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Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes
Programa de Pós-graduação em Psicologia
ADOLESCENTES E JOVENS E SUAS BASES DE APOIO:
RELAÇÕES DE AMIZADE COMO SUPORTE SOCIAL NO
ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA
EMANOEL JOSÉ BATISTA DE LIMA
NATAL-RN
2005
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2
EMANOEL JOSÉ BATISTA DE LIMA
ADOLESCENTES E JOVENS E SUAS BASES DE APOIO:
RELAÇÕES DE AMIZADE COMO SUPORTE SOCIAL NO
ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA
Dissertação elaborada sob orientação
da Prof. Drª. Magda Dimesntein e
apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Psicologia da
Universidade Federal do Rio Grande
do Norte, como requisito parcial à
obtenção do título de Mestre em
Psicologia.
Natal /RN
2005
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Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Cento de Ciências Humanas, Letras e Artes
Programa de Pós-Graduação em Psicologia
A dissertação "Adolescentes e Jovens e suas Bases de Apoio: relações de amizade como
suporte social no enfrentamento à violência", elaborada por Emanoel José Batista de
Lima, foi considerada aprovada por todos os membros da Banca Examinadora e aceita
pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia, como requisito parcial à obtenção do
título de mestre em psicologia.
Natal, RN, 29 de Abril de 2005
Banca Examinadora
Magda Dimenstein ________________________
Ângelo Giuseppe Roncalli _______________________
Maria Helena Zamora ________________________
4
Em conseqüência também os ausentes estão presentes (...),
e, a coisa que é mais difícil de dizer, os mortos vivem...
Cícero, Lélio, Diálogo da Amizade.
Ao meu vô Manoel
5
Agradecimentos
À professora Dimenstein.
À CAPES, pela concessão da bolsa de estudos que viabilizou a realização deste
trabalho.
Ao CNPq e à Fundació Càtedra Iberoamericana de la Universitat de les Illes
Balears – España, pelo apoio financeiro.
Aos professores do PPg-Psi.
À Escola Estadual Jean Mermoz, em nome da professora Maria de Fátima da
Silva, diretora da escola, pelo acolhimento, pelas informações fornecidas e pelo apoio
no trabalho de campo.
Ao CIESPI/PUC, pela disponibilidade e fornecimento de material.
Às meninas superpoderosas, Andreína, Monique, Rayanne, Vanessa e Íris,
bolsistas que me auxiliaram nesta pesquisa. Um grande abraço!
À Cilene, pela paciência e disponibilidade em sempre nos ajudar com carinho.
Aos professores Maria Helena Zamora e Ângelo Roncalli por aceitarem o
convite a compartilharem comigo deste momento.
A Kempes e Dani, pelos pratos deliciosos, pela jogatina e pela amizade gostosa
cultivada pelo litoral do Rio Grande do Norte.
A Alex e Narjara, pela pizza compartilhada em um domingo que parecia sem
perspectivas.
A Emílio e Valquíria por me ajudarem a compreender aquela frase de Raul: o
caminho da dor é o amigo! Emílio, através da audição de Elvis Presley. Valquíria,
através da escuta inesperada em uma tarde de agosto.
A Jecson e Jeane, pelo feriado prolongado que curtimos em abril de 2005. Vocês
sempre podem contar comigo!
6
A Autran, pelas surpresas que se apresentam toda vez em que nos encontramos e
pelo sofrimento que compartilhamos por termos os corações vascaínos.
Aos meus amigos da AEC, D. Lucy, D. Alba, Terezinha, Soninha, Wandinha,
Seu Waldir, Seu Ismael, D. Júlia, Solange, Júnior, Seu Revorêdo, Vanilde e Fátima,
pelo carinho.
A Jade, meu gatinho.
A Marco Antônio, meu irmão e primeiro amigo, pela viagem inesquecível ao
Rio de Janeiro, onde pudemos compartilhar emoções, ver, ouvir e sentir Nando Reis e
fortalecer nosso amor.
A Júlio César, meu irmão, pelas trocas de afeto nos debates sobre basquete e
futebol e nas inesquecíveis aulas de inglês. Um grande beijo!
A Roberto Luiz, meu irmão japa, pelos desenhos presentes nesta dissertação,
pelas emoções compartilhadas nas partidas de videogame e pelo abraço em um dia de
afetos tristes.
A Fábio, Lucas e Roberta, meus priminhos, que chegam sempre para alegrar a
família através das brincadeiras, das gargalhadas e das mugangas,
A Nadielly e a Piteco, aos quais também ofereço o trecho de Cícero que abre
este trabalho.
À Rita de Cássia e Rosana, minhas tias, pelo carinho e cuidado.
À Yalle, meu amor, pelas surpresas diárias que sempre encontro em seu olhar,
em seu sorriso, em seu amor, em nosso amor. Coincidências e paixões presentes desde o
nosso primeiro encontro no sertão baiano.
À minha mãe, Maria da Paz, que com amor, paciência, zelo e trabalho,
conseguiu dar conta de quatro marmanjos da pesada. Milhões de beijos!
A Deus.
7
Sumário
Lista de figuras.................................................................................................................ix
Lista de tabelas..................................................................................................................x
Resumo.............................................................................................................................xi
Abstract...........................................................................................................................xii
Apresentação..................................................................................................................xiii
1. Infância e Adolescência Brasileira: Concepções e Políticas do Século XX..............16
2. Bases de Apoio e Juventude......................................................................................22
2.1 Experiências e Resultados do Projeto Bases de Apoio..................................27
2.2 Caminhos da Pesquisa: violências.................................................................29
2.2.1 Violências e Bases de Apoio...........................................................31
2.2.2 Violência entre Jovens....................................................................32
3. Bases de Apoio em Natal/RN......................................................................................35
3.1 Passos metodológicos da investigação..........................................................38
3.2 Resultados......................................................................................................41
3.2.1 Perfil dos participantes....................................................................41
3.2.2 Atividade escolar.............................................................................47
3.2.3 Lazer e esportes...............................................................................48
3.2.4 Religião...........................................................................................53
3.2.5 Saúde...............................................................................................55
3.2.6 Dificuldades enfrentadas/ Problemas e necessidades especiais......59
3.2.7 Violência familiar, na comunidade e sexual...................................63
4. Mapeando Violências..................................................................................................72
4.1 Rastreando a Violência..................................................................................73
8
4.2 Dano e Produção Racional............................................................................75
4.3 Fronteiras demarcadas: a sociedade intimizada e não coletiva.....................79
4.4. Violência e juventude...................................................................................83
4.4.1 Globalização, jovens e violências...................................................85
4.4.2 Violência e formas de enunciação..................................................87
4.4.3 Juventude e vulnerabilidade à violência.........................................89
5. Relações de amizade como suporte social no enfrentamento à violência...................95
5.1 Duradouras amizades.....................................................................................98
5.2 Enquanto isso em Bom Pastor.....................................................................104
6. Considerações Finais.................................................................................................108
7. Referências Bibliográficas.........................................................................................111
Apêndices
9
Lista de figuras
Figura Página
01. Sexo.....................................................................................................................42
02. Atividades remuneradas......................................................................................43
03. Renda familiar.....................................................................................................45
04. Esportes praticados..............................................................................................49
05. Atividades realizadas quando não estão na escola..............................................51
06. Acompanhante nas práticas de saúde..................................................................56
07. Dificuldades enfrentadas no cotidiano................................................................59
08. Bases recorridas para o enfrentamento das dificuldades.....................................60
09. Insatisfação quanto aos serviços públicos...........................................................62
10. Violência sofrida na comunidade........................................................................66
11. Bases recorridas na ocorrência de episódios violentos na comunidade..............67
12. Atividades coletivas...........................................................................................105
10
Lista de tabelas
Tabela página
01. Turmas selecionadas para aplicação do instrumento...........................................41
02. Diversão...............................................................................................................51
03. Violência intrafamiliar.........................................................................................64
04. Busca de ajuda no caso de violência intrafamiliar...............................................64
05. Violência física na família...................................................................................65
06. Tipos de violência na comunidade quanto ao sexo.............................................68
07. Violência Sexual..................................................................................................69
11
Resumo
Esta dissertação teve como objetivos mapear as bases de apoio familiares e comunitárias
para adolescentes e jovens estudantes no bairro de Bom Pastor, Zona Oeste de Natal/RN
e conhecer de que forma esses recursos são usados pelos adolescentes e jovens
estudantes desta comunidade. Bases de apoio referem-se tanto a atividades ou
organizações formais quanto a formas de apoio espontâneas ou informais - redes de
amizade e solidariedade, relações afetivas significativas na vida de crianças e jovens
disponíveis na comunidade. Nossa discussão tem como base uma pesquisa realizada
com 382 adolescentes e jovens estudantes da Escola Estadual Jean Mermoz, alunos do
Ensino Fundamental II e médio, com idade entre 13 e 24 anos. Focamos as situações de
violência vivenciadas por esses estudantes, sejam elas ocorridas no âmbito familiar ou
ocorridas na comunidade. Em relação a esse aspecto os participantes recorrem com mais
freqüência às bases de apoio informais, sobretudo os amigos, indicando que as bases
formais não se configuram como dispositivos de suporte social. A busca das bases
informais aponta que as relações estabelecidas informalmente no espaço da rua (quando
procuram amigos, parentes ou vizinhos) têm mais ressonância, configurando-se como
um lugar importante no qual há troca de valores e de afetos. Pensar o fortalecimento
desses laços sociais é importante e aponta para o enfraquecimento da lógica hegemônica
voltada para a produção de sujeitos como identidades privatizadas, para o
fortalecimento de uma ética comprometida com a desmontagem de uma sociabilidade
ancorada no medo, na impotência, na redução dos espaços de circulação e de
enfrentamento dos dispositivos montados para reforçar a exclusão social, a intolerância
e a discriminação. Deve-se voltar para a construção da amizade como um sistema de
reciprocidade, de trocas afetivas, como um espaço de agenciamento político e de
produção de formas de vida potentes contra a anestesia social.
Palavras-chave: adolescentes; jovens; violência; bases de apoio; amizade.
12
Abstract
The purpose of this work is to map the family and community social supports for
adolescents and young students from Bom Pastor Distric, West Zone of Natal/RN, as
well as to describe how such resources are used by these individuals in that community.
Social support refers not only to formal activities or organizations, but also to
spontaneous or informal forms of support – friendship and solidarity nets available in
the community, affective relations that are meaningful in the lives of children and young
people. Our discussion is based on a research performed with 382 adolescents and
young students from Jean Mermoz Public School (students from 5
th
to 11
th
grades, aged
13 to 14). We emphasized the situations of violence derived from family or community
spheres faced by these students. In relation to this specific aspect, we observed the
participants more frequently look for help from the informal social supports, mostly
from their friends, which indicates that the formal ones are not considered to be
effective instruments for social assistance. The search for informal social supports
shows the relations informally established in the streets (for instance when they look for
help from friends, relatives or neighbors) have more effect and play an important role in
which there are values and affections exchange. Thinking the strengthening of these
social links is of extreme importance and leads to the weakening of the hegemonic
logics focused on the production of subjects as private identities, and to the
amplification of an ethics committed to the disassembly of a sociability anchored to
fear, impotence, intolerance, discrimination, and reduction of spaces for circulating and
confronting mechanisms of social exclusion. It is crucial that we concentrate our
attention to building friendship as a system of reciprocity and affective exchanges, as a
space for political actions and production of forms of lives that are potent against social
anesthesia.
Key words: adolescents; young people; violence; social support; friendship.
13
Apresentação
A presença da violência dentre os humanos data, talvez, desde as suas primeiras
formas de civilização. Ao longo da história, a violência vem sendo utilizada para
demarcar e expandir territórios, defender interesses; participando também do cotidiano
das comunidades em suas formas de se relacionar, de educar, de sentir e de viver. A
partir do início da modernidade, apresenta formas complexas que guardam redes
articuladas e, ao mesmo tempo, fragmentadas, dificultando a sua compreensão e a
elaboração e execução de formas de intervenção.
Atualmente, as pessoas que mais sofrem, em termos de mortalidade, com os
diversos eventos violentos no contexto mundial encontram-se na faixa etária conhecida
como produtiva, entre 15 e 44 anos. Os adolescentes e jovens entre 15 e 24 são os
maiores envolvidos nessa situação, assumindo os papéis de vítima e perpetrador, tanto
matam como morrem (OMS, 2002).
Estudos no campo da Saúde Coletiva têm demonstrado que as populações de
áreas menos favorecidas economicamente são as mais afetadas, sobretudo nos espaços
urbanos, em relação aos eventos violentos envolvendo adolescentes e jovens. Esta
situação não é diferente no Brasil. Pensar estratégias de intervenção em relação à
violência entre jovens passou, nos últimos vinte anos, a ser pauta para as diversas áreas
do conhecimento, seja no campo das ciências humanas e sociais (sociologia,
antropologia, psicologia, direito) ou no campo das biociências (medicina, biologia)
(Minayo, 2003).
Na metade do século XX e, como mais afinco, no final da década de 1990,
estudos e pesquisas sobre bases de apoio surgiram no contexto mundial. Esses trabalhos
demonstraram que o mapeamento e o fortalecimento das bases de apoio contribuem
14
para o desenvolvimento integral de crianças e adolescentes, incrementando também a
vida das famílias e das comunidades.
Bases de apoio referem-se tanto a atividades ou organizações formais - creches,
escolas, programas religiosos, clubes, centros juvenis -, quanto a formas de apoio
espontâneas ou informais – grupos familiares, redes de amizade e solidariedade,
relações afetivas significativas na vida de crianças e jovens disponíveis na comunidade.
A potencialização dessas bases de apoio favorece o incremento das potencialidades de
crianças, adolescentes e jovens. Desta forma, tal fortalecimento facilita o
desenvolvimento em todos os âmbitos, podendo contribuir também na construção de
novas formas de existência, e auxiliar também no tocante à violência.
Tendo em vista as discussões acima, esta pesquisa de mestrado teve como
objetivos: a) mapear as bases de apoio familiares e comunitárias para adolescentes e
jovens estudantes no bairro de Bom Pastor, Zona Oeste de Natal/RN; b) conhecer de
que forma esses recursos são usados pelos adolescentes e jovens estudantes desta
comunidade. Ao longo desta dissertação, teremos como foco a questão da violência
entre jovens.
Para a discussão de tal temática, num primeiro momento, no Capítulo I,
discutiremos acerca da construção dos olhares lançados sobre a infância, adolescência e,
conseqüentemente, juventude ao longo da história de atendimento e de elaboração e
execução de políticas sociais no Brasil a partir do fim do século XIX.
A discussão acima será articulada no Capítulo II, quando demarcaremos
teoricamente bases de apoio e a demanda histórica de sua valorização, tanto em termos
de reconhecimento sócio-cultural quanto em relação a uma categoria a ser estudada e
investigada. Apresentaremos também pesquisas e alguns trabalhos realizados com bases
de apoio em diferentes comunidades do contexto nacional com vistas a delimitar os
15
caminhos que foram seguidos na execução deste trabalho. Em seguida, discutiremos
acerca dos resultados obtidos por esses estudos, que demonstraram o quanto a violência
tem ressonância no desenvolvimento das bases de apoio e interfere na vida das
comunidades investigadas, tornando-se uma dificuldade a ser enfrentada; trataremos
também do impacto da violência sobre adolescentes e jovens no Brasil e em Natal/RN.
No Capítulo III, apresentaremos os passos metodológicos e o instrumento de
investigação que adotamos. Apontaremos os dados do contexto de Bom Pastor.
Debateremos também os resultados da investigação, procurando demarcar a situação
das bases de apoio no Bairro e a participação dos jovens nas mesmas, sejam formais ou
informais.
Uma discussão sobre violência e sua multiplicidade de formas de se manifestar,
sobretudo entre jovens, será desenvolvida no Capítulo IV a partir dos dados sobre
violência que identificamos na pesquisa.
Por fim, em um último momento, desenvolvido a partir dos nossos dados em
relação à participação das bases de apoio informal, sobretudo no que diz respeito às
relações de amizade, tentaremos desenvolver um debate acerca do papel dos amigos na
construção de novas formas de existir com o intuito de mudança da realidade e, como
conseqüência, de enfrentamento à violência vivenciada no cotidiano.
16
CAPÍTULO 1 – Infância e adolescência brasileira: concepções
e políticas do século XX
Vai ter pipa, foguete e morteiro
O Rappa
17
1. Infância e adolescência brasileira: concepções e políticas do século
XX
As políticas sociais direcionadas à infância no Brasil, desde o período imperial,
têm seguido uma tradição que enfoca demasiadamente a situação de risco e os
problemas enfrentados pela população infanto-juvenil oriunda das classes
desfavorecidas, como por exemplo, o uso indiscriminado de drogas, trabalho infantil,
prostituição, evasão escolar, situação de rua de meninos e meninas. Tais políticas têm
características remediativas e só surgem quando os problemas se encontram em estágios
de difícil reversão.
Esta tendência fica mais bem elucidada quando compreendemos a concepção de
infância construída, sócio historicamente, no seio da sociedade brasileira. O âmbito
jurídico é a melhor expressão social da construção de tal concepção.
Esta construção pode ser expressa através da constituição do termo ‘menor’, que
até meados da década de 1900 era usado pela classe jurídica para identificar uma
questão etária em termos de maior ou menoridade penal. Com o avanço do século XX, o
termo passou a ser utilizado pela imprensa e, logo, pela sociedade, assumindo uma
conotação pejorativa. Ser menor significava ser uma criança (ou adolescente) pobre,
abandonada moral e materialmente, pelos pais, Estado e sociedade; ou delinqüente,
referindo-se aos menores que incorriam em crimes (Londoño, 1996).
As concepções presentes no imaginário social do início do século XX, e que
perduram até hoje, propõem que menor é um individuo gerado por pais suscetíveis ao
vício e à libertinagem, não havendo, nas idéias difundidas na época, nenhuma ligação
com as condições de vida impostas pela modernidade capitalista e industrial. Desta
forma, as políticas e ações de apoio de qualquer natureza são pautadas em “uma
18
associação direta entre criança e criminalidade, infância e periculosidade” (Rizzini,
1997, p. 202). As leis elaboradas, principalmente, no início do século XX, a exemplo do
Código de Menores de 1927, embora representassem um avanço, na medida em que
havia um reconhecimento da necessidade de existência de legislação específica para a
infância, foram baseadas em idéias que tomavam a criança ou o adolescente como
perigosos (Passetti,1996). Vigilância, controle e repressão faziam parte da pauta das
leis. As destinações dadas aos menores, compreendidos como delinqüentes pelos juízes,
eram a contenção e o enclausuramento com vistas a reeducá-los. Àqueles que eram
apenas abandonados e não se encontravam em conflito com a lei eram destinadas
atividades profissionalizantes, que se caracterizavam por atividades manuais, de forma a
adestrá-los ao trabalho, encaixando-os na exploração mercadológica (Rizzini, 1997).
Desta forma, percebemos que o alvo das políticas públicas era a classe pobre
composta principalmente por negros, haja vista que estes não tiveram apoio para se
engajar na vida social após a promulgação da Lei Áurea. No ideário da época, a pobreza
passou a ser considerada fonte de desordem, destituída de moralidade, de onde
emanavam depravações e irregularidades que colocariam o futuro do país em perigo, já
que havia uma preocupação com o avanço do modelo capitalista, e o pobre brasileiro
era concebido como contemplador da vida vagabunda, que significava um
descomprometimento para com a pátria. (Rizzini, 1997)
Tomando como base estas concepções, as políticas sociais foram construídas,
principalmente a partir do processo de implantação do Estado republicano, no fim do
século XIX, e seguem até hoje os ideais do paradigma do risco, caracterizado pelas
representações de reabilitação, recuperação e regeneração do menor, enfocando-se
sempre o risco, a criança-problema. Carregadas de preconceitos, assumem uma postura
excludente em duas vias: por um lado, apontam e discriminam as crianças e
19
adolescentes que estão em situação de risco, para os quais as ações serão direcionadas,
e, por outro, excluem todas as demais como estando fora de linha de atuação de
programas, que compõem justamente a situação da maioria das crianças e adolescentes,
que vivem em situação de miséria social.
Em suma, historicamente, as políticas vêm sendo elaboradas seguindo uma
representação de pobreza difundida no Brasil no final do século XIX e início do XX:
As famílias dos setores populares, quase sempre
associadas à ‘ignorância / pobreza / descuido / vício /
abandono / licenciosidade’, e muitas vezes vistas como
criadoras de criminosos e delinqüentes, eram acusadas de
‘incapazes’ no que diz respeito à educação e à formação
de suas crianças...(Abreu e Martinez, 1997, p.25).
