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UNIVERSIDADE METODISTA DE PIRACICABA
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
NEUSA ALTOÉ
AS UNIVERSIDADES ESTADUAIS DO PARANÁ: OS
CAMINHOS DA HETERONOMIA
PIRACICABA – SÃO PAULO
2007
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NEUSA ALTOÉ
AS UNIVERSIDADES ESTADUAIS DO PARANÁ: OS
CAMINHOS DA HETERONOMIA
Tese apresentada à Faculdade de Educação da
Universidade Metodista de Piracicaba
UNIMEP, como requisito parcial para
obtenção do título de Doutora em Educação.
Orientador:
Prof. Dr. Valdemar Sguissardi
PIRACICABA – SÃO PAULO
2007
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NEUSA ALTOÉ
AS UNIVERSIDADES ESTADUAIS DO PARANÁ: OS CAMINHOS DA
HETERONOMIA
Tese apresentada à Faculdade de Educação da
Universidade Metodista de Piracicaba
UNIMEP, como requisito parcial para
obtenção do título de Doutora em Educação.
Aprovada em
BANCA EXAMINADORA
Prof. Dr. VALDEMAR SGUISSARDI - UNIMEP
Orientador
Prof. Dr. CLEITON DE OLIVEIRA - UNIMEP
Prof. Dr. ELIAS BOAVENTURA - UNIMEP
Prof. Dr. VALDEMIR PIRES - UNESP
Prof. Dr. NELSON CARDOSO AMARAL - UFG
DEDICATÓRIA
Dedico este estudo aos meus pais Francisco Hermínio Altoé (in
memorian) e Elidia Lorençon Altoé pelo incentivo, carinho, amor e
exemplo de vida. Ao meu pai pela coragem como sempre enfrentou a
vida desde a época da 2ª Guerra Mundial na qual lutou bravamente,
como pioneiro nos momentos difíceis desbravando o Norte do Paraná
e por fim na luta contra o Alzheimer. À minha mãe pela mulher
guerreira e companheira que nunca deixou que eu fracassasse.
Mesmo em meio às maiores dificuldades, sempre me incentivaram na
busca do conhecimento.
AGRADECIMENTOS
À Universidade Estadual de Maringá, pela liberação para que eu pudesse me dedicar
integralmente ao curso.
Ao professor Doutor Valdemar Sguissardi, meus sinceros agradecimentos, não apenas pela
orientação firme e segura, mas também pelo incentivo, confiança e amizade nesses anos de
convivência.
Aos professores Doutores do Programa de Pós-Graduação em Educação da UNIMEP, aos
colegas de Curso, ao Núcleo de Estudos e Pesquisa de Gestão e Política da Educação, pelos
conhecimentos transmitidos e compartilhados.
Ao professor Dr. Neio Lúcio Peres Gualda, pela grande amizade, pelos incentivos e pela
orientação na coleta de dados estatísticos e econômicos.
Às minhas amigas de viagem Ely e Viviane, pelo companheirismo e apoio.
Aos meus filhos Melca e Mateus pelo carinho e por compreenderem e aceitarem todos os
momentos em que eu estive ausente em suas vidas.
Aos meus irmãos, cunhadas e sobrinhos que sempre me apoiaram, me incentivaram e me
ajudaram a cuidar dos meus filhos na minha ausência.
À Márcia de Souza por ser meu porto seguro me incentivando nas horas difíceis.
Ao João Carlos de Araújo, pelo companheirismo e dedicação em todos os momentos desta
caminhada.
Aos professores e técnico-administrativos da Universidade Estadual de Maringá, pela
disponibilidade em fornecer dados, sem os quais este estudo não teria sido realizado.
Agradeço a todos os amigos, em especial Elma, Ângela, Sônia, Inês, Celenei, José Carlos,
Bete Suga, Marcos e Tiana pelo incentivo para que meu sonho se tornasse realidade.
LISTA DE GRÁFICOS, TABELAS E FIGURAS
TABELA I – Número e percentual de cursos de graduação presencial por categoria
administrativa – Brasil 1995 – 2005.................................................................70
TABELA II - Evolução do número de Instituições de Educação Superior por categoria
administrativa – Brasil – 1997-2005.................................................................71
TABELA III - Número de Instituições de Educação Superior no Estado no Paraná –
1995 e 2005.......................................................................................................78
TABELA IV - Número de Cursos de Graduação Presenciais por Organização Acadêmica
no Estado do Paraná – 1995 e 2005.................................................................79
FIGURA 01Localização das Univers. e Faculdades Públicas Estaduais Paranaenses.........80
TABELA V - Faculdades Isoladas que Compõem a UNESPAR.............................................82
TABELA VI - Valores Empenhados e pagos nas IEES – Período de 1995 a 2005.................84
GRÁFICO I – Participação das Despesas Empenhadas na Arrecadação de ICMS – 1995......84
GRÁFICO II – Participação das Despesas Empenhadas na Arrecadação de ICMS – 2005.....84
TABELA DAS INSTITUIÇÕES – Percentuais da Receita de ICMS......................................89
TABELA VIIReceita Própria Diretamente Arrecadada pelas IES - 1995 e 2005................93
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ANDES Associação Nacionais dos Docentes de Ensino Superior
ANDIFES Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino
Superior
APIESP Associação Paranaense das Instituições de Ensino Superior do Paraná
ASA Agências Sociais Autônomas
BANESTADO Banco do Estado do Paraná
BIRD Banco Interamericano de Desenvolvimento
BM Banco Mundial
CAFE Coordenação de Administração Financeira
CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CELEPAR Companhia de Informática do Paraná
CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
CONCITEC Conselho Estadual de Ciência e Tecnologia
COP Coordenadoria de Orçamento e Programação
CRAFE Conselho de Reestruturação Fiscal do Estado
CRUB Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras
DAU Diretoria de Assuntos Universitários
EMBAP Escola de Música e Belas Artes do Paraná
FAEFIJA Faculdade Estadual de Educação Física de Jacarezinho
FAFI-CP Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de Cornélio
Procópio
FAFI-UV Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de União da Vitória
FAFIJA Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de Jacarezinho
FAFIPA Faculdade Estadual de Educação, Ciências e Letras de Paranavaí
FAFIPAR Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de Paranag
FAP Faculdade de Artes do Paraná
FASUBRA Federação de Sindicatos de Trabalhadores das Universidades
Brasileiras
FECEA Faculdade Estadual de Ciências Econômicas de Apucarana
FECILCAM Faculdade Estadual de Ciências e Letras de Campo Mourão
FFALM Fundação Faculdades Luiz Meneghel
FMI Fundo Monetário Internacional
FUNDINOPI Faculdade Estadual de Direito do Norte Pioneiro de Jacarezinho
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
ICMS Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços
IES Instituições de Ensino Superior
IFES Instituições Federais de Ensino Superior
INEP Instituto Nacional de Estudos Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
LDB Lei de Diretrizes e Bases da educação Nacional
LDO Lei de Diretrizes e Bases Orçamentárias
LOA Lei Orçamentária Anual
MARE Ministério da Administração Federal e da Reforma do Estado
MCT Ministério da Ciência e da Tecnologia
MEC Ministério da Educação
ONU Organização das Nações Unidas
PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
PP Plano Plurianual
PPP Parcerias Público-Privada
PROUNI Programa Universidade para Todos
SEFA Secretaria de Estado da Fazenda
SETI Secretaria de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior
SIAF Sistema Integrado de Acompanhamento Financeiro
SINAES Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior
TIDE Tempo Integral e Dedicação Exclusiva
UEL Universidade Estadual de Londrina
UEM Universidade Estadual de Maringá
UEPG Universidade Estadual de Ponta Grossa
UNE União Nacional dos Estudantes
UNESPAR Universidade Estadual do Paraná
UNICENTRO Universidade Estadual do Centro-Oeste
UNIMEP Universidade Metodista de Piracicaba
UNIOESTE Universidade do Oeste do Paraná
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO...............................................................................................13
CAPÍTULO I.....................................................................................................................20
2 O ESTADO, POLÍTICAS, DESENVOLVIMENTO, UNIVERSIDADE
E SEUS SIGNIFICADOS SOB UMA PERSPECTIVA HISTÓRICA.....20
2.1 Introdução........................................................................................................20
2.2 O Estado Moderno na Sociedade Capitalista...............................................20
2.3 A Política numa Perspectiva Histórica..........................................................37
2.4 O Desenvolvimento e o Processo de Transformação Social.........................41
2.4.1 As Transformações no Processo de Desenvolvimento Brasileiro Pós-1964.....43
2.5 A Universidade e sua Função Social..............................................................47
CAPÍTULO II...................................................................................................................54
3 A REFORMA DO ESTADO: AS POLÍTICAS NEOLIBERAIS E
SUAS IMPLICAÇÕES PARA O ENSINO SUPERIOR BRASILEIRO..54
3.1 Introdução........................................................................................................54
3.2 A Reforma do Estado Brasileiro Pós-1990....................................................56
3.3 A Influência dos Organismos Multilaterais na Reforma do Estado...........60
3.4 Ensino Superior Brasileiro e as Políticas Neoliberais..................................64
3.5 Entre a Universidade Autônoma-Independente e a Universidade
Heterônoma-dependente................................................................................74
CAPÍTULO III..................................................................................................................78
4 AS INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR PÚBLICAS DO
PARANÁ: AUTÔNOMAS E/OU HETERÔNOMAS.................................78
4.1 Introdução........................................................................................................78
4.2 Origem do Ensino Superior Público Paranaense.........................................80
4.2.1 Controle Estatal do Ensino Superior.................................................................85
4.2.2 As “Investidas” para Desobrigação do Estado..................................................86
4.2.2.1 Agência Social Autônoma – Gestão Jaime Lerner (1995-1998).......................87
4.2.2.2 A Lei 11.500 – Prestação de Serviço.................................................................91
4.2.2.3 Os Sistemas de Operacionalização Financeira e Elaboração e
Controle Orçamentário.....................................................................................91
4.2.2.4 Termo de Autonomia Provisória – Jaime Lerner (1999-2002).........................93
4.2.2.5 Projeto Governamental de Autonomia Definitiva (2001).................................95
4.2.2.6 Intervenção Autoritária – Roberto Requião (2003-2006)...............................104
4.2.2.7 A Face Velada da Intervenção – Os Tetos Orçamentários..............................106
4.2.2.8 A Reinvenção do Estado e os Caminhos da Heteronomia das
Instituições Públicas do Ensino Superior do Estado do Paraná......................110
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................116
6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................123
RESUMO
Este estudo tem como objetivo a análise das mudanças impostas pelo Estado do Paraná no
gerenciamento dos recursos financeiros das instituições de ensino superior, no período de
1995 a 2005, e examinar se o novo modelo contribui para a efetividade da autonomia ou da
heteronomia administrativa, financeira e patrimonial. Para tanto, analisaram-se aspectos do
Estado moderno, da política, do desenvolvimento e da inserção da universidade neste
contexto, bem como as orientações das políticas dos organismos multilaterais, e a relação
destas com a proposta da reforma presente no Plano Diretor da Reforma do Aparelho do
Estado. Neste contexto, as alterações dão-se no campo das políticas públicas, especialmente
das políticas sociais, ao mesmo tempo em que estão em curso propostas e projetos que se
configuram pela minimização do papel do Estado, que traz a marca da privatização dos
serviços públicos. Considerando esse quadro, levantamos a hipótese de que as reformas
encaminhadas conduzem à passagem de uma relativa autonomia administrativa e de gestão
financeira das instituições públicas de ensino superior do Paraná para uma universidade a
cada dia mais “autônoma financeiramente” ou mais heterônoma. Entre os procedimentos
metodológicos utilizados destaca-se a revisão da literatura, a constituição de um referencial
teórico e, com base neste, a análise dos dados coletados junto a órgãos oficiais federais e
estaduais para responder às principais questões postas em discussão/demonstração. Ao final,
conclui-se que os discursos e práticas neoliberais que foram introduzidos no “subsistema” de
ensino público superior do Paraná fazem parte de uma ampla e profunda reforma econômica e
política em nível supra-nacional e nacional, que, no caso desse estado, coloca suas IES
definitiva e celeremente no caminho da gradativa diminuição de sua autonomia, ao mesmo
tempo em que as transforma em IES heterônomas e sem os traços da identidade universitária,
ainda que precária, que marcou sua existência até anos recentes.
Palavras-Chave: Reforma do Estado. Políticas Públicas. Autonomia Administrativa.
Financiamento. Heteronomia.
ABSTRACT
This study has as objective analyzes the state universities of Paraná in the period from 1995 to
2005. For so much she looked for to analyze the modern State, the politics, the development
and the insert of the university in this context, as well as the orientations of the politics of the
multilateral organisms, and the relationship of these with the proposal of the present reform in
the Master plan of the Reform of the Apparel of the State. In the last ten years it has been
happening in Brazil and in the State of Paraná progressive desresponsible attempts the State
of the financing of his/her "system" of public higher education. The reform of the State
presents proposed of turning the most agile and less bureaucratic State. In this context the
alterations are in the field of the public politics, especially of the social politics, at the same
time in that it is in course proposed and projects that are configured by the minimization of
the paper of the State, that he/she brings the mark of the privatization of the public services,
the growth of the third section. Considering that picture, we lifted the hypothesis that the
directed reforms lead to the passage of a relative administrative autonomy and of financial
administration of the public institutions of higher education of Paraná for an university every
more autonomous day financially or more heteronomy. Our purpose is to identify the
motivations that took the State of Paraná to alter the administration of the financial resources
of the higher education institutions and to verify the new model contributes for the
effectiveness of the autonomy or of the administrative and financial heteronomy. We will
seek, through this study, to deepen the understanding of the transformation process lived by
the institutions public paranaenses in the field of the administrative autonomy, of financial
and patrimonial administration.
Keywords: Reform of the State. Public politics. Administrative autonomy. Financing.
Heteronomy.
1- INTRODUÇÃO
As políticas públicas passam, no país e no exterior,
por um processo de mercadorização do espaço estatal
ou público, sob o impacto de teorias gerenciais
próprias das empresas capitalistas imersas na suposta
anarquia do mercado, hoje estruturado por
organismos multilaterais a agirem em toda extensão
do planeta. (SILVA JUNIOR & SGUISSARDI,
2001, p.75).
A definição dos conceitos de esferas pública estatal, pública não-estatal e privada tem sido
uma questão bastante controversa na atualidade, na medida em que estes se fundem e se
confundem. Coutinho os define como:
Esfera pública estatal, que envolve atividades exclusivas do Estado
(cobrança e fiscalização de impostos, polícia, previdência social básica,
serviços legislativos, judiciário). Esfera pública não-estatal que envolve
atividades não-exclusivas do Estado (educação, saúde, pesquisa científica,
cultura...). Esfera privada, que envolve a produção de bens e serviços para o
mercado, voltados para o lucro e o consumo privado dos indivíduos ou dos
grupos. ( 2003, p. 957).
Pode-se considerá-los como dois processos totalmente distintos, conforme Coutinho (2003, p.
957), o da publicização, que significa a transferência das atividades e da execução dessas
atividades da esfera pública estatal para a esfera pública não-estatal, e o da privatização, que
significa a transferência da execução das atividades da esfera pública estatal para a esfera
privada.
O conceito de publicização aparece inicialmente no Plano Diretor da Reforma do Aparelho
do Estado (1995). Ao referir-se à educação o documento a define como um dos serviços não-
exclusivos do Estado, ou seja, que não precisa ser executado ou exercido pelo Estado.
Devendo, porém, “ser regulada, facilitada, promovida ou parcialmente financiada por ele”.
Nestes termos, o Estado “deixa de ser executor e passa a ser coordenador desse serviço”.
(COUTINHO, 2003, p. 957).
O Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado constitui-se num marco na redefinição
de suas relações com as instituições de ensino superior público. A partir das reformas
encaminhadas pelo Plano, as instituições de ensino superior no Brasil passaram por várias
reformulações no sentido da publicização. Nesse contexto, o Estado passa por reformas que
diminuem seu papel e seu nível de intervenção. A educação superior passa a ser vista como
um dos níveis de ensino que diretamente irá influenciar no desenvolvimento econômico e
tecnológico no espaço geográfico em que está inserida.
14
Em um Estado “reinventado” segundo Osborne & Gaebler (1992), é necessário transformar o
modo de governar, pois a crise instaurada pela experimentação, pela falta de regras precisas,
está tomando conta da forma de governar em todo o mundo. Para Valdemir Pires, “O governo
reinventado é, em síntese, aquele que muda seu modo de funcionar, eliminando as falhas que
o tornaram ineficiente (estando a ineficiência localizada nos seus meios e não nos seus fins)”
(2004, p. 3).
Paralelamente ao Plano Diretor de Reforma do Aparelho Estado, os organismos multilaterais,
por meio de suas políticas, definem, principalmente para os países em desenvolvimento, que
os investimentos devem se destinar prioritariamente para a educação básica e que o ensino
superior deve cada vez mais receber uma cota menor no financiamento público. Para fazer
frente às suas necessidades, orientam que o sistema busque na iniciativa privada a
complementação dos recursos financeiros para a sua manutenção. Em consonância com essas
políticas, os países em desenvolvimento buscam, principalmente a partir da década de 1990,
realizar reformas em seus sistemas de ensino superior com o intuito de atender a essas
recomendações.
Dentre as justificativas apresentadas para que ocorresse a reforma no ensino superior no
Brasil apontaram-se com veemência a ineficiência do “sistema”, a pouca produtividade e o
mau uso dos recursos públicos.
A questão da autonomia das universidades públicas brasileiras há muito tempo vem sendo
objeto de reflexões, estudos e debates nas comunidades acadêmicas, e no Ministério da
Educação (MEC), mas, também, nas entidades representativas dos segmentos e dirigentes
universitários, como da Associação Nacional dos Docentes de Ensino Superior (ANDES), da
Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior
(ANDIFES), da Federação de Sindicatos de Trabalhadores das Universidades Brasileiras
(FASUBRA), do Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras (CRUB) e da União
Nacional dos Estudantes (UNE).
Em decorrência disso, os temas autonomia didático-científica, administrativa, patrimonial, e
de gestão financeira, e universidade heterônoma, vêm ocupando um lugar de destaque no
cenário acadêmico do ensino superior em nível nacional e internacional. Observa-se a
preocupação de muitos pesquisadores com esses temas (FÁVERO, SGUISSARDI, CHAUÍ,
DIAS, TRINDADE, SILVA JR, CATANI, COUTINHO). Em suas reflexões, esses autores
apontam para a existência de políticas de órgãos internacionais que orientam tanto países
desenvolvidos como países periféricos na busca de um novo modelo de gestão, segundo suas
15
recomendações e propósitos neoliberais. Diferentemente, Trindade define o novo modelo de
gestão e identifica-o com a busca pela autonomia:
Pela autonomia busca-se um modelo de gestão que corresponda ao atual
estágio de desenvolvimento e expansão da universidade federal, reforçando
seu caráter público, sua capacidade de planejamento institucional e o
aproveitamento mais racional dos investimentos públicos que nela são feitos.
A partir daí será possível, de modo sistemático, associar recursos à
eficiência na gestão e no desempenho acadêmico de cada instituição.
(TRINDADE, 2001, p. 173).
Se por um lado as universidades têm sido pressionadas a assumir os novos modelos de gestão,
por outro, também buscam promover o desenvolvimento da tecnologia, de maneira que
possam desenvolver a democracia e a justiça social, trazendo-lhes novos desafios.
Seja qual for a concepção que se tenha de universidade como instituição, a implementação da
autonomia didático-científica, administrativa, de gestão financeira e patrimonial representa
um instrumento essencial para superar as deficiências na sua organização atual. Faz-se
necessário, portanto, entender o sentido etimológico de autonomia. Neste sentido Chauí
afirma que,
Sob suas múltiplas manifestações, a idéia de autonomia, como a própria
palavra grega indica – ser autor do nomos, ser autor da norma, da regra e da
lei -, buscava não só garantir que a universidade pública fosse regida por
suas próprias normas, democraticamente instituídas por seus órgãos
representativos, mas visava, ainda, assegurar critérios acadêmicos para a
vida acadêmica e independência para definir a relação com a sociedade e
com o Estado. (2001, p. 216).
Para Fávero, a autonomia didático-científica da universidade,
Implica liberdade de estabelecer seus objetivos, organizando o ensino, a
pesquisa e a extensão; criar, organizar e extinguir cursos; elaborar o
calendário escolar; fixar dentro da instituição critérios e normas de seleção,
admissão e promoção; outorgar graus, diplomas certificados e outros títulos
acadêmicos. [...] do ponto de vista administrativo, significa que as
universidades têm liberdade de organizar-se. (2000, p. 193).
Autonomia de gestão financeira e patrimonial no caso das universidades públicas significa
que,
A instituição tem competência para propor e executar o seu orçamento,
receber recursos que o poder público é obrigado a repassar-lhe para
pagamento de pessoal e despesas de capital e de outros custeios; gerir seu
patrimônio, receber doações, subvenções, bem como realizar operações de
crédito ou de financiamento com a aprovação do poder público competente.
(FÁVERO, 2000, p. 193).
16
Portanto, qualquer que seja o conceito de autonomia, ela sempre implicará na idéia básica de
faculdade de se autogovernar, que é um dos princípios fundamentais da gestão universitária.
Porém, não se pode confundir autonomia com soberania.
Segundo Ranieri,
Hoje, no direito público, a autonomia pode ser conceituada como poder
funcional derivado, circunscrito ao peculiar interesse da entidade que o
detém e limitado pelo ordenamento que lhe deu causa, sem o qual ou fora do
qual não existiria. Não é, portanto, soberania, mas poder derivado; e, quando
atribuído a uma instituição pública, não implica em liberdade absoluta, uma
vez que a autonomia é restrita ao peculiar interesse da entidade. (1994, p.
31).
Entretanto, a concepção de autonomia que tem sido defendida oficialmente nos vários
projetos de reforma no “sistema” de ensino superior brasileiro, especialmente durante os oito
anos do governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, esteve vinculada à gradativa
desresponsabilização do Estado com o financiamento desse nível de ensino. E essa concepção
conduziria não à autonomia de gestão financeira e administrativa, mas à autonomia financeira,
ou, em outros termos, à heteronomia.
Para Sguissardi,
Muitas universidades teriam perdido, nas últimas décadas, importantes
porções de sua autonomia institucional e estariam sendo constrangidas a
adequar grande parte de suas atividades às demandas do mercado e à agenda
estatal. (2003, p. 202).
Isto ocorre, principalmente, via diminuição de investimentos por parte do Estado no ensino
superior público oficial. As pressões no campo financeiro impostas pelo governo às
Instituições Federais de Ensino Superior (IFES), reduzem fortemente seu espaço de
autonomia, forçando-as a buscarem recursos financeiros no mercado e na iniciativa privada e,
assim, levando-as à heteronomia. No dizer de Schugurensky,
[...], el modelo heterônomo no significa que la universidad pasa a ser
súbitamente gobernada por actores extraúniveritarios (aúnque la presencia
activa de actores extraúniversitarios em los consejos universitarios há
crescido notablemente), sino que su práctica cotidiana (sus funciones, sus
prioridades, su organización interna, sus actividades, su estructura de
premios y castigos, etc.) está cada vez más supeditada a la lógica del
mercado y el Estado (2002, p. 117).
Continuando o autor afirma que, “el concepto de heteronomía se refiere a la subordinación a
un orden impuesto por agentes externos.” (2002, p. 117). Nesse aspecto, a autonomia e
heteronomia se fundem nas universidades, levando-as a perder a liberdade e a independência
e subordiná-las a agendas externas.
17
No Estado do Paraná não tem ocorrido de forma diferente. No período de 1995 a 2005, como
ocorria no Brasil e em diversos países, o governo estadual também buscou, por meio de leis,
decretos e normas, desobrigar-se dos encargos de manutenção do seu “subsistema” de ensino
superior público e, ao mesmo tempo, implementar mecanismos de autonomia financeira ou
heteronomia.
Diante dessas considerações o presente estudo tem como tema e objeto analisar os caminhos
da heteronomia nas universidades estaduais do Paraná. Este estudo justifica-se pela
necessidade de aprofundar o entendimento do processo de transformação vivenciado pelas
instituições públicas paranaenses no campo da autonomia administrativa, de gestão financeira
e patrimonial.
O objetivo é identificar as motivações que levaram o Estado do Paraná a alterar o
gerenciamento dos recursos financeiros das instituições de ensino superior, no período de
1995 a 2005, e verificar se o novo modelo contribui para a efetividade da autonomia ou da
heteronomia administrativa, financeira e patrimonial.
Na busca de respostas para essas questões levantamos a hipótese de que as reformas
encaminhadas conduzem à passagem de uma relativa autonomia administrativa e de gestão
financeira das instituições públicas de ensino superior do Paraná para uma universidade cada
dia mais autônoma financeiramente ou mais heterônoma.
O período delimitado para o estudo é o de 1995 a 2005. Esta opção justifica-se pelo fato de
considerarmos que, desde 1990, apesar da ênfase dada, no discurso dos governantes, à
autonomia, nos encaminhamentos da reforma do ensino superior no Paraná, foram criados
sistemas complementares e integrados de operacionalização orçamentária, tais como: o
primeiro denominado de Sistema de Elaboração e Controle do Orçamento – COP, e o
segundo denominado Sistema Integrado de Acompanhamento Financeiro – SIAF
1
. Os dois
sistemas são altamente centralizados nos órgãos estaduais, via sistemas on-line. Aliado a isso,
a partir de 1999 o governo passou a fornecer teto-orçamentário por ele definido segundo seus
1
SIAF – Sistema Integrado de Administração Financeira do Estado do Paraná é o sistema informatizado que
processa e controla a execução orçamentária, financeira, patrimonial e contábil, através de terminais instalados
na Diretoria de Contabilidade da universidade. Tem como premissa básica o registro e a contabilização de todos
os atos e fatos praticados pelos gestores da instituição. É coordenado pela Coordenação de Administração
Financeira da Secretaria de Estado da Fazenda do Estado do Paraná, CAFÉ/SEFA. (PIRES, 2001, p. 140). A
partir de 1988 o Estado do Paraná passou a desenvolver pela - Companhia de Informática do Paraná
(CELEPAR), seu próprio sistema integrado de acompanhamento financeiro SIAF, que foi regulamentado pelo
Decreto nº. 7.696, de 07 de março de 1991, com sua implantação a partir do exercício de 1992 em toda a
administração direta do Estado.
18
próprios critérios, debilitando a atuação das instituições. A partir daí as Instituições de Ensino
Superior (IES), passaram a enfrentar o desafio da transição entre uma forma de financiamento
baseado no planejamento e elaboração do orçamento realizado por elas próprias, de acordo
com suas necessidades, e a nova forma de ação definida e executada pelo Estado, por meio do
SIAF.
Este estudo apóia-se numa abordagem teórico-metodológica de viés histórico, visando
entender como se dá o processo de mudança no ensino superior, num determinado espaço de
tempo, e como as forças políticas e econômicas interagem no desenvolvimento dessas
mudanças tendo a burocracia do Estado como definidora e impulsora.
Entre os procedimentos metodológicos a serem utilizados neste estudo destacam-se a revisão
da literatura, a constituição de um referencial teórico e, com base neste, a análise dos dados
coletados junto a órgãos oficiais federais e estaduais para responder às principais questões
postas em discussão/demonstração.
Para que os objetivos propostos fossem alcançados e a problemática levantada compreendida
dentro dos procedimentos metodológicos utilizados, o presente estudo foi organizado em três
capítulos.
O primeiro capítulo tem o objetivo de fazer uma análise histórica da universidade,
relacionando-a à constituição do Estado Moderno, considerando seus fundamentos e suas
tendências políticas e de desenvolvimento. São examinados alguns conceitos fundamentais e
como eles interagem no desenvolvimento econômico e social.
O segundo capítulo exterioriza a mudança ocorrida no sistema superior público no Brasil, no
período de 1995 a 2005, tendo em vista as reformas neoliberais ocorridas nos cenários
nacional e internacional. Como as políticas dos organismos multilaterais foram sendo usadas
e justificadas para que os Governos federais e estaduais levassem à frente suas propostas de
mudança em nível federal e estadual.
O capítulo terceiro apresenta uma breve retrospectiva histórica do sistema público de ensino
superior do Paraná. O destaque será dado às medidas tomadas nos oito anos do governo de
Jaime Lerner (1995-2002) e nos primeiros anos do governo de Roberto Requião (2003-2006).
Procuraremos evidenciar o fato de que os governantes buscaram implementar propostas de
mudanças na forma de gestão das IES paranaenses com o objetivo de desresponsabilizar cada
vez mais o Estado para com o financiamento do “subsistema” de ensino superior estadual, ao
mesmo tempo em que as instituições, na busca de sua autonomia administrativa, financeira e
19
patrimonial, caminham para a heteronomia, adequando suas agendas científicas aos desígnios
das agendas externas.
20
CAPÍTULO I
2- ESTADO, POLÍTICA, DESENVOLVIMENTO, UNIVERSIDADE E SEUS
SIGNIFICADOS SOB UMA PERSPECTIVA HISTÓRICA.
2.1- Introdução
Este capítulo tem o objetivo de fazer uma análise do significado histórico da universidade,
para se conhecer e questionar os fundamentos das tendências que levaram à mudança na
educação superior pública do Paraná e compreender, mais especificamente, o sentido das
mudanças ocorridas com a introdução de novo modelo de gestão financeira e administrativa
das instituições públicas de ensino superior desse Estado.
Para que este estudo da universidade em geral e das questões envolvidas nas políticas de
educação superior no estado do Paraná tenha consistência é necessário que se examinem
alguns conceitos fundamentais como os de Estado moderno, desenvolvimento político,
econômico e social, com os quais a universidade interage.
2.2- O Estado Moderno na Sociedade Capitalista
O Estado Moderno pode ser analisado de diferentes formas, seja pela sua evolução histórica
no capitalismo, desde a Revolução Burguesa aos dias atuais, seja do ponto de vista de sua
concepção político-ideológica. Entendemos que com as crises econômicas que surgiram a
partir do final do século XX, e as profundas mudanças que ocorreram na sociedade capitalista,
com a globalização da economia, e a redefinição do papel do Estado, este, passou a ser uma
instituição com um poder maior de centralização das suas ações e, desta maneira, realizou
alterações nas formas de intervenção estatal, trazendo em conseqüência destas ações,
mudanças na gestão financeira e administrativa das instituições públicas.
Para entender e acompanhar este primeiro momento, faremos uma breve retrospectiva
histórica com o objetivo de analisar como se deu a construção do Estado Moderno e da
sociedade capitalista ao longo do tempo, e compreender o significado dos seus conceitos. Para
esta análise não podemos prescindir das contribuições de autores como MAQUIAVEL,
HOBBES, LOCKE, MONTESQUIEU, ROUSSEAU, ENGELS, HOBSON, HEGEL,
SMITH, MARX, CARNOY, FERNANDES, entre outros.
21
Segundo Hobbes “a transferência mútua de direitos é aquilo a que se chama contrato” (1997,
p. 115). O autor sustenta, em O Leviatã (1651), que só após a celebração do pacto social pelo
qual cada um e todos os indivíduos, acordados entre si, transferem “a um homem ou
assembléia de homens” (ibid., p. 144) o direito de se autogovernarem é que se constitui o
Estado
2
, como união de todas as pessoas criada oficialmente. Para Hobbes, só existe Estado
quando há o domínio público e “o poder soberano é conferido mediante o consentimento do
povo reunido” (ibid., p. 145).
Defende o autor o poder absoluto e ilimitado do soberano, no qual, por meio de um contrato
social, o povo submete-se inteiramente ao governo. Por isso “compete ao detentor do poder
soberano ser o juiz, ou constituir todos os juízes de opiniões e doutrinas, como uma coisa
necessária para a paz, evitando assim a discórdia e a guerra civil” (ibid., p. 148). Portanto as
regras devem ser prescritas pelo soberano, para que os homens possam saber quais os bens
que ele pode possuir e que ações podem praticar. Para o autor, “é a isto que os homens
chamam de propriedade” (ibid., p. 148). As regras da propriedade nas ações dos súditos são
as leis civis, isto é, as leis de cada Estado.
Para Maquiavel o Estado burguês deveria ser forte e centralizador. O autor, ao escrever O
Príncipe em 1513, defende que o monarca precisa dominar o Estado para poder dirigir seus
negócios e obter o poder. Portanto, o Estado deveria ser unitário. Considerava Maquiavel que
a necessidade do Estado unitário nacional é tão grande que todos concordarão em que, para
atingir este fim, seja utilizado meio idôneo. Defendia o autor que para se ter fundamentos
sólidos do Estado era preciso ter “boas leis e boas armas” (1997, p. 77). As idéias políticas de
Maquiavel e Hobbes correspondem às mudanças vivenciadas na sociedade da época.
Marx analisa o processo de mudança nos séculos XIV-XVI, como sendo o período da
Acumulação Primitiva do Capital, durante o qual ocorre a expropriação dos meios de
produção que era a terra e o homem torna-se proprietário de uma única propriedade que é a
sua própria força de trabalho, que passa a vendê-la como mercadoria. Portanto,
Os grandes senhores criaram um proletariado muito mais considerável,
usurpando os bens comunais dos camponeses e expulsando-os do solo que
estes possuíam com o mesmo direito que seus senhores. (MARX, 1981, p.
22).
2
“Diz-se que um Estado foi instituído quando uma multidão de homens concordam e pactuam, cada um com
cada um dos outros, que a qualquer homem ou assembléia de homens a quem seja atribuído pela maioria o
direito de representar a pessoa de todos eles (ou seja, de ser seu representante), todos sem exceção, tanto os que
votaram a favor dele como os que votaram contra ele, deverão autorizar todos os atos e decisões desse homem
ou assembléia de homens, tal como se fossem seus próprios atos e decisões, a fim de viverem em paz uns com os
outros e serem protegidos dos restantes homens”.( HOBBES, 1997, p. 145).
22
Os senhores feudais passaram a cercar as terras que eram comuns para transformá-las em
artigo de comércio. Segundo Marx, a grande redução das áreas agrícolas fez com que as
famílias se deslocassem do campo para as cidades, abandonando assim suas atividades
agrícolas. “A ordem econômica capitalista saiu das entranhas da ordem econômica feudal. A
dissolução de uma produziu os elementos constitutivos da outra”. (ibid., p. 15). Esta força de
trabalho ficou a disposição da indústria que estava nascendo. Para o autor, “o movimento
histórico que converteu os produtores em assalariados se apresenta, pois, como sua libertação
da servidão e da hierarquia industrial” (ibid., p. 15). Assim os indivíduos eram absorvidos
pelo mercado, contribuindo para a transformação desses indivíduos em mercadoria. “O
progresso que esse desenvolvimento realizou consiste em mudar a forma de sujeição, em
conduzir a metamorfose da exploração feudal em exploração capitalista”. (ibid., p. 16). Na
visão de Marx a base de toda a evolução é a expropriação dos camponeses.
Neste período os homens passam a ser livres dos senhores feudais, porém não podem viver
isolados, precisam unir-se uns aos outros. Com o intuito de se manter a unidade entre os
homens, nasce o poder centralizador e forte, com um único soberano em que os súditos se
submetem a sua vontade, e o soberano que os representa e os defende das invasões
estrangeiras e dos conflitos internos “garantindo-lhes assim uma segurança suficiente para
que, mediante seu próprio labor e graças aos frutos da terra, possam alimentar-se e viver
satisfeitos” (HOBBES, 1997, p. 143). Assim a finalidade última do Estado passa ser a defesa
dos proprietários e da propriedade privada.
Com o declínio econômico e político da aristocracia, que era a classe dominante da época,
surge o fortalecimento e a centralização do poder nas mãos do rei, dando assim origem ao
Estado burocrático moderno.
Para Locke, no estado natural
3
“nascemos livres na mesma medida em que nascemos
racionais” (1997, p. 15). Entre os direitos que Locke considerava naturais, “está o de
propriedade”, ao qual no Segundo Tratado sobre o Governo Civil concedem especial
destaque. Nessa configuração do Estado encontramos o princípio da igualdade. Para Locke a
igualdade não significava igualdade de riqueza, mas igualdade de direitos, igualdade civil.
Todos têm direitos à vida, à liberdade, à proteção das leis, à propriedade privada das terras ou
do próprio corpo, de dispor de sua força de trabalho da forma como desejar, de escolher seu
3
“O estado natural seria a condição na qual o poder executivo da lei da natureza permanece exclusivamente nas
mãos dos indivíduos, sem se tornar comunal. Todos os homens participariam dessa sociedade singular que é a
humanidade, ligando-se pelo liame comum da razão. No estado natural todos os homens teriam o destino de
preservar a paz e a humanidade e evitar ferir os direitos dos outros”. (LOCKE, 1997, p. 15).
23
próprio caminho, reforçando a idéia de homem autônomo, senhor de sua vontade. A
finalidade do Estado é garantir esses direitos que são naturais afirmando uma concepção de
cidadania baseada na igualdade jurídica dos homens.
Montesquieu, em seu tratado Do Espírito das Leis, publicado em 1748, valorizava a liberdade
política e assim definia a liberdade. “Num Estado, isto é, numa sociedade em que há leis, a
liberdade não pode consistir senão em poder fazer o que se deve querer e em não ser
constrangido a fazer o que não se deve desejar”. (1973, p. 156-157).
Segundo Hegel, pode formar-se um Estado mesmo se os indivíduos que vierem a integrá-lo
não tiverem qualquer ligação do ponto de vista dos costumes, da cultura, da língua ou mesmo
da religião, pois o Estado identifica-se à cidade, entendida como um espaço de convívio direto
e quase íntimo entre os indivíduos que a integram.
