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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
Simone Gonzalez Gomes
CONCEPÇÕES DE ALUNOS E ALUNAS DE ESCOLAS PÚBLICAS
SOBRE O SUJEITO PROFESSOR/A:
FALAS E CENAS DA CONVIVÊNCIA
Porto Alegre
2005
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DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO-CIP
G633c Gomes, Simone Gonzalez
Concepções de alunos e alunas de escolas públicas
sobre o sujeito professora/a : falas e cenas da convivência
/ Simone Gonzalez Gomes. – Porto Alegre : UFRGS,
f.
Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do
Rio Grande do Sul. Faculdade de Educação. Programa
de Pós-Graduação em Educação, Porto Alegre, BR-RS,
2005. Stephanou, Maria, orient.
1. Professor - Concepção - Aluno - Ensino público.
2. Cultura escolar. 3. Relação professor-aluno - Ensino
público - Ensino fundamental. 4. Convivência - Sala de
aula. I. Stephanou, Maria. II. Título.
CDU: 371.124
________________________________________________________
Bibliotecária responsável: Jacira Gil Bernardes CRB 10/463
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Simone Gonzalez Gomes
CONCEPÇÕES DE ALUNOS E ALUNAS DE ESCOLAS PÚBLICAS
SOBRE O SUJEITO PROFESSOR/A:
FALAS E CENAS DA CONVIVÊNCIA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação da Faculdade de
Educação da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, como requisito parcial para
obtenção do título de Mestre em Educação.
Orientadora: Profª Dra. Maria Stephanou
Porto Alegre
2005
4
AGRADECIMENTOS
À minha irmã Márcia, pela escuta das confidências e idéias, medos e aflições. Pelo
auxílio no desenvolvimento do grupo de conversação, pelas dicas de xerox “barato” e apoio
em todos os momentos.
A ela e Fábio, a Gisele e a Bruna, pelo suporte técnico no manuseio de scanner,
gravador, dvd, power point e câmera digital. Tenham certeza que o “suporte” de paciência
foi fundamental.
Ao Luciano, meu marido desde janeiro deste ano, por sempre dizer que eu era capaz
de fazer o que fosse necessário e de cumprir os prazos. Por “puxar minha orelha” quando
desanimava e dizer que eu tinha tempo mesmo quando eu achava que não tinha. Por cobrar
se havia acabado cada etapa a que me propunha, e por tantas vezes que teve de baixar ou
desligar o som, quando era preciso para que eu pudesse me concentrar.
As minhas colegas de direção, Andrea e Gisele, pela força, paciência, ombro amigo,
ajustes de horários e credibilidade em mim: no que faço e no que sou.
Ao meu pai, por sempre se oferecer para ajudar, por sempre estar por perto, por
sempre verbalizar que se eu precisasse de ajuda ele estava ali, mesmo em momentos onde
unicamente eu poderia fazer alguma coisa. Ouvir suas palavras já me ajudavam.
A minha mãe, por acreditar em mim, por se preocupar e torcer por cada momento
desta minha caminhada. Pela disponibilidade, pelo incentivo, pela força e confiança.
Aos dois, pelo exemplo de honestidade, bondade e dedicação. Amo vocês!
Aos que foram meus alunos e alunas, pela convivência enriquecedora, bem-
humorada e sempre desafiadora. Pelas tantas histórias que tenho para contar, por tantas
vezes em que chorei de tristeza, emoção ou felicidade. Pelos sorrisos, lágrimas, olhares,
palavras, gestos, descontentamentos, vibrações, enfim, por terem passado por minha vida e
serem parte dela.
À minha orientadora, Maria Stephanou, um agradecimento especial. Pela paciência,
incentivo, auxílio, vibração e carinho. Se não fosse por você talvez tudo isto não teria sido
possível! Obrigado mesmo, de coração!
À Faculdade de Educação e PPGEDU da UFRGS pela vivência, acolhida, e
oportunidade de estudo e pesquisa em um sistema gratuito, público e altamente qualificado.
5
O próprio discurso teórico,
necessário à reflexão crítica,
tem de ser de tal modo concreto
que quase se confunda com a prática.
[...]quanto mais me assumo como estou sendo
e percebo a ou as razões
de ser de porque estou sendo assim,
mais me torno capaz de mudar.
(Paulo Freire, 1996, p.44)
6
RESUMO
A presente dissertação aborda as concepções sobre o sujeito professor/a evidenciadas nas
falas dos sujeitos da pesquisa, alunos e alunas que freqüentam a série do ensino
fundamental em escolas públicas municipais e estaduais de Porto Alegre. Através da
constituição de um grupo de conversação, metodologia de pesquisa qualitativa, oito
participantes puderam interagir em encontros presenciais, mediados por dinâmicas que
provocaram-nos a falar e expressar suas concepções e vivências sobre professores/as,
interagindo entre si, confrontando argumentos e posições. Optou-se pela metodologia do
grupo de conversação, atendendo às intenções da pesquisa, no sentido de possibilitar a
escuta e registro das falas dos próprios alunos e alunas.
O termo concepção é entendido como o conjunto de conhecimentos, explicações e idéias
dos/as alunos relativos à experiência de vida, adquiridos na escola e em outros meios
sociais, sendo expressos aqui através de suas falas sobre o sujeito professor/a. Autores
como Miguel Arroyo, Gimeno Sacristán, Philippe Perrenoud, António Nóvoa e Paulo
Freire constituíram o repertório de questões que problematizaram as falas e possibilitaram
descrevê-las e analisá-las.
Os integrantes do grupo de conversação expressaram suas concepções, desde o lugar
ocupado por eles/as como alunos e alunas, e das experiências vivenciadas, expressando,
ainda, diferentes discursos que circulam fora da escola sobre professores/as. Suas falas se
referiram às vivências escolares e ao convívio com professores/as que têm ou tiveram, do
sujeito professor concreto e de suas ações. Estabeleceram relações entre estes sujeitos reais
com os possíveis, aquilo que gostariam de encontrar nas relações com seus professores/as,
usando a imaginação e expressando seus desejos.
Demonstraram a necessidade e a importância da relação positiva com o adulto de
referência, através da amizade e atenção que esperam também dos professores/as.
Apontaram o desejo de mais momentos de proximidade com o professor/a, através do
diálogo e indicaram rejeitar não a figura que impõe limites, mas a autoridade que vem
revestida de intransigência, falta de diálogo, completamente alheia ou distante de seus
interesses.
PALAVRAS-CHAVE: Cultura Escolar. Concepções de professor/a. Relações Professor/a-
aluno/a. Convivência escolar.
7
ABSTRACT
This dissertation approaches the conceptions about the subject teacher shown in the talking
of research subjects, that is, students attending the 6
th
grade of elementary school in
municipal and state schools in Porto Alegre. Through the formation of a conversation
group, making use of qualitative research methodology, eight participants could interact in
presence meetings, mediated by dynamics that caused them to speak and express their
conceptions and experiences about teachers, thus interacting among themselves,
confronting their arguments and points of view. Conversation group methodology was
chosen in order to serve the research aims, by allowing the listening and registering of
students’ own talking.
The word conception is understood as the collection of knowledge, explanations and ideas
from students relating to their life experience, acquired at school and in other social means,
here expressed through their talking about the subject teacher. Authors such as Miguel
Arroyo, Gimeno Sacristán, Philippe Perrenoud, António Nóvoa, and Paulo Freire
constituted the list of questions which discussed the talking and enabled its description and
analysis.
The members of the conversation group expressed their conceptions, starting from the place
they took as students and their experiences. They also reported different speeches
circulating outside school about the teachers. Their talking referred to school experiences
and everyday contact with teachers they have or already had, and to the concrete subject
teacher and his/her actions. The students established relations between those real life
subjects and those possible, that is, what students would like to find in the relations with
their teachers, thus using their imagination and expressing their wishes.
Students showed the need for and the importance of a positive relationship with a reference
adult through the friendship and attention they also expect from teachers. They pointed the
wish for more moments of fellowship with teachers, including dialogue. They seemed to
rejected not the figure imposing limits to them, but the intransigent authority, without
dialogue, completely apart or distant from students’ interests.
Key-words: school culture. Teacher conceptions. Relationships teacher/student. School
everyday contact.
8
LISTA DE IMAGENS
Imagem 1- Painel com o desenho de uma professora confeccionado no 2º encontro .....p. 71
Imagem 2- Painel com o desenho de um professor confeccionado no 2º encontro .........p. 77
Imagem 3- Desenho realizado pelo participante Diego em dinâmica do 5º encontro.......p.98
Imagem 4 – Desenho realizado pelo participante Carlos em dinâmica do 5º encontro ..p.110
Imagem 5 – Desenho realizado pelo participante Bruno em dinâmica do 5º encontro...p.119
Imagem 6 – Desenho realizado pela participante Paula em dinâmica do 5º encontro.....p.126
Imagem 7 – Desenho realizado pelo participante Rodrigo em dinâmica do 5º encontro ......
......................................................................................................................p.133
Imagem 8 - Desenho realizado pela participante Larissa em dinâmica do 5º encontro...p.139
9
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 Descrição das cenas dos filmes utilizados como parte das dinâmicas no
grupo de conversação.............................................................................................. 47
Quadro 2 – Sistematização do trabalho com o grupo de conversação: questões-
chave, temas aprofundados, focos de observação e encontro referência ..................50
Quadro 3- Relação dos participantes na pesquisa .................................................... 60
Quadro 4 - Relação das escolas procuradas para realização
do convite aos alunos/as .......................................................................................... 62
10
SUMÁRIO
Lista de Imagens ................................................................................................
Lista de Quadros ................................................................................................
INTRODUÇÃO.................................................................................................
VIII
IX
12
1. O lugar de professor/a: uma incursão histórica e cultural ......................
1.1 Professores/as estaduais e municipais: o cenário de Porto Alegre ..............
22
32
2. Para além da metodologia: construção de um itinerário .........................
2.1 As escolhas e encaminhamentos da pesquisa: as falas dos alunos/as no
grupo de conversação .........................................................................................
2.2 Passos planejados: organização e formação do grupo .................................
2.3 O que aconteceu: desenvolvimento e descrição dos encontros ...................
39
44
52
63
3. O que dizem os alunos e alunas: relações entre o vivido e seus desejos ..
3.1 Sobre táticas e manias: o modo de agir dos/as professores/as .....................
3.1.1 “Vamos fazer prova agora!” .....................................................................
3.1.2 “Silêncio! Senta direito! Põe a cortina pra dentro!” .................................
3.2 “Legal mas um pouco chato” .......................................................................
3.2.1 Outras distinções: idade e gênero .............................................................
3.3 Como se parece um professor/a ...................................................................
3.4 Uma vida agitada .........................................................................................
72
78
86
90
99
107
111
120
11
3.5 Professores/as de um outro espaço ..............................................................
3.6 Relações marcantes ......................................................................................
127
134
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................
140
REFERÊNCIAS ...............................................................................................
146
ANEXOS ...........................................................................................................
151
12
INTRODUÇÃO
Desde que me ocorreu a idéia de fazer uma pesquisa para escutar os alunos/as
falarem sobre professores/as, o simples fato de ouvir tais sujeitos parecia indicar, para
quem me indagava, uma coisa meio boba, sem sentido. O que eu esperava ouvir? O que
teriam a dizer? Senti, a cada comentário, que pareciam desconsiderar tal possibilidade, o
que Miguel Arroyo analisa tão bem: quando convivemos com a infância, adolescência ou
juventude na educação infantil, fundamental ou média, partimos do suposto de que “são
idades sem vivências do real e sem interrogações, sem pensamentos e sem cultura. Parece-
nos ingênuo perguntar-nos, sequer, pela possibilidade de que falem, que revelem suas
interrogações” (2004, p.134).
Mas havia os que achavam interessante e acreditavam que tal pesquisa pode vir a
colaborar com o fazer pedagógico das escolas, ao investigar as próprias trajetórias
escolares. Acreditam que alunos e alunas têm o que falar se assim nos dispusermos a ouvi-
los. Se tivermos coragem para isso...
Acredito que a prática pedagógica com diálogo é muito mais pedagógica, educativa.
Principalmente se reaprendermos a ver e escutar os alunos e alunas. Assim poderemos nos
aproximar de um novo tempo educativo
1
. E, “toda inovação educativa tem de começar por
rever nosso olhar sobre os alunos” (Ibid, p.56). Revendo nosso olhar sobre eles, estamos
revendo nossa própria imagem docente. Falando de nós, os enxergamos e nos enxergamos.
E será que poderemos gostar do que vemos? Será que mudamos? Ou, se estamos
começando a mudar, estas mudanças já estão sendo sentidas pelos alunos?
1
Conforme idéias de Arroyo (2004).
O professor autoritário, o professor licencioso, o professor
competente, sério, o professor incompetente,
irresponsável, o professor amoroso da vida e das
gentes, o professor mal-amado, sempre com raiva do
mundo e das pessoas, frio, burocrático, racionalista,
nenhum desses passa pelos alunos sem deixar sua
marca. (PAULO FREIRE, 1996, p.73)
13
Falar sobre os alunos/as já é, também, independente do foco destacado, falar da
experiência docente. Estes dois lugares, de sujeito aluno/a e professor/a estão intensamente
implicados. Por isso, é preciso reconhecer que torna-se fundamental escutar o que dizem os
alunos e alunas para, conseqüentemente, compreendermos o que vem ocorrendo também
com a nossa própria profissão, com o nosso fazer docente. “Para continuarmos o longo
percurso escolar teremos de buscar luz no próprio cotidiano escolar. Na vida nossa e dos
alunos” (ARROYO, p.51). Procurando pistas de como nos olham, poderemos entender
melhor como olham também a si mesmos, em sua condição de alunos/as. As discussões
sobre a atenção que lhes damos, se voltamos a eles nosso olhar e como é este olhar, nos
revela também o olhar sobre nós mesmos, enquanto professores, de nossas concepções,
juízos, crenças. Como percebem o agir dos professores e professoras? O que pensam sobre
a aparência adequada, sobre a vida, sobre nossa profissão? O que tem marcado os alunos/as
nas relações com os professores/as?
Estas e outras questões fazem parte deste trabalho investigativo que teve como
objeto as concepções sobre o sujeito professor/a evidenciados nas falas dos sujeitos desta
pesquisa, cinco alunos e três alunas que freqüentam a série do ensino fundamental em
escolas públicas municipais e estaduais de Porto Alegre. Através da constituição de um
grupo de conversação, os oito participantes puderam interagir, convergir e divergir falando
e expressando suas concepções e vivências. A partir de suas falas, desenvolvo as reflexões
sobre o tema, constituindo, desta forma, a presente dissertação.
Mas professores e professoras podem ir além em suas práticas, procurando ouvir,
também nas escolas, o que os alunos e alunas têm a dizer, pois no ritmo frenético do
cotidiano escolar, tão preocupados com as tarefas que têm de dar conta, deixam passar
desapercebidos os dizeres dos alunos/as, escapando a possibilidade de conhecer o que
pensam de seus professores/as.
Quando perguntam algo a seus alunos/as, parece ser sempre a título de avaliação,
como por exemplo o constrangedor Conselho de Classe participativo, em relação ao qual os
alunos/as expressam que sabem das conseqüências de suas manifestações nessa instância.
De outra parte, não se está propondo que a escuta ao que os alunos/as têm a dizer
torne-se uma prática burocrática, rotineira, pois, como sugere Paulo Freire
14
evidentemente, não posso levar meus dias como professor a perguntar
aos alunos o que acham de mim ou como me avaliam. Mas devo estar
atento à leitura que fazem de minha atividade com eles. Precisamos
aprender a compreender a significação de um silêncio, ou de um sorriso
ou de uma retirada da sala. (1996, p.109)
Entendo, assim como Paulo Freire indica acima, que a percepção que os aluno/as
têm de seus professores/as não resulta unicamente do modo como atuam, mas também de
como entendem essa atuação. Posso pensar que sou democrática ou que algumas práticas
são por si diferenciadas, mas a leitura que os alunos fazem dessa prática pode não ser
exatamente esta.
Não posso escapar à apreciação dos alunos. E a maneira como eles me
percebem tem importância capital para o meu desempenho. Daí, então,
que uma de minhas preocupações centrais deva ser a de procurar a
aproximação cada vez maior entre o que digo e o que faço, entre o que
pareço ser e o que realmente estou sendo. (Ibid, p.108)
Nas práticas escolares de professores e professoras, o trabalho não se refere apenas
ao conhecimento e à aprendizagem, mas implica, também, em formas de convivência.
uma íntima relação entre ambos: aprendizagem- conhecimento - convivência. Embora
tentemos separar tais coisas, isso não é possível, o que vale também para os alunos/as.
Relacionam estas três dimensões a todo instante, mesmo que seja para dizer que o professor
é legal porque deixa conversar, mas não ensina nada, ou que o professor é chato, mas
explica bem. Ao manifestarem suas concepções, podemos perceber, primeiramente, duas
coisas simples, mas que muitas vezes parecemos esquecer. Primeiro: “[...] o aluno é mais
do que aluno. Não é um personagem plano, mas multifacetado, como todo ser humano”
(Arroyo, 2004, p.103). E assim serão também as suas percepções. E, segundo: assim
também é o professor!
Porque lidamos com seres humanos, ou melhor, porque também somos seres
humanos, “as vivências cotidianas da escola estão carregadas de sucessos e fracassos, de
sonhos e realidades” (Ibid, p.96). É preciso ter isso presente, pois a análise que aqui
15
desenvolverei trata justamente disto. De vivências boas e ruins, ambíguas, conflitivas ou de
trocas, que dão raiva, que fazem rir porque nos vemos nelas e quão reais são, que traduzem
o vivido, mas também nossos desejos de como poderia ou poderíamos ser.
Por considerar tais questões, me agrada pensar no período escolar da mesma forma
como Perrenoud (1990 apud Correa, 2002, p.8), não como um meio de preparação para a
vida, mas como um momento da vida em si mesmo. Concebendo os anos escolares deste
ponto de vista, torna-se fundamental valorar todas as ações presentes, pois são vidas
sendo vividas. Nossas vidas como professores se incluem e a abertura ao "diálogo" é
fundamental se entendemos a escola como local privilegiado de convivência e
aprendizagem.
Refletir sobre o sujeito professor/a a partir das falas de alunos/as, desde sua
condição de alunos, é lembrar, também, que ocupamos este lugar de professores/as porque
existe o/a “aprendente”, aquele que ocupa este outro lugar, do sujeito que aprende na
escola, o que não significa que nós professores não aprendamos no espaço escolar. Mas
ressalto que, formalmente, este é o lugar destinado a ensinar aos alunos/as.
É necessário situar que “o aluno”, assim como a infância ou “o menor”, como indica
Sacristán (2003), são invenções dos adultos, ou seja, são categorias que construímos através
de discursos relacionados às práticas que travamos com os alunos/as. Além disso, impõe-se
compreender que
la consolidación de la idea de alumno, como una imagen social
compartida por todos debió tener lugar al tiempo que se expandieron los
sistemas educativos en sociedades altamente urbanizadas y la
escolarización se universalizó como experiencia que todos hemos tenido.
(Ibid, p.25)
Desta forma, tanto a categoria de aluno ou de infância, pertencem e se referem a
mundos onde se separam as crianças dos adultos, sendo esta uma característica das
sociedades modernas.
Mesmo que ninguém nos diga ou teorize sobre o que é ser um aluno/a, elaboramos
nossas concepções a partir nas práticas das quais participamos ocupando este lugar. Além
disso, o próprio conceito de aluno/a resulta de uma concepção que associa as crianças e
16
jovens ao lugar de sujeito escolarizado. Assim, tanto a escolarização, relacionada à
infância, quanto o sujeito aluno/a, parecem estar intimamente relacionados e naturalizados
em nossa cultura.
Vale também lembrar que o conceito de aluno, como exposto por Sacristán (2003),
engloba situações de pessoas muito heterogêneas e que não categorias universais que
não são experiências homogêneas. Ou seja, existem diferentes modos de vivenciar o lugar
de sujeito aluno, de acordo com as circunstâncias, peculiaridades, grupo social e
singularidades de tradições escolares diversas, vivenciadas em diferentes tempos e lugares.
Embora seja um lugar marcado pela tradição, é vivido por diferentes sujeitos que o
experienciam de diferentes formas.
Também é um lugar de sujeito que é datado, vai sendo ocupado, a cada época, por
diferentes grupos, como por exemplo, nos primórdios da escola moderna, este lugar era
ocupado pelos meninos de grupos sociais privilegiados economicamente.
Quanto à posição dos alunos nas instituições escolares, concebo-a como algo
dinâmico. Não considero que a cultura das ações escolares sirva de mordaça ou que todos
os alunos estejam perfeitamente acomodados a ela. Entendo, assim como Correa (2002),
que os estabelecimentos escolares [e todos os que nele se inserem] constituem soluções
conjuntas [sistemas de ação] “de actores relativamente autónomos, con recursos y
capacidades particulares, con creencias, invenciones e intuiciones para resolver los
problemas que poseen en la acción colectiva” (p.2).
Isto tudo, todas estas possibilidades, poder-se-ia dizer, são justamente o que vêm a
formar uma cultura escolar. Não tenho dúvidas disso, mas o que gostaria de assinalar é esta
abertura ao pessoal, ao inesperado, ao contraditório. As ações individuais surgem como
estratégias de fuga nas relações de poder, ao que formulam cotidianamente em função das
circunstâncias.
Acredito, como sugere Bourdieu que
si bien existe un conjunto de coerciones y exigencias del juego social,
existe también un 'sentido práctico', un 'sentido del juego', que implica la
existencia de estrategias que posibilitan la innovación permanente, la
posibilidad de adaptarse a las situaciones indefinidamente variadas,
nunca perfectamente idénticas entre sí. (apud Correa, Ibid., p.14)
17
Mesmo havendo uma “tradição” marcante, uma cultura que regula ou rege as ações,
existem modos diferentes de cada sujeito aprender e apropriar-se desta cultura/tradição.
Neste sentido, proponho pensarmos numa cultura escolar marcada pelos sujeitos
que a constituem, pois
no es posible hablar de una cultura escolar unívoca, o de dos culturas
perfectamente definidas y contrapuestas [a escolar e a juvenil], sino más
bien de la confluencia de diversos saberes culturales en el marco de
condiciones institucionales específicas e históricas, donde la interacción
de los sujetos va marcando los sentidos de la relación escolar.
(SANDOVAL, 2000 apud CORREA, 2002, p. 7)
A partir do lugar de sujeito aluno/a são desenvolvidas estratégias de como agir na
escola: “aprende con quién tener confianza y de quién siempre desconfiar; aprende cómo
estudiar para tal profesor y cómo "conquistar" a este otro” (CORREA, Ibid., p.15).
Aprende-se muito mais que um conteúdo formal estabelecido no currículo. Aprende-se a
ser aluno e a agir neste lugar chamado escola. Aprende-se, como diz Perrenoud (1995), o
seu ofício, uma das ocupações permanentes mais universalmente reconhecida, exercida
aproximadamente por dez anos da vida. E, ao mesmo tempo, decifra-se e interpreta-se
diferentes modos de ser de cada professor/a, conhecimento fundamental para se estabelecer
em aula. Tais conhecimentos vão além do que formulam antecipadamente sobre o que
“dizem” ser comum aos professores/as. Ou seja, o que vivenciam pode confirmar as
concepções anteriores ou rechaçá-las, pois como lembra Correa (2002) la experiencia
escolar individual no necesariamente coincide con los sentidos y significados que
formalmente se han definido para ella” (p.14).
Ou ainda, nas palavras de Perrenoud,
os jovens que vão pela primeira vez na vida a uma escola trazem já
consigo representações do ofício do aluno (e do ofício do professor),
recolhidas através dos pais, dos avós, de histórias, filmes, etc.
chegados, corrigem, matizam, actualizam essa imagem. (1995, p.201)
18
Parece-me relevante, assim, dar visibilidade a esses sujeitos que são fundantes de
todo o processo escolar, às suas experiências individuais confrontadas com as vivências
coletivas, através das falas de alunos e alunas, falas estas repletas de significados.
Durante o desenvolvimento da pesquisa tive a oportunidade de realizar uma
consulta ao site da Capes, realizando uma busca no Banco de Teses
2
, onde procurei
articular diferentes eixos temáticos relacionados aos meus interesses de pesquisa para
aproximar-se mais da temática que estava sendo proposta e justificar sua contribuição e
relevância.
A maior parte dos resumos de teses e dissertações consultadas versava sobre o
entendimento que os próprios professores fazem de sua profissão, ou seja, tratam da
representação do ser professor pelo próprio professor. Quando os alunos estão envolvidos
na pesquisa, o mais comum é encontrarmos as representações que eles m da escola como
um todo e não especificamente do professor. E, ainda, estudos sobre o que os alunos
pensam sobre seus professores, mas com um caráter de avaliação. São criados instrumentos
para se avaliar a escola ou uma instituição superior ou um professor e, após, as respostas
mais freqüentes são tabuladas.
Percebi no decorrer das consultas que fui empreendendo, não no site da CAPES,
mas nos referenciais teóricos, que os estudos que partem dos sujeitos alunos, tendo-os
como questão central, parecem escassos quando se trata de examinar o que pensam sobre o
sistema educativo em que estão inseridos, sobre sua condição de alunos ou, como
proponho, desde sua condição o que pensam sobre os professores/as.
De acordo com Correa (2002, p.4), "
es posible constatar en la literatura de diversos
países, que las investigaciones centradas directamente en los alumnos son de reciente data".
Procurei buscar exemplos de produções no Brasil que sinalizem também
constatações semelhantes, mas pouco encontrei. No entanto, o título de um capítulo do livro
“Educação e Escola”, de Marisa Eizirik (2001) parece dar conta de resumir a questão,
2
Serviço disponível através do site: www.capes.gov.br . O site possui ferramentas de busca e consulta a
informações sobre teses e dissertações defendidas junto a programas de pós-graduação do país através de
resumos defendidos a partir de 1987. As ferramentas permitem a pesquisa por autor, título e palavras-chave.
19
enunciando: “Os alunos: a dimensão esquecida”. Por estas evidências, concordo com
Martínez ao dizer que "desconocemos lo que piensa y dice el alumnado como consecuencia
de que no lo escuchamos” (1998 apud CORREA 2002, p.16).
Acredito que através das falas de alunos e alunas, seja possível produzir, ao mesmo
tempo, demandas de reorganização, reformulação e ressignificação de práticas (novas ou
antigas) da escola, que tende a incorporar, deliberadamente ou não, uma nova pedagogia,
de "relação horizontal e não vertical" (CORREA, Ibid, p.16).
Como sugere Sarmento (1994), é preciso estar atento às próprias formas de
expressão dos atores sociais, considerando as vozes autênticas de tais sujeitos, das quais
muitas vezes são desapossados. Ao falar sobre os professores, da tentativa de dar voz a eles,
o autor fez imaginar que minhas inquietações caminhavam também neste sentido, mas em
direção aos alunos/as.
Desta maneira, entendo que a “voz”
3
dos alunos, as concepções que demonstram
sobre o sujeito professor/a e os entendimentos que elaboram acerca das relações que
estabelecem, constituem não só o lugar de professor/a, mas o próprio lugar de sujeito
aluno/a.
Nesse sentido, é interessante pensarmos que
ao tentar compreender o comportamento humano, devemos estar
conscientes do facto de que algumas vozes são legitimadas pela
comunidade, e por isso são ouvidas, enquanto outras não são legitimadas
e por isso são silenciadas... Assim, as múltiplas vozes dentro do
indivíduo e dentro da comunidade lutam por controlar a direcção do
diálogo aceitável, através do qual as expressões ideológicas são
reforçadas, reinterpretadas ou rejeitadas... (QUARTZ E O’CONNOR,
1988 apud SARMENTO, 1994, p.130)
Certamente o grupo de alunos ouvido não representa uma maioria de alunos e nem
este estudo pretende dar conta disto quantitativamente, mas podemos começar a configurar
algumas de suas vozes, pois, como sugere Sarmento (2003), a prática investigativa
envolvendo sujeitos que atuam no ambiente escolar
3
Sarmento faz referência ao estudo e a fidelidade à voz autêntica dos atores sociais como condição de uma
“ciência mais humana” (1994; 2003).
20
pode constituir-se no dispositivo de mudança das práticas,
nomeadamente porque, ao incidir sobre as representações e
interpretações da ação pedagógica e organizacional, favorece a
apropriação pelos (as) professores (as) e pelos outros membros da
organização escolar dos sentidos da ação, permitindo a promoção de
formas de intervenção mais reflexivas e críticas. (p.154)
Além disso, “freqüentemente nos custa muito parar para ouvir os outros, estamos
muito mais preocupados em que nos ouçam, porém pouco dispostos a ouvir”
(MOSQUERA, 2001, p.97). São vários os motivos que nos levam a agir assim, devido às
atribulações do dia-a-dia também na escola. Assim, falo também do prazer em si, de poder
ser alguém disposto a ouvir, pois “uma pessoa precisa, antes de mais nada, encontrar uma
escuta” (POLLAK, 1989, p.6 ). Procurei ocupar o lugar desta escuta como pesquisadora,
possibilitando uma rede de novas intervenções e pensamentos, de ações e reflexões. Talvez
ela possibilite que nossa escuta se torne cada vez mais apurada, tornando-a mais
questionadora, (auto) crítica e reflexiva e menos censuradora, avaliativa e normativa, como
de costume.
À consulta realizada no site da CAPES, somo o contato com diferentes autores,
através de suas obras e idéias, que auxiliaram a contextualizar e a compreender o tema.
Foram aproximações, encontros, desencontros, vasculhando atentamente o que poderia
contribuir para ver de maneira cada vez mais complexa o tema de estudo. Acho fantástica a
frase “quanto a mim, os autores que gosto, eu os utilizo” (FOUCAULT, 1979, p.143), pois
parece ser isso mesmo que precisamos fazer. Não para enquadrá-los, mas para que nos
ajudem a ver. Para construirmos nossas percepções. Passamos, assim, a olhar as coisas de
uma outra maneira, diferente da anterior, mas que não a exclui e sim a complementa. Posso
dizer que fazemos uma educação do olhar, instrumentalizando-o através do diálogo com
diferentes produções. Diálogo este que estabeleço também, de alguma maneira, com o
projeto de pesquisa produzido por mim anteriormente. São relações e reinvenções sobre um
corpo textual de onde formalmente surgiram minhas indagações e argumentações e que
culminam na escrita desta dissertação.
Acredito, assim como Sarmento (1994), que “todos os textos se produzem por
diálogo com outros textos” (p.130). Desta forma, fundamentais para a análise desenvolvida
21
foram as idéias de Miguel Arroyo, Philippe Perrenoud, J. Gimeno Sacristán, António
Nóvoa e Paulo Freire, entre outros autores citados e consultados.
Quanto à estrutura deste trabalho, situo, inicialmente, o contexto e as escolhas
metodológicas da pesquisa que possibilitaram a análise dos dados, apresentadas na
seqüência.
Na primeira parte “O lugar de professor/a: uma incursão histórica e cultural”, busco
contextualizar o tema, através das diferentes abordagens sobre o sujeito professor/a e
expectativas construídas ao longo dos anos, priorizando aspectos pertinentes à pesquisa.
Em seguida, trago um breve comentário sobre as redes municipal e estadual de Porto
Alegre, cenário do qual os alunos e alunas sujeitos desta pesquisa fazem parte, abordando
especificidades de cada uma delas por considerar que, em alguns momentos, geram
experiências e concepções diferenciadas.
Na segunda parte “Para além da metodologia: construção de um itinerário”,
apresento os caminhos construídos e trilhados no desenvolvimento da pesquisa,
descrevendo não os aspectos metodológicos, mas o planejamento e organização
necessários tanto à formação do grupo quanto à estrutura dos encontros. Além disso,
apresento também elementos sobre a constituição do grupo de conversação e
desenvolvimento dos encontros com os alunos e alunas participantes da pesquisa.
Na terceira parte, intitulada “O que dizem os alunos e alunas: relações entre o vivido
e seus desejos”, a significativa contribuição de Diego, Bruno, João, Larissa, Rodrigo, Paula,
Alice e Carlos
4
, participantes do grupo de conversação, é apresentada assim como a
interlocução que estabelecemos no grupo, falas e escutas descritas e analisadas. Suas
concepções sobre o sujeito professor/a, constituídas por vivências e desejos, são trazidas em
suas narrativas e cenas evocadas acerca da convivência escolar.
Por fim, destaco a importância de todo o processo desenvolvido no grupo de
conversação, através de uma escuta sensível às falas dos participantes, possibilitando
aprendizados aos integrantes do grupo e a mim, enquanto pesquisadora.
4
Pseudônimos atribuídos a cada um dos participantes da pesquisa, respeitando-se o que foi acordado no
Termo de Consentimento Informado, de que suas identidades seriam mantidas sob sigilo ético. (cf. anexo 2).
22
1. O lugar de professor/a: uma incursão histórica e cultural
Muito sempre foi dito, construído sobre este lugar: o de professor. De mestres a
profissionais da educação, de “nobres” missionários a trabalhadores assalariados, de
homens a mulheres, e as diferentes definições/posições parecem ainda coexistir.
Para me aproximar das concepções sobre o sujeito professor/a que os alunos e
alunas de hoje expressam através de suas falas, percebi ser necessário sair em busca das
concepções de sujeito professor/a em outros tempos, de modo a apropriar-me da
historicidade do tema. Embora as concepções aqui reunidas não se baseiem em falas de
alunos/as sobre o tema, mas sim registros e concepções sobre o sujeito professor/a, pareceu
importante historicizá-las, pois constituem-se como marcas dos diferentes tempos. Um
passado ainda presente, pois muitas dessas idéias ainda fazem parte de nossas formulações
e fazem-se presentes em práticas, comentários e valorações quando o assunto é o professor.
Embora o conjunto de autores que tratam da construção histórica e cultural do
sujeito professor/a utilizem diferentes referenciais teóricos e, portanto, diferentes conceitos
para referirem-se ao sujeito professor, nesta incursão não será feita uma discussão sobre os
conceitos, sua adequação ou não, mas as idéias-chave sobre professores/as que indicam
5
,
relativas a questões de gênero, relacionada às exigências profissionais, à imagem, à fala, ao
prestígio (ou falta dele) e ao estatuto profissional.
Trazendo um pouco da história docente, António Nóvoa (1991) apresenta
importantes contribuições acerca do desenvolvimento da profissão. Segundo o autor, na
Idade Média a criança fazia sua aprendizagem graças à coexistência cotidiana com o
mundo dos adultos e a escola, embora já existisse, não se ocupava especialmente da
5
Embora nesta pesquisa me valerei do termo concepção.
Impossível falar dos tempos dos educandos(as)
sem falar dos tempos dos professores(as)
(ARROYO, 2004, p.25).
23
aprendizagem das crianças. na modernidade, a escola surge com o objetivo de tomar a
cargo a educação das crianças, inserida num contexto de movimento social e interações
culturais.
