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Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Centro de Ciências Humanas Letras e Artes
Programa de Pós-Graduação em Psicologia
A IMPORTÂNCIA DO HOLDING
NA REORGANIZAÇÃOAFETIVO-SOCIAL DE CRIANÇAS
QUE MANIFESTAM TENDÊNCIA ANTI-SOCIAL
Dulcinéia Pires Azevedo Alexandre
Natal
2006
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i
Dulcinéia Pires Azevedo Alexandre
A IMPORTÂNCIA DO HOLDING
NA REORGANIZAÇÃO AFETIVO-SOCIAL DE CRIANÇAS
QUE MANIFESTAM TENDÊNCIA ANTI-SOCIAL
Dissertação elaborada sob orientação da Profª.
Dra. Denise Ramalho Dantas e apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Psicologia da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte,
como requisito parcial à obtenção do título de
Mestre em Psicologia.
Natal
2006
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Catalogação da Publicação na Fonte. Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Biblioteca Setorial Especializada do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA).
Alexandre, Dulcinéia Pires Azevedo.
A importância do holding na reorganização afetivo-social de crianças que
manifestam tendência anti-social / Dulcinéia Pires Azevedo Alexandre. - Natal,
RN, 2006.
131 f.
Orientadora: Profª. Drª. Denise Ramalho Dantas de Araújo.
Monografia (Mestrado em Psicologia) – Universidade Federal do Rio
Grande do Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de
Pós-graduação em Psicologia.
1. Comportamento anti-social – Dissertação. 2. Tendência anti-social - Dis-
sertação. 3. Winnicott, Donald Woords, 1896-1971 – Dissertação. 4. Privação
afetiva – Dissertação. 5. Criança – Dissertação. 6. Psicologia social – Disserta-
ção – I. Araújo, Denise Ramalho Dantas de. II. Universidade Federal do Rio
Grande do Norte. III. Título.
RN/BSE-CCHLA CDU 316.624.3(043.3)
ii
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Centro de Ciências Humanas Letras e Artes
Programa de Pós-Graduação em Psicologia
A dissertação A importância do holding na reorganização afetivo-social de crianças
que manifestam tendência anti-social, elaborada por Dulcinéia Pires Azevedo Alexandre,
foi considerada aprovada por todos os membros da Banca Examinadora e aceita pelo
Programa de Pós-Graduação em Psicologia, como requisito parcial à obtenção do título de
MESTRE EM PSICOLOGIA.
Natal, 11 de outubro de 2006.
BANCA EXAMINADORA
Profa. Dra. Denise Ramalho Dantas de Araújo
_____________________________________________________________
Profa. Dra.Andréia Clara Tavares Galvão Brito
_____________________________________________________________
Profa. Dra. Cynthia Pereira de Medeiros
_____________________________________________________________
iii
Aos meus dois grandes amores, Amanda e Raquel que pacientemente,
suportaram as minhas ausências e me incentivaram com seu amor
incondicional a ir até o fim desse caminho.
Aos meus pais, minhas raízes, com quem aprendi o precioso valor da
busca do conhecimento.
iv
AGRADECIMENTOS
Escrever uma dissertação é um caminho ao mesmo tempo solitário e compartilhado: na
solidão refletimos, escrevemos, reescrevemos, nos enchemos de dúvidas e de certezas, mas
somos, também, acompanhados por muitas pessoas que orientam, incentivam e apóiam. A
todas com quem pude contar o meu muito obrigada. Explicitarei, porém, alguns nomes que
deixaram sua marca e firmaram sua presença participativa ao longo dessa caminhada.
Inicialmente agradeço a Profª. Dra Denise Ramalho Dantas de Araújo, orientadora, que
com sua seriedade, exigência e capacidade de criticar e incentivar viabilizou a construção
dessa dissertação.
A todos os meus amigos que suportaram meus momentos de estresse, distanciamento,
ouvindo e compreendendo as minhas angústias, dúvidas e incertezas.
Especialmente agradeço a Maria José e Valdo pela presença, conselhos, partilha e carinho
com que me brindaram nesses longos anos de nossa amizade e, principalmente neste
período, foram pacientes e compreensivos comigo. Obrigada é muito pouco pelo que vocês
fizeram por mim durante este meu percurso.
v
Aos meus colegas de mestrado pelo companheirismo e pelas preciosas sugestões para meu
projeto de pesquisa.
A Dalva Alencar com quem ampliei e solidifiquei meus conhecimentos sobre a Teoria de
Winnicott.
A Cilene, pela sua receptividade, disponibilidade e caloroso contato com que sempre me
recebeu na secretaria da pós-graduação, ajudando-me com esclarecimentos e orientações
precisas.
Aos principais autores desse trabalho: as crianças com comportamentos anti-sociais que
participaram desta pesquisa e me ensinaram que, apesar dos percalços, é possível manter o
fogo que queima e instaura a vida. Elas, com seu comportamento perturbador, movido pela
esperança fazem como o lótus que tendo fincado suas raízes em terreno pouco fértil, se
estica, se levanta e encontra a superfície e a luz, desabrochando-se.
vi
É no lodo que o lótus finca raízes
é nas águas turvas, pútridas que ele media,
irresistivelmente atraído por essa luz
que ele desconhece,
mas que pressente
e que o estica
e que o atrai
e que o levanta
e o obriga a levantar-se
e que, de repente, ele encontra
quando, ao chegar a superfície
supera.
Agora, gloriosa ele se abre
Desabrocha-se
E, cego, ofusca a todos
Com seu indizível esplendor.
(Leboyer,1989)
vii
Sumário
Resumo ........................................................................................................................ viii
Abstract ........................................................................................................................ix
INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 10
1 PROVISÕES AMBIENTAIS E DESENVOLVIMENTO EMOCIONAL ........18
1.1. O mundo em que vivemos ............................................................................... 18
1.2. A agressividade na concepção winnicottiana .................................................. 24
2 COMPREENDENDO A (DE)PRIVAÇÃO ......................................................... 31
2.1. As fases da dependência ................................................................................... 31
2.2. A falha que instaura uma falta .......................................................................... 40
2.3. O ambiente e o cuidado com a criança anti-social: a visão winnicottiana.........51
3 A RESILIÊNCIA NA CRIANÇA ANTI-SOCIAL ..............................................56
4 AS FUNÇÕES PARENTAIS NA CONTEMPORANEIDADE ......................... 62
4.1. Um pouco de história ........................................................................................62
4.2. A função parental na concepção winnicottiana ................................................ 67
5 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ........................................................ 72
5.1. A pesquisa .........................................................................................................72
5.2. O campo ............................................................................................................73
5.3. Estratégias de Coleta e Análise dos Dados .......................................................76
6 CONVERSANDO E DESENHANDO COM AS CRIANÇAS ........................... 82
6.1.Os sujeitos e suas histórias de vida ....................................................................82
6.2.Analisando a temática do discurso .....................................................................90
6.2.1 O acolhimento ......................................................................................... 90
6.2.2 Sozinho o abismo da solidão ................................................................... 99
6.2.3. Atraídos pela "Gang Alvinegra e pela"MáfiaVermelha"........................ 104
7 CONCLUSÃO..........................................................................................................109
8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................ 114
Apêndices..................................................................................................................120
Anexos.......................................................................................................................124
viii
RESUMO
O estudo objetiva compreender como as crianças que apresentam comportamentos
expressivos de tendência anti-social no Núcleo de Ação Social da Praia do Meio em Natal -
RN, ligado à Secretaria Municipal do Trabalho e Assistência Social – SEMTAS, vivenciam
a relação com o educador social, no papel de cuidador. Investigou-se esta questão dentro de
uma visão qualitativa de abordagem e interpretação dos fenômenos sociais, utilizando a
técnica da Análise Temática dos desenhos e estórias que expressam a relação com o
cuidador, obtidos em sessões de interação lúdica entre criança e pesquisadora, para a
compreensão das vivências da criança com o educador social. O referencial teórico
utilizado é de D. W. Winnicott, que associa a tendência anti-social à ausência do holding
necessário, ou seja a uma falha do ambiente na sustentação da criança. Os sujeitos
expressaram a necessidade de um ambiente firme e acolhedor e buscam isto nos educadores
do NASPM. Mostraram, também, como a solidão e a vulnerabilidade permeiam suas vidas
por causa da falta de sustentação emocional na família, o que favorece o envolvimento com
grupos violentos. Mas, vale ressaltar, as crianças valorizam o ambiente do Núcleo quando
lhes oferece um suporte seguro, podendo ser positiva a vinculação estabelecida com ele.
Tal conclusão aponta que existe a possibilidade – reconhecida teoricamente – destas
crianças retomarem o caminho do desenvolvimento saudável.
Palavras chave: Tendência anti-social; Holding; Winnicott, Donald Woods, 1896-1971;
Privação afetiva; Cuidador; Criança.
ix
ABSTRACT
This study aims to understand as the children who show expressive behaviors of antisocial
trends at Núcleo de Ação Social da Praia do Meio in Natal-RN city, linked to Secretaria
Municipal do Trabalho e Assistência Social-SEMIT, which experience the relation with the
social educator in role of caregiver. This matter was investigated within an interpretation
and approach qualitative view of the social phenomena, using the Thematic Analysis
technique of drawings and stories which express the relation with the caregiver gotten in
sessions of playful interactions between child and researcher in order to understand the
child experiences with the social educator. The used theoretical referential is by D. W.
Winnicott who associates the social trend to a failure of environment in child holding. The
subjects expressed the need of a firm and protective environment and they look for this in
NASPM educators. Moreover, they show as solitude and vulnerability take part their lives
due to the lack of emotional holding on family that favors the involvement with violent
groups. But, it is worth pointing out that the children value the Nucleus environment
when has offered them a safe holding which can be positive the established linking with
it. Such conclusion points out to the possibility, recognized theoretically, that exists from
these children to resume the way of healthy development.
Key-words: Antisocial Trends; Holding; Winnicott, Donald Woods,1986; Affective
Privation; Caregiver; Child.
10
INTRODUÇÃO
Refletir, ler, estudar e, finalmente, escrever sobre o comportamento anti-social
em crianças é algo que foi me atraindo aos poucos. Inicialmente, o que me chamava
mais a atenção era o que eu lia nos jornais sobre o fato de que os comportamentos anti-
sociais estavam surgindo cada vez mais cedo. Surpreendia-me o fato de crimes estarem
sendo cometidos por crianças. Ao mesmo tempo, na minha prática clínica, fui-me
deparando com crianças, principalmente encaminhadas pela escola, que apresentavam
comportamentos de roubo e destrutividade. Crianças estas, que apesar de terem acesso a
muitos bens de consumo, roubavam canetas, lápis e outros objetos de pequeno valor.
Ouvi, também, de coordenadores e diretores de algumas escolas sobre a
preocupação com a destruição do patrimônio da escola por crianças que depredavam de
forma compulsiva as instalações. Eles sentiam-se impotentes para conter estas crianças
e deparavam-se, também, com a perplexidade e impotência dos pais para conterem seus
filhos.
A partir desta demanda, a minha interrogação sobre quem são estas crianças que
apresentam tais comportamentos foi-se intensificando e como psicoterapeuta interessei-
me pela compreensão de como elas estão constituindo-se e como as funções parentais
estão sendo exercidas nos lares onde elas estão inseridas.
A escuta clínica de tais crianças trazia a mensagem de um sofrimento e de uma
solidão que as agitavam e inquietavam na busca de um suporte e de um acolhimento.
11
Chamava-me a atenção a avidez dessas crianças pelo contato, pelo olhar daquele que as
acompanhava no setting terapêutico. Deparava-me com um paradoxo: aquele que
agredia com tamanha intensidade, e com isto afastava e assustava as pessoas, estava, ao
mesmo tempo, buscando o contato afetivo. Que forma é esta de expressar o sofrimento?
Alguém vai conseguir compreender esta linguagem? Os pais também mostravam-se
atônitos, impotentes e muitas vezes zangados com tamanha falta de controle de suas
crianças. O incômodo que o comportamento da criança despertava era agravado pelo
próprio discurso da criança que falava, diante das muitas interrogações “Eu não consigo
me controlar”. Observamos que estas crianças, pelo comportamento incomodativo, vão
ficando sem lugar: na escola ninguém agüenta, em casa fica difícil a convivência e,
mesmo aquelas que vão para as ruas, o fazem por pouco tempo, pois acabam indo parar
numa delegacia. É muito difícil alguém acolher quem rouba, quebra, grita e faz
confusão. Desta forma, a criança vai ficando sem um lugar de pertencimento.
Nessa reflexão, as perguntas continuam surgindo: Por que a expressão da
agressividade destas crianças se dá em forma de atos e não de palavras? Quem se dispõe
a cuidá-las e ouvi-las? Qual a melhor forma de cuidar delas?
À busca por respostas às minhas perguntas, deparei-me com a obra de
Winnicott e chamou-me a atenção um artigo dele, intitulado “A delinqüência como sinal
de esperança” (1967/1989). Neste artigo, ele afirmava que o comportamento anti-social
era um pedido de socorro, como também era um sinal de esperança no menino e menina
anti-social e descrevia o hiato de suporte emocional vivenciado pelas crianças que
apresentavam comportamentos de roubo e destrutividade. A leitura deste primeiro artigo
me esclarecia muito do que eu encontrava na clínica com crianças anti-sociais e, então,
aprofundei as minhas leituras da sua obra.
Winnicott (1960/1983) enfatiza a importância das instâncias sociais como
12
provedoras do suporte e do acolhimento às crianças desde os primórdios de suas vidas: a
criança para se constituir como sujeito precisa do suporte e da hospitalidade do mundo
que a recebe. A vida relacional do bebê se inicia já na barriga da mãe, quando ela já dá
significado aos movimentos do bebê, bem como a existência dele. O próprio avanço
científico já evidencia que existe uma comunicação mãe-feto na vida intra-uterina.
Golse (1998) descreve-nos como a comunicação mãe-bebê acontece nos estados
precoces do desenvolvimento do indivíduo:
Admite-se cada vez mais que, para o bebê, a interiorização
do holding, do handling, da voz e dos ritmos maternos
acontece bem antes da instauração para ele do objeto
como tal. Por outro lado, é possível que esse processo se
inicie desde o período intra-uterino, durante o qual o feto
percebe (e integra) certo número de ruídos provenientes do
interior do corpo materno (batimentos cardíacos e aórticos,
ruídos digestivos), certo número de fenômenos mais ou
menos ritmados (contrações parientais, pressões
transparientais), e até mesmo um certo número de
fenômenos que emanam do ambiente externo próximo à
mãe (a voz humana por exemplo). É provável que todas
essas interações entre o feto e a mãe constituam os
alicerces (no sentido arquitetônico do termo) do futuro
sistema interativo que será instaurado após o nascimento e
que, também ele, centrar-se-á na noção de continentes (p.
82).
Essa comunicação silenciosa que se estabelece entre a mãe e seu filho desde o
ambiente uterino acontece porque vai-se desenvolvendo uma sintonia afetiva da mãe, ao
mesmo tempo em que a capacidade perceptiva do bebê vai lhe dando a certeza de um
ambiente confiável. Winnicott (1960/1993) imagina a vida do ser humano como um
espaço envolto em cuidados, este espaço vai-se ampliando da díade mãe-bebê, que é um
espaço no qual não existe diferenciação eu-não eu, onde não existe um bebê sem sua
mãe e que, seguindo o processo de desenvolvimento saudável, a criança vai chegar ao
momento de mãe-com-bebê e posteriormente mãe-sem-bebê e bebê-sem-mãe. Este
13
processo de crescimento e amadurecimento propicia ao bebê, absolutamente
dependente, num primeiro momento, passar pela relativa dependência e construir um
caminho rumo à independência frente ao meio, que nunca será completa, já que o meio
sempre estará sendo importante para o ser humano. O que se destaca nesta
independência é a capacidade da criança de desenvolver uma existência pessoal e
individual.
Tais considerações teóricas acerca das questões citadas concorreram para a
formulação da questão problema que terminou por se constituir no ponto de partida
desta pesquisa: Como as crianças que apresentam comportamento de roubo e
destrutividade expressivos de tendência anti-social vivenciam a relação com aqueles que
cuidam delas no Núcleo de Ação Social da Praia do Meio?
Na apresentação do caminho percorrido para responder a esta pergunta,
iniciamos no capítulo um, com uma visão geral do mundo em que vivemos, um mundo
violento, no qual a violência tem características de epidemia, procuramos entender,
também, como a agressividade e a violência surgem na vida do indivíduo. Buscamos os
diversos entendimentos da agressividade a partir da teoria winnicottiana. Winnicott
(1939/1999) nos fala que a mesma agressividade que gera um gesto espontâneo e
permite ao bebê acreditar que cria o mundo, porque ele está envolto em um círculo de
confiança, previsibilidade e limite, é a agressividade que, ao destruir o que o cerca, está
comunicando um apelo.
Continuando nosso percurso, no capítulo dois, aprofundamos tal visão com o
enfoque dado por Winnicott (1956/2000) ao desenvolvimento emocional humano e o
que acontece quando a confiança que a criança tem no ambiente é abalada, quando a sua
sustentação é falha e ela mergulha em uma solidão e em um desamparo que se
configuraria como um abismo, porque o chão da sua sustentação egóica sumiu.
14
Winnicott (1946/1999) se dedicou, entre muitas coisas, a estudar as crianças
anti-sociais. Ele postulou que os comportamentos anti-sociais surgem a partir da perda
de algo que as pessoas registram como algo que antes possuíam e que lhes foi retirado.
Esse processo ele chama de desapossamento, e Winnicott denominará de (de)privação
que é diferente da privação, situação na qual a criança nunca teve nada e, por isso não
perde alguma coisa mais tarde. As crianças anti-sociais tiveram uma sustentação que
lhes foi retirada e elas sabem disso, sabem que a falha é do ambiente. Neste fato,
também, reside a idéia de esperança subjacente na tendência anti-social, ela incomoda,
porque quer que o ambiente lhe restitua o que foi perdido.
Winnicott (1956/1999) articulou o seu conceito de tendência anti-social,
utilizando duas áreas da experiência humana: o meio ambiente e a realidade interna. Foi
sua experiência como psiquiatra na II guerra mundial, trabalhando com crianças
evacuadas de Londres que foram enviadas para longe de suas famílias, tendo em vista a
necessidade de protegê-las dos bombardeios na capital inglesa, que afetou seus
conceitos básicos sobre o desenvolvimento emocional do indivíduo. O fato desta
concepção da origem da tendência anti-social ter sido formulada há mais de 50 anos, em
plena segunda guerra mundial, quando as pessoas estavam assustadas com as bombas e
com a ameaça de destruição que pairava sobre elas, e as famílias eram desmanteladas
pela perda e separação de seus membros, tendo que lidar com a morte e a incerteza
quanto ao futuro, não está tão longe da nossa realidade. A experiência dos tempos
winnicottianos não é menos devastadora do que experienciamos hoje, quando não
estamos livres das bombas e dos tiros – os homens-bombas que o digam – quando
vivemos assustados com a violência à nossa volta que nos ameaça e nos aprisiona
dentro de nossas casas e em condomínios fechados. Por outro lado, existem as crianças
que fogem de casa e vão para a rua em busca de sobrevivência e/ou buscar encontrar (e
15
não encontram) o que nunca tiveram em seus lares. São famílias também desmanteladas
pelo desemprego, pelo alcoolismo, pela falta de condições dignas de vida. Há, também,
na nossa sociedade contemporânea, uma incerteza quanto ao futuro, uma busca de
sobrevivência ao estado de anomia no qual vivemos.
Continuando nossa caminhada, chegamos ao capítulo três, onde discutimos a
resiliência presente na tendência anti-social, descobrindo que poder sentir o sofrimento
e ter esperança promovem a resiliência. Isto é, quando o ser humano não está imunizado
ao sofrimento, ele pode segurar a mão que se estende para ajudá-lo e pode ter esperança
de reencontrar o que foi perdido. As crianças anti-sociais têm esse movimento de buscar
o que foi perdido. Seus atos são um sinal de esperança, elas (as crianças) ainda não
mergulharam nos ganhos secundários, nem endureceram seus corações para sentir o
amor e receber o amor. Mesmo existindo o ódio, ainda há lugar para o amor. Elas,
também, não se fragmentaram a ponto de psicotizarem, nem deprimiram a ponto de
desejar morrer. Elas continuam incomodando o ambiente porque têm esperança de
serem atendidas em seu apelo.
No capítulo quatro, a idéia norteadora gira em torno das funções parentais na
contemporaneidade, as dificuldades e possibilidades de ser pai e mãe num mundo
mutante. Os atos anti-sociais estariam comunicando a falta do quê? Diante do
adolescimento dos pais e do adultescimento das crianças, como estas crianças vão
encontrar no adulto um padrão identificatório para transgredir e construir o seu próprio?
Qual o tamanho do abismo entre o que elas procuram e o que elas encontram em termos
de sustentação, acolhimento e limites dentro de suas famílias?
No capítulo cinco, descrevemos como escolhemos o Núcleo de Ação Social da
Praia do Meio, ligado à Secretaria Municipal do Trabalho e Assistência Social
(SEMTAS), que desenvolve um trabalho sócio-educativo com crianças e adolescentes
16
no regime de jornada ampliada, para ser o campo de nossa pesquisa. Acreditamos que o
apelo da criança anti-social vai se ampliando para além da família, em busca de alguém
que dê atenção à sua mensagem. Sendo assim, estabelecemos como objetivos:
a. Compreender como as crianças, que apresentam comportamentos
expressivos de tendência anti-social no NASPM, significam o educador
social no papel de cuidador;.
b. Identificar se estas crianças percebem ou não a presença do suporte (holding)
do educador;
c. Analisar as características do suporte do educador a partir da descrição da
criança.
A partir do apoio teórico de Winnicott, pode-se afirmar que, provavelmente, a
criança freqüentadora do NASPM buscará no educador social e no ambiente do Núcleo
que freqüenta diariamente o cuidado na forma de limites e acolhimento, que seriam o
suporte necessário para ela retomar o desenvolvimento em direção à construção de sua
identidade e do viver criativo. Temos como premissa que a reorganização do ambiente,
no sentido winnicottiano de fornecimento do holding, necessário ao atendimento das
necessidades afetivas das crianças anti-sociais, contribuirá para a retomada do
desenvolvimento emocional saudável. Assim, este estudo contribuirá para ir além da
questão problema no sentido de ajudar a pensar sobre a questão de uma ação
interventiva neste tipo de ambiente.
A concepção winnicottiana da tendência anti-social nos esperança para
contribuir com o cuidado ambiental que possa ajudar crianças (de)privadas, que são
vistas como “patinhos feios” pela sociedade, a retomarem o curso da existência, por isso
encerramos esta introdução com a definição de cuidado que Leonardo Boff (1999) nos
dá:
17
O cuidado somente surge quando a existência de alguém
tem importância para mim. Passo então a dedicar-me a ele;
disponho-me a participar do seu destino, de suas buscas,
de seus sofrimentos e de seus sucessos, enfim, de sua vida.
Cuidado significa então desvelo, solicitude, diligência,
zelo, atenção, bom trato. Como dizíamos, estamos diante
de uma atitude fundamental, de um modo de ser mediante
o qual a pessoa sai de si e centra-se no outro com desvelo
e solicitude (p. 91).
18
1 PROVISÕES AMBIENTAIS E DESENVOLVIMENTO EMOCIONAL
1.1. O mundo em que vivemos
A violência e a destrutividade estão presentes na sociedade contemporânea, de
forma cada vez mais intensa, e aparentemente crescente nas ruas, nas escolas, dentro
dos lares, nas empresas e instituições: “Nos últimos anos, está-se assistindo a um
aumento epidêmico dos fenômenos violentos na sociedade. A violência tem se
mostrado, em nosso país, com uma cara tão feroz quanto qualquer outro evento dito
catastrófico” (Muza, 1994, p. 56 ).
A violência está presente em todas as classes sociais e a expressão de
comportamentos anti-sociais é freqüente em crianças moradoras das ruas, das favelas e
dos condomínios fechados. Por exemplo, observa-se um número crescente de crianças e
jovens de classes econômicas média e alta, que estudam em escolas privadas e têm
acesso a todos os bens de consumo, evidenciando comportamentos anti-sociais
destrutivos:
1 Em setembro de 2004, adolescentes entre 12 e 15 anos de um colégio de
classe média e alta de Natal, sistematicamente, destroem as instalações do
colégio sob o olhar surpreso e indignado da direção da escola, associado à
impotência dos pais para conterem seus filhos (Informação dada pela
19
diretora dessa escola à pesquisadora);
2 Em abril de 1997, cinco rapazes, adolescentes, em Brasília, colocam fogo
em um “suposto mendigo”, mais tarde identificado como um índio pataxó.
