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Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes
Programa de Pós-Graduação em Psicologia
Allan I Teger
ATENÇÃO PRECOCE DO CÂNCER DE MAMA: UM OLHAR SOBRE O
COTIDIANO INSTITUCIONAL DE UMA UNIDADE DE SAÚDE DE NATAL
Greyce Gondim Guimarães
Natal
2006
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Greyce Gondim Guimarães
ATENÇÃO PRECOCE DO CÂNCER DE MAMA: UM OLHAR SOBRE O
COTIDIANO INSTITUCIONAL DE UMA UNIDADE DE SAÚDE DE NATAL
Dissertação elaborada sob a
orientação da Profa. Dra. Martha
Traverso-Yépez e apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em
Psicologia da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte,
como requisito parcial à obtenção
do título de Mestre em Psicologia.
Natal
2006
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iii
Com Aldas, Alices e Antonietas
talvez não precise me preocupar tanto.
Elas caminham com suas próprias pernas.
Ao adoecerem vão à luta precocemente,
com a benção da boa informação
e os recursos que têm disponíveis.
Mas por tantas outras mulheres
desassistidas, que a cada ano morrem
de câncer de mama neste país,
eu pretendo lutar.
Sei que tantas destas mortes são evitáveis e,
portanto, indignas, injustas.
Sylvia Leal
iv
Dedico este trabalho
... à minha família:
Claúdio e Rejane, meus pais
“Por tudo que fizeram e sempre tem feito por
mim, pelo apoio e incentivo constante durante toda a minha vida
e sem os quais nada teria sentido”
Gisele e Gustavo, meus irmãos
“Apesar de serem mais novos são
exemplos para mim e também sem os quais nada
teria sentido”
Alexandre, meu companheiro
“Pelo amor de sempre, pelas alegrias de sempre,
pelas lágrimas de sempre, pelas conquistas de sempre, por
compartilhar comigo tantos momentos importantes e por ter
dado um novo sentido à minha vida”
... e também:
À Martha, minha orientadora
“Por ter sido muito mais que uma orientadora,
que me fascinou com sua dedicação ao ensino e que é um
exemplo que espero seguir”
... e especialmente:
“Aos Profissionais de Saúde da
Unidade Mista de Felipe Camarão que apesar de
todos os obstáculos continuam lutando por tantas
mulheres e por eles mesmos”
v
Agradeço este trabalho
A Deus, por estar presente em todos os momentos da minha vida...
À professora Martha Traverso-Yépez, meu imenso agradecimento por
todo o apoio, carinho, paciência, por todas as “nossas conversas” que tanto
influenciaram meu crescimento não apenas acadêmico, mas, sobretudo, enquanto ser
humano.
A você, minha eterna admiração.
A todos os Profissionais de Saúde da Unidade Mista de Felipe Camarão,
agradeço por todo o interesse, pelo partilhar das experiências e conhecimentos que
tornaram possível a realização deste trabalho.
Aos Docentes do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFRN por
todas as contribuições à realização deste trabalho.
À Cilene, pela paciência, disponibilidade, dedicação e acolhimento a todos
os alunos da pós-graduação.
À minha melhor amiga Andréa Bragança, com quem dividi muitas
angústias, lágrimas, muitas conquistas, sorrisos, sonhos e que é um exemplo de mulher,
mãe, amiga, profissional e um ser humano muito especial.
Às amigas da base, especialmente à Verônica Pinheiro, Josheanne
Bernardino e Lílian Gomes que estiveram sempre tão perto durante toda essa
caminhada.
Aos amigos, Mônica Link e Maio Spellman por terem tornado a longa
caminhada do mestrado mais fácil de percorrer e inundada de alegrias e boas energias.
Desde já, muitas saudades.
A CAPES pela bolsa, cujo apoio financeiro viabilizou esta pesquisa.
vi
Sumário
Lista de Figuras ..................................................................................................viii
Resumo ................................................................................................................ix
Abstract .................................................................................................................x
Apresentação....................................................................................................... 11
Introdução ........................................................................................................... 13
1. Compreendendo o câncer de mama .................................................................... 19
1.1 Fatores de risco ........................................................................................... 22
1.2 Atenção precoce do câncer de mama.......................................................... 24
1.3 Formas de tratamento.................................................................................. 30
1.3.1 Cirurgia ...........................................................................................30
1.3.2 Radioterapia ....................................................................................33
1.3.3 Quimioterapia..................................................................................34
1.3.4 Hormonioterapia .............................................................................34
1.4 Os desdobramentos psicossociais ............................................................... 35
1.5 Câncer de mama: um problema de saúde pública....................................... 36
2. A atenção precoce do câncer de mama no contexto do SUS ............................. 39
2.1 Discursos acerca da atenção precoce do câncer de mama .......................... 40
3. O Programa de Saúde da Família (PSF) e a atenção precoce do câncer de
mama ............................................................................................................................ 45
4. O percurso metodológico...................................................................................... 49
4.1 Participantes e estratégias para a obtenção e análise das informações ....... 51
4.2 Contextualizando a pesquisa....................................................................... 53
4.3 O caminho percorrido ................................................................................. 56
vii
5. Mapeando os discursos e as práticas dos profissionais de saúde do PSF da
UMFC em relação à atenção precoce do câncer de mama....................................... 59
5.1 Da difícil facilidade: da expressão das políticas aos empecilhos nas práticas
cotidianas.............................................................................................................. 61
5.1.1 Pouca familiaridade com os discursos oficiais................................61
5.1.2 Como é referida, na prática, a política de atenção precoce do câncer
de mama .................................................................................................................62
5.1.3 Ênfase nas campanhas sem garantir a retaguarda dos serviços.......63
5.1.4 Como a atenção precoce é dificultada pela estruturação do serviço:
empecilhos destacados ............................................................................................65
5.1.5 Câncer de mama ainda não é uma prioridade nas discussões e
práticas dos profissionais ........................................................................................77
5.2 Da fácil dificuldade: mais empecilhos nas práticas cotidianas ................... 81
5.2.1 Os descaminhos que levam ao diagnóstico tardio...........................86
5.2.2 Os caminhos que levam ao diagnóstico precoce.............................89
5.3 Facilitando processos de ressignificação: possibilidades de transformação90
5.3.1 O que deveria... ...............................................................................90
5.3.2 O que poderia..................................................................................91
Considerações finais ........................................................................................... 93
Referências Bibliográficas ..................................................................................99
Apêndices............................................................................................................107
Apêndice A: Parecer do Comitê de Ética em pesquisa – CEP....................107
Apêndice B: Roteiro de Entrevista ............................................................ 108
Apêndice C: Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ......................109
viii
Lista de Figuras
Figura 1. Processo de carcinogênese mamária................................................................19
Figura 2. Câncer de mama e seus sinais..........................................................................20
Figura 3. Imagens das alterações benignas da mama......................................................21
Figura 4. Exame clínico das mamas................................................................................25
Figura 5. Auto-exame das mamas...................................................................................26
Figura 6. Mamografia. ....................................................................................................28
Figura 7. Tipos de cirurgias não-conservadoras. ............................................................31
Figura 8. Tipos de cirurgias conservadoras.....................................................................32
Figura 9. Reconstrução mamária.....................................................................................32
Figura 10. Taxa bruta de mortalidade para o período de 1979 a
2000.................................................................................................................................37
Figura 11. Mapa da cidade de Natal-RN indicando o bairro de
Felipe Camarão (sem escala). .........................................................................................54
Figura 12. Imagens da UMFC.........................................................................................55
Figura 13. Fluxograma do atendimento das usuárias da UMFC
em relação ao câncer de mama........................................................................................67
ix
Guimarães, G.G. (2006). Atenção precoce do câncer de mama: um olhar sobre o
cotidiano institucional de uma unidade de saúde de Natal. Dissertação de mestrado não-
publicada, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal.
Resumo
O câncer de mama é considerado um grave problema de saúde pública mundial em
decorrência do aumento da sua incidência, da mortalidade de mulheres e das grandes
somas dispensadas para equacionar as intervenções terapêuticas empregadas a esta
neoplasia. Entretanto, este panorama apresenta variações. Em países desenvolvidos há o
aumento da sua incidência, entretanto há a redução da sua mortalidade, sobretudo, pelo
direcionamento das ações de saúde à sua atenção precoce, implicando na cura da grande
maioria dos casos e na diminuição dos impactos físicos e psicossociais. No Brasil, nos
deparamos com a elevação tanto de sua incidência quanto de sua mortalidade, em
virtude, muitas vezes, do retardamento na sua detecção o que ocasionará o seu
diagnóstico tardio. Vários estudos têm sido realizados abordando a temática supracitada
e muitos destes estão direcionados às experiências das mulheres. Contudo, percebeu-se
a carência de pesquisas relacionadas à compreensão da dinâmica da atenção precoce do
câncer de mama a partir do olhar dos profissionais de saúde. A presente pesquisa foi
realizada na Unidade Mista de Felipe Camarão (UMFC) com 11 profissionais das
equipes do Programa de Saúde da Família (PSF). Objetivou-se compreender como a
temática da atenção precoce estava sendo articulada, discutida e realizada nas ações
cotidianas dos profissionais dessa instituição. Foram realizadas entrevistas semi-
estruturadas e a análise e discussão das informações obtidas foi empreendida sob a
perspectiva da abordagem da Etnografia Institucional. Observou-se que as ações dos
profissionais voltadas à atenção precoce do câncer de mama não acontecem em um
vazio, mas são construídas social, institucional e relacionalmente e essa
interdependência acaba influenciando suas ações e posicionamentos em relação à
temática desta investigação.
Palavras-chaves: câncer de mama, atenção precoce, programa de saúde da família (PSF)
x
Guimarães, G.G. (2006). Breast Cancer Early Detection: Overview of Everyday
Institutional Setting at a Public. Unpublished master’s thesis, Federal University of Rio
Grande do Norte, Natal
Abstract
Breast cancer has been considered a grave global public health problem due to its
increase in incidence, in women’s mortality and in the amount of financial resources
spent on the therapeutic interventions used in the treatment of this neoplasia. However,
this scenario presents some variations. In developing countries, the incidence of breast
cancer is increasing but, on the other hand, the mortality is declining among patients
because of public health actions toward early diagnostic that also result in cure of
patients and decreasing levels of physical and psychosocial stress. In Brazil, we face of
both the increasing number of breast cancer incidence and number of mortalities.
Almost always the reason for that is a delayed detection that will provide a late
diagnostic. The early detection of breast cancer has been studied in several researches.
Some of them are concerned with women’s experiences. Despite that, there is a lack of
researches on dynamic comprehension of early attention to breast cancer from the health
professionals’ points of view. The present research was carried out at the Unidade Mista
de Felipe Camarão (UMFC) and it was conducted with 11 professionals who work in
the Family Health Program (PSF). The aim was to understand how early diagnostic and
attention to breast cancer is being planned, discussed and accomplished by health
professionals’ in their day-to-day actions. Semi-structure interviews were held
individually with each professional, in a way that they could feel free to express their
ideas about several issues. All the information from these interviews was analyzed and
discussed using an Institutional Ethnographic approach. It was observed that the actions
of health professionals working with early detection of breast cancer does not take place
in a vacuum; they occur within institutional, relational and social ways. This
interdependence influences their actions and points of view on the theme.
Keywords: Breast Cancer, Early Detection, Family Health Program (PSF).
11
Apresentação
“Quando a gente pensa que sabe
todas as respostas vem à vida e muda todas as
perguntas”.
Emily Paul
Sempre chegava cedinho na Unidade Mista de Felipe Camarão (UMFC)
quando tudo ainda estava calmo e tranqüilo. Perto de 07h30min a unidade começava a
ganhar vida e os corredores iam sendo inundados de pessoas e vozes. Mulheres com
seus filhos, ora mamando, ora chorando; homens pedindo informações sobre as
consultas e receitas de remédio; idosos chegando para a reunião de hipertensos e
diabéticos, profissionais de saúde atendendo em suas salas, nas passagens, nos bancos.
O estranhamento inicial logo se desfez e aos poucos fui reconhecendo os
rostos, os espaços, a movimentação, os sons e também fui sendo reconhecida e,
sobretudo, acolhida pelos profissionais da unidade, independente de sua participação
nessa pesquisa. A fácil integração no “cenário de investigação” favoreceu e contribuiu à
compreensão do fenômeno social ao qual eu estava me debruçando.
Laplantine (1988) afirma que “se é possível, e até necessário, distinguir
aquele que observa daquele que é observado, em compensação, é impensável dissociá-
los” (p.169). Nós somos pessoas observando e interagindo dialogicamente com outras
pessoas e à medida que as “observamos” temos a possibilidade de olharmos para nós
mesmos, repensando também nossos posicionamentos e ações.
Foi um longo caminho até chegar a UMFC e a concretização dessa pesquisa.
No começo de 2004, em um momento de reflexão acerca da minha atuação profissional,
sobreveio o interesse pela realização do mestrado. Quando me formei fui para a clínica
seguindo a trajetória de praticamente 80% dos psicólogos recém-formados em
Fortaleza. Como psicóloga de uma equipe de profissionais de saúde direcionados ao
12
atendimento de patologias mamárias, acompanhei durante dois anos mulheres que
vivenciaram o câncer de mama. Na prática cotidiana fui percebendo que a maioria delas
havia perdido uma ou as duas mamas em decorrência da detecção e da confirmação do
diagnóstico tardiamente. Cenário esse vivenciado especialmente pelas mulheres de
camadas menos favorecidas e usuárias do SUS (Sistema Único de Saúde), cujas
dificuldades de acesso aos serviços oncológicos acabaram implicando na conformação
da situação supracitada.
Minhas inquietações acerca de como a atenção do câncer de mama estava
sendo configurada no contexto da saúde pública acabaram se transformando em um
projeto de pesquisa acadêmica. O anseio pela realização do mestrado foi prontamente
incentivado pelo meu companheiro Alexandre, que já estava fazendo a sua pós-
graduação em Arquitetura na UFRN e fez o primeiro contato com a Profª Martha
Traverso-Yépez. A identificação com sua linha de pesquisa “Processos Psicossociais e
Saúde” foi imediata, sobretudo pela articulação realizada entre as contribuições da
Psicologia Social crítica às práticas de saúde.
Hoje, finalizado este trabalho vejo que aquelas inquietações iniciais foram
sendo substituídas por outras e assim serão continuamente. Espero que de alguma forma
essa caminhada possa fazer alguma diferença na existência de todos que me ajudaram a
percorrê-la. E mais, que novos percursos possam ser traçados a fim de que outros
olhares possam ser empreendidos, contribuindo na efetivação de ações direcionadas à
atenção precoce do câncer de mama.
13
Introdução
Grandes lacunas se delineiam aos olhos dos profissionais de saúde que
direcionam suas ações à atenção precoce ao câncer de mama. Apesar do incremento no
conhecimento acerca de sua gênese, evolução e tratamento, o número de novos casos
desta neoplasia continua sendo descoberto em estádios avançados e a sua mortalidade
permanece em ascensão mundial.
Observa-se, entretanto, que em países desenvolvidos como os Estados
Unidos, Canadá, Holanda, Dinamarca e Noruega há o aumento da sua incidência,
acompanhado da redução da sua mortalidade em decorrência, sobretudo, do
direcionamento das ações de saúde à sua atenção precoce, bem como, da melhora dos
protocolos terapêuticos (Araújo, 2000; Borghesan, Baraúna, Pelloso & Carvalho, 2003).
No Brasil, tanto a detecção quanto a confirmação do diagnóstico,
especialmente no contexto do SUS (Sistema Único de Saúde), tendem a acontecer
tardiamente, especialmente em virtude da existência de diversos empecilhos que
acabam dificultando o acesso às estratégias voltadas à sua atenção precoce, tais como:
poucas referências para especialistas, realização não sistemática do exame clínico das
mamas, insuficiência de exames específicos, sobretudo da mamografia, longo espaço de
tempo entre a descoberta, à confirmação do diagnóstico e a realização dos tratamentos,
dentre outros.
Todos esses obstáculo que perpassam o sistema público de saúde acabam
implicando na realização de intervenções terapêuticas mais agressivas e com diversos
impactos psicossociais na vida das mulheres. Estes poderiam ser evitados ou
minimizados com o direcionamento das ações dos profissionais de saúde à sua atenção
precoce, sobretudo, à sua descoberta em estádios iniciais (Malzyner, Caponero &
14
Donato, 2000; Olivotto, Gelmon & Kuusk, 2001; Zecchin, 2004; Cestari, 2005).
Portanto, garantir essa atenção, sobretudo no contexto da saúde pública, se configura
como um grande desafio ao sistema de saúde como um todo.
Compreende-se por atenção precoce a “detecção” e “diagnóstico” do tumor
em um estádio inicial, isto é, com o menor tamanho possível. Ressalta-se a distinção
entre os termos detecção e diagnóstico, onde o primeiro refere-se à identificação de
anormalidades, ao passo que o segundo faz referência à capacidade para classificar uma
anormalidade como benigna ou maligna. Portanto, a identificação deve preceder o
diagnóstico (Godinho & Koch, 2004).
De acordo com a literatura revisada o auto-exame das mamas (AEM), o
exame clínico das mamas (ECM) e a mamografia são apontados como as principais
estratégias de detecção e diagnóstico precoce do câncer de mama, além da anamnese
clínica (Menke, Biazús, Cavalheiro & Rabin, 1998; Tubiana & Koscielny, 1999;
Araújo, 2000).
Diante do levantamento bibliográfico prévio, observou-se a predominância
de estudos voltados às experiências das mulheres que vivenciaram o adoecimento do
carcinoma mamário. Por exemplo, pesquisas em relação às ações orientadas ao
conhecimento, atitudes e à prática do auto-exame (Gonçalves & Dias, 1999; Ortega-
Altamirano, López-Carrillo & López-Cervantes, 2000; Borghesan et al, 2003; Marinho,
Costa-Gurgela, Cecattia & Osis, 2003; Monteiro et al; 2003); identificação de perfis de
mulheres que se submetem à mamografia (Godinho & Koch, 2002); estudos sobre a
participação ou não das mulheres em programas de prevenção ou tratamento (Koseki,
1997; Alcaraz, Lluch, Miranda, Pereiro & Salas, 2002); dificuldades para a detecção
precoce do câncer de mama (Modeste, Caleb-Drayton & Montegomery, 1999); análise
sobre as oportunidades de diagnóstico precoce (Molina, Dalben & De Luca, 2003).
15
Contudo, percebeu-se a carência de investigações direcionadas à
compreensão da dinâmica da atenção precoce do câncer de mama a partir do olhar dos
profissionais de saúde. Assim, a temática inicial foi reformulada e o nosso foco foi se
deslocando da experiência de adoecimento de câncer de mama das mulheres para a
vivência dos profissionais de saúde do nível de atenção primário, diretamente
envolvidos na atenção ao carcinoma mamário.
O nível primário é composto pelas unidades básicas de saúde (Postos e
Centros de Saúde) que oferecem serviços externos e ambulatoriais voltados às áreas de
prevenção e promoção da saúde como a puericultura, vacinação, cuidados de pré-natal,
dentre outros (Kligerman, 2002). Configura-se assim, como a porta de entrada do
sistema de saúde e, portanto, um espaço privilegiado à discussão e implementação de
ações direcionadas à atenção precoce do câncer de mama. Destaca-se então, a
importância desses profissionais cuja atuação poderia transformar todo o percurso e a
vivência das mulheres que descobrissem alguma alteração mamária maligna.