Destaca, ainda, dois momentos da escolarização das crianças: do século XVI até a
segunda metade do século XVIII, em que havia o monopólio da escola pela Igreja; e do
século XVIII até os nossos dias, quando a escola ficou a cargo do Estado. Sendo assim,
o processo de estatização do ensino é antes de tudo a substituição de um
corpo docente religioso (ou sob o controle da Igreja) por um corpo laico
(ou sob o controle do Estado), sem que por isso as antigas motivações,
nem as normas e os valores que caracterizaram as origens da profissão
docente, tenham sido substancialmente modificadas: o modelo do
docente permanece muito próximo daquele do padre. (NÓVOA, 1991,
p.118)
No Brasil Colônia
6
, a docência era uma atribuição de frades católicos, portanto
predominantemente masculina, de atuação missionária e voltada à formação de meninos. A
esse respeito, Louro (1997) destaca que a escola, conduzida por mestres jesuítas, dirigia-se
aos meninos, mas especificamente aos meninos brancos da elite.
A grande mudança quanto ao gênero predominante na profissão passa a acontecer
a partir do século XIX, quando congregações religiosas estrangeiras instalam internatos
femininos no Brasil (cf. Gouveia, 2001).
De acordo com Castro (2003), as famílias começam a perceber os internatos como
um local seguro para que suas filhas estudassem e obtivessem refinamento social “em um
período crítico da sua vida”, passando, posteriormente, a ocupar o lugar de professoras
primárias em escolas públicas:
Dessa forma, moças de fino trato exerceriam, sem qualquer
constrangimento, uma atividade remunerada, porque trabalhariam com
crianças de sua condição social em regime de meio expediente; ou seja, a
6
Conforme mencionado por Castro (2003).
24
docência na escola básica não comprometeria demasiadamente suas
obrigações maternas e conjugais. (p.60)
A carreira do magistério passa a ser, então, uma opção às mulheres, principalmente
“às que possuíam algum capital cultural” (VILLELA, 2005), tendo lugar na profissão
através das Escolas Normais (modelo institucionalizado de formação que procurava abrir
espaço) e dos concursos e indicações ao magistério público, baseado em favores e na
formação improvisada.
Na Escola Normal tem início um novo perfil de professorado, predominantemente
feminino, onde além dos conhecimentos pedagógicos, a professora deveria demonstrar
habilidades relacionadas ao seu papel social. Nesta época, segundo Castro (2003), os
candidatos a professores, além de serem examinados nas disciplinas tradicionais
(relacionadas às quatro operações e gramática), começam a ser avaliados em disciplinas
voltadas para o conhecimento da pátria (como a história e a geografia do Brasil). Além
disso, para as mulheres, eram feitas também avaliações relativas “ao trabalho com a
agulha”. E ainda eram exigidas testemunhas da idoneidade moral do candidato “expressa
em sua conduta” (Ibid., p. 53), através de autoridades municipais diversas, incluindo
atestado de batismo fornecido pelas autoridades paroquiais.
Percebe-se que eram exigidos dos candidatos a professor (e conseqüentemente dos
professores em exercício) não só competência pedagógica, mas uma conduta moral e
religiosa. Tais exigências relacionavam-se ainda, ao gênero do candidato, esperando-se
diferentes habilidades de homens e de mulheres.
Vale destacar, que a entrada das mulheres no magistério, segundo Louro (1997), foi
acompanhada da entrada das meninas na sala de aula, ou seja, da ampliação da
escolarização a um grupo anteriormente excluído. Assim, as meninas passam a freqüentar a
escola mais tarde que os meninos e, segundo Sacristán (2003), isso não ocorre sem
resistências. Sobre elas se voltaram expectativas diferenciadas e foram tratadas como seres
inferiores aos meninos, embora também elas pertencessem à elite.
Uma outra idéia também relacionada de certa forma ao gênero, diz respeito ao
entendimento da profissão docente como trabalho missionário e vocacionado. Ainda no
início do século XX, as mulheres iniciam seu trabalho como professoras com este caráter.
25
Trabalhando com trechos de discursos escolares extraídos de revistas pedagógicas do início
do século XX, Lopes (1991) demonstra como, na época, as relações entre o magistério e a
mulher vão sendo estabelecidas através de uma aproximação do ser professora com o
espírito maternal, guiada pela missão e vocação.
Esta ênfase da docência voltada à missão, vocação, sobre a conduta e a moral,
deixando em segundo plano a formação intelectual, indicam, para Catani (1997), que não
foi por coincidência que tal discurso foi dirigido às mulheres, exaltando qualidades como
abnegação, dedicação, altruísmo, espírito de sacrifício, além dos reduzidos salários.“[...]
Não se podia exortar as professoras a serem ignorantes, mas se podia dizer que o saber não
era tudo nem o principal” (p.28).
Mesmo com ênfase nestes aspectos, havia ainda os que salientavam esta falta de
capacitação intelectual das mulheres e, assim como as meninas, tais discursos acreditavam
na sua inferioridade. Segundo Louro, “[...] será com o apoio do discurso científico que
alguns poderão afirmar que se constitui numa ‘temeridade’, numa ‘insensatez’ entregar às
mulheres- portadoras de cérebros ‘pouco desenvolvidos’ pelo seu ‘desuso’- a educação das
crianças” (1997, p.78).
Vê-se, assim, que o magistério primário
7
, ocupação tradicionalmente masculina,
passa, a partir de meados do século XIX, a ser progressivamente ocupado por mulheres até
vir a configurar-se numa profissão majoritariamente feminina. Atualmente, é inegável a
grande maioria de mulheres a lecionarem nas séries iniciais do ensino fundamental.
Conforme estudo realizado pela UNESCO sobre o perfil dos professores
brasileiros
8
, 81,5% dos professores são mulheres e 18,5% são homens, com idade média de
38 anos.
De acordo com Almeida (1991), precisamos entender que foi necessária uma
transformação social da visão da mulher para que ela pudesse vir a exercer a educação de
crianças, que passou de uma concepção de ser lascivo e de caráter fraco (visão
predominante no século XIX) para a de um ser puro e angelical. Sendo assim, houve uma
adequação desta concepção para o exercício do magistério, que parece ter sido confirmada
7
De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases de 1961, o ensino era compreendido em três graus: primário,
médio e superior. “O grau primário abrangia a educação pré-primária, destinada às crianças até 7 anos [...] e o
primário, com quatro séries anuais, no mínimo” (Werebe, 1994, p.116).
8
In.: www.unesco.org.br/pesquisa/pesquisaavaliação/perfil/mostra_documento
26
“através da construção da identidade da professora como mãe, da escola como ‘lar’
(p.164)” e, por que não, dando continuidade a isso, a denominação da professora como
‘tia’.
Salientando a importância das questões de gênero nos estudos sobre profissão
docente, Louro (apud LOPES, 1991) afirma que “de uma maneira geral, grande parte da
pesquisa educacional não incorpora a questão do sexo da professora como um elemento que
possa ter algo a ver com o que está sendo analisado” (p.31).
Nesta pesquisa, embora as questões de gênero não constituam foco principal de
análise, não passaram desapercebidas tanto na organização das propostas de cada encontro
quanto nas falas dos participantes do grupo. O gênero tornou-se importante de ser referido,
pois constituiu diferenças concretas nas concepções de sujeito professor e professora
expressas pelos integrantes da pesquisa, relacionadas também à idade e à aparência. De
acordo com o gênero eram atribuídas as características do professor/a, tanto sobre seu modo
de agir quanto de relacionar-se, havendo em alguns momentos destaque sobre esta
diferenciação de acordo com o tema da conversa, conforme apresento na terceira parte do
trabalho.
Outra questão importante de ser destacada relaciona-se à imagem de professora, às
modificações que foram ocorrendo no que é expressado sobre como se parece, deve vestir-
se, entre outras coisas, pois também sobre este tema os participantes da pesquisa puderam
expressar suas concepções.
Por volta de 1870, também aqui no Rio Grande do Sul, uma das representações que
circulava com muita força, e que de alguma forma persistiu até os anos 1970, era que a
professora seria a mulher desgraciosa, aquela que não conseguia casar, a solteirona
retraída e desconfiada. Seguindo o pensamento de Louro,
não é por acaso que as fotos antigas nos mostram figuras severas, de
roupas escuras, abotoadas e de mangas compridas. Antigas caricaturas
desenham-na, por vezes, como uma mulher carrancuda, sem atrativos,
quase uma bruxa munida de uma vara para apontar o quadro-negro e
sempre, sempre de óculos. (1997, p.81)
27
Esta imagem de professora definida por Louro, embora remeta a figuras antigas, de
mais de um século atrás, constrói estereótipos ainda comuns nos nossos tempos, como o
uso de óculos, por exemplo, referido também na fala dos participantes do grupo de
conversação.
Aos poucos a imagem de professora carrancuda e severa vai dando lugar a outras
características e qualidades. Um estudo interessante realizado por Bastos e Colla (1995) faz
referência aos principais atributos que deveria apresentar um professor ou professora por
volta dos anos 50, conforme artigos veiculados através da seção “Retratando Mestres” da
Revista do Ensino
9
.
Entre outras coisas, a origem familiar merecia destaque especial, assim como
valores relacionados à tradição, religiosidade, honestidade, evidenciada através de
expressões como “atitudes cristãs e cívicas eram cultivadas com carinho”.
Os atributos físicos estavam agora ligados à beleza (belo porte, graciosidade, figura
jovem, andar imponente, elegância) e à saúde. E observamos também uma valorização do
matrimônio, principalmente às mulheres.
Versos dos anos trinta, como os trazidos por Louro (1997), são sugestivos e
apontam a transformação da imagem da professora. Tais versos não traziam mais a
solteirona severa, mas a professorinha objeto do desejo amoroso.
Explorando a literatura infanto-juvenil das últimas décadas, Ripoll (2002) aborda
também questões de gênero e sexualidade sobre a docência, analisando a imagem de
professora presente nos livros. A autora relembra que com a feminização do magistério
passam a ser escritos manuais de conduta para os/as professores/as, regulando os seus
modos de ser, agir, vestir, sentir, etc. Percebe em seu estudo que as representações de
professores/as nos livros analisados se afastam do modelo mais “clássico”
10
ainda
difundido, de alguma forma, entre nós.
9
Segundo as autoras, a Revista procurava ser para o público-leitor o magistério rio-grandense- um veículo
de divulgação das orientações relacionadas à política educacional e, “durante os anos de sua publicação
constituiu-se num significativo instrumento de propagação da doutrina pedagógica oficial” (p.91). Quanto
especificamente a seção analisada pelas autoras, focalizava “figuras singulares do magistério rio-grandense-
exemplo digno de apreço e imitação às novas gerações” (p.91), apresentando assim, modelos de mestres.
10
O modelo tido como clássico se refere ao descrito anteriormente, referente ao final do século XIX, onde, de
acordo com a descrição de Louro (apud Ripoll, 2000,p.89), se caracterizava por figuras carrancudas, severas,
austeras, com vestidos abotoados até o pescoço, largos e bem fechados, cabelos presos, utilizando uma vara
para apontar o quadro-negro ou uma palmatória e óculos.
28
Nos livros analisados por Ripoll (2002) este modelo clássico parece estar dando
lugar a outro: “as professoras são vaidosas, aparecendo vestidas das mais diferentes formas
[...] e um grande destaque no cuidado com a aparência. [...] [Além disso] o amor, a
paixão e o tesão aparecem como grandes ‘molas propulsoras’ do conhecimento” (p.89).
Segundo a autora, uma outra imagem de professora começa a ter lugar. A vaidade, o
cuidado com a aparência e os diferentes modos de vestir-se passam a ser características
dessa outra imagem de professora apresentada e que se mesclam a características do
modelo clássico nas falas dos participantes desta pesquisa quando definem como se parece
uma professora (ou um professor, como também proponho).
Um outro matiz presente nas falas dos integrantes da pesquisa refere-se à fala dos
professores. Segundo eles/as, seriam características dos professores/as falarem pouco e
gritarem muito.
Sobre a questão da fala do professor/a, é interessante um estudo de Silveira (2002)
que tomou como objeto as obras em prosa de literatura infanto-juvenis publicadas no Brasil
a partir da década de 80.
A autora observa que a fala do professor na sala de aula é um dos seus traços mais
freqüentemente evidenciados. Esta fala é caracterizada como: incessante e repetitiva,
distante da linguagem dos alunos, ou seja, o professor fala muito e fala diferente, difícil.
Além disso, grande referência aos gritos das professoras e dos professores, relacionada
ao “imperativo corrente na cultura escolar relativo à ‘manutenção da disciplina’ ou
‘manutenção da autoridade do mestre’” (Id., p.61). O fato do professor não gritar aparece
como um atributo positivo.
Para os participantes da pesquisa, também o fato do professor/a não gritar (e ter
calma) apresenta-se como atributo positivo. Porém, a concepção sobre a fala do professor
(de que fala muito e incessantemente como analisado pela autora) aponta para uma outra
questão, como analiso na terceira parte do trabalho. Para eles/as, os professores/as não
andam falando muito e “têm até nojo de falar”
11
!
Um outro tema discutido no grupo foi a vida dos professores/as e aspectos
referentes a profissão docente. Estes aspectos relacionam-se, de certa forma, com as
11
Fala do aluno Bruno, também citada no item 3.1.2, em dinâmica de análise de figuras de professoras no
primeiro encontro do grupo de conversação.
29
concepções sobre a profissão docente que foram se modificando no decorrer dos anos e que
culminam, para muitos, na falta de prestígio atual da profissão.
No Brasil, Louro (1997) auxilia a perceber as mudanças com o passar dos anos.
Assinala os diferentes termos utilizados para designar a profissão e apresenta-os
cronologicamente. Da professorinha normalista do início do século XX, passa-se à idéia
de educadora nos anos cinqüenta, constituindo-se nos anos setenta como profissionais do
ensino. Mais próximo de nossa época, uma outra denominação começa a se expressar mais
publicamente: trabalhadores e trabalhadoras da educação, no contexto do movimento
sindical mais amplo que se consolidava no país.
Como desdobramento do estatuto de trabalhadores da educação e num contexto
onde a escola não apresenta-se mais como garantia de um futuro melhor, parece ter havido
uma “degradação da imagem social”
12
do professor. A falta de reconhecimento e apoio
social ao trabalho dos professores/as é cada vez mais evidente, gerando desilusão no
enfrentamento da profissão. Considera-se, ainda, que escolhe a profissão docente aquele
que não teve capacidade de encontrar um trabalho melhor, que seja mais bem remunerado.
Atitudes depreciativas por parte da comunidade escolar geralmente vêm
acompanhadas “por um sentimento generalizado de desconfiança em relação às
competências e a qualidade do trabalho dos professores, alimentado por círculos
intelectuais e políticos que dispõem de um importante poder simbólico nas actuais culturas
de informação” (NÓVOA, 1995, p.22).
Nóvoa (1991) situa tal fato relacionando-o à idéia de professores enquanto
empregados, dizendo que
então assiste-se a uma queda generalizada do prestígio dos docentes,
sobretudo dos professores do ensino primário. Esta situação, que é
comum à maioria dos países ocidentais, provoca no seio do corpo
docente uma inquietação cujos efeitos não cessaram ainda nos dias
atuais. (p.132)
Também Perrenoud (1995) faz referência a isso, dizendo que assim como a na
missão da escola pulverizou-se, o ofício de professor já também não é hoje tão respeitado.
12
Conforme Esteve (1995).
30
Um dado interessante é que, apesar de tamanha depreciação da profissão, os
professores constituem, como lembra Nóvoa (1995), não só um dos mais numerosos grupos
profissionais, “mas também um dos mais qualificados do ponto de vista acadêmico (p.31)”.
Segundo a UNESCO
13
, no Brasil 67% do total de professores, afirmam ter concluído o
ensino superior.
Interessante destacar que os participantes da pesquisa embora não se refiram
especificamente à formação institucional dos professores/as, consideram que seja tarefa de
“intelectuais” e que para exercer a profissão docente é necessário ter muita inteligência e
dedicação para dar conta das atribuições da profissão.
Todas essas concepções sobre professores e professoras, constituem-se como
marcas da profissão, expressas através das continuidades e descontinuidade sociais e
culturais no decorrer do tempo. Apresentam-se inseridas em contextos ora de expansão, ora
de desvalorização, mas também através de ressignificações acerca da profissão docente.
Neste trabalho de pesquisa, que de certo modo interrogou a presença ou ausência de
determinadas concepções de professores/as nas falas dos alunos/as, pode-se perceber ainda
tantos outros aspectos relacionados ao lugar de professor/a e à prática docente. Além dos
citados (como gênero, imagem e estatuto profissional, por exemplo), outros aspectos
dificilmente referidos destacam-se nas falas dos alunos/as do grupo, como, por exemplo, a
referência às manias dos professores/as.
A partir de tantas considerações sobre a profissão docente, é interessante pensar,
como assinala Costa (1999), que “tudo que têm sido dito sobre as professoras, sobre a
docência, não apenas ‘fala sobre’, mas cria, inventa, institui” (apud Ripoll, ibid., p.76).
Daniela Ripoll (Ibid.) nos oferece um exemplo, dizendo que Ziraldo, ao inventar sua
professora maluquinha, “instituiu e veiculou a sua representação ideal de mulher docente
uma professora ‘diferente’, que ensinava brincando (por isso, maluquinha...), doce, meiga,
‘um anjo com estrelas no lugar do olhar, voz e jeito de sereia, vento o tempo todo nos
cabelos, luminosa” (Ibid).
São diferentes concepções sobre professores e professoras,
13
In.: www.unesco.org.br/pesquisa/pesquisaavaliação/perfil/mostra_documento
31
nas quais alguns se reconhecem e às quais outros rejeitam e recusam.
Diferentes identidades que continuam se transformando, que escapam
ou que se contrapõem, impedindo que possamos afinal, concluir
definitivamente sobre quem é essa mulher, ou melhor, quem é esse
sujeito, que se diz professora ou professor. (LOURO, 1997, p.83)
Ainda segundo a autora, os discursos pedagógicos, as teorizações também
construíam (e constroem...) uma representação do professor ou professora ideal e
contribuem para a produção desse sujeito. Em outras palavras, podemos resumir dizendo
que ocupamos o lugar desse sujeito professor/a que é construído pelo que insistentemente é
dito, no presente e pelas marcas de nossas relações históricas com esse ofício.
32
1.1 Professores/as estaduais e municipais: o cenário de Porto Alegre
Professores e professoras, alunos e alunas, sujeitos das instituições escolares,
interagem das mais diferentes formas, recriando cenas em cada escola, a partir de suas
histórias individuais e coletivas, que se misturam, muitas vezes, com a própria história da
instituição. Mas além das características próprias a cada escola, os sujeitos que nela atuam
pautam-se pelos traços da comunidade em que estão inseridos e do contexto ao qual
pertencem. Existem algumas características próprias a cada rede de ensino, relacionadas
também à cidade onde se encontram. São diferentes caminhadas, experiências que de
alguma forma fazem com que os alunos e alunas percebam de maneira também
diferenciada o sujeito professor/a com que interagem.
Nesta pesquisa, observei algumas destas implicações nas falas dos alunos e alunas
participantes do grupo de conversação. As concepções dos participantes relativas ao salário
(se ganham pouco ou muito) e a idade (se podem ser jovens ou não) dos professores/as
variaram de acordo com a rede de ensino em que estão inseridos. Também houve
estranhamento por parte dos participantes da escola estadual quanto a alguns termos
utilizados nas falas sobre a escola municipal, próprios de escolas cicladas, relativos ao
cotidiano escolar. Mas o que mais lhes chamou atenção foi o fato de haver diferenças nas
disciplinas oferecidas pelas escolas. Durante o primeiro encontro quando Rodrigo
mencionou algo sobre o professor de filosofia
14
, deixou os participantes de escola estadual
muito espantados, que ficaram cochichando sobre o assunto, enquanto Rodrigo continuou
relatando com muita naturalidade.
14
Nas escolas municipais de Porto Alegre, as disciplinas oferecidas nas séries finais do ensino fundamental
são: Arte-educação (plástica, música), Língua Estrangeira (Espanhol, inglês ou Francês), Língua Portuguesa,
História, Geografia, Filosofia, Ciências e Matemática. Nas escolas estaduais não é oferecida a disciplina de
Filosofia e diferenças também em Arte-educação (geralmente artes plásticas) e em Língua Estrangeira
(geralmente inglês).
O ensino é uma prática social, não só
porque se concretiza na interacção
entre professores e alunos, mas
também porque estes actores refletem a
cultura e contextos a que pertencem.
(SACRISTÁN, 1995, p.66)
33
Sendo assim, o cenário de Porto Alegre possui algumas especificidades quando o
assunto é educação, principalmente se contrastarmos a rede municipal e estadual de ensino.
Estas duas redes possuem diferenças bastante significativas em sua estrutura pedagógica e
administrativa, quadro docente, condições materiais e até mesmo as nomenclaturas
utilizadas por cada uma delas. Não como negar, também, as diferenças salariais
existentes
15
, que, como vimos anteriormente com Nóvoa, geram, entre outras coisas,
inquietações e insatisfação no corpo docente e desprestígio social de sua profissão.
Nas escolas municipais a organização dos alunos/as é feita por ciclos de formação e
as escolas localizam-se na periferia (vilas) de Porto Alegre
16
, caracterizando-a como Escola
Popular, enquanto as escolas estaduais mantêm a organização por séries e localizam-se em
diferentes pontos da cidade, indistintamente.
As mudanças originadas pelos ciclos de formação na rede municipal de Porto
Alegre têm início em 1989, quando a Frente Popular
17
assume o governo de Porto Alegre
tendo a Educação como uma de suas prioridades. De acordo com Moll (2000), os
compromissos programáticos assumidos com a educação pública e popular terão efeitos
imediatos na assunção, por parte da prefeitura, entre outras coisas,
da responsabilidade com a manutenção das escolas da rede pública
municipal através da ampliação e qualificação dos quadros docentes e
técnicos; da recuperação e ampliação dos prédios escolares; do custeio
da infra-estrutura necessária para o funcionamento da escola. (p.150)
As mudanças também dizem respeito às concepções pedagógicas relativas ao
construtivismo e implementação de mudanças relativas à prática dos professores/as.
Mudanças estas que, de acordo com Titton (2003), urgiam ser implantadas, ocorrendo com
15
Na Rede Municipal o salário básico, por 20h de atividade, corresponde à R$ 716,40 para M1 (formação em
Ensino Médio) e R$ 1108.20 para M4 (formação em nível superior). Já na Rede Estadual o salário básico, por
20h de atividade para M1 corresponde a R$ 360,00.
16
JoClóvis de Azevedo (1999) relata que toda a Rede Municipal de Porto Alegre situa-se na periferia, nas
zonas mais pobres, onde tradicionalmente mais exclusão. E justifica tal fato, dizendo, que “isto acontece
porque o crescimento da Rede é recente e as escolas municipais foram construídas exatamente nas regiões
onde o atendimento era deficitário” (p.23).
17
A Frente Popular era composta pelo Partido dos Trabalhadores, pelo Partido Socialista Brasileiro, pelo
Partido Comunista Brasileiro, pelo Partido Popular Socialista e pelo Partido Verde.
34
um certo apressamento. “Não havia muito tempo para a transição, ou seja, para a tolerância
pedagógica com os processos dos professores” (p.47).
Esse novo jeito de entender o pedagógico em todos os espaços da escola trouxe, por
exemplo, modificações até mesmo na alimentação oferecida aos alunos/as
18
, mas também
na forma de avaliação, nos projetos desenvolvidos, na previsão de turnos semanais para
reuniões de professores, entre outras coisas.
Diante destas mudanças, os professores/as precisavam então ser formados para esta
nova concepção de educação e isto foi acontecendo através de “reuniões pedagógicas
sistemáticas e contínuas nas escolas, como também por eventos de médio e grande porte”
(TITTON, p.51). Havia, no entanto, um descontentamento dos professores/as quanto à
forma autoritária como esses assessores conduziam os estudos nas escolas, de certa forma
excluindo os que não se dispunham a realizar mudanças em suas práticas” (Ibid, p.51).
Ainda hoje, nas escolas, percebe-se este sentimento de insatisfação ao relembrarem a
implementação do construtivismo e a implantação dos Ciclos de Formação, pois uma fala
corrente entre os professores/as da rede é que não houve liberdade por parte das escolas em
“ciclar”. Mais cedo ou mais tarde, ainda que por decreto, todas tiveram que se modificar,
apesar das afirmações de titulares da SMED de que os ciclos não seriam impostos às
escolas. No entanto, “era visível o processo de sua implantação em todas as escolas, no
desenvolvimento de um projeto pedagógico para toda a Rede Municipal de Ensino de
Porto Alegre” (Ibid, p.55).
O fato é que, “com autonomia, e por adesão, ou por imposição da Secretaria, [...]
em 2000, todas as escolas estavam ‘cicladas’ e se viam às voltas com uma série de novos
mecanismos e exigências administrativas e pedagógicas” (Ibid, p.55).
Podemos considerar como principais, para o entendimento dos Ciclos de Formação,
algumas de suas especificidades relativas a essas modificações administrativas e
pedagógicas:
- A denominação corrente para cada ano de estudo não se faz mais por referência a
séries (primeira série, segunda série....), mas por anos e ciclos. Existem três ciclos para
18
Os alunos/as recebem todos os dias café da manhã (para os estudantes da manhã), almoço (para os
estudantes da manhã e da tarde), lanche (para o turno da tarde) e janta para o noturno, quando turmas de
EJA nas escolas. Os pratos de plástico foram substituídos pelos de vidro e as colheres por garfos e facas, além
da adoção do sistema de bufê.
35
formação dos alunos. Cada um deles é dividido em três anos. Temos, então, o primeiro,
segundo e terceiro ano do primeiro ciclo, o primeiro ano do segundo ciclo, e assim
sucessivamente. Nas escolas sistematizou-se ainda uma nomenclatura para os diferentes
“anos-ciclos”, sendo cada ciclo representado pelas letras A, B e C e cada ano pelos
números 10, 20 e 30. Temos, assim, as turmas de A10, A20 e A30; B10, B20 e B30; C10,
C20 e C30;
- As enturmações dos alunos e alunas ocorrem de acordo com a faixa etária dos
mesmos
19
;
- Existem Turmas de Progressão destinadas a atender os alunos/as com defasagem
entre sua faixa etária e a escolaridade. Nestas turmas, a organização de tempo-ano é
diferente da organização ano-ciclo. progressão dos educandos para o ciclo seguinte a
qualquer momento em que passem a apresentar avanços em suas aprendizagens e condições
também relativas à socialização de se integrarem no ano-ciclo
20
;
- Não se trabalha mais com notas e conceitos, mas com pareceres descritivos,
dossiês e relatórios;
- Não há reprovação. A promoção ocorre através de avanços incessantes. O que
existem são algumas “retenções”, geralmente devido ao excessivo número de faltas. O
aluno/a segue seus estudos com o auxílio, além do professor/a referência ou especializados,
do Laboratório de Aprendizagem
21
, do Professor Volante
22
, de planos pedagógicos
diferenciados e possíveis encaminhamentos a atendimentos de outros profissionais, tais
como médicos e psicólogos, ou a programas sociais;
- A gestão da escola é proposta de maneira coletiva, com a participação de todos os
segmentos (pais, alunos/as, professores/as e funcionários/as) através de um Conselho
19
Folchini e Rodrigues (1999), explicam que na organização curricular por ciclos de formação, na Rede
Municipal de Ensino de Porto Alegre, “os alunos são agrupados de acordo com as fases do desenvolvimento
humano em que se encontram (infância, pré-adolescência e adolescência), com vistas a trabalhar com as
características destas faixas etárias no contexto escolar” (p.74). Para maior detalhamento sobre os Ciclos de
Formação, ver Cadernos Pedagógicos 9, Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre, 1996 (também
disponível em versão on-line, no site da Prefeitura).
20
Mais detalhes em Porto Alegre, 1996, p.12.
21
Para os alunos com dificuldade de aprendizagem, atendidos em turno inverso de estudo, geralmente em
pequenos grupos.
22
Cada turma conta com a participação, além do professor referência, do professor itinerante ou volante
(como costuma ser chamado nas escolas). Ele conhece, planeja e interfere junto com o professor da turma nas
atividades da aula. Ele/a trabalha com várias turmas, dependendo do ano-ciclo.
36
Escolar. Segundo Moll (2000), “redefinem-se todas as funções, buscando assegurar a (des)
hierarquização e a cooperação no trato das questões escolares” (p.179).
Titton (2003), ao falar sobre os avanços incessantes dos alunos/as nas escolas
municipais, analisa que a qualidade da escola pode estar exatamente no fato de não ser
excludente, desde que comprometida com a formação dos sujeitos. E analisa, ainda, que o
maior desafio da escola por ciclos de formação tem sido a aprendizagem de seus alunos.
Talvez, justamente por apresentar um ponto de tensão ao se falar da escola por ciclos, a
questão da avaliação tenha sido colocada em destaque no discurso voltado à Educação dos
candidatos
23
à Prefeitura de Porto Alegre, em 2004, quando o debate esteve direcionado,
principalmente, para a avaliação relacionada à aprendizagem.
O prefeito então eleito
24
durante sua campanha relacionou o fato de que não
havendo o uso de notas, inexistiria também a avaliação, e desta maneira,
conseqüentemente, a aprendizagem.
Analisando estes mesmos aspectos relativos à administração e concepções
pedagógicas das escolas de acordo com as especificidades da rede estadual, temos:
- A organização dos anos escolares através da seriação, organização de ensino
adotada na maior parte dos sistemas de educação;
- As enturmações dos alunos/as de acordo com a série correspondente;
- Avaliação mediante notas e conceitos expressos no Boletim Escolar do aluno/a;
- Avanços de uma série para outra pela média das notas do aluno/a e decisões de
Conselho de Classe dos professores/as. Caso a média esteja abaixo do previsto
regimentalmente e determinado pelas escolas, o correspondendo a cinqüenta por cento de
aproveitamento, os alunos/as permanecem na mesma série em que estavam;
- A gestão da escola acontece de maneira democrática, com a participação de um
Conselho Escolar, substituindo os antigos CPMs (Círculo de Pais e Mestres)
25
.
23
Os candidatos ao segundo turno das eleições de 2004 em Porto Alegre eram: Raul Pont, representando a
Frente Popular e José Fogaça, representando o PPS.
24
Percebe- se aqui uma certa ruptura, que a Frente Popular, no governo da prefeitura dezesseis anos,
perde as eleições de 2004 e o prefeito eleito, José Fogaça representa o PPS.
25
A criação dos Conselhos Escolares nas escolas estaduais está prevista pela lei 11.695 de 10/12/2001,
sendo estes constituídos pela direção e representantes eleitos dos segmentos da comunidade escolar. Na
prática, porém, nem todas as escolas se articularam para organização desta nova estrutura e mantêm a
organização antiga.
37
Outros aspectos, ainda, sobre as duas redes referem-se à formação e processos de
qualificação dos professores/as municipais e estaduais. Atualmente, o quadro docente da
rede municipal de ensino de Porto Alegre
26
conta com 4.003 professores. Quanto à
formação, 64,17% dos professores possuem pós-graduação; 29,51%, Licenciatura e apenas
6,35% possuem Nível Médio.
27
Toda a escola municipal conta , além das reuniões semanais, com 10 dias por ano
dedicados à formação profissional
28
. Nas escolas estaduais, no entanto, não reuniões
semanais de professores/as e as formações são previstas dentro do calendário de cada
escola, sem haver definição de quantidade pela Secretaria (como ocorria algum tempo,
com número fixado em seis formações). Na prática, observa-se atualmente que cada escola
opta por uma formação por bimestre. Além das formações programadas pelas escolas, são
oferecidas algumas pela Secretaria, dependendo da disponibilidade de recursos, com
temáticas definidas pelas necessidades das escolas
29
.
Quanto à progressão funcional, na rede municipal acontece a cada dois anos. As
especializações, os cursos de mestrado ou doutorado garantem a mudança automática do
nível salarial; as formações e a participação em eventos contam pontos para essa progressão
que também se traduz em aumentos salariais. Para concorrer à progressão funcional
(costumeiramente chamada detroca de letra”, pois os diferentes níveis são indicados
através de letras), os critérios são antiguidade e merecimento, precisando haver no mínimo
seis anos de serviço público para concorrer.
Na rede estadual, as promoções não são publicadas todos os anos conforme prevê o
estatuto
30
e os critério para progressão também são por merecimento e antigüidade.
26
As informações a seguir sobre o quadro docente, formação e progressão podem ser encontrados no site da
Prefeitura, em: http://www2.portoalegre.rs.gov.br/smed/default.php?p_secao=5 (26/07/05)
27
Estes mesmos dados sobre a rede estadual não estava disponível no site da Secretaria Estadual de
Eduacação.
28
Cada encontro de formação é organizado em 4h de atividade. A maior parte deles fica a cargo das escolas e
três, aproximadamente, a cargo da SMED, geralmente através de Seminários para toda a Rede.
29
As informações sobre as formações anuais dos docentes da rede estadual de ensino foram obtidas através de
contato com o setor pedagógico da 12ª SE, localizada na cidade de Guaíba.
30
Segundo o Estatuto do Magistério (lei 6672/1994), as promoções serão publicadas anualmente, no “Dia do
Professor”, precisando haver no mínimo três anos de efetivo exercício na classe para concorrerem a troca de
incentivo. No entanto, conforme dados divulgados no próprio site da secretaria (www.educacao.rs.gov.br), as
promoções não são publicadas todos os anos, sendo que em 2004 pagava-se ainda os atrasados referentes às
promoções de 1995, pagos em trinta e seis parcelas.
38
Inseridos nestes dois contextos estão os professores e professoras rememorados e
citados nas falas dos integrantes do grupo de conversação desta pesquisa. Entender as
peculiaridades de cada rede contribui para que possamos compreender a situação
vivenciada pelos respectivos quadros docentes e situar as falas analisadas na terceira parte
desta dissertação.
39
2. Para além da metodologia: construção de um itinerário
Penso que pesquisar seja muito mais do que cumprir etapas e fazer ‘descobertas’.
Pesquisar é construir caminhos, é trilhar, aventurar-se, é esbarrar, é cair e levantar,
reconstruir passos, marcar territórios, confrontar suposições e duvidar delas. Pesquisar é
produção, mas também o seu oposto. É ficar parado, sem saber para onde ir, é deixar-se
surpreender, paralisar por um momento. Deparar-se com páginas em branco ou mesmo a
tela vazia do computador. Pode parecer fácil a uma primeira mirada, mas quando nela
estamos mergulhados compreendemos toda sua complexidade. O fato é que parece somente
entender tudo isso quem já ousou se entregar à elaboração de uma pesquisa.
A construção de um itinerário de pesquisa remete às primeiras intenções desse
estudo, às aspirações e desejos que têm no projeto a sua formalização. Através do projeto
podemos nos dar conta da provisoriedade de nossos objetivos e o quanto o objeto de estudo
é criado por um sujeito, o pesquisador, a partir de seu ponto de vista, e por isso limitado e
passível de erros. O pesquisador, a partir de suas experiências e trajetória individual, cria a
problemática a ser investigada. O objeto não está dado. Ele não está na realidade, bastando
capturá-lo. Mas ele é por nós engendrado, formulado. É nesse sentido que entendo a
formulação de Saussure “O ponto de vista [...] cria o objeto” (apud BOURDIEU, 1999,
p.45).