Os rapazes colocaram uma mistura de material inflamável sobre o índio que
dormia e nele atearam fogo. O índio acordou com o corpo em chamas e
gritou por socorro, sendo levado ao hospital com graves queimaduras. No
dia seguinte, veio a falecer. Os rapazes, reconhecidos e presos, apresentaram
como justificativa, os seguintes argumentos: “Não sabíamos que era um
índio” e “Pensamos que fosse um mendigo”. (Jornal do Brasil, em
22/04/1997);
3 Em outubro de 2002, em Porto Seguro, quatro rapazes adolescentes, também
moradores de Brasília, espancaram até a morte o garçom de um restaurante,
porque este havia solicitado aos mesmos que desocupassem a mesa, uma vez
que nada estavam consumindo no restaurante. (informação disponível no site
<www.oliberal.com.br>);
4 Por outro lado, a nossa prática clínica com crianças e adolescentes em
consultórios, nos últimos anos, defronta-se cada vez mais com pais perdidos
e enfraquecidos, com crianças e adolescentes que gritam, quebram, agridem
e destroem.
A violência está presente em diversas formas: homicídios, acidentes,
criminalidade, falta de trabalho, de educação, de condições dignas de vida e de
cidadania. A violência estrutural acontece quando uma parcela da população é excluída
socialmente, vivendo à margem, sem condições dignas de vida. Existe, também, a
violência instrumental definida por Figueiredo (1998, p. 53) como “... aquela que
envolve o exercício da violência na perseguição de um objeto que nos é facilmente
20
compreensível – por exemplo: matar para roubar, roubar para comer ou matar para
continuar vivo”, estando comumente associada à delinqüência. Defrontamo-nos,
também, com o que Figueiredo (1998) chama de violência paradoxal “... em que,
aparentemente, o exercício da violência ocorre em circunstâncias ou numa magnitude
despropositadas (por exemplo: matar uma vítima indefesa e submissa)” (p. 53).
Consideramos que a sociedade está impregnada da violência sutil, mais ou
menos dissimulada, como na relação da mídia com os telespectadores, e da violência
escancarada dos atos criminosos. Sendo assim, a violência passa a ser ingrediente da
cultura impregnando à vida real e à virtual: e também na televisão, nos games e no
cinema. Contamina todas as relações sociais e determina um modo de funcionamento
psíquico marcado tanto pela violência invisível como pela violência explícita.
Como estão se constituindo subjetivamente os indivíduos na
contemporaneidade? Como as funções parentais de acolhimento, continência, segurança,
constância e previsiblidade estão sendo exercidas dentro do atual contexto sócio-
cultural? Sabemos que a ampliação dos mecanismos narcísicos, em vigor na sociedade
contemporânea, potencializa os mecanismos de impotência e desamparo constitutivos do
sujeito, dificultando as práticas de solidariedade social. Seus efeitos acentuam as reações
de segregação, antagonismo e ódio em relação ao diferente, tornando maiores e
insuportáveis as pequenas diferenças entre o sujeito e o outro. As regras pautadas pelo
ideal narcísico acabam por não garantir uma relação de alteridade entre crianças,
adolescentes e adultos. O outro não tem mais capacidade de me atingir, não me envolvo
com ele, não sei dele, nem me preocupo com ele. Sobre isto, nos afirma Costa (1994):
Quando o ser humano não tem mais regra subjetiva que lhe
faça ver no outro um semelhante, ele não experimenta pelo
outro nenhuma preocupação, nenhuma consideração. O
outro é um estranho (...) Como eu não tenho critério de
reconhecimento, como eu não sou formado para dizer que
21
aquele é igual, eu não posso me identificar na dor e no
sofrimento e nem na dignidade com o outro e aí eu não
vou me importar (p. 12).
Como entender o ato agressivo, violento e anti-social? O que acontece com a
criança que agride? Qual é o lugar do ambiente nessa questão da criança destrutiva na
contemporaneidade? Por que estamos nos acostumando a ver na rua e nos noticiários
crianças matando e roubando?
Winnicott (1956/2000), quando concebeu sua teoria da tendência anti-social,
afirmou que as crianças com comportamentos de roubo e destrutividade vivenciam um
hiato no seu desenvolvimento emocional, ocasionado por uma (de)privação
1
. Este hiato
está relacionado a um cuidado ambiental que, por várias razĘes, foi perdido, criando na
criança uma expectativa, e também uma sensação de abandono. Tal experiência de
abandono se passa após um período de bom desenvolvimento e cuidados adequados, que
possibilitou ao bebê desenvolver um eu capaz de reconhecer a responsabilidade externa
do seu sofrimento e é, por isso, que suas reações à perda são direcionadas ao ambiente
como um apelo dirigido ao outro e, portanto, contém uma expectativa de resposta.
Nas palavras do próprio Winnicott (1959/1983), a descrição do que aconteceu
com a criança anti-social nos primórdios da vida:
Um rapaz ou uma moça anti-social é uma criança privada
de algo. A criança privada de algo é uma criança que teve
algo suficientemente bom, e depois não mais o teve, o que
quer que seja, tendo havido então suficiente crescimento e
organização do indivíduo na ocasião da privação, para
essas privações serem percebidas como traumáticas. Em
outras palavras, no psicopata, no delinqüente e na criança
anti-social existe lógica na atitude implícita “o ambiente
1
Há uma questão de tradução referente à palavra inglesa deprivation, que seria em português
(de)privação, palavra esta que não existe ainda no português formal. Segundo Winnicott (1946/1999), a
tendência anti-social está ligada à (de)privação quando houve um cuidado materno que, por vários
motivos, foi perdido. O gesto anti-social significa a esperança de recuperar o bom-cuidado-perdido. Já a
privação é a ausência de cuidado desde o início e resulta em patologias graves como as psicoses.
22
me deve algo” (...) A ênfase é na falha ambiental e a
patologia está primariamente no ambiente e apenas
secundariamente na reação da criança. (...) O fator
ambiental não é um trauma isolado, mas um padrão de
influências que distorcem; o oposto, de fato, do ambiente
favorável que permite a maturação do indivíduo (pp. 123-
127).
Para Winnicott (1968/1989), o ser humano constitui-se como ser, na relação com
o outro. Desta forma, enfatiza a importância do papel das instâncias sociais como
provedoras de acolhimento e suporte à criança desde os primórdios da sua vida,
configurando-se como um continente amoroso que sustenta a criança em
desenvolvimento. A vida do ser humano é um espaço envolto em cuidados e o ambiente
que acolhe a criança tem o papel de um círculo de amor e força, que ensina o bebê a
lidar com a agressividade e permite a integração do self (reunião dos componentes
psíquicos e somáticos das experiências emocionais em um ser uno).
Em A criança e seu mundo, Winnicott (1965/1985) conceitua a infância como
“um processo gradual de formação de uma crença. Crença em pessoas e coisas que é
elaborada a pouco e pouco através de inumeráveis experiências boas” (p.141). Essa
crença é construída a partir do confronto que a criança faz com as experiências ruins
(pois não existe uma vida sem lágrimas) que são inevitáveis na vida de qualquer pessoa.
Nas crianças saudáveis, o que prevalece é a confiança na fidedignidade e previsibilidade
do meio materno. Já para as crianças com dificuldades no seu desenvolvimento
emocional, não constitui em si uma crença primária e primeira no mundo e, para elas, a
vida torna-se mais difícil de ser vivida. Diante da tarefa do viver, Winnicott (1965/1985)
afirma que “a vida é difícil, inerentemente difícil para todo e qualquer ser humano,
desde o começo da vida” (p.144). O viver a vida criativamente não é algo simples para
nenhuma criança “... e nem o mais compreensivo e carinhoso ambiente familiar pode
23
evitar essa dificuldade inerente à vida: a de que o desenvolvimento humano vulgar é
árduo” (Winnicott, 1965/1985, p. 142). No entanto, a criança saudável, que desenvolveu
a crença no mundo e nas coisas, consegue ter plasticidade diante das adversidades que a
vida lhe oferece e apresenta bons recursos para se defender da angústia e de conflitos
intoleráveis.
Escrevendo sobre a importância desse ambiente inicial na constituição do
sujeito e como a criança normal se relaciona com os responsáveis pelo seu cuidado,
Winnicott (1946/1999) afirma:
Uma criança normal se tem confiança no pai e na mãe,
provoca constantes sobressaltos. No decorrer do tempo,
procura exercer o seu poder de desunião, de destruição,
tenta amedrontar, cansar, desperdiçar, seduzir e apropriar-
se das coisas. Tudo que leva as pessoas aos tribunais (ou
aos hospícios, tanto importa para o caso) tem seu
equivalente normal na infância, na relação da criança com
seu próprio lar. Se o lar suportar com êxito tudo que a
criança fizer para desuni-lo, ela acaba por acalmar-se
através das brincadeiras (p. 129).
Aqui, os pais ou responsáveis pela criança têm a missão de dar continência aos
impulsos e não de se comportarem como expectadores passivos. Ressaltamos a
importância do ambiente com força estrutural que suporte os embates da criança com o
meio. Isto é necessário porque as primeiras fases do desenvolvimento de uma criança
são repletas de conflitos e a criança não aprendeu ainda a tolerar e dominar seus
instintos. O suporte ambiental consistente vai possibilitar a socialização e, desta forma,
as idéias e comportamentos agressivos adquirem valor positivo.
Como a agressividade transforma-se em destrutividade e violência a partir
da falha nas provisões ambientais à criança? Para compreendermos, buscaremos a
origem do conceito de agressividade no pensamento de Winnicott.
24
1.2. A agressividade e a violência na concepção winnicottiana
A agressividade na teoria winnicottiana não está associada necessariamente a
destrutividade, ela está ligada ao movimento natural desde os primórdios da vida do
bebê, quando existe um prazer muscular no movimento e uma tendência a bater contra
as coisas. A agressividade é concebida como um movimento que conduz ao encontro
com o ambiente, permitindo que este seja descoberto e redescoberto a partir da
motilidade. É uma força realizadora, não precisando ser contida, na maioria das vezes, e
sim acolhida e significada. Abram (2000, citado por Maia, 2005), resume o conceito de
agressividade na obra de Winnicott:
A agressividade no indivíduo, de acordo com Winnicott,
tem seu início em seu próprio interior e é sinônimo de
atividade e motilidade. No princípio de sua obra Winnicott
refere-se a “agressão primária”, estabelecendo que a
agressividade instintiva é originalmente parte do apetite. A
agressão modifica suas características à medida que o bebê
cresce. Essa mudança depende completamente do tipo de
ambiente que o bebê se depara. Com uma maternagem
suficientemente boa e um ambiente facilitador, a agressão
na criança que se desenvolve transforma-se em algo
integrado. Se o ambiente não for bom o bastante, a forma
encontrada pela agressão para manifestar-se é pintada em
cores anti-sociais, ou seja, surge a destrutividade (p. 4).
A agressividade é, portanto, parte da força vital e origina-se dos impulsos do
feto, que levam à descoberta de que existe um ambiente e permite o primeiro
reconhecimento precoce que existe um mundo não-eu. Winnicott (1950/2000) verá este
movimento como um gesto impulsivo e espontâneo, tal gesto se funde a experiências
eróticas vivenciadas pelo recém-nascido na relação com o seu cuidador:
O gesto impulsivo volta-se para fora e torna-se agressivo
quando encontra oposição. Há realidade nessa experiência,
25
e ela funde-se facilmente com as experiências eróticas que
aguardam o recém-nascido. Estou sugerindo que é esta
impulsividade e a agressividade que dela deriva que
levam o bebê a necessitar de um objeto externo, e não
apenas de um objeto que o satisfaça (p. 304).
A forma como se coloca o objeto diante do movimento impulsivo do bebê
determinará se a agressividade possibilitará o ato criativo do existir ou comunicará que
houve uma falha no atendimento das necessidades da criança em níveis mais precoces.
Desta forma, podemos compreender o que diz Abram (2000, citado por Maia, 2005),
sobre a agressividade na teoria winnicottiana: “... a agressão modifica suas
características à medida que o bebê cresce. Essa mudança depende do ambiente com
que o bebê se depara”. (p.4) Fica claro, então, que a destrutividade presente na
tendência anti-social é um descaminho dos rumos da agressividade saudável, é a
denúncia de uma falha que vem em forma de gestos, gritos e ofensas, tornando a
mensagem não compreensível para quem a recebe. Winnicott olha para esta denúncia
com positividade, reconhecendo a esperança presente neste gesto destrutivo da criança
anti-social para com a sociedade.
A esperança é um paradoxo implícito no conceito winnicottiano da tendência
anti-social, tendo em vista que aquele que incomoda, destrói e rouba espera um
reconhecimento do ambiente. Estes atos incomodativos, inicialmente, serão pouco
perceptíveis: a criança chorará muito, emudecerá, fará xixi na cama, depois ampliará
este incômodo para além do círculo familiar, incomodará a escola e a rua e, se ninguém
parar para ouvir o SOS presente nestes atos, provavelmente o único limite para o
comportamento anti-social serão as grades de uma prisão.
A agressividade na concepção winnicottiana surge junto com o amor, faz parte
da “
... íntima realidade psíquica pessoal que é a base do sentimento de identidade em
26
desenvolvimento” (Winnicott, 1946/1999, p. 107). A agressão está sempre ligada a uma
distinção entre o que é e o que não é o eu e evolui de uma manifestação primitiva ou
mágica para ser percebida objetivamente. O bebê cria e recria sua mãe quando pensa que
a destruiu, à medida que a mãe suficientemente boa
2
mantém a constância de sua
presença estabelecendo uma sintonia fina na relação com o bebê, fazendo emergir,
assim, uma comunicação silenciosa possibilitada pela relação de mutualidade da
experiência do viver entre mãe e bebê. A mutualidade
3
pertence à capacidade que a mãe
tem de adaptar-se às necessidades do bebê, propiciando, assim, o desenvolvimento do
sentimento de confiabilidade do bebê no ambiente que o circunda. Nesse contexto, a
agressividade passa a ter um cunho de criação e positividade e não de patologia e pura
destruição.
A constância da presença da mãe para o bebê permite que ele crie sua mãe na
fantasia, e acredite que a recria – na fantasia cada vez que pensa que a destruiu. A
presença materna confiável dará à agressividade o sentido de construção e não de
destruição. Quando a criança perde o objeto de vista, isto é, a presença confiavelmente
presente do ambiente que cuida e, conforme ela continua procurando sem encontrar,
algo dentro dessa criança vai se quebrando e se perdendo. Constitui-se, assim, o
desamparo. O que acontece é que o objeto falhou, para além da capacidade da criança de
2
Mãe suficientemente boa é o termo utilizado por Winnicott (1963/1983) para definir a mãe que tem a
capacidade de realizar uma adaptação às necessidades egóicas de seu bebê. É aquela dedicada, capaz de
uma atitude de devoção e que introduz as frustrações necessárias, à medida que o bebê amadurece.
3
Mutualidade é o termo utilizado por Winnicott (1968/1989) para caracterizar o relacionamento mãe-
bebê em seus primórdios quando não existe um bebê sem sua mãe e sim a díade mãe-bebê. Nesta fase a
relação se estabelece através de uma sintonia fina entre as necessidades do bebê e o atendimento das
mesmas no instante exato em que essas necessidades se impõem ao bebê, não dando a este a possibilidade
de perceber que essas necessidades existem em si mesmas.
27
absorver esta falha, e este acontecimento pode trazer muitas conseqüências. Uma delas é
o redirecionamento da agressividade para a destrutividade.
Mas, quando tudo corre bem no desenvolvimento da criança, a agressividade
surge junto com o amor. Segundo Winnicott (1939/1999): “Um dos mais importantes
exemplos de conjugação de amor e agressão surge com o impulso para morder, que
passa a ter um sentido aproximadamente a partir dos cinco meses de idade. (...)
Originalmente, porém, é o objeto bom, corpo materno, que excita o morder e produz
idéias de morder” (p. 108).
Continuando suas afirmações sobre a agressividade primária, Winnicott
(1939/1999) afirma que “Talvez a palavra voracidade expresse melhor do que qualquer
outra a idéia de fusão original de amor e agressão, embora o amor neste caso esteja
confinado ao amor-boca (...) Existe uma voracidade teórica ou amor-apetite primário”
(p. 97). Neste momento inicial, a agressividade é vida, movimento, voracidade. Ela se
dirige para a destrutividade quando algo no ambiente se introduz de forma negativa.
Mas, quando o ambiente é confiável, a criança vai direcionando a agressividade para a
construção.
Leva muito tempo para a criança dominar seus impulsos agressivos e utilizá-los
como fonte de energia e para a tarefa de viver, amar, brincar e, posteriormente,
trabalhar. A agressividade como força construtiva só se estabelece quando o bebê pôde
experimentar nos primórdios de sua existência um ambiente confiável proveniente do
holding de sua mãe. Holding é o conceito winnicottiano que se refere ao comportamento
da mãe de dar suporte ao bebê em termos físicos e psicológicos. “A função de suporte
em termos psicológicos é fornecer apoio egóico, em particular na fase da dependência
antes do estabelecimento da integração do ego” (Davis & Walbridge, 1982, p. 113).
28
Está o holding associado à fase em que o bebê vivencia um estado fusional com
a mãe, no qual não existe uma mãe e um bebê e sim o que Winnicott chama de díade
mãe-bebê. Este suporte, no início da vida, também inclui “... principalmente o segurar
fisicamente o bebê, que é uma forma de amar” (Davis & Wallbridge, 1982, p.113). Este
amor comunicado através do cuidado inspira confiança na mãe/ambiente e a criança
desenvolve um sentimento de segurança e um sentimento de ser amado. No texto
“Segurança”, Winnicott (1960/1993) amplia a compreensão da qualidade deste holding
que protege a criança da imprevisibilidade do mundo exterior, nos primórdios da vida:
“O bebê que conheceu a segurança nesse primeiro estágio passa a levar consigo a
expectativa de que não será abandonado. As frustrações – bem, estas são inevitáveis;
mas ser abandonado por uma pessoa de confiança – isso nunca!” (p. 46).
Continuando a esclarecer sobre o suprimento ambiental suficientemente bom, a
partir da postura de previsibilidade do pai e da mãe frente ao bebê, Winnicott
(1969/1993) afirma: “A palavra-chave poderia ser ‘previsibilidade’. Os pais, sobretudo a
mãe no começo, têm um trabalho enorme para proteger a criança do que é imprevisível”
(p. 148).
O holding continua tendo sua importância em fases posteriores da vida da
criança, do adolescente e do adulto, sempre que há uma pressão ambiental a ameaçar o
indivíduo de entrar em estado de confusão e desintegração. Pois, o holding é o antídoto
da queda nas agonias impensáveis, e tem como objetivo manter um movimento o qual é
o movimento do viver e, à medida que o movimento do viver autêntico surge, o
indivíduo expressa sua natureza criativa.
A idéia de que a agressividade faz parte do processo de construção da
subjetividade e não se expressa, necessariamente, visando à destruição é central na
29
teoria winnicottiana. A criança cresce e caminha rumo à independência, sendo capaz de
criar, reparar e amar, quando ela aprendeu a confiar no meio/mãe, e sabe que pode voltar
outra vez à mãe se isso for necessário. No entanto, na violência, que se expressa como
destrutividade, o laço social não se faz presente, há muito tempo foi rompido. A
(de)privação emocional precoce destitui o sujeito de laços afetivos que o ajudam a
canalizar sua agressividade para o brincar, para a criatividade e para atividades
reparatórias.
A agressividade é considerada distinta da violência por vários autores. O termo
agressividade na língua portuguesa não é visto como destruição. Vejamos o que diz
Aurélio Buarque de Holanda (1979, p. 52), quanto à palavra agressividade, significando
“disposição para agredir; qualidade de agressivo; dinamismo, atividade, energia, força”.
Ao procurarmos a palavra violência (do latim violentia), encontramos “1. Qualidade ou
caráter de violento; 2. Ação violenta; 3. Ato ou efeito de violentar; 4. (jur.)
constrangimento físico ou moral; uso da força, coação” (p.1463). Esses significados
remetem ao fato de que a violência refere-se a uma gama de comportamentos e de ações
físicas. Ela consiste no emprego de uma força contra alguém com os prejuízos físicos
que isto acarreta; já a agressividade estaria mais ligada à questão do movimento; ou seja,
de “ir ao encontro de”, “aproximar-se”. Outro autor, Jurandir Freire Costa (2003),
distingue violência de agressividade, ele considera o ato violento como o emprego
deliberado da agressividade para destruir, humilhar e fazer o outro sofrer. Essa distinção
corrobora, no nosso entender, a concepção winnicottiana que considera a agressividade
como parte do processo de construção da subjetividade e que a destrutividade é o
descaminho da agressividade natural e criativa. Costa (2003) define:
Violência é o emprego desejado da agressividade com fins
30
destrutivos. Esse desejo pode ser voluntário, deliberado,
racional e consciente, ou pode ser inconsciente,
involuntário e irracional (...) É porque o sujeito violentado
(ou o observador externo a situação) percebe no sujeito
violentador o desejo de destruição (desejo de morte, de
fazer sofrer) que a ação agressiva ganha o significado de
ação violenta (...) quando a ação agressiva é pura
expressão do instinto ou quando não exprime um desejo
de destruição, não é traduzida nem pelo sujeito, nem pelo
agente, nem pelo observador como uma ação violenta (pp.
39,40).
Para este autor, fica claro que não existe possibilidade de se falar de uma
violência instintiva, porque falar de violência é falar de uma intenção de destruir. Já o
fenômeno agressivo é algo inerente à vida e ao viver. Dentro da concepção de Winnicott
(1946/1999), o deslizamento que acontece da agressividade para a violência (ou
destrutividade) implica comunicação ao ambiente: há uma falta e houve uma falha;
sendo o ato anti-social um movimento de esperança de encontrar o suprimento
ambiental estável que permitia à criança amar, destruir e reparar. A reparação acontece
através das brincadeiras e da criatividade, quando a mãe-ambiente tem uma presença
confiável. No entanto, quando a continuidade externa dos cuidados é quebrada, a criança
substitui as atividades reparatórias por angústias cruas e o brincar, que propicia a
reparação do dano imaginário causado pela sua agressividade, é substituído pela
destrutividade na realidade externa.
A seguir, aprofundaremos a compreensão teórica winnicottiana das conseqüências da
falha das provisões ambientais em termos da destrutividade presente na tendência anti-
social, numa aproximação maior com nosso objeto de estudo, propriamente dito.
31
2. COMPREENDENDO A (DE)PRIVAÇÃO
2.1. As fases da dependência
Winnicott foi um pediatra e psicanalista inglês que, através de sua prática
médica, pôde observar a interação de muitos pares mãe-bebê. Trabalhou cerca de
quarenta anos como pediatra e psicanalista. Para Winnicott (1961, citado por Davis &
Wallbridge, 1982), a psicanálise formava uma ponte que ligava a prática médica à
biologia. Desta forma, escreveu: “A psicanálise continua onde a fisiologia parou.
Expande o território científico para abranger os fenômenos da personalidade humana, do
sentimento humano e do conflito humano” (p.28). A partir de suas observações, ele
propôs uma teoria a respeito da forma como ocorria o desenvolvimento emocional.
Como falamos no capítulo anterior, para Winnicott (1960/1983), o ambiente
seria possuidor de um papel crucial no desenvolvimento saudável de uma criança, já
que, no início da vida, a criança é totalmente dependente do meio que a cerca. O outro é
vitalmente importante. Não há um bebê. O que existe, inicialmente, é uma díade mãe-
bebê, um ambiente maternal que cuida e sustenta o bebê. Davis & Wallbridge (1982)
descrevem o pensamento winnicottiano, quanto ao bebê não poder existir sozinho:
32
O desamparo físico verdadeiro e real do bebê humano
significa que o sine qua non do seu crescimento, tanto
físico como emocional, é a dependência de um ambiente
facilitador ou do cuidado maternal que forma uma
unidade junto com o bebê. O potencial herdado que
constitui o núcleo de uma pessoa não pode ser
atualizado sem um ambiente adequado (p. 49).