Além disto, as ações são planejadas de forma descontextualizada, procurando
sempre transmitir um modelo de família nuclear burguesa, que quase sempre não é
compartilhado pelos arranjos familiares das comunidades pobres.
Na década de 1980, influenciadas pelo movimento de redemocratização do país,
surgem mobilizações sociais em forma de militância, tais como, Movimento Nacional
de Meninos e Meninas de Rua, organizações não governamentais e programas de
extensão desenvolvidos por centros de pesquisa-ação, como a CESPI-USU
(Coordenação de Estudos e Pesquisas sobre Infância – Universidade de Santa Úrsula),
questionando os paradigmas que pautavam as práticas institucionais. Objetivavam
transformar a visão pejorativa que caracterizava o termo ‘menor’ e as ações
caracterizadas pela centralização de decisões, assistencialismo e repressão, desfazendo a
dicotomia existente entre criança/adolescente e menor.
Segundo Faleiros (1995), projetos alternativos, que articulavam a iniciativa
privada e o Estado, começaram a ganhar força no Brasil. As políticas e práticas de
20
atendimento diretamente nas ruas e nas comunidades entraram em expansão em
detrimento das políticas e práticas que priorizavam o internamento e a repressão, que
eram comuns no início de século XX e que acabaram se renovando com o advento da
ditadura militar e reafirmando o estilo asilar de tratar crianças e adolescentes (Rizzini,
1995).
Em 1990 é criado o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Esse
documento é fruto de mobilizações em defesa do direito da criança. A criança e o
adolescente são compreendidos como sujeitos de direitos e estando em fase especial de
desenvolvimento que necessitam de oportunidades para desenvolverem-se. O Estatuto
traz uma descentralização administrativa, colocando a participação dos Conselhos de
Direitos e Tutelares, da comunidade
1
, da família em conjunto com o poder público. O
ECA elimina a denominação menor e utiliza as nomenclaturas criança e adolescente,
reconhecendo-os em condições especiais de tratamento pela justiça. Além disso, derruba
o Código de Menores de 1979, que monopolizava as decisões nas mãos do juiz. Este é
um avanço político-social, pois delega responsabilidades a outras camadas da sociedade
e as crianças e adolescentes passam a serem concebidas de diferentes óticas.
Observamos que a inclusão dos conselhos nas decisões práticas como tutela, guarda e
realização de programas e projetos, revela uma evolução democrática pertinente que
permite um equacionamento dos problemas de forma partilhada e racional por
intermédio das discussões construídas no debate dos diferentes olhares.
Observamos que o Estatuto tem encontrado dificuldades para sair do papel. A
sociedade civil ainda não acordou para o princípio aí presente, da criança (ou
1
Lançaremos mão, ao longo desta dissertação, do termo comunidade; no entanto, esta palavra, de acordo
com Soares (2002a), tem assumido um sentido homogeneizante e totalizador das populações das diversas
localidades brasileiras, através de discussões travadas nos mais variados âmbitos. A noção de comunidade
de que partiremos se refere, pois, à diversidade, à multiplicidade de relações que se dão nos diferentes
contextos de encontros e de conflitos, que podem ser de ordem cultural, psíquica, de linguagem e de
valores.
21
adolescente) como sujeito de direitos. Muitas comunidades, que enfrentam problemas
com crianças e adolescentes, sequer conhecem os direitos fundamentais e, pior, o papel
dos Conselhos e como podem participar nas ações dos mesmos. É importante lembrar
que o Estatuto encontra barreiras culturais para sua implantação; as comunidades,
muitas vezes não compartilham da concepção de infância proposta no ECA. Além disso,
a história do Brasil está embebida, desde antes do surgimento da república, de práticas
arraigadas ao autoritarismo e ao estilo corretivista/punitivo/higienista.
As mobilizações supracitadas, que desembocaram na criação do ECA,
propunham uma visão mais ampla, que englobasse todas as crianças e adolescentes,
abandonando o foco na infância, ou na adolescência, pobre e marginalizada como alvo
das políticas estatais. Um olhar que levasse em consideração a infância como fase
especial de desenvolvimento, que necessita de oportunidades para se desenvolver
integralmente. A pauta defendida era a da cidadania, a da inclusão. A intenção era
difundir a criança e o adolescente como sujeitos de direitos que necessitam de cuidados
e de oportunidades para o seu desenvolvimento. O Projeto Criança não é Risco, é
Oportunidade é um dos exemplos dessas iniciativas, criado já no final da década de
1990. É a respeito dessa experiência que iremos tratar a seguir.
22
CAPÍTULO 2 – Bases de apoio e Juventude
Quem me dera, ao menos uma vez,
que o mais simples fosse visto
como o mais importante
R. Russo
23
2. Bases de apoio e Juventude
O projeto referido no item anterior foi criado em 1999 pela CESPI-USU na
Universidade de Santa Úrsula no Rio de janeiro - RJ, com o apoio do Instituto
Promundo
2
. O objetivo do projeto era mapear as bases de apoio familiares e
comunitárias para crianças e adolescentes. Hoje em dia, conhecido como Projeto Bases
de Apoio, é coordenado pela CIESPI/PUC
3
(Centro Internacional de Estudos e
Pesquisas sobre a Infância – Pontifícia Universidade Católica/RJ) e tem realizado um
trabalho de pesquisa-ação que se organiza dentro dos moldes supracitados, procurando
desenvolver nas comunidades carentes do Brasil ações que priorizem o pleno
desenvolvimento da criança e do adolescente, a partir do fortalecimento de suas Bases
de Apoio.
Os estudos sobre bases de apoio se iniciaram nos Estados Unidos. Os contextos
mundial e acadêmico que se configuraram a partir da segunda metade do século XX
propiciaram o surgimento de Bases de Apoio e, conseqüentemente, começaram a
florescer pesquisas sobre o assunto.
De acordo com Costello, Pickens e Fenton (2001), crianças e adolescentes
necessitam de elos consistentes com o mundo físico e de interações fortes com outras
crianças e adultos para poderem desenvolver a capacidade de vitalidade física,
aprendendo como utilizar seu corpo e como controlá-lo. Para tal, a criança precisa de
proteção e cuidados para explorar o mundo e internalizá-lo de forma saudável. Segundo
tais autores, a criança, para desenvolver sua capacidade para relacionamentos, vale-se
dos relacionamentos que tem com as pessoas dela encarregada, que, através de
2
Organização internacional de financiamento a pesquisas e projetos sociais.
3
O Projeto, em 2002, passou a ser desenvolvido na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
24
interações seguras, contribuirão para a expansão dos relacionamentos para círculos
sociais mais amplos. “(...) o desenvolvimento cognitivo e social também depende do
nível de segurança, estímulo e intimidade das pessoas encarregadas das crianças” (p.
16). Redes sociais informais são vitais para o desenvolvimento infantil. Necessário, para
tal desenvolvimento, faz-se a amplificação de relacionamentos sociais, incluindo um
contato com demais parentes e inter-relações comunitárias. Esta amplificação pode ser
realizada, também, através de bases de apoio comunitárias organizadas, tais como
creches, centros sociais, grupos religiosos, grupos de jovens. Organizações formais de
apoio podem dar às crianças e adolescentes oportunidades de desenvolvimento a partir
de atividades que seus pais cerceiam ou não possam proporcionar, estimulando, assim, a
criatividade do indivíduo.
Costello, Pickens e Fenton (2001) ainda afirmam que o desenvolvimento das
capacidades física, cognitiva, social (relacionamentos) e de autonomia dependem das
oportunidades de lidar com o mundo físico e social. O contato com crianças mais
velhas, adultos de suas famílias e redes sociais informais proporciona às crianças uma
melhor apreensão do mundo, de forma a achar soluções para os problemas emergentes,
construindo de maneira autônoma seus objetivos. Vygotsky (1989), quando postula a
Zona de Desenvolvimento Proximal, levanta a importância do entorno sócio-cultural
para o desenvolvimento individual das funções psicológicas superiores.
Com a cristalização do modo de trabalho do capitalismo industrial nos Estados
Unidos e no Ocidente, na metade do século XX, a dinâmica de vida da família nuclear
começou a passar por mudanças. Em busca de recursos financeiros, as famílias mudam
de comunidades com maior freqüência. Nas metrópoles, as famílias desenvolveram
insegurança em relação aos relacionamentos dos filhos, dificultando as interações
sociais. A mulher também passou a assumir um lugar no mercado de trabalho,
25
diminuindo o apoio informal aos filhos e inviabilizando o contato desses com crianças
de outras famílias. Com a diminuição do número de membros nas famílias, poucos
parentes, tais como, tias, irmãs, primas, podiam auxiliar na criação das crianças. Nas
comunidades populares, o incremento da pobreza fez com que os pais não tivessem
também condições financeiras para proporcionar um desenvolvimento integral; logo,
temos um contexto propício para o surgimento e a expansão das bases de apoio formal,
como, por exemplo, agremiações religiosas, grupos estudantis, creches, escolas de
tempo integral, organizações não governamentais de suporte físico e mental para
crianças e adolescentes, grupos de escoteiros. Tais bases surgiram para ajudar os pais na
tarefa de criar seus filhos: para assegurar o crescimento dos filhos de pais que têm que
cumprir uma longa jornada de trabalho nas comunidades abastadas e nas comunidades
carentes, para criar oportunidades de desenvolvimento físico e sócio-econômico.
Bases de apoio referem-se, pois, aos relacionamentos das crianças e dos
adolescentes em todas as áreas. Inter-relações afetivas com pais, parentes e demais
integrantes da comunidade, sustentadas por laços afetuosos e de solidariedade. Elos
comunitários com organizações que lhe propiciem o desabrochar de suas
potencialidades cognitiva, emocional, social, cultural, vocacional, incrementando o
desenvolvimento da criatividade com vistas ao alcance da autonomia (Rizzini, Barker e
Cassaniga, 2000; Zamora e Silva, 2002). São os recursos familiares ou comunitários,
que podem ser formais (creches, associações de moradores, ong’s, grupo de jovens,
instituições religiosas, escolas) e informais (ligações afetivas, envolvendo família,
demais parentes e amigos), fundamentais para respaldar o desenvolvimento integral da
criança e do adolescente (Rizzini, Barker e colaboradores, 2001). Segundo Zamora
(2001), as bases de apoio são “recursos individuais, institucionais, relacionais, sejam
26
formais ou informais, que ajudam os pais na tarefa de educar, proteger, e cuidar das
crianças e adolescentes” (p.109).
O projeto Bases de Apoio, desenvolvido pela CIESPI-PUC, revela uma atitude
que busca mudar a ótica no atendimento à infância e à adolescência, abandonando o
enfoque na criança-problema, representado na visão de ‘menor’, e adotando uma forma
de se englobar todas as crianças e adolescentes, de forma a criar oportunidades para o
desenvolvimento integral de todas. O objetivo desse projeto é desenvolver,
conjuntamente com as comunidades, ações que viabilizem a criação de circunstâncias
favoráveis para o desenvolvimento das potencialidades, procurando desconstruir a visão
de criança e adolescentes como riscos para elas mesmas e para a sociedade (Rizzini,
1995), bem como o abandono do paradigma que postula a ligação direta entre crime-
pobreza (Passetti, 1996). Esta perspectiva almeja envolver a comunidade na busca de
soluções para seus problemas e criar redes de solidariedade e sustentabilidade.
Tal projeto teve como primeira iniciativa o contato com as comunidades,
identificando e mapeando as bases de apoio comunitárias para pais e filhos. Em seguida,
fez um levantamento, junto à população, das reais necessidades e dos problemas
enfrentados nas comunidades. Além disso, buscou conhecer as propostas elaboradas
pelos moradores com vistas a propor ações em consonância com os mesmos, evitando,
assim, ações que têm uma ótica deturpada, ou uma visão de fora-para-dentro, sem
qualquer contextualização.
O Projeto Bases de Apoio, de acordo com Rizzini, Barker e Cassaniga, (2000),
está em consonância com a visão de infância apregoada pelo Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA). Neste, a criança é vista como estando em fase especial de
desenvolvimento, que precisa ter os seus direitos básicos respeitados, como por
exemplo, o direito à educação, à saúde, à convivência social, para garantir sua vida e
27
pleno desenvolvimento (art.6). Para cumprir tal intento, o Estatuto inclui, além da
participação do Estado, o envolvimento da família e da comunidade como fundamentais
na garantia de tais direitos. Esses são reconhecidos, no Estatuto, como elos
imprescindíveis, através da convivência das crianças em ambos. Logo, percebemos a
importância do fortalecimento das bases de apoio.
O Projeto Bases de Apoio já foi editado com sucesso em várias regiões do
Brasil, como, por exemplo, no Rio de Janeiro (Santa Marta e Bangu), em Goiânia
(Projeto Desenhos de Famílias), na Bahia (Projeto Cidade Mãe), em Minas Gerais
(Projeto Curumim). Procuraremos, agora, fazer um relato das experiências realizadas
pela equipe da CIESPI-PUC no Rio de Janeiro para perfazermos os passos
metodológicos que foram seguidos neste trabalho.
2.1 Experiências e resultados do projeto bases de apoio
4
A equipe da CIESPI-PUC realizou duas experiências de mapeamento das bases
de apoio no Rio de Janeiro. A primeira delas foi na Favela Santa Marta, Zona Sul do
Município. Os membros da equipe lançaram mão de técnicas qualitativas, procurando
tomar conhecimento das instituições da comunidade que promoviam ações em benefício
da população infanto-juvenil. Entrevistaram informantes-chave, que forneceram dados
sobre a situação da infância e adolescência da comunidade e sobre os programas
existentes. A partir destas informações, a equipe visitou, posteriormente, instituições
que trabalham com adolescentes no local. Logo após, foram realizados grupos focais
com adolescentes, profissionais e pais para entender como as pessoas da comunidade
criam seus filhos e identificar com quem os pais contam nessa tarefa. Buscando
4
Para um melhor detalhamento ver:
Rizzini, I & Barker,G. (coords). (2001). Crianças, Adolescentes e suas Bases de Apoio. Fortalecendo as
Bases de Apoio Familiares e Comunitárias para Crianças e Adolescentes no Rio de Janeiro. Rio de
Janeiro: USU Ed. Universitária: Instituto Promundo.
28
compreender a participação das redes de apoio informal, foram realizadas entrevistas
detalhadas com mães e avós.
A segunda experiência foi realizada em Bangu, subúrbio do Rio de Janeiro, nas
comunidades de Nova Aliança e Vila Aliança. A adolescência de 13 a 18 foi o foco
dessa etapa da pesquisa. Um misto de procedimentos qualitativos e quantitativos foi
utilizado. Grupos focais foram realizados com adolescentes com vistas a conhecer os
elos comunitários formais da comunidade para a juventude. Profissionais que trabalham
com adolescentes em programas de Bangu foram entrevistados. A partir da análise
desses primeiros dados, construiu-se um instrumento em forma de questionário para
conhecer a cultura adolescente de Bangu. Jovens da própria comunidade foram
selecionados e treinados para ajudarem na construção de tal instrumento e na aplicação
do mesmo. Duzentos e vinte e cinco (225) questionários foram aplicados de forma
aleatória, em locais diversos, onde os encontros entre jovens eram comuns.
Resultados
As investigações nas duas comunidades mostraram que há um desconhecimento
da população a respeito dos programas existentes, na comunidade, para crianças e
jovens. Revelaram também que são escassas as atividades culturais para adolescentes. A
participação de jovens em grupos informais é bem maior do que em programas formais
estruturados e não existe intercâmbio entre os dois tipos de grupo. A presença do tráfico
de drogas é um fator que impacta nos programas de forma negativa.
A violência dentro da própria família é comum, bem como a falta de assistência
quando na incidência desta violência. Por se constituir um tabu, o abuso sexual, embora
mencionado como violência recorrente, não é encarado como problema que deve ser
trabalhado pelas próprias comunidades.
29
Conclusões
A equipe da CIESPI-PUC apontou as seguintes conclusões: escassez de
financiamentos e programas para jovens; a comunidade tem mais apoio informal do que
formal, revelando que os equipamentos sociais não funcionam adequadamente e que a
população confia mais nos recursos informais. Além disso, viu-se que famílias e
comunidades dos setores populares podem ser animadas e encorajadas para a tarefa de
criar e proteger suas crianças, mas necessitam de suporte no que diz respeito ao
desenvolvimento de suas bases de apoio formal, através da amparo financeiro e técnico
para fomentar e melhorar seus esforços.
A equipe ainda destacou a necessidade de se ampliar a implantação de projetos
com as diretrizes do Bases de Apoio em outras comunidades brasileiras. É nesse sentido
que visualizamos a implantação dessa proposta em Natal/RN, propondo também uma
articulação investigativa sobre violência juvenil.
2.2.Caminhos da pesquisa: violências
Entre os resultados levantados pela equipe do CIESPI-PUC nessas duas
comunidades, o que nos chamou mais atenção foi a presença da violência no cotidiano
das crianças e, principalmente, dos adolescentes e jovens. Segundo estes dados, a
violência tem um impacto muito grande na comunidade e na vida de seus moradores.
Nesta seção procuraremos levantar os problemas gerados pela violência nas duas
comunidades em questão e o impacto que provocam nas bases de apoio e o papel das
mesmas; em seguida, discutiremos o contexto da violência em sua expressão entre os
jovens.
Os eventos violentos promovem uma circulação restrita nas comunidades
investigadas, os pais se preocupam com os filhos e os restringem aos espaços
30
domésticos por terem medo da ocorrência de episódios violentos. Os espaços públicos
destinados ao lazer, tais como, os centros culturais, as praças públicas e as quadras
poliesportivas, são ocupados por pessoas que, geralmente, estão envolvidas em
episódios violentos, tais como, gangues, traficantes e usuários de drogas.
As opções de culturais, geralmente, são também marcadas pela violência. No
Rio de Janeiro, as comunidades carentes, muitas vezes, têm os bailes funks como os
únicos locais onde adolescentes e jovens podem se encontrar e interagir. No entanto, os
bailes são marcados pelas brigas entre gangues rivais, pelo tráfico e consumo de drogas
e pela presença da polícia, que, através do uso da violência, tenta evitar o acontecimento
de episódios violentos.
Segundo os adolescentes investigados em Bangu, o espaço doméstico é encarado
com positividade; no entanto, também é marcado pela ocorrência de episódios
violentos. O âmbito familiar, por 21% destes adolescentes, assume também uma
conotação negativa em função da presença da violência intrafamiliar.
De acordo com o CIESPI-PUC, a violência tem ressonância nas bases de apoio,
dificultando a atuação das mesmas e a implantação de novas iniciativas formais para
crianças adolescentes e jovens. O confinamento que essas famílias vivem em função da
violência dificulta o incremento das bases informais de apoio, pois os moradores
circulam menos nos espaços públicos e, assim, desenvolvem poucos laços afetivos com
as demais pessoas da comunidade. O que acaba por promover uma desarticulação
política entre os moradores e se configura como uma estratégia de controle sobre essas
populações.
Podemos perceber, portanto, que a pouca atuação de bases de apoio e a
inexistência das mesmas parece facilitar o avanço da violência nessas comunidades e
que seus desenvolvimentos podem ajudar no sentido contrário. Desta maneira, a
31
articulação das bases e o incremento das mesmas devem ser pensados como dispositivos
de enfrentamento à violência.
2.2.1 Violência e bases de apoio
Alguns estudiosos do campo das políticas públicas têm apontado que as próprias
comunidades envolvidas em problemas sociais podem se articular para resolução de
seus entraves. Esta postura pode trazer para população resultados mais eficazes, pois a
ela mesma conhece melhor a realidade em que vive e pode levantar resoluções
contextualizadas e pô-las em prática. Zaluar (1997) propõe a mobilização popular
através de linhas de reciprocidade e solidariedade com vistas a fortalecer os vínculos
sociais e dar suporte às comunidades no enfrentamento das dificuldades enfrentadas no
cotidiano. Vítor Valla (1999) defende que os cidadãos podem resolver seus problemas
através da participação popular, que articula a reivindicação do papel do Estado e a
atuação ativa dos mesmos no equacionamento das problemáticas enfrentadas. Baumam
(2003) acredita que o fortalecimento dos laços comunitários propicia uma melhor
convivência entre os cidadãos e auxilia na busca de segurança e na criação de
alternativas para os problemas vividos especificamente por cada comunidade.
No tocante à questão da violência, Vergne (2002), Zamora (1999) e Velho
(2000) apontam que esta avança também ajudada pela queda, nos últimos tempos, dos
laços solidários nas comunidades, que passam a adotar uma conduta individualista-
privativa, característica da sociedade moderna. Segundo estes autores, este processo se
dá de forma mais severa nas comunidades mais diretamente envolvidas com a violência,
como já dissemos anteriormente, porque o medo, a lei do silêncio e o auto-
enclausuramento passam a ser condutas que garantem, dependendo do contexto, a
condição de estar vivo ou não.