O trabalho investigativo, nesta condição transitória, apresenta-se como processo
educativo de nós mesmos, para além das formulações que iremos dar conta durante a
pesquisa. Nossos escritos vão sendo produzidos paralelamente às descobertas que vamos
empreendendo sobre nossas temáticas. Desse modo, a “escritura pode ser assim um drible,
uma linha de fuga no interior da linguagem, uma criação de acontecimentos na linguagem.
Não apenas interpretação, mas experimentação” (BENATTI, 2000, p.98).
É preciso resistir à urgência.
Construir um certo distanciamento.
Só assim estamos
em atividade intelectual.
(CHARLOT, 1996, p.13)
40
Experimentamos combinações, criamos afirmações, parafraseamos outras, trazemos
questionamentos, dúvidas. É assim que acontece em nossos trabalhos científicos. Através
da escrita criamos e nos damos conta de nosso processo de pensamento e das questões
envolvidas. Aprendemos a centrar, mas também a pormenorizar, e de repente nos damos
conta da brevidade do tempo.
Durante a prática investigativa, é preciso exercitar a suspeição, se aquilo que vemos
é tudo o que se pode ver. E ainda, se não estamos vendo todas as questões pelo ponto de
vista exclusivo de nossos sujeitos da pesquisa. É preciso precaução, pois o pesquisador
“corre o risco de substituir pura e simplesmente suas próprias prenoções pelas prenoções
dos que ele estuda” (BOURDIEU, 1999, p.50).
Não neutralidade em nossas produções. Somos permeados por um mundo de
representações
31
que nos habitam e do qual fazemos parte. Somos formados e formadores
de opinião. Não escapamos às prenoções, ao senso comum
32
. O que não podemos é ficar
nisso. Temos de perceber essa nossa condição para ir além.
Talvez, como afirma Bourdieu , “a maldição das ciências humanas, [...] seja o fato
de abordarem um objeto que fala” (Ibid). “Maldição” no sentido de desafio, dificuldades
encontradas. Mas também encantamento, porque nunca sabemos o que nos espera, temos
sempre o novo diante de nós, o inusitado.
Como pesquisadora, entendo que os atores sociais com quem trabalhamos não são
simples objetos de nossas pesquisas, mas sujeitos que interagem conosco.
Assim, durante a pesquisa diferentes sujeitos estiveram em interação, compondo,
através de suas falas e concepções, o objeto mais amplo de estudo.
O termo concepção é entendido nesta pesquisa como o conjunto de conhecimentos,
explicações e idéias dos/as alunos relativos à experiência de vida adquiridas na escola e em
outros meios sociais, sendo expressos aqui através de suas falas sobre o sujeito professor/a.
31
Entendo as representações, aqui e ao longo do trabalho, assim como Pesavento (2004), como sentidos que
são conferidos ao mundo, e que se manifestam em palavras, discursos, imagens, coisas, práticas. Deste modo,
“indivíduos e grupos dão sentido ao mundo por meio das representações que constroem sobre a realidade
(Ibid, p.39). Tais representações revelam coerência de sentido pela sua construção histórica e datada e se
inserem em regimes de verossimilhança e de credibilidade, e não de veracidade.
32
Ao me referir ao senso comum, gostaria de lembrar que, assim como Martins (apud Esteban, 2002, p.77),
penso que o “senso comum é comum não porque seja banal ou mero e exterior conhecimento. Mas porque é
conhecimento compartilhado entre os sujeitos da relação social”. Neste sentido, não estou a desvalorizá-lo,
mas sim a percebê-lo, visualizá-lo, para não toma-lo, comodamente, como verdade.
41
Ao empregar o termo concepção me refiro, portanto, aos diferentes pontos de vista
apresentados pelos alunos/as integrantes do grupo de conversação constituído.
Destaco, também, a dinamicidade do processo, a reciprocidade, a troca de
experiências entre o sujeito pesquisadora e os sujeitos alunos/as que por meio de suas falas
constituem o corpus empírico desta pesquisa.
Pensar em sujeitos supõe movimento, diálogo e, como propõe Sarmento (2003),
uma ação colaborativa da investigação. O autor destaca que “essa dimensão colaborativa é
particularmente expressiva nas escolas e com os (as) professores (as), porque eles (as) são
informantes privilegiados sobre as escolas e a ação educativa” (2003, p.171). Neste estudo,
os/as alunos/as são também e potencialmente informantes privilegiados, tendo demonstrado
uma participação colaborativa com a pesquisadora.
Considerando algumas questões relacionadas por Sarmento (2003), relativas a quase
ausência de investigações sobre o que as crianças pensam sobre a escola e a inexistência de
experiência acumulada capaz de evitar dificuldades durante as entrevistas, optei por não
realizar a pesquisa com alunos/as no espaço físico da escola e tampouco através de
entrevistas estruturadas e individuais, que dificilmente contemplariam as possibilidades de
diálogo. Elegi um local ‘neutro’, pertencente à universidade, e uma metodologia assentada
em um grupo de conversação, exposto em detalhes a seguir.
Entendo, ainda, que todo trabalho investigativo, mas especialmente por minha
condição de professora- pesquisadora, “é uma construção com implicação do investigador”
(ATKINSON, 1990 apud SARMENTO, ibid., p.151). Fazer pesquisa em educação está
relacionado às posturas que assumo, diariamente, em minha profissão, ao proceder análises
críticas, ao repensar formulações e ações, ao estar atenta às demandas da escola, às falas
que compõem o cotidiano escolar. É nesse sentido que “o/a professor/a assume como
função pensar e fazer coletivamente o cotidiano escolar (ESTEBAN, 2002, p.23) [onde
também ao] tentar compreender o compreender de seus alunos e alunas, de procurar
explicações para a aprendizagem de alguns e a não-aprendizagem de outros, assumem uma
postura investigativa, tornando-se professoras-pesquisadoras de suas próprias práticas”
(GARCIA, apud ESTEBAN, 2002, p.117). Considero que tais reflexões sobre a condição
de professor-pesquisador fazem parte de minha trajetória e vivências, daí meu desejo de
continuar estudando e pesquisando, e nesse fazer cotidiano “vai se esboçando uma
42
professora-pesquisadora que acorre aos espaços onde se discute o processo ensino-
aprendizagem, retornando à universidade em busca de interlocutores que a ajudem a ver
mais ampla e profundamente suas questões” (ESTEBAN, Ibid., p.16).
Daí a importância da reflexividade metodológica (SARMENTO, 2003) sobre o
processo investigativo que possibilita pensar este “momento em que se interroga o sentido
do que se e por que se e se acrescenta o escopo do campo de visão a um olhar-outro,
coexistente no investigador (Ibid., p.151). Ouvir nem sempre é gratificante, pois nem
sempre ouvimos o que nos agrada. “E se eles falarem mal dos professores?”– dizia uma
colega, questionando-me sobre as possibilidades de meu trabalho. Mas acredito que é a
dúvida do que pode ser dito que deve sustentar nossos trabalhos, um gosto pelo
imprevisível e uma lógica de movimento, contrária à lógica da verificação (BACHELARD,
1977), uma vez que
não pode haver uma ciência das dinâmicas da ação em contexto escolar
que não seja uma ciência das singularidades, das diferenças, das infinitas
variações dentro de um campo de possibilidades, da emergência do
inesperado, do fluido e do ambíguo. (SARMENTO, ibid., p. 145)
A implicação do investigador, ainda, implica a necessidade da vigilância
epistemológica (BACHELARD, 1977). Estamos sempre nos encontrando no outro (sujeitos
de nossas pesquisas). No meu caso, esse encontro poderia ocorrer através da rememoração
de fatos de meu passado enquanto aluna ou na relação atual que estabeleço com os alunos e
alunas como professora
33
. Por isso, tornou-se necessária essa vigilância epistemológica,
uma vigilância de nós mesmos, como sugere Bachelard (Ibid.). A vigilância como a
33
Penso que tenha sido interessante, do ponto de vista da implicação no objeto de pesquisa e um necessário
distanciamento, o fato de este ano ter assumido a vice-direção da escola, justamente no momento que estava
“indo à campo”. Penso que este outro lugar ocupado por mim tenha favorecido, em parte, este distanciamento
e vigilância de pensamentos, pois os conflitos e práticas cotidianas em sala de aula, de certo modo geravam
mais expectativas e angústias quanto aos rumos dados à pesquisa.
43
consciência de um sujeito que tem um objeto: e consciência tão clara que
o sujeito e seu objeto se esclarecem ao mesmo tempo, acasalando-se de
modo tanto mais cerrado quanto o racionalismo do sujeito prepara mais
exatamente a técnica de vigilância do objeto examinado. (1977, p.93)
Todas estas reflexões a cerca da metodologia estiveram sempre presentes e
auxiliaram na construção dos caminhos investigativos. Tais caminhos, que foram sendo
recriados ao longo do percurso, se transformaram em um itinerário cujo roteiro passo
descrever.
44
2.1 As escolhas e os encaminhamentos da pesquisa: as falas dos alunos/as no grupo de
conversação
O presente trabalho de dissertação é um estudo qualitativo a partir das falas de
alunos e alunas que freqüentavam a sexta série do ensino fundamental das redes municipal
e estadual de Porto Alegre através da realização de um grupo de conversação. Os encontros
foram realizados no Núcleo de Integração Universidade & Escola, pertencente à
Universidade Federal do Rio Grande do Sul e localizado no Subsolo do Planetário
34
.
A seleção dos integrantes do grupo se deu, principalmente, através do contato com
escolas que estivessem próximas ao local dos encontros, ou de fácil acesso. Através do
diálogo no grupo e das dinâmicas propostas, diferentes questões sobre o sujeito professor/a
puderam ser observadas.
A escolha pelo grupo de conversação se deu através da busca por alternativas
metodológicas que não se caracterizassem por instrumentos tradicionais/ formais de
inquirição das crianças, como uma espécie de escrutínio da escola”. Assim, conheci a
metodologia de “grupos de discussão” ou “grupos focais”.
Tal metodologia parecia ser a mais coerente com as concepções e intenções de
pesquisa que estava propondo no sentido da escuta e registro das falas de alunos e alunas.
No grupo, poderia ainda confrontar idéias, possibilitar a interação como forma de
estabelecer confiança, criar um certo vínculo e ambiente acolhedor/informal para a
manifestação de opiniões e sentimentos.
34
Situado na Avenida Ipiranga, 2000, bairro Santana. O Núcleo possui uma sala de atividades múltiplas,
propícia à realização de dinâmicas e trabalhos em grupos, com acesso independente.
A relação de confiança não está dada desde o
início da conversação,
mas vai sendo pouco a pouco construída.
(ZAGO, 2003, p.302)
45
Chamou-me a atenção que a principal característica dos grupos de discussão reside
no fato de “trabalhar com a reflexão expressa através da ‘fala’ dos participantes
35
,
permitindo que eles apresentem, simultaneamente, seus conceitos, impressões e concepções
sobre determinado tema” (CRUZ NETO et al., 2002, p.5).
Foi assim que optei por trabalhar com uma metodologia qualitativa assentada em
grupos de discussão, ou como denominarei aqui, grupos de conversação, por entender,
assim como Woods (1987) que “a expressão ‘conversação’ sugere melhor [...] esse
processo livre, aberto, democrático, bidirecional e informal, onde os indivíduos se podem
manifestar tal como são, sem se sentir presos a papéis determinados
36
” (apud SARMENTO,
2003, p.162).
Um grupo de conversação pode ser definido como una conversasión
cuidadosamente planeada, diseñada para obtener información de una área de interes
(KRUEGER, 1991 apud CALLEJO, 2001, p.25) ou ainda como pessoas reunidas em uma
série de grupos que possuem determinadas características e que produzem dados
qualitativos sobre uma discussão focalizada (KRUEGER, 1996 apud CRUZ NETO et
al.,2002, p. 4).
É importante ter o cuidado, ao trabalhar com tais grupos, de que todos os
participantes tenham possibilidades “de apresentar suas concepções e que elas sejam
discutidas e refinadas” (Ibid., p.6).
Quanto ao número de participantes, os autores sugerem
ser pequeno o suficiente para que todos tenham a oportunidade de expor
suas idéias e grande o bastante para que os participantes possam vir a
fornecer consistente diversidade de opiniões. Quantificando esses
raciocínios, podemos concluir que uma sessão de [...] [grupo de
discussão] deve ser composta por no mínimo quatro e no máximo doze
pessoas. (KRUEGER, 1996 apud ibid, p.12)
35
Outras metodologias possibilitam a valorização das falas de sujeitos pesquisados, como as entrevistas
abertas, as histórias de vida, etc. Cabe ressaltar, no entanto, que a opção pelo grupo de discussão acresceu a
possibilidade da interação entre os sujeitos, o que levou a escolha desta metodologia.
36
No caso desta pesquisa, podemos considerar que o único papel representado formalmente pelos
participantes é o fato de todos serem alunos. Mas isso não os coloca na posição de defender esta ou aquela
instituição, mas ao contrário, suas opiniões pessoais e experiências vividas no sentido de confrontar, legitimar
ou partilhar as idéias no grupo.
46
Entre outras coisas, durante o desenvolvimento dos encontros, a conversação
procura concentrar-se em poucos tópicos (no máximo 5 assuntos), como sugerido por
Gomes e Barbosa (1999), através de questões-chave e temas que se aprofundam, em cada
uma delas, apresentando temas provocativos, que possibilitem a expressão de idéias.
É interessante ainda que não basta que tais temas sejam por si provocativos. É
preciso mais do que isso para que as idéias e a conversa sobre o tema se estabeleçam com
vigor. Como indicado por Callejo (2001),
la presentación del tema también es una provocación. Ha de empujar a
los reunidos a hablar. No basta con invitar a hablar sobre un tema. Hay
que presentarlo de tal manera que se desencadene una reacción (p.115)
Pensando nisto, nesta forma de apresentar o tema que provocasse a fala, a reação, e
considerando tratar-se de adolescentes, procurei desenvolver dinâmicas diferenciadas com
o grupo e, na medida do possível, que não ficassem muito próximas ou semelhantes com
atividades escolarizadas e, portanto, rotineiras, que não impulsionariam a participação.
Desta forma, decidi organizar cada encontro tendo ao menos uma questão-chave
como norteadora e, a partir dela, temas que seriam aprofundados (cf.quadro 2). Para
desencadear o diálogo sobre os temas propostos organizei um roteiro de dinâmicas que
poderiam ser desenvolvidas acerca de cada um desses temas. Com o auxílio da orientação,
fui selecionando as que pareciam ser mais adequadas, motivadoras e instigadoras da fala.
Entre estas dinâmicas (apresentadas com mais detalhes no item 2.3) estavam a observação
de figuras, a confecção de painéis, o sorteio alternado de perguntas a serem respondidas
pelos participantes, a encenação de situações do cotidiano escolar, entre outras. Também a
organização do espaço físico era pensada para cada dinâmica, de modo a favorecer a troca
de idéias. Por isso, geralmente, durante os encontros, sentávamos em círculo, no chão, em
cadeiras ou ao redor de uma mesa.
Além das dinâmicas citadas acima, vali-me também de cenas de filmes como
disparadoras da discussão em alguns momentos dos encontros
37
. Entre vários filmes
37
No projeto de dissertação a utilização das cenas dos filmes tinham papel central e eram basicamente o único
recurso que seria utilizado como provocadoras da discussão. No entanto, quando foi sugerido constituir um
único grupo para conversação com um número maior de encontros (e assim resolvi fazer), tive também que
47
sugeridos e indicados, optei por aqueles onde a faixa etária dos alunos dos filmes se
aproximassem com a faixa etária dos alunos/as da pesquisa. Ou seja, procurei escolher
filmes que estivessem mais próximos da etapa de escolarização dos sujeitos da pesquisa.
No quadro abaixo, descrevo as cenas apresentadas aos integrantes do grupo durante o
terceiro e quarto encontro. Nestas cenas são mostradas diferentes situações de escola e
diferentes maneiras de professores e professoras se relacionarem com os alunos, sendo
provocativas neste sentido.
Quadro 1
Cena
Filme Descrição
1
“A língua das
Mariposas”
38
Os alunos conversam e gritam pela sala. Pulam, caminham, jogam
bolinhas de papel. O professor vai até sua mesa e bate nela com a
régua, pedindo silêncio aos meninos. Faz isso várias vezes, mas de
nada adianta. Todos continuam agitados. Grita por silêncio. Como
não consegue ser ouvido, diz a eles: Es bom... Se vocês não
ficam quietos, fico eu! Caminha até a janela da sala e fica a
suspirar. Um dos alunos observa o que ele fez e olhando para seus
colegas vê que todos continuam a rir e a conversar. Puxa seu
colega de classe e lhe mostra o que se passa com o professor, que
continua suspirando.
modificar a organização dos mesmos, incluindo outras dinâmicas e distribuindo/pormenorizando as temáticas,
pois haveria mais tempo para discuti-las.
38
Espanha, 1999, 95 minutos. Drama. Direção: José Luis Cuerda.
48
2
“Matilda”
39
A professora se aproxima de uma aluna no pátio da escola. Os
outros alunos e alunas as observam com cara de tristeza, espanto
e/ou decepção.
A menina, sabendo o que a aguarda, fica amedrontada (aperta os
olhos e baixa a cabeça).
A professora, chegando a sua frente, chama-a pelo nome.
A menina, olhando para ela e contemplando a enorme figura da
professora, responde-lhe baixinho: “Sim, senhorita T...”.
Levando uma espécie de relho nas mãos e com uma vestimenta
semelhante a de um general, a professora fica “rodeando” a aluna.
Apontando para as tranças da menina, lhe pergunta o que é isso.
A menina responde: Isso o quê, senhorita? (E se estabelece um
pequeno diálogo)
Professora - O que está caindo das suas orelhas?
Aluna - falando das minhas trancinhas? (E segura-as com as
mãos).
Professora - Você é burra Amanda?
Aluna - Não senhorita!
Professora - Eu permito tranças na minha escola?
Aluna - A minha mãe acha que é...bonitinho!
A professora chega bem perto da menina e em frente ao seu rosto
fala em tom mais alto:
- A sua mãe é uma imbecil!
A menina fica cada vez mais assustada. E a professora segue
falando:
- Desfaça “isso” antes da aula de amanhã ou então...
(Enquanto fala, balança o relho perto do rosto da menina e
sacode com ele uma das tranças).
A professora é então interrompida por um “mas” verbalizado pela
menina. A professora muito irritada diz:
- Mas. . . você disse mas?!
3
“Matilda”
A professora está a arrumar o cabelo da aluna que lhe oferece
algumas flores, dizendo-lhe:
- Peguei estas flores para você, Senhorita H.
A professora lhe agradece com voz suave pela sua gentileza.
Levanta-se e, dirigindo-se a turma, fala:
- Agora escutem todos!
Os alunos já estão sentando-se em seus lugares, em pequenos
grupos, como percebemos pela disposição das mesas. Apresenta
uma nova aluna. Trás docemente a menina para perto de si e
continua a falar, dizendo o nome da menina novata.
Diz que gostaria que ela sentasse com Z” uma outra menina,
39
EUA, 1996, 95 min.
49
indicando-lhe o lugar apropriado. Relembra a turma de como
estavam assustados no primeiro dia de aula, então gostaria que
fossem gentis com matilda e fizessem ela se sentir bem vinda.
(Vai, então, encaminhando a menina ao grupo).
Pede a uma outra aluna que pegue o caderno de atividades para
ela. (A menina vai até uma prateleira da sala de aula). A
professora, sorrindo e olhando docemente para a menina diz a ela
que depois pode sentar-se.
4
“O Menino
Maluquinho
40
A professora está de costas para turma, começando a escrever no
quadro. Os alunos, que estão todos sentados, enfileirados em
classes uma a uma, começam a jogar bolinhas de papel.
A professora se vira e aí estão todos parados em silêncio. Observa-
os e diz: “Todo mundo corrigindo os exercícios!”.
Volta a escrever no quadro. Os alunos novamente jogam bolinhas
de papel uns nos outros.
De repente, ela se vira e olha para a turma.
Todos voltam a fazer silêncio.
Ao virar-se para o quadro de giz, percebe que os alunos
recomeçaram a jogar bolinhas. Desta vez, decidida, fala em tom
mais alto: “Ah! Chega! Chega! Prova escrita pra todo mundo!”
E ouve-se um sonoro “Aaahhhh...!” dos alunos.
Com as mãos na cintura, suspira profundamente.
5
“O Menino
Maluquinho
A professora caminha pelo fundo da sala enquanto os alunos
realizam uma tarefa em suas classes. Percebe que dois deles, um
menino e uma menina, estão cochichando. Caminha até eles,
inclina-se um pouco na direção deles e diz: “Peguei vocês
colando, heim!”
Os dois param de falar e olham para a professora. A turma inteira
os olha, espantados. E a professora continua: “Que coisa feia!” (E
fica sorrindo ironicamente).
Mas logo o menino responde: “Não tava colando, tia! tava
pesquisando!”
Todos caem na risada e voltam a escrever.
6
“Escola de
Rock”
41
O professor questiona a função de um cartaz em sala de aula onde
são assinaladas “estrelas” e “deméritos” a cada aluno. Descorda de
tais recursos, rasga o cartaz, diz que não terão mais provas, entre
outras coisas.
40
Menino Maluquinho - O Filme, Brasil, 1994, 83 min. Infantil. Direção: Helvécio Ratton
41
EUA, 2003, 108 min. Comédia. Direção: Richard Linklater
50
As cenas aqui descritas e o respectivo encontro em que foram assistidas pelo grupo
serão relacionados durante a descrição dos encontros, no item 2.3.
Buscando ser coerente com as orientações teóricas sobre a formação/realização de
grupos de conversação, procurei também criar, como disse, questões chaves e temáticas
relacionadas a cada uma delas para nortear a discussão dos encontros. A cada encontro era
desenvolvida uma questão através do planejamento do encontro, embora nas falas dos
alunos e alunas participantes da pesquisa temas diferenciados tenham surgido a qualquer
momento.
Apresento, abaixo, um quadro explicativo das questões norteadoras, dos temas
aprofundados por elas e dos focos observados em cada questão, assim como o encontro em
que foram discutidos.
Quadro 2
Questão-
chave
Temas
aprofundados
Focos de observação Encontros
1) Como se
parece um
professor/a?
- Imagem do
professor/a
- Aparência
- Vestimentas
- Seu “jeito”
- Atitudes em geral
*Concepções dos alunos e
alunas sobre como deve ser a
aparência de um professor e
suas atitudes em geral.
1,2 e 3
2) Como deve
ser chamado
um
professor/a?
- Termos usados
para designar um
professor/a
- Adequação dos
termos citados
*Termos utilizados pelos
alunos/as para designar um
professor/a
*Justificativas dadas para
empregar ou não determinadas
denominações
3 e 4
3) O que deve
saber um
professor/a?
- Conhecimentos
que devem
demonstrar
- Relação do seu
saber comparado
*Concepções dos alunos
relacionados ao saber docente:
conhecimentos que devem
possuir como sendo
fundamentais ao exercício de
4
51
ao de outras
pessoas
- Quem está
qualificado para
exercer a profissão
sua profissão.
4) Como agem
os
professores/as
em sua relação
com os
alunos?
- Relação
professor/aluno
- Atitudes “comuns”
dos professores em
relação aos alunos
- Atitudes dos
alunos em relação
aos professores
- A convivência de
sala de aula
- Diferentes “tipos”
de professores
*Concepções dos alunos sobre
a ação do professor em sala de
aula
*Caracterizações e sentidos
atribuídos às relações entre
professores e alunos
* Valorações e/ou julgamentos,
preferências e críticas dos
alunos/as sobre as atitudes dos
professores a partir do tipo de
relação estabelecida.
1 e 4
5) Como é a
vida do
professor/a
fora da escola?
- O professor e sua
convivência fora
da escola
- O professor e suas
vivências pessoais
* Percepções dos alunos sobre
as vivências pessoais dos
professores/as
* Relação entre a vida do
professor/a fora da escola e
dentro dela
5
A partir destes focos de observação e dos temas aprofundados, bem como através
das escolhas e encaminhamentos dados à pesquisa, foi possível operacionalizar os passos, e
planejar, desde a organização e formação do grupo de conversação até o desenvolvimento
de cada um dos encontros, como passo a tratar a seguir.
52
2.2 Passos planejados: organização e formação do grupo
Tendo definido o encaminhamento da pesquisa através do grupo de conversação,
precisava então constituí-lo. A proposta inicial era formar quatro grupos diferentes: um
com alunos de escola particular, outro de escola estadual, outro de escola municipal e ainda
um grupo misto que envolveria os alunos das diferentes redes. O local seria a própria escola
e para o grupo misto um outro local a ser combinado. Tinha consciência que este processo
demandaria tempo para sua execução e me pareceu mais prudente, como sugerido pela
banca, investir na formação de um grupo, misto, para que pudesse estabelecer certo
vínculo com os alunos e alunas envolvidos e uma relação de confiança entre nós. Além
disso, com a formação de um único grupo, o detalhamento das temáticas poderia ser maior,
abrindo espaço para diálogos e encontros mais qualificados.
Mas porque constituir um grupo de alunos e alunas? Porque ouvir suas concepções
acerca do sujeito professor/a? Talvez um pouco de minha trajetória docente conta desta
explicação, inicialmente.
Foi observando professores/as e alunos/as, suas práticas, suas vivências escolares,
nas escolas em que até hoje atuei
42
, que fui sendo atraída pelas falas que eram explicitadas.
42
Iniciei minha prática docente, formalmente, após concluir o curso de Magistério, em uma escola estadual
na cidade de Guaíba. permaneci por aproximadamente cinco anos e meio. Neste mesmo intervalo de
tempo, estive no primeiro ano lecionando também em uma escola rural da cidade de Eldorado do Sul. Depois
disso, sendo aprovada em concurso da prefeitura de Porto Alegre, exonerei-me do Estado e, em 2000,
comecei a lecionar em uma escola da rede pública municipal. Realidades distintas não pela localização,
mas também pela estrutura escolar (organização, avaliação, formas de participação), quantidade de alunos
(sendo a de Porto Alegre muito maior que a primeira) e nível sócio-econômico (a primeira, uma escola central
e a segunda, de periferia).
A flexibilidade faz parte da lógica do método
qualitativo [...], mas é importante demonstrar
[na condução da pesquisa] aonde o
pesquisador quer chegar. Daí a importância
de termos um ponto de partida.
(ZAGO, 2003, p.302)
53
Melhor dizendo, durante este tempo, escutei falas de alunos/as e professores/as que ficaram
sempre “ecoando” em mim, como que buscando compreensão.
Dentre essas falas, as que se referem à prática docente, mais especificamente as que
envolvem a relação professor-aluno, são as que me chamam maior atenção, pois, ou entram
em conflito com minhas concepções, causando-me estranhamento, ou me deixam encantada
pela espontaneidade que revelam e pelas formulações singulares que conseguem expressar.
Muitas vezes, ouvi questionamentos e posicionamentos dos alunos e alunas sobre
estas relações que são travadas, já que com alguns professores com quem tinham contato o
diálogo era praticamente impossível. Ou então, faziam comentários entre eles/as e meu
“ouvido” já direcionado a tais assuntos sempre fez questão de escutar o que diziam.
Delineada a possibilidade do desenvolvimento da pesquisa, com o ingresso no
mestrado, todas estas vivências tomaram corpo e se tornaram provocativas e instigantes ao
processo de investigação.
Além das questões relacionadas às vivências pessoais, destaco a importância de
ouvirmos o que alunas e alunas têm a dizer e a escassez de trabalhos nesta direção, como
referi na introdução do trabalho.
Sendo assim, optei por constituir um grupo de conversação onde os integrantes
fossem alunos e iniciei a busca pelos mesmos. Como constava no projeto, o contato com
os alunos/as deu-se diretamente nas escolas. Para mim estava bastante claro: onde mais
poderia encontrar vários alunos/as reunidos a não ser na escola? Qual o local privilegiado
para estabelecer contato que não a escola? Hoje, a partir da caminhada que aqui começo a
descrever, percebo que poderia ter problematizado mais esta questão e poderia ter
encontrado outras formas e soluções de contatos alternativos. Mas também estou
impregnada pela relação infância/ aluno/ escola e de alguma forma também tenho
naturalizada a idéia de aluno, enxergando naquele momento somente a escola como
possibilidade.
Defini, em função da organização do grupo e manutenção do mesmo, uma série
como referência para fazer o convite aos alunos e alunas nas escolas. Inicialmente, no
projeto de pesquisa, a série (ou ano-ciclo) seria a 5ª, por terem a experiência da docência
com professores especializados, ou seja, com aulas separadas por disciplinas e não estarem
muito distantes da vivência com professores/as unidocentes. Devido ao tempo
54
freqüentado por eles/as na escola e a diversidade de convívio com professores e professoras
unidocentes ou especializados e de diferentes áreas e disciplinas a discussão sobre os temas
propostos poderia ser mais rica. No entanto, devido ao adiamento do início do grupo (do
final de 2004 para o início do ano letivo seguinte, conforme justifico na seqüência), as
turmas envolvidas, ou melhor, os participantes da pesquisa foram os alunos/as de série,
sem que os objetivos iniciais da escolha por esta etapa da formação fossem comprometidos.
A busca por diferentes escolas teve o intuito de garantir um número significativo de
alunos/as e a diversidade entre eles, para que também as concepções e falas pudessem ser
diversificadas. A intenção era ter participantes oriundos das redes de ensino municipal,
estadual e particular de Porto Alegre, de forma a enriquecer o debate. No entanto, para que
o trabalho do grupo tivesse início, foi necessário constituí-lo somente com alunos/as da
rede blica, que dentre as escolas particulares contatadas nenhum aluno/a efetivamente
disponibilizou-se a participar.
O local para os encontros não poderia ser nenhuma das escolas onde os alunos/as
estudassem. Seria complicado optar por uma delas e não por outra. Além disso, falar de
professores/as dentro da própria escola, “cercados” pelo peso da instituição e não à vontade
o suficiente para se expressarem sem sermos interrompidos ou ouvidos por outros foram
motivos que levaram a optar pela realização dos encontros no NIUE (Núcleo de Integração
Universidade Escola da PROREXT/ UFRGS), no Planetário, onde o espaço era adequado
(com uma sala ampla disponibilizada, com segurança, silêncio e privacidade necessária ao
desenvolvimento das idéias, com cadeiras confortáveis e mesas grandes, onde poderiam
realizar a confecção de painéis, entre outras coisas). Além disso, estaria disponível para
utilização durante todas os dias previstos para realização dos encontros.
Definido o local, procurei entrar em contato com escolas que fossem próximas ao
Planetário ou, no caso das escolas municipais, que fosse necessário aos participantes
utilizar somente uma linha de ônibus para deslocar-se até lá e retornar para suas casas.
Como me vi premida pelos prazos e diante da impossibilidade de iniciar os contatos
com as escolas no final de 2004, pois as aulas já estavam por acabar e os aluno/as
envolvidos com as férias, decidimos, eu e minha orientadora, que o início do grupo ficaria
para o começo do ano letivo de 2005. Além disso, a manutenção do grupo seria prejudicada
se iniciasse antes, pois próximo ao final de 2004 o contato com os alunos/as através das
55
escolas seria inexistente e impediria o prolongamento de encontros, como acabou sendo
necessário.
Em fevereiro de 2005 comecei a ida às escolas, antes do início das aulas. Minha
intenção era estabelecer um primeiro contato com as escolas, apresentar-me às direções e
coordenações pedagógicas para que conhecessem a pesquisa. A partir disso, a escola
poderia estar aberta (ou não) à possibilidade de convite aos alunos para integrarem o grupo
de conversação.
Difícil tarefa, que se estendeu de março a abril. Ida às escolas sem encontrar
ninguém com quem pudesse conversar (mesmo sabendo que era um período onde as
direções deveriam estar presentes), tempo desperdiçado passando informações a pessoas
que não repassaram o contato às pessoas indicadas, “chás” de banco sem ser atendida e
tendo que voltar em outros dias, portas fechadas e seguranças surgindo ao meu redor. Além
disso, uma espécie de fobia, sinalizada pela diretora de uma determinada escola, que
parecia ter medo até mesmo de encostar no resumo de meu projeto
43
, não querendo nem
olhá-lo, nem manuseá-lo, muito menos lê-lo ou ficar com ele. Tive que insistir bastante
para que a supervisora, que não se encontrava, acolhesse o resumo para apreciá-lo em outro
momento.
Foi assim que comecei, procurando estabelecer contatos com duas escolas de cada
rede de ensino para garantir um número significativo de turmas, alunos/as e diversidade.
Quase todas fizeram a mesma combinação: deveria voltar a procurar a escola na
segunda semana de março, após o início das aulas, para que os alunos e alunas pudessem se
acomodar novamente à escola, para depois serem convidados a participar de um projeto que
se realizaria fora da instituição.
No início de março, uma grande frustração. A única boa recepção foi a da Escola
Particular A (ver quadro 4 no final do capítulo). Ao retornar após as férias escolares, as
pessoas que encontrei eram diferentes das que havia conversado inicialmente e nenhuma
delas havia falado sobre meu trabalho com as demais pessoas da escola. Muitas explicações
e conversas novamente se fizeram necessárias para que pudesse fazer o convite. E mais
43
Ia munida, para cada escola, de meu Projeto de Pesquisa (aprovado pelo PPGEDU) para que pudessem
manuseá-lo na íntegra, do resumo de meu projeto de dissertação (constando de 18 páginas, o qual poderia
ficar com a escola), de cópia do material que seria entregue aos alunos nas turmas para divulgação/convite aos
encontros (anexo 1) e de cópia do Termo de Consentimento Informado (anexo 2) que deveria ser assinado
pelos responsáveis.
56
atrasos nas datas previstas, pois era como se eu estivesse iniciando os contatos pela
primeira vez.
Quando retornava às escolas para fazer o convite aos alunos, geralmente a direção
ou a supervisão escolar me acompanhava até as salas de aula e me apresentava brevemente.
Em seguida eu falava. Dizia aos alunos/as que eu era uma aluna do mestrado da UFRGS e
lhes questionava sobre o que seria o mestrado. Alguns diziam saber, mas quando pedia que
dissessem, não falavam. Então comentava que era um curso que se pode fazer após a
faculdade e que neste curso temos que desenvolver uma pesquisa. E que esta pesquisa
precisa ter um tema, um assunto. Dizia a eles, então, qual era o tema da minha pesquisa.
Quando falava que seria sobre o que alunos e alunas pensam sobre professores e
professoras, logo olhavam para a professora ou professor presente em sala, e riam...
A minha apresentação foi praticamente a mesma em todas as escolas e por incrível
que pareça a reação dos alunos também. Após esta primeira apresentação, entregava a eles
um convite de participação (anexo 1), com uma breve explicação aos responsáveis de como
o trabalho seria desenvolvido, constando inclusive meu telefone para que pudessem entrar
em contato para esclarecerem qualquer dúvida.