O ambiente que favorece o processo de desenvolvimento emocional da
dependência rumo à independência (patamar provavelmente jamais atingido por alguém)
pode apoiar, falhar ou traumatizar. Sendo assim, o crescimento físico e emocional do
bebê, inicialmente, só acontecerá se a mãe suficientemente boa for capaz de se adaptar
constantemente às suas necessidades, criando um ambiente onde o bebê pode viver uma
experiência de onipotência e de ilusão. A agressividade como força construtiva só se
estabelece quando o bebê pôde experimentar nos primórdios de sua existência um
ambiente confiável proveniente do holding da adaptação constante da mãe às suas
necessidades, criando um ambiente onde o bebê pode viver uma experiência de
onipotência e de ilusão. Para Winnicott (1962/1983), a experiência de ilusão é
representada pela sincronicidade do encontro da mãe com a necessidade do bebê, na
qual a mãe na sua preocupação materna primária oferece o seio de tal forma que o bebê
acredita tê-lo “criado”. Neste momento, a mãe está dando o suporte, os elementos, para
que a alucinação seja sentida pelo bebê como criativa e real. Winnicott (1962/1983)
afirma quanto a este momento “A mãe, em se adaptando, apresenta um objeto ou uma
manipulação que satisfaz as necessidades do bebê, de modo que o bebê começa a
necessitar exatamente o que a mãe apresenta. Deste modo o bebê começa a se sentir
confiante em ser capaz de criar objetos e criar o mundo real” (p. 60). A criança vivencia
neste momento, a partir da adaptação da mãe satisfatoriamente boa, o fato dela ser
atendida exatamente naquilo que precisava e isto, acontecendo repetidas vezes, permite
33
que ela experiencie “eu criei isto”. Ela tem a experiência de criar aquilo que encontra, e
esta ilusão é mantida pelo holding materno. Neste momento do seu desenvolvimento, o
bebê vive em estado fusional com sua mãe, o não-eu, ainda não existe e ele precisa viver
a onipotência de criar seu mundo e dele ser dono absoluto.
Tal processo de criação do mundo e da constituição de um si-mesmo acontece
na fase da dependência absoluta. O bebê cria, não a partir de um vazio, constituídos
pelos seus próprios recursos, e sim, a partir dos cuidados que o envolvem. “A
criatividade é finita e, para permanecer viva, precisa ser exercida” (Dias, 2003, p. 169);
e, para ser exercida, deve haver uma sintonia quase que exata entre mãe e bebê. Segundo
Winnicott (1956/2000), esta sintonia só é possível quando a mãe está no estado de
preocupação materna primária, onde ocorreria uma espécie de retraimento ou
dissociação, provocando um estado de sensibilidade exacerbada. A mãe seria capaz de
saber como seu bebê está se sentindo, sendo, então, capaz de identificar-se com seu
bebê, promovendo condições “... para que a constituição da criança comece a se
manifestar, para que as tendências ao desenvolvimento comecem a desdobrar-se” ( p.
403).
Winnicott (1968/1989) enfatiza que os atos da mãe de sustentar o bebê são uma
comunicação silenciosa que se expressa no modo como a mãe olha quando se dirige à
criança, o tom e o som da voz, a forma como segura a criança em seus braços. Essa
comunicação provê ao bebê a identidade primária, que é inicialmente estabelecida e
sustentada pelo olhar materno sobre seu bebê. Este olhar instaura a subjetividade do
bebê, sendo uma construção alicerçada no amor e no desejo materno pelo filho.
Assim, a força do ego, nesse primeiro momento, depende da relação e
identificação existente entre o par mãe-bebê. É necessário frisar que a capacidade da
34
mãe de dar este suporte necessário à criança, no início do seu desenvolvimento, depende
muito do apoio que ela recebe do ambiente social que a cerca, visto que o estado de
dedicação e atenção ao bebê, no qual ela mergulha implica certa dependência e
vulnerabilidade. É-lhe difícil permanecer nesse estado, quando passa a ter que atender
diversas outras demandas do meio social, sendo que, ao dispor de algo que a sustente,
pode dedicar-se ao seu filho, identificando-se integralmente com o mesmo. Safra (1999)
descreve como a mãe suficientemente boa precisa do apoio do ambiente para exercer
uma boa maternagem:
A ‘mãe suficientemente boa’ também não existe sem os
outros. Ela não existe sem um campo sócio-cultural, que
lhe dê possibilidades de exercer funções. A boa
maternagem, assim como suas falhas, tem origem na mãe,
no pai, nos ancestrais, na situação social que a mãe se
encontra, nas características de sua cultura e de sua época
(p. 139).
A dedicação da mãe vivenciada na forma de uma identificação com o bebê é a
base da confiança que o bebê vai desenvolver no ambiente que o circunda. Essa
confiança advém da proteção silenciosa, necessária ao bebê, realizada pela mãe, em
relação aos estímulos do mundo externo, que possam ameaçar a continuidade de ser do
bebê. Quando há uma falha na provisão ambiental desta fase, acontece o
enfraquecimento do ego do bebê, a partir das reações às conseqüências destas falhas.
Winnicott (1960/1983) assim se refere a interrupção à continuidade do ser: “Tais
interrupções constituem aniquilamento, e são evidentemente associadas a sofrimentos de
qualidade e intensidade psicótica” (p. 51). Como nesta fase não existe o não-eu, os
fracassos ambientais são sentidos como ameaças à existência pessoal, e as angústias que
os acompanham são impensáveis e promovem desde sensações de queda livre,
desintegração, fragmentação, até a perda da capacidade de relação objetal. Quando não
35
chega a tais extremos temos a patologia do falso self
4
.
Winnicott (1960/1983) concebe a fase da dependência absoluta como um
processo que possibilitou ao bebê existir ao invés de mergulhar em angústias
impensáveis quando:
A adaptação da mãe é suficientemente boa e como
conseqüência o lactente começa a acreditar na realidade
externa que surge e se comporta como por mágica (por
causa da adaptação relativamente bem sucedida da mãe
aos gestos e necessidades do lactente); a mãe age de
forma a não colidir com a onipotência do lactente. Deste
modo o lactente começa gradualmente a renunciar à
onipotência. (...) O lactente pode agora gozar a ilusão do
onipotente criando e controlando, e pode então
gradativamente vir a reconhecer o elemento ilusório, o
fato de brincar e imaginar (p. 133).
No seu caminho em direção à independência, o bebê vai renunciando a sua
onipotência graças à boa adaptação da mãe às suas necessidades e entra na fase da
dependência relativa, na qual ele passa a reconhecer o outro e sua dependência desse
outro, já que inicialmente isso não era percebido. Nesta fase, a criança já se percebe
como uma unidade e já possui um senso de si-mesmo (self) integrado, diferenciado de
sua mãe. É o momento que a mãe começa a falhar, entendendo-se esse falhar como uma
desadaptação da mãe ao bebê. Winnicott (1965, citado por Davis & Wallbridge, 1982)
define a desadaptação materna nesta fase:
A desadaptação é, portanto a mesma coisa que a
introdução do princípio da realidade. O resultado não é
traumático, porque a desadaptação é graduada de acordo
4
Falso self é o termo utilizado por Winnicott (1960/1983) para definir a submissão do bebê, nos
primórdios do seu desenvolvimento ao gesto materno, quando a mãe falha repetidamente em não
satisfazer o gesto infantil. Ao contrário, ela o substitui pelo seu próprio gesto. Ao se submeter, surge o
falso self do bebê. Através desse falso self, o bebê constrói um conjunto de relacionamentos falsos que
podem chegar a parecer real, de modo que a criança cresce se tornando exatamente como aqueles que
permeiam o cenário de sua vida.
36
com as necessidades do bebê.
(...) A habilidade da mãe de
fracassar na adaptação corresponde à sua recuperação do
estado de preocupação materna primária. Ela é capaz de
voltar a uma atitude normal para com a vida e o eu (p.
128).
Com esta atitude, a mãe favorece a caminhada do bebê em direção à
independência e, ao mesmo tempo, não permite que estas falhas não sejam corrigidas a
tempo da criança se desestabilizar. A mãe falha, mas ainda é previsível e está a todo o
momento conciliando o seu sim ao mundo e a retomada do seu eu ao não que vai dando,
gradativamente, à criança, introduzindo, assim, o princípio da realidade. O que importa
neste momento é que o pai e a mãe apresentam, gradualmente, o bebê à realidade.
Winnicott (1968, citado por Davis& Wallbridge, 1982) define como esses fracassos
relativos são necessários para que a confiança do bebê na mãe continue presente e para
que se estabeleça uma comunicação de amor e confiança:
Essas falhas relativas que recebem uma correção imediata,
sem sombra de dúvida, somam-se finalmente a uma
comunicação, de forma que o bebê vem a saber algo sobre
o sucesso. (...) São os inúmeros fracassos seguidos pelo
tipo de cuidado que repara que constroem uma
comunicação de amor, do fato que existe ali um ser
humano que se preocupa (p. 130).
Tais falhas transformam-se em estresse para a criança quando acontece uma
quebra na previsibilidade, ocasionada pela demora da mãe em retornar às solicitações do
bebê, demora esta que representa um período de tempo “... que é mais extenso do que
aquele durante o qual a criança pode manter viva a imagem mental da mãe, ou pode
sentir sua presença viva no mundo imaginativo do sonho e do jogo, por vezes chamado
a realidade psíquica interior” (Winnicott, 1969/1993, p. 150). Isso gera uma não
confiabilidade no ambiente e rompe o processo de continuidade de desenvolvimento da
37
criança. “Os processos de crescimento tornam-se distorcidos porque a integridade da
criança foi quebrada” (Winnicott, 1969/1993, p. 150). Quando acontece a quebra, a
confiança da criança nos pais está profundamente abalada porque a criança está
vivenciando a (de)privação, e as raízes da tendência anti-social estão sendo plantadas.
A dependência relativa caracteriza-se como a fase em que o processo de ilusão–
desilusão acontece, o que inclui a percepção, pelo bebê, do que é interno e externo.
Configura-se, também, como o momento em que surge uma área intermediária entre
aquilo que é objetivamente percebido, baseando-se no teste da realidade, e aquilo que
advém da criatividade primária. Este espaço intermediário é uma área de
experimentação necessária para que o sujeito humano se constitua enquanto um ser
possuidor de um dentro e de um fora inter-relacionados. Tal área relaciona-se com os
fenômenos e objetos transicionais, constituindo-se em uma área neutra, onde a
experiência não será considerada em termos de algo externo ou interno, será uma área
preenchida pelos objetos transicionais que poderá, também, ser chamada espaço
potencial. É um espaço de transposição entre a realidade interna e a realidade
compartilhada, e assim o definiu Winnicott (1954/1990): “Entre o subjetivo e aquilo que
é objetivamente percebido existe uma terra de ninguém, que na infância é natural, e que
por nós é esperada e aceita” (p. 127).
Este momento configura-se como uma passagem que o bebê faz, no seu
desenvolvimento emocional, do objeto subjetivo criado por ele e sobre o qual tinha
controle absoluto, graças à presença da mãe suficientemente boa na fase da dependência
absoluta para o objeto transicional, ou do espaço subjetivo para o espaço transicional e
posteriormente para o espaço compartilhado. A passagem é auxiliada pela utilização por
parte do bebê do objeto transicional que ainda existe na área da ilusão; não é nem “eu”
38
nem “não eu”. Este objeto, para Winnicott (1967/1975), é um símbolo da união do bebê
e da mãe, mas também é um sinal da transição do lugar que a mãe ocupa, ela deixa de
“... estar fundida (na mente do bebê) com a criança para ser experimentada como um
objeto percebido em vez de concebido” (p. 135). Desta forma, o uso do objeto
transicional, objeto por excelência do espaço potencial, simboliza a união de duas coisas
que agora estão separadas, o bebê e a mãe, sendo a primeira posse não-eu que permite
ao bebê lidar com as rupturas na sua onipotência: a mãe não é ele, nem está sempre a sua
disposição, mas permanece viva em sua memória, através do uso do objeto transicional
5
,
concreto, real. Vejamos a definição, de espaço potencial, do próprio Winnicott
(1967/1975):
Refiro-me à área hipotética que existe (mas pode não
existir) entre o bebê e o objeto (mãe ou parte desta)
durante a fase do repúdio do objeto como não-eu, isto é,
ao final da fase de fusão com o objeto. De um estado de
sentir-se fundido à mãe, o bebê passa para um estágio de
separá-la do eu (self), enquanto a mãe diminui o grau de
sua adaptação às necessidades do bebê (tanto em
conseqüência de recuperar-se de um alto grau de
identificação com ele, quanto devido à sua percepção da
nova necessidade dele, a necessidade de que ela seja um
fenômeno separado) (p. 149).
No espaço potencial, área da transicionalidade que surge a partir da diferenciação
mãe-bebê, o objeto transicional é utilizado pelo bebê para ajudar nesta passagem do
estado fusional com a mãe para a experiência de ruptura e separação (passagem do dois
em um para eu/não-eu). A área de transicionalidade é o espaço da invenção no qual a
criatividade do bebê continua presente, é o espaço onde está contida toda a capacidade
5
Objeto transicional é o termo utilizado por Winnicott (1951/2000) para designar a primeira posse não-eu
que o bebê cria para si, permitindo que ele possa lidar com as rupturas na sua onipotência. O objeto
transicional, concreto e real é usado como tranqüilizador na transição do bebê de um estado em que se
encontra fundido com a mãe para um estado em que se relaciona com ela, como algo externo e separado.
39
do ser humano de simbolizar, evidenciando a permanência do viver criativo, postulado
por Winnicott (1967/1975), como a base da vida, porque o contrário da vida não é a
morte e sim a solidão de uma vida sem criatividade.
Viver é, portanto, estar habitando um espaço que nos permite mesclar nossa vida
com fantasia, mesclar nossa vida com o brincar. Mas, o viver criativo pode perder-se,
“... porque pode desaparecer o sentimento que o indivíduo tem de que a vida é real ou
significativa” Winnicott, (1962/1975, p. 101). E esse sentido se perde quando o
ambiente falha de tal forma que o espaço potencial e, conseqüentemente, a criatividade
aí gestada, esvaem-se. Perde-se, também, a capacidade de simbolização. A criança,
principalmente neste momento, perdeu de vista aquele objeto que agia como escudo e a
protegia do mundo.
O destino do objeto transicional, portanto, quando tudo corre bem no
desenvolvimento emocional do bebê, é ser esquecido, o que significa que a criança está
se encaminhando para a simbologia cultural, para utilização do espaço potencial no
sentido de contribuir com sua criatividade pessoal para a sociedade através da arte, da
religião e da própria ciência, como nos explica Winnicott (1962/1975) “Há uma
evolução direta dos fenômenos transicionais para o brincar, do brincar para o brincar
compartilhado, e deste para as experiências culturais” (p. 76).
Winnicott (1962/1975) nos traz a característica principal do objeto transicional e
dos fenômenos transicionais que é propiciar ao bebê a possibilidade de lidar com as
rupturas na sua onipotência: a mãe não está sempre à sua disposição, ela falha, separa-
se, mas o objeto transicional, concreto e real ajuda-o a mantê-la viva na memória
enquanto ela não volta.
40
Sabemos que a forma como ambiente-pais coloca-se diante deste bebê, que está
sendo, separando-se e existindo, determinará quando a falha nesta fase se inscreverá
como uma falta, que se caracteriza como uma (de)privação e, quando a falha do
ambiente permite de forma saudável, que este bebê diferencie-se do ambiente/pais e
cresça confiantemente em direção a uma vida criativa. Assim Winnicott (1962/1975)
descreve as duas possibilidades com as quais o indivíduo depara-se no eu
desenvolvimento:
Descobrimos que os indivíduos vivem criativamente e
sentem que a vida merece ser vivida ou, então, que não
podem viver criativamente e têm dúvidas sobre o valor do
viver. Essa variável nos seres humanos está diretamente
relacionada à qualidade e à quantidade das provisões
ambientais no começo ou nas fases primitivas da
experiência de vida de cada bebê (p. 102).
2.2. A falha que instaura uma falta
A mãe gratificante me mostra o Espelho,
a Imagem, e me fala: é você. Mas a mãe
muda não me diz o que sou: não tenho
mais base, flutuo, dolorosamente sem
existência.
(Roland Barthes, 1991)
Quando a criança vivencia a ausência do cuidado ambiental por um tempo maior
do que ela pode guardar na memória a lembrança de ser cuidada, o que se impõe na
memória é o sentimento de desconfiança no meio e a marca da descontinuidade.
Winnicott (1968/1989) descreve-nos como é doloroso para criança quando as coisas
caminham mal, e a forma que esta experiência fica na lembrança:
A coisa terrível é que nada é esquecido. E então a criança
sai pelo mundo sentindo falta de confiança nas coisas. (...),
pois de repente se lembram de que a continuidade de sua
vida foi perturbada e foram acionadas todas as defesas, e
elas reagiram a isso, e isso é um acontecimento muito
doloroso, algo de que elas nunca vão se libertar. E elas
41
tiveram que se haver com isso, e se isso existe no padrão
dos cuidados a elas dispensados constrói-se uma falta de
confiança no ambiente (p. 114).
Outra conseqüência da ausência prolongada da mãe na fase da dependência
relativa é a perda do significado do objeto transicional, porque este depende da presença
real da mãe para sustentar a imagem interna. Outra possibilidade é o apegar-se
patologicamente a um único objeto que substitui a mãe, uma cronificação no uso do
objeto transicional. Esse tipo de uso empobrece a pessoa porque, como nos descreve
Abadi (1998), “Não existe processo simbólico. A troca é de um objeto único por outro
objeto único; não para elaborar a perda, mas para negá-la” (p. 34). Abadi (1998)
continua esclarecendo-nos sobre as conseqüências da patologização da
transicionalidade, “O aparelho psíquico terá dificuldade em construir as representações
internas da mãe; a criança e depois o adulto terão uma tendência a buscar objetos
concretos dos quais dependerão adictivamente para aplacar o sentimento de vazio e
solidão” (p. 42).
O brincar criativo fica, então, comprometido quando o sentimento de confiança
por parte do bebê na mãe ou no ambiente que cuida é abalada. A experiência traumática
aqui refere-se à demora no retorno da mãe “O trauma implica que o bebê experimentou
uma ruptura na continuidade da vida” (Winnicott, 1967/1975, p. 135), uma quebra na
fidedignidade e na confiança em relação à existência da mãe. Desta forma, a criança
privada “... é notoriamente inquieta e incapaz de brincar, apresentando um
empobrecimento da capacidade de experiência cultural”, pois “... o fracasso da
fidedignidade ou perda do objeto significa para a criança, perda da área da brincadeira a
perda de um símbolo significativo” (Winnicott 1967/1975, p. 141).
42
Há, também, uma quebra na cadeia machucar-remendar-reparar, tendo em vista
que a mãe não está presente para dar oportunidade aos atos de reparação. A reparação só
pode acontecer quando a mãe real, que foi amada, atacada e destruída na fantasia, está
presente de forma confiável. Nesta situação de falha ambiental, o que permanece é a
destruição na fantasia, sendo que esta destrutividade vai-se ampliando até que encontre
um continente que acolha e signifique este gesto e, assim, ofereça a oportunidade de
reparação.
Dentro da concepção winnicottiana, quando o ambiente falha no cuidado e no
suporte numa fase de dependência relativa, a criança já tem maturidade para perceber
que a falha é do meio e não sua. Sendo assim, Winnicott (1967/1989) esclarece como se
caracteriza a privação vivenciada pela criança que apresenta tendência anti-social:
A tendência anti-social está inerentemente ligada à privação. Em
outras palavras, um fracasso específico é mais importante que
do que um fracasso social geral. Para a criança que é objeto de
nosso estudo, pode-se dizer que as coisas iam bem, mas, de
repente, começaram a não ir tão bem assim. Ocorre uma
modificação que altera a vida inteira da criança, e essa
modificação ambiental acontece quando a criança já tem idade
suficiente para entender as coisas (p. 72).
A mãe que, na fase da dependência absoluta pôde atender às necessidades do
bebê, posteriormente, na fase da separação gradual e de diferenciação, por algum
motivo, falha e a retirada do apoio egóico “... estendeu-se por um período maior que
aquele durante o qual a criança seria capaz de manter viva a experiência boa” Winnicott
(1956/1999, p. 140).
O meio, em algum momento, abandonou este bebê, não sobreviveu aos ataques
dele. Desapareceu a mãe que significaria o gesto reparador do bebê. Outeiral (2003)
43
resume como a falha ambiental repercute no gesto agressivo do bebê:
Ele (Winnicott) considera que se este “gesto agressivo”
não encontrar o “objeto” (ou a mãe ou um limite) que o
acolha, esta “falha ambiental” resultará, aí sim, na
agressividade se tornando cada vez mais “intensa e
destrutiva, conseqüente à frustração”, resultando em
violência. Esta compreensão é uma maneira de pensar
limite como um gesto necessário e imprescindível para
evitar a violência e ajudar a criança (e adolescente) a
integrar a agressão em seu desenvolvimento normal. (...)
Quando não encontra o outro, o sujeito tende a aumentar a
quantidade dos gestos agressivos na direção desse outro,
buscando continência para esse movimento (p. 42).
Esta afirmação amplia a compreensão de como a ausência do suporte acolhedor
vai alterando o caminho da agressividade natural. Winnicott (1939/1999) compreende
que a agressividade faz parte da vida do bebê desde os primórdios de sua existência:
“Até a criança mais novinha consegue exaurir os pais. No começo, ela os esgota sem
saber; depois, espera que eles gostem que elas os esgote; finalmente esgota-os de
cansaço quando está furiosa com eles” (p. 95). Winnicott (1939/1999) continua suas
afirmações sobre a agressividade que inclui a reparação e o controle que o ego mais
amadurecido passa a exercer sobre os impulsos agressivos:
Finalmente, toda a agressão que não é negada, e pela qual pode
ser aceita a responsabilidade pessoal, é aproveitável para dar
força ao trabalho de reparação e restituição. Por trás de todo
jogo, trabalho e arte está o remorso inconsciente pelo dano
causado na fantasia inconsciente, e um desejo inconsciente de
começar a corrigir as coisas (p. 101).
É importante destacar que os atos de reparação ocorrem no espaço potencial,
que é a área do brincar criativo, sendo este o caminho saudável da agressividade.
Contudo, a agressividade pode deslizar para a destrutividade, sendo esta destrutividade
44
uma comunicação de que algo foi perdido e uma esperança de reencontrar o ambiente
firme e acolhedor.
A tendência anti-social, compreendida por Winnicott (1956/1999) como um
sinal de esperança e um pedido de socorro através de atos, é por ele definida:
A manifestação da tendência anti-social inclui roubo, mentira,
incontinência e, de modo geral, uma conduta desordenada e
caótica. Embora cada sintoma tenha seu valor e significado
específico, o fator comum para o meu propósito de tentar
descrever a tendência anti-social é o valor de incômodo dos
sintomas (p. 142, grifos nossos).
Os atos anti-sociais, com sua característica de incomodar o meio, impelem o
ambiente a agir. Aí temos a verdadeira comunicação dos sintomas anti-sociais que na
maioria das vezes, não é compreendida – restitua-me o que foi perdido – sendo que esta
mensagem não é transmitida em palavras, mas, em atos. Os comportamentos que gritam
a falha ambiental e tentam encontrar o que foi perdido apresentam-se de muitas formas:
em apossar-se de objetos sem nenhum valor simbólico como no roubo, explodindo em
destrutividade e, de forma geral, com uma incontinência generalizada que gera o caos.
Refletindo sobre estes comportamentos, percebemos quão desesperada está a criança
anti-social que promove todo este rebuliço no ambiente. Percebemos, também, o quanto
ela anseia por uma mobilização do ambiente no sentido de restituir-lhe o que foi
perdido. Assim, “... os sintomas anti-sociais são como uma busca, às apalpadelas, por
um ambiente sadio, e são sinais de esperança. Não fracassam por serem dirigidos a um
objeto errado, mas sim porque a criança não tem consciência do que está acontecendo”
(Winnicott, 1950/1993, p. 199).
Dentro desta concepção, fica mais fácil compreender que a tendência anti-
45
social é uma “... via de solução da privação emocional” (Sá, 2001, p. 13). Winnicott
(1956/2000) explica o que a criança busca quando rouba e destrói “A criança que rouba
um objeto não está em busca do objeto roubado, mas da mãe sobre a qual ela tem
direitos” (p. 411). No roubo, dentro do entendimento winnicottiano, há a procura de algo
em algum lugar, por parte da criança – o que importa não é o objeto que é roubado e sim
o que esta criança procura quando rouba. Ao roubar, a criança procura o amor, mas é
impotente para consegui-lo. Busca o objeto primordial de amor, que ficou com a
existência registrada no seu mundo interno. Mas, a criança não procura só o amor da
mãe, ela busca, também, com sua destrutividade a “... estabilidade ambiental que suporte
o embate dos atos com o meio” (Vilhena, 2002, p. 44). Ela está procurando um quadro
de referência confiável que dê continência à sua excitação, pois os estágios iniciais do
desenvolvimento estão repletos de conflitos. Isto é a função paterna por excelência “A
função paterna em Winnicott é ser o ambiente indestrutível, aquele que sustenta a mãe e
o bebê” (Vilhena, 2002, p. 44). A destrutividade, então, estaria relacionada à relação
com o pai. O que a criança busca são os limites, ou seja, o limite dos braços que a
contenham em seus impulsos agressivos dirigidos ao ambiente. Ela está esperando “...
daquele grau de força estrutural a organização e reabilitação que se torna essencial para
a criança se tornar capaz de descansar, relaxar, desintegrar-se, sentir-se segura (o que se
manifesta pela destruição que provoca forte reação de controle)” (Winnicott 1963/1983,
p. 188).