Observa-se, comumente, que os serviços acabam sendo “avaliados” sem
levar em consideração toda a complexidade institucional que estão perpassando-os. Os
usuários tendem, na maioria das vezes, a atribuir toda a problemática e ineficácia do
SUS aos profissionais, quase como uma responsabilização individual, desconsiderando
a premissa de que qualquer atividade institucional é marcada por uma teia de
interdependências sócio-estruturais que acabam influenciando as ações, os
posicionamentos e os processos de significação das pessoas (Traverso-Yépez, 2001).
McCoy & Mykhalovskiy (2002) corroboram essa afirmação ao enunciar que
as ações das pessoas precisam ser situadas “numa complexa teia de práticas
institucionais e formas de conhecimentos que configuram os limites e possibilidades
16
dessas práticas” (p.13). E complementam afirmando que tais práticas sempre ocorrem
em um contexto institucional particular e em um determinado tempo.
Dentro dessa perspectiva, a Psicologia Social crítica embasou todo o
percurso da pesquisa se configurando como um instrumento de diálogo e reflexão
acerca dos discursos e das práticas de intervenção em saúde, entrecortadas pelo
cotidiano institucional. Possibilitou, aos diversos atores sociais envolvidos nesse
processo, uma permanente reflexão crítica e (até) autocrítica sobre as práticas
institucionais, viabilizando assim, contextos de ressignificação de suas ações e
posicionamentos (Traverso-Yépez, 2002).
Deste modo, a investigação foi realizada na Unidade Mista de Felipe
Camarão (UMFC), instituição inserida no nível de atenção primária da saúde, com os
profissionais das equipes do Programa de Saúde da Família (PSF). Observou-se que no
cotidiano de trabalho na UMFC esses profissionais encontravam múltiplos obstáculos
em relação à efetivação de ações voltadas à atenção precoce do câncer de mama.
Dificuldades expressas nas precárias condições de trabalho, bem como, nas lacunas
relacionadas à formação profissional (conhecimento teórico e prática realizada) que
acabam se refletindo nos serviços prestados às usuárias da instituição.
Evidenciam-se então alguns dos questionamentos que nortearam esse
estudo: Como a temática da atenção precoce do câncer de mama estava sendo abordada
pelos profissionais do PSF na UMFC? Como o cotidiano institucional poderia estar
influenciando as práticas e os discursos desses profissionais em relação à essa atenção?
Que ações poderiam ser empreendidas no contexto da UMFC em relação ao câncer de
mama?
Partindo dessas inquietações objetivou-se compreender os discursos e as
práticas dos profissionais do PSF em relação à atenção precoce do câncer de mama,
17
bem como o cotidiano institucional da UMFC e seus desdobramentos nos serviços
prestados às usuárias.
Especificamente, buscou-se sistematizar as concepções dos profissionais
acerca das estratégias de atenção precoce ao câncer de mama vigentes na saúde pública;
caracterizar, a partir das suas vivências, as experiências das mulheres acometidas por
esta neoplasia; identificar as ações passíveis de serem empreendidas pelos profissionais
do PSF da UMFC em relação à atenção precoce do câncer de mama.
Os resultados desse processo de pesquisa foram organizados em seis
capítulos. No primeiro, “Compreendendo o câncer de mama”, abordou-se a etiologia,
epidemiologia, fatores de risco, formas de diagnóstico e tratamento, além dos seus
desdobramentos psicossociais. A Psicologia deve se apropriar desse mínimo de
conhecimento técnico da doença a fim de viabilizar um diálogo interdisciplinar –
sempre que precisar – com os outros profissionais envolvidos na atenção desta doença.
No segundo capítulo, “A atenção precoce do câncer de mama no contexto
do SUS”, foram apresentados os discursos oficiais acerca da atenção precoce do câncer
de mama no Brasil. Discutiu-se o Programa Viva Mulher, a Política Nacional de
Prevenção e Controle do Câncer (PNCC) e o Consenso de Controle do Câncer de
Mama, realizando-se uma reflexão sobre as suas preconizações e a realidade do
cotidiano do sistema público de saúde.
No terceiro capítulo, “O Programa de Saúde da Família (PSF) e a atenção
precoce do câncer de mama”, discorreu-se sobre a conformação da assistência
oncológica no contexto da atenção primária da saúde e seus reflexos nos serviços
prestados às usuárias do SUS.
No quarto capítulo, “O percurso metodológico”, foi apresentado o
delineamento do estudo, o cenário, os participantes da pesquisa, bem como as
18
estratégias para a aquisição e análise das informações obtidas sob a perspectiva da
abordagem da Etnografia Institucional.
No quinto capítulo, “Mapeando os discursos e as práticas dos profissionais
de saúde do PSF da UMFC em relação a atenção do câncer de mama”, foi evidenciado
o processo de análise e discussão das informações encontradas realizando uma
articulação constante com o referencial teórico da investigação. E por fim, o sexto
capítulo, “Considerações finais”, trazendo as contribuições da investigação.
Espera-se, a partir dos questionamentos e das reflexões surgidas nesse
trabalho, contribuir para o desenvolvimento de ações direcionadas à atenção precoce do
câncer de mama mais próximas da população, das suas necessidades e prioridades,
buscando melhorar a qualidade dos serviços prestados às mulheres da comunidade do
bairro de Felipe Camarão e, em geral, das usuárias do serviço público de saúde de Natal,
RN.
19
1. Compreendendo o câncer de mama
O câncer não é uma doença nova na história da humanidade, tendo sido
encontrado na alta Antigüidade em múmias egípcias e pré-colombianas. Em 3.500 a.C
já haviam descrições e escritos babilônicos, indianos e egípcios relacionados a esta
doença. Contudo, somente no séc. IV a.C o médico grego Hipócrates começou a realizar
registros mais sistemáticos descrevendo-o como “um tumor duro, não inflamatório, com
tendência à recidiva ou generalização e conduzindo a um desenlace fatal” (Le Goff,
1997, p.177).
O carcinoma mamário é oriundo de multiplicações anormais e desordenadas
de determinadas células do nosso corpo que transmitem essa capacidade reprodutora
alterada às suas células filhas e assim, sucessivamente, que se acumulam e formam um
tumor. Adquirem também a capacidade de se desprender deste e passam a invadir os
tecidos adjacentes por via linfática ou venosa e interagir em outro órgão à distância,
constituindo as metástases (Barros, 1998).
Uma célula normal não se transforma em maligna de um dia para o outro.
Primeiro começam a se dividir, crescem rapidamente e se acumulam (hiperplasia).
Depois sofrem pequenas mudanças, se tornando atípicas, irregulares e finalmente
malignas (Budel & Francisco, 1998;).
Normal Hiperplasia Atipia Carcinama in
situ
Carcinoma
invasivo
Figura 1. Processo de carcinogênese mamária.
Fonte: Olivotto, Gelmon & Kuusk (2001).
20
A história natural (processo de evolução) do câncer de mama apresenta uma
fase pré-clínica (período compreendido entre o aparecimento da primeira célula
maligna, a transformação de um câncer in situ em invasivo) e clínica mais longa, com
um padrão de crescimento e disseminação mais heterogêneo, possibilitando a realização
de intervenções que favoreceriam sua descoberta precocemente (Bergmann, 2000).
O câncer de mama apresenta-se como um tumor de consistência rígida, de
limites mal definidos, variando de um a vários centímetros de diâmetro de acordo com o
tempo de evolução. Observam-se também sinais como o edema (inchaço), ruga
(retração da pele), dimple (covinha, escavação), eritema, ulceração da pele, sangramento
pelo mamilo, desvio do mamilo, alteração da aréola (Franco, 1997).
Figura 2. Câncer de mama e seus sinais.
Fonte: www.infomedgrp8.famerp.br.
Enfatiza-se que nem toda alteração mamária é um câncer ou ocasionará o
seu desenvolvimento. O nódulo, principal sintoma referido pelas mulheres, é uma área
definida, de consistência variada, de limites precisos ou não, podendo ser maligno ou
benigno. Existem muitos tipos de nódulos da mama que não são de natureza neoplásica,
sendo os fibroadenomas e os cistos os mais comuns (Franco, 1997).
21
O fibroadenoma apresenta-se como um nódulo sólido, móvel à palpação, de
limites precisos e medindo de 1cm a 3cm. Surge quase sempre entre 15 e 30 anos e na
maioria das vezes é uma lesão sem potencial de malignização. No entanto, certos tipos
de câncer, denominados tumores circunscritos, podem simular um fibroadenoma sendo
prudente que estes sejam submetidos à confirmação histopatológica (Dias, Caleffi &
Silva, 1994).
Figura 3. Imagens das alterações benignas da mama.
Fonte: www.folha.uol.com.br/.../ rf2504200406.shtml.
Os cistos são nódulos de conteúdo líquido, consistência flexível, facilmente
palpados e podem atingir grande volumes. Quase sempre são múltiplos e não
representam problema clínico. Há também os microcistos que não são palpáveis, sendo
necessária à realização de uma ultra-sonografia para sua detecção (Dias, Caleffi &
Silva, 1994).
Evidencia-se ainda, dentre as alterações benignas, a mastalgia (dor
mamária), muitas vezes associada à possibilidade de gênese do câncer de mama. Esta é
cíclica e depende da ação dos hormônios ovarianos sobre a mama, tornando-a túrgida e
dolorida, principalmente no período pré-menstrual. Não é considerada uma doença e
não aumenta o risco de desenvolver câncer no futuro (Franco, 1997).
22
1.1 Fatores de risco
A etiologia do câncer de mama envolve a interação de múltiplos fatores de
risco abrangendo determinantes biológicos, psicossociais e ambientais. O fator de risco
é uma característica epidemiológica cuja presença em alguns grupos ampliaria as
possibilidades de desenvolvimento de uma doença quando comparados a grupos que
não apresentem tal característica (Malzyner et al, 2000).
Em decorrência da diversidade de fatores há uma dificuldade de se isolar
um único e avaliar a sua verdadeira contribuição, implicando na ausência de uma
relação clara entre a doença e o seu agente causador não sendo
possível definir lesões verdadeiramente precursoras do câncer
de mama, ao contrário do que ocorreu com o câncer do colo de
útero, vulva e endométrio. O estudo ideal dos fatores de risco
para o câncer de mama é difícil, pois estes estão inter-
relacionados e o isolamento de um único fator para calcular sua
real contribuição pode ser impossível (Paiva et al, 2002, p.
233).
Os principais fatores de risco associados ao câncer de mama são: sexo
feminino, avanço da idade, história familiar, menarca precoce, menopausa tardia,
história de doença mamária benigna, alta densidade mamária, exposição à radiação
ionizante em altas doses ou organoclorados e mutações nos genes BRCA1 e BRCA2
(Pinho & Coutinho, 2005).
Thuler (2003) afirma que “o simples fato de pertencer ao sexo feminino
constitui o fator de risco mais importante” (p. 228). Muito embora o número de casos de
câncer de mama esteja aumentando na população masculina, a doença é de 100 a 150
vezes mais freqüente entre as mulheres em decorrência da maior quantidade de tecido
mamário e sua exposição ao estrogênio endógeno.
23
O avanço da idade tem sido apontado também se evidenciando que
incidência dos casos aumenta logo após a menopausa e alcança seu pico aos 75 anos
(Xavier & Xavier, 1996). Destaca-se, no entanto, que a agressividade e o pior
prognóstico da doença ocorrem em pacientes jovens, que o desenvolveram antes dos 35
anos (Mendonça, Silva & Caula, 2004).
Em relação aos antecedentes familiares, afirma-se que as mulheres com
história de câncer de mama em parentes de primeiro grau (mãe, irmã ou filha)
apresentam um risco aproximadamente duas vezes maior para o seu desenvolvimento e
caso haja mais de um familiar de primeiro grau com câncer de mama na família antes da
menopausa o risco é ainda maior (Gomes, Skaba & Vieira, 2002). Todavia, afirma-se
que apenas entre 5% a 10 % das mulheres diagnosticadas têm antecedentes positivos e o
fato de existir uma história pregressa em uma mãe, não determinará obrigatoriamente o
desenvolvimento em suas filhas ou netas (Thuler, 2003).
A menarca precoce e a menopausa tardia também estão associadas ao
aumento do risco do câncer de mama em decorrência de uma maior exposição do
epitélio mamário à ação do estrogênio endógeno, principal agente estimulante da
proliferação celular mamária. Sua ação ocorre principalmente em dois períodos (janelas
biológicas): entre os dez anos de idade e a primeira gestação, época do desenvolvimento
mamário com um grande estímulo proliferativo; na época da menopausa (involução
mamária). Uma ação hormonal alterada nestes momentos poderia estimular atividades
de propagação e promoção do crescimento tumoral (Barros, 1998).
O uso de contraceptivos orais bem como da terapia de reposição hormonal
(TRH) e sua influência no aumento do risco ainda é contestável. Key, Verkasalo &
Banks (2001) afirmam que, apesar da insuficiência de estudos, existem determinados
grupos, no caso dos anticoncepcionais, que se encontram mais suscetíveis: mulheres que
24
o usaram em idade precoce, por longo período ou as que os usaram com dosagens
elevadas de estrogênio. De acordo com Tessaro (1998) as mulheres que utilizam a TRH
por menos de 5 anos não há risco de câncer de mama e as que ultrapassaram os 10 há
uma associação positiva.
Apesar do reconhecimento da existência de múltiplos fatores de risco ainda não
há como determinar quais mulheres desenvolverão ou não o câncer de mama, pois a
maioria apresenta pelo menos um destes fatores e muitas delas mais de um. Ressalta-se
ainda a ocorrência de casos em mulheres sem nenhum dos principais fatores de risco,
estando todas sob o risco do câncer de mama (Malzyner et al, 2000). Destarte, o
importante não é o conhecimento de quem irá ou não o desenvolver, mas, sobretudo, o
direcionamento das ações à sua descoberta em estágios iniciais, proporcionando assim,
sua detecção e o diagnóstico precoce.
1.2 Atenção precoce do câncer de mama
O auto-exame (AEM), o exame clínico (ECM) e a mamografia são
apontados como as principais estratégias de detecção e diagnóstico precoce do câncer de
mama, além da anamnese clínica, onde as informações acerca da história de vida e dos
antecedentes familiares contribuirão para o esclarecimento da situação que se apresenta
(Menke, Biazús, Cavalheiro & Rabin, 1998; Tubiana & Koscielny, 1999; Araújo, 2000).
A anamnese clínica consiste em uma entrevista com a paciente, onde
deverão ser investigadas queixas referentes a algum sinal ou sintoma mamário, os
antecedentes pessoais e familiares, além dos dados de identificação, que serão úteis para
garantir a busca ativa da mulher, caso haja necessidade (Ministério da Saúde, 2002).
Apesar da sua importância, por se configurar como o primeiro contato entre as mulheres
25
e os profissionais de saúde, esta continua sendo relegada a um segundo plano e
desconsiderada nas ações de rotinas voltadas à atenção do câncer de mama.
O Consenso para o Controle do Câncer de Mama (2004) preconiza que o
exame clínico (ECM) deve ser efetivado por profissionais de saúde capacitados para
realizar uma avaliação sistematizada das mamas. A sua eficiência é proporcional ao
grau de habilidade e experiência destes para detectar qualquer anormalidade, devendo
fazer parte do exame físico e ginecológico, se constituindo como um instrumento para a
solicitação de exames complementares (Borghesan et al, 2003).
Inspeção estática e dinâmica das mamas observando mudanças da pele como
dimple (covinha, escavação), descarga papilar ou qualquer diferença na
aparência entre as duas mamas.
Palpação da mama usando a palma da mão para sentir o nódulo. O profissional
inspecionará sistematicamente a mama inteira, abaixo do braço e em ambos os
lados.
Palpação das axilas.
Inspeção da aréola observando a existência de alguma secreção.
Figura 4. Exame clínico das mamas.
Fonte: www.ism.med.br/examemastologia.htm.
O auto-exame (AEM) deve ser realizado mensalmente por todas as
mulheres, 7 dias depois da menstruação quando as mamas estão mais flácidas e
indolores. Após a menopausa deve-se definir um dia e realizá-lo sempre com intervalo
26
mensal. A sua freqüência facilita a percepção de pequenos nódulos nas mamas e axilas,
secreções nos mamilos, mudança de cor da pele e retrações que deverão ser avaliadas
por um médico especialista (Borghesan et al, 2003).
Durante o banho, deslizar as mãos com os dedos unidos sobre as mamas
ensaboadas, usando a mão direita para apalpar a mama esquerda e a mão esquerda
para a direita. Procurar caroços, alterações de consistência, secreções ou
saliências.
Em frente ao espelho, observar: tamanho, posição, forma da pele, aréola e
mamilo.
Fazer o mesmo controle com os braços levantados e mantidos atrás da cabeça.
Girar o corpo lentamente para a esquerda e para a direita, observando qualquer
alteração.
Deitada, colocar uma toalha dobrada sob o ombro direito para examinar a mama
direita, invertendo o procedimento para examinar o outro lado. Apalpar toda a
mama através de suave pressão sobre a pele com movimentos circulares.
Apalpar as axilas.
Apertar o mamilo entre os dedos polegar e indicador e observar a presença de
secreção.
Figura 5. Auto-exame das mamas.
Fonte: www.ism.med.br/examemastologia.htm.
O AEM tem sido recomendado desde a década de 30 e foi incorporado às
políticas de saúde pública norte-americanas desde os anos 50. Diversos estudos têm
27
apontado que até 90% dos casos de câncer de mama são detectados pelas próprias
mulheres (Kemp, Petti, Ferraro & Elias, 2002). Porém, outras pesquisas têm assinalado
a sua ineficácia em relação à detecção precoce, pois os nódulos perceptíveis ao AEM
são descobertos em tamanhos (1,8cm a 2,0cm) que já implicarão em intervenções mais
invasivas (Zecchin, 2004).
Em entrevista à Folha de São Paulo o doutor Ézio Novais, ex-presidente da
Sociedade Brasileira de Mastologia, afirmou que há um consenso internacional de que a
mamografia é o único exame que consegue detectar precocemente o câncer da mama.
No entanto, ressaltou que o AEM continuará sendo estimulado por três razões: permitir
a detecção do câncer de mama em mulheres fora da faixa etária de risco, descobrir
outras doenças benignas da mama e, sobretudo, possibilitar às mulheres que não têm
acesso ao serviço de saúde descobrir os tumores, ainda que em fase mais avançada
(Collucci, 2004).
A mamografia é um tipo de radiografia especial, realizada em um aparelho
específico para a avaliação das mamas denominado mamógrafo. É um exame de alta
sensibilidade sendo considerado o método mais eficaz para a identificação de lesões em
estádio pré-invasivo. É empregada em duas situações: mamografia de rotina, usada em
testes de rastreamento em mulheres assintomáticas; antes do início da TRH e no
seguimento pós-mastectomia; mamografia diagnóstica, no caso de mulheres com
suspeita clínica de câncer de mama e no controle de lesões benignas (Canella, Peixoto,
Azevedo, & Giacometi, 2000).
É obrigatória em mulheres na faixa de 50 a 69 anos, devendo ser realizada
com o máximo de dois anos ou a partir dos 35 anos quando existirem casos na família.
A sua sensibilidade e especificidade diagnóstica (30% a 40% para anormalidades
impalpáveis e 85% a 90% para malignidades clinicamente evidentes) variam com a
28
idade da paciente; do tamanho e densidade da mama e localização das lesões (Godinho
& Koch, 2004).
No diagnóstico de lesões malignas em mulheres com menos de 40 anos
utiliza-se a ultra-sonografia (USG), especialmente indicada na diferenciação entre
tumores sólidos e líquidos e em processos inflamatórios. Já nas mulheres com idade
superior a 50 anos pode ser útil na avaliação de nódulos clinicamente palpáveis, mas
não verificáveis pela mamografia (Consenso para o Controle do Câncer de Mama,
2004).