Alguns alunos comentavam morar próximos ao Planetário ou terem ido lá.
Alguns diziam que gostariam de participar. Em mais de uma escola (tanto particular quanto
estadual) alunos me perguntaram se teriam que pagar alguma coisa...Fiquei bastante
surpresa e disse a eles que não, pois estavam contribuindo, ajudando em meu trabalho. Isso
provavelmente ocorreu por considerarem que estava oferecendo-lhes um curso. Percebi isso
quando retornei às escolas ou fiz ligações para os pais e eles diziam que era a moça do
curso da UFRGS ou “fui selecionado para o curso”.
Na escola particular A (primeira com que fiz contato), havia apenas uma turma de
sexta série, mas alimentei grandes expectativas devido à fala da diretora. Segundo ela, em
um de meus primeiros contatos com a escola, os alunos eram muito críticos, participativos e
acostumados a participarem de projetos. Mas o retorno que tive não foi exatamente este.
Nenhum aluno quis ou pode participar do grupo. Muitos desdenharam, riram,
demonstrando que realmente não havia interesse. Um menino, apenas, que havia dito que
gostaria de participar na primeira vez que fui à turma, olhou para mim sentido e como que
querendo me dar uma explicação, disse que não ia mais poder participar.
57
A decepção foi grande, mas continuei as tentativas. Árduo trabalho pela frente,
retomando contato com outras escolas particulares em um curto espaço de tempo. Da escola
particular D, já havia desistido e decidido que não iria retornar. Foi nesta escola que
cheguei apenas até o portão e fui atendida somente por guardas que me deram um pequeno
pedaço de papel com dois telefones para tentar agendar contato com alguém da supervisão.
Na escola particular C foi impossível dar continuidade ao contato e chegar até às
turmas, pois meus horários nunca coincidiam com a disponibilidade da escola.
Na escola particular B, no entanto, acreditei que daria tudo certo, pois contaria com
três turmas de série. Era impossível que ninguém quisesse participar. Mas foi possível!
Voltei à escola no dia combinado para fazer o convite aos alunos e tudo correu muito bem.
Acompanhada pela coordenadora pedagógica, entrei nas três turmas. Duas delas estavam
em aula de educação física conjunta”. Uma professora estava com as meninas das duas
turmas e
um professor com os meninos. A outra turma estava na sala de aula. O grupo de
meninas pareceu bastante interessado. Já os meninos foram me dizendo dos seus
compromissos, das participações em outros projetos (Parceiros Voluntários) e em times da
escola (que treinavam justamente nas quartas-feiras, dia proposto para os encontros do
grupo de conversação). A coordenadora da escola pediu aos alunos que devolvessem a
folha que distribuí a ela, no dia que ela estabeleceu, com o nome e telefone de quem
estivesse interessado em participar. Mesmo os que não quisessem participar deveriam
devolver a folha em branco. Quando voltei para buscar as folhas, como era de esperar,
todas elas estavam em branco. A coordenadora pedagógica, que desde o início mostrou-se
muito interessada, desculpou-se muito e disse que não entendia o que havia acontecido.
Disse que o projeto era muito bom e ela mesma tinha vontade de participar. Agradeci e
disse que imaginava isso pelo que alguns alunos haviam dito no próprio dia que passei
nas turmas. Neste momento, já sabia que seria impossível percorrer outras escolas
particulares e que meu trabalho sofreria uma perda importante. O enfoque passaria a ser os
alunos/as inseridos na rede pública sem a participação da particular, o que limitaria a
possibilidade de discussão e diversidade do grupo de alunos/as.
Felizmente, nas escolas estaduais tive muitos alunos interessados. Na escola
estadual A, a direção mandou que eu subisse diretamente para as salas e que os alunos
interessados se retirassem para que eu pudesse preencher a ficha com os dados de cada
58
interessado. Observei que muitos alunos e alunas vinham dar o nome no corredor para ter
uma desculpa para sair da sala. Sem que eu pudesse perceber, a professora da turma em que
eu estava saiu de repente da sala e passou por mim pelo corredor. Outros alunos começaram
a sair também. Perguntei o que havia acontecido. Alguns me disseram que ela havia ido até
à direção da escola para saber se eu realmente poderia estar ali. Fiquei preocupada e
constrangida, mas a orientação havia sido dada pela própria direção. Disse a eles que não
queria atrapalhar e algumas alunas me disseram que eu não ficasse chateada, pois aquela
professora era assim mesmo, por tudo criava um problema, uma confusão. Mesmo ali no
corredor da escola, já começavam a sinalizar algumas das coisas que conversaríamos em
nossos encontros, sobre as ações dos professores/as e modo de relacionarem-se com eles/as.
Pedi para voltarem para a sala de aula e que só ficassem ali os que realmente estavam
interessados. A professora acabou retornando, acompanhada da supervisora, e pude
concluir o preenchimento das fichas também na outra turma.
Na escola estadual B, assim como na outra escola, anotava o nome do aluno/a,
telefone para contato, endereço e o nome de um responsável daqueles que estavam
interessados em participar. Ali, a supervisora me acompanhou até as salas e eu ia passando
nas classes de cada aluno para anotar seus dados (anexo 3).
Na escola municipal A não encontrei ninguém da direção em meus primeiros
contatos. Como na escola municipal B havia seis turmas de primeiro ano do terceiro ciclo,
achei que contaria com um número significativo de participantes, manteria a diversidade de
turmas e ultrapassaria inclusive o número de alunos convidados em escolas estaduais.
Estava correta quanto ao número de participantes, mas não quanto à diversidade, devido ao
encaminhamento que se deu durante o convite aos alunos. Na primeira turma em que estive,
acompanhada pela supervisora, muitos alunos/as quiseram participar. Como eram muitos,
demorei um pouco a anotar os dados de todos. Nas próximas turmas, a supervisora achou
melhor que eu avisasse que estaria na biblioteca durante o recreio e que poderiam me
informar os dados, pois, assim, não atrapalharia as aulas, perdendo muito tempo...
Durante o período do recreio, poucos me procuraram. Na verdade, três. Outros
chegaram a espiar e pareciam ficar envergonhados, não vindo falar comigo. Cheguei a ir até
a porta, para que não esquecessem que eu estava ali, mas de nada adiantou. Passou-se mais
de uma hora até o momento do recreio, além de esquecerem, teriam outros bons
motivos
59
para não irem até a biblioteca, afinal, o recreio deve ser bem mais interessante do que falar
com uma estranha.
Após esta etapa, iniciei a seleção dos alunos. Antes mesmo que eu entrasse em
contato com eles, duas mães me telefonaram, pois os filhos estavam muito interessados e
seria a primeira vez que participariam de “algo deste tipo”. Participações realmente
importantes e significativas, como a de Larissa (que não faltou em nenhum dos encontros) e
de João, com contribuições sucintas, inteligentes e interessantes.
Procurei, primeiramente, entrar em contato com aqueles que percebi um interesse
maior. Por coincidência ou não, foram justamente estes os que participaram do grupo. Além
destes, entrei em contato com rios outros, mantendo um número de dez aluno/as das
escolas estaduais e dez da escola municipal. Liguei para casa de cada um deles, falei com
seus responsáveis e até com eles mesmos. Alguns ficavam muito contentes de saber que eu
realmente estava ligando. Mas também havia alguns que nem ao menos tinham comentado
em casa sobre o grupo. A estes dediquei especial atenção em longas conversas e mais de
uma ligação. Aos que disseram que poderiam participar, detalhei todo o processo que
seguiria e que aguardassem meu retorno na escola para entregar-lhes um envelope com um
convite “oficial”. Quanto aos que não demonstraram interesse, recorri a outro nome da lista
para manter o número estimado.
Para a entrega dos convites “oficiais”, organizei o material a ser entregue em
envelopes personalizados. Em cada um havia um convite (anexo 4), um termo de
consentimento informado (anexo 2), uma pequena orientação de como chegar ao Planetário
(anexo 5) e uma explicação aos pais sobre os encontros, semelhante àquela entregue no
primeiro contato com eles, mas detalhando a data dos encontros (anexo 6).
Fiquei impressionada com o contentamento deles! Vibravam a cada nome dito.
“Fomos escolhidos!”, diziam. Combinei com “os escolhidos” que ligaria novamente para
suas casas no início da semana do primeiro encontro, para lembrá-los. Nas ligações, falei
diretamente com muitos deles e obtive quatro desistências. Mesmo assim, estava confiante
quanto à participação dos demais.
No dia de nosso primeiro encontro estava bastante ansiosa. Apenas uma aluna
chegou no horário combinado. Outros começaram a chegar depois. Alguns com quase meia
hora de atraso. Após este horário, iniciamos o que havia planejado, mas dos vinte
60
convidados, somente oito compareceram. E foi com este número de alunos e alunas que
contei durante a totalidade dos encontros. Entre eles, uma aluna da Escola Estadual A, três
alunos da Escola Estadual B, dois alunos da Escola Municipal B e duas alunas da Escola
Municipal B.
No entanto, nem todos foram freqüentes a todos os encontros, como se observa no
quadro a seguir.
Quadro 3
- Relação dos alunos participantes na pesquisa
Aluno/a
Idade
Escola
Freqüência
Larissa
12
Escola Estadual A
Todos encontros
Diego
12
Escola Estadual B
1º, 4º e 5º
encontro
Bruno
12
Escola Estadual B
1º, 2º, 4º e 5º
encontro
João
11
Escola Estadual B
1º e 4º encontro
Carlos
13
Escola Municipal B
1º, 2º e 3º e 5º
encontro
Paula
12
Escola Municipal B
1º, 2º, 3º e 5º
encontro
Alice
12
Escola Municipal B
1º, 2º e 3º encontro
Rodrigo
12
Escola Municipal B
Todos encontros
No primeiro encontro, os oito alunos compareceram. No segundo, terceiro e quarto,
cinco alunos. Devido às faltas, achei que seria importante fazer mais um encontro. Neste
último, compareceram seis participantes. Vale destacar que apenas Larissa e Rodrigo
compareceram a todos os encontros. Os demais foram se alternando. Faltavam a um,
compareciam no outro e assim por diante.
Gostaria de comentar acerca da freqüência dos alunos/as participantes, que quando
compareceram estavam bastante motivados e eram participativos. Suas faltas ocorreram
61
não por desinteresse, mas por motivos alheios a sua vontade. O fator principal talvez tenha
sido a “pouca colaboração da natureza”, poderia assim dizer. Com exceção do primeiro
encontro, todos os outros dias estavam nublados, com fortes chuvas e até temporais. Alguns
chegaram a telefonar avisando que não poderiam comparecer por causa da chuva. No
terceiro encontro os alunos e alunas da Escola Municipal B chegaram completamente
molhados, pois foram surpreendidos por forte chuva na caminhada do ônibus até o
Planetário. Logicamente, no encontro seguinte (como o tempo também estava chuvoso)
suas mães não os deixaram ir, com exceção de Rodrigo.
A alternância na freqüência fez pensar que deveria retomar, de alguma forma,
alguns dos temas desenvolvidos. No entanto, percebi que tinha um material satisfatório e
bastante rico para análise e que não seria necessário lançar novas questões sobre os temas
discutidos, nem marcar um novo encontro do grupo, que remeteria ao problema inicial de
disponibilidade de tempo e horário para conseguir reuni-los novamente.
A audição atenta e a transcrição cuidadosa de todas as gravações, auxiliaram-me
nesta compreensão. Ouvi e transcrevi pessoalmente todas as fitas. Embora tenha
demandado tempo e muita atenção, a tarefa foi valorosa, pois aproximou-me cada vez mais
das falas de cada um, oportunidade em que pude rememorar expressões, gestos e
envolvimento dos participantes no momento da discussão. Após a transcrição de todas as
fitas, debrucei-me na análise do conteúdo das falas, lendo-as e relendo-as diversas vezes.
Durante a leitura, selecionei as falas que pareciam ser mais significativas e depois agrupei-
as por temáticas relacionadas às questões-chave propostas pela pesquisa e aos comentários
recorrentes, diferenciados e instigantes do grupo. A estas falas foram se unindo outras, que
com os recursos da informática, destaquei com uma cor diferente no texto transcrito para
que as falas selecionadas fossem sendo contextualizadas, num ir e vir constante. Assim,
pude também tecer comentários, que suscitaram idéias de títulos e diferentes relações sobre
o conteúdo das falas, procedimentos que auxiliaram enormemente a composição da
dissertação.
62
Quadro 4 - Relação das escolas procuradas para realização do convite aos alunos/as
Escola
Localização
(bairro)
Turnos de
funcionamento
Nº de alunos
Nº de
professores
Escola Particular A
Santana
*
*
*
Escola Particular B
Partenon
*
*
*
Escola Particular C
Santo Antônio
*
*
*
Escola Particular D
Rio Branco
*
*
*
Escola Estadual A
Santana
Manhã, tarde e
noite
532 (346 dia)
e 186 (noite)
50
Escola Estadual B
Santana
*
*
*
Escola Municipal A
Lomba do
Pinheiro
*
*
*
Escola Municipal B
Lomba do
Pinheiro
Manhã, tarde e
noite
1422
100
*
Estes campos encontram-se vazios pois não foi possível recolher estas informações devido a o
participação de alunos/as destas escolas no grupo de conversação, com exceção da Escola estadual
B, que não disponibilizou essas informações.
63
2.3 O que aconteceu: desenvolvimento e descrição dos encontros
Para a chegada dos participantes do grupo de conversação ao primeiro dia do
encontro, tudo teve que ser minuciosamente planejado. Desde o aviso aos seguranças do
Planetário sobre a atividade que estaria sendo desenvolvida, para o caso de alguma criança
não localizar a sala, até a preparação de um pequeno lanche para confraternizarmos ao final
do encontro. Preocupei-me, também, em oferecer um pequeno cartão ao final de cada
encontro, agradecendo as participações e presenças e relembrando a data do próximo
encontro (ver anexo 8).
À medida que cada participante chegava, recolhia o termo de consentimento
informado (anexo 2), anotava seu nome em uma lista de presenças e entregava um crachá
com o nome. Também fornecia o vale-transporte aos que precisassem, para retorno a suas
casas e para vinda ao próximo encontro.
Quando chegavam, o ambiente estava organizado para realização do encontro,
com as mesas e cadeiras dispostas de acordo com o que seria desenvolvido. Havia água e
balas para que pudessem servir-se durante o trabalho ou enquanto esperavam a chegada de
todos os participantes.
Iniciado o primeiro encontro, cada aluno/a fez uma breve apresentação pessoal,
dizendo seu nome, a idade e a escola de onde estava vindo. Fizemos algumas combinações
relacionadas ao funcionamento do grupo, quanto ao respeito à fala de cada um e a
importância de todas as falas. Comentei também sobre a gravação dos encontros e a função
do gravador e do observador
44
. Desde o início não pareceram acanhados com a presença do
44
Durante os encontros contei com o auxílio de um observador do grupo, que teve como função principal
anotar a seqüência dos participantes que falavam para que a transcrição das fitas fosse facilitada e pudesse
reconhecer as vozes de todos. Como o grupo era pequeno, aprendi a reconhecer, também, suas vozes nas
Um pesquisador
deve expor-se a seu objeto
mais do que o faz.
(RIBEIRO, 1999, p.191)
64
observador, tampouco com o gravador. Ao contrário, preocupavam-se de que suas falas
fossem registradas com qualidade. Em alguns momentos, até esqueciam que estávamos
gravando e houve momentos em que pediram para ouvir a gravação. No final de um dos
encontros, ficaram por algum tempo, enquanto comiam o lanche, ouvindo a gravação
atentamente, procurando identificar quem estava falando e o que dizia.
Algo interessante é o fato de me perguntarem, no decorrer dos encontros, sobre o
destino das gravações. Questionaram sobre quem iria ouvir as fitas e se alguém “lá do
colégio” iria ouvir. Relembrei que eu iria ouvir e que seus nomes não seriam
identificados. Tal aspecto, entretanto, foi uma espécie de paradoxo. Queriam poder dizer o
que quisessem, sem que professores e outros colegas soubessem quem disse. Mas, ao
mesmo tempo, queriam divulgar seus nomes em meu trabalho. Sabiam que eu iria escrever
sobre o que eles disseram, apresentar os trabalhos realizados por eles e que isto seria
mostrado a outras pessoas. Para estas pessoas gostariam e pareciam fazer questão de que
soubessem seus nomes (quem fez e disse cada idéia).
Para descontrair um pouco e integrar o grupo, propus uma atividade de interação
chamada “Entrevista Coletiva”. Cada aluno recebeu uma prancheta com as seguintes
questões anotadas:
Anote o nome de alguém que...
1) ... tenha a mesma idade:
2) ... goste da mesma matéria:
3) ...torça pelo mesmo time:
4) ...tenha a mesma comida preferida:
5) ... no tempo livre, goste de fazer a mesma coisa:
De posse da prancheta, deveriam identificar no grupo, participantes que
preenchessem os dados contidos na ficha e registrar seus nomes. Descobriram tais coisas
elaborando perguntas para cada item e realizando “entrevistas” uns com os outros. Desta
forma, descobriram quem teria preferências/características semelhantes as suas. Foi dado
gravações, apenas conferindo com a lista seqüencial. No último encontro não contamos com a presença do
observador.
65
um tempo de aproximadamente dez minutos para realizarem a entrevista, circulando dentro
do espaço combinado para fazerem as anotações. Também participei da atividade e foi
bastante interessante. Um pouco acanhados no princípio, mas também curiosos em
conversar uns com os outros. Ao final do tempo, todos sentaram em um círculo de cadeiras
e, espontaneamente, foram lendo suas fichas e, assim, fazendo ao mesmo tempo uma
apresentação de si e dos colegas registrados na ficha.
Concluidas as apresentações, sentamos no chão da sala formando um rculo. No
centro do círculo espalhei diversas figuras de homens e mulheres com características físicas
e expressões faciais/corporais diferenciadas (anexo 9). Pedi que observassem atentamente
as imagens e em seguida propus que cada um escolhesse, mentalmente, uma imagem que
poderia ser de um professor ou de uma professora. Feitas as escolhas, cada um a sua vez,
mostrou ao grupo a imagem escolhida e justificou a sua escolha (dizendo porque aquele/a
poderia ser um professor/a). Terminando cada fala, devolveram a imagem ao círculo e o
próximo a falar pode ser quem tivesse escolhido a mesma imagem comentada. Ninguém
escolheu a mesma imagem e é interessante destacar que as escolhas basearam-se
principalmente na semelhança com a aparência de alguns de seus professores/as atuais ou
com os quais já conviveram.
Depois de todos terem falado, procuramos lembrar quais as imagens que foram
escolhidas e fui retirando-as do círculo. Observamos, então, quais as que não foram
escolhidas. A proposta era voltar ao círculo de cadeiras, mas preferiram ficar sentados no
chão e assim aconteceu.
Começamos a analisar cada imagem e a questão principal era “Por que estes/as o
poderiam ser professores ou professoras? Como o número de gravuras era grande em
relação ao número de pessoas do grupo, algumas imagens simplesmente não foram
escolhidas no primeiro momento, mas concordavam que poderiam ser professores/as. Mas
havia outras que, realmente, segundo eles, não poderiam ser escolhidas e outras, ainda, que
geraram posicionamentos divergentes. Durante a análise das figuras, além da questão
principal, provocava a discussão fazendo algumas outras perguntas, tais como: “O que tem
nessa imagem para não ter sido escolhida? O que falta nela? Por que um professor/a não
poderia ser assim? Podemos identificar se uma pessoa é professor/a pela sua aparência?
Existem algumas características físicas que sejam comuns entre os professores/as? Como
66
são os professores/as que vocês têm ou tiveram? Que tipos de roupa usam? Quais as
cores dessas roupas?” As perguntas foram lançadas nos momentos que pareceram mais
oportunos e algumas formuladas em função da discussão.
Pensava em propor, neste mesmo dia, uma outra atividade, ainda sobre aparência de
professor/a, mas não houve tempo. A discussão sobre as imagens se estendeu bastante e os
alunos e alunas não restringiram a discussão somente a comentar cada imagem , mas muito
além disso. Comentaram sobre o jeito de seus professores quanto à aparência, sobre a
maneira de se relacionarem, os costumes/manias deles/as, as diferenças entre os sexos e
idades, o que tornou este primeiro encontro muito rico não pelas informações trazidas,
mas também pelo nível de discussão/ confronto de idéias que estabeleceram.
No segundo encontro, como comentei anteriormente, não contei com a presença de
todos e o atraso na chegada dos alunos e alunas foi grande devido ao tempo chuvoso.
Assim, limitamo-nos a realizar apenas uma atividade, que se estendeu durante todo o
encontro. Aliás, quase não tiveram tempo de concluí-la, pois dedicaram-se
minuciosamente. Tratava-se da confecção de um painel. Cada grupo transformou dois
contornos humanos desenhados em papel pardo um professor e uma professora,
desenhando, recortando e colando coisas e escrevendo atributos no painel. Para definir os
grupo, cada aluno/a sorteou um papel com a indicação professor ou professora. Reuniram-
se com os que haviam sorteado a mesma indicação, definindo desta maneira o grupo no
qual participaram e o sexo que tiveram de representar no painel.
Os comentários e interação durante a confecção dos painéis foram bastante
interessantes e como um grupo estava bem próximo um do outro, acabavam interferindo e
manifestando opiniões antes mesmo de concluída a atividade.
No encontro seguinte, os aluno/as que haviam participado da confecção dos painéis,
expuseram os desenhos aos outros, comentando o que fizeram, como foram
combinando/executando a montagem e o que acharam do resultado. Depois da fala do
grupo, os demais puderam também manifestar opiniões e questionamentos ao grupo.
Analisamos, ao final, através de rodada de opiniões, as imagens que foram construídas.
Depois disso, convidei-os a assistir uma cena do filme “O Menino Maluquinho”
(cena 5), pedindo que observassem, principalmente, como o menino do filme se referia à
67
professora. Iniciei, após a temática aparência, uma segunda temática principal: a designação
de professores e professoras.
Após os primeiros comentários sobre a cena, pedi que cada participante escrevesse
em uma folha de papel, individualmente, como cada um costuma se referir às suas
professoras e professores. Depois de escreverem, cada um foi mostrando ao grupo seu
papel e comentando o que havia escrito. Depois, fui explorando as diferentes maneiras dos
alunos/as designarem os professores/as expressas por eles e questionando-os: Quais as
maneiras de se referir ou de chamar um professor/a que mais apareceram? Quais as outras
maneiras que vocês conhecem? (e aqui incluí a discussão sobre os termos “senhor/a” ou
“tu”) Quais as mais adequadas? Existem maneiras que vocês acreditam não serem
adequadas? Por que?
No encontro seguinte, como havia alunos e alunas que não participaram do encontro
anterior, resolvi exibir novamente a cena 5 para que pudessem rapidamente fazer algum
comentário. Em seguida, passamos a assistir mais duas cenas (2 e 6). Na cena 2, do filme
“Matilda”, a professora conversa com uma aluna no pátio da escola fazendo insultos a ela.
Na cena 6, do filme “Escola de Rock, um professor se apresenta aos alunos/as e faz
algumas mudanças em relação aos hábitos que mantinham, sendo inclusive questionado por
alguns deles/as. Estas cenas
45
foram apresentadas com a intenção de provocar a discussão
sobre a temática “Conhecimentos” dos professores e professoras. Ouvi as primeiras
impressões e comentários sobre as cenas e propus que pensassem e discutissem através de
alguns questionamentos que formulei, tais como: Na cena da menina... o que a professora
disse sobre a menina e a mãe dela? O que vocês acharam disso? E no segundo filme? O que
o professor fala em relação ao conhecimento dos alunos? O que acharam da atitude dele? O
que vocês pensam sobre o conhecimento que deve ter um professor ou uma professora?
Professor pode errar ou tem que saber tudo? Se vocês perguntam alguma coisa para um
professor/a e ele/a não sabe responder o que acontece/ o que vocês pensam? Já ocorreram
situações assim com vocês? Lembram de algum caso? Qualquer pessoa pode ser
professor/a? Quem pode e quem não pode ensinar?
A discussão sobre estas questões acabou acontecendo menos em função do
conhecimento dos professores/as e mais sobre a relação que estabelecem com os alunos/as,
45
A descrição mais detalhada das cenas encontra-se no Quadro 1.
68
através das atitudes e encaminhamentos dados em aula em algumas situações que envolvem
o conhecimento.
Esgotada a discussão, propus a seguinte dinâmica: cada aluno recebeu uma folha de
papel onde, de um lado, havia uma margem cor de laranja e, no outro, uma margem azul.
No lado laranja, escreveriam coisas que causam alegria na sua relação com os
professores/as. No verso (lado azul), escreveriam coisas que causam tristeza na sua relação
com os professores/as. Depois de escreverem, fizemos uma rodada onde cada um falou das
alegrias e depois uma outra onde cada um falou sobre as tristezas. Interessante perceber que
muitas vezes o que causava a alegria era a inexistência da relação, ou seja, a ausência/falta
do professor, entre outros aspectos que foram analisados e encontram-se na terceira parte
desta dissertação.
Recolhi o material e propus uma pausa para o lanche, mas preferiram deixar o
lanche para o final como nos outros dias, e continuarmos as discussões. Perguntei se não
ficaria muito cansativo, mas disseram que estava bom e poderíamos continuar. Quiseram
saber ainda o que faríamos e disse que assistiríamos mais algumas cenas de filmes e
faríamos ainda um outro trabalho em grupo e diferente dos que havíamos feito. Ficaram
ainda mais curiosos e com muito comprometimento decidiram realmente continuar.
Assistimos, então, a três cenas de filmes (cenas 1, 4 e 3) onde a relação entre
professores e alunos se dava de diferentes formas. Na cena 1, do filme “A língua das
mariposas”, o professor tenta explicar algo aos alunos que não lhe dão atenção. Na cena 4,
do filme O Menino Maluquinho”, enquanto a professora escreve no quadro, os alunos e
alunas jogam bolinhas de papel entre eles/as. E na cena 3, do filme “Matilda”, uma outra
professora aparece, conversando com sua turma de maneira gentil e apresentando-lhes uma
aluna novata. Durante as cenas
46
, fizeram comentários, deram risadas e manifestaram
reações por gestos e expressões faciais. Resolvemos assistir mais de uma vez a estas cenas
para que pudessem perceber detalhes que íamos comentando. As questões principais para o
desenrolar da discussão foram: O que as cenas mostram? O que acham de cada uma? Como
cada professor/a das cenas reagia frente a seus alunos? Como agiam os alunos/as?
Poderiam ser cenas reais de escola? Quais se aproximam mais de suas vivências? O que
elas fizeram vocês lembrar/ pensar?
46
Também melhor descritas no Quadro 1.
69
Após os comentários sobre as cenas, questionamentos e discussão trazidas por eles,
propus que ficassem pensando sobre como os professores e professoras agem em sua
relação com os alunos e alunas: como são, o que fazem, como é a aula, etc.
Logo em seguida, pedi que se dividissem em dois grupos e combinassem uma
pequena encenação de um professor/a com seus alunos/as. Dado um tempo para
organização da apresentação, cada grupo apresentou-se aos demais. O trio composto por
João, Diego e Bruno resolveu apresentar três diferentes cenas. Cada um, a sua vez,
representou um professor. O outro grupo preferiu apresentar uma única cena tendo Larissa
como professora.
Muitas risadas e expressões atentas durante as encenações. O mais interessante
foram as improvisações. Enquanto um representava o professor, todos os outros eram
alunos. Desta maneira, sem que esperassem, o aluno/a que representava o professor fazia
comentários e dava respostas em função da ação deles, sem que tivessem combinado isso
antes. Acabadas as encenações, refletimos um pouco sobre as apresentações: o que
acharam, o que concordam, o que não concordam...
Em nosso último encontro, conseguimos realizar práticas interessantes e amesmo
uma conversa entre os que estavam presentes. Propus que pensassem um pouco sobre o
professor/a fora da escola: como ele é, como é sua vida, seus sentimentos. Disse a eles que
fiquei pensando muito sobre esse assunto e gostaria de saber a opinião deles. Além dos
comentários que fizeram a partir disso, pedi que desenhassem um professor ou uma
professora fora da escola. Quando acabaram, comentamos o que cada um havia feito.
Em seguida, propus que cada um sorteasse uma frase a ser completada
posteriormente. Cada um, a sua vez, sorteou uma frase, leu para os outros que deveriam
pensar numa resposta e anotar, para depois socializarem o que haviam escrito,
estabelecendo-se um debate. As frases eram as seguintes, por ordem de sorteio:
Minha turma não gosta quando um professor ou professora...
Meus colegas gostariam que os professores ou professoras fossem...
Ser professor/a não é...
Eu gosto muito quando um professor ou professora...
Ser professor/a é...
70
Em seguida, após comentarmos as respostas, realizei a última proposta de atividade
de nossos encontros. Pedi que pensassem nas idéias que discutimos durante nossos
encontros e escrevessem um pequeno texto sobre: “Se eu fosse professor/a, eu seria assim
com meus alunos/as”. Após a escrita, fizeram a leitura e novos comentários.
Como era nosso último encontro, perguntei se eles teriam alguma coisa a dizer que
não tiveram a oportunidade de falar durante os outros encontros. Como disseram que não,
trouxe o lanche. Enquanto comiam, surgiu uma questão: o que realmente eu fazia ou iria
fazer dali em diante. Algumas outras vezes haviam perguntado se eu fazia sempre estes
grupos, este tipo de trabalho. Ou então, se eu estudava ou no que iria trabalhar depois de
concluir o meu trabalho/curso. Mas nunca disse a eles realmente que também era
professora. Muito menos que agora era vice-diretora! Começamos a conversar sobre isso, e
como era o último encontro, lhes contei um pouco sobre mim. Ficaram muito espantados
em saber que eu era professora. O aluno Diego chegava a estar “de queixo caído”! Mas
acredito que o espanto não tenha sido em função do conteúdo de nossos encontros, pelo que
haviam dito sobre professores/as para uma professora. Mas, ao contrário disso, acredito que
o espanto se deveu à forma como nos relacionamos durante os encontros. Talvez um
paradoxo em relação às cenas descritas por eles/as. Por fim, me disseram que achavam isto
muito legal. E, segundo Diego e Bruno, eu deveria ser uma professora bem legal! E Larissa,
complementando, disse que gostaria de ser minha aluna. quiseram detalhes: onde era a
escola, qual a matéria e tudo mais. Abraços e beijos ao saírem e uma saudade que bateu ao
escrever estas linhas.
71
Imagem 1 – Painel com o desenho de uma professora confeccionado no 2º encontro
72
3. O que dizem os alunos e alunas: relações entre o vivido e seus desejos
As falas dos alunos e alunas participantes da pesquisa constituem-se como foco
principal para análise de suas concepções sobre o sujeito professor/a. O que dizem ao longo
dos encontros possibilita compreender seus pontos de vista acerca dos diferentes temas
propostos sobre o sujeito professor/a. Estas concepções apresentam uma estreita relação
entre o que vivenciam nas escolas em que até hoje estudaram e seus desejos de como
algumas coisas poderiam ser.
Durante os encontros com o grupo de participantes desta pesquisa, alguns aspectos
de suas falas foram se tornando recorrentes e caracterizando os debates acerca do tema.
Aquilo que iam dizendo, traziam das experiências de convívio escolar com os professores e
professoras que têm ou tiveram. Assim, relacionam o sujeito professor abstrato com os
professores reais, as ações concretas com as possíveis, aquilo que é vivido com o que
poderia ser, abrindo espaço para seus desejos e imaginação. Os pontos de vista não são
únicos. Divergem e convergem. Algumas vezes se encontram e em outras se repelem.
Possibilitam fazer algumas contrastações mais gerais, dando atenção àqueles aspectos de
maior incidência, para depois examinar cada uma das temáticas.
Um aspecto interessante é a intensa relação que os alunos e alunas estabelecem
entre o que contróem idealmente como “sujeito” professor/a e os “sujeitos” professores/as
os quais convivem. Nas escolhas das gravuras que poderiam ser de professores/as, dinâmica
realizada durante o primeiro encontro, sempre justificam a escolha de determinada figura
devido a alguma semelhança (geralmente física) com um professor ou professora atual ou
que tiveram. Mesmo com minha insistência, quase impertinente, de que poderiam falar
aquilo que pensam e não escolher os/as que fossem parecidos/as com determinado/a
professor/a, eles insistiam em fazer relações concretas. Mais do que compreensível! Que
parâmetros poderiam usar em suas opções e justificativas se não aqueles semelhantes aos
O cotidiano escolar se abre feito um leque de
possibilidades, nos permitindo vivenciar vários
pontos de vista, vários pontos de escuta e vários
pontos de encontro (PORTO, 2002, p.99).
73
que conhecem e convivem? Sendo assim, em sua grande maioria, as imagens estiveram
relacionadas com seus professores/as.
Os professores e professoras que surgiam em suas falas, que geraram lembranças e
comentários, são tanto os que mais gostavam (ou gostam) quanto os que menos gostavam,
destacando-se em um outro aspecto interessante: o que aparece nas falas é, geralmente, o
extremo. O pior e o melhor professor/a, o/a velho/a e o novo/a, o/a legal e o/a chato/a.
Geralmente o “muuuito” legal e o “muuuito” chato.
Quando os comentários não foram dirigidos a comparações ou fatos relacionados a
seus professores/as, apareceu a possibilidade imaginativa e o desejo. Questionados sobre
quem poderia
47
ser professor/a e quem não poderia, escolheram também aqueles/as que
gostariam que fossem seus professores/as, evocando os mais variados motivos: a beleza, a
simpatia, “cara de ser legal”...
Durante o segundo encontro, o grupo que fez o desenho (painel) da professora
48
(fig. 1), retratou e descreveu a professora que “adorariam” ter. Ao mostrar o painel aos
demais, Paula iniciou dizendo: “O nome dela é Gabriela, né! Ela é show...Como eu vou
dizer...Ela é show de bola! Ela é muito legal... E se ela fosse minha professora, eu ia adorar
ela!”.
Algumas das características principais dessa professora, segundo a descrição oral
feita pelo grupo: calma, simpática, carinhosa, tranqüila, amorosa, adorável, bondosa,
romântica, “explicativa”
49
e linda. Tem que estar “na moda”, usar materiais como caneta,
errorex
50
, estojo, borracha. Tal professora lecionaria matemática, o que me pareceu
interessante, pois muitos professores/as acreditam que os alunos/as consideram o
professor/a de matemática como sendo sempre o ruim e que ninguém gosta dele/a e os
alunos da pesquisa elegeram a disciplina de matemática para representar um professor, ou
melhor, uma professora, que gostariam de ter. Parecem justamente indicar que se há
47
Durante a dinâmica da escolha das imagens que poderiam ou não ser de professores/as, realizada durante o
primeiro encontro.
48
Relativo à dinâmica em que deveriam transformar contornos humanos em um professor ou uma professora,
de acordo com o grupo em que estavam.