32
Pensamos que o fortalecimento das bases de apoio comunitárias e familiares
pode funcionar como estratégia política de enfrentamento à violência. As Bases
informais, que são os laços afetivos com que contam a criança, o adolescente e o jovem
para se desenvolverem, segundo o grupo da CIESPI-PUC, são os recursos mais
utilizados e que têm maior relevância na tarefa de cuidar e proteger crianças e
adolescentes e podem contribuir bastante neste processo de enfrentamento (Rizzini &
Barker, 2001). A articulação da população pode provocar mudanças estruturais na
realidade local, desde que envolva mobilização popular no sentido de resolver os
próprios problema e reivindicação por melhores condições para o fortalecimento das
bases de apoio formal, participando da gestão das ações (Valla, 1999). Além disso,
principalmente as bases informais podem funcionar como produtoras de referentes
culturais para pais e filhos com o objetivo de desenvolver valores de vida coletivizada.
Veremos que os principais envolvidos em episódios violentos são os
adolescentes e jovens. São os que mais têm morrido e matado. Ações de enfrentamento
à violência devem levar em consideração tal população e realizadas de acordo com os
contextos específicos em que os jovens se encontram envolvidos. A seguir, trataremos
do impacto da violência sobre adolescentes e jovens no Brasil.
2.2.2 Violência entre jovens
5
Segundo o Relatório Mundial sobre Violência e Saúde da Organização Mundial
de Saúde (2002), as violências praticadas por adolescentes e jovens têm grande
visibilidade na sociedade, pois as principais vítimas são os próprios jovens. Este tipo de
violência causa prejuízos para além das mortes em si e dos danos causados à saúde.
5
Os dados sobre mortalidade que apresentaremos nesta seção sobre o Brasil e Natal/RN foram obtidos no
endereço eletrônico www.datasus.gov.br
33
Entre eles, pode-se destacar: o aumento dos custos em relação aos serviços de saúde e
de bem-estar social; o decréscimo da produtividade; a desvalorização das propriedades
próximas a regiões tidas como violentas; o prejuízo do funcionamento de serviços
essenciais (bases de apoio formais); a propagação do medo entre as populações,
dificultando a articulação política das mesmas; enfim, prejuízo ao futuro das nações.
No ano de 2000, os homicídios juvenis, de acordo com a OMS (2002), para
indivíduos entre 10 e 29 anos de idade, somaram 199 mil, tendo uma média de 565
mortes por dia em todo mundo. Os índices são mais elevados na África (17,6 para cada
100 mil habitantes) e, principalmente, na América Latina (36,4 para cada 100mil
habitantes).
Pesquisas do campo da saúde coletiva demonstram que, nas duas últimas
décadas, os índices sobre violência têm atingido índices alarmantes no Brasil. A
mortalidade por causa externa (homicídios, acidentais e intencionais)
6
cresceu cerca de
50% entre o fim dos anos 70 e meados dos anos 90, sobretudo em relação às populações
mais jovens (Mello Jorge, 2002). As causas externas foram responsáveis por 34.684
mortes de jovens entre 15 e 24 anos, 72,03% dos óbitos nesta mesma faixa etária em
2002.
Os homicídios estão em primeiro lugar entre as mortes por causas externas para
população em geral. Em 2002, representaram 49,2%, seguidos dos acidentes de trânsito
(26,3%). Para os jovens entre 15 e 24 anos, tal proporção foi de 62,42% para o mesmo
ano, representando 44,97% das mortes para esta faixa etária, seguidas pelos óbitos em
acidentes de trânsito com 15,7%. Os homicídios configuram-se como a principal causa
para esta população.
6
CID-10
34
Além de serem mais freqüentes entre jovens, os homicídios atingem com maior
contundência a população masculina. Dos 19.207 homicídios registrados em 2002 no
Brasil na faixa entre 15 e 24 anos, 18.021 atingiram indivíduos do sexo masculino.
Em Natal, no ano de 2002, a situação não é muito diferente: das 641 mortes por
causas externas em toda a população natalense, 178 acometeram jovens entre 15 e 24
anos, registrando um aumento de aproximadamente 14% em relação ao ano de 2000; as
causas externas representaram 63,8% das mortes entre jovens da mesma faixa etária,
92,13% destas mortes foram sofridas pela população masculina. Em relação aos
homicídios, 93,75% destes atingiram a população masculina entre 15 e 24 anos no ano
de 2002.
Acreditamos que esses números possam ser maiores, pois o registro das mortes
por homicídio tem implicações jurídicas, e os médicos têm receio nessa questão, o que
produz um processo de sub-notificação desses casos. A existência dos grupos de
extermínio e o uso de cemitérios clandestinos também dificultam o processo de registro
dessas mortes.
35
Capítulo 3 – Bases de Apoio em Natal/RN
O sol nasce e ilumina as pedras evoluídas que
Cresceram com a força de pedreiros suicidas
Cavaleiros circulam vigiando as pessoas
Não importa se são ruins
Nem importa se são boas
Chico Science, A cidade
36
3. Bases de apoio em Natal/ RN
Com base nos dados apresentados pelo Projeto Bases de Apoio realizado no Rio
de Janeiro, bem como naqueles que refletem a situação da violência entre jovens no
contexto nacional e local, definimos nossa proposta de trabalho para esta dissertação
7
,
que consiste no mapeamento das bases de apoio familiares e comunitárias no bairro de
Bom Pastor, Zona Oeste de Natal/RN. Para tanto, seguimos os passos metodológicos
traçados pelo projeto inicial Criança não é Risco, é Oportunidade em Bangu, Rio de
Janeiro, já descrito.
Tal mapeamento estará ancorado nos seguintes eixos:
x Mapear as bases de apoio familiares e comunitárias para adolescentes e jovens
estudantes no bairro de Bom Pastor, Zona Oeste de Natal/RN.
x Conhecer de que forma esses recursos são usados pelos adolescentes e jovens
estudantes desta comunidade.
Escolhemos esta região por se configurar como área carente da capital e
apresentar graves indicadores sociais
8
: maior índice de Mortalidade Infantil da cidade
(21,42%); maior índice de gravidez precoce e maior incidência de doenças sexualmente
transmissíveis e AIDS. De acordo com informações colhidas pelo IBGE (2000),
aproximadamente 22,5% dos chefes de família são analfabetos e 22,12% têm somente
de um a três anos de estudo. Além disto, segundo pesquisa realizada pelo Centro de
Direitos Humanos e Memória Popular, a partir de matérias de jornais locais, a Zona
Oeste apresenta o maior índice de homicídios. Silva (1997) aponta um nível bastante
alto de transgressões cometidas pela população jovem desta região. A violência atinge a
7
Pesquisa aprovada pelo Conselho de Ética em Pesquisa. UFRN. (apêndice A).
8
Projeto Global Engenho de Sonhos (2001). Construção Coletiva de Uma Estratégia de Combate à
Pobreza com Protagonismo Juvenil na Região Oeste de Natal – RN / Brasil. Mimeo
37
população jovem da Zona Oeste em forma de abusos sexuais, abandono, tráfico /
consumo de drogas e exploração do trabalho infantil. Esta região também foi eleita por
apresentar algumas ações relacionadas ao desenvolvimento da área, como por exemplo,
o Fórum Engenho de Sonhos de Combate à Pobreza, o Projeto UNI-Natal em parceria
com várias entidades, com o apoio da Fundação W. K. Kellog, que visam promover o
desenvolvimento dos jovens a partir de suas participações na comunidade. Tal fato
facilitou de certa forma nossa inserção na comunidade.
Pesquisa
9
realizada pelo Projeto Engenho de Sonhos com adolescentes
estudantes desta comunidade revelou os seguintes dados: 48% dos adolescentes não
praticam qualquer atividade extracurricular; a atividade física (53,6%), tais como,
futebol e educação física, é a prática mais comum entre os que mantêm atividades
extracurriculares; 64,5% dos arranjos familiares não compartilham do modelo nuclear
de família (pai, mãe e irmãos); 73,5% dos pais trabalham, mas apenas 47% destes
trabalham de forma estável (carteira assinada); 41% das mães trabalham, mas apenas
62% destas trabalham de forma estável (carteira assinada); a profissão de pedreiro
(13%) é a mais comum entre os pais que trabalham e a de empregada doméstica (31%)
entre as mães; somente 58% dos adolescentes informaram a renda familiar, 57,75%
destas famílias têm renda de até dois salários-mínimos; 64,5% dos adolescentes
afirmaram ter problemas familiares, sendo a dificuldade financeira (22,5%), o
desemprego (13%) e o alcoolismo (10%) os mais apontados; violência (22%),
insegurança (14,5%) e tráfico/drogas (14%) são os pontos negativos do bairro apontados
pelos adolescentes.
9
Diagnóstico Interativo da Realidade dos Jovens no Bairro de Bom Pastor (2002). Fórum Engenho de
Sonhos de Combate à Pobreza. Apresentado em forma de seminário em 24/03/2002 . Mimeo.
38
3.1 Passos metodológicos da investigação:
x Elaboramos instrumento – questionários – adequado à realidade local,
tomando como referência o instrumento utilizado no mapeamento
realizado pela CIESPI/PUC em Bangu, Rio de Janeiro (apêndice B).
x Pesquisa de campo propriamente dita: aplicação dos questionários.
x Os dados dos questionários foram inseridos no programa estatístico de
informática Statistica/Win.
Participantes
Inicialmente, pensamos aplicar os questionários com adolescentes de 13 a 18
anos. Mas, decidimos ampliar a faixa etária até 24 anos, pois a literatura sobre violência
no Brasil tem demonstrado que os jovens de 15 a 24 anos, como já demonstramos,
compõem a população que mais tem sofrido com a violência. Além do mais,
tradicionalmente, as políticas públicas direcionadas à juventude têm deixado descoberta
a faixa de 19 a 24 anos: ações na saúde pública são direcionadas especificamente no
campo da sexualidade e da drogadição para adolescentes até 18 anos de idade; na
educação, poucas são as ações que incluem os jovens que se encontram fora da idade
escolar ou estão atrasados na escolarização; as políticas de emprego e renda não
abarcam todos os jovens e não atendem as necessidades e aspirações. Nesta faixa etária,
encontram-se os momentos de escolha profissional e passagem para idade adulta,
configurando-se como um estágio de conflito e sofrimento, onde as pressões do mundo
moderno-capitalista tendem a se tornarem mais agudas; estas pressões são mais
perversas para com os jovens de comunidades carentes economicamente.
39
Instrumentos
Utilizamos o instrumento
10
para adolescentes utilizado pelo projeto bases de
apoio no Rio de Janeiro. É um questionário que aborda os seguintes eixos temáticos:
a) Características sócio-demográficas dos entrevistados;
b) Escolarização / educação;
c) Lazer e esportes;
d) Religião;
e) Saúde: acesso a equipamentos e costumes;
f) Problemas e necessidades especiais enfrentadas pelos jovens;
g) Violência
h) Programas e iniciativas para jovens na comunidade.
O questionário original sofreu algumas alterações para se adaptar à nossa
realidade, foram acrescentadas algumas perguntas para um maior esclarecimento dos
aspectos a serem investigados e alterações no que diz respeito às perguntas sobre
atividades culturais para jovens, pois as nossas expressões culturais são diferentes das
do Sul do País, ficando composto por 189 itens. O instrumento foi auto-aplicável, com o
apoio dos pesquisadores.
Em todos os aspectos, os jovens foram questionados sobre as problemáticas
enfrentadas na comunidade. Apontaram os entraves e indicaram os recursos
comunitários que contam para enfrentá-los.
10
Apêndice B
40
Local da pesquisa
A pesquisa de campo foi realizada na Escola Estadual Jean Mermoz.
Escolhemos este estabelecimento por ser central e ser a única no bairro que oferece
ensino médio (antigo segundo grau) e supletivo para alunos atrasados. Desta forma,
tivemos acesso à população na faixa etária que desejávamos, pois a escola é um
ambiente de aglutinação de jovens. As demais escolas do bairro, por oferecerem só o
ensino fundamental, não proporcionaram o acesso aos estudantes acima de 16 anos de
idade; além disso, as educadoras do bairro encaminham os alunos que estão fora da
faixa escolar para o Jean Mermoz, pois é a única que oferece os cursos de supletivo.
No início do ano letivo de 2004, entramos em contato com a direção da escola
para levarmos nossa proposta de pesquisa
11
e negociarmos a possibilidade de realização
da mesma. A diretoria se mostrou receptiva e apoiou a realização do nosso trabalho. A
coleta de dados foi realizada no 2° bimestre, entre os meses de maio/04 e julho/04.
Acordamos com a direção e com os professores que as aplicações seriam realizadas no
horário escolar, em sala de aula.
De acordo com os dados obtidos na secretaria da escola, a mesma contava com
739 alunos com idades entre 13 e 24 anos matriculados para o ano letivo de 2004.
Aplicamos 382 questionários com adolescentes e jovens desta faixa etária nos turnos
vespertino e noturno que se encontravam cursando os ensinos fundamental II e médio e
o supletivo. Na pesquisa de campo, constatamos que o número de alunos que
freqüentava as aulas era inferior ao número de alunos matriculados, o que indica um
alto índice de evasão escolar e nos leva a pensar que a proporção de alunos em que
aplicamos o instrumento seja bem maior.
11
A pesquisa desta dissertação é parte integrante do projeto Infância e Adolescência: Mapeando Bases de
Apoio Familiares e Comunitárias em Natal/RN, vinculado ao CNPq.
41
Inicialmente, pensamos em aplicar os questionários em metade das turmas de
cada série. No entanto, duas constatações nos fizeram ampliar o número de participantes
de nossa pesquisa: 1. algumas turmas não contavam com alunos na faixa etária que
desejávamos; 2. havia mais estudantes entre 13 e 18 anos do que entre 19 e 24 anos. Na
tabela a seguir podemos observar as turmas que foram selecionadas.
Tabela 01. Turmas selecionadas para aplicação do instrumento.
N° total de turmas
Turmas com
alunos entre 13 e
24 anos Turmas aplicadas
5ª série 6 4 4
6ª série 4 3 3
7ª série 4 4 3
8ª série 3 3 2
1° ano 5 4 4
2° ano 2 2 2
3° ano 2 2 2
EJA 4 2 2
Total 30 24 22
3.2 Resultados
3.2.1 Perfil dos Participantes
Foram aplicados 382 questionários distribuídos da seguinte forma:
x Ensino Fundamental: 5ª Série (67), 6ª série (53), 7ª série (39), 8ª série
(53).
42
x Ensino Médio: 1º ano (79), 2º ano (41) e 3º ano (26).
x Educação de Jovens e Adultos: EJA 3 (16) e EJA 4 (8)
Esses estudantes estão distribuídos nos turnos vespertino e noturno, perfazendo
um total de 51,69% de alunos na faixa etária de 13 a 24 anos. Dos participantes, 271
possuem idade entre 13 e 18 anos, 100 entre 19 e 24 anos e 11 não informaram. Quanto
ao sexo a distribuição foi a seguinte (Figura 01):
191
184
7
0
50
100
150
200
250
Feminino Masculino o informaram
Figura 01. Sexo.
A maioria dos participantes reside no bairro Bom Pastor (76,17%), os demais
residem em bairros da própria Zona Oeste; além disso, 71,47% desses jovens nasceram
em Natal/RN. Os moradores entre 15 e 24 do bairro somam 21,28% da população,
segundo dados do IBGE (2000), sendo 51,47% do sexo feminino e 48,53% do
masculino.
Quanto à raça, 37,43% declararam ser da raça branca, 18,56% da raça negra e
33,76% pertencerem à raça parda. O censo demográfico de 2000 (IBGE) aponta que
52% da população de Natal é parda ou negra.
43
No que diz respeito ao estado civil, 87,69% são solteiros, 3,66% são casados,
6,02% estão em união consensual e 2,63% não responderam.
A maior parte desses jovens, 36,12%, nunca exerceu qualquer atividade
remunerada; 33,76% deles estão trabalhando atualmente (44,96% dos participantes
deste grupo são menores de idade) e 24,08% já o fizeram em outro momento. Apenas
14,73%, daqueles que estão trabalhando no momento, têm carteira assinada de trabalho.
Dos 220 participantes que declararam trabalhar ou já terem trabalhado, 134 revelaram
as atividades desenvolvidas. Na figura 02 podemos visualizar a distribuição dessas
atividades.
1
1
3
20
22
25
26
36
Jogador de futebol
Prostituição
Professores
Prestação de Serviços
Func. Privados
Comerciários
Ativ. Domésticas
Ativ. Autônomas
Figura 02.Atividades Remuneradas
As atividades autônomas são aquelas realizadas por conta própria e sem
vinculação com qualquer estabelecimento empregatício. Encontramos na nossa pesquisa
os seguintes trabalhos dessa natureza: costureira, doceira, artesão, pipoqueiro,
panfleteiro, feirante, pedreiro, pintor, revendedores de cosméticos, sorveteiro, etc. As
atividades domésticas correspondem àquelas realizadas no âmbito do lar, tais como,
44
empregadas domésticas e babás. Os comerciários se referem aos embaladores,
vendedores, padeiros, enfim, empregados de estabelecimentos comerciais. No setor de
prestação de serviços, encontramos manicure, garçom, mecânico, guia turístico,
capoteiro e serviços de frete. Chamamos funcionários privados aqueles que mantêm
vínculo com estabelecimentos específicos, com exceção da área comercial, tais como,
operador de máquinas, auxiliar de serviços gerais (ASG’s), auxiliar de topografia,
telefonista, secretária.
A situação de trabalho desses jovens é marcada pela informalidade e pela
ilegalidade. Em primeiro lugar, constatamos um número muito alto de atividades
informais, principalmente realizadas no âmbito doméstico, geralmente de forma
esporádica, que não oferecem remuneração fixa nem demanda de trabalho. Existem
muitos menores de idade trabalhando e um percentual muito alto de trabalhadores sem
carteira assinada (85,27%), o que não garante segurança em relação a acidentes de
trabalho nem aposentadoria. Na Região Metropolitana de Natal, apenas 50,2% dos
trabalhadores acima de 10 anos de idade têm carteira de trabalho assinada ou são
funcionários públicos estatutários (IBGE, 2000).
No Brasil há uma má distribuição de renda. Segundo dados do Relatório de
Desenvolvimento Juvenil 2003 da Unesco (2004), 10% das famílias brasileiras
concentram aproximadamente 44% da renda nacional. Ao passo que 50% das famílias
pobres dividem 13,8%. Esta má distribuição atinge Bom Pastor de maneira contundente,
pois verificamos que 75,12% das famílias dos jovens desta pesquisa têm uma renda que
se concentra entre menos de um a quatro salários mínimos. Além disso, não podemos
deixar de indicar que estas famílias são numerosas.
As famílias dos participantes são compostas, em sua maioria, por 4 a 6 membros
(59,24%), sendo formadas por pai, mãe e irmãos (48,69%), perfazendo uma média de
45
4,93 pessoas por família. É importante destacar que 21,72% são chefiadas por mulheres.
Constatamos que 36 participantes declaram ter filhos, grupo composto por 24 do sexo
feminino e 05 participantes menores de idade. A renda dessas famílias se configura da
seguinte maneira (figura 03):
24,34%
28,27%
22,51%
9,42%
15,46%
0%
5%
10%
15%
20%
25%
30%
Até 1 1 a 2 2 a 4 Mais de 4 Não
informaram
Figura 03. Renda Familiar (em salários-mínimos)
A renda média é de R$ 494,00. Bom Pastor, de acordo com o IBGE (2000),
apresenta um rendimento médio, para a pessoa responsável pelo domicílio, de R$
336,00 e uma média de 4,06 moradores por domicílio; além disso, aproximadamente,
60% da população do bairro vive em domicílios que têm renda de até dois salários-
mínimos da pessoa responsável pelo domicílio.
O cotidiano de pobreza vivido pelo jovem de Bom Pastor reflete a condição do
país. Com a dificuldade financeira, muitos jovens brasileiros, principalmente na região
Nordeste, são obrigados a abandonar os estudos e procurar realizar atividades
remuneradas, ou realizar as duas atividades concomitantemente. De acordo com dados
do IBGE (2003), a média de anos de estudo para a população nordestina acima de 10
46
anos de idade é de 4,7, a pior do Brasil, perdendo para a Região Norte com 6,0 e a
Região Centro-Oeste com 6,2. Nesta pesquisa, aproximadamente 64% realiza ou já
realizou alguma atividade remunerada e 58 participantes menores de idade se
encontravam exercendo atividades remuneradas.