Em nossa época pode haver laços muito fracos ou mesmo não haver laço
algum entre os membros de um Estado do ponto de vista dos costumes, da
cultura e da língua; e a identidade neste domínio, antigo pilar da unidade dos
povos, deve ser posta hoje em dia entre as contingências, cuja diversidade
das formas não impede uma população de constituir um poder de Estado.
(HEGEL, apud TORRES, 1989, p. 25).
Portanto, a atividade política, a participação interessada e permanente nas questões da cidade
é entendida como o desdobramento natural da vida dos homens livres, que no cotidiano
podem ser visto como sendo o exercício da própria cidadania. O que diferencia de modo
radical a situação política da modernidade relativa à pólis grega é o surgimento da
individualidade moderna, pois o homem moderno tem nas atividades profissionais privadas o
lugar mais freqüente e valorizado de realização pessoal.
A antiga organização feudal da indústria, em que esta era circunscrita a
corporações fechadas, já não podia satisfazer às necessidades que cresciam
com a abertura de novos mercados. A manufatura a substituiu. (MARX e
ENGELS, s.d, p. 22).
Com o surgimento da manufatura, ocorrem profundas mudanças nas relações entre os
homens. A produção vem acompanhada por uma nova divisão do trabalho na sociedade, a
troca da força de trabalho pelo salário passou a ser a nova relação social. “O crescente
desenvolvimento do trabalho, e o aumento do engenho, destreza e discernimento ao qual está
ligado, parece ter sido provocado pela divisão do trabalho” (SMITH, 1974, p. 13). O homem
não produz mais para a sobrevivência do seu senhor, mas para o mercado em
desenvolvimento. A manufatura introduz também o trabalho especializado e parcelado,
tornando o trabalho individual um fragmento da produção.
24
Segundo Rousseau, o “Contrato Social” determina o que as leis “podem ser” e devem ser para
corresponder às necessidades individuais e coletivas dos homens como eles são. Para o autor
“é preciso estudar a sociedade pelos homens e os homens pela sociedade”. (ROUSSEAU,
1973. p, 27).
Para não corrermos o risco das influências e dos desejos pessoais se sobreporem aos desejos e
influências da vontade geral é preciso que o contrato social firmado pela sociedade seja
respeitado em sua totalidade, e que a igualdade de direitos seja a mesma para todos os
cidadãos, e este representar a vontade da maioria.
Nada mais perigoso que a influência dos interesses privados nos negócios
públicos; o abuso da lei pelo Governo é mal menor do que a corrupção do
Legislador, conseqüência infalível dos desígnios, particulares
4
(ROUSSEAU, 1973, p. 90).
Para Rousseau (1973, p. 43), a desigualdade que existe entre os homens não vem do uso ou
não da razão, mas sim da riqueza que acaba diferenciado quem é rico e quem é pobre.
Considerava que o trabalho e a propriedade privada colocam os homens em desigualdade. O
trabalho não leva o homem a tornar-se livre e proprietário de si mesmo, mas dá a condição de
que este homem possa legitimar a sua independência na sociedade em que vive. Por isso, não
é possível afirmar que o princípio da igualdade elimina as desigualdades sociais entre os
homens, principalmente em relação às diferenças no campo da riqueza.
[...] quanto à igualdade, não se deve entender por essa palavra que sejam
absolutamente os mesmos os graus de poder e de riqueza, mas, quanto ao
poder, que esteja distanciado de qualquer violência e nunca se exerça senão
em virtude do posto e das leis e, quanto à
riqueza, que nenhum cidadão seja
suficientemente opulento para poder comprar o outro e não haja nenhum tão
pobre que se veja constrangido a vender-se; o que supõe, nos grandes,
moderação de bens e de crédito e, nos pequenos, moderação da avareza e da
cupidez. (ROUSSEAU, 1973, p. 72-73).
A sociedade é formada pela soma de indivíduos isolados e autônomos proprietários de si
mesmos e do que puderem adquirir mediante suas capacidades pessoais. Dessa necessidade
nasce um novo princípio fundamental para a sociedade burguesa: a democracia, que teve sua
origem no pensamento político de Rousseau. “Um povo que jamais abusasse do Governo,
também não abusaria da independência; um povo, que sempre governasse bem, não teria
necessidade de ser governado”. (ROUSSEAU, 1973, p. 90). Neste contexto, pode-se analisar
como é difícil colocar em prática o princípio da democracia, pois este expõe a fragilidade e a
4
“Se o governo é entregue a um pequeno número, há o risco de vê-lo abusar da lei em seu interesse privado; se
permanece na mão da totalidade dos cidadãos, o mesmo perigo há, mas o mal é muito maior, pois a própria
função de fazer leis (e, consequentemente, de corrigir os abusos) se compromete. Ora, a função legítima é o
princípio fundamental da organização política”. (N.de L.G.M.in: ROUSSEAU, 1973, p.90).
25
instabilidade da sua estrutura na questão da igualdade política, e mostra também como é fácil
o acesso às ambições, às subvenções.
[...], pois o luxo ou é o efeito de riquezas ou as torna necessárias; corrompe
ao mesmo tempo o rico e o pobre, um pela posse e o outro pela cobiça;
entrega a pátria à frouxidão e à vaidade; subtrai do Estado todos os cidadãos
para subjugá-los uns aos outros, e todos à opinião. (ROUSSEAU, 1973, p.
91).
Não há para Rousseau governo perfeito, e também não é possível imaginar que o povo possa
ficar em assembléia permanente para decidir os negócios públicos, por isso afirma que
“jamais existiu e jamais existirá uma democracia verdadeira”. (1973, p. 90).
Os princípios liberais foram ampliados por Adam Smith no século XVIII. Segundo Amaral
(2003. p, 37), neste período a burguesia e a nova nobreza estavam enriquecidas pela
participação nas companhias privilegiadas de comércio, pela exploração colonial e pela
expansão do comércio. Mas a média burguesia não participava das companhias privilegiadas
do comércio e passou a aplicar seu capital diretamente na produção. A corporação, o
monopólio e os regulamentos dificultavam o ingresso de novos comerciantes. “A restrição a
concorrência se fazia por cobrança de quotas que desencorajavam um mercador especulador
de arriscar qualquer empreendimento” (SMITH, 1950, vol. 1 Livro I, Cap. I, p. 354-355). Para
esta parcela da sociedade a política mercantilista e o Estado Absolutista representavam um
obstáculo ao desenvolvimento dessa nova forma de produzir, porque limitavam o direito da
propriedade e impediam a livre concorrência.
No liberalismo, o Estado atua seguindo as regras definidas e estabelecidas
pela burguesia, pois é ela que domina os locais e as instâncias legisladoras
em que se discutem as regras do Contrato Social. (AMARAL, 2003, p. 39).
Para Amaral (ibid., p, 37), Smith considerava que o bem público realizava-se pela “mão
invisível” do mercado e que este ajustará, no longo prazo, as diferenças acumuladas no curto
prazo, isto é, cada indivíduo, livre das restrições políticas, poderia realizar seus próprios
interesses, e mesmo que de forma não intencional, mas natural e espontânea, melhorar a sua
própria condição, por meio de seu próprio esforço pessoal. Constituindo assim a principal
fonte de bem-estar e progresso não só individual, mas também social (SMITH, 1996, vol.1,
Livro III, Cap. II, p. 436).
Hobson, ao analisar esse processo, em A Evolução do Capitalismo Moderno, afirma que “até
o fim do que denominamos Idade Média, não existia nenhuma das condições classificadas por
nós como essenciais ao amplo e geral desenvolvimento do capitalismo [...] até o século
XVIII”. (1985, p. 6). Segundo o autor (ibid., p. 7), a origem das primeiras acumulações está
26
na terra. Os grandes arrendamentos agrícolas faziam com que o produto aumentasse a
produtividade agrícola, em função do solo fértil e em conseqüência do emprego de métodos
de aperfeiçoamento do cultivo, aumentando a renda.
O alicerce histórico do capitalismo é a renda, o produto do trabalho da terra,
que excede aquilo que é necessário para o sustento dos trabalhadores; esse
excedente pertence por força política ou econômica, ao rei, ao senhor feudal
ou proprietário da terra, que podem consumi-lo ou estocá-lo. (HOBSON,
1985, p. 7).
Pode-se, então, afirmar que conforme os interesses e as necessidades da sociedade burguesa,
os limites de poder e as funções do Estado foram ampliados ou diminuídos. A passagem do
feudalismo para o capitalismo foi marcada pela ascensão e o fortalecimento da burguesia.
Segundo Hobson (1985, p.8), o crescimento das funções do Estado ocorreu com a finalidade
de promover e desenvolver o comércio, criar uma economia monetária ou de troca, criar
condições para a existência de relações sociais novas e assegurar a produção da riqueza sob
novas bases, o lucro.
No texto a Miséria da Filosofia, Karl Marx afirma o seguinte,
Torna-se assim mais claro que as relações de produção nas quais a burguesia
se move não têm caráter uno, simples, mas um caráter dúplice; que, nas
mesmas relações em que se produz a riqueza, também se produz a miséria;
que, nas mesmas relações onde há desenvolvimento das forças produtivas,
há uma força produtora de repressão; que estas relações só produzem a
riqueza burguesa, ou seja: a riqueza da classe burguesa, destruindo
continuamente a riqueza dos membros integrantes desta classe e produzindo
um proletariado sempre crescente.(1985, p. 117).
O caráter desigual e antagônico revela-se no processo de desenvolvimento, em termos tanto
das diferenças e desigualdades dos espaços geográfico-políticos, quanto em termos da
estrutura de classes.
O Estado Absolutista, defendido por Hobbes (1997, p. 15)
5
, garantia e assegurava os
interesses da burguesia nascente. Porém a garantia e a defesa da propriedade burguesa, a
preservação da paz e da ordem, a intervenção do Estado na economia, por meio de leis e
práticas, passou a ser questionado. Esta intervenção que ocorreu a partir do século XVIII
passou a ser um obstáculo para o lucro. Era preciso haver a superação e o estabelecimento de
uma nova ordem, na qual os homens podiam prescindir da intervenção do Estado. Em
conseqüência exigia-se uma liberdade econômica que requeria também, uma liberdade
política.
5
A tese do estado e do pacto social defendido por Hobbes em o Leviantã pretendia justificar o absolutismo.
(LOCKE, 1997, p. 15).
27
Hobson, em A Evolução do Capitalismo Moderno dá-nos a dimensão da dinâmica interna do
capitalismo e das relações entre economia e política internacional, desde a sua origem, seus
instrumentos de expansão, e em particular o desenvolvimento da maquinaria, dos mercados,
da economia do trabalho, da divisão internacional do trabalho e do processo da indústria
moderna, para o autor,
Quando um país ingressa na economia capitalista moderna com baixo padrão
de conforto material para as massas, com uma população crescente e um
sistema protecionista, ele pode adiar durante longo tempo a diminuição do
nível de ocupação na agricultura e na manufatura, a qual é uma tendência
inevitável numa economia avançada. (1985, p. 297).
A substituição das ocupações na agricultura e na manufatura por ocupações comerciais e
profissionais é mais lenta em países que mantêm uma política de proteção de produtos
manufaturados. Esta proteção impede que a população se qualifique para atender as
necessidades da divisão do trabalho.
Engels, em A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, enfatiza que o Estado
nasceu da necessidade de controlar as contradições das classes
6
e, também, nasceu em meio
aos conflitos de classe, e por regra geral o Estado pertence à classe mais poderosa, a classe
economicamente dominante, que se converte em classe política que reprime e explora a classe
dominada. Para o autor,
O Estado antigo foi, sobretudo, o Estado dos senhores de escravos para
manter os escravos subjugados; o Estado feudal foi o órgão de que se valeu a
nobreza para manter a sujeição dos servos e camponeses dependentes; e o
moderno Estado representativo é o instrumento de que se serve o capital para
explorar o trabalho assalariado. (2003, p. 193-194).
Porém, existem algumas exceções. Houve períodos em que as lutas de classes foram
amenizadas de forma que o poder do Estado aparece como um mediador dando a entender que
ele exercia certa independência perante as classes. Pode-se dizer que esta situação aconteceu
no século XVII e XVIII quando a monarquia absoluta controlava a balança entre a nobreza e
os cidadãos; da mesma maneira, o bonapartismo do primeiro e do segundo império francês,
que colocava o proletariado contra os burgueses, e os burgueses contra o proletariado. Na
composição dos Estados históricos pode-se dizer que o “Estado é um organismo para a
6
“Classes sociais são grandes grupos de homens que se diferenciam entre si de acordo com a posição que
ocupam dentro de um sistema de produção historicamente determinado, de acordo com relações que têm com os
meios de produção (relações que são estabelecidas e sancionadas por lei), de acordo com o papel que
desempenham na organização social do trabalho e, portanto, de acordo com a maneira em que partilham uma
parcela da riqueza social e também com o tamanho dessa parcela... as classes sociais são grupos humanos, uma
delas capaz de se apropriar do trabalho da outra porque ocupam posições diferentes dentro de um regime
determinado de economia social”. (LENIN apud FIGUEIREDO, 1978, p. 52).
28
proteção dos que possuem contra os que não possuem” (ENGELS, 2003, 194), pois a
classificação da população era feita de acordo com os bens que cada um possuía.
Para Marx a totalidade das relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade.
No prefácio em À Contribuição à Crítica da Economia Política ele afirma,
O modo de produção da vida material condicionou o processo de vida social,
política e intelectual. Não é a consciência dos homens que determina a
realidade; ao contrário é a realidade social que determina sua consciência.
(MARX, apud CARNOY, 1987, p. 53).
Segundo Fernandes (1983, p. 233), a formação social, a organização da produção e o
desenvolvimento das forças produtivas materiais da sociedade entram em contradição com as
relações de produção existentes, ou seja, a sua expressão jurídica com as relações de
propriedade onde se desenvolveram, e sob as formas ideológicas, sob as quais os homens
adquirem consciência, ou não, dessas relações e buscam de alguma forma sair desse conflito.
Eis porque a humanidade não se propõe nunca senão os problemas que ela
pode resolver, pois, aprofundando a análise, ver-se-á sempre que o próprio
problema só se apresenta quando as condições materiais para resolvê-lo
existem ou estão em vias de existir. (MARX, apud FERNANDES, 1983, p.
233).
Na ótica de Marx, é a contradição entre o interesse particular e o interesse coletivo que faz
com que o Estado adquira uma existência particular, a existência de uma sociedade civil
7
autônoma, como uma entidade neutra que represente o interesse geral de toda a sociedade. O
Estado é assim um Estado de classes, porque não está acima dos conflitos de classe, mas está
envolvido neles, exerce uma função clara e precisa de garantia da propriedade e dos interesses
burgueses, quando assegura e reproduz a divisão da sociedade em classes. Marx e Engels, em
A Ideologia Alemã (1845-1846), afirmam,
é exatamente a partir desta contradição entre o interesse particular e o
comunitário que o interesse comunitário assume como Estado uma
configuração autônoma, separada dos interesses efetivos globais e
individuais, e assume ao mesmo tempo como comunidade ilusória, mas
sempre sobre a base real dos laços existentes em cada aglomeração [...]
Segue-se disto que todas as lutas dentro do Estado, a luta entre democracia,
aristocracia e monarquia, a luta pelo direito ao voto etc., etc. nada mais são
do que formas ilusórias nas quais são conduzidas as lutas efetivas entre as
7
A sociedade civil abrange o conjunto do intercâmbio material dos indivíduos dentro de um determinado estágio
e desenvolvimento das forças produtivas. Abrange o conjunto da vida comercial e industrial de um estágio e
nesta medida ultrapassa o estado e a nação, embora por outro lado ela novamente se faça valer para fora como
nacionalidade e tenha que se estruturar como Estado para dentro. A expressão sociedade civil veio do século
XVIII, quando as relações de propriedade já haviam se destacado da coletividade antiga e medieval. A
sociedade civil como tal só se desenvolve com a burguesia; a organização social que se desenvolve
imediatamente da produção e do intercâmbio, que em todos os tempos forma a base do Estado e da
superestrutura idealista restante, foi, entretanto constantemente designada com o mesmo nome. (FERNANDES,
1983, p. 202).
29
diversas classes [...] os indivíduos apenas buscam o seu interesse particular,
que para eles não coincide com o interesse comunitário, o universal, sendo, a
forma ilusória da comunitariedade, este se faz valer um interesse alheio a
eles e independente deles, como um interesse universal ele mesmo
novamente particular e peculiar, ou eles mesmos têm que se moverem nesse
dilema, tal como na democracia. Por outro lado, então, a luta prática desses
interesses particulares que sempre vão constante e efetivamente contra os
interesses comunitários e os comunitários ilusórios torna necessária a
intervenção e o refreamento práticos pelo interesse universal ilusório como
Estado. (Apud FERNANDES, 1983, p. 199-200).
Para Marx, segundo Fernandes (ibid., p. 201), a contradição está colocada entre o interesse
particular do indivíduo e o interesse comum, possui, portanto uma base material. Ela é o
produto da divisão do trabalho e da distribuição desigual, tanto qualitativa quanto
quantitativamente, do trabalho e de seus produtos. Porém o interesse moderno coletivo não
existe apenas na representação como interesse geral, mas se apresenta na realidade como
dependência dos indivíduos entre os quais o trabalho está dividido. O Estado moderno tem a
característica de um ente neutro que pode agir como mediador e conciliador entre os conflitos,
garantindo desta forma que a contradição entre público e privado possa ser administrada
institucionalmente. “Assim como tutor do bem comum o Estado se torna aparelhado com a
organização, a infra-estrutura e a violência para controlar aqueles que estão subsumidos a seu
poder”. (AGUIAR, 1980, p. 45).
Segundo Weber (1999b, p. 9), no Estado moderno a sua natureza é de uma relação
institucional associativa dos portadores de poder, que são selecionados, delimitados segundo
determinadas regras de divisão de poderes e “afetados todos eles, em virtude de uma restrição
estatuída dos poderes, por limitações internas da legitimidade de seu poder de mando”. (ibid,
p. 9). A divisão dos poderes para Weber torna possível o Estado nacional, pois nele a
“associação política assume totalmente o caráter de uma instituição com competências
racionalmente articuladas e divisão de poderes” (ibid., p. 10). O desenvolvimento das relações
associativas em direção a uma formação política forma a estrutura institucional do Estado.
Neste contexto é possível analisar a criação do direito e sua aplicação formal, pois “todo
direito legítimo baseia-se num estatuto, e o estatuto, por sua vez, nasce sempre, em última
instância, de um acordo nacional”. (Weber, 1999b, p. 135). Portanto, para que o contrato seja
autêntico os homens precisam ser livres para regulamentar o futuro com base em conceitos e
conteúdos instituídos por esse livre acordo. .Segundo Condocert, “o Estado tem a
responsabilidade e a obrigação de apagar as desigualdades factícias da sociedade, que a
desequilibra e que provêm da riqueza ultrajante, da carência da instrução pública e do
enfraquecimento do sistema de previdência social”. (Apud KOUTLOUKA, 1988, p. 37).
30
O Estado possui a função particular de constituir o fator de coesão dos níveis
de uma formação social. É precisamente o que o marxismo exprimiu,
concebendo o Estado como fator da ordem, como princípio de organização,
de uma formação, não no sentido corrente dos níveis de uma unidade
complexa, e como fator regulador do seu equilíbrio global enquanto sistema.
(POULANTZAS, 1977, p. 42).
Desse modo, pode-se ver, segundo Poulantzas, (1977, p. 43), por que razão a prática política,
que tem por objetivo o Estado, dá origem às transformações de classes. Portanto, é a partir da
relação entre o Estado, que é o fator de coesão das classes, e o Estado lugar de consolidação
das diversas contradições entre as classes, que podemos interpretar a história. Esta relação
mostra a formação da estrutura política, das lutas e das contradições e das transformações que
ocorrem entre as classes, num determinado tempo e instância. Para Poulantzas “as
transformações e a luta política são o ‘motor da história’, tendo como objetivo o Estado”.
(1977, p. 43). Esta relação determina o desenvolvimento social do indivíduo e das instituições
sociais, que são os produtos históricos do desenvolvimento tanto da formação social quanto
das relações de produção.
Assim, os conflitos inerentes às relações sociais de produção, ao serem levados para o sistema
político, transformam os conflitos e lutas sociais em um jogo político institucionalizado. O
Estado passa a ser um interventor na economia, porém, a política econômica recebe as
influências das condições históricas concretas em que a sociedade se desenvolve. Poulantzas
considera que [...] “o Estado é a condensação material de uma relação: o que significa dizer,
que [...] o Estado é constituído-atravessado no todo ou em parte pelas contradições de classe”.
(1977, p. 23).
Para o autor o Estado tem o papel de mediar esses conflitos para o desenvolvimento do
sistema capitalista, e sua intervenção na economia é determinada pela expansão e a
centralização do capital. Porém, a política econômica é influenciada pelas condições
históricas concretas que a sociedade desenvolve.
A partir da década de 1930, o Estado surge com novo formato, tem como estratégia o
planejamento e o desenvolvimento econômico. A relação entre Estado e sociedade desdobra-
se no modelo social-democrático e se desenvolve até a década de 1970. Segundo Przeworski,
as “[...] reformas imediatas constituíam etapas no sentido de que gradualmente elas se
acumulariam em direção a uma completa reestruturação da sociedade [...]”. (1995, p. 46).
O capitalismo para os social-democratas era irracional e injusto pela má distribuição de renda
e da propriedade dos meios de produção. Porém, sem uma política econômica própria
31
adotaram a política keynesiana
8
e descobriram um novo caminho para as reformas. Para
Valdemir Pires, “é fácil notar que do keynesianismo às políticas sociais democratas foi um
passo”. (2004, p. 6). Segundo o autor, foi realizado um pacto entre capitalistas e trabalhadores
com a intenção de domesticar o capitalismo, principalmente, no que se refere à garantia do
emprego e à distribuição de renda, esperando que os resultados pudessem ser alcançados por
meio da execução de políticas governamentais.
No dizer de Przeworski,
A combinação de democracia e capitalismo estabelece um compromisso:
aqueles que não possuem instrumentos de produção consentem com a
instituição da propriedade privada do estoque de capital, enquanto os que
possuem instrumentos produtivos consentem com as instituições políticas
que permitem a outros grupos apresentar eficazmente suas reivindicações
quanto à alocação de recursos e á distribuição do produto (PRZEWORSKI,
apud, VALDEMIR PIRES, 2004, p. 6).
O processo de globalização comercial, industrial e financeiro, associado ao esgotamento do
modelo keynesiano de intervenção estatal
9
, debilita o poder de decisão do Estado, mudando as
práticas governamentais. Para Souza Santos, “o Estado transformou-se profundamente,
sobretudo nos últimos cinqüenta anos”. (1998, p. 4).
Na década de 1970
10
, com o aumento das pressões competitivas, as condições recessivas do
mercado, as buscas por melhores e novas formas de controle do trabalho levaram à crise do
8
Segundo Pinho & Vasconcelos (2004, p. 40-41) Jonh Mayard Keynes (1883 – 1946) rompe com a tradição
neoclássica e apresenta um amplo programa de intervenção governamental para a promoção do pleno emprego,
já que para ele o capitalismo não regulado era incompatível com a manutenção do pleno emprego e da
estabilidade econômica.
9
Keynes em A Teoria Geral do Emprego, do Juro e do Dinheiro (publicado em 1936), obra considerada a
expressão máxima de sua teoria econômica “[...] que concerne a todos os níveis de emprego para o sistema
econômico, como um todo. É uma teoria de uma economia monetária no sentido de que o dinheiro é uma forma
importante sob a qual se acumulam riqueza, e os juros o prêmio pago para que não se entesoure o dinheiro dessa
forma. É uma teoria em que as flutuações no volume de investimento explicam as flutuações no emprego”
(DILLARD, 1973, p.12).
10
“Desde a década de setenta, tem crescido violentamente a tendência à estagnação da economia mundial. De
1965 a 1973, conforme relatório do Banco Mundial, o PIB per capita dos países desenvolvidos cresceu 3,6% ao
ano. Essa média caiu para 2,3% ao longo da década de setenta e para 2,2% nas décadas de oitenta (ver Relatório
da Economia Mundial da ONU 1991). Nos países subdesenvolvidos a taxa de crescimento do PIB per capita
caiu de 3,9% no primeiro período para 3,3% no segundo, para, finalmente, só crescer 1,2% na década de oitenta.
Os países do Leste Europeu, cujo PIB per capita tinha tido importante crescimento de 4,4% na década de
setenta, naufragaram num mísero índice de 1% na última década. Esse quadro de desaceleração da economia
mundial, permeado de recessões generalizadas, como as de 1974/75 e 1980/83, agravou-se fortemente na virada
da década de oitenta para noventa, quando explodiu mais uma nova e profunda recessão. O produto per capita
mundial, que crescera 2,7% em 1988, só cresceu 0,3% em 1989, tendo diminuído 0,3% em 1990 e 2,0% em
1991. A produção total cresceu 4,5% em 1988, 3,1% em 1989, 1,5% em 1990 e caiu 0,3% em 1991. essa é a
primeira vez, desde a Segunda Guerra Mundial, que ocorre uma queda na produção mundial[...]”. (SOUZA,
1995, p. 25-26).
32
taylorismo/fordismo. A sociedade pós-moderna
11
foi em busca da recuperação da capacidade
produtiva, que passa pela reestruturação e organização da produção via novas formas de
organização da produção, da regulação, de gerência, de nova configuração das relações de
trabalho, criando dessa forma o novo padrão de acumulação capitalista. Segundo Souza
Santos, o reformismo do Estado
12
prolongou-se até os primeiros anos da década de 1990 e,
Tal como o reformismo social, foi um movimento global desta vez
impulsionado pelas instituições financeiras multilaterais e pela acção
concentrada dos Estados centrais com recurso a dispositivos normativos e
institucionais muito poderosos pela sua abstração e unidimensonalidade, tais
como dívida externa, ajustamento estrutural, controle do défice público e
inflação, privatização, desregulamentação, reconhecimento do colapso
eminente do Estado-Providência e sobretudo da segurança social, e a
conseqüente redução drástica do consumo colectivo da proteção social,
etc.(1998, p. 4)
O capitalismo em sua trajetória alterou a forma de produção como também modificou as
funções dos indivíduos dessa produção. A partir da década de 1980, o mundo passa a
enfrentar um maior aprofundamento da crise do capitalismo, caracterizado como o fim de um
modelo-econômico do pós-guerra, que era composto pela indústria de produção de massa,
pela política keynesiana e pelo Estado do bem-estar social. A crise levou todos os setores da
sociedade a buscarem novas formas de enfrentá-las.
Toda a década de 80 foi marcada por um intenso debate sobre o papel do
governo na economia, com franca vantagem para as teses anti-
intervencionistas, favorecidas não só pela crise do welfare-state, mas
também pelo colapso das experiências socialistas e pelo robustecimento da
teoria econômica do lado da oferta (suplly sides economics ou
Reaganomics). (VALDEMIR PIRES, 2004, p. 2).
11
“O pós-modenismo afirma a fragmentação como modo de ser da realidade; preza a superfície do aparecer
social ou as imagens e sua velocidade espaço-temporal; recusa que a linguagem tenha sentido de interioridade
para vê-la como construção, desconstrução e jogo de textos, tornando-a exatamente como o mercado de ações e
moedas toma o capital; privilegia a subjetividade como intimidade emocional e narcísica, elegendo a
esquizofrenia como paradigma do subjetivo, isto é, a subjetividade fragmentada e dilacerada; define a filosofia, a
ciência e a arte como narrativas, isto é, como elaborações imaginárias de discursos auto-referidos. Realiza três
grandes inovações tecnológicas: substitui a lógica da produção pela da circulação, substitui a lógica do trabalho
pela da comunicação; e substitui a luta de classes pela lógica da satisfação-insatisfação dos indivíduos no
consumo”. (CHAUÍ, 2001, p. 22-23).
12
“Primeira fase da reforma do Estado, a fase do Estado mínimo, atingiu o seu clímax com as convulsões
políticas nos países comunistas da Europa Central e de Leste, mas foi ai também que os limites da sua lógica
reformadora se começaram a manifestar. Segunda fase da reforma do Estado e que nesta fase fosse muito mais
amplo o espectro político, mais profundas as controvérsias e mais credíveis as alternativas. Em termos de
engenharia institucional, esta fase assenta dois pilares fundamentais: a reforma do sistema jurídico e em especial
do sistema judicial: o papel do chamado terceiro setor na reforma do Estado”.(SOUZA SANTOS. 1998, p. 4-5).
33
É nesse espaço que surge o terceiro setor chamado de não governamental
13
e não empresarial,
provocando debates sobre a necessidade de se encontrar uma alternativa para o Estado-
providência. Conforme Souza Santos, o terceiro setor, é uma designação residual e vaga com que
se pretende dar conta de um vastíssimo conjunto de organizações sociais que
não são nem estatais nem mercantis, ou seja, organizações sociais que, por
um lado, sendo privadas, não visam fins lucrativos, e, por outro lado, sendo
animadas por objectivos sociais, públicos ou coletivos, não são estatais.
(1998, p. 5).
Os aspectos inovadores desse movimento estão na promoção de uma política social com uma
maior participação do trabalho voluntário nos quadros de pessoal, com o objetivo de
minimizar os custos operacionais; o auto-gerenciamento e o grau de autonomia em relação ao
Estado e a busca pela independência do poder político; a flexibilidade na organização
institucional procurando adequar-se aos desafios das mudanças sociais. Segundo Souza
Santos, “o propósito estava em combater o isolamento do indivíduo face ao Estado e à
organização capitalista da produção e da sociedade”. (1998, p. 6)
Continuando, o autor diz que “a emergência do terceiro setor significa finalmente o terceiro
pilar da regulação social na modernidade ocidental”, este princípio da comunidade consegue
destituir o domínio do “princípio do Estado e o princípio do mercado” que caminharam juntos
com valores diferentes e por períodos diferentes. (1998, p. 6).
Para Osborne & Gaebler, “quando os governos deixam de prestar todos os serviços solicitados
pela comunidade para ter uma função catalisadora, eles se apóiam pesadamente nesse terceiro
setor [...] o terceiro setor é na verdade o mecanismo preferencial da sociedade para fornecer
bens coletivos”. (1994, p. 46-47).
O esforço central está na compreensão da construção da esfera pública não-estatal e da
redefinição das relações entre o Estado e a sociedade, pois “o que está em crise no Estado é o
seu papel na promoção de intermediações não mercantis entre cidadãos que o Estado tem
desempenhado nomeadamente através da política fiscal e das políticas sociais”. (SOUZA
SANTOS, 1998, p. 7).
Atualmente o Estado é identificado como ineficiente e incapaz de acompanhar as mudanças
da sociedade e as relações sociais de trabalho, em função da nova configuração do mercado
mundial, da globalização, das inovações tecnológicas, bem como de dominar os conflitos
13
As organizações não governamentais podem ser constituídas por “cooperativas, associações mutualistas,
associações não lucrativas, organizações não governamentais, organizações quasi-não governamentais,
organizações comunitárias ou de base, etc. As designações vernáculas do terceiro setor variam de pais para pais e
as variações, longe de serem meramente terminológicas, refletem histórias e tradições diferentes, diferentes
culturas e contextos políticos enquanto causa.”. (SOUZA SANTOS, 1998, p. 5)
34
sociais e responder às necessidades da sociedade. Esta incapacidade tem sido atribuída à crise
fiscal que teve início na década de 1970, e seu aprofundamento na década de 1980, com o
aumento das atividades do Estado e, este, com menos recursos para fazer frente a essas
necessidades. Produz-se a idéia que o Estado deveria redefinir seu papel, sua função,
reestruturar-se e modernizar-se, para dar respostas rápidas, eficientes e eficazes, exercendo
um papel decisivo na reorganização do processo produtivo. Na década de 1990, a questão
central das reformas políticas, passa a ser o problema da governabilidade, da eficácia da
gestão administrativa. Essas exigências levaram à construção de um novo modelo de gestão
dos negócios do Estado.
Sguissardi (2003, p. 16), apoiando-se em Souza Santos (1998), ao analisar a relação da
reforma do Estado e o terceiro setor, afirma que a concepção de Estado-empresário
14
seria
uma das tentativas de superação da atual da crise do Estado. A concepção de Estado empresa
está formulada no livro de Osborne e Gaebler Reinventando o Governo, publicado em 1992,
que, segundo Santos Souza, “serviu de base à reforma da administração pública da
Administração Clinton apresentada pelo Vice-Presidente Al Gore no Gore Report de 1993”.
(1998, p. 13). Continuando, o autor afirma que “esta mesma concepção, com alguns matizes,
subjaz às propostas de reforma do Estado avançadas pelo Banco Mundial nos últimos anos”.
(1998, p. 13).
O modelo de gestão pública gerencial não se resume a ter mais governo ou a ter menos
governo, mas a “precisamos de melhor governo” (OSBORNE & GAEBLER 1994, p. 25). Os
autores reconhecem os limites do neoliberalismo, e a proposta do Estado-mínimo não faz
sentido para eles na sociedade atual. Defendem assim a necessidade de reinventar o Estado ou
de reformá-lo, com a finalidade de melhorar a atividade governamental. Segundo Souza
Santos,
Começou a ser claro que o capitalismo global não pode dispensar a
existência de estados fortes, ainda que a força estatal tenha de ser de um tipo
muito diferente daquele que vigorou no período do reformismo e se traduziu
no Estado-Providência e no Estado desenvolvimentista. Há, pois, que
reconstruir essa nova força estatal. A questão do Estado não se resolve pela
redução da quantidade de Estado. Resolve-se, sim, pela construção de uma
outra qualidade de Estado e para isso há que, ao contrário do que sucedeu na
primeira fase, partir da idéia de que o Estado é reformável. (1998, p. 4).
14
A concepção de Estado-empresário tem muitas afinidades com a filosofia que dominou a primeira fase da
reforma do Estado, a fase do Estado irreformável e traduz-se em duas recomendações básicas: privatizar todas as
funções que o Estado não tem de desempenhar com exclusividade; submeter a administração pública a critérios
de eficiência, eficácia, criatividade, competitividade e serviço aos consumidores próprios do mundo empresarial.
A filosofia política que lhe subjaz consiste na busca de uma nova e mais íntima articulação entre o princípio do
Estado e o princípio do mercado sob a égide deste último. (SOUZA SANTOS, 1998, p. 13).
35
Em nome da modernização da sociedade e da administração pública e em resposta à crise do
Estado do bem-estar social, as reformas empreendidas na gestão pública têm buscado
soluções práticas com a simples implantação de teorias de gestão empresarial. O modelo de
administração gerencial ou gerenciamento público empreendedor adotado pelo governo
redefine seu papel e sua forma de gerir as instituições públicas, passando a orientar-se por
princípios e estratégias de forma experimental, gerando crises na forma de governar. Para
Valdemir Pires,
Esta crise tem origem na rápida obsolescência dos governos tradicionais,
burocratizados, provocada pelo desenvolvimento acelerado de novas
tecnologias que estão permitindo, em todo o mundo e em todas as atividades,
um inusitado aumento da produtividade, transformando o mundo empresarial
e as instituições em geral, bem como a própria forma de agir das instituições.
(2004, p. 2).
Osborne & Gaebler, em Reinventando o Governo, publicado em 1992, em linhas gerais
definem o novo papel do governo, que utiliza os seguintes princípios de forma integrada em
todas as suas áreas de atuação e que, segundo Valdemir Pires, (2004, p. 3), podem ser
resumidos da seguinte forma,
1. diminui os esforços que despende nas atividades de prestação de serviços
(em geral terceiriza ou gere de forma não tradicional) e concentra-se nas
atividades de regulação e catalisação;
2. enfrenta os problemas em parceria com a comunidade e não criando
estruturas assistencialistas profissionalizadas;
3. introduz a competição na prestação de serviços, dando combate à prática
monopolista em todas as frentes, inclusive nos órgãos públicos;
4. opera perseguindo suas missões e não limitando-se a obedecer normas e
regras rígidas;
5. avalia os resultados de suas políticas, premiando resultados ao invés de
fornecer recursos aleatoriamente;
6. volta-se para o atendimento das necessidades do “cliente” e não da
burocracia;
7. empreende, muitas vezes transformando fontes de despesa em fontes de
receita e, com isso fugindo do dilema tradicional colocado pela crise fiscal:
ampliar tributação ou não realizar;
8. planeja e age de maneira a evitar ou a prepara-se para controlar o
surgimento de problemas, conseguindo, com isso, atuar preventiva e não
curativamente;
9. descentraliza, não opera com hierarquia rígida, incentiva a participação e
constituição de equipes;
10. pratica e regulação estruturando o mercado, ao invés da adoção de
programas que o suspendem.
36
Esta nova forma de governar deixa a impressão, para a opinião pública, que uma revolução
está sendo feita, quando na realidade o governo tradicional está numa fase mais de
intervenção; sendo empreendedor em detrimento do planejamento, atendendo aos interesses
da burocracia em vez do dos clientes, trabalhando com os problemas em vez de trabalhar na
prevenção, obedecendo a normas em detrimento das missões, sem a preocupação de melhorar
seu desempenho. Para Souza Santos, “boa parte da nova regulação social ocorre por
subcontratação política com diferentes grupos e agentes em competição, veiculando diferentes
concepções dos bens públicos e do interesse geral”. (1998, p. 13).