Marcelli (1998), ao abordar a origem psicológica e significação psicopatológica
do furto, traz uma afirmação que é compatível com a visão winnicottiana da privação
emocional, presente na origem do comportamento compulsivo de roubar:
A reivindicação em relação ao objeto, que evidentemente
46
implica a conduta do furto, foi percebida pela quase
totalidade dos autores: as noções de carência afetiva, de
abandono intrafamiliar ou real, de separação dos pais, de
extremo rigor ou de renúncia educativa total acompanham
todas as descrições da criança ladra (p. 40).
É importante destacar que o roubo e a destruição da criança anti-social, que
são um apelo para ser cuidada, não são atos voluntários ou pensados racionalmente, ou
seja, essas crianças que gritam, destroem, roubam objetos na escola, tiram moedas na
bolsa dos pais, não sabem por que motivo agem assim. Sendo assim, não adianta fazer
perguntas, porque elas não sabem as respostas, elas inventam as respostas, desta forma,
tornam-se mentirosas. Segundo o próprio Winnicott (1965/1985):
Uma criança não pode dar a razão real, porque a ignora e o
resultado poderá ser que, em vez de sentir uma culpa
quase insuportável, em conseqüência de ser mal
compreendida e censurada, sua pessoa se divida em duas
partes, uma terrivelmente severa e outra possuída por
impulsos maléficos. A criança, então, deixa de sentir-se
culpada, mas em vez disso, transforma-se no que as
pessoas chamarão de mentirosa (pp. 187-188).
A ignorância da razão real que motivou a criança ao roubo e à destrutividade
se deve ao fato do significado original do fracasso ambiental ter ficado congelado na sua
história, como um enigma a ser decifrado. Quando é permitido que a criança alcance o
momento do desapossamento original, descongela-se a situação anteriormente existente
e a criança pode falar por ela mesma. Desaparece a linguagem através dos atos, acaba a
dissociação da realidade vivida por estas crianças.
Para Winnicott (1946/1999), existe uma gradação entre a tendência anti-
social e a delinqüência, assim como há uma gradação entre a agressividade normal e a
destrutividade. O delinqüente difere da criança com tendência anti-social porque na
47
delinqüência já haveria defesas constituídas com ganhos secundários, que dificultariam
para o jovem entrar em contato com seu desilusionamento inicial. Na tendência anti-
social, a criança reclama seus direitos perdidos: a família pode reparar esta perda e a
criança pode reencontrar o caminho construtivo. Na delinqüência, há um reclame pela
dívida que o ambiente tem para com ele, contudo, existe um nível muito maior de
desespero e solidão e as dificuldades de recuperação são tremendas, conforme Winnicott
(1963/1983):
Os exemplos mais sérios de desapontar a criança (falha do
ego auxiliar), contudo, dão à criança uma tendência anti-
social e levam ao distúrbio de caráter e à delinqüência.
Quando as defesas se tornaram enrijecidas e a desilusão é
completa, a criança que foi afetada deste modo está
destinada a ser um psicopata, especializada em violência,
roubo, ou em ambos; e a perícia que vai em um ato anti-
social provê um ganho secundário, resultando que a
criança perde o impulso de se tornar normal (p. 204).
Desta forma, a agressividade, que era motilidade e gesto espontâneo,
transformou-se em agressividade com intencionalidade e em destrutividade por falta de
acolhimento. Tendo em vista que esta criança procurou o limite para seu gesto agressivo
e não encontrou no corpo da mãe nem em seus braços, nem no relacionamento dos pais,
nem no lar, nem na escola, muitas vezes, só encontra o limite, nas grades de uma prisão.
Neste caso, estaria apelando com seu grito de socorro para as estruturas mais vastas da
sociedade, que seriam as leis do país.
Winnicott (1967/1989), também, nos fala como a estrutura egóica da criança é
abalada, seriamente, quando a privação acontece: estabelece-se um stress insuportável, e
o sofrimento relativo à privação manifesta-se através de “... um estado de confusão, de
desintegração da personalidade, um cair para sempre, uma perda de contato com o
48
corpo, uma desorientação completa e outros estados dessa natureza” (p. 77). Este
sofrimento leva à paralisação do processo de maturação do indivíduo e ele passa a
funcionar utilizando padrões mais regredidos de defesa egóica. Winnicott (1950/1999)
afirma:
O ódio é reprimido ou perde-se a capacidade para amar
pessoas. Instalam-se outras organizações defensivas na
personalidade da criança. (...) É muito mais comum do que
se pensa ocorrer uma cisão na personalidade. Na forma
mais simples de cisão, a criança apresenta uma vitrine, ou
uma metade voltada para fora, construída com base em
submissão e complacência, ao passo que a parte principal
do eu, contendo toda a espontaneidade, é mantida em
segredo (p. 199).
No início, a criança não evidencia o caos interno no qual mergulhou. Pelo
contrário, mantém–se numa posição neutra que, para os adultos, parece normal e sem
riscos. Ela passará a maior parte do tempo sentindo-se sem esperança, deprimida ou
dissociada. Contudo, em algum momento tentará reencontrar o objeto perdido e buscará
no ambiente a segurança, a continência e os limites para sua destrutividade. Neste
momento de esperança, surgirá o comportamento anti-social de roubo, através do qual
procura, obsessivamente, o objeto de amor perdido em objetos substitutivos sem
nenhum valor simbólico, estabelecendo-se, assim, o comportamento compulsivo, sem
significado e sem propiciar a satisfação de encontrar o amor primordial. Surgirá,
também, a explosão destrutiva (crimes contra a vida, contra a integridade física e moral,
atos de vandalismo), na qual busca a força e solidez ambiental que a contenha.
Winnicott (1963/1983) aponta os dois tipos de fardos que o indivíduo que apresenta
tendência anti-social carrega ao longo da sua vida:
Um deles, naturalmente, é a carga crescente de um
processo de maturação perturbado e em certos aspectos
49
detido ou adiado. O outro é a esperança, uma esperança
que nunca se extingue completamente, de que o meio tome
conhecimento e o compense pela falha específica que
acarretou o dano. Na vasta maioria dos casos, os pais, a
família ou os responsáveis pela criança reconhecem o fato
da decepção (freqüentemente inarredável) e através de um
período de manejo especial, mimando ou o que poderia ser
denominado de amamentar mental, tentam conduzir a
criança para uma recuperação do trauma (p. 188).
Mas, se o ambiente não corrige suas falhas,
A criança prossegue com certas deficiências, ocupando-se
de organizar-se para viver uma vida a despeito da
detenção emocional e, ficar constantemente sujeita a
momentos de esperança em que pareça possível forçar o
ambiente a efetuar a cura (daí a atuação[acting out]) (p.
188).
Sendo assim, a tendência anti-social como conseqüência da falha ambiental
provoca a distorção da personalidade e impulsiona o indivíduo a buscar a reparação da
falha numa nova provisão ambiental. Para Winnicott (1956/1999), ela não é um
diagnóstico, podendo ser encontrada tanto em indivíduos neuróticos ou psicóticos. A
tendência anti-social impele o ambiente a agir, a tornar-se importante, e esta ação do
ambiente, necessariamente, teria que ser não punitiva e sim restitutiva, isto é, o ambiente
restituiria à criança desapossada, o suporte acolhedor perdido.
A falha que instaura uma falta e desorganiza emocionalmente a criança,
estabelece-se através de trauma cumulativo que, segundo Khan (1963/1984), instala-se
na vida criança silenciosamente e sutilmente:
O trauma cumulativo resulta das fendas observadas no
papel da mãe como escudo protetor durante todo o curso
do desenvolvimento da criança, desde a infância até à
adolescência – isto é, em todas as áreas de experiência
onde a criança precisa da mãe como ego auxiliar para
sustentar suas funções do ego, ainda imaturas e instáveis.
50
(...) tais fendas observadas no papel da mãe como escudo
protetor só adquirem valor de trauma cumulativamente e
retrospectivamente (pp. 62-63).
Assim, as falhas, que são traumas, acontecem de forma gradual e não somente
uma vez, são falhas pequenas que desilusionam o bebê e a criança quanto à constância
do meio que os suprem, gerando, desta forma, condutas anti-sociais como um dos tipos
de resposta a eles.
Winnicott (1967/1994) faz uma descrição detalhada de como ele o caminho
da tendência anti-social até a delinqüência, em um depoimento dele no final da sua vida,
em que ele reavalia todo o seu trabalho:
Acho que foi uma contribuição muito importante, desde
meu ponto de partida em que subitamente, em uma
palestra, descobri-me dizendo que o ato anti-social
delinqüente pertence ao momento de esperança. De
maneira que então tive de inventar a expressão
“tendência anti-social”, para reuni-la com a criança que
furta um tostão do bolso de alguém ou que tira alguns
bolinhos, a que tem perfeito direito na despensa. Quis
unir isso com as tendências que podem conduzir à
delinqüência. Nesta última, que não significa nada
definido, os lucros secundários se tornaram mais
importantes que a causa original que se perdeu. Meu
material clínico, porém, trouxe-me ao fato de que o que
existe por trás da tendência anti-social em qualquer
família normal ou não, é a privação, e o resultado da
privação é a calmaria, a desesperança, a depressão de
algum tipo, ou qualquer outra defesa de vulto. Mas, à
medida que a esperança começa a aparecer, então a
criança estende a mão para ela, tentando recuperar por
sobre a área de privação, o objeto perdido. Trata-se de
algo importante, e a vida foi diferente para mim após
isso, porque agora sabia o que fazer com os meus
amigos que me estavam trazendo suas crianças por estas
apresentarem uma tendência anti-social em um lar
perfeitamente bom. Descobri que antes de os lucros
secundários aparecerem, isto não é algo difícil de tratar,
ainda que não em todos os casos (p. 439, grifos nossos).
51
A descrição que Winnicott faz da criança anti-social, que fica difícil e que
incomoda, é de alguém que não ameaça o ambiente. O meio, (de)privador, é que foi
ofensivo e causador do ciclo de perdas e dores. Esta criança está apenas buscando o que
lhe falta, busca superar o vazio que se origina da dissolução da continuidade da provisão
ambiental.
Bowlby (1967/1997) nos estudos que realizou referentes às conseqüências da
ruptura dos vínculos afetivos na infância, apresenta resultados que convergem em
relação aos estudos de Winnicott, quanto ao fato de que a privação dos cuidados
maternos e/ou parentais podem acarretar o desenvolvimento de comportamentos anti-
sociais. Bowlby (1967/1997) aponta que os indivíduos com comportamento delinqüente
apresentam maior incidência de perdas afetivas na infância, em relação à população em
geral e em relação às pessoas que apresentam quadros psiquiátricos graves – psicopatia e
tendências suicidas – e vivenciaram perdas afetivas permanentes, entre os primeiros
anos de vida e os quatorze anos de idade. Tais perdas estão associadas, na maioria dos
casos, a uma deterioração familiar geral.
Podemos nos perguntar: Que medidas práticas podem ser empreendidas para
ajudar estas crianças anti-sociais, nas quais o ato de roubar e o ato de destruir ocupam o
lugar do desilusionamento da criança em relação ao meio?
2.3. O ambiente e o cuidado da criança anti-social: a visão winnicottiana
Winnicott (1968/1989), no artigo “O aprendizado infantil”, caracteriza a criança
deprivada como aquela que não teve uma sustentação que propiciasse o
52
desenvolvimento de uma confiança no ambiente, desta forma, o tratamento para ela
adviria do “... amor, amor em termos do segurar e manuseio” (p. 115). Ele adverte,
porém, que a criança vai testar esse amor, vai ver se as pessoas agüentam sua
destrutividade ligada ao amor primitivo e, se o cuidador sobreviver a tudo isso, será
amado por ter sobrevivido. Contudo, quem cuida, terá, que suportar, primeiro, a
explosão de agressividade, pois a criança anti-social desenvolveu um sentimento de
desconfiança básica diante do outro, age como se os outros seres humanos tivessem
deixado de ser confiáveis, após terem-na feito acreditar que eles o seriam.
Na verdade, a criança anti-social, está buscando o amor da mãe, mas também do
pai severo e forte que a contenha. Winnicott (1946/1999) explicando como a provisão
ambiental deveria ser fornecida, afirma “
... pode-se oferecer-lhes um ambiente estável e
forte, com assistência e amor pessoais, e doses crescentes de liberdade” (p. 133). Ele
comenta, também, que o cuidado com esta criança com sintomas anti-sociais vai ficando
cada vez mais difícil, na medida em que ela evolui para a delinqüência: “Na
delinqüência plenamente desenvolvida, a situação fica difícil para nós como
observadores porque o que nos chama a atenção é a necessidade aguda que a criança tem
de um pai rigoroso, severo.
(...) O pai rigoroso que a criança evoca também pode ser
amoroso, mas deve ser, antes de tudo, severo e forte” (Winnicott, 1946/1999, p. 131).
A conjugação de amor e força, força esta representada pela necessidade que
essas crianças têm de alguém que dê continência a seu comportamento impulsivo, é a
proposta da concepção winnicottiana para cuidar das crianças e jovens anti-sociais.
Sabemos, contudo, que um ataque de agressividade também traz uma reação do meio a
esse gesto anti-social. E o que vemos, como norma, é a aplicação de punições à criança
que rouba, que grita, que destrói, ao mesmo tempo em que os crimes dos delinqüentes
53
despertam, na sociedade, um desejo de vingança. Em “Comentários sobre o Report of
The Committee on Punishment in Prisions and Borstals”, Winnicott (1961/1999) refere-
se à punição para as crianças anti-sociais. Neste artigo, ressalta o quanto ele como
psicanalista, está propenso a encarar “cada delinqüente como uma pessoa doente e
sofrida, embora seu sofrimento nem sempre seja evidente” (p. 229). E afirma que, a
punição pura e simples não vai resolver o problema da delinqüência porque o jovem e a
criança anti-social, com o distúrbio que apresentam, não está em condições de extrair
benefício da punição. Winnicott (1961/1999), falando sobre a punição:
A punição só tem valor quando traz à vida uma figura
paterna forte, amada e confiável, para um indivíduo que
perdeu exatamente isso. Pode-se afirmar que toda e
qualquer outra punição consiste simplesmente numa
expressão cega da vingança inconsciente da sociedade
(p. 236).
Winnicott (1961/1999) enfatiza, ao falar da questão da disciplina, que a criança
anti-social e o delinqüente não obtêm resultado da disciplina tipo nazista, com a qual se
consegue manter a ordem, a limpeza e a tranqüilidade a partir da humilhação e da
opressão. Para ele, a criança anti-social precisa de limites rígidos e severos, mas,
acompanhado do surgimento do pai amoroso, mesmo que severo, senão a imposição da
moral e das normas será entendida como um insulto ao self dessa criança. Este autor
afirma que os indivíduos, que serão os futuros jovens e adultos anti-sociais e
delinqüentes, tiveram sua estrutura egóica tão abalada pela (de)privação que carregam
um grande medo no percurso de sua existência e este medo é o medo da loucura “que
está sempre presente e que a disposição anti-social constitui, em seu todo, uma defesa
complexa contra delírios e manias de perseguição, alucinações e uma desintegração sem
esperança de recuperação” (Winnicott, 1961/1999, p. 232).
54
Sendo assim, quando não é eficaz a busca que esta criança implementa, do
acolhimento amoroso da mãe e pelo pai, no limite dos braços que a contenham em seus
impulsos agressivos dirigidos ao ambiente, isso a leva a se tornar cada vez mais “inibida
no amor e, por conseqüência, cada vez mais deprimida e despersonalizada, acabando
finalmente, por ser incapaz de sentir a realidade das coisas, exceto a realidade da
violência”. (Winnicott, 1946/1999, p. 131).
Winnicott (1946/1999) não grandes possibilidades de recuperação para o
jovem delinqüente, que já usufrui dos ganhos secundários de seus atos, mas acredita e
enxerga saídas para a tendência anti-social. Para ele, a ajuda deve vir cedo para essas
crianças, em forma de um ambiente estável, senão essas crianças “... nos obrigarão mais
tarde a fornecer-lhes estabilidade sob a forma de um reformatório ou, como último
recurso, das quatro paredes de uma cela de prisão” ( p. 133).
Dentro dessa visão do comprometimento da sociedade com o cuidado com
crianças e jovens que apresentam tendência anti-social, podemos nos reportar à
Constituição Federal de 1988, que no artigo 227 afirma que a criança e o adolescente
são absoluta prioridade nacional e responsabilidade da família do Estado e da
sociedade e ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que ao conceber que
crianças e adolescentes são sujeitos de direitos, redirecionou as atribuições do Estado, o
papel da família e da sociedade em relação a eles. Nesta perspectiva, o ECA, no seu
artigo 4º, estabelece:
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à
criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o
direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao
lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade, à convivência familiar e
comunitária, além de deixá-los a salvo de toda forma de
negligência, discriminação, exploração, violência,
55
crueldade e opressão (Brasil, 1990).
Neste contexto, a proposta do ECA (Brasil, 1990), que afirma que a sociedade,
além da família, também é responsável pelo cuidado com a criança e o adolescente, é
compatível com a concepção winnicottiana que propõe para a criança anti-social um
ambiente estável e forte para cuidá-la, enfatizando que a psicoterapia só poderá ter
êxito, com a presença do cuidado de um ambiente que associe estabilidade, amor e doses
crescentes de liberdade.
Assis & Constantino (2001) confirmando esta concepção da necessidade do
envolvimento da sociedade na recuperação e prevenção da delinqüência juvenil afirma:
O enfrentamento da questão da delinqüência juvenil em todo
mundo tem resultado que essa realidade só é transformada se
a responsabilidade não for atribuída apenas à unidade familiar
– que, provavelmente, se mostra fragilizada e debilitada para
encontrar e encaminhar soluções positivas (p. 66).
Assis & Constantino (2001) defendem a idéia de que a comunidade e as
instituições devem trabalhar conjuntamente, desenvolvendo programas não-prisionais de
prevenção e reintegração da criança e jovem infrator, providenciando supervisão,
cuidados e os tratamentos necessários para eles. Esta ação nunca deve ser solitária e
isolada e deve envolver os cidadãos e o Estado.
A partir da compreensão winnicottiana da tendência anti-social como sinal de esperança,
explicitaremos a seguir, como o comportamento anti-social pode implicar em resiliência.
56
3 A RESILIÊNCIA NA CRIANÇA ANTI-SOCIAL
Sabemos que não há uma existência humana plenamente feliz e completamente
protegida das incertezas da vida. Sabemos, também, que algumas pessoas diante das
vicissitudes da vida partem-se, quebram-se, mergulham na insanidade e perdem de vista
a possibilidade de uma vida construtiva, integrada e produtiva. Conhecemos, também,
aquelas que resistem, sobrevivem ao caos, buscam com esperança o reequilíbrio e o
alcançam através de comportamentos adaptativos e adequados. O apelo da tendência
anti-social evidencia uma capacidade que certas crianças têm de lidar com os infortúnios
da vida, provocados pela falha ambiental sem psicotizar, deprimir nem suicidar-se.
Acreditamos que há resiliência nestas crianças que gritam com seus atos, sua esperança
de reencontrar a sustentação ambiental e com isto reencontrar o caminho do
desenvolvimento emocional saudável.
Cyrulnik (2004), no livro “Os patinhos feios”, apresenta metaforicamente o
conceito de resiliência:
A resiliência é a arte de navegar nas torrentes. Um trauma
empurrou o sujeito em uma direção que ele gostaria de não
tomar. Mas, uma vez que caiu numa correnteza que o faz rolar
e o carrega para uma cascata de ferimentos, o resiliente deve
apelar aos recursos internos impregnados em sua memória,
deve brigar para não se deixar arrastar pela inclinação natural
dos traumatismos que o fazem navegar aos trambolhões, de
57
golpe em golpe, até o momento em que uma mão estendida
lhe ofereça um recurso externo, uma relação afetiva, uma
instituição social ou cultural que lhe permita a superação (p.
207).
Nesta definição, constatamos que a resiliência está relacionada aos recursos
individuais, a partir de uma experiência inicial de vida que deu a criança algum apego
seguro, mas, também, refere-se ao apoio social que, posteriormente, estende a mão,
agindo assim, como tutor da resiliência. Na tendência anti-social, os traumas
cumulativos que resultaram na (de)privação, empurraram a criança numa correnteza de
desamparo e ódio. Mas, o fato da criança ter na memória afetiva o registro de um bom
cuidado inicial, permite a ela buscar uma mão estendida que lhe dê a sustentação
emocional perdida. Assim, a provisão ambiental torna-se tutor da resiliência para a
criança anti-social e esta, também, é resiliente, à medida que mantém a busca, a
capacidade de amar e a esperança de encontrar o que foi perdido. Alvarez (1999)
também define resiliência como resultado de parcerias do meio ambiente para viabilizar
ajuda a quem sofre, entende que “resiliência é uma dança bem sucedida na música da
vida. Não uma dança com bailarinos solitários: ela pede parcerias, empatia, encontros.
Ela fala de amor” (p. 115).
um consenso entre os teóricos de que a resiliência não pode ser confundida
com invulnerabilidade, porque não se trata de uma resistência absoluta às adversidades,
nem de uma característica individual que está a serviço de uma força mágica e estática.
Na resiliência o ambiente está implicado, como desenvolveu Flach (1991), ao discutir a
idéia de ambientes facilitadores de resiliência, os quais apresentam como características:
estruturas coerentes e flexíveis; respeito; reconhecimento; limites de comportamento
definidos e realistas; comunicação aberta; tolerância aos conflitos; sentido de
58
comunidade. Tal perspectiva confirma o pensamento de Cyrulnik (2004), que enfatiza a
importância do apoio social e cultural na promoção da resiliência, bem como amplia a
discussão do papel das instituições que acolhem jovens e crianças abandonados. Estas
instituições têm tratado as crianças como objetos e não como alguém portador de
sentimentos e sofrimentos, sendo este quadro mais desolador quando se trata de
instituições que lidam com crianças e jovens delinqüentes. Contudo, quando existe a
possibilidade, nestas instituições, de a criança obter suporte emocional nos vínculos que
se estabelecem, amplia-se a possibilidade de favorecer a resiliência. Alexandre & Vieira
(2004) estudando a relação de apego entre crianças institucionalizadas que vivem em
situação de abrigo, constataram que as crianças, na falta de um adulto significativo,
desenvolviam uma relação de apego com irmãos e pares, caracterizado pela ênfase no
contato físico e busca constante pela presença do outro e, a partir desta rede de apoio
social e afetivo, as crianças mostravam-se resilientes.
Pensamos que, se a resiliência não for sustentada pelo meio, pode se perder
como potencial de sobrevivência e capacidade para retomar o curso da existência, tendo
em vista a fadiga de quem está buscando e precisando do apoio ambiental. Celia (1997)
descrevendo o conceito de resiliência vindo da física, afirma que todo material tem uma
plasticidade/elasticidade, mas se for a ele impingidas pressões, muitas vezes, este
mesmo material, antes capaz de suportar mudanças, entra em fadiga por estar no limite
da resiliência e rompe-se.
Yunes & Szymanski (2001), por sua vez, define resiliência como a habilidade
do indivíduo de voltar para o seu usual estado de saúde ou de espírito depois de passar
por doenças, dificuldades, etc. A segunda definição é a habilidade de uma substância de
retornar à sua forma original quando a pressão é removida: flexibilidade. Esta última,
59
remete ao conceito original da resiliência atribuída à física, que busca investigar até que
ponto um material sofre impacto e não se deforma. No conceito de resiliência vemos
como está envolvida a plasticidade dos materiais e do ser humano, sendo que esta
plasticidade não é infinita, podendo acontecer a fadiga e o rompimento do material
(física) e a perda por parte do indivíduo da esperança e de uma expectativa de uma vida
saudável.
Cyrulnik (2004), ainda reforçando a idéia da resiliência ser desenvolvida com
apoio ambiental, afirma: “o processo de resiliência permite a uma criança ferida
transformar seu ferimento em reorganizador do eu, sob a condição de que à sua volta
haja uma relação que lhe permita realizar uma metamorfose” (p. 202, grifos nossos).