A maioria dos participantes, 90,04%, realiza ou já realizou algum tipo de
trabalho doméstico. As tarefas mais citadas são: limpar a casa (69,63%), fazer compras
(43,19%) e cozinhar (41,36%); além disso, 31,93% declararam cuidar dos irmãos e
25,65% a realização de outras tarefas, tais como, manutenção da casa, ajuda financeira,
lavar roupa, cuidar de pais ou avós.
Destacamos que 86,91% dos adolescentes do sexo feminino e 60,87% do sexo
masculino realizam tarefas domésticas. Contudo, esta diferença se torna maior quando
observamos a freqüência dos trabalhos domésticos: 76,44% dos participantes do sexo
feminino declararam realizar tarefas domésticas diariamente, ao passo que os do sexo
masculino compõem 32,07%. Há também uma diferença entre as atividades as quais os
dois sexos se dedicam: em relação à limpeza da casa, 167 meninas fazem esse tipo de
trabalho, enquanto apenas 94 meninos realizam esse tipo de atividade; na atividade de
cuidar dos irmãos, 81 meninas a executam, enquanto apenas 38 meninos realizam esse
tipo de trabalho; quando indagados sobre a atividade de cozinhar, 110 meninas
declararam realizar tal atividade em suas casas, enquanto apenas 46 meninos disseram
realizar este tipo de serviço; o item “fazer compras” foi o que o número de jovens do
sexo masculino (71) mais se assemelhou ao número de jovens do sexo feminino (89).
Podemos perceber uma questão de gênero, apontando para uma exploração maior das
meninas no trabalho doméstico. Não podemos esquecer que este trabalho não é
remunerado e dificulta a conciliação com as atividades escolares, pois mais de três
quartos das meninas realizam tarefas domésticas diariamente.
47
Quanto à moradia, 76,96% moram em casa própria e 17,27% em casa alugada.
Segundo os dados do Censo Demográfico de 2000, dos 4416 domicílios de Bom Pastor,
3087 são próprios (69,18%), sejam quitados ou em aquisição.
Em termos gerais, os dados desta seção indicam que as famílias de Bom Pastor
lidam cotidianamente com a pobreza. São numerosas, de maioria negra/parda, com
baixa renda e sofrem problemas financeiros.
3.2.2 Atividade escolar
No que diz respeito às atividades escolares, 87,7% dos participantes estudaram
no ano anterior ao da pesquisa. Há um alto índice de reprovação no histórico escolar
desses alunos, aproximadamente 72% já foram reprovados: destes, 40,73% ao menos
uma vez, 34,54 % duas vezes, 24% três vezes ou mais. Aproximadamente um terço dos
participantes declarou ter ficado um período de tempo afastado da escola, revelando um
alto índice de evasão escolar. Embora não tenha dados disponíveis a esse respeito, a
diretora da escola nos afirmou que, nos últimos anos, é muito grande a diferença entre
os alunos matriculados e os que chegam ao final do ano letivo.
Os pais de 78,27% dos alunos investigados costumam freqüentar as reuniões da
escola. Destes, 75,92% já foram à escola para falar com os professores, principalmente
sobre dificuldades no entendimento de disciplinas (22,9%), notas ruins (27,75%) e
reclamar de acontecimentos específicos (24,36%). Proporcionalmente, a freqüência às
reuniões é maior para os pais dos alunos na faixa etária entre 13 e 18 anos, ficando em
torno de 87,8%, ao passo que na faixa entre 19 e 24 anos é de 51%. Estes dados nos
indicam sobre a participação dos pais no processo educativo de seus filhos, configuram-
se como fontes de apoio informal, revelando preocupação com o desenvolvimento e
disposição para a tarefa de criação de seus filhos.
48
Constatamos que apenas 20,68% dos estudantes já procuraram algum tipo de
apoio para suas atividades escolares, tais como, grupo de reforço, professor particular,
explicadora e psicopedagogo. Indagamos ainda sobre a participação dos adolescentes e
jovens em cursos realizados em suas comunidades, apenas 75 dos 382, ou seja, 19,63%
jovens haviam participado de algum curso, sendo os de informática mais procurados,
com 52 indicações, seguidos dos cursos de inglês com nove indicações. Embora haja
uma preocupação dos pais com o processo educativo de seus filhos, são escassos os
apoios na comunidade no que diz respeito ao âmbito escolar, tanto de bases formais
quanto de informais, o que acaba dificultando a busca de ajuda para as atividades
escolares.
3.2.3 Lazer e Esportes
Questionamos os jovens sobre atividades de lazer e culturais. Dos participantes,
84,3% declararam ter realizado/freqüentado algum tipo no último ano. Destes, 62,73%
foram a passeios organizados, 57,76% foram a pelo menos um espetáculo musical,
47,83% participaram de gincanas, 32% assistiram a pelo menos um espetáculo de
dança, 19,87% foram ao cinema pelo menos uma vez, 19,25% assistiram espetáculos
teatrais, e 5,6% declararam outras atividades.
Apenas 37,2% dos participantes conhecem algum grupo ou pessoa que
desenvolve atividades culturais, esportivas ou de lazer na comunidade. Destes, somente
38% têm oportunidade de participar dessas atividades, sendo dança, futebol e capoeira
as mais praticadas.
Podemos perceber como são escassas as opções de lazer para esses jovens. Em
Bom Pastor não há cinemas, teatros ou espaços para apresentações culturais. As praças
e os brinquedos públicos estão depredados, muitas vezes pelos próprios moradores. Os
49
shows musicais freqüentados são geralmente no período eleitoral, quando há
apresentações gratuitas promovidas pelos candidatos. Não podemos deixar de
considerar as dificuldades financeiras que os jovens do bairro devem enfrentar para se
deslocarem para os locais da cidade onde as opções de lazer e cultura são maiores; por
exemplo, o jovem de Bom Pastor precisa tomar duas conduções para ir ao cinema mais
próximo do bairro; não podemos esquecer também dos gastos com alimentação quando
esses jovens se deslocam para freqüentar tais atividades.
Dos participantes, 52,61% praticam esportes. Os esportes praticados por estes
estudantes são (figura 04):
67,80%
13,90%
13,40%
4,30%
0,60%
0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80%
Futebol
Vôlei
Capoeira
Atletismo
Basquete
Figura. 04. Esportes Praticados
Dentre os que praticam esportes, 42,45% fazem parte de algum clube ou grupo
organizado. De forma geral, independente de fazerem parte ou não de um grupo
organizado, 41,88% dos que praticam esportes o fazem na própria comunidade. Estas
atividades, em sua maioria, são realizadas na escola, coordenadas pelos seus
50
funcionários ou por pessoas do bairro que desenvolvem projetos por iniciativa própria
e/ou com o apoio do colégio, como é o caso também da capoeira.
Constatamos que a prática de esporte é maior entre os participantes do sexo
masculino, aproximadamente 76% dos meninos praticam esportes, ao passo que as
participantes somam 30%. Esse dado pode estar ligado ao fato das meninas terem um
encargo maior com os afazeres domésticos: das 134 meninas que não praticam esportes,
99 realizam tarefas domésticas diariamente. Além disso, o futebol, que é o esporte mais
praticado por esses estudantes, é uma prática predominantemente masculina, e é,
geralmente, o único esporte oferecido de forma organizada nas comunidades do Brasil;
o Vôlei, por exemplo, é praticado por apenas 18 participantes desta pesquisa, sendo 15
do sexo feminino, ao passo que o futebol por 103 participantes, 84 do sexo masculino.
Esses dados mostram que a prática de esportes apresenta-se como uma atividade
importante no contexto local, podendo ser pensada como uma base de apoio. No
entanto, são poucas as opções formais no bairro para a prática de esporte, pois 57,55%
daqueles que praticam esportes o fazem de maneira informal, ficando as atividades
esportivas quase restritas ao âmbito escolar, o que dificulta a continuidade da prática
esportiva quando os jovens terminam seus estudos, mas, de certa forma, reforça a escola
enquanto uma base de apoio formal importante. Além disso, são escassas as opções
esportivas formais em que há uma maior participação do sexo feminino, tais como,
vôlei, natação, atletismo; assim, além de não puderem praticar esporte em função do
trabalho doméstico, as meninas não têm muita opção para a prática esportiva.
As atividades realizadas pelos jovens quando estão fora da escola se configuram
da seguinte maneira (figura 05):
51
7,59%
17,01%
42,67%
61,25%
67,80%
0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70%
Nada
Outro
Esportes
Ouvir Música
Batepapo com amigos
Figura 05. Atividades realizadas quando não estão na escola
Para se divertir, os adolescentes e jovens desta pesquisa costumam realizar as
seguintes atividades (tabela 01):
Tabela 02. Diversão
Ver TV 72,50%
Bater papo 68,60%
Ouvir música 64,60%
Passear 52,30%
Ficar em casa 44,50%
Jogar bola 42,10%
Dançar 32,90%
Ficar na rua 28,80%
Casa de amigos 26,00%
Outros 9,42%
52
Acerca dos dados sobre atividades extra-escolares e diversão, podemos refletir
sobre o quanto essas estão praticamente circunscritas ao espaço doméstico e são
escassas de uma forma geral, revelando a falta de iniciativas públicas no sentido de
construir espaços sócio-recreativos em comunidades de baixa renda, o que pode ser
compreendido como uma estratégia de controle e exclusão de tais moradores, limitando
sua circulação na cidade. Essas atividades são realizadas na própria comunidade – até
mesmo em casa – e com os amigos. Por um lado isso reforça o papel do grupo de
amigos enquanto base de apoio informal, mas por outro lado demonstra uma possível
restrição no que diz respeito à oferta de opções de lazer a que essas pessoas têm tido
acesso. Essa restrição pode ser uma conseqüência do pouco conhecimento que esses
jovens têm acerca de serviços, grupos ou pessoas na comunidade que oferecem
atividades culturais ou esportivas, pois constatamos que 62% dos participantes não
conhecem quaisquer atividades dessa natureza, o que indica também a possibilidade da
escassez dessas iniciativas. O que podemos perceber nessas atividades é um certo
esvaziamento do espaço público.
Tal esvaziamento dificulta o desenvolvimento dos laços informais. Enfraquece
as linhas de solidariedade e reciprocidade. Revela também uma cultura intimista,
própria das classes altas. Preocupa-nos as implicações de tal condição nas redes de
suporte social, nas bases de apoio existentes na maioria das pequenas comunidades.
Observa-se atualmente a expansão e naturalização do discurso que valoriza o
fechamento paulatino dos espaços de convivência. Além disso, essa perda ou
diminuição de laços sociais vem sendo produzida e vendida como modo de subjetivação
por excelência na contemporaneidade. Sabemos também que a violência desempenha
um papel nesse cerceamento da circulação das pessoas nas comunidades, esta é uma
questão que abordaremos mais adiante.
53
Diante disso, podemos inferir que, apesar de se configurarem como bases de
apoio em potencial, o esporte e o lazer ainda precisam de bastante investimento por
parte da comunidade e dos órgãos competentes, além do reconhecimento do seu valor
no desenvolvimento integral desses jovens e adolescentes, principalmente no
incremento das bases informais de apoio.
3.2.4 Religião
Nosso objetivo nesta seção consistia em investigar que religiões estavam sendo
mais freqüentadas pelos jovens e adolescentes na comunidade de Bom Pastor e refletir
sobre a possibilidade de se configurarem enquanto base de apoio. Questionamos os
jovens sobre os itens a seguir: “Você freqüenta alguma atividade religiosa?”; “Qual a
religião”, "Quantas vezes você freqüentou o local da sua religião no último mês?”.
Embora não seja foco no nosso trabalho, cabe aqui uma reflexão sobre as
instituições religiosas como bases de apoio. De acordo com o pensamento de Zamora e
Kuenerz (2002), baseadas em uma pesquisa realizada no Rio de Janeiro com igrejas
protestantes e petencostais, precisamos problematizar a atuação das organizações
religiosas nas comunidades. Segundo essas autoras, tais instituições podem funcionar
como um suporte para os moradores nas mais diversas necessidades, mas, ao mesmo
tempo, também podem funcionar como modelizadoras e disciplinadoras de
comportamento aceitáveis para o mundo do trabalho, servindo como um docilizador de
corpos e vetores de uma concepção apolítica, descomprometida com a mudança da
realidade em que se vive.
As comunidades carentes, tais como a de Bom Pastor, sofrem com a ausência de
políticas públicas e instituições (bases formais) para minimizar ou resolver os
problemas enfrentados, além da falta de opções de lazer e locais públicos para o
54
encontro de pessoas. As igrejas e demais organizações religiosas se apresentam, muita
das vezes, como ponto de apoio e estão de “portas abertas” para o acolhimento e escuta
do sofrimento. Para Zamora e Kuenerz (2002), a fé e a religiosidade, longe de
representarem uma escolha inconseqüente ou uma prática alienadora, são formas de
expressão cultural, indicam uma atividade criativa e uma busca reflexiva e filosófica
para resolução dos problemas do cotidiano, minimizando a perplexidade diante dos
acontecimentos aflitivos. Além disso, as organizações religiosas propiciam também um
campo de sociabilidade, onde amizades e alianças se desenvolvem, fazendo com que
comece a existir um âmbito de apoio mútuo, o que incrementa o desenvolvimento das
bases informais. Assim, além de oferecerem um suporte formal, através da distribuição
de alimento, da oportunidade de participação nos diversos grupos que possam existir, do
estudo de uma determinada forma de ver e compreender o mundo, as igrejas e demais
instituições religiosas se revelam como fontes de suportes informais, que podem ser
fornecidos tanto pelas pessoas que “trabalham” nessas organizações como pelos
moradores que as freqüentam. Desta maneira, os freqüentadores encontram um “lugar”
onde podem receber um conselho, um afago e propício para a escuta.
Em Bom Pastor, muitos adolescentes e jovens da nossa pesquisa participam de
atividades de cunho religioso, 231 (60,47%)
12
disseram freqüentar alguma atividade
religiosa. Deste total, 63,63% disseram freqüentar a Igreja Católica, enquanto 33,76%
afirmaram ir as Igrejas Protestantes. A religião Espírita foi citada apenas três vezes.
Outras religiões foram citadas por apenas quatro pessoas. Os que disseram não
participar de nenhuma atividade religiosa perfizeram um total de 36,64%. Os que não
responderam sobre a participação em atividades deste tipo somaram 2,89%.
12
Na pesquisa de Bangu, no Rio de Janeiro, a freqüência a esse tipo de atividade foi de 53%.
55
Questionamos também sobre a freqüência de participação dos jovens e
adolescentes nessas atividades. Dos sujeitos que responderam freqüentar alguma
atividade, 22,08% disseram não terem ido até seus locais de congregação no último
mês, outros 11,26% disseram ir apenas uma vez até esses locais, os que foram de duas a
três vezes nesse mesmo período perfizeram um total 23,38%, 41,99% afirmaram terem
ido quatro ou mais vezes no último mês e 1,29% não responderam a freqüência. A
atividade religiosa é mais freqüentada pelas meninas (70,68% delas), mas os meninos
têm uma freqüência considerável, a metade deles afirmou participar das reuniões
religiosas.
É importante lembrar que quase a metade dos pesquisados, que declaram
participar de atividades religiosas, participa de algum grupo religioso desenvolvido
pelas igrejas, tais com grupo de jovens, de discussão, de música. A freqüência nesses
grupos foi a atividade coletiva mais citada por todos os adolescentes e jovens desta
pesquisa.
Como pudemos observar, uma parcela significativa dos sujeitos desta pesquisa
disseram freqüentar algum tipo de atividade, sendo assim podemos pensar na
possibilidade dessas atividades religiosas estarem se configurando como bases de apoio,
principalmente informais, para os jovens da comunidade pesquisada.
3.2.5 Saúde
Grande parte dos entrevistados (57,85%) declarou não haver hospital em seu
bairro, sendo que a maioria conhece a existência apenas de um posto de saúde (92,15%)
e de agentes de saúde (73,56%).
A maior parte dos jovens (43,98%) não procurou o serviço de saúde para seu
próprio atendimento nos últimos três meses, 9,16% declararam não se lembrar da
56
procura deste serviço no mesmo período. Constatamos que 18,58% procuraram o
serviço apenas uma vez, 16,75% de duas a três vezes, 9,16% acima de quatro vezes.
Podemos perceber uma baixa freqüência desses jovens ao serviço de saúde.
Questionamos os participantes sobre a última vez que procuraram o serviço de
saúde com o intuito de conhecer quais os motivos dessa procura. Os principais motivos
foram: verificar o estado geral de sua saúde (32,2%), fazer uma consulta médica geral
(21,9%), conseguir atestado médico (13,28%), realização de
exames/diagnósticos/tratamentos em geral (12,56%). Percebemos uma procura por
serviços de caráter curativo. Práticas educativas e preventivas não foram citadas pelos
estudantes.
Procuramos conhecer as formas de apoio informal mais atuantes em relação às
práticas de saúde. Para tal, perguntamos aos participantes quais as pessoas que
costumam acompanhá-los nos atendimento de saúde. A distribuição foi a seguinte:
72,50%
34,81%
13,87%
10,21%
9,42%
6,54% 6,54%
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
Sozinho
Amigos
Par
c
eiro/a
Pai
Outras
Figura 06. Acompanhante nas práticas de saúde
Os dados acima indicam que há uma preocupação da família com a saúde dos
participantes, principalmente proveniente da figura da mãe. O que reforça a
57
potencialidade que as famílias tem na tarefa de cuidado em relação aos filhos, que foi
uma constatação encontrada pela pesquisa realizada em Bangu, questão que já
constatamos anteriormente na seção sobre educação. Apesar de encontramos um
número alto de pessoas que procuram o serviço de saúde por conta própria, notamos que
a proporção para essa forma de ida ao serviço é maior para aqueles que se concentram
na faixa entre 19 e 24 anos, que geralmente são mais independentes, compondo 32% da
população desta faixa, sendo a forma de ida ao serviço mais comum nessa idade; ao
passo que, na faixa de 13 a 18 anos, a proporção de ida ao ser viço por conta própria foi
de 11,44%, sendo a forma mais comum a ida com a mãe, 42,8%.
Grande parte dos entrevistados (73,82%) declarou nunca ter procurado o serviço
de saúde para pedir informações sobre sexo, uso de anticoncepcionais ou sobre Doenças
Sexualmente Transmissíveis. Dos 61 participantes que procuraram o serviço de saúde
para tal: 38 são do sexo feminino; 27 foram buscar informações por iniciativa própria e
20 foram aconselhados pela mãe.
Em caso de violência ocorrida no ambiente familiar, apenas 7,38%, daqueles que
declaram tê-la sofrido, procuraram o serviço de saúde como ajuda no enfrentamento
dessa situação, esse número diminui ainda mais no caso de violência sofrida na
comunidade, fora do ambiente familiar, 5,49%. Os dados sobre violência serão
discutidos mais adiante.
Podemos perceber que as instituições de saúde são pouco freqüentadas pelos
participantes de nossa pesquisa. Portanto, parecem não se configurarem como bases de
apoio confiáveis para esses adolescentes e jovens. Constatamos que o serviço de saúde
pública ainda é pouco procurado para a resolução de problemas referentes à violência e
a prevenção de DST/AIDS e para o esclarecimento de dúvidas sobre a saúde
58
reprodutiva: apenas 16,75% dos nossos participantes procuraram o serviço nesse
sentido.
O serviço público de saúde em Bom Pastor para adolescentes e jovens não deve
ser diferente da maioria dos serviços praticados no Brasil. Parecem também funcionar
no paradigma do risco, que enfoca os problemas e se afasta do desenvolvimento
integral.
Segundo Muza e Costa (2002), a rede pública de saúde parece estar preparada
para atendimentos a problemas referentes ao corpo físico; no entanto, segundo essas
autoras, há uma população jovem com uma demanda de problemas sociais e emocionais
que se encontra alijada dos cuidados de saúde. Esta demanda se refere, pois, a
dificuldades que surgem no cotidiano do adolescente, tais como, expressão da
sexualidade, envolvimento em situações de violência, uso/abuso de entorpecentes, falta
de espaço para o lazer e prática de esporte, etc. É um tipo de demanda que requer uma
atenção ampliada e um acolhimento diferenciado, um olhar que se preocupe com o
desenvolvimento integral de forma a contemplar: “qualidade das relações interpessoais;
um aporte nutricional (...); (...) moradia e acesso aos serviços de saúde; acesso à
informação e à educação formal ou profissionalizante; e prática de esportes e lazer para
um bom desenvolvimento físico, emocional, intelectual e social” (Muza e Costa, 2002).
