome do coletor e a identificação da
espécie em questão (binome latino seguido do nome do
classificador)
131
.
129
Ainda encontramos no livro um trecho descritivo sobre estas placas de vidro: “Partindo destes
ornamentos pôde-se elaborar elementos decorativos para interiores ou para móveis e roupas
(tapetes, vidros de janela, modelos de tecido para revestimento)”. Com este trecho temos
reafirmado tal posicionamento sobre a artificialidade e o uso de elementos da natureza para
construção de modelos aplicávei
s na cultura material.
130
COSTA, 1995.
131
O herbário é utilizado para referenciar e permitir identificar facilmente as plantas. A identificação
é feita com base em floras, que são livros que contêm chaves e descrições que permitem
distinguir as várias famílias, gêneros, espécies, entre outras categorias taxonômicas.
As chaves de identificação são feitas com conjuntos de caracteres morfológicos das plantas. Para
observar estes caracteres, por vezes, é necessário recorrer a lupas. As plantas têm um nome
137
Os materiais utilizados para a confecção deste herbário são duas
placas de madeira, as quais deverão ter um furo a 2,5 cm de cada um dos quatros
cantos que serão colocados 4 parafusos compridos com porcas de orelhas e
jornais (para absorção da umidade). Sobre uma das placas de madeira deve-
se
colocar vários jornais, depois um exemplar completo da espécie a herborizar (com
caule, folhas e flores/frutos, eventualmente raízes) dentro de um jornal e,
novamente, jornais vazios.
Fig. 74
-
Herbário
132
O artista, portanto, reproduz um procedimento típico das ciências
naturais. Não o faz com plantas reais, mas com técnicas e linguagens do
desenho, de forma artística.
Além da incrustação do desenho das plantas em vidro, uma flor
artificial que, como já foi dito, longe de ser uma recordação exótica, é fruto
exclusivo da imaginação do artista. Ela teria sido construída a partir de elementos
de plantas e ficcionais, adotando como padrão os modelos biológicos usados nas
escolas (fig. 75).
cient
ífico (composto por duas palavras em latim, a referente ao gênero e a à espécie,
seguidas do nome do classificador), que é o mesmo em qualquer parte do mundo. As designações
vulgares variam regionalmente e podem não corresponder a uma única planta. I
nformações
disponíveis no site português: www.cienciaviva.pt/projectos/pulsar/herbario.asp. Acesso dia
02/11/2006.
132
Imagem disponível em: www.cienciaviva.pt/projectos/pulsar/herbario.asp. Acesso dia
02/11/2006.
138
Fig. 75
Esquema floral usado nos livros de botânica
133
Este objeto (flor modelo) enriquece, portanto, o seu trabalho na
categoria artificialidade, em oposição ao natural. Assim como os cientistas estão
trabalhando e pesquisando novas formas de vida, cruzamentos genéticos,
interferindo na vida natural, tomando a natureza para si, modificando-
a,
controlando
-a. Aqui o artista brinca de nio criador, de ser Deus. Resta, então,
que permanece totalmente em aberto com qual estado
o artista se identifica mais,
pois mesmo trabalhando poeticamente com uma construção artificial ele possui
um longo trabalho com as próprias espécies naturais. Poderia ele estar ironizando
essas relações que o homem possui com a natureza, até mesmo as suas
.
Esta flor “artificial” poderia ser também a criação de uma vida. A obra
pode discutir estas questões atuais sobre os avanços da ciência e,
especificamente, dos recursos da genética? Ou, por outro lado, talvez, seria a
lembrança do artístico, da arte enquanto um artifício? Com esta obra podemos
dizer que o artista recolhe arte nos diagramas biológicos do mundo e os arranja
sob a forma de um artifício? Possivelmente o construído (a flor, na obra) lhe
pareça mais autêntico do que o original, a simulação mais
real do que o modelo.
As questões similares às identificadas em Itamaraty podem ser
observadas
em outra obra do artista (fig. 76). Podemos ver na figura abaixo uma
obra que também foi realizada com os mesmos materiais e que representa uma
133
CLEFFI, 1986, p. 185.
139
flor artificial elaborada com partes de outras flores, constituindo-se como uma
nova espécie.
Fig. 76
Bluete
Técnica mista
-
Olaf Nicolai
2000
134
No mesmo âmbito de raciocínio, o artista publica um conjunto de
cartões postais com imagens de pedras vulcânicas onde cresce uma vegetação
artificialmente posta ali.
À miniatura – que se assemelha ao bonsai - deve ser somada a
dimensão que a ela se opõe. Ao invés do exercício rigoroso de dominação e
controle da natureza, incluindo o seu tamanho, estamos diante de um
sentimento de perda e de impossibilidade da existência de uma natureza intacta,
que agora deve ser protegida. Na instalação que completa a obra (fig. 77
e 78), as
cinco rochas com as plantas artificialmente dispostas formam verdadeiras
esculturas biológicas, num ambiente arranjado onde as formas vivas e frágeis,
para sobreviver, necessitam de um controle quase
-
hospitalar.
134
Imagem disponível no site: http://www.artnet.com/artwork/138295/olaf-
nicolai
-
bluete.html
-
acesso em
12/09/2006.
140
Fig. 77
-
Interieur/Landschaft, Ein Kabinett
-
(1996
-
1997) Fig. 78
-
Exposição
-
1997
135
Este mundo miniaturizado e isolado é um convite a uma meditação
acerca dos modos como o natural está sendo construído, numa intermitente
desaparecimento das fronteiras entre o natural e o artificial.
Segundo Alfons Hug (1995), este princípio (de simulação) também vale
para as suas considerações etnológicas sobre os índios Bororo. Os filhos destes
últimos só conseguem reconstituir as pinturas corporais geométricas de seus
antepassados com a ajuda de livros didáticos da FUNAI.
Nicolai leva esta artificialidade às últimas conseqüências, na medida
em que trabalha estes desenhos no computador e os imprime, por meio de um
processo complexo, sobre tapetes. Estes tapetes também são incluídos no seu
porta
-
objetos. Como afirma Hug,
Mais uma vez temos sinais originários e pré-
existentes
transformados em produto artístico. Este processamento artificial
tem precedentes sob a forma das nossas estufas de plantas
tropicais, dos nossos jardins zoológicos e principalmente nossos
museus de História Natural, que buscam a duras penas recriar
biótipos tropicais, mas que no fim acabam fornecendo apenas
subreproduções
(HUG, 1995
apud COSTA, 1995, p. 112).
Nicolai nos leva a refletir sobre essas questões culturais da tribo dos
Bororo
136
. Memórias de suas origens, de seus artefatos, dos desenhos e
135
Imagens disponíveis em: www.eigen
-
art.com/homeEN.html. Acesso dia 08/07/2006.
136
Embora suas considerações visuais sejam a respeito dos índios Carajás, as te
xtuais se referem
à nação Bororo. Neste trabalho não trataremos desta questão de caráter etnológico resultante de
um possível desconhecimento do artista em relação à realidade das etnias e nações indígenas no
Brasil. Para desenvolver tal temática se faria necessário um estudo do mapa etnológico brasileiro
e do respectivo conhecimento deste por parte do artista.
141
significados no cotidiano perderam-se no tempo. Parecem estar literalmente
engavetado
s, arquivados e não mais presentes na vida desses índios.
Durante as visitas da expedição à tribo dos índios Bororo ajudados pela
Missão Salesiana do Mato Grosso, nas proximidades da Barra do Garça, os
participantes da expedição se depararam com situações inusitadas como:
cobrança a visitantes para conhecer o local em que vivem, queixas dos índios
mais idosos sobre as condições de vida, superlotação de pessoas morando em
uma casa (20 pessoas)
137
e a falta de iniciativa para construírem novas mesmo
havendo mat
erial disponível na missão (STRAUSS, 1995, p. 104).
Dieter Strauss, diretor da expedição (1995), ainda ressalta que as
relações com os índios mudaram após o conhecimento de desenhos dos seus
ancestrais: “Somente Leila Florence (fig. 79) consegue, com seu belíssimo livro e
os desenhos dos Bororo feitos por Hércules Florence, suscitar interesse: é que
neste caso estamos confrontados com nossos bisavós!” (Idem).
Fig. 79
-
Leila Florence entrega o livro com desenhos da tribo Bororo
138
137
Para os participantes desta expedição terem afirmado que esses índios vivem em superlotação
supomos que estes devam ter presenciado uma quantidade de pessoas superior ao considerado
habitável, a moradia deveria ser pequena, indevida.
138
Imagem disponível em COSTA, 1995, p. 106.
142
Alguns outros índios, como os Carajá na cidade de Aruanã, foram
“rebaixados a atração turística: visitas de segunda a sexta, das 9h as 18h...” e
Olaf Nicolai afirma “os verdadeiros índios estão no museu” (Idem).
Para Strauss (1995, p. 97), uma das idéias (talvez a idéia geral) de
Nicolai é produzir e se presentear com
souvenirs
do Brasil.
Souvenirs
que
forçosamente devolver-
lhe
-iam sua visão e mostrariam quais aspectos do Brasil
lhe chamariam a atenção e sobre quais deveria concentrar-se mais
detalhadamente.
Tal questão também foi trabalhada em outra obra sua, intitulada
Souvenir Heimat
(fig. 80), de 1997, mostrando, assim, a presença de alguns
temas recorrentes em sua produção artística.
Fig. 80
-
Olaf Nicolai: Souvenir Heimat. Schneekugeln
139
O artista trabalha sob a ótica do souvenir e das lembranças de viagens
para, desse modo, realizar uma tentativa de salvamento das coisas em destruição
e desaparecimento. Nessa obra (fig. 80), Nicolai se refere à destruição de
algumas cidades do interior europeu (Blumroda, Deutzen, Eythra, Leipen, Tötha,
Zehmen), divulgadas num jornal diário em 1995. As cidades destruídas e,
posteriormente reconstruídas, tal e qual, pela via da tecnologia avançada da
construção civil, em outro local, mais distante, só poderão ser recuperadas no seu
sentimento e dentro destes globos natalinos. A cidade miniaturizada pode ser
agora posta numa estante, como objeto que alegoriza seu próprio
desapareciment
o, vivendo como um mito ou um objeto que oscila entre o culto e o
kitsch.
139
Imagem disponível no site:
www.museum.com/ja/showdia/id=476
acesso em 13/09/2006.