Fica claro aqui que, no processo de resiliência estão mesclados recursos individuais e
ambientais. A pesquisa desenvolvida por Santos & Bastos (2002), numa instituição para
adolescentes em situação de risco social e pessoal, tendo como foco a análise das
interações entre eles e os educadores da instituição, cujo trabalho consistia em reforço
escolar e formação de cidadania, confirma o valor da construção de uma nova rede
vincular, que promove a resiliência. A pesquisa aponta o seguinte resultado:
O espaço institucional se constituiu como um novo
contexto desenvolvimental, organizando suas rotinas,
oferecendo-lhes novos modelos de socialização, enfim,
possibilitando aos adolescentes experimentarem
trajetórias de vida alternativas às que foram construídas
sob condições pouco favoráveis, em espaços limites
(famílias, comunidades e a rua) (p. 49).
As pesquisadoras também constataram que, nesta instituição, o educador é uma
figura central na rotina dos adolescentes, sendo bastante responsivo à demanda de
cuidado e afeto deles. Desta forma, a instituição revestia-se de uma natureza quase
60
substituta da família, e esta experiência favoreceu a ressignificação da trajetória de vida
dos adolescentes.
Garcia & Maia (2004), articulando o pensamento winnicotiano sobre tendência
anti-social e a capacidade resiliente, afirmam:
Essa idéia de algo ainda estar lá, mesmo que escondido,
nos faz articular a resiliência ou a capacidade resiliente
à questão da potencialidade de sobrevivência de uma
criança através da tendência anti-social, que para
Winnicott é um sinal de esperança no descabimento
exacerbado, às vezes, de um ato de destruição (p. 22).
As crianças que vivenciam situações de risco em seu ambiente e desenvolvem
distúrbios de conduta, ainda têm esperança, ainda percebem, de alguma maneira, o
mundo de forma criativa. Elas continuam a poder se expressar, mesmo o fazendo através
do gesto agressivo como a única maneira de se comunicar com o meio. Winnicott
(1962/1975), em seu artigo “A criatividade e suas origens”, postula a capacidade
resiliente do ser humano, denominando de esperança, e relaciona a resiliência à
capacidade de manutenção da criatividade primária:
Mas se tomamos conhecimento de indivíduos dominados no
lar, prisioneiros, ou mortos em campos de concentração, ou
vítima de perseguição de um regime político cruel, supomos,
antes de mais nada que somente algumas dessas vítimas
permaneceram criativas. Estas naturalmente, são aquelas que
sofrem. Parece, a princípio, que todos os outros que existem
(e não vivem) nessas comunidades patológicas abandonaram
a esperança, deixaram de sofrer e perderam a característica
que os torna seres humanos, de modo a não mais perceberem
o mundo de maneira criativa (p. 99, grifos nossos).
A esperança é uma marca da criança que apresenta tendência anti-social, é a sua
resiliência, é o sinal de que no seu mundo interno não existem, apenas, dor e ódio, há
61
espaço para o amor: para sentir o amor e receber o amor, o cuidado e a sustentação. Seu
comportamento impele o ambiente a agir, a restituir uma sustentação que foi retirada. O
sofrimento também está presente nesta criança, significando que ela pode ser capaz de
lidar com ele e ultrapassá-lo, recuperar-se dos traumas sofridos e segurar a mão de quem
lhe oferece ajuda. Já no delinqüente, a capacidade se sentir as coisas está mais
petrificada, congelada, conseqüentemente, a capacidade de recuperação é limitada, e a
possibilidade de recusa ao apoio ambiental é mais freqüente.
Considerando que a ausência da sustentação emocional do bebê na família está
implicada no surgimento da tendência anti-social, discutiremos a seguir, a importância
das funções parentais na vida dessas crianças, delineando qual era e qual é hoje o papel
sócio-psíquico dos pais.
62
4 AS FUNÇÕES PARENTAIS NA CONTEMPORANEIDADE
4.1 Um pouco de história
Refletir sobre a tendência anti-social na contemporaneidade é partir das
seguintes indagações: O que é infância hoje? Qual é hoje o papel sócio-psíquico dos
pais?
O século XVIII inventou a infância. Ariès (1975), em trabalho que discute o
desenvolvimento do sentimento de infância na Europa, sugere que seu aparecimento se
relaciona às transformações pelas quais a família medieval teria passado até adquirir as
características identificadas na modernidade. Na Idade Média, não havia lugar para a
infância, a criança não era tida em conta e, logo que prescindia dos cuidados maternos,
diluía-se entre os adultos. Costa (1999), falando sobre o papel social da criança nessa
época, afirma “a família colonial ignorava-a ou subestimava-a (...)” e assim “... nem
sempre o neném foi ‘majestade’ na família, pois muito tempo seu trono foi ocupado pelo
pai” (p. 55).
A partir do século XVIII, o foco passa da autoridade paterna para o amor
materno. Alteraram-se as relações marido-esposa, pais e filhos, proliferou o sentido de
infância, que corresponde à consciência da particularidade infantil que distingue a
63
criança do adulto.
Na modernidade, existia a infância, havia uma preocupação, segundo Donzelot
(1986), em conservar a criança, com a introdução da medicina doméstica, da disciplina,
da vigilância e minucioso controle. Exaltou-se o amor materno, e o papel paterno passou
a experimentar um declínio no seu valor. Segundo Ariès (1975), a partir do século
XVIII, “Tudo o que se referia às crianças e à família tornara-se um assunto sério e digno
de atenção. Não apenas o futuro da criança, mas também sua simples presença e
existência eram dignas de preocupação – a criança havia assumido um lugar central
dentro da família” (p. 164). Contudo, era um lugar da imprudência, imperfeição e
irreflexão. Desta forma, o educador, o religioso e o médico deveriam moldá-la e adequá-
la aos costumes vigentes na época.
O discurso do especialista oferecia novos padrões de atitudes, assumindo o
poder da autoridade paterna. Nas classes populares, a ausência paterna e o
descumprimento de suas funções foram progressivamente assumidos pelo Estado através
de suas instituições.
O que mudou na transição da modernidade para a contemporaneidade? Existe
ainda uma infância? Qual a função dos pais na contemporaneidade? Quem são essas
crianças e esses adolescentes cada vez mais adultizados? Hoje em dia, a infância e a
criança habitam um outro lugar, qual é este lugar? Postman (1999) sustenta que, na
sociedade americana, a linha divisória entre a infância e a idade adulta está
desaparecendo rapidamente. As considerações de Postman podem ser estendidas mais
amplamente às culturas ocidentais contemporâneas, pois identificamos em nosso
contexto social os mesmos sinais que o autor apreendeu na sociedade americana, como
por exemplo: crianças vestem-se como adultos, as brincadeiras modificam-se
64
(principalmente no tocante às brincadeiras de rua nos grandes centros), há um aumento
de crimes envolvendo menores, a rotina da criança vem se transformando, ou seja, pais
de classe média preocupam-se com a inserção dos seus filhos no mercado de trabalho e
os introduzem, cada vez mais cedo, numa rotina repleta de cursos como inglês,
informática e outros.
As crianças das classes sociais menos favorecidas, também, tornam-se adultas
mais cedo: assumem a responsabilidade pelo sustento da casa (ainda crianças),
realizando atividades remuneradas pelas ruas ou pela prática de atividades ilícitas, como
no envolvimento com o tráfico de drogas, que atualmente apresenta-se como uma
“atraente” oferta de trabalho. Elas perdem o lugar de criança, tornam-se parceiros dos
pais, perdem a possibilidade de viver a irresponsabilidade da infância, sob o olhar
cuidadoso de um adulto que as orientem e as protejam dos perigos da vida. O
desamparo de quem muito cedo já precisa ser parceiro dos pais no sustento da família,
trabalhando no tráfico, é descrito por Athayde & Bill (2006), numa entrevista com uma
dessas crianças:
Minha família sabe. Minha coroa pede para eu sair dessa
vida, mas, tipo assim, se eu sair, como é que vai ficar?
Quem vai me manter? Quem vai colocar comida dentro de
casa? Quem vai pagar aluguel? Roupa pro meu irmão?
Não tem como, só minha mãe sozinha não dá (p. 141).
A vida familiar também modificou-se. O tempo compartilhado entre pais e
filhos é, cada vez mais, escasso: trabalha-se a cada dia mais para o aumento do poder
aquisitivo, pais chegam tarde em casa, crianças atarefadas, refeições solitárias ou feitas
fora do lar. A família reúne-se cada vez menos para conversar sobre o cotidiano. Os
papeis parentais modificaram-se, a infância tem reduzido seu espaço e tempo – tem
65
adolescido mais cedo – o adulto adolescenticado tem fugido de suas responsabilidades,
a ambigüidade e/ou o não lugar do adulto e da criança trazem repercussões na forma
como os pais sustentam emocionalmente seus filhos, como, também, traz conseqüências
sérias à constituição desse sujeito que é a criança. Assim nos fala Vilhena (1998), sobre
os pais da pós-modernidade:
Amamos nossas crianças como imagens de nossa própria
felicidade. Esperamos delas que realizem o nosso projeto
Queremos ser amigos, pares, iguais – e talvez por isso não
consigamos mais estabelecer nenhum tipo de regra e
autoridade. Toda autoridade passa a ser vivida como
autoritarismo, como uma ameaça a esta felicidade desejada
a este amor tão propalado (p. 72).
Os pais das crianças de baixa renda, também, estão vulneráveis no exercício do
papel parental, mostram-se fragilizados pelo desemprego, consumo de drogas e pela
exclusão social em que vivem. Desta forma, é comum a negligência, o abandono e a
violência na relação com suas crianças. Assim, Assis & Constantino (2001), ao
descrever a realidade familiar e social das jovens em conflito com a lei, afirma:
A situação de maior vulnerabilidade das jovens em conflito com
a lei ficou explícita pela exclusão social a que muitas estão
submetidas; pela negligência e o abandono da família, da
escola, da comunidade e da sociedade em geral; pela
dificuldade no estabelecimento de limites, decorrente da
transformação dos valores morais que vem atingindo as famílias
e o conjunto da sociedade (...) Este estudo demonstrou a
importância das instituições socializadoras na formação da
criança e os efeitos do fracasso da família e da escola (p. 259,
grifos nossos).
A família está inserida num contexto social e histórico, ela é determinada por ele
e modifica suas relações a partir da influência que recebe do macrocosmo social.
Bauman (1999) descreve as características da modernidade e da pós-modernidade: na
66
primeira cunharam-se verdades absolutas, certezas dogmáticas, tinha-se a sensação de
dominar a natureza. Desta forma, a certeza de como agir era parte inerente desse
contexto. Na pós–modernidade permeiam a ambigüidade e ambivalência, instaura-se a
idéia do líquido, do maleável e do individual.
O individualismo presente na sociedade pós-moderna, associado à rejeição à
tradição, em que cada um pressupõe o que é melhor para si, na qual o “respeitar o outro”
é abandoná-lo às suas próprias fantasias, marca uma era de grande desamparo.
Desamparo pela falta de referências, de vínculos solidários, aumento da onipotência e
redução dos laços sociais. Bauman (2001, p. 14) refere-se à fluidez da sociedade como:
“padrões, códigos e regras a que podíamos nos conformar, que podíamos selecionar
como pontos estáveis de orientação e pelos quais podíamos nos deixar depois guiar,
estão cada vez mais em falta”, e assim a individualização do viver passa a ser a marca
dessa nossa cultura e época.
Articulado ao pensamento baumaniano da fluidez e perda de substância da
contemporaneidade com o pensamento de Marin (2002), que aponta as conseqüências
do distanciamento da tradição e da perda de referências norteadoras para os jovens, tem-
se que:
Dito de outra forma, poderíamos pensar que o regulador social
contemporâneo passa muito mais pela transmissão de uma
promessa de gozo do que pela consciência da dívida, do dever
para com as gerações passadas, como era na sociedade
tradicional. Aí se colocariam sérias dificuldades na elaboração
da castração. Como organizar o narcisismo se a castração na
organização social contemporânea vai apelar para a promessa
do prazer, não mais evocando o dever. (...) Assim, a renúncia
pulsional para o jovem estaria hoje muito mais dificultada (p.
153).
Marin (2002) enfatiza que a busca do gozo, do prazer a qualquer custo presente
67
em nossa sociedade, associada à falta das figuras recalcantes, que seriam os pais e as
instituições sociais, que têm abdicado dos controles e cuidados que uma criança e um
adolescente requerem, irá contribuir para um “transbordamento das moções pulsionais e
de como o Eu sozinho não é capaz de dar conta de administrar toda essa excitação” (p.
172).
Neste cenário contemporâneo, percebemos que as mais prejudicadas são as
crianças, que são empurradas pela sociedade a assumir obrigações e valores muito cedo,
que não enxergam as bordas que dariam limites à sua excitação nem o colo acolhedor,
que as fizessem sentir-se amadas. Transformam-se em parceiros dos pais, tanto pela
vulnerabilidade dos pais excluídos socialmente como pela irresponsabilidade dos pais
adolencificados. Acima de tudo, são negligenciadas e abandonadas, por causa da falha
na função parental. Os adultos, por motivos diversos, abdicam do seu lugar de
referência, acolhimento e orientação à criança e, quando ela se torna destrutiva,
malcriada, audaciosa, exigente e intolerante, não se hesita em condená-la e transformá-la
em vilão.
4.2 A função parental na concepção winnicotiana
Winnicott compreende o ser humano como alguém que se constitui na presença
de um outro significativo que lhe dê hospitalidade e suporte na sua chegada ao mundo,
sendo este outro, na maioria das vezes, a mãe e o pai que formam um círculo de amor e
força, que propicia ao bebê vivenciar as fases da dependência e crescer rumo à
independência.
A família é então o lugar onde a criança constitui-se, é esse espaço, com todas
as relações que dele emana, que dá à criança a segurança interior para conhecer o mundo
68
lá fora. Assim considera Winnicott (1945/1999) sobre o lar: “é a partir das coisas
aparentemente pequenas que ocorrem no lar e em torno dele que a criança tece tudo que
uma imaginação fértil pode tecer. (...) O mundo será mais importante e satisfatório se for
crescendo, para cada indivíduo, a partir da porta de casa, ou do quintal dos fundos” (p.
54). A partir da vivência nesse lar é que a criança constrói dentro dela a certeza de
poder transgredir e voltar para os braços dos pais, porque os pais reais mantiveram sua
presença constante. Dentro desta concepção, é muito difícil para uma criança elaborar o
sair e o voltar para o lar, sem um apoio satisfatório da família.
Winnicott (1960/1993), revelando como a criança vai construindo a
possibilidade de crescer e expandir-se no mundo, entende que:
Quando examinamos esse fenômeno evolutivo que se
inicia com o cuidado materno e prolonga-se até o
interesse da família pelos filhos adolescentes, não
podemos deixar de notar a necessidade humana de ter
um círculo cada vez mais largo proporcionando cuidado
ao indivíduo, bem como a necessidade que o indivíduo
tem de inserir-se num contexto que possa, de tempos em
tempos, aceitar a contribuição sua nascida de um
impulso de criatividade ou generosidade. Todos esses
círculos, por largos e vastos que sejam, identificam-se
ao colo, aos braços e aos cuidados da mãe (pp. 130-
131).
Acreditamos que a criança no seu desenvolvimento vai se expandindo em
círculos cada vez maiores, mas, sem perder de vista o olhar das figuras parentais que
cuidam e a acompanham, na medida que ela vai caminhando rumo a independência,
Winnicott (1960/1993) nos fala sobre esta questão “Na prática a criança precisa sair do
colo da mãe, mas não daí para o espaço sideral; esse afastamento deve dar-se em direção
a uma área maior, mas ainda sujeita a controle: algo que simbolize o colo que ela
abandonou” (p. 132). Esta saída muitas vezes dá-se através da rebeldia e é preciso que a
69
criança possa contar com o apoio compreensivo da família. Winnicott (1960/1993)
continuando a falar sobre o papel dos pais em relação ao cuidado com os filhos, afirma
“a norma é a existência da família e de pais que se sentem responsáveis e apreciam essa
responsabilidade com que são investidos” (p. 132).
É interessante essa afirmação sobre ser natural os pais gostarem de ser
responsáveis pelos filhos porque, no contexto sócio-cultural em que as crianças das
classes economicamente desfavorecidas estão inseridas, a infância é abortada para a
criança assumir responsabilidades de adulto, quando tem que cuidar de si mesma muito
cedo e principalmente assumir o sustento da família. Desta forma, as funções materna e
paterna, no que se refere ao suporte e ao acolhimento que uma criança precisa para
amadurecer, ficam seriamente comprometidas. Se os filhos transformam-se em parceiros
dos pais, como vão enxergá-los como modelos identificatórios fundados a partir de uma
ordem geracional, detentores de autoridade e de um suporte seguro?
Goldenberg (1998), numa pesquisa realizada com adolescentes infratores na
Baixada Fluminense, constatou em relação à organização familiar desses jovens:
Por trás de uma criança infratora geralmente se
encontram famílias desestruturadas, que não oferecem
condições adequadas para o desenvolvimento de seus
filhos, permanecendo numa relação muitas vezes
promíscua. (...) É comum a organização familiar girar
em torno da figura materna porque o pai é alcoólatra,
devido à tensão de não poder sustentar a família ou
porque desapareceu temporária ou definitivamente. (...)
As infrações praticadas pelas crianças e pelos
adolescentes foram constatadas não só na família de
baixa renda, mas também nas de maiores recursos,
tendo como fator comum a ausência de uma lei paterna
nessas constelações familiares (p. 126).
Goldenberg (1998) constatou ainda que a figura materna apresenta dificuldades
70
de introduzir a lei e a autoridade na relação com os filhos, mantendo uma relação
simbiótica e infantilizada com os mesmos e com o pai, mesmo quando está presente
fisicamente, “
... é como uma figura caricatural e não como uma pessoa que exerça uma
função educativa – fato reforçado ainda pela situação precária (desemprego, moradia
deficiente, falta de alimentação)” (p. 124). Dentro deste cenário, no qual existe a falta do
adulto suficientemente forte para dar continência à excitação do filho ou está fragilizado
sem saber qual é seu papel e tem receio de tomar decisões, encontramos o desamparo da
criança anti-social e do delinqüente. Para eles, existe a falta do lugar da lei, da referência
e da ordem.
Para Winnicott (1960/1993), a criança saudável desenvolveu ao longo do seu
crescimento um sentimento de segurança que advém da confiança nos cuidados
dispensados a ela no início de sua vida, que lhe permitiu viver uma vida pessoal e
individual, na qual o autocontrole é exercido. Na criança anti-social, o auto-controle é
precário, os rompantes desta criança apontam, também, para o fato que ela não sabe
lidar com a liberdade, ela ainda precisa do controle externo, precisa reencontrar a
segurança dos cuidados que se perderam. No entanto, quando as figuras parentais
podem assumir plenamente a função de suporte e hospitalidade e suportam os testes que
toda criança vai fazer para verificar se eles continuam lá, a criança saudável vai
desenvolvendo uma crença em si mesma e no mundo. Winnicott (1960/1993) descreve o
que uma criança necessita daqueles que cuidam dela:
As crianças saudáveis necessitam de pessoas que
continuem exercendo o controle, mas as disciplinas
devem ser proporcionadas por pessoas que possam ser
amadas e odiadas, desafiadas ou de que se dependa; os
controles mecânicos são inúteis e tampouco o medo
pode ser um bom motivo para a obediência. É sempre
uma relação viva e estimulante entre pessoas que
71
fornece a necessária liberdade de que o verdadeiro
crescimento precisa (p. 106-107).
As crianças que não encontram esta confiança, no ambiente que cuida, não
conseguem construir um espaço interno, acabam utilizando os comportamentos anti-
sociais, como uma forma de sobrevivência, que inviabiliza a escuta de seu apelo para
encontrar o outro que se ausentou e instalou a solidão e o desamparo.
Tendo desenvolvido estes capítulos como suporte teórico, passaremos agora aos
procedimentos metodológicos da pesquisa, que possibilitará o conhecimento da
realidade pesquisada.
72
5 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
5.1 A pesquisa
A pesquisa tem como objetivo compreender como as crianças que freqüentam o
Núcleo de Ação Social da Praia do Meio e apresentam comportamentos expressivos de
tendência anti-social – roubo e destrutividade - significam o educador social no papel
de cuidador. Pretendemos, também, identificar as características do cuidado do
educador, a partir da descrição da criança. Os sujeitos serão crianças na faixa etária de
dez a doze anos que apresentam comportamentos de roubo e destrutividade, a partir da
concepção winnicottiana da tendência anti-social: “A manifestação da tendência anti-
social inclui o roubo e a mentira, a incontinência e a desordem generalizada. (...) O
fator comum para o meu propósito de tentar descrever a tendência anti-social é o
caráter perturbador do sintoma” (Winnicott, 1956/2000, p. 412, grifos nossos).
Para a realização da pesquisa, optamos pela forma qualitativa, porque nos
possibilita compreender a vivência das crianças em relação ao educador social, a
apreensão dos múltiplos significados que estas crianças dão ao cuidado do educador, o
que envolve o experienciar consciente da presença ou não de um suporte egóico (nos
termos winnicottianos) nesta relação.
Realizar pesquisa qualitativa em ciências humanas é ter o ser humano - as
73
pessoas seus grupos e manifestações - como sujeito da investigação, é buscar um modo
diferenciado de abordar e interagir com esses objetos, que atualmente são sujeitos
participantes da investigação psicológica. É objetivo primordial da vertente qualitativa
buscar apreender sentidos, vivências, experiências dos sujeitos em sua singularidade,
sem deixar de inseri-los no seu contexto social e histórico (Mayring, 2002; Mazzotti &
Gewandsznajder, 1999).
Salientamos também que o projeto desta pesquisa foi aprovado pelo parecer nº
60/2005 do Comitê de Ética em Pesquisa – CEP, da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, estando de acordo com os itens propostos pela Resolução 196/96 –
CNS-CEP-UFRN – que regula a investigação com seres humanos, tendo por base os
referenciais da Bioética.
5.2 O Campo
Os Núcleos de Ação Social foram criados na década de 1990, pela Prefeitura
Municipal de Natal, através da Secretaria Municipal do Trabalho e Assistência Social –
SEMTAS, com o objetivo de realizar um trabalho sócio-educativo de caráter
preventivo, para evitar que crianças pertencentes a famílias de baixa renda fiquem nas
ruas expostas à violência e à delinqüência, bem como realizando trabalho insalubre e
degradante. Os Núcleos de Ação Social trabalham conjuntamente com o PETI
(Programa de Erradicação do Trabalho Infantil), recebendo crianças que participam
deste programa e crianças e adolescentes da comunidade local, cujas famílias tenham
uma renda de R$ 90,00 (noventa reais). A população atendida é da faixa etária de 7 a 15
anos. As famílias, cujas crianças participam deste programa, recebem uma ajuda
financeira de R$40,00 (quarenta reais), tendo em vista que na sua quase totalidade
apresentam reduzidíssimos recursos financeiros e materiais, havendo a predominância
74
do desemprego, condições precárias de moradia e, muitas vezes, situações de
praticamente total ausência de comida: para algumas crianças do Núcleo, o lanche que
é feito no período que lá estão é a única refeição do dia. Atualmente, existem cinco
Núcleos em Natal, localizados nos bairros de Mãe Luíza, Brasília Teimosa, Praia do
Meio.
No Núcleo de Ação Social da Praia do Meio, onde realizamos a pesquisa
6
,
atende o total de 300 crianças e adolescentes no regime de jornada ampliada,
distribuídas em dois turnos (manhã e tarde) com duração de quatro horas cada um, nos
quais a criança e o adolescente. Quando não estão na escola, participam de atividades
sócio-educativas dentro do Núcleo, dirigidas por professores que dão aulas de música,
capoeira, futebol de praia e de campo, reciclagem, reforço pedagógico, dança e outras
atividades que propiciem a aquisição de novas habilidades. Apesar do total de crianças
matriculadas serem de 300, a freqüência por turno raramente é de 150 crianças. Existe
um alto absenteísmo por motivos diversos: doenças, necessidade dos pais de contarem
com a ajuda do filho no trabalho doméstico, e falta de acompanhamento dos pais
quanto à freqüência da criança ao Núcleo (algumas crianças saem de casa dizendo que
vão ao Núcleo, mas ficam andando pelas ruas).
O Núcleo (NASPM) tem como objetivos:
1. Possibilitar o acesso, a permanência e o bom desempenho de crianças e
adolescentes na escola;
2. Fomentar e incentivar a ampliação do universo de conhecimentos da criança
e do adolescente, por meio de atividades culturais, esportivas, artísticas e de
lazer no período complementar ao da escola, ou seja: jornada ampliada;
6
Todos os dados que serão informados daqui a diante são relativos à época da realização da pesquisa
de campo: de 01/08/2005 a 30/09/2005.