O atendimento à saúde em Bom Pastor, direcionado a adolescentes e jovens,
parece se concentrar em práticas curativas, privilegiando o espaço clínico em detrimento
de ações sócio-comunitárias. Além disso, tal atendimento pode estar também sendo
realizado de forma descontextualizada, sem levar em conta as reais necessidades e os
interesses dos jovens. Tais dados reforçam a idéia de que a população jovem,
principalmente entre 19 e 24 no Brasil, encontra-se alijada das políticas públicas - não
59
só de saúde. Podemos, assim, inferir que essa situação acaba dificultando a instituição
dos serviços de saúde como uma base de apoio mais efetiva para adolescentes e jovens.
3.2.6 Dificuldades Enfrentadas/ Problemas e necessidades especiais
Questionamos os participantes sobre as dificuldades (figura 07) que enfrentam
conjuntamente com suas famílias no cotidiano. Tínhamos o objetivo de conhecer a
realidade desses jovens e, principalmente, as formas de ajuda (figura 08) buscadas para
Figura 07. Dificuldades
o enfrentamento dessas questões para mapearmos as bases de apoio mais utilizadas.
e acordo com a figura acima, constatamos que 87,7% (n=335) das famílias
desses adolescentes e jovens sofrem algum tipo de dificuldade. Destes,
13
enfrentadas no cotidiano
66,87%
2,99%
9,25%
15,52%
18,26%
28,66%
63,88%
49,25%
31,04%
25,45%
0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80%
Outras
Drogas
Rel. com a comunidade
Violência
Rel. parental
Álcool
Rel. pai/filho
Prob. de saúde
Desemprego
Financeira
D
13
Chamamos de dificuldade na relação parental, os problemas conjugais; na relação pai/filho, os
problemas de relacionamento entre pais e filhos.
60
aproxim
xílio:
Podem l. Os
problem essas famílias de forma contundente, como já o
dissem
ra para as
dificuldades enfrentadas, e sim um desamparo que sofrem pela ausência de suportes
adamente 20% não procuram nenhum tipo de ajuda para tentar enfrentar suas
dificuldades.
Vejamos a seguir as formas de auxílio, em geral, buscadas por aqueles que
procuraram au
60,37%
34,81%
32,96%
17,04%
5,19%
0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70%
Outros
Instituições
Serviço Saúde
Amigos
Parentes
Figura 08. Bases recorridas para o enfrentamento das dificuldades
os perceber que o cotidiano dessas famílias é bastante difíci
as financeiros afligem
os. No entanto, várias outras dificuldades se somam e se associam às indicadas,
tais como os problemas de saúde na família e os problemas de relacionamento na
dinâmica familiar. Além disso, encontramos um número alto de jovens que sofrem com
alcoolismo na família, aproximadamente 25% das famílias dos participantes.
Essas famílias recorrem com maior freqüência às bases informais de apoio. Essa
constatação não indica que tais dispositivos oferecem uma resolutividade segu
61
formais
tipo de suporte. Indica a existência de laços de solidariedade e
linhas
s de zelar pelo bem-estar de seus filhos” (p.64) e como
descom
43% dos estudantes, respondeu a essa pergunta fazendo
referência a palavras como “policiamento” (ou a falta dele), “brigas”, “violência”,
, ou seja, são escassos os recursos e equipamentos sociais disponíveis para essas
famílias. As políticas sociais para essa população não respondem às necessidades e são
também excludentes.
Não podemos deixar também de sinalizar que a procura pelas bases informais,
principalmente em relação à procura de auxílio com os próprios familiares, sinaliza uma
maior confiança nesse
de reciprocidade. A existência de uma cultura de ajuda mútua, de apoio nos
momentos de dificuldade.
Segundo Peres e Sousa (2002), existe um discurso que permeia a história da
assistência às famílias de classes populares no Brasil que as coloca como
“incompetentes e incapaze
prometidas no tocante à resolução dos problemas que enfrentam. De acordo com
essas autoras, muitos estudos no Brasil têm demonstrado justamente o contrário, que,
muitas vezes as situações adversas vivenciadas no cotidiano fortalecem ainda mais os
laços afetivos entre as pessoas dessas famílias. Dessa forma, notamos que os dados de
Bom Pastor também ajudam a desmistificar a idéia de família-problema e reprodutora
do caos social, pois notamos que, dos 270 participantes que declararam procurar ajuda
para enfrentar as dificuldades vivenciadas com suas famílias, 170 afirmaram recorrer
aos próprios parentes, sendo a forma de apoio mais buscada (60,47%); ou seja, essas
famílias parecem se organizar para enfrentar seus problemas, configurando-se como
bases de apoio confiáveis.
Um outro dado importante sobre as dificuldades que eles enfrentam em seu
cotidiano nos chamou atenção. Quando questionados sobre o principal problema do seu
bairro, a maioria, mais de
62
“morte”, “criminalidade”, “bandidagem”. Ou seja, palavras que remetem à vivência de
um cotidiano permeado pela violência.
Além disso, indagamos aos adolescentes sobre a sua satisfação/insatisfação
frente a alguns aspectos da infra-estrutura de seu bairro. Os resultados foram os
seguintes (figura 09):
61%
69,63%
54,19%
50%
60%
48,69%
53,40%
30,62%
0%
10%
20%
30%
40%
70%
80%
Saneamento Policiamento Equipamentos
Sociais
Limpeza Conselho
Comunitário
Transporte
Urbano
Figura 09. Insatisfação quanto aos serviços públicos
Podemos notar na figura 09 que o policiamento foi o aspecto mais indicado
quanto ao item insatisfação. Talvez este dado esteja ligado ao cotidiano de violência
vivido pelos jovens desta pesquisa, revelando uma preocupação intensa com a
segurança. Notamos, s incomoda a
popula
e situações violentas, mas também para os demais
então, as violências como um dos problemas que mai
ção jovem de Bom Pastor.
A violência, segundo Muza e Costa (2002), baseadas em pesquisa realizada com
adolescentes estudantes de 10 a 19 anos de idade em uma comunidade pobre do Distrito
Federal, é um dos maiores problemas enfrentados por essa população. Não só para
aqueles que são perpetradores d
63
adolesc
como valores ideais da sociedade moderna; no entanto, tais práticas se
expand
ceamento ao âmbito doméstico e o problema do cotidiano violento, citado
pelos j
entes, pois, segundo as autoras, provoca medo e faz com que estes se sintam
confinados em suas casas. As situações violentas, assim, limitam a circulação dos
adolescentes em suas comunidades; os locais públicos para prática de lazer e esportes
também ficam dominados pelas gangues e pelas pessoas que agenciam o tráfico de
drogas.
Zamora (1999) assinala que nas comunidades carentes têm sido comum
encontrar práticas de confinamento e a adoção de um ideário privatista e individual, de
valorização do mundo íntimo. Estas concepções são mais comuns nas classes mais altas,
adotadas
em nas camadas populares também por medo das situações violentas vividas no
cotidiano.
Em nossa pesquisa, constatamos como mostramos anteriormente na seção sobre
o lazer, uma busca do espaço doméstico para as práticas de lazer e um fechamento
paulatino dos espaços de convivência. Dessa forma, podemos perceber a estreita relação
entre o cer
ovens desta pesquisa, como atividades que se retro-alimentam: o confinamento
doméstico se configurando como uma estratégia de controle da população, facilitando a
expansão de situações violentas. Vimos também que as situações relacionadas à
insegurança são vistas como as mais preocupantes no bairro. É provável que esses
jovens saiam menos de suas casas a fim de evitar um possível incidente relacionado à
criminalidade.
3.2.7. Violência Familiar, na Comunidade e Sexual.
Procuramos conhecer as situações de violência/dano sofridas e as formas de
apoio recorridas. Os jovens, nesta seção do instrumento, sinalizaram os eventos
64
violent da, demonstraram o que
fizeram
ção. Vejamos abaixo a
distribu
Tipo Percentagem
os vivenciados por eles e se sofreram danos e, em segui
para tentar saná-los e com quem contaram nessa tarefa.
Em relação à violência intrafamiliar, 78,27% (n=299) declararam ter sofrido
algum dano, seja ele físico ou moral, praticado por adulto da família. Destes, 25,08%
não buscaram nenhum tipo de auxílio para enfrentar tal situa
ição dos tipos de violência intrafamiliar sofridas pelos estes estudantes de Bom
Pastor, que declararam ter sofrido algum tipo de dano, e as formas de auxílio buscadas
por aqueles que procuraram ajuda.
Tipos Percentagem
Tabela 03. Violência intrafamiliar
Tabela 04. Busca de ajuda no
caso de violência intrafamiliar
Gritar 74,58% Amigos 66,37%
Xingar 59,53% Parentes 54,71%
Co r
*
Vsmpara 56,52% izinho 20,27%
Tapa 32,44% Serv. eSaúd 9,91%
ECmpurrar 31,88% . Tutelar 7,62%
Puxar cabelo 21,40% Delegacia 6,73%
Ameaça 14,13%
Chute 18,06%
Soco 11,07%
*
Comparar com outras pessoas
65
Percebemos que as situações de violência de caráter moral, tais como, gritar,
xingar, comparar com outras pessoas, são as mais comuns, revelando um contexto onde
tais tipos de atitudes podem ser consideradas como naturalizadas, seja como forma de
educar ou de resolver os problemas do cotidiano.
Embora tenham aparecido com menor freqüência, os episódios físicos
apresentam um número alto em termos absolutos:
Tabela 05. Violência física na família
Tapa 97
Empurrar 95
Puxar cabelo 64
Chute 37
Soco 33
Os episódios violentos são comuns no cotidiano das famílias dos adolescentes e
jovens desta pesquisa. Os conflitos vividos no interior delas acabam assumindo uma
forma violenta, muitas vezes incrementado ou impulsionado pelo consumo de álcool e
outras drogas, haja vista constatarmos que, respectivamente, 86,46% e 90,32%, das
pessoas que declararam sofrer dificuldades na família em relação ao alcoolismo e ao
consumo de drogas, sofrem com a violência intrafamiliar. Desta forma, podemos pensar
que alguns dos conflitos violentos são decorrentes do consumo dessas substâncias por
seus parentes. Associando estes dois dados, podemos constatar que atos violentos no
espaço doméstico estão relacionados não apenas a traços de personalidade dos pais, mas
que eles ocorrem em associação com outras situações, já que o consumo de álcool e
outras drogas guardam estreita relação com problemas como o desemprego e condições
econômicas adversas.
66
Observamos um percentual alto de estudantes vítimas da violência intrafamiliar
(78,27). Na pesquisa realizada em Bangu, a ocorrência desse tipo de violência foi bem
inferior
ntos desta
naturez
, cerca de 21%. Surpreende o fato de pouco mais de um quarto dos estudantes de
Bom Pastor não buscarem nenhum tipo de ajuda. Os que buscam algum tipo de apoio,
em sua maioria, recorreram aos recursos informais, principalmente amigos e parentes.
Mesmo os que sofreram algum tipo de violência física como, chutes, tapas e socos,
ocorrências estas que podem necessitar de um auxilio sistemático e organizado, que
deveria ser proporcionado pelos recursos formais, também buscaram ajuda dos recursos
informais. Trataremos da questão dos recursos de apoio no final desta seção.
No que diz respeito aos episódios violentos ocorridos fora do ambiente familiar,
sofridos na comunidade, 42,93% (n= 164) estudantes vivenciaram eve
a. Constatamos também que 8,63% destes jovens não procuraram qualquer tipo
de ajuda quando na ocorrência de eventos deste tipo. Vejamos abaixo a distribuição dos
tipos de violência/dano (figura 10) sofrida por estes estudantes na comunidade e as
formas de auxílio buscadas (figura 11) por aqueles que procuraram ajuda.
50,00%
42,07%
25,61%
21,34%
18,29%
3,66%
20,12%
0% 10% 20% 30% 40% 50% 60%
Outros
Invasão de casa
Agressão
Perseguição
Ameaça
Revista policial agressiva
Roubo/assalto
Figura 10.Violência sofrida na comunidade
67
igura 11. Bases recorridas na ocorrência de episódios violentos na
comunidade.
roubo/assalto é o tipo de violência mais sofrido na comunidade. Apenas 25
(vinte e cinco) jovens, de um total de 83 (oitenta e três) que declararam terem sido
roubados ou assaltados, procuraram a delegacia de polícia. Este fato pode indicar a falta
de confiança no aparato policial para resolver estes casos, bem como medo de
represálias tanto por parte da própria polícia como por parte das pessoas que praticaram
tais crimes. A violência policial parece ser recorrente no bairro, podendo indicar abuso
de autoridade e preconceito para com a população do bairro, numa associação entre
pobrez
encionado anteriormente, a literatura sobre violência aponta que os
sujeitos do sexo masculino são os que mais são afetados pelos episódios violentos. Os
3,88%
6,98%
24,81%
28,68%
50,39%
64,47%
0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70%
Outros
Cons. Tutelar
Serv. Saúde
Vizinhos
Delegacia
Parentes
Amigos
6,20%
F
O
a e marginalidade.
Como já m
68
nossos
Masculino Feminino
resultados mostram que em Bom Pastor a situação não é diferente: 53,26%
(n=98) dos participantes do sexo masculino sofreram algum tipo de violência na
comunidade, ao passo que, embora seja um número alto em termos absolutos, 32,98%
(n=63) do sexo feminino sofreram algum tipo de danos desta mesma natureza. Esta
diferença se torna mais contundente quando observamos os tipos de violência
separadamente:
Tabela 06. Tipos de violência na comunidade quanto ao sexo.
n
Perc.
n Perc.
**
Roubo/assalto 48 26,9% 34 17,80%
Revista policial 63 34,24% 5 2,62%
Ameaça 26 14,13% 17 8,90%
Perseguição 20 10,87% 16 8,42%
Agressão 21 11,41% 12 6,28%
Invasão de Casa 18 9,78% 10 5,24%
Outros 3 1,63% 3 1,57%
Não encontramos grandes diferenças em relação à faixa etária.
Sobre a busca das bases de apoio quando da ocorrência de episódios violentos,
mais um mos a prevalência das bases informais. Parentes, vizinhos e,
principa ão os s rtes recorridos com maior freqüência. O que pode
indicar u e crédito em relação aos recursos formais.
a vez constata
lmente, amigos s upo
ma falta d
Percentagem referente ao número de participantes do sexo masculino
**
Percentagem referente ao número de participantes do sexo feminino
69
N peito à vio ia sexua dantes, de m tê-la sofrido. As
situações de violência se distribuíram da segu ira:
T ia Sexu
o que diz res lênc l, 24 estu clara
inte mane
abela 07. Violênc al
SEXO
SITUAÇÕES
feminino masculino
Total
1-Sexo 6 forçado 4 2
2-Agressor forçou toque no corpo do
participante 6 2 8
3-Exibição do corpo para o
participante 2 2 4
4-Agre
0 1
ssor forçou o participante a
mostrar o corpo 1
5-Toqu 0 2 2 e no corpo do agressor
6- Situações 02 e 05 0 1 1
7-Situação 05 e sexo anal 1 0 1
8-Situações 01, 02, 03 e 05 1 0 1
Total 16 8 24
Dentre as situações que envolveram
do corpo sem
violência sexual, a mais citada foi o toque
o consentimento do adolescente om 10 citações. Depois veio a relação
es, sendo cinco do sexo feminino e duas do
além destas, houve uma situação de sexo anal. Destas 08 pessoas,
formais, sendo que uma dela rocurou u
outra, além deste, procurou o serviço de saúde.
, c
sexual propriamente dita com sete citaçõ
sexo masculino,
apenas duas procuraram bases s p m serviço de
proteção à mulher e a
70
Dentre as 24 pessoas que declararam ter sofrido lência se al, 08 não
e apoio. Entre as 16 pessoas que procuraram apoio, apenas
soas procuraram bases formais. Percebemos, também ara a vio ia sexual,
uma prevalência na procura pelas bases informais. Acreditamos que, talvez, o número
de pess
rincipalmente em
relação
e
muitos
São poucos os recursos formais disponíveis, principalmente no tocante à
violência. O desamparo é muito grande, pois a ocorrência de episódios violentos em
vio xu
procuraram qualquer base d
04 pes p lênc
oas que sofreram este tipo de violência seja maior, tendo em vista o tabu que gira
em torno desta questão, o que também deve atrapalhar a busca pelos suportes formais.
Os dados acima descritos nos permitem constatar que as bases de apoio informal
são as mais recorridas na tarefa de enfrentamento dos problemas. Em relação à
educação, notamos uma preocupação por parte dos pais com os estudos de seus filhos.
A mesma preocupação aparece em relação à saúde dos participantes, p
aos mais novos. Vimos também uma grande participação em grupos religiosos
(60,47%), que facilita também o incremento dos contatos informais. Constatamos
também a presença das amizades no tocante ao divertimento e às atividades realizadas
fora da escola.
Observamos, de forma geral, um desconhecimento ou não utilização das bases
formais por grande parte da população entrevistada. Além disso, percebemos qu
dos jovens que passaram por episódios violentos não procuraram ajuda para
enfrentar tais problemas: violência intrafamiliar (25,08%); violência na comunidade
(8,63%) e violência sexual.
A partir dos dados sobre violência e dificuldades enfrentadas, podemos perceber
que as bases de apoio formal nessa comunidade não atendem às demandas desta
população, seja por falta de crédito ou confiança, quando na ocorrência de eventos
violentos, não se configurando enquanto recursos com os quais os jovens de Bom Pastor
possam contar.
71
Bom P
ais ressonância para estes jovens, significando que este
espaço
izam a vida de adolescentes e jovens.
astor é muito alta, tanto no seio familiar (78,27%) como na comunidade
(42,93%).
A maior procura pelas bases de apoio informal pode significar ainda que as
relações estabelecidas informalmente no espaço da rua (quando procuram amigos,
parentes ou vizinhos) têm m
não possui uma conotação negativa, mas sim que é um lugar importante no qual
há troca de valores e de afetos; embora, muitas vezes, não resolvam os problemas
enfrentados na tocante à violência. Dessa maneira, as relações estabelecidas no espaço
público devem ser levadas em consideração nos processos de elaboração e execução de
intervenções e programas para a juventude no sentido de criação de campos propícios
para o desenvolvimento de potencialidades e âmbito de expressão das subjetividades, no
sentido de realização de aspirações pessoais, de manifestação e enunciação dos entraves
que inviabil
Entre as bases informais procuradas nas situações de violência, as relações de
amizade se sobressaíram. Os amigos foram os mais procurados tanto para a violência
intrafamiliar como para a violência sofrida na comunidade.
Com base nos dados que nos revelaram um elevado número em relação à
ocorrência de violência, bem como a busca de ajuda ter sido maior pelas relações de
amizade, procuraremos discutir o panorama da violência entre jovens na atualidade e,
em seguida, refletir sobre o papel das relações de amizade no tocante à questão da
violência, tendo como pano de fundo a construção de uma estratégia de enfrentamento
da mesma. Tentaremos cartografar caminhos em que as relações informais de amizade
possam funcionar como agenciadoras políticas na mudança das realidades desses
jovens.
72
Capítulo 4 – Mapeando violências
73
4. Mapeando violências
Neste capítulo, abordaremos a questão da violência, tendo como pano de fundo
sua incidência na população jovem. Apresentaremos a problemática e os cuidados que
devem ser tomados para com as diferentes abordagens sobre violência. Discutiremos
também, mais adiante, a relação Violência e Juventude e abordaremos os vetores mais
relevantes na constituição desse fenômeno.
4.1 Rastreando a violência
Quando se fala em violência, a primeira noção que surge em mente é a
compreensão da mesma enquanto efeito físico, materializada no ferimento ou na
aniquilação do outro através do uso da força física. Mas, quando nos propomos a
analisar de maneira mais aprofundada, somos levados a ampliar o nosso olhar, pois os
atos violentos estão circunscritos dentro de um determinado contexto e logo percebemos
que a violência pode se referir também à disputa de poder, conflitos de autoridade,
busca de auto-afirmação, disputa de classes sociais, tensão entre grupos de idéias e
segmentos diferentes, sendo, portanto, mediada por uma produção sócio-cultural que
torna os eventos violentos lícitos ou ilícitos, fazendo uso de racionalidades e
construções sociais de significação e sentido. Deste modo, de acordo com o contexto em
que acontecem, existem violências que portam tolerância e as que detêm condenação
social (Minayo, 2003).
No Brasil, nas últimas décadas, a temática da violência tem sido abordada por
vários pesquisadores e estudiosos. Em praticamente todos os campos do conhecimento
encontramos vários estudos, seja no campo das ciências humanas e sociais (sociologia,
antropologia, psicologia, direito) ou no campo das biociências (medicina, biologia).