Neste período houve um aumento na ênfase sobre o controle financeiro na busca pela
eficiência e pela qualidade da administração pública. Novas formas de papeis e de culturas
organizacionais surgem na década de 1980 com o intuito de tornar o Estado mais ágil, mais
eficiente, descentralizado e excelente. Esta nova configuração do Estado fez surgir, segundo
Ferlie et al (1999), um fenômeno organizacional abrangente, que ficou conhecido como a
nova administração pública
15
.
O movimento da nova administração orientou o trabalho dos setores públicos com base em
valores gerenciais e de mercado. No Brasil, este movimento vem sendo desenvolvido como
administração gerencial, isto é, um movimento destinado a introduzir nos órgãos públicos
padrões de gestão semelhantes aos adotados pelas empresas privadas. A predominância desse
modelo introduziu uma função separada na forma de compra que “levou à criação de novas
formas organizacionais, novos papéis e novos modos de trabalhar, com as relações entre
unidades cada vez mais baseadas em contratos em vez de em hierarquia”. (FERLIE, et al.,
1999, p. 79).
15
“A nova administração pública tem sido vista pelos críticos como uma ideologia com base no mercado, que
invadiu as organizações do setor público previamente imbuídas de valores contra culturais (Laughlin, 1991).
Mas também foi vista por outros (Ashburner et al., 1994) como uma administração híbrida, com ênfase contínua
nos valores fundamentais do serviço público, embora expressa de uma nova maneira. No entanto, muitos
concordam que a nova administração pública deve ser vista atualmente como uma importante ruptura nos
padrões de administração do setor público (Dunleavy e Hood, 1994) e com um significado maior do que um
simples modismo.[...] Para Hood (1991), o movimento da nova administração pública foi moldado pelo
surgimento de conjuntos de teorias, tais como a nova economia institucional (Downs, 1967; Niskanen. 1971; O.
Williamson, 1975 e 1985).Esses conjuntos incluem áreas como a teoria da maximização burocrática; a teoria dos
custos de transação; teoria do principal agente e teoria do paramercado e forneceu um conjunto de idéias
sofisticadas que gozou de grande influência durante a década de 1980.Essa teoria tem sérias implicações para a
reestruturação das agências públicas. A teoria da escolha pública (Niskanen, 1971) sugere que as agências
governamentais fornecem mais serviços comunitários devido ao comportamento de maximização do orçamento,
devido à falta de forças eficazes de mercado (para um posicionamento crítico, ver Dunleavy, 1991). A reação
necessária seria cortar o desperdício do governo por meio do desmantelamento dos sistemas de corrupção e
cartelização, da introdução de regulamentos externos, do downsizing e da terceirização e dar incentivos mais
fortes para o desempenho. (FERLIE et al., 1999.p, 24-25). A nova administração pública não é de modo algum
um avanço britânico isolado, mas uma tendência internacional marcante na administração pública, observável a
partir da década de 1970”. (FERLIE et al., 1999.p, 34).
37
Segundo Valdemir Pires, (2004, p. 9), a tese da reinvenção do governo propõe “ampliar a
possibilidade de sucesso da democracia representativa”, melhorando a atuação das
burocracias governamentais e melhorando o relacionamento entre governo e comunidade.
2.3- A Política numa Perspectiva Histórica
A política pode ser analisada de diferentes formas, seja pela sua evolução histórica no
capitalismo, desde a Revolução Burguesa aos dias atuais, seja, pelas convenções que foram
estabelecidas. “Trata-se, pois, de saber que convenções são essas”. (ROUSSEAU, 1973, p.
29).
As leis, no seu sentido mais amplo, são relações necessárias que derivam da
natureza das coisas e, nesse sentido, todos os seres têm suas leis; a divindade
possui suas leis; o mundo material possui suas leis; as inteligências
superiores ao homem possuem suas leis; os animais possuem suas leis; o
homem possui suas leis. (MONTESQUIEU, 1973, p. 33).
Portanto cada governo tem sua forma de domínio, é preciso conhecer quais e como as leis
derivam desse poder, pois “cada governo tem sua natureza e seu princípio”
(MONTESQUIEU, 1973, p. 75), entende-se por sua natureza como se faz, e por seu princípio
a maneira de agir. Na sociedade onde os homens não são iguais, portanto, é necessário que as
leis sejam elaboradas de forma que possam dar moderação aos homens, quer sejam eles
governados quer sejam eles governantes, buscando assim diminuir as desigualdades entre as
classes sociais. Esta é a ação fundamental da arte de governar, é a relação política entre o
Estado e o cidadão. “Pois as ações dos homens derivam de suas opiniões, e é no bom governo
das opiniões que consiste o bom governo das ações dos homens, tendo em vista a paz e a
concórdia entre eles” (HOBBES, 1997, p. 148).
Por isso, a ação política está relacionada principalmente na forma como os governantes
governam e os indivíduos obedecem. Para Locke, “o estado de sociedade e,
consequentemente, o poder político nasce de um pacto entre os homens”. (1997, p. 15). É por
meio das determinações do pacto social que os líderes serão escolhidos para defender o
processo das decisões da sociedade. As lutas políticas e as suas conquistas nunca são
38
individuais, mas coletivas
16
, e elas só acontecem quando grupos
17
se organizam sob a mesma
ideologia e por meio de estratégias pré-definidas para se alcançar um objetivo, que neste caso
tem a finalidade de chegar ao poder, de governar. “A mais antiga de todas as sociedades, e a
única natural, é a da família; [...]. A família é, pois, se assim se quiser, o primeiro modelo das
sociedades políticas” (ROUSSEAU, 1973, p. 29).
O princípio da igualdade nasce na democracia (Montesquieu, 1973, p. 70). Porém, toda
desigualdade na democracia deve ter sua origem na natureza da democracia e no próprio
princípio da igualdade. Para o autor, “a democracia deve, portanto, evitar dois excessos: o
espírito da desigualdade, que a conduz à aristocracia ou ao governo de um só; e o espírito de
igualdade extrema, que a conduz ao despotismo de um só. (1973, 122). Contudo só a vontade
geral de um povo pode dirigir as forças do Estado de acordo com os interesses e as finalidades
comuns dessa sociedade. As decisões devem ser coletivas e, assim atender ao interesse de
todos. É preciso também definir a vontade coletiva e a vontade política em geral no sentido
moderno; a vontade como consciência atuante da necessidade histórica, como protagonista de
um drama histórico real e efetivo” (GRAMSCI, 1980, p. 7). As leis devem representar os
direitos e deveres políticos da sociedade representando, desta forma a proteção dos interesses
privados, ou seja, a liberdade individual e da condição de proprietário. Desta forma os limites
de poder e as funções do Estado são ampliados ou diminuídos conforme o interesse e as
necessidades da sociedade e da época.
Conforme a sociedade burguesa vai se consolidando, os homens vão assumindo novos
comportamentos. Surgem sujeitos responsáveis individualmente por sua subsistência, por
meio de sua capacidade de produção e competição em contrapartida aos laços de dependência
que eram próprios das relações feudais. Para esta sociedade burguesa surge o princípio
fundamental da democracia. No entanto, segundo Rousseau (1973, p. 84), para que o Governo
exista é preciso que ele seja separado do Estado, e assim, todos os seus membros possam
atender o objetivo para o qual ele foi instituído. É preciso um eu particular, uma sensibilidade
comum com seus membros, uma vontade própria, garra, disposição e uma busca constante de
sua conservação. A forma de conseguir essa subsistência é feita por meio de assembléias de
16
“O processo de formação de uma determinada vontade coletiva, para um determinado fim político, é
representado não através e disquisições e classificações pedantescas de princípios e critérios de um método de
ação, mas como qualidades, traços característicos, deveres, necessidades de uma pessoa concreta, tudo o que faz
trabalhar a fantasia artística de quem quer convencer e dar forma mais concreta às paixões políticas”.
(GRAMSCI, 1980, p. 3-4).
17
“Este organismo já é determinado pelo desenvolvimento histórico, é o partido político: a primeira célula na
qual se aglomeram germes de vontade coletiva que tendem a se tornar universais e totais”. (GRAMSCI, 1980, p.
6).
39
conselhos. As dificuldades encontram-se na maneira de ordenar esse todo, de forma que nada
altere a sua constituição e assim, fortaleça a sua força como um todo e a força particular, para
a conservação do Estado.
Nas palavras de Rousseau é preciso “estar sempre pronto a sacrificar o Governo ao povo, e
não o povo ao Governo”. (1973, p. 85). A forma democrática de governar está sujeita a
mudanças constantes e exige vigilância permanente para ser mantida na sua forma original
tanto da parte do governo, quanto da parte dos cidadãos.
A participação dos cidadãos na política pode ser permanente ou temporária, pois quem pratica
política, participa do poder e influencia na distribuição do poder entre os grupos ou entre as
pessoas. Para Weber “o Estado, do mesmo modo que as associações políticas historicamente
precedentes é uma relação de dominação de homens sobre os homens apoiada no meio de
coação legítima” (1999b, p. 526).
O homem político pode dedicar-se ao serviço de fins nacionais ou
humanitários, sociais, éticos ou culturais, profanos ou religiosos. Pode
também estar apoiado em sólida crença no progresso - nos diferentes
sentidos dessa palavra – ou afastar totalmente sua crença; pode pretender
servir uma idéia ou, por princípio, recusar valor a quaisquer idéias, para
apenas cultuar fins materiais da vida cotidiana. (WEBER, 1999a, p. 108).
Apesar de o homem político, no pensamento de Weber (1999a, p. 109), estar a serviço dos
fins nacionais e humanitários perante o Estado e a sociedade civil, a ética não deve preocupar-
se só com a culpa do passado, questão improdutiva do ponto de vista político, porque esta
questão não se resolve por si só; o que constitui o interesse próprio do homem político é o seu
futuro e a sua responsabilidade diante deste futuro. Porém, a sociedade é constituída por
cidadãos desiguais que são divididos em fortes e fracos, em ricos e pobres, e em sábios e
ignorantes em superiores e inferiores.
Para exercer as várias formas de governo (BOBBIO, 1999, p. 77), e poder governar a
sociedade civil, tendo em vista, as relações entre as classes sociais e as relações entre os
diferentes grupos sociais, dentro de uma mesma classe, convencionou-se formas de poder que
40
podemos chamar de poder econômico
18
, poder ideológico
19
e poder político
20
. Na visão de
Weber (1999a, p. 110), juntas estas três formas de poder contribuem para instituir de forma
clara e para manter as relações e as estruturas econômicas e políticas numa sociedade dos
desiguais, numa sociedade dividia em classes sociais, numa sociedade de dominados e
dominantes, numa sociedade de governantes e governados as condições que as estruturas se
organizam se antagonizam e se modificam.
A associação política tem capacidade de confiscar para si todos os conteúdos
possíveis de uma ação de associação, e de fato não há nada no mundo que
não tenha sido, em algum tempo ou lugar, objeto da ação social de
associações políticas. (WEBER, 1999b, p. 156),
Fundamentada na teoria da ação baseada em valores, de Weber (1999b, p. 157), a teoria da
modernidade afirma que os membros tradicionais da sociedade não seriam capazes de tomar
decisões racionais que fossem funcionais numa sociedade moderna complexa. Porém, os
valores e os objetivos políticos devem aumentar a consciência da população no que diz
respeito às desigualdades sociais e à dependência nacional, por isso à organização das massas
é requisito fundamental para a prática política. Porque o modo pelo qual o Estado e a
Economia se relacionam exprime, necessariamente, as relações e influências recíprocas entre
o poder político e o poder econômico.
Como diz Nogueira (2004, p.67), trata-se de reinventar a política como prática e como
projeto, de retomar a dimensão política de modo que se possa ir além da política tradicional,
geralmente conduzida pelos políticos e seus partidos, alcançando a vida mesma das pessoas.
18
“O poder econômico é aquele que se vale da posse de certos bens, necessários ou percebidos como tais, numa
situação de escassez, para induzir os que não os possuem a adotar uma certa conduta, consistente principalmente
na execução de um trabalho útil. Na posse dos meios de produção reside uma enorme fonte de poder por parte
daqueles que os possuem contra os que não os possuem, exatamente no sentido específico da capacidade de
determinar o comportamento alheio. Em qualquer sociedade onde existem proprietários, o poder do proprietário
deriva da possibilidade que a disposição exclusiva de um bem lhe dá de obter que o não proprietário (ou
proprietário apenas de sua força-trabalho) trabalhe para ele e nas condições por ele estabelecidas”. (BOBBIO,
1999, p. 82).
19
“O poder ideológico é aquele que se vale da posse de certas formas de saber, doutrinas, conhecimentos, às
vezes apenas de informações, ou de códigos de conduta, para exercer uma influência sobre o comportamento
alheio e induzir os membros do grupo a realizar ou não uma ação. Deste tipo de condicionamento deriva a
importância social daqueles que sabem, sejam eles os sacerdotes nas sociedades tradicionais, ou literatos, os
cientistas, os técnicos, os assim chamados ‘intelectuais’, nas sociedades secularizadas, porque através dos
conhecimentos por eles difundidos ou dos valores por eles afirmados e inculcados realiza-se o processo de
socialização do qual todo grupo social necessita para poder estar junto”. (BOBBIO, 1999, p. 42-43).
20
“O poder político é definido como o poder cujo meio específico é a força que serve para fazer entender porque
é que ele sempre foi considerado como o sumo poder, isto é, o poder cuja posse distingue em toda a sociedade o
grupo dominante. De fato, o poder coativo é aquele de que todo o grupo social necessita para defender-se dos
ataques externos ou para impedir a própria desagregação interna. Nas relações entre os membros de um mesmo
grupo social, não obstante o estado de subordinação que a expropriação dos meios de produção cria nos
expropriados, não obstante a adesão passiva os valores transmitidos por parte dos destinatários das mensagens
pela classe dominante, apenas o emprego da força física serve para impedir a insubordinação e para domar toda
forma de desobediência”. (BOBBIO, 1999, p. 83).
41
2.4- O Desenvolvimento e o Processo de Transformação Social
Segundo Weber, “o primeiro indício de uma política econômica racional aparece na
Inglaterra, no século XIV; trata-se do fenômeno que, desde Adam Smith, se chama
mercantilismo”. (1999b, p. 523). Era o fortalecimento do poder do Estado em relação ao
exterior. Para o autor Mercantilismo
21
significava, portanto, “a formação de uma potência
estatal moderna, e isto diretamente mediante o aumento das despesas principescas, e
indiretamente mediante o aumento da capacidade tributária da população”. (1999b, p. 523).
Para Marx, em A Origem do Capital: A Acumulação primitiva, “a relação oficial entre o
capitalista e o assalariado é de caráter puramente mercantil”. (1981, p. 13). Para o autor, “a
essência do sistema capitalista está, pois, na separação radical entre o produtor e os meios de
produção” (1981, p. 14). Esta separação torna-se mais freqüente e numa escala cada vez maior
desde o estabelecimento do sistema capitalista; “mas, como esta separação constituía a sua
base, ele não poderia estabelecer sem ela” (1981, p. 14).
O trabalhador jamais poderia ser um livre vendedor de sua força de trabalho, pois estava
submisso às corporações, à indústria, e ele não era dono de sua força de trabalho. “Os
primeiros fundamentos do regime capitalista tiveram seu prelúdio no último terço do século
XV e no começo do século XVI”. (ibid., p. 21). Neste período o povo foi expropriado de suas
terras. Surgem os “latifúndios modernos que substituíram os senhores feudais” (1981, p. 35).
No século XVII com o roubo constante das terras surgem as “fazendas de capital ou fazendas
de comércio para transformar a população dos campos em proletariado disponível para a
indústria”. (1981, p. 36). Nos séculos XVIII e XIX estas fazendas foram fechadas, com o uso
do método da expropriação. (1981, p. 36).
Os despojos dos bens da Igreja, a alienação fraudulenta dos domínios do
Estado, a pilhagem dos terrenos comunais, a transformação usurpadora e
terrorista da propriedade feudal e mesmo patriarcal, em propriedade privada
moderna, a guerra às cabanas, foram os processo idílios da acumulação
primitiva. Conquistaram a terra para a agricultura capitalista, incorporaram o
solo ao capital e entregaram à indústria das cidades
braços dóceis de um
proletariado sem lar nem pão. (MARX, 1981, p. 54-55).
Esse proletariado foi duramente castigado, pois não houve tempo para a sua adaptação ao
novo sistema social, “ficou submetido à disciplina que exige sistema assalariado, por leis de
21
“O tipo de doutrina econômica conhecida como mercantilismo apareceu entre a Idade Média e o período de
triunfo do laissez-faire, isto é, aproximadamente entre 1500 e 1776, embora as datas variem em países e regiões
diferentes”. (OSER, 1983, p.19). “O grande mérito do mercantilismo reside na sua função histórica, qual seja, a
de ter concorrido para que vencesse a nossa civilização a decisiva etapa de transação da economia regional para
a economia nacional.” (HUGON, 1979, p. 83).
42
um terrorismo grotesco: pelo açoite, a marca com ferro em brasa, a tortura e a escravidão”
(MARX, 1981, p. 64). O trabalhador, para Fernandes (1983, p. 371), passa a ser escravo da
classe burguesa, do Estado burguês, da máquina, do dono da fábrica. “Quanto menos o
trabalho exige habilidade e força isto é, quanto mais a indústria moderna progride, tanto mais
o trabalho dos homens é suplantado pelo das mulheres e crianças”. (1983, p. 371). Segundo
Hugon “por outro lado, o desenvolvimento do capitalismo atrai para os centros industriais
grande parte da mão-de-obra rural, de pequenos proprietários expulsos de suas modestas
propriedades, entram também para a categoria dos operários urbanos”. (1979, p. 220).
Na história moderna, a vontade do Estado é de um modo geral, determinada
pelas cambiantes necessidades da sociedade burguesa, pela supremacia desta
ou daquela classe, em última instância pelo desenvolvimento das forças
produtivas e das relações de troca. (FERNANDES, 1983, p. 480),
Segundo Oser & Blanchfield, “o desenvolvimento econômico, implica em melhora ou
aumento na eficiência” (1983, p. 409). O desenvolvimento pode ser analisado sob diferentes
aspectos estruturais e em funcionamento no Estado. Porém “o desenvolvimento econômico é
um processo de transformação qualitativa da estrutura econômica de um país” (SINGER,
1977, p. 69). Neste contexto não é possível falar sobre desenvolvimento separadamente do
desenvolvimento econômico, do desenvolvimento político e do desenvolvimento social. Os
sistemas devem estar integrados para que haja uma inter-relação entre eles, para se dar o
desenvolvimento social, desenvolvimento político e econômico.
Segundo Ianni (1986, p. 18), o desenvolvimento econômico num país capitalista envolve
principalmente capital, força de trabalho, tecnologia e divisão social do trabalho como forças
produtivas. Porém é preciso sempre ter em mente que estas forças produtivas não se
organizam não se desenvolvem ou não se reproduzem apenas pelas ações empresariais, mas
também pelas ações governamentais.
Na prática, o desenvolvimento econômico somente se realiza quando uma
parte do excedente econômico produzido pelos trabalhadores (isto é, pelo
trabalho social produtivo) é investida produtivamente. (IANNI, 1986, p. 18).
Quando ocorrem mudanças efetivas na estrutura econômica, esta repercutirá na estrutura
política e social. Só haverá desenvolvimento econômico quando houver crescimento do
padrão de vida da população. Desta forma “a política do desenvolvimento tem de se adequar à
etapa em que a economia se encontra, em cada momento”. (SINGER, 1977, p. 70).
43
2.4.1- As Transformações no Processo de Desenvolvimento Brasileiro Pós-1964
De um modelo primário exportador presente na economia brasileira desde o seu período
colonial, o país se insere a partir de 1930 num modelo de desenvolvimento urbano-industrial,
marcado por forte crescimento econômico. Para Bresser Pereira, (1977, p. 95), este processo
se estende até o 1961 e foi caracterizada por profundas transformações na estrutura social
brasileira.
No início da década de 1960 o Brasil enfrenta profunda crise institucional, agravada por
dificuldades econômicas e políticas. Em 1964 ocorre uma ruptura do estado de direito, com o
golpe de estado promovido pelos militares. Esta instabilidade política afeta o desempenho da
economia brasileira. Em 1965 ocorre o agravamento da crise econômica e o país sofre
violenta redução de sua atividade industrial, em parte devido à crise da energia elétrica e em
parte pela crise política e econômica. A partir de 1968, a economia entra numa fase de
recuperação, o governo formula o Plano Decenal de Desenvolvimento Econômico e Social.
Nesses anos (1964-1970) o poder público foi levado a interferir praticamente
em todos os setores do sistema econômico nacional. Isto significa que o
governo reelaborou as condições de funcionamento dos mercados de capital
e força de trabalho como fatores básicos do processo econômico. (IANNI,
1986, p. 229-230)
Foram três os fatores fundamentais para a recuperação da economia. O primeiro fator foi
conjuntural, pois ocorreu principalmente, segundo Bresser Pereira (1977, p. 175), no
Ministério da Fazenda, ao reequilibrar a economia brasileira, conciliando uma elevada taxa de
desenvolvimento com uma taxa de inflação moderada. O segundo fator foi o da política
governamental ter obtido êxito quando restabeleceu o equilíbrio entre a procura e a oferta
agregada. Diagnosticou e contornou a inflação de custos, desenvolveu o mercado de capitais,
e estimulou as importações. O terceiro fator foi o de dar tranqüilidade econômica à classe
empresarial, e permitir que a capacidade ociosa represada na economia fosse em parte
eliminada.
Ao governo cabe uma função estratégica no processo de desenvolvimento,
não só porque manipula os instrumentos de política econômico-financeira
como por força de sua responsabilidade na construção da infra-estrutura
econômica e social na produção de bens e serviços de que depende
fundamentalmente o setor privado, (IANNI, 1986, p. 248).
Na visão de Bresser Pereira (1977, p. 221), o Brasil entra em um novo modelo histórico de
desenvolvimento econômico e político. Com a crise do capitalismo internacional na década de
30 tem início no Brasil um novo modelo de desenvolvimento: o modelo de substituição de
44
importações. A partir de 64 o governo tecnoburocrático militar
22
liderou uma política
desenvolvimentista, em estreita aliança com o capitalismo nacional e internacional. Foi posta
em prática uma política voltada para a produção de bens duráveis e bens de consumo, esta
política favoreceu, também, as grandes empresas nacionais e as empresas estrangeiras,
capitalizou e privatizou a economia e reduziu os salários, estimulando desta forma um
crescimento do sistema financeiro.
Modernizou o país, mas não de forma sustentada ou consistente, na medida
em que recheou de artificialismo a estrutura produtiva e implicou um
elevado custo social. (NOGUEIRA, 2004, p. 19).
Para Petras (2001, p. 11), o modelo era desenvolvimentista, pois os militares continuaram
com a política de proteção das instituições locais nacionalmente estrangeiras como, por
exemplo, bancos, bens de capital e petróleo e continuaram a subsidiar as políticas e os
projetos industriais. A maior mudança foi na liberalização da regulamentação para a entrada
em grande escala em longo prazo do capital estrangeiro numa grande quantidade de setores
indústrias, mas particularmente no setor automobilístico.
Durante o regime militar, o capital estrangeiro foi visto como ‘parceiro’ do
capital nacional, que estimulava a indústria nacional através de
regulamentações que especificavam uma crescente percentagem de
componentes nacionais nas montadoras subsidiárias estrangeiras. (PETRAS,
200l, p. 11).
Segundo Ianni (1986, p. 225), o capitalismo internacional passou a interessar-se pela indústria
brasileira, porque o capital internacional, por meio dos investidores, vislumbrou excelentes
possibilidades de lucros e de acumulação de capital. Um ponto a ser levantado é a
subordinação do capital nacional, tanto ao capitalismo internacional quanto ao governo
tecnoburocrático. O Brasil continuava com o modelo de desenvolvimento dependente.
A estratégia política destinada a consolidar e expandir o capitalismo
dependente (ou interdependente, segundo os seus adeptos) implicava na
acentuação e expansão da complementaridade e interdependência entre o
subsistema econômico brasileiro e o capitalismo mundial. (IANNI, 1986, p.
226).
Na visão de Ianni (ibid, p. 273), é uma nova dependência, a dependência desenvolvimentista,
que passa a ser feita por meio da integração do Brasil no sistema capitalista internacional.
22
“Os militares, que assumiram o poder em 1964, constituem um grupo tecnoburocrático por excelência.
Originam-se de uma organização burocrática moderna como são as Forças Armadas. Possuem preparo técnico,
administram recursos humanos e materiais consideráveis. Adotam sempre os critérios de eficiência própria da
tecnoburocracia. Como não se bastassem, chamaram imediatamente para participar do governo tecnoburocratas
civis. Estes dois grupos, com origem na nova classe média, a partir especialmente do Governo Costa e Silva
assumiram plenamente as rédeas do governo e colocaram como seus objetivos básicos o desenvolvimento
econômico e a segurança”. (BRESSER PEREIRA, 1977, p. 223).
45
Integração sem autonomia tecnológica e sem autonomia em matéria de acumulação de capital.
A dependência tecnológica em relação ao mundo internacional aumenta na medida em que as
empresas estrangeiras, não se preocupam em desenvolver uma tecnologia brasileira.
O país passa pelo modelo de concentração de renda e esta é associada positivamente com o
desenvolvimento econômico. “O Brasil optou por uma forma de desenvolvimento na qual
parte substancial das decisões econômicas é tomada por influência do livre jogo das forças do
mercado”. (IANNI, 1986, p. 275). Segundo Petras (2001, p. 18), porém, era um
desenvolvimento com marginalização econômica e social, pelo qual se acentuava a
marginalização da classe menos favorecida. O modelo de desenvolvimento empregava muito
menos mão-de-obra por unidade de capital, que apesar da concentração de renda facilitava o
processo de desenvolvimento, criava, também, distorções sociais e uma dependência
econômica e política.
Em 1983-84 acontece a luta pela eleição direta do Presidente da República. O movimento
consegue desencadear uma campanha popular de descontentamento e uma grande vontade de
mudar.
A chegada ao poder da Aliança Democrática, em 1985, simbolizou o fim de
uma época e redefiniu as condições concretas do fazer político, dando
passagem a uma dialética entre o Estado e a sociedade. (NOGUEIRA, 2004,
p. 23).
A sociedade nesta época tinha dificuldades de se articular politicamente, porém não deixou
nunca de se manifestar, de se movimentar e de mostrar sua força. Nogueira descreve esse
quadro político quando afirma:
A ditadura havia levado a sociedade a odiar a política e a esperar tudo da
política. Na medida em que acelerou a formação social das classes e
atrofiou-as no plano político, pôs em curso um processo errático que, num
primeiro momento, dirigiu-se contra o próprio regime militar e, num
segundo momento, contaminou toda a vida nacional. Os brasileiros foram
incentivados a manter relações ambíguas com a política. Ampliaram seus
atritos e se desiludiram com a classe política, passaram a pôr em dúvida a
eficácia de eleições e rotinas parlamentares, hostilizaram partidos e institutos
de representação. Paralelamente, com o avanço da abertura democrática,
foram confiando no poder transformador da política, apostando no poder
eleitoral e na capacidade executiva de governantes bem intencionados,
aceitando que votos bem dados poderiam, se não encher barrigas, ao menos
criar condições para a mudança. (2004, p. 23-24)
Segundo Nogueira (2004, p. 24), em 1988 o país conhece uma nova Constituição “cidadã”.
No plano político continua a eleger seus presidentes e representantes, a democracia toma
conta do país, vence a inflação, toma consciência da questão do Estado e da gestão pública,
46
mas mergulha na globalização
23
. Porém, o Brasil retornou à democracia, mas, apesar da
democratização, o país continua a exibir níveis vergonhosos de pobreza e exclusão. Além de
ter tido alguma melhoria na questão da distribuição de renda, não melhorou seus indicadores
sociais. Conforme dados do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD)
no período de 2000/2001 o número de brasileiros que sobrevivem com menos de US$ 1 por
dia atingia 11,6% da população, “[...] em parte deriva da estrutura econômica e financeira do
capitalismo globalizado”. (NOGUEIRA, 2004, p. 27).
Em outubro de 1994, é eleito presidente do Brasil Fernando Henrique Cardoso. Na visão de
Petras (2001, p. 9), o presidente assume o poder em meio à onda mundial das reformas sociais
democratas, que tinham por finalidade preparar o caminho, assim chamada de terceira via,
entre o capitalismo na sua forma neoliberal e o socialismo na sua forma antiga, que agora não
existe mais. Só que as expectativas e os resultados são bem diferentes do que se esperava. A
maior ironia da história foi o desmonte feito pelo governo de Fernando Henrique Cardoso de
“um modelo capitalista de crescimento de maior êxito e a volta a um modelo liberal associado
a crises e o atraso econômico”. (2001, p. 9).
Nos oito anos do governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, segundo Petras (ibid, p.
13), o país viveu de promessas modernas e de estabilização econômica, assumiu formas
perversas com relação ao emprego, implantou a liberação comercial, desregulamentou
financeiramente o país, desmontou o setor estatal e vendeu empresas lucrativas a investidores
privados estrangeiros e brasileiros, privatizou empresas públicas, abriu o mercado ainda mais
para o capital estrangeiro, ajustou o Estado ao neoliberalismo. O país entrou na era da
globalização.
O Brasil fez o círculo completo de um país liberal exportador de matéria-
prima a um dinâmico país em industrialização e potência industrial
emergente, com base num modelo estatal nacional, para acabar como país
subsidiário de credores e investidores estrangeiros, alienado e em situação de
retrocesso e estagnação, totalmente dependente da bondade das instituições
financeiras internacionais. (PETRAS, 2001, p. 13-14).
A política econômica para o desenvolvimento do Brasil, segundo Petras (ibid, p. 30), no
programa de governo de Fernando Henrique Cardoso, era o da estabilização. Suas premissas e
estratégias de desenvolvimento do livre mercado foram nulas. Pois a privatização das
empresas públicas não fez com que entrasse no país o capital estrangeiro esperado, para que
este pudesse revitalizar novos setores da economia. A desregulamentação não levou o país a
23
Ver A globalização da Economia em Boaventura de Souza Santos, 2005, p. 289.
47
uma maior competitividade, ao contrário levou grandes empresas privadas à falência, como
também, levou à falência, muitas empresas locais de pequeno e médio porte.
Esta política, na visão de Petras, (ibid, p. 34), fez com que o presidente tomasse medidas mais
drásticas em nome do desenvolvimento nacional. Privatizou mais, realizou maiores cortes no
orçamento social e fez com que o país tivesse maior dependência das finanças internacionais,
o que significou a exclusão do trabalho para o trabalhador e uma maior participação do capital
estrangeiro na economia do país.
Em que pesem todos os esforços para a estabilização da economia, suas dificuldades são
decorrentes da crise do Estado brasileiro, refletida no esgotamento de sua capacidade de
financiamento.
O Estado brasileiro perdeu a capacidade de investimento e desenvolvimento,
mas não é demais afirmar que o atual governo não é responsável primeiro
por esta situação. Na realidade, ao longo da década de 1990, assistiu-se a um
quadro de reformulação política e econômica que acirrou o ajuste das
políticas sociais, entre elas as educacionais, às reformulações econômico-
financeiras em curso. (MANCEBO, 2004, p. 858).
A política educacional, segundo Pires, (2005, p. 53), se coloca em confronto com o Estado do
bem-estar social que foi construído durante o século XX, sob a aliança política capital-
trabalho que foi orquestrada pela social-democracia. Esta política fez com que a política
educacional aumentasse seu caráter de política econômica, perdendo, assim, suas
características de política pública e política social. Deixa de ser política pública porque passa
a incentivar a participação da iniciativa privada na oferta dos serviços educacionais, propondo
a flexibilização das normas e o menor poder dos setores do governo para com a educação. O
“Estado passa a ser concessionário e não promotor da educação”. (PIRES V, 2005, p. 54).
2.5- A Universidade e sua Função Social
No século XII, em plena Idade Média, surge a universidade
24
medieval. “Nesse período se
constitui o modelo da universidade tradicional, a partir das experiências precursoras de Paris e
Bolonha” (TRINDADE, 2001, p. 11), e, sob a proteção da Igreja Romana, se implanta em
todo o território europeu. Para Charle (1996, p. 21), no século XIII foi garantido pelo papado
o princípio de autonomia à universidade, que apostava na sua modernidade institucional
intelectual.
24
Ver também História das Universidades de Charle, Christophe, 1996.
48
A universidade renascentista começa no século XV e, para Trindade (2001, p. 11), elas
recebem as influências do impacto das transformações comerciais do capitalismo e do
humanismo literário e artístico, que surge nas repúblicas urbanas italianas, a universidade se
estende pelos principais países da Europa e sofre também os efeitos da Reforma e da Contra-
Reforma. O século XVII foi marcado pelas descobertas científicas em vários campos do
saber. No século XVIII o Iluminismo influenciou a revolução industrial inglesa, com a
valorização da razão, do espírito critico, da liberdade e tolerância religiosas. A universidade
introduz a institucionalização da ciência numa transição para os modelos que serão
desenvolvidos no século XIX. A universidade moderna surge no século XIX e chega aos
nossos dias, com uma nova relação entre Estado e universidade. A universidade chega às
Américas no fim do século XVI.
Cabe observar que há um padrão marcadamente diferenciado no ensino
superior da América Latina. Na América espanhola, a universidade se
implanta logo após a conquista e, até fins do século XVII, existe uma rede de
12 instituições de norte a sul do continente. A primeira é de 1538, em Santo
Domingo
25
, na América Central e, em 1613 , é fundada pelos jesuítas a sexta
universidade, situada em Córdoba, na Argentina. O modelo espanhol
transplantado não é somente o da velha Universidade de Salamanca, mas
sobretudo da nova Universidade de Alcalá, atual Complutense, e até fins do
século XVII domina o padrão tradicional das faculdades de teologia, leis,
artes e medicina. (TRINDADE, 2001, p. 11).
A partir da revolução burguesa, segundo Sguissardi e outros (2004, p. 647), a universidade
reagiu e obedeceu com veemência às necessidades de seu tempo histórico. Para atender às
exigências da revolução francesa, a universidade profissionalizou-se, tornou-se napoleônica
26
.
Em atendimento ao desenvolvimento científico da Prússia, a universidade passou a ser
25
“São Domingos (1538), a de Lima (1551) e a do México (1551); instituídas por decreto real com estatutos
inspirados nos de Salamanca e de Alcalá, quase sempre controladas por ordens religiosas (Dominicanos,
Jesuítas), ensinando principalmente Teologia e Direito Canônico, as universidades da América Latina eram
claramente fundações coloniais e missionárias: vinte delas foram estabelecidas antes da independência, com
maior ou menor sucesso, nas principais colônias espanholas. No Brasil, não houve nenhuma. Na América do
Norte, as primeiras universidades, sob a forma de colégios, foram antes de tudo o fruto de interesses locais:
tratava-se de formar pastores e administradores de que necessitavam as colônias inglesas; os primeiros colégios
foram Harvard (1636), Williamsburg (1693) e Yale; em 1776 havia nove deles”. (CHARLE, 1996, p. 42).
26
Universidade Napoleônica: Modelo era profissionalizante, dá ênfase ao caráter instrumental da universidade,
foi instituída na França no século XIX com o crescimento da industrialização. “O sistema napoleônico: A
reconstrução do ensino superior foi feita simultaneamente com algumas inovações do século XVIII, mas em
oposição às aberturas da fase radical da Revolução, e com as características das universidades decadentes do
século XVIII. Três preocupações predominaram: oferecer ao estado e à sociedade pós-revolucionária os quadros
necessários para a estabilização de um país conturbado; controlar estritamente sua formação em conformidade
com a nova ordem social; e impedir o renascimento de novas corporações profissionais. Esse despotismo
esclarecido, apesar das acomodações, explica a predominância do modelo da escola (mesmo quando esta se
chama faculdade), a tirania do diploma do estado, abrindo o direito para uma função ou para o exercício de uma
profissão precisa, a importância das classificações e dos concursos, a regulamentação precisa dos programas
uniformes, o monopólio da colação de graus pelo Estado. A única recriação de uma corporação é a da
Universidade que engloba o pessoal docente secundário e superior, mas trata-se de uma corporação estritamente
supervisionada e integrada na hierarquia dos corpos que formam o Estado Novo”. (CHARLE, 1996, p.76-77).
49
instituição de pesquisa, modelo humboldtiano
27
.Com o desenvolvimento, ao final do século
XIX e início do século XX, e a necessidade da democratização do acesso à educação, a
universidade tornou-se universidade de massas
28
, e para isso adotou diversos modelos, como
ocorre, por exemplo, nos Estados Unidos. “A corrida ao diploma começa igualmente na
primeira metade do século XX, em razão dessa massificação”. (CHARLE, 1996, p. 96).
No editorial da revista Educação & Sociedade, vol. 25, n. 88, seus organizadores afirmam que
nos dias de hoje podemos dizer que as universidades tendem a adotar um modelo anglo-
saxônico.
As universidades e instituições de ensino superior de todos os portes, nos
diferentes países, desde então tendem a caracterizar-se por traços e marcas
muito semelhantes, em que pesem o valor extremamente diferenciado de
suas economias e a história de constituição de seus respectivos subsistemas
de educação superior e universitário. De forma mais ou menos acelerada, nas
últimas três décadas - pressionadas pelas novas concepções e formas de
economia, pelos novos papéis atribuídos ao estado, e pelas recomendações
embutidas em relatórios, documentos e empréstimos financeiros de
organismos multilaterais a serviço dos Estados centrais – as políticas de
educação superior da quase totalidade dos países do Norte e do Sul estão
levando a universidade a adotar um modelo, também chamado de ‘anglo-
saxônico’, que a configuraria não mais como uma instituição social, em
moldes clássicos, mas como organização social neoprofissional,
heterônoma, operacional e empresarial/competitiva. (2004, p. 648).