75
3. Retirar a criança e adolescente do trabalho considerado penoso, perigoso,
insalubre e degradante;
4. Proporcionar apoio e orientação às famílias por meio de ofertas de ações
sócio-educativas;
5. Promover e implementar programas e projetos de geração de trabalho e renda
para as famílias.
A equipe responsável pela implementação do trabalho é composta por:
Coordenador Geral, Pedagoga (uma), Educadores Sociais (oito), Merendeiras (duas),
Auxiliar de Serviços Gerais (um), Zelador (um) e Vigia (um). Dois dos educadores
sociais, além de atuarem como professores, supervisionam as crianças no horário de
recreio e do lanche, visando a promover a disciplina e resolver os conflitos entre as
crianças e das crianças com as merendeiras.
As crianças assistidas neste Núcleo são provenientes das comunidades
próximas, como: Praia do Meio, Brasília Teimosa, Rocas, Santos Reis, Petrópolis, Mãe
Luíza, Maruim, Passo da Pátria e outros. Pertencem a famílias carentes sócio-
economicamente, todas elas provenientes de comunidades pobres onde a violência, o
tráfico e a prostituição permeiam seu cotidiano. Entre os familiares dos sujeitos da
pesquisa constatamos casos de consumo de drogas, alcoolismo e prática de prostituição.
O primeiro contato que tivemos com o Núcleo da Praia do Meio foi através da
psicóloga lotada na instituição, que trabalhava como educadora desde a fundação do
Núcleo. Ela nos relatou sobre a dificuldade em lidar com as crianças que apresentavam
comportamento violento e destrutivo e que solicitavam, também, atenção e carinho dos
76
educadores. Observou que os comportamentos violentos surgiam, freqüentemente,
quando a solicitação de atenção era frustrada. Relatou que as crianças mais agressivas
reagiam à autoridade dos educadores com agressões verbais, mas apresentavam,
também, comportamentos agressivos gratuitos sem qualquer motivo aparente, tais
como: agredir um colega na fila do lanche, porque ele estava com uma camisa de um
time de futebol contrário ao seu, atacar um burro que passava em frente ao Núcleo com
pauladas, chegar pela manhã para o início das atividades derrubando cadeiras,
precisando ser contido pelos educadores, e outros comportamentos desta natureza.
Na visão dela, fazia-se necessária a realização de um trabalho específico com estas
crianças, tendo em vista que elas eram no máximo dez, num universo de 300 crianças.
Comentado o objetivo da pesquisa, ela, prontamente, ofereceu-se para listar as crianças
que apresentavam tais comportamentos. Posteriormente, esta lista foi ampliada,
incluindo outras crianças indicadas pelo coordenador geral do Núcleo e pelos
educadores.
5.3 Estratégias de Coleta e Análise dos Dados
A primeira etapa consistiu em conhecer a história familiar dos sujeitos, bem
como a história da participação deles no Núcleo. Para isto, realizamos entrevista semi-
estruturada com as mães das crianças no NASPM. Neste contato com a mãe,
informávamos o objetivo da pesquisa e solicitávamos sua autorização para seu filho ou
filha participar deste trabalho. A entrevista teve como objetivo obter informações
acerca da história de vida de cada criança, dinâmica familiar, características do
comportamento agressivo da criança no contexto familiar e informações referentes ao
77
tempo que a criança freqüenta o NASPM, percepção da mãe quanto aos benefícios que
a freqüência ao Núcleo trouxe para a criança e as possíveis críticas que fariam ao
Núcleo. (Apêndice A)
Na segunda etapa, realizamos a observação dos sujeitos participando das
diversas atividades nas oficinas, a relação com os educadores e com as atividades
propostas, o relacionamento com os colegas e com o coordenador geral do Núcleo. A
observação foi realizada durante o período de um mês, todos os dias pela manhã.
Inicialmente as crianças olhavam-me com curiosidade e desconfiança. À medida que o
tempo foi passando, começaram a me fazer perguntas sobre quem eu era e o que estava
fazendo ali. Fomos explicando os objetivos da pesquisa, enfatizando que queríamos
conhecer como elas participavam das atividades e se relacionavam com os educadores.
O contato com os educadores deu-se, inicialmente, através do coordenador
geral que me apresentou a todos eles, antes que eu iniciasse a observação, e explicou os
objetivos da pesquisa. A minha presença despertou grande interesse por parte deles,
pois mostravam-se muito aflitos quanto ao comportamento das crianças mais
agressivas. Inicialmente, acreditavam que eu, sendo psicóloga, iria orientá-los como
lidar com as crianças difíceis. Precisei esclarecer, mais de uma vez, qual era o meu
papel na instituição. No entanto, durante todo o período que estive no Núcleo
realizando a pesquisa, eles sempre me abordavam para falar de suas insatisfações com
salário, falta de material para realizar o trabalho, e comentavam sobre o comportamento
das crianças mais difíceis, ora falando que se sentiam impotentes, ora comentando
sobre como conseguiram se aproximar e estabelecer um contato mais próximo com
algumas delas e envolvê-las nas atividades de sua oficina.
Um exemplo disto é de como uma das educadoras, que muitas vezes ficava
chocada com a agressividade de algumas crianças em sala e até pensou em deixar de
78
trabalhar no Núcleo, mas se emocionava quando falava das crianças que conseguiu
alfabetizar, apesar da agitação, crises agressivas e dispersão da maioria delas. Ela tem
uma forma afetiva e paciente de lidar com as crianças e critica, bastante, a resolução de
conflitos “no grito”. Compreende que as faltas destas crianças vão muito além das
faltas objetivas de alimento, moradia e educação. Sendo assim, acredita que seriam
necessárias outras estratégias para abordar e disciplinar as crianças difíceis. Outros
educadores compreendem que as crianças agitadas e agressivas deveriam ser excluídas
do Núcleo, tendo em vista que atrapalham o bom andamento das atividades. Esta idéia,
contudo, não é aceita pelo coordenador geral, que acredita na possibilidade dos
educadores serem criativos e flexíveis para desenvolver formas de lidar e motivar as
crianças. Nesta fase, fui estabelecendo um contato mais próximo com as crianças que
seriam os sujeitos da pesquisa, ocorrendo no horário do lanche. Dirigia-me até elas,
falava quem eu era e perguntava sobre as oficinas que participavam, e me envolvia nas
conversas que elas estabeleciam entre si. Desta forma, fui me tornando uma pessoa
inserida na rotina delas e no trabalho da equipe. A partir destas conversas, fui
convidando para elas participarem da pesquisa.
Na terceira etapa, realizamos encontros em grupo e individualmente com as
seis crianças que concordaram em participar da pesquisa. A idade dos sujeitos variava
entre dez e doze anos, sendo cinco do sexo masculino e uma do sexo feminino.
Os encontros com os sujeitos, na terceira etapa, foram gravados em fita cassete.
Explicamos a eles que nossas conversas seriam gravadas, e deixamos o gravador
disponível para eles terem acesso à máquina, fazerem perguntas sobre ela e desta forma
evitar qualquer tipo de inibição por causa da presença do gravador. Nenhum dos
sujeitos se mostrou resistente a participar da pesquisa e o gravador se tornou um grande
atrativo, pois todos eles queriam, no final dos encontros, ouvir a si mesmo na gravação.
79
As atividades foram desenvolvidas nesta seqüência: inicialmente, explicitava
para a criança os objetivos do meu trabalho e explicava todas as atividades que
desenvolveríamos juntas. Propunha, então, que desenhassem o Núcleo, da forma como
elas percebiam este espaço e, a partir do desenho fazia perguntas sobre o que gostavam
e o que não gostavam ali e sobre o relacionamento com os educadores. No segundo
encontro, iniciávamos uma conversa para que eu pudesse conhecer mais as crianças e
estimulá-las a falar sobre si mesmas. As perguntas giravam em torno do que elas
gostavam e não gostavam, dos sentimentos de raiva, medo, tristeza e alegria e sobre sua
rotina de vida e família. Após esta conversa, utilizávamos o Círculo do Cuidado (Anexo
1) no qual solicitávamos que ela colocasse no círculo quais as pessoas que elas
consideravam que se preocupavam e cuidavam dela. Algumas crianças escreviam
diretamente no círculo e outras se recusavam a escrever e a pesquisadora escrevia os
nomes nos locais que elas indicavam. Conversávamos, então, sobre estas pessoas e
sobre os motivos que levaram a criança a incluí-las no Círculo do Cuidado.
No terceiro encontro, líamos as estórias (Apêndice B) para elas completarem.
Estas estórias tinham como tema uma criança fictícia que freqüentava o NASPM e
enfrentava problemas familiares como desemprego, alcoolismo dos pais, agressão entre
os pais e entre pais e filhos, e que vivenciava situações agradáveis e desagradáveis no
NASPM. A elaboração de tais estórias apóia-se nos temas que emergiram do
conhecimento da realidade social e familiar dos sujeitos da pesquisa, a partir do
primeiro contato estabelecido com as famílias das crianças.
Após estes três encontros, ainda realizamos mais dois com quatro das seis
crianças para conversarmos sobre a “máfia vermelha” e a “gang alvinegra”, tendo em
vista que elas trouxeram estes grupos com muita empolgação, exaltando as qualidades
agressivas dos membros dos mesmos.
80
Pensamos em desenvolver estas atividades para que, por meio dos discursos dos
sujeitos, pudesse emergir o tema do cuidado na relação com os educadores sociais do
NASPM, considerado o objetivo deste trabalho.
Para analisar qualitativamente as entrevistas realizadas utilizando o desenho,
círculo do cuidado e as estórias para completar, utilizamos a técnica de Análise do
Conteúdo (na sua vertente Análise Temática), segundo Bardin (1977). A autora define a
análise de conteúdo como “... um conjunto de técnicas de análise das comunicações
visando obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das
mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de
conhecimentos relativos às condições de produção/recepção destas mensagens” (p. 42).
Na Análise Temática trata-se a informação contida nas mensagens, classificando
seu conteúdo em temas e analisando seu significado. E assim Bardin (1977) define
tema: “... o tema é a unidade de significação que se liberta naturalmente de um texto
analisado segundo certos critérios relativos à teoria que serve de guia à leitura” (p.
105). Desta forma, os temas gerais, chamados núcleos de sentido, que emergem do
conteúdo da comunicação, são divididos em categorias.
Os temas que emergiram do discurso dos sujeitos da pesquisa foram agrupados
nas seguintes categorias: Acolhimento, Solidão e Atraídos pela “Gang Alvinegra e a
Máfia Vermelha”. Consideramos que o tratamento dos dados, numa pesquisa
qualitativa, é realizado através da interpretação e, neste sentido, a consideramos, como
definida por Martins & Bicudo (1989): “Interpretação nesse contexto não é
compreendida no sentido da interpretação psicoanalítica, simbólica que é sustentada por
um discurso. É compreendida como modo de ajuizar o sentido das proposições que
levam a uma compreensão ou aclaramento dos sentidos e significados da palavra, das
sentenças e dos textos” (p. 28).
81
A análise qualitativa das descrições feitas pelos sujeitos da pesquisa foi também,
orientada pelas diretrizes indicadas por Martins & Bicudo (1989):
Esse método de análise contém quatro momentos que se
expressam, geralmente, do seguinte modo: 1) como uma
leitura da descrição, entrevista ou relato do princípio ao
fim, sem buscar, ainda, qualquer interpretação do que está
exposto ou sem qualquer tentativa de identificar qualquer
atributo ou elemento ali contido. Essa leitura visa
conseguir um fim geral de todas as afirmações; 2) como
uma volta ao início da leitura, para reler o texto, tantas
vezes quanto preciso, com o objetivo de descriminar
‘unidades de significados’ dentro de uma perspectiva
psicológica, focalizando o fenômeno que está sendo
pesquisado; 3) como percorrendo, após ter obtido as
unidades de significado e expressando o insight
psicológico nelas contido, mais diretamente; 4) como
sintetizando todas as unidades de significado
transformadas em uma proposição consistente referente às
experiências do sujeito (p. 98).
82
6 CONVERSANDO E DESENHANDO COM AS CRIANÇAS
Inicialmente, apresentaremos informações sobre a história de vida dos sujeitos
(usando nomes fictícios) que propiciará uma melhor compreensão do contexto familiar
e social no qual eles vivem, bem como ajudará na compreensão das várias privações que
eles vivenciam. Em seguida trabalharemos as análises dos discursos, abordando como
as crianças expressaram nas suas falas o tema do cuidado no relacionamento com os
educadores.
6.1. Os Sujeitos e Suas Histórias de Vida
.
Criança – Marcos
Idade – 12 anos
Escolaridade – 2º série do ensino fundamental
Marcos mora com a mãe e o irmão mais novo. O pai mora no interior e trabalha
como vendedor ambulante. A mãe não trabalha porque tem problemas de saúde.
Marcos tem uma irmã mais velha que é casada e mora em outro bairro. Os pais se
separaram porque o pai bebia muito e havia constantes brigas entre o casal por causa da
bebida. A mãe sustenta a família com o dinheiro que o pai traz semanalmente e com o
dinheiro que recebe, pelo filho participar do NASPM. Passam por várias privações
83
porque nem sempre o pai tem dinheiro toda semana. Nestas ocasiões, a mãe e os filhos
vão para casa da irmã de Marcos para poderem se alimentar. Marcos vai, ainda,
trabalhar nos semáforos para ganhar algum dinheiro e levar para casa. Foi reprovado
várias vezes na escola e tem faltado muito às aulas. Quando chegou ao Núcleo, não era
alfabetizado, e conseguiu se alfabetizar nas aulas de reforço pedagógico, que é uma das
atividades oferecidas às crianças que freqüentam o Núcleo. No entanto, sua freqüência
às aulas varia muito, tem momentos que ele se interessa e participa ativamente, em
outros momentos, foge das aulas de reforço. Freqüenta o NASPM desde a sua
fundação, nunca falta e sempre é um dos primeiros a chegar. As oficinas que mais gosta
são futebol de campo e futebol de praia. Admira o professor destas atividades que,
também, é supervisor das crianças no horário do lanche e do recreio. Esse educador está
presente no seu desenho do Núcleo, e Marcos refere-se a ele de forma positiva: “Ele é
legal com a gente e está me ensinando a jogar futebol”. Gosta, também, do coordenador
geral e diz que ele é uma pessoa calma que sabe conversar e o ajudou, viabilizando sua
entrada no Núcleo. Refere-se a esta ajuda da seguinte forma, ”Eu ficava ali na rua
jogando pedra nos meninos que vinham para o projeto, aí ele me chamou e mandou eu
dizer pra minha mãe vir aqui no projeto e ele me botou aqui. Antes, eu ficava só na rua,
agora eu venho para as oficinas e é muito bom”. Refere-se ao coordenador como
alguém “... que sabe falar com calma e dá conselhos”. A mãe de Marcos, segundo ela
mesma afirma, nunca sabe o que Marcos faz quando não vai para escola, à noite é que
ela vai procurá-lo pelas ruas para saber onde ele anda. Segundo informações da
coordenação do NASPM, sabe-se que Marcos tem assaltado turistas na praia. Os
educadores também relatam que o humor de Marcos varia muito: às vezes está sério,
calado, rosto fechado e outras vezes cria vários problemas nas aulas de futebol por
causa das constantes brigas. Observando Marcos no Núcleo, percebemos que raramente
84
ele dá um sorriso, a expressão facial é contraída, fechada, transmitindo um misto de
hostilidade e tristeza. Está sempre sozinho no grupo, isola-se, mas reclama quando não
o incluem no jogo de queimada e futebol no horário do recreio. Quando se dirige aos
colegas, na maioria das vezes o faz de forma agressiva e reclama sempre que apanha
dos colegas. Observamos nos encontros individuais e em grupo que ele pega qualquer
objeto para levar consigo: lápis, borracha, tampa de caneta, uma folha de papel e
outros.
Criança – Luis
Idade – 12 ANOS
Escolaridade – 3º série do ensino fundamental
Luis mora com a mãe, uma irmã de 17 anos e o padrasto com o qual tem muitos
conflitos: não aceita as regras impostas por ele e revolta-se com a forma como o
padrasto trata a mãe. O padrasto freqüentemente agride fisicamente a mãe e faz uso de
drogas. A mãe consumiu drogas durante a gestação de Luis e até bem pouco tempo
continuava a consumir. No entanto, afirma que depois que se tornou evangélica
abandonou as drogas. Luis, na maior parte de sua infância, conviveu com a avó materna
que sustentava a família e tinha um apego muito grande por ele. Quando ela morreu, a
família perdeu a fonte de sustento e passaram por muitas dificuldades, a mãe nunca teve
emprego fixo e nesta época levou Luis para morar com o pai. Luis mostrou-se muito
rebelde, agressivo com a avó paterna e o pai o expulsou de casa. Ele voltou a morar
com a mãe que estava vivendo com o atual companheiro, com o qual Luis nunca se deu
bem. Já fugiu várias vezes de casa, e a mãe conseguiu trazê-lo de volta. A mãe relata
que ele usa drogas, anda com maus elementos e pratica roubos. Quando está agressivo
em casa, chuta cadeiras, móveis, “fica doido”. Na escola agride os colegas e
professores, chuta carteiras. Desta forma, foi expulso, e no próximo ano a mãe terá que
85
matriculá-lo em outra escola. Há um ano, Luis freqüenta o NASPM, apresentou muitas
dificuldades com a disciplina, evidenciando agressividade com os colegas e muita
agitação durante o desempenho das atividades em oficinas que exigem maior
concentração. No entanto, gosta muito de futebol e capoeira, mas criou muitas
dificuldades por causa de sua agressividade, tendo sido solicitado por alguns
educadores que ele fosse desligado do Núcleo. O coordenador, no entanto, resolveu
dar-lhe uma chance. Teve muitas conversas com ele, abordou-o sobre o consumo de
drogas e solicitou sua colaboração. Desde então, Luis tem-se mostrado menos
agressivo, participa bem das oficinas que trabalham com movimento corporal como a
capoeira e o futebol. Nas aulas de reforço, contudo, mostra-se muito disperso e agitado,
perturbando os colegas na execução das atividades. Raramente falta e mostra-se
bastante motivado para as atividades esportivas. Ele aponta o coordenador e o professor
de futebol como as pessoas que ele mais gosta no NASPM, e considera o coordenador
uma pessoa a quem ele possa recorrer numa dificuldade. Admira, também, a “Máfia
Vermelha”, canta suas músicas e diz que todos os meninos da sua rua fazem parte da
“Máfia”.
Criança – Maria
Idade – 10 anos
Escolaridade – 1º série do ensino fundamental
Maria é a primeira de uma prole de quatro filhos. Mora com a mãe, o pai, duas
tias e quatro primos adultos. Além de estudar, ajuda a mãe a cuidar do irmão mais
novo. A família tem uma particularidade que consiste no fato do pai de Maria viver
maritalmente com a mãe de Maria e também com a irmã dela, tia de Maria, as duas
convivendo na mesma casa. Esta situação ocasiona conflitos freqüentes entre as duas
irmãs. A tia de Maria é alcoólatra, passa o dia bebendo. Segundo Maria “Quando ela
86
está dormindo fica tudo calmo, mas quando ela está beba ela grita e faz confusão”.
Segundo informações da coordenação do NASPM, na casa de Maria não existe, apenas,
a tia alcoólatra. O pai e os tios são consumidores de drogas conhecidos nas redondezas
e a tia alcoólatra já foi presa por furto. A mãe refere-se assim ao marido: “Ele nunca
ligou pra os filhos, nem pra ela. Ela (Maria) não gosta dele, mas ele nunca deu carinho
a ela, tudo quem faz sou eu.” A renda familiar é proveniente dos diversos projetos
governamentais dos quais os filhos participam: bolsa família e a ajuda financeira do
PETI (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil). Os outros adultos que moram na
casa também contribuem quando estão empregados. Maria, falando sobre sua família
afirma: “Eu não queria morar com meu pai e minha tia, eu queria ir pra outro canto,
morar com minha mãe e meus irmãos”. A mãe de Maria diz que não pode sair da casa
porque não tem para onde ir. Maria freqüenta o Núcleo desde a sua fundação, participa
das oficinas de capoeira, dança, reforço pedagógico e reciclagem. O que gosta mais é
da dança e da capoeira, porque os professores são legais e ela está “aprendendo as
coisas que eles ensinam”. No reforço, apresenta dificuldades de aprendizagem, além de
apresentar constantes “crises agressivas, nas quais bate nos colegas”, difíceis de
controlar, segundo a professora. A mãe relata que na escola ela sempre está envolvida
em brigas e confusões com os colegas. Maria, ao comentar este seu comportamento diz:
Eu sou muito nervosa e a cabeça esquenta quando bolem comigo”. A mãe relata que
Maria gosta muito de freqüentar o Núcleo e chora quando a mãe não lhe permite ir,
porque precisa que ela fique cuidando do irmão em casa. Maria afirma: “Eu me
acostumei a vir aqui, gosto das brincadeiras, de ir a praia, da festa de Cosme e
Damião”. Maria considera os melhores professores aqueles que são calmos e não falam
gritando. Lembra também de uma educadora, que era psicóloga (não trabalha mais no
NASPM), que sabia conversar quando ela estava nervosa e a ajudava a ficar mais
87
calma.
Criança – Pedro
Idade – 11 anos
Escolaridade – 4º série do ensino fundamental
Pedro mora com a mãe, uma irmã de 18 anos e o pai que está temporariamente
residindo com eles, porque teve problemas com sua outra família e veio refugiar-se na
casa da mãe de Pedro. A mãe está desempregada, o pai é aposentado e colabora com o
sustento da casa. A filha mais velha trabalha e contribui financeiramente, além de
ajudar a mãe a cuidar do irmão. A mãe refere-se a Pedro da seguinte forma: “Ele é
revoltado, não quer perder nada, quando tem raiva de mim, diz que vai me matar,
chama o pai de palhaço e manda-o sair da casa. Quando está com raiva, fala tudo que
vem na cabeça”. O pai e a mãe demonstram que não sabem o que fazer com Pedro,
porque ele não atende a nada que eles falam. Segundo a mãe, Pedro não gosta de ficar
em casa, diz que é muito pequena (a casa, na verdade, é um quarto com um banheiro,
onde estão uma cama, fogão e televisão), odeia a escola, não gosta de freqüentar o
NASPM e passa a maior parte do tempo na rua, andando pela vizinhança. Foi expulso
da escola no ano passado por causa do comportamento agressivo com os professores e
colegas. No Núcleo, sempre está envolvido em brigas, na oficina de futebol o professor
afirma que é impossível ele participar do jogo, porque não aceita as ordens, bate nos
colegas, não aceita quando perde uma bola, nem aceita ser disciplinado. Pedro
classifica-se como “nervoso”, ele afirma: “No futebol eu sou nervoso, brigo com os
meninos, quando eu perco, eu choro”. Quanto ao professor de futebol, ele diz: “Ele é
chato, é burro, a gente não fez nada e ele bota a culpa na gente”. Não cita ninguém da
equipe de educadores do NASPM que goste mais, apesar de gostar da oficina de karatê
e futebol. Nos contatos que mantive com Pedro, ele expressava raiva e hostilidade. No
88
entanto, depois de alguns minutos de conversa, ele mostrava-se mais descontraído,
apresentando um jeito alegre e divertido em alguns momentos do recreio. Contudo
qualquer irritação desencadeava comportamentos agressivos em que ele xingava
professores e merendeiras. Presenciamos estes acontecimentos e percebemos que só era
possível acalmá-lo quando um dos educadores, de forma mais paciente, o abordava
com calma retirando-o do ambiente conflituoso. Observamos, também, que a tentativa
de imposição de autoridade, nesses momentos, pelo uso de gritos e ameaças, em geral
acentuava a agressividade das crianças, principalmente de Pedro.
Criança – Fernando
Idade – 11 anos
Escolaridade – 2º série do ensino fundamental
Fernando é o quarto de uma prole de sete filhos. Mora com a mãe, os irmãos, os
avós maternos e três tios irmãos da mãe. Um dos irmãos de Fernando é consumidor de
drogas e rouba objetos da casa, dinheiro da mãe, mostrando-se muito agressivo quando
chega em casa drogado. Os pais não trabalham. O pai saiu de casa porque a mãe não
agüentava mais o seu alcoolismo. O sustento da casa vem da aposentadoria dos avós. A
mãe considera que as maiores dificuldades da família são a agressividade do filho que
usa drogas e a falta de dinheiro para comprar os remédios de Fernando que tem
tuberculose nos ossos. Quanto ao comportamento de Fernando, ela afirma que ele não é
agressivo em casa, mas tem recebido diversas reclamações do colégio e do Núcleo por
causa do seu comportamento agressivo e explosivo. Afirma que ele fala muito na
“máfia vermelha” e tem se preocupado com o fato dele está acompanhando-se com o
pessoal da máfia. Fernando aponta as aulas de reforço e futebol como as atividades
preferidas, afirma que a professora de reforço é calma, ajudou-o a aprender a ler e
sempre o ajuda quando não sabe fazer suas tarefas. O professor de futebol é elogiado
89
como alguém que é legal, porque está sempre disposto a orientar os alunos no jogo.