74
Essas pesquisas e estudos têm demonstrado que o fenômeno da violência é
complexo e se apresenta de forma multifacetada (Zaluar, 2000). Polissemia, amplitude e
ambigü
ções envolvem o público e o privado,
apresentam-se de forma sutil nas relações entre as pessoas, sejam as que envolvem
gênero scola, etc. Desta forma, os estudos sobre a mesma
devem
da para manter a ordem, como estratégia de exercício de poder
para su
ndo
idade são características que acompanham a conceitualização da violência. Sua
complexidade exige uma perspectiva que inclua em sua análise uma abordagem sob
diferentes óticas. Evitando-se o tratamento da questão como uma entidade única, ou
seja, A VIOLÊNCIA, que subtrai os contextos sócio-históricos nos quais violências
acontecem (Novo, 1996). Suas manifesta
, trabalho, gerações, família, e
incluir o reconhecimento de que a fixação em uma só noção para se compreendê-
la pode produzir visões distorcidas. Para a sua compreensão, deve-se assumir uma
postura que incorpore a interação dos vetores de ordem sócio-histórica e subjetiva e que
esteja atenta aos perigos da unicausalidade do âmbito biológico e da unicausalidade de
determinações macro ou microssocial (Minayo, 2003).
Desta forma, observamos que a violência não se apresenta de forma unívoca.
Multiplicidade e mutação são suas características, pois revelam facetas diferentes
dependendo do momento histórico, localidade e questões circunstanciais. Assim, de
acordo com as representações ou com os mecanismos legais do contexto em que se
expressam, suas manifestações podem se apresentar de forma naturalizada ou serem
totalmente reprováveis. Das antigas civilizações até o Estado Moderno, vemos como a
força vem sendo utiliza
bjugar nações, grupos e indivíduos. O uso de armas, exércitos, cárceres e leis
outorgadas sempre foi recorrente na história das nações como forma de manter a ordem
dentro dos próprios territórios, precaver-se contra ataques exteriores e atacar nações
vizinhas (Passetti, 2002). Portanto, ela assume formas cada vez mais complexas, te
75
como
corporais e simbólicas (...) e sua prática vai se inserir em
etnia, etária, por categoria social, ou a violência simbólica
possivelmente sobrepostas”. (p.23).
características concomitantes fragmentação e articulação entre elas (Minayo,
2003).
O que queremos salientar é que a dinâmica da violência, através de suas
manifestações atrozes, promove um ocultamento das raízes que a alimentam, através de
construções ideológicas e de instituições tidas como inquestionáveis. Assim, a redução
pura e simples a uma forma de manifestação ou o privilegiamento de um olhar sobre o
fenômeno pode comprometer o estudo e servir como colaborador ideológico, incorrendo
numa violência simbólica, que impõe sentidos, significações e, logo, legitimidade.
4.2 Dano e Produção Racional
A violência na contemporaneidade pode ser entendida a partir de uma noção de
dano. Força e coerção impostas a um indivíduo ou determinado grupo social produzem
dano, podendo, este, estar relacionado a várias dimensões e campos. De acordo com
Tavares dos Santos (2002), a violência
“envolve uma polivalente gama de dimensões, materiais,
uma rede de dominações de vários tipos – classe, gênero,
– que resultam na fabricação de uma teia de exclusões,
Desta maneira, pode-se compreendê-la em aspectos de alcance material, físico,
simbólico, sociológico, psicológico.
O reconhecimento de um dano importa numa circunscrição do mesmo dentro de
normas e categorias sociais. Tendo em vista que o fenômeno da violência se apresenta
como fruto das condições sócio-históricas, pois revela relações que só podem ser
compreendidas a partir do contexto em que acontece, o cotidiano se configura como o
lócus onde normas e valores que balizam a violência ganham legitimidade. Geralmente,
76
toda violência que cause algum dano físico a um sujeito ou comunidade é precedida de
uma racionalidade, de uma construção simbólica nascida na sociedade, configurando-se
também
iadas
nesta, as ações violentas encontram justificativa para serem efetivadas. Episódios
violent aprovadas ou desaprovadas, lícitas ou ilícitas,
segund
força e da coerção. Desta forma, podemos
visualizar como se configu
submissão, envolvendo gêne
assume o posto de dispositiv
sujeito, excluindo aqueles que não “interessam” à sociedade, que se configuram como
portado
da no projeto da modernidade, característico do
surgim
como um dano, que autoriza a ação violenta. Construção esta que desqualifica
os sujeitos e os coloca na condição de passíveis de intervenção coercitiva.
Violência pode ser entendida, portanto, como um dispositivo de poder que faz
uso da força e da coerção, baseado também numa racionalidade, para causar algum tipo
de dano, que pode ser individual ou social.
O caráter mais severo da violência consiste no uso da racionalidade. Apo
os e “... suas manifestações são
o normas sociais mantidas por aparatos legais da sociedade ou por usos e
costumes naturalizados” (Minayo, 2003, p.25).
A racionalidade sustenta um sistema simbólico que prescreve estigmas e
preconceitos que legitimam o uso da
ram os valores culturais que sustentam as relações de
ro, classes sociais, etnia, idade, etc. Assim, a violência
o de controle social, retirando do indivíduo a condição de
res “naturais” do caos.
Esta racionalidade está basea
ento da república e da ciência positivista do século XIX. Os objetivos são a
produção e o lucro, e toda forma de alteridade que venha a interromper o curso das
águas da civilização deve ser controlada, quando não expurgada (Mancebo, 2002). O
novo mundo proposto pela modernidade se desenvolveu em função de um progresso
77
que utiliza sistemas de controle com vistas à manutenção de uma estrutura vertical de
poder, na qual não há lugar para manifestações singulares (Vergne, 2002).
Nesta concepção, os desvios devem ser combatidos. A ciência se impõe como
estratégia de controle para combater os desequilíbrios. Assim, não há espaço para
express
ida são impostos para aqueles que não se
encaixa
e insurreições contra o sistema opressor
precisa
tivas. Os modelos de controle construídos para as
popula
ões das minorias
14
, dentre elas, o preto e o pobre, que passam a ser alvos de
ações coercitivas que os excluem e os docilizam perante as maravilhas da modernidade.
Sistemas morais, estéticos e modelos de v
m, gerando tensão, pois a pobreza e os negros, segundo o projeto da
modernidade, necessitam de controle e vigilância, assumindo o posto de um mal que
necessita ser exorcizado.
Para a manutenção do poder verticalizado das elites, fez-se necessária a previsão
dos comportamentos inaceitáveis. Os protestos
m ser controlados para que não cheguem a acontecer. Para tal, as elites
privilegiam o controle do espaço físico e da vida cotidiana dos sujeitos. As ações são
planejadas em nome de uma homogeneização que escraviza e prevê todos os
movimentos dos indivíduos, fazendo uso da ciência como produtora de verdades acerca
das populações pobres, promovendo uma sistemática separação entre as classes sociais
para controle de prováveis revoltas e uma exclusão que facilite a visibilidade e
objetivação das ações coerci
ções enfocam sistemas raciais e criminais, naturalizando a relação
famílias no mundo. Segundo dados da CEPAL (2004), cerca de 40% da população da América Latina
a consumirem e a assumirem os postos de trabalho subalternos, e porque não dizer, os postos de trabalho-
sujo, tais como o de traficante, que são necessárias para a sobrevivência desse próprio sistema.
14 Sabemos que não se trata tão somente de uma questão numérica. A pobreza é realidade para muitas
vive em favelas e sofre privações de diversas ordens. Na realidade, de acordo com o pensamento de
Santos (1997), as populações pobres e alijadas dos serviços do Estado não sofrem exclusão, a elas é
direcionado um poder de inclusão perversa, pois o sistema moderno-capitalista prevê a figura do
desprovido a ser explorado, a existência de subjetividades mutantes que estejam dispostas a se sujeitarem,
78
delinqüência/negro e justificando ações violentas, seja por parte do Estado ou por parte
das demais classes sociais (Vergne, 2002; Zamora, 1999).
A verdade produzida pela ciência entrou em cena para combater à desordem. A
loucura, a miséria e as revoltas passaram a serem classificadas como desordens a serem
enfrentadas. O desenvolvimento científico carrega esta marca, que oculta que estes
desvios são produzidos pela mesma mão que gera a ordem (Vergne, 2002).
A história da humanidade está marcada pelo uso da violência em nome da
ordem. Desde as primeiras civilizações encontramos formas de violência que tinham
respaldo social para se cristalizar. Como forma de educar, encontramos registros
históricos que colocam a violência como única maneira de controlar crianças e
adolesc
social, chegando a ponto de se compreender a guerra como a única forma de se chegar a
ciedade
entes, capaz de instituir uma moralidade socialmente aceita e facilitadora da
aprendizagem. Castigos corporais foram muito utilizados, principalmente na Idade
Média, para fazer com que estudantes e seminaristas pudessem apreender conteúdos
científicos e bíblicos. O medo, segundo as idéias da época, configura-se como principal
articulador da aprendizagem. As pautas repressivas, corretivas e punitivas, construídas
culturalmente, caracterizavam o pensamento pedagógico da época (Mattos, 2002;
Miyahara, 2002).
Das antigas civilizações até o Estado Moderno, vemos como a força vem sendo
utilizada para manter a ordem, como estratégia de exercício de poder para subjugar
nações, grupos e indivíduos. A violência executada pelo Estado encontra respaldo
uma paz mundial.
Através das instituições, o Estado tem se demonstrado como reprodutor de
violência. A representação de que o Estado é o único capaz de conter os desvios
individuais e grupais pelo uso da força sempre esteve presente no seio da so
79
global. A mão de ferro do Estado, através dos seus sistemas de contenção, é concebida
como recurso educativo que expurga os comportamentos desviantes. “Sob os governos
de Esta
o natural do
mais fr
Velho (2000), a adoção, pelas sociedades ocidentais, das idéias
individ
ndo campo de alcance. Nas grandes cidades brasileiras, até a metade
do sécu
do, estamos correndo risco da dizimação, numa história que vai da pólvora ao
míssil, em nome da pacificação da violência” (Passetti, p. 08, 2002). Logo, percebemos
que o uso da força e da repreensão são necessárias para a constituição de um Estado
como tal, fomentado por um sentido de violência que impõe a dominaçã
aco pelo mais forte.
Estudos sobre violência têm demonstrado que a população jovem é a que tem
mais se envolvido em episódios violentos, não só como vítimas, mas também como
perpetradores da violência. É acerca desta relação que iremos tratar a seguir.
4.3 Fronteiras demarcadas: a sociedade intimizada e não coletiva
A modernização da vida nas grandes cidades na metade do século XX,
caracterizada pela mudança no mundo do trabalho, pela urbanização, pela
industrialização, superpopulação, massificação dos meios de comunicação, foi
acompanhada por uma adoção de um ideário individualista, marca do avanço das idéias
liberais. Segundo
ualistas provocou uma mudança nos valores, afetaram fortemente os sistemas
hierarquizantes que privilegiavam o contato com o outro e a reciprocidade entre os seres
humanos, mesmo que estas trocas revelassem relações de opressão.
Na vivência do cotidiano, os valores éticos de respeito ao próximo, sobretudo no
Brasil, foram perde
lo XX, as relações entre as classes sociais eram marcadas pela tensão e pelo
conflito ao mesmo tempo em que, de certa forma, previam negociação e troca com o
objetivo de que as diferenças fossem minimizadas, pois as políticas públicas revelavam
80
um clientelismo e paternalismo. No entanto, hoje, vemos o avanço de sistemas de
pensamento individualistas ganhar espaço. E quanto mais estes se solidificam, a
violência assume um caráter mais severo, passando a se constituir como marca do
cotidiano, a ponto de a violência se transformar em código de comunicação e filiação
social. A violência física foi se rotinizando.
Segundo Mancebo (2002), na forma neoliberal de governo característica da
metade do século XX, o que se privilegia nas relações humanas é o utilitarismo. O valor
mercad
iduais, no
sentido de luta pelo reconhecimento de uma categoria, são o que definem os interesses
coletiv liberdade
individ
olvimento pessoal e
coletiv
ológico se torna, de maneira mais aguda, ponto de mediação das trocas pessoais.
As atitudes do cotidiano são marcadas pelo interesse próprio, os valores do indivíduo
devem reger a vida em detrimento dos da coletividade. Coincidências indiv
os. A felicidade própria deve ser buscada a qualquer custo pelo uso da
ual, não importando as conseqüências, pois os teóricos neoliberais postulam que
a busca pessoal pela satisfação é natural e conduz a um equilíbrio social e individual.
As ações coletivas, que serviam de garantia de vida para população,
características de Estado de Bem-Estar, do Estado Provedor, também passam, no estilo
neoliberal, a perder força. O Estado passa a regular as políticas sociais a partir dos
índices econômicos. A competição imposta pelo neoliberalismo estabelece que o
cidadão é o único responsável pela sua condição de vida, sem se preocupar com as
condições necessárias para o exercício da liberdade e para o desenv
o.
O sentido dado à liberdade no neoliberalismo, pautado no utilitarismo, ao invés
de fortalecer a igualdade, promove o seu rebaixamento. Nos países periféricos do
capitalismo, nesta forma global de funcionar, tendem a se intensificar a pobreza e as
diferenças sociais, minando os espaços de expressão sócio-política. As diferenças
81
provocadas pelas ações individuais são necessárias para o desenvolvimento, segundo as
idéias liberais, pois acreditam que a diferença produz. Na realidade, o que está por trás
deste discurso é a exploração, haja vista que as diferenças são necessárias para se
estabelecer e manter uma relação dominador-dominado. Trata-se da naturalização da
diferença a partir de um ideário que impõe uma exploração.
de
burgue
caótica em tempos de globalização, tem contribuído para extinção das
interaç
A ênfase para cada indivíduo passa ser a diferença. O que possa lhe dar
singularidade. As questões que articulam os indivíduos e dão um sentido de
pertencimento a um território, as produções culturais coletivas, perdem força no plano
da modernidade. É uma busca esvaziada de sentido pela própria individualidade, pois as
civilizações crescem e se desenvolvem a partir do contato, dos escambos com os
vizinhos, na vivência, mesmo que tensa, em comunidade (Ianni,1999). A constituição
individual se dá no contato.
A valorização da interioridade, do desenvolvimento pessoal, é uma característica
forte neoliberal. O cultivo das potencialidades individuais é marca da socieda
sa intimizada e é absorvido pelo mercado, fazendo com que os indivíduos
foquem o auto-desenvolvimento. Desta maneira, acaba-se produzindo um indivíduo
desinteressado perante as questões coletivas, um ser despolitizado. O que acaba se
configurando como uma estratégia sutil de controle, pois enfraquecidas ficam as
manifestações e as mobilizações populares (Mancebo, 2002).
O mergulho em formas individualistas, construídas a partir de uma concepção
liberalista
ões sociais, propiciando um maior distanciamento do outro. Neste processo, os
homens já não passam a se reconhecerem, construindo uma visão coisificadora do
outro; tendem a se tornarem objetos descartáveis a serem consumidos.
82
Esta adoção individualista é materializada na constituição das cidades.
Percebemos como a paisagem das cidades tem se transformado, assumindo formas de
controle e de enclausuramento. Os condomínios fechados começaram a se tornar mais
comuns, os muros e as grades estão cada vez mais altos e os sistemas eletrônicos e de
segurança particular começaram a ganhar espaço no mercado, cerceando a vida até dos
que ado
es, de acordo com Zamora (1999), também têm adotado
estas es
nto, minando a
sociabilidade baseada na solidariedade e no diálogo.
tam este tipo de estratégia de proteção. Isso tudo, na realidade, não minimiza o
problema a violência, pois dificulta o contato com o outro, as trocas e os diálogos para
resolução das tensões existentes. O controle urbano é um traço forte da modernidade e
sempre definiu onde deveriam ficar alocadas a riqueza, a pobreza, o caos e o que deve
ser expurgado, acirrando as contradições e tensões entre os diferentes grupos sociais
(Vergne, 2002).
As camadas popular
tratégias de autoproteção. O contato e a vivência com episódios violentos fazem
com que os moradores de comunidades pobres passem a maior parte do tempo de sua
vida no espaço doméstico, vivendo uma vida privada de quase confinamento,
abandonando os espaços públicos onde são cultivadas as relações de reciprocidade e de
produção subjetiva e cultural. Desta forma, o enclausuramento doméstico demanda
novas formas de sociabilidade e dificulta a articulação dos valores e das tradições
produzidas nas comunidades.
O confinamento doméstico se constitui também como estratégia de controle,
como uma prática disciplinar que exclui a todos, independentemente do grupo que se
faça parte. Como a convivência pública vem perdendo espaço e o encontro com o outro
está cada vez mais escasso e vazio de sentido, os referentes culturais perdem espaço e as
relações passam a entrar no campo do medo e do estranhame
83
No que diz respeito à questão da criança e do jovem, as redes sociais de apoio e
de segurança estão mais escassas. Os pais, devido à redução da circulação na vida
pública, contam com poucas pessoas, inclusive familiares, na tarefa de criação dos seus
filhos. Os referentes parentais e culturais, assim, estão cada vez menores e com pouco
alcance. As estratégias de solidariedade estão reduzidas e, principalmente, o jovem não
encontra espaço para subjetivação e onde se sentir seguro para compartilhar de valores e
referenciais de coletividade.
4.4. Violência e juventude
É comum uma produção de discursos que essencializa a figura do jovem,
tratando-o de forma estanque e que alguns fatos que acontecem neste período são
naturai
violentas. De acordo com Fraga (2002) “atualmente o
binômi
s da idade. Por exemplo, a mídia, ultimamente no Brasil, tem contribuído neste
sentido para fomentar uma campanha de redução da maioridade penal, naturalizando
uma ligação direta jovem-criminalidade. Uma produção racional que prescreve estigmas
e preconceitos, e, neste caso, a solução proposta é a cadeia e a violência policial, pois o
jovem, principalmente o preto e o pobre, é um portador, pela ordem natural das coisas,
do caos e de tudo que deve ser expurgado.
Neste sentido, a juventude passa a ser naturalizada como o momento da vida
onde são comuns irrupções
o juventude / violência está em moda” (p. 53). Um discurso é produzido no
sentido de colocar o jovem como perpetrador natural da violência. A juventude é vista
de forma unívoca, não há canais de comunicação que levem em conta as diversas
produções culturais nas quais juventudes são construídas. Não é difícil encontrar estudos
teóricos que tentam explicar este fenômeno a partir da consideração de um único fator,
84
tais com
uma posição que busque superar preconceitos e formas de
ensamento que fixam a interpretação deste fenômeno.
e configurar como o momento onde os conflitos, impostos
pelo m
uir os padrões de relacionamento e trabalho.
Apesar
o, a ausência da família na educação, desenvolvimento em ambiente violento,
visões fixadas na questão biológica, etc.
Esta estratégia é uma forma de camuflar a produção do caos pela mão que
propõe a ordem, de esconder que todos nós compartilhamos um modo de funcionar que
produz conflitos e contradições materializadas nos domicílios e nas cidades. Nesta
seção, procuraremos discutir alguns vetores que intervêm na questão Violência e
Juventude, tentaremos adotar
p
A juventude parece s
odo de funcionar da sociedade moderno-capitalista, assumem um caráter severo.
Segundo Fraga (2002), na juventude os desejos pessoais, os sonhos, a vontade de ser o
que se quer entram em contradição com as exigências do sistema, bloqueios de ordem
material ou moral atravessam a vida do jovem e dificultam seu desenvolvimento
subjetivo.
O adolescente pobre sofre privações no campo material, mas ao mesmo tempo é
atravessado por ideologias que apregoam o consumo e impõem um modo de funcionar
típico da sociedade burguesa, tendo que seg
de existirem poucos estudos na área, o jovem de famílias abastadas sofre com as
condições impostas pelos valores morais da vida burguesa, na qual escolhem para ele
faculdade, profissão, esposa e etc, repetindo padrões que, muitas vezes, não condizem
com suas aspirações. Sendo a juventude um momento do desenvolvimento de tomada
de decisões, estas escolhas se dão acompanhadas de muita dor e angústia, podendo
irromper em episódios violentos e em escolhas (será que são escolhas?) que levam o
jovem para o caminho da criminalidade (Fraga, 2002).
85
A atividade que mais aglutina jovens em torno da violência é o envolvimento
destes com o crime globalizado, enquanto agenciador de redes mundiais de valores e
mercad
ntra o patrimônio ocorrem, para
além, a
ontes diretas com a legalidade; é de conhecimento público o envolvimento
de figu
sumo e o não oferecimento de
condições de sobrevivência, pois escassos são os postos de trabalho, a assistência
orias.
4.4.1 Globalização, jovens e violências
A escalada atual da violência, atualmente, no mundo se deve à articulação do
crime em uma realidade globalizada. Nossos olhares precisam se estender para além das
comunidades específicas onde crimes contra a vida e co
té, das fronteiras dos países. É preciso entender as características econômicas,
políticas e culturais que fomentam o crime enquanto articulador de tramas mundiais.