143
Vemos que o artista não hierarquiza a perda da memória cultural e a
perda do mundo natural, elas estão conjuntas. O artista reflete sobre a destruição
da relação tradicional com o mu
ndo, a qual nem mais os índios possuem.
Embora o seu trabalho se assemelhe, em partes, com os antigos
gabinetes de curiosidades que possuíam objetos naturais tratados como
coleção/exibição
guardar vários exemplares do que há no mundo –, Nicolai
trabalha
com o raciocínio do herbário, o qual tem na figura do cientista o ofício de
preservar a espécie, guardar a semente para que possa ser plantada para a
multiplicação e evitar a sua extinção armazenar o que não poderá mais existir.
Pode
-se dizer que este artista trabalha com a estética da “conservação”, como
numa atitude de alertar para a necessidade de retardar a destruição.
No ano de 1965, um conjunto de intelectuais franceses foi entrevistado
para o Figaro Littéraire acerca de que fatos, objetos, invenções, livros e outros
elementos deveriam ser guardados numa cápsula de tempo para o Terceiro
Milênio. Dentre eles, o antropólogo Claude Lévi-Strauss, oferece-nos sua
resposta, dentro da mesma configuração de raciocínio conservacionista e
sentimental:
Eu colocaria em sua cápsula documentos relacionados com essas
últimas sociedades “primitivas” em processo de extinção,
amostras de plantas e espécies animais que estão sendo
exterminadas pelo homem, de ar e água que ainda não foram
poluídos pelos resíduos industriais, descrições e ilustrações de
lugares que logo serão destruídos por instalações civis e militares.
Vinte e cinco exemplos certamente não seriam suficientes! Mas,
ao decidir que produções literárias e artísticas dos últimos 20 anos
merecem sobreviver ao milênio, poderíamos nos enganar. E seria
presunçoso e inútil de nossa parte chamar a atenção de nossos
sucessores distantes para teorias e aparelhagens científicas que
eles julgarão obsoletos.
Portanto, é melhor deixar alguns indícios das muitas coisas que,
devido aos nossos crimes e aos de nossos sucessores, eles não
terão mais o direito de conhecer: a pureza dos elementos, a
diversidade dos seres, a graça da natureza e a decência do
homem (LÉVI
-
STRAUSS, 1973, p. 337 apud. PACE, 1983, p. 99).
Nicolai
e Lévi-Strauss, no âmbito dos problemas entre a natureza e a
cultura, por caminhos diversos e em tempos diferentes, acabam por reconhecer e
deixar a lição desta condição de testamento cultural (Lévi-Strauss) e de, agora,
um papel renovado do artista conte
mporâneo (Nicolai), enquanto testamenteiro de
144
formas de vida em processo de desaparecimento. Assim, da mala do viajante,
devemos restituir não apenas a supervalorização do exótico enquanto lugar do
outro espacial, para assumir uma dimensão da alteridade temporal. Estamos
diante do desaparecimento de todo exotismo e de toda a dimensão selvagem da
existência. Mas isto não é simplesmente uma forma da integração do outro e das
outras paisagens numa cultura global. Muito mais do que isso, a obra de Nicolai
fala
de um efetivo desaparecimento de formas de vida sejam os biomas, os
ecossistemas ou um grupo étnico e suas tradições. Para ele, o que restará de
nosso mundo, sepossível através do exercício de um congelamento, por
efeito de recriação e de simulação. Lado a lado ao objeto kitsch das lembranças
natalinas, a mala e a instalação de rochas, todos eles representam formas da
criação de um mundo natural artificialmente produzido e protegido, revelando, no
projeto artístico, a integração de uma consciência política do artista em face da
cultura científica do mundo contemporâneo.
145
III.6. José Fujocka
Segundo as descrições e imagens encontradas no livro (COSTA,
1995), o trabalho de José Fujocka, intitulado Lugar de Ilusões (fig. 81)
,
trata de
uma instalação
com uma sala em forma de capela com medidas de 4m x 5,30m x
2,70m. Na vista frontal (parede ao fundo) temos uma fotografia localizada numa
caixa acrílica. Nas paredes laterais temos duas cruzes brancas em cada lado.
Fig 81
Lugar de Ilusões
proposta
inicial
,
1995
140
.
As cruzes (reproduzem aquelas encontradas na capela da Missão
Salesiana em Mato Grosso) localizadas nas paredes laterais seriam uma espécie
de molde vazado o qual permitiria ver um outro ambiente com objetos colhidos
durante a viagem.
Esta
s descrições são de uma proposta inicial da obra. Segundo o
artista, um projeto de como seria a instalação deveria ser feito para a publicação
do livro, antes que a própria obra tivesse sido finalizada
141
. Portanto, surgindo a
necessidade de vermos como a obra foi elaborada e finalizada, entramos em
contato com Fujocka que disponibilizou um outro desenho do modo como a
instalação foi efetivamente construída para a exposição (fig. 82).
140
COSTA, 1995, p. 121.
141
Informaç
ões fornecidas pelo artista, em entrevista realizada através de correio eletrônico.
146
Fig. 82
Desenho da instalação
Lugar de Ilusões
-
Fujocka
142
Neste desenho podemos ver a mudança da forma e da disposição dos
elementos utilizados na instalação. O espectador entra na sala pelo lado direito e
a saída fica no lado esquerdo, como uma espécie de caminho a ser percorrido.
Fujocka construiu uma sala preta de 4 x 4
metros totalmente escura. As
cruzes que estariam na parede falsa foram substituídas por uma linha com 20cm
de altura que recorta esta parede, permitindo que a luz que percorresse toda a
extensão
143
. Esta linha, que só começava a tomar forma depois de mais o
u
menos 30 segundos após o observador entrar na sala, indicava que era um fundo
falso, o qual mostrava uma segunda parede com vários objetos de uso geral
(imagens de santos, muletas, luvas...) e várias fotos feitas pelo artista durante a
viagem e outras colhidas pelos moradores dos lugares visitados (figuras 83, 84,
85 e 86).
142
Imagem disponibilizada pelo artista.
143
Segundo informações dadas por telefone pelo artista, as cruzes limitariam o campo de visão do
espectador, o qual não poderia ver todos os objetos que se encontravam na segunda parede,
após o fundo falso.
147
Fig. 83
Objetos localizados na segunda parede
Fig. 84
Detalhe das fotografias e objetos
Fig. 85
Lugar de ilusões
detalhe parede 1
Fig. 86
Lugar de ilusões
detalhe parede 3
144
Segundo Fujocka, estes objetos e fotos (recolhidos durante a viagem)
“são de certa forma um resumo de toda nossa cultura, principalmente nossa
cultura religiosa, que é tão presente em nosso povo”.
Lugar de Ilusões co
nfigura
-se como sendo uma instalação realizada
em dois ambientes. Uma sala obscura e um vão, criado pela falsa parede, na qual
temos um corredor estreito e claro. Na sala escura, espaço maior e destinado a
presença do espectador, a leitura concentra-se numa imagem fotográfica em
grande formato e nesta faixa de luz branca, provocada pela incisão na superfície
da parede. Através dela, entramos em contato com uma profusão de imagens,
144
As figuras 83, 84, 85 e 96 e as afirmações sobre a obra foram disponibilizadas por Fujocka.
148
objetos e textos, que define um universo narrativo, traçado pela linha lumino
sa
que corta a parede.
Para o artista, “a idéia era passar esta sensação de obscuridade e
medo num primeiro momento, onde o indivíduo começa a pisar num território
totalmente desconhecido”.
Podemos ainda pensar nas associações provocadas no espectador,
ap
roximando
-as da experiência dos viajantes estrangeiros, num processo de
estranhamento
um certo sentimento de relação com o desconhecido - e de
descoberta
desbravando o espaço estranho para si. Fujocka complementa que
“aos poucos, depois dos olhos irem se adaptando à escuridão, a pessoa podia
começar a percorrer o espaço e observar os objetos que estavam por trás da
parede”.
Caminhando pela sala, o observador chega ao centro e depara-
se com
uma imagem (fig. 89) que se encontra atrás dele. Esta imagem mostra 3 homens
pendurados como peixes numa estaca e que acabaram de sofrer um linchamento
em praça pública. Segundo Fujocka,
esta imagem mostra o quanto o homem que habita a terra ainda
pode ser tão selvagem quanto era séculos atrás. Este
linchamento ocorreu porque estes homens foram garimpar ouro
numa terra particular e os donos desta terra fizeram isso para dar
exemplo aos outros garimpeiros do que poderia acontecer no caso
deste fato voltar a se repetir
145
.
Em relação aos corpos pendurados encontrados na fotografia,
podemos também associar estes elementos dispostos na cena com o ensaio
fotográfico
Matadouro Público, de Walter Carvalho, no qual o artista retrata o
processo de matança dos bois na Usina Santa Helena, na várzea do Rio
Paranaíba (PB). Os bois encontram-se pendurados e mutilados, permitindo que
vejamos o interior do seu corpo aberto pelos cortes (fig. 87). Estas fotografias
fizeram parte da exposição Walter Carvalho fotógrafo no Instituto Moreira Salles
nas galerias de São Paulo e Porto Alegre
.
145
Informações fornecidas pelo artista.
149
Fig. 87
Matadouro Público
fotografia
Walter Carvalho
146
Essa imagem dos garimpeiros é uma apropriação do artista de uma
imagem fotojornalística que representa no primeiro plano homens pendurados e
outros ao fundo (fig. 88), saturando-a num tom monocromático vermelho, que
toma conta do ambiente (fig. 89). O vermelho vela/oculta elementos do original,
como os homens que tiveram seus braços mutilados.
Fig. 88
Linchamento
fotojornalismo
Fig. 89
Linchamento
apropri
ação de
Fujocka
147
146
Disponível no catálogo da exposição
Walter C
arvalho fotógrafo
, Instituto Moreira Salles, 2004.
150
Em Fujocka, assim como na obra de Anatoli Juravlev, que fotografou
os desenhos de Rugendas e alterou o tom da fotografia de cinza para o azul,
estamos diante de uma modificação da cor-luz, aos moldes de uma teoria
goethiana das cores
148
.
Simbolicamente, o vermelho
149
está associado ao sangue derramado,
na foto que documenta um crime social
um linchamento de garimpeiros ocorrido
na cidade de Juara (MT) em 15 de janeiro de 1988 (fig. 90).