Fernando é apontado pelos professores como uma criança que sempre se junta aos mais
agressivos para bater nos outros. Ele se alia a Pedro, Luis e Marcos para divulgar a
“Gang” e a “Máfia” no Núcleo.
Criança - Jorge
Idade – 12 anos
Escolaridade – 4º série do ensino fundamental
Jorge mora com a mãe, dois irmãos, uma tia e dois primos. Os pais nunca
moraram juntos, o pai tem outra família e visita a mãe periodicamente. O pai contribui
com dinheiro para alimentação, semanalmente. A mãe está desempregada há seis
meses. Para o sustento da casa a mãe tem a colaboração da sua irmã que mora com eles
e tem uma aposentadoria. Jorge está matriculado na escola, mas não tem ido às aulas,
passa a tarde dormindo ou andando pelas ruas com os amigos. Pela manhã vai ao
NASPM, mas tem reclamado que lá não tem mais as festas e passeios que havia antes.
Gosta muito da capoeira e tem se destacado como bom aluno. Desta forma, foi
convidado pelo professor para treinar numa outra escola, para aperfeiçoar seu
desempenho. Segundo a mãe, é explosivo e agressivo com os irmãos e não aceita
receber “não”. Ultimamente anda envolvido com a “Máfia vermelha”, e a mãe tem
proibido ele de andar com os colegas que participam da ”Máfia”. No NASPM, Jorge
mostra-se agressivo com os colegas, agride fisicamente aqueles que usam camisa do
time de futebol contrário ao seu, juntou-se aos colegas para atacar um burro com
pauladas em frente do Núcleo, e trouxe para o núcleo um álbum de fotos, no qual ele e
alguns colegas se apresentavam em posições agressivas e armados de paus, pedras e
facas. Jorge evidenciou descontentamento com os educadores do Núcleo, alegando que
Eles não falam nem com a gente, não pergunta o que a gente está sentindo, vai logo
90
gritando e manda a gente para a secretaria”. Lembrou da psicóloga (saiu do NASPM)
que atuava como educadora e falou “Ela dava conselho à gente, no momento triste e
alegre ela estava do lado da gente”.
Das seis mães entrevistadas, cinco afirmaram que a participação da criança no
NASPM tem sido positiva porque alfabetizaram seus filhos, porque quando eles estão
lá, não estão nas ruas, e aprendem alguma coisa, e porque podem recorrer ao
coordenador geral para intervir junto aos filhos, quando eles estão em dificuldades,
quando estão envolvidos com drogas ou porque se envolveram em encrencas na rua.
6.2. Analisando a temática do discurso
A partir do que foi obtido, exploraremos algumas categorias de análise advindas
dos principais núcleos temáticos evidenciados nos desenhos e nas conversas
estabelecidas com as crianças. Ou seja, apresentaremos a discussão dos dados com
algumas reflexões sobre como os sujeitos expressam nas suas falas o tema do cuidado
no relacionamento com os educadores. Para tanto, vamos explorar algumas categorias
de análise advindas dos principais núcleos temáticos evidenciados nos desenhos e nas
conversas estabelecidas com as crianças.
6.2.1 O acolhimento
Nas falas das crianças, percebemos a presença do tema acolhimento associado
ao relacionamento com alguns educadores do NASPM. Em relação ao Coordenador,
três entre as seis crianças falaram:
1. Ele me trouxe pra cá quando eu estava na rua. Eu
91
ficava ali no muro jogando pedra nos meninos, ele me
chamou e mandou minha mãe vir aqui e eu fiquei vindo
aqui. É melhor eu tar aqui do que tar na rua, aqui tem
as oficinas, tem futebol.
2. Ele é calmo, sabe conversar, dá conselho. Não dá
grito na gente.
3. Eu tava bagunçando aqui e ele não me expulsou, deu
uma chance a mim. O que eu tinha medo era de sair do
projeto (...) não tô bagunçando mais não. Eu gosto
daqui porque a gente joga futebol, tem oficina de
capoeira e eles são legal comigo (se referindo ao
professor de futebol, coordenador e merendeira).
Nas falas transcritas acima, observamos a valorização que estas crianças deram
ao fato de alguém perceber a sua necessidade de ser acolhido, de não ser mandado
embora, de poder conversar nos momentos difíceis. A calma à qual eles se referem,
quando falam do Coordenador, diz respeito ao fato de que, geralmente, quando os
educadores não conseguem resolver os conflitos que acontecem entre as crianças
apelam para a autoridade do Coordenador. As conversas com ele acontecem num clima
amistoso, tentando o coordenador sensibilizá-los para colaborarem com os educadores e
não atrapalharem o andamento das atividades nas oficinas. As conversas acontecem,
por solicitação das mães, quando estão enfrentando dificuldades com os filhos em
relação a envolvimento com más companhias e/ou consumo de drogas. Isto aconteceu
com um dos sujeitos da pesquisa que, por dificuldades com o padrasto, fugiu de casa e
estava envolvido com drogas e participando de assaltos. Este menino teve várias
conversas com o Coordenador sobre o consumo de drogas, dificuldades na família e
mau comportamento nas oficinas. Ele elogia o Coordenador dizendo que ele “... sabe
conversar com calma”, e afirma: “Ele me deu uma chance e não me expulsou do
projeto”. Atualmente, ele mostra-se mais colaborador nas oficinas, tendo diminuído o
comportamento agressivo dentro do NASPM. Sabemos que esta criança tem uma
história de várias “expulsões”: foi expulso da escola por mau comportamento, foi
92
expulso da casa do pai porque era agressivo com a avó e, por solicitação de alguns
educadores, estava também, ameaçado de ser expulso do NASPM. A conduta da
Coordenação em não aceitar a proposta dos educadores, mudou, nesse momento, uma
história de rejeição, e trouxe a possibilidade de Luis vivenciar o cuidado na forma do
acolhimento e da compreensão do quanto a vida tem sido difícil para ele que, desde
cedo, não teve um ambiente que se configurasse como um “círculo de amor e força”, no
sentido winnicottiano. Luis, desde muito pequeno, teve de lidar com a desagregação
familiar: o pai, uma figura ausente, nunca participou da vida dele; a mãe trabalhava
como prostituta, e deixava Luis aos cuidados da avó materna. A mãe passava meses
sem visitar o filho. Quando a avó de Luis morreu, ele foi morar com o pai, tendo se
mostrado muito agressivo com a avó paterna. Desta forma, foi expulso da casa do pai.
A mãe, então, passou a cuidar dele, mas vivia com um companheiro que além de
violento consome drogas e tem constantes atritos com Luis. A mãe tem uma história de
consumo de drogas. Observa-se o desamparo ao qual Luis é submetido, desde o início
da sua vida, quando não teve referências identitárias consistentes: perdeu o vínculo de
segurança e suporte com a avó materna, quando tinha apenas oito anos, e a partir daí
surge sua agressividade de forma explosiva e destrutiva. Quando Luis precisou
ultrapassar e elaborar a perda da avó materna, provavelmente não contou com o holding
familiar desejável e necessário.
Winnicott (1958/1999) reflete sobre a questão da separação e da não capacidade
de um ego imaturo enfrentar a perda ou sentir o luto que esta perda necessariamente
acarreta. Situa a tendência anti-social entre os extremos das reações muito primitivas à
perda e em relação à capacidade de vivenciar o luto, tanto quando a perda se dá na fase
da dependência relativa ou quando acontece muito mais tarde, em que o ambiente se
desestabiliza, e deixa de fornecer o holding necessário, e a criança mergulha em um
93
vazio, o vazio daquele que cuidava e se ausentou. Para ele, a atuação da tendência anti-
social marca o desamparo dessa criança frente ao meio que a desapossou. O ato anti-
social dá voz a quem não tem palavras a dizer, diante do vazio e da solidão vivenciados
na ausência do gesto acolhedor que esteve presente, mas desapareceu nos percalços da
vida. Desta forma, é um sinal de esperança, sendo positiva enquanto dura.
O holding, conforme falamos anteriormente, tem importância durante toda a
vida do indivíduo, sendo imprescindível que esteja presente quando a criança está
submetida a uma pressão ambiental que a ameaça de entrar em estado de desintegração,
visando a manter o movimento do viver saudável. Como reflete Abadi (1998), sobre a
importância do ambiente para os destinos da agressividade:
A agressão é inata, junto com o amor. No entanto a atitude da
criança para com estes impulsos básicos marcará o destino da
agressividade e a capacidade de amar de cada um. (...) É a
oportunidade de reparar oferecida pelos pais que faz possível
para a criança a confiança em sua atitude amorosa,
favorecendo a aquisição da capacidade de preocupar-se com o
outro, enquanto se faz responsável pelos próprios impulsos
destrutivos. Aí aparece o interesse pelo autocontrole como
maneira de preservar o que se ama (p. 99).
Para Winnicott (1950/2000), a agressividade pode tomar vários caminhos, e
estes caminhos estarão em estreita relação com a resposta ambiental. É interessante
observar que a resposta do NASPM, através da Coordenação, em não “expulsar” Luis,
trouxe um reconhecimento imediato pela criança deste acolhimento e mudou seu
comportamento dentro do Núcleo, com a diminuição da agressividade. Observou-se,
também, que na aula de reforço, onde ele mostra-se muito agitado e pouco colaborador,
aconteceram mudanças desde que a professora transformou-o em seu colaborador para
escrever no quadro, distribuir material para os alunos, e auxiliar na organização das
atividades em sala. Luis mostra-se visivelmente satisfeito por ser escolhido para
94
“ajudar” a professora. Nesta situação, percebe-se que “não ser expulso do reforço”,e
sim valorizado e acolhido, mesmo com sua agitação e dificuldade de atenção, trouxe
uma mudança positiva, neste contexto.
Marcos é outra criança que traz o tema do cuidado, através do acolhimento, ao
referir-se ao Coordenador como alguém que favoreceu a sua entrada no projeto. Ao lhe
perguntar se tem alguém que ele gosta mais no NASPM, ele responde prontamente:
João, porque eu tava na rua jogando pedra nos meninos e ele me trouxe pra cá. É
melhor estar aqui do que na rua”. Esta criança é uma das que chegam mais cedo no
NASPM, antes mesmo do horário de abertura. Percebemos que as atividades em si têm
um grande atrativo para as crianças. Contudo, observamos, também, que o contato
humano através da escuta, atenção, acolhimento e compreensão são muito valorizados
por elas, e os educadores que apresentam este comportamento são citados como as
pessoas que elas mais gostam no NASPM.
Jorge, que tem doze anos e apresenta comportamentos violentos com
freqüência, tendo participado do episódio em que um burro que passava em frente ao
Núcleo foi espancado com paus por vários meninos, fala de uma das educadoras que
não é mais funcionária do NASPM: “No momento triste e alegre ela estava do lado da
pessoa, dava conselho à gente, os outros não se preocupam com o que a gente está
sentindo.” Este menino, desde a saída desta educadora, com a qual estabeleceu um
vínculo afetivo mais forte, mostra-se desestimulado para as atividades do NASPM,
mostra-se ressentido por não conseguir estabelecer uma relação de confiança e
acolhimento com os outros educadores. Em relação a essa mesma educadora, Maria
falou “Ela sabia conversar quando a gente estava nervosa, era bom porque acalmava
mais um pouco”. O acolhimento expresso através de um interesse genuíno pela criança
e uma compreensão das dificuldades pelas quais está passando, ajudando a “acalmá-la”,
95
são percebidos como positivo pela criança e lembrado, mesmo depois de dez meses que
a educadora saiu do Núcleo. Esta menina, segundo a mãe, chora quando não pode ir
para o Núcleo porque precisa cuidar do irmão quando a mãe sai de casa. Maria,
também, fala de outros educadores que a tem ajudado, e em relação à professora de
reforço ela afirma: “Ela me ensinou a ler e tem calma com a gente, é bom participar da
oficina dela”. Quanto ao professor de capoeira ela diz: “Ele é legal e a gente aprende
a dança com ele, eu gosto porque ele é brincalhão”. Esta e outras crianças gostam de
ficar no NASPM, mesmo quando falta o educador das oficinas que vão participar. Elas
valorizam permanecer no Núcleo, brincando de queimada e futebol, e se aborrecem
muito quando o educador supervisor não permite que eles fiquem brincando e/ou não
disponibiliza a bola para os jogos. Demonstram descontentamento, também, quando,
por motivo de indisciplina, o educador as manda de volta para casa. Cinco entre as seis
crianças, apontaram serem mandadas para casa como algo que elas não gostavam, e
apreciam quando os conflitos são resolvidos através da conversa, sem gritos e sem
serem mandadas de volta para casa.
Os desenhos temáticos (Anexo 2) apontam como as crianças percebem o
NASPM: um lugar vivo, no qual existe movimento, brincadeira, oficinas de
aprendizagem de novas habilidades e pessoas significativas. Três das seis crianças
incluíram os educadores nos desenhos, atuando nas diversas oficinas ou apenas
registrando sua presença. Marcos, no desenho do NASPM, destaca os professores de
Futebol e Futsal, ele não destaca a atividade e sim os educadores. A aula de futebol é a
que ele mais aprecia e freqüenta, acreditamos que a inclusão dos educadores aponte
para uma vinculação positiva com os mesmos. Apenas uma criança enfatizou, no
desenho a estrutura física, em detrimento dos colegas e educadores.
Winnicott (1946/1999) quando expõe sua concepção da privação emocional
96
sofrida pela criança que apresenta tendência anti-social, afirma que a criança vai buscar
um suprimento ambiental cada vez mais amplo, a partir da vivência da impossibilidade
do ambiente familiar fornecer o holding para seu amadurecimento saudável. Este
ambiente mais amplo inclui os parentes próximos, a escola e, por fim, a sociedade. Os
sujeitos da nossa pesquisa evidenciam esta busca para além do contexto familiar,
quando com seu comportamento incomodativo mobiliza o ambiente a agir, através do
acolhimento e dos limites dos educadores, que podem recebê-los e compreender a
demanda afetiva que se esconde sob seu comportamento agressivo e agitado.
Luis, o menino que foi citado anteriormente, evidencia esta busca pelo ambiente
mais amplo, quando cita o coordenador do NASPM como alguém que procuraria para
pedir ajuda diante de problemas familiares associados à agressividade entre os pais.
Solicitaria sua ajuda, também, caso faltasse alimento na sua casa, ao mesmo tempo em
que valoriza estar participando das atividades do Núcleo e das conversas com o
coordenador.
O contrário do acolhimento, que se apresenta na forma de rejeição, ameaças,
indiferença aos sentimentos, ser mandado para casa, grosseria e gritos, é falado pelas
crianças como a pior coisa que um educador pode fazer. As seis crianças são unânimes
em afirmar que o educador que menos gostam é aquele que só faz gritar, brigar e
mandar a gente pra casa”. É possível observar, por vezes, uma confusão entre “ser
autoridade” e “ser temido” no discurso de algum educador. O relacionamento das
crianças com tal postura, não favorece o crescimento nem a cooperação, apenas o
silêncio da submissão, a revolta interna e o desejo de livrar-se da presença ameaçadora
de tal educador. Winnicott (1960/1993) escrevendo sobre o controle dos adultos sobre
as crianças aponta para a ineficácia do medo para estimular a cooperação:
97
As crianças sadias necessitam de quem lhes imponham um
certo controle; mas os indivíduos que impõem a disciplina
devem poder ser amados e odiados, desafiados e chamados a
ajudar; os controles mecânicos não tem aí qualquer utilidade,
e o medo não é o instrumento mais adequado para estimular a
cooperação. É sempre o relacionamento vivo entre duas
pessoas que abre espaço ao crescimento (p. 47).
Retomando o tema da fragilidade do holding familiar, percebemos, no contato
que mantivemos com as mães dos sujeitos, que as famílias apresentam-se
fragmentadas: a figura paterna está completamente ausente, não participando da vida
dos filhos como suporte financeiro, nem afetivo. As condições precárias de vida que
incluem deficiências de moradia, desemprego e a sobrecarga sobre a figura materna no
cuidar dos filhos, tornam a comunicação e a sustentação familiar à criança muito
precária. Três das seis crianças têm pais envolvidos com drogas e em todas as seis
famílias um dos pais ou os dois estavam desempregados.
Vejamos como os sujeitos referiram-se à figura paterna: quando a pesquisadora
perguntou quais as pessoas que se preocupam e cuidam de você, três das seis crianças
não citam o pai como parte de seu círculo de cuidado, as outras três incluem o pai, em
quarto ou quinto lugar, após citarem a mãe, tias, vizinhos e irmãos. Uma das crianças
que não incluiu o pai no círculo do cuidado falou o seguinte sobre sua família: “O que
eu ia gostar mais, era de morar em outro canto, sem meu pai e minha tia, só eu, minha
mãe e meus irmãos”. Esta criança era a única que morava com os pais na mesma casa
e tinha uma relação com ele marcada pela frieza afetiva e ausência de cuidado. Para
todas as outras que participaram da pesquisa, o pai não convivia com a família, por ter
abandonado a mulher e os filhos, por ter sido expulso de casa pela esposa ou por nunca
ter tido uma relação estável com a mãe da criança.
De maneira geral, no discurso dos sujeitos, a figura paterna está ausente, as
98
crianças pouco se referiram ao pai. A figura materna foi mais citada, sendo apontada
como alguém que cuida, dá carinho, faz comida e os encaminha para a escola e para o
NASPM.
Dentro deste contexto em que os pais se mostram fragilizados pelo álcool, pelas
drogas e pelas dificuldades econômicas, consideramos plausível a idéia da presença da
privação emocional. Roure Coelho & Resende (2001) e Neves (1997) apontam, no
tocante às famílias de baixa renda, que as condições desfavoráveis vividas criam uma
realidade que permite poucas possibilidades de investimentos afetivos – cria-se um
impasse na relação entre pais e filhos: por um lado, os filhos buscam nestes pais um
suporte com o qual possam identificar-se para constituírem-se enquanto sujeitos, e agir
no mundo – mas esse apoio encontra-se fragilizado perante as condições sociais e
econômicas em que estão mergulhados. Sabemos, também, que a maioria destes pais
são vítimas de uma longa história de privações que vão além das questões econômicas e
sociais. Parte da realidade de abandono e ausência de suporte afetivo vivenciado pelos
filhos foi vivenciada pelos pais, reproduzindo-se assim um ciclo de abandonos
prematuros e de amadurecimentos forçados.
Percebemos nas respostas das crianças que, nesta busca por acolhimento e
suporte para além da família, elas encontram os vizinhos, com quem estabelecem um
vínculo afetivo e de cuidado. Quatro entre as seis crianças apontaram os vizinhos como
alguém que cuida e se preocupa com elas. Vejamos como elas se referiram aos
vizinhos, incluindo-os no círculo do cuidado:
1. Minha vizinha, Maria, quer meu bem e dar de comer a
eu e meu vizinho José que me leva para passear em vários
lugares”.
2. “Minha vizinha que dá comida para mim quando eu estou
com fome e eu fico assistindo televisão na casa dela”.
3. “Meu vizinho André, que diz para eu não brigar na rua”.
4. “Minha vizinha que me dá dinheiro e, às vezes, dá
99
sorvete para mim.”
A quarta criança acima referida, não citou, no círculo do cuidado nem o pai,
nem a mãe, somente a vizinha e a avó materna como pessoas que cuidam e se
preocupam com ela. No caso dessa menina, os educadores do NASPM surgiram como
cuidadores no desenho temático e nas estórias para completar. Esta menina não incluiu
os pais quando se referia ao cuidado com ela.
A concepção winnicottiana do ato anti-social aponta para o fato de que este
comportamento, além de um gesto de esperança, é também um gesto que marca o
desamparo, isto é, sucumbiu o amparo emocional que o adulto inicialmente pôde dar a
esta criança diante das adversidades objetivas e subjetivas da vida. Sendo assim, este
outro, o adulto, alguém decisivo para perpetuar a crença da criança no amor, falha, e se
instala um imenso vazio de sustentação emocional da criança.
6.2.2 Sozinho: o abismo da solidão
As falas que se destacaram no discurso de três sujeitos, trazendo o tema da
solidão e da não esperança de contar com alguém em situações em que a criança
resolveria, ela mesma, suas dificuldades, surgiram em resposta ao que uma criança
fictícia faria diante de situações familiares difíceis tais como: briga entre os pais,
ausência das figuras parentais e falta de alimento em casa. As respostas foram:
1. Não procuraria ninguém, ia procurar acalmar eles”.
2. Não procuraria ninguém, saia pra rua”.
3. “Ia atrás do pai para trazer ele para casa”.
4. Preferia fazer as coisas sozinho, ia pescar pra trazer
comida pra casa”.
Tais respostas apontam para a desistência de buscar ajuda, conseqüência
provável de uma ausência de suporte ambiental firme e seguro, que é evidenciado
100
quando ninguém é visto como capaz de resolver o problema da criança e ela, sozinha,
busca uma solução, mesmo que esta solução seja, simplesmente, uma fuga para vagar
nas ruas. Paradoxalmente a este sentimento de ter que contar com seus próprios
recursos, de “se virarem” sozinhas no mundo, elas perturbam o ambiente, reclamando
um apoio seguro. Fica evidente, então, a precocidade com que estas crianças assumem
responsabilidades do adulto: de prover alimento para a família, resolver a briga entre os
pais e arrastar o pai de volta à família, porque sua ausência é insuportável. A infância
parece abortada neste contexto, há uma diluição da infância como espaço social, que foi
adquirido ao longo de alguns séculos. As falas destas crianças apontam para aqueles que
delas cuidam, que seus atos anti-sociais refletem, também, uma inquietação e uma não
conformação com esta solidão: em um momento, elas falam “Eu resolvo sozinha”, em
outro, elas, com sua destrutividade, buscam um interlocutor que compreenda sua
mensagem de inconformidade com esta solidão. Ela acredita, então, que o interlocutor é
encontrável, não está perdido para sempre. Sendo assim, seus atos anti-sociais
incomodam e são um grito de socorro, provocando dor e medo, provavelmente, na igual
dimensão em que elas vivenciam. Estas crianças são resilientes, elas não psicotizam,
não se suicidam, nem paralisam na depressão. Elas gritam sua dor com seus atos, já que
não sabem comunicar-se em palavras.
Winnicott (1950/1999), em todos os artigos em que escreve sobre a tendência
anti-social, postula sobre a dissolução de continuidade da provisão ambiental
representada pela família que falha, o que determina que estas crianças sejam, antes de
tudo, solitárias e infelizes, que fiquem feridas à procura de cuidados. Elas sabem que,
se forem cuidadas, sobreviverão. Ele postula, então, que o tratamento para a criança
anti-social é, principalmente, um ambiente externo coeso e firme, um “pai” e uma
“mãe” que sustentem um sistema que contenha a criança, que sobreviva aos ataques
101
dela. É a estabilidade do novo suprimento ambiental que dá a terapêutica, pois permite
que a criança reencontre a confiança no ambiente, para poder movimentar-se, agir e
excitar-se.
A solidão pode ser desfrutada como algo precioso quando a criança pôde
estar só na presença de alguém confiável. Desta forma, Winnicott (1958/1983) atribui
uma qualidade positiva de relação egóica, envolvendo uma outra pessoa na experiência
da solidão. Ele descreve o paradoxo implícito na capacidade do indivíduo ficar só:
Embora muitos tipos de experiência levem à formação
da capacidade de ficar só, há um que é básico, e sem o
qual a capacidade de ficar só não surge; essa
experiência é a de ficar só, como bebê ou criança
pequena, na presença da mãe. Assim a capacidade de
ficar só é um paradoxo; é a capacidade de ficar só
quando mais alguém está presente. (...) Maturidade e
capacidade de estar só significam que o indivíduo teve
oportunidade através da maternidade suficientemente
boa de construir uma crença num ambiente benigno (pp.
32,34).
Na criança anti-social, o desapossamento do suporte seguro, numa fase que ela
já percebia que a falha era do ambiente, abala profundamente a crença no ambiente
benigno e a impede de continuar seu desenvolvimento de forma saudável. Ela fica só,
quando ainda precisava de alguém confiavelmente presente, ela não percebe a
existência contínua de uma mãe disponível, consistente, que torne possível a criança
estar só e ter prazer de estar só por períodos limitados. Desta forma, a solidão aqui
vivenciada está associada, também, a uma revolta, por não poder recorrer a um adulto
que a sustente.