As atividades criminosas funcionam como grandes corporações capitalistas
fazem uso de sistemas informacionais, tecnologias de ponta, movimentam um grande
volume de mercadorias e de dinheiro (Zaluar, 1997; 2000). Além disso, este mundo
ilegal faz p
ras ilustres dos poderes executivo, judiciário e legislativo com o tráfico de
drogas, de cargas, etc. Além destes exemplos, encontramos o conluio do aparato policial
e a prática de lavagem de dinheiro por grandes empresários. Com isto, a coibição dos
crimes fica dificultada, haja vista que as atividades criminosas são altamente lucrativas
e se organizam em rede com pontos nômades de ancoragem.
A face mais perversa do crime globalizado, sobretudo no Brasil, é a inclusão do
pobre no organograma de seu funcionamento. O pobre participa dessa articulação logo
na linha de frente de um campo de batalha, tal como um peão em um jogo de xadrez.
Entra no crime com o objetivo de conseguir melhorias econômicas e bens materiais,
numa realidade social que mistura o incentivo ao con
86
pública
a de vida, que oferece, sobretudo para o jovem pobre, um reconhecimento
que nunca teve, talvez, desde o seu nascimento (Minayo, 2003).
idade e com atividades violentas se dá,
princip
ao
imedia
izado. O tráfico de drogas
agencia
em geral (saúde, educação, moradia) não funciona e há um desinvestimento do
Estado no que tange às questões sociais. A criminalidade acaba se transformando como
uma alternativ
O envolvimento do jovem com a criminal
almente, via tráfico de drogas, que é agenciado mundialmente lado a lado com o
tráfico de armas e com a circulação de mercadorias. O uso da força e da arma se
configura como agenciadores do mercado, controlam a vida nas comunidades onde o
tráfico se instala e mediam as relações entre os diferentes grupos de traficantes. O
tráfico propicia altos rendimentos para o adolescente, que assim pode atender
tismo consumista, status e respeito perante aos demais jovens da comunidade,
pois, como aponta Vergne (2002), o posto de namorada de traficante se tornou
disputado no Rio de Janeiro até por meninas de classe média.
Os demais crimes, como seqüestro, assaltos, roubos de cargas, etc. também
devem ser compreendidos a partir de uma conexão com o tráfico de drogas. O dinheiro
produzido nessas atividades é utilizado, muitas vezes, para a manutenção de traficantes
no comércio de entorpecentes, para bancar prejuízos e aumentar o alcance dos
mercados.
O jovem pobre é a grande vítima desse sistema organ
uma forma de aniquilação da população pobre muito cruel, lembrando as
estratégias do Higienismo do início do século passado, pois estes adolescentes acabam
se configurando como partes de uma corporação capitalista altamente lucrativa que
cresce a partir das mortes deles, que se matam entre si. Haja vista que o lucro do tráfico
não fica nas comunidades pobres, ele voa direto para os paraísos fiscais com o conluio
87
das autoridades do mundo dito oficial. É uma estratégia de limpeza muito eficaz, já que
elimina a população indesejada (negro e pobre) e ao mesmo tempo gera lucros.
Muitos vetores influem para que o jovem rume para o caminho da criminalidade.
O crime tem se apresentado, na verdade, como uma alternativa de vida. Apesar de
saberm
te a comunidade e a seus
amigos
uindo esta linha de raciocínio, concordamos com Dimenstein, Zamora e
Vilhen
exclusões, desigualdades e o não respeito à alteridade. É uma forma de enfrentar as
os que as condições econômicas e o sistema moral do país, em termos de valores
que apregoam o caminho que todo o indivíduo deve tomar, acabam pressionando os
jovens e as crianças ao trabalho precoce em busca de melhores condições de vida, é
preciso ampliar nosso olhar e perceber que outros vetores estão formando um campo
magnético que tem atraído vários jovens. A opção do jovem pelo mundo do crime ou da
delinqüência representa uma oportunidade de reconhecimento para um indivíduo que se
encontra à margem da vida social, longe do mercado de trabalho, da escola e dos demais
equipamentos sociais. Além da oportunidade de se ter rendimento, o crime, sobretudo o
tráfico de drogas, oferece ao jovem um lugar de respeito peran
, seja este imposto pela arma na mão ou pela oportunidade de atender desejos
imediatistas e consumistas, tais como, roupas de marca, tênis da moda, computadores.
4.4.2 Violência e formas de enunciação
Seg
a, (2004) quando propõem que o ato violento em si se configura também como
forma de expressar a própria existência, da mesma forma como escolher entrar para uma
gangue ou fazer parte de um dos comandos que controlam o tráfico, como é o caso do
Rio de Janeiro, institui-se como uma oportunidade do jovem se sentir como pertencente
a algum lugar, de poder desenvolver uma segurança, um sentimento de pertença. É uma
alternativa de sobrevivência física e social em meio a uma realidade que impõe
88
pressões impostas pela pobreza e seus desdobramentos. Uma luta, fadada ao fracasso,
contra a morte social.
Os atos violentos da contemporaneidade seriam, dessa forma, uma maneira de
reclamar uma filiação. A juventude pedindo socorro, necessitando de atenção e
referenciais. “... a falta de referentes simbólicos culturais produzidos nas sociedades
complexas promove o sentimento de não-pertencimento, de não filiação” (Vilhena e
Maia, 2002, pp. 54-55). É uma caça desenfreada por filiação, pelo sentimento de
pertença, pelo reconhecimento. Haja vista que a sociedade contemporânea tem adotado
modos de funcionar que privilegiam a não-coletividade, a inexistência de linhas de
solidariedade e de reciprocidade. A criança e o jovem não encontram lugar para se
desenvolverem e se sentirem ancorados em meio ao mar revolto e aberto no qual não há
condições de navegação.
A convivência com a pressão do cotidiano, marcado pela pobreza, pela exclusão,
pela falta de acesso aos equipamentos e aparatos sociais, é acompanhada de muita dor e
conflito. Assim, os jovens sentem necessidade de se expressarem no tablado urbano, e a
forma violenta parece se configurar como a única que pode chamar a atenção do
público m fica quietinho e bem comportado
(Dióge
, pois ninguém presta atenção para que
nes, 1999). A violência juvenil se figura como uma forma de enunciação para o
mundo com o objetivo de sinalizar que alguma coisa não vai bem, seja na família, na
comunidade, na cidade, ou no país.
Vilhena e Maia (2002) apoiadas em Freud e Winnicott, apontam que a violência
que acompanhamos na contemporaneidade é uma tentativa dialógica, uma busca de uma
troca que ficou perdida pela falta de referentes parentais e culturais em que os
adolescentes possam se apoiar e se sentirem seguros. É um grito em busca de segurança
para todos que possam oferecer atenção.
89
Outro ponto importante é o reconhecimento que a arma, viabilizada pelo tráfico,
pode ofertar para o jovem. A trajetória de vida desses meninos é marcada pela exclusão
e pelo
s que são de difícil combate. Envolvem
problem
ilidade à violência
não-reconhecimento em todos os momentos do desenvolvimento: quando
nascem, não obtêm o registro de nascimento; depois, quando não são excluídos do
sistema escolar, recebem uma educação de baixo nível; mais tarde, não encontram
oportunidade para se profissionalizarem e entrarem no mercado formal de trabalho,
enfim, estes indivíduos nunca foram reconhecidos como cidadãos. “... [um destes
meninos] Quando porta uma arma adquire presença, torna-se capaz de paralisar o
interlocutor por medo, de fazer que o transeunte pare na frente dele, reconhecendo-o,
afinal, como um sujeito” (Soares 2002b, p. 43).
Desta maneira, percebemos como é intrincada a trama da violência juvenil no
Brasil, pois envolve uma série de fatore
as estruturais, advindos da época do Brasil colônia tentando se adaptar ao então
novo modo de produção, sem esquecer dos valores modernos da sociedade
contemporânea (consumismo, imediatismo, egocentrismo). Além destes, encontramos a
ferocidade do velho capitalismo ainda vivo que objetiva lucro a qualquer custo e
representações que existem desde as antigas civilizações ocidentais, tais como,
machismo, afirmação de virilidade e dominação do mais forte pelo mais fraco.
4.4.3 Juventude e vulnerab
Como pudemos perceber através dos nossos resultados e a partir dos dados
levantados no DATASUS, adolescentes e jovens são mais suscetíveis a sofrerem
episódios violentos do que qualquer outra faixa etária, tanto no que diz respeito à
violência cometida por terceiros como aquela que se dá no âmbito intrafamiliar. Na
90
compre
inâmica relacional entre os diversos
aspecto
epção de
que o jovem sofre mais com a violência porque freqüenta localidades ou faz parte de
grupos
esses jovens? Como imaginar que esses jovens devem ficar cerceados ao âmbito
ensão desta questão, lançaremos mão do conceito de vulnerabilidade utilizado
por Ayres, França Jr, Calazans e Saletti Filho (2003).
De acordo com o pensamento desses autores, vulnerabilidade se refere a uma
concepção ampliada dos problemas de saúde, envolvendo aspectos dinâmicos, que
podem ir desde as “...suscetibilidades orgânicas à forma de estruturação de programas
de saúde, passando por aspectos comportamentais, culturais, econômicos e políticos”
(p.118). Vulnerabilidade, desta maneira, se constitui como a chance das pessoas estarem
suscetíveis a problemas de saúde - no caso da violência, sofrerem episódios violentos –
como resultado de uma gama de aspectos de ordens individual e coletiva, que envolve
questões contextuais, podendo guardar uma d
s (Ayres e cols., 2003).
No campo da saúde coletiva, a proposta da vulnerabilidade já vem sendo
utilizada desde o início da década de 1990 na compreensão da epidemia de AIDS,
superando as noções de grupos de risco e comportamento de risco, que trabalham em
um sistema de culpabilização.
No caso da violência, as ações baseadas na noção de risco não permitem o
entendimento do problema como um todo e, o que é pior, prescrevem preconceitos e
estigmas, tais como: a naturalização do binômio violência-juventude; ou a conc
perigosos que põem em risco sua saúde.
Neste último caso, para tentar demarcar a diferença existente entre as noções de
rico e vulnerabilidade, podemos dar o exemplo dos bailes funks do Rio de Janeiro, que
foi a atividade cultural mais freqüentada pelos jovens na pesquisa de Bangu. Como
pensar que freqüentar tais eventos é um risco, já que são as únicas opções de lazer para
91
domiciliar para ficarem seguros, privando-se do divertimento, tendo em vista que ficar
em casa desta maneira é uma negação da vida, é alijar-se da própria expressão subjetiva
contra
ia vulnerabilidades gira em torno da interligação três
eixos e
qual essas informações são processadas e manipuladas
seus entraves passa pelas condições de
um sistema moderno-capitalista que aflige e coage? Além do mais, como já
vimos, tal postura só favorece ao avanço da violência. Em Bom Pastor, constatamos que
os jovens pesquisados gostam de freqüentar shows musicais, participar de passeios
organizado e gincanas, fazem parte de vários grupos religiosos, juninos, de capoeira, de
música, torcidas organizadas, etc. Como afirmar que sair de casa para esses encontros e
fazer parte desses grupos se configuram como atividades perigosas ou de risco, sabendo
que a freqüência a essas atividades funciona como contraponto da realidade difícil em
que vivem e do âmbito familiar marcado pela presença da violência no cotidiano?
A proposta de análise v
struturais:
x O componente individual – referente às informações dispostas pelas
pessoas sobre os problemas de saúde que enfrentam ou vir a enfrentar, e
a maneira pela
pela população em termos de articulação para a resolução dos problemas.
x O componente social – correspondente aos recursos comunitários
disponíveis para os indivíduos que auxiliam no processo de informação
sobre os problemas de saúde e na tarefa de enfrentá-los. Desta maneira, a
ação das pessoas na resolução de
educação, economia, cultura, gênero, disposição de recursos materiais,
agenciamento de redes sociais de apoio, enfim, perpassa pelas condições
de vida das pessoas.
92
x O componente programático – diz respeito à existência, sustentação,
acesso e eficácia de serviços e programas específicos para o
enfretamento de problemas de saúde.
Em relação ao componente individual, os adolescentes e jovens de Bom Pastor
convivem cotidianamente com o problema da violência, principalmente no seio familiar.
De certa forma, eles conhecem o problema de perto. No entanto, o agenciamento de
uma mudança deste quadro está longe de ser efetivada, pois observamos o quanto é
comum a prática de atividades de caráter privatista, como atividades de lazer restritas ao
âmbito domiciliar e a restrição dos espaços públicos de encontro. Além disso, são
poucos os recursos disponíveis na comunidade, com os quais esses estudantes possam
contar
cia. O que acaba por se configurar também como um entrave em
relação ao m
procuram as b
No que
são precárias e
como em r ç
culturais que
violência intra
item sobre v
meninos devem
casa; o precon
caso de Bom Pastor, contribuindo, principalmente, em relação à violência policial. Em
relação aos recursos disponíveis no enfrentamento à violência, observamos que nenhum
jovem declarou freqüentar qualquer programa de caráter educativo/preventivo que
para buscar proteção e pedir informação e aconselhamento para poderem
enfrentar à violên
co ponente programático, pois vimos que os estudantes desta pesquisa não
ases de apoio formal quando na ocorrência de episódios violentos.
diz respeito ao componente social, as condições de vida dessa população
m todos os âmbitos tanto em relação aos aspectos sócio-econômicos, bem
ela ão aos equipamentos sociais disponíveis. Também observamos barreiras
sustentam a existência da violência no cotidiano: os altos índices de
familiar parecem indicar o uso da mesma enquanto forma de educar; no
alores, aproximadamente 50% dos pesquisados responderam que os
aprender desde cedo a se defender, pois homem não leva desaforo pra
ceito e o estigma sofrido pelos jovens de bairros periféricos, como é o
93
tivesse com p
de análise da
formal, haja vista que a violência é recorrente no bairro. Sendo considerado como um
problem
tas na
perspec
o auta este problema. O que também se constitui no âmbito programático
vulnerabilidade, e é um problema grave de atuação das bases de apoio
a de saúde pública e um dos que mais aflige a população jovem em Bom Pastor,
a violência merece uma atenção maior por parte do serviço de saúde do bairro, pois
notamos que a maioria dos jovens procura tal serviço para tratamento de enfermidades
físicas e mesmo assim com baixa freqüência; além disso, não declararam freqüentar as
unidades de saúde para participar de ações específicas no tocante à violência. Desta
forma, entendemos que as dificuldades vivenciadas pelos adolescentes e jovens
participantes desta pesquisa apontam, também, para os limites das atuais políticas
sociais do país voltadas para a infância e juventude, pois enfocam os problemas, os
riscos e as carências, com as ações se instalando com caráter emergencial e quando os
problemas já se encontram enraizados, com difícil estado reversibilidade.
Segundo Ayres e cols. (2003), as ações de promoção à saúde previs
tiva de vulnerabilidade propõem uma resposta social, uma mobilização no
sentido de superação das suscetibilidades populacionais. Neste sentido, é necessária
uma perspectiva política para além das mudanças individualizadas, uma radicalização
das práticas cotidianas em termos de emancipação social, construindo papéis de sujeitos
agentes da esfera pública. É uma proposta de ação em vários campos, tanto em relação
aos problemas que requerem respostas em curto prazo, quanto no que tange aos entraves
estruturais, que demandam transformações culturais, materiais, sociais, econômicas.
“Intervenção estrutural, organização comunitária, construção de cidadania, ativismo
político, ação jurídica, direitos humanos, tudo isso passa a ser entendido como parte
indissociável das ações de prevenção e cuidado” (p.129).
94
Mais do que alertar as populações em relação aos problemas de saúde,
característica das ações baseadas no risco, a proposta via vulnerabilidade prevê
mudanças nos contextos intersubjetivos. Sabemos que o alerta e as informações são
importantes. No entanto, construir, juntamente com as populações envolvidas, formas
autônomas de enfrentar seus problemas, desconstruir e combater os vetores estruturais
que as tornam suscetíveis, são tarefas mais eficazes e que proporcionam transformações
de fato.
Nesse sentido, tentaremos realizar um exercício de reflexão em busca de uma
estratégia de enfrentamento à violência entre jovens. Tomaremos como referência as
relações de amizade, apontadas como a forma de apoio mais procurada pelos
participantes desta pesquisa no tocante à violência.
95
Capí
enfrentamento à violência
(...) Se o importante é saber sobre coisas dispostas e relacionadas pelos seus
contrários, a amizade assume a dimensão de eternidade enquanto jogo de crianças:
inocência para desestabilizar, efeitos de jogo, completo movimento que reafirma
individualidades pelo acontecer diferente, envoltas na imprevisibilidade da
incontinência, uma guerra inevitável. O mar é puro para os peixes e impuro para os
homens, duas coisas na mesma coisa. O mar é água como o rio: um mata de sede, o
outro mata a sede. Não há idealizações possíveis sobre a amizade.
Passetti
tulo 5 – Relações de amizade como suporte social no
96
5. Relações de amizade como suporte social no enfrentamento à
violência
Os dados anteriormente apresentados apontaram que as bases de apoio informais
ram as mais recorridas quando da ocorrência de episódios violentos, tanto para
queles ocorridos no âmbito familiar quanto para os vivenciados na comunidade. Os
migos foram como podemos ver abaixo
*
, dentre as formas de apoio informal, os mais
rocurados, em seguida aparecem os parentes e os vizinhos:
prevalência
sofr
x Apenas os
fo
a
a
p
Além disso, no que diz respeito à violência sexual, encontramos também uma
de busca pelas bases informais. Dentre as 24 pessoas que declararam ter
ido violência sexual, 16 procuraram algum tipo de apoio:
x Apenas os pais – 05
amigos – 06
*
Percentagem referente aos participantes que sofreram violência intrafamiliar ou na comunidade
declaram busca de bases de apoio.
x Violência na comunidade
¾Bases de apoio informais
Amigos – 64,47%
Parentes – 50,39%
Vizinhos – 24,81%
¾Bases de apoio formais
Delegacia – 28,68%
Conselho Tutelar – 6,2 %
Violência Intrafamiliar
¾Bases de apoio informais
Amigos – 66,37%
Parentes – 54,71%
Vizinhos – 20,27%
¾Bases de apoio formais
Serviço de saúde – 9,91%
Conselho Tutelar – 7,62 %
Serviço de saúde – 6,98%
Delegacia – 6,73%
e
97
x Outro parente – 01
x Serviço de proteção à mulher – 01
x Pais e amigos – 01
x
arido ou
companheiro, Schraiber e D’Oliveira (2000) encontraram resultados que revelam
consonância em z respeito à busca de ajuda. A m
participantes procurou parentes, principalmente pais, irm s
procuraram algum al, cerca de 2,5% e 1,1% das participantes de
São Paulo e Pernam à polícia prestar queixa.
vista os resultados acima, é importante considerarm
amizade como dispositivos eficazes no enfrentamento à violência, bem
estratégias para que a com Pastor possa se m
construção de novas form ociabilidade
transformações intersubjetivas que possibilitem tal enfrentam
configurar com
mais aprofundadas do que nos propomos realizar aqui. Entretanto, a breve discussão
aqui proposta poderá servir como ponto de partida para outras pesquisas que venham a
ser realizadas visando um maior entendimento da problemática. Para tal, traçaremos,
obre
Pais e serviço de proteção à mulher – 01
x Pais, serviço de proteção à mulher e serviço de saúde - 01
Em pesquisa realizada na Zona da Mata de Pernambuco e Região Metropolitana
de São Paulo, com 657 mulheres que sofreram violência física praticada pelo m
relação aos nossos no que di aioria das
ãs e amigos. Pouquíssima
a forma de apoio form
buco, respectivamente, foram
Tendo em os as relações de
como pensar
unidade de Bom obilizar na tarefa de
as de existência e s no território em busca de
ento. Apesar de não se
o objetivo original desse estudo, a questão da amizade surgiu como um
elemento importante que não dá para ser negligenciado. É algo que deve ser
considerado nas investigações que articulam violência e juventude, requerendo análises
primeiramente, um breve percurso histórico acerca das diversas concepções s
98
amizad m tura, demarcando a noção de amizade que adotaremos.