Fig. 90
Verso da fotografia original do linchame
nto dos garimpeiros
150
Neste trabalho, Fujocka parece ter refletido da mesma forma que o
diretor da expedição, Dieter Strauss ao dizer que
atrás de um paraíso que transformar-
se
-ia rapidamente em um inferno
verde: o verde tropical que viraria sinônimo de ameaças, de indígenas
inimigos, de animais selvagens e de nuvens de insetos. E é por isso que
a cor vermelha entraria rapidamente em campo, o fogo, com o qual a
brutal campanha de exploração do país seria preparada. Exploração de
um lado, extinção por outr
o. (1995, p. 97)
147
Imagens disponibilizadas pelo próprio Fujocka.
148
Portanto, estaríamos visando nesta alteração a promoção de um estado dramático (Fujocka) e
um jogo entre a modificação da cor e do tamanho-proporções, numa alteração na forma da
composição, privilegiando um detalhe (Juravlev), permitindo um novo olhar sobre a imagem.
149
Aqui também os desdobramentos formais de leitura desse detalhe da obra de Fujocka, no que
diz respeito ao uso do vermelho como velamento da imagem, ver a Série Vermelha (Militares)
da
artista brasileira Rosangela Rennó, a qual utiliza uma série de fotografias antigas período da
Ditadura
e satura na cor vermelha.
150
Imagem fornecida por Fujocka.
151
Estamos diante de imagens de um assassinato coletivo como nas
mortes em praças públicas realizadas em sociedades arcaicas ou tradicionais.
São figuras humanas colocadas de cabeça para baixo, como nas formas da
punição religiosa e aprese
ntadas como animais.
Dos numerosos fenômenos que caracterizavam o Brasil da época
(1995), Fujocka elege, portanto, dois que são particularmente marcantes: o ouro e
a religião, que considera como possantes propulsores da sociedade brasileira,
além de terem a ver com desejo e sonho, promessas e ruínas (HUG, 1995).
Vemos na fotografia ampliada na instalação o resultado das relações com o ouro
e o trabalho dos garimpeiros, ocasionando muitas vezes crimes sociais.
A religião como fuga ganha a companhia do ouro, que desencadeou
verdadeiras migrações e modificou regiões inteiras, tornando-as quase
irreconhecíveis. O metal precioso repousa freqüentemente em lugares em grande
parte intocados, como nas florestas virgens da Amazônia ou nas extensões
inabitadas do Mato
Grosso.
Entrando em contato com o ciclo do ouro e sua força destrutiva,
Fujocka se apropriou de uma imagem marcante que retrata as condições sub-
humanas dos garimpeiros na vida e a luta/disputa no trabalho além de registrar
várias situações cotidianas destes trabalhadores durante a viagem. Diante do
ciclo econômico-produtivo, a imagem é apresentada como sendo o resultado da
violência ainda presente no norte do Mato Grosso cidade de Poconé nos
garimpos. De acordo com Fujocka, durante a viagem à essa regi
ão, ele conheceu
uma realidade sobre a posse de territórios os quais, se forem de outros
proprietários, os indivíduos que invadissem poderiam ser assassinados com tiros.
Para ele isso foi algo visível, violência que ainda se encontrava na época da
viagem (
1995) e afirma que há casas com poços nos seus quintais, os quais seus
proprietários não falavam para ninguém, pois poderiam encontrar o ouro.
Fujocka ressalta que ninguém se aloja no território do outro. Trata-
se
de algo primata como podemos ver na imagem fotográfica dos garimpeiros
assassinados. Nos tempos de Langsdorff eram presentes as relações do homem
com a natureza selvagem/inabitada, em 1995 esse artista deparou
-
se com “o lado
selvagem/animal do homem moderno”, em suas próprias palavras.
152
A imagem fotográfica, mais que um simples testemunho dos fatos
ocorridos, apresenta-se como um artefato cultural, que simboliza os fatos
ocorridos. Na instalação, ela recupera o seu poder de síntese do processo
histórico.
A sala principal apresenta-se como lugar da síntese enquanto que o
vão provocado pela parede falsa mostra um percurso narrativo marcado pela
diversidade cultural, étnica e religiosa. Neste espaço, a síntese ganha também
uma dimensão nova e de poder. A imagem fotojornalística, ampliada e tratada
co
m o vermelho, configura uma ambiência formada pelo jogo de luz e sombra,
entre a escuridão da sala, a faixa de luz clara e o vermelho da foto. Aqui,
podemos observar como esta imagem ganha também uma dimensão simbólica
no tratamento do tema da violência, n
ão apenas pelo uso do vermelho (lembrando
o sangue derramado das vítimas), mas também pela transformação da imagem
profana (fotojornalismo) em imagem sagrada (o vermelho é também a cor dos
mantos da igreja e a cor que representa a presença viva do Cristo).
Ampliando a leitura, a fotografia retirada do seu contexto informativo
jornalismo, cotidiano
– ganha, na instalação, a dimensão de objeto sagrado, a ser
protegido, envolto na caixa acrílica, tornando-se ainda objeto de contemplação
artística.
O artista demonstra, em seu trabalho, a complexa relação entre a
história multicultural do Brasil e os modos como as instituições
e, especialmente
a instituição religiosa, a Igreja Católica tratam esta diversidade, recusando-se a
observar as configurações do catolicismo popular brasileiro, criação
originariamente produzida pela população, tal como o demonstra o artista no
percurso narrativo formado pelos objetos ocultos, por detrás da falsa parede,
recolhidos durante a expedição.
Diante deste quadro, Hug (1995) r
essalta que, atualmente o ecleticismo
religioso se alastra no país e que uma população profundamente crente,
repetidamente enganada pelas autoridades seculares, busca fanaticamente seus
salvadores, por mais esdrúxulos que sejam seus líderes.
Deixa
-
se ver a
qui um conflito sem resolução entre a multiplicidade
da
cultura
e a produção da ilusão.
Se, por um lado, a diversidade é a marca da brasilidade, por outro, não
sendo incluída nos mecanismos institucionais da Igreja, produziu respostas as
153
mais diversas: uma delas, a crença na Salvação, a outra, uma profusão de seitas
e de novas religiões que buscam ordenar e dar vazão aos sentimentos profundos
e às formas da convivência com os fatos sociais – como os da violência –
transformando
-os e encontrando para eles uma explicação que acaba por
reafirmar o poder da ilusão contido em todo o discurso religioso.
Podemos perceber o quanto o artista, em sua instalação, reforça o
tratamento de dois temas que, segundo ele, “estavam muito presentes na época
da expedição Lansdorff e se mantêm até hoje, mas de uma forma diferente”.
Como vimos, trata-se dos temas: religiosidade e trabalho. Em entrevista ao jornal
Correio Popular, da cidade de Campinas
SP, o artista afirma que a religiosidade
deixou de ser monopólio da igreja católica (como acontecia nos tempos de
Langsdorff), mas permanece viva na proliferação das seitas evangélicas.
A exploração do trabalho como tema de discussão foi feita com as
imagens que Fujocka produziu durante a viagem. São imagens de garimpos de
metai
s e pedras preciosas, um dos propulsores da economia brasileira nos
tempos de Langsdorff, todas elas presentes no corredor oculto pela falsa parede.
Desse modo, o trabalho associa-se ao percurso da viagem e ao modo narrativo
de contar uma história.
Hug ain
da ressalta que
nada parece ter mudado desde os tempos de Langsdorff, que não
somente poderia ser considerado precursor do ambientalismo
brasileiro, mas também se destacou como protetor de escravos e
índios. A escravidão foi oficialmente abolida há mais d
e cem anos,
mas nas terras remotas do interior do Brasil ela subsiste sob
formas sutis. Igualmente atingidos pela situação, temos tanto a
massa de agricultores sem terra quanto os marginalizados da
metrópole cuja única esperança é uma draga no rio Madeira. É
esse cenário que Lévi-Strauss tinha em vista ao redigir
Tristes
Trópicos
(STRAUSS, 1995, p. 112).
Com essa instalação, Fujocka, assim como Vergara e Nicolai,
introduziu um momento forçosamente sociopolítico na exposição ao tratar destas
questões.
154
A fotografia jornalística
151
, utilizada por Fujocka, com seu caráter
documental, tal como indica Tadeu Chiarelli (1999), serve para registrar o
presente e construir uma memória e uma documentação, gerando um banco de
imagens disponíveis para a citação artística. Fujocka integra-se às poéticas
contemporâneas o apenas por sua vocação política típica da geração
paulistana dos anos sessenta e setenta do século XX -, mas também por seu
interesse do uso deste meio de registro enquanto matéria-prima para a
composição
de uma nova obra (CHIARELLI, 1999).
Sem o uso da fotografia, mas remetendo aos temas do ouro e do
dinheiro, Cildo Meirelles realiza a instalação no Projeto dos Sete Povos das
Missões, mencionado no início deste capítulo (fig. 91). Como Fujocka, Meirelles
faz a ponte entre o orgânico, o religioso e o econômico, porém, utiliza outros
materiais: ossos, a hóstia e o metal.
Segundo Borges (2005), Cildo Meirelles propõe com essa obra
uma reflexão sobre o homem e a sociedade. O osso representa,
simultaneamente,
vida e morte, a moeda, o poder econômico; e a
frágil coluna de hóstias
-
eucaristia liga o capital ao trabalho e não o
homem a Deus (BORGES, 2005, p. 39).
Fig. 91
Instalação com 2000 ossos, 700 hóstias, 600.000 moedas e filó.
Cildo Meireles
-
1987
152
151
Para um maior aprofundamento acerca da produção fotojornalística e justiça social, ver
MAUAD, 2001.
152
HERKENHOFF, 1948, p. 63.
155
A
escolha de Fujocka para participar desta expedição pelo curador
talvez se deve ao fato de sua produção trabalhar com questões acerca da
paisagem urbana contemporânea, utilizando a fotografia com linguagem. Nas
outras obras do artista,
Cidade Secreta
(fig.
92 e 93) e
Paisagem Urbana
(fig. 94 e
95)
, encontramos questões sobre familiaridade com as imagens do cotidiano,
intervenções e espectador no/do ambiente urbano, auto-imagem dos indivíduos
contemporâneos, falta de memória e percepção visual da paisagem nos grandes
centros.
Em sua produção artística, Cidade Secreta (fig. 92 e 93)
,
o artista
aponta que a “formação de um escudo protetor do mundo externo é o principal
ponto dentro do processo de aculturamento do indivíduo moderno”. Encontramos
aqui a presença de objetos do cotidiano. Tal como vimos, o uso de objetos
coletado também foi utilizado na sua obra Lugar de Ilusões, identificando uma
certa presença e marca na sua linguagem artística.
Fig. 92
Cidade Secreta (detalhe 1)
Fig
. 93
Cidade Secreta (detalhe 2)
José Fujocka
Para ele, “os personagens que circulam na atual sociedade de
consumo acabam negando-se a si próprios, transformando-se em pequenas
peças de um mecanismo que não pode parar” (FUJOCKA, 2006).
Segundo o artista
, neste projeto foi oferecida à pessoa uma
fotografia e o pagamento ela determinou, não sendo aplicado aqui
a moeda usual(dinheiro) como mercadoria de valor. O Projeto
utilizou os mecanismos de comercialização da região central da
156
cidade (comerciantes amb
ulantes) para coletar fotos e objetos que
fizeram parte de um painel montado na antiga agência do Banco
do Brasil em São Paulo. Foi montada uma cabine de fotografia
instantânea na Praça Ramos de Azevedo onde o indivíduo pagou
sua foto através da doação de um objeto qualquer que estivesse
portando. Ao pagar, a pessoa levou uma foto e o fotógrafo
arquivou a outra com o objeto doado (idem).
Este trabalho discute os ganhos e perdas de valores dentro deste
ambiente. O indivíduo aqui foi colocado numa circunstância onde ele teve um
tempo determinado para se auto-questionar e fazer uma avaliação de si,
decidindo quanto vale sua imagem.
Neste sentido, o surgimento de um universo de signos que pode nos
oferecer uma espécie de estudo antropológico dos transeuntes da cidade,
fazendo emergir segredos decodificadores de uma determinada “faunasurgem
neste trabalho.
em Paisagem urbana encontramos objetos, imagens, textos e
fotografias de pessoas desconhecidas que foram encontrados pelo artista e foram
expostos num su
porte transparente com bolsos.
Fig. 94
Paisagem urbana (detalhe 1)
Fig. 95
Paisagem urbana (detalhe 2)
José Fujocka
153
Para sua obra Lugar de ilusões, Fujocka também realizou algumas
entrevistas com garimpeiros e moradores (fig. 96) e registrou os momentos da
viagem em mais de 400 fotos.
153
As figuras 92, 93, 94 e 95 encontram
-
se disponíveis no site do artista: www.fujocka.com.br.
157
Fig. 96
Religiosa em sua casa na cidade de Poconé
154
O que nós podemos ver nestas outras obras de Fujocka é que este
artista é um fotógrafo documentarista das paisagens contemporâneas, que
trabalha
com a apropriação/re-apresentação de objetos imagéticos e textuais,
proporcionando ao espectador um outro olhar sobre tais realidades que passam
desapercebidas à nossa percepção visual, na contaminação visual encontrada
nas cidades. Como vimos em suas outras obras da sua trajetória artística,
Fujocka utiliza fotografias feitas por outros fotógrafos para elaborar suas
instalações ou estruturas que são expostas, mas na obra Lugar de ilusões
o
artista insere algumas de suas fotografias junto com os objetos colhidos e
expostos.
Chaimovich (1995), no texto crítico que acompanha o trabalho de
Fujocka, diz que:
Visando o registro objetivo de seus percursos, as expedições de
viajantes criaram a tradição de levar técnicos em imagens. Tanto
o desenhista minucioso como o fotojornalista deveriam apresentar
a realidade de modo científico. Cento e setenta anos e um mesmo
percurso colocam duas expedições cara a cara. Um resultado
possível seria a comparação de produções historicamente
datadas, frente às quais o espectador apenas constatasse as
voltas que o mundo dá. Mas Fujocka não produziu mais uma
coleção de cartões-postais a serem depositados em acervos de
academias e museus.
(apud COSTA, 1995, p. 122)
154
Imagem fornecida pelo artista. Segundo Fujocka, esta senhora era muito
religiosa e conversava
com os espíritos.
158
Esse autor, ao considerar as obras dos artistas-viajantes como “uma
coleção de cartões-postais”, enfatiza um dos argumentos desenvolvidos em
nosso trabalho, de que essas obras, na verdade, não nos oferece um documento
imagético da época, mas uma representação de como os europeus queriam ver o
mundo, o que pode ser confirm
ado nesse comentário sobre Rugendas:
A religiosidade ligada aos ciclos econômicos e ao extermínio
passou longe dos agradáveis desenhos de Rugendas. Agora
podemos confrontar dois olhares de registro e, vendo a
inexistência do ponto de vista objetivo, perguntar se dois viajantes
passam pelo mesmo lugar. (idem)
Como Chaimovich mesmo diz, são dois olhares de registro, referindo-
se a Rugendas e Fujocka. No primeiro, o mote da observação científica ocultaria
uma representação cultural eurocêntrica. No segundo, uma fotografia de
documentação jornalística, atualizada num contexto de poética instalacional, faria
enxergar na imagem em contexto a sua significação.
Se, para ressaltar a estratégia contemporânea, o crítico deve afirmar,
por contraposição, que Rugendas teria desprezado cenas e situações de trabalho
que prejudicavam as condições de vida dos negros e índios, uma pesquisa
documental ampliada da obra dos artistas-viajantes não permite sustentar tal
hipótese. Esses artistas do século XIX também registravam algumas questões
que qualquer espectador atento consegue identificar.
A obra abaixo (fig. 97) representa uma situação de descanso dos
negros à volta de uma fogueira. Ao lado esquerdo, temos um negro conversando
com dois brancos, aparentando boas relações, mas na parte central da figura
vemos uma roda de negros sentados ao redor de uma fogueira, cozinhando num
pequeno caldeirão algo para comer. Como podemos ver no detalhe ampliado (fig.
98), identificamos que na fidelidade da representação, Rugendas denuncia
as
condições destes negros através das imagens dos corpos fracos, dos ossos
aparentes, da desnutrição presente e ilustrada pela alimentação encontrada
na vida cotidiana dos mesmos.
159
Fig. 97
Negros em repouso
-
Rugendas
1822
155
Fig. 98
Negros e
m repouso
(detalhe)
-
Rugendas
1822
156
Da esquerda para o centro, observa-se um deslocamento de conteúdo
e de apresentação das figuras. O negro conversando com os dois brancos à
direita mostra um corpo delineado e musculoso. Sua figura combina-se ao do
ne
gro deitado quase de costas no primeiro plano. No conjunto em volta do
pequeno caldeirão, os tipos humanos são variáveis, indo de corpos esquálidos ao
musculoso, indo das cabeças raspadas e salientes aos diferentes tipos de corte
de cabelo.
155
COSTA, 1995, p. 62
-
63 e nas costas do livro.
156
DIENER, 2002, p. 99.
160
Estamos dentro de uma contigüidade paradoxal da descrição, na qual o
encontro com a diversidade cultural e étnica passa a freqüentar a formação
acadêmica dos artistas e fazer adesão ao seu método de trabalho. A descrição de
Rugendas e dos artistas viajantes do culo XIX é inaugural na formulação de
métodos sincréticos de representação visual.
161
III.7. Anatoli Juravlev
As coisas das quais nos ocupamos, na fotografia, estão em constante desaparecimento,
e, uma vez desaparecidas, não dispomos de qualquer recurso cap
az de fazê
-
las retornar.
Não podemos revelar e copiar uma lembrança
Henri Cartier
-
Bresson
157
A fotografia está diretamente associada ao jogo entre mudança
temporal e mudança da luz, dando ao tempo uma qualidade. A luz, na fotografia,
é um sinal revelador da passagem do tempo, provocando alterações da cor e do
modo como estas se refletem nas matérias alvo do registro.
Juravlev trabalha com a reprodução, fotografando desenhos de
Rugendas (fig. 104) com uma máquina Polaroid e os amplia em formato grande
(1,70
x 1,40 m), puxando para o azul o tom acinzentado do original.
Este artista nos coloca diante de uma consciência fotográfica da
mutação incessante da paisagem, não apenas enquanto jogo luz-cor, mas
enquanto forma do tempo, apresentado nas formas do congelamento de uma
imagem (a fotografia como registro do que está em desaparecimento), do registro
de um momento no interior de uma série ou de uma variação da mesma imagem.
Esta temporalização da fotografia ganha a própria expressão da tonalidade e da
variação
cromática.
Se Juravlev utiliza a técnica de reprodução de imagens, aqui temos
então a criação de imagens de segunda geração, uma recuperação de imagens
que não possuem negativos
158
. Temos a fotografia da imagem, do desenho, da
157
Apud BESSELLE, 1977, p. 98.
158
Assim como na produção dos artistas-viajantes que, depois de fazerem seus estudos em
desenho, passavam para a técnica da litografia para reproduzir várias cópias da mesma prancha.
Alguns trabalhos do próprio Rugendas foram passados para esta técnica por outros artistas como
V. Adam, L. Deroy, L. Sabatier, entre outros, o que nos apresenta que não é necessário que
o
produtor da obra inicial seja quem reproduz o seu trabalho final (DIENER, 2002).
162
pintura. O artista, porém, a faz com uma técnica que o permite novas
reproduções, pois com a polaroid não se tem os negativos dessas imagens
159
.
Inicialmente surge a questão histórico-cultural de que pelo fato de,
mesmo trabalhando com a fotografia, e com a consciência do tempo e do re
gistro,
qual o motivo do artista não procurar motivos contemporâneos, mas ao contrário,
se restringir à reprodução de imagens históricas? Parece-nos que este artista
escolhe um ponto de partida histórico e antropológico, discutindo questões como
mudança de
paisagem e sociedade industrial.
Segundo Alfons Hug, neste jogo entre passado-presente e senso de
historicidade dos objetos e das imagens, os traços de Rugendas perdem então
sua graça inocente, crescem em tamanho e ganham em presença e penetração.
Com iss
o, as fotografias de Juravlev transmitem mensagens de tempos primitivos,
de mundos distantes, totalmente desconhecidos, virgens (fig. 99, 100, 101 e 102).
O artista retoma diretamente os trabalhos feitos não somente por
Rugendas, mas também, indiretamente, dos desenhos e pinturas feitos pelos
outros artistas da expedição que trabalharam com o olhar paisagístico, com o
olhar distanciado, a vista da paisagem. Trabalhos estes que
representam/resultam na construção de um imaginário acerca do país.
Ao produzir essas obras, parece-nos que o artista põe-se no lugar do
próprio Rugendas. Ao fotografar esses desenhos do século XIX Juravlev
demonstra um sentimento de nostalgia do passado que nos é devolvido
enquanto idéia e enquanto sentimento através desses desenho
s.
159
Aqui também vale ressaltar que grande parte das matrizes das litografias do século XIX se
perdeu, impossibilitando, assim, novas reproduções, ficando, agora, a cargo das técnicas
contemporâneas eletrônicas de reprodução.
163
Fig. 99 e 100
Anatoli Juravlev
160
Fig 101
Anatoli Juravlev, 1995
161
Fig. 102
Anatoli Juravlev
162
Podemos dizer que atualmente as cidades estão mais desenvolvidas e
industrializadas no sentido tecnológico. A humanidade (cultura) parece estar na
160
Figura 99 Mandioca” no início do século XIX, fotografia de 1995. Figura 100, Serra do Hambé
ao Leste de Diamantina no início do século XIX, fotografia de 1995 - imagens disponíveis em
COSTA, 1995. p. 1
26.
161
Figura 101 Uma floresta virgem em Mangaratiba na Província do Rio de Janeiro no início do
Século XIX
, dimensões de 1,70 x 1,40 m, ano 1995
-
Imagem disponível em COSTA, 1995. p. 127.
162
Figura 102, Rio de Janeiro (visto do Sul) no início do século XIX, fotografia de 1995 - imagem
disponível em COSTA, 1995. p. 125.
164
posição da dominadora da natureza, do mundo natural. Como seria uma
fotografia deste mesmo lugar no ano de 1995? Qual a porcentagem e aqui nos
parece que a quantidade possa ser um dado relevante de edifícios, ruas, carros
e de árvores, montanhas e lagos que encontraríamos? Seria possível o artista se
posicionar no mesmo lugar em que, no século XIX, esteve Rugendas? Este lugar
ainda existiria? Este lugar um dia existiu?
163
Por ser estrangeiro, Juravlev poderia
ter imaginado um mundo como o próprio Ruge
ndas imaginou em sua época.
O artista se apropria das imagens de Rugendas, fotografa criando
novas imagens, trabalhando com ampliação de escala e aplicando novas cores
um filtro azulado. Ao buscarmos a imagem “original” (fig. 104) fotografada por
Juravl
ev, vemos que o artista faz um recorte dela um recorte da paisagem e
aumenta mais os contrastes das cores, dando mais dramaticidade à cena (fig.
103). A obra de Rugendas é uma representação de uma área durante o dia, com
muita claridade e o tratamento da luz está presente em todos os cantos da mata.
Já a obra de Juravlev muda essa luz que, devido ao escurecimento das cores nas
áreas das árvores, e, principalmente, com a aplicação deste filtro azul garantem
um ambiente mais melancólico, sombrio, parecendo
mais um anoitecer.
Figura 103
Serra de Hambé ao leste de Diamantina no
Início do Século XIX
, fotografia de 1995
164
163
Aqui cabe lembrar que, como foi dito no capitulo anterior, algumas das obras dos artistas-
viajantes eram imagens imaginadas, inventadas pelo artista. Podemos encontrar uma contradição
sobre a questão da imagem como testemunho fiel da realidade, pois temos neste período
testemunhos visuais que eram invenções.
164
COSTA, 1995. p. 127.
165
Fig. 104
-
Floresta virgem na de Mangaratiba na província do Rio de Janeiro
Rugendas
165
As paisagens desenhadas e diurnas, minuciosamente descritas pelos
artistas
-viajantes, são substituídas por um tipo de imagem que explora um clima,
assemelhando
-se às fotografias de paisagem que são iluminadas apenas por uma
luz refletida, o que faz com que todos os elementos ganhem uma mesma
tonalidad
e azulada. Esta dimensão monocromática acentuada demonstra a
preocupação do artista na construção de suas imagens.
Juravlev não apenas se apropria de representações produzidas por
outros artistas e em outros períodos históricos, mas também dos aspectos for
mais
das primeiras fotografias, recuperando, por meio de uma simulação, a estética
fotográfica dominante no século XIX (fig. 105 e 106), como pode ser observada
através das imagens abaixo,
se assemelham muito às produzidas por Juravlev
:
165
DIENER, 2002, p. 212.
166
Fig. 105
-
Paisa
gem da cidade do Rio de Janeiro
-
Bairro da Gamboa e Ponta do Caju
, George
Leuzinger, albúmen, 19,4 X 24,4 cm, c.1865
166
Fig. 106
-
Paisagem da cidade do Rio de Janeiro
-
Entrada da Baía da Guanabara, Marc Ferrez,
albúmen, 10,1 x 17,2 cm, c.1885
167
.
Se
analisarmos estas imagens, podemos fazer uma associação à
qualidade visual resultante da ampliação e granulação, ocasionando a perda da
nitidez aos primeiros experimentos e registros fotográficos no século XIX (fig. 105
e 106). Estas associações visuais nos
permitem uma possível referência à técnica
da cianotipia (conhecida também como blue print
),
bastante popular no século
XIX, que conferia às imagens uma coloração azulada pelo uso de sais de ferro.
Trata
-
se de um
processo inventado pelo inglês Sir John Frederick William
Herschel (1792-1871) em 1842, empregando sais de ferro como
substância fotossensível. Esse processo, que produzia imagens
166
Imagem disponível em Vasquez, Pedro. Mestres da fotografia no Brasil: coleção G
ilberto
Ferrez
, Rio de Janeiro : Centro Cultural Banco do Brasil, 1995, p.63.
167
idem 164, p.95.
167
de coloração azulada - razão pela qual também foi conhecido
como blue print - era de execução muito simples, tendo si
do
bastante popular nas duas últimas décadas do século passado.
Atualmente, a cianotipia também tem sido bastante utilizada pelos
autores que empregam a fotografia com fins de expressão
pessoal, como Kenji Ota (1952) em São Paulo e Regina Alvarez
no Rio de Janeiro, em virtude da sedutora beleza de suas
imagens
168
.
Conforme o verbete nos aponta, vemos abaixo nos exemplos
reproduzidos das obras do brasileiro Kenji Ota a presença desta técnica na
produção artística contemporânea.
Fig. 10
7
S/título
Kenji Ota
2005
Fig. 108
S/título
Kenji Ota
-
2005
169
O que muda: contemporaneamente, a fotografia é entendida como
expressão e não como documento. Atualmente a cianotipia tem sido usada nesse
contexto. A fotografia não é mais e
ntendida como instrumento para se conhecer o
mundo, mas sim ao outro e a si mesmo, o próprio artista.
A utilização dos tons monocromáticos azuis também está presente em
suas obras produzidas posteriormente a sua participação nesta expedição. Esses
tons sã
o aplicados a imagens de paisagens contemporâneas, de cidades (fig. 109
e 110).
168
Texto retirado da Enciclopédia de Artes Visuais do Instituto Itaú Cultural. Disponível no site:
http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_ic/
index.cfm?fuseaction=termos_texto&cd
_verbete=86. Acesso em 10/11/2006.
169
Imagens disponíveis em:
http://fotosite.terra.com.br/novo_futuro/barme.php?http://fotosite.terra.com.br/novo_futuro/ler_notici
a.php?id=3621. Acesso 10/11/2006.
168
Fig. 109
-
Untitled, 47 1/2 x 39 cm, 1997
Fig. 110
-
Berlin
, 32 x 40 cm, 1998, Juravlev
170
O azul de suas fotografias parece representar um sonho vivido. Esse
sentimento de nostalgia de um passado não vivido, mas que de certa forma
encontra
-se imaginado, parece concretizar nessas imagens sonhadas, tão
distantes e tão presentes em nossas memórias que podemos tê-las através
dessas obras de arte. Cenários de mundos imaginários, flashes da memória,
imagens do passado rememoradas através do presente.
Ao fotografar imagens existentes, produzindo imagens de segunda
mão, Juravlev, acentua o clima azulado, trazendo o espírito do ocaso e um
anoitecer do nosso próprio tempo. Trabalhando a própria dimensão associada do
azul às emoções e ao estado de espírito da tristeza, depressão e melancolia, o
artista afirma a distância entre a imagem original e a atual.
Ao aspecto solar ressaltado no trabalho de Rugendas, que nos permite
a observação detalhada, como na luminosidade natural matinal, Juravlev opõe a
saturação e acentuação de um estado emocional cromático, que suprime os
detalhes, expandindo o mundo das sombras.
Juravlev nos deixa apenas um curto texto que acompanha as
reproduções de sua obra no
catálogo de 1995:
170
Estas imagens encont
ram
-se, junto com outras obras deste artista, disponíveis no site:
http://www.virginiamiller.com/artists/AnatolijShuravlev/AnatolijShuravlev.html#
- acesso em
12/09/2006.
169
O melhor de nós talvez seja herdado de sentimentos de épocas
antigas, aos quais agora não mais podemos retornar por meios
espontâneos; o sol se pôs, mas o céu de nossas vidas ainda
arde e ilumina com sua luz, mesmo que não o vejamos
mais.
171
O efeito noturno provocado diz respeito à passagem do tempo e da
distância existente entre a produção de Rugendas e a de Juravlev. Em Rugendas,
é o dia; em Juravlev, a noite.
A imagem do passado não pode retornar enquanto sentimento do
vivido
e do registrado, por meio do trabalho do fotógrafo -, mas pode ser um
testemunho de que “o céu de nossas vidas ainda arde e ilumina com sua luz,
mesmo que não o vejamos mais”, como diz Juravlev, ou seja, de que a imagem
pode funcionar como alegoria da lembran
ça.
Ao tomar uma mesma imagem fixa Juravlev ainda sustenta um
procedimento de recorte e aprofundamento da imagem. Em detrimento do
detalhamento do conjunto num olhar mediano, situado entre a imersão total na
paisagem e a distância absoluta (da paisagem) -, suas obras convocam ao
pormenor. Na arte contemporânea, os termos do detalhe (pormenor) e do
fragmento ganharam dimensão e relevância, gerando efeitos estéticos.
O detalhe designa um talho (corte) feito num conjunto pronto e integral
tal como Juravlev faz com as obras dos artistas-viajantes e em outros de seus
trabalhos. O detalhe é um ponto de vista que privilegia o estado e a ação do
sujeito que constrói a imagem por meio deste corte. De todo o modo, a imagem
resultante é sempre perceptível em relação à imagem anterior, revelando-
se
como elemento de uma totalidade anterior incluindo aqui o aspecto da
identificação da obra, cujo título faz referência à obra original. Como diz
Calabrese (1988, p. 86),
o detalhe de um quadro grande “quase como um quadr
o”
é, por assim dizer, o cúmulo do detalhe.
Esta produção artística oferece-se ao espectador como crítica
subjetiva, na medida em que ao selecionar um trecho ou um pedaço de um certo
todo o artista está colocando a imagem e também colocando-se, como
manife
stante de um sujeito
-
olhar determinado. Como aponta Calabrese,
171
Apud COSTA, 1995. O texto vem escrito na língua alemã, seguido de uma tradução para o
português.
170
quando se “lê” um inteiro qualquer por meio de detalhes, torna-
se
claro que o objectivo é uma espécie de “ver mais” no interior do
“todo” analisado. Até ao ponto de descobrir características d
o
inteiro não observáveis à “primeira vista”. A função específica do
detalhe, por conseqüência, é a de re-constituir o sistema de que o
detalhe faz parte, descobrindo-lhes leis ou pormenores que
anteriormente não se revelavam pertinentes para a sua descriç
ão.
A prova disto está em que existem formas de excesso de detalhe
que fazem que o próprio detalhe se torne sistema: neste caso,
perdem
-se as coordenadas do sistema de pertença ao inteiro, ou
então o inteiro desaparece por completo (1988, p. 87).
Talvez,
no conjunto dessas obras analisadas, o pormenor possa ser
combinado com uma forma do excesso
o do cromatismo. Neste momento, ver o
todo pela parte pode exceder ao todo e oferecer-se como sendo um sentido
autonomizado da imagem, que não diz respeito apenas à reconstituição do todo
pela parte, mas, muito mais, da impossiblidade de reconstituição do todo, dado o
senso histórico desta operação. O pormenor pode se transformar em ruína, na
estética fragmentária. Ao invés de remeter ao todo, identifica a totalidade da obra
anterior pela sua ausência, uma obra e um tempo em desaparecimento,
interrompendo a relação da imagem com o sujeito fotógrafo e colocando-
nos
novamente no estado da incapacidade de fazer retornar as lembranças.
Por outro lado, o azulado e a soturnidade das imagens reencadeiam a
produção dos artistas
-
viajantes em outras séries artísticas e históricas, declinando
da sua função científica para reencontrar-se com sua tradição subjetiva e
romântica.
Parece
-nos que o artista, ao entrar em contato com estes lugares
visitados pela expedição do século XIX, se frustrou com o que viu ou com aquilo
que não havia mais para ser visto. O que poderia ter levado o artista a enfrentar
sua visão, claro que aqui cogitando essa hipótese de que havia um certo
imaginár
io europeu construído nele, de que realmente ele pudesse estar com uma
certa curiosidade de conhecer um mundo que tivesse uma parte natural virgem,
matas, florestas e animais. Pois podemos ver nessas imagens que uma plácida
lagoa de ssaros no rio São Francisco ou a Serra de Itambé, perto de
Diamantina, acabam sento metáforas de paisagens virgens e poupadas de
intervenções humanas.
Se o objetivo dessa expedição era compreender melhor o Brasil do fim
do século XX, parece-nos que Juravlev preferiu o representar, refletir e
171
questionar o presente através do que se encontra no mundo de hoje. Mas,
trazendo de volta imagens do passado, rememorando uma época e lugares
vivenciados pelo homem do século XIX, o artista consegue propor esta reflexão
que poderá levar a uma melhor compreensão. Ou seja, rememorando situações
passadas podemos compreender melhor as situações encontradas nos tempos
atuais, que não deixam de carregar, de herdar sentimentos através da memória.
Com o contato com essas obras e dialogando com elas, Alfons Hug
afirma que, em uma arqueologia das imagens típica da estética do pormenor e
dos fragmentos-, o fotógrafo remete às mudanças dramáticas que o Brasil
experimentou desde a colonização européia, mudanças que transformaram, por
exemplo, o Rio de Janeiro de um pequeno porto idílico em uma megalópole
mundial. Portanto, na medida em que Juravlev eleva a natureza a patamares
irreais e hiperterrestres, ele constrói um monumento sem limites. “Na medida em
que reconstrói a abundância e o fausto tropicai
s em painéis que lembram cenários
teatrais, ele oferece uma contra-proposta radical à sociedade industrial”, afirma
Hug (1995, p. 110). Assim devia ser a terra após sua criação.
Em outros trabalhos Juravlev nos chama a atenção para o mundo
atual, onde temos uma grande quantidade de imagens e que estamos com
nossos olhos cansados para ver e perceber o que está a nossa volta. Sendo
assim, é preciso rever.
Ainda com sua obra, Juravlev nos aponta que as possibilidades da
fotografia artística estão longe de serem esgotadas. Não se trata de sempre
reproduzir novas fotos inéditas, mas sim prover imagens pré-
existentes,
encontradas, de leituras novas e originais (HUG, 1995, p. 110).
Neste sentido, quando ele pilha os tesouros imagéticos da História,
nos facilita a incorporação e o processamento do material histórico”, ressalta
Hug
172
. Assim, pode nos parecer paradoxal que na reconstrução da história seja
empregado justamente um meio moderno como a fotografia. A explicação
repousa no fato de que os trabalhos de Juravlev pertencem ao mundo da
fotografia conceitual e não da ilustração. Isto significa que as fotos são
complementadas de um conceito, isto é, de um texto invisível e, portanto, sua
existência enquanto arte depende fundamentalmente da interpretação/discussão.
172
HUG, 1995, p. 110.
172
Alfons Hug (1995) aponta, também sobre essa questão, que o fato de
repousarem em grande parte sobre o discurso e a reflexão o deixa de ser um
sinal de modernidade. A imagem em si não significa nada, o contexto e a
discussão sobre ela, tudo.
Ao verificarmos as suas produções anteriores e também posteriores à
sua participação neste projeto, vemos que o artista trabalha com algumas
questões que permanecem na sua linguagem (fig. 111 e 112).
Fig. 111
Untitled
1994
-
Juravlev
Fig. 112
-
Impossible pictures
1997
-
Juravlev
173
Juravlev continua trabalhando no sentido de construir redes de
resignificação, através da apropriação de imagens produzidas por outros artistas
e em outros períodos históricos, recortando um detalhe (pormenor) e destaca-
o,
como podemos ver nestas ilustrações abaixo (fig. 113 e 114).
Fig. 113
-
Judite e Holoferne
, Caravaggio, 1599
174
Fig. 114
-
Beheaded2
Juravlev
-
1997
173
As figuras 111, 112, 113, 114 encontram-se disponíveis em:
http://www.virginiamiller.com/artists/AnatolijShuravlev/AnatolijShuravlev.html#
-
acesso em 12/09/2006.
173
Com estas obras produzidas para esta expedição (1995) podemos
refletir sobre dois países, Brasil e Rússia, com grandes extensões territoriais
planetárias. Parece
-
nos que o artista não quis reproduzir um estereótipo, mas sim
uma tentativa de sair pela via das próprias imagens existentes, reproduzindo-
as, e não pintando novamente criando uma paisagem não mais existente e que
poderia ser interpretada como mais um clichê de um estrangeiro. Ele buscou o
produzir novas imagens, mas construir imagens a partir de algo que já estava
“esquecido” e que, portanto, foi rememorado.
Nos termos das reflexões da arte contemporânea, podemos pensar no
sentido dado ao termo apropriação.
O termo apropriação designa o ato ou efeito de tomar para si,
apoderar
-se integralmente ou de partes de uma obra, para
construir uma outra obra. Sobre a apropriação de imagens da
história da arte, Wollheim sustenta que "falar sobre o que uma
apropriação significa para um artista é falar sobre os sentimentos,
emoções, pensamentos despertados nele na medida em que o
pintor tem certeza de que a imagem ou o motivo apropria
dos
transmitirão esses mesmos efeitos em outras pessoas
suficientemente sensíveis e informadas". É fazer com que uma
obra, anterior, seja citada dentro de uma nova obra. No entanto, o
uso do termo está relacionado ao momento histórico posterior às
rupturas
modernistas, quando a arte não buscou mais o novo e
não se ocupou mais em negar o passado, mas vislumbrou a
possibilidade de transitar pelo passado e presente de forma mais
solta. A apropriação passou a se apresentar, então, como um
conceito importante para a reflexão sobre as práticas artísticas do
século XX que atualizam fragmentos de nossa memória artística-
cultural. Tal prática revisa as significações atribuídas às obras
da história da arte e conferem uma maior complexidade aos
discursos da arte contemporânea. O que chamamos aqui de
apropriação está relacionado com as idéias de Benjamin,
principalmente quando esse propõe olhar para o passado, não
como ele (supostamente) foi, mas em tudo que ele pode ser
desde o presente. Ele cita o exemplo da moda para isto: tem sua
atenção voltada para o presente, mas se move a partir de
referências do passado. A idéia de apropriação parte do princípio
de que a cultura (especificamente, as imagens produzidas ao
longo dos séculos nas artes plásticas, na literatura e,
mais
recentemente, no cinema) nos pertence e constroem
constantemente nosso imaginário. Ao invés de negar o passado
para afirmar uma suposta originalidade, o artista contemporâneo
174
LAMBERT, 2001, p. 38.
174
não receia em criar a partir de fragmentos de nossa memória
artístico
-
cultur
al
175
.
Esta apropriação estética é também um efeito da historicidade da
produção artística contemporânea.
Enfim, esse grupo de artistas trabalhou durante um curto período
explorando algumas regiões que Langsdorff percorreu durante sua expedição no
sécul
o XIX, procurando retratar de uma forma poética e conceitual o momento
que se encontrava o Brasil no final do século XX.
175
Trecho dispovel site educat
ivo:
http://www.casthalia.com.br/a_mansao/preste_atencao/apropriacao.htm
.
Acesso 10/09/2006.
175
CONSIDERAÇÕES FINAIS
CAMINHOS CRUZADOS
ARTISTAS ENTRE VIAGENS, OLHARES E TEMPOS
Durante este estudo pudemos identificar como o trabalho dos artistas-
viajantes foi desenvolvido no Brasil no século XIX, desde a entrada das primeiras
expedições científicas no país, observando o forte impacto que a realidade local
causou ao olhar europeu, sobretudo a partir do contato com as nações ind
ígenas.
Com os holandeses houve uma grande produção dos artistas Albert
Eckhout e Frans Post. O primeiro, especificamente pintor de naturezas-mortas e
de tipos etnográficos, e, o segundo, pintor de paisagens. E, neste momento,
foram configurados dois olhares sobre o mundo natural brasileiro: o olhar
distanciado (paisagem) e o olhar aproximado (natureza
-
morta).
Apontamos, ainda, de uma forma sucinta, a produção de alguns
artistas que integraram a Missão Francesa, destacando a produção de Jean-
Baptiste Debret
, pintor de costumes e cenas históricas.
Nossas atenções foram concentradas na produção dos artistas-
viajantes da expedição chefiada por Langsdorff (1822-
1829)
Rugendas, Taunay
e Florence. Essa produção reflete uma reconfiguração dos tais olhares
aproxim
ado e distanciado, os quais pretenderam voltar-se para a cié949209187 8664 0 0 -0.09187 8223 8432 Tm(c)Tj5991 0 0 -0.09187 8223 8432 Tm(c)Tj0.09187 0 0 -0.09187 7470 8432 Tm(p)Tj0.09187 0 0 -0.09187 2869 8108 Tm(e)Tj0.09187 0 0 -0.09187 8770 8108 0 9187 ( )Tj/F0 2048 Tf0.09187 0 0 0 9187 2079 4213 Tm(x)Tj0.09187 0 0 - 0 9187 2396 8108 Tm(o)Tj0.09187 .091- 0 9187 2173 4213 Tm(p)Tj0.09187 0 0 - 0 9187 2194 6809 Tm(i)Tj0.09187 0 0 - 0 9187 2173 4213 Tm(p)Tj0.09187 57009 0 9187 2564 8108 Tm(e)Tj0.09187 0 0 - 0 9187 2363 7783 Tm(n)Tj0.09187 0 0 - 0 9187 /F0 2048 Tf0.09187 0 0 -0.0 0 - 0 9187 5393 8108 Tm(u)Tj0.09187299009 0 9187 2863 7459 Tm(N)Tj0.09187 .0918 0 9187 2194 m(o)Tj( )Tj0.09187 0 0 -00 0 - 0 9187 /F0 2048 Tf0.09187 0 0 -0 0 0 8 0 9187 2194 m(o)Tj( )Tj0.09187 0 0 -00 0 8 0 9187 3475 5511 Tm(i)Tj0.09187 085 - 0 9187 /F0 2048 Tf0.09187 0 0 -0 7 0 8 0 9187 3763 8108 Tm(p)Tj0.09187 853 - 0 9187 /F0 2048 Tf0.09187 0 0 -0 958 8 0 9187 3475 5511 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Tm(n)Tj0.09187 0681pi709188109189 81(e)Tj( )Tj0.09187 0 0 pi309678109189 81(o)Tj( )Tj0.09187 0 0 -00 0 - 0 9678109189 81(l)Tj( )Tj0.091876009190340188109189 81(e)Tj( )Tj0.09187 0 0 pi380078109189 8109 Tm(i)Tj0.09187 7309pi360188109189 8132 Tm(s)Tj0.09187 0 0 -0.05388109189 81(e)Tj( )Tj0.09187 0 0 pi358078109189 8132 Tm(a)Tj0.09187 026 90806388109189 8132 Tm(s)Tj0.09187 0 0 -0.0918m109189 8113 Tm(e)Tj0.09187 0 0 -0.09190802078109189 81(a)Tj( )Tj0.09187 0 0 -0.23288109189 81(e)Tj( )Tj0.09187 0 0 pi430078109189 8109 Tm(a)Tj0.091874665 pi340188109189 8132 Tm(s)Tj0.09187 0 0 -0409187109189 8109 Tm(t)Tj0.09187 4278pi409188109189 8108 Tm(n)Tj0.09187 0681pi450078109189 8108 Tm(d)Tj0.09187 9278pi369487109189 8108 Tm(f)Tj0.09187 70919080434m109189 8159 Tm(r)Tj0.09187 0 0 -0.00078109189 8109 Tm(a)Tj0.091874665 pi39018m109189 8113 Tm0.09187 0 0 -5302 pi301078109189 8109 Tm(i)Tj0.09187 7309pi580078109189 8108 Tm(e)Tj0.09187 0 0 -00 0 90509188109189 8148 Tf( )Tj0.09187 0 0 -0539878109189 8108 Tm(d)Tj0.09187 9278pi550388109189 8183 Tm(n)Tj0.09187 0 0 -0.6098m109189 8113 Tm0.09187 0 0 -5302 pi371478109189 8132 Tm(a)Tj0.09187 026 9058198m109189 8100 Tz(a)Tj0.0918750331pi39254m109189 8159 Tm(r)Tj0.09187 0 0 -0603078109189 8109 Tm(d)Tj0.09187 0 0 -6546 pi309188109189 8108 Tm(n)Tj0.09187 0681pi6 9188109189 81186 Tm(t)Tj0.09187 00078649188109189 8132 Tm(a)Tj0.09187 0 0 -0.09187 69178109189 8109 Tm(i)Tj0.09187 7309pi60918m109189 8113 Tm0.09187 0 0 -5302 pi689178109189 8108 Tm(g)Tj0.09187 441197399678109189 81(o)Tj( )Tj0.09187 0 0 -00 0 - 71934m109189 8109 Tm(r)Tj0.09187 0309pi809188109189 8109 Tm(a)Tj0.091874665 pi731188109189 81(e)Tj( )Tj0.09187 0 0 pi74134m109189 8159 Tm(u)Tj0.09187 533 pin51078109189 8108 Tm(l)Tj0.091877746 pi36918m109189 81(o)Tj( )Tj0.09187 0 0 -00 0 - 78918m109189 81(o)Tj0.09187 0 0 -00 0 - 79098m109189 8108 Tm(l)Tj0.091878613 pi301487109189 8108 Tm(f)Tj0.09187 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176
com seu traço limpo e preciso, descritivo quanto às formas e texturas dos objetos
(fauna, flora, etnias) registrados, consciente de seu trabalho a serviço da ciência.
Rugendas hoje é considerado por estudiosos (BELLUZZO, DIENER,
COSTA) como um dos grandes viajantes (junto com Debret) que permaneceram
no Brasil e na América Latina. Suas obras são parte fundamental para a
construção da memória visual deste país, do que tivemos, do mundo natural
grandioso que os que aqui permaneceram puderam contemplar. Taunay com
suas aquarelas dos índios
Bororo
torna-se um dos únicos artistas a registrar tão
fielmente os índios desta nação, seus costumes, cenas cotidianas. Florence foi o
artista que mais correspondeu aos ideais de Langsdorff, com seu olhar científico.
Ele permaneceu junto ao chefe da expedição até o fim, assumindo algumas
outras funções como o de relator dos diários que foram enviados à Europa. Seus
estudos etnográficos o referências neste campo devido à minuciosidade
descritiva do seu traço e de sua escrita. Florence, ainda, em sua busca por
técnicas de fixação e reprodução da imagem, colocou o Brasil como um dos
países pioneiros da descoberta da fotografia.
ARTE E CIÊ
NCIA NA EXPEDIÇÃO LA
NGSDORFF
-
SÉCULOS X
IX E XX
Na sua re-visita em 1995, tal como vimos detalhadamente neste último
capítulo, tivemos artistas contemporâneos e um projeto curatorial de revisita
concebida pelo viés do artista, o que já muda praticamente a espera dos
resultados nas obras destes.
Se, no século XIX, os artistas eram contratados de uma expedição
científica e seus trabalhos eram avaliados por conta dos critérios da ciência da
observação, no século XX, os artistas são convidados a participar de um projeto,
onde a arte assume um papel preponderante em relação ao objetivo científico. O
que se queria era, do ponto de vista do artista hodierno, tratar das relações entre
os artistas, em épocas distintas e com a sua própria época. Há uma maior
valoriz
ação da leitura e da interpretação do real promovida pelo olhar do artista.
Dos artistas-viajantes do século XIX se esperavam obras que
representassem a natureza (paisagem e pormenores), os costumes, as tribos, os
fatos históricos, todos realizados com aquarela e desenho. De artistas
177
contemporâneos não o que se esperar. Tudo se torna surpresa, algo
inesperado.
O que encontramos nas obras produzidas pelos artistas que
participaram dessa revisita à expedição Langsdorff são outras linguagens,
técnicas e olhares sobre as regiões brasileiras percorridas no século XIX. O
curador deste projeto, Alfons Hug, ao selecionar tais artistas (Fujocka e Vergara,
brasileiros, o russo Anatoli Juravlev e os alemães Olaf Nicolai e Michael Farhes),
tinha a consciência de que teria como resultado obras que demonstrariam
múltiplos olhares.
Em Vergara, observamos um deslocamento do conceito de paisagem.
Suas obras configuram um outro olhar que constrói novas paisagens, as quais
não são mais observadas pela vista do olhar distanciado. O artista se insere na
paisagem e, para representá-la, vai direto ao seu encontro, toca a paisagem.
Portanto, Vergara desloca
-
se do visual ao tátil na sua produção.
Podemos considerar Vergara como sendo o único artista que elaborou
sua obra durante a viagem. Ele, como os artistas-viajantes do século XIX, que
paravam momentaneamente para retratarem uma vista ou uma cachoeira,
também o fez para fazer suas impressões no chão de Ouro Preto e Diamantina,
em Minas Gerais, bem como para experienciar a t
roca de saberes com o índio em
Aruanã (questão discutida no capítulo 3).
Olaf Nicolai, para tratar também de questões indígenas e naturais, as
resolve de uma outra forma. A visão deste estrangeiro é a de que o mundo natural
e cultural (vegetação e nações indígenas) que era tão rico naquele período (séc.
XIX) hoje se encontra nos museus. Como diz o artista, “os verdadeiros índios
estão no museu”, concluindo que aprendeu “mais sobre o Brasil nos livros”. Sua
fala revela alguns possíveis resquícios que se tem no imaginário do europeu
sobre a América, especificamente sobre o Brasil. Ainda, podemos identificar um
certo preconceito, pois, ao encontrar-se com a pequena quantidade de índios nas
regiões visitadas, a mudança na indumentária e nas relações culturais destes, o
artista não apresenta indícios de uma compreensão cio-histórica da
contemporaneidade, na qual os índios são eles próprios sujeitos de processos
sociais e culturais, inseridos no cerne da sociedade, da política, da economia e da
cultura brasileiras. A noção de uma dinâmica cultural é aqui reduzida a um
procedimento que se assemelha ao dos naturalistas do passado. Parece-nos a
178
que este artista esperava encontrar
-
se com índios nas ruas, pessoas nuas, matas
virgens e inabitadas. E, em resposta à sua vivência durante este período o artista
cria a sua flor modelo, a qual parece representar a natureza domada pelo homem,
invertendo
-se aqui as proporções entre humano e natural (cultura e natureza)
encontrada no século XIX e tão evidenciada nas obras dos a
rtistas
-
viajantes. Esta
flor ainda poderia também metaforizar, no contexto contemporâneo, a natureza
criada/construída pelos viajantes de Langsdorff.