A mamografia é realizada num aparelho denominado mamógrafo e consiste na
compressão das mamas entre duas placas de acrílico
É necessário tirar a roupa da cintura para cima, por isso a indicação de não ir de
vestido nem com blusas difíceis de tirar ao exame.
Como a mama é comprimida pelo mamógrafo, não é recomendado fazer o exame no
período menstrual, quando a mulher fica mais sensível à dor.
A mama é posicionada vertical e horizontalmente no aparelho.
O raio-x pode detectar alterações na mama, como nódulos, cistos e
microcalcificação.
Figura 6. Mamografia.
Fonte: http://www.cancerdemama.com.br.
29
Atualmente, no Brasil, estão sendo realizados diversos estudos acerca de um
novo exame descartável denominado BreastCare (cuidado com a mama). O teste
consiste em um par de discos com uma almofadinha de material termo-isolante, que
determinam à temperatura naquela área da mama. Segundo o Dr. Roberto Vieira,
quando um tumor na mama está se formando há um afluxo maior de sangue
aumentando assim a temperatura do seio. Se houver a constatação de alterações na
temperatura do seio, o médico deverá encaminhar a paciente para prosseguir a
investigação (Abreu, 2005).
A anamnese clínica, o exame clínico das mamas (ECM), o auto-exame
(AEM) e a mamografia se configuram como os primeiros passos na busca da detecção e
do diagnóstico do câncer de mama. Os resultados oriundos desses exames fornecerão
indicativos que precisam ser esclarecidos através de exames citológico, histológico e de
biopsia.
Posteriormente, inicia-se o processo de avaliação da extensão da neoplasia
mamária e sua tendência à progressão tumoral (estadiamento) que irá possibilitar o
planejamento do tratamento mais adequado para cada paciente. O estadiamento baseia-
se na classificação TNM
1
onde o câncer de mama evolui em estádios de I-IV crescentes
por ordem de gravidade. Portanto, quanto maior o grau pior será o prognóstico (Abreu
& Koifman, 2002).
1
Sistema TNM: (T) se refere às características do tumor primário; (N) aos linfonodos das cadeias de
drenagem linfática do órgão em que o tumor se localiza e (M) à presença ou ausência de metástases à
distância (Bergmann, 2000).
30
1.3 Formas de tratamento
Atualmente o tratamento do câncer de mama envolve a associação de
intervenções como as cirurgias, o tratamento radioterápico e as terapias sistêmicas –
quimioterapia e hormonioterapia (Kemp, Petti, Ferraro & Elias, 2002). Cada uma dessas
modalidades terapêuticas encerra benefícios e danos às mulheres acometidas pelo
câncer de mama. Bergamasco & Ângelo (1999) afirmam que estas intervenções, ao
mesmo tempo em que “tratam” a doença, também acarretam inúmeros efeitos adversos
e alterações em diferentes esferas da vida feminina.
1.3.1 Cirurgia
O tratamento cirúrgico visa principalmente controlar a doença, fazer o seu
estadiamento, orientar a terapia sistêmica e sempre que possível evitar mutilação ou
oferecer à paciente a reconstrução mamária. Existem diferentes tipos de cirurgia e sua
indicação dependerá do estadiamento clínico e do tipo histológico do tumor, dividindo-
se em conservadora, com a ressecção apenas de um segmento da mama e não-
conservadora, implicando na retirada de toda a glândula mamária (Consenso para o
Controle do Câncer de Mama, 2004).
A cirurgia não-conservadora, também denominada de mastectomia, é uma
intervenção extremamente invasiva e mutiladora com diversos desdobramentos na
imagem corporal, na sexualidade, na auto-estima e na vida da mulher como um todo.
Destacam-se dois tipos principais: a radical, também chamada de clássica, onde são
retirados os dois músculos peitorais e a radical modificada em que apenas o músculo
31
peitoral menor é retirado (Ministério da Saúde, 2002). São modalidades da cirurgia não-
conservadora:
Já a cirurgia conservadora consiste em uma intervenção mais limitada
permitindo remover o tumor primário com uma margem de tecido mamário normal em
torno da lesão. Nos estágios iniciais do carcinoma mamário (I e II) é seguida da
radioterapia visando eliminar a doença residual, apresentando resultados equivalentes ao
da cirurgia radical convencional, com o benefício de melhores resultados estéticos, em
decorrência da preservação da mama e melhor qualidade de vida da paciente (Reis et al,
2002). As principais cirurgias conservadoras são:
Mastectomia radical ou Halsted
Consiste na retirada da glândula mamária, associadas à dos músculos
peitorais e a linfadenectomia axilar;
Mastectomia radical modificada
Consiste na retirada da glândula mamária com preservação de um ou ambos
os músculos peitorais;
Mastectomia total ou simples
Consiste na retirada da glândula mamaria, incluindo o complexo areolar e
aponeurose do músculo peitoral, sendo os linfonodos axilares preservados.
Figura 7. Tipos de cirurgias não-conservadoras.
Fonte: http://www.boobboutique.com/aboutbreastcancer/surgery.html.
32
Diante dos tratamentos cirúrgicos mutiladores têm surgido nos últimos anos
várias técnicas de cirurgia plástica a fim de reconstruir a mama das mulheres
acometidas pelo câncer de mama. A reconstrução mamária além de amenizar as
repercussões psicossociais oriundas dos tratamentos agressivos incide também sobre o
próprio funcionamento corporal, pois a ausência do seio pode ocasionar desequilíbrio
postural, dores na coluna, atrofia do músculo peitoral, dentre outros (Brenelli &
Kepkke, 1998).
Mastectomia
Radical
Inserção
Do expansor
Incisão do tecido
abdominal
Transposição para
o local
Mama
reconstruída
Figura 9. Reconstrução mamária
Fonte: http://www.morehead.org/wellconnected/000606.htm
A reconstrução da mama pode ser realizada no momento da mastectomia ou
posteriormente. Existem várias técnicas e dentre as mais utilizadas estão à reconstrução
feita com um expansor de tecidos e a reconstrução através de retalhos miocutâneos. A
Tumorectomia
Consiste na remoção do tumor com margens de tecido circunjacentes de 1 cm
associada à linfadenectomia axilar e complementada pela radioterapia,
oferecendo um bom resultado estético.
Quadrantectomia
Consiste na completa remoção do quadrante da mama que contém o tumor
primário com margens cirúrgicas de tecido normal de 2 a 2,5 cm com
esvaziamento axilar e radioterapia proporciona melhores resultados em
tumores até 2 cm
Figura 8. Tipos de cirurgias conservadoras.
Fonte: http://www.boobboutique.com/aboutbreastcancer/surgery.html.
33
escolha de cada uma dessas técnicas dependerá de aspectos como as condições locais de
pele e músculos; condições das áreas doadoras (costas, abdome, locais que cederão
retalhos); forma e volume da mama oposta; forma do tórax e peso da paciente (Costa,
2003).
Evidencia-se a existência da Lei n
o
9.797 de 6 de maio de 1999 que garante
às mulheres que sofreram mutilação total ou parcial de mama o direito à cirurgia de
reconstrução mamária pelo SUS. Contudo, o que observamos nos serviços públicos de
saúde é o seu desrespeito. No Rio Grande do Norte não há a disponibilização das
próteses de silicone e nem o investimento financeiro para a realização desta cirurgia.
Após a mastectomia, a grande maioria das mulheres recebe apenas uma prótese externa
fornecida geralmente por grupos voluntários.
1.3.2 Radioterapia
Consiste na aplicação de radiações invisíveis e indolores diariamente com a
duração média de 15 minutos, variando de 10 a 40 sessões. Pode ser realizada como
tratamento neo-adjuvante (pré-cirúrgico) a fim de diminuir a lesão maligna, em
decorrência da resposta ruim a quimioterapia ou em lesões inoperáveis; como
tratamento adjuvante (pós-cirúrgico) em pacientes com alto risco de recidiva local e
após cirurgias conservadoras em tumores invasivos e in situ. Dentre os principais efeitos
colaterais, estão o cansaço, a perda de apetite e as reações da pele como o eritema, a
descamação e necrose (Reis et al, 2002).
34
1.3.3 Quimioterapia
É um tratamento sistêmico direcionado ao controle da doença à distância,
cujos medicamentos se misturam ao sangue e são levados a todas as partes do corpo
destruindo as células que estão formando o tumor e impedindo a sua disseminação.
Pode ser empregada em conjunto com a cirurgia e a radioterapia, classificando-se em:
curativa (controle completo do tumor); adjuvante (esterilizar células residuais locais ou
circulantes); neo-adjuvante (redução parcial do tumor); paliativa (melhorar a qualidade
da sobrevida do paciente). Dentre os principais efeitos colaterais destaca-se a alopecia
(queda de cabelos e outros pêlos do corpo), caquexia, diarréia, feridas na boca, placas
avermelhadas na pele, náuseas e vômitos (INCA, 2006).
1.3.4 Hormonioterapia
Consiste na utilização de hormônios que impedem o crescimento das células
tumorais. É indicada após a quimioterapia ou radioterapia por via oral, através de
comprimidos, via intramuscular ou subcutânea. Geralmente é utilizada por longos
períodos (de até 5 anos ininterruptos) e dentre os efeitos colaterais evidenciam-se:
sintomas de menopausa (como ondas de calor), pólipos endometriais, menopausa
precoce e ressecamento vaginal (Furtado, 2003).
35
1.4 Os desdobramentos psicossociais
O câncer de mama é a doença da incerteza, do medo da morte, da recidiva,
da mutilação, da dor, da rejeição, do preconceito, do isolamento. É um acontecimento
com profundas implicações sociais, psicológicas, corporais (alterações no esquema e
imagem corporal), sexuais, dentre tantas outras, que acabam provocando mudanças,
algumas vezes irreversíveis, na vida das mulheres (Wanderley, 1994; Venâncio, 2004).
A confirmação do seu diagnóstico é marcada por uma intensa mobilização
existencial para as mulheres e apesar de todos os progressos da medicina em relação aos
métodos de diagnóstico e de melhores protocolos terapêuticos este continua sendo visto
como uma “sentença de morte”.
Rossi & Santos (2003) corroboram essa idéia ao afirmar que o diagnóstico
de câncer confronta o sujeito com a questão do “imponderável, da finitude e da morte e
como toda doença potencialmente letal traz a perda do corpo saudável, a perda da
sensação de invulnerabilidade e a perda do domínio sobre a própria vida” (p.33).
Instaura-se uma nova realidade fazendo com que a paciente e seus
familiares assumam papéis que não foram escolhidos e sim impostos pela fatalidade do
adoecimento, interrompendo planos, ideais e perspectivas futuras. Nunes & Neves
(1997) confirmam essa afirmação enunciando que
em um curto período de tempo a pessoa passa a fazer toda uma
reorganização interna, preparando-se para uma nova adaptação
de vida, tendo que abandonar objetivos e metas anteriormente
traçadas para se voltar com maior dedicação à sua doença e ao
tratamento em curso. (...) a pessoa passa de gerenciador da sua
vida, onde possui o controle das ações rotineiras, a ator de um
papel dependente, tanto da sorte, dos médicos, de
medicamentos, dos familiares e dos amigos (p.353).
36
Evidenciam-se ainda situações de intenso sofrimento, tais como longas
esperas para as consultas médicas; realização de diversos exames e tratamentos
dolorosos e invasivos; adaptação às rotinas hospitalares; perda da autonomia e decisão
do que seja o melhor para si; afastamento das atividades laborais e de lazer.
Fernandes & Mamede (2003) ressaltam ainda a influência dos preconceitos
que muitas vezes levam as mulheres que estão vivenciando esta experiência ao
isolamento durante e após o tratamento afirmando “que o afastamento das pessoas
muitas vezes é decorrente de estigmas culturais e sociais arraigados no imaginário da
popular, construídos nas famílias e nas instituições, cotidianamente” (p.55).
Sant’Anna (2000) assevera que a história do câncer de mama é a história do
silêncio, de um segredo difícil de ser compartilhado, narrado, ouvido. E complementa
afirmando que “tanto no passado quanto na atualidade, encontramos significativas zonas
de sigilo quando se trata de caracterizar as formas de se lidar com esta neoplasia, ou
mesmo quando a questão é simplesmente falar sobre esta doença” (p.45).
1.5 Câncer de mama: um problema de saúde pública
O câncer de mama é considerado um grave problema de saúde pública
mundial em decorrência do aumento da sua incidência, bem como, da sua mortalidade,
além das grandes somas dispensadas para equacionar as intervenções decorrentes dos
protocolos terapêuticos (Gonçalves & Dias, 1999; Kligerman, 2000). É a segunda
neoplasia mais freqüente no mundo, e, de longe, a mais comum entre as mulheres. Sua
maior incidência foi observada na América do Norte e no Norte da Europa, sendo
intermediária no restante da Europa e na América do Sul e menor na Ásia (Paulinelli,
Júnior, Curado & Almeida e Souza, 2003).
37
De acordo com o Instituto Nacional de Câncer (INCA)
2
, a incidência do
carcinoma mamário no Brasil tem crescido vertiginosamente nas últimas décadas. A
taxa de mortalidade passou de 5,77 a 9,74 por 100.000 habitantes no espaço de tempo
compreendido entre os anos de 1979 a 2000 (Brasil, 2003).
Figura 10. Taxa bruta de mortalidade para o período de 1979 a 2000.
Fonte: Estimativas da Incidência e Mortalidade por Câncer, 2003.
A partir dos dados dos Registros de Câncer de Base Populacional de várias
cidades brasileiras o Ministério da Saúde (MS) estimou que a incidência de câncer de
mama para o ano de 2006 de 48.930, com um risco estimado de 52 casos a cada 100 mil
mulheres. Os valores encontrados no Rio Grande do Norte correspondem às estimativas
nacionais, apresentando, no ano 2006 (31.88/100.000) um dos mais elevados números
de novos casos do carcinoma mamário da região Nordeste (Brasil, 2005).
Evidencia-se também a problemática referente às somas elevadas das
intervenções terapêuticas voltadas ao câncer de mama, condicionadas ao estádio da
2
Órgão do Ministério da Saúde (MS) responsável pela coordenação das ações orientadas para a
prevenção e controle do câncer no Brasil.
38
doença no momento do diagnóstico. Segundo Will et al (2000) no Canadá, o custo
médio do tratamento deve variar de $ 23.275 para o estádio I (inicial) à $ 36.340 para o
estádio IV (mais avançado). No Brasil, em 2003, foram empreendidos pelo SUS
aproximadamente R$ 19 milhões com internações e R$ 250 milhões com atendimentos
ambulatoriais de pacientes com câncer de mama (Rodrigues, 2004).
Portanto, a adoção de estratégias direcionadas à sua atenção precoce poderia
reduzir, além da incidência, mortalidade e impactos psicossociais, o ônus financeiro das
diversas intervenções terapêuticas às quais as pacientes são submetidas. Tais ações
acabam alcançando grande importância em países cujos recursos para a saúde pública
são menores e o acesso aos tratamentos mais difíceis, como no caso do Brasil. Contudo,
assegurar essa assistência no contexto do SUS muitas vezes é só uma utopia difundida
pelos órgãos responsáveis pelas ações voltadas à essa neoplasia no nosso país.
39
2. A atenção precoce do câncer de mama no contexto do SUS
As estratégias voltadas à atenção precoce de qualquer enfermidade são
conformadas geralmente nos níveis primário e secundário de assistência à saúde.
Contudo, em relação aos serviços oncológicos direcionadas à neoplasia mamária,
observa-se ainda uma maior ênfase nas áreas de alto custo do nível terciário, nos
tratamentos especializados (intervenções cirúrgicas, radioterapia, quimioterapia), nas
medidas empregadas à cura. O que é confirmado pela não efetivação das preconizações
das políticas e programas de prevenção e pelo alto percentual de diagnósticos de
tumores avançados (Kligerman, 1998).
No caso do câncer de mama, as implicações dessa tendência são facilmente
percebidas. Analisando-se os dados relativos ao estadiamento, apresentados pelo RHC
(Registros Hospitalares de Câncer) do INCA em 1994, observou-se o alarmante
percentual de 49,3% de casos atendidos com a doença em graus avançados (III e IV).
Posteriormente, no período compreendido entre os anos de 2000 e 2001 este índice
atingiu 50% dos tumores diagnosticados nesses estádios no Brasil (Brasil, 2002; 2004).
Pinotti, Barros, Hegg & Zeferino (1995) corroboram esse panorama com um
estudo realizado em uma clínica universitária na cidade de Campinas, constatando que
90% dos casos dos tumores mamários eram diagnosticados nos estádios II e III e a sua
descoberta nos estádios pré-clínicos não ultrapassava 2,8% de todos os casos
confirmados.
Brito (2004), em uma pesquisa que analisou o prontuário de 310 pacientes
em serviços oncológicos do SUS no Rio de Janeiro, constatou que apenas 8,7% dos
casos foram detectados precocemente (estádio I). Do mesmo modo, Paulinelli et al
(2003) afirmam que entre os anos 1986 e 1990 no Centro-Oeste do Brasil 68% dos
40
casos de câncer de mama do Hospital Araújo Jorge, especializado em oncologia, foram
diagnosticados nos estádios III e IV.
A descoberta do câncer de mama em graus avançados pode ser decorrente
de toda a problemática que envolve o sistema público de saúde no Brasil. Embora o seu
desenvolvimento seja relativamente lento, o que deveria contribuir para aumentar a
possibilidade dos seus achados ainda em um momento inicial, observa-se exatamente o
contrário.
2.1 Discursos acerca da atenção precoce do câncer de mama
As primeiras ações voltadas ao câncer no Brasil remontam a década de 30 e
culminaram no desenvolvimento de uma ampla política nacional para a sua prevenção e
controle através de estratégias assistenciais em larga escala a fim de transformar a
tendência hegemônica de intervenções terapêuticas individuais em detrimento à saúde
coletiva (Kligerman, 2002).
Entretanto, somente em 1986 o Ministério da Saúde (MS) começou a
realizar ações descentralizadas a partir de convênios assinados com as secretarias
estaduais de saúde, implementando programas nas áreas de informação (registros de
câncer), prevenção (controle do tabagismo e do câncer do colo uterino) e educação em
oncologia (Kligerman, 2002).
No final dos anos 90 a Secretaria de Políticas de Saúde (SPS) reuniu um
grupo de especialistas de diversas instituições e estes realizaram uma análise da situação
do câncer no Brasil a partir de dados epidemiológicos e das experiências de quem
trabalhava nesta área há muitos anos. Nesse encontro foi edificada a Política Nacional
41
de Prevenção e Controle do Câncer (PNPCC) que procurou estabelecer, em âmbito
nacional
ações de prevenção do câncer visando à promoção da saúde do
povo brasileiro; detectar precocemente os cânceres para
aumentar a probabilidade de cura e melhorar a qualidade de
vida dos(as) doentes; consolidar e expandir os serviços de
assistência oncológica eqüitativamente em todo o país;
promover o desenvolvimento de recursos humanos, de estudos,
pesquisas indispensáveis à qualidade desejada de serviços e
ações de prevenção e controle do câncer (Kligerman, 2002,
p.05).
Entretanto, tais pressupostos de igualdade, acesso ao atendimento integral e
de qualidade, o treinamento de recursos humanos, bem como, a disponibilidade dos
serviços ainda estão distantes do cenário real vivenciado pela maioria da população
brasileira, especialmente a de baixa renda e usuária do SUS (Kligerman, 2002).