Na visão de Charle, (1996, p. 128), o crescimento do ensino superior estendeu-se por todos os
territórios, por isso não pode ser visto como um conjunto fechado separado, isolado do
mundo. Ele representa igualmente, em todos os países, a construção da sociedade presente e
futura. As universidades cumprem seu papel quer nos países ainda carentes de liberdade
democrática, como acontecia no século XIX nos países europeus, até os dias de hoje. Elas
constituem um espaço privilegiado para a discussão das opressões e das lutas políticas. Sua
função crítica continua sendo apesar de todas as transformações por que passaram as
27
Universidade Humboldtiana: Modelo Alemão, universidade da pesquisa, enfatiza a autonomia do saber é
especulativo, “aliando o ensino e pesquisa”. (CHARLE, 1996, p. 94). “O ideal universitário de Humboldt era
destinado a formar pessoas ilustres provenientes da alta burguesia ou na nobreza. [...] Os governos dos Estados
que sempre se encarregaram das universidades depois da Unidade alemã aceitam progressivamente essa
tendência, criando estabelecimentos ou carreiras ligadas às novas necessidades de uma sociedade industrial. Em
matéria científica, eles encorajam também os liames entre a pesquisa e a economia e facilitam a vinda de
estudantes estrangeiros com o objetivo de expandir a influência alemã no exterior.” (CHARLE, 1996, p. 108).
28
“Ensino superior de massa: a segunda originalidade do sistema universitário americano é sua entrada precoce
no ensino superior de massa. Tal expressão é explicada não somente pela massificação do ensino secundário,
cujos contingentes passam, na década de 1920, de 2,5 milhões para 4,8 milhões de alunos, ou seja, de 32% para
51% do grupo de faixa etária correspondente. O crescimento é ainda mais forte no nível superior. Havia menos
de 250 mil estudantes nos colleges em 1900; eles se tornam cinco vezes mais numerosos em 1940 (perto de um
milhão e meio). Os estudantes mais adiantados (graduates), menos numerosos proporcionalmente que na Europa
(5.800 em 1900), ultrapassam a faixa dos 100 mil às vésperas da Segunda Guerra Mundial. A corrida ao diploma
começa igualmente na primeira metade do século XX, em razão dessa massificação.” (CHARLE, 1996, p. 95-
96).
50
universidades, desde a sua origem, “o verdadeiro fio condutor dessa aventura intelectual
sempre ameaçada pelos poderes sociais há sete séculos”. (CHARLE, 1996, p. 128).
Segundo Catani & Oliveira (2001, p. 186), a universidade é um ente social, científico e
educativo, cuja identidade está fundada em princípios, valores, regras e formas de organização
que lhe são inerentes. O seu reconhecimento e sua legitimidade social estão vinculados
historicamente a sua capacidade autônoma de tratar com as idéias, de buscar o saber, de
descobrir e de produzir conhecimento. Porém “quando a universidade abre mão dessa
identidade histórica, corre o risco de servir a propósitos de reprodução do poder e das
estruturas existentes e não à sua transformação”.
As transformações das políticas e práticas educacionais, a defesa das práticas democráticas, a
defesa da universidade gratuita de qualidade é inerentemente política. As universidades
precisam assumir a educação como processo, e compreender os vários momentos históricos
por que passa a sociedade e mediar suas lutas sociais, participando, desta forma, das políticas
públicas do Estado. Lembrando que o Estado é um objeto de estudo complexo e sua
organização administrativa, seu regime político e social é que representa a mudança no
tratamento da política educacional que tem origem numa determinada visão de mundo, do
mercado e do Estado.
As universidades podem inserir-se no mercado sem perder sua autonomia,
com a condição de determinarem quando, como e para que se fará tal
inserção. Porém, elas podem deixar de atuar, ao mesmo tempo, contra o
mercado, cujos mecanismos, tão celebrados neste momento de globalização
hegemonizada, reproduzem eficazmente a miséria e a dominação na
América Latina. (CUNHA, 1998, p. 25).
Desde o século XVIII, pode-se analisar a importância da educação na economia. Smith em
seu Livro V de A Riqueza das Nações deixava transparecer que as leis que regiam o mercado
na esfera da economia deveriam estar presentes na educação. Sob esta perspectiva, analisou o
mercantilismo, a economia, a livre concorrência e a divisão do trabalho. Esta época moderna é
caracterizada pelas alterações nas relações de produção que viriam a constituir o capitalismo
como modo de produção. Portanto, no século XX, as formas institucionais do Estado
aparecem, assim, associadas com as lutas de classes e suas divisões internas. Para Fiori, isto
acontece “à luz dos conflitos que no processo social da valorização empurram e limitam,
permanentemente, a eficácia da intervenção econômica, social e política do Estado”. (1995, p.
36).
Já no século XXI, o desenvolvimento econômico exige um conhecimento específico e
especializado do indivíduo. Com a globalização, surge a valorização do capital humano pela
51
sociedade do conhecimento. A educação passa a ser mercadoria muito cara tanto para o
Estado que a financia quanto para o indivíduo que a compra. Seu valor como mercadoria é
fixada pelo sistema de preços e não pelo sistema político.
Daí a política educacional ter que se tornar a negação da própria política, a
afirmação do mercado, a negação do juízo de valor como seu definidor, a
afirmação das razões técnico-econômicas como seus critérios definidores. É
a esta altura que a teoria do capital humano
29
entra em cena com muito mais
força do que quando foi formulada, nos idos dos anos 1950-60. (PIRES, V.,
2005, p. 56).
Fazer uma análise sobre a perspectiva da história da universidade, pontuando sua trajetória é
importante para a compreensão da sua natureza institucional. O desenvolvimento da ciência e
a necessidade de atender sua missão social trazem para dentro das instituições questões
centrais e de difícil compreensão e resolução. O avanço científico e tecnológico, decorrente da
revolução industrial, trouxe novos problemas para as instituições.
A complexa problemática – universidade, sociedade, conhecimento e poder
– tem seu ponto crítico nas novas relações entre ciência e poder. Tanto
mudaram os paradigmas científicos como suas relações com o Estado e a
sociedade, a partir de sua eficácia em termos econômicos e militares. Da
mesma forma, as universidades, inseridas na produção científica e
tecnológica para o mercado ou para o Estado, tanto nas economias
capitalistas como socialistas, ficaram submetidas a lógicas que afetaram
substantivamente sua autonomia acadêmico-científica tradicional.
(TRINDADE, 2001, p. 18)
No Brasil a educação superior surge com a vinda da família real em 1808
30
. Surge atrelada ao
governo federal, o qual possui competência para criar cursos superiores e determinar toda a
organização institucional da universidade. Segundo Saviani “a iniciativa de D.João VI não
levou em conta a experiência dos colégios jesuítas já que se inspirou, de certo modo, no
modelo napoleônico” (2001, p. 1).
29
. CAPITAL HUMANO - “Idéia-chave é de que a um acréscimo marginal de instrução, treinamento e
educação, corresponde um acréscimo marginal de capacidade de produção. Ou seja, a idéia de capital humano é
uma “quantidade” ou um grau de educação e de qualificação, tomando como indicativo de um determinado
volume de conhecimentos, habilidades e atitudes adquiridas, que funcionam como potencializadoras da
capacidade de trabalho e de produção. Desta suposição deriva-se que o investimentos em capital humano é um
dos mais rentáveis, tanto no plano geral do desenvolvimento das nações, quanto no plano da mobilidade
individual”. (FRIGOTTO, 2003, p. 41).
CAPITAL HUMANO – “Compreende capacidade (entendida como conhecimentos e talento), comportamento
(definido como “formas observáveis de agir que contribuem para a realização de uma tarefa”) e empenho
(“aplicação consciente de recursos mentais e físicos para determinado fim” (DAVENPORT, apud PIRES, 2005,
p. 82). O Capital Humano ver livro de Valdemir Pires, Economia da Educação: Para além do capital humano.
São Paulo: Cortez. 2005
30
Embora alguns, retrocedam à colônia com os jesuítas, a criação de colégios com cursos de Teologia e de
Artes, estes últimos também, foram denominados de Ciências Naturais ou Filosofia. (Saviani, 2001, p. 1)
52
Os primeiros cursos superiores no Brasil surgem no século XIX
31
e sua primeira universidade
no século XX, quando, nas colônias espanholas da América, já havia mais de duas dezenas de
universidades.
No Brasil, a universidade se institucionaliza apenas no nosso século, embora
tenha havido escolas e faculdades profissionais isoladas que a precederam
desde 1808, quando o Príncipe Regente, com a transferência da Corte para o
Brasil, cria o primeiro curso de Cirurgia, Anatomia e Obstetrícia. A
‘universidade temporã, na expressão de Luiz Antonio Cunha, somente se
organiza tardiamente, a partir da década de 20 de nosso século. Como
observa Anísio Teixeira, o Brasil esteve fora do processo universitário
quando o tema principal do debate, no século XIX, era ‘a nova universidade,
devotada ‘a pesquisa e ‘a ciência. (TRINDADE, 2001, p. 12).
O ensino superior brasileiro terá sua primeira expansão durante a Primeira República quando
houve “um processo de expansão e diversificação de cursos superiores, surgindo vários deles
por iniciativa de particulares ou de governos estaduais”, (SAVIANI, 2001, p. 1). Neste
período ocorrem as primeiras tentativas de uma organização mais formal das universidades,
através do Decreto nº. 19.851 de 11 de abril de 1931, o governo federal estabeleceu o Estatuto
das Universidades Brasileiras.
Desde a sua criação até hoje o sistema educacional superior brasileiro passou por várias
reformas. Para Valdemir Pires (2005, p. 51), o Estado é o centro político onde se determinam
e se materializam as políticas educacionais contemporâneas, é uma instituição que se modifica
conforme as mudanças ocorridas na sociedade
32
.
31
“Enquanto os conquistadores foram implantando universidades, desde o Caribe (Santo Domingo) até países do
Cone Sul (Córdoba) em meados do século XVIII, o Brasil optou pelo ensino superior profissional a partir do
século XIX, com as pioneiras Escolas de Minas e Ouro Preto, Medicina de Salvador, mas sobretudo através das
Faculdades de Direito e, mais tarde, das Politécnicas. Preferimos cultivar em Coimbrão gosto pelo bacharelismo
de nossas elites imperiais e apenas na década de 30 institui-se a Universidade de São Paulo. Esta, ao estabelecer
um compromisso institucional entre a tradição das Escolas ou Faculdades profissionais e o embrião da
universidade nascente que foi a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, tornou-se a matriz da primeira geração
de instituições públicas federais e confessionais católicas. Embora as universidades se disseminem
nacionalmente a partir do modelo da USP, houve alguns esforços precursores como o da Universidade do
Paraná, da Universidade Técnica de Porto Alegre sob a inspiração dos positivistas e da Universidade do Brasil
no Rio de Janeiro que, em sua origem, teve uma fundação simbólica para conceder um título acadêmico ao rei da
Bélgica. Outro paradoxo é a diferença que se refere à autonomia universitária. Ao contrário das universidades
hispano-americanas, as universidades públicas brasileiras não gozarão da autonomia que se tornou um traço
dominante de universidades que incorporaram esta conquista em seu próprio nome, tal como a Universidade
Autônoma do México. Ainda que a bandeira da autonomia tenha sido um dos temas centrais do movimento da
‘reforma universitária’ dos anos 60 e que se inspirava, também tardiamente, na luta histórica pelo ‘co-governo’
da Universidade de Córdoba na Argentina, no Brasil, com exceção da autonomia concedida às universidades
paulistas na última década (USP, UNICAMP e UNESP), o sistema federal de educação superior jamais gozou de
autonomia administrativa e de gestão financeira”. (TRINDADE, 2001, p. 28-29)
32
Não são objetos deste estudo as reformas pelas quais passou o sistema, mas sim como o sistema está
estruturado e quais são as implicações, e, como este sistema determina ou é determinado pelas políticas
econômicas, sociais e culturais, no desenvolvimento do país.
53
É por isso que hoje não se pode avaliar ou mesmo compreender a política
educacional se não se levar em conta um conjunto de fatores trazidos pelo
fenômeno da globalização, entre eles as bruscas e inconclusas mudanças no
papel do Estado. (VALDEMIR PIRES, 2005, p. 51).
As mudanças e a reestruturação do Estado e da educação superior, segundo Silva Jr. &
Sguissardi (2001, p. 25), não são características exclusivas do Brasil, nem tampouco de países
do terceiro Mundo ou da América Latina, é uma realidade que está presente e é comum na
maioria dos países de todos os tamanhos, proporções, amplitude e graus de desenvolvimento.
São questões que acompanham as mudanças na base econômica nos diferentes países, desde
os chamados países de Primeiro Mundo, entre eles a Europa Ocidental, quando da passagem
do Fordismo
33
para um novo regime de acumulação e a crise do estado do Bem-Estar Social
fizeram com que fosse sentido com maior intensidade nesses países do que nos demais desde
os anos 60 e 70 e em especial nos anos 80
34
.
A partir das discussões realizadas sobre as relações entre o Estado, a política, o
desenvolvimento e a Universidade, pretende-se, no próximo capítulo, compreender a
problemática decorrente das reformas do Estado e suas implicações para o ensino superior
brasileiro.
33
Para uma análise mais profunda da crise do fordismo ver: ALLIEZ, E. Estilhaços do capital. In: Contratempo,
Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1988, PALLOIX, C. O processo de trabalho do fordismo ao neofordismo. In:
VV.AA. Processo de trabalho e estratégia de classe. Rio de Janeiro: Zahar, 1982, e CORIAT, B. Automação
programável, novas formas e conceitos de produção. In: SCHIMTZ & CARVALHO (Org.). Automação
competitividade e trabalho: a experiência internacional. SP: Hucitec, 1988.
34
Talvez a única exceção tenha acontecido no Chile, na década de 70, “país em que primeiro se deram essa
mudanças, talvez seja apenas uma exceção com características específicas, pois ocorre sob a mão visível de uma
ditadura militar”. (SGUISSARDI, 2001, p. 25).
54
CAPÍTULO II
3- A REFORMA DO ESTADO: AS POLÍTICAS NEOLIBERAIS E SUAS
IMPLICAÇÕES PARA O ENSINO SUPERIOR BRASILEIRO.
3.1- Introdução
Nas décadas de 1980 e 1990, a educação superior pública no Brasil enfrentou uma redução
gradativa de seu financiamento por parte do Estado. Esta redução tornou-se o ponto
fundamental da reforma deste nível de ensino. A desobrigação gradativa do Estado com a
manutenção do sistema público de educação superior começou num período em que o mundo
capitalista avançado passou a sofrer uma importante recessão, associada a elevadas taxas de
inflação e com significativa queda da produtividade. Esse período, segundo Amaral (2003, p.
43), é inaugurado com o golpe de Pinochet, no Chile (1973), e, em 1979, com a posse de
Margareth Thatcher, na Inglaterra. O sistema brasileiro passa a sofrer esta
desresponsabilização por parte do Estado a partir da posse do presidente Fernando Collor de
Mello em 1990. Pode-se verificar o crescimento desta tendência nos oitos anos do governo do
presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), e a continuidade dessa política no
governo do presidente Lula (2003-2006).
Procura-se neste capítulo verificar de que forma o “sistema” de ensino superior público no
Brasil, no período de 1995 a 2005, foi afetado pelas políticas e mudanças neoliberais
ocorridas nos cenários nacional e internacional. É com este pano de fundo que se pretende
entender o impacto e o significado das políticas dos organismos multilaterais para o Brasil,
com relação à redução do financiamento da educação superior pública, e se essas políticas
influenciaram no ajuste das políticas neoliberais implementadas na economia brasileira.
O debate sobre o ensino superior público no Brasil com relação às causas do processo de
redução de seu financiamento tem sido objeto de muitos simpósios, congressos, seminários,
nos quais os pesquisadores, intelectuais, professores, acadêmicos e os diversos agentes
envolvidos com este nível do ensino buscam identificar as razões, as crises e as causas que
possam explicar a continuidade da política de ajuste neoliberal na economia e no Estado
brasileiro.
As propostas de reforma do Estado, que são apresentadas por parte do Governo Federal,
principalmente na forma de gestão e de financiamento do ensino superior, geram, por parte de
seus técnicos, um posicionamento de defesa da necessidade de mudanças prementes com base
nas recomendações e políticas dos organismos multilaterais, com o intuito de tornar o Estado
55
mais ágil e as instituições menos dependentes financeiramente do Estado. ”A reforma do
Estado rege-se, em termos mundiais, entre outras, pela ótica gerencialista e eficientista das
empresas privadas ou do mercado”. (SGUISSARDI, 2003a., p. 199).
O Estado diversificou as fontes de financiamento, permitindo as parcerias com as Fundações
de Apoio Institucional, incentivando as atividades de prestação de serviços, consultorias,
assessorias, etc. Outro ponto que visa compensar a desresponsabilização do Estado pela
manutenção da educação superior pública, segundo Sguissardi (2003a., p. 201), seria a
indução para que as instituições públicas fossem geridas e organizadas com características de
empresas econômicas; valorizando a qualidade acadêmica em moldes administrativo-
gerencial e empresarial: produto, aluno custo/benefício; incentivo à competição institucional e
interinstitucional, permitindo às instituições promover a busca de recursos financeiros
próprios. Recursos próprios são os recursos gerados pela própria instituição, através de sua
capacidade de captação de projetos de prestação de serviços, convênios, etc. Estes recursos
são obtidos pelas instituições em fontes não governamentais, na falta da manutenção integral
por recursos públicos.
Em contrapartida, as entidades representativas dos gestores, docentes, funcionários e
estudantes das universidades públicas têm defendido teses que contrariam estas
recomendações, com um diagnóstico diferente daquele apresentado pelo governo central,
reagindo de forma veemente contra essas políticas e as propostas governamentais. As
reformas, na forma como são apresentadas, e os motivos pelos quais se justifica a premência
de colocar em prática estas mudanças, vão implantando medidas, com o intuito somente de
diminuir o ônus do financiamento público, sem uma análise mais profunda da repercussão e
do impacto para o “sistema” de ensino superior público. Sob essa ótica, Trindade (2001, p.
33) atribui à comunidade acadêmica e seus dirigentes como representantes das universidades,
que devem ter responsabilidades de avaliar e discutir de forma reflexiva as políticas
implantadas pelo governo e suas implicações para o futuro das instituições.
Segundo Dias (2003, p. 161), a educação superior passa por situações semelhantes em todo o
mundo. No Brasil, as instituições de ensino superior são pressionadas cada vez mais a buscar,
por conta própria, a sua sobrevivência. Para o autor, a diminuição do financiamento público
conduz a “uma exasperada luta por fundos privados” (2003, p. 167), fazendo com que as
instituições saiam em busca de novas fontes de financiamento.
56
3.2- A Reforma do Estado Brasileiro Pós 1990
Na década de 1980 o país passou pelo processo de redemocratização. Em 05 de outubro de
1988 foi promulgada a nova Constituição do Brasil, que consagrou de forma clara e objetiva a
autonomia universitária. No seu artigo 207 diz textualmente: “As universidades gozam de
autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e
obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão” (BRASIL,
1988, p. 138).
Em consonância com as políticas educacionais dos organismos multilaterais, as políticas
públicas voltadas para o ensino superior brasileiro buscam estabelecer um novo papel para o
Estado:
Nos anos 90, especialmente na gestão de Fernando Henrique Cardoso, as
políticas públicas são reorientadas por meio, entre outros processos, da
reforma de Estado que, (...) engendra alterações substantivas nos padrões de
intervenção estatal, redirecionando mecanismos e formas de gestão e,
conseqüentemente, as políticas públicas e, particularmente, as políticas
educacionais em sintonia com os organismos multilaterais. (DOURADO,
2002, p. 242).
Sob esta ótica, Dourado (2002, p. 236) parte do pressuposto que tais políticas são demarcadas
por opções e interesses sociopolíticos articulados às mudanças no cenário contemporâneo, que
se traduzem na apreensão das determinantes históricas que conduzem o processo de reforma
do Estado brasileiro. A reforma do papel do aparelho do Estado, segundo Sguissardi (2005, p.
9), visava um Estado menos burocrático, buscando o crescimento econômico, a redução dos
gastos públicos, a eliminação do déficit público, para obter o equilíbrio orçamentário, a
eliminação de barreiras à exportação de bens manufaturados, a abertura comercial, o ingresso
de capital estrangeiro, e a privatização de empresas de prestação de serviços públicos.
A reforma do Estado também é tema tratado por Nogueira, quando, em Um Estado para a
Sociedade Civil: Temas Éticos e Políticos da gestão democrática (2004, p. 30), afirma que
entre 1964 e 1984 a sociedade foi exposta a um Estado hiperativo, terrorista e burocrático, que
a comprimiu quase ao limite do suportável. O ‘Stalinismo’ de então impulsionou parcialmente
o crescimento econômico, criou novos beneficiários de seus serviços e reorganizou as
relações entre Estado e mercado, mas ao mesmo tempo desvirtuou completamente o Estado,
na medida em que o dissociou da sociedade, o impregnou de privatismos e o distanciou da
cidadania. Após o interregno inaugural da Nova República (1985-1989), a década de 1990 irá
privilegiar a idéia de que seria preciso eliminar o “mal” que o Estado estava causando à
57
sociedade, ao mercado e à liberdade. Fez-se em nome disso uma reforma
35
que gerou um
outro padrão de Estado e de intervenção estatal.
Segundo Nogueira (2004, p. 57), não é possível pensar uma reforma com a ausência do
Estado, pois ele é o agente principal na operacionalização de qualquer política ou das alianças
políticas. Também porque qualquer ação de reforma não tem como acontecer sem o Estado ou
fora do Estado. Portanto, o Estado e suas instituições passam a ser o “locus” principal de
todas as fases do processo, onde as transações e os entendimentos ocorrem para viabilizar as
mudanças.
Qualquer processo de mudança de base operacional, de recurso técnico, está diretamente
relacionado às complexas alterações que são significativas num cenário globalizado. Dourado,
em Reforma do Estado e as Políticas para a educação superior no Brasil nos anos 90, afirma
que,
As relações sociais, sob a hegemonia das relações sociais capitalistas podem
ser traduzidas neste início de milênio como resultantes das complexas e
significativas mudanças, visibilizadas pela expressiva revolução tecnológica,
as quais têm engendrado alterações significativas no processo produtivo e,
em decorrência, no conteúdo e nas formas do processo de trabalho até então
vigentes. São alterações de toda ordem implicando, até mesmo, novos
horizontes geopolíticos do mundo sob a égide da globalização da economia,
e trazem um traço característico intrínseco à exclusão social e a sua
justificativa ideológica – o fim das ideologias e da história, apregoando o
neoliberalismo como a única possibilidade de ajuste e de sobrevivência,
ainda que a um elevado custo social. (2002, p. 236).
Essas alterações provocam cada vez mais uma separação nas formulações das políticas
públicas, desencadeando, dessa maneira, novos riscos e novas desigualdades, incluindo a
marginalização de grupos sociais, fazendo com que essas mudanças aumentem cada vez mais
a diferença entre os ricos e os pobres.
As mudanças realizadas no Brasil, quer de ordem estrutural, quer de ordem fiscal, para a
reforma do Estado, têm preocupado os agentes da ordem política, econômica, social,
35
“A reforma empreendida na última década provocou uma espécie de “perda” do Estado como referência e
recurso, fazendo coro com a fixação social de valores e ideários orientados pela racionalidade mercantil... Essa
“ausência” de Estado reforçou dois tipos de desajustes. Por um lado, fez com que os atores políticos ficassem
com dificuldades ainda maiores para alcançar uma idéia revigorada de pacto político ou projeto nacional.
Despojou o sistema político de um centro organizacional, de uma referência ética e política, a partir da qual fosse
possível renovar a contratação social. Aumentou a natureza errática e “fisiológica” dos partidos e da classe
política como um todo, incentivando assim a proliferação de projetos de poder desvinculados de projetos de
sociedade. Por outro lado, fez com que os movimentos sociais se soltassem ainda mais do político e procurassem
forjar uma “legalidade” e uma “institucionalidade” próprias, desinterrando-se da formulação de projetos de
hegemonia, abertos a toda a sociedade e capazes de fornecer respostas e perspectivas para os diferentes grupos
sociais. Com isso, a pressão social aumentou, mas deixou de produzir efeitos virtuosos: criaram-se muitas zonas
de contestação e de atrito com os governos, mas não campos de força hegemônicos”. (NOGUEIRA, 2004, p. 31)
58
pesquisadores, intelectuais e a sociedade civil, pois, as políticas de ajustes restringem o
financiamento de programas sociais com a justificativa de que o país precisa crescer e o
combate à pobreza e à exclusão social tem um caráter instrumental que visa garantir o suporte
político e a funcionalidade econômica que são elementos necessários ao novo padrão de
crescimento com base no liberalismo econômico.
Segundo Soares (1998, p. 23), com o intuito de tornar o Estado menos burocrático, os
organismos multilaterais, pautados na concepção de uma reforma estrutural mais adequada de
crescimento, começaram a implementar um amplo conjunto de reformas nos países
endividados. A reforma era defendida pelos seus seguidores como: liberal, privatista e de
abertura ao comércio exterior. Para a autora, essas políticas implantadas nos países do terceiro
mundo no final da década de 80 e início da década de 90, em termos gerais atendiam às
necessidades do capital internacional em processo de globalização. Estas reformas realizadas
em suas instituições e políticas passaram a ser consideradas importantes, pelos governos, para
o alívio da dívida e importantes para o desenvolvimento e crescimento desses países. Os
pontos principais foram assim definidos no “Consenso de Washington” (SOARES, 1998, p.
23):
1. Equilíbrio orçamentário, sobretudo mediante a redução dos gastos
públicos;
2. Abertura comercial, pela redução das tarifas de importação e eliminação
das barreiras não-tarifárias;
3. Liberalização financeira, por meio da reformulação das normas que
restringem o ingresso de capital estrangeiro;
4. Desregulamentação dos mercados domésticos, pela eliminação dos
instrumentos de intervenção do Estado, como controle de preços, incentivos
etc.;
5. Privatização das empresas e dos serviços públicos.
A reforma proposta nestes moldes desregulou o sistema financeiro e o comércio. A reforma
privatizou empresas e serviços públicos com o intuito de agilizar e regulamentar o mercado.
Para Bourdieu, “privatização acarreta a perda das conquistas coletivas, torna o Estado um ente
que não interferiria no mercado e no mundo do trabalho”. (1998, p. 52)
O Estado, em consonância, com as políticas do Banco Mundial, passa a ser um mero ditador
de normas e regras. Apresentam diagnósticos que são adequados às soluções neoliberais e
voltados para a crise do Estado do bem-estar social. Muitas vezes as soluções são imediatas,
às vezes apresentam-se soluções de longo prazo, porém com o objetivo único de atender
especificamente as diretrizes das políticas macroeconômicas. A meta apresentada visa a
59
reforma do Estado para torná-lo mais ágil, mais profissionalizado e desta forma atender à
reestruturação do capital.
Para o Banco Mundial, as medidas implantadas seriam capazes de colocar os países no
caminho do desenvolvimento sustentável (SOARES, 1998, p. 23) com a volta à estabilidade
econômica, superando o déficit fiscal, o retorno dos investimentos externos, levando os países
em dificuldades ao próprio crescimento, mesmo que essas medidas trouxessem no início
grande recessão e aumento da pobreza.
Essas medidas foram defendidas com veemência pelo então Ministro da Administração
Federal e da Reforma do Estado (MARE
36
). Silva Jr. & Sguissardi, em Novas Faces da
Educação Superior no Brasil (2001), assim definem o que significava a reforma do Estado
brasileiro para o Ministro Bresser-Pereira:
[...] significava superar de vez a crise
37
fiscal, de forma que o país volte a
apresentar uma poupança pública que lhe permita estabilizar solidamente os
preços e financiar os investimentos. Significa completar a mudança na forma
de intervenção do Estado no plano econômico e social, através de reformas
voltadas para o mercado e para a justiça social. Reformar o estado significa,
finalmente, rever a estrutura do aparelho estatal e do seu pessoal, a partir de
uma crítica não apenas das velhas práticas patrimonialistas ou clientelistas,
mas também do modelo burocrático clássico, com o objetivo de tornar seus
serviços mais baratos e de melhor qualidade. (BRESSER-PEREIRA, apud
SILVA & SGUISSARDI, 2001, p. 29)
A reforma do Estado foi defendida pelo Ministro Bresser Pereira com o objetivo de governar
melhor e administrar o país com maior eficácia. No caso da gestão pública, principalmente
das instituições de ensino superior, o Estado foi rigoroso. Contrariando o diagnóstico
apresentado pelo Ministro, Chauí, em Universidade em Ruínas (1999, p. 211), afirma que a
“reforma encolhe o espaço público democrático dos direitos e amplia o espaço privado não só
ali onde seria previsível – nas atividades ligadas à produção econômica -, mas tamm onde
não é admissível – no campo dos direitos sociais conquistados”.
No período de 1990 (CHAUÍ, 2001, p. 212), os direitos sociais conquistados pelos
trabalhadores, após lutas de muitas gerações, foram aniquilados; muitos direitos foram
suprimidos, e no setor público, principalmente seus servidores foram alvo de críticas e
acusados pela inoperância e ineficiência da máquina burocrática estatal. Houve uma inversão
36
MARE – Ministério da Administração Federal e da Reforma do Estado; MEC – Ministério da Educação. O
comando do MARE foi exercido por Bresser Pereira no período de 1995 -1998.
37
Por crise do Aparelho do Estado, objeto de sua principal preocupação, o ministro entendia a ocorrência do
clientelismo, da profissionalização insuficiente e que, a partir da Constituição de 1988, sofreria de mal oposto:
do ‘enrijecimento burocrático extremo’ (SILVA JR.e SGUISSARDI, 2001, p. 29).
60
de valores e o abandono da oferta de bens e serviços pelas políticas públicas. O impacto
dessas medidas ocasiona perdas substanciais para o sistema de ensino, pois,
No lugar de um Ministério da Educação coloca-se uma agência reguladora,
normatizante e avaliadora. De ofertante de bens públicos, o Estado passa a
concessionário do direito de exploração de uma frente de investimentos
tipicamente públicos. Da política educacional, impositiva e demandante de
recursos públicos, passa à normatização e controle, deixando às regras de
mercado e à iniciativa privada grande parte dos investimentos e gastos e o
julgamento da qualidade do produto ou serviço, via lei da oferta e procura
(sistemas de preços). (VALDEMIR PIRES, 2005, p. 53).
Com essas políticas o Estado passa a ser controlador, centralizador e ditador de normas que
estabelecem regras que asseguram a sua hegemonia no controle dos gastos públicos, porém
deixa o “sistema” a mercê do mercado e da iniciativa privada.
3.3- A Influência dos Organismos Multilaterais na Reforma do Estado
Na ótica do Banco Mundial, a reforma educativa era inevitável para os países em
desenvolvimento. Sua prioridade era para com a educação básica, pela qual o Banco Mundial
vislumbra que, se toda a população alcançasse este nível de ensino, haveria o crescimento
econômico e o desenvolvimento social, melhorando, assim, o bem-estar dos indivíduos
38
.
Com a implantação dessa política houve uma diminuição drástica dos investimentos públicos
na educação superior, na saúde e na cultura, com sérias conseqüências para o segmento do
“sistema” de ensino superior e para o campo de produção de pesquisa necessária ao
desenvolvimento da ciência e da tecnologia.
No âmbito das políticas educacionais, a atuação do Banco Mundial
39
sinaliza que o papel
deste organismo internacional é importante na interlocução da política macroeconômica, que
está em conformidade com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Soares discorda da
performance dessa política escrevendo que,
Após cinqüenta anos de operação e empréstimos de mais de 250 bilhões de
dólares, a avaliação da performance do Banco Mundial é extremamente
negativa. Esta financiou um tipo de desenvolvimento econômico desigual e
perverso socialmente, que ampliou a pobreza mundial, concentrou renda,
aprofundou a exclusão e destruiu o meio ambiente. Talvez a mais triste
38
Sobre o tema Educação na área básica ver o trabalho realizado por Rosa Maria Torres: Melhorar a qualidade
da educação básica? As estratégias do Banco Mundial. 1998, p. 125-193.
39
“O Banco Mundial, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BIRD) e agências da Organização das
Nações Unidas (ONU) configuram-se como importantes interlocutores multilaterais da agenda brasileira. No
campo educacional, esses interlocutores, particularmente o Banco Mundial, revigoram a sua atuação no país a
partir da década de 1980.” (Dourado, 2002, p. 239).
61
imagem desse fracasso seja a existência hoje de mais de 1,3 bilhões de
pessoas vivendo em estado de pobreza absoluta. (1998, p. 17).
No Brasil, o Banco Mundial exerceu profunda influência no processo de desenvolvimento
40
.
Promoveu a “modernização” (SOARES, 1998, p. 17) do campo e financiou grandes projetos
industriais e de infra-estrutura, em contrapartida contribuiu para o fortalecimento de um
modelo de desenvolvimento concentrador de renda e prejudicial ao meio ambiente.
Segundo Arruda,
Desde o colapso do estatismo na Europa central e oriental, o mundo está
sendo varrido pelos ventos da globalização econômico-financeira,
acompanhado de desregulamentação e liberalização dos mercados e alta
especulação financeira, ao lado do acelerado progresso técnico no campo da
robótica, da informatização e das telecomunicações. Desenvolvimento hoje
tem sido sinônimo de crescimento econômico com crescente desemprego e
crescentes desigualdades entre hemisférios e no interior das nações,
inclusive das mais ricas. (1998, p. 43).
Enquanto grande parte das camadas médias empobrece, alguns setores privilegiados da
população enriquecem. É por isso que o “local de trabalho se altera na medida em que os
trabalhadores lutam pelas condições de trabalho e buscam aumentar as recompensas que
obtêm por seu trabalho, e na medida em que os empregadores adotam nova tecnologia para
aumentar o produto por trabalhador”. (CARNOY, 1987, p. 72). Este resultado desigual abre a
possibilidade de que indivíduos, setores sociais, ou países adotem medidas para saírem da
degradação geral e alcançarem um maior desenvolvimento. Esta idéia do êxito para
indivíduos, setores sociais e países não supõe a cooperação ou a solidariedade, mas o triunfo
na competição com os outros
41
. (CORAGGIO, 1998, p. 80)
Com este processo de competição entre os países e entre os indivíduos, o Banco Mundial
promove a doutrina do livre mercado, porém é uma instituição intervencionista por
40
“Nos anos 80, com a emergência da crise de endividamento, o Banco Mundial e o FMI começaram a impor
programas de estabilização e ajuste da economia brasileira. Não só passaram a intervir diretamente na
formulação da política econômica interna, como a influenciar crescentemente a própria legislação brasileira. As
políticas recessivas acordadas com o FMI e os programas de liberação e desregulamentação da economia
brasileira estimulados pelo Banco Mundial levaram o país a apresentar, no início dos anos 90, um quadro de
agravamento da miséria e da exclusão social sem precedentes neste século, com cerca de 40% de sua população
vivendo abaixo da linha da pobreza”. (SOARES, 1998, p. 17)
41
“Ser competitivo significa ter a capacidade de passar pelas provas que o mercado impõe, respondendo rápida e
eficientemente às suas mudanças. Em escala nacional, advertidos do perigo de instaurar apenas uma
competitividade perversa de curto prazo, baseada na degradação do valor do trabalho, do meio ambiente e da
qualidade de vida, especifica-se que a competitividade deve ser ‘autêntica’, sustentável e baseada em
investimentos em capital humano”. (CORAGGIO, 1998, p. 80).
62
natureza
42
.(ARRUDA, 1998, p. 43).
De acordo com as políticas do Banco Mundial acreditava-se primeiro que as medidas seriam
capazes de colocar os países no caminho do desenvolvimento sustentável, permitindo a volta
da estabilidade econômica, dos investimentos externos e do próprio crescimento, mesmo que
num primeiro momento houvesse recessão e aumento da pobreza.
Num segundo momento os programas neoliberais de ajuste fiscal geraram a “década perdida
dos anos 80” (SOARES, 1998, p. 25), pois estes vêm revelando, cada vez mais, que o
conjunto de políticas e instrumentos econômicos não é capaz de construir as bases para o
desenvolvimento sustentável, como ainda é responsável pela desestruturação da sociedade e
da economia de diversos países onde estes programas foram implantados desde a década de
1980.
O México seguiu fielmente a cartilha de ajuste do Banco Mundial. Cortou
gastos públicos, promoveu um profundo processo de privatização, abriu sua
economia às importações e ao capital estrangeiro, tendo como resultado um
fluxo intenso de recursos externos e o retorno de taxas de crescimento
positivas que pareciam confirmar o sucesso das políticas, apesar da
intensificação da pobreza. Mas a vulnerabilidade do modelo se mostrou
rapidamente com o crescimento acelerado dos déficits comerciais, a redução
das reservas e a brusca fuga de capitais do país no final de 1994. (SOARES,
1998, p. 25)
Para Soares (1998, p. 27), apesar das críticas e pressões para as mudanças no Banco Mundial,
as reformas propostas não alteraram o eixo principal das suas políticas, que continuam
responsáveis pela continuidade da promoção do atual padrão de crescimento desigual e
totalmente excludente. Por outro lado os responsáveis pela gestão pública se utilizam dos
argumentos de que são obrigados a aceitar os acordos do exterior, minimizando assim a sua
responsabilidade nos aspectos socialmente negativos das políticas públicas. Portanto, o FMI
ou o Banco Mundial transformaram-se no “inimigo” dos setores mais afetados pelas reformas
econômicas. (CORAGGIO, 1998, p. 83)
As propostas de política social amarram o Estado a um assistencialismo de custos crescentes.