49
Durante a elaboração do painel, a aluna Alice decide escrever que a professora “explica bem”. Mas queria
encontrar uma forma de expressar através de uma única palavra. Me pergunta como poderia dizer e me
explica, dizendo: “Por exemplo... tem uma professora lá... que é meio louca, mas explica tudo quantas vezes
precisar!”. Disse a ela que poderia escrever assim mesmo como estava me explicando. Mas não se convenceu.
Pensando, encontrou a fórmula: explicativa!
50
Para se referir a corretivo líquido.
74
problemas com os professores/as “reais” desta disciplina, um outro perfil é possível,
colocando em seu lugar a professora ideal desejada e criada através do painel.
É interessante perceber algumas palavras que vão utilizando espontaneamente, para
se referir às professoras e professores, antes mesmo de serem questionados sobre esta
temática. Daí surgem os comuns “sora”, “sor”, “prof”. E os mais cruéis: “megera”, “bruxa”
para designar as professoras de quem não gostam. Mesmo quando dizem não gostar de um
determinado professor (gênero masculino) não aparecem estes termos mais estereotipados
ou fantasiosos. A bruxa está mesmo associada à mulher. Para os homens ficam os termos:
“velhos”, “rabugentos”, “chatos”.
O estilo de professora
51
(e aqui não conseguem descrever o estilo do professor
embora o façam nas representações dos desenhos e em algumas falas como analisarei
adiante) e as características mais recorrentes para ser uma professora ou ao menos para
suspeitarmos se determinada pessoa é professora são as seguintes: interessada, dedicada,
simples e que “use cabelo curto”. Fazem muitos comentários de que a maioria das
professoras usa cabelo curto, embora tenham identificado várias imagens de mulheres de
cabelos longos que gostariam de ter como professoras. Até mesmo a professora desenhada
pelo grupo no painel confeccionado no encontro apresentava longos cabelos, cacheados
(porque era mais fácil de fazer!) e pretos (porque é mais legal!). E não posso esquecer do
detalhe, como destacou a Paula: “E ela tem mechas também, tu viu?Larissa achou que
tinha ficado já... “meio assim”
52
. Mas os outros dizem que estava bom, “tá tri”, como disse
a Alice!
Estilos aprovados bem semelhantes aos modelos e padrões atuais. A coisas que
também elas/es como meninas e meninos, crianças adolescendo, gostariam de ver em si
mesmos. Os acessórios também explicitam isso
53
. Coisas típicas de sala de aula que mais
gostam de usar/ter (pasta, livros, “errorex”, caneta) ou que em seus professores/as
utilizando (bolsa tipo pasta, caderno de chamada), são relacionados aos acessórios
utilizados pelos professores/as.
51
Definido principalmente na dinâmica de análise das figuras que poderiam ser de professores/as, durante o
primeiro encontro.
52
Usa essa expressão para dizer que não estava muito bom, que poderia estar um pouco exagerado.
53
A definição dos acessórios, surge, principalmente, durante a elaboração e relato oral sobre o painel de
professor e professora confeccionado por eles/as no segundo e terceiro encontro.
75
Não são poucas as qualidades mencionadas que relacionam-se ao afeto, assim como
não foram poucas as vezes em que referiram ser importante para um professor ou
professora ter calma e tranqüilidade. Ser tranqüilo/a é mencionado correspondendo ao seu
contrário (que para eles/as é uma das piores coisas), ser irritado. O/A professor/a que grita,
xinga, infelizmente é o que mais aparece nas falas dos alunos/as da pesquisa. Mesmo que
vejamos sinalizados alguns indicativos de mudanças, sabemos, assim como Perrenoud, que
“[...] na maior parte das escolas, hoje como ontem, a pedagogia não é diferenciada, os
métodos não são activos, não se trabalha por projetos, não se negocia grande coisa com os
alunos” (1995, p.19).
Não é para menos que mesmo vivendo um momento onde as indisciplinas dos
alunos/as passam a ser alvo de comentários e de preocupação por parte dos professores/as,
como se ninguém mais conseguisse “dar aula” ou que a autoridade docente estivesse
esfacelada, os participantes desta pesquisa trazem dados de que a relação entre
professores/as e alunos/as ainda se reveste de gritos, ofensas e desmandos. Esmurram
mesas, não se pode virar para o lado, passam textos enormes no quadro. E assim, parecem
muito estressados ou “loucas” e “histéricas”, como chegaram a dizer. E não é? Talvez por
isso Bruno tenha feito o comentário de que professor/a “tem que ter educação
54
...” (4EN).
até tristeza a fala de João (4EN), quando questionado sobre o que lhe causa alegria na
relação com os/as professores/as
55
, ele responde: “Conversar com a gente”. Tristeza porque
parece uma coisa tão óbvia, de que precisamos conversar com os/as alunos/as, fazer
combinações, negociar. E ele coloca isso como uma coisa rara... Rara porque ocorre pouco
e ao mesmo tempo porque é tão preciosa...
A fala da Larissa durante discussão realizada no quarto encontro em torno das
alegrias e tristezas na relação com os professores/as, insere-se neste contexto, da falta de
diálogo: “Tem umas que entram e já saem copiando e nem dão bom dia pra gente!” (4EN).
Será por isso que o Bruno lembrou que é preciso ter educação? Ou será que a questão é que
nem todos entenderam ou tem ciência do que diz Paulo Freire, que o “trabalho do professor
é o trabalho do professor com os alunos e não do professor consigo mesmo”? (1996, p.71).
54
Durante dinâmica realizada no quarto encontro, onde deveria completar a frase “Ser professor/a é...”.
55
Durante dinâmica também do quarto encontro, quando escreveram e relataram o que lhes causava alegria
ou tristeza na relação com os professores e professoras.
76
Todas estas relações, feitas pelos participantes do grupo de conversação, entre os
professores/as que têm e os que gostariam de ter, os comentários sobre como se parecem,
como agem, se são “chatos” ou “legais” e a relação que com eles/as estabelecem indicam
algumas de suas concepções sobre o sujeito professor/a. Sobre este sujeito, fazem também
inferências de como imaginam ser sua vida, seu salário, sua profissão. Distingüem
diferenças e os/as caracterizam segundo o local de trabalho em que estão inseridos, entre
outras coisas. Sobre cada um destes aspectos, segundo as temáticas e focos de observação
escolhidos, desenvolvo os tópicos seguintes.
77
Imagem 2 – Painel com o desenho de um professor confeccionado no 2º encontro
78
3.1 Sobre táticas e manias: o modo de agir dos/as professores/as
Durante os encontros do grupo e através das dinâmicas que foram oportunizadas, as
diferentes temáticas sobre o sujeito professor/a foram sendo discutidas. O modo como os
participantes do grupo entendem a ão dos professores e professoras aparece em quase
todos os encontros, relatando exemplos desde a primeira discussão. No entanto, as falas
sobre o modo de agir dos professores, concentram-se, principalmente, no desenvolvimento
do primeiro, quarto e quinto encontro.
Quando conversávamos sobre as cenas dos filmes apresentadas no quarto encontro,
um comentário de Bruno me pareceu especialmente sugestivo. A cena comentada foi
evocada pelo excerto do filme “A língua das Mariposas”
56
. Na cena, o professor, sem
conseguir a atenção da turma em sua explicação e após pedir-lhes várias vezes por silêncio,
usando até mesmo uma régua para bater na mesa, caminha até a janela da sala de aula e ali
fica a suspirar. Olha para os alunos e não diz mais nada. Apenas fica parado, suspirando.
Um dos alunos o observa e mostrando aos outros como estava o professor, todos começam
a fazer silêncio. A partir desta ação do professor, Bruno manifesta-se: “O ‘véio’ tem a
tática!”. Questionei o uso do termo. Vocês acham que ele usa uma tática? E foram me
explicando... “É... porque o guri fica olhando e sente pena dele”, disse Larissa. E Bruno
completou: “É... mais foi um aluno que ficou olhando. E foi falando pros outros”. “Ele foi
contando...”, diz ainda Larissa.
A ação do professor do filme é entendida pelos alunos do grupo (pois os outros
acabam concordando) como algo premeditado. Faz que está triste, fica calado, suspirando,
para que os alunos tenham pena e façam o silêncio que deseja. Por isso é uma tática.
56
Descrição da cena apresentada no Quadro 1.
[...] trabalhamos com gente concreta, alunos e
alunas que mudam, reagem e exigem de nós
reações, condutas, esforços.
(ARROYO, 2004, p.174).
79
O diálogo do grupo fez evocar Certeau (1996), quando fala sobre estratégias e
táticas
57
. As duas palavras correspondem a práticas, trilhas e ações. A tática como uma ação
que se vale da situação vivida em um dado momento e as estratégias como modos de lidar
com as diferentes situações utilizando-se das regras e tradições, com maior tempo para ser
calculada. Utilizarei estes dois termos para tecer comentários sobre as falas dos alunos/as
sobre o modo de agir dos professores, entendendo que muito nos valemos em educação, em
nossa relação com os/as alunos/as, dessas práticas.
Professores e professoras utilizam estratégias para ensinar, para organizar o
planejamento, para realizar a avaliação dos alunos e alunas, mas também para lidar com
eles/as. Criam estratégias (ou até táticas!) para conseguir dar conta das intempéries do
cotidiano em sala de aula. Segundo Arroyo (2004) as professoras e os professores
licenciados com os quais trabalhou em sua pesquisa lamentaram que em sua formação a
ênfase nos conteúdos e nas metodologias secundarizou e ignorou o saber sobre os
educandos. Professores/as recém chegados às escolas, recém formados ou estagiários,
reagem aos conflitos cotidianos tendo como base apenas a capacidade de improvisação e a
astúcia, como dizia acima. Ficam, muitas vezes, sem ação. Choram, se desesperam,
paralisam. Alguns desistem. Outros continuam lutando para transformar/redefinir a imagem
que traziam sobre a docência. Outros confessam o quanto repudiam esta convivência. E
muitos professores, “veteranos” na profissão, tomam igualmente estes choques’. Velhas
condutas e pensamentos não dão conta de novas ações e maneiras de entender as coisas...
Do professor/a espera-se a tomada de decisões: que escolha, julgue, avalie,
argumente, enfrente problemas. Corra riscos e para isso utilize de seus conhecimentos e
experiências anteriores. Espera-se, ainda, que o professor/a “tenha à mão, quase sempre, os
meios de ensino e de avaliação mais convenientes” (PERRENOUD, 2001, p.83) e para
tanto se utiliza, como refere o próprio autor, de estratégias.
57
Por tática ele entende a ação calculada, que opera golpe por golpe, lance por lance. Aproveita as ocasiões e
delas depende. Seria também a astúcia. O “movimento dentro do campo de visão do inimigo e no espaço por
ele controlado” (p.100). Semelhante à tática, mas um pouco mais calculada talvez, vem o termo estratégia.
Para Certeau (1996), estratégias são combinações sutis, “navegam entre as regras, jogam com todas as
possibilidades oferecidas pelas tradições, usam esta de preferência àquela [...] não aplicam princípios ou
regras mas escolhem entre elas o repertório de suas operações” (p121).
80
Mas também os alunos/as necessitam de artimanhas’, de mecanismos de ação para
conviverem na escola. Também eles precisam usar suas “armas”... De acordo com
Perrenoud (1995),
os alunos partilham - com os prisioneiros, os militares, alguns
indivíduos internados ou os trabalhadores mais desqualificados- a
condição daqueles que não têm, para se defenderem contra o poder da
instituição e dos seus chefes diretos, mais nenhum outros meios que
não sejam a astúcia, a subserviência, o fingimento. (p.17)
Os participantes Rodrigo e Larissa relataram três situações
58
de sala de aula que
demonstram algumas destas “astúcias”, relativas às ausências momentâneas do/a
professor/a e ao comportamento esperado:
“É assim, ó... Todo mundo fazendo guerrinha. Ficam dois na escada vigiando. a sora...
a diretora vem e olha o que aconteceu e todo mundo senta... Tem dois minutos pra juntar
todas bolinhas de papel”. (Rodrigo, 4EN)
“Eles tavam bagunçando, mas quando a professora olhava eles ficavam bem quietinhos.
Eram uns anjinhos...” (Larissa, 4EN)
Tais astúcias também aparecem quando se referem às exigências do professor/a:
“Fez uma fila de quem não acabou o trabalho e deixa um monte na frente dela. Não pode
fazer nada. Daqui a pouco deixei a borracha cair no chão e ela perguntou o que
aconteceu. Eu disse ‘tô amarrando os tênis’” (Rodrigo, 4EN).
Na fala de Rodrigo percebe-se que aprendeu a dar respostas que são aceitas pelo
professor/a. Deixar a borracha cair no chão pode indicar que é desatento ou que está muito
inquieto sem deter-se no trabalho que deveria estar fazendo. No entanto, abaixar-se para
amarrar os tênis é um comportamento tolerado.
58
Evocadas a partir da discussão sobre as cenas de filmes apresentadas durante o quarto encontro.
81
Também relatam que criam estratégias para lidar com as diferentes situações, com a
rotina das instituições e com os modos de cada professor/a. Muitas dessas práticas criadas
correspondem a estratégias, mas também a uma cultura
59
que faz parte da própria
instituição escolar. A cultura escolar define não o lugar da instituição, mas também o
papel do/a aluno/a e do/a professor/a. Tanto o sujeito professor/a quanto o sujeito aluno/a
estão imersos nesta cultura que os constitui e que ajudam a constituir, seja perpetuando-a
ou modificando-a. Como destaca Gómez, “participar y vivir una cultura supone
reiterpretala, reproducirla tanto como transformala” (1999., p.17).
Desta maneira, a relação que se estabelece, ao longo dos anos, entre
professores/as e alunos/as vai sendo construída historicamente, definindo e sendo definida
como cultura escolar.
Segundo Julia (2001) podemos descrever a cultura escolar
como um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e
condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a
transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses
comportamentos; normas e práticas coordenadas a finalidades que podem
variar segundo as épocas [...]. Normas e práticas não podem ser
analisadas sem se levar em conta o corpo profissional dos agentes que
são chamados a obedecer a essas ordens. (p.10)
Professores e alunos são esses agentes chamados a “obedecer ordens” nesse
conjunto de práticas e normas que vão sendo transmitidas nas escolas. Forquin (1993),
define ainda esta cultura escolar como “o conjunto dos conteúdos cognitivos e simbólicos
que, selecionados, organizados, ‘normalizados’, ‘rotinizados’, sob o efeito dos imperativos
de didatização, constituem habitualmente o objeto de uma transmissão deliberada no
contexto das escolas” (p.167).
59
Entendo o termo cultura, assim como sugere Pesavento (2004), “como um conjunto de significados
partilhados e construídos pelos homens para explicar o mundo” (p.15) ou, ainda, complementando, como un
conjunto de conocimientos y de valores que no es objeto de ninguna enseãnza específica y que, sin embargo,
todos los miembros de uma comunidad conocen” (GÓMEZ, 1999, p.13).
82
As situações de ensino, o modo de agir, a circulação no espaço da escola, entre
outras coisas, demonstram esta cultura em que professores/as e alunos/as estão inseridos,
que regula tal instituição e que pode ser percebida desde o modo como os alunos devem
responder a cada professor ou às questões das provas, até a situações que cada aluno espera
que aconteçam a cada dia: colocar a data no caderno, copiar do quadro, fazer uma
“folhinha”. Estas coisas são, de alguma forma, expressões do entendimento que têm do que
deva acontecer na escola, do que seja uma aula, do que seja um professor. Alguns chegam a
dizer “Quando é que vai começar a aula, heim?”, aos professores que procuram
desenvolver atividades diferenciadas.
Poderíamos nos perguntar, então, como os alunos/as se movem em uma cultura
escolar que é “fuerte, portentosa, llena de medos y medios, antigua y disciplinadora ?
(OYARZÚN et al, 2001 apud CORREA, 2002, p.17). Mas é esta mesma cultura que ensina
ao aluno a como lidar com ela.
Existem algumas aprendizagens que favorecem o funcionamento da instituição
escolar e que, embora reais e necessárias, não fazem parte de objetivos formais/oficiais de
ensino. Remeto-me a algumas dessas aprendizagens, relacionadas por Eggleton (1977 apud
Perrenoud 1995) e destaco que na escola aprende-se: a ‘viver na multidão’, a ser vigiado, a
isolar-se, a matar o tempo, a esperar, a acostumar-se ao aborrecimento, a ter paciência, a
submeter-se à avaliação do outro, a satisfazer expectativas, a viver numa sociedade
hierarquizada e estratificada, a controlar, influenciar. Aprende-se, portanto, uma relação
com o tempo e com os espaços, com as regras e com os saberes.
Alunos e alunas desenvolvem, portanto, aprendizagens frente à rotina da instituição,
relacionadas, também, a como devem lidar com os diversos modos de agir de cada
professor. É neste lugar que o aluno, como sugere Perrenoud (1995),
rapidamente se apercebe que, sobre um pano de fundo bastante constante,
as variações são essenciais: para determinado professor, o aluno tem o
direito de se enganar, de comunicar, de tomar iniciativas, de rir, de
negociar um trabalho; para outro, só tem o direito de se calar e de
executar o trabalho sem hesitar... (p.202)
83
E ainda podemos dizer que no decorrer da vida escolar, o aluno/a, todos os anos,
além de se adaptar às exigências de novos professores e de novos programas deve, ainda,
“adaptar-se [...] à cultura de um novo grupo, [...] a um novo estilo de autoridade, a um novo
gênero de actividades e de trabalho escolar” (PERRENOUD, 1995, p.65).
O modo de agir de cada professor vai revelando aos alunos/as vários aspectos sobre
sua personalidade. Revela também que sua ação corresponde a regras instituídas, de acordo
com a cultura escolar, mas também a ações por impulso. Esta mesma cultura, “dominada
pela prática solitária de sala de aula, de cada docente em sua disciplina e sua turma”
(ARROYO, 2004, p.183) força, de alguma maneira, a tecer práticas emergenciais. O
professor é levado, muitas vezes, a “agir na urgência”
60
do dia-a-dia e a “decidir na
incerteza”
61
. Mas o fato é que é preciso agir, nem que para isso a ação corresponda a não
fazer nada.
Mesmo diante de tantas complexidades, os/as professores/as vão acumulando
competências (práticas e/ou teóricas) que os auxiliam a agir mesmo sem ter tudo
previamente calculado. Vão deixando transparecer ou esboçando características que se
tornam comuns a muitos docentes, que agradam ou desagradam os grupos de alunos/as com
os quais trabalham.
Ao discutirem sobre as figuras que poderiam ser de professores e professoras
62
, o
grupo de alunos/as da pesquisa identificou algumas características que fazem parte do
modo de agir do professor/a e outras ainda, que sendo menos recorrentes, lhes agradariam
muito se mais professores/as assim se apresentassem.
Fizeram lembrar a frase “Professor não tem que mostrar muito os dentes”
63
, quando,
por exemplo, as falas de Paula referiram-se à expressão dos/as professores/as: “Tá muito
sorridente! ... Pra professora é sorridente demais!”. Questionei se não poderia, então, uma
60
Para Perrenoud (2001), agir na urgência é “agir sem ter tempo para pensar e, ainda menos, de pesar
longamente os prós e os contras, de consultar obras de referência, de buscar conselhos, de adiar a ação para
identificar melhor os parâmetros da situação e considerar melhor as diversas possibilidades” (p.15).
61
Para o mesmo autor, decidir na incerteza significa “decidir quando a razão ordenaria não decidir, significa
decidir como se estivéssemos jogando pôquer [...] pois não dados nem modelos da realidade disponíveis
para permitir calcular com uma certa certeza o que aconteceria se...” (2001,p.16).
62
Em dinâmica realizada no primeiro encontro.
63
A frase citada acima refere-se a um dos estranhamentos advindos de minha prática sobre as falas relativas à
prática docente, conforme destaquei na segunda parte deste trabalho.
84
professora ser sorridente, e ela disse: “Poderia... porque daí não vai tipo... ‘soltar os
cachorro’ em nós!” E ainda completou: “Eu gostaria!. Mais de uma assim...” (Paula, 1EN).
Comentam que a maioria não é sorridente, mas excluem as figuras de pessoas que
mostram fisionomias carrancudas ou, como dizem, com “cara de braba”, embora relatem
que há muitas assim:
“Tem que ver ... Tem umas que parecem umas bruxas! Tem que ver o que fazem” (Alice,
1EN).
“Cada dragão!” [...] Tipo a ... (cita o nome)... se tivesse uma foto dela aí... bah!" (Rodrigo,
1EN).
“A minha [professora] de história pra começar...” (Pamela, 1EN).
“A minha [professora] de artes...” (Paula, 1EN).
Outras características citadas são: ser “bem interessadapara poder dar aula, como
disse Paula no primeiro encontro; “saber ler e se dedicar muito”
64
(Carlos, 3EN); “tem que
saber ensinar”
65
(João, 4EN); “ser intelectual
66
(Bruno, 5EN), não pode falar
gritando...”
67
(Bruno, 4EN); “[...]tem que ter calma, saber explicar bem, não sair gritando
com os alunos. Tem professor que nem dá ‘Bom dia’!”
68
(Paula, 3EN).
Os professores unidocentes
69
precisariam ainda mais: “Tem que ter mais calma
ainda!” (Larissa, 4EN). “E mais conhecimento!” (Bruno, 4EN). Mas Diego deixou no
grupo a reflexão sobre isso, dizendo: “Nem tanto... porque ela fica mais tempo com os
alunos” (Diego, 4EN).
Além das características acima, sugeriram que poderia entrar e estar na profissão
70
:
“Quem tem bastante estudo...” (João, 4EN)
“Quem é inteligente” (Diego, 4EN).
64
Em conversa durante a apreciação dos painéis confeccionados, referindo-se às características atribuídas
professor que desenharam no painel.
65
Sobre discussão acerca de quais os conhecimentos necessários a prática do professor/a.
66
Durante dinâmica do quinto encontro, completando a frase “Ser professor/a é...”.
67
Também sobre a discussão a cerca dos conhecimentos de um professor/ª
68
Evocação de vivências durante a apreciação e apresentação dos painéis por eles/as confeccionados.
69
As falas aqui apresentadas sobre os professores unidocentes, referem-se a dinâmica de análise das cenas de
filmes apresentadas no quarto encontro, referentes ao conhecimento dos professores/as.
70
Falas também referentes aa discussão sobre os conhecimentos dos professores/as.
85
Como citado nas falas dos/as participantes, uma característica apreciada é a calma,
“porque tem professoras que gritam...” (Alice, 1EN). E como estes gritos são freqüentes ou
muito altos, parecem, quando o fazem, muito loucas:
“Tem professoras que gritam... são muito loucas... muito histéricas! E essa daí [se
referindo à figura] tem jeito de ser muito má!”
71
(Alice, 1EN)
A figura analisada
72
por eles naquele momento (anexo 9) era a de uma mulher loira,
jovem e que chegava a debruçar o corpo para frente enquanto gritava “como louca”. Sobre
isso, Larissa analisou:
“Professora grita com aluno. Parece um pouco com essa aí. Mas não tanto como tá aí! Aí
já é muita coisa!” (1EN).
João, entretanto, lembrou de uma história e deixou o grupo em dúvida:
“Mas... teve uma professora do ano passado, ... que a gente tava na sala fazendo
bagunça... ela entrou, ... foi até o final... daí ela começou a gritar ‘Ahhhh....seu
bando de loucos!’ Não sei o que... ‘Eu vou sair dessa sala!’ E saiu!” (1EN)
Depois da fala dele, vários casos começaram a surgir e todos queriam contar ao
mesmo tempo. Foram relatando várias situações em que o professor ou professora saía
correndo, gritava, xingava os alunos. Eram tantos casos e muitos onde os/as alunos/as
provocavam ainda mais a “ira” dos/as professores, que acabavam todos a dar risadas dos
casos relatados. Arroyo (2004) percebe que os alunos/as apresentam “novas imagens, [são]
novos sujeitos que começam a falar, sem medo de falar suas linguagens” (p.50) E
identifica, ainda, que “os mestres também mudaram e falam outras linguagens”.
Frente aos relatos dos participantes da pesquisa, cabe indagar: será que os alunos
perceberam que mudamos? Até que ponto mudamos? Estamos, ainda, querendo deixar
transparecer o modelo de professor que conta de tudo, que tudo sabe e quer saber, que
71
Comentando sobre a figura de uma mulher, durante a dinâmica de análise das figuras que poderiam ser de
professores/as, no primeiro encontro.
72
Em dinâmica referida na nota anterior.
86
não permite nada e quando desobedecido vira um louco furioso? Professores e professoras
precisam mostrar o que são, mas podem ser muito mais do que “loucos” e “histéricas”.
Como sugere Arroyo (2004), não podemos ter medo de lhes revelar nossos medos,
frustrações, esperanças, pois assim poderemos reinventar entendimentos e convívios de
pessoas reais.
Nos casos relatados pelos alunos e alunas do grupo de conversação, eles percebem
que algumas ações dos professores/as são geradas a partir das situações em que se vêem
envolvidos e outras estão “arraigadas” às suas crenças, praticamente incorporadas por
eles/as, sem que sobre essas condutas se faça alguma reflexão, parecendo aos participantes
desta pesquisa, muitas vezes, sem sentido. As primeiras corresponderiam ao que chamei de
estratégias ou “táticas” e as segundas, às manias, aos “vícios”.
3.1.1 “Vamos fazer prova agora!”
A escola possui seu ritmo. Os professores e as professoras tentam se adequar a ele
ou até modificá-lo. As campainhas tocam, os professores entram e saem. Cada um dando a
sua aula, cumprindo e estabelecendo tarefas. E os alunos? um momento para pensar em
cada disciplina, em cada assunto. Passado o tempo correspondente a cada período, soa uma
campainha. É hora de pensar em um outro assunto. Mas sabemos que o pensamento não
funciona com hora marcada! Entretanto, na escola os pensamentos devem sim aparecer nas
horas certas. E, tanto alunos/as quanto professores/as, cansam, muitas vezes, desse tempo
fragmentado.
Como assinala Perrenoud (1995), “é verdade que alguns professores fazem esforços
consideráveis para variarem as situações e as tarefas, para criarem um efeito de surpresa,
para inserirem as operações de rotina num quadro de problemas novos. Mas nem todos os
professores se dão a tanto trabalho” (p.69). Precisam recorrer às táticas ou estratégias, além
dos rituais costumeiros, para assegurarem a ordem da turma quando o interesse dos
alunos/as anda bem longe dali. Por exemplo, quando “bateu” para matemática e o
pensamento ainda está na educação física, ou quando é preciso escrever uma redação e o
desenho de artes ainda não está pronto. Ou ainda, quando o assunto é geografia, o mundo,
87
mas o interesse está logo ali, no recreio que vai chegar! E então, surgem falas como a
rememorada por João
73
:
“Tinha uma professora que a gente se virava e ela dizia: vamos fazer prova agora...!”
(4EN)
Segundo Bruno, nem todas fazem isso. “Tem umas que só ameaçam!”
74
(4EN).
Estes são apenas alguns dos “recursos” utilizados. Os participantes da pesquisa
citaram outros relacionados à postura do professor/a ao aguardar silêncio/atenção.Bruno,
novamente, trouxe uma situação, ao imitar a fala de uma professora
75
:
“Pô, gente! Tô querendo dar a minha aula aqui! falei pra parar e pronto! Vou passar
um texto aqui’. Aí ela passa lá e acaba o período”. (4EN)
A professora citada por Bruno fica todo período passando um texto no quadro... E
há casos onde o professor toma uma atitude quase alheia aos alunos/as enquanto espera que
fiquem quietos. Esta professora é vista com “bons olhos”, pois faz surtir o resultado
esperado em curto espaço de tempo. Interessante observar a conversação que se estabeleceu
no grupo
76
, quando comentaram sobre a maneira de agir do professor de educação física de
alguns dos meninos. É importante lembrar que não se trata de qualquer disciplina, mas de
educação física, citada por eles como “a melhor matéria” e cujo tempo é precioso para
desenvolver as atividades de que tanto gostam!
“Podia ser que nem o que fiz. Fica parado, esperando, tomando um chimarrão...” (Diego,
4EN)
“Tá. Ele fica esperando e aí?” (Pesquisadora)
“Aí todo mundo pára quieto e fica olhando pra ele”. (Diego)
“Tá Diego, mas...” (Larissa)
“Ficam esperando pra sair pra educação física”. (Bruno)
73
Em diálogo sobre como os professores/as agem, a partir da observação das cenas de filmes apresentadas no
quarto encontro.
74
Idem a nota anterior.
75
Durante dinâmica de representação de cenas de alunos/as e professores/as, realizada no quarto encontro.
76
Após a apresentação das dramatizações de cenas de alunos/as e professores/as, em dinâmica do quarto
encontro.
88
“Enquanto a gente não para....” (João)
Já quando o assunto é outra disciplina, a mesma “tática” pode não funcionar...
“E quando não é educação física, como a de artes, por exemplo...” (Pesquisadora)
“Aí ninguém cala a boca, né!” (João)
“Ninguém vai sair...” (Diego).
Os alunos e alunas do grupo observam, ainda, uma outra estratégia de alguns
professores/as. Eles/as modificam sua conduta frente à turma diante de outras pessoas, tais
como pais ou os próprios colegas da escola. Mudam seu jeito, parecendo mais amáveis,
pois, segundo eles/as, os/as professores/as têm medo, como aparece no diálogo abaixo
77
:
“Quando as mães tão juntas é legal. Ficam bem queridinhas...” (Fala imitando o jeito
como as professoras falam perto das mães). (Paula, 5EN)
“Porque tem medo!” (Carlos)
“Como assim?” (Pesquisadora)
“Quando fica com medo muda!” (Carlos).
“Medo de que? O que muda?” (Pesquisadora)
“A professora furiosa na sala. Chega alguém ela muda. Parece até que tudo bem...
Tem medo!” (Carlos)
“Do quê?” (Pesquisadora)
Das mães que fazem barraco, que alguém, descubra como elas são com os alunos”.
(Carlos)
Carlos acredita que a mudança de comportamento dos professores/as seja em
decorrência do medo que sentem. Segundo as falas, o medo teria origem em dois fatores
distintos: de que poderiam ser descobertos/as por alguém, revelando, verdadeiramente,
como agem com os alunos ou por causa das mães “que fazem barraco”. A primeira cena,
para quem circula em escolas ou guarde lembranças de seus tempos de aluno/a, é
facilmente identificável. Quem nunca viu uma professora ou professor aos gritos e quando
passamos ao lado ou vê alguém diferente, sorri e começa a falar manso? Mas o segundo
77
Durante o último encontro, quando comentavam os desenhos feitos de professores/as fora da escola. Na
discussão, os participantes de escola estadual não se manifestam.
89
fator não diz respeito somente ao modo como professores/as e alunos/as se relacionam, o
que é motivo de preocupação nas escolas municipais. A fala de Paula é ainda mais
explícita do que a de Carlos:
“Tem uma professora lá que quase apanhou de uma mãe!” (Paula, 5EN)
Infelizmente, registros de casos até noticiados pela imprensa, aqui mesmo em
Porto Alegre, de professoras que chegaram a ser realmente agredidas por mães de
alunos/as, não verbalmente, mas fisicamente, por motivos infundados ou não. A
comunicação entre escola e pais sempre foi um tanto ruidosa, sofrendo ingerências de
diferentes ordens. Perrenoud (1995) observa que
na mais participativa das escolas, os professores e os pais encontram-
se, na melhor das hipóteses, uma dezena de vezes no decurso de um
ano escolar, muitas vezes em circunstâncias que só permitem uma
conversa superficial. E mesmo que as comunicações escritas ou
telefônicas sejam mais freqüentes, não se podem comparar com a
densidade de comunicações que se estabelecem através da criança.
(p.89)
Segundo o autor, “é através deles [dos alunos] que a família e a escola se
comunicam, por vezes contra a vontade ou sem o saberem” (Ibid, p.91). Mas além dos
alunos/as, as mensagens podem ser transmitidas por terceiros e com a maior rapidez. E pais
que dificilmente viriam até à escola, aparecem num piscar de olhos, como posso observar
em minha prática. E assim, informações podem ser esquecidas ou interpretadas de
diferentes formas, sem que haja o tempo necessário para esclarecimentos e acordos. As
ações (e reações) em decorrência dessa dificuldade de comunicação, entre pais e
professores/as, nem sempre são coerentes, fazendo com que cada um utilize as táticas que
possui.
Além das táticas e estratégias observadas pelos integrantes do grupo de conversação
e apresentadas até aqui, uma outra característica define o modo de agir dos professores/as:
90
as manias. São “vícios” ou costumes que, embora nem sempre apresentem nexo e relação
com as aprendizagens dos alunos/as (sejam elas cognitivas ou sociais), acabam sendo um
dos aspectos marcantes na convivência de alunos/as e professores/as, conforme as falas dos
participantes desta pesquisa.
3.1.2 “Silêncio! Senta direito! Põe a cortina pra dentro!”
Cada professor/a têm o seu jeito, sua maneira de ser/agir e interagir com os
alunos/as. Mas, segundo os/as participantes da pesquisa, alguns professores/as também têm
suas manias, coisas que precisam ser feitas “daquele” jeito, porque “eles/as assim as
querem”. “É que tem professora que é cheia de mania!”, disse João
78
. E aos alunos e alunas
resta se adaptarem a esses diferentes modos, pois, como o próprio João completou: “E daí
se não faz o que ela fala...” (1EN).
Essas “manias” e práticas dos professores/as começaram a ser lembradas e relatadas
no grupo a partir dessa frase de João, sendo evocadas também em outros encontros,
desencadeando uma seqüência de exemplos de como vêem a ação dos professores/as em
aula. A primeira mania citada foi sobre as cortinas da sala de aula...
“Se a gente coloca a cortina pra baixo da janela, ela fica falando que vai amassar...”
(João)
“Que vai sujar!” (Larissa)
“Que pode estragar!” (Paula)
“Que vai molhar!” (Alice)
“E mandam a gente levar pra casa pra lavar.” (Paula)
“Não! Nós não!” (Larissa)
“Ela fala, mas não manda...” (Alice)
Sobre estas falas, cheguei a brincar com eles se todos tinham a mesma professora,
pois todos comentavam a mesma coisa. O caso da cortina é exemplar. Muitas vezes os
78
Durante conversa sobre as figuras que estavam sendo analisadas em dinâmica do primeiro encontro.
91
professores/as podem centrar-se em aspectos que em nada contribuem para o
desenvolvimento das aulas. Tais atitudes, no entanto, demandam tempo da aula e
desgastam a relação, gerando descontentamento tanto de professores/as como de alunos/as.
Também nestas falas, reapareceu uma outra característica já citada, a de fazer
ameaças...
