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inventada/narrada. No primeiro dia em que vou até lá, a diretora Carina e a
supervisora pedagógica Eduarda contam que:
(...) a escola é uma escola problemática pelo fato de atender alunos de todos os bairros da
cidade (...)
.
Falam de experiências anteriores em escolas que atendiam alunos de
apenas um bairro, dizendo que era bem mais tranqüilo, que todos se conheciam e que,
por isso, quase não havia conflitos. (...) Diz a diretora: recebemos aqui alunos que vêm
para a escola trazidos pelos pais em carros importados, alunos do centro, filhos de
empresários. O próprio bairro aqui é um bairro repleto de casas chiques. Mas também
recebemos aqui alunos que vêm do Bairro XXX, que é muito pobre, as crianças vêm sujas
para a escola, vivem muitas delas em famílias desestruturadas, os pais se matam
trabalhando e não têm tempo para elas. Essas crianças normalmente não vêm para a escola
por interesses intelectuais, não vêm para aprender: elas não têm o menor interesse, por
exemplo, para estudar a história dos Gregos, elas não têm estímulo em casa para isso.
Eduarda complementa a fala da diretora: o problema maior é que há muito atrito em
função dessas diferenças de vida. Uns tem ciúmes dos outros, outros têm nojo de uns... há
a formação de panelinhas; os meninos dos bairros mais pobres formam tipo “gangues”, aí
preparam brigas com os meninos do centro e com outras “gangues” de outros bairros. E nós
ficamos no meio disso. Toda semana tem uma briga de corpo, mesmo, aqui na frente do
portão da escola ou dentro dos ônibus que fazem o transporte escolar. (Diário de Campo,
p.7-8).
Posteriormente, em entrevista realizada com a diretora, esta refere:
C: E daí o que ocorre, ocorre que o fato da posição geográfica acaba favorecendo que vários
alunos de outros bairros se insiram aqui e haja, de certa forma, entre os alunos, um grande
choque social, ideológico e econômico. E também tem essa questão, de que, quando o aluno
repete pela segunda vez a mesma série, logo se pensa: Vamos para o Bairro Y
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! E daí acaba
a gente assim, concentrando muitas dessas situações, tendo que dar conta disso. E que
nem sempre é fácil, muito pelo contrário, a maioria das vezes é difícil... (Diário de Campo, p.
30-31).
Esses fragmentos possibilitam uma aproximação com as formas
pelas quais as noções de multiplicidade cultural e diferença(s) são recebidas
nesse espaço
27
. Quando falo em multiplicidade cultural, refiro-me aos modos
26
É, neste momento, citado o nome do Bairro onde localiza-se a escola pesquisada.
27
Entendo que um olhar para o contexto onde a escola está inserida possibilita
compreender algumas das lógicas que atravessam a vida cotidiana nessa comunidade. O
município é um dos maiores exportadores de calçados do país, tendo, segundo informações
oficiais, uma das maiores rendas per capita do Estado. A cidade gira em torno das
indústrias calçadistas, e a população, em sua grande maioria, divide-se em grandes
empresários, comerciantes, funcionários públicos e trabalhadores das indústrias. Estes
últimos, em sua esmagadora maioria, provêm de famílias vindas da Região das Missões, do
Alto Uruguai e da Região Noroeste do RS e de Santa Catarina, da Região Oeste daquele
estado. Essas informações são conhecimentos meus, são vivências minhas, por também eu
ser migrante, ser originária da região das Missões e ter me deslocado da minha região de
origem para esta que agora descrevo, em função das maiores possibilidades de trabalho. São
esses conhecimentos que me permitem narrar o que, de agora em diante, narro. Essa região
são de economia basicamente agropecuária, onde o cultivo da terra e a criação de animais
não representam uma renda mensal garantida. Com a perspectiva de ter um salário e a
carteira de trabalho assinada, famílias inteiras se deslocam para o Vale dos Sinos e Serra