Tal revolta estava implícita na fala de Pedro, quando lhe indaguei, nas estórias
para completar, sobre o que faria uma criança se tivesse acontecido algo bom com ela
102
no final de semana. Ele respondeu, com expressão raivosa: “Eu ia ficar com a novidade
pra mim (...) eu ia contar pra quem?”. Perguntei-lhe, também, sobre o menino que não
tinha comida em casa, o que faria? Ele respondeu: “Ia pedir esmola (...) ia andar por
aí procurando comida”. Esta criança apresentava um comportamento constante de
agressividade destrutiva, tendo dificuldade de participar da rotina de qualquer oficina,
recusava-se a receber ordens e, diante de qualquer frustração, explodia com ataques
verbais violentos em relação aos educadores e agredia fisicamente as outras crianças.
Não evidenciava uma vinculação positiva com nenhum dos educadores e, quanto à
família, estava sempre fora de casa, andando pela vizinhança. A pergunta de Pedro: “Eu
ia contar pra quem?” evidencia o sentimento da ausência de uma presença necessária e
de um interlocutor para ouvir o que tem a dizer.
Encontramos, também, uma resposta que aponta a solidão e o desamparo de
uma criança quando não acredita que alguém esteja presente para cuidar dela: a
pesquisadora perguntou a Marcos, mostrando-lhe o círculo do cuidado: “Quais as
pessoas que se preocupam e cuidam de você?” A primeira resposta dele, com uma
expressão de tristeza no olhar, foi “Ninguém”. Depois de alguns minutos de silêncio,
ele citou a mãe, a irmã e quase por último, o pai. Este se separou da mãe por causa do
alcoolismo e mora em outra cidade. Visita o filho, esporadicamente. O contato com a
ex-mulher e os filhos está direcionado à provisão material. Marcos, quando inclui o pai
no círculo do cuidado, refere-se a esta inclusão pelo fato “Dele mandar dinheiro”. Não
se refere a qualquer contato com o pai que envolva afetividade.
No período em que realizamos a observação das atividades das crianças no
NASPM, Marcos nunca expressou um sorriso, estava sempre de cara fechada,
demonstrando um mau humor constante e dificuldades em se socializar. No entanto, era
uma das primeiras crianças a chegar ao Núcleo e, raramente, faltava às atividades.
103
Marcos, conforme relatado anteriormente, apontava o Coordenador do NASPM como a
pessoa que mais gostava, porque possibilitou a sua entrada no Núcleo, tirando-o da rua.
Pedro evidenciava um comportamento arredio com os educadores, ficava
perambulando pelo Núcleo sem participar de nenhuma oficina. No entanto, a sua busca
e esperança de encontrar um interlocutor está presente quando afirma que a pessoa que
ele mais gosta no NASPM é a pesquisadora, e justifica, “Você conversa com a gente e
não grita”. Cita, também a educadora, que já não trabalha mais no NASPM: “Eu
gostava dela porque quando a gente fazia coisa errada ela conversava”. Esta criança,
nos contatos que estabelecemos com ela, inicialmente, mostrava-se extremamente
desconfiada e hostil, mas com o passar do tempo foi ficando mais solta, falava de si
com mais espontaneidade e, mesmo quando terminaram os encontros para a coleta de
dados, ele continuava perguntando à pesquisadora quando iríamos retomar nossas
conversas e desenhos.
Outra criança, Maria, evidencia, também, o quanto se sente e desamparada
dentro do contexto familiar: falando sobre sua família, ela afirma que não quer morar
com o pai e sim com sua mãe e irmãos. No entanto, quando perguntamos, no círculo do
cuidado, quais são as pessoas que se preocupam e cuidam dela, ela não inclui a mãe
neste contexto do cuidado, cita a vizinha que lhe dá sorvete, de vez em quando, e a avó
que não mora com ela, a quem ela visita, nos finais de semana. Assim refere-se à avó:
Eu vou para casa dela e ela me chama para perto dela (...) ela se preocupa com meu
avô e eu”. No discurso dessa menina, constatamos como o suporte é precário e como
ela busca resolver sozinha as situações difíceis de sua vida, ela parece contar muito
pouco com o ambiente a sua volta: um sorvete da vizinha e um pouco de carinho da
avó.
Ao completar as estórias, ela responde a segunda e a terceira estórias, que ela
104
mesma tentaria resolver os problemas de desavenças entre os pais. Quando se refere a
alguém que procuraria para ajudá-la, ela cita o Coordenador do NASPM (para
fornecimento de cesta básica) e uma das educadoras que lhe acalmava nas suas crises
de agressividade. A família, como uma referência de cuidado, concretiza-se apenas na
figura da avó materna. Os pais não são citados como referência de suporte seguro, pelo
contrário, o pai é alguém de quem ela quer manter-se distante. A mãe de Maria
descreve o pai dela da seguinte forma: “Ele nunca ligou pra os filhos, nem pra ela
(Maria). Ela (Maria) não gosta dele, mas ele nunca deu carinho a ela”. Nesta família
existe um ambiente de brigas constantes entre a mãe de Maria, uma tia e o pai de Maria.
6.2.3 Atraídos pela “Gang Alvinegra” e a “Máfia Vermelha”
As crianças estão buscando outro quadro de referência fora do lar, na falta dos
pais como referenciais identitários significativos suficientemente consistentes.
Quando a criança anti-social perdeu a segurança do colo e do olhar da mãe, que
mostravam o quanto o mundo é seguro ou o quanto ele, bebê, estava seguro neste
mundo por ter nela, mãe, um lugar de referência, essa criança vai buscar ao seu redor
outro quadro de referência para reencontrar a segurança perdida. Ela buscará
enfurecidamente, mas também, extremamente indefesa. Poderá, então, encontrar
grupos que proclamam sua força, através da violência, e isto pode mostrar-se atraente
para quem se sente, ao mesmo tempo raivoso e desamparado.
Saltou-nos aos olhos, ao longo das entrevistas com os sujeitos da pesquisa, a
atração e encantamento que eles apresentaram em relação à “Máfia Vermelha” e à
“Gang Alvinegra”. Três das seis crianças passaram a solicitar para gravarem elas
cantando os “hinos desses grupos”. Estes dois grupos são, o que eles chamam de
torcida organizada dos times de futebol ABC e América. Tais grupos têm uma
105
tradição de comportamento violento, dentro e fora dos estádios de futebol. Nos dias de
jogos, intimidam e agridem torcedores adversários. As mães desses meninos, na
entrevista que realizamos com elas, também expressaram sua preocupação com o
interesse deles em “andarem com a Máfia ou a Gang”, porque são grupos violentos e
não queriam ver seus filhos envolvidos com esta turma. Os meninos, no entanto,
mostraram-se bastante empolgados com a “Máfia e a Gang”, falaram que gostavam
das músicas e que admiravam porque eles eram “fortes”, ninguém se metia com eles.
Esses meninos tentaram pichar os muros do NASPM com o nome desses grupos, mas
foram contidos pelos educadores.
Winnicott (1946/1999) nos fala sobre o que acontece com a criança, quando
ela perde os pais como uma referência para sua vida e para nortear seu
comportamento:
Ora, o que acontece se o lar faltar à criança antes de
ela ter adquirido uma idéia de um quadro de referência
como parte de sua própria natureza? A idéia corrente é
que vendo-se ‘livre’, a criança passa a fazer tudo o
que lhe dá prazer. Isso está muito longe da verdade.
Ao constatar que o quadro de referência de sua vida
se desfez, ela deixa de se sentir livre. Torna-se
angustiada e, se tem alguma esperança, trata de
procurar um outro quadro de referência fora do lar
(p.130, grifos nossos).
Percebemos, através da fala das crianças, o quanto a “Gang e a Máfia”
estavam sendo buscadas como uma nova referência, tendo em vista que estas mesmas
crianças expressaram a solidão e o desamparo que permeiam suas vidas, e também
expressam esperança quando vão buscar, no contexto social mais amplo, as
referências que não estão encontrando nos seus próprios lares. Um dos sujeitos passou
a reproduzir o comportamento desses grupos dentro do Núcleo. Ele agrediu um colega
porque estava com a camisa do time adversário. Percebe-se que esses grupos
106
destacam-se no discurso das crianças como modelos de identificação, o que pode
indicar a ampliação do comportamento violento dessas crianças. Dois dos sujeitos, os
que mais citaram a “Gang” e a “Máfia”, apontaram a violência física como forma de
resolver problemas familiares. Ao serem indagados sobre o que uma criança fictícia
faria diante do pai que a espancasse constantemente, responderam: “Ele se juntava
com os irmãos e matava o pai...ele dava uma nele” e, “Ele chegava perto dos amigos
dele e dizia vamos dar uma lapada nele”. Fica sinalizada nestas respostas a falta de
autocontrole presente na criança anti-social, pelo fato dela não ter desenvolvido um
bom ambiente interno. Também evidencia a dificuldade destas crianças em
aproveitarem as suas forças agressivas para a tarefa de viver, amar e brincar.
Não havendo mais o brincar, o que resta a uma criança quando não nela a
possibilidade de se expressar criativamente no mundo? A criança anti-social busca
fazer-se reconhecer com uma arma na mão, roubando, fazendo estardalhaço,
destruindo. A crença nas instituições legais, nos representantes da lei, como a polícia,
para resolver tais questões, está abalada. Aqui, podemos ampliar a extensão da falha
ambiental para a sociedade que, com sua estrutura injusta, não acolhe essa criança e
essa família, dando-lhe condições de vida digna. A sociedade somente cobra e pune a
criança e o jovem anti-social. A criança anti-social não tem um lar que a sustente e a
sociedade na era da fluidez de instituições, sentimentos e limites, também não
consegue acolher a criança nos seus movimentos de crescimento.
Uma criança, quando sai do colo e dos braços da mãe, quando sai da esfera de
seus cuidados e busca um círculo cada vez mais amplo que lhe proporcione cuidado,
ela pode perder-se nesta busca, principalmente se percebe que não tem para onde
voltar e não tem o olhar do outro acompanhando-lhe em sua busca. A partir da
imagem dos círculos que se englobam, Winnicott (1960/1993) estuda a questão da
107
saída da criança para esse espaço mais amplo no contexto da rebeldia:
Na rebeldia o indivíduo rompe o círculo imediato que o
envolve e dá segurança. Mas duas coisas são necessárias
para que esse rompimento seja vantajoso. O indivíduo
precisa inserir-se num círculo cada vez mais amplo que
esteja pronto a aceitá-lo, o que equivale a dizer que ele
tem necessidade de retornar à situação rompida. Na
prática a criança precisa sair do colo da mãe, mas não
daí para o espaço sideral; esse afastamento deve dar-se
a uma área maior, mas ainda sujeita a controle (p. 132,
grifos nossos).
Acreditamos que, na tendência anti-social, a criança, na ausência do holding
familiar, vê-se lançada no “espaço sideral”, e sai para o círculo social mais amplo,
correndo um sério risco de não encontrar sentido em voltar ao lar. Desta forma, ela
pode ser aliciada pelas “Gangs” da vida, por não ter onde apoiar-se. Winnicott
(1960/1993) descreve o que pode acontecer neste movimento de sair de casa:
“Quando tudo corre bem, a criança continua sendo capaz de voltar para casa apesar da
rebeldia inerente ao ir embora. (...) É muito difícil para a criança elaborar os conflitos
inerentes ao sair e voltar sem um apoio satisfatório da família” (p. 132).
Percebemos, nas entrevistas com as mães, que os sujeitos da pesquisa, em sua
maioria, passam a maior parte do dia fora de casa. Quando não estão no NASPM,
vagueiam, pelas ruas da cidade, tendo em vista que alguns foram expulsos da escola e
outros não permanecem todo o horário escolar, na escola. Vagueiam pelas ruas sem a
supervisão dos pais que, na maioria das vezes, não sabem onde eles estão. Estas
crianças vagueiam carregando uma agressividade excessiva dentro de si e na maioria
das vezes sem controle, o que implica uma grande dificuldade em encontrar e amar
uma pessoa. Segundo Winnicott (1939/1999), quando a maneira de lidar com o
mundo de forma cruel e destrutiva ameaça ser dominante à forma amorosa, “... o
indivíduo tem de fazer alguma coisa para salvar-se, e uma das coisas que ele faz é pôr
108
para fora o seu íntimo, dramatizar exteriormente o mundo interior, representar ele
próprio o papel destrutivo e provocar seu controle por uma autoridade externa” (p.
99). As crianças vão, portanto, ampliando seu grito de socorro, com comportamentos
cada vez mais violentos em busca de uma autoridade externa. O encantamento pela
“Máfia” e pela “Gang” assinala isto: “Observem o que vou fazer com todo o meu
ódio, se ninguém me conter”.
Para além da família, da vizinhança e da escola, a criança anti-social busca na
sociedade e nas suas leis a continência para seu comportamento destrutivo, mas ela
encontra uma sociedade imersa numa guerra civil de assaltos, assassinatos e estupros,
que não pode acolhê-la em seus movimentos de expansão e destrutividade. Encontra
grupos como a “Gang” e a “Máfia”, que divulgam sua força através da violência e
estas crianças sem a sustentação da família e da sociedade, imersas em seus
ressentimentos, ficam destituídas de laços sociais que dêem significado à sua
existência, restando o caminho da tirania e do terror.
109
7 CONCLUSÃO
Esta dissertação objetivou compreender como as crianças que apresentavam
comportamentos expressivos de tendência anti-social no contexto do NASPM
significavam o educador social no papel de cuidador. Conforme observamos, os sujeitos
da pesquisa trouxeram temas associados à necessidade de acolhimento e suporte afetivo
do ambiente que os cerca, neste caso o NASPM. Percebemos que eles valorizaram ter
saído das ruas e terem sido inseridos no NASPM, serem ouvidos nas suas dificuldades,
perceberem que alguém se interessa verdadeiramente por sua existência. Ser acolhido,
diferentemente de ser mandado embora, faz uma grande diferença para algumas crianças
que vivenciam uma realidade de exclusão social, agravada pelo fato de que seus
comportamentos incomodativos desencadeiam, na maioria das vezes, atos de rejeição e
expulsão: da família, da escola e até do NASPM (através de alguns educadores), o qual
tem como um dos objetivos retirar a criança das ruas e do trabalho considerado penoso,
perigoso, insalubre e degradante.
Percebemos o quanto elas valorizam ter um espaço para o aprendizado e para as
brincadeiras. Um espaço que tenha um contorno, no qual elas não se sintam soltas sem
um adulto que olhe por elas. Elas valorizam estar dentro do NASPM, apenas brincando.
Mesmo sem atividades nas oficinas, elas preferem estar lá, a estarem do lado de fora,
110
soltas, sem amparo, sozinhas, perambulando pelas ruas. Esta preferência por estar dentro
da instituição a estar fora dela e a ênfase que foi dada pela maioria dos sujeitos quanto ao
valor positivo do acolhimento e do suporte recebido dentro da instituição, a partir da
atitude de alguns educadores, indica-nos o quanto o vínculo com uma figura humana
significativa, que forneça o holding, nos termos winnicottianos, pode contribuir para a
criança anti-social reencontrar o que se perdeu ao longo de sua existência e propiciar a
retomada do desenvolvimento saudável. Winnicott enfatiza que essas crianças precisam
de um ambiente severo e forte, mas, principalmente, amoroso.
Ser reconhecida e percebida como uma pessoa que tem sentimentos, experienciar
o olhar do outro que se interessa verdadeiramente pela sua existência e a acalma em suas
turbulências emocionais é algo que a maioria dos sujeitos da pesquisa expressaram, que
necessitam e que encontram em alguns educadores do NASPM. A disciplina e os limites,
também são bem vindos, as crianças valorizavam a colocação de limites desde que ela
seja feita com calma, conversando e sem gritos.
Como foi visto nos capítulos anteriores, a criança com comportamentos anti-
sociais perturba o ambiente e busca, no contexto cada vez mais amplo, o suporte
ambiental na forma de acolhimento e limites. Ela busca na escola, na comunidade e nas
instituições que freqüenta, a quantidade de suporte ambiental, que há muito foi perdido na
sua família. Observamos e constatamos nas entrevistas, com as mães dos sujeitos da
pesquisa, que o lar e a comunidade onde essas crianças estão inseridas as expõem à
violência, ao tráfico e ao consumo de drogas, negligência e exploração. As famílias
encontram-se tão vulneráveis como as crianças e não dispõem de uma rede social de
apoio. O suporte ambiental, representado pela família, foi perdido há muito tempo. Essas
111
crianças vagueiam sozinhas pelas ruas, quando não estão no NASPM. Cinco das seis
crianças da pesquisa não estão freqüentando a escola regularmente. Duas delas foram
expulsas da escola em 2005, por mau comportamento (agressividade e destrutividade) e
passam suas tardes ou manhãs perambulando pelas ruas, envolvendo-se com más
companhias e praticando pequenos assaltos. Uma delas já está envolvida com o consumo
de drogas. Alguns sujeitos da pesquisa, apesar de ainda estarem ligados à família, passam
a maior parte do tempo na rua, sem supervisão dos pais, sendo a rua o espaço de lazer, de
trabalhar e de pedir esmola. Fica evidente, contudo, no discurso e comportamento dos
sujeitos da pesquisa, que eles ainda não preferem estar na rua, eles gostam e preferem
estar no NASPM (brincando e aprendendo novas habilidades nas oficinas), acham ruim
quando a punição por mau comportamento implica mandá-los para casa.
Percebemos que estas crianças vivem no limite da sobrevivência, e a qualquer
momento podem seguir a trilha perigosa de “gostar da rua”, o que significa perder o
contato com a família e a instituição. Desta forma, a ausência da sustentação no lar e na
sociedade, a condição de solidão e de vulnerabilidade física e emocional, bem como a
busca por modelos de identificação empurram estas crianças para o envolvimento com
grupos violentos, como a “Gang alvinegra” e a “Máfia vermelha”, que elas encontram na
rua e parecem ser o caminho para elas sentirem-se fortes. Na sua fragilidade, elas se
identificam com o poder deles que é exercido através da violência.
Observamos que a equipe de educadores do NASPM, apesar de trabalhar em
situação precária, pois falta material para trabalhar, remuneração digna e o usufruto dos
direitos do trabalhador, apresentam, de maneira geral, uma atitude de sensibilidade e
interesse pelas dificuldades de vida vivenciadas por estas crianças. Apesar de não
112
passarem por nenhum treinamento específico, que os orientem quanto ao lidar com
“crianças difíceis”, apresentam, na maioria das vezes, empatia por elas, que os tornam
afetuosos e sinceramente interessados em ajudá-las nas suas dificuldades –
comportamentais e de aprendizagem – constituindo assim, em muitos momentos, o
espaço do Núcleo, um espaço de suporte e hospitalidade.
Existem, também, aqueles que se mostram impacientes e desanimados, que
estigmatizam as crianças e tentam discipliná-las através do grito e do medo, olham para
as crianças turbulentas e agitadas como “casos sem recuperação” e querem se ver livres
delas. Contudo, a sensibilidade do coordenador geral, para as necessidades dessas
crianças anti-sociais, tem evitado que, mais uma vez, elas fiquem sem lugar de
pertencimento.
Diante do conjunto de reflexões acima, considera-se relevante o fato das crianças,
sujeitos de nossa pesquisa, evidenciarem um movimento de busca de uma vinculação
afetiva que lhes dê suporte e acolhimento, de forma tão explícita, evidenciando, também,
o reconhecimento do que recebe de bom do meio com uma linguagem tão clara e precisa.
Retornamos ao paradoxo do comportamento anti-social: a criança que rouba, destrói e
incomoda, provocando a rejeição naqueles que a cerca, tão rapidamente responde ao gesto
de acolhimento que dirigimos a elas, estabelecendo um contato afetivo sincero com quem
a recebe, apóia e incentiva. As crianças agarram-se ao apoio que lhes é dado, por isto
insistem em ficar no NASPM, choram quando não lhe permitem estar lá, lembram com
carinho e saudade o educador que as ouviam com atenção nas suas dificuldades.
Valorizam esse espaço de cuidado, identificam a qualidade positiva do suporte que os
educadores lhes dão. Reclamam, quando não recebem o cuidado e acolhimento esperado.
113
O importante é acreditarmos que existem soluções viáveis para possibilitar a
retomada do desenvolvimento saudável e que as crianças anti-sociais, não desistem, estão
cheias de esperança, mesmo tendo sua confiança no mundo abalada pela (de)privação.
Quanto àqueles que cuidam dessas crianças, no próprio lar e na sociedade,
Winnicott (1939/1999) é bem claro ao enfatizar que somente haverá sucesso nesse
acolhimento se quem as assumir sobreviver às investidas destrutivas e desarmônicas que
elas demandarão. E, quanto às crianças, somente àquelas que não se endureceram, a ponto
de poder sentir o sofrimento da situação de desapossamento que viveram, podem ser
ajudadas, podem enxergar as saídas do abismo, para o qual foram empurradas pela vida.
114
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120
APÊNDICES
121
Apêndice A
ROTEIRO PARA ENTREVISTA COM A MÃE
1 Iniciais da criança: Idade:
2 Iniciais do responsável: Idade:
3 SITUAÇÃO FAMILIAR
4 Ocupação do Pai: Idade:
5 Escolaridade:
6 Ocupação da Mãe: Idade:
7 Escolaridade:
8 Estado civil: Renda Familiar:
9 Caso sejam separados, motivo da separação:
10 Constituição familiar (identificação dos membros):
11 Pessoas que residem com a criança (idade, parentesco):
12 Como é a rotina familiar?
13 Quais as dificuldades que a família enfrenta?
14 SOBRE A CRIANÇA
15 A criança estuda atualmente?
16 Qual o nível de escolaridade?
17 Se não estuda, por quê?
18 Como é a rotina da criança atualmente?
19 Quais os comportamentos da criança que causam preocupação?
20 A criança mostra-se agressiva na família, com os colegas, na escola?
21 Como ela expressa a agressividade?
22 Quais as atitudes da família em relação a agressividade dela?
122
23 SOBRE O NASPM
24 Há quanto tempo à criança freqüenta o NASPM?
25 O que acha do trabalho que o Núcleo faz com as crianças?
26 Quais os benefícios que trouxe para a criança, freqüentar o Núcleo?
27 Tem alguma crítica a fazer sobre a atuação do Núcleo? Quais?
123
Apêndice B
ESTÓRIAS PARA COMPLETAR
1 Era uma vez um menino(a) que ao chegar ao Núcleo, pela manhã, estava muito
alegre porque aconteceu algo muito bom na vida dele no final de semana.O que ele
faria?
2 Um menino(a) de 10 anos, frequentava o NASPM , e estava muito triste porque
tinha presenciado uma briga entre seus pais. Ele não gostava quando isto acontecia,
porque eles gritavam muito quando brigavam. Ele procuraria ajuda de alguém?
Caso ele resolvesse procurar ajuda quem ele procuraria?
3 Uma criança estava sentindo-se só e triste porque seu pai tinha saído de casa, não
estava mais morando com a família. Agora, a famíla era formada por ele, a mãe e os
irmãos. A mãe trabalhava o dia todo e a noite quando chegava em casa estava
sempre cansada e preocupada, não tendo disposição para conversar e brincar com os
filhos. O que esta criança faria? Procuraria ajuda de alguém? Caso resolvesse
procurar ajuda quem ele procuraria?
4 Certa vez, uma criança estava passando por grandes dificuldades porque há vários
dias faltava comida em casa. Seu pai estava desempregado e o dinheiro que sua mãe
ganhava não dava para comprar comida necessária para todos da casa. A criança
estava preocupada e com muita fome. Ela procuraria alguém para pedir ajuda? Caso
procurasse, qual seria a pessoa que procuraria?
5 Uma criança que freqüentava o NASPM teve uma experiência muito positiva lá,
que a deixou alegre e muito satisfeita. O que foi que aconteceu de bom?
6 Uma criança que freqüentava o NASPM há muito tempo, gostava muito de alguém
que trabalhava lá. Quem era esta pessoa? Por que ela gostava tanto dela?
7 Outra criança que, também, freqüentava o NASPM, teve uma experiência ruim lá.
Algo aconteceu que ele não gostou e que a deixou muito chateada. O que foi que
aconteceu?
124
ANEXOS
125
ANEXO 1
CÍRCULO DO CUIDADO
Figura adaptada por Dulcinéia Pires Azevedo do livro “Quando alguém muito especial
morre”. Autora: Marge Heegaard Ed. Artmed.
126
Anexo 2
DESENHOS TEMÁTICOS
127
128
129
130
131
131
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