Seria necessário, segundo Coraggio (1998, p. 90), ‘investir nas pessoas’, fazer com que os
42
“O Banco Mundial opera de forma contraditória, por um lado, como banco comercial visando primeiramente à
ampliação dos seus investimentos e a maximização do lucro deles proveniente e, por outro, intervindo
continuamente no espaço dos mercados, seja em benefício do setor privado, seja na promoção de políticas de
seguridade social, de alívio da fome e redução da pobreza”. (ARRUDA, 1998, p. 43).
63
pobres tenham acesso aos serviços básicos e que tenham maior capital humano, portanto,
maior probabilidade de realizar trabalhos produtivos e obter renda. “O capital humano passa a
ser um insumo disputado, tendo seu preço aumentado no período de crescimento e não muito
diminuído no período de menor nível de atividade econômica”. (VALDEMIR PIRES, 2005,
p. 80).
Na visão marxista, em uma economia de mercado, para que o indivíduo possa efetivar essa
capacidade, é necessário que ele tenha acesso a outros recursos básicos, como terra, crédito,
tecnologia, informação, para que ele possa participar da distribuição dos excedentes
econômicos, da estrutura de investimentos de capital, das tecnologias desenvolvidas, dos bens
e dos serviços.
Com relação às políticas macroeconômicas, Coraggio afirma,
é sabido que tanto o FMI quanto o Banco Mundial exercem fortes pressões
para impô-las a suas contrapartes nacionais. No que diz respeito às políticas
sociais, às quais se poderia atribuir relação direta com a tarefa da classe
política local de construir a legitimidade do sistema global, indícios de que a
interferência também pode ser importante, sobretudo para tornar mais
eficiente o gasto público. A tendência indica a subordinação das políticas
sociais ao objetivo econômico da competitividade
43
. (1998, p. 93)
O Brasil recebeu seu primeiro empréstimo do Banco Mundial em 1949, cerca de US$ 75
milhões. No início do regime militar na década de 1970, o Brasil tornou-se o maior tomador
de recursos do BIRD (SOARES, 1998, p. 33). Para a autora “nos anos 80, o país teve uma
relação difícil com o Banco Mundial”, cedendo e recuando parcialmente às suas pressões e às
do FMI para adotar as políticas de ajuste. Na verdade, o modelo de ajuste dos organismos
multilaterais se revelou incompatível com a complexa estrutura da economia brasileira.
Este modelo de ajuste fiscal e estrutural foi trabalhado de forma abrangente nos estados e as
várias tentativas de mudanças para o ensino superior, da forma como foi executada, acabou
sendo comprometidas, colocando em cheque a representação de alunos, professores,
servidores tecnicos-administrativos e das associações de classes tanto em nível nacional como
em nível estadual. Apesar de todo o debate em torno das várias propostas de mudanças, uma
43
“A experiência do próprio mercado mundial vem demonstrando que a competitividade não se expressa
somente no preço e, portanto, não depende apenas da redução dos custos dos insumos e do incentivo à elevada
produtividade do trabalho, mas que existem outras determinantes fundamentais: “qualidade total”, serviços ao
consumidor, inovação e criatividade, velocidade de adaptação a mercados mutantes; isto afeta menos o custo e
mais a qualidade dos recursos humanos e sistemas sociais envolvidos em sua produção. Mas essa qualidade não
pode ser conseguida apenas com a vacinação, a nutrição e a educação básica das crianças de hoje já que, por sua
vez, está associada às condições de reprodução de suas famílias e comunidades, à qualidade de vida histórica e
atual, e também às expectativas de vida para o futuro”. (CORAGGIO, 1998, p. 93).
64
questão ficou clara: os investimentos no ensino superior foram drasticamente reduzidos, e a
cobrança pela eficiência e eficácia aumentou enormemente
44
.
3.4- Ensino Superior Brasileiro e as Políticas Neoliberais
Na década de 1990, “com a ascensão das políticas neoliberais no país, cujos eixos centrais
foram o ajuste fiscal e a implantação de um Estado mínimo” (Mancebo, 2004, p. 848), o
ensino superior brasileiro passou por um período de várias investidas e de propostas de
reformas com o objetivo de tornar este nível de ensino, segundo a premissa governamental,
menos elitista, menos oneroso, mais produtivo, mais eficaz e em contrapartida reduzir
drasticamente os gastos públicos, desobrigando o Estado da manutenção do “sistema”. As
políticas neoliberais buscavam a estabilização econômica que paralelamente vinha sendo
implantada pelo governo federal, em atendimento ao processo de estabilização econômica que
“estava sendo proposto ao Brasil por organismos multilaterais (FMI, BIRD/Banco Mundial e
outros), que significa a busca do equilíbrio orçamentário via redução dos gastos públicos”.
(SILVA Jr. & SGUISSARDI, 2001, p. 15).
Na primeira gestão do Presidente Fernando Henrique Cardoso, houve um esforço muito
grande do então ministro Bresser Pereira no sentido de implantar em nível Federal reformas
no “sistema” público de ensino superior. O grupo formado pelo ministro tinha como objetivo
transformar as IFES
45
em Organizações Sociais
46
. O Ministério da Administração e Reforma
do Estado deu ciência à comunidade universitária do documento ‘Etapas para viabilização da
aplicação da Lei das Organizações Sociais na recriação de Universidade Pública a ser
44
Nelson Cardoso Amaral, trabalha esta questão em seu livro Financiamento da Educação Superior: estado x
mercado. (São Paulo: Cortez; Piracicaba, SP: Editora UNIMEP, 2003).
45
Instituições Federais do Ensino Superior.
46
Organizações sociais são entidades que celebram um contrato de gestão com o Poder Executivo e contam com
a autorização do parlamento para participar do orçamento público. (BRESSER-PEREIRA, 1996, p. 286).
65
administrada por Contrato de Gestão’. O documento apresentava etapas
47
para a
reestruturação das IFES.
O Ministro propôs além da criação das organizações sociais, a criação de agências executivas
e profissionalizantes para servidores do chamado núcleo burocrático do Estado. A reforma
previa maior flexibilização da administração com o objetivo de tornar o “sistema” mais
eficiente e eficaz, a mudança do sistema previdenciário do funcionalismo público, buscando
diminuir as despesas e a isonomia com o setor privado. Para Amaral (2003, p. 123), as
contratações de pessoal, remuneração e orçamentos seriam globais, os recursos poderiam ser
transferidos de pessoal para manutenção e investimentos e vice-versa. Os recursos financeiros
provenientes do Fundo Público, não seriam aumentados, para as IFES e seriam distribuídos
utilizando-se critérios visando a eficiência e ampliação de atividades, devendo as instituições
buscar fontes alternativas de recursos adicionais. Os hospitais universitários seriam
administrados separadamente das instituições de ensino.
Na visão de Silva Jr. & Sguissardi (2001, p. 27), a reforma do Estado, além de buscar o ajuste
fiscal, buscava também um Estado moderno com um serviço público de qualidade. O ajuste
implicava na diminuição dos investimentos nos serviços públicos, porém a falta de
investimento não poderia implicar na baixa qualidade dos serviços prestados, buscando assim
a justiça social.
47
As etapas eram as seguintes: 1. Conforme intenção do Min. Da Educação e do Desporto, indica-se uma
universidade, autárquica ou fundacional, para ser extinta e recriada como entidade pública não-estatal. 2. O
Ministro promove contatos com representantes da universidade a ser extinta e é iniciado o levantamento
patrimonial, de recursos humanos e de serviços a serem assumidos pela nova entidade. 3. A indicação da
entidade é submetida ao Conselho Nacional de Publicização para estudo da viabilidade e eventual
recomendação. 4 Constitui-se uma Associação Civil ou Fundação de Direito Privado, “que deverá prever em
seus atos constitutivos ou requisitos para operar como Organização Social apta a celebrar contratos de gestão”. 5.
A nova entidade registra seu estatuto em cartório de registro civil de pessoas jurídicas, não esquecendo de
estabelecer entre seus objetivos a prestação de serviços de ensino público, sem fins lucrativos. 6. Esta Entidade
apresenta-se ao Ministro e sua qualificação é analisada pelo Conselho Nacional de Publicização. Define-se (por
quem?) a composição do Conselho Diretor desta entidade, por pessoas de “notória capacidade profissional e
elevado espírito público”. 7. Comprovada a habilitação desta Associação Civil ou Fundação de Direito Privado,
o Conselho Nacional de Publicização propõe à Pres. da República a qualificação da entidade como Organização
Social. 8. O Presidente da República encaminha ao Congresso pedido de autorização legislativa para celebração
de Contrato de Gestão com a Organização Social e extinção da IFES que será substituída pela nova entidade. 9.
Concedida a autorização legislativa, o Conselho Curador da Organização Social, seguindo as prioridades de
política governamental estabelecidas pelo Ministro da Educação, “assumirá suas atribuições de designar
dirigentes, dispor sobre a estrutura, definir diretrizes e objetivos e zelar pelo cumprimento das metas e
finalidades da instituição”. 10. Definida a diretoria da Organização Social, tem início o processo de elaboração
dos Termos do Contrato de Gestão e de transição administrativa da entidade estatal para a Organização Social.
11. O Ministro, representando o poder público, deverá assinar o Contrato de Gestão e supervisionar sua
execução, onde estarão claramente identificados os serviços e as ações a serem desenvolvidas, a alocação e as
metas a serem alcançadas. 12. O contrato terá vigência de dois a três anos, findo o qual serão avaliados os
resultados e o correto cumprimento dos seus termos, mediante fiscalização do tribunal de Contas da União.
(SILVA Jr. & SGUISSARDI, 2001, p. 35-36).
66
A chamada modernização ou o aumento da eficiência da administração
pública será, para o Ministro, resultado de um complexo projeto de reforma,
que vise a um só tempo o fortalecimento da administração pública direta –
núcleo estratégico do Estado – e a descentralização da administração pública
com a implantação de agências executivas e de organizações sociais
controladas por contrato de gestão. (SILVA Jr. & SGUISSARDI, 2001, p.
28).
Neste contexto a educação passa a ser analisada sob o critério técnico, onde só é possível
haver o gasto e o investimento quando existir a garantia do retorno financeiro. A
competitividade, a produtividade, a relação custo/benefício passam a ser os objetivos maiores
das políticas neoliberais para a educação superior. Com o ajuste fiscal na década de 1990 e o
crescimento das políticas neoliberais, diminuíram as funções do Estado. Com a implantação
destas políticas houve um aumento do controle sobre as instituições públicas e uma
diminuição alarmante dos gastos públicos, também, houve uma onda de privatização de
empresas estatais e dos serviços públicos.
Entendia-se que o Estado deveria deixar de ser responsável direto pelo
desenvolvimento econômico e social por meio da produção de bens e
serviços, devendo, outrossim, fortalecer seu propósito de promotor e
regulador desse desenvolvimento. Sua função estaria restrita a uma “ação
redistributiva” dos bens sociais e ao cumprimento do objetivo de garantir a
ordem interna e a segurança externa. Para tanto, tornava-se premente a
transferência para o setor privado das atividades que pudessem ser
controladas pelo mercado. (MANCEBO, 2004, p. 848).
Segundo Dourado (2002, p. 237), as propostas de reforma do aparelho do Estado, originárias
do Ministério da Administração Federal e da Reforma do Estado (MARE) incluíam a adoção
de conceitos como atividades não-exclusivas do Estado, num processo de desestatização e
privatização dos serviços sociais. Foram assim definidas a educação superior, ciência e
tecnologia e a saúde como serviços não exclusivos do Estado e competitivos, o que visaria à
chamada modernização e à eficiência da administração pública. Para tanto o projeto previa a
transformação das Instituições de Ensino Superior em “organizações sociais”
48
.
Acreditava-se, segundo Amaral (2003, p. 24), que alterando a forma jurídica das instituições
os problemas estariam resolvidos e a vida universitária seguiria sem percalços quando, na
realidade, a universidade desde sua origem parece estar em crise permanente e à espera de
uma reforma definitiva. As contradições e as transformações por que passam as
48
“Organizações sociais são organizações públicas não-estatais – mais especificamente fundações de direito
privado – que têm autorização legislativa para celebrar contrato de gestão com o Poder Legislativo, e assim ter
direito à dotação orçamentária. As organizações sociais terão autonomia financeira e administrativa, respeitadas
condições descritivas em lei específica como, por exemplo, a forma de composição de seus conselhos de
administração, prevenindo-se, deste modo, a privatização ou a feudalização dessas entidades. Elas receberão
recursos orçamentários, podendo obter outros ingressos através da prestação de serviços, doações, legados,
financiamentos, etc.”. (PEREIRA, Bresser. Apud SILVA JR.& SGUISSARDI, 2001, p. 45).
67
universidades, em particular na sua identidade, estão relacionadas diretamente às mudanças
que ocorrem no mundo do trabalho, pois este está implícito em todos os momentos da vida da
universidade contemporânea e incide diretamente na formação do indivíduo. O
empreendedorismo passou a ser o objetivo e o sinal de sucesso de cada jovem. A capacitação
e a instrumentalização das pessoas passou a ser divulgada como a melhor forma de inserção
na área profissional e/ou no mercado de trabalho, como já anteviu Weber,
O funcionário moderno, como convém à técnica racional da vida moderna,
está cada vez mais sujeito, constante e inevitavelmente, a um treinamento
específico e cada vez mais especializado. (1999b, p. 541).
A mobilidade do jovem no mundo do trabalho e o seu sucesso dependem da sua capacitação.
Quanto mais o indivíduo investe na sua qualificação mais autônomo ele se torna, pois passa a
ser proprietário de seu conhecimento. Segundo Davenport apud Pires, V., 2005, p. 77, “está
na hora de pensar nos empregados não como capital humano, mas como proprietários e
investidores de capital humano”. O trabalhador qualificado ou em qualificação permanente é
um empreendedor e pode se deslocar de uma empresa para outra. ”Quanto mais livres forem
os mercados de capital humano, mais rapidamente poderá o indivíduo transferir o
investimento para onde obtenha o melhor retorno” (DAVENPORT apud VALDEMIR PIRES,
2005, p. 77).
Cada trabalhador é um empreendedor: ganha mais se investe mais. Tem a
vantagem da liberdade, mas o peso de estar por conta própria. Tem que
conhecer e explorar o mercado do mesmo modo que o empresário.
Empresário que, aliás, não é mais empresário tradicional: move-se, ele
próprio em um terreno com incertezas maiores; não pode contar
compulsoriamente com trabalhadores homogeneamente qualificados, mas
deve, isto sim, negociar com indivíduos proprietários de capital humano,
com expectativas de retorno do seu investimento, a fim de atraí-los e retê-
los, antes que o concorrente o faça. O elemento fundamental de sua
vantagem competitiva depende agora da vontade de outros
empreendedores,
à busca de vantagens também. (VALDEMIR PIRES, 2005, p. 77- 78).
As alterações implantadas quer na área política quer na área econômica em nível de Estado,
têm diminuído gradativamente o financiamento das universidades públicas brasileiras. Essa
falta de investimentos por parte do Estado na manutenção das universidades públicas gera
crises, deterioração de prédios, laboratórios, bibliotecas, baixos salários do corpo docente e
técnico-administrativos, pois quando se fala em reforma do Estado, imediatamente se analisa
a questão da reforma na gestão e na administração pública, com a finalidade de diminuir o
número de funções do Estado.
68
Com a nova configuração do Estado, pretende-se estabelecer uma nova forma de organização
das universidades, exigindo que estas se submetam à nova lógica capitalista, marcada pela
crescente internacionalização das relações de produção.
Face à mundialização do capital, em novas bases e dimensões, tornar-se-iam
impositivas as transformações na arena política, sob, ao menos, duas
dimensões: 1) a da redefinição das esferas públicas e privadas, com as
estratégias de ocupação dos espaços exigidos pelo movimento espaço-
temporal do capital e que cobrariam as radicais e famigeradas reformas do
Estado; 2) a da transnacionalização do poder de decisão econômico/política,
acionada e coordenada por organismos internacionais multilaterais, visando
a que esse movimento ultrapasse o círculo de ferro dos países-centro do
capitalismo mundial e efetive-se na grande periferia. (SGUISSARDI,
2000a., p. 249)
Essas mudanças ocorrem num processo complexo e contraditório que envolve atividades
humanas, culturais e em particular a educação. No Brasil estas mudanças foram
profundamente trabalhadas pelo Ministério da Educação e pelo MARE e rigorosamente
supervisionadas pelos organismos multilaterais
49
.
Com a nova configuração o Estado amplia sua ingerência nas instituições de ensino superior,
debilitando a já precária autonomia na gestão universitária e financeira, aumentando a busca
pela eficiência e eficácia, que exigem respostas mais rápidas e funcionais, porém com a
redução dos gastos públicos. Para Dias,
No nível institucional, a diminuição de recursos tem gerado a necessidade de
compensação das deficiências financeiras por meio de implementação de
atividades de corte comercial. O que é uma perda passa a ser justificado
como se fosse um benefício, e o “comercialismo” é incorporado como valor
ao ethos universitário. O predomínio do mercado tende a alterar os valores
da comunidade universitária e a enfraquecer a cultura dos valores
acadêmicos. Desmerece o valor dos processos, pois, mais importante que a
consideração sobre o como se faz passa a ser o resultado daquilo que se faz,
tendo como principais critérios a maior quantidade e o menor custo. [...] Na
49
“O poder dos organismos multilaterais sobre os governos dos países em desenvolvimento é exercido menos por
seu aporte financeiro (salvo possíveis lucros espúrios dos intermediários); o fator decisivo é a sua capacidade de
interferir nas relações econômicas internacionais (por exemplo, vinculando o acesso ao mercado de capitais com
a assinatura de acordos prévios com o FMI ou o Banco Mundial, que impõem sua política econômica e os
parâmetros da relação Estado/sociedade: equilíbrio fiscal, desregulamentação, privatização, descentralização).
Os governos que controlam esses organismos obtêm um grande poder (leverage) com custos muito baixos, a tal
ponto que nos Estados Unidos, por exemplo, se discute a conveniência de repassar recursos da ajuda externa
(mais diretamente sujeitos ao manejo político) para os organismos multilaterais que esse país controla.
Emprestando (cada vez mais sob a forma de créditos reembolsáveis com taxas de juros flutuantes) menos de 5%
dos orçamentos dos países”, pode-se manipular suas políticas por controle remoto. Mas, para comandar esses 5%
que reorientam o total do orçamento público, é necessário apenas subscrever e pagar efetivamente uma
proporção muitas vezes menor como parte do capital (no caso do Banco Mundial, a proporção entre os recursos
emprestados e os que são orientados pode chegar a ser de mil vezes!). Mas essa capacidade institucionalizada
dos governos dos países industrializados para influir politicamente nas relações econômicas globais –
apresentada como sendo sua responsalibilidade para manter a ordem econômica mundial – não é ainda
suficiente”. (CORAGGIO apud CORAGGIO, 1998, p. 82-83).
69
lógica pragmática, instrumental e profissionalista que prioriza a maior
quantidade e o menor custo, melhor até que seja o setor privado o que atenda
a demanda, pois assim se desonera o estado, além de que a instituição
particular é capaz de se ajustar mais flexível e facilmente à lógica dos
empregos. (2001, p. 87).
A história mostra que esta investida sobre a educação superior não encontra respaldo sequer
no pensamento clássico, para o qual a educação aparece como umas das justificativas para os
gastos governamentais. “Com gasto muito pequeno, o Estado pode facilitar, encorajar e até
mesmo impor a quase toda a população a necessidade de aprender pontos essenciais da
educação
50
”. (SMITH, A., 1776, p. 215).
Valdemir Pires (2005, p. 40), trabalha esta questão quando trata do papel da educação no
pensamento econômico ao afirmar que,
O mercado, como forma de organização da produção e distribuição da
riqueza e de sustentação de um tipo específico de sociabilidade, sem
questionamento aos fundamentos ideológicos e às razões históricas dessa
configuração das sociedades, é o ponto de partida das análises das políticas e
sistemas educacionais típicas dos economistas. Discute-se a eficiência, a
eficácia e a efetividade das políticas governamentais, das decisões
individuais, da gestão dos aparelhos etc., procurando avaliar sua
contribuição para a melhoria da situação econômica dos indivíduos, grupos
sociais e nações. Ou seja, procura-se entender de que modo a educação
contribui para a ascensão social dos indivíduos e para o crescimento
econômico dos países, uma vez participando de um tipo de vida em que as
trocas dão a tônica dos relacionamentos interpessoais e internacionais.
(2005, p. 40).
Há, portanto, uma forte tendência de submeter a educação aos objetivos do mundo
econômico. Para Dias, as forças políticas e econômicas passam a orientação de que a
educação superior deve ser o local da preparação profissional, não “no sentido mais amplo da
formação que ultrapassa os limites estreitos do profissionalismo, e sim na acepção da
preparação restrita a um trabalho concreto”.(2003, p. 87).
Vários aspectos das políticas públicas e das mudanças realizadas nas instituições de ensino
superior alteraram a legislação, a avaliação, a estrutura organizacional, o funcionamento, o
planejamento, os currículos entre outros, proporcionando, dessa forma, a expansão da
educação superior na iniciativa privada.
Segundo Silva Jr. & Sguissardi (2001, p. 179), “a partir da década de setenta, com claro apoio
do Estado, o Ensino Superior expandiu-se intensa e rapidamente, de modo especial na esfera
privada”. Porém, as mudanças ganharam força e uma maior definição a partir da aprovação da
Lei nº. 9394/1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional). Pode-se dizer que o
50
Apesar de Smith não estar se referindo à educação superior, mas sim a educação de um modo geral.
70
ensino superior no Brasil ganhou uma nova face, pois os sistemas público e privado foram
regulamentados.
Segundo dados do INEP a expansão do número de cursos de graduação presencial no período
entre 1995 e 2005, foi bastante expressiva. De um total de 6.252 cursos em 1995, houve um
crescimento para 20.407 cursos, com uma variação de 226%. A maior parte deste crescimento
ocorreu nas instituições privadas, ampliando sua participação na oferta total de cursos de
55,5% em 1995, para 69,7 % em 2005. O número de cursos de graduação presencial, nas
instituições privadas, passou de 3.470 para 14.216 no período entre 1995 a 2005, com um
aumento de 310,0%, enquanto que nas instituições públicas este aumento foi de 123,0%,
passando de 2.782 para 6.191 cursos.
Tabela I – Número e percentual de cursos de graduação presencial por categoria
administrativa – Brasil 1995 – 2005.
1995 2005
Categoria Administrativa
Cursos % Cursos %
Pública 2.782 44,5 6.191 30,3
Privada 3.470 55,5 14.216 69,7
Total 6.252 100 20.407 100
Pública 123,0
1995/2005 ∆%
Privada 310,0
Fonte: Censo INEP – 2005
Os dados da tabela II mostram a evolução do número de instituições de ensino superior no
Brasil, segundo sua categoria administrativa. Pode-se verificar que o crescimento das
instituições privadas foi bastante expressivo, de um total de 689 instituições no ano de 1997,
passou para 1.934 em 2005, numa variação de 180,7%; enquanto as instituições públicas
passaram de 211, em 1997, para 231 em 2005, um aumento de apenas 9,5%.
71
Tabela II – Evolução do número de Instituições de Educação Superior por categoria
administrativa – Brasil – 1997-2005
Ano
Pública
Variação
%
Privada
Variação %
Total
Variação
%
1997 211 - 689 - 900 -
1998 209 -0,9 764 10,9 973 8,1
1999 192 -8,1 905 18,5 1097 12,7
2000 176 -8,3 1004 10,9 1180 7,6
2001 183 4,0 1208 20,3 1391 17,9
2002 195 6,6 1442 19,4 1637 17,7
2003 207 6,2 1652 14,6 1859 13,6
2004 224 8,2 1789 8,3 2013 8,3
2005 231 3,1 1934 8,1 2165 7,6
1997/2005 ∆%
9,5 180,7 140,6
FONTE: Deaes/INEP/MEC. Acesso em 28/07/2006.
Com a diminuição do montante dos recursos dos Fundos Públicos para a educação superior
pública brasileira as conseqüências sociais foram negativas. O Estado reduz sua capacidade de
atuar na sociedade, deixando de estimular ações promoção do desenvolvimento, a geração de
empregos e de proporcionar educação, saúde e bem-estar social à população.
Em função da falta de investimento por parte do Estado, a universidade vai à iniciativa
privada em busca de recursos adicionais para fazer frente às suas necessidades, passando a ser
mercantilizada, com a tendência cada vez mais a tornar a formação universitária uma função
da economia. Para Hernán Courard,
Durante os anos 90, e no marco das reformas estruturais impulsionadas em
diversos graus na maioria dos países latino-americanos, os governos
consideram necessário realizar profundas reformas dos sistemas de educação
superior, postulando o que vem sendo chamado de um novo contrato entre
instituições e sociedade. Segundo este novo contrato, estariam sendo
alterados os esquemas tradicionais de coordenação do sistema, mediante a
criação de novas modalidades de financiamento, impulsionando as
instituições a entrar mais definidamente na competição do mercado,
desenvolvendo sistemas de avaliação da qualidade, e melhores sistemas de
informação. (1999, p. 53).
72
As universidades preocupam-se com o montante de recursos colocados à sua disposição para
atendimento de suas necessidades, que ao longo do tempo, na realidade, tem se mostrado
insuficiente para fazer frente aos compromissos assumidos, em termos de ensino de graduação
e pós-graduação, de pesquisa, de folha de pagamento de pessoal, de investimentos,
manutenção.
Neste sentido as instituições vão em busca de recursos adicionais, para cumprir sua função
pública. Passam a criar fundações de apoio que, na visão de Amaral, são utilizadas pelas
instituições públicas “como veículo de interlocução entre as instituições e o mercado e que,
de alguma forma, acentuam sua inserção no chamado quase-mercado educacional”. (2003, p.
182). Nas instituições federais o crescimento destas fundações de apoio credenciadas pelo
MEC e MCT, foi expressivo: “no período de 1995 a 2001 foi de 129%”. (2003, p. 183).
Foram implementadas nesse período algumas modificações no “sistema” de educação
superior brasileira. Desse conjunto de alterações que foram transformados numa série de atos
legais, alguns merecem destaque. Com o objetivo de diversificar ainda mais as fontes de
financiamento, o Governo Federal criou a Lei nº 11.079 de 30 de dezembro de 2004,
regulamentando as parcerias público-privadas, incentivando desta forma a prestação de
serviços, assessorias, consultorias, convênios com as fundações de apoio institucional.
Pela criação da Lei nº. 9.131 no ano de 1995, o governo federal instituiu o Exame Nacional de
Cursos (PROVÃO), por iniciativa do ministro da educação Paulo Renato de Souza. O exame
Nacional de Cursos tinha o objetivo de alimentar os processos de decisão e de formulação de
ações de nível superior que analisavam os fatores determinantes da qualidade e eficiência das
atividades de ensino, pesquisa e extensão. Em substituição ao Provão foi aprovada a Lei n º
10.861, de 14 de abril de 2004, criando o Sistema Nacional de Avaliação da Educação
superior, o SINAES, tornando o Estado avaliador e controlador do sistema de ensino. O
governo federal instituiu, também, o Programa Universidade para todos (ProUni), por meio da
Lei nº. 11.096, de 13 de dezembro de 2005, esta lei promove a isenção das instituições
particulares de pagamentos de tributos, impostos em troca de bolsas de estudo. A crítica que
se faz é a de que o Governo poderia em vez de isentar as instituições particulares, investir nas
instituições públicas.
Buscando atender as solicitações do mercado, as instituições alteraram os currículos de muitos
cursos de graduação, tornando-os mais técnicos e com disciplinas mais profissionalizantes,
diminuindo, desta forma a carga horária das disciplinas nas áreas humanas, na sociologia, na
73
filosofia, etc., tirando assim o caráter humanístico dos cursos para torná-los apenas técnico-
profissionalizante.
A Lei nº. 9.394/96, que fixa as diretrizes e bases da educação nacional, introduziu mudanças
na oferta de cursos. A oferta dos cursos de graduação a partir da LDB vai além dos cursos
presenciais. Os cursos podem, pela nova lei, ser ministrados, também, na categoria seqüencial
e na categoria à distância. Pela análise a seguir pode-se verificar o crescimento dessas
modalidades.
Em atendimento ao inciso I do art. 44 da Lei nº 9394/96 as instituições de ensino superior
criaram cursos seqüenciais por campo de saber. Os cursos seqüências destinam-se à obtenção
ou atualização de qualificações técnicas. Há duas modalidades de curso seqüencial: curso
superior de formação específica e curso superior de complementação de estudos. Os cursos
seqüências podem ser ofertados tanto na modalidade presencial como na modalidade à
distância.
No Brasil até o ano de 2004 eram ofertados 675 cursos na modalidade seqüencial, com 50.059
vagas. Segundo fontes do INEP
51
145 instituições que oferecem cursos seqüências são
públicas, sendo 6 federais 136 estaduais e 3 municipais e 529 são instituições da rede privada,
sendo 265 particulares e 264 comunitárias/confessionais e Filantrópicas.
Outro ponto importante a ser ressaltado é o crescimento dos cursos de formação de
tecnólogos. São cursos técnicos, principalmente, os cursos profissionalizantes de curta
duração.
São ofertados, também, cursos superiores à distância, em atendimento aos artigos nº.80 e nº
87 da Lei n º 9394/96. Segundo o Decreto nº 5622 de 12 de dezembro de 2005 (que revoga o
Decreto nº 2494/1998), a educação à distância é a modalidade educacional na qual ocorre a
mediação didático-pedagógica nos processos de ensino e aprendizagem com a utilização de
meios tecnológicos de informação e comunicação, com estudantes e professores
desenvolvendo atividades educativas ao mesmo tempo e em espaços geográficos diferentes.
Em 1998, apenas a Universidade Federal do Mato Grosso oferecia um curso de graduação à
distância, em caráter experimental, dirigido para a formação em nível superior de professores
do ensino fundamental da rede pública. A partir de 1999, observa-se uma crescente oferta por
parte das Instituições de Ensino Superior. Conforme dados do INEP
52
, em 1998 somente um
51
Fonte: MEC/INEP/DEAES. Acesso em 21/07/2006 às 16h10min.
52
Portal http://www.mec.gov.br. Acesso em 21/07/2006 às 15h24min.
74
curso era ofertado, no ano de 2004 são 107 cursos ofertados por 44 instituições; dentre elas
estão instituições federais, estaduais, municipais e particulares. Os cursos à distância, de
graduação e pós-graduação quando oferecidos por instituições públicas que utilizam as
fundações de apoio, por meio de convênios, cobram mensalidades de seus alunos.
3.5- Entre a Universidade Autônoma-Independente e a Universidade Heterônoma-
Dependente
Weber, em Economia e Sociedade, quando esboça a noção do conceito de associação definia
que uma associação, tanto pode ser heterocéfala
53
, quanto heterônoma,
Uma associação pode ser: a) autônoma ou heterônoma; b) autocéfala ou
heterocéfala. Autonomia significa, em oposição à heteronomia, que a ordem
da associação não é estatuída por estranhos, mas pelos próprios membros
enquanto tais (não importando a forma em que isto se realize). Autocefalia
significa que o dirigente da associação e o quadro administrativo são
nomeados segundo a ordem da associação e não, como no caso da
heterocefalia, por estranhos (não importando a forma em que se realize a
nomeação). (WEBER, 2004, p. 31).
A luta pela universidade autônoma independente vem desde a sua origem. Busca-se, na
autonomia plena, a presença do Estado que mantém suas instituições públicas, com autonomia
didática, de gestão financeira e administrativa que pressupõe alocação de recursos por parte
desse Estado para atender às suas necessidades e prioridades. Portanto, a idéia de autonomia,
segundo Chauí,
buscava não só garantir que a universidade pública fosse regida por suas
próprias normas, democraticamente instituídas por seus órgãos, mas visava,
ainda, assegurar critérios acadêmicos para a vida acadêmica e independência
para definir a relação com a sociedade e com o Estado. (2001, p. 216).
Para Dias (2003, p. 174), vem sendo dado um forte incentivo às instituições para que elas
assumam cada vez mais a sua sobrevivência, diante da falta de investimento e de
financiamento por parte do Estado. Portanto, para o autor, vem sendo alterada a idéia clássica
de autonomia, que é o fundamento de uma universidade com a “garantia de ampla liberdade
na produção de conhecimentos e na formação qualificada de profissionais e cidadãos, segundo
critérios de verdade e justiça, agora se restringe quase só à liberdade de organização e de
administração dos meios e processos”. (2003, p. 174).
Ao Estado cabe resguardar a fé pública que a sociedade deposita nos
estabelecimentos de educação superior, garantir níveis de qualidade e
53
“Uma associação heterocéfala pode ser autônoma e uma autocéfala, heterônoma. Também é possível que uma
associação, em ambos os aspectos, seja em parte uma coisa e em parte outra”. (WEBER, 2004, p. 31).
75
excelência de seus egressos e maximizar a eficiência e a eficácia no uso dos
recursos destinados pela sociedade ao sistema. E as instituições devem
desenhar e implementar as estratégias de mudança para melhorar a
vinculação com o setor produtivo, diversificar suas fontes de recursos,
governar-se e administra-se de forma autônoma e responsável; também
devem demonstrar maior eficiência e transparência no uso dos fundos
públicos. (MARQUIS apud. DIAS, 2003, p. 187-188).
No caso do Brasil, apesar de a autonomia estar garantida na Constituição, essa ainda não foi
regulamentada por falta de lei específica e de apoio político. Portanto, as instituições “se
submetem, com o amparo das leis, ao império do mercado e ao estilo de empresa”. (DIAS,
2003, p. 189). É possível comprovar esta afirmação com a aprovação da Lei da Inovação
Tecnológica, Lei nº. 10.973, de 02 de dezembro de 2004. Para Sguissardi, esta lei cria sérios
riscos de distorção na sua aplicação, pois facilita “a subordinação da agenda universitária ao
campo empresarial, limitando a liberdade acadêmica e aprofundando o fenômeno da
heteronomia universitária, um dos traços da universidade hoje em muitos países”. (2005, p.
21).
Nesta visão a universidade perde a idéia e a prática da autonomia no sentido sócio-politico,
“que era a marca da própria instituição social que possuía na sociedade seu princípio de ação
e de regulação” (Chauí, 2001, p. 216). Quando a universidade perde esta idéia e sua gestão
passa a ser feita com base nas receitas e despesas, para atender a um contrato de gestão, com
metas e indicadores fixados pelo Estado, a autonomia passa a ter outro significado.
A autonomia significa, portanto, gerenciamento empresarial da instituição e
prevê que, para cumprir as metas e alcançar os indicadores impostos pelo
contrato de gestão, a universidade tem autonomia para captar recursos de
outras fontes, fazendo parcerias com as empresas privadas. (CHAUI, 2001,
p. 216).
As instituições de ensino superior são pressionadas a buscarem alternativas e soluções para
superar as crises, atender o mercado, e as necessidades da sociedade. O Congresso aprovou a
Lei nº. 11.079, de 30 de dezembro de 2004, instituindo normas gerais para licitação e
contratação de parcerias público-privada (PPP), para a administração pública, fazendo com
que as entidades privadas, com ou sem fins lucrativos, utilizem cada vez mais os recursos
públicos. Para Sguissardi, o dilema das universidades é, hoje, “tornarem-se mais autônomas, e
independentes da direção do Estado, ainda que custeadas por este, e do mercado, ou mais
heterônomas, dependentes dos recursos, da direção e do controle não somente do Estado, mas
em especial do mercado”. (2003, p. 196).
Desde a década de 1980 o ensino superior tem sido pressionado por crises. Boaventura de
Souza Santos examina-as sobre três formas: como crise de hegemonia, crise de legitimidade e
76
crise institucional. Crises que ocorrem “sempre que uma dada condição social deixa de ser
considerada única e exclusiva”. (1996, p. 190).
Amaral, apoiando-se em Souza Santos, ao analisar as instituições do ensino superior, afirma
que as crises ou tensões por elas vividas se caracterizam pela sua multiversidade, isto é:
A crise de hegemonia se expressa, por exemplo, pela incapacidade de as
instituições públicas expandirem consideravelmente suas atividades para
atender à enorme demanda pelo ensino superior, havendo então, uma grande
expansão do sistema privado no Brasil. A crise de legitimidade se apresenta
quando as instituições não conseguem dar respostas rápidas às demandas que
lhe são dirigidas pelos diversos segmentos da sociedade. Já a crise
institucional se instala no momento em que surgem críticas em relação à
eficiência, custos e competitividade no contexto do quase-mercado. Como
solução para esses problemas, as propostas são de que lhe seja imposta uma
gestão empresarial, nos moldes de uma empresa privada. (2003, p. 18).
As crises estão em todos os setores e produzem mudanças no sistema universitário, ainda
mais quando se pode verificar que a maioria das instituições de ensino superior encontra
dificuldades para realizar outras atividades acadêmicas, além do ensino: “tendo em vista a
penúria de verbas e os baixos salários, estarem se tornando universidades heterônomas, isto é,
cuja agenda de pesquisa e de criação de novas carreiras está obedecendo cada vez mais a
interesses externos vinculados a prioridades do mercado [...]”. (SGUISSARDI, 2005, p. 28)
Hoje o ensino superior público está sob a égide de um Estado controlador, centralizador, e
ditador de normas, que, segundo Sguissardi, cada vez mais aproxima a “Universidade com o
mundo empresarial e o mundo do trabalho”. (2003, p. 202).