Em seg s de apoio e violência.
datam do período
pré-socrático na Grécia Antiga. Heráclito de Éfeso, Empédocles e Demócrito são os
filósofo
o pensar. O
pensam
e/a igo presentes litera
uida, sua possível articulação com base
5.1 Duradouras amizades
Reflexões sobre a amizade, de acordo com Passetti (2003),
s pré-socráticos que mais refletiram sobre a questão da amizade neste período. O
primeiro defendia a noção de forças opostas, a vida nascendo de duplicidades
paradoxais; desta forma, a amizade seria uma força descontínua que prevê a
coexistência de tensão entre opostos. Empédocles compreendia a existência de forças
opostas e postulava que a amizade, através do diálogo, comportava um processo de
pacificação. Demócrito, não se atendo às questões sobre oposição, entendia a amizade
como um processo que se dá entre iguais a partir das afinidades n
ento heraclítico revelava uma noção de vida em expansão a partir da
coexistência de embates que se dão no cotidiano e na natureza, como o fogo e a água,
idas e vindas, tensões. Empédocles e Demócrito trilham o caminho da sociabilidade,
embora reconhecessem, mais o primeiro do que o segundo, a presença de tensões
opositivas na natureza e na constituição humana.
Dissonância e transformação são o que movem a vida na perspectiva heraclítica.
A transformação das coisas do mundo de maneira incessante é um eterno devir. Desta
forma, Heráclito, em relação à amizade, acreditava em novidades, na surpresa que fatos
adversos poderiam trazer, apostava na positividade da dor, da lágrima, da inquietação,
enfim, nas novidades que as intempéries podem proporcionar. Propunha as
desmistificações das fronteiras, a vida para além dos modelos e idealizações pré-
estabelecidos, a produção de plural da vida. Com isso, a contestação sempre esteve
99
presente no que acreditava, questionava os controles que impediam o desenvolvimento
humano, construindo uma perspectiva na qual as leis que regiam a vida em comunidade
na Grécia pudessem ser discutidas e desconstruídas, se fosse o caso, de maneira que a
existência não fosse podada e pudesse sempre estar derrubando barreiras rumo ao
encontr
nto, era o incremento da cidade. O
desenv
o do novo e da imprevisibilidade (Passetti, 2003).
Em Heráclito, podemos perceber a crença em novas formas de se relacionar com
o mundo e com as pessoas. A amizade estava baseada na transformação das relações
humanas, na criação inédita de existências, na imprevisibilidade em que as ações de um
amigo podem provocar. Seguindo esta linha de raciocínio, acreditava que a inimizade
como algo que guardava positividade e que deveria estar presente na relação entre
amigos, pois acreditava que os inimigos poderiam sinalizar os nossos pontos cegos e
não reforçar o lugar onde nos encontramos.
Logo após o período pré-socrático, no século V a.C., a Grécia passou por
mudanças políticas, por um período tirânico que se iniciou com a transição do modelo
aristocrático para o democrático. A preocupação com a cidade, com a polis, entra em
cena em detrimento das discussões em relação ao desenvolvimento do campo subjetivo.
Com isso, a amizade deixou de ser entendida como fruto de coexistências entre forças
opostas; o que importava, a partir deste mome
olvimento de virtudes que pacificam as relações pessoais em benefício de tal
desenvolvimento passou a ser defendido por vários pensadores, entre eles, Aristóteles.
A contestação, que em Heráclito assumia posto de destaque, passou a perder espaço; a
amizade no âmbito privado se reduziu a uma estatizante forma de sociabilidade em
nome dos negócios e do prazer (Passetti, 2003).
A compreensão aristotélica de amizade defendia que esta é própria de homens de
bem e virtuosos, que ela só é capaz de acontecer entre iguais que estejam dispostos a
100
pensar o melhor para a cidade. Prescrevia, de certa maneira, uma moralidade para o bem
da polis. A lei da cidade, do Estado, existia para ser cumprida, e não discutida,
questionada ou superada. “Aristóteles defenderá que o melhor é ter leis ruins, do que
leis em contínua mudança. (...). A tragédia cede lugar à lei e os deuses desapareceram
para se tornarem vigias de um comportamento exemplar perante as leis” (Passetti, 2003,
p.27). A
dos prazeres (hedonismo) foi realizado por
Epicuro
dicional do irmão e o perdão de suas
faltas p
amizade se daria somente entre aqueles capazes de refletir e discernir, estaria
circunscrita ao mundo masculino e não seria capaz de acontecer entre os pertencentes às
classes mais simples, entre escravos e mulheres.
Mais tarde, outras linhas filosóficas, como o epicurismo e o estoicismo,
buscavam alternativas libertárias para a vida que se encontrava sufocada pelo avanço
das tiranias. Estas duas perspectivas influenciaram o mundo a partir do início do
imperialismo de Roma. Um ensaio em busca
, que foi um dos pioneiros na criação de sociedades secretas de amigos e trouxe
a amizade para o trilho das sensações, para o encontro real. O estoicismo acreditava na
força da natureza, na providência dos deuses; logo, os estóicos se colocavam como
cidadãos do mundo guiados pela razão baseada na lógica, e, assim, dependendo da
situação, poderiam se sentir desobrigados para com as leis impostas pelas localidades
em que viviam. A amizade, nessas linhas filosóficas, reencontra o caminho da
contestação e da liberdade, com epicuro, na criação de espaços de encontro e trocas,
com ênfase no sentir a natureza e a presença do outro, e com o estoicismo, através da
base política da discussão, contestação e reflexão sobre o mundo (Passetti, 2003).
Com o advento do cristianismo, a noção de amizade deu lugar às noções de
irmandade e fraternidade. O aceitamento incon
assaram a ser condições necessárias para se tornar um cidadão de bem. A
resignação perante as situações que não se pode mudar passava a se configurar como a
101
única alternativa para a salvação da humanidade. Com isso, as relações de amizade
parecem perder suas condições políticas, de se colocarem contra as atitudes que afligem
a humanidade e o homem perde um pouco o sentido de guerreiro pela própria vida
(Derrida, 1998). Um processo de docilização de corpos.
O pensamento aristotélico no cuidado com a cidade e a irmandade/fraternidade
advindas do cristianismo influenciou ao longo dos séculos a configuração do que viria a
ser o Estado. O primeiro teve ressonância no que diz respeito ao controle pela lei, um
sufocamento da liberdade subjetiva, e o segundo nas práticas paternalistas e
assisten
orma,
Nietzsc
cialistas. Sem esquecer que o cristianismo, através de um processo de
culpabilização, conseguiu implantar na humanidade uma espécie de controle interno,
afastando a amizade do público, podendo só aparecer por meio da caridade.
Na modernidade, a amizade era algo para ser realizado no campo privado. O
processo de privatização da vida, característico dessa época, esvaziou os espaços de
encontro, transformado-os em locais de passagem, a rua passou a ser sinônimo de
perigo. As dimensões pública e política perderam espaço. No entanto, para a
consolidação do Estado Moderno, o conhecimento do inimigo novamente entrou em
cena. Fizeram-se necessárias relações com as nações vizinhas para que se pudesse haver
pacificação e que a vida de negócios pudesse ser perpetrada. Nietzsche retomou, no fim
do séc. XVIII, a temática da inimizade, em uma espécie de resgate do pensamento
heraclítico. Propunha, pois, que os relacionamentos de amizade não prevêem uma
seguridade, os amigos desestabilizam; o amigo é o melhor inimigo. Desta f
he desmistificou a noção de amizade/irmandade, a relação desapegada e
apolítica da tradição cristã. Com isso, demonstrava que o interesse fazia parte da
amizade, trazendo-a para o campo da política e da vida pública. O fogo da temática das
forças opositivas, do jogo de esforços, dos embates guerreiros e da coragem para
102
mudanças e metamorfoses foi acessado novamente por Nietzsche (Derrida,1998;
Passetti,2003).
Ao encarar o sujeito como produto de forças, vetores e quereres em embates que
envolviam o pensar e o sentir, Nietzsche pôs em cheque certezas que norteavam o
pensam
íveis outros
canais
ento moderno, entre elas, a noção cartesiana do pensamento (cógito/razão) como
a unidade-referente de compreensão do mundo capaz de levar o sujeito à verdade.
Nietzsche radicalizou com esta questão perguntando: Por que precisamos e buscamos
tanto a verdade? Será que é possível se chegar a um conceito unívoco capaz de
responder as questões do universo? Acreditava que a forma como se concebia o
pensamento na modernidade afastava o homem das sensações, das potencialidades
instintivas, da ligação do ser humano com a natureza, enfim, fechava poss
de compreensão do mundo, demarcando a fronteira entre
interioridade/exterioridade. Desta maneira, acreditava que não seria possível uma
verdade, e sim, acreditar na vida enquanto pluralidade, diversidade de forças em luta,
produzindo subjetividades e conhecimento; o que acaba por indicar uma noção de
sujeito para além da unidade, da irredutibilidade (Mosé,1999).
Tendo em vista as considerações acima, a amizade, para Nietzsche, trilha o
caminho libertário na possibilidade de novas formas de ser e estar no mundo, na
abertura ao imprevisível, ao novo, ao jogo de forças e fluxos que se apresentam ao
sujeito. Os amigos devem estar dispostos a ultrapassar fronteiras predeterminadas e
repetitivas, tais como as de camaradagem, de acolhimento incondicional, de filantropia.
Essa última compreendida como forma de solidariedade que possibilita o apagamento
da consciência suja de quem pratica a caridade, pois, na realidade, não proporciona a
transformação do quadro social que produz o necessitado, e que, na maioria das vezes,
põe-no em posição humilhante. Este exemplo acerca da visão sobre a filantropia mostra
103
o quanto acreditava que as relações entre amigos podem ser subversivas e proporcionar
linhas políticas de mudança da realidade (Passetti, 2003).
ação. Para Foucault, a
relação
Mais tarde, no séc. XX muitos pensadores foram influenciados por Nietzsche,
entre eles, Foucault. Dedicando-se ao estudo das relações de poder, Foucault
compreendia o poder como algo que se exerce e não como algo que é conquistado ou
tomado, afirmava que o poder estaria inserido na sociedade de forma capilar, nas
diferentes relações do cotidiano, não se restringindo às relações macro-estruturais, tais
como, o exercício do Estado ou das instituições.
Desta maneira, o olhar foucaultiano aponta para a existência de sujeitos no
exercício de poderes nas mais ínfimas relações, sejam de gênero, de geração, de
autoridade, de família, de amizade. Tal prática foi definida por Foucault como governo,
sendo a forma pela qual, através do exercício do poder, estrutura-se o campo de ação
dos demais sujeitos (Kohan, 2003).
Foucault redimensionou as ações políticas, transportando-as para o espaço do
cotidiano. A amizade, assim, segundo Ortega (1999), passa a ser importante alavanca
agenciadora de novas formas de sociabilidade e de subjetiv
entre amigos “enfatiza a transgressão e, por conseguinte, a multiplicidade,
intensidade, experimentação e desterritorialização” (Passetti, 2003, p.111). A relação
como o outro, na perspectiva foucaultiana, deve provocar a alteridade, a ultrapassagem
de fronteiras em termos de problematização da própria existência. Os amigos são
amigos da inventividade, da inquietação, do desassossego, da agitação, escrevem as
próprias estórias com estilo, procuram formas libertárias de viver, são combatentes
alertas contra os poderes que limitam a vida.
Outro pensador que se debruçou sobre as questões da amizade foi Jacques
Derrida. A relação entre amigos, para ele, deveria estar pautada na busca por novos
104
horizontes, na construção do porvir. Acreditava que os amigos são amigos do talvez,
amigos da surpresa, de formas novas de se associar. Baseado em Aristóteles, Derrida
discutiu
potencialidades no que diz respeito ao
desenv
participantes realizam algum tipo de atividade
coletiv
sobre as relações de confiança e acreditava numa amizade para além das
relações de irmandade e fraternidade. Como Nietzsche, reconhecia também o papel das
inimizades nas relações sociais (Derrida, 1998).
5.2 Enquanto isso em Bom Pastor...
Percebemos que em Bom Pastor existem
olvimento dos agrupamentos de amizade. Há vários grupos em que os
participantes estão inseridos e que podem ser agenciados no sentido da transformação
da realidade em que vivem, sobretudo no tocante à violência, a partir da promoção das
redes de apoio de amizade.
Aproximadamente 70% dos
a de caráter cultural, religioso, etc. A maior parte desses grupos é organizada
pelos próprios moradores ou pelos jovens da comunidade, geralmente de maneira
informal. Na figura 12, podemos observar a distribuição das atividades coletivas.
Além disso, constatamos que os jovens desta pesquisa, na seção do questionário
sobre lazer e esportes, indicaram que gostam muito de estar com os amigos e de praticar
esportes. Gostam também de participar de atividades culturais que facilitam a
socialização, tais como, passeios organizados e gincanas. Muitos freqüentam atividades
de cunho religioso, que também funcionam como base de apoio informa na forma de
ponto de encontro e de relacionamento amistoso.
105
2,33%
24,90%
37,74%
42,02%
Dança
Gr. Junino
Gr. Religioso
3,11%
4,28%
4,67%
6,23%
Outro
Surfistas
ONG
afiteiros
6,61%
21,01%
24,51%
Pichadores
Gr
Hip-hop
Gr
Capoeira
T. organizada
7,78%
14,79%
20,23%
Skatistas
Arte marcial
. Musical
0% 5% 10% 15% 20% 25% 30% 35% 40% 45%
Figura 12
*
. Atividades Coletivas
Sabemos que muitos desses grupos (figura 12) exigem, de possíveis novos
integrantes, um tipo específico de identidade, uma referência identitária unívoca, como
é o caso das torcidas organizadas, dos grupos religiosos, de hip-hop, de surfistas, de
*
Percentagem referente àqueles participantes que declaram participar de algum tipo de atividade coletiva.
106
skatistas. No entanto, ao ultrapassar essas barreiras, esses lugares podem funcionar
como campos propícios para a expressão subjetiva desses jovens e adolescentes, onde
podem desenvolver linhas de reciprocidade, compartilhar angústias e se agenciarem
politicamente para o enfrentamento de seus problemas. Para tal, é preciso que estes
agrupamentos sintonizem na freqüência de relacionamentos de amizade baseados no
agenciamento político, na desnaturalização das maneiras de se relacionar, no
questionamento das forças que comprimem os jovens.
Nesse sentido, faz-se necessária uma radicalização em relação às formas de ser e
estar no mundo. De acordo com Guattari (1992), o sistema capitalista tem a
subjetividade como um de seus principais objetos, produz um tipo específico de sujeito
com vistas à própria manutenção. Essa produção tem alcance mundial e atinge a
subjetividade em diversos âmbitos, nas formas de sentir, de julgar, de pensar, enfim, é
uma tarefa capilar de reprodução e modelização de olhares e maneiras de ser e existir.
Deste modo, o alcance dessas forças, modelando e prescrevendo modos de vida, pode
ser percebido no cotidiano das pessoas; e a mudança desse quadro, além das lutas por
alterações macro-estruturais e pelo fortalecimento das bases de apoio formal, perpassa
pela transformação dessa subjetividade que alicerça tal sistema.
As relações de amizade podem funcionar como potencializadoras dessa
transformação, incluindo aí a mudança do quadro de violência e de alijamento de
diversas ordens, que são t o capitalística, através da
constituição de novos espaços existenciais.
Heráclito, Nietzsche, Foucault e Derrida. Heráclito, quando nos propõe a amizade como
ambém engrenagens de ratificaçã
Para tanto, é preciso partir da desnaturalização da violência, dos modelos
familiares, comunitários, institucionais, dos esquemas conhecidos de sentir, de pensar,
de viver. No agenciamento dessa tarefa, alguns amigos nos dão as mãos, entre eles,
107
resultado de um jogo de forças em busca de novos horizontes e como questionadora das
leis da polis. Nietzsche, na abertura ao imprevisível, no mergulho mar adentro.
Foucault, no exercício do contra-poder na construção de invenções libertárias através da
estética da existência via experimentação. Derrida, através dos amigos do talvez,
amantes da liberdade do pensamento rumo à revolução e à mudança.
108
6. Considerações Finais
Em Bom Pastor, encontramos uma predominância das bases informais de apoio
em todos os aspectos investigados através do nosso instrumento de pesquisa. Tal
resultado também foi o encontrado pelo grupo da CIESPI/PUC na pesquisa de Bangu no
Rio de Janeiro. As famílias são numerosas, com diversas formas de composição, sendo
os familiares as formas de apoio mais recorridas no enfrentamento de dificuldades que
se apresentam no cotidiano.
Em relação aos aspectos escolares, existe uma preocupação muito grande por
parte dos pais, principalmente da figura materna, o que acaba revelando uma
potencialidade para o fortalecimento das bases familiares na tarefa de criação de seus
filhos. Além disso, os estudantes pesquisados contam com poucos recursos formais para
auxílio na vida escolar.
Embora estejam mais circunscritos ao âmbito doméstico, as atividades de lazer
também apresentam o acompanhamento de bases informais, principalmente dos amigos.
As atividades culturais também são realizadas juntamente com os amigos, como é o
caso das gincanas; o que vale também para as atividades esportivas. São escassas as
opções de lazer, cultura e esporte proporcionadas por bases de apoio formal.
As atividades religiosas são freqüentadas por muitos dos pesquisados, indicando
não só um apoio formal, mas também informal. As instituições religiosas funcionando
como locais de encontro, de bate-papo, onde se pode conseguir um conselho,
compartilhar angústias, participar de grupos específicos.
Percebemos no que diz respeito às práticas de saúde, que as instituições de saúde
são pouco freqüentadas, e procuradas apenas para o tratamento de enfermidades físicas.
No entanto, notamos mais uma vez a participação dos familiares no trato da saúde dos
109
particip o
desenvolvimento de seus filhos.
s bases informais de apoio, sobressaíram-se no tocante à
violênc
ial, possibilitam questionamentos do status quo e a criação de
novos t
inseridos,
com o
sejos de vida nesses jovens e
que fac
antes, reforçando mais uma vez a preocupação dos pais para com
Os dados sobre violência, seja ocorrida no ambiente familiar ou na comunidade,
revelam a presença da mesma no cotidiano desses jovens. Novamente, notamos que as
bases informais são mais recorridas, até mesmo nos casos de violência física, de
roubo/assalto, de invasão de domicílio, que requerem intervenções formais por parte dos
serviços jurídico-policial, de saúde, de assistência social.
Os amigos, dentre a
ia. Embora não fosse objetivo de nosso trabalho, a investigação e o estudo sobre
amigos e amizade nos levaram a um caminho novo, possibilitando uma visão acerca do
papel transformador das amizades. Através de um processo de afetação, fomos tragados
para concepções de amizade enquanto agenciamento político, que, por meio de uma
espécie de contágio soc
erritórios existenciais, nos quais a amizade pode funcionar como forma de vida
que “permite a criação de espaços intermediários capazes de fomentar tanto
necessidades individuais quanto objetivos coletivos” (Ortega,1999, p.24).
Para o fortalecimento dessas bases de apoio de amizade, primeiramente se fazem
necessárias investigações acerca dos agrupamentos em que esses jovens estão
intuito de cartografar os códigos de relacionamento, conhecer as formas de se
associar que regem essas ligações afetivas entre amigos. Além disso, é preciso também
conhecer quais são os interesses, mapear as expressões sociais, sejam de ordem cultural,
política, artística, religiosa, esportiva, que despertam de
ilitam o acontecimento de encontros. Tais tarefas são primordiais, pois podem
evitar as formas de apoio descontextualizadas, sem a participação da comunidade e que
logo perdem força com o passar do tempo.
110
Uma alternativa, que pode auxiliar na potencialização dos grupos de encontro
entre adolescente e jovens enquanto territórios existenciais nos quais possam ser
constru
as, para o fortalecimento de
uma ét
de como um
sistema
ídas novas formas de ser e estar no mundo, é agenciá-los na freqüência de
amizade que adotamos. Uma amizade que busca o novo, a surpresa, que propõe um
desafio em relação às formas de se relacionar que se encontram à nossa disposição. Essa
freqüência de amizade aponta para o enfraquecimento da lógica hegemônica voltada
para a produção de sujeitos como identidades privatizad
ica comprometida com a desmontagem de uma sociabilidade ancorada no medo,
na impotência, na redução dos espaços de circulação e de enfrentamento dos
dispositivos montados para reforçar o alijamento, a intolerância e a discriminação..
O agenciamento dessas ligações afetivas deve fazer uso de novas formas de
enfrentamento, de maneira a superar uma lógica que justamente produz situações
adversas, tais como as enfrentadas pelos adolescentes e jovens de Bom Pastor. Tal
tarefa aponta para o não reforçamento do sistema capitalístico, ou seja, para o
enfrentamento deste, não podemos utilizar suas formas de captura, aprisionamento e
modelização de subjetividades. Deve-se voltar para a construção da amiza
de reciprocidade, de trocas afetivas, como um espaço de agenciamento político
e de produção de formas de vida potentes contra a anestesia social.
111
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Apêndice A
116
117
118
Apêndice B
119
120
121
122
123
124
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