50
(...) tais fendas observadas no papel da mãe como escudo
protetor só adquirem valor de trauma cumulativamente e
retrospectivamente (pp. 62-63).
Assim, as falhas, que são traumas, acontecem de forma gradual e não somente
uma vez, são falhas pequenas que desilusionam o bebê e a criança quanto à constância
do meio que os suprem, gerando, desta forma, condutas anti-sociais como um dos tipos
de resposta a eles.
Winnicott (1967/1994) faz uma descrição detalhada de como ele vê o caminho
da tendência anti-social até a delinqüência, em um depoimento dele no final da sua vida,
em que ele reavalia todo o seu trabalho:
Acho que foi uma contribuição muito importante, desde
meu ponto de partida em que subitamente, em uma
palestra, descobri-me dizendo que o ato anti-social
delinqüente pertence ao momento de esperança. De
maneira que então tive de inventar a expressão
“tendência anti-social”, para reuni-la com a criança que
furta um tostão do bolso de alguém ou que tira alguns
bolinhos, a que tem perfeito direito na despensa. Quis
unir isso com as tendências que podem conduzir à
delinqüência. Nesta última, que não significa nada
definido, os lucros secundários se tornaram mais
importantes que a causa original que se perdeu. Meu
material clínico, porém, trouxe-me ao fato de que o que
existe por trás da tendência anti-social em qualquer
família normal ou não, é a privação, e o resultado da
privação é a calmaria, a desesperança, a depressão de
algum tipo, ou qualquer outra defesa de vulto. Mas, à
medida que a esperança começa a aparecer, então a
criança estende a mão para ela, tentando recuperar por
sobre a área de privação, o objeto perdido. Trata-se de
algo importante, e a vida foi diferente para mim após
isso, porque agora sabia o que fazer com os meus
amigos que me estavam trazendo suas crianças por estas
apresentarem uma tendência anti-social em um lar
perfeitamente bom. Descobri que antes de os lucros
secundários aparecerem, isto não é algo difícil de tratar,
ainda que não em todos os casos (p. 439, grifos nossos).