Así, el concepto de universidad heterónoma desafía la conceptión de que las
dinámicas del laissez faire y del intervencionismo de Estado son
necesariamente contradictorias e irreconciliables, pues la evidencia indica
que la universidad puede estar subordinada simultáneamente a las demandas
del mercado y a los condicionamentos del Estado evaluador.
(SCHUGURENSKY, 2002, p. 118).
Na ótica de Sguissardi, “no Estado neoliberal e na globalização, porém, a educação superior
passa a ser vista como parte do problema econômico de cada país, entendido este como falta
de competitividade internacional”. (2003, p. 203). Para Chauí o neoliberalismo dos anos de
1990 correspondeu “às várias reformas do ensino destinadas a adequar a universidade ao
mercado” (2001, p. 220).
Essa universidade foi aquela voltada para a formação rápida de profissionais
requisitados como mão-de-obra altamente qualificada para o mercado de
trabalho. Adaptando-se às exigências do mercado, a universidade alterou
seus currículos, programas e atividades para garantir a inserção profissional
dos estudantes no mercado de trabalho. (CHAUI, 2001, p. 220).
77
A fragmentação do trabalho acadêmico, a especialização como estratégia, a intervenção, o
controle, o custo-benefício com base na produtividade, torna a universidade na visão de
Chauí; universidade funcional, universidade de resultados e universidade operacional e “na
passagem da universidade da condição de instituição, à de organização” (2001, p. 219).
Nesta nova configuração, a autonomia e a heteronomia se interligam e se entrelaçam no meio
acadêmico. Não é possível uma universidade ser autônoma no seu sentido clássico e, ao
mesmo tempo, ser heterônoma na orientação das ações dentro das políticas públicas do
Estado, onde o ensino superior é visto como quase-mercadoria.
Após a análise das políticas neoliberais e suas implicações no ensino superior brasileiro,
pretende-se no capítulo seguinte verificar como, no Estado do Paraná, as propostas de
reformas foram implementadas e quais suas implicações no “subsistema” de ensino superior
público paranaense.
78
CAPÍTULO III
4- AS INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR PÚBLICAS DO PARANÁ:
AUTÔNOMAS E/OU HETERÔNOMAS
4.1- Introdução
Neste capítulo procura-se apresentar a origem do “subsistema” de ensino superior público do
Estado do Paraná e suas principais características, com a finalidade de analisar se no período
de 1995 a 2005 as investidas governamentais no “subsistema” de ensino foi afetado pelas
mudanças ocorridas no país sob as influências das políticas neoliberais em consonância com
as diretrizes dos organismos multilaterais e se, no decorrer deste período, as universidades
estaduais paranaenses trilharam o caminho da autonomia ou da heteronomia.
A presença das instituições privadas assume importância de destaque no estado do Paraná a
partir da década de 1990. A crescente demanda por educação superior e os freqüentes
contingenciamentos dos gastos públicos criam um ambiente favorável ao surgimento das
escolas privadas. No ano de 2005 elas eram 150 instituições, contra apenas 22 públicas
(Tabela III), enquanto no ano de 1995 eram 56 particulares para 23 públicas.
Tabela III - Número de Instituições de Educação Superior no Estado no Paraná – 1995 e
2005.
Categoria Administrativa 1995 2005
Federal 02 02
Estadual 17 17
Públicas
Municipal 04 03
Total Públicas 23 22
Particular 31 125
Privadas
Comun/Confes/Filant 02 25
Total Privadas 33 150
Total Geral 56 172
Fonte: INEP – Sinopse Estatística – 1995 e 2005.
79
Os números do ensino superior paranaense relativo a cursos de graduação indicam a forte
presença das instituições públicas estaduais nesse “subsistema”. Conforme dados da Tabela
nº. IV, estas instituições são responsáveis por 353 do total de 521 cursos ofertados pelo
sistema público de educação superior no Estado no ano de 2005, enquanto no ano de 1995 o
sistema público oferecia 243 cursos e o sistema privado 167 cursos.
Tabela nº. IV - Número de Cursos de Graduação Presenciais por Organização Acadêmica no
Estado do Paraná – 1995 e 2005.
Categoria Administrativa
1995 2005
%
Federal 49 133 171,4
Estadual 180 362 101,1
Publicas
Municipal 14 26 85,7
Total Públicas 243 521 114,4
Particular 108 796 637,0
Privadas
Comun/Confes/Filant 59 177 164,4
Total Privadas 167 973 482,6
Total Geral 410 1.494 264,4
Fonte: INEP – Sinopse Estatística – 1995 e 2005.
Além da forte presença de instituições públicas estaduais, o ensino superior público do Estado
do Paraná tem características distintas dos demais estados da federação. A sua principal
diferença é que suas universidades públicas estaduais estão localizadas no interior do estado,
conforme pode ser visto na figura nº 1.
Na década de 1980 partia-se do diagnóstico de que o Paraná, “com exceção do estado de São
Paulo, cujas instituições públicas de nível superior eram dominantemente estaduais”
(SAVIANI, 2001, p. 2), era um dos poucos estados da federação que arcava com a maior
parte do ônus do ensino superior, embora sendo tal atribuição de competência do governo
federal. Quase metade dos recursos do governo estadual destinado à educação estariam sendo
gastos com as instituições de ensino superior.
80
FIGURA Nº. 01 – Localização das Universidades e Faculdades Públicas Estaduais
Paranaenses
54
.
Universidades: Londrina, Maringá, Ponta Grossa, Guarapuava, Cascavel.
Faculdades: Paranavaí, Cornélio Procópio, Apucarana, União da Vitória, Francisco
Beltrão, Paranaguá, Curitiba, Campo-Mourão, Jacarezinho.
4.2- Origem do Ensino Superior Público Paranaense
O Estado do Paraná foi comarca do Estado de São Paulo até 1883, quando se desmembrou e
conseguiu a sua autonomia. A partir de 1950 o interior do estado pleiteava a criação de sua
universidade, pois:
O ensino superior no Paraná é uma iniciativa que só se concretiza no século
XX. Até este século, o ensino neste Estado era exercido pelos jesuítas do
Colégio de Paranaguá. Quando estes foram expulsos do Brasil, existiam no
Paraná apenas classes isoladas destinadas ao ensino das “primeiras letras”.
Em 1848, teria sido criado pela Província de São Paulo, na cidade de
Curitiba, o Liceu Paranaense, instituição que deveria ministrar ensino
secundário, mas que “teve, porém, vicissitudes que, por algum tempo,
impediram o seu regular funcionamento”. (WESTPHALEN, 1969, p. 249).
O Estado do Paraná toma a iniciativa de criar suas universidades a partir das faculdades
isoladas existentes, principalmente, no interior do Estado. O “sistema” de ensino superior
público paranaense teve início no ano de 1969 com a aprovação da Lei nº. 6. 034, de 06 de
54
<http://www.pr.gov.br/pge/dir_financeiro.shtml> Acesso em: 01 Fev. 2006 às 14h10min.
81
novembro de 1969, que criou numa única lei as três primeiras universidades. São elas:
Universidade Estadual de Londrina
55
(UEL), Universidade Estadual de Maringá
56
(UEM) e
Universidade Estadual de Ponta Grossa
57
(UEPG).
Além destas três universidades, o Estado mantinha faculdades estaduais chamadas de isoladas
em várias cidades do interior e duas na capital do estado, desde a década de 1950. Ampliou o
seu “sistema”, criando a quarta universidade, em 23 de setembro de l994, a Universidade do
Oeste do Paraná
58
(UNIOESTE), pela Lei Estadual nº. 680, de 30 de setembro de 1987, com
sede em Cascavel. A expansão continuou e o governo do estado ampliou o sistema criando a
quinta universidade. Em 08 de agosto de 1997, foi criada a Universidade Estadual do Centro-
Oeste
59
, (UNICENTRO), pelo Decreto Estadual n.º.3444, com sede em Guarapuava. Em 25
de outubro de 2001, foi criada a Universidade Estadual do Paraná, (UNESPAR), pela Lei
Estadual nº. 13283, com sede na cidade de Jacarezinho, congregando as doze faculdades
isoladas. A UNESPAR não foi consolidada e não é reconhecida oficialmente como
universidade, pois não teve seu processo de reconhecimento aprovado pelos órgãos estadual.
Atualmente o Estado do Paraná mantém o ensino superior público em cinco universidades e
doze faculdades isoladas situadas no interior do estado, com duas faculdades localizadas na
capital, Curitiba (Veja Figura nº 1). A Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR), como
55
A Universidade Estadual de Londrina foi criada a partir da Faculdade Estadual de Direito de Londrina
(FEDL), criada em 04 de junho de 1956 pelo decreto Estadual nº. 2781; da Faculdade Estadual de Filosofia,
Ciências e Letras de Londrina (FAFI), criada em 25 de março de 1958 pelo Decreto nº. 2568-A; da Faculdade
Estadual de Odontologia de Londrina (FEOL), criada em 1962 e reconhecida em 1966; da Faculdade de
Medicina do Norte do Paraná (FMNP), criada em dezembro de 1965, e reconhecida em 1966 e da Faculdade de
Ciências Econômicas e Contábeis de Londrina (FECECOL), criada em 1966 e reconhecida em 1968.
56
A Universidade Estadual de Maringá foi criada a partir da Faculdade Estadual de Ciências Econômicas, criada
em 31 de agosto der 1959, através da Lei nº. 4070 e reconhecida pelo decreto Federal nº. 48.431, de 20 de
outubro de 1967; da Faculdade de Direito de Maringá, criada em 21 de dezembro de 1965, sendo reconhecida
através da Lei nº5304 de 29 de abril de 1966; da Fundação Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, criada pela
Lei nº. 5456 de 24 de dezembro de 1966 e autorizada pela Resolução nº. 59 de 27 de dezembro de 1966 e em 05
de junho de 1968 pela Lei nº. 5788, foi criado o Instituo de Ciências Tecnológicas (ICET).
57
A Universidade Estadual de Ponta Grossa foi criada a partir da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de
Ponta Grossa, criada pelo decreto Estadual nº. 8837, de 08 de novembro de 1949 e reconhecida pelo Decreto
federal nº. 32242, de 10 de fevereiro de 1953; da Faculdade Estadual de Farmácia e odontologia de Ponta
Grossa, criada pela Lei nº. 921, de 16 de novembro de 1956; da Faculdade Estadual de Odontologia,
desmembrada da Faculdade Estadual de Farmácia e Bioquímica criada pela Lei nº. 2179, de 04 de agosto de
1954 e reconhecida pelo Decreto Federal nº. 50355, de 18 de março de 1961 e da Faculdade de Ciências
Econômicas e Administração de Ponta Grossa, criada pela Lei nº. 03, de 12 de janeiro de 1966 e reconhecida
pelo Decreto Federal nº69697, de 03 de dezembro de 1971.
58
A Universidade Estadual do Oeste do Paraná foi criada como uma universidade regional e multicampi que
resultou da congregação de 4 faculdades municipais isoladas, criadas em Cascavel (FECIVEL, 1972), em Foz do
Iguaçu (FACISA, em 1979), em Marechal Cândido Rondon (FACIMAR, em 1980), em Toledo (FACITOL, em
1980). Em 1998, a Faculdade de Ciências Humanas de Francisco Beltrão foi incorporada a UNIOESTE, por
meio da Lei nº. 12235, de 24 de julho de 1998.
59
A Universidade Estadual do Centro-Oeste foi criada a partir da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de
Guarapuava (FAFIG), da Faculdade de Educação, Ciências e Letras de Irati (FECLI).
82
citado anteriormente, sem as condições técnicas e legais para na prática ser chamada de
universidade, é composta pelas doze faculdades que podem ser identificadas pela tabela
abaixo.
Tabela V - Faculdades Isoladas que compõem a UNESPAR
60
FACULDADES LOCAL CRIAÇÃO AUTORIZAÇÃO RECONHECIMENTO.
EMBAP Curitiba 1949 1951 1954
FAP Curitiba 1967 1967 1972
FECEA Apucarana 1959 1960 1968
FECILCAM Campo Mourão 1972 1974 1976
FAFI – CP Cornélio Procópio 1964 1966 1972
FAFIJA Jacarezinho 1959 1960 1965
FAEFIJA Jacarezinho 1970 1972 1977
FUNDINOPI Jacarezinho 1967 1968 1974
FAFIPAR Paranaguá 1956 1960 1964
FAFIPA Paranavaí 1965 1965 1971
FAFI – UV União da Vitória 1956 1960 1967
FFALM* Bandeirantes 1970 1971 1974
TOTAL............12
Fonte: SETI.
*FFALM Foi incorporada como faculdade estadual pelo Estado do Paraná no ano de 2003.
As universidades foram criadas no regime de fundação, a exemplo do antigo regime vigente
nas faculdades, e a sua estrutura universitária organizada em centros e departamentos. Pela
Lei nº. 9.663, de 16 de julho de 1991 as universidades e faculdades foram transformadas em
autarquias.
O ensino superior público paranaense na década de 1980 e, principalmente, na década de
1990, passou por inúmeras tentativas de reformas e mudanças por parte dos Governos do
60
Paraná, Secretaria Especial de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico. 1991, e Dados retirados
<www.parana.pr.gov.br>Acesso em: 23 jul. 2006 às 15h20min.
83
Paraná, que acabaram gerando conflitos, greves, movimentos tanto das entidades
representativas de docentes, técnico-administrativos e acadêmicos.
O objetivo dos governos paranaenses a partir de 1995 foi abrir o caminho legal para uma
progressiva redução das responsabilidades do Estado para com o ensino superior,
desobrigando-o de investir neste nível de ensino. Para os governantes este nível de ensino,
constitucionalmente, é de competência do governo federal. Conforme art. 208 e os parágrafos
1º e 2º do art. 211 que afirmam textualmente:
§ 1º A União organizará e financiará o sistema federal de ensino e o dos
Territórios, e prestará assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito
Federal e aos Municípios para o desenvolvimento de seus sistemas de ensino
e o atendimento prioritário à escolaridade obrigatória.
A principal dificuldade sempre esteve associada à falta de vontade política para definir o
parâmetro para o financiamento da manutenção do “subsistema” de ensino superior público
estadual paranaense. As investidas e manobras dos últimos governos visaram formas para
reduzir suas obrigações com o financiamento deste nível de educação pública no estado.
Acreditava-se que, na gestão do governo de Jaime Lerner, (1995-2002) haveria uma reversão
desta tendência, em função do seu Plano de Governo. Porém, isto não aconteceu durante os
oito anos de seu mandato. A partir de 2003 o governo de Roberto Requião prometeu reverter
este quadro. Apesar da campanha e das promessas de que a direção da economia e do
financiamento do aparelho do Estado seria alterada, este nível de ensino público não recebeu
o tratamento prometido, o que frustrou a esperança de que, no curto e no médio prazo, as
instituições de ensino superior público paranaense recebessem os recursos para uma
contribuição maior no financiamento do desenvolvimento sociocultural e econômico.
A crescente desobrigação do Estado para com o financiamento do ensino público superior
estadual pode ser facilmente demonstrada a partir da análise dos valores pagos com o
financiamento da função orçamentária “manutenção do ensino superior”. Tomando-se como
base o ano de 1997, quando ocorreu a implantação das novas carreiras dos docentes e técnicos
administrativos, verifica-se que o montante pago no ano de 2005 foi –52,5% inferior àqueles
de 1997 (Tabela VI). Quando se compara com a parcela do ICMS comprometida com o
financiamento das IEES-PR, verifica-se que de um percentual de 12,6%, ano de 1998, este se
reduz para apenas 5,7% em 2005. (Tabela VI).
84
Tabela VI - Valores Empenhados e pagos nas IEES – Período de 1995 a 2005.
Preços de outubro de 2006, corrigidos pelo IGP-DI.
ANO ICMS DESPESAS
PAGAS
% do
ICMS
REDUÇÃO EM
RELAÇÃO A
1997 EM %.
GESTÃO
1995
5.031.173.195,10 471.557.499,91 9,4 Lerner 1
1996
5.270.263.981,60 454.327.596,61 8,6 Lerner 1
1997
4.864.229.552,70 583.250.046,22 12,0 0,0 Lerner 1
1998*
4.909.014.666,00 619.492.814,84 12,6 5,0 Lerner 1
1999
4.856.381.585,20 518.477.899,50 10,7 -10,8 Lerner 2
2000
5.529.966.390,00 502.807.500,00 9,1 -24,2 Lerner 2
2001
7.672.434.517,50 475.256.350,00 6,2 -48,3 Lerner 2
2002
7.153.332.287,40 488.332.063,02 6,8 -43,3 Lerner 2
2003
7.789.169.017,50 477.683.424,25 6,1 -49,2 Requião
2004
8.067.472.646,40 440.285.343,67 5,5 -54,2 Requião
2005
8.897.709.869,40 503.617.242,10 5,7 -52,5 Requião
1995/2005
∆%
76,85 6,80
Fonte –DICON/SEFA, In: Balanço Geral do Governo do Estado do Paraná, 1995/2005.
Pico máximo de Repasse às IES em função da implantação da carreira docente.
Gráfico nº. I Gráfico nº. II
Participação das Despesas Empenhadas
na Arrecadação de ICMS - 1995
91%
9%
ICMS DESPESAS IES
Participação das Despesas Empenhadas
na Arrecadação de ICMS - 2005
95%
5%
ICMS DESPESAS IES
85
Outro aspecto importante a ser ressaltado com base nos dados constantes da tabela VI é a
perda relativa de participação dos gastos com a manutenção do ensino superior público
estadual, em relação à arrecadação do ICMS entre os anos de 1995 a 2005. Enquanto a
arrecadação de ICMS apresentou um crescimento da ordem de 76,85%, a variação dos valores
pagos com a manutenção do ensino superior público paranaense no período foi da ordem de
6,80%, resultando numa retração de 70,05% na participação relativa.
4.2.1- Controle Estatal do Ensino Superior
Até março de 1987 o ensino superior público paranaense esteve sob a coordenação da
Secretaria Estadual de Educação e recebia as orientações da Diretoria de Assuntos
Universitários (DAU). Pelo Decreto nº. 180, de 25 de março de l987, foi criada a Secretária
Extraordinária de Ensino Superior, Ciência e Tecnologia (SEET), que tinha como objetivo
implementar políticas de Governo nas áreas de ensino superior, ciência e tecnologia,
agregando as estruturas do então Departamento de Assuntos Universitários (DAU) da
Secretaria de Estado da Educação e o Conselho Estadual de Ciência e Tecnologia
(CONCITEC) da Secretaria de Estado do Planejamento e Coordenação Geral (SEPL). Em 08
de janeiro de 1992, a Secretaria de Estado da Indústria e do Comércio é transformada, pela
Lei nº. 9.896, em Secretaria de Estado da Indústria e do Comércio, Ensino Superior, Ciência e
Tecnologia (SETI). Pela Lei nº. 11.066, de 01 de fevereiro de 1995, a Secretaria passa a
denominar-se Secretaria de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (SETI), com o
objetivo de definir, coordenar e executar políticas nas áreas de ciência, tecnologia e ensino
superior, num processo de contínuo desenvolvimento, em prol da sociedade paranaense.
Especificamente para o ensino superior a missão era a gestão, o planejamento, a supervisão e
a avaliação do “sistema” de Ensino Superior no âmbito do estado, promovendo ações que
estimulem a qualificação docente, e intercâmbio cultural, educacional, científico e tecnológico
entre as instituições
61
.
Além da coordenação exercida pela SETI, o “subsistema” de ensino superior do Paraná é
supervisionado diretamente e a qualquer momento pelo Tribunal de Contas do Estado,
independentemente da obrigatoriedade da prestação de contas anual. A Lei estadual nº. 8.435,
de 24 dezembro de 1985, estabelece a obrigatoriedade para as entidades estaduais, inclusive
61
Dados extraídos do Decreto Estadual nº. 180 de 25/03/1987: Lei estadual nº. 9.896 de 08/01/1992; Lei
Estadual nº. 11.066 de 01/03/1995 e Decreto estadual nº. 4.766 de 01/09/1998.
86
as universidades públicas do estado, de prestarem suas respectivas contas ao Tribunal de
Contas, até o dia 30 de abril de cada ano.
No plano político o “subsistema” de ensino superior público estadual paranaense sempre foi
questionado pelos governos quanto ao seu alcance sócio-econômico. O relatório apresentado
em 1984, no governo de José Richa, pela secretária estadual de educação sobre as políticas da
secretaria para a educação, mostrava o caráter elitista da distribuição dos recursos para o
ensino superior em relação ao número dos que iniciavam a lª série do 1º grau e os que
conseguiam atingir o ensino superior.
Do ponto de vista de Cunha (2001, p. 235), o relatório,
Mostrava como as instituições estaduais de ensino superior foram criadas
por mecanismos populistas, resultando de alianças dos políticos que as
propunham com as classes médias dos municípios do interior. Essas
instituições, uma vez criadas, ficavam entregues à própria sorte, tendo seu
ensino deteriorado. Diante desse diagnóstico, a Secretaria dizia não ser justo
que se continuasse a financiar a expansão do ensino superior segundo os
padrões conhecidos, nem utilizá-los como argumento para conter sua
expansão. O que se impunha era “repensar a criação de cursos superiores sob
outros parâmetros e/ou outras exigências”. Isso seria feito mediante
procedimentos que garantissem a participação das associações de docentes,
dos diretórios acadêmicos e dos representantes do 1º e 2º graus. Para isso, a
justificativa era clara e direta: O dinheiro destinado a qualquer instituição de
ensino não é do governo, mas sim, do trabalhador que, através dos seus
impostos, pagou adiantado os bens e serviços sociais viabilizados pelo
Estado.
No estado o ensino superior só era gratuito nas instituições federais. As universidades e
faculdades isoladas estaduais cobravam anuidades, apesar das subvenções que o governo do
estado destinava às instituições mantidas por ele.
A tão esperada gratuidade do ensino só veio no governo de Álvaro Dias (1987/1991), que
regulamentou, pelo Decreto nº. 2276 de 11 de janeiro de 1988, a Lei nº. 8675 de 21 de
dezembro de 1987, que autorizava o poder executivo a tornar gratuito o ensino em todas as
instituições de ensino superior mantidas pelo governo estadual.
4.2.2- As “Investidas” para desobrigação do Estado: ações e reações.
Na década de 1990 no estado do Paraná o ensino superior público foi alvo de muitas ações por
parte do governo do estado, que visavam desobrigá-lo de seu financiamento. A justificativa
para estas ações era a de acompanhar as políticas mundiais, e as mudanças que estavam sendo
realizadas pelo governo federal.
87
Em geral estas tentativas desrespeitavam dispositivos constitucionais que asseguram a
responsabilidade do Estado para com as IES-PR. A Constituição Estadual de 1989 garantiu às
instituições de ensino superiores públicas paranaenses mantidas pelo governo estadual os
recursos necessários para a manutenção de pessoal, na lei orçamentária do exercício, em
montante nunca inferior em termos de valor real ao do exercício anterior.
No primeiro mandato do governador de estado Sr. Jaime Lerner (1995-1998), o ensino
superior sofreu várias investidas que visavam desobrigar o Estado do financiamento das IES-
PR. Dentre estas se destacam a tentativa de transformar as instituições de ensino em
“Agências Sociais Autônomas”, a promulgação da Lei nº. 11.500, de 05 de agosto de 1996 de
prestação de serviço, a implantação dos sistemas de operacionalização financeira e do sistema
de elaboração e controle do orçamento. Na segunda gestão do governo de Jaime Lerner
(1999-2002) o ensino superior público passou por novas tentativas como a criação do
Conselho de Reestruturação Fiscal do Estado (CRAFE), a aprovação do Termo de Autonomia
Provisória, a implantação de tetos orçamentários, o encaminhamento do Projeto de Lei nº. 32
à Assembléia Estadual com o intuito de aprovar a autonomia definitiva. Na gestão do governo
de Roberto Requião (2003–2006), as investidas assumem um caráter extremamente
autoritário, com fechamento de cursos de graduação, proibição de criação de novos cursos de
graduação e pós-graduação, na suspensão de concursos públicos para a reposição de docentes
e tecnicos-administrativos, na imposição de submeter diretamente ao governador todas as
solicitações de servidores para participação em eventos de natureza científica no exterior,
independentemente da fonte de recursos, entre outras restrições de caráter administrativo.
4.2.2.1- Agência Social Autônoma – Governo de Jaime Lerner (1995–1998)
Na primeira gestão do governo de Jaime Lerner, período de 1994 a 1998, era secretário de
Ciência Tecnologia e Ensino Superior o Sr. Alex Beltrão. Apesar de algumas ações que
resultaram em avanço para o “subsistema” de ensino superior público estadual como a
aprovação da carreira docente pela Lei nº. 11.713 de 07 de maio de 1997; a regulamentação
do art. 205 da Constituição Estadual que destina 2% para ciência e tecnologia, criando pelo
Decreto Estadual nº. 4.684 de 12 de agosto de 1998, a Fundação Araucária, tendo por
finalidade o amparo à pesquisa e à formação de recursos humanos do Estado do Paraná a
principal investida foi a proposta de criação da “Agência Social Autônoma”.
Sem qualquer discussão com a comunidade universitária foi enviada à Assembléia Legislativa
do Estado projeto de lei transformando as instituições de ensino superior em “Agência Social
88
Autônoma”. A Secretaria de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior elaborou um Projeto de
Lei alterando o regime jurídico das instituições de ensino superior-IES, mantidas pelo
Governo, para o de Agência Social Autônoma. O seu art. lº assim determinava:
Fica alterado o regime jurídico das instituições Públicas de Ensino Superior
– IES mantidas pelo Governo do estado, de Autarquias para Agências
Sociais Autônomas.
Parágrafo único. As Autarquias tratadas nesta Lei ficam extintas, bem como
todos os seus cargos efetivos, comissionados, temporários e suas funções
gratificadas.
O projeto foi elaborado e o seu teor foi mantido em segredo, não tendo dele tido
conhecimento a comunidade universitária, as entidades de classes e os reitores. Ele era muito
preciso, trazia nos seus artigos: contrato de gestão, a missão da Agência Social Autônoma, a
autonomia de gestão financeira, o percentual da alocação de recursos no orçamento incidente
na receita tributária arrecadada com o Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços,
fusões de instituições, extinção das carreiras docentes e técnica-administrativa etc. Quando o
projeto tornou-se público, a comunidade universitária e as entidades de classe mobilizaram
contra a sua aprovação. As diversas ações implementadas pela comunidade universitária
levaram o Governo do Estado a arquivar o projeto.
É importante pormenorizar a riqueza de detalhes com que o Projeto de Lei
62
foi elaborado. Na
visão do governo, haveria a necessidade de um contrato de gestão que seria estabelecido
conforme o que reza o art. 2º:
“Cada Agência Social Autônoma firmará com a Secretaria de Estado da
Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (SETI) um Contrato de Gestão”.
O contrato de gestão era inconstitucional uma vez que feria a autonomia, porque a autonomia
estaria prevista na Constituição Federal e Estadual.
A missão da Agência Social Autônoma estava prevista no art. 3:
Constituirá missão de cada Agência Social Autônoma, dentro de suas áreas
de atuação, captar e aplicar recursos financeiros para prover um ensino
superior que forme profissionais altamente competitivos nos seus mercados
de trabalho, gerar conhecimento científico e tecnológico, para os setores
produtivos do estado, através da pesquisa científica, do desenvolvimento
tecnológico e da formação e treinamento de pessoal especializado, visando o
desenvolvimento social, econômico, científico e tecnológico do estado e do
país: promover a extensão, de forma a progressivamente aumentar sua
interação com a comunidade e com o setor produtivo do Paraná.
A autonomia de gestão financeira estava prevista no caput do art. 5º:
62
Projeto de Lei elaborado pela Secretaria de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, no ano de 1996. Este
projeto não recebeu número porque foi arquivado antes de ser encaminhado à Assembléia Legislativa.
89
A autonomia de gestão financeira consiste na alocação e administração
interna de recursos financeiros, na busca de fontes alternativas de
financiamento, na liberdade de se efetivar associações ou parcerias com
outras instituições, públicas ou privadas, bem como de oferecer e cobrar por
serviços prestados, desde que seus Estatutos assim o permitam, de forma que
as Agências Sociais Autônomas possam mais adequadamente alcançar seus
objetivos institucionais de ensino, pesquisa e extensão.
O repasse de recursos seria assegurado na forma de alíquotas conforme o contido no art. 6º:
Para a adequada autonomia de gestão financeira, será assegurada por meio
desta Lei, a alocação no orçamento do estado do Paraná, dos percentuais
estabelecidos na Tabela abaixo, incidentes sobre a receita tributária
arrecadada com o Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, cota
parte estado do Paraná, cujos valores correspondentes serão
automaticamente transferidos às Agências Sociais Autônomas, em contas
bancárias específicas junto ao Banco do estado do Paraná – BANESTADO,
até o dia 20 (vinte) de cada mês.
TABELA DAS INSTITUIÇÕES – Percentuais da Receita de ICMS
INSTITUIÇÃO SIGLA % DA RECEITA
Universidade Estadual de Londrina UEL 5,096
Universidade Estadual de Maringá UEM 3,255
Universidade Estadual de Ponta Grossa UEPG 1,517
Universidade Estadual do Oeste do Paraná UNIOESTE 0.870
Universidade Estadual do Centro-Oeste UNICENTRO 0,493
Faculdades de Artes do Paraná
FAP
0,070
Escola de Música e Belas Artes do Paraná EMBAP 0,100
Faculdade Estadual de Ciências Econômicas de Apucarana FECEA 0,077
Faculdade Estadual de Ciências e Letras de Campo
Mourão
FECILCAM 0,078
Faculdade Est. Filosofia, Ciências e Letras de Cornélio
Procópio
FAFI-CP
0,127
Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de
Jacarezinho
FAFIJA 0,092
Faculdade Estadual de Educação Física de Jacarezinho FAEFIJA 0,025
Faculdade Est. de Direito do norte Pioneiro de Jacarezinho FUNDINOPI 0,030
Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de
Paranaguá
FAFIPAR 0,117
Faculdade Estadual de Educação, Ciências e Letras de
Paranavaí
FAFIPA 0,090
Faculdade Est. de Filosofia, ciências e Letras de União da
Vitória
UV 0,052
Valor Percentual Total 12,019
90
§ 1º - Esses montantes a serem repassados pelo Estado a cada Agência
Social Autônoma, não poderão, sob qualquer hipótese, serem
ultrapassados e serão alocados a cada Agência Social Autônoma, para
suas despesas com investimentos, outros custeios e pessoal e
encargos, indiscriminadamente.
§ 2º - Em caso de queda de arrecadação, os valores repassados
deverão garantir, no mínimo, o montante da folha de pagamento de
cada instituição, inclusive encargos.
As fusões estavam previstas no art. 7º:
Eventuais fusões de duas ou mais Instituições, bem como incorporações de
alguma dessas Instituições a uma outra delas, poderão ser efetuada mediante
projetos específicos, desde que estas ações não causem alteração no Valor
Percentual Total, expresso na Tabela contida nesta Lei.
As carreiras dos docentes e dos técnicos estavam previstas nos artigos:
Art. 8º - O pessoal de nível Docente das Autarquias que ficam extintas por
efeito desta Lei, poderão solicitar dentro de 60 (sessenta) dias, a partir da
publicação desta Lei, sua exoneração do estado, e terão garantidas as suas
colocações nas respectivas Agências Sociais Autônomas.
Parágrafo Único – Os Docentes que não desejarem exonera-se, ficarão
automaticamente em situação de indisponibilidade, tendo em vista que seus
cargos são extintos por efeito desta Lei.
Art. 9º O pessoal Técnico-Administrativo das Autarquias que ficam extintas
por efeito desta Lei, poderão solicitar, dentro de 30(trinta) dias da publicação
da mesma licença sem vencimentos do Estado, por um período máximo de 2
(dois) anos, e terão garantidas as suas colocações nas respectivas Agências
Sociais Autônomas.
Parágrafo Único – Findos os 2 (dois) anos de licença sem vencimentos, o
pessoal técnico-Administrativo poderá optar por solicitar sua exoneração ou,
alternativamente, solicitar realocação em outro órgão do Estado.
A avaliação estava prevista no art. 10:
O estabelecimento de padrões e critérios de qualidade das atividades de
ensino, pesquisa e extensão das Agências Sociais Autônomas, bem como a
avaliação objetiva dos resultados dessas atividades para o desenvolvimento
da sociedade paranaense, será de responsabilidade da Secretaria de Estado da
Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, podendo ser ouvido o Conselho
Estadual de Educação do Paraná.
Nas disposições transitórias o art. 11 previa que:
Os recursos constante do Orçamento Estadual de 1996, destinados as IES, e
que ainda não foram executados, deverão ser repassados às Agências Sociais
Autônomas, de acordo com programação trimestral a ser acordada com a
Secretaria Estadual de Ciência, tecnologia e Ensino Superior.
Nas disposições finais
Art. 12 – Todas as matérias omissas ou que sejam motivo de dúvida ou
dificuldade de implementação do contido nesta Lei, serão tratadas no âmbito
da Secretaria de estrado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior.
91
Art. 13 – Esta Lei entrará em vigor da data de sua publicação, revogadas as
disposições em contrário.
A análise do projeto de Lei é importante, pois por meio desta análise podemos concluir que se
o projeto não tivesse sido abortado e sua aprovação fosse concretizada, conforme o que foi
acordado pelo governo, o ensino superior público do Paraná sofreria conseqüências, como,
por exemplo, a demissão de todos os docentes e os servidores técnico-administrativos, que
teriam seus contratos de trabalho alterados, deixando de ser estatutários para serem
contratados pelas agências sociais autônomas com contrato de gestão.
4.2.2.2- A Lei 11.500/1996 – Prestação de Serviços
De forma sistemática os governos estaduais nunca aceitaram os encargos decorrentes do
financiamento do ensino superior público estadual. De maneira unânime todos defendiam que
partes destes encargos poderiam ser transferidas diretamente às instituições de ensino, em
razão de suas capacidades de geração de recursos próprios.
Para facilitar e regulamentar as atividades de prestação de serviços nas IES-PR foi
promulgada a Lei Estadual nº 11.500/1996, que tinha por objeto estimular a participação de
servidores nas atividades de prestação de serviços, permitindo que os mesmos fossem
remunerados em até 20% (vinte por cento), dos valores arrecadados.
Busca-se com tal Lei fomentar a geração de recursos próprios com o claro propósito de
reduzir os repasses de recursos do tesouro do Estado às instituições estaduais de ensino
superior. Na concepção dos governos, as IES-PR teriam capacidade de arrecadar recursos em
montante suficiente para custear suas despesas de custeio e investimento, cabendo ao Estado
apenas custear os encargos decorrentes da folha de pagamento.
4.2.2.3- Os Sistemas de Operacionalização Financeira e Elaboração e Controle Orçamentário
As Universidades Estaduais Paranaenses até a década de 1990 centralizavam e geriam seus
recursos orçamentários com certa margem de autonomia. O ciclo orçamentário na sua forma
tradicional passava por uma série de fases articuladas entre si, que se repetiam ano após ano
por força de dispositivos constitucionais e de leis através dos quais os orçamentos sucessivos
eram elaborados, votados, executados, controlados, contabilizados e submetidos à aprovação
dos tribunais de conta. A partir da década de 1990 foram criados no estado do Paraná,
seguindo o sistema de acompanhamento financeiro implantado no governo federal, dois
92
sistemas de operacionalização orçamentária: o primeiro denominado de Sistema de
Elaboração e Controle do Orçamento, através da Coordenadoria do Orçamento e Programação
(COP) e, o segundo, denominado de Sistema Integrado de Acompanhamentos Financeiros
(SIAF), altamente centralizados nos órgãos estaduais, via sistemas on-line que permitem o
controle e execução direta do orçamento.
A partir deste período, as instituições de ensino superior passaram a enfrentar o desafio da
transição entre uma forma de gestão financeira baseada no planejamento e elaboração do
orçamento realizado por elas próprias, de acordo com suas necessidades, e a nova forma de
ação definida e executada pelo Estado, por meio do Sistema de Elaboração e Controle do
Orçamento e do Sistema Integrado de Acompanhamento Financeiro. No modelo novo, o
Estado passa a fixar um teto orçamentário, por ele definido conforme seus próprios critérios
63
,
alterando a forma de atuação das instituições na definição do montante dos recursos que
deverão ser implantados anualmente em seus orçamentos.
Este novo processo gerou inúmeros conflitos internos nas Instituições, por um lado, devido ao
fato das normas e as políticas institucionais serem orientadas pelo modelo anterior, por outro,
devido à resistência interna, especialmente, por parte dos conselhos superiores que não
desejam perder sua autonomia na elaboração, aprovação e execução do orçamento. Com a
mudança do sistema de acompanhamento financeiro e o corte severo dos recursos
provenientes do Governo Estadual, as instituições foram obrigadas a gerar recursos próprios,
com a venda de serviços de assessoria e consultoria, desenvolvimento de projetos de pesquisa
direcionados à indústria com financiamento privado; cursos de especialização, criação de
fundações de apoio e institutos, criando assim um novo horizonte, o horizonte da competição.
As instituições de ensino superior paranaense, em razão dos dois sistemas de
acompanhamento financeiro pelo Estado, alteraram seu papel no processo decisório,
particularmente no que diz respeito ao planejamento e execução orçamentária. Isto impôs
modificações no modo de elaborar, aprovar e executar seus respectivos orçamentos,
interferindo na sua forma de gestão, no seu fluxo de informações orçamentárias e na sua
flexibilização operacional, conduzindo-as à construção de um novo modelo institucional que
atenda ao novo modelo governamental.
63
Na fase de elaboração do orçamento do Estado o governo solicita (por uma questão meramente pró-forma) que
cada Instituição de Ensino superior, encaminhe sua demanda, com base nas atividades que serão realizadas no
exercício seguinte. As demandas apresentadas são totalmente ignoradas e o teto orçamentário é fixado com base
na execução orçamentária do ano anterior, não respeitando as propostas e o crescimento das IES.
93
A comunidade universitária passou a ser pressionada a realizar serviços para as empresas
privadas, alterar os currículos dos cursos, com o objetivo de tornar as instituições eficientes e
eficazes para atender ao mercado de trabalho. Passou a reproduzir no estado do Paraná as
orientações do governo federal que se alinhavam com as orientações dos organismos
multilaterais
Pela Tabela VII é possível verificar o montante que cada instituição pública paranaense
arrecadou de receitas próprias, através de seus esforços de captação de recursos externos. A
variação das receitas próprias foi da ordem de 178%, no período de 1995 a 2005, bastante
superior à inflação do período que foi de 149,3%
64
, o que demonstra as ações desenvolvidas
pelas instituições públicas de ensino superior paranaense para complementar os recursos
necessários ao financiamento de sua manutenção.
Cabe destacar, ainda, que os esforços de captação de recursos foram diferenciados entre as
instituições de ensino superior público paranaense.
Tabela VII – Receita Própria Diretamente Arrecadada pelas IES - 1995 e 2005
IES 1995 2005 Variação
UEL* 19.859.138,00 37.780.431,61 90,2%
UEPG 2.438.153,00 7.906.673,94 224,3%
UEM* 7.303.560,00 35.096.958,57 380,5%
UNICENTRO 1.124.956,00 5.110.321,80 354,3%
UNIOESTE* 4.237.167,00 11.725.691,58 176,7%
UNESPAR 1.896.050,00 4.833.685,13 154,9%
TOTAL 36.859.024,00 102.453.762,63 178,0%
Fontes: Balanço Geral do Estado, 1995 e 2005.
* Incluindo os Hospitais Universitários.
4.2.2.4- Termo de Autonomia Provisória – Governo de Jaime Lerner (1999-2002)
Segundo Brotti (2000, p. 80), “a autonomia de gestão financeira é apontada por praticamente
todos como o grande limitador da autonomia plena na universidade. Ela é o gargalo que
estrangula a autonomia universitária”. O maior problema está no montante dos recursos que
64
Media pela IPCA/IBGE
94
devem ser estabelecidos para atender as necessidades reais das universidades. As maiores
discussões são em torno do limite desse teto. Por isso, a autonomia de gestão financeira, na
realidade, é a mais reivindicada pelas comunidades acadêmicas e a de maior dificuldade de
solução.
Na segunda gestão do governo Jaime Lerner, período de 1998 a 2004, era secretário de
Ciência e Tecnologia e Ensino superior o prof. Ramiro Wahrhaftig. O secretário era oriundo
de uma universidade privada, a Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Neste período, no
governo do estado do Paraná, como no governo federal, as ações foram insistentes no sentido
de que era necessário diminuir os gastos com o ensino superior.
Foi criado, em outubro de 1998, pelo governo do Paraná, um conselho, denominado de
CRAFE (Conselho de Reestruturação Administrativa e Fiscal do Estado). Tinha poderes para
fazer (e faziam) autorizações prévias de despesas de todos os órgãos estaduais, desde custeio
até investimentos, inclusive as despesas relativas às instituições de ensino e as demais ações
de caráter de gestão, o que provocaria um caos na administração das instituições.
A primeira ação deste conselho foi impor o corte de 10% nos recursos repassados às
instituições de ensino superior. Para não se submeterem às ações do CRAFE as instituições de
ensino superior através da Associação Paranaense de Dirigentes do Ensino Superior
(APIESP) propuseram ao governo que lhes fosse concedida a autonomia. Porém, esta
autonomia financeira deveria ser em caráter provisório, pois havia um temor, nas
comunidades universitárias, com relação ao montante de recursos que seriam repassados pelo
governo às instituições, para atender não só ao pagamento da folha, bem como recursos para
custeio e investimentos a médio e a longo prazo.
Pelo Termo de Autonomia assinado, a cláusula segunda previa,
A Universidade terá autonomia para aplicar, dentro dos limites
orçamentários e cumpridas as formalidades legais, os recursos próprios e os
repassados pelo tesouro do estado, ficando dispensada da aprovação prévia
do CRAFE.
O governo do estado tomou como base, para fixar o teto de recursos financeiros no termo de
autonomia, o valor histórico apenas dos dispêndios ocorridos com o pagamento de pessoal no
mês de novembro do ano imediatamente anterior de cada instituição, desconsiderando as
despesas com custeio e investimento. Logo, o teto fixado não atendia as necessidades básicas
das IES-PR, pois além de não computar todas as despesas para a manutenção das instituições,
95
não levou em consideração o crescimento vegetativo da folha de pagamento de pessoal,
imposto pelo plano de carreira dos servidores.
Esta situação foi mais drástica para as universidades de Londrina, Maringá e Ponta Grossa,
que por possuírem estruturas maiores incorrem em custos de manutenção elevados.
Entretanto, para o governo do Estado eram universidades consolidadas, portanto, com
capacidade de gerar recursos próprios para cobrir as despesas com investimento e custeio.
Conforme o que foi acordado no parágrafo 1º da cláusula primeira:
Os recursos a serem repassados representam a parcela de responsabilidade
do Estado na cobertura de todas as despesas com pessoal, encargos sociais –
parte empregador, custeio e investimentos, ficando a cargo da Universidade
a complementação necessária para o desenvolvimento de suas atividades.
Além disso, pela cláusula sexta:
A Universidade se compromete a aumentar a oferta de vagas em até 20%
(vinte por cento) para o próximo ano letivo (ano 2000) sem o aumento de
custos para o Tesouro do estado.
O termo de autonomia provisória foi assinado nos anos de 1999 e 2000. Paralelamente, o
governo estudava uma fórmula de implantar a autonomia definitiva. Muitos debates e
seminários ocorreram, principalmente com pessoas ligadas às universidades estaduais
paulistas, que tiveram sua autonomia garantida pelo Decreto nº. 29.598, de 02/1989. O
secretário titular da SETI trazia consultores de outros países, como Portugal e Inglaterra.
Como também, levava missões de gestores das instituições à Inglaterra e Portugal, com o
intuito de convencer, primeiro o grupo menor, para depois estes convencerem as comunidades
acadêmicas que a autonomia nos moldes do governo, com base nas reformas implantadas nos
outros países, era benéfica para o “sistema” estadual do Paraná.
Como o “Termo de Autonomia Provisória” não atendia aos anseios das instituições de ensino
superior pública estadual e colocava em risco o desenvolvimento das mesmas, iniciou-se uma
ampla mobilização da comunidade universitária com vista a conquistar a autonomia definitiva
em termos que assegurassem o desenvolvimento sustentável das IES-PR.
4.2.2.5– Projeto de Lei de Autonomia Definitiva (2001)
O ensino superior público paranaense passou por vários momentos de crise, que fizeram com
que as comunidades universitárias deflagrassem greves com o objetivo de conquistar
melhores salários, melhores condições de trabalho, condições físicas condizentes para com
um ensino de qualidade (salas de aulas adequadas, laboratórios equipados, biblioteca
96
atualizada), etc. Em 2001, foi deflagrada greve por melhores condições de trabalho e
recuperação dos salários que estavam sem reajustes desde o ano de 1995. O movimento não
foi unificado, participaram da greve somente três das cinco universidades. Sendo elas a
Universidade Estadual de Londrina (UEL), a Universidade Estadual de Maringá (UEM), e a
Universidade do Oeste do Paraná (UNIOESTE). Apesar de não ser um movimento com a
adesão de todas as instituições foi a mais longa greve do ensino superior público do Paraná,
durou 172 dias. Novamente, o governo tentou, em caráter de urgência, implantar de imediato
a autonomia definitiva. Encaminhou à Assembléia Legislativa um projeto de lei que concedia
autonomia financeira definitiva ao “sistema” de ensino superior. Porém, o projeto não atendia
as reivindicações dos professores, alunos e técnico-administartivos. Além do que alterava a
composição dos conselhos superiores das instituições, reduzindo a participação da
comunidade universitária no processo de gestão das instituições.
Nas justificativas apresentadas a seguir e no corpo do projeto, o governo tentou fazer com que
a sociedade assumisse em conjunto com o Estado o controle das IES-PR, buscando politizar a
questão social por meio de estratégias hegemônicas. Santos Souza, em A Reinvenção
Solidária e Participativa do Estado, ao tratar da crise da reforma do Estado afirma que “o
Estado garantiu a lealdade das diferentes classes sociais à gestão estatal das oportunidades e
dos riscos e, nessa medida, garantiu a sua própria estabilidade, tanto enquanto entidade
política, como enquanto entidade administrativa”. (1998, p.2). Este foi o caminho que o
governo do Paraná traçou em busca de sua estabilidade política e administrativa como se pode
analisar a seguir.
Em sua justificativa para o encaminhamento do projeto o governo afirmava,
A experiência tem demonstrado que a aplicação competente e coerente do
princípio da autonomia universitária, aliada a um controle efetivo da
sociedade, produz avanços significativos na qualidade do ensino e na gestão
destas instituições. Mas, as paralisações das atividades acadêmicas das
universidades estaduais que vêm ocorrendo com muita freqüência, e o
prolongamento do último movimento, iniciado em setembro de 2001,
demonstram que há a necessidade imediata de modificações estruturais no
sistema de ensino superior e nas relações deste sistema com o Estado e com
a comunidade. Assim, este projeto de lei, além de regulamentar os preceitos
constitucionais e normativos do ensino superior, oferece condições para um
novo modelo de relacionamento entre a Universidade e a comunidade.
É importante analisar o Projeto de Lei nº. 32 de 2001, pois na visão do governo a Lei no seu
art. 1º dispunha sobre o exercício da autonomia das universidades mantidas pela
Administração Pública do Estado do Paraná, com base no disposto no art. 207 da Constituição
Federal, nos incisos I e V do art. 10 da Lei federal nº. 9.394, de 20 de dezembro de 1996 –
97
LDB e no art. 189 da Constituição do estado do Paraná. Sua justificativa para a gestão
financeira era de que,
Este projeto de lei vai permitir a autonomia plena da gestão financeira
universitária pelo repasse, pelo governo estadual, de percentual dos recursos
do Imposto sobre Circulação de Mercadorias – ICMS do Estado. Isto será
feito por meio de Contrato de Gestão, que vai definir as responsabilidades e
obrigações das instituições de ensino superior e do Governo do estado. As
estimativas com relação à arrecadação do ICMS do Paraná apontam um
crescimento exponencial para os próximos anos, como resultado da política
de atração de indústrias para o Estado. A perspectiva sinaliza um aumento
expressivo dos recursos destinados às nossas universidades e seus
respectivos hospitais.
Na seção II – A Autonomia de Gestão Financeira estava prevista da seguinte forma. O art. 5º
previa que,
A autonomia da gestão financeira, exercida por normas e atos de seus
dirigentes, aprovados pelo Conselho Universitário, consiste na liberdade de
alocação e gestão dos recursos orçamentários e financeiros e na aplicação do
disposto nos incisos VII, VIII, IX e X do art. 53 e nos incisos III, IV, V, VI e
VII do § 1º do art. 54, da LDB, de forma a atender às suas peculiaridades de
organização e funcionamento, cumprindo os objetivos de ensino, pesquisa e
extensão, através da:
I. definição de formas de fonte de financiamento para os programas e
atividades;
II. aplicação dos recursos financeiros disponíveis, respeitadas as normas do
sistema financeiro e de mercado;
III. busca de fontes alternativas de financiamento;
IV. liberdade para efetivar associações ou parcerias com outras instituições,
públicas ou privadas;
V. oferta e cobrança por serviços prestados, conforme Lei estadual nº.
11.500, de 05 de agosto de 1996 e o disposto nos Estatutos das
universidades, extensivo às criações que gerem direitos de propriedade
industrial e intelectual.
Parágrafo único – As universidades devem manter seus gastos dentro dos
limites orçamentários e financeiros disponíveis, sendo que os atos
administrativos, que criarem ou aumentarem despesas de caráter continuado,
nos termos do § 1º do art. 17, combinando com o inciso I do art. 16 da Lei
Complementar Federal nº. 101, de 04 de maio de 2000, deverão estar
previstos no seu orçamento plurianual e respectivos orçamentos anuais.
Para a questão da implantação da autonomia de gestão administrativa apresentou os seguintes
argumentos,
Com a autonomia financeira garantida pela permanente injeção destes
recursos, as universidades terão também gestão administrativa autônoma, o
que vai lhes permitir elaborar, gerenciar e executar integralmente sua política
de recursos humanos; isto significa autonomia da universidade para nomear,
contratar e definir a política salarial mais adequada. A autonomia
administrativa vai permitir também a regularização de cerca de 11.500
98
cargos criados nos últimos dez anos, de forma hoje contestada pelo tribunal
de Contas.
No art. 6º estava prevista a autonomia administrativa,
A autonomia administrativa das universidades estaduais do Paraná, exercidas
por normas e atos de seus dirigentes, aprovadas pelo Conselho Universitário,
consiste na liberdade e gestão, com base na aplicação do disposto nos incisos
V, VI, VII do art. 53, nos incisos V e VI do Parágrafo único daquele mesmo
artigo e nos incisos I e II do § 1º do art. 54, da LDB, objetivando a liberdade
de auto-organização e de edição de normas próprias, para a adequação da
estrutura e infra-estrutura necessárias ao exercício eficaz e eficiente das suas
finalidades institucionais.
Os Estatutos e Regimentos estavam previstos no art. 7º,
O estatuto e o Regimento das universidades serão os instrumentos legais
para a definição da estrutura organizacional, bem como das competências a
serem exercidas em nível deliberativo e executivo, devendo adequar-se a
esta Lei e à Legislação pertinente.
Parágrafo único – O estatuto e o Regimento serão elaborados ou adequados
pelos órgãos colegiados das universidades, avaliados e deliberados pelos
respectivos Conselhos Universitários e pelos Conselhos de Responsabilidade
Social da Universidade, para posterior homologação pelo Chefe do Poder
Executivo do estado e pelo reitor, respectivamente, devendo suas disposições
atender, essencialmente:
I. quanto às diretrizes organizacionais e operacionais: obediência aos
princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade,
eficiência e publicidade dos atos, interagindo com os setores produtivos;
II. quanto à gestão de pessoal: a admissão mediante concurso público, a
observação aos pisos e tetos salariais e aos limites de gastos com pessoal;
regimes jurídicos do estado do Paraná com respectivos planos de carreira,
cargos e salários; a proibição, disposta nos artigos 165, § 5º e, 169 da
Constituição federal e na Lei Complementar Federal nº. 101/00 de
responsabilidade na Gestão Fiscal, de firmar acordos ou convenções
coletivas de trabalho;
III. quanto à administração financeira: a adoção de normas contábeis e de
apuração de custos que permitam a publicidade e análise da situação
econômica, financeira e operacional;
IV. quanto às obras, serviços, compras, locações e concessões: a observância
aos princípios gerais da licitação, por meio de regulamento próprio;
V. quanto à alienação de bens móveis e imóveis: a sujeição ao princípio de
licitação e o fomento ao exercício da criação e da inovação. Passíveis de
registro de propriedade industrial ou intelectual, respeitada a legislação
vigente;
VI. quanto à integridade comunitária: a prestação de serviços, remunerados
ou não, que serão considerados atividades complementares na formação
profissional e sua realização, classificada como extensão universitária,
devendo envolver docentes e alunos:
VII. quanto à prática de atos irregulares: a responsabilidade dos envolvidos e
dos seus entes fiscalizadores.
99
Na subseção I estava prevista a gestão dos recursos humanos, por meio dos incisos I e II do
art. 9º e parágrafo único e § 1º e 2º do art. 10. A Administração Geral estava prevista na
subseção II, incisos I, II e III do art. 11. Na seção IV estava prevista a autonomia patrimonial
conforme incisos; I II e III ao art.12.
O capítulo III, das diretrizes de funcionamento e das estruturas comuns às universidades, será
transcrito na íntegra, pois há uma riqueza de detalhes, principalmente porque este projeto
regulamenta a autonomia definitiva das universidades. A justificativa foi de que o projeto
dava condições para a administrabilidade, pois,
O projeto proporciona condições para que os órgãos colegiados superiores
das universidades passem a ter coerência em sua formação – pelo limite do
número de seus membros, evitando-se assembleísmos inconseqüentes – e em
sua qualidade, com uma composição que privilegie a experiência
universitária e administrativa de seus professores-membros, bem como a
representatividade da comunidade. O Conselho Universitário, como órgão
máximo da universidade, deverá ser a expressão da maturidade científica,
intelectual, político-administrativa e democrática da instituição, de modo que
a universidade, pelas suas condições de excelência em gestão, reflita
cabalmente os melhores anseios da comunidade.
Seção I do órgão Colegiado Superior,
Art. 13 - Órgão colegiado deliberativo e normativo da universidade é o
Conselho Universitário, responsável por fazer aplicar e fiscalizar o disposto
no Título II, Capítulo II, Seção I da Constituição federal, no Título VI,
Capítulo II, Seção I da Constituição estadual, no Título IV, do Capítulo IV
da LDB e no Capítulo IV e demais disposições da Lei Complementar
Federal nº. 101/00 de Responsabilidade na Gestão Fiscal.
§ 1º - O Conselho Universitário, atendendo ao princípio da gestão
democrática, será constituído por vinte membros, com a participação de
representantes da comunidade institucional local e regional, observada a
participação mínima de 70 % (setenta por cento) de membros do corpo
docente, conforme estabelecido no Parágrafo único do art. 56 da Lei federal
nº. 9.394/96, tendo a seguinte composição:
I – o Reitor e o Vice-Reitor, como membros natos;
II – quatro Pró-Reitores, designados pelo reitor;
III – nove professores, com tempo de serviço mínimo de 10 (dez) anos na
Instituição e experiência de, pelo menos 4 (quatro) anos em funções de
administração ou coordenação das unidades institucionais, escolhidos entre
seus pares.
IV – Seis representantes da comunidade local e regional, escolhidos pelo
Conselho de Responsabilidade Social da Universidade.
§ 2º - Ao Conselho Universitário caberá, também, deliberar e dispor sobre a
constituição dos demais órgãos colegiados da Instituição, a serem
compostos, cada um, pelo número máximo, de vinte membros.
§ 3º - Na falta de professores com tempo de serviço suficiente para atender
ao previsto no inciso III, poderão ser aceitas indicações de conselheiros,
100
considerando o critério de maior tempo de exercício em função de ensino
superior, inclusive computado o tempo de atuação em outras instituições de
ensino.
Assim o governo justificava a escolha dos dirigentes,
Também altera a forma de escolha e nomeação dos dirigentes universitários,
atualizando-a para melhor atender a um novo momento social e econômico e
às novas necessidades de qualidade do ensino, pesquisa e extensão. Ao
mesmo tempo, permite sua adequação à legislação federal.
Na seção II estava prevista a escolha e a nomeação dos dirigentes,
Art. 14 – Os Reitores e Vice-reitores das universidades estaduais do Paraná
serão previamente escolhidos dentre as pessoas com experiência
administrativa em gestão universitária pelo Conselho Universitário, para
compor a lista tríplice a ser encaminhada ao Governador do estado, para
escolha final e nomeação.
§ 1º - O mandato do reitor e do Vice-Reitor será de 4 (quatro) anos,sendo
permitida uma única recondução ao mesmo cargo, nas condições
estabelecidas pelo “caput” deste artigo.
§ 2º - No caso de consulta à comunidade universitária, conforme normas a
serem estabelecidas pelo Conselho Universitário, deverá ser observada a
proporção mínima de setenta por cento de membros do corpo docente,
conforme disposto no art. 56 da LDB.
Art. 15 – Na vacância ou impedimento do Reitor, o mesmo será substituído
pelo Vice-reitor e, na vacância de ambos os cargos, a Reitoria será exercida,
até o final do mandato, por um dos membros do Conselho Universitário,
escolhido entre os seus pares e nomeado pelo Governador do estado.
Como fundamento para legitimar a criação do Conselho de Responsabilidade Social assim se
justificava:
As universidades públicas devem prestar contas e manter um vínculo muito
forte com suas comunidades locais e regionais. Elas não pertencem apenas a
professores, alunos e funcionários, nem a partidos ou sindicatos. Por isso
mesmo, este anteprojeto propõe a criação do Conselho de Responsabilidade
Social da Universidade, como órgão supervisor do contrato de Gestão a ser
celebrado entre o governo e as universidades. A criação deste Conselho, que
contará entre seus membros, em sua maioria, com representantes da
comunidade externa, local e regional, vai respeitar as características de cada
universidade e poderá contribuir com a gestão democrática do ensino
público, intensificando o processo de integração da Universidade com a
Sociedade: no acompanhamento da definição dos orçamentos e avaliação
dos resultados educacionais, administrativos e financeiros, de forma que,
periodicamente, as metas de gestão possam ser revistas. Deverá ainda
contribuir com a otimização do uso dos recursos públicos, melhoria da
qualidade do ensino superior, promoção e descentralização gradativa do
sistema educacional, intensificando a participação da comunidade e o
atendimento às reais demandas da sociedade paranaense.
No Capítulo IV estava prevista a criação, a composição de um novo conselho, o Conselho de
Responsabilidade Social da Universidade.
Art. 16 – Fica criado, em cada uma das universidades mantidas pelo Estado,
um Conselho de Responsabilidade Social da Universidade, com a finalidade
101
de integrar as universidades às suas comunidades locais e regionais, em
obediência ao princípio de gestão democrática, participativa e transparente
do ensino público e da efetiva implementação do processo de integração ao
mundo do trabalho e à prática social, devendo, ainda, participar da
elaboração do respectivo Contrato de Gestão e de supervisão de sua
execução, atendendo ao disposto no Parágrafo primeiro do art. 22 desta Lei.
Parágrafo único - O Conselho, de que trata o “caput”, deste artigo tem a
responsabilidade de zelar pela aplicação do disposto nos artigos 205, 207 e
212 da Constituição Federal e nos artigos 177, 178, 180 e 185 da
Constituição estadual, do disposto da Lei Complementar nº. 101/00 de
Responsabilidade na Gestão Fiscal e na Lei Federal nº. 9.394/96.
Da composição do Conselho de Responsabilidade Social,
Art. 17 – O conselho de Responsabilidade Social, de cada Universidade,
será composto por onze membros:
I - O Reitor e o Vice-Reitor da Universidade;
II - Três representantes do Conselho Universitário, sendo a maioria
pertencente ao corpo docente:
III - Seis representantes da comunidade local e regional, de ilibada
reputação.
§ 1º - Os membros do Conselho, a que se referem os incisos II e III, deste
artigo, serão indicados e nomeados pelo Governador do estado, com
mandato de dois anos, sendo suas atividades consideradas como de
relevantes serviços prestados à comunidade.
§ 2 º - O Presidente e o Secretário do Conselho serão escolhidos dentre seus
pares, sendo inelegíveis os Conselhos que tenham relações funcionais com a
universidade,
§ 3º - O Conselho terá o suporte e o apoio operacional da sua respectiva
universidade e reunir-se-á, ordinariamente, a cada trimestre e,
extraordinariamente, por convocação de seu Presidente ou de dois terços de
seus membros.
Art. 18 – As decisões das reuniões do Conselho de Responsabilidade Social
da Universidade, pela sua pluralidade e representatividade, revestem-se do
caráter de audiência pública e da avaliação trimestral da gestão universitária.
Com a intenção de melhorar o atendimento nos hospitais universitários assim justificava a sua
transformação,
Para melhorar a gestão, a qualidade de ensino e a prestação de serviços às
comunidades regionais, os hospitais universitários serão transformados em
autarquias públicas, vinculadas à Secretaria de Estado da Saúde, mas com
supervisão de suas atividades realizadas por esta secretaria, pela Secretaria
Estadual de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior e pelas universidades,
uma vez que passam a ter um Contrato de Gestão com o governo estadual.
A gestão dos hospitais universitários estava prevista no Título II.
Art. 19 – Os Hospitais Universitários Regionais do Norte do Paraná,
Universitário de Maringá e o Universitário do Oeste do Paraná ficam
transformados em entidades autárquicas, vinculadas à Secretaria e Estado da
Saúde-SESA, mantidas as suas respectivas denominações, com a finalidade e
atribuições definidas nos respectivos Regulamentos.
102
§ 1º - Os hospitais universitários existentes e os que vierem a ser instituídos,
integrarão o Sistema Único de Saúde/SUS no âmbito do Estado, através da
prestação de serviços ambulatoriais e hospitalares à população e servindo de
suporte acadêmico as atividades de ensino, pesquisa e extensão das
universidades, bem como das escolas superiores mantidas pelo Estado, que
tenham currículo relacionados com as ciências da saúde, observada a
legislação em vigor.
§ 2º - Será firmado Contrato Gestão entre o Governo do Estado e cada um
dos hospitais universitários para definição das responsabilidades e
obrigações.
Art. 20 – Fica o Poder Executivo autorizado a proceder os ajustes
administrativos e orçamentários decorrentes do disposto no art. 19 desta Lei.
Para a divisão do percentual anual dos recursos a justificativa era,
A divisão do percentual anual dos recursos relativos a cada uma das
universidades estaduais, vai ser, a cada ano, definido a partir de indicadores
gerais e de desempenho, estabelecidos por uma Comissão Estadual, formada
por membros do governo estadual, das universidades e seus hospitais, e da
comunidade.
No Título III estava prevista o repasse dos recursos financeiros e do Contrato de Gestão.
Art. 22 – O Governo do Estado repassará as universidades e aos hospitais
universitários, de que trata a presente Lei, recursos equivalentes a 9% (nove
por cento) da quota parte do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e
Serviços – ICMS do Estado.
§ 1º - O repasse de recursos, a que se refere o “caput” deste artigo, fica
condicionado ao cumprimento das metas estabelecidas em Contrato Gestão,
a ser firmado pelo Estado do Paraná com as universidades e por aquele com
os hospitais universitários, nos termos do § 13º do Art. 27 da Constituição do
Estado.
§ 2º - Os recursos serão repassados em treze parcelas mensais até o
penúltimo dia útil de cada mês, sendo que, no mês de dezembro, serão
repassadas duas parcelas.
Art. 23 – Fica criada a Comissão Estadual, com a finalidade de definir o
percentual anual dos recursos relativos a cada uma das universidades
estaduais e os hospitais universitários, a partir dos indicadores gerais e de
desempenho estabelecidos pelos Conselhos de Responsabilidade Social das
Universidades, com a seguinte composição:
I. o diretor Geral da Secretaria de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino
Superior, como Presidente da Comissão;
II. o Diretor Geral da Secretaria do Estado da Fazenda;
III. o Diretor Geral da Secretaria de Estado e Administração e da
Previdência;
IV. o Diretor Geral da Secretaria de Estado do Planejamento e Coordenação
Geral;
V. o Diretor Geral da Secretaria de Estado da Saúde;
VI. os Pró-Reitores de Administração e Finanças das Universidades
Estaduais;
VII. os Diretores Superintendentes dos Hospitais Universitários;
103
VIII. um representante de cada Conselho de Responsabilidade Social da
Universidade, indicados pelos seus pares.
No Título IV estão prevista as disposições finais e transitórias.
Art. 24 – As universidades promoverão as alterações nos seus Estatutos e
Regimentos, bem como na composição dos atuais órgãos colegiados
integrantes da sua estrutura, para adequação ao disposto no art. 56 da LDB e
nesta Lei e aprovação, pelo respectivo Conselho Universitário, ficando
automaticamente extintos, num prazo de, até, 90 (noventa) dias, a contar da
publicação desta lei, os mandatos e representações correspondentes não
compatíveis com a legislação citada neste artigo.
Com a intenção de assegurar vagas para os paranaenses nas universidades estaduais, o
governo apontou a seguinte justificativa,
Para retribuir aos paranaenses que pagam seus impostos ao Estado, as
universidades públicas estaduais vão reservar 80% das vagas dos cursos e
turnos, preenchidas de acordo com o critério classificatório do exame
vestibular, para estudantes que tenham cursado as duas últimas séries do
ensino médio em instituições do sistema de ensino público e privado do
Paraná.
Art. 25 - As universidades públicas estaduais deverão reservar 80% (oitenta
por cento) das vagas dos cursos e turnos, a serem preenchidas de acordo com
o critério classificatório do exame vestibular, para estudantes que tenham
cursado as duas últimas séries do ensino médio, em instituições públicas ou
privadas do Sistema de Ensino do Estado do Paraná.
Parágrafo único – Em caso das vagas no exame vestibular, de que trata o
“caput” deste artigo, não serem preenchidas, as mesmas poderão ser
destinadas para os demais candidatos.
Art. 26 – As universidades e os hospitais universitários poderão praticar o
disposto na Lei federal nº. 8.958, de 20 de dezembro de 1994, através de
Fundações ou Sociedades Civis de direito privado e sem fins lucrativos,
submetendo-se à fiscalização aplicável e ao registro e credenciamento.
Art. 27 – A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional,
patrimonial e de pessoal das universidades e hospitais universitários será
exercida pela Assembléia Legislativa, com o auxílio do Tribunal de Contas
do Estado do Paraná, mediante controle externo.
Art. 28 – O acesso e o levantamento contínuo das informações das
universidades e hospitais universitários, necessários ao acompanhamento da
execução dos Contratos de Gestão firmados entre o Governo do Estado e as
universidades e hospitais universitários, serão da competência da Secretaria
de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior e Secretaria de Estado
da Saúde, respectivamente.
Art. 29 – Esta Lei entrará em vigor na data da sua publicação.
Art. 30 – Ficam revogadas as disposições em contrário, com exceção da Lei
nº. 11.713/97, que ficará revogada 90 (noventa) dias após a publicação desta
Lei.
A autonomia das instituições de ensino superior, apesar de estar garantida na Constituição
Estadual, não passou de propostas e projetos de lei que foram arquivados por força das lutas
104
de professores, servidores técnicos e acadêmicos. As propostas governamentais de autonomia
não avançaram em razão das inúmeras divergências entre os objetivos do governo e as
demandas da comunidade universitária.
Como nunca houve disposição do governo para debater abertamente seu projeto de autonomia
com a comunidade universitária, este buscou apoio da sociedade civil, para a implantação do
seu projeto de autonomia. Levou autoridades civis de todo o estado a Curitiba com o intuito
de colher assinaturas e apoio numa solenidade pública no Palácio do Iguaçu, colocando os
reitores das instituições de ensino em situação de descrédito perante a sociedade civil
organizada.
Mesmo assim, a presença de professores, servidores, acadêmicos e reitores na Assembléia
Legislativa, conseguiram convencer os deputados de que não era hora e nem momento de se
aprovar um projeto que sequer havia sido discutido com a comunidade universitária.
A luta não foi em vão, pois o Projeto de Lei nº. 32 perdeu seu caráter de urgência esperado
pelo governo e em seguida foi arquivado.
4.2.2.6- Intervenção Autoritária – Governo de Roberto Requião ( 2003-2006)
As universidades e faculdades estaduais paranaenses não diferem das demais instituições de
ensino, passam pelas crises e conflitos e buscam a partir de diagnósticos elaborados pelas
comunidades acadêmicas formular propostas para superá-los e reagem às propostas de
reformas do governo. Contudo, a intensidade e freqüência com que as crises ocorrem no
ensino superior público do Paraná evidenciam que a ausência de um plano diretor para o
desenvolvimento do “subsistema”, constituem-se no grande fomentador de sua instabilidade.
Assim que assumiu o governo do estado, em 2003, o Sr. Roberto Requião, promoveu uma das
mais autoritárias intervenções já vivenciadas pela IES-PR. Com a justificativa de que havia
irregularidades na criação de cursos de graduação do governo anterior (o que jamais foi
comprovado), fechou 49 cursos que estavam em funcionamento, gerando um caos entre
alunos, professores, tecnicos-administrativos e nas comunidades onde os cursos foram criados
e implantados.
Ampliando sua intervenção autoritária, em 13 de abril de 2004, o Governador do Estado,
publicou o Decreto nº. 2.807, centralizando em Curitiba, na Secretaria de Ciência e
Tecnologia e Ensino Superior a aprovação dos projetos de ensino, pesquisa e extensão. O art.
1º do Decreto diz textualmente:
105
Os projetos de ensino, pesquisa e extensão, aprovados segundo a normativa
interna pelo Conselho Superior da Instituição estadual de Ensino Superior, e
que receberão financiamento Estadual, inclusive por intermédio do TIDE
65
,
deverão ser submetidos ao secretário de Estado da Ciência, Tecnologia e
Ensino Superior para deferimento.
É possível verificar pelo artigo 1º, que, além da centralização, concede poder de intervenção
ao Secretário, pois a este caberá definir quais os projetos de natureza acadêmica- científica
serão realizados no Estado, bem como quais os procedimentos que deverão ser adotados para
o desenvolvimento dos projeto de pesquisa, ensino ou extensão nas universidades públicas
paranaenses. Para Azevedo, “realmente, nem a universidade napoleônica sofreu tamanha
intervenção, ao contrário, Napoleão Bonaparte agiu com maior grandeza, pois, ao desconfiar
da influência do ancién regime na universidade francesa, preferiu criar o sistema de grandes
écoles, ou seja, criou mais instituições de ensino superior, criou um sistema de formação de
quadros de governo fora do sistema universitário”. (2004, p.1).
O Decreto 2.807 visava também diminuir o número de professores em regime de dedicação
exclusiva à universidade, precarizar o trabalho científico, com a substituição de professores de
carreira efetiva por professores colaboradores (professores contratados por tempo
determinado), e centralizar a ciência em Curitiba. Os atos de centralização político-
econômico-intelectual na capital do estado contrariam a Constituição do estado do Paraná,
que em seu art. 19 reza:
[...] o Estado dará apoio às universidades públicas estaduais no sentido da
descentralização de suas atividades, de modo a estender suas unidades de
ensino superior às cidades de maior densidade populacional nas respectivas
micro-regiões.
Desde o ano de 2003, portanto há três anos, não se realiza concurso público quer para
docentes, quer para o corpo técnico-administrativo. As reposições das exonerações,
aposentadorias e falecimentos estão sendo supridos, quando autorizadas pelo governador, por
um quadro de docentes temporários e de técnicos com contrato por tempo determinado,
ocorrendo uma precarização das relações de trabalho nas IES-PR.
Os professores passam por situações constrangedoras, pois publicam suas pesquisas, têm
cartas de aceite para apresentação de seus trabalhos no exterior, conseguem recursos de
órgãos de fomento como CAPES, CNPq, Fundação Araucária e de recursos de convênios para
pagamento de passagens, taxas de inscrições e diárias e seus pedidos para autorização de
viagem ao exterior são negados pelo Governador Roberto Requião. Esta prática foi imposta
65
TIDE – Tempo Integral e Dedicação Exclusiva.
106
nesse governo, através do Decreto 3.498 de 23/08/2004, pois até então as viagens ao exterior
eram autorizadas pelos reitores das universidades.
Os alunos de diversos cursos de graduação estão sem aulas, pois há falta de professor para o
início do segundo semestre letivo de 2006, em todo o ensino superior público paranaense. O
jornal A Gazeta do Povo do dia 26 de julho de 2006, traz a seguinte manchete “Faltam 497
docentes nas Universidades Estaduais do Paraná”.
Em matéria veiculada pelo O Diário do Norte do Paraná do dia 27 de agosto de 2006 o
Governador Roberto Requião fez a seguinte declaração: “não podemos mais expandir o 3º
grau no Paraná. O 3º grau é obrigação da União, garantiu. O governador disse que os gastos
do Estado com cinco universidades e 12 faculdades comprometem a qualidade do ensino
médio”.
4.2.2.7- A Face Velada da Intervenção – Os tetos orçamentários
Os orçamentos das universidades tem sido muitas vezes motivo de discussões e reuniões
infindáveis dos conselhos superiores com o intuito de melhorar as ações das unidades,
principalmente dos departamentos. A imagem que se tem sobre o orçamento é de que é uma
peça de ficção, onde sua complexidade muitas vezes faz com que as pessoas não se envolvam
com o processo. Todo e qualquer entrave na vida cotidiana da universidade, no processo de
compras, de licitações etc., é analisado pela comunidade universitária como sendo um
problema de orçamento mal elaborado.
O SIAF, apesar de toda a segurança, transparência, economia e agilidade, é criticado por
muitos membros da comunidade universitária, pela forma como é utilizado. É visto como um
sistema centralizador, que acabou com o planejamento das IES, e tirou a autonomia dos
conselhos superiores. A cada investida do Estado para implantar, como por exemplo, a folha
de pagamento no sistema estadual integrado, a comunidade se arma na defesa de sua
autonomia e nem aceita discutir o assunto, pois não há confiança de que as conquistas obtidas
nos planos de carreiras serão respeitadas.