Depois da cortina, começaram a falar sobre como devem sentar em aula:
“Aquele negócio assim... que os professores não deixam sentar...tipo assim...pro lado
(Diego)
“Tem que ficar reta...” (Larissa)
“E espelho de classe
79
...” (Alice)
“E sem olhar pra trás. E ai que dê um ‘piu’ ainda!” (Larissa)
E sobre como devem “controlar seus corpos”:
“E não pode mascar chicletes!” (João, 1EN)
“Não dá pra comer nada...” (Larissa, 1EN)
“A gente tem que agüentar até a hora de ir no banheiro” (Alice, 3EN)
“E se a gente demora ela vai atrás pra procurar!” (Paula, 3EN)
80
Penso, assim como Arroyo (2004), que tal como estas falas podem indicar, “[...]
suas lembranças de hoje serão muito parecidas com as nossas de ontem. [...] O que de
diferente é que fica cada dia mais difícil silenciar, controlar ou ignorar seus corpos
(p.123). O autor comenta ainda que em sua pesquisa começava perguntando (a grupos de
professores) pelas lembranças que guardam sobre o trato dado a nossos próprios corpos na
escola e, “entre as lembranças mais fortes estão as filas, o silêncio, tantos tempos sentados
79
Sobre o “espelho de classe” todos os comentários feitos remetem a mesma opinião: eles/as odeiam esta
forma de organização da sala de aula! No espelho de classe, os/as professores/as decidem, sem consultar os
alunos/as, onde cada um deve sentar, elaboram um registro/mapa escrito dos lugares e o fixam sobre a mesa
ou quadro de giz para que cada professor/a possa observa-lo. Alem disso, as mesas ficam dispostas,
geralmente, em filas individuais (que eles/as consideram “muito mais chato”).
80
As duas últimas falas não foram citadas na seqüência do mesmo encontro, como as falas anteriores. Mesmo
tratando-se da mesma temática, surgiram a partir de dinâmica do terceiro encontro, quando comentavam os
painéis confeccionados no encontro anterior.
92
nas carteiras, sem movimento, as falas dos professores: ‘cala a boca’, fiquem quietos’[...]”
(p.122).
Durante as encenações
81
que cada um fez sobre um/a professor/a com seus
alunos/as, novamente a questão corporal aparece, relacionada ao controle, ao modo como
devem sentar e portar-se, sem interferir nas decisões do/a professor/a ou opinar sobre o que
ocorre em aula. Na encenação de João isto ficou bastante evidente:
“A sora de história... é muuuito chata. Senta direito, guri! Não é assim! Do outro lado! Não
entende o que a gente fala!’ [Fica imitando o jeito dela. Pára e observa os alunos com
cara de brabo. Larissa começa a rir e logo ele fala] ‘E tu! O que está rindo?! rindo do
que? Não mandei tu rir! ... E tu, fica virado pra frente! Isso mesmo. E tira esse pé. Tira
esse pé!!!’ [Fala bem alto, irritado. Alguém tenta dizer alguma coisa] ‘Fica na tua!’. ‘Não te
mete’. ‘E tu, cala a boca tu também! Vira pra frente!” (João, 4EN)
casos em que o professor/a não permite nem que levantem das classes, como na
fala de Paula
82
:
“A professora de ciências, ela diz assim, ó...E quem precisa apontar lápis ou jogar
qualquer coisa no lixo... é pra fazer tudo , ó. Botar tudo no canto da mesa, ela diz”.
(1EN)
Entendo esta dificuldade em considerar o corpo dos/as alunos/as e suas
manifestações, relacionada a duas outras questões: a atividade do aluno na escola deve ser
apenas o trabalho intelectual e quanto mais “espaço” é dado às manifestações orais e
corporais dos/as alunos/as, maior risco corre o professor/a de “perder o domínio” sobre a
turma. Citando Arroyo (2004), procuro explicitar um pouco melhor estas duas questões:
Reconhecer essa dimensão básica da condição humana, a corporeidade,
não é fácil no universo escolar e docente. Se conseguíssemos que
81
Dinâmica realizada durante o quarto encontro.
82
Evocada no primeiro encontro, em dinâmica de observação de figuras que poderiam ser de professores/as.
93
deixassem seus corpos na entrada das escolas e se abrissem as nossas
lições como mentes incorpóreas, seria bem mais fácil nossa docência”
(p.128). E ainda, “quanto mais as crianças, os adolescentes ou jovens
aprenderem a liberdade mais tenso será o ofício de ensiná-los e formá-
los. (p.48)
Uma última “mania” citada pelos/as alunos/as, a do “silêncio”, relaciona-se também
ao grau de liberdade que lhes é oferecido e a recorrência da fala “Cala a boca!” nas
rememorações do grupo sobre a relação com os professores/as. Sobre o “silêncio”,
podemos identificar diferentes questões nas falas e cenas trazidas pelos alunos/as e refletir
sobre distintos aspectos, os quais proponho: “a conversa” dos alunos/as em aula, o silêncio
que também é necessário, o problema da comunicação (ou a falta dela) e a fala do
professor/a.
De acordo com a cultura escolar, a maior parte do tempo em sala de aula é destinada
ao trabalho individual dos alunos e alunas e este deve ser feito em silêncio. Para Perrenoud
(1995), “qualquer outra comunicação entre os alunos é, pois, ilícita. Em caso-limite, ela
pode ser tolerada se for discreta, caso contrário, é sancionada ou, pelo menos, interrompida
por uma intervenção do professor” (p.35). Portanto, “é aquilo a que os professores chamam
a conversa, que estigmatizam quando toma proporções exageradas” (p.176), conforme os
próprios participantes da pesquisa observam e podemos perceber pelas falas a seguir:
“Ele pegava...! Não podia olhar pros lados, não pode perguntar nada...” (Paula, 1EN)
83
“Não pra agüentar. Não pra falar nada. Tudo é ‘senta direito!’. Chama a diretora
todo dia”. (Larissa, 4EN)
“E ainda manda calar a boca!” (Larissa, 4EN)
84
“Lá no colégio também. Fui pedir uma borracha e ela ‘Vira pra frente e cala essa boca,
guri!” (Rodrigo, 4EN)
85
83
Rememorando uma de suas professoras a partir de uma figura observada em dinâmica do primeiro
encontro.
84
As duas falas citadas de Larissa, referem-se ao relato sobre sua professora de história, a partir da encenação
realizada no quarto encontro.
85
A fala de Rodrigo surge a partir da fala anterior de Larissa sobre sua professora.
94
Segundo Rodrigo, mesmo separando as mesas ou fazendo “espelho de classe”, a
conversa continua: “Não adianta nada. Todo mundo incomoda do mesmo jeito!” (4EN).
Podemos entender a fala de Rodrigo através das palavras de Perrenoud (1995). Mesmo com
intervenções freqüentes e das mais diferentes formas por parte dos/as professores/as os
alunos/as continuam conversando, ou como diz Rodrigo, “incomodando”, pois
saber ensinar é, provavelmente, [...] saber [entre outras coisas] que os
alunos têm o direito a vivências e a comunicações privadas, inclusive
mesmo quando estas comunicações estão fora do tema, são frívolas ou
totalmente anódinas, em relação à aula de matemática ou de gramática
que está a decorrer. (p.177)
Mas como o próprio autor sugere, “isto é mais fácil de dizer do que assumir na
prática...” (Ibid, p.177), em algumas situações o silêncio é necessário, não só na escola, mas
em outros locais onde haja atividade intelectual. O trabalho de aprender ou produzir
conhecimento é um trabalho diferenciado. Não se aprende na escola, mas também fora
dela. Aprende-se em grupo, mas também individualmente. Aprende-se sentado/a na sala de
aula, mas também na biblioteca ou até em um “cantinho” do pátio! Uma certa solidão,
distância ou mesmo liberdade, fazem-se necessárias.
Certa vez, em um trabalho de criação de peças teatrais que propus a uma turma de
alunos/as na qual lecionava, as mais ricas produções surgiram dos ensaios atrás de um dos
prédios da escola, afastados dos outros, embaixo de árvores e com liberdade para gritar ou
fazer silêncio. Exige-se, muitas vezes, que os alunos/as façam silêncio enquanto o próprio
ambiente em que estão inseridos não propicia estas condições. E então, “pede-se ao aluno
para abstrair da agitação e do barulho que o cercam, para refletir, aprender, avançar nas
tarefas, responder às solicitações do professor...” (Ibid., p.180).
Assim como o silêncio é necessário em algumas situações, a comunicação em aula
também é. E retornamos a uma questão levantada: “Se a escola desse aos alunos
muitas ocasiões para se comunicarem, logo, para argumentarem (ROULET, 1985), estaria
simultaneamente a dar-lhes espaço, importância, poder...” (PERRENOUD, 1995, p.173).
Sendo assim, a própria organização da escola não favorece a comunicação.
95
E quando refiro a comunicação, não falo somente das conversas entre os alunos/as,
mas também do professor/a com os seus alunos/as. Esta necessidade foi explicitada por
Larissa ao grupo quando estavam relatando casos de difícil convivência com os
professores/as
86
: “Mas eu acho assim, ó... se é culpa do professor e do aluno, teriam que
sentar e conversar...” (1EN). A resposta que recebeu de Paula foi ainda mais sugestiva:
“Mas ele não sabe o que que é conversa!”
A comunicação, o diálogo, ou a conversa (como por eles/as é chamada) “entre
professoras ou professores e alunos ou alunas não os torna iguais, mas marca a posição
democrática entre eles ou elas” (FREIRE, 1992, p.117). Empregando ainda as palavras de
Freire (Ibid), o diálogo ou a conversa inexiste tanto no “espontaneísmo” como no “todo-
poderosismo” do professor ou da professora. Em tais práticas, ocorre o que disse Paula,
“não se sabe o que é conversa” e o diálogo se torna impossível. Ao questioná-los sobre
como seriam se fossem professores/as
87
, Larissa demonstrou novamente o quanto valoriza o
diálogo na relação com os professores/as:
“Eu seria calma, explicaria bem, não gritava com os meus alunos, conversava com calma
com eles, civilizadamente. [...] Deixava eles conversarem depois da explicação e das
atividades”. (05EN)
De acordo com Sacristán (2003) os possíveis usos da palavra oral estão submetidos
a regras que são muito estritas nos ambientes escolares, ao ficar sobre o domínio do
professor/a. Os professores/as têm, na escola, “o monopólio da palavra legítima”
(PERRENOUD, 1995, p.179). Eles são, de acordo com a cultura escolar, os detentores da
fala, aqueles que podem dispor da palavra oral para comunicarem-se, ou melhor, para
passarem conhecimento aos alunos/as. Esta mesma cultura criou também meios concretos
para expressar este desígnio, tais como os tablados, os púlpitos, as cátedras, as mesas
maiores e à frente de todos/as, ...
No entanto, uma última questão sobre a “mania” de silêncio, faz pensar em como os
professores/as estão usando este “monopólio”, ou se professores e professoras, de tanto
86
Durante dinâmica de apreciação de figuras durante o primeiro encontro.
87
Em dinâmica realizada no último encontro.
96
pedirem por silêncio, não acabaram também incorporando esta ordem para si mesmos. Ou
seja, tais indagações são motivadas pela concepção que os alunos/as verbalizaram sobre a
fala do professor/a de que eles/as “não gostam de falar” ou “falam pouco”.
Contrariando representações de que professor “fala muito” e a própria “regra” de
que “a palavra” está em suas mãos, os/as alunos/as da pesquisa disseram
88
que podemos
saber se uma pessoa é professor ou professora se não fala muito ou não gosta de falar, o
que confesso, causou muita surpresa. Em suas próprias palavras, quando os questionei
sobre isso, disseram:
“Tem umas que tem nojo de falar!” (Bruno, 1EN)
A vivência que trazem é que professor e professora faz de tudo para não falar (no
sentido de explicar) e para interagir o mínimo possível com seus alunos/as.
“Por que reclama que tá rouca...” (João, 1EN). [E Bruno completa dizendo que ‘é sempre
assim!]
“Tem uma professora lá, ela fala baixinho, né... ‘Gente! Vamos falar mais baixo que a
professora tá rouca?’” (Paula)
“Que rouca nada!” (Alice)
“Tem uma professora de ciências que tem alergia de tudo! É inverno...é verão!” (Rodrigo)
“Nem passa nada no quadro...Ela manda copiar de livro. E ela pega... e tem alergia do
sol...alergia do vento...” (Paula)
“Tem alergia de poeira...” (Rodrigo)
Será que professores/as que, justamente por terem o domínio da palavra ou do
“silêncio”, preferem simplesmente não falar? Que optam por silenciar o diálogo, a
conversa, não só dos alunos/as, mas também a sua própria? Que, através de práticas
espontaneistas ou “todopoderosistas”, como dizia Freire (1995), negam, a si mesmos, o
direito (ou o recurso de que dispõem) de falar e comunicar-se? E, se assim ocorre, acabam
negando o que a própria prática pedagógica postula, como referido por Perrenoud (1995),
de que “a comunicação é fundamental, é algo que o professor domina e deve utilizar
88
A partir de questionamentos sobre as figuras que estavam sendo analisadas em dinâmica do primeiro
encontro.
97
conscientemente e de forma optimizada, para, do ponto de vista das competências, a
desenvolver junto dos alunos” (p.171).
Recurso tão importante como o da fala, do diálogo, parece, no entanto, estar em
desuso, como os participantes da pesquisa observam. A idéia de que “não falam” ou “falam
pouco”, no entanto, refere-se a professores e professoras que não se dispõem a discorrer
didaticamente sobre a matéria/conteúdo de ensino que está sendo desenvolvida, nem
dialogam ou permitem o diálogo em sala de aula.
98
Imagem 3 – Desenho realizado pelo participante Diego em dinâmica do 5º encontro
99
3.2 “Legal mas um pouco chato”
Os participantes desta pesquisa, durante os encontros do grupo, ao conversarem
sobre suas concepções acerca do sujeito professor/a, defiram como gostariam que estes/as
fossem, traçando características de professores/as “chatos” e “legais”, ou ainda, de uma
síntese idealizada por eles/as entre estas duas posturas que lhes parecem antagônicas.
Ao imaginarem como gostariam que fossem os professores/as ou mesmo quando se
colocam neste lugar, descrevendo como seriam se fossem professores/as, usam termos e
atitudes divergentes, como na fala de Bruno
89
:
“Eu decidiria ser bem legal, ser até um pouco chato, né. Manter ordem na sala, explicar
bem a matéria e em uma aula qualquer trazer jogos para turma se divertir. Se houvesse
uma briga entre alunos... manteria a calma e mandaria eles para a direção...para levar
uma ocorrência” (Bruno, 5EN).
Muitas vezes, ser legal é saber respeitar a turma e tomar atitudes diretas com quem
está causando problemas, sem generalizar e “por causa de um aluno xingar a todos”, como
disse Rodrigo no último encontro. Demonstram, em suas falas, um senso de justiça,
percebendo que o professor/a não deveria estender a toda turma um problema específico de
um aluno/a.
Usam exemplos paradigmáticos para caracterizar os professores/as, dizendo que “o
professor bom tem que ser um pouco chato
90
!” (Rodrigo, 3EN). É como se dissessem:
ninguém é perfeito! Como no exemplo do professor Caio, trazido por Paula
91
.
89
Descrição de como seria com seus alunos/as se fosse professor, dinâmica realizada no 5º encontro.
Saberíamos muito mais das complexidades da vida se
nos aplicássemos a estudar com mais afinco
as suas contradições em vez de perdermos tanto tempo
com as identidades e as coerências,
que essas têm obrigação de explicar-se por si mesmas.
(SARAMAGO apud LACERDA, 2002, p. 71).
100
“Eu tenho um professor que se chama Caio. Daí ele era muito chato. Só que ele tenta ser
legal, mas não consegue! Tenta dizer besteirinha... Então ele é um pouco chato e um
pouco legal”. (3EN)
Pelas suas falas, os participantes da pesquisa demonstram que um professor é legal
quando faz coisas de que gostam, como conversar e fazer brincadeiras. Mas, mesmo assim,
professores/as são um pouco chatos porque devem manter a ordem e exercer a autoridade
que também é, de certa forma, esperada pelos alunos/as. Destacam a importância do bom
humor como postura estimuladora e facilitadora de relações harmoniosas em sala de aula,
sem descartar, no entanto, o papel de autoridade dos professores e professoras.
Buscam, através de adjetivos contrários, um “meio termo” entre o/a professor/a
“legal”, que gostariam que todos fossem, e o/a professor/a “chato”, como acreditam que
seja a maioria deles/as e como são na maior parte do tempo. Segundo Larissa, se ela fosse
professora seria até “um pouco chata para também, né, não perder a rotina”
92
, pois “a
maioria é estressado”
93
(5EN). E Bruno acredita que ser professor é “ser chato ou legal. (...)
Mais chato do que legal”
94
(5EN).
Quando questionados sobre o que é ser legal, Larissa distingüiu diferenças de
pessoa para pessoa: “vai de cada um... do que cada um faz!” (3EN). Mas geralmente
definiram o professor/a legal como aquele/a que têm educação, brinca, tem calma e fala de
um jeito diferente dos outros.
“Tem uns que são legais. Tem educação”. (João, 4EN)
“Tenho uma professora que é legal e todo mundo presta atenção na aula dela”. (Diego,
4EN)
“Tem uma professora que fala com a gente de um jeito assim, meio brincando”. (Bruno,
4EN)
“O jeito que ela fala”. (João, 4EN)
“E ela mesmo brinca com a gente”. (Bruno, 4EN)
90
O comentário faz parte de uma discussão do 3º encontro sobre o painel do professor conveccionado pelo
grupo do Rodrigo, que escreveu, entre outras coisas, que o professor era chato.
91
Paula faz este comentário relacionado à fala de Rodrigo, citada anteriormente, concordando com ele e
trazendo este exemplo.
92
Parte da fala sobre como seria com seus alunos/as se fosse professora, dinâmica realizada no 5º encontro.
93
Trecho de sua resposta ao completar a frase “Ser professor/a é”, dinâmica realizada também no 5º encontro.
94
Manifestação durante a dinâmica citada na nota 94.
101
Nas três últimas falas, os participantes do grupo se referem a uma professora que
tiveram e procuram explicar como ela era legal. Segundo eles, o seu próprio jeito de falar
com a turma era diferente, porque ela mesma fazia brincadeiras. Um jeito,
provavelmente, cativante aos alunos/as.
Na fala de Diego, também citada anteriormente, aparece uma outra questão: se o
professor/a é muito calmo ninguém presta atenção na aula. A discussão surgiu em função
das cenas de filmes apresentadas. Na cena 1, do filme “A Língua das Mariposas”, a atitude
do professor diante da bagunça da turma os fez pensar que por ser muito calmo ninguém
lhe dava atenção. E pediu por “silêncio” com “muita educação”, como assinalou Rodrigo.
Refletindo mais um pouco, lembraram que o professor do filme chegou até mesmo a dar
batidas na mesa para ser ouvido. Isso fez com que Rodrigo rememorasse uma professora
que batia na mesa, com o apagador, evocando também lembranças de João:
“Tinha uma professora na série que tinha uma régua daquelas de ferro pra bater na
mesa”. (4EN)
Provavelmente, a professora da 4ª série evocada por João não tivesse a gua
somente para bater sobre a mesa, mas essa foi a leitura feita por ele, mostrando a força das
práticas que carregam também um valor simbólico.
Ao continuarem a discussão, citaram a cena do filme “Matilda” (cena 3) em que a
professora, também muito calma, é ouvida e atendida pelos alunos. Comparada à professora
citada por Diego anteriormente, Bruno e Larissa chegaram a algumas conclusões que
fizeram o grupo distinguir, então, quando um professor legal é respeitado. Assim disseram
sobre a professora do filme:
“É que eles gostavam daquela professora!” (Bruno, 4EN)
“A professora era especial”. (Larissa, 4EN)
102
O professor/a legal, além de “ensinar os alunos” (Paula, 5EN) e ter muita
responsabilidade e muita calma” (Rodrigo, 5EN), “é brincalhão” (Carlos, 5EN) e ainda
carinhoso e incentivador, fazendo coisas como as citadas por alguns deles
95
:
Conversa, assim, com a gente... brinca também”. (Larissa, 5EN)
“Quando falta um tempo pra aula acabar e o professor deixa a gente ficar conversando”.
(Diego, 4EN)
“Me fazem carinho”. (Paula, 5EN)
“Me faz muitos elogios e prêmio nos trabalhos”. (Rodrigo, 5EN)
Atitudes como ajudar, elogiar, ser amigo, deixar conversar, brincar, ter um jeito
especial de falar são referidas como atitudes que os deixam muito felizes, assim como fazer
festas, “dar” boas notas, não passar temas e liberar mais cedo
96
.
“Me ajudar nos trabalhos, me chamar de inteligente, ser uma professora legal e fazer
festa”. (Bruno, 4EN)
“Me ensinar coisas e ser um professor amigo”. (João, 4EN)
Além disso, ficam felizes quando um professor/a “não passa nada no quadro”, “não
exige muito” e quando faltam:
“Não passar nada no quadro, não passar tema....E principalmente o professor faltar à
aula”. (Diego, 4EN)
“Vai dizer quem é que não gosta que de vez em quando não tenha aula”. (Larissa, 4EN)
“Me dar as respostas fácil, fácil”. (Rodrigo, 4EN)
Nestas falas, percebe-se que há uma linha tênue que separa atitudes esperadas de um
professor/a, ou seja, as atitudes mais comprometidas, e de outro lado, as descomprometidas.
Pode-se dizer que um paradoxo relacionado a estas atitudes esperadas, separando
amizade, respeito e afeto da permissividade, descomprometimento e indiferença às
95
As falas citadas, embora remetam a diferentes encontros, correspondem a ações que lhes parecem legais e
que os deixam alegres e, portanto, gostam quando um professor age desta maneira.
96
As falas mencionadas a fazem parte da dinâmica onde conversaram sobre o que os deixava felizes na
relação com os/as professores/as, desenvolvida no 4º encontro.
103
aprendizagens. Assim como os participante da pesquisa gostariam que os professores/as
lhes dessem mais atenção, fossem seus amigos, incentivassem suas produções através de
elogios, por exemplo, também gostariam de sair mais cedo, de obter respostas fáceis nos
trabalhos e que o professor/a não comparecesse de vez em quando. Embora paradoxais,
estas diferentes atitudes esperadas podem ser entendidas se contextualizadas na rotina
escolar , que se torna muitas vezes cansativa e que coloca em conflito as motivações que
têm fora da escola. Sair mais cedo porque um professor faltou pode significar um maior
tempo para brincar, jogar futebol ou assistir a um programa de televisão que passa
exatamente no horário da aula, por exemplo.
Interrogados sobre como seria aquele professor/a que não fala e não conversa com
os alunos/as, Larissa e João indicam que ao professor/a legal, que conversa e “brinca” com
os alunos/as, contrapõe-se o professor/a chato, que “não sabe brincar” e está sempre
irritado.
“É que tem professor que leva tudo a sério!” (João, 4EN)
“É . Que não pode fazer uma brincadeirinha e já te xingam, manda pra direção”. (Larissa,
4EN)
97
Admitem que muitas vezes os alunos/as têm sua parcela de culpa em o professor/a
ser assim e que alunos/as passam dos limites nas brincadeiras fazendo com que o bom
humor do professor desapareça!
98
“É uma viagem, né! A professora chega bem feliz...sempre tem um pra avacalhar!”
(Rodrigo, 3EN)
“É. Sempre tem um pra fazer brincadeirinhas de mau gosto e sem graça!” (Larissa, 3EN)
Há, assim, uma explicação que justifica o professor/a tornar-se chato: os excessos
cometidos pelos alunos/as. Daí que o professor/a torna-se chato, o que é diferente de ser
97
As falas de João e Larissa surgem no encontro para demonstrar como é esse professor /a que não fala e
conversa com os alunos/as.
98
No encontro, quando conversavam sobre professores/as legais e chatos/as relacionado ao gênero,
começam a falar sobre o que fazem alguns alunos. Rodrigo pareceu querer provocar Paula ao fazer o
comentário de que “sempre tem um pra avacalhar”. Paula riu e em seguida concordou, lhe chamando de “Bob
Esponja”, parecendo ser um hábito seu colocar apelidos nos colegas.
104
chato. Identificam que os professores/as também se constituem como legais ou chatos na
relação com seus alunos/as. Entretanto, acentuam que o professor chato, ao contrário do
legal, faz coisas de que não gostam: prova, espelho de classe, não deixam falar com os
colegas, mandam copiar textos enormes, “dão” nota baixa e “chamam a atenção” o tempo
inteiro, conforme citam nas falas abaixo
99
:
Prova surpresa, espelho de classe, não poder falar com os colegas de trás e copiar
textos grandes”. (Rodrigo, 4EN)
“Dar zero na prova e me chamar a atenção”. (Diego)
“Ficar me chamando a atenção o tempo todo, gritando”. (Bruno)
“Enche o quadro, passa muitos temas”. (Carlos, 5EN)
Conseqüentemente, estas atitudes fazem com que os alunos/as não gostem destes/as
professores/as. Carlos conta o quanto sua turma não gostava de um professor
100
e justifica,
dizendo:
“É que quando ele chegava na sala, assim, nós estávamos sentados e ele já chegava no
quadro e botava um baita dum ‘textão’ e não parava. Daí chegava a hora do recreio e se a
gente não terminasse de copiar ele deixava a gente na sala pra copiar tudinho...” (1EN)
Conta, ainda, que a turma começou a fazer bagunça (jogavam bolinhas de papel,
conversavam todo tempo) em suas aulas para ele ir embora, pois quando não agüentava
saía da sala. Todos respondiam ao professor quando anunciava que ia sair: “Tchau... vai
tarde!”. E até abaixo assinado fizeram. Mas diante do espanto dos outros, Paula diz que
“antes da gente fazer isso com ele, ele fazia isso com a gente!” Ações e reações recíprocas
que geram problemas na relação e descontentamento de professores/as e alunos/as.
Outras situações também são relacionadas aos professores chatos e deixam os
alunos/as tristes
101
, como:
99
Tais falas surgem em resposta a dinâmica que lhes questinava sobre o que os deixa triste na relação com os
professores/as.
100
Situações rememoradas no encontro, na dinâmica de apreciação de figuras que poderiam ser de
professores/as, a partir de falas do grupo sobre professores/as que gritam.
101
Falas correspondentes a dinâmica realizada no encontro sobre o que os deixa triste na relação com os
professores/as.
105
“Me mandar calar a boca, me chamar de burro e me ofender”. (João, 4EN)
“Me mandar calar a boca”. (Diego, 4EN)
“Quando grita com a gente, nota baixa. Quando briga e tu não fazendo nada... Tá
conversando e ele já começa a gritar”. (Larissa, 4EN)
“Ficar gritando e botando o dedo na cara!” (João, 4EN)
“Virar pra trás e ela já gritando. E pegar a minha bola e dizer que vai dar pro colégio”.
(Rodrigo, 4EN)
“Teve um dia, né... que estava eu e meus colegas jogando umas cartinha e a
professora pegou as cartinhas. O meu colega falou: ‘tu pegou as cartinhas pra dar pro teu
filho, sora?’. E ela disse: ‘É, eu vou sim, mas meu filho não merece o resto de vocês!”
(João, 4EN)
Situações como estas, descritas nos encontros, evidenciam e geram desrespeito,
sendo práticas contrárias ao companheirismo que gostariam de encontrar na relação com os
professores/as, através do acompanhamento mais atento de suas atividades, sendo solidário
e incentivador das idéias dos alunos/as.
Todas as falas sobre os professores/as legais e chatos, os diferentes pontos de vista
sobre o que os/as deixam felizes ou tristes, se apresentam ambíguas. Citam a exigência
como atributo positivo em um professor/a, mas gostam quando “não passa nada” da
matéria, do texto no quadro. Evidenciam que o/a professor/a deve ter responsabilidade, mas
ficam felizes quando algum deles/as falta e podem sair mais cedo. No entanto, esta aparente
contradição pode ser entendida se imaginarmos que não se referem exatamente ao mesmo
professor/a nas diferentes falas. Talvez, desejem que o professor não passe nada no quadro
porque realmente sua aula é copiar o texto e isso. Sendo assim, é melhor mesmo que
nem venha dar aula, pois teriam coisas mais interessantes para fazer na escola ou fora dela.
Quando propus que imaginassem como seriam se fossem professores/as
102
, Rodrigo
e Paula demonstraram que quando se referem a um mesmo professor/a, são esperadas
atitudes afetuosas e bem-humoradas, mas também competência e exigência, pois acreditam
que seriam queridos/as pelos/as alunos/as, mas não deixariam de “puxar as rédeas”.
102
Dinâmica realizada no último encontro.
106
“Eu seria legal, daria beijos e beijos nos alunos e abraços. E eu passaria menos coisas no
quadro. Ia passar coisas fácil, textos pequenos, ia passar menos exercícios, não ia dar
muitas provas, ia fazer passeios por todo lugar. Mas as vezes eu ia pegar um pouco
pesado com eles e quando eles incomodassem eu ia ser chata. Eu acho que eu seria
uma boa professora e eles iam gostar de mim!” (Paula, 5EN)
“Eu seria calmo e brincalhão. Eu daria trabalhos dos níveis deles. Eu daria bilhetes para
aqueles que não eram obedientes. Os obedientes levariam um dez bem grande no seu
caderno. Eu puxaria a rédea’ de quem passasse dos limites e tirassem minha calma e
humor. Eu levaria pro pátio somente se a turma estivesse muito, mas muito mesmo
comportada. E eu explicaria tudo quantas vezes precisasse para nenhum ter que repetir
de ano”. (Rodrigo, 5EN)
Na fala de Rodrigo, percebe-se uma valorização das qualidades do professor legal
não se referindo apenas às relações de amizade, mas as atitudes que consideram como
competência: saber explicar, ser exigente, explicar tudo “quantas vezes precisar”, adequar
os trabalhos ao nível da turma em que serão desenvolvidos. E surge também a valorização
dos bons alunos, “os obedientes”, que merecem “dez” no caderno, ao contrário dos que lhe
“tirassem” a calma e o humor. Para estes, os “bilhetes” para casa , chamando ou avisando
os pais sobre o comportamento.
Os participantes da pesquisa parecem perceber que como seres humanos podemos
modificar nosso comportamento diante de diferentes situações vivenciadas e esperam, de
alguma forma, uma maior expressão dessa “humanidade” nas ações dos professores/as.
Gostariam de com eles/as poder conversar mais, de estarem mais próximos/as, que
dedicassem mais tempo e atenção a eles/as, com maior tolerância e compreensão de suas
brincadeiras (embora reconheçam que são, algumas vezes, inoportunas). E que atividades
como copiar do quadro não se constituíssem como a única coisa a ser feita nas aulas.
Talvez fosse importante que professores e professoras demonstrassem mais suas
inquietações aos alunos/as apresentando-se como sujeito que, tal como os alunos/as, cansa,
se diverte, muda de idéia, tem preferências e opiniões. Perrenoud (1995) considera que
“[...] os professores pareceriam mais próximos- e mais credíveis!- se, com mais freqüência,
confessassem que, por vezes, também estão fatigados, que se aborrecem, que nem sempre
têm vontade de completar a tarefa começada ou de iniciar uma outra!” e ainda que,
107
enquanto adultos, são também “[...] cheios de ambivalências; que passam igualmente por
momentos de excitação e de cansaço, momentos em que estão prontos a remover
montanhas e outros em que desejariam estar bem longe, sem terem nada para fazer...”
(p.215). Muitas vezes, esquecemos, como adultos, destas emoções e atitudes comentadas
por Perrenoud, e esperamos dos alunos/as, como crianças e adolescentes, atitudes que nem
mesmo nós conseguimos ter.
Nas falas dos participantes desta pesquisa sobre o sujeito professor/a percebemos as
ambigüidades de pessoas que podem ser legais ou chatas, mas não o tempo todo de um jeito
ou de outro. Percebemos, também, que estas mesmas pessoas, às vezes encontram um
equilíbrio, sendo, como os integrantes do grupo sugerem, “legais, mas um pouco chatas”. A
expressão por eles/as utilizada surge, então, para definir um professor/a possível.
3.2.1 Outras distinções: idade e gênero
Nas discussões sobre professores/as legais e chatos/as, apontam distinções na
postura dos mesmos relacionadas à idade e ao gênero. Segundo as falas, há algumas
diferenças no tipo de relação que se estabelece entre professores/as e alunos/as que variam
de acordo com a idade do professor/a (se é novo/a ou velho/a) e com o gênero (se é homem
ou mulher). Fazem também combinações entre estas características para definir quais são
mais legais ou chatos/as.
Conforme opinião de Larissa, os professores velhos
103
“[...] já não têm mais a
paciência como... o professor jovem...” (3EN) e por isso gosta mais dos professores novos.
Alice concorda com isso e traz seus argumentos, explicando por que o professor “velho” é
mais chato:
“É que daí é chato porque eles implicam com tudo quer ver? Tipo assim ó... (...) O
professor velho teve o passado dele. O passado dele foi de um jeito. E agora ele não quer
deixar a gente fazer o nosso presente do nosso jeito!” (3EN)
103
As falas sobre este tema surgem durante a análise dos painéis de professor e professora por eles
confeccionados, quando lhes questiono se gostariam que algum dos professores/as representados fosse seu
professor/a.
108
“Fazer o nosso presente do nosso jeito” é o modo como Alice expressa a distância
geracional. Essa dificuldade no diálogo com professores mais velhos, como indicado pela
aluna, pode ser entendida e gerada pela própria diferença de idade entre os professores mais
velhos e os alunos/as. Como explicita Huberman (1995), “o distanciamento afectivo entre
os professores mais velhos e os seus jovens alunos pode provir, em parte, da sua pertença a
gerações diferentes e, portanto, das suas diferentes ‘subculturas’, entre as quais o diálogo é
mais difícil” (p.45).
no primeiro encontro, ao conversarem sobre as figuras apresentadas de pessoas
que poderiam ser ou não professores/as, as meninas demonstram que além de ser possível
ter professores/as novos/as, estes são preferidos. Embora Carlos e Rodrigo façam poucos
comentários sobre isso, compartilham também da seguinte opinião:
“[...] são bem novinhas as professoras lá do meu colégio!” (Paula, 1EN)
“É. A gente tem umas professoras bem jovens” (Alice, 1EN)
No entanto, João, Bruno e Diego expressam uma outra vivência e pensam que não é
muito comum ver professores/as “novos/as”. Ao discutirem sobre as imagens apresentadas,
as mulheres jovens e bonitas eram admiradas por eles, mas não acreditavam muito que
poderiam ser professoras, embora gostariam que fossem. João chegou a dizer: “É muito
jovem”, ao que Diego manifestou que as queria como colegas:
“Queria que fosse minha colega!” (1EN)
Quanto ao gênero, indicam gostar mais de professoras, pois “não estão muito
contentes” com os professores
104
.
“[...] não contente com os professores [...] Pegam muito no da gente! [...] São mais
estressados!” (Paula, 3EN)
“[...] os professores nunca sabem ser educados como as mulheres”. (Alice, 3EN)
104
Falas mencionadas no encontro durante a análise dos painéis do professor e professora por eles/as
confeccionados.