A PNPCC estava voltada às neoplasias em geral. Somente em 1998 foi
lançado o Programa Viva Mulher, cujas ações e preconizações estavam direcionadas
tanto ao câncer de mama quanto ao de colo uterino. Em relação ao carcinoma mamário,
as medidas visavam à detecção precoce das lesões malignas em mulheres assintomáticas
a partir do:
Rastreamento anual, por meio do exame clínico da mama para todas as
mulheres, independente da faixa etária. Este procedimento é considerado
parte do atendimento integral à saúde da mulher e deve ser realizado em
todas as consultas;
Rastreamento por mamografia para as mulheres com idade entre 50 a 69
anos, com o máximo de dois anos entre os exames;
Mamografia anual, a partir dos 35 anos, para as mulheres pertencentes a
grupos populacionais de risco (mulheres com histórico familiar de pelo
42
menos um parente de primeiro grau; com câncer de mama bilateral ou câncer
de ovário em qualquer faixa etária; com diagnóstico de lesão mamária com
atipia ou neoplasia lobular in situ);
Garantia de acesso ao diagnóstico, tratamento e seguimento para todas as
mulheres com alterações nos exames realizados.
Em 2003 foi formulado um documento voltado exclusivamente ao câncer de
mama denominado Consenso de Controle do Câncer de Mama. Mais uma vez, diversos
profissionais procuraram instituir um conjunto de estratégias referentes “à prevenção,
detecção precoce, diagnóstico, tratamento e cuidados paliativos para serem
implementadas pelo Sistema Único de Saúde” (Consenso para o Controle do Câncer de
Mama, 2004, p.05). Dentre as inúmeras recomendações destacam-se:
Estimular, mediante ações educativas nos meios de comunicação, o exame
clínico da mama realizado pelo profissional de saúde, bem como o exame
das mamas realizado pela própria mulher como estratégia de cuidado com o
próprio corpo;
Implantar o rastreamento mamográfico no país, com garantia do diagnóstico,
tratamento em tempo hábil e seguimento das mulheres com alterações
mamárias;
Desenvolver uma política de capacitação dos profissionais em todos os
níveis de complexidade da atenção ao câncer de mama buscando inserir
conteúdos sobre câncer de mama nos diversos níveis de formação
profissional (médio e superior);
Realizar estudos de avaliação econômica visando à incorporação racional,
pelo SUS, de novas tecnologias na área de tratamento de câncer.
43
Observa-se que no contexto da saúde pública no Brasil, as estratégias
preconizadas por estes programas, onde há incentivo à atenção precoce do câncer de
mama através de consultas rotineiras à médicos especialistas, realização do auto-exame,
do exame clínico das mamas e de mamografias, estão ainda distantes de serem
efetuadas.
A maioria desses programas desconsidera os determinantes sócio-
estruturais, as marcantes desigualdades econômicas e sociais existentes no contexto de
saúde público brasileiro, vislumbradas, por exemplo, na concentração de pólos
tecnológicos avançadíssimos no eixo sul-sudeste e a inexistência ou insuficiência de
centros especializados em outras partes do Brasil.
Kligerman (2002) aponta que todas essas diferenças acabam implicando em
grandes distorções na assistência às pessoas, quer seja no tocante às práticas
“preventivas”, aos tratamentos e às ações de continuidade e reabilitadoras. Infere-se que
este panorama talvez não se restrinja ao cuidado do câncer de mama, podendo ser
ampliado às outras enfermidades no sistema publico de saúde no nosso país.
Brito (2004), em uma pesquisa realizada acerca da avaliação dos
tratamentos empregados ao câncer de mama no contexto do SUS no Rio Janeiro,
encontrou grandes divergências nos serviços prestados às usuárias, principalmente
quando estas não estavam cobertas pelos planos de saúde privados.
Constatou que o grupo dos estadiamentos com melhores prognósticos (I e
II) foi maior para as mulheres com planos de saúde (70,6%) em comparação com as que
foram atendidas pelo SUS (43,9%), diagnosticadas em estádios avançados da neoplasia,
quando a possibilidade de cura não é mais viável. Observou-se também que a utilização
da hormonioterapia como seguimento foi maior entre as pacientes com plano de saúde
do que entre as usuárias do SUS, que ainda por cima foram as que menos tiveram os
44
receptores hormonais investigados (Brito, 2004). Ressalta-se que a pesquisa dos
receptores hormonais é recomendada para todas as pacientes que tiveram a confirmação
do diagnóstico do câncer de mama pela Associação Médica Brasileira e pelo Conselho
Federal de Medicina (Brito, 2004).
Sclowitz, Menezes, Gigante & Tessaro (2005) corroboram essa situação ao
mostrar que o nível socioeconômico é um dos fatores determinantes da maior ou menor
realização das condutas preventivas para o câncer de mama afirmando que
“a associação
entre ambos é diretamente proporcional, quanto maior o nível socioeconômico, maior o
número de consultas e, conseqüentemente, mais exames são realizados” (p.348).
Assim, apesar de toda a retórica voltada à detecção e diagnóstico em
estágios iniciais, observa-se ainda uma longa distância entre os discursos “politicamente
corretos” e as intervenções de saúde no cotidiano das instituições. Como já evidenciado
anteriormente, a atenção precoce do câncer de mama representa um grande desafio à
saúde pública.
Marchi (2004) afirma que não existe sociedade sem câncer e que enquanto
não pudermos oferecer às mulheres brasileiras a possibilidade de detecção precoce do
câncer de mama, de maneira igualitária, independentemente de sua posição
socioeconômica “conviveremos com uma realidade inaceitável” (p.49). Procurar-se-á
neste estudo gerar espaços de reflexão entre os profissionais do PSF, possibilitando que
estes, cientes dessa situação, (re) pensem suas práticas e encontrem alternativas
possíveis para tentar retificar tamanha distorção, propiciando a melhoria da qualidade
dos serviços prestados às usuárias da UMFC e do sistema público de saúde como um
todo.
45
3. O Programa de Saúde da Família (PSF) e a atenção precoce do câncer de
mama
O Programa Saúde da Família (PSF) foi formulado pelo Ministério da Saúde
do Brasil (MS) no ano de 1994 e no final do ano de 2005 já haviam sido implantadas
24.600 equipes de saúde da família responsáveis pela cobertura de 78,6 milhões de
pessoas em 4.968 municípios brasileiros. As equipes do PSF são constituídas
basicamente pelo médico(a) generalista ou de família, enfermeiro(a), auxiliar de
enfermagem e agentes comunitários de saúde (Ministério da Saúde, 2005).
Vários autores têm apontado que a proposta do PSF se configura como um
grande desafio ao sistema de saúde, na medida em que almeja romper com o modelo
assistencial hegemônico instaurando um novo paradigma de atenção à saúde. Contudo,
o que é observado no cotidiano da saúde pública é ainda a presença profunda do modelo
biomédico orientando tanto a formação dos profissionais quanto suas práticas (Ribeiro,
Pires & Blank, 2004).
O modelo biomédico foi edificado no cartesianismo, cuja premissa
fundamental está direcionada à divisão entre corpo e mente, constituindo-se como o
alicerce da moderna medicina científica. Instituiu um paradigma de atenção à saúde
circunscrito apenas e tão somente aos fatores biológicos, desconsiderando a
complexidade de aspectos psicológicos, culturais, ambientais e físicos envolvidos nos
processos de saúde e doença.
Deste modo, os profissionais de saúde ainda continuam a direcionar suas
intervenções apenas ao órgão doente, afastando-se das pessoas e distanciando-se
progressivamente da sua “história de vida, das emoções, dos sentimentos e das
46
condições sociais que traduzem as possibilidades distintas do adoecer e de manter a
saúde” (Brasil, 2005, p.57).
Zechin (2004) complementa essa afirmação ao enunciar que “o corpo que
abriga e desenvolve a doença é uma superfície que não cruza e não deve deixar-se
cruzar, aos olhos do médico, pelo corpo que conta uma história” (p.50) e que o “doente
não passa de um porta-voz dos signos da doença, o intermediário obrigatório entre o
médico e a doença” (p.52).
Illich (1995) corrobora essa afirmação enunciando que essa exclusão
continua sendo uma prática dominante no contexto da saúde, voltada apenas à cura das
doenças e aos aspectos anatomo-fisiológicos dos processos de saúde-doença e
complementa afirmando que
além da geração infinita de novas necessidades a serem
satisfeitas exclusivamente por uma mediação técnica complexa
e custosa e da conseqüente tecnificação do atendimento a
serviço do capital industrial, outra conseqüência do positivismo
mecanicista na biomedicina estaria na focalização da saúde-
doença sempre no nível individual de responsabilização e de
intervenção. Isso tem a ver com o fato de que um olhar
fragmentado e intervencionista deixa pouco espaço para a
compreensão do contexto onde se desenrolam, no mundo
vivido, os processos saúde-doença (p.117).
Ressalta-se ainda que esse modelo é sustentado e passa a reproduzir as
relações capitalistas oriundas da ideologia neoliberal e como resultado o trabalho em
saúde acaba assumindo características dessa lógica de organização e gestão do trabalho.
Ribeiro, Pires & Blank, 2004 corroboram essa afirmação enunciando que
o modelo assistencial, vigente nos serviços de saúde, guia-se
pela ótica hegemônica neoliberal e, na prática, essa visão acaba
definindo a missão dos serviços e as conformações
tecnológicas, atendendo a interesses poderosos, considerados
legítimos (p.440).
47
Conseqüentemente, observam-se cada vez mais processos de trabalho em
saúde baseados no consumo de consultas médicas, de procedimentos técnicos, exames e
medicamentos; na oferta de uma atenção especializada e compartimentalizada; na
ênfase das intervenções hospitalares com tratamentos cada vez mais longos, dolorosos e
dispendiosos, aumentando ainda mais as restrições impostas às pessoas e, sobretudo, da
perda da visão integral de quem necessita de cuidados de saúde (Campos, 1997;
Ribeiro, Pires & Blank, 2004; Brasil, 2005).
Em relação ao PSF, observa-se a realização de um trabalho que continua,
muitas vezes, não priorizando as ações de promoção à saúde e prevenção de doenças.
Soares (2000) aponta também outros aspectos que acabam contribuindo para o
distanciamento entre os pressupostos do programa e o cotidiano institucional, limitando
o atendimento dado por esta estratégia “a uma simples porta de entrada sem saída” (p.
442), como a imposição vertical de ações pelo Ministério da Saúde sem espaços de
discussão entre os profissionais de saúde envolvidos na sua implementação;
desconsideração das iniqüidades e heterogeneidades dos municípios em relação à oferta
de serviços de saúde; insuficiência de treinamentos e capacitação dos profissionais;
ausência de uma organização regional que possa garantir realmente o acesso universal a
todos os níveis de atenção.
Traverso-Yépez (2005) corrobora essa idéia ao afirmar que a maioria dos
profissionais – quer seja em decorrência das limitações de tempo, de espaço, da falta de
formação, disposição ou simplesmente pela ditadura da rotina – buscam apenas a
confirmação do diagnóstico e do tratamento a ser realizado, desconsiderando o caráter
multifacetado dos processos de saúde-doença.
Partiu-se então da premissa cuja compreensão das ações dos profissionais do
PSF em relação à atenção precoce do câncer de mama no contexto da UMFC não pode
48
ser alcançada simplesmente descrevendo as atividades destes, como se estas fossem
conseqüências apenas de suas preferências individuais ou modos peculiares de atender
os pacientes. Ao contrário, estas precisam ser concebidas a partir de uma série de
relações institucionais que as estão perpassando (Campbell & Gregor, 2002).
Nesse sentido, a Psicologia Social crítica se configura como um instrumento
de reflexão acerca da complexa rede de interdependências que estão perpassando
qualquer prática social. Possibilita também um olhar aprofundando acerca da dimensão
subjetiva das práticas de saúde e das vivências dos trabalhadores e usuários, re-
atualizando constantemente a relação entre saúde, condições de vida e os aspectos
próprios do universo simbólico que perpassam o contexto social onde tais práticas se
desenvolvem (Traverso-Yépez, 2005).
49
4. O percurso metodológico
Na escolha de um determinado método de pesquisa está imbricado
concepções de mundo, de homem e de formas de produzir conhecimento. Goldenberg
(2002) afirma que não há uma única técnica ou um único meio válido para o alcance das
informações em uma pesquisa. Assim, a escolha do referencial teórico-metodológico
está diretamente vinculada às questões e ao problema de pesquisa, onde o próprio
processo de investigação qualificará as estratégias e os procedimentos necessários às
questões que se deseja responder.
A pesquisa qualitativa, a partir de seu referencial teórico e epistemológico,
fundamenta-se em pressupostos distintos do paradigma positivista de produção do
conhecimento cuja primazia está na busca da neutralidade, da objetividade, do controle
e de uma verdade única e acabada. Prioriza-se, em contrapartida, a atividade
diferenciada do indivíduo, irredutível a padrões universalizantes, imersa em
significações, interações e entrecortada pelo contexto histórico, cultural e social
(González-Rey, 2002).
O foco desta investigação centrou-se nos processos de trabalho dos
profissionais das equipes do Programa de Saúde da Família (PSF) na Unidade Mista de
Felipe Camarão (UMFC) em relação à atenção precoce do câncer de mama e a forma
como estes estavam sendo socialmente e institucionalmente conformados. Nessa
perspectiva utilizou-se a Etnografia Institucional (EI) como um instrumento de reflexão
acerca das práticas em saúde, procurando compreender que as ações das pessoas
precisam ser situadas em uma complexa teia de práticas institucionais, ocorrendo
sempre em um determinado contexto, em um determinado tempo e espaço (Traverso-
Yépez, 2005).
50
Voltou-se o olhar ao mundo cotidiano e como este é moldado por relações
sociais, econômicas e institucionais e como também este pode ser controlado por forças
externas, que estão acontecendo além do contexto local (translocais) e que definem e
institucionalizam formas de ação em diferentes espaços e áreas de saber (De Vault &
McCoy, 2002).
Um aspecto importante dessa perspectiva metodológica é a compreensão
que o mundo social pode ser considerado como um “texto”, ou seja, os costumes, os
usos sociais corriqueiros ou qualquer tipo de prática, quer sejam lingüísticas ou não são
passíveis de “leituras” por parte do observador/pesquisador. Qualquer que seja o texto
ou o processo textual, estes são analisados como caminhos que mediam as relações
institucionais e organizam o que pode ser dito e feito (Campbell & Gregor,2002; De
Vault & McCoy, 2002).
Tais premissas encontram-se em consonância com a Psicologia Social
crítica na medida em que esta é considerada como ferramenta de estudo e reflexão sobre
as formas de ação e intervenção em saúde, perpassadas pelas racionalidades e
materialidades institucionais, direcionando-se o foco na forma como os textos
coordenam as ações e práticas no contexto da saúde pública (Traverso-Yepez, 2005).
Considera-se, então, que tanto o processo de pesquisa quanto o trabalho em
saúde estão inseridos em uma dinâmica dialógica e relacional marcada pelo encontro
entre os diversos atores envolvidos que trazem consigo experiências de vida, saberes,
valores e concepções de mundo que acabam gerando formas de ação e posicionamentos
na vida em sociedade.
51
4.1 Participantes e estratégias para a obtenção e análise das informações
Participaram desta investigação, voluntariamente, os profissionais do PSF
que dentro da sua área de cobertura já haviam acompanhado mulheres que vivenciaram
ou estavam vivenciando a experiência de adoecimento pelo câncer de mama, totalizando
onze participantes (sete mulheres e quatro homens). Destes, oito trabalham na UMFC
desde a implementação do PSF, enquanto um está no programa apenas há um ano; e os
outros dois, respectivamente, estão há seis anos e há quatro anos.
Participantes Profissão Idade Tempo na UMFC
A Médico (a) 48 1 a
B Auxiliar de enfermagem 42 6 a
C Agente comunitário de saúde 46 6 a
D Agente comunitário de saúde 38 6 a
E Agente comunitário de saúde 38 6 a
F Agente comunitário de saúde 25 c
G Enfermeiro (a) 42 11 a ( 6 a no PSF)
H Enfermeiro (a) 46 6 a (4 a no PSF)
I Médico (a) 60 6 a
J Enfermeiro (a) 43 6 a
L Médico (a) 42 6 a
Utilizou-se a entrevista semi-estruturada, realizada individualmente com os
profissionais, possibilitando um amplo espaço para estes se expressarem acerca de
diversas questões. As entrevistas abordaram, em linhas gerais, os seguintes eixos
temáticos: 1) questões sócio-demográficas; 2) práticas e ações cotidianas dos
profissionais da UMFC em relação à neoplasia mamária; 3) relação entre os discursos
oficiais acerca da atenção precoce e a realidade vivenciada no contexto da saúde
pública; 4) conhecimento das experiências das usuárias da UMFC, a partir das vivências
dos profissionais do PSF desta unidade; 5)identificação das ações passíveis de serem
empreendidas pelos profissionais.
52
As entrevistas, de acordo com a perspectiva da etnografia institucional, são
compreendidas como um processo reflexivo, onde tanto os entrevistados quanto os
entrevistadores constroem os conhecimentos conjuntamente. Ressalta-se ainda a
importância de estarmos atentos, na sua condução, não apenas à coleta dos dados, mas
também, a possibilidade de instaurar-se um espaço onde poder-se-ia compartilhar idéias
e insights com os participantes (De Vault & McCoy, 2002).
É um processo dialógico que implica tanto o pesquisador quanto os
participantes, ambos empreendendo uma postura ativa diante do conhecimento que está
sendo produzido. De Vault & McCoy (2002) apontam que melhor seria descrevê-las
como conversas com as pessoas as quais o pesquisador pode solicitar “explicações
sobre o que está fazendo, o porquê foi feito assim, o que ele pensa sobre isso, etc”
(p.756).
A investigação foi direcionada às práticas de trabalho dos profissionais que
ocupam funções chaves, tais como enfermeiras, médicos, agentes de saúde, auxiliares
de enfermagem, pois estes são
o elo entre os usuários e os discursos normatizadores e quando
entrevistados são como atores intermediários no complexo
institucional. Como eles são treinados para usar os conceitos e
categorias que os pesquisados querem desvelar e estão
acostumados a falar a partir do discurso normatizador, o
entrevistador deve procurar ir além da linguagem institucional
para ver “o que realmente acontece”. Nos estudos focados em
mudanças é importante questionar não apenas como o sistema
opera, mas também como poderia ser organizado diferente. As
pessoas raramente são questionadas sobre mudanças e formas
de realizá-las e assim isso poderia trazer muitas
reflexões/contribuições importantes (De Vault & McCoy ,
2002, p.760).
As transcrições textuais das entrevistas foram realizadas pela própria
pesquisadora e o processo de análise contemplou as seguintes etapas:
53
Realizou-se uma leitura flutuante das transcrições levando-se em
consideração as anotações empreendidas pelo entrevistador sobre o
contexto da entrevista (onde foi feita, como o assunto foi introduzido, o
que ocorreu antes do gravador ser ligado...) a fim de possibilitar uma
compreensão inicial da conformação da situação dialógica e do uso que
estava sendo feito pelos entrevistados do espaço de entrevista;
Organizou-se posteriormente o material a ser analisado buscando
apreender, a partir dos “textos” os processos institucionais que estavam
modelando/conformando o cotidiano de trabalho e as experiências dos
profissionais de saúde;
Efetuaram-se diversas leituras das informações obtidas, buscando um
aprofundamento acerca da forma como as pessoas descrevem suas práticas
e processos de trabalho percebendo como a dinâmica institucional está
perpassando-os, definindo, posteriormente os núcleos temáticos de
significação orientados pelas questões mais significativas;
Buscou-se estabelecer articulações entre o conteúdo expresso pelos
participantes da pesquisa e o referencial teórico da investigação, visando
responder às indagações referendadas nos objetivos, sem perder de vista a
complexidade do fenômeno estudado.
4.2 Contextualizando a pesquisa
O bairro de Felipe Camarão, definido como tal, teve sua institucionalização
decretada pela lei municipal n˚ 1760 de 1968. Está localizado na Zona Oeste de Natal
com uma área de 663,4 ha correspondente a 4,5% da área do município de Natal.
54
Limita-se ao norte com o rio Potengi, ao sul com o conjunto Guarapes, ao leste com o
bairro de Cidade da Esperança e a oeste com o bairro de Cidade Nova(Cavalcante &
Lima, 1995).
Figura 11. Mapa da cidade de Natal-RN indicando o bairro de Felipe Camarão (sem escala).
Fonte:http://www.natal.rn.gov.br/semurb/bairros/oeste/felipe_camarao.php.
De acordo com o censo do IBGE de 2000 a população é de 45.907
habitantes, configurando-se como o bairro de maior índice populacional do Distrito
Oeste, bem como, um dos quatro com a maior população de Natal. Apresenta grandes
desigualdades socioeconômicas expressas na precária infra-estrutura de moradia,
transporte, educação, saúde, de falta de saneamento básico e tratamento domiciliar de
água, principalmente nas favelas, além do desemprego, da violência e do consumo de
drogas (Cavalcante & Lima, 1995).
Os centros de saúde existentes no bairro (Unidade Mista, Unidade Básica de
Saúde e Unidade III) estão voltados, em sua maioria, ao nível de atenção primária da
saúde e muitas vezes não atendem a demanda da população. Observa-se que em
algumas instituições ainda faltam profissionais de saúde e contam com instalações e
equipamentos precários para o atendimento da população (Cavalcante & Lima, 1995).
55
A Unidade Mista de Felipe Camarão (UMFC) foi construída pela população
local em 1976, em regime de mutirão, com recursos do governo dos Estados Unidos
angariados por iniciativa de Mary Ann, uma enfermeira norte-americana que trabalhou
com a população carente da cidade de Natal-RN. Funcionou inicialmente, em 1979,
como um posto de saúde conveniado à Secretaria de Saúde do Estado, em cumprimento
à promessa de campanha do então governador Lavoisier Maia. Na gestão seguinte foi
ampliada com a construção da maternidade em um terreno cedido pela comunidade em
troca de uma reforma na sede do Conselho Comunitário de Felipe Camarão (Cavalcante
& Lima, 1995).
A
A UMFC é a maior das três unidades existentes no bairro de Felipe
Camarão. É uma instituição de referência na saúde da mulher, funcionando com o
serviço ambulatorial e centro obstétrico. Incluída no PSF, recebeu em maio de 1999 as
seis primeiras equipes constituídas por 01 médico (a), 01 enfermeira (o), 01 auxiliar de
enfermagem e 05 agentes comunitários de saúde. Destaca-se ainda que a UMFC
recebeu, em maio de 2001, o título de Hospital Amigo da Criança pelo trabalho de
incentivo ao aleitamento materno do UNICEF.
Atualmente as seis equipes de saúde do PFS assistem a uma população de
18.170 pessoas distribuídas em 4.800 famílias. Os serviços oferecidos são organizados
através do agendamento de consultas realizados pela própria pessoa ou pelo agente
Figura 12. Imagens da UMFC.
Fonte: Acervo pessoal da autora.
56
comunitário de saúde, de acordo com a necessidade e demanda da população coberta.
Ressalta-se que todas às sextas feiras não há o atendimento ao público em decorrência
da realização de reuniões das equipes a fim de discutirem os problemas enfrentados,
bem como, o planejamento de novas estratégias de ação frente à comunidade.
4.3 O caminho percorrido
Antes de iniciar a coleta das informações, o projeto de pesquisa foi
submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte-UFRN conforme os critérios e exigências estabelecidos pela Resolução nº
196/96do Conselho Nacional de Saúde (CNS), bem como a Resolução nº 016/2000 do
Conselho Federal de Psicologia (CFP), sendo aprovada a sua realização.
Realizou-se um primeiro contato com o diretor provisório da UMFC, via
telefone, explicitando a proposta da pesquisa, esboçando rapidamente os seus objetivos
em um diálogo mais informal. Logo em seguida efetuou-se uma visita a fim de
apresentar o projeto, bem como a pesquisadora, além da aproximação inicial com o
campo de investigação.
Com a assunção da nova diretora mais uma vez empreendeu-se uma visita à
unidade passando às suas mãos uma cópia do projeto de pesquisa. Em todos esses
encontros sempre fui bem recebida e os profissionais da UMFC demonstraram, desde o
início, interesse pela investigação sempre ressaltando a importância de sua realização
para a instituição.
Agendou-se, então, o contato com os profissionais para a apresentação do
projeto pela pesquisadora e sua orientadora, o que ocorreu na semana posterior, na
reunião de planejamento da UMFC. Observou-se que neste momento já se instaurou um
57
espaço de reflexão, pois logo que compartilharmos as informações estes logo
começaram a comentar os objetivos (já que alguns tinham tido acesso ao projeto e
efetuado uma leitura anterior) falando também de suas experiências, dos obstáculos
enfrentados, enfim, foi um momento muito rico de troca de vivências e posicionamentos
acercas das suas práticas em relação ao câncer de mama.
Todos os encontros foram realizados na unidade, algumas vezes nos
consultórios médicos, outras na sala do preventivo, outras na sala de vacinação, no
espaço de reunião dos agentes de saúde, nos bancos da unidade, enfim, em virtude da
precariedade da infra-estrutura da unidade não havia um lugar definido para a realização
das entrevistas. Contudo, destaca-se que apesar de alguns desses locais não oferecerem
as “condições ideais” de um setting de entrevista, não houve ocorrências que
comprometessem os nossos encontros, salientando-se o barulho, que em algumas vezes
acabou dificultando a sua transcrição.
A cada encontro a pesquisadora apresentava-se novamente explicitando os
objetivos da entrevista e ressaltando também a existência de um Termo de
Consentimento, conforme os critérios estabelecidos pelo Comitê de Ética em Pesquisa
(ver apêndice A), cuja assinatura dos participantes fazia-se necessária à consecução de
pesquisa. Evidencia-se que todos os participantes preferiram ler o termo e as dúvidas
que emergiram foram esclarecidas pela pesquisadora, que procurou sempre deixar claro
o aspecto do anonimato dos participantes, das informações obtidas, bem como da
autonomia para decidir acerca de sua participação ou não da pesquisa.
Utilizou-se o gravador, com o prévio consentimento de todos os
participantes, para o registro das entrevistas. Observou-se, que apesar da concordância
quanto à utilização deste instrumento, alguns profissionais se sentiram envergonhados
no início, situação esta que foi se normalizando no transcorrer da entrevista.
58
As entrevistas foram realizadas abordando questões relativas ao tema
pesquisado, mas também permitiram aos participantes sua livre expressão acerca do
tema, fazendo uma recondução ao foco, quando necessário. Percebeu-se assim, que para
alguns o encontro foi um momento para expressar as dificuldades enfrentadas no
cotidiano de trabalho, não pertinentes ao nosso objeto de estudo, mas envolvendo
sentimentos e frustrações diante da realidade da saúde pública, suas experiências
pessoais, enfim, questões que muitas vezes estes não têm oportunidade e nem espaço de
compartilhar no dia-a-dia.
59
5. Mapeando os discursos e as práticas dos profissionais de saúde do PSF da
UMFC em relação à atenção precoce do câncer de mama
Este capítulo corresponde à análise e a discussão das informações obtidas no
decorrer desta pesquisa. Reafirma-se que o olhar foi direcionado à apreensão de como
os processos institucionais poderiam estar conformando o cotidiano de trabalho e as
experiências dos profissionais de saúde do PSF da UMFC em relação à atenção precoce
do câncer de mama.
Procurou-se em todo o texto efetuar articulações entre o conteúdo expresso
pelos participantes da pesquisa e o referencial teórico da investigação, visando
responder às indagações referendadas nos objetivos, sem perder de vista a complexidade
do fenômeno estudado. Portanto, como resultado desse exaustivo processo de imersão
em todo o material trabalhado, foram definidos quatro núcleos principais, a saber:
5.1 Da difícil facilidade: da expressão das políticas aos
empecilhos nas práticas cotidianas;
5.2 Da fácil dificuldade: mais em empecilhos nas práticas
cotidianas;
5.3 Caminhos e descaminhos na atenção precoce do câncer
de mama: as conseqüências das “idas e vindas”;
5.4 Facilitando processos de ressignificação: possibilidades
de transformação;
Definiram-se ainda os subnúcleos de informações relacionados aos eixos
temáticos principais, mapeados na tabela abaixo:
60
MAPA I
Da difícil
facilidade: da
expressão das
políticas aos
empecilhos nas
práticas cotidianas
Da fácil
dificuldade: mais
empecilhos nas
práticas cotidianas
Caminhos e
descaminhos na
atenção precoce do
câncer de mama:
as conseqüências
das “idas e vindas”
Possibilidades de
transformação
- Pouca
familiaridade com os
discursos oficiais;
- Como é referida,
na prática, a política
de atenção precoce
do câncer de mama;
- Ênfase nas
campanhas sem
garantir a retaguarda
dos serviços
- Como a atenção
precoce é dificultada
pela estruturação do
serviço: empecilhos
destacados:
- Limitados
conhecimentos e
falta de treinamento;
- A
problemática das
referências e contra-
referências;
- Dificuldades
de acesso aos
exames específicos;
- Câncer de mama
ainda não é uma
prioridade nas
discussões e práticas
dos profissionais;
- O cotidiano
institucional
influenciado pela
infra-estrutura
precária dos
serviços;
- O excesso de
outras demandas;
- Como as ações de
prevenção e
promoção da saúde
são deixadas de
lado;
- A sensação de
descaso por parte
dos gestores;
- Os descaminhos
que levam ao
diagnóstico tardio;
- Os caminhos que
levam ao
diagnóstico precoce;
- Descumprimento
dos direitos
- A dupla
interrogação: o que
deveria e o que
poderia ser feito;
- O que deveria...
- O que poderia...
61
5.1 Da difícil facilidade: da expressão das políticas aos empecilhos nas práticas
cotidianas
Foram agrupados neste núcleo temático os segmentos de fala que expressam
a longa distância entre as preconizações dos documentos oficiais voltados à atenção
precoce da neoplasia mamária e o cotidiano institucional de uma unidade de saúde
pública de Natal.
A expressão “da fácil dificuldade” nos remete à retórica da grande maioria
dos discursos oficiais em relação a essa temática, onde é ressaltada a suposta facilidade
da efetivação das ações dos profissionais em relação à atenção precoce da neoplasia
mamária, desconsiderando-se, entretanto, toda a rede de interdependências sócio-
estruturais que estão conformando e perpassando suas práticas cotidianas, bem como os
posicionamentos e processos de significação de todos os atores sociais envolvidos.
5.1.1 Pouca familiaridade com os discursos oficiais
Como já destacado anteriormente, as estratégias preconizadas pelas políticas
de prevenção do câncer de mama estão, em sua grande maioria, distantes do cotidiano
do SUS. No contexto da UMFC, apesar do recebimento dos principais documentos
oficiais, observou-se a pouca familiaridade dos profissionais em relação aos seus
pressupostos teóricos e suas implicações práticas como apontam essas participantes:
A gente recebeu, né, todos nos recebemos é... O consenso, o
consenso de mama. Aí uma pessoa, acho que chegou aí e
distribuiu, eu tenho esse consenso sabe, de 2004. Esse ano que a
gente recebeu. Alguém entregou, acho que foi alguém que
recebeu ou a Secretaria mandou, eu não sei bem (A, médica).
62
Nós temos o manual do Ministério da Saúde, não sei se você já
leu, o Consenso de Saúde da Mulher. Então aí fala que é pra
fazer o exame de mama, não sei quê, estimular o auto-exame e
nos treinamentos de saúde reprodutiva a gente sempre tem um
horário que fala sobre o câncer de mama, para estimular o
auto-exame e para realizar o exame nas pacientes (L, médica).
Percebeu-se então que poderia até haver a informação acerca destes, mas
ainda não haviam sido possibilitados e instaurados espaços reflexão na UMFC que
viabilizassem um repensar das práticas dos profissionais dessa instituição, favorecendo
uma possível mudança de suas ações e discursos acerca da atenção precoce do câncer de
mama. Acredita-se que só uma dinâmica de reflexão permanente sobre as diferentes
tarefas envolvidas no trabalho em saúde, possibilitaria a emergência de possibilidades
de reorientação das práticas cotidianas (Traverso-Yépez, 2002).
5.1.2 Como é referida, na prática, a política de atenção precoce do câncer de mama
Os relatos dos profissionais apontaram para o distanciamento entre as
preconizações e os discursos “politicamente corretos” pregado pelos órgãos
responsáveis pelas ações orientadas ao câncer de mama no Brasil e o cotidiano
institucional concreto de uma unidade de saúde aqui no Nordeste:
Eu acho que o discurso é um e a realidade é outra. O discurso é
politicamente correto, está tudo funcionando perfeitamente, que
o pessoal tá pronto pra atender e manda pras unidade e
pápápápá e a realidade não é essa. A realidade não é essa
[ênfase] (I, médico).
Eu vejo um descaso em relação a isso, a... A uma melhor
atenção. A gente vai para seminário de câncer de mama e
preventivo, a gente vê tudo como é pra ser, tudo bonito, aí dá
aquele estímulo, mas quando a gente senta vê que não é isso que
está acontecendo, que na realidade não é isso que está
acontecendo (G, enfermeira).
63
Portanto, há que considerar a premissa de que as práticas em saúde precisam
ser conformadas a partir do o cotidiano de trabalho desses profissionais de saúde,
reconhecendo e, sobretudo, refletindo sobre os determinantes sócio-estruturais e as
marcantes iniqüidades presentes no sistema de saúde brasileiro e que estão perpassando
diretamente tais ações.
5.1.3 Ênfase nas campanhas sem garantir a retaguarda dos serviços
As campanhas, assim como os documentos oficiais preconizam o incentivo
à atenção precoce do câncer de mama através de consultas rotineiras à médicos
especialistas, realização do auto-exame, do exame clínico das mamas e de mamografias.
Contudo desconsideram a dinâmica dos serviços oncológicos no contexto do sistema
publico de saúde, entrecortado, sobretudo, pela insuficiência e demora tanto de
referências quanto dos exames específicos.
Segundo alguns profissionais, as campanhas acabam gerando uma grande
demanda de mulheres pelos serviços que possibilitem a investigação de algum achado,
bem como a prevenção da doença, sem garantir, no entanto, a retaguarda de serviços e
de uma estrutura de suporte que possibilitam a efetivação dessas ações:
[silêncio e suspiro]. O problema é que esses programas são...
Na teoria eles são muito bacanas, muito bonitos e bem feitos,
quando eles querem eles fazem um negócio de marketing bem
feito, botam na TV, o problema é o respaldo por trás, de
garantir o acesso aos exames. É investimento, eles querem
divulgar, fazer a divulgação, mas não querem gastar dinheiro
com os exames. Aí emperra, porque não adianta você fazer uma
bela campanha, chega um monte de mulher aqui, você vai
palpar várias mamas e vai descobrir vários nódulos suspeitos e
desses quanto vão ser confirmados o diagnóstico, quantos vão
ter acesso aos exames? Então fazer campanha tem que garantir
a retaguarda do exame... Tem que ser garantido. E exame tudo,
a ultra-sonografia mamária, mamografia e punção (L, médica).
64
Observa-se ainda que o conteúdo desses documentos normalmente são
normativos e prescritivos. Como exemplos estão às campanhas veiculadas
especialmente na mídia televisiva e impressa, onde há uma tendência à
responsabilização individual das mulheres pela prevenção do câncer de mama, apesar da
confirmação de que não há como determinar aquelas que o desenvolverão (Malzyner et
al, 2000).
Na década de 90 a atriz Kássia Kiss foi protagonista de uma das campanhas
que até hoje é lembrada ao se abordar essa questão. O título era “câncer de mama: a
cura pode estar em suas mãos”, ou seja, dependeria das próprias mulheres o seu não
adoecimento a partir da realização de exames periódicos, alimentação correta e
equilibrada, prática de atividade física regular, dentre outras.
Observou-se que mesmo diante do aumento tanto da sua incidência quanto
da sua mortalidade, há uma tendência à não adesão tanto das mulheres quanto dos
profissionais às campanhas e aos programas governamentais. E assim, questiona-se:
podemos culpabilizar individualmente essas mulheres pelo seu adoecimento ou
ampliamos nossa compreensão de que este fato faz parte de uma problemática muito
mais complexa? As crenças, atitudes, valores poderiam estar influenciando a forma
como o câncer de mama tem sido abordado nas unidades de saúde pelos profissionais?
Os tabus em relação ao toque da própria mama e do próprio corpo não são apenas partes
dos indivíduos ou da sua “personalidade”, mas realmente estão inseridos em um
contexto sociocultural e simbólico maior?
Abreu & Koifman (2002) afirmam que o prognóstico desta doença muitas
vezes é um reflexo dos obstáculos enfrentados pelas mulheres de classes sociais menos
favorecidas, implicando no diagnóstico desta neoplasia em fases já avançadas. Assim,
constata-se que há um estímulo à conscientização acerca da detecção e do diagnóstico
65
precoce. No entanto, a realidade do sistema público de saúde aponta para a insuficiência
da oferta de serviços e de uma estrutura de suporte que possibilitem a efetivação destas
ações.
5.1.4 Como a atenção precoce é dificultada pela estruturação do serviço: empecilhos
destacados
Um outro aspecto observado nesse estudo foi à própria estruturação dos
serviços públicos de saúde em relação ao câncer de mama. Estes compreendem uma
rede de ações estruturadas nos três níveis de atenção à saúde. Contudo a trajetória desse
percurso muitas vezes é dificultada pela burocratizarão na sua dinâmica, resultando em
uma verdadeira via crucis percorrida pelas usuárias na busca da atenção à sua doença,
bem como pelos profissionais, que geralmente ficam de mãos atadas. A dinâmica de
marcação de fichas e toda a burocracia envolvida é comentada a seguir
3
:
Antigamente as fichas de referências eram marcadas via
telefone e a pessoa já ia com a referência sobre onde ela iria,
pra que especialista, quem era o médico, o horário de ir, tudo
ali certinho. Mas com o passar do tempo foi se optando pela
questão da autorização. Leva pro distrito, vai lá e carimba,
trazem pra cá de novo, aí a pessoa vai pro serviço de saúde
relacionado pra marcar e depois volta pra casa e se retorna no
dia. É um lance altamente burocrático. Você leva pra lá pra
receber um carimbo lá no Distrito pra voltar pra cá, para as
pessoas ir pra o serviço relacionado, a unidade específica, pra
entre aspas “receber outro carimbo” que seria a marcação né,
3
No momento atual (fechamento da dissertação) as unidades de saúde estão sendo informatizadas, mas
destaca-se que a internet é disponibilizada apenas Gerência do Distrito de Saúde. Assim, apesar da
informatização do serviço com a presença dos computadores nas unidades, observou-se que a Diretora ou
um funcionário de todas as Unidades da Zona Oeste precisam se deslocar até a Gerência e solicitar o
agendamento das referências, uma ou duas vezes por semana, implicando assim na continuação da
demora dos encaminhamentos.
66
aí volta pra cá pra ir no dia. É um zigue-zague essa referência
(F, agente de saúde).
O que deveria ser garantido a todas as mulheres que encontrassem alguma
alteração mamária e que buscassem a sua atenção precoce seria primeiramente seria
primeiramente o acesso a um médico no nível de atendimento primário (unidades
básicas de saúde). Depois deveriam ser disponibilizados os serviços no nível secundário
(unidades que permitem a utilização de recursos mais especializados como a
mamografia, punção para estudo citológico, dentre outros) para a avaliação da
necessidade ou não de encaminhamento a uma instituição de maior complexidade
(geralmente os hospitais capacitados para a realização de tratamentos de maior
complexidade, como o cirúrgico) como expressa o seguinte profissional:
Porque vamos dizer, o clínico geral ele vai atender, ele vai fazer
o auto-exame e vai solicitar os exames né. Dependendo
daqueles exames, porque algum nódulo, alguma coisa que a
pessoa sinta, não é câncer, não quer dizer que aquilo seja um
câncer. Então aquele primeiro exame eu acho que o clínico, os
médicos que tão aqui na unidade podem ver. Se ele achar que
naquilo dali tem alguma coisa que tenha necessidade de
encaminhar pra um especialista ele encaminharia. Então, não
teria necessariamente que você ter que ir primeiro pra o
especialista pra depois solicitar os exames. Se você já chega lá
com seus exames não vai ser um atendimento mais rápido? Ali
ele já teria a resposta pra sua necessidade. Mas não [ênfase]
primeiro vai no especialista aí quando chega lá faz a consulta,
aí pede os exames, pra ir novamente lá naquele especialista ele
tem que vir aqui na unidade pedir outro encaminhamento pra
remarcar aquela consulta, o retorno, tem toda dificuldade (H,
enfermeira).
Contudo, isso era o que “deveria acontecer”. No contexto da UMFC, ainda
não há uma padronização do protocolo terapêutico em relação à atenção precoce, e
assim, tanto as usuárias quanto os profissionais se deparam com diversas instâncias a
67
serem percorridas, múltiplos encaminhamentos, autorizações, “idas e vindas”
constantes, situação essa visualizada no seguinte esquema:
Observou-se que as ações são realizadas tanto pelos médicos quanto pelas
enfermeiras, na maioria das vezes, quando às usuárias apresentam alguma queixa prévia
e principalmente no momento do preventivo. Havendo algum achado suspeito, há o
Figura 13. Fluxograma do atendimento das usuárias da UMFC em relação ao câncer de mama.
Fonte: Própria autora.
68
prosseguimento da investigação que percorre dois caminhos distintos e que acabam
muitas vezes influenciando na forma e no tempo de atenção recebido.
Esse primeiro encontro poderia transformar todo o percurso e a vivência das
mulheres que detectam alguma alteração na mama ou possibilitar a sua descoberta
àquelas que ainda não o identificaram. Apesar disso, na UMFC ainda não são efetivados
as preconizações dos protocolos de atendimento à neoplasia mamária, como por
exemplo, a não realização da anamnese clínica, do ECM, além de não existência de um
encaminhamento padronizado a todos os profissionais que se deparam com uma usuária
que apresente alguma alteração mamária.
5.1.4.1 Limitados conhecimentos e falta de treinamento
O panorama supracitado pode ser compreendido se levarmos em
consideração que os profissionais das unidades de saúde que poderiam estar realizando
o primeiro atendimento das mulheres muitas vezes não receberam treinamentos
sistemáticos que possibilitasse uma maior capacitação técnica à realização de tais ações.
A maioria dos participantes, em algum momento das entrevistas, teceu comentários
sobre a insuficiência e descontinuidade das ações, tendo sido destacadas as seguintes:
(...) essa questão de treinamento eu também acho pouca sabe.
Tem, mas deveria ter todo ano, ter uma reciclagem todo ano.
Esse ano não teve nada de câncer de mama (...) Teve a última
vez, onde foi chamado todo mundo pra fazer a sensibilização,
mas isso foi em 2002 e depois daí não teve mais nada (G,
enfermeira).
Para cá, para a gente, para o serviço, eu acho assim, que a
gente não foi muito bem trabalhada para trabalhar essas
questões. Eu, pelo menos, assim, não tenho nenhum curso que a
instituição promoveu em cima disso. Eu tenho 15 anos de
instituição e eu nunca [silêncio]. Então a gente não tá
sensibilizado... (J, enfermeira).
69
Além da inexistência de uma política de educação permanente voltada à
atenção do câncer de mama, observou-se também que os treinamentos acabam não
envolvendo todos os membros das equipes, estando restritos, especialmente, aos
médicos e aos profissionais de enfermagem:
Essa parte sempre compete mais aos profissionais de nível 1,
superior, que são os médicos e enfermeiros. Pra gente tudo é
muito pouco, tudo é muito raro, auxiliar quase não é chamado
[ênfase]. Passa anos após anos e a gente não recebe
treinamento de nada (B, auxiliar de enfermagem).
As auxiliares e os agentes de saúde, profissionais da equipe que estão em
contato mais direto com a comunidade, são os que tiveram menor acesso aos
treinamentos estando, na maioria das vezes, menos qualificados para dar retorno sobre
esse tipo de inquietação
É, pra nosso dia-a-dia é bom por que às vezes você chega num
domicílio, às vezes a pessoa não pode ir a um médico aí
conversa com a gente “ah eu tô com isso, isso, isso” e a gente
não sabe nem dizer o que é, aí era bom a gente ter mais algum
treinamento, sobre assim, pelo menos quando ouvir algum
história já repassar e eles já ter o atendimento mais rápido (C,
agente de saúde).
Percebeu-se também que o conhecimento é repassado tanto de forma
hierárquica, onde os profissionais responsáveis pela capacitação geralmente se colocam
em um patamar superior e através de palestras e seminários vão “empurrando” as
informações desconsiderando as necessidades dos participantes e do próprio cotidiano
institucional:
(...) E eu gostaria de dizer a você que eu acho muito falho
aquela história de que você vai fazer um treinamento e você
chama um [ênfase] profissional da unidade. Uma coisa é o
profissional saber fazer, ir pra lá, assistir, até opinar e tudo,
outra coisa é o colega chegar na unidade e ter a oportunidade e
não só a oportunidade, mas a capacidade de retransmitir aquilo
que aprendeu no treinamento (I, médico).
70
(...) a gente já teve palestra, seminários, essas coisas, mas
agora um treinamento pra você “se você apalpar isso assim,
assim é aquilo...” Porque você falar é uma coisa, teoria é uma
coisa e a prática é outra coisa. Então, a gente tem a teoria, mas
a prática em si não. Eu não tenho [ênfase] (H, enfermeira).
Diversos estudos (Borguesan et al, 2003; Monteiro et al, 2003; Godinho &
Koch, 2004) têm sido realizados a fim de avaliar tanto o conhecimento quanto as
práticas dos profissionais principalmente em relação ao exame clínico da mama (ECM)
e auto-exame da mama (AEM). Estes têm evidenciado a pouca familiaridade, bem como
a sua realização de forma irreflexiva e muitas vezes automatizada, o que acabou sendo
confirmado nos relatos abaixo:
(...)Eu acho que já que se quer um trabalho bem feito então tem
que se treinar também bem feito. A gente faz aqui a prática da
apalpação da mama, mas é uma atuação autodidata como a
televisão ensina, como o pessoal diz “olha é assim é assado”.
Então a gente aprende assim e do mesmo jeito que ensinaram
pra gente a gente ensina ao paciente (H, enfermeira).
Observou-se que dentre os segmentos de falas direcionados à essa questão, a
maioria discorreu acerca das dificuldades de acesso aos treinamentos e capacitação.
Contudo, o relato abaixo despertou nossa atenção, pois o participante apresenta um
panorama que até então não tinha sido evidenciado. Este, discorreu acerca do bom
funcionamento da instituição, das condições de trabalho apropriadas, sobre a realização
de ações integradas das equipes, treinamentos suficientes, enfim, um quadro totalmente
diferente dos encontrados até então. Pareceu mais um discurso pronto, politicamente
correto, como se ele quisesse apenas me dar uma resposta certa e que não condiz com as
colocações e dificuldades evidenciadas pelos outros profissionais:
Eu acredito assim, que todos estão treinados, todos os
profissionais estão aptos até a detectar, não só o médico, mas o
agente, a auxiliar de enfermagem, a enfermeira, todos estão
71
aptos a detectar qualquer indício de que venha no futuro a
desenvolver um câncer. (...) a gente faz essa busca ativa e leva
essa informação com precisão as mulheres para que elas
venham a fazer o auto-exame em casa e se tiver alguma dúvida
nos passe pra que a gente venha a facilitar um atendimento pra
ela e pra que ela venha até a unidade...(D, agente de saúde).
Poder-se-ia inferir então que a não realização de ações sistemáticas e de
educação permanente em relação ao câncer de mama poderia estar influenciando a
forma como os profissionais de saúde estariam envolvidos, motivados e interessados em
relação à essa temática, implicando assim, nos serviços prestados às usuárias. Contudo,
se não há a incorporação de conhecimentos contextualizados às suas práticas cotidianas,
levando em consideração toda a complexidade que as perpassam, como poder-se-ia
motivá-los a realizarem ações voltadas à atenção precoce do câncer de mama?
5.1.4.2 A problemática das referências e das contra-referências
Destacou-se também, nas entrevistas, as dificuldades que os profissionais
enfrentaram ao encaminhar as mulheres para o atendimento com os médicos
especialistas. Muitos dos participantes expressaram o quanto às referências eram
insuficientes: “Mas o problema é justamente a questão das vagas que são oferecidas
por unidade pela esfera superior, essa é a maior dificuldade que a gente vive aqui, essa
questão de referência. A questão da referência é um problema sério [ênfase]” (F,
agente de saúde). Como também, demoram um longo tempo para serem efetivadas:
(...) Então já tem aquela dificuldade na central de marcação de
marcar um mastologista, aqueles exames mais específicos,
então tudo é um entrave. (...) se for no trâmite legal do sistema
do SUS é uma lentidão sem fim, quando a paciente vem
conseguir realmente o tratamento ela já pode estar num estado
que não tenha volta né, que o prognóstico dela seja mais
sombrio do que se ela tivesse feito o tratamento e o
acompanhamento mais precoce (H, enfermeira).
72
O relato acima evidenciou claramente o quanto o descompasso do sistema
único de saúde (SUS) em relação às referências poderá implicar na detecção e na
confirmação do câncer de mama em estágios mais avançados. De acordo com as
preconizações do INCA os serviços oncológicos do SUS deveriam ter o seu número
determinado pela população que cobrem e serem adequadamente distribuídos pela área
geográfica onde vive esta população (Kligerman, 2000). Contudo essa situação é oposta
à encontrada pelos profissionais da UMFC:
(...) Agora eu estava vendo ali, não sei se você tem acesso, ao
número de ficha de mastologista que existe disponível... Para o
Oeste. Se eu não me engano são seis fichas. Esse documento
veio para a unidade, por isso que eu acredito que seja para a
unidade. Se for, essa demanda já está boa, porque antes o
pessoal não tinha nem acesso! (...) Porque antes só tinha uma
para o distrito todo (B, auxiliar de enfermagem).
Diante desse relato, levando-se em consideração que a comunidade de
Felipe Câmara deve ter em média 10.000 mulheres em idade fértil, como podemos falar
de atenção precoce? Que determinantes são avaliadas e em quais os gestores se baseiam
para definir essa percentual de referências para cada unidade de saúde? Assim, toda essa
problemática acaba se configurando como um obstáculo, muitas vezes, instransponível
às usuárias implicando na sua desistência de procurar atenção ao problema que está
enfrentando:
Na realidade o que a gente faz aqui... A gente dá o
encaminhamento que é super difícil, a gente sabe que a rede
não tem profissional mastologista. Aqui a maioria das pessoas
desiste na primeira negativa que elas encontram na frente né, e
umas são mais persistentes e tentam. Antigamente a gente
encaminhava para o Centro de Saúde do Alecrim, que tinha
mastologista lá, mas ele também não está mais lá (G,
enfermeira).
73
Além disso, a falta de garantias quanto ao funcionamento dos
encaminhamentos poderia influenciar as práticas dos profissionais mais
compromissados que, diante da conformação desse contexto, acabará “lavando as mãos”
e não se responsabilizando pelas conseqüências dessa dinâmica:
(...) O problema é a resposta desses encaminhamentos... Que é o
atendimento que não é feito com tanta urgência como a gente
solicita, como deveria ser, porque o câncer não espera que você
se trate daqui a 10 anos a 5 anos ou quanto tempo seja, o
câncer tá lá atuando e o sistema único devagar e o câncer a 100
por hora e o sistema único a 20 por hora. Então quando chega
lá na frente o paciente já tem ido embora, como tem casos aqui
de pacientes de outros tipos de câncer que quando veio
conseguir fazer o diagnóstico com a biópsia e tudo que tinha
direito o paciente já tava na fase terminal. (H, enfermeira).
Além de todas as dificuldades de encaminhamento para os serviços
especializados apontadas, evidenciou-se também que na maioria dos casos os
profissionais das unidades básicas de saúde não tinham conhecimento acerca do
desfecho das ações que foram realizadas:
A gente encaminha pra um especialista, para o mastologista né,
vai, o paciente, a gente preenche uma ficha de referência e
contra-referência, só que essa contra-referência a gente nunca
tem (...) O especialista, ele não manda pro médico nada
[ênfase]. Falando com o paciente é que a gente sabe o que é
que ele tá fazendo, qual o tratamento que ele tá fazendo, se ele
fez cirurgia, se tá fazendo quimioterapia, radioterapia. Não tem
nenhum retorno, não tem nenhuma contra-referência não (A,
médica).
Sem a contra-referência os profissionais ficam sem saber “(...) o que é que
foi suspeitado, o que é que foi diagnosticado, qual foi o tratamento que passou, se
realmente precisa ter que voltar novamente pra aquele serviço” (I, médico). Essa
74
dinâmica acaba impossibilitando a realização de um acompanhamento mais efetivo das
usuárias da UMFC e todas as etapas do seu tratamento e reabilitação.
De acordo com Traverso-Yépez (2005), toda essa situação acaba
instaurando um profundo hiato entre os direitos constitucionalmente garantidos e a
efetiva implementação dos serviços públicos associados aos mesmos, criando uma
sensação de que as coisas são assim desde sempre, fora do controle das pessoas,
insuperáveis, renegando-se o serviço que deveria ser empreendido à população que o
necessita.
5.1.4.3 Dificuldades de acesso aos exames específicos
Observa-se também, como descrito anteriormente em relação às referências,
a existência de diversos empecilhos aos serviços especializados, sobretudo, as
mamografias e as ultra-sonografias. Vários profissionais apontaram que estes ainda não
estão disponibilizadas em um número suficiente que atenda a demanda das mulheres
que são usuárias do SUS:
(...) O que a gente sente mais é o custo, é os exames, a gente
pede uma mamografia, chega uma mulher de 40 anos, a gente
sabe que toda mulher acima de 35/40 anos tem direito à
mamografia, a gente pede, mas sabe que ela não vai conseguir
logo (J, enfermeira).
A gente palpa, descobre um nódulo, a primeira coisa que a
gente faz, pede a ultra-sonografia ou a mamografia e às vezes
pede os dois. Aí [suspiro] vai e marca, tenta marcar esses
exames pelo SUS, que é uma demora horrorosa (L, médica).
Segundo Koch, Peixoto & Neves (2002) além de insuficientes em número,
os mamógrafos existentes no Brasil encontram-se ainda mal distribuídos, estando a sua
75
grande maioria (76,7%) em clínicas radiológicas privadas e com maior concentração nas
regiões sul e sudeste do país.
O SUS é responsável pela assistência médica de mais de 70% dos
brasileiros e realizou no ano de 1999 o pagamento de 1.038.341 exames mamográficos,
correspondendo a menos de 8% das mulheres maiores de 40 anos. No ano de 2003
foram realizadas em todo o Brasil, de acordo com o INCA, 2.200.000 mamografias
quando na realidade o número necessário destes procedimentos seria de nove milhões
de exames (Gurgel, 2004).
Além dessas dificuldades, foi destacado também a pouca disponibilização
das punções necessárias à consecução das biópsias diagnósticas (PAAF ou core biopsy):
Outra coisa! [ênfase e exclamação]. Assegurar também os casos
da punção. A punção tem que ser assegurada pra essas
mulheres que tem nódulo diagnosticado na ultra-sonografia ou
na mamografia. Teve nódulo, encaminhar para punção e
conseguir no tempo hábil, no máximo em 15/20 dias e não em
3/4 meses como elas demoram aqui para conseguir fazer uma
punção. Poucas referências pra biópsia, pouquíssima [ênfase]
referência pra biópsia (L, médica).
Observaram-se ainda, nos relatos dos participantes, a demora tanto no
atendimento da solicitação efetivada “Porque às vezes a gente diagnostica, palpa e ela
fica rodando no sistema até dar o diagnóstico definitivo” (L, médica), quanto na sua
realização e no recebimento desses exames específicos:
(...) Você vê que tem vários encaminhamentos, mas você não
tem pra onde ir. A pessoa passa de 3 a 4 meses pra fazer uma
consulta e daquela consulta ainda mais outro tempo e quando
chega no resultado final você já passou muito mais de 6 meses
para chegar no diagnóstico que você queria. Por que quando
você marca um ultra-som demora de 8 a 15 dias para realizar
ou pra marcar, se você marca uma mamografia também é nessa
faixa se não for mais... (H, enfermeira).
76
Em decorrência de toda essa morosidade vivenciada no sistema público de
saúde tem sido cada vez mais comum às próprias usuárias “optarem” pela realização das
consultas e exames particulares, geralmente em locais como o SESC cujos exames
podem ser efetivados empreendendo-se um valor inferior aos cobrados em outras
instituições:
Me parece que o nó grande é nos exames. A maioria
acaba fazendo particular por que vai demorar, porque
elas ficam muito ansiosas para ver o resultado. (...) Até
hoje esses exames específicos são muito pouco, muito
pouco pra o atendimento. (B, auxiliar de enfermagem).
As pessoas acabam empregando investimentos financeiros do seu próprio
bolso, quando muitas delas já enfrentam problemas financeiros de outras ordens e
acabam fazendo empréstimos para poderem realizar as intervenções necessárias quando
na verdade todos esses serviços deveriam ser assegurados, ou melhor, cumpridos.
Destaca-se novamente o papel, por vezes determinante, das dificuldades de
acesso aos serviços. A fala a seguir expressa claramente essa situação e a forma como
essa profissional descreveu o caminho percorrido pelas usuárias, praticamente sem parar
para respirar, em um ritmo frenético, acaba dando a idéia do longo caminho que é
enfrentado:
(...) tudo começa pela entrada, primeiro tem que marcar a
consulta, depois que marcar consulta, aí o médico, pela história
dela, aí dá a ficha de referência, ela paga essa ficha de
referência, dependendo de qual seja, aí deixa aí pra marcar, aí
depois que marcar ela tem um período de ir lá, de ir pra onde
foi dirigido aquele local que vai pra fazer aquela doença, pra
ver os dado. Aí depois dali às vezes ela até desiste... [ênfase] (C,
agente de saúde).
Essa dinâmica vai se naturalizando nos serviços, as pessoas acabam
aceitando essa situação como se fosse a única opção e por serem usuárias do SUS não
teriam outra possibilidade de suas demandas serem atendidas. E assim, continuarão a
77
descobrirem as alterações mamárias malignas tardiamente, com prognósticos ruins e
sem intervenções a serem realizadas. A que custo essas mulheres conseguirão terem
seus direitos atendidos?
5.1.5 Câncer de mama ainda não é uma prioridade nas discussões e práticas dos
profissionais
Toda a problemática anteriormente descrita em relação à dinâmica dos
serviços oncológicos no contexto do sistema público de saúde, acaba se refletindo na
forma como a temática do câncer de mama vem sendo abordada no cotidiano da UMFC.
A maior parte dos profissionais entrevistados expressaram o quanto essa questão tem
sido relegada ao segundo plano: “Eu diria que ela faz parte da discussão, mas não é o
assunto principal, ela não tá ali na grande pauta” (F, agente de saúde).
A conformação dessa situação foi justificada em decorrência da existência
de outras demandas a serem atendidas “a gente fala mais de outras coisas do que de
câncer de mama (...) e sem ser uma demanda termina passando, são muitas coisas e a
gente acaba deixando passar essa parte de prevenção” (J, enfermeira).
Como também, pela pouca familiaridade dos conhecimentos técnicos, pela
falta de condutas já padronizadas na unidade e especialmente pela ênfase das ações e da
procura das mulheres estarem voltadas ao carcinoma uterino:
Assim, elas têm mais preocupação, não sei se pela divulgação,
com o Papanicolau. Elas nunca dizem assim “Ah, eu queria
marcar uma consulta pra mama”. São raras as pessoas que
dizem “não, eu queria marcar pro dia de saúde da mulher pra
médica examinar minha mama” (E, agente de saúde).
(...) Eu ainda acho muito dirigido pro exame ginecológico.
Ainda não tá incorporado na nossa prática “entrou na sala, é
78
mulher, vamos examinar a mama”, quando a gente incorporar
isso talvez melhore mais (L, médica).
Portanto, na rotina diária das ações dos profissionais entrevistados ainda não
ocorreu à incorporação dessa questão, estando suas práticas geralmente concentradas
em determinadas épocas do ano, como o Dia Internacional da Mulher, em março, ou na
Semana de Incentivo à Saúde Mamária, em outubro, onde são realizadas diversas
atividades incentivando e esclarecendo a população sobre a importância da atenção
precoce da neoplasia mamária. Nesses momentos específicos todo o atendimento da
unidade está voltado à saúde da mulher: (...) a gente faz uma busca ativa, convoca
melhor as mulheres e elas já ficam nesse cuidado, se preocupa e quando há qualquer
suspeita é solicitado logo os exames e encaminhada pra especialista (B, auxiliar de
enfermagem).
No decorrer desta pesquisa tive a oportunidade de participar, no dia 8 de
março de 2006, das ações empreendidas pelos profissionais da UMFC no dia
Internacional da Mulher. Como relatado por estes, anteriormente, toda a unidade
mobilizou suas práticas à saúde da mulher realizando atividades, tais como:
planejamento familiar, preventivo ginecológico, preventivo mamário (presença de
mastologista), pré-natal, realização de exames de sangue, informações sobre DST/Aids,
dentre outras.
Foram disponibilizadas duas salas para o atendimento das mulheres, uma
com um mastologista e outra com uma enfermeira do SESC. Entretanto, a demanda de
atendimento foi superior ao programado e muitas usuárias da UMFC acabaram
desistindo de esperar. Outras, nem compareceram à unidade em virtude de uma
programação paralela do SESI/SESC em uma escola do bairro onde estavam sendo
realizadas atividades tais como: consecução de documentos (RG, CPF, Título de
79
Eleitor), consultas jurídicas, oficinas de beleza, shows e distribuição de
alimentos.Assim, além da descontinuidade de ações voltadas à atenção precoce do
câncer de mama, estas ainda foram perpassadas por outras determinantes que
ultrapassaram a mobilização dos profissionais dessa unidade para a sua efetivação.
Dentro dessa mesma perspectiva, apreendeu-se também que a realização das
ações estava condicionada à existência de queixas antecedentes ou estão sempre
atreladas à realização do preventivo ginecológico:
“(...) quando vem para consulta normalmente são queixas
outras, que você, pelo pouco espaço de tempo, você vai atrás da
queixa (...) e a mama realmente tá sendo esquecida um pouco
nas consultas de rotina, você só investiga quando tem queixa
relacionada com a mama” (L, médica).
A gente examina as mamas das mulheres que vem fazer a
citologia. E as outras mulheres? A gente tem uma semana da
prevenção de câncer, aí nessa semana a gente trabalha
examinando as mamas das mulheres, fazendo o preventivo. Mas
assim, uma coisa que tenha continuidade... A única clientela que
a gente faz isso é a que vem e procura para fazer a citologia aí
a gente aproveita e faz as duas coisas (G, enfermeira).
Contudo, se as mulheres não o fazem, conseqüentemente também não farão
o exame clínico da mama: “(...) aquelas mulheres que não vem fazer o preventivo de
rotina elas passam mais de um ano sem serem examinadas, mas de ano sem examinar a
mama” (L, médica).
Assim, quando os profissionais direcionam suas práticas apenas a presença
de queixas anteriores, acabam perdendo a oportunidade de descobrir alguma alteração
mamária precocemente, o que faria uma grande diferença no percurso das mulheres.
Esse quadro acaba refletindo um pouco sobre como os profissionais inseridos no nível
de atenção primária acabam não direcionando suas práticas ao trabalho de promoção da
saúde.
80
Evidenciou-se também, complementando as discussões referenciadas
anteriormente, que as práticas dos profissionais podem estar também condicionadas à
equipe ao qual estão inseridos:
“(...) eu não posso dizer dos funcionários como um todo, eu
posso ver a minha equipe. No ato do preventivo ela
[Enfermeira] faz o exame de mama, quando ela sente alguma
coisa ela já encaminha” (B, auxiliar de enfermagem).
Algumas dessas equipes já priorizam essa temática em suas ações de rotina
inclusive disponibilizando um dia específico em que estes se dedicam somente à saúde
da mulher. Contudo, existem outras em que a atenção precoce do câncer de mama ainda
não faz parte das discussões e das ações:
Por exemplo, o médico da minha equipe tem uma preocupação
muito grande em saber se a mulher fez o preventivo, ele sempre
diz “você já fez o preventivo?” e solicitar, mas nunca se liga de
saber “você já fez a prevenção da mama?”, essa articulação
com a mama (J, enfermeira).
Ressalta-se então que práticas de saúdes dos profissionais são perpassadas
por determinantes institucionais, ideológicas e sociais. Traverso-Yépez (2005)
corrobora essa situação ao afirmar que em qualquer processo institucional, os problemas
e dificuldades vivenciados pelas pessoas envolvidas no cotidiano das suas práticas
sociais (sejam como gestores, profissionais, técnicos ou usuários do serviço) ficam
difíceis de serem resolvidos de forma restrita ao campo imediato de ação.
81
5.2 Da fácil dificuldade: mais empecilhos nas práticas cotidianas
No decorrer das entrevistas percebeu-se que além de todos os empecilhos
concretos em relação à atenção precoce do câncer de mama, os profissionais do PSF
ainda se deparavam com dificuldade e limitações do sistema público de saúde como um
todo, o que poderiam também estar influenciando suas práticas em relação à temática
desta investigação.
5.2.1 O cotidiano institucional influenciado pela infra-estrutura precária dos serviços
A maioria dos participantes teceu comentários acerca das limitações
estruturais e da precariedade dos serviços oncológicos no SUS. Apontaram os entraves
relacionados aos espaços físicos reduzidos, que dificultando a realização das reuniões
entre eles ou com as pessoas da comunidade, além dos equipamentos e mobiliários:
(...) De equipamento melhor, quando vem, vem um pra não sei
quantas pessoas atendidas utilizar. Essa unidade tem 6 anos que
tem equipe do PSF e todo mundo diz aqui que o que a gente tem
de equipamento, de mobiliário, vamos dizer, birô, mesa de
ginecologia, tudinho, é ainda sucata antiga que vem
recauchutadas. Aí o que tá ruim corta aqui um pedaço, aí o birô
cada dia ficando birô de anão, tem armário aqui que nem tem
vidro e não tem mais nem perna. Então como é que você pode
trabalhar e se sentir bem num serviço desses? (H enfermeira).
Assinalaram ainda outros empecilhos como a falta de luvas, seringas,
curativos, medicamentos, vacinas, formulários, enfim, materiais que acabam
impossibilitado-os de desenvolver as ações de forma adequada. Por outro lado, os
profissionais geralmente ficam aguardando que tudo seja resolvido pelas esferas
superiores não encontrando saídas alternativas e criativas para a situação vivenciada.
82
Como as respostas dos gestores, na maioria das vezes nunca chegam, os
ambientes de trabalho acabam não tendo o devido cuidado e se transformando em
espaços desestimulantes para a realização de suas atividades: “Acho que melhorar só se
a gente investir o que a gente ganha dentro do serviço, porque se a gente esperar da
Secretaria alguma coisa [suspiro]” (H enfermeira).
Além de todos os aspectos relacionados acima somam-se à estes as
dificuldades socioeconômicas da própria comunidade e da população atendida:
(...) A gente faz o que pode fazer, a gente não pode mudar a
vida deles de tudo, a gente faz o que é nosso aqui, a saúde, mas
a gente sabe que tá trabalhando, que a gente trata, mas que
daqui a um 1 ou 2 meses volta tudo de novo porque o ambiente
em que ele mora não é favorável, não é saudável. Então ás
vezes assim a gente se sente meio perdido, porque você vê que
você faz, faz e não tem resposta. Às vezes eu digo que trabalhar
em saúde pública é chover num lugar e não germinar nada é
igual ao deserto do Saara que não germina nada, mas a gente tá
plantando uma plantinha, uma sementinha lá e ver se ela
germina (H, enfermeira).
Complementando essa fala ressalta-se que um dos participantes da pesquisa
discutiu o conceito de saúde, indagando a respeito “(...) da situação social em que a
pessoa tá inserida, das condições de saúde psicológica, não apenas de saúde física,
mas da questão de lazer, direitos humanos, condições de cidadania” (F, agente de
saúde). Essa fala nos chama atenção para ampliarmos nosso olhar à compreensão do
processo de saúde e doença, levando-se em consideração a complexidade de questões
envolvidas na sua compreensão.
5.2.2 O excesso de outras demandas
Destacou-se também nas entrevistas, a demanda de atividades atribuídas aos
profissionais, como o grande número de famílias cobertas por cada equipe, as múltiplas
83
queixas relacionadas à vários tipos de doenças, a diversidade de ações desempenhadas,
perpassadas sempre pela insuficiência do tempo:
[suspiro] Essa demanda é uma coisa absurda. A gente tem um
número muito grande de famílias para dar conta, aí a gente tem
que correr atrás de todas as gestantes para que façam o pré-
natal, todas as crianças para fazer o acompanhamento do
crescimento e desenvolvimento, tem os preventivos, que são os
exames citológicos que aí a gente tem que cobrir a área, a gente
tem um percentual programado pela Secretaria por área... Aí tem
os pacientes de tuberculose que dão trabalho, tem paciente de
hanseníase, tem os acamados, os pacientes de úlceras que
também precisam de atenção, então assim é muita coisa... É um
absurdo de coisa. Fora às atividades burocráticas que o
enfermeiro tem, de supervisão, de fazer mapa, tem a estatística
que fica o enfermeiro. Então é essa a nossa
realidade![exclamação e ênfase] (G, enfermeira).
Assim, percebeu-se no comentário supracitado que a pressão de uma
assistência voltada à busca contínua pela produtividade e pelos números que produzem
impactos acaba deslocando o foco do trabalho em saúde das ações de promoção e de
prevenção. A qualidade da atenção vai sendo negligenciada e as intervenções em saúde
tendem a serem centradas nos procedimentos técnicos, nos exames e nos medicamentos,
desconsiderando, portanto, a complexidade inerente aos processos de saúde e doença.
5.2.3 Como as ações de prevenção e promoção da saúde são deixadas de lado
Emergiram, no decorrer das entrevistas, segmentos de falas que apontaram
como o foco das ações de saúde dos profissionais ainda continuava direcionado às
práticas curativas em detrimento de uma atuação mais voltada à promoção da saúde,
apesar das preconizações do PSF:
(...) E a gente sempre naquela situação de medicina curativa e
quando a gente fala justamente na questão de prevenção, porque
a proposta do PSF é a prevenção, mas todo esse contexto, no
caso, nos leva a grandes [ênfase] dificuldades pra gente fazer as
coisas aqui, pra gente poder educar o pessoal (F, agente de
saúde).
84
Em relação ao câncer de mama afirma-se que quanto menor o estágio
tumoral menores serão os investimentos em intervenções terapêuticas específicas e que
essa relação se inverte ao considerarmos o custo que se tem para tratar um caso de
neoplasia maligna avançada: “(...) talvez a prevenção seja muito caro, entre aspas, por
que ele vai gastar muito mais depois quando ela tiver o diagnóstico e tiver que passar
por todos aqueles tratamentos agressivos” (G, enfermeira).
Apesar dessa ressalva, os profissionais asseveraram que ao confirmarem o
diagnóstico do câncer de mama as usuárias têm assegurado, na maioria das vezes, o
acesso os tratamentos especializados como as intervenções cirúrgicas, radioterapia,
quimioterapia:
O que eu vejo assim... A relação que os pacientes mesmo
falam... É que quando o caso é câncer mesmo, quando já é um
câncer mesmo assim, os olhos vistos, todo o cuidado e amparo é
feito pela Liga. Agora quando é a parte preventiva, que
possivelmente venha a ser [ênfase] a coisa anda em passos
lentos. Isso é visto e notório (B, auxiliar de enfermagem).
Observou-se, no entanto, que o grande entrave está no –longo e dolorido –
percurso entre a detecção e o diagnóstico do câncer de mama e a realização das
complexas intervenções terapêuticas “garantidas” pelo SUS e a conseqüência de todos
esses entraves é diagnóstico tardio deste.
5.2.4 A sensação de descaso por parte dos gestores
Um outro aspecto relatado foi à forma como os profissionais se sentem em
relação ao pouco apoio e atenção por parte dos gestores não apenas em relação à
temática em questão, mas à saúde pública como um todo. Isso faz com que muitas vezes
o trabalho não tenha sentido para estes, que se sentem “apenas empurrando com a
barriga” diante da falta de incentivo:
85
(...) às vezes eu me sinto assim, a gente tá fazendo, tá fazendo, tá
fazendo, por exemplo, no preventivo, a gente colhe lâminas e as
mulheres não conseguem dinheiro para comprar as pomadas e
vem de novo com a mesma doença. Aí é isso que a gente sente
esse descaso, eu vejo um descaso da política sabe, em relação a
gente, a saúde pública (G, enfermeira).
Enfatizaram também a falta de recursos como uma constante no cotidiano
da UMFC interferindo nas ações e nos serviços prestados às mulheres que procuram o
serviço. Segundo os entrevistados, essa situação acaba impossibilitando a realização de
ações educativas de saúde mais criativas que poderiam despertar uma maior atenção das
pessoas possibilitando um maior envolvimento destas:
(...) se a gente vai fazer uma campanha de esclarecimento, uma
ação mais efetiva, pra poder disseminar melhor a mensagem e
não ficar especificamente só na questão ação de rotina, muitas
vezes a gente não tem uma resposta das esferas superiores... A
gente não tem condições pra fazer isso (F, agente de saúde).
O diferencial de toda essa situação estaria então no capital humano, nos
profissionais, que apesar dos entraves supracitados ainda conseguem encontrar
alternativas de atenção às necessidades e solicitações da comunidade, pelo menos em
algumas áreas, o que pode ser visto na fala abaixo:
a unidade de saúde que tem se diferenciado nas coberturas que
tem feito justamente por essa questão da presença do capital
humano, mas a gente sabe, e até se entristece porque ás vezes tá
fazendo tudo aquilo dali, mas poderia tá conseguindo um
resultado melhor e não tá podendo por causa dessas barreiras
que a gente não consegue transpor porque não depende só da
gente(F, agente de saúde).
Assim, apesar de toda a situação acima discutida observou-se a existência
de profissionais que enfrentam as dificuldades e tomam iniciativas, quer sejam em
conjunto, nas equipes, ou individualmente procurando responder às necessidades das
usuárias que solicitam o serviço.
86
5.2. Caminhos e descaminhos da atenção precoce do câncer de mama: as
conseqüências das “idas e vindas”
Foram agrupados neste núcleo temático os segmentos de fala que buscam
caracterizar, a partir das vivências dos profissionais, as experiências das mulheres
acometidas pela neoplasia mamária. Destaca-se que dos 11 profissionais entrevistados
apenas um discorreu sobre um caso que havia acompanhado e que acabou tendo um
desfecho mais feliz em virtude da descoberta desta neoplasia em estádios iniciais. A
grande maioria dos relatos versou sobre experiências de diagnóstico tardio, muitas delas
perpassadas pelas dificuldades de acesso aos serviços voltados ao câncer de mama.
5.2.1 Os descaminhos que levam ao diagnóstico tardio
Observa-se que após ser constatada de alguma alteração mama pelas
mulheres da comunidade de Felipe Camarão, o primeiro passo é a visita à unidade
básica de saúde, onde será solicitado, tanto o encaminhamento ao médico especialista,
quanto os exames específicos visto que os médicos que trabalham nas unidades são
generalistas, como também os pedido de exames específicos que auxiliam na
confirmação do diagnóstico precoce desta neoplasia.
No entanto, todo esse processo é marcado pela lentidão e morosidade do
serviço e como conseqüência observou-se que a maioria dos casos acompanhados pelos
profissionais era de mulheres que apresentaram neoplasias malignas em estádios
avançados em decorrência, especialmente do diagnóstico tardio. A seguir, eles relatam
alguns dos casos com os quais tiveram uma experiência direta:
87
Principais questões Experiências vivenciadas
Falta de informação
A agente de saúde C relatou o caso de
uma garota que aos 22 anos descobriu
uma neoplasia maligna e foi submetida
a uma mastectomia radical. Ressalta-se
como a falta de informação implicou na
confirmação do diagnóstico em
estágios avançados com intervenções
agressivas.
“(...) disse que um carocinho no seio,
ela acha que foi por que colocou um
band aid. Isso nunca foi pesquisado
pra saber se era verdade. Ela disse
que daquele band aid teve uma
infecção” (C, Agente de saúde).
Dificuldade de acessos aos exames
A médica A discorreu sobre a
experiência de uma mulher que em
decorrência das dificuldades de acesso
aos exames especializados acabou
detectando tardiamente o câncer.
Depois de um ano ela retornou sem os
resultados de uma mamografia que
havia sido solicitada logo após a
descoberta de uma anormalidade na
mama. Contudo, talvez por ter
enfrentado todos os obstáculos
supracitados esta na foi realizada e com
ela conseguiu ser atendida já estava
numa situação avançada.
“Fazia um ano que eu tinha
solicitado o exame e detectado um
nódulo na mama dela. Aí eu fui
examinar e já tava já com retração, já
tinha linfonodo na axila, já bem
avançado”
(A, médica).
Morosidade dos serviços
A enfermeira J contou que acompanhou
vários casos de usuárias da UMFC que
tiveram câncer de mama. Em todos, a
confirmação do diagnóstico sempre foi
tardia com diversas implicações na vida
das mulheres. Dentre esses, ela
ressaltou a experiência de D. L, que
desde 2004 buscava atenção à sua
doença. Só depois de um ano da
constatação de uma alteração na mama
ela conseguiu fazer uma mamografia e
só no final de 2005 ela conseguiu fazer
as intervenções prescritas.
“Uma mulher de 47 anos e que a
gente viu desde o inicio esse nódulo...
Quando eu examinei a mama dela eu
palpei um nódulo e pedi a
mamografia. Quando ela consegui
fazer essa mamografia foi em janeiro
[2005]... Em janeiro deu nódulo na
mamografia aí ela foi logo
encaminhada pro Luís Antônio,
fizeram a biópsia, e deu câncer”
(J, enfermeira).
88
Qualidade dos serviços
A enfermeira G destacou o
acompanhamento de uma paciente,
auxiliar da sala de vacina da UMFC,
cujo percurso foi marcado pela falta de
qualidade dos serviços prestados. A
usuária relatava sempre uma dor
embaixo da axila, diagnosticada como
normal. Quando foi examinada por
outro médico, foi confirmado enfim a
neoplasia maligna. Ela teve que fazer
uma mastectomia e toda a dor sentida
era a irradiação do tumor mamário. O
custo do diagnóstico implicou
diretamente na conformação dessa
situação.
“ (...) ela passou muito tempo com
uma dor na axila e procurava um
médico pelo SUS lá na Zona Norte,
fazia mamografia e dizia que aquilo
era normal e ela passou um ano
dizendo que isso era normal. (...) E foi
pra outro médico, que examinou aí
disse ‘não, a mamografia deu normal,
não deu nada assim, mas vamos fazer
uma biópsia’. Quando fez a biópsia
era maligno” (G, enfermeira).
Todos esses empecilhos confluem para a descoberta do câncer de mama tardiamente
implicando em prognósticos ruins, intervenções terapêuticas mais agressivas, maiores
impactos psicossociais e menor sobrevida das mulheres acometidas por esta neoplasia
“(...) Eu soube que foi uma questão de
diagnóstico tardio, que a partir desse
diagnóstico tardio é que se procurou
fazer uma intervenção sobre isso e
resultou nessa situação, que é meio
que uma situação já esperada né, que
quando se tem um diagnóstico tardio
as chances elas se reduzem bastante.
E além dessa questão de diagnóstico
tardio quando você tem um indicativo
de metástase, aí pronto”
(F, Agente de saúde)
“A experiência que a gente tem não é
muito boa. O primeiro caso da minha
área que aconteceu foi diagnosticado
câncer de mama em maio e a paciente
faleceu um ano depois. Já tava
avançado, não foi possível o
diagnóstico precoce, o diagnóstico já
foi feito numa fase tardia, era um tipo
de câncer muito invasivo”
(L, médica)
89
5.2.2 Os caminhos que levam ao diagnóstico precoce
Apesar da hegemonia da descoberta do câncer de mama em estádios mais
avançados encontramos também um caso em que a situação foi diferente:
O outro caso que eu tive mais recentemente que foi aqui, no
início do ano, foi uma situação digamos, com um desfecho mais
feliz, porque a gente teve condições de fazer o diagnóstico
precoce a partir do aconselhamento do exame da mama, no
caso, o exame manual que a própria paciente realizou. A partir
do momento em que ela percebeu o nódulo ela veio aqui para
Dr. M., ela entrou em contato comigo e a gente conseguiu
marcar uma consulta e depois que foi diagnosticado, a partir de
outros exames que foram recomendados pela doutora (...) ela se
recuperou e agora ela tá vivendo a vida dela, tá trabalhando,
cuidando da casa, cuidando da criança dela (F, agente de
saúde).
Com a descoberta precoce e que apesar de alguns empecilhos enfrentados a
usuária conseguiu realizar todas as intervenções necessárias e hoje em retomou a sua
vida, cuidando do filho, da casa e trabalho.
90
5.3 Facilitando processos de ressignificação: possibilidades de transformação
Foram agrupados neste núcleo temático os segmentos de falas onde os
profissionais lançam um olhar sobre as suas práticas, suas dificuldades pessoais, todas
as angústias, frustrações e inexistência de um espaço de reflexão sobre as ações e os
serviços que estão sendo prestados.
5.4.1 A dupla interrogação: o que deveria e o que poderia ser feito
5.3.1 O que deveria...
No decorrer do processo de pesquisa os profissionais puderam pensar no
que deveria e poderia ser feito em relação à atenção precoce do câncer de mama no
contexto da saúde pública, ao qual estão inseridos. A maioria das falas foi direcionada à
questão de serem asseguradas às referências, à garantia do acesso aos exames
específicos, sem tanta demora e morosidade, como foi apontado nesses relatos:
Eu gostaria que a gente tivesse um fluxo certo né, que as
mulheres tivessem acesso aos serviços, que não fosse tão difícil
como é né, que lá tivesse os exames que elas precisariam ter. Se
precisasse de uma ultra-sonografia da mama que ela tivesse
acesso, se precisasse de uma mamografia que tivesse e que
todos os médicos mandassem uma contra-referência para gente
dizendo quando ela precisaria retornar para que a gente
pudesse lembrar isso para ela, cobrar dela depois (G,
enfermeira).
Como também, a realização de campanhas e ações educativas ressaltando a
da importância da realização do auto-exame, do cuidado sistemático com o preventivo
mamário como afirma essa profissional:
Eu acho que a gente tinha que intensificar mesmo essa busca
ativa, pegar todas as mulheres a partir de 14 anos e já começar
91
a fazer o exame de mama, difundir isso, trazer para cá, fazer
campanhas. Eu acho que essa é a maneira da gente conseguir
detectar mais casos e de maneira mais precoce possível. Seria
intensificar essa busca ativa, com campanhas, alguma coisa
assim de impacto, que provocasse impacto [ênfase] (L, médica).
Os maiores empecilhos encontram-se nesse grupo de questões, visto que
muitos deles independem da ação dos profissionais inseridos no nível primário de
atenção à saúde. No entanto, várias ações poderiam estar sendo configuradas, como
rodas de conversas voltadas à temática da atenção precoce do câncer de mama, a
realização da anamnese clínica e do ECM nas atividades de rotina, procurando serem
desenvolvidas a partir da demanda da população.
5.3.2 O que poderia...
As entrevistas também se configuraram como um espaço de reflexão,
possibilitando aos profissionais, tanto um repensar de suas práticas, quanto à
possibilidade também de possíveis transformações destas, emergindo propostas de
reformulação nos atendimentos em prol de um maior direcionamento a atenção precoce
do câncer de mama. O que pode ser refletido em ações mais amplas de promoção da
saúde:
Enquanto profissional é quando a gente faz uma entrevista
assim aí a gente começa a perceber como a gente poderia fazer
mais coisas né, dessa parte de prevenção, que poderia formar
grupos de mulheres e atuar mais. Então a gente tem um papel
importante nisso, nessa parte da prevenção, de fazer, até você
falando agora eu fiquei aqui pensando “eu posso reunir meus
agentes, posso falar sobre câncer de mama, de fazer assim uma
visita mais direcionada, posso formar grupos de mulheres e
falar só sobre câncer de mama”. Tudo isso eu posso fazer e
também estimular os outros profissionais nas suas consultas
perguntar se elas já fizeram o exame da mama, tudo isso pode
ser feito. (G, enfermeira)
92
Como também na realização de uma busca mais ativa, implicando no
aumento do número de mulheres sensibilizadas acerca dessa temática:
De agora em diante eu vou... Depois dessa entrevista eu vou
pensar mais e vou perguntar, além de, assim vou procurar me
informar assim da pessoa se fez o preventivo e a mama também
porque às vezes a gente falta alguma coisa assim, não é
incentivo não... Que a gente agora começa a avaliar melhor e
perguntar ”ih já fez o exame? Você já sabe como é que se faz o
exame?”, aí já sabe, aí vai e avisa pra eles... Quem sabe agora
vai porque com essa busca talvez vai aparecer mais pessoas
com problema do sei (C, agente de saúde).
E também na reformulação da própria dinâmica e rotina de atendimento do
profissional e da equipe a fim de priorizar em suas ações a atenção precoce do câncer de
mama
O que é que eu poderia fazer né... Porque eu já, eu faço
atendimento ambulatorial durante a semana toda, segunda,
quarta e sexta é ficha de um modo geral, na terça feira é
dedicado as crianças e na quinta-feira é dedicado as mulheres
(...)Então eu poderia realmente até me dedicar um dia a saúde
da mulher, mas desde que tirasse o CD de mim (...) Eu poderia
realmente me dedicar nesse expediente só à saúde da mulher,
independente do pré-natal realizado na quinta (I, médico).
Portanto, observou-se o quão difícil é o trabalho em saúde diante de tantas
iniqüidades. Reafirma-se que o cotidiano tanto das usuárias quanto dos profissionais é
entrecortado diretamente e diariamente por uma série de dificuldades imersas no
sistema público de saúde. Contudo, mesmo se deparando com todo esse panorama
acredita-se que os profissionais de saúde do PSF ainda podem atuar de formas
diferentes e criativas a fim de minimizar toda essas desigualdades, possibilitando novos
olhares e caminhos na atenção do câncer de mama.
93
Considerações finais
O câncer de mama é considerado um grave problema de saúde pública
mundial em decorrência do aumento da sua incidência, da sua mortalidade além das
grandes somas dispensadas para equacionar as intervenções terapêuticas que as
mulheres acometidas por esta neoplasia precisam ser submetidas. É a doença da
incerteza, do medo da morte, da recidiva, da mutilação, da dor, da rejeição, do
preconceito, do isolamento.
A confirmação do diagnóstico da neoplasia mamária é uma situação de
intensa mobilização existencial para as mulheres com profundas implicações sociais,
psicológicas, corporais (alterações no esquema e imagem corporal), sexuais, dentre
tantas outras, que acabam provocando mudanças, algumas vezes irreversíveis, em suas
vidas. Estes poderiam ser evitados ou minimizados com o direcionamento das ações dos
profissionais de saúde à sua atenção precoce, sobretudo, à sua descoberta em estádios
iniciais.
Contudo, no contexto do SUS (Sistema Único de Saúde) no Brasil, tanto a
detecção quanto a confirmação do diagnóstico dos casos do carcinoma mamário
acontecem tardiamente, em decorrência dos diversos empecilhos que acabam
dificultando o acesso, bem como a realização das estratégias direcionadas aa tenção
precoce, o que foi confirmado no decorrer desta investigação.
Procurou-se, nesta pesquisa, mapear as relações e a dinâmica institucional
que estavam perpassando as práticas e os discursos dos profissionais de saúde em
relação à atenção precoce do câncer de mama. Destaca-se a importância da atuação dos
profissionais de saúde inseridos no contexto da atenção primária da saúde em relação à
94
detecção precoce do câncer de mama, ou seja, o primeiro e o principal momento para a
sua descoberta em um estágio inicial.
Partiu-se da premissa que essas práticas não acontecem em um vazio, mas
são construídas socialmente, institucionalmente e relacionalmente, conformadas por
processos interacionais em uma dinâmica dialógica do encontro com o outro e com o
mundo a nossa volta. Portanto, a partir das análises e discussões das informações
alcançadas no decorrer de todo estudo poder-se-ia apontar algumas considerações e
contribuição deste trabalho instaurando um espaço de reflexão acerca dessa trajetória e
possibilitando a emergência de novos olhares e novas indagações a serem respondidas.
Como já evidenciado anteriormente, a atenção precoce do câncer de mama
representa um grande desafio à saúde pública. No Brasil, apesar da existência de
políticas públicas voltadas à sua detecção e diagnóstico em estádios iniciais aliados a
tratamentos adequados, observou-se no cotidiano institucional de uma unidade básica de
saúde um profundo hiato entre as preconizações desses documentos e as práticas de
rotina dos profissionais.
A retórica da grande maioria dos discursos em relação a essa temática
ressaltam a suposta facilidade de efetivação das ações dos profissionais em relação à
atenção precoce da neoplasia mamária desconsiderando toda a rede de interdependência
sócio-estruturais que estão conformando e perpassando suas práticas, seus
posicionamentos e processos de significação.
Observa-se que muitos dos empecilhos elencados na fundamentação teórica
foram enfatizados pelos participantes da pesquisa em suas práticas cotidianas tais como:
a pouca familiaridade com os pressupostos dos documentos oficiais; a insuficiência de
treinamentos e capacitação; a problemática das referências; o estímulo das campanhas
sem garantir a retaguarda dos serviços e a própria estruturação do serviço.
95
Destaca-se, em relação aos treinamentos e capacitações que estes, quando
acontecem muitas vezes não levam em consideração as necessidades dos profissionais e
do próprio cotidiano institucional. São impostos verticalmente, em formas de palestras e
seminários, em uma linguagem técnica e sem a preocupação de possibilitar um espaço
de reflexão que viabilizasse um repensar de suas práticas, favorecendo uma possível
mudança em suas ações e discursos. Como também, cientes do contexto de saúde e das
reais demandas da população, pudessem melhorar a qualidade dos serviços prestados às
usuárias da UMFC.
No decorrer das entrevistas percebeu-se também, que além de todos os
empecilhos concretos referidos em relação à atenção precoce do câncer de mama, os
profissionais do PSF ainda se deparavam com dificuldade e limitações do sistema
público de saúde como um todo, que poderiam também estar influenciando suas práticas
em relação à temática desta investigação. Reafirma-se, então, a importância de realizar
essa contextualização a fim de compreendermos como esta poderia estar condicionando
as práticas, os posicionamentos e os processos de significação das pessoas.
Essa perspectiva de compreensão dos fenômenos sociais possibilitou a
apreensão de que as ações dos profissionais não podem ser alcançadas simplesmente
descrevendo as atividades destes, como se estas fossem conseqüências apenas de suas
preferências individuais ou modos peculiares de atender os pacientes. Muitas vezes as
pessoas acabam “avaliando” e atribuindo toda a problemática e ineficácia do SUS aos
profissionais, quase como uma responsabilização individual, sem considerar todas as
relações institucionais que as estão perpassando.
Deste modo, evidencia-se que tanto o sistema de saúde as práticas dos
profissionais de saúde do PSF da UMFC ainda se encontram entrecortadas pelo modelo
biomédico. Observa-se a realização de um trabalho que continua, muitas vezes, não
96
priorizando as ações de promoção à saúde e prevenção de doenças. Pelo contrário, o
trabalho em saúde acaba se direcionando ao consumo de consultas médicas, de
procedimentos técnicos, exames e medicamentos e na oferta de uma atenção
especializada e compartimentalizada (Campos, 1997; Ribeiro, Pires & Blank, 2004;
Brasil, 2005).
Traverso-Yépez (2005) corrobora essa idéia ao afirmar que a maioria dos
profissionais quer seja em decorrência das limitações de tempo, de espaço, da falta de
formação, disposição ou simplesmente pela ditadura da rotina, buscam apenas a
confirmação do diagnóstico e do tratamento a ser realizado, desconsiderando o caráter
multifacetado dos processos de saúde-doença.
Em relação ao câncer de mama, de acordo com a literatura revisada,
observa-se ainda uma maior ênfase nas áreas de alto custo do nível terciário, nos
tratamentos especializados (intervenções cirúrgicas, radioterapia, quimioterapia), nas
medidas empregadas à cura, o que é confirmado pelo alto percentual de diagnósticos de
tumores avançados (Kligerman, 1998).
Esse panorama é refletido claramente nas experiências dos profissionais de
saúde da UMFC que acompanharam vários casos de mulheres que vivenciaram o
adoecimento pelo câncer de mama. Dos 11 entrevistados, apenas 1 discorreu sobre um
caso que acabou tendo um desfecho mais feliz em virtude da descoberta desta neoplasia
em estádios iniciais. A grande maioria dos relatos versou sobre experiências de
diagnóstico tardio, muitas delas perpassadas pelas dificuldades de acesso aos serviços
voltados ao câncer de mama.
No cotidiano da UMFC percebeu-se que são realizadas ações voltadas à
atenção precoce pelos profissionais da UMFC, no entanto, além destas não são
sistemáticas ainda são entrecortadas por diversos obstáculos que acabam se refletindo
97
nos serviços que são prestados pelos membros das equipes do PSF da UMFC. Destaca-
se também que essas ações geralmente se direcionam às mulheres que apresentam
alguma queixa ou que estão incluídas em uma “zona de risco”, não existindo ainda no
Brasil um programa oficial de rastreamento do câncer de mama para mulheres
assintomáticas.
No entanto, acredita-se que apesar de todos os empecilhos descritos no
processo de pesquisa outras ações poderiam ser realizadas no contexto do nível primário
de saúde a fim de esclarecer a população acerca da atenção em relação à neoplasia
mamária, como rodas de conversa acerca do câncer de mama, oficinas de auto-exame,
esclarecimentos de dúvidas, sempre procurando contextualizar e direcionar a atuação
para as necessidades das mulheres da comunidade de Felipe Camarão e de tantos outros
bairros de baixa renda com situações similares.
Reafirma-se então a importância das ações dos profissionais inseridos no
nível de atenção primária à saúde. Esse primeiro encontro nas unidades básicas poderia
transformar todo o percurso e a vivência das mulheres que detectam alguma alteração
na mama ou possibilitar a sua descoberta àquelas que ainda não o identificaram. Apesar
disso, na UMFC ainda não são efetivados as preconizações dos protocolos de
atendimento à neoplasia mamária, como por exemplo, a não realização da anamnese
clínica, do ECM, além de não existência de um encaminhamento padronizado à todos os
profissionais que se deparam com uma usuária que apresente alguma alteração mamária.
Uma das possíveis contribuições desse estudo seria a recomendação da
incorporação da anamnese clínica nas consultas de rotinas, possibilitando aos
profissionais o conhecimento de informações acerca dos antecedentes pessoais e
familiares que serão úteis para garantir a busca ativa da mulher, caso haja necessidade.
Bem como, a adaptação do primeiro capítulo, relacionado às questões mais gerais
98
acerca do câncer de mama, como um guia de orientação para os profissionais,
reconfigurando a linguagem técnica, contextualizando-a de acordo com as demandas
destes.
Nessa perspectiva evidencia-se a importância da exaustiva revisão teórica e
investimento nesse conhecimento desenvolvido em relação ao câncer de mama.
Destaca-se a importância da apropriação dessas informações sobre a doença a fim de
viabilizar um diálogo interdisciplinar com os outros profissionais envolvidos na sua
atenção. Muitas vezes acabamos encerrados apenas nos conhecimentos da nossa área
específica, tornando-se imprescindível o diálogo com outras disciplinas, tais como
biologia, medicina, fisioterapia, enfermagem, nutrição, serviço social possibilitando um
olhar diferencial e integral sobre o fenômeno social em questão.
Destaca-se ainda, sob a égide da Psicologia Social crítica que embasou todo
o percurso da pesquisa, que tenhamos contribuído para a discussão e reflexão crítica
acerca das práticas de intervenção em saúde considerando que estas estão permeadas
pelo contexto histórico, pelas suas relações sociais, culturais, crenças, idéias, valores,
desejos.
Espera-se, então, a partir dos questionamentos e das discussões surgidas
nesse trabalho tenhamos conseguido gerar espaços de reflexão entre os profissionais do
PSF, possibilitando que estes, cientes dessa situação, (re)pensem suas práticas e
encontrem alternativas possíveis para tentar retificar tamanha distorção, propiciando a
melhoria da qualidade dos serviços prestados às usuárias da UMFC e do sistema público
de saúde como um todo. Ressalta-se, ainda, que o conhecimento produzido não está
acabado, mas aberto para ser reescrito, não se constituindo como uma verdade única e
absoluta, mas um olhar, dentre tantos outros possíveis que possibilitará a construção de
novos saberes.
99
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