Esta desconfiança da comunidade universitária tem sentido, pois as IES já tiveram, no ano de
2000, seus recursos orçamentários bloqueados, inclusive os recursos de convênios com órgãos
federais e internacionais, pelo Secretário da Fazenda da época. O controle orçamentário
mostra-se como a forma mais eficiente de intervenção do Estado nas IES-PR, pois impede que
107
as mesmas façam o empenho de quaisquer despesas; portanto, possui a capacidade de
paralisar todas as atividades das instituições, sem a necessidade de leis ou decretos.
Até o ano de 1998, o orçamento das IES era elaborado na forma de orçamento-programa.
Internamente a comunidade universitária participava desde o planejamento até a aprovação
final do orçamento pelo Conselho Universitário. As unidades, (departamentos, setores, etc.,),
trabalhavam desde a elaboração dos objetivos, metas e detalhamento das ações. A proposta de
cada departamento ou unidade era enviada ao setor de planejamento, onde o orçamento era
totalizado e recebia a forma global da cada instituição. Os conselhos superiores de
administração e universitário faziam a aprovação final e o orçamento era enviado à SETI, que
recebia o conjunto das propostas orçamentárias de todas as IES para inclusão no Orçamento
Geral do Estado e posterior encaminhamento à Assembléia Legislativa para aprovação final.
A partir do ano de 1999, com a assinatura do termo de autonomia provisória, as IES passaram
a receber tetos orçamentários via SETI para elaboração de seus orçamentos. De posse do valor
do teto definido pelo Governo do Estado para os recursos do Tesouro e dos valores projetados
para outras fontes (recursos próprios), cujas estimativas são obtidas por meio de métodos
estatísticos que tomam como base a execução orçamentária de anos anteriores, dá-se início à
elaboração da proposta orçamentária de cada IES junto ao Governo do Estado.
No modelo orçamento-programa as comunidades universitárias de cada IES, participavam
ativamente do planejamento anual da sua instituição. No atual modelo chamado de “teto
orçamentário”, o planejamento não existe mais, uma vez que os tetos fixados não oferecem
margem para aplicações de recursos, pois são estabelecidos visando cobrir apenas as
necessidades de manutenção básica das IES-PR. Logo, cabe ao setor de planejamento de cada
instituição apenas a adequação dos valores dos tetos às necessidades essências.
O orçamento num país democrático é de interesse de todos os cidadãos, porque todos, sem
exceção, contribuem, direta ou indiretamente, para o financiamento do Governo, pelo
pagamento de tributos. O maior ou menor bem-estar social das pessoas depende das políticas
governamentais e de como o governo utiliza os recursos arrecadados. O dinheiro público é
dinheiro de todos e, como tal, deveria ter uma aplicação que atendesse, rigorosamente, aos
interesses e às necessidades de toda a coletividade.
108
De acordo com a art. 165 da Constituição brasileira o ciclo orçamentário compreende: a lei
que estabelece o Plano Plurianual
66
, a Lei de Diretrizes Orçamentárias
67
e a Lei Orçamentária
Anual
68
.
A Constituição estadual foi promulgada em 05/10/1989. Em seu Capítulo III art. 133 reza que
as Leis de iniciativa do Poder executivo estabelecerão: I – o plano plurianual
69
; II – as
diretrizes orçamentárias anuais
70
; e III – os orçamentos anuais
71
.
O orçamento tem vigência por todo o exercício financeiro, começando a vigorar a partir de 1º
de janeiro e terminando em 31 de dezembro de cada ano. A competência do estado com
relação ao orçamento está previsto no art. 31 da Constituição Estadual onde:
66
O Plano Plurianual é publicado a cada quatro anos como uma lei ordinária e deve de acordo com o § l.º do art.
165 da Constituição brasileira, “estabelecer, de forma regionalizada, as diretrizes, objetivos e metas da
administração pública federal para as despesas de capital e outras delas decorrentes e para as relativas aos
programas de duração continuada”.
67
A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) é uma lei ordinária, porém é válida apenas para um exercício. De
acordo com o § 2º do art. 165 da Constituição brasileira: “compreenderá as metas e prioridades da administração
pública federal, incluindo as despesas de capital para o exercício financeiro subsequente, orientará a elaboração
da lei orçamentária anual, disporá sobre as alterações da legislação tributária e estabelecerá a política das
agências financeiras de fomento”.
68
A Lei Orçamentária Anual (LOA) ‘uma lei ordinária que abrange somente o exercício fiscal a que se refere.
Conforme o § 5º do art. 165 da Constituição brasileira: “A LOA deve integrar o orçamento fiscal, o orçamento
da seguridade social e o orçamento de investimento das empresas estatais”.
69
§ 1º A lei que instituir o plano plurianual estabelecerá de forma regionalizada as diretrizes, objetivos e metas
da administração pública estadual direta e indireta, abrangendo os programas de manutenção e expansão das
ações d governo.
§2º Nenhum investimento cuja execução ultrapasse um exercício financeiro poderá ser iniciado sem prévia
inclusão no plano plurianual, ou sem lei que autorize sua inclusão, sob pena de crime de responsabilidade.
70
§ 3º A lei de diretrizes orçamentárias, de caráter anual, compreenderá:
I – as metas e prioridades da administração pública estadual direta indireta;
II – as projeções das receitas e despesas para o exercício financeiro subsequente;
III – os critérios para a distribuição setorial e regional dos recursos para os órgãos dos poderes do Estado:
IV – as diretrizes relativas à política de pessoal do Estado;
V – as orientações para a elaboração da lei orçamentária anual;
VI – os ajustamentos do plano plurianual decorrentes de uma reavaliação da realidade econômica social do
Estado;
VII – as disposições sobre as alterações na legislação tributária;
VIII – as políticas de aplicação dos agentes financeiros oficiais de fomento, apresentando o plano de prioridades
das aplicações financeiras, e destacando os projetos de maior relevância:
IX – os demonstrativos dos efeitos sobre as receitas e despesas públicas decorrentes da concessão de quaisquer
benefícios de natureza financeira, tributária e creditícia pela administração pública estadual.
71
§ 6º A lei orçamentária anual compreenderá:
I – o orçamento fiscal, fixando as despesas referentes aos poderes estaduais, seus fundos, órgãos e entidades da
administração direta indireta, estimando as receitas do Estado, efetivas e potenciais aqui incluídas as renúncias
fiscais a qualquer título;
II – o orçamento próprio da administração indireta, compreendendo as receitas próprias e as receitas de
transferências do estado e suas aplicações relativas às autarquias e às fundações;
III – o orçamento de investimento das empresas públicas e daquelas em que o estado, direta ou indiretamente,
detenha a maioria do capital social com direito a voto.
§ 9º A lei orçamentária anual não conterá dispositivo estranho à previsão da receita e à fixação de despesa, não
se incluindo na proibição a autorização para abertura d créditos suplementares e contratação de operações de
crédito, ainda que por antecipação de receita, nos termos da lei.
109
O Estado e os Municípios observarão as normas da Constituição da
República e das leis federais sobre o exercício financeiro, a elaboração e a
organização dos orçamentos públicos, assim anuais como plurianuais de
investimento.
As instituições de ensino superior público paranaenses fazem parte da administração indireta
do estado. De acordo com a Constituição do Paraná em seu art. 33:
O orçamento anual compreenderá obrigatoriamente as despesas e receitas
relativas a todos os Poderes, órgãos e fundos, tanto da administração direta
quanto da indireta, excluídas apenas as entidades que não recebam
subvenções ou transferências à conta do orçamento.
Tal como a Constituição Federal, no seu art. 207 a Constituição Estadual insere a autonomia
universitária no seu art. 180 que menciona:
As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e
de gestão financeira e patrimonial obedecerão ao princípio da
indissociabilidade entre o ensino, pesquisa, extensão e ao da integração entre
os níveis de ensino.
Parágrafo Único: As instituições de ensino superior atenderão, através de
suas atividades de pesquisa e extensão, às finalidades sociais e tornarão
públicos seus resultados (PARANÁ, 1989, p. 71).
É importante ressaltar o que rezam os parágrafos 1º e 2º do art. 33, especialmente para as
instituições de ensino superior pública paranaense com relação à autonomia na gestão dos
recursos financeiros.
§1º - A inclusão, no orçamento anual, da despesa e receita dos órgãos da
administração indireta, será feita em dotações globais, e não lhes prejudicará
a autonomia na gestão dos seus recursos.
§2º - Nenhum investimento, cuja execução ultrapasse um exercício
financeiro, poderá ser iniciado sem prévia inclusão no orçamento plurianual
de investimento ou sem prévia lei que autorize e fixe o montante das
dotações que anualmente constarão do orçamento, durante o prazo de sua
execução.
Diante do que até aqui foi exposto, a conseqüência de tudo isso é que essas mudanças e as
transformações impostas pelo novo modelo governamental, inevitavelmente, irão incidir sobre
a identidade das Instituições de Ensino Superior Paranaenses, descaracterizando a sua história
e função social. Com a mudança na identidade e na função social das instituições, com a
prestação de serviços cada vez maior, as assessorias, a busca incessante da parceria com a
iniciativa privada com o objetivo de tornar as universidades mais autônomas em relação ao
Estado e ao mercado, portanto, torna-as mais heterônomas diante da privatização da agenda
científica.
Os caminhos percorridos pelas instituições de ensino superior públicas paranaenses na busca
da autonomia de gestão financeira foram árduos, difíceis e sem solução, pois a autonomia
110
apesar de todos os esforços não foi concedida como a comunidade universitária esperava, pois
cada uma das cinco universidades elaborou sua proposta de autonomia com o intuito de
colaborar com a proposta governamental O que se pode perceber é que houve uma redução do
financiamento para o setor público e a tentativa de impor um modelo de pseudo-autonomia,
que amordaça, amarra e fere o preceito constitucional de autonomia de gestão financeira,
abrindo caminhos para o nascimento da universidade com base na heteronomia.
4.2.2.8- A Reinvenção do Estado e os Caminhos da Heteronomia das Instituições Públicas de
Ensino Superior do Estado do Paraná
A partir do quadro teórico-analítico desenvolvido pôde-se constatar, inicialmente, que o
Estado possui importância singular no processo de desenvolvimento político, econômico e
social e na interação deste com a universidade.
Com os avanços da sociedade o Estado foi sendo transformado numa organização burocrática
moderna, que, segundo Locke, deveria garantir o direito de igualdade para todos os cidadãos
com base na igualdade jurídica dos homens.
Como vimos, para Maquiavel, o Estado deveria ser forte e centralizador. Na concepção de
Rousseau ele deveria assegurar que o contrato social firmado pela sociedade fosse respeitado
por todos, de forma que a igualdade de direito fosse a mesma para todos os cidadãos. Os
limites e o poder do Estado foram ampliados ou diminuídos conforme os interesses e as
necessidades da sociedade burguesa.
Smith considerava que o bem-estar social se realizava pela “mão invisível” do mercado. Para
Marx é na totalidade das relações de produção que se constitui a estrutura econômica da
sociedade. Para ele o Estado tem a função particular de se constituir no fator de coesão entre
os níveis de formação social. Portanto, essa relação determina o desenvolvimento social do
indivíduo e das instituições sociais, que são os produtos históricos do desenvolvimento tanto
da formação social quanto das relações de produção.
Na história moderna está provado, portanto, que todas as lutas políticas são
lutas de classes e que todas as lutas de emancipação de classes, apesar de sua
necessária forma política – pois toda luta de classes é uma luta política -,
giram afinal em torno da emancipação econômica. (FERNANDES, 1983, p.
479).
O Estado moderno tem a característica de um ente organizacional que pode agir como
mediador e conciliador, garantido assim que a contradição entre o público e o privado possa
111
ser administrada institucionalmente. Para Weber, a sua natureza é de uma relação institucional
associativa dos portadores do poder. Segundo este autor, a divisão dos poderes do Estado
nacional torna-se possível quando a “associação política assume totalmente o caráter de uma
instituição com competências racionalmente articuladas e divisão de poderes”. (1999b., p,
135.).
Conforme a sociedade burguesa vai se consolidando alteram-se as relações do indivíduo com
o Estado. Na década de 1970, numa perspectiva neoliberal, essas relações começaram a
enfrentar dificuldades para sustentar o padrão dominante dos gastos públicos com as políticas
sociais. Na visão de Valdemir Pires, “toda a década de 1980 foi marcada por um intenso
debate sobre o papel do governo na economia” (2004, p. 2), assinalada por experiências
vividas em países desenvolvidos no retrocesso da execução de sua política social. Nesse
contexto e na perspectiva neoliberal, considerou-se necessário redefinir o papel do governo.
Esta redefinição foi bem sistematizada por Osborne & Gaebler na obra A reinvenção do
governo (1994). Para esses autores a redefinição estaria na forma de governo que a sociedade
precisa para atender às suas necessidades, na definição das áreas em que deverá atuar e nas
prioridades a serem atendidas. Começam por afirmar que “o governo é o mecanismo que
usamos para tomar decisões coletivas [...]. É a forma de prestar serviços em benefício de todo
o povo [...]. É a forma de resolver nossos problemas coletivos”. (1994, p. XV). Segundo eles,
o governo precisava ser reinventado, pois a “maioria das instituições governamentais é
obrigada a executar tarefas cada vez mais complexas, em ambientes que mudam rapidamente,
para clientes que exigem opções de qualidade” (1994, p. 16).
Esta nova configuração do Estado fez surgir, segundo Ferlie et al (1999), um fenômeno
organizacional abrangente, que ficou conhecido como a nova administração pública. (p. 13).
Para atender às necessidades modernas que exigem que as instituições sejam flexíveis e
adaptáveis e que produzam bens e serviços de alta qualidade assegurando-lhes produtividade:
Vivemos numa era de mudanças rápidas; num mercado global, que impõe
enorme pressão competitiva às nossas instituições econômicas. Vivemos na
sociedade da informação, em que o povo tem acesso às informações quase
tão depressa quanto seus líderes. Vivemos numa economia baseada no
conhecimento, onde trabalhadores de bom nível educacional resistem aos
comandos e exigem autonomia. Vivemos numa era de nichos de mercado,
com consumidores habituados a uma alta qualidade e ampla escolha.
(OSBORNE & GAEBLER, 1994, p. 16).
As instituições precisam, nessa perspectiva neoliberal, dar respostas rápidas e eficientes aos
cidadãos, oferecendo-lhes “poder em lugar de simplesmente servi-los” (1994, p. 16). Esta
nova realidade estaria impondo dificuldades às instituições públicas, que em sua maioria
112
operam com um modelo burocrático com um ritmo mais lento, ocorrendo o choque do antigo
com o novo, trazendo tensões às atividades das instituições públicas.
No debate sobre a reinvenção do governo, Valdemir Pires, em um ensaio intitulado Limites da
Reinvenção do Governo: Insuficiências do Neoliberalismo? (2004, p. 2.), faz uma “leitura
crítica da proposta dos autores americanos”, que juntam em um único volume uma série de
concepções a respeito do que seja um bom governo numa boa sociedade. Uma das críticas de
Valdemir Pires, é que esses autores, ao proporem a reinvenção do governo, com função de
transformar e reformar deixaria de explicar em qual teoria econômica e política essa proposta
se fundamenta. Pretenderiam os autores de o governo reinventado dar uma resposta rápida
para um mundo que passa por uma grande e rápida transformação. Segundo Valdemir Pires,
(2004, p. 2), nessa nova forma de governar é explicitamente difundida a idéia de que é preciso
transformar a maneira de governar pela experimentação. Essa idéia tem sido difundida para a
opinião pública como sendo o ato de governar, “na medida em que as regras tornaram-se
imprecisas nos últimos 20 anos, instaurando uma crise de paradigmas na arte de governar”
(2004, p. 2). Na visão de Valdemir Pires,
Esta crise tem origem na rápida obsolescência dos governos tradicionais,
burocratizados, provocada pelo desenvolvimento acelerado de novas
tecnologias que estão permitindo, em todo o mundo e em todas as atividades,
um inusitado aumento da produtividade, transformando o mundo empresarial
e as instituições em geral, bem como a própria forma de agir das instituições.
(2004, p. 2).
Na perspectiva neoliberal dos autores, o governo reinventado seria um governo empreendedor
ou inovador, que criaria oportunidades, assumiria riscos, promoveria a competição e
maximizaria a produtividade e a eficiência: “Por isso, o papel múltiplo do governo como
educador, treinador, financiador da pesquisa científica, regulador, normatizador e operador da
infra-estrutura é muito mais importante do que há 30 anos” (OSBORNE & GAEBLER, 1994,
p. 34).
Os autores afirmam que os mercados não existem só no setor privado, mas também dentro do
setor público (1994, p. 334). Sob esta ótica, seria preciso ampliar a participação da sociedade
como uma forma de os governos levarem os cidadãos a fomentar o mercado de acordo com
seus próprios valores e necessidades. Portanto:
[...] a chave para a reinvenção do governo é a mudança dos incentivos que
motivam as instituições públicas. O que é senão outra forma dizer que essa
chave consiste na mudança dos mercados que funcionam dentro do setor
público. No setor da educação, isto pode significar a criação de um mercado
competitivo em que os consumidores tenham opções, e os principais
interessados (pais e professores) tenham controle genuíno. No treinamento
113
profissional, isso pode significar o fornecimento de informações ao sistema
sobre a qualidade de todos os que prestam um tipo de serviço, a entrega dos
recursos disponíveis diretamente aos clientes, oferecendo-lhes corretores
acessíveis e delegando-lhes a escolha entre os fornecedores concorrentes.
(1994, p. 335).
A proposta do governo reinventado supostamente permitiria a conciliação entre os princípios
de democratização e privatização. É importante ressaltar que por privatização se entenda a
não implicação apenas da venda do patrimônio público ou redução dos gastos estatais de
financiamento dos serviços sociais, mas também a delegação de responsabilidades como
execução de serviços e gestão, a diferentes agentes sociais, além de significar uma forma
privada de prestar serviços de interesse público, com financiamento e métodos privados. Esta
idéia de privatização aliada à democracia, permite compreender que o Estado, ao redefinir seu
papel, tem delegado uma série de ações à sociedade civil, incentivando a filantropia
empresarial e parcerias, fazendo com que as atividades voluntárias passem a ter apoio efetivo
dos setores populares. Para Osborne & Gaebler a competição e as opções do consumidor, a
responsabilidade pelos resultados e, naturalmente, a iniciativa privada no setor público (1994,
p. 337), levariam o governo a vislumbrar a possibilidade de tornar-se eficiente. Nesse aspecto,
o papel do governo, segundo Valdemir Pires, teria o sentido de,
Melhorar a performance da atuação das burocracias e tecnoburocracias
governamentais e melhorar o relacionamento entre o governo e as
comunidades, como propõe a tese da reinvenção do governo, não é fazer
mais do que ampliar a possibilidade de sucesso da democracia
representativa. ( 2004, p. 9).
Na opinião de Valdemir Pires, Osborne & Gaebler aceitam a democracia representativa como
resposta a muitas questões e julgam ter encontrado a solução para tantas outras indagações,
mas não definem claramente a diferença entre governo e Estado e não separam o ato de
governar da política. Em síntese, para o autor, o governo reinventado de Osborne & Gaebler é
aquele que muda a sua forma de agir, por meio da eliminação de falhas que o tornaram
ineficiente. É um governo empreendedor, que cria oportunidades, que inova que maximiza a
produtividade e a eficiência, que delimita riscos, que promove a competição tanto interno
como externamente, e “que atua no socorro quando os problemas surgem e não na prevenção;
obedecem a normas mais do que a missões e não se avaliam; são constituídos por repartições
que não têm incentivos para melhorar seu desempenho, etc.”. (VALDEMIR PIRES, 2004, p.
3).
Nesse contexto, no Paraná, por muitas vezes, os governos têm seguido à risca a tese da
reinvenção do governo nas suas relações com o “subsistema” de ensino superior público,
114
como se as IES-PR fossem empresas econômicas, incentivando somente o
empreendedorismo, a produtividade e a competitividade. Buscam os governos, desta maneira,
a inovação no controle do Estado sobre as instituições supostamente autônomas. O que se
pode observar, ao longo de vários mandatos é que os governos paranaenses, por meio de suas
ações, têm tentado solucionar os problemas quando estes surgem, em vez de trabalharem na
sua prevenção; têm incentivado normas em detrimento das missões, sem nenhuma avaliação e
sem buscar um melhor desempenho de todo o “subsistema” de ensino superior. Todas estas
ações vão minando e conduzindo ao desaparecimento do pouco da autonomia universitária
existente. Esses fatos podem ser comprovados nas propostas encaminhadas pelos governos
nos projetos de autonomia, nos Decretos, nas normas publicadas e nas várias ações e
tentativas que no presente estudo foram denominadas “investidas”, modificando as agendas
internas e as estruturas organizacional e administrativa das instituições.
Como vimos, tanto no Brasil quanto no Paraná nas décadas de 1980 e 1990, a educação
superior pública passa pelo processo da publicização e da privatização. O Plano Diretor da
Reforma do Aparelho Estado, paralelamente às políticas dos organismos multilaterais, define
que os investimentos deveriam ser prioritários para a educação básica e que o ensino superior
deveria receber cada vez menos recursos públicos para o seu financiamento. Orienta-se o
“sistema” público a buscar na iniciativa privada a complementação dos recursos financeiros
para atender as suas necessidades e sua manutenção, levando as instituições à busca da sua
autonomia financeira, administrativa patrimonial, a se tornarem heterônomas.
Para analisar a heteromonia foi preciso contar, como discutido no capítulo anterior, com a
contribuição de alguns autores de referência como SANTOS SOUZA (1998), CHAUÍ (2001),
SCHUGURENSKY (2002). SGUISSARDI (2003) entre outros que, com sua produção
teórica, têm contribuído com o debate desta questão tão atual.
As Instituições públicas de ensino superior paranaense, como se pôde analisar no presente
estudo, foram forçadas a buscarem a complementação de recursos financeiros na iniciativa
privada, por meio de assessorias, consultorias, convênios, prestação de serviços e submeteram
suas agendas internas às agendas externas para atender ao mercado buscando a via da
heteronomia.
Portanto, os pressupostos da “nova administração pública” e a tese da “reinvenção do
governo” podem ser analisados como uma resposta neoliberal a questão dos problemas atuais
de governabilidade e de legitimidade do governo, frente aos aspectos econômicos e políticos.
Na redefinição do papel do Estado, e em conseqüência as reformas encaminhadas conduzem
115
as instituições públicas do ensino superior do Paraná à passagem de uma relativa autonomia
administrativa e de gestão financeira para uma universidade a cada dia mais autônoma
financeiramente, abrindo caminhos para o nascimento da universidade com base na
heteronomia.
116
5- CONSIDERAÇÕES FINAIS
As mudanças ocorridas na forma de gestão e financiamento das instituições de ensino superior
brasileiro podem ser avaliadas a partir dos pressupostos definidos pelo “Consenso de
Washington”. Dentre estes podemos citar os três principais, que foram norteadores de tais
mudanças. O primeiro foi o equilíbrio orçamentário, sobretudo mediante a redução dos gastos
públicos; o segundo foi a desregulamentação dos mercados domésticos, pela eliminação dos
instrumentos de intervenção do Estado, como controle de preços e incentivos etc.; e o terceiro
a privatização das empresas e dos serviços públicos. Portanto, a eficiência dos gastos públicos
não estava mais subordinada às políticas sociais, mas aos objetivos econômicos estabelecidos
pelo mercado. As investidas dos governos paranaenses e suas propostas de reforma do ensino
superior tinham o objetivo de tornar este nível de ensino menos elitista, menos oneroso, mais
produtivo, mais eficaz e, em contrapartida, de reduzir drasticamente os gastos públicos,
desobrigando o Estado por sua manutenção.
Na nova configuração da educação superior, para Sguissardi,
estaria ocorrendo de forma cada vez mais visível o trânsito de um modelo
universitário centrado na autonomia para um modelo universitário centrado
na heteronomia, isto é, um modelo de universidade segundo o qual setores
externos a ela teriam cada vez maiores poderes para a definição de sua
missão, de sua agenda e de seus produtos. (2003, p. 220).
Nesta concepção, a educação passa a ser analisada quase exclusivamente sob o critério
econômico, quando só é possível haver o gasto e o investimento caso exista a garantia do
retorno financeiro. Assim, o objetivo maior das políticas neoliberais para a educação superior
passa a ser a competitividade, a eficiência, a relação custo/benefício.
Conforme discutido anteriormente, com o ajuste fiscal ocorrido na década de 1990 e o avanço
das políticas neoliberais, mudaram e diminuíram as funções do Estado. Houve um aumento
do controle sobre as instituições públicas e uma diminuição alarmante dos gastos sociais
públicos, e uma onda de privatização de empresas estatais e dos serviços públicos.
A reforma do Estado proposta pelo Ministério da Administração Federal e da Reforma do
Estado (MARE), nos idos de 1995/96, conceituava a educação como um serviço não-
exclusivo do Estado, num processo de desestatização e privatização dos serviços sociais.
Foram definidas como serviços não-exclusivos do Estado e competitivos a educação, a ciência
e a tecnologia e saúde.
No período de 1995 a 2005 foi implantado um conjunto de modificações na educação superior
brasileira. Essas ações desdobraram-se em modificações legais de maior ou menor amplitude
117
que afetaram a vida das instituições públicas. Conforme constatado, no Estado do Paraná não
aconteceu de forma diferente. Neste período os governos buscaram por meio de leis, decretos
e normas, desobrigar o Estado dos encargos de manutenção do financiamento de seu
“subsistema” de ensino superior público e, ao mesmo tempo implementaram mecanismos de
pseudo-autonomia financeira e de heteronomia.
No Estado do Paraná a influência das políticas neoliberais articuladas com as diretrizes dos
organismos multilaterais, levou os governos a trilharem um caminho similar ao das políticas
nacionais e internacionais. Suas ações foram orientadas pelas diretrizes do Consenso de
Washington, pelas políticas neoliberais e pelos princípios da “reinvenção do governo” como
pôde ser analisado nas suas “investidas” sobre o ensino superior público paranaense.
De acordo com o que foi constatado no terceiro capítulo, no primeiro mandato do governo de
Jaime Lerner (1995-1998) foram encaminhadas as seguintes ações: transformação das IES em
Agências Sócias Autônomas, Lei nº. 11.500, de 05 de agosto de 1996, de incentivo à prestação
de serviços e à obrigatoriedade de as instituições públicas de ensino superior realizarem toda
sua execução orçamentário-financeira através do SIAF. Esta ação buscava o equilíbrio
orçamentário, sobretudo mediante a redução dos gastos públicos, privatização das instituições
e dos serviços públicos. Fomentou a diferenciação entre as instituições, por meio da
competição; proporcionou incentivos para a diversificação de fontes de financiamento, levou
as instituições de ensino a adotarem políticas buscando a qualidade e a equidade. Em síntese,
redefiniu-se a função do governo para com o ensino superior, introduzindo a competição na
prestação de serviços, descentralizando suas ações, forçando a consolidação de um modelo
com maior flexibilidade para atender às demandas do mercado, incentivando a parceria com a
iniciativa privada e valorizando as equipes com espírito empreendedor em detrimento do
mérito científico. Esta nova forma de se relacionar com as IES-PR, não contemplava uma
proposta de reestruturação ou de política de incentivos para melhorar o desempenho das IES,
mas a consolidação da desresponsabilização do Estado para com o financiamento do ensino
superior público. O resultado dessas intervenções, impondo mudança na organização e na
gestão das IES, as colocou definitivamente no caminho da gradativa e célere diminuição da
autonomia e ampliação da heteronomia.
No segundo mandato do governo de Jaime Lerner (1999-2002) foram encaminhadas as
seguintes ações: criação do Conselho de Reestruturação Fiscal do Estado (CRAFE);
aprovação do Termo de Autonomia Provisória; implantação de tetos-orçamentários; e Projeto
de Lei nº. 32 de Autonomia Definitiva. As ações do governador, neste mandato, culminaram
118
em maior ingerência, por parte da burocracia estatal, nas universidades, com normas
controladoras e intervenção direta na sua autonomia, agravando a questão da democracia no
interior da universidade. O CRAFE, por exemplo, tinha a função de controle e cerceamento
das ações diretas das administrações e da vida cotidiana das universidades e faculdades. A
implantação dos tetos-orçamentários também fez com que as instituições não mais
elaborassem seus orçamentos de forma planejada a partir de seus departamentos e unidades.
O projeto de Lei nº. 32 de Autonomia Universitária era, segundo o governo, uma lei para
garantir a autonomia com responsabilidade. Para ele este “projeto de lei complementaria o
disposto nas Constituições Federal e Estadual e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional – LDB, para adequar, à legislação vigente, o exercício da autonomia das
universidades públicas mantidas pelo Estado do Paraná”.
O Projeto é minucioso como pôde ser analisado no capítulo III, porém, as justificativas desse
projeto são bastante questionáveis. Cada palavra ali colocada, justificada, segue as premissas
das políticas dos “organismos multilaterais”, do “Consenso de Washington”, da “nova
administração pública” e da “reinvenção do governo”. O governo Jaime Lerner seguiu a linha
de raciocínio de Osborne & Gaebler (1994, p. 337), quando se referem ao equilíbrio dos
mercados e da comunidade, apesar de não fazer a opção por um governo descentralizado,
participativo e parceiro da comunidade.
O governo orientado para o mercado: não só as mudanças de sistema, mas
também a competição e as opções do consumidor, a responsabilidade pelos
resultados e, naturalmente, a iniciativa privada no setor público. (1994, p.
337).
O governo do Estado do Paraná colocou no mesmo nível o setor público e o setor privado.
Sua visão foi a de que os papéis e as habilidades gerenciais podem ser transferidos do setor
privado para o setor público sem nenhum problema. Mas segundo Ferlie et al,
A teoria da administração pública, contudo, argumenta que os papéis e as
capacidades não são prontamente transferíveis do setor privado para o setor
público porque a natureza das tarefas executadas é fundamentalmente
diferente. No setor público, há uma série de condições distintas (tais como
um papel mais importante para a escolha coletiva, cidadania, noções de
necessidade e justiça) que não são aparentes no setor privado. (1999, p.42-
43).
Na verdade a concepção do projeto de Autonomia das IES-PR não decorreu de um amplo
projeto de reestruturação do setor, mas foi proposto às IES dentro de um contexto de
negociação para pôr fim ao mais longo movimento grevista da história paranaense.
119
Apesar de seu caráter emergente, o Estado procurou demonstrar de forma retórica que as
mudanças tinham que ser estruturais no “sistema” de ensino superior e nas relações deste
“sistema” com o Estado e com a comunidade. Estas mudanças estavam em consonância com
as propostas de reformas do Plano Diretor de Reforma do Aparelho Estado (MARE).
Na questão da gestão administrativa haveria uma mudança radical, pois os reitores seriam
escolhidos de forma a atender às novas exigências sociais e econômicas e às novas
necessidades de qualidade do ensino, pesquisa e extensão conforme parâmetros impostos pelo
mercado. O projeto não garantia que necessariamente o dirigente seria um membro da
comunidade universitária.
A proposta de criação do conselho de responsabilidade social da universidade também seguia
as diretrizes do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, na questão do contrato de
gestão e na desrenponsabilização do Estado para com o financiamento do “sistema”.
O governo do Estado utilizou os princípios da reinvenção do governo de forma integrada em
todas as suas atuações em relação às propostas de mudanças no “subsistema” de ensino
superior publico paranaense.
No mandato do governo Roberto Requião (2003-2006), cursos de graduação recém-criados
foram fechados. O governo publicou Decretos centralizando as ações administrativas das IES
no governo do Estado. O governo proibiu a realização de concursos públicos e inviabilizou a
contratação de professores e de servidores técnico-administrativo, mesmo nos casos de meras
reposições de aposentadoria ou desligamentos voluntários. O autoritarismo assumiu sua forma
mais visível, quando simples procedimentos administrativos como as liberações de um
professor para viajar ao exterior para apresentação de trabalho passaram a ser feitos
diretamente pelo governador do Estado, o que até então, eram de deliberação dos reitores. Os
orçamentos passaram a ser fixados por teto-orçamentário com critérios definidos pelo governo
sem discussão prévia com as instituições e desrespeitando as necessidades mínimas de
manutenção das IES-PR.
Ocorreu neste governo do Sr. Roberto Requião uma total perda de autonomia da gestão
administrativa, através de uma série de regulamentações, de Decretos, ofícios circulares e
despachos diretamente exarados pelo governador do Paraná. As administrações e os
Conselhos Superiores das IES-PR perderam quase totalmente suas atribuições estatutárias, já
que a maioria das decisões administrativas internas depende de autorização governamental.
120
O governo do Estado cumpriu seu objetivo de tornar as instituições públicas de ensino
superior paranaenses mais heterônomas em razão, dentre outros fatores, de ter conseguido
reduzir seu compromisso com o seu financiamento. Tal constatação é revelada pela redução
da participação dos repasses às IES-PR, no montante arrecadado de ICM pelo Estado, que no
ano de 1998 representava 12,6% do ICMS e em 2005 apenas 5,7%. Enquanto que o
crescimento na arrecadação do ICMS no período de 1995 a 2005 foi de 76,85%, os valores
repassados aumentaram apenas em 6,8%.
Para compensar esta redução de recursos as instituições foram forçadas a captar recursos,
orientando suas atividades-fim às demandas do mercado, como demonstrado através dos
dados contidos na tabela VII (p. 93). Confirmando, assim, mais uma vez seu caráter
crescentemente heterônomo.
Foi premente a necessidade de captação de recursos financeiros, via prestação de serviços,
assessorias, projetos com a iniciativa privada. Tais constatações nos permitem concluir que
essas políticas são férteis em ambigüidades combinando individualismo e coletivismo,
solidariedade e competitividade, publicização e privatização, centralização e descentralização,
etc., dificultando a distinção entre o que é publico e o que é privado, tornando-as cada vez
mais complexas.
Após essas análises e avaliação das políticas e intervenções dos governos estaduais no período
compreendido entre 1995 a 2005, pode-se concluir que os governos alcançaram seus objetivos
de tornar as IES menos autônomas e mais heterônomas, em razão de terem conseguido:
- reduzir o compromisso com o seu financiamento;
- orientá-las para o mercado;
- disseminar a competição interna e externa;
- impor a necessidade de captação de recursos, via prestação de serviços;
- eliminar em grande medida sua já precária autonomia administrativa e de gestão financeira e
patrimonial.
Reitere-se, finalmente, que a influência das políticas neoliberais em consonância com as
diretrizes dos organismos multilaterais levaram os governos estaduais do Paraná a trilharem
um caminho muito similar ao das políticas nacionais e internacionais. Suas ações foram
orientadas pelas diretrizes do “Consenso de Washington”, pelas “políticas neoliberais” e pelos
121
princípios da “reinvenção do governo” como pode ser analisado nas suas “investidas” sobre o
ensino superior público paranaense.
Nessas “investidas” procurou-se reduzir, por meio das ações governamentais no interior das
IES, a autonomia dos órgãos colegiados, responsáveis pelo exercício da autonomia didático-
científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial. Segundo Sguissardi (2007), é
sob a responsabilidade dos colegiados que, democraticamente, a vida acadêmica e
administrativa da universidade se concretiza, isto é, por meio da criação e do fechamento de
cursos, da alteração de projetos pedagógicos, da definição de projetos de pesquisa, de ensino,
de extensão, da realização de processos seletivos (contratações) e de demissão, que são ações
de responsabilidade exclusiva dos colegiados da universidade. Como diz Sguissardi, é o
funcionamento autônomo e democrático dos colegiados que traça a grande diferença entre
uma universidade e uma empresa econômica. Enquanto aquela visa a qualidade da produção
científica, da formação de profissionais, esta tem como principal objetivo a competitividade e
o lucro. Diz, por fim:
Em síntese, é à autonomia, garantida pelo pluralismo político-acadêmico dos
órgãos colegiados, que se deve, desde a origem da universidade, a liberdade
de pensar, de ensinar, e pesquisar. (2007, p. 2).
Como vimos no capítulo III, as reitorias e os órgãos colegiados universitários, em especial
seus conselhos superiores das IES-PR, perderam quase totalmente suas atribuições estatutárias
no campo da administração e da gestão financeira, já que a maioria das decisões
administrativas internas depende de autorização governamental.
Outro aspecto a ser destacado em nível nacional, é o Plano Diretor da Reforma do Aparelho
do Estado que se constitui num marco na redefinição de suas relações com as instituições de
ensino superior público. A partir das reformas encaminhadas pelo Plano, as instituições de
ensino superior no Brasil passaram por várias reformulações no sentido da publicização.
Nesse contexto, o Estado passa por reformas que diminuem e modificam seu papel e seu nível
de intervenção A educação superior passa a ser vista como um dos níveis de ensino que
diretamente irá influenciar no desenvolvimento econômico e tecnológico no espaço
geográfico em que está inserida. Essas mudanças estão na base econômica de países de
Primeiro Mundo, entre eles a Europa Ocidental, como também nos países subdesenvolvidos.
Houve, portanto, uma “reformulação política e econômica que acirrou o ajuste das políticas
sociais, entre elas as educacionais [...]”. (MANCEBO, 2004, p. 858).
122
Finalmente e em resumo, reitere-se que os discursos e práticas neoliberais que foram
introduzidos no “subsistema” de ensino público superior do Paraná fazem parte de uma ampla
e profunda reforma econômica e política emvel supra-nacional e nacional, que, no caso
desse estado, coloca suas IES definitiva e celeremente no caminho da gradativa diminuição de
sua autonomia, ao mesmo tempo em que as transforma em IES heterônomas e sem os traços
da identidade universitária, ainda que precárias, que marcaram sua existência até anos
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123
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