109
“[...] E as professoras já não... A professora compreende mais. Porque as mulheres
sabem lidar com as mulheres, né!” (Paula, 3EN)
Carlos e Rodrigo, os meninos presentes no dia desta conversa, manifestaram não
gostar muito dos comentários feitos pelas meninas, olhando-se e reprovando-as. Mas
quando instigados a falar e fazer a “defesa” dos professores homens nada diziam. Somente
Rodrigo limitou-se a falar:
“Tem professor que é legal”. (Rodrigo, 3EN)
Tal fala somente serviu para que as meninas realmente comprovassem que os
professores são mais chatos, pois o que Rodrigo disse, para elas, demonstrou que são
poucos os professores legais. Alice chegou a dizer que o professor quer que as coisas sejam
feitas somente como ele quer:
“Quer que faça do jeito dele... porque é pra ele!” (3EN)
Com esta fala de Alice, Rodrigo concorda, dizendo que teve professores assim,
que queriam tudo do seu jeito. Julga que esse comportamento “É frescura”!
Mas desta vez é uma menina quem tenta ver a questão de outro modo, considerando
que tal atitude não relaciona-se apenas aos professores homens.
“Mas não só professor! Mas professoras também!” (Larissa)
Ou seja, não importa se são homens ou mulheres, velhos ou jovens, os professores e
professoras têm jeitos diferentes de lecionar, diferentes modos de agir e de se relacionarem
com os alunos e alunas. Alguns mais apropriados, mais profissionais, outros menos.
Entretanto, nas vivências experimentadas em suas trajetórias escolares, de fato
prevaleceram as referências às professoras, até porque são, efetivamente, a maioria do
corpo docente das escolas.
110
Imagem 4 – Desenho realizado pelo participante Carlos em dinâmica do 5º encontro
111
3.3 Como se parece um professor/a
Os comentários sobre a aparência do professor/a tiveram lugar, principalmente, no
primeiro encontro, quando os participantes do grupo foram convidados a analisar figuras de
pessoas, com diferentes tipos físicos, indicando quais poderiam ser professores ou
professoras. As falas sobre tal aspecto estenderam-se também durante o segundo e terceiro
encontros, ao confeccionarem os painéis com a figura de um professor e de uma professora
e nos questionamentos e exposição dos mesmos.
A aparência, tal como outros aspectos referidos, é relacionada pelos participantes
do grupo aos professores e professoras com os quais convivem e conviveram. Ou seja, a
aparência de um professor/a (como se veste, o que usa, o que não deve usar) é definida pela
semelhança ou não com algum de seus professores/as.
Tal como indicado na fala de Diego, na epígrafe inicial
105
, um modo de vestir e
de ser que faz diferir o professor/a de outras pessoas. Ou, se não o fazem diferir totalmente
de outras pessoas, caracterizam estilos diferenciados entre os próprios professores e
professoras.
Um acessório que não pode faltar, por exemplo, é o óculos. Referido não na fala
de Diego, mas de praticamente todos os integrantes do grupo, consideram que “quase todas
professoras usam óculos!” (João, 1EN). Apesar de se referirem sempre à professora usando
óculos, no painel confeccionado com o desenho do professor, também ele usava óculos.
Não se afastam, neste sentido, dos modelos mais clássicos (que já mostravam sempre a
professora de óculos) tal como referido na primeira parte deste trabalho e que perduram nas
representações socialmente divulgadas na atualidade.
105
Comentário do aluno relativo ao desenho feito por ele de uma professora fora da escola, dinâmica realizada
no último encontro.
“Eu fiz a professora, né... comprando roupa.
Eu acho que... deve tá sempre...
olhando vitrine...essas coisas.
Com aqueles ‘óclinhos’, vendo uma saia...
só aquelas roupas de professora
(Diego, 5EN).
112
Nas figuras de pessoas observadas pelo grupo no primeiro encontro, as
características relacionadas às mulheres que poderiam ser professoras foram: ser magra
106
,
usar óculos, roupa sem muito decote, “cara de braba”, acessórios (bolsa e sapato) chiques,
roupas nas cores preta e uso de jeans. Entre as características de homens que poderiam ser
professores surgiram: ser careca, usar calça e camisa, roupa esportiva (no caso dos
professores de educação física). Se a roupa era muito simples, como uma camiseta lisa, por
exemplo, julgaram que não poderia ser professor. Uma aparência mais desleixada, com
barba ou unhas grandes, também foi descartada, assim como os mais velhos, a quem se
destinaria a aposentadoria.
Quando justificavam por que uma das gravuras mostradas não poderia ser de um
professor ou professora, procuravam diferenciar algumas gravuras quanto ao
comportamento ou a profissão, denominando outros personagens como louco, bêbado,
delinqüente, assaltante, doente, mendigo, presidiária, mexicano, carpinteiro, cozinheira,
aeromoça, fazendeira, macumbeira, empresária, secretária, entre as várias denominações
que surgiram para apontar as diferenças.
Também entre as figuras descartadas
107
(aquelas cujas pessoas não poderiam ser
professores/as) estão as roupas que professores/as não devem usar, entre elas, as roupas
decotadas.
“É... Não pode usar blusa muito decotada, não!” (Paula, 1EN)
“Lá no colégio não aceitam andar com roupa desse jeito, não. Nem professora nem
aluno”. (Larissa, 1EN)
“Não tem muita professora que vai assim!” (Alice, 1EN)
106
As figuras de pessoas gordas eram descartadas pelos alunos/as na dinâmica do primeiro encontro.
Chegavam a usar como critério para definir se não poderia ser professor/a o peso. Quando questionei-os sobre
isso, se não havia professores/as gordos/as, diziam que poucos e se eram gordos/as não eram muito. Bruno
chegou a dizer sobre uma figura: “Não. Ia entortar as cadeiras... É muito gorda!” (Bruno, 1EN), justificando
porque não poderia ser uma professora. Expressam, assim, uma interferência dos padrões estéticos e dos
discursos sobre saúde que circulam atualmente?
107
Ver anexo 9.
113
No segundo encontro, durante a confecção do painel
108
, um outro dilema apareceu:
o da “barriga de fora”! No desenho da professora, Bruno e Larissa decidiram fazer a blusa.
Mediram, recortaram e colaram o papel e a barriga acabou ficando à mostra. Bruno sugeriu
que se tapasse um pouco, colando uma tira de papel. Mas insistiu que modelos de roupa
assim. Alice apavorou-se ao imaginar que iriam deixar daquele jeito, dizendo: “Mas a
barriga vai ficar de fora!”. Larissa começou a comentar, já em dúvida: “Professora não anda
assim... É! Vamos combinar que professora o anda assim!”. O outro grupo, àquela
altura, começou também a fazer comentários sobre isso: “Tem professora que usa!”, disse
Rodrigo. Larissa concordou, “mas não assim, tão de fora!” Bruno acabou tomando a
decisão pelo momento: “É. Vamos deixar assim... tem um monte de professoras que usam
roupa esquisita!”. Os outros acabaram concordando, mas, passado um tempo, decidiram
fazer um “remendo para tapar um pouco a barriga. Os comentários sobre isso se
estenderam por um bom tempo, e mesmo quando parecia que o fato estava superado,
retornavam comentários do outro grupo: “Barriguinha de fora ... Agora falta fazer o
piercing...” Quando Rodrigo mencionou o piercing, Larissa indignou-se: “Capaz! É bem
capaz!”, excluindo totalmente a possibilidade de uma professora usar este tipo de acessório.
No encontro seguinte, ao analisarem os painéis, a questão da barriga de fora retornou,
demonstrando o quanto se sentiram incomodados com tal questão.
“Eu queria saber... por que vocês fizeram a calça dela assim tão baixa? [...] Porque eu
achei meio esquisito a professora assim de barriga de fora!” (Alice, 3EN)
Também no desenho da figura de professor apareceram algumas interdições. Não
seria muito adequado, como sugerem em suas falas, um professor usar blusa muito justa.
Como o grupo do Rodrigo fez vários comentários sobre o desenho da professora, Larissa
resolveu também fazer comentários sobre o desenho do professor, provocando: “E essa
camiseta aí?”. Rodrigo respondeu imediatamente que errou. Mas Alice defendeu, dizendo
em seguida: “Mas tem camiseta que fica assim... colada no braço”, ao que Carlos retrucou,
concordando com a fala de Larissa: “É, mas... é um professor...”.
108
Os dois grupos se preocuparam em fazer modelos “reais”. E o estilo de calça, da roupa em geral, teria que
ser o que se usa hoje em dia. Até mesmo a cor da pele os preocuparam. Rodrigo queria fazer até umas
pintinhas no rosto, pois achou o professor muito pálido.
114
Dentre as coisas que são usadas e as que não deveriam ser, estão também as
diferentes justificativas que relacionam o tipo de roupa de acordo com a idade do
professor/a. Algumas coisas são mais aceitáveis se a professora é mais jovem:
“As mais novas gostam mais de andar decotadas que as mais velhas”. (Paula, 1EN)
“Tá louco! Ninguém quer ver mesmo uns ‘pelancão’!” (Carlos, (1EN)
As roupas decotadas, reprovadas por eles, em professoras mulheres mais jovens são
mais aceitas ou mais comuns, enquanto nas professoras mais velhas continuam sendo um
problema, pois como Carlos disse, “ninguém quer mesmo ver nada!” Nessas falas, sem
qualquer tipo de interdição, são explicitados esteriótipos sociais que não se restringem à
cultura escolar.
As falas chegam até mesmo a referir o tipo de tecido e a cor das roupas, que variam
de acordo com a idade. As professoras mais velhas usariam as roupas mais escuras, como o
preto, “Pra não mostrar a barriga!”, conforme pensa Alice. E Larissa contrapôs os dois
estilos:
“As mais jovens do colégio usam outras coisas. Blusas floriadas...” [...]
Porque as
professoras mais velhas gostam de usar roupa mais escura e já as mais novas gostam de
usar mais tipo de roupa... roupa colorida!” (Larissa, 1EN)
Quanto aos tecidos, observam que as professoras mais velhas usam um tipo de
tecido diferente, conforme tentam explicar na seqüência de falas que segue:
“O tecido lá... Tecido que é meio duro...” (Diego, 1EN)
“O tecido de...” (Bruno, 1EN)
“Aqueles que... passam e fica retinho...”. (Larissa, 1EN)
“Parece bem liso...” (Bruno, 1EN)
Perguntei a eles se seria do tipo seda ou linho, talvez, mas optaram pela seda,
indicando que é um pouco brilhoso também.
115
As professoras mais velhas usam, ainda, segundo seus comentários, roupas mais
antigas, de que não gostam muito e acham estranhas.
“A sora usa umas roupas tri antigonas...” (João, 1EN)
“[...] tem umas que vão bem loucas... bem cafona pro colégio!” (Paula, 1EN)
“É... do tempo do ‘epa’, assim...” (Larissa, 1EN)
“E as professoras velhas...usam umas ombreiras assim...!” (João, 1EN)
“Que viagem que fica aquilo!” (Rodrigo, 1EN)
Algumas falas sobre a aparência remetem a diferenças sociais entre eles/as e os/as
professores/as. A professora parece fazer parte de um outro padrão cultural e a um outro
grupo social. As falas são claras quanto a esta distinção, ora aprovando-a ora desdenhando
o visual/estilo.
“Toda ‘arrumadinha’...” (Larissa, 1EN)
Visual moderno...” (Rodrigo, 1EN)
Peruinha!”
109
(João, 1EN)
“É. Bem assanhadas!” (Paula, 1EN)
“Deixa eu ver... Tinha que ser toda metida!...Lá no colégio tem um monte que é metida e
são tudo ‘arrumadinha’”.
110
(Alice, 1EN)
Um outro diálogo interessante que surge a partir de um comentário de João quanto
ao fato de que professora ganha pouco, indica também esta diferenciação entre o mundo da
vida dos professores/as e dos alunos/as. Mas o isso. Ao falarem sobre o salário das
professoras, percebi uma diferença entre os comentários dos alunos/as de escola municipal
e os/as de escola estadual. Os alunos/as de escola estadual parecem realmente estar
convencidos de que as professoras ganham pouco, não têm muito dinheiro.
“Eu já acho que ele tem cara de ter muito dinheiro e não pode ser professor!”
111
(Larissa, 1EN)
109
Referindo-se ao estilo de algumas professoras, como a da figura observada no momento da dinâmica.
110
Comentando sobre como poderia identificar se uma pessoa é professora, durante discussão na dinâmica das
figuras do primeiro encontro.
111
Referindo-se a uma das figuras de homem por eles/as analisada em dinâmica do primeiro encontro.
116
De outra parte, os alunos/as da escola municipal não acreditam muito nisso e
embora suas professoras digam que ganham pouco, contestam esta afirmação. Citaram
coisas que as professoras têm e que comprovariam que seus salários não são baixos.
Falaram da troca de carros, da casa na praia, dos celulares de tirar foto, entre outras coisas.
Depois que João fez referência aos baixos salários, Diego concordou com ele, o que gerou
uma série de falas, transcritas abaixo:
“É... Ganha pouco...” (Diego, 1EN)
Que ganha pouco, sora
112
! Da onde? Baita duns ‘carrão’!” (Carlos, 1EN)
“Sora de matemática diz que ganha pouco e cada semana ela vem com um carro”.
(Paula, 1EN)
Diz que não tem dinheiro, olha lá tem um carrão... um Pólo...” (Alice, 1EN).
Casa na praia...” (Carlos, 1EN)
“Aqueles celular de tirar foto... [pausa] E trabalha de professora!” (Rodrigo, 1EN)
“Diz ela que ganha pouco...” (Paula, 1EN)
Dois fatores podem ter contribuído para estas falas e as concepções que
explicitaram. Um deles refere-se ao fato amplamente divulgado na mídia de que realmente
o salário dos professores/as estaduais é mais baixo
113
e, desta forma, se aproxima mais do
nível sócio-econômico dos alunos/as, podendo até estar abaixo dele. O outro fator refere-se
ao fato de que, além dos professores/as municipais receberem maiores salários, informação
que igualmente circula na opinião pública, as escolas municipais, por estarem localizadas
na periferia da cidade, atendem alunos e alunas com menos recursos financeiros. Desta
forma, por estarem mais distantes do padrão de vida dos professores/as, consideram que
estes ganham bem e reparam nas coisas que têm e que lhes são estranhas na maioria das
vezes, como hábitos e posses muito distintos dos seus, exemplificados pelo trocar de carro
seguidamente e viajar com freqüência para praia. Assim, as falas demarcam incisivamente
as diferenças sociais e culturais entre professores/as e alunos/as.
112
Nesta fala de Carlos, se refere a mim como “sora”, o que ocorre poucas vezes durante nossas conversas.
Geralmente me chamavam pelo nome, mas justamente nos momentos em que estavam mais exaltados (como
nesta fala) escapava um “sora”, embora não soubessem que eu era professora, conforme relatei anteriormente.
113
Conforme as informações trazidas na primeira parte do texto, sobre o cenário de Porto Alegre.
117
Algumas falas sobre a aparência, como as de Paula e Alice, parecem concluir,
afinal, que o que importa em um professor/a não é a aparência (como se veste ou o que
usa), mas o “tipo” de ensino que oferece.
“É! Tem pessoas que são bem elegantes, mas não são interessadas com os alunos!”
(Alice, 1EN)
“Eu acho que a professora tem que ser o que ela é! Não precisa ser assim...toda
arrumada...Tem é que dar um ensino bom!” (Paula, 1EN)
Paula e Alice indicam que, ao menos para elas, a relação que estabelecem com os
professores/as, e que resulta na qualidade do ensino, têm mais importância. E, conforme a
fala de Paula, a professora tem que ser “o que ela é”! Bruno, que manteve uma posição no
grupo de, freqüentemente, fazer algumas considerações sobre o que estava sendo dito,
questionando algumas falas ou mesmo manifestando-se através de suas expressões,
movimentos com o corpo e pequenos comentários, embora nem sempre conseguisse falar a
todo grupo, que ficava incomodado com algumas afirmações, referiu-se a esse assunto. Na
conversa sobre os sapatos das professoras, durante a dinâmica de apreciação de figuras no
primeiro encontro, Bruno ficou irritado ao ouvir os outros dizerem que professora usa
sapato “chique” e, insistindo, conseguiu ser ouvido:
Cada professor tem um estilo! Usa calça... usa tênis de vez em quando!” (Bruno, 1EN)
Sua fala, no entanto, não foi questionada nem comentada e após um certo silêncio,
iniciaram outro assunto. Nem eu mesma me dei conta, naquele momento, de provocá-los
sobre isso e fiquei esperando que eles/as mesmos/as comentassem. Este tipo de atitude
frente a opiniões distintas ou desafiadoras era comum no grupo. Durante as conversas sobre
o tema aparência, normalmente cada um defendia seu ponto de vista. Os que tinham idéias
semelhantes complementavam as idéias dos outros e os que discordavam mantinham suas
posições, todos trazendo, sempre, exemplos de situações para argumentarem a favor de
suas idéias. As falas, quase sempre, não eram passíveis de mudanças. O que havia, no
máximo, era um silêncio maior após algum comentário que lhes fazia pensar e que os
deixava sem saber o que contra-argumentar.
118
Reafirmo que as falas dos participantes do grupo de conversação sobre como se
parece um professor/a indicaram a presença de alguns estereótipos para definir a aparência
que se relaciona a cada profissão, e no caso da profissão docente, o uso de óculos como um
exemplo disso. Demonstram, também, que professores e professoras são pessoas que
devem cuidar da aparência, havendo diferenças entre as roupas de professores/as de acordo
com a idade e até mesmo interdições de acessórios e roupas de acordo com elas. Há, ainda,
a distinção social revelada pelas falas sobre o estilo de vestir e de vida. Mas também o
entendimento, por parte de alguns participantes, de que cada professor/a “deve ser o que ele
é” e que cada um tem seu estilo, sem que isto interfira na relação que com eles/as
estabelecem através do ensino e do interesse pelos alunos/as.
119
Imagem 5 – Desenho realizado pelo participante Bruno em dinâmica do 5º encontro
120
3.4 Uma vida agitada
Muitos foram os adjetivos utilizados pelos participantes do grupo de conversação
para definirem um professor, uma professora. Entre os atributos correspondentes à
profissão estavam sempre a dedicação, o interesse e a inteligência. Professor/a “tem que
saber praticamente tudo”, dizia Rodrigo durante a dinâmica do encontro. Deve saber
responder a todas as questões feitas pelos alunos/as e se não souber alguma coisa os
alunos/as pensarão que ele/a “é burro”, sendo João categórico nesta fala. Mesmo se não
souber tudo, tem que “saber alguma coisa” sobre “a matéria que dá” e, principalmente,
precisa saber ensinar.
Além destas atribuições, estão também as atividades relacionadas ao dia-a-dia da
escola, que professores e professoras precisam dar conta. Por tudo isso, talvez, ao
imaginarem como deve ser a vida dos professores/as fora da escola fazem sempre
referência à “agitação”.
Para Bruno
114
, a vida de um professor/a é normal, ou seja, é igual a das outras
pessoas, porém, “muito mais agitada”. Diego chegou a dizer
115
que ser professor/a “não é
legal porque tem uma vida muito agitada” (5EN). Também Rodrigo
116
concebe a vida do
professor/a como sendo agitada. Ao desenhar um professor fora da escola, imagina o
professor de educação física, sentado no sofá, vendo televisão, tomando uma cerveja e
fumando cachimbo
117
. Mas deixa claro que esta cena, do professor em casa, descansado,
não ocorria todos os dias:
114
Fala referente ao 5º encontro quando propus que pensássemos sobre a vida de professor/a.
115
Referente à dinâmica do 5º encontro quando deveriam completar algumas frases, entre elas, “ser
professor/a é...”.
116
Em dinâmica realizada no último encontro sobre a vida do professor fora da escola.
117
Rodrigo faz alguns comentários sobre o desenho. O professor está vendo o “Programa do Ratinho” e
fumando, embora diga que o professor que desenhou não fuma, apenas o imaginou assim. Explica que
manchas no sofá, pois o professor é “meio porquinho” e acha que sua casa deve ser um pouco assim,
principalmente quando está de férias.
“Não é apenas uma parte de nós
que se torna professor.”
(HOLLY, 1995, p.82)
121
“É quando ele tá de férias! Por que a vida é agitada!” (Rodrigo, 5EN)
É possível que tais falas relacionadas à agitação percebida por eles/as refiram-se ao
fato de que estas idéias circulem nas aulas quando os professores/as comentam ou se
queixam de muitas atividades e afazeres.
Bruno acredita que até mesmo o estilo do professor é alterado em função da
quantidade de atividades que tiver que dar conta e explica porque a vida de professor/a é
agitada:
“Porque eles tem que passar prova em casa, tem que corrigir um monte de trabalhos,
separar as coisas de qual matéria querem dar. Fica bem ocupado...meio estressado
também. Aí, também, ...tipo assim... vai alterar o estilo”. (Bruno, 5EN)
Este acúmulo de tarefas do professor/a, na visão de Bruno, interfere no estilo do
professor/a, ou seja, na maneira de relacionarem-se com os alunos/as. Quanto mais
ocupado, mais estressado e, conseqüentemente, com menos paciência. É fato conhecido que
os professores/as trabalham cada vez mais e com maior intensidade e sabe-se que, em
virtude, entre outras coisas, dos baixos salários, muitos professores/as aumentam sua carga
horária semanal de atividade docente, lecionando em até três turnos diários.
Quando os participantes da pesquisa foram questionados sobre como imaginam ser
o professor/a em sua vida pessoal e sua relação com outras pessoas, acabaram discutindo,
na verdade, se o modo como agem é igual ou diferente ao modo como agem na escola.
Larissa acredita que o modo como agem dentro e fora da escola pode ser identificado de
acordo com o tipo de professor/a.
“Eu também acho que, de repente, ele pode ser diferente ou também igual. Dependendo
se for chato ou legal”. (Larissa, 05EN)
Para ela, se um professor/a é chato na escola, pode ser legal com outras pessoas fora
dela e se ele/a é legal, vai ser legal sempre, em qualquer lugar e com todas as pessoas.
Acredita, ainda, que esta mudança de comportamento do professor/a chato/a se deva a seu
stress na escola e por causa dos alunos que bagunçam muito.
122
Discutiram ainda, sobre a relação entre as atitudes do professor/a em aula e sua vida
particular. Houve uma pequena diferença nas falas dos participantes a esse respeito. Alguns
acreditam que o professor chega “brabo” na aula devido a situações vivenciadas fora da
escola. Outros, acreditam que o professor/a fica brabo depois de começar suas aulas na
escola. Mas todos concordaram que alguns acontecimentos fora da escola interferem na
maneira do professor agir com a turma. Rodrigo, Carlos e Paula contaram o caso de uma
professora que, segundo eles, deixa intrigada toda sua turma, pois é sempre no mesmo dia e
horário que seu humor está pior, conforme relatam no diálogo transcrito a seguir
118
.
“Tem uma professora que toda quarta-feira no primeiro período ela fica braba, chega
braba!” (Rodrigo)
“E nos outros dias ela não é assim?” (Pesquisadora)
“É braba. Mas nos outros dias ela não é tão braba”. (Carlos)
“Não faço idéia do que acontece...mas todo mundo nota!” (Rodrigo)
Deve brigar com o marido...” (Paula)
Com esse diálogo Paula, Carlos e Rodrigo demonstraram perceber, tal como sugere
Goodson (1995), que “o aspecto pessoal apresenta-se irrevogavelmente associado à prática.
É como se o professor fosse a sua própria prática” (p.68). Traduzem, de alguma maneira,
que uma relação estreita entre a pessoa do professor/a também fora da escola e sua
vivência profissional.
Sobre esse aspecto, é interessante o trabalho desenvolvido por Holly (1995) a partir
dos diários escritos por professores e professoras sobre sua prática docente. Em um deles,
conforme excerto citado abaixo, a professora expõe com exemplos o quanto sua vida
particular interferia em sua profissão.
Se me sentia infeliz, a sala de aula sofria o castigo; se me sentia
feliz, a sala de aula ganhava. Se pensasse que o meu marido não
estava satisfeito comigo, não ensinava adequadamente, mas, se
ele me beijasse de manhã antes de ir para a escola, ensinava de
modo adequado. (p.82)
118
O diálogo fez parte de discussão sobre a vida dos professores/as realizada no quinto encontro com estes
alunos/as.
123
Os alunos/as da pesquisa percebem esta relação, como a descrita no trecho do diário
citado, mas vão além. Percebem uma relação de mão dupla”: a vida profissional é afetada
pela particular, mas também a vida particular pela profissional, por isso professores/as têm
uma vida agitada. Moita (1995) percebe que “os outros espaços de vida, nomeadamente o
espaço familiar e o social, podem ser um ‘limite’, um ‘contributo’, um ‘acessório’, em
relação à vida profissional” (p.138). Na visão dos alunos/as, tais espaços seriam limitadores
que, via de regra, percebem uma influência negativa da vida familiar sobre o humor dos
professores/as.
A vida pessoal e profissional dos professores/as pareceram estar tão imbricadas
segundo os integrantes do grupo de conversação que houve dificuldade em imaginarem os
professores/as fora da escola, em atividades completamente alheia a ela. Em uma dinâmica
realizada no último encontro, os alunos/as deveriam desenhar um professor ou uma
professora fora da escola, em alguma situação que não estivesse relacionada a ela. No
entanto, os desenhos feitos por eles/as apresentaram aspectos relativos à escola ou os
comentários feitos a partir deles evocaram esses aspectos.
No desenho de Bruno
119
, o professor de educação física está na frente da escola.
inclusive a inscrição com o nome da escola no desenho. Segundo ele, o professor estaria
“passando por lá”, não estaria saindo nem tampouco parado na frente dela. Apenas
passando...
Carlos
120
também desenhou um professor de educação física. Ele estaria junto a
outro professor, jogando futebol na própria cancha da escola. Questionei-o, então, sobre
não ter feito o professor fora da escola, como havíamos combinado. Mas ele deixou claro
que não era horário de trabalho na escola.
“Desenhei o ‘sor’ de física e o outro professor de física das outras turmas jogando bola”.
(Carlos)
“Onde eles estão?” (Pesquisadora)
Na cancha da escola”. (Carlos)
“Então ele está na escola?” (Pesquisadora)
“Tá. Mas não tem aula! Ele deve gostar de jogar bola... Com a gente ele joga!” (Carlos)
119
Ver imagem 5.
120
Ver imagem 4.
124
Carlos não conseguiu imaginar um local para os professores jogarem bola que não
fosse a escola, talvez porque os locais apropriados para jogar, no contexto da vila, sejam
escassos e a escola se constituia como ponto de encontro, ou até mesmo pólo cultural. No
entanto, mesmo assim, não considerou que o professor pudesse morar em outros locais da
cidade e que a escola não era para ele um local de lazer.
O desenho de Paula
121
deixou visível uma semelhança com o pensamento de Carlos.
Embora a professora desenhada por ela não estivesse na escola, possivelmente estava
próxima a ela. Além disso, na cena imaginada por Paula, a professora encontrava-se com
algumas alunas e com outros alunos a sua volta. Descreveu, assim, o local onde estavam:
“Numa pracinha. Sempre tem professora que encontra uns alunos na pracinha... Aqui é
uma vizinha”. [referindo-se à imagem do lado esquerdo do desenho]
Diego
122
também, de alguma forma, não deixou de relacionar “a professora fora da
escola” com a sua profissão, pois ao fazer comentários sobre a imagem, disse que a
professora estava olhando vitrines, mas só aquelas com “roupas de professora”!
Larissa e Rodrigo foram os únicos a desenharem uma professora e um professor em
situações que não envolviam a escola. No desenho de Larissa
123
, a professora imaginada
estava passeando com a família. E explicou que desenhou “a mãe dela, o pai dela e os dois
filhos dela”, referindo-se à professora.
No desenho de Rodrigo
124
, o professor estava em casa, conforme comentado
anteriormente, vendo televisão, comendo e bebendo. Mesmo assim caracterizou esta como
uma atitude típica das férias.
As concepções dos alunos e alunas da pesquisa sobre a vida dos professores
aproximaram-se das afirmações de Arroyo (2000). O autor sugere que “os tempos de escola
invadem todos os outros tempos. Levamos para casa as provas e os cadernos, o material
didático e a preparação das aulas [tal como a fala de Bruno]. Carregamos angústias e
sonhos da escola para casa e da casa para a escola” (p.27).
121
Ver figura imagem 6.
122
O desenho de Diego corresponde à imagem 3.
123
Imagem 8.
124
Imagem 7.
125
É inegável que, tal como na epígrafe inicial, não é uma parte dos professores/as
que se torna o profissional. Não apenas exercem sua função, mas costumam dizer que “são
professores”! Ao trabalhar com tais constatações devemos ter o cuidado para que não haja
uma endossa dos discursos relativos à missão, vocação e abnegação da função docente.
Nem tampouco que se exijam novamente determinadas condutas morais para que se possa
exercer o ofício. No entanto, vale a pena considerar cada vez mais a humanidade dos
professores/as. Vê-los em sua complexidade. Nóvoa (1995), comenta que a partir de dados
autobiográficos de professores/as percebeu melhor “as dificuldades de mobilizar as
dimensões pessoais nos espaços institucionais, de equacionar a profissão à luz da pessoa (e
vice-versa), de aceitar que por detrás de uma –logia (uma razão) há sempre uma –filia (um
sentimento)” (p.25).
Assim como Nóvoa (1995), os participantes da pesquisa trouxeram a dimensão
pessoal da vida do professor/a, através de exemplos, como relato do caso da professora que
sempre chega irritada na quarta-feira e que deixa os/as alunos/as intrigados e o professor
desenhado por Rodrigo. Relações e reflexões como estas poderiam ser feitas com mais
freqüência através de conversações em sala de aula, com os próprios professores/as,
propiciando maior reflexão sobre um tema que talvez esteja presente, de maneira informal,
nas conversas que os/as alunos/as travam entre si.
126
Imagem 6 – Desenho realizado pela participante Paula em dinâmica do 5º encontro
127
3.5 Professores/as de um outro espaço
Durante a dinâmica de análise das figuras que poderiam ser de professores ou
professoras, realizada no primeiro encontro, o grupo de alunos/as estabeleceu uma
conversação interessante sobre professores/as que atuam em outros espaços, os professores
de Curso, comparados aos das escolas. Embora seja um assunto pontual e nem mesmo
imaginado como foco de observação, foi trazido pelos participantes da pesquisa, não
podendo deixar de ser referido e constituindo interessante foco de análise.
Observando a última figura
125
da dinâmica (a de uma mulher de terno rosa, com
jóias e relógio, sorridente, sentada em uma sala com janelas de vidro e persianas ao fundo),
Larissa expressou que ela se parecia com a professora de espanhol de seu Curso. Para
Diego, ela mais se parecia com uma secretária e Rodrigo concordou com ele. Paula
comentou ainda que ela “é rica” (referindo-se à mulher da figura). Após este último
argumento, não discutiram mais: a mulher da figura não poderia ser uma professora!
No entanto, Larissa insistiu que para ela, poderia ser, sim. E João fez então uma
ressalva:
“Só se for aquelas professoras que são pagas... particular!” (João, 1EN)
Para Larissa era isso mesmo que estava referindo, as professoras que o aula em
curso particular. Discutem sobre isso e acabam concordando com João. Esclarecem que não
se trata das professoras de escola particular, nem as que dão aula individualmente (na
própria casa), mas de professoras de curso!
125
Ver anexo 9.
“Essa aqui parece minha professora de
espanhol... do meu curso!”
(Larissa, 1EN)
128
Começaram então a fazer relações entre as professoras de cursos e as professoras
das escolas. Paula chegou a afirmar que “professor de aula é diferente...”, “bem diferente!”,
segundo Bruno. E foram estabelecendo diferenciações entre estes/as professores/as.
A primeira diferença citada seria a de que professor de curso tem mais paciência e
não faz algumas coisas que caracterizam o modo de agir dos professores/as das escolas.
“Tem mais paciência com os alunos”. (Larissa, 1EN)
“E tem muito mais paciência que professora de escola! [...] E é mais feliz e não é tão
brigona!” (Larissa, 1EN)
Não grita com os alunos”. (Diego, 1EN)
Além disso, a própria aparência foi indicada como sendo diferenciada, pois
acreditam que professor/a de curso se veste melhor.
“Ensina melhor, se veste melhor, é outro... [não completa a frase]” (Bruno, 1EN)
“A de curso é mais arrumadinha”. (Larissa, 1EN)
“Mais ‘emperiquitada’!” (Paula, 1EN)
Esta diferença na aparência se justificaria pelos melhores salários recebidos por
estes professores/as. Segundo as falas, tais professores/as ganham mais, vestem-se melhor,
ensinam melhor, não gritam e são mais felizes. As melhores condições financeiras
aparecem como justificativa de tais ações.
Ganha mais, né!” (Diego, 1EN)
126
“Ganha mais dinheiro...” (João, 1EN)
127
Para Larissa, os professores/as de curso também explicam melhor os conteúdos de
aula: “[...] explica melhor do que professora de escola” (1EN) e por isso os alunos/as dos
cursos aprendem mais do que nas escolas, como também pensa Alice.
126
Justificando a fala de que ensina melhor e se veste melhor.
127
Justificando a fala de que não gritam, têm mais paciência.
129
“E o aluno aprende bem mais! O aluno aprende bem mais!” (1EN)
Além de acreditarem que professores/as dos cursos explicam melhor e dão mais
atenção aos alunos, outro fator contribuiria para os/as alunos/as aprenderem mais. Na
concepção da maioria deles/as, nos cursos um número menor de alunos/as por turma o
que facilita a aprendizagem.
“E a do curso vai com poucos alunos e o do colégio normal, não! Dão pra um monte...
Aí não tem o ensino...” (Alice, 1EN)
Esta fala foi contraposta por Larissa que insistiu que no curso que ela está são trinta
e cinco alunos/as na turma. Ficaram muito impressionados quando ela disse isso. João
chegou a exclamar: “Meu Deus do céu!”, pois pensavam que fossem bem menos alunos/as
por turma e acreditavam que a paciência do professor fosse também em função disso. Ou
seja, professor de curso teria mais paciência porque teria menos alunos em aula. Larissa
trouxe esta outra vivência que os deixou confusos: sua turma do curso tem muitos
alunos/as, mas a professora tem paciência da mesma forma e, segundo ela, explica tudo
quantas vezes for preciso.
“Tudo! Com paciência... e se for preciso ela passa de classe em classe e explica”
(Larissa, 1EN)
Questionei, então, por que haveria esta diferença entre o curso e a escola. Por que os
alunos/as prestariam mais atenção no curso? Diego acredita que seja porque o Curso é
pago. Se estão pagando, prestariam mais atenção. João chegou a levantar uma outra
possibilidade:
Tão ali por interesse deles!” (1EN)
O interesse dos/as alunos/as justificaria, assim, a maior atenção.
“É que ali no curso eles querem fazer” (Diego, 1EN)
130
Larissa ficou um pouco envergonhada em dizer que para ela tanto fazia se fosse
professor/a de curso ou de escola, porque sua atenção e interesse eram os mesmos em
ambos os casos.