Em muitos dos registros botânicos feitos durante a expedição de
Langsdorff poderíamos, talvez, encontrar espécies que hoje estão extintas.
Portanto, desenhos eternizados nas placas de vidro revelariam esta natureza
conservada para que outros futuros possam conhecer o que se teve nas terras
brasileiras.
José Fujocka toca em questões polêmicas e marcantes qua
ndo
escolhe tratar do ouro e da religião. Durante a viagem, este artista se deparou
com situações precárias de trabalho encontradas nas minas. A equipe de viagem,
tal como Dieter Strauss descreve, torna-se inconformada com tal situação
encontrada, ainda mais no que se refere ao pagamento destes trabalhadores, os
quais não poderiam, além da sobrevivência, comprar remédios para tratamentos
contra a contaminação nos minérios.
Ao contrário do que a literatura tem sugerido, Rugendas o retratou
somente cenas nostálgicas e contemplativas durante a sua permanência na
expedição. Conforme vimos em uma única imagem, olhos atentos identificam
como este artista, dentro dos padrões exigidos pelo chefe da expedição
Langsdorff
-, relata fielmente através de uma obra as situações cotidianas e
momentos de descanso dos negros, conforme apontamos no capítulo 3. A
representação dos corpos desnutridos e a presença de um caldeirão na cena
central indicam, claramente, como estes negros eram tratados e quais as
condições que vivi
am.
Por fim, Juravlev, nas suas fotografias, revela um sentimento de
nostalgia de um passado não vivido por nós. Suas obras refletem as mudanças
incessantes da paisagem.
As obras destes artistas contemporâneos não possuem relação direta
com a ciência, e, por caminhos os mais diversos, dialogam com questões de
ordens distintas: naturais, políticas e sociais. Tal como vimos em Vergara, suas
179
obras se relacionam com a cartografia; Olaf Nicolai parece se configurar no
botânico e no etnógrafo; Fujocka no etnógrafo que utiliza uma nova ferramenta (a
fotografia) para registrar as situações de trabalho; e, Juravlev, o paisagista que
utiliza também a fotografia.
Em Vergara e Nicolai, vimos que estes artistas trabalham com a
criação de novas imagens, nas quais podemos
encontrar elementos que discutem
a relação entre natural e artificial, realidade vivenciada e musealização. Fujocka e
Juravlev utilizam imagens apropriadas quer seja da mídia, através do
fotojornalismo (Fujocka), quer seja de artistas que participaram da e
xpedição
Langsdorff no século XIX (Juravlev e os desenhos de Rugendas), interferindo
nessas imagens através da mudança de coloração, por exemplo, discutindo
questões acerca da imagem e da sua reprodução técnica, bem como a relação do
homem com o mundo e en
tre si.
No seu conjunto, essas obras ajudam a fazer outras reflexões:
culturais, políticas, ambientais, sociais, entre outras. Esses artistas, para discutir
sobre o presente, se voltam para o passado, relendo, em alguns casos, as
próprias obras dos artista
s-
viajantes.
Temos, portanto, a expedição Langsdorff em dois tempos. Em
Langsdorff, naturalista, encontramos a busca de uma unificação dos olhares que
resulta na tentativa de uma padronização da representação iconográfica, a qual
deveria ser de caráter cie
ntífico documental.
nos contemporâneos, com Strauss e Hug, diretor e curador, o que
vemos é uma multiplicação dos olhares e das representações, as quais objetivam
uma problematização do mundo. Os limites deste projeto encontram-
se
circunscritos ao campo da pesquisa das expedições e a tomada do projeto
contemporâneo fazendo referência ao contexto da expedição do século XIX.
A produção artística contemporânea reflete as transformações sofridas
na concepção de arte e nos seus modos expositivos, como desta
ca Freire (1999).
Para ela, uma noção de arte sociológica, na esteira da tradição dos grupos dos
anos setenta, perpassa a produção do sentido da arte contemporânea. Nesse
contexto, os artistas recusam-se a “aceitar um domínio separado para a arte
(autonomi
a da obra) e pretendem transformar, através de sua práxis, todas as
esferas da vida” (FREIRE, 1999, p. 133
-
134).
180
Se, por um lado, nossa pesquisa ressalta a perspectiva interdisciplinar
e de cruzamentos entre temporalidades históricas distintas, fazendo referência às
pesquisas de campo dos artistas-viajantes do XIX, por outro, o sentido desta
tarefa pode ser tratado a partir de sua inserção nos modelos institucionais da arte
na contemporaneidade.
Peixoto (2003), ao falar sobre estes processos, nos leva a rec
onhecer
a presença de fortes estratégias de
marketing
e os moldes de uma economia de
franquias, onde a circulação dos acervos, numa economia monetária (financeira)
representa um acréscimo ao capital simbólico acoplado à obra. Afirma ainda que
esta figura d
o “artista itinerante” é um modelo característico do nosso mercado de
arte e das economias institucionais (bienais, museus etc.). Desse modo, um
projeto como este, de retomada dos viajantes, no final do século XX, é, também,
uma imposição do funcionamento do mundo da arte, numa valorização integrada
da obra, da carreira do artista e um estado que define as relações artísticas
enquanto uma “política do Ministério das Relações Exteriores” (PEIXOTO, 2003,
p. 9).
Ao falar sobre as transformações no mundo curato
rial, após a Bienal de
São Paulo de 2002 (Metrópoles), destacando que “as cadas de 80 e 90 foram
muito marcadas pelo grande poder dos curadores”, Peixoto ressalta o papel de
Alfons Hug no mundo da arte brasileira, afirmando que ele
não é um curador, mas um funcionário que faz o arranjo ao sabor
dos interesses de quem o contrata. Hoje em dia, quando você
olha uma exposição de curador, você tem a impressão de que
está vendo alguma coisa da nouvelle vague, de milênios atrás, e
isso se deu num espaço de tempo muito curto. (PEIXOTO, 2003,
p. 11).
Ao colocarmos lado a lado as produções artísticas dos séculos XIX e
XX podemos observar alguns contrastes com relação aos padrões de
representação e do olhar unificação (
181
Tal como vimos em outros projetos de caráter similar a essa revisita às
trilhas da expedição Langsdorff, também comentados nesse trabalho
176
, alguns
aspectos importantes podem ser destacados.
O primeiro aspecto diz respeito à relação com a História. Dos anos 80
para cá, o historicismo tomou lugar de relevância na produção artística
internacional. Na década de 1980 as questões em torno da paródia e do pastiche
caracterizam grande parte da produção artística (CALABRESE, 1988). No final
desta década assistimos uma complexificação desta relação de apropriação e de
citação do passado nas obras artísticas citação e apropriação de outras obras
de arte, de outros movimentos/estilos artísticos bem como fatos e acontecimentos
histórico
s. Agora, a própria ciência da História se torna objeto da reflexão estética
exigindo uma transformação nos moldes/formatos dos projetos curatoriais e
expositivos. A partir deste período vemos que, para além da tematização
histórica, o artista contemporâneo revela uma consciência documental do projeto
artístico. Na atualidade, aos moldes do que se fazia nos anos 60 e 70, integram-
se às obras e aos projetos expositivos a presença dos diários e livros de artistas,
das anotações, de croquis e maquetes, estudos fotográficos, numa via de mão
dupla entre a documentação e a obra (FREIRE, 1999).
A expedição/exposição, objeto de estudo dessa dissertação, também
resulta de um raciocínio interdisciplinar, de uma nova concepção da arte e das
relações entre a arte e o campo acadêmico – as ciências humanas, sociais,
naturais e exatas. Ela faz referências às produções do século XIX, que possuem
estreita relação com as ciências e se configuravam como documentos científicos
relacionados à botânica, à geografia, à etnografia, entre outras áreas de
conhecimento.
Outra questão que deve ser lembrada é a articulação deste projeto com
uma concepção de patrimônio nacional e da humanidade, ampliando o escopo da
documentação e as formas de sua apresentação e divulgação ao grande blic
o.
Parte das obras produzidas pelos viajantes estrangeiros no decorrer da história
que estão no país hoje fazem parte do patrimônio nacional, fazem parte da
formação histórica da nação brasileira.
176
Sete Povos das Missões (1987) e Thomas Ender re
-
considerado (2004). Ver capítulo 3.
182
Questões específicas referentes ao projeto dizem respeito
particularmente à ampliação do entendimento da figura do viajante e do artista-
viajante nos dois momentos XIX e XX. Observa-se um contínuo deslocamento
do olhar do artista entre os olhos dos colonizadores e o olhar testemunhal que se
presentifica no relacionamento espaço-temporal do artista com o entorno e o
contexto da expedição. Nestes termos, o artista funciona como um mediador entre
a visão colonial (paraíso romântico lugar exótico) e aquilo que é o alvo da
observação e da descrição visual (olhar da
documentação).
Assim como temos a pergunta “o que era o Brasil para o viajante do
século XIX?”, podemos também devolver a questão com outra: “o que era a
Alemanha para os alemães do século XIX?”, e, até mesmo, ampliar o espectro,
perguntando, “o que era a Europa como um todo?”. Nessas aproximações e
contrastes nos enfrentamos com imagens negociadas de um imaginário da
Europa e de um imaginário do Novo Mundo.
O último aspecto que gostaríamos de ressaltar é a importância do
papel da natureza tanto para o artista do culo XIX quanto para o do século XX.
A natureza aqui é tratada de um modo duplo
como encenação e como novidade
ou descobrimento. Na encenação, aos moldes do raciocínio do pitoresco, o artista
produz o engano da imagem, como no exemplo de Rugendas com a
araucária.
Na novidade ou no encantamento do artista diante do espetáculo do mundo
natural que suprime todas as diferenças e nos reposiciona no lugar da
contemplação e que, ao mesmo tempo, pode ser também uma outra forma de
encenação, como no exemplo do encontro de Vergara e Fujocka com as minas
naturais e a imagem que elas ocultam os inválidos, as relações de trabalho e
qualidades de vida dos trabalhadores.
*********************************
183
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