“Ah...Eu...Eu... não é querer...Eu não sou aquelas que diz assim: ‘Ela estuda muito!’. Eu
não! Mas eu acho que... é quase a mesma coisa. [referindo-se a maneira de se portar em
aula nos diferentes espaços] Pra mim é a mesma coisa! Ou numa sala de aula... dentro
do colégio ou dum curso, entendeu?” ( 1EN)
No entanto, os outros continuaram achando que no curso o interesse era maior e
ficaram cochichando sobre o comentário da Larissa, pois o que ela pensava, não coincidia
com o que a maior parte dos participantes pensava. Tal como indicam, nem sempre o
interesse por parte dos alunos/as e existem várias razões para os alunos/as estarem na escola
e nem todas elas derivam da “vontade de saber”. Nem todos os alunos/as (e também os
professores...) estão na escola em função da aprendizagem. Muitos alunos/as estão por
obrigação (da família, do sistema) ou simplesmente para poderem alcançar uma
determinada posição no futuro. A escola é, também, o lugar do encontro com amigos e
lugar de convivência social.
No curso, diferentemente da escola, os alunos/as podem (quase sempre) optar por
estarem ali e pelo tipo de aprendizagem que querem desenvolver (línguas, como Larissa,
música, dança, informática, etc.). No entanto, nas instituições escolares nem sempre
interesse na permanência em sala de aula. Muitas vezes, como representantes mais
próximos dos alunos nas instituições escolares, os professores acabam sendo alvo das
reações de agressividade e de desinteresse, pois, dentro da escola, os professores acabam se
convertendo em “vigilantes da sua [alunos/as]permanência formal nas aulas” (Esteve, 1995,
p.108).
Além de citarem diferenças entre professores de curso e das escolas, surgiram
também algumas diferenças entre atitudes/ações relativas a escolas particulares e públicas
onde estudam. Na própria conversação sobre a atenção dos alunos no curso apareceu uma
questão sintomática. Acreditam, como afirmei, que os alunos/as, além do interesse, pagam
para estudar e por isso são mais atentos. Em discussões como esta, senti a ausência de
alunos/as de escolas particulares representados no grupo e que poderiam enriquecer a
131
discussão trazendo pontos de vista diferenciados, pois em outros momentos também fez-se
referência às escolas particulares.
Percebi que na fala dos alunos/as do grupo houve uma certa idealização das escolas
particulares, espaços em que tudo deveria acontecer em perfeita ordem, sem problemas,
seguindo-se rituais com total obediência. No primeiro encontro do grupo, enquanto
discutiam sobre algumas atitudes de alunos/as e professores/as, Larissa trouxe um exemplo
de como, através do diálogo, sua turma resolvia os problemas de relacionamento com
professores/as. Conversam com o professor/a sobre os problemas da turma e em alguns
casos procuram, através de representantes, a direção da escola. Contou, ainda, que sua
turma serviu de exemplo aos outros alunos/as da escola para agirem da mesma maneira.
Tudo isso os/as faz pensar que ela estuda em uma escola particular, conforme trecho do
diálogo a seguir.
“Na minha escola funciona assim...[...]” (Larissa)
Isso em escola particular, né?” (João)
“A gente começa pra dar exemplo pros outros!” (Larissa)
“Então quando vocês tem um problema, falam com a direção?” (Pesquisadora)
“Isso escola particular...” (Alice)
“Mas a escola dela não é particular. A escola dela é estadual.” (Pesquisadora)
“É. É estadual!... A gente fez isso por incentivo dos alunos e aí continuou com a ajuda dos
professores.” (Larissa)
Durante este diálogo, quando afirmei que a escola de Larissa era estadual, ficaram
muito surpresos, o que foi percebido através de suas fisionomias, gestos e cochichos feitos
enquanto conversávamos.
Em uma outra situação, durante o quarto encontro, foi a própria Larissa que se
referiu à escola particular. Durante a dinâmica de apresentação de cenas de professores/as
com seus alunos/as, ao imitar a professora de história, Larissa falou que sua professora tem
“mania de escola particular”.
132
“Ela tem mania, que nem em colégio particular, de mandar ‘Levanta classe. Dá bom dia! ’,
não sei o que... Que nem colégio particular”.
Nestas falas sobre escola particular somente foi possível conhecer algumas de suas
concepções, sem que, naquele momento, entre eles, pudesse haver a confrontação de
diferentes opiniões e experiências.
133
Imagem 7 – Desenho realizado pelo participante Rodrigo em dinâmica do 5º encontro
134
“A interação que se estabelece entre professor e
aluno tem sempre um caráter de reciprocidade,
e marca o clima vivido na classe.
Implicitamente, traduz o entendimento que
professor e aluno têm dessa relação”
(
GRILLO
, 2001, p. 80)
3.6 Relações marcantes
Quando falamos em relações escolares, é importante que tenhamos presente que,
“independentemente do caráter de que se revista esta relação, é necessário que fique bem
clara a razão primeira da presença de aluno e professor na sala de aula: a prática educativa,
traduzida em ensino e aprendizagens cognitivas e afetivas” (GRILLO, Ibid.).
Tais aprendizagens, relacionadas à prática educativa, encontram na convivência um
aspecto facilitador ou um empecilho, dependendo de como as relações são travadas. A
qualidade da relação estabelecida em sala de aula interfere não na convivência entre
alunos/as e professores/as, mas também nos conteúdos apreendidos e desenvolvidos.
Segundo a perspectiva freudiana, “não são os conteúdos que vão estabelecer uma ligação
entre professor e aluno. É o tipo de relação que se estabelece entre eles, que dá condições
para o desenvolvimento da aprendizagem, independentemente de quais sejam os
conteúdos” (SILVA, 2002, p.66), demonstrando também a importância desta relação para a
aprendizagem.
Durante os encontros do grupo de conversação, os participantes demonstraram o
quanto é importante para eles a postura do professor/a e o quanto valorizam atitudes bem
humoradas e o diálogo aberto com os mesmos, conforme desenvolvido nos capítulos
anteriores. Porém, para muitos professores/as, a indisciplina dos alunos/as seria o motivo
dos problemas no relacionamento em sala de aula.
Nas escolas, seminários, estudos, muitas falas versam sobre a indisciplina e
violência dos alunos/as. É fato que os alunos/as mudaram. Mas também mudaram os
tempos. Mudamos nós professores/as! Certamente não podemos deixar de considerar que,
atualmente, em muitos casos, passou-se de uma relação revestida de autoritarismo por parte
do professor à sua ação limitada. No entanto, tais “modelos” de relações ainda coexistem e
135
um não elimina totalmente o outro. Ainda existem professores que procuram exercer uma
autoridade descabida, desconsiderando seus interlocutores. Quando extrapolam, esbarram
nos direitos de seus alunos, garantidos de alguma forma, por muitas dessas mudanças.
Da mesma maneira, existem os professores que, mesmo mais democráticos, sofrem
com a atmosfera de agressões que muitas vezes caracteriza a sala de aula ou os corredores
da escola. E ainda, por parte dos alunos, podemos observar aqueles que permanecem se
submetendo aos delírios de alguns professores, aqueles que de maneira participativa
contribuem para um encontro agradável a cada aula e os que agridem verbalmente e até
fisicamente, colegas e até professores.
Sem desconsiderar tais aspectos, torna-se fundamental pensar, cada vez mais, as
relações que são travadas entre alunos/as e professores/as, tal como sugere Arroyo (2004),
ir aos poucos indagando se todos os alunos/as são violentos e tão violentos. É preciso ter o
cuidado (principalmente nas escolas populares) de não cairmos no discurso da violência
entre os alunos/as e condicionarmos tal definição à totalidade de estudantes. É preciso
considerar e discernir o que é comum a cada faixa etária e às tantas juventudes e infâncias
existentes; o que é violência e o que é ‘peraltice’, sinalizada desde que escola é escola,
criança é criança e adolescente é adolescente. Histórias de “indisciplinas” são contadas e
rememoradas, povoando histórias de escola de nossos avós, pais e até de nós mesmos.
Quem não lembra de algum/a colega que fazia gracinhas, que não parava na classe, que
demorava para voltar do banheiro, que respondia mal à professora ou dos acidentes devido
a empurrões nas filas e brigas no recreio?
Não pretendo banalizar tais fatos, mas chamar a atenção para esse cuidado no modo
como encaramos os comportamentos dos alunos/as, ou melhor, no entendimento que temos
de suas ações. Sempre que se fala sobre os problemas nas relações com os alunos/as e sobre
como andam os alunos/as de hoje em dia, lembro-me das epígrafes que Outeiral (1994)
registrou em seu livro:
“Nossos adolescentes atuais [...] têm maus modos e desprezam a
autoridade. São desrespeitosos com os adultos e passam o tempo vagando
nas praças...São propensos a ofender seus pais [...] e tiranizam seus
mestres”. E ainda: Não vejo esperança para o futuro do nosso povo se
136
dele depender da frívola mocidade de hoje [...]. Os moços de hoje são
excessivamente sabidos e não toleram restrições”.
E a surpresa vem quando olhamos as referências e descobrimos que tais
depoimentos são, sucessivamente, de crates e Hesíodo, datados dos séculos V e VIII
a.C., que sucede através dos tempos, quando invariavelmente olhamos para as gerações
mais novas com incompreensões.
Para os participantes da pesquisa, que falam desde o seu lugar de alunos/as, são os
professores/as que são agressivos e que precisam de calma e educação! Sabem que, muitas
vezes, passam dos limites e provocam os professores/as, os/as fazem perder a paciência.
Mas dizem também que, às vezes, “eles/as começam”: não dão bom dia, fazem copiar
textos enormes e na próxima aula tudo de novo, os ofendem, gritam, entre tantas outras
coisas que foram dizendo e fui apresentando no decorrer do texto.
Um dos casos lembrados durante as nossas conversas, citado por Larissa, parece
exemplar de como a relação entre professores/as e alunos/as pode ser conturbada e deixar
marcas. Larissa sempre fazia referência a sua professora de história. Comentava que era
muito braba, que fazia horrores.
Certa vez, depois de um encontro, enquanto eu recolhia os materiais utilizados
naquela tarde, ela ficou conversando comigo sobre a tal professora. Percebi que ela tinha
horror àquela professora, verdadeiro pânico. Ao que parece, os problemas pioraram quando
tirou nota baixa em sua disciplina. Pelos comentários durante os encontros, percebi também
que Larissa é uma aluna dedicada, gosta de tirar boas notas e de participar em aula. A falta
de comunicação aparente entre ela e a professora, a relação que a professora estabelece com
os alunos/as em aula, gerou um descontentamento em Larissa, resultando na nota baixa. Era
impressionante como a aluna mudava completamente sua fisionomia ao falar da professora.
Um misto de medo e raiva. Ela ficava vermelha, as palavras saiam truncadas, o tom de voz
aumentava e em alguns momentos chegavam a brotar lágrimas em seus olhos.
Podemos ter uma idéia de como a professora citada por Larissa age nas aula, através
da encenação feita por ela no quarto encontro. Diante da solicitação de que deveriam
apresentar uma cena de um/a professor/a com seus alunos/as, Larissa representou seu grupo
imitando justamente a professora de história.
137
“Outra professora de história... ‘Bom dia classe! Vamos começar no livro na página tal-tal.
!!! Parem de rir! Todo mundo quieto se não já vou mandar pra direção agora! E tu? Que
tu rindo?! Para de palhaçada! Baixa a cabeça! Vai copiar o texto!’ geralmente ela
manda a diretora subir. [...] alguém diz: ‘Ô sora...’ E ela: ‘Não me chama de sora. Eu
sou professora’. alguém diz: ‘Mas a gente nem tá na aula de português!’. ‘Mas mesmo
assim. Eu tô mandando falar direito!” (4EN).
A partir da situação encenada por Larissa (de uma professora que impede a
comunicação em aula, onde todos precisam fazer silêncio e agir mecanicamente copiando
textos, fazendo exatamente o que ela manda), podemos refletir, assim como Paulo Freire
(1996), que mesmo “sem bater fisicamente no educando o professor pode golpe-á-lo,
impor-lhe desgostos e prejudicá-lo no processo de sua aprendizagem” (p.138). Além disso,
nem sempre o professor/a consegue separar os problemas de relacionamento ou conduta
dos problemas de aprendizagem.
Os participantes da pesquisa bem sabiam disso e sentiam a importância dessa
relação. João disse, no quarto encontro, que o que o deixava feliz na relação com os
professores/as é lhe ensinarem coisas e serem professores/as amigos/as. O grupo apreciou
muito a resposta dada por João e o chamaram até de intelectual. Pareciam perceber em sua
resposta àquilo que também gostariam de ter dito, mas não conseguiram traduzir em
palavras.
Também Diego e Bruno disseram um pouco desta difícil condição de alunos. Diego
imaginou como seria com seus alunos se fosse professor
128
.
“Se eu fosse professor eu seria bem legal porque já sei como é ser aluno e não iria repetir
o que meus professores fazem. Eu sei o que é bom e o que não é. E iria ser professor da
matéria mais legal: educação física. Eu sei que é a matéria mais divertida para os alunos”
(Diego, 5EN)
Depois de Diego apresentar esta fala, Bruno comentou:
128
Durante dinâmica desenvolvida no último encontro.
138
“Eu achei legal o que o Diego escreveu, porque a gente é aluno e a gente sabe o que a
gente sofre” (Bruno, 5EN)
Relações marcantes, situações sofridas, como disse Bruno, que gostariam que
fossem diferentes. Às vezes são! E que, como alunos/as, sabem muito bem falar sobre elas.
Sabem o que é bom e ruim, conforme a fala de Diego, pois sabem o que é ser aluno! Será
que como professores/as estamos nos esquecendo de como era ser aluno/a? O que se passa
durante nossa formação docente que, de alguma forma, nossas experiências como alunos/as
não nos fazem ser diferentes de nossos professores? Será mesmo que Diego, como
professor, agiria de modo muito diferente de seus professores? São reflexões que trago para
que pensemos, a todo momento, como estão sendo nossas relações com os alunos e alunas,
para que venhamos a sentir a necessidade de agir e refletir num repensar constante das
práticas escolares. E assim, possamos perceber, entre outras coisas, quão marcantes podem
ser as experiências vivenciadas pelos alunos/as com os professores/as. Marcas estas que
podem se constituir como positivas, como uma gostosa lembrança, mas também como algo
que prefeririam nem lembrar.
139
Imagem 8 – Desenho realizado pela participante Larissa em dinâmica do 5º encontro
140
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os achados da pesquisa extrapolam aquilo que foi possível contemplar nesta
dissertação. Há muito ainda a pensar. Algumas evidências, entretanto, afirmam-se
contundentemente. Uma delas é que professores/as e alunos/as, a cada dia, restringem mais
sua disponibilidade para o diálogo. Talvez seja necessário repensar os lugares de aluno/a e
professor/a sob novos ângulos, revendo o fazer pedagógico, profissional, relativo a
conhecimentos e aprendizagens, mas não isso, também rever os convívios e as
implicações que dele decorrem.
Muito é dito sobre o lugar de professor/a que constrói e constitui este sujeito nos
diferentes tempos vividos. Nesta pesquisa, os integrantes do grupo de conversação também
puderam expressar suas concepções, através de suas falas, desde o lugar ocupado por
eles/as como alunos e alunas, e das experiências vivenciadas com professores/as nas
escolas onde estudam, inseridas em diferentes contextos e com especificidades próprias a
cada rede de ensino. Suas falas expressam, ainda, diferentes discursos que circulam fora da
escola sobre professores/as.
No grupo de conversação os participantes da pesquisa puderam expor suas idéias,
mas também confrontá-las. Para isso, um ambiente acolhedor foi cuidadosamente planejado
e a interação entre os integrantes do grupo foi pautada pelo vínculo, confiança e respeito. A
conversação entre os participantes sobre professores e professoras foi ocorrendo através das
dinâmicas que os provocavam e os convidavam a falar. Os diferentes temas sobre o sujeito
professor/a foram apresentados de forma a disparar/desencadear reflexões e conversas.
Também no grupo, os participantes encontraram um lugar de escuta, onde havia a
disposição em compreender, valorizando-se todas as contribuições. Sentiam que suas falas,
o que dissessem, era ouvido com respeito e interesse e que contribuiria para formulação de
A ciência é um processo sem fim, uma
‘procura’ num território sem fronteiras (GLEISER,
1997 apud EIZIRIK, 2001, p.24).
141
um trabalho formal. Destaca-se, ainda, que embora a prática como pesquisadora tenha sido,
de certo modo, “pedagógica”e “didática” no grupo de conversação, a relação que os
participantes estabeleceram entre si e com a pesquisadora não foi escolar e nem mesmo
desconfiavam que havia aí um lugar de professora.
Em suas falas, os participantes não se colocaram numa posição de retaliação dos
professores/as, embora seja imprescindível assinalar o forte conteúdo, até mesmo de
denúncia, de algumas falas. A seriedade e o comprometimento foram marcas em seus
relatos, com desejos e expectativas de sintonia na relação com os professores/as.
Reconhecem sua parcela de participação nas relações e demonstram continuar apostando na
escola.
Percebeu-se que suas falas se referiram às vivências escolares e ao convívio com
professores/as que têm ou tiveram, falando do que foi vivido, do sujeito concreto e de suas
ações. Mas fazem relações entre estes sujeitos reais com os possíveis, aquilo que gostariam
de seus professores/as, usando a imaginação e expressando seus desejos.
Definem como se parece um professor/a (cabelo, roupa, acessórios, materiais) de
acordo com padrões atuais e semelhantes também ao que eles/as, como alunos/as gostariam
de ter ou usar, tal como alguns materiais de sala de aula, mas também citam coisas que são
utilizadas pelos professores/as de sua convivência.
Relacionam qualidades referentes ao afeto e à atenção. Elegeram a calma como uma
das qualidades principais em um professor/a.
Percebem que professores/as utilizam em suas práticas algumas ações que são
planejadas e fazem parte do contexto escolar e outras, ainda, que surgem por impulso, em
determinados momentos, para conseguirem garantir a ordem em sala de aula. Entre essas
estratégias estão as provas marcadas de última hora, os trabalhos que surgem quase como
“castigo”, e a mudança no jeito de falar do professor/a quando está próximo de outras
pessoas.
Também sinalizam que os alunos/as criam algumas “estratégias de sobrevivência”
no ambiente escolar e aprendem a conviver com as exigências dos diferentes
professores/as, o que é aceitável por eles/as. Contudo, registram que não são passivos, pois
fazem provocações, principalmente com aqueles de que não gostam.
142
Acreditam que a maioria dos professores/as são “brabos”, não sorriem ou
conversam muito, mas quando imaginaram quem poderia ser professor/a, apontaram seus
desejos, eliminando figuras que apresentavam semblantes carrancudos ou muito sérios.
Gostariam de ter professores mais sorridentes, mais “educados”, para que com eles/as,
convivessem sem tantas confusões.
Além das situações criadas como estratégias e táticas de ação dos professores/as, os
participantes da pesquisa identificam uma outra maneira de agir. São condutas que lhes
parecem ter pouco sentido, quase vícios da docência, sem que sobre elas se pense e reflita.
Essas ações foram chamadas de manias e entre elas está o controle dos corpos (ficar parado,
ficar sentado “direito”, não levantar, não se abaixar, sentar no lugar determinado, entre
outras coisas), fazer silêncio, falando o mínimo possível e o exemplo caricatural do modo
como as cortinas devem ficar na sala de aula. Esta última mania, citada várias vezes,
definiu bem o quanto algumas práticas acabam se tornando sem sentido frente aos
propósitos pedagógicos e criam um clima tenso em sala de aula.
Os integrantes do grupo de conversação definiram também como são os
professores/as que lhes parecem “chatos” e os “legais”, criando ainda um “meio termo”, um
professor/a mais próximo do possível e do que gostariam de ter, surgindo a expressão
“legal, mas um pouco chato”. Legal porque dialoga, porque respeita, tem interesse e motiva
os alunos/as, mas um pouco chato porque, quando necessário, usa sua autoridade para
“chamar a atenção” dos alunos que estejam perturbando.
Entendem, ainda, que professores e professoras se vestem de um jeito diferente de
outras pessoas, jeito que os caracteriza de forma singular. Se uma pessoa usar óculos, por
exemplo, pode-se desconfiar que é professor/a! E fazem algumas interdições sobre a
vestimenta dos mesmos, como roupas decotadas, “barriga de fora”, variando essas e outras
características relacionadas também a cores de roupas e tecidos de acordo com o gênero e a
idade dos mesmos.
A vida agitada do professor/a, devido às inúmeras exigências e afazeres da
profissão, interferem, segundo eles/as, no estilo do professor/a. Quanto mais ocupados,
menos pacientes. Acreditam que quando os professores/as chegam “brabospara sala de
aula é porque houve interferência da vida pessoal em seu humor ou este foi alterado devido
às incomodações de alunos/as de outras turmas.
143
No entanto, acreditam que não a vida profissional é afetada pela particular, mas
também a particular pela profissional e por isso destacam a agitação da vida do professor/a
como característica proeminente. Para os participantes da pesquisa, existe uma ligação
muito grande entre a vida pessoal e profissional dos professores/as, o que cria uma certa
dificuldade em imaginá-los fora do contexto escolar. Assim, penso que é preciso, com
urgência, dar visibilidade a esta questão para que, como professores/as, passemos a ser
considerados cada vez mais como pessoas. Pessoas que têm, como os participantes da
pesquisa dizem, uma vida agitada. Pessoas que precisam continuar lutando para que sejam
institucionalizados os espaços formais de atividades pedagógicas relativas à prática
profissional, entre outras coisas, qualificando atividades/vivências profissionais, mas
também as experiências pessoais, ou melhor dizendo, a própria vida.
Os integrantes do grupo de conversação referem, ainda, professores/as que habitam
outros espaços, como os cursos particulares, por exemplo. Estes professores/as seriam, para
eles/as, mais pacientes, teriam melhores salários e se vestiriam melhor. Os alunos também
seriam diferentes neste outro contexto: mais atentos e interessados, pois além de estarem
pagando, teriam o real interesse em freqüentar cursos escolhidos segundo suas preferências.
Durante os encontros do grupo de conversação, os participantes evidenciaram a
importância da postura do professor/a e a valorização de atitudes bem humoradas, assim
como do diálogo aberto entre eles/as. Assim, como exposto anteriormente, o tipo de relação
que travam professores/as e alunos/as em sala de aula, independentemente dos conteúdos,
cria condições para a aprendizagem, daí a importância de olharmos mais atentamente e
cada vez mais, as situações vivenciadas nesta relação.
Os participantes desta pesquisa percebem e valorizam a importância dessa relação,
tanto é que raramente destacaram ações dos professores relacionadas a conteúdos
específicos ou a suas metodologias. Aspectos metodológicos foram citados apenas para
contextualizar o modo de agir dos professores/as.
Na condição de alunos e alunas, disseram saber o que é bom e o que não é nas
práticas de professores/as, discorrendo, assim, sobre suas vivências e ações que lhes
parecem mais apropriadas e interessantes.
Desse modo, através das falas dos alunos e alunas participantes do grupo de
conversação desta pesquisa, entendo, tal como Arroyo (2004), que “os alunos nos obrigam
144
a enxergá-los. A atenção sobre eles cresce e podese tornar uma iluminação tardia sobre
toda a docência” (p.15).
Se entendermos que a alegria e o prazer são forças que motivam a aprendizagem,
tentaremos encontrar formas de convívio mais agradáveis aos alunos e a nós mesmos, como
profissionais, mas não de maneira ingênua. São muitas as complexidades e os conflitos
atuais, onde
“os governantes deixaram as escolas em condições precárias,
sobrecarregaram de alunos as salas de aula, obrigaram os docentes a
triplicar os turnos, deixaram a infância, adolescência e juventude nos
limites de uma sobrevivência agressiva e depois proclamam em
discursos que a instituição escolar deve ser o símbolo do convívio feliz
e da democracia” (ARROYO,2004,p.48).
Mas diante destas questões e por termos clareza destes fatos, como sujeitos
humanos e múltiplos, é que podemos repensar nosso lugar de professores/as. E, em
contraposição à chatice que pode se tornar a escola diante das rotinas, da pouca variação
das atividades que são realizadas e da falta de entendimentos e escuta entre as pessoas que a
habitam, podemos propor o diálogo, a “conversa” e as brincadeiras (como indicado pelos
alunos/as) para sermos mais “legais”. Sabe-se que, “por um largo tempo, recomendava-se
às mestras e aos mestres- a severidade e a firmeza, a contenção dos gestos e sorrisos, a
recusa de qualquer afago ou aproximação física” (LOURO, 1997, p.82). No entanto,
sabemos também que são outros os tempos vividos e a autoridade com bom-humor,
respeito recíproco e liberdade dos sorrisos pode tornar-se uma recomendação para nosso
tempo.
De forma provocativa, os participantes da pesquisa indicaram desprezo, não pela
figura que impõe limites, mas pela autoridade que vem revestida de intransigência, falta de
diálogo, completamente alheia ou distante de seus interesses. Demonstram a necessidade e
a importância da relação positiva com o adulto de referência, através da amizade e atenção
que esperam também dos professores/as. Apontam para o desejo de mais momentos de
145
proximidade com o professor/a, através do diálogo e do brincar, mesmo pertencendo a uma
faixa etária e série de formação em que são considerados como “grandes” para isso.
Talvez algumas das questões tratadas nesta dissertação já tenham sido abordadas em
outros estudos, entretanto, o que aqui difere e é singular, é o fato de que são expressas pelos
próprios alunos.
Nesta pesquisa, gostaria ainda de ter evidenciado concepções sobre o sujeito
professor/a de alunos/as de outros tempos, mas percebo, assim como Julia (2001), que “a
história das práticas culturais é, com efeito, a mais difícil de se reconstruir porque ela não
deixa traço: o que é evidente em um dado momento tem necessidade de ser dito ou
escrito?” (p.15). O que já foi sentido por alunos de outros tempos pode ser encontrado sob a
forma de registros nas instituições escolares?
Pelo imperativo do tempo e para aprofundamento do tema proposto dediquei-me
nesta dissertação a escutar as falas de alunos e alunas de hoje. No entanto, a questão acima,
proposta no projeto, permanece como indagação.
Com a prática da pesquisa e na busca pelas contribuições teóricas percebi o quanto
ainda me falta (e nos falta) saber, pois parece mesmo que “quanto mais aprendemos,
melhor dimensionamos nossa ignorância, melhor compreendemos nossas limitações”
(GLEISER, 1997 apud EIZIRIK, 2001, p.24). Mas fico feliz no momento (talvez
ingenuamente ou pretensiosamente) em imaginar que os resultados desta pesquisa possam
fornecer elementos sobre a cultura escolar e que em tempos futuros dirá um pouco sobre a
cultura de nosso tempo.
146
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151
ANEXOS
152
Oi!!!
Venha participar!
Suas idéias são muito importantes!
ANEXO 1- Material divulgação alunos
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Faculdade de Educação
Programa de Pós-Graduação em Educação
Estou fazendo uma pesquisa e
gostaria de contar com a tua
participação.
É sobre o
que os alunos e as
alunas pensam sobre
professores e professoras!
Tenho certeza que você tem muitas
coisas interessantes para falar. Por
isso gostaria que viesse fazer parte
do grupo que será formado.
Vamos nos encontrar no Planetário
da UFRGS, às quartas-feiras à
tarde, das 14h às 16h.
Lá só vai ter gente da tua
idade e de várias escolas!
Contato e maiores informações: Simone Gonzalez Gomes
-
f.: 96528495
153
ANEXO 2- Material divulgação pais
Senhores responsáveis
O/A aluno/a ................................................ está sendo convidado a participar de
um grupo que contribuirá para uma pesquisa
Quem convida?
Uma pesquisadora em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
aluna de Mestrado.
Como você pode colaborar?
Autorizando seu filho a fazer parte de um grupo de alunos e alunas que estarão
conversando sobre suas concepções sobre o sujeito professor/a, partindo de
suas idéias, vivências, pensamentos... Um espaço de troca, participação e
respeito, onde a fala de cada um será muito importante.
Quando?
Durante quatro semanas, às quartas-feiras à tarde, das 14h às 16h.
Onde?
No Planetário da UFRGS, Av. Ipiranga nº2000, Bairro Santana.
Confirmar participação no dia ___/___/____ .
No mesmo dia os responsáveis poderão solicitar outros esclarecimentos à
pesquisadora através do aluno/a.
154
ANEXO 3 – Termo de Consentimento Informado
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
TERMO DE CONSENTIMENTO INFORMADO
Este documento confirma sua participação, com o consentimento de seu responsável, na Pesquisa
“Concepções de alunos e alunas sobre o sujeito professor/a: falas e cenas da convivência”, que tem como objetivo
perceber as diferentes concepções de alunos e alunas sobre o sujeito professor/a a partir das relações estabelecidas
entre eles na prática escolar cotidiana.
Os dados e resultados individuais da pesquisa estarão sempre sob sigilo ético, não sendo mencionados os
nomes das participantes em nenhuma apresentação oral ou trabalho escrito que venha a ser publicado, a não ser que
o/a autor/a do depoimento manifeste expressamente seu desejo de ser identificado/a. A participação nesta pesquisa não
oferece risco ou prejuízo à pessoa entrevistada. Se, no decorrer da pesquisa, o participante resolver não mais continuar
ou cancelar o uso das informações prestadas, terá toda a liberdade de o fazer.
As pesquisadoras responsáveis pela pesquisa são a Professora Dra. Maria Stephanou, do Programa de Pós-
Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, orientadora, e a
mestranda Simone Gonzalez Gomes, do referido Programa de Pós-Graduação. Ambas se comprometem a esclarecer
devida e adequadamente qualquer dúvida ou necessidade de informações que o/a participante venha a ter no momento
da pesquisa ou posteriormente, através dos telefones (051) 3316-5388 – Departamento de Ensino e Currículo da
Faculdade de Educação, ou (051) 3316-3428.
“Declaro, estar ciente das informações constantes neste Termo de Consentimento Informado, e entender que
cedo os direitos de minha participação e depoimentos para a pesquisa realizada na Universidade Federal do Rio Grande
do Sul (UFRGS), junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação intitulada “Concepções de alunos e alunas sobre o
sujeito professor/a: falas e cenas da convivência,” desenvolvida pela mestranda Simone Gonzalez Gomes, sob a
orientação da Profª. Dra. Maria Stephanou, para que sejam usados integralmente ou em partes, sem restrições de
prazos e citações, a partir da presente data. Da mesma forma, autorizo a sua consulta e o uso das referências a
terceiros, ficando vinculado o controle das informações a cargo destas pesquisadoras da Faculdade de Educação da
UFRGS”.
Abdicando direitos autorais meus e de meus descendentes, subscrevo a presente declaração,
Porto Alegre, ...........de ................................................... de 2005.
Participante: ............................................................................................................................................................................
Como responsável pelo/a adolescente ........................................................................................................................ ,
declaro o meu consentimento para sua participação nesta Pesquisa.
Obs.:.........................................................................................................................................................................................
Responsável: .......................................................................................... Identidade nº.: ......................................................
Pesquisadora: ........................................................................................................................................................................
155
Anexo 4 – Ficha dados alunos/as
Nome: ....................................................
Escola: ....................................................
Telefone: ................................................
End.:........................................................
................................................................
Idade: .....................................................
Responsável: ..........................................
Filho de profº: ( )Sim ( )Não
Nome: ....................................................
Escola: ....................................................
Telefone: ................................................
End.:........................................................
................................................................
Idade: .....................................................
Responsável: ..........................................
Filho de profº: ( )Sim ( )Não
Nome: ....................................................
Escola: ....................................................
Telefone: ................................................
End.:........................................................
................................................................
Idade: .....................................................
Responsável: ..........................................
Filho de profº: ( )Sim ( )Não
Nome: ....................................................
Escola: ....................................................
Telefone: ................................................
End.:........................................................
................................................................
Idade: .....................................................
Responsável: ..........................................
Filho de profº: ( )Sim ( )Não
Nome: ....................................................
Escola: ....................................................
Telefone: ................................................
End.:........................................................
................................................................
Idade: .....................................................
Responsável: ..........................................
Filho de profº: ( )Sim ( )Não
Nome: ....................................................
Escola: ....................................................
Telefone: ................................................
End.:........................................................
................................................................
Idade: .....................................................
Responsável: ..........................................
Filho de profº: ( )Sim ( )Não
156
Anexo 5 - Convite aos alunos/as selecionados/as
Os encontros do grupo de alunos e alunas irão começar !!!
E você está sendo convidado a participar deste grupo.
O primeiro encontro será no dia 04/05/05, quarta-feira,
das 14h às 16h. Será no Planetário da UFRGS (ver mapa
em anexo).
Espero por você!
Suas idéias são muito importantes!
Um abraço
Simone
157
Anexo 6- Orientação de como chegar ao Planetário
Como chegar ao Planetário?
A entrada do Planetário fica na Av.
Ipiranga. Você vai entrar por um
grande portão por onde entram
também os carros. Como usaremos
uma sala do NIUE (Núcleo de
Integração Universidade Escola), que
fica no Subsolo do prédio, você desce
uma escada que está à esquerda de
quem chega ao Planetário.
Descendo as escadas, entre na
primeira porta, onde já estaremos
esperando por você!
158
Anexo 7 - Explicação aos pais sobre os encontros
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Faculdade de Educação
Programa de Pós-Graduação em Educação
Senhores responsáveis
O/A aluno/a ................................................ está sendo convidado a participar de
um grupo que contribuirá para uma pesquisa
Quem convida?
Uma pesquisadora em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
aluna de Mestrado.
Como você pode colaborar?
Autorizando seu filho a fazer parte de um grupo de alunos e alunas que estarão
conversando sobre suas concepções sobre o sujeito professor/a, partindo de
suas idéias, vivências, pensamentos... Um espaço de troca, participação e
respeito, onde a fala de cada um será muito importante.
Quando?
Às quartas-feiras à tarde, das 14h às 16h, durante o mês de maio. Os
encontros acontecerão nos dias:
04/05/05
11/05/05
18/05/05
25/05/05
Onde?
No Planetário da UFRGS, Av. Ipiranga nº2000, Bairro Santana.
OBS.: Se fornecido vale-transporte ao aluno que precisar deslocar-se de
ônibus. Solicitar no primeiro encontro, onde serão entregues as passagens de
ida e volta.
Contato e maiores informações: Simone Gonzalez Gomes - f.: 96528495
159
Gostei muito da tua participação hoje!
Vamos continuar conversando na próxima quarta?
25/05/05
14h
Um abraço!
Simone
ANEXO 8 Modelos de alguns cartões oferecidos aos participantes do grupo de
conversação no final dos encontros
Muito obrigado por sua presença!!!
Te encontro novamente
na próxima quarta-feira,
dia 18/05, às 14h.
Até lá e boa semana!
Simone
160
ANEXO 9- Figuras de homens e mulheres utilizadas em dinâmica do 1º encontro
- Primeiras figuras escolhidas pelos participantes
161
- Figuras de pessoas selecionadas pelos participantes do grupo como possíveis de serem
professores/as.
162
- Figuras de pessoas que não poderiam ser professores/as.
163
- Figuras que geraram diferentes posicionamentos.
164
- Figura que foi considerada pelos participantes como relacionada à professora de Curso
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
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Baixar livros de Defesa civil
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Baixar livros de Educação
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Baixar livros de Filosofia
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Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
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Baixar Monografias e TCC
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Baixar livros de Música
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Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo